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© CONCEITO DE BEM JURIDICO COMO PADRAO CRIT DA NORMA PENAL POSTO A PROVA *) Claus R¢ Prof. Dr Dr. hc. mult. da Universidade de Munigue (Alemanha) Resumo: Este Jjuridico-penal. Ass tudo pretende ser uma reflexdo sobre 0 principio do bem ido como fim do direito penal a tutela de bens juridieos (1), Juridica apto a cumprir a funcdo de padréo critic 0 da intervengdo legislativa (II). Neste percurso enfrentam-se as oBjecdes reservas dirigidas a esta categoria pela doutrina e pela jurisprudéncia. Atende-se, ir € de forma critica, & teoria dos delitos de conduta enquanto pro- srnativa & doutrina do bem juridico (IV). Por especial relagdio que hide estabelecer-se entre bem juridico, Constituigao (V). 0, considera-se a sa criminal e Patavras-caves Bem juridico — principio da subsidiariedade — delitos de Criminal Review. ccurta, no dia 20 de Juni nna Academia das Cigncias, em Madrid, e em 30 de Outubro de 2012 na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, Colma Edira® 8 caus ROXIN ©.CONCEITO DB BEM JURIDICO COMO PADRIO CaITICO b4 NORMA PENAL 8 I. Introdugio direito penal. Também na Grécia a questi se discute amplamente Enquanto Androulakis ® nega ao principio da protegdo de bens juridi- Nos iiltimos dez anos a questio de saber se & possivel cos qualquer forga limitadora da punigfo, Kaiafa-Gbandi entende poder punitivo do Estado através da lestio ou colocagao em perigo de idicos voltou a ser objeto de uma intensa discusstio na Alema- nha“, Hefendehl © registou a recente evolug4o desta problemética até ao ano de 2006. Posteriormente, a discussio adq la maior relevincia em 2008 por o tribunal constitucional alemao entender que do pr desenvolvido sobre a recente evolugdo do debate em toro do bem juridico ¢ reafirmei a fungdo de critica legislativa que deve reconhe- cer-se a teoria do bem juridico. ‘A questiio de saber se a tarefa cabida ao direito penal se pode coneretizar através da tutela de bens juridicos despertou grande interesse e ressonancia na doutrina estrangeira por via de diversas vozes. Assim, por exemplo, escreve Bacigalupo © que em atribuiu ao bem juridico uma fungi de legitimag&o decisiva”. afirmagdo € confirmada pela circunstancia de em 2011, entre os es tos dedicados @ minha pessoa, Romano ©, Polaino Navarrete Gimbernat ®) se terem ocupado da fungdo cabida ao bem juridico no © Um contributo decisivo para esta discussfo foi dado pela conferéneia r zada em 2002 sobre “A teoria do bem j ,cujas palestras e discussBes se p\ ‘caram numa obra coletiva editada em 2003 por Hefendehl/von Hirsch/Woblers, Em 2007 esta obra foi também publicada, de forma ampliada, em Espanha, A discussio Continuaria no ano de 2004. «As respectivas palestras e debates desse segundo encon- tro foram publicadas em 2006 por von Hirsch/Seelmann/Woblers sob Media- ting Principles: Begrencungsprincipien bei der Strafbegriindung. © Heeenoes, Gd 2007, p. 1 e ss © BlerGE 120, p. 224 € 8, Roxin, Festschrift fr Hassemer, 2010, p. 573 € ss. ischrif fur Jakobs, 2007, p. 1 e 88. Universalis, Festschrift fr Roxin, 2011, RoMaNo, PoLAINo NAVARRETE, Scientia Universalis (nota 6), p. 169 e ss. © Gnemerou, Fesigabe fir Claus Raxin zum 80. Geburtsiag, GA 2011, p. 284 € ss. 155 ess, Reec Coimbra Barat que “A teoria alema sobre o bem juridico enquanto elemento essei que fundamenta no sé a punigio como, sobretudo, a limita con: G..) um dos seus mais importantes legados & cultura juridica europei E certo que 0 conceito de bem juridico nfo desempenha qualquer papel em alguns ordenamentos juridicos como, por exemplo, em Franga ou nos EUA. Todavia, o penalista americano Dubber sublinha ainda assim que seria “positivo que a doutrina, a legislagio e a jurisprudéncia dos Estados Unidos tivessem por referéncia um conceito de bem juridico sistematicamente unitério”. Por outro lado, também o direito anglo-americano tem vindo a desenvolver 0 harm principle“ — como o-penal a tipos de comportamento icos. hoje como idico. De iade do tema e o intenso debate que suscit ontem, justificam um novo regresso ao problema do bem j todo 0 modo, nao ¢ minha pretenso repetir consideragées por mim jé desenvolvidas, mas antes a participar na dis- cusso, atendendo as sugestdes e criticas formuladas na mais recente literatura sobre o tema e que impdem uma tomada de posigao. Com esse propésito, apresento quatro interrogagSes: 1. Tem o diteito penal uma tarefa de protegio (de bens jurl dicos) ou somente lhe compete confirmar a vigéncia da norma? 2. Quando se tome como tarefa do 0 penal a prote- gio de bens juridicos, como se pode coneretizar 0 conceito de © ANDRowLAKis, Festschrift fur Hassemer, 2010, p. 271 e ss., com referéncia a Manoledakis en “ nschaft vor der Jahriausendwend ‘ZSUV 117 (2005), p. 485 ¢ ss. (516/517), "De modo desenvolvido, RoxIN, Sirafrecht, Allgemeiner Teil, 4 ed. 2006, § 2 niimero de margem 123 ¢ ss. p. 261 e $s. (p. 263), Coimbra Era FCC 25 2015) 10 Lats ROX bem ji cretos? 3. A doutrina do bem juridico € posta em causa ao reconhe- cer-se a necessidade de delitos de conduta (delitos de protegaio de sentimentos)? 4. O axioma de que o diteito penal se deve limitar & protegao de bens juridicos tem um significado meramente politico-criminal ou dele depende, pelo menos em alguns casos, também a cons tucionalidade e, neste sentido, a validade juridica de uma norma penal? ossa oferecer resultados con- ico de modo a que el Il. 0 direito penal tem por fim a protegio de bens juridicos ou a reafirmagio da vigéncia da norma? O primeiro pressuposto necessario ao reconhecimento da fungdo de delimitagdo do direito penal associada ao pensamento do bem juri- dico consiste, como é evidente, na afirmacao da protesaio de bens juridicos como tarefa do direito penal. Este ponto de partida nfo é porém consensual. Jakobs ‘ e os seus disefpulos defendem que lireito penal nio protege bens juridicos mas antes a vigencia da norma. Deste modo, a relevancia de um homicidio para o direito penal advém nao da “lesdo do tecido da vitima ou do aniquilamento da sua cons- ia, mas antes da afirmago, objetivada e expressa de modo con- cludente no facto, de que a integridade fisica e a consciéneia (...) nfo tém de ser respeitadas. Através desta afirmacio a norma é posta em causa (...). Por conseguinte, 0 crime compromete a norma” “, Em a, objeto de protecao nao é a que chamamos bem sto é, a vida como facto empirico, mas sim exclusivamente (9 -Remeto apenas para o estudo de Jaxoss publicado em Festschrift fir Sai 780 e s., sob o titulo "Was schutzt das Straftecht: Rechtsguter oder Norm- eseritos de Jakobs podem ler-se no artigo da minha p. 678 e ss, (688-692), inagio japonesa, inversa). 0 CONCEITO DE BEM JURIDICO COMO RADRIO CRITICO DA NORMA PEWAL. u a proibigtio de matar (a vigéncia da norma). “O fact lesto da vigencia da norma; a pena é a sua eliminagai ‘Temos para nés que uma tal compreensio se apoia num excessivo normativismo “®, E certo que a pena contribui para a reafirmagao da norma, ainda que — e contrariamente a0 que sustenta Jakobs — niio seja 0 seu tinico fim. Porém, a reafirmagao da norma nao é um para a prevengio is (ou seja, ofensas a bens icos). Por conseguinte, a pena serve, em altima instancia, a responde & protegdo de bens juridicos, carecendo de sentido na auséncia deste fim, imidade de uma norma penal da protegao de valores merecedores dessa tutela, a concegao de Jakobs inverte em certa medida este ponto de partida e converte a norma per se em objeto legitimo de protegto: a norma passa de instrumento que ha de ser legitimado pelo fim que prossegue, a fim legitimador e Argumenta, com razo, que deste modo se perde 0 efeito de limitago que se reconhece a0 conceito de bem juridico, ‘Também um autor to préximo a doutrina de Jakobs como Polaino Navarrete argumenta no mesmo sentido quando escreve que “o direito penal protege bens juridicos; a prevengio de que esses bens juridicos possam ser lesados reafirma a autotidade da norma enquanto elemento dda estrutura social”. A norma niio pretende (...) proteger-se a si mesma, ‘mas antes proteger os bens ¢ valores nela contidos p. 762. ido ROXIN, GA 2011, p. 678 GA 2003, p. 863 e ss. (866). POLAINO NAVARRETE, Scientia Universalis (nota 6), p. 176. PoLalNo NavaRRETE, Scientia Universalis (nota 6), p. 181; também Scrensrst, Scientia Universalis (nota 6), p. 183 ¢ ss. (187) chega & conclusdo de que "no pode reconhecer-se a protegdo da norma como um bem juridico-penal”. ss. (690 e ss). Coins Era” RPC 23 (20

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