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Organizadores

LORENA FREITAS
ENOQUE FEITOSA

MARXISMO, REALISMO E DIREITOS HUMANOS

Editora da UFPB
foão Pessoa - PB - BR
20t2
SUMARIO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


Reitor
ROMULO SOARES POLARI
Vice-reitora
PREFÁCrO ............................e
MARiAYARA CAMPOS MATOS
MARXISMO, DIREITO E REALISMO: TRAJETÓR A DE DUAS
PESQUISAS CONFLUENTES
Enoque Feitosa (UFPB), Lorena Freitas(UFPB), Ronaldo Bastos(UFPE)
EDITORA UNIVERSITÁRIA
Introdução; 1. Perfil e status teórico das pesquisas; 2. Dos objetivos dos
Diretor
LUZ DA SILVA proietos de pesquisa dos grupos e seus respectivos marcos teóricos; 3. O
JOSÉ
Vice-diretor
problema de pesquisa dos dois grupos sob dois focos: direito e sociedade -
IOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
os termos de um conflito; 4. Importância das pesquisas desenvolvidas; 5. O
SuPervisor de editoração estado de arte das pesquisas dos dois grupos .......L3
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR
Editoração EIetrônica
MARXISMO Y DERECHOS HUMANOS
LEILANUNES
Revisão
Manuel Atíenza (Universidad de Alícante - Espanha).. .......3 3
DOS AUTORES
CaPa POLÍTICA VERSUS DIREITO: REAL DESAFIO DA IURISDIçÃO
MADSONXAVIER CONSTITUCIONAL?
Fublicação dos grupos de pesquisa UFPB/CAPES MartonioMontAlverneBarretoLima(UnÍfur).. ......"....,........S2
"MARXISMO E DiREITO" C "REALISMO JURÍDICO"

M3g2Marxismo,realismoedireitoshumanos/LorenaFreitas,EnoqueFeitosa
tOS LíMITES DEt IMPERIO, tA REVOLUCIóN BOLIVARIANA Y
Editora Universitária da UFPB' 2012' EL SOCIALISMO DEL SIGLO XXI
[0rganizadores)'-- loão Pessoa:
354P. Carmen Bohórquez (UnÍversídad del ZulÍa - Venezuela)
1 Entre la vida y el capitalismo;2 Legitimación de la muerte. Combate por
ISBN: 978-85-7745-985-B
Direito' 2' Direitos Humanos' 3' Realismo lurÍdico'
la vida;3 La construcción de una alternativa sociaìista en el Siglo )ül;4
1' Marxismo e
La Revolución Bolivariana; 5 La refundación de la República;6 Hacia el
I. Freitas, Lorena. II' Feitosa, Enoque'
socialismo; 7 De los principios y acciones; B Logros de la revolución boli-

UFPB/BC CDU: 141'82+34 variana; 9 La situación actual.... ..........67

Direitos desta edição reservados à: CAPITALISMO, DIREITO E POIÍTICA HOJE


EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB
Caixa Postal 5081 - Cidade Universitária - |oão Pessoa - Paraíba - Brasil AlyssonLeandroMascaro(USP/MACKENZIE)." .....................95
cEP 58.051-970
Impresso no Brasil Printed ir Brazil
Foi feito o dePósito legal
FORMA JURÍDICA E MÉTODO DIALÉTICO: A CRÍTICA MARXISTA
AO DIREITO
I)/\ 'I'IìORIA DO DISCURSO
l'.t I t t r nl o Bittar (U S P)
Enoque Feitosa (UFPB) r

materialista do direi- | Â 1il<rbalização em crise; 2 DesgÌobalizaçãa e desaquecimento eco-


Introdução: Método diátético marxista e análise
sua reprodução e
i", L e natureza da forma jurídica, os probÌemas de e em.pirismo irrefle-
rrrìrrrico; 3 Novos rumos para a cidadania globaÌ, o cosmopolitismo e
o estado da arte da fesquisa (entre dôgmatismo o:; rlircitos humanos; 3.1 UniversaÌidade, diversidade e validade so-
e sua aplicação ao direi- lrlt'positiva dos direitos humanos; 3.2 Teoria do discurso, cidadania
tidos); II. Sobre o .".á,ui do método diáìético
categoria constituída no r osrnopolita e integração pelos direitos humanos; Conclusões; Bi-
to; IlI. O exame da forma jurídica enquanto
interiordatotalidadesocial;IV'Paraumaanálisemarxistadodireito; lrlr ografia.. ".24L
do âmbito
sócio-histórica
conclusão: Método diaÌético e compreensão
jurídico; Referências'."..""""""' """'ru / A I;UNDAMENTAçAO DOS DTREITOS HUMANOS
Adrualdo Catão (UFAL)
TEORÍA SOCIALISTA DEL DERECHO (IUSMATERIALISMO): I llniversalismo e relativismo: problemas atuais sobre a fundamenta-
r,.ro dos direitos humanos;2 As teorias do reconhecimento e a crítica ao
NUEVO PARADIGMA JURÍDICO
de otavalo - Equador) rrrriversalismo; 3 MulticuÌturalismo e teoria política do reconhecimento:
Antonio salamanca serrano (IlniversÍdad
1 Necesidad urgent; ã. un
paradigma de Derecho; 2 Ì'a Teoría So- ,r lrcrmenêutica diatópica; 4 As críticas do pragmatismo: direitos hu-
"u*o rÌr;rnos e universalidade; 5 A viabilidade da fundamentação dos direi-
cialistadeÌDerechoesteoríadelavidadeÌospuebÌosylaNatura|eza;3
LaTeoríaSocialistadelDerechoesteoríadelapraxis;4La-ISDesteoría tos humanos numa abordagem pragmatista................... ...283
materialistaenelfundamento,método,yproducción,-circulaciónyapro-
fundamento [mate-
pi".iOn del Derecho ; 4.L LaTSD es materialista en su t)EcrsÃo JURÍDICA NA SOCIEDADE COMO SISTEMA DE COMU-
rialismoontoÌógico);4,2LaTSDesmaterialistaenSumétodofmaterialis- NtcAçÃo. o cASo DA "IGUALDADE" NO STF
4.3LaTSD es materialista en el dinamismo histórico Artur Stamford (UFPE)
-o "pirt"-oróúcoÍ; y apropiación deÌ Derecho; 5 La Teoría socia-
de producción, cirálación l)cbater dados, não só, opiniões; 1 Pauta epistêmica; 2 Da arnbigui-
del Derecho es
lista del Derecho es teoría móral; 6 La Teoría Socialista tl;rde e vagueza ao problema da leitura errada; 3 A cornunicação auto-
es teoría jurídica; I La
teoría política; 7 La Teoría socialista del Derecho poiética na comunidade jurídica; 4 O uso da igualdade em decisões ju-
Teoría Socialista del Derecho es teoría de la
Revolución.......""""""""""158
r'ídicas no STF; 5 Conclusão; Referências...""."......... ".""....."...306

E O MARXISMO
PACHUKANIS E A TEORIA GERAL DO DIREITO MARITENA CHAUÍ: AMOR À SNEANORIA E SOI"IDAR.IEDADE
Kashiura J únior (u sP)
Márcio B ilharinhoNayes ((l nícamp), celso N aoto COM A VIDA
geral do direito e o marxismo;
1 Introdução; 2 Antecedentes de A teoria Artig o -homenag em do Prof,J o sé G erald o de S ousaJ unior {U nB)..........3 4L
3ImpactoerepercussãodeAteoriageraldodireitoeomarxismo;4.
5 Con.
Método e idéias centrais de A teoria geral do
direito e o marxismo;
clusões; Bibliografia """'205

HUMANOS
UMA ANÁLISE PRAGMÁTICA DOS DIREITOS
Lorena Freitas (UFPB)....." """""""226

n ntRuTos HUMANoS:
CRISE EcoNoMIcA, DESGL0BALIZAçÃo
NA PERSPECTIVA
OS DESAFIOS DA CINANENTA COSMOPOTITA
CAPITAIISMO, DIREITO E POLÍTICA HOíE

Alysson Leandro M as caroaa

Nos tempos de hoje, o neoliberalismo tem sofrido agudas


riticas, o que se apresenta como fato novidadeiro e alvissareiro.
{
l)t'sde a década de r970, a investida do grande capital contra as so-
r i.clades de capitalismo reguÌado
- chamadas de bem-estar social
Ílcrou um reforço das formas ideológicas de louvação do capital
, orÌtra o trabalho. com o fim das experiências de tipo soviético,
no
lrrral da dócada de 1980, o socialismo foi tido como horizonte po-
lrtico ainda mais enfraquecido, em face do apogeu dos mercados
lrrranceiros e especulativos mundializados, Mas a glória escondia
{) r.astro da tragédia do capitalismo. o que sempre foi claro se fez
.rirrda mais explícito com as crises do grande capital desde o final
,l,r primeira década dos anos 2000.
Com a atual crise, Marx, um incômodo para ideologia bur-
flrrcsa bem assentada, volta a ser lido pela academia e pelos eco-
rromistas. No entanto, estará o tempo presente de fato imbuído de
rrrn genuíno aprofundamento na compreensão teórica e no estabe-
l.cimento de práticas de superação do capitalismo? o capitalismo
',r'r-á questionado a fundo? o socialismo será desejado? os tempos
rk: crise, se permitem o radicalismo de investigar em bases mais
pnrfundas suas causas, também permitem velhas ilusões - como
,r:; reformistas, de corte social-democrata
- ou até mesmo os piores
r,'médios de contenção de qualquer superação. o reacionarismo de
trlro nazi-fascista foi a solução extrema que o século xX encontrou
,'ru face das contradições do próprio capitalismo liberal. o liberalis-

l'1. Professor da Faculdade de


Direito da universidade de São paulo (Largo São
I r,rrtciscoJ e da
Pós'Graduação em Direito PoÌítico e Econômico da Universidade
I'rt'sbiteriana Mackenzie. Doutor e Livre-Docente em Filosofia e Teoria Geral do
Itrrcito pela usP. Advogado e Parecerista em são paulo. Membro da comissão
,i,'lìnsino Jurídico da oAB/sP. Autor, dentre outros, de "Filosofìa do Direito,,
1l'rlitora AtlasJ.

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mo era desejável à burguesia, mas o socialismo só pôde ser contido todas elas, de alguma maneira, jurídicas e estatais. Sob o modo de i

por meio de doses extremadas de exploração e opressão, mediante llrodução capitalista, a história viveu vários arranjos políticos e eco-
ditaduras e holocaustos. nômicos - liberalismo, neoliberalismo, intervencionismos nos rnais
Para que nossos tempos não encontrem as piores soluções variados graus, fascismos, nazismo, bem-estar social, imperialismo
travestidas como novidades, é preciso rnais uma vez investigar ctc. Até mesmo algumas experiências ditas por "socialistas" - capi-
como o marxismo - enriquecido das experiências do século XX - talismo de Estado - podem ser inseridas no mesmo rol. O que unifi-
há de ler as relações entre economia e sociedade. Especificamente ca a todas essas experiências não são os tipos de conteúdos atribu-
no caso do direito, é preciso devez enterrar as ilusões de sua neu- ídos aos direitos subjetivos, nem a quantidade de direitos de cada
traÌidade e compreender sua natureza estrutural. Não é por meio tlual - vai-se desde um extremo nazista, que nega absolutamente ji

de instrumentos jurídicos que do capitalismo se chegará ao socia- tlireitos a um grupo social, até a universalidade jurídica de muitas
lismo. O justo, desejado como superação dos tempos presentes, é repúblicas, desde uma generosidade social-democrata à avarenta
maior que 0 jr.rrídico. tlerrocada neoliberal dos direitos sociais. Em todas as experiências
lrolíticas e econômicas do capitalismo na ldade Contemporânea, re-
rrìanesce apenas, em maior ou menor quantidade, a qualidade do
1. A natureza específica do direito e do Estado rlireito, a forma jurídica.
Uma das potências já há muito consolidadas da análise mar- Se Estado e direito atravessam, como formas derivadas do ca-

xista a respeito do direito é o fato de que sua apreensão sobre o pital, toda atividade capitalista, não se há de pensar que haja me-
fenômeno jurídico se faz por meio de categorias mais amplas e pro- t;anismos de superação das contradições capitalistas presentes por
fundas que aquelas da simples identificação entre direito e norma rneio dessas mesmas formas que lhe são necessárias. A reprodução
jurídica. Nas sociedades capitalistas, o direito adquire uma estru- r,conômica do grande capital, que se Íaz de modo geral no seio das
tura específica, cuja forma é correlata à circulação mercantil. Para r'elações empresariais, encontra no átomo da empresa, como pes-
,;oa jurídica transacionando produtos, necessariamente a presun-
que se dê a troca de mercadorias e a exploração do trabalho de ma-
neira assaÌariada, é necessário que haja uma categorização jurídica çao de forma jurídica. O Estado, em interação com outros Estados e
que sirva de constituinte de tal relação. No sujeito de direito, que se particulares, é também considerado um sujeito de direito. Se a um
constitui como veículo próprio das trocas de mercadorias - e que lirupo social os direitos são negados - judeus no nazismo, negros
depois o juspositivismo há de considerar ponto atomizante univer- rro Brasil escravista do século XIX - os mesmos direitos subjetivos
r;iìo garantidos a outros grupos, no mesmo Estado e no mesmo tem-
sal de incidência dos direitos subjetivos e das obrigações -, está o
cerne da forma específica do direito no capitalismo. po, de tal sorte que a categoria sujeito de direito subjaz, ao menos
A partir da forma-sujeito, levantam-se o arcabouço jurídi 1r;rrcialmente, até nos casos extremos de escravagismo e nazismo. A
das sociedades contemporâneas e, também, as estruturas políticas lrropriedade privada é quase sempre uma atribuição indelével e sa-
r rossanta ao sujeito de direito. Variam a quantidade de direitos, seu
que lhe são peculiares: o Estado moderno é aquele que se consti.
r ol, seus interesses, o raio de sua incidência, mas não varia a forma
tui na relação com sujeitos-cidadãos, que são os sujeitos de direito
vistos pelo ângulo político. Nas sociedades capitalistas, o Estado o rlt' sujeito de direito que alimenta sua reprodução. A essa invariante
direito são elementos necessários de sua reprodução, tanto assim rro capitalismo, agora sob o olhar político, se dá o nome de cidada-
que as mais variadas e elásticas organizaçóes do capitalismo são rri.r - o sujeito de direito é sujeito eleitoral, com direito a votar e ser

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as categorias do Estado diretamente das categorias do capital, pen-
Vgtado" Ernbora muitos a considerem, atualmente, Sotrnente como
sadores corno |oachim Flirsch estabelecem as mais profícuas refle-
uma medida de certas quantidades de direitos garantidos pelos
xões sobre o papel do Estado na crise do capitar, desmontando as
Estados, a cidadania, como forma política estatal aos indivíduos, é
recol'rentes ilusões * havidas até mesmo entre alguns rnarxistas - a
uma constituição necessária da lógica de reprodução do capital. No
respeiter cim ì:rapeï posítívei do Estaclo nÌa sLÌporação das coretradições
meio de tais amarras estruturais, contingentes são a luta de classes
Jas socicd*dc: cacital;stas"
e os ganhos e perdas quantitativos no seio dessa mesma lógica. o
capitalism o faz o direito variar em quantidade e em extensão, mas
não em forma, porque justamente na forma está o segredo da re-
f , Fr*ïíüir:a ,;lir"*Ëütl irua mtmatÏ ca-ise c{al capËfralüsmao
o:r
produção constante do caPital'
os telnpos a"tuais tôrn visto nlurdanç;ls no pônduro econômico e
A mesma leitura quanto ao direito se dá no que tange à polí-
pnlíticu clo capitaiÍsrn*: não só o laorizCInte mudou, mas até rnesmo
tica. O Estado foi tomadn, na história dos séculos modernos e con-
su;l birssola faxh;a. irío lrtundo e no ïJrasil, a onda neoiiberai chegou
temporâneos, cgmo urn elemento neutro e acima de todaS aS par-
ã uÌïìa encrulzilhada n;r- qual não garantr: rnais automaticamente sua
tes - porque "público", desinteressadamente maior que o "privado"'
reprodr-rção" A erise, que antes cÌemonstr"ava seus sintomas e suas di-
Teorias como a do contrato social ajudaram nessa legitimação do
,,bem-Comum". Ocorre que há muito o marxismo tem demonStrado fÍculclades conjunturais, agora desnurlou de vez sua face estrutural.
CIcorre qì,re â r:rise do capitalisrno pnesente não pode ser pen-
afalâciada neutralidade do Estado. Se é verdade que dentro do pró-
sacla como eventü historicamente linear e limite. Ela não é a primeira
prio movimento socialista residem incompreensões a eSSe respei-
do capitalismo; a depender da evolução da atual reação dos explo-
to, a melhor teoria marxista, no entanto, tem avançado no sentido
rados e dos exploradores do mundo, não será a última. As causas da
de captar a especificidade da forma política estatal: o Estado é a
crise presente são devidas tanto às circunstâncias específicas do ne-
forma de organização política necessária do capitalismo'
oliberalismo quanto à própria estrutura da reprodução capitalista.
Marx, principalmente em "O Capital", eleva ao máximo as
No que tange ao neoliberalismo, rompe-se com a antiga organização
exigências teóricas quanto à análise do direito e do Estado no ca-
produtiva típica do capitalismo dos tempos posteriores à Segunda
pitalismo, identificando suas naturezas intrinsecamente ligadas à
Guerra Mundial. A produção do capitalismo ocidental, de tipo fordis-
dinâmica do capital, o que leva à necessidade de superação dos tra-
ta, jungiu capital e trabalho num tipo de relação que tinha por base
balhadores mediante arranjos maiores que aS formas institucionais
uma majoração no estoque de direítos de bem-estar social. o papel
do capital. A ilusão do reformismo e das conquistas graduais como jogado pelo direito foi muito importante nesse momento: desde o
acúmulo de quantidades que por si só levariam à qualidade de so-
grande planejamento econômico, passanclo pela rede de bem-estar
cialismo é desnudada. Engels e Kautsky, em "O Socialismo furídico'l
social, chegando à regulação do trabalho e da organização sindical,
já denunciavam a impossibilidade do socialismo ser alcançado por
viu-se o florescimento de um tipo específico de reprodução do capi-
meio de ganhos jurídicos. No século xx, os melhores pensadores do
fial com urna dose maior de coesão entre as classes.
marxismo se encaminham pelo mesmo sentido. No início do século,
Desde a década de 1920, no entanto, opera-se uma ampla in_
iá Pachukanis despontava como o melhor teórico do marxismo
no
vesticÌa ïnessa coesão da luta de classes do capitalismo central, ope-
tratamento das questões cïo direito. No finai do século, uma gran- i:ada prineipalmente pelo grande capitar, liderada pelos rnaiores
de corrente de pensadores, denominada Escola do Derivacionismo,
celnglonaerados ernpi'esaniais e pelo mrercado fÍnanceino especula-
elaborou a melhor anáìise ïnarxista a I'espeito do Estado. Ao derivar

9B 99
tivo. Tal movimento alcança a ideologia - o neoliberalisrno é um entre classes, nt-'rn eiefflentü {-true protnoì1it ,1 rjupremacia das clas-
horizonte cultural absoluto cultivado iunto às massas e às elites -, ses trabalhadoras, porque, se é verdacie que eÌe porle ser dominado
mas, principaimente, o campo da política. Os marcos de Margareth eventuaimente pelos explorados, a sua f'orrna é necessariamente
Thatcher e Ronald Reagan representam o momento no qual se ini- aquela que constitui e permite a reprodução do capital. A forma do
cia a operacionalizaçã,o política e jurídica da investida neoliberal. Estado alimenta necessariamente a valorização do valo4, sob risco
Se o fim do neoliberalismo é a majoração do ganho e das facilidades de pôr em xeque sua própria existência. Assim sendo, há uma fra-
econômicas, ele não se esgota no campo da economia. O seu trans- tura estrutural no tipo de socialÍzação geral prornovido pelo modo
borde para a política e o direito é necessário, porque nesse campo de produção capitalista. Seus instrumenros poiÍticos - o Estado, a
as lutas neoliberais serão constantemente travadas. cidadania, o interesse público - são forma da manutenção da explo-
Não se trata de veÌi com o neoliberalismo, uma minoração do ração, e seus instrumentos jurídicos - como os direitos individuais
direito, mas sim uma majoração deste, apenas em sentido contrário c sociais - são fbrma pela qual a reprodução do capital atravessa
ao da inclusão social das rnassas dentro da lógica anterior de coe- os indivíduos e as classes, constituindo-{J:ì lrlstamente mediante tal
são do capitalismo. A retirada de direitos sociais é, na verdade, um atomização jurídica"
processo de ampliação das relações jurídicas, sejam aquelas que, A crise do capitalismo presente é tomada, pela maioria dos
no campo privado, vendem mercadoria em lugar do serviço presta- críticos, apenas como crise do neoliberalismo. Se assim for consi-
do pelo Estado, sejam aquelas que reconstituem, constantemente, o derada, o direito de bem-estar social e o Estado intervencionista se-
tecido da própria normatização do Estado, trocando planejamento riam os instrumentos por excelência da sua superação. Ocorre que
por regulação ou segurãnça social por repressãti policial. Quanto a crise do neoliberalismo é apenas urn tipo específico dentro de um
mais instável é a reprodução do capitalismo neoliberal, mais o mo- sistema que porta a crise necessariamente em suas estruturas. É
vimento é no sentido de consertar seus sintomas e suas Ì'upturas, preciso que se entenda a crise do capitalismo presente não apenas
ainda que com planos cadavez de menor alcance e com notável um como crise do neoliberalismo, mas sim como crise do próprio modo
grau de cegueira quanto ao futuro. de produção - e, neste caso, ela é mais uma na longa lista das crises
Mas a crise do capitalismo presente é tanto do neoliberalismo do capitalismo, que é instável, dinâmico e frágil. Por isso, a investi-
quanto do próprio capitalismo. Também aqui o papel do direito e gação a respeito do papel do direito e do Estado em face da situação
do Estado se faz presente e, justamente, pelas suas razões de na- de crise na reprodução econômica necessita ser muito mais ampla,
tureza estrutural. Plantado num regime de exploração de classes demonstrando como a emancipação da classe trabalhadora não se
e de concorrência entre os agentes da produção, o capitalismo não bastará, de modo algum, com ganhos obtidos por meio de majo-
apresenta, estruturalmente, meios de sustentar alguma concórdia ração de direitos subjetivos, nem com concórdias promovidas no
ou uma reprodução harmônica e constante. A sua coesão entre próprio seio das instituições políticas estabelecidas nas sociedades
classes é sempre provisória e frágil, não apetras contra injunções capitalistas.
externas, mas em face do próprio talhe de suas reiações constituin- Mais uma vez o pensamento crítico é chamado ao novo, às
tes. O conflito e a crise estão inscritos necessarialnente no modo grandes esperanças e às grandes forças utópicas concretas, no ter-
de produçãc capitalista. Em face da exploração burguesa, o direi- mos cada vez mais presentes do dizer de Ernst Bloch. A solução de
to não salva os explorados; antes, o direito constitui a exploração. conter a crise do capitalismo por meio de instrumentos jurídicos
O Estado, por sua vez, não pode ser nem elemento da concórdia - pleitos pela dignidade humana como garantia de direitos - é, na
100 101
político capitalista" A expansão do consurnc' é uma das faces rnais
verdade, a busca por remeïÌdar a sociedade um pouco mais do neo- visíveis dessa felicidade ainda inscrita apenas e!n marcos mercantis.
liberalismo e quase nada do próprio capitalismo. As alternativas do A afirmação jurídica das minorias e dos grupos explorados é cons-
socialismo são o novo que deve ser pensado como superação plena truída a partir de um movimento de normalízação desses mesmos
das contradições e explorações do presente' grupos dentro das bases já dadas de um sistema de exploração que
Uma das dificuldades ern avançar pelo novo se dá pelo fato de não é contestado. Obtidos seus ganhos em determinados níveis, os
que, em face da tragédia de um tempo, buscam-se os modelos mais
setores minoritários tenderão ao conservaelorismo político.
próximos que permitam, a0 invés da inovação econômica, política, É verdade que as potenciais conquistas jurídicas atuais - das
social, ideológica, moral e cultural, uma cópia nu imitação. Quando minorias e de inclusão de classes em alguns países periféricos do
O Capitalismo expõe a cr'ìse, OS C0nscrvadorcs, úiìit SÊ círiontídrÌì
capitalismo - são alentadoras em face da absoluta miséria política
em seu interior resistinçlo a quaÏquer muciança, pleiteian:r a*s criti- neoliberal, de onde reluzem como contr"aposto, rnas são, por sua
cos por exemplos em serltido contrário. ,5e ele-q nãn sãn d;rcios, en- natureza estrutural, irrernediavelmente conservadoras. É que o
tão, pela itÌeologia con:çel"vadüï'4, a urÍse sc iilríìÊ l:tt'xr-rl;rvel' lle aìes neoliberalismo conseguiu a proeza de sufbcar a possibilidade de
existem, entãcl nãO se tra'ta eie inovan nxa."j eFleÌ'!as ne rnplia.r. articulação dos explorados e das minorias tanto no campo práti-
Ao mesmo ternpo da crise do capitaïisu'10 ccnLial, qu,: cotldu-
co político quanto no plano ideológico e simbólico. A hegemonia
ziu durante algtlmas rlécadas o rraodelo neoliÌrera[ - Ettropa e EUA do pensamento neoliberal desarticulou as tradicionais referências
-, Outros rnodelos coÍïleçaranÌ a se apresentar: ern detenminados de resistência socialista, e o consumismo sob forma tecnológica ul-
países, experiências intervenclonistas de expansão capitalista têm
traindividualista constituiu uma nova subjetividade geral, no plano
florescido - como na china e no Brasil - e, ern algumas regiões do mundial. O retrocesso das últimas décadas não se acompanhou do
mundo, ganhos sociais a partir de movimentos ligados aos Estados fortalecimento da resistência da classe trabalhadora e dos grupos
têm avançado - na América Latina, com Bolívia, Equadoq Venezuela oprimidos: pelo contrário, desarranjaram suas modalidades clássi-
e Argentina, por exemplo. Se há pouco em cornum entre o caso
das
cas - sindicatos e partidos políticos de esquerda - e encontraram
economias de potências ernergentes e o caso da esquerda latino- dificuldade em se rearticular em bases suficientes de luta.
-americana, igualam-se ao meÌÌos por se pautarem por uma reto-
Dentro dos ganhos políticos da atual saída do neoliberalisrno,
mada de alguns direitos sociais e ganhos econômicos concretos às há variáveis. Nas potências capitalistas emergentes, como nos cha-
classes exploradas, num processo respaldado e sustentado pelos mados Brics, uma saída da pobreza mais rápida tem sido percebida,
Estados nacionais. É a partir dessa frente que um pêndulo antineo- fazendo com que classes pobres ganhem possibilidades econômi-
liberal - de muitas vertentes é verdade - começou a despontar. cas concretas, embora o estoque dos direitos e a articulação política
Partindo da relação estrutural que há entre a lógica do direito correspondente se encontrem praticamente nas mesmas medidas.
e a lógica do capital, podem-se já vislumbrar implicações
jurídicas e
O que se dá, nesses casos, é um aumento de consumo das classes
políticas profundas nesse movimento pendular do capitalismo con- exploradas, atrelado a um crescente aumento de poder relativo de
iemporâneo. Os tempos atuais, ainda que avancem em maior quanti- suas burguesias nacionais em face do mercado internacional. No
dade de direitos ao povo, às classes trabalhadoras e às minorias, não caso da América Latina mais à esquerda, as dificuldades econôrni-
parecem caminhar ao ponto de ruptura com a prôpria forma que cas enfrentadas são maiores, embora o grau da participação políti-
sustenta a lógica de reprodução do capital. O aumento dos ganhos ca dos explorados e das minorias seja mais pronunciado, fazendo
dos explorados e das minorias é feito dentro do padrão jurídico e
1-03
1"02
com que as instituições estatais e o dineito sejarn tensionados ao de classes, permitindo serem vislumbradàs então, ainda que como
limitsde alguma majoração quantitativa em seu favor. Em face das hipótese, novas correlações de força dos próprios grupos sociais
políticas internas do Brasil, da China, da Índia e da Rússia, casos explorados. Numa política de acoplamento suave à dinâmica do ca-
ão*o o boliviano, o venezuelano e o argentino parecem ser mais pital internacional, inscrevendo-se como exportador de produtos
sólidos quanto à construção da plataforma futura das lutas sociais, primários, a resposta à pergunta será negativa. Além disso, o forta-
com uma proteção jurídica e política mais forte às minorias, à voz lecimento econômico do país poderá lograr um outro grau na sua
dos trabalhadores e dos sindicatos. Trata-se de uma luta travada inserção política internacional? Neste caso, cuja resposta parece ser
ainda dentro dos marcos institucionais capitalistas' De outro lado, positiva, a fortaleza ganha, se houve4 será do capital nacionar, não
a inserção cada vez maior de Brasil e China na economia capitalis- das classes trabalhadoras. o apoio estratégico aos próprios países
ta mundial vai se revelando cadavez mais conservadora: sem con- vizinhos de esquerda e o fortalecimento comercial sul-sul, ao cons-
frontos abertos de classe, estes paíSes tornam seus pobres mais Sa- truírem espaços políticos novos, fazem-no como fortalecimento das
tisfeitos existencialmente no plano do consumo e das necessidades classes dominadas nacionais - dando-lhes poderes e instrumentos
básicas imediatas, mantendo as suas agudas contradições sociais de luta, com outras margens de manobra para urna futura polari-
zação progressista tanto interna quanto internacional -, ou apenas
internas, mas arrefecendo seus potenciais de luta.
Poder-se-ia argumentar que o caso brasileiro também revela- revigoram os setores burgueses nacionais de poder mais galopante,
ria um potencialde instrumentalização progressista, num ganho que como os agroexportadores?
se apresentaria como diferÍdo.São dúvidas persistentes num mode- o aumento dos direitos em alguns países e o estancamento
lo que não é de contestação, mas sim de acoplamento à dinâmica do da perda de direitos em outros representa um novo momento no
capital mundial, que aprisiona cada vez mais economias a uma cri- arranjo quantitativo do direito do capitalismo mundial contempo-
se estrutural. A retomada brasileira nos últimos anos, liderada pelo râneo. se é um processo com potencial de consolidação de ganhos
Partido dos Trabalhadores, se assenta em bases sociais que garanti- eu se é meramente provisório, ou mesmo se é um trampolim para
rão uma escalada progressista na transformação Social? As classes lutas sociais mais estruturais e transformadoras, o tempo e as cir-
burguesas atualmente favorecidas - em especial as exportadoras de cunstâncias futuras o mostrarão. Mantendo a mesma lógica que re-
matérias-primas e produtos agrícolas - e as classes pobres consumi- alimenta o capitalismo, o progressismo jurídico atual corre c risco
de jogar água para o moinho de uma economia-mundo que o traga-
doras estariam imunes a apoiar posteriormente políticas regressis-
rá posteriormente.
tas, tratando-se especificamente das disputas internas? Os campos
estruturais de domínio ideológico - como os meios de comunicação A crise do capitalismo presente encontra, da parte dos juris-
de massa, que perfazem a orientação e os valores quotidianos da po- tas em todo o mundo, um profundo cinismo: a crise sempre permi-
pulação * têm sido nos últimos tempos confrontantes explícitos dos te, à classe dos operadores do direito, maiores ganhos materiais.
ãtu"ir modelos de maior autonomia desenvolvimentista nacional e Mas, a muitos dos críticos do próprio mundo * e há deres no campo
de ascensão das massas consumidoras. direito -, a crise tem ensejado o esLroço das velhas armas jurídicas
Em termos de estratégia, é também necessário que se inda- contra o neoliberalismo. se elas são eficazes imediatamente, se são
gue sobre o quaÌìto a indução ao crescimento econôrnico nacional apenas o desafogo dos que não alcançam outros meios, trata-se de
de fato tem enfraquecido relativamente o domínio do capital inter- outra questão, Acima de tudo, o tipo cle reprodução da sociedade e
nacional no Brasil, reposicionando as contradições econômicas e também do jurista não o tornam preparados para o justo. o dia da

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libertação dos explorados, o dia da igualdade profunda entre to-
dos, esse dia do justo não é suportável pela maioria, seja porque
seu imediato modelo de vida se afeta, seja porque sua ideologia foi
constituída para se situar numa rede infinita de explorações, posi-
cionando-se hierarquicamente nela.
Por outro lado, no enredar desta crise do capitalismo, que
eventualmente não consegue mais estabelecer uma constância de
reprodução do capital sem altíssimos custos, pode-se revelar uma
urpé.i" de inspiração necessária para que o avanço das lutas so-
ciiis se dê em busca do socialismo. Eis o justo que está no solo ger-
minado como potência e ao qual a mão ainda nem se aproxima, mas
poderá segurar como rosa desabrochada.

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