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HABEAS CORPUS Nº 830939 - MG (2023/0203303-1)

RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR


IMPETRANTE : PABLINIE CASSIA COSTA
ADVOGADO : PABLINIE CASSIA COSTA - MG176450
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : MONICA FERNANDA DA CUNHA (PRESO)
CORRÉU : FERNANDO MENEZES SANTORIO
CORRÉU : LEONARDO TALLES MENDONCA SILVA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

EMENTA

HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS.


ACESSO AO CELULAR DO CORRÉU E ÀS CONVERSAS DO WHATSAPP
ARMAZENADAS NO REFERIDO APARELHO. AUSÊNCIA DE
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSENTIMENTO. ÔNUS DA
PROVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. NULIDADE.
OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL.
CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, nos termos do
dispositivo.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de


Monica Fernanda da Cunha, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (Apelação Criminal n. 1.0525.18.001672-31001).

Narram os autos que a paciente foi condenada a 4 anos de reclusão, em


regime inicial semiaberto, e 800 dias-multa, como incursa no art. 35 da Lei n.
11.343/2006.

Neste mandamus, a impetrante alega que a condenação da paciente foi


baseada em prova manifestamente ilícita, destacando que o animus de associação,
com estabilidade e permanência, restou demonstrado a partir da análise do conteúdo
das conversas extraídas do aplicativo de mensagem Whatsapp do celular do corréu
Fernando Menezes (fl. 7).

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: quarta-feira, 29 de novembro de 2023


Documento eletrônico VDA39278928 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 27/11/2023 19:46:45
Publicação no DJe/STJ nº 3767 de 29/11/2023. Código de Controle do Documento: a5770a00-891c-418b-9464-c8b75aa0e172
Aduz que tal acesso ao celular do corréu se deu de forma manifestamente
ilegal, pois não acobertada por mandado judicial, tampouco prova da autorização
expressa do proprietário, ensejando a incidência do disposto no art. 157 do Código de
Processo Penal (fl. 7).

Insiste que a autorização pelo acusado para o acesso às informações


constantes do seu aparelho celular não pode ser considerada válida em razão da
intimidação ambiental caracterizada pela submissão aos agentes públicos (fl. 9).

Sustenta que é ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o


ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e
apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia
autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito (fl. 12).

Requer, inclusive em liminar, a concessão da ordem a fim de declarar nula a


condenação da paciente, uma vez que não houve autorização legítima para o ingresso
dos policiais, absolvendo-se a ré do crime de associação para o tráfico de drogas (fls.
15).

Indeferida a liminar, prestadas as informações de praxe, foi noticiado que a


condenação da paciente transitou em julgado, em 19/2/2020 (fl. 538).

O Ministério Público Federal opinou, pelas palavras da Subprocurador-Geral


da República Ana Borges Côelho Santos, pelo não conhecimento do writ (fls. 541/549).

É o relatório.

Da leitura do relatório percebe-se que estamos diante de condenação com


trânsito em julgado.

Ocorre que não existe, neste Tribunal, julgamento de mérito passível de


revisão em relação à condenação sofrida pela paciente; forçoso reconhecer, assim, a
incompetência desta Corte Superior para o processamento do presente pedido.

Nesse sentido, confiram-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. WRIT IMPETRADO


CONTRA ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO, SUBSTITUTIVO DE
REVISÃO CRIMINAL. NÃO INAUGURADA A COMPETÊNCIA DO STJ.
SUPRESSÃO. INADMISSIBILIDADE. PEDIDO DE CONCESSÃO DE HABEAS

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CORPUS DE OFÍCIO. DESCABIMENTO. INICIATIVA DO ÓRGÃO JULGADOR.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 494.794/MA, da minha relatoria, Sexta Turma, DJe
11/4/2019).

No entanto, no caso dos autos, existe ilegalidade flagrante no acesso às


mensagens do Whatsapp armazenadas no celular do corréu Fernando Menezes
Santorio.

Acerca das alegações apresentadas, vejamos, no ponto, o que consta da


sentença (fls. 288/289 - grifo nosso):

[...]
Mesma trilha deve ser seguida quanto à alegação de nulidade da captação
dos diálogos extraídos do aparelho celular do acusado Fernando Menezes
Santório, noutra senda do que a Defesa dos réus Leonardo Talles Mendonça e
Silva e Mônica Fernanda da Cunha quer fazer crer, pois foi o próprio acusado
Fernando, durante sua oitiva na Delegacia, por duas vezes, f. 4 e 46, que
autorizou a visualização do conteúdo, fornecendo a senha de acesso aos
dados armazenados no aparelho.
Urge acrescentar que o próprio arresto oriundo do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais colacionado pela defesa, que sequer se deu ao trabalho de informar
o número do acórdão, denota que a entrega espontânea do aparelho celular e a
autorização para acesso, permite a visualização do conteúdo e a utilização dos
dados alcançados como prova e para formação da culpa.
Estes fatos, por si só, já seriam suficientes para escudar a vistoria do
aparelho e a transcrição dos diálogos captados no aplicativo Whatsapp, já que o
próprio réu Fernando Menezes Santório abriu mão da cláusula tutelar da
inviolabilidade e forneceu a senha de acesso ao seu conteúdo.
Senão tivesse fornecido a senha inclusive, teria sido necessário pedido
para quebra da senha e análise do conteúdo do aparelho.
Por fim, sequer há indicio de que ele tenha sido forçado ou coagido a
tanto.
O que se tem, portanto, é que os diálogos transcritos foram colhidos de forma
regular, observando o respeito aos princípios constitucionais que regem a matéria,
motivo pelo qual não há que se falar em mácula processual e utilização de prova
ilícita.
Assim, por fim, afasto esta preliminar.
[...]

Ao se manifestar sobre o tema, o Tribunal mineiro disse o seguinte (fls.


22/23 - grifo nosso):

[...]
A defesa de Fernando e Mônica requereu o reconhecimento da ilicitude das
conversas extraídas do aplicativo Whatsapp sem autorização judicial.
Data vênia, sem razão.
Filio-me ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que é "ilícita a
devassa de dados, bem como das conversas de whatsApp, obtidas diretamente
pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial."
(RHC 51 .531/RO, ReI. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
19/4/2016, DJe 9/5/2016).
Entretanto, no presente caso o acesso às conversas do Whatsapp de
Fernando Menezes Santorio ocorreu de forma lícita, haja vista que ele
autorizou o acesso ao seu aparelho celular e inclusive forneceu a senha aos
policiais (fI. 4).

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Sendo assim, não há que se falar em violação à intimidade ou ao sigilo dos
dados e das conversas telefônicas. Por conseguinte, a prova deve ser considerada
válida.
[...]

De fato, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a questão aqui


apresentada, tem enfatizado, em sucessivos julgados, que é ilícita a tomada de dados,
bem como das conversas de Whatsapp, obtidas diretamente pela autoridade policial
em aparelho celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial. Nesse
sentido, a propósito: RHC n. 92.009/RS, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe
16/4/2018.

Isso porque o ordenamento jurídico pátrio assegura como garantia ao


cidadão a inviolabilidade da intimidade, do sigilo de correspondência, dados e
comunicações telefônicas, salvo se houver ordem judicial.

Por sua vez, a Lei 12.965/2014, que estabelece os princípios, garantias e


deveres para o uso da Internet no Brasil, prevê, no art. 7º, que o acesso à internet é
essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes
direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do
fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III -
inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem
judicial (grifo nosso).

Ora, há muito tempo, o celular deixou de ser apenas um aparelho de


telefone, ganhando múltiplas funções, tais como a verificação de e-mails, de
mensagens de textos e, ainda, de diversos aplicativos que possibilitam a comunicação
de dados entre as pessoas.

Com efeito, da leitura dos trechos acima transcritos, em nenhum momento


ficou evidenciada a plena anuência do corréu Fernando para o acesso às mensagens
armazenadas no aparelho celular supra citado.

O contexto descrito nos autos não demonstrou expressamente a


voluntariedade da autorização para o acesso ao aparelho celular de Fernando.

Ocorre que, segundo a nova orientação, o ônus de comprovar a higidez da


autorização de acesso ao celular e de ingresso na residência, com prova da

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voluntariedade do consentimento, recai sobre o Estado acusador. E, dessa análise,
entendo não adimplida essa obrigação.

Nesse sentido:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS


CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp,
obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem
prévia autorização judicial.
2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das
provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve
ser desentranhado dos autos.
(RHC n. 51.531/RO, Ministro Nefi Cordeiro, DJe 9/5/2016 - grifo nosso)

A assertiva, no sentido de que o acesso ao aparelho celular foi franqueado


pelo corréu (que, inclusive, forneceu a senha do aparelho), não basta, por si só, para
validar a prova que porventura venha a ser obtida

Seguindo essa linha, os seguintes precedentes: HC n. 662.388/MG, de


minha relatoria, DJe 28/6/2021; AgRg no HC n. 653.202/PE, Ministro Reynaldo Soares
da Fonseca, Quinta Turma, DJe 24/5/2021 e HC n. 598.051/SP, Ministro Rogerio
Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021.

Desta forma, tem-se por ilícitos o acesso aos dados e conversas de


Whatsapp obtidos do aparelho celular apreendido sem autorização judicial e, ainda, as
provas que daí decorreram.

Por conseguinte, da atenta leitura dos documentos acostados aos autos,


observa-se que a condenação está amparada na prova colhida ilicitamente no aparelho
celular do corréu Fernando. Sem o acesso às conversas de Whatsapp armazenadas no
referido aparelho, diga-se, seria impossível a prisão da paciente, assim como
sua condenação.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas, concedo, de ofício,


a ordem para declarar a nulidade das provas obtidas no aparelho celular do corréu
Fernando Menezes Santorio sem autorização judicial, assim como aquelas delas
derivadas, e absolver a paciente da imputação delituosa (art. 386, II, do CPP) referente
à Ação Penal n. 0016723-10.2018, da 3ª Vara Criminal da comarca de Pouso

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Alegre/MG.

Comunique-se com urgência.

Intime-se o Ministério Público estadual.

Publique-se.

Brasília, 27 de novembro de 2023.

Ministro Sebastião Reis Júnior


Relator

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