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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2023.0000489677

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1023722-42.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ZINCOLIGAS
INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, é apelado HERVAQUÍMICA INDÚSTRIA E
COMÉRCIO LTDA (MASSA FALIDA).

ACORDAM, em 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal


de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V.
U. INDICADO PARA JURISPRUDÊNCIA. SUSTENTOU: ADVª. Fernanda Aquino
Lisboa (OAB/SP 244.402)", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO


NEGRÃO (Presidente), NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA E SÉRGIO SHIMURA.

São Paulo, 13 de junho de 2023

RICARDO NEGRÃO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

VOTO Nº : 44.460 (FALDIGP)


APEL. Nº : 1023722-42.2020.8.26.0100
COMARCA : SÃO PAULO
APTE. : ZINCOLIGAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA
APDO. : HERVEQUIMICA INDUSTRIA E COMÉRCIO LTDA
(MASSA FALIDA)

APELAÇÃO FALÊNCIA AÇÃO DE INEFICÁCIA DE


ATO JURÍDICO MÉRITO Pretensão de modificação da
r. sentença e afastamento da ineficácia do ato, proferida em
sentença Ineficácia da adjudicação de bens imóveis ocorrida
no termo legal da falência nos termos do art. 129, II e VI, da
Lei 11.101/05 Hipótese que se enquadra em simples
declaração de ineficácia (LREF, art. 129) e não de ação
revocatória (LREF, art. 130) Sentença de procedência
mantida Atualização monetária Marco fixado na sentença
correto Honorários recursais Valor arbitrado por
equidade e razoabilidade Honorários recursais Majoração
de ofício (CPC, art. 85, § 11) Recurso desprovido.

Dispositivo: negaram provimento ao recurso e majoraram a


verba honorária recursal.

Recurso de apelação interpostos por Zincoligas Indústria e


Comercio Ltda. , dirigido à r. sentença proferida pelo Exmº. Dr. João de
Oliveira Rodrigues Filho, MM. Juiz de Direito da E. 1ª Vara de Falências e
Recuperações Judiciais da Capital (fl. 950-951), que julgou procedente a
denominada “ação de ineficácia de ato”, ajuizada pela Massa Falida de
Hervaquímica Indústria e Comércio Ltda. (fl. 1-20).

O nobre Julgador singular fundamentou o decreto


sentencial com os seguintes argumentos jurídicos (fl. 951):

[..]

Vê-se dos autos, conforme entendimento trazido pela própria


administradora judicial, às fls. 939/942, que o ato de adjudicação
ocorreu dentro do termo legal falimentar, fixado no 90º dia
anterior à data da distribuição do pedido de recuperação
judicial, e também dentro do período de suspensão das ações,
nos termos do art. 6º, §4º, da Lei n. 11.101/05 ou seja, em
19.07.2010 a 16.01.2011, portanto, claramente ineficaz em
relação à massa.

Todavia, como bem salientado pelo Ministério Público, nos autos


da execução supramencionada, não foi ele ouvido, tampouco a
administradora judicial, de modo que a intimação desta seria, de

Apelação Cível nº 1023722-42.2020.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 44460 2/12


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fato, imprescindível, como do representante da massa falida (fls.


931/937).

Assim sendo, JULGO PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO a


fim de declarar o ato nulo, amparado pelo art. 76, parágrafo
único, da Lei n. 11.101/05 uma vez que, se ineficaz, seria
perfeito entre as partes, o que não é admissível no caso concreto
com retorno dos bens imóveis ao patrimônio da requerente, ou
mesmo valor equivalente em espécie, devidamente atualizado
desde a assinatura do auto de adjudicação até o efetivo
pagamento, ante o disposto do art. 182 do Código Civil.

Custas pela requerida. Honorários de sucumbência fixados em


R$ 5.000,00, por equidade.

P.R.I.

São Paulo, 14 de dezembro de 2021.

Nas razões recursais, em apertada síntese, a apelante


repetindo as teses da contestação, alega ter adjudicado os bens imóveis em
novembro de 2012 (fl. 388-390) com as devidas averbações nas matrículas (fl.
428 e 442).

Defende que a recuperação judicial foi distribuída em 23 de


setembro de 2008 (fl. 741) e não em 15 de março de 2010, que forma que o
termo legal falimentar fixado no 90º dia anterior à data da distribuição do
período recuperacional iniciou-se em junho de 2008.

Diz que o período de suspensão das ações, indicados pela r.


sentença (19.07.2010 e 16.01.2011) não correspondem a realidade fática, nos
termos do art. 6º, §4º, da Lei nº 11.101.05, na medida em que o deferimento do
processamento da recuperação judicial foi proferida em 30 de outubro de 2008
(fl. 24-26), projetando assim, a suspensão a partir de novembro de 2008 a abril
de 2009.

Nesse compasso, argumenta que a adjudicação não ocorreu


dentro do termo legal fixado na falência e tampouco, no período de suspensão,
não havendo que se falar em ineficácia do ato como proferido pela r. sentença.

Pontua, ainda, que quanto a assertiva de ausência de


intimação do administrador judicial, este recebia intimações dos autos nº
0190873-70.2008.8.26.0100 na pessoa da advogada Adriana (OAB 157111/SP)
(fl. 594, 73,734), indicando que houve plena ciência da administradora quanto
a cessão de crédito realizada em favor da apelante e posteriormente da
adjudicação dos bens imóveis, com a intimação de decisão proferida nos autos

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nº 0104474-38.2008.8.26.0100.

Defende a impossibilidade de reconhecimento da ineficácia


objetiva do ato de adjudicação dos bens imóveis, e, a inaplicabilidade ao caso
concreto do artigo 129, incisos I ao VII, da Lei 11.101/05.

Pondera que o feito desafia a aplicação do artigo 130 da Lei


11.101./05 ineficácia subjetiva , e sob esse artigo é que deve ser analisada,
com a demonstração de conluio fraudulento para que seja procedente.

Narra que houve legalidade na adjudicação realizada nos


autos da execução nº 0104474-38.2008.8.26.0100 ajuizada em 16 de janeiro de
2008, após regular citação o imóvel foi indicado para penhora em maio de 2008
(fl. 527-531), ocasião em que foi avaliado em R$ 1.443.000,00 (fl. 53-533).

Argumenta que foi expedido termo de penhora e a devida


intimação da executada (fl. 535-536) a respeito da constrição. Sobrevindo a
homologação da avaliação e o devido aceite pela exequente, fora determinado a
expedição de carta precatória para praceamento (fl. 541), todavia, as partes
celebraram acordo (fl. 542-550), que foi homologado pelo Juízo (fl. 551).
Continua informando que o acordo não foi cumprido a execução prosseguiu em
março de 2011 (fl. 552-554) com pedido de alienação dos imóveis por meio de
leilão eletrônico (fl. 556-557), tendo a requerida assumido o polo ativo e
requerido a adjudicação dos imóveis, viabilizando a extinção as três ações de
execução (fl. 580-582).

Aduz que as execuções foram ajuizadas em 3 de setembro


de 2008 e 15 de outubro de 2007, todas instruídas com os títulos legais, antes
do pedido de recuperação.

Conclui que (i) as execuções foram ajuizadas antes do


processamento da recuperação judicial, e que as penhoras foram todas
realizadas antes do plano de recuperação; (ii) os créditos não se sujeitavam aos
efeitos da recuperação judicial; (iii) as execuções prosseguiram após o prazo de
180 dias previsto na LREF sem qualquer óbice, inclusive dos juízes das
respectivas execuções; (iv) a adjudicação se deu após o período de fiscalização,
no momento em que já havia pedido de encerramento da recuperação judicial e
quatro anos antes da decretação da falência; e, (v) o valor atualizado do débito,
à época da homologação do acordo, era superior ao valor do imóvel.

Anotou que a adjudicação foi formalizada mediante


sentença judicial, num ato jurídico e perfeito.

Aduz que a apelada “ deliberadamente colocou as datas


diversas da distribuição da recuperação judicial, decretação da falência e da
adjudicação dos imóveis, com intuito de induzir em erro o magistrado, como se
o procedimento que transferiu a propriedade para a Apelante tivesse ocorrido

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dentro do termo legal falimentar e no período de suspensão das ações .”;


devendo ser condenada por litigância de má-fé nos termos do art. 80, II, do
CPC.

Subsidiariamente, a recorrente defende que na hipótese de


se manter a r. sentença, constar a boa-fé da apelante para fins de direito, e na
possibilidade de pagamento correspondente aos imóveis, se mostra incabível a
atualização a parir da assinatura do auto de adjudicação, conforme constou da
r. sentença, mas a partir da citação da presente ação ou do seu ajuizamento.

Agrega que no tocante aos honorários advocatícios


sucumbenciais, estes devem ser revisto com base no art. 85, § 2º, do CPC,
estimando seu arbitramento por equidade em R$ 3.000,00, ou outro valor mais
adequado a critério do Colegiado.

Finalmente, postula pelo provimento do recurso, para


reformando a r. sentença julgar improcedente o pedido inicial, invertendo-se o
ônus da sucumbência, e alternativamente, reconhecer a boa-fé da apelante na
aquisição dos bens para fins de direito, bem como fixar a atualização a partir
da citação ou do ajuizamento da presente ação (fl. 956-975).

Preparo em fl. 976-978.

Recurso não respondido pela Massa Falida.

Parecer Ministerial firmado pelo Exmo. Promotor de


Justiça, Dr. Danilo Roberto Mendes, pelo não provimento do recurso (fl. 990-
992).

Tempestividade anotada. A r. sentença foi disponibilizada


no DJE no dia26 de janeiro de 2022 (fl. 952) e o recurso de apelação foi
interposto no dia 15 de fevereiro de 2022 (fl. 956), no prazo legal.

A recorrente opôs-se ao julgamento virtual (fl. 987).

Autos distribuídos por prevenção ao julgamento da


Apelação nº 0199374-13.2008.8.26.0100, em 9 de agosto de 2022 (fl. 982), vindo
conclusos em 23 de agosto de 2022 (fl. 994).

É o relatório do essencial.

I. DO MÉRITO RECURSAL

A presente demanda, versa sobre pedido declaratório de


ineficácia de negócio jurídico ajuizado pela Massa Falida de Hervaquímica
Indústria e Comércio Ltda., em face de Zincoligas Indústria e Comércio Ltda.,

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com fundamento no art. 129, incisos II e VII, da Lei nº 11.101/2005, com o


objetivo de declarar ineficaz a alienação (adjudicação) dos bens imóveis
registrados sob as matrículas nº 12.162 e 12.163 perante o Oficial de Registro
Itaquaquecetuba (SP).

A r. sentença julgou procedente o pedido da Massa Falida,


com a seguinte decisão (fl. 951):

[..]

Assim sendo, JULGO PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO a


fim de declarar o ato nulo, amparado pelo art. 76, parágrafo
único, da Lei n. 11.101/05 uma vez que, se ineficaz, seria
perfeito entre as partes, o que não é admissível no caso concreto
com retorno dos bens imóveis ao patrimônio da requerente, ou
mesmo valor equivalente em espécie, devidamente atualizado
desde a assinatura do auto de adjudicação até o efetivo
pagamento, ante o disposto do art. 182 do Código Civil.

Custas pela requerida. Honorários de sucumbência fixados em


R$ 5.000,00, por equidade.

P.R.I.

São Paulo, 14 de dezembro de 2021.

Pela cronologia dos atos, extrai-se dos autos que em 23 de


setembro de 2008 ocorreu a distribuição do pedido de recuperação judicial pela
empresa Hervaquímica Indústria e Comércio Ltda. (fl. 24).

O processamento da recuperação judicial ocorreu em 30 de


outubro de 2008 (fl. 24).

Em 12 de janeiro de 2009 , foi apresentado o plano


recuperacional (fl. 29-307), no qual se indicaram os bens imóveis pertencentes
à sociedade empresarial registrados sob as matrículas nº 48.240 e nº 48.241
(atuais nº 12.162 e nº 12.163).

Os respectivos bens imóveis foram adquiridos por


adjudicação pela recorrente Zincoligas em 9 de outubro de 2012 , mediante o
processamento da execução de título extrajudicial (autos nº
0104474-38.2008.8.26.0100) que tramitou perante a 41ª Vara Cível da Capital
(fl. 369-387).

Houve r. decisão judicial considerando cumprido o plano


recuperacional e decretando seu encerramento em 9 de dezembro de 2013 .

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Em 29 de maio de 2017 , por decisão desta 2ª Câmara


Reservada de Direito Empresarial, foi anulada a sentença que decretou o
encerramento da recuperação (fl. 339-348).

Em 12 de setembro de 2017 sobreveio r. sentença


convolando a recuperação judicial em falência, fixando o termo legal em 90
dias anterior ao pedido de recuperação judicial (fl. 349-352).

Nesse quadro, se a recuperação judicial foi distribuída em


23 de setembro de 2008 e o processamento da recuperação judicial ocorreu em
30 de outubro de 2008, e a adjudicação ocorreu somente em 9 de outubro de
2012, é evidente que essa adjudicação ocorreu dentro do termo legal
falimentar, isto é, no espaço de 90 dias que antecede a data de distribuição do
pedido recuperação judicial, e, também, dentro do período de suspensão das
ações, nos termos do art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/05.

O prazo legal fixado como termo da falência, foi o 90º dia


anterior ao pedido de recuperação judicial, nos termos do artigo 99, inciso II,
da Lei de Falência.

Consideradas a data de distribuição do pedido


recuperacional (23/09/2008) ou a data que deferiu seu processamento
(30/10/2008), o lapso temporal retrocede para a data de 23/06/2088 e
30/07/2008, respectivamente, restando, portanto, incontroverso que a
adjudicação ocorrida em 9 de outubro de 2012, nos autos da execução de título
extrajudicial, encontra-se abrangido pelo lapso temporal e legal.

No tocante à questão da aquisição de boa-fé, melhor sorte


não socorre a recorrente.

Nesse quadro, busca a apelante a inaplicação do art. 129


da LREF e postula pela incidência do artigo 130 da mesma Lei.

De início, há que se esclarecer que são dois (2) os


instrumentos legais para tornar sem efeito certos atos em relação à massa
falida, a saber, a simples declaração de ineficácia (LREF, art. 129) e a ação
revocatória stricto sensu, também denominada ineficácia subjetiva (LREF, art.
130), que diferem essencialmente uma da outra, porque a primeira funda-se
em situações taxativa e objetivamente arroladas na lei, não exige prova de
fraude e condiciona-se a certo prazo em relação à falência; a segunda abrange
um grande número de situações não reguladas pelo legislador, exige prova de
fraude entre o devedor e terceiro, não se prende a um lapso temporal, bastando
a demonstração de que houve intenção de prejudicar credores.

Outra distinção: a declaração de ineficácia nem sempre


exige iniciativa em ação própria, podendo ser declarada de ofício pelo juiz nos
autos falimentares e, ainda, ser apreciada em defesa ou em pedido incidental

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em outra ação movida contra ela (LREF, art. 129, parágrafo único).

Os casos de ineficácia abrangem quatro situações que


ocorrem dentro do termo legal de quebra (LREF, art. 129, I, II e III, e 73, VI, §
2º); duas relativas a atos praticados no período de dois anos anteriores à
sentença de falência (incisos IV e V), e uma em que não se leva em conta o
aspecto temporal (inciso VI) e outra que considera o ato praticado após o
decreto falimentar (inciso VII).

No caso em exame estamos diante da ação declaratória de


ineficácia objetiva prevista na LREF, art. 129, incisos II e VI, isto é, estamos
diante da hipótese em que a ineficácia do ato não depende de prova da
existência de má-fé do devedor e do comprador.

Como constou dos autos, o início do período suspeito da


falência iniciou-se em 23/06/2088 e 30/07/2008, respectivamente, e a
adjudicação somente ocorreu em 9 de outubro de 2012, ou seja, dentro do
período legal da falência, abrangido pelo artigo 129, da LREF.

Em casos como o examinado, havendo protestos por


inadimplência e já caracterizada a impontualidade, os credores buscam
satisfazer seus créditos, numa verdadeira corrida aos bens livres e
desembaraçados e acabam por incorrer numa das hipóteses previstas no art.
129 da LREF: forçam o pagamento de dívida não vencida ou recebem o valor
de dívidas vencidas por meio extintivo não previsto em contrato ou, ainda,
constituem direitos de garantia, tudo dentre do chamado período suspeito.

No período suspeito, e por essa razão recebe esse título, os


atos externos do devedor revelam sua situação de dificuldade financeira.

Sobre isso, este Relator teve oportunidade de escrever em


Curso de Direito Comercial, Saraiva: São Paulo, v. 3, p. 568-569:

Normalmente, o pagamento de dívidas vencidas se faz em


dinheiro, e o devedor não terá agido irregularmente se, não
podendo entregar a coisa exigida no contrato determinada
pelas partes , o fez por meio de seu equivalente em moeda.

Igualmente, o pagamento por meio de entrega de títulos de


crédito de terceiros, cheque de sua emissão ou remessa bancária
de dinheiro se equivalem e são formas ordinárias de saldar
dívidas mercantis.

O que a lei veda é a entrega de coisa diversa daquela


mencionada no contrato que não seja dinheiro ou título
equivalente, na forma de dação em pagamento. Spencer Vampré
(1922, 3:437) lembra que “essa forma de pagamento é, mais do
que qualquer outra, suspeita, pois não só exorbita das práticas

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comerciais, como também porque o devedor paga dívida, a que


não era diretamente obrigado, enquanto a sociedade continuasse
solvente”.

Evidente que, no uso do comércio, o pagamento que se faz com


bens do ativo ou com a cessão de outros bens que não aqueles
previstos no contrato implica verdadeira execução antecipada de
um credor em detrimento de toda a comunidade de credores; é
um exercício de inusitada corrida aos bens do devedor
manifestamente insolvente, com o fim de se evitar o prejuízo da
participação no concurso de credores.

Novamente, a intenção do legislador foi situar os credores


existentes no termo legal de quebra num mesmo plano de
igualdade, de tal sorte que a agilidade de uns em se socorrer de
meios que, uma vez admitidos pelo devedor, evidenciam seu
estado de falência seja anulada pela declaração de ineficácia.

Os fundamentos para a improcedência do pedido inicial são


muito claros e estão documentados nestes autos, conforme constou da r.
sentença, ora transcritos (fl. 951):

[..]

Vê-se dos autos, conforme entendimento trazido pela própria


administradora judicial, às fls. 939/942, que o ato de adjudicação
ocorreu dentro do termo legal falimentar, fixado no 90º dia
anterior à data da distribuição do pedido de recuperação
judicial, e também dentro do período de suspensão das ações,
nos termos do art. 6º, §4º, da Lei n. 11.101/05 ou seja, em
19.07.2010 a 16.01.2011, portanto, claramente ineficaz em
relação à massa.

Todavia, como bem salientado pelo Ministério Público, nos autos


da execução supramencionada, não foi ele ouvido, tampouco a
administradora judicial, de modo que a intimação desta seria, de
fato, imprescindível, como do representante da massa falida (fls.
931/937).

Assim sendo, JULGO PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO a


fim de declarar o ato nulo, amparado pelo art. 76, parágrafo
único, da Lei n. 11.101/05 uma vez que, se ineficaz, seria
perfeito entre as partes, o que não é admissível no caso concreto
com retorno dos bens imóveis ao patrimônio da requerente, ou
mesmo valor equivalente em espécie, devidamente atualizado
desde a assinatura do auto de adjudicação até o efetivo
pagamento, ante o disposto do art. 182 do Código Civil.

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Custas pela requerida. Honorários de sucumbência fixados em


R$ 5.000,00, por equidade.

P.R.I.

São Paulo, 14 de dezembro de 2021.

Nesse diapasão, por se tratar da previsão expressa no


artigo 129 da LREF (declaratória de ineficácia), que se funda em situações
taxativas e objetivamente arroladas na lei, não há necessidade de
apresentação de prova de fraude ou de que a transmissão se deu de boa-fé. O
ato é objetivamente ineficaz em relação à massa.

Outrossim, a circunstância fática que envolve a alienação


exige a aplicação do art. 138 da LREF que dispõe expressamente que “o ato
pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que praticado com base em
decisão judicial, observado o disposto no art. 131 desta Lei” (que trata de
previsão de alienação no plano recuperatório).

Sobre isso, anteriormente o Relator anotou na obra


mencionada, p. 588:

Há de distinguir aqui as esferas de eficácia da coisa


anteriormente julgada. Considerando que a alienação da coisa
pertencente ao devedor se deu antes de conhecido o estado de
falência judicial, evidencia-se que o que se dará a conhecer na
ação revocatória é tão somente a matéria nova, relativa à
eficácia dos atos praticados dentro do termo legal, no biênio
anterior ao decreto falimentar, relativamente ao estabelecimento
empresarial e ao registro imobiliário ou à prática de atos com
intenção de prejudicar os credores. Ignora o juiz sentenciante a
possibilidade de a prática de atos de execução de sua sentença
vir a prejudicar ou atingir direitos de credores de falência ainda
não decretada.

É da eficácia dessa sentença anterior, no que se refere à nova


realidade falencial, que trata o art. 138 da Lei Falimentar. Não
há rescisão da sentença anterior, nem violação da coisa julgada,
mas tão somente óbice à irradiação de seus efeitos em razão da
nova realidade concursal.

Nesse compasso, permanecem os efeitos da declaração de


ineficácia objetiva prevista no art. 129 da LREF, sendo irrelevante a alegação
de aquisição de boa-fé ou mesmo de que a eficácia da alienação só poderia ser
declarada se a arrecadação estivesse averbada na matrícula do imóvel.

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Com efeito, a alienação de bem integrante do patrimônio


da falida dentro do período suspeito, ainda que desconhecida a situação
financeira ou sem o intuito de fraudar credores, é ineficaz em relação à massa.

Nesse sentido:

REQUERIMENTO DE ALVARÁ JUDICIAL ALIENAÇÃO DE


VEÍCULO DENTRO DO TERMO LEGAL INEFICÁCIA DA
VENDA EM RELAÇÃO À MASSA CIÊNCIA DA SITUAÇÃO
FINANCEIRA OU DOLO IRRELEVÂNCIA
INTELIGENCIA DO ART. 129, VII, DA LEI 11.101/05 Nos
termos do art. 129, VII, da Lei 11.101/05, é ineficaz em relação à
massa falida o negócio referente à compra e venda de veículo da
empresa falida realizada dentro do período suspeito,
independentemente de ciência da situação ou intenção de
fraudar credores. (TJMG; AC 10024089790364001; 1ª Câmara
Cível; Rel. Des. Geraldo Augusto, Julgado em 04/08/2009, DJe.
21/08/2009).

Os argumentos lançados pela apelante sobre a


jurisprudência colacionada nas razões recursais, não se aplicam ao caso
concreto, porque os precedentes indicados referem-se à ação revocatória,
prevista no artigo 130 da LREF, e o caso em exame encaixa-se no artigo 129
da LREF.

Outrossim, verifica-se que nos autos da adjudicação não


houve atuação do Ministério Público nem do Administrador Judicial.

Dessa forma, forçoso reconhecer a ineficácia objetiva da


transferência dos imóveis objeto desta ação, tal como sentenciado, devendo
esta tomar todas as medidas judiciais cabíveis em relação aos bens e, cabendo
ao apelante, na forma do artigo 136, caput , § 2º da LREF, obter junto a
alienante o ressarcimento que entender devido.

Também não procede o pedido alteração do marco de


incidência da atualização monetária nos moldes das razões recursais, tendo em
vista que o marco correto é exatamente aquele em que ocorre a adjudicação.

No tocante aos honorários advocatícios de sucumbência,


fixados pela r. sentença singular, não há que se falar em revisão do quantum
arbitrado no valor de R$ 5.000,00, tendo em vista que não há qualquer
fundamento ou base jurídica para alterar a decisão, como pretende a
recorrente, já que o valor obedece aos princípios da equidade e razoabilidade.

Finalmente não há que se falar em litigância de má-fé, em


razão da inexistência de qualquer violação das hipóteses previstas no artigo 80

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

do Código de Processo Civil de 2015.

Atento à regrado do art. 85, § 11, do Código de Processo


Civil, majora-se a verba honorária recursal de R$ 5.000,00 para R$ 6.500,00.

II. DISPOSITIVO

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso,


majorando-se a verba honorária recursal nos termos do artigo 85, § 11, do
CPC/2015.

RICARDO NEGRÃO
RELATOR

Apelação Cível nº 1023722-42.2020.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 44460 1 2/12

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