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CONSELHO DELIBERATIVO
Arthur Stamford da Silva (UFPE)
Fernando Rister de Souza Lima (Mackenzie)
David Oliveira (UFC)
Elaini Cristina Gonzaga da Silva (PUC/SP)
Bianca Margarita Damin Tavolari (USP)
CONSELHO FISCAL
Leonel Severo Rocha (UNISINOS)
Germano André Doederlein Schwartz (UNILASALLE)
José Antonio Callegari (UFF)
sumário
GP 4 – LINGUAGEM E DIREITO
Coordenação: David Barbosa de Oliveira, Virgínia Colares
e Virgínia Leal
GP 11 – SOCIOEDUCAÇÃO E MECANISMOS DE
CONTROLE SOCIAL DA JUVENTUDE
Coordenação: Érica Babini Machado, Ana Paula Motta Costa
e Ana Cláudia Cifali
QUEM FOI QUE DISSE QUE ISSO AQUI NÃO ERA PRA MIM?
VISIBILIDADE E RECONHECIMENTO DA PRODUÇÃO LITERÁRIA
DOS (AS) ESCRITORES (AS) NEGROS (AS) NA 15ª FESTA LITERÁRIA
INTERNACIONAL DE PARATY, NO RIO DE JANEIRO
Adriana Avelar Alves
Luiza Alves Chaves 1081
ÉTICA NA ARBITRAGEM
Sérgio Gustavo de Mattos Pauseiro
Marcella da Costa Moreira de Paiva 1656
GP 23 – SISTEMA PENAL E RELAÇÕES RACIAIS
Coordenação: Riccardo Cappi, Felipe da Silva Freitas e Ana Míria
dos Santos Carvalho Carinhanha
GP 26 – JUSTIÇA RESTAURATIVA
Coordenação: Raffaella Pallamolla e Daniel Achutti
GP 28 – CRIMINOLOGIAS ALTERNATIVAS
Coordenação: Leandro Ayres França e Clara Masiero
UM DIAGNÓSTICO DE SUCESSO
A reflexão sobre teoria e sociologia do Direito desenvolveu-se no Brasil,
em grande parte, em conflito aberto com a dogmática jurídica, ao menos
com os modelos mais tradicionais de dogmática, marcados pelo pensamento
sistemático ou por uma visão naturalizante do direito, denominados por José
Eduardo Faria (1987, 202-203), respectivamente, de “positivismo normati-
vista” e “positivismo transcendente”.
O nome de uma revista emblemática para o campo do Direito nas dé-
cadas de 80 e 90, a Revista “Contradogmáticas”, dava o tom da relação tensa
entre estes campos da reflexão sobre o Direito. Para ampliar um pouco o
âmbito de aplicação das afirmações de Leonel Severo Rocha a respeito da
Sociologia Jurídica no Brasil (ROCHA, 2005: 46), podemos dizer que, tanto
a teoria quanto a sociologia jurídica afirmaram-se por aqui mais como es-
paços de crítica à dogmática jurídica do que como campos de pesquisa bem
delimitados, dotados de metodologias específicas e de um acúmulo de de-
bates sobre determinados temas.
E uma crítica que não costumava (e não costuma, ainda) deixar pedra
sobre pedra: em várias de suas versões, a dogmática jurídica, aos olhos da
teoria e da sociologia, era vista como um obstáculo praticamente intranspo-
nível para nosso desenvolvimento econômico e para a democratização de
nosso Estado. Em duas de suas mais influentes versões, uma praticada por
José Eduardo Faria em São Paulo e a outra praticada por Luis Alberto Warat
no Sul do país, inicialmente em Santa Catarina, a dogmática jurídica ocu-
pava o lugar, respectivamente, de fator de insegurança jurídica, e de um ins-
trumento de poder autoritário que contribuía para barrar o nosso desenvol-
vimento econômico e a democratização de nossa forma de viver, mais
especificamente, a relação entre sociedade e Estado. Em suas versões mais
radicais, a crítica à dogmática chegou a imaginar que “a simples supressão
teórica da dogmática e a postulação de uma teoria crítica (politizada) solu-
cionaria todos os problemas do direito” (ROCHA, 2005: 65).
SUMÁRIO
Como nos explica Faria em um texto sobre ensino jurídico de 1987,
significativo por ter sido escrito para intervir no debate interno sobre a re-
forma da grade curricular do curso de Direito da Universidade de São Paulo:
“... não mais se deve confinar o ensino jurídico aos limites estreitos e forma-
listas de uma estrutura curricular excessivamente dogmática, na qual a auto-
ridade do professor representa a autoridade da lei e o tom da aula magistral
permite ao aluno adaptar-se à linguagem da autoridade. Não se trata, é
óbvio, de desprezar o conhecimento jurídico especializado, porém de conci-
liá-lo com um saber genético sobre a produção, a função e as condições de
aplicação do direito positivo.
Tal conciliação está a exigir dos cursos jurídicos uma reflexão multidisciplinar
capaz de (a) desvendar as relações sociais subjacentes quer às normas quer às re-
lações jurídicas, e (b) fornecer aos estudantes não só métodos de trabalho mais
estimulantes e eficazes, mas, igualmente, disciplinas novas e/ou reformuladas. É
o caso, por exemplo, da inserção do estudo do direito nas ciências sociais, de
maior ênfase à História do Direito, da introdução de Metodologia do Ensino
Jurídico e Metodologia do Ensino do Direito como matérias obrigatórias, da re-
valorização da Filosofia do Direito, especialmente na parte relativa à hermenêu-
tica jurídica, e da análise adensada das relações de natureza complexa (conflitos
do tipo “capital x trabalho”; “governo x comunidade”; “produtores x consumi-
dores”). Não se trata de agregar de modo a-sistemático mais disciplinas a um
currículo já sobrecarregado, mas de resgatar a própria organicidade do curso.
Entre outras razões porque o desafio de um ensino formativo e inter-disciplinar
não se limita ao mero relacionamento do direito com a economia, a sociologia, e
a ciência política, sendo indispensável valorizar o estudo do direito num marco
teórico em condições de oferecer uma perspectiva e crítica dos institutos jurídi-
cos e das relações sócio-econômicas que lhes deram origem e função.
(...)
Como impedir que o curso jurídico se limite somente a informar o corpo dis-
cente sobre o estado atual da jurisprudência, não o estimulando a identificar
e discutir os diferentes modos por meio dos quais vão surgindo esquemas
inéditos para problemas não previstos nem pela doutrina nem pelos tribu-
nais? A meu ver, tais mudanças somente poderão ser efetuadas com um mí-
nimo de rigor metodológico se, a partir de uma reflexão mais cuidadosa em
torno do tipo de direito ensinado em nossas escolas, formos capazes de dis-
cutir sem preconceitos ideológicos a função social do jurista, o caráter ins-
trumental da dogmática jurídica e as influências ideológicas na formação do
conhecimento jurídico” (FARIA: 1987, 200-2001).
Nas palavras de Warat, citado por Faria no texto que estamos analisan-
do, “as faculdades de direito foram limitadas a simples “escolas de legali-
dade”, por meio das quais são reproduzidas soluções pré-elaboradas a partir
de casos exemplares. Isso permite (a) que se resguarde acriticamente deter-
minadas opiniões tidas como “juízos científicos”, e (b) que, graças a um
saber pretensamente “humanista” e supostamente não-ideológico, com a
falsa aparência de um conhecimento sistemático e coerente, sejam transmi-
tidas as crenças que sustentam a dogmática jurídica. Ao forjar uma menta-
lidade estritamente legalista em progressiva contradição com uma realidade
crescentemente não-legalista, em cujo âmbito a “racionalidade” material
cada vez mais se sobrepõe à “racionalidade formal”, esse tipo de “ciência”
praticado em nossos cursos de direito reduz o saber normativo a um este-
reotipado “senso comum teórico dos juristas de ofício”” (WARAT: 1982).
Ainda de acordo com Faria:
SUMÁRIO
doutores”, todos citados aos borbotões como pretexto para demonstração de
uma erudição sem peso teórico, recheando manuais e livros - isto quando não
servindo para engrossar teses acadêmicas de professores pouco criativos e sem
inspiração, abrindo caminho para que o “pedantismo da ligeireza” sirva de cri-
tério para o prevalecimento, no âmbito do corpo docente, de um tipo modal de
mestre acrílico, burocrático e subserviente aos clichês predominantes entre os
juristas de ofício” (FARIA: 1987, 206).
SUMÁRIO
de Ia dogmática, que, portal razón, no ha podido, ni puede producirotro co-
nocimiento, que tautológico o auto-reproductor, que no permite avance
científico le asigna, de regular y cotrolar el comportamiento, de evitar, en Io
posible, los conflictos y resolver los problemas. Es, por ello, que Ia dogmá-
tica tuvo que recurrir, aunque en forma encubierta, y no siempre confesada,
a otros domínios cognoscitivos, para poder dar cumplimiento a sus objeti-
vos. Apelo a Ia razón, a Ia historia, al interés protegido, al fin del derecho, a
Ia naturaleza del hombre, a la función social y a la justicia, en busca de su re-
vitalización. La aporia fundamental de Ia tópica, que es Ia justicia, se incor-
pora a Ia dogmática, pero con ei compromiso de respetar sus dogmas funda-
mentales, considerados como intocables. La tópica no sustituye a Ia
dogmática, sine que Ia realimenta, le da nuevos conceptos, pero no logra
realizarse plenamente en su interior. Demuestra la problematicidad de Ia
realidad jurídica, pero no se adentra en la misma en busca de los condicio-
nantes y determinantes que Ia conforman, y que deben constituir el objeto de
Ia actividad científica del jurista. (WARAT, 1980: 17-18)
SUMÁRIO
“Todos os pensadores contra-dogmáticos trataram de reprimir uma conside-
ração do recurso dogmático como uma referência poética, uma fantasia que
permita pensar as relações do homem com a lei de direito. Assim, reprimi-
ram um lado romântico do dogmatismo jurídico, ou o banalizaram como ex-
pressão de uma forma de dominação. De diferentes maneiras as tendências
contra-dogmáticas negara a visualizar o caráter performance das fantasias
dogmáticos. Elas também fizeram e fazem marchar o mundo. Uma proposta
feita ao homem para que não abandone totalmente sua proximidade com o
horizonte da paixão e do sentimento. A dogmática como afirmação estética
de uma igualdade e uma lei para que se assegure não retorno à figura de um
grande pai onipotente.” (WARAT, 1997, 143).
SUMÁRIO
Para puxar um pouco este fio, diga-se, não temos ainda boas descrições
sociológicas do trabalho dos juízes e juízas contemporâneos que permitam
avaliar as possibilidades reais de desenvolver na prática um pensamento
dogmático mais complexo que leve em conta a quantidade de ações e o
tempo disponível para gerir os processos, especialmente nas varas de pri-
meiro grau. Tal descrição do trabalho dos Juízes e Juízas, que ainda está para
ser feita, deverá levar em conta uma série de transformações em nosso pro-
cesso judicial, as quais têm procurado uniformizar a jurisprudência dos Tri-
bunais, bem como conferir mais força aos julgados de segundo grau, por
exemplo, proibindo recursos em desacordo com Súmulas e Enunciados.
Também deverá levar em conta as metas de produtividade, hoje, impostas e
juízes e juízas pelo Conselho Nacional de Justiça, que não se preocupam
com a qualidade da prestação jurisdicional, apenas com a quantidade de sen-
tenças proferidas no tempo.
Essas transformações, a conferir, podem vir a transformar as Varas em
instrumentos de gestão de massas de casos, vários deles repetitivos, funcio-
nando como meros elos de uma cadeia de transmissão dos ditames dos juízes
e juízas dos Tribunais superiores, os quais passariam a deter uma espécie de
monopólio de fato e de direito do poder de refletir sobre os casos mais com-
plexos; um monopólio sobre o pensamento jurídico propriamente dito. Afi-
nal, por hipótese, diante de uma grande quantidade de trabalho, os Juízes e
Juízas de primeiro grau serão incentivados a julgar mecanicamente de acor-
do com a jurisprudência dos Tribunais para dar conta, com maior velocidade,
dos inúmeros casos a julgar.
Os Tribunais concentrariam, assim, cada vez mais poder em suas mãos,
um poder não sujeito a mecanismos de controle eficazes, posto que as deci-
sões dos tribunais superiores, normalmente, não estão sujeitas a recurso
algum e não há clareza nem controle público do procedimento de criação de
Enunciados e Súmulas. E se lembrarmos que, em casos difíceis, o espaço
para a interpretação é sempre mais alargado, e que a composição e atuação
dos Tribunais superiores têm maior carga política, fica mais nítido ainda o
quadro de expropriação da possibilidade de realizar uma reflexão jurídica
mais complexa da segunda instância em relação à primeira, a despeito da
necessidade real de padronizar o entendimento do Judiciário, especialmente
em casos repetitivos.
A partir de análises com estas características, seria possível construir
alternativas para o pensamento jurídico que levassem em conta a realidade
do trabalho dos Juízes e Juízas, a partir das quais seria possível compreender
e criticar a tão comentada falta de reflexão e de crítica em boa parte do ma-
terial doutrinário produzido contemporaneamente, o qual, muitas vezes, pa-
rece se limitar a compilar a opinião dos vários estudiosos sobre aquele tema
e a organizar a jurisprudência dos tribunais superiores, sem desenvolver
SUMÁRIO
análises mais elaboradas, por exemplo, com a incorporação de elementos
de outras disciplinas.
Ao invés de se engajar em agendas deste jaez, o trabalho teórico e so-
ciológico em Direito parece estar se desenvolvendo de costas para a dog-
mática, limitando-se a marcar sua diferença em relação a este campo por in-
termédio de fórmulas banalizadas da crítica à dogmática jurídica. Não cabe
aqui, desenvolver uma análise mais extensa da pesquisa nestes campos do
saber, marcada por uma complexidade compatível com o tamanho do Brasil
e com a expansão de nosso sistema de pós-graduação em Direito.
Mas, se qualquer forma, meu trabalho pessoal, “Como decidem as Cor-
tes? Para uma crítica ao Direito (brasileiro)” (RODRIGUEZ, 2013), sugere
que a pesquisa em teoria do direito tem vivido uma fase excessivamente fi-
losofante, buscando construir modelos de racionalidade jurídica “corretos”,
“verdadeiros” a partir de sistemas jurídicos estranhos ao brasileiro, os quais
servem de padrão para diagnosticar a suposta miséria de nossas instituições,
sem levar em conta a realidade de seu funcionamento e sua racionalidade
específica. Além disso, no “Manual de Sociologia Jurídica” que ajudei a or-
ganizar (RODRIGUEZ & GONÇALVES, 2017), estão reunidos textos de
uma boa quantidade de pesquisadores e pesquisadoras deste campo, com re-
presentação minoritária, quase que insignificante, de trabalhos que dialo-
guem com a dogmática jurídica.
De outro lado, como já mencionamos acima, soa razoável afirmar que
a dogmática jurídica, em linhas gerais, permanece excessivamente forma-
lista e alienada em relação às mudanças sociais, deixando de incorporar em
suas construções categoriais reflexões a respeito das transformações sociais,
especialmente se levarmos em conta as publicações direcionadas aos con-
cursos públicos, que dominam o mercado editorial e o ensino jurídico con-
temporâneo. Posso citar como exemplo a dificuldade do direito comercial
em tematizar e compreender o caráter colaborativo e sistêmico das redes co-
merciais, as quais dominam os mais diversos campos da atividade econô-
mica, como o comércio varejista, dominado por redes de franchising; tema
desenvolvido por Arnaldo Rizzardo Filho em seu trabalho de mestrado, sob
minha orientação.
É importante, para encerrar esta reflexão, que este estado de coisas não
se deve à uma suposta falha acadêmica, destes dois campos do saber jurídi-
co, em colaborar e produzir alternativas operacionais e reflexivas para o
pensamento jurídico no Brasil. Afinal, tal estado de coisas ajuda a reproduzir
e perpetuar uma certa maneira de fazer dogmática e crítica à dogmática, a
qual implica em uma certa divisão de poder entre representantes dos dois
campos, além de sua relevância no campo do Direito em geral.
De um lado, para um crítico da dogmática jurídica, nos termos descritos
neste texto, quanto mais este campo permanecer afastado de uma reflexão
SUMÁRIO
sobre a realidade, e sobre as transformações da função do Direito no mundo
contemporâneo, melhor para quem pratica a crítica. Quanto pior for o de-
sempenho da dogmática, mais urgente e necessário parecerá criticá-la, cir-
cunstância esta que ajuda a ampliar a audiência e o alcance de uma atividade
intelectual deste tipo e a justificar a adoção de modelos de regulação que
deixem de lado a arena estatal e os tribunais. Em uma palavra, de um ponto
de vista estritamente pragmático, que leve em conta apenas o impacto da
crítica à dogmática jurídica no mundo do Direito e na esfera pública em
geral, quanto pior for o seu desempenho, melhor para a crítica.
De outro lado, do ponto de vista de quem pratica dogmática jurídica,
qualquer espécie de controle racional e de reflexão organizada sobre a maneira
de interpretar e aplicar o direito consistirá em um entrave significativo para a
emissão de opiniões jurídicas individuais. Quanto mais organizada, racional,
sistemática e reflexiva for a dogmática jurídica, menos poder individual terá
o intérprete, seja ele juiz, advogado, promotor ou professor, posto diante do
caso concreto, de construir os seus raciocínios com ampla liberdade subjetiva.
Em uma palavra, quanto melhor for o desempenho da dogmática jurídica,
menos arbítrio terá o profissional do Direito de emitir a sua opinião sobre a
solução dos diversos problemas jurídicos em debate na sociedade.
O desenvolvimento de uma reflexão doutrinária que se propusesse a
criticar e controlar a racionalidade das decisões tomadas pelas instâncias de
poder seria um mecanismo importante para incrementar a racionalidade do
direito, tanto por mostrar seus pontos cegos, quanto por propor modelos de-
cisórios capazes de oferecer boas justificações para os profissionais o Di-
reito; justificações estas que poderiam incorporar raciocínios interdiscipli-
nares e com pretensões sistemáticas, ajudando a conferir velocidade e
qualidade para a prestação jurisdicional.
Mas, para que uma doutrina com tais feições surgisse, seria necessária
uma diferenciação mais marcada entre professores de direito e operadores
do sistema jurídico. Afinal, a doutrina produzida por advogados, juízes e
promotores, salvo exceções, tende a enviesar os raciocínios em favor da po-
sição que eles ocupam no campo do Direito. Por exemplo, em direito penal,
direito tributário e direito do trabalho, é relativamente fácil identificar a dou-
trina escrita por um advogado ou advogada, por um juiz ou juíza, por uma
promotora ou promotor, por um ou uma profissional que trabalhe para o
Fisco ou não. Raramente encontramos trabalhos que procurem explorar di-
versas possibilidade de decisão, levando em contas as eventuais repercus-
sões econômicas, sociais e políticas desta ou daquela alternativa.
Como é possível perceber, mesmo a partir desta análise preliminar do
problema, a transformação da crítica à dogmática jurídica e do modo de se
fazer dogmática jurídica implicarão, necessariamente, na perda de boa parte
do poder simbólico e econômico dos atuais protagonistas destes dois campos,
SUMÁRIO
tendo em vista os incentivos existentes para que tudo permaneça exatamente
como está.
Nesse sentido, o debate sobre este problema não pode ser apresentado
e/ou praticado como uma empreitada estritamente teórica e acadêmica.
Transformar o direito não é um problema exclusivamente de transformação
epistemológica. Esta tarefa exige, também, uma análise e uma transforma-
ção política dos mecanismos de reprodução de poder no campo do Direito,
especialmente o controle sobre as Universidades, Escolas de Magistratura,
Ministério Público e Advocacia; sobre as associações acadêmicas, profis-
sionais e os seus Congressos e Simpósios, ainda, sobre os modelos de re-
crutamento, formação e aperfeiçoamento profissional de professores e de
outros profissionais do Direito, além dos modelos de organização da Justiça,
especialmente dos Tribunais.
Ademais, é crucial levar em conta, também, a atual ampliação do im-
pacto do Direito sobre a esfera pública não especializada. Afinal, nos últi-
mos anos, o debate sobre o caráter personalista e opinativo de nosso Direito,
e de nossa crítica ao Direito, diga-se, tem deixado as esferas especializadas,
nas quais ele tradicionalmente se desenvolvia, para ganhar a arena central
do debate sobre os principais problemas nacionais, muito em razão do sur-
gimento de casos judiciais de ampla repercussão, como o processo do Men-
salão e todos os embates jurídicos relacionados à Operação Lava-Jato.
É possível que a exposição de nosso Direito, aos olhos da opinião pú-
blica em geral, ajude a construir e impulsionar uma crítica mais radical ao
seu modelo de racionalidade, e motive a adoção de reformas institucionais
que transformem nosso Judiciário, com consequências sobre a dogmática ju-
rídica e sobre o nosso modo de estudar e criticar o Direito. Mas trata-se ape-
nas de uma possibilidade, de um fator, entre tantos outros, que ajudam a de-
terminar o nosso modo de pensar, reproduzir e criticar o Direito brasileiro.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
WARAT, Luis Alberto. “Saber crítico e senso comum teórico dos juristas”,
Revista Sequência, v.3, n, 5, pp.48-57, 1982.
SUMÁRIO
GP 1 – TEORIA CRÍTICA, TEORIA
DOS SISTEMAS E DIREITO
Coordenação: José Rodrigo Rodriguez,
Fernando Rister de Sousa Lima e Guilherme de
Azevedo.
SUMÁRIO
FRANZ NEUMANN POR RODRIGUEZ E
SCHEUERMAN: A PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO
Cássia Juliana Morsch*
INTRODUÇÃO
Não é de hoje que a relação entre direito e política é alvo de teóricos das
mais diversas áreas do saber, como a sociologia, filosofia, teoria do direito,
etc. Franz Neumann, já havia identificado, nas décadas de 30 ou 40, entre
outros problemas, a privatização do direito, decorrente da autorregulação.
Para Neumann grande parte dos problemas sociais e políticos contemporâneos
SUMÁRIO
se deram a partir de mudanças econômicas – do capitalismo clássico ou con-
corrente, para o capitalismo monopolista, subvertido pelo império nazista.
A partir deste, e de outros insights de Franz Neumann, os autores José
Rodrigo Rodriguez e William E. Scheuerman desenvolvem textos dando
continuidade à teoria crítica de Neumann. Assim, o estudo destacará a teoria
neumanniana a partir da visão de cada autor.
A primeira parte do presente trabalho, “Franz Neumann por William
E. Scheuerman”, trata-se do desenvolvimento das percepções de Neumann,
capturados por Scheuerman em seu texto, Franz Neumann: Legal Theorist
of Globalization? O autor baseia-se fundamentalmente nos relatos de Neu-
mann no livro Behemoth: The Structure and Practice of National Socialism
(1944).
Já, a segunda parte deste ensaio, “Franz Neumann por José Rodrigo
Rodriguez”, também, refere-se ao desenvolvimento das ideias de Neumann,
apreendidas por Rodriguez em seu livro, Fuga do Direito: um estudo sobre
o direito contemporâneo a partir de Franz Neumann, do qual será objeto de
análise, apenas a parte final (dado o limite do debate, aqui, proposto). Ro-
driguez, por sua vez, fundamenta seu texto, especialmente, em outro livro
de Neumann, O império do direito (1936).
Ao final, “Franz Neumann por Rodriguez e Scheuerman”, conclusiva-
mente, é feito cotejo dos textos referidos. De um lado, Scheuerman aborda
a tese de Neumann, com ênfase maior no contexto econômico do capitalis-
mo e a globalização. Por outro lado, Rodriguez aborda as ideias de Neumann
de uma maneira mais ampliada – direito e sociedade. Contudo, ainda que,
talvez, a partir de diferentes campos de visão, ambos os textos apresentam
pontos afins, que perpassam pela teoria neumanniana, revisitando-a no in-
tuito de buscar explicações e, até mesmo, soluções para a privatização do
direito no contexto da sociedade pós-moderna.
SUMÁRIO
Rodriguez nos indica que a autorregulação “ameaça a racionalidade do
direito, ou seja, a manutenção da forma direito como padrão de sociabilidade”5.
O que, “trocando em miúdos”, Scheuerman diz: que “Neumann já havia sus-
tentado que a relação entre capitalismo e direito poderia ser complicada por
um conflito entre interesses em negócios privilegiados, e interesses em alcançar
formas estritas, claras, públicas, prospectivas e genéricas de direito”.6
De acordo com Scheuerman, Neumann já havia identificado que, com
as mudanças no contexto contemporâneo, as atividades econômicas tendiam
a reduzir a dependência tradicional do capital em relação às modalidades
formais de direito e raciocínio jurídico. Ou seja, a “afinidade eletiva” entre
capitalismo e direito formal já não era mais obtida no contexto do capitalis-
mo contemporâneo. 7
Neste caso, o direito contratual citado por Rodriguez, é perfeito exem-
plo da ausência da “afinidade eletiva”, pois que o Poder Judiciário é um “fe-
nômeno marginal ou mesmo irrelevante” para fazer valer um contrato.8 O
que, outrossim, é confirmado por Scheuerman quando diz que estamos nos
tornando cada vez mais sensíveis ante a necessidade de dinamismo na área
dos contratos e o ceticismo em relação às formas tradicionais de regulação.
Os contornos maleáveis do direito contratual são principalmente definidos
pela prática empresarial, e não pelas estruturas teóricas dos juristas, muitas
vezes influenciadas por noções jurídicas anacrônicas e formalistas.9
Partindo do conceito forma direito de Rodriguez, inspirado no império
do direito de Neumann, podemos afirmar que, não apenas em relação ao di-
reito dos contratos, esta estrutura está ameaçada (se é que ainda existe), pois
que a forma direito é justamente a capacidade do estado de manter o mono-
pólio de dizer o direito e, ao mesmo tempo, de conformar as reivindicações
da sociedade, mantendo um equilíbrio social.
No mesmo sentido, este equilíbrio, é o que justamente, Scheuerman,
também, parece propor, ainda que implicitamente, ao final de seu texto:
Em seu texto, Scheuerman diz que Neumann não havia fornecido estas
respostas, mas sugere que a teoria jurídica neumanniana pode fornecer-nos
o ponto de partida.
E, é, justamente, esta lacuna retórica deixada por Scheuerman – sem
embargo dos vários outros pontos de convergência entre os textos acima –
SUMÁRIO
que nos permite concluir que o texto de Rodriguez faz perfeito preenchi-
mento, ao apontar possíveis respostas ao texto de Scheuerman, da mesma
forma que este último, baseado nos insights de Neumann.
Então, aparentemente seguindo a sugestão de Scheuerman, Rodriguez
toma como “ponto de partida” a ênfase de Neumann sobre o controle social
sobre a propriedade privada dos meios de produção e sua relação com a
emancipação humana, que permite que pensemos sobre as possibilidades e
os limites da forma direito no controle e na conformação do poder.11
A partir disso, dá continuidade à teoria de Neumann, de forma crítica,
com base nas relações sociais contemporâneas, onde o direito estatal não
mais atinge grande parte das relações de poder econômicas, sociais e polí-
ticas, tornando-se imprescindível pensarmos formas de regulação adequa-
das, a fim de evitar a privatização do direito, sobretudo.
Scheuerman corrobora, alertando-nos que uma implicação imediata à
análise de Neumann fornece orientação útil ao nosso contexto – uma das
grandes questões políticas de nosso tempo, provavelmente, se refira à pos-
sibilidade de submeter as tendências antiformais do direito econômico in-
ternacional a propósitos democráticos e sociais. E, ainda, astutamente,
Scheuerman enfatiza que esta é uma questão-chave enfrentada no debate
atual sobre as perspectivas da democracia transnacional. 12
Rodriguez argumenta ainda, que, de acordo com Neumann, o direito
não é mero instrumento, pelo contrário, “o direito quando em funcionamen-
to, conforma seu objeto, estabelecendo certo padrão de sociabilidade.”13
Por isso, devemos preservar o direito estatal (heterorregulação) na exata
medida em que este deve conformar seu objeto, pois
Ou seja, Rodriguez explica que não se trata de substituir a ação dos mo-
vimentos sociais e seus projetos de juridificação pela crítica. Trata-se de
pensar formas alternativas para modificação das instituições existentes para
propor projetos emancipatórios, a partir do movimento interno da forma di-
reito que se dará de acordo com os embates entre projetos de juridificação,
e não em abstrato, pois que o direito e a sociedade não são inertes.19
SUMÁRIO
de reforma institucional. Até que se realize a utopia institucional de que fala-
mos há pouco, a pauta da teoria crítica do direito estará sempre aberta.28
SUMÁRIO
NOTAS
3
Ibid. p. 506-507.
ment of his productive forces...rational law, after all, serves also to protect the
weak. The monopolista can dispense with the help of the courts since his power
to command is a satisfactory substitute.” In: Behemoth, p. 446-447. Apud
SCHEUERMAN. William E. Franz Neumann: Legal Theorist of Globaliza-
tion? Constellations Volume 8, nº 4, 2001. p. 508. Disponível em:<http://online-
library.wiley.com/doi/10.1111/1467-8675.00255/full> Acesso em: 07/08/2017.
“(...) Neumann was justified in holding that the relationship between capi-
talismo and law was likely to be complicated by a limited interest among privile-
6
ged business interests in achieving strict, clear, public, and prospective forms of
general law.” In: SCHEUERMAN. Op. cit. p. 503.
7
Ibid. p. 503.
SUMÁRIO
“how can we preserve that dynamism whilw simultaneously guaranteeing
a reasonable measure of rule of law virtues? Must we choose between the rule of
10
law and a system of production driven incessantly to accelerate the pace of eco-
nomic life? Or might it be possible to preserve what is worth-while about the dy-
namism os contemporary economic life – and achieve both greater social justice
and the rule of law?” In: SCHEUERMAN. Op. cit. p. 517.
em:<http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1467-8675.00255/full> Acesso
em: 07/08/2017.
13
RODRIGUEZ. Op. cit. p. 176.
em:<http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1467-8675.00255/full> Acesso
em: 07/08/2017.
16
Ibid. p. 517.
17
RODRIGUEZ. Op. cit. p. 179.
18
Ibid. p. 179-180.
20
Ibid. p. 180.
21
Ibid. p. 175.
22
Ibid. p. 180.
23
Ibid. p. 174.
SUMÁRIO
24
Ibid. p. 183.
184.
26
Ibid. p. 186.
27
Ibid. p. 190.
28
Ibid. p. 190-191.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
A CORRUPÇÃO SISTÊMICA NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO AO TRATAMENTO DOS
PROBLEMAS NO ÂMBITO TRANSCONSTITUCIONAL
José Francisco Dias da Costa Lyra1
Péricles Stehmann Nunes2
INTRODUÇÃO
A concepção sistêmica da positividade do direito é inseparável do modelo
de evolução social como ampliação da complexidade que conduz à diferen-
ciação funcional. De acordo com o modelo sistêmico de Niklas Luhmann,
a evolução surge com a transfiguração do improvável em provável. Essa
transformação evolutiva ocorre, portanto, quando aquilo que é divergente
passa a integrar a estrutura sistêmica. Nesse contexto, discute-se a variação
evolutiva, no que tange a esfera jurídica, que diz respeito aos elementos
apresentados como comunicações (elementos) e expectativas (estruturas).
Assim, a pesquisa tem o objetivo de compreender se há possibilidades de
remédios contra as patologias da contemporaneidade, em especial, a corrupção
SUMÁRIO
sistêmica que abala os sistemas sociais da sociedade global. Para esse questio-
namento, tenta-se compreender a teoria sistêmica de Luhmann, a partir das
análises da evolução do Estado Democrático de Direito, partindo da diferen-
ciação entre direito e poder político.
Busca-se entender os problemas que se referem ao conceito de acopla-
mento estrutural, segundo cada qual unidade utilizada pelos sistemas está
constituída dentro do mesmo sistema, e quando há um abalo sistêmico, se
constitui a corrupção dos sistemas envolvidos. Como exemplo a corrupção
política do direito, naqueles casos em que, o poder, por força da pressão ilí-
cita, é capaz de obter decisões judiciais, policias ou do Ministério Público
juridicamente inconsistentes, sem que o direito tenha condições de reagir
com seus próprios mecanismos.
Assim, para alcançar o objetivo central acima exposto, essa pesquisa
se propõe a analisar o abalo moral provocado pela corrupção sistêmica, e
visa achar um método para solucionar esse problema da sociedade mundial
contemporânea, encontrando as respostas na teoria transconstitucional de
Marcelo Neves, que propõem respostas complexamente adequadas para os
problemas que emergem fragmentariamente no contexto da sociedade mun-
dial, sendo a alternativa mais promissora para a fortificação normativa.
SUMÁRIO
jurídica do problema de auto referência do sistema político e, também ao
contrário, uma solução política do problema de auto referência do sistema
jurídico.
A autonomia operacional de ambos é condição e resultado da própria
existência desse acoplamento. No modelo da teoria dos sistemas, a Consti-
tuição, mesmo que seja acoplamento estrutural entre política e direito, é con-
cebida por cada um dos “sistemas como mecanismo interno de sua auto re-
produção” (NEVES, 2012, p. 99), possibilitando assim, o reingresso da
diferença entre o jurídico e político nos respectivos sistemas.
Se tratando da forma normativa de expectativas, pressupõe o acopla-
mento de sistemas de consciência e comunicação. Dispõe também, “na
forma do direito, de estruturas de captação que impedem que essa constante
frustração conduza à anulação das estruturas” (LUHMANN, 2016, p.595).
Assim, a conformação do direito é uma função do sistema da sociedade, ex-
posta a um problema que resulta do acoplamento estrutural desse sistema
com seu ambiente.
No âmbito do Estado de Direito e em consonância com a teoria sistê-
mica de acoplamento estrutural, a Constituição reingressa no interior do sis-
tema político como mecanismo que conforme Neves “viabiliza a inserção
do código ‘lícito/ilícito’ como segundo código da política” (2012, p. 101).
A diminuição da capacidade regulatória do Estado com o surgimento
de novos problemas globalizados relaciona-se, paradoxalmente, com o “in-
cremento das tarefas que se apresentam ao Estado em face dos novos desa-
fios da sociedade mundial” (NEVES, 2009, p. 34). Nesse sentido, se leva
em conta que o Estado é o foco fundamental da reprodução da nova ordem
normativa mundial, contudo, não se desconhece a emergência de novos ato-
res, sistemas, regimes ou redes globais com pretensão de tomar decisões co-
letivas envolvendo a produção de normas jurídicas.
Porém, seguindo o modelo de Slaugther, também “se me afigura pro-
blemática a ideia de fronteiras nítidas entre redes governamentais e redes
privadas ou quase públicas de atores globais” (NEVES, 2009, p. 34). Antes,
o que tem se verificado é um entrelaçamento de ordens estatais, internacio-
nais, supranacionais, transnacionais e locais no que concerne de um sistema
jurídico mundial de níveis múltiplos, a partir do qual se desenvolve a teoria
transconstitucional da sociedade mundial.
3 DO ACOpLAMENTO ESTRUTURAL À
RACIONALIDADE TRANSVERSAL
A sociedade moderna multicêntrica, constituída de uma pluralidade de esfe-
ras de comunicação com anseio de autonomia e conflitantes entre si, desen-
volve mecanismos que possibilitam vínculos construtivos de aprendizado e
SUMÁRIO
influência recíproca entre os diversos sistemas sociais, caso contrário, estaria
condenada à própria autodestruição. Assim, é imprescindível que possua vín-
culos estruturais que propiciem as interinfluências entre diversos âmbitos
autônomos de comunicação.
E é isso que possibilita a estruturação de uma racionalidade transversal
entre esferas autônomas de comunicação da sociedade mundial. No sentido
de Teubner se trata apenas de “interferências operativas” (1993, p. 179),
porém, Neves explica que antes de “mecanismos estruturais que possibili-
tam o intercâmbio construtivo de experiências entre racionalidades parciais
diversas, que conforme o tipo e a singularidade dos respectivos sistemas ou
discursos” (2009, p. 38), e de acordo suas especificas relações, variará na
forma e no conteúdo. Portanto, no sentido ora empregado, os conceitos de
racionalidade transversal e acoplamento estrutural são análogos, “pois a
afirmação da primeira supõe a existência do segundo. No entanto, a noção
de racionalidade transversal importa um plus em relação à de acoplamento
estrutural” (NEVES, 2009, p. 38).
Portanto, racionalidades transversais parciais podem servir à relação
construtiva entre as “racionalidades particulares dos sistemas ou jogos de
linguagem que se encontram em conforto” (NEVES, 2009, p. 42). Cada ra-
cionalidade transversal parcial está vinculada em termos estruturais às ra-
cionalidades particulares, para atuar como uma “ponte de transição” espe-
cífica entre elas. A racionalidade transversal, assim como o acoplamento
estrutural apresentam uma forma de dois lados, sendo que, o lado negativo
do acoplamento estrutural são os bloqueios recíprocos das autonomias sis-
têmicas mediante corrupção dos sistemas envolvidos. Assim, o código de
um dos sistemas é sabotado pelo código de um outro sistema, em que aquele
perde sua eficácia de reprodução concisa.
Há inumeráveis fenômenos de corrupção sistêmica, como face negativa
dos acoplamentos estruturais, e isso se tornou um grande problema moral da
sociedade mundial contemporânea. Em síntese, Neves explica que a autono-
mia dos sistemas funcionais, “assegurada mediante codificações binárias
próprias, exclui uma metarregulação por um supercódigo moral, e a moral
mesma aceita e, inclusive, re-moraliza essa condição” (2009, p. 43). Desta
forma, sabotagens de código tornam-se o problema da moral, por exemplo,
“a corrupção na política e no direito, o doping no esporte, a compra de amor
ou a fraude de dados na pesquisa empírica” (LUHMANN, 2007, p. 826).
Assim sendo, ”mesmo que descartado o supercódigo, afastada a inte-
gração moral da sociedade e, portanto, afirmada a forma policontextural de
auto-observação da sociedade, a moral, ao concentrar a sua atenção nas pa-
tologias” (LUHMANN, 2007, p. 826), atua difusamente no contexto dos
sistemas sociais mediante um código binário que “contribui para assegurar-
lhes a autonomia, na medida em que alerta e ‘denuncia’ a sabotagem dos
SUMÁRIO
respectivos códigos e as correspondentes corrupções sistêmicas” (NEVES,
2009, p. 44).
Considerando a racionalidade transversal, cabe analisar que seu lado
negativo não se esgota na corrupção sistêmica. Essa se refere à “quebra de
capacidade de reprodução consistente (autorreferência) por força de blo-
queios externos, minando a função seletiva dos acoplamentos estruturais”
(NEVES, 2009, p. 45). No nível dos entrelaçamentos que servem às racio-
nalidades transversais como “pontes de transição” entre áreas heterogêneas,
o lado negativo encontra-se especificamente no “autismo e na expansão de
um âmbito de racionalidade sem reconhecimento do outro” (NEVES, 2009,
p. 45). A alteridade é negada, tendo em vista que uma esfera da racionalidade
perde a percepção de aprendizado em relação a outra.
Assim como a corrupção sistêmica, que se configura como lado nega-
tivo dos acoplamentos estruturais, no qual, constitui problema moral5 da so-
ciedade contemporânea, a otimização e a expansão imperial de uma racio-
nalidade, lado negativo das racionalidades transversais, podem levar a
indagações morais. No problema associado ao perigo da otimização, leva a
uma dinâmica orientada excessivamente na especialização a uma inércia em
relação às outras formas de racionalidades presente na sociedade complexa.
O remédio contra a otimização, seria a construção de entrelaçamentos entre
os sistemas.
Cumpre observar que, os acoplamentos estruturais e as racionalidades
transversais variam consideravelmente em suas características, proporções
e significados, conforme o tipo dos sistemas envolvidos. Mas a existência
de um acoplamento estrutural, mesmo que seja condição necessária, não é
condição suficiente para que esteja presente a racionalidade transversal. Os
acoplamentos estruturais “servem antes para a garantia das autonomias re-
cíprocas mediante a seletividade das influências, relacionando complexi-
dades desordenadas na observação recíproca (interpenetração estável e con-
centrada) ” (NEVES, 2009, p. 49).
Os entrelaçamentos promotores da racionalidade transversal, servem
sobretudo ao “intercâmbio e aprendizado recíprocos entre experiências com
racionalidades diversas, importando a partilha mútua de complexidade
preordenada pelos sistemas envolvidos” (NEVES, 2009, p. 49) e, portanto,
compreensível para o receptor (no plano das estruturas). Por fim, na teoria
sistêmica de Luhmann, o “acoplamento estrutural é apresentado bilateral-
mente como um mecanismo entre dois sistemas autônomos” (NEVES, 2009,
p. 50). A respeito da racionalidade transversal, Neves sugere que “elas im-
plicam, em certos casos, o entrelaçamento de mais de dois sistemas” (2009,
p. 50), importa, então, um grau de aprendizado e intercâmbio construtivo
entre os sistemas. As compreensões desses pressupostos teóricos se fazem
necessários para a argumentação a partir análise de Constituição transversal
SUMÁRIO
e transconstitucionalismo, que supõe não só acoplamentos estruturais, mas
também entrelaçamentos como pontes de transição, assim se fazem modelos
teóricos que embatem as patologias da corrupção sistêmica.
CONCLUSÃO
Conclui-se a pesquisa com o entendimento de que cada vez mais, problemas
como corrupção sistêmica abalam os sistemas das sociedades, desestrutu-
rando a moral implícita no cerne dos ordenamentos e pessoas. Assim, como
oferecimento de respostas de solução, implica uma relação transversal entre
ordens jurídicas em torno dos mesmos problemas globalizados.
O direito constitucional tendo sua base originária no Estado, dele se
emancipa, tendo em vista que outras ordens jurídicas estão envolvidas dire-
tamente na solução dos problemas constitucionais básicos. Com o mundo glo-
balizado, a “conversação” entre ordens jurídicas é indispensável, e em razão
disso, que Marcelo Neves introduziu o conceito do transconstitucionalismo.
Um problema transconstitucional implica uma questão que poderá en-
volver tribunais estatais, internacionais, supranacionais e transnacionais (ar-
bitrais), assim como instituições jurídicas locais nativas, na busca de sua
solução, gerando um “diálogo” ou “conversação” entre todas para a melhor
resposta frente às adversidades.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 7ª. ed. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2006.
SUMÁRIO
LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade (versão 5.0, 2003). Dis-
ponível em <http://migre.me/jEyfw>. Acesso em 10 jan. 2017.
SUMÁRIO
ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. São Leo-
poldo: Editora UNISINOS, 1998.
SUMÁRIO
ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES DIANTE DAS
IMPLICAÇÕES DO MERCADO GLOBAL NO DIREITO
DO TRABALHO
Lenara Giron da Silva1
Abstract: The constant search for profit by the economic system through
business organizations, as well as the lack of parameters of labor rights
bring problems in society and aggravate the need to reproduce the legal
system. At first, the search for the regulation of labor rights in the Interna-
tional Labor Organization (ILO) arises, however, it finds difficulties to pres-
ent mechanisms that allow the application of its conventions, their accept-
ance and, thus, their reaffirmation. Aiming at providing an answer to
society, the ILO reproduces itself by projecting the right to freedom of
SUMÁRIO
unions and collective bargaining as fundamental principles. Therefore, the
proposed paper targets to answer: how are labor rights regulated in a
global society, in the face of the non-effectiveness of the ILO? On this sub-
ject, it was verified that one of the solutions comes from the structural cou-
pling of the Labor Law System and the Economic System. Union Centers
are constantly working for the world regulation of the social labor rights,
aiming at the respect and the dignity to the worker. The theory of systems
is used as a theoretical contribution to the study in question. The adopted
method was systemic.
1 INTRODUÇÃO
5 CONSIDERAÇõES FINAIS
Em razão da maior comunicação, as possibilidades de comparação em es-
cala mundial fazem parte do cálculo econômico em que as empresas procu-
ram se organizar e criar novas estratégias de organização, buscando o custo
de trabalho mais baixo, isto porquê a baixa de preços para a ocorrência de
competitividade no mercado internacional exige corte de custos, sendo de
mais fácil execução os custos sociais. Não há duvidas que as interdependên-
cias daí decorrentes geram perturbações e crises. Constatou-se que tais cri-
ses e perturbações são de suma importância para a evolução social, visto
que evitam o estancamento do mundo contemporâneo e oportunizam a evo-
lução autopoiética.
O sistema político, por meio da organização do Estado, na sociedade
mundial, passa a apresentar dificuldades visíveis para regulamentar os di-
reitos laborais. Ocorre assim o esvaziamento do que se denomina como
única fonte produtora de normatividade, surgindo o pluralismo jurídico. Por-
tanto, sistema do direito reconhece vias alternativas de regulação jurídica
que não mais se adaptam às formas legislativas e judiciais tradicionais.
Nessa perspectiva, a falta de um protagonista para entender as necessidades
da classe operária sintetiza um caminho aberto ao surgimento e à atuação
das organizações realmente democráticas que assumam o compromisso de
reduzir a complexidade social laboral mundial, mantendo a dignidade do
trabalhador.
A primeira Organização, realmente estruturada, que surgiu a fim de re-
duzir a complexidade dos direitos laborais a nível global foi a Organização
Internacional do Trabalho. Composta por Estados-membros, ela visou man-
ter estabilizadas certas condições em nível internacional, a fim de que as
operações mantivessem duração temporal e, consequentemente, que com-
portamentos de respeito aos direitos humanos dos trabalhadores se tornas-
sem mais previsíveis. Ocorre que a OIT, diante da impossibilidade de apre-
sentar resultados normativos efetivos, se reproduziu, adotando a Declaração
dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho de 1998, que - dentre
outros quatro direitos fundamentais – definiu a proteção ao direito de sindi-
calização e de negociação coletiva, os quais estavam previstos nas Conven-
ções nº 87 e nº 98 da OIT.
Neste contexto, passa a ser necessário o estudo de organizações mais
especializada para buscar o cumprimento da proteção dos direitos laborais
com maior efetividade. E, então, chega-se na ideia de Organizações Sindi-
cais que, inclusive, podem dialogar internacionalmente. Verifica-se - na
SUMÁRIO
atualidade e cada vez mais - a necessidade de sindicatos efetivos e produto-
res de negociações, com o fim de indicar a reorganização da sociedade, no
que concerne aos direitos trabalhistas.
Mediante os acordos macros e as negociações, com a intervenção de
Organizações Sindicais, pois possuem maior poder de comunicação com
as empresas transnacionais, mediante acoplamentos estruturais e, assim,
é possível o acoplamento de interesses econômicos e interesse jurídicos
dos trabalhadores
SUMÁRIO
NOTAS
cesso do Trabalho.
tos locais serão influenciados por ocorrências que estejam ocorrendo a milhares
de quilômetros, e vice-versa. (GIDDENS, 1994, p. 70).
“[...] a redução dos direitos sociais é um atalho que sangra a carne viva e
alma do trabalhador, mas na concepção neoliberal, isso faz parte do jogo impie-
4
“[...] as assimetrias globais revelam que a renda dos 1% mais ricos supera
a renda dos 57% mais pobres na esfera mundial” (PIOVESAN, 2004, p. 3).
6
(ROCHA, 2009).
SUMÁRIO
Luhmann assevera que “Las paradojas se cream cuando las condiciones
de possibilidad de uma operacion son al mismo tempo a las condiciones de su im-
11
No caso das convenções emitidas pela OIT, ainda que o Estado tenha que
ratificar, existem algumas convenções que são impostas aos Estados apenas pelo
12
13
Como por exemplo, empresa transnacionais.
Neste momento cabe uma ressalva aos contratos tácitos e verbais que tam-
bém provocam o acoplamento do sistema jurídico e sistema econômico e, assim,
14
REFERÊNCIAS
ATZ, Ana Paula. A dimensão da informação no contexto dos novos direitos (am-
biental e consumidor) a partir da observação do risco das novas tecnologias.
2011. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Di-
reito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopoldo, 2011.
SUMÁRIO
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cional: a questão da soberania. In: BORBA, Paulo Casella. Mercosul: inte-
gração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
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SUMÁRIO
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ROCHA, Leonel Severo. Uma nova forma para a observação do direito glo-
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SUMÁRIO
Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de (Org.). Anuário do Programa
de Pós Graduaçao em Direito. São Leopoldo: UNISINOS, 2008.
ROCHA, Leonel Severo; LUZ, Cícero Krupp da. A Lex mercatoria e gover-
nança: a policontexturalidade entre direito e Estado. Revista Direitos Cul-
turais, Santo Ângelo, v. 1, n. 2, p. 73-85, jun. 2007.
SUMÁRIO
TEUBNER, Gunther. Regimes privados: direito não-espontâneo e consti-
tuições dualistas na sociedade mundial: pluralismo jurídico na sociedade
pós-moderna. In: TEUBNER, Gunther. Direito, sistema e policontexturali-
dade. Piracicaba: Unimep, 2005.
SUMÁRIO
POR UMA TEORIA CRÍTICA DOS SISTEMAS DO
DIREITO? UM ESTUDO A PARTIR DA FORÇA DE
DIREITO
Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros1
INTRODUÇÃO
Desde do final do século XX um importante problema foi lançado pelos in-
térpretes da Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann. Seria possível
admitir a formulação de um programa de Teoria Crítica dos Sistemas à luz
das bases estabelecidas em “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, por Max
Horkheimer, na década de trinta, capaz de conciliar duas correntes teóricas
de filiações distintas para produzir diagnósticos de época?
Tal problema, de um lado, é compreendido como resultado da amplia-
ção nas últimas décadas das ideias sistêmicas para outros campos das ciên-
cias humanas, sobretudo resultado da interlocução da obra de Luhmann com
outros teóricos e do famoso debate com Habermas.2 Do outro, é também
compreendido como uma crítica ao projeto sistêmico, indicando pretensões
normativas implícitas que comprometem a formulação de uma teoria com-
plexa para a sociedade igualmente complexa.3 4
É nesta última chave que é possível compreender o posicionamento de
autores que sustentam a necessidade do “uso em negativo” do referencial
sistêmico (MINHOTTO; GONÇALVES, 2015), ou ainda “usar Luhmann
contra Luhmann” (DUTRA; BACHUR, 2013). Subjacente aos posiciona-
mentos, prevalece a ideia que o instrumental sistêmico é capaz de superar a
tese da colonização do mundo da vida, que já não seria mais adequada para
oferecer um diagnóstico mais complexo dos obstáculos sociais.
SUMÁRIO
A visão sistêmica ao observar a identidade como diferença – própria
de uma racionalidade paradoxal – e ao preservar a autonomia dos sistemas
possibilitaria rastrear outras tendências de desdiferenciação funcional, bem
como mapear os obstáculos a partir de conceitos mais apropriados – e.g.,
códigos, programas, função, fechamento operativo e acoplamento estrutural
são conceitos que preservam as complicadas relações e operações que estão
subjacentes aos conflitos sociais e ao mesmo tempo conseguem descrevê-
las sem reduções operacionais.
Ademais, se devidamente controlada e esclarecida suas condições
materiais, esta “nova” teoria poderia oferecer um referencial crítico mais
ajustado, capaz de apontar tensões, patologias e formas de emancipação
da sociedade.
Historicamente, duas visões surgiram acerca desta “nova” teoria. Uma
primeira visão é classificada como ortodoxa em relação aos propósitos de-
clarados por Luhmann, como em Rudolf Stichweh e Dirk Baecker, que re-
jeitam a postura crítica na medida em que insistem no caráter acrítico da
obra luhmanniana. Defendem a rogo as posições de Luhmann para quem
sua teoria era dotada de elevada complexidade e de baixa aplicabilidade prá-
tica. Estes autores afirmam que a sociologia sistêmica é apenas uma descri-
ção autológica da sociedade. Não haveria espaço para programas filosóficos
no seu interior.
Em contrapartida consagra-se também uma visão mais heterodoxa. É
possível exemplificar a partir das obras de Gunther Teubner, Karl-Heinz La-
deur, Andreas Fischer-Lescano e Kolja Möller, que vem ganhando mais re-
percussão no Brasil nas últimas décadas. Ao contrário da primeira, esta visão
admite uma aplicação prática da Teoria dos Sistemas, sobretudo ao refletir
sobre o lado não marcado (unmarked space) dos sistemas sociais – e.g., ilí-
cito, não ter, exclusão, perigo entre outros lados negativos dos códigos dos
diferentes sistemas sociais. A reflexão sobre o lado não marcado possibili-
taria observar os bloqueios e tensões que marcam a sociedade mundial.
Foi neste sentido, então, que Rudolf Wiethölter cunhou o termo Teoria
Crítica dos Sistemas para fazer referência aos trabalhos desta literatura he-
terodoxa.5 Inclusive, Fischer-Lescano expressamente defendeu esta visão
como um novo programa. Segundo este autor, “[d]e fato, há uma “teoria crí-
tica dos sistemas”. Essa Teoria Crítica dos Sistemas pode filiar-se com os
trabalhos da primeira geração de teóricos críticos da Teoria Crítica da Escola
de Frankfurt que procura revelar o nexo entre as normatizações sistêmicas
e a subjetividade” (2010, p. 164).
Este texto aborda e discute – de forma exploratória - esta visão hetero-
doxa, em especial a partir da observação do sistema jurídico. Em vista disso,
uma importante questão pode ser formulada: este movimento teórico é uma
ampliação da Teoria dos Sistemas Sociais – preocupada em expandir o seu
SUMÁRIO
escopo teórico –, ou é uma nova etapa da história da Teoria Crítica? Afinal
de contas, como situá-lo na história da Teoria das Ciências Humanas?
Sem a pretensão de esgotar o assunto e diante desta questão, o texto
admite como recorte e mapeia alguns argumentos apresentados por Andreas
Fischer-Lescano ao discutir um modelo crítico do direito na obra Força de
Direito (2017). Ao defender um modelo de Teoria Crítica dos Sistemas do
Direito, Fischer-Lescano pode ser apontado como um importante represen-
tante desta corrente, capaz de conciliar propósitos teóricos diferentes.6 To-
davia, este texto faz algumas ressalvas a esta compreensão e, inclusive, a
ideia de um programa como Teoria Crítica dos Sistemas.
Na sequência, o texto, brevemente, apresenta e diferencia os propósitos
de uma Teoria Crítica do Direito em relação à Teoria dos Sistemas do Direi-
to. Ao compreender as distinções, na próxima parte, discute-se a proposta
de Fischer-Lescano, bem como aponta limites a reconstrução de algumas
ideias habermasianas.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇõES FINAIS
Este texto apontou ressalvas a defesa de um projeto da Teoria Crítica dos
Sistemas ao discutir as distorções da reconstrução teórica de Fischer-Les-
cano à Habermas. O que se observou no final foi que o modelo defendido
em Força de Direito (2017) guarda mais semelhanças com Direito e Demo-
cracia (1992), do que com Direito da Sociedade (2016).
Para além deste ponto, o problema desta visão heterodoxa é que não
respeita, rigorosamente, os limites erigidos pela sociedade e nega alguns
valiosos pontos de partida da Teoria dos Sistemas. No caso de Fischer-Les-
cano, por exemplo, admite-se que isto ocorre em razão de adotar muito mais
as posições de Teubner do que de Luhmann. Teoria dos Sistemas com outros
programas, que estes autores heterodoxos indiquem com clareza quais são
os seus propósitos e os fundamentos para melhor situá-los na história das
Ciências Humanas.
Ainda que seja inegável reconhecer a originalidade, os insights e o es-
forço de do modelo de direito de Fischer-Lescano ao avançar no campo da
Teoria dos Sistemas, argumentou-se que não há espaço para uma Teoria Crí-
tica dos Sistemas do Direito. Vale lembrar que para Luhmann toda e qual-
quer teoria do direito, seja ela crítica ou tradicional, é sempre um produto
da autodescrição do sistema jurídico (e não da ciência).20
SUMÁRIO
NOTAS
coloschiavo@gmail.com
2
Para a reconstituição do debate veja Poul, 2006.
Luhmann, o que revela que “ao pretender ficar no puro registro sociológica
da descrição, o modelo se apresentaria também como norma” (2015, p. 35).
O problema desta teoria residiria, então, no ponto cego acerca das relações
de dominação e de poder, ou de forma geral, dos problemas sociais subja-
centes às operações dos sistemas. Ali onde se observaria o canal privilegiado
de irritações recíprocas entre os sistemas, Luhmann deixaria de observar,
por exemplo, tensões e assimetrias entre as classes sociais, transformações
de pessoas para corpos entre outras patologias que revelam as formas desi-
guais da socialização.
5
Veja em Fischer-Lescano, 2010, p. 164.
6
Veja Elmauer, 2015.
quisa Social como, por exemplo, o papel desempenhado pela economia po-
lítica nas fases iniciais do instituto.
20
Diz Luhmann, “[o] que a tradição
BIBLIOGRAFIA
SUMÁRIO
Globais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
HONNETH, Axel. “Teoria crítica”. In: Giddens, A. (org.) Teoria social hoje.
São Paulo, UNESP,1999.
SUMÁRIO
O PLURALISMO ORDENADO DE DELMAS-MARTY
COMO MEIO DE INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO
INTERNO E O DIREITO INTERNACIONAL: UM DEBATE
A PARTIR DA EXTRADIÇÃO N. 1362/DF.
Vanessa de Oliveira Bernardi Bidinotto1
Tatiana A. F. R. Cardoso Squeff2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo debater, a partir da Extradição n.
1.362/DF proferida recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a
relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno. Demonstrar-se-á a
necessidade de adoção de outros sistemas que consigam contornas os pro-
blemas da sociedade contemporânea, sugerindo-se a adoção do pluralismo
ordenado proposto por Delmas-Marty.
Primeiramente, serão estudadas as relações clássicas entre o Direito
Interno e o Direito Internacional, quais sejam as teorias do Dualismo e do
Monismo. Enquanto a primeira acredita que não há conflito entre as normas,
visto que cada uma regulamentaria uma questão diferente – uma seria res-
ponsável pela relação entre os indivíduos, enquanto a outra legislaria a re-
lação entre Estados -, a segunda teoria defende que ambas pertencem a um
sistema maior.
Após, far-se-á uma análise da decisão proferida pelo STF no pedido de
Extradição n.1.362/DF. Trata-se de um pedido de extradição de um nacional
argentino acusado pela prática de crimes contra a humanidade, o qual foi
negado pelo Tribunal sob a justificativa de que o Brasil não é signatário da
Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes
contra a Humanidade de 1968.
Diante disso, estudar-se-á a proposta de Delmas-Marty, a fim de veri-
ficar se esta poderia ser adotado como forma de solução dos conflitos entre
os ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais. O pluralismo orde-
nado exprime a ideia de um direito flexível, onde seria fornecido um parâ-
metro aos Estados, os quais poderiam completar as lacunas de acordo com
suas particularidades, tornando possível a adoção de uma mesma norma por
SUMÁRIO
países com culturas distintas. Importante destacar que a aproximação prevê
alguns limites que não podem ser ultrapassados, os quais são feitos através
da perspectiva dos Direitos Humanos.
SUMÁRIO
A DECISÃO DO STF SOBRE A pRESCRITIBILIDADE DOS
CRIMES CONTRA A hUMANIDADE – O CASO DA
ExTRADIÇÃO N. 1362/DF.
A Extradição n. 1362/DF trata de um pedido de cooperação jurídica inter-
nacional em matéria penal feito pela Argentina para que o Brasil enviasse
àquele país Salvador Siciliano, um nacional argentino, acusado de participar
de uma organização paramilitar chamada de ‘Triple A’, a qual teria seques-
trado e assassinado dissidentes políticos de esquerda durante o regime mi-
litar argentino, mais especificamente, entre os anos de 1973 e 1975 (BRA-
SIL, 2016, p. 23 e 115). A Argentina fundamentou o seu pedido com base
no Tratado de Extradição que mantém com o Brasil – Decreto n. 62.979 de
1968 – requerendo que o mesmo fosse entregue às autoridades argentinas
para que essa pudesse julgá-lo (BRASIL, 2016, p. 23 e 114).
A discussão central deste pedido extradicional girou em torno da prescri-
ção dos delitos cometidos, haja vista a Argentina tê-los classificado enquanto
crimes contra a humanidade (BRASIL, 2016, p. 19), o que, aos seus olhos, os
tornariam imprescritíveis, afastando a incidência do artigo III do referido Tra-
tado bilateral, o qual, na alínea ‘c’, proíbe a extradição “quando a ação ou a
pena já estiver prescrita, segundo as leis do Estado requerente” (BRASIL,
2016, p. 26) – previsão essa que dialoga com a então vigente Lei de Migração
(Lei Federal n. 13.445/17), vez que continha a mesma prescrição no artigo 82,
inciso VI (BRASIL, 2017) – norma, anteriormente prescrita no artigo 77, IV
do Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal n. 6.815/80, recentemente revogada).
Ocorre que ambas as previsões legais supracitadas igualmente ditam a
necessidade de o crime não estar prescrito no Brasil, não bastando que a im-
prescritibilidade ocorresse apenas na Argentina senão igualmente no terri-
tório nacional. Para a maioria dos Ministros do STF (Teori Zavascki, Luiz
Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello), os cri-
mes imputados à Salvador Siciliano já estariam prescritos consoante a le-
gislação nacional, notadamente, o artigo 109, I do Código Penal (BRASIL,
1940; BRASIL, 2016, p. 26).
Contra a extradição, argumentaram esses ministros que por mais que
os delitos cometidos estivessem previstos no Brasil, independentemente
destes serem classificados como crimes contra a humanidade pela Argentina
ou pelo Direito Internacional em razão de sentenças da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, eles estariam prescritos nos termos da legislação
penal brasileira (BRASIL, 2016, p.76; 125-127). Afinal, por ser considerada
regra de direito material, entenderam esses seis ministros que, em detrimen-
to do Direito Internacional, apenas o direito brasileiro é que poderia deter-
minar a prescrição da pretensão estatal de punir determinado delito, con-
soante o ‘postulado da reserva constitucional de lei em sentido formal’ e a
‘lex praevia’ (BRASIL, 2016, p. 27-30; 53-54; 98-99).
SUMÁRIO
Além disso, entenderam esses Ministros ser esse um caso de crime con-
sumado – possivelmente (haja vista a inexistência de condenação de Salva-
dor Siciliano na Argentina) – e não de crime continuado, tal como se sus-
tentaram em outros pedidos de cooperação em casos semelhantes cujas
ordens extradicionais foram concedidas após o juízo delibatório do STF exa-
tamente pela prescrição ter começado a contar quando da cessação da per-
manência da consumação do delito, nos termos do artigo 111 do Código
Penal (BRASIL, 1940; BRASIL, 2016, p. 50 e 104-106).
Ademais, entenderam que o Brasil, por não ter participado da ‘Conven-
ção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a
Humanidade’ de 1968, não haveria nenhuma normativa específica sobre a
imprescritibilidade, subscrita pelo Estado brasileiro, a qual pudesse vincular
o país à época dos fatos (BRASIL, 2016, p. 31; 52; 97-98). Outrossim, sus-
tentam que essa imprescritibilidade não teria opino iuris suficiente no plano
internacional para vincular o país de outra forma, afastando a hipótese de jus
cogens nesse ínterim em razão da inexistência de aceitação geral (BRASIL,
2016, p. 25 e 55), como requer a Convenção de Viena do Direito dos Tratados
de 1969 (BRASIL, 2009, art. 53; BRASIL, 2016, p. 123).
Nesse mesmo sentido, excluíram a aplicação das regras de imprescri-
tibilidade dos crimes internacionais (tal como é o Crime Contra a Humani-
dade) previstas no artigo 29 do Estatuto de Roma de 1998, que cria o Tribu-
nal Penal Internacional, posto que esse só entrou em vigor em 2002 para o
Estado brasileiro, não gerando efeitos retroativos (BRASIL, 2016, p. 25, 51
e 101), em alusão ao que prescreve o artigo 29 da Convenção de Viena do
Direito dos Tratados de 1969 (BRASIL, 2009; BRASIL, 2016, p. 56) – o
que, inclusive, seria o fundamento para não se falar em violação do artigo
27 desta mesma Convenção (BRASIL, 2016, p. 32).
Apesar disso, a conclusão distanciar-se-ia do Direito Internacional
mesmo nessa situação, vez que, para esses Ministros, em especial para o
Min. Luiz Fux, o qual asseverou que “as normas da Constituição da Repú-
blica não podem ser afastadas por meio ou a título de adesão a tratados, con-
venções ou decisões de Cortes Internacionais que cuidam dos direitos hu-
manos” (BRASIL, 2016, p. 57) – frase essa que denota a necessidade de ir
além do mero monismo ou dualismo, posto que essas teses não se mostram
suficientes para fundamentar as situações que a pós-modernidade apresenta
à sociedade hodiernamente sem que hajam discricionariedades e solipsis-
mos, tal como se vislumbra nessa passagem, por afastar a própria jurispru-
dência do Supremo, que tanto tentou-se sustentar ao longo do Acórdão da
Extradição em apreço por esses mesmos Ministros (cf. BRASIL, 2016, p,
118-121).
O Min. Celso de Mello, em caminho semelhante, rememorou o “gra-
víssimo dever [constitucional] de sempre conferir prevalência aos direitos
SUMÁRIO
humanos”, porém, expressou que essa prevalência restaria assegurada quan-
do do indeferimento do pleito extradicional, haja vista “a possibilidade de
ocorrer a privação, em juízo penal [argentino], do due process of law, nos
múltiplos contornos em que se desenvolve esse princípio”, não realizando
qualquer debate acerca do Artigo 4, inciso II, da Constituição em relação da
natureza do crime cometido por Salvador Siciliano e das obrigações gerais
existentes no plano internacional para todas as nações, no mínimo desde
Nuremberg, de evitar-se que os crimes lesa-humanidade restem impunes,
haja vista a contínua criação de tribunais internacionais desde então para
punir os responsáveis tal como rememorado pelo próprio preâmbulo do Tri-
bunal Penal Internacional (BRASIL, 2016, p, 102; BRASIL, 1988; BRA-
SIL, 2002, preâmbulo – 4ª linha).
Divergiram desse posicionamento cinco ministros, quais sejam, Edson
Fachin Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Cármen
Lúcia, para os quais a prescrição de 20 anos prevista na legislação penal bra-
sileira não seria aplicável ao caso, haja vista a natureza cogente do crime con-
tra a humanidade cometido pelo cidadão argentino durante o regime de Juan
Domingo Perón (BRASIL, 2016, p. 126). Esse posicionamento foi claramente
assinalado no voto do Min. Edson Fachin, relator do caso, e veementemente
corroborado pelo Min. Luis Roberto Barroso ao longo do julgamento.
A ideia central desse contra-argumento é no sentido de confirmar a
proibição dos crimes de lesa-humanidade enquanto uma regra de jus cogens,
a qual não só é imperativa, mas igualmente inderrogável, haja vista ser ela
uma ‘norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Esta-
dos como um todo’ (BRASIL, 1969, art. 53; BRASIL, 2016, p. 17 e 123).
Logo, haja vista a natureza declaratória dessa regra, cujo aceite estatal não
se faz necessário justamente por não se tratar de tratado ou costume (BRA-
SIL, 2016, p. 6; 9 e 38), “não seria possível aplicar a lei brasileira relacio-
nada à prescrição pelo fato de o Direito Internacional dos Direitos Humanos
[...] considera[r] imprescritível essa questão” (BRASIL, 2016, p. 5).
Noutros termos, a ideia defendida pela minoria do Supremo era de que
mesmo não estando materializada em um tratado vinculante ao Brasil, a im-
prescritibilidade dos crimes contra a humanidade já existiria no ordenamen-
to jurídico internacional desde, no mínimo, o final da Segunda Guerra Mun-
dial (BRASIL, 2016, p. 65-66 e 69-70), de modo que ela paralisa a eficácia
de regras de direito interno (e de direito internacional!) que com ela colidam
(BRASIL, 2016, p. 10 e 38-39), exatamente pela sua natureza cogente e im-
perativa, a qual não admite exceções ou objeções (BRASIL, 1969, art. 64;
SQUEFF, 2016). Assim sendo, “eventual regra de prescrição em território
brasileiro não poderia submeter a Argentina à uma regra brasileira, em fun-
ção precisamente da regra de Direito Internacional” (BRASIL, 2016, p. 13),
de modo que a extradição deveria ter sido deferida.
SUMÁRIO
Ao não realizar-se, por conseguinte, a extradição, tecendo que não ha-
veria a dupla punibilidade exigida pelo Estatuto do Estrangeiro – vigente à
época da decisão -, o STF adota um posicionamento dúbio, especialmente
ao reconhecer que os crimes lesa-humanidade afetam direitos humanos, mas
que, nesse ínterim, não se utilizará as previsões de direito internacional, por
força de legislação ordinária – o que não se alinha aos precedentes (e con-
sequentemente às linhas dualistas e monistas outrora assumidas pelo Brasil
através da jurisprudência nos últimos 50 anos para casos específicos de tra-
tados em geral ou regras atinentes à direitos humanos, respectivamente) que
tanto se quis resguardar durante o julgamento do caso, como se verifica ao
longo do Acórdão.
Em outras palavras, muito antes da MNA ser utilizada pelo TEDH, esta
já era aplicada de maneira administrativa, tendo previsão em ordenamentos
jurídicos de alguns países europeus. Frisa-se que, assim como a margem de
apreciação era e é utilizada no âmbito interno, seria passível sua utilização
pelo Direito Internacional, o qual criaria uma norma geral, onde existiriam
lacunas que deveriam ser preenchidas pelos Estados, os quais deveriam sem-
pre observar os limites impostos pelo ordenamento internacional.
Nesse cenário, a doutrina da margem nacional pode ser vista como um
instrumento de compatibilidade entre os diferentes sistemas jurídicos, re-
sultando na ideia de um começo para atingir um pluralismo, garantindo aos
Estados a possibilidade de escolher como irá aplicar os princípios comuns.
Entretanto, os países devem sempre respeitar uma condição, qual seja, a de
que essas novas regras jurídicas devem ser estabelecidas próximas aos prin-
cípios tidos como referência (DELMAS-MARTY; IZORCHE, 2000).
Nesse contexto, o Direito mundial pluralista de Mireille Delmas-Marty
tem como objetivo principal ser “[...] acessível a todos e comum aos diversos
Estados, sem que haja abandono de identidades” (SALDANHA, MELLO,
2014, p.161). A ideia da jurista sustenta-se, principalmente, na aproximação
dos sistemas jurídicos através dos “[...] direitos humanos em sua perspectiva
básica: o mínimo ético universal a todas as culturas e o irredutível humano”
(SALDANHA, MELLO, 2014, p.161).
Na busca de um direito comum, que possua o objetivo de ser, ao mesmo
tempo, universalista e pluralista, é preciso aprender a pensar o múltiplo. Para
isso, é necessário que os juízes sejam “desafiados a lançar mão de argumentos
SUMÁRIO
não mais fundados apenas no direito interno, mas advindos de marcos nor-
mativos regionais e internacionais e de jurisprudência” (SALDANHA,
MELLO, 2014, p.161).
A existência de uma MNA não deve ser entendida apenas como um Di-
reito diferente a cada Estado, pelo contrário, deve ser vista como um limite
que não deve ser ultrapassado – um seuil de compatibilité – posto e contro-
lado (como na Europa) por um juiz supranacional, onde a flexibilidade per-
mite a evolução do Direito. Enquanto uma hierarquia estrita impõe uma ob-
rigação de conformidade e exige uma identidade, como a unificação, a noção
de margem é compatível com uma hierarquia descontraída, a qual acompa-
nha o processo de harmonização (DELMAS-MARTY, 2004, p.19).
A palavra margem sugere a ideia de uma possibilidade de dar um passo
para o lado, de se espalhar qualquer coisa, de beneficiar certa latitude. Ou,
em outras palavras, trata-se de mensurar, para então, poder chegar a alguma
conclusão, e, por conseguinte, objetiva alcançar apenas uma compatibilida-
de, e não a uniformização (DELMAS-MARTY, 2004, p.19; DELMAS-
MARTY; IZORCHE, 2000).
Nesse viés, a margem organiza as diferenças através de um seuil de
compatibilité, com a criação de princípios, os quais tornam a harmonia algo
possível, porque, apesar dela introduzir uma indeterminação, ela consegue
garantir a possibilidade de encontrar uma medida comum das diferenças.
Dito de outro modo, ela encontra uma norma comum, a qual é o resultado
das oscilações entre a resistência da lei nacional e progresso feito pelos pro-
cessos de integração (DELMAS-MARTY, 2005b, p.52).
Assim, ter-se-á uma margem estreita, no momento em que for exigido
um alto grau de compatibilidade, uma margem larga, quando se contenta
apenas com uma proximidade mais fraca, e, uma margem variável se for ad-
mitido um caráter evolutivo do conjunto (DELMAS-MARTY, 2003, p.117).
Assim, a doutrina da MNA esforça-se para conjugar o “[...] universalismo
dos Direitos Humanos com o relativismo das tradições nacionais [...]”
(DELMAS-MARTY, 2005, p.xiii), porquanto, mesmo numa região homo-
gênea, como a Europa, a jurisprudência não consegue aplicar os textos de
maneira idêntica.
Em suma, a MNA pode ser definida como uma lacuna, ou, até mesmo,
uma norma imprecisa que se encontra presente na legislação internacional e
que deverá ser preenchida pelo seu destinatário final; os pelos juízes ou pelas
próprias legislações nacionais. Entretanto, sempre devem ser observados os
limites – os quais, no caso da autora encontram-se na observância dos Direitos
Humanos, o que indica não ser totalmente a tese aplicada pelo TEDH, haja
vista a sua tendência em não aplicar essa importante restrição (SQUEFF, 2016).
Sob essa reserva, a imprecisão se desdobra em duas que, conjuntamente
impõem a aplicação de um Direito comum, mas não uniforme: (a) a imprecisão
SUMÁRIO
conceitual que consiste na margem de interpretação concedida ao juiz receptor
da norma, e (b) a imprecisão operacional, que consiste numa margem de apre-
ciação do Estado (DELMAS-MARTY, 2005, p.xiii). Trata-se de um Direito
comum porquanto os princípios basilares jurídicos são os mesmos; porém,
ele não será uniforme eis que não se trata da criação de um Direito igual a ser
aplicado por todos os Estados, sendo, na verdade, uma aproximação – uma
convergência mínima – entre os diferentes sistemas jurídicos existentes.
A resistência dos países em modificar o seu Direito interno e o avanço
no processo de harmonização tornam-se condições para a aplicação da
MNA, é que se torna uma das principais chaves para o pluralismo ordenado,
porquanto tanto a diversidade quanto os traços culturais e religiosos de cada
país serão respeitados. Nesse cenário, a MNA funciona como uma dinâmica
centrífuga abrangendo a obrigação dos países assumida no plano interna-
cional e a soberania, sendo criada através de princípios e normas comuns
(SALDANHA; MELLO, 2014, p.381).
CONSIDERAÇõES FINAIS
O presente estudo tinha como objetivo debater, a partir de um caso concreto, as
teorias que dispõem sobre a relação entre o Direito Internacional e o Direito In-
terno, expondo a necessidade de buscar outra teoria para fundamentar as inter-
conexões entre esses conjuntos normativos, para além do tradicional dualismo
e monismo. Para tanto, escolheu-se tratar da recente Extradição n. 1368/DF, a
qual aborda um embate entre as previsões de direito internacional e de direito
brasileiro no que tange a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade
que não foi solucionado nos termos outrora demarcados pelo Supremo.
Afinal, no caso de o Supremo seguir a sua linha argumentativa até então
sedimentada na sua jurisprudência, ele deveria ter acatado a tese do relator,
Min. Edson Fachin, no sentido de considerar a imprescritibilidade do delito
de lesa-humanidade, haja vista ser essa uma regra cogente de direito inter-
nacional, a qual notoriamente versa sobre direitos humanos, logo, restando
acima das leis ordinárias – o que afastaria a regra prescricional contida na
lei penal pátria, bem como o próprio Tratado de Extradição firmado entre
Brasil e Argentina (em especial por força do artigo III que exige a dupla pu-
nibilidade) por este não ser apenas inferior hierarquicamente quando da sua
internalização em relação às regras de direito internacional de direitos hu-
manos, como também pelo critério da hierarquia, haja vista as regras cogen-
tes estarem acima das demais fontes de Direito Internacional. Posição essa
que seguiria o posicionamento monista aplicável às regras de direitos hu-
manos no plano do STF, muito embora, talvez, introduzisse o monismo ra-
dical no que tange o jus cogens (o que, sim, configuraria uma grande inova-
ção, para debater com o Min. Edson Fachin – Cf. BRASIL, 2016, p. 34).
SUMÁRIO
Entretanto, ao decidirem pela não concessão do pedido extradicional re-
quisitado pela Argentina, o STF não encontra um respaldo que possa funda-
mentar a sua decisão, não sendo, por consequência, plausível utilizar das teses
do dualismo e do monismo sem que isso significasse um retrocesso ou um
avanço no que tange o já consolidado posicionamento das regras de direito
internacional no ordenamento jurídico interno. Por isso, esse texto buscou
apresentar uma possível solução para essa situação, apresentando um novo
modelo de interação entre direito interno e direito internacional, qual seja, o
pluralismo ordenado de Delmas-Marty, que tenderia a resolver o impasse
apresentado acerca da (im)prescritibilidade do crime de lesa-humanidade.
Isso porque, ao invés de buscar uma unificação das regras em nível
mundial, o que é deveras impossível haja vista a forte alegação/manutenção
da soberania dos Estados em determinadas áreas, ela possibilita aos Estados
a destacarem a existência de traços comuns, os quais serão norteadores da
sua conduta, em que pese possibilitar-lhes resistir/diferir em certas temáti-
cas, o que tenderia à manutenção da ordem internacional. Apesar disso, essa
margem nacional de apreciação conferida não significaria uma carta branca
aos países, de modo que estes encontram algumas limitações, principalmen-
te na área de direitos humanos, tal como no caso em tela.
Quer isso dizer que o pluralismo ordenado permitiria solucionar o pro-
blema existente nesse caso, pois permitiria ao Brasil sustentar a imprescri-
tibilidade diante dos mesmos argumentos da maioria dos Ministros, os quais
votaram contra a extradição. Afinal, a MNA encontra limites nos direitos
humanos, não permitindo posições discricionárias dos países quando envol-
vendo essa temática. Desta maneira, as posições do Min. Edson Fachin
(BRASIL, 2016, p. 34) e do Min. Luis Roberto Barroso (BRASIL, 2016, p.
38 e 81) ganhariam um arcabouço teórico que sustentaria permissão da ex-
tradição de Salvador Siciliano, sem que se procedesse com a introdução,
quiçá, de um monismo radical no ordenamento pátrio.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
d’um droit commun pluraliste. Revue Internationale de Droit Comparé,
[S.l], v. 52, n. 4, oct./dez., p.758, 2000.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3ª ed. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1998.
SUMÁRIO
sistemática do direito internacional dos nossos dias. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2009
SUMÁRIO
GP 2 – SOCIOLOGIA DO DIREITO,
DOGMÁTICA JURÍDICA E
PENSAMENTO CRÍTICO
Coordenação: Alexandre Travessoni Gomes
Trivisonno e Cynthia Pereira de Araújo
SUMÁRIO
ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR:
DIREITO INSURGENTE E EMANCIPATÓRIO
ASESORAMIENTO JURÍDICO UNIVERSITARIO POPULAR:
DERECHO INSURGENTE Y EMANCIPATORIO
INTRODUÇÃO
Afirmo, neste trabalho, que há uma retroalimentação ou uma relação co-
constitutiva entre o conceito de interculturalidade, uma formação jurídica
crítica fortemente pautada na indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e
a extensão e a viabilização da democratização do acesso à justiça no Brasil.
O conceito de interculturalidade emerge como referencial teórico-me-
todológico destas reflexões. Portanto, na próxima seção farei uma contex-
tualização do conceito, considerando como meu recorte analítico a dinâmica
jurídica da sociedade brasileira contemporânea e os obstáculos estruturais
ao acesso à justiça no Brasil.
A interculturalidade, enquanto “um projeto que por necessidade con-
voca a todos os preocupados com os padrões de poder que mantém e seguem
SUMÁRIO
reproduzindo (...) a subalternização de seres, saberes e formas de viver”
(WALSH, 2009), demanda a desocultação/visibilização das práticas colo-
niais que ainda permeiam a sociedade brasileira atual. Para tanto vou pro-
blematizar a dinâmica jurídico-judiciária no Brasil atual, partindo do diag-
nóstico de que há um “curto-circuito histórico” (SANTOS, 2007) sob o
discurso institucional do Estado Democrático de Direito brasileiro. Minha
hipótese é a de que esse curto-circuito implica um desencontro entre o or-
denamento jurídico-constitucional com seus princípios e garantias funda-
mentais e a realidade dramaticamente vivida por uma significativa parcela
da sociedade brasileira que, sabedora dos seus direitos formalmente vigen-
tes, assiste impotente e atônita ao funcionamento autorreferente e estéril –
pelo menos para o histórico contingente de marginalizados e excluídos da
cidadania no Brasil – de uma estrutura jurídico-judiciária que reproduz uma
dinâmica jurídico-colonial, alimentando e promovendo hierarquizações e
subalternizações identitárias.
Um desdobramento dessa hipótese é a relação entre a tradicional (de)for-
mação jurídica ainda hegemônica no Brasil e a permanência de um quadro de
naturalização da desigualdade social. Sustento que essa relação é materiali-
zada na dinâmica jurídico-judiciária que, orientada para o cumprimento de
metas a partir de uma concepção formalista de norma jurídica e de interpre-
tação do direito, atualiza pela imposição um direito que não pacifica conflitos,
que causa estranhamento e desorientação ao “cidadão comum”, logo um di-
reito que não foi feito pelo povo brasileiro e que não é aplicado para o povo
brasileiro, na imensa complexidade característica desse povo.
A formação jurídica institucionalizada no Brasil, desde sua emergência
– e talvez haja alguma coerência nisso – já impulsionava a reprodução de
um padrão de dinâmica jurídico-colonial. O bacharel e sua pretensão aris-
tocrática delimitam um campo de juridicidade que, em termos de garantias,
só alcança uma restrita parcela – a elite – da sociedade. Por outro lado esse
mesmo direito tem a função de criminalizar e corrigir, curiosamente, aqueles
que não são abrangidos pelas garantias jurídicas.
O direito, desde o Brasil formalmente colônia, possibilitou a discrimi-
nação entre sujeitos de direito e sujeitados pelo direito. Tem-se, sobre o su-
porte de uma arquitetura teórico-metodológica doadora de credibilidade ra-
cional, uma práxis jurídica colonizadora, ou seja, hierarquizadora e
subalternizadora.
Mas a grande perplexidade é com relação à atual dinâmica jurídico-ju-
diciária no Brasil, portanto com a formação jurídica no Brasil hoje. Vou mos-
trar que a formação jurídica hegemônica, rigorosamente pautada no ensino,
alimenta o autoritarismo e a permanência da colonialidade de uma forma per-
versa, posto que os alunos e egressos, reféns de uma formação tecnicista, não
conseguem se situar histórica e antropologicamente como agentes jurídicos
SUMÁRIO
no Brasil do século XXI. Assim esses agentes agenciam conflitos e discrimi-
nações, antes de se postarem como agenciadores da cidadania via garantia
dos direitos. Quer dizer que a (de)formação jurídica hegemônica, refletida
na operacionalidade do direito no Brasil atual, reproduz a marginalização e
a exclusão social ao disseminar um modelo de tecnologia jurídica (FERRAZ
JR., 2001) centrado na consecução exitosa de seus próprios fins – por sinal
fins que refletem rigorosamente a “razão de Estado” (FOUCAULT, 2008).
A tradicional dinâmica jurídica formalista é a materialização de um poder-
saber colonizador, como demonstrarei no evoluir do trabalho.
Como alternativa intercultural e insurgente a esse cenário, sustento que
há uma premente necessidade de se concretizar a indissociabilidade entre o
ensino, a pesquisa e a extensão no âmbito da formação jurídica. Mais uma
vez o descompasso entre o discurso político-jurídico oficial – consideran-
do-se os fundamentos da República do Brasil, o Programa Nacional de Di-
reitos Humanos 3, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e
as diretrizes e normas do Ministério da Educação – e a realidade da formação
jurídica indica a necessidade de uma abertura para a viabilização de um
amplo e estrutural programa de educação intercultural em e para os direitos,
de modo a possibilitar o empoderamento emancipatório e descolonizador
da comunidade acadêmica e da sociedade. Recentes modelos insurgentes
de assessoria jurídica universitária popular, pautados em metodologias des-
colonizadoras e emancipatórias, despontam como referências para uma di-
nâmica jurídica intercultural, considerando o atual contexto dos centros ur-
banos no Brasil contemporâneo. Assim talvez seja possível encontrar
modelos outros de dinâmica jurídica e de sociedade, aptos para a promoção
da democratização do acesso à justiça e à cidadania.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. INTERCULTURALIDADE
Walsh (2009) indica que a interculturalidade é um processo e um projeto so-
cial, político, ético e epistêmico, um princípio ideológico e político que con-
vida a criar posturas e condições, relações e estruturas novas e distintas. O
projeto intercultural, enquanto movimento intelectual, social e político
emergente na América Latina em princípios do século XXI, reivindica a
transformação social e política, a transformação das estruturas do pensar,
atuar, sonhar, ser, estar, amar e viver (WALSH, 2009). Percebe-se aí um forte
elemento crítico subjacente a tal projeto, considerando-se como a base da
teoria crítica a relação interventiva, transformadora da realidade.
Colaço e Damázio (2012) indicam que a interculturalidade, como é en-
tendida pelos grupos historicamente subalternizados, diz respeito a complexas
SUMÁRIO
relações, negociações e intercâmbios culturais que emergem de espaços de
fronteira. Segundo as autoras, trata-se de uma interação entre pessoas e racio-
nalidades diferentes, que admite e que parte das assimetrias sociais, econô-
micas, políticas e de poder (COLAÇO; DAMÁZIO, 2012). A interculturali-
dade, neste contexto, emerge como um complexo de “processos dinâmicos e
de múltiplas direções, repletos de criação e de tensão e sempre em construção;
vai mais além da diversidade, do reconhecimento e da inclusão” (COLAÇO;
DAMÁZIO, 2012, p. 154).
As autoras, citando Verdum (2009), indicam que nenhum dos governos
que se sucederam à Constituição brasileira de 1988 buscou mudanças sig-
nificativas nas práticas e estruturas político-administrativas do aparato de
Estado, obstaculizando a viabilização de um Estado plurinacional no Brasil
(COLAÇO; DAMÁZIO, 2012, p. 161). Evidencia-se que o Estado brasileiro
e suas políticas pretensamente públicas suprimem a complexidade da pró-
pria sociedade ao reproduzir uma razão de Estado colonizadora. O direito é
a mais expressiva ferramenta para tal quando, antes de se referir aos direitos
subjetivos, fundamentais e humanos, refere-se aos programas e projetos do
próprio Estado – programas e projetos geralmente não construídos dialogi-
camente com os grupos identitários componentes da sociedade brasileira.
Colaço e Damázio (2012) consideram que pensar a plurinacionalidade
a partir da interculturalidade implica problematizar o Estado e a sociedade
em um contexto mais abrangente, assumindo-se iniciativas que passam da
resistência à insurgência, ou seja, da posição defensiva a processos propo-
sitivos e (re)construtivos. Isso porque seria impossível questionar as rela-
ções de poder sem passar pelas relações de conhecimento que impactam na
dinâmica social estabelecendo a diferença colonial. Nietzsche (1992; 1998)
talvez tenha sido um dos primeiros a trazer elementos de uma filosofia in-
tercultural ao realizar uma genealogia da moral e da racionalidade do co-
nhecimento modernos. Segundo o autor, a moralidade e o padrão de conhe-
cimento científico hegemônico indicam um poder-saber, ou seja, uma
relação de força ou uma relação bem sucedida de poder político por trás da
emergência de um conhecimento pretensamente verdadeiro.
A colonialidade se faz presente na retórica moderna dos discursos de
justiça, direitos humanos, democracia, desenvolvimento e multiculturalis-
mo. Trata-se de um “controle epistêmico” (COLAÇO; DAMÁZIO, 2012,
p, 187) que forja verdades e subjetividades, um poder-saber (FOUCAULT,
2002) que objetiva subjetividades a partir de um padrão de racionalidade
que, em grande medida, se materializa nos ordenamentos jurídicos mono-
polizados pelos Estados soberanos e até mesmo no Direito Internacional dos
Direitos Humanos. Neste cenário tanto os ordenamentos jurídicos internos,
os ordenamentos regionais e até aquele pretensamente global não são mais
que artifícios colonizadores que impõem um certo padrão de estabilidade e
SUMÁRIO
de regularidade social, alcançando apenas subjetividades pretensamente
tidas como aptas para a promoção da ordem e da razão de Estado.
Percebe-se em tal panorama que os direitos (subjetivos, fundamentais
e humanos) são extremamente fragilizados, ou melhor, são completamente
determinados pelo direito (ordenamento jurídico estatal). Por tal perspectiva
o “direito oficial”, antes de garantir a complexificação e a performatividade
do discurso dos direitos por meio da especificação/concretização dos sujei-
tos de direitos, garante a contenção e a neutralização das subjetividades in-
dividuais e coletivas com a reprodução de uma dinâmica jurídica identifi-
cada a uma tecnologia eficiente (FERRAZ JR., 2001).
A perspectiva decolonial subjacente ao projeto intercultural não des-
carta completamente as categorias e práticas discursivamente impostas
como ocidentais. Contudo, tais saberes devem ser ressignificados a partir
da referência a outros saberes historicamente subalternizados. Daí a emer-
gência de “epistemologias de fronteira” (MIGNOLO, 2003). Assim “pos-
tulados disseminados a partir da lógica colonial podem assumir um sentido
decolonial conforme o contexto em que estão inseridos.” (COLAÇO; DA-
MÁZIO, 2012, p. 191).
O pensamento decolonial possibilita uma profunda transformação do di-
reito e do jurídico, posto que assume o direito como muito mais do que aquilo
que está nas normas, sendo construído a partir das mais variadas e básicas for-
mas de conhecimento: “perspectivas que surgem nas fronteiras, nas margens”
(COLAÇO; DAMÁZIO, 2012, p. 197-198), que retratam a emergência de sa-
beres locais até então tidos como “lugares de não pensamento”, mas que atual-
mente se insurgem contra o histórico processo de colonialidade.
É neste contexto que Walsh (2009) denuncia: “Tanto o sistema de leis
como o da educação tem servido como mecanismos de regulação, legiti-
mando esquemas de subordinação dentro da moderna ordem colonial”
(WALSH, 2009, p. 167). Evidencia-se, portanto, a necessidade de se buscar
alternativas ao direito e à educação tradicionais. Daí a oportunidade e,
mesmo, a necessidade de se conceber e de se implementar uma formação
jurídica intercultural no Brasil contemporâneo.
Assiste-se, no Brasil de hoje, a reprodução de uma dinâmica jurídica
reveladora de um desequilíbrio extremo entre os princípios da regulação so-
cial e da emancipação social, no sentido de que a regulação social tem neu-
tralizado articulações emancipatórias emergentes na base da sociedade
(SANTOS, 2002; 2006). Quando consideramos algumas tendências que la-
mentavelmente se fazem hegemônicas na dinâmica jurídico-judiciária bra-
sileira, como é o caso da completa inversão do ônus da prova no âmbito dos
processos penais, da notória hostilidade do judiciário brasileiro em relação
às demandas de direitos coletivos protagonizadas por grupos identitários
vulneráveis e da absurda cultura solipsista/decisionista ainda marcante na
SUMÁRIO
jurisprudência brasileira, temos elementos empíricos que apontam o prota-
gonismo das instituições jurídico-judiciárias na afirmação de um poder-
saber regulador/normalizador/colonial.
SUMÁRIO
2.3. EM BUSCA DE UMA FORMAÇÃO JURÍDICA INTERCULTURAL E
EMANCIpATÓRIA
A crítica decolonial aplicada à dogmática jurídica expõe, por trás do forma-
lismo da dinâmica jurídica, um aparato autorreferente insensível a seu pró-
prio meio ambiente. É muito perceptível esse traço de colonialidade e de su-
balternização quando se considera a formação jurídico-dogmática
hegemônica no Brasil. Basta uma análise superficial para a confirmação da
postura corporativista, autoritária e discriminatória do aparato jurídico-ju-
diciário brasileiro. Como esses agentes jurídicos se tornam funcionários de
uma grande tecnologia – o sistema jurídico – a partir de uma formação téc-
nico-burocrática, percebe-se nesta formação um combustível para que o sis-
tema jurídico-judiciário brasileiro permaneça funcionando de forma seleti-
va, hierarquizante e subalternizante, como um poder-saber normalizador3.
Buscando um contraponto que possibilite uma abertura intercultural e
emancipatória no âmbito da dinâmica jurídico-judiciária no Brasil contem-
porâneo, destaco algumas políticas sociais públicas desencadeadas pelo
poder executivo federal brasileiro nas duas últimas décadas. A princípio é
perceptível um esforço para a alteração de um quadro marcado pela estig-
matização dos incluídos e dos excluídos, posto que a história do Brasil mos-
tra uma seletividade das “políticas públicas” que, por isso mesmo, nunca
passaram de políticas estatais direcionadas para aqueles que se apropriaram
do Estado brasileiro.
É neste contexto que vieram à tona os Programas Nacionais de Direitos
Humanos no Brasil. Suscitado pela Conferência Mundial dos Direitos Hu-
manos (Viena, 1993), o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos
foi lançado em 1996 pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2002,
sob o mesmo governo, foi lançado o PNDH-2. Em 2009, sob o governo Lula,
foi lançado o PNDH-3, que “situa-se na linha evolutiva das ideias e dos pro-
gramas governamentais que apontam antes continuidades do que rupturas
entre os governos FHC e Lula.” (ADORNO, 2010).
Sustento que o atual Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-
3) e o daí decorrente Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos ex-
pressam uma potencialidade a ser explorada pelo projeto de formação jurí-
dica intercultural. A institucionalização do Programa e do Plano indica um
avanço, mas a crítica decolonial aponta a permanência daquele cenário de
um curto-circuito histórico entre o discurso institucionalizado e a perma-
nência de práticas discriminatórias e colonizadoras promovidas pelo Estado
brasileiro.
Para uma apropriação intercultural e emancipatória desses projetos ins-
titucionais do Estado brasileiro, proponho que a formação jurídica formal/ins-
titucional se comprometa com a construção intercultural de uma cultura po-
lítica de direitos. Para tanto, sustento que a concretização da indissociabilidade
SUMÁRIO
entre o ensino, a pesquisa e a extensão adote como eixo (multi)relacional a
assessoria jurídica universitária popular, por sua vez estruturada na educação
em e para os direitos humanos.
O filtro conceitual do pensamento decolonial projeta uma cultura po-
lítica marcada pela pedagogia da emancipação, potencializadora de um pro-
cesso de empoderamento individual e social apto à afirmação de identidades
historicamente marginalizadas. Por tal perspectiva a pedagogia da emanci-
pação, fulcrada na educação em e para os direitos humanos, descortina um
cenário adequado às demandas da hipercomplexidade, que caracteriza tanto
as sociedades quanto os sujeitos da contemporaneidade.
Para o enfrentamento crítico do dramático diagnóstico de constituição
histórica de uma “ralé estrutural” (SOUZA, 2009) na sociedade brasileira,
as práticas jurídicas insurgentes e emergentes de projetos interculturais de
educação popular em direitos humanos despontam como um meio consis-
tente para a aproximação entre academia e sociedade. A partir dessa apro-
ximação a viabilização de caminhos alternativos, interculturais e emanci-
patórios, para o empoderamento de subjetividades individuais e coletivas
no processo de afirmação da cidadania.
Visando à operacionalização do discurso dos direitos, ou seja, consi-
derando o desnível entre os aspectos semânticos e pragmáticos de tal dis-
curso e enfatizando-se a performatividade dos direitos humanos e funda-
mentais da/na/para a “ralé brasileira”, busca-se apoio nas análises críticas
do pensamento decolonial e no conceito de interculturalidade para a supe-
ração do processo histórico de construção social e de naturalização da sub-
cidadania no Brasil do século XXI.
O texto do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), no que
concerne ao Eixo Orientador V – Educação e Cultura em Direitos Humanos
– afirma que a educação e a cultura em direitos humanos é um processo sis-
temático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos,
tendo como objetivo combater o preconceito, a discriminação e a violência,
promovendo a adoção de novos valores de liberdade, justiça e igualdade.
(BRASIL, 2010)
Ainda segundo o texto oficial, a educação em direitos humanos, como
canal estratégico capaz de produzir uma sociedade igualitária, extrapola o di-
reito à educação permanente e de qualidade. A educação em direitos humanos,
segundo as orientações institucionais, articula, entre outros elementos: a) a
apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos huma-
nos e sua relação com os contextos internacional, nacional, regional e local; b)
a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos
direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c) a formação de cons-
ciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivo, social, ético e
político; d) o desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de
SUMÁRIO
construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextuali-
zados; e) o fortalecimento de políticas que gerem ações e instrumentos em
favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como
da reparação das violações.
Para a viabilização desse eixo orientador e suas diretrizes, foi imple-
mentado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH.
Na Apresentação do PNEDH, está disposto:
SUMÁRIO
vez inspiradas em valores humanistas e embasadas nos princípios da liber-
dade, da igualdade, da equidade e da diversidade, afirmando sua universali-
dade, indivisibilidade e interdependência. (BRASIL, 2009)
Segundo o PNEDH,
Assim,
SUMÁRIO
A compatibilidade entre e a proposta e a assessoria jurídica universitá-
ria popular é promissora. A assessoria jurídica universitára popular “consiste
no trabalho desenvolvido por advogados populares, estudantes, militantes
dos direitos humanos (...) de assessorar jurídica e politicamente grupos e
movimentos sociais, além de realizar atividades educativas” (RIBAS,
2012). Tendo como objetivo a viabilização de um diálogo sobre os principais
problemas enfrentados pelo povo na realização dos direitos fundamentais
(RIBAS, 2012), a assessoria jurídica desenvolvida por estudantes é aqui pri-
vilegiada, bem como a sua implementação via indissociabilidade entre o en-
sino, a pesquisa e a extensão no âmbito da formação jurídica.
Destacam-se as atividades educativas a partir da pedagogia da eman-
cipação e, consequentemente, o empoderamento de subjetividades indivi-
duais e coletivas historicamente à margem da cidadania e do acesso à justiça.
Interessante notar que todo esse processo decorre de uma assessoria estu-
dantil como prática jurídica insurgente, o que indica um “trabalho coletivo
para uma ação transformadora do direito” (RIBAS, 2012). Daí a relação com
a reflexão crítica sobre as possibilidades de construção de alternativas para
a luta por acesso à justiça (RIBAS, 2012).
Ribas (2012) descreve a metodologia da assessoria jurídica universi-
tária popular indicando o privilégio às atividades educativas no trabalho po-
pular, inspiradas pelo movimento de educação popular de Paulo Freire. A
partir do pressuposto de que a educação é comunicação, diálogo, não é mais
possível concebê-la como transferência de saber, mas como um momento
de abertura e de encontro recíprocos.
A assessoria estudantil, enquanto prática jurídica insurgente, indica um
consistente caminho intercultural e emancipatório para a construção de uma
relação descolonizada entre agentes jurídicos e sociedade. Isso porque a ati-
vidade de assessoramento jurídico universitário popular realizada por estu-
dantes sintetiza a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão,
possibilitando a construção de um conhecimento complexo e aberto à inter-
culturalidade. Tem-se, aí, um eixo de conexão e de retroalimentação entre
o pensamento decolonial e intercultural, a possibilidade de superação de
uma dinâmica jurídica dogmática e colonial e a alteração do cenário de na-
turalização da discriminação e da subalternização.
3. CONCLUSÃO
A percepção da necessidade de uma amarração entre o conceito de intercul-
turalidade e a formação jurídica pautada na indissociabilidade entre o ensi-
no, a pesquisa e a extensão para a promoção da democratização do acesso à
justiça no Brasil decorre de um olhar crítico, que assume a perplexidade e a
indignação a partir de um diagnóstico de lesões sistemáticas aos direitos de
SUMÁRIO
expressiva parcela da sociedade brasileira.
A indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão na forma-
ção jurídica, orientada pelo pensamento decolonial e intercultural, aponta
para a formação crítica e democrática do agente jurídico que, assim, se ha-
bilita a problematizar e inovar metodologias para a construção de um co-
nhecimento jurídico mais coerente com as demandas de uma sociedade hi-
percomplexa. Assim alunos e professores dos cursos de direito têm acesso
a uma peculiar dimensão reflexiva, apta à superação de uma histórica for-
mação elitista que mantém o direito refém da técnica e da tecnologia buro-
crática, que termina conflitos sem efetivamente pacificá-los.
A interculturalidade e a emancipação, como eixos de um processo for-
mativo crítico e interdisciplinar, centrado na educação em e para os direitos
humanos, provoca uma maior abertura em relação ao discurso e à perfor-
matividade dos direitos, viabilizando a inserção do direito e dos agentes ju-
rídicos no tempo presente, o que indica um primeiro e consistente passo para
a superação do curto-circuito histórico entre o discurso jurídico oficial e a
dinâmica jurídico-judiciária no Brasil. A apropriação intercultural dos pro-
gramas e projetos institucionais de educação em direitos humanos desponta
como um caminho para a viabilização de um direito insurgente, capaz de
apontar – ao menos – novas problematizações para a reconfiguração da di-
nâmica jurídica, considerando-se toda a complexidade do processo de cons-
trução social e democrática da normatividade jurídica.
SUMÁRIO
NOTAS
1
Doutor em Direito (UFMG); Professor da PUC Minas
2
Graduando em Direito pela PUC Minas
da revista Caros amigos (ano XVII, Nº 66; ano XVII, Nº 69; ano XVIII, Nº 70),
que tratam, respectivamente, da violência policial, da crise do judiciário e da crise
e dos desafios da Universidade no Brasil.
REFERÊNCIAS
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. – São Paulo: Martins Fon-
tes, 1998.
SUMÁRIO
WALSH, Catherine. Interculturalidad, Estado, sociedade: luchas (de)co-
loniales de nuestra época. – Quito: Universidad Andina Simón Bolívar,
2009.
SUMÁRIO
A BANALIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS
PENAIS POR QUESTÕES EXTRAJURÍDICAS1
Najara Cristiane dos Santos
Bacharel em Direito pela PUC Minas. Mestranda em Teoria do Direito pelo
Programa de Pós Graduação em Direito da PUC Minas – MG, bolsista CAPES.
Abstract: The present article aims to point out the existence of the phenom-
enon of trivializing the elaboration and use of legal criminal principles, es-
pecially by criminal lawyers and magistrates, in order to force a preva-
lence of the fundamental rights of the accused at any cost to detriment of
the social interests. This is possible by the historical, but now surpassed,
character of the principle as an open clause, and ends up perpetuating a
doctrine of hyperbolic monocular garantism or supergarantism, favored
by the selectivity of the penal system, ultimately generating a consolidated
structural impunity, especially in relation to economic or business crimes.
It all comes down to issues of economic interest.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
O conceito de princípios jurídicos é extremamente controverso e vago entre
a comunidade científica. Doutrinariamente, as posições teóricas se diver-
gem, ora tratando-os como normas, ora como diretrizes de aplicação, ora
como conceito fundamental de determinado ordenamento jurídico ou ramo
do Direito, dentre outras abordagens. Entre os magistrados, não existe um
critério ou um padrão lógico-racional para aplicação, de modo que, de um
julgado para outro, ou de um órgão para outro, observa-se grande variação
na concepção do que vem a ser um princípio.
Referido fenômeno se faz mais latente no âmbito do Direito Penal,
que possui nos princípios grande parte da efetividade do discurso demo-
crático e garantista. Passou-se a observar, contemporaneamente, o uso exa-
cerbado e equivocado dos princípios jurídicos nessa seara, sobretudo, a
partir do surgimento dos chamados princípio da insignificância e princípio
da adequação social.
Isso se deve à banalização do que se tem denominado por princípio ju-
rídico2, levando a uma conceituação e uma aplicação equivocadas pela dou-
trina e pela jurisprudência, cujo equívoco é passível de identificação, a partir
da comparação à concepção de princípio proposta por Robert Alexy, em sua
Teoria Discursiva do Direito, que foi a única a apresentar uma definição
completa e racional, a partir de uma distinção semântica e qualitativa entre
regras e princípios, enquanto espécies de norma.
A banalização principiológica, por sua vez, em um primeiro momento,
apresenta como causas mais fatores extrajurídicos do que jurídicos, propria-
mente, os quais serão identificados e analisados da perspectiva da Sociolo-
gia do Direito, por uma abordagem das realidades social, econômica e po-
lítica. Esse é o objetivo do presente artigo, com foco em uma abordagem
sociológica do tema, de modo que a desconstrução dos princípios penais
mencionados, demonstrando a equivocidade dos juristas ao assim tratá-los,
é tema dedicado a outros trabalhos.3
2 FATORES DA BANALIZAÇÃO
Segundo este modelo, não se admite qualquer imposição de pena sem que se
produzam a comissão de um delito, sua previsão legal como delito, a neces-
sidade de sua proibição e punição, seus efeitos lesivos para terceiros, o cará-
ter externo ou material da ação criminosa, a imputabilidade e a culpabili-
dade do seu autor e, além disso, sua prova empírica produzida por uma
acusação perante um juiz imparcial, em um processo público e contraditório
em face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos.
(FERRAJOLI, 2002, p. 83).
SUMÁRIO
c) dever de evitar riscos (Risikopflicht), que autoriza o Estado a atuar com o
objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral mediante a adoção de me-
didas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao desenvolvi-
mento técnico ou tecnológico.8 (BRASIL, 2010).
O Estado, para cumprir com seu dever de proteção, deve empregar medidas
suficientes de caráter normativo e material, que levem a alcançar – aten-
dendo à contraposição de bens jurídicos – a uma proteção adequada, e como
tal, efetiva (proibição de insuficiência).
[…]
É tarefa do legislador determinar, detalhadamente, o tipo e a extensão da pro-
teção. A Constituição fixa a proteção como meta, não detalhando, porém, sua
configuração. No entanto, o legislador deve observar a proibição de insufi-
ciência […]. Considerando-se bens jurídicos contrapostos, necessária se faz
uma proteção adequada. Decisivo é que a proteção seja eficiente como tal. As
medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção
adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas averiguações de
fatos e avaliações racionalmente sustentáveis […]. (BRASIL, 2010).
SUMÁRIO
possuindo a mesma força nas relações entre cidadão e estado, do que nas re-
lações entre cidadãos (ALEXY, 2015, p. 128).
As duas características mencionadas são concretizadas, porque os di-
reitos fundamentais possuem objetos de maior importância, vez que dis-
põem sobre a estrutura fundamental da sociedade, tanto no âmbito dos in-
divíduos, quanto do Estado. O problema que se observa no âmbito desses
direitos é a maior medida de abertura que possuem, pela previsão na Lei
Fundamental, a qual somente é suprida, conferindo-lhes um caráter identi-
ficável, pragmaticamente, pela interpretação judicial, consagrada pela ju-
risprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, desde 1951. Em
sua orientação, o Tribunal determinou que “direitos fundamentais garanti-
dos sem reserva podem ser restringidos a favor de direitos fundamentais co-
lidentes de terceiros e de outros valores jurídicos que possuem nível cons-
titucional. Ou seja, “tudo no âmbito dos direitos fundamentais é
interpretação” (ALEXY, 2015, p. 131).
Nesse sentido, os direitos humanos são abstratos, de modo que reque-
rem uma ponderação no caso concreto, quando em conflito com outros di-
reitos, que se resume em uma análise de proporcionalidade, a qual, por sua
vez, pressupõe que esses direitos envolvidos tenham a estrutura de princí-
pios, a fim de que se possa buscar uma aplicação otimizada. Essa estrutura
principiológica dos direitos humanos, então, requer uma justificabilidade
pela argumentação no procedimento de ponderação, em razão da flexibili-
dade que apresentam no processo de aplicação (ALEXY, 2013).
Do mesmo modo que não há hierarquização previamente estabelecida,
também não existem princípios absolutos. Se existisse um princípio abso-
luto que prevalecesse sobre todos os demais, independentemente das cir-
cunstâncias que o circundam, esse postulado não seria um princípio em seu
conceito em natureza, pois não seria passível de limitações de natureza ju-
rídica, mas tão somente fáticas. Seria, então, no máximo, uma regra; de ma-
neira que o peso de todos os princípios é relativo, passível de ponderação
(ALEXY, 2008).
A comprovação dessa afirmativa se torna lógica, a partir do momento
em que se vislumbra a existência de princípios de direitos individuais e co-
letivos, que se encontram em posições de certa forma antagônicas. Nesse
caso, a simples existência de um princípio inviabilizaria a efetivação do
oposto. Se, por exemplo,
SUMÁRIO
compatíveis com direitos individuai, ou os direitos individuais que sejam
fundamentados pelos princípios absolutos não podem ser garantidos a mais
de um sujeito de direito. (ALEXY, 2008, p. 111).
2.2 A IMpUNIDADE
Ocorre que a perpetuação do garantismo hiperbólico monocular ou do su-
pergarantismo, independentemente da nomenclatura, a partir do momento
em permitem a criação de normas principiológicas ou a consagração de prin-
cípios penais absolutos, não passíveis a limitação jurídica ou ao procedimen-
to da ponderação, acabam por priorizar ou exaltar, acima de qualquer consi-
deração, condutas efetivamente lesivas a bem jurídicos tutelados caros ao
indivíduo. Passa-se a relegar a segundo plano os interesses coletivos, da so-
ciedade, como a segurança e o bem-estar, e, consequentemente, é instaurada
SUMÁRIO
a legitimidade da violação de direitos fundamentais individuais dos demais
indivíduos que são vítimas dessas condutas lesivas criminosas.
Não se trata de considerar o Direito Penal como instrumento de trans-
formação social ou de justiça no sentido punitivo, mas de considerar o Di-
reito Penal como instrumento de prevenção – aqui, sem trabalhar especifi-
camente os conceitos de prevenção geral, especial, positiva ou negativa,
mas prevenção em sentido nato da palavra – de lesão a bens jurídicos tute-
lados, de garantia da efetivação de direitos fundamentais, sejam individuais
ou coletivos. Afinal, essa é uma das funções estatais.
A conduta do garantismo desviado, excessivo, além da conta, tem ins-
taurado e perpetuado a impunidade, que se mostra mais latente nos crimes
econômicos ou empresariais, pois são aqueles que não afetam diretamente
bens essenciais ao indivíduo, como a vida, a integridade, as liberdades, a
dignidade sexual e o patrimônio pessoal. O argumento, então, é de que o Di-
reito Penal não deveria cuidar de condutas nesse âmbito, por ser medida
muito drástica e altamente prejudicial a direito caro ao agente da conduta,
que é a liberdade, sendo que se trataria de lesão, portanto, desproporcional.
Como afirma, Ferreira (2010), baseando-se também nos posicionamen-
tos de Lenio Streck, o Estado muitas vezes renuncia grande parcela de sua
força e relega a população ao desamparo. Além disso, a legislação e a juris-
prudência, ao estabelecer suas previsões ou consagrar seus entendimentos,
não levam em conta características comuns dos destinatários a serem bene-
ficiados. Ao contrário, vislumbra-se flagrante seletividade, direcionando
maiores garantias ou proteção a determinados grupos sociais, grosso modo,
os que tem maior poder econômico e compõem classes de maior status.
O próprio Ferrajoli, em entrevista concedida a Fauzi Hassan Choukr,
em 14 de dezembro de 1997, esclareceu que delineou o garantismo pensando
no favorecimento dos menos favorecidos econômica e socialmente, em razão
de sua vulnerabilidade, frente aos arbítrios estatais. O intuito é de possibilitar
uma maior efetivação dos direitos humanos, por meio de garantias que exi-
gem uma típica cultura e uma típica formação que possibilite a independência
das funções estatais e a sensibilização para os direitos civis e políticos, espe-
cialmente, dos menos favorecidos (FERREIRA, 2010). Estrutura de valores
e cultura essa, que, certa e obviamente, o Brasil não apresenta.
Segundo Ferrajoli, a impunidade da corrupção favorece um aumento
dos crimes do tipo organizado, máfias, corrupção e peculato. Observa-se,
no Brasil, que a tendência do Estado é negligenciar a proibição da proteção
deficiente, quando se trata de crime organizado e corrupção, ou seja, cola-
rinho branco. É gritante quase que um movimento pela “descriminalização
fática dos crimes tributários, tentativa de imposições legais que inviabili-
zem as interceptações telefônicas, quebras de sigilo bancário e outros me-
canismos de apuração, que são os únicos” passíveis, em muitos casos, de
SUMÁRIO
viabilizar ao menos a investigação segura de crimes dessa natureza (FER-
REIRA, 2010).
Exemplos de conhecimento geral e que causaram intensa polêmica
foram os casos de interceptação telefônica e quebra de sigilo realizados na
Operação Lava-Jato, no caso Mensalão e no chamado impeachment da ex-
presidente Dilma. Vale ressaltar a tendência em se aplicar a técnica da ab-
sorção de crimes (crimes-meio) por um único crime-fim, a fim de reduzir
consideravelmente a pena cominada, bem como, bem como a postura da
doutrina em defender a adequação social da conduta de manter casa de pros-
tituição. O que é plenamente compreensível, pois, via de regra, somente
quem tem dinheiro e poder consegue manter uma casa de prostituição em
nível rentável e desejável aos consumidores.
Por fim, e não menos estarrecedora, é quantidade de benefícios pro-
cessuais, consagrados pela jurisprudência, aplicados aos crimes tributários
cometidos, como extinção da punibilidade, se houver o pagamento do débito
até sentença, a suspensão do processo, se houver parcelamento, e a aplicação
da insignificância penal, com a consequentemente atipicidade do fato, se o
débito tiver valor equivalente a até dez mil reais, e a até vinte mil reais, se
tratar-se de crime de apropriação indébita previdenciária, valores escanda-
losos para o cidadão até mesmo com nível médio ou razoável de poder eco-
nômico. Mas valores esses determinados sob o argumento de que o Estado
gastaria mais do que esses montantes para executar a dívida.
Curioso, porque o Estado gastaria, então, apenas quatro reais,
cinco reais ou dez reais para processar, julgar e executar crimes de furto
de alimentos ou produtos de higiene pessoal, como processo julga e exe-
cuta, diariamente, tendo como alvos indivíduos da parcela marginalizada
e economicamente desfavorecida da sociedade?
Deve estar preparado para gerenciar crises – ninguém está livre das opera-
ções espetaculosas das autoridades de plantão – nesses momentos, a função
do advogado é assessorar a empresa, acionistas e gestores, preservando sua
imagem perante o mercado e a sociedade, alinhando a defesa técnica à ne-
cessidade de dar uma satisfação coerente à opinião pública. Uma das regras
básicas é ser claro e objetivo, não tentar vender mentiras ou meias verdades
à imprensa ou autoridades. (JALORETO, 2011).
3 CONCLUSÃO
Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, o intuito do presente artigo foi
apresentar uma reflexão acerca dos motivos pelos quais tem ocorrido uma
banalização da elaboração e do uso dos princípios jurídico-penais. Trata-se
da perpetuação de uma doutrina de desvio da proposta do garantismo penal
de Ferrajoli, propagando uma doutrina da prevalência dos direitos funda-
mentais – ou melhor, da liberdade – do investigado/acusado acima de tudo,
sem qualquer resposta à insegurança e à lesão aos bens jurídicos sofridos
pela sociedade.
Aqui, foi possível levantar linhas gerais sobre alguns interesses eco-
nômicos envolvidos na temática, que fazem com que os juristas interessados
no afastamento da punição utilizem dos princípios, conceitos relativamente
mais abertos e genéricos, conforme a conformação histórica que ganharam
até então, para forçar um afastamento da pena, que acaba por gerar flagrante
e crescente impunidade, que em nada condizem com o ideário de Estado de
Direito e direitos humanos conquistados a duras penas nos últimos séculos.
SUMÁRIO
NOTAS
são, de modo que o intuito desse apontamento das diretrizes é tão somente
proporcionar uma noção acerca da base em que o sistema garantista se es-
trutura.
SUMÁRIO
Cuja fundamentação teve sua aplicação estendida para diversos ou-
tros julgados em que o ministro Gilmar Mendes proferiu voto em questões
7
de sentido análogo.
Cf. BVerfGE 77, 170 (214); ver também RICHTER, Ingo; SCHUP-
PERT, Gunnar Folke. Casebook Verfassungsrecht. 3. ed. München, 1996,
10
p. 36-37.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. The existence of human rights. In: World Congress of the
International Association for Philosophy of Law and Social Philosophy, 25.,
Frankfurt am Main, 2001. Archiv für Rechts - und Sozialphilosophie –
Beihefte 136, Franz Steiner Verlag, 2013. p. 9-18.
SUMÁRIO
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
3510. Relator: Ayres Britto – Tribunal Pleno. Diário de Justiça Eletrônico,
Brasília, 28 Maio 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/no-
ticiaNoticiaStf/anexo/ADI3510GM.pdf>. Acesso em: 20 Jun. 2017.
SUMÁRIO
SANTOS, Najara Cristiane dos. A desconstituição do princípio da insigni-
ficância com base na Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy. In:
FREITAS, André Vicente Leite de; DINIZ, Fernanda Paula; PEREIRA, Hen-
rique Viana (Orgs.). Direito na atualidade: uma análise multidisciplinar,
v. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. Cap. 2, p. 21-56.
SUMÁRIO
GP 3 – TEORIA E PESQUISA
SOCIOLÓGICA DO DIREITO
Coordenação: Igor Suzano Machado e
Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro
SUMÁRIO
DIREITO, CONSUMO E RISCO: POSSIBILIDADES
OUTRAS DE ANÁLISE DOS RISCOS DO
CONSUMO A PARTIR DE UMA RACIONALIDADE
INTERDISCIPLINAR
Carlos Alexandre Michaello Marques
Mestre e Doutorando em Direito.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS/Brasil.
INTRODUÇÃO
A modernidade estabeleceu um legado de degradação ambiental que se so-
fisticou com o passar do tempo, produzindo riscos à própria sociedade e ao
seu desenvolvimento que ultrapassam as mazelas identificadas na chamada
modernidade sólida.
O consumo, embora não seja um fenômeno exclusivo da modernidade,
seja ela adjetivada como líquida ou reflexiva, tem na contemporaneidade se
SUMÁRIO
agigantado e atingido patamares cujos efeitos ainda não podem ser clara-
mente delimitados, bem como seus riscos, uma vez que adentra esferas antes
inimagináveis como a subjetividade humana e a construção de identidades.
Nesta senda, o Direito enquanto ciência ainda não dispõe de ferra-
mentas suficientes para oferecer respostas aos fenômenos contemporâ-
neos que envolvem os aspectos acima descritos, todavia, a Sociologia,
embora de forma incipiente, consegue responder mais adequadamente na
busca de soluções para a complexidade dos efeitos dos riscos do consu-
mo. No entanto, é no entrelaçamento da Antropologia e dos Estudos Cul-
turais com os dois campos já citados (Direito e Sociologia) que uma nova
leitura é possível.
Portanto, é neste sentido que se reafirma a importância da interdisci-
plinariedade na solução de problemas complexos, uma vez que a ideia de
uma ciência pura do Direito demonstra sua ineficiência já de longa data. Ou-
trossim, a partir da compreensão interdisciplinar dos fenômenos descritos
a problemática que se impõe é a de verificar em que medida é possível es-
tabelecer relações entre Direito e Sociologia para a construção de uma nova
racionalidade interdisciplinar a partir da noção de cognoscitividade de Ant-
hony Giddens.
Para tanto, impositivo identificar a perspectiva teórica da estruturação;
os avanços da Sociologia do Direito, Consumo e Ambiente neste cenário
contemporâneo; bem como as possíveis respostas da Antropologia no cená-
rio de uma Cultura do Risco às deficiências do Direito.
A metodologia consiste no método dialético e estruturacionista de Ant-
hony Giddens, com a prevalência do segundo, ou seja, uma perspectiva que
considera a dualidade da estrutura e o afastamento dos totalitarismos teóri-
cos, propondo uma análise sintagmática e paradigmática com capacidade
reflexiva, de monitoramento e cognoscitiva.
Deste cenário, é perceptível a compreensão do Consumo como um
fator que necessita de regulação, controle, regulamentação, normatização
que é o que o Direito de matriz positivista propõe, dificultando assim o pro-
cesso de aprendizagem dos indivíduos e de mudanças estruturais.
Todavia, em sentido diverso, a Sociologia e a Antropologia completam
o vazio da análise jurídica, eis que no caso da segunda, compartilha uma
teoria sociocultural do consumo, enquanto a primeira se estabelece em
campo próprio em uma Sociologia do Consumo. O Consumo é em síntese
este fenômeno que deve ser considerado como centralizador de um processo
de promoção de risco ao Ambiente e sua complexidade desafia o Direito.
Percebe-se, ao fim e ao cabo que não é de extremos que uma pesquisa
norteada pela Sociologia de Anthony Giddens se inclina, mas sim por um
diálogo necessário e interdisciplinar, promovendo aprendizagem e fazendo
com que Direito consiga perceber que os Riscos transpassam do Consumo
SUMÁRIO
ao Ambiente e assim necessitam de reflexividade e monitoramento, pois só
assim teremos Cognoscitividade.
Mesmo num futuro distante, quando se tiver uma visão mais abrangente dos
tempos que correm, sem dúvida não haverá consenso entre os historiadores
com relação a se nossa geração poderia ter optado por outros caminhos mais
seguros. Não obstante, é preciso agir, mesmo sem saber o que nos espera ao
longo do caminho que escolheremos tomar. (DOUGLAS; WILDAVSKY,
2007, p. 4)
SUMÁRIO
3 CONSUMO, RISCO E AMBIENTE: UM TRIpÉ NA
SOCIEDADE CONTEMpORÂNEA
Os contextos sociais em que os indivíduos estão inseridos são capazes de se
tornar determinantes em alguns aspectos, no tocante a modificação sensível
das relações de consumo. “As tendências para a competição, igualização e
imitação, de um lado, e para a diferenciação, individualização e distinção,
de outro [...]” (FEATHERSTONE, 1997, p. 161) podem ser consideradas
como formas pujantes deste processo, que não pode ser alijado da pós-mo-
dernidade ou como prefere Anthony Giddens (1991), alta modernidade (mo-
dernidade reflexiva).
Todavia, o consumo, da mesma forma pode existir alijado da cultura,
o que quer dizer, também da própria cultura do consumo, a qual não con-
centra as formas de ocorrência de reprodução social, mas sim, é uma das
principiais. (MARQUES, 2016). Mas, “[...] não é a única maneira de realizar
o consumo e reproduzir a vida cotidiana; mas é, com certeza, o modo domi-
nante, e tem um alcance prático e uma profundidade ideológica que lhe per-
mite estruturar e subordinar amplamente outras.” (SLATER, 2002, p. 17).
Diante da leitura do fenômeno do consumo, Herbert Marcuse (1978),
compreende uma explicação que se aproxima da Cultura de Consumo, ao
passo que Don Slater (2002) se posiciona mais próximo da preferência por
uma Cultura do Consumo. Os desdobramentos, em que as divergências entre
eles podem se apresentar como possíveis circunda justamente a questão de se
a sociedade se orienta para o consumo, ou pelo consumo, o que se destaca pela
formulação de conceitos próprios da modernidade, como o individualismo.
“Os conceitos modernos de individualismo, baseados nas práticas modernas
da troca no mercado, varreram a possibilidade, bem como a conveniência de
uma ordem de status fixa.” (SLATER, 2002, p. 37). Segundo uma leitura por
intermédio da Teoria Social da Estruturação, esta posição permitiria identificar
uma clara redução de dualidade das estruturas, pois o indivíduo não analisaria
reflexivamente suas ações, o que dirá ações de outros indivíduos.
Desta forma, a sociedade contemporânea é conducente e conduzida
pelos riscos, quaisquer tentativas de sistematizar propostas de distribuição
do risco do consumo sequer foram consideradas. Entretanto, ao se admitir
que esta discussão passa pela compreensão do risco do consumo como um
fenômeno cultural, o torna em algo relativamente mais complexo e deve
tomar um rumo interdisciplinar.
O risco na sociedade contemporânea dialoga com os denominados
avanços promovidos no campo da tecnologia e da ciência, o que retorna a
questão de se os indivíduos estão dispostos ou detém aprendizado suficiente
para eleger os riscos nos quais irão apostar seu futuro.
Realizadas escolhas por estes indivíduos, a alienação não será capaz de
irracionalizar a conduta, mas apenas reduzir a capacidade de reflexividade e
SUMÁRIO
com isto afastando a compreensão completa do processo.
Com isso, o risco passa incólume e se enraíza, sem quaisquer maiores
discussões na sociedade contemporânea, até que sua percepção seja im-
provável. “A pluralização imanente do risco também questiona a raciona-
lidade dos cálculos de risco. Por outro lado, a sociedade não é modificada
apenas pelo que é visto e intencional, mas também pelo que não visto e
pelo não intencional.” (BECK, 2012, p. 269) Todavia, é necessário advertir
que não se pretende reduzir completamente o social ao cultural como tam-
bém propõe Mary Douglas e Arron Wildavsky (2012), mas sim verificar
que parte da racionalidade empregada, sob a premissa da Teoria Social da
Estruturação.
Desta forma, o consumo como força motriz de interações sociais ou
mesmo considerado como força produtiva neste cenário, pode expor ou
acrescer um véu sobre o risco, pois como verificado as verdades científicas
são bastante influenciadas no processo de modernização. Ocorre, ainda, a
integração do terceiro elemento de um tripé neste contexto, que é a reper-
cussão ao ambiente, pois é sabido que os riscos, não são apenas ao indivíduo,
se é que se pode considerar o indivíduo como fora do ambiente, mas também
é impactante diretamente ao ambiente.
5 CONSIDERAÇõES FINAIS
Por muito tempo o Direito não se relacionou adequadamente com as demais
Ciências Sociais, o que de toda sorte trouxe enormes prejuízos epistêmicos,
tendo em vista a redução da capacidade de reflexividade. Todavia, com uma
abertura mais contemporânea, em especial, com as contribuições de estu-
diosos da denominada Escola de Frankfurt foi possível entender a indispen-
sabilidade destes diálogos, eis que o encastelamento dogmático não permitia
avançar sobre as demandas das complexas sociedades em transformação.
As relações entre a Sociedade Contemporânea, a Ciência e Indústria,
só faz ampliar a complexidade, ou como prefere Leonel Severo Rocha
(2013), uma hipercomplexidade. Cenário este que não suporta ser lido pelas
mesmas lentes do direito não reflexivo, pois fenômenos como Risco que
foram resignificados nesta quadra da modernidade trazem consigo dificul-
dades extras ao Direito. Entretanto, as dificuldades retornam, quando se fala
de fenômenos não bem compreendidos no âmbito de outras ciências como
o Consumo.
SUMÁRIO
A compreensão do Consumo como um fator que necessidade de regu-
lação, controle, regulamentação, normatização é o que o Direito de matriz
positivista propõe e, isto dificulta o processo de aprendizagem dos indiví-
duos. O Consumo é em suma um fenômeno que pode ser considerado como
centralizador de um processo de promoção de risco ao Ambiente, pois não
se pode afastar sua consideração de força produtiva e que merece destaque
na Sociedade Contemporânea.
Todavia, há uma necessidade de acompanhar nas questões ambientais
o amadurecimento de um campo de estudos dentro da Sociologia, qual seja,
a Sociologia Ambiental, que embora incipiente, vem para reapropriar o ca-
ráter social do Ambiente e abrir os flancos à nova racionalidade que se fun-
damenta na Epistemologia Ambiental de Enrique Leff (2010b) que enlaça
de maneira interdisciplinar na temática em discussão.
Assim, resignificar o Consumo dentro da Racionalidade Ambiental
proposta por Enrique Leff (2006), visa em síntese congregar conhecimento
e saberes, permitindo que o Direito mantenha uma relação mais próxima
com fenômenos deste estágio da modernidade como Risco e Consumo. É
indispensável a premissa que o Consumo na Sociedade Contemporânea é
promotor de Risco ao Ambiente, eis que a Tecnologia e a Ciência que em
dada medida estão alinhadas com o processo da industria e por consequência
do comércio, relativizou a conformação da verdade neste contexto.
A Sociedade Contemporânea e sua complexidade sempre desafiaram
o Direito, mas as repostas deste, em um diálogo interdisciplinar, promoven-
do aprendizagem não têm sido o norte nas últimas décadas. Os Riscos que
transpassam do Consumo ao Ambiente e, justamente por este motivo, ne-
cessitam de reflexividade e monitoramento, urgem por uma Racionalidade
Ambiental, construída no Social e no Ambiental. Afinal, possibilidades ou-
tras de análise no âmbito do Direito só podem e só irão ocorrer com essa
abertura à Racionalidade Ambiental.
SUMÁRIO
NOTAS
No mesmo sentido, para Ulrich Beck (2011, p. 41, grifo do autor) os “[...]
riscos são inicialmente bens de rejeição, cuja inexistência é pressuposta até prova
1
em contrário - de acordo com o princípio: ‘in dubio pro progresso’, e isto quer
dizer: na dúvida, deixa estar. [...] Os riscos podem ser legitimados pelo fato de
que sua produção não foi nem prevista, nem desejada. As situações de ameaça
precisam, portanto, na civilização cientificizada, romper o privilégio da tabulari-
zação que as cerca e ‘nascer cientificamente’.”
presente. Em seu lugar, entra o futuro, algo, todavia, inexistente, construído e fic-
tício como ‘causa’ da vivência e da atuação presente. Tornamo-nos ativos hoje
para evitar e mitigar problemas ou crises amanhã ou depois de amanhã, para tomar
precauções em relação a eles - ou então justamente não.” (BECK, 2011, p. 40,
grifo do autor)
to, a ciência pode, do mesmo modo, aumentar a lacuna, entre o que se sabe e o que
se gostaria de saber. O que seria preciso para compreendermos em sua plenitude
os riscos que corremos? Nada menos que o conhecimento total (uma resposta
louca para uma pergunta impossível).” (DOUGLAS; WILDAVSKY, 2007, p. 3)
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
__________. (Org). Cultura Global: Nacionalismo, Globalização e Moder-
nidade. 3. ed. Tradução de Attílio Brunetta. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
SUMÁRIO
MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade industrial: o homem unidi-
mensional. 6. ed. Tradução de Giasoné Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar Edito-
res, 1978.
SUMÁRIO
TEORIA SOCIOLÓGICA CLÁSSICA E DIREITO:
UM ESTUDO SOBRE MAX WEBER E A
RACIONALIZAÇÃO DA ESFERA JURÍDICA.
Mariana Motta Vivian1
Abstract: This paper discusses the issue of the legal sphere rationalization
in Max Weber ‘s work. It aims to draw some considerations and initial
notes that allow the identification of relevant aspects of his theory for the
understanding and reflection on the law. It is therefore an initial study which
aims to provide a starting point for further studies. To do so, it uses some
writings of the author and also supporting texts for the interpretation of his
formulations. The text begins by elucidating what the author understands
by law, and then goes on to approach it process of rationalization in re-
lation to other spheres of social life: the religious sphere, the political
sphere and the economic sphere. In the end, it seeks to bring some final
considerations that synthesize the content addressed and call into question
the sense of the law in the way it is understood in the contemporary world.
SUMÁRIO
Keywords: Law; Max Weber; Rationalization; Classical sociological theory.
INTRODUÇÃO
O que caracteriza a modernidade? De forma geral, pode-se dizer que essa é
uma questão que acompanha o trabalho desenvolvido pelos autores clássicos
da sociologia, como Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Este último
identifica no processo de racionalização dos vários segmentos da vida social
uma de suas marcas principais.
Desta forma, o presente trabalho buscará abordar aquilo que pode ser
denominado como a “teoria da racionalização”, formulada por Max Weber,
e sua relação com uma forma específica de ordenação normativa da vida so-
cial: o direito. Embora seja algo observado, na maior parte dos casos, como
uma questão secundária ou incidental nas releituras sociológicas de sua
obra, o fenômeno jurídico aparece, para o autor, como um aspecto impor-
tante que marca a vida social e as transformações pelas quais passava a so-
ciedade de seu tempo.
Para tanto, este estudo recorre a alguns escritos do autor e também se
ampara em obras e textos de apoio para a interpretação de suas formula-
ções. O objetivo, portanto, é traçar algumas considerações e apontamentos
iniciais sobre o tema da racionalização da esfera jurídica em Max Weber,
que possam fornecer alguns marcos relevantes de sua teoria para aprofun-
damentos posteriores. Assim, o texto começa por elucidar o que autor en-
tende por direito, passando, posteriormente, a uma abordagem de seu pro-
cesso de racionalização em relação com outras esferas características da
vida social: a religiosa, a política e a econômica. Ao final, busca trazer al-
gumas considerações finais que sintetizam o conteúdo abordado e colocam
em questão o sentido do direito da forma em que é compreendido na con-
temporaneidade.
SUMÁRIO
Os elementos destacados até aqui levam a crer, como afirmava Trubek
(2007, p. 158), que, ao analisar as relações de direito na sociedade, Weber
preocupou-se em destacar duas dimensões e suas respectivas variações: o
seu grau de racionalidade e a natureza de sua legitimidade. A primeira estaria
associada à criação e aplicação de normas, e a segunda aos seus aspectos de
fundamentação e manutenção.
Além disso, Schluchter acrescenta que, segundo o pensamento webe-
riano, a racionalização formal e material do direito mantém uma relação an-
titética, isto é, que quanto mais progride o desenvolvimento jurídico, menos
compatíveis se fazem as racionalidades procedurais e substantivas:
SUMÁRIO
lei, a dessacralização do direito, e põe de pé o moderno Estado laico como do-
mínio da lei (PIERUCCI, 1998, p. 49).
Pierucci (1998, p. 53) destaca o fato de que, sob muitos aspectos, a re-
construção weberiana da racionalização do direito se assemelha a raciona-
lização da esfera religiosa que opera no Ocidente, que vai desde a “elimina-
ção da magia como meio de salvação”, passando pela “sistematização
teológico-racional da doutrina revelada”, até a “sublimação ética”. Isto é,
“o ponto de partida é sempre sacral; o ponto de chegada, dessacralizado”
(PIERUCCI, 1998, p. 53). É neste sentido que o autor chega a afirmar que
o quadro geral da racionalização jurídica poderia ser denominado como o
“desencantamento do direito” ou o “desencantamento da lei”.
A relação entre tais processos, portanto, caminha no sentido da sua au-
tonomização. O direito, antes revelado religiosamente, passa a adotar mé-
todos e procedimentos cada vez mais racionais, com o crescente descrédito
de sua antiga forma de operação, que passa a ser entendida como irracional
e arbitrária. Desta forma, abre-se caminho para a constituição de uma lógica
interna própria, “capaz de fundamentar-se a si mesma de modo reflexivo
sem ter de recorrer a forças supra-sensíveis ou a normas já dadas de qualquer
natureza” (PIERUCCI, 1998, p. 54).
SUMÁRIO
ESFERA pOLÍTICA: ESTADO MODERNO E
RACIONALIZAÇÃO JURÍDICA
No entanto, como referido, a constituição desta forma racionalizada de di-
reito está em profunda relação com a racionalização de outras esferas. Além
da necessária separação entre esferas normativas, Weber demonstra que o
direito moderno só se constitui enquanto tal dada a emergência de determi-
nadas estruturas políticas. Há, portanto, uma relação bastante próxima, e de
“mão-dupla”, entre o direito racional formal e o estado burocrático moderno.
A ideia de dominação desenvolvida pelo autor aparece, nesse sentido,
como um elemento chave para a compreensão dessa relação. A este respeito,
Giddens (2005, p. 218) refere que se trata de um conceito relativo “aos casos
de exercício de poder em que um agente obedece a uma ordem específica
dada por outrem”, sendo “o caráter legítimo de que a subordinação se reveste
aos olhos dos próprios subordinados” seu principal sustentáculo9. Assim
como o faz com outras noções, Weber distingue tipos ideais de legitimidade
com base na relação de dominação, isto é, diferencia fundamentos de legi-
timidade da dominação: a tradicional, a carismática e a legal10.
Originariamente, encontra-se, portanto, ordens validadas pelo caráter sa-
grado da tradição, isto é, daquilo que sempre existiu. Com as criações novas e
conscientes de ordens vem, primeiramente, a fé sagrada, naquilo que é revelado
ou exemplar, e, depois, também a fé axiológica-racional, naquilo que se tem
por absolutamente valioso. Por fim, adviria a forma mais corrente, relacionada
à crença na legalidade, por efeito de estatutos positivos (WEBER, 2010, p. 69-
71). Como exemplo de dominação tradicional, Weber refere o patriarcalismo,
baseado em “relações de piedade rigorosamente pessoais” e na “crença na in-
violabilidade daquilo que foi assim desde sempre” (WEBER, 1999, p. 234). O
princípio de legitimação da dominação tradicional residiria, portanto, na au-
toridade pessoal, por meio de uma tradição que prescreveria obediência a tal
autoridade. Já a dominação carismática estaria relacionada a um “portador de
carisma”, que “assume as tarefas que considera adequadas e exige obediência
e adesão em virtude de sua missão”, a qual, segundo seu sentido e conteúdo,
em regra se dirige “a um grupo de pessoas determinado por fatores locais, ét-
nicos, sociais, políticos, profissionais ou de outro tipo qualquer” (WEBER,
1999, p. 324). Assim, a dominação carismática corresponderia a uma “entrega
ao extraordinário” (WEBER, 1999, p. 198), geralmente personificado em re-
dentores, profetas ou heróis. Por fim, a dominação legal estaria baseada na
existência de uma autoridade que assim o é considerada em razão das normas
estatuídas, as quais são “racionalmente criadas, apelam ao senso da legalidade
abstrata e baseiam-se em instrução técnica” (WEBER, 1999, p. 234). A vali-
dade do poder de mando nesse tipo de dominação está intrinsecamente rela-
cionada com tal sistema de regras, que, além de regular as condutas sociais,
também autoriza o exercício de poder da autoridade legítima.
SUMÁRIO
Aqui, contudo, é preciso ter um cuidado: o direito não se encontra as-
sociado apenas a este último tipo de dominação. Como já referido anterior-
mente, o direito, da forma como Weber o compreende, assume diversas for-
mas ao longo da história. Como esclarece Freund:
Todo agrupamento humano, qualquer que seja ele, exige para subsistir que
seus membros se submetam a regras comuns, capazes de o compelir se
assim for preciso. Foram esses usos de caráter coercitivo e proveitosos para
a atividade comum dos interessados, que formaram o direito e são eles que
continuam a torná-lo indispensável. O fato de em nossos dias a regulamenta-
ção jurídica se fundamentar em textos de lei não modifica a essência do di-
reito. A lei é o meio técnico recente de um modo de fazer mais antigo
(FREUND, 2003, p. 186).
Weber (1999, p. 212) argumenta que uma das razões decisivas para o
avanço das organizações burocráticas no mundo moderno advém de sua “su-
perioridade puramente técnica sobre qualquer outra forma”11. Seu funcio-
namento estaria marcado por qualidades como precisão, rapidez, continui-
dade, uniformidade, conhecimento, entre outros. Ele ressalva, no entanto,
que tamanha “objetividade” e “perfeição técnica” (1999, p. 216) não se ma-
nifestam de forma absoluta na realidade social concreta. O mesmo pode ser
associado ao direito em sua lógica formal-racional: questiona-se, na prática,
qualidades como a ausência total de lacunas, a existência de juízes comple-
tamente autômatos na sua aplicação e a criação de normas que não exijam
em nenhum grau uma aplicação individualizante.
SUMÁRIO
Importa, contudo, destacar o fato de que, por detrás do “ato de uma au-
têntica administração burocrática encontra-se um sistema de ‘razões’ racional-
mente discutíveis, isto é, a subsunção a normas ou a ponderação de fins e
meios” (WEBER, 1999, p. 216). Com o direito ocorre o mesmo, isto é, a exi-
gência de uma igualdade jurídica e o rechaço a arbitrariedades se fia na obje-
tividade racional formal da administração enquanto um de seus pilares funda-
mentais de funcionamento. A reflexão de Weber a este respeito é reveladora:
CONSIDERAÇõES FINAIS
Como demonstrado, a racionalização do direito, enquanto uma das marcas
da modernidade para Weber, possui profunda relação com a racionalização
de outras esferas da vida social, como a religião, a política e a economia.
Weber procura demonstrar que, se antes tais aspectos viam-se sobrepostos
e intrinsecamente conectados, com o processo racionalizador pelo qual
passa a civilização ocidental eles ganham uma crescente autonomia fundada
em racionalidades próprias.
O direito, nesse cenário, aparece como uma esfera autônoma das de-
mais, com fundamentos de justificação próprios, marcado por qualidades
como a dessacralização, a especialização, a codificação, a sistematicidade,
a lógica, a abstração, a objetividade, a impessoalidade, a previsibilidade e
SUMÁRIO
a certeza. Esse conjunto de características fornece o meio necessário, e, ao
mesmo tempo, constitui-se a partir da secularização e da burocratização da
organização social por meio do Estado moderno, assim como da formação da
economia de mercado, isto é, do capitalismo moderno. Assim, o direito formal
racional torna-se ordem legítima, sendo, ele mesmo, seu próprio princípio le-
gitimador, garantindo uma dominação que tem como base a orientação das
condutas pela crença na legalidade das formas e autoridades instituídas.
O Estado moderno passa a deter o monopólio da produção e aplicação
de normas de comportamento passíveis de coação, esta última também sob
sua responsabilidade. Qualquer outra fonte de organização normativa da so-
ciedade torna-se secundária e o direito faz-se, além de autônomo, supremo.
Separado da religião, da política e da economia, o direito adquire proemi-
nência no controle social na medida em que se fundamenta na racionalidade
de criação e aplicação das regras que o compõem. Isso fornece o terreno
necessário para a formação de um corpo especializado de profissionais aptos
a pensar unicamente acerca dessa esfera da vida social, promovendo, inclu-
sive, a sua acepção enquanto ciência autônoma.
Nesse sentido, as contribuições de Weber mostram-se de grande valia
para evidenciar o processo histórico que leva a formação do direito tal qual
se conhece hoje no Ocidente, assim como para pensar questões contempo-
râneas envolvendo a organização e regulação da vida social. Não se pode
afirmar com certeza até que ponto o autor trata o direito como esfera pro-
priamente autônoma e destacada do mundo social, nem o quanto questiona
as qualidades atribuídas ao ordenamento jurídico racional formal. Mas suas
reflexões podem ser um ponto de partida para aqueles que querem com-
preender como se criam e se mantém as normas de condutas na modernida-
de, quais fundamentos permitem a sua justificação e se tais fatores de fato
correspondem à realidade concreta.
Se o processo de racionalização da sociedade em suas múltiplas esferas
remonta à necessidade humana de atribuição de sentido à ação, necessidade
esta que resulta na busca por ações mais eficazes, produtivas, compreensí-
veis e controláveis, este, por sua vez, também é o mesmo processo que leva
à perda de sentido do mundo, “engaiolado” em lógicas próprias, totais e ine-
vitáveis. Este é o paradoxo da modernidade que Weber procura evidenciar.
Nesse sentido, a partir do momento em que passa a justifica-se e legitimar-
se socialmente com base, unicamente, em seu corpo formal e logicamente
produzido de normas, e não mais em aspectos materiais de seu conteúdo,
isto é, na medida em que deriva sua legitimidade de si mesmo, a partir da
crença na legalidade, não estaria também o direito, enquanto forma por ex-
celência de resolução dos conflitos e de regulação da vida social contempo-
rânea, destituído de sentido? Este paradoxo, que remete à discussão legali-
dade versus legitimidade, assim como as reflexões e questões mais amplas
SUMÁRIO
que o pensamento weberiano traz à tona, tal qual sua concepção plural de
direito ou sua noção de poder associado à dominação legal-burocrática, per-
mitem encontrar em Weber a base de muitas das questões e problematiza-
ções enfrentadas pela sociologia do direito contemporânea.
SUMÁRIO
NOTAS
2
Vide capítulo VII – Sociologia do Direito (WEBER, 2004, p. 1-153).
reito público e direito privado, uma distinção entre direito positivo e direito
natural, e uma distinção entre direito objetivo e direito subjetivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SUMÁRIO
ber’s Developmental History. Berkeley And Los Angeles: University Of Ca-
lifornia Press, 1981. Tradução de: Guenther Roth.
SUMÁRIO
QUEM É O USUÁRIO DE MACONHA QUE VAI PRESO?
UM ESTUDO SOBRE OS USUÁRIOS DE MACONHA
DETIDOS EM BELO HORIZONTE ENTRE 2016 E 2017
WHO IS THE MARIJUANA’S USER THAT IS ARRESTED?
A STUDY ABOUT THE MARIJUANA’S USERS ARRESTED IN
BELO HORIZONTE AMONG 2016 E 2017
Resumo: Esse artigo trata de fatores que podem influir para que alguém
se torne um usuário de maconha e seja detido por crime. Observou-se a
influência dos controles sociais informais (igreja, escola e família) na vida
dos usuários de maconha conduzidos à determinada delegacia de Polícia
Civil na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Também foram
analisados os dados de ocorrências policiais pelo crime de “uso de dro-
gas” na cidade de Belo Horizonte. Em seguida, foi discutida a legalização
das drogas. Os fundamentos da proibição das drogas deveriam ser a pro-
teção da saúde e a preservação de vidas. Entretanto, ela faz com que os
menores de idade (que deveriam ter a saúde mais protegida) tenham fácil
acesso às drogas. Por outro lado, o número de mortes causadas direta-
mente pelo uso de drogas (por overdose, por exemplo) é mais baixo que
os homicídios que só existem porque as drogas são ilegais. Assim, anali-
sando a saúde, a proibição das drogas causa mais danos nos mais frágeis
e, observando as vidas salvas, há mais vidas perdidas (por homicídios)
do que salvas (evitando overdoses). Diante disso, percebe-se que a proi-
bição às drogas causa mais malefício do que benefício social.
Abstract: This article research the factors who can influenciate someone to
became a marijuana’s user arrested by crimes. The influence of the informal
social controls (church, school and family) ware measured in the lives of
SUMÁRIO
the marijuana’s users arrested in a specific police post in the city of Belo
Horizonte, state of Minas Gerais, Brazil. Also were analyzed databases
of police’s registers for the crime of “use of drugs” in the city of Belo Hori-
zonte. After that, the drugs legalization was discussed. The foundations of
drugs prohibition should be the health’s protection and the lives saving.
However, the drugs’ prohibition make the underage people (who should
have the health more protected) heave easily access to the drugs. In other
point of view, the number of deaths caused directly by the use of drugs (by
overdose, for instance) is much smaller than the homicides who happen
only because the drug’s commerce is illegal. This way, focusing the health,
the drug’s prohibition causes more trouble to the more fragile, the younger’s,
and, focusing the lives’ saving, it produces more deaths (for homicides) that
avoid deaths (avoiding overdoses). For those reasons, we realize that the
drugs’ prohibition causes more bad than good for the society.
MÉTODO DE ANáLISE:
Foram utilizadas duas fontes de dados de acesso restrito e os quais foram com-
parados com pesquisas acessíveis à população em geral através da internet.
A primeira fonte restrita de dados foi uma pesquisa aplicada através de
formulários de múltipla escolha (survey) oferecidos a todos os usuários de
maconha detidos e conduzidos à Delegacia de Polícia Civil Adida ao Juizado
Especial Criminal de Belo Horizonte (Delegacia Adida ao JECrim/BH) por
porte de drogas para uso próprio (artigo 28 da lei 11.343/06) no período de
1º de setembro a 31 de outubro de 2017.
A segunda fonte restrita constituiu-se de dados obtidos junto à Polícia
Civil de Minas Gerais (PCMG), extraídos pela Superintendência de Infor-
mação e Inteligência Policial (SIIP) de Boletins de Ocorrências (BOs) re-
gistrados pelos diversos órgãos de segurança do Estado de Minas Gerais
(MG) (como Polícia Militar, Polícia Civil, Guardas Municipais, etc.) cuja
natureza do crime continha a classificação “Uso e consumo de drogas”.
hISTÓRICO DA pESqUISA:
As entrevistas foram realizadas na Delegacia de Polícia Civil Adida ao JE-
Crim/BH que é um dos principais pontos de confluência dos usuários de
SUMÁRIO
drogas capturados pelos agentes de segurança. No mês de julho de 2017, o
pesquisador começou a entrevistar informalmente os usuários detidos na-
quela unidade obtendo alguns parâmetros que embasariam a pesquisa.
Logo após verificar informações preliminares sobre o perfil dos usuá-
rios de maconha, começou-se a esboçar um formulário padronizado de modo
a permitir uma aferição mais objetiva das respostas.
Para evitar que o entrevistado optasse por uma alternativa que não re-
presentasse exatamente o que ele pensa, o pesquisador entrevistou os usuá-
rios de maconha sem expor as alternativas. Com base no que eles esponta-
neamente diziam, as perguntas e alternativas do formulário foram sendo
adaptadas ao longo dessa fase. A aplicação do Formulário Teste permitiu
uma obtenção de perguntas mais coerentes e respostas mais claras e objeti-
vas de acordo com o pensamento dos usuários.
Em 1º de setembro de 2017, iniciou-se a aplicação do Formulário Pa-
drão, já amadurecido por aproximadamente um mês e meio de testes ante-
riores. Essa coleta se estendeu pelos meses de setembro e outubro de 2017.
Finalizada a coleta dos dados por meio da aplicação do Formulário Pa-
drão aos usuários de maconha conduzidos até à Delegacia Adida ao JE-
Crim/BH, seguiu-se à entabulação e análise dos dados que se deu no mês de
novembro de 2017. Nesse mesmo mês, houve apresentação deste trabalho
no VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia
do Direito (ABraSD). A discussão do trabalho trouxe várias contribuições
que foram incorporadas a este artigo.
hIpÓTESES TESTADAS:
Só estudo 2 0 2 5% 6%
SUMÁRIO
Não respondeu 3 1 4 11%
37 100%
Verificou-se que a proporção das pessoas “sem ocupação”, que não tra-
balham nem estudam, é de 21%, ou seja, de acordo com o teste, o uso de ma-
conha não decorre da falta de ocupação.
18 a 22 a 25 a 31 a Acima Percentual
P 21 - Alerta sobre Percentual
21 24 30 40 de 40 Total dos que
as drogas na escola absoluto
anos anos anos anos anos responderam
Algum funcionário da
escola aconselhou a
1 1 - - - 2 5% 6%
evitar drogas depois
que eu já estava usando
37 100%
SUMÁRIO
Quanto aos homens, a escolaridade acima dos 25 anos têm papel dúbio.
A proporção de analfabetos dentre os envolvidos em uso de drogas é menor
que a média da população de Belo Horizonte. Isso poderia indicar que os
usuários de drogas seriam mais escolarizados. Entretanto, a proporção de
envolvidos em uso de drogas com nível superior de escolaridade é menor
que a população de Belo Horizonte em geral. Além disso, o grupo de envol-
vidos com escolaridade indefinida é significativo e poderia alterar qualquer
conclusão a respeito.
37 100%
Nota-se que o fato de o usuário de maconha ter sido criado por pai e
mãe juntos não diminuiu a possibilidade de ele usar maconha uma vez que
53% dos usuários de maconha detidos que responderam a essa pergunta
SUMÁRIO
foram criados por ambos os pais. Ademais, é cada vez mais comum o divór-
cio no Brasil e, apesar disso, o índice dos que foram criados somente por
um dos pais é de apenas 27% (“Somente pela mãe” + “Somente pelo pai” +
“Mãe e padrasto”).
Por outro lado, a ausência simultânea de ambos os pais parece influir
bastante para o uso de maconha dos usuários que são conduzidos à Delegacia
Adida ao JECrim/BH uma vez que 21% dos que responderam não dispuse-
ram da companhia de nenhum dos genitores (“Ninguém - menino de rua” +
“Avô e/ou avó” + “Outros parentes”).
A metade bebe 3 0 3 8% 8%
Não respondeu 1 0 1 3%
37 100%
SUMÁRIO
USO DE TABACO pOR qUEM CRIOU O USUáRIO DETIDO
Diante disso, buscou-se verificar se o exemplo do uso do cigarro conven-
cional, de tabaco, influiria no consumo de maconha pelos usuários detidos
e conduzidos à Delegacia Adida ao JECrim/BH.
A metade fuma 0 2 2 5% 6%
Não respondeu 1 0 1 3%
37 100%
SUMÁRIO
Uso de maconha por familiares de usuários de maconha detidos na Delegacia Adida ao
JECrim/BH - set e out 2017
Não respondeu 1 1 2 5%
37 100%
SUMÁRIO
Em casa não havia fartura,
14 2 16 43% 47%
mas nunca faltou o essencial
Não respondeu 2 1 3 8%
37 100%
Não respondeu 1 1 2 5%
37 100%
SUMÁRIO
Verifica-se que o fato de haver responsáveis pela criação “ensinaram
o certo” não impediu que os usuários de maconha viessem a ser conduzidos
por crime à delegacia uma vez que 80% deles afirmaram que foram orien-
tados, sob o ponto de vista moral, corretamente.
Não respondeu 2 1 3 8%
37 100%
SUMÁRIO
Orientações da família ao usuário de maconha conduzido à Delegacia Adida ao JECrim/BH para
prevenção ao uso de drogas BH - set e out 2017
Percentual
P 20 - Alerta 18 a 22 a 25 a 31 a Acima
Percentual dos que
sobre as drogas 21 24 30 40 de 40 Total
absoluto respondera
em casa: anos anos anos anos anos
m
Quem me criou me
incentivou a usar - - - - - - 0% 0%
drogas
Nunca me falaram
- - - - 2 2 5% 7%
para evitar drogas
Quem me criou
aconselhou a evitar
drogas depois que 6 1 2 - - 9 24% 30%
eu já estava
usando
Antes de eu usar,
já era alertado 7 5 5 2 - 19 51% 63%
para não começar
37 100%
Nota-se que o fato de haver alertas em casa foi irrelevante para evitar
que o indivíduo se tornasse usuário de maconha futuramente conduzido à
Delegacia Adida ao JECrim-BH. Somente 7% dos que responderam a essa
pergunta não foram orientados em casa sobre evitar o uso de drogas.
PRESENÇA DE RELIGIOSIDADE
A hipótese “o uso de drogas é falta de Deus” não é cientificamente testável
de modo direto já que a existência e o modo de atuação desse ente não são
calculáveis por critérios objetivos. Contudo, é possível auferir a religião do
usuário e a frequência a cultos religiosos o que, de certa forma, pode indicar
a religiosidade do entrevistado.
SUMÁRIO
Religiosidade da população Belo Horizontina
Usuários de maconha
População residente em
P 22 - Religiosidade detidos da Delegacia
BH (IBGE 2010)
do Jecrim/BH (2017)
Espírita 3% 3% Espírita 4%
Ateus 6%
Agnósticos¹ 9%
Outras
29% 11%
Espiritualista, mas sem religião espiritualidades ²
11%
definida
Minorias religiosas³ 3%
1 - Essa tabela está utilizando o termo "agnóstico" para representar as pessoas que não
acreditam nem duvidam de coisas espirituais.
2 - O censo encontrado no site do IBGE sobre Belo Horizonte não discrimina ateus,
agnósticos, sem religião definida e minorias religiosas.
Usuários de drogas
P 23 - Com que frequência vai a População do Brasil
detidos em BH
alguma igreja ou local de culto? (Datafolha 2016)
(2017)
SUMÁRIO
Frequenta menos de uma vêz ao mês¹ 23,53% 6,00%
1 - Esse parâmetro foi definido como equivalente aos termos "Uma vez a cada seis meses" e "Uma vez
por ano" da pesquisa Datafolha 2016
2 - Esse parâmetro foi definido como equivalente aos termos "menos de uma vez por ano" e "não
costuma ir" da pesquisa Datafolha 2016
Falta com
5 1 6 16% 20%
frequência.
Sempre falta. 0 0 0 0% 0%
37 100%
SUMÁRIO
Pelas respostas, conclui-se que o comércio de maconha não é tão fácil.
Isso é perceptível porque os entrevistados dizem que existe eventual falta
da droga nos pontos de venda, 73% deles afirmam que, em algum momento,
há falta. Assim, é possível afirmar que comprar maconha não é mais fácil
do que comprar pão em uma padaria.
De fato, a ameaça de ação policial consegue minimizar o tráfico nos
locais mais visados, áreas centrais e grandes centros comerciais. Em outras
palavras, não é possível estabelecer um local fixo de venda de drogas (boca-
de-fumo) no centro financeiro de uma grande cidade, o comércio nessas
áreas pode ser feito apenas por vendedores avulsos (aviõezinhos) e as ne-
gociações são menos intensas se comparadas com o ponto fixo.
Ademais, não é todo lugar que serve como um bom ponto de venda de
drogas. O local ideal deve ser de difícil fiscalização para a polícia e ser pró-
ximo do consumidor. Em decorrência dessa raridade de biomas aptos à pro-
liferação do tráfico, passa a haver uma disputa territorial. Os vendedores
brigam pelo domínio do território e, em alguns casos, buscam impor feudos
com leis próprias.
SUMÁRIO
Mortes por drogas no Brasil entre 2006 e 2010
CONCLUSõES
A pesquisa não estabelece hipóteses como causas necessárias de uso de ma-
conha ou de cometimento de crime isoladamente. Todos os que responderam
à pesquisa são usuários de maconha e suspeitos da prática de infração penal.
Verifica-se que o uso de maconha por parte dos usuários de maconha
detidos na Delegacia Adida ao Jecrim/BH não decorre da falta de ocupação.
Avisar sobre os malefícios das drogas na escola também não demons-
trou ter forte influencia para que o sujeito não utilize maconha.
Haver alertas em casa para a prevenção ao uso de drogas foi irrelevan-
te para evitar que o indivíduo se tornasse usuário de maconha conduzido à
delegacia.
Não é possível determinar se a escolaridade influencia o uso de drogas
ou o cometimento de infrações.
O usuário de maconha ter sido criado por pai e mãe juntos não diminuiu
a possibilidade de ele usar maconha e ser conduzido à unidade policial. Por
outro lado, a ausência simultânea de ambos os pais parece influir bastante
para que alguém se enquadre no grupo pesquisado.
Pessoas próximas consumirem álcool durante a criação do indivíduo
não é fator preponderante para que alguém venha a se tornar um usuário de
maconha do conduzido à Delegacia Adida ao JECrim/BH.
SUMÁRIO
O exemplo do consumo de tabaco também não é determinante para a
constituição desse grupo. Entretanto, nota-se que há certa relação entre o
fato de haver tabaco em casa e o sujeito passar ao uso de maconha. En-
quanto em 58% dos lares de usuários de maconha conduzidos à Delegacia
Adida ao JECrim/BH havia fumante de tabaco, na população em geral, há
17% de fumantes.
O exemplo do consumo de maconha em casa também não é fator pre-
ponderante na formação de um usuário de maconha a ser conduzido à De-
legacia Adida ao JECrim. Entretanto, de maneira semelhante ao que ocorre
no cigarro, há certa relação entre o fato de haver maconha em casa e o sujeito
passar ao uso de maconha. Enquanto havia maconha nos lares de 26% dos
usuários de maconha conduzidos à Delegacia Adida ao JECrim, apenas 3%
da população nacional usa maconha.
Haver dificuldades financeiras na infância não demonstrou ser algo re-
levante na constituição do grupo estudado.
Os responsáveis pela criação dos usuários de maconha detidos na De-
legacia Adida ao JECrim/BH “ensinarem o certo” não impediu que os usuá-
rios de maconha viessem a ser conduzidos por crime à delegacia. De maneira
semelhante, os exemplos de conduta dos familiares para a vida em geral
não foram decisivos para impedir que eles fossem suspeitos de cometer
fatos delituosos.
Verificou-se que a falta de uma fé não pode ser estabelecida como causa
do uso de maconha ou do cometimento de infrações pelo grupo pesquisado.
Entretanto, não frequentar regularmente uma igreja ou local de culto reli-
gioso é um fator relevante que pode contribuir para o usuário de maconha
ser conduzido à Delegacia Adida ao Jecrim/BH. Enquanto, 65% da popula-
ção brasileira frequentava ambientes religiosos, pelo menos, uma vez por
semana, menos de um terço dos usuários de maconha presos têm esse hábito
(29,41%).
O perfil dos usuários de maconha analisados indica que os controles
sociais informais (família, escola e igreja) estão presentes na vida dos usuá-
rios de maconha conduzidos à Delegacia Adida ao Jecrim/BH, entretanto
não têm se mostrado efetivos para impedir que eles venham fazer uso de
cannabis e serem levados a juízo por cometimento de infrações penais.
Por outro lado, as instâncias formais do controle social também não
conseguem conter o avanço do tráfico.
A proibição torna as drogas mais acessíveis para os menores de idade
que deveriam ser os mais protegidos contra a drogadição porque sofrem
mais danos à saúde quando expostos ao vício.
Se a função da proibição às drogas é salvar vidas, deve-se verificar
quantas vidas são salvas e quantas são perdidas em função da proibição.
Nesse contexto, percebe-se que o número de mortes por overdose ou doenças
SUMÁRIO
decorrentes diretamente do uso de drogas ilícitas é cerca de 200 vezes menor
que o de homicídios que ocorrem nas disputas do tráfico. Se as drogas não
fossem ilícitas, o controle territorial de uma área não faria sentido. Conse-
quentemente, as mortes decorrentes das disputas não existiriam.
Percebe-se que a chamada “guerra às drogas” é algo sem sentido. Ela
causa encarceramento, mortes, corrupção e aumenta a drogadição justamente
dos mais vulneráveis aos efeitos das drogas (os jovens). Por que a sociedade
deve seguir consumindo suas energias lutando em uma guerra perdida?
SUMÁRIO
BIBLIOGRAFIA E FONTES
GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re) pen-
sando a pesquisa Jurídica: Teoria e prática. 2ª ed. rev. amp. atu. Belo Ho-
rizonte: Editora Del Rey, 2006.
SUMÁRIO
rizonte: Destack, 2004. 88 p.
NERI, Marcelo Côrtes (coord). Novo Mapa das Religiões. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2011. Disponível em:
http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf Acesso
em 01 nov. 2017.
SUMÁRIO
GP 4 – LINGUAGEM E DIREITO
Coordenação: David Barbosa de Oliveira,
Virgínia Colares e Virgínia Leal
SUMÁRIO
RETÓRICA E DISCURSIVIDADE POLÍTICO-CRIMINAL:
APORTES INICIAIS PARA O DESENVOLVIMENTO
DE UMA REFLEXÃO FUNDADA NA TEORIA DO
DISCURSO DE ERNESTO LACLAU
Marcelo Buttelli Ramos
Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul/ Rio Grande do Sul
E-mail: mbuttelliramos@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Convém, desde logo, esclarecer sobre o contexto de onde emerge a pergunta
que deu azo à elaboração deste paper, qual seja: pode a noção de retórica
representar algo para além de um mero rótulo difamatório?
Conforme constatado por RAMOS (2016), aquele que se propõe a ana-
lisar o fenômeno que se convencionou chamar de “populismo penal” esbar-
ra, invariavelmente, na compreensão que consiste em representá-lo como
uma espécie de discurso ardiloso, moralista e eleitoreiro, mas, sobretudo,
retórico. As posições a seguir elencadas ilustram, com efeito, dito entendi-
mento.
Em estudo dedicado à análise das justificativas apresentadas pelos
membros Congresso Nacional para a produção e aprovação de normas pe-
nais, Luís Wanderley Gazoto veicula a seguinte conclusão:
SUMÁRIO
– ignorem a justiça internacional) como a preocupação de se usar uma retó-
rica populista, bem mais compreensível pelo ‘povão’ (‘réus bandidos’, ‘polí-
ticos bandoleiros’, ‘a pena não pode ficar barata’, ‘o sistema penal brasileiro
é frouxo’, ‘os juízes são flexíveis’, ‘Vossa Excelência advoga para o réu?’,
‘no Brasil o rico não vai para a cadeia’ etc.). (GOMES, 2013, p. 14)
SUMÁRIO
arte do bem dizer (ars scientia bene dicendi), à arte do ornamento dos discursos
mediante a alusão a “certas figuras de linguagem que os tornam mais atraentes
e coloridos” (idem).
Qualquer que seja o caso é possível afirmar, com alguma precisão, que
a explicação do fenômeno retórico foi, desde muito, substituída pela sua
condenação ética. É contra essa realidade que o paper se insurge.
Para pensar o potencial heurístico da retórica e das suas figuras de lin-
guagem para a análise dos discursos jurídicos, sobretudo aqueles pronun-
ciados pelos membros do parlamento, buscamos refúgio na teoria do dis-
curso elaborada pelo politólogo argentino Ernesto Laclau.
O fato de que todo objeto é constituído como objeto de discurso não tem nada
a ver com a existência de um mundo externo ao pensamento, nem com a opo-
sição realismo/idealismo. Um terremoto ou a queda de um tijolo é um evento
que certamente existe, no sentido de que ele ocorre aqui e agora, independen-
temente de minha vontade. Mas, o quanto sua especificidade como objetos é
SUMÁRIO
construída em termos de “fenômenos naturais” ou como “expressões da ira de
Deus” depende da estruturação de um campo discursivo. O que é negado não
é que tais objetos existem externamente ao pensamento, mas, de fato, a afir-
mação distinta de que eles podem constituir a si mesmos como objetos fora
de quaisquer condições discursivas de emergência. (LACLAU e MOUFFE,
2015, p. 181)
SUMÁRIO
2. AVENTURAS TROpOLÓGICAS: O DISCURSO
pUNITIVO ENTRE METáFORAS, SINÉDOqUES E
CATACRESES
Comecemos pela abordagem da metáfora.
Uma “metáfora”, como se sabe ou se costuma intuir, representa uma
figura de linguagem que ilustra um tipo de deslocamento semântico, funda-
do no princípio da analogia, que se realiza através da transposição de um
signo linguístico sobre outro.
No campo dos discursos político-criminais é possível cogitar da exis-
tência daquilo que chamamos de um processo de totalização metafórica de
significantes1.
Esse tipo de processo de significação pode ser percebido sempre quan-
do um significante incorpora, completamente, o significado de outro.
Isso acontece, por exemplo, quando, em um discurso parlamentar, a tu-
tela jurídico-penal é retratada, a despeito de seus conhecidos e elevados cus-
tos socioeconômicos, como uma espécie de sinônimo de instrumento de pa-
cificação de conflitos sociais, algo que se pode ver no âmbito da exposição
de motivos do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 846/2015, cuja
aprovação deu ensejo à promulgação da Lei Federal nº 13.142/2015, que,
por sua vez, integra ao rol dos crimes hediondos os crimes de lesão corporal
dolosa de natureza gravíssima e de lesão corporal seguida de morte, quando
praticados contra agentes de segurança pública:
A criação de causa de aumento de pena para este tipo de crime é crucial para
fortalecer o Estado Democrático de Direito e as instituições legalmente consti-
tuídas para combater o crime, especialmente o organizado, o qual planeja
gerar pânico e descontrole social, quando um ator do combate à criminalidade
é vítima de homicídio tentado ou consumado. (BRASIL, 2015, pp. 1-2)
O Código Penal que faça isso depois de constar de todo o seu corpo, defi-
nindo o que é crime hediondo. Se não fizermos isso, estaremos deixando os
criminosos mais vis, mais monstruosos à disposição de uma lei que lhes dará
os mesmos direitos de um ladrão de galinha. (PAIVA, 2009, p. 81)
SUMÁRIO
Essa falta de preocupação com relação à elucidação do conteúdo se-
mântico da expressão “crime hediondo” pode ser sentida também no campo
doutrinário, já que o debate outrora realizado em torno dessa importante
questão4 encontra-se desde muito adormecido, como se a questão, per se,
tivesse sido completamente superada.
Cabe observar, entretanto, que a necessidade de se dispensar a um de-
terminado conjunto de crimes o adjetivo “hediondo”, mesmo sendo possível
comunicar a sua especial gravidade através do incremento das penas comi-
nadas a estes delitos, embora tenha sido naturalizada, tratada, pois, como
autoevidente, ainda carece de justificativas mais claras e sistematicamente
elaboradas.
Na expectativa de reativar essa importante discussão, caberia cogitar,
em sede de hipótese, se preservação do caráter inominável (catacrético) do
significante “hediondo” não se presta a alguma função.
‘A aposta que este paper faz ao tentar caracterizar a expressão “crime
hediondo” como uma espécie de catacrese pode ser representa nos seguintes
termos: a sobredeterminação do significante “crime” pelo adjetivo “hedion-
do” propicia que o direito penal passe a expressar algo que o seu significado
ilustrado não consegue e nem poderia comunicar, sobretudo no âmbito de
um Estado Democrático de Direito: a existência de uma tendência político-
criminal autorreferente que abandonou, por completo, a necessidade de pen-
sar a legislação penal como instrumento de limitação dos excessos protago-
nizados tanto pelo lupus artificialis, como pela sua matilha (FERRAJOLI,
2010, p. 861); bem como a sedimentação da ideia de que há, no espaço co-
munitário, certos sujeitos que, em virtude da excepcionalidade das suas
ações, podem ser destituídos da sua condição de cidadãos para serem repre-
sentados, unicamente, como hostis, como inimigos internos5 que merecem
ser submetidos a um regramento jurídico excepcional cujo propósito é, fun-
damentalmente, a sua incapacitação6.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Ao longo deste trabalho, tivemos a oportunidade testar essa hipótese que
sugere que a Retórica e nas suas figuras de linguagem possuem valor heu-
rístico para a realização de análises discursivas, de corte político-criminal,
fundadas em termos filosófico-linguísticos.
No intuito de realizar o objetivo delineado logo no início deste artigo,
desenvolvemos quatro linhas argumentativas. Cada uma dessas delas foi,
com efeito, trabalhada à luz uma determinada figura da Retórica. Num pri-
meiro momento, debatemos a centralidade da metáfora para a compreensão
do processo de significação da realidade que serve de fundamento para a afir-
mação do caráter hegemônico da intervenção jurídico-penal; por conseguinte,
SUMÁRIO
identificamos a natureza metonímica dos significantes atualmente mobiliza-
mos para a construção da identidade da magistratura criminal; em seguida,
ressaltamos a importância da sinédoque para a compreensão da dinâmica do
processo discursivo de construção das identidades políticas coletivas invo-
cadas pela discursividade parlamentar relacionada ao universo normativo da
Lei dos Crimes Hediondos; por fim, discorremos brevemente acerca da vo-
cação catacrética do hediondo, um significante que, pelas razões já expostas,
não apenas opera no interior da discursividade parlamentar como o nome do
impensável, como também representa um verdadeiro dispositivo de exceção
no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.
O desenvolvimento dessas quatro linhas argumentativas pressupôs, no
entanto, a explicitação do significado atribuído a duas noções fundamentais
e interdependentes extraídas da teoria do discurso de Ernesto Laclau: Dis-
curso e Retórica. A primeira noção, lembremos, coloca em evidência o es-
tatuto ontológico da noção de discurso, que é representada, pelo autor, como
locus que abriga o processo de construção da objetividade dos signos que
compõem a realidade social. Segue-se daí, para o autor, que a própria noção
de objetividade é produto de um processo de significação que não pode pres-
cindir da observância de certas condições discursivas de emergência.
Se a noção de discurso denota, como crê Laclau, o território primário da
formação da objetividade dos fenômenos e das relações sociais, que papel
toca a Retórica? Assumir a concepção de discurso preconizada por Ernesto
Laclau significa, dentre outras questões, repudiar a dicotomia estampada na
oposição: literalidade versus figuração. É no intuito de demonstrar que lite-
ralidade e figuração não são essencialmente níveis distintos de um processo
de representação da realidade, mas sim momentos que pertencem a um mesmo
continuum, que a retórica e suas figuras de linguagem passam a adquirir im-
portância. Invertendo a ordem “natural” pressuposta pela crítica ao caráter
manipulatório da retórica, a teoria do discurso de Ernesto Laclau abdicará de
interpretar os deslocamentos tropológicos como tentativas malfadadas de fal-
sificação ou adorno do “verdadeiro” significado dos significantes mobilizados
no interior de um discurso. No lugar deste entendimento adotar-se-á outro, a
saber, de que a retoricidade é, repisamos, “inerente aos processos de signifi-
cação” (LACLAU, 2011, p. 195), quer dizer, que os deslocamentos semânti-
cos ilustrados pela Retórica e suas figuras são, a rigor, elementos indispensá-
veis para a construção do caráter literal/objetivo da realidade social
representada no interior dos discursos parlamentares analisados.
Com estes esclarecimentos podemos agora responder a este questiona-
mento que, ainda que de forma indireta, nos colocamos desde as primeiras li-
nhas deste artigo: goza a Retórica de algum valor heurístico para a análise dos
discursos político-criminais? Acreditamos que sim, sobretudo na medida em
que identificamos que a “realidade” serve de justificativa para a ampliação da
SUMÁRIO
normatividade penal tem o seu sentido estabilizado, em larga medida, por me-
táforas, sinédoques e, em alguns casos particulares, por catacreses.
SUMÁRIO
NOTAS
ceito que, por sua vez, designa um momento particular no processo construção
do caráter hegemônico de uma determinada ordem discursiva (LACLAU e
MOUFFE, 2015, p. 206), no qual as relações de contiguidade (metonímia) e ana-
logia (metáfora) que tornam equivalentes os termos articulados pelo discurso dão
lugar a uma relação de pura identidade. Em suma, totalizar metaforicamente sig-
nifica, muito simplesmente, representar como (logicamente) necessária, isto é,
como não contingente, a relação de contiguidade semântica que se estabelece entre
dois ou mais termos mobilizados no interior de um mesmo contexto discursivo.
2
A catacrese em questão foi problematizada por MACHADO (2013).
“por política criminal entende-se o conjunto de procedimentos por meio dos quais
o corpo social organiza respostas ao fenômeno criminal” (DELMAS-MARTY,
2004, p. 43).
4
Vide, no ponto, TORON (1999) e FRANCO (2000).
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SUMÁRIO
GOMES, Luiz Flávio; ALMEIDA, Débora de Souza de. Populismo penal
midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo:
Saraiva, 2013.
SUMÁRIO
TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos: Lei n. 8.072/90. Revista
CEJ, v. 3, n. 7, p. 32-39, 1999.
SUMÁRIO
DIREITO PENAL SIMBÓLICO: DAS NUANCES
LINGUÍSTICAS À REFLEXÃO POLÍTICO-CRIMINAL
Regina Célia Lopes Lustosa Roriz
Mestre em Direito - UFPE
Doutoranda em Direito- UNICAP
CONSIDERAÇõES INICIAIS
O trabalho ora resumido busca investigar as feições assumidas por um di-
reito penal voltado à formação de ideologias com forte direcionamento à di-
fusão de valores morais, ao qual se tem denominado direito penal simbólico.
Busca-se no estudo demonstrar: 1) as características desse direito, sobretudo
a partir da compreensão inter ou transdisciplinar, inclusive linguístico-prag-
mática, do termo simbólico; 2) o sentido atribuído a esse direito penal sim-
bólico no âmbito das práticas discursivas das ciências criminais, tanto dos
dogmáticos críticos como dos críticos da dogmática; e, concomitantemente,
os efeitos jurídico-políticos da função simbólica na perspectiva dessas ciên-
cias, tendo em vista, sobretudo, as funções legitimadoras e limitadoras do
jus puniendi estatal.
Sobre o método utilizado, o pressuposto é o de que a ideia de observa-
ções de particularidades para generalização a posteriori ou a ideia de teori-
zação a priori para corroborações posteriores pela observação dos fatos são
equivocadas.1 Assim, opta-se pelo método proposto por Karl Popper, o hi-
potético-dedutivo, pois se parte de uma ideia formulada conjecturalmente
para poder se extrair conclusões por deduções lógicas.2 A técnica utilizada
na construção da investigação é a da pesquisa bibliográfica em obras nacio-
nais e estrangeiras indicadas na bibliografia.
As conclusões construídas extraídas da pesquisa passam a ser sinteti-
camente apresentadas.
SUMÁRIO
menos, sob dois diferentes enfoques: o dos penalistas, liberais e progressistas
e o dos criminólogos críticos.
A reflexão sobre o direito penal simbólico está inserida no estudo das
funções atribuídas ao direito estatal de punir, que obviamente depende das
funções que se atribua à pena e à medida de segurança, meio, por excelência
da intervenção penal estatal.15 No entanto, de acordo com Mir Puig, tratar
dessas funções pressupõe o estabelecimento de uma distinção entre a função
ou as funções que efetivamente desempenha esse direito, uma análise mais
sociológica, e a função a ele atribuída como programa normativo, indepen-
dentemente, de haver ou não o cumprimento16.
No entanto, essa distinção, com os devidos aprofundamentos em cada
uma das funções, excederia os limites da proposta deste trabalho. Logo, res-
tringe-se apenas rememorar as funções consagradas pelo saber normativo
penal, focando-se mais a reflexão na relação entre essas funções e a confi-
guração de um direito penal simbólico.
Simplificada e resumidamente, as teorias sobre as funções da pena têm
sido agrupadas em três tipos: teorias absolutas, relativas e mistas. As pri-
meiras defendem ter a pena um fim em si mesmo, qual seja: retribuir o mal
causado para que haja a realização da justiça. As segundas defendem que a
pena tem uma finalidade que transcende a provocação de um mal, para essas
a pena tem uma utilidade social: prevenir delitos. As terceiras buscam com-
patibilizar as duas anteriores, logo defendem, como bem sintetiza Soler, que:
“ Pena é um mal ameaçado primeiro, e logo imposto ao violador de um pre-
ceito legal, como retribuição, consistente na diminuição de um bem jurídico,
e cujo fim é evitar delitos.17
A discussão sobre o direito penal simbólico se dá a partir das funções
de prevenção defendidas pelas teorias relativas e, mais precisamente, da
função de prevenção geral positiva, isto é, da finalidade que teria o direito
penal de informar e conscientizar da norma jurídica, evitando a delinquên-
cia. Essa função, que seria de ordem utilitária ou instrumental, seria então
excedida ou corrompida pelo direito penal simbólico. 18 Essa distinção é,
aparentemente, tênue, pois, em ambos os efeitos, está presente a prevenção
de condutas pela consciência da norma.
De acordo com Hassemer, a política não é só uma questão de poder e
interesses, mas também de oferta e proteção de símbolos, as quais têm um
potencial emocional e manipulador.19 Sendo assim, o direito penal, que de-
corre de opções políticas, também possui um caráter simbólico, o que a prin-
cípio, não seria reprovável.20 No entanto ele afirma que o termo simbólico
tanto tem sido usado para referir-se a uma característica do direito penal,
como para designar um direito penal que é somente simbólico.21
Ao buscar conceituar esse direito penal preponderantemente simbó-
lico, Hassemer reconhece a dificuldade da precisão, no entanto afirma
SUMÁRIO
haver uma espécie de ponto comum nas definições desse direito simbólico.
Em suas palavras:
SUMÁRIO
NOTAS
33.
guagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 9. ed. São Paulo:
Hucitec, 1999, p. 31.
SUMÁRIO
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Marxismo e filosofia da lin-
guagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da lin-
11
guagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 9. ed. São Paulo:
Hucitec, 1999, p. 35.
guagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 9. ed. São Paulo:
Hucitec, 1999, p. 36.
146.
SUMÁRIO
HASSEMER, Winfried. Derecho penal simbólico y protección de
bienes jurídicos. In: pena y Estado: función simbólica de la pena. São
21
SUMÁRIO
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurí-
dica: do controle da violência à violência do controle penal. 2. ed. Porto
31
SUMÁRIO
OS CRIMES DOS MENINOS EMASCULADOS DE
ALTAMIRA/PA: AS CAUSAS, O CASO E A NARRATIVA
PROCESSUAL
Rubens José Garcia Pena Junior
é graduando em Direito pela Universidade da Amazônia/PA.
Abstract: Between 1989 and 1993, in Altamira, Pará, Brazil, five boys
have had their sexual organs removed with utmost cruelty in the episodes
of violence known as “the case of emasculated boys from Altamira”. The
defendants were considered guilty, but months later, another person, in
the state of Maranhão, undertook responsibility for the crimes, nevertheless
there were already defendants in jail in the state of Pará. In the research
process regarding the speeches, we have tried to discover in which way
the narrative that were structured by the press conflicts with the narrative
SUMÁRIO
of the lawsuit, considering the truth as a construction of rules that has power
effects, starting from the theoretical-methodological approach of Foucault.
Based on the language that were used in the lawsuit and by the press, we
intend to think about the polysemic analysis of the speeches to understand
the crimes.
INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva analisar a possibilidade de uma polissemia dos dis-
cursos empregados acerca de um mesmo fato, seja ele narrado por processo
judicial ou pela mídia. Os meios de comunicação em massa são fundamen-
tais para a discussão empírica do trabalho, pois vinculam imagens, narrati-
vas, motivações e juízos de valor acerca das prováveis causas para este ater-
rador cenário de violência, que são os crimes contra meninos em
Altamira/PA. Por outro lado, a narrativa processual construída por depoi-
mentos de testemunhas, termos de declarações prestadas perante a polícia
judiciária, razões ministeriais, peças de defesa e boatos formam o conjunto
discursivo empregado pelo processo judicial de mais de 20 mil páginas.
Nossos estudos se concentram em três espécies de discursos intercala-
dos, quais sejam: o discurso jurídico presente no processo e tudo que nele
está contido, o discurso empregado na mídia e ainda o acadêmico, fruto da
produção científica mais recente sobre o tema.
A análise teórica e empírica, na presente investigação, centra-se na
necessária interdisciplinaridade entre o Direito e o campo discursivo fou-
caultiano, embasamento necessário para o estudo do Discurso Jurídico em
nosso trabalho.
O que podemos observar através das múltiplas narrativas e linguagens
utilizadas pelos documentos é que rumores e boatos deram origem a fatos
jurídicos e consequentemente levaram à condenação ou absolvição de réus.
Esses boatos e rumores ganham força, quando são contidos em uma peça de
inquérito policial a partir da verdade que emprega e dos atores sociais en-
volvidos. Como vamos observar em alguns trechos retirados do processo
judicial, características oriundas de boatos empregaram-se como verdades
a constituir o perfil criminológico de réus.
Atualmente, os episódios em tela são amplamente divulgados em qual-
quer consulta a meios de comunicação, situação em que se obtêm diversas
versões para um mesmo crime ou conjunto de crimes. Por tanto, de forma
SUMÁRIO
ampla, é possível supor que conhecer e compreender a questão polissêmica
do discurso é imperioso para qualquer pessoa que se assombre ou reconheça
a crueldade com que foram mortas essas crianças e adolescentes, naquilo
que ficou conhecido como o “caso dos meninos emasculados de Altamira”.
Desta forma, o artigo se estrutura em três partes. Em um primeiro mo-
mento, cumpre informar sobre os crimes da maneira que são divulgados
através da narrativa processual. No segundo, pretendemos demonstrar os
pontos controvertidos que figuram na análise dos discursos para, finalmente,
em um terceiro momento perceber e demonstrar a importância das narrativas
e suas multiplicidades de compreensão para a situação fática.
O “caso dos meninos emasculados de Altamira” se torna aos poucos
esquecido no campo social e no imaginário popular. O âmbito jurídico se
encerra com o processo judicial e a mídia, relata até o limite da movimen-
tação jurídico processual, policial e política em torno do “caso”. Assim,
este artigo pretende trazer a memória dessas vítimas e expor tantas versões
sobre os meninos emasculados. Bem como, impulsionar reflexões no mundo
acadêmico, sobre a situação de precariedade em que vivem os povos do
norte do Brasil e principalmente nas regiões que são alvo dos, assim cha-
mados, “grandes projetos” que longe de desenvolverem a região, multipli-
cam situações semelhantes às aqui relatadas.
(...) o indivíduo A.M.G, ora indiciado como suspeito desses hediondos cri-
mes, é homossexual, viciado em drogas, pervertido sexualmente e o que lhe
desperta mais prazer é o ato da prática da felação (...) c) não gosta de crianças;
SUMÁRIO
d) sua leitura de vídeos são sempre voltados para a prática do mal, sexo
com sadismo ou da magia negra; (...). (PROCESSO JUDICIAL, fls.186) –
Grifos nossos.
SUMÁRIO
de uma seita chamada Lineamento Universal Superior (LUS). Para a polícia,
as mortes ocorriam em rituais de magia negra (...) No ano de 2003, três
meses após o júri, foi preso no Maranhão o mecânico F.C.R.B, pelo desapa-
recimento de um menino. Posteriormente, F.C.R.B confessou 42 assassina-
tos perante a polícia civil maranhense e polícia federal (BOURGUIGNON;
COSTA, 2017.)
SUMÁRIO
chácara que frequentara. As declarações extensas da adolescente foram fun-
damentais para que a acusação criasse um elo de ligação entre a tese susten-
tada e as pessoas acusadas.
Os padrões podem ser observados a partir das conexões que se estabe-
lecem entre os réus e a tese de que se tratavam de criminosos religiosos. A
ideia de crimes de sacrifício, rituais satânicos e magia negra podem explicar
o inexplicável, visto que o sobrenatural,
O julgamento dos crimes contra meninos em Altamira (PA) [...] atrai a aten-
ção de diversas autoridades federais, estaduais e municipais e ainda promo-
tores, investigadores e delegados que atuaram no caso, nesses dez anos de apu-
ração. [...] Entre os que acompanham o julgamento no plenário estão Douglas
Martins, representante do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos; Pedro
Montenegro, ouvidor da Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República, cujo ministro Nilmário Miranda, participou do
primeiro dia do julgamento; Maria Eliete Menezes, subprocuradora da
República; o bispo do Xingu, Erwin Kraoutler; o padre Bruno Secchi, repre-
sentante da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); e parla-
mentares da CPI do Congresso Nacional que apura denúncias de exploração
sexual de crianças e adolescentes e da comissão especial que apura denún-
cias de tráfico de drogas (LACERDA, 2012, p.260).
Nossa análise segue com o mesmo autor sugerindo que “[N]o texto ju-
rídico estão em jogo lutas, pois a leitura é uma maneira de apropriação da
força simbólica que nele se encontra em estado potencial” (BOURDIEU,
2005 p.213, ).
O discurso dos autos do processo é conhecido pelos que nele atuam
como partes, advogados, Ministério Público, terceiros interessados entre
outros. O caso passa a ser conhecido pelo público em geral a partir das
reportagens veiculadas em mídias impressas, televisivas e na internet.
Essas pessoas que dificilmente tiveram acesso às peças processuais co-
nhecem o caso por outro meio discursivo, por outra verdade que não a de
forma jurídica.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇõES FINAIS
Os crimes dos meninos emasculados em Altamira podem ter deixado vestí-
gios peremptórios e sentimento de injustiça frente a tantas versões e multi-
plicidade de discursos que envolvem o “caso”.
Para a justiça (compreendida aqui como o Direito Processual Penal e suas
instituições) o caso se dá por encerrado após o trânsito em julgado. Para a po-
lícia a justiça peca em não rever suas decisões. Para os familiares dos réus con-
denados o transtorno está longe de acabar, entre idas e vindas de presídios bem
como alternâncias em regimes de cumprimento de pena. Para os familiares de
vítimas os sentimentos de luto e tristeza pelo esquecimento são intermitentes.
Em nosso estudo tivemos acesso a documentos e informações coletadas
no processo e na internet (e jornais impressos) sobre as situações que envol-
vem o “caso”. Muitos assuntos são evitados e preferem ficar no esqueci-
mento pelos seus interlocutores.
O discurso midiático cristalinamente se confronta ao processual seja
pela confissão de um terceiro que não foi acusado e julgado no Estado do
Pará, seja pela resistência em aceitar que se tratam de crimes com cunho re-
ligioso ou ainda pelos aspectos políticos e talvez obscuros que perpassam
apenas o imaginário de quem se debruça sobre os eventos descritos.
A ciência é a busca pela aproximação da verdade de todas as coisas.
Para Deluchey e Beltrão (2017) a ciência é um exercício de confrontação
ideológica. No ensino jurídico pouco se percebe diálogos interdisciplinares
plenamente possíveis e necessários, como forma de solução para os diversos
problemas que os juristas enfrentam. Nem sempre os acadêmicos de Direito
tem a consciência de que a construção jurídica não se restringe a aplicação
de normas jurídicas, a construção jurídica permanece humana, social, an-
tropológica. A ciência jurídica deve, portanto, reexaminar seu olhar a partir
das ciências humanas, da Antropologia, da Sociologia, das teorias da lin-
guagem entre outras, com o fim de alcançar compreensões mais profundas
para a fria letra da lei.
Este trabalho procurou conversar o Direito, com as ciências da lingua-
gem e com o entendimento do discurso na perspectiva foucaultiana. Seja
do ponto de vista do réu, como do ponto de vista do familiar de vítima; seja
do juiz de direito ao delegado de polícia, todos, são atores sociais, contidos
no fato social que enseja crime, perplexidade e dúvidas que dificilmente
cessarão com relação ao “caso dos emasculados de Altamira”.
O estudo e interpretação do discurso são fundamentais para a com-
preensão da influência do saber local, como sugere Geertez (1997), no
mundo jurídico que longe de permanecer intocável pela experiência social
é fulminado por discursos que buscam construir sua verdade; entretanto, no
fim das contas, é denominador comum para o deslinde ou não de processos
como o aqui estudado.
SUMÁRIO
NOTAS
Optamos por não identificar o processo judicial em que está inserido o in-
quérito em questão, tampouco o nome dos sobreviventes como forma de preservar
4
suas identidades.
Para uma análise etnográfica e ampla sobre “o caso dos meninos emascu-
lados” em Altamira, ver Lacerda (2012).
5
Assim como para MIRABETE (1985, p.225) “respondem pelo ilícito o que ajudou
a planejá-lo, o que forneceu os meios materiais para a execução, o que intervém
na execução e mesmo os que colaboram na consumação do ilícito”.
NIOR, 2015).
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
– PPGAS, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.2012.
LOPES JUNIOR. Aury. Direito processual penal. 12 ed. São Paulo: Sarai-
va, 2015.
SUMÁRIO
GP 5 – DIREITO, DECISÃO
JUDICIAL E INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
Coordenação: Adriano Tacca
SUMÁRIO
DIREITO, COMPLEXIDADE E TECNOLOGIA
Gabriela Samrsla Möller,
Graduanda em Direito, Unisinos/RS
INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos todos os avanços e progressos, ocasionados pelas di-
versas formas de novas tecnologias criadas, causaram um grande impacto
social na vida das pessoas, nas mais diversas formas. Tais impactos das tec-
nologias na sociedade tornam-se cada vez um maior desafio ao Direito,
posto que o Direito é chamado a manifestar-se a partir do momento em que
conflitos são criados na sociedade. As tecnologias e seus desdobramentos
são dimensionadas de diversas formas, frutos da complexidade social e da
rapidez do avanço de tecnologias que estão a frente da capacidade de apreen-
são dos fenômenos por parte do Direito.
Correlaciona-se a presente reflexão acera do núcleo que faz emergir
essas novas expressões da tecnologia na sociedade e como o direito pode
atuar para preservar os direitos humanos, pois é nítido que o direito posto à
normativa clássica, baseada na leitura tradicional da teoria do fato jurídico,
não é capaz de absorver esses novos fenômenos que se expressam pela cria-
ção tecnológica. A questão é acerca da natureza desses novos conflitos que
advem das tecnologias.
Um Direito atento ao que se desenvolve em seu redor é o Direito que
se apresenta frente à uma sociedade complexa, a qual cria e recria novas
complexidades.Uma vez que as tecnologias são indispensáveis ao homem
moderno, cumpre ao direito pensar na técnica, ciência e tecnologia não
como uma forma de crítica, como feito por muitos autores; mas sim como
novos horizontes hermenêutico-fenomenológicos ao Direito.
SUMÁRIO
A TECNOLOGIA E SUA INTERVENÇÃO VISÍVEL E
INVISÍVEL NO SOCIAL
A sociedade é construída sobre mitos e crenças, para além da compreensão
e interpretação racional. Nesse sentido, ao realizar questionamentos sobre
a ordem posta, estas não são elevadas ao patamar necessário, pois confron-
tam diretamente o sistema que rege a sociedade, o qual está estabilizado
sobre certas ideias – que não devem ser objeto de questionamento.
Nesse panorama, a tecnologia, na sociedade atual, é a nossa crença e
constrói o que entendemos por racionalidade.
Todos os desenvolvimentos técnicos foram seguidos de discussões fi-
losóficas, marcados principalmente entre o debate dos realistas e antirrea-
listas. O envolvimento da filosofia com a ciência subjaz nas questões epis-
temológicas “a ciência e a tecnologia partem do mesmo tipo de pensamento
racional baseado na observação empírica e no conhecimento da causalidade
natural, porém a tecnologia não está preocupada com a verdade, mas sim
com a utilidade. Onde a ciência busca o saber, a tecnologia busca o controle.”
(FEENBERG).
A história da técnica demonstra as relações que existem entre os ramos
da ciência e da indústria, bem como o seu impacto junto ao Estado. A filosofia
da técnica analisa os conceitos mesmos de ciência, técnica, inovação produção
e sociedade, traçando um conceito sobre o bem e o mal, porém, as técnicas
científicas diferenciam-se das técnicas tradicionais por serem nascidas depois
da Revolução Científica do século 18 ese fundarem sobre a ciência.
Nos primórdios da humanidade, como na antiga Grécia, não se utiliza-
va conceitos científicos para investigar as propriedades naturais “o fabri-
cante de lentes não usava noções de física, e por isso não era um ótico, mas
sim um artesão; o ourives não usava balança e nem termômetro, e por isso
não era um químico, mas sim um alquimista”(MASI, 2017.p.230).
No contexto contemporâneo, o objetivo da tecnologia não é o da tech-
né, pois ela aparece agora como um instrumento isento de valores, na me-
dida em que não responde a propósitos inerentes, mas somente serve como
meio e meta subjetiva provenientes de nossas escolhas. Ao renunciar aos
conceitos precisos de tempo – que era cíclico -, espaço, movimento e calor
significou por muito aos Gregos afastarem-se da tecnologia.
Somos herdeiros de uma cultura industrial que se desenvolveu com as
ciências modernas no século dezessete, com o iluminismo do século dezoito,
com o mecanicismo do século dezenove, com a administração científica do
século vinte: uma cultura positivista baseada na racionalidade, na mensu-
ração, naquilo que os gregos chamam de thésis. Na atualidade, na medida
em que as máquinas absorvem grande parte das atividades desse universo
de precisão, os homens estão livres para o que os gregos outrora chamavam
de métis, onde vige uma razão sensível. (MASI, 2017.p.263)Assim, quando
SUMÁRIO
não existiam tecnologias, utilizava-se tão somente o trabalho servil do
homem, que era demasiado barato e vasto. A tecnologia trouxe consigo a
possibilidade de o homem se aproximar do homo ludens; ou seja, a tecnolo-
gia pode fazer com que a sociedade caminhe para uma superação do sistema
servil até então experimentado, permitindo-se que ele se dedique mais a ati-
vidades lúdicas do que fabris.
Segundo Mario Bunge (BUNGE, 2012.p.22), o que ocorre no século
dezenove é que o fluxo principal tem sido da ciência à técnica e desta, por
sua vez, à indústria e ao Estado, os quais atuam sobre o público. Os refluxos
existem, mas são débeis quando contrapostos em face dos fluxos. Não po-
deria ser diferente, porque atualmente, antes do desenvolvimento técnico,
é necessário que haja conhecimentos científicos.
Segundo Galimberti, o humano é originariamente dedicado à técnica
para compensar a insuficiência dos próprios órgãos, em uma busca para am-
pliar as capacidades que possui e objetivando facilitar a construção do mundo
do qual a sua existência depende. (GALIMBERTI, 2006.p.174). Porém, nos
últimos tempos, o homem aumentou de força expressiva seu poder sobre a
natureza e se faz necessário o desenvolvimento deum sentimento de respon-
sabilidade de acordo com este aumento de poder. “Para isso, não seria ruim
se começássemos a contemplar a vida e a natureza em geral com uma atitude
mais respeitosa e menos invasiva. Digamos que, considerando- -se ou não
que a vida é sagrada (isto dependerá das ideias religiosas de cada um), no que
todos podemos concordar é que a natureza não pode ficar reduzida a um mero
objeto à nossa disposição” (DIÉGUEZ-LUCENA).
A disponibilidade de instrumentos marcados pela precisão permitiu
que os cientistas alcançassem maiores graus de perfeição, a transformar a
técnica em tecnologia. O conjunto desses instrumentos, unidos com a ciên-
cia, permitiu que acelerações sociais ocorressem, revolucionado todas as
interrelações da sociedade. (MASI, 2017.p.263).
A capacidade inventiva e a criatividade humana têm permitido muitos
avanços tecnológicos para melhorar a qualidade de vida dos humanos, como
a evolução nas terapias genéticas, em tecnologia de informação, em novas
drogas e meios de administração. É imprescindível que seja cobrada a cons-
ciência da responsabilidade social do homem, que então poderá evoluir
como ser humano. O respeito pela natureza não é retrógado, pelo contrário,
é forma de progresso. Grande desafio, nesse sentido é equilibrar esses be-
nefícios com o futuro, ou seja, com a sociedade que pretendemos deixar aos
outros. (NEUTZLING, ANDRADE, 2009.p.83).
Antes da confluencia ciência e técnica, era a práxis que precedia as
ciências antigas, mas isso não vale mais para as técnicas postas a partir do
século XIX:
SUMÁRIO
“...la electrotecnia se inspiró en las investigaciones desinteresadas sobre el
electromagnetismo; la electrónica, en las investigaciones sobre rayos cató-
dicos; la ingeniería nuclear, en la física nuclear; los ordenadores se diseñan
utilizando la física del estado sólido, que se basa sobre la mecánica cuán-
tica; la química industrial utiliza la química básica, que a su vez usa la fí-
sica atómica; la agronomía hace uso de la botánica y de la genética; la far-
macología utiliza tanta bioquímica como fisiología; la biotecnología aplica
biología molecular, hija de la genética; la psicotecnología y la psiquiatría
serias se fundan sobre la psicología experimental y la neurocíencia; y todas
las sociotécnicas hacen uso, bueno o malo, de la matemática y de las cien-
cias (mejor dicho, semiciencias) sociales. En resumen, en la sociedad mo-
derna casi siempre la ciencia básica precede a la técnica, la que a su vez
precede a la producción.”(BUNGE, 2012.p.23-24).
Dado que a sociedade moderna utiliza da técnica como meio para tantas
ciências, Bunge critica Jacques Ellul (ELLUL, 2003) e Heidegger (HEI-
DEGGER, 1997) ao denominar-lhes “tecnofóbicos”. Segundo o autor, um
mundo sem técnica é um mundo bárbaro, pois os artefatos modernos são a
base de sobrevivência do homem – energia, transportes, comunicações, es-
colas – ressalta que a técnica bem utilizada pode resolver problemas os quais
a ignorância técnica somente torna mais difícil de resolver
A questão posta em causa é o controle das técnicas por parte do Estado,
para garantir que o ser não sofre com os reveses da técnica.
“Toda innovación técnica es ambivalente por ser tan destructiva como crea-
dora. En efecto, hace caer en desuso los artefactos que reemplaza y margina
a quienes no pueden adaptarse a la novedad, al punto de eliminar profesio-
nes íntegras. Semejante caída en desuso de cosas, procesos y habilidades
involucra un derroche gigantesco y trágico de recursos naturales y huma-
nos. Obviamente, este despilfarro no beneficia a todo el mundo.”(BUNGE,
2012.p.32)
SUMÁRIO
nica e tecnologia devem estar aliados à cultura humanista.
Porém
CONCLUSÃO
A sociedade está em constante mudança, de maneira que o grande desafio
ao Direito é conseguir absorver os fenômenos que impactam no social e que,
por vezes, não estão regulados. Diante dessa realidade, o Direito deve-se
valer de uma nova visão que seja capaz de cruzar diferentes ciências (bio-
lógicas, econômicas, jurídicas, humanas) para que desvele os fenômenos
plenamente, sem que a velha normativa impeça de decantar as novas expres-
sões dastecnologias.
A tecnologia pode ser tanto valiosa quanto ser nociva, por isso é preciso
submete-la a controles morais e sociais. Ensina Engelmann (ENGEL-
MANN, 2010.P.303) , que mais do que em nenhum outro momento da his-
tória, é necessária a prática da virtude e da phrónesispara perpassar as ques-
tões e as respostas que estarão sendo levantadas de hoje para o futuro, sem
descuidar de valorizar a aprendizagem oriunda do horizonte histórico da tra-
dição humana já vivenciada no passado.
Nesse sentido, a função do processo democrático é permitir que se des-
cubra preceitos que sirvam à prosperidade e à paz entre os homens, que se
preparem as inteligências e os sentimentos para que recepcionem rapida-
mente as conquistas (MIRANDA, 1919. P.183), nesse caso, conquistas tec-
nológicas. Assim, percebe-se que o papel do Direito precisa ser revisado,
especialmente porque os novos riscos não se adéquam às exigências de se-
gurança e previsibilidade que o Direito tanto idolatra. No lugar delas, entram
a capacidade do jurídico em responder adequadamente e em tempo razoável
às demandas e direitos/deveres projetados na sociedade
Direito e Democracia consistem nessa obra de ligar entre si, livremente,
os homens. Não se trata, assim, de religar pela religião, ou por convicções
em comum, ou ligar por fora sem que haja conexão interna “ Isso exige per-
manente transição, porém transição que constitui amontoamento de ciência,
de técnica, de economia de esforços, de multiplicação da produtividade, de
tudo que a inteligência faz dominado as forças.” (MIRANDA, 1979.P.183).
Essa história mostra que, se é verdade que o Direito é uma técnica entre outras,
não é uma técnica como as outras. Ele permitiu tornar humanamente vivível e
usar técnicas novas sem ser destruído por elas. Interposto entre o Homem e a
máquina, ele serviu para proteger o Homem das fantasias de onipotência gera
SUMÁRIO
das pela potência das máquinas. Ferramenta interposta entre o Homem e suas
representações, trate-se das representações mentais (a fala) ou materiais (as
ferramentas), o Direito cumpre assim uma função dogmática - de interposição
e de proibição. Essa função confere -lhe um lugar singular no mundo das téc-
nicas: a de uma técnica de humanização da técnica.(SUPIOT, 1997.p.143)
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
MIRANDA, Pontes de. Sistema de Ciência Positiva do Direito. Tomo III.
Introdução à Ciência do Direito. 2ª Ed.. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972.
SUMÁRIO
A REESTRUTURAÇÃO DA TEORIA DO FATO JURÍDICO:
AS NOVAS TECNOLOGIAS COMO NOVOS
DESAFIOS AO DIREITO
THE RESTRUCTURING OF THEORY OF LEGAL FACT : NEW
TECHNOLOGIES AS NEW CHALLENGES TO LAW
1 – INTRODUÇÃO
Uma vez considerados jurídicas, os fatos da vida adentram o mundo jurídico e
o direito desempenha no campo da ação social papel semelhante ao da ciência
no campo do pensamento, o que comporta dizer que não se pode conhecer o
presente sem se conhecer o passado, e não se pode conhecer o que é, sem co-
nhecer o que foi. O direito muda muito onde em muito deixou de ser o que era.
Com a incidência da norma sobre o suporte fático, tornam-se jurídicos
os bens da vida, o que significa torna-los fatos jurídicos, dotados de eficácia
jurídica, porém, não basta para defini-los dizer que fatos jurídicos são os fatos
dotados de eficácia jurídica. Mesmo que imediata a eficácia do fato jurídico
e fatos jurídicos serem o suporte fático que o direito reputou pertencer ao
mundo jurídico, a entrada dele no mundo jurídico, e não sua permanência efi-
caz, é que o pode definir.
SUMÁRIO
A juridicidade dos fatos e dos atos varia com o tempo segundo cada
concepção que busca permear o direito, posto que regulamenta um marco
social das condutas humanas. Ocorre que esse processo, nos tempos atuais,
e precisamente no ramo civil, não comporta mais a mecanicidade outrora
proposta pela doutrina clássica, pois a complexidade veemente faz com que
muitas dúvidas emerjam no caminhar da junção fato e direito.
O processo de adaptação social que a norma jurídica aspira a criar para
todas as várias necessidades, angústias e desejos humanos, resposta da dis-
posição do ser-no-mundo; são formas cada vez mais gerais e perfeitamente
fixadas, em que possam inserir frente essa pluralidade fenomênica que de-
correm da vida humana.Os conflitos postos ao processo consistem na base
das diferenças, necessárias para que a verdade não seja objetificada. Esse
é o que se espera do direito, entretanto, a racionalidade jurídica até então
aplicada não é capaz de aderir a novas molduras para novos tempos e novas
expressões do existir. Haja vista, que os fenômenos jurídicos tentam acom-
panhar as mudanças engenhadas pela pluralidade humana, geradora de com-
plexidades sociais, através das propostas engenhadas pelo Código, este deve
ser julgado pela capacidade que veio aumentar ou acelerar na adaptação dos
homens entre si, ou na corrigenda dos seus defeitos de adaptação. Serem
mais ricas de eficácia adaptativa sem deixarem de ser do seu tempo, opor-
tunas, - tal o que se há de exigir todas as leis.
Os fatos sociais possuem assédio em muitas ciências, pois provém do
que é social, que, por sua vez, é formatado pelos fenômenos econômicos,
morais, políticos que se interpolam e criam a esfera existencial. Entretanto,
é por conta do paradigma clássico e lógico da base jurídica que o sistema
gnosiológico do Direito não é capaz de absorver muito das manifestações
mundanas, o que traz uma descrença social no Direito pela sociedade.
Em um primeiro momento, abordar-se-á a Racionalidade centrada na
Razão Fechada: a Angústia Cartesiana-Mecanicista frente ao transcurso cien-
tífico balizado no conhecimento que fora aprendido em um modelo positivo
de racionalidade e que levou a ciência ao modelo cartesiano-matemático, cin-
dindo-a em disciplinas. Buscar-se-á a catarse do Paradigma Cartesiano a partir
das novas bases sociais impostas por uma sociedade pós-moderna e pós-de-
mocrática que se apresenta complexa, de maneira que se busca demonstrar que
a sociedade de mudança já não mais tem suas manifestações atendidas pelas
bases jurídicas advindas do Paradigma Cartesiano. A Teoria do Fato Jurídico
clássica encontra-se em dissonância com Paradigma da Complexidade, pois “O
momento em que se há de se conhecer o conhecimento é aquele em que o co-
nhecimento acontece, e não o em que se pensa o conhecimento” (MIRANDA,
2005. P.28); porém, no seu desvelamento há a possibilidade de novos horizontes
para o Direito na medida em que o seu descobrir configura catarse da Teoria
Científica Clássica do mundo jurídico junto a essa sociedade de mudança.
SUMÁRIO
Em função das complexidades do mundo apresentadas na atualidade,
demonstrar-se-á a necessidade de reformulação por uma nova racionalidade,
possibilitada pela criação de “pontes de comunicação” que conectam as
ciências pela transdisciplinariedade.
Na medida em que as circunstâncias variam, o índice de mutação influi
na produção do Direito, equilibrando as mudanças sentidas no mundo com
a proveniente da segurança pelo estático. Essa é atmosfera inorgânica posi-
tiva produzida pela ciência. Não persiste inalterado a atmosfera inorgânica,
é mutável, variável, tal como ocorre no mundo das pulsões humanas: a con-
ciliação do orgânico com o inorgânico é o resultado de uma Ciência que su-
pera o cartesiano da vida “Assim, garra mão e dedo são três momentos su-
cessivos, sem que aquilo que se caracterizou e encheu os dois primeiros se
possa apagar de todo. O dedo está na mão, sem que toda a garra se tenha ex-
tinto. A diferença entre extinguir e superar. Ou entre um fogo, que se apaga,
e outro, que continua sob as cinzas, A mão ainda é garra, porém, é muito
mais do que garra, o dedo é mão, e já está longe, muito longe de só ser mão
e de só ser o primitivo dedo. Mas no dedo, mesmo, ainda se insinua, atra-
vessando milênios e milênios, o feroz abocanhar preensivo da garra”. (MI-
RANDA, 2002.p.31)
Tal cenário paradigmático somente poderá ser superado pelo desve-
lamento de novos horizontes ao Direito, possibilitados pela releitura da Teo-
ria do Fato Jurídico e pela instituição de uma “nova racionalidade” junto ao
Direito (Paradigma da Complexidade)m por via de novas possibilidades per-
meadas pelas demais ciências (transdiciplinariedade).
A releitura da Teoria do Fato Jurídica será realizada pela doutrina do
jusfilósofo Pontes de Miranda, responsável por instituir no Brasil a Teoria
do Fato Jurídico utilizada pela ciência jurídica moderna. Assim, partir-se-á
da leitura hermenêutica da obra do jusfilósofo para problematizar a presente
pesquisa e elaborar-se-á a releitura a partir dos moldes propostos.
Para além de realizar uma simples releitura da Teoria do Fato Jurídico,
elaborar-se-á as bases para que seja reformulada a Teoria do Fato Jurídico
e demonstrar-se-á que o Direito é capaz de catalisar enfim as mutações so-
ciais na medida em que instituída uma nova Ciência estabelecida por via de
uma Racionalidade reflexiva-aberta (e não mais reflexiva-fechada) do Di-
reito “[...] a universalização e unidade da ciência, em mercancia de efeitos,
hão de urdir o quadro, dando-lhe feição nova e, o que bem mais é, cons-
truindo-lhe uma teoria que seja com as demais ajustável e consentânea.
SUMÁRIO
2.1 A NOVA RACIONALIDADE: pROpOSTA DE SUpERAÇÃO
O tom gris, resultado do caminhar circular sobre o amarelo monocromático
nos areais do deserto, equipara-se à visão do Cientista do Direito que busca
nos dogmas já saturados as respostas para o pulsar social dinamizado. O ho-
rizonte criado ao andar sob o amarelo desertificado da Ciência Jurídica - es-
tuda os fatos sem paixão, pois os considera unicamente em suas relações
com o direito - lança julgamento severo sobre as leis, mas tal julgamento
não concerne senão à técnica das instituições e das regras, usando-se de ter-
mos em que o sentido é fixado por um longo passado e goza de uma expe-
riência dos fatos humanos adquiridos e transmitidos durante séculos (RI-
PERT, 1947. P. 10.).
O que seria útil para o Direito? A visão que se defende é a de um Direito
como adaptação social, que pela Teoria do Fato Jurídico acompanhe as ex-
pressões do mundo (o inorgânico como resposta às manifestações orgânicas
plurais) e não o contrário (o orgânico não deve limitar-se a acompanhar o
inorgânico). Para essa superação, utilizar-se-á da fenomenologia da percep-
ção para com uma leitura do que se impõe pela racionalidade vincada em
um paradigma científico cartesiano-mecanicista, pelo atual paradigma cien-
tífico da complexidade. Assim, seguindo, as reflexões dos seguintes autores:
DIDI-HUBERMAN, 2014.; MERLEAU-PONTY, 1948, 1945 e 1964.
A nova visão que se propõe da Teoria do Fato Jurídico parte da leitura
das obras de Pontes de Miranda, jurista responsável pela difusão da Teoria
do Fato Jurídico que vigora na prática jurídica atual. Dois caminhos que
devem ser superados pelo desvelar do Paradigma da Complexidade: a) A
Teoria Cartesiana do Conhecimento e sua ontologia metafísica rígida cen-
trada no sujeito; b) o “esvaziamento” dos resquícios transdiciplinares. Dessa
forma, caminhar-se-á para uma ciência que reconhece tanto nas emanações
físicas como nas emanações psíquicas as fontes precípuas para o ato do agre-
gar à ciência Jurídica.
A Teoria do Fato Jurídico do jusfilósofo, expressada por suas obras,
pode ser hermeneuticamente interpretada por um viés que comporta dois ca-
minhos possíveis à Teoria do Fato Jurídico: ao redigir seus Tratados de Direito
Privado, Pontes de Miranda demonstra uma cientificidade hermética voltada
à unidisciplinariedade; entretanto ao redigir obras tais quais O Problema Fun-
damental do Conhecimento, O Sistema da Ciência Positiva do Direito, Garra
Mão e Dedo, Margem do Direito denota visão da Teoria do Fato Jurídico com
viés transdisciplinar, que busca superar a hegemonia dogmática do Direito e
instituir bases para uma Teoria do Conhecimento capaz de superar a ontologia
metafísica, a problemática da complexidade material, temporal e espacial;
que se perfaz pelo que denominamos Paradigma da Complexidade.
Concomitantemente à época de sua produção dogmática, acolhida como
base doutrinária cerrada da Ciência Jurídica, Pontes previra a necessidade de
SUMÁRIO
novas bases à Gnosiologia, com o fim de evitar o idealismo ou racionalismo
científico por levarem a um conhecimento vazio, partindo do pressuposto que
o Direito é um produto social de assimilação e desassimilação psíquica, que por
essa própria qualidade já não comporta a visão cartesiana do conhecimento.
Ocorre que a Teoria do Fato Jurídico Ponteana ficou adstrita ao viés
unidisciplinar de sua visão, uma vez que as obras de cunho filosófico foram
pouco exploradas junto à Ciência Jurídica. A teoria das construções filosó-
ficas Ponteana exaspera o sublime olhar das evoluções psicofísicas que sub-
jazem da organicidade humana. De forma peculiar e sensível tem-se uma
metaleitura do jurídico; leitura que denota a possibilidade de se demonstrar
a luz manifesta do céu que faz o direito estático criar atmosfera semi-oblí-
qua, possibilitando o mundo de ganhar vida pelas cores refletidas; o gris fica
no passado, o amarelo então não se faz mais presente.
A necessidade da Nova Racionalidade situa-se em razão de não ser a
Ciência ramo de adaptabilidade temporal. Dessa forma, pelo explanado, ob-
serva-se que o homem e o Conhecimento são fatos contingentes e que se
auto-reformulam pela temporalidade e pelos avanços técnicos – que capa-
citam o conhecimento (ora sim, ora não). Essa Nova Racionalidade é neces-
sária para que a Ciência esteja a um passo a frente das manifestações sociais
adaptativas; ou seja, a Ciência não pode se mostrar insensível à catalisação
desses fatos e nem tentar (como faz o Direito, conforme demonstrado) mo-
delar-se a essas adaptações.
Os antigos paradigmas dominantes (legalista, estadista e positivista)
da “ciência jurídica hoje veem enfrentando uma crise dos paradigmas que
lhes são vigentes (legalista, estatista e positivista) que vem a afetar em larga
escala todos os ramos do direito” (OST, 2006. P. 13), complexidade que pode
ser manifestada como uma reação para a ciência jurídica, se desvelada. O
desvelamento do Paradigma da Complexidade não é um pensar simples
(BOURDIEU; TEUBNER, 2000. P. 28-29), necessita, para tal, de um sujeito
cujo conhecimento e modelação do conceito seja esvaziado de possíveis me-
tafísicas; ser envolto assim por um conhecimento que supere o hermetismo
teórico da Ciência Jurídica (que é voltada tão somente para o que importa
ao jurídico).
O ser, que é composto de sua existência pretérita e de suas intenciona-
lidades toca o mundo por meio da sua potência de ação junto aos pré-con-
ceitos que subsistem de sua psiché. Esse Ser-no-mundo, quando da interação
com o Outro, revela-se frente ao Outro, havendo mutuamente a extenuação
de pulsões, que são manifestadas e interpretadas reciprocamente. Desse en-
contrar, os atos são pré-compreendidos por via desses pré-juízos mundanos,
que distorcem a intenção de um frente ao Outro. Quando toco o Outro, mi-
nhas intenções são Uma, mas a compreensão do Outro depende da pré-com-
preensão que este tem sobre mim e sobre o ato. Nesse nível existencial são
SUMÁRIO
firmadas as manifestações dos sentimentos brotam o nascer destes. As inte-
rações humanas são complexas e não adquirem formas concretas. O vai e
vem e a constante deformação do mundo aproxima e distancia os sujeitos e
cuja comunicação permite que seja estabelecida a interação. Essa interação,
entretanto, é marcada pela carga histórica dos sujeitos a partir de sua exis-
tência Não há estabilidade; o mundo está em constante movimento; as pes-
soas de cultura cada vez mais plurais encontram-se, chocam-se, amam-se,
estranham-se e, a partir disso, conflitos são criados.
De outro lado, a percepção “Se sentíssemos todo o pó que nos caísse sobre
a pele, bem diferente seria o nosso comportamento sensorial e psíquico.”(MI-
RANDA, 2005. P.173-174) que o sujeito possui do mundo e dos fatos cinde o
mundo, porque não há como recolher todo o mundo e todas as emanações que
ocorrem junto ao fato.
Em que pese a necessidade e a potência que detém o estabelecer de uma
Nova Racionalidade, Pontes alude em sua obra que “Desgraçadamente, por
fatalidade de nascimento, a Teoria do Conhecimento formou-se como críti-
ca, como explicação psicológica, e só a energia do cientista pode liberta-la
de vícios de tal tempo” (MIRANDA, 2005. P.92). O Paradigma Cartesiano
é mais difícil de ser superado em razão de ser qualquer outra espécie de com-
preensão ser taxada como mística ou irracional. Pode-se identificar inicial-
mente o medo ligado à Nova Racionalidade como o apego “demasiado” no
caráter não-metafísico de uma forma de pensar não hermética “a principio
foi o acumulo de metafísica, depois vieram os estudos científicos em frag-
mentos, que foram assoberbando uma literatura inextrincável e profundís-
sima.” (MIRANDA, 2005. P.84). O apego às respostas práticas e prontas as-
sombra o Saber humano e corrói as bases das Ciências que são responsáveis,
tal como o Direito, por ler e compreender o ser; afastando-se da Filosofia e
da possibilidade de uma racionalidade reflexiva.
Não deve subsistir resquício de medo ou preconceitos quanto à adoção
de uma Gnosiologia marcada pela transversalidade, cuja Teoria baseie-se
na atenção tanto à estrutura jurídica formal da norma e não ignore a realidade
indissociável dos fatos mundanos. A Nova Racionalidade que se propõe tem
como base uma Ciência Gnosiológica atenta a “inmensa de complejidades
– neuronales sobre todo, o más bien neuronales-sensoriales-psíquicas-so-
ciales que se multiplican con el transcurrir del tiempo. La nueva raciona-
lidad es compleja en relación con todas las complejidades, internas (del ser
humano) y externas (de la sociedad, de la naturaleza). La vieja racionalidad
es simplificadora.” (VILAR, 1997. P. 11-12)
A proposta base dessa nova ciência supera o realismo e o idealismo,
admitindo a fórmula Homem<Saber (MIRANDA, 2005. P.57), pois “Só
uma razão aberta pode e deve reconhecer o irracional (acaso, desordens,
aporias, brechas lógicas) e trabalhar com o irracional; a razão aberta não é
SUMÁRIO
a rejeição, mas o diálogo com o irracional. A razão aberta pode e deve reco-
nhecer o a-racional” (MORIN, 2005. P. 167-16). Os fatos mundanos que im-
portam para o jurídico, dessa forma, para além de serem decantados apenas
no seu fulcro jurídico, possibilitarão o Direito a racionalizar sem ignorar a
informação científica que outras ciências podem trazer para somar ao co-
nhecimento de um fato relevante ao sistema jurídico.
A transdisciplinariedade é o que baliza a Teoria do Conhecimento ju-
rídica que busca desvelar o Paradigma da Complexidade. Essa visão me-
tateórica do Direito parece responder às necessidades e desejos dos ho-
mens quanto individuo e quanto sociedade, hibridando desta forma
diversos métodos para atender ao Direito de forma efetiva. Mister salientar
que a ciência transdiciplinar não se sobrepõe sobre a ciência das quais as
outras giram em torno; mas sim há a criação de pontes baseadas na comu-
nicação. O Direito continua marcado pelas características dogmáticas e
formais que o faz Direito; entretanto, mostrar-se-á atento que o mundo é
mais do que o mundo jurídico. A Racionalidade Complexa unida à Ciência
procura atenuar a condição do homem e do animal a partir da invasão do
complexo no mundo: a lei científica capta mais amplamente que a visão,
mais amplamente do que os sentidos e a matéria permitem “... la relación
del Derecho con otras disciplinas ha estado caracterizada por la Pluridis-
ciplinariedad y la introducción de la Interdisciplinariedad constituye una
ruptura del paradigma tradicional e implica un cambio sustancial respec-
to a nuestra forma de concebir al Derecho en su conjunto.” (VALDIVIA,
2001-2002. P. 117)
A dança, tal qual os movimentos dinâmicos da vida, evidencia metáfora
viva das ondulações que ocorrem junto à base que dá forma à Teoria do Fato
Jurídico, que não se configura estática; e sim manifesta constante movimen-
to, justificando-se a necessidade de uma releitura da Teoria do Fato Jurídico
na busca de uma Nova Racionalidade aberta-reflexiva.
3 – CONCLUSÃO
O mundo jurídico, como núcleo formador na Ciência Jurídica Clássica, fez sur-
gir certezas e acepções que superam a estática dogmática quando postas em
frente do amarelo desértico que marca a monocromática ótica do Direito por
via da ciência hermética. Entretanto, supera-se essa visão pelo andar sob a luz
do céu (revolução científica recentemente experimentada), criadora de novos
horizontes à Ciência Jurídica; horizontes que criam incertezas indomáveis e
reflexivas, as quais evidenciam que abaixo do sol a luz reserva numerosas ex-
periências incomparáveis. A nova maneira de se ver o Direito apresenta o cessar
daquele andar em círculos sob o deserto amarelo, proporciona-se com a luz do
céu novas formas dispostas pelas cores à ótica do cientista.
SUMÁRIO
Esse novo cenário, cujo banhar da luz não se esquiva das percepções
do cientista, demonstra que merece ser superada toda a estaticidade e
imutabilidade do ambiente do gris amarelo, criando no cientista caráter re-
flexivo; dando vida a vontade desvelar o Paradigma da Complexidade do
mundo. A potência de vontade de desvelar esse novo mundo, já não mais
marcado pelo gris amarelo da ótica Cartesiana, externa-se pela concepção
do cientista que para tal desvelamento necessita observar o sistema como
uma união das Ciências, com o fim de elaborar o conceito que melhor atende
à resposta que busca; a ciência transdiciplinar é assim agregada ao Direito.
A Nova Racionalidade é aquela Ciência do Direito erigida sobre bases
gnosiológicas capazes de conhecer de maneira mais abrangente as experiên-
cias sociais vividas no mundo é aquela capaz de atender às manifestações
sociais contemporâneas e desvelar o Paradigma da Complexidade social. O
nível de abrangência que as manifestações humanas exasperam necessita
que esteja presente na análise da experiência a transdiciplinariedade. Cru-
zando-se as ciências, é possível que se chegue a uma noção do conceito do
conhecimento profícua.
Os novos horizontes capacitados por essa visão transversal das Ciên-
cias aplicadas ao Direito potencializam a mudança substancial na Teoria do
Fato Jurídico ao agregar a ela todas as manifestações da sociedade para a
sedimentação das normas junto ao fato de forma sublime e a concretização
de um direito aberto ao mundo, uma vez que: o que sabemos do mundo é o
que nos dizem a consciência e a ciência, que nasce daquela, e o que sabemos
da consciência como parte dele.
Partindo-se dessa ideia, observado o ir e porvir jurídico, o que se des-
dobra na atualidade é a existência de um Direito saturado/estático - que se
assemelha ao andar do cientista sob um amarelo desértico - em consequên-
cia de demasiadas tentativas de atender aos fatos fenomênicos tendo uma
base epistemológica incapaz de transformar em jurídico os fenômenos mun-
danos atuais. Esta situação é explicada em razão da epistemologia jurídica
ainda se sedimentar sobre bases cartesianas marcadas pela unidisciplinarie-
dade científica – ignorando as manifestações dos fenômenos mundanos que
não se encaixam matematicamente à norma de Direito. Partindo dessa im-
precisão, a presente análise propõe uma nova racionalidade em termos gno-
siológicos para o Direito, baseada em uma ciência que abarque a transdici-
plinariedade – que se assemelha a novos horizontes no meio do deserto; ao
olhar do cientista para a luz manifesta do céu - que tem potência catalisadora
dos anseios sociais por via de uma reestruturação da Teoria do Fato Jurídico.
A pesquisa tem como metodologia a hermenêutica-fenomenológica, capaz
de visualizar o fenômeno a partir das práticas e experiencias cotidianas, ar-
ticulando as similitudes e as diferenças dos significados, compromissos,
práticas e experiências. A reestruturação da Teoria do Fato Jurídico tem
SUMÁRIO
como valor mais alto o princípio de que devem os seres humanos realizar a
humanidade (a nossa essência, o dever ser do nosso ser), que tem em seu
cerne todos os outros valores que podemos realizar, como o amor, a beleza
e a justiça, o que faz necessário que o Direito caminhe para as novas reali-
dades preparado para lidar da melhor forma com os contornos da expressão
do existir em sociedade (agora impulsionada pela tecnologia). A conclusão
que se chega com a presente pesquisa é que o Paradigma da Complexidade
é o que melhor responde aos novos horizontes para o Direito e para o con-
viver em sociedade.
SUMÁRIO
NOTAS
2
Graduanda em Direito pela UNISINOS. gabi.moller@hotmail.com.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto. Vol.1. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FLOREZ MUÑOZ, Daniel E. Por qué un abogado debe leer a Zizek? Dere-
cho, Ideología y Psicoanálisis. International Journal of Zizek Studies,
Leeds, vº1, nº4, 2009.
SUMÁRIO
MATURANA, Humberto. La Objetividad: Un Argumento para Obligar.
Santiago de Chile: Dolmen, 1997.
SUMÁRIO
RICHARD, Pascal. prolégomènes à une anthropologie du droit : une on-
tologie naïve. Laval: Université Laval, 2012. P. 10-12
RICOUER , Paulo.
SUMÁRIO
NANOTECNOLOGIAS, DIREITO E DECISÃO JUDICIAL:
O PAPEL DOS CONSUMIDORES E OS IMPACTOS
ÉTICOS LEGAIS E SOCIAIS.
Raquel Von Hohendorff,
Doutoranda em Direito, Unisinos/RS
1 INTRODUÇÃO
A explosão das ideias e a astúcia da criatividade humana já transformaram
por completo o futuro da sociedade. O potencial destrutivo da tecnologia
pós-industrial, seu imediato e massificado consumo e a magnitude dos danos
e riscos demonstram uma necessidade de consideração prioritária dos riscos
pelo Direito, sendo estes objetos da decisão jurídica autônoma.
Um dos resultados mais salientes advindos das novas tecnologias na
atualidade éo desenvolvimento das nanotecnologias que estão rapidamente
penetrando no mercado consumidor. É neste contexto de incremento tecno-
lógico vê-se igualmente atrelada à Precaução, que se dimensiona como Di-
reito Fundamental, construído sobre o respeito aos limites e contornos am-
bientais, além do respeito à fragilidade da vida humana, da atual e das
futuras gerações, bem como mecanismo de tutela dos riscos da complexa
Sociedade Pós-Industrial (ENGELMANN; FLORES; WEYERMÜLLER,
2010, p. 121). Tal aspecto pode ser interligado à necessária tomada de deci-
são judicial mais adequada e responsável neste contexto de novas tecnolo-
gias e inteligência artificial.
Assim, é essencial tratar de temas como a gestão de riscos, com a ex-
pectativa de estabelecer a importância de considerá-la nas análises socioju-
rídicas das nanotecnologias, evitando o retrocesso ambiental. Desta forma,
objetiva-se trabalhar sob a perspectiva da ELSI, considerando que os impac-
tos éticos, legais e sociais devem ser observados nas pesquisas científicas.
Tais aspectos ou impactos éticos, legais e sociais, (ELSI) devem ser levados
em consideração durante a realização de pesquisas científicas, e atrelar-se
mais ainda na tomada de decisão judicial. Como se observa na comunidade
SUMÁRIO
europeia, ela procura, não bloquear o desenvolvimento, mas pensá-lo de forma
mais segura, evitando maiores riscos, especialmente no tocante às pesquisas
genômicas e com nanotecnologias. Na última década foram investidos cerca
de 20 milhões de Euros em programas desta categoria. A criação da ELSI
gerou inúmeras críticas por ser focado especialmente nos aspectos dos efeitos
e resultados (ELSA, 2017).
Os debates recentes demonstram que a evolução da ciência e da tecno-
logia não ocorrem independentemente da sociedade. Vários atores com di-
ferentes pontos de vista estão a moldar o processo e parece muito provável
que algumas aplicações da nanotecnologia irão levantar preocupações éti-
cas, legais e sociais significativas que a inteligência artificial talvez não con-
siga alcançar no momento da criação da decisão judicial.Aqui resta claro
um dos outros objetivos da pesquisa, demonstrar o papel de um ator social
que vem sendo esquecido na discussão acerca das nanotecnologias: o con-
sumidor final,que muitas vezes nem sabe o que está consumindo.
O grupo de Pesquisa JUSNANO vem fomentando a produção de co-
nhecimento na área das nanotecnologias, levando o conhecimento do tema
a diferentes grupos sociais, principalmente alertando aos consumidores
sobre seu direito à informação dos riscos que os produtos com nanotecno-
logia poderão gerar.
A pesquisa utiliza o método sistêmico, pelo qual se busca a análise da
problemática proposta de forma enredada e comunicativa, permitindo a ob-
servação da inter-relação dos fenômenos sociais através de uma observação
de segunda ordem. É possível perceber a forma de descrição de diversos sis-
temas sociais e os diversos acoplamentos e ressonâncias estabelecidos entre
si, verificando as dinâmicas não lineares da sociedade complexa. Para sus-
tentar metodologicamente esta investigação se utilizará a análise funcional,
proposta por Luhmann, considerando que ela relaciona a intenção de com-
preender o existente como contingencial e o que for diferente como compa-
rável. Em outros termos, problema e solução não são uma relação que seja
um fim em si mesma, mas, antes, serve como fio condutor de perguntas por
possibilidades e equivalências funcionais (LUHMANN, 1990).
O atual trabalho do grupo de pesquisa JUSNANO acerca da divulgação
do conhecimento sobre as nanotecnologias e dos impactos éticos, legais e so-
ciais desta nova tecnologia, assim como a relevância da necessária pesquisa
e da participação do Direito, demonstra a necessidade de um pensar e agir
transdisciplinar, inserindo no debate os mais diversos atores sociais, espe-
cialmente os consumidores finais. Em relação aos mecanismos de proteção
ao meio ambiente e ao direito das futuras gerações, as novas tecnologias
exigem que o Direito se molde à realidade, sendo capaz de fornecer respos-
tas na medida em que surjam demandas jurídicas. Vale dizer, o Direito pre-
cisará construir mecanismos para juridicizar os danos futuros e abordá-los
SUMÁRIO
em suas decisões, e a inteligência artificial não parece conseguir dar conta
de lidar com estes inúmeros fatores envolvidos e entremeados, consolidando
uma resposta do sistema jurídico adequada às novas demandas originárias
das nanotecnologias.
SUMÁRIO
FIGURA 1 – O qUE É NANO?
Nano é o nome que vem do grego e, significa anão, um termo fundido com a
palavra tecnologia que surgiu em 1974, o famoso termo nanotecnologia. É
uma ciência transdisciplinar, e de difícil explicação pelo fato desta fazer parte
das ciências da complexidade, ou seja, é uma ciência não pura como a física,
a química e a matemática, mas, sim, uma ciência heterogênea, e em seu bojo
há a combinação de muitas disciplinas. Portanto, poderá haver em único pro-
duto feito com esta ciência, traços de engenharia usando química, física, bio-
logia, matemática, computação e outras novas ciências. (grifo do autor).
SUMÁRIO
produção de nanotecnologia desenvolvida no mundo. Com base então na
NPD, pode-se afirmar que atualmente existem 7286 produtos com nanotec-
nologias, produzidos por 1438 companhias, oriundos de 52 países. Desta
forma, a nanotecnologia já está inserida diariamente na vida em sociedade.
Uma vez que a promessa de um novo mundo tecnológico já se faz pre-
sente, interligando novas tecnologias (como a nanotecnologia) e fazendo
uso desta na inteligência artificial, urge que se aprofunde o estudo em outros
impactos tão importantes, como os legais, éticos e sociais, que fazem parte
da adoção da União Europeia em projeto internacional.
O desenvolvimento destas tecnologias gera impactos éticos, legais e
sociais importantes, relacionados também ao princípio da precaução e in-
formação, bem como reflexos nas relações de trabalho e no meio ambiente.
Não há como se imaginar avanços científicos e tecnológicos, além de eco-
nômicos, alicerçados sobre retrocesso social em termos de saúde e de pro-
teção. Uma vez que o mundo científico está atento à nanotecnologia, tal
preocupação reflete na seara jurídica. E de maneira, num contexto de novas
tecnologias, que inevitavelmente desaguarão na inteligência artificial (com
adoção das nanos para desenvolver tal meio), o Direito poderá efetuar a ges-
tão destas futuras novas demandas, e como será possível tomar decisões ju-
diciais devidamente aptas e responsáveis nesta complexidade?
Importante analisar o que seria o ELSA, de que forma esta abordagem
mais responsável poderá auxiliar em promover respostas adequadas nesta
nova complexidade de urgência de decisões judiciais aptas ao novo contexto
das nanos e inteligência artificial. E qual o papel da informação e do consu-
midor no aspecto do desenvolvimento?
O Direito também foi atingido por esta nova realidade repleta de in-
certezas, colocando em xeque os tradicionais postulados jurídicos, espe-
cialmente a previsibilidade e a certeza. Essa realidade de crise dificilmen-
te pode ser enfrentada adequadamente com os instrumentos tradicionais
do Estado, cujo Direito tem papel preponderante no sentido de reduzir a
complexidade frente a um número indeterminado de expectativas, riscos
e possibilidades. A complexidade e a interligação de fatores indicam que
apenas o Direito, isoladamente, como sistema social, não dispõe dos ele-
mentos necessários e adequados para modificar a realidade de crise. O re-
conhecimento da complexa e paradoxal relação entre desenvolvimento da
sociedade e natureza é um passo fundamental a ser dado (WEYERMÜL-
LER; ROCHA, 2015).
Assim, depois de analisados estes novos aspectos das nanos e da inteligên-
cia artificial é que se recorre à atenção necessária ao consumidor. Qual seu
papel? Todos acabam sendo consumidores de “nano produtos”. No entanto, uma
pequena parcela destes “todos” sabe alguma coisa sobre as nanotecnologias.
SUMÁRIO
Portanto, aí se desenha um importante espaço para o alinhamento dos contornos
do chamado “direito à informação” e o consumidor.
O direito à informação trata de um direito coletivo da informação ou
do direito da coletividade à informação; o direito de informar, como aspecto
da liberdade de manifestação do pensamento, revela-se um direito indivi-
dual, mas já contaminado de sentido coletivo, em virtude das transformações
de meios de comunicação, de sorte que a caracterização mais moderna do
direito de comunicação, que especialmente se concretiza pelos meios de co-
municação social ou de massa. Ao lado do direito individual corrobore-se o
direito coletivo (SILVA, 2005, p. 259).Encontra-se disposto no artigo 5º, in-
cisos IV, XVI e XXXIII cumulado com os artigos 220 a 224, sendo que “de-
claram que é assegurado a todos o acesso à informação. É o interesse geral
contraposto ao interesse individual da manifestação de opinião, ideias e pen-
samento, veiculador pelos meios de comunicação social. Daí por que a li-
berdade de informação deixará de ser mera função individual para tornar-
se função social”.(SILVA, 2005, p. 260).
A concretização do direito à informação auxilia na construção de um
ambiente de participação democrática dos cidadãos. A concretização dessa
figura constitucional (possuidora de alta carga democrática) parece ser o
modelo capaz de garantir um poder cidadão, objeto das alienações e des-
cumprimento, por parte do Poder Público. (BONAVIDES, 2001, p.25).
O “direito de saber” como a estrutura central do “direito à informação”,
que é destinado à sociedade, e do “dever de informação”, dirigido ao pesqui-
sador e empresário, deverá ser perspectivado desde o trabalho com a matéria-
prima, ou seja, a produção material em estado bruto, onde se terá a exposição
direta do trabalhador, além das emissões industriais. Este conjunto já atinge
a população humana e o meio ambiente. Os produtos manufaturados vão ao
mercado consumidor, onde eles são adquiridos, com a exposição dos consu-
midores, isto é, toda a sociedade. Assim, “a informação, ao passar conheci-
mentos, vai ensejar da parte do informado a criação de novos saberes, através
do estudo, da comparação ou da reflexão.”(MACHADO, 2007, p.27).
Portanto, a maneira mais ética e responsável no desenvolvimento de
novas tecnologias, como as nanos e a própria inteligência artificial, somente
é possibilitada com a verdadeira informação que atinge o consumidor, de-
vendo este último realizar a escolha adequada, com base nas informações
do produto que detém.
E assim sendo, os impactos ou aspectos sociais, legais e ambientais do
uso das nanotecnologias, que perpassam igualmente a inteligência artifi-
cial,elaboram uma interface pelo direito à informação do consumidor e pelo
dever de informar do produtor. O avanço das novas tecnologias, como as
nanos e a inteligência artificial, num conjunto crescente de aplicações, co-
meça a integrar o cotidiano da sociedade brasileira e mundial. Por outro
SUMÁRIO
lado, as pesquisas e os produtos que advirão desta intervenção humana nas
forças naturais exigirão a divulgação das informações ao mercado produtor
e consumidor, pois há, inclusive, previsão constitucional deste direito fun-
damental, qual seja, o “direito à informação”, como um direito subjetivo
que nasce com o dever subjetivo do empresário: o “dever de informar”.
Desta forma, vários atores com diferentes pontos de vista estão a mol-
dar o processo e parece muito provável que algumas aplicações da nanotec-
nologia irão levantar preocupações éticas, legais e sociais significativas que
a inteligência artificial talvez não consiga alcançar no momento da criação
da decisão judicial.
4 CONCLUSÃO
Observa-se no cenário atual o desenvolvimento de novas tecnologias, onde
as nanotecnologias encontram-se presentes no cotidiano humano. Interli-
gando-se às nanos, possível perceber que a inteligência artificial apresen-
ta-se igualmente em amplo desenvolvimento, inclusive utilizando-se desta
tecnologia para alcançar seu melhor desempenho.
Assim como o desenvolvimento das nanotecnologias devem ser enca-
radas com respeito à atual e futuras gerações, dado o grau de risco que
podem apresentar, a inteligência artificial também deverá respeitar os pres-
supostos do ELSI, adotando uma postura responsável, atentando assim para
os impactos legais, sociais e éticos sobre a sociedade e vida humana.
Em relação aos mecanismos de proteção ao meio ambiente e ao direito
das futuras gerações, as novas tecnologias exigem que o Direito se molde à
realidade, sendo capaz de fornecer respostas na medida em que surjam de-
mandas jurídicas.
Vale dizer, o Direito precisará construir mecanismos para juridicizar
os danos futuros e abordá-los em suas decisões, e a inteligência artificial
não parece conseguir dar conta de lidar com estes inúmeros fatores envol-
vidos e entremeados, consolidando uma resposta do sistema jurídico ade-
quada às novas demandas originárias das nanotecnologias.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
FORSBERG, Ellen-Marie. ELSA and RRI – Editorial. IN: Life Sciences,
Society and Policy, v. 11, n. 2, 2015. Disponível em: <http://www.lsspjour-
nal.com/content/11/1/2> Acesso em 09 nov. 2017.
SILVA, José Afonso. Direito Constitucional positivo. 25ª ed.. São Paulo:
Editora Malheiros, 2005.
SUMÁRIO
SWISS NATIONAL SCIENCE FOUDATION (SNSF). National Research
programme NRp 64. Opportunities and risks of nanomaterials: results, out-
come and perspectives –final brochure. Wildhainweg, Mar. 2017. Disponível
em: <http://www.nrp64.ch/SiteCollectionDocuments/Final_ Brochure_NRP64_
E.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2017.
SUMÁRIO
GP 6 – JUDICIALIZAÇÃO DA
POLÍTICA
Coordenação: Flavia Danielle Santiago Lima,
Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho, Jairo
Néia Lima e Nathaly Mancilla Órdenes
SUMÁRIO
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA: UMA ANÁLISE
DO CONTEXTO POLÍTICO-ELEITORAL SOB A
PERSPECTIVA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Alexsandra Ramos Fantinel*
1. INTRODUÇÃO:
O trabalho é pautado em aspectos referentes ao poder judiciário brasileiro
a forma como este engaja-se com questões essencialmente políticas. O tema
vem sendo tratado cada vez com mais propriedade pela doutrina, no sentido
de que vem recebendo mais atenção e foco nos últimos anos. Pode-se afir-
mar que desde a metade do século passado este tema tem sido difundido am-
plamente pela literatura norte-americana, baseado em decisões emanadas
pela Corte Suprema dos Estados Unidos.
Neste cenário em que predominam o conteúdo das decisões e o papel
desempenhado pelas cortes judiciais no Brasil, é que observou-se o prota-
gonismo dos Tribunais. Isso tendo em vista que os mesmos ao serem de-
mandados sobre temas relacionados a outras esferas de poder, posicionam-
se a ponto de legislarem contra ou a favor de determinado segmento. Ou
seja, analisa-se, precisamente, o caso da polêmica decisão sobre “fidelidade
partidária”, esta que à época, no ano de 2007, foi analisada primeiramente
pelo Tribunal Superior Eleitoral e, posteriormente, pelo Supremo Tribunal
Federal, tendo grande repercussão no que tange a dinâmica da troca de par-
tidos e suas implicações. Vale ressaltar que o sistema partidário sempre foi
foco de inúmeras discussões desde o advento da Constituição promulgada
em 1988, acerca do papel dos partidos políticos e sua relação com os parla-
mentares.
O foco principal do presente estudo é a análise dos fatores determinan-
tes que culminaram na decisão a qual estabeleceu um marco regulatório na
troca de partidos no contexto politico-brasileiro. Ao longo da pesquisa são
analisados os discursos dos ministros dos respectivos Tribunais no intuito
de verificar a linha adotada em suas decisões que culminaram no banimento
da infidelidade dos parlamentares a seus respectivos partidos. Através de
uma análise de conteúdo é possível delimitar alguns parâmetros adotados
SUMÁRIO
nas decisões, através dos discursos persentes tanto na Consulta 13981 ana-
lisada pelos ministros do TSE, bem como nas ações diretas de inconstitu-
cionalidade julgadas pelo STF, ratificando a Resolução 22.610/2007 do TSE
a qual institui a fidelidade partidária no Brasil.
Através da aprovação da Resolução foi possível delimitar novos parâ-
metros acerca da importância do mandato eletivo tanto para os partidos
quanto para os parlamentares. Se por um lado a normativa atendeu aos an-
seios do eleitor que atribui um voto partidário e pessoal, bem como contri-
buiu para a legitimidade do partido politico; por outro, poderia significar a
privação da liberdade de expressão dos políticos que não podem, sem justa
causa, desfiliarem-se dos partidos pelos quais foram eleitos. Sob este enfo-
que, os debates abordados na Corte Suprema brasileira tem delineado novos
paradigmas, através dos quais têm se posicionado seus respectivos membros
no sentido de assumirem funções atípicas como a de legislar.
Sendo assim, tal discussão é inédita no âmbito do judiciário, uma vez
que os assuntos já abordados pelo tribunal eleitoral foram retomados por
cada ministros, assumindo grandes proporções na esfera judicial. Tal situa-
ção tem ensejado a detenção de um novo papel do judiciário, o de legislador
positivo, ao ratificar uma resolução pioneira com força normativa. Espera-
se que, através do presente estudo, seja possível colaborar para o aprimora-
mento da relação jurídico-política tendo em vista a expansão da atuação do
poder judiciário, inclusive na esfera politico-partidária. Essa aparente con-
centração de poderes nas mãos do TSE e do STF, vem trazendo mudanças
no equilíbrio da separação dos poderes, agregando, ao longo dos anos, um
papel político.
2. JUDICIALIZAÇÃO DA pOLÍTICA
SUMÁRIO
3.2. A pOLêMICA DISCUSSÃO SOBRE A FIDELIDADE
pARTIDáRIA E O ADVENTO DA RESOLUÇÃO N. 22.610/07
DO TSE pELO JUDICIáRIO
Diante do atual cenário em que se encontrava o contexto politico-eleitora, ,
especificamente, devido ao grande fluxo de migração entre os partidos, tal
assunto foi levado a pauta da justiça eleitoral. No ano de 2007, o PFL (Par-
tido da Frente Liberal), atual DEM (Democratas), submeteu uma Consulta
ao TSE no intuito de que fosse respondido um questionamento acerca de
desfiliação partidária de um parlamentar eleito pelo partido que veio a des-
filiar-se sem justo motivo. A indagação foi nos seguintes termos: “Os par-
tidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema elei-
toral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou
de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”
A Consulta n. 1.39829 teve uma grande repercussão, principalmente na
esfera política, já que a decisão proferida pelos ministros do TSE e ratificada
pelo STF, gerou grande discussão entre os mesmos e não foi unânime, uma
vez que houve argumentos contra e a favor à perda de mandato eletivo do
político30. Esta decisão foi uma das pioneiras neste sentido, já que incor-
porou ao sistema jurídico uma norma eivada de critérios objetivos que con-
dicionam a perda do mandato eletivo. A aprovação da Resolução do Tribu-
nal Superior Eleitoral que disciplina a perda de cargo eletivo no Brasil aos
políticos infiéis trouxe margem a discussões que advinham desde antes da
consolidação do Estado Democrático no Brasil. Esta discussão, associada
ao modelo político brasileiro, trouxe um certo rigorismo no interior dos par-
tidos. Mesmo considerando que as migrações, de certa forma, tenham sur-
tido efeitos importantes na história política brasileira, convém mencionar
que os partidos oposicionistas, ou seja, aqueles que não compunham a base
do governo à época, eram frequentemente atingidos pela perda dos parla-
mentares, que, consigo, também levavam o mandato.
O fenômeno da troca das cadeiras foi tornando-se visível, na medida
em que, da metade para o fim do mandato, os parlamentares decidiam, por
sua vontade, aderir a outra legenda, causando a fragilidade partidária.
Assim, concluindo-se que o assunto referente ao pertencimento do mandato
eletivo foi judicializado por meio de uma normativa de autoria do judiciário.
Houve um grande impasse acerca da competência para decidir sobre a perda
de mandato, o que levou à instauração desta comissão, sendo entendimento
pacífico da maioria dos deputados que, tendo em vista o mandato ser popular
e caberia ao congresso decidir sobre esses casos.
No âmbito do TSE, a Resolução n. 22.526, Consulta n. 1.398/DF de
200731, teve grande repercussão, sendo a decisão aprovada de forma posi-
tiva em favor do consulente (partido político), por maioria, determinando a
legitimação da perda de mandato para cargos proporcionais de deputados
SUMÁRIO
que trocam de partido. Ressalta-se que dos 7 (sete) ministros votantes, so-
mente um deles, o Ministro Marcelo Ribeiro, foi voto vencido. A decisão da
maioria dos ministros foi no sentido de atribuir ao partido a detenção do
mandato eletivo, e suas decisões foram pautadas na jurisprudência, acór-
dãos, razões de ordem jurídica e moral, doutrina, legislação eleitoral, pre-
cedentes judiciais, análises comparativas e do contexto histórico brasileiro.
Neste sentido, os ministros do TSE referendaram a importância da institui-
ção para a consolidação de um sistema democrático, respondendo positiva-
mente a consulta por 6 (seis) votos a 1 (um)32. Ou seja, entendeu-se, por
maioria de votos, que o mandato pertence ao partido e não ao candidato,
sendo dissidente somente o voto do Ministro Marcelo Ribeiro. Em sua opi-
nião, a mudança de partido não ensejaria a perda do mandato em favor do
partido, guiando-se o ministro pura e simplesmente pelos preceitos consti-
tucionais os quais não prevêem a perda do mandato pela troca de partido.
No âmbito do STF, a decisão do TSE foi confirmada e ratificada, preva-
lecendo a tese dos ministros Celso de Melo e Cármen Lúcia, acolhida por Me-
nezes de Direito, Cezar Peluzo, Gilmar Mendes e Ellen Gracie. Ficaram ven-
cidos Eros Grau, Ricardo Lewandrowski e Joaquim Barbosa. Carlos Ayres
Brito e Marco Aurélio ficaram vencidos em parte. Através do julgamento dos
Mandados de Segurança n. 26.603/DF, MS n. 26.604/DF e das Ações Diretas
de Inconstitucionalidade 3999/08/DF e 4086/08/DF, o tema começou a ter
mais visibilidade e repercussão perante o STF33. Neste sentido, o Supremo
entendeu, por maioria de oito votos, que a infidelidade partidária pode ensejar
a perda do mandato. Uma das questões discutidas foi o marco inicial da en-
trada em vigor da resolução tanto referente ao sistema proporcional quanto o
sistema majoritário. A controvérsia toda está centrada na titularidade do man-
dato eletivo, e por maioria de votos, foi consagrada ao partido político, já que,
no Brasil, prospera o sistema de mandato representativo partidário. Com base
na Consulta 1.407/0734, o STF ampliou o campo de abrangência da norma a
qual também deve ser aplicada para cargos majoritários.
CONSIDERAÇõES FINAIS:
O poder judiciário ao decidir sobre temas afeitos a outra seara de poder es-
taria demonstrando seu protagonismo, de certa forma, sua credibilidade
frente a outros atores e, ate mesmo, frente ao cidadão. Através da aprovação
e entrada em vigor da Resolução n. 22.610/2007 do TSE, delineou-se um
novo cenária na historia politico-eleitoral brasileira, a ponto de estabelecer
“barreiras” e condições para que o parlamentar possa trocar de legenda. Isso
considerando que estas exceções previstas na legislação em vigor prevê cau-
sas de manutenção do mandato em favor do politico desde que demonstrada
uma das justa causas elencadas nos incisos do artigo 1 da normativa.
SUMÁRIO
Dessa forma, consignou-se com o advento da decisão materializada em
uma normativa que instituiu a fidelidade partidária no Brasil um fortaleci-
mento dos partidos, já que podem controlar seus políticos. Os impactos
dessa resolução podem ser entendidos, por um lado, desfavoráveis ao poli-
tico no sentido de que não é atendido o princípio da liberdade de expressão
tornando o mandato imperativo e; por outro, a segurança jurídica do partido
de conservar a vaga a seu favor por direito liquido e certo, fazendo com que
haja uma relação de cumplicidade entre o eleito e a instituição. Ademais,
outra discussão seria sobre o papel do judiciário ao decidir, pois a este não
incumbiria o papel de legislar sobre tal assunto, pois assim estaria indo além
da esfera de sua competência normativa, vindo a invadir o espaço do poder
legislativo, violando a harmonia do check and balance.
Acredita-se que as decisões emanadas tanto pelo TSE quanto pelo STF
foram justificadas conforme o modelo de representação ideal e atenderam
aos anseios tanto do partido, como do cidadão, o qual atribui um voto pes-
soal ao politico. Abarcando o protagonismo dos Tribunais nesta seara.
SUMÁRIO
NOTAS
p.189.
SUMÁRIO
ciário, exercendo o controle efetivo sobre o mesmo. Inclusive a nomeação dos
juízes estava atrelada a indicação do imperador, a exceção dos juízes de paz que
eram eleitos. In: SADEK, M. T. (1995). O judiciário em debate. São Paulo:
IDESP: Editora Sumaré. p.10.
A Constituição de 1934, no Capítulo IV, seção I, em seu artigo 68, que tra-
tava acerca do poder judiciário preceituava que: É vedado ao Poder Judiciário
9
Ática. p.124. O autor, em seu artigo, foca a sua análise em alguns pontos os quais
devem ser observados ao estudar o judiciário. Um deles diz respeito a subordina-
ção do poder judiciário a lei, e que seus membros não são eleitos pelo povo, razão
pela qual não seriam partícipes do poder do Estado, tampouco representantes elei-
tos pelo povo.
SUMÁRIO
pelo STF e escolhidos pelo Presidente da Republica, conforme dispõe o artigo
119, da CF. Cada um dos ministros possui mandato de 2 (dois) anos, podendo
serem reconduzidos por mais 2 (dois) anos.
Sobre o assunto foi analisado pela autora o universo dos 17 ministros tanto
do STF quanto do TSE, os quais participaram da discussão sobre fidelidade par-
18
19
Vide tabela 1. (Anexo I)
assembléias legislativas e nas câmaras municipais quem, por atitude ou por voto,
se opuser as diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção par-
tidária ou deixar o partido sob cujo foi eleito, salvo se para participar como fun-
dador da constituição de novo partido.
SUMÁRIO
Segundo estudos elaborados acerca da mudança de partidos, demonstram
que o período compreendido entre 1991-1995 incide para a maior incidência de
23
migração dos parlamentares para outro partido, totalizando 261 mudanças reali-
zadas por legislatura pelos parlamentares. Sobre o assunto ver: MELO, Carlos
Ranulfo. Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária na Câmara dos
Deputados (1985-2002). Belo Horizonte: UFMG. 2004. p.66.
2008.
14 set. 2009.
14 set. 2009.
tantes, somente Marcelo Ribeiro foi voto vencido. Já no STF, a decisão do TSE
foi confirmada, prevalecendo a tese dos ministros Celso de Melo e Cármen Lúcia,
acolhida por Menezes de Direito, Cezar Peluzo, Gilmar Mendes e Ellen Gracie.
Ficaram vencidos Eros Grau, Ricardo Lewandrowski e Joaquim Barbosa. Carlos
Brito e Marco Aurélio ficaram vencidos em parte.
SUMÁRIO
de filiação, transferência de partido, vaga, agremiação. Disponivel em: <http://www.
tse.jus.br/arquivos/tse-resolucao-no-22-526-consulta-no-1-398/view>. Acesso em:
23 jun. 2014.
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Cesar Asfor Rocha, José Del-
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SUMÁRIO
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SUMÁRIO
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SEGAL, J. A.; SpAETh, H. J. (2007). The Supreme Court and the attitudi-
nal model revisited. Cambridge: Cambridge University.
SUMÁRIO
VIEIRA, O. V. (1994). Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política.
São Paulo: Revista dos Tribunais.
SUMÁRIO
ANExO 1- TABELA COM A TRAJETÓRIA DOS
MINISTROS DO STF E TSE
SUMÁRIO
AS ENTIDADES DE CLASSE E O CONTROLE
CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE
BRASILEIRO
Fabrício Sales Noronha1
Alexandre Araújo Costa2
Abstract: The article investigates the legitimacy of union entities and con-
federations of article 103, item IX, of the Federal Constitution of 1988,
for the filing of actions of control concentrated before the STF, in the context
of the constitutional process of 1987/1988. The research is motivated
by the empirical observation that the corporate entities in question are the
main litigators of the STF in a concentrated control and that they use their
legitimacy to guide the defense of corporate interests and rights, which
distorts the constitutional foundation of the mechanism, which was desig-
ned for the protection of fundamental rights.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: A DUpLA IDEALIZAÇÃO DAS
NARRATIVAS SOBRE A EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
Pesquisas empíricas realizadas ao longo dos últimos 15 anos têm apontado
uma ampliação gradual da participação das entidades de classe no controle
concentrado, tendo esses atores se tornado o grupo com maior participação
tanto na proposição de ADI’s quanto na obtenção de acórdãos favoráveis3.
Os dados indicam um descompasso entre o comportamento judicial efetivo
e os discursos justificadores do controle concentrado, pois apesar de tais
discursos normalmente afirmarem que o objetivo fundamental desse tipo de
controle é seria proteção a direitos fundamentais4 5 6, “a combinação do
perfil político desses legitimados, associado a jurisprudência restritiva do
STF em termos de limitação de atuação dessa legitimidade, conduziu a um
modelo de Controle Concentrado que privilegia a garantia dos interesses
institucionais.”7
No Brasil o modelo de controle de constitucionalidade definido pela
Constituição de 1988 ratificou o existente sistema misto, mas temperou a
centralização do controle concentrado por meio de uma ampliação do rol de
legitimados ativos8. Desde então, os discursos que vêm orientando as várias
propostas de reforma do Poder Judiciário9 têm defendido o fortalecimento
do sistema concentrado, em detrimento do sistema difuso10, que tem sido
apresentado como menos racional e eficiente. Nesses discursos, a existência
de um amplo rol de legitimados é apontada como elemento relevante para
garantir o caráter democrático de um controle cuja concentração não pode-
ria significar um fechamento.
No modelo anterior a 1988, o PGR era o único ator legitimo para propor
representação de inconstitucionalidade perante o STF, e a ruptura desse mo-
nopólio pela Constituição de 1988 é normalmente apresentada como um
ganho democrático e como uma das condições da efetividade dos direitos
fundamentais, por ampliar o escopo de demandas oriundas de diversos seg-
mentos sociais, políticos e institucionais, que poderiam ser levadas ao Su-
premo Tribunal Federal (STF) em forma de pedidos de declaração de in-
constitucionalidade de leis ou atos normativos federais e/ou estaduais.
Alguns dos atores envolvidos no processo constituinte apontam que a
ampliação do rol dos legitimados ocorreu com base na percepção dos proble-
mas do monopólio da legitimação pelo Ministério Público, sendo esta exclu-
sividade suplantada pela força das discussões11 que associavam a sua prerro-
gativa com a prática de exercício de julgamento antecipado das questões
constitucionais, ante a discricionariedade no encaminhamento das represen-
tações, pelos atores sociais e políticos. A ampliação do rol de legitimados ati-
vos à propositura de ações perante o Supremo Tribunal Federal (STF) foi co-
memorada pela comunidade jurídica e por amplos setores sociais, pois vinha
SUMÁRIO
imbuída de um forte discurso democrático de ampliação do acesso a corte de
justiça, em um contexto de fortes críticas ao poder com exclusividade do pro-
curador geral da república, muitas vezes vinculado ao Poder Executivo e a
uma ampla discricionariedade de propositura de ações perante o supremo.
O presente trabalho coloca em dúvida a validade desses discursos ce-
lebratórios, que muitas vezes guiam as narrativas sobre a evolução histórica
do controle de constitucionalidade no Brasil. É bastante comum a repetição
acrítica da narrativa construída na década de 1990 como forma de justificar
a própria atuação do STF, e que se manifesta especialmente na obra de Gil-
mar Ferreira Mendes, que contribuiu fortemente para a criação de alguns
dos mitos que foram incorporados pelo imaginário dos juristas. Essa narra-
tiva adota um tom progressivista, no qual iniciamos com um controle difuso
relativamente débil e progredimos rumo a um controle cada vez mais con-
centrado no STF, sendo esse movimento saudado como um incremento gra-
dual de racionalidade e eficiência do sistema. Nessa narrativa, o modelo bra-
sileiro (especialmente a concentração de poderes no STF) é apresentada
quase como uma consequência natural da nossa evolução jurídica e como
uma exigência fundamental do regime democrático instituído em 1988.
A relação de causalidade entre a garantia do interesse público e a am-
pliação dos legitimados não costuma ter por base uma pesquisa empírica
acerca do modo pelo qual tal ampliação foi introduzida no processo consti-
tuinte, mas uma forma de idealização: se o sistema político realizou uma
mudança que é convergente com o discurso constitucionalista atual, enten-
de-se que o objetivo da mudança era o de concretizar o constitucionalismo.
Entretanto, a fragilidade desse argumento é evidente, pois atribui ao sistema
político uma finalidade que pode ser bastante diversa dos objetivos que os
atores envolvidos no processo buscavam alcançar. A inadequação histórica
dessa narrativa tem sido questionada, mas ela ainda segue forte no nosso
senso comum, que muitas vezes promove uma idealização das intenções le-
gislativas, de modo a que elas sejam equacionadas aos objetivos ideológicos
do intérprete. Esse tipo de estratégia se vale de uma dupla idealização: a de-
cisão legislativa é remetida a uma suposta intenção do legislador e essa in-
tenção é reconstituída restrospectivamente, de tal forma que ela seja perce-
bida como um passo relevante no processo evolutivo rumo ao modelo
defendido pelo intérprete.
São comuns, por exemplo, afirmações que vinculam a instauração do
controle concentrado com um processo de garantia da supremacia constitu-
cional e de avanço dos ideais constitucionalistas. É mais raro que se leve em
conta que a Emenda Constitucional n˚ 16/1965, que instituiu entre nós o
controle concentrado e abstrato, era um desenvolvimento do AI-2 que re-
presentava um movimento político de ampliação do controle da União sobre
os estados.
SUMÁRIO
Esse tipo de apropriação idealizante é típica do discurso jurídico, que
normalmente opera com uma noção fictícia de vontade do legislador. Há
um longo histórico de críticas a essa categoria dogmática, que desde meados
do séc. XIX apontam para a impossibilidade de atribuir uma vontade unifi-
cada a uma ação parlamentar coletiva, composta de uma coordenação de
atuações que podem buscar finalidades muito diversas12.
Porém, o senso comum teórico dos juristas13 opera a partir do pressu-
posto de que toda norma positiva (como qualquer texto) deve ser entendida
a partir da intencionalidade do seu autor, pois a ausência dessa intenciona-
lidade anula a possibilidade de decidir objetivamente acerca das interpreta-
ções divergentes sobre os sentidos literais possíveis do texto. Essa necessi-
dade lógica de um legislador personificado, por mais que seja incompatível
com a percepção sociológica acerca do modo como as leis são elaboradas,
garante que referências à intenção do legislador permaneçam constantes na
dogmática, apesar de sabermos que a própria figura do Legislador é uma
idealização construída pelo próprio discurso dogmático.
A consciência desse mecanismo levou teóricos do século XX a admi-
tirem que a intenção legislativa não é a vontade histórica do legislador con-
creto, mas a vontade ideal de um legislador racional. Esse trânsito permite
que o discurso jurídico simplesmente deixe de lado a questão empírica de
analisar os processos políticos pelos quais uma lei (constitucional ou não)
é alterada e busque o sentido da norma apenas nas conexões sistemáticas do
ordenamento jurídico, compreendidas a partir dos conceitos dominantes na
própria dogmática jurídica. Essa idealização permite que o texto legislativo
não seja compreendido como um resultado da operação coordenada de fa-
tores reais de poder (cuja determinação exigiria uma pesquisa empírica),
mas que seja entendido como a realização de um projeto imanente ao próprio
discurso jurídico.
Esse processo de idealização permite que os juristas reproduzam acri-
ticamente a tese de que uma inovação política (como a ampliação dos legi-
timados para iniciar o controle concentrado) não tinha por objetivo satisfa-
zer interesses dos atores políticos envolvidos, mas o de ampliar a realização
dos objetivos do próprio constitucionalismo. Em vez de buscar as razões de
uma alteração legislativa nos interesses políticos subjacentes e nos debates
efetivamente realizados, busca-se uma explicação que apresente as reformas
feitas pela Constituição de 1988 no sistema de controle de constitucionali-
dade como um passo a mais na realização do projeto constitucionalista.
Nossa dúvida com relação à validade dessa descrição nos estimulou a
realizar uma investigação voltada a conhecer as origens dessa legitimidade,
o que nos leva ao processo constituinte de 1987-1988, contexto em que pode
ter havido razões que legitimaram a escolha das entidades de classe e a de-
finição da sua função para o sistema de controle de constitucionalidade, que
SUMÁRIO
estava em criação. O artigo tem por finalidade contribuir para uma releitura
da história do controle de constitucionalidade voltada a esclarecer o sentido
político das decisões que modelaram o atual sistema de judicial review.
O discurso que apresenta a ampliação do rol dos legitimados pela Cons-
tituição de 1988 raramente coloca em dúvida que o objetivo desse movi-
mento seria a democratização do controle concentrado. Entretanto, uma lei-
tura mais cuidadosa do processo constituinte aponta para a existência de
uma rede de interesses políticos mais complexa e indica que o movimento
que acabou com o monopólio do Procurador-Geral da República era menos
um movimento de democratização do que uma pauta de certos atores (es-
pecialmente dos próprios partidos políticos) interessados em ter acesso di-
reto a esse tipo de controle.14
A questão que se busca responder é: qual o sentido da legitimidade das
entidades de classe no processo constituinte de 1987/1988? Nessa busca ou-
tras questões parecem relevantes, como saber, de que modo os atores cons-
tituintes, institucionais e corporações se moveram em torno dessa legitima-
ção? Tais questões importam sobremaneira para este trabalho, e a sua
resposta, abre espaço para outras investigações, como a da própria constru-
ção/modificação jurisprudencial dessa legitimidade, e mesmo acerca do
papel que possui a dogmática constitucional na atual leitura desses eventos.
Para responder essas perguntas a pesquisa explora as fontes primarias
formada por: Atas do Diário da Assembleia Nacional Constituinte (DANC)
que registraram o funcionamento das Comissões e Subcomissões temática,
os Anteprojetos do Relator, Emendas e Sugestões dos Constituintes, Suges-
tões dos Cidadãos, Anteprojetos e Projetos das (Sub)Comissões, essa fase
foi antecedida por uma pesquisa exploratória15 em todas as vinte e quatro
Subcomissões distribuídas em seis Comissões temáticas.
O processo constituinte de 1987-1988 que deu origem a essa legitima-
ção é investigado com o objetivo de perceber as razões que perpassam essa
escolha, e da mesma forma a jurisprudência do STF, que seleciona o dispo-
sitivo do art. 103, IX da CF e confere significado e objetivos diversos da-
quele que o constituinte almejou. Ao reconstruir o percurso da atual legiti-
midade das entidades de classe, o trabalho pretende contribuir ampliando
as reflexões já realizadas pelas pesquisas, que questionam o sentido dessa
legitimidade para o controle de constitucionalidade brasileiro.
Essa expectativa encontra-se hoje em momento oportuno16 para ser men-
surada, pois o período de vinte e sete anos de ampliação do acesso ao meca-
nismos brasileiro de judicial review17, é tido como apto às reflexões que bus-
cam compreender se tal instrumento tem se prestado a defesa dos direitos e
garantias fundamentais do cidadão. Associado a este fato, o atual e crescente
interesse do meio acadêmico em conhecer os dados e desempenhos do Supre-
mo Tribunal Federal tem fomentado à pesquisa jurídica a construção de um
SUMÁRIO
caminho de analises de médio prazo, no intuito de promover reflexões sobre
a atuação institucional do supremo enquanto corte constitucional.
Passados vinte e sete anos de implantação desse sistema, questiona-se a
eficácia e racionalidade do judicial review em relação aos direitos fundamen-
tais por meio da atuação das entidades de classe no Supremo, pois a partici-
pação dessas entidades só crescem desde 1988 e a sua atuação ocorre muitas
vezes sob o argumento de defesa desses direitos. Tal questão também diz res-
peito ao modelo de democracia em implantação no Brasil, na medida em que
as entidades de classe são preteridas em detrimento do acesso do cidadão.
Nesse sentido, o artigo objetiva compreender no processo constituinte
as razoes da legitimação dessas entidades. Assim, por meio das conclusões
desta pesquisa do processo constituinte, pretendeu-se explorar as origens
da legitimação das entidades de classe de modo a perceber as razões e mo-
tivações pelas quais tais entidades lograram tal legitimação de acesso a corte
constitucional por via do controle concentrado de constitucionalidade.
Desse modo, o artigo lança mão da pesquisa documental para analisar
com base os dados primários contidos nas fontes dos anais da Assembleia
Nacional Constituinte de 1987-1988, assim como analisa os dados contidos
nos jornais, dialogando com referências bibliográficas que tratam do tema
em questão, afim de construir uma percepção apta a gerar uma explicação,
ao menos parcial, da legitimidade das entidades de classe ante as suas ori-
gens e em relação ao cenário atual do controle concentrado de constitucio-
nalidade pós-1988.
SUMÁRIO
NOTAS
1
Mestre pela Universidade de Brasília (FD/UnB). e-mail: fsalesn@me.com
SUMÁRIO
Jorge Miranda esclarece que “O constitucionalismo não se reduz, por certo,
a controle de constitucionalidade e a direitos fundamentais. Envolve mais do que
6
blica. Atualmente, juntamente com ele, podem provocar o STF, no controle con-
centrado, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara
dos Deputados, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Conselho Fe-
deral da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no
Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito na-
cional, conforme prevê o artigo 103 da CF/88.
cisão, que podem ser tanto ex tunc como ex nunc. Já na última década as modifi-
cações mais importantes ocorreram no controle difuso, antes de caráter acentua-
damente concreto, que foi tornado cada vez mais abstrato, com a introdução de
súmulas vinculantes (capazes de dar efeitos erga omnes a decisões em controle di-
fuso) e com decisões do STF que têm aplicado ao controle difuso as regras do con-
trole concentrado, como a modulação de efeitos. Assim, nos últimos 15 anos, tem
havido um processo de esvaziamento do controle difuso e de ampliação do controle
concentrado, movimento este que tem sido defendido sobretudo por alguns minis-
tros da Suprema Corte brasileira, como o mais representativo de um novo momento
constitucional brasileiro de defesa dos direitos e garantias fundamentais.
Para Marcelo Cattoni e Menellick Netto o controle difuso possui mais vanta-
gens no nosso contexto local por ser “mais antigo e com maior experiência enraizada
10
SUMÁRIO
Descompasso entre Teoria e prática na Defesa dos Direitos Fundamentais. Bra-
sília: Universidade de Brasília, p.24-25.
dos que tentam combatê-las terminam por repeti-las, ainda que inconscientemen-
te. Seguindo o mesmo caminho do teólogo que buscava o direito na vontade de
deus, os teóricos absolutistas buscaram o direito na vontade do rei, sendo ambas
essas teorias de cunho eminentemente imperativista (porque o direito era visto
como uma ordem do soberano ao súdito) e voluntarista (porque o direito era visto
como fruto da vontade do soberano). E os revolucionários franceses, buscando
romper com o antigo regime, apenas mudaram o soberano de lugar, substituindo
o rei pelo legislador, mas mantendo todo o restante da estrutura.” COSTA, Ale-
xandre Araújo. Direito e Método: diálogos entre a hermenêutica filosófica e a
hermenêutica jurídica. Brasília, 2008. Tese (Doutorado em Direito) - Programa
de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília, 2008. P. 197-198.
SUMÁRIO
na categoria “representação da União” e a consolidação da jurisprudência que co-
locava o Chefe do Parquet Federal como “juiz da representação” – na expressão
de Themístocles Cavalcanti (CAVALCANTI, 1966, p. 118) –, foram condições
de possibilidade para que a funcionalidade do controle concentrado passasse a ser
debatida não apenas em função do modo como o PGR deveria atuar junto ao STF,
mas também à luz da demanda de ampliação do rol de legitimados para iniciar o
procedimento de arguição de inconstitucionalidade. Começava a se estabelecer
uma relação entre a relevância da incidência política, possível pela via do controle
concentrado, e o fato deste ter sua materialização condicionada ao interesse do
PGR e, por conseguinte, do Governo Federal. (…) No mesmo sentido, Elival
Ramos, em análise do funcionamento do sistema de controle concentrado durante
a vigência da Constituição de 1967, afirma que a limitação da iniciativa da argui-
ção de inconstitucionalidade ao PGR era a raiz da falta de “impacto mais decisivo
em nosso sistema de fiscalização jurisdicional” (RAMOS, 2010, p. 221). Por isso
mesmo, o tema da ampliação do rol de legitimados para a deflagração do controle
concentrado seria bastante presente na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-
8. Cf. GOMES. Kelton de Oliveira. Em defesa da Sociedade? Atuação da pro-
curadoria Geral da República em Controle Concentrado de Constituciona-
lidade (1988-2012). Dissertação de Mestrado. UnB: 2015.
SUMÁRIO
bastante considerável para a dos cientistas políticos, sociólogos e juristas, se con-
siderarmos sua propensão a analisar acontecimentos “à quente”. Poder-se-ia dizer
até que o interesse sobre o assunto vem crescendo à medida que essas disciplinas
passaram a notar certas vantagens cognitivas da análise de processos históricos
de médio prazo. Ou seja, nem tão remotos a ponto de enfraquecer demais os elos
do passado com o presente e o futuro visível, nem tão imediatos, a ponto de se
perder a perspectiva mesma de um “processo””. Cf. ARAUJO, Cicero. Introdução.
Lua Nova, São Paulo , n. 88, p.25-28, 2013. p.26.
SUMÁRIO
Constituição, Reformas e Emendas. Ata da 5˚ Reunião Ordinária, Realizada em 29-
04-87. Brasília: Senado Federal, 1987, p.25.
Grifo nosso. Cf. KOERNER, A.; FREITAS, Lígia Barros de; O Supremo na
constituinte e a constituinte no Supremo, 04/2013, Lua Nova, Vol. 88, pp.141-184,
1
21
Ibid. p.171.
uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Barbosa afirma que durante toda a
década de 80, os agentes políticos responsáveis por organizar o processo de tran-
sição refutaram insistentemente a ideia de uma ruptura constitucional. Os ecos
dessa posição, segunda a qual “no Brasil nunca houve rompimentos” (JOBIM,
2004, p. 9), ressoam no constitucionalismo brasileiro até hoje (...) a vasta “literatura
SUMÁRIO
constituinte” produzida por diversos setores da sociedade civil registra, em peso,
que o movimento pela reconstitucionalização do país apresentava uma pretensão
de ruptura com a ordem autocrática. Não se tratava de uma conciliação e muito
menos de um desenlace do movimento “revolucionário” de 1964, mas da refutação
às ideias centrais daquele regime.” Cf. BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade.
Mudança constitucional, autoritarismo e democracia no Brasil pós -1964.
2009. 409 f. Tese (Doutorado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília,
2009.p. 161-162). O objetivo institucional da autopreservação se encontrava fac-
tível no terreno da doutrina ideológica que buscava na tradição (no conservadoris-
mo representado pelo pensamento da direita ou centro-direita) validar a forma ins-
titucional do supremo tribunal federal.
composto por dezesseis ministros com mandato de doze anos, sem recondução.
Também foram modificados os legitimados a proporem ADI, com o acréscimo do
primeiro-ministro e governadores, e com a exclusão da competência dos conse-
lhos seccionais da OAB. O segundo anteprojeto do relator acrescentou as confe-
derações sindicais. Com as votações dos destaques de emendas, o anteprojeto final
da comissão recebeu mudanças importantes: os ministros do STF passaram a ser
vitalícios e os tribunais superiores e tribunais de justiça foram excluídos dentre
os legitimados ativos para a ADI.” Cf. KOERNER, A.; FREITAS, Lígia Barros
de; O Supremo na constituinte e a constituinte no Supremo, 04/2013, Lua
Nova, Vol. 88, pp.141-184, São Paulo, SP, BRASIL, 2013. P.166.
SUMÁRIO
constitucional do Brasil, no qual atribuiu a proposta de criação da corte constitu-
cional a críticas injustas ao STF. Fez também uma ameaça velada ao afirmar que
os ministros eram discretos porque o STF “poderia vir a ter que dirimir” a contro-
vérsia (Corrêa, 1987, p. VIII). Em 1˚ de setembro de 1987, o Jornal do Brasil no-
ticiou que Antonio Marimoto pediu o aproveitamento de emenda com 39 mil as-
sinaturas para que entidades, assembleias legislativas e partidos políticos
pudessem arguir inconstitucionalidade junto ao STF.” Ibid. P.167-168.
SUMÁRIO
“O Sr. Presidente registrou a presença no recinto de diversos representantes
de associações e entidades ligadas ao Poder Judiciário.” Cf. Brasil. Assembléia
3
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5˚. ed. Sal-
vador: Juspodivm, 2011.
SUMÁRIO
MARINONI, Guilherme. Curso de Direito Constitucional / Ingo Wolfgang
Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012.
WARAT, Luiz Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas.
Revista Sequência, Santa Catarina, v. 3, n. 5, 1982.
SUMÁRIO
A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA COMO ARTIFÍCIO
ANTIDEMOCRÁTICO DO CAPITAL
Resumo: A atual crise política e econômica vivenciada faz saltar aos olhos
a necessidade de se precaver criticamente contra uma tempestade de in-
formações que chegam diariamente pelos meios midiáticos tradicionais.
Nesse contexto, um dos pontos que merecem maiores esclarecimentos
são as decisões dos tribunais brasileiros, aparentemente coerentes e en-
voltas a explicações simplistas, frente a questões políticas de interesse pú-
blico e que deveriam ser decididas através de meios democráticos (Le-
gislativo e Executivo). Ao analisar o fenômeno crescente da judicialização
da política, encontram-se, além de explicações jurídicas, condições fa-
voráveis para a ocorrência desse fenômeno no âmbito social. O fato de
a sociedade brasileira ser hierarquizada e possuir resquícios de conser-
vadorismo e autoritarismo incentiva o consenso entre a população de que
a solução para os problemas sociais e políticos pode ser encontrada nos
tribunais, ao invés da política. Ao elencar esses fatores, observa-se que
os mesmos enfraquecem a soberania popular, retirando a responsabili-
dade dos cidadãos de uma participação maior na vida política do país.
A judicialização facilitaria o afastamento da política nas democracias,
afetando o equilíbrio dos poderes na medida em que se propicia a inva-
são do Direito na Política.
1 INTRODUÇÃO
Com fundamento no princípio dos freios e contrapesos, uma evolução da
divisão Tripartida de Montesquieu que preconiza que os Poderes (Legisla-
tivo, Executivo e Judiciário) devem trabalhar de forma harmônica, indepen-
dente e se auto- controlarem, nasce a judicialização da política, ou seja,
questões sociais de cunho político, social e moral sendo decididas em caráter
definitivo pelo Judiciário.
Ao analisar o fenômeno crescente da judicialização da política encon-
tram-se, além de explicações jurídicas, condições favoráveis para a sua ocor-
rência no âmbito social. Diferente do ativismo judicial que trata da discussão
da hermenêutica jurídica, a judicialização não é um problema próprio do
Direito, pois envolve o imaginário social e a falta de credibilidade, por parte
da sociedade, nos agentes políticos.
O fato de a sociedade brasileira ser hierarquizada e possuir resquícios
de conservadorismo e autoritarismo incentiva a ideia de que a solução para
os problemas sociais e políticos pode ser encontrada nos tribunais, em vez
da política. Ao elencar esses fatores, observa-se que os mesmos enfraque-
cem a soberania popular, retirando a responsabilidade dos cidadãos de uma
participação maior na vida política do país. A judicialização facilitaria o
afastamento da política nas democracias, afetando o equilíbrio dos poderes
na medida em que se propicia a invasão do Direito na Política. Nesse senti-
do, destaca-se o pensamento do constitucionalista Lênio Streck (2013), para
quem o Poder Judiciário poderia dizer não às questões políticas apresenta-
das, pois a cidadania se fortalece com a luta. Com todas as questões sendo
SUMÁRIO
decididas no terreno do direito há uma tutela do Judiciário ao voto mal pen-
sado dos cidadãos.
Um dos fatores que facilitou esse fenômeno jurídico foi à ampliação
do acesso à justiça almejada durante o processo de redemocratização do Bra-
sil, mas esse desejo encontrou limites no caráter excludente e desigual do
capitalismo brasileiro, na reprodução das desigualdades sociais e no sistema
judicial burocrático.
A judicialização da política pode parecer, em um primeiro momento,
uma possibilidade de reforço da democracia, onde os intérpretes da norma
poderiam preencher as lacunas deixadas pelos demais poderes e garantir a
eficácia dos direitos fundamentais. Tudo seria possível: destituir governan-
tes, conceder benefícios sociais sonegados pela administração pública, san-
cionar empresas que poluem o meio ambiente e atacam a liberdade sindical,
combater a corrupção e etc. Todavia, quem assim pensa não percebe que o
intuito de uma superestrutura na sociedade ultrapassa o querer de cada
agente individual. Quando se trata de instituições de Estado, deve-se ob-
servar que sua origem está atrelada a reprodução do sistema social, ou seja,
como um conjunto de relações sociais que vão além do domínio das von-
tades individuais.
O Poder Judiciário, através de suas decisões, que, em tese, deveriam
transmitir segurança jurídica, cada vez mais tem decidido com um viés polí-
tico adentrando na esfera de outros poderes. O que se busca é entender de que
forma a judicialização da política ameaça a democracia e investigar a possível
ligação dos Tribunais e de suas decisões com interesses econômicos.
Diante do panorama acima exposto e para compreensão desse fenôme-
no, se faz necessário utilizar de uma prospecção bibliográfica no campo ju-
rídico, político e das Ciências Sociais, utilizando-se de métodos majorita-
riamente qualitativos e tendo como aporte teórico central os ensinamentos
de Karl Marx.
SUMÁRIO
JUDICIALIZAÇÃO DA pOLÍTICA: REFORÇO A
DEMOCRACIA?
No senso comum a democracia é um regime político baseado no consenso
verificado de todos os cidadãos, ou seja, trata-se de um regime onde se im-
pera a soberania popular.
Mas como surgiu esse conceito comum de democracia? Serão suas raí-
zes tão consensuais assim?
Parafraseando Hegel, Karl Marx (2011, p.25) abre o 18 Brumário en-
fatizando que todos os fatos da história se repetem duas vezes: a primeira
como tragédia e a segunda como farsa. A história da democracia não fugiu
a regra. Com o intuito de tomar o poder e exercê-lo sozinho, a burguesia
afastada do poder direto do Estado Absolutista conseguiu fazer da sua luta
pelo poder a luta de toda a massa.
SUMÁRIO
JUDICIALIZAÇÃO E O AFASTAMENTO DA LUTA
pOLÍTICA
Como visto, a política é a única forma de se conseguir diminuir as diferenças
sociais existentes. A única forma de efetivar e colocar em prática uma ver-
dadeira democracia. Mas o que se tem visto no Brasil são lutas por direitos
por dentro do Estado, ou seja, a busca por direitos ou efetivação destes pelo
Poder Judiciário.
Frederico de Almeida (2017) aponta que um dos motivos de fortaleci-
mento desse Judiciário foi o processo de redemocratização brasileiro em que
após a saída de um regime ditatorial e de negação de direitos, os movimentos
sociais passaram a lutar pelo fortalecimento do Poder Judiciário e de sua de-
mocratização. Houve a luta por democratizar o ensino jurídico, independên-
cia do judiciário, criação de juizados e simplificação dos procedimentos: tudo
para que a população brasileira tivesse seus direitos e garantias protegidos.
No entanto, essas mudanças encontraram como obstáculo o caráter ex-
cludente e desigual do capitalismo brasileiro. Um capitalismo que funcio-
nalizou a pobreza, dependente de investimentos estrangeiros, que cresceu
por fora da moeda e que possui forte influência das agendas neoliberais.
Não por acaso em 1996 o Banco Mundial emitiu a WTP319, que tratava
das diretrizes e da necessidade de uma reforma no judiciário latino-ameri-
cano (SANTOS, KRAYCHETE e OLIVEIRA, 2010, p.33). Este documento
traz direcionamentos de como deveriam ser realizadas as reformas e alegava
que a reforma traria desenvolvimento econômico e fortaleceria as democra-
cias. Reforçava, ainda, que a forma a qual o Judiciário atuava era danosa
para a produção, o empresariado e a iniciativa privada.
A reforma do Judiciário em 2004 centralizou o poder nas cúpulas judi-
ciais em nome da segurança jurídica e mitigou a democratização da Justiça
brasileira. O resultado foi de uma Justiça dos Pobres a um Golpe de Toga
(ALMEIDA, 2017, p.40).
O Poder Judiciário, fortalecido, ajudou a retirar do poder um governo
de conciliação de classes que desenvolvia uma agenda neoliberal e ao
mesmo tempo promovia programas de integração social e distribuição de
renda, mas que colocava como entrave ao capital estrangeiro a proteção aos
direitos trabalhistas.
A reforma do Judiciário em 2004 atendeu aos desejos do Banco Mun-
dial: com um Judiciário fortalecido há um controle maior sobre os demais
poderes, o que mitiga o discurso de fortalecimento da democracia explici-
tado na WTP319; o próprio documento deixa claro o caráter instrumental e
utilitário das reformas. Fazendo refletir sobre o próprio conceito de demo-
cracia demonstrado no documento, como já proposto por Rancière.
O grande erro no processo de redemocratização foi fortalecer o Judi-
ciário para utilizá-lo como forma de luta política. O Judiciário faz parte da
SUMÁRIO
superestrutura e foi criado para defender a democracia, mas não a democra-
cia em seu sentido pleno e sim a Democracia do Estado de Direito Oligár-
quico. Estado que teme a política e fará sempre o possível para enfraquecê-
la. Os representantes da elite não estão dispostos a confiar no povo e nas
massas julgando-os como ignorantes e perigosas.
Todas as vezes que se luta por direitos pela via judicial e propicia o au-
mento da judicialização, se distancia da luta política. Segundo Lênio Streck
(2013), o judiciário poderia dizer não às questões políticas, porém, toda vez
que não o faz enfraquece a cidadania.
Engels já mostrava preocupação com a luta dos trabalhadores pelo ju-
diciário ao escrever O Socialismo Jurídico (ENGELS; KAUTSK, 2015). O
direito trabalhista havia avançado durante o final do século XIX e a esquerda
passava a lutar por maiores direitos. Redução da jornada trabalhista, des-
canso aos domingos ou ainda que as crianças de dozes anos não mais traba-
lhassem. Engels critica principalmente os socialistas jurídicos que acredi-
tavam que dentro do direito podiam realizar a revolução.
CONCLUSÃO
A maior participação dos cidadãos na vida política que propicia a mudança
social e diminui as desigualdades. A única forma de instituir uma verda-
deira democracia e garantir direitos é através da política. No entanto, as
elites e o capital tem o interesse de controlar os meios políticos para a ma-
nutenção de seus privilégios e do sistema capitalista, que é por essência de-
sigual e excludente.
SUMÁRIO
Refazendo o percurso do nascimento do Estado Moderno percebe-se
que os filósofos que idealizaram a forma de Estado capitalista foram buscar
a inspiração das suas ideias na democracia das sociedades antigas. Uma de-
mocracia que era selecionada, onde se tinha a exclusão dos escravos, das
mulheres e dos mais pobres.
A divisão dos poderes tem a origem do seu pensamento nas ideias aris-
totélicas e só mais tarde com Locke é que voltam a ser discutidas, tendo sua
forma final com Montesquieu.
Desse modo todas as instituições do Estado foram criadas no intuito de
proteger o sistema capitalista, que possui como cerne a divisão de classes,
a exploração do trabalhador e a propriedade privada.
A judicialização da política com seus defensores como o Ministro Bar-
roso, pautada em um discurso técnico e dentro da argumentação jurídica,
nasceu para cercear a democracia e a luta política. Tudo pode ser resolvido
através dos tribunais, os mesmos possuem a interpretação da lei.
O que reside por trás dessa argumentação jurídica é na verdade a defesa
de interesses particulares e ainda que dentro desse terreno do direito se con-
siga alguns avanços, com as mudanças de interpretações e de conjuntura po-
lítica, esses direitos também podem ser perdidos.
O que os juízes brasileiros tem feito é uma verdadeira defesa da hege-
monia, fundamentada através da linguagem técnica e específica os desman-
dos do capital.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
REGLA, Josep Aguiló. Do “Império da lei” ao “Estado constitucional”:
dois paradigmas jurídicos em poucas palavras. Revista Jurídica - Facul-
dade Nacional de Direito da UFRJ, n. 4, p.17-28, maio 2010.
SUMÁRIO
OS PRECEDENTES JUDICIAIS OBRIGATÓRIOS E A
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
João Valério de Moura Junior
Mestrando em Direitos Fundamentais na Universidade da Amazônia
Resumo: O presente estudo tem como tema o estudo dos precedentes ju-
diciais sob a ótica da análise econômica do direito. Mais especificamen-
te, este trabalho visa a responder o seguinte questionamento: a aplicação
de precedentes judiciais obrigatórios pode contribuir para o desenvolvi-
mento econômico do Brasil? Tendo em vista esse problema, foram formu-
lados os seguintes objetivos: a) analisar o caráter unitário do Poder Judi-
ciário e o reflexo da incoerência de suas decisões sobre o campo
econômico; e b) verificar a influência do direito econômico na construção
das decisões judiciais. Trata-se, portanto, de pesquisa teórica, de caráter
interdisciplinar, pois conjuga conhecimentos do âmbito do direito econô-
mico, constitucional, bem como das ciências sociais. No estudo foi apli-
cada a técnica da revisão bibliográfica. No que concerne aos resultados,
constatou-se que é de vital importância a observância das decisões dos
Tribunais Superiores, em especial dos precedentes obrigatórios, com ob-
jetivo de efetivar o caráter unitário do Poder Judiciário. A consequência
dessa postura é a maior credibilidade desse Poder e segurança aos juris-
dicionais, em especial aos agentes econômicos investidores no país.
Abstract: The present study has as its theme the study of judicial precedents
from the point of view of the economic analysis of law. More specifically,
this paper aims to answer the following question: can the application of
mandatory judicial precedents contribute to the economic development of
Brazil? In view of this problem, the following objectives were formulated: a)
to analyze the unitary character of the Judiciary and the reflection of the in-
coherence of its decisions on the economic field; and b) verify the influence
of economic law in the construction of judicial decisions. It is, therefore, a
SUMÁRIO
theoretical research, of an interdisciplinary character, because it combines
knowledge of the scope of economic, constitutional law, as well as of the
social sciences. In the study the bibliographic review technique was ap-
plied. Regarding the results, it was found that it is vitally important to ob-
serve the decisions of the Superior Courts, especially the mandatory prece-
dents, with the purpose of effecting the unitary character of the Judiciary.
The consequence of this position is the greater credibility of this Power and
security to the jurisdictional ones, especially to the economic agents in-
vestors in the country.
1 INTRODUÇÃO
A Justiça Brasileira tem sofrido fundadas críticas nos últimos anos diante a
ineficiência em responder as demandas presentes nos fóruns, principalmen-
te, pela falta de coerência nas decisões judiciais, mormente pela oscilação
de julgados nos quais se discutem situações jurídicas idênticas.
Tais perplexidades podem ensejar um forte abalo no adequado desen-
volvimento econômico do país, máxime por obstaculizar a calculabilidade
e estabilidade do sistema jurídico, visto que os sujeitos econômicos não têm
como prever, com grau razoável, quais os parâmetros que irão ser adotados
em futuras decisões.
É consabido a naturalidade recebida pela cultura jurídica brasileira
sobre essas problemáticas apontadas, em especial, a despreocupação, ao
menos em tese, da necessidade de fomentar uma nova perspectiva do siste-
ma processual com o escopo de minorar o referido problema. Essa natura-
lidade é consequência da cultura brasileira fortemente marcada pelo patri-
monialismo, bem como pelo culto à irracionalidade (HOLANDA, 2015).
Ademais, os países semiperiféricos encontram-se em nítido crescimen-
to econômico, sobretudo, pelo fortalecimento dos arranjos institucionais e
pela ampliação dos espaços de decisão sobre políticas públicas.
Em razão disso, percebe-se uma ampliação do acesso à justiça para fins
de solucionar os conflitos, bem como o fortalecimento do Poder Judiciário
na construção da norma jurídica, através da hermenêutica; mas, ao mesmo
tempo, nota-se a dificuldade em lidar com o excesso de litigância, bem como
com os métodos racionais de estabilização das decisões judiciais.
Por esse motivo, busca-se nesse texto discutir como implementar a segu-
rança jurídica e, por conseguinte, fortalecer o desenvolvimento econômico, haja
SUMÁRIO
vista a ausência de confiabilidade dos partícipes do sistema financeiro no atual
cenário judicial brasileiro, como também a inenarrável importância da análise
econômica do direito para fins de interpretar e construir a norma jurídica a ser
aplicada no caso concreto, em especial no que diz respeito aos precedentes.
Nas palavras de Boa Ventura de Sousa Santos:
Uma Corte de Justiça que se afasta de um precedente que deve aplicar for-
mulado por uma Corte Suprema não está dessa divergindo. Está, na verdade,
desobedecendo à interpretação da legislação formulada pela Corte Suprema.
A possibilidade de divergência pressupõe cortes que ocupem o mesmo grau
de hierarquia judiciária. Imaginar que uma Corte de Justiça pode contrariar
ou deixar de aplicar um precedente de uma Corte Suprema por não concor-
dar com o seu conteúdo equivale supor que inexiste ordem e organização na
estrutura do Poder Judiciário e que todas as cortes judiciárias desempenham
a mesma função dentro do sistema de distribuição de justiça – o que, como é
obvio, constitui manifesto equívoco.
Por certo que o Direito não pode se fazer reduzir ao atendimento dos postula-
dos econômicos, eis que a experiência social não se resume à mera questão
econômica, existindo diversos valores que não têm relação alguma com esta
seara. No entanto, isso não significa negar a possibilidade de se aplicar a
Análise Econômica do Direito para, em uma perspectiva normativa, propor
quais seriam as formas mais adequadas de formatar a legislação para atingir
determinados fins estabelecidos na Constituição. Neste caso, não se trata de
colocar a eficiência econômica como escopo do sistema, e sim aplicar a AED
para prever se o meio escolhido pelo Estado (política pública) se presta ao
fim para o qual foi delineado (concretização dos direitos fundamentais pre-
vistos na Constituição, por exemplo). (RIBEIRO e CAMPOS, 2012, p. 12)
CONCLUSÃO
O estudo dos precedentes judiciais é indispensável para compreender a atual
realidade da atuação jurisdicional no Brasil. Contudo, fazem-se mister os
conhecimentos da análise econômica do direito, como também de outras
ciências, isto é, a interdisciplinaridade como meio para responder aos pro-
blemas apresentados.
Pelos elementos expostos durante o estudo, percebe-se a vital impor-
tância da observância das decisões dos Tribunais Superiores, com objetivo
de efetivar o caráter unitário do Poder Judiciário.
Em época marcada pela falta de coerência nas decisões exaradas pelo
Judiciário, torna-se tarefa fundamental o estudo de plataformas legais com
o escopo de garantir decisões ponderadas, como também implementar a iso-
nomia e, por conseguinte, legitimar as decisões dos juízes.
A consequência dessa postura é a maior credibilidade da instituição,
pois os sujeitos poderão pautar suas condutas com certo grau de objetivida-
de, mormente na seara econômica na qual riscos são previamente calculados
para a adequada implementação e desenvolvimento social.
Como meio de objetivar essas decisões, os precedentes obrigatórios
devem ser incorporados urgentemente à cultura jurídica brasileira por todos
aqueles que participam da construção do Direito.
Além disso, a análise econômica do direito pode ser um parâmetro,
entre outros, a orientar o julgador na construção da norma jurídica, em es-
pecial dos precedentes, sobretudo em ambiente marcado pela participação
das partes na construção dos mesmos, tendo em vista a ampliação dos intér-
pretes, nos moldes preconizados por Häberle (1997).
Dessa forma, com a evolução e aplicação adequada dos precedentes no
Brasil, o acesso à justiça poderá ser substancialmente alterado, em prol do
avanço dos meios alternativos à jurisdição, em um sistema multiportas de
proteção as partes.
Outrossim, demandas repetitivas que integram o acervo dos fóruns
serão devidamente solucionadas com decisões seriadas.
Além disso, as partes serão mais cautelosas ao provocar a jurisdição,
por já saberem de antemão quais são os posicionamentos sobre determinado
tema, ensejando, assim, uma responsabilidade fortalecida ao se demandar
junto ao referido Poder.
Esse estudo tem como objetivo reforçar a imprescindibilidade de asse-
gurar a integridade, coerência e estabilidade dos entendimentos dos Tribunais
Superiores, e principalmente, a efetiva aplicação pelos juízes e tribunais locais,
SUMÁRIO
com vistas a fortalecer e legitimar as atuações do Poder Judiciário Brasileiro,
notadamente, quando se entra em debate a aplicação dos direitos fundamentais.
A ferramenta estudada acima é o instrumento pelo qual o juiz poderá
utilizar-se com objetivo de cumprir o preceito contido no Novo Código de
Processo Civil, cujo teor é no sentido de manter a integração, coerência e
estabilidade nas decisões proferidas pelos órgãos judiciais brasileiros.
Por fim, essas novas compreensões são elementos indicativos para re-
construir uma nova teoria geral do processo brasileira, tendo em vista a mu-
dança de paradigma diante das práxis, e agora, as alterações legislativas,
com o fito de assegurar uma verdadeira teoria dos precedentes no modelo
civil law; bem como a importância da interdisciplinaridade no direito, no-
tadamente, para traçar os elementos fundamentais presentes na análise eco-
nômica do direito. Somente assim, com o empenho dos juristas no dia a dia,
a teoria dos precedentes judiciais ganhará seu destaque e, por conseguinte,
responderá com precisão às situações de crise existentes no sistema jurídico,
em especial, a falta de coerência do sistema; excesso de demandas repetiti-
vas e outras os quais poderiam ser resolvidas por sistemas alternativos.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
ÀVILA, H. Teoria dos princípios. 17. ed. São Paulo: Malherios, 2016. 240
p.[S.l.]: [s.n.].
MITIDIERO, Daniel. A tutela dos direitos como fim do processo civil no es-
tado constitucional. In: BERTOLDI, Márcia Rodrigues; GASTAL, Alexandre Fer-
nandes; CARDOSO, Simone Tassinari (orgs.). Direitos Fundamentais e Vulne-
rabilidade Social: em homenagem ao Professor Ingo Wolfgang Sarlet. Porto
SUMÁRIO
Alegre: Livraria do Advogado, 2016. p. 251-272.
SEN, A. A ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 492 p
SUMÁRIO
O EFEITO BACKLASH COMO INSTRUMENTO DE
ESTRUTURAS DE PODER CONSERVADORAS E O
DESAFIO À SUPREMACIA JUDICIAL: A REAÇÃO
LEGISLATIVA NA REGULAMENTAÇÃO DA
VAQUEJADA
Karina Abreu Freire1
Victor Hugo Pacheco Lemos2
Abstract: The present article has the scope of proposing an analysis of the
legislative reaction of the Brazilian National Congress given the decision
of the Brazilian Supreme Federal Court (STF), which declared the law of
the State of Ceará that regulated the practice of the vaquejada unconsti-
tutional, in order to assess if this could be characterized as a manifestation
of the backlash effect. In this regard, starting from an analysis of the
speeches used by the Ministers of the STF in the judgment of the Direct Un-
constitutionality Action (ADI) No. 4983 and the speeches of the Deputies
and the Senators in the voting of the Proposal of Constitutional Emendation
SUMÁRIO
(PEC) that gave rise to the Constitutional Amendment No. 96/2017, be-
sides the use of bibliographic review, the purpose of this research is to an-
alyze the foundations behind this “dialogue” between the Legislative and
Judiciary Powers and to promote a reflection on the current institutional
struggle between these Powers.
1 INTRODUÇÃO
É possível verificar atualmente a existência de um desequilíbrio entre as ins-
tituições políticas brasileiras, principalmente no âmbito federal. A dificuldade
no estabelecimento de um diálogo cooperativo entre o Congresso Nacional e
o Supremo Tribunal Federal, em determinada medida, tem provocado a ocor-
rência do fenômeno conhecido como efeito backlash, conceito trazido do di-
reito norte-americano para caracterizar uma reação legislativa que pretende
desafiar determinada decisão judicial.
Na maioria dos casos, a origem do efeito backlash está intimamente
relacionada a uma postura conservadora do Poder Legislativo, podendo
este ser visto como um elemento perturbador de um sistema de garantias
constitucionais, na medida em que é capaz de provocar um retrocesso ju-
rídico ao criar uma situação normativa pior do que a existente antes da de-
cisão judicial.
Na presente pesquisa, será dado um recorte específico para o caso en-
volvendo a regulamentação da vaquejada, a qual é uma prática muito
comum nos Estados do Nordeste e também no Sul do Brasil, consistindo em
uma atividade em que dois vaqueiros montados em cavalos distintos tentam
derrubam um boi puxando o animal pelo rabo até que ele caia dentro de uma
área demarcada. O caso em questão encontra-se no seio de uma colisão entre
direitos fundamentais, quais sejam, de um lado, o dever de proteção ao meio
ambiente, insculpido no artigo 225, § 1º, VII, da CRFB/88, o dever de pre-
servação da fauna e a proibição do tratamento cruel aos animais e, de outro,
SUMÁRIO
a proteção a manifestações culturais e práticas desportivas, com previsão
nos artigos 215, caput e § 1º, e 217, da Carta Magna.
Desse modo, busca-se, por meio de uma análise exploratória e descriti-
va, verificar a assimetria na atuação dos Poderes Legislativo e Judiciário no
contexto da separação de poderes, bem como a ocorrência do efeito backlash
no caso da vaquejada. Isto posto, tem-se que os objetivos da presente pes-
quisa circunscrevem-se a: (i) verificar a (in)existência de um diálogo insti-
tucional entre os Poderes Judiciário e Legislativo, com recorte específico
para a atuação do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional no
caso da regulamentação da vaquejada; (ii) analisar os fundamentos utilizados
pela Corte Suprema na decisão proferida na ADI nº 4983, quando o Plenário
declarou a inconstitucionalidade da lei do Ceará que regulamentava a vaque-
jada; e (iii) analisar o discurso empregado pelo Congresso Nacional quando
da edição da Emenda Constitucional nº 96/2017, a qual é frontalmente con-
trária à interpretação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, e quais foram
os fundamentos político-ideológicos desta atividade legiferante.
Há que se ressaltar que o objetivo da presente pesquisa não é o de propor
uma análise acerca do mérito da questão, isto é, não se pretende averiguar se
a vaquejada deve ser tomada como uma prática desportiva e cultural ou se esta
representa uma prática cruel com os animais. O cerne do presente trabalho
consiste em analisar o diálogo institucional desenvolvido entre o Supremo
Tribunal Federal e o Congresso Nacional quando da apreciação da questão.
SUMÁRIO
Já no Senado, segundo informações da Agência Pública4, os parlamen-
tares que têm ou tiveram familiares no exercício de mandatos políticos cor-
respondiam, em 2016, a 59 dos 81 Senadores. Dentre os outros grupos com
maior representação na Casa, estavam também o da agropecuária (32 inte-
grantes) e o empresarial (36 integrantes). Com apenas 14 representantes, o
grupo dos direitos humanos era uma das menores bancadas e lutava, princi-
palmente, contra os projetos de lei com orientação mais conservadora.
Não se pretende afirmar aqui que o Congresso Nacional não possa pro-
mover a reversão jurisprudencial pela via legislativa. Essa prática pode, in-
clusive, estabelecer um meio de diálogo entre os referidos Poderes. No en-
tanto, é necessário analisar em que medida essa reação legislativa às
decisões proferidas pelo STF é dotada de legitimidade democrática para que
essa prerrogativa legislativa não atente contra cláusulas pétreas e promova
o retrocesso social.
A análise dos discursos empregados pelos Ministros do Supremo, bem
como dos discursos dos Deputados e dos Senadores quando da votação da
PEC que originou a EC nº 96/17, as quais serão adiante exploradas, pode
ser enxergada como um guia na tentativa de se desvendar até que ponto o
Congresso Nacional atuou em prol dos anseios da população que teriam sido
contrariados pela decisão do STF, ou, ainda, em que medida a referida rea-
ção objetivou a defesa de interesses pessoais ou institucionais.
SUMÁRIO
não são questões que podem ser respondidas a partir apenas de raciocínios ju-
rídicos. Ao contrário, elas exigem também a consideração de questões rela-
cionadas a aspectos fáticos da atividade, bem como à ética animal, um campo
que tem ganhado progressiva importância na filosofia moral. (p. 31)
Por seu turno, o Min. Gilmar, que compôs o voto derrotado, asseverou
que:
Esta Corte não pode fechar os olhos para essa realidade. Além disso, existem
mais de 10.000 (dez mil) parques de vaquejadas em praticamente todos os
Estados, gerando 200.000 (duzentos mil) empregos direta ou indiretamente,
que, de uma hora para outra, estarão à margem do ordenamento jurídico e
sem emprego. (p. 148)
SUMÁRIO
Uma terceira questão que se identifica a partir da análise dos discursos
dos Ministros diz respeito ao fato de que o Supremo Tribunal Federal ado-
tou, no julgamento deste caso, uma visão universalista dos direitos humanos.
O distanciamento dos Ministros da realidade na qual se insere a prática da
vaquejada e as diversas manifestações destes no sentido de afirmarem seu
desconhecimento acerca da forma pela qual esta se desenvolvia e a sua re-
levância dentro da cultura nordestina, teve especial influência no julgamen-
to. No voto que abriu a divergência em relação ao voto do relator, o Ministro
Luiz Edson Fachin trouxe a questão à tona:
O presente caso precisa ser analisado sob um olhar que alcance a realidade
advinda da população rural. É preciso despir-se de eventual visão unilateral
de uma sociedade eminentemente urbana, com produção e acesso a outras
manifestações culturais, produtos e serviços para se alargar ou olhar e alcan-
çar essa outra realidade. (p. 15)
Assim, determinada prática que, para os sulistas, pode ser desinfluente, para
um nordestino, pode ser ínsita à sua formação histórica; o que para um nor-
tista traduz a sua manifestação cultural, para os “sudestinos” pode não signi-
ficar nada; e vice-versa. Da mesma forma que não se pode impor a cultura
de determinada parcela da população para outra que não a cultiva, não se
pode impedir a prática de atividades culturais das quais não compartilha-
mos. (p. 129)
(...) essa decisão do Supremo que impôs um medo, um receio, e que se transfor-
mou, na prática, numa ameaça. Mais do que isso: ela se materializou, nos rin-
cões do nosso País, como uma aparente criminalização da vaquejada. E a pior
coisa do mundo é tomar-se uma decisão, do ponto de vista do País, sem ter deta-
lhes, sem ter um conhecimento maior da questão. O nosso propósito – de nós, le-
gisladores – é pegar algo que é conflituoso, que divide o País, que prejudica o
País ou que prejudica setores da sociedade brasileira, e encontrar uma solução.
Eu, particularmente, acho que devemos identificar imediatamente qual o melhor
projeto que temos no Senado, qual o melhor projeto que temos na Câmara, que
trata da vaquejada, que trata da regulamentação dessa atividade e, com base na
melhor proposta, rapidamente incluir na agenda da Câmara e do Senado e deli-
berarmos, trazendo segurança jurídica para essa prática, para essa atividade.
(...) O Supremo decidiu por seis votos a cinco. Se fosse uma atividade cruel, a
votação teria sido por unanimidade. O principal argumento do ministro do
Supremo é que a vaquejada é uma prática cruel para os animais. Srs. Ministros
do Supremo, se é para falar de esportes violentos e cruéis, vamos lá. Quem diz
que os cavalos bem nutridos, mostrados nas Olimpíadas, não são maltratados?
(...). O polo e esse esporte que foi usado nas Olimpíadas, o hipismo, são espor-
tes de rico. Aí, ninguém toca, ninguém mexe, ninguém realmente quer proibir.
SUMÁRIO
rebanhos. Estamos falando de uma atividade comercial que extrapola as divi-
sas do Nordeste e ganha musculatura em toda parte do nosso País.
(...) não é apenas uma atividade cultural, uma atividade esportiva, mas é hoje
fundamentalmente uma atividade econômica. Como nordestino sei a impor-
tância da vaquejada para os Estados do Norte e do Nordeste do nosso País.
Como brasileiro, sei a importância que têm os rodeios para os Estados do
Centro-Oeste, do Sul e do Sudeste. Por isso, nós nos dedicamos ao debate na
Comissão para responder a uma pergunta que surgiu diante da controvérsia
SUMÁRIO
criada pelo Supremo Tribunal Federal: afinal de contas, existem maus-tratos
aos animais?
Volto a afirmar que a decisão do STF foi totalmente equivocada. (...) Tudo o
que norteou a decisão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal de decla-
rar inconstitucional a Lei da Vaquejada do Estado do Ceará, que teve interfe-
rência direta em todo o território nacional, foi errado. (...) Como podem,
numa canetada, Ministros que não conhecem a cultura e a realidade nordes-
tinas, nem mesmo a forma de preservação do bem-estar animal, aumentar
ainda mais o número de desempregados em toda a Região Nordeste? E
como este Congresso pode ficar omisso diante dessa realidade? (...) Seria
bom os Ministros - por isso faz falta um nordestino no Supremo Tribunal
Federal - conhecerem mais a realidade da cultura e do esporte vaquejada.
SUMÁRIO
acerca de qual é a posição ocupada pelo Supremo no processo democrático
brasileiro.
Em suma, o embate acerca da regulamentação da vaquejada reacende
o debate: afinal, quem tem a última palavra sobre o sentido da Constituição?
O Supremo, que a interpreta, ou o Congresso, que a emenda? Ou, indo além,
algum dos Poderes da República tem a última palavra sobre o sentido da
Constituição?
Há que se destacar que a discussão acerca da regulamentação da va-
quejada apresenta uma novidade no seio dos diálogos institucionais, qual
seja, a edição de uma Emenda à Constituição para reverter uma decisão do
Supremo. Em casos anteriores, nos quais também se verificou uma insatis-
fação por parte do órgão legislativo diante de uma decisão do STF, optou-
se pela via da legislação ordinária ou complementar. Os exemplos desta afir-
mação foram dados no presente trabalho quando se tratou dos Projetos de
Lei que visam criar o Estatuto da Família e o Estatuto do Nascituro em con-
traposição às decisões do Supremo que garantiram o reconhecimento da va-
lidade jurídica das uniões homoafetivas, a não criminalização da antecipa-
ção terapêutica do parto em caso de anencefalia do feto, e a decisão
favorável à realização de pesquisas com células-tronco embrionárias.
Como se vê, no caso da vaquejada, o Congresso desafia de maneira
mais agressiva a decisão judicial. E daí surgem dois caminhos: ou o Supre-
mo Tribunal Federal dará um passo atrás na sua jurisprudência acerca do
controle de constitucionalidade de emendas constitucionais, o que poderá
deflagrar sua própria instabilidade institucional, posto que estaria modifi-
cando radicalmente um entendimento em um lapso temporal muito curto
ou, mantendo sua decisão, agravará a arena de disputa com o Congresso Na-
cional acerca da interpretação constitucional, produzindo, assim, impasses
institucionais cada vez mais profundos.
CONCLUSõES
O que se conclui com a presente pesquisa é que a regulamentação da vaque-
jada encontra-se, sim, no seio de um embate institucional entre o Supremo
Tribunal Federal e o Congresso Nacional, tendo este adotado uma postura
reativa e conservadora, característica do efeito backlash. O que se observou
foi uma reação do Poder Legislativo a uma decisão judicial imbuída por um
forte teor político de caráter conservador e pela busca da retomada de um
espaço de poder.
Ademais, os discursos dos parlamentares se inserem em uma matriz con-
servadora na medida em que estes exaltam a relevância econômica da ativida-
de, muitas vezes associada à relação que o próprio parlamentar possui com a
vaquejada, e adotam discursos emocionados para a defesa de causas pessoais.
SUMÁRIO
Uma segunda conclusão que se extrai é a de que o caso da vaquejada é
mais um exemplo da ocorrência de um movimento dentro da estrutura da
separação de poderes que já vem sendo observado em outros casos. Isto é,
para além da discussão acerca do ativismo judicial e do protagonismo assu-
mido pelo STF nos últimos anos, o que tem se observado atualmente pode
ser entendido como um contra-ataque do Legislativo em busca da retomada
do espaço de poder que lhe teria sido subtraído em razão desse alargamento
da atuação da Corte Suprema.
O fato de o Supremo Tribunal Federal ter tido seus poderes ampliados
e ter se expandido para arenas decisórias não antes por ele ocupadas acaba
por abrir um campo de disputa em que o Congresso Nacional busca recupe-
rar as arenas decisórias que lhe teriam sido subtraídas, em uma luta por sua
sobrevivência.
Outra conclusão que se extrai da análise dos discursos proferidos é a
de que a via de diálogo institucional poderia ter sido aberta na decisão deste
caso, mas não houve qualquer esforço de ambos os Poderes nesse sentido.
Certo é que a edição da EC nº 96/17, e o ajuizamento de novas ações diretas
de inconstitucionalidade, reacendem a possibilidade de o STF voltar a se
debruçar sobre a matéria. Embora esse fato não seja de todo recomendado,
posto que a regulamentação da vaquejada permanece sem a almejada paci-
ficação, há a esperança de que, dessa vez, o processo decisório dialógico
seja mais valorizado do que fora até então.
As próximas etapas desse embate entre o Supremo Tribunal Federal e
o Congresso Nacional terão grande relevância não apenas na definição acer-
ca possibilidade da prática e da regulamentação da vaquejada, mas, sobre-
tudo, no que diz respeito às reais possibilidades de desenvolvimento de um
genuíno diálogo institucional, no qual nenhum dos Poderes avoque para si
a prerrogativa de dar a última palavra, buscando um efetivo controle de
constitucionalidade.
SUMÁRIO
NOTAS
Lattes: “http://lattes.cnpq.br/7258079784509270”.
Lattes: “http://lattes.cnpq.br/2034963283536820”.
consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoinciden-
te=4425243>. Acesso em: 10.10.2017.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à con-
dição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial.
SUMÁRIO
SENADO FEDERAL. proposta de Emenda à Constituição nº 50/2016:
Acrescenta o § 7º ao art. 225 da Constituição Federal. Disponível em:
<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127262>.
Acesso em 10.10.2017.
SUMÁRIO
RELAÇÕES ENTRE PODER EXECUTIVO E SISTEMA DE
JUSTIÇA SOBRE GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: LOCALIZANDO A pESqUISA
O presente artigo é fruto de pesquisa realizada no âmbito do doutorado em
Direito1 e tem como ponto central a análise da relação entre o Poder Execu-
tivo e o Sistema de Justiça sobre graves violações de Direitos Humanos e
procura responder a pergunta: como se dá a relação entre o Poder Executivo,
o Poder Judiciário e o Ministério Público quando há graves violações de di-
reitos em que os poderes são responsáveis por proteger as vítimas, reparar
e/ou restaurar direitos, dentro de suas competências e atribuições? E por que
a relação ocorre da forma descrita?
A pesquisa partiu da hipótese de que o Sistema de Justiça assume com-
portamentos distintos ao tratar de casos de graves violações de Direitos Hu-
manos quando apresentados pelo Poder Executivo, manifestando ora um
compromisso institucional maior, ora um compromisso institucional menor.
E que há mais tensão que diálogo entre o Sistema de Justiça e o Poder Exe-
cutivo para o tratamento de casos de graves violações de Direitos Humanos,
impedindo a elaboração de mecanismos e instrumentos institucionais para
a solução das violações. 2
A pesquisa foi desenvolvida em quatro partes. A primeira expõe a ado-
ção de uma pesquisa empírica no Direito para responder ao problema sus-
citado. Tratou-se da escolha pela pesquisa qualitativa, o estudo de caso, com
a abordagem dos desafios para a escolha dos casos a serem estudados e as
soluções encontradas, com a definição pelos casos Maria Joel da Costa, li-
derança sindical protegida pelo PPDDH, e o caso Sétimo Garibaldi versus
Brasil, com sentença da Corte. Na sequência, foi feita exposição sobre o de-
lineamento da pesquisa — a construção do banco de dados, a importância
do uso de entrevistas para a pesquisa e a utilização da estratégica metodo-
lógica da teorização fundamentada nos dados para a criação das unidades
de análise de análise.
A segunda parte faz a narrativa dos casos. Contar a história, apresen-
tando os sujeitos, os contextos e as relações, dão subsídios para a verifi-
cação do objeto da pesquisa. Os casos têm como pano de fundo a violência
no campo no Brasil nos anos 90, então, abordaram-se as particularidades
desse fenômeno nos estados do Paraná e Pará. Destacaram-se os aspectos
relacionados à proteção de Maria Joel e as implicações com o Sistema de
Justiça e o trâmite do caso Sétimo Garibaldi no SIDH e as repercussões
da sentença junto ao Poder Judiciário e Ministério Público por ser esse o
campo da pesquisa.
Na terceira parte, desenvolveu-se o percurso de análise dos dados: a
organização do banco de dados e sobre quais eixos foi criado, a construção
das unidades de análise de análise, com uma explanação sobre o uso con-
creto da teorização fundamentada nos dados e a aplicação das unidades de
análise nos documentos e nas entrevistas. Retomaram-se os casos para uma
SUMÁRIO
análise conclusiva, indicando as questões que surgiram para explicar os
porquês da relação entre o Poder Executivo e o Sistema de Justiça ser como
verificada.
Por fim, refletiu-se sobre possibilidades de reforma do Sistema de Justiça
numa perspectiva de Direitos Humanos, a partir das questões levantadas com
a análise dos casos: a centralidade da normatização e legislação para o campo
dos Direitos Humanos, a fragilização crescente dos órgãos de execução de pro-
gramas e ações de Direitos Humanos; a ausência de uma crítica maior da so-
ciedade civil organizada quanto ao papel do Sistema de Justiça sobre violações
de Direitos Humanos e a importância da realização de uma reforma do Sistema
de Justiça numa perspectiva de Direitos Humanos. E ao final da pesquisa, pro-
põe-se uma concepção de diálogo entre o Poder Executivo e o Sistema de Jus-
tiça sobre graves violações de Direitos Humanos que se dê muito além do
campo judicial e que tenha, em sua centralidade, uma participação social ativa
e um aprofundamento democrático das relações e instituições.
O estudo dos casos Maria Joel da Costa e Sétimo Garibaldi possibilitou
analisar a relação entre o Poder Executivo e o Sistema de Justiça em sua
multiplicidade de procedimentos, mecanismos e instrumentos, como tam-
bém, a ausência destes. Obviamente, os casos têm seu próprio contexto e
particularidades que decorrem dos arranjos e mobilização de sujeitos para
superar a violação do direito — os procedimentos próprios do PPDDH e do
Estado brasileiro ao responderem as recomendações e decisões do SIDH.
Mas a adoção de casos múltiplos para a realização do estudo (YIN, 2005, p.
69) possibilitou a verificação de resultados bastante semelhantes entre si.3
Foi possível levantar as indicações sobre o porquê da relação entre o Poder
Executivo e o Sistema de Justiça ocorrer de forma precária e frágil. Procuro,
nesse artigo, aprofundar as questões que explicam essa relação, quais sejam: a
centralidade da normatização e legislação para o campo dos Direitos Humanos,
a fragilização crescente dos órgãos de execução de programas e ações de Di-
reitos Humanos, em especial após o golpe de Estado de 2016, a ausência de
uma crítica maior da sociedade civil organizada quanto ao papel do Sistema
de Justiça sobre violações de Direitos Humanos e a importância da realização
de uma reforma do Sistema de Justiça numa perspectiva de Direitos Humanos.
Considerando os limites estabelecidos para elaboração do presente ar-
tigo, optei por apresentar o resultado obtido em relação à reforma do Sistema
de Justiça numa perspectiva de Direitos Humanos.
SUMÁRIO
Ao contrário, com a revolução democrática da justiça a luta não será apenas
pela celeridade (quantidade da justiça), mas também pela responsabilidade
social (qualidade da justiça).(SANTOS, 2007, p. 44)
SUMÁRIO
nomeadamente direitos sociais e econômicos — e veem na utilização do di-
reito e dos tribunais uma ferramenta de mudança social. O campo contra-he-
gemônico indaga qual o papel dos tribunais ante as aspirações dos cidadãos
marginalizados a serem incluídos no contrato social.15
A eficiência dos tribunais, como apontam Avritzer, Marona e Gomes
(2014, p. 19), não está apenas na capacidade de garantir respostas aos litígios
que processam, mas na sua capacidade de dar respostas justas. Daí que as re-
formas institucionais devem viabilizar a efetivação dos direitos garantidos
constitucionalmente, considerando, sobretudo, que um conjunto de condicio-
nantes de ordens socioeconômicas ou identitárias fundam estruturas de ex-
clusão e desigualdade social, que impactam na efetiva igualdade de acesso à
Justiça pela via dos direitos (AVRITZER, MARONA, GOMES, 2014, p. 21).
SUMÁRIO
O objeto da pesquisa não foi analisar o perfil dos integrantes do Sistema
de Justiça ou a forma de ingresso e progressão nas carreiras. Mas considero
importante o fato de as entrevistas reforçarem os dados sobre a caracteriza-
ção dos juízes e promotores no Brasil, numa perspectiva, conectada com a
realidade, de profissionais que atuam, como gestores públicos, integrantes
de equipes técnicas de programas de proteção e membros de organizações
da sociedade civil, em casos de violações de Direitos Humanos. São pessoas
que, no dia a dia, lidam com o Sistema de Justiça e percebem (quando não
sofrem16) as consequências desse perfil de magistrados, promotores e pro-
curadores nos casos em que atuam.
Sobre capacitações e formações dos integrantes do Sistema de Justiça
em Direitos Humanos, os entrevistados e entrevistadas alegaram um desco-
nhecimento por parte de promotores e juízes sobre políticas de Direitos Hu-
manos (no caso do PPDDH) e das normas internacionais de proteção aos
Direitos Humanos (convenções e tratados, em especial relacionados ao
SIDH), fato que prejudicaria uma atuação positiva em relação aos casos.17
Diniz da Silva (2010) realizou pesquisa com juízes de primeira instân-
cia do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com o objetivo de verificar a
efetivação dos Direitos Humanos no âmbito desse tribunal, utilizando como
indicador de efetivação a utilização, pelos juízes, de uma ou mais normas
internacionais de proteção aos Direitos Humanos para fundamentar as sen-
tenças proferidas. A autora concluiu que a utilização das normativas inter-
nacionais depende das características sociodemográficas do juiz, da sua for-
mação pré-universitária, universitária, técnica e política ou da sua
concepção sobre o tema. Apontou que, entre os juízes que se declaram bran-
cos, que são a maioria do tribunal, o uso das normas de Direitos Humanos
não é uma prática cotidiana. E ressaltou que “o desconhecimento dos siste-
mas de proteção influencia diretamente a não aplicação das normativas in-
ternacionais” (DINIZ DA SILVA, 2010, p. 280).
A pesquisa citada, as posições dos entrevistados e entrevistadas, as re-
comendações das conferências e dos programas nacionais de Direitos Hu-
manos indicam que capacitações em Direitos Humanos para juízes e pro-
motores resolveriam o problema de uma atuação mais positiva do Poder
Judiciário e do Ministério Público, nos casos que envolvam graves viola-
ções, especificamente os processos judiciais relativos aos casos com deci-
sões do SIDH e casos protegidos pelo PPDDH. Haveria, assim, uma relação
direta entre a obtenção de um conhecimento geral sobre Direitos Humanos
—sobre normas, programas e ações — e a aplicação desse conhecimento,
no caso concreto, pelo juiz e pelo promotor.
Não questiono a necessidade e a importância fundamental em qualifi-
car os integrantes do Sistema de Justiça em matéria de Direitos Humanos.18
Mas, ao estudar os casos Maria Joel da Costa e Sétimo Garibaldi— casos
SUMÁRIO
emblemáticos com grande visibilidade e larga duração temporal —, há uma
questão que se sobressai: o conhecimento sobre normas de Direitos Huma-
nos gera, consequentemente e necessariamente, o seu respeito e sua aplica-
ção pelos juízes e promotores no caso concreto?
Além das questões relacionadas a uma concepção de acesso à Justiça
e uma morosidade ativa do Sistema de Justiça, como apontei anteriormente,
os casos demonstram que conhecer normas de Direitos Humanos não im-
plica necessariamente seu bom uso pelos juízes e promotores. Considero
importante (e estratégico) que o debate sobre a formação e capacitação de
integrantes do Sistema de Justiça em matéria de Direitos Humanos seja feito
também em outro campo: da exigência, por parte de juízes e promotores, de
uma racionalidade jurídica distinta, com o uso de uma argumentação não
personalista e não opinativa, uma racionalidade na qual a prevalência dos
Direitos Humanos seja central em sua realização.
Como diz Rodriguez (2013, p. 15), o Brasil parece possuir um Direito
que se legitima simbolicamente em função de uma argumentação não siste-
mática, fundada na autoridade dos juízes e dos tribunais, mais preocupada
com o resultado do julgamento do que com a reconstrução argumentativa
de seus fundamentos e do fundamento dos casos anteriores. O autor utiliza
o conceito de “zona de autarquia” para ilustrar um espaço institucional em
que decisões são tomadas sem que se possa identificar um padrão de racio-
nalidade qualquer, ou seja, em que as decisões são tomadas num espaço
vazio de justificação. Existe uma falsa justificação que pretende conferir
uma forma aparentemente racional para decisões puramente arbitrárias (RO-
DRIGUEZ, 2013, p. 172). E observa:
SUMÁRIO
cursos financeiros para que o Judiciário se auto-reformule. Avalia-se que o
Judiciário não necessita de controle externo por ser o mais público dos pode-
res, na medida em que a atividade jurisdicional é praticada por atos públicos
sob o controle das partes interessadas, representadas por seus advogados.
(KOERNER, 1999, pp. 11-12)
SUMÁRIO
identificação dos agentes públicos e privados responsáveis e da identifica-
ção e pressão sobre as instituições públicas responsáveis pela defesa, garan-
tia, efetivação ou promoção dos Direitos Humanos desde uma perspectiva
de indivisibilidade e integralidade diretamente referidas à sua diversidade
e especificidade temática. Daí a importância central dos sujeitos coletivos
em redirecionar a demanda sobre proteção a direitos e efetividade da justiça
ao Poder Judiciário e Ministério Público.
SUMÁRIO
NOTAS
1
Para íntegra da tese, ver Garcia (2017).
3
Para acesso aos resultados, ver Garcia (2017).
Justiça, a partir de pesquisas realizadas entre 1993 e 2004, apontando, como re-
sultado, uma flexibilização do espírito corporativo dos membros do Judiciário,
como, por exemplo, a aceitação de sua democratização e também uma divisão
entre a classe quanto ao controle externo a este poder e a sua composição; e Sadek
(2004a), que desenvolve os principais temas em debate à época, as mudanças em
andamento e as perspectivas de reformas.
SUMÁRIO
O projeto neoliberal implementado no Brasil na década de 1990 também
pautou a reforma do Poder Judiciário. Daí a influência das propostas do Banco
8
de direitos surge nas conferências de 2001 e 2002. Em 2003, o tema não aparece,
mas sim as propostas de fortalecimento institucional do Sistema de Justiça. Em
2006, logo após a promulgação da emenda, a conferência aponta recomendações
sobre aprimoramento institucional dos órgãos. Não é objetivo da pesquisa analisar
a atuação das organizações e dos movimentos sociais de Direitos Humanos no de-
bate parlamentar sobre a reforma do Judiciário. Mas chama atenção uma certa
desconexão entre esse debate e aquele realizado no âmbito das conferências, como
se a participação social em Direitos Humanos ficasse ao reboque das discussões
realizadas no Congresso Nacional sobre o tema.
11
Para íntegra das entrevistas, ver Garcia (2017).
volvendo defensores de Direitos Humanos, pois essa lei criou mecanismos e pro-
cedimentos no Sistema de Justiça, tendo como central a condição da mulher que
sofre violência doméstica. Para mais detalhes ver Garcia (2017).
SUMÁRIO
E é preciso tempo, o tempo do processo, para afastar o impulso da vin-
gança: “ao impulso mortífero imediato sucede o tempo diferido do processo; cada
13
14
Descrita detalhadamente em GARCIA (2017).
Fábio (Entrevista Ix) narrou uma situação vivida com determinado juiz,
durante um júri popular, quando sofreu violações de suas prerrogativas como ad-
16
vogado, ao ser ameaçado pelo juiz durante sua exposição oral. Ele fez uma repre-
sentação à corregedoria do Tribunal de Justiça, que foi indeferida. Para mais de-
talhes, ver GARCIA (2017).
Sétimo Garibaldi, mas também pode ter um aspecto falsamente positivo. O STJ
decidiu, em 15 de dezembro de 2016, ao julgar o recurso especial nº 1640084, por
descriminalizar a conduta tipificada como crime de desacato a autoridade, por en-
tender que a tipificação é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, aplicando o conceito de controle de convencionalidade.
SUMÁRIO
À primeira vista, parece (e em parte é) uma decisão judicial importante por retirar
o caráter de tipo penal da conduta do desacato, tão utilizado por agentes públicos
para coibir a liberdade de expressão e por utilizar a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos como fundamento da decisão. Mas, me pergunto, qual a cons-
trução racional que foi feita que diferencia essa decisão da que negou conheci-
mento do recurso no caso Sétimo Garibaldi? Penso que a explicação dada por Ro-
driguez (2013), como sendo decisões formuladas em uma zona de autarquia, é
bastante adequada.
ciário leva ao isolamento político dos juízes em relação aos problemas políticos
e sociais e, assim, ao seu distanciamento da transformação da sociedade, tanto na
sua atividade jurisdicional como na sua participação política. Questiona, pois, o
próprio modelo do juiz como funcionário voltado à aplicação neutra da lei, ser-
vindo à mera reprodução das injustiças do sistema (KOERNER, 1999, pp. 13-14).
Já a posição do Judiciário mínimo era defendida, à época, pelo governo federal e
sintetizava os projetos de lei que tramitavam no Congresso e outras propostas lan-
çadas no debate político. Articulando-se estas propostas, surge um projeto global
e coerente de reforma neoliberal do Poder Judiciário (KOERNER, 1999, pp. 17-
18). Trata-se de uma proposta de reforma que se insere no campo hegemônico,
como tratei anteriormente.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
LAURIS, Élida. Uma questão de vida ou morte: para uma concepção eman-
cipatória de acesso à justiça. Revista Direito &práxis. Rio de Janeiro, v.06,
N.10, p.412-454, 2015.
SUMÁRIO
MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. O processo de reconstrução
do Ministério Público na transição política (1974-1985). Revista Debates.
Porto Alegre, vol. 8, n. 3, p.97-117, set-dez. 2014.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica
e mecanismos de controle. Revista Lua Nova, São Paulo, n. 45, pp. 49-
95, 1998.
SUMÁRIO
SANTOS, Boaventura de Sousa. para uma revolução democrática da jus-
tiça. São Paulo: Cortez, 2007.
______________. Reflexiones para la construcción de un intelectual de re-
taguardia. Conversaciones con Boaventura deSousa Santos.Estudios del
IShiR, 9, pp. 75-97, 2014.
SUMÁRIO
DIREITOS ECONÔMICOS E SOCIAIS VIA CONTROLE
CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE: UM
ESTUDO SOBRE A ATUAÇÃO DO STF (1988-2016)
Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros1
1 INTRODUÇÃO
Desde a superação da cultura dos juízes “boca da lei”, com o progressivo
aumento de legislações que autorizam expressamente uma integração via
argumentação e interpretação judicial na aplicação da lei, à discussão sobre
ativismo judicial vis-à-vis judicialização da política,2 discutem-se os limites
e o papel dos juízes na sociedade.
De um lado, o ativismo enfatiza o exame dos comportamentos dos juí-
zes. Argumenta-se que “é uma estratégia mais expansiva e proativa de in-
terpretação do direito, usada pelos juízes para maximizar o sentido e o al-
cance das normas constitucionais” (Faria, 2017). Ativismo é uma visão
exógena do papel dos juízes, que combina com o diagnóstico sobre a omis-
são e a ineficiência da atuação dos demais poderes do Estado, e que, em tese,
justificaria a conduta proativa dos juízes em protegerem os direitos funda-
mentais ao julgarem os casos.
Do outro lado, a judicialização da política enfatiza a constante amplia-
ção da forma do direito na sociedade, que, por sua vez, significa a plena ju-
ridificação de todo e qualquer problema social. Destaca-se que “é um fenô-
meno resultante da crescente complexidade socioeconômica do País, o que
obrigou a Constituição a ter de tratar de uma ampla gama de matérias que
antes eram deixadas para a legislação ordinária” (Faria, 2017). Judicialização
é uma visão endógena do papel dos juízes, que se ajusta com o diagnóstico
da transformação da legislação e da interpretação jurídica no interior do di-
reito. Cada vez mais se observa textos legais abertos e flexíveis, que se valem
de diretrizes e princípios jurídicos para orientar a solução dos casos.
Tais perspectivas podem ser consideradas como faces da mesma
moeda, pois a discussão de fundo tanto no ativismo como na judicialização
é a ampliação do poder judicial na sociedade.3 O problema é entender, então,
como e o que esta ampliação representa, contextualizando cada caso.
Para alguns autores (GARGARELLA et al., 2006), é possível aceitar
esta ampliação na medida em que representaria o aumento do acesso ao Ju-
diciário. O ativismo poderia supor, por exemplo, uma maior aproximação
dos juízes com a sociedade, pois ao observar que, agora, qualquer cidadão
pode recorrer ao tribunal para proteger os seus direitos fundamentais, aí in-
cluído o controle de políticas públicas que foram constitucionalizadas. A
dificuldade estaria, então, em formular desenhos institucionais ótimos que
SUMÁRIO
assegurem o acesso prioritário de demandas mais graves e concretize a
igualdade material de maneira eficiente na sociedade.
Outros autores (Tushnet, 1999 ou Waldron, 2014) seguem uma linha
mais crítica em relação à ausência da legitimidade democrática para justi-
ficar este aumento dos poderes dos juízes. Subjacente à posição está a defesa
da regra da maioria dos mandatários vis-à-vis as decisões judiciais. Discu-
te-se, portanto, o papel contramajoritário dos juízes e as limitações que este
papel impõe na articulação com os outros poderes do Estado, inclusive aler-
tando para o risco de um governo dos juízes.
Este texto adota um outro caminho. Acredita-se que a sociologia jurí-
dica pode revelar novas tensões não debatidas por partidários do ativismo
ou da judicialização. Argumenta-se que, na visão sociológica sistêmica, o
interesse é observar o estabelecimento dos limites do sistema do direito em
relação à sociedade. Em Direito da Sociedade (2016), Niklas Luhmann já
indicava isto quando sustentava a transformação da organização do tribunal
na sociedade, que cada vez mais passou a assumir a centralidade do sistema
para se isolar cognitivamente, mas também para assegurar o fechamento
operativo do sistema. Qualquer tipo de demanda ensejaria uma decisão ju-
dicial, garantida pela vedação do non liquet (ibidem, pp. 274-281).
Afirma-se que o tema do ativismo ou da judicialização é, na verdade,
um debate sobre os limites estabelecidos pelo sistema jurídico, que são re-
vistos a todo instante quando o juiz decide as controvérsias.
O interesse, portanto, reside na observação sociológica da argumenta-
ção jurídica, que deve ser parte integrante de uma teoria que observa, simul-
taneamente, a autodescrição do direito e a da sociedade. Neste recorte não
se defendem modelos ou programas, mas uma preocupação em compreender
como estes limites são delineados pelos juízes. Para tanto, este texto se vale
de uma pesquisa jurisprudencial para discutir o tema. Na sequência, são
apresentadas as notas metodológicas da pesquisa e os resultados.
NOTAS METODOLÓGICAS
Para discutir o tema da fixação dos limites do direito pelos juízes, o texto se
vale de uma pesquisa jurisprudencial. A amostra é composta por julgados ex-
traídos do STF; a opção por este tribunal justifica-se por sua posição como
órgão de sobreposição responsável por assentar o entendimento e a interpre-
tação do direito brasileiro, proferindo a última decisão nas matérias de sua
competência, além da própria interface de uma corte constitucional em razão
do acoplamento estrutural entre direito e política numa leitura sistêmica.
Diante deste recorte institucional, optou-se por trabalhar com a adju-
dicação de julgados referentes à aplicação de direitos econômicos e sociais
constitucionalizados. Por direitos econômicos entendem-se temas relativos
SUMÁRIO
às normas de regulamentação da economia afetas às políticas cambial, mone-
tária, salarial e de preços; e direitos sociais são casos conexos aos direitos da
ordem social. Estes temas foram selecionados em razão da grande quantidade
de normas programáticas que fixam objetivos e regras a estes direitos.
Procedeu-se, ainda, a um recorte processual, selecionando-se apenas
casos de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADI por omis-
são, ADC e ADPF) e com decisão já transitada em julgado, incluindo julga-
mentos monocráticos. Esta limitação é necessária em decorrência da quan-
tidade de casos disponíveis, embora se admita a possibilidade de recortes
por outros meios, sobretudo o recurso extraordinário.4 O respeito pelo trân-
sito em julgado é importante para que sejam analisados os argumentos ven-
cedores e a eventual estabilidade das decisões da Corte diante de situações
anteriores similares.
Cumpre lembrar que não se pretende, aqui, esgotar e codificar todos
os casos possíveis nem apresentar uma palavra final sobre a adjudicação de
direitos econômicos e sociais pelo STF. O interesse reside em verificar como
os juízes fixam os limites do direito, por isso acredita-se que a observação
sobre como os argumentos consequencialistas são mobilizados em algumas
situações seja suficiente para indicar este propósito.
Em muitos casos de adjudicação de direitos econômicos e sociais, o juiz,
ao decidir, acaba considerando em alguma medida as consequências de sua
decisão de diferentes maneiras, seja para enfrentá-las ou não na tomada de
decisão. Admite-se, neste texto, que uma das formas de raciocínio jurídico
(legal reasoning) é a que se desenvolve por meio dos argumentos de conse-
quência ou do argumento consequencialista (consequentialist legal reaso-
ning), aquele operado pelo tribunal a partir das consequências da decisão,
independentemente do que tenha sido admitido e avaliado pela decisão.
Acredita-se que ao observar e analisar a crescente utilização de argu-
mentos consequencialistas em juízo, é possível precisar o fenômeno da ex-
pansão da atuação dos juízes e tribunais para além do direito e compreender
os efeitos da expansão da sua operação em outros sistemas (i.e., econômico
e político).
Destarte, a amostra abrange jurisprudência do STF sobre controle con-
centrado de constitucionalidade relativo a direitos econômicos e sociais com
decisão transitada em julgado, incluindo julgamentos monocráticos, no período
de 1988 a 2016. A partir desta delimitação, a busca realizou-se pela inclusão
de palavras-chave no link “Pesquisa de Jurisprudência” do site do STF
(http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp),
especificamente os termos “política cambial”, “monetária”, “salarial” e de “pre-
ços”, “ordem social”, “saúde”, “educação”, “cultura” e “seguridade social”.
Após a filtragem, a amostra foi comparada e ajustada com duas contraprovas.5
Os resultados de controle concentrado com decisão final totalizam
SUMÁRIO
3.045 casos, dos quais 301 (aproximadamente 10%) formam a população
amostral da pesquisa:
SUMÁRIO
FIG. 01. TEMA
Tema
16%
Econômico
Social
84%
Assunto da controvérsia
Econômico
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Alienação de bens/capital público
Cobrança de direitos autorais por
uma endade central (ECAD)
Consumidor
Programa de desestazação
Proposta orçamentária
Salário mínimo
Trânsito e transporte
Empresa pública ou sociedade de
economia mista
Regulação da avidade econômica
SUMÁRIO
No que tange aos temas da ordem social, destacam-se educação, pre-
vidência e contribuição social e saúde.
Assunto da controvérsia
Social
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Previdência e
Contribuição
Programa social
Saúde
ECA
Cultura
Assistência social
Educação
Social
SUMÁRIO
Vislumbra-se, portanto, que à maioria dos casos analisados foi negado
seguimento, de forma monocrática, sobretudo em ADIs e ADPFs. Na tota-
lidade dos casos de procedência ou parcial procedência respeitou-se a cole-
gialidade, principalmente nas ADIs.
100
80
60
40
20
0
Competência concorrente do Estado
Ilegi midade a va
Inépcia da inicial
Li spendência
Perda do objeto
Outros
30
25
20
15
10
0
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Processos novos Média anual para decisão
Autores
Procurador-Geral da República
Presidente da República
Prefeito Municipal
Pardo Políco
OAB
Mesa Assembléia
Governador
Conselhos
Associação/Confederação/Sindicato
0 20 40 60 80 100 120
SUMÁRIO
Os órgãos da Associação/Confederação/Sindicato foram autores de 114
casos, seguidos por Governadores e Partidos Políticos. Esta prevalência pode
ser explicada ao se considerar a legitimidade e o interesse especial da Asso-
ciação/Confederação/Sindicato conforme os temas e assuntos mobilizados.
O achado é confirmado por pesquisas que apontam a frequente atuação
estratégica de Partidos Políticos e de certos atores do Poder Executivo com
o intuito de modificar decisões majoritárias nas quais foram derrotados por
via legislativa8 e fica mais evidente com o dado de que a maioria das ações
propostas por Governadores eram requeridas em face do Legislativo Esta-
dual equivalente.
A fonte dos fundamentos e, sobretudo, a mobilização dos argumentos
consequencialistas estão ilustradas na figura 08.
Fundamentos
350
300
250
200
150
100
50
0
Doutrina Legislação Jurisprudência
19%
Não Sim
81%
80%
60%
40%
20%
0%
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
Não Sim
SUMÁRIO
FIG. 12. TIpO DE ARGUMENTO CONSEqUENCIALISTA
NA AMOSTRA
Argumento Consequencialista/Tipo
41%
Econômico
50% Polí co
Social
9%
CONSIDERAÇõES FINAIS
Este texto discutiu como a temática do ativismo judicial ou da judicialização
da política pode ser encaminhada por outro enfoque sociológico a partir das
análises da argumentação judicial. A ênfase, aqui, recaiu nas considerações
das consequências extrajudiciais no processo de tomada de decisões pelos
juízes em casos de direitos econômicos e sociais.
O texto adotou um recorte para mostrar que, na prática, em muitos
casos, são os próprios Ministros que definem quando e como vão considerar
os efeitos das consequências extrajurídicas durante o julgamento. A falta de
padrão é a regra geral extraída destas análises. Para além desta constatação
também foi importante observar os tipos de interesses que são arbitrados no
STF enquanto corte constitucional, sobretudo na defesa dos direitos econô-
micos e sociais, que, geralmente, são monopolizados pela Associação/Con-
federação/Sindicato, seguido por Governador e Partido Político.
É certo que estes dados representam um pequeno percentual da totali-
dade de decisões que a corte profere todo ano. Todavia, a pesquisa revela
problemas e questões que são comuns na adjudicação em geral de casos que
exigem a seleção e avaliação das consequências para a tomada de decisão.11
Este texto defende que a análise destes tipos de julgados é um bom me-
didor para verificar como os limites do direito vem sendo estabelecidos
pelos juízes vis-à-vis a discussão vazia do ativismo ou da judicialização. É
o caso, portanto, de reconhecer a necessidade de ampliar um campo de es-
tudo sobre sociologia da argumentação jurídica e dos tribunais.
Em breve síntese, é possível dizer que esse ramo da sociologia jurídica se
preocupa em estudar a atuação dos tribunais da sociedade, abrangendo temas
como modelos de trajetória do Estado e sua articulação com o Judiciário, for-
mas de organização e comunicação organizacional, formas de recrutamentos
SUMÁRIO
e gestão dos tribunais, discursos judiciais, processos de economização ou po-
litização dos tribunais. Desta forma, este campo de pesquisa pressupõe uma
teoria social ao mesmo tempo que se vale de embasamento empírico.
No estudo apresentado constatou-se que o STF, por razões institucio-
nais, pode hoje ser ao mesmo tempo uma corte original e peremptória, de-
ferencial, consequencial e catalisadora já que pode escolher quem, quando
e como julgar. Para além das inúmeras garantias funcionais e institucionais,
prevalece um adicional reforço que permite a irrestrita independência dos
Ministros já que o STF pode determinar as suas próprias competências, pos-
sibilitando decidir como operar, inclusive, em qualquer sistema social.
SUMÁRIO
NOTAS
2
Para uma apresentação completa desta transformação veja Ferraz Junior, 2014.
3
Veja a discussão apresentada por Nobre; Rodriguez, 2011.
se discute no texto.
7
Cf., nesse sentido, Falcão et al., 2011 e Falcão et al, 2017.
8
Cf., neste sentido, Taylor, 2008.
teriza-se como uma forma apolítica, mecânica e não responsiva de tomada de de-
cisão. Na verdade, a observação indica o contrário: que mesmo uma corte priori-
tariamente formalista pode considerar argumentos extrajurídicos ao decidir.
SUMÁRIO
Neste sentido, não importa tanto o recorte processual, pois ações consti-
tucionais, recursos extraordinários e outras ações ordinárias podem lidar com os
11
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
SCHUARTZ, Luiz Fernando. “Consequencialismo jurídico, racionalidade
decisória e malandragem”. In MACEDO JUNIOR, R. P. (org). Direito e in-
terpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Saraiva, 2011, pp.
383- 418.
TUSNHET, Mark. Taking the constitution away from the courts. Princeton
University Press, 1999.
SUMÁRIO
GP 7 – SOCIOLOGIA POLÍTICA DA
CONSTITUIÇÃO
Coordenação: Carlos Victor Nascimento dos
Santos e Jeferson Mariano de Souza
SUMÁRIO
PARA UMA SOCIOLOGIA DA CONSTITUIÇÃO:
AS CONDIÇÕES DE EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS
NO BRASIL PÓS-1988
TOWARDS A SOCIOLOGY OF CONSTITUTION:
THE EFFECTIVENESS CONDITIONS OF SOCIAL RIGHTS IN
BRAZIL AFTER 1988
SUMÁRIO
2. A EFICáCIA NA TEORIA JURÍDICA
A distinção entre validade e eficácia é um dos pilares da proposta da Teoria
Pura do Direito desenvolvida pelo austríaco Hans Kelsen, remontando à
própria distinção entre ser e dever-ser. No entanto, a relação entre ambas
não deixa de ser um ponto de tensão. Segundo Kelsen (2006, p. 235), a re-
lação entre validade e eficácia é “um dos problemas mais importantes e ao
mesmo tempo mais difíceis de uma teoria jurídica positivista.”3 Na pers-
pectiva do autor, a validade não pode ser totalmente independente da eficá-
cia, o que redundaria no “idealismo”. Tampouco podem possuir completa
identidade entre si, o que, por sua vez, seria próprio do “realismo”4.
Tendo então como pano de fundo a distinção entre ser e dever-ser na
qual baseia a proposta de “pureza metodológica”5, Kelsen (2006, p. 236)
sustenta um “meio-termo” entre “idealismo” e “realismo”: a validade da
ordem jurídica e de uma norma individual não se identifica com sua eficácia,
mas possuem uma inegável conexão. A validade de uma norma jurídica só
pode ter como fundamento outra norma jurídica superior, formando uma es-
trutura escalonada de normas cuja validade repousa na pressuposição lógica
da norma fundamental. No entanto, o “meio-termo” para Kelsen é que a efi-
cácia não é fundamento, mas sim condição de validade:
[...] a eficácia da ordem jurídica como um todo e a eficácia de uma norma ju-
rídica singular são – tal como o ato que estabelece a norma – condição da va-
lidade. Tal eficácia é condição no sentido de que uma ordem jurídica como
um todo e uma norma jurídica singular já não são consideradas como válidas
quando cessam de ser eficazes. Mas também a eficácia de uma ordem jurí-
dica não é, tampouco como o fato que a estabelece, fundamento de validade.
Fundamento de validade, isto é, a resposta à questão de saber por que devem
as normas desta ordem jurídica ser observadas e aplicadas, é a norma funda-
mental pressuposta segundo a qual devemos agir de harmonia com uma
Constituição efetivamente posta, globalmente eficaz, e, portanto, de harmo-
nia com as normas efetivamente postas de conformidade com esta
Constituição e globalmente eficazes. (KELSEN, 2006, p. 236)
Dessa forma, ainda que a eficácia (ou, de um modo mais amplo, o plano
do ser da realidade social) não seja objeto de análise da Teoria Pura do Di-
reito, ela tem constante relação com a validade das normas jurídicas (plano
do dever-ser). É o que ocorre quando uma norma jurídica perde validade em
razão de não ser aplicada pelos tribunais e observada por longo tempo (o que
Kelsen denomina de desuetedo). E quando uma norma prescreve uma con-
duta necessária, de modo que não pode ser violada e se torna absolutamente
eficaz, ou uma conduta impossível, não tendo qualquer respaldo na reali-
dade – em ambos os casos a norma se torna sem sentido, e por isso inválida
SUMÁRIO
(KELSEN, 2006, p. 237-238). A própria pressuposição da norma fundamen-
tal em Kelsen depende da “eficácia global” da ordem jurídica, constatável
apenas no plano do ser6.
A teoria jurídica de Kelsen está associada ao modelo de Estado Liberal,
que grosso modo prevaleceu em países da Europa e nos Estados Unidos no
século XIX. Para Bobbio (2008, p. 89-120), neste período o direito assumiu
a função instrumental de controle social, como uma técnica que imputa uma
sanção negativa (um mal) a uma conduta humana considerada socialmente
indesejada. No entanto, o advento do Estado Social no século XX, especial-
mente após a segunda guerra mundial, implicou novos problemas e questões
para a teoria do direito. Para Bobbio (2008), passaram a ser utilizadas não
só sanções negativas, mas também positivas (recompensas), atribuídas a
condutas consideradas socialmente desejadas.
Além disso, no Estado Social ganham destaque os direitos sociais e
econômicos, distintos dos tradicionais direitos individuais do Estado Li-
beral. Em alguns países, a positivação dos novos direitos foi acompanhada
por reformas institucionais e processuais visando a ampliar sua possibili-
dade de efetivação pelo Judiciário. Este processo de reformas foi denomi-
nado por Cappelletti e Garth (1978)7 como movimento de “ondas de acesso
à justiça”, na transição entre os modelos de Estado. Nos Estados Unidos,
segundo os autores, o Judiciário desempenhou relevante papel na “guerra
contra a pobreza” [war on poverty] a partir de 1965. Frise-se que esses novos
direitos não foram objeto primordial de análise de Kelsen, uma vez que ga-
nharam destaque após o desenvolvimento da sua obra na primeira metade
do século XX8.
No Brasil, o marco principal da positivação dos direitos sociais e eco-
nômicos é a Constituição de 1988, promulgada no contexto de democrati-
zação política e de forte atuação de movimentos sociais. Na época, incor-
porar direitos sociais foi considerado uma forma de garantir bases mínimas
de “legitimidade da nova ordem constitucional” (FARIA, 1989, p. 39), res-
pondendo a reivindicações de movimentos sociais com forte atuação na
época, que se dividiam entre estratégias reformistas e revolucionárias para
a transformação social9. A Constituição passou a conter normas estipulando
a busca do pleno emprego, a redução da desigualdade social e regional, a
erradicação da pobreza, a garantia das necessidades básicas a serem atendi-
das pelo salário mínimo e a prestação de serviços públicos universais de
saúde e educação10. Dessa forma, num país marcado pela histórica pobreza
e desigualdade social11, a Constituição aumentou as expectativas de solução
de graves problemas sociais dentro de marcos legais e de atuação relevante
do Judiciário em processos de transformação social.
A eficácia dos direitos sociais e econômicos constituiu-se como objeto
privilegiado da sociologia jurídica no Brasil, que passou a pesquisar de
SUMÁRIO
modo interdisciplinar fatos sociais não diretamente relacionados a normas
jurídicas, mas que condicionam sua eficácia (FARIA; CAMPILONGO,
1991, p. 58). Nesse sentido, os direitos sociais, apesar de igualmente válidos
como as demais normas constitucionais, poderiam possuir distintas condi-
ções de eficácia. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr. (1994, p. 198), “uma
norma se diz socialmente eficaz quando encontra na realidade condições
adequadas para produzir efeitos.” Ou seja, a validade, embora relevante,
não é condição suficiente para a eficácia social da norma. Além disso, o pro-
blema da eficácia dos direitos sociais é mais acentuado em países com his-
tórica e elevada desigualdade social como o Brasil. Em suma, o problema
de pesquisa sócio-jurídica girou em torno da questão: por que os novos di-
reitos, que integram o ordenamento jurídico como diversos outros, não pro-
duziam os efeitos almejados na realidade social brasileira?
No plano da dogmática jurídica, Ferraz Jr. chegou a afirmar que a eficácia
de tais normas não está relacionada a sua observância ou aplicação pelos tri-
bunais. Pelo contrário, a eficácia teria sobretudo uma dimensão simbólica:
[...] não lhes restou outro caminho para preservar a autoridade funcional:
quanto menos procurassem controlar, disciplinar, regular e intervir, limi-
tando-se a assegurar o cumprimento dos contratos, a garantir o respeito às
diferentes formas de propriedade material e imaterial privadas, a reprimir a
violência, a impor segurança pública e a viabilizar a coexistência dos vários
agentes livres, menor seria o risco de acabarem desmoralizados pela ineficá-
cia de seu instrumental regulatório e de seus mecanismos de controle.
(FARIA, 2011, p. 65)19
5. CONCLUSÃO
De modo geral, este artigo enfatizou a relevância da pesquisa sócio-jurídica
sobre as condições de eficácia dos direitos sociais e econômicos. Essas con-
dições abrangem fatores que não são jurídicos, mas que ampliam a eficácia
das normas na realidade. Mesmo um teórico positivista como Hans Kelsen
não nega essa relevância, ao contrário do que uma leitura superficial do
autor pode sugerir. Ao mesmo tempo em que exclui esse tipo de pesquisa
da sua “ciência do direito”, Kelsen não desconsidera os limites da sua “pu-
reza metodológica”.
SUMÁRIO
Apesar de integrarem o ordenamento jurídico no seu mais alto nível
hierárquico, os direitos sociais tiveram restrita eficácia no Brasil ao menos
logo após a promulgação da Constituição de 1988. Nesse contexto, o debate
jurídico sobre direitos sociais focou-se na dimensão da validade dessas nor-
mas e na possibilidade ou não de sua aplicação pelos tribunais, em aborda-
gens de cunho mais formalista. O pano de fundo desse debate remonta a
questões sobre as possibilidades de transformação social por meio do direito
e se o Judiciário é a instância privilegiada para efetivação de direitos sociais.
Considerando as mudanças nos anos 2000, a experiência brasileira pa-
rece indicar que os fatores principais para eficácia dos direitos sociais e eco-
nômicos encontram-se na política e na economia, e não no direito. Foram
mudanças relacionadas à política econômica, às políticas sociais e ao modelo
de Estado, em contexto de crescimento econômico, que ampliaram a eficácia
dos direitos sociais, e não uma mudança no padrão de decisões judiciais.
Mesmo o Supremo Tribunal Federal, que nos últimos anos se notabilizou por
decisões de maior impacto social sobre direitos civis e políticos, aparente-
mente pouco atuou em matéria de direitos sociais e econômicos26. Ao con-
trário de outros países, como os Estados Unidos durante a “guerra contra à
pobreza” na década de 1960, o Judiciário brasileiro aparenta não ter uma par-
ticipação clara na redução da pobreza nos anos 2000. No entanto, talvez seja
possível identificar um relevante papel do direito do trabalho, uma vez que
a expansão do emprego formal foi um dos principais fatores para distribuição
de renda nos anos 2000. Em suma, não aparenta ser correto sustentar a irre-
levância do direito para implementação dos direitos sociais, embora a expe-
riência brasileira sugira a predominância da política e da economia.
Por fim, este artigo não pretendeu esgotar todas as condições extrajurí-
dicas que ampliam ou restringem a eficácia de direitos sociais e econômicos.
Também não se desconsidera que esses direitos podem ser muitas vezes objeto
de tutela judicial. Mesmo assim, sustentou-se que as mudanças ocorridas nos
anos 2000 ampliaram a eficácia dos direitos econômicos e sociais no Brasil,
visando a contribuir para uma agenda de pesquisa atualizada sobre o tema.
SUMÁRIO
NOTAS
SUMÁRIO
A primeira edição da Teoria Pura do Direito é de 1934 e a segunda de 1960.
No prefácio da primeira edição Kelsen (2006) assinala que sua teoria “pode ser
8
de confrontação ilegal, violenta ou não, com o Estado liberal, com o Estado colo-
nial ou pós-colonial e com a economia capitalista, conduzindo à criação de Esta-
dos socialistas de diferentes tipos.” No Brasil, o trabalho “Poderá o direito ser
emancipatório?” foi também publicado em Santos (2016, p. 17-111).
sonetto (2004).
Para trabalhos recentes sobre direitos sociais, conferir Thiago Acca (2013)
e José Gladston Correia (2014).
12
SUMÁRIO
Segundo o sociólogo jurídico norte-americano Bob Jessop (2004), o Estado
de Bem-Estar Social predominou entre 1950 e 1980 na América do Norte, Europa
16
Ocidental, Austrália e Nova Zelândia. Nos demais países, ainda que não tenha pre-
valecido, foi o horizonte que motivou algumas reformas. Este modelo de Estado,
segundo Jessop, possui quatro dimensões. Primeiro, a busca do pleno emprego, prin-
cipalmente por meio do estímulo da demanda e da expansão da infraestrutura na-
cional. Segundo, a garantia de direitos econômicos e sociais para todos os cidadãos,
de modo que a prosperidade decorrente do crescimento econômico fosse distribuída
de forma mais igualitária. Terceiro, o fortalecimento do Estado Nacional, com ter-
ritório delimitado, sendo este o centro decisório predominante em nível regional e
internacional. Quarto, a detenção pelas instituições estatais de um poder diretivo e
corretivo sobre as forças de mercado, num tipo de “economia mista” preocupada
com crescimento econômico e integração social (JESSOP, 2004, p. 77-78). Em sen-
tido semelhante, Luiz Gonzaga Belluzzo (2013, p. 164) afirma: “As novas institui-
ções e as políticas econômicas do Estado social estavam comprometidas com a ma-
nutenção do pleno emprego, com a atenuação, em nome da igualdade, dos danos
causados ao indivíduo pela operação sem peias do ‘mecanismo econômico’.”
nacional, têm sido impostas aos Estados por meio de uma combinação de suges-
tões, de pressões econômicas e de estímulos financeiros.” (FARIA, 2011, p. 66).
Ainda segundo Faria (2011, p. 19), de forma mais recente a crise econô-
mica mundial que eclodiu em 2008 recolocou e intensificou o debate entre: “Por
19
SUMÁRIO
agronegócio, indústria de transformação, transportes e alimentos. Têm base de acu-
mulação própria, e buscam se associar apenas parcialmente ao capital internacio-
nal, impondo limites para sua expansão no país, de modo que não perca posições
e até mesmo amplie (BOITO JR., 2012, p. 77). No debate clássico da teoria mar-
xista, a burguesia interna pode ser considerada como uma posição intermediária
entre a velha burguesia nacional – passível de adotar práticas anti-imperialistas na
visão clássica da esquerda –, e a burguesia compradora, mera extensão do capital
internacional e completamente associada ao mesmo (BOITO JR., 2012, p. 67).
ciais. Ainda que não seja possível afirmar que um novo modelo de Estado, com-
pletamente estável, tenha emergido, esse conjunto de políticas, segundo os autores,
poderia vir a produzir um modelo coerente e relativamente estável de Estado.
per capita de 1,25 dólar por dia, 25,5% dos brasileiros eram extremamente pobres.
Em 2012, o cenário captado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), do IBGE, era diferente: 3,5% dos habitantes viviam com menos de 70
reais mensais, ou 3,6% com renda de 1,25 dólar ao dia. O Brasil estaria muito pró-
ximo, portanto, de erradicar a miséria, uma vez que o Banco Mundial considera
residual uma taxa de 3%.” (MARTINS, 2014). Para uma análise do Programa
Bolsa Família e sua dimensão jurídica, conferir Coutinho (2010).
social no Brasil”. Nesse rol, as decisões sobre direitos sociais e econômicos apa-
recem em menor número e impacto social do que as demais.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
ACCA, Thiago. Teoria brasileira dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013.
CORREIA, José Gladston. Sociologia dos direitos sociais. São Paulo: Sa-
raiva, 2014.
SUMÁRIO
COUTINHO, Diogo. Linking promises to policies: law and development in
an unequal Brasil. The Law and Development Review, Berlin, v. 3, n. 2, p. 3-
40, 2010.
GALANTER, Marc. Why the “haves” come out ahead: speculations on the
limits of legal change. Law and Society Review, New York, n. 9, p. 95-160, 1974.
SUMÁRIO
MACCORMICK, Neil. h. L. A. hart. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SUMÁRIO
O STF E A DELIBERAÇÃO SOBRE OS CONFLITOS
MORAIS
Gustavo Schütz,
mestrando PPG Sociologia/UFRGS
INTRODUÇÃO
A grande diversidade de valores morais que formam as sociedades plurais
atuais faz com que seja urgente a investigação empírica sobre como e com
que qualidade são produzidos os acordos sociais mínimos1 capazes de or-
ganizar as relações sociais próprias de tal contexto. Como é extensivamente
demonstrado em estudos clássicos (ELIAS, 2009; BERGER, LUCK-
MANN, 2004) tais acordos mínimos são necessários não só para que indi-
víduos e grupos possam desenvolver redes interpessoais de confiança na es-
fera pública, mas também para que se reconheça a legitimidade de amplas
narrativas sociais – como as que fomentam, por exemplo, o respeito aos di-
reitos humanos.
Contudo, a literatura dedicada a compreender as relações entre socie-
dade civil e Estado têm apontado os limites e insuficiências da deliberação
política enquanto meio para construir tais acordos mínimos (ALONSO,
2015; MAIA, 2010). Analisando o funcionamento das instâncias políticas
formais, se percebe que diversas questões de grande relevância moral ou
não são decididas ou quando o são, atores sociais insatisfeitos com o resul-
tado da decisão mobilizam-se para que a mesma seja levada às cortes supe-
riores de justiça. Dessa forma, aumenta-se a importância do poder judiciário,
uma vez que este se torna ativo emissor de decisões estáveis sobre tais ques-
tões. Se as causas deste fenômeno são diversas e suas consequências ainda
imprevistas, o certo é que esta não é característica exclusiva da realidade
brasileira. Diferentes estudos apontam que o crescimento da relevância e
poder do judiciário verifica-se em diferentes países do globo (ARANTES,
2005; HIRSCHL, 2014; TAYLOR, 2008), fazendo com que alguns autores
questionem mesmo a atual organização dos poderes de Estado (ACKER-
MAN, 2014).
Utilizando-se desse enquadramento teórico como plano de fundo, este
artigo visa a contribuir com duas linhas de debates principais. A primeira delas
SUMÁRIO
diz respeito aos trabalhos que se dedicam a compreender como normas ju-
rídicas e valores morais se relacionam no contexto das sociedades plurais.
Aqui, a pergunta principal que serve de guia a esta pesquisa questiona como
argumentos jurídicos e argumentos morais se relacionam na fundamentação
dos votos proferidos pelos ministros do Superior Tribunal Federal (STF)
quando estes decidem sobre casos de grande relevância moral. A segunda
linha de debates, diz respeito à qualidade da deliberação existente entre os
ministros do STF. Nesse sentido, os dados produzidos nesta pesquisa apon-
tam para a existência de dinâmicas deliberativas entre os ministros que
levam em conta não só o posicionamento de seus pares como também os
argumentos oferecidos pelos mesmos. Assim, estes resultados indicam a
necessidade de relativização parcial da tese do personalismo decisório
(SILVA, 2009)
Por questões de viabilidade esta pesquisa2 limitou-se a analisar apenas
quatro decisões do STF. São elas: a ADI 3.510, que em 2008 decidiu sobre
a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias hu-
manas; a ADI 4.983, que em 2016 decidiu sobre a constitucionalidade da
Vaquejada, colocando em análise o direito dos animais; a ADI 4.277 que em
2011 decidiu sobre a constitucionalidade da união homoafetiva; e a ADPF
186 que em 2012 decidiu sobre a constitucionalidade das cotas raciais como
critério de seleção para o ingresso em universidades públicas.
A escolha por estes quatro casos se deve a três razões principais: 1. o
alto grau de mobilização na esfera pública que cada um das decisões gerou
à época, fazendo com que diferentes grupos que se organizassem na defesa
dos valores e práticas morais que tiveram sua constitucionalidade julgada
pelo plenário do STF3; 2. o fato de estas ações de inconstitucionalidade tra-
tarem de conflitos que tocam diferentes facetas do fenômeno moral. Assim,
as análises aqui feitas não ficaram restritas à questões sobre liberdade indi-
vidual ou de direitos sociais, por exemplo, mas abordaram um maior espec-
tro temático. Este critério fez-se importante para que se pudesse investigar
como o STF fundamenta suas decisões em que tratam de temas morais como
um todo, não apenas analisando o comportamento da Corte sobre uma te-
mática moral específica4; 3. foram elegidas tanto decisões proferidas por
unanimidade como decisões decididas por apenas um voto, a fim de inves-
tigar se o padrão argumentativo dos ministros do STF variam de acordo com
o tipo de maioria formada em plenário. Assim, os dois primeiros casos acima
citados, a ADI 3.510 (pesquisas com células-tronco) e a ADI 4.983 (vaque-
jada) foram decididos por apenas um voto enquanto a ADI 4.277 (união ho-
moafetiva) e a ADPF 186 (cotas raciais) foram decididos por unanimidade.
Dessa forma, os votos dos ministros do STF proferidos sobre estes qua-
tro casos constitui o objeto empírico desta pesquisa. Tal material foi subme-
tido à metodologia da análise de conteúdo e da análise retórica. Neste pro-
SUMÁRIO
cesso, foram criadas três categorias de análise dedutivas e sete categorias
indutivas, permitindo-se assim compreender tanto como argumentos jurí-
dicos e morais se relacionam nos votos dos ministros, como também a qua-
lidade dos processos deliberativos existentes no plenário do STF.
Antes de expor e discutir-se os dados da pesquisa, faz-se importante
tratar brevemente dos embasamentos teóricos que permitiram não só a cons-
trução das categorias de análise acima citadas, mas também nos ajudam a
compreender como questões morais e jurídicas se relacionam no contexto
das sociedades plurais. Desse modo, na primeira parte deste artigo, através
da análise da sociologia durkheimiana, procura-se clarificar o que se entende
por moral e porque tal dimensão de análise é útil à compreensão do objeto
empírico aqui tratado. Nesta seção é feita também a exposição das categorias
dedutivas utilizadas nessa pesquisa, dado sua proximidade com o referencial
teórico mobilizado. Na segunda parte é exposto em maior detalhe as esco-
lhas metodológicas aqui feitas e que permitiram o desenvolvimento das ca-
tegorias indutivas de análise utilizadas nesta pesquisa. Por fim, na terceira
e última parte deste artigo são expostos os dados da pesquisa assim como
os apontamentos que podem ser defendidos a partir dos mesmos.
REFERENCIAL METODOLÓGICO
Utilizando-se do software Nvivo, esta pesquisa seguiu a metodologia da análise
de conteúdo (Bardin, 1977). Contudo, dado a especificidade argumentativa de
alguns ministros do STF, notadamente Gilmar Mendes, utilizamos também de
algumas orientações metodológicas próprias da análise retórica (Leach, 2002).
As 1.179 páginas que compõem os acórdãos das quatro ações de constitucio-
nalidade foram submetidas inicialmente à “leitura flutuante”, a fim de fazer
emergir as categorias indutivas que auxiliaram na compreensão das questões
propostas por este trabalho. Assim, além das três categorias dedutivas acima
trabalhadas – argumento de fundamentação moral; argumento jurídico; e ar-
gumento de oposição – construiu-se também as seguintes dimensões:
Referência aos amicus curiae; uma vez que em todas as quatro ações de con-
trole de constitucionalidade foi admitida a participação no processo de inte-
grantes da sociedade civil como amicus curiae, e foram mesmo feitas audiên-
cias públicas a fim de ouvi-los e clarificar o entendimento dos ministros sobre
os pontos implicados no julgamento, nessa categoria inclui-se todas as refe-
rências, mesmo as protocolares, a estes atores e sua participação no processo.
Importante frisar que todos os excertos que dizem respeito a cada uma
dessas categorias foram incluídos nas mesmas. Ou seja, mesmo que certo
precedente já tenha sido citado anteriormente por algum ministro em seu
voto, se ele voltou a lhe fazer referência, esta nova citação foi também com-
putada. A razão por esta opção metodológica é que a quantidade e recorrên-
cia nas citações dizem muito sobre os sentidos do documento analisado. Se
um ministro, por exemplo, insiste em utilizar a obra de um autor estrangeiro
para justificar seu voto, citando-o diversas vezes, esta é informação impor-
tante para que se compreenda seu voto.
Em mesmo sentido, certos excertos foram incluídos em duas categorias
diferentes. Ainda que este procedimento seja questionado por Bardin (1977),
seguimos o entendimento mais contemporâneo (Bauer, 2002) que afirma
serem as unidades de codificação (os excertos) elementos complexos, po-
dendo apresentar diversos significados possíveis. Portanto, ainda que se
tenha procurado produzir categorias de análise excludentes entre si, por
vezes a dupla categorização de um mesmo excerto apresentou-se como im-
perativa. Isto ocorreu sobretudo com duas das categorias dedutivas criadas
– os “argumentos de fundamentação moral” e os “argumentos jurídicos”.
Contudo, também houve vínculos com as categorizações que aglutinaram
os excertos sobre “caracterização do fato” e “caracterização moral”.
Tendo por base, portanto estas categorias de análise foram feitas leituras
detalhadas dos votos de cada um dos ministros do STF em cada uma das qua-
tro ações de inconstitucionalidade que compõem o objeto empírico desta pes-
quisa. Os dados gerados, expostos abaixo, indicam a grande centralidade con-
ferida pelos ministros aos argumentos morais, em alguns casos se sobrepondo
mesmo aos argumentos jurídicos. Os resultados indicam também a existência
de comportamento por muitas vezes coeso e dialogado entre os ministros, o
que põe em questão, de modo parcial, a tese do personalismo decisório.
GRáFICO 01
SUMÁRIO
GRáFICO 02
GRáFICO 03
SUMÁRIO
GRáFICO 04
GRáFICO 05
SUMÁRIO
GRáFICO 06
SUMÁRIO
NOTAS
Acordos sociais mínimos, aqui entendido, indicam apenas os acordos que re-
ferem-se às normatividades que informam grupos e indivíduos sobre quais os limites
1
de suas ações. O que importa, nesse sentido, não é definir o que faz uma ação moral
mais ou menos correta, mas sim afirmar quais ações e discursos morais não podem
ser defendidos e levados adiante, sob pena de sanção por parte da coletividade.
Esta é a causa para não se ter analisado neste trabalho ambas as ações que
perpassam os debates sobre a definição jurídica do início da vida (a ADI das cé-
4
lulas-tronco embrionárias e a ADI dos fetos anencéfalos). Nesse sentido, por cri-
tério de anterioridade, optou-se pela primeira delas.
5
Benéficas do ponto de vista do autointeresse material.
mais eficaz para o tratamento e AIDS, no entanto, de venda proibida no país; etc.
Conforme acima referido, importante ter em conta que estes dados são par-
ciais e dizem respeito apenas a uma parte da investigação
8
Ainda que este termo tenha sido muito utilizado por Barroso, em seu voto
na ADI 4.983, a noção que está por detrás do mesmo perpassa a maioria dos votos
9
SUMÁRIO
conforme entendimento estabelecido através do julgamento sobre a rinha
de galos e da farra do boi.
11
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Presidência. Ação Direta de Incons-
titucionalidade n 4.983. Requerente: Procurador-Geral da República. Re-
querido: Governador do Estado do Ceará, Assembleia Legislativa do Estado
do Ceará. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 2016.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
HEIMER, Carol A. The Unstable Alliance of Law and Morality. In: HITLIN,
Steven; VAISEY, Stephen (org.) handbook of the Sociology of Morality.
Nova Iorque: Springer, pg. 163-178, 2010.
HIRSCHL, Ran. Epiloque: courts and democracy between ideals and reali-
ties. In: Representation, v. 3, n. 49, pg. 361-373, 2014.
LEACH, Joan. Análise Retórica. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, Geor-
ge. pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
SUMÁRIO
ROSATI, Massimo; WEISS, Raquel. Tradição e autenticidade em um mundo
pós-convencional: uma leitura durkheimiana. In: Sociologias. Porto Alegre,
n. 39, pg. 110-162, 2015.
SUMÁRIO
GP 8 – SOCIOLOGIA DO
JUDICIÁRIO E DAS PROFISSÕES
JURÍDICAS
Coordenação: Sâmela Cristina de Souza e
Roberto Di Benedetto
SUMÁRIO
AS PROCURADORIAS ENQUANTO CAMPO
POSSÍVEL DE ANÁLISE: UMA PROPOSTA DE
ABORDAGEM A PARTIR DAS LUTAS ENTRE
PROFISSÕES
Ana Carolina Gomes Bleidorn1
Bruno Stéfano de Andrade2
INTRODUÇÃO
As Procuradorias caracterizam-se por ser um órgão do Poder Executivo dire-
tamente vinculadas ao Estado, exercendo para este o serviço da advocacia pú-
blica em prol da defesa judicial do patrimônio e dos recursos públicos, bem
como, assessorando juridicamente as tomadas de decisões da administração.
Ao buscar fazer uma análise das procuradorias constatou-se uma gran-
de dificuldade no que se refere ao acesso à informações referentes a estes
órgãos, uma vez que existe grande escassez de material acadêmico que verse
sobre tal instituto, nos remetendo ao indicio de que o mesmo vem sendo ig-
norado ou até mesmo esquecido.
Ante o exposto, nota-se que as Procuradorias são extremamente essen-
ciais para o funcionamento do Estado e que em hipótese alguma podem ser
ignoradas ou caírem no esquecimento.
O estudo proposto tem por objetivo, analisar a Procuradoria-Geral Fe-
deral enquanto profissão jurídica e identificar sua estrutura, seus agentes
pertinentes e sua capacidade de transferência de capital para o campo polí-
tico e o campo do direito. O foco de análise do trabalho será o conflito entre
a advocacia pública e a advocacia privada, analisando a inexigibilidade de
licitação para a contratação de serviço técnico especializado. Para tornar
realizável o trabalho proposto, será investigada a advocacia pública com-
parando-a com a privada.
Para desenvolver o estudo, a princípio, foi utilizada revisão bibliográ-
fica para formação de base teórica, para posterior ida a campo e realização
de entrevistas que comprovarão as teses firmadas.
Diante da metodologia proposta e com base teórica Bourdieusiana é
possível partir de premissas de que existe um conflito entre as profissões
por distinção no campo do direito. Esse conflito se dá pelo acúmulo de ca-
pitais. Esses capitais que geram a distinção entre essas profissões, podem
ser considerados capitais simbólicos, pois cada profissional, ao optar por
uma dessas profissões, submete-se ao que Bourdieu chama de “violência
simbólica”, sendo esta inerente de cada campo.
SUMÁRIO
Evidenciamos aqui, o campo das profissões jurídicas e dentro deste
campo, o que Bourdieu denomina sub-campo, estando este caracterizado
pela advocacia pública (procuradores) e advocacia privada (advogados),
tendo cada um seu habitus e capital próprio, e por isso diferenciando-se entre
si, embora pertencentes a um mesmo campo.
Outro capital observado é o capital social, que representa a autonomia
desses subcampos e a luta travada dentro deles, para sua conservação ou
transformação, sem que com isso enfraqueça seu poder.
SUMÁRIO
prepare diretamente para essa atuação. Então, por isso o sentido do curso de
formação previamente ao ingresso. (...) Hoje, os cursos de formação estão
previstos nas legislações específicas das carreiras, que definem o ingresso
por meio de um concurso com duas etapas. A segunda é o curso de formação
(...). No momento, a gente não está prevendo mexer em lei para tratar dessa
questão. Uma das propostas do GT é a de que se desenvolva um estudo fu-
turo porque tem que ser feita uma discussão junto aos órgãos que hoje têm
esses cursos de formação para a sua adequação. A proposta também não é
acabar com o curso de formação, mas instituí-lo após o ingresso se você en-
tende que ele é necessário. (...). Hoje, talvez, eu diria assim que fosse mais
fácil fazer enquanto eles são candidatos do que depois deles serem servido-
res. (MP citado por FONTAINHA, et al., 2014, p. 111).
Como pode ser visto na figura inicial, o curso de formação está situado
em um espaço ambíguo, que varia de carreira para carreira. Em algumas,
ele pode ser um conjunto de palestras para boas-vindas, sem avaliação. Em
outras, pode ser parte do certame e finda seus efeitos com o término do pro-
cesso de recrutamento (FONTAINHA, et al., 2014, p. 112).
Analisando esta realidade e aplicando os ensinamentos de Bourdieu, é
possível visualizar que o indivíduo que escolhe seguir a carreira de Procu-
rador Federal deve trazer consigo capitais simbólicos essenciais a garantir
sua submissão à “violência simbólica”, materializada através do concurso
público de provas e títulos, que é o requisito principal para o ingresso nesta
profissão jurídica. Constitui o capital simbólico aqui evidenciado, a aquisi-
ção do título em bacharel de direito e posterior aprovação no exame da
OAB, recebendo o agente, o título de advogado (capitais simbólicos), con-
dição essencial para que ele consiga se submeter ao concurso (violência sim-
bólica), sendo tal tratamento mais rigoroso que o rito de entrada na advoca-
cia privada.
A advocacia constitui uma profissão essencialmente ligada à vida e a
dignidade da pessoa humana, não sendo, portanto, uma mera atividade pro-
fissional. Conceituar advocacia não é uma tarefa fácil, face às inúmeras in-
fluências humanísticas e políticas que sofre o conceituador, que acaba por
ser influenciado a ver a advocacia sobre a ótica das leis que regem seu país
(ARAÚJO, 2006, p. 1).
Assim sendo buscamos o conceito de advocacia sob a ótica de Thiago
Cássio D’Ávila Araújo in verbis:
[...] função essencial à justiça, que visa à garantia das liberdades humanitárias,
políticas e filosóficas, e ao cumprimento da ordem jurídica vigente, solucio-
nando conflitos com base em normas e princípios jurídicos pré-estabelecidos,
através da mediação, ou por postulação perante os órgãos administrativos ou
SUMÁRIO
jurisdicionais, ou evitando-os, pela assessoria e consultoria jurídicas, seja na
seara pública ou privada, sendo privativa de bacharel em ciências jurídicas,
atendidas as demais qualificações exigidas em lei, que a desempenha com
múnus público em atendimento a ministério conferido pela Constituição
Federal.
SUMÁRIO
do Trabalho, Direito Penal e Direito Tributário. Está definitivamente apro-
vado no Exame o candidato que obtiver ao menos a nota seis na segunda
prova (FONTAINHA, 2014, p. 20).
O advogado no Brasil, ao se formar, passa a fazer parte de uma classe
reunida na ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A OAB é um serviço pú-
blico, sendo dotada de personalidade jurídica e forma federativa. É compos-
ta pelos seguintes órgãos: Conselho Federal; Conselho Seccionai, Subseções
e as Caixas de Assistência dos Advogados (DIAS, 2012, p. 03).
Para Bourdieu o agente que almeja ingressar em um campo deve ad-
quirir capitais simbólicos específicos, pré-ordenados pelos dominantes da-
quele campo. Desta forma é possível verificar que para compor o campo da
advocacia o agente deve adquirir o diploma de bacharel em direito (capital
simbólico) constituindo este requisito, capital essencial para que o agente
possa se submeter ao exame da OAB (violência simbólica).
SUMÁRIO
da normatividade legal, pautada, sobretudo, na isonomia e na imparciali-
dade (Manifestação da PGR em 29/06/2017).
CONCLUSÃO
O estudo possibilitou, a partir da sociologia de Bourdieu, uma análise
mais crítica dos conflitos emergentes no campo das profissões jurídicas,
onde cada subcampo luta para adquirir capitais essenciais e obter maior
poder sobre os demais campos.
Assim, quando se diz inexigibilidade de licitação, não podemos nos pau-
tar em critérios subjetivos e discricionários onde todos seriam por igual com-
petentes e que a escolha do profissional caberia a Administração, mas sim em
critérios objetivos, sob o qual deve se respeitar o princípio da isonomia, e ape-
nas nos casos em que a especialização profissional trate de natureza singular,
a inexigibilidade deve ser aplicada, cabendo à Administração Pública, antes
de identificar se o candidato preenche esses pressupostos, verificar seu quadro
de servidores (procuradores) e apenas no caso em que estes não sejam aptos
a desenvolverem as atividade, dar a possibilidade a outros.
Como vimos no conflito citado (ADC nº 45), a intenção de adquirir capital
jurídico, de um subcampo, fez com que todo o campo das profissões jurídicas
SUMÁRIO
fosse movimentado, uma vez que a solução do conflito, poderia influenciar
nos demais campos, que passariam a integrar também este conflito.
Embora ocorram conflitos internos no campo, esses conflitos não são
capazes de enfraquecê-lo ou destruí-lo, pelo contrário, são os conflitos que
acabam por fortalecer aquele campo.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. 9º ed. São Paulo, Papirus Editora, 2008.
SUMÁRIO
DIAS, Edna Cardoso. A Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado e a
defesa do meio ambiente – Fórum de Direito Urbano e Ambiental. FDUA,
Belo Horizonte, ano 2011, n. 62, mar./abr. 2012. Disponível em:
<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=78581>. Aces-
so em: 05 nov. 2017.
SUMÁRIO
de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Sociologia
e Antropologia. Rio de Janeiro: PPGSA, v.5, n. 2, p. 42-62, nov. 2006.
SANTOS, André Filipe Pereira Reid et al. A teoria dos campos de pierre
Bourdieu. Disponível em: <https://soundcloud.com/direito-sociedade-cul-
tura/podcast-3-gp-direito-sociedade-e-cultura#c=770&>. Acesso em: 27
nov. 2016.
SUMÁRIO
DIRETRIZES CURRICULARES DOS CURSOS DE
DIREITO: A RESOLUÇÃO N.º 3/2017 E SUAS
REVERBERAÇÕES PARA A PRÁTICA JURÍDICA
Gárdia Rodrigues Silva
Doutoranda em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF – RJ).
Advogada Orientadora do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL – AL)
INTRODUÇÃO
Instituições, manifestações e movimentos sociais; disputas, interesses e jogos
de poder; relações com o Estado, tomadas de posição e formações discursivas,
são algumas nuances que atravessam o campo jurídico. A partir dos delinea-
mentos traçados por Pierre Bourdieu (1996; 1998), o campo aqui é entendido
como um espaço atravessado por forças, ao cingir os indivíduos nele inseridos,
e um espaço de lutas, no qual os indivíduos atuam consoante as suas posições,
mantendo ou modificando sua estrutura. Como corolário de tal entendimento,
práticas e discursos jurídicos podem ser tomados como produtos desse campo,
perpassado por relações de forças que o estruturam e por uma lógica que de-
marca os espaços possíveis do Direito (BOURDIEU, 1989).
Nessa direção, as diretrizes curriculares ocupam uma posição estraté-
gica nas reestruturações e reformas educacionais. Isso porque nelas se con-
centram e se desdobram as lutas em torno dos nexos entre “saber, poder e
identidade” (SILVA, 2010a; 2010b, p. 10). O currículo autoriza certos gru-
pos de especialistas e desautoriza outros; inclui certos saberes e exclui ou-
tros; fabrica os objetos epistemológicos de que fala, e produz os sujeitos aos
quais fala (LATOUR, 2001). Em resposta às demandas contemporâneas,
novas diretrizes curriculares dos Cursos de Graduação em Direito são ins-
tituídas para a prática jurídica mediante a publicação da Resolução
CNE/CES n.º 3/2017, que altera o Art. 7º da Resolução CNE/CES nº 9/2004.
Após quatro anos de disputas entre as competências, de um lado, do
Conselho Nacional de Educação e dos órgãos normativos dos sistemas de
ensino e, de outro, das atribuições dos órgãos fiscalizadores do exercício
profissional, nomeadamente, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é
promulgada a resolução em comento. Com essa promulgação, a disposição
SUMÁRIO
sobre o estágio supervisionado, enquanto item curricular obrigatório, fica
aos auspícios de cada Universidade e Instituição de Ensino Superior (IES)
por meio de seus órgãos colegiados. Em outras palavras, cabe à instituição
acadêmica regulamentar os seus Núcleos de Prática Jurídica (NPJs). A partir
disso, tem-se como propósito, em um contexto mais amplo, analisar algumas
condições que engendraram a emergência desse eixo temático na pauta ju-
rídica e, em um contexto mais específico, analisar as reverberações desse
instrumento normativo na prática jurídica. Para isso, o presente estudo está
estruturado consoante os marcos teórico-conceituais ora apresentados,
assim como está ancorado em documentos e textos pertinentes ao assunto.
SUMÁRIO
Resolução n.º 9/2004 Resolução n.º 3/2017
Art. 7º Art. 7º
O Estágio Supervisionado é componente O Estágio Supervisionado é componente
curricular obrigatório, indispensável à curricular obrigatório, indispensável à
consolidação dos desempenhos consolidação dos desempenhos
profissionais desejados, inerentes ao perfil profissionais desejados, inerentes ao perfil
do formando, devendo cada instituição, por do formando, devendo cada instituição, por
seus colegiados próprios, aprovar o seus colegiados próprios, aprovar o
correspondente regulamento, com suas correspondente regulamento, com suas
diferentes modalidades de diferentes modalidades de
operacionalização. operacionalização.
§ 1º § 1º
O Estágio de que trata este artigo será O estágio de que trata esse artigo poderá
realizado na própria instituição, através do ser realizado: I - Na própria Instituição de
Núcleo de Prática Jurídica, que deverá Educação Superior, por meio do seu Núcleo
estar estruturado e operacionalizado de de Prática Jurídica, que deverá estar
acordo com regulamentação própria, estruturado e operacionalizado de acordo
aprovada pelo conselho competente, com regulamentação própria, aprovada pelo
podendo, em parte, contemplar convênios seu rg o colegiado competente, podendo
com outras entidades ou instituições e ser celebrado convênio com a Defensoria
escritórios de advocacia; em serviços de Pública para prestação de assistência
assistência judiciária implantados na jurídica suplementar; II - Em serviços de
instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, assistência jurídica de responsabilidade da
do Ministério Público e da Defensoria Instituição de Educação Superior por ela
Pública ou ainda em departamentos organizados, desenvolvidos e implantados;
jurídicos oficiais, importando, em qualquer III - nos órgãos do Poder Judiciário, do
caso, na supervisão das atividades e na Ministério Público, da Defensoria Pública e
elaboração de relatórios que deverão ser das Procuradorias e demais Departamentos
encaminhados à Coordenação de Estágio Jurídicos Oficiais; IV - Em escritórios e
das IES , para a avaliação pertinente. serviços de advocacia e consultorias
jurídicas.
§ 2º § 2º
As atividades de Estágio poderão ser As atividades de Estágio Supervisionado
reprogramadas e reorientadas de acordo poderão ser reprogramadas e reorientadas
com os resultados teórico-práticos em função do aprendizado teórico-prático
gradualmente revelados pelo aluno, na gradualmente demonstrado pelo aluno, na
forma definida na regulamentação do forma definida na regulamentação do
Núcleo de Prática Jurídica, até que se Núcleo de Prática Jurídica, até que se
possa considerá-lo concluído, possa considerá-lo concluído,
resguardando, como padrão de qualidade, resguardando, como padrão de qualidade,
os domínios indispensáveis ao exercício os domínios indispensáveis ao exercício
das diversas carreiras contempladas pela das diversas carreiras contempladas pela
formação jurídica. formação jurídica.
(Grifos da autora)
CONSIDERAÇõES FINAIS
É de registrar-se que a publicação da Resolução CES/CNE n.º 3/2017 suscita
uma reflexão crítica sobre a estrutura jurídica vigente e, a partir da imbrica-
ção entre a Sociologia e o Direito, reforça a substituição da abordagem ló-
gico-formal por outra mais crítica, fundada em um viés mais humanístico.
Para falar em prática jurídica alinhada à realidade em que se insere é preciso
falar em uma reconfiguração do campo jurídico, com redefinições de insti-
tutos e reformulações de currículos.
Para acompanhar a atual conjuntura, novos delineamentos foram teci-
dos pelo Direito e, por conseguinte, novos eixos temáticos foram consoli-
dados, assim como novas hierarquias valorativas foram instauradas. Das
transformações ocorridas durante os últimos anos, a inclusão da prática ju-
rídica na agenda acadêmico-profissional do Direito, merece realce. Essa in-
clusão adveio de lutas sócio-políticas, e engendrou a ideia de um Direito
mais plural, presente de diferentes formas em diferentes espaços.
É possível dizer que essas práticas e discursos conformaram uma nova
formação discursiva (FOUCAULT, 1997). Essas novas leituras, determina-
das no tempo e no espaço, mais especificamente, em uma dada época – nos
tempos contemporâneos, e para uma dada área – o campo jurídico, vem exer-
cendo uma função enunciativa e promovendo mudanças na balança de poder
(ELIAS, 1994).
SUMÁRIO
NOTAS
A CEJ/OAB era composta pelos professores Paulo Luiz Neto Lobo, Ro-
berto Armando Ramos de Aguiar, Álvaro Villaça Azevedo, Edmundo Lima de Ar-
1
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teo-
rias do currículo. 3. ed., 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010a.
WARAT, Luis Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino e saber ju-
rídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977.
SUMÁRIO
GÊNESE E PERPETUAÇÃO DA “LEI PARA INGLÊS VER”
E SUA INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO DOS
PROFISSIONAIS DO CAMPO JURÍDICO
Maurício Seraphim Vaz1
INTRODUÇÃO
Questões complexas dificilmente admitem respostas simples. “Todo grande
problema é, em geral, um conjunto de pequenos problemas interligados. É
um problema complexo” (FALCÃO, 2008, p. 58). A influência da “lei para
inglês ver” no comportamento dos profissionais jurídicos e, consequente-
mente, na efetividade das normas jurídicas não é exceção. O que se pretende
compreender é por que surgem no Brasil leis que “não pegam” e se a origem
da “lei para inglês ver” pode ser associada à não efetividade das normas
pelos próprios profissionais das carreiras jurídicas. Para isso não seria sufi-
ciente explicar esses fenômenos como decorrentes de apenas uma razão.
Essa cultura adquirida e cultivada na sociedade brasileira é fruto de um con-
texto intrincado. Vários fatores contribuem para que atualmente existam
normas editadas apenas para dar algum tipo de satisfação a algum interes-
sado e normas que são completamente transgredidas, tornando-se desacre-
ditadas até por quem deveria fiscalizá-las. Porém, neste artigo, apenas um
desses fatores é analisado. O surgimento da “lei para inglês ver” é esmiuçada
e sua história pode ser comparada com as características cotidianas dos pro-
fissionais do campo jurídico, não como uma explicação plena para o que
ocorre atualmente, mas como um dos fatores responsáveis para tal.
1838 46.000
1839 40.000
1840 16.323
1841 9.840
1845 19.363
SUMÁRIO
1846 50.354
1847 56.172
1848 60.000
1849 54.000
1850 23.000
SUMÁRIO
3 “LEI pARA INGLêS VER” NO COMpORTAMENTO DOS
pROFISSIONAIS DO CAMpO JURÍDICO
A pesquisa empírica foi realizada por meio de entrevistas, em 2013, com
promotores, juízes, advogados, oficiais de justiça, defensores públicos e
procuradores estaduais e teve como objetivo principal embasar a teoria pro-
posta em uma dissertação de mestrado de que o “jeitinho brasileiro” era fator
determinante para a ineficácia da garantia fundamental à razoável duração
do processo (VAZ, 2013). O tratamento dado aos dados coletados foi pura-
mente qualitativo e por esse motivo não houve necessidade de um estatístico
definir a amostragem necessária para a pesquisa. Consequentemente e jus-
tamente por esse motivo, a riqueza das falas e argumentos dos entrevistados
permitiu que outras conclusões pudessem ser interpretadas e extraídas,
como foi o caso da perpetuação da “lei para inglês ver” no comportamento
atual, inclusive no que diz respeito à própria garantia fundamental à razoável
duração do processo.
A entrevista, da forma originalmente realizada, solicitou ao entrevis-
tado que citasse as práticas e/ou exemplos que se procuram nos atores so-
ciais que exercem uma profissão diferente da dele e, também, em sua própria
profissão. Em outras palavras, ao magistrado foi perguntado se percebe a
utilização do “jeitinho” pelo advogado, ou pelo promotor, ou por algum ser-
vidor e, também, de colegas magistrados. Ao advogado foi perguntado sobre
promotores, juízes, servidores, procuradores e colegas advogados... e assim
por diante. Para que essa etapa não se tornasse exaustiva e acabasse influen-
ciando negativamente o resultado das entrevistas, cada profissional foi ques-
tionado sobre apenas duas outras profissões à sua escolha. No entanto, mais
de um entrevistado apresentou exemplos correspondentes a mais de duas
profissões. Após este estágio da entrevista, foi questionado se o próprio já
utilizou o “jeitinho brasileiro” durante o processo judicial de forma a atra-
sá-lo (intencionalmente ou não).
Nas entrevistas percebe-se que existe um grande entrelaçamento entre
as profissões jurídicas e a utilização do “jeitinho”. Durante a grande maioria
das entrevistas, as profissões entrevistadas mencionaram que existe solução
para o “jeitinho”: “basta que o advogado cobre o serviço do cartório”; “basta
que o promotor se interesse pelo processo depois de seu ajuizamento”;
“basta que o magistrado aja com firmeza”; “basta que o oficial cumpra o
mandado nos prazos previstos”; “basta que o advogado público atue com
empenho”; etc. Porém, ao mesmo tempo que várias soluções simples são
vislumbradas pelos profissionais entrevistados, nenhuma categoria profis-
sional, como um todo, parece fazer a sua parte. A maioria dos entrevistados
enxerga problemas na própria categoria, mas poucos admitem fazer uso do
“jeitinho” pessoalmente. Dentro da minoria que admitiu usar o “jeitinho”,
a maior parte diz que apenas influencia a duração do processo indiretamente,
SUMÁRIO
e não propositadamente. Porém, o que se defende no presente artigo – e o que
se percebeu nas entrevistas – é que grande parte do comportamento apontado
como utilização do “jeitinho brasileiro” é consequência da cultura adquirida
historicamente em não seguir normas porque são apenas “para inglês ver”.
A sensação que transpareceu por meio da análise das entrevistas reali-
zadas corresponde ao que foi mencionado anteriormente. As pessoas que
atuam profissionalmente no campo jurídico, como promotores, magistrados,
servidores e advogados, estão envolvidas em uma cultura da transgressão.
Por isso surgiram nas entrevistas tantos exemplos como os relatados: de ad-
vogados que precisam dar um “jeitinho”, caso contrário o processo não
anda; de oficiais de justiça que precisam de uma ajuda para poder cumprir
o mandado; de funcionários que deixam de agir no processo da forma devida
porque preferem esperar o colega retornar de férias; de magistrados que não
cumprem o horário estabelecido para trabalhar; dos procuradores que pre-
ferem recorrer porque é menos trabalhoso do que desistir do recurso; etc.
O mais grave é o surgimento de exemplos no sentido oposto, desmoti-
vando o trabalho daqueles que em determinado momento procuraram exer-
cer sua profissão de forma adequada: o servidor afastado por não admitir o
“jeitinho”; os magistrados que voltaram atrás nas suas decisões mais firmes;
do oficial de justiça solicitado pelo colega a não tentar mais encontrar o pa-
radeiro dos intimados; etc.
O ambiente jurídico se assemelha com alguns resultados encontrados no
restante do país e relatados por Lívia Barbosa (1992, p. 35): de pessoas que
se sentem desmotivadas a não agir com “jeitinho”, ou que deixam de fazer
aquilo que é correto, pois “levam a pior” quando fazem. Neste ambiente, o
cumprimento de normas, de uma forma geral, fica em segundo plano.
Parece claro que as normas que os profissionais do campo jurídico de-
veriam seguir foram positivadas ou por influência de legislação estrangeira,
ou por causa da grande insatisfação gerada pela demora na resolução judicial
dos conflitos no Brasil. Com a promulgação das normas, o Estado transmite
aos jurisdicionados, em um primeiro momento, uma preocupação genuína
com o tema e atende aos clamores da população (nesse contexto podemos
citar o novo código de Processo Civil). Porém, passada essa primeira im-
pressão, o próprio Estado, por meio das atitudes de seus funcionários e da
ausência de sanção aos transgressores, passa a demonstrar falta de interesse
em ver esta garantia fundamental efetivada. Entretanto, o ingresso de nova
legislação, por si só, não é capaz de mudar as práticas judiciárias. Possivel-
mente, muito pouca mudança prática ocorre, como se a norma nem existisse.
Alguns entrevistados mencionaram, no entanto, uma mesma questão
que propositadamente foi conservada para o final da pesquisa. Um servidor
entrevistado, após ter respondido as perguntas da entrevista, falou, em tom
de bate papo informal, que razoável duração do processo8, até algum tempo
SUMÁRIO
atrás, era uma bobagem insignificante. Era algo que ninguém se importava
e que, até recentemente, ele não enxergava a mínima chance de acontecer.
Ao ser solicitado para explicar melhor o seu ponto de vista, ele mencionou
que as coisas no Brasil só funcionam se são impostas de cima para baixo.
Por isso, enquanto a razoável duração do processo era meramente uma
norma constitucional, ninguém dava a mínima para ela, salvo os jurisdicio-
nados que precisavam dela, mas que não podiam fazer nada. Ela só passou
a existir, na prática, quando o Conselho Nacional de Justiça começou a es-
tipular metas e exigir resultados. Se isso não tivesse ocorrido, ninguém teria
agido de forma diferente. Hoje, segundo este entrevistado, a pressão ficou
bem maior, apesar de tudo ainda ser muito lento.
Nesta mesma direção, um advogado, antes de responder as perguntas,
mencionou que dividiria a sua resposta em dois períodos. Um antes das
metas do Conselho Nacional de Justiça e da operação Naufrágio de 20089 e
outro depois, pois estes dois eventos foram um “divisor de águas” no Poder
Judiciário do Espírito Santo. Segundo ele, ficou mais difícil, não impossível,
dar um “jeitinho” nos cartórios até para acelerar processos porque a cobran-
ça está sendo maior e os servidores estão com receio de alguma reprimenda.
No entanto, mesmo dividindo a resposta em dois períodos, a razoável dura-
ção do processo ainda parecia, para ele, muito longe de ser alcançada. Estes
eventos seriam apenas um primeiro passo de efeitos práticos.
Estas metas do Conselho Nacional de Justiça, porém, também recebe-
ram uma ressalva interessante na entrevista de um dos advogados públicos.
Ele mencionou que, por enquanto, as metas são apenas quantitativas. Assim,
um magistrado pode dar um “jeitinho” de atender com louvor todas as metas
por meio de várias decisões ruins, mas rápidas, as quais teoricamente podem
ser futuramente anuladas ou reformadas pelas instâncias superiores. Seria
interessante, de acordo com o entrevistado, que as metas do Conselho fossem
também qualitativas, que levassem em considerações se as decisões proferi-
das estão sofrendo recursos e se estão sendo mantidas ou reformadas.
Outros dois entrevistados, ambos magistrados, mencionaram que os
cursos oferecidos pelo Conselho Nacional de Justiça e a reformulação da
profissão dos servidores dos cartórios10 melhorou em muito a gestão carto-
rária, não havendo hoje tantos problemas como no passado.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Diante dos depoimentos é possível fazer um paralelo entre o passado e o
presente legislativo brasileiro. Da mesma forma que a Lei Feijó possuía a
nobre intenção de libertar os escravos que chegassem à terra nacional, mui-
tas normas vigentes possuem o sublime desígnio de libertar do poder Judi-
ciário e de seu processo judicial aqueles que precisam do Estado para verem
SUMÁRIO
efetivados seus direitos. Até o presente momento, infelizmente, várias des-
sas normas, como por exemplo a razoável duração do processo, assim como
a Lei Feijó, tem sido apenas uma garantia fundamental feita “para inglês
ver”, sabotada pelos próprios operadores do Direito, sem que os mesmos,
não consigam perceber isso. No entanto, da mesma forma que, com o passar
do tempo e com seguidas tentativas de ver implementada a abolição, o tema
deixou de ser regulado por normas carentes de efetividade e passou a ser
concretizado materialmente, é possível que pouco a pouca, a cultura venha
se modificando e as normas, de forma geral, sigam o mesmo percurso. Tal-
vez o Conselho Nacional de Justiça esteja fazendo o papel da Inglaterra na
ocasião da promulgação da Lei Aberdeen. Pode ser que, por outro lado, suas
medidas sejam somente “para inglês ver”.
Talvez, toda a resistência e dificuldade em efetivar normas necessárias
e importantes no Brasil seja um agir interessado do campo jurídico para re-
forço de seu próprio poder. É possível que a falta de interesse dos integrantes
do Poder Judiciário em prestar um serviço eficiente esteja diretamente liga-
do à necessidade dos jurisdicionados a essa eficiência. O fato de o processo
estar por mais tempo sob o controle do Poder Judiciário, pode significar o
interesse deste poder em subjugar às partes à prestação de seus serviços, re-
forçando sua autoimagem de soberania.
O mais importante é perceber que as normas no Brasil podem perfeita-
mente ter sua efetividade influenciada pela cultura da “lei para inglês ver” e
“não pegar”. Para que “peguem”, não basta promulgá-las no oceano de nor-
mas jurídicas existentes no Brasil. A norma deve ter, em primeiro lugar, re-
levância. Além disso, ela deve ser seguida de medidas de ordem prática a fim
de que seu significado possa ser compreendido por aqueles que devem segui-
la. Por fim, sua transgressão, ou tentativa de transgressão, não pode passar
impune. Ainda existe uma longa trajetória, mas a caminhada foi iniciada.
SUMÁRIO
NOTAS
O nome da lei foi derivada do padre Diogo Antônio Feijó, nomeado Mi-
nistro da Justiça em julho de 1831, que apoiou irrestritamente o texto legal de au-
2
toria do senador Felisberto Caldeira Brant, que mais atendia às expectativas po-
líticas daquele momento (GURGEL, 2008, p. 5).
porque não foram localizados nos Parliamentary Papers onde havia a publicação
oficial relativa à Slave Trade e, também, porque desapareceram da biblioteca do
Itamaraty os volumes referentes aos anos de 1830 a 1836.
Cujo significado passou a ser de leis ou promessas feitas apenas por for-
malidade, sem qualquer intenção de efetivá-las (CARVALHO, 2011, p. 46).
5
justamente após 1850 com o fim do tráfico escravo (HOLANDA, 1995, p. 74-76).
E o que foi dito sobre razoável duração do processo está sendo interpretado
como qualquer norma que deveria ser eficaz mas é tratada como uma norma “para
8
inglês ver”.
SUMÁRIO
A operação Naufrágio foi executada pela Polícia Federal em dezembro de
2008. Durante a operação, vinte e quatro mandados de busca e apreensão foram
9
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual que os ou-
tros. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
GURGEL, Argemiro Eloy. Uma lei para inglês ver: a trajetória da lei de 7
de novembro de 1831. Revista justiça e história, Porto Alegre, v. 6, n. 12,
p. 1-29, 2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/export/poder_judicia-
SUMÁRIO
rio/historia/ memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_gaucho/
revista_justica_e_historia/issn_1677-065x/v6n12/Microsoft_Word_-_AR-
TIGO_UMA_LEI_PARA_INGLxS_VER ...._Argemiro_gurgel.pdf>. Aces-
so em: 17 set. 2017.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1995.
SUMÁRIO
GP 9 – TRIBUTAÇÃO E FIANÇAS
PÚBLICAS
Coordenação: André Alves Portella, Evilasio da
Silva Salvador e Homero Chiaraba Gouveia
SUMÁRIO
O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS
(PROUNI) ENQUANTO FORMA DE REPASSE
INDIRETO DE RECURSOS PÚBLICOS ÀS INSTITUIÇÕES
DE ENSINO SUPERIOR PRIVADAS E O
QUESTIONÁVEL FORTALECIMENTO DA CIDADANIA
Felipe Montiel da Silva1
3. CONSIDERAÇõES FINAIS
Em caráter provisório, percebe-se que as formas e indicadores de precariza-
ção do trabalho ensejadas pela fase de acumulação flexível do capitalismo,
consubstanciadas pelas técnicas de governança neoliberais, têm desvincula-
do o acesso e a conclusão do ensino superior da obtenção de melhores postos
de trabalho (menos insalubres), melhores salários e do acesso a mais e/ou
melhores bens de consumo.
SUMÁRIO
No que tange à educação cidadã, projeto aparentemente discursivo da
LDBEN, observa-se que o uso da educação enquanto mercadoria tem pro-
piciado o estabelecimento de IES privadas que fomentam e normalizam a
ideologia do etos econômico-empresarial, impedindo ou, na melhor das hi-
póteses, dificultando o uso da educação enquanto ferramenta de emancipa-
ção social. Portanto, sustenta-se que embora o PROUNI pareça ser imune a
críticas, deve-se analisar a substância do retorno social entregue ao coletivo,
sob pena da utilização das desigualdades como meio de acúmulo e reprodu-
ção do capital.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Amaral. (Org.). POLÍTICAS DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR NUM CONTEXTO DE CRISE. 1ed.Campinas: Mercado das
Letras, 2017, v., p. 99-118.
SUMÁRIO
DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: um balanço crítico da Revista Uni-
versidade e Sociedade. In: V Jornada Internacional de Políticas Públicas, 2011,
São Luis - Maranhão. V Jornada Internacional de Políticas Públicas - Estado,
Desenvolvimento e Crise do Capital. São Luis: Editora da Universidade Federal
do Maranhão, 2011. v. 1. p. 1-9.
SUMÁRIO
SANTOS FILHO, Joao Ribeiro; CHAVES, Vera Lúcia Jacob; MORAIS,
Eduardo Silva de. POLÍTICAS DE FINANCIAMENTO DO ENSINO SU-
PERIOR PRIVADO PELA VIA DE RENÚNCIA FISCAL. In: XXIII Semi-
nário da rede Universitas/Br Políticas de Educação Superior no Brasil: a ex-
pansão privado-mercantil em questão, 2015, Belém. Anais XXIII Seminário
da rede Universitas/Br Políticas de Educação Superior no Brasil: a expansão
privado-mercantil em questão, 2015. p. 157-168.
SUMÁRIO
O FEDERALISMO FISCAL E O FINANCIAMENTO DA
SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
INTRODUÇÃO
O direito à saúde está positivado na Constituição Federal enquanto direito
fundamental social, podendo ser entendido, no campo fático, como condição
prévia à fruição dos demais direitos e como decorrência do princípio jurídico
da dignidade humana. Deste modo, este trabalho, através de pesquisa teórica
e empírica, buscou analisar como ocorre o financiamento da saúde pública no
Brasil, sobretudo em relação à aplicação dos recursos vinculados à Saúde, e
dimensionar os efeitos práticos da vinculação constitucional de receitas.
Em um primeiro momento, o objetivo foi demonstrar de que forma o
Estado brasileiro se organiza administrativamente para cumprir seus fins,
bem como a identificação da forma de captação de recursos à realização des-
tes. Nesta ocasião, serão desenvolvidos os conceitos de federalismo fiscal,
competência tributária e repartição de receitas tributárias.
Em seguida, são analisadas as fontes de custeio do Sistema Único de
Saúde, dando-se especial destaque aos ditames constitucionais que realizam
a vinculação de receitas para este fim e definem os percentuais mínimos de
investimento e as respectivas bases imponíveis.
Por fim, dados empíricos, relativos aos gastos com saúde são trazidos
para serem confrontados com a estrutura posta na legislação, bem como para
a análise comparativa entre as informações concernentes à União, Estados
e Municípios, além da realização do cotejo dos mesmos com dados relacio-
nados a outros países que se propõem, de igual sorte, a prover serviço de
saúde de maneira universal a todos os cidadãos.
1. O FEDERALISMO FISCAL
A Constituição Federal brasileira define o Brasil como um estado federal com-
posto pela União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal (CF/88
art. 18). Neste sentido, o próprio texto constitucional promove a divisão do
SUMÁRIO
poder político em função do território, fazendo com que exista mais de uma
instância de poder incidindo sobre um mesmo espaço físico.
A União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal são
entes parciais do estado federal, detendo autonomia político-administrativa
dentro dos lindes constitucionais. Por outro lado, da soma dos entes parciais,
surge o ente total, qual seja, a República Federativa do Brasil, titular único
de soberania.
Ao decidir-se pelo federalismo, a Lei Maior, no intuito de assegurar a
autonomia dos entes parciais, característica inerente ao modelo federal, tratou
de dividir entre as pessoas políticas competências administrativas e legislati-
vas, deixando a cargo de cada uma o cumprimento de suas finalidades.
Entretanto, essa repartição de tarefas, por si só, não é suficiente para a
garantia da autonomia dos entes parciais, vez que precisa ser, necessaria-
mente, acompanhada do correspondente provimento de recursos para reali-
zação das mesmas. É em razão da necessidade de recursos para a realização
dos fins de cada ente que o tema do federalismo fiscal ganha vez. Nas pala-
vras de Oliveira (2013, p. 49-50):
Deste modo, vê-se que o federalismo fiscal é o meio pelo qual é reali-
zada a partilha das receitas tributárias, de sorte a conceder instrumentos para
que os entes realizem seus propósitos e objetivando assegurar a indepen-
dência entre os entes federados. Por tal razão, deve haver um rateio propor-
cional entre os fins e os meios de cada pessoa política, ou seja, um equilíbrio
entre as competências administrativas e as rendas auferidas, sob pena de de-
pendência financeira dos entes menores para com os entes maiores.
SUMÁRIO
caso, por exemplo, do repasse de 50% do IPVA, que os Estados devem fazer
aos Municípios. Na partilha indireta, o montante arrecadado a ser repartido
integrará primeiramente um fundo, ao invés de ser repassado diretamente ao
participante (AMARO, 2011, p.116).
Por meio da repartição direta, serão destinados aos Estados todo o valor
retido a título de IR sobre rendimentos pagos por eles, suas autarquias e fun-
dações; 20% do que for auferido através de tributos instituídos no exercício
da competência residual da União; e 30% do IOF incidente sobre o ouro.
Aos Municípios, além da receita proveniente dos tributos instituídos
pelo próprio Ente, serão destinados pela União todo o valor retido a título
de IR sobre rendimentos pagos por eles, suas autarquias e fundações; 50%
do ITR cobrado sobre os imóveis rurais situados em seu território – o qual
pode ser integralmente destinado aos Municípios que passem a fiscalizar e
cobrar o tributo, nos termos do art. 153, § 4º inciso III - além de 70% do
valor arrecadado com o IOF incidente sobre o ouro.
Além de repasses feitos diretamente pela União, os Estados também
repartem parte do valor arrecadado com os Municípios. Neste sentido, re-
passam 50% do valor amealhado com o IPVA em relação aos automóveis
licenciados nos respectivos territórios dos Municípios, bem como 25% dos
valores arrecadados através da cobrança do ICMS.
Frise-se, ainda, que o art. 159 III da CF, determina que a União com-
partilhe 29% do produto da arrecadação do CIDE-Combustíveis com os Es-
tados. Do valor total recebido por estes, 25% devem ser destinados aos Mu-
nicípios, consoante § 3º do mesmo dispositivo.
No que tange à repartição indireta, tem-se que os tributos participan-
tes dessa modalidade são o IR, o IPI, e a CIDE-combustíveis, os quais tem
parte das respectivas arrecadações, obtidas pela União, partilhada com Es-
tados e Municípios por meio dos fundos de participação, na forma do art.
159 da CF/88.
Uma vez apresentadas as considerações relativas à partilha da compe-
tência tributária e partilha da arrecadação, faz-se necessário analisar os dita-
mes constitucionais e as disposições legislativas concernentes ao papel de
cada um dos Entes Federados e ao financiamento da saúde pública no Brasil.
SUMÁRIO
O conceito de saúde adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro é
o mesmo utilizado pela Organização Mundial da Saúde, quer dizer, a saúde
é concebida como o estado de completo bem-estar físico, mental e social,
e não apenas como a ausência de doença. Esta formulação pode ser de-
preendida do parágrafo único do artigo 3° da Lei Orgânica do SUS, Lei
8.080, de 1990.
O Sistema Único de Saúde, criado pela Carta Política de 1988 e imple-
mentado pela legislação infraconstitucional constitui-se como o mecanismo
estatal hábil a materializar o direito fundamental à saúde, por meio de um
conjunto de ações e serviços prestados por órgãos e instituições públicas fe-
derais, estaduais e municipais, além de contemplar a atuação da iniciativa
privada em caráter complementar.
Com o fito de custear tais atribuições, a CF determina que o SUS seja
financiado, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Em que pese tal estipulação esteja contida na redação originária do art.
195 da CF, apenas no ano 2000, após a promulgação da Emenda Constitu-
cional nº 29 é que se passou a haver definição expressa no sentido de que a
aplicação de recursos voltados para a saúde deveria ser feita anualmente e
respeitar parâmetros mínimos.
Essa mesma emenda definiu a origem dos recursos para o investimento
em saúde, fixou o investimento a ser feito pela União e deixou a cargo de
lei complementar estabelecer e avaliar, a cada cinco anos, os percentuais
mínimos de aplicação a serem feitas pelos Estados e Municípios.
A emenda n° 86 de 2015 alterou o percentual de aplicação em ações e
serviços públicos de saúde praticados pela União, sendo que, atualmente, o
percentual vigente é de 15%. Cumprindo com a diretriz constitucional, a
Lei Complementar 141/2012 estabeleceu no seu artigo 6º que os Estados e
Distrito Federal aplicarão o percentual de 12%, enquanto que no artigo 7º
foi definido 15% como percentual mínimo para os Municípios.
Esses percentuais devem ser investidos em ações e serviços públicos
de saúde, sendo que o art. 3° da Lei Complementar 141, de 2012, elenca um
rol de ações e serviços que podem ser assim considerados para efeito de apli-
cação dos recursos mínimos peles entes da Federação.
Uma vez definidos os percentuais mínimos a serem obrigatoriamente
aplicados pelos Entes Federados, faz-se necessário indicar a base imponível
sobre as quais os mesmos irão incidir. Neste diapasão, os quadros abaixo
demonstram a base de cálculo de cada um desses percentuais em relação ao
ente político respectivo.
Conforme artigo 198, § 2º inciso I da Constituição Federal, a partir de
2017 a União deve aplicar, ao menos, 15% da sua Receita Corrente Líquida
em ações e serviços públicos de saúde. Por sua vez, o conceito de Receita
SUMÁRIO
Corrente Líquida é definido pelo inciso IV do art. 2º da Lei de Responsabi-
lidade Fiscal somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e
nos onze anteriores, mediante a seguinte regra de cálculo:
Receita Tributária
Receita de Contribuições
Receita Patrimonial
Receita Agropecuária
Receita Industrial
Receita de Serviços
Transferências Correntes
DEDUÇÕES (II)
Contribuição p/ PIS/PASEP
PIS
PASEP
ESTADOS
Cota-Parte FPE
Cota-Parte IPI-Exportação
Outras
SUMÁRIO
Com fundamento na fórmula acima é possível analisar os dados do Sis-
tema de Informações Sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), dis-
ponibilizado pelo Ministério da Saúde com fundamento em informações
prestadas pelos próprios Entes Federados e constatar que, considerando o
percentual obrigatório de investimento de 12%, todos os Estados cumpriram
com o ditame constitucional no ano de 2016. Vejamos:
Região/UF %
TOTAL 23,96
Rondônia 25,09
Acre 15,95
Amazonas 22,20
Roraima 16,50
Pará 21,42
Amapá 17,79
Tocantins 18,31
Maranhão 22,92
Piauí 23,95
Ceará 24,61
Paraíba 21,10
Pernambuco 18,91
Alagoas 21,29
Sergipe 19,04
Bahia 19,67
SUMÁRIO
Região Su l23,19
Paraná 24,29
Goiás 22,31
Como pode ser visto, no ano referência, 2016, todos os Estados dispen-
deram valor superior ao mínimo exigível. Ao realizar o cotejo de informa-
ções de forma regionalizada, pode-se constatar que os Estados da Região
Sudeste têm a maior média de aplicação, sendo esta de 25,51%. Em segundo
lugar, está a Região Centro-Oeste, com 24,37%. A região Sul vem em ter-
ceiro com 23,19%. As Regiões Nordeste e Norte aparecem nas últimas po-
sições, com os percentuais de 21,36% e 21,04%, respectivamente, que jun-
tos totalizam um investimento médio total em saúde por parte dos Estados
de 23,96%.
Por fim, em relação aos Municípios, o art. 198, § 2º, III da CF estabe-
lece que o percentual mínimo a ser aplicado em investimentos de saúde deve
incidir sobre uma base composta pelo valor total arrecadado com os impos-
tos de suas respectivas competências, definidas pelo art. 156, bem como
sobre o valor partilhado pela União e pelos Estados, na forma dos artigos
158 e 159, todos da Constituição Federal.
MUNICÍPIOS
SUMÁRIO
Imposto Territorial Rural - ITR
Cota-Parte FPM
Cota-Parte ITR
Cota-Parte IPVA
Cota-Parte ICMS
Cota-Parte IPI-Exportação
Outras
SUMÁRIO
DE 50.001 A 100.000 24,09 24,43 24,64
Como pode ser observado, tal planilha evidencia que grande parte das
receitas municipais dependem de repasses oriundos das esferas Estadual e
Federal. A dependência das esferas estadual e federal é ainda mais acentuada
nos municípios menores, os quais não possuem receitas próprias, chegando
a uma média de 86,33%, no ano de 2016, para aqueles que possuem até cinco
mil habitantes.
SUMÁRIO
Também considerando os dados de 2016, pode-se dizer que a partici-
pação média das transferências intergovernamentais em relação ao total de
Municípios do país, salvo as capitais estaduais, foi de 71,54%. Entretanto,
há situações extremadas de cidades que dependem quase que exclusivamen-
te de tais transferências, eis alguns exemplos:
CIDADE PERCENTUAL
Manacapuru/Amazonas 95,84%
Tucano/BA 96,34%
Óbidos/Pará 96,52%
SUMÁRIO
Da observação da tabela, pode-se concluir que o Estado Federal Brasi-
leiro, no ano de 2014, gastou mais em saúde do que a Argentina e o México e
menos do que os demais 7 países analisados. Entretanto, tais países não pos-
suem um Sistema Universal de Saúde, semelhante ao SUS brasileiro, isto é,
não seguem a premissa de acesso universal.
Por outro lado, nos Estados Unidos, onde o sistema de saúde adotado
pelo Estado se aproxima mais do modelo assistencialista – haja vista ser des-
tinado àqueles que não possuem condições financeiras de pagar pelos servi-
ços - o gasto per capito foi de US$ 4.541.17. Enquanto isso, no Brasil, onde
o Sistema de Saúde, se propõe universal, implementado com base no modelo
de seguridade, o gasto em saúde por habitante alcançou tão somente a cifra
de US$ 436.19. Ou seja, mesmo não possuindo um sistema que se pretenda
universal e integral, os Estados Unidos têm um gasto com saúde mais de dez
vezes maior que o brasileiro.
Analisando os gastos a partir da similitude entre os sistemas de saúde
existentes entre os países da tabela, devemos comparar os dados brasileiros
com os disponíveis a respeito do Canadá e Reino Unido que possuem mo-
delos de sistemas de saúde com a pretensão de serem universais e financia-
dos pelo Estado. Nada obstante isso, em 2014, o Canadá gastou com a saúde
de seus habitantes 8.6 vezes mais que o Brasil e o Reino Unido 7.5 vezes
mais, o que reforça a ideia de que os recursos destinados à Saúde ainda são
insuficientes para fazer frente às necessidades da população brasileira.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Este trabalho é apenas um recorte do macro universo do financiamento da
saúde pública no Brasil. No entanto, não obstante isso, da análise dos dados
teóricos e empíricos colacionados até aqui, são perceptíveis as inconsistên-
cias relacionadas ao tema.
A inovação produzida pela CF/88 ao criar o Sistema Único de Saúde e
vincular receitas para a saúde é de inigualável relevância, sobretudo quando
confrontada com a realidade da saúde pública antes da Carta de 88. Todavia,
em que pese o cumprimento do mandamento constitucional por parte de Mu-
nicípios e Estados-membros, os gastos com saúde permanecem baixos, prin-
cipalmente quando contrastados com números internacionais.
Uma das razões dessa ineficiência da vinculação de receitas para a
saúde pode ser encontrada nas diminutas receitas dos Municípios. Dito de
forma mais clara, de muito pouco vale determinar a obrigatoriedade da apli-
cação anual de não menos que 15% dos recursos municipais em saúde, se a
base de cálculo sobre a qual esse percentual incide é pequena.
Sendo assim, o federalismo brasileiro também deve ser ponderado, vez
que há uma nítida e irrefutável concentração de receitas nas mãos da União,
SUMÁRIO
em detrimento dos Estados e, precipuamente, dos Municípios. Os entes mu-
nicipais, mesmo aplicando mais que 15% em ações e serviços públicos de
saúde não conseguem oferecer um sistema de qualidade aos seus habitantes.
O sistema de repartição de receitas pode ser levantado como solução
para essa concentração de renda, porém ele não resolve o problema, apenas
o mitiga. O mitiga porque permite que os municípios funcionem, haja vista
que a maioria deles é dependente dos repasses intergovernamentais, mas,
por outro lado, não põe fim ao problema por continuar deixando esses entes
subordinados aos repasses da União e Estados-membros.
Ao se defrontar os gastos brasileiros com os gastos de outros países, é
possível observar que mesmo países que não adotam sistemas públicos de
saúde com base no modelo de seguridade despendem mais recursos para a área
do que o Brasil. Foi o caso dos Estados Unidos, no ano de 2014, por exemplo.
A Constituição Federal de 1988 criou o SUS e vinculou receitas para
ele, mas não cuidou de estruturar o financiamento de tal Sistema de modo a
fazer com que ele seja integral, como determina a própria Carta Política. Por
isso mesmo, a saúde precisa de mais recursos, que podem ser viabilizados
através da alteração dos percentuais de aplicação obrigatória em saúde, de-
terminando que os entes que possuem receitas maiores invistam mais, de
modo a tornar os investimentos proporcionais; realizando uma mudança no
sentido de incrementar essa base imponível, abrangendo recursos outros ou
promovendo uma mudança na repartição da competência tributária, mudan-
ça essa mais profunda, mas igualmente apta prover os recursos necessário
a tornar o direito à saúde uma realidade no Brasil.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de direito financeiro. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2010.
SUMÁRIO
CONJECTURAS PARA A CRIAÇÃO DE UM IMPOSTO
MUNDIAL SOBRE O CAPITAL
Hiolanda Silva Rêgo
Graduada em Direito. Especialista em Processo Civil. Mestranda do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGD/UFBA). Pesquisadora do
Núcleo de Estudos Financeiros -NEF/UFBA. Membra da Associação Nacional de Estudos
Transnacionais-ANET. E-mail: hiolanda@ufba.br
INTRODUÇÃO
As inter-relações entre as áreas de conhecimento do Direito e da Economia
são óbvias, porém, sua abordagem analítica tem sido estanque com prejuízo
para o entendimento de fenômenos multifacetados.
Este artigo tem como objetivo refletir e analisar o cenário atual e as co-
nexões transformadoras oriundas de uma visão clara dos fenômenos jurídi-
cos e econômicos contra a pobreza global. Tem como fundamento teórico
a obra ‘O capital no século XXI” do economista francês Thomas Piketty,
pois essa obra tem como objetivo analisar a evolução do capital até onde os
dados históricos permitiram, isso, possibilitou imprescindíveis conclusões
acerca da desigualdade econômica e social.
Isto posto, demonstra, ainda, que o capitalismo de livre mercado, na
ausência de uma grande intervenção redistributiva por parte do Estado, pro-
duz oligarquias antidemocráticas. Também documenta com detalhes como
a desigualdade social da riqueza e da renda evoluíram. E a partir dessa afir-
mativa, o economista perfaz uma defesa e estudo da tributação progressiva
visando um imposto mundial sobre o capital.
O presente trabalho investiga os caminhos que estruturam um eventual
imposto mundial sobre o capital, respaldado em análise conjuntural do papel
do Estado num ambiente econômico globalizado.
Esse imposto tem lugar com a finalidade de abastecer um financiamen-
to internacional mundial planejado e rigorosamente supervisionado, dire-
cionado para as nações pobres ou em subdesenvolvimento, visando um efi-
ciente progresso social e econômico como ideal a ser atingido por todos os
povos dessas respectivas nações.
SUMÁRIO
A pesquisa deixa explícito os motivos pelos quais a desigualdade é, e
sempre será, prejudicial a qualquer sociedade, sobrevindo desse fato a obri-
gação de os países atuarem contra isso, pois, ao contrário da crença defendida
por muitos, o capitalismo de livre mercado por si só não regularia a taxa de
capital-renda de modo satisfatório, sendo vital a ação governamental.
Desse modo, essa é a característica basilar que resume essa nova etapa
ou fase do manejo do capital.
Com o estouro da crise mundial em 2007/2008, o cenário externo trans-
formou-se, isso porque a grande entrada de capitais externos se reverteu e
as taxas internacionais de juros deixaram de cair.
Assim, as economias periféricas passaram a conviver com uma forte ins-
tabilidade cambial, com pressões inflacionárias quando ocorre a desvalorização
da taxa do câmbio, redução no estoque das reservas internacionais, redução nos
preços dos produtos exportados que provocam problemas nas contas externas.
O efeito da crise para as economias periféricas foi agravar ainda mais
o quadro conjuntural de inserção na economia mundial, uma vez que, por
razões estruturais, é totalmente dependente e subordinada ao comportamen-
to do centro da acumulação mundial de capital, ou seja, das economias de-
senvolvidas que ditam as regras do mercado financeiro.
Isto posto, é notório que urge a necessidade de regular o capital no sé-
culo XXI a fim de que este caia ou entre em um colapso sem conserto.
Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um
mero poder para o estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos,
constituindo antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade orga-
nizada em estado fiscal. Um tipo de estado que tem na subsidiariedade da sua
própria acção (económico-social) e no primado da alta responsabilidade dos ci-
dadãos pelo seu sustento o seu verdadeiro suporte (NABAIS, 1998, p.679).
SUMÁRIO
Antes da exclusão moderna, o Estado e a sociedade atentavam-se para
as condições de exploração, porém agora essa atenção apresenta-se como
uma maior dificuldade de encontrar formas de inserção social. Por isso, in-
serir na sociedade o excluído é o papel principal das políticas públicas so-
ciais do Estado Moderno. É o que se reproduz dos princípios da Doutrina:
Em primeiro lugar, mesmo que uma instituição ideal não se torne realidade
num futuro previsível, é importante tê-la como ponto de referência, a fim de
avaliar melhor o que as soluções alternativas oferecem ou deixam de oferecer.
Em segundo lugar, não é possível separar essa questão de transparência finan-
ceira e de transmissão de informações da reflexão acerca do imposto sobre o
capital ideal. (PIKETTY, 2014, p. 638)
Num tom radical, Piketty alerta que na falta de uma solução dessa natu-
reza é “provável que prevaleçam diversas formas de reações nacionalistas’’
(PIKETTY, 2014, p. 637). Para implementar esse imposto seria necessário um
nível muito elevado de cooperação internacional, a qual poderia ser buscada
de maneira gradual e progressiva entre os países que assim desejarem, contanto
que que sejam numerosos o suficiente como na Europa, por exemplo.
O direito econômico do desenvolvimento situa-se no âmbito das polí-
ticas públicas, internas ou internacionais, nos campos fiscal, trabalhista, de
regulação econômica, dentre outros; direito humano ao desenvolvimento
configura direitos de solidariedade, encarando o desenvolvimento para além
de sua mera dimensão econômica ou de política econômica.
A assistência ao desenvolvimento dos países pobres surge em um ce-
nário integrado de ações coordenadas dos países ricos, bem como da parti-
cipação, também, dos países pobres. Nessa mesma linha é que os países po-
bres devem encarar a questão de combate à pobreza de modo drástico e,
também, direcionando seus próprios recursos para vencê-la. Para isso, faz-
se necessário que sejam suprimidos desvios de verbas desnecessários em
guerras, corrupção e disputas ou políticas internas.
Jeffrey Sachs é uma grande referência mundial no combate à pobreza
e, também, é um militante atuante na luta por um pacto global e pelo direito
ao desenvolvimento. Esse economista norte-americano indica estratégias
para o ajuste da assistência internacional ao desenvolvimento a fim de para
que esse auxílio seja eficaz.
Segundo Sachs, em seu livro “O fim da pobreza: como acabar com a mi-
séria mundial nos próximos vinte anos”, essas estratégias devem ser assentadas
SUMÁRIO
nas Metas de Desenvolvimento do Milênio _MDMs_ e, consequentemente,
desdobrar-se-iam em cinco partes: diagnóstico diferencial; plano de investi-
mentos; plano financeiro; plano dos doadores; plano da gestão pública.
(SACHS, 2005, p. 39)
Por outro lado, o autor afirma que é difícil determinar a quantia total de
assistência ao desenvolvimento que o mundo pobre receberia do mundo rico
e desenvolvido:
Por tudo isso, essa situação reflete quimera busca pelo fim da pobre-
za, dado que, as políticas públicas sociais, os acordos internacionais, a exe-
cução de legislações pontuais configura-se como verdadeiros direitos ao
desenvolvimento.
A natureza das novas relações entre o Estado, a sociedade civil e o setor
privado, bem como a disposição dessas sociedades em eleger prioridades
poderão, em muitos momentos, conflitar com o primado absoluto do mer-
cado. Assim, as tendências do cenário internacional têm provocado a neces-
sidade de uma profunda revisão no papel do Estado moderno. Nessa dire-
triz, Piketty assegura que:
SUMÁRIO
instituição permitiria evitar uma espiral desigualadora sem fim e regular de
forma eficaz a inquietante dinâmica da concentração mundial da riqueza.
(PIKETTY, 2014, p. 637)
CONSIDERAÇõES FINAIS
O capitalismo possibilitou o desenvolvimento das sociedades modernas,
porém, na contemporaneidade, as populações dessas sociedades padecem com
a especificação do trabalho, a exclusão social, o individualismo e a massifica-
ção do desemprego.
Por isso, o processo econômico capitalista tende ao aprofundamento
da desigualdade social e econômica ao longo do processo de produção e acu-
mulação de capital.
É necessário superar essa tendência endógena do próprio sistema ca-
pitalista, projetando novos argumentos que mostram porque o bom desem-
penho da economia não só é compatível com a justiça distributiva como
pode também tê-la como requisito.
SUMÁRIO
Neste contexto, o papel do Estado é fundamental para correção dos
mercados, sobretudo no estabelecimento de políticas públicas corretivas do
processo de concentração de poder e de riqueza.
Para isso, é dever do Estado intervir na trajetória intrínseca do capita-
lismo que provoca a desigualdade, reorientando e reduzindo as disparidades,
promovendo maior isonomia e inclusão social entre os cidadãos.
Posto que, a pobreza e a exclusão social são fenômenos que podem e
devem ser combatidos, já que lesam o direito humano ao desenvolvimento
e tornam-se obstáculos na concretização da cidadania.
Por isso, os dramas globais fazem com que a luta por uma maior distri-
buição de riquezas e, obviamente, combate à pobreza saia da seara regional
e ultrapasse as fronteiras culminado com a preocupação internacional em
assistir os países pobres e em processo de desenvolvimento.
Resta concluir que, a busca pela efetivação do direito ao desenvolvi-
mento deve ser uma ação integrada entre os países ricos e os países pobres
através de um acordo global. Nesse viés o imposto progressivo sobre o ca-
pital deve ser pensado e tentado.
Por tudo isso, esse imposto certamente contribuirá de forma conside-
rável no aumentar dos esforços para a libertação da pobreza a fim de que
seja possível a retomada do o crescimento econômico auto- sustentável a
nível global e inerente a toda sociedade e ser humano.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14ª ed. rev.
E atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
SUMÁRIO
Liv. Almedina, 1998.
SUMÁRIO
GP 10 – DIREITO, BIOPODER E
RAZÃO DE GOVERNO
Coordenação: Roberta Liana Damasceno
Costa, David Barbosa de Oliveira e Thiago Mota
Fontenele e Silva
SUMÁRIO
A DIGNIDADE HUMANA DA QUESTÃO INTERSEXO E
O CONFLITO BIOÉTICO ENTRE AUTONOMIA E
BENEFICÊNCIA NO DISCURSO MÉDICO
Carlos Eduardo de Oliveira Alban1
Abstract: This article turns to the question of medical discourse about inter-
sexuals and how a heterosexual matrix of bodies combined with paternal-
istic medical treatment become obstacles to the effective recognition of their
human dignity and the achievement of rights. To that end, in a first point,
the theoretical-scientific bases that historically constructed intersexuality as
an illegitimate corporal expression subject to surgical correction, due to a
medical emergency protocol present in the majority of cases, will be treat-
ed. In sequence, the social constructs that produce and, later, rank identities
are debated as they impose those gender and sexuality expressions that
SUMÁRIO
are allowed to exist. In the meantime, bioethical considerations about the
conflict between autonomy and beneficence from a Kantian point of view
turned to the notion of the person are woven. Finally, concrete examples of
judicial and administrative decisions are brought in foreign countries, such
as Australia and Colombia, in which the topic is at a more advanced stage
of discussion, in order to bring the theoretical debate closer to effective
practice of rights.
1 INTRODUÇÃO
Apesar dos grandes avanços científicos nas últimas décadas, a Genética
ainda é uma fronteira obscura para a Ciência. Não se conhece, com precisão,
todos os fatores que levam à diferenciação sexual, aquilo que pode gerar um
suposto “desvio” ou “anomalia” e em que circunstâncias ambientais ocor-
reria o seu desenvolvimento. Do mesmo modo, há uma indeterminação a
respeito de como as diferentes culturas, grupos sociais e indivíduos reagi-
riam a essas peculiaridades. Quando mesmo a influência das estruturas bio-
lógicas dos seres humanos é ainda permeada por mistérios, qualquer expli-
cação médica, social ou psicológica a respeito da sexualidade humana
torna-se, em certo grau, especulativa e arbitrária.
Se o processo de divisão celular nem sempre segue caminhos que são
esperados pelos cientistas, torna-se ainda mais difícil lidar com a diferença
para aquelas pessoas que não têm acesso a um conhecimento tão complexo.
A cultura impõe que se criem expectativas a respeito de como será a apa-
rência dos filhos e sobre os rumos que os mesmos irão tomar a respeito da
sua vida sexual. Desse modo, numa sociedade que encara os gêneros de ma-
neira binária, à medida que um indivíduo mais se distancia de categorias po-
larizadas rígidas que definem sexualidade e gênero, mais sofre o risco de
abjeção, ou seja, de ser invisível aos olhos alheios, o que inclui questões re-
lativas à sua autonomia individual.
A “questão intersexo” levanta, em seu cerne, um questionamento acerca
da legitimidade que médicos, pais e juízes possuem para arbitrar um gênero
para um indivíduo. Como tratar de um direito personalíssimo sem sequer a
anuência do maior interessado? É certo que a decisão conferida ao médico é
cercada por complexidades, seja em relação às expectativas sociais, seja
pelas possíveis e, por vezes, demasiado incertas complicações físicas e psi-
cológicas posteriores ou pelas omissões jurídicas. A intersexualidade existe,
SUMÁRIO
então, em meio a situações cujos prognósticos médicos são bastante casuís-
ticos. Portanto, é preciso uma maior apuração das bases genéticas e médicas
antes de qualquer depuração do Direito ou da Bioética a respeito da autono-
mia individual ou dignidade humana, o que, necessariamente, inclui os di-
versos posicionamentos a respeito de possíveis adiamentos ou relativos à
própria inexecução das cirurgias.
Nesse sentido, a partir de uma breve reconstrução histórica no campo
biomédico, o primeiro capítulo voltar-se-á para a exposição da visão da in-
tersexualidade como uma situação de emergência médica, segundo a qual
para configurações sexuais díspares recomendam-se intervenções cirúrgicas
necessárias ao “paciente”, que, por vezes, não passam de correções estéticas
arbitrárias ou de decisões que priorizam a manutenção das capacidades re-
produtivas do sujeito em detrimento de sua auto-imagem e auto-identidade.
Como será tratado no segundo capítulo do presente artigo, essa predi-
leção da prática médica parece ser, em grande parte, impulsionada por uma
matriz heterossexual que molda os corpos em nossa sociedade, à medida
que presume deliberações de vontade de todos os indivíduos segundo dis-
cursos que trazem a identidade heterossexual como naturalizada. Ademais,
percebe-se que esse tratamento objetificado dos corpos intersexos acaba por
lhes retirar a sua dignidade no momento em que se encontra comprometida
a sua autonomia.
A terceira parte da presente pesquisa, ao seu turno, corresponderá a al-
guns estudos de caso referentes a decisões judiciais e administrativas de países
estrangeiros como a Austrália e a Colômbia, nos quais o tema encontra-se em
processo mais avançado de debate e efetivação de direitos. O objetivo, aqui,
proposto é de trazer toda a construção teórica mais próxima do estado em que
se encontra a realidade prática. Ademais, essa escolha metodológica centra-
se nas semelhanças das discussões do tema nos outros países, que podem ser-
vir como alicerce para futuras construções no ordenamento brasileiro.
SUMÁRIO
la propia expedición, por el Tribunal de Nuremberg, del llamado Código de
Nuremberg, que establece uma reglas mínimas aplicables en toda investiga-
ción sobre seres humanos.
esta exigencia del consentimiento, que es clara incluso en relación con los
tratamientos en apariencia benéficos para la persona, es aún más evidente e
importante cuando se trata de intervenciones experimentales, por cuanto,
en tales eventos, es mucho mayor la posibilidad de que se cosifique a la per-
sona y se La convierta en un simple instrumento para la realización de obje-
tivos que le son extraños, como es la producción de conocimientos o el me-
joramiento de ciertas técnicas de las que se beneficiarán otros individuos.
Por ende, la investigación sobre seres humanos, que es indudablemente ne-
cesaria para mejorar la calidad misma de los tratamientos médicos, debe
SUMÁRIO
ser particularmente rigurosa en la obtención de un consentimiento informado
de los potenciales sujetos, quienes, sin ninguna coacción o engaño, tienen de-
recho a decidir si participan o no en la empresa científica, sobre la base de un
conocimiento objetivo de todos los eventuales riesgos y beneficios de los expe-
rimientos. De esa manera, gracias a esa intervención libre en la experiencia
médica, el paciente deja de ser un objeto de la misma para convertirse en su-
jeto y copartícipe del desarrollo de la ciencia, con lo cual queda amparada su
dignidad e inviolabilidad.
5 CONSIDERAÇõES FINAIS
Um ponto crucial da questão intersexo é o de que nenhuma cirurgia ou trata-
mento hormonal é destituído de riscos, o que, necessariamente, faz com que
a decisão tomada não seja óbvia. No fim, muitas vezes se está diante de um
cenário de balanceamento de riscos, cujas justificações, em certo grau, giram
em torno de uma suposição dos interesses dos sujeitos. Deixar apenas para
uma equipe médica ou à família uma decisão complexa e com muitos aspectos
que fogem ao conhecimento médico é, em certo grau, querer enfrentar as pró-
prias situações concretas, as quais nem sempre vão se tratar realmente de
emergências. Portanto, há o interesse na proteção desse indivíduo, que pode
estar sofrendo uma imposição artificial de um sexo, elemento constitutivo da
sua auto-imagem e auto-identidade.
Ademais, nota-se o pouco interesse jurídico direcionado ao tema no
Brasil, o que talvez possa ser, também, percebido diante da ausência de re-
gramento normativo específico, da insistência com antigas classificações
que regem o sexo civil e da tímida produção doutrinária no país a respeito
da questão. Nesse ínterim, o discurso médico adequatório acaba se tornando
hegemonicamente presente no nosso ordenamento. Poucos juristas, talvez
SUMÁRIO
também pelos ainda tímidos estudos interdisciplinares, questionam as clas-
sificações sexuais médicas, as quais possuem o potencial de violar, em
algum grau, os direitos individuais, a exemplo da imagem, nome, a auto-
identidade e a autonomia sob o próprio corpo.
É certo que há ainda grande romantização da profissão médica na nossa
realidade, o que contribui para que a autonomia individual, um dos grandes
pilares da Bioética, nem sempre seja respeitada. Em sociedades de heranças
paternalistas, ainda se percebe o médico como um salvador ou curandeiro, o
que, de algum modo, guarda relação com o fato de os conceitos de saúde/doen-
ça e normal/patológico serem ainda tratados como perfeitas contraposições
binárias antagônicas. Caso semelhante pode ser observado diante do trata-
mento médico da transexualidade, que ainda é vista hegemonicamente, tanto
pela literatura médica como o sistema jurídico, como patologia, cuja identi-
dade é construída quase que unilateralmente por consultas terapêuticas reali-
zadas por psicólogos e psiquiatras.
Nesse sentido, notou-se como, na realidade australiana, uma provoca-
ção de apenas um único indivíduo gerou repercussões em todo o sistema de
confecção de passaportes, inicialmente, estendendo-se posteriormente para
mobilizações da Comissão de Direitos Humanos do país e emendas legisla-
tivas. De modo análogo, na Colômbia, decisões judiciais discutiram a fundo
o tema, apontando para a sua complexidade bioética e jurídica.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BUTLER, Judith. Bodies that Matter: On the discursive limits of sex. New
York: Routledge, 1993.
SUMÁRIO
visiting the “political” in queer politics. Ashgate Publishing Limited, 2011.
SUMÁRIO
OS ESQUECIDOS DO DIREITO? O ESTADO DE
EXCEÇÃO DA CRACOLÂNDIA E A CRIAÇÃO DO
HOMO SACER NOS CENTROS URBANOS
Gil Ricardo Caldeira Hermenegildo1
Giordano Leonardo Alves2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
O espaço urbano é dinâmico por excelência. O ambíguo movimento civili-
zador do Século XX ganhou no desenvolvimento tecnológico a possibilida-
de de repensar seus ambientes. Um desses é a cidade. Moldada através da
sedução e do medo, a base para o caos e a ordem permeada entre essas duas
reações humanas formam as relações dos indivíduos inseridos na lógica ci-
tadina. Além desses aspectos, o desconhecido e o comum se mimetizam na
ótica urbana e trazem para o fenômeno da cidade “aspirações múltiplas e
antagônicas” (FREITAS, 2005, p. 47).
Sem dúvidas, é a rua das grandes metrópoles o principal campo para a
intensificação dessas reações. Nela, “a presença dos pobres lança uma sombra
inexorável sobre a cidade iluminada” (BERMAN, 1987, p. 148-149) e um dos
conceitos da desigualdade se apresenta perante o observador individualizado.
Lugar inesgotável, da rua emerge camadas de sociabilidade fundamentais.
Contudo, nela o fracasso do plano do progresso moderno se intensifica. En-
quanto lugar de luta, a rua é violenta, democrática, lugar de coexistência e de
diferenças, assim como lugar de invisibilidades e desaparecimento. Sempre
atual e conceituada no aparente e no latente, a rua possui possibilidades de
criação e na mesma proporção, de eliminação.
Pensar a rua é ponderar sobre seus espaços, é imaginar formas de observar
o Outro como a representação da verdadeira cidade. Para alguns a rua é lugar
de poder, enquanto para outros fluí entre a clandestinidade e de sobrevivência
(FREITAS, 2005, p. 46). Dessa maneira, o foco da presente analise será um
desses ambientes de sobrevivência. Em outras palavras, serão traçadas breves
linhas sobre a cracolândia. Local de degredo, atração, medo e perigo; de lendas,
casos e do desconhecido. Um genuíno “estar” da rua que traz o seguinte ques-
tionamento: A cracolândia está excluída dos processos urbanos?
Portanto, este trabalho almeja indicar sobre os paradoxos que cami-
nham nas reflexões de Michel Foucault e de Giorgio Agamben, almejando
analisá-los perante as pesquisas brasileiras sobre a cracolândia. Isso para
analisar esse local das ruas como um espaço de exceção permanente, no qual
uma figura antiga do Direito Romano - o Homo Sacer - ressurge como pa-
radigma jurídico moderno sem afastar da cracolândia com sua aparição, as
interações corroboradas em qualquer grande centro urbano.
DESENVOLVIMENTO
SUMÁRIO
americano de óculos grandes e pulseiras de ouro e prata no braço, um boliviano
de cabelo grosso e espetado ou mesmo por um religioso brasileiro que topou
com a pedra na mão de um menino na periferia da cidade. O jogo de adivinha-
ção está aberto. Fértil, mas nada objetivo, verdadeiro. (UCHÔA, 1998, p. 32).
SUMÁRIO
no mundo. As facilidades e possibilidades de consumo, de compra e de pro-
dução da substância ampliaram sua venda pelos principais mercados ilegais.
Assim, no decorrer de sua propagação, o crack alcança outras classes eco-
nômicas e sociais. Como indica Raupp:
UM pARADIGMA DA MODERNIDADE
Para pensar a cracolândia e suas interações urbanas sem deixar de enlear
seus personagens, necessário é compreender as forças que atuam para re-
primi-la, criá-la, gerenciá-la, “destruí-la”. Em verdade, essas forças fomen-
tam a própria estrutura social, política e econômica na atualidade. Para tanto,
é crucial traçar linhas sobre as teorias dos filósofos Michel Foucault e Gior-
gio Agamben sobre as interações entre sociedade, estado e mercado.
Após sua arqueologia do saber, interessada em atribuir um método des-
critivo para as relações de Poder, Foucault trouxe para sua filosofia a genea-
logia do poder, tida como uma tentativa de analisar “(...) o Poder enquanto
elemento capaz de explicar como se produzem os saberes e como nos cons-
tituímos na articulação entre ambos” (DANNER, 2009, p. 786). Nesse
mesmo movimento, o filósofo repensou o aspecto do poder apresentado por
outros pensadores. Todavia, Foucault não criou uma teoria do Poder. Quan-
do não traz um viés de reinficação ao Poder, o autor afasta sua visão deste
como um objeto natural, da essência humana. Para o filósofo, o poder não é
“(...) uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamen-
te.” (MACHADO, 1979, p. 10).
O que assoma não é o Poder em maiúsculo visto no Estado, em práticas
macroscópicas. Apresentam-se, em verdade, tecnologias de poder discerni-
das “a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis”
(FOUCAULT, 1988, p. 90), difusas em vários níveis de relações. São rela-
ções de poder heterogêneas (DANNER, 2009, p. 787), moldadas entre os
sujeitos aquilo pensado pelo filósofo como a estrutura do poder e “essa lo-
calização é a premissa para que possamos construir algo como uma analítica
do poder” (SOUZA, 2011, p. 106).
As relações de poder na história do Ocidente muito se transformaram no
intuito de manter as estruturas sociais estabilizadas. Na Antiguidade e até o
início do Século XVIII, o poder soberano era a relação mais efetiva de poder.
Nessa teoria clássica, o poder possui o direito de vida e morte como um dos
princípios fundamentais de sua aplicação. O Soberano indica se o “súdito tem
direito de estar vivo ou tem direito, eventualmente, de estar morto” (FOU-
CAULT, 1999, p. 286) e o poder apenas produzia efeitos sobre a vida na me-
dida em que podia matar.
SUMÁRIO
Ou seja, o poder soberano se efetivava através do ditame “fazer morrer
e deixar viver” (FOUCAULT, 1999, p. 287) e somente começou a deixar de
ser mecanismo majoritário a partir da evolução do capitalismo moderno e com
o advento das Revoluções Burguesas do final do Século XVIII. Juntamente
ao poder disciplinar3, uma nova tecnologia de poder, objetivando melhorar
as práticas e a produtividade industrial, passou a valorizar a vida. Coordenan-
do “processos de natalidade, de mortalidade, de longevidade” (FOUCAULT,
1999, p. 290) a chamada regulamentação passou a controlar não os súditos,
mas a multiplicidade populacional através de um “fazer viver e deixar mor-
rer”. É a biopolítica, a política sobre a vida, que vem para normalizar e emol-
durar a vida como um problema político, científico, biológico, e, mormente,
“como um problema de poder (...)” (FOUCAULT, 1999, p. 293).
No entanto, a biopolítica não excluiu o poder disciplinar, e, paradoxal-
mente, manteve o poder soberano sobre seu campo de aplicação. Esse poder
de “fazer morrer” permeou o aspecto “democrático” da modernidade e para
resolver o paradoxo, criou-se a figura do racismo para possibilitar a atuação
do Soberano. Ao fragmentar em um corte biológico os sujeitos e produzir
critérios de superioridade e inferioridade racial entre estes, o racismo pos-
sibilitou ao biopoder trazer à morte do outro o fortalecimento biológico do
indivíduo da raça ou da população que visa proteger. (FOUCAULT, 1999,
p. 308).
Sobre esse apanágio racial, o poder soberano permaneceu, e, no campo
do Direito por sua capacidade de normatização, esse poder adentrou nos
principais modelos constitucionais da contemporaneidade. Nessa perspec-
tiva, Giorgio Agamben constrói sua teoria a partir dessa manutenção Sobe-
rana. O italiano indica que “o Soberano está, ao mesmo tempo, dentro e fora
do ordenamento jurídico” (AGAMBEN, 2002, p. 23) Assim, nada coloca-
se aquém do ordenamento jurídico senão o próprio soberano, por ser externo
e ao mesmo tempo intrínseco a este.
Destarte, por essa capacidade, soberano pode suspender a lei com o in-
tuito de defender o próprio ordenamento. “O poder soberano (o Estado) de-
cide, portanto, sobre a condição de ser político - de incluído ou excluído na
sociedade política –, decide sobre a exceção” (SOUZA, 2010, p. 17), e essa
decisão amparada na defesa da sociedade possibilita o afastamento legítimo
de garantias e direitos fundamentais da população. “O estado de exceção
não é nem exterior nem interior ao ordenamento jurídico e o problema de
sua definição diz respeito a um patamar, ou a uma zona de indiferença, em
que dentro e fora não se excluem, mas se indeterminam.” (AGAMBEN,
2004, p. 39). Logo, apenas na utilização de uma “roupagem” do Direito, por
ser capaz de determiná-lo, o poder soberano atravessa a modernidade por
inúmeros lugares – como a cracolândia -, pronto para decretar, “em proteção
do ordenamento” essa exceção na zona de indeterminalidade jurídica.
SUMÁRIO
O paradoxo tornou-se ainda mais evidente quando essa indeterminação
entre suspensão e atribuição de direitos no transcorrer das modernas demo-
cracias tornou-se um “paradigma da segurança como técnica normal de go-
verno” (AGAMBEN, 2004, p. 28). A indeterminação soberana criou assim
a figura do campo, “absoluto e insuperado espaço biopolítico” (AGAM-
BEN, 2008, p. 129), pelo fato de ser este campo, “que se abre quando o es-
tado de exceção torna-se a regra” (AGAMBEN, 2002, p. 175) como meca-
nismo central de atuação.
Dentro do campo, os cidadãos tornam-se matáveis e essa mesma exis-
tência “cidadã” ganha o nome de Homo Sacer, figura do direito romano, uti-
lizado pelo soberano para esse assassinar sem praticar homicídio, muito
menos celebrar sacrifício. O ser “que é capturado no bando soberano é vida
humana matável e insacrificável: O homo sacer.” (AGAMBEN, 2002, p.
91). Essa é a definição moderna para o cidadão despido de direitos, aban-
donado pelo seu bando.
Importante salientar o abandono e o bando como formas híbridas de se
considerar o Homo Sacer. “Ora, ser abandonado implica, necessariamente,
o pertencimento a algum lugar ou a algum grupo. (...) Segundo Agamben,
esse lugar é o bando”. (AMITRANO, 2013, p. 83). Embora à mercê do seu
bando e não excluído, pelo fato de nada ser capaz de escapar ao Poder Sobe-
rano, o Homo Sacer, “apesar de ter sido ‘posto para fora’ de seu bando, (...)
sempre pertencerá ao mesmo, permanecendo, destarte, a ‘mercê daqueles
que o abandonaram’”. (AMITRANO, 2013, p. 83). É dizer que “aquele que
foi banido não é, na verdade, simplesmente posto fora da lei e indiferente a
esta, mas é abandonado por ela, ou seja, exposto e colocado em risco no li-
miar em que vida e direito, externo e interno, se confundem”. (AGAMBEN,
2002, p. 36). No abandono se sobreleva a confusão entre o cidadão e o Homo
Sacer, e essa indistinção torna o campo, paradigma contemporâneo, o espaço
da biopolítica (AGAMBEN, 2002, p. 177-178) e da exceção permanente.
Por isso o Homo Sacer, é ambíguo: Sacro por ser a própria lei sua con-
dição; e matável, assassinado sem o cometimento de homicídio, de maneira
impune, uma vez praticado e decidido pelo soberano. “(...) Uma vida sagrada,
mas destituída de valor” (AMITRANO, 2013, p. 81) e, portanto, vida nua,
despida de direitos, perante o Soberano. Em síntese, evidenciar a sacralidade
significa alocar como foco originário a vida nua no interior deste ordenamen-
to jurídico-político “(...) e o sintagma homo sacer nomeia algo como a relação
política originária, ou seja, a vida enquanto, na exclusão inclusiva, serve
como referente à decisão Soberana.” (AGAMBEN, 2002, p. 92).
SUMÁRIO
exerçam toda a arbitrariedade que lhes foi historicamente concedida. Isto sig-
nifica dizer que a associação que se faz automaticamente entre uso de drogas
e criminalidade, somada à retórica compartilhada que desumaniza os nóias,
tem justificado, nesse espaço, prisões, abordagens, violações de direitos, de-
monstração despótica de mando e também aquilo que um redutor, com for-
mação em psicologia, chamou de “sadismo gratuito”, em sua face mais radi-
cal. Em suma, nesse local, “o controle social assume a forma ritualizada de
policiamento ostensivo”, por meio da “sinalização da autoridade e teatraliza-
ção do controle”. (RUI, 2012, p. 202-203).
SUMÁRIO
em suas aplicações e consequências, se emoldura exemplos substanciais de
ilegalismos urbanos. Assim, ao utilizar de sua legitimidade para práticas ex-
tralegais, a polícia está,
(...) ao mesmo tempo, dentro e fora da lei. Ao mesmo tempo, dentro e fora da
lei. Nesses modos de operação das forças do Estado, ali nas suas pontas, fica
suspensa a diferença entre o “homem da lei” e o “homem fora da lei”, o cum-
primento da lei e a transgressão da lei. Quer dizer: as diferenças entre a lei e o
crime são como que anuladas, desativadas na sua efetividade. (TELLES, 2010,
p. 223).
(...) a morte desses sujeitos que moram nas ruas produzem cadáveres em
série, num anonimato considerável. Tais mortes são tomadas pela impossibi-
lidade de reconstrução de uma história de vida dos sujeitos, restando apenas
SUMÁRIO
seus corpos, seus cadáveres, como prova da existência de uma vida infame.
(HUNING; SILVA, 2013, p. 46).
CONCLUSÃO
Essa tragédia do abandono explicita a ineficácia desses movimentos de limpeza
e repressão, algo importante para entender certas “necessidades urbanas”. “Os
usuários sumiram com a Operação Limpa, mas muitos estão voltando”. (FRU-
GOLI JR; SPAGGIARI, 2010, p. 7). Essa frase apenas demonstra os movimen-
tos urbanos em torno da territorialidade da cracolândia. Vinculada ao corpo
dos usuários, do Homo Sacer que, após essas ações, ou no decorrer destas, apa-
rece novamente com seu cachimbo, a cracolândia se discerne como espaço de
abandono. Como de forma objetiva indica Frúgoli Jr (1995) citado por Adorno
e Raupp (2015, p. 812): “Compreender a cidade como palco da experiência co-
tidiana é buscar uma visão na qual suas ruas, atores e os movimentos que nelas
empreendem são, ao mesmo tempo, produto e produtores de práticas sociais.”
Portanto, entender as variedades da cracolândia e a conformação de todas
essas estruturações aparentemente díspares, múltiplas em um espaço de ex-
ceção permanente, é uma das práticas mais evidentes do racismo biopolítico
estatal na modernidade e, apensar nesse sentido é possível compreender o foco
de tensão que se estabelece no interior dos grandes centros urbanos.
SUMÁRIO
NOTAS
Jurídica.
O termo ilegalismo pode ser considerado como “mais do que um ‘ato ile-
gal’, portanto, do que uma ‘ilegalidade’ determinada a noção de ilegalismo encerra
4
danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não
querem parar de usar drogas. Por definição, redução de danos foca na prevenção
aos danos, ao invés da prevenção do uso de drogas; bem como foca em pessoas
que seguem usando drogas.”.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
143-158, nov. 2013/jun.2014. Disponível em: <http://www.faculdade.flu-
cianofeijao.com.br/site_novo/scientia/servico/pdfs/VOL2_N3/FRANCIS-
COROMULOALVESDINIZ.pdf>. Acesso: 22/08/2017.
FONSECA, Márcio Alves da. Michel Foucault e o Direito. São Paulo: Edi-
tora Max Limonad, 2002.
SUMÁRIO
MACHADO, Roberto. por uma Genealogia do poder. In: FOUCAULT,
Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
SUMÁRIO
Acesso: 20/06/2017.
SUMÁRIO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO? POR UMA
RELATIVIZAÇÃO DOS MITOS DO DIREITO MODERNO
A PARTIR DA CONCEPÇÃO FOUCAULTIANA DE
ILEGALISMO
Gil Ricardo Caldeira Hermenegildo1
Jonathas Tadeu de Faria Silva2
1 INTRODUÇÃO
A elaboração desse artigo surge como uma resposta à maneira como tradi-
cionalmente se estuda o fenômeno jurídico nas faculdades de Direito. Ape-
sar de formalmente existirem disciplinas de caráter propedêutico e zetético
no decorrer do curso de graduação, a grade curricular dedica a maior parte
das horas acadêmicas ao estudo da dogmática jurídica3. E, esse modelo de
projeto político-pedagógico acaba por produzir concepções muito peculia-
res acerca do Direito.
No papel de professor de sociologia jurídica, disciplina localizada no
quinto período da formação regular, é possível diagnosticar que os discentes
cumprem metade dos créditos com a compreensão de que o Direito se res-
tringe à lei, ou em algumas circunstâncias específicas, também há a menção
SUMÁRIO
a jurisprudência. Em ambas situações, é possível perceber que há uma
compreensão hermética do fenômeno jurídico, reduzindo-o aos seus dis-
positivos tradicionais e desconsiderando-se que o Direito é um fenômeno
histórico e social.
De forma imanente à compreensão que alunas e alunos têm, em regra,
acerca do Direito, há também adesão a princípios que uma formação pautada
prioritariamente no estudo da dogmática proporciona. Parcela significativa
dos alunos entrevistados acerca de suas compreensões do Direito defendem
ser o fenômeno jurídico neutro, imparcial e objetivo4. Situações específicas
de crise das instituições políticas, por exemplo, em consequência de denún-
cias de corrupção no interior da Administração pública, são compreendidas
como circunstâncias eventuais, ocasionadas por maus administradores mas
não em virtude de fatores estruturais do campo.
Em consequência, os/as discentes compreendem que seria possível
afirmar que o Brasil se encontra imerso em uma sociedade democrática, e,
pela via do Direito seria possível promover a justiça social.
Diante do diagnóstico levantado, são apresentadas algumas hipóteses
que serão debatidas no decorrer do presente artigo. A primeira hipótese é de
que os pilares do Direito moderno somente existem em nível abstrato, servin-
do somente para encobrir a economia de poder que define de forma substancial
a maneira como o fenômeno jurídico irá se concretizar na realidade fática.
A segunda hipótese é de que a compreensão que discentes têm acerca
do Direito não é aleatória, mas um fenômeno estrutural. A produção de dis-
cursos científicos do Direito ainda é um privilégio de estratos específicos
da sociedade. E, ao serem produzidos saberes e instituídas práticas que cor-
roboram com os pilares mitificados do Direito moderno, são produzidas sub-
jetividades condicionadas a esses parâmetros.
De modo a fundamentar as reflexões nesse artigo apresentadas, será uti-
lizado como referencial teórico a corrente pós-estruturalista francesa, em es-
pecial os escritos de Michel Foucault acerca das sociedades ocidentais con-
temporâneas e sobre o Direito. A escolha desse referencial justifica-se na
possibilidade de, a partir do pensamento do autor, evidenciar as relações de
poder, processos de subjetivação e estados de dominação que estão presentes
no espaço social e no campo jurídico.
SUMÁRIO
2.1.3 A NOÇÃO DE ILEGALISMO E ILEGALIDADE NA DISCUSSÃO DO HC
126.292 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
No julgamento do HC 126.2929, o STF firmou a tese de que a execução pro-
visória de decisão condenatória de segundo grau não compromete o princi-
pio da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, LVII da CF/88.
Frise-se que o referido julgado dispensa maiores comentários, devido
a notória repercussão gerada no campo jurídico, já que fere de morte não só
os princípios constitucionais, como contraria literalmente aquilo o que dis-
põe o art. 283 do CPP10.
Muito pelo contrario, ao que interessa a esse artigo, são as discussões
que foram entabuladas quando da decisão e que voltam a repercutir no atual
momento, quando o país trava uma de suas maiores batalhas contra os atos
de corrupção de sua elite política e empresarial.
A esse respeito, é importante destacar que a todo tempo nos votos dos
ministros que se mostraram favoráveis à referida tese, foi destacado o fato de
que o Estado precisa dar uma resposta sociedade a fim de instaurar um pro-
cesso punitivista eficiente, evitando-se que o prolongamento da ação penal
até as instâncias extraordinárias gere a prescrição da pretensão punitiva.
Ocorre que, atualmente, diante do julgamento de grandes políticos e
empresários famosos, os mesmos ministros voltam a discutir a referida ques-
tão, só que dessa vez com um discurso mais brando, como no caso do Mi-
nistro Gilmar Mendes, um dos votos favoráveis a tese, que chegou a afirmar
em uma entrevista, que a referida questão pode ser revista (PIRES, 2017).
Na mesma reportagem, o referido membro da suprema corte chegou
ainda a dizer que tende a decidir que a execução da pena deve aguardar o
julgamento de recurso especial pelo STJ.
Disso se extrai que a referida mudança de posicionamento do ministro,
muito embora acertada, revela a verdadeira face do direito que esse artigo tem
explorado, pois enquanto fenômeno que é produto de um conjunto de relações
de poderes, muito distante de sua aparência de objetividade, ele (o direito)
não está imune aos interesses daqueles que tem o real poder de dize-lo, se mos-
trando extremamente contrario as expectativas formais exigidas pelo Estado
Democrático de Direito, já que conforme visto, a instância máxima do orde-
namento jurídico não se importa em se demonstrar contraditória, desde que
garanta os interesses da elite burguesa.
Dessa forma, na analise do referida posicionamento do ministro fica evi-
dente não só a seletividade do processo penal que pune pessoas e não condutas,
como também a verdadeira expressão do ilegalismo, que surge no contorno de
uma norma posta, na medida em que gerencia a punição.
SUMÁRIO
3. CONCLUSÃO
Conclui-se a partir do presente artigo, que o direito apesar de formalmente se
apresentar como um fenômeno neutro imparcial e objetivo, é na verdade um
produto de relações de poder, intimamente ligado com decisões políticas e eco-
nômicas.
Essa visão muitas vezes distorcida do direito é consequência dos próprios
discursos que o envolvem, que não raramente são produzidos por um estrato
social específico, que se utiliza desse mesmo fenômeno para promoção de in-
teresses sociais.
Justamente por isso, faz-se necessário realizar uma análise mais critica
do campo jurídico, para que se possa compreende-lo de uma forma mais ade-
quada e completa.
Nesse sentido, os estudos da obra de Michel Foucault ganham grande re-
levância, principalmente seus escritos sobre o ilegalismo, que ajudam a enxer-
gar a parcialidade e seletividade que muitas vezes estão por de trás da constru-
ção ou aplicação de uma norma.
Dentro dessa perspectiva, todo e qualquer estudo que se espera realizar
acerca do ilegalismo não pode se distanciar da analise da ilegalidade, já que
tratam-se de fenômenos interligados, de modo que, em ultima instância, o ul-
timo gere o primeiro a fim de permitir ou tolerar condutas que muita embora
violem o direito, estão alinhadas com interesses da episteme econômica.
Somente a partir da compreensão da relação entre esses fenômenos é que
se é possível uma visão completa daquilo o que realmente é o direito enquanto
fenômeno social diretamente ligado às relações de poder estruturadas dentro da
sociedade, a ponto que a modificação dessas interações altera a lógica de fun-
cionamento do campo jurídico, como ocorrido com as revoluções burguesas.
Em razão disso, assim como no caso do HC 126.296, o ordenamento ju-
rídico é construído sobre uma serie de contradições, principalmente no campo
penal, que marcado por sua seletividade, seleciona quais indivíduos e não quais
condutas devem ser rechaçadas dentro da sociedade.
SUMÁRIO
NOTAS
comitantemente, é mantida a boa ordem interna das práticas sociais. Para tanto, bus-
cava-se uma intervenção ostensiva e permanente do Estado no meio social, de modo
que os processos sociais ocorrem de modo que sempre atendesse as demandas e in-
teresses do poder político. Eram âmbitos de intervenção, por exemplo, a Saúde, tra-
balho, necessidades básicas da vida, circulação, contingente populacional.
SUMÁRIO
No regime de soberania, o rei buscava combater o ilegalismo de direitos e
tolerava o ilegalismo de bens. Com a ascensão da burguesia às funções do Estado
e do Direito, a lógica se inverteu. Tolera-se o ilegalismo de direitos e pune-se com
severidade o ilegalismo de bens. Isso porque a burguesia, proprietária, sabe que
é na acumulação de bens que está a sua força econômica e capacidade de sujeição
dos demais segmentos sociais.
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrên-
10
SUMÁRIO
é possível após o trânsito em julgado da sentença condenatória, que somente ocor-
re após o esgotamento de todas as vias recursais.
REFERÊNCIAS
PIRES, Breno. Gilmar diz que Lava Jato é motivo para rever prisão em
segunda instância. 04 dez. 2017. Disponível em: < http://politica.estadao.
com.br/noticias/geral,gilmar-diz-que-lava-jato-e-motivo-para-rever-prisao-
em-segunda-instancia,70002107232 > Acesso em: 06 dez. 2017.
FAUS, Joan. O negócio sujo das prisões privadas nos EUA. 23 jan. 2014.
Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/23/ internacio-
nal/1390438939_340631.html > Acesso em: 06 dez. de 2017.
SUMÁRIO
GP 11 – SOCIOEDUCAÇÃO E
MECANISMOS DE CONTROLE
SOCIAL DA JUVENTUDE
Coordenação: Érica Babini Machado, Ana
Paula Motta Costa e Ana Cláudia Cifali
SUMÁRIO
RESSOCIALIZAÇÃO? NOTAS ETNOGRÁFICAS
ACERCA DE UMA POSSÍVEL RELAÇÃO ENTRE AS
ARTES MARCIAIS E O INSTITUTO DA REMIÇÃO NAS
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS, À LUZ DO PL
5.516/2013
Jaider dos Santos Costa
Graduado / Bacharel em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Advo-
gado. Pós-Graduado “Lato Sensu” / Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela
Universidade Cândido Mendes/RJ.
Abstract: The purpose of this study is to reflect about the reality of the individ-
uals who comply with socio-educational measures, as well as the interpretation
in line with the criminal enforcement system and analysis of P.L. 5516 / 2013.
SUMÁRIO
This article analyzes the importance of the analogy in bonam partem to min-
imize the impact suffered by individuals who have private liberty and to un-
derstand their visions about the fact. The bibliographical research was carried
out with authors such as BARATTA (2016),CIFALI (2013), LIMA (2014), ZAF-
FARONI (2014), among others, highlighting the importance of analogical in-
terpretation for the benefit of the minor, adjusting the rules in each specific
case, in particular the AI_70041491507_RS_1308598926617 (8th Civil
Chamber of Caxias do Sul). It was concluded that the teaching of martial arts
in minors can be effective in reducing the harm to the dignity of minors, caused
by the restriction of freedom and, in the light of the Instrument Aggravation by
analogy, it is understood that, with the approval of P.L. 5516/2013, minors
could achieve remission through sport.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema a questão da possibilidade (ou não) de
utilização das artes marciais como instrumento de ressocialização e controle
da violência se ensinadas a adolescentes em cumprimento de medidas so-
cioeducativas de internação, em unidades de cumprimento de tais medidas,
bem como abordar o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do
cabimento da analogia entre o sistema penal da execução das penas e o sis-
tema de execução das medidas socioeducativas no que diz respeito à forma
de progressão e remição das mesmas. Para tanto, seguem breves notas et-
nográficas com relatos de um profissional das artes marciais, um psicólogo
que acompanha os adolescentes em liberdade assistida, uma juíza da Vara
de Infância e um adolescente autor de ato infracional; além de uma análise
do julgado AI_70041491507_RS_1308598926617 do TJ/RS
Nesta perspectiva, construíram-se questões que nortearam este trabalho:
• Poderia ser feita uma analogia entre o sistema penal de execução das
penas e o sistema de execução das medidas socioeducativas no que diz respeito
SUMÁRIO
à forma de progressão das mesmas? A prática das artes marciais poderia ser
utilizada como forma de remição?
(...) conhecendo as artes marciais, creio que dentro dessas unidades resolveria
muito (...) realmente a arte marcial a gente sabe queiria disciplinar muitos jo-
vens cumprindo medidas socioeducativas (...) eu tenho certeza que muitas
vidas iriam ser transformadas através da filosofia da arte marcial, através da
disciplina que a arte marcial, que a gente consegue pregar dentro da arte mar-
cial (...) eu acredito na ressocialização sim (...) porque muitos através da disci-
plina marcial iriam ser transformados (...) seria muito positivo a arte marcial
implantada dentro desse sistema (...) eu sei que a arte marcial transforma vidas
(...) eu aceitaria sim dar aulas para adolescentes nessa situação (...) 1
SUMÁRIO
Ao ser questionado sobre o tratamento dos funcionários para com os
menores ali internados, “L.” contou que
(...) Ah, mano. Isso aí dependia do nosso desenrolado lá né véi. Tinha que saber
fala com os cara. Porque qualquer motivo, pô, a emoção dos cara era querer
bate, não entendia eles tinha hora. Mas, até então, um nunca tomei um tapa lá
dentro não, tirei a cadeia no blindão, topei nenhum tapa não (...)3
Com base nesta fala do adolescente “L.”, vale traçar um paralelo com
a dissertação de Juliana Vinuto LIMA (2014, pp. 50 e 51), quando a autora
esclarece que
(...) Toda severidade que ultrapasse os limites se torna supérflua e, por conse-
guinte, tirânica. (...) A crueldade das penas produz ainda dois resultados funes-
tos, contrários ao fim do seu estabelecimento, que é prevenir o crime. (...)
Desta forma, pode-se deparar com uma “situação crítica que se mani-
festa em uma progressiva ‘perda’ das ‘penas’, isto é, as penas como inflição
de dor sem sentido (‘perdido’ no sentido de carentes de racionalidade)”
(ZAFFARONI, 2014, p. 12).
Ao ser indagado a respeito de como saiu de tais unidades, isto é, se hoje
seconsidera um ser humano melhor ou pior do que quando entrou, bem como
se o tempo em que se passa internado, de um modo geral, faz como que os
menores em conflito com a lei saiam destas unidades pensando em “mudar
de vida”, o adolescente em questão afirma que
(...) Ah, fiquei melhor, pior não fiquei não, fiquei melhor. Mais ou menos
também. Porque vi que lá dentro lá o bagulho é de verdade. Quem passo lá,
sabe que é de verdade e não quer volta não, se quiser volta é porque é burro.
Pô lá dentro é maior sofrimento (...) Eu num sei né véi, isso depende da ca-
beça dos cara. Igual eu, eu saí de lá mano, eu já vi que eu não queria mais
SUMÁRIO
volta pra lá, já parei de mexer com droga, fiquei tranquilo. Mas, tem gente que
vai pra lá mano e, pô, sei lá, parece que gosta. Quando sai de lá já continua me-
xendo. É porque pega o desenrolado lá dentro, aí as droga começa a vim pra
eles. Mas, assim, eu pensei em parar mano. Primeira vez que eu fui lá, como, já
vi que o bagulho é de verdade. Aí vou volta pra lá de novo? Aí não adianta (...)4
(...) Ah, ia né véi, porque eu já fiz muaythai, eu gosto, eu ia faze. (...) Tinha
capoeira lá. Era só pra quem quisesse. (...) Num cheguei a faze não (...) Acho
que lá na hora da juíza lá, eles mandavam um relatório pra juíza, se tava fa-
zendo alguma coisa lá dentro, se tava se comportando bem, tudo, aí te ajuda
(...) 5
O Sr. Estefan ainda esclareceu que, com base nos cadastros que cons-
tam nos arquivos, o índice de “reincidência” dos adolescentes em conflito
com a lei na cidade de Três Rios/RJ encontra-se, em uma média aproximada
de 30% (trinta por cento).
É importante registrar também que, o referido psicólogo, ao ser indagado
acerca da utilização das artes marciais como um possível instrumento de res-
socialização de tais adolescentes, o mesmo se posicionou da seguinte forma:
(...) Na verdade, toda e qualquer ação voltada para esporte e cultura, respeitando
o interesse e gosto pessoal, deve ser utilizado como ferramenta na tentativa de
SUMÁRIO
ressocialização. Esta [aprendizado das artes marciais] serviria como uma forma
de disciplinar, por meio da filosofia das artes marciais, além de desmistificar a
associação errônea de artes marciais com violência, que muitos adolescentes
acabam tendo. 7
(...) qualquer projeto que direcione o adolescente para uma atividade lícita é
válido. O esporte em muito poderia contribuir para retirada do adolescente do
mundo perverso do crime e das drogas, portanto um projeto para ensinamento
de artes marciais seria muito válido.8
SUMÁRIO
Contra as violências institucionalizadas e a frequente violação de seus direitos,
poucas alternativas restam aos apenados. Nesse sentido, a “prisão não é apenas
a impossibilidade da liberdade: é, antes de tudo, a impossibilidade de poder di-
rigir a própria vida.”
(...) Infelizmente esta unidade que é mantida pelo Estado não disponibiliza
de condições e atividades necessárias. A referida unidade além de estar com
lotação acima de sua capacidade, não possui tratamento para os adolescentes
viciados em substância entorpecente que são a grande maioria dos adolescen-
tes atendidos pelo sistema. 9
SUMÁRIO
dos valores, das atitudes que presidem estas relações, como também sob o
ponto de vista das relações entre os detidos e o staff da instituição penal. Sob
esta dupla ordem de relações, o efeito negativo da “prisionalização”, em face
de qualquer tipo de reinserção do condenado, tem sido reconduzido a dois
processos característicos: a educação para ser criminoso e a educação para
ser bom preso. Sobre o primeiro processo influi (...) A maneira pela qual são
reguladas as relações de poder e de distribuição de recursos (...) na comuni-
dade carcerária, favorece a formação de hábitos mentais inspirados no ci-
nismo, no culto e no respeito à violência ilegal. (...) A educação para ser
bom preso ocorre (...) através da aceitação das normas formais da institui-
ção, e das informais postas em ação pelo staff. Em geral, pode-se dizer que a
adaptação a estas normas tende a interiorizar modelos exteriores de compor-
tamento, que servem ao ordenado desenvolvimento da vida da instituição.
Esta se torna o verdadeiro objetivo da instituição, enquanto a função pro-
priamente educativa é amplamente excluída do processo de interiorização
das normas, também no sentido de que a participação em atividades com-
preendidas diretamente nesta função ocorre com motivação estranha a ela, e
de que é favorecida a formação de atitudes de passivo conformismo e de
oportunismo. (BARATTA, 2016, pp. 184, 185 e 186)
SUMÁRIO
O referido autor claramente tem como última opção a privação de liber-
dade, mesmo com a ressalva de contar com condições privilegiadas, enfati-
zando a possibilidade (senão a necessidade) de se reduzir os impactos nega-
tivos experimentados pelos indivíduos que se encontram em tal situação.
Há que se observar que os dados acerca da “reincidência” apontados
pelo psicólogo Estefan e pela juíza de Direito Dra. Mara são completamente
diferentes, eis que esta apresenta um percentual de 90% e aquele de 30%.
Fato que pode dar indícios (que precisam ser comprovados) que a maior
parte dos menores que cumprem medidas socioeducativas prestando servi-
ços comunitários ou em liberdade assistida conseguem se reinserir no con-
vívio social e não mais voltam a praticar atos infracionais; ao passo que
aqueles que cumprem as medidas socioeducativas no regime de internação,
em sua grande maioria, retornam às práticas infracionais.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Diante do exposto, concluiu-se que o ensino das artes marciais nas unidades
de cumprimento de medidas socioeducativas de internação podem sim ser um
instrumento eficaz no processo de ressocialização dos adolescentes em con-
flito com a lei, no sentido de se reduzirem os danos à dignidade dos menores
em privação de liberdade.
SUMÁRIO
Além disso, à luz do AI_70041491507_RS_1308598926617 da Oitava
Câmara Cível da Comarca de Caxias do Sul – TJ/RS, que indica a possibi-
lidade de analogia entre o sistema de execução penal e o sistema de medidas
socioeducativas, entende-se que, com a aprovação do Projeto de Lei n.º
5.516/2013, que permite ao condenado alcançar a remição de sua pena atra-
vés da prática esportiva, com interpretação analógica, possível seria remição
também para os menores em cumprimento de medida socioeducativa.
Ao ouvir atores envolvidos em várias etapas do processo socioeduca-
tivo se fez possível perceber a importância da adequação das normas aos
casos concretos, possibilitando que a analogia já mencionada auxilie ainda
mais o alcance da finalidade principal das medidas socioeducativas, isto é,
seu caráter pedagógico, com a reinserção do menor no convívio social, vi-
sando ainda minimizar os danos á sua dignidade e a sua formação humana
durante o período de privação de liberdade.
Dessa forma, constatou-se que o exercício da analogia in bonam par-
tem em casos como o narrado no Agravo de Instrumento analisado se trata
de uma boa saída para se alcançar um efetivo benefício do infrator que po-
derá, assim, ter condições favoráveis para sua reinserção no convívio social,
sofrendo os menores impactos negativos possíveis.
SUMÁRIO
NOTAS
2
Entrevista realizada com o menor, “L.”, no dia 29/12/2016.
3
Entrevista realizada com o menor, “L.”, no dia 29/12/2016.
4
Entrevista realizada com o menor, “L.”, no dia 29/12/2016.
5
Entrevista realizada com o menor, “L.”, no dia 29/12/2016.
6
Entrevista realizada com o psicólogo, Estefan, no dia 21/10/2016.
7
Entrevista realizada com o psicólogo, Estefan, no dia 21/10/2016.
https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19812894/agravo-de-instrumento-
ai-70041491507-rs/inteiro-teor-19812895?ref=juris-tabs. Acesso em 02/06/2016.
10/07/2017.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
introdução à Sociologia do Direito penal. Tradução Juarez Cirino dos San-
tos. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 6ª edi-
ção, outubro de 2011, 3ª reimpressão, agosto de 2016.
COSTA, Jaider dos Santos. Artes marciais e direito penal: relação entre
os valores dos praticantes e a tipicidade das condutas. 2015. 68 f. Mono-
grafia (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, Três Rios, 2015.
MUELLER, Betânia. “Tem que ter raça: uma etnografia com “jovens”
lutadores no Morro da Boa Vista. Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Flu-
minense, Niterói, 2015.
SUMÁRIO
WACQUANT, Loic J. D. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz
de boxe. Tradução: Ângela Ramalho. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2002.
SUMÁRIO
A ENCRUZILHADA ENTRE SOCIOEDUCAÇÃO E
PROTEÇÃO INTEGRAL: UM ESTUDO A PARTIR DE
RECIFE/PE
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre pesquisa sociojurídica realizada no Centro de
Atendimento Socioeducativo – CASE Santa Luzia, localizado na cidade do
Recife, unidade da Fundação Socioeducativa de Pernambuco - FUNASE –
que executa medida de internação de mérito, determinada por sentença, a
adolescentes do sexo feminino.
Através de observações etnográficas e entrevistas livres, fez-se uma
análise da realidade empírica da medida socioeducativa de internação, pro-
curando inserir na discussão teórica, elementos vivenciados na pesquisa de
campo, onde foi analisada a referida medida sob um prisma prático, anali-
sando, desta forma, a incongruência do paradigma da proteção integral que,
para proteger o adolescente, priva-o de sua liberdade.
Procurar-se-á também demonstrar os efeitos nefastos produzidos tanto
pelo processo de Criminalização quanto pelo da Prisonização, os quais levam
a adolescente a assumir a responsabilidade pelo seu destino, ou seja, ela se
aceita como “mau elemento” e, portanto, entende que nada há para ser feito.
Logo, surge a necessidade de analisar em que medida este estigma de ado-
lescente infratora permeia seu autoconceito. Assim, é preciso observar o que
acontece no interior dessas instituições que explicam a substituição da iden-
tidade do indivíduo por uma identidade estragada no lugar daquela.
Se de um lado, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e o
Estatuto da Criança e do Adolescente ensejaram a doutrina da proteção in-
tegral, que idealiza crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e, por
isso, veem a internação como medida excepcional decorrente da prática ato
infracional, de outro, põe-se em dúvida essa pretensão, dada a privação da
liberdade a qual a juventude é submetida.
SUMÁRIO
É sobre a realidade dessa medida que se passa a debruçar.
2. CRIMINALIZAÇÃO, pRISONIZAÇÃO E
ESTIGMATIZAÇÃO
As trajetórias dessas adolescentes concedem pistas do que se poderia definir
como o contrassenso do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois se de um
lado, em que “em nome dos direitos da infância e juventude”, visa-se promo-
ver a adolescência, de outro, as “medidas socioeducativas graves”, promovem
o confinamento daqueles considerados “perigosos”, isto é, uma ameaça à so-
ciedade. Como pode se pretender que a pessoa seja reinserida no meio social
quando durante um bom tempo de sua vida ela se viu privada de tudo aquilo
que a cerca no momento em que sua liberdade lhe é restituída? E mais, como
esperar dela comportamentos sociais se ela passou tempo sendo identificada
como anormal?
Em realidade, a internação, mesmo constituindo medida privativa de
liberdade, não poderia dispensar o contato com o mundo externo, pois a in-
ternação que privilegia o isolamento se demonstra inadequada (JESUS,
2006), uma vez que a troca de experiências positivas e a vivência comuni-
tária são essenciais para essa reintegração do adolescente à sociedade.
O que acontece, na verdade, é que, em nome da “proteção integral”, ao
longo do cumprimento da medida de internação, os adolescentes em conflito
com a lei são colocados em “masmorras especializadas” (ROSA, 2011,
p.321), eufemisticamente chamadas de “estabelecimentos educacionais”,
tendo seus direitos desrespeitados diariamente. Os direitos fundamentais
dessas adolescentes são frequentemente relativizados em nome de uma pre-
tensa socioeducação, desejando-se “reinserir” essas jovens no convívio so-
cial fora dos muros das Unidades de Internação, contudo não se preocupan-
do com o impacto subjetivo causado por essa medida “socioeducativa” na
autopercepção da adolescente.
Nesse diapasão, imperioso reconhecer que a medida de internação con-
tribui substancialmente para a construção do estigma de “criminosas” pelas
adolescentes a ela submetidas, quando do impacto negativo da absorção deste
rótulo nas suas subjetividades. Para tanto, procura-se analisar a construção
social da criminalidade à luz da teoria da reação social, ou labeling approach.
A criminologia crítica veio mostrar que é impossível estudar a crimina-
lidade sem levar em consideração que o desvio e a criminalidade são quali-
dades atribuídas a determinados sujeitos por meio dos mecanismos oficiais
e não-oficiais de definição e seleção. Neste sentido, a criminalidade seria
nada mais que um status social que caracterizaria o indivíduo somente quan-
do lhe é atribuída com êxito, pelas instâncias que detém o poder de definição,
a etiqueta de desviante ou criminoso. Em consequência, as possibilidades de
SUMÁRIO
resultar etiquetado encontrar-se-iam desigualmente distribuídas, uma vez
que, dentro da população total, a minoria criminal escolhida reflete a desi-
gualdade social. (ANDRADE, 2003)
O efetivo comportamento dos indivíduos, por si só, não caracterizaria
condição suficiente para o processo de criminalização, isso porque as variá-
veis de definição da etiqueta de criminoso se encontram nas relações de poder
e determinados indivíduos, pertencentes a certos grupos sociais e represen-
tantes de certas instituições, são dotados do poder de definição, ou seja, do
poder de estabelecer quais crimes e quais pessoas devem ser perseguidos.
(BARATTA, 2002). Por isso, é mais apropriado falar da criminalização e do
criminalizado do que falar da criminalidade e do criminoso, pois o caráter
criminal de uma conduta e a consequente atribuição de criminoso ao seu autor
dependem dos processos sociais de “definição”, que atribuem tal caráter a
esta conduta, e de “seleção”, que etiquetam um autor como delinquente, pois
uma conduta não é criminal “em si”, nem seu autor é um criminoso por con-
cretos traços patológicos de sua personalidade. (ANDRADE, 2003)
Essas instituições, além de organizações formais, constituem sistemas
sociais informais, com seus códigos de comportamento bem definidos pois,
ao serem afastados do contato com outros adolescentes de sua idade que não
tiveram contato com o sistema infracional, são expostos a um “código de
valores interno”, cuja aceitação facilita a sua adaptação à vida dentro da ins-
tituição. Assim, os novos membros assimilam as regras e a cultura geral da
comunidade, tal processo é denominado Prisonização. (GOMIDE, 1988)
Ao impacto que este etiquetamento causa na identificação pessoal do
indivíduo, dá-se o nome de estigma. Atualmente, o termo estigma é utilizado
para caracterizar algo de mal, um atributo profundamente depreciativo, uma
ameaça à sociedade, isto é, a imagem está deteriorada por uma ação social.
Ou seja, o estigma é um atributo que produz um amplo descrédito na vida
do sujeito e, para os indivíduos estigmatizados, a sociedade reduz as opor-
tunidades e não os atribuem valor, promovendo a perda da identidade social
por uma identidade deteriorada. Ou melhor, esse “defeito” atribuído pelos
outros, que ele incorporou, o faz, em alguns momentos, concordar que ele,
na verdade, seria inferior do que realmente deveria ser. (GOFFMAN, 1988).
Afinal, o estigma não deixa de ser uma forma de neutralizar aquele indiví-
duo, melhor dizendo, quando se estigmatiza alguém, diminui-se camufla-
damente o seu valor. (BACILA, 2014).
Ser apanhado e marcado como desviante tem consequências muito im-
portantes para a participação social e autoimagem do indivíduo, especial-
mente uma mudança drástica em sua identidade pública, uma vez que co-
meter o ato impróprio e ser apanhado confere-lhe um novo status, pois ele
revelou ser um tipo de pessoa diferente do que supostamente era. Desse
modo, a identificação desviante torna-se dominante, já que a detenção por
SUMÁRIO
um ato desviante expõe a pessoa a vir a ser encarada como desviante ou in-
desejável nos demais aspectos, sendo capaz de infringir também outras re-
gras importantes, de forma que a identificação desviante acaba se tornando
mais importante que as outras. (BECKER, 2008)
Entra-se aí no conceito de “role-engulfment”, que significa que a fun-
ção de delinquente passou a assumir prioridade na carreira do desviante, de
modo que toda a sua experiência tende a polarizar-se em torno deste papel.
(DIAS; ANDRADE, 1997). Segundo este conceito, as pessoas tornam-se
presas ao papel de desviante, como um resultado do que os outros lhe dizem
respeito em termos de sua identidade estragada. Na medida em que as pes-
soas se referem ao indivíduo mais em termos de seu status desviante do que
em termos de status socialmente aceitável, o status desviante se torna mais
saliente. Trata-se de um processo cumulativo, no qual a pessoa resulta tão
mergulhada nesse papel desviante que lhe é atribuído, que passa a se definir
tão negativamente quanto os outros a definem. (PFUHL; HENRY, 1993)
A opção pela visão de Goffman deve-se à preocupação que dispensou
o autor à compreensão do cotidiano dos indivíduos em suas relações intera-
tivas, analisando as estratégias que pessoas usam em seus cotidianos para
representar algo de seu objetivo. (GOFFMAN, 2011b). O autor pretende
compreender o modo pelo qual as pessoas orientam suas ações no cotidiano,
atribuindo sentidos aos contextos. Como tributário da tradição interacionis-
ta, em que “o processo social não é uma interação imaginada de forças in-
visíveis ou um vetor estabelecido pela interação de múltiplos fatores sociais,
mas um processo observável de interação simbolicamente mediada”
(MEAD, 1934, p. 28), Goffman procura estudar a vida social descrevendo
os aspectos que constituem um quadro de referência do agir humano (inter-
pretado, metaforicamente, como uma peça teatral) que pode se reproduzir
em qualquer ambiente. (GOFFMAN, 2011b)
Para Goffman, as pessoas atuam como atores em um palco, vestidas
por representações e máscaras (fachadas), de onde comunicam à plateia algo
que desejam, seja de forma verbal ou não verbal (CORRêA, 2001). Isto tudo
porque, considera, na trilha interacionista, que o self 1 – a visão que cada
pessoa tem de si é construído a partir das interações com os outros, de modo
que, a forma pela qual cada um se percebe é, em parte, função de como os
outros a percebem.
Isto é, a fenomenologia e do labeling vai indicar que nós somos a ati-
tude do outro, formamos a consciência de nós mesmos a partir da interação
social, observando o modo como os outros nos tratam. Nós incorporamos a
atitude dos outros, uma questão que a criminologia se inspira.
É a investigação desse conteúdo que será explicado a seguir.
SUMÁRIO
2.1 DA TEORIA À pRáTICA: UM MÉTODO DE
INVESTIGAÇÃO.
É necessário esclarecer que a minha pretensão foi realizar observações etno-
gráficas e entrevistas livres no interior do local escolhido como campo de pes-
quisa. Com isso, explica-se que, por não possuir formação antropológica, não
há a ambição realizar um estudo etnográfico dotado de sofisticação metodo-
lógica própria dos profissionais da área das ciências sociais, mas sim realizar
uma pesquisa sociojurídica, como sugere Luciano Oliveira (2015).
A pesquisa sociojurídica diz respeito, portanto, a uma pesquisa reali-
zada por alguém que pretende ir além da pesquisa estritamente jurídica, de-
sejoso de fazer uma pesquisa sociológica. Contudo, tendo o devido cuidado
em obedecer aos protocolos mínimos do que significa fazer uma pesquisa,
e não apenas uma “crítica social”. Deste modo, é entendida como “uma pes-
quisa de natureza sociológica, de base empírica, tendo o direito por objeto“,
sendo-lhe adequada, então, o que o autor denomina de “uma metodologia
de baixa complexidade”. (OLIVEIRA, 2015, p. 170) O que, de maneira al-
guma, pretende diminuir a importância da contribuição das pesquisas “de
baixa complexidade”, mas sim reconhecer as limitações que a formação ju-
rídica impõe, e que se refletem, principalmente, na necessidade do emprés-
timo das metodologias das ciências sociais.
Neste sentido, a observação etnográfica, realizada no período de dois
meses, aliada às entrevistas livres resultaram na análise do contexto enquan-
to fator de interferência na dinâmica social. Buscou-se, assim, compreender
a realidade da socioeducação no âmbito subjetivo das adolescentes e a rela-
ção que estas estabelecem consigo mesmas e entre si.
Assim, o principal alicerce da etnografia está assentado na busca pela
compreensão das particularidades, afastando-se do campo das universaliza-
ções e generalizações. (PEIRANO, 1995). Sendo assim, graças a essa ampli-
tude de análise trazida pela etnografia, será possível analisar não só o objeto
de estudo em si, mas também todo o contexto que o cerca. Aliada à observação
participante, na medida em que a pesquisadora interage com as pesquisadas,
as informações trazidas pela observação participante são de grande valor para
a incorporação do contexto de sua produção. (MINAYO, 2013, p. 66)
O termo etnografia vem sendo usado para definir um estudo de fenô-
menos antropológicos a partir de uma pesquisa em que o investigador par-
ticipa ativamente no campo objeto da análise, e devido a isto que a etnografia
está diretamente ligada à observação participante. (ESTEVES, 1998). Com
um caráter preponderantemente qualitativo, a etnografia, metodologia bas-
tante utilizada nas pesquisas em ciências sociais, permite captar determina-
dos aspectos da dinâmica das relações urbanas que passariam despercebidos
às visões estatísticas, focadas preponderantemente em números. (MAGNA-
NI, 2002)
SUMÁRIO
O objetivo principal é buscar entender o que as adolescentes apreendem
ao perceberem o que acontece em seus mundos a partir do início do cum-
primento de uma medida socioeducativa de internação e até que ponto isso
vai interferir interna e externamente em suas vidas e em suas percepções
sobre si mesmas.
A: “Eles quer que nós fique calada, não faça nada, porque eles num quer ter
trabalho.”2
SUMÁRIO
F: “Olhe, não vai dar pra fazer a atividade lá em cima hoje não. Elas tão
muito agitadas, só querem ficar ouvindo som alto e tão fazendo faxina.”3
SUMÁRIO
nicos, confirmando os mundos sociais e culturais diversos, a ponto de a equi-
pe técnica confundir-se com a instituição (GOFFMAN, 1987) e as adoles-
centes com a ideia de erro e maldade.
Ou seja, se são perigosas, se existe uma barreira com o mundo externo,
como realizar atividades fora da unidade com elas? Do fim ao cabo a insti-
tuição não substitui uma cultura específica, mas afasta oportunidades de
comportamentos e leva ao fracasso do acompanhamento das mudanças so-
ciais. Esse processo de desculturamento (GOFFMAN, 1987) distancia o in-
ternado, incapacitando-o para enfrentar os aspectos do cotidiano, levando-
o à aquisição de outra cultura.
Enfim, a identificação à condição de “em conflito com a lei”, desviante,
criminosa, altera o destino social das adolescentes e a socioeducação é o ca-
minho destas mudanças. Porém, como se vê, não mudanças positivas, afinal
a barreira com o mundo externo implica questionar: como poder falar em
participação e desenvolvimento de potencialidades?
Já em relação à equipe técnica, esta é composta por psicólogo, assis-
tente social, pedagoga e advogado da FUNASE. São eles que elaboram os
relatórios ou pareceres técnicos que serão enviados ao juízo da Vara Regio-
nal da Infância e Juventude, o qual, baseado nesse relatório, decidirá sobre
a permanência ou a liberação da adolescente em medida de internação.
O tratamento da equipe técnica para com as adolescentes é nitidamente
mais carinhoso do que o dispensado pelos ASES, pois para elaborarem os
relatórios em que opinarão pela manutenção ou não da medida de interna-
ção, os psicólogos e assistentes sociais necessitam que as adolescentes lhes
depositem confiança. Então, para despertarem essa relação de confiança
para com as adolescentes, eles as chamam por apelidos carinhosos, falam
com a voz mais branda e suave, sem a entonação mais autoritária empregada
pelos ASES, que são os responsáveis por manter a “disciplina” dentro da
unidade. Aqui, também se percebe uma diferença do relacionamento e
do tratamento dispensado pelas adolescentes para com a equipe técnica, pois
aquelas sabem que dependem dos relatórios elaborados por esta para pode-
rem retornar ao mundão. Nesse contexto, nota-se uma espécie de jogo. As
meninas tratam melhor a equipe técnica com o objetivo de terem seus rela-
tórios favoráveis à liberação, enquanto a equipe técnica tenta manter uma
relação de confiança com as adolescentes para aferir se elas estão em con-
dições de retornar ao convívio social.
Enquanto isso, aquelas que resistem à padronização de comportamento
são tidas como “rebeldes”, “complicadas” ou “perigosas”, e acabam não ob-
tendo os benefícios da saída, bem como outros, e quiçá, acabam levando
mais tempo no cumprimento da medida de internação, já que um dos crité-
rios mais relevantes para que recebam um relatório favorável é que demons-
trem um comportamento esperado pela equipe técnica.
SUMÁRIO
As meninas dizem que é horrível estar em medida de internação e cha-
mam de prisão. Dizem que os ASES não gostam delas e que não deixam elas
fazerem nada. Querem que elas fiquem trancadas no quarto o dia inteiro,
não querem que elas fiquem no espaço de visitas, não façam barulho, não
brinquem, não criem qualquer tumulto... enfim, elas não podem ser o que
são: adolescentes!
Certo dia, antes de as atividades do Fanzine terem início, foi possível
ouvir uma adolescente8 pedindo incessantemente ao policial para tomar seu
“banho de sol”, característica inconfundível do regime prisional fechado.
Outra reclamação das adolescentes é que não possuem bebedouros no inte-
rior da casa e elas precisam ficar chamando os ASES para levarem-nas água,
o que caracteriza uma total retirada da autonomia, característica marcante
dos regimes privativos de liberdade. (GOFFMAN, 1999)
Em outro dia, ao chegar, foi possível perceber uma movimentação di-
ferente, uma ansiedade pairava sobre um grupo de 4 adolescentes. Elas es-
tavam na expectativa de seus relatórios, para saber se seriam liberadas ou
se iriam “pegar manutenção”9. Nesse dia, todas as sentenças aguardadas
vieram pela manutenção da internação, e as expectativas se transformaram
em aceitação: “Tou mais do que conformada. Tou aqui há 1 ano e 8 meses
e já sabia que ia pegar manutenção. Peguei mais 6 meses de pena porque
fui presa por latrocínio”, disse uma interna10.
Retomando a fala da adolescente acima transcrita, ressalte-se o termo
utilizado pela adolescente para se referir a si mesma: “presa por latrocínio”.
Essa característica é comum à grande maioria das adolescentes entrevista-
das.
No decorrer de uma dinâmica de mímica, quando do sorteio da palavra
“serenata” a ser simulada através de gestos, uma das adolescentes se mani-
festou: “Isso né coisa de bandido não!”.11 Outro exemplo disso foi quando,
no desenvolvimento da primeira atividade do Fanzine, cujo tema a ser abor-
dado era: “Meu (minha) melhor amigo (a) é...” Ao se referir à sua melhor
amiga, que estava no mundão, uma das adolescentes se pronunciou12: “ela
não é errada não”, ou seja, a sua amiga não é errada (porque não está lá),
mas ela (por estar interna), o é.
Em outra ocasião, quando se começou a dividir as meninas em dois
grupos, um ficando na parte do deck e a outra num grande terraço no segundo
andar da casa, a fim de agilizar e facilitar o trabalho de montagem dos Fan-
zines, e também seguindo orientações dos funcionários da casa, para “evitar
tumultos”, uma adolescente se indignou: “porque elas ficam lá embaixo e
eu fico presa aqui em cima?”13.
É bastante visível nas adolescentes como elas absorvem essa imagem
de que “são erradas” e de que entraram para o “mundo errado”14, por isso
estão na “prisão”, termo como se referem constantemente à medida de in-
SUMÁRIO
ternação. O impacto da medida de internação em suas autopercepções se re-
vela na desvalorização com que se referem a si mesmas.
Ao se referirem ao Centro de Atendimento Socioeducativo como “pri-
são”, à medida de internação como “pena”, a si mesmas como “presas”, as
adolescentes demonstram claramente como absorveram o papel de “crimi-
nosas”. É a clara manifestação do role-engulfment. (ERIKSON; ERIKSON,
1957, p. 15-23)
Assim sendo, o papel de delinquente passou a assumir primazia na car-
reira da adolescente, de modo que toda a sua experiência e referências a si
mesmas tendem a concentrar-se em torno deste papel. (DIAS; ANDRADE,
1997, p. 351) É, de certa maneira, como elas tivessem se tornado presas ao
comportamento de desviante, como uma consequência do que os outros lhe
dizem respeito em termos de sua identidade estragada.
4. CONSIDERAÇõES FINAIS
Devido ao fato de que as pessoas com as quais as adolescentes convivem
(agentes socioeducativos, equipe técnica) reportam-se a elas mais em termos
de seu status desviante do que em termos de status socialmente aceitável, dão
maior relevância ao status desviante, fazendo com que a própria adolescente
desacredite em si mesma. Trata-se de um processo cumulativo, no qual a ado-
lescente termina tão mergulhada nesse papel desviante que lhe é imposto, que
passa a se definir tão negativamente quanto os outros a definem.
Na medida em que se autorrepresentam como “bandidas”, é a clara ma-
nifestação de que o papel de delinquente assumiu o primado e assim se ini-
ciou a carreira infracional. Neste sentido, pronunciou-se em consonância
quando, em conversa com uma adolescente, esta confidenciou: “Entrei aqui
por tráfico, aí passei sete meses e fui pro mundão, aí fui inventar de roubar,
e vim parar aqui de novo”15.
Ao serem submetidas pelas cerimônias degradantes de passar por um
processo, culminando em sua internação numa instituição fechada, as ado-
lescentes têm fortemente atingida sua autoestima, acarretando na perda de
sua identidade e na perda de seus valores e pertences, pois a sua identidade
prévia será substituída pela imagem de delinquente que lhe fora atribuída e
que absorveu.
Ou seja, de tanto ouvirem que são “complicadas” ou “perigosas”, as
adolescentes passam a se definir tão negativamente quanto os outros as de-
finem. Então, encontram-se tão mergulhadas no papel de desviantes que lhes
foram atribuídos, que o processo de estigmatização se torna cumulativo.
Desta feita, ao passo que a pessoa estigmatizada, quando internaliza aque-
le estigma, aceitando o rótulo e passando a assumir o papel que dela se espera,
passa a desenvolver sua carreira criminal, participando de outros delitos, já que
SUMÁRIO
não lhe resta outra alternativa senão incorporar a identidade delinquente que
lhe foi dada.
A conclusão que se impõe é de que depois da medida de internação (que
segundo o ECA teria propósito educativo), a identidade da adolescente ja-
mais será a mesma. Ao ser apreendida e “encarcerada”, afeta-se drastica-
mente a autoimagem dessa adolescente, de forma tal que quase todas as re-
ferências que as internas fazem sobre si mesmas envolvem os termos
“presas”. Isto é, na medida em que a adolescente, degradada pelo processo
de estigmatização, se conforma com o estigma, quando da vivência na uni-
dade de internação, instituição total por natureza, passa a assumir o papel
que dela se espera.
Ao passo que a total retirada de sua liberdade elimina sua individuali-
dade, com o objetivo de neutralizá-la. Ocorre que, quando esta identidade
deteriorada toma o lugar da identidade que o indivíduo possuíra anterior-
mente, ele está aniquilando o seu eu, o que acarreta na mortificação da pes-
soa e no abandono da sua autonomia pessoal. Desta maneira, segundo Goff-
man, o início da derrota do ser humano configura-se quando o processo de
estigmatização se cumpre “com sucesso”, como uma profecia-que-cumpre-
a-si-mesma. (GOFFMAN, 1999, p.16)
É de se considerar ainda que, apesar de as medidas socioeducativas
terem uma fundamentação educacional-pedagógica, faz-se necessário a in-
dagação no sentido de sobre qual perspectiva elas assumem essa finalidade,
se de manutenção e perpetuação de uma ordem já dominante, que atue como
forma prematura de controle social das camadas mais pobres, ou se de fato
trazendo uma perspectiva emancipatória às adolescentes. E, analisando a
realidade brasileira no tocante as condições as quais os jovens estão subme-
tidos, principalmente quando estão sob a tutela total do Estado, é de se per-
ceber que a perspectiva adotada é muito mais a de segregação, marginaliza-
ção e opressão.
Ao adentrar em uma instituição total, como é o caso de um Centro de
Atendimento Socioeducativo da medida de internação, que é, por sua natureza,
privativa de liberdade, pretende-se atingir o objetivo da socioeducação. Porém
como isso seria possível? Com o desejo de se livrar daquele encarceramento o
mais rápido possível, a adolescente acaba por desenvolver um papel, no qual
segue o roteiro estipulado pela instituição, personificada em seus funcionários,
e, com isso, termina tendo o seu eu paulatinamente mortificado.
Diante desse contexto, agora mais do que nunca, o termo “medida so-
cioeducativa” aparece como algo extremamente inapropriado, quer porque
essa medida de “socialização” ocorre por meio da segregação do próprio con-
vívio social, quer porque o viés educativo é inexistente. A socioeducação su-
postamente pretende preparar a adolescente para ser reinserida no convívio
social, porém é inviável sequer imaginar como esse resultado seria obtido,
SUMÁRIO
dado que a medida de internação priva a jovem de sua liberdade e quer in-
seri-la num “padrão” que termina acarretando a gradativa degradação de
sua subjetividade.
O que se busca são melhores alternativas ao obsoleto e ineficaz modelo
de encarceramento que ainda vigora no ordenamento jurídico, demonstran-
do que a lógica do “aprisionamento”, mesmo que com a nomenclatura “so-
cioeducativa”, a qual discursa que priva a pessoa de liberdade com a inten-
ção de posteriormente devolvê-la ao convívio social, não merece mais
credibilidade, devendo ser estudadas formas de não mais aniquilar os seres
humanos que se encontram privados de sua liberdade.
Desta maneira, não tem como se dizer que a medida de internação aten-
da minimamente aos princípios da doutrina da proteção integral.... Muito
pelo contrário, é assustador o abismo entre a expectativa apresentada pelo
ECA e a realidade da vivência da medida.
SUMÁRIO
NOTAS
É uma expressão de difícil tradução, mas temática central nas obras da Es-
cola de Chicago.
1
2
Adolescente A.C.
3
Diário de campo 03 de outubro 2015.
4
“truco”: atritos entre as adolescentes.
5
Diário de campo 19 de setembro 2015.
6
Diário de Campo 25 de setembro de 2015.
7
Diário de Campo 19 de setembro de 2015.
8
Adolescente E.T.
10
Adolescente G.S.
11
Adolescente E.P
12
Adolescente E.P.
13
Adolescente E.P.
14
“mundo errado”: cometer atos infracionais.
15
Adolescente K.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
do Advogado Editora, 2003.
SUMÁRIO
JESUS, Maurício Neves de. Adolescente em Conflito com a Lei: Prevenção
e Proteção Integral. Campinas: Servanda, 2006.
MEAD, Georg Herbert. Mind, Self and Society. Chicago: 1934, p. 28.
ROSA, Alexandre Morais da; LOPES, Ana Cristina Brito. Introdução crítica
ao ato infracional. Princípios e garantias constitucionais. 2 ed. Rio de Ja-
neiro: Lumen Juris, 2011.
SUMÁRIO
O ENLACE ENTRE A EDUCAÇÃO SOCIAL E A
SOCIOEDUCAÇÃO: NOVAS PERSPECTIVAS NO
ATENDIMENTO AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM
MEIO ABERTO1
William Vinicius Pinto2
Daniela Pereira Queiroz Neto3
INTRODUÇÃO
Ao iniciar a construção desse artigo se faz necessário a compreensão do dis-
posto no artigo (art.) 2° do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei
n. 8.069890), que no Brasil define, claramente, como adolescente, a pessoa
SUMÁRIO
que possui de doze a dezoito anos (incompletos) de idade.
Dando continuidade à definição, o adolescente em conflito com a lei é
definido como aquele que se encontra na faixa etária que compõe a adoles-
cência, descrita acima e, que verificada a prática de ato infracional, a auto-
ridade competente poderá aplicar as desde advertência até internação, con-
forme descrito no artigo (art.) 112° do ECA.
Salienta-se que um dos entraves que promoveu a reflexão quanto ao
tema proposto neste artigo, tem o foco principal discutir sobre o Sistema de
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, especificamente, a me-
todologia de atendimento ao adolescente em conflito com a lei.
Ainda no que diz respeito aos contextos e paradigmas apresentados ao
longo desse artigo cabe enfatizar a importância da troca de experiências e
conhecimento, proporcionando elementos para que os estudantes e atores
de políticas públicas, especialmente, de países que compõem a América La-
tina e Caribe possam compreender como funciona e se deu o Sistema de Ga-
rantia de Direitos no Brasil, levando em consideração os três eixos estraté-
gicos de ação que permeiam a área de promoção dos direitos humanos,
conforme descrito por Pinto (2015) in: Plano Municipal Decenal de Aten-
dimento Socioeducativo em Meio Aberto de São Bernardo do Campo, sendo
elas: I — da defesa; II — da promoção; e III — do controle de sua efetivação,
destacando a articulação, integralização das esferas públicas governamen-
tais e da sociedade civil.
Neste ínterim, esse artigo pode contribuir para o desenvolvimento de
um novo olhar frente aos processos de exclusão e, ou, vulnerabilidades so-
ciais, tornando possível a efetivação de novas estratégias para (re)inserção
social da família e da comunidade na construção de políticas públicas, ou
seja, promoção de uma discussão critica pautada no arcabouço legal que
viabilize a equidade, podendo transcender as violações de direitos que essas
crianças e adolescentes enfrentam cotidianamente, bem como promover a
apreensão e ressignificação de novos valores, considerando as peculiarida-
des existentes nas referidas fases do desenvolvimento humano, viabilizando
assim, uma melhora no convívio familiar e social.
Contudo, a questão central que permeia esse artigo é analisar os entra-
ves existentes que podem interferir na efetivação sistema de garantia de di-
reitos, além de trazer elementos e metodologias que podem ser incentivadas
e, ou, implementadas em diferentes contextos sociais, trazendo contribui-
ções da educação social e da socioeducação para os profissionais que atuam
direta e, ou, indiretamente com crianças e adolescente.
A EDUCAÇÃO SOCIAL
As ações educativas de natureza social podem ser consideradas como um
SUMÁRIO
ato político fundamentado ideologicamente, podendo ser estas, principalmen-
te, constatadas no sistema familiar, na sociedade e em todas as instituições
que buscam contribuir para o desenvolvimento e o bem-estar do ser humano,
proporcionando a formação de um sujeito crítico, o qual é fruto de interações
com o meio e relações interpessoais, situadas social e historicamente.
Não significa, porém que vamos saber dar uma educação social de direito,
mas também não vamos atrelar a educação social com uma concepção abs-
trata de direitos, concepção direita de direitos, nem sequer por uma concep-
ção universalista de direitos que na verdade pouco tem de universalista, que
é localista de direitos.
(...) a ação socioeducativa constitui-se num processo que tem por objetivo
preparar a pessoa em formação (adolescentes) para assumir papéis sociais
relacionados à vida coletiva, à reprodução das condições de existência (tra-
balho), ao comportamento justo na vida pública e ao uso adequado e respon-
sável de conhecimentos e habilidades disponíveis no tempo e nos espaços
onde a vida dos indivíduos se realiza. Ao lado disso, desdobra-se o conjunto
das ações educativas a serem desempenhadas pelos educadores que devem
buscar articulação entre as relações práticas da educação e a necessidade do
adolescente à vida política e social, individual e coletiva, sendo a educação o
caminho necessário para a formação do sujeito-cidadão ao dotar os educan-
dos dos instrumentos que lhes são necessários e pertinentes.
SUMÁRIO
Para Costa (2006), a premissa do processo educativo é o exercício de uma
influência positiva e edificante na vida dos adolescentes, contribuindo e ofe-
recendo-lhes oportunidades de compreender seu lugar e seu papel na sociedade,
no contexto em que se encontra e como se dão as consequências de suas esco-
lhas para, posteriormente, fazê-las de forma protagônica e autônoma.
No que se refere às normas técnicas estabelecidas para os núcleos so-
cioeducativos, pode-se destacar que devem viabilizar um espaço de discus-
são, vivências e reflexões, e há indicação para a abordagem de questões re-
lacionadas às etapas dos ciclos de vida familiar. Sugere-se:
SUMÁRIO
meios de comunicação e constantemente ressignificadas na música e no ci-
nema. A identificação com o “mundo do crime” é participar de expressões ju-
venis de virilidade e força valorizadas por muitos jovens.
CONSIDERAÇõES
A revisão de literatura demonstrou a importância da articulação em rede
para efetivação do processo de construção de paz, levando em consideração
a participação de cada órgão no Sistema de Garantia de Direitos. Porém,
ainda na área social ocorre a falta de articulação interinstitucional e inter-
secretarial no que diz respeito à atuação das equipes que atendem e, ou,
acompanham crianças e adolescentes expostos a exclusão social e que vivem
em áreas de extrema vulnerabilidades.
Nesse contexto, salienta-se que necessita ocorrer uma mudança no
olhar dos profissionais das demais áreas para a concretização dos pressu-
postos da assistência social, educacional e de saúde, bem como o investi-
mento em instituições e núcleos de ensino com cursos que formam os pro-
fissionais para atuar junto as crianças, adolescentes, família e sociedade,
dando ênfase na promoção, acesso aos direitos humanos e capacitação de
agentes multiplicadores.
Acredita-se que a educação social e a socioeducação vem acrescentan-
do de forma positiva conteúdos para efetivação dos direitos humanos,
porém, ainda se faz necessário que outras pesquisas sejam realizadas acerca
da efetivação do sistema de garantia de direitos no atendimento prestado as
crianças e adolescentes, consequentemente, aprofundar-se sobre as diversas
transformações ocorridas social e historicamente que podem promover mu-
danças na convivência e no cotidiano social.
Contudo, deixamos claro que esse trabalho inicial de pesquisa não se
relaciona com considerações finais, devendo ser visto como análise preli-
minar de um recorte sobre o tema em tela que deve sempre estar aberto para
outras interferências, inferências, implicações, pressuposições, suspeitas,
hipóteses, deduções, entre outras, intromissões, perturbações e até mesmo
distorções que possam corroborar para a melhoria e, ou, aprimoramento da
metodologia de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, propor-
cionando o fortalecimento de ações que podem viabilizar a emancipação
SUMÁRIO
dos sujeitos, bem como esse artigo prevê que mais pesquisas necessitam
serem realizadas acerca da efetivação do sistema de garantia de direitos no
atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, consequentemente,
aprofundar-se sobre as diversas transformações ocorridas no atendimento
que vem sendo disponibilizado para este público.
SUMÁRIO
NOTAS
3
Mestranda em Educação, Bióloga e Gestora ambiental pela UNINOVE - SP.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CHAUI, Marilena. Direitos humanos e educação. In: Congresso sobre Di-
reitos Humanos — Brasília, 8/2006.
SUMÁRIO
Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 94, p. 155-178, jan./abr. 2006
SILVA, Roberto. pedagogia Social. São Paulo: Expressão & Arte, 2012.
SUMÁRIO
GP 12 – GLOBALIZAÇÃO,
REGULAÇÃO E NOVAS
TECNOLOGIAS
Coordenação: Mateus de Oliveira Fornasier,
Paulo Roberto Ramos Alves e Luis Gustavo Gomes
Flores
SUMÁRIO
DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS
TECNOCIENTÍFICOS NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA E A EFICÁCIA HORIZONTAL
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Aline Michele Pedron Leves
Mestranda e Bolsista CAPES do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ;
Graduada em Direito pela UNIJUÍ, RS/BRASIL.
INTRODUÇÃO
Os desafios do final do século XX e início do século XXI intensificaram a
efervescência das transformações de uma nova era global, marcada pela rela-
tivização da soberania dos Estados modernos, pela transponibilidade das fron-
teiras nacionais e por uma ampla interdependência entre os povos. A história
demonstra que, em diferentes contextos, repensar as relações sociais, políticas
e econômicas exige uma abordagem interdisciplinar, para reconhecer que
tanto os Estados como os atores não governamentais possuem um papel de
extrema relevância nas atuais formas de sociedade democráticas.
No atual cenário de interconexões sociais, diante dos paradigmas e pa-
radoxos oriundos do fenômeno da globalização do mundo, destacam-se a crise
dos regimes democráticos em virtude do controle político-econômico, os cé-
leres avanços científico-tecnológicos e a emergência dos inúmeros riscos so-
ciais que ameaçam a proteção dos direitos fundamentais. De um ponto de vista
geral, o tema do presente estudo é de grande importância, uma vez que a o sis-
tema do direito exige uma infinitude de possibilidades para atender os pro-
blemas e os desafios que acompanham a complexidade do entorno social.
O propósito deste artigo consiste, justamente, em analisar o paradigma
atual para a efetivação de um ideal de democracia que assegure a proteção dos
direitos fundamentais frente aos avanços tecnológicos e científicos. Em um
primeiro momento, a meta consiste em compreender de que modo o sistema
político democrático se instituiu historicamente e como este imbrica nas di-
versas formas de relações sociais. Em seguida, busca-se ponderar de que
forma a globalização das relações econômicas tem modificado a própria pos-
sibilidade de se levar à prática os programas econômicos nacionais e integrais,
uma vez que o processo de governo está, cada vez mais, fora do alcance do
SUMÁRIO
Estado-nação. Por fim, abordar-se-á como a democracia pode se realizar ple-
namente por meio dos organismos públicos e dos entes privados que se cons-
tituem no âmbito dos Estados, dado que nas relações que envolvem os indi-
víduos, deve ser assegurada uma verdadeira eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, com vistas à construção de uma sociedade mais justa.
Este trabalho enfrenta a temática e as hipóteses levantadas, através do
emprego do método hipotético-dedutivo, aliado com a técnica de pesquisa
bibliográfica. Para tanto, faz-se necessária a materialização da proteção dos
direitos fundamentais diante do entrelaçamento existente para o enfrenta-
mento dos impactos oriundos do fenômeno da globalização, os quais per-
petram uma ordem social desigual de integração democrática na realidade
que nos cerca.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Nas democracias contemporâneas, os avanços tecnológicos e científicos, re-
sultantes dos processos da globalização, estão moldando a visão de mundo,
a compreensão e o comportamento dos indivíduos em sociedade. Novas fron-
teiras integraram a vida humana e, ao superar as barreiras da distância e do
tempo, os complexos e poderosos sistemas reformulam rapidamente a ótica
da política, da economia e das estratégias globais para enfrentar as preocu-
pações no tocante aos conflitos sociais e aos direitos fundamentais.
De fato, na modernidade reflexiva, os desafios pressupostos as socie-
dades democráticas, repletas de riscos, contradições e progressos amplifi-
cados, nos remetem a uma sociedade que se volta para a proteção e a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais não somente nas relações com Estado,
SUMÁRIO
mas também nas relações privadas. O tema do presente estudo é bastante re-
corrente e o debate está longe de uma conclusão definitiva, de modo que nos
resta, tão somente, a certeza de que a história vivida jamais se apagará, en-
carregando-se o presente da construção de um futuro melhor.
Na sociedade globalizada – marcada pela burocratização, pelo predo-
mínio da razão técnica, pela despolitização e pela perda de tantas referências
–, não há nada mais difícil do que ver respeitadas as regras do jogo demo-
crático. Deste modo, despojados de um otimismo ingênuo, destaca-se as in-
coerências e as dificuldades de uma verdadeira democracia (em especial
pela sobrevivência de oligarquias, supremacia de interesses privados, insu-
ficiência em diversos setores sociais, ampliação das desigualdades), bem
como as promessas não cumpridas plenamente pelos seus ideais quando sub-
metidas às exigências da prática. Apesar dos seus inúmeros defeitos, pode-
se afirmar que os sistemas político-democráticos ainda permitem esperan-
ças, uma vez que não estão à beira do túmulo e, por isso, podem ser
melhorados no que concerne à proteção dos direitos fundamentais.
Em busca de uma maior participação democrática dos indivíduos na so-
ciedade, tanto as organizações estatais como instituições de ordem política,
econômica ou social devem assegurar os direitos fundamentais, tais como a
igualdade, a liberdade e a dignidade inerente a todos os seres humanos, tanto
nas relações públicas como nas privadas, já que estes se encontram sob a
constante ameaça de serem afetados. Desta forma, destacou-se a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais como valores que precisam ser, cada vez
mais, respeitados e garantidos no limiar dessa era globalizada.
Em síntese, a nova ordem global repleta de riscos e incertezas não con-
segue evitar, na maioria das vezes, que inúmeros assuntos políticos, econô-
micos e culturais sejam transformados em um verdadeiro campo de batalha
para os confrontos entre instituições, as quais se tornam incapazes de repre-
sentar a grande gama de interesses coletivos. Assim, a própria dinâmica da
evolução que impulsiona a trajetória da civilização na sociedade global faz
com que as temáticas relativas à democracia, ao progresso tecnocientífico
e aos direitos fundamentais não percam a sua atualidade, tendo em vista os
novos contextos da convivência social e do desenvolvimento do complexo
mundo em que vivemos e agimos.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal e outros
ensaios. São Paulo: Ciências Humanas, 1980.
SUMÁRIO
ção e liberdade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1991.
SUMÁRIO
DIREITO, ESTADO E CIDADANIA CORPORATIVA NA
ERA GLOBALIZADA
Ana Lara Tondo
Bacharela em Direito pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo
(CNEC/IESA). Acadêmica e Bolsista UNIJUI do Curso de Mestrado em Direitos Huma-
nos do PPGD da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ). Advogada. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0980107942857444. E-mail:
aana.tondo@gmail.com
SUMÁRIO
Abstract: This paper deals with the dimensions of the transformations of
citizenship in the complexity of globalized society from an “international”
society to a “globalized” society, also spread as a practice of corporate
citizenship by capitalist corporations, reinforcing the reordering of state
and non- without a functionally differentiated society. To do so, it seeks to
respond to the research problem: how the citizen, faced with the growing
bankruptcy of the State as the only legal issuing body and representative
of the democratic character of the public sphere, can guarantee a perma-
nence of its social achievements obtained in the face of the historical pro-
cess of conflicts for the expansion of citizenship? A hypothesis that presents
itself is a contemporary society is no longer restricted to the state domain
and is marked by an accelerated pace of scientific and technological de-
velopment, reflected in social evolution that led to a complexification of
social life, stimulated by the emergence of new demands proposed by
new actors, consolidating a globalization, marked by global interdepen-
dence and reduction of territorial restrictions.
INTRODUÇÃO
Este trabalho trata das dimensões das transformações da cidadania na com-
plexificação da sociedade globalizada de uma sociedade “internacional”
para uma sociedade “globalizada”, difundida também como uma prática de
cidadania corporativa por parte das corporações capitalistas, reforçando o
reordenamento das esferas estatais e não-estatais no cenário da sociedade
funcionalmente diferenciada. Para tanto, busca responder ao problema de
pesquisa: como o cidadão, frente à crescente falência do Estado como único
órgão emissor de juridicidade e representante do caráter democrático da es-
fera pública, pode garantir a permanência de suas conquistas sociais obtidas
diante do processo histórico de embates pela ampliação da cidadania?
Para melhor compreensão desta pesquisa, o procedimento metodoló-
gico empregado é o método sistêmico-construtivista, com base na Teoria
dos Sistemas Autopoiéticos. Acredita-se que a referida metodologia, ao em-
pregar uma observação de segunda ordem e considerar que a realidade é
uma construção que se dá conforme a observação realizada por um obser-
vador que observa sua própria realidade, é adequada para a incursão pro-
posta na sociedade funcionalmente diferenciada, vez que rompe com o ra-
cionalismo dominante e considera essa sociedade como um conjunto de
SUMÁRIO
sistemas, que, por seu turno, também são subdivididos em outros subsiste-
mas. Dessa forma, a compreensão linear e evolutiva é substituída por um
desenrolar não-linear e não-metódico, que melhor considera toda a comple-
xidade do tema em discussão, vez que se funda em categorias de base tam-
bém complexas.
Como hipótese preliminar, a primeira observação é a de que a socieda-
de contemporânea não se restringe mais ao domínio estatal e é marcada por
um ritmo acelerado de desenvolvimento científico e tecnológico, refletidos
numa evolução social que levou a uma complexificação da vida social, es-
timulada pela emergência de novas demandas propostas por novos atores
sociais, consolidando a globalização, marcada por uma interdependência
global e redução das restrições territoriais.
Com a superação das limitações regionais, o Direito também observa
uma mudança nas estruturais sociais, destacando-se o deslocamento do Es-
tado como único centro emissor de normatividade e a emergência de diver-
sas ordens jurídicas não-estatais e transnacionais, que não se submetem à
uma hierarquia rígida. Alicerçado nessa posição, vislumbra-se a possibili-
dade da autorregulação dos atores privados, que produzirão e aplicarão suas
próprias normas, a partir de uma movimentação jurídica espontânea, des-
centralizada e independente de processos jurídicos estatais.
O modelo estatal se torna cada vez mais insuficiente, e a cidadania,
nesse viés, reconhecida como uma ferramenta de acesso aos membros de
uma comunidade pode ficar prejudicada diante da crise do Estado soberano
e territorialmente delimitado, levando a uma ressignificação da cidadania
pelos processos jurídicos globais da autorregulação, não enquanto um subs-
tituto à noção estatal, mas sim, como um complemento a ela. A cidadania,
que na sociedade funcionalmente diferenciada representava um sentimento
de pertencimento a um Estado-nação, com o esvaziamento da soberania es-
tatal cede espaço a uma cidadania desvinculada da identidade nacional
A cidadania empresarial, assim, se relaciona com governança corpo-
rativa e direito dos cidadãos reconhecidos no seio das empresas, sendo, por
isso mesmo, confundida com ética corporativa e responsabilidade social
empresarial, e a autorregulação do espaço não-estatal ganha terreno frente
à uma conformação essencialmente pública de cidadania. A cidadania cor-
porativa aliada a programas de responsabilidade social empresarial pode re-
presentar uma nova cultura empresarial, inserindo no seio das empresas uma
questão que sempre foi objeto exclusivo do Estado: a questão social.
SUMÁRIO
letividade), portanto como centro de referência de tudo) (CORRêA, 2002,
p. 51).
SUMÁRIO
princípios também não conflitaram com os princípios da sociedade capita-
lista, mas, em realidade, necessários para manter uma certa forma de desi-
gualdade econômica indispensável na sociedade contratual.
A cidadania atravessou o séc. XIX como condição do capitalismo e da
manutenção da economia do mercado, pois se baseava nos direitos civis, já
que permitia que o indivíduo tivesse capacidade legal em lutar por uma pro-
priedade, mas não garantia a posse de nada a nenhum deles. “O mesmo vale
para a liberdade de expressão quando, por falta de educação, não se tem nada
a dizer que vale a pena ser dito” (CORRêA, 2002, p. 213). Os direitos civis,
assim, na modernidade, embora pareçam equitativos na teoria, se revelavam
impraticáveis, cujas condições materiais eram irrealizáveis. Havia inúmeros
preconceitos de classe herdados do antigo sistema, que só poderiam serem
abolidos por meio de educação social e edificação de uma nova tradição de
imparcialidade. A mudança de pensamento dos altos escalões na sociedade,
todavia, é um processo extremamente moroso.
Diante desse quadro, ampliou-se o campo dos direitos civis para abran-
ger direitos políticos também, por meio de lutas reivindicatórias, culminando
com a democratização do sufrágio e a participação dos cidadãos no exercício
do poder político (WOLKMER, 2001, p. 162). No entanto, no desenvolvi-
mento dos direitos políticos o mesmo processo dos direitos civis pode ser
identificado. O livre exercício do direito ao voto durante muito tempo foi im-
pedido. O voto secreto era insuficiente diante da intimidação das classes in-
feriores pelas superiores e da ausência de uma educação social.
Nesse sentido, para Marshall (1967, p. 70-ss), a evolução da noção mo-
derna de cidadania, na Europa, numa concepção neoliberal, democrática e
canônica, deve ser dividida em três aspectos: o civil, composto pelos ele-
mentos necessários à liberdade individual; o político, qual seja o direito de
participar ativamente do corpo político, tanto como membro quanto como
eleitor; e o social, que se refere às situações de bem-estar desse sujeito-ci-
dadão. Para o sociólogo, a divisão inicial em três âmbitos é muito oportuna,
uma vez que, a partir dessa diferenciação, tornou-se possível não apenas re-
conhecer esses direitos, mas também reconhecer até que ponto esses direitos
eram aplicados na prática. Essa conquista de direitos se deu ao longo de uma
caminhada: os direitos civis surgiram no sec. XVIII; os políticos no sec.
XIX; e os econômicos no sec. XX. Essa sequência não é apenas cronológica,
mas também lógica: baseando-se nos direitos e liberdades civis os ingleses
conquistaram o direito de votar e participar do governo do seu país, cuja par-
ticipação permitiu que os operários fossem eleitos e pudessem criar o Par-
tido Trabalhista, o responsável pela introdução dos direitos sociais. Já o con-
texto histórico é o que se desenvolveu a partir da Revolução Francesa de
1789, e a luta pelos direitos sempre ocorreu dentro dos limites geográficos
do Estado-nação (CARVALHO, 2008, p. 11-12).
SUMÁRIO
Os direitos sociais surgiram intimamente ligados com os direitos políti-
cos, sendo reconhecidos como elemento do status da cidadania apenas no sec.
XX, a partir do desenvolvimento do ensino público e das tentativas de suplantar
a desigualdade entre classes. Antes disso, a Poor Law (Lei dos Pobres) conce-
dia uma tutela econômica sobre pobres, velhos, doentes, mulheres e crianças
que excluía as pessoas sob sua proteção do status da cidadania. Por meio dela,
as reinvindicações dos pobres não eram encaradas como reinvindicações ci-
dadãs, mas sim como alternativas a ela. Esse sistema se manteve até 1918,
quando foi abolido permanentemente (MARSHALL, 1967, p. 72).
O desenvolvimento da cidadania, desta forma, pouco influenciou na re-
dução da desigualdade social. Pelo contrário, os preconceitos de classe e a
situação econômica prejudicaram o gozo prático dos direitos civis e políticos
enquanto que os direitos sociais sequer eram incluídos no conceito de cida-
dania, que só vieram a serem assim reconhecidos no sec. XX a partir da luta
pela redução da desigualdade baseado em elementos de bem-estar social.
Nesse ponto, a busca pela cidadania social no sec. XX é primordial-
mente uma busca pela inserção de classes proletárias e menos favorecidas
economicamente a um sistema de origem eminentemente burguesa, e não
meramente uma forma de igualar as rendas. Dessa forma, as expectativas
juridicamente reconhecidas como “legítimas” não são reinvindicações que
devem ser satisfeitas sempre que apresentadas, mas sim, elementos de um
plano de vida comunitária e o Estado se obriga perante a sociedade como
um todo, e não a sujeitos que buscam direitos individuais em tribunais de
justiça. Ou seja, o direito que o cidadão possui é um direito de igualdade de
oportunidade, com fins de eliminar privilégios hereditários e reconhecimen-
to das diferenças. Essa conquista dos direitos de primeira, segunda e terceira
dimensão permite que hoje possa se falar em direitos de quarta e quinta di-
mensão, cuja prioridade se dê no campo da luta por direitos difusos, proteção
ambiental, direitos da bioética e engenharia genética, dentre outros (MARS-
HALL, 1967, p. 76-ss).
CONCLUSÃO
No atual estado de pluralismo jurídico da sociedade mundial, caracterizado
por um Direito plural e fragmentado, regimes jurídicos cosmopolitas esta-
belecem um diálogo normativo com interações conceituais com outros re-
gimes. Isso pode vir a gerar conflitos e colisões de direitos nacionais, resul-
tando em “compromissos lamentáveis” ou na refletividade da fragmentação
da sociedade mundial (ROGOWSKI, 2017, p. 155-158).
Este trabalho propôs o reconhecimento de ordens jurídicas para além
do Estado com grande capacidade autorregulatória. Organizações globais e
internacionais possuem suas próprias instâncias de regulação e resolução
de conflitos, criando um Direito autônomo e global, fundamentais em torno
de princípios com validade pós-nacional, e não apenas multinacional ou in-
ternacional, que podem se chocar (e efetivamente em algumas ocasiões se
chocam) com as regras dos Estados-nação e outros regimes transnacionais.
Tudo isso acaba por convergir na representação simbólica que a cida-
dania exerce no espaço público e na construção de uma práxis da cidadania
SUMÁRIO
num ambiente corporativo, cujas dimensões sociais e políticas podem pa-
recer contraditórios e conflitivos, mas que acabam permeando debates po-
líticos acerca da hegemonia do Estado na conformação do espaço público.
A cidadania corporativa, quando aliada de programas de responsabili-
dade social empresarial demonstra a gestação de uma nova cultura empre-
sarial, e a questão social, que até então sempre foi objeto exclusivo de dis-
cussão pelo Estado, se transforma em foco de discussão também na área
empresarial que, a partir de observações econômicas, políticas, jurídicas e
filantrópicas, irá atuar numa lógica eminentemente política ao considerar o
ambiente exógeno das empresas, acaba fomentando o desenvolvimento so-
cial local e regional, mudando a economia com estímulo à geração de em-
pregos e desenvolvimento de ações de sustentabilidade, redirecionando as
conquistas dos trabalhadores.
Nesse ponto, a cidadania corporativa também assume um importante
papel simbólico de ação pedagógica e formativa, aparecendo como argu-
mento elementar dos discursos dos “novos atores sociais”. Por meio da
emersão de uma espécie de cidadania corporativa é possível reconhecer a
não exclusividade atual do Estado de atuar como provedor de soluções para
as mazelas sociais, de forma que a iniciativa privada, por meio dessas “em-
presas-cidadãs” imbuem-se de solidariedade e colaboram na implementação
de políticas sociais mesmo no interior de sua própria organização. É indis-
pensável, nesse ponto, que os excluídos, oprimidos e discriminados, de qual-
quer espécie, possam se reconhecer como sujeitos políticos, e um novo ho-
rizonte possa surgir, a fim de que a cidadania possa ser reconstruída a fim
de oportunizar a todos um relacionamento saudável na sociedade.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CRANE, Andrew; MATTEN, Dirk; MOON, Jeremy. The emergence of cor-
porate citizenship: historical development and alternative perspectives. In:
SCHERER, A.; PALAZZO, G. (ed.) handbook of Reseach on Global Cor-
porate Citizenship. Cheltenham: Edward Elgar, 2008.
SUMÁRIO
O PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR
NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
THE POLLUTER-PAYS PRINCIPLE IN THE JURISPRUDENCE OF THE
SUPERIOR COURT OF JUSTICE
1 INTRODUÇÃO
São cada vez mais numerosos os conflitos judiciais no Superior Tribunal de
Justiça envolvendo questões ambientais, principalmente pelas previsões
alarmistas de destruição do patrimônio ecológico, cujo marco inicial mais
significativo se deu, em âmbito normativo internacional, em 1972, na Con-
ferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, e fize-
ram surgir no homem a percepção de que o crescimento não é ilimitado, nem
mesmo a capacidade de suporte dos ecossistemas inesgotável – e principio-
logias e regulações jurídicas daí decorreram.
A responsabilidade pelo meio ambiente, portanto, passou a exigir do su-
jeito individual, do Poder Público e da coletividade mais do que simplesmente
reparar o dano causado, mas, o dever de agir no sentido de evitar que ocorra a
lesão ao meio ambiente de forma a permitir o desenvolvimento sustentável.
O Direito Ambiental construiu normas (princípios, regras) e criou os
instrumentos processuais para garantir essa preservação, assegurando-se a
reparação dos danos a ele causados. Dentre esses instrumentos, destaca-se
o Princípio do Poluidor Pagador, que obriga aquele que alterou o equilíbrio
do meio ambiente, causando efetivo ou potencial danos à saúde ou às con-
dições de vida da população, a restaurar o que foi degradado e/ou indenizar
os prejudicados.
A Constituição Federal de 1988, em sintonia com a necessidade mundial
de proteger o meio ambiente, resguardando-o para as presentes e futuras gera-
ções, conferiu-lhe especial proteção, consubstanciada no art. 225. Entretanto,
por diversas vezes, em seu texto, estruturou um sistema de proteção ao meio
ambiente, não só estabelecendo a competência comum para sua proteção, mas
também incluindo esta proteção como princípio da ordem econômica.
Sendo assim, o objetivo geral do presente trabalho é descrever a pre-
sença do Princípio do Poluidor Pagador na jurisprudência do Superior Tri-
bunal de Justiça. Para a consecução deste objetivo geral, dividiu-se o artigo
em três objetivos específicos – sendo o primeiro deles a observação do ins-
tituto dos princípios, no que tange a sua condição de direito fundamental.
Logo após, serão analisadas as principais características e previsões norma-
tivas a cerca do Princípio do Poluidor Pagador na legislação brasileira. Por
SUMÁRIO
fim, será analisada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no que
tange a tal principiologia e de que forma se dá a sua aplicação, isto é, se o
princípio utilizado funciona como elemento essencial da decisão proferida
ou como um complemento à fundamentação.
Adotou-se os métodos histórico-comparativo e indutivo, com aborda-
gem monográfica, quanti e qualitativa e técnica bibliográfico-documental.
3 pRINCÍpIO DO pOLUIDOR-pAGADOR E AS
INOVAÇõES TRAZIDAS pELA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
Na década de 1970 os temas ambientais foram intensamente discutidos, a
tal ponto que são considerados até hoje como o ápice das discussões sobre
as questões ambientais. Nesse período foi realizada a Conferência de Esto-
colmo (1972), sendo produzidas as diretrizes ambientais que deram origem
a grande parte das legislações ambientais conhecidas atualmente, que com
o passar dos anos estão sofrendo ajustes para melhor se adaptarem a socie-
dade contemporânea.
No entanto, em 26 de maio de 1972, durante uma reunião sobre a utili-
zação dos recursos hídricos, os países membros do Conselho da Organização
SUMÁRIO
de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), aprovaram a “Re-
comendação sobre os princípios diretores relativos aos aspectos das políticas
ambientais, sobre o plano internacional”, recomendação esta que deu origem
ao Princípio do Poluidor Pagador.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol-
vimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992 (ECO-92) confirmou
as diretrizes da Conferência de Estocolmo em 1972. Com relação ao Prin-
cípio do Poluidor Pagador ficou expresso no princípio 16 da Declaração do
Rio (1992), que os Estados deveriam criar políticas para promover a inter-
nalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos
econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em
princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público,
sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais.
Nesse sentido é possível inferir que o princípio não cuida apenas de
prevenção ou reparação de danos ambientais já ocorridos por causa de um
empreendimento privado ou público, mas também de internalizar nos custos
privados da empresa e do Estado os custos sociais de produção.
É o que Juliana Gerent (2006) denomina de internalização das exter-
nalidades ambientais negativas. Explica a autora que as externalidades ne-
gativas decorrem do fato de que as atividades econômicas que utilizam bens
e/ou serviços ambientais e como muitos deles não possuem preço de mer-
cado não são contabilizados no processo produtivo gerando, com isso, um
custo social. A partir desta premissa, defende a internalização dos efeitos
negativos ambientais causados pelo desenvolvimento econômico através da
valoração dos bens ambientais por meio do qual será mensurada a partici-
pação do poluidor na tentativa de minimizar ao máximo impacto ambiental
de sua atividade para o meio ambiente.
A intenção do Princípio do Poluidor Pagador, portanto, não é somente
fazer com que o agente poluidor pague pelos danos que sua atividade acarreta
ao meio ambiente, mas aparelhar o sistema jurídico com soluções para abran-
dar, ou até eliminar os riscos de danos ambientais, de modo que os prejuízos
gerados não sejam sentidos somente pela sociedade e admitidos como um custo
social natural, necessário e tolerável para o desenvolvimento econômico.
A ideia primordial do princípio é criar obrigações para o agente polui-
dor, coibindo e limitando a exploração de atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente, com a finalidade de que o agente causador do dano des-
cubra e empregue técnicas e meios de produção cada vez menos nocivas ao
meio ambiente, sob pena de não o fazendo ser compelido a reparar o dano,
a pagar multas, além de responder processo administrativo e criminal por
danos ao meio ambiente.
A máxima neste caso consiste em permitir a exploração do meio ambien-
te da forma menos onerosa possível, eis que necessária, porém, utilizando-se
SUMÁRIO
de cautela e moderação para que as gerações futuras também tenham como
atender as suas necessidades.
O Princípio do Poluidor Pagador foi inserido no ordenamento jurídico
brasileiro mediante a promulgação da Lei n° 6.938/1981, que instituiu a Po-
lítica Nacional do Meio Ambiente – PNMA. Certamente, o dispositivo mais
direto no trato da responsabilização do poluidor está no art. 4º, inciso VII,
do diploma:
SUMÁRIO
como aos demais lesados), é, por expressa previsão legal, de responsabilidade
objetiva (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), impondo-
se, pois, ao poluidor, indenizar, para, posteriormente, ir cobrar de terceiro que
porventura sustente ter responsabilidade pelo fato. Assim sendo, descabida a
alegação da ocorrência de caso fortuito, como excludente de responsabilidade.
SUMÁRIO
impossibilidade de indenização, justificada pela possibilidade de recupera-
ção da área destruída. Quando em sede de Recurso Especial, ficou decidido
pelo Ministro Relator que, caso não seja imediata a reparação dos danos,
algo difícil em termos ambientais, é cabível a condenação em indenização,
razão dos danos causados à coletividade que não auferiu lucro algum com
a atividade do garimpo e sofreu, entretanto, com o dano causado. Exemplo
claro de aplicação ao Princípio do Poluidor Pagador que, pretende impedir
a privatização dos lucros e socialização das perdas.
O recurso Especial 880.172 – SP23 trata-se de uma Ação Civil Pública
onde a empresa Petróleo Brasileiro S/A Petrobras (recorrente) foi respon-
sável pela degradação do meio ambiente e pelos danos provocados em razão
de acidente, como também a saúde dos seus funcionários que exercem sua
função e pelo bem estar da população local. A responsabilidade decorre exa-
tamente do sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, no qual se inse-
rem normas constitucionais, infraconstitucionais e infralegais o que se guia
o Princípio do Poluidor Pagador, bem como da reparação integral.
O Recurso Especial 965.078 – SP24 reconheceu a ilegalidade da quei-
ma da palha da cana-de-açúcar por se tratar de atividade vedada, como
regra, pela legislação federal, em virtude dos danos que provoca ao meio
ambiente. O emprego de fogo em práticas agropastoris ou florestais de-
pende necessariamente de autorização do Poder Público. Com base no Prin-
cípio do Poluidor Pagador, caberá à autoridade ambiental estadual expedir
autorizações – específicas, excepcionais, individualizadas e por prazo certo
– para uso do fogo, nos termos legais, sem a perda da exigência de elabo-
ração, às expensas dos empreendedores, de Estudo Prévio de Impacto Am-
biental, na hipótese de prática massificada, e do dever de reparar eventuais
danos (patrimoniais e morais, individuais e coletivos) causados às pessoas
e ao meio ambiente.
O recurso especial 625.249 – PR25 em pacífica posição do STJ, atribui
a responsabilidade civil pelo dano ambiental ao novo proprietário, consa-
grando a sua natureza propter rem. A ré afirma ser parte ilegítima, pois não
há nexo de causalidade, uma vez que não foi ela a responsável pelo dano
ambiental. Entretanto em se tratando de responsabilidade do novo adqui-
rente o nexo de causalidade deixa de ser um elemento essencial, predomi-
nando assim a imposição da reparação ambiental. No caso concreto, o novo
adquirente assume o ônus de manter a reserva legal mesmo não tendo con-
tribuído para a sua devastação.
O recurso especial 1.071.741 – SP26 analisa o caso de ocupação e cons-
trução ilegal por particular no parque estadual de Jacupiranga. O interessante
de se notar neste acordão é a questão da responsabilidade ambiente de mais
de uma agente (particular e poder público, pois em matéria de proteção am-
biental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento
SUMÁRIO
adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização
ou o agravamento do dano causado). É pacifico no STJ que havendo mais
de um agente poluidor, não haverá obrigatoriedade na formação de litiscon-
sórcio, uma vez que a responsabilidade entre eles é solidária pela recupera-
ção integral do meio ambiente. Baseado no Princípio do Poluidor Pagador,
o litisconsórcio é facultativo e cabe ao autor da ação optar por incluir ou não
o ente público na petição inicial.
O recurso especial 1.339.046 – SC27 foi extinto por perda de objeto em
razão do encerramento das atividades da empresa, arrematação do imóvel e
das instalações em execução fiscal e falência superveniente.
Para finalizar, o recurso especial 769.753 – SC28, trata-se de Ação Civil
Pública proposta pela União com a finalidade de responsabilizar o Município
de Porto Belo – SC e o particular ocupante de terreno de marinha e promon-
tório, por construção irregular de hotel de três pavimentos e aproximadamente
32 apartamentos. Interessante se faz notar, que em virtude do princípio da ra-
zoabilidade não foi exigida a demolição das casas já construídas, visto que
não seria a medida mais eficaz. Entretanto o réu foi condenado a reparar e re-
cuperar as áreas devastadas e o pagamento de indenização cabível conforme
o Princípio do Poluidor Pagador.
5 CONCLUSÃO
Não há que se pensar, atualmente, em processo de desenvolvimento disso-
ciado da ideia de proteção ambiental. A proteção ao meio ambiente não pode
ser tratada como um aspecto isolado e sim como parte integrante do processo
global de desenvolvimento dos países. A defesa do meio ambiente deverá
ser considerada com a mesma relevância que outros valores econômicos e
sociais protegidos pelo ordenamento jurídico.
A responsabilidade ambiental parte do princípio de que toda atividade
econômica possui os riscos a ela inerentes, riscos estes que desde logo
devem ser assumidos por aquele que a desenvolve, no sentido de evitá-los.
O Princípio do Poluidor-Pagador tem esse objetivo. Caberá ao produtor/fa-
bricante orientar sua atividade para evitar e reparar danos ambientais, por
meio da implementação de novas normas e estratégias de produção e con-
sumo. Não está o princípio vinculado apenas à imediata reparação do dano.
Deve-se priorizar a atuação preventiva e, somente, em não sendo possível,
buscar a reparação.
A análise das jurisprudências, realizada no presente estudo demonstrou
que os julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, em quase sua totalidade,
lança mão do princípio do poluidor pagador a fim de aplicar o melhor direito
ao caso concreto. A pesquisa também demonstrou que quase a totalidade
dos julgados expressa o caráter reparatório do princípio, havendo, por outro
SUMÁRIO
lado uma subutilização do princípio em faceta preventiva, o que se percebe
que ainda existe espaço para a aplicação deste princípio na concretização
de instrumentos jurídicos que busquem a prevenção dos danos ambientais.
Este estudo também revela resultados importantes acerca do Princípio
do Poluidor Pagador, como por exemplo, no reconhecimento pelo STJ da:
(a) teoria do risco integral como teoria orientadora de responsabilidade civil
por danos ambientais, (b) do reconhecimento e consolidação dos danos am-
bientais extrapatrimoniais individuais e difusos, (c) responsabilidade civil
do estado por omissão ser objetiva e solidária, mas de execução subsidiária,
como forma de evitar a privatização de bônus e a coletividade de ônus.
Pode concluir, portanto, que foi bastante positiva e significativa a in-
fluência do Princípio do Poluidor Pagador na busca por uma maior proteção
ao meio ambiente, na medida em que auxiliou a evolução jurisprudencial
em prol da prevenção e, em especial, da reparação dos danos ambientais.
SUMÁRIO
NOTAS
SUMÁRIO
gistro=200900040611&dt_publicacao=23/02/2011.
Velozo Cunha. Relator: Ministro Ricardo Villas Bõas Cueva. Brasília, 06 de agos-
to de 2013. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?
num_registro=201202079272&dt_publicacao=09/08/2013.
SUMÁRIO
Relator: Ministro Ricardo Villas Bõas Cueva. Brasília, 06 de dezembro de 2012.
Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_regis-
tro=201102787706&dt_publicacao=13/12/2012.
SUMÁRIO
S/A. Agravado: Augusto Benedito Hermini. Relator: Ministro Antonio Carlos Fer-
reira. Brasília, 05 de novembro de 2015. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/
processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201200218134&dt_publicacao=30/1
1/2015.
28
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.339.046/
SUMÁRIO
SC. Recorrente: Ministério Público Federal; União; Mauro Antonio Molossi. Re-
corrido: Os mesmos. Relator: Ministro Hermes Benjamin. Brasília, 08 de setem-
bro de 2009. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?
num_registro=200501121697&dt_publicacao=10/06/2011.
REFERÊNCIAS
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. São Paulo: Sa-
raiva. 2011. p.180.
SUMÁRIO
________ Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a política Na-
cional do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/leis/L6938.htm. Acesso: outubro/2017.
SUMÁRIO
BITCOIN: DE QUE FORMA AS DECISÕES DO JAPÃO,
UNIÃO EUROPEIA E NORTE AMERICANA TEM
AFETADO O POSICIONAMENTO ( OU AUSÊNCIA
DESTE) NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ACERCA DAS
MOEDAS DIGITAIS.
Anna Cecília dos Santos Mangueira 1
INTRODUÇÃO
O antropocentrismo, foi uma teoria que surgiu no final da idade média e pre-
gava a necessidade de contexto diverso ao teocentrismo, condenando a re-
tirada o fato de o homem não ser considerado o centro das relações, uma
verdadeira retomanda da cultura greco-romana.
Tal movimento, foi um mecanismo de valorização do homem em sua
essência, que, acabou por perder o vigor, pois acreditava-se no equilíbrio
entre divino, o ser humano e, porque não dizer o Estado.
A chama idade contemporânea vivenciou a experiência do Estado Mí-
nimo, onde a Administração Pública se prestava ao trato e manutenção dos
seus órgãos, vivenciou também os horrores que a revolução industrial e as
grandes guerras trouxeram, e, experimentou também um estado que invadia
as relações entre os particulares, sob o fundamento de impedir desmandos.
Ocorre que, para um grupo na década de 90 essa invasão restava one-
rosa demais para os cidadãos, pois tolhia completamente suas liberdades in-
dividuais em prol de uma fiscalização massiva e até , um tanto quanto inva-
siva, na opinião deles.
O grupo em questão, eram os chamados chyperpunks e tinham como
lema o amor pela internet e entendiam que essa seria um meio eficaz para
viver além da estrutura estatal, priorizando o homem, como centro das re-
lações e não as estruturas estatais. Acreditavam, inclusive, que o dinheiro
deveria ter caráter descentralizado. Tratava-se de uma verdadeira retomada
a ideais antropocentristas outrora pregados.
Em que pese, o grupo tenha perdido força suas ideias não, sobretudo
quanto a possibilidade de criação de uma moeda descentralizada, que funcio-
nasse através da internet e fosse protegida por mecanismos criptográficos.
Nesse sentido, em 1999, o economista Milton Friedman, vencedor do
prêmio Nobel, afirmou em entrevista que a internet acolheria uma forma des-
centralizada de moedas, o mesmo não sobreviveu tempo suficiente para ver
se tornar real a sua previsão.
SUMÁRIO
Pois, somente no mês de janeiro do ano de 2009, em meio a imensa
crise que devastou a economia norte americana, e, porque não dizer do
mundo, é que as primeira transações com Bitcoin foram efetuadas, trazendo
ao mundo um alerta de que mudanças viriam.
A grande maioria das mudanças, são tratadas com imensa desconfian-
ça, e, com a Bitcoin, não seria diferente, a mesma passou por suas críticas,
suas polêmicas, como o caso de sua vinculação à silk road, mas, atualmente
segue como uma grande solução para distâncias econômicas e certamente
será responsável por uma reinvenção no mercado financeiro.
A presente pesquisa, visa observar de que forma a Bitcoin tem ocasio-
nado alterações nos sistemas jurídicos de três ordenamentos distintos: o Es-
tado de Nova York, a União Europeia e o Japão.
O objetivo do levantamento de dados é verificar se tais regulamenta-
ções já consolidadas, têm influenciado no projeto de lei nº 2.303/2015, pro-
posta de Deputado Áureo e que visa dispor sobre moedas virtuais e programa
de milhagem aéreas, na definição de arranjos de pagamentos.
Nessa toada, no primeiro tópico será realizada uma conceituação do
que é Bitcoin e um pouco do contexto histórico que culminou com seu sur-
gimento. No segundo tópico uma análise sobre os três ordenamentos jurí-
dicos recortados para a presente pesquisa.
Por fim, uma análise sobre o projeto de lei e identificações de pontos
convergentes entre as disposições normativas anteriormente narradas.
A metodologia aplicada à presente pesquisa é o estudo de trajetória (Path
Deppendence), conseguido através de pesquisa qualitativa com revisões bi-
bliográficas, análise de decisões e uso de textos jornalísticos publicados.
(…) o Bitcoin é uma forma de dinheiro, assim como o real, o dólar ou o euro,
com a diferença de ser puramente digital e não ser emitido por nenhum go-
verno. O seu valor é determinado livremente pelos indivíduos no mercado.
Para transações online, é a forma ideal de pagamento, pois é rápido, barato e
seguro. Você lembra como a internet e o e-mail revolucionaram a comunica-
ção? Antes, para enviar uma mensagem a uma pessoa do outro lado da Terra,
era necessário fazer isso pelos correios. Nada mais antiquado. Você dependia
de um intermediário para, fisicamente, entregar uma mensagem. Pois é, re-
tornar a essa realidade é inimaginável. O que o e-mail fez com a informação,
o Bitcoin fará com o dinheiro. Com o Bitcoin você pode transferir fundos de A
para B em qualquer parte do mundo sem jamais precisar confiar em um ter-
ceiro para essa simples tarefa. É uma tecnologia realmente inovadora.
clara linha divisória entre o que é e o que não é dinheiro, e a lei geralmente
tente estabelecer essa distinção –, quando se trata dos
efeitos causadores de efeitos monetários tal diferença não é tão clara. O que
encontramos é, ao contrário, um continuum em que objetos com vários
graus de liquidez, ou com valores que podem oscilar independentemente, se
confundem um com o outro quanto ao grau em que funcionam como di-
nheiro. (HAYEK, 1986, p. 49).
SUMÁRIO
2.1. BITLICENSE: UMA RESpOSTA DO ESTADO DE NOVA
yORK.
Ao que parece os Estados Unidos é um país de ineditismo quanto as Bi-
tcoins, foi lá que ocorreram as primeiras operações, a primeira compra de
produtos (uma pizza), os primeiros escândalos relacionados à matéria,e, fi-
nalmente a primeira regulamentação.
Antes de adentrar à regulamentação propriamente dita, é preciso en-
tender em que contexto a Bitlicense foi criada pelo Estado de Nova York.
Existia uma crise, pois havia estourado em toda mídia internacional que o
responsável pela silk road (mercado que operava na deep web vendendo dos
mais diversos produtos de caráter ilícito), o Dread Pirate Roberts (pseudô-
nimo de Ross Ulbrich) havia sido identificado e preso.
O Dread Pirate Roberts e seus usuários, temiam que suas identidades fos-
sem reveladas e buscaram uma alternativa para encobrir seus rastros e, para
tal, utilizavam-se de bitcoins, que eram fornecidos por um usuário, que, por
sua vez, comprava da exchange BitInstant de propriedade de Charlie Shrem.
Todos os envolvidos e citados foram presos e receberam punições con-
sideradas por especialistas como excessivas e com o cunho educativo, a
fim de afastar possíveis repetições do caso, olvidando que o dinheiro las-
treado pelo Estado, pode, por muitas vezes, também fomentar atividades de
caráter ilícito.
Diante de toda a propaganda negativa gerada em face das atividades de
exchanges com relação a compra e a venda de criptomoedas, eis que o Estado
de Nova York, através do seu departamento de serviços financeiros elaborou
a chamada BitLicense, onde vinha a autorizar negócios envolvendo moedas
virtuais, desde que atendessem as exigências dispostas no Regulamento.
Em apertada síntese do texto é plenamente possível afirmar um forte
cunho de discricionariedade concedida à pessoa do superintendente e uma
série de requisitos que inviabilizam quase que completamente o funciona-
mento de uma exchange no Estado de Nova York.
Pode ser citado como exemplo de exigências a seção 200.4 que pleiteiam
do candidato o seguinte: nome exato do requerente; afiliadas com o respectivo
cronograma que ilustra a relação entre as partes; informações biográficas de
cada candidato; relatório de antecedentes; impressões digitais completas para
submissão à Divisão Estadual de Serviço de Justiça Criminal e Escritório Fe-
deral de Investigação; duas fotografias; demonstração financeira atual; balanço
patrimonial; descrição pormenorizada ; detalhes de todos os acordos bancários;
políticas e procedimentos exigidos ou relacionados aos requisitos dessa partes:
Affidavit (declaração voluntárias feita sob juramento e por escrito acerca de
um determinado fato, na presença de pessoa legalmente autorizada para rece-
ber); verificação do departamento de Tributação de Finanças do Estado; cópia
de apólices de seguro mantida pelo Requerente; explicação de metodologia
SUMÁRIO
utilizada para calcular o valor da moeda virtual na moeda FIAR; informações
adicionais que o superintendente possa exigir; entre outras.
Outrossim, a regulamentação também trás uma grande carga de subje-
tivismos em suas exigências como é o caso do seguinte trecho:
“Se o superintendente achar que essas qualidades são tais como justifica a
crença de que o negócio do candidato serpa conduzido com honestidade,
equidade, cuidado e de forma eficiente dentro dos propósitos e intenções
desta parte, e de uma maneira que comanda a confiança e a confiança da
comunidade (...)”
“Art. 9º.....................................................................…
“Art. 11 .....................................................................…
SUMÁRIO
§ 4º As operações mencionadas no inciso I incluem aquelas que envolvem
moedas virtuais e programas de milhagens aéreas”
CONCLUSÃO
A história da Bitcon experimentada por cada país, ocasionou em cada um
deles uma experiência diferente capaz de ser determinante na regulamenta-
ção, assim aconteceu com os Estados Unidos e todas as polêmicas experi-
mentadas por esse, houve uma regulamentação mais rígida.
Por sua vez, a experiência Europeia e japonesa, apesar dos percalços,
apresentou uma postura mais amistosa e com tendências claras a adequação
da Bitcoin no ordenamento de forma regulamentada e com limites que de
alguma forma conceda algum controle estatal.
Sobre o projeto de lei nº 2.303/2015 e as possíveis influências das re-
gulamentações outrora citadas, é possível perceber que é seguida a tendência
de o Estado manter sua intervenção através de exchanges tomadas pelos Es-
tados Unidos e pela Japão.
A União Europeia se limitou a falar sobre a possibilidade de tributar a
prestação de serviço onerosa por parte da exchange, situação não adotada
pelo Brasil, apesar de a Receita Federal, já ter se manifestado sobre as for-
mas de tributação a serem aplicadas.
Portanto, é possível concluir que o projeto de lei brasileiro não adota fir-
memente uma postura das regulamentações recortadas para a presente pes-
quisa, o que não indica que até a sansão da letra de lei , não traga alterações
significativas e capazes de demonstrar um posicionamento mais específico.
SUMÁRIO
NOTAS
BIBLIOGRAFIA
FOBE, Nicole Julie. O Bitcoin como moeda paralela – uma visão econômica
e a multiplicidade de
SUMÁRIO
HELMS, Kevin. Revised Tax in Effect From Today In Japan, Giving Resi-
dents ‘Access to Global Markets’. Disponível em: <https://news.bitcoin.
com/revised-tax-on-bitcoin-in-japan-in-effect-from-today-giving-residents-
access-to-global-markets/>. Primeiro de julho de 2017 Acesso em: 05 de de-
zembro de 2017
SUMÁRIO
DO MEDIEVO À CONTEMPORANEIDADE: A LEX
MERCATORIA E SUA ADAPTAÇÃO ÀS
TRANSFORMAÇÕES JURÍDICAS
Bibiana de Quadros1
1 INTRODUÇÃO
A contemporaneidade, embora marcada pela velocidade com que se propa-
gam as relações jurídicas e econômicas, bem como pela obliteração de fron-
teiras que outrora obstaculizavam relações e transações de caráter interna-
cional, ainda reproduz a noção de um Direito atrelado ao Estado,
majoritariamente positivado, cujo alcance pode não se mostrar suficiente
em muitos casos, devido, dentre outros aspectos, à lepidez instituída pelo
fenômeno da globalização. Contrastando com o cenário atual, a Idade Média
foi caracterizada pela descentralização do poder, que se mesclava entre a
Igreja Católica, a Coroa e os senhores feudais. Não obstante, tanto a era me-
dieval como o pós-modernismo apresentam-se complexos quanto à esfera
jurídica – existe, em ambos os casos, um pluralismo jurídico.
O presente trabalho visa demonstrar que esses dois momentos, dotados
de profundas distinções, albergam um instituto de grande importância para
o Direito Internacional: a lex mercatoria, que é apresenta um comportamen-
to distinto em cada um desses períodos. O problema a ser investigado através
do presente estudo é a identificação de semelhanças e diferenças existentes
na lex mercatoria durante a era medieval e na contemporaneidade. Como
hipótese, tem-se que as semelhanças residem no pluralismo jurídico exis-
tente em ambos os momentos históricos, e esse instituto age de forma autô-
noma em prol da regulação de negócios transnacionais, já que o Estado não
alcança esse ínterim. As divergências, por sua vez, se dão em razão do lapso
temporal decorrido entre um e outro momento e das intensas modificações
incidentes no cenário global.
Os mercadores medievais, tendo como principais alvos para a atividade
comercial as feiras e os portos, transmitiam não apenas suas mercadorias,
mas os costumes sob os quais foram instruídos quanto ao comércio. Consi-
derando a realidade inovadora de que se tratava o mercado para o homem
medieval, os comerciantes desenvolveram, a partir de seus usos e costumes
e somando-se as normas instituídas nas diferentes localidades em que exer-
ciam sua atividade, regras transnacionais para o exercício da atividade mer-
catória. Essas regras preconizavam a informalidade e a liberdade contratual;
o exercício de sua aplicação não cabia aos juízes, mas aos próprios merca-
dores, através das cortes instituídas nos grandes mercados e feiras.
SUMÁRIO
As intensas e rápidas mudanças constituídas na pós-modernidade exigem
adaptação: pondera-se que o positivismo em que se pauta o Direito moderno
já não é suficiente para tratar de questões que envolvem comércio internacio-
nal, tendo em vista a distância criada entre a norma positivada e a realidade,
que é mais célere e pugna também pela superação dos limites da legislação de
um Estado determinado, uma vez que as relações estabelecidas atingem entes
privados de nações diversas. Dessa forma, a nova lex mercatoria, de acordo
com Arnaud; Almeida e Caroccia (2006, p. 290) retoma o desejo de afastar o
Estado das relações privadas, privilegiando os atores econômicos, para que
estes possam influenciar a edição de normas, bem como as decisões arbitrais.
A importância desse estudo reside na relevância da lex mercatoria
como um dos maiores institutos no âmbito do direito transnacional, atuando
como reguladora, mas também garantindo autonomia às partes. Além disso,
a comparação entre os dois momentos históricos tem por finalidade lançar
um olhar, em certa medida, inovador, já que encontradas poucas obras que
trabalham com essa perspectiva.
Diante disso, o presente trabalho propõe-se a identificar semelhanças e
divergências no instituto da lex mercatoria durante o medievo e a contempo-
raneidade, através da observação do mesmo nos dados momentos históricos.
Para tanto, (I) retomar-se-ão as origens da lex mercatoria, visualizando
alguns eventos que impulsionaram a criação desse instituto durante o me-
dievo, e será observado o desenvolvimento desse instituto dentro do con-
texto medieval. Posteriormente, (II) será diagnosticada sua presença na con-
temporaneidade, atendendo às urgências de um momento célere e de um
mundo globalizado, cujas normas que são provenientes de estados-nações
mostram-se parcas para regular relações que superam as fronteiras dessas
mesmas nações. Finalmente, (III) desenvolve-se uma comparação entre os
dois momentos históricos referidos, atentando-se às diferentes concepções
de Estado e realidade fática vivenciada por ambos, mas também anunciando
e examinando eventuais semelhanças.
O método de pesquisa utilizado nesse artigo é o histórico-comparativo.
Histórico porque consiste na análise de acontecimentos e instituições do
passado, a fim de investigar e compreender a atuação da lex mercatoria,
desde suas origens até a atualidade; comparativo porque analisa dois perío-
dos distintos, aferindo semelhanças e diferenças no que diz respeito a um
ponto em comum. Além disso, o estudo possui uma abordagem monográfi-
ca, utilizando-se de técnica de pesquisa bibliográfica e documental.
SUMÁRIO
3 A LEX MERCATORIA NA CONTEMpORANEIDADE:
EMERGêNCIA FRENTE À GLOBALIZAÇÃO E
FENôMENOS DA SOCIEDADE pÓS-MODERNA.
A contemporaneidade, devido às inovações no campo tecnológico e da co-
municação, traz um desafio para o Direito, uma vez que as normas são ela-
boradas para servir à sociedade por tempo ilimitado, enquanto as relações
sociais se dissipam e se inovam numa velocidade muito superior à da ela-
boração das leis. Além disso, o fenômeno da globalização faz com que o Es-
tado muitas vezes não consiga alcançar as relações estabelecidas entre os
indivíduos, sobretudo aquelas que ocorrem via internet. O Estado Pós-mo-
derno, portanto, constitui-se de relações complexas, somadas ao pluralismo
jurídico proveniente dos ordenamentos jurídicos oriundos de Estados diver-
sos. Como, então, se comporta a lex mercatoria no período pós-moderno?
Neste título, pretende-se analisar as transformações a que a lex mercatoria
esteve submetida durante o período da modernidade e compreender seu
comportamento na contemporaneidade.
A lex mercatoria contemporânea trata-se “do caso mais exitoso de um
“direito mundial” além da ordem política internacional” (TEUBNER, 2003,
p. 11), que se desenvolveu sob um caráter autônomo e não-estatal. Impor-
tante destacar que o fortalecimento da Common Law no século XVII, ao co-
locar a lex mercatória em desfavor diante da autonomia dos Estados sobe-
ranos, exigiu que esse instituto se readaptasse, ao contrário de se conter.
A lex mercatoria configura uma ordem complexa, à medida em que é,
conforme Fornasier e Ferreira (2015, p. 410) representada por um conjunto
de normas independentes, criadas pelas empresas visando a prática do co-
mércio internacional na contemporaneidade e que se baseia em usos e cos-
tumes comerciais reconhecidos mundialmente. Essa ordem se manifesta na
elaboração e difusão de “contratos padronizados” (incoterms), idealizados
e atualizados pela Câmara Internacional do Comércio.
Conforme Pedro Pontes Azevedo (2006, p. 96), em razão de o conteúdo
das leis estatais mostrar-se muito distante da realidade das práticas comer-
ciais, a década de 60 desencadeou a adoção de uma nova lex mercatoria para
amparar as práticas comerciais internacionais – cada vez mais recorrentes.
A nova lei mercantil conta com os contratos-tipo, as condições gerais de
compra e venda e do Conselho de Assistência Econômica Mútua, os Ico-
terms e as leis uniformes como fontes.
Há entendimentos conflitantes no que diz respeito à aplicação da lex
mercatoria, à medida em que se questiona sua real eficácia na resolução de
conflitos internacionais por haver muitas lacunas e, em decorrência disso,
existir possibilidade de uma aplicação de forma tendenciosa. Em contrapar-
tida, o comércio internacional é uma zona que dificilmente possibilitará a
intervenção de algum Poder Judiciário de forma satisfatória. A aplicação
SUMÁRIO
desse ordenamento, então, possui uma característica bastante peculiar: a ar-
bitragem que, conforme Azevedo (2006, p. 102):
CONSIDERAÇõES FINAIS
A Idade Média não dispunha de uma unidade central de poder, o que confi-
gura o pluralismo jurídico depreendido desse período histórico. O Direito
medieval não dependia de estruturas estatais, sobretudo porque em muitos
casos, estas sequer existiam. Especificamente com relação à lex mercatoria,
se por um lado esta se fazia distante de um ente estatal, por outro, aproxi-
mava-se da realidade, uma vez que sua constituição e aplicação era feita
pelos próprios comerciantes.
Já na contemporaneidade, tem-se a presença ainda forte do Estado, o
que instiga certas contrariedades, no sentido de saber medir abrangência da
atuação dos ordenamentos de caráter transnacional em detrimento das cons-
tituições estatais. Não obstante, a atualidade também alberga pluralismo ju-
rídico, sobretudo no ambiente transnacional. Além disso, a questão econô-
mica é determinante em relações de caráter transnacional, como estas que
envolvem a aplicação da lex mercatoria, considerando que essas relações
se dão, majoritariamente, entre entes privados. Dessa forma, esse instituto
acaba por se subordinar à economia mundial, não podendo estabelecer uma
conversação completa dos pontos de vista econômico e jurídico por si só.
Ambos os momentos, portanto, são dotados de pluralismo jurídico: o
medieval, em virtude de não haver uma unidade central de poder, e o con-
temporâneo, em razão da complexidade das relações transnacionais. A lex
mercatoria medieval possuía o comércio como centro de sua atuação, regu-
lando práticas relativas a este, e administrando-se de modo autônomo, ou
seja, sem tutela estatal. A contemporânea, por sua vez, constitui uma ordem
jurídico-econômica mundial que atua em todo o comércio internacional, re-
gulando transações entre atores privados. Além disso, no cenário contem-
porâneo ainda se faz muito presente a figura do Estado, o que, por sua vez,
muitas vezes torna-se descabido face à multiplicidade de relações que são
estabelecidas no âmbito transnacional.
As fontes e os instrumentos através dos quais a lex mercatoria é efetivada,
desde o medievo até o presente momento, foram se adaptando às necessidades
SUMÁRIO
das esferas jurídica e econômica: desenvolvia-se, inicialmente, por meio de
estatutos estabelecidos entre as corporações, costumes mercantis e decisões
da jurisdição mercantil; hoje, entretanto, é respaldada nos contratos-tipo, con-
dições gerais de compra e venda, o Conselho de Assistência Econômica Mútua,
nos Icoterms e nas leis uniformes.
Os dois momentos históricos, portanto, ao apresentar o pluralismo ju-
rídico, abrigam o instituto da lex mercatoria, que se reveste de autonomia
frente à pluralidade dessas relações. As diferenças encontradas no compor-
tamento desse instituto se dão especialmente pela necessidade de adaptação
à hipercomplexidade que vem sendo instituída pela pós-modernidade e tam-
bém, nesse mesmo sentido, devido à maior complexidade de relações esta-
belecidas entre os atores do ambiente transnacional.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
COSTA, Luís César Amad0 e MELLO, Leonel Itaussu A. história Geral e
do Brasil: da Pré-História ao Século XXI. São Paulo: Scipione, 2008.
SUMÁRIO
UMA ÓTICA SISTÊMICA SOBRE SEGURANÇA DO
TRABALHO E SUA RELAÇÃO COM EMPRESAS
TRANSNACIONAIS1
Carlos André de Brum de Almeida Padilha
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito na UNIJUÍ e Bolsista de Iniciação
Científica pelo PIBIC/CNPq. E-mail: carlos.almeidapadilha@gmail.com
INTRODUÇÃO
A globalização tem como causa e consequência às empresas transnacionais
(ETNs), a partir disto constroem-se o atual cenário sociológico que passou
a ocorrer a partir do pós-guerra com a acentuação nas décadas finais do sé-
culo XX e início do século XXI. As ETNs são reconstituições de conceitos
e lapidações das chamadas empresas multinacionais (EMNs). Sendo que,
as empresas transnacionais têm como objetivo expandirem seus negócios
para além dos países que já possuem sede. E assim, possuem o poder de
mudar toda a rede de negócios por serem independentes dos códigos estatais.
Isto se deve as características das transnacionais não se restringirem ao ter-
ritório de um único Estado repercutindo em vários locais do globo e criando
redes de comunicação que moldam estruturas sociais e acabam influencian-
do até mesmo as relações internacionais, na forma como se dão.
As empresas transnacionais são possuidoras de um contorno empresa-
rial global, sendo geralmente caracterizadas como uma empresa que com-
preende a sedes em mais de um país, a partir de oportunidades oferecidas
pelos governantes dos respectivos territórios. Tendo com sistema de tomada
de decisões em forma de ciclo, ou seja, não é uma hierarquia como as mul-
tinacionais e sim, um complexo de redes comunicativas que transmitem co-
nhecimento e recursos na realização de operações pertinentes a suas ativi-
dades nos mais diversos locais em que esta presente.
A normatividade do Estado não consegue mais acompanhar e controlar
essa complexa figura que é a ETN, logo a figura do Estado não é mais cen-
tralizada e hegemônica como ocorria até o século XIX e inicio do século
XX. Mas, agora concorre diretamente com esse novo protagonista do cenário
SUMÁRIO
globalizado, no qual o papel de “grande regulador” não existe, deixando ao
encargo para a resolução de conflitos entre esses próprios sistemas norma-
tivos que convivem atualmente: os estatais e os transnacionais, havendo
também outros, como os supranacionais e os internacionais.
A transição do século XVIII para o XIX foi de extrema importância
para a saúde e segurança do trabalhador, pois foi neste período em que a pro-
dução de bens se intensificou e começaram a surgir imensas necessidades
em prol do empregador e do empregado. Devido à falta de regulação em di-
versos setores como, por exemplo, equipamentos de segurança, condições
adequadas para o trabalhador, direitos ao empregado, trabalho infantil, entre
tantas necessidades desconsideradas na Revolução Industrial. A falta de re-
gulação para tal atividade produtiva permitia que ocorressem excessos e
violações a princípios hoje largamente utilizados no âmbito jurídico como
a dignidade da pessoa humana, a partir disso conforme foram ocorrendo as
lutas sociais pela criação de direitos, as limitações que eram necessárias pas-
saram a existir, criando-se um cenário no qual não haveriam tantos abusos
e problemas no processo produtivo, visando o trabalho como meio de satis-
fação do homem e não o contrário.
A SST tem como finalidade garantir os direitos e dignidade dos traba-
lhadores. Impondo assim, normas negativas (proibições de atos que podem
por em risco à saúde e a vida do trabalhador) e positivas (incentivam a imple-
mentação de providências à proteção da saúde e segurança do trabalhador)
em relação ao Estado e ao trabalhador. Esse conjunto de regulações estatais
diz respeito a procedimentos e metodologias legalmente estabelecidos aos
empregadores e empregados, que são responsáveis por diminuírem significa-
tivamente a ocorrência de acidentes no trabalho, como também, os agravos à
saúde do trabalhador. Como principal objetivo da SST, podemos perceber que
proporcionar um ambiente de trabalho saudável é de grande importância para
ambas às partes, pois minimizando as situações de risco e os locais nocivos à
saúde do trabalhador, as empresas aumentam suas taxas de lucratividade, pos-
suindo assim, a grande parte de seus funcionários ativos e não tendo gastos
extras com indenizações, medicamentos, multas, entre outras despesas.
A influência sociojurídica desses atores se estende pelos mais diversos
campos de interação social e comunicação entre sistemas, portanto mostra-
se de grande importância analisar como se dão as ações destas empresas
num âmbito geral, porém neste artigo focaremos na relação com a figura do
trabalhador e com as normas de segurança e saúde do trabalho (SST).
A partir disso, visa-se alcançar entendimento sobre a seguinte proble-
mática: É possível vislumbrar acoplamentos estruturais entre os códigos de
conduta e as normas de segurança do trabalho? Afinal, há uma grande lacuna
quanto ao conhecimento acerca dos regimentos internos das ETNs e, por
isso, deve-se buscar uma maior compreensão desta problemática.
SUMÁRIO
Claro, que mesmo em uma análise preliminar pode-se perceber que
estes acoplamentos buscados realmente existem, porém a observação destes
se torna dificultosa devido a já referida falta de conhecimento, logo deve-
se manter a busca da compreensão destes ordenamentos jurídicos transna-
cionais. Os acoplamentos seriam normas compartilhadas entre as SST e có-
digos de conduta das ETNs, quanto aos mais diversos aspectos do processo
produtivo realizado, desde a classificação dos equipamentos de segurança
até a operação de máquinas e instrumentos utilizados.
Um de nossos objetivos será a busca de diferentes interpretações e apli-
cações de normas muito semelhantes ou idênticas, visando se é possível a
partir disso encontrar os acoplamentos entre ambos os ordenamentos jurí-
dicos analisados.
Outro será analisar as semelhanças na forma com que ambos atingem
os trabalhadores, visando enxergar os acoplamentos no comportamento des-
tes códigos quanto ao indivíduo, acerca de todos os efeitos na vida do
mesmo, principalmente sobre sua saúde e segurança.
Para isso, nos utilizaremos de uma metodologia sistêmico-construti-
vista, visando construir um sentido e compreensão claros acerca do objeto,
com um método monográfico e técnica bibliográfica-documental, registran-
do tudo o que é observado de forma clara e coesa.
CApÍTULO 1
A busca por acoplamentos entre os códigos de conduta de Empresas Trans-
nacionais (ETNs) e as normas de SST, é uma forma de se conhecer mais a
fundo o comportamento destas quanto ao tratamento de funcionários e de
certa forma, até mesmo serve para identificar o efeito de lógicas de mercado
sobre as empresas e suas normas internas. Afinal, como o fator econômico
interfere no comportamento de ETNs é algo que tem consequências sobre
todas as pessoas e entidades (Estados, empresas terceirizadas, etc.) que são
direta ou indiretamente ligados à transnacionais.
Portanto, obter este conhecimento é a uma etapa inicial para a com-
preensão destas pessoas jurídicas e de suas ações e relações. Pois a obser-
vação feita possui enfoque na figura do trabalhador, e busca entender o que
este é dentro da lógica jurídica e econômica das empresas.
A partir disso, pode-se dizer que um bom modo de olhar o que acontece,
ou deveria acontecer é observando os códigos de condutas de ETNs e tentar
localizar normas acerca da segurança e da saúde do trabalhador e compara-
las com as de Estados. Tentando captar particularidades e semelhanças, que
possam indicar acoplamentos entre sistemas jurídicos próprios de transna-
cionais e países que venham a ser observados.
Na observação feita neste artigo buscou-se utilizar a lógica apresentada
SUMÁRIO
na teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann. Que descreveu a socie-
dade como um resultado de processos comunicativos envolvendo informa-
ção, participação e compreensão, que constituiriam a sociedade e seus sis-
temas. Sendo que, estes sistemas seriam responsáveis pela complexidade e
pela criação de processos comunicativos mais eficientes sobre as mais di-
versas áreas, como por exemplo, o direito.
O Direito, ou sistema jurídico, seria um sistema que geraria processos
comunicativos acerca de conflitos e traria soluções para estes, sendo isso
uma espécie de “resposta” do sistema para o processo comunicativo que
gerou a demanda. Além disso, no livro O Direito da sociedade, Luhmann
descreve o comportamento sistêmico do Direito, seu funcionamento e inte-
ração com outros sistemas.
Os sistemas sociais teriam uma espécie de programa que gerenciaria
o comportamento e as resoluções do sistema, no caso do Direito esse pro-
grama é composto pelas leis, jurisprudência, costume, dentre outros. Sendo
que o sistema segue apenas as suas próprias fontes e tem sua lógica de fun-
cionamento independente, caracterizando um fechamento operativo.
Outra característica que define os sistemas sociais como o Direito é a
abertura cognitiva, ou seja, a capacidade do sistema de reconhecer fatos e
fenômenos sociais e dar uma interpretação própria conforme seu programa.
Um exemplo jurídico são os processos/julgamentos realizados no dia-a-dia
do mundo do Direito.
Partindo disso, passamos a analisar como é a relação de quatro países
com segurança e saúde do trabalho, buscado indicativos de como ocorrem
as relações de trabalhos nestes e qual o nível de comprometimento de em-
presas atuantes nos países quanto a normas de SST. Os quatro países elen-
cados foram Brasil, China, Estados Unidos e Rússia.
Todos os quatro países são grandes economias, estando entre as 20
maiores do mundo, sendo que boa parte do PIB destes países vem do setor
produtivo. Neste artigo, pretendemos olhar para os números da mineração,
visando trazer um olhar empírico sobre as relações de trabalho nessa área
em todos os quatro países.
Estes quatro países possuem grandes reservas minerais e empresas gi-
gantescas com base e atuação em seus territórios. Podemos citar exemplos
de transnacionais que atuam na mineração de cada país, no Brasil: Vale, Sa-
marco e CBMM, na China: Shenhua, Zijin e Chalco, nos Estados Unidos:
Goldcorp e Newmont e na Rússia: MMC Norilsk Nickel e Alrosa PJSC.
Algo interessante é que todas as companhias citadas estão entre as 50
maiores do mundo, sendo responsáveis por um grande volume de produção
dos mais variados minerais. Essas companhias empregam milhares de pes-
soas e geram gigantescas receitas onde atuam, tendo muita relevância na
economia desses países.
SUMÁRIO
Com isso, percebe-se que há uma grande influência econômica sobre
decisões políticas que afetem a atuação dessas ETNs, como é comum acon-
tecer em diversas situações. Caracterizando uma atuação do sistema eco-
nômico global sobre o sistema político de cada país, através da reflexivi-
dade de comportamentos e interesses econômicos dentro do campo de
atuação da política.
Um exemplo brasileiro é o da empresa brasileira Samarco S/A. Cuja
barragem no município de Mariana-MG rompeu-se, causando um dos maio-
res desastres ambientais da história, afetando todo o Rio Doce e parte do
Oceano Atlântico. O caso gerou muitos problemas socioambientais não re-
solvidos até a atualidade, com a empresa fazendo pressão econômica para
retomar as atividades na área do desastre e evitando grandes penalizações
por parte do governo brasileiro.
O caso demonstra a capacidade destas empresas em se equipararem
com Estados quanto a questões de poder, sendo capazes de se esquivarem
de grandes punições e influenciarem decisões políticas a seu favor. Através
de favores econômicos e suborno, a companhia conseguiu manter operações
na mina Germano e utilizar-se da barragem de Fundão além da capacidade
desta, o que gerou o desastre.
Houveram 18 mortes confirmadas ligadas diretamente ao rompimento
da barragem, 12 destas de trabalhadores de empresas terceirizadas que pres-
tavam serviços para a Samarco. Além de um trabalhador da própria Samar-
co, o que nos dá um vislumbre da falta de preocupação da empresa quanto
aos trabalhadores envolvidos na operação da barragem, que foram mortos
pela negligência quanto a segurança da atividade que estavam desempe-
nhando para a empresa.
Esse tipo de problema não ocorre apenas no Brasil, os outros países an-
teriormente citados também tem ocorrências similares. Os Estados Unidos,
por exemplo possuem um histórico de 726 desastres envolvendo mineração
desde 1839, segundo o registro do The National Institute for Occupational
Safety and Health (NIOSH), órgão do governo americano. O último foi re-
gistrado em 2010.
O último desastre americano na mineração ocorreu na mina de carvão
de Upper Big Branch Mine-South no estado de Virgínia Ocidental, causando
a morte de 29 trabalhadores da mina devido a uma explosão de gás natural.
Segundo o órgão público norte-americano Mine Safety and Health Admi-
nistration (MSHA), grande parte das mortes foi causada por violações as
normas de SST por parte da mineradora, ampliando os efeitos da explosão
e aumentando o número de mortes devido à falta de infraestrutura da mina.
Devido ao forte engajamento popular, mesmo com pressão econômica
por parte da Alpha Natural Resources, companhia responsável pela mina,
houve o encerramento das atividades na mesma. Porém, a empresa conseguiu
SUMÁRIO
se esquivar de punições severas quanto ao desastre e ganhou batalhas judi-
ciais contra famílias de trabalhadores com certa facilidade.
Contudo, os números de desastres não somam todas as mortes ligadas
a mineração nos EUA, havendo também mortes isoladas ocorrendo devido
a acidentes menores ou doenças. Segundo o MSHA, ocorreram entre 2006
e 2015 aproximadamente 2000 mortes ligadas a mineração em território
americano, a maioria relacionadas a problemas de segurança ou saúde que
podiam ser evitados com maior precaução.
Assim, fica evidente que a grande problemática dos acidentes e desas-
tres e consequentes mortes é a falta de cuidados e precauções quanto a se-
gurança e a saúde dos trabalhadores. Sendo que este problema é gerado pelo
fato de interesses econômicos, ou seja, ocorre uma espécie de “sobreposi-
ção” do sistema econômico aos sistemas político e jurídico, fazendo com
que a economia passe a interferir na tomada de decisões destes sistemas mais
do que deveria.
O grande problema que isso gera é o desequilíbrio de forças entre sis-
temas, que culmina na supervalorização de comunicações de caráter econô-
mico, levando decisões econômicas a ganharem mais importância do que
as decisões políticas ou jurídicas, descumprindo legislações protetivas que
garantiriam direitos dos trabalhadores, e fazendo com que as empresas mi-
nimizem estes tópicos em seus regimentos internos, reduzindo a capacidade
dos trabalhadores de provocarem os sistemas jurídico ou político buscando
proteção, pois reduz-se a eficácia deste processo comunicativo.
A referida “sobreposição” de um sistema ao outro, ocorre devido a in-
ternalização de influências do sistema agigantado por parte do sistema que
está sendo influenciado, gerando um certo rompimento com o programa pró-
prio do sistema que está sofrendo uma grande influência. Esta influência se
dá por meio de processos comunicativos que ocorrem através de acopla-
mentos estruturais e reflexividade entre ambos.
O fenômeno não acaba com a autopoiese de sistemas sociais consolida-
dos, mas compromete significativamente a tomada de decisões por parte do
sistema que está sofrendo uma influência muito intensa por parte de outro,
fazendo com que algumas decisões e processos comunicativos ocorram de
forma um pouco incompatível com o fechamento operativo do sistema.
Portanto, acabam ocorrendo problemas como a “economização” da po-
lítica e do direito, com uma sobreposição de interesses financeiros aos di-
reitos dos indivíduos que desempenham funções nas ETNs que interferem
na aplicação de garantias e direitos por parte dos Estados, reduzindo os tra-
balhadores a meras peças de sistemas produtivos que visam apenas os inte-
resses do capital.
Sintomas desse problema são os comportamentos negligentes das
ETNs quanto ao cumprimento de normas de SST, levando a ocorrência de
SUMÁRIO
acidentes e desastres que poderiam ser evitados, devido a tentativa de redu-
zir gastos em processos produtivos ou extrativistas.
Em países como China e Rússia esse problema se intensifica, pois há
governos autoritários que cedem mais facilmente a interesses de companhias
em troca de favores e suborno, já que não há fiscalização efetiva por parte
de órgãos internacionais, números são mais facilmente fabricados e ocorre
um maior índice de problemas que são ocultados do conhecimento da co-
munidade internacional.
Especialmente na China, onde há uma ditadura instalada, a fiscalização
por organizações de direitos humanos é extremamente difícil, assim com
quase não ocorrem sanções contra empresas ou contra o governo chinês de-
vido ao descumprimento de normas de SST e outros direitos, pois a impor-
tância da economia chinesa é muito grande para a comunidade internacional.
Não há interesse o suficiente em impor sanções, devido ao risco de desace-
lerar a economia chinesa.
Infelizmente, não há grandes chances de se reverter este fenômeno tão
cedo, são necessárias diversas transformações sociais a nível global para
que isso ocorra. E atualmente não há forma de impedir todas as violações
que ocorrem por parte das ETNs.
Existem tendências de resolução através da criação entidades suprana-
cionais com soberania própria que pudessem fiscalizar melhor as ações de
Estados e transnacionais, porém é algo um pouco longe da realidade atual-
mente, apesar de não ser algo impossível.
Já existe a experiência da União Europeia, que vem tomando contornos
supranacionais, apesar desse mérito ainda ser discutível, a organização têm
um nível de autonomia interessante e estruturas político-jurídicas sólidas,
conseguindo mediar diversas relações interestatais da comunidade europeia.
Talvez esse seja o caminho para a redução de violações de normas de
SST e direitos humanos, se for descobriremos conforme forem desenvolvi-
das as organizações supranacionais e elas agirem. Acabaremos por verificar
a eficácia de suas decisões e a suscetibilidade aos problemas enfrentados
por Estados em normatizar condutas e fenômenos sociais.
Através disso, pode ocorrer até mesmo um aperfeiçoamento dos siste-
mas com a internalização de novas propostas de resolução de problemas de
caráter estrutural que afetem os mesmos.
CApÍTULO 2
A mineração corresponde por cerca de três por cento do PIB global, porém,
ela desempenha um papel fundamental do desenvolvimento produtivo global,
sendo a base para a obtenção de matérias primas dos mais diversos produtos
utilizados por pessoas do mundo todo no seu dia a dia. Portanto, é devido à
SUMÁRIO
atividade mineradora que obtemos boa parte do que é consumido no planeta
desde materiais de construção à eletroeletrônicos.
Um aspecto importante desse fenômeno é o tratamento que se dá ao
trabalhador no ambiente de exploração extrativista de minérios. O trabalha-
dor é a base de todo o processo de extração e processamento dos recursos
minerais, desempenhando boa parte do papel de transformação e utilização
desses recursos naturais. Por este motivo, é crucial a observância das rela-
ções entre empregador e empregado, quanto a questão de condições de saúde
e segurança do trabalhador, pelo fato de que muitas vezes o individuo é visto
como uma mera peça do sistema produtivo perdendo características huma-
nas frente a lógica do mercado.
No momento atual, verifica-se a importância da Saúde e Segurança do
Trabalhador (SST), como um conjunto de normas que visa à proteção do tra-
balhador perante um ente maior, como o Estado ou até mesmo, o empregador.
A partir dessa lógica normativa, criam-se tendências já referidas para a reso-
lução desta problemática através de organizações supranacionais que dedi-
quem-se a supervisão e aplicação de normas da SST sobre Estados e ETNs.
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca
de 2,3 milhões de pessoas morrem em seus ambientes laborais por ano no
mundo. Sendo que, o Brasil encontra-se em 4º lugar no ranking mundial de
mortes por acidentes de trabalho, ficando atrás apenas da Rússia, Estados
Unidos e China.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Ao observarmos as relações de trabalho e as normas de SST, quanto ao cum-
primento das mesmas, vemos que ocorrem diversas violações e problemas
no processo de aplicação deste tipo de norma nos mais diferentes ambientes.
Especialmente na mineração, ocorrem diversas deturpações e inconformi-
dades com a normatividade vigente.
Como ficou constatado, esses problemas ocorrem devido a sobreposição
de interesses econômicos à decisões próprias da política e do Direito, com-
prometendo o funcionamento desses dois sistemas. O que denuncia a neces-
sidade de revisão de certos processos comunicativos e de características es-
truturais de nossa sociedade em busca de soluções para tal problemática.
Fica evidente nas observações realizadas a necessidade da realização de
mudanças em alguns aspectos do comportamento de transnacionais. Afinal,
com o atual cenário ocorrem diversas violações de direitos e mortes, devido à
pouca relevância dada as normas de SST, em detrimento da lucratividade.
Portanto, espera-se que tal análise sirva para direcionar esforços para a
busca de soluções e tenha apontado tendências significativas para tal. Permi-
tindo que tais problemas não permaneçam na obscuridade do desconhecimento.
Com isso, espera-se que logo surjam mais informações e propostas de
solução, levando a melhoria das condições em que vivem os indivíduos tra-
tados no presente artigo, com o fim de violações a seus direitos e maiores
garantias por parte de seus empregadores.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
All Mining Disasters: 1839 to Present. The National Institute for Occu-
pational Safety and health (NIOSh). Disponível em: <https://www.cdc.
gov/niosh/mining/statistics/content/allminingdisasters.html > Acesso em 10
nov. 2017.
SUMÁRIO
ELS, Frik. Top 50 biggest mining companies. 3 abr. 2017. Disponível em:
<http://www.mining.com/top-50-biggest-mining-companies/ > Acesso em
28 out. 2017.
SUMÁRIO
DA ATUAÇÃO LEGISLATIVA À
INTERNORMATIVIDADE: O DESAFIO DO ESTADO E
DO DIREITO FRENTE ÀS NOVAS TECNOLOGIAS.
Dailor dos Santos.
Doutorando em Direito Público (UNISINOS).
Mestre em Direito Público (UNISINOS).
Especialista em Direito do Estado (UFRGS).
Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo.
Universidade Feevale. Rio Grande do Sul. Brasil.
1 INTRODUÇÃO
A contínua evolução dos avanços tecnológicos aponta para a insuficiência
das clássicas abordagens estatais sobre os limites, possibilidades e riscos
das novas tecnologias. Os valores constitucionais – como a dignidade da
pessoa humana – são desafiados pela técnica, que já permite falar em uma
apropriação ética pós-humana.
Diante dos intermináveis anúncios da técnica e da redefinição do próprio
ser humano a partir das novas tecnologias – compreendidas, para os limites
deste estudo, como o somatório de eventos que indicam a evolução tecnoló-
gica em todas as áreas do conhecimento humano e em sua infinita multiplici-
dade criativa, em uma aspiração a um contínuo progresso –, que papel restará
ao Estado? Dentro dessa dinâmica emerge novo questionamento: como – e
quem – poderá instrumentalizar o gerenciamento de riscos em uma atuação
estatal objetiva, atualizada e imediata? O Estado e o Direito, na tentativa de
cotejar as inovações do progresso científico com os riscos impostos à huma-
nidade, possuem apenas ferramentas concebidas na modernidade, incapazes
de dar resposta satisfatória aos contrassensos pós-modernos.
Seria isso o fim do Estado ou, ao contrário, a necessidade de reconfi-
guração de suas funções, de seu papel e de seus atributos? Busca-se, aqui,
compreender a (in)satisfatória atuação do Estado para fazer frente às novas
tecnologias, centrando-se a análise nas perspectivas admitidas pela inter-
normatividade, ou seja, pelo reconhecimento – que também deve ser pauta-
do pela ação estatal – da existência de múltiplas fontes de Direito.
Refundar a ação estatal implica reconhecer, ao mesmo tempo, a neces-
sidade de uma atuação voltada para o tempo presente, o que implica, por sua
vez, uma guinada no modo de compreensão da ação do Estado: de uma pers-
pectiva curativa (satisfeita com a análise permitida pela juridicização) deve-
se avançar para um enfoque preventivo (a objetividade exigida pela prática
SUMÁRIO
internormativa e inerente à velocidade das comunicações pós-modernas).
Assim, de um Estado centralizador deve-se passar à concepção de um Esta-
do indutor e regulador de avanços tecnológicos. A proposta, para atingir esse
fim, reside na atuação estatal fundada na modificação e aprofundamento das
competências das agências, ampliando o foco da regulação.
O estudo compartimenta-se em duas perspectivas: inicialmente exa-
mina a crise, ou o fim, do Estado, nos derivativos que informam a ruptura
da construção moderna da ação estatal e, após, aponta os limites da inter-
normatividade como exemplo privilegiado da multiplicidade das fontes do
Direito, verificando as suas possibilidades na redefinição da atuação estatal.
Na abordagem adotar-se-á o método dialético, viável para apontar, a partir
das contradições detectadas, um caminho que não ignore a contínua recon-
figuração da realidade.
Se a regra jurídica diz que o suporte fático é suficiente, a regra jurídica dá-lhe
entrada no mundo jurídico: o suporte fático juridiciza-se (= faz-se fato jurí-
dico). Se ela, diante de fato jurídico, enuncia que o fato jurídico vai deixar de
ser jurídico, isto é, vai sair, ou desaparecer do mundo jurídico, desjuridiciza-o.
SUMÁRIO
Ali, a regra jurídica é juridicizante; aqui, desjuridizante. (MIRANDA, 1999,
p.75).
SUMÁRIO
que coexistem não apenas fontes de ordem legislativa, mas normas técnicas
e de gestão cuja concepção se dá além do espaço legiferante. O Estado e o
Direito, assim, são atravessados “pela concorrência entre essas novas nor-
matividades técnicas e de gestão com as tradicionais regras jurídicas”
(FRYDMAN, 2016, p.14), o que definiria, mais do que a multiplicidade de
fontes legislativas, um fenômeno internormativo, a internormatividade.
A internormatividade obriga ao reconhecimento de um novo paradigma
a ser avaliado pelo Estado (sua fuga ou rejeição implicará a repetição do tra-
dicional e já impotente modelo da subsunção – ou da juridicização): os ob-
jetos (ciência) e a política (sujeitos) não correspondem mais à divisão onto-
lógica pretendida pela modernidade. Logo, o afastamento da razão tecnicista
da deliberação moral dos seres humanos (FRYDMAN, 2016) vedou, a um
só tempo, o reconhecimento da pluralidade de fontes normativas e a reflexão
ética a respeito dos efeitos do progresso:
4 CONCLUSÃO
As perspectivas abordadas neste estudo indicam que o fim do Estado está
longe de ser alcançado, mas que a redefinição de sua atuação, pautada pelas
SUMÁRIO
demandas pós-modernas, é fundamental para que a atuação estatal – e ad-
ministrativa – sigam oferecendo alternativas à regulação das demandas éti-
cas que as novas tecnologias oferecem.
Em face desse processo de avanço – usualmente vinculado a uma afir-
mação de progresso – o Estado deve abrir-se eticamente à internormativida-
de, admitindo a pluralidade das fontes do Direito. Isso permitiria, a um só
tempo, (a) romper com o estático esquema da juridicização, alocando o Poder
Legislativo como balizador principiológico da atuação da Administração Pú-
blica a partir de critérios e valores constitucionais, privilegiando enunciados
gerais (as previsões específicas e pontuais competiriam à instância internor-
mativa, a partir de indicadores e standards concebidos pela sociedade) e (b)
ampliar a participação social na gestão pública, oferecendo maiores critérios
de decisão ao Poder Judiciário, distintos – e mais precisos, pois imersos na
própria velocidade das comunicações sociais e da dinâmica do mercado – do
que aqueles concebidos pela atuação legislativa do Estado.
A refundação do Estado, todavia, justamente porque deve se alicerçar
em uma atuação descentralizada da Administração Pública, conferiria como
automática consequência aos Poderes constituídos uma responsabilidade dis-
tinta, especialmente ao Poder Legislativo que, com a abertura da juridiciza-
ção, responderia pela criação normativa de diretivas da própria regulação.
A proposta ética de regulação e recepção das práticas internormativas,
por sua vez, deve atentar aos alertas de Walter Benjamin e ao seu questio-
namento do progresso. Não se trata de negar o avanço do progresso, mas de
questionar o modo como ele é construído e os riscos que pode conter em sua
própria formatação. Essa proposta impõe uma redefinição da amplitude da
dignidade humana e a aceitação de que sua construção não se dissocia do
tempo e da memória – o alerta do passado como recomendação política ao
presente (e não apenas para o futuro, como a juridicização tolera).
O Estado, assim, deve superar as noções que a modernidade legou,
para priorizar uma atuação como filtro de interferências externas. Essa
atribuição deve ser maximizada e aprofundada, permitindo que sua regu-
lação seja pautada no controle e ao mesmo tempo na indução de políticas
públicas capazes de permitir o crescimento tecnológico aliado ao geren-
ciamento de riscos.
A atuação a partir de um Direito que limita a decisão à ideia da juridi-
cização somente permite a oferta de respostas defasadas às novas tecnolo-
gias, inviabilizando a compreensão das vantagens que elas oferecem e im-
possibilitando a detecção de seus riscos. Superar essa noção compartimentada
e burocrática impõe que o Estado tenha ferramentas para superar o seu anun-
ciado fim: para isso, deve a atuação estatal centrar-se na gestão de riscos,
com a necessária ampliação de polos da atuação administrativa. Para esse
fim, a aceitação e a abertura à internormatividade, também a partir da atua-
SUMÁRIO
ção remodelada das agências de regulação, constitui um passo decisivo na
(re)formulação pós-moderna do Estado.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
FILHO, José Muiños Pinheiro; CHUT, Marcos André. Estado. IN: BARRE-
TO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. Rio de
Janeiro, São Leopoldo: Renovar, Unisinos, 2009, p. 286-288.
SUMÁRIO
KISHIMOTO, Satoko; LOBINA, Emanuele; PETITJEAN, Olivier. Our pu-
blic water future – the global experience with remunicipalisation. Amster-
dan, London, Paris, Cape Town and Brussels, april 2015. Disponível em:
<https://www.tni.org/files/download/ourpublicwaterfuture-1.pdf>. Acesso
em: 01 dez. 2017.
SUMÁRIO
DIREITO REFLEXIVO DO TRABALHO, SOCIEDADE
MUNDIAL E EMPRESAS TRANSNACIONAIS: UMA
ANÁLISE SISTÊMICO AUTOPOIÉTICA
Fernanda Barboza Bonfada,
acadêmica do curso de direito da Unijuí-Ijuí/RS.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa os reflexos da Responsabilidade Social Empre-
sarial (SER) sobre os códigos de conduta das Empresas Transnacionais
(ETNs) voltado a questões relativas aos Direitos Fundamentais Trabalhistas
através de uma análise sistêmica autopoiética.
O trabalho questiona a que resultados pode se chegar ao se utilizar da
teoria dos sistemas autopoiéticos como referencial para analise da atividade
normativa realizada pelas empresas transnacionais em âmbito operativo in-
terno, no tocante aos direitos humanos de caráter trabalhista.
Acredita-se que os códigos de condutas corporativos podem ser consi-
derados importantes referenciais para identificação de direitos trabalhistas
substantivos dos trabalhadores de empresas transnacionais. Porém, tais di-
reitos só tem importância para o âmbito de organização interna das empresas,
não causando reflexos significativos quando externamente considerados.
A pesquisa se direciona a analisar referencias aos direitos humanos li-
gados ao direito do trabalho num plano normativo não estatal (mais speci-
ficadamente os códigos de conduta das empresas transnacionais), com base
no referencial da teoria dos sistemas autopoiéticos.
Para a realização deste trabalho utilizou-se da metodologia sistêmico-
construtivista, devido se fazer uma abordagem teórica social sistêmica,
construída a partir da visão de um observador, tendo como método de pro-
cedimento o monográfico, por se tratar de um estudo direcionado e possibi-
litar maior segurança. Para tanto, fez-se o uso da técnica de pesquisa biblio-
gráfica, utilizando textos relacionado a pesquisa, encontrados em livros,
artigos e eventuais informações disponibilizadas na internet. Ainda, reali-
zou-se o fichamento dos textos utilizados.
A justificativa para o presente trabalho é trazer para o meio acadêmico
uma análise e reflexão sobre uma nova forma de pensar o direito e a socie-
dade, que pode ser concebida como uma sociedade mundial sob a perspec-
tiva da teoria do sistema autopoiético que por meio de um pluralismo jurí-
dico aceita ordenamentos jurídicos que não provenham exclusivamente do
Estado-nação, mas de outras organizações da sociedade, como é o caso dos
Códigos de Conduta das Empresas Transnacionais. O intuito também é pen-
sar em âmbito global, o quanto esses novos ordenamentos jurídicos tem a
SUMÁRIO
ensinar ou mostrar um novo caminho para o Estado-nação em face de seu
engajamento com as responsabilidades sociais e garantias fundamentais tra-
balhistas, mas também como esses atores podem ser destrutivos frente a
estes direitos. Sendo que, uma sociedade saudável é de responsabilidade de
todos os entes que a compõe, sendo desde o público até o privado.
Falar de autopoiese [...] impõe dizer que a vida pode ser contemplada a par-
tir de um sistema que se autoduplica através de um padrão de relações entre
estruturas e processos em uma rede organizativa cunhada com o selo auto-
poiético na esfera biológica que compreende uma fidelidade e uma estabili-
dade impressionantes.
uma teoria jurídica das fontes do direito deveria concentrar a sua atenção em
processo “espontâneos” de formação do direito que compõem uma nova es-
pécie e se desenvolveram – independentemente do direito instituído pelos
Estados individuais ou no plano interestatal – em diversas áreas da socie-
dade mundial. (TEUBNER, 2003, p.11)
As ETNs também podem ser vistas como aquelas empresas que tem
sua sede em um país, mas operam em outros países por meio de suas filiais,
ou ainda, há as que não possuem uma origem específica, atuando em vários
países para chegar a um produto final, no qual fazem a captação de matéria
prima em um território, utilizam a mão de obra de outro, e têm sua marca
registrada em um terceiro, não sendo nenhum dos territórios que tiveram
contato anteriormente, mas possuem um vasto mercado de atuação, sendo
que dependendo do produto e da cultura do povo podem chegar a todos os
países do mundo. Sendo assim, pode se dizer que tais empresas transnacio-
nais atuam em redes de comunicações.
Joel Bakan (2008, p. 9) aduz que,
4 CONCLUSÃO
Direitos trabalhistas, sociedade mundial e empresas transnacionais para o
presente trabalho são sistemas sociais distintos que acoplados estrutural-
mente resultam em código de condutas das Empresas Transnacionais. Os
códigos de conduta sob o viés sistêmico autopoiético é fechado operativa-
mente e aberto cognitivamente, sendo que, as relações industriais autopoié-
ticas são fechadas operativamente e abertas cognitivamente, ou seja, a au-
torreprodução da comunicação é feita de forma circular e fechada, enquanto
que o sistema das relações indústrias pode abrir para o ambiente. Os ele-
mentos são as comunicações entre os atores coletivos, sendo o núcleo do
sistema os atos industriais advindo das negociações coletivas – que são co-
municações de comunicações originadas da autorreprodução do sistema. O
código binário do sistema das relações industriais é negociável/não nego-
ciável. (ROGOWSKI, 2015)
SUMÁRIO
Direitos humanos são inerentes aos indivíduos, aplicado à teoria dos
sistemas autopoiéticos, pode-se compreender que devido o ser humanos não
ser o centro de observação da sociedade e, sim a comunicação, ele é encon-
trado na periferia de cada sistema, sendo compreendido conforme a neces-
sidade deste mesmo sistema. Sendo assim, por serem periferias e não o cen-
tro de observação de cada sistema há um atraso em desenvolver mecanismos
internacionais de padronização de garantias fundamentais. Ou ainda, devido
ao fato de os indivíduos serem tratados conforme as necessidades do sistema
há direitos e violações diferentes para indivíduos conforme o Estado-nação
e/ ou sistema a que pertencem.
Logo, os códigos de condutas corporativos podem ser considerados
importantes referenciais para identificação de direitos trabalhistas substan-
tivos dos trabalhadores de empresas transnacionais. Porém, tais direitos só
tem importância para o âmbito de organização interna das empresas, não
causando reflexos significativos quando externamente considerados. Visto
que, na sociedade mundial não há uma unidade de normatividade-jurídica,
em decorrência de o Estado-nação não ser mais o único detentor de poder e
consequentemente de sistema produtor do direito. Mas uma sociedade re-
configurada por vários atores que dão incidência ao pluralismo jurídico.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
______. The world society as a social system. In: LUHMANN, Niklas: Es-
says on self reference. New York: Columbia University Press, 1990. pp. 175-
191.
SUMÁRIO
79.
RUGGIE, John. quando negócios não são apenas negócios. São Paulo:
Planeta Sustentável, 2014.
SUMÁRIO
conexão entre os códigos de conduta corporativos (Corporate Codes of Con-
duct) privados e estatais. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização
das esferas fragmentadas do direito na sociedade contemporânea. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 109-126.
SUMÁRIO
A PROPORCIONALIDADE COMO REGRA DE
PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS: UMA ANÁLISE
INSTRUMENTAL DO BLOQUEIO JUDICIAL AO
APLICATIVO WHATSAPP FRENTE AO DIREITO
HUMANO DE COMUNICAÇÃO.
Gilmar Miranda Freire1
Heron José de Santana Gordilho2
SUMÁRIO
2. A COMUNICAÇÃO COMO UM DIREITO hUMANO.
A Constituição da República Federativa do Brasil aponta em seu artigo 5º,
inciso IX que a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença, deve ser livre. No
escopo do artigo, nos interessa a disposição que determina a liberdade de
comunicação4.
Assim, está estampada a garantia da liberdade de comunicação em todo
território brasileiro como um direito fundamental, devendo-se observar que
tal garantia consta elencada no rol dos direitos fundamentais da República
Federativa do Brasil, conferindo ao direito à comunicação o status de Di-
reitos Humanos.
Serve ainda de sustentação a essa argumentação o fato de tal garantia
também compor o necessário elenco de direitos defendidos pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a qual em seu artigo 19 declara que “Todo
o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica
o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber
e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qual-
quer meio de expressão”5.
A declaração Universal dos Direitos Humanos especifica ainda esse
direito, dispondo que todo indivíduo tem direito difundir, receber ou até
mesmo buscar informações por qualquer meio. Ou seja, reconhece não ape-
nas a importância desse direito, mas também a necessidade de sua proteção
e garantia.
Para um entendimento de maior alcance, trazemos o conceito de direito
à comunicação formulado por Helena Martins, o qual apresenta um deta-
lhamento mais técnico:
Assim, embora se diga, no âmbito geral, que a suspensão dos serviços do apli-
cativo Whatsapp causa transtorno aos seus milhões de usuários, é necessário
SUMÁRIO
enxergar justamente o oposto, pois as investigações criminais onde atuam a
Polícia Judiciária, o Ministério Público e o Poder Judiciário, visam atender,
justamente, à população como um todo, tão carente nos dias atuais de uma
melhoria na sua qualidade de vida e nos níveis de insegurança social, onde
índices de criminalidade vêm crescendo assustadoramente, visando uma di-
minuição na impunidade que assola nosso País, atendendo, assim, seus re-
clames por segurança pública e Justiça.
A falta ou a negativa de informação por parte da empresa, deixando de aten-
der a uma determinação judicial, impede aos órgãos de persecução de apura-
rem os ilícitos e alcançarem os autores dos crimes praticados, constituindo-
se a recusa no fornecimento dos dados mera estratégia da empresa a fim de
procrastinar e até descumprir a ordem judicial, sob o pálio de impossibilida-
des técnicas.
SUMÁRIO
Como se conclui, não pode um serviço de comunicação de tamanho alcance,
ser oferecido a mais de 100 (cem) milhões de brasileiros sem, no entanto, se
submeter às Leis do País, descumprindo decisões judiciais e obstruindo in-
vestigações criminais em diversas unidades da Federação11.
4.1 ADEqUAÇÃO.
Como já dito, a adequação está para verificar se o meio pretendido é capaz
ou suficiente para alcançar ou fomentar o fim pretendido. No caso da decisão
em questão, o fim maior está em garantir a segurança pública mediante a in-
terceptação de mensagens trocadas por investigados, contudo, para isso,
será restringida de forma agressiva a garantia do direito à comunicação de
toda a sociedade com o bloqueio do aplicativo largamente utilizado para
este fim.
Observa-se que o bloqueio por si só não tem o condão de promover a
segurança pública, se é que a interceptação de mensagem seja bastante para
tal feito. Veja-se, portanto, que o bloqueio é o meio pelo qual se exige que
o Facebook repasse as mensagens trocadas pelos indivíduos investigados,
ora com o bloqueio a própria comunicação objeto da investigação será in-
terrompida, pondo fim ao objeto que se pretende ter.
Por este fato, considera-se que a medida não é adequada para alcance
do fim pretendido. Com base no caráter de subsidiariedade que pertence
aos elementos da proporcionalidade, o fato de se considerar a medida ina-
dequada já interromperia a análise da mesma que seria desde já considerada
SUMÁRIO
desproporcional, contudo, tendo em vista que a finalidade aqui é didática,
segue-se com a análise.
4.2 NECESSIDADE.
O elemento da necessidade está para o cotejamento da medida, ou seja, ve-
rificar se não existe outro meio bastante para alcance do fim com restrição
menor ao princípio que sofrerá dano colateral.
Ora, constata-se que existem outras medidas capazes de forçar uma
empresa a atender às determinações judiciais, e assim, conforme entendi-
mento da decisão, promover a segurança pública. Tanto assim que esses
meios de igual forma foram utilizados em paralelo à determinação do blo-
queio, que são a responsabilização por obstrução da justiça e a aplicação de
multa diária.
A aplicação da multa diária tem um efeito prático porque atinge dire-
tamente a finalidade maior de qualquer empresa estabelecida, que é o lucro.
A responsabilização por obstrução da justiça põe os representantes da em-
presa com uma potencial responsabilidade criminal, situação que também
é muito desfavorável. E é importante destacar que essas medidas diretamen-
te afetam tão somente o alvo da decisão que as determine, não implicando
efeitos colaterais a terceiros.
Ou seja, a própria decisão reconheceu esses meios como necessários e
adequados para alcance do fim ao aplicá-lo em concomitância com a ordem
que determinou o bloqueio do aplicativo. Com essa consideração, tendo em
vista a existência de meios alternativos com a mesma força, ou talvez superior,
para fomentação da finalidade dos autos, mostra-se desnecessária a determi-
nação do bloqueio do aplicativo em todo país, afetando milhões de pessoas.
O que se percebe na questão em estudo é, talvez, um excesso nas me-
didas adotadas. Esse excesso talvez seja compreendido quando se coloca
em destaque o alto nível de descaso e desrespeito com que a empresa tratou
um órgão do Poder Judiciário.
No que se caracterizou como uma tentativa de inversão de papéis com
o Judiciário, quando a empresa propôs uma inquisição à autoridade judicial
sobre o processo, querendo fazer as vezes de julgador, ficou evidente a olhar
de diminuição que a empresa lançou sobre o Poder Judiciário brasileiro.
Apesar das ponderações que visaram jogar luz sobre as razões do excesso
do julgador, não se pode fechar os olhos para as consequências que a decisão
trouxe aos cidadãos, sobretudo quando não se constata a sua necessidade em
razão da coexistência de outros meios até mais suficientes ou bastantes.
Assim, no quesito necessidade, registra-se também que a medida adotada
não logrou êxito, o que por si só já bastaria para determinar que a medida não
é proporcional, porém, perseguindo o fim didático, segue-se a última etapa de
análise da proporcionalidade, que é a proporcionalidade em sentido estrito.
SUMÁRIO
4.3 pROpORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO.
Como também já elucidado, a proporcionalidade em sentido estrito é a etapa
na qual se realiza o sopesamento, impedindo assim que medidas descabidas
sejam tomadas por passarem na análise da adequação e da necessidade. É a úl-
tima etapa do filtro, onde se atesta a validade da proporcionalidade da medida.
Assim tem-se que a questão tem em conflito a escolha de ou impedir
milhões de pessoas de se comunicarem por meio do aplicativo WhatsApp
para forçar uma empresa a fornecer mensagens privadas de suspeitos em
uma investigação judicial ou garantir o direito à comunicação e fazer uso
de outros meios disponíveis, inclusive agravando-os se necessário, como
aumentar o valor da multa.
Ora, pela própria lógica da subsidiariedade, a qual coloca as etapas em
cadeia, não faz mais sentido seguir com análise porque quando a medida é
rejeitada nas etapas anteriores fica desde já estampada que a mesma não é
proporcional, mas como se está aqui com o fim didático, segue-se com o ra-
ciocínio, mesmo que evidente a reprovação da medida adotada.
Se o julgador está diante de uma medida que clara e objetivamente vai
agredir intensamente um direito e ao mesmo tempo dispõe de outras medi-
das bastantes que diretamente não afeta interesses de terceiros, mais do que
claro fica que, no campo da proporcionalidade, ele não pode fazer uso da
medida pretendida.
Assim, tem-se que a medida de bloquear o aplicativo WhatsApp em
todo território brasileiro se mostra inadequada, desnecessária e despropor-
cional em sentido estrito, tornando-se consequentemente desprovida de pro-
porcionalidade.
CONCLUSÃO
Ao longo dessa investigação, constatou-se que o direito à comunicação é
um importante direito humano a serviço da sociedade por garantir o direito
de voz e, por meio dele, garantir o acesso aos demais direitos, servindo assim
como um importante instrumento de combate à marginalização, quando
usado para tal fim.
Por essa razão qualquer decisão judicial que se pronuncie como uma
possível restrição a esse direito, deve passar pelo crivo da proporcionalidade
como um recurso a precaver os excessos das medidas constantes na decisão
final. Afinal o norte de uma decisão judicial é a pacificação dos conflitos e
não o seu agravamento.
Apesar de todo o descaso, desrespeito e deszelo constantes no trata-
mento que o Facebook, empresa responsável pelo aplicativo WhatsApp no
Brasil, dirigiu à autoridade judicante, não é possível admitir afronta a pre-
ceitos que consagram direitos humanos, não se pode permitir excessos nas
SUMÁRIO
medidas que venham a combater tal afronta ao Poder Judiciário por qualquer
motivo que seja.
Medidas enérgicas e ostensivas indubitavelmente devem ser adotadas
contra qualquer tentativa de obstrução do poder de investigação do Judiciá-
rio, porém devem ser dirigidas, no máximo possível, apenas a quem lhes
deu causa e não a toda sociedade, como ocorreu no bloqueio do aplicativo,
onde os maiores afetados foram os seus usuários, milhões de cidadãos bra-
sileiros que ficaram privados de estabelecer contato.
E meios para isso existem como a aplicação de multa e a responsabili-
zação criminal por obstrução da Justiça, ademais há de se ter em conta que
a medida de bloquear o aplicativo, ao invés de prejuízo, trouxe força à em-
presa atacada, pois a ausência de seus serviços mostrou às pessoas o quanto
à sociedade brasileira é dependente desse aplicativo, tornou evidente a força
que o serviço detém.
Ao fim das pesquisas desenvolvidas, com destaque para a análise da
proporcionalidade permitida pelo uso de seus filtros, conclui-se que a me-
dida adotada pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias que cul-
minou no bloqueio do aplicativo WhatsApp em todo o território nacional
não é proporcional por, além de não se mostrar bastante para alcance de seu
fim, ferir de forma incisiva e clara o direito à comunicação, direito este cons-
tante no elenco dos Direitos Humanos.
SUMÁRIO
NOTAS
Pós-Doutor pela Pace University Law School, Nova York, onde é Coorde-
nador Regional do Instituto Brasileiro Americano de Direito e Meio Ambiente
2
ments/UDHR_Translations/por.pdf
SUMÁRIO
consideração de três elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito, essa é a corrente predominante e a qual seguimos nesse trabalho. A
segunda delas exclui o sopesamento proporcionado pelo elemento da proporcio-
nalidade me sentido estrito, considerando apenas duas sub-regras para a composi-
ção da proporcionalidade, a adequação e a necessidade. Já a terceira corrente acres-
ce a lista apontada pela primeira corrente, inserindo a análise da legitimidade dos
fins como etapa antecessora das demais. Silva, Virgílio Afonso da. Op. Cit. P. 35.
10
Silva, Virgílio Afonso da. Op. Cit. P. 40/41.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Acessado em 03/06/2017.
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Ano 91. Vol. 798.
Brasília, Revista dos Tribunais, 2002.
SUMÁRIO
O PLURALISMO JURÍDICO COMO UNIDADE
JURÍDICA NA SOCIEDADE GLOBAL
Lisiane da Silva Zuchetto
Mestranda/UPF/RS
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Hodiernamente a sociedade encontra dificuldades em localizar novos cri-
térios de verdade, de forma que os fundamentos teológicos, metafísicos e
racionais que por séculos, auxiliaram as formas de conhecimento, não estão
mais capacitados para trazer respostas de modo eficaz para as inquietações
e carências da modernidade.
Frente a esta crise instrumental que perpassa a ordem jurídica, se faz
essencial a transformação e a reconstrução de paradigmas, por meio de um
discurso mais crítico e mais harmônico com as mudanças empregadas pela
sociedade e, que nem sempre são alcançadas pelo direito.
Para tanto, a pesquisa irá focar-se no aperfeiçoamento de sistemas, con-
siderando esse como ideia de organização/ordem, como forma de identificar
o Direito como “sistema de comunicações” (Niklas Luhmann), colocando-
se esse a favor da ideia de sistema e da própria existência do Direito.
Preliminarmente apresenta-se a oposição de ideias do monismo e do
pluralismo jurídico, observando a relação entre Estado e Direito. Em seguida
analisa-se a sociedade moderna, abordando-se a problemática do controle
das decisões jurídicas, separando leis, poder e religião. Em diferentes esfe-
ras da sociedade tais como a saúde, arte, mídia, no entendimento de Gunther
Teubner, a globalização dispõe de fortalecimento da autonomia da atividade
modificando-se em um âmbito organizado, perpassando pelo direito.
Considerando as questões fundamentais de âmbito social, necessário
encontrar uma relação entre direito, política e sociedade, como nova forma
de pensar o direito, o que se busca com a comunicação, por meio do cons-
trutivismo, ou seja, relação entre direito e sociedade. Por meio da “teoria
dos sistemas” interpreta-se o conceito de comunicação, sob o aspecto da au-
topoiése. Diante dessa necessidade de comunicação, observa-se o transcons-
titucionalismo.
O estudo apresentado trata-se de uma pesquisa que se utilizou do mé-
todo sistêmico para obtenção dos resultados. Em relação ao método de pro-
cedimento adotou-se o monográfico. Como mecanismo de busca, utilizou-
se a ferramenta documental e a bibliográfica, tais como livros, publicações
e periódicos.
Apenas uma ordem normativa pode ser “soberana”, ou seja, uma autoridade su-
prema, o fundamento último de validade das normas que um indivíduo está au-
torizado a emitir como “comandos” e que os outros são obrigados a obedecer.
Dizer que uma ordem jurídica é superior a outra, significa dizer que
uma ordem, a inferior, deriva seu fundamento de validade de uma norma su-
perior, ou seja, como refere Kelsen (2000, p. 545) “a questão de saber se o
Estado é soberano ou não coincide com a questão de saber se o Direito in-
ternacional é ou não ordem superior ao Direito Nacional.”.
Nesse sentido, o autor diferencia direito nacional de direito internacio-
nal, entendendo que o ordenamento jurídico internacional tem significado
enquanto parte de um ordenamento jurídico universal (KELSEN, 2000, p.
516), mencionando que (2000, p. 516)
SUMÁRIO
modo, a coexistência de numerosos Estados. [...] a ordem jurídica interna-
cional restringe a esfera material de validade das ordens jurídicas nacionais
sujeitando-as a certa regulamentação das suas próprias matérias.”. [...] Essa
visão monista é o resultado de uma análise das normas de Direito internacio-
nal positivo referente aos Estados, ou seja, às ordens jurídicas nacionais. A
partir do ponto de vista do direito internacional vê-se a sua conexão com o
direito nacional e, por conseguinte, com uma ordem jurídica universal.
SUMÁRIO
ordem superior, que irá determinar o fundamento e a criação das duas ordens
inferiores. (2000, p. 530).
Kelsen em sua obra Teoria Pura do direito ensina que, não existe um
Estado mundial, mas sim, uma “unidade cognoscitiva de todo o direito”
(2003, p. 364) o que significa que é viável a idealização de um conjunto de
normas formado pelo Direito internacional bem como as ordens jurídicas
nacionais, formando assim um sistema unitário de normas, pois conside-
ram-se normas simultaneamente válidas. O direito esta englobado em um
único sistema.
O autor traz a diferença entre as duas construções monistas ligadas pelo
direito internacional e Direito nacional, reconhecidos por um Estado, men-
cionando que a (2003, p. 385-386)
2. O RECONhECIMENTO DA pLURALIDADE
Ao analisar a realidade que a sociedade se forma, por meio de organizações
diversificadas ou, nas palavras de Antônio Carlos Wolkmer (1994, p. 177)
“por associações humanas inter-relacionadas”, sendo essas associações,
grupos, comunidades religiosas, corporações, partidos políticos e famílias,
onde cada grupo cria sua ordem jurídica e mantém sua total ou parcial au-
tonomia em relação ao Estado, acredita-se que a legislação imposta pelo Es-
tado não é a única fonte do âmbito jurídico.
Considerando essa complexidade trazida hodiernamente, com diferentes
classes, formas de vida, culturas, religião, acredita-se que essa realidade ins-
tale uma crise do modelo normativo. Assim, observa-se o pluralismo jurídico
como uma busca de um novo modelo normativo que atenda a nova sociedade
que se encontra em constante evolução, enfrentando diversas realidades.
O pluralismo jurídico nega o entendimento de que o Estado é a única
fonte do direito, ou seja, que somente o Estado pode produzir normas, surgin-
do para contrapor a doutrina do monismo jurídico, entendendo que esta é in-
suficiente para contribuir de forma decisiva para a ampliação de produção ju-
rídica, por meio de outros meios normativos não convencionais. Dessa forma,
busca diferentes meios de positivação jurídica na mesma sociedade política,
com a consequente existência de normas que não as emanadas do Estado.
Dentro de uma sociedade que gera fatos e consequentemente, produz
normas, fala-se do “direito criado pela massa, pela sociedade”, conforme
ensina Wolkmer ao referir acerca do direto social e o direito individual.
Nesse sentido, Wolkmer (1994, p. 180) ensina que o primeiro “tem sua fonte
na coletividade organizada, na confiança e na participação de indivíduos
que compõem grupos igualitários em colaboração”, já o segundo é um di-
reito de “integração que não pode jamais ser imposto de fora, mas, por com-
preender uma “totalidade imanente”, materializa-se a partir de dentro.”.
Há que salientar que, muito embora considere-se que o direito alcança
uma diversidade de pessoas e grupos, na sociedade atual ainda existem gru-
pos e indivíduos que não são contemplados por tais direitos, nesse sentido,
ensina Joaquim de Arruda Falcão (1984, p. 80-85) que o pluralismo jurídico
tem por objetivo encontrar uma explicação teórica para a “convivência con-
traditória, por vezes consensual e por vezes conflitante, entre os vários di-
reitos observáveis numa mesma sociedade.”.
Wolkmer conceitua o pluralismo jurídico da seguinte forma (1994, p.
195) “multiplicidade de práticas jurídicas existentes num mesmo espaço
SUMÁRIO
sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou não ofi-
ciais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e cultu-
rais.”, o qual considera que o direito estatal é apenas uma das formas jurídicas
existentes em uma sociedade, uma vez que existem ordens jurídicas distintas.
Como referido, o direito é visto como normas jurídicas elaboradas por
órgãos dos Estados, contudo a sociologia jurídica passou a dar novos con-
ceitos para esse entendimento, segundo Ana Lucia Sabadell (2005, p. 120)
um período, de uma fase, em que há uma grande crença numa certa idéia de
racionalidade, e essa racionalidade, no Direito, para simplificar, estaria ligada
a uma forte noção de Estado. Assim, toda teoria jurídica da modernidade é
uma teoria ligada à noção de Estado, e essa racionalidade se desenvolveu,
principalmente, numa dinâmica que se chama normativismo. Então, tem-se
hoje em plena forma de sociedade globalizada ainda uma teoria jurídica ori-
ginária da modernidade presa à noção de Estado e de norma jurídica.
O CONSTRUTIVISMO E A pOLICONTExTURALIDADE
O construtivismo entende que o conhecimento se sustenta na construção de
um observador, privilegiando a globalização, a pluralidade social e a com-
plexidade. Observando as questões fundamentais de âmbito social, busca-
se uma relação entre direito, política e sociedade, uma norma jurídica mais
ampla, incluindo regras, princípios, diretrizes políticas e maior participação
na sociedade, revendo o normativismo, ou seja, conforme ensina Rocha
(2005) “Direito além da norma”.
Da conexão entre sociedade e direito decorre o construtivismo, que
busca interpretar o conceito de comunicação na perspectiva da autopoiése.
Nesse viés, Rocha (2005, p. 15) observa a “epistemologia construtivista que
privilegia para a globalização a temática da pluralidade social, da comple-
xidade, dos paradoxos e riscos [...]”.
A teoria dos sistemas busca interpretar o conceito de comunicação, en-
tendendo Luhmann que essa ocorre com a discussão dos “Meios de Comu-
nicação Simbolicamente Generalizados”. Em relação a análise sistêmica,
menciona Rocha (2005, p. 28) que “a sociedade apresenta as características
de um sistema permitindo a compreensão dos fenômenos sociais através dos
laços de interdependência que os unem e os constituem numa totalidade.”.
Essa teoria passou por grandes transformações as quais se deram em
razão do construtivismo, e esse “entende que o conhecimento não se baseia
na correspondência com a realidade externa, mas somente sobre as constru-
ções de um observador.” (ROCHA, 2005, p. 28).
A teoria dos sistemas de Luhmann é voltada para a produção da diferença,
SUMÁRIO
e nesse sentido, ensina Rocha (2005, p. 30) que “A sociedade tem de ser ob-
servada com o critério de produção do diferente.”. Na concepção de Luh-
mann, a teoria é observada sob a perspectiva “autopoiética”, onde o direito
é um sistema auto-reprodutor. (ROCHA, 2005, p. 31).
Para a compreensão de um mundo de sociedade complexa, em que
ocorrem discussões sobre o significado do direito e da sociedade, Luhmann
propõem um novo “estilo científico”, referindo Rocha (2005, p. 38) que a
teoria da sociedade autopoiética
SUMÁRIO
Neste caso, impõe-se um diálogo entre estas distintas ordens jurídicas
a fim de que os problemas que lhes são comuns tenham um tratamento har-
monioso e reciprocamente adequado, sendo que essa interlocução pode
ocorrer das mais variadas formas, aduzindo Neves (2012, p. 129)
SUMÁRIO
NOTAS
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos com estágio
Pós-Doutoral pela Universidade de Passo Fundo; Professor da Universidade de
2
estes, individualmente, e a comunidade no seu todo, algumas das quais têm origem
em contratos (compra e venda, arrendamento etc) e outros negócios jurídicos que
envolvem a propriedade, a posse e os direitos reais vários sobre a terra e as habi-
tações (ou parte delas) individualmente apropriadas. Tais relações têm uma estru-
tura homológica das relações jurídicas. No entanto, à luz do direito oficial brasi-
leiro, as relações desse tipo estabelecidas no interior das favelas são ilegais ou
juridicamente nulas, uma vez que dizem respeito a transacções sobre terrenos ile-
galmente ocupados e a construções duplamente clandestinas. Dentro da comuni-
dade, contudo, tais relações são legais e como tal vividas pelos que nela partici-
pam; a intervenção dos moradores neste domínio visa constituir como que um
ersatz da proteção jurídica oficial de que carecem. SANTOS. Boaventura de
Sousa. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica.
Porto Alegre: Fabril, 1988, p. 14.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
_____. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 6ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. 5ª tiragem, 2003.
SUMÁRIO
AUTORREGULAÇÃO E RISCOS: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES JURÍDICOS PARA A GESTÃO DOS
RESÍDUOS NANO PARTICULADOS
Wilson Engelmann,
Dr. em Direito, Unisinos/RS
INTRODUÇÃO
O mundo na escala nano sempre existiu integrando a natureza, mas somente
a partir da metade para o final do Século XX, o ser humano conseguiu aces-
sar esta ordem de grandeza, visualizando a bilionésima parte de um metro.
SUMÁRIO
Observa-se no cotidiano da vida humana o consumo cada vez maior de inú-
meros novos produtos com nanotecnologia, nas mais diversas áreas.
Como exemplo podem ser citados protetores solares, calçados, telefo-
nes celulares, tecidos, cosméticos, automóveis, medicamentos produtos para
agricultura, medicamentos veterinários, produtos para tratamento de água,
materiais para a construção civil, plásticos e polímeros, produtos para uso
nas indústrias aeroespacial, naval e automotora, siderurgia, entre outros.
Assim, deixam de ser apenas promessas futurísticas e incorporam-se
na rotina diária da sociedade deste início do século XXI, exigindo, portanto,
a atenção por parte do Direito. Mas as nanotecnologias vêm acompanhadas
de incertezas científicas quanto seus efeitos e danos futuros ao meio am-
biente e vida humana. Uma vez que o consumo destes produtos vêm sendo
cada vez maior, amplia-se também o aporte destes materiais ao meio am-
biente. Desta forma a questão nanolixo ou nanorresíduo é mais um aspecto
a gerar preocupações. Trata-se da incógnita do nanowaste. De que forma
deveria ocorrer a destinação final do resíduo nanotecnológico? Há diferença
dos resíduos em escala macro?
Ainda, face a inexistência de regulação específica das nanotecnologias,
tampouco sobre o nanowaste, é necessário buscar uma alternativa para im-
plementação de instrumentos com potencial regulatório (mesmo que elabo-
rados fora do mundo jurídico). Muitos estudos sobre as nanotecnologias
estão em desenvolvimento em nível mundial, como nos Estados Unidos,
Europa em geral, Ásia e até mesmo América Latina. Organizações
como ISO, NIOSH, FDA, NANOREG (Europa), British Standars Institution
(BSI), a Comissão Europeia e Parlamento Europeu, e por fim, a OECD vem
desenvolvendo estudos, protocolos e instrumentos com potencial regulató-
rio, que poderiam (ou não) fazer as vezes de marco regulatório, com o ob-
jetivo de sanar a lacuna legislativa e omissão estatal.
Utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica, buscando realizar a revisão das
publicações em livros, artigos científicos e sítios oficiais da internet, alinhado
à metodologia sistêmica-construtivista, utilizando-se de bases que não com-
põem o Direito tradicional, possibilitando a conexão e aplicação de outros
institutos regulatórios, realizando a interligação de outras áreas da ciência.
Para tanto, necessário que se parta de um prévio conhecimento acerca
das nanotecnologias e seu debate em nível internacional, bem como a ques-
tão do risco; ademais, analisar-se-á o ciclo de vida dos nanomateriais e aten-
ção necessária ao nanowaste; e por fim, conhecer o estudo específico sobre
nanowaste da OECD, e de que maneira será viável a utilização de tal ins-
trumento com potencial regulatório, realizando a necessária gestão do risco.
Portanto, o problema que se pretende enfrentar neste artigo, poderá ser assim
circunscrito: uma vez que inexiste regulação específica sobre o nanowaste,
de que forma seria viável a utilização do protocolo da OECD? Quais teorias
SUMÁRIO
possibilitam a adoção de instrumentos com potencial regulatório que versam
sobre os resíduos nanotecnológicos?
Considerando-se a necessária cautela frente à incerteza, uma resposta
adequada seria a adoção de algum instrumento regulatório, mesmo que não
proveniente do mundo jurídico tradicional, objetivando um respeito à pre-
caução, à sustentabilidade e à equidade intergeracional e o fornecimento de
respostas adequadas à complexidade que se apresenta.
DESENVOLVIMENTO
O século XXI se caracteriza pela emergência de uma revolução tecnocien-
tífica sem precedentes, impulsionada pelos avanços de novos produtos e dis-
positivos com nanotecnologias. O número de produtos à base de nanotec-
nologias cresce rapidamente no mercado consumidor: de acordo com a
Nanotechnology Products Database(NPD, 2017), em dados atualizados até
outubro de 2017, existem 6.926 produtos que têm algum componente à base
de nanotecnologia, produzidos em 1356 empresas, localizadas em 51 países.
Segundo essa mesma base de dados, os principais setores onde se encontram
os produtos são alimentos, cosméticos, eletrônicos, equipamentos domés-
ticos, petróleo, energias renováveis, têxteis, medicina, indústria ambiental,
como água, remedição e purificação de água, tratamento de água residual e
purificação de solo, além de artigos esportivos e fitness. Verifica-se uma
grande versatilidade na aplicação da escala nano, o que lhe garante o sucesso
e o crescimento rápido e em um curto espaço de tempo.Como destaca Klaus
Schwab (2016), as nanotecnologias estão no centro da estruturação da de-
nominada quarta revolução industrial.
Provavelmente, o fascínio da criatividade levou os cientistas a desen-
volver condições técnicas para pesquisar nesta escala, desvendando um
“mundo novo”, com possibilidades e riscos ainda em grande parte desco-
nhecidos. Apesar disso, a utilização industrial da escala nanométrica está
avançando rapidamente, incrementando-se os produtos desenvolvidos à
base da nano escala, sem que se tenha uma certeza científica sobre a segu-
rança das nanopartículas e sem que a área jurídica tenha construído marco
regulatório específico. Em grande parte, este cenário está circunscrito à
busca da inovação e a necessidade de se transferir o conhecimento científico
gerado nos laboratórios das Universidades e Centros de Pesquisa para o
setor industrial, que transforma a pesquisa em produtos.
O tema das nanotecnologias integra a Estratégia do Programa Quadro
“Horizonte 2020” da União Europeia, estabelecendo expressamente: “[...]
As tecnologias facilitadoras essenciais, como, por exemplo, a indústria de
ponta e de materiais avançados, a biotecnologia e as nanotecnologias, estão
no cerne dos produtos inovadores: telefones inteligentes, baterias de alto
SUMÁRIO
rendimento, veículos ligeiros, nanomedicamentos, tecidos inteligentes e
muito mais. A indústria transformadora europeia é o maior empregador, com
31 milhões de trabalhadores em toda a Europa (HORIZON 2020, 2017).
Além disso, cabe destacar o documento intitulado: High-Level Expert
Groupon Key Enabling Technologies (2015), referente a uma comunicação
da Comissão Europeia datada de 2009, intitulada: Preparing for our future:
developing a Common Strategy for Key Enabling Technologies in the EU.
Neste documento foram identificados seis Key Enabling Technologies e uma
delas são as nanotecnologias.
O campo das nanotecnologias está avançando rapidamente e deverá
impactar em praticamente todas as facetas globais da indústria e da socie-
dade. A padronização internacional em nanotecnologias deve contribuir para
que se perceba o potencial desta tecnologia através do desenvolvimento eco-
nômico, melhoria da qualidade de vida e para a melhora e proteção da saúde
pública e do meio ambiente. Pode-se esperar que muitos nanomateriais
recém-fabricados entrem no mercado e nos locais de trabalho (ISO, 2017).
Esta rápida transição dos laboratórios para as fábricas e, a partir da produção
em grande escala, para o mercado consumidor, reside um importante foco
de possibilidade de riscos não adequadamente avaliados e conhecidos. Vale
dizer: é uma face a ser observada pelo Sistema do Direito.
Desta forma, a quantidade de produtos aumenta rapidamente, e paralelo
a esse desenvolvimento crescem as preocupações sobre os riscos que as na-
notecnologias poderão provocar, especialmente em relação aos trabalhado-
res, em virtude de sua exposição, devendo trazer-se o foco para a relação
com o meio ambiente, saúde e segurança (ENGELMANN, 2011, p. 342).
Neste panorama, destacam-se diversas características das nanotecno-
logias, tais como: as propriedades incomuns de nanopartículas são princi-
palmente baseadas em seu tamanho em nano escala e sua área de superfície.
À medida que o tamanho de uma partícula diminui e se aproxima da nano es-
cala, muitas propriedades começam a mudar em comparação com o mesmo
material no seu tamanho macro. Cita-se, como exemplo, a cor e a temperatura
de fusão do ouro, as quais são muito diferentes em nano escala que em ouro
convencional. Os efeitos tóxicos de materiais que se mostram como inertes
na escala macro, também são muito diferentes na escala nano. Como a área
de superfície de partículas aumenta uma maior proporção dos seus átomos
ou moléculas começar a ser exibida na superfície, em vez de o interior do
material. Existe uma relação inversa entre o tamanho das partículas e o nú-
mero de moléculas presente na superfície da partícula. O aumento na área de
superfície determina o número potencial de grupos reativos sobre a partícula.
A alteração das propriedades físico-químicas e estruturais das nanopartículas
com uma diminuição do tamanho poderá ser responsável por uma série de
interações materiais que podem levar a efeitos toxicológicos.
SUMÁRIO
É imperativo, portanto, que fabricantes (a indústria), laboratórios, cien-
tistas e universidades, seguradoras e a comunidade jurídica, em ação con-
junta na tomada de ações proativas, adotem medidas na identificação e quan-
tificação dos riscos da nanotecnologia, bem como na efetivação de
legislação de biossegurança e do adequado descarte dos nanowastes (resí-
duos nanotecnológicos).
Os riscos podem ser incertos e ocorrerem apenas no futuro, mas a deci-
são precisa ser realizada no presente, através da utilização destas novas fer-
ramentas surgidas pela incorporação da ideia de que o conhecimento não po-
derá mais ficar aprisionado nos limites herméticos de cada campo do saber.
Somente assim o Direito poderá desenvolver respostas adequadas às
demandas surgidas em função da nova realidade gerada pelo uso e impactos
da tecnociência (e assim, das nanotecnologias), conjugando o respeito ao
ser humano e ao meio ambiente com a inovação e ampliação do conheci-
mento nas áreas das ciências duras. É preciso um Direito crítico, capaz de
fazer leituras da realidade e apto a provocar as mudanças necessárias nesta
realidade, sob pena de restar isolado das outras áreas do conhecimento, que
se utilizarão dos espaços vazios deixados pelo Direito, para atuarem, inclu-
sive em questões regulatórias.
Aí se abre um espaço de consequências ainda pouco conhecidas. Para
o Direito, gera a necessidade para normatizar os riscos e os danos futuros.
O que é um grande desafio, pois o Direito sempre avaliou os fatos do pas-
sado, atribuindo-lhes efeitos jurídicos no presente, determinando como de-
veria ser o comportamento no futuro.
No caso das nanotecnologias, os efeitos que poderão surgir – riscos e
danos – no futuro, no presente ainda são pouco conhecidos. No presente,
ainda se tem poucas notícias sobre danos provocados pelas nanotecnologias.
Esse o problema da regulação legislativa estatal sobre a matéria: ainda não
se tem informações científicas suficientes para uma regulação formal.
Busca-se sinalizar quais seriam as possibilidades de regulação para esse ce-
nário de riscos, muitos dos quais ainda desconhecidos, que projetam para o
futuro uma eventualidade de ocorrência de danos. Algumas pesquisas reve-
lam uma desconexão entre as pesquisas acadêmicas e a sua aplicação em es-
cala industrial, o que abre novas possibilidades para riscos. Diferentemente
dos riscos da modernidade, os riscos que resultam das novas tecnologias e
do processo de industrialização são resultados de decisões conscientes (to-
madas por um lado por organizações provadas e/ou estatais para obter van-
tagens econômicas e aproveitar as oportunidades correspondentes e, por
outro lado, sobre a base de um cálculo que considera os perigos como a ine-
vitável face oculta do progresso). São riscos distintos dos causados por ca-
tástrofes naturais e guerras, visto que se apresentam “por vias pacíficas,
fructifican em los centros de la racionalidade, la ciência y el bienestar y
SUMÁRIO
gozan de la protección de quienes velan por la ley y la orden” (BECK, 2008,
p. 49).
O crescente uso de materiais nanoengenheirados em produtos de con-
sumo levantou certas preocupações sobre sua segurança para a saúde huma-
na e o meio ambiente. Atualmente, há uma série de grandes incertezas e la-
cunas de conhecimento em relação ao comportamento, interações químicas
e biológicas e propriedades toxicológicas destes materiais. Como lidar com
essas incertezas exigirá a geração de novos conhecimentos básicos, é im-
provável que eles sejam resolvidos no futuro imediato (SOM, 2010), espe-
cialmente a partir das contribuições de apenas uma área do conhecimento.
O exercício inter e/ou transdisciplinar serão muito bem-vindos.
A utilização das nanotecnologias sem uma avaliação adequada dos ris-
cos e de uma gestão adequada destes riscos pode configurar-se em caminho
como o do amianto, dos transgênicos e dos aerossóis, onde a comercializa-
ção passou muito à frente da avaliação ambiental dessas tecnologias.
Os benefícios potenciais das nanotecnologias ainda não foram devida-
mente avaliados em relação ao potencial de riscos à saúde humana e ecoló-
gica. A análise do ciclo de vida dos produtos já tem sido reconhecida como
uma ferramenta capaz de realizar uma avaliação ambiental, holística e assim,
a pesquisa realizada Gavankar e colaboradores (2012) demonstra que o nú-
mero de estudos sobre o ciclo de vida de nanoprodutos vem aumentando, em-
bora um olhar mais atento revela que muitos desses estudos não cobrem todo
o ciclo de vida dos nanomateriais ou nanoprodutos. Outro aspecto que tem
gerado preocupação é o destino final destes materiais com nanotecnologia
quando do fim de seu ciclo. Estes materiais podem não ser biodegradáveis e
assim, permaneceriam no ambiente, interagindo com outros materiais. Este
risco em potencial já está causando preocupação dos países em desenvolvi-
mento para onde os resíduos contendo nanomateriais podem ser exportados
(FAO/WHO, 2012). A avaliação do ciclo de vida está diretamente vinculada,
e vice-versa, com a avaliação do risco das nanopartículas.
É salutar deixar mencionado aqui a questão do resíduo e a responsabili-
dade civil dos diversos integrantes da cadeia consumerista, já consagrados
nos princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº. 12.305/2010),
no artigo 3º, XVII que menciona a responsabilidade compartilhada pelo ciclo
de vida dos produtos, ou seja, o conjunto de atribuições individualizadas e en-
cadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos
consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de ma-
nejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e re-
jeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana
e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos
da referida lei.Importante pensar que com a reciclagem pode-se estar perpe-
tuando o ciclo de vida de um nanomaterial, que entrará novamente em um
SUMÁRIO
novo ciclo, do berço ao túmulo.
Em 13 de abril de 2016, o Centro de Direito Ambiental Internacional
(CIEL), a Organização de Cidadãos Europeus pelo Meio Ambiente, a Or-
ganização para Standarts (ECOS), e o Instituto Oeko efetuaram a Publica-
ção de uma Declaração das Organizações Européias sobre resíduos que con-
tenham nanomateriais. Entre os principais aspectos abordados estão: a
implementação de plena responsabilidade do produtor para garantir uma
gestão segura de resíduos contendo nanomateriais manufaturados; a restri-
ção dos movimentos transfronteiriços de resíduos que contenham certos na-
nomateriais manufaturados; a possibilidade de quantificação transparente
e caracterização dos fluxos de resíduos que contêm nanomateriais fabrica-
dos através de registro público dos produtos nanos na União Europeia; o es-
tímulo a inovação em matéria de prevenção de resíduos; a promoção do de-
senvolvimento de tecnologias de reciclagem e descarte seguras e eficazes
para os produtos que contêm nanomateriais manufaturados; o desenvolvi-
mento e estabelecimento de critérios verificáveis de fim de resíduos para
materiais recicláveis que contêm nanomateriais manufaturados; e ainda que
os inovadores devem explorar como as propriedades avançadas de nanoma-
teriais fabricados podem ser utilizados em apoio da economia sem a intro-
dução de novos riscos ambientais ou agravar os já existentes (DECLARA-
TION, 2017).
Atualmente, em relação às nanotecnologias e mais especificamente ao
nanowaste vislumbra-se um movimento transnacional de regulação, acom-
panhado da tendência da autorregulação como meio apto a prestar respostas
adequadas a estas novas demandas e incertezas dos resíduos nanotecnoló-
gicos. Existem inúmeros estudos, protocolos e outros instrumentos com po-
tencial regulatório, que podem cumprir com o papel de um marco regulató-
rio, frente às atuais lacunas legislativas e omissão estatal. Considerando-se
a complexidade das nanotecnologias e os rápidos avanços do sistema da
Ciência frente a este tema, uma lei fechada e estanque não parece ser a so-
lução para regular as demandas da era nanotecnológica.
Assim, destaca-se o protocolo da OECD, organização internacional
que desenvolveu estudo específico com os principais tipos de tratamentos
de resíduos, com possíveis respostas à gestão do nanowaste.
Com base nas inquietações apresentadas e inseridos num cenário ilu-
minado pela Precaução, a hipótese que se apresenta é verificar a possibili-
dade de adoção do protocolo da OECD como instrumento autorregulatório
adequado para elaborar uma gestão mínima do risco do nanowaste, como
alternativa do mundo jurídico frente às incertezas e lacunas do Direito. Pa-
riotti (2010) discorre sobre a autorregulação, sugerindo inclusive que a ado-
ção destes instrumentos possam superar a antiga dicotomia entre público e
privado, inserindo-se no contexto plural, remetendo a Teubner (2005):
SUMÁRIO
Nesse sentido, é intrigante ver se os modelos regulatórios em algum mo-
mento poderiam superar a dicotomia entre privado e público, expressando a
distinção entre estado e sociedade em termos de ‘policontexturalidade’, isto
é, a idéia de que várias perspectivas sociais se refletem na lei, sem uma dis-
tinção entre eles sempre sendo possível. Ser uma maneira de superar a visão
que permite espaço para autorregulação encoraja o eclipse da autoridade pú-
blica por interesses privados. (PARIOTTI, 2010).
SUMÁRIO
acordo com as necessidades e complexidades nanotecnológicas. Mas, ao
contrário de toda a inércia estatal, já pode-se contar com alguns instrumentos
com potencial para regulação, de organismos internacionais, tanto gover-
namentais como privados, que auxiliariam no fornecimento de protocolos
e regulações específicas. Tais documentos são fruto de extensos e profundos
estudos relacionados à nanotecnologia, segurança e nanorresíduos (LEAL,
2017, p.141).
Desta forma, a adoção de uma postura não inerte por parte do Direito,
em busca de um autorregulação pode ser uma das alternativas viáveis e pal-
páveis frente aos desafios nanotecnológicos em busca da sustentabilidade
e da preservação dos direitos das futuras gerações. A autorregulação vem se
mostrando atual, efetiva e adequada ao contexto das nanotecnologias e a ne-
cessária adoção de regulação específica:
CONCLUSÃO
A sociedade atual está vivendo o período da revolução nanotecnológica,
onde os mais diversos setores produtivos utilizam em seus processos insu-
mos, materiais ou equipamentos que contém nanopartículas engenheiradas.
As pesquisas em nano escala já deixaram os laboratórios e ganharam as li-
nhas de produção das indústrias, incrementando o número de produtos com
nanotecnologia que chegam ao mercado.
Atualmente enfrentam-se novos desafios, que ultrapassam as barreiras
dos laboratórios, atingindo as incertezas científicas e riscos no que se refere
aos impactos no meio ambiente e vida humana.
A recente preocupação com as consequências das nanotecnologias vem
despertando uma inquietude iminente no que tange à proteção do meio am-
biente, incluindo-se a vida humana. Pelo que se depreende do estudo de
vasta bibliografia e notícias científicas recentes, a produção em nano escala
encontra-se em amplo crescimento, o que consequentemente gera o aumento
de depósito e descarte de resíduos com nanomateriais.
Um aspecto que tem gerado preocupação para a comunidade científica
é o nanowaste, de que maneira este novo resíduo poderá afetar o ecossistema
se os estudos publicados sobre seus potenciais riscos se confirmarem? Não
há certeza sobre os (possíveis) danos que pode causar o descarte deste na-
nowaste no meio ambiente, o que reflete na existência do Risco, necessitan-
do-se assim de umaalternativa a fim de proporcionar a destinação final ade-
quada a estes nanomateriais.
Assim, frente a estes novos riscos das nanotecnologias, cabe ao Direito
buscar apresentar uma alternativa jurídica que efetive a regulação dos novos
SUMÁRIO
produtos, em especial do nanowaste. Neste sentido, apresenta-se como meio
jurídico apto o protocolo da OECD, estudo específico sobre os tratamentos
de resíduos com nanopartículas. Atrelado a esta orientação, apresenta-se a
evolução do debate e conclusões pertinentes a estas diretrizes, que fomen-
tam ainda mais a regulação, seguindo uma tendência de modelo autorregu-
latório de regulação das nanotecnologias.
Não se pode esquecer que há uma necessidade urgente de se discutir a
postura do Direito frente a estas novas questões, lembrando que uma alter-
nativa é que este ramo do conhecimento considere sempre em suas decisões
sobre riscos o princípio da precaução, com uma fundamentação baseada na
melhor técnica disponível, nas boas práticas e fazendo uso do diálogo entre
as fontes nacionais e internacionais, de origem estatal ou não, de modo a ga-
rantir a geração de desenvolvimento e não de danos.
As nanotecnologias provocarão como legado, no Direito, uma revolu-
ção, uma vez que exigirão a tomada de posicionamentos jurídicos e não ape-
nas legalistas, ou seja, exigirão inovação no/do Direito.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
GAVANKAR, Sheetal; SUH, SangwonSuh; KELLER, Arturo F.Life cycle
assessment at nanoscale: review and recommendations. Int J Life Cycle As-
sess (2012) 17:295–303.
SUMÁRIO
PARIOTTI, Elena. Law, uncertainty and emerging technologies: towards a
constructive implementation of the precautionary principle in the case of na-
notechnologies. persona y Derecho, Pamplona, n. 62, 2010. Disponível em:
<http://heinonline.org/HOL/LandingPage? handle=hein.journals/persod-
cho62&div=5&id=&page=>. Acesso em: 05 ago. 2017.
SOM, Claudia et al. The importance of life cycle concepts for the develop-
ment of safe nanoproducts.Toxicology. 2010 Mar 10;269(2-3):160-9.
SUMÁRIO
O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE O SISTEMA
DA POLITICA E DO DIREITO NA TEORIA DOS
SISTEMAS
TIAGO PROTTI SPINATO
Ijuí (RS)
2017
METODOLOGIA
A metodologia aqui utilizada é a sistêmica construtivista, a partir da qual se
parte da idéia de que a complexidade da sociedade funcionalmente diferen-
ciada faz nela emergirem sistemas comunicativos de códigos, programas e
funções diversas – o que impede a possibilidade de uma normatividade e de
uma descrição que engloba toda a sociedade.
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca analisar a Constituição Federal como acoplamento es-
trutural entre o sistema do direito e o sistema político, ele se utiliza da Teoria
dos Sistemas, elaborada pelo sociólogo alemão Niklas Luhmann. O sistema
SUMÁRIO
político opera com base no código do poder e do não poder, enquanto o sistema
do direito opera no código do direito e não direito, sendo eles integrados, mas
totalmente independentes entre si. Nesse sentindo a constituição federal é um
mecanismo de ligação permanente entre esses sistemas, funcionando como
fator de inclusão, e também de exclusão ao mesmo tempo.
Como justificativa essa pesquisa busca primeiramente proporcionar ao
meio acadêmico, uma melhor compreensão da teoria dos sistemas autopoié-
ticos, apresentando conceitos fundamentais para o entendimento da mesma,
sendo ela uma forma sociológica diversa de pensar a sociedade e também o
direito, sob a perspectiva de uma teoria sistêmica, onde com sua doutrina,
mostra lados diferentes de concepções antigas, e busca esclarecer todo um
enorme panorama de sociedade ao explicar as relações humanas com uma
forte relação com os sistemas, suas comunicações e complexidades. Busca
mostrar também, a relação entre os sistemas da politica e do direito, que for-
mam acomplamentos estuturais influenciando na manutenção e complexi-
dade da nossa sociedade
Importante é antes de tudo deixar claro que essa diferença entre sociedade e
interação não coincide com a diferença entre sistema e ambiente, e, em ver-
dade, nem para o sistema social, nem para os sistemas de interação. A socie-
dade não é, por exemplo, o ambiente (nem tampouco apenas o ambiente so-
cial) dos sistemas de interação, uma que a interação também se mostra ade
fato do mesmo modo como um acontecimento social. Com maior razão, in-
terações não pertencem ao ambiente do sistema social, ainda que elas requi-
sitem e ativem no ambiente como um todo mais intensamente do que o sis-
tema social, antes de tudo as capacidades psíquicas e corporais do homem. A
não coincidência dessas duas distinções sistema/ambiente e sociedade/inte-
ração é uma sobrecarga significativa para uma teoria geral de sistemas so-
ciais. Sua apresentação torna-se por meio dai inevitavelmente complicada.
SUMÁRIO
Não se pode, contudo, nesse ponto produzir simplificações sem violentar as
relações. (LUHMANN, ano, 2008 p. 461).
SUMÁRIO
outros anteriormente impostos ao Direito. Sendo então um acoplamento estru-
tural entre os sistemas político e jurídico, acaba agindo como um mecanismo
de interpenetração permanente e concentrada entre os mencionados sistemas
sociais. Possibilita a constante troca de influências recíprocas entre os subsis-
temas, sendo uma espécie de mediador entre eles, de certa forma, promove
uma solução jurídica à auto-referência do sistema político, ao mesmo tempo
em que se fornece resposta política à auto-referência do sistema jurídico.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Podemos ver nesse caso, que a teoria dos sistemas vem para tentar explicar a
complexidade das relações humanas, que se tornaram tão complicadas nesse
período histórico em que vivemos, que obviamente precisa-se de uma teoria
complexa e autônoma que possa tentar compreender todos os aspectos sociais
que estamos inseridos. Como foi visto, a comunicação é um dos aspectos mais
importantes da teoria de Niklas Luhmann, onde ela se torna o centro da socie-
dade, sendo a forma de conexão de todos os sistemas diferentes.
Sobre o acoplamento estrutural entre o sistema do direito e o sistema
da política, podemos ver que claramente eles são ligados diretamente pela
constituição, pois é ela que age como um mecanismo de união entre os dois
sistemas, ditando as normas que fazem esse acoplamento obter sucesso no
ordenamento da sociedade.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
GP 13 – CONSTITUCIONALISMO
GLOBAL E TUTELA MULTINÍVEL
DE DIREITOS
Coordenação: João Paulo Allain Teixeira,
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger e Gustavo
Ferreira Santos
SUMÁRIO
OS RELATÓRIOS DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
DO PNUD COMO POSSÍVEIS NORTEADORES DA
JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA NO TOCANTE AO
COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
Baruana Calado dos Santos
Mestranda em Ciências Sociais – UEL-PR
INTRODUÇÃO
Em Trabalho de Conclusão de Curso de Direito intitulado A possível força
normativa dos Relatórios de Desenvolvimento Humano do PNUD no direito
interno brasileiro, realizou-se estudo sobre o contexto histórico gerador das
transformações nas relações global-local, a partir de meados do século XX,
que lançaram bases para o surgimento dos Relatórios de Desenvolvimento
Humano (RDHs), na década de 1990. Esta preocupação adveio das discus-
sões no interior de um projeto de pesquisa vinculado ao departamento de
Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina.
O principal objetivo, do estudo acima mencionado, foi o de tentar com-
preender a natureza jurídica desses relatórios e as condições que tornam pos-
síveis que esses documentos, gerados no interior de uma organização inter-
nacional como a ONU, tenham substancial relevância nas ações dos Estados
do Ocidente - e em particular, do Brasil. Esta indagação levou ao problema
de como a relação entre o direito internacional e o direito interno se estabe-
lecem num contexto globalizado.
Com este norte, fez-se necessário observar as profundas modificações
nas relações internacionais no pós-segunda grande guerra e seu consequente
impacto nos parâmetros do direito internacional, bem como os novos modos
da relação deste com o direito nacional.
O Brasil, em 1988, introjetou em seu ordenamento jurídico, por meio
da sua nova Constituição, os valores do sistema internacional de proteção
dos direitos humanos1 e assim, permitiu que não só tratados internacionais
SUMÁRIO
de direitos humanos, mas também resoluções e recomendações das organi-
zações internacionais a respeito de direitos humanos tivessem recepção na-
cional de modo mais contundente.
A multiplicação de sujeitos de direito internacional2, a partir de meados
do século XX, deu moção à produção difusa de normas de direito interna-
cional com vistas ao fortalecimento do sistema de proteção internacional
dos direitos humanos. Na década de 1990, o PNUD lançou os RDHs com o
objetivo de direcionar o debate sobre pobreza e desigualdade no mundo con-
temporâneo, por meio de diagnósticos e proposições pautadas no ideal do
desenvolvimento humano com o intuito de serem ferramentas de auxílio “na
construção de nações que possam resistir a crises, sustentando e conduzindo
um crescimento capaz de melhorar a qualidade de vida para todos”3.
Por essa característica, na mencionada pesquisa buscou-se classificar
esses relatórios como fontes de direito soft laws, pois apesar de não terem
caráter obrigatório, como os tratados, podem indicar valores para os Estados
a fim de induzi-los a reproduzirem seus dispositivos no direito interno (ME-
NEZES, 2005). No entanto, em trabalho posterior4, percebeu-se que seria
possível pensar sobre o caráter jurídico desses relatórios por meio de outros
parâmetros conceituais, tais como os comandos de otimização, a partir da
teoria do princípio de Robert Alexy, e as normas intersticiais, de acordo com
o pensamento de Vaughan Lowe. Desta forma, a presente proposta de pes-
quisa dará, antes de tudo, encaminhamento para a tentativa de caracterização
jurídica dos RDHs, o que se coloca premissa inicial para a construção do ob-
jeto de pesquisa, uma vez que parte-se, aqui, do pressuposto de que os RDHs
são, em determinados níveis, fonte normativa de direito internacional.
No Brasil, percebe-se sua grande influência nas políticas públicas so-
ciais, voltadas em grande medida ao atendimento de metas5 para a efetivação
dos direitos humanos, aferidas pelo Índice de Desenvolvimento Humano, e
outros índices, publicado anualmente pelos RDHs, com grande repercussão
internacional. No entanto, são inúmeros os obstáculos que o Brasil enfrenta
no cumprimento de tais metas devido ao desequilíbrio de poder que há nas
lutas entre as múltiplas configurações no mundo atual (REZENDE, 2015)
A partir disto, esta pesquisa propõe dar continuidade à averiguação de
como a relação entre o direito internacional e o direito interno pode indicar
caminhos de análise sociológica quanto a avanços, estagnações e retrocessos
dos embates de forças que permeiam essa relação. Tais caminhos serão tra-
çados tendo por base a relação das recomendações dos RDHs, consideradas
como produções normativas no âmbito internacional, e a produção norma-
tiva brasileira por meio da jurisprudência no que concerne um dos temas de
maior relevância na atualidade: o trabalho escravo.
Dentre as recomendações presentes nos RDHs está à relativa ao traba-
lho decente, categoria de análise para a pesquisa. Mesmo que desde o artigo
SUMÁRIO
1º de sua Constituição o Brasil traga como fundamento, entre outros, a dig-
nidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, e ainda que seja
signatário de muitos pactos internacionais de direitos humanos, o país en-
frenta imensas dificuldades em erradicar o trabalho escravo, “o entrave mais
evidente que se opõe ao desenvolvimento humano” (REZENDE, M. J.; RE-
ZENDE, R. C., 2013).
Tais dificuldades podem ser compreendidas a partir da análise dos pro-
cedimentos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário6, ao exemplo
do que fazem Maria José de Rezende e Rita de Cássia Rezende (2013) ao
exporem as diferentes razões que emperram o combate efetivo ao trabalho
escravo no Brasil: procedimental, política (entraves à aprovação de projetos
de lei que definem punição aos que se utilizam do trabalho escravo), social,
econômica (desigualdades que levam indivíduos em situação de miserabi-
lidade a se submeterem a este tipo de trabalho) e cultural (mentalidade de
naturalização da subtração de direitos dos mais pobres). Entretanto, as au-
toras apontam que a atuação do Executivo no lançamento de planos nacio-
nais de direitos humanos e de erradicação do trabalho escravo torna público
a urgência de que essas práticas de violência que imputam sofrimento social
extremo sejam extinguidas.
O conjunto de pressões internacionais e internas contra o trabalho es-
cravo estipula desafios para todos os poderes, instâncias, organizações e ins-
tituições. A pesquisa proposta se atém ao questionamento de como o judi-
ciário brasileiro responde a esses desafios, reforçados anualmente pela
publicação dos RDHs, uma vez que há ausência de estudos mais aprofun-
dados a este respeito. A relação do direito internacional (RDHs) com o di-
reito nacional brasileiro (jurisprudência) estaria participando positivamente
na tentativa de expansão dos direitos humanos, indicando traços de movi-
mentos civilizacionais, em relação ao combate ao trabalho escravo?
Para responder a esta pergunta de modo consistente, seria necessário
um estudo mais amplo que percorresse as decisões judiciárias desde o mo-
mento em que o Brasil reconheceu a ocorrência de formas contemporâneas
de trabalho escravo em seu território, em 1995, com o pronunciamento do
então presidente da República Fernando Henrique Cardoso perante o país e
a Organização Internacional do Trabalho. No entanto, devido aos limites de
tempo e recursos impostos à realização da pesquisa, esta irá deter-se a deci-
sões judiciárias da 4ª região disponíveis online, restringindo-se assim o
campo material e temporal de análise.
No Brasil, vários são os exemplos que podem ser percebidos à luz desta
teoria. Dentre eles, cita-se o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que
SUMÁRIO
surge aparentemente como norma de direito exclusivamente brasileira para
regulamentar o art. 5º, inciso XXXII, da Constituição do Brasil (1988). En-
tretanto, em última instância, é possível rastreá-lo como resposta à resolu-
ção n. 39/248, de abril de 1985, da Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas.
Esta teoria jurídica concede a possibilidade de pensar como a produção
jurisprudencial brasileira sob a influência dos RDHs, a ser compreendido
como soft law ou, ainda, como norma intersticial, ainda que tal influência
não apareça de modo explícito. Por soft law entende-se um produto jurídico
ainda inacabado no tempo, pois se volta para regulamentar compromissos
futuros por meio dos foros internacionais multilaterais (tratando-se, dessa
forma, de um compromisso programático). Possui um sistema de sanções di-
ferente daquele aplicável às normas tradicionais, ou seja, o conteúdo da san-
ção em caso de inobservância das diretrizes de uma soft law é moral ou ex-
trajurídico, sendo o seu cumprimento mais uma recomendação do que uma
obrigação propriamente dita dirigida aos Estados (MAZZUOLI, 2015).
O norte teórico sociológico para visualizar as práticas contemporâneas
de interação entre o global e o local é o da sociologia histórica de Norbert
Elias (1998), para quem a sociologia somente é dotada de ciência quando é
capaz de analisar o movimento processual histórico dos acontecimentos. A
análise dos processos sociais permite compreender as manifestações de vio-
lência no percurso da história da humanidade e encontrar meios para que a
sociologia atue na sua contenção. Desse modo, a questão central dos estudos
sociológicos pauta-se na discussão do poder, pois é nas relações de poder
entre as diversas configurações sociais, políticas e econômicas que Norbert
Elias percebe a capacidade de produzir vetores que coloquem em moção o
que ele chama de processos civilizacionais e descivilizacionais, tendências
opostas que ocorrem simultaneamente.
O processo civilizacional se caracteriza pelas práticas que engendram
distribuição de poder, reconhecimento de direitos, luta contra a violência,
apaziguamento do espaço público, contenção de catástrofes, ou seja, tudo o
que signifique o melhoramento da qualidade de vida para todos. Nas pala-
vras do autor,
JUSTIFICATIVA
Há, para a sociologia das relações internacionais, a necessidade de se pensar
a realidade social brasileira na sua relação de interdependência com os ou-
tros agentes do cenário internacional. Assim, compreender como o direito
interno tem se produzido levando em consideração as influências interna-
cionais permite uma visão mais ampla dos embates de força nos quais o
mundo globalizado está imerso. Partindo das evidências da internacionali-
zação dos direitos humanos, seus desdobramentos no Brasil com a absorção
desses valores na Constituição Brasileira de 1988 e da produção de leis que
se adequam à teoria da transnormatividade ao refletirem decisões tomadas
em foro internacionais, tende-se a supor que o direito brasileiro esteja re-
cepcionando os valores incutidos dos RDHs na sua prática jurídica.
No campo do direito internacional é latente a discussão quanto ao al-
cance de normas internacionais no direito brasileiro no tocante à proteção
dos direitos humanos, sendo as soft laws e as normas intersticiais partes desse
processo interventivo. No viés do pensamento de Piovesan (2014) e Mazzuoli
(2015), com a CF de 1988, o direito brasileiro já estaria automaticamente
SUMÁRIO
subordinado ao direito internacional dos direitos humanos desde as assina-
turas dos tratados de direitos humanos. No entanto, há resistência do direito
brasileiro em abrir-se à internacionalização do direito nesses moldes9.
É importante ressalvar que para este estudo, dá-se enfoque para a “po-
sitividade no empenho dos RDHs para criar um entendimento e um conjunto
de ações e práticas, que cubram todo o planeta em melhoria da vida dos in-
divíduos em condição de pobreza extrema” (REZENDE, 2014, p. 101).
Porém, não se desconsidera que as propostas para o desenvolvimento hu-
mano apresentada nos RDHs não bastam para o combate dos problemas so-
ciais a que se propõe, uma vez que se esquivam da necessidade de alteração
da estrutura de extrema desigualdade na qual se sustenta a sociedade global
capitalista. Não é possível promover o desenvolvimento social sem que haja
redistribuição de poder e de renda (FURTADO, 2001). Os relatórios fogem
a este enfrentamento ao propor que os pobres sejam dotados de melhores
condições pelo viés da abordagem das capacidades de Amartya Sen, “sem
que [no entanto] isso implique, necessariamente, um enfrentamento político
com o objetivo de diminuir a riqueza dos ricos” (REZENDE, 2014, p. 102).
Por isso, são muitos os entraves às tentativas de colocar em prática as metas
e objetivos apresentados pelos relatórios.
Não obstante, a percepção da questão do desenvolvimento para além
dos moldes economicistas é um grande avanço histórico. A proposta de
análise das configurações dos jogos globais atuais por intermédio dos pro-
cessos sociais de Norbert Elias (2006) faz lembrar que a existência de uma
organização como a ONU - constituída pela vontade dos Estados-membros
com a finalidade de frear eventos catastróficos como as duas grandes guer-
ras do século XX e impulsionar ideais humanitários10 - é, historicamente,
muito recente.
A partir disto e com ciência dos limites que impossibilitam o alcance
total das metas estabelecidas, é de alta relevância o acompanhamento da fir-
mação desses espaços de luta pela melhoria da vida de indivíduos tradicio-
nalmente excluídos das preocupações políticas, sociais e econômicas. Daí
a importância desta proposta de pesquisa.
O recorte pelo tema do trabalho escravo foi motivada pelas grandes po-
lêmicas que gera no âmbito do direito e da sociologia frente aos muitos em-
pecilhos a sua erradicação no Brasil. Em abril de 2016 a ONU Brasil lançou
um artigo técnico intitulado Trabalho Escravo posicionando seu entendi-
mento sobre a questão e lançando recomendações para o Brasil. A necessi-
dade dessa publicação adveio da constatação de movimentos de retrocessos
na política brasileira no resguardo ao direito ao trabalho decente.
Neste documento, a ONU reconhece os avanços que o Brasil obteve nos
últimos 20 anos quando desde 1995 se tornou referência mundial de combate
ao trabalho escravo ao reconhecer sua existência e iniciar os programas de
SUMÁRIO
combate11. No entanto, também aponta para a crescente tendência de retroces-
so em relação às iniciativas basilares ao enfrentamento do trabalho escravo12.
A análise que a ONU faz das ações do Estado brasileiro sobre este tema,
em que há tanto avanços quanto retrocessos, é um exemplo importante para
que se perceba a existência da simultaneidade dos processos civilizacionais
e descivilizacionais, dos quais fala Norbert Elias. Percebe-se que o esforço
para viabilizar formas eficazes de combate ao trabalho escravo (movimento
civilizacional) depende da mobilização de diversos setores do Estado e de
diversas entidades da sociedade civil contra as ações que desvirtuam tal ten-
tativa (movimento descivilizacional). Um dos parâmetros a servirem de au-
xílio nesta mobilização são os RDHs, fontes desta proposta, vistos como
“uma forma de pressionar os estados nacionais a cumprir o que foi acordado
nos tratados, convenções e pactos internacionais” (REZENDE, M. J.; RE-
ZENDE, R. C., 2013).
O direcionamento da análise da relação global-local de normas jurídicas
e seu impacto na realidade social por meio da jurisprudência foi motivada de-
vido ao lugar de fronteira que ela ocupa, o que permite dar vazão à força cria-
dora dos magistrados frente à tarefa de interpretar as leis – ressalvados os li-
mitadores a este exercício13 - possibilitando inovações no mundo jurídico ao
estabelecer normas que não se restringem à letra de lei, mas que são construí-
das a partir da conexão de dispositivos que antes eram considerados ou sepa-
rados ou integrados entre si (REALE, 1981). Esta prerrogativa, a depender
do posicionamento ideológico daquele que julga, pode gerar tanto interpreta-
ções que recepcionem amplamente os preceitos dos direitos humanos, quanto
interpretações que restrinjam o alcance de tais ideais, o que se buscará averi-
guar, nesta pesquisa, em relação ao combate ao trabalho escravo.
Ainda que haja adequação formal do Brasil no sistema internacional de
proteção aos direitos humanos, por ser signatário de diversos pactos de di-
reitos humanos, há uma distância abissal entre o que é estipulado em lei, tra-
tados e recomendações e o que se dá na prática14. As decisões judiciais têm
o poder de atuar tanto de modo a alargar esses direitos como a restringi-los,
quando facilita ou dificulta sua implementação frente aos numerosos inte-
resses divergentes.
pROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método a ser utilizado será o da histórico-hermenêutica (REZENDE,
2015), que combina a hermenêutica de profundidade de John B. Thompson,
conforme exposto por Veronese e Guareschi (2006), com a proposta de aná-
lise dos jogos configuracionais de Norbert Elias. Parte-se do pressuposto de
que não é possível apreender o objeto de modo a exauri-lo. Diferentemente,
o conhecimento gerado desdobra aproximações da realidade, é provisório
SUMÁRIO
e sujeito à revisão, mas, ainda assim é “um conhecimento que pode e deve
ser continuamente produzido para contribuir na busca por uma sociedade
política, econômica e socialmente menos desigual”(VERONESE; GUA-
RESCHI, 2006, p. 86).
A hermenêutica de profundidade visa propor sentidos por meio de for-
mas de análise complementares entre si que se desdobram em diversos pro-
cedimentos: a análise sócio-histórica, a análise formal e a interpretação/rein-
terpretação. Esta pesquisa limita-se ao primeiro procedimento. Por meio da
análise histórica, na concepção de Norbert Elias, é que se “pode lançar luz
sobre as prescrições, diagnósticos, narrativas, argumentos, e ideologias pre-
sentes nos RDHs” ao analisar as “interações sociais e os elos de interdepen-
dências entre as diversas figurações (estados, movimentos sociais, organis-
mos internacionais, associações políticas e outros agrupamentos diversos)”
(REZENDE, 2015, p. 4). A pesquisa bibliográfica auxiliará na contextuali-
zação dos conceitos que permeiam a análise-histórica em relação ao proble-
ma de pesquisa abordado.
Assim, a pesquisa propõe a análise de dois tipos de documentos públi-
cos: os Relatórios de Desenvolvimento Humano do PNUD e as decisões ju-
diciais dos TRTs. Compreendidos como produtos históricos de um processo
e contexto político e social específicos, marcados pela intensificação do pro-
cesso de globalização a partir da década de 1990, tais documentos serão
lidos como sedimentações de práticas sociais, pois “têm o potencial de in-
formar e estruturar as decisões que as pessoas tomam diariamente e a longo
prazo”, além de constituírem “leituras particulares dos eventos sociais”
(MAY, 2004, p. 205).
Ambos são de fácil acesso pelo meio digital. Os RDHs globais dos anos
1990 a 1999 podem ser acessados em inglês no sítio eletrônico do PNUD:
<http://hdr.undp.org/en/global-reports>. Já os RDHs globais do ano de 2000
ao de 2015 estão disponíveis em português no sítio eletrônico do PNUD
Brasil: <http://www.pnud.org.br/HDR/Relatorios-Desenvolvimento-Hu-
mano-Globais.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHGlobais>. As jurispru-
dências serão acessadas pelo sítio eletrônico do Tribunal Regional do Tra-
balho da 4ª Região, que pode ser acessado por meio do portal do Tribunal
Superior do Trabalho: <http://www.tst.jus.br/justica-do-trabalho>.
SUMÁRIO
NOTAS
3
Disponível em <http://www.pnud.org.br/sobrepnud.aspx>
Mesmo que o conteúdo dos RDHs não se direcione apenas para os Estados,
mas também para as organizações multilaterais, os governos, as organizações não-
6
SUMÁRIO
efeito supra e internacional com temas universais, que reclamam sua regulamen-
tação pelo direito; g) abertura de canais políticos e ideológicos para o redimensio-
namento das relações internacionais entre os Estados.”
quisa se enquadra naquele explanado por Rezende (2015) em que seu papel é com-
preendido no interior dos embates entre as muitas configurações, relações de in-
terdependências e os valores que direcionam suas ações e prescrições, e que não
podem ser limitados na compreensão de que estejam unicamente a serviço da le-
gitimação de interesses de grupos hegemônicos específicos.
SUMÁRIO
Tais como o Projeto de Lei 432/2013 (que objetiva reduzir as hipóteses
de abrangência do conceito de trabalho escravo previsto art. 149 do Código Penal),
12
13
Sobre isto: NADER, 2010, p. 173-176.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
__________. O direito internacional contemporâneo e a teoria da transnor-
matividade. In: Revista pensar, Fortaleza, v. 12,mar.,p. 134-144, 2007.
SUMÁRIO
desafios: uma análise dos Relatórios do Desenvolvimento humano enco-
mendados, anualmente, pelas Nações Unidas. Rio de Janeiro: e-papers, 2014.
SANTOS, Baruana Calado dos Santos. Ensaio sobre a força normativa dos
Relatórios de Desenvolvimento Humano/PNUD. In: Tribunais internacio-
nais e a relação entre o direito internacional e o direito interno. Org.
Wagner Menezes. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016.
SUMÁRIO
ROBERT COVER, PLURALISMO JURÍDICO E A TEORIA
DO DIREITO NA GLOBALIZAÇÃO
Maurício Pedroso Flores1
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho procura estabelecer possíveis contribuições do pensamento do
jurista norte-americano Robert Cover (1943-1986) aos debates contemporâ-
neos da teoria do direito, especialmente em suas variantes pluralistas. Par-
tindo-se da ideia de que teorias jurídicas centradas na figura do Estado são
incapazes de dar conta do fenômeno jurídico em toda sua extensão, buscamos
demostrar a pertinência do trabalho de Cover – escrito há mais de duas dé-
cadas – com dinâmicas atuais do direito no contexto da globalização.
Em seu principal ensaio, Nomos and Narrative, Cover (1983) sugere que
o direito dá vazão a um nomos, um espaço normativo sustentado por narrativas
que comportam noções de certo e errado, legal e ilegal, válido e inválido. Por
SUMÁRIO
meio de diferentes interpretações e da assunção de compromissos em relação
a elas, grupos e comunidades mobilizam essas narrativas para criar significado
jurídico, processo que o autor chama de jurisgenesis. Ao afirmar que a juris-
genesis é um processo essencialmente enraizado em um meio cultural, Cover
coloca em dúvida a centralidade do Estado na criação de direito, que passa a
ter a companhia de outros atores públicos e privados.
Uma das características mais importantes da globalização jurídica é
justamente a multiplicidade de agentes que mobilizam espaços normativos
dentro e fora do domínio dos Estados, o que coloca a jurisgenesis como um
conceito útil para compreender novos fenômenos jurídicos. Prova disso é o
fato desse conceito já ter sido utilizado por autores contemporâneos como
Seyla Benhabib (2006), Paul Schiff Berman (2007) e Jeffrey Dunoff (2012).
A meio caminho entre uma teoria do direito e uma abordagem socioló-
gica, Nomos and Narrative (COVER, 1983) lida com a questão da gênese
da normatividade dentro da sociedade, estabelecendo o direito em um lugar
próprio entre o empirismo da realidade social e o campo da normatividade
pura. Embora o autor tenha se espelhado principalmente em comunidades
religiosas ou grupos políticos, sua síntese não parece perder força se alte-
rarmos o foco inicial a fim de captar fenômenos mais contemporâneos, como
a emergência de regimes jurídicos transnacionais.
Além disso, em um texto chamado Folktales of Justice, Cover (1985)
também parece ter antecipado um problema não menos importante para a teo-
ria do direito na globalização: a violência do direito, que agora aponta para
além do aparato coercitivo dos Estados. Ainda que seu diagnóstico mais com-
pleto sobre a violência – o ensaio Violence and the Word (COVER, 1986), que
constitui um marco para a teoria jurídica norte-americana – tenha se voltado
ao contexto estatal, uma vez mais suas análises parecem adaptáveis aos fenô-
menos de transnacionalização que ocorrem nas décadas posteriores.
A hipótese desse trabalho é a de que, por meio de suas concepções de
nomos, jurisgenesis e violência, Cover descreveu, há mais de três décadas,
tensões que permanecem fundamentais para as teorias contemporâneas do
direito, em especial aquelas reunidas sob o manto do pluralismo jurídico.
Ao reconstituir os movimentos teóricos de Cover – do direito como narrativa
ao direito como violência, passando pelos campos da interpretação e do
comprometimento – o trabalho demonstra como as descrições conceituais
do autor permanecem atuais, sendo de grande valia para se compreender o
direito desde níveis locais até o nível global.
O primeiro capítulo oferece um esboço de algumas características das
tendências globalizantes no direito, em especial a emergência de regimes ju-
rídicos transnacionais. Em seguida, recupera as principais noções desenvol-
vidas por Cover, especialmente nos ensaios Nomos and Narrative e Violence
and the Word. Por fim, o terceiro capítulo procura esclarecer em que medida
SUMÁRIO
os escritos de Cover podem ser vistos como originais quando comparados ao
que se produz hoje em termos de teorias pluralistas do direito, com ênfase na
centralidade que o autor legou à questão da violência no direito.
SUMÁRIO
Em outras palavras, estudar direito significa estudar o universo norma-
tivo que ele cria, e que vai muito além das tarefas de controle social levadas
a cabo pelos agentes estatais e sua “parafernália profissional”. O direito é
uma forma de organizar o mundo através de classificações do tipo certo/er-
rado, válido/inválido e lícito/ilícito. Essas distinções operam na realidade
para manter ou modificar determinados estados de coisas, e quando nossas
ações são empregadas com essas finalidades elas passam, automaticamente,
a fazer parte do universo normativo. Em suma, o direito dá vazão a um
nomos, um mundo normativo que é “tão ‘nosso mundo’ quanto o universo
físico de massa, energia e movimento”. (COVER, 1983, p. 5).
A narrativa é, na visão de Cover, o ato primevo de formação de univer-
sos normativos; é o próprio ato de imposição de uma força normativa na rea-
lidade, valorando fatos que de outro modo teriam pouco ou nenhum signi-
ficado para determinado grupo. O direito funciona como um “sistema de
tensão ou uma ponte ligando um conceito de realidade a uma alternativa
imaginada” (COVER, 1983. p. 9), ou seja, representa uma tensão entre dois
estados de coisas, um presente e um futuro – ambos passíveis de represen-
tação por meio de dispositivos narrativos. Ao funcionar como uma ponte
entre presente e futuro, o direito tal como concebido por Cover não é intei-
ramente realidade social e nem normatividade pura (ETXABE, 2010, p.
122). O nomos é assim “um mundo presente constituído por um sistema de
tensão entre realidade e visão” (COVER, 1983, p. 9).
Graças ao conceito de alternidade, tomado de empréstimo da obra de
George Steiner (2005), Cover acrescenta à clássica distinção ser/dever ser
(fato/norma) uma terceira categoria ontológica: o direito não é apenas o que
é e o que deveria ser, mas também o que poderia ser. Ao pensar o direito
em termos do que ele “poderia ser”, o autor demonstra uma sensibilidade
sociológica em relação às diferentes ordens normativas presentes na socie-
dade. O direito é visto como uma “ponte” ou, como diz Cover (1985, p. 181)
em um texto chamado Folktales of Justice, um “comportamento social com-
prometido que constitui a forma por meio da qual um grupo de pessoas pro-
cura ir daqui para lá” – ou seja, do “aqui” da realidade existente para o “lá”
de uma alternativa imaginada.
Contudo, o elemento da alternidade não deve alimentar ilusões quanto
à realidade existente: se fosse mera possibilidade ou imaginação, o direito
cairia facilmente na utopia ou na pura visão. As narrativas oferecem modelos
de ação3, mas nem sempre esses modelos são realizáveis. Se determinada
visão não for capaz de fornecer o contexto para uma ação humana viável,
então ela não é, de acordo com Cover, uma narrativa propriamente jurídica:
Se o direito reflete uma tensão entre o que é e o que pode ser, então ele só pode
ser mantido enquanto ambos estiverem próximos o suficiente para revelar uma
SUMÁRIO
linha de esforço humano capaz de reconciliá-los de forma temporária ou par-
cial. Todos os movimentos utópicos ou escatológicos que não se afastam da
insularidade arriscam falhar em converter a visão em realidade e, portanto,
rompem a tensão. Nesse ponto, eles podem até ser movimentos, mas não são
mais movimentos do direito. (COVER, 1983, p. 39).
O nomos que descrevi não requer Estado. E de fato, é a tese desse ensaio que
a criação de significado jurídico – “jurisgenesis” – acontece sempre através
de um meio essencialmente cultural. Embora o Estado não seja necessaria-
mente o criador do significado jurídico, o processo criativo é coletivo ou so-
cial. Na seção a seguir, sugiro uma base social para a jurisgenesis e uma base
social correspondente para o processo que destrói significado jurídico por
interesse do controle social. (COVER, 1983, p. 11).
SUMÁRIO
comprometimento necessário para a afirmação dos significados jurídicos que
ele próprio considera corretos. Essa violência é comumente negligenciada
pela teoria do direito, que tende a naturalizar o recurso da coerção legal como
legítimo. A decisão judicial costuma ser o limite da reflexão teórica sobre a
interpretação legal – há modelos de racionalidade jurídica que procuram
orientar o julgador, há teorias da prova e da argumentação. No entanto, uma
vez que o julgamento é proferido, as teorias da intepretação se calam.
Cover acredita vê essa atitude como problemática. Segundo ele, não se
pode negligenciar a existência de uma estrutura de cooperação – formada por
oficiais de justiça, policiais, agentes penitenciários – incumbida de dar efeito
prático às sentenças; sem ela, a palavra do juiz não teria mais autoridade que
a interpretação de um crítico literário. Cover viria a desenvolver esse racio-
cínio de forma mais aprofundada em Violence and the Word, mas Nomos and
Narrative já antecipa o tipo de distinção que está em jogo em sua concepção
jurídica: ao menos em termos da organização social do direito, existe uma
dicotomia radical entre o direito como poder e o direito como sentido.
(COVER, 1983, p. 18).
Os preceitos legais – e aqui estão incluídos aqueles formalmente insti-
tuídos pela autoridade estatal – devem possuir sentido, mas esse sentido pro-
vém necessariamente de fora de qualquer processo legislativo formal ao
qual uma sociedade confere poder (COVER, 1983, p. 18). Ao entender que
o direito é inicialmente sentido, o modelo de Cover é capaz de identificar
como jurídicos alguns discursos ou manifestações tipicamente classificadas
como éticas, morais ou religiosas. Um grupo ou comunidade4 que se pro-
clame autônomo (ou seja, que literalmente cria um nomos próprio) em rela-
ção ao Estado não possui, por exemplo, uma visão ética ou religiosa parti-
cular sobre determinado preceito constitucional; possui, ao organizar seu
universo normativo segundo seus próprios preceitos, outro direito.5
É possível afirmar que o conceito de jurisgenesis, para além de seu apelo
a uma visão não estritamente estatal sobre o direito, também parece exercer
uma função de “qualificação” das narrativas no pensamento de Cover como
efetivamente jurídicas. Como já mencionamos, o primeiro passo se dá com
a separação entre planos de ação realizáveis e expectativas ilusórias ou uto-
pias puras. Mas não basta afirmar que podemos ir de um “aqui” para um “lá”;
é preciso mostrar como. Para além da interpretação, o significado jurídico
necessita, na visão de Cover, também de comprometimento. O comprometi-
mento vai além da narrativa, além da visão que projetamos sobre a realidade
– trata-se do esforço necessário para se chegar até elas.
A construção de universos normativos só é possível na medida em que
se colocam, conforme a expressão que Cover utilizará em Violence and the
Word, os “corpos à prova (bodies on the line)” (COVER, 1986b, p. 1605). Ou
seja, o significado jurídico depende de uma narrativa relativamente estável,
SUMÁRIO
com a qual seja possível se compreender de modo a torná-la realidade objetiva
para os demais atores sociais envolvido. Interpretação, comprometimento e
objetivação – na falta de algum desses três elementos não é possível, segundo
Cover, falar em direito.
A manifestação arquetípica presente em Nomos and Narrative é a do
nomos criado por uma comunidade religiosa que vive conforme suas pró-
prias intepretações de textos sagrados. Além da clara influência que as nar-
rativas bíblicas exerceram no pensamento de Cover, a centralidade dos
exemplos religiosos tem a ver com o fato de que o caso da Suprema Corte
norte-americana discutido ao final do artigo – Bob Jones University vs. Uni-
ted States – traz a manifestação de comunidades anabatistas6 como os amish
e os menonitas como amicus curiae em seu julgamento.
Quando determinadas comunidades autônomas – como é o caso dos ana-
batistas – buscam constituir um nomos próprio, a jurisgenesis assume uma
forma denominada autonomia insular. Nesses casos, as comunidades com
pretensões de isolamento estabelecem significados próprios para interpretar
os princípios constitucionais dos Estados onde se localizam. As comunidades
religiosas mencionadas por Cover procuram respeitar as normas do Estado,
mas negam que ele detenha o monopólio da interpretação sobre o direito.
Já quando não há qualquer “mitose normativa”, ou seja, nenhuma pre-
tensão de constituir um universo normativo próprio, mas sim de transformar
o significado constitucional dentro do próprio âmbito estatal, a jurisgenesis
assume outra natureza, batizada por Cover de constitucionalismo redentor.
Esse registro compreende grupos e instituições que procuram modificar o
direito a partir de diferentes narrativas sobre a realidade, com objetivos in-
tegrativos, e não sectários (COVER, 1983, p. 34). É o caso, por exemplo,
das lutas por direitos encabeçadas por movimentos sociais, que se apropriam
da gramática jurídica estatal em suas reivindicações.
Porém, como o próprio autor salienta, o fato mais relevante não é o de que
a criação de normas seja conduzida, por exemplo, por um movimento social
ou por uma autoridade religiosa, mas que, de tempos em tempos, diferentes
grupos utilizem tais instrumentos “para criar um nomos completo - um mundo
integrado de obrigação e realidade a partir do qual se percebe o resto do
mundo”, fenômeno que Cover (1983, p. 31) chama de “mitose normativa”.
Ou seja, ainda que as comunidades religiosas tenham funcionado como
sua principal fonte de inspiração para descrever os processos de jurisgene-
sis, Cover de forma alguma excluiu outras possibilidades. Inclusive, men-
ciona expressamente que os direitos corporativo e de propriedade também
funcionam como bases para criação de nomoi do tipo insular. Ainda que os
exemplos trazidos a respeito sejam de natureza ligeiramente distinta aos das
dinâmicas mais atuais da globalização7, Cover (1983, p. 31) observa, de
forma um tanto quanto profética, que “o direito corporativo moderno segue
SUMÁRIO
carregando o caráter formal de uma concessão para estabelecer uma autori-
dade criadora de normas” – fato que se tornou cada vez mais comum nos
anos e décadas subsequentes.
Essa observação facilita que se identifique, no caso dos ordenamentos
transnacionais, o estabelecimento de um – ou de múltiplos – nomos, sem
que isso represente uma atualização imprópria do pensamento de Cover.
Mas ao mesmo tempo em que se dá o aparecimento de diversos atores
transnacionais e globais, problemas de legitimidade do direito reaparecem
com força no espaço transnacional, e o elemento da coerção (ou violência),
tão ligado à figura do Estado onipotente, começa a ganhar novos e imprevi-
síveis contornos. As funções de compor ou mediar litígios, vincular atores
a decisões ad hoc ou estabelecer estruturas decisórias sobre uma determi-
nada área não territorialmente definida (como a internet, por exemplo)
podem até não carregar o mesmo nome dado às instituições jurídicas do Es-
tado, mas em muitos casos são semelhantes. E, especialmente, são seme-
lhantes naquilo que o direito talvez tenha de mais intrínseco na visão de
Cover: trata-se sempre, em maior ou menor medida, de um exercício de vio-
lência – seja ela física, epistêmica ou simbólica.8
Como postula Cover (1986) em Violence and the Word, a interpretação
legal é uma atividade prática desenhada para gerar ameaças críveis e atos
de violência reais sob uma forma eficaz.9 Em um sentido mais preciso, as
interpretações legais não são de natureza “prática” (em inglês, pratical) mas
constituem, elas mesmas, práticas (pratices); são mandamentos para que
outras pessoas realizem ou deixem de realizar ações, modificando estados
de coisas anteriores a fim de responder à interpretação do juiz (ou de qual-
quer agente que venha a assumir o papel de interpretar).10
As reflexões sobre a violência do direito modificam um pouco os ter-
mos da síntese empreendida em Nomos and Narrative, mais centrada em
uma visão do direito como significado – aqui, Cover desloca a discussão
para o polo do direito como poder. Violence and the Word começa com um
impactante apelo para que reconhecemos a interpretação jurídica como um
“campo de dor e morte” (COVER, 1986b, 1601) e sugere, em seguida, que
enxerguemos o conjunto das instituições jurídicas do Estado como “uma es-
trutura institucional configurada para o comportamento violento” (COVER,
1986b, p. 1611).
Não se trata aqui de dissuadir seus leitores que entreviram alguma re-
denção para o direito ao longo de Nomos and Narrative. Cover não nega aqui-
lo que dissera três anos antes. Mas ao tratar do aparato instituído pelo Estado
para o bom funcionamento do direito, não pretende esconder a violência que
nele se imiscui, pelo contrário: ao ressaltar o papel desempenhado pela vio-
lência, Cover (1986, p. 1608) espera que não “façamos de conta de que con-
vencemos nossos prisioneiros a irem até a prisão por meio de palavras”.
SUMÁRIO
Ainda que essas observações tenham se dirigido ao direito como prática
organizada que operada dentro dos limites do Estado, a cargo de instituições
previamente conformadas para fazer a valer suas interpretações usando a
força se necessário, não há porque imaginar que elas não tenham sentido no
espaço jurídico pós-globalização. O próprio Cover parece ter dado pistas a
respeito disso, em um texto escrito entre Nomos and Narrative e Violence
and the Word – Folktales of Justice (COVER, 1985). Nele, o autor argumen-
ta que sua relativização do direito como fenômeno de significação essen-
cialmente cultural, cristalizada no conceito de jurisgenesis, também implica
em uma relativização da violência levada a cabo em nome desse direito. Por
meio de um apelo que ecoa com ainda mais força em nossos tempos, Cover
(1985, p. 182) afirma: a violência “deve ser vista como problemática da
mesma forma se estiver sendo executada sob ordens de um juiz federal dis-
trital, um mafioso ou o vice-presidente de uma corporação”.
Em meio a globalização jurídica, onde Estados e vice-presidentes cor-
porativos parecem compartilhar cada vez mais relevância, autoridade e
poder decisório, a mensagem de Cover nunca pareceu tão adequada.
SUMÁRIO
ocorre no federalismo norte-americano)14, o princípio anárquico da juris-
genesis deve ser mais estimulado do que controlado se quisermos desenvol-
ver melhores alternativas para lidar com o direito emergente. Para ilustrar
seu argumento, o autor menciona uma série de procedimentos e mecanismos
institucionais utilizados por diversos atores na tentativa de resolução de seus
conflitos15, apontando para o potencial de diálogo e de cooperação contido
em cada uma dessas práticas.
Outro autor que recupera o trabalho de Robert Cover para entender as
dinâmicas da globalização jurídica é Jeffrey Dunoff (2012) – com um pro-
pósito, entretanto, um pouco distinto. Se Berman quer fazer da jurisgenesis
um princípio norteador para o direito global “híbrido”, Dunoff (2012) pro-
cura mostrar com esse conceito que a metodologia utilizada pela maioria
dos estudiosos do assunto encontra-se parcialmente desfocada. Utilizando-
se dos insights presentes em Nomos e Narrativa, Dunoff (2012) sugere que
a prática dos tribunais internacionais – que costuma ser o foco das pesquisas
acadêmicas em matéria de direito global – desempenha um papel apenas li-
mitado no entendimento dos complexos desafios provocados pelo fenômeno
da interação entre regimes (regime interaction) (DUNOFF, 2012, p. 144).
Seu ponto de partida é o de que podemos compreender os atores envol-
vidos em regimes legais internacionais como participantes de comunidades
normativas que produzem direito (law-making normative communities) no
mesmo sentido entrevisto por Cover em relação às comunidades e grupos
presentes nos Estados Unidos (DUNOFF, 2012, p. 150). Como exemplo,
Dunoff aponta para o regime dos direitos humanos e a “comunidade” inter-
nacional formada em torno dele. Ao servir como orientação para as ações
de ONGs, advogados e militantes, a narrativa dos direitos humanos introduz
uma série de princípios normativos e de ferramentas conceituais, além de
um vocabulário especializado que vai sendo paulatinamente desenvolvido
pelos participantes que aderem ao “movimento”.
Dunoff reconhece que a analogia estabelecida por ele, apesar de produ-
tiva, está longe de ser perfeita – ser membro de comunidades religiosas mu-
tuamente excludentes em razão da divergência de seus princípios é algo muito
distinto de ser um ator no plano internacional tendo que lidar com uma mul-
tiplicidade de regimes concorrentes (DUNOFF, 2012, p. 154). Mas, para além
desse fator, a modificação mais importante em relação ao nomos tal como con-
cebido por Cover está no fato de que não há, no contexto transnacional, tribu-
nais jurispáticos capazes de invocarem narrativas redentoras (redemptive nar-
ratives) diante de conflitos entre normas estatais e não-estatais. Mais do que
isso, a própria ideia de uma narrativa redentora capaz de ordenar o direito glo-
bal dificilmente pode ser concebida, se é que não seja mesmo indesejável.16
Dada a ausência de narrativas redentoras sobre as quais poderiam se apoiar,
os tribunais internacionais não dispõem da autoridade ou das ferramentas
SUMÁRIO
necessárias para impor seus comandos. Ao contrário do que ocorre no inte-
rior dos Estados, as “cortes internacionais habitam um nomos sem narrativa”
– não no sentido de que narrativas inexistam (ao contrário, elas nunca foram
tão diversas e numerosas), mas de que não há uma narrativa sobre a qual
apoiar uma jurisdição. E essa constatação leva Dunoff a erigir seu argumento
principal: se quisermos observar como a interação em regimes se dá na prá-
tica, é insuficiente observar o papel que os tribunais internacionais desem-
penham – é principalmente para fora do âmbito deles que devemos dirigir
nossa atenção.17
A despeito das diferenças de foco, as três análises – de Benhabib, Ber-
man e Dunoff – se preocupam essencialmente em revisitar o conceito de ju-
risgenesis. De fato, a intuição de Cover de que grupos e comunidades são
capazes de criar significado jurídico – da mesma forma que os Estados, ao
promulgarem suas legislações – revelou-se bastante profícua para descrever
os novos regimes jurídicos globais, o que atesta o fato de que sua descrição
pluralista constitui um marco teórico importante ainda hoje.
Indo mais além, Emmanuel Melissaris (2004) sugeriu tomar Cover
como parte da ampla corrente do “pluralismo jurídico” e, a partir disso,
apontar possíveis êxitos e deficiências de sua concepção jurídica. Combi-
nando as lições pluralistas de Cover com os projetos de Boaventura de Sousa
Santos e de Gunther Teubner, Melissaris propõe uma visão que poderia su-
perar alguns problemas apresentados pelo pluralismo jurídico, seja em sua
versão empírico-positivista ou nas chamadas teorias da “legalidade disper-
sa”, das quais os três autores mencionados seriam representantes. De acordo
com Melissaris (2004, p. 58), o pluralismo jurídico não deve ser visto como
uma teoria jurídica, mas como “uma radicalização da maneira pela qual pen-
samos o direito, que deve permear e informar toda teorização sobre o direi-
to”, e deve também mudar o seu foco do estudo dos “sistemas jurídicos”
para os “discursos jurídicos”.
Do pensamento de Cover, cujo trabalho é apresentado como contendo
“tendências pluralistas muito claras”, Melissaris (2004, p. 65) destaca a im-
portância concedida pelo autor à ideia de comprometimento e à forma pela
qual o Estado elimina significados jurídicos conflitantes com seu nomos.
Mas a deficiência de sua concepção encontra-se, segundo Melissaris (2004,
p. 71), em seu compromisso com a inevitabilidade de manter um direito
“centralizado”, algo visto como prejudicial às perspectivas pluralistas, e que
também enfraqueceria um dos argumentos principais do próprio Cover: o
de que um mesmo texto pode dar origem a diferentes ordens normativas,
dependendo do comprometimento e das narrativas que sustentam cada in-
terpretação. (COVER, 1983, p. 7).
Enquanto incorpora a noção de comprometimento em sua concepção
pluralista, Melissaris (2004, p. 74) discorda de Cover ao defender que as
SUMÁRIO
narrativas jurídicas que constroem universos normativos não precisam ser
compartilhadas por todas as comunidades: “todos nós temos narrativas pes-
soais, nossa mitologia pessoal que explica o mundo e nosso lugar nele”.
Trata-se de uma radicalização de valores que, segundo Melissaris, mais do
que possível, é absolutamente necessária para que o projeto de um pluralis-
mo jurídico se desenvolva. É discutível se a necessidade de um direito “cen-
tral” imputada por Melissaris a Cover realmente é verdadeira. De fato, Vio-
lence and the Word pode ser lido como uma espécie de apologia a função
jurispática dos tribunais; mas essa aparente exaltação parece se referir mais
à necessidade prática de resolver conflitos dentro do Estado da melhor foram
possível do que à pretensão de um direito “centralizado”.
Em todo caso, a atitude de radicalização empreendida por Melissaris
(2004) culmina com a curiosa conclusão de que o único lugar possível para
o pluralismo jurídico – ao menos naquele momento – seria a academia. Uma
conclusão que parece deixar grande parte do problema sem quaisquer mos-
tras de solução, e que reduz as interações jurídicas presentes àquilo que a
teoria puder identificar.
Talvez uma incorporação mais atual e profícua da obra de Cover possa
ser retirada, em vez disso, de sua quase profética afirmação sobre o consti-
tucionalismo, que aparece no já mencionado último parágrafo de Nomos e
Narrativa: “assim como o constitucionalismo é parte daquilo que pode le-
gitimar o Estado, da mesma forma o constitucionalismo pode legitimar, den-
tro de uma estrutura distinta, comunidades e movimentos” (COVER, 1983,
p. 68). Essa afirmação parece ser o ponto chave para compreender o legado
de Cover em termos de uma concepção pluralista adequada às novas ten-
dências do direito em níveis transnacionais e globais, e aponta os caminhos
para um “constitucionalismo comprometido” na era da globalização.
Com a afirmação supramencionada, Cover em certa medida postulou, há
mais três décadas, a existência de um “constitucionalismo para além do Esta-
do”, hoje classificado por Teubner (2016, p. 24) como a “nova questão consti-
tucional”. De acordo com o diagnóstico deste autor, estamos de fato vivencian-
do processos de legitimação de regras promulgadas por diversos setores da
vida social, processo apoiados por formas de constitucionalismo dissociadas
da política e do direito estatais. Trata-se de um movimento que acompanhamos,
para utilizar as palavras de Cover, ao mesmo tempo “com reconhecimento e
desconfiança”. As teses de Cover na década de oitenta não parecem assim tão
distantes dos impulsos das atuais teorias sociológicas da constituição, que pos-
tulam a questão constitucional não apenas em relação à política e ao direito,
mas a todos os âmbitos da sociedade (TEUBNER, 2016, p. 27).
Contestando a noção de que o constitucionalismo foi enfraquecido por
conta da transferência de responsabilidades outrora assumidas pelo Estado
para o âmbito de atores transnacionais privados, Teubner (2016) afirma que
SUMÁRIO
as novas dinâmicas implicaram, na verdade, na transformação de um sistema
constitucional transnacional já existente – e não na criação de novas cons-
tituições onde não haveria qualquer traço delas. Ocorre que, a nível trans-
nacional, é difícil reconhecer um sujeito equivalente ao que o Estado repre-
senta para as constituições nacionais, o que contribuiria para ocultar uma
nova realidade constitucional existente, baseada em fragmentos (TEUB-
NER, 2016, p. 8). Regimes jurídicos transnacionais têm se constituído em
diversas esferas sociais, do mercado financeiro às instituições esportivas,
do campo da ciência ao ciberespaço. Desprovidos de uma autoridade central,
cada um deles trata de estabelecer dinâmicas próprias de regulação – ou,
para usar a terminologia de Cover, cada um estabelece um nomos com base
em seus próprios fundamentos.
Em suma: a visão jurídica de Cover parece ecoar mais na ideia de frag-
mentação proposta por Teubner do que em um suposto apelo por um direito
“centralizado” conforme a crítica de Melissaris. E, para os propósitos que
nos colocamos no começo desse capítulo, talvez resida aí uma primeira res-
posta à questão sobre um possível acréscimo teórico na obra de Cover: tal-
vez nosso autor tenha fornecido, por meio do conceito de jurisgenesis, uma
pista para organizar esses assim chamados fragmentos.
Tal contribuição passaria por enxergar a jurisgenesis e suas diversas
etapas como um processo de “qualificação” que tudo aquilo que se pretende
como direito deveria passar. E uma afirmação como a que faz Tamanaha
(2008) no sentido de dizer que direito é aquilo que determinado grupo iden-
tifica em dada circunstância como direito não parece contrariar essa leitura,
mas fortalecê-la: pode ser que justamente as noções de narrativa, interpre-
tação, comprometimento e objetivação – isto é, as partes integrantes do con-
ceito de jurisgenesis – nos forneçam as bases para identificar determinados
comportamentos e situações como “jurídicos”. Assim, a ampla concepção
de direito – mais especificamente, de nomos – empregada por Cover pode
contribuir para que teorias pluralistas tenham um parâmetro para avaliar se
dada prática normativa deve ou não ser considerada direito.
Um outro ponto original de sua obra, esse mais controverso, residiria
na afirmação de um critério normativo na obra de Cover, isto é, um critério
para diferenciar bons e maus direitos ou significados jurídicos. Essa é uma
questão que tem preocupado não apenas aqueles teóricos que assumem de
forma muito clara a necessidade de critérios normativos, como é o caso de
Benhabib (2006), mas também aqueles que mantém o pluralismo como uma
ferramenta descritiva – caso de Berman (2007) – ou então priorizam a com-
pletude de sua descrição em detrimento de proposições normativas, arris-
cadas de forma muita tímida – como parece ser o caso de Teubner (2016).
Todos os regimes jurídicos – sejam eles locais, estatais, transnacionais
– que dispõem acerca do que é legal e o que não é, ou seja, que influenciam
SUMÁRIO
na construção de nossos universos normativos, estão sujeitos a avaliações
críticas do ponto de vista da obra de Cover. E, baseado em suas considera-
ções sobre a riqueza do nomos18 e seus fortes compromissos com um direito
não violento, podemos dizer que o critério dessa avaliação é, para Cover, a
possibilidade de que compreensões plurais sobre o direito possam ser sus-
tentadas em cada um desses regimes. Em outras palavras, estamos arriscan-
do aqui uma proposição circular, como o próprio processo de jurisgenesis,
que afirma que a normatividade do pluralismo de Cover reside no próprio
fortalecimento das condições de pluralidade do direito.
É razoável pensar que Cover, observando as tendências atuais do campo
do direito, se perguntasse se o espaço transnacional, em razão das relações
de poder existentes entre os atores envolvidos, e pela própria carência de tex-
tos sobre os quais buscar interpretações legais, não seria um lugar onde o
papel da violência no direito se torna mais visível. Os tribunais jurispáticos
que preocupavam Cover não desapareceram; ao contrário, se multiplicaram,
tornando-se difusos e, em certos casos, indefinidos. Processos decisórios vio-
lentos já não tem mais hora nem e local certos, mas podem acontecer a qual-
quer momento. Como coordenar a violência em espaços onde sequer está
muito claro quem irá cometê-la?
Da mesma forma que contestava o privilégio hermenêutico da inter-
pretação estatal, Cover poderia hoje contestar a supremacia autorreferente
de alguns regimes jurídicos, algo que parece ser defendido sem maiores res-
salvas por autores sistêmicos como Teubner (2016).
CONSIDERAÇõES FINAIS
Podemos dizer que a jurisgenesis de Cover, fenômeno não necessariamente
ligado à figura do Estado, encontra na atual constelação de regimes trans-
nacionais uma de suas expressões mais radicas. Não por acaso, alguns au-
tores utilizaram os conceitos de nomos e jurisgenesis para qualificar essas
novas configurações do espaço jurídico.
A maior parte das dinâmicas pluralistas do direito contemporâneo foram
estabelecidas depois da morte de Cover, em 1986. Isso não significa, porém,
que sua obra esteja fatalmente desatualizada para lidar com esse tipo de ques-
tão. Em sua maior parte, seus insights continuam válidos não porque tenham
abrangido todo um cenário de desenvolvimentos possíveis, mas porque de-
monstram uma compreensão quase que atemporal das principais caracterís-
ticas do fenômeno jurídico na sociedade. Da mesma forma, podemos dizer
que os conceitos de nomos e jurisgenesis são facilmente adaptáveis a diversos
contextos, e sua aplicação pode ser útil para compreender uma gama de pro-
blemas. Tratam-se de conceitos que, para utilizar a expressão de William Twi-
ning (2009, p. 43), “viajam bem” entre diferentes contextos e aplicações.
SUMÁRIO
Além disso, sugerimos brevemente duas contribuições possivelmente
originais que o pensamento de Cover oferece para pensar os fenômenos glo-
balizantes no direito: primeiro, o conceito de jurisgenesis pode funcionar
como processo de “qualificação” de comportamentos como “jurídicos”; se-
gundo, a visão pluralista de Cover parece ser de cunho normativo, e revisitar
seu pensamento pode ser uma oportunidade de construção e refinamento
teórico dos critérios normativos que cada vez mais tem sido compreendidos
como necessários e urgentes no cenário globalizado.
SUMÁRIO
NOTAS
de centralidade ao Estado.
“Narrativas são modelos de ação por meio dos quais estudamos e experen-
ciamos transformações que acontecem quando um dado estado de coisas simpli-
3
mente pode formular uma interpretação jurídica própria, e pode até conseguir
viver sob ela. Nesse caso, contudo, não haveria qualquer processo social envol-
vido. A menos que se torne inteligível a uma comunidade mais ampla e possa cons-
tituir um modelo de comportamento adotável, essa intepretação constitui por si
só um nomos. Nesse sentido, argumenta Cover: “Qualquer pessoa que tivesse uma
vida normativa inteiramente idiossincrática seria bastante louca. O papel que você
ou eu escolhemos assumir pode ser singular, mas o fato de que nós podemos situá-
lo em um ‘script’ comum o torna ‘são’ – é uma garantia de que nós compartilhamos
um nomos.” (COVER, 1983, p. 10).
Mas isso evidentemente levanta uma questão: todo grupo social pode afir-
mar que possui um direito próprio – um nomos que possa chamar de seu? Cover
5
não parece oferecer um critério fechado nesse aspecto. Julen Etxabe (2010) en-
contra, no entanto, ao menos quatro características comuns a todos os exemplos
fornecidos pelo autor em Nomos and Narrative: a formação de um nomos parece
pressupor um grupo humano bem constituído, uma autoconsciência em relação à
identidade do grupo, uma percepção de compartilhamento e delimitação baseada
em textos comuns e determinados projetos de vida normativos. (ETXABE, 2010,
p. 122).
SUMÁRIO
Nesse ponto, Cover tinha em mente os exemplos de empresas que criavam
e aplicavam normas próprias em povoados e vilarejos que se formavam junto aos
7
ao longo de seus escritos. Para uma crítica desse ponto em sua obra, ver Beckett
(2011).
9
COVER, op. cit., 1986, p. 1610.
10
Ibid., p. 1611.
Na linha de Brian Tamanha (2008), Berman (2007) toma uma posição não
essencialista sobre o direito: considera direito aquilo que as pessoas e os atores
11
O termo utilizado por Berman é hibridity, que poderia ser traduzido por
algo como “hibridismo”. Para não incorrer em neologismos desnecessários, pro-
12
curamos evitar seu uso, substituindo-o por expressões que comportem palavras
existentes em nosso vocábulo.
(cláusulas mais flexíveis para a adoção de normas comunitárias dentro de cada país),
regimes com autonomia limitada, esquemas de subsidiariedade de regras, redun-
dâncias jurisdicionais, arranjos de participação híbrida, regimes de reconhecimento
SUMÁRIO
mútuo e os acordos “safe harbor” (quando empresas com atividades no exterior
se submetem voluntariamente a diretrizes estrangeiras, como as emanadas pela
União Europeia).
Dunoff (2012, p. 154-155) não nega que haja candidatos ao papel de nar-
rativa superior que dê sentido aos diferentes nomoi globais: o discurso dos direitos
16
a maior parte da atenção dos acadêmicos - para um modelo relacional - que enxerga
atores e instituições como agentes propositivos, com interesses e capacidades in-
dependentes, interagindo de forma dinâmica fora do âmbito jurisdicional.
Em Nomos and Narrative, Cover (1983, p. 6) afirma que uma grande ci-
vilização jurídica – como a grega ou a judaica – não é marcada pelo vigor com
18
que sustenta seus preceitos, mas “pela riqueza do nomos no qual ela se situa e que
ajuda a constituir”.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
COVER, Robert. The Supreme Court, 1982 Term - Foreword: Nomos and
Narrative. harvard Law Review, Cambridge, v. 97, n. 1, p.4-68, 1983.
COVER, Robert. Violence and the Word. yale Law Journal, New Haven,
v. 95, n. 1, p. 1601-1629, 1986.
ETXABE, Julen. The legal universe after Robert Cover. Law and huma-
nities, Coventry, v. 4, n. 1, p. 115-147, 2010.
MELISSARIS, Emmanuel. The more the merrier?: a new take on legal plu-
ralism. Social & Legal Studies, [s.i.], v. 13, n. 1, p. 57-79, 2004.
RAZ, Joseph, Why the State? King’s College London Dickson poon
School of Law Research paper Series, Londres, n. 38, 2014. Disponível
em: <https://ssrn.com/abstract=2339522>. Acesso em: 13 nov. 2017.
SUMÁRIO
TWINING, William. General jurisprudence: understanding law from a
global perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
SUMÁRIO
GP 14 – IGUALDADE/
DESIGUALDADE, INCLUSÃO/
EXCLUSÃO E AMÉRICA LATINA
Coordenação: Artur Stamford da Silva,
Guilherme de Azevedo e Roberto Dutra Torres
Junior
SUMÁRIO
PROCESSOS DE EXCLUSÃO LEGITIMADOS E O CASO
DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA DA CIDADE DE
BELO HORIZONTE: LIGAÇÕES ENTRE A INDIFERENÇA
MORAL E OS CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA NA
APLICAÇÃO DO DIREITO.
Giordano Leonardo Alves1
Sávio Mateus Moura Pereira2
INTRODUÇÃO
De acordo com o Terceiro Censo de População em situação de Rua e Mi-
grantes de Belo Horizonte de 2014, embora conhecida as problemáticas
quanto a delimitação de tal estudo, o número de indivíduos inseridos no con-
texto de rua era em torno de 1.827 pessoas. Decerto, dados demonstram que
esse número somente aumentou. Segundo dados da Secretaria de Políticas
Sociais da capital mineira o crescimento no início de 2017 chega em torno
de 70% (MARIANO, 2017).
Concentrados predominantemente nos arredores da região centro-sul
de Belo Horizonte, essas pessoas fazem das ruas sua casa, alcançam as ruas
como último ou único lugar de sobrevivência, e fazem, como indica DaMat-
ta (2000) citado por Mendes (2007, p. 7) “no contexto sociocultural brasi-
leiro, espaços complementares de significação que transcendem uma opo-
sição simples entre público e privado.” Esse fusão de espaços conforma a
representação social desses sujeitos e conduz a formação de suas histórias,
identidades e relações no espaço urbano.
Devido a uma situacionalidade de causas que remetem uma pessoa a
morar na rua ou a viver dela, conceber conceituações homogeneizantes sig-
nificaria violentar a própria humanidade dessas pessoas. Possivelmente a
única condição de igualdade que comportam é o fato de aparecerem como
cena comum entre as marquises e viadutos, como o retrato plausível de como
“a cidade planejada para acolher os novos habitantes e corresponder as suas
pretensões” (FREITAS, 2005, p. 61) falhou. No caso de Belo Horizonte,
capital do Estado de Minas Gerais, tal constatação não é diferente.
DESENVOLVIMENTO
Acima do nível local e de suas instituições cada vez mais impotentes, surgiu,
fora dos limites das autoridades locais, um novo espaço “socialmente extra-
territorial” - e ainda não havia outra autoridade desejosa e capaz de assumir
a supervisão dos padrões de relações humanas e de justiça nas trocas entre as
pessoas (BAUMAN, 2005, p. 190).
SUMÁRIO
aquela da “gestão”, gestão de um certo número de práticas, gestão de um
certo número de ilegalidades ou irregularidades que, considerada (a gestão)
em conjunto, representa em si mesma uma certa regularidade (FONSECA,
2002, p. 138-139).
SUMÁRIO
Representava como inútil ao processo produtivo “legal” de trabalho das
grandes cidades, uma vez que os mercados ilegais, de segurança, de vigi-
lância e do medo são criados ao seu redor, tal população compatibiliza em
si um risco ao restante do corpo social ao ser homogeneizada no binômio
delinquência/vadiagem.
Compreender esse termo é crucial para a reflexão das interações do di-
reito perante as pessoas em situação de rua. O direito enquanto regulação e
coerção estatal nesse viés se desnuda através da “aplicação da lei” e da “não
aplicação da lei”, da legalidade e da ilegalidade, na concessão ou não de ga-
rantias e de violências. No caso em questão, ainda que transforme em lei e
fomente políticas nacionais voltadas para essa população, o mesmo Estado
permite a diária violação dos direitos que se comprometeu a efetivar. Ou
seja, na conveniência, utiliza da gestão de seus próprios ilegalismos para
manter estruturas de poder.
Na mendicância e na subsistência, essa população é objeto periférico da
normalização. Indesejados, se afastam e são afastados das regulamentações
de bens e, na sociedade de controle do século XXI, baseada na extraterritoria-
lidade do capital e das elites financeiras, ficam expostos às ilegalidades internas
da sociedade. Em suma, apesar de casos de assistencialismos estatais (moradias
para pernoite, albergues, alimentação coletiva, passagens de transporte para
suas cidades natais, entre outros), parcela considerável dos atos de gerencia-
mento estatal condiciona essa população a uma invisibilidade de extermínio.
A contundência na voz de uma dessas pessoas em situação de rua escancara o
peso moral do termo vagabundo. Valdecir e as marcas de sua história indicam:
Oh! Eu num gosto de falar de mendingo porque hoje eu falo: não somos
mendingo. Hoje o que existe na rua é muita pessoa maltratada. Maltratados
são diferentes de mendingos. A pessoa maltratada, em enxergo assim: é uma
pessoa que não tem família, é uma pessoa que não tem um lar, é uma pessoa
que não tem amigos. É uma pessoa totalmente afastada de tudo! É abando-
nada de tudo. (FREITAS, 2005, p. 76).
(...) da distância física e/ou psíquica entre o ato e suas consequências produz
mais do que a suspensão da inibição moral; anula o significado moral do ato
e todo conflito entre o padrão pessoal de decência moral e a imoralidade das
consequências sociais do ato. (BAUMAN, 1998, p. 45).
SUMÁRIO
pelo seu próprio desejo de fazê-lo. Rua e estrada são tomadas por esse grupo
populacional, canalizando seu fluxo. (MENDES, 2007, p. 102)
CONCLUSÃO
Esse “estar” na dinâmica citadina e, só por isso, ser afastado dela, cria a difi-
culdade em estabelecer o pertencimento da pessoa em situação de rua no único
espaço ao qual pertence. Em Belo Horizonte e suas falhas no ideal de progres-
so mantido em seu plano inicial e na sua formação baseada nos movimentos
do medo e da insegurança da globalização, força motriz de seus problemas, o
refugo dessas dinâmicas se concentra na condição a-histórica das pessoas em
situação de rua e na heterogeneidade das condições e consequências que as
levaram para as esquinas e viadutos. Apenas quando se observa esse espaço
e seus sujeitos, a estrutura burocrática aparece na zona abissal, na qual o ile-
galismo e a indiferença moral concentram seus movimentos.
Com direito a serem “ninguém”, as pessoas em situação de rua sobre a
lógica do “viver” globalizado, conectado, são sujeitos indesejáveis dentro
do espaço urbano. Entre a invisibilidade e a violência institucional de geren-
ciamento de suas existências e comportamentos, a captura de suas histórias
e identidades torna-se talvez o único sentido pelo qual são lembrados.
Portanto, seja por intermédio de uma indiferença capaz de anular o
corpo estendido no centro da capital, ou pelo ilegalismo gerenciador de sua
pormenorizada ou frontal violação de sua humanidade, pensar métodos de
resistência baseados na alteridade é tentar ampliar campos de discussão ca-
pazes de escapar as arbitrariedades diárias perante essa população. Em ou-
tras palavras, para tentar criar fugas entre essas práticas de exclusão e au-
sência de direito ou de formas extrajurídicas de observar o Outro como
portador de dignidade, é preciso transgredir estruturas capazes de anular as
capacidades reflexivas pertencentes a cada ser, inclusive a aquele deixado
nas ruas.
SUMÁRIO
NOTAS
Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2005; COSTA, Ana Maria Nicolaci da
Costa. O Cotidiano nos Múltiplos Espaços Contemporâneos. Psicologia: Teo-
ria e Pesquisa, Vol. 21 n. 3, pp. 365-373, 2005.
SUMÁRIO
confortável situação socioeconômica de seus irmãos, assim como pela possível
cobrança por parte dos familiares em relação ao seu fracasso como trabalhador
ou como pai de família (temor que se revelou absolutamente pertinente)” (MEN-
DES, 2007, p. 38)
ou a população de rua (...) [são] aquelas pessoas que não apenas tiram seu sustento,
como também fazem da rua o seu local de moradia, ainda que optem por dormir
em instituições de acolhimento para moradores de rua e migrantes.” Enquanto as
pessoas em situação de rua seria “uma população de rua flutuante” (MENDES,
2007, p. 5) para os quais tal vivência nas ruas não seria permanente. Contudo,
assim como a autora, houve a preferência nesse trabalho por indicar como “pes-
soas em situação de rua” tanto aqueles que se mantem na rua em caráter perma-
nente e aqueles que vivem dela de maneira esporádica.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BAUMAN, Zygmunt (2001). Globalização: as conseqüências humanas.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
FONSECA, Márcio Alves Da. Michel Foucault e o Direito. São Paulo: Max
Limonad, 2002.
SUMÁRIO
Editora PUC Minas, 2005.
SUMÁRIO
SOUTO, Caio Augusto T. Direito e ilegalismos: Reflexões sobre a norma-
lização na obra de Michel Foucault. Kínesis, Vol. II, n° 04, p. 23-39 Dezem-
bro-2010. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEle-
tronicas/Kinesis/DireitoeIlegalismos2010.pdf>. Acesso em: 05/09/2017.
SUMÁRIO
PARA ALÉM DA BIOLOGIA: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA SOBRE DIREITO, GÊNERO E
HOMOSSEXUALIDADE
João Batista Monteiro Camargo1
Valdir Pedde2
Abstract: The motivating question of the present research is how the law,
in its various fields (civil, criminal and social security) has been dealing
with the gender issues with regard to homosexuality? To do so, it became
necessary to map and discuss academic production in different fields of
knowledge, using as indicators the descriptors law and gender, as well
as law and homosexuality in the database of the Journal Portal and the
Bank of Thesis and Dissertations of Capes . Thus, the study aimed to ag-
gregate research evidence to guide the accomplishment of the doctoral
thesis, through a broad search in the literature, aiming to identify the largest
possible number of studies related to the issue.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Esse tipo de estudo serve para nortear o desenvolvimento do projeto de tese
de doutoramento do autor, indicando novos rumos para futuras investiga-
ções e identificando quais métodos de pesquisa foram utilizados em cada
área do conhecimento em que o conteúdo foi objeto de pesquisa. Uma revi-
são sistemática requer uma pergunta clara, a definição de uma estratégia de
busca, o estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão das pesquisas
e, acima de tudo, uma análise criteriosa da qualidade das pesquisas selecio-
nadas. O que foi realizada no presente estudo.
O processo de desenvolvimento desse tipo de estudo de revisão inclui
a identificação de conceitos importantes acerca da questão de direito e gê-
nero, a comparação entre as análises apresentadas e a conclusão pode iden-
tificar qual o foco mais explorado ou sugerir problemas e questões que ne-
cessitam de mais aprofundamentos com pesquisas acadêmicas. Sendo
assim, é possível considerar essa revisão sistemática como recurso funda-
mental ante o crescimento acelerado da informação científica acerca do di-
reito e gênero.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão sistemática que é uma forma de síntese das
informações disponíveis em dado momento, sobre uma problemática espe-
cífica, de forma objetiva, por meio do método científico. A revisão sistemá-
tica visa seguir um método rigoroso de busca e de seleção de pesquisas, ava-
liação da relevância, coleta, síntese e interpretação dos dados.
Dessa forma, adotou-se um conjunto de critérios que determinam a cien-
tificidade de uma revisão sistemática, como a pergunta de revisão, critérios
de inclusão e exclusão, estratégias para a busca, análise e síntese dos dados.
Para esse estudo foi utilizada a seguinte pergunta: de que forma o di-
reito, em seus diversos campos de atuação (civil, criminal e previdenciário)
vem tratando as questões de gênero no que se refere a homossexualidade?
A busca dos estudos foi realizada de forma ampla por meio do Portal de Pe-
riódicos3 e do Banco de Teses e Dissertações4 da Capes, a partir dos descri-
tores direito e gênero e direito e homossexualidade, se consubstanciando
nas estratégias de busca.
Os critérios de inclusão foram: dissertações de mestrado, teses de dou-
toramento e artigos científicos, disponibilizados online, no idioma portu-
guês, com definição do método e apresentação consistente dos resultados
encontrados. Já os critérios de exclusão foram: fatores que não atendessem
aos critérios de inclusão, estudos de revisão, relatos de caso, comunicações.
Para a coleta de dados foram sendo selecionadas todas as pesquisas e
extraídas informações detalhadas de cada pesquisa como dados de autoria,
SUMÁRIO
referências, tipo de pesquisa, rigor metodológico e evidência dos resultados.
O produto final da análise é apresentado de forma narrativa.
RESULTADOS E DISCUSSõES
Dissertações
Dissertações de mestrado
profissional e profissionalizante
120.000
100.000
40.000
CIÊNCIAS SOCIAIS
APLICADAS
20.000
0
ÁREA DO CONHECIMENTO
SUMÁRIO
Desse montante somente 24.860 dentre teses e dissertações estão na área
do direito. Na Universidade de São Paulo – USP concentram-se a maioria das
pesquisas, um total de 96.405, em segundo lugar a Universidade Federal do
Rio de Janeiro com 51.801 pesquisas, em terceiro lugar a Universidade Esta-
dual de Campinas com 43.220 estudos e em quarto lugar a Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul com 38.496, seguida de outras instituições.
A maioria dos trabalhos encontrados com esses descritores versaram
acerca do tratamento dado à mulher no âmbito jurídico, como feminismo,
aborto, feminicídio doméstico e familiar, maternidade na prisão, exploração
sexual, casamento, articulação gênero e raça, tráfico de pessoas, adoção, po-
líticas públicas, reconhecimento, discriminação no âmbito do trabalho, repre-
sentação política e subordinação. Também versaram acerca da homossexua-
lidade, do transexualismo e da cirurgia de transgenitalização, da relação do
terceiro gênero e o direito, da adequação do nome e do sexo no registro civil,
racismo, entre outras. Para esses descritores no Portal de Periódicos da Capes
foram encontrados 5.141 trabalhos acadêmicos.
Teses
Dissertações
Mestrado profissional
e profissionalizante
Até 2001
De 2002 a 2016
SUMÁRIO
6.000
5.000
4.000
DIREITO E GÊNERO
3.000
DIREITO E
2.000 HOMOSSEXUALIDADE
1.000
0
PORTAL DE PERIÓDICOS
SUMÁRIO
11 Homossexualida Ciências Sociais Dissertação 2016 Qualitativa – Universidade
de, homofobia e – Sociologia Etnografia Estadual do
consumo. Norte
Fluminense
Darcy Ribeiro
SUMÁRIO
24 Direitos Ciências Sociais Dissertação 2014 Qualitativa - Faculdades
Fundamentais e – direito Pesquisa Integradas do
homoafetividade documental e Brasil –
bibliográfica UNIBRASIL
SUMÁRIO
37 Homossexualida Ciências Sociais Tese 2014 Qualitativa - Universidade
de, – Antropologia etnografia Federal De
Conjugalidade Pernambuco
Homoafetiva,
Legalidade
CONCLUSÃO
Por meio da realização desse trabalho de revisão sistemática é possível per-
ceber que houve:
- Um aumento crescente do número de trabalhos ao longo do tempo,
tendo o ano de 2016 com maior número de trabalhos realizados, ano em que
as pesquisas assumiram maior relevância.
- Uma produção maior de dissertações do que em relação a teses e ar-
tigos científicos.
- A área das ciências humanas é a área de conhecimento em que mais
houve produção acadêmica acerca da temática.
- No Portal de Periódicos foi encontrado um número significativo de
trabalhos com os descritores “direito e gênero” e um número pouco expres-
sivo de trabalhos com os descritores “direito e homossexualidade”.
- A maioria dos trabalhos encontrados com os descritores “direito e gê-
nero” no Banco de dados de Teses e dissertações versaram acerca do trata-
mento dado à mulher no âmbito jurídico.
Essa revisão sistemática objetivou integrar as informações de um con-
junto de estudos realizados separadamente sobre direito e homossexualidade,
SUMÁRIO
bem como identificar aspectos que necessitam de evidência, auxiliando na
orientação para investigações futuras acerca da temática. Foi possível ob-
servar que não somente a área de conhecimento das Ciências Sociais, do di-
reito, que está preocupada com as questões relativas a gênero, homossexua-
lidade e direito.
É possível concluir que o campo do direito ainda engatinha em relação
a promoção da igualdade de gênero, isso porque, como foi percebido na
grande maioria dos trabalhos o discurso jurídico patologizado de autoridade
utiliza a biologia como fundamento de decisões calcadas em tradições an-
tigas. A biologia não circunscreve todo o arcabouço de entendimento a res-
peito das sexualidades.
SUMÁRIO
NOTAS
didas desde 1987. As informações são fornecidas diretamente à Capes pelos pro-
gramas de pós-graduação, que se responsabilizam pela veracidade dos dados.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro, Bertrand
Brasil, 2010.
SUMÁRIO
A LIBERDADE DE ESCOLHA: ANÁLISE DA NARRATIVA
“O MURO” E SUA DIALÉTICA COM A INTIMIDADE
Leonel Severo Rocha1
Júlia Francieli Neves de Oliveira2
INTRODUÇÃO
Neste artigo, pretende-se desenvolver primeiramente uma reflexão da rela-
ção da intimidade nos relacionamentos a partir da literatura de Sartre, que
propõem a ilustrar uma teoria filosófica existencialista e criam atmosferas
tensas de extremo limite. Escrita às vésperas da Segunda Guerra Mundial,
as cinco narrativas de ‘O muro’ buscam refletir a perplexidade do homem
frente a um mundo em convulsão. Nesse momento, quando as circunstâncias
parecem carregar todos ao mais fundo individualismo, Sartre levanta ques-
tões que apelam à consciência política e filosófica.
Frente a esta falta de fundamentos prontos, o homem angustia-se diante
da responsabilidade de escolher, visto que a escolha é ao mesmo tempo afir-
mação do valor daquilo que se escolhe, trazendo consigo, assim, o peso da
responsabilidade. Desse modo, ao escolher algo e, consequentemente, afir-
mar o seu valor, estamos ao mesmo tempo comunicando a todos o caráter
benéfico daquela escolha, já que não há ninguém que possa escolher o mal
para si. O apelo é feito a causas como valores burgueses, preconceitos se-
xuais e raciais, neste ponto de vista, nos tornamos responsáveis não só por
nós, mas por toda a humanidade.
Pretende-se desenvolver um estudo dos efeitos da evolução da intimi-
dade e liberdade de escolha no plano das relações conjugais e familiares, que
tem igualmente consequências complexas, criadoras de novas dificuldades
e o tratamento dos conflitos familiares que podem ser ampliados por meio
da teoria dos sistemas, a qual deve ser buscada a resolução dos conflitos fa-
miliares não somente na sua organização interna, mas também nos apoios
externos de outros sistemas; como na autonomia social (TEUBNER, 2005).
Nesse sentido, Luhmann propõe uma abordagem histórica a partir de tex-
tos e narrativas através dos quais procura analisar o surgimento do código e da
nova semântica do amor, a partir do romance trágico de Romeu e Julieta (LUH-
MANN, 1991, p.52). Desta forma, Bourdieu dedica ao amor como ruptura com
SUMÁRIO
a estrutura dissimétrica da violência simbólica em que se constitui a domi-
nação masculina. O amor convoca o sujeito a uma nova postura frente ao
outro, a ser sujeito amoroso, que só pode obter o reconhecimento de um outro
sujeito, mas que abdique, como ele o fez, da intenção de dominar (BOUR-
DIEU, 2005, p. 132).
A ideia de buscar a relação entre sociedade, direito e justiça, num con-
texto democrático, para que se reduza a distância entre teoria e prática, pres-
supõe assim estudos sociológicos sobre a lógica organizacional e o funcio-
namento das instituições. A teoria dos sistemas é sociologia jurídica em
condições de oferecer subsídios a uma verificação empírica que permitirá a
crítica e as sugestões para a melhor adaptação do sistema jurídico aos meios
de tratamento de conflitos.
A questão proposta é o direito precisa promover novas formas de or-
ganização, diálogos e capacidades para observar os conflitos gerados na mo-
dernidade, a partir da teoria sistêmica?
Tem-se como objetivo analisar a sociedade moderna e as relações fa-
miliares que são extremamente complexas e ressignificadas, questões que
apelam à consciência política e filosófica. A sociedade se caracteriza pela
diferenciação funcional, neste momento surgem os principais sistemas so-
ciais, entre eles o Direito. Essa forma de comunicação social das diferenças
altera a concepção de intimidade, ampliando a diversidade da produção das
fontes de sentido do Direito, que gera conflitos no âmbito familiar, dificul-
tando seu fechamento operacional. As dimensões amorosas na globalização
adquirem também um aspecto mais amplo e assim são cada vez mais cons-
titutivas de demandas familiares pela evolução do Direito, originando novos
vínculos jurídicos nessas relações, e novas formas de solução de conflitos
podendo ser ampliada por meio da teoria dos sistemas.
Percebe-se a importância deste estudo devido a precariedade e dificul-
dade do direito tratar das narrativas afetivas nas relações de família, visando
contribuir para uma maior compreensão e consciência em uma área que ainda
é incipiente o direito, como é o caso da afetividade no mundo jurídico.
Para enfrentar o tema em questão, o artigo apresenta-se dividido em três
enfoques. Inicialmente, se investiga o que o existencialismo alhiados a nar-
rativa do muro de Sartre. Em um segundo momento realiza-se um estudo ob-
servando de que forma a teoria sistêmica auxiliaria a comunicação da jurisdi-
ção tradicional para tratar de conflitos afetivos. A terceira parte deste trabalho
se analisa a intimidade como meio de comunicação simbolicamente genera-
lizado e a sua relação com o Direito, preparando suas estruturas dogmáticas
para a realidade atual sob a perspectiva da justiça discursiva policontextural.
A metodologia a ser utilizada é a matriz teórica sistêmica que se dá pela
abordagem sociológica, tanto conceitual quanto empírica dos sistemas ju-
rídico. A observação da sociedade enquanto sistema apresenta vantagens
SUMÁRIO
porque permite a análise da sua complexidade por meio da reconstrução do
saber jurídico e da práxis judicial, de um ponto de vista interdisciplinar, para
o enfrentamento das incertezas da sociedade contemporânea em uma pers-
pectiva evolutiva e construtiva.
Na angústia dizemos nós “a gente sente-se estranho”. O que suscita tal estra-
nheza e quem é por ela afetado? Não podemos dizer diante de que a gente se
sente estranho. A gente se sente totalmente assim. Todas as coisas e nós mes-
mos afundamo-nos numa indiferença. Isto, entretanto, não no sentido de um
simples desaparecer, mas em se afastando elas se voltam para nós. Este afas-
tar-se do ente em sua totalidade, que nos assedia na angústia, nos oprime.
Não resta nenhum apoio. Só resta e nos sobrevêm – na fuga do ente – este
“nenhum”. A angústia manifesta o nada. (HEIDEGGER, 1983, p. 39).
Olhei durante algum tempo o disco de luz que o lampião projetava no teto e
fiquei fascinado. Depois, bruscamente, voltei a mim, a roda luminosa desa-
pareceu e me senti esmagado de um peso enorme. Não era o pensamento da
SUMÁRIO
morte, nem o medo; era uma coisa sem nome. As faces queimavam e sentia
uma dor na cabeça. (SARTRE, 1966, p. 15).
SUMÁRIO
para si. Desse ponto de vista, nos tornamos responsáveis não só por nós, mas
por toda a humanidade.
Desta forma, o do conto “O Muro”, o personagem Pablo parece escoar
do ente; suas concepções se afastam, seus desejos intramundanos desapa-
recem, é como o ir desprendendo-se do mundo e, portanto, revelar o Nada,
reforçando ainda mais seu estado de indiferença quanto a tudo; alega não
possuir mais amarras com o mundo, que estava calmo, mas:
Era, porém, uma calma horrível – por causa do corpo; enxergava com seus
olhos, ouvia com seus ouvidos, mas não era mais eu; ele suava e tremia sozinho
e não o reconhecia. Fui obrigado a tocá-lo e a olhá-lo para saber o que tinha
acontecido com ele como se fosse corpo de outro. Sentia-o ainda por momen-
tos, sentia como escorregamentos, uma espécie de queda, [...]. (SARTRE,
1966, p. 25).
[...] o nada este que não é nem um objeto nem um ente. O nada não acontece
nem para si mesmo nem ao lado do ente ao qual, por assim dizer, aderir, O
nada é a possibilidade da revelação do ente enquanto tal para o ser-aí hu-
mano. O nada não é um conceito oposto ao ente, mas pertence originaria-
mente à essência mesma (do ser). No ser do ente acontece o nadificar do
nada. (HEIDEGGER, 1983, p. 41).
Quando Sartre diz que “nada pode ser bom para nós sem que o seja para
todos”, ele quer dizer, precisamente, que ao escolhermos algo, estamos optando
por uma alternativa que, dentro das condições de existência nas quais estamos
inseridos, seria a melhor opção e, por ser a melhor, todos também poderiam
optar pela mesma. Assim, ao escolher algo, o homem cria um modelo de homem
que outros podem seguir; daí a sua responsabilidade diante da humanidade.
O existencialismo de Sartre, ao contrário das filosofias contemplativas,
caracteriza-se por ser uma doutrina de ação, colocando sempre o compro-
misso como fator indispensável para a existência humana, uma vez que, sem
compromisso, não há projeto de ser e, sem projeto de ser, o homem torna-
se incapaz de conferir qualquer sentido à existência. Se a intencionalidade
é a característica fundamental da consciência, ser livre é engajar-se, com-
prometer-se e, enfim, responsabilizar-se (SARTRE, 1998).
“O homem é livre porque não é si mesmo, mas a presença a si. O ser que é o
que é não poderia ser livre. A liberdade é precisamente o nada que tendo sido
SUMÁRIO
no âmago do homem e obriga a realidade humana a fazer-se em vez de ser.”
(SARTRE, 1998, p. 782).
SUMÁRIO
um evento generalizado da comunicação, sendo uma reflexão sobre as pos-
sibilidades de decisão (LUHMANN, 1983, p. 12).
O risco vem acompanhado da reflexão sobre a “segurança”. Nesta ótica,
Luhmann prefere colocar o risco em oposição ao “perigo”, por entender que
os acontecimentos sociais são provocados por decisões contingentes (pode-
riam ser de outra forma), que não permitem mais se falar de decisão segura.
A sociedade moderna possui condições de controlar as indeterminações, ao
mesmo tempo que não cessa de produzi-las. Isso gera um paradoxo na co-
municação. Por isso, a pesquisa jurídica deve ser dirigida para uma nova con-
cepção da sociedade, centrada no postulado de que o risco é umas das cate-
gorias fundamentais para a sua observação (LUHMANN, 1993, p.58).
Na teoria sistêmica e na sociedade do terceiro milênio, vivencia-se
então o chamado sistema social hipercomplexo, ou seja, a possibilidade de
recorrer-se a diferentes sistemas, para o enfrentamento de questões especí-
ficas. As decisões não dependem somente dos indivíduos, mas das organi-
zações, pois estas têm a função de tomar decisões a partir de cada sistema
(ROCHA, 2013, p.43).
Na atual forma da sociedade, com a presença permanente do risco, per-
cebe-se o inevitável paradoxo, impõe-se colocando a importância de uma
nova racionalidade para a tomada das decisões nas sociedades complexas,
redefinindo a filosofia analítica, a hermenêutica e a pragmático-sistêmica,
que desbloqueiam a comunicação jurídica. Nessa ordem de raciocínio, a
pesquisa jurídica deve ser dirigida para uma nova forma de sociedade, cen-
trada no postulado de que a complexidade é uma das categorias fundamen-
tais para a sua observação. Nota-se a necessidade de uma transformação da
política e do Direito (ROCHA, 2013, p.44).
No momento em que o Estado, enquanto programador do Direito, deixa
de ser o centro de organização da política e deixa de ser o fundamento único
de validade da lei, o Judiciário, em vez de simplesmente aplicar a progra-
mação condicional que caracteriza um sistema fechado, necessita recorrer
às fundamentações extraestatais e toma-o decisões de outro tipo, que é atra-
vés da programação finalística que caracteriza um sistema aberto (ROCHA,
2013, p.44).
Assim, a tendência do Direito, em todas as áreas e principalmente no
Direito de Família, que envolve o sentimento, é a de transformar o Judiciário
em um sistema aberto, observando as suas consequências cognitivas, pois
é preciso pensar na riqueza da alteridade. A complexidade da produção de
sentido do Direito como paradoxo torna-se, assim, uma condição para a ob-
servação da comunicação do Direito, uma vez que esta constitui a capaci-
dade da linguagem e da evolução social.
Entra-se na cultura pós-moderna, ou seja, no interior de uma sociedade
que conseguiu neutralizar a apatia, o que fundamentava o impulso modernista,
SUMÁRIO
isto é, a mudança. Com a dissolução da crença e da verdade divina e suprema
implantada pela sociedade, surgiu a institucionalização da dúvida. O pro-
cesso de construção de identidade pessoal, que possui uma multiplicidade
de papéis e valores que se oferecem ao indivíduo, já não se faz acompanhar
por referentes orientadores.
O reconhecimento formal, por parte da legislação, da jurisprudência
ou da doutrina, tem desempenhado importante papel na busca pela igualdade
de direitos sociais e civis dos gêneros. A nossa sociedade laica está estabe-
lecendo uma cultura solidária e baseada nos direitos universais do homem
e da mulher.
A partir do pressuposto de que nem sempre foi assim – no tocante a re-
lação de dominação – e de que não há poder - pautado em identidade e dife-
rença – inocente, conclui-se que é apontada a necessidade da desconstrução
cultural da naturalização das identidades de feminino e masculino e a su-
peração da relação de dominação, consolidada na opressão e inferiorização
das mulheres, que não impediu o reconhecimento da identidade de mulher,
mas que o tornou distorcido sob um olhar tendencioso e masculino.
O aparato conceitual construído por Pierre Bourdieu é fecundo para a
análise das condições da dominação masculina como violência simbólica.
As suas consequências para a reflexão sobre as possibilidades de resistência
e de um Direito transformador são evidentes e inerentes à própria elaboração
do sociólogo. Enquanto violência simbólica, a dominação masculina se
constrói na história tomando como essências construções, formas de clas-
sificação a partir de princípios de visão e divisão cujo objetivo é a construção
de uma ordem de dominação e que, sexual, tem no masculino o seu paradig-
ma (BOURDIEU, 2005, p. 132).
Pelo habitus se constata a construção de hexis corporal sob a matriz da
cosmovisão androcêntrica, de modo relacional em que homem e mulher, e
também gays e lésbicas, de forma consciente e inconsciente, têm seus corpos
construídos ao modo da ordem de dominação. Essa forte construção teórica
é já uma resistência à ordem de dominação. Da natureza relacional da do-
minação simbólica se conclui que toda ação transformadora deve transfor-
mar também aquele que a empreende, quer dizer, deve incluí-lo em seu ques-
tionamento (BOURDIEU, 2005, p. 132).
Toda crítica de fundo implica autocrítica, numa ruptura com a posição
de vítima. Mais que isso, que deve levar em consideração todos os espaços
sociais, além da família, a escola, a igreja, o esporte, o jornalismo. Pode-se,
num exercício de utopia crítica, vislumbrar que a sociedade que emergirá
lentamente dessa luta não será a reprodução de nenhum modelo, nem das so-
ciedades primitivas e igualitárias, nem de sociedades onde as mulheres, ho-
mens, negros, gays, lésbicas, teriam mais poder uns que os outros. O processo
de igualdade de gêneros é um processo contínuo e atualmente dependente de
SUMÁRIO
uma mudança cultural buscando consolidar o processo de igualdade de gê-
neros, que encaminhem para a verdadeira tolerância, que pressupõe o respei-
to mútuo por meio de um processo de conscientização.
CONCLUSÃO
A partir da narrativa de Sartre faz-se uma reflexão frente à morte, que pode
significar, normalmente, o temor, a tristeza profunda, pois não terá mais
acesso às coisas do mundo, aos amores, aos sentimentos e à vida. A saudade
seria uma constante, talvez, mas não foi o trazido em tal obra. Sartre busca
romper com tal senso comum e narra os condenados imersos em suas exis-
tências; angustiados e, quando na presença do nada, transcendem a existên-
cia deixando o ente em sua totalidade “suspenso”.
A angústia que transcende, faz-se presente no enredo do pensador fran-
cês, que, de fato, demonstra certas influências e convergência com Heideg-
ger. A partir do momento em que se consegue perceber tais pontos em
comum em obras de dois dos maiores pensadores do século XX, pode-se dar
um aspecto talvez mais abrangente na leitura. Ora, pensar Pablo Ibbieta
como exemplo da metafísica heideggeriana é algo que transcende o texto,
mas que não perde sua importância enquanto história, seja da filosofia ou
da própria literatura.
Com o estudo exposto, observa-se que pensar o direito assumindo
como pressuposto o horizonte literário propicia a compreensão da realidade
jurídica aportada sob um aspecto ficcional que instiga a reflexão, imagina-
ção e um olhar sobre si mesma enquanto realidade carente de completude,
vez que as respostas nem sempre se encerrarão na legislação crua mas sim
deverão ser criadas, em observância aos contextos fáticos e ao que o imagi-
nário coletivo anseia (OST, 2004).
A partir das teorias de Teubner e Luhmann, da forma especial como con-
cebem a interação dos subsistemas sociais e seus códigos o que poderíamos
SUMÁRIO
chamar de fricções subsistêmicas, podemos chegar à concepção de que não é
apenas a realidade social de atores que produz o direito, mas o inverso também
procede: o direito cria realidade social, no sentido de que o código enseja que
os atores sociais reordenem suas ações e expectativas conforme a lógica jurí-
dica subjacente às interações (TEUBNER, 1989).
O reconhecimento de que vivemos na era global em sociedades multi-
culturais, compostas de uma pluralidade de identidades, instiga a reflexão
a respeito das dificuldades de sustentar a importância da subjetividade para
o Direito. Entendida aqui, como constituída por questões particulares que
percorrem e transformam permanentemente a vida privada de cada indiví-
duo, como é o caso do amor, simbolicamente atribuídas pela co-evolução
sistemica. A teoria sistêmica, portanto, permite a compreensão de processos
coletivos, impiricamente constatáveis, em que o centro da ação não está lo-
calizado em forças macro ou microssociológicas, mas no código sistêmico
do direito.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Abril Cultura, 1983. (Os Pensadores). Tradução, introdução e notas de Er-
nildo Stein.
SUMÁRIO
Advogado, 2013.
SUMÁRIO
GP 15 – REFUGIADOS,
IMIGRANTES, MIGRANTES E
DESLOCADOS AMBIENTAIS
Coordenação: Gustavo Oliveira de Lima Pereira
e Cristiane Feldmann Dutra
SUMÁRIO
OS DESLOCADOS AMBIENTAIS E A VIOLAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS DIANTE DA VULNERABILIDADE
AMBIENTAL
Ricardo Stanziola Vieira1
Cheila da Silva dos Passos Carneiro2
INTRODUÇÃO
O objeto do presente artigo científico é o estudo da vulnerabilidade ambien-
tal dos direitos humanos dos descolocados que estão diante de desastres am-
bientais.
O referido artigo tem o objetivo de analisar as violações aos direitos
humanos dos deslocados ambientais e demostrar a necessidade de respostas
jurídicas para a diminuição da vulnerabilidade ambiental sofrida por eles.
Os objetivos específicos são: a) estudar a vulnerabilidade ambiental
dos descolados ambientais e as violações de direitos humanos por eles so-
fridas; b) analisar se a pobreza é uma das causas de vulnerabilidade ambien-
tal; c) demostrar a necessidade de políticas territoriais que visem à redução
da vulnerabilidade ambiental e; d) apresentar a importância de uma política
de Bacia Hidrográfica para conter impactos ambientais e prevenir riscos de
desastres.
Na delimitação do tema pesquisa-se o seguinte problema: Os desloca-
mentos ambientais gerados por desastres ambientais podem acarretar vio-
lações dos Direitos Humanos dos deslocados?
Como hipótese ao problema considera-se preliminarmente que sim, ou
seja, os deslocados ambientais podem ter seus Direitos Humanos violados
devido a situação em que se encontram.
SUMÁRIO
pessoas como em exploração per capita dos recursos terrestres, tem sido im-
pressionante. O esgotamento dos recursos naturais, a transformação da su-
perfície terrestre e o aumento da concentração atmosférica de dióxido de
carbono são alguns dos impactos da atividade humana na Terra e na atmos-
fera. As consequências dessas ações estão inseparavelmente ligadas às
transformações do clima, levando a raça humana a se defrontar com desafios
enormes advindos dos efeitos de mudanças climáticas, de facto e de iure
(RUPPEL, 2013).
Para o autor “as mudanças climáticas são um risco para os sistemas hu-
mano e natural, uma vez que têm o potencial de pressionar ainda mais di-
versos aspectos da segurança humana, incluindo a migração ambiental”
(RUPPEL, 2014. In: JUBILUT et tal.,2017, p. 166).
Muitas pessoas ao migrarem ou se deslocarem de seus lares, ou até
mesmo de seus países, têm motivos relacionados ao meio ambiente (ROPPEL,
2014. In: JUBILUT et tal.,2017, p. 169) dentre eles os desastres ambientais.
Segundo Castro (1998, p. 283) desastre é o resultado de eventos adver-
sos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerá-
vel), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes
prejuízos econômicos e sociais.
Carvalho (2015, p. 21) é brilhante ao contextualizar os desastres am-
bientais e a relação do Direito – cada vez maior - com a atual realidade em
que a sociedade vive:
SUMÁRIO
ou meios insuficientes para reduzir as consequências negativas potenciais
do risco”. (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AM-
BIENTE, 2008, p. 06. In: BRAVO et tal.,2012, p.83).
Segundo Vieira e Cavedon (In: BRAVO et tal.,2012, p. 83), pode-se
extrair três elementos da ideia de desastre ecológico: “1) dimensão coletiva;
2) incapacidade das vítimas para enfrentar a situação de desastre sem auxílio
externo; 3) resultado de uma combinação de fatores ambientais, socioeco-
nômicos e institucionais [...] e a vulnerabilidade”.
Para os autores (VIEIRA; CAVEDON, 2013. In: BRAVO et tal.,2012,
p.83), os riscos de desastre aparecerem quando o perigo e a vulnerabilidade
- social, física, ambiental ou econômica - se interagem. “É justamente o
fator da vulnerabilidade que intensifica o perigo e contribui para a concre-
tização dos riscos”.
Quanto aos fatores de vulnerabilidade, a pobreza se destaca ao fazer
dos mais pobres as vítimas preferenciais dos desastres (VIEIRA; CAVE-
DON, 2013. In: BRAVO et tal.,2012, p. 84).
Segundo os autores (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
MEIO AMBIENTE, 2008 apud VIEIRA; CAVEDON, 2013, p. 84) a relação
entre a vulnerabilidade, a pobreza e os desastres pode ser explicada da se-
guinte forma:
[...] os pobres são os mais vulneráveis aos desastres porque eles são frequen-
temente forçados a se estabelecer nas áreas marginais e têm menos acesso à
prevenção, preparo e pronta advertência. Além disso, os pobres são os
menos resilientes na recuperação dos desastres porque eles não dispõem de
redes de suporte, seguros e opções alternativas de subsistência”.
A justiça ambiental tem como base justamente a aproximação entre esses sis-
temas jurídicos, enfatizando a relação entre degradação ambiental, a discri-
minação a pobreza, e a violação de direitos humanos. Está centrada em um
conjunto de direitos socioambientais substantivos e procedimentos forneci-
dos duplamente pelo direito ambiental e pelos sistemas jurídicos de proteção
aos direitos humanos.
SUMÁRIO
Para Cavedon- Capdeville (In: JUBILUT et tal.,2017, p. 114), o Projeto
não cria novos direitos, mas reinterpreta os direitos humanos já garantidos
internacionalmente, e “no direito nacional da maior parte dos países as si-
tuações de deslocamento ambiental e as necessidades específicas dos des-
locados internos e externos e das pessoas ameaçadas de deslocamento por
razões ambientais”.
SUMÁRIO
especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do
Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais:
SUMÁRIO
Na sequência o seu artigo 2º prevê os objetivos da Política Nacional de
Recursos Hídricos:
CONSIDERAÇõES FINAIS
O presente artigo ao longo de seu desenvolvimento abordou aspectos rele-
vantes sobre a vulnerabilidade ambiental sofrida pelos deslocados ambien-
tais diante de um desastre ecológico.
Dentre estes aspectos, foram estudados conceitos, reflexões de reno-
mados autores acerca da vulnerabilidade ambiental e também dos desastres
os quais são, na maioria das vezes, responsáveis por colocarem pessoas em
condições de vulnerabilidade.
Ele também contou com riquíssimas reflexões acerca das violações so-
fridas pelos deslocados e quais seus direitos diante de uma situação de vul-
nerabilidade, já que os mesmos não têm outra alternativa senão se deslocar
em busca de proteção e abrigo.
O problema sugerido para este artigo científico foi justamente se: Os
deslocamentos ambientais gerados por desastres ambientais podem acarre-
tar violações dos Direitos Humanos dos deslocados?
A hipótese sugerida foi: considera-se preliminarmente que sim, ou seja,
os deslocados ambientais podem ter seus Direitos Humanos violados devido
a situação em que se encontram.
Ao final, comprova-se a hipótese de que os deslocados ambientais podem
ter seus Direitos Humanos violados devido a situação em que se encontram.
Neste estudo também buscou-se estabelecer fundamentos que regula-
mentassem a necessidade do estudo de bacia hidrográfica para a mitigação
de impactos ambientais, assim como a importância do mapeamento feito
pelo plano diretor de locais suscetíveis a deslizamentos, inundações... ou
seja, de áreas que causem algum risco para a comunidade e seu entorno.
Atitudes como estas são necessárias para contribuir com a proteção do
meio ambiente. Consequentemente com isso consegue-se mitigar os impac-
tos ambientais sofridos pelas comunidades que vive nestes locais, tornan-
do-as menos vulneráveis em situações de desastres ambientais que necessi-
tem de seu deslocamento para busca de abrigo.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Acesso em: 23 set. 2017.
SILVA, José Carlos Loureiro da; CAETANO, João Carlos Relvão. Os Des-
locados Ambientais por Eventos Repentinos/Específicos. In: JUBILUT,
Liliana Lyra; REI, Fernando Cardozo Fernandes; GARCEZ, Gabriela Sol-
dano. Direitos humanos e meio ambiente: minorias ambientais. São Paulo:
Manole, 2017.
SUMÁRIO
UMA ANÁLISE DAS GARANTIAS TRABALHISTAS: NA
NOVA LEI DE MIGRAÇÃO, UTILIZANDO OS
MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS DOS HAITIANOS
PARA O BRASIL
Cristiane Borges Scheid1
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
No ano de 2010, após um desastre ambiental, causado por um terremoto no
Haiti, muitos haitianos passaram a solicitar refúgio para o Brasil, a fim de
começar uma nova vida, com melhores condições econômicas e oportuni-
dades de trabalho. Ocorre que na legislação brasileira, ao tempo do ocorrido,
não havia uma previsão legal a qual estes refugiados se enquadrassem, pois
de acordo com a legislação, vigente ao tempo do fato, estas pessoas não se
enquadravam no conceito de refugiado. A Lei em vigor era a 9.474/97 que
estabelecia a definição de refugiado em seu artigo 1º como:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-
tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-
dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua resi-
dência habitual, não possa ou não queira regressar a ele;
SUMÁRIO
refugiado tendo em conta, no que é pertinente, e de acordo com as caracte-
rísticas da situação existente na região. Deste modo, a definição ou o con-
ceito de refugiado recomendável para sua utilização na região é o que, além
de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, con-
sidere também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus paí-
ses porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela
violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a viola-
ção maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham per-
turbado gravemente a ordem pública.
SUMÁRIO
nº 1.10.00.000134/2011-90, com o intuito de reiterar que a condição destas
pessoas era frágil e que o dano ambiental do qual estavam fugindo atingia
seus direitos humanos fundamentais. O MPF reitera o seguinte:
Assim, considerando que os haitianos não estão migrando para o Brasil por
outro motivo que não a extrema necessidade de buscar uma vida mais digna, de
fugir de uma situação de absoluta privação dos direitos humanos mais básicos,
que representa uma “grave e generalizada violação de direitos humanos”, não é
possível deixar de reconhecer a condição de refugiados desses migrantes.
De acordo com este relato, fica evidente a falta de acesso a direitos básicos
por estes trabalhadores e uma distinção entre brasileiros e estrangeiros pela
forma de tratamento. Estes imigrantes estão em situação de vulnerabilidade de
várias formas, e este tratamento por parte dos empregadores é uma demons-
tração daquilo que deve ser erradicado nas relações de trabalho no Brasil.
Estas situações acontecem devido ao fato de que muitos, por não terem
domínio da língua portuguesa, acabam assinando contratos de trabalho abusi-
vos, sem saber de seus direitos trabalhistas e humanos, devido a isto acabam
se submetendo a este tipo de tratamento desumano para conseguir sobreviver.
Estas situações de trabalho abusivas infelizmente não são raras nas relações
de trabalho com imigrantes, segundo pesquisa de Magalhães (2017, p. 173):
SUMÁRIO
As mais duras condições de trabalho tendem a ser suportadas. Não por uma
suposta maior resistência dos trabalhadores à estas condições, que levaria
facilmente ao equívoco da naturalização das violações trabalhistas a que
estão submetidos, mas sim pela necessidade – dependência – destas remes-
sas em seu país de origem.
3.2.1 SAÚDE
A saúde é um direito básico inseparável do direito à vida, que por ser o maior
bem do ser humano possui garantia no texto constitucional, conforme artigo
196 da Constituição:
SUMÁRIO
sua natureza, são direitos de todos, nos encontramos também diante de um
direito de toda e qualquer pessoa humana” (SARLET, 2007, p. 1-17).
A saúde sendo um direito fundamental à vida e a dignidade da pessoa
humana, é estendida a toda e qualquer pessoa que esteja em solo brasileiro,
sem diferenciação nenhuma.
O direito a saúde no ambiente de trabalho é de total importância, e a
legislação vigente CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) trata deste tema
de forma clara e taxativa em seu artigo 166:
3.2.2 DA EDUCAÇÃO
O direito a educação é uma garantia constitucional que está prevista no ar-
tigo 205 da Constituição que descreve:
SUMÁRIO
É através da educação que um profissional se qualifica para o mercado
de trabalho e como a própria Constituição determina é dever do Estado e da
sociedade proporcionar condições para que isto aconteça.
A validação de diploma emitido por universidades estrangeiras está
prevista na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional que diz que as
universidades públicas que tenham o mesmo curso ou em uma linha de equi-
valência poderão efetivamente realizar esta validação respeitando os acor-
dos internacionais vigentes. Ocorre que, no caso dos haitianos, esta valida-
ção têm se tornado um problema, não há uma uniformidade na lei quanto ao
processo de validação do diploma no âmbito nacional é deixado a cargo da
instituição educacional determinar como o processo será realizado e quais
os critérios serão utilizados. No caso dos haitianos, pessoas passaram por
um desastre ambiental e saíram, muitas vezes, fugidas de suas casas, deter-
minados protocolos se tornam impossíveis de serem cumpridos.
De acordo com dados apurados pela FGV (Fundação Getúlio Vargas)
no ano de 2014, haviam 440 imigrantes haitianos com curso superior, de
carteira assinada trabalhando no Brasil, destes apenas 15 realmente exer-
ciam função compatível com sua formação acadêmica. A maioria dos demais
trabalhavam em funções que exigiam apenas o ensino fundamental e que
remuneravam salário compatível a escolaridade de ensino fundamental.
É preciso unificar o procedimento de validação de diploma em todo
território nacional, facilitando assim que profissionais talentosos vindos do
exterior não se desmotivem com o trabalho no Brasil. A educação é capaz
de transformar a vida de um trabalhador.
Pensando na educação a ONU desenvolveu o projeto da cartilha de por-
tuguês para refugiados como descrevem em seu trabalho de conclusão Da-
niela, Lannay e Thaís (2016, p. 66):
Para diminuir os impactos, sendo este a língua, foram criados alguns proje-
tos e ações destinados a esse público. Um dos projetos criados pela ONU foi
à cartilha de português do Brasil para refugiados criada em 2015. A cartilha
tem por principais objetivos apresentar a nossa língua através de informa-
ções sobre preenchimentos de alguns formulários, raça e etnia, direito das
crianças, transportes públicos entre outras temáticas.
Esta cartilha explicativa descreve coisas básicas do dia a dia, que por
mais simples que pareçam, como pegar um ônibus por exemplo, podem ser
um grande desafio para refugiados que não falam português. Como o dever
de promover a educação também é da sociedade, esta iniciativa demonstra
que mesmo que o estado não tenha tomado nenhuma providência até o mo-
mento, no que diz respeito a proporcionar aulas de português aos refugiados,
de alguma forma, uma parte das pessoas este obtendo este acesso.
SUMÁRIO
3.2.3 DO LAZER
O direito ao lazer está previsto juntamente com os demais direitos sociais
no artigo 6º da Constituição Federal e no âmbito do direito do trabalho é
considerado desafiador por alguns pesquisadores.
O tempo de descanso do trabalhador, não é somente uma necessidade,
mas sim a garantia ao empregador de que com o corpo e a mente descansa-
dos, o trabalhador desempenhará melhor suas atividades.
O Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública em
face da união federal, com base nos movimentos migratórios dos haitianos.
Na decisão liminar desta ação, é relatado pela juíza do trabalho Silmara Ne-
grett Moura o tratamento dos alojamentos:
Esta ação civil pública demonstra que o direito ao lazer e o respeito aos
Direitos Humanos básicos nem sempre são respeitados, o que reforça a ne-
cessidade de uma fiscalização incisiva por parte do estado, nas relações de
trabalho com imigrantes. Sem o devido descanso, não há que se falar em di-
reito ao lazer e menos ainda em trabalho legal. O que se observa no relato
da juíza é um trabalho análogo a escravidão.
SUMÁRIO
O autor descreve que se cada ser humano possui o mesmo valor e é me-
recedor do mesmo respeito. É dever do estado e das demais pessoas da so-
ciedade tratarem uns aos outros no intuito de criar uma comunhão de exis-
tência. Ou seja, tratar a todos com boa fé. No âmbito do direito do trabalho,
as proporções são ainda maiores, pois o empregador confia o seu empreen-
dimento ao funcionário e o funcionário dedica seu esforço a causa do em-
pregador.
SUMÁRIO
atuação da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da despro-
teção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fra-
gilizada. Além disso, a OIT também lamenta o aumento do risco de que os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU não sejam alcançados
no Brasil, no que se refere à erradicação do trabalho análogo ao de escravo.
SUMÁRIO
fundamento da República a dignidade da pessoa humana, recepcionando am-
plamente a doutrina dos direitos fundamentais, aplicáveis independente-
mente da nacionalidade ou regularidade imigratória do indivíduo (arts. 1º, III,
3º, IV), conforme assentado em diversas normas internacionais aderidas pelo
Brasil, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica - 1969).
SUMÁRIO
Aloysio Nunes Ferreira, que atualmente é Ministro das Relações Exteriores
do Brasil, para substituir o Estatuto do Estrangeiro implementado no Brasil
durante a ditadura militar.
No tocante a justificativa da implementação de uma nova legislação
que discorra sobre o direito dos estrangeiros, explica a ementa deste Projeto
de Lei disponibilizado no site do senado:
SUMÁRIO
XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios
sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, tra-
balho, moradia, serviço bancário e seguridade social.
SUMÁRIO
em território brasileiro sem nenhuma distinção. Trata-se de uma adequação
ao texto constitucional.
CONSIDERAÇõES FINAIS
A pesquisa deste artigo abordou as garantias trabalhistas presentes na nova
Lei de Migração, utilizando como fonte de análise os movimentos migrató-
rios dos haitianos para o Brasil.
A partir de 2010, após o terremoto ocorrido no Haiti, iniciou-se um in-
tenso movimento migratório para o Brasil. Diferentemente de outros países,
o Brasil, facilitou a entrada de imigrantes haitianos em seu território nacio-
nal, a fim de lhes dar oportunidade de viver e trabalhar no país.
Este trabalho apontou as principais dificuldades enfrentadas pelos re-
fugiados ambientais do Haiti, no que diz respeito a assegurar seus direitos
em território brasileiro, devido à falta de políticas públicas disponibilizadas
pelo Estado. A pesquisa apontou também o modo que sistema judiciário e
administrativo do país vem lidando com as causas trabalhistas oriundas de
relações com estes imigrantes haitianos no Brasil, e apontou de que forma
serão as garantias trabalhistas na nova legislação.
Estando os movimentos migratórios, cada dia, mais rápidos e fáceis,
seja por motivo de passeio, refúgio ou apenas escolha quanto à mudança de
país, esta nova lei é certamente um marco histórico na legislação brasileira.
Sendo uma adequação a estes novos fluxos migratórios e, ainda, torna-se uma
forma de evitar conflitos jurídicos e solucionar os atualmente existentes.
Conforme a pesquisa apresentada, o imigrante presente no Brasil, seja
ele refugiado ou não, enriquece a comunidade onde se estabelece, tal cons-
tatação contrapõe a visão de alguns membros da sociedade atual. Estes imi-
grantes ao adentrarem em solo brasileiro recebem sua carteira de trabalho,
para que possam começar a trabalhar e contribuir com o meio onde vivem.
Esta contribuição ocorre de forma direta, através da arrecadação de
impostos proveniente do trabalho realizado de forma legal. Desta forma, é
errado dizer que estes imigrantes são um peso aos brasileiros ou que os bra-
sileiros teriam que pagar mais impostos por conta dos refugiados. Além de
SUMÁRIO
contribuírem com o aquecimento do mercado interno, através do consumo
de bens e serviços. De forma indireta, estes imigrantes, ainda contribuem com
a sua cultura, idioma e costumes.
De acordo com as leituras realizadas ao longo do trabalho, foi possível
analisar que a criação desta nova lei já se fazia necessária há algum tempo.
Como no caso dos haitianos apresentado como base para a pesquisa, mui-
tos conflitos surgiram por falta dela. Nem todos os juristas e pessoas da so-
ciedade enxergaram de forma positiva a nova Lei de Migração, mas de uma
forma geral a nova lei foi considerada um ponto positivo no direito Brasileiro.
A lei positivou muitas das determinações administrativas que tiveram
de ser criadas para solucionar determinados conflitos na ausência de legis-
lação específica e embora muitas questões práticas ainda necessitem de de-
creto regulamentador, a lei é encarada de forma positiva pelos pesquisadores
devido ao avanço que a mesma representa em relação ao Estatuto do Estran-
geiro, vigente até agora.
Conforme os objetivos inicialmente propostos para este trabalho, a pes-
quisa conseguiu demonstrar os avanços no que diz respeito ao tratamento
igualitário presente na nova legislação aos brasileiros e imigrantes, no que
tange aos direitos básicos, sociais, trabalhistas e humanos. Foi possível
apontar os pontos positivos que a nova lei transcreve em seu texto e os ne-
gativos, que são a falta de instrumentalidade em determinados pontos, que
devem ser sanados quando da publicação do decreto regulamentador. Foram
utilizados princípios gerais do direito e do direito do trabalho para demons-
trar as garantias que devem se estender aos imigrantes.
A aplicabilidade efetiva da nova lei ainda gera dúvida em determinados
pontos, com a falta do decreto regulamentador é equivocado dizer que ela
está totalmente de acordo com as necessidades da população e que está pron-
ta para ser colocada em prática pelo poder judiciário.
Por fim, acredito que o estudo deste tema, é de grande valia para o meio
acadêmico e que ainda há muito a ser pesquisado. A vigência da nova lei co-
meçará em 24 de novembro, após o início da sua aplicabilidade serão ne-
cessárias novas pesquisas para determinar se ela contempla todas as neces-
sidades dos conflitos.
O mundo globalizado exige cada dia mais pesquisas acerca de garantias
internacionais, o Brasil é um dos países com mais operadores do direito, se
cada um se dedicar a pesquisar e se empenhar em garantir o mínimo para as
pessoas que mais necessitam, consigo acreditar em uma sociedade mais
justa e igualitária, conforme propõe a nova legislação.
SUMÁRIO
NOTAS
1
Graduanda em Direito pela Cesuca Faculdade Inédi.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
nº 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e profissão. Bra-
sília, 20. jan.1968. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/1950-1969/d62150.htm>. Acesso em: 12 nov. 2017.
SUMÁRIO
do trabalho escravo. Senado Notícias, 19 de outubro de 2017. Disponível
em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/10/19/auditores-
criticam-mudanca-nas-regras-para-fiscalizacao-do-trabalho-escravo>.
Acesso em: 22 out. 2017.
SUMÁRIO
NUNES, Rizzatto. O princípio da dignidade da pessoa humana: doutrina
e jurisprudência. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
QUINTAS, Diana. A nova lei de migração. Folha de São paulo, São Paulo,
05 de outubro de 2017. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opi-
niao/2017/10/1924415-a-nova-lei-de-migracao.shtml#_=_>. Acesso em 14
out. 2017.
SUMÁRIO
conheca-algumas-regras-contratacao-estrangeiros-pais>. Acesso em: 01
out. 2017.
SUMÁRIO
REFUGIADOS NO BRASIL: DESAFIOS E A BUSCA PELA
PROTEÇÃO INTEGRAL
Graziela Greco da Silva1
INTRODUÇÃO
No contexto atual, a guerra civil na Síria se transformou em uma das maiores
crises humanitárias do século XXI. Segundo a ONU, o conflito é a maior
SUMÁRIO
ameaça à paz mundial depois da guerra fria. O país, que nunca conheceu a
democracia, está há seis anos em guerra civil.
São milhares de refugiados, acuados pelo medo, perseguição e violên-
cia, que saem dos seus territórios em busca de um bem comum: a vida. Aban-
donam muitas vezes familiares, deixam tudo para trás, atravessam mares,
percorrem longas estradas, cruzam fronteiras, mas carregam consigo a es-
perança de ter sua liberdade de volta e reconstruir suas vidas em um lugar
seguro e com dignidade.
Ao encontrar dificuldades para ingressar em outros países, acabam bus-
cando acolhida no Brasil. Mas em solo brasileiro, deparam-se com inúmeras
dificuldades.
Diante do exposto, considerando a importância e necessidade de deba-
ter o tema, o que se pretende responder com esta pesquisa é verificar quais
são principais problemas enfrentados pelos refugiados no Brasil e se de fato
eles são inseridos na sociedade.
O procedimento da pesquisa foi baseado em material bibliográfico, e
análise de conteúdo, realizando um estudo e a prévia análise das diversas
posições acerca do tema, por meio de livros, artigos científicos, periódicos,
legislações, doutrina, além dos meios virtuais.
DEFINIÇÃO DE REFÚGIO
O refúgio possui regulação pelo Alto Comissários da Nações Unidas
(ACNUR). No Brasil, a matéria é regulada pela Lei nº 9.474, de 22 de julho
de 1997 e pela Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refu-
giados, de 28 de julho de 1951. (Entenda a Diferença entre Asilo e Refúgio,
sem página)
A referida lei em seu artigo 1º define quem será reconhecido como
refugiado:
SUMÁRIO
ÓRGÃOS ASSISTENCIAIS E DE pROTEÇÃO AOS
REFUGIADOS EM pORTO ALEGRE/RS
Passaremos, então, a analisar a partir de agora, o funcionamento de 4(quatro)
órgãos essenciais no acolhimento e auxílio aos refugiados em Porto Alegre.
SUMÁRIO
União, merecendo destaque os refugiados, que procuram proteção no Brasil
em razão de perseguições ou violações de direitos humanos ocorridas em
seu país de origem, e imigrantes vulneráveis, os quais necessitam de assis-
tência jurídica para regularização migratória e garantia de direitos. (DPU.
MIGRANTES E REFUGIADOS, sem página)
Além do mais, desde 2012 a DPU tem assento e voz no Conselho Na-
cional de Imigração (CNIG) e no CONARE. Possui um Grupo de Trabalho
de Imigrações e Refúgio em cada Estado do país e convênio junto ao CO-
NARE para realizar as entrevistas que instruem o processo de solicitação
de refúgio no Brasil. (DPU tem assento e voz no Conselho Nacional de Imi-
gração, sem página)
Sendo assim, a DPU é um órgão muito importante na promoção e garantia
dos direitos sociais e fundamentais aos refugiados. Atuando de forma equânime
para aplicação aos direitos humanos e políticas públicas a estas pessoas.
SUMÁRIO
atividades em 2007 e já se ocupava da temática do refúgio:
O Fórum Permanente tem como o foco na defesa dos direitos das pessoas em
mobilidade e em situação de vulnerabilidade social e comunitária. Tem
como objetivo norteador fomentar e ampliar a rede de acolhimento, atendi-
mento, integração sociocultural, assessoria, informação e de produção de
conhecimento sobre a questão da Mobilidade Humana (migrantes, refugia-
dos, apátridas, tráfico de pessoas, marítimos, estudantes internacionais.
(FÓRUM PERMANENTE DE MOBILIDADE URBANA)
O Brasil tem hoje 8.400 refugiados conhecidos, mas deste total, apenas 791
foram reconhecidos como tal entre janeiro e agosto deste ano. Os dados são do
próprio CONARE. No mesmo período, foram indeferidas 223 solicitações.
Em alguns casos, as análises demoram mais de ano, havia até agosto 12.668
solicitações aguardando julgamento (RIBEIRO E ANIBAL,sem página)
Embora o Brasil seja reconhecido como uma referência no apoio aos refu-
giados, a realidade destas pessoas ainda está marcada por uma situação ca-
rente, do ponto de vista da inclusão em políticas públicas e das oportunida-
des básicas necessárias para a reconstrução de uma vida. (MILESI E
CARLET, 2012, p.88)
CONCLUSÃO
Por todo exposto, o quadro que nos é apresentado, hodiernamente, no Brasil,
é o desembaraçado acesso ao território nacional pelo migrante. Contudo, a
prestação material de serviços efetivamente destinados a garantir a sobre-
vivência do refugiado em solo pátrio, com exceções pontuais, não tem sido
a tônica da atuação do Estado brasileiro, que, de resto, tem-se omitido, no
ponto, reiteradas vezes, mesmo frente aos seus próprios nacionais.
Dessa forma, conclui-se que para proteção efetiva dos refugiados na
Legislação Brasileira, o Brasil deve promover a inclusão dessas pessoas nas
políticas públicas existentes, estruturar melhor os órgãos de acolhimento de
refugiados para garantia de um atendimento mais eficaz e promover debates
acerca da temática do refúgio, sensibilizando a sociedade sobre a real situa-
ção destas pessoas, minimizando assim o preconceito que muitos sofrem.
Ademais, cabe ressaltar que embora saibamos que os refugiados esbarram
nos mesmos problemas que nós brasileiros, e que o acesso aos direitos so-
ciais garantidos á eles são restritos, devemos sim, acolhê-los, para garantir-
lhes o bem maior: a vida.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CARVALHO RAMOS, André; RODRIGUES, Gilberto; ALMEIDA, Gui-
lherme Assis de (Orgs). O programa de Reassentamento Solidário. 60
anos de ACNUR: perspectivas de futuro. São Paulo: ACNUR/ ANDHEP/
Editora CL-A, 2011. p. 81.
SUMÁRIO
FÓRUM PERMANENTE DE MOBILIDADE URBANA. O que é o fórum
permanente da mobilidade humana (FpMh). Disponível em:<https://fo-
rummobilidaders.wordpress.com/>. Acesso em: 15 de Setembro de 2017.
SUMÁRIO
solidariedade-contra-a-exploracao>. Acesso em: 17 de outubro de 2017.
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migrantes, refugiados, apátridas e vítimas do tráfico de pessoas. Dispo-
nível em:< http://www.onu.org.br/rio-grande-do-sul-cria-comite-para-mi-
grantes-refugiados-apatridas-e-vitimas-do-trafico-de-pessoas/> Acesso em:
19 de Outubro de 2017.
RIBEIRO, Diego; ANÍBAL, Fellipe. Brasil tem boa vontade, mas estru-
tura é precária para receber refugiados. Disponível em: <http://www.ga-
zetadopovo.com.br/mundo/brasil-tem-boa-vontade-mas-estrutura-e-preca-
ria-para-receber-refugiados-em0lhs961n23l9loosmn72u3a> Acesso em: 22
de outubro de 2017.
SUMÁRIO
SAJU. GAIRE – Grupo de Assessoria a Imigrantes e Refugiados. Disponí-
vel em: <http://www.ufrgs.br/saju/grupos/gaire>. Acesso em: 19 de Setem-
bro de 2017.
SUMÁRIO
A INSERÇÃO DO TRABALHADOR IMIGRANTE NO
SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Roberta Gabriela Sucolotti de Andrade,
Especialista; Uniritter, RS.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
A imigração é um acontecimento complexo de âmbito mundial que está em
constante evolução devido aos motivos que a impulsionam nos mais diver-
sos contextos históricos perpassados pelos países. Nas últimas décadas,
houve um aumento significativo nas migrações o que gera uma necessidade
de maior atenção para tal fenômeno no sentido de garantir direitos a essa
parcela da população.
Mesmo sendo a imigração um assunto global, existem, até hoje, poucas
normativas internacionais sobre o tema, e, sendo assim, as normativas na-
cionais possuem a responsabilidade de preencher as lacunas existentes.
O presente trabalho tem como objetivo analisar os instrumentos inter-
nacionais e, principalmente, os nacionais que versam sobre os direitos dos
imigrantes, principalmente na seara trabalhista, uma vez que a busca por
melhoria de vida e consequentemente trabalho ainda é a motivação predo-
minante de migrar, com a pretensão de, ao final, possibilitar a avaliação das
normativas existentes e sua eficácia, de fato, na garantia de direitos.
SUMÁRIO
circunstância que não pode obstar a inerente proteção dos Direitos Sociais
Trabalhistas, aplicáveis independentemente da nacionalidade ou regularidade
migratória do indivíduo (arts. 1º, III, 3º, IV, 6º e 7º da Carta da República),
confrome assentado em diversas normas internacionais aderidas pelo Brasil,
tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica – 1969) [,,,]2
SUMÁRIO
da integração do imigrante em sociedade diversa a sua é um dos fatores que
cria a necessidade de levar a discussão sobre as relações trabalhistas para
um âmbito internacional. A necessidade de regulamentação dessa situação
é extremamente importante para que exista uma contraprestação e um esta-
belecimento de direitos.
SUMÁRIO
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tornou-se a primeira
agência da ONU, em 1946, mas foi criada pós Primeira Grande Guerra, na
Conferência da Paz em 1919, originando o Tratado de Versalhes que trazia
como direito de proteção internacional a garantia das condições de trabalho
dignas e justas. A idéia base da OIT era de que a paz apenas seria alcançada
por meio da justiça social, como estabelece os considerandos da Constitui-
ção da OIT6.
A OIT se preocupa, principalmente, na questão dos imigrantes que bus-
cam emprego, sendo que migração pelo labor é um dos temas de seus estu-
dos. Esse assunto é de tal importância, porque, conforme visto, a busca de
novas oportunidades de trabalho é o principal motivo causador da migração.
Sabe-se que devido às crises econômicas e sociais no mundo a procura de
trabalho é muito maior do que a quantidade de trabalho de fato oferecida,
portanto as leis internacionais existem para garantir o bem-estar e direitos
básicos da população imigrante7.
A OIT inicialmente ocupou-se de questões migratórias, estabeleceu a
Convenção Internacional n° 19, de 19258, que aborda a questão da igualdade
entre os trabalhadores estrangeiros e nacionais em caso de acidentes de tra-
balho. Convenção adotada por 120 países, mas de difícil aplicação uma vez
que depende dos serviços de saúde de cada país.
A Convenção nº 97, de 19399, dirige-se ao trabalhador imigrante, de-
finindo-o como aquele que “emigra de um país para outro com vistas a ocu-
par um emprego que não seja por conta própria” (art.11), tratando das imi-
grações legais, prevendo punição para as imigrações irregulares nos anexos
I (art. 8) e II (art. 13).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no âmbito da ONU,
também trata do assunto nos seguintes artigos: 13.1 estabelece o direito de
circulação dentro de determinado estado, e o artigo 13.2 que tratada do di-
reito de circulação do indivíduo no espaço internacional. É importante sa-
lientar que nessa normativa não há reconhecido o direito do indivíduo se es-
tabelecer em país diverso ao da sua nacionalidade. Há a proteção clara do
direito de sair do país, mas não o direito de entrar em outro país10.
Quanto à nacionalidade, art. 15.2 da Declaração, a DUDH11 deixa em
aberto, cabendo a cada nação optar e declarar sobre. A DUDH não é o único
instrumento normativo internacional, há outras normativas nesse sentido: a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948; o art.
2º do Protocolo nº 4 da Convenção Européia para Proteção dos Direitos Hu-
manos e Liberdades Fundamentais, de 1963; o art. 22 da Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos, de 1969; a Carta Africana de Direitos Hu-
manos e das Pessoas, art. 18, de 1981 (LOPES, 2009 : 238-240).
Uma das mais importantes convenções sobre direitos humanos da ONU
é a Convenção da ONU para Proteção dos Trabalhadores Migrantes e seus
SUMÁRIO
Familiares, adotada em 18 de dezembro de 1990 pela Assembléia Geral
(Res. 451/158), entrando em vigor apenas 13 anos depois em 1º de julho de
2003 (LOPES, 2009 : 240). A Convenção tem a pretensão de normatizar em
nível universal os direitos dos trabalhadores migrantes e dessa forma dá uma
nova roupagem aos preceitos estabelecidos pelas convenções da OIT.
Certamente controvérsias surgirão entre os Estados e a correta aplica-
ção da Convenção, sendo assim a própria Convenção prevê um “Comitê de
Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares”,
para o qual os Estados Partes comprometem-se em apresentar relatórios
sobre as medidas legislativas, judiciais, administrativas e de outra natureza
que adotaram para aplicação da Convenção (Art. 73), conseqüentemente o
Comitê irá avaliar e adotar as medidas necessárias para a correta aplicação
da Convenção12.
Além dos instrumentos gerais de direitos humanos e mais específicos
no âmbito dos direitos dos trabalhadores migrantes, existem normativas dos
Estados que se fundamentos nas normativas internacionais para interpretar
e legislar sobre normas nacionais de aplicação aos imigrantes.
SUMÁRIO
totalidade do quadro de empregados, com as exceções desta Lei, como ainda
em relação à correspondente folha de salários 23.
SUMÁRIO
formas de restrição de liberdade como a própria expressão diz é o impossi-
bilitar que as pessoas deixem o seu local de trabalho (BRASIL, 2013 : 24)
Além da tipificação do Código Penal, a proteção do trabalhador ganhou
força com a aprovação da Emenda Constitucional nº 81, que deu nova reda-
ção ao art. 243 da Constituição Federal28:
CONSIDERAÇõES FINAIS
As migrações têm o poder de contribuir positivamente para o desenvolvi-
mento econômico e social dos países. Tal fenômeno afirma a necessidade
de repensar as relações internacionais sem a visão da competitividade eco-
nômica e do fechamento das fronteiras, mas na solidariedade entre os povos.
Conforme exposto, o principal motivo que impulsiona a imigração é a
busca por melhores condições de vida e conseqüentemente a busca pelo tra-
balho, e para garantir os direitos dos imigrantes como indivíduos e como
trabalhadores há vários instrumentos internacionais e nacionais que trouxe-
ram grandes avanços para efetivar a igualdade entre os indivíduos.
Percebe-se que o problema central baseia-se na questão de que o Estado
vê a imigração de forma negativa, gerando encontros ou choques, acolhida
ou exclusão, sem que se entenda que o fluxo migratório no Brasil é, e sempre
foi, natural frente a miscigenação existente no país, e que a aceitação dessa
população gera um natural desenvolvimento econômico.
É dever da comunidade internacional e da população no geral ver o imi-
grante como fonte de enriquecimento recíproco para então construir uma so-
ciedade de paz e justiça, revendo a normatização existente que é falha tanto no
âmbito internacional quanto no nacional. Na seara brasileira há uma necessi-
dade latente de modernizar as leis existentes no que se referem a imigrações.
SUMÁRIO
NOTAS
11
Ibidem, art. 15.2
SUMÁRIO
de 2016.
de 2016.
15
Ibidem, art. 4
16
Ibidem, art. 5.
17
Ibidem, art. 14, parágrafo 2° e art. 12, parágrafo 3°.
9448.
de setembro de 2016.
SUMÁRIO
Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848
compilado.htm. Acesso em: 12 de setembro de 2016.
25
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BOLETIM DE JURISPRUDêNCIAS. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região. Secretaria de Gestão da Informação Institucional, Coordenadoria de
Gestão Normativa e Jurisprudêncial, Seção de Divulgação. Número 39/2013. Di-
sponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/Boletim/turmas/2013/
bol_39_13.pdf>. Acesso em: 12 de setembro de 2016.
SUMÁRIO
HENRIQUE, Luciana da Costa Aguiar Alves. Título I – da aplicação. in:
Freitas, Vladimir Passos (coord.). Comentários do estatuto do estrangeiro e
opção de nacionalidade. São Oaulo: Millennium, 2006.
SUMÁRIO
_______. Convenção n. 19. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/
convencoes/WCMS_235017/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 12 de setembro
de 2016.
SUMÁRIO
VIADEL, Antonio Colomer. Inmigrantes y emigrantes. Valencia: Edito-
rial de la Universidad Politécnica de Valencia, 2006.
SUMÁRIO
REFÚGIO NO CONE SUL: UMA QUESTÃO DE
“FÓRUM SHOPPING”? ANÁLISE COMPARADA
SOBRE O DIREITO DOS REFUGIADOS NA
ARGENTINA E BRASIL.
Romeu Vaz Pinto Neto1
Tatiana de Almeida F. R. Cardoso Squeff2
INTRODUÇÃO
Das “65,6 milhões de pessoas forçadas a deixar seus locais de origem”, 22,5
milhões são consideradas refugiados – isso sem contar os cerca de 2,8 mi-
lhões de pessoas que se encontram na situação de solicitantes de refúgio,
perfazendo o número “mais alto de todos os tempos” (ACNUR, 2017). Des-
tes refugiados já declarados, 9.552 encontram-se no Brasil – número que
aumentou 12% no último ano (ACNUR, 2017a) e que tende a aumentar
ainda mais em 2017 com a crise venezuelana, haja vista que o próprio nú-
mero de solicitantes deste país vizinho tenha aumentado em 307% quando
comparado à 2015 (ACNUR, 2016). No cone sul, todavia, o Brasil não é o
único Estado que tem recebido um influxo considerável de refugiados,
sendo seguido por Chile (cerca de 6.000), Argentina (cerca de 5.000), Bolí-
via (cerca de 700), Uruguai (cerca de 600) e Paraguai (cerca de 200)
(ACNUR, 2016b).
Frente a essa situação, questiona-se: o que leva as pessoas a solicitarem
o reconhecimento da situação de refugiado no cone sul? Haveria alguma
previsão normativa mais benéfica prevista em lei doméstica para além da-
queles conferidos pelos regramentos internacionais de 1951 e de 1967? Por
certo que para uma pesquisa desse porte seria imprescindível um espaço
maior. Nesse interim, delimita-se o presente estudo nas legislações brasileira
e argentina, a fim de verificar, comparativamente, se há algum motivo legal
para justificar a escolha “preferencial” destas nações em um verdadeiro
“fórum shopping”, para dialogar com a expressão processual, as quais apre-
sentam o 1ª e o 3ª maiores índices de acolhimento no cone sul.
Para responder ao questionamento proposto, a partir do método dedu-
tivo, realiza-se uma pesquisa qualitativa, de natureza aplicada, com objeti-
vos descritivos e comparativos. Ademais, quanto aos métodos empregados,
essa pesquisa envolve o uso variado de técnicas de coleta de dados, as quais
SUMÁRIO
incluem não apenas uma pesquisa bibliográfica para uma análise histórica
e descritiva dos procedimentos empregados para o reconhecimento do ins-
tituto do refúgio e a sua respectiva concessão de direitos; mas também de
uma pesquisa documental de dados obtidos através da Organização Inter-
nacional para Migração, do Comitê Nacional para Refugiados brasileiro e
argentino, da Agência das Nações Unidas para Refugiados, além das pró-
prias leis internas do Brasil e da Argentina atinentes ao refúgio.
SUMÁRIO
pROCEDIMENTO DECLARATÓRIO DE REFÚGIO NA
ARGENTINA E NO BRASIL: pECULIARIDADES qUANTO
À OBTENÇÃO DO STATUS DE REFUGIADO.
O procedimento de solicitação de refúgio no Brasil e Argentina apresentam
igualmente pontos convergentes e divergentes, de modo que a sua análise
também deva ser realizada para fins de averiguar – se possível – qual legis-
lação mostra-se mais benéfica.
Inicialmente, cabe dizer que enquanto no Brasil o solicitante de refúgio
deve buscar a autoridade de fronteira ou a Polícia Federal, caso já se encon-
tre em território nacional (BRASIL, 1997, arts. 7 e 17), o requerimento de
refúgio, na Argentina, é feito através da Secretaria Executiva do CONARE,
ou, ainda, através de vários órgãos, quais sejam, uma delegação ou oficina
migratória da Direção Nacional de Migrações, qualquer autoridade nacio-
nal, provincial ou municipal, ou até mesmo a polícia migratória da fronteira
(ARGENTINA, 2006, arts. 39 e 41).
Note-se que o início do processo fora da Polícia Federal pode trazer
muitos aspectos positivos, visto que os refugiados já buscam deslocar-se de
seus Estados de origem por perseguições, na maioria das vezes, realizadas
por figuras estatais, além de, em muitos casos, adentrarem o país de destino
de forma ilegal, de modo que é naturalmente lógico que possuam uma re-
sistência de procurar uma entidade policial com intuito de buscarem seus
direitos enquanto refugiados, com receio de também sofrerem maus-tratos,
perseguição, deportação, etc. Assim, a legislação argentina mostra-se muito
positiva nesse sentido.
E a legislação argentina não é apenas positiva por isso, senão também
pela previsão de o solicitante de refúgio ter direito a ser assistido por um ad-
vogado de forma gratuita (ARGENTINA, 2006, art. 32) – ato este que não
encontra equivalência na legislação brasileira, dependendo, assim, muitas
vezes de Organizações Não-Governamentais as quais prestam assistência
aos solicitantes durante o pedido. Por certo que a Constituição Federal bra-
sileira prevê no artigo 134, caput, que a Defensoria Pública deve promover
os direitos humanos10, o que envolve atuar na defesa de refugiados; porém,
muitas vezes esses indivíduos não têm nem ao menos essa informação no
Brasil, haja vista a falta de divulgação dessa atuação (BRASIL, 1988).
Na lei argentina, ainda, há previsão direta acerca da gratuidade do pe-
dido (ARGENTINA, 2006, arts. 32), o que, muito embora no Brasil também
o seja, não há previsão legal quanto a isso. Além disso, na lei argentina,
prevê-se que o solicitante de refúgio será assistido por um intérprete ou tra-
dutor qualificado em todo processo de solicitação de refúgio, gratuitamente,
caso não fale o idioma nacional (ARGENTINA, 2006, arts. 32).
No Brasil (1997, art. 9), tem-se que a autoridade de fronteira que recebe
o solicitante, “deverá ouvir o interessado e preparar termo de declaração,
SUMÁRIO
que deverá conter as circunstâncias relativas à entrada no Brasil e às razões
que o fizeram deixar o país de origem”, o que, por certo, depende de intér-
prete e que, por força disso, termina muitas vezes por atrasar o procedimento
(MARTIN, 2014). Não só isso, veja-se a importância deste direito, haja vista
o idioma ser uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos refugiados no
país, especialmente no que tange a terem seus direitos explicitados de forma
clara e inteligível (GARBINI, SQUEFF, SANTOS, 2018, p. 20-25), o que
termina por torná-los hipervulneráveis, devendo ser, por força disso, repa-
rado à luz devido processo legal e da primazia dos direitos humanos.
Com relação à expedição do protocolo de solicitação de refúgio – fase
que, no Brasil, segue a assinatura do termo de declaração – e que servirá
como identidade para o solicitante e seus familiares, regularizando as suas
permanências no Estado e concedendo-lhes direito a retirar CPF e Carteira
de Trabalho (BRASIL, 1997, art. 21, §1, §2 e §13), a legislação brasileira,
através da Resolução Normativa n. 18 do CONARE (BRASIL, 2014), ex-
pressa que este documento deve ser expedido imediatamente pela Polícia
Federal e independente da oitiva do solicitante que poderá ser marcada para
data posterior. Já na lei argentina, há previsão de um prazo de 20 dias úteis
para a expedição da documentação e 30 dias úteis do registro para a solici-
tação de permissão de trabalho (ARGENTINA, 2006, art. 42).
Constata-se que este protocolo de solicitação é de suma importância
para a manutenção do indivíduo no Estado, posto que é somente com este
que o solicitante de refúgio poderá fixar residência legal e trabalhar para
poder sustentar-se, efetivando-se a dignidade da pessoa humana. Assim,
quanto mais célere, melhor. Assim, a diferença entre Brasil e a Argentina
nesse interim não é de qual sistema mostra-se mais rápido, mas sim a previ-
são de notificação das autoridades competentes para prover assistência hu-
manitária aos refugiados e suas famílias, dando-lhes alojamento, acesso à
saúde, alimentação e educação enquanto aguardam os documentos serem
expedidos (ARGENTINA, 2006, art. 42).
Ao mesmo tempo, pode-se citar também a preocupação na legislação
argentina com a prestação de assistências especializada psicológica às mu-
lheres e crianças que, durante o processo de fuga, sofreram violências e vio-
lações de seus direitos. Isso porque, a lei argentina o apoio especializado às
vítimas (ARGENTINA, 2006, arts. 31, f, e 53), enquanto a legislação bra-
sileira, apesar de signatário das Convenções que tratam sobre a proteção es-
pecial destes indivíduos mais vulneráveis, omitiu-se.
O pedido de refúgio protocolizado junto à autoridade competente segue
em ambos os países para a análise do CONARE. Da sua decisão advém um ato
declaratório, devendo conter todos os fatos e fundamentação legal que motivam
a concessão ou negativa da solicitação de refúgio (BRASIL, 1997, art. 26;
ARGENTINA, 2006, art. 49). Sendo positiva a resposta para a solicitação de
SUMÁRIO
refúgio o solicitante será diretamente notificado por escrito e receberá um cer-
tificado para que possa fixar residência temporária. Com a residência tempo-
rária na Argentina, o refugiado poderá iniciar o processo para a obtenção do
Documento Nacional de Identidade (DNI) para estrangeiros – os dois processos
são gratuitos (ACNUR, s/d, p. 4).
Já no Brasil, provida a solicitação, o refugiado deverá ser intimado pes-
soalmente (ou por edital) da decisão para que compareça à Polícia Federal
para assinar um Termo de Responsabilidade (BRASIL, 1997, art. 28). A par-
tir de então, poderá retirar outros documentos, como o Registro Nacional
de Estrangeiros (RNE) e cédula de identidade (CI), as quais, no Brasil, só
se tornaram gratuitas aos refugiados a partir de 2015 quando da edição da
Portaria do Ministério da Justiça n. 1.956 em 1º de dezembro, de modo que
essa previsão não está na Lei Federal 9.474/97.
Em caso de decisão negando a concessão do refúgio, na Argentina, o
solicitante poderá, no prazo de dez dias úteis, interpor recurso escrito pe-
rante a Secretaria Executiva do CONARE direcionado ao Ministro do Inte-
rior, havendo prévia intervenção da Secretaria de Direitos Humanos da
Nação (ARGENTINA, 2006, art. 50). No Brasil, por outro lado, o recurso
é feito ao Ministro da Justiça no prazo de quinze dias, contados do recebi-
mento da notificação (BRASIL, 1997, art. 29).
Ato contínuo, na Argentina, após decisão do CONARE, os solicitantes
que foram reconhecidos como refugiados e pretendam revalidar seus diplo-
mas de estudo ou precisam da autenticação das autoridades de seu país de
origem, podem obter certificações junto às autoridades argentinas, porquan-
to ela poderá contar com auxílio das autoridades internacionais para alcançar
este propósito (ARGENTINA, 2006, art. 42). No Brasil, em razão do silên-
cio normativo, somente em maio de 2016 é que passou a prever algo seme-
lhante, posto que o “Ministério da Educação aprovou uma resolução que
trata da revalidação, por parte de todas as universidades públicas brasileiras,
de diplomas de cursos de graduação e do reconhecimento de diplomas de
mestrado ou doutorado expedidos por universidades estrangeiras”, simpli-
ficando-a no sentido de estabelecer prazos máximos para o procedimento e
por fixar parâmetros para a sua concessão, dentre os quais se destaca a pos-
sibilidade de, mesmo não estando na posse de sues documentos, o refugiado
pode ter seu diploma “revalidado” ao ser submetido à prova de conhecimen-
tos, conteúdos e habilidades relativas ao seu curso (ACNUR, 2016).
Assim sendo, verifica-se que, no que concerne a proteção dos refugia-
dos, o Brasil tem se esforçado para fornecer instrumentos capazes a assegu-
rar a mais ampla proteção possível e, com isso, integrar o rol de países prio-
rizam os Direitos Humanos em seu ordenamento jurídico (JUBILUT, 2007,
p. 198), muito embora algumas de suas disposições destoam da realidade prá-
tica e acabam por tornar o processo moroso, aquém do desejável (SOARES,
SUMÁRIO
2012, p. 226-227). Por outra banda, nota-se que na Argentina a concessão
do status de refúgio é regulado por uma lei bem recente, trazendo uma pro-
teção robusta desde a solicitação do refúgio até a concessão definitiva e de-
monstrando facilidades de acesso e simplificação dos trâmites burocráticos
com o propósito de buscar uma solução permanente para a pessoa humana,
resguardando a sua dignidade.
SUMÁRIO
NOTAS
na América Latina como um todo, o Estado brasileiro não tinha interesse em receber
opositores de sua forma de governo, mantendo, assim, a reserva geográfica da Con-
venção de 1951 em receber somente refugiados da Europa, os acontecimentos na
América latina em virtude das quebras democráticas e, da África com os processos
de independência, geraram diversos grupos de refugiados e, por conta da reserva
geográfica que o Brasil havia mantida com a ratificação dos Instrumentos interna-
cionais, não os reconhecia como refugiados (BARBOSA, 2016, p. 99-100).
Por oportuno, cabe referir que essa lei vai ao encontro da forma ampliada
de concessão de refúgio trazida pelo direito interamericano, mais especificamente,
5
Salienta-se que a Lei Federal 13.445, Lei de Migrações, não versa direta-
mente sobre refugiados, mas tão-somente de maneira indireta (BRASIL, 2017),
6
motivo pelo qual não se classifica essa lei enquanto parte do núcleo central legal
brasileiro para refugiados. Aliás, indiretamente, também se aplicam as normativas
de Direitos Humanos as quais o Brasil seja signatário, tal como prescreve o pró-
prio artigo 48 da Lei Federal 9.474 (BRASIL, 1997).
aplicado ao direito interno, ainda que não houvesse norma interna regulando os
direitos previstos no tratado (ARGENTINA,1992).
SUMÁRIO
Insta dizer que dois anos antes de sua edição, a Argentina promulgou a Ley
de Migraciones n. 25.871/04, trazendo a política migratória argentina, os direitos
8
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
_____. Tendencias Globales: Desplaziamento Forzado em 2016. Genebra,
2017. Disponível em: <http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?>.
Acesso em 10 out. 2017.
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grama Siria en la órbita de la Jefatura de Gabinete de Ministros. 2016.
SUMÁRIO
brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR/Mi-
nistério da Justiça, 2010.
SUMÁRIO
GODOY, Gabriel Gualano. Refúgio, Hospitalidade e os Sujeitos Do Encon-
tro. In: GEDIEL, José Antônio Peres; GODOY, Gabriel Gualano de (orgs.).
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SUMÁRIO
POSSE, Hortensia D.T. Gutierrez. El Derecho Internacional en la Constitución
Nacional. In: CAMPOS, G.J. Bidart; SANDLER, H.R. (coord.). Estudios
sobre la reforma constitucional de 1994. Depalma: Buenos Aires, 1995.
SUED, Gabriel. Proyecto oficialista para que voten los extranjeros. La Na-
cion. Notícia veiculada em 11 ago. 2012. Disponível em: http://www.lana-
cion.com.ar/1498350-proyecto-oficialista-para-que-voten-los-extranjeros.
Acesso em 09 nov. 2017.
SUMÁRIO
FLUXOS MIGRATÓRIOS E FRATERNIDADE NO
SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS
Bárbara Bruna de Oliveira Simões
Advogada. Mestranda em Direitos Humanos pelo UniRitter (RS).
Bolsista Capes.
INTRODUÇÃO
Neste artigo, aborda-se o direito de migrar no Sistema Interamericano de Pro-
teção dos Direitos Humanos e as relações deste direito com a fraternidade,
entendida como união entre os povos1. Objetiva-se desvelar este direito no
Sistema Interamericano através dos seguintes questionamentos: como é nor-
matizado este direito no Sistema Interamericano? Que relações podem ser
estabelecidas entre o direito de migrar e os pressupostos da Metateoria do
Direito Fraterno?
Para isso, utiliza-se como referencial teórico a Metateoria do Direito Fra-
terno e o Direito Vivente, ambos de Eligio Resta, através de pesquisa biblio-
gráfica em artigos nacionais e internacionais de bases de dados eletrônicas e
em relatórios de organismos e organizações nacionais e internacionais.
A temática das migrações caracteriza-se como um estudo importante
diante do fato de que o século XXI está marcado pelo grande fluxo migra-
tório em diversas partes do planeta e pelas mais diversas razões2. Embora a
mobilidade humana seja algo comum na história, nunca foi tão grande o nú-
mero de pessoas que buscam nova vida em lugares distantes por conta de
políticas discriminatórias e conflitos internos.
Verifica-se, então, que os fluxos migratórios são intensos e constantes e
em consequência de atos violentos e discriminatórios nos países de origem des-
tas pessoas. Atualmente, encontram-se muitas informações acerca da chamada
SUMÁRIO
crise dos refugiados que partem de países da Ásia e da África para, especial-
mente, o continente europeu.
Contudo, os fluxos migratórios também estão presentes nas Américas.
O continente americano é diversificado culturalmente e, por conta de polí-
ticas discriminatórias, conflitos políticos e sociais internos e democracias3
frágeis, apresenta grande fluxo de migrações, pessoas que abandonam seus
lares em busca de sonhos de vidas melhores e que não podem ser esquecidas
nos estudos de direitos humanos.
Assim, mostra-se necessário o estudo acerca das migrações no conti-
nente americano, visando aprofundar os conhecimentos sobre o tema, bem
como tentar buscar possíveis soluções para o futuro.
O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos emerge,
então, como uma forma de fortalecer o continente americano, bem como
implementar políticas de efetivação dos direitos humanos em cada uma
das nações participantes do sistema. O direito de migrar, direito humano
internacionalmente reconhecido, principalmente após as atrocidades co-
metidas na Segunda Guerra Mundial, está presente nas normas do Sistema
Interamericano.
Assim como a fraternidade ficou, por muito tempo “escondida” nas
masmorras da Revolução Francesa e agora retorna anacronicamente, é ne-
cessário desvelar os paradoxos do direito de migrar neste sistema.
Diante do exposto, o presente artigo estrutura-se em três itens. No pri-
meiro item, apresentam-se os principais conceitos envolvidos no estudo da
Metateoria do Direito Fraterno e no estudo dos fluxos migratórios para que
sejam observadas as primeiras aproximações entre as duas temáticas.
No segundo item, apresenta-se a estrutura do Sistema Interamericano
de Proteção dos Direitos Humanos e suas principais características e atri-
buições, bem como a presença do direito de migrar em suas normas. Por fim,
no terceiro item, analisam-se as normativas e alguns casos (sem, contudo,
adentrar ao estudo específico dos casos) sobre migração do Sistema Intera-
mericano, relacionando-os com os pressupostos elencados na Metateoria do
Direito Fraterno de Eligio Resta.
Köcke (2015, p.29) faz um alerta para o fato de que não é simples a distin-
ção entre a migração espontânea (relacionada com os migrantes econômicos)
SUMÁRIO
e a migração forçada (relacionada com situações de refúgio)
(...) não é apenas a perseguição e a violência física que levam as pessoas a dei-
xarem seus lares. O termo “migração espontânea” esconde a gama de fatores
que influenciam e determinam o fenômeno migratório, que certamente trans-
cende a mera manifestação da vontade singularizada do migrante, maculando
a crença da espontaneidade do fenômeno. Nas migrações econômicas, a vio-
lência simbólica operada pela desigualdade racial corrompe a voluntariedade
da decisão de migrar, que jamais poderia ser entendida como espontânea.
SUMÁRIO
neles, o imperativo categórico da moral entra em confronto direto com o medo
do “grande desconhecido” simbolizado pelas massas de estranhos à nossa porta.
(BAUMAN, 2017, p.104)
SUMÁRIO
longo da história, foi especializando as comunicações e, com isso, identifi-
cando diferenças entre os mais diversos sistemas sociais.
Resta (2004, p.15) dispõe acerca do binômio fraternidade/direito, re-
colocando em jogo a ideia de comunidade política. Também através desse
binômio, retoma a ideia do acordo entre irmãos. Evidente, então, a necessi-
dade de construção de mecanismos conjuntos entre as nações para a proteção
de direitos humanos14.
Moura (2016, p. 216) apresenta que o Sistema Interamericano de Pro-
teção dos Direitos Humanos tem seu marco inicial na Declaração Americana
de Direitos e Deveres do Homem, de abril de 1948, ou seja, anterior à De-
claração Universal dos Direitos Humanos, de dezembro do mesmo ano. A
Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem surgiu em conjunto
com a Carta da OEA e o Pacto Americano de Soluções Pacíficas por ocasião
da IX Conferência dos Estados Americanos (GUERRA, 2015, p.185-186).
O Sistema Interamericano teve, nos termos de Guerra (2015, p.191)
grande impulso com a adoção da Convenção Americana de Direitos Huma-
nos, em 1969. Também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica,
cidade de sua assinatura, que entrou em vigor no ano de 197815.
Nos termos da Parte II – Meios de Proteção, Capítulo VI, Órgãos Com-
petentes, da Convenção Americana de Direitos Humanos16:
Artigo 33
São competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumpri-
mento dos compromissos assumidos pelos Estados Partes nesta Convenção:
a. a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada
a Comissão; e
b. a Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Corte.
Os trabalhadores migrantes, bem como o restante das pessoas, devem ter ga-
rantido o desfrute e exercício dos direitos humanos nos Estados onde resi-
dem. Entretanto, sua vulnerabilidade os torna alvo fácil de violações a seus
direitos humanos, em especial baseadas em critérios de discriminação e, em
consequência, coloca-os em uma situação de desigualdade perante a lei
quanto [a]o desfrute e exercício efetivos destes direitos. (PC nº 18/03, p.2).
SUMÁRIO
A Corte Interamericana, sob presidência de Cançado Trindade, por
unanimidade, reconheceu que os Estados têm obrigação de respeitar e ga-
rantir os direitos fundamentais, razão pela qual, qualquer meio utilizado
contra estes direitos acarretará a responsabilidade do Estado. Além disso,
explicitou que o princípio da igualdade e não discriminação são fundamen-
tais tanto interna quanto internacionalmente, entrando no domínio do jus
cogens. Diante disso, a obrigação de garantir e respeitar os direitos humanos
vincula o Estado, independentemente de qualquer situação, abarcando os
migrantes. Assim, a qualidade de migrante não pode ser motivo para privar
a pessoa de seus direitos. (PC nº 18/03, p. 117-118).
Relaciona-se tal entendimento com o pressuposto de número cinco,
que apresenta o direito fraterno como não violento, pois busca o fim do pa-
radoxo amigo/inimigo, na ideia já exposta acima de que o estrangeiro, o in-
divíduo que vem de fora, é o inimigo. “Per questo non può difendere i diritti
umani mentre li sta violando” (RESTA, 2005, p.133).
O trabalho desempenhado pela Comissão e pela Corte Interamericana
mostram-se, assim, de extrema importância para a aplicação e a efetivação
das normas acerca dos fluxos migratórios presentes nos diplomas do Sistema
Interamericano. O pressuposto de número seis elencado por Eligio Resta na
Metateoria do Direito Fraterno apresenta a ideia de que o direito fraterno é
contra os poderes, contra uma maioria que exerça domínio (RESTA, 2004,
p.135), ou seja, havendo a união dos Estados por meio do Sistema Intera-
mericano, buscam-se os ideais de direitos humanos para todos.
Tais práticas também revelam o sentido do pressuposto número sete
que menciona ser este um direito inclusivo, em que bens e direitos devem
ser de todos (RESTA, 2004, p.135). “L’aria, la vita, il patrimonio genetico
non possono che essere inclusivi; possono esserlo meno le proprietà quando
non sono ugualmente distribuite” (RESTA, 2005, p.133).
Diante do exposto, a esperança na fraternidade é uma aposta, como
menciona Resta no pressuposto de número oito: “È la scommessa di uma
differenza rispetto agli altri codici che guardano ala differenza tra amico e
nemico; (...)” (RESTA, 2005, p.133). Apostar na fraternidade significa re-
conhecer que os direitos humanos pertencem a todos, nacionais e estrangei-
ros, e que, diante dos fluxos migratórios, e da situação precária das pessoas
que neles se encontram, deve-se buscar a maior efetivação dos direitos hu-
manos, enxergando uns aos outros como humanos.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Este artigo buscou estudar e desvelar as questões relacionadas ao direito de
migrar no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. O Sis-
tema Interamericano, como sistema regional, busca a proteção dos direitos
SUMÁRIO
de todos, sem distinção, nos termos do exposto na Convenção Americana e
nos demais diplomas que surgiram ao longo da existência do Sistema.
Observou-se a necessidade de estudar o que pode ser o alicerce deste
direito de migrar, direito humano reconhecido no Sistema Global e nos Sis-
temas Regionais, diante do entendimento de que todos são iguais e têm os
mesmos direitos.
Assim, relacionaram-se as disposições presentes nas normas do Siste-
ma Interamericano, bem como as decisões proferidas pela Comissão e pela
Corte, sobre migrações e o direito de migrar com os pressupostos elencados
por Eligio Resta na Metateoria do Direito Fraterno.
A Metateoria do Direito Fraterno, de Eligio Resta, surge entre os anos
1980 e 1990 como uma forma de apresentar ao mundo a fraternidade renovada,
que retorna das masmorras da Revolução Francesa, onde não passava de uma
mera expressão de reconhecimento entre indivíduos pertencentes ao mesmo
Estado-nação, aos dias de hoje como um paradoxo, um anacronismo.
Por meio dos estudos da Metateoria do Direito Fraterno, verificou-se
que o direito de migrar é baseado na ideia de que não devem haver inimigos,
estes entendidos como os estrangeiros, pois vêm de fora dos muros da cida-
de. A criação de um código fraterno, entre irmãos, enquadra os fluxos mi-
gratórios e a necessidade de acolhimento destas populações necessitadas.
No Sistema Interamericano esta preocupação não é diferente. Embora a
doutrina aponte aprimoramentos necessários para um melhor desenvolvimen-
to do Sistema e efetivação dos direitos humanos, observam-se muitos elogios,
principalmente pelo fato de representar a união das nações americanas.
Assim, o Sistema Interamericano é estruturado de acordo com a neces-
sidade do continente de proteção dos direitos humanos, tendo em vista a di-
versidade cultural de seus países, muitos deles com um passado conturbado
e marcado por conflitos internos e ditaduras militares.
O direito fraterno ganha força como uma teoria que busca expandir
fronteiras e ao mesmo tempo estreitar laços entre culturas, sociedade, pes-
soas que se consideram diferentes e que por isso, muitas vezes, têm dificul-
dades em perceber a situação pela qual o indivíduo próximo está passando,
quais os riscos que corre diariamente.
A análise das migrações no Sistema Interamericano faz-se importante
diante do fluxo crescente de migrantes entre os países do continente, pessoas
que necessitam de auxílio. Prevenção de risco diz respeito a decisões futuras
que são tomadas em um presente com referência ao passado.
Conclui-se que os pressupostos elencados na Metateoria do Direito
Fraterno são alicerces do direito de migrar no Sistema Interamericano, pela
busca de igualdade entre as pessoas, independente da nacionalidade, deven-
do-se acabar com o míope egoísmo das legislações, acolhendo e vendo o
outro como o “outro-eu”.
SUMÁRIO
NOTAS
sua especificidade, e não é o caso aqui de aprofundar cada teórico, já que este es-
tudo está fundando no pensamento de Eligio Resta.
naliza ainda mais competição pelo mercado de trabalho, uma incerteza mais pro-
funda e chances declinantes de melhoramento: um estado mental politicamente
explosivo – com políticos oscilando com dificuldade entre os desejos incompatí-
veis de satisfazer seus amos detentores de capital e aplacar o medo dos leitores”
(BAUMAN, 2017, p.10).
mudando e por vezes revertendo a direção) -, já que nosso “modo de vida moder-
no” inclui a produção de “pessoas redundantes” (localmente “inúteis”, excessivas
SUMÁRIO
ou não empregáveis, em razão do progresso econômico; ou localmente intolerá-
veis, rejeitadas por agitações, conflitos e dissensões causados por transformações
sociais/políticas e subsequentes lutas por poder). Além de tudo isso, contudo, hoje
suportamos as consequências da profunda e aparentemente insolúvel desestabi-
lização do Oriente Médio, na esteira das políticas e aventuras militares das potên-
cias ocidentais, estupidamente míopes e reconhecidamente fracassadas” (BAU-
MAN, 2017, p.9).
9
Relato retirado de GAIRE (2016).
reito atual. “Prima di essere oggetto di una disciplina scientifica La guerra è fe-
nômeno dell’essistenza Che nella sua tragicità coinvolge le coscienze (RESTA,
2009, p.24).
vem mais precisamente esses direitos: - O Pacto relativo aos Direitos Civis e Po-
líticos. (...) – O pacto relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.”
(BOUCHET-SAULNIER, 1998, p.208).
SUMÁRIO
em matéria de direitos humanos decorre da combinação de 3 (três) importantes fa-
tores ao longo do processo de democratização na região: 1) crescente empodera-
mento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e seu impacto
transformador na região; 2) emergência de Constituições latino-americanas que,
na qualidade de marcos jurídicos de transições democráticas e da institucionaliza-
ção de direitos, apresentam cláusulas de abertura constitucional, a propiciar maior
diálogo e interação entre o Direito interno e o Direito Internacional dos Diretos
Humanos; 3) fortalecimento da sociedade civil na luta por direitos e por justiça.”.
dos direitos sociais (art. 26). Já o Protocolo de San Salvador, ao dispor sobre di-
reitos econômicos, sociais e culturais, prevê que somente os direitos à educação
e à liberdade sindical seriam tuteláveis pelo sistema de petições individuais (art.
19, § 6.º).” (PIOVESAN, 2015, p.299).
tantes de asilo, en razón de las situaciones que se ven enfrentados a sufrir por su
particular vulnerabilidad, son principalmente el derecho a la personalidad jurídica
SUMÁRIO
(artículo 3), derecho a la vida (artículo 4), derecho a la integridad personal (artículo
5), derecho a la libertad personal (artículo 7), derecho a las garantias judiciales (ar-
tículo 8), derecho a la protección a la familia (artículo 17), derecho a la nacionali-
dade (20), derecho a la propiedad privada (artículo 21), derecho a la igualdad ante
la ley (artículo 24) y derecho a la tutela judicial efectiva (artículo 25), todos los cua-
les se enmarcan dentro de la obligación general de los Estados de proteger y garan-
tizar los derechos humanos y de adoptar disposiciones legislativas o de otro carácter
para hacer efectivos tales derechos y libertades como lo establecen los Artículos 1.1
y 2 de la Convención Americana.” (PULIDO; BLANCHARD, 2014, p.5).
mento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção in-
ternacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que ofe-
rece o direito interno dos Estados americanos;
22
Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos
SUMÁRIO
5. Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional,
nem ser privado do direito de nele entrar.
6. O estrangeiro que se ache legalmente no território de um Estado Parte
nesta Convenção só poderá dele ser expulso em cumprimento de decisão adotada
de acordo com a lei.
7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estran-
geiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com deli-
tos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com os convênios in-
ternacionais.
8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país,
seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em
risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social
ou de suas opiniões políticas.
9. É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BOUCHET-SAULNIER. Direitos do homem. In: Dicionário prático do di-
reito humanitário. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
SUMÁRIO
ACNUR, 2014. Disponível em:< http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Docu-
mentos/BDL/2014/2578.pdf?view=1>. Acesso em 14 ago. 2017.
SUMÁRIO
CONHECER PARA RECONHECER:
O PRIMEIRO OBSTÁCULO DOS DESLOCADOS
FORÇADOS PARA INCLUSÃO NA SOCIEDADE
BRASILEIRA E O CAMINHO PARA A SUA
SUPERAÇÃO.
Waleska Cariola Viana (UNIMEP/UNINOVE)1
Meire Márcia Paiva (UNIFIEO)2
INTRODUÇÃO
O problema investigado é a questão da inclusão dos deslocados forçados,
no caso dos haitianos, na sociedade brasileira. Será que o dito acolhimento
é verdadeiro e suficiente para uma efetiva inclusão desses indivíduos (des-
locados forçados ou não) na sociedade brasileira? Quais são os obstáculos
ou o primeiro obstáculo enfrentado por esse grupo? O que é necessário para
a efetiva inclusão e a diminuição da desigualdade social dessa minoria na
sociedade brasileira?
Para responder às indagações, inicialmente, conceituaremos os vários
tipos de migrações, assim como os institutos de proteção aos migrantes for-
çados conforme a doutrina nacional e internacional, bem como nos termos
utilizados pela atual legislação brasileira – Lei no. 13.445, de 24 de maio
de 2017.
Fixados os conceitos doutrinários e legais pela pesquisa bibliográfica
passaremos para a pesquisa empírica e demonstraremos que transposta a
barreira física da fronteira, no Brasil, os haitianos enfrentam novos desafios
que são a diferença do idioma e a baixa escolaridade.
Nesse momento passamos para a abordagem das iniciativas de acolhi-
mento do deslocado haitiano pelas cidades da região metropolitana de Cam-
pinas em parceria com instituição de ensino e a sociedade civil que adotaram
a causa e desenvolveram cursos de português para haitianos e profissiona-
lizantes para ajudá-los na efetiva integração na sociedade brasileira e no
mercado de trabalho.
Trataremos da importância do conhecer os conceitos e a realidade des-
ses deslocados para diminuir a discriminação.
Conhecer para reconhecer que, apesar dos problemas políticos, da pobreza
e da falta de infraestrutura e saneamento básico do Haiti, a eclosão emigratória
dos seus nacionais decorreu principalmente em razão do desastre natural.
SUMÁRIO
Conhecer a rota de entrada de imigrantes para reconhecer que o Brasil
evoluiu em termos de acolhimento e contornou a situação caótica das cida-
des fronteiriças, principalmente as situadas no Acre, com a emissão de vistos
pelas embaixadas no Haiti, no Equador e no Peru, além de avançar em ter-
mos de proteção humanitária ao criar uma via de proteção humanitária com
a emissão dos vistos humanitários.
Conhecer para reconhecer que a quantidade de imigrantes haitianos
acolhidos pelo Brasil e que receberam o visto humanitário - numa dimensão
de três milhões de pessoas afetadas pelo terremoto, é ínfima e, assim, reco-
nhecer que o desenvolvimento de campanhas consistentes de informação
são a fórmula eficaz para evitar a discriminação.
Conhecer para reconhecer que essa minoria possui necessidades especí-
ficas, principalmente no tocante a diferença do idioma, já que os haitianos têm
como primeira língua o crioulo haitiano e alguns também falam francês, sendo
necessário o desenvolvimento de políticas públicas e o envolvimento da so-
ciedade civil para o ensino da língua portuguesa que dará a estes deslocados a
oportunidade de integração no mercado de trabalho e na sociedade brasileira.
Trata-se de pesquisa aplicada, qualitativa, explicativa por meio de le-
vantamento bibliográfico e análise ex-post-facto e desenvolvida pelo mé-
todo fenomenológico (HUSSEl, E.).
Concluímos que, não se está a defender um tratamento diferenciado ou
privilegiado aos deslocados haitianos, mas o atendimento ás necessidades
básicas de sobrevivência dessa minoria e o acesso aos direitos essenciais da
pessoa humana e que é perfeitamente possível o desenvolvimento e aprimo-
ramento de políticas públicas “simples” para a integração dos deslocados
(forçados ou não; haitianos ou não) na sociedade brasileira e para a dimi-
nuição dessa desigualdade social.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Observa-se que, embora após a segunda grande guerra, tenham sido dados pas-
sos em direção ao acolhimento de migrantes forçados (refugiados, refugiados
ambientais, asilados e apátridas), assim como à vítimas de conflitos armados,
não se incluindo apenas os que participam dos conflitos, mas também a socie-
dade civil, ainda falta integração nos países que acolhem os migrantes.
Para exemplificar essa situação, foi trazido o caso dos haitianos no Brasil,
com uma experiência muito proveitosa e um exemplo de que é possível aco-
lher, solucionar diferenças de língua, credo, etc., por meio da educação.
SUMÁRIO
Certamente a educação é o caminho – e sempre o será – para que os in-
divíduos consigam desenvolver as suas potencialidades para alcançar suas
aspirações e realizarem-se como seres humanos.
Cabe aos Estados e a nós, integrantes da sociedade civil, a criação de
mecanismos que atendam às necessidades prioritárias para a integração
dessa minoria de imigrantes, pois, num universo de três milhões de pessoas
afetadas pelo terremoto de 2010 e de duzentos milhões de brasileiros espa-
lhados por tão vasto território, concluímos que é ínfima a quantidade de hai-
tianos acolhidos pelo Brasil nesses últimos cinco anos e que é perfeitamente
possível o desenvolvimento de políticas públicas para a integração desses
indivíduos na sociedade brasileira e no mercado de trabalho.
SUMÁRIO
NOTAS
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3
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10
12
MCGINN, Therese (pesquisadora chefe). Situação da População Mundial
SUMÁRIO
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14
16jun2016.
ONU. http://www.un.org/fr/documents/view_doc.asp?symbol=S/RES/
1542(2004). Acesso em: 25 de set. 2016.
15
de jul.2016.
21
Idem ibidem.
22
Idem ibidem.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
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teção humanitária complementar in RAMOS, André de Carvalho. RODRI-
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SUMÁRIO
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SUMÁRIO
UNHCR. https://www.un.org/development/desa/undesavoice/expert-voi-
ces/2016/07. Acesso em: 01 de ago. 2016.
SUMÁRIO
GP 16 – DIREITO, RACISMO E
DESIGUALDADES SOCIAIS
Coordenação: André Brandão e Carlos Alberto
Lima de Almeida
SUMÁRIO
QUEM FOI QUE DISSE QUE ISSO AQUI NÃO ERA PRA
MIM? VISIBILIDADE E RECONHECIMENTO DA
PRODUÇÃO LITERÁRIA DOS (AS) ESCRITORES (AS)
NEGROS (AS) NA 15ª FESTA LITERÁRIA
INTERNACIONAL DE PARATY, NO RIO DE JANEIRO.
Adriana Avelar Alves
mestranda do programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
da Universidade Federal Fluminense/RJ
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo analisar algumas características elemen-
tares da sociedade brasileira. Mais precisamente iremos abordar os traços
da sociedade que representam o racismo presentes nela. Mostrar-se-á que
essa percepção ultrapassa as questões individuais dos personagens envol-
vidos e é percebida em diversos mecanismos sociais de silenciamento.
Para isso, incialmente serão abordadas as características que contri-
buem para a construção e manutenção desses valores socialmente constituí-
dos. Após isso, será demonstrada a necessidade de se perceber a inserção
desses atores sempre marginalizados não só nos meios de obtenção de di-
reitos básicos, como na construção da cultura.
Finalmente, será analisado o caso da 15ª Feira Literária Internacional
de Paraty, onde pela primeira vez foi instituída uma política afirmativa, ga-
rantindo um maior número de autoras e autores negros.
SUMÁRIO
atitudes emergem para reificar mitos coletivos e impregnar modos de narra-
ção com o olhar colonizador.2
O subalterno não pode falar. Não há valor algum atribuído à mulher como
item respeitoso nas listas de prioridades globais A mulher não definhou. A
mulher intelectual como uma intelectual tem uma tarefa circunscrita que ela
não deve rejeitar com um floreio.
SUMÁRIO
ocidental dominante pelo menos durante duzentos anos, todas as propostas
apresentadas pela nova análise social, por mais alternativas que se julguem,
tenderão a reproduzir o mesmo efeito de ocultação e descrédito.7
SUMÁRIO
pOR qUE SER VISÍVEL IMpORTA?
Porque é preciso romper com ciclo de produção de não existência. Com a
estética vazia da produção do saber que não é capaz de promover uma ver-
dadeira emancipação social. Para que se retire o véu da ignorância do pas-
sado, caminhar na construção de um conhecimento que seja capaz de criar
uma inteligibilidade mútua entre experiências possíveis e disponíveis.14:
Ser visível importa para ocupar os espaços, que lhes possibilite exercer
a posição de sujeitos de um dizer ou de um fazer, cuja capacidade de se
impor ao conjunto social se afigura legítima16:
No silêncio, cada uma de nós desvia o olhar de seus próprios medos – medo do
desprezo, da censura, do julgamento ou do reconhecimento, do desafio, do
aniquilamento. Mas antes de qualquer coisa acredito que tememos a visibili-
dade, sem a qual não podemos viver, não podemos viver verdadeiramente...17
Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nos hori-
zontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qual-
quer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em re-
lação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, de sua posição fora e diante de
mim, não pode ver: as parte de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar - a
cabeça, o rosto, e sua expressão - o mundo atrás dele, toda uma série de objetos
e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós,
são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando nos olhamos, dois diferentes
mundos se refletem na pupila de nossos olhos. Assumindo a devida posição, é
possível reduzir ao mínimo essa diferença de horizontes, mas para eliminá-la
inteiramente urge fundir-se em um todo único e tornar-se uma só pessoa.22
SUMÁRIO
E é no sentido de combater essa deturpação no que tange às questões
afirmativas em todas as suas instâncias, que este trabalho entende que elas
são de suma importância no campo cultural literário para que o (a) negro (a)
falando de si por si mesmo (a), possa ocupar os espaços intelectuais de saber,
que ainda estão limitados a uma cultura eurocêntrica e masculina de produ-
ção cultural de conhecimento:
Só porque você
Que os (as) negros (as) estão mobilizados (as) para romper com a lógica
da inexistência: é um discurso potente, que transcende a norma colonizadora
e pensa a partir de um outro referencial.36
Reacendeu o olhar no contexto da quebra dos paradigmas:
CONCLUSÃO
Não se tem a pretensão de exaurir esse tema, diante da imensa complexidade
do mesmo e de sua constante relevância para construção de uma sociedade
SUMÁRIO
cada vez mais plural, não no que pertine somente a sua constituição, mas
sim a sua capacidade de mostrar sua fala.
Contudo, após essa breve análise, ficou posta a necessidade de se vis-
lumbrar e valorizar os, ainda pequenos, passos que são dados a cada dia para
desenvolvimento desse caminhar.
A realidade de uma sociedade patriarcal e escravista está posta e é vi-
venciada por todos (as) os (as) negros (as), não é preciso dizer a um indiví-
duo desses grupos que as relações sociais são formadas dessa forma, mas é
fundamental que se diga e repita em todos os meios possíveis e de todas as
formas imagináveis que isso não irá os calar.
Após a realização da Festa Literária Internacional de Paraty, as livrarias
tinham livros com autoras negras e autores negros expostos em suas princi-
pais estantes, bem ao centro do espaço. Esses detalhes não são pequenos e
são frutos de eventos que se dispõe a transformar.
A maravilha da arte é ir além da razão, mostrando através dos ditos e
não ditos, dos sentidos, as fronteiras impregnadas no subconsciente, acen-
dendo e o inconsciente, expressando o inexprimível. É uma forma de luta
que se faz presente e não pode ser menosprezada.
Não é aceitável a negação a qualquer pessoa de se fazer compreendido,
mas indo além a colocação de espaços onde as artes sejam vistas por todas
e todos e construídas pelos oprimidos, é dar a possibilidade dessas e esses
se fazerem sentidos, de compartilharem suas emoções, suas dores e prazeres
e não de serem entendidos, mas de serem vividos.
SUMÁRIO
NOTAS
uma mulher, a jornalista Joselia Aguiar. O número de autores negros, ainda que
baixo, também aumentou: neste ano, eles representam 30% da programação.
Negra, filha de mãe branca e pai negro, registrada sob o nome de um pai
ilegítimo e nascida na Ilha de São Luís, no Maranhão, Maria Firmina dos Reis
9
(1822 – 1917) fez de seu primeiro romance, Úrsula (1859), algo até então impen-
sável: um instrumento de crítica à escravidão por meio da humanização de perso-
nagens escravizados. Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/cen-
tenario-maria-firmina-dos-reis/>. Acesso em: 24 nov. 2017
10
Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/centenario-maria-
SUMÁRIO
firmina-dos-reis/>. Acesso em: 24 nov. 2017.
12
Ibidem.
14
Ibidem
15
Ibidem.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 19ª ed. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 2001.
18
23
Festa Literária Internacional de Paraty
SUMÁRIO
25
Milton Santos
32
Ibidem.
35
GUIMARÃES, Geni Mariano. Poema”Viu”, poeta e escritora brasileira.
36
Ibidem.
SUMÁRIO
P. 237-252, jun. 2002.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
SANTOS, B. S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das
emergências. In: Revista crítica de Ciências Sociais, nº 63, 2002.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 19ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
SUMÁRIO
ADOÇÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE POR RECORTE
ÉTNICO RACIAL DO CADASTRO NACIONAL DE
ADOÇÃO
Leandra da Silva Sousa1
Fabiana Koinaski Borges2
Abstract: This article aims to study the adoption of black children and
teenagers in Brazil, analyzing the myths, prejudices and discriminations
that involve this subject. In Brazil, for each child available for adoption,
there are five people willing to accept them in the family, according to
analysis of data from the national register of adoption. It is observed that
there is a significantly larger quota of people interested in adopting re-
garding to the number of children and teenagers available to adoption.
Why is there so much discrepancy? To try to answer the question, this as-
signment will first make a brief history about the adoption and your con-
cept. Afterwards, will be studied the historicity of the black people in brazil-
ian reality, besides dealing with prejudice and racial discrimination.
Finally, the issues raised will be examined from data of the national register
SUMÁRIO
of Adoption and the reality of adoptions of black children in Brazil.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo estudar a adoção de crianças e adoles-
centes negros no Brasil, analisando os mitos, preconceitos e discriminação
que envolvem este tema.
O impacto do racismo na adoção é uma questão desafiadora e controversa.
Segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), administrado pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), verifica-se que no Brasil, para cada criança dispo-
nível para adoção, há cinco pessoas dispostas a acolhê-las na família.
Por que esse contingente significativamente maior de pessoas interes-
sadas em adotar em relação a crianças e adolescentes aptos à adoção? Se há
tantas pessoas dispostas a acolher uma criança sem família, por que o nú-
mero de meninas e meninos negros do cadastro não param de crescer?
A partir da Lei 8.069, de 13.07.1990 (Estatuto da Criança e do Adoles-
cente), observando as balizas constitucionais e visando conceder proteção
integral à criança e ao adolescente, é direito da criança ou do adolescente
crescer em uma família, especialmente em sua origem e, caso isto não seja
possível, em uma família substituta (art. 19).
Mas, até ocorrer a vinculação da criança ou adolescente numa nova fa-
mília, passa-se por diversos obstáculos envolvidos no processo a serem su-
perados para que a adoção venha a ser concretizada.
Dentre esses obstáculos, está o preconceito existente na sociedade bra-
sileira quanto a adotar crianças ou adolescentes que possuam características
diferentes daqueles que serão seus futuros adotantes, revelando a intolerân-
cia às diferenças raciais, e a negação à diversidade étnico-cultural.
Assim, será analisada a legislação e doutrina pátria, bem como os ín-
dices brasileiro de adoção, as exigências dos futuros pais em relação as
crianças e adolescentes, tais como a cor da pele e a idade. Utilizando como
método de abordagem o dedutivo, ou seja, parte-se de um estudo geral para
o particular, de maneira que a mesma observação realizada num fenômeno
de maneira genérica valerá para os demais fenômenos particulares.
O artigo foi constituído em três capítulos, iniciando com um breve es-
tudo sobre a evolução histórica da adoção e do seu conceito.
SUMÁRIO
Seguidamente, será estudada a historicidade do negro na realidade
brasileira, além de tratarmos do preconceito e da discriminação racial na
prática adotiva.
Finalmente, no terceiro capítulo, chega-se ao tema específico: análise
da problemática levantada a partir de dados do Cadastro Nacional da Adoção
e da realidade das adoções de crianças negras no Brasil.
Findos os capítulos, são apresentadas as conclusões finais da presente
pesquisa, em face do que for abordado.
2 ADOÇÃO
SUMÁRIO
Rizzardo (2011, p. 457), afirmando que um dos conceitos mais apro-
priados e ainda em vigor da adoção é o dado por Caio Mário da Silva, que o
apresenta como o “ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como
filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentes-
co consanguíneo ou afinidade”.”
Com base nessas considerações, a Adoção é um mecanismo de deter-
minação de uma relação jurídica filiatória, estabelecendo o parentesco entre
pessoas não ligadas biologicamente, fundamentado no afeto e na dignidade
das pessoas envolvidas, conferindo a alguém o estado de filho para todos os
fins e efeitos.
SUMÁRIO
Após, em 28 de setembro de 1885, tem-se promulgada a Lei dos Sexa-
genários em que declara livres os escravos com mais de 65 anos. (COTRIM,
1995).
Mas, foi somente com a promulgação da Lei Áurea, em 13 de maio de
1888, pela princesa Isabel, após vários movimentos abolicionistas, que a es-
cravidão foi extinta. A abolição foi um feito demandado para atender as exi-
gências do capitalismo industrial e do desenvolvimento econômico do país.
(LIMA e VERONESE, 2011).
Assim, após quatro séculos de escravidão o negro passa a ter como de-
safio sua inserção social, pois não detinha recursos financeiros para traba-
lhar por conta própria, não tinha educação para buscar uma boa posição na
sociedade e nem contava com qualquer ajuda do governo. É o momento em
que o negro vê a legitimação da exclusão da sociedade. Consegue a tão de-
sejada liberdade, no entanto, a cidadania lhe é negada. (MATTOS 2012).
A escravidão foi uma experiência histórica que marcou o desenvolvi-
mento de toda a sociedade brasileira. A questão do preconceito racial ainda
reflete a intolerância que definiu a posição subalterna reservada aos negros.
Hoje em dia, os movimentos de afirmação da identidade negra e ações go-
vernamentais tentam dar fim a esse processo de exclusão constituído ao
longo de séculos.
Em 1859, o biólogo Charles Darwin publicou sua famosa obra A origem das
espécies, na qual, a partir de estudos realizados em plantas e animais, desen-
volveu a teoria da seleção natural. Sendo ela, na natureza sobrevivem e do-
minam as espécimes fortes. Existiriam, portanto, espécimes fortes e espéci-
mes fracas.
E continua:
SUMÁRIO
Com base nos estudos darwiniano – repetimos, realizados em animais e ve-
getais -, pensadores como o francês Joseph-Auguste de Gobineau, o alemão
Richard Wagner e o inglês Houston Stewart Chamberlain, utilizaram a teo-
ria da seleção natural, dentre outros argumentos, para tentar explicar a socie-
dade humana. Eles concluíram então que alguns grupos humanos eram for-
tes e outros fracos. Os fortes teriam herdado certas características que os
tornavam e os autorizavam a comandar e explorar outros povos.
Por sua vez, os fracos teriam outras características que os tornavam natural-
mente inferiores e, portanto, predestinados a ser comandados.
[...] pode-se dizer que o termo “raça” em seu aspecto biológico, político e
cultural atuou na sociedade como um mecanismo hierarquizante das dife-
renças entre as pessoas. Hierarquizar significou perceber nos grupos sociais
brancos seres superiores em relação aos grupos negros e mestiços que com-
punham até então parcela significativa da população brasileira.
SUMÁRIO
assegurarem um lugar para o Brasil entre as grandes nações mundiais. A
saída encontrada por uma parcela destes pensadores, consistira na invenção
de uma nação homogênea a partir da relativização da degeneração da mes-
tiçagem garantindo, ao mesmo tempo, um futuro branco para o país.
(BENTO, 2006; LIMA e VERONESE, 2011).
A política de branqueamento, realizada por meio do financiamento pú-
blico da imigração de europeus brancos, estava baseada na ideia de graus de
superioridade de acordo com graus de branqueamento, de modo que o projeto
de um país moderno era, então, diretamente associado ao projeto de uma nação
progressivamente mais branca. (BENTO, 2006; GUIMARÃES, 1999).
Assim sendo, a opção pela imigração de trabalhadores, especificamen-
te europeus e brancos, fazia parte da crença de que os negros eram menos
capazes para o trabalho assalariado, e por consequência, impedindo a sua
inserção social ao mercado de trabalho. (LIMA e VERONESE, 2011).
Segundo Lima e Veronese (2011, p. 82): “Aos negros restaram os ser-
viços mais degradantes, mal remunerados e precários, pois tinham que com-
petir com os brancos nacionais e com os estrangeiros por espaço no mercado
de trabalho.”
Na década de 1930, em sua obra Casa-grande e Senzala, Gilberto Frey-
re contestava a crença de uma inferioridade racial, defendendo à mestiçagem
brasileira. Que Brasil foi palco de uma verdadeira democracia racial, con-
forme nos ensina Lima e Veronese (2011, p. 87):
[...] uma ideologia que defende a hierarquia entre grupos humanos, classifi-
cando-os em raças inferiores e raças superiores.
SUMÁRIO
E, em complemento Bernd (1994, p. 10): “Discriminar significa “sepa-
rar”, “distinguir”, “estabelecer diferenças”. A discriminação racial correspon-
de ao ato de apartar, separar, segregar pessoas de origens raciais diferentes.”
Em relação as diferentes raças, as ciências biológicas comprovaram
que o racismo não tem nenhuma sustentação cientificamente verificável.
Cientistas provaram que as raças não existem enquanto método classifica-
tório, pois todos os homens estão sujeitos a diferenciações genéticas inca-
pazes de determinar certas habilidades, valores, ou padrões de comporta-
mento. A ciência não tem como classificar rigidamente determinado grupo
partindo de características físicas, até porque é visível a miscigenação.
(AZEVêDO, 1987; GUIMARÃES, 1999).
Entretanto, nos dia atuais, no cotidiano percebemos várias formas de
racismos, que vão desde sua institucionalização, por força de lei, até as for-
mas mais sutis de novos disfarces. Muitas pessoas insistem em se auto afir-
mar ou ofender determinados grupos por meio de concepções de natureza
racista, negando a dignidade, a igualdade e o respeito à pessoa humana.
Como vimos não existem espécies humanas, mas uma única espécie,
o ser humano.
SUMÁRIO
que não se encaixam nos padrões da estética vigente no imaginário da socie-
dade brasileira são concepções que vêm sendo incorporadas à prática ado-
tiva e reforçadas por alguns institucionais que defendem a ideia de que é me-
lhor encaminhar os adotados a seus próprios grupos raciais.
SUMÁRIO
Assim, com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano
de 2007 e diante da prioridade constitucional de estabelecimento de políticas
de atendimento à infância e a juventude, em um encontro que reuniu repre-
sentantes de todos os tribunais dos Estados, desenha-se o Cadastro Nacional
de Adoção (CNA). (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013).
No ano seguinte, em 29 de abril, o CNJ editou a Resolução n. 54, que
instituiu o Cadastro Nacional de Adoção – CNA e fixou o prazo de 180 dias
para que todas as informações referente a pretendentes e a criança e adoles-
centes em condições de serem adotadas fossem inseridas nesse cadastro, con-
figurado como um banco de dados unificado em todo o Brasil. Todos os juízes
do País têm acesso à relação dos pretendentes à adoção e das crianças e ado-
lescentes aptos à adoção. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013).
Segundo Conselho Nacional de Justiça, num estudo realizado em 2013,
titulado Encontros e Desencontros da Adoção no Brasil: uma análise do
Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça, referido
cadastro tem por objetivo (2013, p. 7):
[...] facilitar e dar maior agilidade aos processos de adoção por meio do mapea-
mento de informações unificadas, visto que uniformiza todos os bancos de dados
existentes; racionaliza os procedimentos de habilitação; amplia as possibilida-
des de consulta aos pretendentes brasileiros cadastrados; possibilita o controle
adequado pelas respectivas corregedorias-gerais de Justiça; e orienta o planeja-
mento e a formulação de políticas públicas voltadas para a população de crian-
ças e adolescentes que aguardam pela possibilidade de convivência familiar.
SUMÁRIO
NOTAS
3
22/09/2017.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
________. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. ver. atual.
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SUMÁRIO
RUFINO, Silvana da Silva. Nos elos de uma filiação multirracial: A ado-
ção inter-racial nos limiares da educação intercultural. Florianópolis, 2003.
[Dissertação de mestrado, apresentado ao programa de pós graduação em
Serviço Social, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC]. Dis-
ponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/85638/
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SILVA FILHO, Artur Marques da. Adoção. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Revistas dos Tribunais, 2009.
SUMÁRIO
DESIGUALDADE SOCIAL E RACISMO NO BRASIL: A
PROTEÇÃO DAS MINORIAS SOB A PERSPECTIVA
REPUBLICANA
LOPES, Rafael Vieira de Mello1
SANTOS, Rômulo José Barboza Dos2
Resumo: Este Artigo tem, por objetivo, promover uma análise de perspec-
tivas conformadoras dos Estados Nacionais, com a finalidade de identi-
ficar o nível de proteção dedicado às minorias, dentre elas, os negros.
Para tanto, a noção republicana no Estado Nacional foi considerada a
partir dos pressupostos de liberdade e de participação social na esfera
pública, com destaque para a importância da participação das minorias,
pois a exposição dos interesses dos diferentes grupos é precursora de um
dos objetivos republicanos: a igualdade. Entretanto, considerando o his-
tórico colonizador e escravagista, as desigualdades sociais ainda são
evidentes, mesmo que muitas normativas tenham sido elaboradas com a
finalidade de combater o racismo e viabilizar uma redução das desigual-
dades sociais e do déficit participativo de alguns grupos minoritários na
seara pública. Esse problema enseja que uma das alternativas é a elabo-
ração de leis inclusivas e a atuação incisiva do Estado para que sua ma-
terialização se constitua em realidade, com uma alteração social que via-
bilize a igualdade e a diferença. A natureza da pesquisa é teórica,
qualitativa e com fins explicativos; o método utilizado é o hipotético-de-
dutivo e a análise dos dados, de forma histórico-comparativa.
CONSIDERAÇõES INICIAIS
Pensar o direito das minorias, por meio de um olhar republicano e democrá-
tico, leva a conceituar ambas as formas de governo, que garantem direitos
e liberdades fundamentais. Primeiramente, o Republicanismo, que, segundo
Bignotto (2004), é a ideia de liberdade como ausência de interferência, como
ponto fundamental da concepção liberal da democracia. Esta, contempora-
neamente, é uma das únicas maneiras capaz de dar conta das condições que
regem a relação dos indivíduos com a esfera pública. O fato de retomar a
tradição republicana significou, ao menos, o retorno de uma série de debates
e à preocupação com a esfera pública, pensada como lugar da efetiva ação
dos cidadãos.
O Brasil, diante de sua formação social heterogênea, se apresenta como
um exemplo de nação com uma variedade de povos e culturas, sendo, ex-
tremamente, diversificado quanto às expressões e manifestações culturais.
Todavia, essa formação ocorreu devido aos processos colonizatórios, que
devastaram a diversidade cultural nativa, representada pelos povos indígenas.
SUMÁRIO
Da mesma forma, o período escravagista resultou em um tráfico intenso de
pessoas, do Continente Africano, para serem escravizadas, mas que, tam-
bém, passaram a fazer parte da composição populacional do País. Atual-
mente, os negros representam cerca de a metade da sociedade brasileira em
número de pessoas – muito diferente da proporção dos direitos que exercem,
como, por exemplo, a ocupação de cargos públicos ou de cargos com poder
decisório, nos espaços onde se encontram.
A Constituição Federal de 1988, por aderir ao ideal humanista e prever
a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a proteção à diversidade cul-
tural, com repúdio a toda e qualquer forma de discriminação, foi considerada
uma Constituição Cidadã, com pretensões de alterar a realidade de sua so-
ciedade, que se apresenta muito desigual e com déficit considerável de par-
ticipação pública no Estado, com fins de igualdade de tratamento e garantia
das diferenças.
Ainda que, materialmente, sejam verificadas desigualdades sociais e,
consequentemente, marginalização, que atinge, principalmente, as minorias
– não dominantes -, imprescindível a afirmação dessas previsões constitu-
cionais, para que essa situação negativa seja combatida/revertida. Um dos
elementos essenciais, que se apresentam como alternativa viável - já que se
pode afirmar que as noções republicana, constitucional e democrática, ao
menos, formalmente, estão formatadas no Estado -, é a elaboração de leis
inclusivas, com a finalidade de combater as desigualdades e o preconceito,
para a inclusão dessas minorias, tanto social e da igualdade material. Na
questão dos negros, a chamada democracia racial, quando atingida, permi-
tirá que se afirme, então, que efetivou o condão protetivo do Estado Demo-
crático de Direito.
Ainda que tenha havido uma evolução da proteção das minorias, nota-
damente, pela estrutural do Sistema Internacional de Direitos Humanos, do
fortalecimento das instituições democráticas e, no caso das repúblicas, a pre-
tensão inarredável do cuidado da coisa pública – de todos - se vislumbra a di-
ficuldade na materialização dessas previsões, e, por conseguinte, a concreti-
zação da igualdade – em relação às minorias, que, apesar de muitas estarem
alocadas no seio social, pelo fato de apresentarem comportamento distinto
do, usualmente, adotado pela sociedade e cultura dominantes, são os alvos
mais frequentes de incontáveis espécies de violações de direitos, principal-
mente, a discriminação e a exclusão, permanecendo, muitas vezes, à margem
dos benefícios que usufruiriam se lhes fosse oportunizado o exercício pleno
dos direitos assegurados, legalmente, a todas as pessoas indistintamente.
Evidencia-se que a desigualdade ainda desponta em relação à diferen-
ça. Para Comparato (2003, p. 287), enquanto esta diz respeito às formas bio-
lógicas ou culturais, sem pretensão de identificar superiores ou inferiores,
aquela ao de encontro ao princípio da isonomia, se constituindo de arbitra-
riedades, implicando na “[...] negação da igualdade fundamental de valor
ético entre todos os membros da comunhão humana”.
Sawaia (2001) entende que a desigualdade é uma consequência nega-
tiva do déficit de participação, de todos, no Estado, e do cuidado que este
deveria ter com todos os seus cidadãos. Tal característica aloca as minorias
em desvantagem frente aos grupos predominantes, situação que é acentuada
pela historicidade com que essa exclusão, usualmente, se dá, identificada
nos mais variados aspectos, já que reúne configurações de ordem material,
política, além das formas como as relações ocorrem e das próprias concep-
ções subjetivas, intrínsecas nos indivíduos, configurando-se em uma mazela
social histórica, que necessita ser combatida, para a redução das diferenças
acentuadas entre grupos dominantes e minorias, e, por consequência, de um
trato mais igualitário.
SUMÁRIO
transmitidas por hereditariedade, embora possam variar de um indivíduo
para outro. Considera, ainda, como sendo divisão de uma espécie animal,
provindo do cruzamento de indivíduos selecionados para manter, ou apri-
morar, determinados caracteres.
Do ponto de vista da genética, conforme Adesky (2001), a ideia de raça
é desprovida de conteúdo ou valor científico. Raça não é um conceito ope-
racional, não permite fixar, portanto, área da pesquisa genética, sistemas de
classificação universal. Não existe, geneticamente, raça branca ou negra,
ariana ou latina, assim como, não existe raça a partir de uma nacionalidade,
como, por exemplo, a brasileira. Os povos nunca cessaram de interagir e se
misturar uns aos outros, o que evidencia a diversidade dos tipos físicos, que
formam a população mundial.
A estrutura das populações humanas é, extremamente, complexa, va-
riando de uma região do mundo para outra, de um povo para outro. Assim,
“[...] se encontra uma infinidade de nuanças originárias das constantes mi-
grações no interior das fronteiras, e para além destas, em todos os países, o
que torna impossível a existência de limites classificatórios fixos” (ADES-
KY, 2001, p. 45).
Afirma o mencionado autor (p. 46-47) que, na luta contra o racismo no
Brasil, observa-se que a palavra raça é, correntemente, usada pelos líderes
do Movimento Negro, podendo ser entendida como índice de diferenças fe-
notípicas classificatórias, ou compreendida como sinônimo de povo, de
grupo, ou, também, em menor grau, baseada nos laços de sangue.
SUMÁRIO
dos brancos, como dos mulatos ou dos morenos etc., sem o obrigatório re-
curso explícito à noção de raça. Portanto, essas classificações apresentam
certa autonomia, certa independência em relação ao termo raça.
SUMÁRIO
respeito duradouro à ideia da raça, o que seria uma das cartadas mais per-
suasivas nessa questão política e ética.
A lei Nº. 12.288/2010, por sua vez, dada a necessidade de findar com as
distinções raciais, instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, considerando-se,
para efeitos legais, discriminação racial ou étnico-racial toda distinção, ex-
clusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem
nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento,
gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liber-
dades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro campo da vida pública ou privada (BRASIL, 2010).
O Estatuto da Igualdade Racial prevê, no artigo 2º, que é dever do Es-
tado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a
todo cidadão brasileiro, independentemente, da etnia ou da cor da pela, o
direito à participação na comunidade, especialmente, nas atividades políti-
cas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, e de-
fender sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. Além dos precei-
tos, acima mencionados, o Estatuto prevê uma gama de direitos a serem
SUMÁRIO
concedidos às pessoas negras e pardas, dos quais visam dirimir a as diferen-
ças raciais existentes dentro da sociedade brasileira.
De igual forma, a Lei nº. 7.716/1989 definiu os crimes resultantes de
preconceitos de raça ou de cor, estabelecendo pena a quem trate de forma
preconceituosa alguma pessoa, em razão de sua cor, com a instituição de
penas que variam entre reclusão de 01 (um) a 05 (cinco) anos de prisão, além
de multa, tudo em conformidade com a gravidade da conduta do agente
(BRASIL, 1989).
Denota-se, dessa forma, que as práticas raciais, enraizadas no contexto
brasileiro, devem ser combatidas, com veemência, pelo Estado, como forma
de criminalizar condutas e práticas discriminatórias, a fim de que haja uma
igualdade racial, ainda que num futuro distante e, talvez, utópico.
CONSIDERAÇõES FINAIS
A partir do exposto, denota-se que o dilema racial brasileiro vai muito além
do que as práticas raciais que são evidenciadas no seio social. Isso porque,
conforme se pôde verificar, as práticas raciais apresentam-se de forma in-
trínseca na sociedade, que pratica condutas discriminatórias, veladamente,
emperrando o desenvolvimento de práticas igualitárias.
Há, atualmente, no Brasil, uma evidente discriminação racial, onde os
brancos estão entre os mais bem sucedidos e, em contrapartida, os negros en-
contram-se excluídos e marginalizados ou, quando bem sucedidos, são ex-
ceções que fogem, e muito, da regra geral, que é a divisão racial existente.
Assim, sem o esgotamento da discussão racial, pode-se dizer que as prá-
ticas, em voga, auxiliam, de certa forma, no desenvolvimento de uma socie-
dade igual; porém, muitas outras atitudes devem ser tomadas, para que se
consiga atingir um país livre do preconceito e da discriminação. As práticas
sociais que, atualmente, estão em vigor, com intenção de combater o racismo
e a discriminação, são práticas das quais os resultados são para gerações vin-
douras, das quais se espera menos indiferenças raciais preconceituosas.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Acesso em: 01 Ago. 2014.
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Revista dos Tri-
bunais, 1997.
SUMÁRIO
Publifolha, 2005.
_____. Democracia versus República. In: Newton Bignotto (Org.). Pensar
a República. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
SUMÁRIO
O PROTAGONISMO DAS INSTITUÇÕES JURIDICAS
FRENTE AS DEMANDAS SOCIAIS
CONTEMPORANEAS: UM ESTUDO DE CASO DOS
TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS DO BRASIL E DA
COLOMBIA E OS PROCESSOS DE EMANCIPAÇÃO
SOCIAL
Rodrigo Umbelino da Silva
Doutorando em Ciência Politica
Universidade Estadual de Campinas – Unicamp/SP
INTRODUÇÃO
O objetivo desse pesqueno trabalho que é parte da minha pesquisa de dou-
torado é realizar um estudo aprofundado dos tribunais constitucionais do
Brasil (STF) e da Colômbia (CCC) no que se refere aos processos de reco-
nhecimento das demandas sociais contemporâneas. O protagonismo das ins-
tituições judiciais desses países de modo análogo tornou-se evidente a partir
dos anos 80, corroborando para uma compreensão e análise das questões so-
ciais inerentes ao processo democrático pela via do ativismo de organismos
da sociedade através de mecanismos do acesso ao direito e a justiça. Nesse
sentido, o novo ordenamento global evidencia novas estruturas para a com-
preensão dos processos emancipatórios, permitindo analise da relação entre
justiça e reconhecimento em um contexto cujo as normas sociais estejam
corporificadas.
A pesquisa estrutura-se em apresentar o protagonismo dos Tribunais
Constitucionais Brasileiro e Colombiano no que tange a lógica da emanci-
pação social por meio da discussão de diversos campos de análise envol-
vendo a atuação normativa do Poder Judiciário e o seu ativismo judicial.
O debate está sendo desenvolvido sob ângulo das teorias da emancipa-
ção social, principalmente as leituras de Boaventura de Souza Santos, Axel
Honneth, Franz Neumann dentre outros autores que trabalham com a pers-
pectiva dos movimentos contra hegemônicos pela via do direito e focando
nas intepretações das ações das periferias (América Latina).
Assim, espero com a pesquisa colaborar para uma aproximação entre
as diversas discussões sobre a emancipação social, no contexto do campo
da América Latina. A análise estará centrada nos aspectos: ações globais
contra hegemônicas latino americanas com o uso do direito e os seus efeitos
políticos e jurídicos.
A discussão norteou-se por pressupostos identificados nos textos ana-
lisados sobre a compreensão acerca do real problema da marginalização de
membros das sociedades analisadas especificamente os negros, onde a má-
xima da relação observada foi busca constante nas sociedades modernas por
um espaço de garantias reais de seus direitos individuais e coletivos, não
deixando de ressaltar que Estado trabalha como mediador e definidor de al-
gumas políticas públicas que orientam esse novo momento.
SUMÁRIO
A construção de uma cidadania ativa, associada às vertentes de uma
democracia participativa, contribui em alguns aspectos para judicialização
de algumas questões políticas. Nesse sentido a compreensão de problemas
de cunho político - jurídico, como a chegar até o poder judiciário, obrigando
esse órgão a uma manifestação das questões oriundas de determinados gru-
pos sociais, cujo objetivo é o reconhecimento de seus direitos e garantias
individuais a priori tendo como consequência a construção de suas identi-
dades que como no caso colombiano foi questionado por órgãos do Estado
, desconfigurando a logico sócio histórico e cultural desse grupo social,
tendo por sua buscado no órgão da justiça o seu reconhecimento.
Assim, grandes debates formam-se, apresentamos como aspecto inter-
pretativo a esses debates, que em determinadas situações acaloram os âni-
mos, mas refrescam a alma daqueles que estão sujeitos a esse nível de desi-
gualdade. As interpretações partem tanto da sociedade civil organizada, das
universidades e suas políticas próprias (políticas de ações afirmativas) quan-
to também do legislativo brasileiro.
Portanto, a todo o momento vemos questões serem levadas aos quadros
do judiciário, no anseio do reconhecimento de quem se propõe ser visto pela
sua diferença e quando as decisões são tomadas positivamente ou mesmo
com a abertura do debate, todos os processos de construção das identidades
sociais se fortalecem ainda mais, fazendo valer seu ideal de cidadão dentro
daquilo que se conceitua chamar de Estado de direito.
SUMÁRIO
América Latina, de natureza presidencialista [...]. Sem os meios de produzir
legitimidade capaz de manter os titulares do poder no exercício de uma auto-
ridade efetivamente identificada com os interesses da cidadania, o bem-
estar, a justiça e a prosperidade social. A velha democracia representativa já
nos afigura em grande parte perempta, bem como desfalcada da possibili-
dade de fazer da Constituição [...] o instrumento da legitima vontade nacio-
nal e popular [...]. A Constituição aberta, que põe termo a uma ordem consti-
tucional assentada sobre formalismos rígidos e estiolantes, somente se
institucionalizará, a nosso ver, em sociedade por inteiro franqueada à supre-
macia popular. De tal sorte que a politização da juridicidade constitucional
dos três poderes possa fazer assim legitimo o sistema de exercício da autori-
dade, com o funcionamento dos mecanismos de governo transferidos ao ar-
bítrio do povo”. (BONAVIDES,1993, p 9-10).
SUMÁRIO
Esses fóruns propiciaram uma forma de democratização social pela fa-
cilitação do acesso à justiça. Assim, a mobilização de uma sociedade para
defesa dos seus interesses e direitos, contribuirá em muito para reconstitui-
ção do “tecido da sociabilidade” (VIANNA,1999) por meio de ambientes
institucionais oriundos do processo desencadeado pelas novas vias de acesso
à justiça.
SUMÁRIO
SÍNTESE DE DOIS CASOS ANALISADOS –
pROTAGONISMO x EMANCIpAÇÃO
Embora esse estudo esteja em andamento e de modo a responder empirica-
mente as questões ora levantadas na introdução desse texto, nós buscaremos
associar a teoria a pratica analiticamente aos estudos dos casos de temas pa-
ralelos em um amplo aspecto o que se relaciona aos afrodescendentes no
Brasil e na Colômbia. Os dois casos abaixo selecionados buscam exempli-
ficar pontos de convergência através da intepretação do objeto da ação pro-
posta e na construção de parte da decisão dos Tribunais.
CCC T – 422/96 Diferenciação positiva em favor da comunidade negra: ação que pede ao
Conselho Distrital de Educação do Distrito de Santa Marta a participação
de pretos junto ao referido conselho. Segundo partes da sentença, a não
participação dos pretos prejudicaria o direito a igualdade e o acesso à
educação e a cultura.
STF ADC- 41/DF Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em
concursos públicos. Constitucionalidade da lei nº 12990/2014. Ação pede
a constitucionalidade à lei 12990/2014 que reserva a pessoas negras 20%
Trechos do Acordão
das vagas oferecidas em concursos públicos.
CCC - T-422/96
“A condição de que a comunidade tenha uma determinada base espacial para
“diferenciá-la de outros grupos” não parece ser o caso se for aplicada a gru-
pos que sofreram no passado de serem vítimas e que foram sujeitos a pilha-
gem e perseguição permanentes. A história colombiana foi fortuitamente
falsa da subtração violenta de terras dos índios e da expatriação forçada dos
negros da África que foram arrancados do solo para trabalhar nas terras de
outras pessoas. Entende-se que a admissão do critério do Tribunal levaria à
SUMÁRIO
falta de proteção das comunidades ancestrais e à chegada da África, particu-
larmente do último preso nas cidades, fazendas e fazendas”.
CONCLUSÃO
Esta parte do trabalho corresponde a uma abordagem introdutória da minha
pesquisa que embora em andamento tem como objetivo apresentar elemen-
tos teóricos e empíricos do protagonismo dos Tribunais Constitucionais Bra-
sileiro e Colombiano no que tange a lógica da emancipação social. O debate
está sendo desenvolvido sob ângulo das teorias da judicialização da política
e, suas diversas ramificações dentro do contexto da dualidade política e di-
reito, como campo de construção de modelos de reconhecimento social.
A discussão norteou-se por pressupostos identificados nos textos ana-
lisados sobre a compreensão acerca do real problema da marginalização de
membros das sociedades analisadas especificamente negros e indígenas,
onde a máxima da relação observada foi busca constante nas sociedades mo-
dernas por um espaço de garantias reais de seus direitos individuais e cole-
tivos, não deixando de ressaltar que Estado trabalha como mediador e defi-
nidor de algumas políticas públicas que orientam esse novo momento.
A construção de uma cidadania ativa, associada às vertentes de uma
democracia participativa, contribui para “judicialização da política”, visto
que a compreensão de problemas de cunho político - jurídico, como a chegar
até o poder judiciário, obrigando esse órgão a uma manifestação das ques-
tões oriundas de determinados grupos sociais, cujo objetivo é reconheci-
mento de seus direitos e garantias individuais a priori tendo como conse-
quência a construção de suas identidades.
Assim, grandes debates formam-se nesse contexto, sendo assim, apre-
sentamos como aspecto interpretativo esses debates, que em determinadas
situações acaloram os ânimos, mas refrescam a alma daqueles que estão su-
jeitos a esse nível de desigualdade. As interpretações partem tanto da socie-
dade civil organizada, das universidades e suas políticas próprias quanto
também do legislativo brasileiro. Portanto, a todo o momento vemos ques-
tões serem levadas aos quadros do judiciário, no anseio do reconhecimento
de quem se propõe ser visto pela sua diferença e quando as decisões são to-
madas positivamente ou mesmo com a abertura do debate, todos os proces-
sos de construção das identidades sociais se fortalecem ainda mais, fazendo
valer seu ideal de cidadão dentro de um Estado de direito.
SUMÁRIO
NOTAS
3
Giselle Cittadino, Pluralismo, direito e justiça distributiva 19.
REFERÊNCIAS
Rawls, John, 2000. Uma teoria da justiça. Martins Fontes, São Paulo.
SUMÁRIO
Rodriguez, Jose Rodrigo, Emancipação humana e direito: Franz Neumann.
Direito FGV.2010
Vallinder, T & Tate, C Neal. 1995. The Global Expanasion of Judicial Power:
The Judicialization of Politics. New Your : New York University.
SUMÁRIO
GP 17 – MULHERES E DIREITO
Coordenação: Elaini Cristina Gonzaga da
Silva, Alessandra Teixeira e Fernanda Matsuda
SUMÁRIO
GÊNERO E ESFERA POLÍTICO- ELEITORAL:
A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
POLÍTICOS DAS MULHERES À LUZ DA TEORIA
DE NANCY FRASER
GENDER AND THE POLITICAL-ELECTORAL SPHERE:
THE REALIZATION OF THE FUNDAMENTAL POLITICAL RIGHTS
OF WOMEN IN THE LIGHT OF NANCY FRASER’S THEORY
Abstract: Brazil is among the last countries in the world ranking of female
SUMÁRIO
presence in the Parliament. This means, according to Grazziotin (2015),
that the country is in the hundred and seventh position in the world ranking
of women in parliaments among 190 countries, as evidenced by the
2015 edition of the Map of the Inter-Parliamentary Union and the United
Nations) Women. In this paper, the objective of this paper is to analyze
the deficit of female political participation in the light of Fraser’s three-di-
mensional theory, since this is to achieve recognition (social status), redis-
tribution (economic scope), and (political) representation, with the objec-
tive of achieving parity of participation in the framework of democratic
societies. It is necessary for women to have fulfilled these three spheres in
order to enable parity of participation and, consequently, full political par-
ticipation, by achieving an effective democratic conception of social jus-
tice for this group. The research is structured by the critical analysis of fem-
inist discourse and by the method of analytic induction. The research
technique is indirect documentation.
INTRODUÇÃO
O Brasil abrange uma das últimas colocações entre os países que compõem
oranqueamento mundial de presença feminina no Parlamento, o que signi-
fica, em concordância com os pressupostos de Grazziotin (2015), que se
situa na centésima décima sétima posição na classificação mundial de mu-
lheres parlamentares, dentre outros 190 países. A edição de 2015 do Mapa
da União Interparlamentar e da Organização das Nações Unidas (ONU) Mu-
lheres confirma a posição desfavorável relativamente aos países da América
do Sul. Diante da problemática que se desvela, entende-se como premente
a análise detalhada sobre o déficit de participação política feminina à luz da
teoria do reconhecimentoelaborada por Nancy Fraser,fundamentando-se em
sua abordagem tridimensional, que contempla o reconhecimento (status so-
cial), a redistribuição (âmbito econômico) e a representação (político) - es-
feras entendidas conjuntamente e de forma imbricada, a fim de atingir a pa-
ridade de participação no âmbito das sociedades democráticas.
Ocorre que,por meio do padrão discursivo dual do público/privado,
institucionalizou-se que o espaço feminino é o privado, enquanto o mascu-
lino, o público. Contudo, mesmo que diversas mudanças na organização das
esferas sociais e culturais venham ocorrendo, as representações de poder ainda
SUMÁRIO
constituem espaços privilegiados da dominação masculina. (FRASER, 2009).
Nesse âmbito, enfatiza-se o flagrante baixo número de mulheres nas disputas
eleitorais no contexto social (MACEDO, 2014): no último processo eleitoral
(em 2016), por exemplo, apenas 12,92% candidaturas femininas disputaram
o cargo para prefeito, embora as mulheres no cenário eleitoral brasileiro re-
presentem 52% do universo de pouco mais de 144 milhões de eleitores.
A histórica sub-representação das mulheres no cenário político-eleito-
ral desencadeou a necessidade da produção legislativa no sentido de incen-
tivar e de estabelecer maior participação feminina no processo político-elei-
toral. Desde 1997, vigora no Brasil a chamada Cota de Gênero nos sistemas
proporcionais, por meio da Lei nº 9.504/1997. Odéficit de participação po-
lítica feminina no Brasil se potencializa por fatores como as representações
simbólicas que estigmatizam mulheres, inferiorizando-as (subordinação de
status) e, sobretudo, o efetivo impacto da sobrecarga decorrente do trabalho
reprodutivo no que concerne às tarefas domésticas (esfera econômica).
(FRASER, 2009).
Nesse panorama, compreende-se que o acesso à política institucional
configura um desafio que pressupõe um modelo tridimensional no qual as
injustiças nas esferas do reconhecimento, da redistribuição e da representa-
ção devem ser concebidas como analiticamente distintas - mas interconec-
tadas - reforçando-se mutuamente. Ou seja, é pertinente que as mulheres te-
nham concretizadas as três esferas para viabilizar a paridade de participação
e consequentemente a plena participação política, alcançando a concepção
efetiva democrática de justiça social ao seu grupo. (FRASER, 2009).
Portanto, a relevância da problemática deste estudo para o Direito re-
side no questionamento que promove à concepção da paridade participativa3
e, sobretudo, à efetivação dos direitos fundamentais políticos das mulheres.
Por fim, a pesquisa se estruturou pela análise crítica do discurso feminista
e pelo método de indução analítica, com a aplicação da técnica da documen-
tação indireta.
SUMÁRIO
2 TEORIA TRIDIMENSIONAL DE NANCy FRASER
À vista das questões que se descortinaram, reativar concepções emancipatórias
e de empoderamento pela análise tridimensional de justiça social pode estru-
turar um projeto democrático no presente contexto social. (FRASER, 2009).
Tal modelo permite desconstruir mecanismos naturalizados e institucionaliza-
dos na esfera do reconhecimento, da redistribuição e da representação, os quais
impedem a participação efetiva das mulheres como pares nas interações sociais
dos espaços públicos. (BUNCHAFT, 2016). Assim, aproximar as dimensões
conceituais aos discursos jurídicos se torna de fundamental importância para
que se possa pensar na concretização dos direitos fundamentaispolíticos das
mulheres a partir da representação efetiva no espaço político-eleitoral.
O pressuposto teórico de Fraser versa sobre uma teoria deontológica
que tenciona a superioridade do justo sobre o bem, portanto, configura uma
tese sobre justiça,e não sobre autorrealização como éticas teleológicas de
Taylor e Honneth12.
Dessa forma, a possível transformação para uma sociedade que efetive
a paridade de participação entre os gêneros pode ser articulada pela cons-
trução teórica de Fraser (2009), que sustenta uma crítica feminista que se
opõe à precarização das mulheres e, para tanto - a partir de um projeto de-
mocraticamente informado (BUNCHAFT, 2016) - propõe a desinstitucio-
nalização dos padrões valorativos culturais que impõem a desigualdade
entre os sexose o combate das injustiças distributivas, uma vez que o gênero
como relação primária de poder estrutura a divisão do trabalho entre traba-
lho produtivo e doméstico não assalariado nas esferas do reconhecimento,
da redistribuição e, em especial, da representação.(FRASER, 2009).
A discriminação contra mulheres constitui uma categoria híbrida de-
corrente da injustiça distributiva, da ordem de status na sociedade e da esfera
do político, porque o gênero estrutura a divisão fundamental entre trabalho
produtivo remunerado ocupado por homens e trabalho doméstico não re-
munerado atribuído a mulheres.O não reconhecimento de mulheres se dá
quando são consideradas inferiores em relação aos homens, tornando-se sus-
cetíveis à exclusão social e à marginalização política, à negação dos direitos
e às proteções iguais de cidadania.
Já a má distribuição diz respeito à injustiça econômica, como no caso
de as mulheres receberem remuneração inferior a dos homens.A falta de re-
presentação, por sua vez, refere-se à esfera do político,que vem a compor o
quadro teórico de Fraser posteriormente, e justifica-se pela necessidade de
pensar as problemáticas para além do nível territorial, tendo em vista que
as demandas passam a serem realizadas em âmbito transnacional. Um exem-
plo dessa condição envolve o movimento feminista, o qual reivindica refor-
mas de legislação internacionalmente, e não mais apenas contra formas pa-
triarcais locais. (FRASER 2009).
SUMÁRIO
Sublinham-se ainda os conceitos pelos quais Fraser (2001) distingue
remédios afirmativos e transformativos: os primeiros estão conectados ao
multiculturalismo dominante, em que advoga reparar o desrespeito por meio
da reavaliação das identidades injustamente desvalorizadas de grupos, dei-
xando intactos tanto o conteúdo dessas identidades quanto as diferenciações
de grupos que as embasam. Já o segundo seria a total mudança capaz de ata-
car a raiz do problema, modificando-o para algo totalmente novo. Por essa
visão da teórica pode-se compreender que cotas eleitorais representam ape-
nas um remédio afirmativo, pois não resolve o real problema-que é o não
reconhecimento de mulheres como iguais parceiras na atividade política, o
que seria algo apenas paliativo.
Com a concretização dos direitos fundamentais compreendida como
um processo de combate às precarizações, às abjeções e às desqualificações
experimentadas por determinados grupos, classes, sujeitos - como é o caso
das mulheres- e fundamentalmente materializando a luta pela efetivação do
reconhecimento de direitos ora previstos, porém sonegados, ora sequer re-
conhecidos (ESCRIVÃO FILHO, SOUSA JÚNIOR, 2016), combater a
inexpressividade da voz feminina na esfera política-eleitoral sob a perspec-
tiva de justiça social (por meio da concepção de paridade de participação)
revela-se influente para superar a histórica sub-representatividade experi-
mentada pelas mulheres nas interações sociais do espaço político-eleitoral.
Na visão de Fraser (2014), para que seja possível que as esferas públi-
cas exerçam papel crítico democrático através da opinião pública legítima,
importa atingir dois requisitos, a saber,a condição de inclusividade e a con-
dição de paridade. A primeira significa que o debate democrático está aberto
a todos; já a segunda condição concerne à igualdade de oportunidades para
expressar interesses e para movimentar questões na agenda de discussões.
Portanto, a teórica infere que é primordial desenvolver um princípio
normativo que abranja as três dimensões da justiça e que o mais apropriado
para tanto é a paridade de participação, já que as três formas de injustiça (má
distribuição, não reconhecimento e ausência de representação) violam um
mesmo princípio. (FRASER,2010) Assim, frente ao princípio delineado por
Fraser, visualiza-se a possibilidade de igual participação de todos os indi-
víduos como pares nas interações sociais, sem excluir ninguém em razão do
não reconhecimento, da não distribuição ou da ausência de representação,
o que originaria um ato de violação à justiça.
Ademais, o referido princípio apenas pode se perfectibilizar de forma
dialógica por meio do processo democrático de debates públicos (Fraser,
2003b), ou seja, é aplicável em sociedades democráticas, como o Brasil, que
tenham por objetivo oportunizar a paridade de participação de todos os in-
divíduos, pois assim pode-se alcançar o consenso legítimo, uma vez que
todos os cidadãos participaram da escolha com suas diferentes concepções
SUMÁRIO
de vida boa.Fraser parte da esfera pública habermasiana13 e reitera a necessi-
dade de um conceito diferente da única esfera pública, logo, teoriza a neces-
sidade de múltiplas esferas - o que denomina como contrapúblicos subalternos
- pelas quais se pode potencializar a efetivação de demandas de grupos estig-
matizados, como negros, mulheres, homossexuais, transexuaise travestis.
Por meio do conceito de contrapúblico, “Fraser desenvolve uma ideia
mais dinâmica de lutas sociais ao mesmo tempo em que acrescenta uma di-
mensão mais política à noção de esfera pública.” (LARA; FINE 2007, p.
38). Bunchaft (2014) arremata que Fraser pretende demonstrar como em
processos discursivos da esfera pública os grupos sociais com desigualdade
de poder tendem a desenvolver estilos culturais desigualmente valorados.
Pensando-se na cultura política brasileira, com base na teoria de Fra-
ser, vê-se que o incremento da representação apenas se perfectibilizaria por
meio da constatação de certos públicos alternativos (contrapúblicos subal-
ternos) que inspiram a circulação de discursos de oposição de grupos mi-
noritários excluídos da esfera pública oficial - como negros, homossexuais,
transexuais.É, pois, nesse sentido que o movimento feminista trava suas
lutas, suscitando a reflexão e adiscussão sobre certasproblemáticas, a fim
de desvelar violências implícitas no cotidiano da mulher e de alcançar o
princípio de paridade de participação.Portanto, após o estudo da teoria do
reconhecimento de Fraser, analisa-se como pode auxiliar na potencializa-
ção da inclusão e no aumento da participação das mulheres na esfera pú-
blica democrática.
SUMÁRIO
CONCLUSÃO
Elencam-se finalmente algumas ponderações acerca do estudado. As mu-
lheres sempre se constituíram como um grupo minoritário que, com o passar
do tempo, se complexificou, embora o problema de acesso à discussão na
esfera democrática sempre estivesse presente.Primeiramente, a luta pelo di-
reito de votar e de ser votada, conquistada e comemorada, não configurou a
garantia de representatividade na arena pública, além de evidenciar que a
concessão de direitos políticos para as mulheres não foi suficiente para de-
sestabilizar demais estruturas hegemônicas que as precarizavam, o que faz
com que continuem a sofrer injustiças pelo não reconhecimento.
Nessa senda, clama-se pela necessidade de uma estrutura teórica que
seja democraticamente informada, a qual se reconhece no projeto teórico
tridimensional de justiça postulado por Nancy Fraser.Resta comprovado que
a concessão de direitos políticos não foi o suficiente para legitimar a plena
participação democrática feminina, e nosso país precisou estabelecer uma
Lei de Cotas para assegurar a participação feminina, embora ainda não seja
eficiente como se deseja. Logo, exige-se muito mais do que a concessão de
certos direitos: é premente que haja a reestruturação cultural e política ba-
seada em uma teoria política de justiça social.
Em suma, revelam-se essenciais o reconhecimento do status das mu-
lheres como pares na interação social, a redistribuição de bens materiais e a
representação, com o direito à voz dessas mulheres,pautados em contrapú-
blicos em nível transnacional, para que se valide não apenas a concessão de
direitos políticos, mas todo o aparato necessário para garantir a paridade de
participação na interação política. É necessário então que o Brasil concretize
a paridade de participação por meio da inclusão da teoria filosófica de Fra-
ser, posto que é urgente que o déficit de participação das mulheres nos es-
paços públicos de representação política-eleitoral nacional diminua seus nú-
meros e rompa com a herança heterossexista e de dominação masculina que
inviabiliza a perfectibilização da democracia plena.
SUMÁRIO
NOTAS
De acordo com o que ensina Butler (2015b), os corpos abjetos (que vivem
na zona da abjeção) são os que não encontram legitimidade na ordem social por
5
não se enquadrarem nos ideais hegemônicos, por exemplo, de gêneros, das sexua-
lidades e de raça.
7
Informação coletada em: < http://www.tse.jus.br/ >.
9
Informação coletada em: < http://www.tse.jus.br/ >.
10
Informação coletada em: < http://www.tse.jus.br/ >.
SUMÁRIO
O direito de voto das mulheres foi reconhecido em todo o território na-
cional no primeiro Código Eleitoral em 1932 e incorporado na Constituição Fe-
11
deral de 1934.
expõe que o termo “dominação masculina” é mais abrangente e, por isso, alcança
um fenômeno mais geral do que o termo “patriarcado”. Isso se justifica pelo en-
tendimento de que este último é simplesmente uma das manifestações de domi-
nação masculina e, ainda, não se encaixa em uma sociedade democrática, como
se tem no presente.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
_______. Lei 12.034/2009, de 29 de set. de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/lei/l12034>.htm. Acesso em: 01 de set. de 2016.
SUMÁRIO
ER, Nancy; HONNETH, Axel. Redistribution or Recognition?-A Political
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______________. Recognition without Ethics? Theory, Culture & Society,
vol 18, n. 2-3. London: Sage Publications, 2001.
______________. Rethinking the Public Sphere: a Contribution to the Cri-
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and the public Sphere. Cambridge: Mit Press, 1992.
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dieu. London and New York: Routledge, 2007.
SUMÁRIO
NARVAZ, Martha, KOLLER, Silvia Helena. Metodologias feministas e es-
tudos de gênero: articulando pesquisa, clínica e política, 2006.Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722006000300021>. Acesso em: 01 de ago. de 2016.
SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil para análise histórica. V. 20,
Porto Alegre: Educação & Realidade, 1995.
SUMÁRIO
DA REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA AO
RECONHECIMENTO IDENTITÁRIO: O CONTEXTO
DAS MULHERES CAMPONESAS A PARTIR DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Neusa Schnorrenberger
Mestranda em Direito no PPGD - Mestrado e Doutorado/ URI, Campus Santo Ângelo-
RS. Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões (URI), Campus Santo Ângelo-RS. Integrante do Grupo de Pesquisa “Direitos de
Minorias, Movimentos Sociais e Políticas Públicas”, vinculado ao PPGD, acima mencio-
nado. Bolsista CAPES. E-mail: asuensch@hotmail.com
Rosângela Ângelin
Pós-Doutora pela Faculdades EST. Doutora em Direito pela Universidade de Osnabrück
(Alemanha). Docente Programa de Pós-Graduação stricto sensu - Mestrado e Doutorado
em Direito e da Graduação em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uru-
guai e das Missões (URI), Campus Santo Ângelo-RS. Líder do Grupo de Pesquisa
(CNPQ) Grupo de Pesquisa “Direitos de Minorias, Movimentos Sociais e Políticas Públi-
cas”. E-mail. rosangelaangelin@yahoo.com.br.
SUMÁRIO
Palavras-chave: Mulheres Camponesas; Redistribuição Econômica; Re-
conhecimento Identitário; Constituição Federal de 1988.
CONSIDERAÇõES INICIAIS
Até o momento da promulgação da Constituição Federal de 1988, as mulhe-
res camponesas não possuíam reconhecimento indenitário, como trabalha-
doras, dentro do Estado brasileiro e, por conseguinte, não tinham acesso à
direitos de cidadania pertinentes. Com a atuação de movimentos de mulheres
do campo frente a elaboração da Constituição Federal de 1988, a situação
tomou outro patamar. Com a forte influência dos movimentos mencionados,
as camponesas conseguiram pressionar o Poder Constituinte e, com isso, al-
cançar direitos de reconhecimento e, ao mesmo tempo, acesso à renda, pro-
piciando uma maior visibilidade frente a família, ao Estado e a sociedade.
Atentando a temática acima apresentada, o presente trabalho baseia-
se em estudo bibliográfico, histórico, doutrinário e de legislações e normas
constitucionais para analisar avanços que as mulheres camponesas obtive-
ram com o advento da Constituição Federal de 1988, referentes ao reconhe-
cimento identitário e a redistribuição de renda. Para alcançar o objetivo ex-
posto, este estudo abordará brevemente um panorama envolvendo aspectos
da desigualdade e da diferença diante das identidades femininas, para então,
SUMÁRIO
adentrar em aspectos constitutivos das identidades das mulheres campone-
sas, baseados nas ações de movimentos sociais. Por fim, utilizando-se da
teoria da redistribuição econômica, de Nancy Fraser, e do reconhecimento
identitário, de Axel Honneth, serão vislumbrados direitos conquistados
pelas camponesas no texto da Constituição Federa de 1988.
Esta exclusão das mulheres não mais inconsciente, mas baseada em re-
lações de poder nada ingênuas, tem gerado desigualdades estruturais, ba-
seadas na diferença entre os papeis de gênero, neste caso, baseado numa
visão dualista do que é ser homem e ser mulher. Com efeito, os corpos fe-
mininos e masculinos são diferentes, mas os papeis sociais atribuídos à casa
sexo, tem sido uma construção social que, inclusive, tem excluído outras
manifestações identitárias como homossexuais, lésbicas, pessoas trans, etc.
Como descrito abaixo, os efeitos negativos gerados frente a diferença não
são prerrogativas da atualidade:
SUMÁRIO
As diferenças dos corpos masculinos e femininos nem sempre foram
um motivo gerador de desigualdade, exclusão e submissão. Estudos realiza-
dos pela austríaca Riane Eisler denotam que os antepassados do período pa-
leolítico e início do neolítico viviam numa sociedade baseada na cooperação
e na parceria. Os corpos das mulheres eram vistos uma espécie de receptáculo
mágico, gerador da vida humana: “Devem ter observado como sangra de
acordo com a lua e como miraculosamente produz gente. Também devem
ter-se maravilhado com o fato de ele prover alimento, produzindo leite” (EIS-
LER, 1996, p. 39-40). Pelo exposto, as mulheres eram consideradas deusas
nestas sociedades primitivas. Por motivos de históricos, essa parceria e coo-
peração foi sendo transformada em relações de poder onde as mulheres pas-
saram a ser subjugadas.1 Angelin analisa a mitologia celta e como a figura
feminina deixa de ser idolatrada em prol de um deus masculino:
Não é possível, contudo, pensar em relações de gênero com base apenas nas
diferenças de papéis; elas são desiguais e se combinam com outras catego-
rias sociais, como classe e raça, que legitimam uma hierarquia (NOBRE in
NOBRE; SILIPRANDI et. al. [Orgs.]., 1998, p. 57).
Nós discutimos na base e a partir disso se implanta, quem decide são as mu-
lheres, os sindicatos mais pelegos querem uma discussão atrelada ao sindi-
cato. Na divisão do movimento naquele momento (fim dos anos 80), o prin-
cipal conflito era ter autonomia, as organizações têm medo deste debate, se
criam novas lideranças que representam perigo para os dirigentes presiden-
cialistas. Nós nunca tivemos esses problemas, quando nós precisávamos tí-
nhamos o sindicato. Os sindicatos têm que dar suporte para jovens, mulhe-
res e homens sem lhes tirar a autonomia (SEGER; BRATZ; DITZ et. al. in
NUÑEZ [Org.]., 2005, p. 18).
SUMÁRIO
y las tasas de enfermedad y mortalidad. La desigualdad material va en aumento
en la mayoría de los países del mundo, en los Estados Unidos y en Haití, en
Suecia y en la India, en Rusia y en Brasil (FRASER, 2011, p. 217-254).
SUMÁRIO
Neste contexto, vislumbrando o caso das mulheres camponesas, estas
sempre tiveram na pauta de suas lutas, a busca pelo reconhecimento de suas
identidades como agricultoras e, neste caso, ter o reconhecimento de suas fa-
mílias, sociedade e do próprio Estado, é um fator fundamental para a inclusão
social das mesmas. Além disso é fundamental que elas se auto-conhecerem
em suas situações de fragilidades e desigualdades sociais podendo, diante
disso, buscar o reconhecimento identitário e seu espaço na sociedade (HON-
NETH, 2003). Ainda, fazendo analogia com a teoria de Honneth, foi a partir
de conflitos que as mulheres agricultoras despertaram para a busca de direitos
e reconhecimento social, em especial frente ao Estado, quando lutaram para
serem reconhecidas como trabalhadoras na Constituição Federal de 1988, o
que lhes garantiu tantos outros direitos correlatos.
Embora as teorias brevemente expostas neste texto, sejam divergentes,
as mesmas apresentam um caráter complementar, em especial para o caso
dos movimentos das mulheres do campo. Fraser denuncia que a má distri-
buição de renda como sendo o principal fator gerador de injustiças, poden-
do-se analisar o fato das mulheres no campo que, na sua grande maioria, não
tem acesso direto a renda familiar e, não participam das decisões de inves-
timentos na propriedade, fazendo com que estejam totalmente dependentes
de seus maridos, mantendo uma realidade de submissão econômica que per-
passa para aspectos mais subjetivos das relações. Com a conquista do reco-
nhecimento como trabalhadoras rurais, apregoado no artigo 7º da Consti-
tuição Federal de 2017, as camponesas tiveram acesso a direitos trabalhistas
e, em especial à direitos previdenciários como a aposentadoria que, pela pri-
meira vez, garantiu acesso à renda à essas mulheres, gerando uma maior au-
tonomia e participação das decisões familiares.
A autora aponta o que chama de “remédios” para as injustiças sociais,
os quais podem ser claramente vislumbrados nos aspectos voltados para as
desigualdades geradas para com as mulheres: distribuição de renda; reorga-
nização das relações de trabalho, participação democrática das instâncias
estatais, em especial para definir sobre recursos; reavaliação de estereótipos
identitários e respeito à diversidade cultural (FRASER, 2010, p.182 -187).
Assim, na seara do campesinato feminino, a teoria trazida por Fraser é de
significativa importancia, por acreditar-se que a luta das mulheres agricul-
toras em seu meio de trabalho é uma questão que envolve redistribuição de
recursos e de renda, para alcançar o reconhecimento social, não se excluindo
a necessidade do reconhecimento identitário, apregoado por Honneth.
Deste modo, os movimentos de mulheres do campo que buscaram e
ainda buscam redistribuição de renda e reconhecimento identitário estão ali-
nhadas às teorias apresentadas acima. Historicamente os movimentos envol-
vendo mulheres camponesas, suas lutas e conquistas são revelados no reco-
nhecimento insculpido na Constituição Federal de 1988, em qual situa-se em
SUMÁRIO
seu principio fundamental – “a dignidade da pessoa humana”, em seus obje-
tivos “a construção de uma sociedade que seja justa e solidário”, “sem dis-
tinção por sexo” e, principalmente, apregoando que “homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações” (BRASIL, 1988).
Os direitos conquistados pelas mulheres camponesas por meio da
Constituição Federal de 1988, como o reconhecimento como trabalhadoras
rurais, a garantia de direitos trabalhistas, previdenciários, ou seja, de redis-
tribuição econômica, de acordo com Nancy Fraser, ao mesmo tempo em que
se reconhece um novo status identitário – adquirem um reconhecimento ju-
rídico do Estado, conforme teoria trazida por Honneth, gerndo também um
reconhecimento social.
De seu reconhecimento constitucional como trabalhadoras e de suas
constantes lutas, as mulheres camponesas têm modificado seus estereótipos,
inclusive frente a órgãos governamentais, conforme segue: “O Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) reconhece a importante contribuição das
mulheres do campo, das florestas e das águas para a produção de alimentos,
para a segurança e soberania alimentar e para o desenvolvimento rural” (BRA-
SIL, MDA, p. 01, s.a). Para tanto, o MDA, através da Diretoria de Políticas
para Mulheres Rurais (DPMR), articulada conjuntamente a Secretaria de Po-
líticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), tem concre-
tizado e acrescido políticas públicas voltadas ás mulheres do âmbito
São estas políticas públicas que visam várias atuações voltadas para a
emancipação das mulheres, seja ela no setor econômico ou no reconheci-
mento identitário, garantindo, oque segue:
CONSIDERAÇõES FINAIS
Dos breves estudos realizados nesta pesquisa, denota-se que as identidades das
mulheres têm sofrido degenerações no decorrer da história da humanidade,
sendo relegadas a um espaço de subcidadania, exclusão e, muitas vezes de in-
visibilidade social, baseadas nas suas diferenças biológicas e nos papeis que
as relações de poder patriarcais foram impondo a elas. Ao mesmo tempo que
tais constatações revelam um cenário drástico, desvelam que as identidades
não são fixas e, portanto, passíveis de modificações. Demonstrar isso foi uma
das principais contribuições dos movimentos feministas e de mulheres que
muito contribuíram para a reconfiguração das identidades femininas, como foi
e segue sendo o caso dos movimentos ligados as mulheres do campo.
Redistribuir renda e modificar seu status social, assim como alcançar
reconhecimento identitário foram demandas levantadas pelas camponesas
brasileiras positivadas na Constituição Federal de 1988. Pela primeira vez
na história do país, as camponesas foram reconhecidas como trabalhadoras,
saindo da invisibilidade e, também tendo acesso à renda.
Neste contexto, as teorias aqui trabalhas, da redistribuição econômica
e do reconhecimento identitário, embora com aspectos divergentes entre
SUMÁRIO
sim, contribuem para a compreensão da situação das mulheres do campo e re-
metem a muitos outros desafios, aqui criticando as próprias teorias acima apre-
sentadas: Diante da teoria de Fraser, como garantir a redistribuição de renda,
de forma mais efetiva, em um Estado liberal? Envolvendo os aspectos da ne-
cessidade de reciprocidade para o reconhecimento identitário pregado por Hon-
neth, como garanti-lo terceiros e o próprio Estado não quiserem reconhecer?
Mesmo assim, trabalhar as categorias de redistribuição econômica e
de reconhecimento identitário envolvendo as mulheres camponesas e suas
lutas através de movimentos sociais tem sido muito salutar. É preciso sim
redistribuir renda, é preciso sim ressignificar as identidades baseadas na al-
teridade e reciprocidade dentro da família e do próprio Estado. Esses são
elementos fundantes para a superação da cultura patriarcal e da construção
de relações mais humanas em todos os âmbitos, sejam eles familiares ou na
sociedade mais ampliada, tendo como bases a solidariedade, a participação
e o cuidado com o próximo e a próxima. Como diz Carlos Drumond de An-
drade, “Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.
SUMÁRIO
NOTAS
Ver as obras que tratam do tema, porém com vieses de abordagem diferen-
ciados, explicando a origem das desigualdades entre homens e mulheres: EISLER,
1
Riane. O prazer sagrado: sexo, mito e política do corpo. Trad. de Tônia Van Acker.
São Paulo: Palas Athena, 1996 e ENGELS, Friedrich. A origem da família, da
propriedade privada e do Estado. Traduz. Por Leandro Konder. 16 ed. Rio de Ja-
neiro: Bertrand Brasil, 2002.
pela primeira vez em 1487. Endossado pela Igreja e pela Universidade de Colônia
como forte à sua teoria da perseguição às mulheres que perdurou por duzentos
anos (MALEUS MALEFICARUM, 2013).
Trecho da letra da música “Entrei na luta”, que faz parte das mobilizações
do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC).
3, 4
desde o começo dos anos 80. Segundo Genoveva Hass, que está no grupo desde
o começo, tudo se iniciou com uma reunião a convite de Noeli Shamer, assessora
do sindicato. Nesse dia juntaram 134 mulheres e tiraram uma comissão para ini-
ciar os trabalhos, Genoveva era uma delas. Formaram parte do Movimento das
Margaridas, participaram das principais mobilizações, Porto Alegre, Brasília e
toda a região, logo se vincularam à Comissão da Fetag por ter em Santo Cristo um
sindicato combativo que sempre colaborou com as lutas das mulheres” (SEGER;
BRATZ; DITZ et. al in NUÑEZ [Org.].,2005, p. 18).
SUMÁRIO
popular, camponês e feminista” (CONTE; MARTINS; DARON in PALUDO
[Org.]., 2009, p. 94).
como fato social que, em razão da inevitável pluralidade, deve ser considerado
existente independentemente de ser avaliado positiva ou negativamente, enquanto
o termo multiculturalismo é reservado para designar as reivindicações políticas e
as normas que tratam de reconhecer institucionalmente esta mesma multicultura-
lidade” (LUCAS, 2013, p. 185-186).
do campesinato feminino.
SUMÁRIO
Neste segundo momento é possível aplicar a teoria do reconhecimento,
em grande parte o direito ao acesso a terra pelas minorias, decorre a partir de con-
16
e mulheres.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Mulheres resitência e luta em defesa da vida. São Leoplodo: CEBI, 2009.
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? Revista Lua Nova. São Paulo,
70, p. 101-138, 2007.
SUMÁRIO
LUCAS, Douglas Cesar. Direitos humanos e interculturalidade: um diálogo
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PINTO, Zé. “Sem medo de ser mulher”. In: Secretaria Estadual do MMC-
RS [Ed.], Mulheres cantando sua história MMC – Rio Grande do Sul, 2005.
SUMÁRIO
mulheres reconstruindo sua história. Porto Xavier: ASTRF, 2005.
SUMÁRIO
FEMINISMO NEGRO E CAMINHOS DA EXPERIÊNCIA
Winnie de Campos Bueno
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo propor uma análise introdutória a uma
teoria crítica do direito formulada a partir do pensamento da socióloga Pa-
trícia Hill Collins, considerada enquanto uma das principais intelectuais ne-
gras da contemporaneidade. A formulação desse trabalho se dá a partir de
uma interpretação dos conceitos do pensamento filosófico ocidental clássico
e suas ausências, principalmente no que diz respeito a questão da intersec-
cionalidade na perspectiva de Collins.
No que pese o nome de Patricia Hill Collins ser bastante conhecido in-
ternacionalmente, citado com frequência nos debates da intelectualidade
negra tanto no contexto internacional quanto no âmbito nacional, ele ainda
não está incorporado aos debates que se dão nas salas de aula dos institutos
acadêmicos brasileiros, especialmente no Direito, necessário, portanto uma
breve apresentação da pesquisadora.
Patrícia Hill Collins é reconhecida enquanto uma das principais soció-
logas da história. Foi a centésima presidente da American Sociological Asso-
ciation (ASA), primeira mulher negra a ocupar esse posto. Professora da Uni-
versidade de Maryland e da Universidade de Cincinnati. Ph.D. em sociologia
pela Universidade de Brandeis, Hill Collins tem um trabalho de pesquisa ro-
busto relacionado às questões de raça, gênero, classe social, sexualidade e na-
cionalidade. Suas questões teóricas refletem o compromisso em formular
uma teoria crítica que tenha por centralidade a maneira com que o aprofunda-
mento das opressões sociais afeta o cotidiano da população negra, especial-
mente das mulheres negras. Sua obra mais conhecida e reverberada, o
livro Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness, and the Politics
of Empowerment, possibilita uma visão complexa acerca da dimensão das re-
lações sociais de dominação na vida de mulheres negras, especialmente nas
Américas, bem como aponta caminhos e perspectivas para a formulação de
agendas políticas que possibilitem para as mulheres negras a emancipação so-
cial, no que pese os limites que o projeto de emancipação ocidental apresenta
para os grupos subalternos, especialmente aqueles que são subalternizadas a
partir do sistema de dominação organizado pelo ódio anti-negritude1.
Patrícia Hill Collins não inventou o feminismo negro enquanto uma
epistemologia, muito menos enquanto um movimento político, mas pode-se
SUMÁRIO
dizer que sem dúvidas fez um trabalho inédito de compilação das experiên-
cias ativistas intelectuais das mulheres negras, especialmente das afro-es-
tadunidenses, articulando ferramentas analíticas fundamentais para com-
preender o complexo de dominação racial da diáspora. Outro importante
contributo da obra de Hill Collins é a possibilidade da construção de uma
teoria de justiça social que não necessariamente passe pelos modelos hege-
mônicos de família, sociedade e Estado. Dialoga, portanto, de maneira bas-
tante precisa com os objetivos centrais da disciplina.
Adoto como caminho central dessa elaboração o marco conceitual de
“interseccionalidade” a partir de uma interlocução entre o pensamento de
Hill Collins e outras intelectuais negras com a maneira com Hegel descreve
os caminhos da consciência. Me parece relevante discutir como esses cami-
nhos são experimentados pelas mulheres negras uma vez que estas não são
lidas na sociedade enquanto sujeitos, mas sim no lugar de objetos.
Como que se desenvolve o fio condutor do saber em um mundo obje-
tivo em que o agir dos corpos subalternos é limitado pela violência sexista
e racista. Quais são os desenhos que se estabelecem para o saber experimen-
tado consciente das mulheres negras? Que possibilidades de constituição
de sujeito existem para pessoas que não são capazes de se realizar enquanto
sujeito devido a lógica da dominação racial? Quais são as possibilidades de
incorporação das mulheres negras no processo de emancipação social oci-
dental? Quais são as limitações impostas ao processo de constituição das
subjetividades negras? Onde se dá o suplício de um pensar que se localiza
a partir de uma subjetividade que é frustrada por uma razão que se desarti-
cula ao ser confrontada pelo fato da existência de uma matriz de dominação
que despeja violências em um mesmo corpo, no caso, o corpo das mulheres
negras? A história e a cultura da diáspora africana são uma ausência no pen-
samento hegeliano, contudo essa teoria é reconstituída a partir das formu-
lações teóricas de intelectuais negros que apresentam um inquestionável
rigor metodológico conectado com um pensamento crítico profundo, como
é o caso de Frantz Fanon que utiliza explicitamente os conceitos hegelianos
para refletir as experiências dos colonizados, especialmente em Pele Negra,
Máscaras Brancas. Nessa obra o autor demonstra a ausência da dialética na
relação entre o negro, colonizado e o branco, colonizador. Para Fanon, a
forma com que a anti-negritude se articula no contexto de colonização im-
possibilita o reconhecimento recíproco que proporciona o estabelecimento
da dialética2. Inexiste um reconhecimento entre o branco e o negro, o que
também pode ser explicado pela ideia de matriz de dominação desenvolvida
por Hill Collins, logo, existe nesse trabalho também uma tentativa de leitura
dos conceitos fanonistas a partir das elaborações de Patrícia Hill Collins
Trata-se de um estudo inicial, marcado, portanto por inquietações, dú-
vidas e incertezas e possivelmente por alguns equívocos teóricos. Pode-se
SUMÁRIO
dizer que esse texto é uma organização de questões que atravessaram o se-
gundo semestre da elaboração do meu mestrado e que ainda não obtiveram
respostas definitivas. É também uma experimentação do meu próprio pen-
sar, uma formulação intelectual ativista que exige o esforço da reflexão dos
meus próprios caminhos de deslocamento através da consciência.
Quando a violência é entendida como uma atuação de ser negado o poder mas-
culino em outras esferas, parece contraproducente abraçar construções que vin-
culam implicitamente a solução à violência doméstica à aquisição de maior
poder masculino. O imperativo político mais promissor é desafiar a legitimi-
dade de tais expectativas de poder, expondo seu efeito disfuncional e debili-
tante sobre as famílias e comunidades não-brancas24
É nesse sentido também que Hill Collins reflete sobre essa questão,
porem de maneira ainda mais assertiva. Segundo a autora é pouco provável
que tenhamos soluções efetivas para o problema da violência contra as mu-
lheres se este problema continuar sendo vislumbrado a partir de lentes mono-
categóricas como as lentes de gênero, que consolidam imagens de agressores
masculinos que perpetuam violências e vítimas femininas. Ou ainda a partir
da lente meramente racial que se propõe apenas a elevar a violência policial
contra homens negros uma vez que estes são potenciais agressores.
A dimensão representacional da interseccionalidade é diretamente li-
gada com a forma com que mulheres negras são representadas em imagens
culturais. No que tange essa articulação do pensamento de Crenshaw irei
realizar uma reflexão a partir do conceito de imagens controladoras, desen-
volvido por Patrícia Hill Collins. Especialmente no campo audiovisual ope-
ram imagens que justificam a perpetuação das mulheres negras em lugares
SUMÁRIO
de subordinação. Para que a subordinação desse grupo se perpetue é neces-
sário que existam ferramentas ideológicas robustas que justifiquem esse pa-
norama. É nesse sentido que operam as imagens controladoras,
Imagens controladoras são respostas ideológicas a persistência de mu-
lheres negras em não sucumbirem ao racismo e ao sexismo. A assertividade
histórica com que mulheres negras articulam saídas para a experiência de
violência racial e de gênero é respondida pelas ideologias dominantes em
vários campos, incluindo a linguagem. É no campo das linguagens e nos
seus desdobramentos que operam as imagens controladoras as quais, segun-
do Patricia Hill Collins, são organizadas para fazer com o racismo, sexismo,
a pobreza e outras formas de injustiça sociais sejam naturalizadas, aparen-
temente normais e consideradas enquanto partes inevitáveis do cotidiano.25
Mesmo imagens aparentemente positivas podem operar como meca-
nismo de controle para mulheres negras, isso se dá exatamente em função
do que Crenshaw designa enquanto interseccionalidade representacional.
Os estereótipos que recaem sobre as mulheres irão ter outro significado
quando analisados numa perspectiva interseccional. O feminino enfatizado,
por exemplo, não opera da mesma forma para mulheres brancas e mulheres
negras. Para que se dê a ultra feminização das mulheres brancas é necessário
que outra mulher assuma as tarefas de cuidado que são designadas pelo pa-
triarcado como trabalhos femininos. Logo, a ultra feminização de mulheres
brancas implica no embrutecimento e na alienação de mulheres negras. Para
naturalizar essa violência, reproduzem-se nos filmes, peças publicitárias,
narrativas literárias, a figura da mammie, uma mulher negra que cuida ab-
negadamente da casa da mulher branca, da alimentação de toda a família
branca, que desempenha todo o trabalho referente aos cuidados da prole
dessa mulher e que sempre é retratada sem uma família próxima. Na litera-
tura brasileira o exemplo mais conhecido é a personagem Tia Anastácia, do
escritor Monteiro Lobato.
A análise que Patrícia Hill Collins faz em Mammies, matriarchs, and
other controlling images se dá a partir do escopo da interseccionalidade re-
presentacional uma vez que a autora desdobra a maneira com que essas ima-
gens são produzidas a partir de narrativas dominantes de raça e gênero, bem
como descreve que as reinvindicações dessas mulheres para o rompimento
com esses estereótipos são simplesmente ignoradas, não sendo recepciona-
dos nem mesmo dentro do feminismo.
Para articular a maneira com que as imagens controladoras são cons-
truídas Hill Collins organiza um percurso da definição das mulheres negras
como o “outro” da sociedade ocidental. A objetificação tem um papel cen-
tral nesse sentido, uma vez que dessa forma há possibilidade de manipulação
e controle. Pessoas objetificadas são passíveis de manipulação e controle, a
localização das mulheres negras enquanto “outro” prescinde de objetificação,
SUMÁRIO
se dá uma cisão entre a consciência de si e a consciência do objeto. Tanto a
naturalização do comportamento feminino quanto a desumanização do homem
negro, lido como uma besta impede a realização da subjetividade de forma
completa. E é aí que se limita o projeto emancipatório, uma vez que a aqui-
sição de consciência de si que passa por um processo de terror que não é
constituído a partir do caminho da consciência, do sujeito que sabe que sabe,
mas sim do terror imposto pelo mundo. O peso das interações do racismo
constitui uma noção do ser negro.
Para as mulheres negras as consequências da negação de subjetividade,
que sustenta o fortalecimento da política econômica dominante, precisa ser
compreendida nas suas múltiplas dimensões. Reside nesse aspecto a impor-
tância da noção de interseccionalidade representacional.
Uma vez apresentadas as dimensões nas quais Kimberlé Crenshaw ar-
ticula o conceito de interseccionalidade, passo a discorrer sobre as reformu-
lações propostas por Patrícia Hill Collins a respeito desse termo. Os traba-
lhos mais recentes26 dessa teórica estão organizados a partir de reflexões
bastante complexas sobre a interseccionalidade, especialmente sobre a
forma com que o conceito tem sido mobilizado nos seus mais diferentes con-
tornos. É importante destacar que Hill Collins pode ser considerada enquan-
to uma teórica da interseccionalidade uma vez que este paradigma é central
em toda a sua produção intelectual.
Em Intersectionality’s definitional dilemas a autora demonstra que
ainda não há uma organização definitiva do conceito de interseccionalidade
e propõe uma análise em três dimensões do termo. A primeira está relacio-
nada com a interseccionalidade enquanto um projeto de conhecimento, a se-
gunda enquanto uma estratégia analítica que possibilita estabelecer novos
ângulos de visão sobre fenômenos sociais e a terceira enquanto umas práxis
críticas que tem sido articulada por projetos emancipatórios que não estão
organizados dentro da institucionalidade.
Hill Collins reflete uma possível perde de significado da interseccio-
nalidade a partir do momento em que a luta por justiça social encampada
pelas mulheres negras passa a ser traduzida para contornos que possibilitem
um entendimento acadêmico das experiências de mulheres negras nos mo-
vimentos sociais de emancipação. É evidente que o reconhecimento aca-
dêmico dessas experiências é um momento importante da trajetória dos mo-
vimentos sociais de mulheres negras. Não é sem razão que uma das
principais agendas políticas do movimento social negro no Brasil é histo-
ricamente a luta por acesso à educação de qualidade, socialmente referen-
ciada e antirracista.27 Desde os primórdios das organizações negras no Bra-
sil, no pós e no pré-abolição, houve uma preocupação em estabelecer
estratégias coletivas que permitissem à população negra ter acesso ao en-
sino gratuito, contudo a assimilação acadêmica das lutas por emancipação
SUMÁRIO
da população negra consiste em um dilema cujas consequências ainda estão
sendo analisadas.
No que diz respeito ao conceito de interseccionalidade, a autora destaca
que nesse momento há uma espécie de consenso implícito que organiza o con-
ceito a partir de uma análise crítica onde as interconexões de raça, classe, gê-
nero e sexualidade como sistemas de poder explicitamente ligados a diversos
projetos de justiça social catalisados por seu envolvimento com os movimen-
tos sociais.28 Contudo, é perceptível no feminismo brasileiro que a intersec-
cionalidade ganhou outros significados, os quais a própria Patrícia Hill Collins
admite possíveis uma vez que para a autora “as definições constituem pontos
de partida para a investigação em vez de pontos finais de análise.”29
O advento das redes sociais cibernéticas incrementou outras possibili-
dades de interpretação da interseccionalidade, o feminismo interseccional
brasileiro utiliza a concepção de interseccionalidade enquanto uma vertente
feminista. Para as ativistas do feminismo interseccional a interseccionali-
dade é a intersecção de várias opressões, as quais aprofundam-se quando
interseccionadas.30 Entendo que não há uma definição correta ou definitiva
do conceito, mas sim uma apropriação do mesmo que é moldada a partir das
práticas políticas e intelectuais dos grupos que vislumbram nesse conceito
uma forma de explicar fenômenos sociais que lhes atingem. Essa percepção
da interseccionalidade é uma forma que o feminismo negro contemporâneo
tem encontrado de demonstrar que as suas experiências não podem ser lidas
a partir de uma ferramenta de análise única, é preciso que se considerem os
múltiplos aspectos históricos, econômicos, sociais, culturais, biológicos que
demonstrem a subjetividade desses corpos que são constantemente objeti-
ficados. A leitura do conceito de interseccionalidade nesse caso está aderida
há um contexto político e intelectual específico, e, sendo assim, é possível
compreender que essa mesma ferramenta de análise pode ser utilizada por
outros grupos, como é o caso do feminismo. A questão é que opera frequen-
temente um apagamento da centralidade do pensamento feminista negro nas
formulações do feminismo interseccional, conforme Hill Collins
SUMÁRIO
de estudos da diáspora africana, são fontes interessantes de compreender a in-
terseccionalidade enquanto um campo de conhecimento , pois há uma coalizão
entre duas formas de processo de conhecimento: “a produção intelectual de in-
divíduos com menos poder, que estão fora do ensino superior, da mídia de ins-
tituições similares de produção de conhecimento, e o conhecimento que emana
primariamente de instituições cujo propósito é criar saber legitimado”35.
Outra questão importante para Hill Collins no que tange a interseccio-
nalidade enquanto campo de conhecimento é compreender que tipos de pro-
jetos de conhecimento sobre raça aparecem ou desaparecem e as razões
pelas quais alguns projetos tem mais reverberação que outros. A autora
exemplifica essa questão citando a produção intelectual afro-americana que
se dedica a contestar as dimensões estruturais sociais do racismo e as repre-
sentações culturais de pessoas de ascendência africana, a qual embora tenha
um longo percurso, ainda não é legitimamente reconhecida no cânone. Da
mesma forma, pensando nas academias brasileiras, é possível inquerir por-
que determinados teóricos da negritude são traduzidos para o português e
amplamente divulgados e outros, como é o caso da própria Patrícia Hill Col-
lins, não são investigados com a mesma relevância.
As formulações organizadas a partir de investigações que se centrali-
zam na questão racial revelam as formas com que o conhecimento compar-
tilhado tem mais relevância do que a contribuição específica de um deter-
minado autor. Hill Collins aponta que diferentemente da sociologia do
conhecimento, onde tradicionalmente tem mais importância o pensamento
de um indivíduo singularmente, havendo um argumento de autoridade en-
volvido na produção de conhecimento, as escolas de conhecimento forma-
das a partir das questões raciais abrem espaços para múltiplas comunidades
interpretativas. Isso se dá porque nesses projetos a centralidade da com-
preensão das inequidades raciais é permanente, possibilitando espaço inte-
lectual e político para grupos subordinados como é caso de negros e negras,
indígenas, latinos e asiáticos.
Essas experiências são importantes para consolidar a interseccionali-
dade enquanto um campo de conhecimento, segundo Patricia Hill Collins a
fundamentação da interseccionalidade enquanto projeto de conhecimento
deve ultrapassar um foco mono-categórico sobre a desigualdade racial para
abranger múltiplas formas de desigualdade que estão organizadas numa ló-
gica similar. Percebe-se que nesse ínterim, a proposta da intelectual negra
possibilita admitir uma certa caracterização da interseccionalidade enquanto
uma categoria de análise universal, o que é um projeto ousado uma vez que
teríamos um campo de conhecimento formulado a partir de experiências su-
balternas, e reconhecido dessa maneira desde sempre, como uma potente
categoria de análise que auxilia a superar as lacunas do projeto emancipa-
tório da tradição filosófica ocidental.
SUMÁRIO
A interseccionalidade enquanto uma estratégia analítica é refletida a
partir da utilização de uma abordagem que se vale das estruturas intraseto-
rias para investigar fenômenos sociais.36 É possível analisar as instituições
sociais a partir de uma análise interseccional, por exemplo e, nesse sentido
que é importante reverberar a interseccionalidade enquanto algo mais amplo
do que uma vertente do movimento de mulheres. Problemas sociais, campos
de conhecimento, preocupações epistemológicas são passíveis de análises
interseccionais. A interseccionalidade pode, portanto, ser considerada en-
quanto uma metodologia de pesquisa. Nesse sentido Hill Collins aponta
como que a organização do conceito de interseccionalidade proposto por
Crenshaw pode ter sido prematuro ou até mesmo insuficiente. Através de
uma análise de materiais acadêmicos que elegem a interseccionalidade
como ponto central da organização teórica disposta nessas bibliografias Hill
Collins identifica pontos relevantes na literatura interseccional para com-
preender que temas caracterizam as pesquisas interseccionais e quais são as
diferenças desses trabalhos.
Os primeiros temas identificados pela autora como frequentes na lite-
ratura interseccional são os relativos ao trabalho, família, identidade, mídia
e temas correlatos. Aqui, chama a atenção para o fato de que no Brasil tem
emergido significativamente produções acadêmicas que tratam da questão
da mídia a partir de análises interseccionais, embora não assim nomeadas,
escritas principalmente por acadêmicas negras.37
Esses tópicos são relevantes para pensar a interseccionalidade enquan-
to uma estratégia analítica porque permitem formulações teóricas que reve-
lam aspectos do capitalismo global que tradicionalmente ficam ocultados,
como é o caso das questões de raça. gênero e sexualidade numa perspectiva
econômica por exemplo. No campo dos estudos de trabalho na academia
brasileira há poucas referências a maneira com que o capitalismo elege os
postos no mercado de trabalho a partir de questões hierárquicas de raça, clas-
se social e gênero. Os estudos tradicionais de divisão social do trabalho estão
organizados a partir de uma perspectiva interseccional, logo, permanece
pouco refletido como que a fixação de mulheres negras no trabalho domés-
tico é fundamental para a exploração da população negra.38
Em um segundo momento Hill Collins reflete a relevância da expan-
são da interseccionalidade para incorporar as questões de etnia, nacionali-
dade, idade e habilidade. Para a autora os quadros interseccionais são im-
portantes para ampliar a compreensão sobre ideologias nacionalistas. Outra
esfera relevante que se amplia a partir da perspectiva interseccional é a aná-
lise do comportamento dos grupos subordinados à medida que tentam em-
poderar a si mesmos. Hill Collins exemplifica: “As análises intersecionais
do poder do Estado-nação expandiram-se para considerar os processos
transnacionais, por exemplo, propondo análises do turismo nas Bahamas
SUMÁRIO
dentro de processos interseccionais de autonomia erótica, descolonização
e nacionalismo”.39
O terceiro ponto de importância do uso da interseccionalidade enquan-
to uma ferramenta analítica são os temas relacionados a violência. A reflexão
acerca desse tema numa perspectiva interseccional permite um deslocamen-
to de uma ideia hegemônica de violência que está localizada em uma natu-
ralização da violência para determinados grupos. As imagens controladoras
para mulheres negras refletem esse aspecto, manter mulheres negras retra-
tadas como matriarcas agressivas e castradoras possibilita que essas mulhe-
res continuem sendo receptáculos de violências de forma cotidiana, organi-
zando essas violências como inevitáveis. A interseccionalidade permite
compartilhar as questões da violência como um problema social amplo, des-
mistificando a exposição de grupos sociais subordinados à violência.
O quarto tema considerado relevante para autora diz respeito a identi-
dade. Segundo Hill Collins a identidade tem ganhado considerável atenção
acadêmica, possibilitando estudos que refletem “como as identidades inter-
seccionadas produzem experiências sociais distintas para indivíduos e gru-
pos sociais específicos”40
O quinto tema elencado por Hill Collins refere-se a uma crítica episte-
mológica da interseccionalidade, segundo a autora há um campo fértil de
estudos que se propõe a refletir como opera a interseccionalidade enquanto
uma epistemologia,
3 CONSIDERAÇõES FINAIS
Parte significativa desse trabalho se deu em um contexto pessoal de deslo-
camento muito profundo, sentido pela experiência da anti-negritude e pelas
ausências. Ainda há uma ausência muito significativa no que diz respeito às
epistemologias negras no Brasil no geral e ao pensamento de Patrícia Hill
Collins no específico, no que pese seu trabalho ser frequentemente citado em
artigos, monografias e materiais acadêmicos sobre raça, gênero e sexualidades,
SUMÁRIO
não há um estudo aprofundado que tenha por escopo organizar o pensamento
da socióloga em questão numa perspectiva interpretativa onde os conceitos
desenvolvidos por ela sejam avaliados enquanto esquemas conceituais para
a teoria crítica. Também é difícil de encontrar uma literatura que busque in-
vestigar as aproximações do pensamento de Collins com o pensamento he-
geliano, estando a maioria das considerações encontradas como citações
breves que destacam a relevância do conceito da dialética do senhor-escravo
para a construção do conceito de matriz de dominação, assim como a noção
de dupla consciência para o conceito de standpointview. Esse diagnóstico
justifica, portanto, um aprofundamento dos tópicos introdutórios apresen-
tados neste texto, exatamente pela relevância que a ação política e o pensa-
mento de mulheres negras tem sido a ferramenta mais potente para que este
grupo subalternizado possa movimentar-se na sociedade apesar das insufi-
ciências do projeto emancipatório ocidental para a realização plena do ser
dessas mulheres.
Creio que seja relevante, portanto aprofundar os desdobramentos apre-
sentados neste texto em um estudo teórico especulativo que proponha uma
análise do potencial do conceito de imagem controladora para uma compreen-
são da não realização do ser, compreendido aqui dentro dos parâmetros hege-
lianos, para as mulheres negras americanas. Considero este um exercício re-
levante para a configuração de uma teoria crítica em direito que esteja atenta
para as questões raciais, que são centrais para a compreensão material da (não)
realização da justiça social no Brasil. O conceito de imagens controladoras
permite articular o terror racial desde a experiência da escravidão até na in-
fluência da cultura de massas para a consolidação da ideologia anti-negritude
enquanto um marco estruturante da sociedade. Possibilita um exercício de in-
corporação de novas formas de pensar sobre problemas sociais, uma que esteja
atenta a interseccionalidade como uma ferramenta analítica que releva con-
tornos marginalizados pela sociologia do direito, como é o caso do aprofun-
damento da violência para mulheres negras, por exemplo.
É necessário que se possa criar ferramentas de análise que permitam
reconhecer as experiências das mulheres negras, mais ainda, recursos teó-
ricos que auxiliem no desenvolvimento de teorias que explodam a fragili-
dade das instituições em solucionar os problemas sociais enfrentados pelas
mulheres negras. Mas, ainda mais relevante é investigar as potencialidades
de projetos de conhecimento que deem conta de contribuir para a análise so-
cial de maneira mais ampla e localizada do que os projetos que temos na
atualidade. É preciso aplicar esses conceitos a grupos outros que não as mu-
lheres negras, estabelecendo a interseccionalidade enquanto um campo de
conhecimento complexo.
Creio que os múltiplos conceitos de interseccionalidade organizados a
partir do pensamento feminista negro especificamente, permitem compreender
SUMÁRIO
de maneira crítica e localizada os ocultismos da retórica da modernidade. Exis-
te uma relação consequencial na organização da interseccionalidade en-
quanto campo de conhecimento que organiza o saber a partir da experiência
e permite uma condução da consciência até si mesma. Através do conceito
de interseccionalidade também é possível compreender porque não há uma
realização completa do “ser para outro” que Hegel descreve para os grupos
subordinados, uma vez que “ser para o outro” implica em condições de al-
teridade que não estão disponíveis em uma sociedade organizado com base
em hierarquizações opressivas. A interseccionalidade permite visualizar
porque essas condições não se realizam para os mais variados grupos, o que
demonstra uma relevância da utilização desse conceito dentro do campo da
sociologia do direito.
A inferiorização está inscrita inexoravelmente ao mundo como ele está
posto, um mundo em que corpo e mente são distintos, em que as experiências
são lidas de forma homogênea e hegemônica e em que a colonização não se
dá apenas numa perspectiva de território, mas especialmente de corpos-men-
tes. Colonizar tem significados de ignorar o mundo vivido do colonizado e
impor outras práticas, outros códigos, outros ser-estar que necessariamente
implicam na anulação do Eu dos colonizados. Mas essa colonização pode
estar vigente em territórios onde o processo de conquista não se deu ou não
se estabeleceu por completo. A questão é que os processos de subordinação
embora distintos, apresentam uma gramática semelhante.
No que pese o objetivo de pensar esses conceitos de forma mais ampla
é relevante destacar que os processos de conhecimento para as mulheres ne-
gras são uma chave emancipatória indispensável. O saber que não passa ne-
cessariamente por uma régua acadêmica, mas que ao ser incorporado a aca-
demia possibilita novos projetos políticos de emancipação e justiça social
onde a liberdade não se reflete de maneira individual, mas numa perspectiva
coletiva, orientada a partir de uma concepção que reúne mais uma vez corpo
e espírito no caminho da consciência.
SUMÁRIO
NOTAS
cismo pode ser utilizado para articular violências raciais que se dão com outros
povos e etnias, como é o quase do racismo anti-nipônico, o racismo contra judeus,
ciganos entre outros. O conceito de anti-negritude me parece mais útil para os fins
dessa discussão uma vez que ele permite centralizar o debate a partir do impacto
da violência racial na população negra. Quando o termo racismo estiver sendo
mencionado no texto refere-se, portanto ao racismo anti-negro.
erences the critical insight that race, class, gender, sexuality, ethnicity, nation,
ability, and age operate not as unitary, mutually exclusive entities, but rather as
reciprocally constructing phenomena. O termo ability pode ser traduzido tanto
como “habilidade” quanto como “capacidade”. Optei por habilidade no sentido
da ausência ou presença de possibilidades de desenvolvimento humano pleno de
um determinado grupo.
gração. Um estudo mais amplo das diásporas pode ser encontrado em BUTLER,
Kim D. Defining diaspora, refining a discourse. Diaspora: a journal of trans-
national studies, v. 10, n. 2, p. 189-219, 2001.
SUMÁRIO
EDWARDS, Brent Hayes. OS USOS DA DIÁSPORA. Translatio, v. 1, n.
13, p. 40-71, 2001.
8
11
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Boitempo Editorial, 2016.
1299, 1991.
1299, 1991.
dido entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras vítimas de homicídios au-
mentou 54,2%. Considerando a vigência da Lei Maria da Penha o número de vítimas
cai 2,1% entre as mulheres brancas e aumenta 35,0% entre as negras. O índice de
vitimização de mulheres negras aumentou significativamente entre 2003 e 2013,
alcançando o impressionante percentual de 66,7%. É relevante destacar que embora
o Mapa apresente um panorama a respeito dos atendimentos às vítimas de violência
pormenorizado por idade, não há dados referentes a raça/cor das agredidas que são
atendidas pelo Sistema Único de Saúde após uma situação de violência.
SUMÁRIO
como a indústria carcerária norte-americana é beneficiada pela política de crimi-
nalização da violência de gênero.
1299, 1991.
1299, 1991.
1299, 1991.
1299, 1991.
SUMÁRIO
COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within: a significa-
ção sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1,
25
p. 99-127, 2016.
SUMÁRIO
COLLINS, Patricia Hill. Intersectionality’s definitional dilemmas. An-
nual Review of Sociology, v. 41, p. 1-20, 2015.
36
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
COLLINS, Patricia Hill. Se perdeu na tradução? Feminismo negro, inter-
seccionalidade e política emancipatória. Parágrafo: Revista Científica de
Comunicação Social da FIAM-FAAM, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017.
SUMÁRIO
DISPUTAS POR SIGNIFICADO JURÍDICO NAS
DEMANDAS DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL DE
TRAVESTIS E TRANSEXUAIS
Simone Schuck da Silva1*
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho é apresentar a revisão bibliográfica da pesquisa de
mestrado da autora, cujo objetivo é analisar como são configuradas as de-
mandas por retificação de nome e sexo no registro civil de travestis e tran-
sexuais2 no interior da gramática jurídica. A pesquisa, ainda em desenvol-
vimento, está estruturada em uma investigação empírica sobre o projeto
“Direito à Identidade: Viva seu nome!” do G8-Generalizando, grupo de di-
reitos sexuais e de gênero do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SAJU/UFRGS). Pelo pro-
jeto, realizado entre os anos de 2013 e 2017, o grupo ajuizou ações judiciais
de retificação do registro civil de travestis e transexuais em Porto Alegre.
Na primeira fase da pesquisa, foram analisadas todas as ações ajuizadas
pelo grupo, ou seja, 179 processos judiciais. A investigação, de caráter quan-
titativo e qualitativo, pretendeu compreender os significados jurídicos-dog-
máticos disputados a partir de um formulário elaborado pela autora sobre
os dados das ações. Na segunda fase da pesquisa, serão utilizados roteiros
de entrevistas semiestruturadas com os agentes envolvidos no projeto do
G8-Generalizando, ou seja, integrantes e ex-integrantes do grupo e repre-
sentantes das instituições jurídicas em que os processos do grupo são julga-
dos. As entrevistas serão aplicadas para possibilitar maior acesso à história
do grupo, que é pouco documentada, e também para ampliar a análise dos
conflitos dogmáticos em razão da pluralidade das construções de sentido
dos sujeitos envolvidos.
A base teórica da pesquisa é a Teoria Crítica do Direito de Franz Neu-
mann (2013) e José Rodrigo Rodriguez (2009), segundo a qual o direito pos-
sui uma racionalidade jurídica procedimental. Portanto, o direito seria ra-
cional quando é capaz de expressar as reivindicações sociais sem destruir
sua forma, ou seja, sem suprimir a tensão entre estado e sociedade, cuja fun-
ção é garantir a autonomia das pessoas. Racionalidade jurídica é compreen-
dida na pesquisa como a institucionalização de procedimentos públicos e
controláveis para a tomada de decisões. A função do Estado de Direito seria,
assim, impor limites ao poder soberano e ao poder privado, com fundamento
no controle social das decisões jurídicas, ou seja, na submissão das razões
de decidir à esfera pública. O objetivo é evitar a privatização do poder e pos-
sibilitar a disputa social da fixação temporária dos significados jurídicos.
Torna-se fundamental analisar, portanto, a recepção dos projetos de ju-
ridificação latentes nas demandas sociais pelas instituições jurídicas exis-
tentes. Significa analisar o desenho das instituições e suas formas regulató-
rias em função dos conflitos sociais e examinar sua capacidade de expressar
as lutas da sociedade, pois cada desenho institucional figura as demandas
sociais plurais de maneira específica, o que determina sua expressão. Tam-
bém a regulação disponibilizada pelas instituições do direito é passível de
SUMÁRIO
transformação em função dos objetivos sociais, assim como as mobilizações
da sociedade são ressignificadas ao demandarem a gramática jurídica.
5 CONSIDERAÇõES FINAIS
O artigo pretendeu apresentar a revisão bibliográfica da pesquisa de mestrado
da autora sobre os conflitos dogmáticos presentes nas demandas por retifica-
ção de nome e sexo no registro civil de travestis e transexuais. Em termos dog-
máticos, o principal conflito identificado está relacionado com a forma regu-
latória do registro. Em suma, há uma disputa entre uma necessidade de
segurança jurídica para os processos de identificação dos sujeitos de direito e
uma exigência de uma regulação social e autônoma do nome e do sexo.
A impossibilidade de modificação do registro civil é justificada em ter-
mos de segurança jurídica, ou seja, pelo seu caráter de interesse social, pois
a identificação das pessoas é imprescindível para que elas sejam posicionadas
em relações jurídicas e a elas sejam designados direitos e deveres. A revisão
bibliográfica considerou, porém, a necessidade de considerar as demandas
de travestis e transexuais por uma regulação mais dinâmica do registro, em
razão de sua função na construção da identidade. As regulações disponibili-
zadas pelo direito devem expressar as demandas sociais com foco na demo-
cratização e na promoção de autonomia. A própria forma direito precisa ser
compreendida como necessariamente inclusiva, pois, ao prometer igualdade
perante a lei em uma sociedade desigual, possibilita elaborar insatisfações
sociais em forma de reivindicações por direitos.
O direito precisa ser configurado em função dos conflitos sociais, pela
sua possibilidade de expressar as lutas da sociedade. Cada forma regulatória
figura e expressa as demandas sociais de maneira diferente e seus desenhos
institucionais podem e devem ser transformados em função de objetivos
SUMÁRIO
sociais. A mobilização da gramática jurídica pelas reivindicações sociais
explicita o direito como um mediador democrático dos conflitos sociais para
além das diversas visões substanciais de mundo. O direito é uma das gra-
máticas pelas quais a sociedade constrói a si mesma e figura suas próprias
instituições e práticas. O direito, portanto, “faz parte da definição dos termos
em que a sociedade funciona” (RODRIGUEZ, 2009, p. 84) e permite uma
maneira de subjetivação do mundo, ou seja, a possibilidade de identificar-
se como sujeito de direitos.
SUMÁRIO
NOTAS
No original, “norms are not static, they can be transformed by the subjects
that are to be formed by them”.
2
No original, “Law, as I explained earlier, becomes for Butler the only ve-
hicle for resistance and, specifically through the practice of the trial, the only force
3
for dissent”.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Ho-
rizonte: Autêntica, 2017.
LENTZ, Luísa Helena Stern. Direito à identidade: viva seu nome. A retifi-
cação do registro civil como meio de conquista da cidadania para travestis
e transexuais. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero, 10., 36.,
2013, Florianópolis. Anais eletrônicos... Florianópolis: Universidade Fede-
ral de Santa Catarina, 2013. Disponível em: <http://www.fg2013.wwc2017.
eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1373341737_ARQUIVO_Fazen-
doGenero2013TrabalhoCompleto-Final.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2017.
LOIZIDOU, Elena. Judith Butler: ethics, law, politics. New York: Rout-
ledge-Cavendish, 2007.
SUMÁRIO
NEUMANN, Franz. O império do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2013.
RENNER, Karl. The institutions of private law and their social functions.
New Brunswick: Transaction Publishers, 2010.
SUMÁRIO
GP 18 – DIREITO, TRABALHO E
ECONOMIA
Coordenação: Carla Appollinario de Castro e
Flávia Almeida Pita
SUMÁRIO
O TRATAMENTO JURÍDICO DO ACIDENTE DO
TRABALHO NA DITADURA CIVIL-MILITAR (1964-
1985)
Carlos Eduardo Soares de Freitas,
bacharel em direito (UFBA), mestre e doutor em sociologia (UnB), professor titular da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), professor adjunto da Universidade Federal
da Bahia (UFBA).
1 qUESTõES INTRODUTÓRIAS
O golpe militar de 1964 estabeleceu um Estado autoritário e repressor. Em
1985, uma iniciativa necessária e ousada da Arquidiocese de São Paulo divul-
gou relatos e denúncias sobre a conduta violenta dos órgãos oficiais contra pes-
soas, entidades e movimentos sociais enquadrados como inimigos do regime,
A obra publicada1 se tornou referência política e de estudos sobre e recente e
sombria história brasileira. A literatura sobre a ditadura indica uma maior in-
tensidade de reação da ditadura civil-militar dirigida ao movimento sindical
logo em seu início (ARNS, 1985; MATTOS, 2014; SCHÜRMANN, 1998).
Na Bahia, o primeiro momento do golpe militar foi sentido fortemente
em categorias profissionais mais mobilizadas. Foi o caso dos petroleiros con-
centrados na Refinaria Landulfo Alves, dos bancários (NEVES, 2008) e de
outros tantos trabalhadores. De uma forma geral, o movimento sindical não
suportou a violência oficial, até por não se encontrar preparado para com-
preender e reagir o que ocorria. Duas opiniões ilustram esse momento e apre-
sentam a posição que se encontravam as lideranças na época: Ruy Mauro Ma-
rini percebe a fragilidade de resistência da classe trabalhadora:
SUMÁRIO
(CNV, 2014), e as limitações impostas às negociações coletivas. No primei-
ro quesito, Betina Schürmann apresenta um quadro numérico representativo
da situação: “As intervenções do Ministérios do Trabalho deram-se em 70%
dos sindicatos com mais de 5 mil membros, em 38% daqueles com filiação
entre mil e 5 mil e somente em 19% nos sindicatos menores, com menos de
mil filiados” (1998, p.28). O golpe militar atingiu o movimento sindical rá-
pida e intensamente. No caso do Sindicato dos Bancários da Bahia, o presi-
dente Raymundo Reis foi deposto logo no primeiro momento. Raymundo
Reis era, então, um militante ativo na construção e no fortalecimento dos
sindicatos baianos (NEVES, 2008). Com as intervenções nos sindicatos e
os afastamentos de sindicalistas que se constituíam em lideranças legitimas
das categorias profissionais, o regime militar acabou por anular, de fato, o
exercício do direito de greve, já bastante dificultado pela Lei nº 4.330, de
junho de 1964, encaminhada pelo governo logo após o Golpe.
Assim, além do terror das perseguições e do abatimento dirigido às li-
deranças, a ditadura aplicava, em paralelo, alterações normativas que imo-
bilizavam quaisquer condutas ousadas ou resistências na busca de garantias
de direitos trabalhistas coletivos ou individuais.
SUMÁRIO
Com efeito, deve-se lembrar que, sob vários aspectos, em 1964 foi dado um
golpe contra os trabalhadores brasileiros. Confirma-o o financiamento da
derrubada de Goulart pela Federação de Indústrias do Estado de São Paulo,
que, segundo a Comissão desse Estado, subornou o General Amaury Kruel,
que comandava o II Exército, para que traísse o Presidente da República,
bem como colaborou com a repressão com dinheiro, armas, veículos e cons-
trução de imóveis como cadeias clandestinas.
SUMÁRIO
NOTAS
Trata-se do livro Brasil: Nunca Mais, editado pela Vozes, e desde então
teve várias edições, além de muito comum em sebos, o que mostra como se tornou
1
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
FERNANDES, Pádua. Justiça de transição e o fundamento nos direitos
humanos: perplexidades do relatório da Comissão Nacional da Verdade
brasileira. In KASHIURA JR., Celso Naoto; AKAMINE JR., Oswaldo; e
MELO, Tarso, Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas ju-
rídicas. São Paulo: Outras Expressões; Editorial Dobra, 2015.
SUMÁRIO
THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa III – A força
dos trabalhadores. 2ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1987.
SUMÁRIO
DIREITO E JUSTIÇA: REFLEXÕES SOBRE A
FORMAÇÃO DE UMA ELITE E SUA INTERFERÊNCIA
NO ÂMBITO JURÍDICO
Gil Ricardo Caldeira Hermenegildo1
Jonathas Tadeu de Faria Silva2
1 INTRODUÇÃO
O Brasil possui um dos valores mais altos de spread3 bancário, para se ter
uma ideia dessa situação, em uma análise de dados recentes, porquanto a
média global do spread bancário é de 6,2%, o spread brasileiro, atualmente,
atinge o percentual de 41,6%, sendo que mesmo com relação a outros países
emergentes como China, Rússia e Argentina, os valores cobrados no Brasil
são extremamente elevados (DANA, 2017).
Da mesma forma, as instituições financeiras do país praticam também
uma das mais altas taxas de juros do mundo, de modo que mesmo havendo
SUMÁRIO
notícias de queda, os juros no cartão crédito, atualmente, atingem o percen-
tual de 422,5% ao ano (LIS, 2017).
Uma das consequências dessa situação que mais chamam atenção são os
altos lucros obtidos por essas instituições financeiras que, independentemente
do momento em análise da economia do país, se mantêm sempre elevados e
em estado recorde, conforme se pode perceber:
Dessa forma, de uma maneira bem simplista, tal fórmula poderia ser ex-
plicada da seguinte maneira, D é o dinheiro investido por um empresário, por
exemplo, para aquisição de matéria prima ou meios de produção (Mp) e força
de trabalho (F), ou seja, a mercadoria necessária para produção que representa
M5, que uma vez adquirida, propicia o início da produção, representada por
P. Antes de explicar o restante dos outros elementos do ciclo, quais sejam M`
e D`, se faz necessário lembrar que é na produção marcada pela exploração
através da mais-valia6 que grande parte do lucro será gerado. Enfim, M` é o
resultado desse processo de produção que, ao ser vendido, gerará D`, ou seja,
o fruto de D, o capital investido inicialmente. O movimento cíclico está no
fato, de que ao obter D`, parte desse dinheiro será novamente investido em
uma nova produção e assim sucessivamente. Exemplificando, é como pensar
em uma metalúrgica, que investe na compra de minério de ferro, para produzir,
SUMÁRIO
por exemplo, talheres, constantemente há a necessidade de comprar matéria
prima para fabricar um produto final que será distribuído no mercado.
Esse processo de produção fica a cargo da indústria, que modifica ele-
mentos encontrados na própria natureza para criar mercadorias que tenham
um valor de uso e atendam as mais irrestritas necessidades humanas. Assim,
a atividade industrial aqui pode ser ocupada por qualquer capitalista que
crie novos produtos a partir de transformação da matéria prima.
Entretanto, conforme observa Marx, até que se complete um ciclo de
produção, perde-se muito tempo, e consequentemente capital. Por isso,
como bem observa o autor, com o desenvolvimento do capitalismo surge
uma classe especializada em cuidar da circulação da mercadoria produzida,
ou seja, o comercio.
Nesse sentido, o processo produtivo de qualquer sociedade capitalista
é marcada por uma associação e organização de agentes econômicos, senão
vejamos:
O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para
meus estudos, pode ser formulado, resumidamente, assim: na produção social
da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessá-
rias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a
um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais.
A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da so-
ciedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política
e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. (MARX,
2008, p. 47)
O que se percebe é que para Marx (2008), o Estado, com todas as suas
características e atribuições, poderia ser facilmente compreendido como um
instrumento a serviço do modo de produção e, por consequência, de todas
as classes econômicas dominantes que o integram.
Dentro dessa lógica, o direito e a política atuariam como mecanismos
mantenedores dessa ordem social que é consequência desse sistema econô-
mico. E sendo assim, duas seriam as funções principais de um ordenamento
jurídico dentro das sociedades capitalistas: a primeira de legitimar condutas
aparentemente injustas e arbitrárias das elites e a segunda de exercer um
controle sobre todo corpo social, adequando a sociedade a um modo de fun-
cionamento coordenado, que atenda aos interesses do capital.
Com base nisso, não seria equivocado de se afirmar, assim como o faz
Huther (2004), que o pensamento marxista pode ser lido como uma espécie
de teoria das elites, já que claramente parte do pressuposto de que existe um
grupo minoritário de burgueses que consegue controlar e manipular toda a
sociedade na qual está inserido a fim de que essa satisfaça seus interesses.
Além disso, muito embora não tenha adentrado de forma mais profunda
SUMÁRIO
ao mérito da questão, Marx (2010) sabia que “a burguesia não pode existir
sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por con-
seguinte, as relações de produção, portanto, todos os conjuntos das relações
sociais” (MARX, 2010, p. 48).
A partir disso, pode-se afirmar que a burguesia possui a sina de conti-
nuamente reinventar formas de se manter no poder, ou seja, de criar novos
meios de revolucionar a base de legitimidade que sustenta a estrutura de
poder posta nas sociedades capitalistas.
Partindo dessa lógica, percebe-se uma aproximação importante das
conclusões de Marx a um dos autores mais clássicos da teoria das elites,
Gaetano Mosca, conforme se percebe na passagem abaixo:
É isso que faz com que o mundo social seja sistematicamente distorcido e fal-
seado. Todos os privilégios e interesses que estão ganhando dependem do su-
cesso da distorção e do falseamento do mundo social para continuarem a se re-
produzir indefinidamente. A reprodução de todos os privilégios injustos no
tempo depende do “convencimento”, e não da “violência”. Melhor dizendo,
essa reprodução depende de uma “violência simbólica”, perpetrada com o con-
sentimento mudo dos excluídos dos privilégios, e não da “violência física”. É
por conta disso que os privilegiados são os donos dos jornais, das editoras, das
universidades, das TVs e do que se decide nos tribunais e nos partidos políticos.
Apenas dominando todas essas estruturas é que se pode monopolizar os recur-
sos naturais que deveriam ser de todos, e explorar o trabalho da imensa maioria
de não privilegiados sob a forma de taxa de lucro, juro, renda da terra ou alu-
guel. (SOUZA, 2015 p. 5-6)
SUMÁRIO
Ademais, toda essa conjuntura revela tanto a ideia de patrimonialismo,
quanto questão do desenvolvimento de um capitalismo de laços, em que a
agenda política e jurídica do país se encontra construída por uma teia de re-
lações que envolve políticos, banqueiros e juristas, numa estrutura de ami-
zade, lobby e troca de favores recíprocos, para manutenção de interesses
pessoais, senão vejamos:
SUMÁRIO
indiretos a empresas privadas. Pouco importará se o projeto proposto for efeti-
vamente executado ou não, ou se for executado com a lisura necessária. Pelo
contrário: quanto maior o superfaturamento do investimento público, maiores
as chances de o político conseguir desviar recursos — o montante que exceder
o custo real do projeto — para financiar sua campanha eleitoral. Em vez de re-
ceber 100, a empresa ganha 150 com um projeto superfaturado e repassa parte
desse diferencial (50) para o candidato. É o popular “caixa dois”.
[...]
Não é por caso que, frequentemente, surgem no Brasil denúncias relaciona-
das a financiamentos ilegais de campanha. Em 1992, as movimentações ile-
gais coordenadas por Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de
Fernando Collor de Melo, levaram à deposição do então presidente. Na ree-
leição de FHC em 1998, doações de campanha não declaradas também re-
percutiram na mídia. E, no primeiro mandato de Lula, o chamado “escân-
dalo do mensalão” revelou uma teia impressionante de interesses envolvendo
coordenadores de campanha, agências de propaganda, fundos de pensão, es-
tatais e não estatais viabilizando recursos financeiros a partidos. Doações têm
papel destacado no cenário político brasileiro. (LAZZARINI, 2011, p. 82)
SUMÁRIO
O segundo personagem é Olavo Egydio Setúbal, que além de controlador
do Banco Itaú, foi prefeito da cidade de São Paulo no período 1975-1979,
ministro de Relações Exteriores no período 1985-1986 e um dos principais
líderes do Partido Popular – PP em São Paulo. Segundo o DHBB (2002),
teve grande influência sobre a administração Franco Montoro, no período
1983- 1987, através da indicação de João Sayad para a Secretaria de
Fazenda. [...]
[...] Não podemos deixar de observar também outros banqueiros brasileiros
famosos, que ao longo de suas vidas desempenharam importantes papéis
tanto no mundo financeiro como no político. Entre eles temos Amador
Aguiar que durante muitos anos foi o principal banqueiro do poderoso
Bradesco, o maior banco privado brasileiro. Muito discreto Aguiar preferia
atuar no mundo político através de terceiros, entre os quais vamos encon-
trar um dos diretores do banco, Laudo Natel, governador de São Paulo nos
períodos 1966-1967 e 1971-1975 e uma das principais lideranças políticas
do regime militar em São Paulo. (PEREIRA, 2004, p. 22)
SUMÁRIO
será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalida-
des, nos termos que a lei determinar. (BRASIL, 1988) (grifo nosso)
SUMÁRIO
Banco faz Negócio” (BB Info 802, de 07.07.97). O fato é que há indícios, de
longa data, de que o próprio Estado Brasileiro não tem o controle da econo-
mia do país e muito menos do Sistema Financeiro Nacional. (NOMURA;
PEREIRA, 2014, p. 24)
5 CONCLUSÃO
Diante de tudo o que foi dito, pode-se concluir que não só as instituições fi-
nanceiras, como também outros grupos de capitalistas, a exemplo dos seg-
mentos da indústria e do comércio, associam-se entre si, para produção e re-
produção do ciclo do capital, de forma que cada um desses possui um papel
mais ou menos determinado na fabricação de produtos para satisfação das
mais variadas necessidades humanas.
O papel das instituições financeiras é e sempre foi essencial para o
modo de produção capitalista alcançar o alto grau de desenvolvimento e so-
fisticação que percebemos hoje, vez que através do seu poder de transferir
capital entre agentes superavitários e deficitários, essas conseguem promo-
ver a liquidez de que o mercado tanto necessita para sua evolução.
O estado desempenha um papel fundamental na manutenção dessa
ordem, na medida em que, aparentemente, conserva e estrutura a sociedade
para servir a esse sistema, socorrendo esses agentes financeiros sempre que
preciso, de modo que a participação do poder público torna-se indispensável
para os fins dessas elites econômicas.
Nesse sentido, ao se observar o funcionamento das sociedades capita-
listas, percebe-se que tanto o direito quanto a política estão de certa maneira
submetidos à finalidade de atender as necessidades do modo de produção,
se adaptando as suas contradições e criando uma base de aceitação e legiti-
midade para essa situação.
Desse modo, torna-se imperioso o estudo da teoria das elites, para que
se entenda como esse fenômeno se dá, sendo possível de se perceber que a
organização dessas elites é primordial, já que muito embora sejam compos-
tas por segmentos heterogêneos, ou seja, por interesses aparentemente di-
vergentes, em nome da perpetuação de seu domínio, esses grupos devem se
unir em prol de seu objetivo final, controle do estado para fruição dos pri-
vilégios que o acompanham.
SUMÁRIO
Dentro dessa perspectiva, o direito tem o papel essencial de contribuir
e corroborar para toda essa lógica, vez que naturaliza, objetiva e legitima a
forma de atuar da elite.
SUMÁRIO
NOTAS
A taxa legal de juros é regulada pelo art. 406 do CC que determina que
“Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa es-
4
Para Marx “o preço, da força de trabalho vendida pelo seu detentor como
mercadoria é pago sob a forma de salário, isto é, como o preço de uma soma de
5
trabalho que contém trabalho excedente” (MARX, 2016, p. 40). Nesse sentido, a
força de trabalho somada aos meios de produção adquiridos geram a produção.
SUMÁRIO
Súmula vinculante 7 – A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, re-
vogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais
8
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que [...]
10
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
DANA, Samy. por que o spread bancário do Brasil é tão alto? 27 abr.
2017. Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/blog/samy-
dana/post/por-que-o-spread-bancario-do-brasil-e-tao-alto.html> Acesso em:
31 out. 2017.
HUTER, Jacques Coenen. Sociologia das Elites. 1 ed. Lisboa: Instituto PIA-
GET, 2004. 199p.
LEITE, Gisele. Teoria das elites ou elitismo. [S.1] Âmbito Jurídico, 1998-
2017. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/index.php/Ricar-
do%20Antonio?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1135&revista_c
aderno=24 > Acesso em: 05 de out. de 2017.
LIS, Laís. Juro do cartão de crédito cai 67,8 pontos e fica em 422,5% em
abril. 25 mai. 2017. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/no-
ticia/juro-do-cartao-de-credito-cai-678-pontos-e-fica-em-4225-em-
abril.ghtml > Acesso em: 31 out. 2017.
SUMÁRIO
MARX, Karl. O Capital Livro 2. Vol. 2. 15ª edição, Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 2016. 598p.
SOTO, Jesús Huerta de. Crédito Bancário e Ciclos Econômicos. 1ª ed. São
Paulo: Instituto Ludwig von Mises. Brasil, 2012. 736 p
SUMÁRIO
O PRECARIADO E O PANORÂMA DOS ESTAGIÁRIOS
E DAS ESTAGIÁRIAS NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA
BRASILEIROS.
Nícolas Braga Fröhlich,
graduando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
Rio Grande do Sul.
Abstract: This article seeks to bring the problematic around the Precariat, con-
cept used by the author Guy Standing and problematized by Giovanni Alves
and Ruy Braga. In the face of the most varied perceptions about the Precariat,
it investigated through the dialogue between the authors to define who is in-
serted in this “new class”. As stated by Standing, the interns are part of this
group stripped of state policies, without representative association/union that
represents them legally and politically, besides being at the margin of labor
legislation. To investigate the situation of the interns of the Brazilian Courts of
Justice, resorted to the reports of the CNJ and sites of these Courts to verify if
there’s a possibility to correlate Internship and Precariat.
SUMÁRIO
Keywords: Law; Precariat; Internship; CNJ; Courts;
INTRODUÇÃO
A experiência de estágio é comum a praticamente todos os profissionais da
área jurídica, especialmente durante o curso de graduação em Direito. No
Brasil, a atividade é regulamentada pela lei especial 11.788/08, popularmente
conhecida como Lei do Estágio que discrimina as situações em que é possível
empregar estagiários e estagiárias e garante a eles e a elas uma série de direi-
tos. No entanto, mesmo diante desta garantia legal, parece haver indícios de
que este tipo de mão de obra esteja sendo utilizado para precarizar o trabalho
no setor público, que tende a empregar estagiários e estagiárias para evitar
contratar servidores e servidoras públicas efetivas.
Em razão disto, o presente artigo visa apresentar indícios de precarização
da mão de obra estagiária no setor público, mais especificamente, nos Tribunais
de Justiça, a partir do exame dos dados disponíveis e divulgados pelo Conselho
Nacional de Justiça e pelos próprios sítios eletrônico destes tribunais. Trata-se
de uma investigação inédita, que pretende abrir um campo de indagação ainda
inexplorado no Brasil a partir de uma investigação e crítica das informações
oficiais sobre o trabalho de estágio disponíveis publicamente.
Como aporte teórico inicial, recorremos a Guy Standing (2014a), em
sua obra O Precariado. A nova classe perigosa, que classifica os estagiários
e estagiárias como parte do precariado em razão da extensão do estágio para
além de seu prazo normal e da utilização desta forma de contratação para
substituir trabalhadores e trabalhadoras convencionais. Com fundamento
neste segundo argumento é que este artigo irá situar o trabalho de estágio no
contexto do precariado.
Este neologismo, como define Standing, é resultado da combinação entre
“o adjetivo ‘precário’ e o substantivo relacionado ‘proletariado’” (STAN-
DING, 2014, p. 23). Esta “nova classe” em ascensão, nas palavras do autor
(que difere de Ruy Braga e Giovanni Alves), normalmente é constituída por
trabalhadores e trabalhadoras com nível razoavelmente alto de educação for-
mal, mas que se sentem frustradas pelo alto grau de subordinação, baixas con-
dições de trabalho e insegurança quanto aos seus direitos já que não tem quem
os represente enquanto classe.
Como veremos a seguir, 15,3% (aproximadamente 41.490 estudantes)
em média do corpo funcional dos Tribunais de Justiça Brasileiros é composto
de estagiários e estagiárias, uma parcela significativa dos trabalhadores em-
pregados por estas instituições. Estes dados são oficialmente disponíveis pelo
SUMÁRIO
CNJ através do Relatório Justiça em Números (anos 2015 e 2014) e fornecem
dados quanto ao número de trabalhadores e trabalhadoras estagiários, quanto
as despesas dos tribunais estaduais com seus servidores e auxiliares da justiça,
suas remunerações, carga horária entre outras informações.
2. O pRECARIADO
Definir o que é precariado requer bastante cautela. Guy Standing (2014a)
compreende, em síntese, o precariado como uma nova classe em ascensão
sem proteção/garantias normativas, com rendimentos incertos e sem repre-
sentatividade coletiva. Normalmente são jovens estudantes que estão bus-
cando a oportunidade de um emprego formal, mas que muitas vezes acabam
desenvolvendo atividades informais, de baixa remuneração, transitórias e
que naturalmente frustram suas expectativas.
Standing entende o precariado como uma nova classe social, fruto do de-
senvolvimento da globalização e da política neoliberal, resultando em uma
“fragmentação das estruturas de classe nacionais”. Para Standing a nova es-
trutura de classe é definitivamente fragmentada, rompendo com o conceito que
define a classe trabalhadora. Sua justificativa para o surgimento desta nova
classe “perigosa” é resultado da flexibilização das relações de trabalho, termo
que o autor utiliza ao longo de sua obra (STANDING, 2014a, pp. 23-24).
Características do precariado, como instabilidade empregatícia, baixos
salários, dificuldade de se organizarem coletivamente (por não terem quem
os represente), forte sujeição aos empregadores, desempenho de atividades
que transcendam as suas competências são algumas das marcas que definem
a problemática desta “nova classe”. Este coletivo de trabalhadores e trabalha-
doras, por esta razão, encontra-se na precariedade, tendo uma vida de com-
pletas frustrações diante das suas altas expectativas, como sugerido por
Standing, Braga e Alves.
Diante dessas razões, Standing ao vislumbrar o precariado enquanto
nova classe em formação (conforme o próprio título convida-nos a enten-
der), distancia-se do conceito clássico de proletário e aproxima-se da con-
ceituação de “salariado”, conforme aponta Ruy Braga em uma breve análise
sobre a obra O precariado. A nova classe perigosa. (BRAGA, 2014a).
Para Braga, o precariado por si só já está incluso no conceito de prole-
tariado, porém notoriamente sendo a parte precarizada desta classe social,
isto é, sem as garantias e estabilidade no trabalho que parte do proletário
tem. Como é possível vislumbrar, Braga parte do conceito marxista de su-
perpopulação relativa para conceituar a ideia de precariado ou proletariado
precarizado. (2012, p. 18)
De acordo com o autor, existem três razões para esta definição de pre-
cariado, que se diferencia da de Standing: a) permite localizar o precariado
SUMÁRIO
“no coração do próprio modo de produção capitalista” e não apenas como
uma parte secundaria da crise do fordismo; b) compreender esse grupo como
parte da classe trabalhadora e não como nova classe, e por último; c) a inse-
gurança da relação salarial possibilita “tratar a precariedade como uma di-
mensão intrínseca ao processo de mercantilização do trabalho” (BRAGA,
2012, p. 18-19).
Em linha de raciocínio bastante próxima a Braga, porém com peculiari-
dades precisas, é oportuno recorrer as lições de Giovanni Alves, que define o
precariado como não sendo uma nova classe social, mas sim uma nova camada
do proletariado, constituída diretamente por jovens-adultos altamente escola-
rizados que não estão sujeitados a relações sociais e laborais precárias (2013b).
Neste sentido, precariado consiste em um grupo munido de conheci-
mento formal (normalmente jovens pertencentes a classe média) porém que
enfrentam a precarização nas relações de trabalho – sem qualquer entidade
que os represente – e consequentemente vivem uma vida de frustrações e
incertezas (ALVES, 2013a, p. 199). Estas frustrações são fruto da grande
expectativa criada por esta juventude em aspirar a carreiras bem-sucedidas,
o que muitas vezes não ocorre, mesmo com o alto grau de conhecimento for-
mal adquirido em cursos, formações acadêmicas e estágios profissionais.
Significa dizer que essa “camada média” do proletário, constituída por
jovens, predominantemente, vem encontrando grandes dificuldades na sua
inserção no mercado de trabalho, aonde a grande concorrência e baixa oferta
de emprego – que correspondam as suas expectativas – principalmente em
tempos de crise, faz com que eles optem por empregos instáveis, precariza-
dos e de baixa remuneração.
Para melhor definir este conceito é muito importante verificar o local
de fala dos autores. Standing traz inúmeros exemplos do que consiste o pre-
cariado a partir das experiências europeias, aonde, nas palavras de Ruy
Braga, o capitalismo é avançado.
Por este motivo, Braga define as lições trazidas por Standing como de
suma importância, principalmente no aspecto relacionado as frustrações oca-
sionadas pelas incertezas do emprego. Porém, para o autor, é necessário olhar-
mos com ressalvas para a realidade destes países ditos “desenvolvidos” e a
realidade que assola os países periféricos, como o Brasil, por exemplo, aonde
as condições de trabalho são significativamente piores (BRAGA, 2012).
SUMÁRIO
De qualquer modo, tendo o “status” de classe ou não, é possível verificar
o crescimento do precariado a partir da flexibilização das relações de trabalho,
gerando insegurança não só no trabalho como na vida. Isto porque as incertezas
que permeiam o precariado transcendem a relação salarial, pois notoriamente
este grupo, segundo Standing (2014b, pp. 9-24), tem menos direitos e proteção
social dos Estados do que os demais trabalhadores e trabalhadoras.
3. O pRECARIADO NO BRASIL
Como dito anteriormente, o precariado assume formas bastante variadas nos
diversos países de economia capitalista, tanto é que Standing traz consigo
inúmeros exemplos que remetem a este grupo. Em tempos de crise, porém,
a fórmula é a mesma: flexibilização do mercado do trabalho, substituição
dos trabalhadores assalariados por trabalhadores/as temporários, diminuição
dos salários, entre outros mecanismos para manter a reprodução do capital
e a ordem imposta por ele.
4. O ESTáGIO E O pRECARIADO
Será possível relacionar estágio com o Precariado? Para Guy Standing, a ideia
de estágio comercializada aos jovens e seus respectivos familiares é de cres-
cimento futuro e de acumulo de experiência, porém, conforme propõe, seria
necessário olharmos de forma bastante criteriosa quanto as reais intenções da
utilização da mão de obra estagiária.
As propostas de estágio segundo o autor “são apresentadas como uma
forma de ganhar experiência útil destinada a fornecer, direta ou indiretamente,
SUMÁRIO
uma entrada potencial para um emprego regular”. É neste sentido que os jo-
vens estão competindo entre si por estes postos que por vezes nem remune-
rados são, na esperança de que venham a adquirir experiência útil para que
ocupem bons postos de trabalho no futuro (STANDING, 2014a, p. 120).
Standing considera que mesmo que haja um pagamento para as ativida-
des realizadas em estágio, os mesmos estão fazendo um trabalho sem pers-
pectivas de progresso, “que pressiona para baixo os salários e as oportunidades
de outros que normalmente poderiam ser empregados” (2014a, p. 121).
É essa expectativa de crescimento profissional aliada com a posterior frus-
tração de não realizar estes anseios que leva o precariado a um estado de pre-
carização profissional e existencial permanente. Neste sentido, o estágio de
fato pode beneficiar alguns jovens na hora de procurar um emprego estável –
com garantias trabalhistas, melhor remuneração, propensão de crescimento –
porém, segundo Standing, o investimento pago pela família do (a) estagiário
(a) é incerto, ou é visto “como comprar um bilhete de loteria” (2014a, p. 122).
Nesta mesma linha de raciocínio, Alves define o precariado como “ge-
ração casinha dos pais” pois estes não conseguem autonomia financeira, vi-
vendo e necessitando da proteção dos pais/familiares, o que se pressupõem
ocorrer por exemplo com muitos estagiários e estagiárias.
Na medida em que são a ‘geração casinha dos pais’, os ‘precários’ não con-
seguem completar o ciclo de socialização da vida adulta tendo em vista que
mantêm laços de dependência familiares. A incompletude da socialização
adulta dos ‘jovens-adultos-flexíveis’, com o prolongamento do tempo de ju-
ventude, tende a ter implicações sociais, culturais e psicológicas sobre o
modo de ser/estar ‘precário’ (ALVES, 2013a, p. 199).
SUMÁRIO
TJ PARANÁ 1.884.504.300 45.858.308 108.734.941
(FRO
̈ HLICH, N. B. 2017)
ACRE 1.528 1.513 279 (15%) 244 (13,1%) Não tem 81 (4,3%)
(81,9%) (81,1%)
ALAGOAS 1.958 1.784 204 (7,9%) 263 (11%) 376 323
(75,5%) (74,4%) (14,5%) (13,5%)
AMAPÁ 1.337 (65%) 1.308 501 (24,3%) 404 (21,2%) 220 215
(68,7%) (10,7%) (11,3%)
AMAZONAS 1.893 1.700 680 (26,4%) 730 (28,2%) Não tem 172 (6,7%)
(73,6%) (65,7%)
BAHIA 9.438 9.830 1.007 (9,1%) 1.979 105 (1,%) 1.103
(85,5%) (73,9%) (14,9%) (8,3%)
SUMÁRIO
BAHIA 9.438 9.830 1.007 (9,1%) 1.979 105 (1,%) 1.103
(85,5%) (73,9%) (14,9%) (8,3%)
CEARÁ 3.601 3.916 660 (12,4%) 500 (9,2%) 1.034 1.041
(67,4%) (71,7%) (19,4%) (19,1%)
DFT 7.235 7.479 1.858 1.468 1.858 987 (9,7%)
(64,4%) (73,6%) (16,5%) (14,5%) (16,5%)
ESPÍRITO SANTO 3.964 3.971 2.076 1.611 1.129 670
(54,8%) (63,4%) (28,6%) (25,7%) (15,5%) (10,7%)
GOIÁS 5.534 5.383 1.757 1.875 1.640 1.291
(61,3%) (62,8%) (19,5%) (21,9%) (18,2%) (15,1%)
MARANHÃO 5.359 5.487 288 (4%) 36 (0,5%) 1.509 1.382
(74,5%) (80,2%) (21%) (20,2%)
MATO GROSSO 4.297 4.324 1.186 (17%) 979 (15,5%) 1.319 894
(61,4%) (68,6%) (18,9%) (14,2%)
MATO GROSSO 3.380 3.322 649 (13,5%) 672 (14,2%) 546 525
DO SUL
(70,1%) (70,2%) (11,3%) (11,1%)
MINAS GERAIS 15.631 16.098 4.037 3.320 6.428 5.370
(59,1%) (64,5%) (15,3%) (13,3%) (24,3%) (21,5%)
PARÁ 4.736 4.788 952 (14,3%) 823 (13%) 917 753
(71,1%) (75,7%) (13,8%) (11,9%)
PARAÍBA 4.105 4.180 355 (7,3%) 418 (8,6%) 355 (7,3%) 318 (6,5%)
(84,7%) (85,7%)
PARANÁ 8.483 7.978 3.298 3.192 1.850 2.459
(57,1%) (53,4%) (22,2%) (21,4%) (12,4%) (16,5%)
PERNAMBUCO 7.483 8.082(77,8% 371 (3,9%) 701 (6,7%) 1.454 1.479
(78,3%) ) (15,2%) (14,2%)
PIAUÍ 2.193 2.458 12 (0,5%) 110 (4,1%) Não tem Não tem
(94,6%) (92,9%)
RIO DE JANEIRO 15.358 15.728 4.712 4.465 (17%) 3.842 3.924
(59,1%) (59,9%) (18,1%) (14,8%) (14,9%)
RIO GRANDE DO 2.999 3.015 306 (7,4%) 400 (9,8%) 809 712
NORTE
(72,9%) (73,8%) (19,7%) (17,4%)
RIO GRANDE DO 8.264 8.072 3.454 3.217 2.868 2.777
SUL
(53,3%) (53,7%) (22,3%) (21,4%) (18,5%) (18,5%)
RONDÔNIA 2.893 2.932 601 (15,3%) 625 (15,7%) 442 393 (9,9%)
(73,5%) (73,7%) (11,2%)
RORAIMA 810 (62,4%) 820 (68,4%) 241 (18,6%) 205 (17,1%) 141 126
(10,9%) (10,5%)
SANTA CATARINA 7.059 6.982 2.636 2.984 2.198 2.110
(55,7%) (53,6%) (20,8%) (22.9%) (17,3%) (16,2%)
SÃO PAULO 46.500 46.157 10.215 9.675 9.432 10.074
(70%) (70%) (15,3%) (14,7%) (14,2%) (15,3%)
SERGIPE 3.147 3.205 (78%) 461 (11,8%) 459 (11,2%) 315 (8%) 550
(80,2%) (13,4%)
SUMÁRIO
TRIBUNAIS DE 180.911 182.316 42.716 41.490 41.105 40.003
JUSTIÇA
(66,3%) (67,4%) (15,6%) (15,3%) (15,1%) (14,8%)
ESTADUAIS
SERGIPE 3.147 3.205 (78%) 461 (11,8%) 459 (11,2%) 315 (8%) 550
(80,2%) (13,4%)
TOCANTINS 1.723 1.804 147 (6,6%) 135 (6,1%) 318 274
(77,4%) (81,8%) (14,3%) (12,4%)
TRIBUNAIS DE 180.911 182.316 42.716 41.490 41.105 40.003
JUSTIÇA
(66,3%) (67,4%) (15,6%) (15,3%) (15,1%) (14,8%)
ESTADUAIS
(FRO
̈ HLICH, N. B. 2017)
SUMÁRIO
5.2 INFORMAÇõES DOS pORTAIS ELETRôNICOS DOS TRIBUNAIS DE
JUSTIÇA
Estas informações foram coletadas a partir de uma análise nos sítios eletrô-
nicos dos Tribunais de Justiça brasileiros. Em um primeiro momento pro-
curou-se dados sobre estagiários e estagiárias nos portais de transparência
destes Tribunais, porém, diante da ausência destas informações buscou-se
o em todo o portal eletrônico.
Com relação aos Portais Eletrônicos dos Tribunais de Justiça a primeira
situação que merece atenção em nossa análise é a carência de informações
sobre os estagiários e estagiárias. Um exemplo disso é a falta de um link
sobre estágios na homepage – em alguns tribunais – ou em outro lugar aces-
sível a população e aos próprios candidatos a uma vaga de estágio.
Não obstante a isso, constatou-se que pelo menos em sete tribunais não
foi possível localizar qualquer informação referente a estagiários e estagiá-
rias. São eles: Tribunais de Justiça de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo,
Maranhão, Mato Grosso, São Paulo (este último, foi possível localizar uma
reportagem sobre estágios de 17/08/12 que refere o valor da bolsa auxílio).
Outro dado importante que merece atenção é a ausência de informações
sobre estágio nos portais de transparência destes tribunais (como dito ante-
riormente), ou seja, não há dados sobre número de estagiários, aonde estão
lotados ou a qual curso superior estão inseridos (direito, psicologia, serviço
social, entre outros). À falta dessas informações, dado que já é significativo,
as hipóteses levantadas neste texto se basearam mais fortemente nos rela-
tórios do CNJ disponíveis.
Com relação ao número total de estagiários, apenas os Tribunais de
Justiça do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, apresentaram estes dados
em seus portais eletrônicos, porém não há especificações quanto a curso,
nível educacional e outras informações. Ainda assim, estes números são di-
versos dos apresentados pelo relatório anual elaborado pelo CNJ. Tal diver-
gência dos dados poderia ser explicada em razão da atividade de estágio ser
realizada por tempo determinado (máximo de 2 anos), e, portanto, estar su-
jeita a maiores indeterminações quanto ao número total destes estudantes.
Já com relação a inserção destes e destas estudantes às vagas de estágio,
normalmente são abertos editais/concursos. Percebeu-se que estes concur-
sos são feitos normalmente por empresas vinculadas aos estágios, como
CIEE, ou pelos próprios tribunais, através das repartições competentes de
cada tribunal. Foi possível vislumbrar que em regra são feitas provas obje-
tivas e entrevistas com os concorrentes, onde serão selecionados aqueles
que atingirem uma pontuação mínima necessária.
Referente aos valores das bolsas auxílio, verificou-se que estes são bas-
tante variados, correspondendo normalmente ao salário mínimo nacional
para os estágios de nível superior e abaixo aos de ensino médio. Com os dados
SUMÁRIO
obtidos nos sítios eletrônicos destes tribunais, foi possível verificar que o
tribunal que melhor remunera é o de Minas Gerais (R$ 1.047,00 + auxílio-
transporte, em pecúnia, em quantia equivalente a dez por cento do valor da
bolsa de estágio). Já o que apresenta a remuneração mais baixa da bolsa-au-
xílio, é o Tribunal de Justiça do Pará (R$440,00 sem especificações quanto
a auxílio-transporte). Todavia, não se sabe se estes valores correspondem
ao atual valor, já que como dito anteriormente, tais informações são escassas
e não trazem a informação quanto à sua data.
Quanto as modalidades de estágio remunerado, verificou-se que pode-
ríamos dividi-las em até quatro: estágio ensino médio, estágio ensino supe-
rior, estágio de pós-graduação e estágio conciliados.
Em relação ao estágio de pós-graduação, o mesmo foi encontrado so-
mente no Tribunal de Justiça do Paraná. Já nos casos de estágios conciliado-
res, estes foram encontrados em dois tribunais: Tribunais de Justiça do Rio
Grande do Norte e de Rondônia. No entanto, não significa dizer que não pos-
sam haver estagiários e estagiárias conciliadoras nos demais tribunais de jus-
tiça. Ocorre que nestes tribunais existe uma diferenciação remuneratória
entre estas “modalidades” e por isso tornou-se evidente a diferenciação.
Ocorre que a escassez de informações dificulta significativamente um
maior controle legal sobre as instituições concedentes de vagas de estágio.
No caso em questão, a ausência de informações se demonstra como dado
preocupante, sobretudo quando questionamos como o estágio vem sendo
aplicado, tanto no setor público – no caso em questão, aos Tribunais de Jus-
tiça – quanto ao setor privado.
6. CONSIDERAÇõES FINAIS
Compreender o conceito de precariado a partir das concepções trabalhadas
sinteticamente neste artigo, facilitou-nos a entender a problemática que per-
meia os estagiários e estagiárias e o mundo do trabalho. Diante da impor-
tância do tema, este estudo procurou contribuir para o debate que permeia
as definições do que seria o precariado, quais suas características, sua imer-
são na condição de proletariedade ou não, e suas frustações em decorrência
da flexibilização de seus direitos e de sua vida ao analisar o trabalho de es-
tágio no Brasil como componente do precariado.
Como explicamos acima, de acordo com as informações obtidas, dis-
poníveis para o público, há um crescimento do número de trabalhadores e
trabalhadoras em vínculo de estágio no Poder Judiciário, conforme o Rela-
tório Justiça em Números 2015 do CNJ (ano-base 2014), fato que podem
apontar para a utilização desta mão de obra no lugar da contratação de ser-
vidores e servidoras públicas efetivas.
Diante destes indícios, mostra-se ainda mais importante avaliar o es-
SUMÁRIO
tágio com um olhar crítico que vá além da formalidade da lei e leve em conta
dados empíricos sobre a utilização do estágio no setor público e no setor pri-
vado. Análises como estas, diga-se, nunca foram feitas no Brasil, daí a es-
cassez de bibliografia sobre o tema. Afinal, como afirma Standing, a insta-
bilidade empregatícia, baixa remuneração, dificuldade de organização
coletiva, forte sujeição aos empregadores, desempenho de atividades que
transcendam as suas competências são apenas alguns problemas que os tra-
balhadores e trabalhadoras precárias enfrentam. Lembrando ainda que esta
realidade, segundo Braga, é ainda pior nos países periféricos.
Como este artigo demonstrou, os estagiários e estagiárias representam
15,6% de toda a força de trabalho dos tribunais (incluindo aqueles/as profis-
sionais que não tem influência no andamento de processos e organização direta
das varas e seus procedimentos internos), havendo indícios de aumento na con-
tratação deste tipo de mão de obra pelos Tribunais de Justiça ao redor do país.
Porém, diante da insuficiência de informações tanto dos relatórios do
CNJ quanto das informações dos próprios portais eletrônicos é difícil chegar
a conclusões precisas sobre a situação dos estagiários e estagiárias. A au-
sência de dados demonstra uma situação preocupante para o controle desta
atividade. Por esta razão, é função do poder público enquanto empregador
destes jovens preocupar-se com as informações prestadas à população, de
acordo com as diretrizes da Lei 12.527/11, popularmente conhecida como
Lei de Acesso à Informação.
Com este texto, nossa intenção é ampliar o estudo e debate acerca de
nossa juventude, que muitas vezes encontra dificuldades de inserção no mer-
cado de trabalho, mesmo que tenha um alto grau de conhecimento formal.
Tal situação evidencia um problema grave enfrentado pelos trabalhadores,
sobretudo os mais jovens, que podem não ver assuas expectativas corres-
pondidas nesta lógica flexível do novo, porém velho, mundo do trabalho.
SUMÁRIO
NOTAS
1
Conceito abstraído do autor Giovanni Alves
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória nº 2.164-41, de
24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm> Acesso em:
01 abr. 2016
MARTINS, Kamila Mendes. 1.ª fase do XXI Exame de Ordem pode ter sido
a mais difícil dos últimos 4 anos. Disponível em: <http://www.gazetadopo-
vo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/1-fase-do-xxi-exame-de-ordem-
pode-ter-sido-a-mais-dificil-dos-ultimos-4-anos-85td9cvkze7crsuib3rwm8
iqj>. Acesso em 8 mar. 2017
SUMÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Remunera-
ção. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/main.jsp?lumPageId=FF808
081458AF7F6014599F4FB573AB5&lumSI=8A8182B036794D1C013679
66F7C7178F&categoryCod=FF808081402FCA5801407856605B1CD3&l
umItemId=8A80E4D04EE0637C014EF56011D3124B> Acesso em: 11
out. 2016.
SUMÁRIO
GP 19 – POLÍTICAS PÚBLICAS,
JUSTIÇA SOCIAL E DIREITO
Coordenação: Kelly Gianezini, Jacson Gross e
Maria de Fatima Schumacher Wolkmer
SUMÁRIO
A CRISE DA LEGITIMIDADE: ANÁLISE DO DISCURSO
DE PODERES LOCAIS
Carolline Leal Ribas
Doutoranda em Humanidades, Culturas e Artes
UNIGRANRIO
Rio de Janeiro/RJ
Este é o Brasil do morro, que também pode ser plano ou pantanoso e que, inde-
pendentemente do formato, está presente em qualquer grande cidade. Prevalece
aqui o contrate, a dor, a alegria e, sobretudo, a sensação de que nada vai per-
manecer igual por muito tempo. Sobre cada favela, o tempo todo vai subindo
outra e não há nada que a detenha (MEIRELLES E ATHAYDE, 2014, p. 167).
O estudo do direito das favelas é relevante uma vez que pode expressar
a sociedade contemporânea juridicamente plural, a qual permite a coexis-
tência de normas estatais e não estatais, reiterando (e questionando) os va-
lores impostos pela democracia participativa. Estas últimas normas são vi-
gentes apenas no espaço territorial das favelas e, muitas vezes, podem ser
contrárias às normas positivadas, aquelas elaboradas pelos representantes
legais e legitimamente eleitos por meio do voto direito, secreto e universal.
Nesse sentido, Santos (1988, p. 14) define o direito de favela como:
[...] um direito paralelo não oficial cobrindo uma interação jurídica muito in-
tensa, à margem do sistema jurídico estatal (o direito do asfalto, como lhe
chamam os moradores das favelas, por ser o direito que vigora apenas nas
zonas urbanizadas e, portanto, com pavimentos asfaltados).
O que poderia melhor aqui era os esgotos. Essas energia daqui tudo é “gato”.
Eu também sinto falta de endereço, porque o endereço que a gente leva é o do
telefone. Quando eles pedem conta, a gente leva a de telefone. Eles pedem
conta de luz, mas como não paga luz, aí leva a de telefone (Irene, paraibana)
É, para mim mesmo, aqui só é a falta do endereço e a altura que aqui tudo é
cansativo, você, para subir com uma coisa aqui é..., com compras é difícil,
que é muito cansado é...(Fátima, paraibama).
Eu to, eu fico com pena, porque o meu irmão, eu falei com ele vir pra cá,
SUMÁRIO
porque essa casa vai ficar fechada, não posso alugar pra ninguém, porque se
eu alugo e a pessoa mora dois anos, é dona da casa, não vai sair mais, enten-
deu (Graça, fluminence). (WEBER, 2012, p. 98, 117).
Ah, isso daí eu até que não me preocupo tanto, né? Primeiro, a gente tem um
vizinho aqui “em baixo”, que é pertinho, ele pega a nossa correspondência. A
não ser que ele fosse uma pessoa estranha, né? (Maria do Carmo, paraibana)
Não pago luz, para que mentir, não pago luz, nem água. O dia que chegar o
negócio de marcador vou me ferrar. Mas se colocar vou ter que pagar, não é
mesmo? (Aparecida, fluminence).
Água e luz nós temos por ligação mesmo externa né. É ligação assim: Ponto,
você puxou, puxa do poste e a água, há muito tempo a gente esperava que a
Cedae ligasse né. Como a maioria das casas aqui são apropriações, entendeu?
Não tem nenhum... registro na prefeitura, não tem nada. Quer dizer, algumas
têm Light né. Que veio e começou um trabalho de legalização. E colocar regis-
tros de luz nas casas. Aí com o tempo se parou. (Ronaldo, paraibano) (WEBER,
2012, p. 98, 112).
SUMÁRIO
em todo Brasil, narraram possuir um sentimento de orgulho do local onde
vivem, pois se trata de uma comunidade em que vigoram regras de reciproci-
dade, tendo em vista o forte laço entre as pessoas (MEIRELLES E ATHAIDE,
2014, 31).
Em sua pesquisa, os autores destacam que o processo de pacificação
de favelas trouxe elementos contraditórios. No campo econômico, os imó-
veis tornaram-se mais valiosos, o que aumentou o preço no mercado. Por
esse fator, vários moradores optaram por transferir-se de comunidade para
uma mais barata e não pacificada. Ainda, a intervenção estatal no sentido
de controlar o tráfico implicou atrofia do comércio de várias atividades que
eram movidas pelo poder local, como botecos e pequenos mercados. (MEI-
RELLES E ATHAIDE, 2014, 142).
Por essas razões, muitas vezes o Poder Público era visto como inimigo
da favela. Em muitos casos a política é a única forma de representação do
Estado, e, por querer substituir o poder do tráfico, assumindo funções dos
poderes legislativo, executivo e judiciário, acaba sendo vista como tirânica.
(MEIRELLES E ATHAIDE, 2014, p. 141).
Com efeito, nota-se que quando as regras locais são voltadas à propen-
são do bem estar sociedade e da harmonia entre os residentes das favelas,
criadas culturalmente ou por um líder local, elas são mais aceitas do que as
regras positivadas levadas de forma incondicionada a esses locais.
Com efeito, ganha-se destaque um Direito criado por um líder local,
sendo que este não fora eleito pelos cidadãos moradores das favelas por
meio de eleições e voto direito. Trata-se de um líder, normalmente o dono
da boca de fumo, que impõe regras costumeiras dando origem a um “direito
informal”, o que impede que as regras do Estado realmente se instalem de
fato ou, até mesmo, justifica o descumprimento de uma legislação vigente.
Segundo Magalhães (2010, p. 114), o dono da boca de fumo é aquele
que detém o poder de polícia, no sentido de produzir e distribuir justiça ao
criar normais locais que possam solucionar litígios entre membros da co-
munidade. Desse modo, criam-se regras que regem questões de natureza
penal, civil e até familiar, padronizando a resolução de conflitos com san-
ções que vão desde o impedimento de circular em determinada área até ex-
pulsão do local.
Tais normais passam a funcionar como verdadeiro “direito local”, o
qual coexiste e dialoga com a própria ordem jurídico-normativa oficial
(MAGALHÃES, 2010, p. 24). Embora os líderes locais não tenham sido
eleitos democraticamente, percebe-se que, em grande parte dos casos, as
normas relativas às relações sociais, que deveriam ser regulamentadas pelo
direito civil, são acordadas e aceitas pela própria comunidade local.
Nessa perspectiva, nota-se que a legitimação do “direito informal” decor-
re da própria aceitação dos moradores locais. E, se essas normas são legítimas,
SUMÁRIO
o Estado não pode simplesmente negá-las ou reprimi-las sem considerar os as-
pectos culturais e as peculiaridades locais, sob pena de colocar em risco a pró-
pria democracia.
Com efeito, a democracia abre espaço para o diferente, motivo pelo
qual se considera possível a existência de um pluralismo jurídico, em opo-
sição ao monismo, em que o Estado era visto como único detentor de poder
e do monopólio da produção de normas jurídicas. O pluralismo jurídico pode
ser definido como a multiplicidade de práticas jurídicas existentes em um
mesmo espaço sociopolítico, interagidas por conflitos ou consensos, poden-
do ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais
e culturais.
O pluralismo surge da necessidade de se constituir direitos que não con-
seguem se efetivar pelos direitos positivados, tais como o direito à moradia.
No caso de uma negligência do Estado, as regras que passam a predominar
são aquelas que condizem com a realidade local, tal como a regra da legiti-
mação na posse no caso de imóveis em aglomerados urbanos ao invés do re-
gistro formal de propriedade em cartórios. Tal fato, por si só, já dá espaço
ao pluralismo, definido como:
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Vozes,2004.
SILVA, Luana Natielle Basílio e. Direito dos “de baixo”: uma análise cul-
tural do direito. 2012. 107 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)
– Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, João
Pessoa, PB, 2012.
SUMÁRIO
MEDIAÇÃO ESCOLAR: A ATUAÇÃO DO PROJETO DE
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA “CONFLITOS SOCIAIS E
DIREITOS HUMANOS” DA UNIJUÍ, RS
Fernanda Serrer
Professora universitária. Mestre. Extensionista do Projeto de Extensão “Conflitos So-
ciais e Direitos Humanos: alternativas adequadas de solução”.Unijuí, Rs.
Francieli Formentini
Professora universitária. Mestre. Extensionista do Projeto de Extensão “Conflitos So-
ciais e Direitos Humanos: alternativas adequadas de solução” da Unijuí, Rs.
INTRODUÇÃO
Nos espaços escolares das redes públicas municipais e estaduais é comum
encontrar professores em busca de “soluções” para fazer frente ao compor-
tamento e postura daquela criança ou adolescente considerado “estranho”,
aquele que não se encaixa no padrão esperado para os “bem educados”. Alu-
nos que além de não se adaptarem as condutas e valores desejados pela es-
cola, apresentam dificuldades de apreender os conteúdos curriculares, ca-
racterizando-se como dúvidas em relação ao futuro pessoal e profissional.
Tais questões são reflexos do caráter multicultural das sociedades con-
temporâneas marcado pela imposição de modelos de padronização socio-
cultural que têm resultado na dança descompassada das dinâmicas sociais
e ideológicas que acabam por resultar em uma variedade de formas culturais
de vida, diferentes imagens de mundo provocando reações violentas e ex-
cludentes das diferenças .
Diante do cenário exposto, o presente trabalho objetiva demonstrar
como a mediação escolar pode se revelar um mecanismo capaz de desen-
volver habilidades e competências em comunicação, contribuindo para a
formação de um ambiente escolar pacífico, de compreensão, aceitação e va-
lorização das diferenças e de empoderamento social, sem descuidar da va-
lorização de sentimentos a partir do reconhecimento afetivo da essência e
da legitimidade do outro. O trabalho será desenvolvido a partir de um recorte
teórico e do relato da experiência do projeto de extensão universitária “Con-
flitos Sociais e Direitos Humanos: alternativas adequadas de resolução e
tratamento” da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Gran-
de do Sul, campus Santa Rosa, junto a Escola Estadual Timbaúva da cidade
de Santa Rosa, Rs, em execução desde o ano de 2016.
SUMÁRIO
O processo de globalização comumente associado com a projeção multi-
nacionalizada de uma racionalidade econômica é, sobretudo, um processo
de mundialização política, tecnológica e cultural (GIDDENS, 2000). e
define novas agendas identitárias pessoais, profissionais, nacionais e su-
pranacionais, impondo regras e procedimentos para a solução de proble-
mas ligados à sociedade do conhecimento e do capitalismo informacional
(CASTELLS, 2000).
Nesse contexto, o cenário social foi invadido por atores em desvela-
mento. Sujeitos que agora se revelam e falam abertamente de sua condição.
Continuam os mesmos, porém diferentes e reivindicando sua diferença seja
religiosa, sexual, étnica, racial e de gênero. Como destaca Touraine (1999,
p. 71) já não sabemos quem somos e “nosso verdadeiro ponto de apoio não
é a esperança, mas o sofrimento da divisão”.
Ocorre que esse movimento de profunda descontinuidade de vínculos
identitários tem anunciado o fortalecimento ou mesmo o retorno da ideia de
encerramento do sujeito em grupos ou comunidades com características
identitárias semelhantes, numa tentativa desesperada de estabelecer víncu-
los de segurança e igualdade. Assim, o que se percebe é que a estratégia de
fechamento das comunidades em torno de si mesmas tem acirrado a guerra
do “nós” contra o “eles”, proliferando inúmeros ambientes forjadores de
identidade cultural que, paradoxalmente, tendem a potencializar as diferen-
ças culturais e aumentar os reclamos por diversidade. (BAUMAN, 2003).
Esse movimento tem resultado na deferência aos grupos identitários de
um tratamento estratificado, classificado, num claro processo de reconheci-
mento de suas especificidades e diferenças. Como destaca Sawaia (2008, p.
122) o problema da conflitividade social não está na luta pelo reconhecimen-
to das diferenças, sejam raciais, de gênero ou étnicas, mas no fato de que
estes fenômenos estão ligados a uma ideia de uma identidade usada a serviço
da luta pelo poder, que transforma o direito a diferença em condenação ou
obsessão pela diferença, tanto no grupo como individualmente. Prossegue o
mesmo autor “nesta perspectiva, a relação com a alteridade e a defesa do di-
reito a diferença transformam-se em luta contra o outro”.
Vale lembrar, nesse sentido, manifestações identitárias declarando o
orgulho de ser negro, de ser homossexual, de ser mulher, de ser indígena,
como oposição ao sentimento de vergonha e do silêncio construído por so-
ciabilidades negadas de alteridade, porém que, transformam-se em grupos
defensivos e agressivos, na medida em que exercem, internamente ao grupo
uma ditadura impondo pensamentos, sentimentos, comportamentos e, ex-
ternamente ao grupo transformam o outro em inimigo.
Tais questões refletem modos de ver a cultura, e colocam a escola no
meio caminho entre o fortalecimento de lealdades entre semelhantes e o des-
velamento de identidades em uma lógica cada vez mais hiperindividual.
SUMÁRIO
Observando os espaços escolares das redes públicas municipais e es-
taduais é comum encontrar professores angustiados em busca de soluções
para questões ligadas ao comportamento e postura daquela criança ou ado-
lescente considerado “estranho”, que tem hábitos e reações diferentes da
maioria dos alunos que se encaixam no padrão dos “bem educados”. Alunos
que não se adaptam com facilidade as normas, as condutas e valores dese-
jados pela escola e que apresentam “dificuldades” com o domínio dos con-
teúdos curriculares propostos, traduzindo-se em incertezas em relação ao
futuro pessoal e profissional.
Tais questões, Moreira e Candau (2003, p. 156) refletem modos de ver
a cultura, a escola, o ensino e a aprendizagem e mais que isso “desafios en-
contrados em uma sala de aula ‘invadida’ por diferentes grupos sociais e
culturais, antes ausentes desse espaço”.
As contradições experimentadas no ambiente escolar estão invariavel-
mente ligadas ao caráter multicultural das sociedades contemporâneas que
passam por um processo de ruptura marcado pela dicotomia entre tendências
de homogeneização, contributo da globalização, e o que Hall (2003, p. 60)
chamou de “proliferação subalterna da diferença”, ou seja, tendências emer-
gentes que fogem ao hipercontrole. Segundo o autor
Estamos pois, neste espaço real, entre dois extremos, dentro dos quais a me-
dietas conquista a posição difícil, mas rica, do ficar no meio, do comparti-
lhar, do pertencer comum; não é espaço de subtração [...] A virtude do me-
diador é aquela de estar no meio, de compartilhar, e até mesmo do “sujar as
mãos”. (RESTA, 2004, p. 125).
CONCLUSÃO
A partir da aplicação das técnicas da mediação desenvolvidas no projeto de
extensão universitária “Conflitos Sociais e Direitos Humanos” da Unijuí,
RS, ao espaços escolares, junto com estudantes, professores e comunidade
escolar, pode-se perceber que a mediação, embora não seja uma solução má-
gica e única para os conflitos naturais e os que aportam às escolas pode pos-
sibilitar a retomada do compromisso da educação de fazer a interface entre
o passado e o que há por vir, trazendo sujeitos ao mundo a partir de práticas
pedagógicas de construção de sentido no encontro com as diferenças.
Por ultrapassar a visão objetificadora e permitir a escuta atenta a pala-
vra que vem do outro, a mediação pode ser tomada como um horizonte de
sentido para a recuperação da autoridade legítima, como responsabilidade
pelo outro como outro, no exercício dos papeis constitutivos do fazer edu-
cativo, representando uma prática pacífica de resistência a totalitarismos e
violações de direitos.
Nesse sentido, as implicações práticas da extensão universitária nos
ambientes escolares têm difundido mecanismos de desenvolvimento de ha-
bilidades e competências em comunicação, contribuindo para a formação
SUMÁRIO
de um ambiente escolar pacífico, de compreensão, aceitação e valorização das
diferenças favorecendo a ampliação e a qualificação de antigas práticas peda-
gógicas para o aprimoramento do processo de ensino e de aprendizagem.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
RESTA, Eligio. Direito Fraterno. Trad. Sandra Regina Martini Vial. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.
SUMÁRIO
SPENGLER, Fabiana Marion. Conflito, jurisdição e crise. In: Conflito, ju-
risdição e direitos humanos: (des)apontamentos sobre um novo cenário
social. SPENGLER, Fabiana Marion; LUCAS, Doglas César. (Orgs.). Ijuí:
Ed. Unijuí, 2008.
WARAT, Luis Alberto. O amor tomado pelo amor: Crônica de uma paixão
desmedida. São Paulo: Editora Acadêmica, 1990.
SUMÁRIO
ESTADO, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DA LEI Nº
12.858/2013 E O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
NO BRASIL
Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho,
mestrando em direito, Universidade Federal do Ceará
INTRODUÇÃO
As políticas públicas são fundamentadas em determinadas concepções sobre
o Estado, a sociedade e o direito. Políticas públicas, Estado social e direitos
sociais são interligados conceitualmente e facetas do mesmo processo his-
tórico. Essas noções partem do reconhecimento da existência de necessida-
des humanas fundamentais e que demandam ações políticas efetivas para
seu atendimento.
No Brasil, a positivação de direitos sociais remonta à Constituição de
1934. Mas é a partir do contexto social e jurídico inaugurado com a promul-
gação da Constituição de 1988 que podemos compreender as políticas pú-
blicas como meios para efetivação de direitos, especialmente de caráter so-
cial. A Constituição de 1988 foi precedida por um amplo processo de
mobilização social, pela luta contra a Ditadura Militar e por reivindicações
pela democratização da política. Essas circunstâncias, dentre outros fatores,
fizeram com que o texto constitucional expressasse um conjunto de reivin-
dicações, necessidades, reformas estruturais e projetos coletivos, consubs-
tanciados na forma de direitos sociais, como educação, saúde, alimentação,
proteção aos trabalhadores, moradia, reforma agrária, proteção do meio am-
biente e previdência social.
SUMÁRIO
Para além da estreiteza das concepções liberais do direito, o constitu-
cionalismo social, característico da atual constituição brasileira, reclama a
intervenção do Estado para garantia e efetivação de direitos. A escolha de
políticas públicas, como meio para efetivação de direitos sociais, exige ne-
cessariamente uma decisão política e a intervenção deliberada do Poder Pú-
blico. Dentre os direitos sociais enumerados na Constituição de 1988, o di-
reito à educação aparece de forma relevante. Com uma seção dedicada ao
tema (seção I, do Capítulo III), a educação é afirmada como direito social
(art. 6º, da CF). Também é assumida como “direito de todos e dever do Es-
tado e da família” e “será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade” (art. 205). Esses elementos trazidos pelo texto constitucional
sobre a educação exigem uma atuação deliberada do Estado, por meio de
ações políticas concretas.
Além do reconhecimento da educação como direito social, a Consti-
tuição Federal, com alterações da Emenda Constitucional nº 59, de 2009,
determina a elaboração de um plano nacional decenal para educação. Este
plano deve conduzir, dentre outros objetivos, ao “estabelecimento de meta
de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto
interno bruto” (art. 214, VI).
A intervenção do Estado para concretização de direitos sociais implica
necessariamente na aplicação de recursos públicos. Como dizem algumas
concepções liberais, das quais não nos alinhamos, “os direitos não nascem
em árvores”. Assim, com objetivo de garantir recursos para o cumprimento
das metas constitucionais, foi promulgada a Lei nº 12.858, de 9 de setembro
de 2013, que dispõe “sobre a destinação para as áreas de educação e saúde
de parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela
exploração de petróleo e gás natural, com a finalidade de cumprimento da
meta prevista no inciso VI do caput do art. 214 e no art. 196 da Constituição
Federal […]”. Essa lei foi promulgada no contexto da descoberta de gigan-
tescas reservas de petróleo e gás natural na chamada “camada do Pré-Sal”,
localizada em vasta região do litoral brasileiro. Contudo, discutiremos a re-
lação entre políticas públicas e efetivação do direito social à educação no
Brasil, tendo como foco a análise da Lei nº 12.858/2013, especialmente
quanto à destinação dos royalties oriundos da exploração do petróleo para
o cumprimento das metas de recursos para o plano nacional de educação,
prevista no art. 214 da CF.
O desenvolvimento do artigo é divido em três tópicos: no primeiro, dis-
cutiremos o conceito de políticas públicas e sua relação com a efetivação de
direitos sociais; no segundo, as políticas públicas e sua implicação com a
formação do Estado social; por fim, a análise da Lei nº 12.858/2013 e suas
repercussões sobre o direito à educação no Brasil. Em seguida, apresenta-
remos nossas considerações finais.
SUMÁRIO
DESENVOLVIMENTO
Para uma adequada análise sobre políticas públicas, partimos de uma com-
preensão ampla do direito e uma abordagem teórica interdisciplinar. A te-
mática das políticas públicas é oriunda da Ciência Política e da Ciência da
Administração Pública e, na Ciência do Direito, tem sido objeto da Teoria
do Estado e em disciplinas de Direito Público. Portanto, analisar políticas
públicas como objeto de estudo do direito é necessariamente realizar uma
abertura para interdisciplinariedade (BUCCI, 2006).
O paradigma do positivismo jurídico, típico da formação do Estado li-
beral, foi fundamental para delimitação e autonomia da ciência jurídica,
porém o desafio atual é “enfrentar o problema da ‘esterilização’ do direito
público em sua função de organização da relação entre Estado, Administra-
ção Pública e sociedade, processo que resultou do seu distanciamento em
relação a uma realidade cambiante e dinâmica.” (BUCCI, 2006, p. 2). Nesse
sentido, a mesma autora defende que o instrumental jurídico liberal e posi-
tivista não é o adequado para captar o caráter eminentemente dinâmico e
funcional das políticas públicas (BUCCI, 1996). É necessário, portanto,
compreender as políticas públicas no contexto das transformações sociais
que implicaram em redefinições do papel do Estado e que tem atualmente,
como uma de suas principais funções, a efetivação de direitos sociais.
SUMÁRIO
3 A DESCOBERTA DO pRÉ-SAL, A LEI Nº 12.858/2013 E
(A pROMESSA) DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À
EDUCAÇÃO NO BRASIL.
Como analisado, há uma imbricada relação entre Estado e direitos sociais,
sendo as políticas públicas um meio para concretização destes direitos. Essas
políticas públicas têm como fundamento, segundo Bucci (1996, p. 135) “o
próprio conceito de desenvolvimento, processo de elevação constante e har-
mônica do nível de vida e da qualidade de vida de toda uma população”.
No Brasil, Celia Lessa Kerstenetzky (2012) afirma a existência de três
períodos de ampliação dos direitos sociais no Brasil. O primeiro que deno-
mina de bem-estar corporativo, entre 1930 e 1964, com a implementação
das legislações trabalhistas e previdenciárias; o segundo, denominado de
universalismo básico, de 1964 a 1984, quando se estendeu, de modo dife-
renciado, a cobertura previdenciária para grupos sociais tradicionalmente
excluídos e se criou um sistema de saúde combinando setor privado e pú-
blico; e, por fim, o período pós-1988, com a institucionalização da assistên-
cia social, a fixação de um mínimo social, a extensão da cobertura previ-
denciária não contributiva, a criação do Sistema Único de Saúde e a política
de valorização do salário-mínimo, prenunciando, com limitações, um uni-
versalismo estendido.
Desde a década de 1930, as constituições brasileiras incorporaram a
questão da educação em um projeto de desenvolvimento do país. Na Cons-
tituição de 1934 se afirmava que a “educação é direito de todos e deve ser
ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, […] de modo que possi-
bilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva
num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana” (art. 149,
grifo nosso).
A atual constituição brasileira também aborda a questão da educação
no sentido de relacioná-la com o desenvolvimento socioeconômicos do país.
A Constituição Federal de 1988 definiu a educação como direito social (art.
6º) e em seu art. 205 afirma ser um direito de todos e dever do Estado e da
família, e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Além de afirmar a educação como um direito social, a Constituição de-
talhou diversos outros aspectos, como princípios do ensino (art. 206), prin-
cípios das universidades (art. 207), o dever do Estado em relação aos diversos
níveis de educação e ao cumprimento de metas (art. 208), ensino em insti-
tuições privadas (art. 209), conteúdos mínimos para o ensino fundamental
(art. 210) e repartição de competência no sistema educacional (art. 211).
Porém, merece destaque a determinação de aplicação orçamentária e o pla-
nejamento da educação, exposta entre os art. 212 e 214. Diante das limitações
SUMÁRIO
e objetivos deste artigo, não analisaremos todos os aspectos orçamentários
que a Constituição traz em matéria de educação. Iremos nos ater ao disposto
no art. 214, que determinou o estabelecimento de um Plano Nacional de
Educação. O presente artigo trata em especial no inciso VI, que foi incluído
pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009. O artigo dispõe o seguinte:
CONCLUSÃO
Ao longo do artigo procuramos demonstrar a relação existente entre a afir-
mação dos direitos sociais e o surgimento das políticas públicas como meio
para realização concreta destes direitos. Essas categorias surgem no con-
texto das transformações que ocorreram nos Estados, ampliando sua esfera
de intervenção social e econômica. O chamado Estado social não significa
um “novo” Estado, mas a constituição de mecanismo institucionais que
visam a efetivação de políticas de bem-estar e o atendimento às necessidades
básicas da sociedade, em especial para grupos sociais vulnerabilizados
As teorias liberais e suas repercussões no direito positivo, foram im-
portantes para afirmação de direitos de primeira geração, mas se demons-
traram insuficientes logo em seguida, diante das novas reivindicações so-
ciais, principalmente com os conflitos advindos com o capitalismo
industrial. Isso se mostrou mais evidente com a crise econômica do final da
década de 1920 e com as duas Guerras Mundiais. Os direitos sociais surgem,
portanto, não como meras concessões parlamentares, inovações doutrinárias
ou afirmações em tratados internacionais. Essa categoria de direitos, que
marca o constitucionalismo do século XX, é resultado de profundas contra-
dições e embates, da crise do liberalismo e da necessidade da intervenção
estatal para o cumprimento de medidas sociais e econômicas.
Se, por um, lado as crises econômicas assolavam as parcelas mais vul-
neráveis da sociedade, por outro, as lutas reivindicatórias e os processos re-
volucionários, como no México (1910) e na Rússia (1917), para citar apenas
duas experiências do início do século passado, provocaram mudanças que im-
plicaram na afirmação dos direitos sociais. Não caberia ao Estado e ao direito
apenas uma postura abstencionista, mas deveria agir no sentido da promoção
de igualdades materiais. Necessidades básicas como moradia, alimentação,
SUMÁRIO
previdência social, proteção aos trabalhadores, saúde e educação, dentre ou-
tras, passam ao status de direitos, e são positivadas em normas constitucionais.
O Brasil acompanha esse processo de ampliação das funções do Estado
e da afirmação de direitos sociais. Tendo como marco temporal a década de
1930, diversos direitos de natureza coletivas são incorporados ao texto das
constituições. Desde 1934, a educação é elencada entre os direitos sociais
mais relevantes. A educação ganhou destaque na Constituição de 1988, que
não apenas estabelece diretrizes e sua organização como sistema nacional,
mas especificou de forma detalhada metas orçamentárias. O financiamento
das políticas públicas permanece como condição fundamental para efetiva-
ção dos direitos sociais. Porém, em 2005 ocorre algo que seria imprevisível
quando da promulgação da Constituição, a descoberta do petróleo no Pré-
Sal, que colocou o Brasil entre as maiores reservas petrolíferas do mundo.
Diante da potencial riqueza, passou-se a discutir a partilha dos royalties
da exploração do petróleo no Pré-Sal. A solução proposta pelas leis nº
12.351/2010, que criou o Fundo Social, e nº 12.858/2013, Lei dos Royalties
do Petróleo, seria a destinação integral destes recursos para as áreas da edu-
cação e da saúde, com especial atenção à primeira. Seria a realização da pro-
messa de efetivação do direito à educação no país?
No entanto, é na esfera da política onde se tomam as decisões acerca
dos direitos sociais e das políticas públicas. Nos últimos anos, principal-
mente a partir das eleições gerais de 2014, a política brasileira passa por um
período de profunda crise, tendo como auge o impedimento, em 2016, da
presidenta eleita democraticamente. Uma das primeiras medidas legislativas
tomadas pelo Congresso Nacional, após o processo de impeachment, foi a
alteração do marco regulatório da exploração do petróleo no Pré-Sal, que
implicou na diminuição considerável da distribuição dos royalties para edu-
cação. Não nos cabe, pelos limites deste artigo, analisar o contexto político
e legislativo em que se deu as alterações do marco regulatório do petróleo.
Porém, é possível concluir que a promessa constitucional, que remonta
à década de 1930, efetivação material da educação como direito social per-
manece extremamente atual. As modificações legislativas da exploração do
Pré-Sal realizadas no contexto da crise política brasileira, demonstram que
a efetivação ou não do direito social à educação, por meio de recursos oriun-
dos do petróleo brasileiro, ainda está indefinida. Será na arena da política,
com suas contradições e interesses de grupos e classes sociais, que se deci-
dirá a destinação dessa riqueza nacional. Esperamos que, conforme o projeto
constituinte de 1988, a educação seja priorizada como condição necessária
para construção do desenvolvimento socioeconômico nacional.
SUMÁRIO
NOTAS
para a educação pública, com prioridade para a educação básica, e para a saúde,
na forma do regulamento, os seguintes recursos:
I - as receitas dos órgãos da administração direta da União provenientes
dos royalties e da participação especial decorrentes de áreas cuja declaração de
comercialidade tenha ocorrido a partir de 3 de dezembro de 2012, relativas a con-
tratos celebrados sob os regimes de concessão, de cessão onerosa e de partilha de
produção, de que tratam respectivamente as Leis nºs 9.478, de 6 de agosto de 1997,
12.276, de 30 de junho de 2010, e 12.351, de 22 de dezembro de 2010, quando a
lavra ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica
exclusiva;
II - as receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios provenien-
tes dos royalties e da participação especial, relativas a contratos celebrados a partir
de 3 de dezembro de 2012, sob os regimes de concessão, de cessão onerosa e de
partilha de produção, de que tratam respectivamente as Leis nºs 9.478, de 6 de
agosto de 1997, 12.276, de 30 de junho de 2010, e 12.351, de 22 de dezembro de
2010, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na
zona econômica exclusiva;
III - 50% (cinquenta por cento) dos recursos recebidos pelo Fundo Social de
que trata o art. 47 da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, até que sejam
cumpridas as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação;
IV - as receitas da União decorrentes de acordos de individualização da pro-
dução de que trata o art. 36 da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BAQUER, Lorenzo Martín-Retortillo. Actualidad de los servicios públicos
– el artículo 36 de la Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Eu-
ropea. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira (coord.). Una evolución de
las tendencias del derecho administrativo. Renovar: Rio de Janeiro, 2003.
SUMÁRIO
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_ato2007-2010/2010/lei/L12351.htm>. Acesso em: 12.jul. 2017.
NUNES, António José Avelãs. As voltas que o mundo dá… reflexões a pro-
pósito das aventuras e desventuras do estado social. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011.
SUMÁRIO
PEREIRA, Camila Potyara. proteção social no capitalismo: contribuições
à crítica de matrizes teóricas e ideológicas conflitantes Tese (doutorado).
Programa de Pós-Graduação em Política Social do Departamento de Serviço
Social da Universidade de Brasília, 2013.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. 18ª ed. São Paulo: Cul-
trix, 2011.
SUMÁRIO
GUARDIÕES DA HIPOCRISIA COLETIVA
E A HIPNOSE SOCIAL
Marcio José Silva1
Jacson Gross2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Pierre Bourdieu, francês descendente de berbers, do norte da África, viven-
ciou a realidade de uma França bipartida em duas realidades distintas: a dos
europeus, considerados tais pela sua longa ascendência no continente; a dos
outros, na qual se encontrava uma enorme população de imigrantes das an-
tigas colônias francesas, esquecidos e cujas políticas públicas e legislação
eram preparadas e efetivadas com a exclusão de tais dos direitos elementa-
res, especialmente educação, moradia, saúde e trabalho.
Na verdade, o Brasil e boa parte do planeta enfrenta igual disparidade,
especialmente nos dias atuais nos quais multidões de refugiados perambu-
lam pelo planeta, estando sempre numa situação de insegurança e incerteza
jurídicas. Segundo relatório a ACNUR3 (2017, p. 5-9) são mais de 65 mi-
lhões de pessoas em busca de refúgio, sendo campeãs a Síria e a Colômbia.
Portanto, um país fronteiriço ao nosso, é o segundo colocado em número
de refugiados no mundo, algo que impacta diretamente o Brasil. Há no Brasil,
todavia, os que são refugiados de sua própria nação, aqueles que são esbulha-
dos dos seus direitos básicos, tais como os previstos na Constituição Federal
(art. 6°), a saber: educação, saúde, moradia, trabalho, transporte, lazer, segu-
rança, previdência social etc. São milhões de cidadãos sem cidadania.
Esses, a quem Bourdieu chamará de “excluídos do interior”, no caso
francês por estarem, de fato, nos interiores e, por essa razão esquecidos pelo
poder central, no Brasil assumirá novos contornos com pessoas que não estão
necessariamente à margem do país ou cidade, mas verão ocorrer o seguinte:
SUMÁRIO
O ponto de vista do sociólogo francês é muito explícito quanto aos ju-
ristas e sua prática. Não age esse em torno de uma necessidade social, mas
sim para estabelecer e manter sua hierarquia intacta, numa trama intranspo-
nível de estrutura piramidal, sempre formando castas de uns que estão au-
torizados a interpretar a lei, as interpretações que são permissíveis e os que
detêm o verdadeiro poder de decisão no Judiciário, sempre acima de ques-
tionamentos ideológicos, posto que a questão do jogo de poder precise res-
peitar as normas da coexistência.
Como ele mesmo diz, na introdução do referido artigo, é prática recor-
rente do Direito apresentar teorias novas para práticas velhas. A relação entre
Bourdieu e o Direito permaneceu ácida e, evidentemente, sua sociologia tor-
nou-se anátema para os juristas. Em 1991 (p. 95) ele espeta novamente o Di-
reito e juristas, cunhando a expressão “guardiões da hipocrisia coletiva”, pois:
hIpOCRISIA E hIpNOSE
A expressão “hipocrisia coletiva” pode parecer chocante num primeiro mo-
mento. Não obstante, é a que melhor define a sociedade em que vivemos.
Hipocrisia é de origem grega, hupokrisis, inicialmente aplicada aos artistas
que atuavam, fingiam, especialmente na tragédia grega, o instrumento para
catarse social daquela sociedade.
Com o passar dos anos ela manteve seu teor artístico, porém, com o
sentido de criar ilusão ou engano. Vale ressaltar que essa ação está aliada ao
sufixo krisis (em grego κρίση), indicando o processo em que estava envol-
vido o artista da tragédia grega. Igualmente, em nossos dias, a hipocrisia
será aliada à crise ontológica que o sujeito vive na sociedade hipermoderna.
O linguista Chomsky (2011) define a hipocrisia como sendo, basica-
mente, o ato ou efeito de esperar que outros façam aquilo que não estamos
dispostos a fazer. Numa entrevista lê-se:
SUMÁRIO
na emancipação do povo iraquiano. Esta é uma escrita de hipocrisia grande
(tradução livre)
“O povo é uma grande besta que precisa ser domada”, declarou Alexander
Hamilton. Fazendeiros rebeldes e independentes tinham de ser ensinados, às
vezes à força, que os ideais dos panfletos revolucionários não deveriam ser
levados demasiadamente a sério. O povo comum não poderia ser repre-
sentado por cidadãos como eles mesmos [do povo], que sabem de suas
agruras, mas por gente educada [da pequena nobreza], mercadora – ad-
vogados e outros homens responsáveis, aos quais poderia ser confiada a
defesa de tal privilégio (grifo nosso).
SUMÁRIO
seus serviços porque é sua profissão, mas atrelar a administração da Justiça
à pessoa do advogado significa que milhões jamais terão acesso a essa.
A hipocrisia coletiva, contudo, mantém o sistema como sendo natural
e essencialmente correto, como se nada pudesse ser feito ou como se tudo
estivesse harmonicamente conjuntado. E são esses, em sua maioria os que
ocupam os cargos essenciais na República, sejam eles no Legislativo ou no
Executivo. Isso sem considerarmos o Poder onde eles devem estar natural-
mente: o Judiciário.
A guisa de exemplo, em quase 130 anos de República, com exceção
dos oito militares que foram presidentes, houve seis civis que não eram ad-
vogados; todos os demais presidentes eram advogados. Ainda entre esses
civis que não eram advogado, somente dois não tiveram vice-presidente ad-
vogado e todos tinham em seu Ministério um número considerável de ju-
ristas (SILVA, 2017).
Portanto, é evidente que vivemos no clima da hipocrisia coletiva e sua
assessoria: a hipnose social. O que é hipnose? A seguinte definição é muito
interessante:
A hipnose é uma técnica que lhe permite atingir esse estado alterado de
consciência, o estado em que você sonha acordado, deliberadamente e di-
recionar sua atenção para objetos específicos, com o intuito de alcançá-los.
Na hipnose, assim como sonhar acordado, você estará ciente e consciente,
embora se esqueça de distrações externas (HEWITT, 2009, p. 9).
CONCLUSõES
Como Bourdieu indicou em seus estudos, essa relação de isomorfia entre po-
sições sociais e práticas, as quais no nosso país são ignoradas ou pior ainda
encaradas como uma realidade sem possibilidade de mudança, sem um olhar
de estranhamento, leva-nos para a uma hipocrisia coletiva e a hipnose social,
SUMÁRIO
nas quais estamos imersos sem perceber.
O mínimo de afastamento faz-nos perceber o quão complexa é a socie-
dade na qual estamos inseridos, onde as leis, normas, regulamentos... são
diferentemente interpretadas (ou alcançadas) em função da classe, orienta-
ção sexual, gênero, cor ou camada social a qual pertence o cidadão. Coti-
dianamente nos deparamos com essas disparidades na mídia - que muitas
vezes é reprodutora ou faz com que percebamos essas incongruências como
uma normalidade, e até as reproduzimos – um branco, pertencente à camada
média, comete um crime de transito, terá certamente um tratamento legal
diferente de um negro pertencente à camada baixa, que cometa o mesmo
crime. Esse distanciamento e estranhamento são necessários para que te-
nhamos criticidade em relação ao habitus e ofereçamos a possiblidade de
mudança social.
Todos somos iguais perante a lei, no entanto, o Estado possui o condão
de fazer com que a lei seja atingida, entendida, abraçada e perpassada por todos
e para todos. De que adianta a lei ser a mesma para todos se a realidade social
dos indivíduos é abissalmente diferente? Como dizia Boaventura de Souza
Santos “ Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza;
e temos o direito a sermos diferentes quando a nossa igualdade nos descarac-
teriza . Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de
uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.
SUMÁRIO
NOTAS
Opta-se pelo termo minorizado porque se entende que alguns grupos so-
ciais são estrategicamente rebaixados à sub-cidadania. Não é uma questão numé-
4
rica porque os negros e deficientes no Brasil, por exemplo, são parcelas conside-
ráveis, mas são tratados com menoridade de valor e condições.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
FREIRE, Paulo. pedagogia do Oprimido. 54ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
HEWITT, William. hipnose para iniciantes. São Paulo: Universo dos Li-
vros, 2009.
SUMÁRIO
MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA: POR UMA PRÁTICA
TRANSFORMADORA
Ana Paula Rocha do Bomfim
Doutora em Família na Sociedade Contemporânea
Universidade Federal da Bahia
Bahia
SUMÁRIO
AZEVEDO, André Gomma (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
HAGUETTE, T. M. F. (1997). Metodologias qualitativas na sociologia.
(5a. ed.). Petrópolis: Vozes.
SUMÁRIO
PAIVA, Vanilda. história da Educação popular no Brasil: educação po-
pular e educação de adultos. 6.ed. São Paulo: Loyola, 2003.
PAULINO, Gustavo Smizmau. O ensino do direito em crise. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008.
SUMÁRIO
A LUTA POR DIREITOS NAS RUAS DO JARDIM
ÂNGELA: ARTICULAÇÕES PARA UM TRIBUNAL
POPULAR NO JARDIM ANGELA SÃO PAULO.
Wellington Pantaleão da Silva
Mestre em Direitos Humanos e Cidadania
Universidade de Brasília, Brasília-DF
Abstract: The Jardim Ângela popular courthouse took place in 2002 and
consisted in a strategy of the Forum for the Defense of Life, a social move-
ment encompassing the eighty neighborhoods of Jardim Ângela, to de-
mand a hospital. Concerning the Judiciary Branch, it has been a real al-
ternative for the Forum’s demand, whereas the uncertainty on the possible
results and the delay inherent to the prosecution installment endorsed the
perception of a more robust effectiveness of the social interaction towards
the State. The following work focuses on the mitigable violations of rights
by the emergence of new collective subjects, organized by its consensual
and mutual perceptions of the given matters, in order to build a plural per-
spective of the bourgeoisie State’s positive law to accomplish dual power
prosecutions in a non- revolutionary
SUMÁRIO
Context. Keywords: Human Rights; Popular courthouse; Duality of power;
Jardim Ângela.
XXX Hoje, o local de moradia nas grandes cidades, nos centros e periferias
que vão se construindo, criam uma discriminação por endereço, o que faz
com que os jovens tenham de inventar endereços para não perder o posto
de trabalho, para não ser discriminado pelo seu endereço ou local onde
mora, porque esse se tornou mais um elemento dediscriminação para essa
geração (p. 2).
SUMÁRIO
A DINÂMICA DO TRIBUNAL pOpULAR DO JARDIM
ÂNGELA
O Tribunal foi realizado dentro da Paróquia São Sebastião e, segundo os re-
gistros, mais de quinhentas pessoas estiveram presentes para atuar junto à
atividade, fosse no papel de jurados, fosse para acusar o estado de suas omis-
sões de forma livre e com sua forma de falar. Dias da Fonseca e Dias Rampin
ensinam que:
A construção de um saber jurídico emancipatório só se pode fazer de
forma coerente com uma educação que também esteja a serviço da emanci-
pação de homens e mulheres que, empoderadas(os) a liberar a sua voz e seus
sonhos no espaço público da política, possam realizar uma transformação
da sua realidade e de toda a coletividade. (DIAS DA FONSECA; DIAS
RAMPIN, 2015, p. 37)
Como estratégia do Fórum em Defesa da Vida, o Tribunal Popular ver-
balizou e instrumentalizou uma nova forma de efetivação dos direitos, sem
que, nesse caso, fosse necessário submeter-se às barras da justiça burguesa
para a afirmação de algo que já é da população, consagrado na Carta de 1988
e em tratados e convenções das quais o Brasil faz parte.
Com isso, construiu-se uma forma popular de dizer o direito, abrindo
um novo canal de efetivação, abrindo-se mão inicialmente das estruturas
oficiais para se construir uma alternativa de poder, que em paralelo, não
busca concorrer com o que já é estabelecido, mas sim, complementá-lo.
SUMÁRIO
A DUALIDADE DE pODER NO JARDIM ÂNGELA: O
TRIBUNAL pOpULAR
Claramente, o Tribunal Popular do Jardim Ângela relaciona-se diretamente
com a ideia de poder dual, tendo em vista o contexto político-estatal vigente
no Brasil quando de sua realização.
Afirma Sousa Santos (2016) que é concebível, contudo, a utilização do
conceito de poder dual – de forma enfraquecida, mas nem por isso menos vá-
lida – em situação não revolucionária, englobando poderes mais complemen-
tares ou paralelos do que confrontacionais, nas quais dominam, pelo menos à
superfície, os conflitos intraclassistas. (SAOUSA SANTOS, 2016, p. 133).
Quando uma comunidade resolve tomar para si uma função que seria
exclusivamente estatal, para com base em seus princípios chegar em um re-
sultado satisfatório, abrindo caminho para formas de emancipação.
Para tanto, a utilização das estruturas do Estado burguês pode acontecer
com a finalidade de instrumentalizar a implementação de direitos, forçando
que este poder, com base em seus princípios, seja levado a manifestar-se
diante do que é pleiteado. Seria algo aproximado ao processo de reforma.
O surgimento do Tribunal Popular deu-se em virtude de desgaste com as
autoridades do Estado, que a partir do diagnóstico popular do Jardim Ângela,
o construíram como alternativa para pautar seus direitos e reivindicações.
Algumas lideranças do Fórum em Defesa da Vida já tinham vivenciado
a experiência de justiça popular e acreditaram que para a consecução de seus
objetivos, um formato como o Tribunal Popular daria força à demanda.
Em que pese a característica popular do tribunal, a figura do “juiz popu-
lar” não foi considerada, pois buscou-se a institucionalização de seu funcio-
namento por meio de um julgador que era reconhecidamente um juiz e, nesse
caso, permaneceu a mesma lógica dos tribunais do Poder Judiciário, onde a
definição de papeis de cada participante de tais júris é praticamente imutável.
O Tribunal Popular do Jardim Ângela, com a manutenção do formato
enrijecido de Tribunal proposto pelo Estado, carregou em si forte traço de
dominação burguesa, visto que o Tribunal burguês, segundo Foucault, é ca-
racterizado justamente pela existência de elementos determinados.
Senão vejamos:
O tribunal, arrastando consigo a ideologia da justiça burguesa e as for-
mas de relação entre juiz e julgado, juiz e parte, juiz e pleiteante, que são apli-
cadas pela justiça burguesa, parece-me ter desempenhado um papel muito
importante na dominação da classe burguesa (FOUCAULT, 2015, p. 37).
Em que pese no momento da instalação do Tribunal Popular, no ano
de 2002, as instituições do sistema de justiça possuírem condições de fun-
cionamento, o Poder Judiciário não era o principal objetivo a ser alcançado,
pois a percepção era de que Poder Judiciário poderia não atender ao pleito
da comunidade.
SUMÁRIO
Presidiu a sessão daquele Tribunal Popular o Dr. Urbano Ruiz, togado,
membro da Associação dos Juízes para a Democracia. A promotoria de Jus-
tiça do Ministério Público do Estado de São Paulo realizou a acusação e con-
tou com assistentes populares da acusação, diversos moradores que, de
posse de microfone, relatavam as violações de direitos nas áreas da saúde e
segurança. Os jurados eram todos os que estavam no Tribunal Popular, que
realizaram o julgamento e que, a cada quesito elaborado pelo juiz, respon-
diam sim ou não.
Foucault (2015) já teceu críticas ao modelo de Tribunal Popular que
acaba por replicar a estruturas do Tribunal burguês, já que para ele, a forma
de Tribunal é totalmente dispensável. Assim, ensina:
A necessidade de afirmar a unidade dispensa a forma do tribunal. Eu
diria mesmo – forçando um pouco – que através do tribunal se reconstitui
uma espécie de divisão do trabalho. Há os que julgam – ou que dão a im-
pressão de julgar – com toda a serenidade, sem estarem implicados. O que
reforça a ideia de que uma justiça só é justa se for exercida por alguém ex-
terior à questão, por um intelectual, um especialista da idealidade (FOU-
CAULT, 2015, p. 37).
Ainda sobre a dinâmica da sessão do Tribunal Popular, no banco dos
réus estava o Secretário de Saúde do Município de São Paulo e a represen-
tação da Diretoria de Saúde da região. A área da segurança foi representada
por assessores do Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Assim, mesmo de forma que em muito se assemelha a um tribunal do
júri, é possível afirmar que este Tribunal Popular alcançou o objetivo a que
se propôs, empoderando e dando voz às comunidades por seus direitos.
CONCLUSÃO:
Utilizando-me das categorias de análise criadas por Santos para definir o
poder dual, verifico que o Tribunal Popular do Jardim Ângela se constituiu
em importante instrumento, pois trouxe para serem julgados os poderes do
Estado burguês, esse mesmo Estado que durante muitos anos foi omisso e
violou direitos e que contribuiu para que se configurasse todo o “libelo” acu-
satório. O banco dos réus foi o lugar reservado a ele.
A dualidade de poder estava consolidada, pois apesar das críticas feitas
por Santos quanto a essa “subordinação ao Estado burguês, o poder judiciá-
rio deslocou-se até a periferia de São Paulo, em local estranho às suas es-
truturas, para apreciar e julgar uma demanda popular. Apesar da figura do
juiz representar também o sistema de justiça burguês, foi o poder popular
que o levou até as trincheiras da luta por direitos e fez garantir a construção
do Hospital Municipal de M’Boi Mirim, Dr. Moysés Deutsch.
SUMÁRIO
NOTAS
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeitu-
ras/dados_demograficos/index.php?p=12758. Acesso em 11 de agosto de 2016.
1
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/infraestrutura/con-
vias/ LEI%2011%20220%20de%201992.pdf. Acesso em 11 de agosto de 2016
2
http://www.spbairros.com.br/tag/bairros-jardim-angela/ Acesso em 11 de
agosto de 2016.
3
http://www.nossasaopaulo.org.br/biblioteca/publicacao-indicadores-ba-
sicos-da-cidade-desao-paulo-2009 Transcrição de parte do texto apresentado no
4
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/teatros/ Acesso
em 10 de julho
5
de 2017
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/regionais/m_boi_mirim/his-
6
http://orcamento.sf.prefeitura.sp.gov.br/orcamento/uploads/2003/lei13480.
pdf Acesso em22 de fevereiro de 2017
9
SUMÁRIO
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/regionais/subprefei-
turas/dados_demograficos/index.php?p=12758 Dados coletados no ano de 2010.
10
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd180806b.htm
Acesso em 12 de julho de 2017.
12
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd180806b.htm
Acesso em 12 de julho de 2017.
13
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
LYRA FILHO, R. para um direito sem dogmas. Porto Alegre: Sergio An-
tonio Fabris Editor, 1980.
SUMÁRIO
e Terra,1977. 101
SUMÁRIO
GP 20 – DIREITOS HUMANOS
SOB A PERSPECTIVA
DESCOLONIAL
Coordenação: Karina Fernandes, Cesar Baldi e
Fernanda Bragato
SUMÁRIO
NAS ENCRUZILHADAS DO AMOR E DO DIREITO
HUMANO: HÁ POSSIBILIDADE PARA UM
PENSAMENTO DESCOLONIAL?
Evandra Cristina Gonçalves Moreira
Mestranda em Ciência Sociais da UNISINOS.
Abstract: Cabo Verde is a small island and archipelagic state of the African
continent, with just over half a million inhabitants, strongly marked by colo-
nial legacies. These inheritances are “perpetuated” in family settings based
on Western models and the way the idealization of love was built on the
premises of “being happy forever.” And it comes as a shock in the field of
justice when it comes to human rights. Based on an ethnography in the
SUMÁRIO
House of Law of Terra Branca, on the island of Santiago, coupled with semi-
structured interviews and documentary research, it seeks to reflect on human
rights before the premise of love, from a decolonial perspective and per-
ceive as the negation (or not) of a story and non-Western subjectivities ap-
pear in the field of justice. It is fundamental to understand modernity from
historical, sociological and cultural perspectives, so as to enable the dis-
placement of knowledge and new configurations, through the various ar-
ticulations of the local reality based on the premisses of pluriversality.
1 - INTRODUÇÃO
Cabo Verde se configura enquanto pequeno Estado insular e arquipelágico
do continente africano, como pouco mais de meio milhão de habitantes, for-
temente marcado pelas heranças coloniais. A antiga colónia herdou muitos
hábitos portuguesa que foram perpetuados e enraizados na nova sociedade
que se configurou com pessoas de diferentes etnias e realidades sociais – os
escravos africanos e os europeus colonos. A luta pela independência deu-se
sem uma luta armada, porém nem todas as práticas vindas e imposta da co-
lónia foram aceites na íntegra. Uma delas é a configuração da família, que
como rezam a história, as mulheres foram exploradas sexualmente pelos co-
lonos, o que resultou em filhos fora do casamento e sem um reconhecimento
paterno oficialmente.
A configuração da família cabo-verdiana não foi baseada no modelo
nuclear, ou “família tradicional”, pois em todos os momentos da história de
Cabo Verde as mulheres aparecem como mães solteiras, com os companhei-
ros na emigração ou situações de paternidade não reconhecida.
O casamento sempre apareceu como “algo encomendado pela família”
ou por interesses econômicos. E, logo, a configuração da família que se tem
em Cabo Verde, pode ser questionada desde ali, porém foi perpetuada ao
longo do tempo na tal ideia ilusória da família, que por vezes não condiz
com a realidade de muitas delas.
Nos dias de hoje, essa realidade é espelhada e reforçado nos discursos
do direito, principalmente no amplo conhecimento da da sociedade, quando
se trata da sua violação.
O modelo da família que foi idealizado, o amor foi visto como algo que
poderia ser construído. Vários pessoas das ilhas conhecem e reconhecem
SUMÁRIO
casos de relacionamentos e casamentos arranjados por parte dos pais ou ou-
tros familiares. Principalmente por parte dos homens, as mulheres aceitavam
a condição e seguiam o discurso da “fidelidade conjugal” em honra ao bom
nome das famílias envolvidas. O casamento era tido como algo sagrado, no
qual é impensável pensar na possibilidade do divórcio. Estes casos fizeram
com que ao longo dos anos tivesse vários casos de violências e principal-
mente mulheres vítimas submetessem a esses padrões, sem questionar e
muito menos de pedir ajuda no campo judiciário.
A Lei 84/VII/111 de 10 de Janeiro, descortinou as questões da violên-
cia, direitos e seus benefícios e a procura de solução por parte das vítimas
colocou em causa a conceptualização que foi construída constitucionalmen-
te ao longo dos anos numa sociedade pluridiversificada.
Este exercício faz parte do projeto maior intitulado “Dinâmicas de gê-
nero e violência em Praia/Cabo Verde”2, com o objetivos de analisar o pro-
cesso da universalização de direitos, com base em uma agenda transnacional
feminista amparada na noção de direitos individuais num contexto marcado
por uma noção de pessoa relacional.
O texto propõe refletir essas configurações familiares e de amor a partir
da perspetiva descolonial, a partir de etnografias realizadas em Casa do Di-
reito de Terra Branca na Cidade da Praia – ilha de Santiago – Cabo Verde.
Acompanhada de entrevista semi-estruturadas, pesquisas documentais e
acompanhamento dos diversos serviços da Casa – triagem, mediação e con-
sulta jurídica.
A acreditar que essas heranças entra em choque no campo da justiça
quando se trata de direitos humanos. Procura-se refletir sobre os direitos hu-
manos diante da premissa do amor a partir de uma perspetiva descolonial e
perceber como a negação (ou não) de uma história e as subjetividades não
ocidentais aparecem no campo da justiça, quando se de família.
SUMÁRIO
forros e o terceiro pelos escravos. Esta é uma classificação feita em função
dos direitos individuais dos elementos que compõem essa emergente socie-
dade e também do grau de mobilidade social verificado no seio de cada
grupo. Forma-se, nos primeiros tempos, uma sociedade baseada na velha
tradição escravocrata e, por conseguinte estratificada, estruturalmente no
tipo piramidal com os seus brancos, grupo minoritário e detentor de poder
no topo. Na base estava uma grande massa de escravos, a imensa minoria,
intermediando-se os dois grupos os forros (GOMES, 2008. p.13).
Para Cruz e Fortes (2016, p:41) “esse s novos agregados familiares ficam
a cargo da mulher mãe, a escrava, pois o pai branco não os assume, embora te-
nham-se registado alguns caso em que os progenitores brancos assumiram os
seus filhos mestiços” e ainda a condição social do homem pai e escravo não
lhe possibilitava criar laços estáveis e familiares como os seus descendentes.
Num contexto em que os brancos detinham as melhores terras e o sis-
tema económico, patrimónios e privilégios, ou seja, o poder total sobre os
bens e as pessoas. Desses encontros a família sempre esteve marcada pelas
ausências e violações. Muitas mulheres davam a luz a filho fora do casa-
mento, o que era reprimido e o não reconhecimento da paternidade, por parte
dos colonos, principalmente, são resquícios que sempre apareceram na his-
tória das ilhas.
Segundo Cruz e Fortes (2016):
SUMÁRIO
ciedade a partir do modelo que colocava o homem branco, como provedor
da família, à semelhança das ilhas atlânticas, ficando a mulher, branca ape-
nas com as funções de reprodução biológica cultural. Por outro lado, pelo
número muito reduzido de família de reino (Portugal) que se fixaram em
Cabo Verde, e pelas influências várias que se deram nesse contacto de povos
e culturas diferentes (Europeus e Africanos), adaptação às condições do
meio, relações sociais e de poder, o modelo de organização familiar patriar-
cal não se enraizou pelo menos de facto (CRUZ E FORTES, 2016. p:40).
SUMÁRIO
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhecida pela As-
sembleia pela ONU, em 1948, do qual Cabo Verde faz parte, enquanto Es-
tado democrático. Vale ressaltar a necessidade de uma reflexão detalhada,
que pode ser compreendido como direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem distinção de raça, cor e classe.
A realidade cabo-verdiana contemporânea demonstra que mesmo o
país, ainda que signatários do documento internacional, não tem conseguido
reduzir a violação dos Direitos Humanos, principalmente para com as mu-
lheres. O direito a família como sendo o mais humano de todos os ramos do
direito, no contexto cabo-verdiano tendo em consideração a dimensão his-
tórica e ideológico, fez com que o país pensasse o mesmo, ancorado pelo
viés dos direitos humanos.
Falar da família, do direito humano, aparece o amor, que por vezes é
ignorado, mas que desempenha um papel fundamental na sociedade. O di-
reito é um sentimento supremo que tutela o agrupamento humano, por elo
mais forte do que a simples conexão de interesse e sendo assim, dá a base
para os demais direitos que abrange a coletividade (LEONARDO, 2016).
Segundo Fromm (2000):
SUMÁRIO
ancestral entre os homens com todas as suas manifestações nas diferentes
esferas da existência humana (LEONARDO, 2016, p: 404).
SUMÁRIO
fim de promover a cultura de paz e o pleno exercício da cidadania; promover
o conhecimento dos direitos humanos e cívicos, da prevenção da violência,
bem como as regras do direito vigentes em, Cabo Verde, estimulando o de-
senvolvimento da cidadania e a participação cívica dos cidadãos; podem
ainda prestar serviços, remunerados ou não, de interesse para a comunidade
(Folheto informativo do Ministério da Justiça).
SUMÁRIO
Assim sendo, a perspetiva descoloniais torna-se uma teoria que sus-
tenta essa realidade a partir das dificuldades da própria família.
O que vai de encontro como aquilo que Quijano (2005) enalteceu sobre
a leitura descolonial, que visa compreender uma preposição de base teórica,
que busca contribuir para a transformação não só dos conteúdos, senão tam-
bém dos termos (das condições) das conversações sobre o sistema mundo
moderno/colonial e suas diversas articulações locais.
A Casa do Direito, não basea exclusivamente nas leis estabelecidas, há
todo um exercício que procura entender as pessoas, e dar-lhes oportunidade
de exporem os seus problemas e participar também das decisões judiciais.
Visão esta que rompe com a ideia colonial de imposição e obrigatoriedade.
Segundo Escobar (2005) podemos afirmar que este pensamento descolonial
se carateriza por uma série de deslocamentos/ problematizações em formas
dominantes de compreender a modernidade, desde a perspetiva históricas,
sociológicas e culturais.
O que se traduz nas palavras do Coordenador da Casa do Direito de
Terra Branca:
As pessoas veem aqui porque, o tribunal muitas vezes não tem dado resposta
ou porque o tribunal não é acessível a todos, por causa dos custos. Sabendo
que aqui os serviços são grátis. Há um trabalho de desconstrução do para-
digma de que conhecem. As pessoas veem cá com intenção de colocar nas
mãos das pessoas para resolver os seus casos. Mas então há cada vez mais
procura, é um serviço pedagógico que é feito em cada atendimento aqui na
Casa do Direito que é feito. O serviço pedagógico de desconstrução das
narrativas aqui, as pessoas dizem, mas aqui é só conversa? É só para con-
versar. Explicamos as regras da mediação, uma das fases da mediação é a
explicação das regras, julgando que querem alguém que lhes de algo dessa
conversa. Os acordos são conseguidos, mas os senhores é que vão construir
o acordo e a visão mental do que pensam sobre a mediação, e resolução de
conflitos. As pessoas veem aqui na esperança que eu lhes resolva o caso e eu
digo não, são os senhores a resolver o caso, através do mediador. Eu só vou
facilitar o diálogo para resolver o caso.
5 - CONSIDERAÇõES FINAIS
As heranças coloniais da formação da sociedade e da construção da família
cabo-verdiana, estão a ser questionados na contemporaneidade, principal-
mente no campo da justiça, quando se trata de direitos humanos. A premissa
do amor já não é suficiente para a aceitação de muitos abusos, principal-
mente por parte das mulheres.
O texto procurou refletir sobre os direitos humanos diante da premissa
do amor, a partir de uma perspetiva descolonial e perceber como a negação
(ou não) de uma história e as subjetividades não ocidentais aparecem no
campo da justiça. Os direitos humanos veem sendo colocados enquanto um
direito fundamental para a pessoa humana, independente da sua condição
econômica e a Casa do Direito está a contribuir nesse quesito no país.
Porém ainda assim, torna-se fundamental compreender a modernidade
desde a perspetivas históricas, sociológicas e culturais, de modo que possibilite
os deslocamentos de conhecimentos e novas configurações mediante as diver-
sas articulações da realidade local a partir das premissas de pluriversalidade.
SUMÁRIO
NOTAS
3
A maior ilha do país e o primeiro a ser povoado.
4
A segunda ilha a ser povoada na formação da sociedade cabo-verdiana.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CRUZ, Maria e FORTES, Celeste. Os (não) lugares dos homens pais e com-
panheiros nas famílias da ilha de Madeira. IN: Dinâmicas identitárias, cul-
turais e de género em Cabo Verde. Org: PÓLVORA, Jaqueline e ANJOS.
José. C. Praia, Santiago Cabo Verde; Edições da Uni-CV; Porto Alegre: Edi-
tora da UFRGS, 2016.
SUMÁRIO
A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS TERRITÓRIOS
QUILOMBOLAS E O MACROZONEAMENTO DO
MUNICÍPIO: A MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA MUNICIPAL DE
PROTEÇÃO E VALORIZAÇÃO DAS COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DE SERRO
THE LEGAL PROTECTION OF MAROONS LANDS AND THE
MUNICIPALITY’S MACROZONING: THE SOCIAL MOBILIZATION
FOR THE INSTITUTIONALIZATION OF THE PROTECTION AREAS
OF TRADITIONAL MAROONS TERRITORIES IN THE DIRECTIVE
PLAN OF SERRO MUNICIPALITY
1. INTRODUÇÃO
Este artigo científico é uma síntese da pesquisa-ação1 promovida pelo projeto
de extensão “A luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das comu-
nidades remanescentes de quilombo”, na defesa dos direitos étnicos e territo-
riais das comunidades quilombolas existentes no município do Serro, contra a
implantação de empreendimentos minerários no interior de seus territórios.
O problema social, que instigou a realização desta pesquisa científica,
consiste na falta de reconhecimento e de proteção aos interesses e valores,
que são reivindicados, de modo implícito ou explícito, pelas comunidades
quilombolas e se materializam em suas práticas, hábitos e modos de ser, nas
leis estatais que regulam a convivência social no Brasil. Em síntese, as leis
estatais regulam o convívio social sem se preocupar em proteger e preservar
os interesses e valores das comunidades quilombolas, permitindo a realização
SUMÁRIO
de atividades sociais que são incompatíveis e irreconciliáveis com os dife-
rentes modos de ser adotados pelas comunidades quilombolas.
Numa sociedade que ainda se organiza de modo colonial, por institucio-
nalizar mecanismos de imposição de interesses e valores constitutivos do
modo de ser hegemônico (colonizador) a grupos subalternizados (coloniza-
dos), que possuem outros modos de ser, pensar e sentir2, as leis estatais reco-
nhecem, via de regra, a legitimidade dos interesses e valores do modo de ser
dos grupos dominantes, que, assim, podem mobilizar a violência estatal contra
os demais grupos sociais subalternizados, para a imposição dos interesses e
valores constitutivos da forma de vida adotada pelos colonizadores.
Nesse contexto, a ordem jurídica representa, em regra, a tradução dos in-
teresses e valores dos grupos dominantes numa linguagem jurídica, que funcio-
na como uma justificação e autorização do uso da violência estatal contra aque-
les que se opõem à satisfação dos interesses e valores do grupo dominante.
A ordem social existente no município do Serro3 assenta, e perpetua,
relações coloniais, nas quais a vida das comunidades negras rurais, inclusive
as comunidades quilombolas4, é disciplinada para servirem à satisfação dos
interesses e valores do modo de vida dos grupos hegemônicos, que, ao in-
ternalizarem a lógica interna da acumulação de capital, conformam todas
as relações sociais ao atendimento da reprodução do capital.
Nesta ordem social colonial, forjada a partir do capitalismo mundial
moderno, a raça se torna um dos fatores sociais de classificação da popula-
ção, atribuindo diferentes papéis e posições sociais às pessoas nas relações
de dominação política e de controle dos meios de produção material, que
incluiu o controle da força de trabalho, dos recursos (inclusive naturais) e
dos produtos do trabalho.
Anibal Quijano (2005, pp. 227/228) explica o papel da raça na regula-
ção das relações sociais constituídas pelo capitalismo mundial moderno, a
partir da colonização da América, nos seguintes termos:
A ideia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida antes
da América. Talvez se tenha originado como referência às diferenças fenotí-
picas entre conquistadores e conquistados, mas o que importa é que desde
muito cedo foi construída como referência a supostas estruturas biológicas
diferenciais entre esses grupos.
SUMÁRIO
relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, luga-
res e papéis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e, consequente-
mente, ao padrão de dominação que se impunha. Em outras palavras, raça e
identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação so-
cial básica da população.
SUMÁRIO
como agregado nas fazendas, que continuavam dominadas por brancos, ou
como proletários nos processos de industrialização da América Latina, per-
manecendo, em ambos os casos, como subalternos àqueles que controlavam
os meios de produção.
No âmbito da dominação política, foi negado ao negro a possibilidade
de exercer funções e cargos que propiciam a formação da vontade política
do Estado-Nação, cabendo-lhe, apenas, obedecer às decisões políticas to-
madas na forma de leis jurídicas, cuja inobservância proporcionava a sub-
missão do negro aos órgãos de controle social. Por isso, após o fim das re-
lações de escravidão, os negros estão sub-representados nos órgãos estatais,
dotados de competência para tomada de decisões coletivamente obrigató-
rias, e são os principais alvos das ações de controle social realizadas pelos
órgãos de segurança pública.
É oportuno esclarecer que as relações coloniais não cessaram com a in-
dependência política dos Estados Latino-Americanos em relação a suas an-
tigas metrópoles europeias, cujo processo se desenvolveu no final do século
XVIII e início do século XIX. Ao contrário, as relações coloniais se desen-
volveram nas práticas sociais, econômicas e políticas dos países latino-ame-
ricanos, adquirindo novas aparências e roupagens, que expressavam, con-
tudo, as mesmas relações de subalternização dos grupos raciais e étnicos do
início do processo de colonização da América5.
O problema acima indicado se mostrou ao longo da tramitação do pro-
cesso administrativo, instaurado no âmbito do Conselho de Desenvolvimen-
to do Meio Ambiente do Município do Serro (CODEMA), com a finalidade
de se recomendar ao Prefeito Municipal a declaração de conformidade do
empreendimento minerário denominado “Projeto Serro” com as leis muni-
cipais de uso e ocupação do solo6.
No mês de dezembro de 2014, a sociedade empresária Anglo American
Minério de Ferro Brasil S/A solicitou, ao Município do Serro, que fosse de-
clarada a conformidade do empreendimento minerário denominado “Projeto
Serro” com as leis municipais de uso e ocupação do solo. A empresa afir-
mava que o Plano Diretor do Município do Serro definia a área de influência
direta do empreendimento minerário como Zona Especial de Exploração
Minerária, permitindo, assim, a implantação do empreendimento minerário
na referida área7.
O “Projeto Serro” é um empreendimento minerário em que se pretendia
a realização de lavra de minério de ferro, em escala de produção de 500.000
toneladas/ano, e posterior beneficiamento a seco (EIA/RIMA, Volume I,
2014, p. 13).
Ao longo do processo administrativo instaurado no âmbito do CODE-
MA, verificou-se que a área de influência direta do empreendimento mine-
rário se sobrepõe ao território da comunidade quilombola de Queimadas8 e
SUMÁRIO
constatou-se a existência de um conflito socioambiental entre o empreen-
dedor capitalista e a comunidade quilombola, na medida em que os atores
sociais envolvidos pretendiam utilizar, de modo contraditório e irreconci-
liável, o mesmo espaço territorial.
O conflito socioambiental tornou-se explícito e verbalizado na reunião
ordinária do CODEMA, realizada no dia 16 de setembro de 2015, na qual
os representantes da comunidade quilombola de Queimadas afirmaram que
não concordavam com a implantação do empreendimento minerário no in-
terior de seus territórios.
O conflito socioambiental entre a empresa e a comunidade quilombola
de Queimadas desvelou o problema da invisibilidade das comunidades qui-
lombolas nas leis jurídicas que regulam a convivência social no Brasil, bem
como a permanência da lógica colonizadora na legislação estatal, que, via
de regra, impõe os interesses da reprodução do capital aos grupos étnicos
subalternizados.
Nesse contexto, ao regular a utilização dos diferentes espaços geográficos
que compõem o seu território, o Município do Serro não reconheceu a existên-
cia dos territórios das comunidades quilombolas, no macrozoneamento terri-
torial de seu Plano Diretor. E, o que é pior, o Plano Diretor autorizou que ati-
vidades sociais incompatíveis com a reprodução física e cultural das
comunidades quilombolas possam ser realizadas no interior de seus territórios
tradicionais. Assim, por exemplo, o Plano Diretor previu que parte dos territó-
rios das comunidades quilombolas de Ausente, Baú e Queimadas seria desti-
nado à exploração minerária, na medida em que classifica como Zona Especial
de Exploração “as áreas nas quais existam concessões para extração de lavra”.
A construção e manutenção da identidade coletiva de uma comunidade
quilombola, produzida pelo realce de traços culturais, que se contrastam
com os modos de vida da sociedade local e são expressivos da particulari-
dade do modo de ser de um grupo étnico minoritário, demandam o perten-
cimento a um território.
O território fornece o substrato indispensável para a reprodução mate-
rial, social e simbólica do grupo étnico. Assim, há uma verdadeira simbiose
entre a identidade quilombola e seu território, pois a “construção de si, um
sujeito coletivo singular e diferenciado culturalmente, se dá pelos processos
de territorialidade construídos ao longo da trajetória de cada grupo, apoiada
em uma razão histórica” (COSTA, p. 66).
O respeito ao modo de ser das comunidades quilombolas, cuja proteção
jurídica se baseia no disposto no artigo 216 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CR/88)9, torna obrigatória o reconhecimento
de seus territórios tradicionais no Plano Diretor dos Municípios.
O Plano Diretor deve destinar o uso dos territórios tradicionais para a
reprodução material e simbólica das comunidades quilombolas, proibindo
SUMÁRIO
a implantação de atividades e práticas incompatíveis como o modo particu-
lar de ser de cada uma das comunidades quilombolas existentes.
Pois, o Plano Diretor é o principal instrumento jurídico de regulação,
gestão e planejamento do uso dos espaços geográficos, que compõem o ter-
ritório municipal. Fazer planejamento territorial é definir o melhor modo de
ocupar o território de um município, prevendo os espaços geográficos aonde
serão realizadas as mais diferentes atividades humanas, e todas as formas
de uso do espaço, presentes e futuros. Na ordenação territorial, o Município
deve se preocupar em assegurar, a todos os indivíduos e grupos étnicos cons-
tituidores da sociedade local, os espaços geográficos apropriados ao desen-
volvimento de suas atividades econômicas, culturais, sociais e políticas,
com vistas a uma melhoria constante do bem-estar de toda a população.
A partir da experiência, adquirida na atuação no processo administra-
tivo de certificação da conformidade do empreendimento minerário deno-
minado “Projeto Serro” com as leis municipais de uso e ocupação do solo,
percebeu-se que a efetividade da proteção jurídica aos direitos étnicos e ter-
ritoriais das comunidades quilombolas depende do reconhecimento formal,
no Plano Diretor, de que os territórios tradicionais das comunidades qui-
lombolas se destinam, exclusivamente, a sua reprodução material e simbó-
lica. No Plano Diretor, deve ser proibido, expressamente, a implantação de
atividades e práticas incompatíveis com o modo de ser particular de cada
uma das comunidades quilombolas.
O reconhecimento formal de que os territórios quilombolas se destinam
a reprodução material e cultural das comunidades quilombolas depende da ar-
ticulação de dois fatores: 1) a construção de um discurso destinado a justificar
a legitimidade da reivindicação de grupos/classes subalternizados do reconhe-
cimento formal de direitos, que possam viabilizar a superação das relações de
subalternização a que estão inseridos; e, 2) a mobilização social e política no
sentido de se exigir o reconhecimento dos direitos reivindicados por parte do
Estado, como uma exigência da justiça, traduzindo, na linguagem dos direitos
fundamentos, os interesses e valores das comunidades quilombolas.
A pesquisa-ação, promovida pelo projeto de extensão “A luta pelo re-
conhecimento dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes
de quilombo”, possui a finalidade de construir, em conjunto com as lideran-
ças das comunidades quilombolas existentes do Município do Serro/MG,
um discurso de direitos humanos destinado a justificar a revisão do Plano
Diretor do Município do Serro, no sentido de se reconhecer a existência dos
territórios quilombolas, destinando-os ao uso exclusivo das comunidades
quilombolas, de acordo com suas leis tradicionais.
Possui, também, a finalidade de promover a articulação política impres-
cindível para a aprovação da Lei de Revisão do Plano Diretor do Município
do Serro, instituindo-se uma Política Municipal de Proteção e Valorização
SUMÁRIO
das Comunidades Quilombolas de Serro, destinada a assegurar os direitos
territoriais destes grupos étnicos minoritários.
[...] a luta social constante, com suas expressões de vanguarda e suas resis-
tências e sacanagens reacionárias, com suas forças contraditórias de pro-
gresso e conservantismo, com suas classes e grupos ascendentes e libertá-
rios e suas classes e grupos decadentes e opressores - é todo o processo que
define o Direito, em cada etapa, na procura das direções de superação.
SUMÁRIO
E preciso notar, inclusive, que as contradições não se dão apenas entre blocos
de normas, porém dentro desses blocos. Assim, por exemplo, o direito estatal,
as leis que exprimem, em linhas gerais, o domínio de classe e grupos privile-
giados têm elementos que podem ser utilizados pelas classes e grupos liberta-
dores, porque, na hipocrisia de fazer o contrário do que dizem (isto é, dizer
que vão construir a “Justiça” nas normas, enquanto fazem das normas uma
proteção injusta de seus privilégios), a classe e grupos dominadores muitas
vezes se contradizem, deixam “buracos” nas suas leis e costumes, por onde os
mais hábeis juristas de vanguarda podem enfiar à alavanca do progresso, ex-
plorando a contradição.
[...]
Direito é processo, dentro do processo histórico: não é uma coisa feita, per-
feita e acabada; é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos de liber-
tação das classes e grupos ascendentes e que definha nas explorações e
opressões que o contra-dizem, mas de cujas próprias contradições brotarão
as novas conquistas.
[...]
SUMÁRIO
produtos primários, sem se preocupar, na maioria das vezes, com a satisfa-
ção dos interesses daqueles que vivem no território nacional.
Assim, com a finalidade de atender a demanda existente no mercado
internacional por minério de ferro, expande-se a instalação de grandes em-
preendimentos minerários em pequenas cidades brasileiras, que se caracte-
rizam, em geral, por possuírem formas de vida tradicionais, baseadas na pes-
soalidade das relações sociais, nos valores éticos expressivos de uma forma
de vida culturalmente compartilhada e no modo próprio de apropriação dos
espaços geográficos e dos recursos naturais nele disponíveis.
A expansão das atividades capitalistas e a implantação de grandes pro-
jetos de investimento desestabilizam as formas de vida de comunidades tra-
dicionais, perturbando a estabilidade e a lógica das relações sociais, econô-
micas e ambientais existente nestas comunidades tradicionais, e precarizando,
ainda mais, os já deficientes serviços públicos existentes.
A experiência da opressão e violência, que são experimentados pelas co-
munidades quilombolas existentes nas áreas de influência dos empreendimen-
tos minerários, consolidou a compreensão e a sensação de que a emancipação
das comunidades quilombolas depende do reconhecimento formal, no Plano
Diretor do Município, de que os territórios tradicionais das comunidades qui-
lombolas se destinam, exclusivamente, a sua reprodução material e simbólica,
proibindo-se a implantação de atividades e práticas incompatíveis com o
modo de ser particular de cada uma das comunidades quilombolas.
A oportunidade de uma transformação emancipatória do Direito sur-
giu com o início do processo de revisão do Plano Diretor do Município do
Serro, ocorrido no mês de dezembro de 2016. Em decorrência de um Termo
de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público de Minas
Gerais e o Município do Serro, foi contratada a Fundação Israel Pinheiro
(FIP), para coordenar as atividades do processo de revisão do Plano Diretor,
com o objetivo de atualizar a regulação dos usos dos espaços geográficos
às necessidades das diferentes classes e grupos étnicos que compõem a so-
ciedade serrana.
A FIP definiu, como metodologia de revisão do Plano Diretor, a criação
de um núcleo gestor, definido como um “órgão colegiado que reúne repre-
sentantes do poder público e da sociedade civil, sendo de caráter consultivo
e deliberativo, integrante da estrutura de gestão participativa do processo
de revisão do Plano Diretor” (Cartilha distribuída pela FIP por ocasião da
audiência pública de Lançamento do Plano Diretor Participativo do Serro,
realizada no dia 14 de dezembro de 2016).
Foi proposta, também, a realização de oficinas de Leitura Comunitária,
que possuíam a finalidade de “registrar as impressões e vivências cotidianas
da população” através da discussão dos temas relevantes apresentados pela
própria população.
SUMÁRIO
O projeto de extensão “A luta pelo reconhecimento dos direitos funda-
mentais das comunidades remanescentes de quilombo”, em conjunto com
as lideranças das comunidades quilombolas existentes do Município do
Serro/MG, construiu um discurso destinado a justificar o reconhecimento
do direito à consulta e ao consentimento das comunidades quilombolas em
relação a qualquer medida legislativa ou administrativa que possam afetá-
las direta ou indiretamente, tais como a autorização para implantação de em-
preendimentos minerários no interior de seus territórios.
O direito à consulta livre, prévia e informada significa que, antes de se
aprovar qualquer medida legislativa ou administrativa que possa afetar os
interesses das comunidades quilombolas, o órgão público competente for-
necerá todas as informações relevantes às comunidades quilombolas, escla-
recendo eventuais dúvidas e acatando reivindicações das comunidades, com
a finalidade de se chegar a um consenso com os órgãos representativos de
tais comunidades.
O direito ao consentimento significa que a validade de qualquer medida
legislativa ou administrativa, que afete os interesses das comunidades qui-
lombolas, fica condicionada à obtenção da concordância dos órgãos repre-
sentativos das comunidades quilombolas.
Os direitos à consulta e ao consentimento são reinvindicações do mo-
vimento quilombola para se superar as relações de subalternização social,
econômica e política que os aflige. Pois, numa ordem social eminentemente
colonial, na qual ao negro é reservado o papel de se submeter às ordens e
decisões tomadas pelos brancos, que dominam e controlam os órgãos pú-
blicos legislativos e administrativos dotados de competência para tomadas
de decisões coletivamente obrigatórias, a emancipação se torna possível,
apenas, condicionada a validade destas decisões à consulta e ao consenti-
mento dos órgãos representativos das comunidades quilombolas.
A verdadeira democracia, entendida como um regime político no qual
as decisões coletivamente obrigatórias se legitimam porque expressam a von-
tade de todos os possíveis afetados pelo seu seguimento generalizado, não se
realiza nas instituições administrativas e políticas do Estado-Nação, que são
controlados pelas classes e grupos étnico-raciais dominantes. As instituições
do Estado-Nação expressam, apenas, os interesses e os valores das classes e
grupos étnico-raciais dominantes, cujos representantes não estão dispostos a
sequer ouvir e considerar os interesses dos grupos subalternizados.
Numa sociedade colonial, a verdadeira democracia pode se realizar,
apenas, condicionando a validade das decisões administrativas e legislativas
do Estado-Nação ao consentimento dos grupos étnico-raciais subalterniza-
dos, cujas entidades representativas terão o relevante papel de exigir o re-
conhecimento dos interesses e valores destes grupos para consentirem com
as decisões do Estado-Nação.
SUMÁRIO
As lideranças quilombolas, com a assessoria jurídica do projeto de ex-
tensão “A luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das comuni-
dades remanescentes de quilombo”, reivindicaram o reconhecimento formal
dos direitos à consulta e ao consentimento nas oficinas e audiências públi-
cas, realizadas ao longo do ano de 2017.
O quilombola Benedito Crizóstomo Gomes, liderança da comunidade
de Vila Nova, integrou o Núcleo Gestor e articulou politicamente as lide-
ranças quilombolas para a reinvindicação do reconhecimento dos direitos à
consulta e ao consentimento das comunidades quilombolas em relação as
medidas legislativas e administrativas que lhes possam afetar.
E, na audiência pública realizada no dia 26 de setembro de 2017, para
a discussão e aprovação da proposta preliminar da Minuta de Projeto de Lei
do Plano Diretor Participativo de Serro/MG, foi aprovada a inclusão de uma
Política Municipal de Proteção e Valorização das Comunidades Quilombo-
las do Serro, que reconhece, dentre outros, o direito à consulta e ao consen-
timento nos seguintes termos:
[...]
SUMÁRIO
para avaliar o impacto social, cultural e ambiental dos empreendimentos e
atividades pretendidos, sendo os resultados desses estudos considerados cri-
térios fundamentais para a implementação do empreendimento ou atividade;
a preservação do meio ambiente nos territórios ocupados ou utilizados por
estas comunidades;
o respeito à relação destas comunidades com as terras e/ou territórios que
ocupam ou usam para outros fins, especialmente os aspectos coletivos dessa
relação. (FIP, 2017).
3. CONCLUSÃO.
Os direitos étnicos e territoriais são faculdades reconhecidas a entidades cole-
tivas, que se auto-atribuem uma identidade étnica quilombola e que só podem
ser exercidos coletivamente. Os direitos étnicos e territoriais asseguram a
SUMÁRIO
faculdade coletiva de um grupo étnico de perpetuar seus modos particulares
de ser, consubstanciados em sua organização social, suas práticas culturais
e materiais, bem como pelo respeito a sua leis consuetudinariamente reco-
nhecidas, por meio da ocupação e uso de um território coletivo para asse-
gurar a sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica.
Nesse sentido, Dimas Salustiano de Silva (1997, p. 54) afirma que as
comunidades quilombolas:
SUMÁRIO
NOTAS
Luciana Ballestrin (2013, p. 91) afirma que “a relação colonial é uma re-
lação antagônica: ‘[A] presença do outro me impede de ser totalmente eu mesmo.
2
SUMÁRIO
O Município do Serro, localizado na região do Alto Jequitinhonha do Es-
tado de Minas Gerais, possui 5 comunidades quilombolas (Ausente, Baú, Fazenda
4
Santa Cruz, Queimadas e Vila Nova), que foram reconhecidas pela Fundação Cul-
tural Palmares (FCP), por meio da Portaria n.º 177, de 31 de agosto de 2012.
SUMÁRIO
minerário. Pois, sem a declaração de conformidade com a legislação aplicável ao
uso e ocupação do solo, o processo de licenciamento ambiental não pode, sequer,
ser iniciado pelo empreendedor.
SUMÁRIO
tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico
e científico”.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Júlio Cesar de Sá da Rocha, Ordep Serra (organizadores). Salvador: EDUFA,
2015, pp. 81-110.
LYRA FILHO. Roberto. Karl, meu amigo: diálogo com Marx sobre o Di-
reito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1983.
SUMÁRIO
SILVA, Dimas Salustiano da. Constituição e Diferença Étnica: o problema
jurídico das comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil. In:
Regulamentação de Terras de Negros no Brasil. Boletim Informativos do
Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas (NUER). Flo-
rianópolis: UFSC, vol. I, n. I, 1997, pp. 51-64.
SUMÁRIO
O PROJETO DE LEI 1.057/2007 E A
CRIMINALIZAÇÃO DO “OUTRO”: O PLURALISMO
JURÍDICO COMO GARANTIDOR DA DIVERSIDADE
CULTURAL INDÍGENA
Michelle Monteiro1
Tatiana de Almeida F. R. Cardoso Squeff2
INTRODUÇÃO
O Brasil, decorrente de aspectos históricos de colonização, é composto por
diversas etnias, crenças e raças, ou seja, a sociedade brasileira é revestida
por uma pluralidade de culturas, de modo que cada uma delas possui um
conjunto próprio de linguagem, parentesco, formas de vida, enfim, “visão
de mundo”. É nessa perspectiva que se questiona, por um lado, a incompa-
tibilidade do direito em reconhecer e validar no ordenamento jurídico, ma-
nifestações culturais diversas das estabelecidas pelo Estado monista e, por
outro, ao papel desse Estado frente a práticas culturais que transgridem cer-
tos direitos assegurados por instrumentos normativos.
Um exemplo disso é o Projeto de Lei nº 1.057/2007, popularmente co-
nhecido como “Lei Muwaji”, que se encontra em tramitação no Congresso
Nacional, tendo sido aprovado, em agosto de 2015, pela Câmara dos Depu-
tados, dispondo acerca da criminalização de algumas práticas tradicionais
de alguns povos indígenas, entre elas, o que se estipulou chamar de “infan-
ticídio indígena”, que consiste no sacrifício de neonato por apresentar algum
dos requisitos determinados pelo grupo no qual se encontra inserido. Por
meio deste Projeto de Lei, tenciona-se inibir esse costume, para que os di-
reitos fundamentais, assegurados constitucionalmente, e os direitos huma-
nos, garantidos internacionalmente, sejam efetivados.
Como motivo para a aprovação do referido Projeto, está a garantia do
bem jurídico mais relevante, a vida, sob a justificativa de que à criança é
resguardada a dignidade da pessoa humana. Ocorre que, por meio de estudos
SUMÁRIO
antropológicos, constatou-se que os grupos indígenas brasileiros não con-
sideram as práticas descritas no Projeto de Lei como nocivas, porquanto
possuem uma concepção de vida e ser humano únicas, diversas dos signifi-
cados da cultura ocidental.
Sendo assim, tendo como foco a discussão acerca do enfrentamento entre
o direito à diversidade cultural e o direito à vida com base no princípio da dig-
nidade da pessoa humana, o qual foi construído a partir de uma realidade bran-
ca imperialista e europeia, distinta da latino americana, que o presente artigo
visa à reflexão sobre o impasse existente entre os costumes de culturas dife-
rentes dentro de um território nacional que ferem os direitos assegurados no
ordenamento jurídico local e o papel do Estado frente a essas transgressões
com a justificativa de proteger os direitos humanos e fundamentais garantidos
ao longo da história, tendo por escopo o Projeto de Lei n° 1.057/2007.
Por fim, ressalta-se que, para a realização deste estudo bibliográfico e
documental qualitativo de natureza aplicada, utilizou-se o método dedutivo
como forma de abordagem por partir de premissas gerais (um estudo sobre
o caráter colonial, eurocêntrico e universal dos direitos humanos e em como
este oprime e deslegitima culturas diversas da ocidental), visando à análise
de uma situação concreta (a criminalização do “infanticídio indígena” en-
quanto exemplo das incompatibilidades e exclusões oriundas do monismo
jurídico estatal).
[...] uma visão do mundo com a qual tomamos nosso próprio grupo como
centro de tudo, e os demais grupos são pensados e sentidos pelos nossos va-
lores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano in-
telectual pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no
plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc.
Souza Filho (2003, p. 77), por sua vez, explana que o multiculturalismo
se torna essencial diante de um Estado que protege, reconhece e busca con-
verter todos os direitos em individuais, porquanto a sociedade e seu sistema
jurídico foram construídos com base em um Estado colonialista limitado
pelo individualismo capitalista, o que transforma os direitos precipuamente
coletivos dos povos em direitos individuais.
Assim, o multiculturalismo, ainda que sujeito a críticas, tem um papel
fundamental como objeto emancipatório, consistindo, para tanto, na defesa
da identidade e da diversidade cultural, bem como sua autodeterminação,
já que a intersecção entre as culturas não deveria ser considerada como uma
sobreposição de uma tradição “dominante” em face de uma cultura “mino-
ritária”, de maneira que uma sociedade multicultural deveria ser enxergada
como uma troca de experiências entre as mais diversas comunidades (APEL,
2000, p. 14), razão pela qual o multiculturalismo busca mudar o caráter ho-
mogêneo e fundado em uma cultura só das sociedades tidas como plurais
(MACHADO, 2010, p. 159).
SUMÁRIO
o ser pensante se refere apenas ao sujeito que consiga transformar a natureza
em dominação, assentando a sua própria racionalidade3 como universal e
impondo a sua cultura como a mais evoluída e o padrão a ser seguido. Sendo
assim, o universalismo conferido aos direitos humanos, desde sua origem,
para além de salvaguardar apenas uma identidade, é excludente.
Destarte, difundiu-se um discurso de criação de direitos determinados
por uma cultura ocidental europeia, marcada por certos atributos e delineada
como própria de toda a humanidade, na observância e proteção da dignidade
da pessoa humana. Todavia o problema reside no fato de que os valores ex-
pressos por tais direitos se revelam como sendo um padrão de vida conce-
bido para o homem branco ocidental, refutando-se ao “Outro”, figura do não
europeu, não cristão, não branco, esse mesmo padrão estabelecido (WOLK-
MER, 2015, p. 261).
No tocante à dignidade da pessoa humana como elemento cerne dos
direitos humanos, visto sua concepção jusnaturalista e europeia, tem-se se
tratar de um fundamento do Estado, uma vez que institui uma das bases que
legitima e, ao mesmo tempo, restringe sua atuação, ou seja, em que pese ob-
jetiva impedir que o poder público cometa violações à dignidade individual
de seus cidadãos, determina que o Estado tenha sempre como escopo a pro-
moção e a garantia de uma vida com o mínimo de dignidade para todos. Quer
dizer, ao utilizar-se da dignidade da pessoa humana como tarefa, é imposto
ao Estado, além da obrigação de respeitar, o dever de promover condições
que proporcionem e desloquem as barreiras que dificultam a vivência com
dignidade (SARLET, 2002, p. 109).
Ocorre que, para além de a essa concepção acerca da dignidade da pessoa
humana ter sido construída a partir de uma realidade diversa da latino-ameri-
cana, constata-se, por meio de estudos antropológicos, que, por exemplo,
como objeto deste estudo, alguns grupos indígenas possuem uma concepção
de vida, de dignidade e de ser humano diversa dos significados ocidentais.
Isto posto, indaga-se acerca da possibilidade de se estabelecer limites
e restrições à dignidade da pessoa humana, de forma a relativizá-la, quando
se depara com outro sistema cultural, como a da questão indígena a ser abor-
dada a seguir.
[...] que Estado é esse que hoje pretende legislar sobre como os povos indí-
genas devem preservar suas crianças? Que Estado é esse que hoje pretende
ensinar-lhes a cuidá-las? Que autoridade tem esse Estado? Que legitimidade
e que prerrogativas? Que credibilidade esse Estado tem ao tentar, mediante
essa nova lei, criminalizar os povos que aqui teciam os fios da sua história
quando foram interrompidos pela cobiça e violência dos cristãos?
SUMÁRIO
substância (materiais e imateriais) que nos faz pessoas e corpos em elabora-
ção, movimento que é condição para a vida.
SUMÁRIO
coletivos de direito, possuindo identidade étnica e direitos históricos impres-
critíveis, bem como deliberou acerca dos deveres e das responsabilidades do
Estado para garantir os direitos indígenas (SOUZA FILHO, 2008, p. 11).
Sendo assim, observa-se a existência de uma preocupação internacio-
nal para se assegurar os direitos dos povos indígenas, sendo válidas as ma-
nifestações culturais destes. Não obstante, tendo em vista que, por não exis-
tir apenas um único conceito do que é vida, por exemplo, vez que os
significados simbólicos variam de uma cultura para a outra, o direito à di-
versidade cultural acaba por não ser totalmente efetivado dentro do nosso
ordenamento jurídico, porquanto se mantém o entendimento de que o Estado
monista, o qual foi estruturado a partir de uma herança colonial, racista, eu-
ropeia e cristã, é apenas o produtor de juridicidade. A respeito disso, Beltrão
(2009, p. 5) sustenta que:
SUMÁRIO
Assim, busca-se o pluralismo jurídico como um modo alternativo, uma
saída efetiva para alguns problemas sociais, que se determina pela presença
de um direito não decorrente do Estado.
CONCLUSÃO
A partir da presente pesquisa, pode se constatar que a cultura é concebida
como uma teia de significados acerca de símbolos que são observados par-
ticularmente por cada comunidade, envolvendo a arte, a música, a forma de
viver, a linguagem, o parentesco, a história, entre outros fatores. O Brasil,
devido ao seu aspecto político-econômico-histórico-social, é composto por
vasta diversidade cultural, que, embora garantida pela Constituição Federal
de 1988, encontra dificuldades para a manutenção de suas tradições.
A respeito disso, teorias foram desenvolvidas a fim de questionar a uni-
versalidade dos direitos humanos, porquanto apoiado em uma visão hege-
mônica ocidental. Sendo assim, por um lado, com respaldo na ótica antro-
pológica, têm-se aqueles que não aceitam a presença de valores universais,
devendo-se observar a individualidade de cada cultura conforme suas con-
cepções acerca de um determinado assunto. Em contraponto a eles, têm-se
os defensores dos direitos humanos, os quais justificam o caráter jusnatura-
lista universal de tais direitos, já que todos os homens, independentemente
da cultura em que se está inserido, são titulares de direitos intrinsecamente.
O problema que pode ser constatado, após a abordagem das duas teorias, é
o fato de que não são suficientes, vez que totalizantes e excludentes.
O argumento utilizado para a aprovação do Projeto de Lei nº 1.057/2007
é no sentido de que, muito embora seja constitucionalmente reconhecido o di-
reito dos povos indígenas a manter e praticar suas tradições, o artigo 231, da
Constituição Federal, deve ser analisado conforme o princípio, base e funda-
mento do Estado Democrático de Direito, que é o da dignidade da pessoa hu-
mana, bem como de acordo com os direitos fundamentais e outras normas con-
jecturadas no sistema jurídico brasileiro que asseguram e protegem a criança.
Tendo em vista que a cultura conduz o comportamento do ser humano,
devem-se proporcionar indagações e compreender que há diversas maneiras
de perceber os conceitos de ser humano, de vida, de justiça e de dignidade,
vez que o Brasil possui vasta pluralidade de culturas. É nesse sentido, após
reflexões e questionamentos trazidos a partir da formulação deste trabalho,
que as práticas tradicionais indígenas, dispostas no Projeto de Lei nº
1.057/2007, não podem ser criminalizadas, porquanto verifica-se serem as
medidas propostas pelo Projeto de Lei n° 1.057/2007 fundamentadas em
acepções eurocêntricas e hegemônicas, ignorando as concepções indígenas.
Cumpre, também, ressaltar que, para a preparação do mencionado pro-
jeto, não participaram os povos indígenas envolvidos no debate, os quais
SUMÁRIO
possuem o direito à participação nos procedimentos legislativos e políticos
que os dizem respeito, conforme a Convenção 169 da OIT, que determina o
direito das comunidades indígenas à consulta.
Apresentadas tais considerações, percebe-se que, por meio de um diá-
logo, deve-se efetivamente conceder aos povos indígenas o direito a sua au-
todeterminação, a fim de que não se deixe de considerar as particularidades
culturais, já que devem ser respeitadas, com enfoque na tolerância e na al-
teridade, as diferenças, de modo que não se faz necessário medidas legisla-
tivas para o “combate” a essas práticas tradicionais ditas como “nocivas”.
A partir da implantação de um Estado pluricultural, podem-se oportu-
nizar o completo reconhecimento da autodeterminação cultural indígena e
o respeito à diversidade cultural assegurada no artigo 231 da Constituição
Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT, rompendo-se, ao se dar voz
aos povos subalternos, com o modelo eurocêntrico imposto.
Nessa perspectiva, no âmbito do pluralismo jurídico, deveria o Estado
apreciar os sistemas jurídicos de cada cultura, de maneira a se abster da sujei-
ção absoluta e inquestionável do poder estatal eurocêntrico, colonialista, bran-
co e cristão, de forma que, se porventura, aparecer conflitos em virtude da in-
teração entre os povos, não deveria ele impor uma única solução plausível
sem averiguar todas as outras possibilidades oriundas do pluralismo jurídico
arraigado na pluralidade cultural do Estado brasileiro.
Destarte, a multiplicidade de culturas abarcada no Brasil ainda é ignorada
pelo poder estatal e pela sociedade como um todo, de forma que é importante,
para a busca pela igualdade e justiça, a concretização do pluralismo jurídico.
SUMÁRIO
NOTAS
e na Ásia, nas quais os nativos das regiões eram tidos como irracionais, servindo
de argumento para dominação colonial, visto se tratar de um escalonamento de
valores aos seres humanos (os dignos aos indignos), conforme Bragato sustenta
(2009, p. 108).
Art. 2º. Para fins desta lei, consideram-se nocivas as práticas tradicionais que
atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como: I. homicídios de
4
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
KYMLICKA, Will. Multiculturalismo Liberal e Direitos Humanos. In:
IKAWA, Daniela; SARMENTO, Daniel; PIOVESAN, Flávia (Coord.). Igual-
dade, Diferença e Direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SEGATO, Rita Laura. Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralis-
mo jurídico em diálogo didático com legisladores. Revista de Direito da
Universidade de Brasília. v. 1, n. 1, jan-jun de 2014. Brasília: UnB, 2014.
SUMÁRIO
Brasileira, 2003.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Estatuto dos Povos Indíge-
nas. Série pensando o Direito. n. 19/2009, Brasília: Secretaria de Assuntos
Legislativos do Ministéria da Justiça (SAL), 2008.
SUMÁRIO
UM OLHAR DESCOLONIAL SOBRE A DOUTRINA DA
PROTEÇÃO INTEGRAL: A IMPORTAÇÃO DO PADRÃO
UNIVERSAL DE JUVENTUDE NA REALIDADE
BRASILEIRA
Milena Trajano dos Anjos
(Mestranda em Direito da Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP)
Abstract: The work aims to analyze how the doctrine of integral protection
was imported and applied in Brazil, by the Federal Constitution of 1988 and
the promulgation of the Statute of the Child and the Adolescent. Through a
bibliographical review, it is discussed the uncritical import of the Declaration
SUMÁRIO
of the Rights of the Child, that, as the importation of human rights theory into
the Brazilian reality, without proper adaptation, generates a globalizing ho-
mogenization of human rights, leading to the belief that everyone has the same
rights, resulting in the elimination of cultural, ethnic differences. Thus, Brazilian
legislations, inspired by the international ones, deal with a universal standard
of youth from a central European reality. The decolonial approach is neces-
sary, in order to take into account the Latin American / Brazilian reality, to em-
phasize the need to decolonize uncritically imported knowledge, from a reality
different from the Brazilian one, that continue to be reproduced, without com-
ply with the particularities of punitive control in peripheral societies.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo, a partir da crítica decolonial, demons-
trar como a importação acrítica da Declaração sobre os Direitos da Criança
que, a exemplo da importação da teoria dos direitos humanos à realidade
brasileira, sem a devida adaptação, gerou uma homogeneização globalizante
dos direitos, que deu origem a um padrão universal de juventude, o qual, no
final das contas, enfatiza a infância universal e a especialização das políticas
para o atendimento das “crianças perigosas” e das “crianças em perigo”, re-
forçando a reinstalação da desigualdade de suas existências.
Assim, a partir do método de revisão bibliográfica, a intenção é de rea-
lizar um estudo que leve em consideração a realidade latino-americana/bra-
sileira, e é necessário, antes de qualquer coisa, destacar a necessidade de
descolonizar nossos saberes, ou, melhor dizendo, os saberes que foram im-
portados acriticamente, oriundos de uma realidade diferente da nossa, e que
continuam a ser reproduzidos até os dias atuais.
Por esse motivo, iniciam-se os estudos desenvolvendo o tema da colo-
nialidade e, logo em seguida, como consequência, a colonialidade do saber,
a fim de posteriormente desenvolver e aprofundar o estudo no universalismo
dos direitos humanos, que abriu o caminho para que fosse gerado um padrão
universal de juventude, refletindo sobre a nossa realidade latino-americana,
abandonando a perspectiva eurocêntrica que baseia a maior parte dos co-
nhecimentos produzidos e reproduzidos.
Ocorre que, tendo sido a legislação internacional planejada para uma
realidade universal, previu, por exemplo, ampla discricionariedade, a fim
SUMÁRIO
de atender às peculiaridades da fase juvenil, termina convertendo-se em au-
toritarismo e arbitrariedade. A exclusão moral, em que vive grande parte da
população juvenil brasileira, impõe o Estado assistencial, mas cujo retardo
é suprido pela via punitiva, porém, com o discurso da socioeducação. Um
eufemismo que confunde com o discurso cínico de que a intervenção é um
“bem para o adolescente”.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Tal qual a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Declaração dos Di-
reitos da Criança proclama um padrão ao qual todos deveriam ambicionar e se
esforçar para construir. Assim, as legislações brasileiras, inspiradas nas inter-
nacionais, acabam lidando com um padrão universal de juventude baseado
numa realidade centro-europeia, que não levam em consideração as peculiari-
dades latino-americanas e, mais especificamente, a realidade brasileira.
Dessa maneira, no contexto dos direitos humanos, o universalismo
apresenta uma postura dicotômica: ele homogeneíza todos seres humanos
sob o véu da legislação universal, camuflado de inclusão social, mas, simul-
taneamente, exclui outros, uma vez que nem todos conseguem ter acesso
aos direitos e aos bens juridicamente protegidos. (BIAZI; GRUBBA, 2016).
Apesar do universalismo homogeneizante dos direitos, alguns seres hu-
manos são deles excluídos, ainda que estejam incluídos nas normas. Isso
acontece porque o mundo jurídico e o seu dever ser não coincidem, obrigato-
riamente, com o mundo material. Ou seja, apesar da igualdade formal, carac-
terizada pela igualdade no usufruto da condição abstrata de sujeito de direito
SUMÁRIO
perante à lei, a obtenção efetiva da justiça e desses direitos ainda é regalia de
uma ínfima parcela da população. (BIAZI; GRUBBA, 2016).
Assim, ao especializar as políticas e os mecanismos administrativos
que atuam no atendimento das crianças, distinguindo-as entre “perigosas”
e “em perigo”, não apenas terminam por reforçar a periculosidade do jovem
delinquente – aqueles destinatários das medidas socioeducativas – alargan-
do espantosamente o estigma depositado sobre eles, como também acabam
censurando as famílias que buscam o abrigamento de seus filhos.
De forma que aquela confusão entre assistência e repressão constante no
período dos Códigos de Menores, cuja superação era esperada a ser concreti-
zada com a divisão de medidas do ECA, para dizer que a assistência da medida
protetiva – destinada ao adolescente que se encontra em situação de risco ou
em vulnerabilidade social, aquela criança ou a adolescente que precisa da pro-
teção assistencial do estado – e a repressão da medida socioeducativa – aquela
reservada ao adolescente que pratica ato infracional, aquele que vai estar dian-
te da repressão estatal punitiva – acabou permanecendo, na prática, sob a égide
do novo Estatuto, apesar de todas as tentativas de distanciamento.
Devido a esse ranço assistencialista, somado à raiz autoritária da nossa
sociabilidade violenta, essa confusão perdura e atravessa a nossa moderni-
dade como uma herança – uma herança de raízes autoritárias e de uma so-
ciabilidade violenta – de um eufemismo assistencialista. Portanto, quando
se parte para a pesquisa de campo, efetivamente, verifica-se que, na prática,
o que existe no cumprimento de medida socioeducativa, precipuamente a
medida de internação, são práticas penais, práticas punitivas, mas que, no
entanto, são mascaradas pelo eufemismo da proteção.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
O DIREITO À CIDADE ACHADO NA RUA:
EXPERIÊNCIAS DE DISPUTA PELO DIREITO À CIDADE
EM PORTO ALEGRE -RS.
Patrick Mayer,
graduado em Direito, pela Universidade Luterana do Brasil/Canoas – RS
Quilombo é uma história. Essa palavra tem uma história. Também tem uma
tipologia de acordo com a região e de acordo com a época, o tempo. Sua rela-
ção com o seu território. É importante ver que, hoje, o quilombo traz pra
gente não mais o território geográfico, mas o território a nível (sic) duma
simbologia. Nós somos homens. Nós temos direitos ao território, à terra.
Várias e várias e várias partes da minha história contam que eu tenho o di-
reito ao espaço que ocupo na nação. E é isso que Palmares vem revelando
nesse momento. Eu tenho a direito ao espaço que ocupo dentro desse sistema,
SUMÁRIO
dentro dessa nação, dentro desse nicho geográfico, dessa serra de
Pernambuco. A Terra é o meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo. Onde
eu estou, eu estou. Quando eu estou, eu sou. (NASCIMENTO, apud RATZ,
p.59, 2006)
SUMÁRIO
combinados os horários e locais de partida dos ônibus de cada comunidade,
que levariam as famílias para ocuparem o prédio que serviria de moradia.
A ocupação aconteceu com êxito, na madrugada da sexta-feira, no dia
14 de novembro de 2015. O prédio ocupado, localizado na esquina da rua
Andrade Neves com a rua General Câmara, havia sido sede do Ministério
Público Estadual, de propriedade do Governo do Estado do Rio Grande do
Sul, e estava a mais de 10 anos sem cumprir com qualquer função social.
Segundo informações prestadas pelos coordenadores do MLB cerca de 100
famílias estavam participando da ocupação naquele momento.
Ainda no primeiro dia de ocupação, ou seja, no sábado dia 15 de no-
vembro de 2015, pude entrar no prédio ocupado para conhecer as dependên-
cias e apoiar os agora moradores, que demostravam estar felizes pelo suces-
so da ação, mas preocupados com o risco de reintegração de posse e
violência policial. A reintegração de posse que havia ocorrido a exatamente
uma semana atrás, no Morro Santana, preocupava os moradores da Ocupa-
ção Lanceiros Negros, uma vez que ela havia sido procedida sem qualquer
mandado judicial. O grande diferencial da nova ocupação, que tranquilizava
grande parte dos moradores, é que ela estava localizada no centro da cidade
de Porto Alegre, local onde a polícia não tem o costume de ser violenta.
Naquele dia acompanhei o primeiro contato que a Brigada Militar fez
com os coordenadores da ocupação, tendo a conversa ocorrido por entre
uma fresta da porta principal, que estava fechada por correntes e cadeados.
Dentro da ocupação estávamos todos trancados, uma vez que a força policial
cercava o local e era necessário garantir que não existissem oportunidades
para a polícia entrar no prédio. Os moradores e apoiadores que estavam no
lado de dentro da ocupação tratavam de realizar a limpeza dos cômodos e
organizar barricadas nas janelas e portas do prédio, com mesas e cadeiras,
depreciadas pelo tempo que estavam guardadas naquelas dependências. No
lado externo do prédio estavam apoiadores que se desdobravam para divul-
gar o acontecimento da nova ocupação no centro da cidade, assim como bus-
car parcerias de políticos, advogados e defensores de direitos humanos, que
poderiam garantir maior segurança para os moradores, em caso de investida
violenta da polícia.
A partir de então iniciou-se uma disputa jurídica e política para a pre-
servação da Ocupação, por meio de uma ação de reintegração de posse que
tramitava na 7º Vara da Fazenda Pública da comarca de Porto Alegre, com
o número do processo 001/1.15.0192440-1. No processo referenciado foram
proferidas algumas decisões liminares para que ocorresse a reintegração de
posse, mas inúmeras delas foram sustadas por medidas políticas e jurídicas,
tendo a ocupação resistido por um ano e sete meses.
Em uma das minhas últimas visitas a Ocupação Lanceiros Negros pude
conhecer alguns novos moradores que ainda não havia conversado. Entre
SUMÁRIO
eles está Merong Santos, indígena com origem Pataxó Hã-Hã-Hãe, que re-
lata ter encontrado na ocupação o local, que, além de oferecer moradia, pos-
sibilita o fácil acesso ao centro da cidade, local onde comercializa os arte-
sanatos, que são fonte de recursos para o sustento de sua família. Também
reencontrei nessa visita Patrícia, uma moradora que está na ocupação desde
o primeiro dia. Na nossa conversa ela relatou ser a Ocupação Lanceiros Ne-
gros um local muito importante para sua vida, uma vez que encontrou lá o
ambiente de proteção para que seus filhos pudessem crescer. Patrícia ainda
falou sobre as facilidades que o bairro Centro oferece, como acesso a escolas
e atendimento hospitalar. Ainda conheci nesta visita o senhor Altamiro, que
é chamado pelas crianças da ocupação de Vô. O senhor Altamiro é pessoa
idosa, e sofre de inúmeras enfermidades. Ele relatou que o fato de estar mo-
rando na ocupação possibilita que tenha acesso com maior facilidade ao seu
tratamento hospitalar, e que também não teria renda o suficiente para pagar
o auto custo de um aluguel.
O GAJUP desde sempre acompanhou, enquanto apoiador, a Ocupação
Lanceiros Negros, tendo participado de inúmeras atividades promovidas
pelos moradores, além de participar de vigílias, quando existiam os riscos de
reintegração de posse, e também organizar inúmeras reuniões e formação do
grupo dentro das dependências da Ocupação. O direito à moradia, que vinha
sendo reivindicado e efetivado pelos próprios moradores da ocupação, sem-
pre foi pauta de atuação do GAJUP, sendo imprescindível que o grupo apoias-
se a iniciativa do movimento em ocupar o prédio, que para além ter a função
de moradia popular, também assumiu a importância de trazer para o centro
da capital do estado a discussão do direito à moradia e do direito à cidade.
Conversando com Merong compreendi que os indígenas também rei-
vindicam o direito à cidade. Em conversa com Patrícia pude compreender
que as crianças têm direito à uma cidade em que possam crescer saudáveis
e seguros, longe do tráfico de drogas e da violência que é crescente na peri-
feria. Conversando com Altamiro compreendi que o idoso tem direito à uma
cidade que permite o acesso a todos os serviços públicos de saúde e assis-
tência. Com todos os moradores da Ocupação Lanceiros Negros pude apren-
der que direito à cidade é também exigir a efetivação de direitos, através de
ações diretas que empreendem experimentações de uma vida urbana cole-
tiva e sustentável.
CONSIDERAÇõES FINAIS
No momento em que estas considerações finais estavam sendo elaboradas
os moradores e apoiadores da Ocupação Lanceiros Negros enfrentavam mais
uma investida para reintegração de posse. Foi uma noite fria do inverno porto
alegrense e também muito triste para todos que acompanhavam ansiosos a
SUMÁRIO
operação que se armou pela Brigada Militar, sob a ordem de reintegração
imediata emitida pelo poder judiciário.
No mesmo horário em que havia sido marcada uma audiência pública,
convocada pela comissão parlamentar de direitos humanos da Assembleia
Legislativa do estado do Rio Grande do Sul, para que houvesse um espaço
de diálogo entre os ocupantes e o Estado, proprietário do imóvel ocupado,
a Polícia Militar e o oficial de justiça anunciaram o início da operação de
reintegração da posse. Por volta das 19:45, do dia 14 de junho de 2017, a
polícia arrancou as portas do prédio da ocupação e, utilizando de forte apa-
rato militar, retirou as inúmeras pessoas que haviam decidido manter suas
posições, em desobediência a qualquer decisão judicial que os condenasse
a deixar o espaço que vinha sendo utilizado para efetivar um direito consti-
tucional de moradia. A regra entre os movimentos de luta por moradia é ocu-
par e resistir.
Até que o ultimo morador fosse retirado das dependências da ocupação,
persistia, entre muitos, a esperança de que o Tribunal de Justiça poderia emi-
tir decisão liminar que suspenderia a operação, principalmente considerando
a grave afronta aos direitos humanos empreendida na ocasião da reintegra-
ção. Contudo, mais uma vez, o direito de propriedade privada prevaleceu
sobre o direito à moradia, uma vez que o Tribunal não atendeu ao pedido de
suspensão requerido em sede de recurso, e todos os moradores da ocupação
foram violentamente expulsos.
Assim como a removida Vila Chocolatão, a Ocupação Lanceiros Ne-
gros já não está mais localizada no endereço de costume, porém ambas ainda
existem, por entre as ruas da cidade, povoando o imaginário dos inúmeros
apoiadores e moradores, que puderam conhecer as experiências de disputa
pelo direito à cidade, promovidas dentro das duas comunidades.
Na Vila Chocolatão, uma atuante associação de moradores organizava
e representava um grupo de pessoas, que antes viviam completamente invi-
sibilizados, em decorrência da situação de informalidade habitacional, en-
quanto moradores em situação de rua, possuidores, e não proprietários de
uma área, ou mesmo trabalhadores papeleiros sem qualquer vínculo empre-
gatício. A remoção da Vila Chocolatão, ocorrida em 2011, é o exemplo de
uma operação “eficiente”, sob a perspectiva da urbanização hegemônica-
colonial, uma vez que o grande objetivo de retirada de uma comunidade,
para construção de um estacionamento, foi atingido na sua plenitude.
Atentando-se para os interesses da comunidade Vila Chocolatão, a re-
moção pode ser considerada uma grande derrota, tendo em vista que foi res-
ponsável por promover a completa desarticulação de toda uma organização
popular, que experimentava e disputava o direito à cidade de toda uma po-
pulação, que nunca antes tivera considerada as suas necessidades urbanas.
Na Nova Chocolatão o único resquício de existência de uma organização social
SUMÁRIO
é o estatuto da antiga associação de moradores, que já não possui qualquer
função, senão a de um documento simbólico.
A Vila Chocolatão, que resistiu no centro de Porto Alegre por um longo
período histórico, pode ser identificada como uma comunidade socialmente
vulnerável, com uma série de deficiências estruturais, que vivia em meio ao
lixo do centro da cidade, mas que mantinha um sistema organizacional
único, garantidor da manutenção e sobrevivência dos moradores. Dentro da
comunidade existiam ordenamentos jurídicos próprios, que regulavam a or-
ganização do sistema de produção de renda, que garantia a sobrevivência
de grande parte dos moradores. Ainda se desenvolvia outra relação com o
solo urbano, diversa da relação patrimonial ou de propriedade, que atentava
muito mais para valor de uso do que para o valor de troca. Também era evi-
dente a relação comunitarista estabelecida, tendo em vista o grande centro
da comunidade que servia como um local de encontro, para debater assuntos
comuns a todos.
A Vila Chocolatão pode ser utilizada como exemplo de uma comuni-
dade que sofreu a remoção forçada dos moradores, sendo este um típico mé-
todo de segregação territorial, que gentrifica ambientes urbanos, em decor-
rência de interesses econômicos sobre os territórios valorizados. No entanto,
também é possível identificar a Vila Chocolatão como a comunidade que
reivindicou e experimentou o direito de permanecer vivendo no território
onde se constituiu socialmente, o direito de viver próximo ao local de tra-
balho e o direito de organizar-se politicamente para a defesa dos interesses
da comunidade sobre os rumos da urbanização.
Na Ocupação Lanceiros Negros, um novo modelo de convivência ur-
bana tomava forma. Tendo a ocupação surgido no ano de 2015, pode ela ser
considerada o exemplo vivo de um movimento social que absorveu as prá-
ticas e métodos disseminados pelas manifestações brasileiras de 2013. Den-
tro da ocupação experimentou-se o direito à uma vida urbana sustentável,
através de práticas coletivas, de democracia direta e de articulação por meio
de uma rede de apoiadores.
Poucos dias após a reintegração da Ocupação Lanceiros Negros mídias
tradicionais de todo o Brasil transmitem imagens capturadas do momento
da reintegração. Ainda, nas redes sociais são divulgadas inúmeras denúncias
de violência praticadas pela polícia, além de surgirem vários eventos bene-
ficentes, pontos de coleta para doação e campanhas de apoio aos moradores
da ocupação, demonstrando que a reintegração, por mais trágica que tenha
sido, pode evidenciar a força que aquela comunidade adquiriu, através dos
inúmeros apoiadores que conquistou, durante os 19 meses de resistência.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
br/downloads/pdf/projetossociais/eusouatlantica.pdf> Acesso em: 20/11/2017
SOUSA JR., José Geraldo de. O direito achado na rua: concepção e prá-
tica. In: Introdução crítica ao direito / José Geraldo de Sousa Júnior (org.)
– 4. ed. – Brasília: Universidade de Brasília, 1993, p. 7-10;
SUMÁRIO
A CONSTRUÇÃO DE DIREITOS PARA OS POVOS
INDÍGENAS
Thaís Recoba Campodonico,
Doutoranda em Ciências Sociais- PUCRS.
INTRODUÇÃO
Desde a colonização no Brasil os povos originários sofrem com o desrespeito
e ausência de reconhecimento de seu povo. O que faz com que, venham sendo
exterminados desde o período colonial, beirando ao que vem sendo aponta-
do pela literatura como um genocídio dos povos indígenas.
Ao longo das constituições no Brasil, o indígena foi sempre esquecido,
direitos sociais não existiam e apenas a discussão da propriedade da terra
era apresentada em cada novo documento normativo.
SUMÁRIO
Durante o período ditatorial vivenciado no Brasil no período de 1964-
1985 os povos indígenas continuaram a ser dizimados, estimando-se que
durante este período quase foram exterminados. Com a transição do regime
político autoritário para um suposto modelo democrático em 1985 inicia-
ram-se pressões de lideranças indígenas, entre elas a mais conhecida o Ca-
cique Juruna, o qual foi eleito Deputado Federal em 1983.
O Cacique Juruna foi também um líder de grande pressão política a
favor do grupo indígena, sendo um dos principais responsáveis pela inclusão
e reconhecimento jurídico dos direitos aos povos indígenas na elaboração
da Constituição Federal de 1988.
Com o advento da redemocratização no país e com a promulgação da
Constituição de 1988 surge um novo cenário legislativo aos povos indíge-
nas, tendo em vista, a inclusão do artigo 231 que pauta pelo reconhecimento
das organizações e capacidades indígenas.
A nova carta política em sua pretensão democrática retrata um momen-
to histórico de esperança e de muita luta no período ditatorial. É também,
um reflexo da necessidade de efetivação dos direitos sociais, civis e políti-
cos, os quais foram reivindicados pelos grupos indígenas desde a sua ori-
gem. A Constituição Federal veio anunciando o reconhecimento aos povos
originários as suas organizações culturais e sociais.
Para os indígenas, o momento da positivação na Constituição Federal
foi um momento de grande avanço no protagonismo legislativo, sendo con-
siderado por eles como um marco legal. Contudo, a conquista da cidadania
para esse grupo étnico é um eterno construir.
Contudo, efetivar materialmente o reconhecimento aos direitos de ci-
dadania dos índios é uma disputa diária, tendo em vista, a ausência de per-
tencimento à sociedade desta parcela da população.
Diante deste grande contexto de luta e abertura política o presente ar-
tigo pretende, de maneira, incipiente verificar como ocorreu a construção
dos direitos indígenas, a partir da Constituição de 1988, com o intuito espe-
cifico de observar se houve efeitos a partir da liberalização ocorrida pela
transição de regime político, para ao final verificar se a democratização aos
povos originários foi finalmente alcançada, como se pretendia no início da
transição de regime político a todos os cidadãos.
Foi neste contexto político de incerteza que surgiu em 1973 pela pu-
blicação da lei 6.001/73 (Planalto, 2013) o Estatuto do Índio, ainda vigente
no ordenamento jurídico brasileiro. Tal documento apresenta diretrizes para
a educação, cultura e saúde, ficando determinados que aos índios, facultados
a comunhão nacional seriam reconhecidos seus direitos sociais.
O modelo instituído de Estado no período militar queria o progresso.
E esse era um anúncio de avanço para o país, como refere Carvalho (2004),
havia a certeza de que conduta positivista era necessária para o país nessa
ocasião, haja vista que, os ideais representavam a evolução da sociedade co-
lonial escravocrata, portanto, a filosofia positivista instalou-se no Brasil em
diversas áreas e uma delas foi à atenção ao indígena.
O que se observa ao longo da história do Brasil que se confunde com a
história de resistência do povo originário é a de que inúmeras legislações,
desde o período colonial estiveram formalmente inseridas no ordenamento
jurídico e social, contudo a discussão sempre pautou interesses da Colônia,
Brasil Império, Nova República, e posteriormente os modelos que se segui-
ram entre ditadura militar, redemocratização.
SUMÁRIO
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
O cenário social que se tem em 1988 é a disputa dos indígenas com a socie-
dade para a positivação, reconhecimento e legitimação de sua cultura, exis-
tência e território.
A inclusão de direitos e garantias do povo indígena na Constituição de
1988 foi de suma importância para a luta que se intensifica até os dias atuais,
contudo, grande intensificador de conflitos é a ausência de regulamentação
de terras dos povos originários.
A Constituição Federal de 1988 surge em um contexto pós-ditadura
militar, trazendo em seu bojo a previsão de um Estado democrático. Durante
os 21 anos de ditadura militar (1964-1985), entre tantas barbáries que ocor-
reram ao cidadão o pior momento foi o cancelamento dos direitos e garantias
fundamentais.
A Constituição de 1988 define como objetivos fundamentais da Repú-
blica a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Entretanto, há mate-
rialmente diferenças destacadas na nossa sociedade.
O preâmbulo da Constituição ao anunciar que a base do Estado Demo-
crático de Direito se destina a assegurar o exercício dos direitos sociais e in-
dividuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igual-
dade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista
e sem preconceitos (...), pressupunha o início de uma nova fase.
A nova carta política traz um despertar para todos ao proclamar em seu
texto às garantias fundamentais do homem, tendo sido considerada a “cons-
tituição cidadã” por acenar à nação a possibilidade de efetivação das garan-
tias a todos sem distinção alguma, visto que, já vinham sendo batalhadas no
ambiente internacional há muito tempo. A inserção como direito fundamen-
tal, leia-se imprescindível, veio para reforçar esses mesmos direitos já ga-
rantidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela As-
sembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
Para o autor o longo caminho que percorreu em busca da construção
do cidadão brasileiro, a fim de garanti-los o fortalecimento de seus direitos
civis, políticos e sociais, chega-se ao final da jornada com a “sensação des-
confortável de incompletude” (CARVALHO, 2004, p.20).
A construção dos direitos de cidadania, para o autor, foi invertida no
Brasil, tendo em vista, que a construção dos direitos se deu primeiramente,
a partir dos direitos sociais, os quais teriam nascidos durante um período de
repressão e supressão dos direitos políticos e civis. Ainda, quanto aos direi-
tos políticos, também vieram com a expansão do voto em um momento de
ditadura. E hoje, pode-se notar que muitos direitos ainda continuam em dis-
puta e continuam ainda distantes da população indígena.
Em que pese já se tenha deixado para trás um passado de escravidão,
SUMÁRIO
que durante muitos anos impediu o crescimento e evolução dos direitos de
cidadania ao povo brasileiro o autor entende que a desigualdade é hoje o
novo “câncer que impede a construção de uma sociedade democrática.”
(CARVALHO, 2004).
SUMÁRIO
A) TABELA DA SITUAÇÃO DA DEMARCAÇÃO DAS
TERRAS INDÍGENAS BRASILEIRAS NA ATUALIDADE:
% do
total de
TIs
(não
Indígenas (TIs) Quantidade
referente
à
extensão
territorial)
Registradas (Demarcação
concluída e registrada no
Cartório de Registro de
398 35,66
Imóveis da Comarca e/ou
no Serviço do Patrimônio
da União)
Homologadas (com
decreto do/a Presidente
14 1,25
da República e
aguardando registro)
Declaradas (com Portaria
Declaratória do Ministro da
69 6,18
Justiça, e aguardando
demarcação)
Identificadas (analisadas
por Grupo Técnico da
Funai e aguardando 44 3,94
decisão do Ministro da
Justiça)
A identificar (incluídas na
programação da Funai 175 15,68
para identificação futura)
Sem providência 352 31,54
Reservadas (demarcadas
como “reservas indígenas”
à época do SPI)
53 4,74
ou Dominiais (de
propriedade de
comunidades indígenas)
SUMÁRIO
à época do SPI)
53 4,74
ou Dominiais (de
propriedade de
comunidades indígenas)
Com Restrição 6 0,53
Grupo de Trabalho (GT) 5 0,44
constituído no MS como
Terra Indígena
Total 1.116 100
CIMI (2016)
CONSIDERAÇõES FINAIS
A Constituição Federal de 1988 surge em um contexto pós ditadura militar, tra-
zendo em seu bojo a previsão de um Estado democrático. Durante os 21 anos
de ditadura militar (1964-1985), entre tantas barbáries que ocorreram ao cida-
dão o pior momento foi o cancelamento dos direitos e garantias fundamentais.
Os objetivos fundamentais da República a promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. Entretanto, há materialmente diferenças destacadas na
nossa sociedade.
O preâmbulo da Constituição ao anunciar que a base do Estado Demo-
crático de Direito se destina a assegurar o exercício dos direitos sociais e in-
dividuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igual-
dade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista
e sem preconceitos (...), pressupunha o início de uma nova fase.
A Constituição traz um despertar para todos ao proclamar em seu texto
às garantias fundamentais do homem, tendo sido considerada a “constitui-
ção cidadã” por acenar à nação a possibilidade de efetivação das garantias
a todos sem distinção alguma, visto que, já vinham sendo batalhadas no am-
biente internacional há muito tempo.
A inserção como direito fundamental, leia-se imprescindível, veio para
reforçar esses mesmos direitos já garantidos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em
10 de dezembro de 1948.
A postura do Estado assumida até aqui como Estado liberal contribuiu
SUMÁRIO
para o distanciamento do índio na sociedade, ou como refere José de Souza
Martins (1997) quanto a escravidão indígena quando refere a história da es-
cravidão negra no Brasil e identifica a libertação ou suposta libertação in-
dígena, pois eles passaram de “teoricamente livres ou menos dependentes
dos grandes proprietários” (Martins, 1997).
O Estado liberal, de natureza individualista, que oferecia apenas a se-
gurança do cidadão, não mais responde às necessidades do povo- devendo
incluir todos os cidadãos que vivem sob essa estrutura formal- devendo exi-
gir aplicação material dos direitos fundamentais de todos.
As necessidades dos indígenas no Estado atual são muitas, desde ali-
mentação, habitação, saúde, saneamento, meio ambiente e principalmente
a demarcação de seu território. Fazendo com que os indígenas desafiem os
vínculos com o Estado em que estão inseridos e além da legislação requei-
ram a preservação desse coletivo.
Com o desejo de uma sociedade mais atuante penso no protagonismo
indígena quando reconhece que as atividades humanas dependem das rela-
ções estabelecidas pelos indivíduos apoiados aos sentimentos de coletivi-
dade e fraternidade.
Ou ainda em uma sociedade que possa ter capacidade de decidir cole-
tivamente, atuar como protagonista, construindo e uma cidadania plena que
todos possam sentir-se cidadãos. Como refere o autor José Murilo de Car-
valho, que sejam reforçados a democracia e a organização da sociedade, a
fim de democratizar o poder, em que a organização da sociedade possa ser
feita não contra o Estado em si, mas contra o Estado clientelista, corporativo
e colonizado que ainda vive no Brasil (CARVALHO, 2004).
A liberalização é um processo que se deu a partir da transição do regime
ditatorial para a democratização no país. Na tentativa de devolver aos seus ci-
dadãos direitos de cidadania pretendeu-se a inclusão a esses grupos que antes
foram marginalizados no regime ditatorial. Contudo, as consequências nega-
tivas da exclusão destes grupos neste período de retomada de direitos de ci-
dadania para a disputa no campo dos direitos civis, sociais e políticos na atua-
lidade é um debate ainda incipiente e sem grandes conclusões a respeito.
O que se verifica é que na origem da disputa entre indígenas e não ín-
dios o Estado está omisso, seja nos mecanismos de participação, proporcio-
nando para os grupos indígenas maiores espaços, ou seja, na efetivação des-
tes direitos mínimos já estabelecidos para todos os brasileiros, como saúde,
educação, alimentação, etc.
Para os indígenas, povo originário deste país entende-se que a resistên-
cia é necessária e perdurará ainda por muito tempo, tendo em vista, os cami-
nhos que a sociedade vem buscando e o perfil das políticas sociais assumidas
pelo Estado frente a um modelo vinculado aos interesses econômicos.
Deve-se muito mais que o reconhecimento da sua cultura, organização
SUMÁRIO
ou língua ao povo indígena, deve-se reconstruir moralmente uma injustiça
causada pelo processo de não reconhecimento do povo indígena brasileiro
que o impediram de se reconhecerem como pertencentes desta nação.
Novas oportunidades devem ser garantidas, a fim de que os povos in-
dígenas possam vir a desenvolver suas plenas capacidades e que possam es-
tabelecer uma paridade cidadã com o restante da sociedade não índia, ou
seja, igualdade étnica com qualquer membro desta sociedade, independen-
temente de sua origem ou preferencias políticas.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
CAUBET, Christian Guy (org.) Além de Belo Monte e das outras barra-
gens. Cadernos IHU ano 2; nº 47 ano 2014.
SUMÁRIO
PEREIRA, Camila Potyara. proteção social no capitalismo. Contribuições
à crítica de matrizes teóricas e ideológicas conflitantes. Tese de doutorado.
Universidade de Brasília- UNB. Brasília, dezembro de 2013.
SUMÁRIO
DIREITOS HUMANOS – EDUCAÇÃO E
DECOLONIALIDADE.
Vinícius Silva Bonfim
Doutor em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pro-
fessor e pesquisador com bolsa de pesquisa pela Faculdade Arquidiocesana de Curvelo
(FAC) - Minas Gerais. Professor da PUC-Minas nos cursos de Pós-graduação (Latu
Sensu), de Direito Ambiental/Minerário e Ciências Criminais.
E-mail: bonfimbh@hotmail.com.
INTRODUÇÃO
O processo colonizador de uma língua por outra, de um saber por outro, de uma
cultura por outra, permite colocar sob suspeita a identidade e a integridade do
sistema linguístico e, aqui, sobretudo, o sistema educacional em direitos.
A naturalização da homogeneidade, a obstrução da diversidade e a per-
petuação de um modelo de vida voltado a atender as exigências de mercado
dirigem grande parte do processo educacional, sobretudo, o brasileiro, a
uma massificação cultural e política (FREIRE, 1996; DUSSEL, 1993).
Sob a autenticidade dos discursos locais (WALSH, 2009), culturas mar-
ginais questionam a epistemologia tradicionalmente adotada para a consti-
tuição do Estado de direito e das instituições públicas de ensino. Portanto,
por meio desse contingente rebelde, há a necessidade de pensar e aplicar
contra dispositivos decoloniais que denunciam e combatem todas as formas
violentas de colonialidade, em especial, as que ocorrem no interior das es-
colas públicas de ensino básico e fundamental.
Assim, questionar a estrutura etnocêntrica e colonizadora da epistemo-
logia moderna, sobretudo a que reverbera na educação pública brasileira bá-
sica e fundamental será tarefa inicial deste trabalho, sobretudo, após a ex-
periência relatada adiante.
A concepção epistemológica que sustenta e nutre a vigente legitimidade
do Estado democrático de direito permite que processos de exclusão ocorram
pelo velamento e descredenciamento das narrativas alternativas que emergem
da periferia e da marginalidade dos saberes (SANTOS, 2010). Desde a perspec-
tiva do discurso da identidade nacional, da racionalidade moderna, o modelo
de Estado de direito tem sido álibi de um movimento hierárquico que se constitui
num caminho fundamentalmente de dominação de cima para baixo.
SUMÁRIO
A colonialidade dos saberes se apresenta por violentos dispositivos ins-
titucionais que as escolas acabam por reverberar na atualidade. Ainda sob
uma ótica do discurso econômico e cultural de culto à eficiência e funciona-
lidade, as crianças passam por processos de alienação com base em sofisti-
cadas técnicas que levam ao delírio fascinante por poder e dinheiro, dificul-
tando, assim, o rompimento da matriz utilitária que possui sua engrenagem
nas instituições públicas estatais.
O formato de Estado nacional, uniformizador, concretiza violências
aos pobres, aos negros e de gênero que encontra semelhanças assustadoras
na banalização da violência com que os campos de concentração operados
pelo Terceiro Reich realizaram.
A privação da linguagem, os processos de normalização e a nudez do
humano pelo paradigma biopolítico, possibilitam as mais duras críticas às
concepções éticas ocidentais modernas ao processo alienador (AGAMBEN,
2004; FOUCAULT, 2005).
A exclusão cultural que a hegemonia utilitária/funcional proporciona
na sociedade pela sutileza com que seus discursos ganham ressonância nas
instituições oficiais do Estado, pelo esquecimento da história colonial e a
construção de uma memória esquizofrénica e massificadora causa completo
movimento de paralização da sociedade. Normalizar os processos de vio-
lência é uma das estratégias mais perversas da lógica utilitária e funcional,
pois sob esse domínio,
A matriz colonizadora, machista e de branqueamento – um verdadeiro
processo de higienização - é respaldada por um pano de fundo epistemoló-
gico predominantemente europeu que constitui instituições públicas de en-
sino como instrumentos de controle das subjetividades e, logo, do saber,
haja vista a crise do ensino - jurídico - na atualidade (WALSH, 2014).
Portanto, subverter à ordem e empoeirar as comunidades locais é de-
safio que não se põe fim à atividade política de ensino jurídico e dos direitos
humanos.
O tema deste ensaio é a educação em direitos humanos e a pedagogia
latino-americana. Este tema investiga a possibilidade de visualização de ca-
minhos que fomentem o desenvolvimento sustentável e o aumento do capital
cultural por meio de práticas de educação ativa em direitos humanos. Não
adianta procurar por elevadas teses em direitos humanos se ao menos seja
possível dar voz e ouvidos aos que foram historicamente calados e violen-
tados, dar oportunidade para os processos de reconhecimento e acesso a bens
e direitos escassos na sociedade é essencial.
Essa atividade, na escola, somente é possível com a participação dos
alunos nos processos decisórios, seja como fator que aumente a qualidade
da democracia e participação dos mesmos nas deliberações, seja na cons-
trução de laços afetivos e sociais que proporcionem melhor qualidade e
SUMÁRIO
quantidade das virtudes políticas, pautadas, especialmente, no cooperati-
vismo e na autoestima dos próprios alunos e comunidade local.
Para o reconhecimento das diversas identidades culturais excluídas e
sem representatividade nas instituições públicas de ensino, se torna funda-
mental uma epistemologia que se preocupa especificamente com o tema do
acesso à justiça, dos direitos humanos e da decolonialidade.
Nesse contexto, a interculturalidade oferece um novo projeto de socie-
dade, radicalmente distinto da atual cultura que é homogênea e colonizadora.
Portanto, pergunta-se: A educação intercultural, como um dos eixos articu-
ladores dos diálogos decoloniais, é decisiva para a insurgência periférica dos
saberes de grupos minoritários e da defesa de nova geografia política dos di-
reitos humanos? Como as instituições públicas escolares podem contribuir
para solver o déficit de decolonialidade no ensino fundamental e, assim, au-
mentar o capital cultural em prol do cooperativismo e do acesso à justiça?
CONCLUSÃO
O delírio de um pensamento político que se ampara no que há de mais ar-
caico e antidemocrático acredita no estereótipo de uma pura moralidade, da
neutralidade de julgadores e educadores, sempre atua violentamente sobre
os corpos e saberes dos outros.
Neoliberalismo é um acirramento do capitalismo, é uma representação
da economia política que não pauta no respeito ao outro. Enquanto as escolas
forem pensadas para a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho, não
teremos uma educação libertadora, decolonial e para a formação das identi-
dades, das pessoas, das dignidades. Estaremos preparando as pessoas para o
mercado, e criando, assim, cada vez mais sofisticadas técnicas de locação das
classes sociais escravizadas. São novas formas de escravidão que se alteram
por serem técnicas mais sofisticas de controle. O direito tem servido muito a
esse tipo de dominação, muitas vezes conceituada como racional, que passa
por um processo legislativo e que faz parte do dito Estado democrático de di-
reito, mas que não é nada além de romantizar ou poetizar a violência.
A escola, nessa dinâmica da violência, é o primeiro espaço que sofre
as consequências do autoritarismo. Os limites impostos aos corpos e aos sa-
beres são fruto de um perverso sistema de controle que o capitalismo, em
uma roupagem do neoliberalismo e da pretensa liberdade, exerce.
Assim, a insuficiência dos professores de procurarem desvelar a justi-
ça, reproduzem o direito, a engrenagem funcional e eficaz nos corpos e sa-
beres pautados nas burocracias cartesianas. A defesa, aqui neste ensaio, é
de um sistema educacional que tem como função provocar e alcançar os sis-
temas de justiça na sua mais ampla complexidade e diversidade.
A homogeneização dos alunos é um constructo de contenção das tensões
e se apresenta como processos de canalização da violência. Seja na competiti-
vidade da meritocracia, a forma mais tradicional e masoquista de aprendizado,
SUMÁRIO
seja a partir da violência mais bruta, crua, visível aos olhos pelas instituições
de controle, disciplina e punição, com as prisões, as fábricas, os hospícios ou
a escola.
A limitação do aluno pela escola, de toda sua compreensão de mundo,
de justiça, de correção e paixão, é realizada especialmente pelo professor,
que é o agente que está na linha de frente dessa guerra à liberdade. A escola,
nessa dinâmica funcional, passa a ser a engrenagem que gera a imbecilidade,
uma força motriz do dispositivo educação.
A falta de reflexão e o processo de construção da normalidade se dá por
processos cínicos de docilização dos corpos, uma sujeição que subalterniza
o indivíduo, colocando-o em uma categoria inferior de ser pensante e de ca-
pacidade refletida.
A estratégia de todo o círculo cínico que dissemina a violência, nos tri-
bunais e nas escolas, sobretudo, há uma paralização das pessoas frente aos ab-
surdos que ocorrem ao seu redor. A banalização da violência é tamanha que
passa a ser normal, um processo de catatonização da sociedade. Falas machis-
tas, racistas e homofóbicas encontram amparo nos discursos oficiais e reforça
ainda mais o dispositivo da educação. O movimento de resistência é a verifi-
cação que o trabalho do dispositivo deu errado. Que fugiu à curva tradicional
dos resultados. O dispositivo não foi eficiente, não alcançou seu resultado de
docilizar, de normalizar a partir de processos de normatização.
Certamente que o momento de virada educacional decolonial será com
insurreições, das mais diversas, com processos de reconhecimento da auten-
ticidade dos discursos locais, confrontando aos processos globais do capita-
lismo e do racismo. Mostrar resistência aos dispositivos com contra disposi-
tivos, com desconstrução, é fundamental para, no mínimo intimidar os
fascistas. O desconforto será parte integrante do cotidiano daqueles que, sem
qualquer vergonha, violam os direitos das pessoas. Gerar o incômodo e medo
faz parte de uma estratégia de defesa de direitos.
É fundamental pensar e dialogar com outras pessoas que não são cien-
tistas, pois a arte, a cultura e a política não são simplistas, como a dinâmica
do fascismo o é. O samba, o choro, a literatura, o rap, o repente, o funk são
extremamente complexos. A arte em geral é bastante requintada e rica de
complexidade.
A preparação para o mercado não dialoga com a arte e com a poesia.
Há, evidentemente, uma preparação neurótica das crianças para que possam
ser inseridas no mercado de trabalho. E ainda, os cargos e funções são pre-
viamente definidos na sociedade pela qualidade da educação das pessoas.
Em regra, as crianças pobres, negras, das periferias, de famílias desestrutu-
radas possuem menos chance de ter boas oportunidades na vida. Todos têm
o direito de querem ser o que quiser serem, ou de serem como são, de ter o
corpo que tem, o gênero que tem, a cor que tem.
SUMÁRIO
Pode ser até utopia, mas deve ser em prol desse lugar que se deve tra-
balhar a escola, sob o risco de não ter para onde se mover no futuro. O olhar
para dentro impede que outros modos de vida e de relações afetivas, de li-
derança, por exemplo, possam existir.
O ocidente, em regra, colonizado pela cultura cristã, dissemina a ideia
da mulher enquanto serpente e, ainda, serviçal ao homem. Isso contribui
fundamentalmente para a construção de ruins estereótipos da mulher. A vi-
talidade machista e concepção de vida pelo catolicismo, acaba por cobrir
qualquer papel de aprendizado que se possa ter com o passado opressor às
mulheres. O passado, enquanto lugar do esquecimento, não da memória,
para o catolicismo deve ser apagado e coberto por novos pensamentos, que
ainda se estruturam nas velhas ideologias metafísicas cristãs.
Em outras culturas, não ocidentais, seja de matriz africana ou ainda
como no Egito antigo, há exemplos de mulheres que são respeitadas e tam-
bém são lideranças nas comunidades. Aprender a correr, andar, falar, gesti-
cular e a brigar são atos culturais que dependem do meio, da cultura, da edu-
cação a qual se está inserido, não do sexo. A ideia do homem das cavernas,
por exemplo, que puxa a mulher pelos cabelos, é uma construção social, cul-
tural. Outras mitologias no mundo, por exemplo, acreditam em Deusas, não
em um Deus homem.
A mesma dimensão utilitária entre as relações de sexo, aparece na apro-
priação do ambiente. Estamos na concorrência para verificar qual é o menor
tempo para que se possa chegar ao colapso do planeta terra e a escassez dos
recursos naturais. A falta de cuidado e responsabilidade para com a terra é
por conta da política econômica de exploração da natureza sem qualquer
pudor ou consciência de que somos todos seres históricos e que precisamos
contextualizar o presente para, especialmente, criar algum prognóstico.
Somos parte integrante de um mesmo ambiente, o planeta terra. Essa ideia
de irresponsabilidade somente ocorre pelo pensamento imediatista do capi-
talismo, da relação utilitária do custo-benefício.
O sistema de ensino foi constituído para apagar a escravidão, para bran-
quear a escola, para velar a matriz africana e, sobretudo, subjugar as mulhe-
res aos homens. A tentativa sempre foi de tentar apresentar o Brasil enquanto
um país branco, disponível para os estrangeiros europeus e americanos. In-
disponível para os colonizados, do Caribe e África em especial.
SUMÁRIO
NOTAS
Cada pessoa possui sua narrativa, composta por enunciados carregados de valores
culturais, políticos e sociais. Exigir neutralidade é semelhante a exigir pureza na
hermenêutica. Esse raciocínio é tão arcaico como a defesa da interpretação dos
textos bíblicos no período inquisitorial. Presenciou-se, também, perseguição po-
lítica a grupos de pesquisa da UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto, pelo
fato do professor trabalhar teses comunistas com os alunos. Veja notícia no se-
guinte link: http://www.otempo.com.br/cidades/em-minas-grupo-de-estudo-do-
comunismo-vira-alvo-de-investiga%C3%A7%C3%A3o-1.1540712. Acessado
em 29 de novembro de 2017.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
– 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
SUMÁRIO
MATURANA, Humberto R. A ontologia da realidade / Humberto Matura-
na ; Cristina Magro, Miriam Graciano e Nelson Vaz, organizadores. – 2 ed.
– Belo Horizonte : Editora UFMG, 2014.
SUMÁRIO
GP 21 – INTERCULTURALIDADE,
PODER E DIREITOS
Coordenação: Vinícius Silva Bonfim e Adalberto
Antônio Batista Arcelo
SUMÁRIO
EMPODERAMENTO DOS POVOS INDÍGENAS
DO RIO GRANDE DO SUL: PROTEÇÃO
AOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS PELA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL.
GIRARDON DOS SANTOS, Denise Tatiane1;
SCHUBERT, Fernanda Lavinia Birck Schubert2.
INTRODUÇÃO
Diante do avanço e do progresso tecnológicos e do crescimento demográfico
acentuado, houve o despertar da humanidade para uma questão, extrema-
mente, preocupante, que é a preservação do meio ambiente como requisito
para se garantir a própria sobrevivência. Para tanto, várias foram as medidas
adotadas, mormente, em nível internacional, com a finalidade de se promo-
ver a preservação da diversidade biológica por meio da utilização sustentá-
vel dos recursos naturais.
A necessidade do enfrentamento da crise ambiental exigiu a adoção de
práticas sustentáveis, denominadas de Ecodesenvolvimento, e cunhou-se o
termo Educação Ambiental, que é o instrumento de pelo qual o ensino é vol-
tado para o desenvolvimento de uma educação preocupada com a preserva-
ção do meio ambiente, ecologicamente, equilibrado. Por sua vez, os conhe-
cimentos tradicionais dos povos indígenas, por possuírem cunho histórico
e antropológico, se consubstanciam em patrimônio cultural imaterial. Tais
saberes são fundamentais para a manutenção do meio ambiente equilibrado
e para a diversidade cultural.
Nessa seara, tem-se que os Povos Indígenas, ou povos originários –
posto que foram os habitantes pioneiros do Brasil -, são detentores de um
vasto conhecimento, desenvolvido historicamente, com cunho antropoló-
gico, referente às mais diversas técnicas, como os saberes referentes às pra-
ticas medicinais, aos recursos naturais, aos rituais, aos usos, aos costumes,
dentre outros. Contudo, não se verifica uma tutela protetiva estatal suficiente
para que esses conhecimentos sejam mantidos e, por consequência, para que
o meio ambiente seja preservado. Assim, faz-se necessária a promoção de
SUMÁRIO
uma análise a respeito de como a educação ambiental pode servir de instru-
mento para que haja uma efetiva salvaguarda dos conhecimentos tradicio-
nais e, assim, para que se otimize a preservação ambiental por meio de prá-
ticas tradicionais sustentáveis.
Em razão da premente necessidade de se tutelar o meio ambiente, de
modo equilibrado e sustentável, promover-se-á uma abordagem sobre os
principais eventos históricos, com o foco na proteção do meio ambiente e
no Ecodesenvolvimento. O meio ambiente equilibrado se insere como um
dos direitos humanos fundamentais, sendo que, para assegurar a concreti-
zação desse direito, buscou-se a adoção de ideias, posturas e normas que ob-
jetivassem a melhoria da qualidade de vida, com o crescimento econômico
vinculado à conservação da diversidade biológica, por seu uso sustentável.
METODOLOGIA
A técnica de pesquisa será a da pesquisa bibliográfica, com a realização de
consultas em livros, artigos científicos, legislações e demais documentos per-
tinentes. A pretensão é que haja uma compreensão e aprofundamento sobre
os temas propostos, tanto a níveis históricos e atuais, internacionais e na-
cional, pela perspectiva dos vários autores, a serem estudados, que constam
nas Referências deste Projeto. O método de pesquisa a ser utilizado será o
hipotético-dedutivo.
REVISÃO LITERáRIA
Historicamente, com o desenvolvimento das sociedades, o ser humano pas-
sou a sustentar uma visão etnocêntrica em relação à questão ambiental, con-
siderando-se como o ser dominante da natureza, criando uma visão frag-
mentada e excludente, a partir da qual se extraiu dos ecossistemas, onde
estava inserido. Conforme Segura (2001), foi com supedâneo nessa visão
que se desenvolveu o modelo técnico-científico, iniciando-se a degradação
ambiental a partir da Revolução Industrial, no século XVIII, pois se acredi-
tava que a natureza era uma fonte inesgotável de recursos, estes, usados com
a finalidade de acúmulo de capital.
Contudo, o desenvolvimento tecnológico, o aumento do contingente
populacional, a exploração demasiada dos recursos naturais, a poluição, a
desigualdade social, dentre outros fatores, fizeram com que os problemas
ambientais se acentuassem, gerando uma insustentabilidade ambiental, que,
por fim, revelou a crise ambiental, inflando o surgimento de reflexões sobre
a preservação dos recursos naturais em nível mundial (BRUGGER, 2004).
A partir da segunda metade do século XX, a necessidade de conserva-
ção dos recursos naturais deu causa ao movimento ambientalista, que passou
SUMÁRIO
a reclamar um desenvolvimento que fosse sustentável, ante o crescimento
econômico mundial que desconsiderava os impactos ambientais. Como
eventos, dedicados à salvaguarda ambiental, destacam-se, no plano inter-
nacional, na Conferência sobre a Biosfera, promovida pela UNESCO, em
1968, discutiu-se a fundamentação científica do uso e da conservação dos
recursos naturais, em 1971, a UNESCO criou o Programa O Homem e a
Biosfera, visando a engajar a comunidade científica no estudo das relações
entre os seres humanos e o meio, com foco na conservação ambiental (LE
PRESTE, 2000).
A partir dessa época, a discussão de um modelo de desenvolvimento sus-
tentável, que proporcionasse a continuidade da evolução industrial, tecnológica
e científica, mas com a preservação do meio ambiente e com o mínimo de im-
pacto aos recursos naturais, ou seja, a harmonização das relações econômicas
com o bem-estar social, ampliou-se significativamente, passando a ser conhe-
cida como Ecodesenvolvimento, conforme denominou Sachs (1986).
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), es-
tabelecido em 1972, pela ONU, foi criado para buscar uma conscientização
ambiental e a implementação dos programas, ligados a essa temática, des-
tacando-se pela promoção e continuação das reuniões internacionais, reali-
zadas desde a década de 1980. No ano de 1983, a ONU criou a Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMED), para via-
bilizar o diálogo e a cooperação entre as nações sobre as questões ambientais
e o desenvolvimento. Assim, em 1987, foi lavrado o Relatório Brundtland
- texto preparatório à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambien-
te (ECO-92) – popularmente, conhecida como Nosso Futuro Comum -, onde
a ideia de desenvolvimento sustentável foi amadurecida como a capacidade
de garantir as necessidades das gerações futuras (ALMEIDA, 1990).
O conceito de desenvolvimento sustentável - apesar de criticado, por-
que seria insuficiente para a atualidade -, se apresentou como um avanço no
campo das concepções de desenvolvimento e nas abordagens tradicionais,
relativas à preservação dos recursos naturais, como um resgate da noção de
progresso e de avanço tecnológico, socialmente, justos, economicamente,
viáveis, ecologicamente, sustentáveis e, culturalmente, aceitos. O Relatório
Brundtland foi o primeiro documento a evidenciar que o meio ambiente e a
sua qualidade são temas coletivos, pois apontam para um futuro comum da
humanidade (DIEGUES, 1992).
Em 1987, houve a assinatura do Protocolo de Montreal, que tratou
sobre o acúmulo de substâncias agressivas à camada de ozônio e lançou os
conceitos jurídicos dos princípios da responsabilidade comum e da precau-
ção, que, posteriormente, foram incorporados na Convenção em liça (LE
PRESTE, 2000). Ainda, o Fundo Mundial para o Meio Ambiente foi insti-
tuído em 1990, com o desígnio de apoiar projetos relacionados às mudanças
SUMÁRIO
climáticas, à rarefação da camada de ozônio, à poluição dos oceanos e à re-
dução da biodiversidade.
Assim, firmou-se o compromisso com o desenvolvimento sustentável,
uma manifestação inquestionável da urgência em se encontrar um modo de
crescimento que seja menos lesivo ao meio ambiente, e mais duradouro. Para
tanto, é imperativo que os bens ambientais sejam reconhecidos como a base
de sustentação de todos os seres vivos - bens coletivos -, o que levará à com-
posição da questão ambiental, pois a compreensão da sustentabilidade do
planeta depende, além da preservação dos recursos naturais, de seu uso, com
reserva, e do seu acesso como direito público e universal (ISAIA, 2004).
O equilíbrio ambiental e a sustentabilidade se enquadram no rol de di-
reitos humanos de terceira geração, haja vista que os direitos humanos são
um edificado axiológico, uma invenção humana em constante processo de
construção e reconstrução, fundamentado em um espaço simbólico de luta
e ação social. Nesse entendimento, a proteção do meio ambiente exigia uma
normatização que extrapolasse fronteiras, posto que inserta a todas as pes-
soas pela própria natureza humana, visando a assegurar a liberdade e, assim,
igualdade. Nas palavras de Mancini (2003, p. 68):
Se é Direito tudo aquilo que responde à natureza e ao destino dos seres li-
vres, sociáveis e imputáveis, é evidente que da natureza, do constante e har-
mônico desenvolvimento, do visível progresso das nacionalidades coexis-
tentes e de toda espécie humana, se deduz e se demonstra a lei jurídica que
preside a grande sociedade das nações.
Povos, comunidades e nações indígenas serão aqueles que, tendo uma conti-
nuidade histórica com sociedades pré-invasão e pré-coloniais que se desen-
volveram nos seus territórios, se consideram distintos de outros setores das
sociedades agora prevalecentes nesses territórios ou em parte deles.
SUMÁRIO
Com a educação para a cidadania, com consciência, e para a saúde, é
possível a elaboração de uma patrimônio pedagógico, que valoriza a diver-
sidade cultural humana e estimula pensamentos e práticas na educação am-
biental. Nesse sentido, pode-se falar em Ecopedagogia, ou seja, é a Peda-
gogia com um fim ecológico, que é dinâmica, relacional, interativa inter,
trans e multidisciplinar, pois, como explica Guimarães (2004, p. 39), “O que
se busca é a recuperação de uma “harmonia ambiental”, que supõe uma nova
maneira de estabelecer as relações com a Terra, respeitando o direito à vida
de todos os seres que nela habitam”.
É evidente que a questão do meio ambiente desconhece fronteiras, de-
vendo ser uma preocupação comum a todas as pessoas e de todos os Esta-
dos, haja vista que, como explicam Gutiérrez e Prado (2000, p. 38), “A di-
mensão planetária reflete e requer uma profunda consciência ecológica,
que é, em definitivo, a formação da consciência espiritual como único re-
quisito no qual podemos e devemos fundamentar o caminho que nos conduz
ao novo paradigma”.
Portanto, a educação ambiental é concebida para ser um instrumento
capaz de gerar um processo educativo que conduza as sociedades a um saber
ambiental, calcado em valores éticos e em regras políticas, destinadas tanto
ao convívio social. E uma prática coletiva, que implica na cidadania ativa,
participativa, haja vista que todos os seres humanos necessitam, de igual
forma, que o meio ambiente seja equilibrado, salutar, para que todas as for-
mas de vida possam existir, além de se assegurar o acesso às futuras gera-
ções, de uma natureza preservada (TANNER, 1978).
A partir dessa óptica, a educação ambiental se volta para o despertar,
ou para a manutenção, do senso de pertencimento, assim como mantêm os
povos originários, de uma responsabilidade compartilhada por todos, or-
ganizada, socialmente, para que sejam compreendidas as causas e os efeitos
da atual crise ambiental, e, consequentemente, a busca de sua superação.
Nesse sentido, Carvalho (1998, p. 19) destaca a relação dos povos indígenas
com o meio, apontando que“ [...] as culturas se desenvolvem dentro dos li-
mites e possibilidades da natureza que as circunda [...] a ação destes povos
sobre a face da Terra tem criado novas paisagens no mundo natural”.
Além disso, a educação ambiental trabalha para a construção de uma cul-
tura ecológica, que insira o ser humano, novamente, como parte do habitat.
Portanto, a sustentabilidade é uma conduta que exige uma consciência ética,
esta que está, intrinsecamente, relacionada com o exercício de cidadania, de
participação social a partir da assunção da responsabilidade compartilhada.
A educação ambiental, por conseguinte, atende a uma racionalidade am-
biental, esta que deve ser praticada por meio da transdiciplinariedade, que
restabeleça o ser humano como parte da natureza, do meio que habita, favor-
ecendo as interações entre os meios físico e biológico. Leff (2001, p. 134)
SUMÁRIO
afirma que a racionalidade ambiental é um produto da própria educação am-
biental, pois ela favorece a elaboração de “[...] um conjunto de interesses e
de práticas sociais que articulam ordens materiais diversas que dão sentido
e organizam processos sociais através de certas regras, meios e fins social-
mente construídos”.
Todas essas especificidades conduzem à evidência de que os povos in-
dígenas, e seus saberes, atendem aos quesitos da Ecopedagogia, do Ecode-
senvolvimento, posto que são sustentáveis, a partir do agir do ser humano
em consonância com a natureza, como parte dela, posição e consciência ne-
cessárias a serem tomadas por todas as sociedades, na tentativa de reverter
a crise ambiental, por meio de uma consciência e uma educação ambiental
voltadas à preservação da natureza (GUIMARÃES, 2004).
A educação ambiental, por sua transdiciplinariedade, transcende a im-
portância da responsabilidade coletiva da implementação de seus princípios
básicos, objetivos e estratégias, assim como o seu incentivo, a busca pela efe-
tivação das práticas, ecologicamente, corretas e sustentáveis. É um dos prin-
cipais instrumentos de acionamento da responsabilidade social, pois permite
envolver todas as pessoas em um sentimento de responsabilidade coletiva
quanto à preservação da natureza e à reversão dos processos de desenvolvi-
mento insustentáveis, que acabaram por deflagrar a atual crise ambiental.
Como demonstrado, a cultura indígena é parte integrante, e de extrema
importância, do arcabouço cultural do Brasil, sendo premente a sua preser-
vação e valorização, para que se garanta a diversidade cultural e, em decor-
rência disso, a manutenção dos próprios povos indígenas, haja vista que, por
intermédio da educação, eles podem perpetuar sua cultura ao repassar, para
os jovens, os conhecimentos adquiridos e acumulados na comunidade.
Assim, a educação ambiental visa a um desenvolvimento ecológico,
ou seja, um Ecodesenvolvimento, favorecendo que a vida no planeta seja
assegurada, e que ela possa ser desenvolvida com qualidade, a partir da
conscientização de todos os cidadãos, para que eles exerçam sua cidadania
de forma positiva, veiculando a proteção do meio onde habitam e a quali-
dade de seu modo de vida – sustentável.
É clarividente a riqueza e a diversidade dos conhecimentos tradicionais
dos povos indígenas e a sua importância para a manutenção da diversidade
social, biológica e cultural, haja vista que esses saberes são históricos, trans-
mitidos de forma intergeracional, aperfeiçoados no decorrer do tempo e
sempre em ajuste com o local habitado, em observância às práticas e técnicas
mantenedoras do meio ambiente em equilíbrio.
A conservação das sociedades originárias, e de suas características, se
revela como um exercício de direitos humanos, na medida em que garante
aos povos o direito à diferença e à autodeterminação. Essa posição norma-
tiva de proteção às minorias étnicas, muitas vulneráveis à ação de pessoas
SUMÁRIO
advindas de outros segmentos sociais, garante a manutenção da diversidade
cultural e patrimonial do país, bem como, do meio ambiente equilibrado,
posto que os saberes tradicionais são sustentáveis.
Portanto, restou evidenciada a importância dos povos indígenas e dos
seus conhecimentos para a sócio e a para biodiversidade, posto que todas as
práticas que desenvolvem possuem características próprias, peculiares de
cada comunidade, mas, em comum, apresentam a preservação da natureza
a partir de técnicas não hostis, assegurando a harmonia da relação pessoa X
natureza, mantendo-se inseridos no meio onde vivem, retirando seu sustento
dele, mas, também, preservando-o, exemplo que deve ser observado e per-
petrado pelos demais segmentos sociais, a fim de assegurar o meio ambiente,
ecologicamente, equilibrado, e, assim, possibilitar que as futuras gerações
acessem esses recursos e deles, igualmente, possam usufruir, com qualidade
de vida.
Outrossim, como demonstrado, a educação ambiental é um dos prin-
cipais instrumentos de acionamento da responsabilidade social, pois permite
envolver todas as pessoas em um sentimento de responsabilidade coletiva
quanto à preservação da natureza e à reversão dos processos de desenvolvi-
mento insustentáveis, que acabaram por deflagrar a atual crise ambiental.
O Estado assume um papel imprescindível, pois, diante de sua obriga-
ção de promover a preservação da natureza, dispõe das políticas públicas
para buscar essa efetivação desse objetivo, pois elas servem como ferramen-
tas por meio do qual é possível a implantação da educação ambiental. A edu-
cação ambiental, ao ser conduzida para o interior das escolas, como um tema
transdisciplinar a ser tratado em todos os níveis de ensino, pratica a cons-
cientização das pessoas para a preservação ambiental, da mesma forma que
atinge a toda a sociedade, por meio da educação informal.
Assim, a educação ambiental pode ser exercitada para a condução de
um desenvolvimento ecológico, ou seja, um ecodesenvolvimento, favore-
cendo que a vida no planeta seja assegurada, e que ela possa ser desenvolvida
com qualidade. Por isso, serve como instrumento para garantir a manutenção,
a proteção e o desenvolvimento dos saberes tradicionais dos povos indígenas,
viabilizando a preservação de suas culturas e comunidades que, por sua vez,
garantem uma intervenção não maléfica ao meio ambiente.
Tais povos e seus saberes, igualmente, podem contribuir com a cons-
cientização de todos os cidadãos, para que eles exerçam sua cidadania de
forma positiva, veiculando a proteção do meio onde habitam e a qualidade
de seu modo de vida – sustentável e, de forma recíproca, que estes respeitem
e preservem aqueles, e as suas práticas.
Uma das principais características da educação ambiental, nesse sen-
tido, é a interrelação dos vários saberes, advindos de diferentes áreas do co-
nhecimento, que são reunidos, relacionados e aplicados com fins de preservar
SUMÁRIO
os recursos naturais, assegurar que os seres humanos se realoquem e assu-
mam seu espaço no habitat ao qual pertencem e o preservem, para as pre-
sentes e futuras gerações.
CONCLUSÃO
Assim, a partir de um estudo histórico, legal, antropológico e social resta
demostrada a importância que a diversidade e a riqueza dos conhecimentos
tradicionais dos Povos Indígenas, especificamente, no Rio Grande do Sul,
exercem para a preservação do meio ambiente, uma vez que suas práticas
mostram-se sustentáveis e pouco lesivas à natureza.
O que se verifica é que, embora previsões legais internacionais e nacio-
nais tenham demonstrado certo avanço quanto a valorização dos povos indí-
genas, o que se percebe é a insuficiências dessas medidas para que o respeito
a esses povos e o reconhecimento de seus saberes sejam, de fato, efetivados.
Nesse sentido, a Educação Ambiental constitui-se como uma importante
ferramenta da tutela dos saberes tradicionais dos povos indígenas, que corro-
boram para a efetivação do Ecodesenvolvimento, fomentando a transforma-
ção social, e incentivando o sentimento de responsabilidade coletiva, de modo
a viabilizar a prática cidadã, a fim de buscar alternativas sustentáveis para se
reverter a crise ambiental e assegurar a todos um desenvolvimento e ambiente
saudáveis, com qualidade de vida, para estas e as futuras gerações.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BRUGGER, Paula. Educação ou adestramento ambiental? Florianópolis:
Argos, 2004.
CAMARGO, Serguei Aily Franco de; SURGIK, Ana Carolina Santos; DAN-
TAS, Fernando Antônio de Carvalho; MARTINS, Marco Aurélio de Carva-
lho; SOUZA, Andrei Sicsú de. Fomento à pesquisa e a proteção ao Co-
nhecimento Tradicional Associado no Estado do Amazonas. In: XV
Congresso Nacional do CONPEDI, Manaus, 2006.
SUMÁRIO
LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.
_______. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
SILVA, Aracy Lopes da. A questão da educação indígena. São Paulo: Bra-
siliense, 1981.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Ma-
lheiros, 1995.
SUMÁRIO
TANNER, Thomas R. Educação ambiental. São Paulo: EDUSP, 1978.
SUMÁRIO
DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA:
FUNDAMENTAÇÕES E PERSPECTIVAS
DESCOLONIAIS1
Maira Damasceno
Mestranda em Ciências Sociais
CAPES/UNISINOS/RS
1 INTRODUÇÃO
Os “Direitos”, do modo como foram transferidos pela elite europeia através
do colonialismo, somente favorecem e reproduzem a própria classe privi-
legiada, mantendo a hierarquia diferenciadora que se define como superior
e racional. Esse pensamento diferenciador imposto por europeus acaba por
instalar um sistema que seleciona os “sujeitos” passíveis de possuir algum
tipo de proteção ou direitos.
A noção de direitos humanos europeia foi construída em contexto hé-
tero normativo, para e por homens brancos europeus e assim foi aplicada
mundo afora. Eram os hacienderos del rey2 que detinham esses direitos e
não os índios escravizados. Da mesma forma na África do Sul durante o re-
gime de apartheid, quem detinha o “direito” de segregar eram os brancos
colonialistas, não havia direitos para os nativos marginalizados. De forma
semelhante, no Brasil contemporâneo, quem possui o “direito” são os gran-
des fazendeiros, detentores do agronegócio, que vandalizam as comunida-
des indígenas e ainda assim, muitas vezes, são considerados “vítimas” à
sombra da Constituição Federal.
Nesse sentido, os discursos dos Direitos Humanos fazem um contraponto
a esses discursos e “direitos” há tanto tempo naturalizados e oficializados por
castas de privilegiados que homogeneíza, inferioriza e desqualifica a fim de jus-
tificar suas relações de poder e posições excludentes. Segundo Costas Douzinas,
SUMÁRIO
Lutas por direitos humanos são simbólicas e políticas: seu campo de batalha
imediato é o significado de palavras, tais como diferença, igualdade ou se-
melhança e liberdade, mas, se bem sucedidas, elas acarretam consequências
ontológicas, transformam radicalmente a constituição do sujeito jurídico e
afetam a vida das pessoas. (2009, p. 265)
SUMÁRIO
e as pretende incluir no sistema vigente, tornando-as úteis a esse sistema.
Para que a fundamentação do discurso dos Direitos Humanos trabalhe em
conjunto com as comunidades invisibilizadas e reconheça os processos tí-
picos do sul é preciso descoloniza-la, isto é, rever e questionar conceitos e
questões consideradas esgotadas favorecendo uma “interculturalidade crí-
tica”, onde, segundo WALSH, o ponto de início é o problema da estrutura
colonial, portanto questiona o sistema vigente e seu padrão de diferenciação
“[...] o problema central de que parte a interculturalidade [...] é a diferença
construída como padrão de poder colonial que segue transcendendo prati-
camente todas as esferas da vida” (WALSH, 2012, p.65).
Em 1492 iniciam outros ciclos em Abya Yala3. São a partir desses con-
textos, de forma crítica, que devem ser fundamentadas as teorias e práticas
realizadas aqui.
Somente com uma boa fundamentação, coerente com as realidades la-
tino americanas, os Direitos Humanos poderão ser compreendidos e toma-
dos como um compromisso de todos.
[...] a terra é muito mais do que um simples meio de subsistência, ela repre-
senta o suporte da vida social, as raízes do indivíduo e não serve apenas para
SUMÁRIO
a subsistência do grupo, está diretamente ligada ao sistema de crenças e co-
nhecimento indígenas. [...] a terra tem muita importância, pois é nela que
são desenvolvidas todas as práticas socioculturais e cosmológicas. A terra é
entendida [...] como mãe de todos os elementos da natureza e deles mesmo
enquanto espécie, que também é parte constitutiva do universo. (LAPPE,
LAROQUE, 2013, P.56)
SUMÁRIO
à colonos, causando consequências até os dias de hoje para sua reocupação
do território roubado em 1870. Esses casos exemplificados, segundo BA-
TALLA(1972), comprovam a persistência do status colonial mesmo após
as “independências” e o pretenso fim do colonialismo.
La liberación del colonizado -la quiebra del orden colonial - significa la de-
saparición del indio; pero la desaparición del indio no implica la supresión
de las entidades étnicas, sino al contrario: abre la posibilidad para que vuel-
van a tomar en sus manos el hilo de su historia y se conviertan de nuevo en
conductoras de su propio destino.(1972, p.123).
SUMÁRIO
2.1 DIREITOS CONTEMpORÂNEOS E
DESCOLONIALIDADE
As lutas das comunidades ameríndias por Direitos Humanos na atualidade
tem ligação direta com os desrespeitos seletivos severos desde a invasão e im-
posição de modelos civilizacionais por europeus no continente. O extenso
processo colonialista nunca teve suas estruturas diferenciadoras e hierarqui-
zantes questionadas ou reformuladas para que passassem a abrigar outras cos-
movisões. Pelo contrário, continuaram a reproduzir os binarismos e as velhas
concepções de teor evolucionista, inclusive na manutenção e ampliação dos
privilégios através da proteção da Lei. Segundo Ramon GROSFOGUEL
(2011) “Depois de séculos de epistemologias, conhecimentos e identidades
destruídas, a descolonização na zona do não ser passa por um processo neces-
sário de reconstrução de seus próprios pensamentos e identidades” (p.107).
As perspectivas pós colonial e descolonial5 trazem contribuições no sentido
de situar a realidade latino americana e ser uma oposição aos discursos idea-
listas, excludentes e colonialistas. Por colonial entendem-se os processos his-
tóricos que geram diferenciações e desigualdades existentes nas estruturas de
poder brasileiras e em todos os âmbitos e campos do saber. É preciso romper
com a lógica privilegiada para produzir conhecimento acerca das realidades
latino americanas, não se trata de reverter o processo do colonialismo, mas de
questionar suas certezas e imposições para termos o reconhecimento de outras
formas de fazer e saber. Segundo Aníbal Quijano (1992, p.12) as estruturas
de poder coloniais fundadas a partir da modernidade, com bases na raciona-
lidade europeia “[...] produziram as discriminações sociais que posteriormente
foram codificadas como ‘raciais’, ‘étnicas’, ‘antropológicas’, ou ‘nacionais’,
segundo os momentos, os agentes e as populações implicadas”. Conforme
ainda o mesmo autor, estas construções intersubjetivas que são o resultado da
dominação colonial, foram apresentadas como categorias de pretensão cien-
tífica e objetiva “é como dizer que são fenômenos naturais e não da história
do poder” (1992, p.12). A colonialidade do poder é uma ferramenta de domi-
nação eurocêntrica que abrange também o saber e o ser. O mito da racionali-
dade e superioridade europeia que transforma a história em uma versão uni-
linear e evolucionista que obriga a todos seguirem seus passos para chegar ao
“estágio desenvolvido” criou dispositivos que permitiram a seletividade dos
povos e dos direitos causando grande violência e desestabilidade aos proces-
sos de identidades dos povos julgados como inferiores.
No Brasil, somente em 1988 com a Promulgação da Constituição Fe-
deral (CF), pela primeira vez na história do país, houve o reconhecimento
das sociedades indígenas. Através do Art. 231 da CF,
SUMÁRIO
mente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.
SUMÁRIO
desrespeitadas, terem avançado muito, para o senso comum ainda há a ima-
gem colonial que inferioriza e desrespeita os ameríndios, dificultando o en-
tendimento e adesão às suas causas.
Atualmente, essas coletividades, lutam para que sua imagem afaste-
se do passado, pois a tendência ainda é querer enxergar um “índio ideali-
zado” que vive em 1500 ou então um “índio desaldeado” que não é mais
índio e principalmente ter suas terras demarcadas, para que assim possam
viver ao seu modo, com autonomia. O intenso processo de retomadas ter-
ritoriais e exigência de reconhecimentos étnicos são amplamente justifica-
dos por 517 anos de violências e desrespeitos severos aos Direitos Huma-
nos de ser e existir.
Nesses dez anos de “Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas” (DDPI)7 e vinte e nove anos de CF temos presenciado
o que Milena Peters (2010) chama de tensão constante entre os esforços para
aprofundar e ampliar direitos e os esforços para eliminar as reivindicações
ou transformar em mera formalidade. O Brasil vive um dos piores momentos
contemporâneos em relação aos Direitos Humanos. As tensões causadas por
um Governo Federal de atuação fraca, até 2016, sobre a questão das demar-
cações de terras indígenas foram substituídas por ações reais de subtração
de direitos dessas sociedades. Com os últimos acontecimentos voltam-se as
atenções ao Superior Tribunal Federal (STF) e a “tese de marco temporal”
onde somente as comunidades que estavam ocupando a terra reivindicada
em 1988 têm direito a ela. Se esta “tese” for adotada em todos os casos, será
um desastre para os povos originários e uma vitória para os ruralistas que já
estão amplamente em vantagem com o governo de Michel Temer.
Uma perspectiva descolonial, ou seja, que considere o contexto desde
a realidade latino americana, é fundamental para que as teorias e discursos
dos Direitos Humanos a respeito das sociedades ameríndias sejam eficientes
em representar as particularidades do processo histórico diferenciador ocor-
rido, principalmente com essas sociedades.
3 CONCLUSÃO
O grande histórico de violações severas aos direitos humanos, sofrido pelas
populações nativas de Abya Yala desde sua invasão, começando pela negação
e homogeneização de seus processos de identidade, passando pelo roubo de
seus territórios juntamente da discussão se seriam humanos ou não, nos de-
monstra bem como os reflexos de toda essa violência em nome dos supostos
valores racionais europeus agem até os dias de hoje reproduzindo, desquali-
ficando, hierarquizando as instituições e relações. As dificuldades na criação,
adesão e aplicação de normas e Leis se deve à colonialidade em todos os âm-
bitos da América Latina afetando diretamente as comunidades ameríndias.
SUMÁRIO
Os limites da realização dos discursos de Direitos Humanos somente
focados em teorias externas são notórios quando às realidades e os povos
são desfavorecidos e ignorados em seus direitos de existência e suas episte-
mologias, fazendo-se necessária a renovação teórica e prática partindo da
autodeterminação dos povos nativo americanos, delineando-se assim teorias
e fundamentação a partir das perspectivas e contextos do próprio sul.
Em tempos de retrocessos políticos e crescimento do racismo declara-
do, inclusive com incentivo estatal e de autoridades que se sentem à vontade
para proferir discursos de ódio contra comunidades indígenas, quilombolas
e mulheres, as possibilidades de subversão e questionamentos às estruturas
de poder coloniais, de um discurso de Direitos Humanos com perspectiva
descolonial, não somente podem, mas devem somar aos esforços por eman-
cipação dos cinco séculos de falácias eurocêntricas inferiorizando e dife-
renciando “o outro” em busca de legitimidade e privilégios.
A colonialidade presente em praticamente todos os âmbitos cotidianos
da América Latina, como na educação, política e economia, demonstra a ex-
trema importância de novas perspectivas no campo das Leis e busca por jus-
tiça através dos discursos vinculados aos direitos humanos em oposição aos
discursos simplistas e desconectados das realidades e processos históricos
próprios para assim, superarmos o mito de que, segundo Enrique DUSSEL,
“A modernidade é uma emancipação, uma ‘saída’ da imaturidade por um
esforço da razão como processo crítico, que proporciona à humanidade um
novo desenvolvimento do ser humano” (2005, p.27). Nesse sentido de su-
peração, o autor propõe o termo “Transmodernidade” que seria a moderni-
dade agora reconhecendo a alteridade antes recusada, “[...] a razão moderna
é transcendida (mas não como negação da razão enquanto tal, e sim da razão
eurocêntrica, violenta, desenvolvimentista, hegemônica)” (DUSSEL, 2005,
p.29). Portanto, não se trata de voltar ao tempo e negar o passado, mas jus-
tamente em debatê-lo, questiona-lo e reconhece-lo, juntamente de suas cons-
truções e idealizações, bem como marginalizações, invisibilizações e vio-
lações severas dos direitos humanos ao longo de 517 anos de invasão e
colonialidades europeias.
SUMÁRIO
NOTAS
Rio dos Sinos – UNISINOS, ministrada pela professora Dr. Fernanda Frizzo Bragato.
los”.
4
Práticas escravistas ou de extermínio contra as comunidades indígenas.
tructuralismo francés más que en la densa historia del pensamiento planetario de-
colonial (MIGNOLO, Walter, 2007, p.27) IN: GÓMEZ, Santiago Castro-; GROS-
FOGUEL, Ramón (orgs) El giro decolonial: refl exiones para una diversidad
epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores;
Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia
Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007
culação dessas sociedades pelos vastos territórios que ocupavam e para que outras
populações os ocupassem sem maiores atritos, foram criadas áreas para que os
ameríndios pudessem ser confinados sem incomodar os não ameríndios.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Povos Indígenas. Rio de Janeiro: Nações Unidas, 2008. Disponível em: .
http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf acesso em
julho de 2017.
SUMÁRIO
O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE POBRE E PRETA:
INSTITUCIONALIZAÇÃO BIOPOLÍTICA DO RACISMO
DE ESTADO
Verber Alves de Souza
Faculdade Mineira de Direito – Graduação
PUC – Minas Gerais
Resumo: O presente trabalho pretende ser uma infiltração no rol das pro-
duções acadêmicas, ausente de corpos, pensamentos e histórias negras,
um mecanismo de combate fulcrado no apoderamento cultural afro-bra-
sileiro, a partir, da retomada do saber histórico de suas lutas e pela des-
construção dos discursos históricos colonizados. Através de elementos de
pesquisa, os mecanismos etnocidas do sistema democrático brasileiro
serão analisados como produto do domínio colonial ocidental institucio-
nalizado na forma de um estado democrático de direito. O encarcera-
mento massivo e o genocídio institucional da juventude pobre e preta,
serão demonstrados como estratégias do poder colonial, operada pelas
máquinas coercitivas do Estado e legitimada por seus sistemas de direito.
Assim, considerando o poder e o direito como forças afirmadas no âmbito
da guerra, estratégias de emancipação serão buscadas através da insur-
gência dos saberes de luta negros e no alinhamento aos movimentos de
resistência cultural, de modo que, impulsionem alternativas de enfrenta-
mento ao corte biopolítico operado sobre o corpo social, segregado entre
sujeitos de direito e inimigos sociais deixados à morte, leia-se: corpos ne-
gros, pobres e periféricos.
1 - INTRODUÇÃO
É exatamente por isso que ela pode conduzir ao genocídio e que se pode falar
do mundo ocidental, de fato, como absolutamente etnocida. Mas de onde pro-
vém isso? O que a civilização ocidental contém que a torna infinitamente mais
etnocida que qualquer outra forma de sociedade? É seu regime de produção
econômica, espaço justamente do ilimitado, espaço sem lugares por ser recuo
constante do limite, espaço infinito da fuga permanente para diante. O que di-
ferencia o Ocidente é o capitalismo, enquanto impossibilidade de permanecer
no aquém de uma fronteira, enquanto passagem para além de toda fronteira; é
o capitalismo como sistema de produção para o qual nada é impossível, exceto
não ser para si mesmo seu próprio fim: seja ele, aliás, liberal, privado, como na
Europa ocidental, ou planificado, de Estado, como na Europa oriental. A so-
ciedade industrial, a mais formidável máquina de produzir, é por isso mesmo a
mais terrível máquina de destruir. Raças, sociedades, indivíduos; espaço, na-
tureza, mares, florestas, subsolo; tudo é util, tudo deve ser utilizado, tudo deve
ser produtivo; de uma produtividade levada a seu regime máximo de intensi-
dade. Eis por que nenhum descanso podia ser dado às sociedades que abando-
navam o mundo à sua tranquila improdutividade originária; eis por que era in-
tolerável, aos olhos do Ocidente, o desperdício representado pela não
exploração econômica de imensos recursos. A escolha deixada a essas socie-
dades era um dilema: ou ceder à produção ou desaparecer; ou etnocídio ou o
genocídio. (CLASTRES, 2004, p.75)
SUMÁRIO
cia policial. A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras. Nas
universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros. A cada quatro
horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo. Aqui quem fala é
primo preto, mais um sobrevivente. ( Racionais Mc’s, 1997)
SUMÁRIO
capitalismo que lhe é inerente, responde a apelidos bastardos como assimi-
lação, aculturação, miscigenação; mas sabemos que embaixo da superfície
teórica permanece intocada a crença na inferioridade do africano e seus des-
cendentes. (NASCIMENTO, 1978)
SUMÁRIO
utilizada para legitimar a política de morte exercida pelo Estado, no qual atra-
vés da criminalização e desumanização da periferia sobre a qual a manipula-
ção do discurso institucionaliza o perigo, é implantado um permanente estado
de exceção dentro do qual a morte do “outro” não encontra limites.
Considerando que o “consumo de drogas acompanha o homem desde
tempos imemoriais, registrando-se o uso do ópio e da cannabis há cerca de
3000 a.c.(FORTE, 2007), a formação de um mercado surge quase que ins-
tantaneamente ao marco da proibição, efeito já conhecido na política de
proibição do álcool ou cigarro. No entanto, mais que um mecanismo de mer-
cado, o tráfico é um arquétipo produtivo através do qual o Estado legitima
a invasão territorial das classes populares além de estigmatizar os corpos
periféricos como entidades perigosas, desumanizadas e coisificadas, pro-
duzindo assim efeitos genocidas.
Numa estrutura que movimenta cerca de 870 bilhões de reais por ano,
correspondente a 1,5% do PIB mundial, impensável dissociar seu funcio-
namento como decorrência de interesses múltiplos que se infiltram por todos
os lados nos estados democráticos, decadentes perante o multifacetário in-
teresse do capital financeiro global. No Brasil, a Lei 11.343/2006 é o ins-
trumento arcaico que determina as diretrizes de combate ao uso ilegal de
drogas, tendo se transformado em um mecanismo de moer gente e que atual-
mente acelera a formação da quarta maior população carcerária do mundo
com uma das polícias mais letais do mundo.
Segundo dados do Infopen de 2014, das mais de 600 mil pessoas en-
carceradas no Brasil, número que cresce dez vezes mais que o crescimento
SUMÁRIO
total da população nacional, 56% dos corpos são jovens e 67% são negros,
sendo que 27% dos crimes são de tráfico de entorpecentes. Números que
acompanham uma tendência mundial, onde o tráfico de drogas, financiado de
modo maciço pela cocaína usada pelas elites, é o principal mecanismo de cap-
tação de corpos periféricos vulnerabilizados socioeconomicamente.
Segundo Forte (2007), o combate ao uso de drogas ilícitas ganhou des-
taque mundial através da Convenção Única de 1961 da ONU, sendo incor-
porado no Brasil através do Decreto nº 54.216/64, posteriormente, incorpo-
rado na “lei de tóxicos” (Lei 6.386/76) e na recente Lei 11.343/2006. Assim
o programa de governo dos Estados Unidos, marcadamente em Nixon na dé-
cada de 70, foi propagado e incrustado nos governos políticos nacionais como
peça fundamental à garantia de soberania em sua política de morte, onde a
vida das classes dominantes decorre da morte das classes dominadas.
No Brasil, mais que uma política de governo, a proibição é um efeito
político-econômico sendo inclusive afirmado em:
SUMÁRIO
3 - O pODER BIOpOLÍTICO
Diariamente me sinto transitar entre uma “linha abissal” que sujeita meu corpo
às definições produtivas de um poder que se de um lado me define como su-
jeito de direitos, logo em seguida me expõe como um corpo jovem e negro
habitante de uma zona periférica. Dentro de meu território encontro-me assi-
nalado sobre o signo do perigo fremente de ser morto pela atuação repressiva
das forças policiais ou vítima do confronto civil instalado ali instalado.
Assim, Michel Foucault identifica, especialmente na transição do sé-
culo XIX, que o poder de soberania se transmutara em uma tecnologia que
não mais se manifestava sobre o corpo individual como se impunha o poder
na sociedade disciplinar, mas sim, sobre a multiplicidade biológica dos cor-
pos, a partir da consideração biológica do corpo social através da qual o ra-
cismo de estado será o operador fundamental dos mecanismos coloniais.
O biopoder ou biopolítica, surge, portanto, como um mecanismo atra-
vés do qual os fluxos de vida são controlados em sua esfera biológica, de tal
modo que, controlando a produção do desejo e a disposição territorial dos
corpos, as máquinas dominantes fazem inverter sua lógica procedimental
em uma síntese de “fazer viver e deixar morrer”. Aos corpos sujeitados serão
operadas a produção padronizada do consumo capital enquanto aos corpos
de perigo serão destinadas as forças de supressão do Estado.
Em tal momento, a saúde, o equilíbrio e a segurança da população en-
contra-se vinculada ao extermínio da matriz biológica das raças inferiores,
por meio da definição do perigo como a existência do outro, naturalmente
degenerado e perigoso. Conforme assinalado por Foucault, “foi nesse mo-
mento que o racismo se inseriu como mecanismo fundamental do poder, tal
como se exerce nos Estados Modernos, e que faz com que não haja funcio-
namento moderno do Estado que (...) não passe pelo racismo.” Justamente
a partir da concepção da sociedade como um mecanismo biológico, que o
poder colonial legitima e incrusta dentro do estado moderno o caráter ge-
nocida de suas máquinas de guerra.
Neste enredo, o direito no ocidente é o mecanismo que engendra a es-
truturação de um poder colonial sobre as relações de força que operam no
plano social. A lei é o mecanismo por meio do qual o Estado captura o mo-
nopólio da força, instituindo sua competência exclusiva de impor a guerra
e promover a morte dos corpos que lhe são sujeitados, revestindo o poder
de domínio de soberania e legitimando o exercício de sua força destrutiva.
Acontece que tal dominação somente se efetiva a partir do momento
em que se faz acreditar, no instante em que se promove a criação de verdades
interessadas, pois, tendo em vista que a igualdade de forças é condição ine-
rente ao ser, a vontade de submissão é o instrumento que castra a vontade
de poder e que segrega a luta e a resistência num dever de obediência. Para
que a guerra cesse e o estado se institua, os corpos dominados devem ser su-
SUMÁRIO
jeitados ao discurso histórico das forças dominantes a tal ponto, que o agir
se paute na norma e na ordem instituída.
Friedrich Nietzsche encontra no esquecimento uma força ativa, um me-
canismo inserido na produção de vontade que promove ao mesmo tempo o
mascaramento do passado e a castração do futuro na formatação de uma
consciência adestrada. Assim, a sociedade civilizada faz propulsar a produ-
ção do esquecimento, pois, conforme sustenta: “quanto pior “de memória”
a humanidade, tanto mais terrível o aspecto de seus costumes; em especial
a dureza das leis penais nos dá uma medida do esforço que lhe custou vencer
o esquecimento e manter presentes” (NIETZSCHE, 2009)
A construção de uma memória do esquecimento, portanto, é uma edi-
ficação constante de dominação já que a dissolução do saber histórico das
lutas condicionam a existência dos povos dominados a um eterno porvir su-
bordinado. Segundo nos apresenta a escritora Chimamanda Ngozi Adichie,
“o perigo de uma única história”, resulta exatamente na possibilidade de
construção de um ponto de vista único a partir do qual os múltiplos desen-
cadeamentos da história, de suas lutas e confrontos, serão reproduzidos pela
narrativa estigmatizante das forças dominantes.
Assim, Gilles Deleuze e Felix Guattari identificam o capitalismo como
uma máquina social que liberta sobre o corpo social seus próprios fluxos
desejantes. Seu sistema produtivo não encontra-se estagnado nas zonas de
produção fabril ou na estrutura mercantil de produção e troca, mas sim, in-
trinsecamente registrado na construção de corpos sujeitados.
SUMÁRIO
Assim, se por um lado o academicismo tradicional envolve-se no caldo
da mercantilização do ensino promovida pela capital em seus giros produ-
tivos, posição da qual a família, religião, política burocrática ou classifica-
ções de gênero guardam lugar, o espaço da cultura fabricada nas ruas e vie-
las; o ecoar de vozes que urgem, principalmente, da periferia, entoa uma
potência de agir que ao mesmo tempo em que escancara os fluxos coloniais
do patriarcado capitalista, promove a ressignificação originária dos perten-
cimentos e permanecimentos na estrutura societária.
Neste ponto, uma voz de peso surge da periferia aclamando tal potência
intercultural: Sérgio Vaz criador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Pe-
riferia):
“Já tem algum tempo que venho batendo nessa tecla, que estamos vivendo,
culturalmente falando, a nossa Primavera Periférica. Já estava mais do que na
hora dessa gente mais que bronzeada mostrar o seu valor. E quem tem valor
não tem preço. Só quem anda e não vive pelas quebradas de São Paulo, ou
ainda torce o nariz, não sabe do que estou falando. Uma evolução aos gritos
ocorre em silêncio e somente ouvidos atentos podem escutar.” (Sérgio Vaz)
Quilombo é uma história. Essa palavra tem uma história. Também tem uma
tipologia de acordo com a região e de acordo com a época, o tempo. Sua re-
lação com o seu território. É importante ver que, hoje, o quilombo traz pra
gente não mais o território geográfico, mas o território a nível (sic) duma
simbologia. Nós somos homens. Nós temos direitos ao território, à terra.
SUMÁRIO
Várias e várias e várias partes da minha história contam que eu tenho o direito
ao espaço que ocupo na nação. E é isso que Palmares vem revelando nesse
momento. Eu tenho a direito ao espaço que ocupo dentro desse sistema, dentro
dessa nação, dentro desse nicho geográfico, dessa serra de Pernambuco. A
Terra é o meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo. Onde eu estou, eu
estou. Quando eu estou, eu sou. (NASCIMENTO apud RATTS, 1981)
SUMÁRIO
dominantes, a cultura é definitivamente o espectro indomável das associa-
ções humanas, ponto do qual são emanadas as mais diversas estratégias de
combate de resistência e de reexistência.
Assim, ao mesmo tempo em que as favelas e quebradas do Brasil so-
frem constantemente a imposição de guerra por um estado paranoico e ex-
cessivo, é dentro de seu contingente que surgem as mais variadas e potentes
manifestações culturais que, ao mesmo tempo em que libertam o ser da for-
mação estigmatizante das forças de domínio, promovem no seio das comu-
nidades a libertação de fluxos emancipatórios frente a vulnerabilização so-
cial implementada pela máquina de guerra estatal.
Conforme estudo inédito realizado por Renato Meirelles e Celso At-
hayde, “Um país chamado Favela”, a favela é essencialmente um lugar de
movimento. Se a periferia é o lugar marginal que comporta a força de tra-
balho que sustenta a base produtiva da sociedade, lugar também onde se re-
produz a lógica de guerra ao tráfico, a favela é talvez o lugar de maior pul-
sação no interior do corpo social.
O movimento é a força que move o ritmo do corpo e do espírito. Em
suas manifestações culturais, a periferia encontra no samba, soul, black, no
rap, no hip-hop o gingado ancestral dos povos africanos, reproduzindo no
meio social um caráter próprio de seu pertencimento. Não à toa, frente todas
as vulnerabilidades que lhe são impostas, os corpos favelados são os de
maior autenticidade e capacidade de inovação.
Tal movimento observa-se especialmente no movimento Hip Hop,
quando as ruas do Brooklyn, bairro da cidade de Nova York, que vivam mo-
mentos de tensão, foram invadidas por um movimento revolucionário. A
criação da Zulu Nation, menção especial à Afrika Bambaataa, revolucionou
uma zona periférica onde os enfrentamentos eram cada vez mais intensos,
devido aos diversos grupos étnicos e, sobremaneira, à invasão e brutalidade
estatal que espalhava o medo e o perigo constante, materializado nas mortes
cotidianas e incêndios rotineiros. Os sons de Grand Master Flash e todo o
movimento do break foram um momento ímpar de criação cultural que al-
terou para sempre os caminhos da história da música e das comunidades pe-
riféricas, dado o alcance mundial de suas repercussões e reverberações.
No Brasil, se por um lado a intervenção do poder público em seu terri-
tório possui exclusivamente um caráter punitivo, são os próprios agentes
internos que promovem seus anseios por mudanças.
A favela cresce, de cima para baixo, de baixo para cima, elástica, como ser-
pente viva, social, ondulante. Se uma palavra a define é “movimento”. Nada
mais natural, portanto, que suas expressões culturais tenha como base a
energia cinética das relações humanas. A favela se agita e se desloca, apri-
mora-se e transforma-se. Empenha-se em exercícios estéticos e educativos,
SUMÁRIO
no beco, na viela, na laje da qual observa o mundo. Por vezes, tão rapida-
mente que se torna ainda mais invisível aos olhos do asfalto. Por vezes, de-
vagar, mas num movimento de volume, em que os passo, ainda que curtos,
fazem avançar ao mesmo tempo o coração e a mente de milhões de pessoas.
Se a favela se reinventa, empurra o novo – inexoravelmente – para o resto da
cidade. Ela aprende e ensina. (ATHAYDE; MEIRELLES, 2014)
5. CONCLUSÃO
Espera-se, portanto, que tenha sido possível demonstrar o extermínio contínuo
consagrado à população negra no interior de nosso Estado, sobremaneira, os
mecanismos atuais pelos quais sua juventude é marginalizada e criminalizada
por discursos coloniais e racistas no interior dos sistemas de direito.
Demonstrando que o racismo surgiu como um mecanismo estratégico
SUMÁRIO
por meio do qual o poder soberano impõe seu “direito” de matar, implemen-
tando sobre os guetos e favelas o extermínio intensivo e seletivo operado por
suas polícias sobre corpos coisificados e vulnerabilizados em uma sociedade
de normalização, procurei evidencia como o branco é a matriz estética de do-
mínio, enquanto o negro carrega em seu gene o estigma do mal social.
No entanto, longe de alcançar o fim pretendido, a busca por mecanis-
mos estratégicos de combate se delineiam somente no campo de batalha e
na área do confronto de tal maneira que o saber acadêmico deve estar ali-
nhado ao campo de intervenção, porém, não mais por um olhar científico
neutro que observa seu objeto de forma parcial, mas como um agente que
opera de forma ativa o meio que lhe comporta.
Não somos iguais, tampouco diferentes, somos diversos e aleatórios.
A juventude não clama aqui por amparo ou messianismo, mas sim pela dig-
nificação de seus corpos e histórias, pelo reconhecimento e apoio de suas
batalhas. Às portas de um tempo opressivo, onde velhas forças adentram os
discursos, inflamando e clamando por um estado excessivo capaz de rees-
truturar a ordem de dominação, a juventude sai às ruas e desloca os padrões
para fora de seus encaixes.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Paz e Terra, 1978.
SUMÁRIO
HERMENÊUTICA DECOLONIAL,
INTERCULTURALIDADE E ESTADO PLURINACIONAL
Vinícius Silva Bonfim
Doutor em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Professor e pesquisador com bolsa de pesquisa pela Faculdade Arquidiocesana de
Curvelo (FAC) - Minas Gerais. Professor da PUC-Minas nos cursos de Pós-graduação
(Latu Sensu), de Direito Ambiental/Minerário e Ciências Criminais.
E-mail: bonfimbh@hotmail.com.
INTRODUÇÃO
O encontro cultural possui como primeiro elemento constitutivo de reco-
nhecimento a linguagem, as formas das pessoas se identificarem, comuni-
carem, permanecerem com seus laços afetivos, suas memórias e tradições.
No processo colonial, de invasão da cultura europeia na América Latina
e África, a linguagem foi fundamentalmente uma ferramenta de esquecimento
da memória, da tradição, das histórias presentes e, ainda, na impossibilidade
da construção de algum prognóstico que permitiria as lutas identitárias ou da
construção e disseminação dos antigos saberes locais. Os dissidentes desses
processos, sujeitos insurreitos, são pontos fora da curva, pois não foram capi-
taneados pelo poder colonizador pois, em algum momento, ele deu errado.
A supressão da diversidade pelo processo homogeneizador moderno re-
tirou a possibilidade da luta por reconhecimento e reproduziu, por outro lado,
uma engrenagem que tinha como objetivo nutrir os processos de produção em
massa e que são estabelecidos de cima pra baixo pelo poder econômico.
O contingente da luta contra a colonialidade existe e resiste por todos
os lados. A colonialidade atua em todos os cenários políticos. Ela é muito
abrangente no projeto moderno. As insurreições, revoltas, motins e sedições
são definidas de forma fluída, ganham características a partir das demandas
locais e culturais que são peculiares aos seus tempos e espaços. O contin-
gente está por toda a parte, são tensões múltiplas, não possuem uma unidade,
são plurais, diversas, são muitas, são diluídas em demandas de raça, de gê-
nero e de classe, sobretudo. Aparecem nas instituições, em especial, nas es-
colas, nas universidades, nas famílias, nas novas economias sociais que se
organizam para enfrentar as forças de opressão da colonialidade.
O que caracteriza esse momento de perversidade é que, sob o discurso
dos direitos humanos e do Estado democrático de direito, exerce-se um Estado
SUMÁRIO
de exceção permanente, velado sob o discurso da hermenêutica constitucio-
nal. É, se bem da verdade, uma atualização do sistema decisionista que se apro-
pria da linguagem para o cumprimento de políticas ideológicas neutralizan-
tes e partidárias do fascismo, mas, agora, com nova roupagem, sob o novo
argumento de princípios.
A supressão da diversidade cultural pelo discurso jurídico-judiciário é
umas das estratégias mais violentas e subliminares que o Estado realiza para
homogeneizar a sociedade e, assim, capilarizar mais corpos disponíveis ao
exercício do poder.
Romper com essa matriz uniformizadora engendrada pela ética utili-
tária-funcional, eminentemente moderna, sistematizada pelo fascismo, é
também lutar por dignidade, democracia e acesso à justiça daqueles que
estão excluídos dos direitos.
A crítica realizada pelo oprimido, pelo seu lugar de fala, de vivência, de-
termina o horizonte histórico de sentido do enunciado, possui força perfor-
mática diferente no discurso. A fala, o discurso, a característica do enunciado,
devem ser contextualizados por uma vida que sofre a violência de classe, de
gênero ou de raça. A diminuição desses processos de opressão pelas narrativas
coloniais é uma característica que passa pelo discurso da colonialidade. A co-
lonialidade se apresenta como sofisticados discursos que engendram uma en-
grenagem de poder para a subalternização, para além do processo do colonia-
lismo político administrativo.
A decolonialidade, além de denunciar o racismo, a discriminação de
gênero e classe, possibilita que processos autênticos culturais se manifestem
do seu lugar de fala e possam interagir culturalmente com seus saberes lo-
cais. Este é um movimento intercultural. O processo moderno inverte a
ordem, neutraliza o discurso, polariza o saber, limita uma outra cultura e de-
fine quem pode ter direito.
No pensamento decolonial o saber local é que possibilita o global, não
ao contrário, como tradicionalmente se faz no direito, que se parte de pre-
missas universais e, em um segundo momento, se pensa nas particularida-
des. Aqui, o local é determinante para o global, não ao contrário. Primeiro
se pensa as culturas e o respeito a cada uma delas, depois a possibilidade de,
em conjunto, interagirem e se respeitarem.
SUMÁRIO
A hERMENêUTICA DECOLONIAL COMO
CONSEqUêNCIA DO ESTADO pLURINACIONAL
A decolonialidade é uma correte recente no mundo contemporâneo, apesar
do longo caminho das construções históricas de resistência ao colonialismo
e à colonialidade do poder. O principal fundamento do colonialismo é a es-
trutura político-adminsitrativa da relação política fática do sistema de go-
verno e Estado. Mas, apesar dessa estrutura político-administrativa do co-
lonialismo no Brasil ter findado em 1822, os processos da colonialidade
permanecem arraigados na cultura e nas instituições jurídicas, sobretudo. A
colonialidade é um conjunto de organização epistêmica que pensa e racio-
naliza o pensamento a partir de um lugar de dominação. Na colonialidade
há sofisticados dispositivos que engendram e movimentam a máquina de
velamento da realidade. A decolonialidade é a denúncia, a ruptura e reco-
nhecimento de que os saberes locais e toda a ecologia dos saberes, devem
ser elementos fundamentais para a construção epistêmicas plural. A partir
da tríade de classe, gênero e raça, a modernidade se expande e cria-se cate-
gorias de validade do conhecimento, são verdadeiras segregações daqueles
que são considerados indesejáveis (GROSFOGUEL, 2013).
A modernidade é caracterizada pelas mesmas políticas administrativas
do colonialismo. Por este motivo se considera que o sistema colonial, deri-
vado da idade moderna, deve ser combatido pela decolonialidade, não pelo
pós-modernismo (WALSH, 2009). Não se ultrapassou a era moderna, pelo
contrário, está-se vivendo seu apogeu em sofisticação. Portanto, primeiro
deve-se reconhecer que a colonialidade e seus dispositivos de controle estão
presentes, depois, cria-se rupturas e contra dispositivos decoloniais.
A colonização portuguesa mostrou, nas estruturas linguísticas, como
o patriarcado e a homogeneidade é concebida em contraposição ao outro.
As centenas de dialetos indígenas, somente na América, que foram extintos
sob o título de processo civilizatório, mostra muito do que a hermenêutica
pode contribuir para o processo decolonial. Para a modernidade/coloniali-
dade o sul não sabe filosofar, o sul é para ser estudado, o norte para ser pen-
sando. No Norte se tem razão, no Sul emoção. São formas dualistas de co-
nhecer o mundo, de se validar a filosofia e o conhecimento. Há, aqui, uma
hierarquização dos saberes. Esse é o fundamento, infantil, que legitima o
processo civilizatório europeu na África e na América.
Para Dussel, a lógica cartesiana está presente em todo o processo mo-
dernidade/colonialidade. A mesma lógica nazismo/fascismo é aplicada co-
tidianamente de maneira tão sofisticada que não gera o impacto da morte
em série, pois, os que são passíveis de serem assassinados são invisíveis ao
mundo. É um processo de banalização do mal. Veja bem os ameríndios, afri-
canos, mulheres, judeus e muçulmanos (GROSFOGUEL, 2013).
A ecologia dos saberes, em Boaventura, o conhecimento pluriversal,
SUMÁRIO
em Dussel (1993), ou a desobediência epistêmica em Mignolo (2010), são
conceitos fundamentais para a pluralidade responder de forma mais efetiva
às experiências epistemológicas do sul. São as outras experiências é que
podem influenciar no mundo jurídico, outras formas de pensar o coletivo, as
responsabilidades sociais e liberdades individuais. São outros modos de vida
que podem dar outros sentidos ao mundo, agindo, assim, de maneira diferente
ao que sempre foi proposto pelo pensamento moderno/colonial/racional.
Para o Brasil que é um país fortemente marcado pelo etnocídio e epis-
temicídio dos indígenas e negros, os dois conceitos que auxiliariam como
exemplos a serem adotados são o Ubuntu (RAMOSE, 2002) e o Buen Vivir
(SCHAVELZON, 2015). Quando se trata de culturas outras, trata-se de
novas formas de pensar o mundo, de troca, de câmbio, catira. A intercultu-
ralidade permite esse intercâmbio de tal forma que nãos e retira um modelo
filosófico de um local e se aplica em outro, mas se permite analisar cenários
e trocar exemplos exitosos (WALSH, 2009).
A ideia da hermenêutica decolonial é transpor os limites das teorias tra-
dicionais e desobedecer aos critérios racionais da modernidade. A crítica se
sustenta porque somente pode haver democracia a partir de uma justiça so-
cial que seja coerente com o devido respeito ao meio ambiente e a desigual-
dade social. A redistribuição de renda e a igualdade de oportunidades devem
ser elementos fundamentais para a prática de compreensão, interpretação e
aplicação do direito. A interculturalidade é mais que um mero reconheci-
mento da diferença cultural, como o multiculturalismo o faz (SPIVAK,
2010; BHABHA, 2013). A interculturalidade exige um igual respeito e con-
sideração aos valores e organizações sociais das mais diversas vertentes cul-
turais, mas ainda, que sejam interacionais, não isolados e reconhecidos por
um sistema jurídico estatal, tão somente. A interculturalidade é uma ação,
um pensamento que se coloca em prática na constituição de um sistema de
justiça que se exige respeito às múltiplas diversidades culturais. A intercul-
turalidade, o novo constitucionalismo latino americano e o Estado Plurina-
cional são ideias complementares.
O fenômeno do Estado Plurinacional aparece na Constituição da Colôm-
bia em 1991, Argentina em 1994, Venezuela em 1999, mas este projeto foi es-
pecialmente renovado pelas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia
(2009). O Estado plurinacional rompe com a uniformização do Estado Nacio-
nal. As revoluções da Bolívia e do Equador com seus poderes constituintes
democráticos, fundaram um novo Estado capaz de superar a brutalidade dos
estados nacionais nas Américas e romperem com as bases uniformizadoras
do direito de propriedade e de família que sustentam a modernidade.
O Estado plurinacional, portanto, vai muito além do regionalismo pre-
sente no constitucionalismo italiano de 1947 ou do espanhol, de 1978, uma
vez que nestes países, embora a constituição tenha admitido a autonomia
SUMÁRIO
administrativa e legislativa das comunidades autônomas ou regiões, reco-
nhecendo a diversidade cultural e linguística, manteve-se a base uniformi-
zadora da economia, do direito de propriedade e do direito de família (MA-
GALHÃES, 2008).
O Estado plurinacional da Bolívia e Equador se inicia com revoluções
dos povos indígenas que, gradualmente, conquistam sua liberdade e digni-
dade. Este estado reconhece e defende que a democracia participativa seja
um elemento fundamental para a legitimidade do Estado. A Constituição da
Bolívia, por exemplo, determinou cota para parlamentares oriundos dos
povos indígenas, o que se for pensado no Brasil, poderia aproximar muito
mais as minorias de seus representantes. No Estado plurinacional há a des-
centralização das normas, portanto, um reconhecimento do pluralismo ju-
rídico. Acaba-se com a vinculação do estado com a religião, o Estado passa
a ser laico e reconhece-se, por exemplo, várias formas de constituição de
família. Reconhece-se a natureza como sujeito de direito.
A Crítica se expressa e se sustenta no discurso acerca de uma prática
jurídica alternativa e insurgente na perspectiva dos movimentos populares
continentais que se apoiam em diálogo e abertura para participação popular.
A crítica ao pensamento moderno não implica a total negação ou a ruptura
das outras formas racionais de conhecimento, herdadas do pensamento car-
tesiano, por exemplo, mas a necessidade de um processo de transposição da
modernidade e de troca de exemplos bem-sucedidos.
Uma hermenêutica jurídica decolonial é útil dentro do universo coloni-
zado. A proposta é ir além do trabalho de Gadamer, que é o maior hermeneuta
do século XX. Mas para atender às contingências jurídicas da diversidade dos
países colonizados, a hermenêutica jurídica tradicional se torna insuficiente.
A hermenêutica decolonial é, portanto, uma ação, um comportamento
compreensivo, interpretativo e aplicativo dos direitos no âmbito do Estado
Plurinacional. Esta tese encontra amparo no Novo Constitucionalismo lati-
no-americano e se fundamenta nos conceitos de Interculturalidade e Deco-
lonialidade do poder. A Hermenêutica decolonial pode ser tida como uma
disciplina que fornece, no âmbito jurídico, crítico e interpretativo, subsídios
para o processo de libertação de um povo colonizado, por meio de uma au-
todeterminação interpretativa do direito e da realidade local.
A própria Constituição, pela colonialidade, é a manifestação do con-
servadorismo. Ela enquanto documento político-jurídico impede o acesso
à justiça e a igualdade de oportunidade. Não há Estado de Exceção (AGAM-
BEN, 2004) sem um Poder Judiciário que seja oligárquico e autoritário ao
interpretar a Constituição instrumentalmente.
Em toda a tradição latino americana o constitucionalismo esteve de cos-
tas para as demandas indígenas, dos negros e das mulheres. A Constituição,
como um documento técnico político-jurídico, deve, agora, ser interpretada
SUMÁRIO
como documento de luta e distribuição do poder pela população. Enquanto
a hermenêutica jurídica moderna se preocupa com a aplicação do direito so-
mente pela figura do Juiz ou do Tribunal nos Hard Cases, a Hermenêutica
Jurídica Decolonial tem por orientação a formação da norma jurídica a partir
dos fenômenos sociais, das ruas, dos guetos, vielas, dos campos, das outras
hermenêuticas jurídicas. O jurídico está em todo lugar, ele é abrangente, é
constituído no social e pelo social, não pelos tribunais, pelos caminhos ins-
titucionais. É um movimento eminentemente de baixo para cima, de fora
para dentro, uma trajetória permanente de renovações cíclicas.
A construção da normatividade somente tem sentido se o destinatário
da norma também for seu criador. As normas não se exaurem no judiciário.
A reviravolta no entendimento das ciências jurídicas depende da leitura e
intepretação decolonial como um dos suportes teóricos e críticos.
O direito precisa alcançar seu destinatário (o fato social) para não ser
mais um artifício inquisidor na atuação do Poder Judiciário. Quando o sis-
tema político não puder intervir na produção normativa está-se diante de um
momento antirrepublicano e antidemocrático. A entrega do poder político
aos juízes é parte do processo oligárquico da história brasileira. O Judiciário
não pode ser responsável por guardar ou dizer a Constituição isoladamente.
Ele faz parte da história de exclusão racista, de gênero e de classe.
Apesar dos Tribunais, pelo mundo a fora, apresentarem algumas dife-
renças, no fundo, são todos muito iguais. Constitucionalismo democrático
não é uma atividade exclusiva dos Tribunais. Não é uma reserva de função do
judiciário, da jurisdição estatal. Não é somente o juiz que administra a justiça.
Muito pelo contrário, a população – cidadão, está em um nível de igualdade
de qualquer ministro ou tribunal no ato interpretativo do direito.
Direito é pratica social que envolve participação dos praticantes dessa
prática. Explicar a prática social é também uma investigação jurídica, pois
saber onde o fenômeno jurídico se exaure é fundamento primeiro do acesso
à justiça. O direito, portanto, deve ser dinâmico, aberto, receptivo na cons-
trução de sentidos. O fenômeno social precisa ser apropriado pelas pessoas
que são destinatárias do direito, isso muda toda a compreensão do que seja
uma sociedade aberta a uma comunidade de intérpretes e do seja, sobretu-
do, democracia.
CONCLUSÃO
A hermenêutica moderna, fundamentada nos pensadores europeus e norte-
americanos, possui uma racionalidade apriorística e pretensiosamente uni-
versalizante, engajada na superação da dissidência e anomia da sociedade
que é radicalmente diversificada. A tentativa de compartilhar um amplo con-
senso a partir de instituições do Estado de Direito, fundado em princípios
SUMÁRIO
constitucionais determinados pelos tribunais constitucionais, acaba por padro-
nizar uma análise técnico-metodológica como atividade possível de uma única
resposta correta, estabelecendo, assim, uma comunidade de princípios que se
constitui de cima para baixo, autoritariamente. Assim, a atividade da jurisdição
do Estado encontra amparo no modelo de razão moderna que consolida a he-
gemonia interpretativa autocrática, oligárquica e conservadora, o que, de fato,
causa obstáculo – abismo - ao acesso à justiça de parcela considerável da so-
ciedade. A supressão de um projeto plural e democrático encontra auxílio em
toda a instrumentalização burocrática do poder judiciário que, numa posição
privilegiada, de autoridade, universaliza o direito a partir de uma biopolítica
de higienização racista, de branquitude e heteronormatividade.
A hermenêutica nesse processo de objetivação e técnica utilitária passa
a ser a mais excelente retórica argumentativa encontrada na modernidade
que encontra no sujeito de direito a figura do poder de consumo. Quando
apropriada pela razão moderna, do Estado moderno, do homem moderno,
essa hermenêutica perpetua relações de sujeição e subalternização sob o dis-
curso dos direitos humanos e fundamentais. A jurisdição constitucional no
Brasil tem efetivado direitos fundamentais segundo a conveniência do pró-
prio Estado/tribunal. Criou-se um cenário de vulnerabilidade social e indi-
vidual a partir do afastamento da lei de seu contexto histórico-cultural, sem,
contudo, considerar as diferentes identidades que configuram numa socie-
dade complexa, fundamentalmente marcada pela dominação cultural, mas-
culina e do capital.
A figura do magistrado como protagonista de uma relação hierarqui-
zada, acaba por reduzir toda a diversidade cultural e social no monopólio
interpretativo da jurisdição, um papel salvacionista de correção normativa
do direito. O poder monopolizador da interpretação e aplicação dos direitos
fundamentais se mostra cada vez mais presente na atividade jurisdicional
do Estado, e, a hermenêutica constitucional passou a ser o principal elemen-
to da retórica discursiva do sistema jurídico-judiciário pátrio. Mas, as nor-
mas não se exaurem na decisão do judiciário. A reviravolta no entendimento
das ciências jurídicas depende da leitura crítica da decolonialidade que se
faz no âmbito da compreensão, intepretação e aplicação do direito.
SUMÁRIO
NOTAS
em uma condição humana, pode ser diminuído, relevado, conservado em uma po-
sição pacífica, passional, o que se assemelha muito à desvalorização dessa con-
dição na atualidade.
tativo da Igreja por cerca de mil anos. O dualismo aqui apontado, luz – conheci-
mento, sombra, ignorância, nada mais é que categorias dualistas do pensamento
metafísico platônico.
A estrutura da Igreja católica é tão forte e poderosa que ela dissemina seu
poder no interior de outros Estados-nação sem, ao menos, precisar de permissão
4
tivo dos textos bíblicos pela igreja católica, o que foi denominado de Reforma.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
São Paulo: Boitempo, 2004.
SUMÁRIO
WALSH. Catherine. Pedagogías decoloniales caminhando y preguntando.
Notas a Paulo Freire desde Abya Yala. Revista Entramados – Educación y
Sociedad. P. 17-31. 2014.
SUMÁRIO
GP 22 – DEMOCRACIA,
CIDADANIA E ESTADO DE
DIREITO
Coordenação: Gilvan Luiz Hansen, Márcio
Renan Hamel e Sérgio Gustavo de Mattos
Pauseiro
SUMÁRIO
O ESTADO NAÇÃO NA/DA GLOBALIZAÇÃO:
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CENÁRIOS DE
(IN)EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
GIRARDON DOS SANTOS, Denise Tatiane1
FLORES, Karine da Rocha2
1 CONSIDERAÇõES INICIAIS
A globalização apresenta-se em vários vieses, destacando-se as formas (1)
econômica, com a diminuição dos limites fronteiriços, da mundialização do
SUMÁRIO
trabalho e da questão social; (2) a política, a partir da formação de um sistema
econômico internacional, iniciado com a Liga das Nações e aprofundado/con-
cretizado com a criação da Organização das Nações Unidas, além da afirma-
ção dos direitos humanos e da ampliação dos regimes democráticos e, por fim,
(3) a cultural, que implica, principalmente, pela facilidade de acesso às outras
culturas e a necessidade de afirmação das peculiaridades da cultura local.
A globalização, já apresenta consequências, destacando-se, neste tra-
balho, aquelas que são contraproducentes, pois se dão nos espaços nacio-
nais, destacando-se os impactos nas áreas (1) econômicas e espaciais, mor-
mente, pela mobilidade do capital, pelas desigualdades sociais e a
diferenciação entre ricos e pobres, da acentuação da marginalização de clas-
ses e pelos problemas ambientais, advindos, em parte, do hiperconsumismo.
Ademais, os reflexos são verificados no (2) campo cultural, eis que a cultu-
ralidade é atingida pelo acirramento do debate entre igualdade e diferença,
multiculturalismo e afirmações identitárias.
Além disso, as implicações no (3) campo político são latentes, pois
abarcam todos os outros pontos discutidos, e, ainda, porque é, intimamente,
contatado pela questão econômica, visto que as decisões políticas depen-
dem, em muito, da disponibilidade de recursos dos Estados. Quanto aos pon-
tos que serão ponderados, destacar-se-ão as questões sobre o esvaziamento
do Estado pela perda da soberania, pelo deslocamento do poder de mando,
que está, de forma considerável, detida na esfera privada, detentora dos re-
cursos financeiros, o que implica, diretamente, no exercício da democracia
e na efetividade dos direitos humanos.
SUMÁRIO
não encontra barreiras materiais, e as realidades locais afetadas pelas ten-
sões sociais, as exclusões e outras fontes de interrogações identitárias.
SUMÁRIO
do consumo está entrelaçada às dinâmicas culturais, que levam a diferen-
ciação do consumidor a partir da sua capacidade de consumir determinados
produtos. A afirmação da identidade do consumidor é resultado da aquisição
de produtos específicos. Na perspectiva social, o indivíduo não se caracte-
riza como cidadão, já que não acessa os direitos, pela sua reduzida capaci-
dade de compra. A conquista e a consolidação de direitos da sociedade civil
esbarram nos interesses privados das grandes empresas.
A globalização não pode ser entendida, apenas, com o cunho econômi-
co, mas deve estar atrelada às transformações do mundo, sejam elas políti-
cas, sociais, culturais, jurídicas e filosóficas, para que se evite que, nova-
mente, a mão negra do mercado, a lei natural da economia, volte a viger a
totalidade das relações humanas, o que poderia culminar em um colapso.
Com a densidade demográfica acentuada, é necessário um equilíbrio para
que os Estados, ainda que globalizados, atendam suas necessidades internas,
possam figurar no plano internacional e se afirmarem como nações, aten-
dendo às peculiaridades de seus povos e culturas.
SUMÁRIO
se nacionaliza o social. Ou seja, a exemplo, tem-se o crescente controle das mi-
grações, um dos maiores atestados dos estreitos limites da globalização, de-
monstrando que se derrubam as barreiras para a circulação de mercadorias,
mas impedem que seus produtores, circulem, livremente. Verifica-se um anta-
gonismo frente à negação dos direitos básicos de cidadania dos trabalhadores
estrangeiros, que acabam excluídos, por visões e vontades do mercado.28 Essa
liberdade é comentada por Arendt29, quando se refere ao convívio humano:
SUMÁRIO
são empregadas para velar intenções mas para revelar realidades, e os atos não
são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.
Sem a ação para pôr em movimento no mundo o novo começo de que cada
homem é capaz por haver nascido, «não há nada que seja novo debaixo do
sol»; sem o discurso para materializar e celebrar, ainda que provisoriamente,
as coisas novas que surgem e resplandecem, «não há memória»; sem a per-
manência duradoura do artifício humano, «não haverá recordação das coisas
que tem de suceder depois de nós». E sem o poder, o espaço da aparência
produzido pela ação e pelo discurso em público desaparecerá tão rapida-
mente como o ato ou a palavra viva”.
SUMÁRIO
Para o autor, entre as muitas tarefas para um maior controle do governo
e suas políticas públicas há uma, particularmente, grande, mas atualíssima:
a reinvenção democrática do Estado. No caso do Brasil, a institucionalidade
democrática conquistada, recentemente, não acabou com o autoritarismo
implantado no Estado. Ele sobrevive como cultura política e nas muitas leis
e instituições criadas pela ditadura, ainda não mudadas substancialmente.
Por isso, o Estado que aí está não corresponde às necessidades da democra-
cia, e, igualmente, não corresponde à realidade do mundo.
O correto funcionamento de um regime democrático apenas é possível
no âmbito daquele modo de governar que, segundo uma tradição dos Anti-
gos, costuma ser chamada de governo das leis: só o poder pode criar o Di-
reito e só o Direito pode limitar o poder. Relembra Bobbio38, a conceituação
do modelo de democracia moderna e a sua íntima influência Grega:
Quanto mais diferentes são os que convivem num espaço limitado, mais
idéias do mundo aí estarão para ser levantadas, cotejadas e, desse modo,
SUMÁRIO
tanto mais rico será o debate silencioso ou ruidoso que entre as pessoas se
estabelece. Nesse sentido, pode-se dizer que a cidade é um cugar privile-
giado para essa revelação e que, nessa fase da globalização, a aceleração
contemporânea é também aceleração na produção da escassez e na desco-
berta da sua realidade, já que, multiplicando e apressando os contatos, exibe
a multiplicidade de formas de escassez contemporânea, as quais vão mu-
dando mais rapidamente para se tornarem mais numerosas e mais diversas.
SUMÁRIO
como cadáver desde o seu nascimento. É essa a simbologia da cultura de
massas. Entre esses fatores de constantes mudanças, na aposta do novo, San-
tos relata a realidade que uma significativa parcela da humanidade, que, por
desinteresse ou incapacidade, não é capaz de obedecer a leis, normas regras
e mandamentos, costumes derivados dessa racionalidade hegemônica.44
Nessa complexidade na qual a globalização apresenta-se, Santos45 afir-
ma que, aos pobres, escapa o entendimento sobre do sistema do mundo, o
que gera uma confusão entre discursos e propagandas:
A política dos pobres é baseada no cotidiano vivido por todos, pobres e não
pobres e é alimentada pela simples necessidade de continuar existindo. Nos
lugares, uma e outra se encontram e se confundem, daí a presença simultâ-
nea de comportamentos contraditórios, alimentados pela ideologia do con-
sumo. Este serviço das forças socioeconômicas hegemônicas, também se es-
tranha na vida dos pobres, suscitando neles expectativas e desejos que não
podem contentar.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Quanto às implicações da globalização, apontam-se as econômicas, as es-
paciais, as culturais e as políticas, demonstrando o fato de que os espaços
nacionais acabam arcando com as consequências negativas da globaliza-
ção, como, por exemplo, nas questões econômicas e espaciais, de resolverem
SUMÁRIO
as problemáticas da pobreza e da marginalização, geradas pela desigual-
dade social e a falta de acesso aos recursos tecnológicos, de modo que, para
tanto, necessitam de recursos econômicos, colocando-se, assim, em um
verdadeiro impasse.
Por fim, o campo político, igualmente, se destaca como sendo uma
seara de ampla implicação da globalização, eis que a política abarca a ques-
tão do Estado, de gerência e de resolução das questões sociais. Entretanto,
pelo esvaziamento do Estado, pela incapacidade de resolver os problemas
sociais, tanto pela ausência de poder de mando e econômico, tanto pela ne-
cessidade de assegurar, até mesmo, a credibilidade, para poder se autogerir,
o exercício da democracia e a efetividade dos direitos humanos podem não
ser, futuramente, assegurados, pois a representação e a soberania popular
esbarram na questão da fraqueza econômica.
Portanto, o presente trabalho buscou demonstrar a trajetória histórica
da globalização, suas formas de se apresentar e as implicações decorrentes
dela, envolvendo as relações do capital, do mercado, das classes sociais, da
soberania – estatal e popular – dos princípios democráticos e da garantia dos
direitos humanos em época de globalização e mundialização.
Diante da era informacional, da densidade demográfica, é difícil se
apontar qual é a vontade da maioria, quais os passos a serem traçados pela
democracia e qual é a democracia que se apresenta atualmente, ante a tantas
alterações nas bases estruturais do Estado. Diante dessas mudanças, inde-
pendentemente, dos rumos que os Estados e as relações internacionais se
desenvolvam, a teoria e a essência democráticas devem viger, sendo que
seus valores e instituições devem estar presentes na esfera pública para se
assegurar que a justiça social e os direitos humanos sejam observados e ga-
rantidos, em homenagem à prevalência da soberania popular.
SUMÁRIO
NOTAS
BULL, Hedley. The anarchical society. In: HELD, David (Org.). Political
theory today. Stanford: Stanford University, 1991.
5
SUMÁRIO
BULL, Hedley. The anarchical society. In: HELD, David (Org.). Political
theory today. Stanford: Stanford University, 1991.
9
Heidelberg, 1996.
11
WATERS, Malcom. Globalização, Oeiras: Celta, 1999.
21
MELO, Alexandre. Globalização Cultural. Lisboa: Quimera, 2002.
SUMÁRIO
GRZYBOWSKI, Cândido. Respostas da Sociedade Civil à Globaliza-
ção. Revista Contexto e Educação.n.41. Editora Unijuí: 1996.
23
SUMÁRIO
ARENDT, Hannah. A condição humana, Tradução Roberto Raposo, Rio
de Janeiro: Forense-universitária, 2004a, p. 216.
36
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
ARENDT, Hannah. A condição humana, Tradução Roberto Raposo, Rio
de Janeiro: Forense-universitária, 2004a.
BULL, Hedley. The anarchical society. In: HELD, David (Org.). Political
theory today. Stanford: Stanford University, 1991.
SUMÁRIO
texto e Educação. n.11. Editora Unijuí: 1988.
SUMÁRIO
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 38 Ed.
São Paulo: Malheiros, 2016.
SUMÁRIO
PERCEPÇÕES, DISCURSOS E PRÁTICAS SOBRE A
GESTÃO INSTITUCIONAL DE CONFLITOS NA POLÍCIA
FEDERAL BRASILEIRA.
Coautor: Gilvan Luiz Hansen1
Coautor: José Ricardo Ventura Corrêa2
SUMÁRIO
passou a ser também responsabilidade de todos, o que significava, formal-
mente, o reconhecimento de um Estado democrático, no qual a concepção
de ordem está diretamente relacionada às atitudes e valores do cidadão, quer
isoladamente, quer em coletividade.
SUMÁRIO
A polícia no contexto democrático surge como instrumento de aperfei-
çoamento da própria democracia. Porém, o modelo de democracia brasileiro
caminha lentamente no sentido de reformar seus procedimentos. O trata-
mento desigual perante a lei, bem como uma predileção associativa refor-
çada pela mídia que corrobora para uma visão “normalizada” do tratamento
penal da pobreza faz surgir uma forte resistência e significativo distancia-
mento da sociedade civil em relação as instituições policiais. Contudo, a
Polícia Federal foi capaz de reagir a estas questões e a partir de um processo
de realinhamento e redirecionamento de seu aparato repressor alcançou uma
elevada aceitação social e, atualmente, é consdierada uma das poucas insti-
tuições públicas que detem um elevado grau de confiança da sociedade.
Neste sentido, uma estratégia que foi e continua sendo muito utilizada
pela Polícia Federal é a seleção de investigações de maior vulto que vincu-
lem pessoas de renome público e dar a estas “operações” publicidade através
das mídias. Assim, a imprensa culmina por reforçar o “sucesso” das inves-
tigações retroalimentando o clamor público por uma polícia que “também
bata à porta dos ricos”.
A Polícia Federal tem buscado pautar seu policiamento na integração
de planejamento operacional e inteligência policial, vislumbrando que suas
ações devem estar alinhadas aos anseios da sociedade brasileira, os quais se
traduzem direta e indiretamente pelas predileções e mecanismos de crimina-
ção e incriminação mobilizados pelo Ministério Público Federal. Esta relação
com o Ministério Público Federal nem sempre é plenamente harmoniosa,
contudo os resultados colhidos vêm fomentando uma constante busca pela
construção de paradigmas, metodologias, e por que não dizer de uma “cul-
tura” de polícia que reflita, na medida do possível, um padrão legítimo e legal
de uso da força coercitiva. Neste sentido, cumpre informar que realizamos
entrevistas distribuídas de forma equânime entre os 5 (cinco) cargos policiais
existentes atualmente na Polícia Federal, ou seja, entrevistamos Delegados
de Polícia Federal, Peritos Criminais Federais, Escrivães de Polícia Federal,
Agentes de Polícia Federal e Papiloscopistas Policiais Federais.
Com base nestas entrevistas, podemos dizer que a questão que marca
os conflitos entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, em regra,
dizem respeito ao poder de investigação do Ministério Público. Atualmente,
na Polícia Federal, os delegados tendem a ser contra o poder investigativo
do Ministério Público, enquanto que os demais policiais (peritos, escrivães,
agentes e papiloscopistas) têm claro posicionamento favorável ao poder de
investigação do MPF. Esta problemática está intimamente ligada a delimi-
tação e a disputas de poder dentro do campo do direito. Quando nos referi-
mos ao “campo do direito” estamos utilizando a categoria desenvolvida por
Bourdieu (2002, p. 211-212):
SUMÁRIO
As práticas e os discursos jurídicos são, com efeito, produto do funciona-
mento de um campo cuja lógica específica está duplamente determinada:
por um lado, pelas relações de força específicas que lhe conferem a sua es-
trutura e que as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de
competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das
obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço do possíveis e,
deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas. O campo jurí-
dico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito,
quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem, na qual se defrontam
agentes investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica que
consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de ma-
neira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consa-
gram a visão legítima, justa, do mundo social.
Vamos lá, eu sou favorável que haja a reestruturação da carreira em dois car-
gos, porque seria uma coisa boa. No meu ponto de vista isso poderia aconte-
cer sem esse problema todo. Era só fazer o seguinte: colocava os delegados,
agentes e escrivães de um lado e do outro lado os papiloscopitas e peritos.
SUMÁRIO
Na hora do concurso, o candidato escolhe se quer parte “operacional” ou
parte “técnica” e faz a prova de nível superior. Na parte operacional tem que
ser curso de Direito e na parte técnica o curso superior de acordo com a área
de concentração, mais ou menos como é hoje a prova de perito. O policial
começaria a carreira e dentro de 18 (dezoito) anos ia se qualificando e capa-
citando dentro da polícia e chegaria depois disso, por mérito e tempo de ser-
viço ao cargo de delegado na parte operacional e de perito na parte técnica.
Deste jeito daria para atender e acabava com essa “guerra” dentro da polícia.
Noutro dia fui conversar com um colega agente e o cara parecia um louco.
Totalmente descontrolado. Achando que estão vigiando ele e que os delega-
dos estão armando um complô para prender ele. Não falava coisa com coisa.
Fiquei com pena dele.
SUMÁRIO
institucionalizar fóruns próprios para discutir, propor soluções e mediar seus
conflitos e isto tem gerado cada vez mais resultados negativos.
Todos estes conflitos se somam a uma série de fatores profissionais e
de pressões advindas do cotidiano estressante do serviço policial e o ser hu-
mano “por trás da máscara” culmina em ter sua saúde afetada. Neste senti-
do, são as observações de Pires e Eilbaum (2009, p. 525):
GRáFICO 1
8
Número de suicídios por ano: 1999 a 2015
7
0
2003
2006
2013
1999
2000
2001
2002
2004
2005
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2014
2015
Os desafios cotidianos que ocorrem na vida pessoal de cada um ganha uma di-
mensão maior para um policial na sua rotina de trabalho. As pessoas não soli-
citam ajuda policial quando a sua vida está perfeitamente em ordem. O poli-
cial só é envolvido quando há considerável desordem, e mesmo risco de vida.
A polícia, em tais situações, acaba enredada em numa teia de dramas pessoais
e de incessantes catástrofes profissionais. A perplexidade diante disto sufoca o
policial e tinge o seu mundo de um cinza assustador. Ver crianças morrerem e
pessoas se digladiarem até a morte são situações difíceis de se encarar, mais
ainda de se compreender. O divórcio, o alcoolismo, o uso de drogas, proble-
mas disciplinares, doenças físicas e até o suicídio são algumas das reações
adotas por pessoas do sistema policial. Todo o processo molda e manipula um
policial na direção da apatia e da desmotivação. O estresse ocupacional é
constante, e, se for deixado sem controle pode rasgar o tecido policial.
Com o passar dos anos a tensão diária a qual o policial federal encon-
tra-se submetido, culmina por provocar uma série de sofrimentos e angustias
que, se não forem tratados, podem afetar sobremaneira toda a saúde da ins-
tituição. Acreditamos que a Polícia Federal precisa buscar institucionalizar
mecanismos que viabilizem a superação destes conflitos, pois além do au-
mento de suicídios e de licenças médicas por problemas psiquiátricos, temos
também a baixa efetividade no desempenho institucional quando compara-
mos os dados estatísticos de indiciamento15 dos anos anteriores a conflagra-
ção dos conflitos, com os dados referentes aos anos posteriores a tal evento.
SUMÁRIO
Neste sentido, trazemos a título meramente ilustrativo os dados sobre
os indiciamentos realizados pela Delegacia de Polícia Federal em Niterói,
entre os anos de 2006 a 2015, contudo ressaltamos que a queda no número
de indiciamentos pode ser observada em diversas unidades policiais disper-
sas por todo o Brasil.
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
SUMÁRIO
(3.2)
a. É lícito a qualquer um problematizar qualquer asserção.
b. É lícito a qualquer um introduzir qualquer asserção no Discurso.
c. É lícito a qualquer um manifestar suas atitudes, desejos e necessidades.
(3.3) Não é lícito impedir falante algum, por uma coerção exercida dentro ou
fora do Discurso, de valer-se de seus direitos estabelecidos em (3.1) e (3.2).
SUMÁRIO
visto que os temas e as contribuições têm que ser ordenados, as relevâncias
asseguradas, as competências avaliadas; é preciso dispositivos institucionais
afim de neutralizar as limitações empíricas inevitáveis e as influências ex-
ternas e internas evitáveis de tal sorte que as condições idealizadas, já sem-
pre pressupostas pelos participantes da argumentação possam ser preenchi-
das pelo menos numa aproximação suficiente. Essas necessidades triviais da
institucionalização dos Discursos não contradizem de modo algum o con-
teúdo parcialmente contra factual das pressuposições do Discurso. As tenta-
tivas de institucionalização obedecem antes, por sua parte, a representações
normativas do objetivo visado que tiramos involuntariamente da pré-com-
preensão intuitiva da argumentação em geral. Essa asserção pode ser verifi-
cada empiricamente com vase naquelas habilitações, imunizações, regulamen-
tos etc. por meio dos quais os Discursos teóricos foram institucionalizados na
atividade científica e os Discursos práticos, por exemplo, na atividade parla-
mentar. Se se quiser evitar uma “falácia da concretude fora de lugar” será pre-
ciso distinguir cuidadosamente as regras do Discurso das convenções servindo
para a institucionalização de Discursos, logo para fazer valer o conteúdo ideal
das pressuposições argumentativas sob condições empíricas.
SUMÁRIO
NOTAS
1
Doutor em Filosofia – UFRJ/RJ
2
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais – UFF/RJ
4
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm
5
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
6
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm
SUMÁRIO
Lei nº 9.688, de 6 de julho de 1998. Dispõe sobre a extinção dos cargos de
Censor Federal e sobre o enquadramento de seus atuais ocupantes e dá outras pro-
11
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
HANSEN, Gilvan Luiz. Gestão Universitária: Gestão de Conflitos. Uni-
versidade Federal Fluminense, 2013.
SUMÁRIO
GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA E EDUCAÇÃO EM
DIREITOS HUMANOS: AS DIRETRIZES NACIONAIS E
SUAS PROXIMIDADES COM AS PROPOSTAS
ENCAMPADAS PELO PNUD1 E PELA UNESCO2
Maria José de Rezende
Doutora em Sociologia pela USP
Professora de Sociologia na UEL (Pr)
INTRODUÇÃO
As Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos (DNEDHs),
divulgadas em 2013, pelo governo brasileiro, através da Secretaria Nacional
de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (BRASIL/CEDH, 2013), sis-
tematizam um conjunto de prescrições para a área educacional. Como o pró-
prio nome já diz, são diretrizes enxutas que devem orientar as práticas e os
conteúdos escolares. Ressalte-se que tais diretrizes devem ser vistas como
resultado de um longo processo de debates, propostas e discussões sobre a
educação no Brasil. Tomando a Carta Constitucional de 1988 como ponto
nodal de uma tentativa de garantir que o país aja no campo dos direitos hu-
manos, em consonância com o que vem sendo acordado nos muitos Atos In-
ternacionais, vê-se que, desde então, há uma legislação interna e uma legis-
lação infraconstitucional3 que passam a ordenar inúmeras ações no campo
da efetivação dos direitos.
Por essa razão, nas décadas de 1990 e 2000 há alguns marcos funda-
mentais para que se fixem, em 2012, as Diretrizes Nacionais da Educação
em Direitos Humanos (DNEDHs). Entre eles, podem ser mencionados os
seguintes: “a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), o
Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH), o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), Programa Nacio-
nal de Direitos Humanos – 3 (PNDH-3)” (CEDH, 2013, p.12), as Diretrizes
Gerais para a Educação Básica, as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil e as Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental
de nove anos e para o Ensino Médio.
SUMÁRIO
O Caderno Educação em Direitos Humanos (CEDH) informa que as
diretrizes derivam de vários outros procedimentos que estiveram em curso
desde o início da década de 2000, tais como a formação do Comitê Nacional
de Educação em Direitos Humanos e sua formulação, “em 2003, em resposta
a uma exigência da ONU referente à Década das Nações Unidas para a Edu-
cação em Direitos Humanos (1995-2004)” (BRASIL/CEDH, 2013, p.11) e
do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. As diretrizes são,
assim, fruto de um conjunto de ações e ocorrências no plano interno e no
externo ao país.
As DNEDHs poderiam ser estudadas sobre vários aspectos, dentre os
quais, é possível investigar a concepção de direitos humanos presente nas
guias de ações contidas nos Caderno de Educação em Direitos Humanos
(CEDH), as orientações concernentes à proposta metodológica para traba-
lhar a Educação em Direitos Humanos (EDH), as instruções para a aplicação
dos conteúdos das EDHs nas atividades escolares, os “discursos sobre os
princípios norteadores da EDH” (BRASIL/CEDH, 2013, p.45), as narrativas
contidas nas diretrizes sobre “a educação para a mudança e a transformação
social” (BRASIL/CEDH, 2013, p.42) e “o método de aplicação das ações
para a educação para os direitos humanos” (BRASIL/CEDH, 2013, p.43),
entre muitas outras questões.
Neste estudo, não será possível cobrir o amplo leque de questões passí-
veis de investigação, tais como as que foram anteriormente mencionadas. Será
feito um recorte bem específico com o objetivo de analisar um traço particular
das diretrizes, ou seja, o que esboça as linhas de ações para que a Educação
em Direitos Humanos seja viabilizada através do “envolvimento da comuni-
dade escolar, da rede de promoção e defesa dos direitos humanos, bem como
dos gestores educacionais e sociais” (BRASIL/CEDH, 2013 p.12).
Ainda que as DNEDHs não utilizem a palavra governança para desig-
nar este processo de envolvimento de uma multiplicidade de agentes na ge-
ração, desenvolvimento, gestão e efetivação de guias de ação, no campo da
EDH, ao ler-se o documento, são perceptíveis as muitas linhas de ações que
estão relacionadas a algumas noções de governança, veiculadas por orga-
nismos internacionais, como o PNUD, por meio dos RDHs (Relatórios do
Desenvolvimento Humano), e a UNESCO, por meio dos REPTs (Relatórios
de Monitoramento Global das Metas Educação para Todos), que têm tomado
corpo nas primeiras décadas do século XXI4.
O objeto desta pesquisa são as correlações, similaridades e correspon-
dências existentes entre as instruções e as orientações contidas nos RDHs e
nos REPTs e aquelas contidas nas DNEDHs, direcionadas à geração de “es-
paços para o desenvolvimento das ações educativas” (BRASIL/CEDH,
2013, p. 53) impulsionadoras de práticas de governança capazes de envolver
uma multiplicidade de agentes da comunidade escolar e fora dela. Agentes
SUMÁRIO
que estejam voltados para a construção e efetivação de procedimentos e de
práticas que possam fomentar, no universo escolar, “a formação de sujeitos”
(BRASIL/CEDH, p.13) que tenham não só ciência de seus direitos, mas
também capacidade de expandir, de modo contínuo, as suas ações e suas
motivações e disposições em direção a uma busca contínua da efetivação
dos direitos humanos para todos os segmentos sociais.
Os formuladores das DNEDHs denominam o processo de empodera-
mento (processo de investir a si próprio de poder, de autonomia, de liberdade
para agir e de habilidade e capacidade políticas) como um conjunto de fer-
ramentas que vão sendo construídas de modo a “emancipar os indivíduos
para que eles próprios tenham capacidade para defender os interesses da co-
letividade” a que pertencem (BRASIL, CEDH, 2013, p.13). Não há dúvida
de que as sugestões de governança se chocam com os extremados desequi-
líbrios de poder existentes no Brasil, os quais criam bloqueios quase que ir-
reversíveis obstando assim a um melhor equilíbrio de poder e à possibilidade
de articulação entre diversas forças sociais.
Parte-se do pressuposto de que em vista de outras análises já realizadas
sobre os REPTs e os RDHs, as noções de governança, que emolduram tanto
as DNEDHs quanto estes documentos internacionais, comungam de uma
mesma convicção: a de supor que a solução para os diversos problemas nas
áreas sociais, educacionais e políticos está na construção de interações entre
agentes e agendas diversas para ir, paulatinamente, abrindo espaços para que
os vários segmentos sociais possam tornar públicas as suas demandas e inte-
resses. Percebe-se que tanto os RDHs quanto os REPTs tentam situar seus
diagnósticos e prescrições no âmbito de uma abordagem de direitos humanos
e é por isso que se notam muitas similaridades entre eles e as DNEDHs.
Horacio Javier Etchichury (2015) faz uma reflexão elucidadora sobre
o que seria um processo de aproximação e /ou de distanciamento de uma
abordagem de direitos humanos. Segundo ele, o Relatório do Desenvolvi-
mento Mundial, de 2015, do Banco Mundial, seria exemplo de uma abor-
dagem da educação e da pobreza não assentada numa perspectiva de direitos
humanos. A educação é pensada como geradora de modelos mentais aptos
a reforçar uma cognição capaz de desenvolver a crença de que a pobreza é
resultado da incapacidade das pessoas tomarem decisões acertadas.
Operar com uma perspectiva de educação em e para os direitos huma-
nos seria exatamente o quê? Seria propiciar aos estudantes, através dos con-
teúdos escolares, o reconhecimento de seus direitos econômicos, sociais e
culturais (Etchichury, 2015): o direito de não viver em situação de pobreza
extrema, de não passar fome, de não ser sujeitado a trabalhos análogos aos
de escravo, de não ter os direitos trabalhistas vilipendiados, de não sofrer
violências e discriminações e de não viver em moradias sem saneamento e
água potável, entre outros.
SUMÁRIO
Por meio dos conteúdos escolares, os estudantes compreenderiam que
as pessoas que não têm acesso a tais condições garantidoras de direito estão
em tal situação não porque são inábeis para tomar as decisões adequadas,
conforme aparece no relatório do Banco Mundial (Etchichury (2015). Estão
nessa situação por um conjunto de condições sociais, econômicas, políticas
e culturais inveteradas cujo entendimento muitas vezes lhes escapa. Daí uma
educação que as ajude a ter consciência, conforme aponta Antônio Cândido,
da realidade em que vivem submersas. Isto seria entender que sua situação
é “fruto de uma organização social insatisfatória, que concentra renda numa
extremidade e priva a outra dos recursos mínimos” (Cândido, 1999, p.6).
SUMÁRIO
“Em seu sentido mais amplo, governança significa processos, políticas e ar-
ranjos institucionais que conectem os muitos atores da área educacional.
Define as responsabilidades de governos nacionais e subnacionais em áreas
como finanças, gestão e regulamentação. Regras de governança estipulam
quem decide o quê — desde o ministério da fazenda ou da educação até a
sala de aula e a comunidade. Práticas de boa governança podem colaborar
para o desenvolvimento de sistemas educacionais mais inclusivos e mais
responsivos, que atendam às necessidades reais das populações marginaliza-
das. Práticas de má governança causam o efeito oposto”11 (UNESCO/
REPTS, 2009, p.6).
SUMÁRIO
(BRASIL/CEDH, 2013, p.53) participativas envolverem, através de proces-
sos de governança, uma multiplicidade de agentes com capacidade decisória
tamanha que tornasse possível combater as desigualdades, a pobreza, a dis-
criminação e os preconceitos - estão também presentes nas DNEDHs. Na
verdade, os três documentos estão fazendo apostas muito altas acerca da
possibilidade de mobilizar diversos agentes em prol dos direitos dos mais
pobres. Tais apostas não podem ser vistas como inteiramente descabidas,
pois elas se inscrevem, conforme alerta Norbert Elias (1994), num amplo
processo de expansão de um sentimento que aponta a necessidade de ocu-
par-se dos mais desvalidos econômica e politicamente. “Há muitos sinais
da emergência de um novo sentimento global de responsabilidade pelo des-
tino dos indivíduos desvalidos, independentemente de seu Estado ou tribo
– em suma, de sua identidade grupal” (Elias, 1994, p.139).
Assim como os RDHs e os REPTs, as DNEDHs são um conjunto de
prescrições que, analisadas à luz da realidade social, econômica e política,
de um país como o Brasil, são irrealizáveis. São recomendações que pare-
cem estar, muitas vezes, entre o possível e o impossível, o exequível e o ine-
xequível. Segundo Agnes Lejbowicz (1999), esta tem sido a característica
de muitos documentos prescritivos que, na verdade, objetivam assinalar a
possibilidade de “formação de um objetivo intermediário, de um arranjo por
concessões mútuas. O sentido desses textos consiste em suscitar a conver-
gência” (Lejbowicz apud Velasco e Cruz, 2003, p.177).
Não há dúvida que as DNEDHs, ao aventar diversas prescrições e re-
comendações para trabalhar a educação em direitos humanos na educação
básica, estão buscando criar práticas e procedimentos convergentes em torno
destes objetivos. Transparece quão inexequíveis são, se tomados ao pé da
letra, muito dos objetivos dos elaboradores das diretrizes, os quais se em-
penham em construir uma narrativa inconteste sobre a necessidade de os di-
versos agentes, tanto os escolares quanto os que circundam a vida escolar,
irem desenvolvendo ações que gerem convergência de práticas em prol dos
direitos humanos traduzidos em uma vida cada vez menos privada de habi-
lidades e de capacidades profissionais e políticas e cada vez mais voltada
para o combate a preconceitos, discriminações e violências de diversas na-
turezas. A falta de nutrição, moradia, saneamento, escola, conteúdos esco-
lares adequados são formas de violência, assim como todas as privações e
impotências que acometem uma parte expressiva das pessoas mais pobres.
Consta no capítulo quatro do Caderno das Diretrizes o quão complexo
seria este processo que exige uma formação que transmutasse a sociedade
como um todo. A EDH estaria, ao mesmo tempo, sendo desafiada pelas con-
dições de privação e impotência já instauradas, mas se constituía também
num fator de desafio a tais condições. Entra aí a proposta de governança
como a única capaz de gerar resultados sustentáveis a curto, médio e longo
SUMÁRIO
prazo, já que uma multiplicidade de agentes teriam seus procedimentos con-
vergentes em torno dos propósitos da EDH, responsável esta, por sua vez,
por “estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade,
tornando-a mais humana, socialmente mais justa e, também, voltada para a
preservação da natureza. Como processo educativo, a EDH é um chama-
mento à responsabilidade” (BRASIL/CEDH, 2013, p.50).
A ideia de chamamento à responsabilidade está na base da ideia de go-
vernança empregada no documento, e tem, por certo, a necessidade de re-
futar uma noção de governança tecnocrática que nada tem a ver com gestão
democrática, participação ampliada e preocupação com justiça social. Toda
ideia de que a educação tem de “afirmar valores e estimular ações” (BRA-
SIL/CEDH, 2013, p.50) que melhorem a vida social em seu conjunto porque
procura desmontar, paulatinamente, todas as formas de violência, serve, no
caso das diretrizes, para tentar enlaçar uma multiplicidade de agentes num
processo de governança destinada a alimentar ações e procedimentos que
ensinassem aos estudantes que o “conhecimento sobre os direitos humanos
se arquiteta na medida em que os homens tomam consciência das diferentes
verdades sobre liberdade, justiça, igualdade, dignidade humana” (BRASIL,
CEDH, 2013, p.50).
Os formuladores das DNEDHs constroem uma narrativa que vai tra-
çando um caminho por onde seja possível visualizar no horizonte a possibi-
lidade de os indivíduos irem se investindo de poder, de autonomia e de li-
berdade para um agir político gerador de melhorias sociais para todos. E
eles fazem isto tendo como ponto de partida a defesa de uma educação que
expresse na prática o cumprimento dos direitos fundamentais que todos pos-
suem em relação ao acesso à educação. A condição cidadã como uma cons-
trução social é, realmente, algo viabilizada pelo processo educacional. De
certa forma, percebe-se nas DNEDHs aquilo que se encontra presente nas
discussões de Bauman (2001, p.41) sobre a passagem da autonomia de jure
para a autonomia de facto. Esta última seria alcançada, segundo as diretrizes,
através de uma formação escolar que contemplasse conteúdos, metodolo-
gias, práticas e procedimentos embasados numa perspectiva de direitos.
Ainda que a proposta de Bauman seja diferente em vários aspectos já
que ele não está pensando especificamente no papel da educação na cons-
trução desta passagem da condição de jure para a condição de facto, há algo
similar, ou seja, o longo processo de formação da condição cidadã que só é
desencadeada pela geração das condições para gerar habilidade e capacidade
políticas assentadas na “construção de uma responsabilidade coletiva”
(BRASIL/CEDH, 2013, p.38). Para as DNEDHs, a educação, a escola, o
cotidiano escolar e suas práticas teriam de auxiliar nisso sem sombras de
dúvidas. “A base para esse plano de ação fundamenta-se na perspectiva da
associação entre (...) governos, [e entre] governos (...) [e] organizações não
SUMÁRIO
governamentais e vários outros setores da sociedade civil, objetivando a for-
mação de cidadãos e cidadãs capazes de conhecer, defender e promover os
direitos humanos” (CEDH, p.30).
A ideia de governança democrática, presente nas diretrizes, como aque-
la derivada da associação entre vários agentes aventa também a possibili-
dade, já discutida no final do século XIX e início do século XX,12 de que se
gere, no país, uma educação republicana, fruto tanto de um modo de conce-
ber os conteúdos e metodologias (que abarcassem os direitos, a justiça e a
vida social como um todo) quanto de uma maneira de agir no seio do am-
biente escolar.
2- CONSIDERAÇõES FINAIS
Os formuladores das diretrizes deixam evidenciado que entendem haver pro-
blemas relacionados à pobreza, à miserabilidade, às desigualdades, à privação
que não têm como ser resolvidos a curto prazo. Desse modo, a solução passa a
ser o “envolvimento e compromisso das pessoas (...) [empenhadas] na luta pela
defesa e proteção dos direitos humanos, que tornarão possível a continuidade
das ações com novos atores e instituições” (BRASIL/CEDH, 2013, p.40). Seria
isto suficiente para gerar novos equilíbrios de poder numa sociedade extrema-
mente desigual como a brasileira? O documento não responde e não o faz pela
SUMÁRIO
sua própria natureza, uma vez que seu objetivo é instigar as diversas forças so-
ciais e instituições a criar condições para que se possa efetivar “a consolidação
da EDH como uma política pública” (BRASIL/CEDH, 2013, p.40).
Nos mesmos moldes dos RDHs e dos REPTs, as DNEDHs procuram
dar a seguinte indicação: embora não esteja no horizonte a efetivação de
mudanças nos parâmetros estruturais (concentração de renda, de poder, de
propriedade, de recursos) da sociedade brasileira, é necessário criar e incen-
tivar “programas e projetos educativos com vistas a promoção e defesa dos
direitos” (BRASIL/CEDH, 2013, p. 40). Como toda diretriz, as DNEDHs
tentam convencer a todos os segmentos envolvidos com a educação de que
é necessário estabelecer um tipo de orientação acerca das práticas educa-
cionais que aponte para um contínuo incentivo a fim de que todos (alunos,
professores, gestores escolares, organizações da sociedade civil, entre ou-
tros) se empenhem na defesa dos direitos humanos.
Tal processo, a médio e longo prazo, poderia fazer surgir sujeitos so-
ciais habilitados e capacitados politicamente para travar uma luta persistente
pela dignidade humana. Esse tipo de aposta contém todas as ambiguidades
e ambivalências possíveis, uma vez que, em uma situação social de retro-
cessos nas conquistas dos direitos sociais, ampliação das desigualdades
(poder, renda, patrimônio) e inocuidade de inúmeras lutas e reivindicações
sociais, empenhar-se em manter expectativas e perspectivas de melhorias
sociais que garantam e repliquem ações em prol do desenvolvimento huma-
no, da segurança humana e dos direitos humanos é uma forma de enfrentar
inúmeros desafios contidos no limiar do século XXI. De um lado, as metas
de ampliação da dignidade humana ganham notoriedade, de outro, veem-se
alargadas as zonas de inseguridade e de subtração de direitos.
Soluções para os problemas que impactam a dignidade humana de uma
parte expressiva de brasileiros, que vivem mergulhados em condições de
pobreza, miséria, violência, e sem acesso à moradia adequada e à saúde, são
de extrema complexidade e passam, sem dúvida, como afirma Celso Furtado
(2002, p.16), pela habilitação. As pessoas têm de estar habilitadas “para par-
ticipar da distribuição de renda”. E como isto seria possível? Uma das ma-
neiras seria através dos processos educacionais que habilitariam as pessoas
para “uma inserção qualificada no sistema produtivo” (Furtado, 2002, p.16).
Com base nas discussões de Celso Furtado, que chamam a atenção para
o fato de que “há sociedades em que esse processo de habilitação está blo-
queado” (Furtado, 2002, p.17), deve-se perguntar o seguinte: “Sem meios
que (...) assegurem (...) certa renda” (Furtado, 2002, p.17) capaz de garantir
um patamar mínimo de dignidade humana, quais seriam as possibilidades
da EDH ajudar a criar nas pessoas subjetividades (disposição, motivação,
expectativas, perspectivas) que promovam mudanças em suas próprias con-
dições e nas da coletividade?
SUMÁRIO
Nancy Fraser, ao defender a paridade de participação, faz algumas con-
siderações que se aproximam, em alguns aspectos, das preocupações de
Celso Furtado. Ela diz:
“Primeiro deve haver uma distribuição de recursos materiais que garanta a in-
dependência e ‘voz’ dos participantes. Esta condição impede a existência de
formas e níveis de dependência e desigualdade econômicas que constituem
obstáculos à paridade de participação. (...) A segunda condição para a paridade
participativa requer que os padrões institucionalizados de valor cultural expri-
mam igual respeito por todos os participantes e garantam iguais oportunidades
para alcançar a consideração social” (Fraser, 2002, p.13).
1
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
2
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
zes de operar mudanças no sistema educacional pelo mundo afora. E fica ora implí-
cita ora explícita a sugestão de que entre estes agentes estão os setores privados que
teriam também um papel relevante neste processo. Nota-se que os formuladores dos
documentos estão pensando nas escolas, institutos e fundações ligadas aos setores
empresariais e que possuem projetos voltados para os segmentos populares.
qual, junto com Mahbub Ul Haq (1978; 1995), foi um dos idealizadores dos
RDHs.
SUMÁRIO
civil no que tange ao encaminhamento de ações e procedimentos. Ver sobre isto:
(Dubrow, 2013).
sobre como traduzir o termo governance, o qual foi traduzido para governação ou
gobernación. No decorrer da década de 1990 e da de 2000 não se fizeram distinções
precisas sobre as noções de governança e governação. O RDH de 2010 procurou
demarcar, ainda que de modo incipiente, as diferenças entre estes dois termos.
Essa noção de sofrimento social foi trabalhada por Bauman (1999) e Bour-
dieu (2003).
13
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CÂNDIDO, Antônio. Para pensar o problema da fome. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 29 nov.1999. C6, p.6.
SUMÁRIO
reports/global/hdr1990>. [Acessado em 02/11/2016]
SUMÁRIO
ROCHER, Guy. Talcott Parsons e a sociologia americana. Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1976.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Cia das Letras,
2010.
SUMÁRIO
tional-agenda Acesso em 16/10/2016.
SUMÁRIO
“AS DUAS FACES DE JANO”: O ECLESIÁSTICO E O
SECULAR NA ADPF 54 À LUZ DA FILOSOFIA DE
JÜRGEN HABERMAS.
“THE TWO FACES OF JANUS”: THE ECCLESIASTIC AND THE
SECULAR RELATED TO ADPF 54 IN THE LIGHT OF JÜRGEN
HABERMAS PHILOSOPHY.
INTRODUÇÃO
A “racionalização” proveniente da Reforma e do Iluminismo foram substan-
cias para o surgimento da modernidade. O “mundo novo” fruto do “processo
de racionalização”, elevou a “razão” ao topo da pirâmide social, excluindo
deste círculo as formas religiosas de vida. (WEBER, 2004).Com isso, a Igreja
que há muito esteve presente como uma das colunas de sustentação do Esta-
do, além de dominar a produção artística, filosófica e científica, amargou a
perda destes espaços, em prol da ascensão da ciência como grande detentora
do conhecimento, subsistindo na esfera privada dos indivíduos.
Malgrado o projeto empenhado pela modernidade, em exortar a “fé” para
o domínio privado dos indivíduos, excluindo-a dos espaços públicos profana-
dos, as religiões continuaram crescendo em escala mundial, adquirindo inclu-
sive expressão política. Essa persistência do sagrado frente à muralha secular
erigida pelos Estados modernos acabou gerando uma zona de intensos conflitos:
de um lado a profusão de imagens religiosas, de outro a resistência da “razão”
em aceitar esta “face” nas sociedades modernas. (HABERMAS, 2013).
Buscando apaziguar este ambiente, Jürgen Habermas propôs a cons-
trução de uma sociedade pós-secular, isto é, um sistema que reconhece a
persistência da religião no mundo secularizado, além de admitir a possibi-
lidade destes núcleos contribuírem positivamente com as discussões públi-
cas. (HABERMAS, 2007).
SUMÁRIO
Diante desta tentativa de pensar as relações conflitivas entre o sagrado
e o profano no âmbito das sociedades democráticas, sendo o Brasil um Es-
tado laico, tal como assevera a Constituição de 1988, ao lado de uma popu-
lação composta por maiorias religiosas3, é de grande valia compreender: (i)
as dinâmicas de funcionamento dos discursos religiosos no espaço público
brasileiro, (ii) as formas como estes discursos se apresentam, (iii) o modo
como são recebidos e/ou considerados pelos não religiosos e, por fim, (iv)
a posição da esfera pública brasileira dentro do contexto habermasiano de
Estado pós-secular.Com esse propósito, a ADPF 54 foi eleita como objeto
de estudo e a análise de conteúdo (BARDIN, 1997)como instrumento me-
todológico, por meio da qual foram operadas categorias teóricas em conso-
nância com o caso concreto.
Finalmente, foi possível observar à luz dos conceitos trabalhados e das
análises realizadas, o distanciamento do espaço público brasileiro de um
modelo pós-secular, uma vez que admitindo a participação das entidades re-
ligiosas nas audiências públicas, se mostrou indiferente a essas vozes, ao
passo que concedeu primazia as exteriorizações científicas, impedindo com
isso a percepção de possíveis contribuições advindas daquele setor.
[...] a eliminação da magia como meio de salvação, não foi realizado na pie-
dade católica com as mesmas conseqüências que na religiosidade puritana
(e, antes dela, somente na judaica). O católico tinha à sua disposição a graça
sacramental de sua Igreja como meio de compensar a própria insuficiência:
o padre era um mago que operava o milagre da transubstanciação e em cujas
mãos estava depositado o poder das chaves. Podia-se recorrer a ele em arre-
pendimento e penitência, que ele ministrava expiação, esperança da graça,
certeza do perdão e dessa forma ensejava a descarga daquela tensão enorme,
na qual era destino inescapável e implacável do calvinista viver. Para este
não havia consolações amigáveis e humanas, nem lhe era dado esperar repa-
rar momentos de fraqueza e leviandade com redobrada boa vontade em ou-
tras horas, como o católico e também o luterano. O Deus do calvinismo exi-
gia dos seus, não “boas obras” isoladas, mas uma santificação pelas obras
erigida em sistema.
O estado (sic) cada vez mais entra em tensão com a esfera religiosa, quanto
mais ele se racionaliza, e a conseqüência da racionalização do estado é que
sempre mais se afaste da esfera religiosa, pois, as ações políticas do estado,
as ações no âmbito da justiça e administração, têm por base unicamente as
razões do estado.
SUMÁRIO
1.1 A pERSISTêNCIA DA RELIGIÃO NAS SOCIEDADES
SECULARIZADAS E SUAS IMpLICAÇõES
Um fenômeno dissonante da crença racional moderna foi à difusão cada vez
mais crescente de imagens religiosas nas comunidades secularizadas. In-
verso ao raciocínio de que a religião desapareceria em meio ao “impiedoso
mundo secularizado”6, os eclesiásticos passaram a coexistir antagonica-
mente com a face secular, gerando o que Habermas (2013, p. 3-4) vai batizar
de “cabeça de Jano da modernidade”.
Apesar dos saberes e práticas do homem ocidental estarem cada vez mais
submetidos aos procedimentos de racionalidade instrumental e eficácia, ape-
sar da vida ter se tornado mais objetiva, isenta de sentimentos e calculista, a
religião não desapareceu. E, pelo contrário, o fenômeno religioso se expan-
diu e voltou a assumir, desde a última década do século XX, uma posição de
grande relevância na vida social e política das pessoas em todo o mundo.
SUMÁRIO
“uma visão de mundo secularista para consumar a passagem do ateísmo ao
agnosticismo metodológico no seio do pensamento pós-metafísico.”
Posto isto, afloram dúvidas sobre a forma como a religião vai figurar
no espaço público sem quebrar com a ideia de laicidade, bem comoquestio-
namentos acerca da relação entre o sagrado e o profano na esfera pública.
Indagações que serão dissecadas no próximo item.
Muitos religiosos estão tão imersos na sua religião, que não consegui-
riam dissociarseus posicionamentos políticos de suas convicções religiosas,
SUMÁRIO
motivo pelo qual uma exigência do Estado neste sentindo acarretaria uma
“sobrecarga mental e psicológica insuportável” sobre o crente. (HABER-
MAS, 2007, p. 145, 147).Sendo assim, uma exigência desta natureza só seria
aceitável quando demandada aos “políticos que assumem mandato público
ou se candidatam a eles e que, por este fato,são obrigados a adotar a neutra-
lidade no que tange às visões de mundo” (HABERMAS, 2007, p. 145).
Com isso, Habermas admite a possibilidade da participação de exte-
riorizações religiosas no ambiente público, no entanto antes de influenciar
as decisões estatais,coloca como entrave a “ressalva de tradução institucio-
nal”, sem a qual as portas do parlamento e das demais instituições estatais,
estariam sempre fechadas para argumentações religiosas não-traduzidas,
porquanto nestes locais os argumentos seculares têm precedência.Quando
a isso expõe Habermas (2007, p. 150):
Apesar de não passarem por uma censura na esfera pública política, as con-
tribuições religiosas dependem, mesmo assim, de trabalhos cooperativos de
tradução. Porquanto, sem uma tradução bem-sucedida, o conteúdo das
vozes religiosas não conseguiria entrar de forma alguma, nas agendas e ne-
gociações das instituições estatais, o que impediria de “influenciar” o pro-
cesso político ulterior.
Embora se coloque esse obstáculo, para que não haja nestes espaços a
exclusão dos cidadãos religiosos que se veem impossibilitados de prover a
passagem de seus discursos virtuosos para uma linguagem “acessível a
todos”, os cidadãos não religiosos devem se dispor a cooperar com os grupos
piedosos. Dessa maneira, a tradução mais do que um fardo atribuído aos re-
ligiosos, abarca os não religiososcomo auxiliares deste processo, ao passo
que se de um lado os cidadãos virtuosos devem destinar esforços para tra-
dução de seus argumentos, por outro os não religiosos devem se manterso-
lícitos a percepção de possíveis conteúdos de verdade advindos de razões
religiosas. (HABERMAS, 2007, p. 149-150).
Com um viés “sebastianista”, em acreditar no que poucos acreditam, Ha-
bermas traz à tona uma democracia inclusiva e participativa, em que todos
podem contribuir, dentro de suas condições. Ainda que seja excessivo falar
em uma proposta de “reecantamento do mundo”, fato é que a teoria haberma-
siana ecoa por entre as vias insensíveis da sociedade, com um ar de esperança,
onde cidadãos - ainda que compartilhem entre si visões assimétricas - podem
construir juntos uma comunidade tolerante. Sua visão resgata os “institutos
morais” presentes na religião, rechaça uma “secularização aniquiladora” e
abre a possibilidade de influência religiosa nas decisões institucionais por
meio da tradução, propondo um modelo de sociedade em que todos podem-
colaborar, numa troca constante de saberes. (HABERMAS, 2013).
SUMÁRIO
3 A ADpF 54 COMO OBJETO DE ANáLISE: O LIAME
ENTRE “FÉ” E “SABER” NA DEMOCRACIA BRASILEIRA
A história do Brasil tem um forte laço com a doutrina católica. Durante todo
período colonial e também na vigência do Império, o catolicismo desfrutou
de uma legislação queo reconhecia como credo oficial do país. Apenas em
1891, com a Carta Magna decorrente da instauração da República, que o
clero deixou de ostentar um lugar de destaque no poder público, separando-
se definitivamente do Estado brasileiro. Desde então, o princípio da laici-
dade tem sido mantido ao longo das constituições, mas o ideal de um Estado
totalmente independente de quaisquer doutrinas, ainda se defronta com uma
população majoritariamente piedosa, que paulatinamente extrapola os sa-
lões da igreja, tornando-se cada vez mais presente nas instâncias públicas.
Esse cenário cravado em todos os âmbitos do espaço público brasileiro,
perpassando desde o Congresso Nacional até os crucifixos dos órgãos esta-
tais, apregoano âmago da nossa democracia o “cabo-de-guerra” sacro-pro-
fano pintado na “Guernica moderna”. Neste universo, de intensos conflitos,
reivindicações e dúvidas permanece a incerteza de onde se encontra, afinal,
a esfera pública brasileira no liame entre “fé” e “saber”.
Buscando uma resposta neste sentido, elegemos como objeto de estudo
a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 54, por
entendermos que esta se mostra apta para consecução de uma saída contun-
dente acerca do problemaenfrentado, primeiro peloteor de sua matéria, que
toca num ponto de inflexão entre cientistas e eclesiásticos e,segundo, devi-
doàutilização do instituto das audiências públicas, que comportou dentre
seus participantes, entidades religiosas.
A ação que iniciou em 2004 seu percurso pelo STF foi protocolada pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), tendo como ob-
jetivo principal a negativa de que a interrupção terapêutica da gravidez de
fetos portadores de anencefalia se encontrava no rol dos abortoscriminaliza-
dos pelo Código Penal. Como principais argumentos em prol do pedido foram
colocados: (i) a incompatibilidade da anencefalia com a vida, (ii) a tortura psi-
cológica em que as mulheres grávidas eram submetidas em ter que levar a
termo todo período gestacional e (iii) a violação de direitos fundamentais.
Não surpreendentemente a ADPF 54 provocou discussões fervorosas
por entre setores da nossa sociedade, dentre eles alguns ramos clericais, que
por preservarem uma “moral cristã” adotam como dogma a indisponibili-
dade do direito à vida, rechaçando evidentemente – em sua grande maioria
–quaisquer posições favoráveis ao aborto.
Colocada a questão, far-se-á nos próximos tópicos a análise de conteú-
do (BARDIN, 1997) das audiências públicase do julgamento da ADPF 54,no
intuito de extrair a forma pela qual se deu neste recorte, as dinâmicas entre
o “sagrado” e o “profano” no decurso da ação, para ao final da averiguação
SUMÁRIO
responder à luz da proposta habermasiana de Estado pós-secular, qual a fi-
sionomia da democracia brasileira diante do dilema moderno, que põe em
cheque uma “secularização a todo custo” contra a participação do “divino”
na esfera pública.
O Apóstolo Paulo, em sua Epístola aos Romanos disse: “Um crê poder
comer de tudo; outro, que é fraco, só come legumes. Quem come de tudo
não despreze aquele que não come. Quem não come não julgue aquele que
come, porque Deus o acolhe do mesmo modo”. Ainda que venha a haver pa-
receres diferentes dos nossos, nós os respeitamos; afinal, o ambiente demo-
crático existe para isso, para que nele os pontos e contrapontos sejam colo-
cados e prevaleça o bom senso e interesse da coletividade no que tange ao
bem comum. (BRASIL, 2008).
[...] não se pode impor a toda sociedade, cada dia mais diversa em suas ade-
sões religiosas – como já foi dito aqui pelo bispo Edir Macedo -, a agenda
moral das religiões, traduzindo-as em políticas públicas destinadas a todas
as cidadãs e cidadãos do País. Seria um desrespeito à própria Constituição.
(BRASIL, 2008).
SUMÁRIO
Seu entendimento prossegue e esbarra na defesa habermasiana de que
existem nestes polos virtuosos, um potencial de “bem comum” e “solida-
riedade”, que são úteis ao Estado.
CONCLUSÃO
A pós-secularização defendida por Habermas, de maneira alguma visa à fra-
gilização da laicidade estatal, em prol da ascensão religiosa ao poder públi-
co. O Estado é neutro quanto às visões do mundo, não pode, portanto fin-
car-se em preceitos religiosos. Tão bem delimita essa questão, o sociólogo
alemão repensa as bases de uma “secularização que saiu dos trilhos”. Para
ele, a negativa de que religiosos não podem participar do espaço público é
simplista, uma vez que existem nos conteúdos religiosos, intuições que
podem servir a uma era insensível e individualista. Longe de admitir fun-
damentalismos, a abertura ao diálogo e a troca de conhecimento figuram
como cerne de sua proposta.
Diante dos conceitos trazidos ao longo do artigo, tendo em vista o re-
corte e as análises empreendidas, pode-se concluir que no caso da ADPF 54,
apesar da abertura a comunidade religiosa, não houve uma valorização dos
seus argumentos. Todas as manifestações dos ministros do STF giraram em
torno dos argumentos científicos expostos pela comunidade cientifica nas
audiências públicas, à religião coube o ínfimo papel de figurante, num pos-
sível recado que o Estado ainda se mostra antipático a possíveis contribui-
ções religiosas, dando primazia ao saber científico. Com isso,fica claro o
franco descompasso entre as “faces de Jano” na democracia brasileira. Se de
SUMÁRIO
um lado o polo virtuoso empreendeu esforços pela tradução dos seus argu-
mentos, por outro a resistência do Estado em absorver suas contribuições,
tornou impossível a consecução de um ambiente pós-secular.
SUMÁRIO
NOTAS
2
Doutora em Direito (UnB), professora da Faculdade Social da Bahia-FSBA.
06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html>. Acesso
em: 07 set. 2017.
Esferas de valor podem ser entendidas com os domínios da vida, v.g., po-
lítica, arte, moral, direito, entre outros.
4
5
Emprego a expressão como sinônimo de “esferas de valor”.
7
Igreja Universal do Reino de Deus
8
Confederação Nacional de Bispos do Brasil
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
59-70, 2012.Disponível em: <http://www.ispsn.org/sites/default/files/ma-
gazine/articles/N2%20art6.pdf>. Acesso em: 15 out. 2017
SUMÁRIO
revistaceaju/article/view/19230/14049>. Acesso em: 30 set. 2017.
SUMÁRIO
O ESTADO DE DIREITO E A BUSCA PELA EFETIVA
PARTICIPAÇÃO POPULAR
Robson Oliveira Gonçalves;
Graduando em Direito pela Faculdade Arquidiocesana de Curvelo; Minas Gerais.
1. INTRODUÇÃO
Pode-se facilmente observar, devido a natureza evidente na qual se mani-
festa, o atual estado de apatia e passividade que a maior parte da população
nacional se encontra diante das mais diversas causas sociais. Tal fato não
pode ter sido ocasionado por outra motivação, senão pela condição aliena-
dora que se encontra os indivíduos, fruto de um pensar político instrumen-
talizado, imposto, de cima para baixo, pelas instituições de poder coorde-
nadoras de um próprio agir teleológico, deixando por restar aos indivíduos
a posição de reféns dos joguetes de dominação.
Percebemos, nesse sentido, a grande influência da cultura ibérica, tra-
zida por Portugal, na atuação das instituições, marcada por uma ação homo-
geneizadora e normalizadora de comportamentos, resultando no silencia-
mento de subjetividades.
Podemos, ainda, vislumbrar tal influxo na esfera institucional por meio
das relações estruturais que se atém à marginalizar e separar determinadas
classes de indivíduos, operando sobre esses, não somente um impulso de re-
cusa discriminatória, mas, ainda, uma forma de segregação seletiva, de afas-
tamento e subalternização do indivíduos.
Assim sendo, a forma dominante dos comportamentos trata-se de um
reflexo do efeito da modernização seletiva consagrada no ideário institucio-
nal brasileiro, herdado e, posteriormente, edificado nacionalmente, desde
sua origem no Brasil colônia. Tal agir instrumental se torna claro em utilizar
da situação da atual política como meio para a conclusão de fins próprios e
escusos ao conhecimento da sociedade, perpetuando, assim, o status de he-
gemonia de poder, que só é possível manter-se diante de uma população in-
fantilizada politicamente, como se encontra atualmente.
SUMÁRIO
Portanto, em posição contrária, temos por indispensável em sua impor-
tância, nesse contexto, os diversos movimentos sociais que, se situando de
forma subversiva ao status quo de naturalização de desigualdades sociais,
advinda do conceito de igualdade formal/moderna, mostram-se elementares
no seu papel de trazer a tona a resistência e reação às padronizações instru-
mentais, utilizadas como forma de obscurecer as atuações sociais e desle-
gitimar as suas diversas manifestações, acabando, assim, por romper com
as amarras epistemológicas coloniais que perpetuam o estado de alienação
política dos indivíduos, levando-os a uma condição que possibilita o exame
autocrítico e, concomitantemente, a problematização da própria sociedade.
Importa que tenha-se um proceder em sentido contrário ao status quo.
Uma proposta que vise a emancipação efetiva dos grupos marginalizados
surge no cenário atual quando analisados os estudos sobre interculturalidade
e estado plurinacional, oriundos de autores latino-americanos fundados em
um discurso decolonial que visa desconstruir o ideário eurocêntrico, que é
a ferramenta ideológica pela qual é perpetuado, reproduzido e admitido pela
sociedade o presente cenário político.
Propõe-se, enfim, uma resposta para tal problema a partir do viés de-
colonial. Um Estado de Direitos, não pautado no monismo jurídico, mas,
que assimile e respeite todas as manifestações político-ideológicas e jurídi-
cas, especialmente as das comunidades tradicionais afro-indígenas que
foram historicamente silenciadas e excluídas, e que vise garantir de fato a
emancipação das diversas subjetividades a partir da crítica ao Estado Mo-
derno, naturalmente burguês e eurocêntrico
SUMÁRIO
dos mais diversos acontecimentos que influem diretamente em suas situa-
ções sociais, portando-se passivamente, como as instituições nacionais, con-
servando em suas decisões e pareceres discursos perpetuadores de uma con-
dição colonial.
SUMÁRIO
Se o esclarecimento não acolhe dentro de si a reflexão sobre o elemento re-
gressivo, ele está selando seu próprio destino. Abandonando a seus inimigos
a reflexão sobre o elemento destrutivo do progresso, o pensamento cega-
mente pragmatizado perde seu caráter superador e, por isso, também sua re-
lação com verdade. (ADORNO;HORKHEIMER, 1985, p.13).
É por esse fato e contra essa concepção que Souza busca, a partir da
análise neo-evolucionista material de Weber, demonstrar a singularidade e
seletividade do processo de modernização brasileira. O autor portanto, en-
tende que não se deve analisar o processo de modernização das nações oci-
dentais desconsiderando essas peculiaridades. Cada sociedade alcança de-
terminadas virtudes de acordo com suas especificidades.
SUMÁRIO
a seletividade do nosso processo começa aí. O senhor tem o desafio de, bem
ou mal, adaptar-se aos novos tempos. O escravo, esse vai ser abandonado e
ficará desprovido de acesso às benesses do novo sistema que se instituciona-
liza a partir de então. Quem ocupa os novos empregos abertos pelo desenvol-
vimento de manufaturas e maquinofaturas é o mulato e depois o europeu imi-
grante. O negro, vítima de preconceito e de seu próprio abandono, não teve
nem terá acesso mais tarde ao lado menos sombrio dos novos tempos. Pela
necessidade de acelerar a diferenciação do processo de industrialização, o
Estado interventor, quase um século depois, cria uma estratificação profissio-
nal funcional à industrialização ampliada de grande porte. Tal industrializa-
ção beneficiará o trabalhador que se engajar no esforço de modernização: na
época o trabalhador urbano e qualificado. (SOUZA, 2000a, p. 265).
A grande crítica feita por Souza é a de que esse processo singular e se-
letivo é ignorado, não só pelos intelectuais da sociologia mas pela própria
sociedade, e de que isso faz com que a sociedade brasileira, não se atendo
às suas verdadeiras origens, aceite passivamente o sistema posto e as maze-
las sobre ela impostas sem se auto-questionar ou insurgir.
SUMÁRIO
nos indivíduos a consciência basilar para a emancipação e reconhecimento
dos mesmos como agentes atuantes da história político social, e não como
meros instrumentos, fruto de agir instrumentalizado, pré-concebido e vicia-
do pelos joguetes institucionais coloniais.
Na América Latina os Estados nacionais se formam a partir das lutas pela in-
dependência no decorrer do século XIX. Um fator comum nestes Estados é o
fato de que, quase invariavelmente, foram Estados construídos para uma
parcela minoritária da população, onde não interessava para as elites econô-
micas e militares, que a maior parte da população se sentisse integrante, se
sentisse parte de Estado. (MAGALHÃES, 2011).
SUMÁRIO
A América Latina (melhor agora a América Plural), que nasce renovada nes-
tas democracias dialógicas populares, se redescobre também indígena, de-
mocrática, economicamente igualitária e socialmente e culturalmente di-
versa, plural. Em meio à crise econômica e ambiental global, que anuncia o
fim de uma época de violências, fundada no egoísmo e na competição a
nossa América anuncia finalmente algo de novo, democrático e tolerante,
capaz de romper com a intolerância unificadora e violenta de quinhentos
anos de Estado nacional. (MAGALHÃES, 2008, p.11).
4. CONCLUSÃO
Diante do contexto da infantilização política dos indivíduos, consequência
de um saber instrumentalizado, imposto no imaginário desses, como de
ideias coloniais epistemologicamente consagradas e naturalizadas, a busca
pela emancipação deve ocorrer inicialmente pela identificação e reconhe-
cimento da presente condição desses, levando-os a uma fuga do estado de
alienação cidadã que se encontram e à busca por se tornarem mais do que
meros participantes apáticos de um processo de cidadania viciado, mas as-
cenderem ao ponto de se tornarem protagonistas de ações que influem dire-
tamente no status social.
Na iminência da constituição de uma modernização seletiva, a busca pela
emancipação se mostra como de absoluta importância. A insurgência dos mo-
vimentos sociais e as manifestações das minorias marginalizadas, despontam
como relevantes formas de identificação e reconhecimento cidadão, o que
eleva o posicionamento dos indivíduos diante da realidade social e os dire-
ciona a um estado de reconhecimento e superação do seu estado político.
Portanto, entende-se a necessidade de um rompimento do atual status
perpetuado pela presente compreensão, para que haja, assim, a possibilidade
de uma abertura à representação das diversas manifestações autônomas,
sendo este o único caminho a se trilhar rumo a uma condição garantidora de
uma real cidadania, que não se resume à propostas advindas de maneira im-
positiva, de cima para baixo, mas geradas no seio da comunidade, por reso-
luções e alternativas alcançadas pelo transcurso livre, fruto da realidade de
emancipação dos indivíduos.
A natureza do Estado de Direito como a sua inércia sobre a questão de
garantir a emancipação dos indivíduos têm evidenciado, cada vez mais, a
sua insuficiência para o alcance de tal objetivo, visto a conservação da es-
trutura original, intrínseca ao próprio modelo estatal, ser o principal impe-
dimento para grandes rupturas nesse sentido.
Urge, portanto, a necessidade de um modelo de Estado que garanta efe-
tivamente a representação autônoma dos indivíduos, que não os suprima ou
SUMÁRIO
os marginalize com a naturalização de um ideário pátrio monista vigente em
seu texto constitucional.
Destarte, diante de tal necessidade, a proposta de um Estado Plurinacio-
nal tem se mostrado como uma relevante alternativa rumo ao um caminho de
superação dos moldes coloniais vigentes. Tal proposta abre vista à população
para que essa, de uma vez por todas, se torne a causa e a condicionadora dos
fins e ideais estatais, se encontrando mais do que identificada, mas ainda,
como participante integrante da construção da própria estrutura de estatal.
SUMÁRIO
NOTAS
dos negócios e interesses estatais. (...) se desenvolvendo também por meio dos
direitos e garantias fundamentais, ou da tutela dos direitos e interesses difusos.”
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América
Latina. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspec-
tivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLAC-
SO, Buenos Aires, Argentina. setembro 2005.
SUMÁRIO
ÉTICA NA ARBITRAGEM
Sérgio Gustavo de Mattos Pauseiro
Professor Adjunto - Universidade Federal Fluminense - RJ
Professor Colaborador do Doutorado em Justiça Administrativa – PPGJA - RJ
Professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – IBMEC - RJ
Doutor em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense - RJ
INTRODUÇÃO
A arbitragem, com é cediço, consiste em um meio extrajudicial de resolução
de controvérsias, estruturado com base em acordo de vontade das partes,
materializado na forma da convenção de arbitragem – cláusula compromis-
sória e compromisso arbitral – e do termo de arbitragem – acordo sobre as-
pectos do procedimentos e eleição de árbitros. Em razão da flexibilidade,
os contraentes podem eleger questões da arbitragem, como os prazos, a
opção ou não por uma determinada câmara arbitral, a escolha dos árbitros,
da sede da arbitragem, dentre outros pontos.
Pautado na autonomia da vontade, há ainda a possibilidade dos envol-
vidos nos procedimentos optarem por normas éticas, sejam essas de uma
instituição arbitral, de alguma instituição, legislação nacional ou interna-
cional ou específicas.
Ressalta-se que a arbitragem deve ser vista como uma forma de har-
monização dos planos individuais de ação e que possui um potencial para
auxiliar a reconstrução dos sistemas jurídicos. Entretanto, tem enfrentado
sérios entraves com relação à ética, tendo em vista a colonização sistêmica
sobre o instituto arbitral e as instituições relacionadas.
Dessa forma, analisa-se, no presente trabalho, a arbitragem sobre a
perspectiva mencionada e as regras da International Bar Association que
buscam trazer uma objetividade para a constatação de desvios éticos nos
procedimentos arbitrais como um meio de reconstrução de sistemas de di-
reito e de resgate da confiança.
SUMÁRIO
2. ÉTICA NO pROCEDIMENTO ARBITRAL E ESCOLhA
DOS ARBITROS NA ANTIGUIDADE.
Para que a arbitragem possa ser encarada como uma ferramenta dialética é
necessário que os possua um procedimento democrático adequada para o
auto entendimento dos indivíduos na solução de conflitos. A questão envol-
ve questões éticas complexas, visando proteger os indivíduos de fraudes,
cujo a concepção evolui ao longo dos séculos.
Theodor Viehweg, em sua obra a Tópica Jurisprudencial, se preocupou
em mapear a origem e a evolução dos valores e regras processuais que in-
fluenciam os procedimentos judiciais e extrajudiciais modernos.
O autor alemão explica, que a Tópica é uma das seis obras Aristotélicas
que, sucessivamente foram reunidas no Organon. Ela se encontra ao lado
dos escritos da “Ciência da Lógica”, após a “Categorias”, da obra “Periher-
menias” e dos “Analíticos”, antes dos “Argumentos Sofísticos”. Nesta últi-
ma, se encontra o que se pode chamar de continuação da “Tópica”, que se
destaca como a ciência da lógica (VIEHWEG, 2008, p. 22).
A tópica pertence ao terreno dialético, o que não é apodítico1, mas que
Aristóteles estudou como um método possível de se estabelecer conclusões
relativamente a todos os problemas apresentados, a partir de proposições
opináveis, e de que se possa evitar as contradições, quando se tiver que sus-
tentar um discurso (VIEHWEG, 2008, p. 25).
Aristóteles comenta que através da Tópica (Topoi) é possível discutir
igualmente os objetos jurídicos, físicos, políticos ou de qualquer outro tipo.
No primeiro tópico é subdividido em quatro itens: 1) existe uma apodexis2
quando a conclusão é obtida mediante proposições verdadeiras. Daí é ne-
cessário garantir que as partes tenham sempre o dever de fundamentar as
suas afirmações; 2) Uma conclusão dialética é aquela obtida através de opi-
niões, onde vence o melhor argumento, que goza do consenso de um terceiro
neutro ou da maioria dos envolvidos; 3) Uma conclusão erística (ou sofista),
se distingue da dialética, pois é aquela que se funda sobre proposições ape-
nas aparentes, não efetivamente, são opiniões sem fundamento, que se ba-
seiam sob proposições opináveis; 4) Por fim existem “pseudoligismos”
sobre o fundamento de proposições próprias de determinadas ciências, ou
seja concepções baseadas em conceitos que podem sofrer alterações ao
longo do tempo, mas são tomados por verdade científica e geram tópicos
(VIEHWEG, 2008, p. 23).
Aristóteles alerta pouco antes da conclusão final da obra, que não se
pode discutir com qualquer pessoa, nem entabular-se pela dialética, com o
primeiro que se chegue, pois dependendo de quem seja o adversário, a dis-
cussão poderá também não surgir algo razoável (VIEHWEG, 2008, p. 26).
Cícero retoma os estudos da Tópica, trezentos anos após a morte de Aris-
tóteles, se interessando particularmente pelo objeto jurídico. Em sua carta ao
SUMÁRIO
jurista Trebatius Testa tratava de um meio para ter a sua disposição elementos
de argumentação, orientariam a prática processual romana, auxiliando a for-
mulação de juízo de valor do magistrado (VIEHWEG, 2008, p. 29).
Em síntese, Cícero passa a elaborar um catálogo geral de princípios
para possíveis debates jurídicos, questionando sempre se a fonte das provas
parece adequada. Ele agrega a discussão no que chamou de causae, que são
propriamente: a) Judicial; b) deliberativa; c) ludatória (procedimento pro-
batório criminal romano). Na tópica 25 ele se estende à deliberação e no tó-
pico 26 a interpretação jurídica.
Enquanto Aristóteles apresenta a tópica como técnica dialética para cons-
truir um entendimento, para Cícero, ao invés, a preocupação era impor a apli-
cação de um catálogo de tópicos, o que gerava um procedimento, que influen-
ciava a escolha do objeto jurídico a ser investigado (VIEHWEG, 2008, p. 30).
A Tópica constitui a técnica de pensar problematicamente, pois Aris-
tóteles compreendeu que apenas o problema concreto ocasiona de modo evi-
dente tal jogo de ponderação, que vem se denominando tópica ou arte da
criação. Estabelece um procedimento para se criar um novo conceito ou tó-
pico em casos de difícil solução (VIEHWEG, 2008, p. 34).
Por isso, Nicolai Hartmann se preocupou com a contraposição entre o
pensar problematicamente e o pensar sistematicamente. Resumidamente,
essa contraposição importaria em submeter o problema mediante uma for-
mulação num determinado nexo dedutivo (sistema). Partindo-se do proble-
ma se tem uma seleção de sistemas, buscam-se premissas que sejam ade-
quadas e profícuas no mérito, que permitam levar conseqüências idôneas,
mas que utilizam um procedimento, uma tópico em primeiro grau, um re-
pertório de pontos de vistas já disponíveis, tópica em segundo grau (VIEH-
WEG, 2008, p. 39).
Na idade média, os valores religiosos foram introduzidos aos topoi (tó-
picos) que redirecionaram a forma de investigar e prejudicaram a identifi-
cação do objeto real, isso em razão dos valores da argumentação já estarem
colocados pelo pensamento mítico, influenciando a produção da prova e o
método de produção do conhecimento.
Com o início do Estado Liberal a tópica passou a ser gradativamente
utilizada para definir os conceitos fundamentais, passando a estabelecer o
marco de uma investigação dos princípios, buscando um nexo lógico entre
eles. A modernidade ultrapassa a premissa de um problema aparente, ela
tenta se conectar a um procedimento razoável, em busca de material para
pensar. As conclusões analógicas repetidas são convertidas em tópicos, re-
presentando valores jurídicos a serem observados em outros problemas
(VIEHWEG, 2008, p. 40).
Mas ignorando as premissas aristotélicas, os juristas da modernidade
tentaram transformar a tópica em sistema para construção jurisprudencial,
SUMÁRIO
um projeto de um sistema dedutivo, que visava transformar o estilo tópicos
em método. Trata-se da tópica combinatória, que visava produzir uma in-
terpretação jurisprudencial com clareza, em concordância com o espírito do
seu tempo, através de um sistema matemático. Essa ideia foi emplacada
Leibniz, que se baseou nos escrito de Raimundo Lullus, que por volta de
1300, estabeleceu um jogo geométrico de círculos circundantes e concên-
tricos, cada um com nove conceitos fundamentais, onde acreditava controlar
a solução. Leibniz acreditava em ordenar de forma lógica os conceitos em
ordem de prioridade, assegurando-os através de um método dedutivo, uma
sistematização dos tópicos jurídicos. Mas a execução específica desse ca-
tálogo no caso concreto gerou diversas dificuldades, pois muitas das vezes
o método já estabelecia o resultado final.
Leibniz falhou quando achou que poderia sistematizar fundamentos
lógicos, apresentando-os como critérios de semelhanças nos demais campos
jurídicos sob alguns axiomas e conceitos fundamentais unívocos, o que seria
falar de uma fundamentação lógica geral no sistema jurídico. Para o pensa-
dor os axiomas não podiam pressupor a mutabilidade do pensamento jurí-
dico, sua imposição definitiva seria uma arbitrariedade. O aviso de Aristó-
teles ainda parecia válida, pois qualificava os tópicos como um estilo
lingüístico para resolução de questões fora do campo da ciência e reconhecia
que a linguística poderia mudar com a sociedade.
A tópica de Vico é debater outra vez, a retórica no desenvolvimento
porém na modernidade. Diferente dos gregos, em nossos dias todos são iguais
e capazes para se participarem democraticamente do procedimento dialético.
Com esses pressupostos as teorias retóricas do desenvolvimento da argumen-
tação ganharam os tribunais e procedimentos arbitrais. Para isso foi necessá-
rios entender que a retórica está baseada em tornar compreensível toda argu-
mentação a respeito da situação do discurso dentro de um processo. Para
elucidação, ela emprega as relações da forma de expressão da nova semiótica,
que distingue em : 1) Aspecto sintático, a coesão de signos com outros signos;
2) semântico, a coesão de signo com objetos, cujo a designação é mantida e
3) pragmático–coesão situativa na qual o signo deve ser analisado, em cada
uso a partir da circunstância (caso concreto). Pode-se assegurar que atualmen-
te as práticas do pensamento comum preferem o aspecto sintático-semântico,
enquanto que o pragmático compreende apenas circunstancialmente, em torno
das discrepâncias existentes. Mas para se compreender esse ponto central será
preciso seguir a retórica da antiguidade e a sua referência à pragmática em
questão. Pois agora tenta-se refletir sobre os novos meios da situação prag-
mática que decorre sobre todo discurso na modernidade, pois a verdade na
modernidade é formada de forma dialética, abandonando o pensamento mí-
tico, por isso o árbitro não pode atender uma parte sem chamar a outra para se
manifestar. Busca-se uma maneira de pensar movendo-se dentro do discurso
SUMÁRIO
pragmático moderno (VIEHWEG, 2008, p. 109-111):
A) A sintaxe conduzia a elevada e popular hierarquia do signo, dentro
do sistema jurídico. Isso quer dizer que as leis não são mais divinas, mas
gera um forçoso sistema dedutivo baseado nas Leis, o que na arbitragem é
mais democrático, pois quando as partes escolhem as leis, os sistemas de-
dutivo pode ser negociado, gerando um controle maior das partes sobre o
resultado e consequente segurança jurídica. Isso quer dizer que a arbitragem
é um campo em que os axiomas são negociados pelas partes, enquanto que
pela justiça pública são impostos e criados pela interpretação dos juízes. A
axiomatização excessiva sempre foi vista com maus olhos pela doutrina
alemã, também qualificada de política judiciária, adstrita de modo que fosse
ela consultada e referida na situação para além da sintaxe, na discussão, por
fim situativa e pragmática.
Com efeito elementos da linguagem jurídica como metalinguagem, que
apenas representa a linguagem jurídica do objeto da qual se ocupa. A autonomia
do domínio do objeto é encontrada e descrito o pensamento jurídico. Na juris-
prudência, o engenhoso Ihering fornece exemplo dessa arte seja teoria dos con-
tratos, na propriedade e outros conceitos jurídicos fundamentais, clausulas em
abertos que devem ser preenchidas a cada caso concreto, portanto combatendo
a axiomatização. Contudo serve de base para um modelo de pensamento que
conduz o jurista a uma convicção, em quanto resultado justo, com segurança
suficiente, ainda que sobre o significado das palavras dos textos jurídicos cor-
respondentes, isso por que o significado se encontra-se na base estabelecida,
no procedimento e não é conhecido apenas na sua relação com os outros, mas
também num esforço dialético. Em contraposição divide-se tal convicção em
verdade, numa simplificação evidentemente não reconhecida e participa em
parte da prática jurídica, que se desenvolve de outro modo: o que é aceito no
caso como justo, infere-se sobre uma situação de comunicação, que sucede por
meio de textos jurídicos, que é uma tarefa necessária no aperfeiçoamento da
investigação jurídica, no modo de pensar situativo com todos os meios, com
objetivo de se tornar confiável e controlado, o que certamente não é possível,
pois se pode substituir a semântica jurídica pela semântica científica-social ou
outra. Assim a analise da situação de discurso permanece vinculado a primeira
tarefa chamada a evitar a restrição e isolacionismo do positivismo jurídico,
com o auxílio do modo de pensar não situativo, mas de livre interpretação em
cada caso. A arbitragem também utiliza o mesmo processo, quando na escolha
da câmara permite-se utilizar os seus precedentes, mas menos situativa quando
autoriza o arbitro a agir com equidade.
Outro fator importantíssimo para preservar o procedimento é indepen-
dência dos árbitros. Desde a antiguidade o assunto mereceu guarita e foi am-
plamente discutida entre os judeus para evitar episódios de independência
e fraude na arbitragem.
SUMÁRIO
A literatura conhecida como Responsa Rabínica contém normas regu-
ladoras de escolha dos árbitros, como a vedação de escolher um amigo ínti-
mo ou inimigo de uma das partes, a proibição às partes de expor seu caso
apenas ao árbitro por ele escolhido sem a presença do outro, a não ser que
se trate de um lugar onde se tornou costumeiro que cada uma das partes apre-
sente o seu caso a seu próprio árbitro (DOLINGER, 2003, p. 15).
Se os árbitros tiverem dúvida sobre algum aspecto jurídico, podem con-
sultar a corte rabínica, mas esta só lhes orientaria sobre as leis, sem lhes dar
uma solução, pois esta deve ser encontrada pelos próprios árbitros, nos quais
as partes depositaram sua confiança (DOLINGER, 2003, p. 16).
Se os árbitros não conseguirem decidir, devem renunciar, podendo as
partes, escolher outros árbitros (DOLINGER, 2003, p. 17).
Se os árbitros julgarem além das questões submetidas pelas partes ou
além do prazo fixado para conclusão da arbitragem, a decisão, tanto num
caso como no outro, é inválida a decisão (DOLINGER, 2003, p. 18).
No caso específico da conciliação pode ser processada por duas e até
por uma pessoa e aceita como procedimento prévio, onde as partes poderiam
negociar os critérios da arbitragem (DOLINGER, 2003, p. 19).
CONCLUSÃO
Diante do exposto, a arbitragem perdeu parte de seu potencial de harmoni-
zação dos planos individuais de ação, mediante a quantidade de violações
éticas e a ausência de um sistema objetivo de verificação desses desvios.
A questão ignora o esforço histórico na construção do caminho ético
que percorrer a arbitragem, na construção de um direito capaz de reformular
sistemas jurídicos e muitas das vezes preterido pelas partes para fugir do
próprio autoritarismo estatal.
Os antigos percorreram o caminho na criação de procedimentos menos
autoritários combatendo sofismas e evitando fraudes. A credibilidade do
instituto depende dessa nobre construção que é o fruto do próprio processo
de evolução da humanidade.
Existindo duas partes litigando sobre um processo discursivo, a com-
provação da verdade deve sofrer a imposição de normas éticas, salutares
para não banalizar o instituto da arbitragem.
Na Grécia somente o grego homem e senhor de propriedades era con-
siderado igual. Com a modernidade, a dialética passou a buscar a verdade
através de um diálogo plural, que reivindicou normas com validade univer-
sal, como o princípio da não contradição e dever de fundamentação no dis-
curso. A fundamentação exigiu argumentos racionais e provas científicas,
mudando a nossa forma de encarar a realidade.
SUMÁRIO
Naturalmente surgiu a preocupação com a independência dos julgadores
que deveriam aplicar as leis ao caso concreto, gerando decisões que expres-
sem a isonomia e a imparcialidade estatal. No Brasil, quando é arguida e sus-
peição e o impedimento de um juiz, a exceção é julgada pelo próprio magis-
trado da causa com base em critérios subjetivos. Na arbitragem brasileira não
é muito diferente, quando a independência do arbitro é contestada.
A questão é que na arbitragem internacional, uma vez levantado dúvidas
sobre a independência do árbitro, existem critérios objetivos para avalizar a
sua independência. Nessa situação, as partes também julgam a suspeição ou
impedimento, caso contrário recairá a possibilidade da ação de nulidade
sobre a causa. A IBA, desde 1987, tem realizado estudos e pesquisas de forma
a restaurar a confiança no instituto arbitral, por meio da elaboração de dire-
trizes e regras voltadas para a atuação dos profissionais do direito.
As diretrizes apontadas, dispõe sobre o relacionamento entre as partes
e seus representantes, entre os representantes das partes e entre os advogados
e os árbitros. Entre as partes e seus advogados não deve haver a existência
de conflitos de interesses, assim como não deve existir entres os árbitros e
os representantes das partes.
São as partes que decidem sobre a mantença ou não dos árbitros em
caso de revelado o impedimento dentro do prazo de 30 dias, portanto pre-
servando o procedimento dialético.
As normas ainda disciplina sobre a comunicação entre os árbitros e os
representantes dos contraentes, que não deve se dar com a ausência da outra
parte. Estão previstos, inclusive, direcionamentos quanto à oitiva de testemu-
nhas e de experts, bem como as condutas a serem adotadas quando da escolha
do rol de testemunhas e da indicação dos peritos e forma de agir com esses.
As diretrizes sobre a representação das partes, com as quais se constata
uma forte preocupação com a ética no procedimento arbitral e em questões
anteriores, como a escolha de árbitros e a conduta com os seus clientes, e
com a própria eficiência desse.
Não menos importante são as Regras sobre a Produção de Provas, que
são regras sobre o aspecto probatório da arbitragem internacional. Foi ela-
borada com base em pesquisas estudos realizados pelo Comitê da IBA es-
pecializado na prática, voltado para o procedimento arbitral, que possuía
2.300 membros espalhados em 90 países. Nesse sentido, cuida de aspectos
ético e procedimentais sobre a produção de prova na arbitragem, possuindo,
bem como as anteriores, destaque para casos de conflitos de interesses entre
os experts e testemunhas e demais participantes do procedimento arbitral.
Desprezar esses preceitos e princípios construídos historicamente é des-
prezar o potencial democrático que a arbitragem possui, onde as partes ele-
gem os árbitros, escolhem a legislação aplicada e arbitro pode decidir com
base em normas corporativas internacionais. Com efeito, se o procedimento
SUMÁRIO
ético for devidamente observado, a decisões arbitrais podem se transformar
em costumes, que pela repetição poderão acabar positivados, revelando-se
numa ferramenta de reconstrução de sistema jurídicos.
SUMÁRIO
NOTAS
1
Apodiáco – que é científico.
2
Apodexis – ciência.
REFERÊNCIAS
BORN, Gary. International Arbitration: Law and Practice. Kluwer Law In-
ternational, 2012
SUMÁRIO
GP 23 – SISTEMA PENAL E
RELAÇÕES RACIAIS
Coordenação: Riccardo Cappi, Felipe da Silva
Freitas e Ana Míria dos Santos Carvalho
Carinhanha
SUMÁRIO
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PESSOAS PRIVADAS
DE LIBERDADE SOBRE A ATUAÇÃO DA POLÍCIA
MILITAR DO PARÁ
Rosália do Socorro da Silva Corrêa
Doutora em Sociologia pela UFPB
Professora da Universidade da Amazônia (UNAMA)
Belém, PA. Contato: rosallyaco@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
A Teoria das Representações Sociais se concentra na produção dos saberes
sociais, constitui-se na análise da construção e transformação do conhecimen-
to social, destacando que este “saber” se refere a qualquer saber produzido no
cotidiano e que pertence ao mundo social. (JOVCHELOVITCH, 1998).
O encontro cotidiano da sociedade com a polícia é marcado pela com-
plexidade das situações com as quais a organização policial lida e com o re-
torno que a sociedade espera dessa organização. Levando em conta o ele-
vado grau de discricionariedade que envolve essa atividade constata-se a
dificuldade em avaliar o resultado das ações policiais nas ruas. Entretanto,
a despeito dos obstáculos que envolvem essa avaliação, a opinião pública é
usada para avaliar a performance da polícia, pois a confiança sinaliza a efi-
ciência (HURST et al 2000 apud BEATO; SILVA, 2013).
Com base na opinião da população mudanças são implementadas, re-
cursos são direcionados de acordo com interesses coletivos e pode ocorrer
a implementação de novos programas ou a melhoria daqueles já instituídos.
Beato e Silva (2013) quando discutem acerca da confiança na polícia afir-
mam que baixo o nível de confiança na instituição policial afeta a legitimi-
dade das ações dessa instituição, e isso dificulta a cooperação e eficiência
da atuação policial, pois “o controle do crime não depende meramente da
ação isolada da polícia, mas também da cooperação da comunidade”.
No atual contexto de violência e criminalidade crescentes na cidade,
somos impelidos a buscar proteção e, na via pública, contamos com a polícia
ostensiva como um aparato de segurança, embora ainda não estejamos cer-
tos de que a população, ou parte dela, realmente acredita na eficiência do
desempenho policial.
É na prática profissional os policias militares demonstram os valores
apreendidos, por isso é importante que seja averiguado o tipo de conduta reve-
lada na prestação de serviço à sociedade, partindo das representações sociais
SUMÁRIO
dos indivíduos ou grupos sociais que mantêm proximidade com a atividade
policial, reunindo saberes provenientes do senso comum, dotados de uma
orientação prática que guia a conduta própria do grupo estudado. Esses ele-
mentos de senso comum – opiniões, crenças, atitudes, informações – cons-
tituem o conteúdo básico da representação.
A pesquisa foi motivada pelas mudanças decorridas da reformulação
do Sistema de Segurança Pública do Pará, no final da década de 90, que
transformou a Polícia Militar tradicional em Polícia Cidadã, orientada pelos
princípios de cidadania, garantia de direitos, aproximação da comunidade
e defesa dos direitos humanos. O principal objetivo foi verificar, cerca de
dez anos após as mudanças, se a PM-PA estava atuando com base no padrão
de policiamento cidadã. Para isso seria necessário buscar, nas interações so-
ciais (mesmo aquelas amparadas nos conflitos), o conhecimento sobre essa
atuação. Para tal foram selecionadas pessoas que convivem, no seu cotidia-
no, com o trabalho da polícia, devido à relação com a criminalidade, o que
corresponde à prática de atos criminosos. O critério adotado para a seleção
foi o contato dessas pessoas com a atuação policial, a partir da implantação
da “Polícia Cidadã”.
A realização da pesquisa ocorreu em dois momentos distintos. Em
2007, quando foram entrevistados 12 (doze) pessoas privadas de liberdade
do sexo masculino, de diferentes idades, que cumpriam penas pelos mais
variados tipos de crimes, em condição de regime semiaberto, na Colônia
Penal Agrícola de Santa Izabel – CPASI. E foi retomada no primeiro semes-
tre de 2017, quando foram entrevistados 10 (dez) homens, com idade entre
19 a 60 anos, que aguardavam a sentença na Central de Triagem da Cidade
Nova, localizada no município de Ananindeua-PA. Em ambos os momentos
foram aplicadas entrevistas com roteiro semiestruturado.
O estudo se valeu da análise do conteúdo das entrevistas e indicou con-
dutas marcadas pelo abuso de poder, uso excessivo da força e corrupção. A
noção de que o tratamento dado ao criminoso admite excessos, por que de
outra forma não seria obtido o resultado desejado é uma prática que alimenta
a ideia de que o uso excessivo da força e/ou da violência pode ser justificado.
Com vistas a favorecer um melhor entendimento acerca dessa discus-
são, brevemente apresentada na primeira seção, denominada Introdução, o
artigo discorre na segunda seção, sobre as mudanças que ocorreram a partir
da reformulação da Segurança Pública do Estado, com destaque para as ino-
vações introduzidas na PM-PA para torna-la uma Polícia Cidadã; e, a terceira
sessão valoriza as representações sobre a atuação policial, das pessoas pri-
vadas de liberdade, que permitem avaliar se o modelo de polícia que está
atuando na sociedade paraense segue os princípios de uma polícia cidadã.
SUMÁRIO
2 MUDANÇAS NA SEGURANÇA pÚBLICA E UMA NOVA
pROpOSTA DE pOLÍCIA MILITAR
Conhecida como um ramo da administração pública, a Polícia é uma insti-
tuição que trabalha cotidianamente e diretamente e com a população. O art.
144, § 5º, da Constituição Federal de 1988 delimita claramente as atividades
e as funções das polícias, na seguinte redação:“§ 4º – às polícias civis, diri-
gidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a compe-
tência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares.§ 5º – às polícias militares cabem a polícia os-
tensiva e a preservação da ordem pública.” Entretanto as funções policiais
ultrapassam essas atribuições constitucionais, e alcançam outras atividades
que, direta ou indiretamente, influenciam no cotidiano das pessoas, e favo-
recem pensamentos e ações que criam representações sobre essa atuação.
Com um passado político dotado de especificidades, nos diferentes
contextos históricos, a exemplo dos períodos colonial, imperial, republicano
e, especialmente, o período truculento do regime militar, a polícia brasileira
apresentava um padrão de comprometimento institucional, que visava a
atender apenas aos interesses do poder político, ou seja, estava a serviço de
pequenos grupos, como as oligarquias na Colônia; a corte no Império; a nova
classe dominante na República, e os militares, nos períodos em que eles as-
sumiram o poder. O Estado - Nação e o capitalismo reforçaram a legitimi-
dade desse poder, fortalecendo ainda mais os privilégios de poucos, o que
perdurou durante décadas e se mantém na atualidade.
As Polícias Militares brasileiras foram criadas como “força auxiliar do
exército” e, portanto, seguiram os mesmos pressupostos de ação no que se
refere à hierarquia e disciplina, adotando também a forma de treinamento,
as técnicas de combate e o aperfeiçoamento tático desse segmento das For-
ças Armadas.
No período da ditadura militar, a atuação da Polícia Militar e da Polícia
Civil refletia tacitamente a condição sob a qual elas surgiram. As blitz, as
prisões, as formas de flagrante, as “táticas de depoimento” e a obtenção de
informações de acusados, sinalizavam um nível de organicidade e agressi-
vidade, típicas da formação militarista do Exército.
No Pará, um exemplo dessa prática foi o tratamento oferecido pela PM
estadual, conjuntamente com o Exército, na repressão aos envolvidos na
Guerrilha do Araguaia1. Seguindo esta tendência, a década de 80 anunciava
o recrudescimento dos conflitos de Terra, ocasião em que a Policia Militar
paraense mostrou dúbia participação em episódios que envolveram latifun-
diários e posseiros, em certos momentos, protegendo as propriedades de
ocupações indevidas, em outros, executando operações marcadas pelo uso
da violência contra membros dos movimentos sociais do campo (sem-terra,
garimpeiros e índios), que disputam os recursos de áreas conflituosas.
SUMÁRIO
Na referida década, as regiões sul e sudeste do Pará registravam eleva-
dos números de conflitos fundiários e atingiam variados segmentos sociais.
Também eram comuns os conflitos nas áreas de garimpos em decorrência
das acirradas disputas em torno da exploração das riquezas do subsolo, e do
domínio das áreas onde era realizada a garimpagem, a exemplo de Serra
Leste, a qual, em setembro de 1998, foi ocupada pelas tropas da PM-PA para
impedir a ocupação por garimpeiros que avançavam em direção a essa área
concedida para a exploração da empresa Vale do Rio Doce (como era deno-
minada naquele período).
Entretanto, o advento da redemocratização, na década de 80, exigiu
mudanças de comportamentos e, a partir de então, não era mais concebido
o modelo de privilégios, apadrinhamentos, indicações propostas pelos go-
vernos ou representações de governos nas polícias e truculência no trato
com a sociedade. Foi necessário dar uma resposta à sociedade, que começou
a exigir um tratamento policial respeitoso aos direitos do cidadão.
A legitimidade constitucional com o retorno à democracia trouxe exi-
gências quanto à composição, estruturação e legitimidade dos cargos ocu-
pados pela polícia no Brasil, e isso promoveu muitas mudanças na trajetória
das organizações policiais. A Polícia Militar, com base na hierarquia e na
disciplina, redefiniu suas ações, a partir da tentativa de desvencilhamento
do regime militar; e a Polícia Civil reconduziu suas ações para a investiga-
ção de fatos que comprometessem a ordem social.
Dessa maneira, a Constituição brasileira de 1988, considerada Consti-
tuição Cidadã, fomentou a necessidade de uma nova mentalidade nas polí-
cias do Brasil, e a sociedade civil, estimulada pela conquista dos direitos de
cidadania, garantidos pela Constituição, aliou-se a organizações governa-
mentais e não governamentais, exigindo mudança de perfis, e arregimen-
tando novas perspectivas. Desde então, as iniciativas de reformulação ins-
titucional têm sido notórias nas polícias brasileiras, o que não significa
excelência em termos de garantia dos direitos fundamentais e de serviços
policiais, pois o cenário atual ainda está muito aquém do ideal.
Na década de 90, precisamente no ano de 1997, com a reformulação
do Sistema de Segurança Pública do Pará, surgiu a proposta de “Polícia Ci-
dadã”, um modelo de polícia mais preventivo e menos reativo, com vistas
ao atendimento da sociedade de forma mais próxima e sem manifestar re-
sistência ao acesso da população. A polícia de proximidade agiria junto com
a comunidade, ouvindo suas queixas e permitindo que suas ações fossem
orientadas pelos problemas registrados pela população.
Entretanto, apesar do estímulo à atuação cidadã em detrimento do mo-
delo repressivo de polícia, os grupos defensores dos Direitos Humanos ainda
discutem acerca das contradições existentes na forma de atuação da PM-PA,
pois, mesmo agindo num contexto democrático, com uma nova dinâmica de
SUMÁRIO
relações políticas e sociais entre as classes, persistem as práticas militares
(ação de tropa, com rígida obediência às hierarquias) em detrimento à ação
tipicamente policial.
Em termos legais, a Constituição Federal estabelece que a Polícia Mi-
litar e o Corpo de Bombeiros são instituições organizadas com base na hie-
rarquia e disciplina (art. 42. Redação dada pela Emenda Constitucional nº
18, de 1998).
No âmbito Estadual, dentre as leis que disciplinam a PM-PA, se desta-
cam a Lei nº 5.251, de 31 de Julho de 1985, que dispõe sobre o Estatuto dos
Policiais Militares; a Lei Complementar nº 053/ 2006, que dispõe sobre a
organização básica e fixa o efetivo da PM-PA (lei orgânica da PM-PA); e a
Lei nº 6.833, de 13 de fevereiro de 2006, que institui o Código de Ética e
Disciplina da PM-PA.
A Constituição Estadual assim a define:
SUMÁRIO
Parágrafo único. A PMPA é órgão da administração direta do Estado, com
dotação orçamentária própria, autonomia administrativa e funcional.
(PARÁ, 1989).
SUMÁRIO
o Detran-PA, facilitando o acesso do usuário a esses serviços emergenciais
por meio da ligação para o telefone 190;
• integração entre as polícias civil e militar por meio das Zonas de Po-
liciamento ZPOLs (atualmente Área Integrada de Segurança Pública (Aisp);
O bandido fica a mercê da polícia, e quando ele fala para o público as pes-
soas sempre duvidam do que ele diz, só acreditam naquilo que a polícia
conta. Não acreditam que somos sempre torturados e espancados no mo-
mento da prisão. Uma vez, quando me pegaram, o policial perguntou assim:
quantos anos tu tem? Eu disse: tenho trinta e seis. E ele falou: então tu vai
pegar trinta e seis borrachadas. Ele me bateu dentro da viatura. Eu sei que
ele não pode fazer isso. É contra os meus direitos, mas se eu contar ele vai
dizer que estou mentindo e quem vai dizer que não? Aí eu não falo nada.
(Homem de 42 anos, preso na Colônia Heleno Fragoso,2007).
Ainda vai demorar muito pra polícia ser cidadã. Eles são bandidos. [...] no
bairro onde eu morava, antes de ser preso, vende droga, quando a polícia vai lá,
para pegar o “acerto” na boca, e o cara não quer dar, eles espancavam muito o
cara. Eu assisti muitas vezes isso. Todo mundo vê lá na rua, mas vai falar pra
quem? (Homem de 54 anos, preso na Colônia Heleno Fragoso, 2007).
Aqui a gente é tratado como bicho, não tem nem remédio, a gente chama di-
zendo que tem alguém passando mal, mas ele nunca vêm” (Depoimento de
um custodiado, 2017).
Quando eles prendem o cara, e o cara não tem dinheiro, eles metem a droga no
bolso do cara. Na hora do julgamento eles mentem pro juiz e o cara é conde-
nado. polícia cidadã não é como esta que chega batendo, corrompe e solta
lá adiante. (Homem de 54 anos, preso na Colônia Heleno Fragoso, grifo meu).
Falam tanto de polícia cidadã, não sei que polícia é essa. Aqui a polícia bate,
tortura e até mata, se for preciso e depois diz que os presos se estranharam e
acabaram se matando. Nos momentos de revista eles batem só por que tem
vontade de bater, mesmo que não se esteja fazendo nada, eles passam e dão
com o cassetete na nossa cabeça. Parece que eles gostam de fazer isto. Mas têm
uns que eles não mexem, são aqueles que dão o serviço pra eles e combinam
os negócios fora da casa de pedra. Na prisão tem vários regulamentos. Apanhei
muito na prisão, quebraram os meus dentes, fiquei quarenta e cinco dias sem
andar, de tanto que apanhei. As coisas que a minha família mandava, não me
entregavam. Apanhei de cabo de aço, passei seis anos na área de isolamento e
depois me tornei um preso muito ruim, tinha arma dentro da prisão que era
dada pelos próprios agentes. Todo mundo me respeitava, lá de dentro eu co-
mandava tudo. Na prisão só vi brutalidade e corrupção da polícia. Uma polícia
cidadã seria justa e humana. Não existe polícia cidadã. (Homem de 43 anos,
preso na Colônia Heleno Fragoso, 2007, grifos meus).
5 CONSIDERAÇõES FINAIS
A população que utiliza os serviços policiais ainda clama por uma polícia que
respeite os seus direitos e a proteja das ações prejudiciais ao seu bem-estar. E
mesmo aquela parcela que sofre a exclusão social e, por isso, não é reconhecida
e nem ouvida, está atenta para a forma de atuação policial e para a violação dos
SUMÁRIO
direitos que a Constituição Federal lhe assegura. A consciência do excluído
está emergindo, a despeito de toda a indiferença que a neutraliza.
A inovações que emergiram das mudanças na PM-PA, na década de 90
não garantiram uma atuação orientada pelos princípios da cidadania e pelo
respeito aos direitos humanos, que continuam sendo violados em algumas
situações durante o exercício da função.
Com a base no sentido que o grupo pesquisado atribuiu à atuação da
PM-PA, enquanto Polícia Cidadã podemos concluir que há um reconheci-
mento comum quanto ao desacordo entre o tratamento que a polícia oferece
na prestação do serviço policial e a proposta de polícia cidadã; as atitudes
violentas e arbitrárias ainda são comuns na relação da polícia com a popu-
lação, em especial com os grupos estigmatizados e excluídos da sociedade
ordeira; a corrupção é também uma marca da atividade policial e, em alguns
casos, aproxima os lados opostos, criminosos e policiais que se juntam para
consagrar acordos que, em geral são sempre mais lucrativos para a parte que
representa a lado “bom” .
Nesse cenário convém refletir sobre quanto tempo ainda será necessário
para que se possa contar como uma atividade policial desempenhada por agen-
tes respeitosos, consciente do seu papel numa sociedade de direitos e com ca-
pacidade para entender que não se trata de combater os inimigos da sociedade,
mas compreender a complexidade social, de onde emanam as desigualdades,
os conflitos, as disputas, as lutas por espaço e oportunidades que possam per-
mitir a permanência e manutenção da vida. E nesse contexto de luta perma-
nente, algumas pessoas desviam dos padrões considerados socialmente acei-
táveis e seguem suas próprias normas, mas não podem ser julgados e
sentenciados, previamente, por quem não foi confiada a tarefa de fazê-lo.
A pesquisa mostrou que as primeiras entrevistas foram realizadas dez anos
após a implementação da chamada Polícia Cidadã e o resultado apontou para
uma atuação em descompasso com esse modelo de polícia. O segundo momen-
to da pesquisa, exatamente dez anos após o primeiro momento mostrou que a
atuação não avançou em direção ao padrão de policiamento cidadão, como foi
previsto na reformulação do Sistema de Segurança Pública do Pará.
SUMÁRIO
NOTAS
e do norte de Tocantins para uma guerrilha rural, sob a orientação do Partido Co-
munista do Brasil (PC do B), com o objetivo de derrubar o governo.
REFERÊNCIAS
BRUNI, José Carlos. Foucault: o silêncio dos sujeitos. Tempo Social, Revista
de Sociologia. USP, São Paulo: 1 (1), 1. Sem. 1989
SUMÁRIO
____________. Revista da Polícia Militar do Pará, ano 1, Belém, abril de
1998.
SUMÁRIO
GP 24 – SISTEMA PENAL E
MOVIMENTOS SOCIAIS
Coordenação: Augusto Jobim do Amaral e
Lucas e Silva Batista Pilau
SUMÁRIO
POLÍTICAS DE AUSTERIDADE E O CASO DA
PRIMAVERA SECUNDARISTA NO BRASIL EM 2016: A
REALIZAÇÃO DE UMA “NOVA RAZÃO DO MUNDO”
NA CONTEMPORANEIDADE
Fernanda Martins
(Doutoranda em Ciências Criminais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Cri-
minais da PUCRS, mestre em Teoria, Filosofia e História do Direito pela Programa de
Pós-Graduação em Direito - UFSC, Bacharel e licenciada em História – UFSC, bacharel
em Direito – UNIVALI, professor de Criminologia UNIVALI e pesquisadora vinculada
ao Grupo de Pesquisa CNPq “Criminologia, Cultura da Punição e Crítica Filosófica”
coordenado pelo prof. Dr. Augusto Jobim do Amaral)
SUMÁRIO
Palavras-chave: Criminalização; “Primavera Secundarista”; Governamen-
talidade, Neoliberalismo.
1. CONSIDERAÇõES INICIAIS
O presente trabalho busca realizar uma leitura introdutória sobre o “movi-
mento secundarista” no Brasil a partir da obra de Pierre Dardot e Christian
Laval, tendo em conta a necessidade de conectar os processos de criminali-
zação de movimentos sociais e a sua vinculação com o agenciamento da go-
vernamentalidade política, econômica e social do Estado, pensadas sob o pa-
radigma de uma razão neoliberal de mundo (DARDOT; LAVAL. 2016), é
que surge este texto. Há, portanto, urgência em se pensar a operacionalidade
de mecanismos de agência do Estado neoliberal na realização de seus desíg-
nios. Para este estudo, essa atuação pode ser compreendida em dois momen-
tos fundamentais e indissociáveis entre si: um momento inicial, em que há
um alinhamento das agendas do Estado com políticas de austeridade; e um
momento seguinte, uma segunda investida, em que o Estado utiliza-se de seu
braço forte, o monopólio do uso da violência, para neutralizar as forças de
resistência que se colocam na contramão da realização desses desígnios.
O caso que se está buscando compreender, sob o paradigma de uma
razão neoliberal de mundo, é o fenômeno de repercussão nacional que ficou
conhecido no Brasil como “primavera secundarista”, bem como os proces-
sos que subjazem a sua criminalização. Para tanto, reputa-se fundamental
compreender as suas pautas, assim como o contexto político, econômico e
social em que estavam inseridas à época. Dentre as diversas pautas que en-
sejaram a emergência do movimento, busca-se apresentar no presente tra-
balho alguns indícios dos significados e da implicância da Proposta de
Emenda Constitucional 241/55 (PEC 241/55), que, aprovada em 13 de de-
zembro de 2016 pelo Senado Federal, instituiu um novo regime fiscal no
Brasil, estabelecendo um ambiente de restrições de investimentos de longa
duração e inviabilizando, dentre outros investimentos, o cumprimento das
metas do Plano Nacional de Educação (AMARAL. 2016. p. 653).
Como referido, entre outras pautas nacionais e locais, a PEC 241/55
foi um dos pleitos unificados entre estudantes Brasil afora. Irresignados com
os projetos autoritários de precarização do ensino público apresentados sem
debate democrático (AMARAL. 2016. p. 653), secundaristas decidiram não
se calar. Inspirados pelo movimento ocorrido em São Paulo no ano anterior
- em que estudantes opuseram-se com veemência à implementação do de-
nominado Projeto de “Reorganização” Escolar proposto pelo governador
SUMÁRIO
do Estado à época (AMARAL. 2016. p. 653) -, ocuparam escolas por todo
país. As ocupações fomentaram e deram corpo, assim, a um movimento de
defesa da educação pública frente aos desígnios estatais correntes. O empre-
go da tática da ocupação levou o movimento além. A “primavera secunda-
rista” foi, em si mesma, um convite ao debate sobre a experiência da vida pú-
blica amplamente considerada. Alijados do debate político democrático, os
“secundaristas” apropriaram-se de sua mais genuína condição de estudantes
por meio da ação direta, utilizando o espaço escolar como meio de retomada
dos direitos públicos de ensino, que à época colocavam-se em risco.
É precisamente essa a retomada de certa consciência de cidadania que
afeta os desígnios do Estado neoliberal: tudo aquilo que se coloca na contra-
mão da razão neoliberal de mundo, isto é, que representa um resistir às polí-
ticas de austeridade, acaba por ensejar a reprimenda do Estado. Sendo assim,
é numa tentativa local de resistência contra a atuação desses poderes que este
escrito propõe se situar.
Para tanto, o trabalho visa firmar os pressupostos teóricos norteadores
da pesquisa, buscando aproximar, a partir de uma perspectiva filosófica, a
ideia de razão neoliberal de mundo e os processos de criminalização dos
movimentos sociais, em particular os movimentos estudantis conhecidos
como “primavera secundarista” ocorridos no Brasil em 2016, explorando a
Proposta de Emenda Constitucional 241/55 enquanto política de austeridade
que ensejou, entre outras pautas, a emergência dos movimentos criminali-
zados pela agência do Estado neoliberal.
(...) somente poderia ser alcançada se, persistentemente, o PIB não tivesse
crescimento positivo – ou seja, fosse por longo período negativo – o que le-
varia, por ‘inanição’, os mesmos recursos financeiros de 2016, corrigidos
pelo IPCA, a atingirem o equivalente a 10% do PIB em 2024 (AMARAL.
2016. p. 662).
3. CONSIDERAÇõES FINAIS
Em síntese, é possível afirmar que o Estado neoliberal, ao contrário do que
se possa crer, é um Estado forte, que, atuando sob um paradigma de crise,
utiliza-se de planos de austeridade para promover a consolidação da razão
neoliberal de mundo como única forma possível de vida em sociedade.
Nesse contexto, o poder punitivo coloca-se como segunda via de atuação
estatal, quando a implantação das políticas neoliberais encontra formas or-
ganizadas de resistência. Utilizando-se do uso da força, o aparato estatal
mobiliza, através de do poder punitivo, dispositivos de poder de criminali-
zação secundária, para neutralizar o esforço contra-hegemônico empregado
por indivíduos que organizam-se na contramão da realização dos desígnios
do Estado neoliberal.
Dentre outros discursos mobilizados, o discurso jurídico é instrumen-
talizado na afirmação e na manutenção de uma realidade antidemocrática,
que esvazia o debate político democrático silenciando vozes e neutralizando
corpos ousam constituir formas alternativas de subjetivação na tentativa de
inventar novas formas de vida. Nesse sentido, reputa-se de fundamental im-
portância apontar o titeriteiro, para reconhecê-lo, pois somente assim será
possível desvencilhar-se.
SUMÁRIO
NOTAS
“As despesas primárias são todas aquelas despesas realizadas pela União,
excluindo-se as relacionadas ao pagamento de juros, encargos e amortização das
1
dívidas internas e externas (JEAD) (...) São aquelas despesas associadas ao paga-
mento de pessoal e encargos sociais, outras despesas correntes (água, luz, telefone,
limpeza, vigilância, terceirizados, material de consumo etc.), investimentos (equi-
pamentos, material permanente, construções etc.) e inversões financeiras (aqui-
sição de imóveis etc.)”. (FÓRUM 21. 2016. p. 10).
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neo-liberalismo em ata-
que ao ensino público. Tradução Maria Luiza M. de Carvalho e Silva. Lon-
drina: Planta, 2004.
SUMÁRIO
O CONTEXTO NEOLIBERAL COMO INFLUÊNCIA NAS
MANIFESTAÇÕES GLOBAIS 1
Cássia Zimmermann Fiedler2
Roberta da Silva Medina3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
No ano de 2011, manifestações eclodiram pelas mais diversas partes do
globo, como no Norte da África, Egito, Líbia, Espanha, Inglaterra, Estados
Unidos da América, entre outras. Um dos principais motivos por trás dessa
combinação de acontecimentos foi a crise financeira que atingiu o cerne do
capitalismo global, tendo como seu marco temporal meados de 2008 e, como
consequência, o colapso no sistema financeiro mundial, vindo a atingir pri-
meiro os EUA4.
Foi no ano de 2001 que aconteceu a valorização dos imóveis america-
nos conjuntamente com uma brusca queda de juros, o que estimulou os ban-
cos a oferecerem créditos e financiamentos para pessoas de baixa renda. O
mercado de imóveis oferecia casas de alto padrão para pessoas que não pos-
suíam qualquer tipo de garantia financeira e esses, então, efetivavam a com-
pra por meio da obtenção dos créditos disponibilizados pelos bancos. No
ano de 2005, houve um aumento na taxa de juros para conter a inflação,
evento que acabou desvalorizando esses imóveis que foram chamados de
subprimes5. Já na metade do ano de 2007, foram feitas políticas monetárias,
em uma tentativa frustrada de não deixar os bancos e instituições financeiras
sucumbirem, deixando, assim, compradores à deriva (SILVA).
Enfim, a crise dos subprimes poderia ser descrita como: “uma transição
entre uma crise da dívida privada e uma crise da dívida pública, sob o efeito
de mercados especulativos não controlados” (DARTOT; LAVAL, 2016, p.
27). Esses fatos ameaçaram não só a economia americana, mas a economia
global, que em grande medida, depende dos Estados Unidos. Como resultado,
bancos faliram e houve a derrocada de instituições financeiras e até mesmo
de países, como a Grécia6. Vale ressaltar: a crise afeta também o contexto
árabe, assim, influenciando manifestações que surgem no cenário do Oriente
Médio e do Norte da África, conjuntura denominada “Primavera Árabe”7.
Porém, não se tratava de uma simples crise econômica, e sim, do apa-
recimento de sintomas que evidenciavam algo muito mais profundo. Ficou
explícito que o problema está no modo de governo neoliberal8, que controla
a economia e a sociedade, buscando generalização do mercado e da concor-
rência. Assim, a crise é resultado, em medida geral, da aplicação de políticas
que estimulam essa concorrência.
Apesar dos “ocupas” nascerem nas mais diversas partes do mundo,
cada um com suas especificidades, que expressam as necessidades próprias
de cada localidade, ficou claro que cada demanda explanada demonstrava
uma aversão ao capitalismo contemporâneo e como ele se articula. Na con-
juntura, é perceptível uma variedade muito grande de pessoas participando
do rompante, pessoas com as mais diferentes concepções de vida9 se reu-
nindo em um ato angustiado para expressar seu descontentamento com as
estruturas que produzem desigualdade social e miséria. “São todos (os mo-
SUMÁRIO
vimentos sociais descritos anteriormente) reações contra as múltiplas face-
tas da globalização capitalista” (ŽIŽEK, 2013, p. 104).
Em geral, ocupavam lugares como avenidas, praças, prédios públicos,
gerando um incômodo à ordem estabelecida. Foram manifestos caracteri-
zados, também, pelo uso perspicaz das redes sociais, que desenvolveu, ex-
traordinariamente, a dimensão do movimento. Di Felice define as manifes-
tações como “movimentos sociais em rede” ou “movimentos net-ativistas”.
(DI FELICE, 2013. p. 49-71)
Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo traçar um panorama
geral em relação às manifestações sociais que surgem no cenário mundial
antes das jornadas de junho no Brasil. Há, portanto, uma tentativa de com-
preender se, de fato, o cenário mundial influenciou as manifestações brasilei-
ras de 2013. Existem conexões e semelhanças concretas, ou as manifestações
no Brasil têm motivos e causas próprias, sem qualquer relação ou influência
com o contexto global? Essa é a provocação que move esse trabalho.
Muitos jovens nos EUA sentem que todos os aspectos de suas vidas, como o
tipo de sapato que compram, a música que escutam, ou a comida que comem,
são de alguma forma controladas por poucas e poderosas megacorporações.
Foi assim que começamos: precisamos de uma mudança de regime suave na
América e como podemos realizá-la. (LASN)
O Egito foi o segundo grande receptor de ajuda externa dos Estados Unidos
durante décadas, depois de Israel (sem contar os fundos gastos nas guerras e
ocupações do Iraque e Afeganistão). O regime de Mubarak recebeu cerca de
2 bilhões de dólares ao ano desde que assumiu o poder, em sua imensa maio-
ria para as forças armadas. Onde foi parar esse dinheiro? Em geral, foi para
empresas estadunidenses. O dinheiro vai para o Egito e logo volta para pagar
SUMÁRIO
aviões F-16, tanques M-1, motores de aviões, mísseis, pistolas e latas de gás
lacrimogêneo. 19
SUMÁRIO
Em síntese, as razões para o surgimento e desenvolvimento deste fe-
nômeno são bastante complexas. Seguindo a linha de pensamento de Revila
e Hovanyi:
SUMÁRIO
O movimento, iniciado com um caráter progressista, posteriormente
abrangeu conservadorismos e reacionarismos presentes na sociedade bra-
sileira43, que, em sua maioria, reproduziam discursos e generalizações da
origem da crise no campo moral do já batido standart da corrupção, atri-
buindo essa como característica inerente somente aos políticos, aos partidos
e ao congresso44. Esta posição, altamente reducionista, reverbera um co-
modismo classificatório, além de ressalvar para diversas formas de fascis-
mo, no campo da negação da política. Deste modo, é claro que não havia
uma coexistência totalmente mansa entre os manifestantes – tratava-se de
uma esquerda radical e uma direita conservadora coexistindo no mesmo
contexto. Como dirá Scherer-Warren, nossa “democracia, ainda bastante
emergente, dificulta a negociação democrática de grupos antagônicos, como
os que estiveram presentes nas manifestações”45.
É neste cenário, então, que existe a atuação de um dos grandes proble-
mas do país: a polícia. Desde o primeiro ato a polícia agiu de forma vergo-
nhosa e violenta. A ditadura militar qualificou de maneira bruta a violência
institucional das polícias contra seus opositores46, e essa lógica segue até
hoje. Há um “inimigo a ser vencido”, que supõe um adversário em busca do
poder. O método empregado inicialmente para dissuadir e neutralizar este
suposto “inimigo” é o de enquadramento criminal47 de suas condutas – se
este não é possível, a resposta é a repressão pura e simples ao movimento48.
A sujeição do manifestante a construção da figura do vândalo/delinquente/ini-
migo - utilizado pelo discurso da “grande mídia” – é fundamental para a
compreensão da razão pela qual, no seio de uma democracia (ao menos for-
mal), é possível instalar-se determinadas práticas/mecanismos de poder,
como, por exemplo, a utilização da violência e de prisões arbitrárias. Dessa
forma, é necessário entender os mecanismos de poder que estão postos, que
se mantém através de prisões, criminalizações e construção de um “inimigo
violento” por parte da imprensa.
Em uma tentativa breve de analisar a criminalização das jornadas de
junho através de uma lente foucoultiana, poderíamos apontar diversas me-
didas coercitivas para inibir e reprimir o movimento. A governabilidade do
Estado, utilizada como meio de gestão de vidas, não está somente sustentado
pelas estruturas centrais de poder, mas também pelas operações de poder
que atuam no cotidiano – chamadas de “microfísica do poder”. O controle,
em suma, passa por várias instâncias de maior ou menor grau na sociedade.
Uma das funções do sistema criminal é, através da figura do delinquente e
da prisão, obter o domínio das informações sobre criminalidade e como as
formas de infringir a lei são realizadas, para então, geri-las. Diante de sua
procedência desconhecida há uma consequente utilização do sistema penal.
Neste contexto, há a percepção de um novo agente no cenário, os cha-
mados black blocs – a eles “foi atribuída maior parte das ações, apesar desse
SUMÁRIO
ter sido apenas mais um grupo dentro do fenômeno.”49. Sendo assim, todos
os manifestantes, de certa forma, passam a ser relacionados com a figura
dos Black Blocs. Com esse processo de subjetivação do indivíduo por parte
do estado, as manifestações, que inicialmente foram vistas como positivas,
passam ter características negativas. Manifestantes passaram a ser vistos
como criminosos e inimigos.
Nesse sentido, o Estado criou, dentro de sua compulsão biopolítica de
gestão de vidas, a figura do inimigo, causando medo na população – medo
este, que acabou sendo gerado pela ação estatal, por meio da polícia e pela im-
portante atuação midiática. A sensação de perigo desumaniza o outro, tornan-
do sua vida descartável (nua, afinal), e essa lógica permite a inserção de téc-
nicas de vigilância e controle, que são vistas como necessárias pela sociedade
– daí surge sua aceitação. Enfim, a polícia em seu papel de introduzir pessoas
no sistema criminal sendo testemunha de atos “violentos”, pois estavam pre-
sente nas manifestações, conjuntamente com a mídia que espalha notícia sobre
a o perigo que os manifestantes representam, criam, então, o cenário perfeito
para presença repressiva do estado com apoio intenso da população.
Neste paradigma, necessária a disposição para a alteridade. Pensar em
outra possibilidade dentro de um padrão capitalista não é fácil, pois, aos fa-
zermos isso, estamos de certa forma nos “auto incriminando”. A saída mais
fácil é, justamente, criminalizar o outro, atribuir a ele tudo que há de ina-
ceitável em nós mesmos. Fundamental, portanto, o reconhecimento de nossa
condição e co-pertencimento a uma sociedade na qual a injustiça, a violência
e o crime não são restritos apenas à alguns grupos. Quanto maior a indispo-
sição das pessoas em conceberem o outro como outro e se abrirem a uma
nova realidade, maior será a criminalização e repressão dos aparelhos en-
carregados para esta função utilizados pelo Estado50.
IV CONCLUSÃO
Em síntese, poderíamos dizer que existiu grandes semelhanças em relação
aos três movimentos expostos. As pessoas, com uma imensa diversidade de
características, aderiram aos movimentos sociais em massa, assim, as ma-
nifestações chegaram a abranger extremos das sociedades. Existiu, também,
um processo de rejeição daquilo que estava posto, sem a definição concreta
do rumo que tomariam as manifestações. Manifestações essas, que nos três
casos, foram articuladas, em grande medida, através de redes sociais. Para
a organização dos movimentos, as redes foram extremamente importantes
para a estruturação da população, facilitando o amplo acesso de informações
e trazendo a capacidade de articulação de grandes grupos.
Por último, em uma análise mais ampla, constata-se que a causa última
dos movimentos descritos anteriormente é a mesma: os efeitos diários do
SUMÁRIO
neoliberalismo. Ele transformou de forma abrupta o capitalismo e, conse-
quentemente, as sociedades. Tratamos de um sistema que se estende sinuo-
samente e influencia esferas em nível global (mas também individual), pro-
pagando uma lógica do capital para todas as relações humanas, dificultando
assim ações coletivas, já que todos os indivíduos são submetidos a uma con-
corrência que percorre integralmente os níveis da existência humana. Assim,
se “quisermos ultrapassar o neoliberalismo, abrindo uma alternativa positi-
va, temos que desenvolver uma capacidade coletiva que ponha a imaginação
política para trabalhar a partir de experimentações e das lutas do presente”.
(DARTOT; LAVAL, 2016, p. 9).
SUMÁRIO
NOTAS
SUMÁRIO
é induzir imediata e diretamente certa conduta com relação aos outros: a da con-
corrência com os outros, vistos como empresas de si mesmos”. 9 (DARDOT, Pier-
re & LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo - Ensaio Sobre a Sociedade
Neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 27).
das populações pobres e dos países periféricos etc.” (DARDOT, Pierre; LAVAL,
Christian. A Nova Razão do Mundo, p. 28)
táticas que permitem exercer essa forma bem específica, embora muito complexa,
de poder que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a
economia política e por instrumento técnico essencial os dispositivos de seguran-
ça. Em segundo lugar, por “governamentalidade” entendo a tendência, a linha de
força que, em todo o Ocidente, não parou de conduzir, e desde há muito, para a
preeminência desse tipo de poder que podemos chamar de “governo” sobre todos
os outros – soberania, disciplina – e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento
de toda uma séria de aparelhos específicos de governo [e, por outro lado], o de-
senvolvimento de toda uma série de saberes. Enfim, por “governamentalidade”,
creio que se deveria entender o processo, o\u antes, o resultado do processo pelo
qual o Estado de justiça da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o
Estado administrativo, viu-se pouco a pouco “governamentalizado” (FOU-
CAULT, Michel. Segurança, território e população: curso dado no Collège de
France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008, pp. 143-144).
SUMÁRIO
oficiais e por grande par te da mídia ocidental como se fossem iguais às revoluções
de veludo “pró-democracia” no Leste Europeu: um desejo de democracia liberal
ocidental, um desejo de ser como o Ocidente. É por isso que surge inquietação
quando se vê que existe outra dimensão nos protestos que estão acontecendo por
lá, uma dimensão à qual se costuma referir como demanda por justiça social.”.
ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. São Paulo, Editora Boitem-
po, 2012, pg. 77.
Nos meados de 1920, a região, que já tinha sido por muito tempo um
campo de ação comum ou rivalidade para cinco ou seis potências europeias, era
17
de julho de 2017.
SUMÁRIO
A juventude, além de enfrentar o desemprego, era tida como “não empre-
gável” pela falta de incentivo do governo para atividades voltadas aos setores in-
21
deste mundo”. AMIN, Samir. Primavera Árabe? Temporalis, Brasilia, ano 10,
n.20, p.221-252, jul./dez. 2010.
SUMÁRIO
BIJOS, Leila. SILVA, Patrícia Almeida da. Análise da primavera árabe:
um estudo de caso sobre a revolução jovem no Egito. Revista CEJ, Ano XVII, n.
27
de Campinas, São Paulo. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 16, n. 47, 2016, p. 135.
Democrático.
SUMÁRIO
Vide pesquisa completa do Ibope sobre os manifestantes. Publicado em
G1, São Paulo, 2013. Acessado em: 15 de julho de 2017. Disponível em:
35
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/06/veja-integra-da-pesquisa-do-ibope-
sobre-os-manifestantes.html
nidade”. Essa norma impõe a cada um de nós que vivamos num universo de com-
petição generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar em luta eco-
nômica uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo do
mercado, obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o
indivíduo, que é instado a conceber a si mesmo e a comportar-se como uma em-
presa.” DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio
sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016, pg. 16.
SUMÁRIO
MARICATO, Ermínia. É a questão urbana, estúpido! Cidades Rebeldes.
Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, 2013,
42
Para valer-se desta lógica, utiliza-se até mesmo acusações forçadas, que
“desafiam o processo de descrição/subsunção a tipos de injusto penal, como o de
48
49
Ibidem.
nico] / Vitor Cei; Leno Francisco Danner; Marcus Vinícius Xavier de Oliveira;
David G. Borges (Orgs.). - Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2017.p. 111.
SUMÁRIO
SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Criminologia e alteridade: o pro-
blema da criminalização dos movimentos sociais no Brasil. Revista de Estudos
51
REFERÊNCIAS
AMARAL, Augusto Jobim do. Polícia e democracia. O tempo que resta das
jornadas de junho de 2013. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 6,
n. 2, p. 174-195, jul.-dez. 2014.
AMIN, Samir. Primavera Árabe? Brasilia, Temporalis, ano 10, n.20, 2011.
SUMÁRIO
Cidades Rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do
Brasil. São Paulo, 2013, Boitempo.
SUMÁRIO
RS: Editora Fi,2017.
ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. São Paulo, Editora Boi-
tempo, 2012
SUMÁRIO
GP 25 – POLÍTICAS PUNITIVISTAS
E ALTERNATIVAS AO SISTEMA
PENAL
Coordenação: Kátia Mello e Andréa Ana do
Nascimento
SUMÁRIO
A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E O SEU PAPEL NO
COMBATE À VIOLÊNCIA POLICIAL
Andrea Ana do Nascimento1
Fernanda Koch Carlan2
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo abordar o instituto da audiência de custódia como
possibilidade de mecanismo de combate à violência policial no Brasil. Nesse
sentido, a presente pesquisa tratará sobre uma das finalidades da audiência
de custódia, qual seja, a de verificar as condições pessoais (físicas ou psíqui-
cas) do cidadão privado de liberdade, em razão de eventual violência policial
que tenha sofrido quando da sua prisão em flagrante, bem como buscará com-
preender em que medida essa apuração da violência policial em audiência de
custódia combate a violência praticada pelos agentes policiais.
O debate sobre violência policial se evidencia em razão de uma heran-
ça autoritária sempre presente na sociedade brasileira, denominada por Pi-
nheiro (1991) como autoritarismo socialmente implantado.
Outra concepção que reforça a violência policial no Brasil diz respeito
à forma com que o Estado exerce o seu controle social na contenção da cri-
minalidade, legitimando a utilização de práticas repressivas e abusivas
pelas forças de segurança em detrimento de práticas que visem à prevenção
da criminalidade.
Costa (2004), em estudo sobre a violência policial, aqui, mais especi-
ficamente, sobre a violência, afirma que o problema não é o conflito social,
que surge em razão de elementos dissociativos da sociedade, mas sim os
mecanismos sociais disponíveis para dirimi-lo. Assim, a violência policial
existente no Brasil, ainda que muitos autores não entendam se tratar de uma
política deliberada do Estado, é uma política, no mínimo, omissa no que diz
respeito às práticas violentas cometidas pelos agentes policiais para com os
cidadãos mais estigmatizados pela sociedade.
Nesse contexto, buscaremos demonstrar que a audiência de custódia,
se bem utilizada (levando em consideração as garantias que visa assegurar),
se apresenta como mecanismo para dirimir as omissões do Estado no que se
refere à violência policial praticada contra os cidadãos presos em flagrante.
A audiência de custódia é garantia prevista em diversos Tratados Inter-
nacionais de Direitos Humanos e tem como finalidade exercer um controle
SUMÁRIO
imediato da legalidade e necessidade da prisão em flagrante, bem como de
verificar a situação pessoal do indivíduo privado de liberdade, em razão de
eventual tortura ou maus tratos policiais que tenha sofrido quando da sua
prisão. Por oportuno, utilizamos a Convenção Americana dos Direitos Hu-
manos como base normativa da presente pesquisa. A CADH, também co-
nhecida como Pacto San José da Costa Rica, a qual o Brasil é signatário
desde 1992, dispõe em seu artigo 7.5 que “Toda pessoa presa, detida, ou re-
tida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra auto-
ridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)”.
Há de se considerar, nesse sentido, que a audiência de custódia já se
consagrou no Brasil e se projeta como um paradigma internacionalmente
aceito de processo penal justo que busca humanizar o processo penal brasi-
leiro (PAIVA, 2015), ainda que não exista legislação nacional tratando sobre
o tema da audiência de custódia, embora a Resolução 213/2015, do Conse-
lho Nacional de Justiça já tenha se consagrado no Brasil a fim de dispor
sobre o instituto em âmbito nacional.
Nessa linha, antes de apresentar os resultados da pesquisa empírica, cabe
fazer um breve debate sobre violência policial no Brasil e, posteriormente,
analisar de forma mais cuidadosa em que contexto a audiência de custódia
surge no Brasil, seu papel e possibilidade no combate à violência policial.
Ainda, referem os autores que essas chacinas, pelas quais se tem notícia
em razão da repercussão midiática, não são práticas excepcionais, haja vista
que os abusos praticados pelos policiais ocorrem com frequência no coti-
diano das periferias.
Destarte, o Estado acaba por legitimar o uso da violência ilegal para
com as classes estigmatizadas como inimigos da sociedade (Zaffaroni,
2015), quais sejam as classes mais pobres.
Parte da população que sofre essa repressão pelo Estado (com o apoio
da sociedade) vive em constante regime de exceção paralelo, expressão uti-
lizada por Pinheiro (1991), que reside na ideia de que para pobres, miserá-
veis e indigentes, estigmatizados pela sociedade e que constituem a maioria
da população brasileira, existe um ininterrupto regime de exceção paralelo,
independentemente de se estar vivenciando as formas de regime autoritário
ou democrático.
Nessa perspectiva e, de acordo com Silveira (2015), a herança autori-
tária, somada às demandas punitivas presentes na sociedade brasileira em
razão do aumento da violência urbana, bem como em razão da forma repres-
siva com que o Estado controla essa criminalidade, fazem com que as ins-
tituições de segurança pública exerçam suas atribuições de forma ilegal,
SUMÁRIO
agravando um padrão de atuação violento que já faz parte da história social
e política das instituições policiais.
A Constituição Federal Brasileira prevê, no artigo 144, que é dever do
Estado tratar das questões relacionadas à Segurança Pública. Logo, é o Es-
tado quem legitima e autoriza a utilização da força física pelos agentes de
segurança pública “para a preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio.”
Nesse sentido, manifesta Bueno (2014, p.511) que “A instituição poli-
cial constitui o principal mecanismo encontrado pelo Estado moderno de
garantir a manutenção da lei e da ordem, tendo, portanto, a prerrogativa do
uso da força como ato legítimo e constitutivo de sua função”.
Tal entendimento remete ao monopólio estatal legítimo da violência,
conceituado por Weber como um elemento fundamental para a conservação
do Estado. Para Weber (1992, p.98), o Estado é uma relação de homens, de-
tentores do poder, dominando outros homens, que se mantém por meio da
violência legítima.
Nessa perspectiva, Adorno e Dias (2014, p. 192) questionam se faz sen-
tido falar, atualmente, na “fórmula weberiana” de monopólio estatal da vio-
lência no Brasil, tendo em vista que a violência endêmica está cada vez mais
propagada na sociedade brasileira, a exemplo do tráfico de drogas e armas.
E em resposta a esses crimes, a violência policial ilegítima no exercício os-
tensivo de suas funções ao reprimir tais crimes.
O resultado da violência endêmica, tendo como foco a violência poli-
cial, gera na sociedade um descrédito para com a polícia e o sistema crimi-
nal, tendo em vista que os abusos excessivos praticados pelos policiais di-
ficilmente são encaminhados e apurados pela justiça, sendo os casos
extremos, mas não raros, de lesão corporal ou morte convertidos em autos
de resistência ou autos de resistência seguida de morte e, quando feitas as
denúncias contra os policiais, acabam por ser arquivadas. De acordo com
Sudbrack (2008, p.58), invertem-se, assim, os papéis, pois a vítima do as-
sassinato passa a ser a autora de um delito de resistência.
Tamanho é o número de incidentes registrados nas delegacias brasilei-
ras como autos de resistência e resistência seguida de morte, que foi publi-
cada uma Resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia e Conselho
Nacional dos Chefes da Polícia Civil no Diário Oficial da União no início
do ano de 2016 a fim de abolir dos boletins de ocorrência e inquéritos poli-
ciais os termos autos de resistência e resistência seguida de morte, pois ge-
néricos e carregados de omissão por parte de quem os lavra.
Muniz e Proença Jr. (2014, p.500), constatam que quando há descrédito
dos cidadãos para com a polícia, suas atividades passam a ser vistas como
um instrumento de opressão, não havendo mais aceitação da população
quanto às soluções policiais. “Nesses casos, a polícia passa a ser percebida
SUMÁRIO
como invasora, uma força de ocupação: ilegítima, ainda que possa estar le-
galmente respaldada”.
Sobre as consequências dessa depreciação para com os agentes de se-
gurança pública, Sérgio Adorno e Camila Dias (2014, p. 194) referem que
“recai sobre as instituições responsáveis pela distribuição e aplicação das
sanções aos culpados de crimes e práticas violentas”, apelando os cidadãos
para a segurança privada, muitas vezes ilegal, ou até mesmo para a justiça
com as próprias mãos.
Desta forma, constata-se que a violência policial é muitas vezes impu-
tada aos próprios agentes de segurança pública em razão de uma falta de dis-
ciplina dos mesmos, sem a observância de que tal comportamento é, segun-
do Sudbrack (2008), consequência de uma política deliberada do Estado.
Zaccone (2015, p. 26), afirma que o uso da força policial ao patamar
de massacre tem a compactuação de diversos setores, referindo que “para o
arquivamento de qualquer inquérito policial se faz necessária uma decisão
do detentor da titularidade do direito de ação, o Ministério Público, com in-
tervenção do juiz de direito como fiscal do princípio da legalidade”, não po-
dendo o inquérito ser arquivado pela própria autoridade policial, conforme
dispõe o artigo 14, do Código de Processo Penal.
Seguindo essa linha, o autor utiliza a expressão “forma jurídica da le-
talidade estatal”, sob o entendimento de que se está diante de execuções su-
márias legitimadas também pelo sistema penal (Ministério Público, Judi-
ciário, etc.).
Assim, o(des)controle do Estado em relação à violência policial, ato
ilegítimo de uso excessivo da força praticado por agentes de segurança pú-
blica, pode ser compreendido em razão da perda deliberada do monopólio
estatal sobre o uso legítimo da violência, na medida em que o próprio Esta-
do, com a compactuação de diversos setores, se omite em alterar o panorama
da violência endêmica, mantendo-se estagnado.
[...] determinando sua realização nos casos em que: a) não tiver sido realizado;
b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tra-
tos se referir a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido
realizado na presença de agente policial, observando-se a Recomendação CNJ
49/2014 quanto à formulação de quesitos ao perito. (CONSELHO NACIO-
NAL DE JUSTIÇA, 2015).
Cumpre referir que nos cinco casos de lesões aparentes houve o ques-
tionamento pelo juiz(a) sobre a realização do exame de corpo de delito. Em
um desses casos, o preso não havia sido encaminhado para o Departamento
Médico Legal para a realização do exame antes da realização da audiência
de custódia. Nos outros quatro casos, houve a realização do exame de corpo
de delito após as agressões, porém, todos os presos alegaram que os policiais
estavam presentes no momento do exame. Assim, nos cinco casos referidos,
a defesa dos presos requereu que fosse (re)feito o exame.
Em dois dos pedidos de novo exame de corpo de delito, os presos solici-
taram que o exame não fosse refeito, logo, não fosse a violência apurada, em
razão do receio que tiveram em ser perseguidos pelos agentes policiais, pois
em ambos os casos, os custodiados alegaram que conheciam os policiais res-
ponsáveis pela agressão. Num dos casos, o juiz, em conjunto com a defesa e o
preso, entenderam que era melhor não realizar novamente o exame, ante a ale-
gação de possível “perseguição” pelo policial para com o indivíduo (esse foi
um dos casos em que o preso alegou enxerto de drogas quando da sua prisão
em flagrante). No outro caso, o juiz manteve o pedido de realização de novo
exame de corpo de delito, por entender que a agressão sofrida foi gravíssima.
Ainda, nos sete casos restantes em que os indivíduos mencionaram ter
sido vítimas de violência policial, mas sem lesões aparentes, não houve
preocupação dos operadores da audiência de custódia em apurar a violência
narrada em cinco deles. Em apenas um, desses sete casos, o juiz(a) entendeu
por apurar a violência policial, haja vista ter o preso informado que reco-
nhecia os policiais que o agrediram. No outro caso, o preso foi questionado
se tinha interesse em apurar o abuso sofrido, momento em que respondeu
não querer apurar a violência policial enfrentada.
Acerca do perfil dos indivíduos que sofreram essa violência policial,
os operadores das audiências de custódia foram entrevistados – no mês de
outubro de 2016 - a fim de elucidar tais dados.
SUMÁRIO
O juiz entrevistado relatou não reconhecer um perfil recorrente dos ci-
dadãos que sofreram violência policial e foram apresentados em audiência
de custódia, mas refere que normalmente são pessoas pobres, negras, de baixa
escolaridade e baixa renda. Já o Promotor e a Defensora Pública entrevistados
não perceberam um perfil frequente nos flagrados apresentados em audiência
de custódia que alegaram ter sofrido algum tipo de violência policial.
Ainda, questionados sobre a vinculação entre o crime cometido e a vio-
lência policial sofrida, o promotor e o juiz entrevistados complementaram
suas respostas, relatando o promotor que os cidadãos que sofrem a violência
policial são os que normalmente cometem crimes de violência ou grave
ameaça, referindo o juiz que a violência policial tende a ser maior nos delitos
de roubo, tráfico de drogas e porte ilegal de arma, pois são os mais recor-
rentes em termos de flagrante. Não obstante, a Defensora Pública alegou
não perceber vinculação da violência policial com o delito praticado.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Ao questionar os operadores das audiências de custódia sobre a eficácia
dessa audiência no combate à violência policial, o juiz e a defensora pública
referiram que ainda não obtiveram retorno acerca do resultado dos encami-
nhamentos solicitados, ainda que as audiências tenham iniciado em julho
de 2015 na cidade de Porto Alegre.
Para o juiz entrevistado, questionar o cidadão preso em flagrante sobre
o cometimento de eventual violência policial sofrida “se não vai resolver,
tende a diminuir, criar consciência”, referindo-se ao fato de que o policial que
tem esse tipo de conduta começará a ter ciência de que a mesma será apurada
e vai evitá-la.
Já o promotor, ao ser questionado sobre a eficácia da audiência de cus-
tódia no combate à violência policial, aduziu não perceber tanta eficácia na
simples presença física do flagrado. Segundo ele, com o auto de prisão em
flagrante já seria possível averiguar a violência policial, bem como que ou-
tros mecanismos mais eficazes poderiam ser adotados a fim de combater
essa violência, a exemplo de não permitir que o mesmo policial que agride
seja o que conduz ao exame de corpo de delito.
Compreendemos até aqui, que os dados analisados não podem ser con-
siderado irrisórios, considerando a grave ilegalidade que cometem os agen-
tes policiais ao praticarem tais condutas.
SUMÁRIO
Nesse sentido, ainda que nem todos os casos de violência policial cons-
tatados em audiência de custódia tenham sido encaminhados para apuração
dos órgãos de controle externo e interno da atividade policial, notou-se uma
preocupação do judiciário em encaminhar para apuração dos órgãos da Pro-
motoria de Direitos Humanos, do MP-RS e Núcleo de Defesa em Direitos
Humanos, da DPE-RS, os casos de violência policial narrados pelos cidadãos
em que a lesão era aparente.
No entanto, ainda não há resultados a fim de concluir se os casos de vio-
lência policial constatados nas audiências de custódia e encaminhados para
apuração dos órgãos responsáveis estão sendo investigados a fim de respon-
sabilizar os agentes policiais que cometeram tais ilegalidades.
Nesse contexto, a eficácia da audiência de custódia no combate à vio-
lência policial se evidencia, na presente pesquisa, no sentido de dar visibi-
lidade a essas arbitrariedades, podendo uniformizar dados no Brasil inteiro
a fim de informar os órgãos necessários e, inclusive, a sociedade acerca
dessa violência policial, não deixando unicamente as corregedorias de po-
lícia (ou qualquer dos órgãos responsáveis pelo controle interno da polícia)
como responsáveis pela informação e apuração da violência policial.
Conclui-se que a audiência de custódia, por si só, não consegue comba-
ter a violência policial, problema complexo e estrutural, porém, se utilizada
em conjunto com outros mecanismos de controle da atividade policial, tende
a dar maior visibilidade e até mesmo minimizar a violência praticada.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento Na-
cional de Informações penitenciárias, INFOpEN – junho de 2014. Bra-
sília, 2014.
SUMÁRIO
A PRISÃO DE MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL
BRASILEIRO: JUÍZOS MORAIS E SUJEIÇÃO CRIMINAL
Profa. Dra. Christiane Russomano Freire
(GPESC/PUCRS)
SUMÁRIO
“... a regra prevista no art. 44 da Lei de Drogas é incompatível com o prin-
cípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal,
dentre outros princípios ... a lei estabelece um tipo de regime de prisão pre-
ventiva obrigatório, na medida em que torna a prisão uma regra e a liberdade
uma exceção ... a CF/88 instituiu um novo regime no qual a liberdade é a
regra e a prisão exige comprovação devidamente fundamentada”.
SUMÁRIO
dos magistrados, a concordância ou discordância dos agentes do Ministério
Público e, ainda, a provocação ou inércia por parte dos Defensores Públicos
ou dos defensores constituídos.
A breve exposição acerca da não efetivação dos direitos previstos às
mulheres encarceradas, por parte de importante parcela dos atores do campo
da justiça criminal, mesmo quando claramente definidos na norma ou na ju-
risprudência, reforça a premissa definida por Misse de que, a sujeição cri-
minal ocorre quando o sujeito de forma regular e extralegal se torna iden-
tificado com o crime em geral. Esses indivíduos (e suas extensões como tipo
social) se tornam assujeitados ao “crime”, mesmo quando este ainda não
tenha ocorrido (MISSE, 2006).
Além do estudo de natureza quantitativa capaz de estabelecer o percen-
tual de concessão ou não de tais direitos para as mulheres que cumprem pena
nos dois estabelecimentos prisionais pesquisados, nos últimos dois anos; será
realizado um estudo de natureza qualitativa que visa desvendar os conteúdos
discursivos que motivam ou obstaculizam a garantia de tais direitos por parte
dos atores do sistema de justiça, assim como os fluxos existentes no interior
das casas prisionais e, as concepções e práticas adotadas pelos gestores e ser-
vidores do sistema penitenciário quanto a efetivação desses mesmos direitos.
A questão penitenciária constitui um dos mais complexos desafios para
os gestores públicos e para o sistema de justiça criminal brasileiro, uma vez
que nos últimos anos o Brasil foi tragicamente alçado ao terceiro lugar no
ranking mundial nas taxas de encarceramento, sendo superado somente por
países como Estados Unidos, China e Rússia.
Segundo o levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário
Nacional – DEPEN - em dezembro de 2014, o país ultrapassou a marca de
622 mil presos, o que corresponde a taxa superior a 300 presos por 100 mil
habitantes, bem como atingiu o percentual de 40% de presos provisórios e,
o déficit de vagas superior as 250.318 vagas6. Tal fenômeno aparece profun-
damente agravado quando se volta o olhar para as taxas de encarceramento
feminino, que entre os anos de 2000 a 2014, enquanto a taxa total de aprisio-
namento aumentava 119%, a taxa de aprisionamento feminino aumentava
460%. E ainda, quando no ano 2000 a taxa de mulheres presas era de 6,5%
por 100 mil habitantes, em 2014 subiu para 36,4 por 100 mil habitantes.
O Brasil em 2014 contava com 37.380 mulheres aprisionadas, fato que
correspondia a 6,4% da população carcerária total e, fez com que o país ocu-
passe a quinta posição no ranking mundial de aprisionamento feminino,
sendo superado somente pelos Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia.
O percentual de aumento das prisões femininas entre 2007 e 2014, no Rio
Grande do Sul foi de 41% e, no Rio de Janeiro de 271%, enquanto o percen-
tual de prisões masculinas foi de 8% e 62%, respectivamente nos dois esta-
dos, no mesmo período (INFOPEN-MULHERES/2014).
SUMÁRIO
Sem desconsiderar as dimensões macro que definem tanto as políticas
de aprisionamento do sexo masculino como do feminino, o foco definido
na presente pesquisa torna indispensável o resgate das dimensões micro que,
singularizam as dinâmicas da segregação de mulheres. Nessa lógica é pre-
ciso considerar as características tanto do corpo biológico quanto da iden-
tidade de gênero, que carrega todas as expectativas selecionadas ao papel
social conferido às mulheres historicamente.
Em que pese se reconheça e rejeite a autoritária e artificial separação
dos sexos em duas categorias distintas, com a definição de papéis sociais
próprios e não raras vezes antagônicos, não é possível desprezar os efeitos
decorrentes dessa divisão, uma vez que ao produzir um amplo rol de repre-
sentações, simbologias e, valores morais potencializam os mecanismos e
técnicas que sobrecarregam o drama do confinamento feminino.
No que se refere ao aumento exponencial das taxas de encarceramento
feminino importante ressalvar que, se por um lado se constituem como uma
das principais dimensões das políticas mais genéricas do encarceramento
em massa, por outro apresentam aspectos bastante singulares, que explicam
o descompasso entre o percentual de aumento entre homens e mulheres nas
duas últimas décadas.
Além do fato de que na última década as taxas de encarceramento femi-
nino tenham superado em quatro vezes as taxas de encarceramento masculino
no Brasil, é preciso considerar que o percentual de homens presos em razão
do envolvimento com crimes relacionados ao tráfico de drogas era de 23%,
enquanto de mulheres era de 58%, conforme último levantamento do Depar-
tamento Penitenciário Nacional – INFOPEN/MULHERES, em 2014.
A recepção da política de guerra as drogas por setores majoritários das
agências responsáveis pela área da segurança pública é inquestionavelmente
a grande responsável pelo aumento desmedido do encarceramento feminino
no Brasil. No entanto, é preciso mencionar mesmo que brevemente alguns
fatores que contribuíram para o boom do aprisionamento feminino, confor-
me expõem a coordenadora do Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais (IBCCRIM), Bruna Angotti7:
SUMÁRIO
entrada cada vez maior das mulheres nos mercados de trabalho, tanto nos
formais quanto nos informais e ilegais... A necessidade de complementação
de renda é relatada como uma das principais razões de envolvimento das
mulheres com o mercado ilícito (em especial de drogas), no qual há igual-
mente divisão sexual do trabalho e às mulheres cabe ocupar postos precários
e arriscados, como o transporte de drogas tanto no âmbito doméstico quanto
internacional (mulas), bem como outras atividades na linha de frente, em es-
paços de mais fácil acesso e maior visibilidade perante o sistema de justiça
criminal. Nesse cenário, as mulheres pobres e negras, em sua maioria, pas-
saram a fazer parte de forma cada vez mais clara do filtro da seletividade do
sistema de justiça criminal (ANGOTTI, 2015).
SUMÁRIO
Corpus 104.339 de 2012 pelo STF, bem como da prisão domiciliar as presas
gestantes ou com filhos de até 12 anos de idade incompletos, conforme a
nova redação do art. 318 do Código de Processo Penal pela Lei 13.257/2016.
A ideia de averiguar os fundamentos e concepções que alicerçam as de-
cisões de reconhecimento ou não dos direitos das mulheres presas, tem como
objetivo produzir um diagnóstico que seja capaz não apenas de publicizar e
dar visibilidade ao tema, mas também de sensibilizar os atores das áreas cri-
minal e penitenciária acerca de necessidade premente de combater a viola-
ção de direitos individuais e coletivos impostos cotidianamente a esses su-
jeitos sociais.
SUMÁRIO
de substâncias entorpecentes - está a evidenciar concreto risco à ordem pú-
blica a tornar necessária a prisão preventiva e obstar a aplicação das medi-
das cautelares a que alude o art. 319 CPP”. A alteração legislativa aven-
tada, com o acréscimo, pelo Est. da 1ª Infância (Lei nº 13.257/2016) do
inciso V ao artigo 318 do CPP, contemplando a possibilidade da concessão
de prisão domiciliar à mulher com filho de até 12 anos de idade incomple-
tos, não tem a consequência de, diante da existência de prole de tal idade,
ser obrigatória a adoção de tal providência. Não fosse assim e teria o legis-
lador tornado imperativo o deferimento do benefício, o que não fez” (HC
70075125815, Rel. Honório G. S. Neto, 1ª CC do TJRS).
SUMÁRIO
pela prisão domiciliar, devendo ser analisado o caso concreto... No caso, em-
bora o filho da acusada tenha nascido na prisão e possua um ano de idade,
estando o mesmo sob seus cuidados no cárcere no momento, como informado
pela defesa, não restou comprovado que a soltura da paciente é imprescindí-
vel para os seus cuidados, bem como inexista pessoa da família capaz de cui-
dar do menor. Importante registrar, ainda, a conduta da paciente no momento
em que foi efetuada a prisão, que envolvia menor de idade no ilícito, sendo
condenada também por corromper dito menor. Ausência de constrangimento
ilegal” (HC 70071279509, Rel. José Antônio Cidade Pitrez, 2ª CC TJRS).
SUMÁRIO
A partir de diálogos preliminares com a equipe técnica e as gestoras
dos estabelecimentos prisionais pesquisados, identifica-se que um dos prin-
cipais obstáculos para a garantia do direito a prisão domiciliar nos casos pre-
vistos, reside na baixa intensidade do acesso à justiça por parte do conjunto
das mulheres presas.
No entanto, parece importante reafirmar que a significativa polarização
jurisprudencial encontrada na breve pesquisa junto as decisões das Câmaras
Criminais do TJRS no tocante a temática em questão, não somente legitima
a imprescindibilidade da abordagem, como demonstra os espaços existentes
no campo jurídico para o incentivo e, a criação de mecanismos capazes de
superar os obstáculos para a garantia de direitos.
Por fim, segundo mencionamos no início deste artigo, a pesquisa em
questão envolve diferentes dimensões e, encontra-se apenas no início, o que
significa que todos os dados, hipóteses e conjecturas apresentadas cumprem
mais o papel de demonstrar a importâncias da investigação, assim como de
instigar a participação, o debate e toda e qualquer produção que possa contri-
buir para retirar este tema tão caro as mulheres encarceradas da invisibilidade.
Logo, se trata ainda de uma provocação acerca da necessidade urgente
de aprofundamento analítico da temática proposta.
SUMÁRIO
NOTAS
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei
são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade pro-
1
654.372. Total de presos provisórios – 221.054 (34%), sendo que 29% estão presos
em virtude da suposta prática de delito de tráfico, 26% de roubo, 13% de homicí-
dio, 8% incurso nos delitos previstos no Estatuto do Desarmamento, 7% de furto,
4% receptação e 2% de violência doméstica. Disponível: http://www.cnj.jus.br/.
Acesso: 01.07.2017.
taxa de mulheres presas era de 6,5% por 100 mil habitantes e, em 2014 atingiu
36,4 por 100 mil hab. (aproximadamente 37.793 mulheres presas).
SUMÁRIO
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN
DEZ/2014. DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. Ministério da Justi-
6
Disponível em http://diplomatique.org.br/o-encarceramento-feminino-
como-ampliacao-da-violacao-de-direitos/
7
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do antropólogo: olhar,
ouvir, escrever. Revista de Antropologia, USP, v.39, no. 1, São Paulo, 1996.
SUMÁRIO
MISSE, Michel. Crime e violência no Brasil contemporâneo: estudos de so-
ciologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
NUNES DIAS, Camila Caldeira. PCC Hegemonia nas Prisões e Monopólio
da Violência. São Paulo. Saraiva. 2013.
SUMÁRIO
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: (IN)EFETIVIDADE NO
CONTROLE DAS PRISÕES E DA VIOLÊNCIA POLICIAL
Laura Gigante Albuquerque1
Daniela Dora Eilberg2
SUMÁRIO
Keywords: Police violence; Provisional arrests; Human rights; Bail hearing.
2 AS FINALIDADES E pOTENCIALIDADES DO
INSTITUTO DA AUDIêNCIA DE CUSTÓDIA
A implementação da audiência de custódia no Brasil é imprescindível, uma
vez observado o caos carcerário instaurado no país. O encarceramento mas-
sivo decorrente do abuso das prisões provisórias, e da cultura punitivista ar-
raigada nos magistrados, deságua na superpopulação e em inúmeras proble-
máticas de falta de insfraestrutura, saúde, higiene e violações constantes de
direitos humanos. A precariedade de estruturas favorece a faccionalização das
SUMÁRIO
prisões, mortes intencionais dos apenados e os reflexos das violações aos fa-
miliares que visitam - com destaque às revistas vexatórias a que são subme-
tidos constantemente os familiares dos apenados.
A solução simplista e insuficiente de produção de mais vagas no siste-
ma prisional em nada corrobora, pois, como alertou Zaffaroni (2007, p. 137)
“a solução não é construir mais cadeias, mas diminuir o número de presos”,
pois ela é meramente simbólica (BARATTA, 1991, p. 251-265) e não “re-
solve” o problema da segurança segurança pública. Prova maior disso é que
o índice de violência no quadro brasileiro segue em crescimento, ainda que
tenham aumentado os índices de aprisionamento.
A realidade brasileira é de hiperjudicialização das relações e, na esfera
penal, a lógica segue sendo a de aprisionamento, de modo a contribuir, cada
vez mais, com a superpopulação carcerária. Nesse sentido, a formação cul-
tural dos atores jurídicos é essencial. O punitivismo está arraigado na men-
talidade ainda muito inquisitória, de modo que a prisão vem como uma “res-
posta natural ao crime” (CARVALHO, 2010, p. 232). No entanto, as prisões
seguem empilhando corpos sem resolver a problemática da criminalidade.
Outro grave problema no contexto brasileiro são os altos índices de
violência e tortura policial. Esse problema tem sido periódica e insistente-
mente denunciado por organismos nacionais e internacionais que atuam na
defesa dos direitos humanos, embora, como se sabe, os casos registrados
correspondam a uma ínfima parcela do que realmente ocorre no cotidiano
das nossas delegacias e prisões (LEMGRUBER et al, 2003, p. 37). Recen-
temente, o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016 revelou que
em torno de 3.320 pessoas foram vítimas de mortes decorrentes da atuação
policial no ano de 2015. Ainda, segundo o relatório, a taxa de letalidade po-
licial do Brasil é maior que a de países como Honduras e África do Sul, cujos
índices de violência geral e taxas de homicídios dolosos são maiores do que
as brasileiras13.
De fato, o fim da Ditadura Civil-Militar e a redemocratização não
foram capazes de alterar “as estruturas da polícia, tradicionalmente com-
prometidas com a proteção das elites e do estado e a supressão dos conflitos
sociais” (AZEVEDO; NASCIMENTO, 2016, p. 654). Autores como Paulo
Pinheiro e Sérgio Adorno vêm denunciando que até o momento ainda não
houve, de fato, a instauração de um Estado Democrático de Direito, pois
persistem as graves e recorrentes violações a direitos humanos, “produtos
de uma violência endêmica radicada nas estruturas sociais, enraizada nos
costumes, manifesta, quer no comportamento dos grupos da sociedade civil,
quer nos agentes incumbidos de preservar a ordem pública” (PINHEIRO;
ADORNO, 1993, p. 107).
Nesse contexto, a audiência de custódia surge como um importante me-
canismo que visa a garantir o direito de todo cidadão preso ser conduzido
SUMÁRIO
imediatamente à presença de autoridade judicial, de modo a prover o con-
trole dos casos de maus tratos e tortura, além da análise da legalidade da pri-
são. Antes da implantação da audiência de custódia no Brasil, o controle das
prisões em flagrante era realizado por meio de expediente escrito, não havia
concepção de humanidade, apenas uma pilha de papéis à frente do magis-
trado. A autoridade policial lavrava o auto de prisão em flagrante e encami-
nhava ao Poder Judiciário para análise e homologação.
Assim, o expediente era recebido pelo plantão da autoridade judiciária
e analisava-se a (i)legalidade da prisão. A decisão fundamentava-se, basi-
camente, na palavra dos agentes policiais, de modo a conceder a liberdade
provisória ao cstodiado ou mantê-lo preso cautelarmente no transcurso do
processo. Assim, o que ocorria, era o processo de reificação, pois a burocra-
tização formalista e o distanciamento do juiz com a pessoa a ser julgada pro-
picia que ela deixe “de ser tratada como pessoa e passe a ser o mero objeto
do processo” (MASI, 2016, p. 42).
A audiência de custódia passa a ser implementada, ainda, como impor-
tante mecanismo a barrar o encarceramento massivo - no que diz respeito ao
controle das prisões provisórias -, conforme divulgado na época de lançamen-
to do projeto pelo Conselho Nacional de Justiça14. A sua imprescindibilidade
vem demonstrada, não apenas por seguir com o cumrpimento formal das di-
retrizes internacionais de respeito aos direitos humanos, como proporcionar
esse espaço mais humanizador dentro da prática do processo penal15.
Adentrando ao panorama internacional de direitos humanos, sublinham-
se os principais instrumentos normativos de proteção dos direitos humanos:
Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Conven-
ção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e De-
gradantes. No âmbito americano, a Convenção Americana sobre Direitos Hu-
manos (Pacto de São José da Costa Rica) possui maior destaque.
Ao analisar o conjunto normativo internacional, depreende-se a ade-
quação do Estado Brasileiro em cumprir com a expectativa do seu compro-
metimento com a comunidade internacional ao implementar a audiência de
custódia em todos os territórios brasileiros. Dentre os diplomas internacio-
nais ratificados pelo Brasil, destacam-se com a previsão acerca de tal insti-
tuto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Inte-
ramericana de Direitos Humanos (com referência aos dispositivos 9.3 e 7.5,
respectivamente). Ainda, sua previsão também está disposta nas novas re-
gras mínimas acordadas pela ONU (Regras de Mandela).
Em suma, a importância da audiência de custódia se faz evidente com
a sua dimensão na previsão normativa internacional e deve ser garantida a
SUMÁRIO
todos os cidadãos privados de liberdade. Portanto, o processo de implemen-
tação desse instituto representa uma importante adequação do Estado bra-
sileiro aos diplomas ratificados pelo país, de modo a assumir a obrigação
de respeitar e assegurar o livre e pleno exercício dos direitos e liberdades
convencionados, devendo adotar as medidas necessárias para conferir-lhes
efetividade (PIOVESAN, 2013, p. 333-334).
4 CONSIDERAÇõES FINAIS
Ao longo da presente pesquisa, buscou-se realizar um estudo sobre o insti-
tuto da audiência de custódia, uma relativa novidade no sistema de justiça
criminal brasileiro. O projeto da audiência de custódia foi lançado a partir
da iniciativa do Conselho Nacional de Justiça em 2015 e possibilitou a con-
cretização de um direito básico da pessoa presa. A audiência de custódia é
o momento de apresentação pessoal da pessoa presa ou detida perante uma
autoridade judicial, com a finalidade de possibilitar a fiscalização da lega-
lidade da prisão e de eventuais atos de tortura ou maus-tratos policiais. Trata-
se de um importante mecanismo, presente em diversos tratados internacio-
nais, que busca a coibição da violência policial e a concretização do direito
à vida e a integridade física e psicológica da pessoa presa. Contudo, é ne-
cessário destacar também que o novo instrumento ainda está em processo de
SUMÁRIO
implementação e, como não poderia deixar de ser, diversas são as proble-
máticas identificadas.
Um dos aspectos, acerca desse processo de implementação, explorado
ao longo deste trabalho foi a condução das audiências de custódia não ser
padronizada em todo o território brasileiro e, muitas vezes, se dar mediante
afronta ao direito de defesa, como nos casos em que a audiência é realizada
sem a presença de defensor ou quando não é proporcionado um momento
prévio de entrevista entre o custodiado e o seu defensor, sem a presença de
agentes policiais. Tais situações representam uma violação aos princípios
do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, sem os quais
um procedimento penal não possui qualquer validade.
Entre os demais pontos negativos dessa tardia e lenta implementação
da audiência de custódia, destacam-se a inexistência de sensibilidade por
parte dos magistrados ao conduzir as audiências, a falta de investigação dos
casos de tortura, bem como a supressão da garantia da apresentação pessoal
para um número significativo dos acusados. No que concerne ao primeiro
ponto, destaca-se que os atores jurídicos precisam ter uma capacitação e for-
mação em direitos humanos. A tortura e violência praticadas pelos agentes
estatais são de uma brutalidade já inserida e internalizada na sua atuação –
principalmente quando falamos da Polícia Militar. A polícia é preparada
para um tratamento ostensivo, como se estivesse em busca de um inimigo
(e este inimigo tem cor e classe social). Portanto, a forma de abordagem dos
atores jurídicos em relação ao assunto da violência policial é essencial para
a correta efetivação da audiência de custódia e concretização de todas as
suas finalidades.
Nesse sentido, apesar de sua internalização ser uma grande conquista,
a audiência de custódia ainda não se demonstra como uma garantia efetivada
e concretizada em nosso sistema de justiça criminal. Portanto, por mais que
tenham ocorrido avanços inegáveis, e a audiência de custódia se apresente
como um mecanismo viável no enfrentamento à violência policial e à bana-
lização das prisões cautelares, é necessário que haja um esforço por parte
de todas as instituições e atores envolvidos, para que o Brasil caminhe para
uma mudança de mentalidade judicial, a partir de um viés mais humanitário
do processo penal, identificada com a ratificação dos diversos tratados in-
ternacionais de direitos humanos.
A partir dos dados do CNJ, percebe-se que o projeto da audiência de
custódia no Brasil conseguiu prevenir diversas prisões cautelares desneces-
sárias, bem como identificar alguns casos significativos de violência per-
petrada por agentes estatais. Esta é uma conquista no caminho da luta contra
as violações de direitos humanos cometidas, principalmente, pelo Estado
em instituições tradicionalmente totalitárias e, consequentemente, na lógica
cruel do sistema penitenciário brasileiro. Nesse mesmo sentido, os dados
SUMÁRIO
oficiais permitem caminhar para a conclusão de que a audiência de custódia,
aliada a uma mudança de mentalidade dos atores jurídicos, pode ser um ins-
trumento em potencial para controlar o abuso da prisão provisória, preser-
vando o princípio da liberdade quando confrontado à excepcionalidade da
prisão cautelar e, ainda, que tal instituto possui um importante papel como
instrumento de preservação de direitos inerentes à pessoa humana e combate
à tortura.
No entanto, embora se queira ressaltar os aspectos positivos da imple-
mentação da audiência de custódia, não se pode deixar de atentar que há
ainda um longo percurso a ser seguido para a devida efetivação dessa ga-
rantia. A audiência de custódia é uma alternativa que, uma vez acompanhada
da política nacional de prevenção e combate à tortura e de mudança de pa-
radigmas, demonstra-se uma aposta de grande potencial para combater a
realidade de encarceramento em massa e das violações de direitos humanos,
tais como tortura e maus-tratos perpetrados por agentes estatais no cotidiano
do nosso sistema de justiça criminal.
SUMÁRIO
NOTAS
outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais [...]”.
por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável
ou de ser posta em liberdade. [...]”.
“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções ju-
5
diciais [...]”.
Um novo relatório do Infopen deveria ter sido divulgado neste ano de 2017,
mas até o momento não houve divulgação oficial dos dados pelo Depen. Estima-
7
Neste ponto, cabe ressaltar que a prisão cautelar, isto é, a prisão antes do
trânsito em julgado da sentença penal condenatória, deveria ser a exceção: de
8
SUMÁRIO
CNJ. Estudo “Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil”. Disponí-
vel em: <http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/diagnostico_de_pessoas_pre-
9
SUMÁRIO
CNJ. Dados estatísticos / Mapa de implementação. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-cus-
18
de 2017.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
Corte IDH. Caso Acosta Calderón vs. Ecuador. Disponível em: <http://bi-
blio.juridicas.unam.mx/libros/6/2607/13.pdf>. Acesso em: dezembro de 2017.
SUMÁRIO
de. Analisar alternativas à prisão: proposta para superar uma dicotomia. O
público e o privado, v. 26, p. 115-138, 2016.
SUMÁRIO
ENCARCERAMENTO E ALTERNATIVAS PENAIS NO
BRASIL – ELEMENTOS PARA UMA SOCIOLOGIA DA
PUNIÇÃO
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo,
Doutor em Sociologia UFRGS, Professor da PUC-RS
A
incarceration movements and the criminal policies adopted, as well as to
deepen the theoretical possibilities of interpretation of this data.
SUMÁRIO
Segunda a autora, a dificuldade das instituições públicas em lidar com
a crescente criminalidade ocasionava um sentimento social de impunidade.
Neste sentido, observa-se que o sistema tem como única alternativa de ação
a seleção de uma parte dos delitos para a apuração: além da imensurável
cifra oculta de delitos praticados, poucos casos apurados pela polícia são
transformados em processo penal, tanto pela dificuldade colocada pelas ine-
ficazes, ou dificultadas, ações policiais, quanto pela incapacidade institu-
cional de apurar todos os eventos criminais. Em decorrência disto, o pro-
cesso penal, que é instaurado em relativamente poucos casos, passa a ser
utilizado como um mecanismo de punição antecipada, já que a prisão ime-
diata poderia ser responsável pela construção de uma falsa noção de eficácia
do poder repressivo do Estado.
A prisão preventiva, modalidade que pode ser decretada durante o in-
quérito policial, deveria ser utilizada como garantia e proteção dos meios e
dos fins do processo penal somente em circunstâncias excepcionais. Porém,
na prática, esta modalidade apresenta números crescentes, já que passa a ser
utilizada como medida de proteção e defesa social, além de servir de elemen-
to representativo de uma falsa eficiência da ação institucional. Dessa forma,
a prisão preventiva deixou de ser utilizada (se é que algum dia o foi) apenas
como meio de garantir o andamento do processo e a execução das penas.
Através do universo analisado na pesquisa realizada, a pesquisa veri-
ficou que as decisões de manutenção ou não de uma medida de prisão pre-
ventiva, anteriormente decretada por juiz de primeiro grau, variam de acordo
com a ideologia seguida pelos desembargadores responsáveis pelo julga-
mento do pedido de relaxamento de tal medida. Pode-se concluir que nas
câmaras criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul existem di-
ferentes percepções acerca da prisão preventiva, suas prerrogativas e neces-
sidade de utilização. Observou-se a variação argumentativa dos desembar-
gadores entre dois pólos opostos: o que parte de uma visão garantista e outro
que segue a ideologia da defesa social.
Posteriormente, o CESEC-UCAM realizou pesquisa sobre o tratamen-
to judicial de acusados de tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro, pre-
sos em 2013 e julgados até 2015 (LEMGRUBER e FERNANDES, 2015).
A análise de 1.330 casos de pessoas presas em flagrante acusadas de tráfico
de drogas na cidade do Rio de Janeiro em 2013, com processos concluídos
até março de 2015 ressalta o uso excessivo e abusivo da prisão provisória e
os custos que isso acarreta para a sociedade em geral, assim como os danos,
muitas vezes irreversíveis, para os próprios presos. Um estudo mais detalhado
dos processos e sentenças de 242 presos em flagrante por tráfico revela ainda
o caráter inquisitório das ações movidas contra a maioria desses réus. Não
só há déficit de defesa, devido à fraca atuação da Defensoria Pública, como
boa parte dos juízes acata a Súmula 70 do TJRJ, que admite condenações
SUMÁRIO
baseadas apenas no depoimento de policiais. Apesar de alguns sinais posi-
tivos de mudança – como a realização de audiências de custódia para redu-
zir a prisão provisória e a presença de alguns (poucos) juízes que buscam
preservar as garantias constitucionais – os resultados da pesquisa mostram
que ainda prevalece uma visão marcadamente conservadora e preconcei-
tuosa em relação aos acusados de traficar drogas, na grande maioria réus
primários que não oferecem ameaça, porém pobres e desprovidos de “qua-
lidade” social.
Mais recentemente, o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com
o Ministério da Justiça e diversos governos estaduais, passou a estimular a
adoção da Audiência de Custódia como rotina dos tribunais estaduais para
apresentação dos presos em flagrante à autoridade judiciária no prazo má-
ximo de 24 horas após sua prisão e garantir que a manutenção da prisão se
configure apenas nas hipóteses estritamente necessárias. Medida aplicada
em consonância com o chamado Pacto de San Jose da Costa Rica, do qual
o Brasil foi signatário5.
Como colocado no edital do CNJ Pesquisa, “o acompanhamento coti-
diano da implementação dessas inovações, assim como a análise advinda
de pesquisas a respeito do tema, tem revelado que a prisão preventiva con-
tinua sendo a principal opção dos magistrados para substituir a prisão em
flagrante e, mais, quando fazem uso das medidas cautelares, os juízes o
fazem em substituição à liberdade, que poderia, seguindo os requisitos le-
gais, ser concedida sem condicionantes. Além disso, majoritariamente, a
fiança aparece como a medida cautelar de maior incidência nas decisões ju-
diciais, mesmo considerando que grande parte das pessoas presas em fla-
grante integra parcela da população em situação de vulnerabilidade social
e econômica”.
A pesquisa que estamos conduzindo se propõe a investigar os elemen-
tos estruturais e ideológicos que fomentam o uso abusivo da prisão provi-
sória no Brasil, levando em conta as diferentes realidades estaduais. Para
tanto, serão analisados dados gerais sobre as taxas de encarceramento e de
aplicação de penas e medidas alternativas nos diferentes estados da Fede-
ração na última década. Também serão analisadas as decisões dos Tribunais
de Justiça dos estados sobre temas que se relacionam com a aplicação de
penas e medidas alternativas à prisão e de cautelares no processo penal, em
substituição à prisão preventiva.
Parte-se do pressuposto de que a relação entre a prisão e as alternativas
que se propõem no seu lugar não é necessariamente de ruptura, mas também
de coexistência, continuidade e funcionamento recíproco. A hipótese é que
a expansão da utilização de alternativas penais não apresenta uma relação
direta e necessária com a redução na utilização da prisão, podendo inclusive
ocorrer a expansão tanto do uso da prisão quanto de formas punitivas diversas
SUMÁRIO
dela. No entanto, da eventual conclusão de que as alternativas penais não
romperam com a centralidade do cárcere não decorre que tais alternativas
sejam incapazes de qualquer ruptura.
Os efeitos produzidos por tais estratégias alternativas à prisão vincu-
lam-se tanto às interações entre as diversas tendências político-criminais
presentes na sua emergência e implementação, quanto às formas de com-
preensão acerca do crime e do criminoso que num dado momento orientam
a sua configuração específica. Assim, se é relevante questionar o que as al-
ternativas penais “fizeram”, ou seja, qual o impacto de sua implementação
na redução do encarceramento, é igualmente relevante questionar “o que se
fez” com as alternativas penais, ou seja, de que modo os atores envolvidos
na sua produção e implementação, bem como nos demais espaços do campo
judicial, buscaram conduzir, implementar ou se opor às medidas cautelares
diversas do encarceramento.
A partir de Foucault (2009), tomando o discurso como uma prática
entre outras práticas existentes no campo do controle do crime, podemos
dizer que, em um dado momento, condições de possibilidade semelhantes
atuam na produção de práticas tanto discursivas quanto não discursivas. O
discurso não é a representação de uma ação que ocorre em outro lugar, mas
mudanças em uma prática discursiva indicam mudanças em outros pontos
do campo do controle do crime, como nos posicionamentos de seus atores
e nas práticas não discursivas que são implementadas ou afastadas. Analisar
as maneiras como o crime e a punição são enunciados pelos atores da polí-
tica criminal quando falam em medidas cautelares diversas da prisão, bem
como acerca das audiências de custódia, fornece, portanto, indicações sobre
como as alternativas penais são pensadas e postas em funcionamento por
esses atores.
Propomos pensar as alternativas penais à prisão como instrumentos em
uma luta política, elementos táticos inseridos em jogos de força, atravessa-
dos por relações de poder-saber, que se integram a dispositivos jurídico-le-
gais, disciplinares e de segurança. São técnicas que tem sua especificidade
entre outros processos de poder, compreendido como uma estratégia, cujos
efeitos de dominação atribuem-se a manobras, táticas, a funcionamentos
(FOUCAULT, 2004, p. 24-6). Ao mesmo tempo em que possibilitam a re-
sistência a certa configuração do poder punitivo, as alternativas penais so-
mente se constituem enquanto possibilidade de resistência por não se en-
contrarem “fora” da configuração de poder a que se contrapõem, mas
justamente num dos pontos em que ele é exercido e que por aí mesmo pode
ser reconduzido.
Somente colocando em evidência os modos de funcionamento das alter-
nativas penais nesses jogos de forças nos quais se constituíram e se mantém
é que podemos pensar e produzir outros modos de funcionamento, alternativas
SUMÁRIO
às alternativas. A análise, desse modo, deve estabelecer os elementos de rea-
lidade que desempenharam um papel operatório na constituição da prisão pre-
ventiva e das medidas cautelares alternativas como resposta possível e/ou ne-
cessária em um dado processo penal. Ainda, é preciso questionar por que uma
dada estratégia e seus instrumentos táticos foram escolhidos em detrimento
de outros possíveis, determinando que efeitos de retorno foram produzidos,
o que dos inconvenientes foi percebido e que em que medida isso provocou
uma reconsideração acerca da prisão preventiva e das medidas cautelares di-
versas da prisão (FOUCAULT, 2010a, p. 328-9).
Pensando a partir de Foucault (2010b, p. 385), as formas de conceber
o crime e as práticas investidas no seu controle, enquanto modos de governo
dos homens pelos homens, supõem uma certa forma de racionalidade, e os
que buscam resistir contra uma forma de poder nelas presente não podem
se contentar em denunciar a violência das agências policiais ou em criticar
uma instituição como a prisão. É preciso colocar em questão a própria forma
de racionalidade presente nessas agências e instituições voltadas ao crime
e seu controle, perguntar-se como são racionalizadas as relações de poder
existentes em seus modos de funcionamento. Colocar essa racionalidade em
evidência é o único modo de evitar que outras instituições, que, apesar de
serem colocadas como contraponto, articulam-se em torno dos mesmos ob-
jetivos e produzem os mesmos efeitos, tomem o seu lugar.
Para além das previsões legais a respeito da aplicação das penas alterna-
tivas à prisão, é importante a verificação da forma como vem sendo executadas
pelo sistema de justiça, uma vez que a credibilidade dessas modalidades de
punição depende em grande medida da sua eficácia para responder às funções
da pena.
Segundo dados da Secretaria Nacional de Justiça, vinculada ao Minis-
tério da Justiça, correspondentes ao ano de 2003, havia no Brasil 37 centrais
de apoio e acompanhamento às penas e medidas alternativas, em 25 estados,
conveniadas com o Ministério. Na época, as instituições conveniadas com
o Ministério da Justiça eram Tribunais de Justiça de 18 estados; um Tribunal
Regional Federal; o Ministério Público em um estado; duas secretarias de
estado; e duas Defensorias Públicas. As varas especializadas em penas al-
ternativas eram em número de 5, distribuídas em Fortaleza, Recife, Porto
Alegre, Salvador e Belém. Segundo dados do Departamento Penitenciário
Nacional, atualmente as centrais são em número de 39, e as Varas especia-
lizadas são 7, sendo que a última foi inaugurada na cidade de Sergipe, no
dia 13 de janeiro de 2005.
Até o ano de 2003, o número de pessoas submetidas a estas penas e me-
didas nas centrais era de 32.500. Destes, 87% eram homens e 13% mulheres,
tendo 40,6% deles o ensino fundamental incompleto, 11,1% o ensino médio
completo, 6,2% o ensino fundamental completo e 3,7% analfabetos. Entre
SUMÁRIO
os apenados, 61% estavam na faixa dos 18 aos 35 anos. Os delitos predomi-
nantes foram o furto (20%), porte ilegal de armas (16,2%), lesão corporal
(16,1%), e porte de drogas (14,4%).
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Latino-Americano de
Prevenção ao Delito e Tratamento do Delinquente em 1997, o grau de rein-
cidência era de 12,5%, bastante inferior ao verificado no sistema peniten-
ciário. Dentre as penas alternativas aplicadas, verificou-se a predominância
da prestação de serviço à comunidade, com 73,4%. Em segundo lugar, a
prestação pecuniária, com 20%.
A ampliação da utilização das penas alternativas, bem como a sua ade-
quação ao delito cometido e ao perfil do apenado, depende em grande me-
dida da conscientização e empenho dos magistrados, desde o momento de
sua aplicação, bem como no controle da execução das mesmas. Para Sérgio
Salomão Shecaira,
SUMÁRIO
NOTAS
dia/mapa-da-implantacao-da-audiencia-de-custodia-no-brasil. Acesso em
10/11/2015.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
e a exclusão social. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org). Criminologia e sis-
temas jurídico-penais contemporâneos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.
SUMÁRIO
Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar, v. 5, n. 1, jan.-jun. 2015,
pp. 119-141.
SUMÁRIO
GP 26 – JUSTIÇA RESTAURATIVA
Coordenação: Raffaella Pallamolla e Daniel
Achutti
SUMÁRIO
O LUGAR DA JUSTIÇA JUVENIL RESTAURATIVA
PERANTE A RACIONALIDADE PENAL MODERNA:
UMA PESQUISA NO NÚCLEO DE JUSTIÇA
RESTAURATIVA DA 17ª VARA CÍVEL PRIVATIVA DA
INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE
ARACAJU/SE
Camila de Cerqueira Silva Macário1
Gabriela Maia Rebouças2
1 DE INÍCIO...
O conflito faz parte da vida, seja ele designado como de família, como cri-
minal, como ato infracional. Ele existe, pois há divergência, há disputa de
poder, competição. Estamos diante de uma sociedade que pensa o conflito
de modo irreversível e retributivo, valorizando dor e sofrimento, em um sis-
tema em que se paga o mal com outro mal.
O movimento restaurativo teoriza que a justiça deve estar distante de
moldes retributivos e punitivistas. Ademais, relaciona a comunidade, a ví-
tima e o ofensor para discutir a situação conflituosa, proporcionando espaço
de discussão e oportunidade de encontro. E, ainda, pode proporcionar trans-
formação individual e construção coletiva de cidadania.
A partir desse contexto, os caminhos das normativas juvenis nacionais
têm optado por incluir e priorizar tais práticas, porque mais do que ninguém,
a criança e o adolescente, por estarem em desenvolvimento biológico, psíqui-
co e social; por estarem em reconhecimento de suas primeiras subjetividades
e experiências, querem e precisam de uma atenção diferenciada, transforma-
dora e de reparação. São o que ditam as leis, regulamentos e normas desta
seara, mas pelo que se constata não é o que tem sido as suas práticas.
Por outro lado, o movimento aflitivo que está disseminado na socieda-
de e nos poderes estatais é tão forte que influencia o projeto restaurativo de
tal maneira que o desorganiza, o qual poderia prescrever um novo modo de
pensar e fazer justiça. Vários exemplos demonstram, que na prática, o mo-
vimento, chamado por Pires, de racionalidade penal moderna, acaba por
desnaturar várias ações de justiça que poderiam “fazer diferente”.
SUMÁRIO
Diante desse contexto juvenil, restaurativo e punitivo, esse artigo arti-
cula os principais marcos teóricos utilizados nessa pesquisa até o momento,
e também o caminho metodológico traçado.
Primeiramente, com o intuito de discutir a complexidade do pensamen-
to penal moderno e suas influências na justiça juvenil, estruturamos uma
discussão com Foucault e Pires, de modo que explica como a aflição e dis-
ciplina interferem na sociedade e consequentemente influenciam o modo
atual de pensar o conflito infracional juvenil.
Após, apresentaremos, de maneira breve, a justiça restaurativa juvenil e
a 17ª vara cível privativa da infância e da juventude na comarca de Aracaju/SE.
Por fim, esboçaremos o desenho metodológico, explicando qual ques-
tão principal que inquieta a pesquisa, sua hipótese, objetivos, metodologia
e técnicas a serem utilizadas, com base nos contextos anteriormente discu-
tidos e apresentados.
As unidades existentes são muito antigas (datam mais de 30 anos), com arqui-
tetura prisional, sem condições de adaptação aos ditames do ECA e do Sistema
SUMÁRIO
de Atendimento Nacional Socioeducativo – SINASE.
(...)
Importante assinalar, novamente, que os jovens permanecem, por dias ou
meses, em unidades prisionais de adultos, muitas vezes sem ordem judicial e
por vezes, o que é pior, por determinação de juízos da Infância e da Juventude,
situadas em comarcas do interior.
Vale ressaltar que, em pese ter havido diminuição do aparato policialesco e co-
missários de vigilância (também chamados de agentes de agentes de proteção),
a quantidade de comissários ainda é grande, está entre 100 e 150 funcionários
desse tipo. De acordo com um dos funcionários do cartório, antigamente a
quantidade girava em torno de 400.
Através de observações feitas, percebe-se que os agentes de proteção asseme-
lham-se a policiais, e apesar de não estarem fardados como tais, a uniformiza-
ção e o distintivo pendurado no pescoço ou preso na calça causa um impacto
de natureza semelhante. Ademais, a forma e o local onde se posicionam, pro-
duzem uma sensação de vigilância exacerbada e excessiva (MACÁRIO,
2014, pp. 69 e 70).
SUMÁRIO
O que se tem percebido ao longo do tempo, é que fatos como esses
acima, e outros tantos exemplos, demonstram que a resposta aos conflitos
juvenis se dá por meios aflitivos. Ao menos há uma aproximação à justiça
dos adultos, confirmando uma prática estigmatizante. A presença de estru-
turas materiais (ex.: arquitetura) e imateriais (ex.: maneira de agir dos edu-
cadores) de uma justiça penal moderna.
Observamos como são variados os aspectos que reafirmam a lógica penal
moderna, eles têm grande impacto na população que enxerga o direito penal
como uma das únicas tentativas de modificar a conjuntura social. Situação
essa que acaba por influenciar também o funcionamento e o modo de ver a
justiça juvenil, acabando por ajustá-la à justiça dos adultos, na prática.
Objetivo geral:
Descrever e analisar o núcleo de justiça restaurativa da 17ª vara cível priva-
tiva da infância e da juventude da comarca de aracaju/se, mobilizando os re-
ferenciais da racionalidade penal moderna e da justiça restaurativa.
Objetivos específicos:
a) Leitura dos marcos teóricos dessa pesquisa: racionalidade penal moderna,
justiça restaurativa e justiça juvenil;
b) produzir um diário de pesquisa, a partir da observação no núcleo de jus-
tiça restaurativa da 17ª vara cível privativa da infância e da juventude da
comarca de Aracaju/SE;
c) descrever os conteúdos materiais e imateriais3 utilizados nas práticas res-
taurativas da referida vara;
d) descrever os documentos relacionados ao núcleo de justiça restaurativa da
referida vara;
e) analisar, a partir dos dados obtidos, como o núcleo de justiça restaurativa
da referida vara se mobiliza: rompendo com o atual sistema de pensamento
penal ou ajustando-se a ele.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
________. Conselho Nacional de Justiça. Relatório final do programa Me-
dida Justa no Estado de Sergipe. 1ª etapa. Brasília: CNJ: 2010.
SUMÁRIO
à Coordenação do curso de Direito). Aracaju: Universidade Federal de Ser-
gipe, 2017.
SUMÁRIO
EMANCIPAÇÃO E EMPODERAMENTO:
POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DA JUSTIÇA
RESTAURATIVA NO BRASIL EM CASOS DE VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER
EMANCIPATION AND EMPOWERMENT: POSSIBILITIES OF
APPLICATION OF RESTORATIVE JUSTICE IN BRAZIL IN CASES
OF VIOLENCE AGAINST WOMEN
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise sobre
a aplicação da justiça restaurativa no Brasil em casos de violência do-
méstica, conjugal e familiar contra a mulher. O objetivo é verificar, dentro
das incertezas e possibilidades, se a justiça restaurativa é um caminho
adequado para pensar a autonomia das mulheres dentro do sistema de
justiça criminal, a partir de uma perspectiva crítica à cultura punitiva. Para
tanto, foram analisadas, brevemente, as Leis n° 9.099/95 (Lei dos Jui-
zados Especiais Cíveis e Criminais) e n° 11.340/2006 (Lei Maria da
Penha), a fim de expor seus procedimentos para resolução dos conflitos
entre os gêneros, marcados por violências. Desse modo, mediante con-
tribuições críticas de todo um arsenal teórico pertinente – principalmente,
a partir dos ensinamentos de Vera Regina, Marília Montenegro, Raffaella
Pallamolla e Daniel Achutti -, apresenta-se problematizações acerca do
campo dos desejos punitivos e da dupla vitimização das mulheres, a fim
de demonstrar de que forma a justiça restaurativa se posiciona como uma
nova experiência jurídica capaz de ser meio para processos de empo-
deramento e emancipação feminina.
1. INTRODUÇÃO
As violências contra as mulheres apresentam características específicas,
motivo pelo qual devem ser tratadas como fenômenos complexos que abran-
gem aspectos próprios de conflitos interindividuais, ou seja, há que ser con-
siderada cada particularidade das partes envolvidas. A violência constitui
uma verdadeira prisão, onde o homem deve agredir, porque exerce o papel
de dominação, e a mulher deve suportar cada agressão sofrida, porque assim
foi construída, assim “se tornou mulher”, e o seu “destino” assim determina.
Muito se foi debatido acerca da violência exercida contra as mulheres
no Brasil, e o Direito Penal acabou se tornando forte aliado no combate a
essas violências. Em 1980 criou-se a Delegacia da Mulher; em 1988, a Cons-
tituição Federal além de objetivar a garantia de igualdade entre mulheres e
homens, procurou coibir as violências no âmbito das relações domésticas;
em 1995, foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei
9.099/95), tendo os Juizados Criminais recebido, prioritariamente, casos de
violência doméstica; no ano de 2006, entrou em vigor a Lei 11.340, conhe-
cida nacionalmente como Lei Maria da Penha, prevendo a proteção das mu-
lheres vítimas de violência doméstica. Ainda, em 2015, a Lei 13.104 alterou
o artigo 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio, alterando também o artigo 1º da Lei
8.072/90, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
SUMÁRIO
Ao longo da história, se torna perceptível que as mulheres têm consegui-
do, a partir de muita luta e resistência, expor suas demandas e, de certa forma,
alcançar respostas satisfatórias, como é o caso da Lei Maria da Penha e a tipi-
ficação do crime de Feminicídio, consideradas extremamente importantes
para muitas mulheres e movimentos organizados, inclusive são reconhecidas
como conquistas diante da luta contra todo o tipo de violência. No entanto,
diante de uma sociedade que ainda se reformula com noções de patriarcado,
machismo e androcentrismo, resta relutância acerca do tratamento dado às
mulheres pelo seu dito aliado, o Direito Penal, este que, como qualquer outro,
pode se tornar espaço de reprodução de preconceitos.
O presente trabalho, então, longe de querer estabelecer qual é o melhor
meio para receber e solucionar os casos de violência doméstica, surge com
a necessidade de “gritar” os papéis socialmente impostos às mulheres e aos
homens, e demonstrar como essa determinação, ou construção social, pode
influenciar diretamente ao modo como o Direito Penal trata as mulheres ví-
timas de violências domésticas. Nesse âmbito, uma das nossas hipóteses é
a possibilidade/necessidade de uma Justiça alternativa capaz de reconhecer
e ouvir a mulher, transformando-a em sujeito do seu processo.
Inicialmente, busca-se expor sobre mulheres, seus papéis, as violências
sofridas e as repostas dadas pelo Direito Penal às suas demandas – especi-
ficadamente, analisaremos com brevidade as Leis 9.099/95 e 11.340/2006,
verificando as influências da sociedade patriarcal nas configurações de pro-
cedimentos para resolução de conflitos entre os gêneros, marcados por vio-
lências. Posteriormente, será discutida a Justiça Restaurativa e as principais
incertezas, no que tange à sua aplicação aos casos de violência contra a mu-
lher. Por fim, explanaremos sobre as possibilidades de uma Justiça Restau-
rativa que resgate as mulheres “dos seus lugares” de vítimas, passivas e in-
capazes de decidir sobre a própria vida.
Esse é um trabalho sobre alternativas descriminalizantes e sobre mu-
lheres sujeitos – da própria vida, da própria história.
Sobre o tipo de violência sofrida, o Mapa (2015) traz que a violência física
SUMÁRIO
é mais frequente, pois está presente em 48,7% dos atendimentos, com especial
incidência nas mulheres jovens e adultas, representando perto de 60% do total
de atendimentos. Em segundo lugar está a violência psicológica, representando
23% dos atendimentos em todas as etapas, principalmente da jovem em diante.
Em terceiro lugar tem-se a violência sexual (11,9%), com maior incidência
entre as crianças de 11 anos de idade (29%) e as adolescentes (24,3%). Por
fim, é importante ressaltar que a residência é o local privilegiado de ocorrência
da violência não letal (71,9%), conforme os dados apurados.
Sabe-se que “violência doméstica”, “violência familiar”, “violência
conjugal”, “violência contra a mulher” e “violência de gênero” são fenôme-
nos diversos que por vezes são tratados como sinônimos. No entanto, há que
diferenciar os conceitos e tratar as especificidades. A “violência contra a
mulher” pode ser remetida à Convenção de Belém do Pará (GIONGO, 2009,
p. 30), firmada em junho de 1994, que define como “qualquer ato ou conduta
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.2”.
A “violência doméstica” não se restringe ao gênero da vítima, abran-
gendo violências contra quaisquer pessoas que coabitem o mesmo espaço
físico e unidade doméstica (GIONGO, 2009, p. 31). Atinge, porém, pessoas
que não pertencendo à família, vivem – parcialmente ou integralmente – no
domicílio do agressor (SAFFIOTI, 2015, p. 76). A “violência familiar”, por
sua vez, exige laços de consanguinidade ou afinidade, abrangendo quaisquer
membros, dentro ou fora da unidade doméstica (GIONGO, 2009, p. 31). Já
a “violência conjugal” consiste na agressão praticada entre cônjuges, com-
panheiros, namorados; e a “violência de gênero” é a categoria mais geral,
sendo o vetor mais difundido aquele que apresenta a violência do homem
contra a mulher (SAFFIOTI, 2015, p. 75).
Em relação à todos esses tipos de violência, no decorrer do tempo,
quanto mais os dados subiam, demonstrando a gravidade da situação, mais
se demandava proteção e uma legislação eficaz. A violência contra a mulher
no âmbito conjugal gerou mais comoção, ocasionando ampla pressão po-
pular. As pressões vinham de vários setores da sociedade, especialmente da
mídia, que tomou para si a tarefa de publicizar as violências sofridas pelas
mulheres por parte dos seus maridos, namorados, ex-companheiros etc.
(MEDEIROS E MELLO, 2015, p. 213). Passou-se, então, a divulgar os
casos extremos de violência, como o da cearence Maria da Penha Maria Fer-
nandes, vítima de duas tentativas de homicídio por seu ex-marido.
Muitas constatações são feitas a partir de pesquisas quantitativas, em
relação às violências domésticas e conjugais sofridas, e muito já se foi pu-
blicizado. No entanto, as mulheres continuaram e continuam sendo vítimas
mais comuns nesses conflitos, restando a complexa fomenta e legitimação da
necessidade de um maior rigor punitivo para os agressores. Muito se buscou
SUMÁRIO
no Direito Penal a intervenção necessária para cessar todos os tipos de violên-
cia, e muitas “conquistas” se obteve a partir dessa luta, no entanto, as mulheres
não têm encontrado proteção e igualdade no Sistema Penal, ao contrário, nele
têm encontrado reproduções das relações patriarcais e das relações de gênero.
4. CONCLUSÃO
O controle feminino no patriarcado legitimou inúmeras violências contra as
mulheres, estas que se perpetuam até os dias atuais, em inúmeros desdobra-
mentos. Tais violências não atingem apenas a dignidade da mulher, mas re-
presentam afronta aos direitos historicamente conquistados, mediante muita
luta protagonizada por mulheres que desejavam romper com todos os tipos
de opressão que caracterizam os papéis socialmente impostos. Apesar das con-
quistas atingidas até aqui, muito ainda tem-se que caminhar em relação ao
combate à violência em todas as suas formas, sendo no presente trabalho ana-
lisadas aquelas cometidas dentro dos lares, no interior das vidas privadas.
De fato as violências domésticas, conjugais e familiares, devem ser
combatidas, e seria irresponsabilidade não reconhecer o grande avanço no
que se refere à inserção da temática no ordenamento jurídico– como as ex-
periências da Lei 9.099/95 e da Lei 11.340/2006, onde se tornou visível os
atos violentos cometidos contra as mulheres em âmbito doméstico, e garan-
tiu determinados mecanismos de prevenção e combate às violências sofri-
das. No entanto, também não é sensato fechar os olhos para o controle rea-
lizado pelo sistema de justiça criminal, de forma que a revitimização
feminina não pode ser endossada, devendo ser reconhecido o patriarcado
como matriz histórica do sistema penal.
Ainda é notório que as mulheres que sofrem violências domésticas são
tidas unicamente como vítimas, incapazes de decidir sobre o próprio conflito
e necessitadas de tutela especial. Foi tirada a autonomia das mulheres quan-
do o sistema penal tomou para si o conflito, reforçando as práticas sociais
de silenciamento feminino, e desconsiderando que as vítimas são sujeitos,
com uma história, com desejos, com direito de fala e expressões. A justiça
restaurativa surge, então, como um meio de resolução de conflito que leva
em consideração as partes, se colocando como processo de empoderamento
e de não dominação.
É importante a abertura para novas experiências jurídicas que podem
ser capazes de romper com o ciclo da violência, e garantir alterações estru-
turais nas relações de gênero, produzindo mudanças fundamentais que cola-
borem para a cultura de paz na sociedade. Ao apresentarmos a justiça restau-
rativa como alternativa para resolução de conflitos que envolvam a violência
SUMÁRIO
doméstica contra a mulher, nos propormos a também enfrentar os desafios
das estratégias baseadas em diálogos, levando em consideração as incertezas
da aplicação da referida justiça, mas avaliando com responsabilidade as pos-
sibilidades capazes de trazer a mulher para os lugares públicos de disputa
de poder.
A presente análise busca, então, contribuir para a configuração de um
novo paradigma, alternativo e descriminalizante, que acima de tudo busca
retirar as mulheres do papel único de vitima – a fim de evitar a revitimização
pelas práticas do sistema penal -, concedendo à elas voz, recolocando em
papéis de sujeitos. Construir sociedades mais justas, solidárias, livre do pa-
triarcado e do paternalismo das instituições, condiz em romper com antigas
estruturas e se permitir viver novas experiências jurídicas, com amplo es-
forço para não serem malsucedidas e sem medo de se reinventar. A ideia da
mediação e da restauração ultrapassa o campo dos desejos punitivo, e chega
às possibilidades de permitir que as mulheres se enxerguem como sujeitos
da própria história, da própria vida, garantindo o processo de emancipação
e a real mudança dos agressores. Contra todo o tipo de violência, por igual-
dade nos espaços públicos de poder e por ampliação de possibilidades, aqui
nos colocamos, esse é o nosso lugar.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir
a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art.
226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interameri-
cana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mu-
lher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução
Penal; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 16 mai. 2017.
SUMÁRIO
GIONGO, R.C.P. Justiça restaurativa e violência doméstica conjugal:
aspectos da resolução do conflito através da mediação penal. 2009. 122
f. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) – Programa de Pós-Gra-
duação em Ciências Criminais, PUCRS. Porto Alegre, 2009.
SUMÁRIO
Salo de (orgs.). Novos diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
SUMÁRIO
GP 27 – SOCIOLOGIA DA
VIOLÊNCIA DE ESTADO
Coordenação: Cláudio Ribeiro Lopes e Luiz
Renato Telles Otaviano
SUMÁRIO
A PERSISTÊNCIA DO FRACASSO/SUCESSO
PRISIONAL: A HIPÓTESE DO ILEGALISMO EM
MICHEL FOUCAULT
Gustavo Noronha de Ávila
Doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Professor do Mestrado em Ciência Jurídica do Centro Universitário de Marin-
gá. Também é Professor de Criminologia e Direito Penal na Universidade Estadual de
Maringá. Atua como Professor da Especialização em Ciências Penais da Universidade
Estadual de Maringá.
E-mail: gusnavila@gmail.com
INTRODUÇÃO
Entre os críticos do funcionamento do sistema de justiça criminal, Michel
Foucault ganhou notoriedade por meio de suas investigações acerca das
novas e velhas tecnologias e dispositivos de disciplinamento, controle e vi-
gilância do homem moderno1.
Embora a obra de Foucault seja comumente vinculada, sobretudo no
âmbito dos estudos criminológicos (GARLAND, 2008, p. 43), à realização
de uma genealogia do poder disciplinar, já era possível perceber, nas páginas
do próprio Vigiar e Punir, a crescente preocupação do filósofo com relação
ao funcionamento de certos dispositivos de segurança2, cuja função, situada
mais além da formação de corpos dóceis, disciplinados, consistia na natu-
ralização, e consequente ampliação, das mais variadas formas de governo
da vida dos indivíduos em geral (FOUCAULT, 2008, p. 158).
Com efeito, é a partir deste último paradigma do pensamento foucaul-
tiano, o paradigma da governamentalidade dos seres3, que pretendemos pro-
blematizar a noção de “ilegalismo”, pensando-a, destarte, como instrumento
profícuo de análise da tendência criminalizadora instalada, desde décadas,
no âmbito da política criminal brasileira.
Considerando a necessidade de delimitar o escopo deste ensaio, discu-
tiremos o problema proposto à luz da normatividade da Lei dos Crimes He-
diondos (LCH). Essa decisão foi motivada, fundamentalmente, pelo caráter
SUMÁRIO
simbólico da expressão “hediondo”; um termo que, apesar de carecer de um
sentido jurídico concreto, tem orientado, como uma espécie de significante-
mestre4, as mais duras reformas da legislação penal desde o advento da Cons-
tituição Federal de 1988, sendo responsável, portanto, como diria Foucault,
pela instauração de uma verdadeira gestão diferencial das ilegalidades.
SUMÁRIO
NOTAS
sua adequação para com a problemática que constitui o objeto desta breve exposição):
Segurança, território, população: curso no Collège de France (1977-1978), editado
em português em 2008 e Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-
1976), editado no Brasil em 1999. Importante lembrar que nenhuma análise da vasta
(e boa parte inédita) obra de Foucault pode ser considerada definitiva. Trazemos aqui,
tão-somente, uma interpretação acerca dos escritos foucaultianos que versam sobre
as hipóteses dos ilegalismos e das prisões. Com efeito, Edgardo Castro, tradutor de
sua obra para o espanhol, registra, com clareza, a necessidade de se ter cautela com
relação à discussão da obra de Foucault: “O ciclo das publicações dos textos de Fou-
cault não está fechado. Não só porque não apareceram senão dois de seus treze cursos
no Collège de France, mas porque o ‘arquivo Foucault’, agora depositado na Bibliot-
hèque Nationale de France, compreende aproximadamente 40.000 folhas inéditas,
entre as quais se encontram o quarto tomo de História da sexualidade, As confissões
da carne, e três dezenas de cadernos, diário intelectual no qual Foucault registrou
suas leituras e reflexões desde 1961 até sua morte.” (CASTRO, 2014, p. 11).
é simplesmente o corpo dos indivíduos, mas sua vida, ou, melhor dizendo, seu
corpo por intermédio da alma” (CASTRO, 2014, p. 87).
SUMÁRIO
É importante sublinhar que a relação que se acredita existir entre o mo-
mento de nascimento da prisão e o atual cenário de encarceramento em massa não
5
Márcio Alves da Fonseca esclarece, a propósito disso que: “[a] ideia que
parece estar ligada à noção de ilegalismo é aquela de “gestão”, gestão de um certo
6
autor, a análise da política criminal adotada pelos países que registram grandes
taxas de encarceramento, sugere, pois, o completo abandono do ideal (re)sociali-
zador como lastro ético estruturante das ações do sistema de justiça criminal
(SIMON, 2007, pp. 150-151).
SUMÁRIO
Remetemos o leitor, no ponto, à advertência enunciada por Edgardo Cas-
tro e referida na nota de rodapé de número 1.
10
REFERÊNCIAS
FONSECA, Márcio Alves da. Michel Foucault e o Direito. São Paulo: Max
Limonad, 2002.
SUMÁRIO
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France
(1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.
ŽIŽEK, Slavoj. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideolo-
gia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor (J.Z.E), 1992.
SUMÁRIO
A HISTERIA REGULAMENTADORA PENAL E A PRIMA
RATIO: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA CRIMINAL
ATUARIAL À LUZ DAS TESES DE LOIC WACQUANT E
MAURÍCIO DIETER E SUA APLICABILIDADE NA
DISFUNCIONAL LEI DE DROGAS.
Marcus Vinícius Campesato Godoy1
III) O terceiro traço dessas políticas punitivas é que elas estão por toda a
parte, espalhando um discurso alarmista, mesmo catastrofista, sobre a “inse-
gurança”, animado por imagens marciais e difundido até a exaustão pelas
mídias comerciais (...).
IV) O quarto ponto deste discurso, que diz respeito tanto a uma evidente preo-
cupação com a eficácia na “guerra ao crime” quanto à solicitude para com esta
nova figura do cidadão exemplar que são suas vítimas, revaloriza, de forma es-
cancarada, a repressão e estigmatiza os jovens de bairros decadentes habitados
por trabalhadores, os desempregados, os sem-teto, os mendigos, os toxicôma-
nos e os progenitores de “violências urbanas” que reiteram o caos coletivo.
SUMÁRIO
V) Graças à tenaz distorção do crime, pobreza e imigração veiculada pela
mídia, bem como à constante confusão entre insegurança e “sentimento de
insegurança” - feita sob medida para canalizar para a figura do delinquente
de rua (de pele escura) a ansiedade difusa causada pelos deslocamentos dos
assalariados.
Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranquilizar a opi-
nião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um
direito penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizam, mas
ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansie-
dade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um direito penal promo-
cional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia. (FER-
RAJOLI, 2004, 631)
SUMÁRIO
Imersa neste contexto de risco simbólico encontra-se a Lei de Drogas,
em que o legislador brasileiro difunde essa ideologia promocional, que im-
pacta ao que o professor Francesco Palazzo (1989) denomina como os des-
dobramentos de cunho epistemológico.
Como bem observaram os professores Callegari e Wedy (2008), deixa
o direito penal de seguir seu princípio basilar da subsidiariedade para en-
caixar-se na prima ratio, ao que eles denominaram com brilhantismo em
panacéia (CALLEGARI, 2008, p. 15.), de maneira a representar um meca-
nismo de enfrentamento dos mais múltiplos problemas sociais.
(...), a Lei 11.343/06 nivela a importância dos tratamentos penais entre usuá-
rios e traficantes, criando dois estatutos autônomos com respostas punitivas de
natureza distinta: alta repressão ao traficante de drogas, com imposição de se-
vero regime de punibilidade (penas privativas de liberdade fixadas entre 5 e 15
anos); e patologização do usuário e do dependente com aplicação de penas e
medidas. (CARVALHO, 2007, 105)
SUMÁRIO
Múltiplos são os verbos típicos e as nefastas consequências após a
aprovação da referida lei. Dados4 recentes do Departamento Penitenciário
Nacional revelam que após vigorar em 2006, a população carcerária aumen-
tou alarmantes 96%. Segundo o IBGE, de 2002 a 2013, a população brasi-
leira cresceu 15% enquanto que a população carcerária5 mais do que dobrou
(um aumento de 140%) no mesmo período.
Com razão Maria Lúcia Karam: “Se o consumidor pode vir a ser um trafi-
cante, sua punição por tal conduta só poderá se dar no momento em que ele
assim se tornar, no momento em que deixar a esfera individual para atingir
bens jurídicos alheios. (CALLEGARI, 2008, 18)
SUMÁRIO
Nessa toada, visualiza-se uma superlotação dos presídios, aumento na
proporção de presos por crimes relacionados a drogas de 15% para 28%,
bem como sua desproporcional rigorosidade aos grupos mais vulneráveis,
como negros, jovens e cidadãos com ensino fundamental incompleto.
Conclui-se que há uma verdadeira guerra aos pobres, através do “punho
de ferro” (WACQUANT, 2007, 32) do Estado Penal, controlado pela “mão
direita”, a que administra a polícia, a justiça e a prisão, cada vez mais ativa
e interveniente nas áreas subalternas do espaço social e urbano.
Loic Wacquant afirma que a pós-modernidade compõe-se de um ge-
nuíno processo de tríplice transformação do Estado, que abarca “[...] a po-
breza e o desemprego em massa, o reforço e a extensão do aparelho punitivo
e o descumprimento dos esquemas de proteção social que leva à substituição
do direito coletivo como recurso contra o desemprego e a penúria”. (WAC-
QUANT, 2007, 30).
Assim, o resultado da histeria regulamentadora é o número alarmante
de 600 mil brasileiros com sua liberdade restringida, dos quais 41% sequer
foram condenados pela Justiça.
Observa-se que a lei encoraja o uso do encarceramento de forma in-
discriminada, e abre caminho para uma abordagem tipo abatedouro/linha
de montagem para fazer frente ao afluxo previsível de presos. (WAC-
QUANT, 2007, 53). Essa afirmação irretorquível de Wacquant merece re-
ceber detida reflexão.
La guerra contra las drogas es, además, una guerra racista, no sólo porque
comenzó siendo una guerra contra los chinos, y luego contra los chicanos,
sino porque las cárceles están llenas de negros, latinos e inmigrantes; los ne-
gros pobres de los Estados Unidos, los latinos traficantes capturados y extra-
ditados, los emigrantes de lo que antaño se conoció como tercer mundo.
(LÓPEZ, 2016, 93)
SUMÁRIO
Se as mesmas pessoas que exigem um Estado mínimo, a fim de “liberar” as
“forças vivas” do mercado e de submeter os mais despossuídos ao estímulo
da competição, não hesitam em erigir um Estado mínimo, a fim de “liberar”
as “forças vivas” do mercado e de submeter os mais despossuídos ao estí-
mulo da competição, não hesitam em erigir um Estado máximo para assegu-
rar a “segurança” no quotidiano, é porque a pobreza do Estado social sobre
o fundo da desregulamentação suscita e necessita da grandeza do Estado
penal. É porque esse elo causal e funcional entre os dois setores do campo
burocrático é tanto mais forte quanto mais completamente o Estado se livra
de qualquer responsabilidade econômica e tolera, ao mesmo tempo, um ele-
vado nível de pobreza e uma pronunciada ampliação da escalada das desi-
gualdades. (WACQUANT, 2007, 48) (G.N)
SUMÁRIO
19). Assim, aceita-se o crime como condição social, num contexto em que
os tecnocratas ou “estudiosos” da lógica atuarial demonstram um verdadeiro
fetiche pela gestão eficiente.
Busca-se uma adequação de sentido entre o modo de produção capita-
lista contemporâneo e as novas formas de produção/operacionalização
(toyotismo, just in time) em que o modo de produção capitalista contempo-
râneo conforma os modos de punição, na medida em que cada modo de pro-
dução corresponde a formas de punição adequadas.
Nesse cenário, os tecnocratas norte-americanos ignoram os limites nor-
mativos para dizer que o sistema é ineficiente e que merece reparos. O cálculo
de aferição da responsabilidade individual ignora os critérios de culpabilidade
do Direito Penal e considera um cálculo matemático da perigosidade do agen-
te, que se presta a promover a seletividade da justiça criminal.
O objetivo do novo modelo é gerenciar grupos, não punir indivíduos: sua fi-
nalidade não é combater o crime - embora saiba se valer dos rótulos populis-
tas, quando necessário - mas identificar, classificar e administrar segmentos
sociais indesejáveis na ordem social da maneira mais fluida possível. (DIE-
TER, 2007, 20)
SUMÁRIO
0 a 3. O resultado da soma dos fatores determina o risco representado pelo
criminoso, remetendo às chances de reincidência dentro de um marco tem-
poral. (DIETER, 2013, 155).
SUMÁRIO
No bojo desse totalitarismo, os promotores são obrigados a denunciar
acusados que se submeteram ao teste atuarial e se enquadraram no nível de
alto risco. Tal medida ignora qualquer tipo de acesso à justiça, ampla defesa
ou contraditório.
Houve mais de 160% de aumento de 2006 a 2016 e os presos por tráfico, que
antes eram em torno de 15%, hoje são 28%. Isso mostra o papel que a aplica-
ção disfuncional da Lei de Drogas8 tem nesse processo de super-encarcera-
mento”, disse Cristiano Maronna, advogado e vice-presidente do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminalísticas (IBCCrim) e secretário executivo da
Plataforma Brasileira de Política de Drogas.
Se o país modelo da política de lei e ordem já deu meia volta, talvez seja o
momento de acelerarmos a já urgente reforma no nosso Sistema de Justiça
Criminal. O exemplo do Norte nos é relevante não só pela liderança que os
EUA representam, mas também por ser este o país que foi o principal líder
e defensor da guerra às drogas e do encarceramento como mecanismo de
controle da violência.(Informativo Rede de Justiça Criminal, 2016) (G.N)
CONSIDERAÇõES FINAIS
O objetivo geral deste trabalho foi apresentar uma análise acerca da aplicabi-
lidade da lógica atuarial aplicada nos Estados Unidos à realidade brasileira,
tendo em vista a histeria regulamentadora do Brasil, a prima ratio e a Lei de
Drogas como produto dessa prática. Nesse sentido, a proposta abarcou os ele-
mentos estruturantes das perspectivas de Loic Wacquant e Maurício Dieter,
com vistas a verificar sua aplicabilidade na disfuncional Lei de Drogas.
Embora as teses dos referidos estudiosos tenham sido aplicadas de
acordo com a realidade norte-americana, constata-se que o Brasil introjeta
de forma paulatina a lógica atuarial chamada guerra contra as drogas. Os
pontos de similaridade e as práticas violadoras a garantias fundamentais e,
portanto, amplamente perversas são expostas ao longo deste trabalho.
Ora, como demonstrou Ferrajoli, la irracionalidad del derecho penal ge-
nerada por la inflación legislativa, lo ha transformado en una fuente oscura e
imprevisible de peligros para el ciudadano. Essa rotina perniciosa mostrou-se
disfuncional, pois subverteu-se o princípio basilar do Direito Penal como ulti-
ma ratio ou princípio da fragmentariedade alçando-o à condição de prima ratio.
Assim, demonstrou ser frágil o argumento de que a racionalização dos
meios violentos mediante normatividade resolveria os problemas criminais,
o que acarretou um processo de inflação legislativa, uma verdadeira histeria
regulamentadora. O resultado produzido por essa prática foi um considerá-
vel aumento da população carcerária e, transferindo para a realidade brasi-
leira, o que Wacquant denominou de implacável “guerra aos pobres”.
Nessa toada, teme-se que a Lei de Drogas seja um primeiro passo a im-
plantação em terras brasileiras da já consolidada lógica atuarial praticada
nos Estados Unidos.
Atualmente, os cidadãos brasileiros são vítimas de um Estado de exceção,
que, em que o Estado, ao invés de limitar o exercício da violência, pune des-
proporcionalmente os transgressores de forma a violar princípios como a le-
galidade, a dignidade da pessoa humana, a culpabilidade, a proteção exclusiva
de bens jurídicos, a intervenção mínima ou ultima ratio, a pessoalidade e a in-
dividualização da pena, a proporcionalidade, a humanidade, dentre outros.
A estigmatização dos jovens pobres e negros considerados, em sua
maioria, como indivíduos de altíssimo risco pelas autoridades, a violação
aos princípios basilares do Direito Penal e a violência estatal intensificada
SUMÁRIO
a essa camada vulnerável da sociedade são fatores que configuram uma en-
raizada lógica da vertente americana da “Lei e Ordem”, em franca ascensão
no Brasil.
O cenário brasileiro é aterrador. Nos Estados Unidos, verifica-se um
profundo desprezo normativo, num contexto em que os tecnocratas ava-
liam o Direito Penal como um verdadeiro entrave à gestão eficiente da cri-
minalidade, mostrando-se como uma espécie de Justiça impessoal, nota-
damente totalitária.
SUMÁRIO
NOTAS
Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/02/
b948337bc7690673a39cb5cdb10994f8.pdf>
4
quence=1>
7
Disponível em: https://www.crimdefend.com/files/federal-guidelines.pdf
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
BARATTA, Alessandro. pena y Estado. Función simbólica de la pena. San-
tiago: Editorial Jurídica ConoSur Ltda, 1995;
LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Controle penal das Drogas. Estudo
dos Crimes Descritos na Lei 11.343/06. Curitiba: Juruá Editora, 2010;
SUMÁRIO
PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Trad.
Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989;
SUMÁRIO
GP 28 – CRIMINOLOGIAS
ALTERNATIVAS
Coordenação: Leandro Ayres França e Clara
Masiero
SUMÁRIO
O DITO, O NÃO DITO E O MAL(DITO) NOS
DISCURSOS JURÍDICO-MIDIÁTICOS: A DISPUTA EM
TORNO DA NOÇÃO DE DIREITOS HUMANOS, DA
RACIALIZAÇÃO DO CONTROLE PENAL E A
ALTERNATIVA DA CRIMINOLOGIA CAUTELAR.*
INTRODUÇÃO
É notório no mundo contemporâneo, e em especial no Brasil, o fenômeno
do desmoronamento discursivo e do grau de efetividade dos Direitos Hu-
manos nas práticas penais, perceptível ainda mais nitidamente quando se
volta o olhar para as relações e interações étnico-raciais, reveladoras do pro-
blema do racismo estrutural e institucional intrínsecos a tais práticas.
Neste contexto, há de destacar-se a crescente marginalização das mino-
rias, que foram alvos, e ainda são, da ideologia punitiva que estruturou-se
como uma resposta contra a violência urbana, sendo essa completamente pre-
conceituosa e falha, uma vez que tem expressado diversas formas de violência
e silenciamento que submetem os corpos negros, homossexuais, trans e as
populações que, em maior ou menor medida, vivenciam sua existência numa
situação de vulnerabilidade. Os criminólogos têm identificado, ainda, outro
fator específico agravador dessa realidade: a abordagem midiática acerca do
direito penal, que agride brutalmente a noção e consolidação dos Direitos Hu-
manos, principalmente no que diz respeito ao devido processo legal.
Especificamente no que concerne à teorização e operacionalização do
controle penal observa-se a permanência e agudização de um quadro de
crise. Na perspectiva do pensamento progressista, essa crise se revela pre-
cisamente na constatação da subjugação dos Direitos Humanos, o que vem
preocupando uma série de juristas, principalmente por conta da acriticidade
dos operadores do controle penal formal perante a “sentença midiática”:
“ligam a noção de exercício abusivo dos direitos aos interesses particulares
expressamente reconhecidos pelas leis: o uso absoluto e egoísta dos direitos
legalmente concedidos.” (WARAT, 1990, pag. 39). Essa passagem de Warat,
SUMÁRIO
em O abuso estatal do direito, revela claramente a perspectiva de como os
princípios do direito penal, ligados a consolidação dos Direitos Humanos,
são deixados de lado por interesses egoísticos de punição.
E tal constatação toma mais sentido ao se analisar o contexto e objeti-
vos desse artigo. É necessário ressaltar que esse texto surge do trabalho de-
senvolvido dentro da academia, por meio de um grupo de estudos e pesqui-
sas em ciências criminais, bem como da oferta, pela primeira vez, de uma
disciplina livre inserida na grade curricular, denominada “Tópicos contem-
porâneos de Criminologia e Politica Criminal”. No âmbito dessas duas ex-
periências foi desenvolvido um método pedagógico de discussão a partir da
leitura de textos mais densos, técnicos e reflexivos (como as obras de Zaf-
faroni), mescladas com matérias jornalísticas, artigos de opinião e docu-
mentários, como “13ª emenda”, amplamente utilizado como base no curso e
nesse artigo.
Assim, esse trabalho possui três vertentes, consistindo-se a primeira na
apresentação do papel que a mídia e a comunicação virtual têm desempenhado
para o recrudescimento do controle penal e as imbricações e interações entre
os linchamentos virtuais, os julgamentos midiáticos e a prestação jurisdicio-
nal, na perspectiva definida por Zaffaroni como uma verdadeira criminologia
midiática, cada vez mais de longo alcance, ainda mais num contexto a que Ru-
bens Casara definiu como pós-democracia1.
A segunda, que se constitui em delimitar os campos do conhecimento
e o arcabouço teórico que suportam a análise do fenômeno do desmorona-
mento discursivo e do grau de efetividade dos Direitos Humanos nas prá-
ticas penais, enfatizando-se o problema do racismo estrutural e institucio-
nal a ele intrínsecos.
E por fim, refletir sobre as limitações e inconsistências apontadas por
autores como Thula Pires, Camila Prando, Evandro Piza e Felipe Freitas das
investigações criminológicas sobre controle penal e racismo e a reação que
tais críticas têm suscitado no campo.
SUMÁRIO
instituições intocáveis. A imprensa é o poder soberano dos novos tempos
(ZAFFARONI, 2012, pag. 304)
Logo, é notável que a difusão do medo, injetada por tal dinâmica mi-
diática, gera a temibilidade constante nos indivíduos, que acabam por de-
sejar uma resposta rígida e autoritária do Estado. Além disso, essa perspec-
tiva midiática abre margem para a construção de um maniqueísmo que dá
as bases para segregação, preconceito e racismo, como ilustra Zaffaroni:
SUMÁRIO
segurança pública. O resultado então é a justificação plena de uma política hi-
gienista, que visa eliminar todos aqueles que “perturbam” a paz social.
Os indivíduos passam, então, a ser marginalizados, cassados e elimi-
nados. No Brasil, essas práticas têm ensejado o agravamento da realidade
penal-carcerária, marcadamente violenta, na qual há um grande número de
pessoas abandonadas, mortas e torturadas, isso sem contar as perdas de vidas
humanas no contexto do denominado “controle penal subterrâneo”, quase
sempre invisível às estatísticas criminais.
Desta feita, a mídia punitivista constrói uma cifra de marginalizados,
mortos, apartados e torturados dentro da própria sociedade, que serão ainda
massacrados por um direito penal permeável à sua influência e, com isso,
acaba por subjugar seus alvos ao rechaçar a presunção de inocência e toda
estrutura consolidada de direitos humanos.
3.1 NO BRASIL:
A seletividade carcerária no Brasil é algo que se tem como concretizado, o
que já foi demonstrado numa série de estudos, dentre os quais menciona-se
o de Cristiano Fragoso, no qual se lê:
As informações referentes às pessoas presas entre 1904 e 1916 mostram que ne-
gros e mulatos são presos em proporção mais de duas vezes superior à parcela
SUMÁRIO
que representam na população global da cidade. Constituem em média 28,5%
do total de presos, enquanto representariam em torno de 10% dos habitan-
tes de São Paulo, no mesmo período (...) não há dúvida de que uma discri-
minação avassaladora foi responsável por estes números (FAUSTO, 2001,
pag. 63-65).
SUMÁRIO
Assim, é notável a exclusão por meio da atribuição de um significado
de subjugação. E, como já demonstrado, essa perspectiva racial atinge mas-
sivamente a esfera dos direitos, notadamente no que se refere às suas bases
principiológicas fundamentais, como a igualdade assegurada pela Consti-
tuição Federal. Contudo, as consequências vão bem além, atingindo os
princípios especificamente penais, como o devido processo legal e o da pre-
sunção de inocência. Dessa forma, uma pessoa negra não tem sua culpa pau-
tada em fatos e um julgamento, mas sim por conta de ter nascido com uma
cor diferente.
A subversão dos direitos humanos ocorre justamente nesse ponto.
Quando um indivíduo tem como resposta do Estado a aniquilação dos seus
direitos, bem como a descaracterização de sua personalidade ao ser, com
base num rótulo, constantemente reafirmado pela mídia, julgado de forma
imediata. Ser negro no direito penal brasileiro tem uma consequência base:
a imediata culpa independente do fato em si.
SUMÁRIO
NOTAS
Por esta, pode ser entendida como a existência de um Estado sem limites
rígidos ao exercício do poder, ou seja, no qual os anseios políticos, econômicos e
2
midiáticos não possuem rédeas. A democracia subsiste, mas marcada pelo abuso
das instituições ligadas a ela, marginalizando qualquer um que se oponha ao pen-
samento dominante.
muitos anos.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Salo de; CARVALHO, Diego de; BATISTA, Nilo. para além
do direito alternativo e do garantismo jurídico. Rio da Janeiro: Lumen
Juris, 2016.
SUMÁRIO
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de meto-
dologia da pesquisa no direito. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: Teoria Crítica. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.
SUMÁRIO
O AGENTE DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS: UM
ESTUDO CRIMINOLÓGICO DO PERFIL DO AGRESSOR
Gisele Kronhardt Scheffer
Médica Veterinária
Especialista em Farmacologia e Terapêutica Veterinária
Estudante do 4º semestre de Direito na Faculdade Estácio – RS
Integrante do Grupo de Estudos em Criminologias Contemporâneas
Orientador: Prof. Dr. Leandro Ayres França
INTRODUÇÃO
Verifica-se que, apesar da importância do animal ter aumentado no seio de
muitas famílias, o mesmo não ocorre perante o ordenamento jurídico brasi-
leiro, pois, para este, o animal não é considerado um sujeito de direitos:
conta apenas com proteção jurídica, numa perspectiva antropocêntrica.
Apesar de existir uma legislação aparentemente protetora dos animais1,
constata-se um grande número de casos de maus-tratos: abandono, negli-
gência, espancamentos, mutilações, queimaduras, tráfico de animais silves-
tres, zoofilia, promoção de rinhas, caça ilegal e uso de animais para fins re-
creativos, entre outros.
Entende-se que aqui devam ser mencionados certos procedimentos ou
atividades considerados legais do ponto de vista jurídico, mas que ultima-
mente têm gerado protestos e repulsa em vários setores da sociedade: as pes-
quisas com animais em laboratórios, a morte lenta e cruel nos abatedouros,
a fistulação de bovinos, as vaquejadas e as touradas, entre outros. Para Bec-
ker2, “certos comportamentos são considerados incorretos, mas nenhuma
lei se aplica a eles e nem há qualquer sistema organizado para detectar os
que infringem a regra informal”. Ressalta-se, entretanto, que Becker não
abordou a questão dos maus-tratos, e que suas reflexões sobre a Sociologia
do Desvio foram utilizadas nesse artigo para ampliar o conceito de abusos
para além da definição legal.
Agnew3 define abuso animal como “qualquer ato que contribui para a dor
ou morte de um animal ou que ameace o seu bem-estar”. Esta definição, se-
gundo o autor, tem várias vantagens, como não limitar o abuso somente a com-
portamentos ilegais, contribuindo para reforçar a afirmação de Becker.
SUMÁRIO
Sendo a Criminologia “a ciência que analisa os crimes em seu contexto
causal, tratando não somente do sujeito que pratica o delito, mas das razões
sociais que o levam a tal prática, bem como dos efeitos do cometimento da
conduta antissocial”4, o tema deste trabalho é “Aspectos criminológicos dos
maus-tratos contra os animais” e tem como delimitação “O perfil do agente
agressor de animais, as causas dessas condutas e as possíveis soluções para
a problemática dos maus-tratos sob o ponto de vista criminológico”.
São os seguintes os problemas levantados: Qual o perfil do agente agres-
sor de animais? Que causas levam uma pessoa a maltratar os animais? Quais
as possíveis soluções para a problemática dos maus-tratos aos animais?
Diante do apresentado, o trabalho procura atingir os seguintes objetivos:
analisar o perfil do agente de maus-tratos contra os animais como objeto de
estudo da Criminologia, levantar as causas das condutas delituosas contra os
animais e apontar soluções para a questão dos maus-tratos. Para o alcance
dos citados objetivos, este trabalho está estruturado da seguinte forma: pri-
meiramente é analisado o perfil do agente de maus-tratos contra os animais
quanto ao gênero, idade e status social; a seguir, são averiguadas as causas
que levam ao cometimento de tais atos; na sequência, são apurados, através
da análise e interpretação de dados coletados em questionário aplicado a Mé-
dicos Veterinários que atuam na cidade de Porto Alegre-RS e Região Metro-
politana5, casos de maus-tratos a animais e o perfil do agente agressor; e, por
fim, são compiladas as medidas de conscientização já existentes no Brasil e
em outros países e propostas soluções para a problemática levantada.
3 MATERIAL E MÉTODO
Em relação à metodologia da pesquisa, foi aplicado um instrumento de co-
leta de dados a, aproximadamente, 2.800 Médicos Veterinários que atuam
no município de Porto Alegre-RS e Região Metropolitana. Optou-se pelo
questionário, cujas perguntas foram elaboradas pela pesquisadora de acordo
com os objetivos específicos do trabalho e foram disponibilizados na inter-
net através da ferramenta Google Forms. Permaneceram disponíveis durante
os meses de março e abril de 2017. No retorno dos questionários à pesqui-
sadora, não havia a possibilidade de identificação dos entrevistados, garan-
tindo-se, dessa forma, sigilo absoluto.
O instrumento de coleta de dados continha quinze questões, assim dis-
tribuídas: quatorze perguntas fechadas, de escolha simples ou múltipla, onde,
em cinco delas, havia a possibilidade de acréscimo, por parte do entrevistado,
de alguma alternativa não contemplada na questão. A última questão era aber-
ta, dedicada à opinião ou depoimento – opcionais – do entrevistado.
As questões 1 e 2 versavam sobre o tempo e a localidade de atuação do
Médico Veterinário (urbana, rural ou ambas). As questões numeradas de 3
a 7 objetivavam verificar o número de atendimentos de casos de maus-tratos,
o local de atuação onde foram atendidos (clínica/hospital, ONG, Centro de
SUMÁRIO
Zoonoses, abatedouros/matadouros ou outros), a situação do animal (erran-
te, domiciliado, para abate) e se o animal atendido era silvestre, silvestre
domiciliado, exótico, exótico domiciliado, doméstico de companhia ou do-
mesticado. A questão 8 procurava classificar os casos de agressão a animais.
As questões 9 a 12 abordavam o perfil do agente agressor em relação à faixa
etária, ao gênero e ao tipo de agressão perpetrada, enquanto na questão 13
procurava-se identificar as possíveis causas dos maus-tratos. Na questão 14
averiguava-se o procedimento legal do entrevistado em relação aos casos
de maus-tratos atendidos. Finalizando o instrumento, foi apresentada a ques-
tão 15, já abordada no parágrafo anterior. Se, porventura, o entrevistado não
houvesse atendido a casos de maus-tratos, ele seria direcionado da questão 3
à questão 15.
Retornaram à pesquisadora, até o final do mês de abril de 2017, 280
questionários, ultrapassando o número necessário de amostras para a pes-
quisa, estimado em 271.
Após a coleta ser finalizada, procedeu-se à tabulação dos dados cole-
tados e à respectiva análise dos mesmos. Os resultados e a discussão serão
demonstrados a seguir.
SUMÁRIO
GRáFICO 1 – pORCENTAGEM pROpORCIONAL DE OCORRêNCIAS DE
MAUS-TRATOS COMpARATIVAMENTE ENTRE OS OS AGENTES DOS
GêNEROS MASCULINO E FEMININO.
SUMÁRIO
casos de maus-tratos atendidos), verifica-se que os casos de maus-tratos se as-
semelham, independentemente do local de atuação do Médico Veterinário.
Dando prosseguimento, ao se fazer a correlação entre as questões 6 (pro-
cedência predominante dos animais vítimas de maus-tratos) e 8 (classificação
dos mais numerosos casos de maus-tratos atendidos), verifica-se que os ani-
mais “errantes” e “para abate” sofreram mais casos de espancamento, segui-
dos de negligência (privação de atendimento veterinário e privação de água
e alimento). Os animais “domiciliados” enfrentaram mais situações de pri-
vação de atendimento veterinário e espancamento.
Já ao se fazer a correlação entre as questões 7 (classificação predomi-
nante dos animais vítimas de maus-tratos) e 8 (classificação dos mais nume-
rosos casos de maus-tratos atendidos), a coleta de dados da pesquisadora apon-
tou os animais domésticos como a categoria mais agredida. Pode-se perceber
claramente que, pelo fato de estarem mais próximos do homem, os animais
domésticos são as maiores vítimas dos maus-tratos.
Verifica-se que, apesar do elo que une homens e animais, os casos de
maus-tratos são muito numerosos e diversos. A seguir, serão compiladas al-
gumas medidas de conscientização já existentes, bem como levantadas so-
luções para a problemática dos maus-tratos aos animais.
CONCLUSÃO
Conclui-se, ao final da pesquisa, que, apesar da proximidade entre homens e
animais, são inúmeros os casos de maus-tratos que ainda ocorrem. Em nome
do antropocentrismo, o ser humano se acha no direito de decidir sobre o des-
tino dos outros seres.
Através dos dados coletados, verifica-se que o perfil do agente agressor
na região pesquisada é o indivíduo do gênero masculino, com idade entre 20 e
40 anos, à exceção dos acumuladores, onde predomina o gênero feminino. Por
meio dos depoimentos dos entrevistados, constata-se que o status social das
famílias também afeta o animal. A principal causa de maus-tratos, dentre outras
levantadas, é a negligência ou ignorância em relação ao bem-estar do animal.
Considera-se que foram respondidos, portanto, os três problemas de pes-
quisa propostos, os quais versavam sobre o perfil do agente agressor, as causas
dos maus-tratos e a indicação de soluções para a problemática levantada. Foi
possível, também, através de trabalhos de pesquisadores de outros países e da
coleta de dados com os Médicos Veterinários, atingir os objetivos propostos.
Depreende-se, por conseguinte, que “combater o problema é funda-
mental. Mais importante ainda é não deixar que ele aconteça. Sabemos que
todos precisam ter direito à vida e nós humanos, com certeza, somos minoria
perante aos demais habitantes da Terra. Por isso devemos respeito” (AGêN-
CIA DE NOTÍCIAS DE DIREITOS ANIMAIS, 2013a).
SUMÁRIO
NOTAS
Pode ser citada aqui a Lei 9605/98, que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e
1
dá outras providências.
2
BECKER, 2008, p. 13.
3
AGNEW, 1998, p. 179.
4
PANHAN, 2013, [não paginado].
2010. É formada pelos seguintes municípios: Porto Alegre, Alvorada, Araricá, Ar-
roio dos Ratos, Cachoeirinha, Campo Bom, Canoas, Capela de Santana, Char-
queadas, Dois Irmãos, Eldorado do Sul, Estância Velha, Esteio, Glorinha, Grava-
taí, Guaíba, Igrejinha, Ivoti, Montenegro, Nova Hartz, Nova Santa Rita, Novo
Hamburgo, Parobé, Portão, Rolante, Santo Antônio da Patrulha, São Jerônimo,
São Leopoldo, São Sebastião do Caí, Sapiranga, Sapucaia do Sul, Taquara, Triun-
fo e Viamão. Mais informações em: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Pla-
nejamento, Governança e Gestão. Atlas Socioeconômico Rio Grande do Sul:
Região Metropolitana de Porto Alegre – RMPA. [s.d.]. Disponível em: <http://
www.atlassocio economico.rs.gov.br/regiao-metropolitana-de-porto-alegre-
rmpa>. Acesso em: 17 abr. 2017.
6
FLYNN, 2008.
7
HERZOG JR.; BETCHART; PITTMAN, [published online 27 Apr. 2015].
8
PATRONEK, 2008.
9
THE HUMANE SOCIETY OF THE UNITED STATES, 2001.
10
FLYNN, 2008.
11
NASSARO, 2013.
12
FLYNN, 2012.
13
DELABARY, 2012, p. 837-838.
SUMÁRIO
14
AGNEW, 1998.
15
FLYNN, 2008.
16
KELLERT; FELTHOUS, 1998.
17
FERNÁNDEZ, 2013.
18
DELABARY, 2012.
19
SOUZA, 2008.
20
BONGIOLO, 2007, p. 42.
21
REGAN, 2006.
22
Ibid., p. 166.
23
Ibid., p. 172.
24
DELABARY, 2012, p. 836.
25
FERNÁNDEZ, 2013.
26
SILVA, [s.d.; não paginado].
27
FRANÇA; COLOGNESE; BUDÓ, 2016.
28
LANDAU, 1999.
29
ARKOW; MUNRO, 2008.
30
FLYNN, 2008.
31
NASSARO, 2013.
32
ADAMS, 1995.
33
SOLOT, 1997.
34
PATRONEK, 1997.
SUMÁRIO
35
OLIVEIRA, 2015.
36
DELABARY, 2012.
37
FRANÇA; COLOGNESE; BUDÓ, 2016.
38
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA, 2015.
39
BERETTA; OLIVEIRA; VILELA, 2016.
40
AGêNCIA DE NOTÍCIAS DE DIREITOS ANIMAIS, 2013b.
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
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due University Press, 2008. p. 31-58.
SUMÁRIO
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Passo Fundo, 2016. Disponível em: <http://soac.imed.edu.br/index.php/mic/
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MURARO, Celia Cristina; ALVES, Darlei Novais. Maus tratos de cães e gatos
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SUMÁRIO
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Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública)– Centro
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OLIVEIRA, Fernanda. A (in) suficiente tutela penal aos animais não hu-
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SOLOT, Dorian. Untangling the animal abuse web. Society and Animals,
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SUMÁRIO
SOUZA, Gabriel Campos de. Os rodeios e a Lei 10.519/02: retrocesso so-
cial e desconformidade com a Constituição Federal de 1988. 2008. Dispo-
nível em: <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/osrodeiosea-
lei10.51902retrocessosocialedesconformidadecomaconstitui_ofederalde19
88.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.
SUMÁRIO
O VENDEDOR DE MACONHA E O VENDEDOR DE
CIGARRO: UMA ANÁLISE DA SELETIVIDADE PENAL À
LUZ DA CRIMINOLOGIA CULTURAL.
Jean de Andrade Fontes1
Abstract:Some drugs are strictly curtailed while others are not. The punitive
incongruence contributes to mass incarceration and to rising deaths, es-
pecially at a time when the war on drugs is announced. It is questioned:
punish the trade of a particular drug that was and is associated with a cer-
tain group, is the state acting selectively, directing the punishment not to
the conduct, but to that group? Is analyzed, in a comparative way, the
treatment given to the marijuana’s seller and the cigarette’s seller in the
light of Cultural Criminology, in order to understand the reasons that led
the State to punish one of these behaviors and not the other. Not today,
the use of marijuana, unlike cigarettes, is attributed to marginalized groups,
showing that this arbitrariness in punishing the sale of marijuana rather
than that of cigarettes is, after all, more of the same: criminal selectivity
through poverty criminalization.
SUMÁRIO
Keywords: Criminal selectivity; War on drugs; Poverty criminalization;
Drugs; Cultural Criminology.
DESCONFORTOS pRELIMINARES
Ressalta-se preliminarmente que é adotada aqui a posição na qual é enten-
dido que as emoções do pesquisador não se separam dele durante a pesquisa
(DOS SANTOS. 2009. p. 6). Assim, rechaça-se, de pronto, a busca pela neu-
tralidade da pesquisa.
Nesse sentido, não se busca negar a subjetividade inerente ao pesqui-
sador, mas sim evidenciá-la, como propôs DOS SANTOS (2009. p. 8): “O
pesquisador precisa descobrir quem é ele mesmo, qual é o objeto com o qual
gosta de trabalhar, qual é a motivação da sua pergunta, qual é a importância
da resposta que ele busca”. Ainda assim, DOS SANTOS (2009. p. 8) enfatiza
que: “Portanto, o processo de pesquisa é realizado por um sujeito constituído
de inúmeras influências ao longo de sua vida. Esse sujeito é provido de emo-
ções, sentimentos que expressa em suas atitudes. O seu comportamento é
motivado por fatores externos e internos”.
Para tanto, pretende-se deixar claro quais os desconfortos que motiva-
ram a investigação do tema aqui proposto, bem como expor o local de fala
do pesquisador que subscreve a pesquisa.
Vivenciei os efeitos causados pelo suposto “combate às drogas”, mesmo
que em menor intensidade ao fenômeno que ocorre nas grandes cidades, con-
siderando que resido e sempre residi em um bairro pobre da cidade. Tenho
amigos que, em razão das drogas (ou da política antidrogas) foram presos e
outros tantos, mortos. Desde cedo, portanto, nascia no presente pesquisador
o desconforto.
Nunca havia entendido, até então, por qual motivo um amigo meu, mo-
rador do mesmo bairro pobre no qual eu também residia, após portar maco-
nha e empreender fuga depois de tentativa de abordagem policial, com su-
posta troca de tiros, restava morto. Um rapaz parecido comigo, jovem,pobre,
de pele morena e sem muitas oportunidades naquela ocasião.
Enquanto isso, no centro da cidade, o garoto pertencente à outra classe
social, que também portava drogas, sequer foi abordado por policiais.
Evidentemente, o desconforto aqui não está no ranço punitivo de desejar
o mesmo tratamento demandado ao primeiro para o segundo. Não, nunca foi
sobre isso. O desconforto está em (des)conhecer o motivo pelo qual o primeiro
conheceu a presença do Estado de forma “efetiva” ao ser morto em contraste
com a na notável desigualdade de tratamento direcionado aos dois.
SUMÁRIO
Necessário evidenciar também que realizo estágio na Defensoria Pú-
blica Estadual do Rio Grande do Sul, em um departamento com atribuição
exclusiva em execução penal, oque me aproxima mais ainda das consequên-
cias dessa ilegítima guerra às drogas, bem como contribui para identificar
o público alvo de aplicação da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).
Na Defensoria Pública são atendidas todas as pessoas que não tenham
condições para contratar um advogado particular ou que estejam em situação
de vulnerabilidade. Através da experiência adquirida durante os atendimentos
aos presos e presas, foi possível perceber que a maioria dos condenados, as-
sistidos pela Defensoria, foram detidos por tráfico de drogas e crimes corre-
lacionados. Quando está a se falar de mulheres esse percentual aumenta. Hão
de ser mencionadas, ainda, as famílias que, em sua totalidade, se encontram
reclusas pelo crime de tráfico de drogas.
No entanto, essas mesmas pessoas retiradas da sociedade por comercia-
lizar drogas (ou mesmo apenas fazer uso), são colocadas no mesmo local onde
essa prática é constante e diária. Qual a finalidade, pois, da prisão (ou então
da pena)? Relembro aqui o relato de um apenado que estava tentando, ardua-
mente, deixar de utilizar drogas ilícitas no interior do cárcere. Ele referiu que
se viu obrigado a foragir do presídio do regime semiaberto no qual estava re-
cluso (com apresentação na Defensoria no dia subsequente, para justificar a
conduta e ser realocado em outro presídio), porque, em sua galeria, o consumo
de drogas era frequente, o que inviabilizava a tentativa do sentenciado. Re-
sultado após a justificativa? Regredido cautelarmente ao presídio de regime
de cumprimento de pena fechado. Desconfortos como esse são incontáveis,
vistos e vividos todos os dias.
Diante disso, a presente pesquisa visa identificar as razões e alarmar para
as consequências que a seletividade penal tem ocasionado, através da com-
paração do vendedor de maconha e do vendedor de cigarro (tabaco), com o
auxílio da criminologia cultural. Ainda assim, tentaremos, entender as razões
de uma droga ser considerada ilícita, alvo de estigmatização e criminalização,
enquanto a outra é, inclusive, propagandeada. O que está por trás dessa sele-
tividade de tratamento e a quem isso interessa?
E mais: ao punir a comercialização ou mesmo o uso de uma determi-
nada substância, que desde muito tempo tem sido atribuída a determinado
grupo social, não seria uma forma indireta de punir não a droga, mas as pes-
soas que a consome?
Antes de prosseguir com a leitura, aviso de antemão: DESCONFOR-
TE-SE!
É necessário.
SUMÁRIO
pOR UMA INVESTIGAÇÃO ALTERNATIVA: DA
CRIMINOLOGIA CULTURAL.
Nessa difícil empreitada, serão utilizados os ensinamentos de um método al-
ternativo e contemporâneo no que diz respeito à costumeira análise crimino-
lógica: a criminologia cultural. Para tanto, é necessário entender o foco sob
o qual ela se debruça, além das ferramentas ferramentas utilizadas, a fim de
compreender como poderá responder a inúmeras perguntas já formuladas e
até, eventualmente, fomentar novas.
A criminologia cultural busca ultrapassar as noções convencionais atri-
buídas ao crime e a justiça criminal. (FERRELL; HAYWARD. 2012). Para
isso, essa perspectiva possibilita um olhar abrangente ao fenômeno com-
plexo que é o crime e a sua punição, deixando para trás concepções simpló-
rias e superficiais:
DROGAS.
Antes de adentrarmos no tema de drogas, propriamente dito, há de ser aler-
tado para um equívoco comumente verificado durante a pesquisa bibliográ-
fica. Cada país é detentor de sua própria história. Por essa razão, não se pode
SUMÁRIO
confundir a história da guerra às drogas brasileira com a história da guerra
às drogas de outros países. Evidentemente, não é a intenção assinalar para
a inexistência de influências provenientes de outros países para a política
criminal brasileira, o que também seria um equívoco. O que está a se dizer
é que devemos reconhecer esses fatores como influências e não como razões
determinantes e existentes por si só, como se o Brasil não agisse por seus
próprios interesses. O Brasil possui a sua própria história de guerra às dro-
gas, a sua própria história de racismo estrutural, a sua própria história de de-
sigualdade e a sua própria história de criminalização da pobreza, que preci-
sam ser observados.
O termo “droga” é utilizado para definir substâncias que, de forma diversa
aos alimentos, não são assimiladas de pronto como meio de renovação e con-
servação pelo organismo e possuem efeito psicoativo, uma vez que são capazes
de alterar o estado de consciência, humor ou sentimento de quem as usa. Po-
pularmente, esse termo é utilizado quando da referência apenas em relação às
drogas ilícitas, alvos do controle e proibição estatal. (ROSA. 2017).
Faz-se necessário apontar para constatação que as drogas são considera-
das, historicamente, expressões culturais, considerando que, muitas vezes mar-
cam os costumes de determinados povos. “As drogas, uma vez que são conce-
bidas e praticadas como tais, dependem sempre de contexto individual e social
(set e setting, como costumam apontar os especialistas sobre o assunto) para
fazer efeito”. (MARRAS. 2008. p. 157). É de se destacar, ainda, a ligação delas
com as culturas marginalizadas e a regulação das condutas desses povos:
As plantas das quais são extraídas algumas drogas, durante muito tempo, fi-
zeram parte do patrimônio histórico e cultural de diversas populações minori-
tárias que hoje são socialmente marginalizadas e culturalmente discrimina-
das por grupos dominantes que consideram arcaicos o seu consumo, tanto
ritual quanto terapêutico, chegando ao ponto de demonizá-las. (ROSA. 2014.
p. 187-188).
O que se faz hoje é atribuir o termo “drogas” para substâncias, sem se-
quer questionar os motivos, como se fosse inerente a elas essa denomina-
ção.Para MARRAS (2008), as substâncias que hoje chamamos de “drogas”
não foram sempre chamadas assim. Nesse sentido, elas não são drogas, mas
tornadas drogas:
SUMÁRIO
Ora, se droga é aquilo que é capaz de alterar o estado de consciência, a
própria proibição pode ser considerada uma, como brilhantemente esclare-
ceu MARRAS (2008. p. 174-175):
SUMÁRIO
da pobreza e dos movimentos sociais, legitimando a ampliação do Estado
Penal e da militarização da vida social. (BRITES. 2015. p. 128).
É possível identificar de forma nítida que o grupo que sofre com as con-
sequências dessa política criminal totalmente deslegitimada tem cor e con-
dição social definida. Ainda nos Estados Unidos, “jovens negros são dez
vezes mais suscetíveis de estarem em prisões estaduais ou federais do que
jovens brancos”. (DE GIORGI. 2017. p. 4).
Não há nada de novo em dizer que os alvos preferenciais das institui-
ções penais são as classes sociais despossuídas e que são elas que arcam
com os danos da proibição. (FERNANDES; FUZINATO. 2012). De acordo
com DE GIORGI (2006. p. 39) “A história dos sistemas punitivos é, nessa
perspectiva, urna história das “duas nações”, isto é, das diversas estratégias
repressivas de que as classes dominantes lançaram mão através dos séculos
para evitar as ameaças à ordem social provenientes dos subordinados”.
SUMÁRIO
O Brasil é o terceiro país que mais prende pessoas, atrás apenas dos Es-
tados Unidos e da China. Destaca-se que, 28% das pessoas são presas por cri-
mes relacionados ao tráfico de drogas. Específicamente entre as mulheres, esse
número passa para 62%. Em disparidade com o número de negros em solo bra-
sileiro (53%), do total da população carcerária, os negros somam 64%. Desses
encarcerados, 99% não alcançaram o ensino superior. (BRASIL. 2017).
Como se verificou, se analisado o discurso oficial da guerra às drogas, fa-
cilmente pode ser constatado o seu fracasso. Há de se ressaltar ainda para aquilo
que RODRIGUES (2008) chamou de “fracasso vitorioso”: “O fracasso da proi-
bição, então, potencializa-se em positividade: a guerra perdida contra “as dro-
gas” significa a guerra diariamente renovada e eficaz contra pobres, imigrantes,
negros, camponeses entre outros “ameaçadores”.” (RODRIGUES. 2008. p. 98).
O que acontece é que, ao invés de ser de fato uma guerra às drogas, ou
até mesmo uma guerra contra algumas drogas, esse movimento se manifesta
como uma verdadeira guerra contra aqueles que usam (ou comercializam)
drogas, sendo esse combate direcionado não às substâncias, mas às pessoas.
(BUCHANAN; YOUNG. 2000).
STRECK (2009. p. 115) aponta que os penalistas, em sua maioria, clas-
sificam o direito penal como “discriminatório, seletivo, estigmatizador e
protetor dos interesses das camadas dominantes”, e alerta que não há novi-
dade em dizer isso. Para ele, tecer comentário no sentido de que o direito penal
historicamente criminaliza a pobreza, trata-se de dizer o óbvio. No entanto,
ao que me parece, o óbvio ainda há de ser dito repetidas vezes, e mais ainda,
o debate deve ultrapassar os muros dourados da academia.
Ademais, STRECK (2009) aponta que “a doutrina e a jurisprudência
podem e devem ter um papel muito mais relevante nesse processo de insti-
tucionalizar a integridade, a coerência e a igualdade no Direito, em especial
no Direito Penal”. STRECK (2009. p. 116) vai mais longe ainda, concluindo
que no momento em que a Constituição afirmou que devemos erradicar a
pobreza, não é por meio do Direito Penal que isso deve acontecer, uma vez
que erradicar a pobreza não é sinônimo de erradicar os pobres: “mas isso
também não quer dizer que a pobreza continue a ser criminalizada como se
estivéssemos no século XIX ou nos anos 40 do século XXX”.
Há de ser lembrado, por fim, que não é só no momento da criação da
norma que se verifica a seletividade existente, mas também no estágio da
aplicação da norma. As consequências do distanciamento social, existente
no Brasil e claramente percebido entre aqueles que acusam e julgam em re-
lação àqueles que são acusados e julgados, enaltecem essa seletividade,
assim como já foi assinalado em outra oportunidade:
SUMÁRIO
processo de criminalização de determinados grupos sociais e, assim, reforça
esse movimento cíclico de combate de classe. (FRANÇA et al. 2016. p. 304).
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
DOS SANTOS, Márcia Daniella Souza. Motivação na pesquisa acadêmi-
ca: uma opção metodológica. Dialógica. Vol. 1, n. 6. Manaus, 2009.
INCOTT JR, Paulo. Todo vício será punido? pressupostos para o ques-
tionamento da política de drogas. Sala de Aula Criminal, 2017. Disponí-
vel em: <http://www.salacriminal.com/home/todo-vicio-sera-punido-pres-
supostos-para-o-questionamento-da-politica-de-drogas>. Acesso em: 26
out. 2017.
SUMÁRIO
KARAM, Maria Lucia. A lei 11.343/06 e os repetidos danos do proibicio-
nismo. In: LABATE, Beatriz Caiuby. [et al.]. (Orgs.). Drogas e cultura:
novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. pg. 105-120.
SUMÁRIO
BARRETTO, Vicente de Paulo; CULLETON, Alfredo Santiago. (Orgs.). 20
anos de Constituição: os Direitos Humanos entre a norma e a política. São
Leopoldo: Ed. Oikos, 2009. pg. 91-116.
SUMÁRIO
A INTERVENÇÃO NEUROCIENTÍFICA NA ANÁLISE
DO COMPORTAMENTO CRIMINOSO
Jéssica Veleda Quevedo,
graduanda em Direito
Orientador: Prof. Dr. Leandro Ayres França
Faculdade Estácio/FARGS - RS
INTRODUÇÃO
A publicação do Homem Delinquente, em 18761, foi indiscutivelmente um
marco no estudo do crime, posteriormente ficando registrado como um dos
marcos iniciais da criminologia. A extensa pesquisa e o método de análise
empírica empregados por Lombroso, que supostamente realizou mais de
400 necropsias e analisou 6 mil indivíduos vivos integrantes da população
prisional da Itália no século XIX, revolucionou o modo como o criminoso
era visto - tornou-se possível identificá-lo através de sua aparência e com-
portamento característicos.
A evolução das sociedades, e consequentemente do direito penal e dos
estudos no campo da Criminologia Moderna2, levou ao esquecimento do
determinismo assinalado pelo médico italiano. Estes, todavia, sempre o tra-
zem à tona a qualquer sinal de possibilidade de o ser humano não agir con-
forme seu desejo, o que naturalmente ocorreu nos anos 80, quando Benjamin
Libet apresentou resultados de pesquisa realizada para análise do Potencial
de Prontidão - nem mesmo a confirmação de que há poder de veto entre a
tomada inconsciente de decisão e a realização da ação serviu para dissuadir
aqueles que crêem que o homem não escolhe, apenas segue o caminho que lhe
foi designado.
O campo da pesquisa seguiu seu curso, e os sistemas desenvolvidos
pelo e para o homem continuaram seguindo a premissa de que este tem plena
consciência de suas ações - vide prisões, locais onde quem escolhe cometer
crimes paga por eles, e as eleições, exercício de escolha de nossos repre-
sentantes políticos. No entanto, atualmente com uma abordagem científica
mais avançada, a teoria do Criminoso Nato ainda vive.
Em 2015 Adrian Raine, professor da Universidade de Pennsylvania,
publicou A Anatomia da Violência: Raízes Biológicas da Criminalidade3,
obra que resume 30 anos de pesquisa sobre os déficits na estrutura cerebral
que representam fatores de risco e podem levar um indivíduo ao cometi-
mento de crimes. O “fantasma do determinismo”, como refere Paulo Busa-
to4, volta à equação da qualificação do criminoso.
SUMÁRIO
O presente artigo, além de traçar um breve histórico do pensamento de-
terminista, busca elucidar algumas questões que permeiam a união da Neu-
rociência ao Direito Penal no modelo em que temos atualmente (A Neuro-
ciência pode ser utilizada na análise do comportamento criminoso?; seu uso
é moral e ético?; quando pode ocorrer?), bem como propor uma análise di-
ferenciada do comportamento criminoso violento e reativo.
1 - O “pAI DA CRIMINOLOGIA”
Cesare Lombroso (1835-1909), frequentemente referido como “pai da Cri-
minologia”, foi um médico psiquiatra italiano que atuou em diversas áreas
no campo da pesquisa.
Em sua obra mais relevante para as disciplinas de direito penal e cri-
minologia, O Homem Delinquente (1876), reuniu os resultados de extensa
pesquisa realizada junto às instituições carcerárias da época, os quais foram
taxativos em classificar certos tipos de características biológicas e compor-
tamentais do homem como criminosas (ou, em termos utilizados pelo autor,
“delinquentes”) - dentre elas, o formato das mãos e cabeça dos indivíduos.
Em outra obra, Lombroso determinou não haver remédios para os “de-
linquentes-natos” adultos, bem como que estes deveriam ser isolados para
sempre, nos casos incorrigíveis, e suprimidos (ou seja, mortos) quando sua
incorrigibilidade os tornasse perigosos demais5.
No Brasil, o também médico Nina Rodrigues6 amparou-se em Lombroso
para realizar estudos acerca da população negra, estudando-a não apenas como
inferior à branca, mas como marginal e perigosa ao restante da sociedade.
O criminoso-nato de Lombroso tinha uma vida fadada ao crime - ele
não podia, dada sua constituição, optar por um estilo de vida diferente.
Assim, pode-se dizer que seu desenvolvimento biológico deteriorado pelo
atavismo era fator determinante de seu comportamento.
2 - CONTESTANDO A LIBERDADE
A pesquisa que deu origem à “negação” do livre-arbítrio nos termos aqui ana-
lisados foi realizada por Benjamin Libet7 nos anos 80, através de experimentos
cujo resultado sugeriu a inexistência de poder de decisão em seres humanos.
Para tanto, utilizou um modelo de relógio adaptado e eletrodos conectados a
uma máquina de eletroencefalograma e ao indivíduo a ser estudado. O experi-
mento consistia na pessoa, devidamente monitorada pela máquina e em frente
ao relógio, apertando um botão quando surgisse vontade para tanto, bem como
registrando o exato momento em que decidiu apertar o botão.
O resultado obtido foi de que, antes do indivíduo estudado tomar ciên-
cia da decisão de apertar o botão, seu cérebro já manifestava atividade nesse
SUMÁRIO
sentido em um tempo aproximado de 1.5 segundos antes de a ação ocorrer.
Em síntese, depreendeu-se que, inconscientemente, a decisão de apertar o
botão já havia sido tomada antes de a própria pessoa escolher agir.
Desse modo, em que pese Libet tenha argumentado que o indivíduo
tem o poder de veto antes de externar o impulso (o que recentemente foi cor-
roborado em pesquisas realizadas na Universidade de Medicina Charité, em
Berlim, através de pesquisa realizada pelo Professor Jonh-Dylan Haynes8),
os resultados obtidos foram utilizados para justificar que, em verdade, o ser
humano não tem poder sobre suas ações, reacendendo uma gama de críticas
ao conceito atual de livre arbítrio.
4 - A VONTADE NO CRIME
Apesar das divergências doutrinárias, o Código Penal brasileiro adota a Teo-
ria Tripartida do Crime, identificando-o como fato típico, ilícito (antijurí-
dico) e culpável. Desse modo, a culpabilização do indivíduo criminoso exige
o dolo - o elemento volitivo na ação.
Removendo o elemento volitivo, o que se verifica quando há aplicação
de um excludente de culpabilidade ao processo, o agente que comete o crime
torna-se inimputável:
“(...) deveria ser dito aos jurados em todos os casos que presume-se que
todos os homens são sãos, bem como que possuem capacidade racional sufi-
ciente para serem responsáveis por seus crimes, até que se prove o contrário
SUMÁRIO
a seu favor; e que, para que se estabeleça uma defesa baseada na insanidade,
deve ser provado com clareza que, ao tempo do cometimento do ato, o acu-
sado estava sob um vício de razão tão grande, decorrente de doença mental,
que não saberia a natureza ou qualidade do que estava fazendo; ou, se sou-
besse destes, que ele não sabia que o que estava fazendo era errado.”14
SUMÁRIO
um meio demorado de atingir objetivos aos olhos de quem necessitaria dela),
a já conhecida seletividade do sistema penal, dentre outros.
Desse modo, observa-se pelo menos três origens e possíveis lentes
pelas quais se pode analisar o crime, agora um fato ocasionado não só pelas
condições sociais, mas pelas experiências individuais do homem e por sua
própria constituição biológica.
Psicologicamente, busca-se analisar o comportamento, emoções, cogni-
ção, personalidade e inteligência do indivíduo, podendo haver foco em como
experiências vividas podem influenciar na tendência para o cometimento de
crimes. Aqui, pode-se também fazer breve análise filosófica sobre a existência
ou não da autonomia humana.
Biologicamente, o foco segue para as constituições genéticas e fisio-
lógicas do indivíduo, o que leva à neurociência.
Mais de um século após Lombroso elencar características físicas e com-
portamentais que indicavam a personalidade criminosa de seu portador, Raine
e outros pesquisadores contemporâneos relatam haver indivíduos com pre-
disposições biológicas para o cometimento de crime, tais como tipo de defi-
ciência na estrutura cerebral, falha na produção de neurotransmissores (como
dopamina e serotonina), ou até mesmo anomalias genéticas que eliminam a
“trava bioquímica” que regula nosso comportamento.
Das pesquisas relativas à estrutura e formação cerebral, observa-se que
grande parte dos resultados apontam uma relação entre lesões, má-formação
ou a diminuição do metabolismo de glicose na área do córtex pré-frontal no
julgamento e manutenção do autocontrole, enquanto déficits no sistema lím-
bico afetam as emoções, comportamento, motivação (sensação de busca-re-
compensa) e memória de longo prazo17.
Socialmente, e nota-se que, apesar de extensamente debatido o presente
argumento, seu esgotamento ou resolução parecem distantes, criminaliza-
se a pobreza. O sistema brasileiro em sua integridade ignora aqueles com
poucas condições financeiras, praticamente condenando-o a uma vida às
margens (tanto da sociedade quanto da lei), e logo após o punindo por crimes
que, de certo modo, o induziu a praticar.
Ainda, pode ser analisado o fenômeno do “determinismo social” sob duas
óticas que se complementam, quais sejam, o acadêmico (em estudos de ciên-
cias sociais, direito e criminologia), e o das políticas públicas. Enquanto o sis-
tema se constrói para praticamente forçar aqueles a quem afeta a permanecerem
no mesmo status de origem, a sociologia de alimenta disso para traçar perfis,
como foi feito neste capítulo, e por vezes os utiliza como filtro ou lente para
analisar situações fáticas.
Avshalam Caspi et al.18, após estudo realizado com follow-ups, con-
cluíram que fatores genéticos e biológicos interagem com os sociais para pre-
dispor ao comportamento criminoso, motivo pelo qual não se pode excluir
SUMÁRIO
completamente a responsabilidade do indivíduo da equação e pelo qual não se
deve analisar o crime a partir de uma única ótica.
Um ponto interessante é que, tanto Raine quanto James Fallon19, obser-
vando resultados de suas próprias imagens cerebrais, identificaram estruturas
e fatores que poderiam significar, se analisados de modo isolado, que ambos
eram criminosos, o que vem a corroborar a ideia de que o resultado da neuroi-
magem, por si só, não é determinante do comportamento de um indivíduo.
“O último exame na pilha era surpreendentemente estranho. Na verdade,
parecia o mais anormal dos exames sobre os quais eu havia escrito recente-
mente, sugerindo que o indivíduo a quem ele pertencia era um psicopata - ou
pelo menos partilhava de uma parcela desconfortável de traços com um…
Quando descobri a quem pertencia o exame, quis acreditar que era um erro…
Mas não houve erro. O exame era meu.” 20
CONCLUSÃO
Levando em conta os dados e fatos apresentados, é possível concluir que a
extensão do auxílio da Neurociência ao Direito Penal permanece em uma
área cinzenta.
É impossível assumir que o problema da criminalidade estaria solucio-
nado com uma intervenção deste modo vinda da área da saúde, até mesmo por-
que não seria plausível analisar o cérebro de cada indivíduo cuja defesa ale-
gasse redução da capacidade.
Em que pese os estudos apontem que há, sim, uma origem biológica para
a violência, também não se pode sustentar a ideia de que essa é a única fonte
do comportamento criminoso. Por certo, a neuroimagem não patrocina algum
tipo de predição criminal, já que fatores ambientais e sociais também influen-
ciam no comportamento de um indivíduo. Portanto, a adoção da possibilidade
de determinismo - seja ele genético, biológico ou social - como único parâ-
metro tampouco é útil na análise do tema.
Quanto ao debate filosófico da existência ou não de livre-arbítrio, do qual
se aproveita apenas o que seria aplicável a lei, observa-se que nem sempre a
biologia anula completamente o julgamento do indivíduo. O que ocorre, por
outro lado, é a diminuição da capacidade de compreensão de certo e errado,
administração de emoções e informações e repressão de impulsos violentos.
Como foi visto, o crime - e mais especificamente a violência - devem ser
estudados a partir de uma perspectiva que o considere como resultado de um
processo biopsicossocial, não apenas para buscar uma retribuição mais efeti-
va, mas também a fim de identificar fatores que possam vir a conduzir o indi-
víduo ao comportamento desviante e fazendo o possível - dentro das medidas
da moral e da ética - para impedir esse resultado.
SUMÁRIO
NOTAS
1
LOMBROSO, Cesare. O Homem Delinquente.
3
RAINE, Adrian. The Anatomy of Violence: Biological Roots of Crime.
8
LIBET, Benjamin. Mind Time - The Temporal Factor in Consciousness.
10
WEGNER, Daniel. The Illusion of Counscious Will.
GANDER, Kashmira. The Man Whose Brain Tumour ‘Turned him into a
paedophile’.
12
SUMÁRIO
15
Código Penal Brasileiro.
No original, “(...)the jurors ought to be told in all cases that every man is
to be presumed to be sane, and to possess a sufficient degree of reason to be res-
17
ponsible for his crimes, until the contrary be proved to their satisfaction; and that
to establish a defence on the ground of insanity, it must be clearly proved that, at
the time of the committing of the act, the party accused was labouring under such
a defect of reason, from disease of the mind, as not to know the nature and quality
of the act he was doing; or, if he did know it, that he did not know he was doing
what was wrong.” Tradução livre.
18
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico.
fil-da-popula%C3%A7%C3%A3o-carcer%C3%A1ria-brasileira
20
RAINE, p. 76
21
RAINE, p. 78
articles/s41562-016-0005
it looked exactly like the most abnormal of the scans I had just been writing about,
suggesting that the poor individual it belonged to was a psychopath—or at least
shared an uncomfortable amount of traits with one....When I found out who the
scan belonged to, I had to believe there was a mistake....But there had been no
mistake. The scan was mine.” Tradução livre.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Evidence on the Adjudication of Criminal Behavior. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3955018/. Acesso em
30/11/2017.
GANDER, Kashmira. The Man Whose Brain Tumour ‘Turned him into
a paedophile’. Disponível em: http://www.independent.co.uk/life-style/
health-and-families/features/a-40-year-old-developed-an-obsession-with-
child-pornography-then-doctors-discovered-why-a6893756.html. Acesso
em 27/11/2017.
SUMÁRIO
INFLUÊNCIAS DO DIREITO COMPARADO NA
ARQUITETURA DA LEI ANTITERRORISMO BRASILEIRA:
UMA ANÁLISE DA LEI FEDERAL Nº 13.260/2016.
Júlia Melo Sebben1
Tatiana de A. F. R. Cardoso Squeff2
INTRODUÇÃO
Verifica-se que o terrorismo é um fenômeno que tem muita repercussão no sé-
culo XXI, uma vez que os Estados entendem ser um risco a segurança interna
e internacional, fato que influencia no modo com que gerenciam suas frontei-
ras. Neste cenário, percebe-se a importância de cada país possuir em seu siste-
ma penal um diploma específico que regule tal conduta, tendo, assim, o Brasil,
no ano de 2016, aprovado a Lei nº 13.260, lei antiterrorismo brasileira.
Todavia, o Brasil não é um país que possui em sua história, ao menos
não em seus últimos 30 anos, ter sofrido de atos de terrorismo. Assim, o pro-
blema a ser investigado na presente pesquisa é se há no texto aprovado por
meio da Lei Federal n. 13.260/2016 influência(s) das leis antiterrorismo
emanadas por Estados que foram vítimas de atentados na história recente,
quais sejam, os Estados Unidos (Patriot Act), Espanha (Ley Orgánica
2/2015) e Reino Unido (Terrorism Act 2000).
Vale ressaltar que tais países não foram os únicos que sofreram, em seu
território, atos de terrorismo, posto que a Bélgica e França, por exemplo, já
foram vítimas de casos dessa estirpe. Todavia, a análise se restringiu a tais
legislações, uma vez que, além de serem países que há anos enfrentam atos
de terrorismo em seu território por grupos locais, também sofreram com
atentados terroristas logo após os atentados ocorridos em Nova York, nos
Estados Unidos: em 11 de março de 2004 na Espanha (Madrid), e de 7 de
julho de 2005 no Reino Unido (Londres).
Para tanto, a partir do método dedutivo, realiza-se uma pesquisa biblio-
gráfica e documental qualitativa, de natureza aplicada e descritiva, verifi-
cando-se pontualmente as reações de cunho legal oriundas destas nações
(ocidentais!) que sofrem com tais atentados.
Art. 16. Fabricar, ter sob a sua guarda ou à sua disposição, possuir, importar,
exportar, comprar ou vender, trocar, ceder ou emprestar transporte por conta
própria ou de outrem, substâncias ou engenhos explosivos ou armas de
guerra ou utilizáveis como instrumento de destruição ou terror, tudo em
quantidade e mais condições indicativas de intenção criminosa. Pena: - re-
clusão de 1 a 4 anos.(BRASIL, 1953) [grifou-se]
Logo, nota-se que mesmo mantendo os mesmos termos, essa Lei reti-
rava do ordenamento a aplicação da pena de morte para esse ato, indo ao en-
contro do que viria a ser proibido em 1966 pelo Pacto Internacional de Di-
reitos Civis e Políticos (ONU,1966, art. 6). Ademais, ao trazer que o uso, a
posse, a transmissão ou a propriedade de certos explosivos e armas poderiam
ensejar em atos terroristas, explicitava, mesmo que indiretamente, uma con-
duta que poderia ser considerada terrorista no Brasil.
Ato contínuo, em 1967, no Decreto-Lei nº 314 demonstrou-se a inten-
ção de haver a criminalização do terrorismo, em seu artigo 25; porém, tal
“[...] delito não resultou definido, consubstanciando-se, ao fim e ao cabo,
numa cláusula aberta” (ALMEIDA, 2017. p. 142), restando assim positiva-
do no ordenamento jurídico pátrio:
SUMÁRIO
Art. 46. Importar, fabricar, ter em depósito ou sob sua guarda, comprar, ven-
der, doar ou ceder, transportar ou trazer consigo armas de fogo ou engenhos
privativos das Fôrças (sic) Armadas ou quaisquer instrumentos de destrui-
ção ou terror, sem permissão da autoridade competente:Pena: reclusão, de
5 a 10 anos.anos(BRASIL,1969) [grifou-se]
Outrossim, a lei brasileira mais conhecida até então para lidar com essa
conduta era a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), que surgiu da
“Doutrina da Segurança Nacional” revogando a Lei nº 6.620/1978 (AN-
DREUCCI, 2017, p. 679), e que terminou por tipificar os atos de terrorismo
em seu artigo 20:
SUMÁRIO
não só em relação às relações internacionais do Estado brasileiro, mas igual-
mente vinculada à forma de tratamento interno contra o terror, com o obje-
tivo “[...] de inibir benefícios políticos e processuais penais, equiparando o
terrorismo a crime hediondo” (FINKELSZTEJN, 2017, p. 34). Além disso,
o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição pode ser entendido como um “man-
dado explícito de criminalização e, na condição de norma de eficácia limi-
tada”, demanda a criação de uma lei infraconstitucional para que tal dispo-
sitivo constitucional tenha plena aplicação (ALMEIDA; ARAÚJO, 2017,
p. 160). Afinal, nenhuma conceituação havia sido elaborada até o momento,
o que poderia prejudicar a sua aplicação diante de um caso concreto.
Assim sendo, considerando isto e frente à realização de eventos impor-
tantes no território brasileiro como as Olimpíadas de 2016, em que há a pre-
sença de vários chefes de Estado, atletas e turistas do mundo todo (NUNES,
2017, p.69), notou-se a necessidade de o país possuir regras mais específicas
sobre o terrorismo, de modo a garantir, de alguma forma, uma possibildiade
maior de punição para quem praticasse atos que provocassem risco e preju-
dicassem a paz social da sociedade brasileira do que àquela até então exis-
tente (ANDREUCCI, 2017, p. 679), conduzindo à aprovação do Projeto de
Lei nº 2.016 de 2015, o qual tramitou sob regime de urgência (CORRêA,
2016, p. 181-185).9
Inclusive, é de se ressalar que o referido projeto de lei apresentava
como justificativa, que:
SUMÁRIO
[...] ao referir, em seu caput, que ocorrerá o ato de terrorismo quando a con-
duta for voltada à ‘[...] finalidade de provocar terror social ou generalizado’,
a Lei reconhece o caráter preponderantemente comunicacional do terro-
rismo, além da indiscriminação ou aleatoriedade desse efeito, pois não pes-
soaliza o alvo da mensagem de terror, direcionada à população em geral
(CALLEGARI; LIRA, 2016, p. 91)
SUMÁRIO
Dieckmann”) (BRASIL, 2012).11
Já com relação à lei espanhola12, nota-se algumas semelhanças, sendo
a primeira justamente no que tange o uso da internet, posto que, consoante
o artigo 573, parágrafo 2º, do Código Penal o crime de terrorismo também
inclui “los delitos informáticos tipificados em los artículos 197 bis y 197
ter y 264 a 264” (ESPANHA, 2015). Além disso, o artigo 578 do Código
Penal espanhol, a pena irá ser superior para aquele que tenha participado da
execução de um ato terrorista que tenha por consequência descrédito, me-
nosprezo ou humilhação das vítimas dos delitos, ou de suas famílias, quando
as informações forem divulgadas em serviços acessíveis ao público, pelos
dos meios de comunicação, internet ou o por uso de outra tecnologia de in-
formação (ESPANHA, 2015).
A segunda semelhança refere-se a pena aplicável à pessoa restar no li-
mite do ordenamento jurídico, ou seja, se no Brasil a pena máxima a ser atri-
buída a alguém pelo cometimento o crime de terrorismo restar em 30 anos13,
na Ley Orgánica 7 de 2003 fixou-se igualmente a pena máxima do ordena-
mento espanhol, 40 anos, para o agente que pratica ato terrorista que resultar
em morte (MELIÁ, 2016, p. 104; ALMEIDA, 2017, p. 122).
Ademais, o apoderamento de meios de transporte como sendo uma
conduta terrorista também tem suas origens na lei espanhola, especialmente
quando considerar-se a Ley Orgánica 2 de 2015, a qual reformou o Capítulo
VII do Código Penal espanhol, vez que trouxe um conceito de ato terrorista
ao ordenamento espanhol, inserido no artigo 573, segundo o qual
CONSIDERAÇõES FINAIS
O objetivo desta pesquisa foi analisar a lei antiterrorismo brasileira,
país sem nenhum ato terrorista executado em seu território nos últimos 30
anos, sancionada em 2016, impulsionada pela realização de grandes eventos
no território nacional como as Olimpíadas de 2016, para entender se possuiu
alguma influência no tratamento penal dado a três países que já sofreram
atos de terrorismo em seu território.
Assim, após analisar as legislações estrangeiras e a brasileira consta-
tou-se, então, que tais diplomas colaboraram para a sua formação, conside-
rando ser possível encontrar similitude de fatos que estão tipificados na le-
gislação pátria que igualmente estão nas legislações dos países aqui
estudadas, principalmente no diploma penal na Espanha e do Reino Unido
e em menor escala a dos Estados Unidos, como por exemplo, a preocupação
de tipificar a conduta em relação à ‘organização terrorista’ e o financiamento
do terrorismo.
Além disso, percebeu-se que a lei pátria traz em seu texto algumas pe-
culiaridades voltadas à realidade doméstica, uma vez que dispôs, por exem-
plo, da forma de investigação e processamento do crime de terrorismo no
âmbito interno de maneira distinta das demais legislações, o que demonstra
não ser uma mera cópia das demais legislações, muito embora apresente em
muitos momentos ter se inspirado no direito comparado, sendo, por força
disso, considerada fruto de um verdadeiro diálogo normativo, com o intuito
de resguardar os direitos fundamentais daqueles que estão no território na-
cional, seja para grandes eventos desportivos ou não, sem perder a própria
“identidade nacional”.
SUMÁRIO
NOTAS
Impende notar que durante a ditadura militar, os atos levados a cabo por
grupos contrários ao regime foram taxados como terroristas (mesmo que domés-
3
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (BRASIL, 1988)
Ainda, tal princípio pode ser encontrado, no artigo 15 no Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos de 1966 (no Brasil, Decreto nº 592/92), o qual afirma
que“1. ninguém poderá ser condenado por atos omissões que não constituam de-
lito de acordo com o direito nacional ou internacional, no momento em que foram
cometidos. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no
momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular
a imposição de pena mais leve, o delinqüente deverá dela beneficiar-se. 2. Ne-
nhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de
qualquer individuo por atos ou omissões que, momento em que forma cometidos,
eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reco-
nhecidos pela comunidade das nações.” (BRASIL,1992).
SUMÁRIO
vidamente” tipificado na Lei de Segurança Nacional em seu artigo 20, mesmo
sendo um tipo penal aberto, por não ofender o princípio da Reserva Legal (KIS-
HIMA, 2017, p. 128).
(BRASIL, 1988).
.“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
8
Vale destacar que a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil antes mesmo
da aprovação da referida lei, influenciou a aprovação da lei antiterrorismo brasileira,
9
uma vez que, como declarado pelo próprio Diretor da ABIN, Luiz Alberto Sallaberry,
durante tal evento o órgão impediu, com o auxílio dos órgãos de inteligência, Forças
Armadas, Ministério da Justiça e de algumas secretarias estaduais de segurança, a
realização de ataques terroristas ao identificar suspeitos e seus planos de forma an-
tecipada, fato que aumentou a preocupação de ataques terroristas no território nacio-
nal. Apesar disso, sentiu-se a falta de uma legislação que garantisse uma punição
adequada para o caso de concretização de um atentado (STOCHERO, 2017).
Crimes virtuais poderiam ser definidos como “atos dirigidos contra um sis-
tema de informática, tendo como subespécie atos contra o computador e atos contra
11
SUMÁRIO
ETA (no português, Pátria Basca e Liberdade), terem sido bastante violentos, prin-
cipalmente a partir dos anos 60, na busca por independência/autodeterminação
(MELIÁ, 2016, p. 103; CRETELLA NETO, 2008, p. 409-411). Contudo, não se
pode negar que a Espanha também tem sofrido com os atos terroristas levados à
cabo por fundamentalistas islâmicos, notadamente em 11 de março de 2004 (CAR-
DOSO, 2007, p. 97-99).
Tal tipo penal se trata de tipo penal misto alternativo, ou seja, na ocorrência
de mais de uma conduta, no mesmo contexto fático, será caracterizado um único
14
Todavia, nota-se que tal dispositivo não conceitua o que é organização ter-
rorista, sendo necessário observar o conceito trazido no artigo 1º, parágrafo 1º,
15
ses distintos daquele que seja a sua residência ou nacionalidade, a pena aplicada
será correspondente ao delito consumado, diminuída de metade a dois terços
(BRASIL, 2016).
Pode-se inferir que isso se dá em razão das inúmeras críticas feitas ao Pa-
triot Act no que diz respeito aos limites impostos às liberdades individuais em prol
18
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
_________. projeto de Lei nº 2.016. 2015.
________. A não observância dos Direitos Humanos pelo Estado nos casos
de Terrorismo. In: MENEZES, Wagner (Org.). Estudos de Direito interna-
cional. Vol. XIV. Curitiba: Juruá, 2008
SUMÁRIO
Janeiro: PUC – Rio, 2010
PERRINE, James B. JONES, Gregory T. The USA Patriot Act: Big Brother
or Business as Usual. Notre Dame Journal of Law, Ethics & public poli-
cy.vol. 19.2005.
STOCHERO, Tahiane. Abin diz que alerta terrorista cresceu no país e que im-
pediu ataque na Copa. G1. São Paulo, 05 de jan. 2017. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/01/abin-diz-que-alerta-terrorista-
cresceu-no-pais-e-que-impediu-ataque-na-copa.html>Acesso em: 07 nov. 2017
SUMÁRIO
VERVAELE, John A.E. A Legislação antiterrorista nos Estados Unidos: um
direito penal do inimigo? In: Revista Eletrônica de Direitos humanos e
política Criminal – UFRGS.Porto Alegre, nº 1, v. 2, p. 29-67, 2014.
SUMÁRIO
GP 30 – DIREITO DOS DESASTRES
Coordenação: Délton W. de Carvalho,
Fernanda D. Damacena e Ricardo Stanziola
SUMÁRIO
ADAPTACIÓN AL CAMBIO CLIMÁTICO
NUEVAS ESTRUCTURAS JURÍDICAS PARA UN
CONSENSO GLOBAL
Alina Celi Frugoni1
I INTRODUCCIÓN.
La celebración del Acuerdo de París el día 5 de noviembre de 20162, exige de
una serie de reflexiones con el propósito de avanzar sobre la observación del
sistema jurídico y en particular sobre los aspectos vinculados a las normas de
carácter ambiental en el contexto internacional, y otras incidencias jurídicas
como la conformación de la disciplina, Derecho relativo a los Desastres, para
la ordenación jurídica a escala global de los efectos del cambio climático, en
particular de la adaptación al cambio climático y atención de emergencias y
desastres ambientales.
El cambio climático no es únicamente un problema político, jurídico, o
cultural, se trata por el contrario de un problema de la civilización, conse-
cuencia del modo de vida; en concreto de la construcción de las bases de la
civilización actual; por ello no es del todo correcto, afirmar que la salida de
los EE.UU. del convenio de París, implica el fracaso de un proceso que fuera
en sí mismo, laborioso tendente a la obtención de compromisos internacio-
nales como lo fue el Convenio de Paris. La construcción de la civilización
no es únicamente atribuible a un país, aún cuando sea el más importante, el
resto de la humanidad puede asumir la tarea de reconducir dichas bases.
Ante la limitación del Derecho ambiental para hacer frente a las con-
secuencias del cambio climático, surge la disciplina del Derecho relativos
a los desastres, de la que se espera una ordenación jurídica aplicable a todos
los países, que abarque, en particular de los desastres ambientales a escala,
y emergencias capaces de comprometer las poblaciones, el desarrollo eco-
nómico sostenible, el patrimonio natural y el aprovechamiento de las actua-
les y futuras generaciones del medio ambiente.
La adaptación al cambio climático concebida como conjunto de medi-
das, ante los riesgos y daños ambientales derivados del cambio climático,
constituye materia fértil para el Derecho relativo a los desastres, en el sen-
tido que dichos riesgos y daños de carácter muchas veces difusos, otras no,
SUMÁRIO
son considerados de alto impacto en la población local, sistemas económicos
y en el desarrollo sostenible global.
Por su parte, es notorio que el contexto de las relaciones internacionales
favorece un debate jurídico que supera el ámbito de las conferencias interna-
cionales. La sobredimensión de la crisis climática, llevada a espacios interna-
cionales, tiene la virtud de exponer y democratizar dicha crisis, complejizando
la realidad a tal punto que se incrementan las posibilidades de resolución de
los conflictos planteados, en ámbitos más reducidos, como el ámbito regional
y local. En tal sentido puede decirse que la salida de los Estados Unidos del
compromiso asumido en el Convenio de París, no una cuestión de la comunidad
internacional a debatirse únicamente en el ámbito de las Naciones Unidas; sino
un conflicto mundializado de la civilización en su conjunto, que extravasa
dicha frontera institucional; este es tal vez el aspecto más relevante y positivo
de la cuestión. El empoderamiento de la sociedad civil, no opera a través de
los representantes de Estado, ni necesariamente a través de las organizaciones
no gubernamentales, que asisten a las reuniones de las conferencias interna-
cionales y que representan o no los intereses ciudadanos particulares. Las ma-
nifestaciones de descontento, otros niveles de exigencia y conformación de
otras voluntades se amplían a nuevos contextos situados en el ámbito global
dentro del sistema social.
De este modo la teoría de las relaciones internacionales, y a partir de
enfoques constructivistas supone una base desde la cual abordar las nuevas
necesidades sociales globales y nuevas estructuras jurídicas que respondan
a la actual realidad. El Derecho relativo a los desastres, como disciplina in-
dependiente puede a partir de este enfoque constituir sus bases, desde los
ámbitos globales e internacional y ser capaz de dar respuesta, a la sociedad
colectiva en los procesos de adaptación al cambio climático, además de la
gestión de los riesgos ambientales y daños difusos a escala global. Para ello
son necesarios el desarrollo de nuevos contextos y enfoques jurídico, a par-
tir de los cuales, el Derecho relativo a los desastres se enriquece de este
nuevo debate, en medio de un proceso de gestación, como disciplina inde-
pendiente, muy próxima al Derecho ambiental, pero con elementos consti-
tutivos propios que suponen como mínimo la adopción de los principios ya
existentes y la elaboración de reglas ordenadoras de su principal objeto: la
prevención de los desastres y el desafío de los riesgos y daños ambientales
de envergadura. 3
5 CONCLUSIONES
La adaptación al cambio climático constituye una realidad humana a escala
global, cuyo desafío es comparable a la paz del mundo. Comprende las actua-
les y futuras generaciones, de tal forma que deben ensayarse nuevas solucio-
nes, capaces de articular los esfuerzos de la sociedad global, la comunidad in-
ternacional y los diversos Estados.
La escasa ordenación jurídica a escala internacional a excepción de los
principios establecidos por la Asamblea General, dan cuenta del retraso nor-
mativo en la materia y la urgencia de la adopción de medidas.
El momento es propicio para avances científicos de todas las disciplinas.
El Derecho relativo a los desastres, cuenta con una base sólida en principios
y objetivo, así como antecedentes normativos y fuentes doctrinarias.
Parte de los fundamentos del Derecho relativo a los desastres se encuen-
tran en el Derecho humanitario, el Derecho ambiental y en la Ética ambiental
y son conceptos ejes, el desarrollo sostenible y la justicia ambiental; pero
también encuentra asidero científico, en elaboraciones teóricas de otras dis-
ciplinas como la filosofía, la sociología y la economía.
El Derecho relativo a los desastres cuyo principal foco es la prevención
SUMÁRIO
no debe entenderse como capaz de desplazar los objetivos y contenidos del
Derecho ambiental, aun cuando la fase de ordenación jurídica del cambio
climático se encuentre en un estado de espera. La relación de ambas disci-
plinas y su interdependencia deberá ser estrecha.
SUMÁRIO
NOTAS
6
BOE, n.255 de 24.10.2007.
tres/programa-internacional-de-leyes-normas-y-principios-para-la-respuesta-a-
desastres-idrl/
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
aprofundados em direito dos desastres: interfaces comparadas (Orgs. Farber
Daniel, De Carvalho Délton W.), 1.ed. Curitiba, Prisma, 2017.
SUMÁRIO
BREVE ESCORÇO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO DIANTE DOS DESASTRES AMBIENTAIS
Cheila da Silva dos Passos Carneiro 1
Ricardo Stanziola Vieira 2
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico tem como objeto a responsabilidade civil do Es-
tado diante dos desastres ambientais.
O objetivo geral do referido artigo é apresentar a temática dos desastres
ambientais e a legislação brasileira que lhe rege, além de discorrer sobre a
situação do Estado enquanto órgão responsável ou não civilmente.
Os objetivos específicos são: a) apresentar o contexto histórico respon-
sável pelo desenvolvimento tanto sobre a própria interpretação dos desastres
como também para a legislação atual; b) discorrer sobre a teoria geral dos
desastres, trazendo conceitos e citações de doutrinadores respeitados sobre
o tema; c) dispor sobre a teoria do risco, assim como a responsabilidade civil
subjetiva e objetiva; e; d) contextualizar a responsabilidade civil do estado
diante dos desastres ambientais.
Na delimitação do tema levanta-se o seguinte problema: pode o Estado
ser responsável civilmente por desastres ambientais?
Para o equacionamento do problema levanta-se a seguinte hipótese:
supõe-se que dependendo do caso pode o Estado ser responsabilizado civil-
mente por desastres ambientais.
Atualmente, inúmeros acontecimentos de desastres e tragédias acon-
tecem todos os dias. Eles precisam de regulamentação, trazer segurança
tanto jurídica quanto econômica e social para a humanidade.
Este é um tema atual e chama a atenção da humanidade, pois, sem dú-
vidas nossa era é marcada pelos extremos. Por isso, o direito dos desastres
desperta casa vez mais nos pesquisadores ao redor do mundo o interesse por
investigar a aplicá-lo.
Deste modo, o presente artigo visa proporcionar boa dose de conheci-
mento e reflexões para assimilação do conteúdo com a realidade atual.
SUMÁRIO
1. CONTExTO hISTÓRICO E TEORIA GERAL DOS
DESASTRES
Segundo Carvalho e Damacena (2013, p. 13), sempre houveram catástrofes
naturais na história humana, contudo tais eventos foram adquirindo ao longo
da evolução social, sentidos diversos.
No medievo os desastres eram atribuídos a razões divinas, estando li-
gados diretamente a uma ideia de destino.
Os povos antigos por misticismo apenas aceitavam as catástrofes como
um castigo, sem que nada pudessem fazer.
SUMÁRIO
3.100 quilômetros, atingindo doze países, numa área equivalente à que vai de
São Paulo ao Ceará. Enquanto isso, o governo soviético reconhecia o desastre
em pílulas. Lacônico até mesmo diante das perguntas da Agência Internacional
de Energia Atômica, à qual está filiado, ele só admitiu na noite de segunda-feira
um desastre que ocorrera três dias antes. Desde o momento em que admitiram o
desastre, fixou-se na versão de que o problema fora controlado, com a perda de
duas vidas e a existência de 197 feridos. A estimativa dos serviços de espiona-
gem americanos gira em tomo de 2.000 mortos, mas o governo soviético classi-
fica todos esses cálculos como simples “boatos”. Era difícil saber o que suce-
dera em Chernobyl na noite de 25 de abril. (VEJA, 2015)
E ele continua (CARVALHO, 2015, p. 30) “um fato que chama bastante
atenção são os dados do EM-DAT (2007), ocorreram 150 registros de de-
sastres naturais no período de 1900-2006 no Brasil. Deste total, 84% ocor-
reram após a década de setenta [...]”.
SUMÁRIO
Segundo os dados do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, de 1991
a 2010 o Brasil registrou 31.909 ocorrências de desastres (2015, p. 30).
1.1. O CONCEITO
O Direito dos Desastres é um ramo multidisciplinar que se relaciona com
diversas áreas de aplicação do Direito, tais como: propriedade, ordenamento
do solo, direito dos seguros, direito dos contratos, direito do ambiente, di-
reito administrativo (CARVALHO; DAMACENA, 2013, p. 119).
O Direito dos Desastres assume esta responsabilidade e precisa de ór-
gãos que paralelamente atuem como agentes comprometidos com a segu-
rança pessoal e material da população vulnerável.
Não obstante, o direito precisa estar cada vez mais preparado e inte-
grado as inúmeras situações possíveis que os eventos da natureza e também
humanos possam vir a causar em nosso meio.
Para Siena (2012, p. 04) existem três paradigmas: “desastre como apli-
cação de um modelo de guerra; o desastre como expressão social da vulne-
rabilidade; e o desastre como um estado de incertezas geradas pelas pró-
prias instituições”.
Segundo Castro (1998, p. 283), desastre é definido como resultado de
eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossis-
tema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e
consequentes prejuízos econômicos e sociais.
Os desastres são normalmente súbitos e inesperados, de uma gravidade
e magnitude capaz de produzir danos e prejuízos diversos, resultando em mor-
tos e feridos. Portanto, exigem ações preventivas e restituidoras, que envol-
vem diversos setores governamentais e privados, visando uma recuperação
que não pode ser alcançada por meio de procedimentos rotineiros (KOBIYA-
MA, 2006, p. 07).
Já desastre natural segundo o EM-DAT: (Emergency Disasters Data Base)
Por sua vez, Carvalho (2013, p. 31) afirma que os desastres estão liga-
dos a ideia de eventos que podem desestabilizar um sistema, de modo que
este possa fazer com que se perca a capacidade de diferenciação funcional e
SUMÁRIO
operacional para assimilá-lo. Desse modo acaba gerando incapacidade para
uma recuperação rápida, assimilando a resiliência como um conceito central
para a descrição dos desastres. Neste sentido os desastres envolvem sempre
uma ocorrência inesperada ou repentina que exige uma ação imediata.
SUMÁRIO
III - recuperar as áreas afetadas por desastres;
IV - incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção e defesa
civil entre os elementos da gestão territorial e do planejamento das políticas
setoriais;
V - promover a continuidade das ações de proteção e defesa civil;
VI - estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os processos sus-
tentáveis de urbanização;
VII - promover a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e
vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua ocorrência;
VIII - monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos, bioló-
gicos, nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de desastres;
[...]
E ainda:
[...]
IX - produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de de-
sastres naturais;
X - estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em
vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídri-
cos e da vida humana;
XI - combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e
promover a realocação da população residente nessas áreas;
XII - estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em
local seguro;
XIII - desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastre;
XIV - orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de pre-
venção e de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção; e
XV - integrar informações em sistema capaz de subsidiar os órgãos do SINP-
DEC na previsão e no controle dos efeitos negativos de eventos adversos
sobre a população, os bens e serviços e o meio ambiente (BRASIL, 2012).
SUMÁRIO
2. A RESpONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A responsabilidade civil do Estado evoluiu com o passar dos tempos e atual-
mente está expressa na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 no artigo 37, § 6º:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente respon-
sáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros,
ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte
destes, culpa ou dolo (BRASIL, 2002).
E ainda:
SUMÁRIO
da própria responsabilidade civil do Estado nas hipóteses excepcionais con-
figuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior –
ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA
137/233 – RTJ 55/50 – RTJ 163/1107- -1109, v.g.) que os elementos que
compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva
do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade
material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou ne-
gativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e
lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição funcional,
tenha incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da li-
citude, ou não, do seu comportamento funcional (RTJ 140/636) e ( d) a au-
sência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ
71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417) (BRASIL, 2012).
SUMÁRIO
desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela ví-
tima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido
ou não culposamente.
A responsabilidade objetiva não precisa de comprovação do dolo ou da
culpa, apenas do nexo de causalidade - entre a sua conduta e o dano causado
– devendo assim, indenizar a vítima (CARVALHO, 2015).
Gonçalves (1995, p. 18) por sua vez, afirma que:
Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade, cria um risco de
dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja
isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a
ideia de risco, ora encarada como risco-proveito, que se funda no princípio se-
gundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma ati-
vidade realizada em benefício do responsável.
CONSIDERAÇõES FINAIS
Desde os tempos primitivos o homem acreditava que os desastres aconte-
ciam em razão de castigo divino e que nada poderia se fazer para muda-los
já que era fruto do destino.
Num segundo momento passou-se a acreditar que os desastres serviam
para fazê-los progredir. Com o iluminismo o homem passou a refletir sobre
estes acontecimentos e os governantes passaram a se preparar e planejar meios
para se evitar ou diminuir a intensidade dos danos causados.
Mesmo com o passar do tempo, e com o avanço da tecnologia muito não
se consegue fazer. Os danos, na maioria das vezes, são inevitáveis e a reação
humana, por sua vez, é sempre posterior aos fatos com o objetivo de repara-
ção. O próprio governo mesmo com aviso prévio espera o desastre para de-
pois tomar medidas paliativas.
Caso o ritmo das ocorrências não mude as previsões não são das me-
lhores, ainda mais com o aquecimento global, a poluição e a globalização
paralela ao consumismo eloquente, os riscos sem dúvidas aumentam e con-
sequentemente os danos que na maioria dos casos são inevitáveis.
SUMÁRIO
O Direito dos Desastres procura regulamentar situações tais como: am-
bientais, de propriedade, de solo, contratos, seguros. Para proteger juridi-
camente a sociedade perante os desastres.
Neste ponto, a responsabilidade civil do Estado pode ser interpretada
de duas maneiras, pois por alguns doutrinadores o estado não se privará de
indenizar de nenhuma maneira. Porém, para outros doutrinadores o estado
só indenizará pelos prejuízos que deles tenha responsabilidade, seja pela
omissão ou por consequência de alguma atividade administrativa sua.
De certo modo para que este ente público se responsabilize para inde-
nizar os danos causados por desastres é extremamente necessária previsão
legal e também nexo de causalidade entre os danos e uma possível omissão
ou alguma atividade estatal mal gerida.
Diante de todo o exposto comprovou-se a hipótese básica de que de-
pendendo do caso o Estado pode ser responsabilizado civilmente por alguns
desastres ambientais específicos.
SUMÁRIO
NOTAS
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua regulação ju-
rídica. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015.
SUMÁRIO
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência.
3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
RODRIGUES. Silvio. Direito Civil Volume IV. 19. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2002.
SUMÁRIO
OBSERVAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE
DIREITO À MORADIA, OCUPAÇÃO DE ÁREA DE
RISCO E DESASTRE NUM CONTEXTO DE
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL
BEL. FRANCINE DEARMAS OLIVEIRA
BEL. JULIA MARTA DREBES DÖRR
ME. FERNANDA DALLA LIBERA DAMACENA
Abstract: There are countless factors that drive people to resort to unsustain-
able housing-seeking measures, for instance by occupying risk areas. Such
a choice can consequently make communities extremely vulnerable. This fac-
tor associated with natural, technological, and sociopolitical circumstances,
SUMÁRIO
contribute to disasters. In view of this reality, the present article aims at un-
derstanding the sociological factors that contribute to irregular land occu-
pation. Furthermore, it evaluates its possible consequences, such as the
occurrence of natural disasters, and considers possible solutions to the
problem. To do so, the relationship between socioenvironmental vulnera-
bility and disaster occurrence is presented, bringing the concepts of risk
by Niklas Luhmann and Mary Douglas. In a second chapter, the article
addresses the Public Power commitments in the International and Consti-
tutional area regarding protection of human dignity and right to housing,
as well as how their failures contribute to the occurrence of disasters. Fi-
nally, a reflection is developed on the normative perspective of risk man-
agement in Brazil and its relationship with public policies to prevent the
occupation of risk areas. The research uses the deductive method, employ-
ing bibliographical and jurisprudential techniques.
1 INTRODUÇÃO
As ocorrências de desastres que mais causam perdas humanas e ambientais no
Brasil e no mundo geralmente decorrem ou estão relacionadas com a ocupação
irregular do solo, em alguns casos, em área de preservação permanente. 1
Essa ocupação irregular é resultante, em parte, da urbanização exacerba-
da, fruto de muitos migrantes que vão aos centros urbanos em busca de melho-
res condições de vida e, não raras vezes, acabam se deparando com uma série
de privações de direitos, entre eles o de moradia, um dos mais essenciais à dig-
nidade humana e promoção de tantos outros Direitos Humanos Fundamentais.
A relação entre moradia e vulnerabilidade pode ser observada pela ex-
pansão histórica das cidades, que ocorre da forma como é mais conveniente
para interesses imobiliários e financeiros, o que não necessariamente de ade-
qua às necessidades daqueles que não têm onde morar. Por outro lado, é pos-
sível observar que um dos fatores determinantes e contributivos para um
contexto de moradia socioambiental vulnerável é a percepção errônea ou a
falta de percepção a respeito da concepção de risco.
Ademais, a decisão de ocupação, de regra, irregular, é aparentemente
debatida como se fosse apenas individual, portanto, de responsabilidade ex-
clusiva do morador. De fato, o risco moral se manifesta em algumas situa-
ções, mas não deve ser generalizado. poucos discordariam que que a questão
SUMÁRIO
da ocupação das áreas de risco está associada, fundamentalmente, à ausência
de uma continuada política habitacional realmente orientada para as pessoas
mais pobres. Diversas são as normas internacionais e nacionais que orientam
a atuação Estado no sentido de tutelar e garantir a moradia digna aos cida-
dãos. Dessa maneira, a responsabilidade principal pela fiscalização de áreas
irregulares e a devida realocação das pessoas está atrelada à boa gestão e a
política públicas.
Diversas são as tutelas em escala global que visam solucionar a deficiên-
cia na prestação de moradias adequadas, mas a relidade demonstra que o abalo
na estabilidade do sistema social combinado a circunstâncias naturais, tecno-
lógicas e sociopolíticas, ainda é latente e causa determinante para que as co-
munidades se alojem em locais irregulares, o que contribui, sobremaneira para
a magnitude de inúmeros desastres.2
A partir deste cenário, o objetivo do presente artigo é destacar e refletir
a respeito dos fatores sociológicos contributivos para ocupação irregular do
solo, sua relação com desastres, bem como vislumbrar possíveis soluções
para o problema em análise.
A pesquisa se mostra de fundamental importância em razão da longín-
qua grave violação ao direito humano à moradia em nosso país, realidade
que tende a ser exacerbada em um contexto de mudança climática e a ocor-
rência de desastres cada dia mais frequentes e de maior magnitude.
A pesquisa será desenvolvida com base no método dedutivo, que faz
com que o pesquisador encontre suas afirmativas através de uma abordagem
feita pela busca de desencadear um raciocínio lógico descendente provindo
da regra geral para o específico. As técnicas de pesquisa utilizadas são a bi-
bliográfica e jurisprudencial.
A ideia básica intrínseca sobre este risco social está relacionada a dois
fatos, o primeiro é que os pobres normalmente são os mais expostos aos ris-
cos, seja de ordem natural, seja de origem humana, e o segundo está ligado
às condições de lidar com os riscos. Sendo que, cada vez mais as catástrofes
naturais, o mau tempo, e os problemas relacionados à saúde vêm sendo preo-
cupação para os indivíduos e para a sociedade (HOLZMANN, JORGENSEN,
2001, p. 529-556).
Desigualdade social, exclusão territorial e meio ambiente se interligam
da perspectiva da sujeição a situações de vulnerabilidade, sobretudo no to-
cante à informalidade que assola as moradias das populações mais carentes,
que são levadas a ocuparem áreas desinteressantes ao mercado imobiliário,
se alocando em locais de alto risco geológico, ambientalmente sensível e de
risco ambiental (MORETTI, 2013, p. 37-58).
Marta Dora Grostein (2001, p. 13-19) evidencia os problemas decor-
rentes da prática que cria um padrão periférico baseado nas falhas estatais.
Nesse sentido, elucida que:
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das cidades e a formulação de uma política de desenvolvimento urbano; a ile-
galidade como fator estrutural na dinâmica de expansão urbana das metró-
poles brasileiras; o lote urbano precário, a casa na favela e o aluguel de um
quarto em cortiços como as alternativas predominantes para resolver o pro-
blema de moradia dos pobres nas metrópoles; a ausência de uma política ha-
bitacional metropolitana; a insuficiente produção pública de moradias so-
ciais em face da demanda; e o descaso absoluto da sociedade e do poder público
com os problemas socioambientais decorrentes.
SUMÁRIO
universalidade, quanto ao direito à moradia, a realidade demonstra que a defi-
ciência de atendimento e acesso está concentrada nas famílias em que a renda
mensal é de valor inferior a três salários mínimos (ALMEIDA, PEREIRA, 2014,
p. 292-316), sendo assim, resta claro qual é o perfil das pessoas que residem em
áreas potencialmente perigosas e em condições de assentamentos precários.
Cumpre destacar, ainda, que por vezes as moradias oferecidas pelo Poder
Público não observam as necessidades reais das famílias, como é o caso ocor-
rido em Brasília, em novembro de 2017, no qual a mãe que sustentava seis fi-
lhos com a renda obtida através de seu emprego como “catadora de lixo”, ao
ser contemplada com o programa “minha casa, minha vida”, para residir em
moradia com melhores condições estruturais, passou a residir a 28km da área
central. Resultando na perda de seu emprego e em supressão dos seus direitos
mais básicos de subsistência, como no caso noticiado em que seu filho des-
maiou de fome da escola (G1, 2017).
Ou seja, apesar das ocupações provirem de decisões aparentemente pri-
vadas, importante observar que elas nem sempre são resultado de uma esco-
lha pessoal, mas uma decorrência da falta de eficácia de direitos fundamen-
tais (CARVALHO, 2013, p. 411). Esta questão se torna complexa, ainda, do
ponto de vista da definição de moradia digna, pois ultrapassa definições me-
ramente estruturais.
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que as noções de indivisibilidade e de interdependência são fundamentais para
a plena realização de todos os direitos.
SUMÁRIO
custo de manutenção da moradia acessível, habitabilidade, acessibilidade,
localização e adequação cultural (NAÇÕES UNIDAS, 1991).
Ocorre que o alto valor agregado às áreas centralizadas das cidades,
que são também as que recebem melhor tratamento público, contribuiu para
que as pessoas de renda menor buscassem alternativas mais adequadas à sua
condição social, formando as “cidades informais”, que nada mais são do que
fruto da violação indireta do direito à moradia (OSÓRIO, 2006, p. 31-32).
O Estado de Direito representa uma evolução do Social, oportunidade
em que cresce a proteção das liberdades individuais em face do poder estatal
e, também, a atribuição ao Estado de uma série de compromissos e atitudes,
a fim de aplacar as desigualdades nas relações de cunho material. Neste sen-
tido, se pode afirmar que a Constituição de 1988 inaugurou o processo de
construção do Estado Democrático de Direito no Brasil, pois
SUMÁRIO
ao adequado ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em
vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos
e da vida humana; o combate à ocupação de áreas ambientalmente vulnerá-
veis e de risco e a promoção da realocação da população residente nessas
áreas e; a recuperação das áreas afetadas por desastres.
Outros objetivos, mesmo que indiretamente, relacionam-se às áreas de risco,
como o estímulo a iniciativas que resultem na destinação de moradia em local
seguro e a incorporação da redução de riscos de desastres e das ações de pro-
teção e defesa civil entre os elementos da gestão territorial e do planejamento
das políticas setoriais
SUMÁRIO
acordo com os critérios dos programas públicos de habitação de interesse so-
cial.” (parágrafos 2ª e 3ª).
SUMÁRIO
processo mais adequado de ocupação, tendo em consideração as funções
ecossistêmicas, importantíssimas para reduzir deslizamentos e inundações.
Do mesmo ano, a Lei 12.608 (BRASIL, 2012) que, dentre outras provi-
dências, obriga os municípios a mapear e fiscalizar as áreas de risco e orga-
nizar com as devidas condições de higiene e segurança abrigos provisórios
que assistam a população. Além de ficar obrigado a tomar as providências
necessárias para que a população se mantenha informada a respeito das áreas
de risco e possíveis ocorrências de desastres, mobilizar e capacitar equipes
de atendimento, criar mecanismos de coleta, distribuição e controle de su-
primento, bem como, garantir moradia temporária para as famílias vítimas
de desastres que necessitem.
Além disso, há algumas leis que visam o incentivo à prática de proteção
ambiental atrelada a moradia adequada, sendo que dessa forma acabam por
contribuir com a prevenção dos desastres. Como é o caso do Projeto de Lei
4095/13 (BRASIL, 2013) em tramitação, que visa a concessão de benefícios
tributários para os cidadãos que adotarem medidas de conservação e uso ra-
cional da água e energia, assim como contribuam para permeabilização do
solo, auxiliando assim no equilíbrio ambiental.
O mesmo ocorre com o Projeto de Lei 1688/2015 (BRASIL, 2015), que
pretende criar um Fundo Nacional de Recuperação de Nascentes de Rios
(Funaren) com a intenção de promover a conservação e recuperação da ve-
getação que protege as nascentes, inclusive com multas aplicadas pela Lei
9.605/98 de Crimes Ambientais para os casos de prejuízos às áreas de pre-
servação permanente (APPs).
Nesse passo, a vulnerabilidade resulta de uma complexidade de fatores
interligados, entre as quais estão as prioridades da comunidade e do poder
público. No que tange a Defesa Civil, há uma imposição legal de mitigar as
vulnerabilidades, no entanto, sua operacionalização depende de orçamento
planejado e aplicado nas necessidades da coletividade, mas, atualmente, de
inúmeras regulamentações da lei de Proteção e Defesa Civil no Brasil (DA-
MACENA, 2016, p. 26).
Pois, ainda que haja uma norma geral, o que acontece é uma ausência
de observância do texto legal ou a falha em sua regulamentação contribuem
negativamente para a efetividade do um círculo de gestão de risco (que é a
não ocorrência ou redução da ocorrência de desastres). Atualmente, o que é
mais comum é o gasto com as medidas pós-desastres, ao invés da priorização
da etapa da prevenção (DAMACENA, 2013, p. 53). Ademais, as Políticas
Públicas adequadas que poderiam contribuir para a efetividade do direito à
moradia digna, bem como as ações curativas após o desastre não têm se mos-
trado eficientes.
SUMÁRIO
4.1 pOLÍTICAS pÚBLICAS qUE VISAM A GARANTIA DO DIREITO
FUNDAMENTAL À MORADIA E A pREVENÇÃO DE OCUpAÇÃO DE áREA
DE RISCO E DESASTRE
Em contexto de desastres, a atuação estatal através das políticas públicas efi-
cazes é o ponto mais importante na busca da proteção, já que as ações preven-
tivas são as que maiores benefícios trazem à sociedade haja vista evitar as
ocorrências, bem como reduzir os efeitos. Neste aspecto, insta salientar o
papel do plano diretor que tem por objetivo facilitar a interação dos cidadãos
com o poder público, e dessa forma abreviar entre as partes as definições sobre
emergências locais, problemas sociais e políticas de crescimento e expansão
(COUTINHO, 2014, p. 583-602).
E, pensando na correção dos dois maiores problemas associados à ha-
bitação, que são a insuficiência de moradia e a desarticulação entre os entes
federativos em relação à execução das políticas habitacionais, o Governo
Federal conjuntamente com o Conselho Nacional das Cidades elaborou
uma Política Nacional de Habitação (PNH) (CONFEDERAÇÃO NACIO-
NAL DOS MUNICÍPIOS, 2011), na busca de obter um planejamento capaz
de sanar ambas questões dificuldades. A PNH tem como meta principal ga-
rantir à população carente o acesso à moradia digna, e na busca desse ob-
jetivo conta com a integração entre a Política Habitacional e a Política Na-
cional de Desenvolvimento Urbano, bem como da Política Fundiária, pois
esta possui um papel estratégico na implantação dos processos, uma vez
que viabiliza a execução das políticas habitacionais (MINISTÉRIO DAS
CIDADES, 2004).
Neste âmbito, no que toca exclusivamente à aquisição de moradia, a Po-
lítica Nacional de Habitação prevê algumas medidas que visam facilitar este
acesso. Conforme aponta Isaura Florisa Gottschall Almeida (2011, p. 98-99):
SUMÁRIO
produção/recuperação desde que mantenha como locatária a população que
necessita de subsídio para pagamento das taxas de locação.
5 REFLExõES FINAIS
O artigo demonstrou a relação existente entre direito à moradia, vulnerabi-
lidade e desastre. A investigação inicialmente relacionou o direito à moradia
digna com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, obser-
vando os aspectos sociológicos subjacentes à ocorrência de um desastre,
dentre elas, as mesmas que, muitas vezes, levam as pessoas a se submeterem
à uma moradia de risco.
A partir da análise da concepção de risco foi possível observar que o des-
conhecimento contribui significativamente para a ocorrência de um desastre.
SUMÁRIO
E, ainda, foi possível concluir que a consciência a respeito do risco contribui
muito positivamente para a redução do agravamento da vulnerabilidade so-
cioambiental, que tem no direito à moradia um dos direitos mais prejudicados.
Em segundo momento, foi analisada a tutela do direito à moradia digna
do aspecto internacional e nacional, bem como, se destacou de que forma
como o Brasil vem tutelando a matéria. Neste tocante, saliente-se a ineficácia
dos direitos fundamentais no Brasil, o que se destaca em relação à moradia,
pela sua intrínseca relação com as diversas noções de vulnerabilidade e, por
consequência, com os desastres. Direitos Fundamentais são desrespeitados
quando há uma priorização das medidas pós-desastres, ao invés da preven-
ção. Isso é mais do que ilegal, é inconstitucional. Sobretudo quadro agravado
pelas políticas públicas desalinhadas com a realidade para o efetivo exercício
do direito à moradia digna, ou quando as ações curativas não se mostram su-
ficientes na busca por interromper as ocupações desordenadas.
O enfrentamento dessa questão parece ser um dos grandes desafios do
Direito brasileiro na atualidade, o que tende a agravar-se frente às esperadas
consequências das mudanças climáticas e pela ausência de ações que efeti-
vamente sejam capazes de inibir as moradias irregulares e promover resi-
dências de acordo com as necessidades reais da população que se alojam em
determinados locais por questões sociais.
É, portanto, papel do Poder Público desenvolver políticas públicas para
promover e garantir aos cidadãos o direito constitucional a uma moradia se-
gura e adequada, no cumprimento do dever constitucional de proteção e pro-
moção ao meio ambiente, diante da peculiar relação existente entre o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à moradia digna.
A garantia do direito à moradia é especialmente importante para que o
Estado cumpra seu papel a contento. Quando, porém, o Estado for inerte, o
Poder Judiciário, respeitando alguns limites, está autorizado a intervir em
políticas públicas passando a ser um importante instrumento para a concre-
tização da transformação social – que é o objetivo fundamental do Estado
Democrático de Direito.
SUMÁRIO
NOTAS
Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais (2006, p.104-105) entendem
que o Brasil não vivenciou realmente uma experiência de Estado Social, vindo este so-
5
mente a marcar presença com a Constituição de 1988. Paulo Bonavides (2001, p.336),
por sua vez, percebe na Constituição de 1988 a real expressão do Estado Social no Bra-
sil: “A Constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais
uma Constituição de Estado social. Portanto, os problemas constitucionais referentes
a relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e re-
solvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento”.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
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SUMÁRIO
DOUGLAS, Mary; WILDAVSKY, Aaron. Risco e Cultura: um ensaio sobre
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SUMÁRIO
HOLZMANN, Robert; JORGENSEN, Steen. Social Risk Management: a
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SUMÁRIO
n. 41, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-
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SUMÁRIO