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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


27ª CÂMARA EXTRAORDINÁRIA DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Registro: 2017.0000878194

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


0061241-41.2011.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante
TELLEMAX CONSULTORIA EM TELEMARKETING LTDA, é apelado TREND
FOODS FRANQUEADORA LTDA.

ACORDAM, em 27ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal


de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria de votos, rejeitaram a
preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, vencida a 2ª juíza, e, no mérito, por
votação unânime, deram provimento em parte ao recurso. Participaram o 4º e o 5º
juízes.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EDGARD


ROSA (Presidente), MARIA LÚCIA PIZZOTTI, AZUMA NISHI, CARLOS DIAS
MOTTA E MARCOS RAMOS.

São Paulo, 7 de agosto de 2017.

EDGARD ROSA
PRESIDENTE E RELATOR
-Assinatura Eletrônica-
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APELAÇÃO Nº 0061241-41.2011.8.26.0114 VOTO Nº 20.581


APELANTE: TELLEMAX CONSULTORIA EM TELEMARKETING LTDA
APELADO: TREND FOODS FRANQUEADORA LTDA
COMARCA DE CAMPINAS - 3ª. VARA CÍVEL
MM. JUIZ DE DIREITO: GUSTAVO PISAREWSKI MOISÉS

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TELEMARKETING E CALL


CENTER INTEGRADO À REDE DE LOJAS “CHINA IN BOX”
AUTORA QUE IMPUTA À RÉ A CULPA PELO INADIMPLEMENTO
DO CONTRATO E POSTULA INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS ALÉM DE COBRANÇA DA CLÁUSULA
PENAL COMPENSATÓRIA RÉ QUE, POR SUA VEZ, AJUÍZA
RECONVENÇÃO, NA QUAL IMPUTA A EXTINÇÃO DO CONTRATO
À AUTORA E EXIGE PARA SI O MONTANTE DA CLÁUSULA PENAL
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA PRINCIPAL E
PROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO PRETENSÃO À ANULAÇÃO
OU À REFORMA CABIMENTO CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO
VERIFICADO - ELEMENTOS DOS AUTOS QUE EVIDENCIAM A
RESOLUÇÃO POR FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO -
FRUSTRADO O ESCOPO DO CONTRATO, PROGRAMADO,
PREVISTO E DESEJADO POR AMBAS AS PARTES NO MOMENTO
DA CELEBRAÇÃO, POR FATO IMPUTÁVEL A TERCEIROS, NÃO
INTEGRANTES DA RELAÇÃO NEGOCIAL, SEM QUE SE POSSA
AFIRMAR QUE QUALQUER DOS CONTRATANTES SEJA CULPADO
PELA INEXECUÇÃO DA AVENÇA, RESOLVE-SE O NEGÓCIO, POR
FORÇA DO ESVAZIAMENTO DE SUA FUNÇÃO SOCIAL (ART. 421
DO CÓDIGO CIVIL), RETORNANDO AS PARTES AO ESTADO
ANTERIOR, SEM APLICAÇÃO DA CLAUSULA PENAL OU
INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS DEMANDA PRINCIPAL E
RECONVENÇÃO JULGADAS IMPROCEDENTES SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.

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1) Trata-se de tempestivo e preparado recurso de


apelação (fls. 1.482/1.509), interposto contra a r. sentença de fls.
1.470/1.478, cujo relatório se adota, que julgou improcedente a ação de
rescisão contratual cumulada com indenização por danos materiais e
morais e cobrança de clausula penal, que TELLEMAX CONSULTORIA EM
TELEMARKETING LTDA. move em face de TREND FOODS

FRANQUEADORA LTDA., e julgou procedente em parte a reconvenção,


para condenar a autora-reconvinda a pagar à ré-reconvinte a multa prevista
na cláusula 9.2 (fls. 46 dos autos).

Inconformada, recorre a autora-reconvinda,


objetivando a anulação ou a reforma do julgamento. Alega,
preliminarmente, nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, eis que
o julgamento antecipado da lide impossibilitou a produção de provas (oral
e pericial) capazes de dirimir a grande controvérsia fática instaurada na
hipótese. Alega, no mais, que a resolução do contrato se deu por fato
imputável à ré, que teria violado o dever de promover a migração das lojas
franqueadas para o sistema unificado de telemarketing. Afirma que, no
contrato, a franqueadora estipulou promessa de fato de terceiro e que a ela
cumpriria selecionar as lojas que iriam aderir ao sistema unificado e
acordar essa adesão com o franqueado, sendo a celebração do contrato
individualizado mera formalidade. Afirma, ainda, que os contratos
individualizados não foram celebrados por rejeição dos franqueados, que
se recusaram a aderir ao novo sistema. Alega, ademais, que por força da
cláusula geral da boa-fé objetiva, “era obrigação natural da apelada, não sendo
necessário que assim previsse o contrato, que esta agisse de forma a preservar o
acordo, interferindo junto aos franqueados para que estes não sabotassem o

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atendimento unificado pela prática do duplo convívio” de linhas telefônicas.

Afirma, também, que a ré-reconvinte descumpriu os deveres laterais de


lealdade e informação na fase pré-contratual, pois o preço do serviço foi
construído com base nos dados por ela repassados à autora, os quais não se
manifestaram coerentes na fase de execução das obrigações assumidas. Por
tal razão, buscou reequilibrar a relação contratual, não encontrando
alternativa senão o reajuste do preço, para acomodar o custo operacional
do contrato. Como a autora se recusou a revisar o preço, não era de se
exigir da ré que mantivesse a relação contratual com notórios prejuízos
mensais, verificando-se o justo motivo na interrupção dos serviços. Postula
a procedência da demanda principal e, por conseguinte, a improcedência da
reconvenção. Subsidiariamente, entende que deve haver redução da
clausula penal, no mínimo, proporcionalmente ao tempo de cumprimento
do contrato, assim estimado pela própria apelante: 168 dias de serviços
prestados de um prazo total de 24 meses de modo que a multa haveria de
ser arbitrada em R$ 7.698.630,14 (fls. 1.482/1.509).

As contrarrazões foram apresentadas (fls.


1.516/1.542).

A tentativa de conciliação em 2º grau restou


infrutífera (fls. 1.561).

Recurso interposto sob a égide do CPC/73 e


redistribuído a este Relator livremente, por sorteio, nos termos da
Resolução TJSP 737/2016.

É o relatório.

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2) Não colhe a preliminar de cerceamento de


defesa, tendo em vista que o julgamento antecipado, dispensada a produção
de prova oral e pericial, se deu de forma adequada, não tendo acarretado
cerceamento ao direito das partes.

A esse respeito o Egrégio Superior Tribunal de


Justiça, em v. Acórdão relatado pelo eminente Ministro ATHOS CARNEIRO,
decidiu que: “Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente
discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da realização da prova em
audiência ante as circunstâncias de cada caso e a necessidade de não ofender o
princípio basilar do pleno contraditório” (Recurso Especial 3.047-ES, DJU de 17/9/90,
p. 9514).

Com efeito, o Egrégio Superior Tribunal de


Justiça, já decidiu, em mais de uma oportunidade, que, “No nosso sistema
processual, o juiz é o destinatário da prova, cabendo-lhe, por força do art. 130 do
CPC, deferir as necessárias e indeferir as diligências inúteis ou meramente
protelatórias, o que, por si só, não configura cerceamento de defesa” (STJ, REsp
930.403/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, jul. 23.06.2009, DJe 06.08.2009).
No mesmo sentido: (i) STJ, REsp 637.547/RJ, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma,
jul. 10.08.2004, DJ 13.09.2004; (ii) STJ, REsp 1.278.627/SC, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, 3ª Turma, jul. 18.12.2012, DJe 04.02.2013).

O Magistrado a quo bem fundamentou a opção


pelo imediato julgamento da lide, visto que apenas a prova documental, cuja
produção foi amplamente facultada às partes, mostrava-se pertinente e apta
a auxiliar na formação do convencimento.

Anote-se que a eminente 2ª Juíza, Desembargadora


Maria Lúcia Pizzotti, acolhia as razões recursais, no ponto, pois considerava

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necessária a produção de provas para a elucidação da controvérsia, mas


prevaleceu, no colegiado de 5 julgadores (CPC, art. 942), o entendimento de
que era possível o julgamento no estado, sem outras provas além das que
constam dos autos.

3) No mérito, foi unânime a conclusão do


colegiado.

Cuida-se de ação de resolução contratual


cumulada com indenização por danos materiais, morais e cobrança de
clausula penal, ajuizada por TELLEMAX CONSULTORIA EM

TELEMARKETING LTDA. em face de TREND FOODS FRANQUEADORA


LTDA.

Narra a petição inicial que, após meses de


negociação, as partes celebraram contrato de prestação de serviços em 23
de fevereiro de 2011, cujo objeto era o atendimento ao público consumidor
da rede de franquias “China in Box”, por meio da venda de gêneros
alimentícios por pedido telefônico e entrega (delivery) em central (call
center) unificada. Afirma a autora que a ré se comprometeu a realizar uma
migração contínua e gradual de suas lojas franqueadas, “que tradicionalmente
trabalhavam com serviço próprio de atendimento de pedidos delivery, à utilização do
serviço prestado pela autora”, sendo que, de acordo com as previsões e dados

coletados pelas partes, o preço pelos serviços foi estipulado em R$ 2,10 por
pedido efetivado, a ser pago mensalmente à autora, por loja franqueada.

Ocorre que, segundo alega a autora, mesmo tendo


colocado à disposição toda a estrutura operacional do call center, a ré não
conseguiu cumprir a sua parte na avença, sendo que “o que se descobriu foi

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que a empresa ré Franqueadora TRENDFOODS nunca teve o poder de impor às


lojas franqueadas a adesão ao chamado programa 'central nacional de atendimento',
fato que, em momento algum, até a celebração do contrato em litígio, havia sido
relatado, ou mesmo insinuado pela empresa ré”, pelo contrário “não se poderia
imaginar que as lojas tivessem algum tipo de autonomia e independência nesse
sentido”.

Além de não ter ocorrido a adesão esperada ao


sistema unificado do call center, as lojas franqueadas que efetivamente
migraram continuaram a atender pedidos feitos diretamente pelos clientes,
que ligavam no número particular do estabelecimento, o que foi
denominado pelas partes de “duplo convívio” de linhas telefônicas, gerador
de impacto significativo no retorno financeiro esperado pela autora.

Diante desses fatos, após alguns meses de


operação, em reunião datada de 20/07/2011, a autora apresentou à ré a
necessidade de modificar o preço, sugerindo um aumento de R$ 0,33 por
pedido efetivado, ou seja, R$ 2,43, propondo um novo modelo de negócio.
Todavia, diante da recusa da ré, promoveu notificação extrajudicial,
informando que, para continuar o atendimento, o novo preço deveria ser
R$ 3,92, o que também não foi aceito.

Por tais razões, postula a rescisão do contrato por


culpa da ré, com condenação ao pagamento da cláusula penal de R$
10.000.000,00, além de ressarcimento por danos materiais e morais (fls.
1/28).

Na contestação, a ré afirma que o contrato


celebrado com a autora contém apenas regras gerais de operação do novo

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sistema de call center unificado e que, por expressa disposição contratual, a


autora deveria ter celebrado contrato individual com cada uma das lojas
franqueadas, o que não foi feito. Alega que os contratos individualizados
seriam indispensáveis, pois na condição e franqueadora, não poderia
assumir obrigações em nome dos franqueados, que são pessoas distintas.
Alega, ainda, que apesar de seus esforços, o processo de migração das lojas
desenvolveu-se lentamente, tendo havido falhas recíprocas que atrasaram o
cronograma imaginado pelas partes. Aduz que o “duplo convívio” de
linhas telefônicas ocorreu por motivos técnicos, com conhecimento da
autora. Para tentar viabilizar a manutenção da relação contratual, alega que
as partes realizaram reuniões, nas quais houve apresentação de uma
proposta de aumento do preço a ser pago à autora, para o valor de R$ 2,43
por pedido realizado. Todavia, os franqueados afirmaram não reunir
condições de suportar o aumento do custo, sendo que, no mesmo dia, a ré
encaminhou notificação na qual apresentou o preço pretendido de R$ 3,92,
86% maior do que o estipulado no contrato. Diante da recusa na alteração
do preço, a autora, em 10 de agosto de 2011, paralisou a prestação dos
serviços, sem qualquer motivo justificado. (fls. 475/528).

A ré apresentou reconvenção, em que imputou a


resolução do contrato à culpa da autora, que após a recusa de revisão do
preço pactuado, simplesmente paralisou a prestação dos serviços. Pretende
que lhe seja paga a cláusula penal, além de danos morais no importe de R$
500.000,00 (fls. 938/974).

Após resposta da autora-reconvinda (fls.


1.402/1.409) e réplica da ré reconvinte (fls. 1.468/1.469), o MM. Juízo a
quo julgou improcedente a demanda principal e procedente, em parte, a

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reconvenção, para, “rejeitado o mais nela requerido, condenar o autor/reconvindo a


pagar à ré/reconvinte a multa prevista na cláusula penal 9.2 (fls. 46 dos autos), sem
prejuízo da incidência de atualização monetária pelos índices judiciais e de juros
simples de mora de 1% ao mês, estes a contar da citação”.

4) Respeitado o entendimento do eminente


magistrado sentenciante, o recurso comporta provimento em parte.

As partes imputam-se, reciprocamente, a


responsabilidade pela extinção do contrato de prestação de serviços. O que
se vê nos autos, todavia, não é o mero inadimplemento de obrigações
assumidas de parte a parte, mas sim os efeitos de uma parceria comercial
malsucedida, fundada em expectativas e projeções iniciais que se
frustraram, em grande medida, porque havia interesse de terceiros
(franqueados) que não foram levados em conta pelos contratantes no
momento da celebração, mas que redundaram, de forma marcante, no
completo insucesso da implementação e execução do programa contratual
imaginado pelas partes.

É certo que, por um lado, por expressa disposição


contratual, cabia à autora-reconvinda celebrar com cada loja franqueada da
rede china in box contrato individualizado de prestação de serviços, para
que pudesse exigir, diretamente, o cumprimento da obrigação de utilização
exclusiva do call center integrado para a recepção de pedidos dos clientes.

Não é menos verdade, por outro lado, que a ré-


reconvinte, na condição de franqueadora, por disposição expressa de lei,
poderia obrigar seus franqueados a utilizar exclusivamente os serviços
prestados pela autora, na medida em que é de reprodução obrigatória, na

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circular de oferta de franquia, a cláusula que contenha obrigação do


franqueado de adquirir bens, serviços ou insumos necessários à
implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de
fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador (art. 3º, XI, da Lei nº
8.955/94).

Não obstante isso, da leitura do instrumento


particular e de seus anexos, bem como das mensagens eletrônicas e
notificações extrajudiciais trocadas pelas partes, o que se verifica é que
nenhuma delas esperava que os franqueados da rede china in box
demonstrariam tanta resistência à migração para o novo modelo de
negócio, de forma que as projeções iniciais, expectativas e estado geral de
coisas que serviram de base para a construção do programa contratual (e,
obviamente, para a formação do preço do serviço que seria praticado pela
autora), sofreu grande abalo, esfacelando as possibilidades de sucesso da
parceria comercial, ainda que tenha havido esforço recíproco na
manutenção do negócio.

Se, mesmo à luz dos deveres anexos decorrentes


da clausula geral da boa-fé objetiva, do princípio da conservação dos
contratos e da função social interna do contrato, não era exigível da ré-
reconvinte (e tampouco de seus franqueados, que sequer tomaram parte no
negócio) que se submetesse ao aumento do preço sugerido pela autora-
reconvinda, da mesma forma, por uma questão de justiça e equilíbrio
contratual, não era de se exigir da autora que prosseguisse na prestação dos
serviços em situação de evidente quebra das expectativas contratuais
iniciais, amealhando certo e inexorável prejuízo com o passar do tempo.

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Como cediço, as partes não celebram contratos


comerciais pelo simples prazer de trocar entre si declarações vontade.
Tencionam e esperam obter, com base em projeções seguras e previsíveis,
lucro decorrente da execução da operação instrumentalizada pelo negócio.

A frustração do escopo almejado pelas partes, por


circunstância que não lhes pode ser imputada diretamente, qual seja, o
interesse e o comportamento de terceiros, que não estavam obrigados a
satisfazer as exceptivas nutridas em razão de negócio a que não aderiram,
não pode ser equiparada ao inadimplemento ou à impossibilidade
superveniente de cumprimento da prestação, não havendo que se falar,
outrossim, em culpa de qualquer dos contratantes pela impossibilidade de
execução do programa contratual.

Com efeito, a hipótese dos autos guarda relação


com tipo especial de extinção do contrato, denominado por abalizada
doutrina de resolução pela frustração do fim do contrato, com supedâneo
no art. 421 do Código Civil, que estabelece que a liberdade de contratar
será exercida em razão da função social do contrato.

A respeito do tema, lecionam Cristiano Chaves de


Farias e Nelson Rosenvald que “doutrina de boa cepa admite uma quarta hipótese
de resolução, qual seja, a frustração do fim do contrato. Este entendimento foi
sufragado pelo Enunciado nº 166 do Conselho de Justiça Federal: 'A frustração do fim
do contrato como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou
com a excessiva onerosidade, tem guarida no direito brasileiro pela aplicação do art.
421 do Código Civil'. De acordo com Lorenzetti, a frustração do fim é um caso de
impossibilidade relativa da execução de um ato jurídico válido que afeta a causa-fim do
negócio jurídico, com efeitos resolutórios. A causa-fim é entendida como o motivo

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concreto que se persegue mediante a obtenção do contrato, motivo este conhecido por
ambas as partes. Não se confundem com os motivos determinantes que levam a
contratar, pois estes possuem caráter subjetivo, enquanto o fim do contrato é o
propósito prático, que é um elemento objetivo. (...) De acordo com Marcos
Hoppenstedt, o fim do contrato é a realização dos interesses concretos das partes
contratantes. Assim, a frustração do fim independe de descumprimento ou de qualquer
outro comportamento das partes, bastando uma alteração superveniente do suporte
fático do negócio jurídico que gera a frustração do fim do contrato. Esta especial
hipótese de resolução seria uma lacuna não preenchida pelos institutos da
impossibilidade, do inadimplemento e da onerosidade excessiva” ("Curso de direito
civil: contratos teoria geral e contratos em espécie' -5ª ed. São Paulo: Atlas,
2015 p. 569/570 - sem o destaque no original).

Frustrado o escopo do contrato, programado,


previsto e desejado por ambas as partes no momento da celebração, por
fato imputável a terceiros, não integrantes da relação negocial, sem que se
possa afirmar que qualquer dos contratantes seja culpado pela inexecução
da avença, resolve-se o negócio, por força do esvaziamento de sua função
social, retornando as partes ao estado anterior, sem aplicação da clausula
penal ou indenização por perdas e danos.

5) Ainda que não se tratasse de frustração do


programa contratual, o que se admite por amor ao argumento, mas de
resolução por inadimplemento, os elementos de convicção produzidos nos
autos são suficientes para concluir que o descumprimento é imputável em
igual medida a ambos os contratantes, pois as falhas de planejamento e
execução são recíprocas, na medida em que ambas as partes olvidaram a
existência de interesses de terceiros (franqueados), negligenciando o
impacto que a não adesão ou o descontentamento dos franqueados com

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prestação dos serviços poderia gerar para o futuro da parceria comercial.

É dizer: mesmo considerando que houve


resolução do contrato por inadimplemento, uma vez caracterizada a culpa
recíproca, a consequência é a mesma, com o retorno das partes ao status
quo ante, sem que se cogite de indenização por perdas e danos ou
aplicação da clausula penal.

Como, aliás, já se decidiu:

“Ação de rescisão contratual e indenizatória Procedência parcial Trespasse


de estabelecimento comercial Rescisão Culpa recíproca caracterizada
Loja franqueada instalada em dependência de clube Negociação que dependia
de anuência de terceiros Devolução somente do sinal pago Afastada a
condenação dos réus ao pagamento do sinal em dobro Sucumbência recíproca
Apelo parcialmente provido” (TJSP Apelação nº
0255411-29.2009.8.26.0002 - Relator Des. Fortes Barbosa; Comarca: São
Paulo; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data
do julgamento: 12/04/2017; Data de registro: 17/04/2017)

“COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PESSOAS FÍSICAS. CULPA RECÍPROCA


PELA RESCISÃO CONTRATUAL. VOLTA AO STATUS QUO ANTE.
DESCABIMENTO DE PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. Insurgência contra
sentença de procedência. Preliminares. Cerceamento de defesa. Desnecessidade.
Alegações que podem ser provadas apenas com prova documental. Desnecessário
depoimento pessoal. Preliminar afastada. Nulidade por morte. Inocorrência. Em
que pese tenha ocorrido a morte da corré, entende-se que nos casos em que o
viúvo participa do processo, não há nulidade. Ademais, não houve prejuízo.
Preliminar afastada. Mérito. Alegação de ambas as partes, em ação e
reconvenção, pelo inadimplemento do outro. Análise dos documentos juntados e

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das alegações das partes indica culpa e desídia de ambas as partes no


descumprimento das obrigações contratuais. Culpa recíproca na rescisão do
contrato. Caso em que a avença deve ser resolvida, voltando as partes ao status
quo ante, devendo os réus restituírem ao autor o valor pago pelo sinal, afastada
entretanto, a condenação ao pagamento de multa contratual e danos morais.
Sucumbência recíproca caracterizada. Recurso parcialmente provido. (TJSP
Apelação nº 1009254-68.2014.8.26.0008 – Relator Des. Carlos Alberto de
Salles; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito
Privado; Data do julgamento: 12/08/2015; Data de registro: 13/08/2015).

Assim, de rigor o provimento parcial do recurso,


para reconhecer a improcedência da demanda principal e também da
reconvenção, dividindo-se igualmente as custas, despesas processuais e
compensando-se igualmente os honorários advocatícios, em razão da
sucumbência recíproca art. 21, caput, do CPC/73, aplicável ao caso.

Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao


recurso, para julgar improcedentes a demanda principal e também a
reconvenção, reconhecida a sucumbência recíproca das partes.

EDGARD ROSA
Desembargador Relator

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