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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000694309

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1026142-28.2017.8.26.0002, da Comarca de São Paulo, em que é apelante M. R., é
apelada M. DE P. R. (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ELCIO TRUJILLO


(Presidente) E J.B. PAULA LIMA.

São Paulo, 30 de agosto de 2022.

JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO Nº 1026142-28.2017.8.26.0002

APELANTE: M. R.

APELADA: M. de P. R.

JUÍZA: ALENA COTRIM BIZZARRO

VOTO Nº 28.472
APELAÇÃO Ação de Anulação de Casamento c.c. Danos
Morais Propositura pelo cônjuge virago contra o cônjuge
varão, com pretensão de anular o matrimônio em razão da
opção sexual do varão, somente manifestada após o
matrimônio, além da reparação por danos materiais e
morais - Sentença de procedência Inconformismo do réu,
suscitando, preliminarmente, a nulidade da sentença em
razão da ausência de elaboração de ata notarial para
documentar os diálogos mantidos entre os litigantes em
aplicativo eletrônico de conversa, nos moldes do artigo 384
do Código de Processo Civil. No mérito, alega que não
restou comprovado que o réu ludibriou a autora quanto à
orientação sexual, devendo ser afastada a condenação por
danos materiais e morais Preliminar rechaçada Força
probante de mensagens eletrônicas que não exige ata
notarial, aplicando-se a elas as disposições referentes a
documentos particulares constantes dos artigos 409 e
seguintes do Código de Processo Civil - Acervo probatório
coligido aos autos, em especial o depoimento das
testemunhas e as conversas mantidas através aplicativo de
mensagens, que é suficiente para comprovar que a autora
somente descobriu a orientação sexual do réu durante o
matrimônio - Erro essencial quanto à pessoa cônjuge,
consubstanciado no homossexualismo que o réu ocultou da
autora, caracterizado - Anulação do casamento celebrado
entre os litigantes que se faz necessária Manutenção da
condenação do réu no ressarcimento de 50% das despesas
com a cerimônia de casamento Frustração da relação
matrimonial das partes, que enseja a reparação por danos
morais em relação à pessoa do cônjuge enganado
Quantum fixado com razoabilidade - Recurso desprovido.

Vistos.

Trata-se de Apelação interposta contra sentença

proferida pela MM. Juíza da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, da

Comarca da Capital, em Ação de Anulação de Casamento cumulada com Danos

Apelação Cível nº 1026142-28.2017.8.26.0002 -Voto nº 28472 R 2


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Morais proposta por M. de P. R. contra M. R. que julgou a ação procedente para

anular o casamento contraído entre as partes, condenar o réu ao pagamento ao

pagamento de indenização por dano material correspondente a 50% (cinquenta por

cento) das despesas comprovadas nos autos (nota fiscal/recibo) com a realização do

matrimônio despendidas pela autora, corrigido pela Tabela Prática desta Egrégia

Corte, além do pagamento do montante de R$5.000,00 (cinco mil reais), a título de

danos morais. Em razão da sucumbência, o réu foi condenado a arcar com o

pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em

10% (dez por cento) do valor da causa, com a ressalva do artigo 98, parágrafo 3º, do

Código de Processo Civil.

Apela o réu, suscitando, preliminarmente, a

nulidade da sentença em razão da ausência de elaboração de ata notarial para

documentar os diálogos mantidos entre os litigantes em aplicativo eletrônico de

conversa, nos moldes do artigo 384 do Código de Processo Civil. No mérito, alega

que não restou comprovado que o réu ludibriou a autora quanto à orientação sexual,

devendo ser afastada a condenação por danos materiais e morais.

Recurso tempestivo, preparado e

contrarrazoado.

É o breve relatório do necessário.

A preliminar de nulidade suscitada nas razões

recursais deve ser rechaçada, na medida em que a força probante de mensagens

eletrônicas não exige ata notarial, aplicando-se a elas as disposições referentes a

documentos particulares constantes dos artigos 409 e seguintes do Código de

Processo Civil.

Apelação Cível nº 1026142-28.2017.8.26.0002 -Voto nº 28472 R 3


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Se tanto não bastasse, a autenticidade e o

conteúdo das mensagens em epígrafe não foram impugnadas pelos réu, o qual, citado

por hora certa, limitou-se a apresentar defesa por negativa geral.

A propósito, confira-se o seguinte julgado desta

Egrégia Corte:

“RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO Danos

morais decorrentes de ofensas verbais proferidas pela

requerida através de mensagem e comentários publicados em

rede social Procedência - Comprovação Desnecessidade de

comprovação mediante ata notarial por estarem preservadas

as mensagens, não tendo a ré negado sua existência ou

autoria- Ilícito caracterizado, que configura o dever de

indenizar - Indenização fixada de forma adequada, para

compensar a autora do constrangimento imposto e evitar

enriquecimento ilícito Sentença mantida Recurso

desprovido” (Apelação Cível 1013527-07.2021.8.26.0506,

Relator MOREIRA VIEGAS, 5ª Câmara de Direito Privado, j.

12/05/2022).

Superada a questão prejudicial, passo a analisar

o mérito do apelo.

Consoante dispõe o artigo 1.556 do Código

Civil, “o casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de

um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro”.

Já o artigo 1.557 do mesmo diploma assim

Apelação Cível nº 1026142-28.2017.8.26.0002 -Voto nº 28472 R 4


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define o erro essencial:

“Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do

outro cônjuge:

I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama,

sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne

insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por

sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico

irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia

grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de

pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua

descendência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de

2015) (Vigência)”

Na hipótese dos autos, o acervo probatório

coligido aos autos, em especial o depoimento das testemunhas e as conversas

mantidas através aplicativo de mensagens (cfr. fls. 147), é suficiente para comprovar

que a autora somente descobriu a orientação sexual do réu durante o matrimônio, o

que é suficiente para comprovar o erro essencial quanto à pessoa do cônjuge varão.

Com efeito, as testemunhas foram categóricas

ao atestar que o réu ocultava sua opção sexual até que a autora, logo após a

celebração do matrimônio, descobriu que o réu se relacionava com outros homens,

enviando fotos e marcando encontro com eles, fato que é corroborado pelas

mensagens colacionadas as fls. 114/151.

Apelação Cível nº 1026142-28.2017.8.26.0002 -Voto nº 28472 R 5


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Desse modo, restando caracterizado o erro

essencial quanto à pessoa cônjuge, consubstanciada no homossexualismo que o réu

ocultou da autora, é imperiosa a anulação do casamento celebrado entre os litigantes.

Nesse sentido, têm-se os seguintes julgados

deste Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Casamento Anulação Erro essencial em relação à

pessoa do cônjuge Prova dos autos a revelar que a

autora desconhecia a opção sexual do réu, em razão da

qual as partes não mantinham relacionamento íntimo

afetivo Ação julgada procedente, prejudicados os

pedidos deduzidos em reconvenção Sentença mantida

Recurso não provido” (Apelação Cível

1004574-26.2018.8.26.0032, Relator AUGUSTO

REZENDE, 1ª Câmara de Direito Privado, j.28/05/2021)

Da mesma forma, deve ser mantida a

condenação do réu no pagamento de indenização por danos materiais, uma vez que

as testemunhas foram categóricas ao atestar que todos os gastos com a cerimônia de

casamento foram arcadas exclusivamente pela autora, circunstância que torna

necessário que o réu reembolse 50% (cinquenta por cento) das despesas em epígrafe,

conforme bem observou a MM. Juíza sentenciante.

Por fim, a sentença recorrida também deve ser

mantida quanto à condenação por danos morais, na medida em que, frustrada a

relação matrimonial das partes, inegável a ocorrência do dano moral em relação à

pessoa do cônjuge enganado.

Apelação Cível nº 1026142-28.2017.8.26.0002 -Voto nº 28472 R 6


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Acerca do tema, confira-se o seguinte julgado

desta Egrégia Corte:

“Anulação de casamento. Erro essencial em relação à

pessoa do outro cônjuge. Caracterização. Dano moral

arbitrado em 100 salários mínimos que é reduzido à

metade. Verba honorária que deve ser fixada. Hipótese

ademais que caracteriza sucumbência em parte mínima

do pedido, a incidir o parágrafo único do artigo 21 do

Código de Processo Civil. Observância também da

Súmula 326 do STJ. Sentença de procedência mantida,

alterada apenas a verba honorária para 10% do valor

da condenação. Recurso provido em parte” (Apelação

Cível 0031731-05.2009.8.26.0000; Relator JOÃO PAZINE

NETO, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 26/06/2012).

O quantum indenizatório fixado na sentença

recorrida observa os requisitos da proporcionalidade, atentando-se, de um lado, para

o grau de culpa do réu e sua possibilidade financeira, e de outro o sofrimento da

autora, levando-se em conta que os objetivos primordiais da verba em testilha são

desestimular a conduta ilícita do primeiro e trazer algum lenitivo à última.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

Por fim, levando em conta o trabalho adicional

desenvolvido pelo patrono da apelada em decorrência do presente recurso, majorados

os honorários advocatícios aplicados na sentença, ficam definitivamente fixados em

20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no artigo

Apelação Cível nº 1026142-28.2017.8.26.0002 -Voto nº 28472 R 7


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85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil, com a ressalva do artigo 98,

parágrafo 3º, do mesmo diploma.

JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO

Relator

Apelação Cível nº 1026142-28.2017.8.26.0002 -Voto nº 28472 R 8

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