Você está na página 1de 8

O Caso dos Exploradores de Cavernas

1. Introdução
A obra “O Caso dos Exploradores de Cavernas”, escrita por Lon.
L. Fuller, relata a história fictícia de cinco exploradores de cavernas.
Nesse livro, durante uma das expedições do grupo em uma caverna,
houve um deslizamento de terra, que fez com que grandes pedras
caíssem e bloqueassem a única entrada do local, prendendo os
exploradores lá dentro.
Quando os homens não retornaram da expedição, os
responsáveis legais foram acionados e um grupo de resgate foi enviado
à caverna. Máquinas e funcionários mais especializados foram
necessários para ajudar o tal grupo de resgate, requisitando, assim,
muito financiamento. Para dificultar mais ainda a situação, novos
desmoronamentos ocorriam durante esse processo, fato que acarretou
na morte de dez trabalhadores. Apenas após trinta e dois dias é que o
resgate de fato ocorreu.
Sabia-se que os exploradores estavam em uma situação crítica
por contarem com provisões escassas e por não terem acesso a
animais ou a vegetação. Não havia qualquer tipo de comunicação de
dentro da caverna com o meio exterior, até que, no vigésimo dia de
confinamento, os exploradores perceberam que haviam levado um
aparelho capaz de enviar e de receber mensagens. Após instaurarem
a comunicação com a equipe de resgate, eles descobriram que haveria
mais, pelo menos, dez dias para a conclusão do resgate e que, com o
suprimento que tinham, as chances de sobrevivência eram muito
baixas. O explorador Roger Whetmore, representando o grupo inteiro,
questionou se essas chances aumentariam consideravelmente caso
consumissem a carne de um deles. A contragosto, um médico
respondeu positivamente. Contudo, nenhum membro do grupo de
resgate se aprontou a qualificar e nem a recomentar tal ato, no que se
diz respeito à escolha do companheiro a ser morto. Depois de tais
indagações, não houve mais comunicação. No fim, Whetmore foi
designado a tal sacrifício e, por isso, foi morto pelos outros
exploradores, no vigésimo terceiro dia.
De acordo com os próprios exploradores, Whetmore foi quem
sugeriu tanto o consumo da carne de um deles para a sobrevivência da
maioria, quanto a sorte como meio de escolha daquele que seria morto,
a partir de um par de dados que ele havia levado consigo. No começo,
os outros foram contrários a essa ideia, entretanto, no final, acabaram
por concordar. Contudo, ao arremessar os dados, Whetmore hesitou e
propôs que eles esperassem mais uma semana antes de tomar tal
medida. Devido a isso, ele foi acusado de quebra do acordo e
continuaram o arremesso dos dados. Quando chegou a vez de
Whetmore, outro explorador jogou os dados para ele, com o
consentimento do próprio. No final, Whetmore foi desafortunado nos
resultados dos dados, tendo por consequência a morte e o consumo de
sua carne por seus companheiros.
Após o resgate, os exploradores restantes foram hospitalizados e
devidamente tratados. Depois, foram todos indiciados pelo assassinato
de Roger Whetmore e condenados à forca pelo Tribunal de Primeira
Instância do condado de Stowfield. Os réus, então, mandaram em
conjunto um comunicado para o chefe do Executivo, requisitando a
comutação da pena para prisão de seis meses. E assim também o fez
o juiz que presidiu o julgamento. Os acusados apelaram à Segunda
Instância alegando vício, exibindo argumentos e fatos necessários para
a apreciação perante este Tribunal, composto por cinco juízes
1. Truepenny, C.J. (Presidente)
Truepenny inicia seu posicionamento narrando a história
supracitada e seu julgamento é bem direto. Ele defende que a decisão
do Tribunal de Primeira Instância foi exacerbada, considerando que o
caso era algo extraordinário. Contudo, ao mesmo tempo, foi criteriosa e
justa. Na concepção do presidente, a justiça seria alcançada se os réus
fossem inocentados. Entretanto, isso seria ir contra a lei de homicídio
do estatuto, a qual alega que “qualquer um que, de própria vontade,
retira a vida de outrem, deverá ser punido com a morte.” Considerando
que Truepenny é positivista, contrariar a lei seria inadmissível. Portanto,
o presidente do Tribunal de Segunda Instância acredita que os réus são
culpados e aconselha os seus colegas a manterem a decisão do
Tribunal de Primeira Instância. Porém, como ele considerava que isso
não seria perfeitamente adequado ao caso, o juiz pensa que o chefe do
Executivo pode conceder clemência aos réus, sendo essa a melhor
opção, uma vez que seria o único dispositivo legal que possibilitaria a
inocência dos réus sem a infração da lei e sem que esta seja
enfraquecida ou debilitada.
2. Foster, J.
Foster, ao defender que não existe uma dependência do Executivo
ao julgar o caso, discorda de Truepenny. Ele afirma que a lei deve ser
cumprida, contudo essa situação não se aplica à jurisdição da “Lei
Positiva” e sim da “Lei Natural”. Essa última aborda a questão do estado
de natureza humana, o qual um Estado assegurando necessidades
básicas da população é inexistente e a coexistência humana é
impossibilitada. Isto é, o estatuto vigente perde sua validade por falta
de eficácia ao se deparar com um evento desse tipo. Logo, tal caso não
pode ser julgado de acordo com as leis externas à caverna, ou seja,
não pode ser julgado pela Lei Positiva. Quando dentro da caverna, os
réus estavam sob a Lei Natural, a qual defende que os atos devem ser
justificados em prol da sobrevivência. Outro ponto destacado pelo
Foster foi o fato que trabalhadores morreram tentando resgatar os réus.
A partir dessa questão, ele indaga: se foi adequado causar a morte de
dez trabalhadores para salvar cinco exploradores, porque seria
equivocado sacrificar uma em prol de outras quatro?
Consequentemente, Foster inocenta os réus.
3. Tatting, J.
Ao mesmo tempo que Tatting sente empatia pelo ocorrido com os
exploradores, ele também sente aversão ao ato que cometeram. Ele faz
uma crítica ao Foster em relação à comparação entre “Lei Natural” e
“Lei Positiva”, afirmando que não há limites de onde inicia esse estado
natural, portanto, não deve ser estabelecida a jurisdição de lei natural.
Além disso, ele critica também o código natural sendo posto com uma
importância dos contratos maior que a importância da vida. O juiz
também contesta a possível alegação de legítima defesa, uma vez que
o ato foi premeditado e discutido entre os exploradores. Entretanto, ele
acredita que, se os réus tivessem o conhecimento de que seriam
considerados homicidas, eles teriam esperado mais um pouco. Ele
pensa também que a condenação deles foi incorreta, já que
trabalhadores foram mortos a fim de que os exploradores fossem
resgatados e, portanto, seria um absurdo matá-los, mesmo que, para
ele, os argumentos de Foster fossem sem base. Por fim, Tatting se
declara incapaz de tomar qualquer decisão sobre o caso devido a seus
princípios morais, dessa forma, abdicando o seu voto.
4. Keen, J.
Keen é contrário ao ato de recomendar as ações do Executivo e
afirma que deve chegar à sua decisão somente pela lei em que estão
inseridos. Ele defende que seus princípios morais não devem
fundamentar suas decisões como juiz, pois isso é papel das leis do país.
Sobre a não apreciação das consequências trazidas pela lei de
homicídio aos réus, Keen concorda com seus colegas, entretanto,
diferentemente deles, ele respeita os compromissos do ofício, que
requisitam que suas preferências não sejam levadas em consideração
no momento de aplicação da lei. É um típico juiz positivista. O juiz diz
também que as interpretações dos estatutos pelo judiciário causam
dúvida e caos. Faz uma crítica ao Foster, pois a legislação dos juízes
não convém, uma vez que eles devem seguir a lei escrita e, desse
modo, assegurar a estabilidade jurídica. De acordo com Keen, é inviável
a aplicação de um estatuto que foi reformulado apenas para que se
suprisse uma vontade pessoal. Logo, com o propósito de seguir a lei
escrita, Keen condena os réus.
5. Handy, J.
Handy destaca a natureza legal da barganha que ocorreu na
caverna. Ele defende que as pessoas são governadas por outras
pessoas e não por palavras no papel ou por teorias abstratas. O
entendimento de sentimentos e de concepções das massas é uma
característica predominante nos bons governos, não se fundamentando
nem na lei natural de Foster e nem na lei positiva de Keen, mas, sim,
na opinião pública. O juiz conta um caso em que decidiu absolver os
réus, de acordo com a opinião pública, e o julgamento trouxe uma boa
repercussão ao tribunal. Nesse caso dos exploradores de cavernas,
90% do povo se manifestou a favor da liberação dos réus com uma
pena reduzida ou do perdão. Portanto, diante desses argumentos,
Handy inocenta os réus.
Conclusão
A Suprema Corte ficou dividida em relação aos seus votos (dois
contra e dois a favor) e, diante disso, ela optou por manter a decisão do
Tribunal de Primeira Instância, ou seja, de manter a condenação dos
réus ao enforcamento.
Uma abordagem interessante nesse livro de Lon Fuller é a do
debate entre o Direito Positivo e o Natural, estipulado pelos próprios
juízes. É um caso proveitoso de ser estudado por apresentar
dificuldades de decisão, muitas vezes advindas de divergências
interpretativas sobre o determinado caso.
Se tivesse ocorrido o mesmo no Brasil, as chances de absolvição
dos réus seriam maiores, uma vez que esse caso poderia ser
compreendido como “Estado de Necessidade” ², que abrange as
situações em que determinadas atitudes inicialmente vedadas tornam-
se permitidas, se forem o único recurso garantidor da sobrevivência
naquele momento, conforme preceituam o inciso I, art. 23 e o art. 24 do
Código Penal. Dessa forma, constata-se que deve haver uma
interpretação do caso conforme a situação fática, levando em
consideração todos os aspectos do ocorrido, para então ser possível ter
um julgamento justo. Um julgamento deve abordar não somente as
questões positivadas, mas os outros aspectos externos que abrangem
o caso também. Afinal, o Direito não se limita a uma automatização, na
qual se analisa tão somente se aquela situação se enquadra ou não no
que está descrito na lei. É um sistema complexo, que demanda tempo
e análise profunda e mais completa possível dos fatos.

Você também pode gostar