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PODER JUDICIÁRIO
Turma Julgadora: [DES(A). PEDRO SAKAMOTO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO]
Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO),
MARIA DE FATIMA COSTA DE ASSIS - CPF: 036.692.941-04 (VÍTIMA), JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA
DE JUARA (IMPETRADO), WESLEN PEREIRA DOS SANTOS - CPF: 042.611.741-70 (PACIENTE), Juízo da Terceira
Vara da Comarca de Juara/MT (IMPETRADO), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ:
02.528.193/0001-83 (IMPETRANTE)]
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal
de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma
Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM.
EMENTA
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Weslen Pereira
dos Santos, apontando como autoridade coatora o Juiz da 3ª Vara da Comarca de Juara/MT.
Depreende-se dos autos que o Ministério Público do Estado de Mato Grosso ofereceu
denúncia contra o paciente, imputando-lhe os crimes tipificados nos artigos 147, caput, e 150, caput, do
Código Penal.
Em síntese, a impetrante afirma que a citação do paciente, realizada por meio do aplicativo
de mensagens WhatsApp , é inválida, seja porque desprovida de respaldo legal, seja porque não observadas as
diretrizes estabelecidas pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus n. 641.877/DF, para
o reconhecimento da validade do ato.
Com tais considerações, requer seja declarada a nulidade da citação, bem como seja
determinada a sua renovação em conformidade com os parâmetros estabelecidos no referido precedente (Id.
n. 105759959).
É o relatório.
VOTO RELATOR
Como relatado, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso ofereceu denúncia contra
Weslen Pereira dos Santos , imputando-lhe os delitos tipificados nos artigos 147, caput, e 150, caput, do
Código Penal.
Em linhas gerais, a impetrante alega que a citação do paciente, realizada por meio do
aplicativo de mensagens WhatsApp , é inválida, seja porque desprovida de respaldo legal, seja porque não
observadas as diretrizes estabelecidas pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus n.
641.877/DF, para o reconhecimento da validade do ato.
Atentas ao contexto de pandemia vivenciado, bem como ao disposto nos artigos 5º, inciso
LXXVIII, e 37, caput, da Constituição da República, nos artigos 6º e 236, § 3º, do Código de Processo Civil, e nos
artigos 3º, 185 e 222, § 3º, do Código de Processo Penal, a Presidência, a Vice-Presidência e a Corregedoria-
Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso editaram a Portaria Conjunta n. 412/2021, que
“autoriza, durante o regime especial de teletrabalho instituído em razão da pandemia da COVID-19, a
utilização de meios eletrônicos para a comunicação dos atos processuais pelos oficiais de justiça”, permitindo a
citação de acusados por meio de recursos tecnológicos como o aplicativo WhatsApp .
Devolvo o r. mandado para os devidos fins, asseverando que o referido é verdade e dou fé”
(Id. n. 105759960, p. 22; sic ).
“De acordo com o art. 357 do CPP, são requisitos da citação por mandado:
O mundo moderno exige que as instituições públicas evoluam na mesma velocidade das
relações privadas, sob pena de se tornarem totalmente obsoletas e ineficientes.
Certo é que nenhum ato será e nunca foi cem por cento seguro e livre de vícios. A título de
exemplo cito a assinatura por meio de certificado digital, considerada altamente segura e eficaz.
Pergunto, alguém pode ter certeza que o subscritor da peça processual é realmente aquele que a
produziu? Obviamente que não, pois um assessor, servidor ou até mesmo um estagiário, de posse do
token e da senha, pode perfeitamente produzir e juntar aos autos peças processuais em nome do
sujeito processual (juiz(a), promotor(a) de justiça, defensor(a) público(a), advogado(a), etc).
Será que diante desses riscos devemos regredir e voltar a datilografar ou mesmo rubricar as
petições, manifestações ou decisões, tornando absolutamente ineficiente a prestação jurisdicional.
Penso que não.
No presente caso, analisando o ato citatório praticado pelo(a) Oficial de Justiça, que usou
comunicação síncrona (ligação via celular) e assíncrona (conversas pelo WhatsApp), constato, sem
sombra de dúvida, que os requisitos previstos no art. 357 do CPP foram satisfeitos, havendo
manifestação clara e inequívoca da compreensão do(a) ré(u) sobre o procedimento.
Não se pode olvidar que o Oficial de Justiça possui fé pública. Isso significa dizer que os atos
por ele praticados no exercício da função pública presumem-se verdadeiros e válidos, até que se
prove o contrário.
O Superior Tribunal de Justiça, defrontando-se com a questão em casos recentes, tem assim
decidido:
1. A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio
dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe
direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória
(contraditório, ampla defesa e devido processo legal).
2. No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode
prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena.
3. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja
de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I,
da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de
princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
4. De todo modo, imperioso lembrar que ‘sem ofensa ao sentido teleológico da norma não
haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de
um formalismo exagerado e inútil’ (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães;
FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 27).
Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros
termos, princípio pas nullité sans grief.
7. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando,
há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência
de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação
escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida,
ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro
de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com
testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido
citação válida.
9. Agravo desprovido” (STJ, Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 141.245/DF, Rel. Min.
Ribeiro Dantas, Quinta Turma; data do julgamento: 13.4.2021; data da publicação: 16.4.2021).
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO. CITAÇÃO VIA
WHATSAPP. NULIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSIDADE. INADEQUAÇÃO FORMAL E MATERIAL. PAS DE
NULlITÉ SANS GRIEF. AFERIÇÃO DA AUTENTICIDADE. CAUTELAS NECESSÁRIAS. NÃO VERIFICAÇÃO NO
CASO CONCRETO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado
em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa
Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado
em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do
recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo
quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio
dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe
direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória
(contraditório, ampla defesa e devido processo legal).
3. No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode
prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena.
4. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja
de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I,
da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de
princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
5. De todo modo, imperioso lembrar que ‘sem ofensa ao sentido teleológico da norma não
haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de
um formalismo exagerado e inútil’ (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães;
FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 27).
Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros
termos, princípio pas nullité sans grief.
8. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando,
há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência
de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação
escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida,
ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro
de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com
testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido
citação válida.
9. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício para anular a citação via
Whatsapp, porque sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando,
ressaltando, porém, a possibilidade de o comparecimento do acusado suprir o vício, bem como a
possibilidade de se usar a referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para
atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa” (STJ, Habeas Corpus n.
641.877/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma; data do julgamento: 9.3.2021; data da
publicação: 15.3.2021).
Além disso, nota-se que, antes de se proceder à citação pelo método ora contestado pela
impetrante, foi tentada a citação pessoal do paciente no endereço indicado na denúncia, e somente em
virtude da não consecução da diligência (Id. n. 105759960, p. 29) é que foi efetuada a notificação via
WhatsApp.
É como voto.