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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000395152

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


2183152-85.2021.8.26.0000, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é agravante
BANCO BRADESCO CARTÕES S.A., é agravado SERGIO FRANCISCO DE
SOUSA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 24ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JONIZE SACCHI


DE OLIVEIRA (Presidente sem voto), PLINIO NOVAES DE ANDRADE JÚNIOR
E WALTER BARONE.

São Paulo, 25 de maio de 2022.

SALLES VIEIRA
Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 41717


AGRV.Nº: 2183152-85.2021.8.26.0000
COMARCA: RIBEIRÃO PRETO 10 VARA CÍVEL
AGTE. : BANCO BRADESCO CARTÕES S/A
AGDO. : SERGIO FRANCISCO DE SOUSA
JUIZ PROLATOR: REBECA MENDES BATISTA

“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO


DECLARATÓRIA C.C. INDENIZATÓRIA
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA IMPUGNAÇÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO ENDEREÇO DIVERSO I-
Decisão agravada que rejeitou a impugnação apresentada
pelo réu, ora agravante, afastando a alegação de nulidade de
sua citação no processo de conhecimento, aplicando, ainda,
pena por litigância de má-fé II- Fase de conhecimento
julgada à revelia do agravante Citação que é indispensável
para a validade do processo Carta de citação encaminhada
para endereço diverso da sede do agravante ou de suas
filiais Citação que não pode ser admitida em endereço
diverso da sede, filial ou sucursal do agravante Teoria da
aparência que pressupõe, para a validade da citação, que
esta se concretize no local onde situada a sede ou filial da
pessoa jurídica Teoria afastada, na hipótese - Nulidade da
citação reconhecida, ficando anulados todos os atos
processuais subsequentes, determinando-se o
prosseguimento do feito com vistas à parte requerida para
apresentação de defesa, em quinze dias, da data da
intimação desta decisão Impugnação acolhida, nos termos
do art. 525, §1º, I, do NCPC, com a imposição de ônus
sucumbenciais - Inteligência do art. 85, §§ 1º e 11, do
NCPC e Súmula nº 519 do STJ Decisão reformada
Agravo provido”.

“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Agravante que nada mais fez


do que postular, fundado em matéria fática e jurídica, dentre
teses possíveis, as que entendeu serem adequadas e
razoáveis Agravante que não desrespeitou nenhum dos
artigos que tratam da litigância de má-fé e não causou
prejuízo à parte Condenação do agravante ao pagamento
de multa pela litigância de má-fé afastada Agravo
provido.”

Agravo de Instrumento nº 2183152-85.2021.8.26.0000 -Voto nº 41717 2


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Agravo de instrumento interposto em


06/08/2021, tirado de ação declaratória de inexistência
de débito c.c. pedido de indenização por danos morais, em
fase de cumprimento de sentença, em face da r. decisão
publicada em 16/07/2021, que rejeitou a impugnação
apresentada pelo réu, ora agravante, afastando a alegação
de nulidade de sua citação no processo de conhecimento,
aplicando, ainda, pena por litigância de má-fé.

Alega o agravante que a citação ocorreu na


Alameda Rio Negro, nº 584, 14º andar, sendo certo que seu
endereço é na Alameda Rio Negro, nº 585, 15º andar.
Sustenta a nulidade da citação, havendo violação ao
contraditório, ampla defesa e devido processo legal,
culminando com a nulidade de todos os atos processuais
posteriores à citação. Aduz inexistir litigância de má-fé
de sua parte, mas apenas defesa de seus direitos
constitucionais. Requer o provimento do recurso, com a
reforma da r. decisão agravada, anulando-se todas as
decisões a partir da citação, inclusive da fase de
cumprimento de sentença, com o retorno do processo à fase
de conhecimento, bem como o afastamento de sua condenação
às penas da litigância de má-fé.

Agravo processado com suspensividade (fls.


29/30).

Contraminuta do agravado às fls. 35/42.

É o relatório.

Trata-se de agravo de instrumento tirado


de ação declaratória de inexistência de débito c.c.
pedido de indenização por danos morais, movida pelo
agravado em face do banco agravante, a qual foi julgada
procedente, à revelia do agravante, para declarar a
inexistência do débito, bem como para condenar o réu a
pagar ao autor, a título de indenização por danos morais,
a quantia de R$10.000,00 (fls. 72/81 dos autos da ação de
conhecimento). Houve trânsito em julgado em 13/08/2020
(fls. 84 dos autos da ação de conhecimento).

Iniciada a fase de cumprimento de


sentença, procedeu-se à intimação do agravante, por carta
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endereçada o Núcleo Cidade de Deus, nº 1.376, Vila Yara,


Osasco/SP (fls. 27 dos autos do cumprimento de sentença).

O banco agravante, então, apresentou


impugnação ao cumprimento de sentença, sustentando, em
síntese, a nulidade de sua citação na fase de
conhecimento, vez que a carta de citação teria sido
endereçada para a Alameda Rio Negro, nº 584, 14º andar,
Alphaville Centro Industrial, Barueri/SP, endereço este
não pertencente ao agravante (fls. 28/39 dos autos do
cumprimento de sentença).

Sobreveio, então, a r. decisão agravada,


que rejeitou a impugnação apresentada pelo agravante, nos
seguintes termos:

“A executada impugnou o presente


cumprimento de sentença, às fls. 28/39 (petição novamente
protocolada às fls. 44/55), alegando nulidade da citação
na fase de conhecimento, sob o fundamento de que o
endereço no qual realizada a citação (fls. 58) não é onde
está estabelecida, pugnando pela declaração de nulidade
da citação e, consequentemente, do processo de
conhecimento. Não juntou documentos.

A executada comprovou o depósito em


garantia do juízo (fls. 41/43) e procuração juntada às
fls. 56/71.

Apresentada resposta pelo exequente às


fls. 72/77, na qual juntou prints de tela do sítio
eletrônico da executada em que consta o endereço no qual
ocorreu a citação, pugnando pela rejeição da impugnação e
o deferimento do levantamento dos valores depositados em
seu favor.

Ante os documentos apresentados, seguiu-se


nova vista à impugnante, que se manifestou às fls. 83/85.

É o breve relatório.

Fundamento e decido.

Sem qualquer razão a executada no tocante


à alegação de nulidade da citação ocorrida no processo
principal, conforme fls. 58 daqueles autos.

A executada sequer trouxe aos autos


qualquer documento hábil a comprovar a alegação de que
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aquele endereço não lhe pertence, ônus que lhe cabia e do


qual não se desincumbiu.

Pelo contrário, juntou procuração em que


consta às fls. 60 exatamente o endereço que foi
diligenciado às fls. 58 dos autos principais, inclusive
conforme alegado pelo exequente ao juntar prints de tela
do sítio eletrônico da própria executada (fls. 73/74), em
que consta que está estabelecida naquele mesmo endereço,
inclusive ressalte-se que se trata de prédio com o nome
'Edifício Bradesco', a afastar qualquer alegação em
sentido contrário.

Por fim, em que pese o endereço em que


entregue a carta de citação não tenha sido aquele
informado na inicial, tal fato não anula o ato, primeiro,
porque conforme se depreende do art. 75, §1º, do Código
Civil, tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos
em lugares diferentes, cada um deles será considerado
domicílio para os atos nele praticados, ademais, tem-se
do artigo 243 do Código de Processo Civil que o réu pode
ser citado em qualquer lugar em que se encontre.

Sendo assim, rejeito a alegação de


nulidade da citação no processo de conhecimento e,
consequentemente, a impugnação apresentada.

Transitada em julgado, expeça-se mandado


de levantamento em favor da parte exequente, com os
acréscimos legais e encerrando-se a conta, observando-se
o formulário juntado às fls. 78/79.

Ante o acima exposto, verificado que a


executada alterou a verdade dos fatos ao alegar que não
está estabelecida no endereço de fls. 58 e que ela mesma
fez prova em sentido contrário, conforme procuração de
fls. 60, de rigor sua condenação em multa por litigância
de má-fé, nos termos do artigo 77, inciso I, cumulado com
o artigo 81 do CPC, a qual fixo em 10% sobre o valor
corrigido da causa, em benefício da parte exequente, nos
termos do artigo 96 do CPC.” (fls. 97/98 dos autos do
cumprimento de sentença).

Contra esta decisão, insurge-se o banco


agravante.

Assim estabelece o art. 248, §2º, do NCPC:

“§2º Sendo o citando pessoa jurídica, será


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válida a entrega do mandado a pessoa com poderes de


gerência geral ou de administração ou, ainda, a
funcionário responsável pelo recebimento de
correspondências.”.

Com efeito, referida teoria dispõe que, em


se
tratando de pessoa jurídica, é considerada válida e
eficaz,
para todos os efeitos e fins legais, a citação feita no
endereço do estabelecimento, na pessoa de funcionário da
empresa, ainda que não detenha poderes de representação.

Verifica-se, portanto, que a teoria da


aparência pressupõe, para a validade da citação, que esta
se
concretize no local onde situada a sede ou filial da
pessoa
jurídica.

Na hipótese, contudo, a carta de citação


no processo de conhecimento foi encaminhada para endereço
diverso da sede do banco agravante ou de alguma de suas
filiais.

Como se vê do AR acostado às fls. 58 dos


autos do processo de conhecimento, a carta de citação foi
enviada para a Alameda Rio Negro, nº 584, 14º andar,
Alphaville Centro Industrial, Barueri/SP.

Ocorre que, consoante se extrai do


“Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral” de
fls. 06, emitido pela Receita Federal, o endereço do
agravante é Alameda Rio Negro, nº 585, bloco D, 15º
andar, Alphaville Industrial, Barueri/SP.

Ainda, contrariamente ao que constou da r.


decisão agravada, consta da procuração de fls. 60 dos
autos do cumprimento de sentença que o banco agravante
possui sede na Alameda Rio Negro, nº 585, bloco D, 15º
andar, Alphaville, Barueri/SP, e não no endereço para o
qual foi enviada a carta de citação.

Do mesmo modo, dos prints de tela do sítio


eletrônico do agravante, juntados pela agravada às fls.
73/74 dos autos do cumprimento de sentença, consta o
endereço do agravante como sendo Alameda Rio Negro, nº
585, 15º andar, Alphaville, Barueri/SP.

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Ora, como se vê, a carta de citação do


banco agravante, no processo de conhecimento, não foi
enviada para o endereço de sua sede ou se suas filiais.

Desta forma, tendo a carta de citação sido


encaminhada para endereço diverso da sede ou filiais do
agravante, de rigor o reconhecimento da nulidade de sua
citação na fase de conhecimento da ação, ficando
prejudicados todos os atos processuais a partir de então.

Ainda que a carta AR, endereçada à Alameda


Rio Negro, nº 584, 14º andar, Alphaville Centro
Industrial, Barueri/SP (fls. 58 dos autos do processo de
conhecimento), tenha sido recebida por uma pessoa de nome
“Clea Caroline”, em 17/10/2019, não há como identificar
que esta pessoa seja funcionária do agravante, justamente
porque a carta de citação foi encaminhada para endereço
diverso da sede do agravante.

Neste sentido, veja-se o entendimento do


C.
STJ:

“Execução. Embargos. Título judicial.


Citação.
Cerceamento de defesa. Ilegitimidade passiva.
Impossibilidade
jurídica do pedido. Coisa julgada. Precedentes da Corte.
1.
Precedentes da Corte há que assentam ter a jurisprudência
'oferecido temperamento quando se trate de citação de
pessoas
jurídicas, admitindo a teoria da aparência, dando por
válida a citação feita na pessoa de quem, na sede,
apresenta-se como
representante legal, recebendo a citação sem qualquer
ressalva. (EREsp nº 156.970/SP, Corte Especial, Relator o
Ministro Vicente Leal, DJ de 22/10/01)' (REsp nº
681.639/SC, Terceira Turma, de minha relatoria, DJ de
12/9/05). (...)” (STJ; 3ª Turma; REsp nº 676208/SC; Rel.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito; julgado em
13/02/2007).

“É válida a citação de pessoa jurídica por


via
postal, quando implementada no endereço onde se encontra
o
estabelecimento do réu, sendo desnecessário que a carta
citatória seja recebida e o aviso de recebimento assinado
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por
representante legal da empresa.” (STJ; 4ª Turma; REsp
nº582.005-BA; Rel. Ministro Fernando Gonçalves; Julgado
em 18/032004).

O entendimento deste Egrégio TJSP não


discrepa:

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TELEFONIA. AÇÃO


DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. CITAÇÃO DE PESSOA
JURÍDICA PELO CORREIO. CORRESPONDÊNCIA DIRIGIDA A
ENDEREÇO
DIVERSO DA SEDE. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR A PESSOA
QUE A RECEBEU COMO REPRESENTANTE DA RÉ. VÍCIO
CARACTERIZADO, A
COMPROMETER TODOS OS ATOS PROCESSUAIS POSTERIORES.
ANULAÇÃO DO PROCESSO 'AB INITIO'. RECURSO PREJUDICADO. A
constatação de que a correspondência de citação foi
dirigida sem constar
expressamente o número da loja da demandada e foi
recebida por pessoa que não pode ser confirmada como seu
representante, além de ter sido encaminhada a endereço
diverso daquele em que se localiza a sede da pessoa
jurídica, leva necessariamente ao reconhecimento da
nulidade do chamamento e enseja a anulação do processo
'ab initio', ficando prejudicados os atos praticados e
daí decorrentes.” (TJSP; 31ª Câmara de Direito Privado;
Apelação nº 100297178.2014.8.26.0606; Rel. Antonio
Rigolin; julgado em 26/01/2016).

“Ação ordinária Impugnação ao cumprimento


de
sentença Nulidade de citação Inaplicabilidade da teoria
da
aparência Citação em pessoa jurídica diversa Citação não
se deu no endereço de nenhuma sucursal da empresa Recurso
provido” (TJSP; 6ª Câmara de Direito Privado; Agravo de
Instrumento nº 206744312.2015.8.26.0000; Rel. Eduardo Sá
Pinto Sandeville; julgado em 12/08/2015).

Inaplicável, por conseguinte, a teoria da


aparência, sendo evidente o prejuízo ao exercício do
direito de defesa do agravante, uma vez que a sentença
foi proferida em primeira instância, à sua revelia.

De rigor, portanto, a reforma da r.


decisão agravada, para, acolhendo a impugnação,
reconhecer a nulidade da citação do banco agravante na
fase de conhecimento da ação, ficando anulados todos os
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atos processuais subsequentes, determinando-se o


prosseguimento do feito com vistas à parte requerida para
apresentação de defesa, em quinze dias, da data da
intimação desta decisão.

Sucumbente, deverá o agravado arcar com o


pagamento das custas e despesas processuais, bem como com
os honorários advocatícios dos patronos do agravante,
fixados em 15% sobre o valor executado (R$13.580,17
fls. 02 dos autos do cumprimento de sentença), nos termos
do art. 85, §§ 1º e 11, do NCPC, c.c. a Súmula nº 519 do
STJ.

No mais, deve ser afastada a condenação do


agravante às penas da litigância de má-fé.

Isto porque, no caso em tela, o agravante


nada mais fez do que postular, fundado em matéria fática
e jurídica, dentre teses possíveis, as que entendeu serem
adequadas e razoáveis.

A pena de litigância de má-fé é aplicada


apenas na hipótese desta restar demonstrada, e em face de
prejuízo efetivo comprovado nos autos.

No caso em exame, o agravante não


desrespeitou nenhum dos artigos que tratam da litigância
de má-fé e não causou prejuízo à parte.

Assim, afasta-se a condenação do agravante


ao pagamento de multa pela litigância de má-fé.

Por fim, fica autorizado o agravante a


proceder ao levantamento da quantia depositada
judicialmente para garantia do juízo (fls. 42/43 dos
autos do cumprimento de sentença).

Ante o exposto, dá-se provimento ao


recurso.

Salles Vieira, Relator

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