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Proposta

A Sua Excelência o Ministro Gilmar Mendes, Relator da Ação Direta A Defensoria Pública
de Inconstitucionalidade nº 3450. da União propõe seja
julgada procedente a
A Defensoria Pública da União requer a admissão na
qualidade de amicus curiae, bem como apresenta a seguinte ação direta de
manifestação. inconstitucionalidade
para declarar a
Modelo acusatório
Síntese dos argumentos

• A admissão de que o juízo determine de ofício a produção probatória em inconstitucionalidade


processo criminal – como a prevista no artigo 3º da Lei nº 9.296/96 que autoriza
se implemente de ofício interceptação telefônica – está em conflito com a parcial do artigo 3º
Constituição Federal, porque absolutamente incompatível com o sistema
acusatório, no qual os papeis de estado-acusador e estado-julgador são
nitidamente distintos. da Lei nº 9.296/1996,
a fim de lhe excluir a
interpretação que
Garantismo penal permite ao juízo, na
• Permitir ao juízo criminal a produção probatória de ofício para formação da
própria convicção equivale a duplicar no processo penal a figura do estado-
fase de investigação
acusador, ou seja, implantar um modelo de acusação hipersuficiente, o que, por
isso mesmo, se desalinha da teoria garantista idealizada por Luigi Ferrajoli, que criminal, determinar
defende um sistema de poder mínimo estatal e uma técnica de tutela no âmbito
jurídico que, simultaneamente, maximize a guarida da liberdade individual e
minimize a violência pública.
de ofício a
interceptação de
comunicações
Superação do livre convencimento motivado telefônicas.
• O pensamento que estofa aquela previsão legislativa se apoia na ideia do livre
convencimento motivado, instituto em franca superação, porque incompatível
com a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais e com o
modelo acusatório de processo penal constitucional que, além de prestigiar a Sumário
gestão da prova produzida por critérios intersubjetivos, rejeita a ideia de
pronunciamentos judiciais resultantes de atos solitários do juízo que refletem 1. Atendimento aos requisitos
exclusivamente suas próprias convicções.
para admissão como amicus
curiae 2

2. A interceptação telefônica e
Constituição Federal 3
Inspiração inquisitorial
a. A superação do livre
• O artigo 3º da Lei nº 9.296/96 que autoriza se determine de ofício interceptação convencimento motivado 4
telefônica em investigação criminal parece se escorar em pensamento equivalente
ao que animou previsão semelhante no Código de Processo Penal – evitar-se a b. A iniciativa probatória
“precipitada absolvição de acusados”, exatamente como consignado na Exposição
de Motivos – , argumento que não mais se compatibiliza com o processo penal em conflito com a visão
constitucional, de índole acusatória. garantista do Processo Penal 7

c. A inconstitucionalidade
da determinação de ofício da
interceptação telefônica 10

3. A interceptação telefônica
Efeitos práticos da atuação de ofício no Direito Comparado 11
• Pesquisa realizada na Universidade Federal de Minas Gerais constatou que: “[a]
despeito de tradicionalmente se afirmar que a persuasão racional não cria um valor a. A interceptação
prévio para as provas, cuja aferição deve se dar a cada caso concreto mediante a telefônica na Itália 12
livre apreciação do magistrado, os Tribunais tratam tal norma como se esta
colocasse o juiz em um papel ainda mais central no que tange à temática b. O ordenamento alemão
probatória. Não só seria o julgador o destinatário final, mas também, enquanto e a interceptação telefônica 15
sujeito processual responsável por presidir o feito, poderia ele determinar, valendo-
se de sua discricionariedade, quais são as provas adequadas para a formação do c. Portugal e o instituto da
seu próprio convencimento."
interceptação telefônica 16

4. Conclusão 19
1. Atendimento aos requisitos para admissão
como amicus curiae
O tema da decretação de ofício de interceptações
telefônicas dialoga diretamente com a garantia do princípio
constitucional da ampla defesa, o qual figura como um dos
objetivos da própria da Defensoria Pública previstos no artigo 3-A
da Lei Complementar nº 80/94.

A 4ª edição da publicação “Assistência Jurídica


Integral e Gratuita no Brasil: Um Panorama da Atuação da
Defensoria Pública da União”1, elaborada pela Assessoria de
Planejamento, Estratégia e Modernização da Gestão – ASPLAN em
2020, revela que a Defensoria Pública da União (DPU) promoveu
em 2019 1.885.415 atendimentos à população, sendo 93.955 em
matéria criminal, a terceira maior em que atua.

Já em 2020, a atuação da Defensoria Pública da


União em casos criminais alcançou um total de aproximadamente
80 mil demandas2.

Nesse contexto, a DPU atua


insistentemente para o aprimoramento
do sistema criminal brasileiro, atuando em
diversas frentes como no Congresso
Nacional, em que auxilia com notss
técnica, como na discussão do projeto de
lei sobre reconhecimento fotográfico de
suspeitos3; na Corte Interamericana de
Direitos Humanos, na qual questionou a
incompatibilidade entre o crime de
desacato4 e a liberdade de expressão; e
no Poder Judiciário, em que impetrou
diversos habeas corpus trazendo ao foco
1
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. Assistência Jurídica Integral e Gratuita no Brasil: Um Panorama
da Atuação da Defensoria Pública da União. Disponível em:
https://www.dpu.def.br/images/stories/arquivos/PDF/Panorama_atuacao_DPU.pdf.
2
DPU. DPU em números. 2020. Disponível em:
https://www.dpu.def.br/images/home-2021/Portfolio_dpu_em_nmeros.pdf.
3
JORNAL JURID. DPU envia ao Congresso propostas para projeto sobre reco-
nhecimento fotográfico. Disponível: https://www.jornaljurid.com.br/noticias/dpu-
envia-ao-congresso-propostas-para-projeto-sobre-reconhecimento-fotografico.
4
JOTA. CIDH acolhe denúncia da DPU por considerar que crime de desacato
viola direitos. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-
especiais/liberdade-de-expressao/desacato-viola-liberdade-expressao-cidh-
28022022.

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do debate público para as ações penais baseadas na Lei de
Segurança Nacional5.

Cabe ressaltar, por fim, que a presente ADI não


possui amicus curiae registrado nos autos. Assim, a admissão da
Defensoria Pública da União pode pluralizar o debate sobre tema
com potencial de afetar número considerável de demandas.

Ante o exposto, porque tem representatividade para


participar da discussão neste processo, a Defensoria Pública da
União requer a admissão na qualidade de amicus curiae.

2. A interceptação telefônica e Constituição


Federal
A Constituição Federal atribui nota de
fundamentalidade aos direitos à inviolabilidade da intimidade e ao
sigilo das correspondências, relativizando-os, contudo, nos casos
de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que
mediante decreto judicial. 6

A Lei nº 9.296/96, ao regular a interceptação


telefônica, trouxe no artigo 3º a possibilidade de o juízo decretar
de ofício a interceptação telefônica.

Essa regra, todavia, está desalinhada dos princípios


do processo penal constitucional – sobretudo os do devido
processo legal e da garantia de fundamentação das decisões –,
pautado pelo modelo acusatório, consideradas também a visão
garantista que se deve atribuir ao direito penal no Estado
Democrático de Direito, bem como a necessária superação do
modelo do livre convencimento motivado.

5
CONJUR. DPU pede que Supremo tranque inquéritos e ações abertas com base
na LSN. 2021. Disponível: https://www.conjur.com.br/2021-mar-19/dpu-supremo-
tranque-inqueritos-abertos-base-lsn.
6
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pesso-
as, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação;
[...]
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal; (BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasill. 1998. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.)

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a. A superação do livre convencimento
motivado
O livre convencimento motivado é o instituto
segundo o qual, conforme a
doutrina, caberia ao “juiz
apreciar livremente as provas, “A perspectiva do livre
atribuindo-lhes a força e o valor convencimento motivado dá
que entender, guiado apenas excessiva relevância à consciência
pela prudência objetiva e pelo
do juiz, que seria, portanto, a
bom senso, de modo que indique,
na decisão, os motivos que principal responsável por guiá-lo
formaram o seu convencimento.”7 até a solução da causa, ou seja, ‘[...]
os critérios de justiça do julgador é
Esse modelo está
que vão apontar para os fatos
em franco descompasso com o
direito moderno com relevantes à solução do caso
características pós-positivistas, concreto e promover os decotes
notadamente considerada, na necessários no arcabouço
linha da melhor doutrina, a “[...] probatório.’”
instauração do Estado
Democrático de Direito, que
modifica o conceito de processo, não podendo mais ser
compreendido como uma relação jurídica entre as partes, na qual
um excesso de poderes é conferido ao órgão julgador, diante da
justificativa de busca pela justiça e paz social, dentre outros escopos
metajurídicos.”8

A perspectiva do livre convencimento motivado dá


excessiva relevância à consciência do juízo, tornando-a a principal
responsável por guiá-lo até a solução da causa, ou seja, “[...] os
critérios de justiça do julgador é que vão apontar para os fatos
relevantes à solução do caso concreto e promover os decotes
necessários no arcabouço probatório.”9.

7
BULOS, Uadi Lammêgo. O Livre Convencimento do Juiz e as Garantias Consti-
tucionais do Processo Penal. Revista da EMERJ, v. 3, n. 12, 2000, p. 185.
8 8
FREITAS, Gabriela Oliveira. Fundamentação das Decisões e a Superação do
Livre Convencimento Motivado. Rev. de Proc., Jurisdição e Efetiv. da Jus.|e-
ISSN:2525-9814|Brasília|v.2|n.1|p.173-191|Jan/Jun. 2016. p. 180. Disponível em:
https://indexlaw.org/index.php/revistaprocessojurisdicao/article/view/424. Acesso
em: 08 abr. 2022.
9
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões jurisdi-
cionais no direito processual democrático. Belo Horizonte. Mandamentos. 2002.
p. 95.

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Lênio Streck, um “Pesquisa realizada na
dos principais críticos do livre
Universidade Federal de Minas
convencimento motivado, alerta
que “o próprio resultado do Gerais constatou que: “[a] despeito
processo dependerá do que a de tradicionalmente se afirmar que
consciência do juiz indicar, pois a a persuasão racional não cria um
gestão da prova não se dá por valor prévio para as provas, cuja
critérios intersubjetivos,
aferição deve se dar a cada caso
devidamente filtrados pelo devido
processo, e, sim, pelo critério concreto mediante a livre
inquisitivo do julgador. ”10. apreciação do magistrado, os
Tribunais tratam tal norma como
Há, então, um
se esta colocasse o juiz em um papel
alargamento dos poderes do juízo
inconciliável com o papel a ele ainda mais central no que tange à
constitucionalmente atribuído sob temática probatória. Não só seria o
a perspectiva do devido processo julgador o destinatário final, mas
legal, porque, como aponta Yuri também, enquanto sujeito
Alvarenga, “[...] o livre processual responsável por presidir
convencimento motivado como
o feito, poderia ele determinar,
sistema de apreciação de provas
fomenta a perspectiva de absoluta valendo-se de sua
liderança do magistrado no que discricionariedade, quais são as
tange à produção e à análise de provas adequadas para a formação
elementos probatórios, em que as do seu próprio convencimento.”
partes figuram como indivíduos
secundários relegados à tarefa de
fornecer ao julgador o material necessário, a seu próprio critério,
para o julgamento. ”11.

Essa dinâmica produz, na prática, anomalias no


sistema acusatório12. Pesquisa realizada na Universidade Federal de

10
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto–Decido Conforme Minha Consciência? Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 26.
11
DE AQUINO, Yuri Alvarenga M. O sistema do livre convencimento motivado
no processo penal em face do ordenamento constitucional. 2016. P.97. Disponí-
vel em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUBD-AYSNQ5. Acesso em: 12
abr. 2022. p. 97.
12
“[...] sob a égide de um processo penal de traços marcadamente imparcial e
acusatório, é inadmissível que o julgador labore com material que não seja aque-
le decorrente da atividade processual realizada no feito. Ademais, é inegável que
essa atividade processual deve decorrer eminentemente da iniciativa das partes
em razão da inércia característica do poder jurisdicional, que, ao rechaçar uma
atuação proativa do magistrado, impõe que este deva se cingir aos elementos
trazidos pelas partes, sob pena de incorrer no indireto favorecimento a uma
destas. ”.DE AQUINO, Yuri Alvarenga M. O sistema do livre convencimento moti-

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Minas Gerais constatou que: “[a] despeito de tradicionalmente se
afirmar que a persuasão racional não cria um valor prévio para as
provas, cuja aferição deve se dar a cada caso concreto mediante a
livre apreciação do magistrado, os Tribunais tratam tal norma como
se esta colocasse o juiz em um papel ainda mais central no que
tange à temática probatória. Não só seria o julgador o destinatário
final, mas também, enquanto sujeito processual responsável por
presidir o feito, poderia ele determinar, valendo-se de sua
discricionariedade, quais são as provas adequadas para a formação
do seu próprio convencimento. ”13.

É, portanto, bastante evidente a incompatibilidade


entre o sistema do livre convencimento motivado e o dever de
fundamentação das decisões judiciais; porque, como sintetiza a
doutrina, além de abrir espaço para emissão de pronunciamentos
judiciais resultantes de atos solitários do juízo que refletem
exclusivamente suas próprias convicções, estranhos ao processo14,
ele “[...] termina por gerar uma série de incongruências,
obscuridades e arbitrariedades que não se coadunam com o
postulado da segurança jurídica, presente no Estado Democrático de
Direito. Tal situação é, na área processual penal, inadmissível em
razão de se tratar de seara que, por lidar com graves restrições a
bens jurídicos de extrema relevância, não pode admitir a
discricionariedade que tem sido amplamente legitimada na teoria e
na prática.”15

vado no processo penal em face do ordenamento constitucional. p. 73. 2016.


Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUBD-AYSNQ5. Acesso
em: 12 abr. 2022.
13
DE AQUINO, 2016, p. 96.
14
“[...] no Estado Democrático de Direito, não se pode admitir discricionariedade
do magistrado, nem que os provimentos jurisdicionais resultem de ato solitário
do julgador e nem que reflitam as suas próprias convicções, com elementos
estranhos ao debate processual” FREITAS, 2016, p. 185.
15
DE AQUINO, 2016, p. 133.

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O modelo do livre
convencimento motivado deve, “O modelo do livre convencimento
portanto, ser superado porque motivado deve, portanto, ser
conflita com a garantia do dever superado porque conflita com a
de fundamentação das decisões garantia do dever de
judiciais, no que alça o juízo à fundamentação das decisões
posição de controlador dos
judiciais, no que alça o juízo à
sentidos no processo penal,
estimulando assim a emissão de posição de controlador dos sentidos
julgamentos como atos solitários no processo penal, estimulando
do juízo, estofados assim a emissão de julgamentos
exclusivamente por suas próprias como atos solitários do juízo,
convicções – elementos não
estofados exclusivamente por suas
produzidos segundo critérios
intersubjetivos. próprias convicções – elementos
não produzidos segundo critérios
Nessa linha, porque intersubjetivos.”
recorre ao um critério inquisitivo
próprio, afronta igualmente o
modelo acusatório definido pela Constituição Federal, segundo o
qual deve haver clara demarcação entre as atividades das partes e
do juízo, atribuindo-se a elas, com exclusividade, a iniciativa
probatória e a ele a função de laborar somente com o material por
elas produzido, promovendo, assim a gestão da prova por critérios
intersubjetivos.

b. A iniciativa probatória em conflito com


a visão garantista do Processo Penal
Segundo Valine Castaldeli, “[a] teoria garantista
idealizada pelo jurista e filósofo do direito italiano Luigi Ferrajoli, na
sua primeira acepção, corresponde a um modelo de sistema de
estrita legalidade do Estado de Direito. No plano epistemológico,
corresponde a um sistema de poder mínimo estatal. Já no plano
político, concerne a uma técnica de tutela no âmbito jurídico que
visa minimizar a violência pública e maximizar a guarida da
liberdade individual.” 16

16
“[...] para que o marco teórico garantista tenha efeito prático na persecutio cri-
minis brasileira, a leitura dos dispositivos do Código de Processo Penal deve ser
realizada sob a ótica das garantias individuais elencadas na Constituição Federal,
lembrando que a atenção à tipicidade das formas corresponde ao devido processo
legal e, sobretudo, a cláusula pétrea do artigo 5º, inciso LV, da Constituição, ga-
rante a “ampla defesa” e não a ampla acusação. ”.SILVA, Valine Castaldelli; DE

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Citando Ferrajoli
“Segundo Valine Castaldeli, “[a]
ela conclui que “[...] o problema
do garantismo é elaborar técnicas
teoria garantista idealizada pelo
(que correspondem aos limites, jurista e filósofo do direito italiano
garantias ou condições de Luigi Ferrajoli, na sua primeira
legitimidade do poder judicial) no acepção, corresponde a um modelo
plano teórico, torná-las de sistema de estrita legalidade do
vinculantes no plano normativo e
Estado de Direito. No plano
assegurar sua efetividade no
plano prático. Enfim, somente um epistemológico, corresponde a um
direito processual fundamentado sistema de poder mínimo estatal. Já
nos direitos do indivíduo e que no plano político, concerne a uma
minimize a discricionariedade técnica de tutela no âmbito jurídico
estatal no ius persequendi poderá
que visa minimizar a violência
oferecer um sólido alicerce à
independência dos magistrados e
pública e maximizar a guarida da
seu papel no controle de abusos liberdade individual.”
de poder no conflito ius puniendi
versus ius libertatis.”17

O poder do juízo, portanto, sob a óptica garantista


de processo penal, deve ser excepcional, notadamente no que se
refere à produção de prova, cujo ônus é assimétrico. Gustavo
Badaró aponta que “[n]o campo de produção da prova, há vários
limites no que diz respeito à produção de provas decorrente de
fontes pessoais, visando preservar o contraditório e a imediação. Já
a necessidade de preservação da imparcialidade do julgador, justifica
restrições aos poderes instrutórios do juiz, que deve ser subsidiário e
excepcional.”18

Nesse contexto, no modelo de processo penal em


que é anomalamente atribuída iniciativa probatória ao juízo, “[o]
magistrado, ao utilizar de sua iniciativa probatória para reforçar o
papel que cabe ao órgão acusador para evitar a absolvição do
acusado, assume uma atitude de ‘jogador’ no processo e não a de
julgador, ganhando ares de inquisitório um processo no qual a

PAULO, Alexandre Ribas. Uma Visão Garantista sobre Prova Penal Produzida de
Ofício pelo Magistrado Frente ao Processo Penal Constitucional. Revista Jurídica
CESUMAR, v. 19 n. 1 (2019): jan./abr. pp. 189-190. Disponível em:
https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/6868.
Acesso em 01 abr. 2022.
17
SILVA, 2019, p. 181.
18
BADARÓ, 2016, p.6.

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doutrina processual penal brasileira se esforça em salientar que é
um sistema processual acusatório.”19

É importante apontar que já se havia identificado o


descompasso entre a ordem constitucional e o Código de Processo
Penal ao prever que “[...] ao juiz é
facultada a produção probatória
“Permitir ao juízo criminal a
de ofício, justamente para evitar –
conforme a exposição de motivos
produção probatória de ofício para
– a precipitada absolvição dos formação da própria convicção
acusados.”20. Esse modelo cria um equivale a duplicar no processo
estado hipersuficiente que opõe penal a figura do estado-acusador,
às pessoas acusada três ou seja, implantar um modelo de
adversários: além do Ministério
acusação hipersuficiente, o que, por
Público e da Polícia Judiciária, o
juízo que opera na produção de isso mesmo, se desalinha da teoria
provas para o próprio garantista idealizada por Luigi
convencimento, visando a evitar a Ferrajoli, que defende um sistema
absolvição do acusado, em franco de poder mínimo estatal e uma
conflito com o modelo acusatório
técnica de tutela no âmbito jurídico
previsto na Constituição
Federal”21. que, simultaneamente, maximize a
guarida da liberdade individual e
Permitir ao juízo minimize a violência pública, bem
criminal a produção probatória
como um modelo de sistema de
de ofício para formação da
própria convicção equivale a
estrita legalidade do Estado de
duplicar no processo penal a Direito.”
figura do estado-acusador, ou
seja, implantar um modelo de acusação hipersuficiente, o que, por
isso mesmo, se desalinha da teoria garantista idealizada por Luigi
Ferrajoli, que defende um sistema de poder mínimo estatal e uma
técnica de tutela no âmbito jurídico que, simultaneamente,
maximize a guarida da liberdade individual e minimize a violência
pública, bem como um modelo de sistema de estrita legalidade do
Estado de Direito.

19
SILVA, 2019, p. 190.
20
SILVA, 2019, p. 191.
21
“A CF de 1988, com clareza até então nunca vista em sede constitucional, fixou
parâmetros do processo (modelo) acusatório no Brasil, estatuindo que as fun-
ções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais incumbem às polícias
civis e à federal (e inclusive à militar, no que diz respeito aos crimes militares) –
art. 144 e parágrafos – e que a tarefa de acusar, nos crimes de ação pública, é
privativa do MP (art. 129).” GOMES, Luiz Flávio. Interceptação Telefônica “de
Ofício”: Inconstitucionalidade. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal,
Porto Alegre, v. 08, n. 45, p. 14 ago./set. 2007.

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c. A inconstitucionalidade da
determinação de ofício da
interceptação telefônica
A admissão de que o juízo determine de ofício a
produção probatória em processo criminal – como a prevista no
artigo 3º da Lei nº 9.296/96 que autoriza se implemente de ofício
interceptação telefônica – está em conflito com a Constituição
Federal, porque absolutamente incompatível com o sistema
acusatório, no qual os papeis de estado-acusador e estado-
julgador são nitidamente distintos.

O pensamento que estofa aquela previsão legislativa


se apoia na ideia do livre convencimento motivado, instituto em
franca superação, considerada a incompatibilidade com o modelo
acusatório de processo penal que, além de prestigiar a gestão da
prova produzida por critérios intersubjetivos, rejeita a ideia de
pronunciamentos judiciais resultantes de atos solitários do juízo
que refletem exclusivamente suas próprias convicções, estranhos
ao processo.

Por outro lado, a ideia em que se estrutura o


preceito, no que duplica e agiganta o papel do estado-acusador
dentro do processo, tampouco se alinha ao garantismo penal, que
defende um sistema de poder mínimo estatal e uma técnica de
tutela no âmbito jurídico que, simultaneamente, maximize a
guarida da liberdade individual e minimize a violência pública
contra o indivíduo.

O artigo 3º da Lei nº 9.296/96 que autoriza se


determine de ofício de interceptação telefônica em investigação
criminal parece se escorar em pensamento equivalente ao que
animou previsão semelhante no Código de Processo Penal – evitar-
se a “precipitada absolvição de acusados”, exatamente como
consignado na Exposição de Motivos – , argumento que não mais
se compatibiliza com o processo penal constitucional, de índole
acusatória.

Segundo Luiz Flávio Gomes, “[t]omar a iniciativa da


prova ‘compromete psicologicamente o juiz e sua imparcialidade’. O
juiz não pode ter ideias pré-concebidas sobre o que vai decidir. O
legislador pôs em xeque o princípio da ação ou do ne procedat iudex
ex officio. Confundiram a figura do juiz com a de um investigador

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policial.”22 Ele conclui que “[...] para além de violar a CF brasileira,
que não lhe outorgou esse mister, estaria relevando afrontoso
comprometimento psicológico com a causa, de tal modo a subtrair-
lhe a imparcialidade, que é uma das mais expressivas garantias
inerentes ao devido processo legal.”23.

A Constituição Federal não atribui ao juízo


competência para tomar iniciativa probatória; ao contrário, institui
um órgão com a específica prerrogativa de promover a acusação; a
atuação do juízo no campo investigativo deve ocorrer somente
mediante determinação do meio de obtenção de prova por
requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público órgão
detentor do opinio delicti.24.

Assim, porque viola o devido processo legal e o


modelo acusatório de processo penal delineado na Constituição
Federal deve ser declarada a inconstitucionalidade parcial do artigo
3º da Lei nº 9.296/96.

3. A interceptação telefônica no Direito


Comparado
A interceptação telefônica é instrumento moderno de
investigação presente em diversos ordenamentos jurídicos
estrangeiros. O Direito Comparado, na teoria de Carlos Almeida
quanto à sua função relativa ao direito nacional, pode levar ao
“melhor conhecimento do sistema jurídico e seus institutos,
propiciando pela evidência das originalidades ou de características

22
GOMES, 2007, p. 18.
23
GOMES, 2007, p. 19.
24
“Dentre as atribuições e as competências do juiz, fixadas pela Carta Magna,
em nenhum momento vislumbra-se a de tomar a iniciativa de provas, particu-
larmente “fora” do devido processo legal. Juiz e devido processo legal são dois
conceitos inseparáveis. Se ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal, especialmente “fora” desse processo, muitas vezes
sem nenhuma justa causa, resultam duas consequências inafastáveis: está sendo
violado o inciso LIV do art. 5º da CF (que cuida do devido processo legal), e a
prova colhida está sendo obtida por “meio ilícito” (mais precisamente, por meio
ilegítimo), sendo, destarte, inadmissível (art. 5º, LVI). Toda prova que possa ofen-
der a privacidade protegida pela CF só pode ser deferida por juiz, desde que
constatada a justa causa. É evidente que essa ordem não pode ser quebrada
para permitir que o juiz vá em busca dessa justa causa.” GOMES, Luiz Flávio.
Interceptação Telefônica “de Ofício”: Inconstitucionalidade. Revista IOB de Direito
Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 08, n. 45, p. 15, ago./set. 2007.

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afins a outros sistemas.”25. O Direito Comparado, portanto, é capaz
de auxiliar na construção do direito pátrio por meio do estudo da
aplicação de institutos equivalente em outros ordenamentos jurídicos.

De forma a melhor compreender como o instituto da


interceptação telefônica é abordado em outros países, com especial
olhar para os legitimados a sua requisição e a possibilidade ou não
de sua decretação de ofício, serão analisados os ordenamentos da
Itália (a), Alemanha (b), Portugal (c) e Chile (d).

a. A interceptação telefônica na Itália


O ordenamento jurídico italiano possui dois institutos
que se assemelham: a interceptação telefônica, prevista no Capítulo
IV, artigos 266 e seguintes; e a apreensão de dados de TI de
provedores de serviços de TI, telemática e telecomunicações26.

Ambos têm o condão de obter informações por


meio das telecomunicações, entretanto, pela semelhança na
nomenclatura e nas características iremos nos ater à interceptação
telefônica prevista nos artigos 266 e seguintes. A primeira
característica desse instituto dentro do sistema italiano é que
somente é possível requerer tal medida dentro de um rol fechado
de crimes previsto no inciso 1º do artigo 26627. Enquanto isso, no

25
DE ALMEIDA, Carlos Ferreira. Introdução ao Direito Comparado. 2ª edição.
Editora: Livraria Almedina. Coimbra, 1994, p. 13.
26
Art. 254-bis.
Apreensão de dados de TI de provedores de serviços de TI, telemática e teleco-
municações. (1)
1. A autoridade judiciária, ao ordenar a apreensão, aos fornecedores de serviços
informáticos, telemáticos ou de telecomunicações, dos dados por eles detidos,
incluindo dados de tráfego ou localização, pode estabelecer, para necessidades
relacionadas com a prestação regular dos mesmos serviços, que a sua aquisição
se faça através de cópia dos mesmos em suporte adequado, com procedimento
que assegure a conformidade dos dados adquiridos com os originais e a sua
imutabilidade. Neste caso, no entanto, o provedor de serviços é obrigado a pre-
servar e proteger adequadamente os dados originais. tradução livre. (ITALIA.
Codice di Procedura Penale. 2022. Disponível em:
https://www.altalex.com/documents/news/2014/03/26/mezzi-di-ricerca-della-
prova.)
27
Art. 266.
Limites de elegibilidade. (1)
1. A intercepção de conversas ou comunicações telefónicas e outras for-
mas de telecomunicações é permitida nos processos relativos aos se-
guintes crimes:

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Brasil tal medida é permitida a todos os delitos que sejam puníveis
com reclusão de forma bem mais ampla do que a prevista no
ordenamento italiano. Tal fato evidencia que o direito à intimidade
e à privacidade sofrem menor relativização na Itália do que ocorre
no Brasil, visto que a amplitude do escopo de utilização das
interceptações telefônicas no estrangeiro é mais restrita do que na
lei pátria.

Mais ainda, o ordenamento italiano prevê


expressamente que para que a interceptação telefônica ocorra, esta
deve requisitada pelo Ministério Público ao magistrado. Senão
vejamos:

Art. 267 Premissas e formas da medida. (1) 1. O Ministério


Público pede ao juiz as diligências de instrução para autorização
para ordenar as operações previstas no art. Art. 266. A
autorização é dada por decreto fundamentado quando há
indícios graves de crime e a interceptação é absolutamente
essencial para o prosseguimento da investigação. O decreto que
autoriza a interceptação entre os presentes por meio da inserção
de um sensor de computador em um dispositivo eletrônico
portátil indica as razões específicas que tornam esse
procedimento necessário para a realização das investigações;
bem como, se proceder por crimes diversos dos referidos no
artigo 51.º, n.ºs 3-bis e 3.º, e dos crimes de funcionários públicos
ou encarregados de um serviço público contra a administração
pública para os quais a pena de prisão não inferior a cinco anos,
determinados nos termos do artigo 4.º, os locais e horas, ainda

a) Os crimes não culpáveis para os quais esteja prevista a pena de prisão


perpétua ou de prisão superior a cinco anos, determinada nos termos
do artigo 4.º;
b) os crimes contra a administração pública para os quais se preveja pe-
na de prisão não inferior a cinco anos determinada nos termos do artigo
4.º;
c) crimes relativos a estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
d) crimes relativos a armas e substâncias explosivas;
e) crimes de contrabando;
f) crimes de injúria, ameaça, usura, atividade financeira abusiva, abuso
de informação privilegiada, manipulação de mercado, assédio ou per-
turbação de pessoas por telefone;
f-bis) os crimes previstos no artigo 600-ter, § 3º, do código penal, ainda
que relativos a material pornográfico referido no artigo 600-quater.1 do
mesmo código, bem como no art. 609-undecies;
f-ter) crimes previstos nos artigos 444, 473, 474, 515, 516, 517-quatro e
633, parágrafo segundo, do código penal;
f-quater) crime previsto no artigo 612-bis do código penal;
f-quinquies) crimes cometidos no uso das condições previstas no artigo
416-bis do código penal ou para facilitar as atividades das associações
previstas no mesmo artigo. (ITALIA, 2022)

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que indiretamente determinados, em relação aos quais é
permitida a ativação do microfone.28

Não há, portanto, a possibilidade de determinação


da interceptação telefônica de ofício por parte do juízo, visto que
tal medida feriria o sistema acusatório e o devido processo legal.

Sendo o Ministério Público o titular da ação penal


por excelência, o sistema italiano prevê que em casos
excepcionalíssimos de urgência caracterizada pela possibilidade de
perda de informações essenciais ao processo pode o Ministério
Público determinar, por despacho fundamentado, a interceptação
telefônica e comunicar o juiz para a sua validação posteriormente
no artigo 267, 229.

Assim, o poder de ofício de determinar a


interceptação telefônica pertence ao Ministério Público e não ao
magistrado que deve ser o mais imparcial possível no processo
penal. Dado que o juiz é o guardião da legalidade do
procedimento e, portanto, este deve homologar ou validar o
despacho exarado pelo membro do Ministério Público em até 48h
observa-se respeitada a autoridade do magistrado dentro do
processo penal italiano.

28
No original: “Art. 267.
Presupposti e forme del provvedimento. (1)
1. Il pubblico ministero richiede al giudice per le indagini preliminari l'auto-
rizzazione a disporre le operazioni previste dall'art. 266. L'autorizzazione
è data con decreto motivato quando vi sono gravi indizi di reato e l'in-
tercettazione è assolutamente indispensabile ai fini della prosecuzione
delle indagini. Il decreto che autorizza l'intercettazione tra presenti me-
diante inserimento di captatore informatico su dispositivo elettronico
portatile indica le specifiche ragioni che rendono necessaria tale moda-
lità per lo svolgimento delle indagini; nonché, se si procede per delitti
diversi da quelli di cui all'articolo 51, commi 3-bis e 3-quater, e dai delitti
dei pubblici ufficiali o degli incaricati di pubblico servizio contro la pub-
blica amministrazione per i quali è prevista la pena della reclusione non
inferiore nel massimo a cinque anni, determinata a norma dell'articolo 4,
i luoghi e il tempo, anche indirettamente determinati, in relazione ai
quali è consentita l'attivazione del microfono.” (ITALIA, 2022)
29
“2. Em casos de urgência, havendo fundadas razões para crer que o atraso
possa causar graves prejuízos às investigações, o Ministério Público ordena a
intercepção com despacho fundamentado, que deve ser comunicado de imedia-
to e em qualquer caso o mais tardar vinte e quatro horas ao juiz indicado na
vírgula 1. O juiz, no prazo de quarenta e oito horas a contar da prestação, deli-
bera sobre a homologação com decreto motivado. Se o decreto do Ministério
Público não for validado no prazo estabelecido, a intercepção não poderá pros-
seguir e os resultados da mesma não poderão ser utilizados. ” Tradução livre.
(ITALIA, 2022)

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b. O ordenamento alemão e a
interceptação telefônica
Na Alemanha, a interceptação telefônica, prevista na
30
Seção 100a como vigilância das telecomunicações, só pode ser
ordenada pelo juízo mediante pedido do Ministério Público. Assim
como no ordenamento italiano, não há previsão da possibilidade
de determinação de ofício da interceptação telefônica. A lei versa
na seção 100e o que segue:

Seção 100e Procedimento para medidas sob as Seções 100a a


100c

(1) As medidas previstas no artigo 100.º-A só podem ser


ordenadas pelo tribunal a pedido do Ministério Público. Em caso
de perigo iminente, a ordem também pode ser emitida pelo
Ministério Público. Se o despacho do Ministério Público não for
confirmado pelo tribunal no prazo de três dias úteis, caduca. O
pedido deve ser limitado a um máximo de três meses. É
permitida uma prorrogação não superior a três meses, desde que
continuem a existir os requisitos do despacho, tendo em conta os
resultados da investigação obtidos.

(2) As medidas nos termos dos Artigos 100b e 100c só podem ser
ordenadas a pedido do Ministério Público pela câmara do
tribunal regional referida no Artigo 74a (4) da Lei de Constituição
dos Tribunais em cujo distrito o Ministério Público tenha sua
sede. Em caso de perigo iminente, esta ordem também pode ser
feita pelo presidente. O seu despacho torna-se ineficaz se não for
confirmado pelo Tribunal Criminal no prazo de três dias úteis. A
encomenda deve ser limitada a um máximo de um mês. É
permitida uma prorrogação não superior a um mês, desde que
os requisitos continuem a existir, tendo em conta os resultados
da investigação obtidos. Se a duração da ordem for estendida
para um total de seis meses, o Tribunal Regional Superior decide
sobre novas prorrogações.31

30
“Seção 100a Vigilância de Telecomunicações
(1) As telecomunicações podem ser monitoradas e gravadas mesmo sem o co-
nhecimento dos afetados se
1. determinados factos justificam a suspeita de que alguém tenha cometido a
infracção grave referida no n.º 2 como autor ou participante, nos casos em que a
tentativa seja punível, tentada ou preparada com a prática de infracção penal,
2. o ato pesa muito no caso individual e
3. investigar os fatos ou determinar o paradeiro do acusado seria significativa-
mente mais difícil ou sem esperança de qualquer outra forma.” Tradução Livre.
(ALEMANHA, Strafprozeßordnung (StPO). Disponível em: https://www.gesetze-
im-internet.de/stpo/BJNR006290950.html#BJNR006290950BJNG000904311.)
31
No original: “§ 100e Verfahren bei Maßnahmen nach den §§ 100a bis 100c

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A iniciativa de requerer a interceptação, portanto,
cabe ao Ministério Público; ao juízo resta a competência para
autorizar ou não a realização da interceptação telefônica. Dessa
forma, o sistema alemão consagra a separação entre a figura do
acusador e julgador dentro do processo penal.

Importante destacar, que existem certas espécies de


intervenções que o Código alemão prevê a necessidade de análise
não pelo juízo singular, mas sim pelo Tribunal. Como por exemplo:
as intervenções em sistemas informáticos, recolhimento dos dados
de pesquisa online e a vigilância acústica de uma residência. Tal
mecanismo apresenta uma gradação dos requisitos para a
decretação de medidas de intervenção e extração de informações,
visto que nos tribunais a decisão deve ser colegiada. Semelhante
gradação não existe no sistema brasileiro, mesmo porque a
legislação que prevê a interceptação telefônica data da década de
90 e é notória a evolução tecnológica ocorrida desde sua
promulgação até os dias atuais.

c. Portugal e o instituto da interceptação


telefônica

(1) Maßnahmen nach § 100a dürfen nur auf Antrag der Staatsanwaltschaft
durch das Gericht angeordnet werden. Bei Gefahr im Verzug kann die Anord-
nung auch durch die Staatsanwaltschaft getroffen werden. Soweit die Anordnung
der Staatsanwaltschaft nicht binnen drei Werktagen von dem Gericht bestätigt
wird, tritt sie außer Kraft. Die Anordnung ist auf höchstens drei Monate zu befris-
ten. Eine Verlängerung um jeweils nicht mehr als drei Monate ist zulässig, soweit
die Voraussetzungen der Anordnung unter Berücksichtigung der gewonnenen
Ermittlungsergebnisse fortbestehen.
(2) Maßnahmen nach den §§ 100b und 100c dürfen nur auf Antrag der
Staatsanwaltschaft durch die in § 74a Absatz 4 des Gerichtsverfassungsgesetzes
genannte Kammer des Landgerichts angeordnet werden, in dessen Bezirk die
Staatsanwaltschaft ihren Sitz hat. Bei Gefahr im Verzug kann diese Anordnung
auch durch den Vorsitzenden getroffen werden. Dessen Anordnung tritt außer
Kraft, wenn sie nicht binnen drei Werktagen von der Strafkammer bestätigt wird.
Die Anordnung ist auf höchstens einen Monat zu befristen. Eine Verlängerung
um jeweils nicht mehr als einen Monat ist zulässig, soweit die Voraussetzungen
unter Berücksichtigung der gewonnenen Ermittlungsergebnisse fortbestehen. Ist
die Dauer der Anordnung auf insgesamt sechs Monate verlängert worden, so
entscheidet über weitere Verlängerungen das Oberlandesgericht. ”. Tradução
livre (ALEMANHA. Strafprozeßordnung (StPO). Disponível em:
https://www.gesetze-im-
internet.de/stpo/BJNR006290950.html#BJNR006290950BJNG000904311.)

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O Código de Processo Penal português, datado de
1987, já possuía a previsão das chamadas escutas telefônicas. Em
2007 o Código foi reformado e a redação passou a ser a seguinte:

Artigo 187.º
1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações
telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se
houver razões para crer que a diligência é indispensável para a
descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma,
impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado
do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério
Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3
anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada
e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através
de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de
sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum
dos crimes previstos nas alíneas anteriores.32
Percebe-se que a legislação portuguesa enumerou
um rol taxativo de crimes que permitem o uso da interceptação
telefônica durante a fase de inquérito33, bem como que tal medida
é necessária para salvaguardar o direito à intimidade 34 e ao sigilo
das comunicações35 previstos na Constituição Portuguesa.

32
PORTUGAL. Decreto-Lei n.º 78/87. Código de Processo Penal. Disponível em:
https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/decreto-lei/1987-34570075-50532175.
33
“O legislador considerou que o recurso às intercepções telefónicas ocorre na
investigação dos crimes denominados “mais graves” ou naqueles que, não se
revestindo dessa gravidade, estão directamente ligados aos meios de comunica-
ção, sendo que todos se encontram enumerados taxativamente no n.º 1 do art.º
187.º do CPP [...]” (DA SILVA, Maria Helena H. Pedrodo. Escutas telefónicas: as-
pectos essenciais na sua aplicação prática. 2013. p. 28. Disponível em:
https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/398/1/Relat%C3%B3rio%20Maria%20He
lena%20Pedroso%20Silva%20UAL%20entregue.pdf.)
34
“Artigo 26.º
Outros direitos pessoais
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento
da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à
imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à prote-
ção legal contra quaisquer formas de discriminação. ”. (PORTUGAL. Constituição
da República Portuguesa. 2005. Disponível em:
https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.
aspx.)
35
“Artigo 34.º
Inviolabilidade do domicílio e da correspondência

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Mais ainda, a legislação portuguesa define “que as
escutas telefónicas apenas sejam autorizadas em ultima ratio, ou
seja, nos casos em que a prova não é possível através de outros
meios menos gravosos, reforçando a utilização dos princípios da
necessidade e adequação, e diminuindo a utilização deste meio nos
casos em que for possível recolher prova de outra forma. ”36.

Cabe ressaltar, ainda, que a reforma promovida em


2007 condicionou a decretação de interceptação telefônica ao
requerimento do Ministério Público, titular da ação penal. Todas as
medidas aqui apresentadas no ordenamento português apontam
para a possibilidade de se compatibilizar o respeito aos direitos
fundamentais com a persecução penal de crimes com o uso da
tecnologia no século XXI. assim, o ordenamento brasileiro pode se
adaptar e continuar utilizando o instrumento das interceptações
telefônicas por meio do requerimento do Ministério Público sem
maiores prejuízos para a persecução penal moderna.

d. A interceptação telefônica no
ordenamento chileno
O Código Processual Penal chileno prevê em seu artigo
222 a necessidade de requerimento do Ministério Público para a
decretação de interceptação telefônica.

Artigo 222.
Interceptação de comunicações telefônicas. Quando existam
fundadas suspeitas, com base em certos fatos, de que uma
pessoa tenha cometido ou participado na preparação ou
comissão, ou que esteja atualmente a preparar a prática ou
participação em ato punível que mereça um crime, e a
investigação torna imprescindível, o juiz de garantia, a
pedido do ministério público, poderá ordenar a
interceptação e gravação de suas comunicações telefônicas
ou outras formas de telecomunicação.37

[...]
4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas
telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos
na lei em matéria de processo criminal. ” (PORTUGAL. Constituição da República
Portuguesa. 2005. Disponível em:
https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.
aspx.)
36
DA SILVA, 20013, p. 21.
37
No original: “Artículo 222.
Interceptación de comunicaciones telefónicas. Cuando existieren fundadas sos-
pechas, basadas en hechos determinados, de que una persona hubiere cometido

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A legislação chilena, portanto, tampouco permite a
decretação de ofício por parte do magistrado da interceptação
telefônica. Assim como os demais ordenamentos aqui destacados, o
Chile prevê ao titular da ação penal, Ministério Público, o poder de
requerer ou não a instauração da medida. Ao juiz, que deve ser o
mais imparcial possível, cabe a análise jurídica dos requisitos para tal
medida e a sua homologação ou não. Não cabe ao magistrado dar o
impulso inicial para que seja realizada a interceptação telefônica pois
tal disciplina violaria o devido processo legal e a imparcialidade do
juízo.

Assim, é possível perceber no Chile é vedada a


possibilidade de decretação de ofício das interceptações telefônicas
pela magistratura, e mais, há a obrigatoriedade do requerimento do
Ministério Público para a instauração dessas medidas em claro
respeito aos direitos fundamentais dos seus cidadãos.

4. Conclusão
A Defensoria Pública da União propõe, portanto, seja
julgada procedente a ação direta de inconstitucionalidade para
declarar a inconstitucionalidade parcial do artigo 3º da Lei nº
9.296/1996, a fim de lhe excluir a interpretação que permite ao
juízo, na fase de investigação criminal, determinar de ofício a
interceptação de comunicações telefônicas.

Brasília, 6 de maio de 2022.

Dr. Bruno Vinicius Batista Arruda

Defensor Público Federal

o participado en la preparación o comisión, o que ella preparare actualmente la


comisión o participación en un hecho punible que mereciere pena de crimen, y
la investigación lo hiciere imprescindible, el juez de garantía, a petición del minis-
terio público, podrá ordenar la interceptación y grabación de sus comunicacio-
nes telefónicas o de otras formas de telecomunicación.” Tradução livre. (CHILE.
Ley 19696, 29 de Septriembre de 2000. Código Procesal Penal. Disponível:
https://leyes-cl.com/codigo_procesal_penal/222.htm.)

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