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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


10ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL

Registro: 2019.0001031507

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação


Criminal nº 0000038-57.2013.8.26.0066, da Comarca de Barretos, em que é
apelante/apelado JOSE ROBERTO DUTRA ROBLES e Apelante LUIZ MACARIO
PINHEIRO COSTA, é apelado/apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
SÃO PAULO.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal


de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Rejeitadas as preliminares,
negaram provimento ao recurso do Ministério Público e deram parcial provimento
ao apelo dos réus a fim de reduzir a pena de Luiz para 01 (um) ano de reclusão,
mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no piso legal, além de afastar a
condenação pela reparação dos danos causados pela infração (CPP, artigo 387,
inciso IV); preservada, no mais, a r. sentença recorrida. V.U.", de conformidade
com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos.


Desembargadores RACHID VAZ DE ALMEIDA (Presidente sem voto), CARLOS
BUENO E FÁBIO GOUVÊA.

São Paulo, 5 de dezembro de 2019

NELSON FONSECA JÚNIOR


RELATOR
Assinatura Eletrônica

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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
10ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL

Apelação c/Revisão nº 0000038-57.2013.8.26.0066


Juízo de origem: 2ª Vara Criminal da Comarca de Barretos - SP
Apelantes/Apelados: Ministério Público do Estado de São Paulo, José
Roberto Dutra Robles e Luiz Macario Pinheiro Costa
Juiz de 1ª Instância: Luciano de Oliveira Silva
Voto nº 12.292

APELAÇÃO CRIMINAL - ESTELIONATO - Preliminares de


nulidade processual - Inocorrência - Corréu não localizado para
ser intimado - Revelia corretamente decretada - Reconhecimento
fotográfico realizado pela vítima na delegacia - Procedimento
que prescinde de prévia formalidade legal e possui plena eficácia
jurídica para legitimar o édito condenatório, quando
corroborado por outros elementos de convicção, como na
hipótese em apreço - Rejeitadas.

APELAÇÃO CRIMINAL - Mérito - Autoria e materialidade do


delito demonstradas, bem como o dolo dos réus - Prova
suficiente para o decreto condenatório - Pena e regime prisional
do réu José Roberto fixados com critério e corretamente - Pena-
base do corréu Luiz que não deve ser elevada, ao contrário do
pretendido no recurso ministerial - Inteligência da Súmula 444
do STJ - Viável, ainda, a mitigação da sua reprimenda na
segunda etapa do cálculo dosimétrico - Impossibilidade de
fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados
pela infração, ante a ausência de pedido expresso na denúncia -
Precedentes deste Tribunal - Recurso ministerial desprovido,
provendo-se parcialmente o dos réus.

Cuidam-se de recursos de apelação da r. sentença de fls.


331/337, cujo relatório se adota, que julgou procedente a ação penal e condenou
o réu José Roberto Dutra Robles como incurso nas penas do artigo 171, caput,
do Código Penal, a cumprir, em regime inicial semiaberto, 01 (um) ano, 04
(quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, mais o pagamento de 12 (doze) dias-
multa, no piso legal; e o corréu Luiz Macario Pinheiro Costa como incurso nas
penas do artigo 171, caput, do Código Penal, a cumprir, em regime inicial aberto,
01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, mais o pagamento de 11 (onze) dias-
multa, no piso legal; tendo-lhe sido substituída a pena privativa de liberdade por
uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade,
pelo mesmo prazo da pena corporal, e 10 (dez) dias-multa, no piso legal; além de

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fixar indenização no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), subtraindo-se o valor


já restituído, em favor da vítima.

Inconformados, o Ministério Público e os réus apelam.

O primeiro busca a elevação da básica de Luiz, a imposição


do regime semiaberto e o afastamento da substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos desse corréu (fls. 347/360).

O corréu Luiz, por sua vez, pleiteia a absolvição por falta de


provas. Sustenta, em síntese, que a condenação violou o disposto no artigo 155
do Código de Processo Penal, e que a confissão obtida na fase extrajudicial
configura prova ilícita (fls. 362/367).

Já o coacusado José Roberto busca, primeiramente, a


nulidade do processo, por cerceamento de defesa, uma vez que não foi intimado
do interrogatório, e que não foi observado o disposto no artigo 226 do Código de
Processo Penal. No mérito, postula a absolvição por insuficiência de provas. De
forma subsidiária, pede a redução da reprimenda imposta, além da fixação do
regime aberto e da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos (fls. 376/402).

Os recursos foram recebidos (fls. 357) e regularmente


contrariados (fls. 368/372, 402/403 e 405/413).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pela


rejeição das preliminares e, no mérito, pelo provimento do apelo ministerial,
desprovendo-se os defensivos (fls. 420/429).

É o relatório.

Inicialmente, insta observar que a preliminar de nulidade

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processual, por cerceamento de defesa, em razão da decretação da revelia de


José Roberto, não merece guarida.

Apesar de regularmente intimado, José Roberto não


compareceu à audiência de instrução e, somente no próprio dia em que ocorreu o
ato, por intermédio de advogado, apresentou justificativa médica acerca de sua
impossibilidade física de comparecimento, que, aliás, já era de conhecimento
prévio (cf. fls. 210/213).

O Magistrado, mesmo assim, deferiu a expedição de carta


precatória para a Comarca de Rio Claro/SP a fim de colher seu interrogatório,
que novamente não ocorreu pela ausência de José Roberto por problemas de
saúde (cf. fls. 264). Expedida nova carta precatória e, não obstante regularmente
intimado, José Roberto alegou, então, mudança de endereço para a Comarca
de Urânia/SP, requerendo o encaminhamento da precatória para essa localidade,
com a designação de nova data, pedido que também foi atendido pelo
Magistrado (cf. fls. 269/270). Contudo, no endereço informado, o Oficial de
Justiça não localizou José Roberto, tendo sua genitora informado que ele tornou
a residir na Comarca de Rio Claro/SP sem saber em qual endereço (cf. fls. 277).

Logo, considerando a prévia determinação do Magistrado de


que, com o retorno das precatórias, deveria ser aberta vista às partes, os autos
foram corretamente encaminhados ao Ministério Público para oferecimento de
memorial (cf. fls. 279/329), porquanto evidente a revelia, não havendo que se
cogitar do alegado cerceamento de defesa.

A segunda preliminar suscitada de inobservância do artigo


226 do Código de Processo Penal também não vinga.

O reconhecimento fotográfico realizado na delegacia, ao


contrário do sustentado pela defesa, além de prescindir de prévia formalidade
legal, tem eficácia jurídica suficiente para legitimar o édito condenatório quando

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apoiado em outros elementos de convicção, como no caso em apreço, em que a


vítima confirmou, sob o crivo do contraditório, ter identificado José Roberto com
segurança na delegacia de polícia e em juízo, além da própria confissão judicial
do corréu Luiz, como se verá adiante.

De outra parte, não há qualquer indício de que a ofendida


teria sido sugestionada por quem quer que seja ao realizar o reconhecimento do
apelante. O que vale é cotejar esse elemento de prova com todo o mais
amealhado aos autos.

Além do mais, ainda que assim não fosse, supostos vícios


presentes durante a fase do inquérito policial, como se sabe, não se projetam
para a ação penal, em razão da sua natureza inquisitiva, sem a necessidade da
observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Afastam-se, pois, as preliminares arguidas.

No mais, somente os recursos dos réus comportam parcial


provimento.

Ficou claro nos autos que, no dia 26 de novembro de 2012,


por volta de 12 horas, na Avenida 17, entre as Ruas 20 e 22, no Centro, na
cidade e Comarca de Barretos/SP, José Roberto, vulgo "Tecão", Luiz e um
terceiro indivíduo de prenome "João" (qualificação ignorada), agindo em concurso
e com unidade de desígnios, obtiveram, para si, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, mantendo a idosa Idalina Pereira Murakami (65 anos) em erro, mediante
ardil ou outro meio fraudulento.

A materialidade do delito está consubstanciada pelo boletim


de ocorrência de fls. 05/09, apreensões descritas a fls. 10 e 12, laudo pericial de
fls. 104/106, além da prova oral coligida.

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A autoria, bem como o elemento subjetivo do tipo,


igualmente, são incontroversos.

Na fase extrajudicial, o coacusado Luiz confessou na íntegra


a prática dos fatos, inclusive delatando o envolvimento de José Roberto, vulgo
"Tecão", proprietário do veículo Honda Civic, preto. Assim, juntamente com
terceiro indivíduo conhecido como "João", afirmou que decidiram praticar o golpe
do "bilhete premiado" em Minas Gerais/MG. Ao passarem por Barretos/SP,
entretanto, "João" abordou a vítima Idalina na via pública, enquanto os demais
permaneceram vigiando à distância. Aquele fingiu ser analfabeto e pediu ajuda
para ler o bilhete; na sequência, foi com a ofendida até uma lotérica para conferir
o resultado, porém a aposta anteriormente feita já tinha os números sorteados,
sendo que o prêmio seria de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

Prossegue Luiz em seu relato, dizendo que, nesse momento,


"Tecão" chegou ao local para ajudar a convencer a vítima, se oferecendo para
cada um entregar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para "João", como medida
de segurança pela confiança neles depositada. Em troca, "Tecão" e a vítima
receberiam R$ 100.000,00 (cem mil reais). Ao interrogado, cabia permanecer de
vigília e, caso algo estranho ocorresse, deveria avisar os comparsas e comunicar
um advogado, se houvesse a prisão.

Na sequência, Luiz informou que foram a uma agência


bancária do Itaú, onde a vítima entrou sozinha e, ao retornar, saiu do local no
Honda Civic de "Tecão" com os comparsas. Luiz encontrou-se na saída da
cidade e recebeu R$ 6.650,00 (seis mil seiscentos e cinquenta reais) pela sua
participação, momento em que descobriu que a vítima havia sacado R$
20.000,00 (vinte mil reais). Foram então embora pela rodovia até Rio Claro/SP e,
como a ofendida havia combinado de dar mais uma quantia em dinheiro,
marcaram novo encontro em frente à lotérica do Rosário, na comarca de
Barretos/SP. No local, ele desembarcou e permaneceu sentado em um banco da
praça de onde observou os dois comparsas manterem contato com a vítima sem

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descer do carro. No entanto, ele percebeu a presença de investigadores nas


proximidades, ligou para "Tecão", que fugiu com o veículo, mas foi abordado
juntamente com "João". O bilhete apreendido seria utilizado em outro golpe, mas
não foi aquele com que enganaram a ofendida. Arrematou, dizendo que o
telefone celular que utilizaram para manter contato também foi apreendido (cf.
interrogatório de fls. 13/15).

A propósito, não prospera a alegação de mácula na confissão


de Luiz. Em relação à ausência de defensor durante a lavratura do auto de prisão
em flagrante delito, explica Guilherme de Souza Nucci: "utiliza o delegado o
mesmo critério do juiz de direito, conforme previsão nos arts. 185 a 196 do
Código de Processo Penal, com as adaptações naturais, uma vez que o
indiciado não é ainda réu em ação penal... Com a edição das Leis
10.792/2003 e 11.900/2009, os arts. 185 a 196 sofreram alterações, embora a
maioria delas somente seja aplicável em juízo, pois concernente à ampla
defesa, que não ocorre na fase inquisitiva. Assim, não é obrigatória a
presença de defensor no interrogatório feito na polícia (art. 185), nem
tampouco há o direito de interferência, a fim de obter esclarecimentos (art.
188). Nesse sentido: TJPR: ApCrim 0634199-9-PR, 3ª C.C., rel. Jefferson
Alberto Johnsson, 20.05.2010, v.u." (cf. Código de Processo Penal Comentado,
13ª ed., Forense, 2014, art. 6º, nº 42, pág. 69/70).

Além do mais, não há obrigatoriedade de ser nomeado


defensor ao acusado, tendo este a disponibilidade de indicar profissional para
acompanhar o ato de formalização da prisão (cf. artigo 306 e § 1º do Código de
Processo Penal), de modo que tal confissão é plenamente válida.

De outro lado, sob o crivo do contraditório, Luiz negou a


prática dos fatos sem, entretanto, trazer justificativa verossímil para súbita
alteração de sua versão. Alegou que confessou na delegacia, pois foi "torturado"
[sic] e que estava na cidade com "Vanderlei" e "João" para comprar uma
camionete, não praticar crimes. José Roberto não estava junto deles. Justificou

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sua ida à lotérica para conferir um jogo da "Mega Sena", mas o bilhete
apreendido em seu poder referia-se ao jogo da "Quina" (cf. mídia digital de fls.
208).

Por sua vez, o réu José Roberto, interrogado apenas em


solo policial, porquanto revel, também negou qualquer envolvimento com o crime
em questão. Disse que estava na cidade de Rio Claro/SP na data dos fatos em
seu estabelecimento comercial. Não conhecia a vítima. Foi proprietário do veículo
Honda Civic, mas o vendeu para pessoa conhecida apenas como Gilberto
Pereira Silva de quem não soube informar o endereço (cf. interrogatório de fls.
64/65).

Sucede, entretanto, que, com exceção da detalhada


confissão extrajudicial de Luiz, as versões apresentadas pelos réus, além de
inconsistentes, não estão em consonância com as demais provas dos autos.

Realmente, a ofendida reconheceu José Roberto pela


fotografia de fls. 68 como a pessoa que se identificou como funcionário do Banco
Itaú e que recebeu a quantia em dinheiro por ela entregue. Já Luiz, apontado na
fotografia de fls. 19, apesar de não ter sido visto por ela no local dos fatos, foi o
responsável por permanecer vigiando, segundo os policiais lhe informaram
posteriormente. No mais, confirmou ter sido abordada por um rapaz (indivíduo
"mais baixo"), que lhe pediu ajuda, alegando que estava com um bilhete
premiado. Nesse momento, surgiu José Roberto (indivíduo "mais alto"), que se
dispôs a ajudar. Todos foram à lotérica e confirmaram que o bilhete era
premiado. Os agentes telefonaram para alguém e lhe mostraram uma gravação
que comprovaria a veracidade do bilhete. Então, ela entregou R$ 20.000,00
(vinte mil reais) em espécie a José Roberto, que repassou ao comparsa.
Somente ao chegar em casa, soube que fora vítima de um golpe e registrou a
ocorrência no manhã seguinte. Esclareceu, por fim, que havia combinado
também de entregar mais R$ 30.000,00 (trinta mil reais) no outro dia (cf. mídia
digital de fls. 208).

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Os investigadores de polícia Júlio César Pezente e Silvio de


Souza Lima Filho, a seu lado, relataram em juízo que a vítima registrou a
ocorrência e que informou que entregaria o restante do dinheiro no dia seguinte.
Dessa maneira, permaneceram em campana no local, ocasião em que viram um
veículo de cor preta, com três ocupantes, passando por diversas vezes. Os
ocupantes do automóvel travaram contato com a ofendida e, no momento em que
acionaram a viatura, iniciou-se a fuga. Efetuaram a abordagem de Luiz, que
estava em atitude suspeita; na delegacia, ele confessou a prática do crime, sendo
apreendido em seu poder cerca de R$ 500,00 (quinhentos reais), que foram
devolvidos à vítima, pois era uma parte do que havia recebido pelo seu
envolvimento. José Roberto, segundo eles, foi qualificado posteriormente e
também reconhecido por ela. Júlio César salientou ainda que o investigador
Cicalé viu Luiz dentro do veículo momentos antes de desembarcar e permanecer
na praça vigiando (cf. mídia digital de fls. 208).

As testemunhas da defesa, por outro lado, apenas teceram


comentários sobre a vida pregressa dos réus e nada souberam informar sobre os
fatos aqui apurados (cf. mídia digital de fls. 243).

Percebe-se, assim, que, a prova dos autos evidenciou, de


maneira segura, que o réu José Roberto, fingindo auxiliar o agente não
identificado ("João"), induziu em erro a vítima, mediante ardil (golpe do "bilhete
premiado"), e, desse modo, obteve vantagem econômica indevida, no valor de
R$ 20.000,00 (vinte mil reais), segundo ela própria informou. Coube ao corréu
Luiz vigiar a ação dos comparsas e avisá-los de eventual intercorrência, o que
somente foi observado pelos investigadores diante de seu comportamento
anormal. O fato de os réus e comparsa terem marcado novo encontro, logo no
dia seguinte, com a ofendida, a fim de obterem mais quantia em espécie, bem
como a apreensão de um bilhete de loteria em poder de Luiz, somente reforça a
configuração do delito em questão.

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É importante frisar que a condenação dos réus se baseou na


prova produzida em contraditório judicial, não se podendo falar em inobservância
do disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal, como argumenta a
defesa.

Correta, em suma, a responsabilização criminal dos


acusados, nos moldes do reconhecido na r. sentença recorrida.

Feitas essas considerações, passa-se à análise das penas.

Em relação ao acusado José Roberto, a básica foi elevada


em 1/6 (um sexto), considerando a sua personalidade voltada à prática de ações
criminais. Com efeito, extrai-se que esse apelante ostenta uma condenação
definitiva (cf. fls. 11 e certidão de fls. 41 do apenso próprio), de forma a justificar a
exasperação diferenciada da pena nessa fase, que fica mantida em 01 (um) ano
e 02 (dois) meses de reclusão, mais o pagamento de 11 (onze) dias-multa, no
piso legal.

No estágio subsequente, pela agravante do artigo 61, inciso


III, alínea "h", do Código Penal, visto que a vítima possuía 65 (sessenta e cinco)
anos de idade, ou seja, era maior de 60 (sessenta) anos, circunstância
expressamente deduzida na inicial (fls. 01D), medida que seria até prescindível
consoante o disposto no artigo 385 do Código de Processo Penal. Assim, bem
justificado o aumento de mais 1/6 (um sexto), resultando, dessa forma, na pena
definitiva para esse acusado de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias
de reclusão, mais o pagamento de 12 (doze) dias-multa, no piso legal, à falta
de outras modificadoras.

O regime inicial semiaberto, estabelecido na origem, merece


ser preservado, único cabível ao caso concreto, tendo em conta o antecedente
criminal de José Roberto, a denotar maior periculosidade, visto que a
condenação anterior e definitiva não foi suficiente para frear seus impulsos

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antissociais, de modo a não autorizar a imposição de regime prisional mais


brando (cf. artigo 33, § 3º, do Código Penal).

Já em relação ao corréu Luiz, a pena-base foi estabelecida


no mínimo legal de 01 (um) ano de reclusão, mais o pagamento de 10 (dez) dias-
multa, no piso legal, aspecto questionado pelo Ministério Público para que seja
elevada em razão da sua conduta social voltada para a prática delitiva.

Todavia, o feito indicado pela acusação (cf. certidões de fls.


23vº e 33 do apenso próprio) refere-se a processo ainda em curso, não podendo
ser considerado como circunstância judicial desfavorável, conforme se verifica,
aliás, do teor da Súmula 444 do STJ. Sendo assim, a básica não comporta a
pretendida alteração.

Na segunda etapa, apesar de concorrerem a agravante do


artigo 61, inciso III, alínea "h", do Código Penal (vítima maior de 60 anos de
idade) e a atenuante relativa à confissão espontânea (cf. artigo 65, III, "d", do
Código Penal e Súmula 545 do STJ), incidiu a exasperação de 1/6 (um sexto) na
pena-base desse corréu. Contudo, referida atenuante, por se relacionar à
personalidade do agente, deve preponderar sobre a agravante em questão (cf.
artigo 67 do Código Penal).

Confira-se, o v. aresto do Col. Superior Tribunal de Justiça:


"Por envolver a personalidade dos agentes, a atenuante da confissão
espontânea é igualmente preponderante e deve ser compensada com a
agravante da reincidência" (HC 288.910/SP, 6ª Turma, Relatora Ministra Maria
Thereza de Assis Moura, j. em 21.10.2014).

Bem por isso, a sanção retorna ao mínimo legal e definitivo


de 01 (um) ano de reclusão, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no
piso legal, à falta de outras modificadoras.

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E, preenchidos os requisitos legais, porque réu primário, e


ausentes circunstâncias judiciais negativas, mantém-se a substituição da
carcerária por uma pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviço
à comunidade, mais 10 (dez) dias-multa, no piso legal; bem como o regime inicial
aberto na hipótese de descumprimento da benesse, de modo que, a meu ver,
também nesse particular, não comporta provimento o apelo ministerial.

Finalmente, insta salientar que a condenação dos acusados a


reparar o dano da ofendida deve ser afastada, visto que a jurisprudência deste
Tribunal tem entendido que, se não há pedido expresso na denúncia de valor
mínimo de indenização, como no caso dos autos, não é devida a reparação dos
danos causados pela infração prevista no artigo 387, inciso IV, do Código de
Processo Penal (cf. Apelação Criminal nº 0006730-04.2006.8.26.0071, Rel. Des.
J. Martins, 15ª Câmara de Direito Criminal, julgada em 15/03/2012).

Ante o exposto, rejeitadas as preliminares, nega-se


provimento ao recurso do Ministério Público e dá-se parcial provimento ao apelo
dos réus a fim de reduzir a pena de Luiz para 01 (um) ano de reclusão, mais o
pagamento de 10 (dez) dias-multa, no piso legal, além de afastar a
condenação pela reparação dos danos causados pela infração (CPP, artigo 387,
inciso IV); preservada, no mais, a r. sentença recorrida.

NELSON FONSECA JÚNIOR


Relator

Apelação Criminal nº 0000038-57.2013.8.26.0066 - Comarca de Barretos 12/12

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