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Autos nº. 5242463-12.2023.8.09.

0047

DECISÃO

I – DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
Compulsando os autos, não verifico irregularidades formais
a serem sanadas, estando presentes os pressupostos processuais e as
condições para o exercício da ação penal, pois a inicial acusatória descreve
a prática de fato aparentemente criminoso (fumus comissi delicti), há
punibilidade concreta, as partes estão legitimadas a agir na relação jurídica
processual penal e há justa causa para a persecução penal.

Não vislumbro, pois, a ocorrência de qualquer hipótese de


rejeição liminar da denúncia (art. 395 do Código de Processo Penal).
Razão pela qual o recebimento da denúncia é medida que
se impõe.
II – DA QUEBRA DO SIGILO DOS DADOS TELEMÁTICOS
Trata-se, ainda, de requerimento formulado pela
representante do Ministério Público, requerendo autorização para a
quebra do sigilo dos dados do aparelho celular apreendido (Auto de
Exibição e Apreensão, evento 01, fl. 22, PDF).
A possibilidade de se afastar o sigilo dos dados contidos em
aparelho telefônico encontra fundamento constitucional no art. 5º, incisos
X e XII, da Constituição Federal. A inviolabilidade depende, todavia, de
ordem judicial.
A situação em tela não se confunde com o meio de
obtenção de prova conhecido como interceptação telefônica. O pleito
ministerial se limita a acessar os dados armazenados no aparelho celular
apreendido na ocasião do flagrante. Apesar da diferença, o pleito
ministerial demanda, igualmente, autorização judicial.
O e. Superior Tribunal de Justiça já esclareceu que a Lei nº
9.296, de 24 de julho de 1996, que trata da interceptação telefônica, não
se aplica aos pedidos de acesso aos dados armazenados em aparelhos de
telefonia, note:
I- O sigilo a que se refere o art. 5º, XII, da Constituição da

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República é em relação à interceptação telefônica ou
telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de
dados, e não dos dados em si mesmos. Desta forma, a
obtenção do conteúdo de conversas e mensagens
armazenadas em aparelho de telefone celular ou
smartphones não se subordina aos ditames da Lei n.
9.296/96.
II- Contudo, os dados armazenados nos aparelhos celulares
decorrentes de envio ou recebimento de dados via
mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de
mensagens (dentre eles o "WhatsApp"), ou mesmo por
correio eletrônico, dizem respeito à intimidade e à vida
privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, no
termos do art. 5°, X, da Constituição Federal.
Assim, somente podem ser acessados e utilizados mediante
prévia autorização judicial, nos termos do art. 3° da Lei n.
9.472/97 e do art. 7° da Lei n. 12.965/14.
III- A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção
deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a
prova obtida diretamente dos dados constantes de
aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS,
conversas por meio de programa ou aplicativos
("WhatsApp"), mensagens enviadas ou recebidas por meio
de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no
momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para
análise dos dados armazenados no telefone móvel. (RHC
77.232/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
julgado em 03/10/2017, DJe 16/10/2017).
Neste contexto, a Lei nº 9.472/97 (Lei das
Telecomunicações) prescreve:
Art. 3º O usuário de serviços de telecomunicações tem
direito: (...)
V - à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo
nas hipóteses e condições constitucional e legalmente
previstas;
Ao caso, também deve ser aplicada a Lei nº 12.965/2014,
conhecida como Marco Civil da Internet, que prevê o seguinte:
Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da
cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes

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direitos:
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua
proteção e indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações
pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas
armazenadas, salvo por ordem judicial; (…)
No caso, a medida requerida pelo Parquet visa a trazer
novos elementos às investigações realizadas pela Autoridade Policial,
havendo a necessidade de se verificar a extensão da prática delituosa, o
que, consequentemente, acarretará na valoração da dimensão e
repressão da conduta individual, além da possibilidade de serem
identificados novas informações.
Considerando que os fatos investigados constituem crime,
em tese, com indício de autoria, o requerimento merece ser deferido.
Evidencie-se que a quebra de sigilo telefônico só deve ser
decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando
existentes fundados elementos de suspeita que se apoiem em indícios
idôneos, reveladores da possível autoria da prática delituosa por parte
daquele que sofre a investigação.
Vale ressaltar que a proteção ao sigilo telefônico não
consubstancia um direito absoluto, dando abertura quando presentes
circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior.
Induvidosamente, a providência ora pleiteada é
indispensável para as investigações e poderão possibilitar a colheita de
provas diversas e a identificação de eventuais novos autores ou partícipes.
Desta forma, estão presentes os pressupostos da
razoabilidade, oportunidade e necessidade da quebra do sigilo dos dados
contidos no aparelho telefônico apreendido na ocasião do flagrante.
III – DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
Oportunamente, passa-se à análise de requerimento
formulado pela defesa do réu LUCIANO LUIZ SANTOS, visando à
revogação da prisão preventiva do denunciado (evento 29).
Ab initio, cumpre ressaltar que o denunciado busca a
revogação da decisão proferida no evento nº 14 dos presentes autos,
oportunidade em que o Juízo da Central de Custódias converteu a sua
prisão em flagrante em preventiva, sob a justificativa de acautelamento da

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ordem jurídica, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal.
Nessa esteira, pertinente trazer à baila a redação do comando
legal contido no caput do artigo 316 do Código de Processo Penal,
segundo o qual o magistrado poderá, de ofício ou a requerimento das
partes, revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a
falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se
sobrevierem razões que a justifiquem.
Dito isso, a despeito das razões invocadas, noto que a
manutenção da segregação preventiva do acusado é de rigor. Explico.
Como é sabido, a prisão preventiva, ao lado da prisão
temporária, representa uma das espécies de prisão cautelar cuja
aplicabilidade ocorre em momento anterior ao trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, se revestindo, assim, de natureza não
punitiva.
É nessa perspectiva que a sua aplicação deve ser
compatibilizada com o princípio constitucional da presunção de inocência
(inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal), assim como com o
regramento contido no inciso LXVI do artigo 5º da Carta Suprema, que
preconiza que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a
lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
Assim, por atingir bem jurídico extremamente valioso para o
indivíduo, o encarceramento cautelar deve ser reservado apenas para
situações que demonstrem a sua imperiosa necessidade, de sorte que não
se pode olvidar que o ordenamento jurídico pátrio privilegia o jus libertatis
do acusado/investigado, sendo a prisão preventiva medida que, por sua
própria excepcionalidade, é condicionada à presença dos requisitos
estabelecidos nos artigos 311 a 313 do Código de Processo Penal,
consubstanciados, essencialmente, no fumus comissi delicti (probabilidade
de ocorrência do delito) e no periculum libertatis (perigo do estado de
liberdade).
Aliado aos mencionados conceitos, o decreto prisional deverá
se amparar na necessidade de garantia da ordem pública e/ou da ordem
econômica, na conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, nos moldes em que preceituado pelo artigo 312 do
diploma processual penal.
In casu, diante ao contexto fático evidenciado, entendo que a
manutenção da custódia cautelar do acusado é medida imperativa para
garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e futura
aplicação da lei penal, nos exatos moldes em que fundamentado e
decidido no evento nº 14.
Isso porque os relatos apresentados pelas testemunhas
inquiridas perante a autoridade policial foram hábeis para comprovar

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indícios da existência do crime objeto deste processo criminal, além de
revelaram elementos suficientes de autoria do investigado quanto à
prática da conduta apurada (fumus comissi delicti), bem como do perigo
gerado pelo estado de liberdade do imputado (periculum libertatis).
Mesmo porque, pelo contexto fático probatório produzido,
entendo que a sua segregação se mostra imperiosa para a garantia da
ordem pública, cujo conceito não se limita à prevenção da reprodução de
fatos criminosos, mas também ao acautelamento do meio social e à
própria credibilidade da justiça, sob pena de a comunidade afetada
visualizar uma situação de anarquia e de impunidade de indivíduos que
desafiam a ordem constituída, quer pela personalidade voltada à atividade
criminosa, quer por entender que estão fora do alcance do poder
repressivo do Estado
Dessa forma, ainda que a prisão preventiva seja entendida
como a medida de extrema exceção, verifico que, no presente caso, as
medidas cautelares alternativas, solicitadas pelo requerente, não se
mostram suficientes.
Desta feita, diante da ausência de fatos novos capazes de
justificar o afastamento do decreto prisional, aliada à gravidade dos fatos
narrados, dúvidas não restam no sentido de que a manutenção da prisão
preventiva, além de necessária e conveniente para a garantia da ordem
pública, é imprescindível para evitar a progressão e o agravamento do
comportamento transgressor.
IV- DISPOSITIVO
Ao teor do exposto,
a) RECEBO A DENÚNCIA, constante no evento 33.
b)DEFIRO o pedido de AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, formulado
para acessar, nos moldes como foi requerido, a quebra do sigilo dos dados
telefônicos e extração de dados e conversas registradas nos aparelhos
especificados no Auto de Exibição e Apreensão, evento 01, fl. 22, PDF
sendo que o expediente deverá ser acompanhado de cópia desta decisão,
do parecer ministerial, bem como do referido Auto de Exibição e
Apreensão.
c)INDEFIRO o pedido formulado pela defesa e mantenho a
prisão preventiva do acusado LUCIANO LUIZ SANTOS.
Cite(m)-se o(s) réu(s) para oferecer(em) resposta à
acusação, por escrito e através de advogado legalmente habilitado, no
prazo de 10 (dez) dias, podendo arguir preliminares e alegar tudo o que
interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as
provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o número de 08 (oito),
qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

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Após, apresentada resposta escrita à acusação, volvam-se os
autos conclusos, a fim de que sejam analisadas eventuais hipóteses de
absolvição sumária e demais providências.
Requisite-se ao Instituto de Criminalística em Goiânia/GO, para
que, no prazo de 10 (dez) dias, efetive as degravações da memória do
aparelho celular apreendido, com a devida confecção de relatório.
Encaminhe-se o(s) aparelho(s) celular(es) apreendido(s) para a extração
de todo e qualquer conteúdo, como pontuado pelo representante
ministerial no evento 33.
Confiro ao presente decisum força de mandado, nos termos
dos artigos 136 e seguintes do Código de Normas e Procedimentos do
Foro Judicial, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Goiás.
Por fim, cumpram-se os demais requerimentos ministeriais
contidos na cota juntada no evento 33.
Diligencie-se pelo necessário.
Cientifique-se o Ministério Público.
Cumpra-se.
Goianápolis, datado e assinado digitalmente.

GABRIEL CONSIGLIERO LESSA


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