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22/04/24, 16:10 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 311/2024

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22/04/24, 16:10 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 311/2024
ACÓRDÃO Nº 311/2024

Processo n.º 1177-A/2023


2ª Secção
Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Notificado do Acórdão n.º 237/2024, que indeferiu a arguição de nulidade apresentada


pelo recorrente A. e determinou a sua notificação para se pronunciar sobre a sua eventual
responsabilidade como litigante de má-fé, veio aquele apresentar requerimento, com o seguinte teor:
«1- O Digníssimo Procurador Geral junto do Tribunal Constitucional não solicita a
condenação do Recorrente como litigante de má fé.
2-Tão só refere no seu ponto 8 a um uso impróprio, abusivo, procurando prolonga-lo
antijuridcamente.
3- Todavia não é requerida a condenação do Recorrente como litigante de má fé.
4- Na douta decisão proferida pelo Tribunal é entendido que o Recorrente repete a questão
suscitada.
5-Todavia, quer na douta decisão singular proferida, quer no acórdão proferido, sempre
houve parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, sem que fosse notificado ao
Recorrente, para dele se pronunciar.
6-Ora o Recorrente, sempre com o muito respeito que se deve ao Venerando Tribunal
Constitucional, em momento algum, quis protelar desnecessariamente, o processo de modo a obstar
ao trânsito em julgado da sentença.
7-Pelo que o Recorrente, com a notificação do douto Acórdão e novo Parecer do MP, quis
evidenciar de que não foi notificado desse novo parecer, porque entendeu que prolatado a douta
decisão sem que o arguido tenha sido notificado do novo parecer do Ministério Público, pensava que
seria aplicável o art. 417.°, n.° 1 e 2 do Código de Processo Penal, que impõe a notificação aos demais
sujeitos processuais, quando na intervenção aí prevista, o Ministério Público, não se limitar a apor o
seu visto, como o Dignissimo MP não se limitou a apor o visto e constituiu novo parecer, entendeu o
Recorrente, que poderia suscitar essa questão novamente.
8-Em momento algum o Recorrente quis fazer uso indevido do processo, ou obstar ao
transito em julgado da decisão, pelo que se o Venerando Tribunal assim o entendeu, penitencia-se o
Recorrente, pois não era nem foi sua intenção protelar o processo ou fazer uso indevido do mesmo.»

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

2. Perante a dedução de incidentes pós-decisórios na sequência dos Acórdãos n.º 933/2023 e


122/2024, o recorrente veio tomar posição sobre a matéria da má-fé, argumentando, em síntese, que
não quis em momento algum «protelar desnecessariamente o processo de modo a obstar ao trânsito em julgado da
sentença» e que não pretendeu «fazer uso indevido do processo». Ou seja, tenta redarguir que o seu
comportamento processual se deveu somente à mera divergência de entendimentos jurídicos e que
«quis evidenciar que não foi notificado» do parecer do Ministério Público.
Tal não corresponde à verdade.
Apesar de pretender camuflar a sua pretensão com alegações de que atuou de forma
procedimentalmente adequada, ainda que baseada no erro técnico segundo o qual «seria aplicável o art.
417.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal», penitenciando-se, agora, por ter insistido num equívoco, o
certo é que o recorrente não hesitou em utilizar, reiteradamente, incidentes pós-decisórios, com o
mero propósito de obter uma nova pronúncia favorável sobre questões processuais que já haviam
sido apreciadas e resolvidas. Fê-lo, aliás, plenamente consciente da falta de fundamento e do uso
anormal e reprovável que fazia do meio processual mobilizado.
Com efeito, depois de lhe ter sido negado o requerido, através do Acórdão n.º 122/2024, a
insistência do recorrente, deduzindo um novo incidente (contra uma inexistente irregularidade por
omissão de pronúncia), em que, notoriamente, pretende, mais uma vez, manifestar a sua discordância
quanto ao decidido, a respeito do não conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade por
si interposto, visando uma reapreciação dessa matéria, terá de ser entendida como a dedução de uma
pretensão que sabia não ter fundamento.
É perfeitamente aceitável que o recorrente, em face da discordância em relação às decisões
das instâncias, e na perspetiva da defesa dos seus interesses, interponha recurso para o Tribunal
Constitucional e que, aí, perante uma decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso,

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deduza reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC. Seria ainda
aceitável que, perante um acórdão da conferência que indeferiu tal reclamação, o recorrente tivesse
lançado mão de um incidente pós-decisório, arguindo a sua nulidade e pedindo essa reforma. Porém,
a dedução de novo incidente processual, após a prolação do Acórdão n.º 122/2024, (que, recorde-se,
era já a segunda decisão coletiva sobre o processo em questão e sobre as pretensões do recorrente),
cuja nulidade veio, de novo, arguir, quando, face à fundamentação das decisões anteriores do
Tribunal Constitucional, não poderia deixar de saber que a sua pretensão era destituída de qualquer
razão de ser, não pode deixar de ser interpretada como litigância de má fé.
Após a improcedência da primeira arguição, apresentada após a prolação do acórdão de
conferência que decidira a reclamação contra a decisão sumária de não conhecimento do objeto do
recurso proferida nos autos, o recorrente insistiu, de forma temerária, num segundo incidente. Tal
atuação processual merece, sem dúvida, condenação.

3. Como tem asseverado o Tribunal Constitucional, maxime na senda do Acórdão n.º


761/2019, explicitada (mais do que uma vez) a manifesta falta de procedência de tais incidentes,
torna-se inaceitável que o recorrente impeça o prosseguimento da tramitação dos autos.
Não se trata, como se pretende fazer crer no requerimento ora apresentado, de fazer vingar
uma tese pela força de argumentação técnico-jurídica, esgrimindo o sujeito processual as suas razões,
de modo mais ou menos veemente; não se trata, sequer, da defesa de posições jurídicas audaciosas,
julgadas sem fundamento. Estamos, ao invés, perante caso flagrante de uma escolha consciente e
deliberada de dedução de incidentes como mero expediente para atingir finalidades alheias à sua
teleologia: o recorrente assume que pretende que seja proferida decisão num certo sentido e que,
como tal não sucedeu, desencadeou sucessivos pedidos infundados.
Ora, como se explicou no Acórdão n.º 761/2019:
“De acordo com o n.º 1 do artigo 542.º do Código de Processo Civil (“CPC”), «tendo
litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a
pedir». Segundo o n.º 2 do mesmo artigo, «diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência
grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver
alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado
omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso
manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da
verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da
decisão».
Como refere Alberto dos Reis, citando o relatório apresentado pelo Ministro da Justiça à
Comissão Revisora do Código de Processo Civil, «A simples proposição de ação ou contestação,
embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os
factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmar um direito que não
possuem ou a impugnar uma obrigação que não devessem cumprir; é preciso que o autor faça um
pedido a que conscientemente sabe não ter direito, e que o réu contradiga uma obrigação que
conscientemente sabe que deve cumprir» (v. Autor cit., Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª
Edição 1948, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 263).
É corrente distinguir má fé material (ou substancial) e má fé instrumental. O critério
distintivo, segundo Alberto dos Reis (Código de Proc. Civil Anotado, cit., pp. 263-264), «não pode ser
senão este: o dolo substancial diz respeito ao fundo da causa, ou melhor, à relação jurídica material ou
de direito substantivo; o dolo instrumental diz respeito à relação jurídica processual. No 1.º caso, o
litigante usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que não corresponde à verdade e à justiça.
(...). No 2.º caso, a parte procura sobretudo cansar e moer o seu adversário, ou somente pelo espírito
de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma
transação injusta»”.

4. A conduta processual em presença enquadra-se, assim, na previsão da alínea a) do n.º 2 do


artigo 542.º, pois consubstancia a dedução, com dolo direto e intenso, de pretensão cuja falta de
fundamento o recorrente não ignorava, integrando igualmente, também com dolo direto, a
modalidade de litigância de má fé tipificada na alínea d) do mesmo número e preceito, devido a ter
feito do incidente um uso manifestamente reprovável.
É ainda importante notar que não releva aqui o facto de o Ministério Público não ter
requerido a condenação do recorrente como litigante de má fé. Não só o Ministério Público assinala,
como o recorrente justamente reconhece, o uso impróprio e abusivo por ele feito dos recursos
processuais, como a LTC atribui ao Tribunal Constitucional a possibilidade de promover tal
condenação ex officio, sendo obrigatória, apenas, a audição prévia da parte, em cumprimento do
princípio do contraditório (cfr. artigo 84.º, n.ºs 6 e 7, da LTC).

5. Impõe-se, pois, em consequência do que se disse, e nos termos das disposições conjugadas
dos artigos 542.º, n.º 2, alíneas a) a d) do CPC, aplicável ex vi artigos 69.º e 84.º, n.º 6, da LTC,
condenar o recorrente, como litigante de má-fé, em multa processual graduada entre 2 e 100 UC
(artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).
Considerando a intensidade volitiva e a pluralidade de fundamentos para a censura da má-fé
incidental, a reclamarem sanção acrescida e adequadamente desincentivadora, e, por outro lado,

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ponderando em sentido atenuante, os reflexos da conduta sob censura na regular tramitação do
recurso de constitucionalidade – já transitado – e a situação económica do litigante, entende-se
adequado fixar a multa a dentro do primeiro terço da moldura sancionatória, em 12 (doze) UC.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se condenar o recorrente como litigante de má-fé, nos termos das
disposições conjugadas dos artigos 542.º, n.º 2, alíneas a) e d), do CPC, aplicável ex vi artigos 69.º e
84.º, n.º 6, da LTC, na multa processual de 12 (doze) UC.

Notifique.

Lisboa, 11 de abril de 2024 - Mariana Canotilho

A Relatora, que participou na sessão por videoconferência, certifica os votos de


conformidade dos Senhores Conselheiros António José da Ascensão Ramos e Gonçalo de Almeida Ribeiro,
Vice-Presidente.
Mariana Canotilho

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