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MÁRCIO BILHARINHO NAVES

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MÁRCIO BILHARINHO NAVES

A QUESTÃO DO DIREITO
EM MARX

OUTRAS
EXPRESSÕES
dobra
UNIVERSITÁRIO
COLEÇÃO DIREITOS E LUTAS SOCIAIS
Uma parceria Outras Expressões e Dobra Editorial
COORDENAÇÃO Fabiana Severi
Juvelino Strozake
Renan Quinalha
Tarso de Melo
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Alysson Leandro Mascaro
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Aton Fon Filho
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Jorge Luiz Souto Maior
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José Carlos Garcia
José do Carmo Siqueira
Luiz Edson Fachin
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Paulo Abrão
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APOIO A edição deste livro foi possível graças ao apoio fundamental
dos autores e dos amigos da coleção Direitos e Lutas Sociais:
Celso Naoto Kashiura
Marina Zocca Vilela
Oswaldo Akamine dr.
Thiago Matos Pierotti
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Naves, Márcio Bilharinho


N3236 A questão do Direito em Marx./ Márcio Bilharinho
Naves. 1.ed.-São Paulo : Outras Expressões;
Dobra Universitário, 2014,
120 p—(Coleção Direitos e lutas sociais).
indexado em GeoDados - http:/Awww.geodados.uem.br.
ISBN 978-85-64421-68-4
ISBN 978-85-8282-023-0
1, Direito - História. |. Título. |I, Série.
CDD 340.9
CDU 340(091)

Catalogação na Publicação: Eliane M.S.Jovanovich CRB 9/1250


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO * 9
CAPÍTULO 1 - OS PRESSUPOSTOS DE UMA TEORIA MATERIALISTA
DO DIREITO * 15
A "ilusão jurídica” do jovem Marx * 15
Corte epistemológico e critica do direito * 21
Condições materiais de existência e direito * 23
A critica ao socialismo jurídico e 27
O verdadeiro socialismo * 27
Stirner e o socialismo jurídico * 28
Fraternidade e direito * 28
Liberdade, igualdade e... Proudhon * 30
Bray e o princípio regenerador da igualdade * 31
Autonomia relativa e direitoº32

CAPÍTULO 2 - O CONCEITO DE DIREITO EM O CAPITAL e 35

A "revolução teórica” de O capital * 35


Forma valor e processo de abstração * 39
Subsunção formal e subsunção real do trabalho ao capital * 42
Acumulação primitiva e emergência das categorias da liberdade
e da igualdade * 44
Processo do valor de troca e forma sujeito * 49
Dominância do valor de uso e carência da abstração em Roma * 58
Sociedade romana: à procura do direito perdido * 64
A etimologia de jus * 65
A pax deorum * 66
O impossível direito romano * 68
A presença do não jurídico na experiência “jurídica” romana * 77
Forma sujeito e subsunção formal e real do trabalho ao capital * 79
A subsunção formal do trabalho ao capital e a categoria do direito
INTRODUÇÃO
pessoal real em Kant * 81
A subsunção real do trabalho ao capital e a categoria de sujeito
de direito universal em Hegel * 84
O direito como forma da equivalência subjetiva * 86
Não seria decerto exagero dizer que toda a obra científica de Marx
Submetendo-se livremente ao capital * 89
(e Engels), e, especialmente, O capital, se constitui em um combate,
Transição ao comunismo e extinção da forma jurídica * 92
tantas vezes travado em silêncio, contra o direito e a ideologia jurí-
4 =
CONCLUSÃO * 101 dica — de que o “socialismo jurídico” é a expressão perfeita. A crítica
das representações ideológicas secretadas pelo direito, e a compreen-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS * 105
são científica da natureza dessas representações e de seu papel deci-
SOBRE O AUTOR * 117 sivo no processo do capital e na luta de classes, são elementos fun-
damentais da teoria materialista das estruturas sociais elaborada por
eles. Apreensão conceitual do fenômeno jurídico e demarcação teórica
e política da ideologia jurídica são uma e a mesma coisa. O direito amam

ocupa um lugar de importância crucial nae reprodução das relações so-


acata irmas mare
ciais capitalistas e é ele que empresta à ideologia burguesa a sua espe-
cificidade'!. De fato, a ideologia burguesa se movimenta inteiramente
dentro do espaço jurídico, a partir das suas categorias fundamentais

o direito pacientemente tece, incapacitando-nos de ver, nesse labor sutil


de constituição do homem livre, a terrível realidade da exploração”.

1 Cf. Nicole Édith Thévenin, “Ideologia burguesa e ideologia jurídica”, in:


Márcio Bilharinho Naves (org.), Presença de Althusser, Campinas, IFCH/
Unicamp, 2010.
2 Para uma análise rigorosa da ideologia jurídica, é obrigatória a consulta
ao notável trabalho de Bernard Edelman, O direito captado pela fotografia
— elementos para uma teoria marxista do direito, Coimbra, Centelha, 1976.
Não nos surpreenderá, assim, que Marx tenha sido o primeiro naquilo que só poderíamos entender como a cegueira de uma
a compreender a natureza do fenômeno jurídico. leitura ideológica de Marx.
Neste texto procuro analisar, em seu primeiro capítulo, “Os Assim, partindo da periodização que Althusser propôs da obra de
pressupostos de uma teoria materialista do direito”, as condi- Marx, e que tem no direito a sua confirmação mais patente, acom-

ções elaboradas por Marx nos anos de 1845 a 1853 para a sua panharemos a ruptura fundamental que A ideologia alemã opera nesse
posterior análise do fenômeno jurídico, não sem antes reconsti- terreno, e os seus limites, que também são os de seus outros textos

tuir, sumariamente, suas posições pregressas nesse terreno, pro- do período, notadamente de O manifesto comunista, no qual encon-
curando mostrar a natureza ideológica da reflexão jurídica do traremos, ao lado de desenvolvimentos magníficos, a expressão de
jovem Marx, enredado, nos textos da Gazeta Renana, em uma um equívoco teórico. Mas aqui encontraremos também as páginas in-
representação do direito como expressão da razão, na melhor tra- substituíveis da Miséria da filosofia, que talvez pudéssemos considerar
dição burguesa, ou, como em Sobre a questão judaica, paralisado como uma “limpeza de terreno” ideológica para que O capital pudesse
por uma crítica ideológica da ideologia dos direitos humanos. É enfim ocupar o seu lugar. E é em O capital que concentrarei o meu
n'A ideologia alemã — em que se inscrevem os protocolos de uma esforço de reconstituição da análise jurídica marxiana, naquilo que
revolução teórica - e mesmo que a presença do direito nela seja constitui o segundo capítulo deste trabalho: “O conceito de direito
discreta, que a sua crítica “ilumina a noite como um clarão de em O capital”. E aqui tivemos, por vezes, que penetrar nos desvãos da
luz”. Mas, como dizia Althusser, a propósito de um outro texto “história teórica” enigmática do antigo “direito romano”, um recurso
de Marx, “cada qual sabe que um clarão encandeia mais do que absolutamente necessário para demonstrar as teses de Marx sobre
ilumina, e que nada é mais difícil de situar no espaço da noite o fenômeno jurídico. De fato, para sustentar a tese defendida por
do que um clarão de luz que a rompe”. É por isto, talvez, que os Marx — e com a qual a empreitada notável de Pachukanis se confunde
juristas, decerto poucos, que se banharam nas luzes marxianas, inteiramente — da especificidade burguesa do direito, foi necessário en-
com a grandiosa exceção de Pachukanis, tanta dificuldade tive- frentar a questão da natureza diferencial daquilo que se denomina
ram para compreender a natureza do conhecimento do direito “direito” pré-burguês, especialmente do “direito romano”, sem o que
que Marx nos dá, mesmo depois que O capital nos oferecesse a nos veríamos prisioneiros da banalidade burguesa dessa sentença de-
cartografia desse terreno obscuro. Daí o eterno retorno aos textos finitiva: ubis societas ibi jus, da sombria ortodoxia vychinskiana e de
não marxistas de Marx, nos quais ele aparece como representante seu impossível “direito socialista”, e de todas as intermináveis va-
do direito natural, como uma espécie improvável de Grotius ou riantes do socialismo jurídico (e de que, tanto o “direito alternativo”,

de Kant, já meio fora de lugar em uma Prússia inteiramente fora como o “pluralismo jurídico” e o “direito insurgente”, além desse es-
de lugar. E não foram poucos os que julgaram ter descoberto tranho e provinciano “lyrismo” — bem característico da nossa “misé-
uma teoria marxista do direito ali onde somente havia os ecos ria intelectual” — são expressões, tão fáceis quanto prováveis).
distantes da ideologia jurídica burguesa. Refúgio seguro que
mesmo o rompimento epistemológico e político de O capital não 4 Louis Althusser. A favor de Marx, cit.
teve o condão de abalar, mas, sim, paradoxalmente, de reforçar, 5 Cf. Riccardo Guastini, “Marx dall'alienazione alia sovrastruttura”, in:
B
I due potere- Stato borghese e Stato operaio nelPanalisi marxista, Bolonha,
YU Mulino, 1978.

1
Será a compreensão da especificidade burguesa do direito Este livro corresponde à primeira parte de um trabalho apresen-
que permitirá elaborar o conceito marxiano do direito, que se tado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
encontra em O capital, embora não formulado por Marx, e é Estadual de Campinas em junho de 2013.?
isso que vai se constituir no que considero ser o ponto cen- Para a sua redação beneficiei-me, entre 2010 e 2011, de uma

tral de minha exposição. Da questão do direito em Marx, de bolsa Capes de pós-doutorado na École de Hautes Études en Sciences
que Pachukanis nos deu os elementos fundamentais sem os Sociales, de Paris, sob a supervisão do professor Michael Lôwy, a
quais toda análise estaria interditada, resta justamente elucidar quem expresso os meus agradecimentos.
o que poderíamos chamar de um ponto cego da crítica teórica Agradeço, ainda, aos professores Ricardo Antunes, Marcelo
marxista do direito. De fato, enquanto a teoria marxista não for Ridenti, Gilberto Bercovici, Alysson Leandro Mascaro, Marcus Orione,
2
capaz de demonstrar que o direito é um fenômeno exclusiva- Celso Naoto Kashiura Jr. e Marisa Grigoletto pela leitura e comentá-
mente determinado pela relação de capital, um secular passado rios do texto.
“jurídico” jamais deixará de projetar as suas sombras para além
da sociedade do capital, e, com isso, bloquear a sua efetiva
superação. Procederei nesse capítulo, então, primeiramente ex-
pondo as aquisições da melhor literatura marxista, particular-
mente na análise do “direito romano”, para, depois, propor al-
guns elementos de reflexão em um esforço para que se possa ir
além dela.
A aquisição do conceito marxiano do direito e a compreen-
são da sua especificidade, permitirão também uma abordagem
mais precisa da questão do direito na transição socialista, de que
Pachukanis já havia traçado os contornos decisivos com os elemen-
tos de que dispunha em sua época*. Veremos, assim, ser reafirmada
a tese fundamental de Marx, Engels e Pachukanis da extinção da
forma jurídica em uma sociedade que ultrapasse o capital.

dee de

? Na redação deste trabalho, aproveitei, em grau e medida variados, passa-


gens de textos publicados anteriormente em que antecipei alguns dos re-
sultados aqui expostos. Cf.: “As figuras do direito em Marx”, in: Margem
Esquerda, n. 6, 2005; “Direito, circulação mercantil e luta social”, in:
6 Cf, particularmente, Evgeni Pachukanis, “A teoria marxista do direito e Alaôr Caffé Alves, Alcides Soares Ribeiro, Eduardo Carlos Bianca Bittar,
a construção do socialismo”, in: Márcio Bilharinho Naves (org.), O dis- Gilberto Bercovici e Márcio Bilharinho Naves; Direito, economia, socie-
creto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis, Campinas, IFCH/ dade: leituras marxistas. Barueri, Manole, 2005, e “Notas sobre Marx e
Unicamp, 2009. a crítica da ideologia jurídica (1845-1847)”, in: Ideias, n. 14, v. 1:2, 2007.

13
CAPÍTULO 1 - OS PRESSUPOSTOS DE UMA TEORIA
MATERIALISTA DO DIREITO

A "ilusão jurídica” do jovem Marx

Serão os textos de juventude de Marxº, notadamente os do pe-


ríodo em que ele escreve na Gazeta Renana, e a conhecida passagem
sobre os direitos humanos de Sobre a questão judaica, aqueles em
que a temática jurídica aparece de maneira mais clara e explícita”.

8 O problema da periodização da obra de Marx e a sua divisão em tex-


tos ainda não marxistas, as “obras de juventude”, e aqueles marxistas,
“obras de maturação” e “obras de maturidade”, é uma das contribuições
importantes que Althusser deu à teoria marxista. Cf. a respeito Louis
Althusser, A favor de Marx, cit.; Resposta a John Lewis, Elementos de au-
tocrítica (“Sobre a evolução do jovem Marx”) e Sustentação de tese em
Amiens, in: Posições 1, Rio de Janeiro, Graal, 1978. No terreno dos es-
tudos jurídicos, acompanha e confirma essa leitura Riccardo Guastini,
em seu excepcional trabalho sobre Marx: dalla filosofia del diritto alla
scienza della societã, Bolonha, Il Mulino, 1974 e também em “Marx —
dallalienazione alla sovrastruttura”, in: I due potere — Stato borghese e
Stato operaio nel'analise marxista, cit.
* Os principais textos são estes: na época da Gazeta Renana, “Bemerkungen
iiber die neueste preussische Zensurinstruktion”, “Die Verhandlungen des
6. Rheinischen Landtags. Erster Artikel: Debaten iiber Pressfreiheit und
Publikation der Landstândischen Verhandiungen”, “Der leitende Artikel
in Nr. 179 der Kólnischen Zeitung”, “Das philosophische Manifest der his-
torischen Rechtsschule”, “Verhandlungen des 6. Rheinischen Landtags.
Dritter Artikel: Debaten iiber das Holzdiebstahlsgesetz”, in: Karl Marx e

1
Serão também os textos em que ele mais estará afastado de uma Esse período compreende duas fases: na primeira, na época
compreensão materialista do direito, e ainda dominado por uma pro- da Gazeta Renana, Marx sustenta uma posição jusnaturalista e
blemática que reproduz, no essencial, a ideologia jurídica. liberal radical; na segunda, na época dos Anais Franco-alemães,
Marx defende posições humanistas que o levam do democratismo
Friedrich Engels, Gesamtausgabe 1/1, Berlim, Dietz, 1975; na época dos extremo de Sobre a questão judaica ao comunismo especulativo dos
Anais franco-alemães, “Crítica da filosofia do direito de Hegel” e “Crítica
Manuscritos de 44.
da filosofia do direito de Hegel — Introdução” ambos in: Karl Marx,
Crítica da filosofia do direito de Hegel, São Paulo, Boitempo, 2005, e Sobre No que tange ao direito, três ordens de problemas nos inte-
a Questão Judaica, São Paulo, Boitempo, 2010. Dentre a literatura consa- ressam aqui:
grada a esses dois períodos da obra marxiana, podem-se destacar os seguin- 1. o conjunto de argumentos de fundo jusnaturalista que dão
tes trabalhos: Riccardo Guastini, Marx: dalla filosofia del diritto alla scienza
suporte a um programa de defesa de um Estado de direito;
della societã, cit.; Jaime Escamilla Hernandez, El concepto del derecho en el
jovem Marx, México, DF, Armella/Universidad Autonoma Metropolitana, 2. acrítica das declarações dos direitos do homem e do cidadão
1991; Christoph Schefold, Die Rechtsphilosophie des jungen Marx von 1842, como superação do liberalismo racionalista da fase anterior
Munique, C.H. Beck, 1970; Jean-Louis Lacascade, Les métamorphoses du
e suas limitações;
jeune Marx, Paris, Puf, 2002; Vasco de Magalhães-Vilhena, Raízes teóri-
cas da formação doutrinal de Marx e Engels (1842-1 846), Lisboa, Livros
Horizonte, 1981; Manuel Atienza, Marx y los derechos humanos, Madri,
Mezquita, 1983; Carlos Eymar, Karl Marx, crítico de los derechos humanos, de Karl Marx nos artigos da Gazeta Renana (1841-1849), dissertação de
Madri, Tecnos, 1987; Anton Marino Revedin, La negazione teoretica — mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, 1998; Daniel Bensaid,
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“Diritti formali e bisogni reali. Marx e i diritti umani”, in: Pólemos — ma- Paris, La Fabrique, 2007; Jacques Michel, “Marx et la loi sur les vols de
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critica en el periodismo politico del joven Marx: La 'Gaceta Renana' Social Justice, n. 6, 1976; José Barata Moura, Marx e a crítica da “escola
(1842-1843)”, in: Revista de Estudios Políticos, n. 45, 1985; Arthur histórica do direito”, Lisboa, Caminho, 1994; Rubens Enderle, “O jovem
McGovern, “Karl Marx” first political writings: the Rheinische Zeitung, Marx e o manifesto filosófico da escola histórica do direito”, in: Crítica
1842-1843”, in: Frederick Adelmann (org.), Demythologizing marxism Marxista, n. 20, 2005; Roberto Finelli e Francesco Saverio Trincia,
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Zeitung”, in: Francesco Saverio Trincia e Roberto Finelli, Critica dello la “Critique de la philosophie hégélienne du droit”” e Isabelle Garo,
soggetto e aporie del'alienazione — saggi sulla filosofia del giovane Marx, “Hegel, Marx et la critique du libéralisme”, ambos in: Étienne Balibar
Milão, Franco Angeli, 1982; Gary Teeple, Marx's critique of politics — e Gérard Raulet (orgs.), Marx démocrate - Le Manuscrit de 1843, Paris,
1842-1847, Toronto, University of Toronto Press; Pierre Lascoumes Puf, 2001; Eustache Kouvélakis, “Dans la quiétude de Kreuznach: Marx
e Hartwig Zander, Marx: du “vol de bois” à la critique du droit — lecteur des 'Principes de la philosophie du droit de Hegel”, in: Dioti,
air rrenan mo creio À

Karl Marx à la Gazette rhénane: naissance d'une méthode, Paris, Puf, n. 6 - La metaphysique, 1999, e Jaime Escamilla Hernandez, “Trabajo
1984; Celso Eidt, O Estado racional - lineamentos do pensamento político alienado en los Manuscritos del 44”, in: Alegatos, n. 15-16, 1990.

16
a concepção do comunismo atravessada pela determinação “mas um privilégio”, constituindo-se em uma “sanção positiva da
3.
jurídica da propriedade privada, nos Manuscritos de 44. ilegalidade”.'? Isso significa que, para Marx, uma lei só pode ser
admitida como lei se ela for o reconhecimento da lei natural que a
Marx foi, de fato, adepto do jusnaturalismo e, com base nele,
precede e da qual ela deve ser a expressão necessária. Assim, a lei
sustentava todo um conjunto de reivindicações políticas democrá-
só pode ser reconhecida como tal, ser verdadeira lei, quando “ela é
tico-radicais contra o Estado prussiano. Seus textos apoiam-se em
a existência positiva da liberdade”. É por isso que Marx pode dizer
uma teoria racionalista do Estado em que este tem por finalidade
que a lei da censura, assim como a lei da escravidão, não podem tor-
a realização da liberdade: “... o Estado [é] um grande organismo
nar-se leis, “mesmo que tenham existido como leis por mil anos”,1º
no qual a liberdade jurídica, moral e política deve alcançar a pró-
às leis do
Sobre a questão judaica é sustentada por uma outra problemática
pria realização, e no qual cada indivíduo, obedecendo
que representa a ultrapassagem do programa jusnaturalista e liberal
Estado, obedeça só às leis naturais de sua própria razão, da razão
da fase da Gazeta Renana. Nela, Marx mostra a insuficiência de uma
humana”.!º Se isso é verdade, se um indivíduo só deve cumprir
emancipação que permanece no campo exclusivo da política, e não
a lei na exata medida em que ela é a formalização de uma norma
se estende ao conjunto das determinações do homem, ou seja, uma
natural que a antecede e a condiciona, uma lei que não observasse
emancipação puramente política não levaria a uma emancipação
os princípios do direito natural — a liberdade e a igualdade -, nunca
humana, antes, ela seria um impedimento a essa emancipação. Por
poderia ser reconhecida como uma lei verdadeira, constituindo-se
essa razão, Marx faz uma crítica à representação do Estado como
em uma “mentira legal”.» A lei só seria lei verdadeira quando ex-
esfera separada da sociedade civil e na qual os interesses gerais da
primisse a liberdade e a igualdade naturais do homem elevando-as
coletividade estariam assegurados. Ele procura demonstrar que essa
à condição de princípios universais.
representação nada mais é do que uma reação às carências e limita-
Assim, por exemplo, comentando a regulamentação da censura
ções da vida civil, onde os homens, buscando a satisfação dos seus
pelo Estado prussiano, Marx observa que, na ausência de crité-
interesses particulares, encetam uma luta entre si, destruindo toda
rios objetivos de avaliação do que pode ou não ser publicado, a
a possibilidade de uma convivência verdadeiramente humana, daí
lei atribui essa competência ao censor, que vai exercê-la sobre a
resultando uma projeção dessa existência humana autêntica, fun-
base de critérios subjetivos e particulares, de modo que a lei pune
dada em laços de convivência e harmonia social, a um espaço ima-
a mera intenção do agente, supostamente aferida pelo funcioná-
ginário, fantástico, no qual essa sociabilidade perdida se realizaria.
rio público, e que se torna passível de repressão penal de acordo
Como parte desse movimento crítico, Marx examina as declara-
com o seu discernimento. Ora, diz Marx, uma lei sobre intenções
ções dos direitos do homem e do cidadão do período da Revolução
“anula a igualdade dos cidadãos perante a lei”, não é uma lei,
Francesa, revelando o significado efetivo delas, mas essa crítica

2 “Bemerkungen iiber die neueste preussische Zensurinstruktion”, in: Karl


1º Karl Marx, “Der leitende Artikel in n. 179 der Kôlnischen Zeitung”,
Marx e Friedrich Engels, Gesamtausgabe I/1, cit., p. 107-108.
in: Karl Marx e Friedrich Engels, Gesamtausgabe 1/1, Berlim, Dietz,
3 “Die Verhandlungen des 6. Rheinischen Landtags. Erster Artikel: Debaten
1975, p. 189.
iiber Pressfreiheit und Publikation der Landstândischen Verhandlungen”,
1 “Yerhandlungen des 6. Rheinischen Landtags. Dritter Artikel: Debaten
in: Karl Marx e Friedrich Engels, Gesamtausgabe 1/1, cit., p. 150.
iiber das Holzdiebstahlsgesetz”, in: Karl Marx e Friedrich Engels,
4 Ibid. p. 150.
Gesamtausgabe 1/1, cit., p. 202.
não representaria ainda a dissipação da ilusão jurídica, antes ape- Corte epistemológico e crítica do direito
nas o seu deslocamento.
Marx afirma, agora, que a Declaração dos Direitos do Homem A ideologia alemã'* representou uma ruptura fundamental na
constitui-se no direito do “homem egoísta”, membro da sociedade trajetória intelectual de Marx. Ela não foi apenas o protocolo si-
civil, homem que está separado do homem e da comunidade.!s lencioso da fundação do marxismo, da constituição de um campo
A liberdade pode aparecer, então, como tendo por base não o vín- teórico inteiramente novo, mas significou, também, em um mesmo
culo entre os homens, mas “[a] separação entre um homem e outro”, movimento, a abertura do campo da prática revolucionária para as
A liberdade é “o direito a essa separação, o direito do indivíduo massas trabalhadoras'º.
limitado, limitado a si mesmo”, e “a aplicação prática do direito Nesse processo, a crítica das representações jurídicas jogou
humano à liberdade equivale ao direito humano à propriedade pri- um papel decisivo. Decisivo a duplo título: porque era a concep-
vada”, de modo que “(...) nenhum dos assim chamados direitos ção jurídica de mundo que ocupava o lugar do conhecimento
do homem transcende o homem egoísta, o homem como membro científico das formações sociais e da História, constituindo
da sociedade civil, a saber, como indivíduo recolhido ao seu inte- a persistência das “ilusões jurídicas” em um obstáculo ao conhe-
resse privado, e separado da comunidade. (...) O único laço que cimento do direito e, portanto, ao conhecimento de seu papel na
os une é a necessidade natural, a carência e o interesse privado, reprodução das relações sociais burguesas, e porque o movimento
a conservação de sua propriedade e de sua pessoa egoísta”.!é operário e popular estava dominado pela ideologia jurídica bur-
Essa crítica que Marx dirige ao direito é, no entanto, insuficiente. guesa, trazendo como consequência a neutralização da sua luta
Ela capta apenas o movimento mais superficial da sociedade bur- contra o capital.
guesa, o efeito do processo do capital que ele ainda não é capaz de
apreender. De modo que Marx apenas descreve as formas aparentes 18 Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã, cit. Sobre as questões
da sociabilidade burguesa sem estabelecer o seu vínculo com as rela- jurídicas neste trabalho e nos outros do mesmo período, cf. Riccardo
Guastini, Marx: dalla filosofia del diritto alla scienza della societã, cit.;
ções de produção e circulação que as tornam inteligíveis. Influenciado
Jaime Escamilla Hernandez, El concepto del derecho en el jovem Marx, cit.,
pelo humanismo feuerbachiano e por sua teoria da alienação, Marx além dos seus artigos: “Los fundamentos socioeconómicos del derecho
acaba por promover o reforço da ideologia jurídica ao colocar no en La ideologia alemana de Carlos Marx”, in: Alegatos, n. 13, 1990 e “El
centro da análise a categoria da propriedade privada. Isso aparece concepto político del derecho en el Manifiesto comunista”, in: Alegatos, n.
com clareza nos Manuscritos econômico-filosóficos, em que a alienação 18, 1991. Cf. ainda: Jean-Louis Lacascade, Les métamorphoses du jeune
Marx, cit.; Vasco de Magalhães-Vilhena, Raízes teóricas da formação dou-
enquanto relação entre sujeito e objeto é pensada sob o modelo (jurí-
trinal de Marx e Engels (1842-1846), cit.; Gary Teeple, Marx's critique of
dico) da compra e venda.” politics - 1842-1847, cit.; Georges Labica, Le statut marxiste de la philo-
sophie, Bruxelas, Éditions Complexe, 1976 e Alan Gilbert, Marx's politics
— communists & citizens, Nova Jersey, Rutgers University Press, 1981.
5 Karl Marx, Sobre a questão judaica, cit., p. 48. 1º Sobre o corte epistemológico de 1845, cf. as referências já clássicas de
16 Id, ibid. p. 50, com modificação na tradução feita por mim. Louis Althusser, em A favor de Marx, cit., e Márcio Bilharinho Naves, Marx
7 Cf Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos, São Paulo, Boitempo, - ciência e revolução, São Paulo, Quartier Latin, 2008, cap. 2: “Antes do
2004. Cf. a respeito, Nicole-Édith Thévenin, Révisionnisme et philosophie marxismo; caminhos do jovem Marx”, e cap. 3: “A constituição do mate-
de Valiénation, cit. rialismo histórico”. ,

20 21
Pode-se dizer, então, que a própria constituição da teoria mar- e 1847, Marx dá um fundamento material ao fenômeno jurídico,
xista só foi possível com a crítica do direito, portanto, com a crítica fornecendo elementos essenciais à sua compreensão científica.
do humanismo (de todas as diversas formas de representação do
“homem” que remetem à sua matriz original, a figura do sujeito Condições materiais de existência e direito
de direito e o processo do valor de troca), e mesmo que, em A ideo-
logia alemã, essa ruptura ainda seja parcial e limitada. Se é verdade que Marx, ao retirar do direito os seus títulos ima-
É por isso que a crítica do direito n'A ideologia alemã vai ter ginários devolvendo-o ao seu lugar de origem, nos dá o princípio
o significado de uma revolução epistemológica no domínio jurídico, de sua compreensão científica, ele, no entanto, ainda não é capaz
pois a descoberta da inteligência dos processos históricos e sociais de produzir o seu conhecimento efetivo, mas apenas um conjunto
vai permitir situar o direito em seu lugar, surpreendendo-o em seu de formulações não desenvolvidas e de sugestões unilaterais e abs-
solo originário, quando Marx afirma que o direito não tem história tratas, muito embora ao lado de intuições extraordinárias que for-
própria.?? Esse pequeno movimento que desloca o objeto jurídico — necerão as bases mais gerais para a crítica do direito de O capital.
e todo o conjunto da superestrutura — do seu papel de causa fundante De fato, podemos ver em A ideologia alemã Marx fazer a crítica
das relações sociais para o de expressão necessária das condições da concepção jurídica de Max Stirner justamente por ela estar
materiais da vida social, representou um momento fundamental na fundada no conceito de vontade, para, logo em seguida, nesse mesmo
compreensão materialista do direito realizada por Marx. Ora, ao es- texto e, sobretudo, no Manifesto do partido comunista, sustentar
tabelecer, em seus princípios, a determinação material do fenômeno uma concepção voluntarista do direito, muito embora mesclada com
jurídico, Marx abre a possibilidade de seu conhecimento efetivo, por o economicismo. Do mesmo modo, ele irá criticar Stirner na A ideo-
um lado, e, por outro, abre a possibilidade de livrar o movimento logia alemã por identificar direito e lei, para, depois, no Manifesto
operário do domínio da ideologia jurídica. Isso significa fundar a comunista, reduzir, ele próprio, o direito à lei.
luta dos trabalhadores em bases inteiramente novas, independentes Para o Marx da A ideologia alemã, Stirner, inicialmente, descola
da burguesia, tanto no que respeita ao objetivo estratégico a ser o direito de sua base real, o que lhe permite tomá-lo como expres-
alcançado — a sociedade sem classes, o comunismo —-, como no que são de uma abstrata “vontade de domínio” que se realiza na criação
se refere aos métodos de luta - o rompimento com a legalidade e das leis, submetendo os homens. Ao contrário desse procedimento
o emprego da violência deixam de estar interditados. Assim, não que autonomiza e universaliza o conceito de direito, tornando-o
seria exagero dizer que o brilho fulgurante dos intermináveis com- válido e invariante em todas as formas históricas de sociedade,
pêndios de toda a jurisprudência acumulada por séculos de paciente Marx vai procurar o fundamento do jurídico nas condições de vida
trabalho doutrinário foi suplantado pela pálida luz das poucas pas- real dos homens, nas relações de produção e nas forças produti-
sagens de Marx sobre o direito. Poucas, sim, mas nelas o direito vas. Por isso é que ganha um sentido extraordinário a passagem de
encontra, finalmente, a sua “razão”. Naturalmente, seria preciso Marx, a que já nos referimos, na qual é afirmado que o direito “não
esperar O capital para que o mistério da forma jurídica pudesse ser tem uma história própria”,? pois ela bloqueia as ilusões de autono-
inteiramente desvendado, mas, em seus trabalhos nos anos de 1845 mia e os voos cegos especulativos que fazem do direito a tradução

2 Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã, cit., p. 76.

22 23
da vontade, da ideia ou de forças místicas, e não condicionado (e o direito) é condicionada pelas condições econômicas de uma
pelas condições materiais de produção. dada sociedade e, consequentemente, atravessada por interesses
Em seguida, Marx critica Stirner por considerar o poder como particulares de classe”.
fundamento do direito sem lograr explicar a razão de o Estado Já no Manifesto comunista, porém, Marx retorna a essa proble-
exercer legitimamente a violência, isto é, sem conseguir ver que mática, considerando não só que o direito é uma expressão de von-
isso ocorre devido a causas econômicas e a interesses de classe. tade, mas também identificando-o à lei: “vossas próprias ideias são
Como diz Marx: um produto das relações burguesas de produção e de propriedade,
assim como vosso direito é apenas a vontade de vossa classe eri-
Se o poder é suposto como a base do direito, como fazem Hobbes
gida em lei, vontade cujo conteúdo é determinado pelas condições
etc., então, direito, lei-etc., são apenas sintomas, expressão de outras
materiais de existência da vossa classe”%. Essas fórmulas que pare-
relações, nas quais se apoia o poder do Estado. A vida material dos
cem negar a crítica endereçada a Stirner — com a diferença de que
indivíduos, que de modo algum depende de sua mera “vontade”,
Marx acrescenta um elemento classista na determinação da von-
seu modo de produção e as formas de intercâmbio, que se condicio-
nam reciprocamente são a base real do Estado e continuam a sê-lo
tade -, provocam um persistente embaraço nos comentadores, que
em todos os níveis em que a divisão do trabalho e a propriedade pri-
procuram desqualificá-las ou minimizá-las. É o caso de Umberto
vada ainda são necessárias, de forma inteiramente independente da
Cerroni, que considera esse conceito de direito como tendo uma
vontade dos indivíduos. Essas condições reais de modo algum foram natureza política e não científica,” no que é acompanhado por
criadas pelo poder do Estado; elas são, antes, o poder que o cria. Jaime Escamilla Hernandez, que ainda acrescenta: “(...) ao identi-
Os indivíduos que dominam nessas condições, abstraindo o fato de ficar de maneira simplista a vontade de uma classe às leis sanciona-
que seu poder deve se constituir como Estado, têm de conferir à sua das pelo Estado, não se diz absolutamente nada sobre uma explica-
vontade condicionada por essas condições bem determinadas uma ção histórico-materialista das categorias jurídicas, como Marx faz
expressão geral como vontade do Estado, como lei — uma expressão a propósito das categorias econômicas”?”,
cujo conteúdo sempre é dado pelas condições dessa classe, do que
o direito privado e o direito criminal são a prova mais cabal, * Como observa Escamilla Hernandez: “(...) a 'vontade de domínio" ou a 'von-
tade soberana” nunca é uma “vontade livre'. Sempre são as condições pró-
Por fim, Marx critica Stirner por confundir direito e lei. Para
prias da sociedade civil burguesa e suas relações materiais específicas as que
Stirner, o direito é o “espírito” e a “vontade” da sociedade, e o que erigem o Estado na esfera da “vontade geral”, dando a todas as intituições
nela é justo e legítimo toma a forma da lei, de tal sorte que, con- comuns uma forma política. Em virtude disso, a lei moderna, ao ter como
fundindo-se a vontade de domínio da sociedade e o direito, pode-se . mediador o Estado, assume necessariamente a forma de um produto-ex-
dizer que a vontade de domínio é lei, e, portanto, que o direito é pressão da 'vontade livre”. Cf. Jaime Escamilla Hernandez, El concepto del
derecho en el joven Marx, cit., p. 213. Cf. igualmente o trabalho de Riccardo
igual a lei. Assim, em Stirner, a lei exprime a vontade soberana do
Guastini, Marx: dalla filosofia del diritto alla scienza della società, cit.
Estado.” Para Marx, no entanto, a lei nunca poderia ser a expressão º Karl Marx, Manifesto do partido comunista, Petrópolis, Vozes, 1997, p. 83.
de qualquer vontade livre ou soberana, já que, como vimos, a lei % Umberto Cerroni, La liberdad de los modernos, Barcelona, Martínez Roca,
1972, p. 133, apud Jaime Escamilia Hernandez, El concepto del derecho en
el joven Marx, cit.
2 Ibid, p. 317-318. ” Jaime Escamilla Hernandez, El concepto del derecho en el joven Marx, cit.,
2 Ibid, p. 316-317. p. 258.

24 25
A insuficiência da definição avançada por Marx, no entanto, Daí a importância da ruptura que Marx opera com as diversas
não decorre dela supostamente ser “política”, pois o Manifesto, in- modalidades de socialismo jurídico, o que lhe permitirá criticar
dependentemente de ter um caráter político, é também um texto a ideia de que o direito possa se constituir no princípio organizador
teórico, e o conceito de direito ali formulado tem todos os seus de uma “sociedade socialista”.
títulos de validade, possuindo autonomia em relação ao que há de
contingente no “programa” ali apresentado. Na verdade, ela é in- A crítica ao socialismo jurídico
suficiente porque está presa unilateralmente ao momento normativo
ou positivo do direito, mas ela também é insuficiente porque liga O verdadeiro socialismo
o fenômeno jurídico imediatamente aos interesses das classes domi-
nantes, em uma concepção instrumentalista do direito. Em A ideologia alemã, Marx demonstra que a representação que
Por que Marx sustentaria essa definição do direito que parece os “verdadeiros socialistas” têm do comunismo corresponde à idea-
representar um recuo, ao menos parcial, em relação à análise ime- lização pequeno-burguesa da propriedade. A sua crítica da proprie-
diatamente precedente d'A ideologia alemã? A resposta a isso pode dade privada leva-os a sustentar a necessidade de substituí-la por uma
estar na concepção mais geral de Marx no período que compreende propriedade comum a todos, uma propriedade universal tendo como
a redação, principalmente, dos textos, A ideologia alemã, Manifesto titular a própria sociedade, permitindo, assim, que se efetive uma
do Partido Comunista e Miséria da filosofia, marcada pela presença justa repartição das coisas, o que levaria à instauração da igualdade
do par economicismo/humanismo, o qual funciona como um ver- como princípio unificador do comunismo. A introdução da igualdade
dadeiro bloqueio teórico para a descoberta do vínculo essencial entre no corpo social significaria a recomposição da essência humana que,
as formas jurídicas e o processo do valor de troca, posto que a ideo- cancelando a alienação que a separava de uma existência autêntica,
logia humanista secreta uma representação completamente distor- encontra agora, em uma sociedade fundada no respeito aos princípios
cida do funcionamento efetivo do fenômeno jurídico. Mas devemos jurídicos, a sua possibilidade de realização na consagração da “ver-
ir um pouco mais longe. A rigor, o que Marx descura, no Manifesto, dadeira propriedade”, da “propriedade natural e social”. A incapaci-
quando analisa a questão do Estado depois da revolução, é a ques- dade de romper com a categoria de propriedade, apenas deslocando-a
tão da forma, prendendo-se exclusivamente ao conteúdo classista do imaginariamente para um espaço não privado, mas que, na verdade,
aparelho de Estado, de modo que ali não está colocada a questão que significa o gozo efetivo da propriedade por cada um, portanto, priva-
ele elucidará depois, de que a própria forma do Estado tem uma natu- damente, revela os limites da concepção dos “verdadeiros socialistas”,
reza de classe, não sendo possível à classe operária utilizar o Estado | que apenas reproduzem “espontaneamente” a ideologia jurídica. Essa
burguês para o exercício de seu domínio político. Isso que dissemos representação corresponde à aspiração do pequeno-burguês proprie-
sobre o Estado — e que será objeto de uma retificação importante? tário de ter assegurada a proteção contra o grande capital que ameaça
— é igualmente válido para o direito: Marx considera apenas o con- a liberdade de concorrência e a sua própria condição de agente do
teúdo expresso na lei, mas não a razão pela qual esse conteúdo se mercado. O que ele quer, como diz Nicole-Édith Thévenin, é,
exprime em uma forma jurídica, e não por outra forma social. em última instância, uma liberdade dos indivíduos, feita pelos in-
divíduos, para os indivíduos, em um ideal comunitário onde rei-
28 Como veremos mais à frente. nariam o amor, a fraternidade. Para o socialismo verdadeiro, o

26 27
comunismo é, portanto, o retomo ao direito natural. A essência do era a realização dos princípios contidos na declaração dos Direitos
homem é o direito.” do Homem e do Cidadão. Ora, esses princípios eram, fundamental-
mente, a liberdade e a igualdade, justamente os princípios jurídicos
Stirner e o socialismo jurídico que organizam o espaço da sociabilidade burguesa em sua existência
imediata, ao mesmo tempo em que obscurecem o seu fundamento
É por isso que Marx pode dizer - ao comentar a apreciação último, as relações de produção fundadas na exploração do trabalho
de Stirner de que “na opinião dos comunistas, todos devem gozar assalariado. São essas categorias jurídicas que permitem a circulação
dos direitos eternos do homem” — que o comunismo e o direito são mercantil e, sobretudo, a circulação de uma mercadoria essencial à
antagônicos?, relacionando ainda o direito às condições da con- valorização do capital, a força de trabalho, ao criarem as condições
corrência e à propriedade livre, isto é, à circulação mercantil. Ora, de existência da subjetividade jurídica, ao dar ao indivíduo uma ca-
o que Marx descobre nessas passagens é que os trabalhadores não pacidade que o habilita a praticar atos de compra e venda como
podem conceber o comunismo, nem formular uma estratégia de operações em que a sua vontade se manifesta livre e plenamente. .
luta sob o modelo do direito, porque o direito está irremediavel- A adoção, pela Liga dos Justos, da ideologia jurídica produz,
mente vinculado ao processo de trocas de mercadorias, portanto, então, esse efeito paradoxal de os trabalhadores lutarem contra-os
está irremediavelmente vinculado à sociedade burguesa. seus próprios interesses. Daí a necessidade da intervenção de Marx e
Engels no interior do movimento operário, para introduzir nele ele-
Fraternidade e direito mentos de compreensão científica da sociedade burguesa e da luta
de classes que pudessem permitir aos trabalhadores reorientar a sua
A partir dessas aquisições teóricas, Marx pôde encetar um tra- luta propondo outros objetivos, que correspondessem aos interesses
balho sistemático de crítica às representações ideológicas do movi- estratégicos da massa de assalariados em ultrapassar efetivamente o
mento operário da época, completamente dominado pelas formas capital, quebrando o domínio de classe burguês. É assim, então, que
do direito. ' no programa reformulado da Liga dos Justos — que passa a ser deno-
O reino do amor e da fraternidade encontrara já a sua anteci- minada Liga dos Comunistas — passa a constar que “(...) o objetivo da
pação ideológica no programa e na atividade política da Liga dos Liga é a derrubada da burguesia, a dominação do proletariado, a su-
x
Justos, que, à espera de sua efetivação prática, sustentava que pressão da antiga sociedade burguesa fundada nos antagonismos de
o objetivo dos trabalhadores em sua luta contra a sociedade burguesa classes e a fundação de uma nova sociedade sem classes e sem pro-
priedade privada”*!, O apelo à fraternidade e à boa vontade entre os
homens, que o lema da antiga Liga exprimia — e em que transparecia
2º Nicole-Édith Thévenin, Révisionisme et philosophie de Valienation, cit., p. 126.
E ela acrescenta: “Se, como Hess, se defende a abolição do dinheiro e do uma certa influência cristã — ao dizer que todos os homens eram ir-
assalariamento, do Estado, como da religião e da propriedade privada, mãos, pode agora ser substituído na nova organização por um apelo
isto é, de tudo que oprime o homem, partindo da ideologia do sujeito, da direto à unidade dos trabalhadores para a luta contra o capital.
vontade, da liberdade, se faz do direito a ideologia mesma do comunismo.
Projeta-se a ideologia pequeno-burguesa no comunismo: o retorno à ideo-
logia da troca, da livre-concorrência ...”, ibid., p. 126. 3 “Statuten des Bundes der Kommunisten”, in: Karl Marx e Friedrich
% A ideologia alemã, cit., p. 205 (alterei, no entanto, a tradução). Engels, Werke, t. 4, Berlim, Dietz, 1990, p. 596. ,

28 29
a Propriedade, de modo a engendrar o que os senhores alemães
A essa imagem de uma sociedade comunista como comunidade
chamam de comunidade e que, por agora, limitar-me-ei a denomi-
de bens e na qual a Terra é o bem comum de todos os homens — e que
nar liberdade, igualdade”. O significado mais profundo dessas po-
é expressa por Weitling, um dos representantes da Liga dos Justos,
sições reside em que todo projeto de ultrapassagem do capitalismo
como o império de deus na terra pregado por Jesus —, correspon-
está absolutamente vedado quando se pretende fundar as bases de
dendo integralmente à ideologia jurídica, é justamente aquela cri-
uma outra sociedade justamente no direito, pois ele exprime ne-
ticada por Marx e Engels quando sustentam, na passagem já citada
cessariamente as relações sociais burguesas, e a sua permanência é
anteriormente, que o direito e o comunismo são “antagônicos”.
o índice mais expressivo da reprodução dessas relações.

Liberdade, igualdade e... Proudhon


Bray e o princípio regenerador da igualdade
Igualmente em Proudhon se manifesta a mesma presença do
Como Marx demonstra em seu comentário crítico n'A miséria
direito, seja no projeto da “nova” sociedade, seja nos meios de al-
da filosofia sobre Bray, representante do “socialismo ricardiano”,
cançá-la2, O comunismo proudhoniano limita-se a reproduzir os
essa posição resume toda uma concepção pequeno-burguesa do
princípios jurídicos da liberdade e da igualdade em um projeto
socialismo que é comum ao reformismo jurídico”, Aqui também,
comunitário fundado no princípio da justa proporcionalidade da
é a categoria da igualdade que permite organizar o discurso que
produção, “com os homens trocando iguais quantidades de traba-
“... a determinação do valor pelo anuncia a nova sociedade. O que Bray faz é isolar essa categoria
lho”. Ora, como mostra Marx,
de suas determinações sociais profundas, vendo nela a expressão
tempo de trabalho - ou seja: a fórmula que o Sr. Proudhon nos
da harmonia e da justiça sociais e não o seu significado real de
oferece como a fórmula regeneradora do futuro — não é mais que a
uma relação social de luta de classes, que o processo de trocas
expressão científica das relações econômicas da sociedade atual”*.
mercantis exprime. Sua aspiração, assim, é a de que “a troca in-
Por outro lado — e de forma coerente com o objetivo almejado -,
dividual [possa] subsistir sem o antagonismo entre as classes”,
ele recusa qualquer recurso a meios revolucionários, em favor de
Bray quer retirar o elemento antagônico da relação de troca, en-
uma via pacífica, legal. É o que transparece em uma carta ende-
contrando por fim “uma relação “igualitária” que [ele] desejaria
reçada a Marx, na qual ele diz: “... não devemos colocar a ação
introduzir na sociedade”. Como comenta Marx, o que Bray não é
revolucionária como meio de reforma social, porque esse pretenso
capaz de compreender é “que esta relação igualitária, este ideal
meio seria, muito simplesmente, um apelo à força, ao arbítrio —
corretivo que desejaria aplicar ao mundo, é, em si mesmo, um
logo, uma contradição. Coloco-me assim o problema: reintroduzir.
reflexo do mundo atual e que, consequentemente, é impossível
na sociedade, por uma combinação econômica, as riquezas que dela
reconstituir a sociedade sobre uma base que não passa de uma
foram extraídas por uma outra combinação econômica. Noutros ter-
sombra embelezada de si mesma. À medida que a sombra se torna
mos: na economia política, voltar a teoria da Propriedade contra

32 Cf a esse respeito as considerações que faço em meu trabalho: Marx —


“ Ibid, p. 202.
3 Um comentário sobre essa passagem de Marx pode ser vista em meu
ciência e revolução, cit.
texto já citado: Marx — ciência e revolução.
3 Karl Marx, A miséria da filosofia. São Paulo, Global, 1995, p. 70.

31
30
corpo, percebe-se que este, longe de ser a transfiguração sonhada, para que esta funcione em seu benefício. Em termos mais rigorosos:
é o corpo atual da sociedade”. trata-se de saber se a natureza de classe do Estado depende do exercí-
O direito e a ideologia jurídica são elementos que funcionam cio do poder pela própria classe dominante. Mutatis mutandis, o mesmo
para a reprodução das relações de produção capitalistas. Levantá-los se passa com o direito. Aqui, trata-se de saber se o direito precisa ser
como bandeiras na luta contra o capital ou erigi-las em princípios a expressão necessária dos interesses e necessidades imediatas da
norteadores de uma sociedade comunista produz o efeito exatamente classe dominante, de tal sorte que estes devem estar cristalizados em
inverso: o reforço da dominação burguesa. Em Marx (e Engels) a luta normas jurídicas que as garantam e lhes deem estabilidade. Ou seja,
contra o capital é, simultaneamente, luta contra o direito, e o ataque o direito condensaria uma vontade que a lei realizaria.
ao direito, o não reconhecimento de um direito “popular” ou “so- Marx, no entanto, nas “obras históricas”, e, particularmente,
cialista”, condições necessárias para uma efetiva ultrapassagem da em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, opera uma retificação fun-
sociedade burguesa. damental em seu modo de conceber essa questão, introduzindo
Em todos esses casos que examinamos, o que vemos, assim, é o conceito — em uma terminologia que ele não utiliza - de autono-
o socialismo jurídico substituir o conhecimento das condições de mia relativa do Estado. Com isso, ele mostra que a burguesia pode
funcionamento e reprodução da sociedade burguesa, e bloquear deixar de exercer o domínio direto do Estado sem que este perca a
todo acesso à ação revolucionária dos trabalhadores visando à con- sua natureza de Estado da classe burguesa, porque a dominação de
quista do poder político, pondo em seu lugar as categorias do di- classe já está garantida, independentemente de ele ser ocupado ou
reito (igualdade, liberdade) e o reformismo pequeno-burguês. não pela classe dominante, em virtude de sua forma mesma, isto é,
o Estado é um aparelho que “inscreve a dominação de classe na sua
Autonomia relativa e direito própria organização interna”.%”
Assim, do mesmo modo que o caráter de classe do Estado passa
Vimos que a concepção teórica marxiana entre 1845-1847 não a ser considerado como um “atributo objetivo” e não como o resul-
resolve satisfatoriamente a relação entre a base e a superestrutura tado da “influência direta” exercida pela burguesia sobre o aparelho
da estrutura social total, estabelecendo uma determinação mecà- estatal”, também o direito pode ser compreendido sem o recurso
nica entre as condições materiais econômicas e as formas ideoló- ao conceito de “vontade” (de classe), pois, independentemente da
gicas, políticas e jurídicas. Vimos, ainda, como essa dificuldade influência que essa vontade possa ter sobre o conteúdo da lei, o ca-
manifesta-se agudamente a respeito do problema do Estado, com- ráter de classe do direito já está dado pela sua própria organização
preendido como um instrumento da classe dominante, assim como a interna, pelo modo como ele especificamente se estrutura no pro-
respeito do problema do direito, compreendido como expressão ime- cesso do valor de troca (como Marx desenvolverá depois nºO capital).
diata da vontade dessa mesma classe. No caso do Estado, trata-se de Desse modo, é possível compreender por que leis que contrariam
saber se a classe dominante necessita ser o próprio agente e prota- interesses imediatos da burguesia possam ser promulgadas, mesmo
gonista da administração dos seus interesses de classe, isto é, se ela
precisa ocupar fisicamente os postos de governo na máquina estatal * Renato Monseff Perissinoto, “A importância do 18 Brumário de Luis
Bonaparte para a teoria marxista contemporânea do Estado capitalista”,
Curitiba, digit., 2008, p. 4.
8 Ibid., p. 7-8.

32 33
gerando conflitos entre esta classe e o seu Estado. Como lembra
Perissinoto, Marx distingue em O 18 Brumário de Luís Bonaparte
entre interesse “mesquinho” (imediato) e interesse “geral” das clas-
ses dominantes: “[O Estado capitalista] passa a ser claramente de-
finido, então, como o representante do interesse geral da classe bur-
guesa (a manutenção dos traços fundamentais do sistema capitalista)
e não como o porta-voz dos seus interesses tais como articulados por CAPÍTULO 2 - O CONCEITO DE DIREITO EM O CAPITAL
seus membros individuais. (...) o “interesse geral” não é uma moti-
vação consciente dos burgueses particulares, mas um atributo do
sistema social com o qual o Estado mantém uma relação funcional.
Por essa razão, o Estado pode atender aos interesses dessa classe A “revolução teórica” de O capital
mesmo que separado dela e mesmo que para isso tenha que gerar
conflitos acirrados com suas frações particulares”.* O capital representou, no dispositivo conceitual marxiano, uma
Se o direito, assim como o Estado, não é uma instância neutra, ruptura decisiva que operou a ultrapassagem do núcleo mais duro
que pudesse servir a interesses de classe diversos, conforme quem da problemática economicista presente em seus trabalhos pregres-
os utilize ou instrumentalize, não é mais concebível a hipótese de sos, e que implicava em um obstáculo para a constituição do co-
que os interesses dos trabalhadores possam ser inscritos na lei, nhecimento materialista dos processos sociais.
mesmo quando todas as evidências parecem mostrar O contrário; Sabemos o que significaram A ideologia alemã, o Manifesto
como no caso do direito do trabalho e, especificamente, do direito Comunista e a Miséria da filosofia para a emergência de uma teoria
de greve”. científica da história e da sociedade, o seu papel imprescindível
na dissipação do imaginário ideológico que encobria o terreno do
conhecimento objetivo da constituição e da reprodução das forma-
ções sociais, a ponto de podermos dizer, a partir, notadamente, de
A ideologia alemã, ter-se estabelecido um ponto de não retorno em
relação às concepções idealistas e mistificadoras da história. Mas,
como vimos, Marx só pôde elaborar esse novo campo teórico in-
correndo em uma concepção economicista da estrutura social e de
seu movimento interno, daí resultando uma base insuficiente para
a compreensão científica dessa estrutura.
O capital vai possibilitar, assim, uma dupla revolucionarização:
por um lado, oferecendo os meios da correção do economicismo
id, p. 10.
presente até então nas análises marxianas; e também, permi-
º
4 Sobre isso ver o notável trabalho de Bernard Edelman, La légalisation de tindo à classe trabalhadora conhecer as razões de seu subjuga-
la classe ouvriêre. t. 1: L'entreprise, Paris, Christian Bourgeois, 1978. mento ao capital e, assim, abrindo a possibilidade de sua negação.

34 35
Particularmente no que respeita ao direito, esse movimento con- O que Marx diz aqui é que, na transição do feudalismo para o ca-
ceitual apresenta um interesse crucial. Em primeiro lugar, devido pitalismo, as forças produtivas existentes, em um primeiro momento,
à ligação - de que já nos ocupamos — entre o economicismo e o não sofrem quaisquer transformações, permanecendo as mesmas de
humanismo; e, em segundo lugar, porque o conhecimento das for- antes, ao passo que as relações de produção já se alteraram, já são
mas de dominação de classe burguesas exige o conhecimento das outras relações, elas passaram de relações de produção feudais a re-
determinações do direito, isto é, das formas jurídicas nas quais se lações de produção capitalistas. A relação de capital se constituiu,
passa o conflito de classes. ela é essa relação que vincula o agente social possuidor das con-
É em uma passagem no capítulo V do livro I de O capital: “pro- dições da produção e o agente social possuidor da capacidade de
cesso de trabalho e processo de valorização. 1. O processo de traba- trabalho, possibilitando ao primeiro utilizar a força de trabalho do
lho”, retomando a reflexão desenvolvida no capítulo precedente sobre segundo para valorizar o valor no processo de produção. Porém, os
a compra e venda da força de trabalho, que Marx discorre sobre as meios de produção, e, particularmente, os meios de trabalho, e a
condições em que o novo modo de produção capitalista se constitui: força de trabalho, continuam a ser aquelas de “um período em que
Voltemos ao nosso capitalista in spe. Deixamo-lo logo depois de ele não havia capitalistas”, isto é, elas não tiveram a sua natureza feu-
ter comprado no mercado todos os fatores necessários a um pro- dal alterada. Isso significa que as relações de produção capitalistas
cesso de trabalho, os fatores objetivos ou meios de produção e o se formaram antes de as forças produtivas capitalistas surgirem, e
fator pessoal ou a força de trabalho. Com o olhar sagaz de conhe- que estas só se constituem em decorrência daquelas. Marx afirma
cedor, ele escolheu os meios de produção e as forças de trabalho aqui, portanto, a tese do primado das relações de produção sobre
adequados para seu negócio particular, fiação, fabricação de botas as forças produtivas quanto ao papel principal jogado por elas no
etc, Nosso capitalista põe-se então a consumir a mercadoria que ele processo de transformação social. Consequentemente, a concepção
comprou, a força de trabalho, isto é, ele faz o portador da força de teleológica presente em seus trabalhos anteriores é claramente afas-
trabalho, o trabalhador, consumir os meios de produção mediante tada, e a história não é mais apreendida por meio de uma espécie de
seu trabalho. A natureza geral do processo do trabalho não se al-
tera, naturalmente, por executá-lo o trabalhador para o capitalista,
seu significado epistemológico, cf. o trabalho já clássico de Louis Althusser
em vez de para si mesmo. Mas também o modo específico de fazer
e Étienne Balibar, Ler O capital, v. 1, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, e
botas ou de fiar não pode alterar-se de início pela intromissão do o capítulo 6: A refundação do materialismo histórico, do meu livro: Marx
capitalista. Ele tem de tomar a força de trabalho, de início, como a - ciência e revolução, cit. É preciso lembrar, no entanto, que já nos anos
encontra no mercado e, portanto, também seu trabalho da maneira 1950 Mao Tse-tung havia compreendido o sentido mais profundo dessa
como se originou em um período em que ainda não havia capi- passagem em seu comentário aos textos econômicos de Stalin. Cf. Mao
Tse-tung, “Crítica do Manual de economia política de Stalin”, in: Hu Chi
talistas. A transformação do próprio modo de produção mediante
Hsi (org.), Mao Tse-tung e a construção do socialismo, Lisboa, Dom Quixote,
a subordinação do trabalho ao capital só pode ocorrer mais tarde 1975. Cf. também os estudos de Serge Vincent-Vidal, “A crítica das concep-
e deve por isso ser considerada somente mais adiante'l, ções econômicas de Stalin por Mao Tse-tung”, in: Márcio Bilharinho Naves
(org.), Análise marxista e sociedade de transição, Campinas, IFCH/Unicamp,
“Karl Marx, O capital — crítica da economia política, v. 1, livro primeiro: 2005, Eugenio del Río, Lateoria de la transicion al comunismo en Mao Tse-tung,
o processo de produção do capital, tomo 1, São Paulo, Nova Cultural, 1949-1969, Madri, Revolución, 1981 e Márcio Bilharinho Naves, Mao —
1996, p. 303-304. Para um estudo mais minucioso dessa passagem e de o processo da revolução, São Paulo, Brasiliense, 2005.

36 37
“determinismo tecnológico” que levaria, em um movimento linear e devido à íntima relação entre os elementos do processo de trabalho
ascendente, a modos de produção em níveis cada vez mais avançados e a circulação mercantil com a propriedade e o contrato”.
de desenvolvimento, culminando com o comunismo”, É por isso que a análise de Marx é também, em um mesmo
Para Marx, agora, portanto, são as relações de produção o ele- movimento, o rompimento com as figuras do homem e com todas
mento que determina o desenvolvimento das forças produtivas, im- as manifestações de humanismo que obstaculizavam a apreensão
primindo a elas o seu caráter social. Não há mais qualquer desen- do processo social em sua objetividade e materialidade, o que
volvimento das forças produtivas que ocorra fora de determinadas fica evidenciado quando Marx afirma: “meu método não parte do
relações de produção, justamente porque as forças produtivas são, homem, mas do período social economicamente dado”º, e que
a rigor, o conteúdo material das relações de produção*”. “a sociedade não se compõe de indivíduos, mas eles exprimem rela-
O rompimento com o economicismo é a condição absoluta- ções sociais”, o que permite a Antoine Artous, ao comentar essas
mente necessária para que pudesse ter sido formulada por Marx, passagens, concluir que “Marx vai da problemática que parte dos
em seus princípios, a compreensão materialista da forma jurídica, indivíduos a um método que trata das relações”*”. Marx estabelece
aqui um princípio irredutivelmente anti-humanista, que desloca
o “homem” do centro da cena social, ou melhor, que permite
42 Para a crítica do economicismo, podem-se ver, entre outros, os seguin-
tes trabalhos: Louis Althusser, A favor de Marx, cit.; Sobre a reprodu- apreendê-lo em sua determinação ideológica, para pensá-lo como
ção, Petrópolis, Vozes, 1999; Resposta a John Lewis, in: Posições 1, cit., efeito de uma estrutura, como suporte de relações sociais.'*
e, juntamente com Étienne Balibar e Roger Establet, Ler O capital,
cit. e com Pierre Macherey e Jacques Ranciêre, Ler O capital, Rio de Forma valor e processo de abstração
Janeiro, Zahar, v. 2, 1980; Gianfranco La Grassa, “Forze produttive e
rapporti di produzione”, in: Valore e formazione sociale, Roma, Riuniti, “Os indivíduos são dominados por abstrações”, diz Marx,
1975 e, juntamente com Maria Turchetto e Franco Soldani, “Rapporti
referindo-se a uma determinação específica da sociedade burguesa.
di produzione e forze produttive”, in: Quale marxismo in crisi?, Bari,
Dedalo Libri, 1979; A. D. Magaline, Luta de classes e desvalorização do E a análise marxiana se encaminha justamente no sentido de mostrar
capital, Lisboa, Moraes, 1977; Charles Bettelheim, Revolução cultural e
organização industrial na China, Rio de Janeiro, Graal, 1979; Bernard % Sobre essa relação, cf. Louis Althusser, Resposta a John Lewis, cit., e
Chavance, “La critique du primat de les forces productives”, in: Les Nicole-Édith Thévenin, Révisionnisme et philosophie de Valienation, cit.
bases de Véconomie politique du socialisme — essai d'histoire critique, 1917- Karl Marx, Grundrisse, apud Antoine Artous, Marx, VÉtat et la politique,
1954, Université de Paris X - Nanterre, 1979. Paris, Syllepse, 1999, p. 71.
18 Com isso, Marx supera também uma concepção que estabelece uma re- 16 Karl Marx, “Notes critiques sur le traité d'économie d'Adolph Wagner”,
lação de exterioridade entre as forças produtivas e as relações de prodiú- apud Antoine Artous, Marx, Pétat et la politique, cit, p. 71.
ção, o que será de uma importância decisiva para a compreensão da na- “Antoine Artous, Marx, VÉtat et la politique, cit., p. 71. Cf. igualmente os
tureza específica das forças produtivas capitalistas e, consequentemente, importantes comentários de Louis Althusser a esse respeito em Resposta
para a correta formulação do problema da transição do capitalismo para a John Lewis, cit.
o comunismo. Sobre isso, cf., além do texto já citado de Gianfranco La 8 Paraa crítica das leituras “humanistas” de Marx, cf. os trabalhos de Louis
Grassa, Maria Turchetto e Franco Soldani, “Rapporti di produzione e Althusser, A favor de Marx, cit., “A querela do humanismo P”, in: Crítica
forze produttive”, o ensaio de Maria Turchetto, “As características espe- marxista, n. 9, 1999, e “A querela do humanismo II”, in: Crítica Marxista,
cíficas da transição ao comunismo”, in: Márcio Bilharinho Naves (org), n. 14, 2002.
Análise marxista e sociedade de transição, cit. 4º Karl Marx, Grundrisse, apud Antoine Artous, cit., p. 67.

38 39
que é no processo de abstração que reside a explicação mais profunda do produzir racional,do produzir segundo “leis da natureza”),
do caráter mercantil do capitalismo e o segredo mais recôndito da que são tão somente, ao contrário, as formas específicas do processo
valorização do valor. Ora, é nisso que se revela toda a incapacidade produtivo capitalista, assim como este veio configurando-se através
da economia clássica em compreender a forma do valor: de um processo histórico de transformação do modo de produção
É uma das falhas básicas da economia política clássica não ter ja- feudal; processo que se inicia com a despossessão dos produtores, a
mais conseguido descobrir, a partir da análise da mercadoria e mais formação de um regime específico de propriedade de todas as condi-
especialmente, do valor das mercadorias, a forma valor, que justa- ções objetivas do trabalho (e não só da terra) por parte dos não pro-
mente o torna valor de troca. Precisamente, seus melhores represen- dutores e a consequente instauração de uma determinada estrutura
tantes, como A. Smith e Ricardo, tratam a forma valor como algo de relações sociais de produção?!
totalmente indiferente ou como algo externo à própria natureza A categoria de valor está, portanto, vinculada a um determinado
da mercadoria. A razão não é apenas que a análise da grandeza de modo de produção, precisamente o capitalista, que é o único modo
valor absorve totalmente sua atenção. É mais profunda. A forma de produção no qual o trabalho “abstratamente humano” é “a única
valor do produto de trabalho é a forma mais abstrata, contudo tam-
fonte de valor (...) dispendido na produção”, Isso significa que a
bém a forma mais geral do modo burguês de produção, que por
mercadoria, em sentido próprio, só pode adquirir plena existência
meio disso se caracteriza como uma espécie particular de modo de
em uma formação social capitalista, pois somente nela o trabalho se
produção social, e, com isso, ao mesmo tempo historicamente. Se no
reveste desta forma, e é somente nela que a condição absolutamente
entanto for vista de maneira errônea como a forma natural eterna
essencial para a generalização da forma de mercadoria se verifica:
de produção social, deixa-se também necessariamente de ver o espe:
a transformação da própria força de trabalho em mercadoria”?
cífico da forma valor, portanto, da forma mercadoria, de modo mais
desenvolvido da forma dinheiro, da forma capital etc.5º
8 Gianfranco La Grassa, Valore e formazione sociale, cit., p. 15. Também
A economia política clássica não consegue elaborar o conceito
Marx: “A igualdade de trabalhos toto coelo diferentes só pode consistir
de trabalho abstrato, que só pode ser apreendido como o resultado numa abstração de sua verdadeira desigualdade, na redução ao caráter
de uma forma específica de sociedade, na qual o modo de produzir comum que eles possuem como dispêndio de força de trabalho do homem,
os produtos exige a mediação da troca mercantil para que os traba- como trabalho humano abstrato”, O capital, t. 1, v. 1, cit, p. 112.
lhos executados privadamente se tornem trabalho social. Assim, so- 2 Ibid., p. 16.
* Ao contrário, em uma sociedade pré-capitalista, “na qual não existe a troca,
mente o conceito de “trabalho em geral” é elaborado pela economia
ou ela é um fenômeno limitado (...), o trabalho dispendido pelo indivíduo em
política clássica, o que implica em uma generalização do trabalho uma dada comunidade serve diretamente à satisfação das necessidades desta
concreto e na sua naturalização, como lembra Gianfranco La Grassa: última. O trabalho vale apenas por seu conteúdo concreto de produtor de
A ausência de distinção entre “trabalho concreto” e “trabalho abs- valores de uso e o produto do trabalho adquire imediatamente um conteúdo
social, como produto daquela comunidade na qual ele é consumido. O tra-
trato” por parte dos clássicos (a que está ligada a sua análise da
balho de cada indivíduo isoladamente se representa em sua imediaticidade
grandeza, mas não da forma do valor) é exatamente o resultado de
como articulação do fundo social total de trabalho daquela comunidade. Nas
uma consideração “a-histórica” da produção social, da qual se con- sociedades pré-capitalistas divididas em classes (por exemplo, na feudal), a
sideram “eternas” certas formas (como forma finalmente descoberta exploração aparece por isso sem véus, sem nenhuma “cobertura” (por exem-
plo, como cota de trabalho ou de produto do trabalho do qual o senhor feudal
5º Karl Marx, O capital, t. 1, v. 1, cit., p. 205-206. se apropria)”, Gianfranco La Grassa, Valore e formazione sociale, cit., p. 26.

40
41
O caráter abstrato do trabalho, assim, não pode ser confun- separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual.
dido com a mera “abstração mental” do conteúdo de diversos Assim, O trabalho depende das condições de habilidade e conhe-
trabalhos concretos, mas está ligado a uma particular organização cimento técnico do operário, que já está objetivamente expro-
do processo de trabalho que se verifica sob relações de produção priado dos meios de produção, mas ainda não está expropriado
específicas. Assim, o trabalho só se torna abstrato, isto é, indife- das condições subjetivas da produção. Como diz Marx: “O pro-
rente a qualquer particularidade, a qualquer conteúdo específico, cesso de trabalho, do ponto de vista tecnológico, efetua-se exa-
a qualquer qualidade ou utilidade, o trabalho só se torna, portanto, tamente como antes, só que agora como processo de trabalho
igualizado, sob o modo de produção capitalista, como ressalta subordinado ao capital”,
La Grassa: “A força laborativa dos operários vem concretamente Em um segundo momento, passa a ocorrer um processo de
igualizada, nivelada, não apenas na troca dos produtos do traba- transformação do modo de produção (em sentido estrito), isto é
lho (...) mas no interior do próprio processo produtivo, do processo a introdução de meios de produção novos, particularmente do sis-
de fabricação dos produtos, e, portanto, de dispêndio de trabalho tema de máquinas, que permite que se complete a expropriação
produtivo”.* O trabalho abstrato se realiza praticamente somente do trabalhador direto, o qual agora já não está separado somente
no capitalismo da grande indústria, sendo uma característica par- das condições objetivas da produção - como no caso da “expro-
ticular desse modo de produção. priação objetiva da produção” — mas também das condições subje-
tivas da produção (configurando uma “expropriação subjetiva da
Subsunção formal e subsunção real do trabalho ao capital.
Ibid, p. 34-35.
Para Marx, a constituição do modo de produção capitalista 5? Karl Marx, Capítulo sexto (inédito) do Capital, São Paulo, Moraes, s/d,
compreende duas fases: a fase da subsunção formal do trabalho ao p. 94-95, Afirma ainda Marx: “(...) com essa transformação (change) não
se deu uma modificação essencial na forma e maneira real do processo
capital e a fase da subsunção real do trabalho ao capital.
de trabalho, do processo real de produção. Pelo contrário, é normal que
Quando surgem as relações de produção capitalistas, em um a subsunção do processo de trabalho no capital se opere com base num
primeiro momento, a base técnico-material da produção não processo de trabalho preexistente, anterior a essa sua subsunção no ca-
é substancialmente alterada. O modo de fabricar o produto se pital e com uma configuração baseada em diversos processos de produ-
realiza, assim, como ocorria na sociedade feudal, não havendo ção anteriores e outras condições de produção; o capital subsume em si
determinado processo de trabalho existente, como, por exemplo, o tra-
grande diferença entre o operário das primeiras manufaturas e
balho artesanal ou o tipo de agricultura que correspondeà pequena
o artesão. Quase não existe divisão do trabalho, e o operário economia camponesa autônoma. As modificações que se operarem
fabrica parte substancial ou mesmo a totalidade do produto. nestes processos de trabalho tradicionais que caíram na sua alçada só
O instrumento de trabalho é um “prolongamento e uma potencia- podem ser conseguências paulatinas da prévia subsunção de determi-
lização” da mão do trabalhador, e, por fim, não há praticamente nados processos de trabalho tradicionais no capital. Não é por o traba-
lho se tornar mais intenso ou por se prolongar a duração do processo
de trabalho; nem é por o trabalho ganhar maior continuidade e, sob
o olhar interessado do capitalista, mais ordem etc., que se altera em
“ Ibid. p. 32. sie para si o caráter do processo real de trabalho, do modo real de
ss Cf Gianfranco La Grassa, Valore e formazione sociale, cit. trabalho”, ibid., p. 89.

42 43
Dinheiro e mercadoria, desde o princípio, são tão pouco capital
produção”). Com a utilização do sistema de máquinas, o processo
quanto os meios de produção e de subsistência. Eles requerem sua
de trabalho se converte em um conjunto de operações que não
transformação em capital. Mas essa transformação mesma só pode
mais exige do operário as condições intelectuais e a habilidade de
realizar-se em determinadas circunstâncias, que se reduzem ao se-
antes; ao contrário, o trabalhador se torna um mero fornecedor
guinte: duas espécies bem diferentes de possuidores de mercado-
de energia laborativa indiferenciada, sem qualquer “qualidade” es-
rias têm de defrontar-se e entrar em contato; de um lado, possui-
pecífica. A sua antiga capacidade de manejar os instrumentos de
dores de dinheiro, meios de produção e meios de subsistência, que
trabalho e de elaboração e compreensão do ciclo produtivo agora é
se propõem a valorizar a soma-valor que possuem mediante compra
inútil, e ele se vê reduzido à condição de “apêndice da máquina”,
de força de trabalho alheia: do outro, trabalhadores livres, vende-
como diz Marx. Assim, o trabalho de um operário não se distin-
dores da própria força de trabalho e, portanto, vendedores de traba-
gue do trabalho de um outro operário, e as forças de trabalho dos
lho. Trabalhadores livres no duplo sentido, porque não pertencem
trabalhadores diretos, consequentemente, se tornam igualizadas
diretamente aos meios de produção, como os escravos, os servos
entre si, de modo que somente neste momento o trabalho abstrato se
etc., nem os meios de produção lhes pertencem, como, por exemplo,
realiza praticamente's,
o camponês economicamente autônomo etc., estando, pelo contrá-
Assim se constitui um modo de produção especificamente capi- rio, livres, soltos e desprovidos deles. Com essa polarização do mer-
talista, no qual o controle do processo de produção pelo capitalista cado estão dadas as condições fundamentais da produção capita-
e o seu domínio sobre o operário é completo, isto é, agora ele tem lista. A relação-capital pressupõe a separação entre os trabalhadores
a efetiva capacidade de dispor dos meios de produção, configurando e a propriedade das condições da realização do trabalho. Tão logo
a subsunção real do trabalho ao capital. a produção capitalista se apoie sobre seus próprios pés, não apenas
conserva aquela separação, mas a reproduz em escala sempre cres-
Acumulação primitiva e emergência das categorias cente. Portanto, o processo que cria a relação-capital não pode ser
da liberdade e da igualdade outra coisa que o processo de separação do trabalhador da proprie-
dade das condições de seu trabalho, um processo que transforma,
Marx identifica, na gênese do modo de produção capitalista, por um lado, os meios sociais de subsistência e de produção em
uma fase inicial que ele denomina de “acumulação primitiva” ou capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalaria-
“acumulação originária”, e que vem a ser, fundamentalmente, dos. A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais
o processo de separação do trabalhador direto dos meios de produção. que o processo histórico de separação entre produtor e meio de pro-
É essa separação que constitui as relações de produção capita-. dução. Ele aparece como 'primitivo' porque constitui a pré-história
listas, que, como Marx explica, não são relações intersubjetivas, do capital e do modo de produção que lhe corresponde”.
nem são apenas relações entre classes, mas são relações entre os
agentes da produção e os meios de produção, portanto, são relações
5º Karl Marx, O capital, v. 1, t. 2, cit., p. 340. E ainda: “é sempre na relação
entre classes mediadas pelos meios de produção. Como diz Marx
direta dos proprietários das condições de produção com os produtores
em uma passagem do livro 1 de O capital: diretos (...) que encontraremos o segredo mais íntimo, o fundamento
oculto de toda a estrutura social (...)”, O capital, t. 3, São Paulo, Nova
58 Cf. Gianfranco La Grassa, Valore e formazione sociale, cit., p. 35-36. Cultural, 1988, p. 235. o

44 45
As categorias da liberdade e da igualdade estão intimamente Isso se apresenta, na verdade, em uma forma paradoxal, por-
relacionadas a esse processo de expropriação da massa camponesa, que, a rigor, o que Marx demonstra é que, nas origens do capita-
que é arrancada do ambiente em que vive e produz, despojada dos lismo, o trabalhador é obrigado a ser livre. É uma forma paradoxal,
meios que permitem a sua subsistência e colocada à disposição dos porque parece negar a própria liberdade do indivíduo em nome
agentes que controlam as condições da produção. A separação do dessa mesma liberdade. Como Marx diz, nesse capítulo sobre a
trabalhador direto dos meios de produção vai constituir uma es- acumulação primitiva, as pessoas são forçadas “a se venderem
fera de circulação mercantil inteiramente nova, na qual a própria voluntariamente”, O processo do capital, como vimos, implica
pessoa ingressa como “portador” de um objeto que é ele mesmo a separação do trabalhador direto dos meios de produção, levando
e no qual ele se vende a outro sem perder a sua liberdade. à expulsão da terra de uma enorme massa de camponeses, e à con-
No capítulo sobre a compra e venda da força de trabalho, tam- sequente impossibilidade de ela continuar desenvolvendo as suas
bém no primeiro livro de O capital, Marx já havia demonstrado atividades habituais como antes. Ao mesmo tempo, essa massa
como esse processo introduz a liberdade, entendida em um duplo encontra uma intransponível dificuldade de adaptação ao novo
sentido: por um lado, como já vimos, como o despojamento das modo de organização do trabalho que lhe era oferecida. Assim,
condições de vida e de trabalho do homem do campo, e, por outro, com a progressiva dissolução das relações feudais, um proletariado
como a capacidade de disposição de si, como mercadoria, desse “livre como os pássaros” recusa a nova disciplina do trabalho sob
mesmo homem. É somente como homem livre e igual a outro que o capital, e precisa ser, então, disciplinado para aceitar a liberdade
se torna possível a operação de compra e venda da força de traba- e igualdade, isto é, para adaptar-se aos mecanismos da circulação
lho. Ora, como Marx explica, essa operação é fundamental para e da produção capitalistas”. Essa liberdade pode então significar a
que ocorra a valorização do valor, pois é justamente a existência aplicação de uma “legislação sanguinária”, que prevê até mesmo
de uma mercadoria que tem a propriedade única de, ao ser consu- que, para ser livre, o indivíduo decaia à condição de escravo! Essa
mida, produzir um valor superior ao seu próprio valor, que encerra medida extrema, assim cómo a tortura, tinha sido autorizada por
todo o segredo do capital. um estatuto de 1547, do rei Eduardo VI, da Inglaterra, o qual,
Essa liberdade e essa igualdade, no entanto, tiveram a sua como descreve Marx, estabelece
própria pré-história, que muito nos diz sobre a sua natureza. Uma (...) que, se alguém se recusa a trabalhar, deverá se tornar escravo da
pré-história de extrema violência, que parece negar a própria afir- pessoa que o denunciou como vadio (...) [o dono] tem o direito de
mação da liberdade e da igualdade burguesas, mas que são, na forçá-lo a qualquer trabalho, mesmo o mais repugnante, por meio do
verdade, o seu modo de emergência histórico. Naturalmente, após. açoite e de correntes. Se o escravo se ausentar por 14 dias será con-
esse período inicial o capital não necessita mais utilizar a vio- denado à escravidão por toda a vida e deverá ser marcado a ferro na
lência para disciplinar o trabalhador. Ele é deixado, como Marx testa ou na face com a letra S; (...) o dono poderá vendê-lo, legá-lo, ou,
mesmo afirma, ao livre jogo das forças do mercado; porém, se nós como escravo, alugá-lo, como qualquer outro bem móvel ou gado.º?
nos ativermos aos primórdios do capitalismo, se recuperarmos os
momentos fundamentais de sua gênese, poderemos ver essa rela- 6º Karl Marx, O capital, v. 1, t. 2, cit., p. 358.
ção que a liberdade e a igualdade entretêm com as formas mais 1 Ibid, p. 356.
brutais de violência. & Ibid., p. 356-357.

46 47
E conclui Marx, em uma expressiva passagem:
Processo do valor de troca e forma sujeito*
assim, o povo do campo, tendo a sua base fundiária expropriada à
A dominação de classe pôde pressupor, por muito tempo,
força e dela sendo expulso e transformado em vagabundos, foi en-
a existência de vínculos de subordinação pessoal, tornando o
quadrado em leis grotescas e terroristas numa disciplina necessária
homem dependente de outro homem, não sendo ele livre para dis-
ao sistema de trabalho assalariado, por meio do açoite, do ferro em
por de si próprio, não podendo oferecer a sua própria capacidade
brasa e da tortura”,
de trabalho como mercadoria, no mercado. A liberdade e a igual-
Desse modo, tudo se passa como se o indivíduo, para ser livre,
dade não eram então reconhecidas, nem percebidas como “neces-
devesse se transformar em escravo, ou seja, a pessoa não tem a es-
sárias” à condição humana.
colha de não ser livre, o capital obriga o trabalhador a ser livre, isto
Esse vínculo essencial que pode ser estabelecido entre a emer-
é, o capital disciplina o trabalhador para que ele reconheça a sua
gência da relação de capital e o surgimento das categorias da li-
própria liberdade.
berdade e da igualdade aparece tão somente em um momento pre-
Ultrapassado esse momento paradoxal de disciplinamento,
ciso da história, sob uma estrita determinação social, exatamente
são as figuras do direito que ocupam a cena, fazendo valer as
quando as relações de produção capitalistas vão se constituindo,
suas determinações essenciais, e, assim, deslocando a violência
e a liberdade e a igualdade se confundem com a própria natureza
bruta para a periferia do domínio de classe, como o último re-
curso de proteção da propriedade. A esfera da liberdade e da
igualdade não é mais, agora, algo exterior ao homem, e que deva 5 Para uma análise da concepção jurídica de Marx em O capital, cf., além
ser introjetada nele, de fora, mas ela é a “condição natural” de dos estudos seminais de Evgeni Pachukanis, Obschaia teoria prava i
vida dos indivíduos, de modo que a operação mercantil de venda marksizm, in: Evgeni Pachukanis, Izbramniye proizvedeniia po teorii prava
i gosudarstva, Moscou, Nauka, 1982 e de Bernard Edelman, O direito
de si mesmo por um homem cuja vontade se tornou autônoma
captado pela fotografia (elementos para uma teoria marxista do direito), cit.,
constitui-se na realização dos direitos fundamentais da pessoa os trabalhos de Valentina Lapaeva, Voprosy prava v “Kapitala” K. Marksa,
humana. Os antigos instrumentos de tortura e mutilação e a Moscou, “Iuriditcheskaia Literatura”, 1982; L. Mamut, “Questions of law
ameaça da escravidão ressurrecta - essa infame pedagogia do in Marx's Capital”, in: Bob Jessop (org.), Karl Marx's social and political
capital —- tornam-se agora vestígios recobertos ou apagados de critical assessments, Londres, Routledge, Chapman and Hall, 1990; I.
Samoschenko, “Voprosy gosudarstva i prava v pervom tome “Kapitala' K.
uma pré-história perdida na memória.
Marksa”, in: Pravovedenie, n. 2, 1968; Bob Fine, Marx's critique of the legal
A subordinação ao capital está agora “interiorizada” na for- form (cap. 6: The contradictory foundation of law and the state), Caldwell,
ma pela qual o direito organiza a subjetividade humana, fazendo Blackburn, 2002; Óscar Correas, Introducción a la crítica del derecho
o homem viver na aquiescência e no conformismo com a sua moderno (Esbozo), México, D.F., Fontamara, 2000; Jacques Michel, Marx
própria subalternidade, mas também fazendo-o experimentar etla societé juridique, Paris Publisud, 1983; Georges Labica, “De Végalité —
propositions inchoatives pour une enquête sur les idéologies dans le mode
a sua revolta para com ela, em ambos os casos como expressões
de production capitaliste”, in: Dialectiques, n. 1-2, 1974. A melhor análise
do direito. sobre a forma sujeito em O capital de Marx, no entanto, pode ser vista
no excepcional trabalho de Celso Naoto Kashiura Jr., Sujeito de direito
e capitalismo (cap. 3: “Capital, mercadoria, sujeito - sobre o sujeito de
º Ibid, p. 358. direito em Marx”), São Paulo, Outras Expressões/Dobra, 2014.

48 49
do homem. Essas categorias, ignoradas por tanto tempo, agora se submetem a ele de boa vontade, ele pode usar de violência, em

tornam imprescindíveis para a própria identificação da humani- outras palavras, tomá-las. Para que essas coisas se refiram umas às

dade do homem. outras como mercadorias, é necessário que os seus guardiões se re-
lacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas,
A emergência das categorias da liberdade e da igualdade faz,
de tal modo que um, somente de acordo com a vontade do outro,
portanto, com que o homem se transforme em um sujeito de direito;
portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a
o homem — qualquer homem — passa a ser dotado de uma mesma
ambos, se aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a própria.
capacidade que o direito lhe confere, podendo realizar atos jurí-
Eles devem portanto reconhecer-se reciprocamente como proprie-
dicos e celebrar contratos. Uma vez investido de personalidade,
tários privados. Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato,
o homem, agora sujeito de direito, pode vender seus atributos,
desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade, em
seus predicados, de tal sorte que podemos dizer que a liberdade do
que se reflete a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurí-
homem é o seu livre consentimento: o momento mais elevado de
dica ou de vontade é dado por meio da relação econômica mesma.
realização da liberdade é o momento em que o homem manifesta
As pessoas aqui só existem, reciprocamente, como representantes
a sua vontade de dispor de si mesmo por tempo determinado atra-
de mercadorias e, por isso, como possuidores de mercadorias.
vés de uma troca de equivalentes. Como diz Bernard Edelman: “(...)
Marx identifica aqui claramente a relação entre a forma jurí-
o direito para respeitar e tornar real a faculdade de alienação de
dica e a forma mercantil. O direito existe como a condição subje-
si mesmo que é reconhecida a toda pessoa física deve pôr a pessoa
tiva — gerada pelo movimento da circulação (“a relação jurídica é
humana em termos de propriedade. A estrutura mesma do sujeito
o reflexo da relação econômica”) -, para que se efetive um circuito
de direito (...) é tão somente a expressão jurídica da comercializa-
de trocas. Essa subjetividade é organizada como forma de expres-
ção do homem”. Já podemos perceber a importância decisiva que
são de uma vontade autônoma, a ponto de se confundir com ela:
isso tem para a constituição e reprodução contínua do capitalismo
só há um “sujeito” se ele for capaz de um querer completamente
que exige a presença do homem livre, que possa vender a sua força
livre de quaisquer constrangimentos que levem essa vontade a se
de trabalho, porque ele se funda numa relação de assalariamento e
manifestar diversamente do que era a sua intenção efetiva. Essa
não na coerção direta sobre o trabalhador.
é a razão pela qual o ato jurídico não se aperfeiçoa quando da
O direito, para Marx, está vinculado assim a um modo de organi-
presença de uma vontade impossibilitada de se exprimir livre-
zação da subjetividade humana que permite a circulação das merca-
mente. É por isso que Marx afirma que a troca de mercadorias
dorias em geral (e a circulação do próprio indivíduo como mercado-
exige que os seus possuidores se reconheçam no ato de alienação
ria da qual ele é o único possuidor). É o que diz Marx nesta passagem:.
de seus haveres, isto é, que as suas vontades sejam suficientemente
As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se tro-
capazes de operar o circuito mercantil, excluindo, portanto, todo
car. Devemos, portanto, voltar as vistas para os seus guardiões,
e qualquer modo unilateral e coercitivo de apropriação privada.
os possuidores de mercadorias. As mercadorias são coisas e, con-
É a isso que Marx se refere também em uma passagem de imensa
sequentemente, não opõem resistência ao homem. Se elas não se
importância dos Grundrisse:

65 Bernard Edelman, “Histoire et vie privée”, in: La personne en danger,


Paris, Puf, 1999, p. 140. 6 Karl Marx, O capital, v. 1, t. 1, cit., p. 209-210.

50 51
De fato, como a mercadoria e o trabalho estão determinados tão Marx pode então mostra r que “igualdade e liberdade, por con-
somente como valor de troca, e a relação pela qual as diferentes seguinte, não apenas são resp eitadas na troca baseada em valores
mercadorias se relacionam entre si [se apresenta] como troca des-
de troca, mas a troca de valo res de troca é a base produtiva, real,
ses valores de troca, como sua equiparação, os indivíduos, os sujei-
de toda igualdade e liberdade “7, categorias que os juristas burgueses
tos, entre os quais esse processo transcorre, são determinados sim-
colocaram no centro de sua elaboração teórica e que constituem
plesmente como trocadores. Entre eles não existe absolutamente
nenhuma diferença, considerada a determinação formal, e essa
determinação é econômica, a determinação em que se encontram pessoas cuja vontade impre gna suas mercadorias, p. 187. (...) Nenhum
deles se apodera da propriedad e do outro pela força. Cada um a cede
reciprocamente na relação de intercâmbio, o indicador de sua fun-
voluntariamente”, ibid.
ção social ou de sua função social mútua. Cada um dos sujeitos é
7 Karl Marx, Grundrisse — critos econômicos de 1857-1858. Esboços da
um trocador, i e., cada um tem a mesma relação social com o outro crítica da economia política , Cit., p. 184-188. Em Contribuição à crítica da
que o outro tem com ele. A sua relação como trocadores é, por economia política Marx já se man ifestara em termos similares sobre o fun-
isso, a relação da igualdade”. damento da liberdade e da iguald ade: “(...) o processo do valor de troca
que a circulação desenvolve não só respeita a liberdade e a igualdade,
O processo do valor de troca, como afirma Marx aqui, determina
mas estas são o produto desse pr ocesso que é a sua base real”, Karl Marx,
a forma que os indivíduos tomam na sociedade burguesa como sim- Zur Kritik der politischen Okono mie, in: Karl Marx e Friedrich Engels,
ples “trocadores” de mercadorias, e, enquanto tais, toda a diferença Gesamtausgabe 1[/1.1, Berlim », Dietz, 1975, p. 60. A determinação da
entre eles se dissolve, e a sua condição de igualdade pode se es- forma jurídica pela relação de troca mercantil foi também estabelecida
tabelecer plenamente. As relações entre esses sujeitos que trocam por Marx em seu texto tardio sob: re o tratado de economia de Wagner,
nestes termos inequívocos : “(...) Para ele, [Wagner] o direito precede a
são, assim, relações de reciprocidade e de equivalência, eles têm
circulação; na realidade ocorre o contrário: a circulação é que vem antes,
o “mesmo valor”, e toda a diferença entre eles se dissolve, pois, eéa partir dela que se dese nvolve em seguida uma ordem jurídica. Ao
como diz Marx, “como sujeitos que atestam essa equivalência na analisar a circulação das mercad orias, eu demonstrei que, no comércio
troca, como sujeitos de igual valor [eles] são ao mesmo tempo indi- de trocas desenvolvido, os ind ivíduos que trocam se reconhecem tacita-
ferentes uns aos outros; suas outras diferenças individuais não lhes mente como pessoas e propriet ários iguais dos respectivos bens que elas
possuem para trocar; isso ocorre já no momento em que eles oferecem
interessam; são indiferentes a todas as suas outras peculiaridades
seus bens uns para os outros e se pôem de acordo para negociar. É essa
individuais”, Consequentemente a violência direta, o recurso à relação de fato que surge prim eiro, como resultado da troca enquanto tal,
coerção estão excluídos dessas relações, já que os sujeitos da troca recebendo depois uma forma jur ídica no contrato etc.; porém esta forma
se reconhecem em sua liberdade e igualdade comuns*º. não produz nem o seu conteúdo , a troca, nem a recíproca relação entre
as pessoas nela compreendida, mas vice-versa”, Karl Marx, “Randglossen
zu Adolph Wagners 'Lehrbuch der politischen Ôkonomie””, in: Karl Marx
S& Karl Marx, Grundrisse - Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da e Friedrich Engels, Werke. v. 19, Berlim, Dietz, 1962, p. 377. Cf. igual-
crítica da economia política, São Paulo/Rio de Janeiro, Boitempo/Editora mente o comentário de Evgeni Pachul kanis sobre essa passagem de Marx
da UFRJ, 2011, p. 184. in: “Polojenie na teoretitcheskom pra vovom fronte (K nekotorym itogam
8 Ibid., p. 184. diskussii)”, in: Sovetskoe Gosu: darstvo i Revoliutsiia Prava, n. 10-11,1930,
8 Éo que diz Marx: “Ainda que o indivíduo A sinta necessidade da mer- p. 32-33, assim como as minh: as próprias observações sobre o conjunto
cadoria do indivíduo B, não se apodera dela pela força, nem vice- desses textos em meu trabalho Marxismo e direito - um estudo sobre
-versa, mas reconhecem-se mutuamente como proprietários, como Pachukanis, São Paulo, Boitempo 20183.

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ainda hoje a piêce de résistance de todas as infinitas variações do mercantil - e que empresta eficácia à liberdade de disposição de si
humanismo teórico, tanto na sua forma elaborada como em sua mesmo, seria impossível ocorrer aquilo que constitui o sentido pró-
expressão vulgar? prio do direito, a transformação do homem em algo que possa ser
Estas passagens dos Grundrisse nos oferecem a análise precisa comercializável sem a perda simultânea de sua vontade autônoma.
das condições específicas de existência da liberdade e da igualdade Ao revestir-se da forma de um sujeito - nas condições de um modo
da sociedade capitalista. A liberdade e a igualdade antigas — exclu- de produção especificamente capitalista, isto é, sob as condições da
sivamente atribuídas aos proprietários da riqueza - são, como diz subsunção real do trabalho ao capital -, o indivíduo se transmuta
Marx, o contrário da liberdade e da igualdade modernas justamente em vontade pura, abstraída de qualquer determinação. Na forma
por não terem o “valor de troca desenvolvido como fundamento”, sujeito, o indivíduo existe apenas e tão somente para a troca, a sua
tanto que esse desenvolvimento acarreta a sua dissolução. E isso própria existência é uma sucessão interminável de atos de vontade
ocorre porque as categorias modernas da liberdade e da igualdade livre que tecem uma impressionante teia de relações comerciais.
“pressupõem” as relações de produção capitalistas fundadas no tra- É a igualdade universal entre todos os homens que torna essas rela-
balho livre, assalariado”?. ções de troca possíveis, pois é isso que garante, como Marx observa,
Decorre disso a importância decisiva que possui a igualdade que o objeto da troca não seja tomado de outro pela força advinda
no modo de produção capitalista,” pois na ausência do princí- da subordinação de uns por outros. Essa condição é especialmente
pio da equivalência dos indivíduos — que decorre da equivalência sensível quando se trata da celebração do contrato de trabalho,
na qual a igualdade aparece como a garantia de que a venda da
72 Para a crítica da ideologia humanista pode-se recorrer às obras de Louis capacidade de trabalho de uma jornada ocorra em conformidade
Althusser, A favor de Marx, cit., particularmente em seu capítulo sobre com a lei do valor, assegurando, assim, não somente que o homem
“Marxismo e humanismo”, Resposta a John Lewis, cit., e “A querela sobre permaneça submetido a outro sem perder os seus atributos da li-
o humanismo P”, cit., e “A querela sobre o humanismo KH”, cit. Cf. tam- berdade e da igualdade, mas também que essa operação negocial
bém os importantes trabalhos de Nicole-Édith Thévenin, Révisionisme et
seja experimentada imaginariamente por ele como a realização
philosophie de Valiénation, cit., e “O itinerário de Althusser”, in: Márcio
Bilharinho Naves, Presença de Aithusser, Campinas, IFCH/Unicamp, desses atributos.”” Assim, a constituição do sujeito de direito está
2010. Os esforços da jurisprudência burguesa para escapar dessa proble- vinculada ao processo de abstração próprio da sociedade do capi-
mática teórica redundaram em construções formalistas estéreis e arbitrá- tal, de tal modo que podemos dizer que ao trabalho abstrato vai
rias, e que, afinal, se enredaram em contradições insuperáveis. Cf. a pro- corresponder à abstração do sujeito, ou seja, o processo de equiva-
pósito Evgeni Pachukanis, “K obzoru literatury po obschei teorii prava i
lência mercantil derivado do caráter abstrato que toma o trabalho
gosudarstva”, in: Evgeni Pachukanis, Izbrannye proizvedennia po obschei'
teorii prava i gosudarstva, Moscou, “Nauka”, 1980; e Aldo Ricci, “Kelsen em certas condições sociais determina o processo de equivalência
o la rivincita della volonta”, in: Mondoperaio, n. 5, 1985.
7? Karl Marx, Grundrisse - Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da 7 Como diz Bernard Edelman: “(...) o direito, ao fixar a circulação mais
crítica da economia política, cit., p. 188. não faz do que promulgar os decretos dos direitos do homem e do ci-
7? Cf. sobre isso o imprescindível trabalho de Celso Naoto Kashiura Jr., dadão; que ele escreve sobre o frontispício do valor de troca os sinais
Crítica da igualdade jurídica — contribuição à crítica marxista do direito, São da propriedade, da liberdade e da igualdade, mas que estes sinais, no
Paulo, Quartier Latin, 2009. Cf. também as análises de Georges Labica secreto em qualquer parte, se leem como exploração, escravatura, desi-
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contidas em seu ensaio: “De Végalité”, cit. gualdade, egoísmo sagrado”, O direito captado pela fotografia, cit:, p. 131.

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entre os sujeitos, que só é possível se as pessoas perderem qual- um verdadeiro ponto cego que nos joga irresistivelmente de volta
quer qualidade social que possa diferenciá-las. É a essa indiferença à enganosa universalidade do fenômeno jurídico. Como, no en-
dos sujeitos em suas relações recíprocas, a esse “esquecimento” de tanto, capturar essa especificidade frente à esmagadora evidência
suas particularidades concretas que Marx se refere nos Grundrisse. empírica do direito romano? E que nome dar a esse fenômeno que
O conceito de igualdade pode, assim, como diz Jacques Michel, ser até aqui consideramos como jurídico se a ele interditarmos os seus
perfeitamente desnudado como a “transposição ao nível dos indiví- seculares títulos de nobreza?
duos da equivalência das mercadorias”?, Há em Marx, na letra do texto, em O capital, na Contribuição
Veremos, então, mais à frente, que, se é somente no capita- à crítica da economia política, nos Grundrisse, nas Glosas sobre
lismo que se constitui uma estrutura tecno-organizativa realmente Wagner, elementos indispensáveis - a que Evgeni Pachukanis deu
igualizadora dos diferentes trabalhos dispendidos na produção de a sua mais elaborada e consistente forma - para começarmos a ver
mercadorias, assim também, somente nessa sociedade vem a ocor- melhor nesse terreno difícil; mas há nele também, para além do
rer uma efetiva igualização dos indivíduos, transformados, todos eles, que ele escreveu expressamente sobre o direito, a chave para come-
em pura energia laborativa indiferenciada. çarmos a elucidar esse problema. Se partirmos da análise marxiana
Antes, porém, teremos que abordar a questão da existência do do trabalho abstrato e do processo de subsunção real do trabalho
direito, e, especialmente, da forma sujeito de direito, nas socieda- ao capital, desse núcleo duro de sua crítica à economia política
des pré-burguesas. Ora, essa questão é decisiva, por todos os tí- burguesa, será possível reconstituir — integrando os momentos de
tulos, para uma elaboração conceitual que pretenda dar conta da elaboração teórica anteriores, particularmente as referências ex-
natureza específica do direito como forma social exclusivamente Plícitas ao direito em O capital e a contribuição pachukaniana -,
relacionada à sociedade do capital. Trata-se de uma questão de uma crítica do direito que possa ao mesmo tempo afirmar o seu
método fundamental, pois é na análise das formas, de suas deter- íntimo e exclusivo vínculo com a sociedade do capital e retirar do
minações irredutíveis, que reside o melhor da capacidade crítica âmbito do direito todas as formas sociais com ele identificadas
de Marx, como ele mesmo deixa entrever quando, como vimos, nas sociedades pré-capitalistas.
afirma, em O capital, a diferença do seu procedimento teórico da- Para tanto, partiremos da análise do direito em Roma, primei-
quele da economia clássica, justamente por esta não ter sido capaz ramente aquela que a cultura jurídica marxista acumulou na ela-
de explicar porque a um determinado conteúdo corresponde neces- borada reflexão de Aldo Schiavone e Henrique Meirelles, para, em
sariamente uma determinada forma. Só a apreensão da especifici- seguida, procurar avançar, com a devida cautela, para além dos li-
dade do direito vai nos revelar a sua natureza e o seu modo de fun- mites teóricos que persistem nesse terreno, objetivando demonstrar
cionamento, e permitir assim elaborar o seu conceito. Na ausência que a experiência “jurídica” romana - como, de resto, a de todas
desse conhecimento, a teoria materialista do direito não é capaz de as formações sociais pré-capitalistas - não pode ser caracterizada
manter a sua coerência lógica e o seu rigor teórico, embaraçada por como “jurídica” se formos consequentes com a lógica profunda da
teoria de Marx. Finalmente, levando em consideração as análises
** Jacques Michel, Marx et la société juridique, cit., p. 165. Ver igualmente o já de Marx sobre o direito, mas, sobretudo, seguindo o seu método,
citado trabalho de Celso Naoto Kashiura Jr., Sujeito de direito e capitalismo, iremos propor um conceito de direito que pretende dar conta de
no qual essas questões são objeto de um estudo profundo e sistemático, sua especificidade burguesa. no

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Dominância do valor de uso e carência da abstração em Roma (...) a categoria que, em geral, designa aquilo que existe (guod est)
para o Direito, mas em tais termos que res passa a significar, não a
A tese que sustentaremos é a de que a forma sujeito não pode se simples existência contraposta a um sujeito universal da cena filo-
constituir na Roma antiga, o que nos leva a suscitar se essas formas sófica, mas o real, animado e inanimado (Sêneca), suscetível de ser

sociais que a tradição consagrou como o momento fundamental da apropriado pelos homens e neste sentido com um quid (Res), coisa,
elaboração jurídica corresponderiam efetivamente ao conceito de suscetível de ser objeto de domínio. Neste nível de análise aparece
direito que a análise marxiana autorizaria. aqui, nitidamente, a metonímia do sujeito sobredeterminado pela
Em um primeiro momento, podemos dizer que a abordagem política: o critério de tangibilidade da definição gaiana é aquele
dessa questão no próprio Marx e na literatura jurídica marxista re- critério que designa não o sujeito em geral da cena filosófica, nem
qualquer indivíduo da cena jurídica, mas o grupo de homens que,
lacionou o processo de trocas de mercadoria na sociedade romana
no teatro jurídico e no âmbito da civitas, desempenha o papel de
com o surgimento do direito, mostrando também até que ponto
serem os titulares do domínio”.
ele se confunde com a política (e com as formas da religião e da
moral em que ela se manifesta). Assim, nessas elaborações foi pos- O segundo aspecto, diz respeito à emergência, no período final da
sível sustentar que a expansão do comércio, com o incremento das República, da categoria da bonitaria proprietas, e de sua relação com a
relações mercantis, vai afetar de modo profundo e em um sentido propriedade quiritária, que vai permitir ver o movimento de abstrati-
preciso a sociedade romana, mostrando, a um só tempo, a relação zação conceitual acompanhando o incremento das relações mercantis.
entre a circulação mercantil e a emergência das categorias jurídi- O surgimento da propriedade bonitária seria uma decorrência da
cas e sua impossível realização plena, o seu insuficiente grau de expansão das trocas mercantis, e da consequente constituição de uma
abstração e o seu caráter contido e limitado, dependente de outras esfera da circulação relativamente desenvolvida. Essa nova forma de
formas sociais, em um contexto social marcado pela não predomi- propriedade “mobiliza e abstratiza, definitivamente, a propriedade
nância do valor de troca.
Examinemos, inicialmente, acompanhando essa linha de expo- 7” Henrique da Silva Seixas Meireles, Marx e o direito civil (para a crítica
sição?, quatro aspectos do direito romano, intimamente relaciona- histórica do “paradigma civilístico”), Coimbra, Suplemento ao Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1990, p. 111-112.
dos, procurando apreender a lógica interna que o atravessa.
Meireles também mostra que aqui a oposição pessoa-coisa ainda não
O primeiro aspecto diz respeito à presença, no campo jurídico é aquela da tradição “jurídico-pandectística” que, uma vez “universali-
do período pré-clássico, do elemento político, neutralizando e domi- zada”, servirá de “base a toda a ideologia jurídica burguesa, ideologia
nando as categorias jurídicas, o que fica particularmente claro na for- que segundo Marx n'O capital acaba por ser a ideologia da circulação”,
mulação que Gaius nos dá de res como as coisas que estão vinculadas ibid., p. 112. Isso aparece com clareza em Kant, cuja concepção jurídica
consagra a oposição pessoa-coisa, de tal sorte que o direito pode apare-
a um “sujeito qualificado”, e não a um sujeito abstrato e universal, de
cer como sendo o estudo “do mundo das pessoas contraposto às coisas,
tal modo que, para o jurista antigo, res pode ser compreendida como quer dizer, mundo das pessoas, como seres racionais e livres, mundo
que tem a sua expressão mais autêntica na esfera da circulação das mer-
7 Que também foi a minha, particularmente no ensaio sobre a obra de cadorias (...) o “objeto” da ciência do direito acaba, desse modo, por ser
Pachukanis, o qual exigiria, em alguns pontos precisos, um trabalho constituído pelo paradigma da pessoa; e embora esse objeto corresponda,
de retificação. Cf. Márcio Bilharinho Naves, Marxismo e direito — um es- no plano da filosofia política e no contexto da metafísica dos costumes,
tudo sobre Pachukanis, cit. ao “estado de natureza', é de fato a esfera da circulação”, ibid., p. 37.

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ex iure quiritium, e traduz, enquanto forma jurídica, o resultado da não o sujeito de direito, mas persona no sentido não jurídico da
“fusão” da propriedade quiritária com uma nova concepção 'abstrati- palavra. Assim, por exemplo, não tinham reservas em falar de uma
zante', patrimonialista e pertinencial da propriedade”. persona servi ou servilis''!.
O terceiro aspecto diz respeito à elaboração dos conceitos O quarto aspecto diz respeito à impossibilidade de se superar
de persona e res, em decorrência do processo de “mercantilização” a elaboração jurisprudencial do contractus entendido como conven-
da sociedade romana. tio, e a persistência da noção de contractus entendido como ultro
Em um período inicial, res referia-se às coisas pertencentes ao citroque obligatio, o que revela os limites do processo de abstração do
patrimônio familiar sob o comando do chefe de família e cidadão direito em Roma antiga. De fato, como nos mostra Aldo Schiavone,
romano, com as trocas limitando-se ao âmbito de uma economia do- a relativa dominância do conventio, em Ulpiano, foi um esforço
méstica, e condicionada pela “forma política da constituição gentí- frustrado de elaboração no mais alto grau de abstração formal da
lica: a família”.”” Em um momento posterior, o agente das trocas vai
relação consensual entre os sujeitos, livrando-a de todo elemento
perdendo esse caráter político e adquirindo o caráter mais abstrato,
de conteúdo material, o qual se encontra, ao contrário, na noção de
imaterial de persona (“que se afasta definitivamente do ritual heredi-
ultro citroque obligatio. Como diz Schiavone,
tário”), de modo que, agora, “a pessoa passa a ser uma máscara, um
A dificuldade de resolver sem resíduos e vínculos posteriores o mo-
papel, que os homens, agentes das trocas, assumem na cena jurídica
delo da troca dentro do esquema da produtividade normativa da
- que neste sentido “decaica” a esfera da circulação (...)"*º.
vontade, talvez seja evidenciada pela persistência, no âmago daquela
Do mesmo modo, neste mesmo movimento, res passa a ser com-
teorização, de um coágulo não formalístico e não completamente
preendida não mais como valores de uso, ocasionalmente passíveis
de troca, como conjunto de bens afetados politicamente a uma es-
8! Ibid, p. 147-148. Prossegue ainda Meireles, em uma síntese precisa: “A es-
fera econômico-familiar dominada por um pater, para representar fera familiar patrimonializa-se, passa a ser considerada como um conjunto
valores de troca, avaliados por dinheiro, bens mercantis: de bens redutíveis a dinheiro, a um valor pecuniário. Neste contexto, apa-
(..) a relação de “pertença” que ligava os bens ao pater e que ca- rece a noção de pertinência a ligar a persona à res que representa a influên-
cia (...) da “ideologia da circulação”. A noção de pertinência (...) representa
racterizava o primitivo mancipium imaterializa-se, e num certo
a “diminuição” do significado político-familiar da pessoa, a sua progressiva
sentido — pelo impacto do comercium — o pater torna-se um centro
abstratização e, portanto, a progressiva abstratização do conteúdo jurídico
de imputação patrimonial. Por outro lado, a ligação do pater fa- da propriedade. (...) a res torna-se no correlato lógico da persona (...) a re-
milias aos bens — a dominica potestas — passa ela própria também, lação entre o pater e a res (...) se abstratiza e se torna, progressivamente,
a ser grosso modo uma relação de caráter 'patrimonial' da persona numa relação de conteúdo patrimonial a ligar a persona à res — rectius aquela
(pater) aos bens. (...) a persona destaca-se do seu ritus primitivo. persona cujas características fundamentais consistem em ter capacidade ne-
Generaliza-se. (...) Generaliza-se mas não se “universaliza”. Persona gocial (commercium), capacidade de troca, características que 'decalcam”
nitidamente a esfera da circulação. Deste modo, a abstratização da pessoa
no direito romano é a categoria que significa o status do indivíduo
consuma-se. A persona afasta-se, definitivamente, do ritual hereditário e
singular. [Para Mommsen] “os romanos, por persona, entendiam
passa a ser uma máscara que o indivíduo (caput) usa no processo das trocas.
Essa abstratização, traduz-se no fato de o pater poder ceder temporaria-
7? Ibid., p. 134. mente a sua máscara de homem livre - na sua qualidade de único titular do
7 id, p. 143. ius commercii — ao servus ou ao filius, sem que isto comportasse qualquer ca-
o Ibid, p. 144-145. pitis diminutio ou qualquer alteração do seu status civitatis”, ibid., p. 150-151.

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dissolvido na forma de uma relação inteiramente “abstrata”. como vimos, que a forma abstrata do valor de troca, ao contrário da so-

um longínquo traço da concreta e específica estrutura material das ciedade burguesa, nunca pôde ser em Roma o elemento dominante
relações, percebida ainda fora do formalismo de sua determinação
no interior da circulação. E talvez não seja precipitado ligar aquela e da natureza. Este é Aristóteles. De início, declara Aristóteles claramente
que a forma dinheiro da mercadoria é apenas a figura mais desenvolvida
hesitação teórica à forma determinada de um ciclo da circulação
da forma simples de valor, isto é, da expressão do valor de uma mercadoria
pré-capitalista, cujas abstrações nunca cumprem uma função domi-
em outra mercadoria qualquer. Pois ele diz: '5 almofadas = 1 casa 'não se
nante na totalidade da formação social.“ diferencia” de: '5 almofadas = tanto dinheiro”. Ele reconhece, ademais, que
Desse modo, os limites da elaboração jurisprudencial romana a relação de valor, em que essa expressão de valor está contida, condiciona
decorreriam da natureza da esfera da circulação naquela formação por seu lado que a casa é equiparada qualitativamente à almofada e que
essas coisas perceptivelmente diferentes, sem tal igualdade de essências,
social, na qual, muito embora a troca de bens tenha conhecido um
não poderiam ser relacionadas entre si, como grandezas comensuráveis”.
relativo grau de expansão — razão pela qual as formas embrionárias Diz ele: “A troca não pode existir sem a igualdade, nem a igualdade sem a
do direito teriam podido surgir” - o processo do valor de troca comensurabilidade”. Mas aqui ele se detém desconfiado e renuncia a seguir
permaneceu sempre bloqueado. De fato, em uma sociedade cujas analisando a forma de valor. É, porém, em verdade, impossível que coisas
relações de produção permanecem escravistas, portanto, na qual de espécies tão diferentes sejam comensuráveis, isto é, qualitativamente
iguais. Essa equiparação pode apenas ser algo estranho à verdadeira natu-
a força de trabalho não tem um caráter mercantil, não seria possí-
reza das coisas, por conseguinte, somente um artifício para a necessidade
vel jamais a generalização das trocas de mercadorias e, portanto, prática.” O próprio Aristóteles nos diz em que fracassa o prosseguimento
a relação de equivalência só teria conhecido um desenvolvimento de sua análise, a saber, na falta do conceito de valor. Que é o igual, isto é,
2
muito limitado.” É o que observa Schiavone, ao mostrar, como a substância comum que a casa representa para a almofada na expressão de
valor da almofada? Tal coisa não pode “em verdade existir”, diz Aristóteles.
Por quê? A casa representa, contraposta à almofada, algo igual, na medida
8 Aldo Schiavone, “Negozio giuridico. 1. storia: a) diritto romano”, in:
em que represente o que é realmente igual em ambas, a almofada e a casa.
Enciclopedia del diritto, v. XXVIL Milão, Giuffrê, 1998, p. 916. Este texto,
E isso é — trabalho humano. Que na forma dos valores de mercadorias todos
reelaborado, está agora incluído como o segundo capítulo (“Formalismo
os trabalhos são expressos como trabalho humano igual e, portanto, como
antico e formalismo moderno nella critica del negozio giuridico)” de seu
equivalentes, não podia Aristóteles deduzir da própria forma de valor, porque
livro, Storiografia e critica del diritto — per una “archeologia” del diritto pri-
a sociedade grega baseava-se no trabalho escravo e tinha, portanto, por base
vato moderno, Bari, De Donato, 1980. Mas consultar também, do mesmo
natural a desigualdade entre os homens e suas forças de trabalho. O segredo
Schiavone, Nascita della giurisprudenza — cultura aristocratica e pensiero
da expansão de valor, a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos,
giuridico nella Roma tardo-repubblicana, Roma/Bari, Laterza, 1976,
8 Marx afirmava a esse respeito que “Dado o desenvolvimento das diversas porque e na medida em que são trabalho humano em geral, somente pode
fases da circulação simples na Antiguidade, pelo menos entre os homes ser decifrado quando o conceito da igualdade humana já possui a consciên-
livres, está explicado por que razão em Roma (...) foram desenvolvidas as cia de um preconceito popular. Mas isso só é possível numa sociedade na
qual a forma mercadoria é a forma geral do produto de trabalho, por conse-
determinações da pessoa jurídica, sujeito do processo da troca”, Karl Marx,
guinte também a relação das pessoas umas com as outras enquanto possui-
Contribuição para a crítica da economia política, Lisboa, Estampa, 1971, p. 294.
” ÉoqueMarxjá havia notado em seu comentário sobre as razões de Aristóteles doras de mercadorias é a relação social dominante. O gênio de Aristóteles
não ter podido elaborar uma teoria do valor: “As duas peculiaridades da resplandece justamente em que ele descobre uma relação de igualdade na
expressão de valor das mercadorias. Somente as limitações históricas da
forma equivalente desenvolvidas por último tornam-se ainda mais palpá-
veis, quando retornamos ao grande pesquisador que primeiramente analisou sociedade, na qual ele viveu, o impediram de descobrir em que consiste 'em
verdade” essa relação de igualdade”, Karl Marx, O capital, cit., p. 186-187.
a forma de valor, assim como muitas formas de pensamento, de sociedade

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da estrutura social, de tal sorte, que, não sendo a abstração a Dois aspectos exemplares da chamada -“experiência jurídica ro-
“chave” da sociedade romana, não se desenvolveu nela “uma forma mana” parecem sustentar a tese acima esboçada: o significado da
generalizada e difusa do direito como direito formal e igual. O tecido palavra direito e o conceito de pax deorum.
objetivo das relações sociais entre os homens não se recompõe mais
através da mediação abstrata”.*º De fato, a especificidade da circu- A etimologia de jus
lação capitalista pode ser apreendida em seu movimento aparente
de cisão e ruptura, de que a separação entre a força de trabalho e os Se nos ativermos ao significado original da palavra “direito”,
“meios de produção é a expressão mais perfeita, e na sua contínua re- em latim, veremos nela a marca implacável do elemento místico.
composição por meio de um conjunto de elementos reciprocamente Como demonstra Georges Dumézil, em seu estudo sobre a etimolo-
autônomos, o que faz com que só possam relacionar-se através de gia de jus*, esta palavra, grafada ious ou jus, tem a sua origem mais
um “nexo “abstrato” entre sujeitos “autônomos” e equivalentes (..). remota em vocábulos indo-europeus, o avéstico yaoz-da e o védico
E é totalmente aqui, no espaço desse relacionar-se 'abstrato” que ger- sam yoh, cujos sentidos são claramente de natureza miístico-reli-
mina a forma do direito moderno como direito “igual””.”” giosa. Yaoz-da remete à ideia de reparação e purificação rituais, e
expiação de culpa”, assim como sam yoh remete à ideia de puri-
Sociedade romana: à procura do direito perdido ficação, igualmente, e de renascimento para a vida eternaº?, Esses
sentidos religiosos estão especialmente ligados ao modo de lidar
Se aceitássemos esses resultados, que até agora constituem o com a mácula advinda de um contato ou mesmo da proximidade
nível mais elaborado de reflexão sobre o chamado direito pré-bur- com um cadáver, assim como de um “mau uso” dele.” Desse modo,
guês, seria possível concluir que a insuficiência da abstração do direito no Irã, se trata de purificar (yaozda) pessoas e coisas da mácula
em Roma, decorrência, como vimos, de uma sociedade na qual não proveniente de um cadáver, portanto, do demônio Nasu, que deste
impera o princípio do valor de troca, configuraria um obstáculo ina- corpo se apoderara.
fastável para o surgimento de uma forma jurídica com eficácia plena, Já em Roma, embora se parta de práticas funerárias diversas
isto é, para que surgisse o direito como forma social totalmente sepa- e até opostas, encontramos, no vocábulo justa, uma via de proxi-
rada e autônoma em relação a outras formas sociais e que contivesse midade com os ritos orientais. Com o sentido de procedimentos
em si todas as suas determinações. Ou seja, o elemento jurídico nessa fúnebres, justa se refere ao cumprimento do jus Manium, isto é, do
sociedade não seria completamente determinado pelo processo mer- direito à morte, que, só quando se realiza plenamente torna a famí-
cantil, exigindo uma determinação suplementar para a sua existên- lia do morto purificada.” Como nos ensina Dumézil,
cia, configurando o que poderíamos, neste caso, chamar, seguindo
Althusser, de uma subdeterminação. Seria por isso que a política
(e a religião) nunca cessariam de operar no terreno do “jurídico”. 88 Georges Dumézil, “A propos du latin “jus”, in: Revue de VHistoire des
Religions, t. 134, n. 1-3, 1947.
º Ibid., p. 97.
9 Ibid., p. 102-103.
9% Ibid, p. 106.
“ Ibid., p. 108-109.

64 65
A cerimônia dessa purificação tem um nome ao qual os fatos ira- com os deuses poderia aparecer, assim, como o elemento fun-
nianos precedentemente citados dão uma rica ressonância: denica- damental tanto dos rituais religiosos, como também do sistema
les feriae. (...) Tudo se passa como se os justa do dia dos denicales jurídico-religioso.”
feriae tivessem por objeto eliminar do mundo dos vivos (de-) a Na própria fundação de Roma teria havido a participação da
mácula da nex, assim como o iraniano purifica (yaozda) sua pessoa vontade dos deuses, que teriam ainda propiciado o incremento
e seus bens da mácula da druj Nasu.* de sua população, e comandado a extraordinária expansão do
Assim, pode concluir Dumézil que o vocábulo jus possui um Império Romano, assim como “garantido a sua extensão sine fine”.
claro emprego religioso, em rigorosa similitude com a palavra A hegemonia romana é compreendida como o resultado da bene-
iraniana yaos.” volência dos deuses e também da religiosidade dos romanos, como
Cicero já observara em De natura deorum, no qual ele relaciona o
A pax deorum culto aos deuses e a prática dos ritos religiosos com a “amplificatio
da res publica”. É de Cicero ainda a formulação de que a religião
2
Como sustentam muitos estudiosos, o elemento religioso é se divide em dois campos, sacra e auspicia, de que decorrem, como
determinante na configuração do “sistema jurídico-religioso” ro- mostra Sini, importantes consequências:
mano, pois todo o equilíbrio social dependia da relação entre os [Disso] emerge com clareza também a convicção profunda da tra-
homens e os deuses.* O objetivo a ser perseguido era sempre dição sacerdotal em relação à base teológica e jurídica da civitas
o de manter ou restabelecer a paz com os deuses, daí o sentido romana: sacra e auspicia não somente constituem os dois principais
próprio de um “legalismo religioso” que emprestava à pax deorum campos da religio, mas devem ser consideradas, mais precisamente,
o sentido de “uma soma de atos e comportamentos aos quais a os fundamenta originários (...) da res publica: tanto o elevado poder
comunidade e os indivíduos devem necessariamente se ater para obtido pelo povo romano no curso de sua história, como a exten-
conservar o favor dos deuses”.*º A conservação da boa relação são 'mundial” do imperium populi romani, seriam completamente
inexplicáveis sine summa placatione deorum immortalium.'º
ss Ibid., p. 109.
% Ibid, p. 110-111. ” Ibid, p. 70. Cf., também, do mesmo autor, “Uomini e dêi nel sistema
ss “A concepção — de ordem filosófica — do mundo romano é a de um con- giuridico-religioso romano: Pax deorum, tempo degli dêi, sacrifíci”, in:
junto de relações ou de forças em equilíbrio: toda ação humana afeta por Diritto e Storia, n. 1, 2002 [http://www .dirittoestoria.it/ tradizione/F.
definição essa harmonia e perturba a ordem desejada pelos deuses. Daí a Sini/Uomini/D/E8i/nel/sistema/giuridico-religioso/romano.htm].
necessidade, antes (ou, pior, depois) de toda ação, de se obter a concot- Para J. Scheid, “A República é efetivamente uma associação de três
dância dos deuses por meio de seu assentimento. A paz universal é então parceiros: os deuses, o povo e os magistrados”, in: “Le prêtre et le ma-
salvaguardada”, Michel Humbert, “Droit et religion dans la Rome anti- gistrat. Réflexions sur les sacerdoces et le droit publique à la fin de la
que”, in: Mélanges Felix Wubbe, Éditions de "Université de Fribourg, 1998, République”, in: GC. Nicolet (org.), Des ordres à Rome, Paris, Puf, 1984,
p. 38-39 [http://www.philosophie-droit.asso.fr/APDpourweb/124,pdf]. p. 269, apud Francesco Sini, “Religione e sistema giuridico in: Roma
8 Francesco Sini, “Religione e sistema giuridico in: Roma repubblicana”, repubblicana”, p. 68, cit.
in: Diritto (O Storia, n. 3. 2004, p. 69 [http://www .dirittoestoria. 8 Ibid, p. 55-56.
it/3/Memorie/Organizzare-ordinamento/Sini-Religione-e-sistema- 9 Ibid., p. 57-58.
giuridico.htm]. 100 Ibid., p. 59.

66 67
O impossível direito romano na condição de sujeito, ou seja, a igualdade se transforma em uma
realidade objetiva, como observa Marx'º!,
Todas as considerações até aqui expostas, acompanhando a ela- É por isso que se torna possível distinguir a vontade dos antigos
boração marxista sobre o fenômeno jurídico, e, em especial, sobre a daquela dos modernos, como nos mostra, desde posições estranhas
natureza do “direito antigo”, embora tragam elementos de conheci- ao marxismo, Pierre Manent.'? A vontade, na antiguidade, está
mento importantes, como já afirmamos anteriormente, não são su- vinculada às condições naturais de existência, à cidade, levando
ficientes para nos oferecer uma explicação do direito que dê conta em conta que os motivos que levam às ações dos homens são os
de sua exclusiva existência na sociedade do capital, e que, portanto, bens.'º3 Como diz Manent,
o distinga das formas sociais que na antiguidade — e especialmente
O “pluralismo”, ou, se se prefere, o liberalismo” de Aristóteles,
em Roma — e no feudalismo, receberam a mesma denominação.
não reside no reconhecimento de direitos iguais de indivíduos li-
Não são suficientes porque, se o direito também existiu na pré-
vres, mas na afirmação da presença simultânea de bens diversos
-modernidade, a sua especificidade não pode assim ser capturada
e desiguais na mesma cidade e na recomendação de que partici-
e ele teria que ser, necessariamente, um fenômeno comum às mais
pem, de modo desigual, é claro, do governo e da magistratura,
diversas formações sociais.
os grupos particularmente ligados a esses diversos bens e, portanto,
Procurando avançar nessa terra incógnita podemos afirmar, particularmente, aptos a produzi-los, ou, ao menos, preservá-los.
então, que o que é o específico do direito, seu elemento irredutível, O elemento constituinte da cidade não é a vontade, mas os diferen-
é a equivalência subjetiva como forma abstrata e universal do indivíduo tes bens que a vontade pode querer.!º
autônomo quando o trabalho é subsumido realmente ao capital. O direito
A modernidade vai conhecer uma vontade em tudo diversa
é um modo de organização da subjetividade humana que a torna
desta, A vontade pré-moderna se confunde com o livre-arbítrio que
capaz de expressão de vontade, com o que é possível a instauração de
reconhece no homem uma natureza livre, isto é, que reconhece no
um circuito de trocas no qual a própria subjetividade adquire uma
homem a faculdade de escolher:
natureza mercantil sem com isso perder a sua autonomia.
(...) o livre arbítrio escolhe ou elege. A vontade quer. (...) quem
Mas é somente nas condições de existência de um modo de
quer não escolhe. O livre arbítrio tem necessidade do mundo onde
produção especificamente capitalista que o indivíduo pode se apre-
estão os seus motivos. A vontade é, de bom grado, tautológica:
sentar desprovido de quaisquer atributos particulares e qualidades
a vontade quer, e se quer a si mesma. Ela pode querer dispensar
próprias que o distingam de outros homens; ele se apresenta como
o mundo. À liberdade como livre-arbítrio está delicadamente de
pura abstração, como pura condensação de capacidade volitiva in-
acordo com a natureza; a liberdade como vontade é forte demais
diferenciada. É isso que empresta ao homem, a qualquer homem
da sociedade burguesa, a capacidade de praticar os mesmos atos
da vida civil, sem quaisquer diferenças, hierarquias ou discrimi- li! Karl Marx, “Fragmento da versão primitiva da 'Contribuição para a crí-
nações de nenhuma natureza entre eles. Podemos chamar a isso tica da economia política”, in: Karl Marx, Contribuição para a crítica da
de uma equivalência subjetiva real, justamente por ela se realizar economia política, Lisboa, Estampa, 1971, p. 292.
12 Cf. Pierre Manent, La cité de !homme, Paris, Fayard, 1994,
concretamente, praticamente, inscrita materialmente na prática de
103 Ibid., p. 241.
atos de troca que a capacidade volitiva autoriza ao homem realizar
14 Ibid., p. 241.

68 69
para a natureza. E como vontade que a liberdade vai romper o seu A diferença fundamental reside em que a subjetividade no
casamento com a natureza (...).195 mundo antigo está presa a determinações qualitativas, ela difere
Essas reflexões de Pierre Manent são elucidadoras da especifi- de um homem a outro, colocando-os em posições sociais distintas,
cidade moderna da vontade, apontando a ruptura que ela provoca de sorte que a capacidade volitiva possui graus variados de expres-
com a natureza, e o seu caráter absolutamente abstrato: simples- são. Assim, na compra e venda, por exemplo, a vontade de um in-
mente, “a vontade quer”, e o que ela quer é “querer a si mesma”, divíduo pode não ter efetividade suficiente para que o ato se aper-
ou seja, a capacidade volitiva humana aparece aqui como puro feiçoe em virtude da condição social diversificada das pessoas não
querer, tão concentrado em si mesmo, que sequer sai de si, é von- ser “dissolvida” em um elemento comum. Tais diferenças decorrem
tade da vontade. da estrutura de classes e de domínio fundadas em um modo de
Podemos assim, a partir de todo esse conjunto de observações, produção escravagista, portanto, por uma determinação política.”
distinguir a forma sujeito de direito, específica do modo de pro- Isso se exprime com clareza nos esforços do jurista romano Servio
dução capitalista, de outras formas que o indivíduo assume na para encontrar uma fórmula que conciliasse a atividade comercial
troca recíproca de bens nas sociedades anteriores ao capital, e, por dos escravos e a sua relação de dependência do seu senhor. O que
conseguência, levando em conta que a forma sujeito é o núcleo ele procurava fazer era integrar o regime escravista e a “valoriza-
jurídico essencial, reconhecer a existência do fenômeno jurídico ção do trabalho” do escravo com a concessão de autonomia a este
somente nas sociedades capitalistas." para a prática de atos de comércio, “a meio caminho entre o fato e
Em Roma, como vimos, o incremento das trocas leva ao surgi- o direito":68, de modo que a “escravidão foi disciplinada através de
mento de todo um conjunto de figuras que constituem o momento uma espécie de duplo regime: um que continuava a ser centrado
subjetivo da circulação naquela sociedade. Em que essa subjetivi- sobre o vínculo de dependência, e um outro que se referia a uma li-
dade equivalente em geral difere de uma subjetividade equivalente mitada mas sempre explosiva subjetividade patrimonial e comercial
propriamente jurídica? dos escravos, uma espécie-de permanente estado de exceção, válido

105 Ibid., p. 226-227. 17 Nesse sentido é oportuna a observação de Jacques Michel: “A proprie-
i6 Yyes Charles Zarka mostra, em seu estudo sobre a gênese da categoria de dade (...) pressupondo a cidadania, (...) é limitada por todos os encar-
sujeito de direito, que ela remonta à época moderna, tendo sido Leibniz, gos e obrigações relacionados ao estatuto de cidadão. A propriedade é
o seu introdutor: “(...) o self lockeano e a definição de pessoa que ele portanto absoluta no quadro da função de cidadão e não em relação
implica não constituem, apesar do seu alcance moral e jurídico funda- a um indivíduo abstrato (...)”. Reproduzindo a passagem em que, nos
mental, a caracterização última do sujeito de direito. Para conseguir isso, Grundrisse, Marx diz que “a propriedade é quiritária, romana, o pro-
seria necessário superar uma etapa suplementar: aquela que relaciona prietário privado de terras só pode sê-lo como romano, mas, sendo
o campo gnosiológico com o campo jurídico, deslocando a questão do romano, ele é proprietário de terras”, Michel comenta: “O dominium ex jure
sujeito de direito da relação cognitiva sujeito/objeto à relação jurídica quiritum (...) assemelha-se muito mais ao privilégio do que ao direito
intersubjetiva sujeito/sujeito. É Leibniz quem dá esse passo na questão (...)”, Jacques Michel, Marx et la societé juridique, cit., p. 176. A citação
do sujeito de direito, proporcionando (...) a primeira definição do sujeito de Marx encontra-se em Karl Marx, Grundrisse — manuscritos econômicos
de direito”, Yves Charles Zarka, La otra via de la subjetividad — seis estu- de 1857-1858. Esboço de uma crítica à economia política, cit., p. 392.
dios sobre el sujeto de derecho y el derecho natural no século XVII, Madri, 18 Aldo Schiavone, Jus - Vinvenzione del diritto in Occidente, Turim, Einaudi,
Dykinson, 2006, p. 32. 2005, p. 222.

70 7
enquanto não ultrapassasse o campo da produção e do mercado”.'ºº e finalmente a negação pura e simples da natureza jurídica do ato.
Examinando um caso concreto envolvendo negócio praticado por Neste último caso, em especial, o que se revela é a ausência da auto-
um escravo, Servio procurava enquadrar o senhor e o escravo em nomia da vontade também dos homens livres, posto que a nulidade
uma posição símile, “em um plano de abstrata igualdade”, de tal do ato incide sobre manifestação expressa do senhor concedendo um
sorte que se sobrepunham à relação de dependência os esquemas benefício ao seu servo.
formais oriundos dos “modelos jurídicos da troca”. Esta operação, A atribuição de capacidade para a prática de atos de comércio
no entanto, como observa Schiavone, só se realiza por meio de uma a alguns homens e não a todos, e o bloqueio da autonomia da
manipulação “conduzida à margem do ius”.º Os limites, no entanto, vontade do cidadão romano são, assim, uma determinação polí-
dessa elaboração aparecem logo a seguir, quando o mesmo Servio, tica, de modo que a liberdade e igualdade dos homens não decor-
enfrentando outra questão envolvendo disposição testamentária do rem do processo do valor de troca, como na sociedade do capital,
senhor em benefício do seu escravo, assim se manifestou segundo mas do seu status. Isso é válido, como vimos, tanto na relação
um relato do episódio: “Um senhor havia deixado em legado a um entre indivíduos de status diferenciados, como o cativo e o seu
seu escravo cinco aurei: 'o meu credor me dará cinco aurei ao meu senhor, como nas relações entre os próprios senhores, dotados de
escravo Stico, que ordeno seja liberto em seguida ao testamento, um mesmo status de homens livres!'2, Como já procurei demons-
porque lhe devo, como resulta das minhas contas”. (...) Servio res- trar acima, ao elaborar o conceito de “equivalência material” —
pondeu que o legado ao escravo é nulo, porque o senhor não pode analogamente à elaboração marxiana da abstração como fenô-
dever nada ao seu escravo”.“! Essas passagens são exemplares ao meno que se materializa no modo de produção especificamente
revelar o fracasso da jurisprudência romana em elaborar os ins- capitalista -, a equivalência subjetiva entre os homens livres em
trumentos de uma subjetividade jurídica universal, a qual esbarra Roma se distingue da equivalência jurídica burguesa. A equivalência
sempre no obstáculo intransponível da determinação política do in- entre sujeitos nas sociedades pré-capitalistas resulta tão somente
divíduo, chegando a esta aporia: a prática de atos jurídicos exige o de uma comparação mental daquilo que é comum entre as vonta-
deslizamento para além do direito, que estas expressões exprimem des concretas das pessoas, excluindo as modalidades particulares
com perfeição: “meio caminho entre o direito e o fato”; “estado de de sua expressão, daí resultando uma capacidade volitiva concreta
exceção” (e mesmo assim válido somente dentro de certos limites), em geral — distinta da capacidade volitiva materialmente abstrata.
A subjetividade humana, portanto, não se separa da condição so-
109 Ibid., p. 222. cial do agente, da posição a ele atribuída no tecido social desde
vo “O expediente consistia em indicar o nome do subordinado na parte da fora do processo de trocas. Isso significa que a esfera da circulação
fórmula na qual se descrevia o fato, e o nome do senhor quando se pas- não é capaz, por si mesma, de prover o homem de capacidade para
sava a prever a condenação ou absolvição: uma manipulação conduzida o exercício de atos de troca, e que essa capacidade tem que ser
à margem do ius, utilizando toda a antiga e astuta sabedoria ritualís-
tica, uma espécie de troca na cerimônia do processo que consentia, até
um certo ponto, integrar na atividade do escravo, mesmo que de forma "2 Como diz Kashiura Jr., citando Hegel: “Não por acaso, Hegel censura,
oblíqua, dependência pessoal e participação no circuito comercial”, por mais de uma vez, o direito romano no qual 'a personalidade mesma,
Aldo Schiavone, cit., p. 224. enquanto se opõe à escravidão, é somente um estado, uma situação”,
Ni Ibid., p. 225. Celso Naoto Kashiura Jr., Sujeito de direito e capitalismo, cit., p. 92.

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73
atribuída ao homem por uma estrutura de poder, daí decorrendo sobre o político”.!” No mesmo sentido se encaminham as obser-
a natureza política da equivalência subjetiva nas sociedades antigas, vações de Michel Villey, o qual considera que a doutrina do di-
como a romana, em contraposição à equivalência subjetiva jurí- reito antigo (e medieval) não é a do voluntarismo: “A doutrina
dica da sociedade do capital!':. Em Roma, a vontade não é livre, verdadeiramente clássica da antiguidade greco-romana e da Idade
não apenas porque alguns estão submetidos à autoridade de ou- Média (...) é uma doutrina dualista pela qual o direito existe ao
tros, mas sobretudo porque a liberdade não está interiorizada na mesmo tempo como produto da razão e da vontade: mas a von-
pessoa, como uma faculdade a ela pertencente, mas, ao contrário, tade somente cumpre um papel subsidiário e subordinado, ela ainda
como uma qualificação que recobre determinado estrato social. não foi colocada em primeiro lugar, ainda não foi colocada a questão
O indivíduo é considerado e qualificado por suas virtudes, con- do voluntarismo”"8, É ainda Villey que mostra, como nos lembra
dições e peculiaridades concretas, contingentes, historicamente Cavichioli, que o direito romano não se confunde com um corpo de
determinadas, e não de modo indiferenciado, como em uma uni- direitos subjetivos de indivíduos isoladamente considerados, que
versalidade abstrata!!*. Como nos lembra Michel, para Marx só se ele “não se baseia na aplicação de leis gerais ao conflito concreto
pode falar verdadeiramente de direito quando há regulamentação entre direitos individuais”, de modo que o direito pode ser com-
das relações entre proprietários livres e iguais, portanto fora de preendido como “a própria coisa atribuída a alguém de maneira
todo liame de dependência hierárquica reconhecida”.115 justa”, Também apoiando-se no jurista francês, Michel observa
É por essa razão que Marx opõe a subjetividade individual ao no direito romano a ausência dos conceitos de homem e de vontade
“indivíduo singular objetivo (...) determinado como romano, como e que nele a noção de vontade autônoma enfrenta uma enorme
grego etc.”!!6, constatando o pertencimento do homem antigo à resistência a ser formulada, de tal sorte que na esfera contratual
sua comunidade, que determina completamente a sua existência. o acordo de vontades não é suficiente para validar um ato jurídico:
Como lembra Michel, é justamente e somente quando o indivíduo mais do que o acordo de vontades, é o ritual da transação que
se desfaz de seus laços comunitários que ele passa a ter uma existên- é valorizado (...) a parte do formalismo é inversamente propor-
cia livre e abstrata, o que caracteriza um movimento de passagem cional àquela da vontade das partes; se o formalismo determina é
“da prioridade do político sobre o jurídico à prioridade do jurídico

US Cavichioli nos recorda que “sob um enfoque conceitual, o desenvolvi- 17 Jacques Michel, Marx et la societé juridique, cit., p. 178-179. É ele ainda
mento jusracionalista do conceito de liberdade, principalmente, a par- que distingue o “mundo comunitário”, qualificado como sendo político,
tir do móvel kantiano, representa uma verdadeira despolitização”. Cf. do “mundo jurídico”, e constata, seguindo Marx, que “a sociedade jurí-
Rafael de Sampaio Cavichioli, Crítica do sujeito de direito: da filosofia hu- dica só se constitui quando passa a existir o indivíduo entendido abstra-
manista à dogmática contemporânea, Curitiba, dissertação de mestrado, tamente”, Assim, conclui o autor, “(...) o jurídico se situa na negação das
Universidade Federal do Paraná, 2006, p. 127. comunidades”, cit., p. 188, 189 e 190.
N4 Cf. sobre a constituição da categoria de sujeito de direito, os trabalhos us Michel Villey, “Essor et décadence du voluntarisme juridique”, in:
já citados de Rafael Cavichioli e, sobretudo, o de Celso Naoto Kashiura Archives de Philosophies du Droit, 1957, p. 89 (grifos meus).
Jr., Capitalismo e sujeito de direito. nº Rafael Sampaio Cavichioli, Crítica do sujeito de direito: da filosofia huma-
"5 Jacques Michel, Marx et la societé juridique, cit., p. 191-192. nista à dogmática contemporânea, cit., p. 128. A referência a Michel Villey
ne Karl Marx, Grundrisse - manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboço de é esta: “Le droit subjetif et la science juridique romaine”, in: Michel
uma crítica à economia política, cit., p. 406. Villey, Le droit et les droits de ”homme, Paris, Puf, 1983.

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porque ele é então o meio da reafirmação da ordem social, que não Hegel enxerga nos antigos uma ética orgânica, social, que não
pode, ela também não, ser concebido como procedente da vontade fragmenta a totalidade social em indivíduos que se pressuponham
de sujeitos isolados. (...) na ótica de Marx, que fala do direito ao indiferentes. Nos tempos modernos, com o capitalismo, a ética
mesmo tempo que da circulação das mercadorias, o direito romano, transborda para o campo da individualidade, rompendo a coesão
na medida que ele resiste aos conceitos de indivíduo e de vontade social antiga. O eixo da reflexão jurídica passa a ser o indiví-
autônoma, aparece sobretudo como um direito potencial no qual duo autônomo (...)'2,
as categorias jurídicas não conseguem se libertar totalmente.!2 Também referindo-se a Hegel, e após introduzir na sua análise
Por tudo isso, como observa Michel, Marx chega a não reconhe- o conceito de propriedade, Celso Kashiura Jr. comenta:
cer como jurídico o “mundo comunitário”, opondo a ele o “mundo A vontade precisa exteriorizar-se e a sua exteriorização pro-
propriamente jurídico”. 12 cede de um sujeito de direito capaz de propriedade. A proprie-
Essa carência de subjetividade jurídica nas sociedades antigas dade é constituída pela vontade livre que se exterioriza numa
já era percebida por Hegel, quando ele dizia que o mundo antigo coisa: a posse é uma exigência dessa exteriorização, é o passo
não conhecia “o direito da particularidade do sujeito”, “o direito da para “fora” sem o qual a vontade do sujeito permanece mera-
liberdade subjetiva": Esta é também a compreensão de Alysson mente interior.!2
Mascaro, quando diz que:
A presença do não jurídico na experiência “jurídica” romana
o Jacques Michel, Marx et la societé juridique , cit., p. 184.
2 Ibid, p. 188. E ele prossegue ainda lembrando que a existência de “nume- Assim, aquilo que conhecemos como direito romano, e, por ex-
rosas noções jurídicas” nas sociedades comunitárias, poderia ser contra- tensão, todo o direito pré-burguês tem, na verdade, uma natureza
posta a este juízo de Marx, porém, para este, “isso parece secundário e a incompatível com a forma jurídica. Todo o peso insuportável da tra-
presença de tribunais ou de procedimentos que falam sempre de direito
dição jurídica romana, que se impõe a nós com a força definitiva
não leva à conclusão de que há uma dominação do jurídico”, de.modo
que, para o pensador alemão, “a sociedade jurídica só se constitui quando se
dos séculos que a espreitam, não foi, no entanto, capaz de produzir
encontra o indivíduo entendido abstratamente”, Ibid., p. 189 (grifos meus). um conceito de direito que não precisasse apelar para o misticismo
22 “O direito da particularidade do sujeito encontra-se satisfeito ou, o que é religioso, nem uma concepção jurídica que não se fundasse na mo-
a mesma coisa, o direito da liberdade subjetiva constitui o ponto de infle- ralidade suspeita do direito natural, em suma, que não se apoiasse,
xão e ponto central da diferença entre a Antiguidade e a época moderna”,
em última instância, na política. O que o “direito” pré-burguês
G. W. F. Hegel, Princípios da filosofia do direito, 8 124, nota, p. 139. C£,,
a propósito, os comentários de Jean-Cassien Billier e Aglaé Maryioli em
se viu incapaz de produzir foi a compreensão da especificidade da
sua História da filosofia do direito, Barueri, Manole, 2005, p. 183. Diversos forma do direito, daquilo que é irredutível a ele, a compreensão da
juristas contemporâneos negam a existência de um direito subjetivo em natureza dos elementos que o distinguem absolutamente de todas as
Roma, como Paul Roubier, que afirma que em Roma não seriam utili- outras formas sociais.
zadas as expressões jus in rem, jus in personem, mas actio in rem, actio in
personem, de tal sorte que “é provável que o direito romano não tenha
conhecido a noção de direito subjetivo, tão familiar a nossos espíritos mo- “2º Alysson Leandro Mascaro, Filosofia do direito, São Paulo, Atlas, 2009,
dernos”, Paul Roubier, “Le rôle de la volonté dans la création des droits et cit., p. 247. ]
des devoirs”, in: Archives de Philosophies du Droit, 1957, p., 20. im Celso Naoto Kashiura Jr., Sujeito de direito e capitalismo, cit., p. 104.

76 77
Toda a notável cultura do “direito romano” é a demonstração que ele configuraria simplesmente um “ordenamento jurídico”,
dessa impossibilidade conceitual e histórica. Desde a sua origem como o faz, em diversas obras, Riccardo Orestano!?”, ao passo que
o chamado direito de Roma antiga é uma tortuosa expressão de re- outros juristas, como Francesco Sini'º e Pierangelo Catalano!?,
ligiosidade, que a atravessa por inteiro, mesmo que, nos momentos preferem “sistema jurídico-religioso”, fórmula que atenua a pre-
mais elevados da elaboração de sua casuística, seja nas sombras do sença do “jurídico” no chamado direito antigo.
brilho de seus notáveis jurisconsultos que ela opera os seus efei-
tos. Se assim não fosse, não seria então desconcertante encontrar, Forma sujeito e subsunção formal e real do trabalho
depois do “nascimento da jurisprudência” que um excepcional es- ao capital
tudioso, com uma fina e sólida argumentação, descobre na escrita
verdadeiramente notável de um Labeão, de um Ulpiano, de um Podemos então retomar a questão das determinações essenciais
Sérvio, e de tantos outros, não seria desconcertante encontrar, na do fenômeno jurídico, deixada em suspenso por esse desvio necessá-
irrefutável autoridade do Digesto, que a jurisprudência é “o conhe- rio, já tendo recolhido os elementos fundamentais de nossa demons-

cimento das coisas divinas e humanas, do justo e do injusto”? tração do caráter exclusivamente burguês do direito em seu vínculo com
O “direito romano” é, assim, a expressão, subterrânea ou lumi- o processo de subsunção real do trabalho ao capital que dá ao modo de
nosa, em suas tantas modalidades, de relações de poder que se expri- produção capitalista o seu caráter especificamente capitalista.
mem na religião e na moral. Já vimos que, para Marx, o fundamental do campo jurídico é
É por isso também que é extremamente difícil para os estudio- a forma sujeito de direito, na qual os indivíduos são “equivalentes
sos denominar precisamente o que eles consideram ser as formas vivos”, e pela qual a circulação mercantil do próprio homem está
arcaicas do direito. Analisando o direito grego antigo, Gernet se assegurada!s, Podemos então constatar que a forma jurídica foi
refere a ele como um “pré-direito”'. Mas o que seria um “pré- gestada no interior do processo de acumulação primitiva, quando
-direito”? Apenas algo que vem antes do direito propriamente dito, o trabalhador direto é despossuído das condições de trabalho e ad-
do verdadeiro direito, mas de cuja natureza nada se pode dizer com quire as condições sociais necessárias para a sua inscrição na esfera
precisão? Seria um direito rudimentar, apenas guardando alguma da circulação, que é, como Marx afirma, “esse verdadeiro éden dos
semelhança distante com o direito (plenamente constituído), ou
seria algo diverso do direito, mas, nesse caso, por que não deno-
UU Mulino, 1987.
miná-lo pelo que ele é, como outra coisa que não o direito? Assim 128 De Francesco Sini, ver os trabalhos citados neste livro.
também, alguns romanistas, tanto em relação ao período romano 2º Por exemplo, em seu estudo: “Aspetti spaziali del sistema giuridico-reli-
arcaico — com a presença avassaladora do misticismo religioso e da gioso romano. Mundus, templum, urbs, ager, Latium, Italia”, in: Wolfgang
magia -, mas igualmente para os períodos republicano e imperial, Haase (org.), Aufstieg und Niedergang der rômischem Welt, t. Il: Principat,
v. 16.1: Religium (Heidentum: Rômische Religion, Allgemeines), Berlim/
oscilam na caracterização do “direito” de Roma: alguns consideram
Nova York, Walter de Gruyter, 1986.
3º Como afirma Evgeni Pachukanis: “Toda relação jurídica é uma rela-
is Digesto de Justiniano, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 24. ção entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica, o elemento
12 Cf. Louis Gernet, “Droit et prédroit en Grêce ancienne”, in: Louis Gernet, mais simples, que não pode mais ser decomposto”, Evgeni Pachukanis,
Droit et institutions en Grêce antique, Paris, Flammarion, 1982. Obschaia teoriia prava i marksizm, cit., p. 102.

78 79
categoria de sujeito de direito conforme a interpretação de Bernard
direitos humanos”!*!, Em analogia com a análise que Marx faz da
Edelman!, mas procurando ademais relacioná-la às etapas da
constituição do modo de produção capitalista, servindo-se das ca-
subsunção formal e real do trabalho ao capital, analisadas por Marx
tegorias de subsunção formal do trabalho ao capital, e de subsun-
em O capital e no Capítulo sexto (inédito) de O capital, e objeto de
ção real do trabalho ao capital, é possível sustentar que também a
nosso comentário precedente.
forma sujeito conhece essas duas etapas. Na primeira delas, a sub-
jetividade ainda não adquiriu a forma especificamente capitalista,
A subsunção formal do trabalho ao capital e a categoria
em virtude da não transformação das forças produtivas. Isso signi-
do direito pessoal real em Kant
fica que a vontade do indivíduo ainda dispõe de determinação sufi-
ciente para que a fabricação do produto dependa em algum grau de
O pensamento jurídico de Kant é um lugar privilegiado para
seu exercício, mas essa vontade já está subordinada às exigências
observarmos o que está em jogo na constituição das categorias do
do capital, que a “organiza”, a condiciona e a faz operar com a
direito burguês. De fato, em Kant encontramos o problema, posto
finalidade de valorizar o valor. Na segunda etapa, com a introdu-
pela emergência das novas relações sociais capitalistas, de harmo-
ção no processo de trabalho do sistema de máquinas, a vontade é
nizar dois elementos aparentemente inconciliáveis: a dominação
“esvaziada” de qualquer conteúdo, ela perde qualquer “qualidade”
e a liberdade. Toda a dificuldade da questão aparece já aqui, na
e se transforma em vontade do capital, em simples dispêndio de
distinção entre posse e uso, pois, se para usar uma coisa eu tenho
energia intelectual comandada pelas exigências da valorização.
que possuí-la, como seria possível “usar” o trabalhador, isto é,
Em Kant e Hegel, encontramos a ilustração desse processo!*,
mantê-lo sob a subordinação do capitalista, e ao mesmo tempo
para cuja exposição recorrerei à elaboração que ambos fizeram da
conservá-lo livre? Seria necessário, portanto, encontrar um modo
de usar o homem, como se ele fosse uma coisa, mas conservando
131 Karl Marx, O capital, cit., p. 293. A citação completa é esta: “A esfera da a liberdade que lhe é própria. É a categoria de direito pessoal
circulação ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de cujos limites segundo uma modalidade real que vai permitir isso. Apresentada
se movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um por Kant como o direito “da posse de um objeto exterior como
verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é
sendo uma coisa e de fazer uso dela como de uma pessoa”!34,
unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham. Liberdade!
Pois comprador e vendedor de uma mercadoria, por exemplo, da força
de trabalho, são determinados apenas por sua livre-vontade. Contratam
como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado
133 Cf, Bernard Edelman, “La transition dans la 'Doctrine du droit' de
final, no qual suas vontades se dão uma expressão jurídica em comum.
Kant”, in: La Pensée, n. 167, 1973 e “Le sujet de droit chez Hegel”, in:
Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como pos-
La Pensée, n. 170, 19783. Cf. também o capítulo 1: “Metafísica, liber-
suidores de mercadorias e trocam equivalente. Propriedade! Pois cada
dade, servidão - sobre o sujeito de direito em Kant”, do trabalho de
um dos dois só cuida de si mesmo”.
Celso Naoto Kashiura Jr., Sujeito de direito e capitalismo, cit. Para uma
132 Na verdade, o que menos nos importa aqui é a existência de uma corre-
visão de conjunto do pensamento jurídico de Kant, pode-se consultar
lação temporal entre o pensamento desses autores e as etapas da cons-
o livro de Alysson Leandro Mascaro, Filosofia do direito, cit., capítulo 9:
tituição e desenvolvimento da sociedade burguesa, mas sim a conexão
“A filosofia do direito de Kant”.
lógica entre as categorias fundamentais de suas doutrinas jurídicas e
'4 Immanuel Kant, Doctrine du droit, apud, Bernard Edelman, cit.
o processo do capital.

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ela permite que o homem se torne objeto do direito.' Como de- Edelman aponta para a presença simultânea da força de trabalho
monstra Edelman, esse conceito de direito pessoal-real põe em livre que exige uma formulação jurídica da liberdade e da igual-
movimento quatro categorias: posse oposta a uso e coisa oposta dade, e de um poder político que ainda sustenta a desigualdade po-
a pessoa, de tal sorte que é esta primeira distinção — posse-uso — lítica."8 A observação de Edelman é correta em seu princípio, mas,
que vai permitir a distinção entre homem e coisa, e assim, uma se recorrermos à análise que Marx faz da passagem do feudalismo
vez estabelecido que é possível distinguir coisa e homem, pode-se ao capitalismo, poderemos apreender com mais profundidade a es-
provar “que eu posso usar o homem deixando-lhe a sua liberdade, pecificidade da categoria kantiana de direito pessoal-real, De fato, a
isto é deixando-lhe a liberdade de si mesmo” (...) e permitindo inexistência do conceito de sujeito de direito universal em Kant cor-
assim resolver o problema de “como usar um homem livre”.136 responde à etapa inicial da constituição das relações de produção
Por meio da categoria de direito pessoal-real, Kant vai admitir capitalistas, que, como vimos, se caracteriza pela subsunção formal
três modalidades de aquisição, dentre elas, a dos “domésticos”, ou do trabalho ao capital. Nesta fase, o problema que o capital precisa
trabalhadores, tratando a relação homem-coisa por meio do arti- resolver é o do domínio ainda incompleto sobre o trabalhador livre.
fício de justificar o domínio exercido pelo proprietário sobre os De fato, devido à não transformação da base técnico-material da
domésticos (assim como sobre as mulheres e as crianças), consi- produção, o trabalhador direto conserva um certo controle sobre o
derando-os como se fossem uma coisa, de tal sorte que este “como modo de produção (em sentido estrito), e, com isso, impede o pleno
se” remete à relação entre a essência e a aparência: a essência é a domínio do capital sobre o trabalho. É essa situação que a catego-
liberdade do homem, a aparência é que ele possa ser tratado como ria kantiana do direito pessoal-real exprime, toda ela centrada no
coisa; a essência é que o homem é livre em si, e não pode ser tra- imperativo de impedir a “evasão do doméstico”!ºº, isto é, de evi-
tado como uma coisa, a aparência (...) é que ele possa no entanto tar não tanto que o trabalhador abandone o seu posto de trabalho,
ser tratado como uma coisa”.!? mas que ele possa estabelecer os limites do processo de valorização.
À concepção kantiana aqui representa bem, em suas dificuldades O dilema de se usar algo que-não é uma coisa como coisa, subordi-
e contradições, o período de transição para a sociedade capitalista. nando a pessoa livre, isto é, que não pode ser submetida a outrem,
o dilema de se dominar a vontade de um indivíduo sem que ele
35 E essa seria uma novidade introduzida por Kant em relação à tradição
jurídica romana, como afirma Edelman: “(...) Kant inova em um do- 38 Como diz Edelman: “O que se joga realmente na categoria 'dogmática'
mínio apenas: o direito pessoal-real, Essa categoria, embora seja aber- do direito pessoal-real é a luta de contrários. De um lado, a decomposi-
rante, é 'moderna', na medida que ela vai tratar de dar conta, dentro ção da feudalidade, de outro, o nascimento do trabalhador livre. E essa
da dogmática romano-feudal, desse novo objeto do direito: o Homem. luta toma corpo na contradição da categoria jurídica: um direito que é,
(...) O grande ausente do direito romano é o homem, enquanto objeto ao mesmo tempo, pessoal e real”, ibid., p. 54.
do direito. E é sobre essa ausência que se construiu, certamente, todo 3º “E quando examinamos o objetivo concreto que Kant se propõe a rea-
o direito moderno: a igualdade entre todas as pessoas privadas, isto é, lizar em nome dessa categoria de direito pessoal-real, veremos então
a aparição do trabalhador livre, mesmo se ele é “livre de tudo”, como se desenhar melhor ainda a verdadeira separação entre uma igualdade
escreveu Marx”, Bernard Edelman, “La transition dans la 'Doctrine du teórica e uma desigualdade política. Se, portanto, nos voltamos para
droit' de Kant”, cit., p. 47. o objetivo perseguido, descobrimos uma obsessão: a evasão. E é essa
136 Ibid., p. 49-50. obsessão mesma que condiciona, em última instância, o regime dos direi-
17 Ibid., p. 52. tos pessoais-reais”, ibid., p. 53.

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deixe de ser autônomo, isto é, deixe de exercer a sua vontade, está o direito pessoal era “somente o direito da pessoa particular” e não
todo ele relacionado à não transformação das forças produtivas nas “o direito da pessoa como tal”:13,
fase iniciais do capitalismo, e à necessidade de o capital remover as Ora, se em Kant, como vimos, a formulação da categoria de
barreiras à valorização do valor. direito pessoal-real estava ligada à fase da subsunção formal do
trabalho ao capital, já na categoria de direito da personalidade
A subsunção real do trabalho ao capital e a categoria de Hegel, ou, o que vem a ser o mesmo, na sua categoria de sujeito
de sujeito de direito universal em Hegel de direito, podemos perceber um vínculo com a fase da subsunção
real do trabalho ao capital. De fato, ao sustentar que o direito in-
Em Hegel, encontramos a superação do dilema kantiano mar- cide sobre o resultado da atividade produtiva de um sujeito, Hegel
cado pela diferença entre o sujeito e a coisa, por meio da assertiva introduz as noções de valor, como esta passagem revela: “(...) o
de que “a propriedade é uma determinação do sujeito”.!º Assim, qualitativo se transforma em determinidade qualitativa; desse
o que está em jogo na crítica hegeliana a Kant é a “passagem modo, uma propriedade se torna comparável a uma outra e pode
do sujeito de direito localizado ao sujeito de direito universal”.'* ser tomada como equivalente de qualquer coisa de qualitativa e
Ao introduzir a categoria de direito da personalidade em sua ar- completamente heterogênea. De modo que, ela é posta, falando
gumentação, Hegel sustenta que não há, como supunha Kant, um absolutamente, como res abstrata, universal”.!º O indivíduo, agora,
direito que provém da coisa e outro direito que provém do su- já não está mais preso à coisa, isto é, os instrumentos de trabalho que
jeito, mas que todo o direito é produto do sujeito, já que o direito o trabalhador direto empregava na fabricação das mercadorias já não
sobre uma coisa somente pode ser dado pela personalidade, de tal são os meios de expressão da habilidade e do conhecimento que ele
sorte que o direito pessoal e o direito real se confundem. Assim, ainda conservava no período inicial do capitalismo. Agora, ele foi ex-
para Hegel, uma vez que todo direito está vinculado a uma pes- propriado também das condições subjetivas do trabalho, tendo per-
soa, uma vez que não há direito sobre a própria pessoa enquanto dido todo controle relativo sobre a produção, de tal sorte que a pro-
tal, uma vez que o direito incide sobre a produção do sujeito, “só dução depende somente do dispêndio de energia laborativa comum
a coisa pode ser apreendida juridicamente”, como “materializa- a todo trabalhador, sem qualquer diferença qualitativa entre eles,
ção da atividade do sujeito”'*2. Daí que o direito decorrente de ou seja, o trabalho se transforma em trabalho realmente abstrato.
um contrato não incide sobre uma pessoa, mas sempre sobre uma Assim, as figuras da abstração podem se completar: a abstração do
coisa exterior ao sujeito, ao contrário do direito romano, no qual
143 Ibid. E Edelman prossegue: “Relembremos Kant, e sua paralisia frente à coisa.
Relembremos seus esforços desmesurados e estéreis para libertar a atividade
”º Bernard Edelman, “Le sujet de droit chez Hegel”, cit., p. 72. Cf. também do homem, para libertar o trabalho. Relembremos esse ser híbrido, meio
o capítulo 2: “Espírito, pessoa, propriedade - sobre o sujeito de direito coisa, meio homem que era o servidor. A terra — ou seja, esse modo histórico
em Hegel”, do trabalho de Celso Naoto Kashiura Jr., Sujeito de direito de produção, o feudalismo, fundado sobre um certo tipo de propriedade fun-
e capitalismo, cit. Ver igualmente, sobre a concepção jurídica de Hegel, diária — pesava sobre o homem. E veja Hegel. A coisa conheceu uma mutação
o quadro exposto por Alysson Mascaro em seu trabalho: Filosofia do di- absolutamente fantástica: ela se tornou a objetivação da atividade do sujeito.
reito, cit., capítulo 10: “A filosofia do direito de Hegel”. Tudo pode ser vendido, salvo o sujeito em si”, ibidem, p. 78.
“1 Ibid., p. 76. 144 Hegel, Encyclopédie (8494), apud Bernard Edelman, “Le sujet de droit chez
2 Ibid., p. 78. Hegel”, cit., p. 78. o

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valor e a abstração do sujeito de direito, pois a forma abstrata de um de máquinas no processo de trabalho capitalista. Aqui, o despotismo
sujeito provido de capacidade jurídica corresponde ao trabalho abs- de fábrica encontra e se confunde com a liberdade burguesa da es-
trato que o modo de produção especificamente capitalista consagra. fera da circulação: o homem é livre para criar valor que pertence a
outrem e sua vontade é autônoma para se sujeitar a movimentos e
O direito como forma da equivalência subjetiva gestos comandados pela imensa maquinaria do capital.
Desse modo, podemos considerar que em Marx o direito é essa
Temos agora reunidos os elementos para apreender o conceito forma social sui generis, a forma da equivalência subjetiva autônoma.
de direito em Marx. Vimos que, em sua obra de maturidade, es- A nosso ver, esse conceito capta as determinações essenciais da
pecialmente em O capital, ele estabelece o vínculo entre a forma análise do direito que Marx realiza em sua obra de maturidade,
jurídica e a troca de mercadorias; vimos que as formas da abstra- especialmente em O capital, e, considerando a sua análise do pro-
ção “objetiva” geram as formas da abstração “subjetiva”; vimos cesso de subsunção real do trabalho ao capital, afirma a especificidade
que todo esse processo é comandado pela presença da equivalência burguesa do direito, permitindo que se estabeleça uma demarcação
que possibilita o surgimento de uma unidade de medida comum; e nítida entre o fenômeno jurídico e outras formas sociais - conside-
vimos que o homem é uma equivalência viva. radas pela tradição como sendo também jurídicas —- próprias das
Ora, a análise marxiana do direito nos revela que o sentido formações sociais pré-burguesas.
próprio desse fenômeno repousa na necessidade de fazer circular o Assim, podemos formular essa sentença resolutamente anti-
homem como mercadoria que ele próprio traz em si, em sua corpo- normativista: só há direito em uma relação de equivalência na qual
reidade, para atender a essa exigência fundamental do capital, que os homens estão reduzidos a uma mesma unidade comum de medida
o homem possa ser submetido a um processo de espoliação de sua em decorrência de sua subordinação real ao capital.
capacidade de trabalho sem, não obstante isso, perder a liberdade, a Toda relação em que a equivalência não existe ou se encontra
autonomia de sua vontade livre. Para que o homem possa ser objeto em posição subordinada, é uma relação de natureza não jurídica,
de troca, para que possa ocorrer essa “comercialização do homem”, uma relação de poder, que, como já notamos, pode se manifestar
é preciso que sejam respeitadas as determinações do valor de troca, como moralidade ou misticismo religioso. Como nos mostra Jacques
como em qualquer outra transação comercial. Se, como também já Michel, para Marx, algo pode ser chamado de direito sem que o seja,!8
observamos, e esse ponto é decisivo para a nossa demonstração, com
a instauração do modo de produção especificamente capitalista - como
15 “[Determinadas formas de regulação social] devem ser situadas no domínio
resultado da subsunção real do trabalho ao capital -, o trabalho se
extrajurídico, mesmo se correntemente elas são nomeadas regras de direito”,
torna realmente abstrato, simples dispêndio de energia laborativa indi- Jacques Michel, cit., p. 192 (grifos meus). Também em relação ao período
ferenciada, ele se torna completamente homogêneo, perdendo qualquer medieval, Marx não o caracteriza como “jurídico”, mas, ao contrário,
resquício de qualidade. Assim, totalmente quantificável, ele pode ser o jurídico é a sua negação. Segundo observa Michel: “Nessa ótica [de Marx],
comparado a qualquer outro trabalho, e o homem adquire essa condição a ordem medieval aparece como sendo um período de reação antijurídica,
não obstante a variedade, a riqueza e a abundância de regras ditas de
extraordinária de equivalência viva, isto é, da mais absoluta igualdade.
direito; pode-se dizer mesmo que esses dados, para Marx, constituem ou-
A sua vontade não é mais um atributo para a fabricação da mercadoria, tras tantas provas do caráter não especificamente jurídico dessas regras so-
mas tão somente o modo subjetivo de operar os mecanismos do sistema ciais”, Jacques Michel, Marx et la societé juridique, cit., p. 189 (grifos meus).

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e este foi o caso do “direito” antigo mesmo quando ele era afetado direito, confundem-se, a meu ver, inteiramente com o exercício do
por relações de troca. poder político, seja na forma da supremacia física e do status so-
Mas é o caso ainda de diversas práticas “judiciais”, por exem- cial diferenciado, seja pelo controle dos mecanismos “processuais”.
plo, dos chamados “juízos de deus”, em que uma suposta entidade O que mostra, a rigor, se excluirmos o critério da equivalência,
divina era chamada a se pronunciar na colheita da prova no pro- não seria possível distinguir uma norma política de uma jurídica.
cesso penal, na qual o acusado era obrigado a segurar ou pisar em Quando o senhor feudal estabelece um conjunto de normas em suas
ferro em brasa e, se desse tormento não resultasse dano, isso signi- terras, o que separa isso do exercício de seu poder político? A classe
ficava que “deus” houvera decidido pela sua inocência. !4 senhorial exerce um domínio direto sobre os servos, fundada em
Também Foucault, desde uma perspectiva teórica diversa e sua capacidade de pôr em funcionamento contra eles um aparelho
com outros objetivos, nos revela a natureza política de determina- militar e um aparelho “judiciário” que se confunde com ela própria.
dos procedimentos “judiciais” pré-modernos, ao conjunto dos quais
ele se refere como formas de ritualização da guerra. Ele cita, por Submetendo-se livremente ao capital
exemplo, o caso de alguém, na França do século XI, que se livra de
uma acusação de homicídio somente com o testemunho de 12 pa- A análise marxiana do direito nos remete ao núcleo mais pro-
rentes seus, que não viram o ocorrido, nem lhe oferecem um álibi. fundo da ideologia burguesa. De fato, a ideologia jurídica é a base
As relações de parentesco, no caso, revelavam a sua “importância de toda a ideologia burguesa, é ela que estrutura o discurso da
social”, e nada tinham a ver com o estabelecimento de sua inocên- grande tradição da filosofia clássica, que é a tradução especulativa
cia. Como observa Foucault: “Isso mostrava a solidariedade que das determinações do valor de troca.'*º No centro dessa elaboração
um determinado indivíduo poderia obter, seu peso, sua influência,
conceitual está a noção de forma sujeito de direito, cuja posição es-
i
tratégica na crítica de Marx ao direito já vimos anteriormente. É a
a importância do grupo a que pertencia e das pessoas prontas a
forma sujeito de direito que constitui o fundamental da ideologia,
apoiá-lo em uma batalha ou em um conflito”1*”, Este autor ainda
dessa “representação da relação imaginária dos indivíduos com as
nos relata haver um tipo de prova que demandava, frente a uma
suas condições reais de existência”.!º Segundo a interpretação de
acusação, a pronúncia de determinadas fórmulas. Se o acusado
Althusser, por meio do mecanismo da interpelação, os indivíduos
trocasse uma palavra ou cometesse um erro de gramática, seria
considerado culpado!*,
149 É o que Althusser nos lembra, ao dizer que: “Foi com finalidades ideológi-
Todos esses procedimentos, que a própria consciência jurídica
cas precisas que a filosofia burguesa apoderou-se da noção jurídico-ideo-
burguesa hesitaria em reconhecer como pertencentes ao campo do lógica de sujeito, para dela fazer uma categoria filosófica, sua categoria
filosófica n. 1, e para pôr a questão do sujeito do conhecimento (o ego
1º Cf. a respeito, Ladislau Thot, “Los juícios de Dios en los antiguos sistemas cogito, o sujeito transcendental kantiano ou husserliano etc.), da moral
juridico-penales”, in: História de las antiguas instituciones de Derecho Penal, etc., e do Sujeito da história”, Louis Althusser, Resposta a John Lewis,
La Plata, Tulleres de Impresiones Oficiales, 1940 e Tomaso Sorrentino, cit., p. 68. Cf., igualmente a esse respeito: Louis Althusser, Elementos
Storia del processo penale, Soveria Mannelle, Rubbettino, 1999. de autocrítica, in: Posições 1, cit., Nicole-Édith Thévenin, Révisionnisme et
17 Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas, Rio de Janeiro, Nau, philosophie de Valiénation, cit.
2008, p. 59. isº Louis Althusser, “Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”, in: Sobre
8 Ihid., p. 59. a reprodução, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 277.

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são constituídos enquanto sujeitos, ganham uma identidade, a de liberdade e igualdade imaginária no momento mesmo em que se
sujeitos-proprietários dotados de capacidade jurídica para a prá- “submetem livremente”, por um ato de sua exclusiva vontade, ao
tica de atos de troca mercantil. Essa identidade jurídica que a in- controle de sua capacidade de trabalho no processo de produção,
terpelação ideológica fornece é vivenciada pelos indivíduos como que é um processo de exploração dessa mesma força de trabalho.
o exercício da liberdade e da igualdade, elementos comuns a todos Por meio da representação ideológica, os indivíduos são incapa-
os outros sujeitos, o que ajuda a reforçar continuamente a autoevi- zes de perceber a sua real condição de existência social e passam
dência de sua condição subjetiva. A ideologia dominante (ideolo- a viver as suas relações na superfície do tecido social, ignorando
gia da classe dominante) pode assim interpelar os indivíduos pro- a trama para eles invisível dos processos efetivamente determi-
duzindo a evidência de sua subjetividade, dissolvendo os vínculos nantes de suas vidas. Supõem estar no comando de suas existên-
de classe que os determina no processo de produção, introjetando cias, dotados de capacidade jurídica para o exercício de atos de
neles as tarefas que lhes são atribuídas na divisão do trabalho, sob sua vontade, quando são inteiramente comandados por processos
a dominação da classe dominante. Os indivíduos das classes domi- inconscientes, que lhes escapam completamente.!s2 Assim, como
nadas, assim, parecem “funcionar” por si mesmos, reproduzindo
as condições de seu próprio subjugamento ao capital, sem que seja
52 A ideologia - na acepção althusseriana — é2 inconsciência, em que
necessário o uso da violência direta, sem a intervenção imediata as formas de consciência não são mais que um aspecto e uma con-
e permanente dos aparelhos repressivos do Estado. Como lembra seguência. Que a ideologia seja fundamentalmente inconsciente não
justamente Francisco Sampedro: quer dizer em absoluto que seja alheia à consciência, mas que con-
siste numa elaboração sujeita a condições inconscientes que permite
O sujeito, segundo Althusser, unicamente é livre para submeter-se li-
aos indivíduos e aos grupos imaginar a sua prática. Isto é, que essas
vremente à ocupação do posto e do lugar que a divisão técnico-social elaborações, essas combinações que operam as ideologias, dependem
do trabalho (máscara da divisão em classes) lhe atribui na produção, em cada momento “de condições que não estão no poder de nenhum
assegurando o mecanismo de reprodução das relações de produção. sujeito dominar ou criar ele mesmo: coações materiais da divisão do
Deste modo, a reprodução dos processos ideológicos supõe a opera- trabalho, das formas de propriedade etc. (...), e coações não menos
ção de impor dissimuladamente a reprodução da divisão em classes. materiais da linguagem, do desejo, da sexualidade. (...) Althusser iden-
tificava na ideologia um cruzamento entre relações reais e imaginárias.
À lei político-econômica que atribui ao agente de produção a sua po-
É necessário, então, poder pensar na ideologia tanto o real como o
sição no processo produtivo é reprimida e dissimulada noutras cadeias imaginário. É isso que a análise do fetichismo da mercadoria possi-
significantes que têm por efeito indicar a posição sem que o agente bilitou, mostrando a aparição da forma valor simultaneamente a das
possa evadir-se dela. Assim se produz a identificação subjetiva como ilusões da produção mercantil. Que as relações sejam imaginárias e, ao
ilusão que oculta ao portador a sua posição na estrutura social'S!, mesmo tempo, reais implica que são “vividas”. A ideologia, reiteremos
isso, forma parte da experiência vivida. Qualquer descrição do vivido
Esse efeito de “dissolução” da determinação de classe é de leva uma marca ideológica, de modo que os indivíduos vivem uma
fato decisivo para que a dominação de classe possa ser exercida, ideologia sem serem os seus protagonistas. A ideologia constitui um
pois ela faz com que os trabalhadores vivam uma relação de conteúdo consciente através de um processo inconsciente; o seu motor
está fora dela, produzindo assim esse particular efeito de deformação.
(...) Quando um indivíduo crê encontrar-se frente a uma percepção
1:52 Francisco Sampedro, “A teoria da ideologia de Althusser”, in: Márcio pura, (...) frente ao “concreto”, encontra-se, na realidade, frente a algo
Bilharinho Naves (org.), Presença de Althusser, cit., p. 52. já marcado e mediado pelas estruturas “invisíveis! da ideologia: O que

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lembra Bernard Edelman, os “valores da liberdade e da igualdade” o vazio conceitual de se pôr como fundamento da transição para
se transformam em seu contrário assim que o indivíduo deixe o comunismo uma operação jurídica de transferência da pro-
o éden dos direitos humanos e penetre no chão de fábrica: priedade. É assim que, nos Manuscritos de 44, toda a proble-
O direito, ao fixar a circulação, mais não faz do que promulgar os mática da alienação se “resolve” em um simples ato jurídico:
decretos dos direitos do homem e do cidadão; ele escreve sobre a supressão da alienação decorreria da extinção da propriedade
o frontispício do valor de troca os sinais da propriedade, da li- privada. O homem poderia então recuperar a sua essência perdida
berdade e da igualdade, mas estes sinais, no secreto “em qual- nos objetos que produz, e que lhes “escapam”, porque eles não
quer parte”, se leem como exploração, escravatura, desigualdade, são mais a propriedade dele próprio, mas de um outro, estranho
egoísmo sagrado.! a ele e a ele sobreposto, e que deles se apropria. O direito de-
volveria ao homem o tecido roto de sua “generalidade”, de sua
Transição ao comunismo e extinção da forma jurídica verdadeira condição humana. Deixemos de lado a questão pertur-
badora (para o marxismo) de que um elemento superestrutural
Vimos que o problema da transição socialista na obra de possa vir a ser determinante ao ponto de mudar a condição social
Marx anterior a O capital está dominada - com notáveis exce- e humana dos indivíduos - com o que se esvai toda a materiali-
ções - pela presença de elementos de uma problemática hu- dade do processo histórico -, para concentramos a nossa aten-
manista, portanto, jurídica, e que, em razão disso, a relação ção no conteúdo concreto dessa “passagem” ao comunismo. Essa
entre o direito e o socialismo não podia ser verdadeiramente concepção —- com a qual Marx conviverá por um certo período
pensada, isto é, ela somente reproduzia sob a forma de uma —, em um misto de juridicismo e economicismo, será mais tarde
questão impossível - qual a natureza do direito socialista? -, tomada, ao receber uma formulação mais sistemática, como a
“teoria da transição marxista”, quando quase toda a tradição
marxista lhe der os seus direitos de cidadania, ignorando que
sucede é que, ao não perceber a ideologia, considera a sua percepção
Marx ultrapassa essa posição. Nela, os seus títulos teóricos se
das coisas e do mundo como se fosse a das 'coisas mesmas”, Francisco
Sampedro, “A teoria da ideologia em Althusser”, in: Márcio Bilharinho
apresentam em duas grandes teses:
Naves (org.), Presença de Althusser, cit., p. 41. Cf., também, do mesmo 1. a existência de uma socialização prévia dos meios de pro-
autor, Ideoloxia e distorsión — ensaio sobre o imaxinario ideolóxico, Vigo, dução, ainda no interior do modo de produção capitalista,
Xerais, 1997, particularmente o capítulo V: “O efecto de suxeición:
em decorrência do desenvolvimento das forças produtivas,
Louis Althusser”, e os ensaios de Nicole-Édith Thévenin, “O itinerá-
“motor” do desenvolvimento histórico;
rio de Althusser” e “Ideologia jurídica e ideologia burguesa (ideologia
e práticas artísticas)”, in: Márcio Bilharinho Naves (org.), Presença de 2. a identificação das relações de produção com as relações jurí-
Althusser, cit. Além dos trabalhos de Althusser, A favor de Marx, cit.
dicas de propriedade.
(capitulo 7: Marxismo e humanismo), “Marxismo, ciência e ideologia”,
in: Louis Althusser, Marxismo segundo Althusser, São Paulo, Sinal, 1967, Consequentemente, o problema da transição se resolveria com
“Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”, in: Sobre a reprodução, a expropriação dos meios de produção da burguesia e sua trans-
cit., e Resposta a John Lewis, cit. ferência para o Estado, de tal sorte que a mudança do titular do
153 Bernard Edelman, O direito captado pela fotografia (elementos para uma domínio da propriedade privada dos meios de produção, já estando
teoria marxista do direito), cit., p. 91.

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estes meios “socializados”, pareceria ser condição suficiente para em uma escala social, da unidade entre os meios de produção e o tra-
a extinção das relações sociais capitalistas!S, balhador direto, unidade esta cujo rompimento, como vimos, marca
Se nos ativermos, no entanto, à análise que Marx opera em o nascimento da relação de capital.
O capital sobre a natureza do capital, e se considerarmos que o co- Desse modo, a passagem do capitalismo ao comunismo é ca-
munismo só pode ser a “desmontagem” dessa relação social, isto é, racterizada por um traço específico, diverso daquele que identi-
o seu contrário direto, veremos que a transição é uma transformação fica a transição do feudalismo para o capitalismo. Nesta, as rela-
no modo mesmo de produzir, visando suprimir os elementos que ções de produção capitalista “adiantam-se” em relação às forças
reproduzem as condições de exploração do trabalho fabril. produtivas capitalistas, isto é, primeiro se constituem as relações
O que O capital permite ver é justamente esse rompimento com de produção capitalistas, mas as condições materiais da produ-
a problemática juridicista e economicista na análise da transição ção, os meios de produção, e, particularmente, os instrumentos
do capitalismo para o comunismo, pois nele o capital é visto não de trabalho, e ainda, a força de trabalho, permanecem as mes-
como uma relação de propriedade, mas como uma relação de pro- mas do período antecedente, embora já funcionem para valorizar
dução cuja natureza independe de uma determinação jurídica. De fato, o capital, subsumidas a ele. Apenas depois é que essas forças pro-
a relação de capital é uma relação entre agentes sociais e entre dutivas, sob o comando das novas relações de produção, se trans-
estes e os meios de produção, de modo que os agentes que con- formam e passam a corresponder a estas.
trolam efetivamente os meios de produção exercem sobre os agentes Na transição para o comunismo não é possível se verificar um
que só dispõem de sua força de trabalho formas de domínio que processo similar a este. Não é possível ocorrer a instauração de
possibilitam a valorização do valor no processo de produção ime- relações de produção comunistas às quais se seguiria, depois, o
diato. Isso significa que o processo de valorização nada tem a ver com aparecimento de forças produtivas adequadas a elas, de natureza
o direito, e que, portanto, uma medida jurídica que promova a mu- também comunista. E isso não pode se dar devido à natureza das
dança do proprietário dos meios de produção em nada vai afetar relações de produção capitalistas. Quando se constitui o modo de
o modo de organização do trabalho na produção, que continuará produção especificamente capitalista, com a subsunção real do
a ser produção de valor que se valoriza por meio da extração de um trabalho ao capital, este penetra na própria materialidade dos
sobrevalor do trabalhador direto. meios de produção, conformando-os (tecnicamente) às exigências
A transição socialista implica assim um complexo conjunto de sociais do processo de valorização. Desse modo, as forças produ-
iniciativas de massa, que propiciem gradativamente a recuperação, tivas aparecem como o conteúdo material das relações de produção
ou como a sua forma de existência material, nas quais está inscrita
Depois do fim da experiência soviética, muitos marxistas passaram a dominação de classe burguesa sobre os trabalhadores. Portanto,
a considerar insuficiente a mera estatização dos meios de produção, e transformar as relações de produção é, ao mesmo tempo, transfor-
passaram a acrescentar à fórmula consagrada a necessidade da demo-
mar também as forças produtivas; é com o surgimento de novas
cracia e, mesmo, do “controle operário”. Esses adendos, no entanto,
forças produtivas comunistas que as relações de produção comu-
não enfrentam a questão de fundo: a necessidade de uma revolucionari-
zação das relações de produção e a instauração de novas forças produtivas, nistas adquirirão a sua materialidade, a sua existência concreta.
de caráter comunista, sem o que qualquer “controle” operário ou demo- Onde, então, deve incidir o esforço principal de transformação?
crático seria uma ilusão. Justamente naquilo que é o elemento fundamental do domínio do

94 95
capital e da extração do sobrevalor: a expropriação das condições relações de produção capitalistas, e como o processo de revolucio-
subjetivas do trabalho e a sua “materialização” no sistema produ- narização das relações de produção é lento e incerto, a preservação
tivo automatizado que transforma o trabalhador em um “apêndice ou extinção da forma jurídica ocupa um lugar importante na luta
da máquina”, como diz Marx em O capital!'5, Daí decorre a luta de classes pós-revolucionária. O reforço das relações jurídicas e da
para superar a divisão entre o trabalho manual e o trabalho intelec- ideologia jurídica pode dificultar ou mesmo bloquear o período
tual, e entre as tarefas de direção e as tarefas de execução no processo de transição, consolidando e garantindo a reprodução das relações
de produção, levando a uma nova forma de gestão da fábrica, na sociais capitalistas. Desse modo, em um primeiro momento, a luta
qual o diretor único de empresa é substituído por um comitê de contra o direito pode tomar a forma de uma redução da sua esfera
operários eleitos e sob o controle da massa trabalhadora de cada de competência, com a sua substituição por outras formas sociais
unidade produtiva, e na qual os meios de produção passam a sofrer e a sua progressiva “esterilização”, preparando as condições para
modificações técnicas que começam a permitir um domínio maior que, em uma segunda etapa, com a interrupção do processo de
do trabalhador direto sobre eles, valorização, cesse também a circulação mercantil, e o “momento
Esse complexo processo de transformação social é absoluta- jurídico da vida social” possa, por fim, desaparecer!”,
mente indiferente a qualquer medida de natureza jurídica. No entanto, Em decorrência disso, já podemos ver o quanto há de mistifi-
como o direito é um elemento fundamental na reprodução das cador na representação muito difundida de que o socialismo seria
a realização da liberdade e da igualdade humanas, que, na socie-
155 Karl Marx, O capital, livro 1, t. II, cit., p. 55. dade burguesa, teriam uma determinação apenas “formal” e na so-
56 Foi a revolução cultural chinesa que abriu a via para que essas experiên-
ciedade de transição se transformariam em liberdade e igualdade
cias ocorressem, recuperando o sentido original do conceito de ditadura
do proletariado, tornando-o efetivo, e revelando, muito embora por um reais ou substanciais. Se tudo se passasse assim, haveria no socia-
curto período e atravessada por limitações e contradições severas, que a lismo, não um enfraquecimento (e, depois a extinção) da forma do
constituição de uma sociedade comunista só pode ser o resultado de um direito, mas o seu reforço e perpetuação. De fato, se a liberdade
movimento de massas forte o bastante para neutralizar o poder institu- e a igualdade são determinações essenciais do direito e se elas só
cional-repressivo e ideológico da burguesia de Estado. Sobre esse ponto
se tornam verdadeiras, isto é, dotadas de eficácia, no socialismo,
absolutamente decisivo, pode-se ver Charles Bettelheim, Revolução cultural
e organização industrial na China, cit., particularmente os capítulos II; As que razão haveria para o seu desaparecimento? Elas seriam, ao
transformações na divisão social do trabalho, e IV: A revolucionarização contrário, o fundamento de uma sociedade que teria na esfera da
das relações de produção; Bernard Fabrêgues, Sauro Alberto e Ana-Maria distribuição o princípio mesmo de sua organização.
Castillo, “Lutte de classes et transition socialiste (les leçons de Vexpérience
Ao contrário, o socialismo, a sociedade de transição ao comu-
chinoise)”, in: Communisme, n. 3, 1973; Bernard Fabrêgues, “Organisation
capitaliste et organisation socialiste du travail (III. Chine: machinisme, nismo, nada tem a ver com a extensão ou alargamento da liberdade
science et technique)”, in: Communisme, n. 19, 1975; Eugênio del Río, La
teorta de la transición al comunismo en Mao tsetung (1948-1969), cit.; Franca 17 Cf a propósito, Evgeni Pachukanis, Obschaia teoriia prava i gosudarstvo,
Menichetti Corradini, On Mao Zedong — A theory of socialist transition, Pisa, in: Evgeni Pachukanis, Izbrannie proizvedeniia po teorii prava i gosudarts-
ETS, 1994, Chang Chun-chiao. “On exercising all-round dictatorship over tava, cit. Essa questão decisiva foi reatualizada na revolução cultural
the bourgeoisie”, in: Raymond Lotta (org.). And Mao makes 5. Mao tsetung's chinesa que operou, nesse sentido, um verdadeiro retorno à inspiração
last great batile. Chicago: Banner Press, 1978. Pode-se consultar ainda: original do Marx de O capital e da Crítica ao Programa de Gotha, mesmo
Márcio Bilharinho Naves, Mao — o processo da revolução, cit., 2005. que a elaboração teórica dela oriunda tenha permanecido insuficiente,

96 97
e da igualdade, ele não se define pelo direito. Como vimos, a ques- como vimos, apenas cobria, com a sombra da política, a ausên-
tão decisiva que se coloca na transição é a da transformação da cia insuportável da subjetividade jurídica. E, desse modo, tudo
base material da sociedade do capital, é essa operação que permi- o que conseguiríamos seria cair de novo no círculo de ferro da
tirá quebrar a relação de domínio instalada no processo de pro- distribuição de bens, como andaimes suspensos no ar, deslocando
dução imediato dentro do qual se verifica a valorização do valor. a questão efetiva da transformação técnico-organizativa do pro-
Com a reapropriação pelas massas trabalhadoras das suas condi- cesso de trabalho que remete à natureza específica das relações de
ções objetivas e subjetivas de trabalho surge a possibilidade de produção comunistas.
que venham a se instaurar relações de produção associativas sob Assim, se a relação de capital não pode ser nem “justa” nem
a base do trabalho coletivo. É precisamente isso, juntamente com “injusta”, é porque a análise imanente que dela Marx faz, permi-
o exercício de uma ditadura “integral” pelas massas, que vai ga- tindo a compreensão da natureza objetiva do domínio de classe
rantir que a relação de domínio burguês não se reproduza e que os que se materializa nas formas técnicas da produção, é totalmente
trabalhadores possam continuar a aprofundar o controle social dos incompatível com um julgamento de valor, moral ou jurídico, que
meios de produção. Esse controle nada tem a ver com a presença nos remeteria inexoravelmente a alguma modalidade de transcen-
de reivindicações jurídicas de liberdade e igualdade, a rigor, essa dência!*, Ora, se o capitalismo não é a expressão da “injustiça”,
questão é inexistente, seja como um problema teórico não formulá- o comunismo, que é, no entanto — e justamente por isso — o seu con-
vel, seja como atitude prático-política ociosa. Do mesmo modo que trário direto, não poderia ser igualmente a expressão da “justiça”.!%
Lenin, lendo admiravelmente bem a Marx, dizia que o caminho na Aqui também Marx opera uma transformação profunda, um des-
transição comunista era o da democracia burguesa para a demo- locamento de problemática que modifica a própria questão, sur-
cracia operária e depois, para nenhuma democracia, isto é, para preendida em seu modo “mistificado” de apresentação. O problema
a extinção da democracia, podemos dizer também, que a igual- da transição para o comunismo pode então ser colocado de modo
dade e a liberdade “reais” na sociedade sem classes são um objeto materialista como a passagem do domínio e controle dos meios de
impossível, e que elas também se extinguirão, pois o comunismo produção pela classe burguesa, objetivamente realizado na forma
as tornou supérfluas.!S8 tecnicamente específica que eles adquirem no processo de produ-
Consequentemente, afastamos assim, ao mesmo tempo, a ideia ção imediato, para o domínio e controle desses meios pela massa
de que, com a representação da liberdade e da igualdade como trabalhadora por meio da transformação de sua natureza de classe.
“reais”, o comunismo possa vir a ser a expressão do justo, isto é, Com isso, podemos aferir melhor o significado profundo da ex-
a materialização em uma forma social concreta de uma substância traordinária passagem de Marx e Engels, n'A ideologia alemã, que
metafísica que possibilitasse a realização da justiça como o movi- afirma o antagonismo (gegensatz) entre o direito e o comunismo!
mento tangível de “dar a cada um o que é seu”, justamente o que
os romanos antigos pensavam ser o “direito”, e que, na verdade, 15º Sabemos que no final de toda transcendência repousa sempre, dissimu-
lada ou aberta, a figura de um “deus” onipotente.
160 Cf, a esse respeito, Sebastiano Maffettone (org.), Marxismo e giustizia,
158 Cf. Lenin, O Estado e a revolução, São Paulo, Global, 1979, e Márcio Milão, ll Saggiatore, 1983.
Bilharinho Naves, “Contribuição ao debate sobre a democracia”, in: 11 Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã, cit., p. 205 (alterei, no
Temas de Giências Humanas, n. 10, 1981. entanto, a tradução).

98 99
O direito, como vimos, está sempre vinculado a uma relação de
equivalência, portanto, à produção e circulação de valores de troca
que somente existem sob a base de uma estrutura técnico-organi-
zativa exclusivamente voltada para a extração de sobrevalor. Daí
porque, em uma sociedade comunista, uma liberdade e uma igual-
dade “reais” ou uma justiça “efetiva” ou “verdadeira”, deveriam ser
a expressão da equivalência, o que é desprovido de sentido já que CONCLUSÃO
toda equivalência é uma forma social, a forma que exprime a redu-
ção do trabalho humano a uma mesma expressão de valor, e o co-
munismo, como vimos também, é precisamente a “desmontagem”
desse imenso maquinário social de exploração, portanto, o fim da Marx nos expôs o nervo de um dispositivo de saber e domínio
forma valor e, com ela, de todas as representações de equivalência até então inexpugnável, coberto de camadas e mais camadas de
social que ela permite secretar. A sociedade comunista não pode uma sutil matéria ideológica. Como não se deixar surpreender
ser a realização de uma equivalência entre sujeitos tornada afinal por esse aparelho insólito de subjugamento que, em seu próprio
possível pela supressão da propriedade privada, mas a extinção das e enigmático funcionamento, aparece exatamente como o seu
formas da equivalência e do sujeito. contrário, como o fabricante anônimo e dissimulado da liber-
dade e da igualdade humanas? Como não se deixar surpreender
por esses liames imperceptíveis que nos prendem a todos nas
cadeias invisíveis da circulação, nos fazendo crer que estamos
a realizar a natureza mais profunda dos nossos atributos essen-
ciais? Depois dos caminhos que este trabalho percorreu, desco-
brimos que o direito é uma forma do capital, e que, na sua lógica
implacável, ele organiza um circuito de trocas que transforma
o homem em “equivalente vivo” do processo de valorização do
valor. Descobrimos que o direito é essa forma social específica
ao identificarmos nele o elemento irredutível que o distingue de
todas as outras formas sociais: a existência de uma subjetividade
autônoma na relação de equivalência como resultado de um processo
de abstração do trabalho exclusivamente gestado quando o capital
subsume realmente o trabalho. Isso nos levou — sempre seguindo
o fio de Ariadne que encontramos em O capital -, a avaliar a ex-
periência “jurídica” romana - e, por extensão, de todo o mundo
pré-burguês - como desprovido de juridicidade, portanto, de
modo diverso da tradição marxista.

101
Embora Marx não tenha chegado explicitamente a esses resul- Seria profundamente enganoso supor que a dominação de classe
tados — que lá estão, em suas obras fundamentais, em “estado prá- burguesa pudesse se dar por meio somente do exercício da coerção;
tico” — eles seguem rigorosamente a lógica interna de sua teoria. E a ideologia jurídica nos faz viver fora das relações de exploração
permitem estabelecer a differentia specifica que faz do objeto juri- e subordinação, ela nos faz viver em um outro mundo, que nos
dico uma determinação exclusiva do capital. aparece como uma formação imaginária que produz uma peculiar
O direito pode, assim, aparecer pelo que ele é, sem as esperan- distorção, que é, ao mesmo tempo, alusão ao real e ilusão do real, e
cas de redenção da humanidade do “socialismo jurídico”. Que as que, portanto, não pode ser “corrigida” ou “dissolvida” pela expo-
palavras belas e vazias das declarações dos direitos do homem e sição à luz da verdade da razão.
o cálculo frio e faiso da razão normativa não nos iludam. O direito Mas, se é assim, seremos sempre prisioneiros desse cárcere in-
é esse mecanismo subterrâneo de assujeitamento tão obscuro e poroso visível, e tudo que nos resta é o solo desolado da mercadoria?
que, mesmo quando nos opomos a ele, é nele e por ele que exis- Mas, se é assim, como seria possível “sair” da forma sujeito,
timos. Um mecanismo sem sujeito - embora o “sujeito” seja a sua “sair” de nós mesmos, da nossa naturalidade, da nossa “soberania”,
categoria principal -, inserido na própria estrutura social como um de tudo aquilo que nos faz ser, na fruição da nossa liberdade, essa
dos seus elementos fundamentais, e “suportado” pela organização improvável expressão imaginária de um ato de troca? Onde encon-
da psique humana, que elabora as condições de sua efetividade! trar a “falha” que nos surpreenda em nossos gestos mais cotidianos,

162 Como ensina Francisco Sampedro, “Do que se trata, para Althusser (...) Lezama, Lacan/Althusser - Hermenéutica y diálogo, Buenos Aires, Ediciones
é de considerar a psicanálise como disciplina dirigida a dar conta das Cooperativas, 2008; Sebastiano Francesco Ghisu, Althusser e la psicanalisi,
formas a priori (...) nas quais o motor e a gênese da ideologia se inse- Cagliari, CELT, 1991 e Francisco Sampedro, Ideoloxia y distorsión — en-
rem”, Francisco Sampedro, “A teoria da ideologia de Althusser”, in: saio sobre o imaxinario ideolóxico, Vigo, Xerais, 1977. Em Louis Althusser,
Márcio Bilharinho Naves (org.), Presença de Althusser, Campinas, IFCH/ a influência lacaniana pode ser encontrada particularmente nos seguintes
Unicamp, 2010, p. 67. E trata-se, ainda, de dar conta dos processos in- textos: “Freud e Lacan”, in: Louis Althusser, Marx e Freud e Freud e Lacan,
conscientes que constituem a ideologia, como atesta esta importante Rio de Janeiro, Graal, 1991, Sobre a reprodução, cit., e “Trois notes sur
observação de Althusser: “Convencionou-se dizer que a ideologia per- Vanalyse du discours”, in: Écrits philosophiques et politiques, t. 1, cit.
tence à região “consciência”. É preciso não se deixar enganar por esse epí- 68 Sobre a questão da ideologia e da ideologia jurídica burguesas, ver os
teto, que permanece contaminado pela problemática idealista anterior trabalhos de Louis Althusser, “Marxismo e humanismo”, in: A favor de
a Marx. Na verdade, a ideologia pouco tem a ver com a “consciência”, Marx, cit., “Práctica teórica y lucha ideológica”, in: La filosofia como
ao supor-se que esse termo tenha um sentido unívoco. [A ideologia] é arma de la revolución, cit.; Sobre a reprodução, cit.; “Trois notes sur la
profundamente inconsciente. [As representações ideológicas] se impõem théorie du discours”, in: Écrits philosophiques et politiques, cit., e os de
à imensa maioria dos homens sem passar para a sua “consciência”. Louis Michel Pêcheux, Semântica e discurso — uma crítica à afirmação do óbvio,
Althusser, A favor de Marx, cit., p. 206, apud Francisco Sampedro, cit., cit.; Claudine Haroche, Fazer dizer, querer dizer, cit.; Francisco Sampedro,
p. 40. Sobre a presença da psicanálise lacaniana na elaboração da teoria “A teoria da ideologia de Althusser”, in: Márcio Bilharinho Naves (org.);
da ideologia de Althusser, cf., especificamente, Pascale Gillot, Althusser Presença de Althusser, cit.; Bernard Edelman, O direito captado pela foto-
et la psychanalyse, Paris, Puf, 2009; Michêlle Barret, “Althusser's Marx, grafia (elementos para uma teoria marxista do direito), cit.; Nicole-Édith
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102 103
no nosso mais íntimo refúgio da vontade? — “falha” que nos desar- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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nossa condição de possuidor de mercadorias?
Se o direito e a ideologia jurídica podem emperrar, será ali
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relação de capital e de sua forma jurídica necessária remete para ALTHUSSER, Louis. A favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
o que talvez possa ser um passo! para sair desse mundo de espe- : BALIBAR, Étienne. Ler O capital, v. 1. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
lhos: a dissolução dos títulos “científicos” do direito, o descompro-
; MACHEREY, Pierre e RANCIERE, Jacques. Ler O capital, v. 2, Rio de
misso com a legalidade, a interdição aos “socialismos jurídicos”,
Janeiro: Zahar, 1980.
e a redução de todas as manifestações do “jurídico” a uma fórmula
“essencial” que, ao mesmo tempo, seja conhecimento e recusa: - “Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”, in: Sobre a reprodu-
ção. Petrópolis: Vozes, 1999.
o direito como mero, simples, banal, momento subjetivo da troca
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- Posições 1, Rio de Janeiro, Graal, 1978.

—— “A querela do humanismo P”, in: Crítica marxista, n. 9, 1999.


i6t Mas esse passo é decisivo, porque, como vimos, não há domínio de
— — “A querela do humanismo II”, in: Crítica Marxista, n. 14, 2002.
classe da burguesia sem relação jurídica e sem o imaginário ideológico
jurídico, que o “direito socialista” consagra e perpetua, substituindo, ARTOUS, Antoine. Marx. VÉtat et la politique. Paris: Syllepse, 1999.
como diz Bernard Edelman, o marxismo-leninismo pelo socialismo jurí-
ATIENZA, Manuel, Marx y los derechos humanos. Madri: Mezquita, 1983.
dico (cf. Bernard Edelman, La légalisation de la classe ouvriêre — tome 1:
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mática pré-pachukaniana no âmbito da jurisprudência, mesmo quando Estampa, 1979.
mascarada de crítica marxista, é inseparável do abandono, mais ou
menos inconsciente, do objetivo de ultrapassagem da sociedade do capi- ; RAULET, Gérard. Marx démocrate — le Manuscrit de 1843. Paris:
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ção, O discreto charme do direito burguês -- ensaios sobre Pachukanis,
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ISBN 978-85-8282-

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