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Por tudo isso, a Constituição Federal, consagrando valores como a

dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a


igualdade e proteção dos filhos, o exercício não abusivo da atividade
econômica, deixa de ser um simples documentos de boas intenções
DIREITO CIVIL e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve
ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral,
Prof. Esp. MAURÍCIO CORRÊA subordinando toda a legislação ordinária.

Ementa: 1. Lei de introdução às normas do direito brasileiro. 4. O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO


1.1. Vigência, aplicação, interpretação e integração das leis.
1.2. Conflito das leis no tempo. 1.3. Eficácia da lei no espaço. Em 1969, foi criada uma nova Comissão para rever o Código Civil,
2. Pessoas naturais. 2.1. Existência. 2.2. Personalidade. preferindo elaborar um novo Código em vez de emendar o antigo
2.3. Capacidade. 2.4. Nome. 2.5. Estado. 2.6. Domicílio. 2.7. Direitos (1916).
da personalidade. 2.8. Ausência. 3. Pessoas jurídicas.
3.1. Constituição. 3.2. Extinção. 3.3. Domicílio. 3.4. Sociedades de Tal comissão, composta por JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES,
fato, grupos despersonalizados, associações. 3.5. Sociedades, AGOSTINHO DE ARRUDA ALVIM, SYLVIO MARCONDES, EBERT
fundações. 3.6. Desconsideração da personalidade jurídica. CHAMOUN, CLÓVIS DO COUTO E SILVA e TORQUATO CASTRO,
3.7. Responsabilidade. 4 Bens. 4.1. Diferentes classes. 5. Ato sob a coordenação de MIGUEL REALE, apresentou, em 1972, o seu
jurídico. 5.1. Fato e ato jurídico. 6. Negócio jurídico. 6.1. Disposições Anteprojeto de Código Civil.
gerais. 6.2. Classificação, interpretação. 6.3. Elementos.
6.4. Representação, condição. 6.5. Termo. 6.6. Encargo. Ao ser analisado no Congresso, recebeu inúmeras emendas e ficou
6.7. Defeitos do negócio jurídico. 6.8. Validade, invalidade e nulidade paralisada sua tramitação.
do negócio jurídico. 6.9. Simulação. 7. Atos jurídicos. 7.1. Lícitos e
ilícitos. 8. Prescrição e decadência. Depois de adormecido por longos anos, o projeto foi retornado no
Senado, com a relatoria do Senador JOSAPHAT MARINHO, que
UNIDADE I : A CODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL conseguiu reavivar o interesse na tramitação do novo Código Civil,
sendo aprovado naquela Casa Legislativa, para retorno à Câmara
1. SENTIDO DA CODIFICAÇÃO dos Deputados. (sistema bicameral).
O que é um código? Na câmara dos Deputados, foi designado como Relator o Deputado
RICARDO FIUZA. Após as tramitações, (inclusive como a aprovação
Trata-se de uma lei que busca disciplinar integral e isoladamente
da Resolução CN n. 1, de 31-12-2000) permitiu a revisão do projeto
uma parte substanciosa do direito positivo. Assim, codificação nada
do Código Civil.
mais é que um processo de organização, que reduz a um único
diploma diferentes regras jurídicas da mesma natureza, agrupadas
No ano de 2001, o projeto foi finalmente levado a votação, após as
segundo um critério sistemático.
“atualizações” procedidas pelo relator, Deputado RICARDO FIUZA,
sendo aprovado por acordo de lideranças e levado à sanção
2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
presidencial.
O antecedente histórico é necessário para se falar sobre a
Em solenidade realizada no Palácio do Planalto, foi sancionado, sem
codificação do Direito Civil é, sem dúvida, o Direito Romano.
vetos, o projeto aprovado na Câmara dos Deputados, convertendo-
se na Lei n°. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (publicada no Diário
Segundo o professor FRANCISCO AMARAL afirma: o “legado do
da União de 11-1-2002), o Código Civil Brasileiro, que, dentre outras
direito romano, até hoje existente na cultura do mundo ocidental,
modificações, consagra a unificação parcial do direito privado
traduz-se em alguns institutos de direito civil, como a teoria da
(obrigações civis e comerciais).
personalidade, a capacidade de direito, a teoria dos bens e nos
direitos reais, a teoria da posse, a teoria geral das obrigações e a
5. PRINCÍPIOS NORTEAODRES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
sucessão. E ainda, como princípios fundamentais, a liberdade, no
sentido de uma esfera de atividade própria de cada indivíduo, e a
5.1. Princípio da Eticidade: na busca de compatibilização dos
existência e reconhecimento de direitos certos e precisos do
valores técnicos conquistados na vigência do Código anterior, com a
cidadão. Dessa crença na liberdade surgiu o princípio da autonomia
participação de valores éticos no ordenamento jurídico.
da vontade e a propriedade, como direito subjetivo absoluto” (in
Direito Civil – Introdução, 3 ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2000, p.
5.2. Princípio da Socialidade: surge em contrapartida à ideologia
113).
individualista e patrimonialista do sistema de 1916. Por ele, busca-se
preservar o sentido da coletividade, muitas vezes em detrimento de
3. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
interesses individuais. Por isso, foram positivados no prestígio à
função social do contrato e à natureza da posse.
Neste aspecto, avalia o professor ORLANDO GOMES: “Essa
condensação dos valores essenciais do direito privado passou a ser
5.3. Princípio da Operabilidade: importa na concessão de maiores
cristalizada no direito público. Ocorreu nos últimos tempos o
poderes hermenêuticos ao magistrado, verificando, no caso
fenômeno da emigração desses princípios para o Direito
concreto, as efetivas necessidades a exigir a tutela jurisdicional.
Constitucional. A propriedade, a família, o contrato, ingressaram nas
Constituições. É nas Constituições que se encontram hoje definidas
as proposições dos mais importantes institutos do direito privado”.
(In agonia do Código Civil – Editora Ciência Jurídica, s.d. p. 76.).

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UNIDADE II : LEI DE INTRODUÇÃO AO DIREITO BRASILEIRO conteúdo. Reforçando a questão, temos como competência privativa
(Redação dada pela Lei nº 12.376, 30 de dezembro de 2010). – LEI da União, o disposto no art. 22 da CR/88, sendo inconstitucional
DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL (Decreto Lei n. 4.657, de qualquer norma estabelecida por outra entidade federativa em
4 de setembro de 1942) relação à matéria ali constante.

1. O OBJETIVO DE UMA LEI DE INTRODUÇÃO AO DIREITO 2.3. Da Eficácia: é a qualidade da norma que se refere à aptidão
BRASILEIRO para a produção concreto de efeitos. Do ponto de vista teórico, a
eficácia pode ser:
A finalidade da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro é muito mais
ampla do que a primeira intelecção literal possa depreender. 2.3.1. Social : produção concreta de efeitos, porque presentes as
condições fáticas exigíveis para seu cumprimento. (ex. uso
Na definição da Professora Maria Helena Diniz1, sua função, não é, obrigatório de equipamento não existente no mercado (sem qualquer
tecnicamente, reger relações sociais, “mas sim as normas, uma vez eficácia social / uso obrigatório do cinto de segurança/CNT, poder
que indica como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhes a coercitivo - multas).
vigência e eficácia, suas dimensões espácio-temporais, assinalando
suas projeções nas situações conflitivas de ordenamento jurídicos 2.3.2. Técnica : produção de efeitos, porque presentes as condições
nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de técnico-normativas exigíveis para sua aplicação. (vide inciso I do art.
conexão. Como se vê, engloba não só o direito civil, mas também 7º da CR/88).
todos os diversos ramos do direito privado e público, notadamente a
seara do direito internacional privado. A lei de Introdução é o 2.4. Do Vigor das Normas (ou força da norma) : diz respeito à
Estatuto de Direito Internacional Privado2; é uma norma cogente força vinculante da norma, isto é, à impossibilidade de os sujeitos
brasileira, por determinação legislativa da soberania nacional, subtraírem-se ao seu império.
aplicável a todas as leis”.
Na abalizada opinião do professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR,
Assim, trata-se de uma norma máxima de hermenêutica, que, além avalia: “é possível dizer, diante do exposto, que uma norma pode ser
da evidente importância para a soberania nacional, regula a vigência válida, mas não ser ainda vigente (caso da vacatio legis3); ser válida
e a eficácia de todas as outras, trazendo critérios para os seus e vigente, mas não ter eficácia (tanto no sentido da efetividade
conflitos no tempo e no espaço, bem como estabelecendo quanto de eficácia técnica); não ser válida nem vigente e, no
parâmetros para a interpretação normativa (art. 4º) e garantindo a entanto, ter força ou vigor, o que fundamenta a produção retroativa
eficácia global do ordenamento positivo, ao não admitir o erro de dos efeitos (ultratividade), isto é, embora revogada, ela ainda
direito (art. 3º) e ao reconhecer a necessidade de preservação das conserva sua força vinculante e pode, por isso, produzir
situações consolidadas em que o interesse individual prevalece (art. concretamente efeitos”.
6º).
3. APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS
2. VIGÊNCIA, VALIDADE, EFICÁCIA E VIGOR DAS NORMAS
A norma jurídica é, em si, abstrata, apenas trazendo previsões
2.1. Da Vigência: é um critério puramente temporal. Refere-se, impessoais e genéricas regular indefinidamente as relações da
precisamente, ao período de validade da norma, ou seja, o lapso sociedade. Quando determinado fato individual se enquadrar
temporal que vai do momento em que ela passa a ter força perfeitamente no conceito abstrato da norma, estará o aplicador
vinculante até a data que é revogada ou em que se esgota o prazo realizando o que se convencionou a chamar de subsunção do fato à
prescrito para sua duração (no caso de normas temporárias). norma, o que impõe uma adequada interpretação do conteúdo
normativo.
2.2. Da validade: A noção de validade da norma é um aspecto
dogmático fundamental, pois significa a sua identificação como Todavia, nem sempre é possível encontrar tão facilmente a norma
compatível ao sistema jurídico que integra, sendo um critério aplicável ao caso concreto, devendo o magistrado se valer das
puramente lógico-formal. fontes do Direito (Lei, costumes, jurisprudência, doutrina, analogia,
princípios gerais do direito e na equidade) para, em caso de
A validade de uma norma pode se verificar sob dois aspectos: omissões legislativas, realizar a chamada integração normativa.

2.2.1. Formal: observância das normas referentes a seu processo 3.1. Interpretação das normas: a hermenêutica jurídica tem por
de criação. Assim, enfocando uma regra de validade sobre o objeto o estudo sistemático das técnicas de interpretação da norma
momento da edição normativa, temos como exemplos os §§ 1º e 2º jurídica. Toda norma precisa ser interpretada para que revele sua
do art. 60 da CR/88. Qualquer emenda constitucional que não significação e a regra que é o seu sentido.
observe tal procedimento será formalmente inválida.
A finalidade da interpretação normativa é: 1. revelar o sentido da
2.2.2. Material: se houve observância da matéria passível de norma e, 2. fixar seu alcance.
normatização (ex. CR/88, arts. 21 a 24, 29 e 30, 48, etc) por parte
das entidades federativas, ou se houve incompatibilidade de Várias técnicas são utilizadas pelo aplicador do direito na tarefa de
interpretar a norma, sendo os métodos mais conhecidos:
1 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro → literal: também conhecido como interpretação gramatical;
Interpretada. 7 ed., São Paulo : Saraiva, 2001, p. 4.
2 Direito Internacional Privado: é o conjunto de normas internas de um país,
instituídas especialmente para definir se a determinado caso se aplicará a
lei local ou a lei de um Estado estrangeiro, o que é, como visto, a própria
finalidade da Lei de Introdução ao Código Civil. (In Novo curso de direito
civil, volume I : parte geral : Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona 3 VACATIO LEGIS é justamente o período em que a lei, embora publicada,
Filho. – 7. Ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2006. p. 60) aguarda a data de início de sua vigência.
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→ lógico: utilização de raciocínios lógicos (dedutivos ou indutivos) Estados modernos têm permitido que, em seu território, se apliquem,
para análise metódica da norma em toda sua extensão, em determinadas hipóteses, normas estrangeiras, admitindo assim o
desvendando-se seu sentido e alcance. sistema da extraterritorialidade, para tomar mais fáceis as relações
→ sistemático: análise da norma a partir do ordenamento jurídico internacionais, possibilitando conciliar duas ou mais ordens jurídicas
de que é parte, relacionando-a com todas as outras com o mesmo pela adoção de uma norma que dê solução mais justa”.
objeto, direita ou indiretamente.
→ histórico: análise da norma partindo da premissa dos seus É fácil constatar a adoção, pelo Brasil, do princípio da territorialidade
antecedentes históricos. moderada, uma vez que a LINDB, simultaneamente, admite regras
→ finalístico ou teleológico: análise da norma tomando como de territorialidade (arts. 8º e 9º) e de extraterritorialidade (arts. 7º, 10,
parâmetro a sua finalidade declarada, adaptando-se às novas 12 e 17).
exigências sociais.
3.5. Conflito de normas no espaço: saber qual é a norma de direito
3.2. Aplicação temporal das normas: Para que uma norma, em material estrangeiro que excepcionalmente é aplicada no território
regra, seja aplicável, é preciso que esteja vigente. Essa vigência de outro Estado (extraterritorialidade) é um dos objetivos do Direito
surge, para o Direito, com a publicação no Diário Oficial, o que faz Internacional Privado.
presumir o conhecimento de todos sobre a regra.
A simples leitura da LINDB já nos permite vislumbrar, sem precisar
Por uma ficção jurídica, imposta pelo art. 3º, da LICC, ninguém se descer a minúcias dos dispositivos mencionados, os critérios de
escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece. aplicação como por exemplo:

A obrigatoriedade da lei, pois, somente surge a partir de sua 1. Em questões sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a
publicação oficial, mas esse fato não implica, necessariamente, capacidade e os direitos de família, deve ser aplicada a lei do país
vigência e vigor imediatos. de domicílio da pessoa (art. 8º).

De fato, salvo disposição em contrário, a lei começará a vigorar em 2. Em questões sobre a qualificação e regulação das relações
todo o País somente quarenta e cinco dias depois de oficialmente concernentes a bens, deve ser aplicada a lei do país onde estão
publicada, conforme consta no caput do art. 1º LINDB. Exceção, da situados (art. 8º).
obrigatoriedade em Estados estrangeiros, tal vigor somente se
iniciará três meses depois da publicação. 3. Em questões envolvendo obrigações, deve ser aplicada a lei do
país onde foram constituídas, reputando-se constituída no lugar em
Por fim, para que a nova lei vigore imediatamente, portanto, é que reside o proponente (art. 9º, § 2º).
preciso que conste expressamente tal fato em seu corpo.
4. Em questões sucessões por morte (real ou presumida –
3.3. Conflito de normas no tempo (Direito Intertemporal): No ausência), deve aplicada a lei do país de domicílio do “de cujus”,
conflito temporal de leis, deverá ser aplicada a lei nova ou a lei velha ressalvando-se que, quando a capacidade para suceder, aplica-se a
às situações cujos efeitos invadirem o âmbito temporal da lei lei de domicílio do herdeiro ou legatário. Em caso, quando a
revogadora mais recente? Em prol da segurança jurídica, o art. 6º da sucessão incidir sobre os bens do estrangeiro situado no Brasil,
LINDB dispõe que as leis em vigor terão “efeito imediato e geral, aplicar-se-á a lei brasileira em favor do cônjuge brasileiro e dos
respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa filhos do casal, sempre que não lhes for mais favorável à lei do
julgada”. domicílio do defunto (art. 10, §§ 1º e 2º).

A respeito do ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa Observação 1: Para a aplicação do Direito estrangeiro no Brasil,
julgada, imposto constitucionalmente (vide CR/88, art. 5º XXXVI), não só pode como deve o magistrado exigir de quem invoca prova
concretiza o princípio que as leis civis não têm retroatividade, do seu texto e vigência, na forma do art. 14 da LINDB, bem como do
uma vez que os seus efeitos esbarram nessas situações. art. 337 do CPC5.

A lei civil, portanto, assim como toda lei em geral, é irretroativa. Observação 2: em relação aos fatos ocorridos no estrangeiro, sua
prova é regida pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e os meios,
No direito de família, por exemplo, observe-se que os direitos de não sendo tolerável a utilização de provas que a lei brasileira não
natureza alimentar e sucessória do convivente somente foram admita (art. 13). É competente a autoridade judiciária brasileira,
reconhecidos a partir da vigência da Lei 8.971/94. Assim, as uniões quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida
estáveis extintas antes do advento dessa lei não foram atingidos a obrigação, sendo que somente ela poderá conhecer ações
por seus efeitos. relativas a imóveis situados no Brasil (art. 12, § 1º).

3.4. Aplicação especial de normas: em razão do conceito de Observação 3: Os requisitos para que sentença proferida no
soberania estatal, a norma deve ser aplicada dentro dos limites estrangeiro seja executada no Brasil estão no art. 15, in verbis:
territoriais do Estado que a editou. Trata-se do princípio de
territorialidade, decorrente necessariamente da concepção Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no
tradicional do Estado, como reunião dos elementos: povo, governo e estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:
território.
a) haver sido proferida por juiz competente;
Dessa forma, como ensina MARIA HELENA DINIZ4: “sem
comprometer a soberania nacional e a ordem internacional, os

5 CPC: “Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro
4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 17 ed., São Paulo : ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim determinar o
Saraiva, 2001, p. 81. juiz”.
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b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à rogação quando sua revogação for total e por derrogação quando
revelia; sua revogação for parcial.

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades Exequatur: autorização do Supremo Tribunal de Justiça para
necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; cumprimento da diligência estabelecida em decisão estrangeira.

d) estar traduzida por intérprete autorizado; DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942.


Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. (Redação
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. dada pela Lei nº 12.376, de 2010
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que
Parágrafo único. Não dependem de homologação as sentenças lhe confere o artigo 180 da Constituição, decreta:
meramente declaratórias do estado das pessoas. Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em
todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
Observação 4: Todavia, sentenças meramente declaratórias do § 1o § 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei
estado das pessoas, como, por exemplo, as proferidas em ações de brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de
investigação de paternidade, não dependem da homologação do oficialmente publicada. (Vide Lei nº 1.991, de 1953) (Vide Lei nº
STJ. 2.145, de 1953) (Vide Lei nº 2.410, de 1955) (Vide Lei nº
2.770, de 1956) (Vide Lei nº 3.244, de 1957) (Vide Lei nº 4.966,
Observação 5: Originariamente, competia ao Supremo Tribunal de 1966) (Vide Decreto-Lei nº 333, de 1967) (Vide Lei nº
Federal processar e julgar a homologação das sentenças 2.807, de 1956) (Vide Lei nº 4.820, de 1965)
estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias (art. § 2o (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
102, I, h, da CR/88). Todavia, o dispositivo foi modificado pela § 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova
Emenda Constitucional n. 45 de 30 de Dezembro de 2004, passando publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e
tal competência ao Superior Tribunal de Justiça, por força da dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
inserção da novel alínea i do inciso I do art. 105 da CR/88. § 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se
lei nova.
"Art. 105. ................................................... Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá
I - ............................................................... vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
concessão de exequatur às cartas rogatórias; inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
Por fim, a extraterritorialidade da lei, todavia, pode ser limitada, pois especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei
atos, sentenças e leis de país alienígenas não serão aceitos no anterior.
Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
bons costumes, na forma do art. 17 da LICC. Por este motivo, restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
entendemos não ser possível o reconhecimento do matrimônio Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que
realizado entre homossexuais fora do Brasil, considerando que os não a conhece.
nossos costumes ainda reconhecem, por princípio, a diversidade de Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
sexos como pressuposto existencial do ato nupcial. acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito.
ALGUMAS DEFINIÇÕES IMPORTANTES Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Coisa Julgada : é a qualidade da sentença de mérito que consiste Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral,
na imutabilidade dos efeitos decorrentes de seu dispositivo, o que respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
surge com o trânsito em julgado da decisão. julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo
Direito Adquirido : por sua vez, é aquele que está incorporado ao a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº
patrimônio de seu titular, porque já preenchidos, sob a vigência da 3.238, de 1957)
lei anterior, os requisitos por ela estabelecidos para a aquisição do § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu
direito, embora o titular não o tenha exercido antes da entrada em titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço
vigor da lei nova. do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de
Ato Jurídico Perfeito : é o que se aperfeiçoou pela verificação de 1957)
todos os seus elementos constitutivos e que, portanto, está § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão
consumado de acordo com os requisitos da lei então em vigor, e que judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238,
não pode ser atingindo pela lei nova. de 1957)
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina
Revogação da lei : pode ser expressa ou direta quando o novo as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a
diploma indica os dispositivos que serão atingidos pela revogação. capacidade e os direitos de família.
Tácita ou indireta é a revogação que se verifica quando a lei nova for § 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a
incompatível com a anterior. Fala-se, por fim, em revogação global lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades
quando a lei nova regula inteiramente a matéria que era tratada pela da celebração.
lei anterior, ainda que as disposições novas não sejam § 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se
incompatíveis com as anteriores. Por fim, entende-se por ab- perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos
os nubentes. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)

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§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos diplomáticos ou dos agentes consulares. (Vide Lei nº 4.331, de
de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. 1964)
§ 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira,
do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida
a do primeiro domicílio conjugal. a obrigação.
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, § 1o Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer
pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, das ações relativas a imóveis situados no Brasil.
no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao § 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o
mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as
respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente,
competente registro. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977) observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.
§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro
cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de
1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei
separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação brasileira desconheça.
produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz
para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.
Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no
reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:
em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio a) haver sido proferida por juiz competente;
de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente
legais. (Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009). verificado à revelia;
§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades
família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. d) estar traduzida por intérprete autorizado;
§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.
domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se (Vide art.105, I, i da Constituição Federal).
encontre. Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 12.036, de
Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles 2009).
concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se
§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição
proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
destinarem a transporte para outros lugares. Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como
§ 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil,
pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada. quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a costumes.
lei do país em que se constituirem. Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e
dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro
peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira
do ato. nascido no país da sede do Consulado. (Redação dada pela Lei
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida nº 3.238, de 1957)
no lugar em que residir o proponente. § 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de
lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e
qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e
será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao
filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou
seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
pela Lei nº 9.047, de 1995) (Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013) Vigência
§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a § 2o É indispensável a assistência de advogado,
capacidade para suceder. devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma
coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo
Estado em que se constituirem. necessário que a assinatura do advogado conste da escritura
§ 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou pública. (Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013) Vigência
estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no
pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do
§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que
de qualquer natureza, que eles tenham constituido, dirijam ou hajam satisfaçam todos os requisitos legais. (Incluído pela Lei nº 3.238, de
investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens 1957)
imóveis ou susceptiveis de desapropriação. Parágrafo único. No caso em que a celebração dêsses atos
§ 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento
propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado

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renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da Já o professor Pablo Stolze Gagliano10 leciona: “Personalidade
publicação desta lei. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) jurídica, portanto, para a Teoria Geral do Direito Civil, é a aptidão
genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras
Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942, 121o da Independência e 54o palavras é o atributo necessário para ser sujeito de direito”.
da República.
Por fim, pontua a professora Maria Helena Diniz11: “A personalidade
GETULIO VARGAS é o conceito básico da ordem jurídica que se estende a todos os
homens consagrando-se na legislação civil e nos direitos
Alexandre Marcondes Filho constitucionais de vida, liberdade e igualdade”

Oswaldo Aranha. 3. AQUISIÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (art. 2º CC)

Este texto não substitui o publicado no DOU de 9.9.1942 Murilo Sechieri Costa Neves12, adverte: “Ë indispensável que se
saiba qual é exatamente o instante a partir do qual é adquirida a
UNIDADE III : DA PESSOA NATURAL (art. 1º CC) personalidade jurídica. Há fundamentalmente três teorias a respeito
do tema: 1) natalista: segundo a qual é o nascimento com vida seu
1. CONCEITO marco inicial; 2) concepcionista: pela qual já há personalidade com a
simples fecundação do óvulo; e 3) Por fim, há sistemas em que só
Segundo o professor Maximilianus Cláudio Américo Führer6, “é o há personalidade jurídica se após o nascimento for verificada a
ser humano, a criatura que provenha de mulher. A personalidade viabilidade da vida e forma humana. Pelo CC foi adotada a teoria
civil do homem começa do nascimento com vida. Considera-se a natalista”.
respiração como sendo a melhor prova do nascimento com vida. A
existência da pessoa natural termina com a morte”. 4. CAPACIDADE DE DIREITO E DE FATO E LEGITIMIDADE

No magistério do Professor Washington de Barros Monteiro7, Adquirida a personalidade jurídica, toda pessoa passa a ser capaz
leciona: “Na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, de direitos e obrigações. Possui, portanto, capacidade de direito ou
suscetível de direitos e obrigações. Neste sentido, pessoa é o de gozo.
sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica. No
direito moderno, todo ser humano é pessoa no sentido jurídico. Mas, O professor Marcos Bernardes de Mello13, prefere utilizar a
além dos homens, são também dotadas de personalidade certas expressão capacidade jurídica para caracterizar a “aptidão que o
organizações ou coletividades, que tendem à consecução de fins ordenamento jurídico atribui às pessoas, em geral, e a certos entes,
comuns”. em particular, estes formados por grupos de pessoas ou
universalidades patrimoniais, para serem titulares de uma situação
Já Maria Helena Diniz8, ensina: “Para a doutrina tradicional “pessoa” jurídica”.
é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo
sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é Todavia, nem toda pessoa, possui aptidão para exercer pessoal os
sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade seus direitos, como veremos a seguir:
jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não-
cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na 5. INCAPACIDADE ABSOLUTA (art. 3º CC)
produção da decisão judicial”.
A incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil,
2. PERSONALIDADE JURÍDICA devendo ser encarada restritamente, considerando-se o princípio de
que “a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção”.
2.1. CONCEITO
A incapacidade será absoluta quando houver proibição total ao
A professora Maria Helena Diniz9, em comentários no Código Civil, exercício do direito pelo incapaz, acarretando, em caso de violação
avalia: “Liga-se à pessoa a ideia de personalidade, que exprime a do preceito, a nulidade do ato (CC, art. 166, I). Logo os
aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações”. Sendo absolutamente incapazes têm direitos, porém não poderão exercê-
a pessoa natural o sujeito das relações jurídicas e a personalidade, los direta ou pessoalmente, devendo ser representados.
a possibilidade de ser sujeito, toda pessoa é dotada de
personalidade. Esta tem sua medida na capacidade, que é 6. INCAPACIDADE RELATIVA (art. 4º CC)
reconhecida num sentido de universalidade, no art. 1º do Código
Civil, que, ao prescrever “toda pessoa é capaz de direitos e Na enumeração legal figuram em primeiro lugar os maiores de
deveres”, emprega o termo “pessoa” na acepção de todo ser dezesseis e menores de dezoito anos. São os púberes do antigo
humano, sem qualquer distinção de sexo, idade, credo ou raça”. direito.

6 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Direito Civil. 33ª ed.


– São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 33.
7 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 1 : parte 10 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de
geral. – 40. ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França direito civil. volume I : parte geral. – 7ª ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo :
Pinto. – São Paulo : Saraiva, 2005. p.62. Saraiva, 2006.
8 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 1 : teoria geral do 11 op. cit. p. 118.
direito civil. – 22 ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 12 BRASIL. Novo Código Civil comentado. Coordenador Ricardo Fiuza. –
10.406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei de Lei n. 6.960/2002. – São Paulo : São Paulo : Saraiva, 2002.
Saraiva, 2005. pp. 117/118. 13 MELLO, Marcos Bernardes de. Achegas para uma Teoria das
9 BRASIL. Novo Código Civil comentado. Coordenador Ricardo Fiuza. – Capacidades em Direito. Revista de Direito Privado. São Paulo : RT, jul./set.
São Paulo : Saraiva, 2002. 2000. p. 17.
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Com o Código de 2002, permaneceram as seguintes etapas: No magistério do Professor Murilo Neves14, leciona: “o nome é o
incapacidade absoluta até os dezesseis anos; incapacidade relativa sinal que identifica a pessoa perante a família e a sociedade; é o
entre os dezesseis e dezoito anos; capacidade plena aos dezoito, sinal exterior mais visível de sua individualidade, como se diz
sem distinção entre homens e mulheres. tradicionalmente”.

A incapacidade relativa diz respeito àqueles que podem praticar por 9.1. NATUREZA JURÍDICA
si os atos da vida civil desde que assistidos por quem o direito
encarrega desse ofício, em razão de parentesco, de relação de Uma das teorias que surgiu foi aquela que via no nome um
ordem civil ou de designação judicial, sob pena de anulabilidade verdadeiro direito de propriedade (concepção dominial). Talvez a
daquele ato (CC, art. 171, I). conclusão se tenha verificado em razão da oponibilidade erga
omnes que o direito ao nome representa. Também já se sustentou
7. SUPRIMENTO DA INCAPACIDADE (REPRESENTAÇÃO E que se tratava de uma mera questão de estado, sem que pudesse o
ASSISTÊNCIA) nome representar um verdadeiro direito, mas um mero sinal
O suprimento da incapacidade absoluta dá-se através da distintivo e exterior do estado da pessoa.
representação. O representante pratica o ato no interesse do
incapaz. Se o absolutamente incapaz, porém, praticar o ato sozinho, Por fim, verificou-se que o nome representa um direito da
sem a representação legal, a hipótese é de nulidade. personalidade. Trata-se de um direito que apresenta todas as
características dos demais direitos da personalidade. Foi esta a
Já o suprimento da incapacidade relativa dá-se por meio da concepção adotada pelo legislador pátrio, tanto que dentre os
assistência. Diferente dos absolutamente incapazes, o relativamente direitos da personalidade são destinados alguns dispositivos (art. 16
incapaz pratica o ato jurídico juntamente com o seu assistente (pais, a 19 do CC) à proteção do nome.
tutor ou curador), sob pena de anulabilidade.
9.2. ELEMENTOS
8. EMANCIPAÇÃO (art. 5º CC)
A estrutura do nome natural é composta por elementos que podem
A emancipação dar-se-á: ser chamados de essenciais ou fundamentais, e por elementos
facultativos ou acessórios.
a) Maioridade: a incapacidade cessará quando o menor completar
dezoito anos, estado em que a pessoa tornar-se-á maior, adquirindo Os essenciais são apenas dois: o prenome e o sobrenome (art. 16
a capacidade de plena, podendo então, exercer pessoalmente todos CC). O prenome, ou primeiro nome, ou nome de batismo, como se
os atos da vida civil. costuma dizer, é aquele que inicia o nome. O sobrenome,
patronímico, nome de família ou apelido de família. Pode ser do pai
b) Emancipação expressa ou voluntária: Antes da maioridade legal, ou da mãe, ou de ambos.
tendo o menor atingido dezesseis anos, poderá haver a outorga de
capacidade civil por concessão dos pais, no exercício do poder Nos facultativos, encontramos o agnome, que é o sinal distintivo que
familiar, mediante escritura pública inscrita no Registro Civil se acrescenta ao nome completo para diferenciar o seu titular de
competente, independentemente de homologação judicial. outras pessoas, em geral parentes próximos (p. ex. neto, filho,
júnior).
No entanto, a doutrina e a jurisprudência consideram que a
emancipação voluntária não exonera os pais da responsabilidade Também pode ser lembrado o cognome, ou alcunha, ou apelido.
civil pelos atos ilícitos praticados pelo filho menor. Neste sentido: a Trata-se da designação dada a alguém em razão de alguma
única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do particularidade pessoal (Xuxa, Didi, Pelé, etc). Interessante é que
menor de 18 anos com os seus pais é ter sido emancipado nos tais apelidos, se forem públicos e notários, poderão substituir o
termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I do CC. prenome (LRP, art. 58).
c) Emancipação judicial: é aquela concedida pelo Juiz, ouvido o Já o pseudônimo ou codinome, que é o nome escolhido pelo próprio
tutor, se o menor contar com dezesseis anos completos. indivíduo para o exercício de uma atividade específica. Em geral, é
no meio artístico que são utilizados. Estabelece a lei que se a
Assim, quando o menor está sob tutela, o tutor não pode conceder atividade for lícita, o codinome terá a mesma proteção que o nome
emancipação voluntária. Nestes casos, obrigatoriamente, a (vide art. 19 CC).
emancipação deverá ser requerida ao Juiz.
10. ESTADO DA PESSOA NATURAL
d) Por fim, há casos em que a emancipação é legal, ou seja, aquela
que se verifica automaticamente, quando ocorrer algum dos Estado é a posição jurídica da pessoa no meio social resultante de
seguintes fatos: certas qualidades que lhe são inerentes, nos contextos político,
familiar e individual.
→ casamento;
→ exercício de emprego público efetivo; 10.1. Estado político: leva-se em consideração a posição do
→colação de grau em curso de ensino superior; indivíduo em face do estado. Pode-se ostentar o estado de nacional,
→ estabelecimento civil ou comercial. nato ou naturalizado, ou de estrangeiro.
10.2. Estado familiar: é aquele que se referir as relações conjugais
9. NOME CIVIL (art. 16) ou de parentesco, consanguíneo ou por afinidade. Em relação ao
estado familiar, é interessante que se verifique que a lei estabelece
O nome da pessoa natural é o sinal exterior mais visível de sua
individualidade, sendo através dele que a identificamos no seu 14 NEVES, Murilo Sechieri Costa. Direito Civil, parte geral. volume I. – São
âmbito familiar e no meio social. Paulo : Saraiva, 2005. p. 60.

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que sejam registrados ao estado familiar (sentença de nulidade ou A respeito do tema, advoga a professora Maria Helena Diniz17:
anulação de casamento, divórcio, separação judicial, “Cessa a personalidade jurídica da pessoa natural com a morte real
reconhecimento de filhos, adoção). Trata-se da necessidade de que (CC, art. 6º, 1ª parte), deixando de ser sujeito de direitos e
tais acontecimentos fiquem documentados e que possam ser obrigações, acarretando: 1) dissolução do vínculo conjugal (Lei n.
conhecidos por terceiros, em função da publicidade que o sistema 6.515/77 e CC, 1.571, I) e do regime matrimonial; 2) extinção do
dos registros públicos apresenta. poder familiar (CC, art. 1.635, I), dos contratos personalíssimo, como
prestação ou locação de serviços (CC, art. 607), e mandato (CC, art.
10.3. Estado individual: é a condição física do indivíduo influente 682, II; STF, Súmula 25); 3) cessação da obrigação de alimentos,
no seu agir. Fala-se, então, em homem e mulher, em capaz e com o falecimento do credor, pois, com o do devedor, seus
incapaz, em maior ou menor de idade. Em relação ao estado herdeiros assumirão os ônus até as forças da herança (Lei n.
individual, estabelece o art. 9º do CC, que deverá ser registrados, 6.515/77, art. 23, CC, art. 1.700); da obrigação de fazer, quando
dentre outros, os atos de emancipação, a sentença de interdição, a convencionado o cumprimento pessoal (CC, arts. 247 e 248), 4)
sentença declaratória de ausência. extinção do usufruto (CC, art. 1.410, I; CPC, art. 1.112, VI); da
Por fim, a melhor doutrina apontada que o estado da pessoa é uno e doação em forma de subvenção periódica (CC, art. 545); do encargo
indivisível (com exceção da dupla nacionalidade). de testamentária (CC, art. 1985); do benefício da justiça gratuita (Lei
n. 1.060/50)”.
11. REGISTRO CIVIL
No entanto, é importante que se tenha em mente que, mesmo após
Segundo FRANCISCO AMARAL15, “O registro civil é a instituição a morte, permanecem alguns resquícios da personalidade. Por
administrativa que tem por objetivo imediato a publicidade dos fatos exemplo: o direito à imagem, à honra, ao nome. São direitos que se
jurídicos de interesse das pessoas e da sociedade. Sua função é dar projetam post mortem e que poderão ser protegidos pelos parentes
autenticidade, segurança e eficácia aos fatos jurídicos de maior ou herdeiros do morto, nos termos do art. 12, parágrafo único, e do
relevância para a vida e os interesses dos sujeitos de direito”. art. 20, parágrafo único, do CC.
O sistema de registros públicos visa, principalmente, a conferir a Neste sentido, Elimar Szaniawski18 leciona: “A personalidade
publicidade aos atos jurídicos em geral, mas não apenas isso. Na termina com a morte da pessoa natural, segundo expressão do
constituição de uma pessoa jurídica, por exemplo, o registro, de pensamento universal. Consequentemente, deixaria de existir sobre
natureza constitutiva, é condição sine qua non16 para a sua o cadáver qualquer tipo de direito como emanação da personalidade
existência legal. humana. Mas o Direito tem se ocupado em proteger o corpo humano
Com relação ao estudo da pessoa natural, cuidou a Lei n. 6.015, de após a morte no sentido de lhe dar um destino onde se mantenha
31 de dezembro de 1973, no seu art. 29, in verbis: sua dignidade”.

“Art. 29.Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: 12.1. ESPÉCIES DE MORTE

I – os nascimentos; Muito embora na natureza só exista um tipo de morte, juridicamente


II – os casamentos; é possível se falar em três espécies:
III - ....”
12.1.1. Morte real: é aquela que se comprova por exame médico e a
Assim, os episódios mais importantes da vida do homem (pessoa certeza de sua ocorrência (atestado de óbito). Tem como
natural) refletem-se no registro civil: nascimento, casamento, características a parada cardíaca prolongada e ausência de
separação, divórcio, morte. respiração, ou seja, cessação total das atividades vitais.
Determina o art. 52. São obrigados a fazer a declaração de 12.1.2. Morte presumida: trata-se de situações em que não se tem
nascimento: certeza sobre a ocorrência da morte, mas, em razão da alta
1º) o pai; probabilidade de esta ter ocorrido, a lei autoriza que sejam gerados
os seus efeitos, embora não tenha ela sido cabalmente comprovada.
2º) em falta ou impedimento do pai, a mãe, sendo que neste caso o
prazo para declaração prorrogado por 45 (quarenta e cinco) dias; A morte presumida pela lei se dá pela ausência de uma pessoa nos
casos dos arts. 22 a 39 do Código Civil e dos arts. 1.161 a 1.168 do
Observação 1: o prazo para registro de nascimento é de 15 dias, Código de Processo Civil19. Se uma pessoa desaparecer, sem
ampliável para 45 dias (em caso de impedimento do pai) ou até 3
meses (em lugares distante mais 30 km da sede do cartório), de
acordo com os arts. 50 a 52 da Lei n. 6.015/73. 17 op. cit. 213.
18 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela. – São
Observação 2: trocadilho jurídico: “a pessoa natural registra-se Paulo : RT, 1993. p. 303).
porque nasce e a pessoa jurídica nasce porque se registra”.
19 Código de Processo Civil:
12. EXTINÇÃO DA PESSOA NATURAL (CC, art. 6º)
Art. 1.161. Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais durante um
A personalidade da pessoa natural acaba com a morte. Verificada a ano, reproduzidos de dois em dois meses, anunciando a arrecadação e
morte de uma pessoa, desaparecem, em princípio, os direitos e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens.
obrigações de natureza personalíssima, sejam patrimoniais ou não.
Art. 1.162. Cessa a curadoria:
I – pelo comparecimento do ausente, do seu procurador ou de quem o
15 AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 3. ed. – Rio de Janeiro : represente;
Renovar, 2000. p. 240. II – pela certeza da morte do ausente;
16 Locução latina designa a circunstância indispensável à validade ou III – pela sucessão provisória.
realização de um ato ou fato
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deixar notícias, qualquer interessado na sua sucessão ou o Observação 3: Se o ausente retornar em até dez anos após a
Ministério Público (CPC, art. 1.163) poderá requerer ao juiz a abertura da sucessão definitiva, terá os bens no estado em que se
declaração de sua ausência e a nomeação de curador. Na encontrarem e direito ao preço que os herdeiros houverem recebido
nomeação do curador, o juiz deve, necessariamente, fixar-lhe os com sua venda. Porém, se regressar após esses dez anos, não terá
poderes e obrigações, estando aquele equiparado aos tutores e direito a nada (CPC, art. 1.168).
curadores de incapazes.
Todavia, a declaração de morte presumida não ocorre apenas em
Se após um ano de arrecadação dos bens do ausente, ou, se deixou caso de ausência. Vide o art. 7º, I e II, parágrafo único, do Código
algumas representante, em se passando três anos, sem que dê sinal Civil.
de vida, poderá ser requerida sua sucessão provisória (CC art. 26) e
o início do processo de inventário e partilha de seus bens, ocasião Assim, admite-se a declaração judicial de morte presumida sem
em que a ausência do desaparecido passa a ser considerada decretação de ausência em casos excepcionais, apenas depois de
presumida. esgotadas todas as buscas e averiguações, devendo a sentença
fixar a data provável do óbito, e tais casos são: 1) probabilidade da
Observação 1: Feita a partilha, seus herdeiros deverão administrar ocorrência da morte de quem se encontrava em perigo de vida e 2)
os bens, prestando caução real, garantindo a restituição no caso do desaparecimento em campanha ou prisão de pessoa, não sendo ela
ausente aparecer. encontrada até dois anos após o término da guerra.

Observação 2: Após dez anos do trânsito em julgado da sentença 12.1.3. Morte simultânea (comoriência) (CC, art. 8º)
de abertura da sucessão provisória (CC, art. 37; CPC art. 1.161, II),
sem que o ausente apareça, ou cinco anos depois das últimas A comoriência é a morte de duas ou mais pessoas na mesma
notícias do desaparecido que conta com oitenta anos de idade (CC, ocasião e em razão do mesmo acontecimento. Embora o problema
art. 38), será declarada sua morte presumida a requerimento de da comoriência, em regra, alcance casos de morte conjunta,
qualquer interessado, convertendo-se a sucessão provisória em ocorrida no mesmo acontecimento, ela coloca-se, com igual
definitiva. relevância, no que concerne a efeitos dependentes de
sobrevivência, na hipótese de pessoas falecidas em locais e
Art. 1.163. Passado um ano da publicação do primeiro edital sem que se acontecimentos distintos, mas em datas e horas simultâneas ou
saiba do ausente e não tendo comparecido seu procurador ou muito próximas.
representante, poderão os interessados requerer que se abra
provisoriamente a sucessão. A comoriência terá grande repercussão na transmissão de direitos
sucessórios, pois, se os comorientes são herdeiros uns dos outros,
§ 1º Consideram-se para este efeito interessados: não há transferências de direitos; um não sucederá ao outro, sendo
I – o cônjuge não separado judicialmente; chamados à sucessão os herdeiros ante a presunção juris tantum de
II – os herdeiros presumidos legítimos e os testamentários; que faleceram ao mesmo tempo. Se dúvida houver no sentido de se
III – os que tiverem sobre os bens do ausente direito subordinado à
condição de morte;
saber quem faleceu primeiro, o magistrado aplicará o art. 8º do CC,
IV – os credores de obrigações vencidas e não pagas. caso em que, então, não haverá transmissão de direitos entre as
§ 2º Findo o prazo deste artigo e não havendo absolutamente interessados pessoas que morreram na mesma ocasião.
na sucessão provisória, cumpre ao órgão do Ministério Público requerê-la.
UNIDADE IV : DIREITOS A PERSONALIDADE
Art. 1.164. O interessado, ao requerer a abertura da sucessão provisória,
pedirá a citação pessoal dos herdeiros presentes e do curador e, por editais,
a dos ausentes para oferecerem artigos de habilitação.
1. CONCEITO E DENOMINAÇÃO
Parágrafo único. A habilitação dos herdeiros obedecerá ao processo do
artigo 1.057.
Direitos da personalidade são aqueles que têm por objeto os
componentes básicos da natureza humana, ou seja, os atributos
Art. 1.165. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em sua projeção
produzirá efeito seis meses depois de publicada pela imprensa; mas, logo social.
que passe em julgado, se procederá à abertura do testamento, se houver, e
ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido. São esses direitos que asseguram a proteção à vida, ao corpo vivo,
Parágrafo único. Se dentro em trinta dias não comparecer interessado ou ao corpo morto, à voz, à liberdade, às criações intelectuais, à
herdeiro, que requeira o inventário, a herança será considerada jacente. privacidade, ao segredo, à honra, à imagem, à identidade pessoal
etc. Referem-se, portanto, a todos os atributos indispensáveis para o
Art. 1.166. Cumpre aos herdeiros, imitidos na posse dos bens do ausente, desenvolvimento digno de cada um; aos elementos que nos
prestar caução de os restituir. asseguram que sejam desenvolvidas nossas potencialidades.
Art. 1.167. A sucessão provisória cessará pelo comparecimento do ausente Sua previsão constitucional encontra-se esculpida no art. 5º, X, da
e converter-se-á em definitiva:
I – quando houver certeza da morte do ausente;
CR/88.
II – dez anos depois de passada em julgado a sentença de abertura da
sucessão provisória;
Observação 1 : Os direitos da personalidade abrangem a intimidade,
III – quando o ausente contar oitenta anos de idade e houverem decorridos a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
cinco anos das últimas notícias suas. direito à indenização por dano material ou moral. Tais direitos
abrangem também o nome e o pseudônimo, conforme a regra dos
Art. 1.168. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da arts. 18, 19 e 21 do CC.
sucessão definitiva ou algum dos seus descendentes ou ascendentes,
aqueles ou estes só poderão requerer ao juiz a entrega dos bens existentes Observação 2 : Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a
no estado em que se acharem, ou sub-rogados em seu lugar ou o preço que proteção dos direitos da personalidade, conforme estatui a regra do
os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos alie nados art. 52 do CC.
depois daquele tempo.

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2. NATUREZA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Como exemplo dessas liberdades públicas, temos aquelas que
pertencem a categorias transindividuais (econômicas e sociais), não
Na precisa lição de LIMONGI FRANÇA, leciona: “o direito existe se coaduna com o caráter individual dos direitos da personalidade.
para que a pessoa, em meio à vida social, seja aquinhoada segundo
a justiça com os bens necessários à consecução dos seus fins 4. TITULARIDADE
naturais. Ora, o extermínio da vida pelo suicídio é a própria negação
disso, é a coarctação da causa final pelo direito”. Não há a menor dúvida de que o ser humano é o titular por
excelência da tutela dos direitos da personalidade. Todavia, vale
Já o professor ORLANDO GOMES, afirma: “que tais direitos não têm destacar que o instituto alcança também o nascituro, que, embora,
por objeto a própria personalidade, não obstante recaiam em não tenha personalidade jurídica, têm seus direitos ressalvados,
“manifestações especiais de suas projeções, consideradas dignas pela lei, desde a concepção, conforme já estudado em sala de aula.
de tutela jurídica, principalmente no sentido de que devem ser
resguardadas de qualquer ofensa”.
Como dito anteriormente, equipara-se, no que couber, à pessoa
jurídica, a proteção dos direitos da personalidade, conforme regra
Portanto, os direitos da personalidade têm por objeto as projeções
estatuída no art. 52 do CC.
físicas, psíquicas e morais do homem, considerado em si mesmo, e
em sociedade.
5. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Acerca dos fundamentos jurídicos desses direitos, dois grupos bem
distintos se digladiam: Sendo direitos ínsitos à pessoa, em suas projeções físicas, mental e
moral, os direitos da personalidade são dotadas de certas
a) corrente positivista; características particulares, que lhes conferem posição singular no
cenário dos direitos privados. Assim temos:
b) corrente jusnaturalista.
5.1. Caráter absoluto: os direitos da personalidade são oponíveis
A primeira corrente (positiva) toma por base a idéia de que os erga omnes, ou seja, irradiando efeitos em todos os campos e
direitos da personalidade devem ser somente aqueles reconhecidos impondo à coletividade o dever de respeitá-los.
pelo Estado, que lhes daria força jurídica. Não aceitam, portanto, a
existência de direitos inatos à condição humana. 5.2. Generalidade: os direitos da personalidade são gerais (ou
necessários, para alguns), uma vez que são atribuídos a todos, sem
Entre seus defensores destaca-se GUSTAVO TEPEDINO, que exceção. Basta existir a personalidade jurídica (e todas as pessoas
citando PERLINGIERI, defende: “os direitos do homem, para ter têm) para que tais direitos estejam presentes.
uma efetiva tutela jurídica, devem encontrar o seu fundamento na
norma positiva. O direito de: a ética, a religião, a história, a política, a 5.3. Extrapatrimonialidade: os direitos da personalidade não
ideologia, são apenas aspectos de uma idêntica realidade (...) a integram o patrimônio do sujeito de forma direta. Contudo, quando
norma é, também ela, noção histórica”. houver violação desses direitos por parte de terceiros, pode haver
uma apreciação econômica dos prejuízos sofridos. (ex. direitos
Já a Segunda corrente (jusnatural) destaca que os direitos da autorais: que se dividem em direitos morais (estes sim direitos
personalidade correspondem às faculdades exercitadas próprios da personalidade) e patrimoniais (direito de utilizar, fruir e
naturalmente pelo homem, verdadeiros atributos inerentes à dispor da obra literária, artística ou científica, perfeitamente avaliável
condição humana. em dinheiro) do autor.

Na opinião do professor CARLOS ALBERTO BITAR, advoga: “Tal Assim, é correto dizer que, em princípio, os direitos da
visão fortemente influenciada pelo jusnaturalismo, tem encontrado personalidade são considerados extrapatrimoniais, não obstante,
respaldo na doutrina, propugnando os seus defensores que, por se sob alguns aspectos, principalmente em caso de violação, possam
tratar de direitos inatos, caberia “ao Estado apenas reconhecê-los e ser economicamente mensurados.
sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – em nível
constitucional ou em nível de legislação ordinária -, dotando-os de 5.4 Indisponibilidade: de acordo com a regra do art. 11 CC, os
proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, ou
a saber: contra o arbítrio do poder público ou as incursões de seja, não podem ser transmitidos a outro sujeito, nem podem ser
particulares”. objeto de renúncia por parte de seu titular. Porém, a
indisponibilidade é relativa, porque é perfeitamente lícita a cessão de
3. TEORIA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DAS alguns destes direitos (p. ex. direitos autorais, direito de imagem,
LIBERDADES PÚBLICAS cessão de órgão ou tecido para fins de transplantes ou científicos,
nos termos da lei n. 9.434/97).
Na opinião do professor PABLO STOLZE GAGLIANO, o
reconhecimento jurídico formal dos direitos da personalidade é 5.5. Imprescritibilidade: os direitos da personalidade não se
relativamente recente, sendo, inclusive, sintomático que somente extinguem pelo não uso e não são adquiridos pelo decurso do
agora venham a ser consagrados no Código Civil Brasileiro. tempo, porque segundo a melhor doutrina, são inatos, ou seja,
nascem com o próprio homem.
Alguns dos direitos da personalidade, porém, se examinados em
relação ao Estado (e não em relação aos indivíduos), ingressam no 5.6. Impenhorabilidade: como os direitos da personalidade não
campo das liberdades públicas, consagrados pelo Direito integram diretamente o patrimônio de seu titular, não podem ser
Constitucional. Essas liberdades públicas dependem objeto de penhora por dívidas. Lembre-se, porém, que os créditos
necessariamente da positivação para assim serem consideradas. decorrentes de sua violação poderão ser penhorados pelos credores
de seu titular.

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5.7. Vitaliciedade: os direitos da personalidade são inatos e apreensão de materiais oriundos dessas praticas; c) submissão do
permanentes. Devem ser protegidos enquanto for viva a pessoa. agente à cominação de pena; d) reparação de danos materiais e
Além disso, há alguns que se projetam para além da morte (post morais; e e) perseguição criminal do agente”.
mortem), e podem ser protegidos pelos sucessores do morto, nos
termos dos arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do CC. Em linhas gerais, a proteção dos direitos da personalidade poderá
ser:
6. DA CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
7.1. Preventiva: principalmente por meio de ajuizamento de ação
Toda classificação varia necessariamente em função dos critérios cautelar, ou ordinária com multa cominatória, objetivando evitar a
metodológicos adotados. No estudo em tela, consideramos concretização da ameaça de lesão ao direito da personalidade;
conveniente classificá-los com base na tricotomia
corpo/mente/espírito. Assim temos: 7.2. Repressiva: por meio da imposição civil (pagamento de
indenização) ou penal (persecução criminal) em caso de a lesão já
6.1. Direito à vida: a vida é o direito mais precioso do ser humano. haver se efetivado.
Sem ela, nada existe, sendo o advento de seu termo final a única
certeza absoluta de toda a humanidade. LEGISLAÇÃO UTILIZADA

A ordem jurídica vigente, assegura o direito à vida de todo e


Constituição Federal
qualquer ser humano, antes mesmo do nascimento, punindo o
aborto e protegendo os direitos do nascituro.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
A respeito, o aborto é considerado crime, na forma dos arts. 124 a indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
127 do Código Penal Brasileiro. Admite-se, todavia, a exclusão do constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
crime nas hipóteses de aborto necessário, previstas no art. 128, I e fundamentos:
II, da Lei Penal. III – a dignidade da pessoa humana;
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
6.2. Direito à integridade física: internacionais pelos seguintes princípios:
II – prevalência dos direitos humanos;
Sobre o tema, dispõe o art. 15 do CC: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
“Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Assim, qualquer pessoa que se submete a tratamento médico, em I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
especial intervenção cirúrgica, deve ter plena consciência de seus termos desta Constituição;
riscos, cabendo ao profissional que a acompanhar expressamente IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
informá-la, recomendando-se, inclusive, o registro de tal fato, para anonimato;
prevenir responsabilidades. V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
6.3. Direito à integridade psíquica: em um segundo plano de VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
análise metodológica, torna-se a pessoa como ser psíquico atuante, assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
que interage socialmente, incluindo-se nessa classificação o direito à forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
liberdade, inclusive de pensamento, à intimidade, à privacidade, ao VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença
segredo, além do direito referente à criação intelectual, consectário religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
da própria liberdade humana. para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
6.4. Direito à integridade moral: os direitos da personalidade IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
também objetivam tutelar a esfera moral da pessoa. Incluídos nestes de comunicação, independentemente de censura ou licença;
direitos: direito à honra (um dos direitos mais significativos da X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
personalidade, acompanhando o indivíduo desde seu nascimento, das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material
até depois de sua morte); direito à imagem (em definição simples, ou moral decorrente de sua violação;
constitui a expressão exterior sensível da individualidade humana) e
do direito à identidade (traduz a idéia de proteção jurídica aos Código Civil
elementos distintivos da pessoa, natural ou jurídica, no seio da
sociedade). Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com
7. PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro.
A proteção dos direitos da personalidade dá-se em vários campos
do ordenamento jurídico, desfrutando, assim, de estatutos DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
disciplinadores diversos, variáveis em função do enfoque adotado.
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
CARLOS ALBERTO BITAR, leciona: “tutela geral dos direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o
personalidade compreende modos vários de reação, que permitem seu exercício sofrer limitação voluntária.
ao lesado a obtenção de respostas distintas, em função dos Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
interesses visados, estruturáveis, basicamente, em consonância personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
com os seguintes objetivos: a) cessação de práticas lesivas; b) sanções previstas em lei.
● Arts. 20 e 402 a 405 deste Código.
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Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para Pena – reclusão, de um a quatro anos.
requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante
qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou
próprio corpo, quando importar diminuição permanente da violência.
integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins Forma qualificada
de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
● Lei nº 9.434, de 4-2-1997 (Lei de Remoção de Órgãos e Tecidos). Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos
gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal
morte. de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado causas, lhe sobrevém a morte.
a qualquer tempo.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:
vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o Aborto necessário
prenome e o sobrenome.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
publicações ou representações que a exponham ao desprezo
público, ainda quando não haja intenção difamatória. Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em
propaganda comercial. II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
proteção que se dá ao nome. representante legal.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da
justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de UNIDADE V : PESSOA JURÍDICA
escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou
a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu 1. CONCEITO E DENOMINAÇÃO
requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se Segundo Maria Helena Diniz, conceitua pessoa jurídica como
destinarem a fins comerciais. “unidade de pessoas ou de patrimônios, que visa à consecução de
● Art. 5º, X, da CF. certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos
● Arts. 12 e 927 e seguintes deste Código. e obrigações”.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou Já o professor Washington de Barros leciona: “Para bem
os descendentes. compreender a existência de semelhantes entidades, as pessoas
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a jurídicas, é preciso partir da ideia de que o indivíduo, muitas vezes,
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias por si só, será incapaz de realizar certos fins que ultrapassam suas
para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. forças e os limites da vida individual. Para a consecução desses fins,
● Art. 5º, X, da CF. ele tem de unir-se a outros homens, formando associações, dotadas
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou de estrutura própria e de personalidade privativa, com as quais
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que supera a debilidade de suas forças e a brevidade de sua vida (...)
exclusivamente moral, comete ato ilícito. Surgem assim as pessoas jurídicas, também chamadas de pessoas
● Arts. 43, 398, 927 e seguintes deste Código. morais (no direito francês) e pessoas coletivas (no direito português)
● Art. 49 da Lei nº 5.250, de 9-2-1967 (Lei da Imprensa). e que podem ser definidas como associações ou instituições
● Súmulas nos 28, 492 e 562 do STF. formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem
● Súmulas nos 37 e 43 do STJ. jurídica como sujeitos de direitos”.
● Art. 159 do CC/1916.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao E complementa o professor Murilo Neves: “São entidades a quem a
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim lei empresta personalidade jurídica e que, por isso, são capazes de
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. direitos e obrigações na ordem civil. Sua personalidade, no entanto,
● Art. 927 deste Código. não se confunde com a de seus membros (...) Também são
chamadas de entes de existência ideal, de pessoas morais, pessoas
Código Penal civis, pessoa coletivas ou sociais. No nosso ordenamento, houve
opção por parte do legislador de usar a expressão pessoas
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento jurídicas”.
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe
provoque: 2. NATUREZA JURÍDICA
Pena – detenção, de um a três anos.
São inúmeras as teorias que buscam identificar a natureza da
Aborto provocado por terceiro personalidade das pessoas jurídicas, sua caracterização dentro da
Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: ciência do Direito. A respeito, SILVIO VENOSA, citando
Pena – reclusão, de três a dez anos. FRANCISCO FERRARA, esclarece: “é por demais polêmica a
conceituação da natureza da pessoa jurídica, dela tendo-se ocupado
Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: juristas de todas as épocas e de todos os campos do direito. Como

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diz Francisco Ferrara, com frequência o problema dessa 3.2. TEORIAS NEGATIVAS
conceituação vê-se banhado por posições e paixões políticas e
religiosas e, de qualquer modo, sobre a matéria formou-se uma PABLO STOLZE GAGLIANO, citando BRINZ e BEKKER, leciona:
literatura vastíssima e complexa, cujas teorias se interpretam e se “afirmavam tratar-se de mero patrimônio destinado a um fim, sem
mesclam, num emaranhado de posições sociológicas e filosóficas”. conferir-lhe personalidade jurídica (...) Já BOLZE e IHERING
defenderam tese no sentido de que a associação formada por um
3. TEORIAS EXPLICATIVAS grupo de indivíduos não possuiria personalidade jurídica própria,
pois os próprios associados (pessoas físicas) seriam considerada
Quanto à natureza jurídica da pessoa jurídica, várias teorias foram em conjunto. Trata-se da teoria da mera aparência”. Sobre essa
elaboradas, no intento de justificar e esclarecer a sua existência e a corrente, ensina BEVILÁQUA: “afirma ser este gênero de pessoas
razão de sua capacidade de direito. Apesar da não haver um mera aparência, excogitada para a facilidade de relações, sendo o
consenso entre a grande variedade de doutrinas, é possível, verdadeiro sujeito dos direitos que se lhes atribuem, os indivíduos
didaticamente, classificá-las em teorias afirmativas e teorias que a compõem ou em benefício dos quais elas foram criadas”.
negativas.
Negando autonomia existencial à pessoa jurídica, IHERING
3.1. Teorias afirmativas: As necessidades sociais e o progresso argumentava que os verdadeiros sujeitos de direito seriam os
material e espiritual dos povos fizeram florescer correntes que indivíduos que compõem a pessoa jurídica, de maneira que esta
reconheciam personalidade própria às pessoas jurídicas. Nessa serviria como simples forma especial de manifestação exterior da
linha de intelecção, podem ser apontadas as seguintes vertentes: vontade de seus membros. Por sua vez, DUGUIT, o mais radical de
todos, apresentou teoria negadora de toda personalidade jurídica.
3.1.1. Teoria da Ficção: desenvolveu-se a partir da tese de Não aceitando a categoria dos direitos subjetivos, e substituindo-a
WINDSCHEID sobre o direito subjetivo, e teve SAVIGNY como seu pelo conceito de “situações jurídicas subjetivas”, conclui pela
principal defensor. Não reconhecia existência real à pessoa jurídica, negação de toda personalidade jurídica, individual ou coletiva.
imaginando-a como abstração, mera criação da lei. Seriam pessoas
por ficção legal, uma vez que somente os sujeitos dotados de 4. PRESSUPOSTOS EXISTENCIAIS
vontade poderiam, por si mesmos, titularizar direitos subjetivos.
Três são os seus requisitos: capacidade jurídica reconhecida pela
Ao entender que só o homem é capaz de ser sujeito de direito, norma.
SAVIGNY concluiu que a pessoa jurídica é uma ficção legal, ou seja,
uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais e 4.1. Organização de pessoas ou de bens: a vontade humana
facilitar a função de certas entidades. traduz o elemento anímico20 para a firmação de uma pessoa
jurídica, sendo elemento imprescindível para sua constituição. Não
Com efeito, MARIA HELENA DINIZ, leciona não se pode aceitar se pode conceber, no campo do direito privado, a formação de uma
esta concepção, que, por ser abstrata, não corresponde à realidade, pessoa jurídica por simples imposição estatal, em prejuízo da
pois se o Estado é uma pessoa jurídica, e se se concluir que ele é autonomia negocial e da livre iniciativa.
ficção legal ou doutrinária, o direito que dele emana também o será.
4.2. Liceidade21 de propósitos ou fins: não há de se reconhecer
3.1.2. Teoria da realidade objetiva (organicista): esta teoria existência legal e validade à pessoa jurídica que tenha objeto social
considera pessoa não só o homem. Junto deste há entes dotados de ilícito ou proibido por lei. A respeito, pontua FÁBIO ULHOA
existência real, tão real quanto a das pessoas físicas. São as COELHO: “o princípio da autonomia da vontade significa que as
pessoas jurídicas, que constituem realidades vivas, ou seja, junto à pessoas podem dispor sobre os seus interesses, através de
pessoa natural, como organismo físico, há organismos sociais, ou transações com as outras pessoas envolvidas. Estas transações,
pessoas jurídicas, que têm vida autônoma e vontade própria, cuja contudo, geram efeitos jurídicos vinculantes, se a ordem positiva
finalidade é a realização do fim social. assim estabelecer. A autonomia da vontade, assim, é limitada pela
Mas essa teoria recai na ficção quando se refere à vontade própria lei”.
da pessoa jurídica. A vontade é peculiar aos homens; como
fenômeno humano, não pode existir num ente coletivo. Cai, assim, 4.3. Capacidade jurídica reconhecida pela norma: para a
por terra toda a construção jurídica arquitetada pela teoria orgânica. formação da pessoa jurídica, exige a observância das condições
estabelecidas em lei. Assim, consoante será desenvolvido abaixo, a
3.1.3. Teoria da realidade técnica: Entre as duas posições aquisição da personalidade jurídica exige a inscrição dos seus atos
antagônicas (teoria da ficção e teoria da realidade objetiva) interpõe- constitutivos (contrato social ou estatuto) no registro peculiar.
se a da realidade técnica ou jurídica, que na opinião do professor
Washington de Barros fornece a verdadeira essência da pessoa Observação 1: Algumas sociedades, em virtude de suas
jurídica. peculiaridades de seu objeto ou do risco que a sua atividade
representa à economia ou ao sistema financeiro nacional,
Sendo eclética, ela reconhece que há uma parcela de verdade em demandam, além do registro, autorização governamental para seu
cada uma daquelas teorias. Do ponto de vista físico e natural, só a funcionamento. (ex. companhias de seguro)
pessoa física é realidade. Sob esse aspecto, portanto, a pessoa
jurídica não passará de ficção. Observação 2: O direito brasileiro adotou, no que tange à atribuição
de personalidade à pessoa jurídica, o sistema das disposições
A personalidade jurídica não é, pois, ficção, mas uma forma, uma normativas.
investidura, um atributo, que o Estado defere a certos entes, havidos
como merecedores dessa situação. O Estado não outorga tal
predicado de maneira arbitrária, e sim tendo em vista determinada
situação, que já encontra devidamente concretizada. 20 Concernente à alma. 2 Psicológico.
21 Qualidade de lícito; licitude.

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5. SURGIMENTO DA PESSOA JURÍDICA Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem
compatíveis, as normas da sociedade simples”.
A pessoa jurídica, no sistema das disposições normativas, considera
que, indispensável o registro para a aquisição de sua personalidade Observação 3: Nas sociedades irregulares ou de fato, a
jurídica, conforme estabelece a regra do art. 45 e segs. do CC. responsabilidade dos sócios é ilimitada (art. 990 do CC), devendo-se
observar que os credores particulares dos sócios só podem executar
Neste sentido, a análise do art. 45 do CC, permite a conclusão de a participação que o devedor possuir na sociedade, se não tiver
que a inscrição do ato constitutivo ou do contrato social no registro outros bens desembargados, ou, se depois de executados, os bens
competente – junta comercial, para as sociedades mercantis em que ainda tiver forem suficientes para o pagamento.
geral; e o cartório civil de pessoas jurídicas, para as fundações,
associações e sociedades civis – é condição indispensável para a 5.2. Grupos despersonalizados: Além da irregularidade do registro
atribuição de personalidade à pessoa jurídica. (que possibilita a construção de teorias sobre as sociedades de
fato), o campo das relações sócio-jurídicas é amplo demais para o
E, se assim é, observa-se que o registro da pessoa jurídica tem instituto da pessoa jurídica abarque todas as formas possíveis de
natureza constitutiva, por ser atributivo de sua personalidade, manifestações coletivas destinadas a um fim.
diferentemente do registro civil de nascimento da pessoa natural,
eminentemente declaratório da condição da pessoa, já adquirida no No magistério da professora MARIA HELENA DINIZ, leciona:
instante do nascimento com vida. “entidades que não podem ser subsumidas ao regime legal das
pessoas jurídicas do Código Civil, por lhes faltarem requisitos
Observação 1: Para alguns tipo de pessoas jurídicas, imprescindíveis à subjetivação, embora possam agir, sem maiores
independentemente do registro civil, a lei, por vezes, impõe o dificuldades, ativa ou passivamente. São entes que se formam
registro em algum outro órgão, com finalidade cadastral e de independentemente da vontade de seus membros ou em virtude de
reconhecimento de validade de atuação. (ex. partidos políticos, vide um ato jurídico que vincula as pessoas físicas em torno de bens que
CR/88 art. 17 § 2º e o art. 17 e seus parágrafos da Lei 9.096/95). lhes suscitam interesses, sem lhes traduzir affectio societatis22.
Donde se infere que os grupos despersonalizados ou com
Observação 2: da mesma forma, entidades sindicais obtêm personificação anômala constituem um conjunto de direitos e
personalidade jurídica com o simples registros civil, mas devem obrigações, de pessoas e de bens sem personalidade jurídica e com
comunicar sua criação ao Ministério do Trabalho, não para efeito de capacidade processual mediante representação.
reconhecimento, mas sim, para controle do sistema da unicidade
sindical. (vide art. 8º, I e II da CR/88). Como exemplo, citamos as situações elencadas no art. 12 do CPC,
incisos III, IV, V, VII, IX.
5.1. Sociedades irregulares ou de fato: segundo o professor
PABLO STOLZE GAGLIANO, antes do registro, não há de falar em Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
pessoa jurídica enquanto sujeito de direito. III – a massa falida, pelo síndico;
IV – a herança jacente ou vacante, por seu curador;
A lei é extremamente clara ao referir que a sua existência legal V – o espólio, pelo inventariante;
começa a partir do registro, de maneira que a preterição dessa VII – as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem
solenidade implica o reconhecimento somente da chamada couber a administração dos seus bens;
sociedade irregular ou de fato, desprovida de personalidade, mas IX – o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico.
com capacidade para se obrigar perante terceiros.
Observação 1: Sendo tais grupos despersonalizados apenas um
Nas palavras de CAIO MÁRIO, a “compreensão do tratamento que a conjunto de direitos e obrigações, pessoas e bens, sem
lei dispensa à sociedade irregular somente pode decorrer daquele personalidade jurídica, qualquer enumeração feita será sempre
princípio, segundo o qual a aquisição de direitos é consequência da exemplificativas, e jamais taxativa, até mesmo porque o inciso VII do
observância da norma, enquanto que a imposição de deveres art. 12 do CPC admite interpretação extensiva.
(princípio da responsabilidade) existe sempre”.
6. CAPACIDADE E REPRESENTAÇÃO
Observação 1: a disciplina das sociedades de fato ou irregulares é
prevista no Livro do Direito de Empresa do Código Civil, no tópico Sobre o assunto, é o posicionamento do professor SILVIO
“Da Sociedade em Comum”, que se encontra, por sua vez, inserido RODRIGUES: “Com efeito, no momento em que a pessoa jurídica
no subtítulo “Da Sociedade não personificada”. registra seu contrato constitutivo, adquire personalidade, isto é,
capacidade para ser titular de direitos. Naturalmente ela só pode ser
Observação 2: na definição de WALDEMAR FERREIRA, pontua: titular daqueles direitos compatíveis com a sua condição de pessoa
sociedade de fato seria aquela que funciona sem que houvesse sido fictícia, ou seja, os patrimoniais. Não se lhe admitem os direitos
reduzido a termo o seu estatuto ou contrato social; a sociedade personalíssimos. Todavia, o art. 52 do CC declara aplicar-se às
irregular, por sua vez, seria aquela organizada por escrito, mas sem pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da
a necessária inscrição dos atos constitutivos no registro peculiar”. A personalidade”.
despeito de admitirmos a importância teórica da distinção conceitual,
urge reconhecer que tal classificação não tem importantes reflexos Para exercer tais direitos, para atuar na vida cotidiana, a pessoa
práticos. jurídica recorre a pessoas físicas que a representam.

Neste sentido, dispõe o art. 986 do Código Civil, in verbis:

“Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a 22 Affectio Societatis – (Latim) Manifesta boa intenção, vontade, ânimo de
sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste cooperação de duas ou mais pessoas que se unem em sociedade, mercantil
ou de outra natureza, para atingirem fins comuns com direitos recíprocos. É
o elemento subjetivo indispensável para a realização da sociedade.
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Não obstante, determina a regra do art. 46 do CC, o modo de 8. ASSOCIAÇÕES
administração e representação da pessoa jurídica: “o modo por que
se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e Na definição do Professor WASHINGTON DE BARROS, pontua: “As
extrajudicialmente”. associações são pessoas de direito privado constituídas pela união
de pessoas que se organizam para fins não econômicos.
Observação 1: agindo em nome da sociedade e tendo a pessoa Distinguem-se, portanto, com absoluta nitidez, das sociedades, que
jurídica existência distinta da dos seus membros, o ato de têm por finalidade o desenvolvimento de atividades de cunho
representante a vincula, enquanto o representante atuar dentro dos econômico, sejam elas civis ou comerciais”.
poderes que o instrumento constitutivo lhe confere. Ultrapassados
tais poderes, exime-se a sociedade de responsabilidade, cabendo Sob pena de nulidade, dispõe o art. 54 do CC, que os estatutos das
ao representante que exorbitou responder pelo excesso (vide art. 50 associações deverão conter:
do CC e art. 12, VI do CPC). I – a denominação, os fins e a sede da associação;
II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos
7. CLASSIFICAÇÃO associados;
III – os direitos e deveres dos associados;
As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de IV – as fontes de recursos para sua manutenção;
direito privado (art. 40 CC). Tais pessoas são caracterizadas não só V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos
pela personalidade jurídica de direito público como pelo regime deliberativos;
jurídico de direito público a que se submetem. VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e
para a dissolução;
7.1. Pessoa Jurídica de direito público: são dividas em pessoa VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das
jurídica de direito público interno e pessoa jurídica de direito público respectivas contas.
externo.
Observação 1: os associados devem ter iguais direitos, mas o
As pessoas jurídicas de direito público interno vêm enumeradas no estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais,
art. 41 do CC e seu parágrafo único. conforme a regra do art. 55 do CC.

Realmente, hoje se divide a administração pública em administração Observação 2: a qualidade de associado é intransmissível, se o
centralizada, que desenvolve as funções próprias de Estado e é estatuto não dispuser o contrário. Vide art. 56 do CC.
formada por pessoa jurídica de direito público interno, com
personalidade e regime de direito público, e administração Observação 3: se o associado for titular de quota ou fração ideal do
descentralizada, pela qual são desenvolvidas atividades atípicas do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de
Estado, por pessoas jurídicas com personalidade e regime jurídico per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao
de direito privado, regendo-se então pelo direito civil. herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto. (vide art. 56,
parágrafo único).
Observação 1: essa enumeração não esgota, contudo, o elenco das
pessoas jurídicas de direito público interno, porque outras podem ser Observação 4: a exclusão do associado só é admissível havendo
criadas por lei com personalidade de direito público. justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure
direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.
Observação 2: as autarquias administrativas são pessoas jurídicas (vide art. 57).
de direito público interno, nos termos do Decreto-lei nº 6.016, de 22- Observação 5: da decisão do órgão que, de conformidade com o
11-1943, que assim dispõe no seu art. 2º: “Considera-se autarquia, estatuto, decretar a exclusão, caberá sempre recurso à assembleia
para efeito desde decreto-lei, o serviço estatal descentralizado, com geral. (vide art. 57, parágrafo único)
personalidade de direito público, explícita ou implicitamente
reconhecida por lei”. Observação 6: nenhum associado poderá ser impedido de exercer
direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não
Observação 3: Por sua vez, o Decreto-lei nº 200, de 25-2-1967, no ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto (art. 58).
seu art. 5º, inciso I, considera autarquia o serviço autônomo, criado
por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, Observação 7: compete privativamente à assembleia geral: eleger
para executar atividades atípicas da administração pública os administradores; destituí-los; aprovar as contas; alterar o estatuto
requeiram, para o seu melhor funcionamento, gestão administrativa (art. 59), com quórum previsto no parágrafo único e no art. 60, para
e financeira descentralizada. as deliberações e convocação da assembleia geral.

Já as pessoas jurídicas de Direito Público Externo, regidas pelo Observação 8: dissolvida a associação, o remanescente do seu
direito internacional público, são as nações estrangeiras e a Santa patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou
Sé. Entre elas podem ser igualmente incluída a Organização das frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado
Nações Unidas (ONU). Assim dispõe o art. 42 do CC: são pessoas a entidades de fins não econômicos designada no estatuto, ou,
jurídicas de direito público externo os Estados Estrangeiros e todas omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal,
as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes, conforme a
regra do art. 61.
7.2. Pessoa Jurídica de direito privado: o Código Civil,
simplificando a matéria, afinado com a doutrina moderna, em seu 9. SOCIEDADES
art. 44, classifica as pessoas jurídicas de direito privado em:
Associações (art. 44, I); Sociedades (art. 44, II) e Fundações (art. O Código Civil, no Livro II, Título II, Capítulo Único, referente ao
44, III). direito de empresa, trata das sociedades, sob as suas diversas
formas e aspectos.

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9.1. Constituição das sociedades: no magistério do professor Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente
PABLO STOLZE GAGLIANO, leciona: “A sociedade é uma espécie atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de
de corporação, dotada de personalidade jurídica própria, e instituída bens ou de serviços.
por meio de um contrato social, com o precípuo escopo de exercer
atividade econômica e partilhar de lucros”. Abandonou-se, portanto, a superada definição de comerciante,
substituindo-a pela moderna noção de empresário.
A esse respeito, pontifica, com acuidade, ORLANDO GOMES que:
“se duas ou mais pessoas põem em comum sua atividade ou seus Nesta esteira, é a definição de FÁBIO ULHOA COELHO:
recursos com o objetivo de partilhar o proveito resultante do “empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma
empreendimento, constituem uma sociedade”. atividade econômica de produção ou circulação de bens e serviços.
Essa pessoa pode ser tanto física, que emprega seu dinheiro e
O contrato social, nesse contexto, desde que devidamente organiza a empresa individualmente, como jurídica, nascida da
registrado, é o ato constitutivo da sociedade. união de esforços de seus integrantes”.

O Código Civil, reza que: Nesse diapasão, conclui-se que a sociedade empresária vem a ser a
pessoa jurídica que exerça atividade econômica organizada para a
“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que produção e circulação de bens ou de serviços.
reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para
o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos Essas espécies de sociedades, por sua vez, assumem as seguintes
resultados. formas, conforme regra dos arts. 983 e 1.039 a 1.092 do CC:

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um 1. sociedade em nome coletivo:


ou mais negócios determinados”. 2. sociedade em comandita simples:
3. sociedade limitada:
9.2. Classificação das sociedades: dependendo do tipo de 4. sociedade anônima:
atividade que realizada, a doutrina tradicional sustenta que a 5. sociedade em comandita por ações.
sociedade poderá ser civil ou mercantil. A diferença está em que
apenas a sociedade mercantil pratica atos de comércio para produzir A outra categoria, que completa a classificação apresentada, é a das
lucros. As sociedades civis, por sua vez, a despeito de perseguirem sociedades simples.
proveito econômico, não empreendem atividades mercantis, ou seja,
não atuam na qualidade de comerciantes (é o caso das sociedades Trata-se de pessoas jurídicas que, embora persigam proveito
formadas por certos profissionais – médicos, advogados, dentistas, econômico, não empreendem atividade empresarial. São, como se
etc). percebe, o equivalente às tradicionais conhecidas sociedades civis,
não tendo obrigação legal de inscrever os seus atos constitutivos no
9.2.1. Classificação quanto ao objeto: o Código Civil, aproveitando Registro Público de Empresas Mercantis, mas somente no Cartório
os ensinamentos do moderno Direito Empresarial, atualizou-se de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
terminologicamente, ao classificar, quanto ao objeto social, as
sociedades em: Sobre o tema, assim se manifesta MIGUEL REALE: “sociedade
simples tem por escopo a realização de operações econômicas de
a) sociedades empresárias; natureza não empresarial (...) como tal, não se vincula ao Registro
b) sociedades simples. de Empresas, mas sim ao Registro Civil das Pessoas Jurídica”.

Nos comentários do professor PABLO STOLZE GAGLIANO, Observação 1: não se considera empresário quem exerce profissão
adverte: “a ‘empresa’, encarada como pedra de toque da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o
econômica, erige-se como um conceito-chave de redobrada concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da
importância na nova Lei Codificada. “Objetivamente considerada”, profissão constituir elemento de empresa, conforme regra estatui no
observa GUISEPPE FERRI, citado por RUBENS REQUIÃO, art. 966, em seu parágrafo único.
“apresenta-se como uma combinação de elementos pessoais e
reais, colocados em função de um resultado econômico, e realizada Observação 2: é obrigatória a inscrição do empresário no Registro
em vista de um intento especulativo de uma pessoa, que se chama Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início
empresário”. de sua atividade. (vide arts. 967 e 968 do CC).

No mesmo sentido, ensina MIGUEL REALE: “empregada a palavra 10. FUNDAÇÕES


empresa no sentido de atividade desenvolvida pelos indivíduos ou
pelas sociedades a fim de promover a produção e circulação de Ao lado das associações e das sociedades, o art. 44 do CC incluiu,
riquezas”. entre as pessoas jurídicas de direito privado, as fundações.
Determina o art. 982 do CC, in verbis:
Fundação, no conceito do Professor SILVIO RODRIGUES, leciona:
Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a “Fundação é uma organização que gira em torno de um patrimônio.
sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de Trata-se de patrimônio que se destina a determinada finalidade. A
empresário sujeito a registro. lei, cumprindo certos requisitos, atribui personalidade a esse acervo
de bens, ou seja, atribui-lhe a capacidade para ser titular de
Na mesma linha, o art. 966 do CC, define a pessoa do empresário, direitos”.
verbis:
Com efeito, para criar uma fundação, seu instituidor fará a dotação
de bens livres, especificando o fim a que se destina. A instituição

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deve ser ultimada por escritura ou testamento, Posto isso, aquele a Sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito
quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio elaborará os público, farta doutrina já foi produzida, seguindo a diretriz do art. 37,
estatutos da fundação projetada, submetendo-os à autoridade § 6º da CR/88, adotou a tese da responsabilidade objetiva do
competente, isto é, ao órgão do Ministério Público. Aprovados por Estado, registrando que as “pessoas jurídicas de direito público
este, os estatutos deverão ser registrados na forma do art. 45 do interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que
CC, e neste momento, adquire, a fundação, personalidade (CPC, nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito
arts. 1.199 e segs.). regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte
destes, culpa ou dolo”.
Observação 1: No comentário do professor SILVIO RODRIGUES,
assim se manifesta em relação a Fundação : “Trata-se, portanto, de Por fim, vale destacar que, de forma inovadora em nosso sistema
uma universalidade de bens – universitas bonorum – a que a lei jurídico, seguindo tendência do moderno direito penal, o art. 3º da
atribui personalidade jurídica. Ora, tal asserção deve, naturalmente, Lei 9.605/98 prevê imputabilidade criminal também para as pessoas
provocar alguma perplexidade, porque os bens, via de regra, são jurídicas, no caso em que a atividade lesiva ao meio ambiente seja
objetos de direito, e não sujeitos de direito. Se o direito tem por cometida por decisão de seus representantes legais, ou contratuais,
escopo proteger interesses humanos, é de certo modo ilógico ou de seu órgão colegiado, no interesse ou em benefício da
imaginar a atribuição de personalidade a um acervo de bens”. entidade, não excluindo a responsabilidade das pessoas físicas,
autoras, co-autoras ou partícipes do fato delituoso.
Observação 2: E completa o ilustre professor SILVIO: “Todavia, a
objeção por ser contornada se consideramos que, embora a 12. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
fundação consista num patrimônio, a sua instituição almeja atingir a Prevista no art. 50 do CC, quebra com a regra tradicional pela qual a
satisfação de algum interesse humano”. pessoa jurídica não se confunde com os seus membros. Assim, nos
casos de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, o sócio ou
11. RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DAS PESSOAS administrador que agir em abuso de direito pode ser
JURÍDICAS responsabilizado. Os parâmetros para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica constam do art. 187 do
O professor SILVIO RODRIGUES, leciona: “a pessoa jurídica é CC, que trata do abuso de direito (fim social e econômico da
responsável na órbita civil, contratual e extracontratual. Quanto à empresa, boa-fé objetiva e bons costumes).
responsabilidade contratual, a matéria é pacífica, e, desde que se
torne inadimplente, sua responsabilidade emerge, nos termos do art. Assim, a desconsideração deve ser utilizada com prudência. A
389 do CC”. jurisprudência, muitas vezes, entende a responsabilidade de uma
empresa para outra, também em casos de abuso, teoria que é
E continua o renomado mestre: “Todavia, será igualmente conhecida como sucessão de empresas.
responsável a pessoa jurídica no campo extracontratual? Sob um
aspecto lógico, parecem ter razão aqueles que respondem Sobre o tema, precisa é a lição do professor SÍLVIO VENOSA:
negativamente. Na realidade quem pratica o ato ilícito não é a “Assim, quando a pessoa jurídica, ou melhor, a personalidade
pessoa jurídica, mas seu representante. Ora, é evidente que este jurídica for utilizada para fugir de suas finalidades, para lesar
não atuou munido de poderes para praticar ato ilícito, pois seu terceiros, deve ser desconsiderada, isto é, não deve ser levada em
mandato decerto não lhe confere a prerrogativa de agir com dolo ou conta a personalidade técnica, não deve ser tomada em
culpa. De maneira que, encarado o problema por este ângulo, seria consideração sua existência, decidindo o julgador como se o ato ou
o representante, e não a instituição, o responsável”. negócio houvesse sido praticado pela pessoa natural (ou outra
De outro viés, é a opinião do professor PABLO STOLZE pessoa jurídica). Na realidade, nessas hipóteses, a pessoa natural
GAGLIANO, que: ”mesmo não tendo a existência ontológica das procura escudo na legitimidade na realidade técnica da pessoa
pessoas naturais, as pessoas jurídicas respondem, com seu jurídica, mas o ato é fraudulento e ilegítimo. Imputa-se
patrimônio, por todos os atos ilícitos que praticarem, por meio de responsabilidade aos sócios e membros integrantes da pessoa
seus representantes”. jurídica que procuram burlar a lei ou lesar terceiros. Não se trata de
considerar sistematicamente nula a pessoa jurídica, mas, em caso
Do ponto de vista da responsabilidade civil, inexiste distinção efetiva específico e determinado, não a levar em consideração. Tal não
entre os entes de existência física para os de existência ideal. implica, como regra geral, negar validade à existência da pessoa
jurídica”.
Assim, independentemente da natureza da pessoa jurídica (direito
público ou privado), estabelecido um negócio jurídico com a Quanto à desconsideração da personalidade jurídica, a doutrina
observância dos limites determinados pela lei ou estatuto, com aponta a existência de duas grandes teorias: a teoria maior e a
deliberação do órgão competente e/ou realização pelo legítimo teoria menor. Ensina FÁBIO ULHOA COELHO que “há duas
representante, deve ela cumprir o quanto pactuado, respondendo, formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o
com seu patrimônio, pelo eventual inadimplemento contratual, na juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas
forma do art. 389 do CC. jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através
dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor já possibilita
No campo da responsabilidade civil aquiliana23 ou extracontratual, a afastar a autonomia processual”. Por óbvio que o nosso Código Civil
regra geral do neminem laedere (a ninguém se deve lesar) é adotou a teoria maior. De qualquer modo entendemos que o abuso
perfeitamente aplicável às pessoas jurídicas, estando consagrado da personalidade jurídica deve ser encarado como uma forma de
nos arts. 186, 187 e 927 do CC, que não fazem acepção de quais abuso de direito, tendo como parâmetro o art. 187 do CC.
pessoas são as destinatárias da norma.
Observação 1: Como estudado, a pessoa jurídica é capaz de
direitos e deveres independentemente dos membros que a
compõem. Os componentes somente responderão por débitos
23 Responsabilidade decorrente da inobservância de norma jurídica. O dentro dos limites do capital social, ficando a salvo patrimônio
mesmo que responsabilidade extracontratual. individual dependendo do tipo societário.
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Observação 2: A regra é de que a responsabilidade dos sócios em A primeira é a noção de domicílio ligada à vida privada da pessoa,
relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro às suas relações internas, sugerindo o local onde reside
exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que permanentemente, sozinho ou com seus familiares.
o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios
serem executados. A segunda, que interessa à atividade externa da pessoa, à sua vida
social e profissional, refere-se ao lugar onde fixa o centro de seus
Observação 3: Somente na hipótese de abuso da personalidade negócios jurídicos ou de suas ocupações habituais.
jurídica é que os sócios (ou sócio) poderão ser responsabilizados
diretamente. Tanto em uma hipótese quanto em outra, estamos diante da noção
de domicílio.
Observação 4: Também é possível, no caso da confusão
patrimonial, responsabilizar a empresa por dívidas dos sócios. O O Código Civil, aperfeiçoando a disciplina legal do instituto, abarcou
exemplo típico é a situação em que o sócio, tendo conhecimento da expressamente as duas hipóteses, admitindo sua cumulação, como
eventual separação ou divórcio, compra bens com capital próprio em se verifica da análise dos seus arts. 70 e 72 in verbis:
nome da empresa (confusão patrimonial). Pela desconsideração,
tais bens poderão ser alcançados pela separação, fazendo com que Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece
o instituto seja aplicado no Direito de Família. a sua residência com ânimo definitivo.

Observação 5: Encerrando, como a evolução da desconsideração Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações
da personalidade jurídica tem-se adotado a teoria da sucessão de concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
empresas, pela qual, nos acasos de abuso da personalidade jurídica Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares
em que for patente a ocorrência de fraude, poderá o magistrado diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que
estender as responsabilidades de uma empresa para outra – lhe corresponderem.
denominadas empresa sucedida e sucessora, respectivamente. A
aplicação de tal teoria é também muito comum na Justiça do 2. MORADIA, RESIDÊNCIA E DOMICÍLIO: DISTINÇÕES
Trabalho. NECESSÁRIAS

13. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Para uma efetiva compreensão da matéria, faz-se mister fixar e
distinguir as noções de moradia, residência e domicílio.
A pessoa jurídica como a pessoa natural, a pessoa jurídica completa
seu ciclo existencial, extinguindo-se. 2.1. Moradia: é o lugar onde a pessoa natural se estabelecer
provisoriamente. Confunde-se com a noção de estadia.
A dissolução, segunda a classificação consagrada na doutrina,
poderá ser: 2.2. Residência: pressupõe maior estabilidade. É o lugar onde a
pessoa natural se estabelece habitualmente. Assim, o sujeito que
13.1. Convencional: é aquela deliberada entre os próprios sócios, mora e permanece habitualmente em uma cidade, local onde
respeitado o estatuto ou o contrato social; costumeiramente é encontrado, tem, aí, a sua residência.

13.2. Administrativa: resulta da cassação da autorização de 2.3. Domicílio: é o lugar onde estabelece residência com ânimo
funcionamento, exigida para determinadas sociedades se definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de seus
constituírem e funcionarem. negócios jurídicos ou de sua atividade profissional. Não basta, pois,
para a sua configuração, o simples ato material de residir, porém,
13.3. Judicial: nesse caso, observada uma das hipóteses de mais ainda, o propósito de permanecer (“animus manendi”),
dissolução previstas em lei ou no estatuto, o juiz, por iniciativa de convertendo aquele local em centro de suas atividades.
qualquer dos sócios, poderá, por sentença, determinar sua extinção. Necessidade e fixidez são as suas características.

Observação 1: O CC, em seu art. 51, dispõe que nos casos de Compõe-se o domicílio, de dois elementos:
dissolução de pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu
funcionamento, “ela subsistirá para fins de liquidação, até que esta a) objetivo – ato de fixação em determinado local;
se conclua”. Finda a liquidação, inclusive com a satisfação das b) subjetivo – o ânimo definitivo de permanência.
obrigações tributárias, promover-se-á o cancelamento da inscrição
da pessoa jurídica, o que será averbado no mesmo registro onde Assim, o sujeito fixa-se em determinado local, com o propósito de ali
originalmente foi inscrita. permanecer, transformando-o em centro de seus negócios,
constituiu, ali, o seu domicílio civil.
UNIDADE VI : DOMICÍLIO CIVIL
Observação 1: por outro lado, nada impede que uma pessoa resida
1. CONCEITO em mais de um local (com habitualidade), tomando apenas um como
centro principal de seus negócios, ou seja, como seu domicílio.
Domicílio civil da pessoa natural é o lugar onde estabelece
residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em Observação 2: situação diferente é o caso da pessoa ter uma
centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade pluralidade de residências, vivendo alternadamente em cada uma
profissional. delas, sem que se possa considerar uma somente como seu centro
principal. Neste caso, considerar-se seu domicílio qualquer uma
Note-se a amplitude da definição. Compõem-na duas situações, que delas, conforme regra do art. 71 do CC, in verbis:
geralmente se confundem, mas possuem caracteres distintos.

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Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, nele praticados” , conforme regra estabelecida no art. 75, IV e § 1º,
alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas. do CC, verbis:

3. TRATAMENTO LEGAL E MUDANÇA DE DOMICÍLIO Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:

3.1 Tratamento legal: seguindo a orientação do direito alemão, IV – das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as
admitiu, em nosso sistema, a pluralidade de domicílios, afastando-se respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio
neste particular, a diretriz do direito francês, que só admitia um especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
domicílio.
§ 1º Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares
Assim, à luz do princípio da pluralidade domiciliar, se o indivíduo diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos
mora em um lugar com sua família, e em outro exerce a sua nele praticados.
atividade profissional ou realiza seus principais negócios jurídicos,
será considerado seu domicílio qualquer desses locais. Se a administração ou diretoria da pessoa jurídica de direito privado
tiver sede no estrangeiro, será considerado seu domicílio, no tocante
O próprio CPC admite o princípio da pluralidade domiciliar, ao às obrigações contraídas por qualquer de sua agências, “o lugar do
dispor, em seu art. 94, § 1º, que “tendo mais de um domicílio, o réu estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder” (vide art. 75,
será demandado no foro de qualquer deles”. § 2º do CC).

Já o Código Civil, abraçou o instituto da pluralidade domiciliar na Quanto as pessoa jurídicas de direito público, em regra, seguem o
inteligência do art. 70, acima comentado. que determina o art. 75 do CC, in verbis:

3.2. Mudança de domicílio: opera-se com a transferência da Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
residência aliada à intenção manifesta de o alterar. A prova da I – da União, o Distrito Federal;
intenção resulta do que declarar a pessoa à municipalidades do II – dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
lugar que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, III – do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
da própria mudança, com as circunstâncias que a determinaram, IV – das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as
conforme a regra contida no art. 74 do CC e seu parágrafo único, in respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio
verbis: especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a 6. ESPÉCIES DE DOMICÍLIO


intenção manifesta de o mudar.
6.1. Voluntário: é o mais comum. Decorre do ato de livre vontade
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a do sujeito, que fixa residência em um determinado local, com ânimo
pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, definitivo. Não sofre interferência legal este tipo de domicílio.
ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as
circunstâncias que a acompanharem. 6.2. Legal ou necessário: decorre de mandamento da lei, em
atenção à condição especial de determinadas pessoas. Assim têm
4. DOMICÍLIO APARENTE OU OCASIONAL domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o
marítimo e o preso, conforme regra do art. 76 do CC, verbis:
Como já foi dito, a fixação do domicílio decorre de imperativo de
segurança jurídica. Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o
militar, o marítimo e o preso.
Assim, para as pessoas que não tenham residência certa ou vivam
constantemente em viagens, elaborou-se a teoria do domicílio Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou
aparente ou ocasional (HENRI DE PAGE), segundo a qual “aquele assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer
que cria aparências de um domicílio em um lugar pode ser permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo
considerado pelo terceiro como tendo aí seu domicílio”. da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se
encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio
Diz o art. 73 do CC: “Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a
não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada”. sentença.

O CPC aplica também tal regra, estabelecendo no § 2º do seu art. 6.3. De eleição: decorre do ajuste entre as partes de um contrato.
94 que “sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele será Neste sentido dispõe o art. 78 do CC:
demandado onde for encontrado ou no foro do domicílio do autor”.
Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar
5. DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações
deles resultantes.
Em regra, o domicílio da pessoa jurídica de direito privado é a sua
sede, indicada em seu estatuto, contrato social ou ato constitutivo Vale destacar, porém, que este dispositivo somente pode ser
equivalente. É o seu domicílio especial. invocado em relações jurídicas em que prevaleça o princípio da
igualdade dos contratantes e de sua correspondente autonomia de
Se não houver essa fixação, a lei supletivamente, ao considerar vontade.
como seu domicílio “o lugar onde funcionarem as respectivas
diretorias e administrações”, ou então, se possuir filiais em diversos
lugares, “cada um deles será considerado domicílio para os atos

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UNIDADE VII : BENS JURÍDICOS SILVIO VENOSA adverte que “a palavra coisa tem sentido mais
extenso, compreendendo tanto os bens que podem ser apropriados,
1. CONCEITO como aqueles objetos que não podem”. Por isso se diz que a noção
de coisa é mais vasta, por compreender tudo o que existe no
O Livro II da Parte Geral do Código Civil dedica-se à análise dos universo, e que não pode ser objeto de direito (o ar atmosférico, o
bens. Depois de a lei estabelecer as coordenadas relativas aos espaço, a água do mar).
sujeitos de direito (as pessoas, sejam naturais ou jurídicas) passa-se
à análise do objeto dos direitos, ou seja, daquilo sobre o que recaem WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, reconhecendo a falta de
os direitos subjetivos. harmonia na doutrina, afirma que “o conceito de coisas corresponde
ao de bens, mas nem sempre há perfeita sincronia entre as duas
Definir o que vem a ser bem não é fácil. Não há qualquer consenso expressões. Às vezes, coisas são gênero, e bens, a espécie; outras,
na doutrina a este respeito. No sentido filosófico, bem pode ser estes são os gênero e aquelas a espécie; outras, finalmente, são os
considerado como sendo tudo aquilo que satisfaz uma necessidade dois termos usados como sinônimos, havendo então entre eles
humana. Trata-se de uma concepção bastante abrangente, que coincidência de significação.
engloba os sentidos, os afetos dos quais é dotada a pessoa, além
dos bens patrimoniais. 4. CLASSIFICAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS

No sentido econômico, são considerados bens apenas as utilidades Com base no Código Civil (arts. 79 a 103), podemos apresentar, de
com valor pecuniário, excluídas aquelas que não podem merecer a forma mais técnica e abrangente, a seguinte classificação da
qualificação patrimonial. matéria:

Para os efeitos jurídicos, pode-se considerar como bem a utilidade 4.1. Bens considerados em si mesmos
física material ou imaterial que pode servir de objeto para uma
relação jurídica. 4.1.1. bens imóveis e móveis
4.1.2. bens fungíveis e infungíveis
Todavia, alguns doutrinadores restringem o conceito à ideia de bens 4.1.3. bens consumíveis e inconsumíveis
materiais, outros mencionam o requisito da valoração econômica; 4.1.4. bens divisíveis e indivisíveis
outros referem-se apenas à ideia de valor, seja econômico ou não. 4.1.5. bens singulares e coletivos

O que importa verificar – e isto pode ser obtido pelo conceito 4.2. Bens reciprocamente considerados
estabelecido acima – que pode ser considerado bem jurídico tudo
aquilo que puder ser objeto de uma relação jurídica. 4.2.1. bem principal e bens acessórios

2. OS BENS COMO OBJETO DE RELAÇÕES JURÍDICAS 4.2.1.1. bens acessórios:


a) frutos;
Interpretando o pensamento de ULPIANO, BEVILÁQUA afirma que, b) produtos;
sob o prisma filosófico, “bem é tudo quanto corresponde à c) rendimentos;
solicitação de nossos desejos”. d) benfeitorias (necessárias, úteis e voluptuárias)

Para o Direito, a noção de bem possui uma funcionalidade própria. 4.3. Bens públicos e particulares

Embora mais extensa do que a acepção meramente econômica – 4.1. BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS
que se limita a suscetibilidade de apreciação pecuniária -, os bens
jurídicos podem ser definidos como toda a utilidade física ou ideal, Em princípio se faz necessária a distinção entre bens corpóreos e
que seja objeto de um direito subjetivo. Neste enfoque, podemos incorpóreos, salientando que embora a matéria não seja tratada na
afirmar, sem dúvida, que todo bem econômico é bem jurídico, mas a legislação codificada, academicamente é de grande valia.
recíproca, definitivamente, não é verdadeira, tendo em vista que há
bens jurídicos que não podem ser avaliáveis pecuniariamente. a. Bens corpóreos: são aqueles que têm existência material,
perceptível pelos nossos sentidos, como os bens móveis (livros,
Nessa linha de raciocínio, é correto dizer que o bem jurídico, jóias, etc) e imóveis (terreno etc.) em geral.
material ou imaterial, economicamente apreciável ou não, é objeto
de direitos subjetivos. Quer dizer, a todo direito subjetivo (faculdade b. Bens incorpóreos: são aqueles abstratos, de visualização ideal
de agir do sujeito) deverá corresponder um determinado bem (não tangível). Tendo existência apenas jurídica, por força da
jurídico. atuação do Direito, encontram-se, por exemplo, os direitos sobre o
produto do intelecto, com valor econômico.
3. BEM X COISA

Não existe consenso doutrinário quanto à distinção entre bem e DIFERENÇA JURÍDICA NA DISCIPLINA QUANTO AO OBJETO
coisa. DE BENS CORPÓREOS E INCORPÓREOS

ORLANDO GOMES sustenta que bem é gênero e coisa é espécie.


Embora as relações jurídicas possam ter como objeto tanto bens
A noção de bem envolve o que pode ser objeto de direito sem valor
corpóreos quanto incorpóreos, há algumas diferenças, como por
econômico, ao passo que a coisa restringe-se às utilidades
exemplo, o fato de que somente os primeiros podem ser objeto de
patrimoniais. Coisa é sempre objeto corpóreo, isto é perceptível
contrato de compra e venda, enquanto os bens imateriais
pelos sentidos.
(incorpóreos) somente se transferem pelo contrato de cessão, bem
como não podem, em teoria tradicional, ser adquiridos por
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usucapião, nem ser objeto de tradição (uma vez que esta implica a 2. Móveis por antecipação: são os bens que, embora incorporados
entrega da coisa). ao solo, são destinados a serem destacados e convertidos em
móveis, como é o caso, por exemplo, das árvores destinadas ao
4.4..1. bens imóveis e móveis corte.

a. Bens imóveis: são aqueles que não podem ser transportados de 3. Móveis por determinação legal: são bens considerados de
um lugar para outro sem alteração de sua substância (um lote natureza mobiliária por expressa dicção legal. O Código Civil
urbano). atualiza a disciplina normativa, considerando móvel: “as energias
que tenham valor econômico, os direitos reais sobre objetos móveis
b. Bens móveis: são os passíveis de deslocamento, sem quebra ou e as ações correspondentes, os direitos pessoais de caráter
fratura (um computador). patrimonial e respectivas ações, conforme regra do art. 83 do CC”.

Observação 1: os bens suscetíveis de movimento próprio, 4. Semoventes: são os bens que se movem de um lugar para outro,
enquadráveis na noção de móveis, são chamados de semoventes por movimento próprio, como é o caso dos animais.
(um animal de tração).
Sua disciplina jurídica é a mesma dos bens móveis por sua própria
A distinção legal tem especial importância prática, pois a alienação natureza, sendo-lhes aplicáveis todas as suas regras
de bens imóveis reveste-se de formalidades não exigidas para os correspondentes (art. 82 do CC).
móveis.
a. 2. BENS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS (CC. art. 85)
Observação 2: A aquisição de bens imóveis opera-se com a
solenidade do registro (Transcrição). Bens fungíveis: são aqueles que podem ser substituídos por outros
da mesma espécie, qualidade e quantidade. É a classificação típica
Observação 3: Para os bens móveis, dispensa-se o registro, dos bens móveis. (exemplo: café, soja, minério de carvão. O
exigindo-se, apenas, a tradição da coisa. dinheiro é um bem fungível por natureza).

Observação 4: Adotando a mesma regra estabelecida no Código Bens infungíveis: por sua vez são aqueles de natureza
Civil de 1916 (arts. 235, I, e 242, I). O Código Civil, mantém a insubstituível (ex: uma obra de arte).
mesma restrição, qual seja, o marido ou a mulher,
independentemente do regime de bens adotado, só poderá alienar Observação 1: Nota-se que o atributo da fungibilidade, em geral,
ou gravar de ônus real os bens imóveis com a autorização do outro. decorre da natureza do bem.
Ressalvando, todavia, que tal limitação não se aplica aos cônjuges
casados sob o regime de separação absoluta (art. 1.647). Observação 2: A fungibilidade também pode decorrer do valor
histórico de um determinado bem. Por exemplo, um vaso da dinastia
a.1.1) Classificação dos bens imóveis Ming é hoje, sem dúvida, um bem infungível enquanto registro de
uma época remota.
os bens imóveis são classificados pela doutrina da seguinte forma:
a. 3. BENS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS (CC. art. 86)
1. Imóveis por sua própria natureza: O Código Civil considera
imóveis “o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou Bens consumíveis: são os bens móveis cujo uso importa
artificialmente “, conforme a regrado art. 79 do CC) destruição imediata da própria substância, bem como aqueles
destinados à alienação. É o caso do alimento.
2. Imóveis por acessão física, industrial ou artificial: é tudo o homem Bens inconsumíveis: são aqueles que suportam uso continuado,
incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à sem prejuízo de seu perecimento progressivo e natural (ex.: o
terra, os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar automóvel).
sem destruição ou dano.
Neste sentido, são os comentários do professor WASHINGTON DE
3. Imóveis por acessão intelectual: são bens que o proprietário BARROS MONTEIRO: “os termos consumível e inconsumível
intencionalmente destina e mantém no imóvel para exploração devem ser entendidos, não no sentido vulgar, mas no econômico.
industrial, aformoseamento ou comodidade (ex. aparelho de ar Com efeito, do ponto de vista físico, nada existe no mundo que não
condicionado) se altere, não se deteriore, ou não se consuma com o uso. A
utilização mais ou menos prolongada acaba por consumir tudo
4. Imóveis por determinação legal: nessa categoria não prevalece o quanto existe na terra. Entretanto, na linguagem jurídica, consumível
aspecto naturalístico do bem, senão a vontade do legislador. é apenas a que se destrói com o primeiro uso; não é, porém,
juridicamente consumível a roupa, que lentamente se desgasta com
a.1.2) Classificação dos bens móveis o uso ordinário”.
Embora a proteção dada aos bens imobiliários seja tradicionalmente Observação 1: Com relação a bens destinados à alienação, como
mais rígida, moderadamente os bens móveis têm gozado de maior um aparelho celular vendido em uma loja especializada, adquirem,
importância econômica e dimensão social, sendo também de grande por força da lei, a natureza de consumíveis. Por outro lado, nada
importância o seu estudo. Tais bens podem ser assim classificados: impede seja considerado inconsumível, pela vontade das partes
(ex.: uma garrafa rara de licor, apenas exposta à apreciação
1. Móveis por sua própria natureza: são aqueles bens que, sem pública).
deterioração de sua substância, podem ser transportados de um
local para outro, mediante o emprego da força alheia. (ex. livros, Observação 2: O professor SILVIO RODRIGUES citando
carteiras, bolsas, etc). BEVILÁQUA ensina: “que a distinção se funda numa consideração
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econômica-jurídica, pois há coisas que se destinam ao simples uso,
delas tirando-se as utilidades, sem lhes destruir a substância – são Bem principal: é aquele que possui autonomia estrutural, ou seja,
as coisas não consumíveis; e há outras que se destroem que existe sobre si, abstrata ou concretamente.
imediatamente, à medida que são utilizadas, ou aplicadas – são as
consumíveis”. Bem acessório: é aquele cuja existência supõe a do principal. A
regra geral, é que o acessório segue sempre a sorte do principal.
a. 4. BENS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS (CC. art. 87)
São acessórios:
Bens divisíveis: são os que podem fracionar sem alteração na sua
substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a 1) frutos
que se destinam. No magistério da professora MARIA HELENA 2) produtos
DINIZ, exemplifica: “se repartirmos uma saca de café, cada metade 3) rendimentos
conservará as qualidades do produto, podendo ter a mesma 4) pertenças
utilização do todo, pois nenhuma alteração de sua substância houve. 5) benfeitorias (necessárias, úteis e voluptuárias)
Apenas se transformou em duas porções reais e distintas de café
em menor proporção ou quantidade, mantendo cada qual a mesma 1) frutos: podem ser definidos como utilidades que a coisa principal
qualidade do todo”. periodicamente produz, cuja percepção não diminui a sua
Bens indivisíveis: segundo o art. 88 do CC, temos três hipóteses: substância (ex.: a soja, a maçã, o bezerro, os juros , o aluguel).

1) Por natureza: quando não puderem ser partidas sem alteração Neste contexto, a doutrina classifica os frutos da seguinte forma:
na sua substância ou no seu valor. (exemplo: um cavalo vivo
dividido ao meio deixa de ser semovente; um quadro de Portinari Quanto a natureza:
partido ao meio perde sua integridade e seu valor. Em todas essas
hipóteses as partes fracionadas perdem a possibilidade de prestar 1.1.) naturais: são gerados pelo bem principal sem necessidade da
os serviços e utilidades que o todo anteriormente oferecia); intervenção humana direta. Decorrem do desenvolvimento orgânico
vegetal (laranja, soja) ou animal (crias de um rebanho).
2) Por determinação legal: é aquela que a proibição decorre de lei
(é o que acontece com módulo rural) e, 1.2.) industriais: são decorrentes da atividade industrial humana
(bens manufaturados).
3) Convencional ou voluntária: é aquela que decorre da vontade
das partes, ou do modo do negócio (quando há condomínio, os 1.3.) civis: são utilidades que a coisa frutífera periodicamente
condôminos podem estipular que a coisa comum fique indivisa por produz, viabilizando a percepção de uma renda (juros, aluguel).
certo tempo; quando se compra um grande terreno para nele ser
construído um hospital, o imóvel é considerado indivisível em razão Quanto ao estado em que se encontram podem ser:
do motivo do negócio).
I – pendentes: são aqueles que ainda estão unidos à coisa que os
a. 5. BENS SINGULARES E COLETIVOS produziu.
Bens singulares: são coisas consideradas em sua individualidade, II – percebidos ou colhidos: são aqueles que já foram separados
representadas por uma unidade autônoma e, por isso, distintas de ou recebidos.
quaisquer outras. Podem ser simples, quando as suas partes
componentes encontram-se ligadas naturalmente (uma árvore, um III – estantes: são os frutos que já foram separados e que se
cavalo), ou compostas, quando a coesão de seus componentes encontram armazenados.
decorre do engenho humano (um avião, um relógio).
Bens coletivos: são os que, sendo compostos de várias coisas IV – percipiendos: são os frutos que deveriam ser colhidos mas não
singulares, são considerados em conjunto, formando um todo o foram.
homogêneo (uma floresta, uma biblioteca).
V – consumidos: são aqueles que já não existem mais porque
As coisas coletivas formam universalidades de fato e de direito foram utilizados.

A universalidade de fato é o “conjunto de coisas singulares simples 2) produtos: são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-
ou compostas, agrupadas pela vontade da pessoa, tendo destinação lhe a quantidade, e que não se renovam (pedras, metais, petróleo,
comum, como um rebanho, uma biblioteca”. A unidade baseia-se na etc). A alterabilidade da substância principal é o ponto distintivo
realidade natural. Nota-se que a universalidade de fato permite sua entre os frutos e os produtos.
desconstituição pela vontade de seu titular.
3) rendimentos: Em verdade, os rendimentos consistem em frutos
A universalidade de direito consiste em um “complexo de direitos e civis, a exemplo do aluguel, dos juros e dos dividendos.
obrigações a que a ordem jurídica atribui caráter unitário, como o
dote ou a herança”. A unidade é resultante da lei. 4) pertenças: são os bens móveis que são afetados de forma
duradoura ao uso, serviço aformoseamento de outro bem, sem que
b. BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS (art. 92 a 97 do sejam considerados suas partes integrantes (art. 93 do CC)
CC)
Observação 1: O conceito de pertenças (novidade em nosso
Este critério de classificação leva em conta o liame jurídico existente ordenamento jurídico) é estabelecido pela lei por meio de exclusão:
entre o bem jurídico principal e acessório. só são pertenças aqueles bens que não sejam partes integrantes,
b.1. bem principal e bens acessórios
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quer dizer, aqueles que, se forem retirados do principal, não afetam em seu art. 26. Por exclusão, o que não pertence ao domínio federal
sua estrutura, sua natureza, sua existência. ou estadual ingressa ao patrimônio público do município.

Como exemplo temos uma casa, que é um bem composto por várias Observação 2: Finalmente, cumpre lembrar que o Código Civil,
partes integrantes. Uma porta, por exemplo, é fundamental para a seguindo a diretriz consagrada em nosso direito, proíbe o usucapião
existência completa da casa. Porém, um aparelho de ar- de bens públicos, conforme a regra do art. 102.
condicionado, bem como os objetos de decoração instalados na
casa, podem ser considerados pertenças. 5. COISAS FORA DO COMÉRCIO (NOÇÕES GERAIS)

5) Benfeitorias: são obras ou despesas realizadas pelo homem na De modo geral, todos os bens podem ser apropriados e alienados,
estrutura da coisa principal, com propósito de conservá-la, melhorá- tanto a título oneroso quanto gratuito. Há, todavia, exceções a essa
la em embelezá-la. regra, constituindo-se o que se convencionou chamar de bens fora
do comércio ou inalienáveis, consistentes nos bens que não podem
5.1. necessárias: são aquelas que se destinam a conservar o bem ser negociados.
ou evitar que se deteriore (o risco de deterioração do bem que
acarreta a realização de uma benfeitoria necessária pode ser A expressão “comércio” é utilizada no sentido da possibilidade de
material ou jurídico). circulação e transferência de bens de um patrimônio para outro,
mediante compra e venda, doação, etc.
5.2. úteis: são as que aumentam ou facilitam o uso do bem (ex.: um
banheiro a mais, uma garagem ou um quarto numa casa). Tais bens se classificam em:

5.3. voluptuárias (ou mero recreio ou deleite): são aquelas que se a) inapropriáveis pela própria natureza: bens de uso inexaurível,
destinam a tornar mais agradável o bem. como o mar a luz solar. Nesta classificação enquadram-se, também,
os direitos personalíssimos, uma vez que são insusceptíveis de
Observação 1: A classificação acima não tem caráter absoluto, já apropriação material, havendo também norma legal que embasa tal
que deve ser feita sempre diante das peculiaridades do caso circunstância. (regra do art. 11 do CC).
concreto. De acordo com a finalidade do bem principal, uma mesma
benfeitoria pode ser considerada necessária, útil ou voluptária. A b) legalmente inalienáveis: bens que, embora sejam materialmente
doutrina costuma citar o exemplo da piscina que é construída numa apropriáveis, têm sua livre comercialização vedada por lei para
casa de campo e que representa uma benfeitoria voluptária; a atender a interesses econômico-sociais, de defesa social ou
mesma piscina construída numa escola de natação será proteção de pessoas. Só excepcionalmente podem ser alienados, o
considerada benfeitoria útil ou até mesmo necessária. que exige lei específica ou decisão judicial. É o caso dos bens
jurídicos de uso comum do povo, bens dotais, terras ocupadas pelos
c. BENS PÚBLICOS E PARTICULARES
índios, o bem de família etc.
Quanto ao titular do domínio, os bens poderão ser públicos ou
c) inalienáveis pela vontade humana: bens que, por ato de
particulares.
vontade, em negócios gratuitos, são excluídos do comércio jurídico,
gravando-se a cláusula de inalienabilidade/impenhorabilidade.
c.1) bens particulares: se definem por exclusão, ou seja, são
Admite-se a relativização de tais cláusulas, em situações
aqueles não pertencentes ao domínio público, mas sim à iniciativa
excepcionais, como moléstias graves do titular, para garantir a
privada, cuja disciplina interessa, em especial, ao Direito Civil.
utilidade do bem, mas, nesse caso, o sentido da jurisprudência é na
busca da prevalência do fim social da norma. Também são
c.2) bens públicos: são aqueles pertencentes à União, aos Estados
chamados de bens com inalienabilidade pessoal ou subjetiva.
ou aos Municípios. Esta classe, objeto de domínio público, em
função de sua grande importância, subdivide-se, por sua vez, em:
Vale destacar, porém, que há coisas que até podem vir a integrar o
patrimônio das pessoas - ou seja, são passíveis de apropriação -,
a) bens de uso comum do povo: são bens públicos cuja utilização
mas que não estão no complexo de bens de ninguém antes de
não se submete a qualquer tipo de discriminação ou ordem especial
apropriadas.
de fruição. É o caso das praias, estradas, ruas e praças. São
inalienáveis.
É o caso da “res nullius”, coisa que não pertence atualmente a
ninguém, mas que pode vir a pertencer pela ocupação, como, por
b) bens de uso especial: são bens públicos cuja fruição, por título
exemplo, os animais de caça e pesca.
especial, e na forma da lei, é atribuída a determinada pessoa, bem
como aqueles utilizados pelo próprio poder público para a realização
Da mesma forma, a “res derelictae”, que é a coisa abandonada,
dos seus serviços públicos. É o caso dos prédios onde funcionam as
como uma guimba de cigarro. Note-se que o abandono é
escolas públicas. São inalienáveis.
necessariamente voluntário, sendo distinto da hipótese da coisa
perdida (involuntariamente), que continua, abstratamente, a
c) bens dominicais ou dominiais: são bens públicos não afetados
pertencer ao patrimônio do titular.
à utilização direta e imediata do povo, nem aos usuários de serviços,
mas pertencem ao patrimônio estatal (arts. 66, III, e 99, III do CC
UNIDADE VIII : FATO JURÍDICO
02). É o caso dos títulos pertencentes ao Poder Público, dos
terrenos de marinha e das terras devolutas. São alienáveis,
1. CONCEITO
observadas as exigências da lei.
No magistério do Professor PABLO STOLZE GAGLIANO, leciona:
Observação 1: A carta Magna elenca, em seu art. 20, os bens
“A noção da qual iremos tratar é ponto de partida de todo raciocínio
pertencentes à União. Os bens de domínio do Estado vêm previstos
jurídico. Todo acontecimento, natural ou humano, que determine a

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ocorrência de efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de Expectativa de direito: é a mera possibilidade de sua aquisição,
direitos e obrigações, na órbita do direito, denomina-se fato jurídico”. não estando amparada pela legislação em geral, uma vez que ainda
não foi incorporada ao patrimônio jurídico.
Já o renomado CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, à luz dos Direito eventual: refere-se a situações em que o interesse do titular
ensinamentos de SAVIGNY, ensina que fato jurídico “seria todo ainda não se encontra completo, pelo fato de não se terem utilizado
acontecimento em virtude do qual começam ou terminam as todos os elementos básicos exigidos pela norma jurídica (ex.
relações jurídicas” sucessão legítima, que, embora protegido pelo ordenamento
jurídico, só se consolida com a morte do autor da herança – art. 130
Todavia, observa o professor STOLZE: “Tal definição, merece certa do CC)
readequação doutrinária, em virtude de restringir o campo da
abrangência do fato, haja vista que não salientou a sua aptidão Direito condicional: é aquele que somente se perfaz se ocorrer
modificativa e conservativa de relações jurídicas”. determinado acontecimento futuro e incerto. (ex. uma promessa de
cessão de direitos autorais, caso determinado obra alcance a 10ª
2. CONCEITO DE FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO edição. Se o livro for um best-seller, realizar-se-á o direito; se ficar
“encalhado”, o direito ficará limitado ao advento da condição).
Fato jurídico em sentido amplo, seria todo acontecimento natural e
humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir relações 4.2. Efeitos modificativos: Ainda que não haja alteração da sua
jurídicas. essência, é perfeitamente possível a prática de atos ou a ocorrência
de fatos jurídicos que impliquem a modificam de direitos.
3. CLASSIFICAÇÃO DE FATO JURÍDICO
Essa modificação pode-se dar tanto no conteúdo ou objeto das
Segunda a professora MARIA HELENA DINIZ, o fato jurídico pode relações jurídicas (modificação objetiva) quanto no que se refere a
ser natural ou humano. seus titulares (modificação subjetiva).

Fato natural: advém de fenômeno natural, sem intervenção da Em relação à primeira, a alteração pode ser tanto de quantidade –
vontade humana, que produz efeito jurídico. Esse evento natural volume – ou qualidade – conteúdo – de objeto ou direitos.
consiste no fato jurídico stricto sensu24, que se apresenta ora como
ordinário (nascimento, maioridade, morte, decurso do tempo) ora Já a modificação subjetiva, que é alteração da titularidade do objeto
como extraordinário (caso fortuito, força maior). Por exemplo: ou do direito, pode-se dar tanto pela substituição do sujeito ativo ou
desabamento de um edifício em razão de fortes chuvas; incêndio de passivo quanto pela multiplicação ou concentração de sujeitos ou
uma casa provocado por um raio; naufrágio de uma embarcação em mesmo o desdobramento da relação jurídica.
virtude de maremoto. Todos esses acontecimentos provocam efeitos
jurídicos. 4.3. Conservação de direitos: os atos jurídicos são praticados
somente para a aquisição, modificação e extinção de direitos,
Fato humano: é o acontecimento que depende da vontade humana, hipóteses em que há uma alteração substancial da relação jurídica.
abrangendo tanto os lícitos como os ilícitos. Podem ser:
Também eles podem ser destinados ao resguardo (defesa) de
a) voluntário: se produzir efeitos jurídicos queridos pelo agente. (ex. direitos, caso estes sejam ameaçados por quem quer que seja.
perdão, confissão, ocupação). Essas medidas, de caráter muitas vezes acautelatório, podem ser
sistematizadas da seguinte forma:
b) involuntário: se acarretar consequências jurídicas alheias à
vontade do agente, hipótese em que se configura o ato ilícito, que a) Atos de conservação: atos praticados pelo titular do direito para
produz efeitos previstos em norma jurídica, como sanção, porque evitar o perecimento, turbação ou esbulho de seu direito.
viola mandamento normativo. (ex.: acidente de trânsito – perdas e
danos). b) Atos de defesa do direito lesado: tendo ocorrido a violação ao
direito, o ajuizamento de ações cognitivas ou executivas, no
4. EFEITOS AQUISITIVOS, MODIFICATIVOS, CONSERVATIVOS exercício do direito constitucional da ação (art. 5º, XXXV, da CR/88)
E EXTINTIVOS DO FATO JURÍDICO é a medida adequada para a conservação do direito.

4.1. Efeitos aquisitivos: A aquisição de direitos ocorre, na c) atos de defesa preventiva: antes mesmo da violação – mas
expressão de STOLFI, quando se dá “sua conjunção com seu titular. diante de sua ameaça evidente – é possível o ajuizamento de
Assim, surge a propriedade quando o bem se subordina a um procedimentos próprios para uma defesa preventiva. (ex. cláusulas
dominus. contratuais, com evidente característica de defesa preventiva
O Código Civil não traz normas genéricas sobre a aquisição de extrajudicial, como: a cláusula penal, as arras, a fiança, etc).
direitos, ao contrário do CC-16 (vide art. 74). Embora não haja
dispositivo equivalente na nova legislação civil genérica, os d) Autotutela: ocorrida a violação, a ordem jurídica admite, sempre
conceitos legais ainda podem ser utilizados, pois equivalem aos excepcionalmente, a prática de atos de autotutela, como por
consagrados pela doutrina. exemplo o desforço incontinenti (art. 1.210, § 1º, do CC 02), no
Direito Civil, ou a greve, no Direito do Trabalho.
A título de complementação, porém, é importante distinguir os
direitos futuros, referidos na norma legal acima citada, em relação à 4.4. Extinção de direitos: Segundo o professor STOLZE, “como
expectativa de direito, do direito eventual e do direito condicional. tudo na vida, também os direitos podem extinguir-se”. Os fatos e
atos jurídicos podem levar à extinção de direitos, trazendo a doutrina
24 Fato Jurídico stricto sensu: segunda a professora MARIA HELENA especializada toda uma série de exemplos, como é o caso do
DINIZ, “seria o acontecimento independente da vontade human que produz perecimento do objeto, a alienação, a renúncia, o abandono, o
efeitos jurídicos, criando, modificando ou extinguindo direitos. In Curso de falecimento do titular, a decadência, a abolição de um instituto
Direito Civil Brasileiro, 2005. p. 373.
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jurídico, a confusão, o implemento de condição resolutiva, o sua configuração – veja a hipótese de um louco pintar e adquirir a
escoamento de prazo ou mesmo o aparecimento de direito obra por especificação, ou de uma criança achar um tesouro,
incompatível com o direito atualmente existe e que o suplanta. tomando para si a propriedade móvel.

Essa relação, obviamente, é meramente exemplificativa, não Não se pode emprestar relevância jurídica à vontade do demente ou
havendo limites para a criatividade humana ou para as forças da do menor, embora seja indiscutível a deflagração de efeitos a partir
natureza na estipulação de novas hipóteses. dos atos-fatos praticados por ambos.

5. ATO-FATO JURÍDICO 6. ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO

A ausência de uma previsão legal específica sobre o ato-fato jurídico O ato jurídico em sentido estrito, reconhecido por inúmeros
tem gerado um efeito comum em vários manuais de Teoria Geral de doutrinadores de escol, constitui simples manifestação de vontade,
Direito Civil, que praticamente ignoram o instituto. sem conteúdo negocial, que determina a produção de efeitos
legalmente previstos.
Todavia, não há como deixar de reconhecer a sua existência. Com
efeito, o ato-fato jurídico nada mais é do que um FATO JURÍDICO Neste tipo de ato, não existe propriamente uma declaração de
qualificado pela atuação humana. vontade manifestada com o propósito de atingir, dentro do campo da
autonomia privada, os efeitos jurídicos pretendidos pelo agente
No ato-fato jurídico, o ato humano é realmente da substância desse (como no negócio jurídico), mas sim um simples comportamento
fato jurídico, mas não importa para a norma se houve, ou não, humano deflagrador de efeitos previamente estabelecidos por lei.
intenção de praticá-lo.
Sinteticamente, pode-se dizer que essa espécie de ato jurídico lícito
O que ressalta, na verdade, é a consequência do ato, ou seja, o fato apenas concretiza o pressuposto fático contida na norma jurídica.
resultante, sem dar maior significância se houve vontade ou não de
realizá-lo. Como exemplo temos: Quando uma pessoa estabelece residência
A idéia que deve presidir a compreensão dos atos-fatos jurídicos é a em determinado local, com ânimo de ficar, transformando-o em
de que, para a sua caracterização, a vontade humana é irrelevante, centro de suas ocupações habituais, fixa, ali, o seu domicílio civil, a
pois é o fato humano, por si só, que goza de importância jurídica e despeito de não haver emitido declaração de vontade nesse sentido.
eficácia social.
O elemento básico é a manifestação de vontade.
Doutrinariamente, podemos classificá-los em três espécies distintas:
A par disso, manifestando-se a respeito da diferença entre os
a) Atos reais: nessa categoria enquadram-se os atos humanos de negócios jurídicos e os atos jurídicos em sentido estrito, MOREIRA
que resultam circunstâncias fáticas, geralmente irremovíveis. Assim, ALVES, exemplifica: “num contrato de compra e venda, vendedor e
pouco importa, para o Direito, se houve vontade na procura do comprador, ao celebrá-lo, formam o seu conteúdo, determinando a
tesouro ou na pintura de uma tela, pois o que interessa é o resultado coisa a ser vendida e o preço a ser pago, e estabelecendo, muitas
que se obteve, indiferentemente de ter havido ou não vontade de vezes, cláusulas que afastam princípios, dispositivos da lei, ou que
obtê-lo. encerram condição ao termo. A vontade das partes tem papel
preponderante na produção dos efeitos jurídicos desse contrato,
Como exemplo, podemos citar: “um louco, que pinta quadros cujo conteúdo foi fixado por ela. O mesmo não ocorre quando
adquire sua propriedade”. O mesmo ocorrendo com uma criança alguém, numa pescaria, fisga um peixe, dele se tornando
que descobre tesouro enterrado no quintal. Independentemente de proprietário graças ao instituto da ocupação. O ato material dessa
ter querido ou não, ou mesmo se poderiam manifestar vontade, captura não demanda a vontade qualificada que se exige para a
adquirem a propriedade. Tal aquisição será decorrente de um ato- formação de um contrato”.
fato jurídico.
Com fundamento nessa lição, pode-se visualizar, com clareza, a
b) Atos-fatos jurídicos indenizativos: nessa espécie estão as diferença entre o negócio jurídico (contrato) e o ato jurídico em
situações em que de um ato humano lícito (ou seja, não contrário ao sentido estrito (pesca).
Direito) decorre prejuízo a terceiro, com dever de indenizar. Nesta linha de raciocínio, podemos subtipificar os atos jurídicos em
sentido estrito em:
Como exemplo, é o caso da deterioração ou destruição de coisa
alheia, ou a lesão pessoal, a fim de remover perigo iminente, em que a) atos materiais (reais): consistem na simples atuação humana,
se aceita a licitude do ato, mas se determina a indenização, na baseada em uma vontade consciente, tendente a produzir efeitos
forma dos art. 188, II c/c os art. 929 e 930 do CC-02. jurídicos previstos em lei. Observe-se que essa “vontade consciente”
não é requisito do ato-fato jurídico.
Nesse caso, a indenização será resultado de um ato-fato jurídico.
Observação 1: embora haja vontade consciente na atuação do
c) Atos-fatos jurídicos caducificantes: nesta última forma estão as sujeito (na origem), esta não é orientada à consecução dos efeitos,
situações que, dependentes de atos humanos, constituem fatos que se produzem independentemente do seu querer. Como
jurídicos, cujos efeitos consistem na extinção de determinado direito exemplo: a ocupação, a percepção de frutos, a fixação de domicílio,
e, por consequência, da pretensão, da ação e da exceção dele a despedida sem justa causa do empregado não estável, a denúncia
decorrentes, como ocorre na decadência ou na prescrição, (resilição unilateral) de um contrato por tempo indeterminado etc.
independentemente de ato ilícito do titular.
Obviamente, embora nem todos os pressupostos de validade se
Ainda assim, devemos lembrar que somente no ato-fato a vontade apliquem ao ato jurídico em sentido estrito, a idoneidade da
humana, o elemento psíquico, é completamente irrelevante para a

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manifestação da vontade é imprescindível para reconhecer a leis especiais e estatutos jurídicos autônomos, caracterizando o
validade do ato jurídico stricto sensu. fenômeno de descentralização ou desconcentração normativa.

Um outro ponto relevante que diferencia o ato jurídico não-negocial Ora, nesse sentido, é forçoso concluir que a clássica teoria do
e o negócio jurídico está no plano da eficácia, pois não há como se negócio jurídico sofrera transformações de fundo e forma.
falar de termo, condição ou encargo em ato jurídico stricto sensu,
uma vez que não há conjunção de vontades, nem possibilidade de A vontade, dentro da concepção racionalista que nos legou o
escolha ou limitação dos efeitos legalmente previstos. individualismo francês, perdeu a sua conotação absoluta, moldada,
sobretudo, pelo surgimento do pensamento iluminista, na medida em
Posto isso, cumpre analisarmos a matéria à luz de nosso Direito que passou a ser condicionada, paulatinamente, por normas de
Positivo. ordem pública.

O Código de 1916 não diferenciou com clareza os negócios jurídicos Isso porque o Direito contemporâneo reconheceu que os agentes
e os atos jurídicos em sentido estrito. O Código Civil, por sua vez, emissores da vontade não podiam ser considerados sempre partes
mais técnico e preciso, a par de consagrar ampla e exaustiva iguais em uma dada relação jurídica, sob pena de se coroarem
disciplina do negócio jurídico, previu, ainda, em dispositivo situações de inegável injustiça.
específico, a categoria dos atos jurídicos em sentido estrito,
mandando-lhes aplicar, no que couber, as normas relativas aos A igualdade formal, rótulo hipócrita justificador de violências sociais,
negócios jurídicos em geral. (vide Título II, art. 185 do CC-02). cedeu lugar aos princípios da igualdade material e da dignidade da
pessoa humana, o que representou a modificação do próprio eixo
Observação: conclui-se facilmente que a noção de fato jurídico, interpretativo do negócio jurídico (e da sua principal espécie: o
entendido como evento concretizador da hipótese contida na norma, contrato).
comporta, em seu campo de abrangência, não apenas os
acontecimentos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito), mas Com ressalta ORLANDO GOMES: “essa condensação dos valores
também as ação humanas lícitas ou ilícitas (ato jurídico em sentido essenciais do direito privado passou a ser cristalizada no direito
amplo e ato ilícito, respectivamente), bem como aqueles fatos que, público. Ocorreu nos últimos tempos o fenômeno da emigração
embora haja atuação humana, esta é desprovida de manifestação desses princípios para o Direito Constitucional. A propriedade, a
de vontade, mas mesmo assim produz efeitos jurídicos (ato-fato família, o contrato ingressaram nas Constituições. É nas
jurídico) Constituições que se encontram hoje definidas as proposições
diretoras dos mais importantes institutos do direito privado”.
UNIDADE IX : NEGÓCIO JURÍDICO
O que se pretende demonstrar, simplesmente, é que a moderna
1. CONCEITO teoria geral do direito civil, erigida em sólida base constitucional,
deve firmar os seus alicerces na autonomia da vontade e na livre
A característica primordial do negócio jurídico é ser um ato de iniciativa, sem que se deixem de observar os princípios de direito e
vontade. Precisamente nesse ponto se manifesta sua frontal de moral que devem pautar o solidarismo social.
oposição ao fato jurídico (stricto sensu), que é resultante de forças
naturais em geral; no negócio jurídico, a vontade das partes atua no 3. CONCEITO E TEORIAS EXPLICATIVAS DO NEGÓCIO
sentido de obter o fim pretendido, enquanto no ato jurídico lícito o JURÍDICO
efeito jurídico ocorre por determinação da lei, mesmo contra a
vontade das partes. As definições voluntaristas, adverte ANTONIO JUNQUEIRA DE
AZEVEDO, são as mais antigas na história, e também as mais
A segunda característica do referido negócio é ser lícito, isto é, comuns.
fundado em direito. Se se arreda da lei, ou a infringe, passa a ilícito.
Embora deste advenham também consequências jurídicas, só pode Dentre dessa concepção, calçada, como sugere a sua própria
ser incluído entre os fatos jurídicos. denominação, na noção de “vontade”, costuma-se definir o negócio
jurídico como sendo a “manifestação de vontade destinada a
Adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, eis, em produzir efeitos jurídicos”, “o ato de vontade dirigido a fins práticos
poucas palavras, toda a sua extensão e profundidade, o vasto tutelados pelo ordenamento jurídico”, ou “uma declaração de
alcance dos negócios jurídicos. A expressão abrange a vida civil, na vontade, pela qual o agente pretende atingir determinados efeitos
plenitude de suas manifestações. admitidos por lei”.

Assim, negócio jurídico é toda ação humana combinada com o A corrente voluntarista, como se sabe, é dominante no Direito
ordenamento jurídico, voltada a criar, modificar, conservar ou brasileiro, consoante se depreende na leitura do art. 112 do CC-02,
extinguir relações ou situações jurídicas, cujos efeitos vêm mais da in verbis: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
atuação individual do que da Lei. do que ao sentido literal da linguagem”.

2. A TRANSFORMAÇÃO DA TEORIA DO NEGÓCIO JURÍDICO BRINZ e THON foram os primeiros a tentar explicar a natureza do
negócio jurídico sob o prisma objetivista, contrapondo-se aos
Antes de analisar as teorias explicativas do negócio jurídico, é voluntaristas.
preciso salientar que toda a sua teoria passa, atualmente, por um
processo de transformação. Nessa perspectiva, o negócio jurídico “seria antes um meio
concedido pelo ordenamento jurídico para a produção de efeitos
O Direito Civil, no início do século XX, na Europa, e após a década jurídicos, que propriamente um ato de vontade”. Em outras palavras:
de 30, no Brasil, deslocou o seu eixo centralizador do Código para para os objetivistas, o negócio jurídico, expressão máxima da

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autonomia da vontade, teria conteúdo normativo, consistindo em b) bilaterais: quando concorrem as manifestações de vontades de
“um poder privado de autocriar um ordenamento jurídico próprio”. duas partes, formadoras do consenso, ou, é o ato que necessita de,
pelo menos, duas declarações de vontade, de qualquer jeito
Em verdade, a divergência doutrinária não é de raiz profunda. conflitantes. A compra e venda exemplifica bem a questão, pois
enquanto um quer comprar, o outro quer vender. A vontade de um é
Se o negócio jurídico, enquanto manifestação humana destinada a contrária à do outro. (ex.: locação, prestação,);
produzir fins tutelados por lei, é fruto de um processo cognitivo que
se inicia com a solicitação do mundo exterior, passa pela fase de c) plurilaterais: quando se conjugam, no mínimo, duas vontades
deliberação e formação da vontade, culminando, ao final, com a paralelas, admitindo-se número superior, todas direcionadas para a
declaração de vontade, parece que não há negar-se o fato de que a mesma finalidade, ou ainda, exige, assim como o bilateral, mais de
vontade interna e a vontade declarada são faces da mesma moeda. uma declaração de vontade. A vontade dos declarantes não é,
contudo, conflitante. Uma não vem em sentido contrário à outra. O
Feitas essas observações, pode-se conceituar, finalmente, agora melhor exemplo é a sociedade. Os sócios não têm vontade em
sob o critério estrutural, à luz da lição do professor JUNQUEIRA DE sentidos opostos. No casamento, dá-se o mesmo.
AZEVEDO, o negócio jurídico como sendo “todo fato jurídico
consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento 5.2. QUANTO AO EXERCÍCIO DE DIREITOS PODERÃO SER:
jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitoso os
pressupostos de existência, validade e eficácia, impostos pela a) gratuitos: são aqueles em que somente uma das partes é
norma jurídica que sobre ele incide. beneficiada, ou seja, são aqueles praticados independentemente de
qualquer contraprestação. São atos de liberalidade, como as
4. CONCEPÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO NO DIREITO POSITIVO doações, os testamentos etc.
E PELOS PLANOS DE EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA
b) onerosos: não se praticam por mera liberalidade. O agente que o
Como se sabe, o Código Civil de 1916, por haver sido elaborado por pratica espera algo em retorno, como na compra e venda, na
BEVILÁQUA em 1899, não cuidou de consagrar expressamente a promessa de recompensa etc. Consistem em negócios em que ao
figura do negócio jurídico, doutrina desenvolvida um pouco mais benefício auferido experimenta-se um sacrifício correspondente (os
tarde, e, muito menos, de traçar a diagnose diferencial entre o ato contratos de empreitada, de compra e venda, de mútuo a juros etc.).
negocial (negócio jurídico) e os atos jurídicos em sentido estrito subtipificam-se em: comutativos e aleatórios. Nos primeiros, existe
(sem conteúdo negocial). um equilíbrio auferidas pelos declarantes equivalem-se entre si (na
locação, por exemplo, existe equilíbrio subjetivo entre as prestações
“Atento a essa circunstância”, pontifica o autor da Parte Geral do do locador – cessão do uso do bem -, e do locatário – pagamento do
Anteprojeto, Min. MOREIRA ALVES: “O Projeto de Código Civil aluguel). Já nos segundos, a prestação de uma das partes fica
Brasileiro, no livro III da sua Parte Geral, substitui a expressão condicionada a um acontecimento exterior, não havendo o equilíbrio
genérica ato jurídico, que se encontra no Código em vigor, pela subjetivo próprio da comutatividade. Assim, no contrato de compra
designação específica de negócio jurídico, pois é a este, e não de coisas futuras (de uma safra, p. ex.), o comprador pode assumir o
necessariamente àquele, que se aplicam todos os preceitos ali risco de, naquele ano, a plantação não prosperar, não vindo a
constantes”. produzir absolutamente nada ou produzindo em quantidade inferior
ao esperado. Nessas hipóteses, o preço previamente
Com efeito, para apreender sistematicamente o tema – e não convencionado será devido, já que assumiu tal risco, ao pactuar um
simplesmente reproduzir regras positivadas – faz-se mister analisá- negócio jurídico de natureza aleatória;
lo sob os três planos em que pode ser visualizado:
c) neutros: são destituídos de atribuição patrimonial específica, não
a) Existência: um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, se incluindo em nenhuma das duas categorias supra-apresentadas.
para que seja considerado como tal, o atendimento a certos É o caso da instituição voluntária do bem de família, que não tem
requisitos mínimos. natureza gratuita nem onerosa;

b) Validade: o fato de um negócio jurídico ser considerado existente d) bifrontes: são negócios que tanto podem ser gratuitos como
não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja, com onerosos. Tudo depende da intenção perseguida pelas partes. O
aptidão legal para produzir efeitos. contrato de depósito, por exemplo, é, em princípio, gratuito, embora
nada impeça seja convencionada a remuneração do depositário,
c) Eficácia: ainda que um negócio jurídico existente seja convertendo-o em negócio oneroso.
considerado válido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu,
isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem 5.3. QUANTO À FORMA, PODERÃO SER:
estar limitados por elementos acidentais da declaração.
a) formais ou solenes: são aqueles que exigem, para a sua
5. CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS validade, a observância da forma legalmente exigida, ou, é o ato
para cuja realização a Lei exige, de regra, a observância da forma
Nesse tópico, cuidaremos de apresentar uma classificação geral dos escrita, seja por instrumento público ou particular. Em outras
negócios jurídicos, tecendo objetivas considerações a respeito de palavras, além do acordo de vontades, a Lei exige uma formalidade.
cada espécie apresentada. (ex.: casamento, a compra e venda de imóveis, o testamento, etc);

5.1. QUANTO AO NÚMERO DE DECLARANTES, OS NEGÓCIOS b) não-formais ou de forma livre ou informais: são aqueles cujo
JURÍDICOS PODERÃO SER: revestimento exterior é livremente pactuado, sem interferência legal.
Informal é o ato para cuja realização basta a emissão livre da
a) unilaterais: quando concorre apenas uma manifestação de vontade, ou seja, a Lei nada mais exige, além do consentimento,
vontade, ou ainda, é o ato jurídico que se perfaz com uma só para que o negócio se considere perfeito, acabado. Assim, para que
declaração de vontade. (ex.: o testamento, a renúncia);
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contrato de locação se considere celebrado, basta que as partes, confirmam a existência ou inexistência de relação ou situação
locador e locatário, cheguem a acordo quando a preço, reajuste, jurídica. Desta forma, o ato de confessar dívida não cria a dívida,
prazo etc. apenas confirma sua existência.
Observação 1: Esse esquema classificatório não é exaustivo, uma
Observação 1: às vezes, a formalidade envolve certas fórmulas vez que a doutrina cuida de apresentar outros subtipos, de acordo
verbais, como no casamento. com os mais variados critérios.

5.4. QUANTO AO MOMENTO DA PRODUÇÃO DE EFEITOS, 6. INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO


PODERÃO SER:
A regra geral positivada de interpretação dos negócios jurídicos é,
a) inter vivos: produzem os seus efeitos estando as partes ainda sem sombra de dúvida, o já transcrito art. 112 do CC- 02, em que se
em vida, ou, é aquele que é destinado a produzir seus efeitos vislumbra, claramente, a ideia de que a manifestação de vontade é
durante a vida das partes. Assim, temos a locação, a compra e seu elemento mais importante, muito mais, inclusive, do que a forma
venda, o casamento, a doação etc; com que se materializou.

b) mortis causa: pactuados para produzir efeitos após a morte do Isso porque se a palavra é, sem sombra de dúvida, o instrumento de
declarante, (ex.: seguro de vida, testamento). trabalho do jurista, o seu eventual manejo impreciso não deve
lesionar mais do que os limites da boa fé.
Observação: acrescente-se que a morte que se pressupõe nos atos
causa mortis é a morte de uma das partes, e não de terceiro. Se isso Esta boa fé objetiva torna-se, indubitavelmente, a barema de
acontecer, o ato estará inquinado de defeito grave, por proibir a Lei interpretação de todo e qualquer negócio o que é extremamente
qualquer negócio baseado na morte de terceiros. Esses negócios valorizado pelo Código Civil de 2002, tanto na regra geral do seu art.
têm até nomen iuris25, são os pacta corvina (pactos de corvos). 113 ( “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
Assim se duas partes realizarem negócio, tendo como base herança boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”), quanto nas
de pessoa viva, este será passível de anulação. disposições genéricas sobre os contratos.

5.5. QUANTO À EXISTÊNCIA, PODERÃO SER: Coadunando-se com esta boa fé objetiva é que deve ser lembrada a
regra de interpretação estrita dos negócios jurídicos benéficos e da
a) principais: é o que existe por si mesmo, independentemente de renúncia, constante do art. 114, pois essa própria noção
qualquer outro. (ex.: compra e venda); interpretativa não é uma dimensão aritmética, rígida, mas sim
submetida a cada caso concreto.
b) acessórios: cuja existência pressupõe a do principal. É o ato cuja
existência depende da do principal. Não tem existência jurídica
Vale destacar que, embora a questão da interpretação dos negócios
autônoma. Se o principal não existir, o acessório tampouco existirá.
jurídicos não venha explicitada em um capítulo próprio no Código
Aliás, também para os atos jurídicos, é válida a regra de que o
Civil, nada impede que a Doutrina e a Jurisprudência continuem
acessório segue o principal. (ex.: penhor, fiança).
estabelecendo petições de princípios para este tão importante tema.
5.6. QUANTO AO CONTEÚDO, OS NEGÓCIOS JURÍDICOS UNIDADE X : DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
PODERÃO SER:
1. INTRODUÇÃO
a) patrimoniais: relacionados com bens ou direitos aferíveis
pecuniariamente (negócios reais, obrigacionais etc.); Neste capítulo, serão repassados em revista os vícios que impedem
seja a vontade declarada livre e de boa fé, prejudicando, por
b) extrapatrimoniais: referentes a direitos sem conteúdo econômico conseguinte, a validade do negócio jurídico.
(direitos puros de família, direitos de personalidade etc.).
Trata-se dos defeitos dos negócios jurídicos, que se classificam em
5.7. POR FIM, QUANTO À EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO, vícios de consentimento – aqueles em que a vontade não é
CLASSIFICAM-SE EM: expressa de maneira absolutamente livre – e vícios sociais – em que
a vontade manifestada não tem, na realidade, a intenção pura e de
a) constitutivos: cuja eficácia opera-se ex nunc26, ou seja, a partir boa fé que enuncia.
do momento da celebração. Ato constitutivo é aquele que constitui
relação ou situação jurídica, no sentido de criá-la, modificá-la ou Pelo fato de tais vícios se materializam em diversas modalidades,
extingui-la. Por exemplo: a celebração contratual cria relação que para uma melhor compreensão da matéria, delineia-se o seguinte
antes não existia. Quando se pactua aditivo contratual, a relação é quadro:
modificada. Por fim, quando as partes de um contrato celebram
distrato, estão pondo fim à relação jurídica. 1.1. Vícios de consentimento: são aqueles defeitos que se
verificam quando o agente declara sua vontade de maneira
b) declaratórios ou declarativos: negócios em que os efeitos defeituosa. São vícios ou defeitos da vontade do agente. Os vícios
retroagem ao momento da ocorrência fática a que se vincula a de consentimento classificam-se em:
declaração de vontade, ou seja, ex tunc27. Os atos declaratórios,
por sua vez, nada criam, modificam ou extinguem; tão-somente a) erro ou ignorância

Na lição do professor CÉSAR FIUZA, leciona: “é o mais elementar


25 Nomen iuris é o nome de certo instituto para a ciência do Direito. dos vícios de consentimento. Quando o agente, por
26 Ex nunc: locução latina que significa de agora, a partir de agora.
(não admite a retroatividade da lei) desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, atua de
27 Ex tunc: locução latina que significa de então, a partir de então. modo que não seria sua vontade, caso conhecesse a verdadeira
(admite a retroatividade da lei)
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situação, diz-se que procede com erro. Neste caso, é o exemplo: Com efeito, é o posicionamento da professora MARIA HELENA
uma pessoa, residente em Macapá, que compra lote no litoral DINIZ: “Tem-se observado, que basta o erro de uma das partes para
gaúcho, enganada pelas fotografias do vendedor. Logicamente, não que o negócio seja anulável, sendo irrelevante, na sistemática do
se deslocou de Macapá até ao Rio Grande do Sul para conferir. A art. 138, ser, ou, escusável o erro, porque o dispositivo adota o
distância não compensava. Quando o fez, descobriu não passar o princípio da confiança. Mas o contratante que se achou em erro e
lote de areal sem o menor valor. O negócio está, obviamente, promove a invalidade do contrato pode ser condenado a ressarcir os
inquinado de erro, sendo anulável”. danos que causar à outra parte por não ter procedido com a
diligência necessária ao prestar seu consentimento”.
Já MARIA HELENA DINIZ, ensina: “Num sentido geral erro é uma
noção é inexata, não verdadeira, sobre alguma coisa, objeto ou Assim, temos que o erro não deverá prejudicar a validade do ato
pessoa, que influência a formação da vontade. Se influi na vontade jurídico, quando a pessoa, a quem se dirige a manifestação de
do declarante, impede que se forme em consonância com sua vontade, se oferece para executá-la em conformidade com a
verdadeira motivação; tendo sobre um fato ou sobre um preceito vontade real do manifestante. Por outros termos, o erro admite
noção incompleta, o agente emite sua vontade de modo diverso do retificação.
que manifestaria se dele tivesse conhecimento exato ou completo”.
Por fim, é a opinião do professor STOLZE: “Substancial é o erro que
Com efeito, leciona PABLO STOLZE GAGLIANO: “Embora a lei não incide sobre a essência (substância) do ato que se pratica, sem o
estabeleça distinções, o erro é um estado de espírito positivo, qual qual este não teria realizado. É o caso do colecionador que,
seja, a falsa percepção da realidade, ao passo que a ignorância é pretendendo adquirir uma estátua de marfim, compra, por engano,
um estado de espírito negativo, o total desconhecimento do uma peça feita de material sintético”
declarante a respeito das circunstâncias do negócio.
O Código Civil no seu art. 139, enumera as seguintes hipóteses de
Esse tema está regulado pelos arts. 138 a 144 do Código Civil, erro substancial:
embora a seção I traga a rubrica “do erro e da ignorância”, só
contém disposições sobre o erro. A verdade é que, embora a a) error in negotio: é o erro que incide sobre a natureza do negócio
ignorância seja a ausência completa do conhecimento sobre algo (p. que se leva a efeito, como ocorre quando se troca uma causa
ex.: ato de pagar a credor, ignorando que o preposto já havia jurídica por outra. (por exemplo: o comodato por doação)
efetuado, via bancária, o referido pagamento).
b) error in corpore: aquele que versa sobre a identidade do objeto,
O erro, entretanto, só é considerado como causa de anulabilidade é quando ocorre, por exemplo, declara-se querer comprar o animal
do negócio jurídico se for: a) essencial (substancial); b) escusável que está diante de si, mas acaba levando outro, trocado.
(acidental/perdoável).
c) error in substantia: é o que versa sobre a essência da coisa ou
Para FIUZA, erro substancial ou essencial é aquele que interessa à as propriedades essenciais de determinado objeto. É o erro sobre a
natureza do ato, a seu objeto e suas características, e às qualidades qualidade do objeto. É o caso do sujeito que compra um anel
da pessoa a quem se refere o negócio. imaginando ser de ouro, não sabendo que se trata de cobre.

Assim age com erro essencial quanto à natureza do ato aquele que d) error in persona: é o que versa sobre a identidade ou as
doa pesando estar vendendo. qualidades de determina pessoa. É o caso de o sujeito doar uma
quantia a Caio, imaginando ser o salvador de seu filho, quando, em
Quanto ao objeto, age com erro substancial quem compra lote em verdade, o herói foi Tício. A importância desta modalidade de erro
terreno arenoso julgando estar adquirindo-o em terreno firme. avulta no campo do Direito de Família, uma vez que o erro
substancial sobre a pessoa do outro cônjuge é causa de anulação
Em relação à pessoa, o erro ocorre nos negócios intuitu personae. do casamento (conforme regra dos arts.1.556 e 1.557 do Código
Destarte, se penso estar outorgando procuração a B, quando, na Civil).
verdade, tratar-se de A, estarei agindo com erro.
O erro invalidante há de ser, ainda, escusável, isto é, perdoável,
O erro acidental, por sua vez, ocorre quando o verdadeiro objeto ou dentro do que se espera do homem médio que atue com grau
sujeitos a que se refere o ato puderem ser identificados, apesar de normal de diligência. Não se admite, outrossim, a alegação de erro
indicados de forma errônea. A regra é que o erro acidental não vicia por parte daquele que atuou com acentuado grau de displicência. O
o ato, sendo ele válido. direito não deve amparar o negligente. Ademais, a própria
Como exemplo desta espécie de erro, poderíamos citar o caso da concepção de homem médio deve levar em consideração o contexto
pessoa que emite cheque à ordem da “Vale do Rio Doce S.A”. Ora, em que os sujeitos estão envolvidos. Afinal, a compra de uma jóia
apesar de a denominação da sociedade estar errada – a correta falsa pode ser um erro escusável de um particular, mais muito
seria “Companhia Vale do Rio Doce” – o cheque será válido. dificilmente de um especialista em tal comércio.

Questão importante diz respeito à admissão do erro de Direito, que b. dolo


traduz pela ignorância ou má compreensão da própria norma
jurídica. Por exemplo, o agente pensa ser permitido, quando, na b.1. Conceito:
verdade, proíbe-se. Segundo a tese dominante, não se pode permitir
o erro de Direito como causa anulatória do ato, tendo em vista o CÉSAR FIUZA advoga: Consiste em práticas ou manobras
princípio da obrigatoriedade das leis. O Código Civil não destoa ardilosas, maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de
deste pensamento, pois admite o erro de Direito, mas só quando conseguir da outra emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a
não implicar recusa à aplicação da Lei, e quando for o motivo único terceiro. Geralmente, temos a figura do dolo ligada ao erro. Uma
ou principal do negócio. pessoa age com dolo, levando a outra a erro. No exemplo da venda
do lote, em que uma pessoa, residente em Macapá, compra lote no

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litoral gaúcho, enganada pelas fotografias do vendedor, verifica-se Será a coação resistível ou irresistível.
que o vendedor agiu com dolo, induzindo o comprador a erro.
a) resistível: quando a violência for de forma a que a pessoa, diante
FLÁVIO TARTUCE leciona: “o dolo pode ser conceituado como das circunstâncias, possa se defender não realizando o ato.
sendo o artifício ardiloso empregado para enganar alguém, com
intuito de benefício próprio. b) irresistível: quando a violência for tal que a pessoa, diante das
RENAN LOTUFO ensina: “Falar do dolo é mais simples, em termos, circunstâncias, não consiga não praticar o ato. Somente a coação
porque, no dolo há a vontade de alcançar o efeito viciado”. irresistível vicia o negócio. Assim , se uma pessoa ameaça a outra
de divulgar publicamente sua idade, caso não pratique certo ato,
Para o professor MURILO NEVES, “Trata-se do erro provocado pela este será mantido, uma vez que a violência moral foi, no caso,
parte contrária ou terceiro, através de expediente malicioso. Trata-se resistível. Trata-se-ía quando nada de motivo fútil a ser alegado pelo
do engodo, embuste”. prejudicado. Por outro lado, se uma pessoa aponte um revólver na
cabeça da outra, exigindo-lhe a prática de certo ato, poderá ser ele
PABLO STOLZE GAGLIANO menciona: “Seria, portanto, todo anulado, uma vez que qualquer pessoa sucumbe à simples visão de
artifício malicioso empregado por uma das partes ou por terceiro um revólver.
com propósito de prejudicar outrem, quando da celebração do
negócio jurídico”. É obvio que, em ambos os casos, as circunstâncias, tais como sexo,
idade, condição, saúde, temperamento e outras, podem levar o juiz
Para que se configure o dolo, são necessários três requisitos: 1) é a a entender no sentido oposto ao que expressemos. Em outras
intenção de prejudicar por parte de quem o pratica; 2) diz respeito palavras, poderá julgar o caso da idade como coação irresistível, e o
aos artifícios fraudulentos utilizados pela parte que age com dolo. caso do revólver, como coação resistível. Tudo dependerá do bom
Estes devem ser graves; 3) reside no fato de que deve ser ele o senso do julgador diante do caso concreto.
motivo determinante da realização do ato.
1.2. Vícios sociais: são defeitos que afetam o ato jurídico por torná-
Observação 1: dolus bonus: o agente apenas anuncia de forma lo desconforme ao Direto. Aqui, a vontade é perfeita, mais os efeitos
exagerada as qualidades do objeto ou as vantagens do negócio, ou, são nefastos à sociedade; portanto, contrários ao direito. Dois são
então, oculta a verdade, visando beneficiar a outra parte (ex. a mãe os vícios sociais: a simulação e a fraude contra credores. Como já
que oculta o amargor do remédio para induzir seu filho a tomá-lo. salientamos, enquanto a fraude contra credores é um vício leve, a
Por não haver real vontade de prejudicar, o dolus bonus não vicia o simulação é tratada como vício grave.
ato.
Observação 2: dolus malus: a vontade de prejudicar está presente. a. simulação
É o caso do comerciante que imputa a determinado produto
qualidades falsas, enganando o consumidor, prejudicando-o, a fim Consiste em celebrar ato que aparentemente produz um efeito, mas
de enriquecer. na realidade, produz outro. Podemos citar vários exemplos entre
eles uma pessoa simula doar sua casa, quando, na verdade, está
b.2. Elementos constitutivos do dolo vendendo. O intuito pode ser o de fraudar o fisco. De qualquer
forma, a simulação só levará à anulação do ato se for lesiva a
O dolo pode ser essencial, acidental, positivo ou negativo. terceiros. Apesar de o Código Civil de 2002, ao contrário do anterior,
não prever esta regra, continua ela prevalecendo, em nosso
a) Essencial: é o dolo que determina a própria declaração de entendimento.
vontade. Sem ele, o ato não ocorreria. Com ele, o ato ocorre, mais
eivado de defeito. A simulação pode ser absoluta ou relativa.

b) Acidental: é aquele que não determina a declaração de vontade. a) absoluta: quando não ocultar nenhum outro ato. Ex.: é a pessoa
Ocorre quando, a seu despeito, o ato se teria praticado, embora por que simula doar seu imóvel para liberar seu Fundo de Garantia.
outro modo. Logicamente que não se considera defeito. Um
comerciante, por manobras ardilosas, pode induzir o consumidor a b) relativa: é a simulação que visa encobrir outro negócio. Ocorre
comprar a prazo, a fim de lhe impor altos juros. Isto, de per se, não no caso citado acima, em que a pessoa simulou doar, quando
vicia o ato, desde que se prove que o consumidor teria comprado o estava vendendo.
produto por outro meio: por ex.: à vista.
b. fraude contra credores
Será positivo o dolo quando realizado por meio de ações, como
falsas declarações. É a manobra engenhosa levada a efeito com o fito de prejudicar
credores. É o caso citado acima do falido que, para enganar seus
Negativo é o dolo se decorrer de omissão, por ex.: quando uma das credores e se safar ileso, finge alienar seus bens, com data anterior
partes se cala a respeito de defeito da coisa. à da falência. Como vemos, a fraude contra credores e a simulação
andam, quase sempre, juntas. Ma nem sempre. Neste exemplo não
O dolo pode partir de uma das partes; de terceiro, com Ter havido simulação. A venda poderá Ter sido real. O falido vende
conhecimento da parte q quem aproveita; do representante legal ou seus bens abaixo do preço, em conluio com o comprador, pega o
convencional de uma das partes, com ou sem seu conhecimento; ou dinheiro, converte-o em dólares, que deposita em algum país
de ambas as partes. estrangeiro, ficando, assim, livre da ação dos credores. Houve
fraude, mas não houve simulação.
c. Coação
Para que fraude torne o ato anulável, não é necessário que se prove
É a violência empregada por uma parte, a fim de forçar a outra á o consiluim fraudis, ou seja, não há necessidade da se provar a
consecução de ato jurídico. A violência pode ser física, como, por participação do adquirente na má-fé do devedor – alienante. Esta se
ex.: arma apontada, ou moral, como chantagem.
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presume. Evidentemente, a presunção é iuris tantum, isto é, admite O Código Civil foi extremamente infeliz em sua redação, ao limitar a
prova em contrário que deverá ser carreada aos autos pelo devedor necessidade de salvamento ao próprio agente ou a pessoa da sua
ou pelo adquirente de boa-fé. Assim, se A, devedor insolvente, família.
vender seus bens a B, a venda só não será anulada se um dos dois
provar que o negócio foi realizado pelo preço justo e que B agiu de Art. 156, configura-se o estado de perigo quando alguém, premido
boa-fé, ou seja, não sabia da insolvência de A e não teve o menor da necessidade de salvar-se, ou a pessoa da sua família, de grave
intuito de prejudicar quem quer que fosse. Em outras palavras, dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente
deverá restar provada a inexistência de consilium fraudis. onerosa.

A fraude pode ser a título gratuito ou oneroso. A restrição às pessoas da família não tem o menor fundamento.
Parte o legislador do pressuposto de que, tratando-se de estranhos,
a) fraude a título gratuito: quando o devedor insolvente aliena seus o declarante não ligaria a mínima. Na verdade, correto estaria o
bens de forma gratuita, ou seja, doa-os, por exemplo. A regra é que parágrafo único do art. 156, se não fosse restrito a pessoas
a fraude, quando a título gratuito, sempre vicia o ato. estranhas.

b) Fraude a título oneroso: o devedor insolvente aliena seus bens Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente á família
recebendo em troca contraprestação, como quando os vende. A do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
fraude a título oneroso só vicia o ato, tornando-o anulável, se a
insolvência do devedor-alienante era notória, conhecida do Muito melhor teria sido a técnica do legislador se, em vez de fazer
adquirente. Se ficar provado que a insolvência não era notória, não restrições a pessoas estranhas à família, tivesse deixado ao alvedrio
era conhecida do adquirente, que agiu de boa-fé, o ato oneroso de do juiz aquilatar no caso concreto, se seria ou não o caso de estado
alienação não será anulado. de perigo, quando o declarante estivesse salvando terceiro.

Para promover a anulação dos atos fraudulentos, o credor dispõe da UNIDADE XI : INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO
ação reipersecutória28, também denominada ação pauliana. O
nome “ação pauliana” e a época em que foi introduzida no próprio 1. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS SOBRE A INEXISTÊNCIA DO
Direito Romano são incertos. ATO OU NEGÓCIO JURÍDICO

c. lesão Conforme ensina CARVALHO SANTOS, a nulidade é um “vício que


retira todo ou parte de seu valor a um ato jurídico, ou o torna ineficaz
Ocorre a lesão, quando uma parte, aproveitando-se da apenas para certas pessoas”.
inexperiência, da necessidade ou mesmo da leviandade da outra,
realiza com ela negócio, em que a prestação da parte contrária é No mesmo sentido, doutrina MARIA HELENA DINIZ que a nulidade
desproporcional em relação à sua. Em outras palavras, uma das “vem a ser a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina a
partes se aproveita da outra, a fim de levar vantagem ilegítima. privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em
desobediência ao que prescreve”.
d. Estado de perigo
Desses conceitos tradicionais, podemos extrair a conclusão de que
O estado de perigo é bastante semelhante à lesão e à usura. Na a nulidade se caracteriza como uma sanção pela ofensa a
verdade, o que diferencia os três institutos é que naquele o perigo é determinados requisitos legais, não devendo produzir efeito jurídico,
mais pujante, quase sempre imediato. Uma pessoa, para ser salva em função do defeito que carrega em seu âmago.
de naufrágio, paga soma absurda exigida por embarcação que
passava pelo local. Um indivíduo, para não ser difamado, paga Como sanção pelo descumprimento dos pressupostos de validade
preço absurdo a um jornal, para a publicação de matéria do negócio jurídico, o direito admite, e em certos casos impõe, o
esclarecedora. Na lesão e na usura, a necessidade é econômica. reconhecimento da declaração de nulidade, objetivando restituir a
Em todos eles, a vítima age em estado de necessidade. No estado normalidade e a segurança das relações sociojurídicas.
de perigo, o estado de necessidade se configura pela iminência de
dano moral ou físico. Na lesão e na usura, o estado de necessidade Esta nulidade, porém, sofre graduações, de acordo com o tipo de
é econômico. Por fim, no estado de perigo é a vítima que assume elemento violado, podendo ser absoluta ou relativa.
obrigações, seja no sentido de propor o negócio abusivo, seja no
sentido de aceitá-lo para se socorrer. De fato, a previsibilidade doutrinária e normativa da teoria das
nulidades impede a proliferação de atos jurídicos ilegais, portadores
O estado de perigo se caracteriza, pois, pelo temor que leva a vítima de vícios mais ou menos graves, a depender da natureza do
a praticar um ato que, em outras condições, não praticaria. interesse jurídico violado.

De qualquer modo, o negócio praticado em estado de perigo é FLÁVIO TARTUCE, sobre o tema leciona: “O negócio inexistente é
anulável, contendo vício leve. Decretada a nulidade, parte que se aquele que não gera efeitos no âmbito jurídico, pois não preencheu
beneficiar poderá pleitear o preço justo em ação de regresso. No os requisitos mínimos, constantes do seu plano de existência”.
caso da embarcação que salva o náufrago por preço absurdo,
anulada obrigação, o credor do preço poderá exigir o pagamento em Para os adeptos dessa teoria, em casos tais, não é necessária a
ação de locupletamento, uma vez que, afinal, o serviço foi prestado. declaração da ineficácia por decisão judicial, por que o ato jamais
chegou a existir – não se invalida o que não existe. Costuma-se
dizer: o ato inexistente é um nada para o direito.

28 Cabe ao autor pedir a coisa que lhe pertence ou que foi A respeito da teoria da inexistência do negócio jurídico não é
indevidamente alienada de seu patrimônio. Daí o nome composto: res unânime na doutrina pátria. Dos que são adeptos, figuram Pontes de
(coisa) persecutivo (perseguida).
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Miranda, Caio Mário da Silva Pereira, Renan Lotufo, Silvio Venosa, c) Quando o motivo para ambas as partes for ilícito. O motivo está
Pablo Stolze, Zeno Veloso, entre outros. Contrários a essa teoria no plano subjetivo do negócio, na intenção das partes. Não se
estão Silvio Rodrigues, Flávio Tartuce, Maria Helena Diniz, Roberto confunde, portanto, com a causa negocial, que reside no plano
Senise Lisboa. Aliás, é interessante transcrever o que este último objetivo (Inciso III). A respeito do tema, ensina ZENO VELOSO que
autor aduz, a ponto de que “Silvio Rodrigues considera a ideia do “o negócio, em si, não tem objeto ilícito, mas a nulidade é
ato inexistente inexata, inútil e inconveniente. Inexata porque determinada porque, no caso concreto, houve conluio das partes
aparenta a necessidade de declaração judicial de sua não para alcançar um fim ilegítimo e, eventualmente, criminoso. Por
existência; inútil, pois a teoria da nulidade absoluta é mais coerente exemplo: vende-se um automóvel para que seja utilizado num
e satisfatória; e inconveniente, porque poderia privar os interesses sequestro; empresta-se uma arma para matar alguém; aluga-se uma
de boa-fé dos efeitos decorrentes do ato ou do negócio”. casa para a exploração de lenocínio. A venda, o comodato e o
aluguel não são negócios que contrariem o Direito, muito pelo
Lembramos que o Código Civil de 2002 não trata da existência do contrário, mas são fulminados de nulidade, nos exemplos dados,
ato. porque o motivo determinante deles, comum a ambas as partes, era
ilícito”.
2. DA NULIDADE ABSOLUTA d) quando o negócio jurídico não se revestir de forma prescrita em
lei ou quando for preterida alguma solenidade que a lei considera
Segundo a professora MARIA HELENA DINIZ, leciona: “Com a essencial para sua validade (Incisos IV e V).
declaração da nulidade absoluta do negócio jurídico, este não
produz qualquer efeito por ofender, gravemente, princípios de ordem e) haverá também nulidade do negócio que tiver como objetivo
pública. É nulo o ato negocial inquinado por vício essencial, não fraudar a lei imperativa.
podendo ter, obviamente, qualquer eficácia jurídica. Por exemplo
(CC, art. 166, I a VII): quando lhe faltar qualquer elemento essencial, f) Nulo será o negócio quando lei expressamente o declarar
ou seja se for praticado por pessoa absolutamente incapaz (CC, art. (nulidade expressa ou textual) ou proibir-lhe a prática, sem cominar
3º); se tiver objeto ilícito, impossível ou indeterminável, quando o sanção (nulidade implícita ou virtual). Ambas as hipóteses constam
motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; se não do art. 166, VII, do CC. Como exemplo de nulidade textual temos o
revestir a forma prescrita em lei ou preterir alguma solenidade art. 548 do CC, que dispõe a vedação de doação universal de todos
imprescindível para sua validade; quando, apesar de ter elementos os bens, sem a reserva do mínimo para a sobrevivência do doador.
essenciais, for praticado com o objetivo de fraudar lei imperativa (art. Já a nulidade virtual, vale citar a previsão do art. 426 do CC, pelo
187); e quando a lei taxativamente o declarar nulo ou proibir-lhe a qual não pode ser objeto do contrato a herança de pessoa viva
prática, sem cominar sanção de outra natureza, pois, se houver (vedação do pacto sucessório ou pacta corvina). Como se vê, o
previsão legal de pena para o ato vedado, diversa da nulidade, comando legal, no último caso apenas veda o ato, não prevendo
aquela deverá ser aplicada. Logo, apenas na ausência de sanção, que no caso é a nulidade absoluta.
cominação de sanção específica do ato proibido, sua prática
conduzirá a sua invalidade. (exemplo: art. 1.548, 1.549, 1.900 todos Além das situações acima descritas, previstas no art. 166 do CC,
do CC). vimos que o negócio simulado também é nulo, subsistindo apenas o
que se dissimulou (art. 167 do CC). Aqui apontamos que qualquer
Por conseguinte, a nulidade absoluta é a penalidade que, ante a modalidade de simulação, mesmo inocente, é invalidante.
gravidade do atentado à ordem jurídica, consiste na privação da
eficácia jurídica que teria o negócio, caso fosse conforme a lei. De 3. NULIDADE RELATIVA (ANULABILIDADE)
maneira que um ato negocial que resulta em nulidade é como se
nunca tivesse existido desde sua formação, pois a declaração de A nulidade relativa ou anulabilidade refere-se, segundo a professora
sua invalidade produz efeito ex tunc, retroagindo à data da sua MARIA HELENA DINIZ, “a negócios que se acham inquinados de
celebração”. vício capaz de lhes determinar a ineficácia, mas que poderá ser
Já o professor FLÁVIO TARTUCE, ensina: “em sentido amplo, a eliminado, restabelecendo-se a sua normalidade”. A declaração
nulidade é conceituada pela doutrina como sendo a sanção imposta judicial de sua ineficácia opera ex nunc, de modo que o negócio
pela lei que determina a privação de efeitos jurídicos do ato produz efeitos até esse momento (CC, arts. 177 e 183). Isto é assim
negocial, praticado em desobediência ao que a norma jurídica porque a anulabilidade se prende a uma desconformidade que a
prescreve (...) A nulidade, para nós, é a consequência prevista em norma considera menos grave, uma vez que o negócio anulável
lei, nas hipóteses em que não preenchidos os requisitos básicos viola preceito concernente a interesses meramente individuais,
para a existência válida do ato negocial”. acarretando uma reação menos extrema (CC, art. 177, I e II; 180 a
182).
E continua o professor TARTUCE: “na nulidade absoluta, o negócio
jurídico não produz efeitos, pela ausência dos requisitos para o seu As hipóteses de nulidade relativa ou anulabilidade constam do art.
plano de validade (art. 104 do CC). A nulidade absoluta ofende 171 do Código Civil, a saber:
regramentos ou normas de ordem pública, sendo o negócio
absolutamente inválido, cabendo ação correspondente para declarar a) quando o negócio for celebrado por relativamente incapaz, sem a
a ocorrência do vício”. devida assistência, conforme o rol que consta do art. 4º do CC.
b) Diante da existência de vício a acometer o negócio jurídico, como
Exemplificando a nulidade absoluta, temos algumas hipóteses o erro, o dolo, a coação moral/psicológica, a lesão, o estado de
contidas no art. 166 do Código Civil, a saber: perigo ou a fraude contra credores. Lembramos que a coação física
e a simulação são vícios do negócio jurídico que geram a nulidade
a) quando o negócio for celebrado por absolutamente incapaz, sem absoluta, não relativa.
a devida representação (art. 3º, I do CC)
c) nos casos especificados de anulabilidade. Exemplificamos, a
b) Hipótese em que o objeto do negócio for ilícito, impossível, previsão contida nos arts. 1.647 (outorga uxória ou outorga marital)
indeterminado ou indeterminável. A impossibilidade, como vimos, e 1.649 do CC.
pode ser física ou jurídica (Inciso II)
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Nos casos de anulabilidade, o seu reconhecimento deverá ser O Código Civil de 2002, por sua vez, colocando-se ao lado dos
pleiteado por meio da denominada ação anulatória. ordenamentos jurídicos mais modernos, admitiu a medida para os
negócios jurídicos nulos, conforme regra do art. 170, in verbis:
Observação 1: Pontua a professora MARIA HELENA DINIZ:
“Portanto, segundo a moderna Teoria da Nulidade do Negócio “Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos
Jurídico, para que se declare um ato negocial inválido é preciso que de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes
ele valha, o que pressupõe a sua existência: logo o ato inexistente permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a
não tem qualquer significado na seara jurídica, é fato inidôneo para nulidade” (destacamos)”
produzir conseqüências jurídicas, de forma que a lei não o regula,
porque não há necessidade de se disciplinar o nada. Para que se CARLOS ALBERTO BITTAR, por seu turno, com acuidade, afirma
possa declarar um negócio jurídico nulo ou anulável, é preciso que que a “conversão é, pois, a operação pela qual, com os elementos
ele tenha entrado, embora com máculas, no plano da validade , isto materiais de negócio nulo ou anulado, se pode reconstituir outro
é, que tenha entrado no mundo jurídico para surtir efeitos negócio, respeitadas as condições de admissibilidade. Cuida-se de
manifestados como querido pelo parte. Poder-se-á, então, ponderar expediente técnico que o ordenamento põe à disposição dos
que um certo negócio jurídico será nulo se estivermos ante um ato interessados para imprimir expressão jurídica a manifestação de
que tenha aparência e a realidade equivalente ao conceito de vontade negocial, não obedientes, no entanto, a pressupostos ou a
determinado tipo negocial. Deve ter só a aparência porque, na requisitos”.
verdade, está eivado de vícios tão graves que a ordem jurídica o
ataca de modo de impossibilitá-lo de produzir quaisquer efeitos Trata-se, portanto, de medida sanatória, por meio da qual
almejados”. aproveitam-se os elementos materiais de um negócio jurídico nulo
ou anulável, convertendo-o, juridicamente, e de acordo com a
Observação 2: mesmo sendo nulo ou anulável o negócio jurídico, é vontade das partes, em outro negócio válido e de fins lícitos.
imprescindível a manifestação do Judiciário a esse respeito. A
nulidade absoluta ou relativa só repercute se for decretada A conversão exige, para a sua configuração, a concorrência dos
judicialmente; caso contrário surtirá efeitos aparentemente queridos seguintes pressupostos:
pelas partes; assim o ato negocial praticado por um incapaz terá,
muitas vezes, efeitos até que o órgão judicante declare sua a) material: aproveitam-se os elementos fáticos do negócio inválido,
invalidade. convertendo-o para a categoria jurídica do ato válido.

4. DIFERENÇAS ENTRE NULIDADE ABSOLUTA x NULIDADE b) imaterial: a intenção dos declarantes direcionada à obtenção da
RELATIVA conversão negocial e consequente recategorização jurídica do
negócio inválido.
A nulidade absoluta e a relativa apresentam caracteres
inconfundíveis: Como exemplo citamos: a nota promissória nula por inobservância
dos requisitos legais de validade é aproveitada como confissão de
a) Na nulidade absoluta temos: 1) o ato nulo atinge interesse dívida; a doação mortis causa, inválida segundo boa parte da
público superior; 2) opera-se de pleno direito; 3) não admite doutrina brasileira, converte-se em legado, desde que respeitadas
confirmação; 4) pode ser arguida pelas partes, por terceiro as normas de sucessão testamentária, e segundo a vontade do
interessado, pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, ou, falecido; o contrato de compra e venda de imóvel valioso, firmado
até mesmo, pronunciada de ofício pelo Juiz; 5) A ação declaratória em instrumento particular, nulo de pleno direito por vício de forma,
de nulidade é decidida por sentença de natureza declaratória ex tunc converte-se em promessa irretratável de compra e venda, para a
e, 6) pode ser reconhecida, segundo o CC, a qualquer tempo, não qual não se exige forma pública.
se sujeitando a prazo prescricional ou decadencial.
UNIDADE XII : PROVA DO FATO JURÍDICO
b) Na nulidade relativa temos: 1) o ato anulável atinge interesses
particulares, legalmente tutelados; 2) não se opera de pleno direito; 1. CONCEITO
3) admite confirmação expressa ou tácita; 4) somente pode ser
arguida pelos legítimos interessados; 5) A ação anulatória é decidida Intimamente ligada à forma está a questão da prova do negócio
por sentença de natureza desconstitutiva de efeitos ex nunc e, 6) a jurídico.
anulabilidade somente pó ser arguida, pela via judicial, em prazos
decadenciais de quatro (regra geral) ou dois (regra supletiva) anos, Para CLÓVIS BEVILÁQUA, a prova é o conjunto de meios
salvo norma específica em sentido contrário. empregados para demonstrar, legalmente, a existência de negócios
jurídicos.
5. CONVERSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
Para SILVIO RODRIGUES, conceitua: “prova é o conjunto dos
A conversão, figura muito bem desenvolvida pelo Direito Processual meios empregados para demonstrar legalmente a existência de um
Civil, constitui, no Direito Civil, à luz do princípio da conservação, ato jurídico. É matéria fundamental para defesa dos direitos, pois
uma importante medida sanatória dos atos nulo ou anulável. aquele que não pode provar seu direito é como se não o tivesse”.

Deve-se mencionar, nesse ponto, que, a despeito de a conversão 1.2. OUTROS CARACTERES DA PROVA
poder ser invocada para os atos anuláveis, seu maior campo de
aplicação, indiscutivelmente, é na seara dos atos nulos, uma vez Como visto nas aulas anteriores, os atos jurídicos, de regra, se
que os primeiros admitem confirmação, o que não é possível para os realizam como bem entender o agente, vale dizer, verbalmente, por
últimos. escrito etc. a questão que surge, às vezes, é como provar sua
existência.

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A primeira regra imposta pelo Código é a de que, sempre que Hoje em dia, consideram-se documentos não só papéis, mas
houver exigência de forma especial, o ato só se prova por ela. também as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros
Portanto a compra e venda de imóveis, por exemplo, só se prova por fonográficos e outras reproduções mecânicas ou eletrônicas.
escritura pública.
2.3. TESTEMUNHA (art. 212, III, 228, 229 do CC)
Há, entretanto, mais três regras, a saber:
Quanto às testemunhas, temos que podem testemunhar os maiores
1ª) as declarações constantes de documentos assinados presumem- de dezesseis anos. Os menores de dezesseis poderão apenas
se verdadeiras em relação aos signatários. O que há aqui é prestar informações.
presunção absoluta, que não admite prova em contrário. Assim, se
assino cheque, deverei pagá-lo, principalmente se cair em mãos de Além dos menores de dezesseis anos, não podem testemunhar os
terceiro de boa-fé. Pouca importa que tenha ou não desejado portadores de enfermidade mental que lhes retire o discernimento
assiná-lo. A declaração nele constante é verdadeira perante para a prática dos atos da vida civil; os cegos e surdos, quando a
terceiros, se assinada por mim; ciência dos fatos dependa do órgão que lhes falta; os interessados
na causa; os amigos íntimos e os inimigos capitais; os ascendentes
2ª) os contratos celebrados com cláusula de não valer sem e os descendentes; o cônjuge e os colaterais até o terceiro grau
instrumento público só por este se provam. Esclareça-se que sejam o parentesco consanguíneo, como os irmãos, ou por
instrumento público é o mesmo que escrito ou escritura pública, de afinidade, como os cunhados.
que se fala quando o ato é realizado em cartório;
Tampouco pode testemunhar o que é parte na causa; o que
3ª) as obrigações oriundas de atos celebrados por escritura intervém em nome da parte, como o tutor, na causa do menor, o
(instrumento) particular provam-se por esta escritura. advogado e outros; o definitivamente condenado por crime de falso
testemunho; o indigno de fé por seus costumes.
2. PROVAS, EM ESPÉCIE, DO NEGÓCIO JURÍDICO
Em relação a todos esses, aplica-se a mesma regra que aos
Para os demais atos, para os quais a Lei não prescreve forma menores de dezesseis anos: sendo necessário, o juiz os ouvirá
específica, vale a regra de que poderão provar-se pelas formas como informantes não como testemunhas. A diferença entre
abaixo descritas: informantes e testemunhas é que estas têm que prestar
compromisso de dizer a verdade, sob pena de prisão. Os
2.1. CONFISSÃO (arts. 212, I, 213, 214 do CC) informantes não têm esta obrigação.

Confissão é a confirmação do ato pela parte que com ele se Ademais, não se pode exigir o testemunho de quem deva, por
prejudica. É a confirmação da existência da dívida pelo devedor, por estado ou profissão, guardar sigilo sobre o fato. Padre não se pode
exemplo. exigir que testemunhe sobre segredo de confissão. Da mesma
forma, ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato a que não
Ato praticado em juízo é todo aquele ato, verbal ou escrito, praticado possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge ou
pelas partes ou seus advogados no transcorrer de processo judicial. companheiro, perante em grau sucessível ou amigo íntimo; nem
sobre fato que o exponha ou a estas pessoas a perigo de vida, de
A confissão é o reconhecimento livre da veracidade do fato que a demanda ou de dano patrimonial imediato.
outra parte da relação jurídica ou do próprio negócio pretende provar
(art. 212, I, do Código Civil). 2.4. PRESUNÇÃO (art. 212, IV do CC)

Sem dúvida, a confissão erige-se como o mais importante meio de É a relação que se faz de fato conhecido para se provar fato
prova de um fato jurídico, o que levou juristas antigos a denominá-la desconhecido. Dessa forma, se assino cheque, presume –se que a
“a rainha das provas”. assinatura confira, e que haja querido assina-lo.

Deve-se advertir, entretanto, que, algumas vezes, a confissão Há dois tipos de presunção. A que admite prova em contrário,
decorre de coação ou provém de pessoa impedida de confessar, o chamada de relativa, e a que não admite iuris tantum. Tal é o caso
que exige do julgador extrema atenção e redobrada cautela, para do cheque, ao qual se referiu, ainda há pouco. A segunda se
interpretá-la sistematicamente, em cotejo como os outros meios denomina presunção iuris et de iure, ou presunção de pleno Direito.
probatórios de que dispõe. Só ocorre quando a lei expressamente estabelecê-la. Exemplo seria
a presunção de que todos conhecem a Lei.
2.2. DOCUMENTO (art. 212, II do CC)
2.5. PERÍCIA (art. 212, V do CC)
Documento público é todo escrito ou escritura pública. São, como
vimos, papéis oriundos das repartições públicas e, especialmente, É uma espécie de prova que pode consistir na realização de
dos cartórios, nos quais se celebram aqueles atos para os quais se exames, vistorias e avaliações.
exige instrumento público. Neste item, inserem-se os atos praticados
em juízo, que são aqueles verbais ou escritos, praticados pelas Exames e vistorias são inspeções técnicas, realizadas por
partes ou seus advogados, no transcorres de processo judicial e especialistas em certos assuntos, como medicina, engenharia,
reduzidos a termo. contabilidade etc. Pode ocorrer de o próprio juiz realizar a vistoria in
loco, uma vez que se julgue habilitado e reputando necessário.
Documento particular é todo escrito que representa atos realizados, Avaliação ou arbitramento é o exame de alguma coisa, por peritos,
assinados e emitidos por quem não tem fé pública. Em outras para determinar-lhe o valor ou estimar em dinheiro alguma
palavras, é todo e qualquer papel escrito fora das repartições obrigação. É meio extraordinário de prova.
públicas e cartórios, por um particular.

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Cabe acrescentar, em conclusão, que a lista de meios de prova que c) o ato emana de alguém cuja vontade não foi externada de forma
acabamos de examinar é, tão-somente, exemplificativa, sua livre, consciente ou legal, seja por ter procedido de um incapaz, seja
interpretação deverá ser ampliativa, sendo limitada, logicamente, por ter-se originado de um vício do consentimento ou social.
pela moral e pelos bons costumes.
Percebe-se, pela leitura das causas enumeradas pelo saudoso
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS mestre, que há possibilidade de uma divisão tripartite das
imperfeições do ato jurídico. Ter-se-ia ato inexistente, ato nulo
O Código Civil, consoante se anotou, simplificou o tratamento legal (ineficácia absoluta) e ato anulável (ineficácia relativa).
dispensado à prova do fato jurídico, em comparação com o antigo
regramento do Código de 1916. ATOS INEXISTENTES

Isto talvez pelo fato de haver-se chegado à conclusão de que a Ato inexistente é aquele que não chega a existir, já que tem as
matéria é muito mais atinente do Código de 1916. requisitos mínimos para sua constituição. Diferente do ato nulo, em
que estão presentes todos os elementos, porém de forma irregular,
Os atos processados em juízo, por sua vez, “são os que já foram aqui não existem nem mesmo os requisitos minimamente exigidos
objeto de processo ou cuja existência foi pronunciada judicialmente, para se considerar uma manifestação de vontade com eficácia
p. ex., a coisa julgada, carta de arrematação, de adjudicação, formal jurídica. Por exemplo, a compra e venda sem que haja fixação do
de partilha, alvará judicial”. Também é o caso da prova emprestada, preço, não chegando a se aperfeiçoar qualquer negócio jurídico.
produzida em um processo e levada para outro (o depoimento de Conclui-se, com base na teoria da nulidade do negócio jurídico que,
uma testemunha, por exemplo), sob o crivo do contraditório e da para que algo seja dito nulo ou anulável, primeiro precisa existir. Se
ampla defesa. Neste caso, andou bem o legislador em não ao ato faltar um dos elementos essenciais para a sua própria
consagrá-lo como meio de prova autônomo, por absoluta existência (consentimento, objeto e causa), não terá eficácia jurídica
desnecessidade. A disciplina da prova documental supre alguma, sendo considerado um nada jurídico. Por exemplo, no caso
perfeitamente a ausência deste permissivo legal. de casamento realizado por ator em peça teatral.

A produção probatória, desde que lícita, há que ser livre, não CATEGORIAS DA NULIDADE
devendo ser condicionada pela legislação ordinária, material ou
processual, porque somente à Constituição Federal é dado, à luz do Conforme o grau da agressão aos princípios exigidos para a
devido processo legal, apontar os critérios de admissibilidade da configuração do negócio jurídico, teremos a ocorrência de nulidade
prova. absoluta (ato nulo) ou relativa (ato anulável).

Segundo o disposto em nossa Carta Magna, “os litigantes, em ATOS NULOS


processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e O ato nulo em si um defeito irremediável, já que se realiza com
recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV). ofensa a princípios de ordem pública, como no caso do absoluto
incapaz que declara sua vontade sem a representação, ou a
Ao mencionar “meios e recursos” a Lei Maior não os limitou. E, aliás, realização de ato jurídico envolvendo objeto ilícito. Nesses casos, “é
o próprio contraditório não se exaure na resposta, na contestação, o interesse público que é lesado; por conseguinte, a própria
também se estende a outros atos processuais, principalmente sociedade reage, e reage violentamente, fulminando de nulidade o
probatórios, que impliquem a defesa. ato que a vulnerou”. A diferença básica em relação aos efeitos dos
atos nulos ou anuláveis é que os primeiros não produzem quaisquer
Ao invés de elencar exaustivamente as formas pelas quais se prova efeitos jurídicos. Isso porque o ato praticado em total desacordo com
o fato jurídico (confissão, documentos, testemunhas etc.), o os requisitos mínimos para o reconhecimento jurídico dos efeitos
legislador deveria assentar apenas que se prova o fato jurídico por desejados pelo agente não pode originar quaisquer efeitos jurídicos.
qualquer meio lícito e legítimo, respeitadas apenas as restrições de Como exceção, há o casamento putativo, que produz efeitos
ordem constitucional. jurídicos e de fato ao cônjuge de boa fé e aos filhos até a data de
sentença de anulação. Sendo de ordem pública, o juiz, mesmo
UNIDADE XIII: NULIDADE E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO instado pelas partes, não poderá suprir-lhe o defeito (art. 168,
parágrafo único, do CC).
CONCEITO
No caso de nulidade absoluta, o interesse público prevalecerá,
A teoria das nulidades liga-se à retirada da eficácia pretendida pelas autorizando tanto os interessados como o representante da
partes ao negócio. Assim, ocorrendo alguma falha na formação do sociedade (Ministério Público) – quando lhe couber intervir –, a
negócio jurídico, seja pela ausência de seus elementos essenciais, exigirem a declaração de nulidade. O próprio juiz pode, vindo a
seja pela falta do cumprimento de formalidades em geral ou pela saber do ato ou de seus efeitos com prova concreta, declarar sua
intenção ilícita das partes, haverá a sua nulidade, gerando, por nulidade ex officio.
consequência, a sua ineficácia. As causas de ineficácia, segundo
Washington de Barros Monteiro, podem ser três: A sentença, de natureza declaratória, terá efeitos ex tunc,
retrocedendo seu alcance até a data da realização do ato, já que
a) a falta de elemento essencial; apenas declara, dando certeza jurídica, por decorrência legal, uma
nulidade que existe desde a realização do ato. Também terá efeitos
b) o ato tem os elementos essenciais, mas foi praticado em violação erga ommes, estabelecendo seus efeitos inclusive às pessoas que
à lei, sendo contrário à ordem pública, aos bons costumes ou não não tiverem participando do processo.
observou a forma prescrita em lei;

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Os atos nulos não admitem confirmação ou ratificação. A única motivação ilícita. Assim, nula será a doação que tem por fim
forma de as partes garantirem a ocorrência dos efeitos pretendidos beneficiar o cometimento de um crime.
será a realização de um novo ato de forma regular.
d) A não-observância da forma prescrita em lei ou, então, no
A nulidade absoluta não se convalida com o tempo, não havendo caso de o agente realizar o ato por uma forma proibida pelo
prazo de prescrição ou decadência aplicável á ação declaratória de ordenamento jurídico. A exteriorização da vontade, quando
nulidade. Entretanto, haverá prescrição da ação quanto aos efeitos determinada a forma pela lei, não será aceita se realizada de forma
patrimoniais da declaração de nulidade. Assim, por exemplo, a diversa. Por exemplo, a renúncia à herança que não foi feita por
declaração da nulidade absoluta de um contrato não terá prazo escritura pública ou por termo nos autos será nula.
decadencial ou prescricional; a condenação a eventuais perdas e
danos decorrentes da nulidade prescreverá em três anos, conforme e) O descumprimento de alguma solenidade que a lei considere
art. 206, §3º, V, do CC. essencial para a validade do ato acarretará a sua nulidade. Por
exemplo, no testamento público, a falta da leitura perante as
Devem ser aplicados à nulidade de parte do negocio jurídico, testemunhas legais acarretará a nulidade de todo o testamento.
permanecendo válidas as partes que não forem atingidas pelo
defeito. O princípio aplica-se desde que a nula do negócio tenha f) Tiver por objetivo fraudar a lei imperativa. São situações em que
caráter acessório, já que a nulidade do principal acarretará a o ato em si não é ilícito, mas o objetivo pretendido pelas partes,
nulidade das partes acessórias (art. 184 do CC). atingido indiretamente pelo ato, é absolutamente ilícito, como, por
exemplo, nas contratações por meio de interposta pessoa para se
O princípio da conversão ou da conservação (art. 170 do CC) evitar a imposição de proibição legal, acarretando tal simulação a
determina que, ante a existência de um negócio nulo, mas que tenha nulidade do ato.
os requisitos essenciais de outro negócio que teria sido querido
pelas partes se conhecessem da nulidade, deverá produzir seus g) A lei considera nulo o ato por disposição expressa ou proibir-
efeitos como se fosse o negócio originário. Trata-se do lhe a prática sem cominar sanção específica, ou então que lhe
aproveitamento, pelo intérprete da vontade emanada pelas partes, negue efeito. Assim, ou a norma determina expressamente a
que celebraram um negócio nulo. A conversão pode ser material, nulidade ou, de forma genérica, prevendo a proibição da realização
quando modifica a natureza do negócio realizado pela partes; ou de determinado ato sem determinar sanção específica, a nulidade
formal (art. 184 do CC), quando a causa da nulidade for falha na será a sanção geral e subsidiária aplicável ao caso. Por exemplo, a
forma do negócio e este puder ser comprovado de forma diversa. proibição da cláusula que autorize o credor hipotecário a ficar com o
São exemplos a conversão da compra e venda de imóvel sem bem do devedor se não houver pagamento (art. 1428 do CC), a
escritura em compromisso de compra e venda; a hipoteca sem nulidade da venda feita pelo ascendente a seu descendente sem a
autorização do cônjuge em confissão de dívida; a alienação do anuência expressa dos outros descendentes.
usufruto considerada como cessão de seu exercício; a renúncia
antecipada da prescrição considerada como interrupção da ATOS ANULÁVEIS
prescrição; o testamento nulo pela falta de testemunhas permaneça De forma diversa, há situações em que o legislador não vê um
válido como codicilo. ataque direto à ordem pública, mas apenas um prejuízo sofrido por
CASOS DE NULIDADE ABSOLUTA uma determinada pessoa. Nesses casos, a reação estatal mostra-se
mais amena, apenas facultando ao interessado a declaração judicial
Como regra geral, serão nulos os atos previstos no art. 166 do CC, de anulação do ato defeituoso ou lesivo. O ato jurídico anulável
embora o próprio inciso VI do artigo determine a nulidade absoluta produzirá todos os efeitos, somente deixando de produzi-los após a
dos atos jurídicos quando a própria lei assim o determinar ou proibir- manifestação de uma decisão judicial com transito em julgado. O
lhe a pratica sem a identificação de sanção especifica. É a nulidade, reconhecimento judicial da nulidade relativa somente terá efeitos em
portanto, uma sanção genérica aos atos jurídicos que descumpram relação às partes que a alegarem, ressalvando-se o caso de
a proibição legal. solidariedade ou indivisibilidade (art. 177 do CC).

Os casos previstos no art. 166 do CC são: A nulidade relativa somente poderá ser alegada pelo particular que
por ela seja prejudicado. O interesse é puramente provado, não
a) A incapacidade absoluta de quem pratica o ato. A vontade havendo razão pública para que se decrete a nulidade do ato sem a
manifestada pela criança, pelo deficiente ou enfermo mental e pela provocação dos interessados, não sendo possível o reconhecimento
pessoa incapaz de exprimir validamente sua vontade não é da nulidade relativa ex officio. O ato anulável é suscetível de
considerada válida pelo sistema legal. Equipara-se a uma não- confirmação, desde que esta não atinja direitos de terceiros. Tal
manifestação de vontade e, não havendo vontade manifestada confirmação pode ser expressa ou tácita. A confirmação expressa
validamente, não há como existir ato jurídico. Nesses casos, não é (art. 173 do CC) deverá ser feita por instrumento em que constem,
necessária a interdição previa do agente incapaz ou o conhecimento com clareza, as principais características do negócio a ser ratificado,
pela outra parte da condição do declarante para que haja a com transcrição das cláusulas mais importantes. A confirmação
declaração de nulidade. tácita (art. 174 do CC) ocorre nos casos em que a obrigação
anulável tenha sido, em parte, cumprida pelo devedor, desde que
b) A ilicitude, a impossibilidade ou a indeterminação absolutas este tenha, antes do cumprimento, ciência da nulidade que
do objeto do negócio. A existência de infração à lei, à moral e aos contamina o ato negocial.
bons costumes não autorizará a produção de efeitos jurídicos pela
vontade dos agentes. O mesmo ocorre quando o objeto for A ratificação terá efeito ex tunc, retroagindo à data da realização do
absolutamente impossível física ou juridicamente, ou impossível a ato, além de ser irrevogável, a não ser que o próprio ato, que
determinação de seu objeto, impedindo o cumprimento da significa a ratificação tácita seja nulo. Da mesma forma, havendo
prestação. anulabilidade pela falta de autorização de terceira pessoa, a
autorização posterior valida o ato, com efeitos ex tunc (art. 176 do
c) O motivo determinante, comum a ambas as partes for lícito. CC).
Nesses casos, o efeito pretendido pelas partes decorre de uma
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Causas de Nulidade Relativa – ANULABILIDADE (art. 171 do CC) UNIDADE XIV: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Além dos casos de anulabilidade previstos na parte especial do Prescrição é um meio de defesa, ou de exceção, com base no
Código Civil e em leis especiais, serão anuláveis os casos de decurso do tempo, na inação do titular de direito, e no interesse
negócios realizados por relativamente incapaz sem assistência, e social de pacificação das demandas.
nos casos de defeitos dos negócios jurídicos (erro, dolo, coação,
lesão, estado de perigo, fraude contra credores), conforme A prescrição extingue a pretensão, a possibilidade de se exigir um
estudados em sala de aula. Outras causas previstas de direito, em juízo ou fora dele. A perda do direito à pretensão implica
anulabilidade encontram-se no art. 180, 181, 155 do CC. na perda do direito à ação judicial correspondente.
Prazos decadenciais da ação anulatória A decadência, por sua vez (que também se baseia no decurso do
Sempre haverá prazo decadencial para ação anulatória de negócio tempo), extingue não só a pretensão, mas o próprio direito, pelo não
jurídico, sendo os prazos determinados pelo tipo de nulidade que exercício do mesmo no prazo fixado por lei ou convenção. A
atingem o negócio. Caducará em: decadência fixada em lei, ao contrário, deve ser decretada de ofício
pelo juiz (art. 210).
a) 4 anos (art. 178 do CC), nos casos de defeitos do negócio jurídico
e incapacidade relativa. O prazo contar-se-á, no caso de: 1. Coação, Prazos. Os prazos de prescrição estão relacionados na Parte Geral.
na data em que esta cessar; 2. erro: dolo, fraude contra credores, O prazo geral é de 10 anos (art. 205). Os prazos especiais variam
estado de perigo, lesão: do dia em que houver sido realizado o de 1 a 5 anos (art. 206). A prestação alimentícia, por exemplo,
negócio; 3. no caso se relativamente incapaz: no prazo em que prescreve em 2 anos (art. 206, §2°).
cessar a incapacidade.
Os prazos de decadência encontram-se esparsos na Parte Especial,
b) se a lei determina que o negócio é anulável estabelece um prazo junto ao artigo a que se referem, ou na convenção em que foram
específico, deverá o prazo ser seguido, por exemplo, a anulação de fixados. Para anular casamento realizado sob coação, por exemplo,
casamento pela falta de autorização dos pais, cujo prazo o prazo de decadência é de 4 anos (art. 1.560, IV, CC).
decadencial é de 180 dias.
Esta distinção topográfica, feita pelo Código Civil, veio facilitar em
c) 2 anos (art. 179 do CC), se a lei determinar que o negócio é muito a identificação dos casos de prescrição e de decadência.
anulável, sem estabelecer o prazo específico será aplicado o prazo
genérico, contado a partir da realização do ato anulável. Impedimento, suspensão e interrupção. O curso da prescrição pode
ser impedido, suspenso ou interrompido. Na decadência não há
Efeitos da declaração de nulidade essas hipóteses (salvo disposição legal em contrário – art. 207).

Anulado o ato, as partes deverão ser restabelecidas à sua condição No impedimento (da prescrição) a contagem do prazo não pode
anterior ao negócio. Isto quer dizer que, no âmbito patrimonial, iniciar, como entre cônjuges, na Constância da sociedade conjugal
deverão ser devolvidos a cada uma das partes os valores (art. 197, I, CC).
movimentados com a realização do negócio, conforme regra do art.
182 do CC. Na suspensão (da prescrição) a contagem do prazo é bloqueado por
determinado fato, e volta depois a correr, por outro fato, somando-se
DIFERENÇA ENTRE NEGÓCIO NULO E ANULÁVEL o tempo anterior e o posterior. A prescrição é suspensa, por
exemplo, em relação àquele que se ausenta do País, em serviço
A diferença entre a nulidade absoluta e a nulidade relativa advém de público, e volta a correr por ocasião de seu retorno (art. 198, II).
uma diferença de grau e de natureza. A classificação da nulidade
deve ser analisada com base nos efeitos por ela gerados; as Na interrupção (da prescrição) o prazo decorrido é anulado, voltando
pessoas que podem ou não alegar essa nulidade; a possibilidade de a prescrição a correr novamente, por inteiro, da data do ato que a
poder ou não ser ratificado o ato; e a existência ou não da prestação interrompeu (art. 202, § único). As causas de interrupção encontram-
das ações capazes de anular o ato. se arroladas no art. 202 (citação judicial, protesto etc.). A prescrição
só pode ser interrompida uma vez (art. 202), novidade trazida pelo
Nulidade Absoluta Nulidade Relativa Código de 2002e inexistente no Direito anterior.
Interesse privado, efeito restrito
Ordem pública, efeitos erga Há pretensões e ações perpétuas, que não prescrevem nem
a quem a alegar, salvo
ommes e interesse coletivo decaem nunca, porque a lei não lhes fixa prazo de exercício ou de
solidariedade e indivisibilidade.
Decretada ex officio Depende de pedido da parte postulação, como as ações de estado da pessoa ou de exercício
prejudicada facultativo.
Não pode ser suprida pelo juiz, Pode ser suprida pelo juiz a
nem a pedido das partes; não pedido das partes; admite Direito Intertemporal. Serão os da lei anterior os prazos, quando
admite ratificação. ratificação expressa ou tácita reduzidos pelo novo Código e se, na data de sua entrada em vigor,
Declarada a pedido de qualquer já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei
interessado ou do Ministério Declarada exclusivamente a revogada (art. 2.028 CC).
Público, quando couber intervir pedido da parte prejudicada
no caso Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva
Sentença declaratória, sem Ação constitutiva negativa, com
A responsabilidade extracontratual pode ser classificada pelo critério
prazo para a declaração; não é prazo decadencial; obrigatória
da importância que a culpa do agente, ou responsável, assume para
obrigatória a ação judicial, já que aça judicial para que o negócio
o surgimento do dever de indenizar.
opera pleno jure. deixe de produzir efeitos
Sentença com efeito ex tunc Sentença com efeito ex nunc
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Na responsabilidade subjetiva é necessário que seja feita uma
investigação no íntimo do agente do dano, para que se possa BITAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed., Rio de
responder se ele quis o resultado ou se atuou com imprudência ou Janeiro : Forense Universitária, 1999.
negligência. Deve-se perquirir a vontade do agente para que fique
demonstrada sua culpa. Na ausência de demonstração do dolo ou BRASIL. Novo Código Civil comentado. Coordenador Ricardo Fiuza.
da culpa em sentido estrito, fica afastado o dever de indenizar, já – São Paulo : Saraiva, 2002.
que em nada reprovável, censurável, seu comportamento. A culpa é
o elemento subjetivo que viabiliza a imputação psicológica do dano DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 1 : teoria
ao seu agente. geral do direito civil. – 22 ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei de Lei
A responsabilidade subjetiva, em nosso ordenamento, é considerada n. 6.960/2002. – São Paulo : Saraiva, 2005.
como o sistema geral de responsabilidade em razão do disposto no
art. 186. FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. 5. ed., São Paulo :
A culpa pode ser considerada, no seu sentido amplo, como um Saraiva, 1999.
desvio de conduta. Nesse sentido engloba tanto a ideia de dolo
como de culpa stricto sensu. FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Direito Civil.
33ª ed. – São Paulo : Malheiros
Dolo é a conduta cuja vontade é conscientemente dirigida para a Editores, 2006.
produção de um resultado ilícito. O sujeito que se comporta
dolosamente visa um resultado danoso. GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso
de direito civil. volume I : parte geral. – 7ª ed. rev. ampl. e atual. –
Na culpa em sentido estrito não se identifica a vontade dirigida para São Paulo : Saraiva, 2006.
o resultado danoso, embora este se verifique. Há vontade para a
verificação do comportamento. Porém, o agente, embora visando GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 10. ed., Rio de Janeiro
um comportamento lícito, deixa de tomar os cuidados necessários, e : Forense, 1993.
acaba por gerar um resultado por ele não desejado.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 1 : parte
O fato é que a responsabilidade subjetiva tem o inconveniente de geral. – 40. ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro
um sistema de reparação em que a conduta do agente, seu França Pinto. – São Paulo : Saraiva, 2005.
subjetivismo, sua intenção deixaram de ser importantes. A esta
modalidade de responsabilidade, que não tinha em conta o aspecto NEVES, Murilo Sechieri Costa. Direito Civil, parte geral. volume I. –
subjetivo, deu-se o nome de objetiva. O que importa é o dano ligado São Paulo : Saraiva, 2005.
ao agente ou ao responsável.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2. ed., Rio de Janeiro :
A construção desse sistema de responsabilidade objetiva decorreu Renovar, 2001.
da constatação que se fez sobre a ineficiência que o sistema da
culpa apresentava. Sabe-se que a responsabilidade civil tem com o
papel o de servir como instrumento de proteção individual, a fim de
se viabilizar a vida em sociedade. No entanto, a responsabilidade
fundada na culpa nega-se a este mister, já que nem sempre é
possível que se identifique um culpado.

Houve a necessidade de encontrar um fundamento justo que


determinasse a transferência do dano de um patrimônio para o
outro. Localizou-se, assim, a teoria do risco.

Exatamente em função da influência que o risco da atividade exerce


é que também se denomina a responsabilidade objetiva de
responsabilidade pelo risco.

Atualmente o Código Civil contém um dispositivo bastante genérico


sobre a adoção definitiva da teoria do risco criado pelo nosso
ordenamento. Trata-se do parágrafo único do art. 927, que dispõe:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem”.

Como se vê, pelo dispositivo legal acima transcrito são duas as


situações previstas na lei. A primeira diz respeito às hipóteses de
responsabilização independentemente, da atividade de risco que
gera para seu autor a responsabilidade pelos danos decorrentes
deste risco.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

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