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Nesse sentido, bem assevera FACHIN que o Código Civil de 2002 tem “forte
assento histórico”1 na figura conceitual do sujeito proprietário em torno do qual
erigiam-se as codificações oitocentistas, trazendo uma carga de valores ainda
vigente em nossa sociedade quando da elaboração do projeto que deu corpo
ao Código, na década de 70:
Na mesma toada vai MORAES que, noticiando haver quem sustentasse, durante
o trâmite do Projeto de Código Civil, que a doutrina do direito civil-
constitucional tinha data de validade, pois o novel compêndio já viria permeado
pelos valores e princípios constitucionais, sublinha que:
É salutar o alerta que faz a autora, no sentido de que, após a edição do Código
Civil de 2002, em descompasso com o programa constitucional, “mais
firmemente do que antes, será preciso persistir no esforço de conferir aos
institutos civilísticos a interpretação condizente com a tábua axiológica
prevista na Constituição”4.
O texto é apenas uma das matérias de que o Código é feito. Não se erige,
entretanto, em obra acabada pelas mãos do legislador, mas cujos sentidos de
seus conceitos e fins de seus institutos são construídos com as mãos também
de doutrina e jurisprudência, em um trabalho de constante “reconstrução dos
significados que compõem os significantes”7 do compêndio civilista.
Esse desígnio hermenêutico, é certo, volta-se para um fim, que é o de, dentre os
possíveis sentidos do texto positivado, construir aquele que seja mais funcional
a dar uma resposta aos problemas da sociedade contemporânea e que esteja
permeado com os valores expressos na constituição.
5
FACHIN, Luiz Edson. op. cit., p. 144.
6
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13 ed. Coimbra: Almedina, 2013, p.
39
7
FACHIN, Luiz Edson. op. cit., p. 83.
constitucional. Ante a inércia do legislador em atualizar um Código cujo texto é
fruto de uma compreensão da realidade em descompasso com os valores
constitucionalmente eleitos como os de nossa sociedade, deve-se adotar as
seguintes tarefas: a) onde lia-se liberdade individual deve-se reler igualdade
substancial; b) onde lia-se sujeito proprietário atomizado deve-se reler pessoa
humana na concretude das relações sociais em que ela se encontra inserida; c)
onde lia-se individualismo deve-se reler solidariedade social.
A saber, deve-se romper com a lógica formal da subsunção, que faz a regra
jurídica incidir imediatamente quando da ocorrência do fato do mundo da vida
nela previsto. Tal método, compromissado com a segurança formal,
cristalizando os valores que permeiam as regras de um código, erige-o
enquanto sistema fechado, tornando-o impermeável à intervenção da realidade
e ao poder criador da jurisprudência8.
8
MARTINS-COSTA, Judtih. op. cit., p. 115.
Dessa forma, o magistrado deve partir não mais da norma e sua resposta
abstrata e previamente elaborada, e sim do caso concreto. A partir da análise
do caso que se põe a seu julgamento, deve buscar no sistema, dentre as
respostas positivadas, a que oferece a solução mais consentânea ao princípio
constitucional que, em uma ponderação axiológica, entenda, motivadamente,
deva prevalecer9.
9
FACHIN, Luiz Edson. op. cit., p.93-94.
10
Ibidem, p. 51-52.
11
MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização... op. cit., p. 238.
a mesma conclusão. Mas ganha-se, e muito, em efetividade na concretização
do programa constitucional.
12
“A interpretação jurídica desse porte não é, a rigor, operação estritamente jurídica e sim
fenômeno cultural. Pode-se verificar por aí que o Direito é um sistema aberto, mas não só. É
um sistema dialeticamente aberto, que deve ser compreendido por meio de uma hermenêutica
crítica, que submete perenemente as regras aos preceitos constitucionais, destacando-se neles
o princípio da dignidade da pessoa humana, e à contraprova da realidade”. FACHIN, Luiz
Edson. op. cit., p. 117.