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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2017.0000606129

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº


0114031-78.2010.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
FUNDAÇÃO NOVO MILENIO (MANTENEDORA DA FACULDADE NOVO
MILENIO), é apelado INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL SÃO MIGUEL PAULISTA
IESMP (MANTENEDORA DA UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL UNICSUL).

ACORDAM, em 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao
recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CESAR


CIAMPOLINI (Presidente) e ENIO ZULIANI.

São Paulo, 16 de agosto de 2017

HAMID BDINE
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

.Voto n. 14.894 – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.


Ap. n. 0114031-78.2010.8.26.0100.
Comarca: São Paulo.
Apelante: FUNDAÇÃO NOVO MILÊNIO.
Apelado: INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL SÃO MIGUEL PAULISTA
- IESMP.
Juiz: Dimitrios Zarvos Varellis.

APELAÇÃO. AÇÃO MONITÓRIA. PAGAMENTO DE


SOMA EM DINHEITO. EMBARGOS. PRELIMINARES.
CERCEAMENTO DE DEFESA. Produção de prova pericial.
Esclarecimento da culpa pela interrupção do negócio.
Inutilidade da prova. Suficiência dos documentos constantes
dos autos para o julgamento da demanda. Ausência de
nulidade. AUDIÊNCIA PRELIMINAR DE TENTATIVA DE
CONCILIAÇÃO. Ausência que não implica nulidade. O
exercício da conciliação prescinde da intermediação do juiz.
MÉRITO. Partes que não superaram a fase de tratativas.
Celebração do contrato dependia do esclarecimento de diversas
circunstâncias relacionadas com as bases financeiras da
operação. Instrumento que não obriga qualquer das partes a
firmar o contrato definitivo. Desinteresse mútuo pela
celebração do contrato. Dever de recondução das partes ao
estado anterior como consequência do desfazimento do
negócio. Restituição da quantia devida. Discussão da causa do
rompimento pode interessar em ação própria destinada a apurar
perdas e danos sofridos com o rompimento da relação.
Sentença mantida. Recurso improvido.

A r. sentença de fs. 274/277, cujo relatório se


adota, rejeitou embargos e constituiu de pleno direito o título
executivo para condenar a embargante ao pagamento da quantia
de R$1.000.000,00, bem como condenou das verbas de
sucumbência.

Inconformada, a embargante apelou. Sustentou,


em preliminar, nulidade da sentença em virtude do cerceamento
de defesa no que se refere à necessidade de prova oral para

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esclarecer culpa pelo desfazimento do negócio jurídico e também


pela ausência de designação de audiência preliminar de
conciliação. No mérito, afirmou que o memorando de
entendimentos firmado pelas partes equivale-se a contrato
preliminar, motivo pelo qual possui força obrigatória entre as
partes. Aduziu que a embargada deu causa ao desfazimento do
negócio. Asseverou que a parte contrária tinha conhecimento de
sua situação financeira e por isso não poderia ter justificado a
resolução com base nisso. Pleiteou a conversão do sinal pago pela
apelada em indenização pelo arrependimento do negócio.

Recurso regularmente processado, com preparo


(fs. 299/300) e contrarrazões (fs. 307/340).

A Colenda 7ª Câmara de Direito Privado declinou a


competência para uma das Câmaras Reservadas de Direito
Empresarial (fs. 350/355).

Contra essa decisão foi interposto recurso especial


(fs. 366/373) e respectivo agravo (fs. 492/499), resultando nas
decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que
mantiveram o acórdão recorrido (fs. 536/537 e 560/562).

É o relatório.

As preliminares de fs. 284/286 devem ser


rejeitadas.

O reconhecimento do cerceamento de defesa pelo

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julgamento antecipado do mérito depende do convencimento de


que o meio de prova, no caso o oral, era necessário e útil para a
solução do litígio.

Como se sabe, o controle da produção da prova é


pautado pelos critérios de admissibilidade, pertinência e
relevância, nos termos do art. 130 do CPC/73:

“PROCESSO CIVIL. PROVA ORAL. Constatando


que o desate da lide não exige a produção de prova
oral (inidônea para contrariar a prova documental),
o juiz deve dispensá-la. Recurso especial não
conhecido” (REsp n. 264647, rel. Min. Ari
Pargendler, j. 16.11.2006).

O apelante afirma a necessidade de


esclarecimentos sobra o motivo do desfazimento do negócio (fs.
285).

A inicial se ampara em memorandos de


entendimentos firmados pelas partes que visavam à celebração de
um contrato futuro envolvendo a transferência e prestação de
serviço público de educação.

O segundo memorando, de 9 de março de 2009,


ratifica o primeiro (fs. 71, considerando II) e estabelece que a
apelante é devedora da apelada pelo valor de R$1.000.000,00 (fs.
71, considerando V) e ainda modifica as condições do pagamento
na medida em que as partes ainda se interessavam pela
continuidade das tratativas (fs. 71, considerando VI; e 72,
cláusula 2.1), conforme condições previstas na cláusula IV (fs.

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73/74).

A prova documental, portanto, é suficiente para o


julgamento da demanda tendo em vista que a apelada pretende a
restituição de valor reconhecidamente devido pela apelante, o que
torna inútil a produção da prova oral para esclarecer qual das
partes deu causa ao desfazimento do negócio.

Ademais, o fato do r. juízo de primeiro grau ter


determinado que as partes especificassem as provas a serem
produzidas não impede o julgamento antecipado da lide, nos termos
do art. 330, I do CPC, nem viola o direito de defesa, pois o juiz é o
destinatário da prova, cabendo a ele aferir a necessidade de sua
produção. Nesse sentido:

“CERCEAMENTO DE DEFESA - Especificação de


provas pelas partes - Julgamento antecipado da lide -
Possibilidade do juiz dispensar a produção de provas -
Princípio do livre convencimento motivado Aplicação
do art. 330, I do CPC -Preliminar afastada. (Ap. n.
0010092-77.2008.8.26.0286, rel. Des. Elcio
Trujillo, j.16.3.2011).

“Em nenhum momento os apelantes se preocuparam


em demonstrar a efetiva necessidade ou utilidade de
produção de provas orais, indicando
circunstanciadamente que fatos seriam comprovados
por elas. Ademais, a respeitável sentença recorrida
pode extrair dos elementos acostados aos autos todos
os contornos necessários para forrar a convicção do
julgador quanto aos fatos alegados e quanto ao direito
aplicável, não sendo o caso de se anular o feito para a
produção de provas cuja pertinência não foi
claramente evidenciada” (Ap. n.
9178918-10.1999.8.26.0000, rel. Des. César
Lacerda, j. 09.5.2001).

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A ausência de audiência de conciliação não implica


nulidade, pois esta almeja imprimir celeridade à solução da
demanda, segundo o prudente arbítrio do magistrado (CPC/73,
art. 331, §2º), sobretudo se a hipótese comportar julgamento
antecipado, como no caso. Ademais, o exercício da conciliação
prescinde da intermediação do juiz, podendo a parte obtê-la por
meios diretos:

“A designação de audiência preliminar,


disciplinada pelo artigo 331 do CPC, só é exigida
quando não é caso de julgamento antecipado, e
ainda com ressalvas, de modo que não há vício
processual pela falta de sua designação, no caso.
Ademais, a convocação das partes para a tentativa
de conciliação constitui simples faculdade do juiz,
e não imposição legal para todos os casos. Além
disso, o julgamento antecipado da lide não implica
cerceamento de defesa quando os elementos de
instrução constantes dos autos são suficientes
para a solução da controvérsia.” (Ap. n.
0000116-13.2010.8.26.0242, rel. Des. Antonio
Rigolin, j. 21.8.2012).

Rejeitadas as preliminares, no mérito, o recurso é


improvido.

Nelson Rosenvald ensina que o contrato


preliminar antecede o definitivo e obriga as partes celebrá-lo,
funcionando como “pacto de contrahendo”:

“Enquanto, no contrato principal, o objeto consiste


na obrigação de dar, fazer e não fazer, no contrato
preliminar, traduz-se na obrigação de concluir o
contrato principal, ou seja, uma obrigação de fazer

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em momento futuro.” (Código Civil Comentado,


Coord. Cezar Peluso, 8ª ed., Manole, 2014,p.
483/484).

Do exame das provas dos autos, verifica-se que as


partes ainda estavam em tratativas, apesar da fase adiantada:

“Ademais, na fase das negociações preliminares, as


partes costumam celebrar os chamados acordos
provisórios, usualmente denominados de minutas,
esboços ou cartas de intenção. Elas já se vinculam
a determinados pontos do negócio, mas sem se
obrigar a celebrar o contrato principal enquanto
não se acertam com relação aos demais aspectos.
Os acordos parciais não geram a obrigação de
celebração do contrato definitivo, pois não se
pactuou ainda no que tange às cláusulas em
aberto. Assim, se as partes não celebram o
contrato definitivo, por não alcançarem consenso
em relação aos pontos em aberto,
automaticamente se extingue o acordo provisório.”
(idem, p. 484).

O pagamento de determinada quantia em favor da


apelante representa apenas eventual intenção das partes firmarem
contrato.

O grande efeito desse pagamento, na hipótese dos


autos, foi conferir à apelada direito de preferência na aquisição
dos cursos da apelante (fs. 73, cláusula 3.2).

Não é possível concluir que as partes superaram a


fase de tratativas, pois a celebração do contrato dependia do
esclarecimento de diversas circunstâncias, em especial, a
necessidade de revisão das bases financeiras envolvendo a

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operação vislumbrada pelas partes modificadas desde o primeiro


memorando de entendimento (fs. 72, considerando VIII).

Ficou estabelecido que a apelada teria prazo para


formalizar proposta para a aquisição de determinados cursos
ministrados pela apelante (cláusula 2.2, fs. 72) após auditar
contas (fs. 74, cláusula 6), situação que já prevista no primeiro
memorando (fs. 52, cláusula 6.8).

É de se destacar, ainda, que o segundo


memorando tinha o prazo determinado de dez meses (fs. 76).

Embora as partes tivessem em fase adiantada das


tratativas, não parece que chegaram a superá-la. Prova disso é
que o instrumento não obrigou qualquer das partes a firmar o
contrato definitivo.

Independente das razões que conduziram as partes


ao encerramento das tratativas (fs. 80/116) prepondera o fato de
que elas se desinteressaram mutuamente da celebração do
contrato.

É o que resulta do próprio ajuizamento da ação


assim que encerrado o prazo de vigência do segundo memorando
de entendimentos (fs. 2 e 76) e pela falta de interesse da apelante
de manter as tratativas, o que é coerente com o fato de já ter
alienado seus cursos a terceiro em 2011 (fs. 341).

Acrescente-se, ainda, que independente da

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natureza do negócio jurídico firmado pelas partes, as partes


devem ser reconduzidas ao estado anterior como
consequência do desfazimento do pactuado, o que significa que
a apelante deverá restituir a quantia por ela recebida, como
concluiu o juiz da causa (fs. 276).

Frise-se que a causa do desfazimento do negócio


pode ser relevante para a discussão em eventual ação própria em
que se as partes poderão discutir supostas perdas e danos
sofridos com o rompimento da relação e eventuais encargos
decorrentes das obrigações assumidas perante a parte contrária.
Mesmo considerando a fase de tratativas, o não
aperfeiçoamento do contrato almejado pelas partes não desobriga
a parte culpada de indenizar os danos provocados à parte inocente
pelo rompimento das tratativas com fundamento na violação da
boa-fé objetiva expressa no art. 422 do CC em virtude do dever
acessório de proteção da contraparte.

A ruptura indevida das negociações pode


representar violação à lealdade recíproca e quebra da confiança na
hipótese de o comportamento da parte culpada ter impedido a
consumação do pacto que estava próximo, dependendo da
auditoria de contas da apelante.

Assim, prevalecendo o dever de a apelante restituir


à apelada a quantia por ela recebida como forma de restabelecer
as partes ao estado anterior das coisas em consequência do
desfazimento do negócio, fica mantida a r. sentença.

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Diante do exposto, NEGA-SE provimento ao


recurso.

Hamid Bdine
Relator

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