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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2023.0000605240

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1001862-44.2019.8.26.0415, da Comarca de Palmital, em que é apelante RUDOLF
SIZING AMIDOS DO BRASIL LTDA, é apelada DAIANE FRANCO ROSSI DOS
SANTOS (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de


São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RENATO


RANGEL DESINANO (Presidente sem voto), EMÍLIO MIGLIANO NETO E WALTER
FONSECA.

São Paulo, 20 de julho de 2023

MARCO FÁBIO MORSELLO


RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Apelação Cível nº 1001862-44.2019.8.26.0415


Apelante: Rudolf Sizing Amidos do Brasil Ltda
Apelado: Daiane Franco Rossi dos Santos
Interessado: Cleiton Machado dos Santos Franco
Comarca: Palmital 2ª Vara
Juiz de Direito: Jonas Ferreira Ângelo de Deus
Voto nº 10.586

EMBARGOS DE TERCEIRO Sentença de procedência


Irresignação da embargada Penhora de bem imóvel em ação de
execução proposta em face do cônjuge da embargante Alegação
de impenhorabilidade por bem de família Elementos probatórios
que demonstram que a embargante detém fração ideal do bem
penhorado e comprovam estar a embargante na posse do imóvel,
utilizando-o para moradia de sua família Exceção do inciso VI
do artigo 3º da Lei no 8.009/90 não aplicável ao caso em espécie
Interpretação restritiva Ausência de comprovação do emprego
de eventuais meios ilícitos para aquisição do imóvel com anuência
da embargante - Impenhorabilidade atinge a integralidade do
imóvel Sentença mantida Recurso não provido, com
majoração da verba honorária.

Trata-se de sentença (fls. 412/415), cujo relatório se adota, que, jugou


procedente a pretensão deduzida em sede de embargos de terceiro, opostos por Daiane
Franco Rossi dos Santos em face de Rudolf Sizing Amidos do Brasil Ltda, para determinar
o levantamento da penhora que, nos autos de nº 1001041-11.2017.8.26.0415, incidiu sobre
o bem mencionado na peça de ingresso. Em razão da sucumbência, condenou a parte
embargada ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios,
fixados em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º do Código de
Processo Civil.

Irresignado, recorre o embargado (fls. 418/425), aduzindo em síntese, que


“o imóvel cuja meação do Sr. Cleiton foi penhorada, adquirido em julho de 2016, bem
como os veículos que foram utilizados para o pagamento da dívida, foram auferidos com a
empreitada criminosa do seu esposo, o qual ultrapassou o prejuízo de um milhão de reais
e que teve início em dezembro de 2015, se encerrando em abril de 2017” (fl. 421).
Assevera que “o que foi pleiteado e deferido fora a penhora sobre os bens e direitos que o

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réu Cleiton possui sobre os imóveis e não a parte cabente à apelante” (fl. 422).
Argumenta que “fato incontroverso, reconhecido sem qualquer meio de coação, que houve
a prática de conduta definida como crime, sendo certo que o esposo da apelada, que
inclusive movimentava suas contas bancárias, adquiriu bem móvel para sua residência, e
tal fato é suficiente para afastar a impenhorabilidade do bem de família, nos termos do
artigo 3º, inciso VI, primeira parte, da Lei nº 8.009/90” (fls. 423/424). Forte nessas
premissas, propugna pela reforma integral da sentença, a fim de que seja dado provimento
ao recurso para julgar improcedente a ação.

O recurso é tempestivo e preparado (fls. 449/450).

Intimada, a autora apresentou contrarrazões (fls. 454/457).

Houve oposição ao julgamento na sessão virtual (fl. 462).

É o relatório.

Narra a embargante na petição inicial (fls. 1/16), em síntese, que é casada


com o Sr. Cleiton Machado dos Santos Franco, desde 16/12/2010. Aduz que “[s]eu
esposo, como se discerne dos autos principais e dos documentos ora juntados, era
funcionário da embargada, lotado no setor de compras. Tomou conhecimento de que seu
esposo fora levado até o escritório da empresa embargada e ali teve que assinar
documentos onde confessava ilícitos praticados conta a mesma, bem como ainda que
dentre eles uma confissão onde entregava à mesma, 'de livre e espontânea vontade', assim
redigida: '...dando em pagamento parcial do prejuízo, minha caminhonete, modelo S-10,
placas EAM-8299, a qual encontra-se registrada no nome da minha esposa Daiane
Franco Rossi dos Santos, no valor aproximado de R$ 60.000,00 e uma casa, situada na
Rua Placídio Gonçalves, nº 220, Bairro Campo Verde, nesta cidade de Ibirarema/SP, com
valor aproximado de R$ 130.000,00, totalizando, neste momento, a importância de R$
190.000,00. Assinou ainda uma nota promissória no valor de R$ 1.391.248,20,
incumbindo-se a quitá-la em data de 24 de maio de 2017”. Argumenta que “soube que
fora intentada ação cível contra seu esposo, junto ao juízo da 2ª Vara Cível desta
Comarca, sob nº 1001041-11.2017.8.26.0415, com consequente execução de título,
ocorrendo o arresto (fls. 78/79) do seguinte imóvel do casal: Um terreno, de formato
irregular, com área de 180,00m², situado a Rua 03, distante 208,35 m da esquina da Rua
01, no loteamento residencial Campo Verde, em Ibirarema, desta Comarca, dentro das
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seguintes metragens, divisas e confrontações: com a frente para a Rua 03 e mede 9,00m,
do lado direito de quem da Rua olha para o terreno, divisa com o lote 23 e mede 20,00 m,
do lado esquerdo divisa com o lote 21 e mede 20,00 e nos fundos divisa com os lotes 47 e
48 e mede 9,00 terreno esse correspondente ao lote nº 22, da quadra 321, do referido
loteamento. Cadastro municipal: 32122 (I. 22-Q 321), matriculado no CRI desta Comarca
sob nº 18.986. Terreno este que consta como pertencente ao patrimônio do executado e do
qual a embargante é detentora da meação, conforme se depreende do incluso contrato de
compromisso particular de compra e venda, datado de 29/07/2016” (fls. 3/5 e doc. fl. 36).
Verbera que “sua meação corre sério risco e não é de direito o arresto e conversão em
penhora da totalidade dos bens” (fl. 6). Argumenta que “com o advento da Lei nº 8.009 de
29 de março de 1990, o imóvel residencial próprio, quando o único do casal, tornou-se
impenhorável por qualquer tipo de dívida civil, dentre outras, desde que o devedor seja
seu proprietário e nele a família resida” (fl. 7). Alega que “o bem penhorado, como se
denota do Auto de Penhora ora juntado, se trata, na matrícula, de um terreno, todavia, ali
está fincada, como se demonstra pelas inclusas fotografias, a residência do casal, sendo
este único imóvel que possui. Junta fotografias porque a construção sequer está constando
na Prefeitura Municipal e sequer averbada na matrícula. Denota-se da exordial que a
embargada/exequente dá o endereço do executado como sendo a Rua Placídio Gonçalves,
nº 220, exatamente o bem penhorado (arrestado), sendo público e notório naquela
pequena cidade que realmente o imóvel é residência da Embargante”, portanto,
impenhorável (fls. 8/13).

Tecidas essas considerações, o recurso não comporta provimento.

Com efeito, no bojo da ação de execução movida pela embargada em face


do cônjuge da embargante, autuada sob nº 1001041-11.2017.8.26.0415, foi deferida a
penhora do imóvel em comento. Naqueles autos, apresentada impugnação à penhora, foi
rechaçada a alegação do executado de impenhorabilidade por bem de família, inclusive, em
sede recursal, quando da apreciação desta C. Câmara, ao julgar o agravo de instrumento nº
2065935-55.2020.8.26.0000 de relatoria do I. Des. Gilberto dos Santos, que por votação
unânime, negou provimento ao recurso, com a seguinte ementa:
TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Nota promissória. 1. Assistência
judiciária gratuita. Pedido negado. Indícios de suficiência econômica.
Ausência de comprovação da incapacidade financeira. Fundadas razões

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para a negativa do benefício. 2. Bem de família. Impugnação à penhora


de imóvel dado pelo próprio executado em garantia de dívida.
Inadmissibilidade. Impossibilidade de os executados, de todo modo, se
valerem do “comportamento contraditório” defeso em lei (venire contra
factum proprium). Recurso não provido.

Não obstante, a alegação de bem de família feita pela coproprietária


embargante comporta acolhimento, nos termos da r. sentença.

Deveras, a embargante demonstrou ser detentora por meação de fração ideal


do bem penhorado, bem como comprovou encontrar-se na posse do imóvel, utilizando-o
para moradia de sua família. Nesse sentido, confira-se, in verbis, o teor do auto de
constatação de fl. 396:
“(...) CONSTATEI que a embargante Daiane Franco Rossi dos Santos,
juntamente com seu marido Cleiton Machado dos Santos, e o filho menor
Higor Gabriel dos Santos Franco residem na casa de numeral 220 (duzentos
e vinte), à Rua Placídio Gonçalves, na cidade de Ibirarema/SP. Dirigi-me na
data de hoje (28/01) ao endereço supracitado por volta das 10hs da manhã.
Havia um Fiat Uno, cor vermelha, estacionado na garagem, que é da
propriedade da embargante. A casa estava normalmente mobiliada e havia
roupas no varal e na máquina de lavar. Também foi apresentada uma conta
de energia elétrica daquele logradouro, em nome da embargante. O marido e
o filho também estavam na residência no momento da diligência. Também
CONSTATEI que o numeral 180 (cento e oitenta), na mesma via, é terreno
baldio.”
Como é cediço, a lei no 8.009/90, em seu artigo 3º, prevê exceções à regra
da impenhorabilidade do bem de família, sendo uma delas quando o bem tiver “sido
adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.”

Note-se, contudo, que, por ser hipótese de exceção, comporta interpretação


restritiva. Nesses termos, por ora, não comporta acolhimento a alegação de que o imóvel é
objeto de ato criminoso, tendo em vista que a investigação correlata está em andamento na
esfera criminal.

Como bem observado pelo juízo a quo: “observa-se que não houve, nestes
autos, a comprovação acerca do emprego de eventuais meios ilícitos para a aquisição do
imóvel com a anuência da embargante, o que não obsta, todavia, eventual discussão da
matéria na seara criminal, bem como eventual decretação, em tal sede, da perda dos bens

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adquiridos com o proveito auferido com a prática do ato criminoso. Desse modo, limitando-
se o exame aos limites desta lide civil, em face da comprovação do uso do imóvel para fins
de moradia pelo núcleo familiar, é forçoso reconhecimento da existência de direitos
incompatíveis com o ato de constrição, na forma do art.1º da Lei n. 8.009/90 (...)”

A esse respeito, confira-se, o entendimento deste E. Tribunal de Justiça:


Embargos de terceiro. Artigo 3º, VI, da Lei nº 8.009/90 não aplicável ao
caso em espécie. Não demonstrado que o imóvel é produto de ilícito penal.
Bem de família. Indivisibilidade. Impenhorabilidade atinge a integralidade
do imóvel. Ação procedente. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível
0002788-56.2009.8.26.0362; Relator (a): Nestor Duarte; Órgão Julgador:
34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi Guaçu - 1ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 11/08/2014; Data de Registro: 14/08/2014)

Outrossim, assiste razão à embargada, ora apelante, quanto à informação de


que o ato constritivo recaiu sobre os direitos pertencentes ao executado. Cumpre, todavia,
obtemperar que, não demonstrada a cômoda divisibilidade do bem, a impenhorabilidade
recai sobre a totalidade do imóvel.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, majorando-se a verba


honorária devida pela embargada para o montante de 11% do valor atualizado da causa
(artigo 85, §11, do Código de Processo Civil).

MARCO FÁBIO MORSELLO

Relator

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