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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000490953

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de


Instrumento nº 2114763-14.2022.8.26.0000, da Comarca de São Paulo,
em que são agravantes J. V. DA S., S. DE S. F. e W. M. S. DE O., e
agravada D. I. A. A. DE I. LTDA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara


Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V.
U.", de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO


NEGRÃO (Presidente) E NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA.

São Paulo, 27 de junho de 2022.

GRAVA BRAZIL
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 2114763-14.2022.8.26.0000


AGRAVANTES: J. V. DA S. , S. DE S. F. E W. M. S. DE O.
AGRAVADA: D. I. A. A. DE I. LTDA.
COMARCA: SÃO PAULO
JUIZ PROLATOR: LUÍS FELIPE FERRARI BEDENDI

Agravo de Instrumento - Ação declaratória de nulidade de


sentença arbitral parcial - Rejeição da tutela de urgência
requerida na inicial para determinar a suspensão do
procedimento arbitral em curso e indeferimento da
tramitação do processo em segredo de justiça, com
declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 189,
IV, do CPC - Inconformismo - Acolhimento em parte,
apenas no que se refere ao segredo de justiça -
Constitucionalidade do art. 189, IV, do CPC - Existência de
interesse social no fomento dos negócios realizados no
Brasil e na atração de investimentos para o país - Escolha
da arbitragem como meio de solução de litígios e
possibilidade de lhe atribuir confidencialidade são fatores
importantes para muitos investidores - Opção do
legislador, com autorização constitucional, de excepcionar
a regra da publicidade na hipótese - Disputa que,
ademais, não envolve interesse coletivo, como aquelas
que envolvem companhias abertas - Requisito do inciso IV
para deferir o segredo de justiça, consistente na
pactuação da confidencialidade da arbitragem pelas
partes, atendido - Segredo de justiça mantido - A tutela de
urgência requerida, por outro lado, não se justifica -
Requisitos cumulativos do art. 300, caput , do CPC, em
exame de cognição sumária, não se mostram preenchidos
- Correto indeferimento - Decisão agravada reformada em
parte, apenas para manter o processo em segredo de
justiça - Recurso provido em parte.

VOTO Nº 35467

1 - Trata-se de agravo de instrumento tirado de

Agravo de Instrumento nº 2114763-14.2022.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 35467c 2


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decisão prolatada em ação declaratória de nulidade de


sentença arbitral parcial, fundada no art. 32, I, IV e VIII, c.c.
art. 21, § 2°, da Lei n. 9.307/1996, e art. 5°, LIV e LV, da CF,
por meio da qual rejeitada a tutela de urgência, requerida na
inicial, para determinar a suspensão do procedimento arbitral, e
indeferida a tramitação do processo em segredo de justiça,
com declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 189,
IV, do CPC, determinando-se o levantamento do segredo (fls.
978/9831).

Inconformados, recorrem os autores.

Discorrem sobre o histórico do litigio, destacando,


no que se mostra relevante para o recurso, que o acordo de
sócios negociado não chegou a ser concluído, pois discordavam
de diversas das disposições propostas, e que a arbitragem foi
instaurada pela ré com fulcro em cláusula compromissória
constante do acordo de sócios não firmado.

Dizem, porém, que, nada tendo a temer,


concordaram com a instauração da arbitragem, embora tenham
discordado “da cláusula compromissória de regência”, aos
argumentos de que, inexistente o acordo de sócios, pelo menos
até decisão definitiva de mérito em contrário, inexistente,
também, a cláusula compromissória nele inserta; e, ainda que
se assumisse existente o acordo de sócios, a ré não seria parte
1
Todas as referências feitas a número de folhas neste voto se referem ao processo de
origem, salvo quando expressamente apontado o contrário.

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dele, nem, portanto, em sua cláusula arbitral. Sustentam que a


arbitragem deveria ter sido instaurada com fulcro na cláusula
compromissória constante do contrato social da ré.

Seguem narrando ter sido instaurada a


arbitragem, de início, para a resolução apenas dessa
controvérsia cláusula compromissória aplicável e número de
árbitros , cf. escopo claramente definido no termo de
arbitragem, e indicado árbitro único Dr. Ricardo Aprigliano ,
com o acordo das partes.

Sustentam que, apesar disso, a sentença arbitral


prolatada extrapolou o escopo delimitado pelas partes e pré-
julgou o mérito, no que concerne à existência, validade e
eficácia do acordo de sócios, ao reconhecer existência, validade
e eficácia à cláusula compromissória nele contida, e, mais, sem
lastro em provas. Asseveram que, com isso, tiveram dificultada
sua defesa. Aduzem ser equivocada a fundamentação do
árbitro único, no particular, quanto à autonomia da cláusula
compromissória, prevista no art. 8°, da Lei n. 9.307/1996.
Argumentam que, “pensando em inexistência e vício, Acordo de Sócios
e cláusula compromissória são indissociáveis”.

Defendem, também, que o Dr. Ricardo Aprigliano


não poderia ter prosseguido no encargo de árbitro único e
prolatado sentença arbitral, após ter apreciado e reconhecido a
ilicitude de provas produzidas pela aqui ré no procedimento

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arbitral, consistentes em e-mails trocados pelos autores com


seus advogados, obtidos por meio da invasão de caixas de
correio eletrônico pessoais, deturpado, ainda, pela aqui ré, o
conteúdo das mensagens. Alegam que tais provas
contaminaram a leitura do árbitro, influenciaram o que foi
decidido, ainda que assim não tenha expressamente
reconhecido, agindo com reserva mental, e o tornaram parcial,
o que “desequilibra a balança contra os Agravantes”.

Concluem ter havido violação aos princípios do


devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da
igualdade das partes, da imparcialidade, do livre
convencimento motivado e da imperativa fundamentação das
decisões.

Quanto ao perigo de dano, alegam que,


diversamente do que entendeu o juízo de primeiro grau, existe
urgência, derivada “exatamente do início da fase de mérito do
Processo Arbitral a partir da cláusula compromissória inexistente e de sua
condução por um Árbitro único que, com todo respeito, desrespeitou
regras da Lei n° 9.307/96 e perdeu sua imparcialidade ao pré-julgar, a

partir dos avanços e ilícitos da [ré], o mérito da questão”. Alegam,

também, risco ao resultado útil do processo, relacionado ao


maior trabalho para desconstituir as “verdades” já assumidas
pelo árbitro, ao adiantamento de teses e provas à parte
contrária, à produção de provas que não poderão ser
aproveitadas em caso de novo procedimento arbitral, e aos

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custos envolvidos no prosseguimento da arbitragem em curso.


Ventilam, lado outro, a reversibilidade da medida pretendida e
ausência de risco de prejuízos irreparáveis para as partes caso
seja deferida. Argumentam que “não existe urgência no processo
arbitral que precise ser resolvida”.

Por fim, sustentam que o sigilo previsto no art.


189, IV, do CPC, não é inconstitucional, como tem reconhecido
a jurisprudência deste E. Tribunal, e que, em ambas as
cláusulas compromissórias discutidas no caso do contrato
social e do acordo de sócios , o sigilo foi pactuado.

Requereram efeito ativo, “para que, desde já e sem a


oitiva da [ré], seja deferida a antecipação parcial dos efeitos da tutela
para que seja sobrestado o curso do Processo Arbitral até o julgamento

final [da] demanda”, bem como efeito suspensivo, para


determinar o restabelecimento do segredo de justiça. Ao final,
pugnam pelo provimento do recurso, para confirmar essas
medidas.

O recurso foi processado com o efeito pretendido


apenas no que tange ao segredo de justiça (fls. 46/58). Foi
dispensada a intimação da agravada para contrariar o recurso,
nos termos do art. 1.019, II, do CPC, haja vista o disposto nos
arts. 9°, par. ún., I, e 300, § 2°, do CPC, ao que se acresce o
fato de que a decisão agravada foi prolatada antes da formação
da relação jurídico-processual, devendo-se evitar supressão de

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instância na apreciação da matéria debatida sob o


contraditório.

A r. decisão agravada e a prova da intimação


encontram-se a fls. 978/983 e 988/990. O preparo foi recolhido
(fls. 43/44 do instrumento).

É o relatório do necessário.

2 - Trata-se, na origem, de ação declaratória de


nulidade de sentença arbitral parcial, fundada nos dispositivos
legais e argumentos sumarizados no relatório supra.

Na decisão agravada, o juízo de primeiro grau


rejeitou a tutela de urgência, requerida na inicial, para
determinar a suspensão do procedimento arbitral em curso, e
indeferiu a tramitação do processo em segredo de justiça, com
declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 189, IV,
do CPC.

Os autores recorrem quanto a ambos os pontos.

O recurso merece provimento em parte, apenas


no que se refere ao segredo de justiça, pelos fundamentos
expostos infra.

3 - Com a devida vênia do entendimento


manifestado pelo i. juízo de primeiro grau, este Relator não
divisa inconstitucionalidade no art. 189, IV, do CPC.

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No entendimento deste Relator, há interesse


social, que pode justificar a opção do legislador por
excepcionar, em alguns casos, a regra constitucional da
publicidade, no fomento de negócios realizados no Brasil e na
atração de investimentos para o país. A possibilidade de
escolha da arbitragem como meio de resolução de litígios e a
confidencialidade que se lhe pode atribuir, extensível aos
processos judiciais que sobre ela versem, são elementos
importantes para muitos investidores2.

Ademais, não se está a tratar de caso envolvendo


interesse coletivo, em relação ao qual, ao interesse de alguns
na confidencialidade, se contraporia o interesse de outros na
publicidade, notadamente para fim de tutela e garantia dos
próprios direitos, como seria o caso de litígio envolvendo
companhia aberta.

O regulamento de arbitragem da Câmara FGV,


eleita pelas partes, que rege o procedimento arbitral no caso,
prevê que a arbitragem será sigilosa. Destarte, o caso atende
ao disposto no inciso IV do art. 189 do CPC.

2
Conforme relata Renato Stephan Grion, “[e]ntre as citadas vantagens da arbitragem,
mostra-se particularmente interessante ao meio empresarial a possibilidade de as partes
envolvidas em determinada contenda pactuarem a confidencialidade dela”. E, para
fundamentar essa assertiva, remete à então mais recente edição de pesquisa anual
realizada pela Queen Mary University, da Inglaterra, em parceria com o escritório White &
Case ( 2018 International Arbitration Survey: the evolution of international arbitration ),
segundo a qual “87% das pessoas questionadas consideram a confidencialidade como um
aspecto importante na escolha ela arbitragem”. In Daniel Levy, Guilherme Setoguti J.
Pereira (coord.), Curso de Arbitragem, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p.
207 e nota 21.

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Ante o exposto, o processo deve permanecer em


segredo de justiça.

4 - Por outro lado, não se mostra justificada a


tutela de urgência requerida, tendo por objeto a suspensão do
procedimento arbitral em curso, até decisão final da ação
declaratória de nulidade da sentença arbitral.

Conforme dispõe o art. 300, caput , do CPC, "[a]


tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao

resultado útil do processo". Esses requisitos são cumulativos, de

modo que basta a ausência de um deles para que a medida


seja indeferida.

No caso, em exame de cognição sumária, em que


pese o esmero no trabalho dos patronos dos agravantes,
nenhum daqueles requisitos se mostra evidenciado.

A decisão arbitral impugnada, integrada pela


decisão do pedido de esclarecimentos, se encontra a fls.
886/923 e 945/953.

A tutela de urgência foi indeferida na decisão


agravada com base no seguinte fundamento:

“No caso em apreço, inexiste urgência a ensejar a


suspensão da tramitação do procedimento arbitral.

Conforme indica o calendário da fase de mérito definido


pelo Árbitro, a fase postulatória só deve ser encerrada no

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fim de agosto, razão pela qual não sofrerá a parte autora


qualquer prejuízo até lá, reputando-se prudente o
estabelecimento do contraditório.

Ante o exposto, indefiro a tutela de urgência.”

Não se vislumbra desacerto na decisão do juízo


de primeiro grau quanto ao ponto.

Não obstante os argumentos dos agravantes,


considerando o estágio da segunda fase do procedimento
arbitral, longe de ser concluída com a prolação de sentença
arbitral final (cf. calendário proposto na decisão do pedido de
esclarecimentos, fls. 952/953), não se verifica risco de dano
grave de difícil ou impossível reparação aos agravantes, nem
risco ao resultado útil do processo, que justifiquem a suspensão
liminar da arbitragem em curso, sobretudo antes de
oportunizado o contraditório em primeiro grau.

Adicionalmente, em exame de cognição sumária,


o direito dos agravantes se mostra controverso.

Os próprios agravantes sustentam que,


inexistente o acordo de sócios, por não ter chegado a ser
concluído, também inexistente a cláusula compromissória nele
inserta. E narram terem concordado com a instauração da
arbitragem para a definição da cláusula compromissória
aplicável ao caso se a do alegado acordo de sócios ou a do
contrato social.

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Isso posto, não se mostra claro, em exame de


cognição sumária, que o árbitro único tenha, ao reconhecer
existência, validade e eficácia à cláusula compromissória
contida no alegado acordo de sócios, extrapolado os limites da
convenção de arbitragem, cf. delimitados no termo de
arbitragem, ou, de outro modo, seja, sob esse fundamento,
viciada a decisão arbitral impugnada, à luz do art. 32, da Lei n.
9.307/1996.

Verifica-se, do termo de arbitragem (fls. 196/233,


versão sem assinaturas juntada pelos agravantes), que o
procedimento arbitral foi repartido, para, numa primeira fase,
decidir-se sobre a cláusula compromissória aplicável e número
de árbitros, e, numa segunda fase, sobre o mérito da disputa,
ao qual, segundo sustentam os agravantes, pertenceria, com
exclusividade, a discussão sobre a existência, validade e
eficácia do acordo de sócios.

Ocorre que, da leitura do termo de arbitragem,


bem como da própria peça recursal, exsurge, em exame de
cognição sumária, que a decisão sobre a cláusula
compromissória aplicável ao caso que ambas as partes
concordaram em submeter ao árbitro único passava por
examinar e reconhecer se o acordo de sócios chegou ou não a
ser concluído, ainda que não formalmente assinado.
Expressamente autorizado pelas partes a decidir sobre a

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cláusula compromissória aplicável ao caso, se a do alegado


acordo de sócios ou a do contrato social, como se extrai do
termo de arbitragem, entende-se que o árbitro único também
estaria autorizado a proceder àquele exame.

A ordem processual n. 3 (fls. 348/355), exarada


pelo árbitro único e invocada pelos agravantes, no recurso,
como corroboradora de sua tese, em face do que se havia
apontado na ordem processual n. 1 (fls. 310/322), parece ir,
em realidade, na mesma linha que se acaba de expor, embora
externe preocupação e cuidado do árbitro único em não dar
ensejo a alegações de nulidade por parte dos aqui agravantes.
Esse cuidado está refletido nos ajustes efetuados na redação
de alguns itens da ordem processual n. 1, no dispositivo da
ordem processual n. 6, na qual se decidiu sobre a ilicitude de
determinadas provas produzidas pela aqui agravada (para. 93,
item V, alínea b, fl. 562), e na própria decisão arbitral
impugnada.

Sem prejuízo das considerações acima, ainda em


exame de cognição sumária, não parece equivocada, no caso, a
invocação, para dar prosseguimento à arbitragem com base na
cláusula compromissória prevista no discutido acordo de sócios,
da regra da autonomia da cláusula compromissória, positivada
no caput do art. 8° da Lei n. 9.307/1996, nos termos da
fundamentação exposta na decisão arbitral impugnada. Essa

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regra, a princípio, afastaria a tese da nulidade insanável, a


depender da decisão sobre o mérito da arbitragem, a ser
prolatada na segunda fase do procedimento arbitral, ora em
curso.

Quanto à impossibilidade do Dr. Ricardo


Aprigliano permanecer como árbitro e prolatar sentença, após
ter apreciado e reconhecido, no procedimento arbitral, a
ilicitude de determinadas provas produzidas pela aqui
agravada, com determinação de desentranhamento (cf. ordem
processual n. 6, fls. 545/563), trata-se, igualmente, de questão,
no mínimo, controversa.

Os agravantes - cuja tese sobre a ilicitude de


determinadas provas produzidas pela ora agravada no
procedimento arbitral foi acolhida pelo árbitro - alegam que o
fato de ter tido contato com a prova ilícita teria contaminado a
independência e a imparcialidade do árbitro. Este, inclusive, já
teria, em sua mente, embora não o admita, pré-julgado a
disputa, ou parte dela, com base nessas provas, na decisão
arbitral impugnada.

Mas, em exame de cognição sumária, parecem


ser os agravantes quem pré-julgam o árbitro. Não há regra, no
direito arbitral ou, mesmo, no direito processual civil brasileiros,
que ampare a tese dos agravantes e preveja o afastamento ou
substituição do julgador ao fundamento de que decidiu sobre

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(e reconheceu) a ilicitude de determinadas provas produzidas


no processo ou no procedimento arbitral. Em outras palavras,
nessa hipótese, não há presunção legal, absoluta ou relativa,
de perda da independência ou da imparcialidade do julgador.

Nem mesmo no processo penal brasileiro, mais


rigoroso do que o processo civil, há norma em vigor que
preveja a impossibilidade do julgador que apreciou e
reconheceu a ilicitude de prova prolatar sentença no feito.
Norma desse jaez foi incluída no Código de Processo Penal (em
vigor desde a década de 1940) apenas em 2019, e teve sua
eficácia suspensa liminarmente, por decisão do Ministro
Relator, em ação direta de inconstitucionalidade, em curso
perante o Supremo Tribunal Federal3.

Ainda em exame de cognição sumária, sendo o


árbitro juiz de fato e de direito da causa, cf. art. 18, da Lei n.
9.307/1996, parece duvidoso que lhe deva ser conferido, nessa
matéria, tratamento diverso daquele que é legalmente
conferido ao juiz togado, especialmente no processo civil.

Adicionalmente, a despeito do que alegam os


agravantes, a leitura da decisão arbitral impugnada não
evidencia, em exame de cognição sumária, que o árbitro tenha
3
" Ex positis , na condição de relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305, com as vênias
de praxe e pelos motivos expostos: (a) Revogo a decisão monocrática constante das ADIs
6.298, 6.299, 6.300 e suspendo sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, (a1) da
implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-
E, 3º-F, do Código de Processo Penal); e (a2) da alteração do juiz sentenciante que
conheceu de prova declarada inadmissível (157, § 5º, do Código de Processo
Penal);”

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se amparado, para chegar às suas conclusões, embora sem


expressamente admiti-lo, nas provas por ele mesmo reputadas
ilícitas. Segundo se extrai da decisão arbitral prolatada, o
árbitro valorou a conduta dos agravantes e concluiu que eles,
apesar de não terem assinado o acordo de sócios, teriam
contratado a arbitragem nos moldes nele previstos, cf.
fundamentação exposta na decisão arbitral, baseada no
contrato social e suas alterações, nos documentos relacionados
às negociações do acordo de sócios e na prova oral produzida.

Ainda sobre esse ponto, também é pertinente a


consideração feita pelo árbitro único, na fundamentada decisão
do pedido de esclarecimentos, no sentido de que “o acolhimento
do argumento da prova ilícita e o desentranhamento dos respectivos
documentos não pode servir como forma de pressão indevida sobre o
julgador, como se a única alternativa que passasse a ter seria a de julgar
favoravelmente à parte que suscitou a nulidade, como forma de evitar a

anulação do processo” (fl. 950).

Todos os elementos acima demandam


contraditório e análise aprofundada, que supera a cognição
sumária, própria da tutela provisória, e não permitem concluir,
nesse momento processual, pela probabilidade do direito dos
agravantes.

Em suma, em exame de cognição sumária,


conclui-se não estarem atendidos os requisitos do art. 300,
caput , do CPC, de modo que a tutela de urgência requerida foi

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corretamente indeferida.

5 - Em conclusão, pelos fundamentos expostos,


reforma-se em parte a decisão agravada, apenas para afastar a
declaração de inconstitucionalidade do art. 189, IV, do CPC, e
manter o processo em segredo de justiça, com fulcro nesse
dispositivo legal.

6 - Ante o exposto, dá-se provimento em parte


ao recurso. É o voto.

DES. GRAVA BRAZIL - Relator

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