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Comunicação de atos processuais por WhatsApp: uma análise de caso do TJMG e do TJDFT - Empório do Direito
Benigna Teixeira
15–20 minutos

Projeto Elas no Processo na Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

A comunicação dos atos processuais faz-se necessária para a transmissão de informações entre Juízos e, também, para
transmitir as informações entre juízos e partes por diversos sujeitos da relação processual. De acordo com o CPC de
2015, a comunicação dos atos dá-se pela citação (art. 238) e pela intimação (art. 269), sendo a citação o primeiro ato de
ciência do polo passivo acerca da existência de um processo, e a intimação o ato pelo qual se dá ciência dos demais atos
processuais.

A citação é o ato formal de integralização do réu, executado ou terceiro na relação processual e gera importantes efeitos,
conforme dispõe o art. 240, do CPC (induz à litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor).[1] A
citação é condição de eficácia do processo em relação ao réu, sem a qual os atos processuais posteriores a ela tornam-se
passíveis de alegação de nulidade para a parte prejudicada a qualquer tempo.[2]

Complementa a doutrina, que a citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para
integrar a relação processual[3].

Assim, a citação é ato processual essencial, porque é por meio dela que se concretizará o contraditório no processo. O
Código de Processo Civil reveste a citação de uma série de formalidades que devem ser observadas.

Quanto à forma, o art. 246 do CPC/15 dispõe que o ato se realizará de forma pessoal (pelo correio, por oficial de justiça,
pelo escrivão ou chefe de secretaria ou por meio eletrônico, conforme regulado em lei) ou ficta (por edital ou por hora
certa).

O presente trabalho pretende analisar se a citação por meio do aplicativo WhatsApp está em consonância com o devido
processo constitucional e, portanto, seu enfoque residirá nas citações por meio eletrônico.

As comunicações dos atos processuais até a pandemia

Seguindo o avanço tecnológico da Quarta Revolução Industrial, o legislador do CPC de 2015 previu, no art. 239, §3°:
“Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de
sons e imagens em tempo real.”

Os artigos 4° a 7° da Lei 11.419 (Lei dos Processos Eletrônicos), desde 2006, regulamentam a forma de comunicação
dos atos processuais eletrônicos.

Segundo o art. 5º, as intimações e as citações serão feitas por meio eletrônico, em portal próprio, aos que se cadastrarem
na forma do art. 2º, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

No que se refere às intimações veiculadas pelos meios oficiais, quais sejam, o DJe, para os processos físicos, e as
plataformas de processos judiciais eletrônicos, como o PJe, não se verificam maiores problemas, já que elas acontecem
quando a relação processual já está formada (após a citação).

Entretanto, com relação às citações, a necessidade de cadastro prévio para que ocorram pode acabar inviabilizando a sua
realização, uma vez que apenas as pessoas jurídicas são obrigadas a se cadastrarem, nos termos do art. 246, §1º, do
CPC.[4]

Portanto, antes da pandemia, as citações ainda ficavam a cargo dos sistemas tradicionais, sendo realizadas,
primordialmente, pelo correio ou pelo oficial de justiça. As intimações, pelo portal em que corria o processo eletrônico
ou pelo DJe, nos processos físicos.

As comunicações dos atos na pandemia

Com a pandemia e a necessidade de se manter o distanciamento social, diversas providências foram tomadas pelo Poder
Judiciário no sentido de se viabilizar a continuidade do rito processual.

Neste sentido, o TJMG autorizou, por meio da nota complementar n° 1/2020 da Presidência do Tribunal, publicada em
26/03/2020, o cumprimento dos mandados judiciais de citação e intimação pelo aplicativo WhatsApp:
Os mandados que se encontrarem em poder dos oficiais de justiça deverão ser preferencialmente cumpridos por meios
remotos (telefone, WhatsApp e outros), que evitem o contato presencial dos servidores com partes e advogados, salvo
determinação em contrário do juiz competente para apreciar o processo.

Estão ocorrendo citações por WhatsApp, no âmbito do TJMG, nos casos em que a comunicação pelo correio não seja
exitosa.

O cumprimento dos mandados segue o seguinte procedimento: a) a parte informa o WhatsApp da pessoa a ser citada; b)
o oficial de justiça liga para o citando, pedindo a sua autorização para o envio dos documentos obrigatórios para o
WhatsApp. Quando o réu autoriza, os documentos são enviados por fotos e é solicitado pelo oficial o envio de foto do
seu documento de identidade para a confirmação. Após, o oficial certifica nos autos todo o procedimento e envia à
secretaria do juízo para que proceda à juntada dos prints da conversa aos autos.

Seguindo o entendimento similar do TJMG, o TJDFT, por meio da Portaria GC 155 de 09 de setembro de 2020,
autorizou a utilização de meios eletrônicos para a comunicação dos atos processuais e a dispensa da colheita da nota de
ciência pelos oficiais de justiça (art. 1º).

Dessa maneira, o TJDFT vem validando as citações e intimações que estão sendo realizadas por WhatsApp, inclusive
em processos criminais. Vejamos:

HABEAS CORPUS. AMEAÇA. VIAS DE FATO. CITAÇÃO. MEIO ELETRÔNICO. PORTARIA CONJUNTA Nº 52
E PORTARIA GC 155 DO TJDFT. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO VERIFICADO. PANDEMIA. COVID-19.
SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. I - Durante o regime especial de trabalho instituído em
razão da pandemia da COVID-19, este Tribunal de Justiça autorizou, de forma excepcional e temporária, a utilização de
meios eletrônicos para a comunicação dos atos processuais e a dispensa da colheita da nota de ciência pelos oficiais de
justiça (Portaria Conjunta 52 e Portaria GC 155). II - No caso, a certidão exarada pelo Sr. Oficial de Justiça e as
mensagens travadas pelo aplicativo WhatsApp denotam que o paciente foi citado e que recebeu o respectivo mandado.
III - A declaração de nulidade processual exige a comprovação do prejuízo, nos termos do art. 563 do CPP, do qual se
extrai o princípio pás de nulitte sans grief, o que na espécie não foi demonstrado, pois o paciente está sendo patrocinado
pela Defensoria Pública, que, inclusive, já apresentou resposta à acusação. IV - Ordem denegada. 3ª Turma Criminal.
HC 07530538220208070000. Relator NILSONI DE FREITAS CUSTODIO. DJe 12/02/2021.

Embora estejam ocorrendo na prática, há quem alegue que tal modalidade de citação seria nula por não ser
regulamentada por lei.

A experiência dos Juizados Especiais

A Lei nº 9.099 (Lei dos Juizados Especiais) dispõe, expressamente, em seu art. 19 que: “As intimações serão feitas na
forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação.”

Em 2017, a portaria n° 2 do JESP-BH, regulamentou o procedimento para as intimações no âmbito dos juizados da
Fazenda Pública da Comarca de Belo Horizonte. Art. 1º Fica instituído o procedimento de intimação, com a utilização
do aplicativo de mensagens WhatsApp, nos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública da Comarca de Belo
Horizonte.

Entretanto, o CPC, ao contrário da Lei 9.099, não prevê a intimação por qualquer meio eletrônico, o que, para alguns
juristas, gera a conclusão de não ser possível a comunicação por este meio, por ausência de regulamentação.

O entendimento do CNJ acerca das intimações por WhatsApp

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no julgamento Procedimento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-
94.2016.2.00.0000, entendeu ser válida a intimação por WhatsApp como ferramenta para intimações em todo o
Judiciário.

No caso analisado, o Procedimento de Controle Administrativo (PCA) foi instaurado por um juiz que impugnava a
decisão proferida pelo Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Goiás, que não ratificou a Portaria Conjunta n.
01/2015, que dispunha sobre o uso facultativo do aplicativo WhatsApp como ferramenta para intimações e
comunicações, no âmbito do Juizado Especial Cível e Criminal, às partes que voluntariamente aderirem aos seus
termos. O Corregedor, inclusive, determinou a revogação da Portaria.

O Corregedor-geral justificando-se nos seguintes termos: (i) a ausência de sanções processuais quando não atendida a
intimação torna o sistema ineficaz, pois o jurisdicionado somente confirmará o recebimento quando houver interesse no
conteúdo; (ii) houve redução da força de trabalho no juízo, pois a nova sistemática demandou a designação de dois
servidores para operacionalizá-la; (iii) a empresa estrangeira (Facebook), controladora do aplicativo WhatsApp, vem
descumprindo determinações judiciais para que sejam revelados os conteúdos das mensagens, em ofensa à Lei n.
12.965/2014 (marco civil da internet); (iv) há necessidade de regulamentação legal para permitir que um aplicativo
controlado por empresa estrangeira seja utilizado como meio de intimações judiciais, o que não ocorre no caso.

A respeito da confiabilidade do compartilhamento de dados pelo aplicativo, Cristiane Rodrigues Iwakura leciona:

Ao se utilizar do WhatsApp para veicular comunicação dos atos processuais, deve ter a cautela de verificar se a política
de privacidade do aplicativo está em conformidade com os seus deveres, tal como estatuídos na LGPD, assim como em
todo o microssistema de proteção de dados.[5]

Ao final, por unanimidade, o Conselho concluiu pela validade da portaria, uma vez que a utilização do WhatsApp para
intimações é facultativa, de modo que deve haver voluntariedade à adesão dos termos da referida portaria, além de a
portaria estabelecer que deve haver “a confirmação do recebimento da mensagem no mesmo dia do envio; caso
contrário, a intimação da parte deve ocorrer pela via convencional”8.

O entendimento do STJ

A Defensoria Pública do Estado do Distrito Federal impetrou habeas corpus em favor de um homem que teria
supostamente praticado atos de violência doméstica contra sua ex-companheira, pois teria sido citado por meio de
WhatsApp.

Assim, a Defensoria do DF alegou a nulidade do ato citatório, que não seria albergada pela legislação penal e estaria em
contrariedade ao disposto no art. 351 do Código de Processo Penal. Além disso, alegou que a citação pessoal seria
exigência fundamental do Estado Democrático de Direito e, no processo penal, a citação eletrônica estaria
expressamente vedada, nos termos do art. 6º da Lei n. 11.419/2006.

No julgamento do caso, os ministros concluíram que, para a citação por WhatsApp ser considerada válida, é necessário
que se concorram três elementos indutivos da autenticidade do destinatário: número de telefone, confirmação escrita e
foto individual. Desta forma, consideraram nula a citação no caso em questão, pois não havia nenhum comprovante
quanto à identidade do paciente[6].

Os Vulneráveis Digitais

Embora o aplicativo WhatsApp seja de conhecimento da maioria da população brasileira, a operabilidade dessa
plataforma vai além das mensagens de textos, pois, atualmente, permite o compartilhamento de arquivos de diversos
formatos, chamadas de voz e outros recursos[7].

Assim, determinados grupos da sociedade não têm acesso à internet e nem mesmo conhecimento operacional do
aplicativo WhatsApp. Em 2019, foi realizada uma pesquisa pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos
sobre a Sociedade da Informação (Cetic.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, que identificou que 134
milhões de pessoas têm acesso à internet. No entanto, mesmo diante de um quantitativo expressivo de usuários e de
serviços online, ainda persistem diferenças de renda, gênero, raça e regiões”[8]. Cite-se como exemplo de vulneráveis
digitais os indígenas, que durante a pandemia tiveram dificuldades de acesso às plataformas digitais, nas quais se
destacam aquelas mantidas pelo próprio Poder Judiciário[9].

Considerações Finais

O art. 277 do CPC de 2015 dispõe que o juiz considerará válido o ato se, realizado de forma diversa daquela prevista na
lei, lhe alcançar a finalidade.

Nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, “velhos formalismos e hábitos comodistas minam o sistema”[10]

Embora realmente não haja expressa previsão legal acerca da citação por meio de WhatsApp, não há qualquer proibição
para tanto.

Além disso, as experiências do Tribunal de Justiça dos Estados de Minas Gerais e do Distrito Federal e dos Territórios
demonstram que as citações e intimações têm ocorrido mediante o consentimento da pessoa a ser citada ou intimada.
Caso não houvesse esta concordância, talvez poder-se-ia falar em prejuízo para a parte.

A utilização de aplicativos como o WhatsApp para a comunicação dos atos processuais pode ser encarada como uma
verdadeira inovação ao sistema de justiça. Entretanto, é necessário que haja um olhar cuidadoso para o grupo de
vulneráveis digitais e a devida regulamentação para a sua utilização, com o intuito de se desenvolverem políticas de
privacidade adequadas a esta modalidade, a fim de se evitarem danos aos titulares dos dados que estão sendo
compartilhados.

Notas e Referências

[1] Além do que o despacho que a determina, interrompe a prescrição.

[2] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 21. ed. Salvador: Jus Podivm, 2019. 1 v., p. 707.

[3] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 297.

[4] As microempresas e as empresas de pequeno porte também não estão obrigadas a se cadastrarem.

[5]IWAKURA, Cristiane Rodrigues. DA UTILIZAÇÃO DO WHATSAPP NA COMUNICAÇÃO DOS ATOS


PROCESSUAIS Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/da-utilizacao-do-whatsapp-na-comunicacao-
dos-atos-processuais. Acesso em: 16 mar. 2021.

8 Acórdão em sede de Procedimento de Controle Administrativo – 0003251-94.2016.2.00.0000. In: Rev. Direito Adm.,
Rio de Janeiro, v. 278, n. 1, p. 337-344, jan./abr. 2019.

[6] Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/341465/stj-autoriza-citacao-por-whatsapp-desde-que-


comprovada-identidade>. Acesso em: 09 mar. 2021.

[7] SALIM, Alessandra e SANCHES, Kelly. Whatsapp como prova processual: o que você precisa saber. Disponível
em: https://www.migalhas.com.br/depeso/329112/whatsapp-como-prova-processual--o-que-voce-precisa-saber Acesso
em: 16 mar. 2021.

[8] Brasil tem 134 milhões de usuários de internet, aponta pesquisa. Disponível em:
https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/noticias/2020/maio/brasil-tem-134-milhoes-de-usuarios-de-internet-aponta-
pesquisa Acesso em: 16 de mar. 2021

[9] A vulnerabilidade digital dos indígenas da Laranjeira Ñanderu, em sede de ação possessória, esse grupo de indígenas
alegaram não compreenderem e nem conseguir acompanhar a realização de julgamento virtual, requereram o direito de
verem reunidos presencialmente com os Desembargadores em Plenário. (2ª Turma. Relator Des. Fed. Cotrim
Guimarães. TRF3ª Região AGI.n. 5029327-50.2018.4.03.0000, DJe 07.05.2020).

[10] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros , 2001, p. 272.

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