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DIREITO PENAL III

2021/2022
MARISOL VALE
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I. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME

Não existem penas fixas, definidas previamente pelo legislador. No caso do homicídio, a pena é entre 8 e 16
anos (artigo 131.º CP). Por vezes, o legislador oferece-nos em alternativa a pena de multa, por exemplo o homicídio
por negligência é punido por uma pena de prisão até 3 anos ou por uma pena de multa.

Por vezes os factos são praticados por pessoas inimputáveis (com anomalias psíquicas) – nesse caso não
podemos aplicar uma pena porque não há culpa, logo iremos aplicar uma medida de segurança.

Quando é que podemos dizer que temos um homicídio punido com uma pena de prisão de 8 a 16 anos?
Quando tivermos uma ação típica, ilícita, culposa e, para alguns autores, punível. É isso que caracteriza o crime.

✓ Nota: Os crimes não prescrevem. O que prescreve é o procedimento criminal, a pena ou a medida de
segurança.

1. O PROBLEMA DA PERDA DE BENS

Há crimes que, pela sua natureza, são crimes que dão lucro. Por exemplo, quando eu mato uma pessoa, não
estou à espera de obter um lucro com essa prática. Já é diferente num crime de corrupção, quer para o corrupto ativo,
quer para o corrupto passivo, assim como num crime de falsificação de moeda.

Antigamente, nós só declarávamos perdidos a favor do Estado os instrumentos da prática do crime. Com o
evoluir da criminalidade, hoje também declaramos perdidas a favor do Estado as vantagens do crime (o lucro).

Qual é a natureza jurídica da perda de bens? Quando é decretada a perda de bens, estamos a impor uma
pena? Não. Estamos a impor uma medida de segurança? Não. A doutrina passou vários anos a discutir a natureza
jurídica da perda de bens e esta é uma questão muito importante. Por exemplo, no Brasil, a perda de bens é uma pena
restritiva de direitos.

2. PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO PROGRAMA POLÍTICO-CRIMINAL DE EMANAÇÃO


JURÍDICO-CONSTITUCIONAL

A CRP contém uma série de princípios orientadores do programa político-criminal em matéria de


consequências jurídicas, bem como regras às quais tal programa deve obediência:
• Em caso algum haverá pena de morte (artigo 24.º/2 CP);
• Ninguém pode ser submetido a penas cruéis, degradantes ou desumanas (artigo 25.º/2, parte final);

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• Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas da liberdade com caráter perpétuo ou
de duração ilimitada ou indefinida (artigo 30.º/1, com a ressalva do nº2).

a) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE:

O princípio da legalidade diz que não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam
expressamente cominadas em lei prévia da AR ou em decreto-lei do Governo autorizado pela AR e, além disso, diz
também que ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais grave do que a prática do crime (artigos 29.º/3
e 4 e 165.º/1-c) da CRP).

Este princípio, em Portugal, vale para as penas e para as medidas de segurança. Na Alemanha, por exemplo,
vale exclusivamente para as penas. Em regra, as constituições dos outros países não estendem às medidas de
segurança o princípio da legalidade.

b) PRINCÍPIO DA ANALOGIA SUBSTANCIAL ENTRE A NORMA LEGAL DOS BENS JURÍDICOS E A


NORMA DOS VALORES CONGESTIONADOS:

Um outro princípio jurídico de emanação constitucional é o da congruência entre a ordem axiológica


constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Um bem jurídico tem dignidade penal
quando tem referência na Constituição (artigo 18.º/2 CRP).

Deste artigo decorre também que a finalidade da pena tem de ser necessariamente uma finalidade preventiva,
de prevenção geral ou especial. O artigo 40.º do CP dá concretização ao artigo 18.º/2 da CRP.

c) PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO (artigos 2.º e 18.º/2 CRP):

• PRINCÍPIO DA CULPA (em matéria de penas): este diz-nos que não há pena sem culpa; a culpa é medida da
pena; pode haver culpa sem pena (artigo 74.º CP) – princípio da unilateralidade da culpa. Ou seja, a culpa, além de
pressuposto, é limite e não apenas fundamento da pena. A doutrina retira este entendimento dos artigos 1.º, 13.º e
25.º/1 da CRP;

• PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE (em matéria de medidas de segurança – artigos 18.º/2 e 40.º/3);

• PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES PENAIS (artigo 18.º/2), sendo uniforme o


entendimento de que o Tribunal deve censurar as soluções legislativas que contenham sanções que sejam manifesta
e claramente excessivas.

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d) PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE:

A CRP consagra um Estado de Direito Democrático, nos termos dos seus artigos 2.º, 9.º/b), 26.º/1 e 31.º: o
Estado deve proporcionar aos condenados um programa de ressocialização (não coativa) que lhes permita prosseguir
a sua vida futura sem cometer crimes.

e) PRINCÍPIO DA PREFERÊNCIA PELAS REAÇÕES CRIMINAIS NÃO PRIVATIVAS DA LIBERDADE EM


FACE DAS PRIVATIVAS (artigo 18.º/2 CRP):

Decorre da exigência de necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e de proporcionalidade das


sanções penais.

f) PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL MAIS FAVORÁVEL (artigo 29.º/4 CRP):

O princípio da aplicação da lei penal mais favorável está ligado ao artigo 18.º/2 (embora esteja expressamente
consagrado no artigo 29.º/4 da CRP), uma vez em que só vamos restringir na estrita medida do necessário.

É uma variante do princípio da legalidade criminal. O artigo 371.º-A do CPP estabelece que, se após o transito
em julgado da condenação, mas ainda antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor uma lei penal mais
favorável, o condenado pode requerer abertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.

g) PRINCÍPIO DA INSUSCEPTIBILIDADE DE TRANSMISSÃO DA RESPONSABILIDADE PENAL


(artigo 30.º/3 CRP):

A responsabilidade penal é pessoal e intransmissível. Deste princípio constitucional decorre:


− A extinção do procedimento criminal ou da medida de segurança em caso de morte (artigo 128.º CP);
− A não transmissão a outrem da responsabilidade criminal em caso de morte (artigo 127.º CP);
− A impossibilidade de sub-rogação no cumprimento da pena ou medida de segurança (artigo 367.º/2
CP).

h) PRINCÍPIO DA NÃO AUTOMATICIDADE DOS EFEITOS DA PENA:

O artigo 30.º/4 e 5 da CRP diz-nos que os condenados em penas e em medidas de segurança privativas da
liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais (exemplo: capacidade de votar). Nenhuma pena envolve,
como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.

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3. CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA SANCIONATÓRIO PORTUGUÊS

• Recusa da pena de morte (artigo 24.º/2 CRP);

• Não há penas de prisão perpétuas desde 1984 (artigo 30.º/1 CRP);

• As sanções privativas da liberdade constituem a última ratio da política criminal, dando cumprimento ao
princípio político-criminal da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções
penais (artigo 18.º/2 da CRP e, entre outros, artigos 70.º e 98.º do CP);

• É um sistema monista ou de via única: em Portugal, pela prática do mesmo facto, nunca aplicamos a um
agente uma pena e uma medida de segurança privativas da liberdade, ou seja, podemos condenar um agente numa
pena e numa medida de segurança privativas da liberdade, mas por factos diferentes. Por outro lado, podemos aplicar
ao agente uma pena e uma medida de segurança não privativa da liberdade, pelo mesmo facto;

• Porém, o sistema é tendencialmente monista, não é monista puro porque, para os delinquentes por
tendência, aplicamos uma pena relativamente indeterminada = uma pena que, na sua execução, em parte é executada
como pena e noutra parte é executada como medida de segurança, logo é uma sanção de natureza mista;

• As penas, entre nós, têm finalidade preventiva (artigo 40.º/1): a finalidade primordial da pena é a proteção
de bens jurídicos, ou seja, quando aplicamos uma pena o que queremos é reafirmar a validade da norma que foi
violada com a prática do crime. Mas, ao mesmo tempo, prosseguimos uma finalidade preventivo-especial de
socialização. Em suma, a prevenção geral é a primordial.

4. TIPOS DE PENAS

PENAS

DE
PRINCIPAIS ACESSÓRIAS
SUBSTITUIÇÃO

PENA DE PENA DE
PRISÃO MULTA

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4.1. DELIMITAÇÃO CONCEPTUAL

• PENAS PRINCIPAIS: são penas principais as que, encontrando-se expressamente previstas para
sancionamento dos tipos de crime, podem ser fixadas pelo juiz na sentença independentemente de quaisquer outras.
A esta caracterização correspondem a pena de prisão e a pena de multa.

• PENAS ACESSÓRIAS: são penas acessórias as penas cuja aplicação pressupõe a fixação na sentença
condenatória de uma pena principal ou de substituição, estando previstas quer na parte geral quer na parte especial
do CP.

• PENAS DE SUBSTITUIÇÃO: são penas de substituição as que são aplicadas em vez de uma pena principal. No
direito português existem dois tipos: a admoestação (=pena não privativa da liberdade) que substitui a pena de multa
e várias penas de substituição que substituem penas de prisão. Vejamos vários exemplos de penas de substituição:
− Pena de multa (artigo 45.º): no ordenamento jurídico português, a pena de multa tanto é uma
pena principal como uma pena de substituição;
− Pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, que substitui penas de prisão
até 3 anos (artigo 46.º);
− Suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º): pode ser pura e simples, pode ficar
sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta (artigos 51.º e 52.º) ou pode ser uma suspensão com
regime de prova (artigo 53.º);
− Prestação de trabalho a favor da comunidade, que substitui penas de prisão até 2 anos (artigo
58.º);
− Admoestação como pena de substituição da pena de multa (artigo 60.º): pena de substituição
em sentido impróprio.

4.2. PENA DE PRISÃO

É uma pena:
• Única (=no ordenamento jurídico português não temos vários tipos de penas de prisão) ;
• Simples (=pela circunstância de alguém ser condenado numa pena de prisão, a essa condenação não se seguem
automaticamente determinados efeitos; isso seria até constitucionalmente proibido porque o artigo 30.º/4 da CRP diz que
nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos);
• Sempre de duração limitada e definida (isso decorre do artigo 30.º/1 da CRP).

Atendendo ao direito português vigente, podemos dizer que estamos perante uma pena de prisão de curta
duração se tiver uma duração até 1 ano. Daqui resultam algumas consequências: uma pena de prisão de 1 ano pode
ser substituída por uma pena de multa. Se o crime for punível com penas de prisão até 1 ano, pode haver aqui aplicação
do instituto da dispensa de pena.
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Uma pena de prisão de média duração é aquela que dura até 5 anos. No direito penal vigente, 5 anos de pena
de prisão concreta é o limite da substituição da pena de prisão, ou seja, as penas que substituem a pena de prisão só
o fazem se a pena de prisão for até 5 anos. Uma pena de prisão superior a 5 anos não é substituível.

O artigo 41.º/1 do CP diz-nos que a pena de prisão tem a duração máxima de 20 anos. Excecionalmente (nº2),
o limite máximo da pena de prisão é de 25 anos, nos casos previstos na lei. O homicídio qualificado é punido com pena
de prisão entre 12 e 25 anos. Podemos ir até 25 anos de prisão em caso de concurso de crimes: a pena única do
concurso tem como limite máximo 25 anos (artigo 77.º do CP). Quando aplicamos uma pena relativamente
indeterminada, podemos chegar a um limite máximo de 25 anos de pena de prisão. O artigo 41.º/3 do CP diz-nos que,
em caso algum, pode ser excedido o limite máximo referido no número anterior. Isto não significa que uma pessoa
não possa ser condenada 3 vezes, cada uma das quais com uma pena de prisão de 25 anos. Estes 25 anos não valem
para a situação da execução sucessiva de penas O Código Penal neste artigo não reconhece propriamente aos
condenados o direito de não estarem mais de 25 anos da sua vida na prisão.

Quanto ao limite mínimo, diz o artigo 41.º do CP que este é de 1 mês e esta regra não tem desvios. Não
constituem uma exceção a esta regra os casos de prisão subsidiária (artigo 49.º CP). Por via do artigo 49.º/1, podemos
ter prisões inferiores a 1 mês, mas não são penas de prisão. A prisão subsidiária existe quando alguém não paga, nem
voluntária nem coercivamente, uma pena de multa principal.

4.3. PENA DE MULTA

É determinada em função da situação económico-financeira do agente. O direito português adotou e


implementou desde sempre a condenação em pena de multa. Evidentemente, uma condenação em pena de multa,
por comparação com uma pena de prisão, tem vantagens indiscutíveis. Uma das vantagens é a diminuição dos custos
administrativo-financeiros porque um preso custa muito dinheiro ao Estado.

Do outro lado da moeda, a pena de multa é uma pena que também tem muitas desvantagens. A primeira
crítica que se faz é a de que a pena de multa cria uma desigualdade entre os ricos e os pobres: quem tem dinheiro
paga a multa e quem não tem dinheiro vai para a prisão. Mas este discurso não vale no direito português vigente
porque a verdade é que, em Portugal, não deixamos de condenar a pena de multa só porque a pessoa não tem dinheiro
para a pagar.

Por outro lado, a pena de multa em Portugal é determinada segundo o sistema dos dias de multa: há uma
operação autónoma em que se adapta o montante da multa à situação económico-financeira do condenado.

A multa pode, ainda, ter consequências negativas do ponto de vista da família do condenado porque é afetada
uma parte do rendimento que acaba por prejudicar o agregado familiar – na verdade, também não é bem assim,
porque o juiz tem de ponderar os encargos do condenado.

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Também não colhe o argumento de que os condenados em pena de multa se vêm muitas vezes obrigados a
cometer crimes patrimoniais para pagar a multa – se isso acontece, é só porque a multa foi mal determinada.

A pena de multa tem uma natureza pessoalíssima: não podemos dizer que o Estado passa a ter um direito de
crédito relativamente à pessoa condenada. Além disso, não pode ser paga por terceiros (artigo 367.º/2 do CP).

Os limites da pena de multa estão no artigo 47.º do CP: a pena de multa é fixada em dias, sendo o limite
mínimo de 10 dias e o máximo de 360 dias.

4.4. PENAS DE SUBSTITUIÇÃO

• PENA DE SUBSTITUIÇÃO EM SENTIDO PRÓPRIO (artigos 45.º, 46.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º e 58.º) – devem ser
observados dois requisitos:
− Tem de ser não privativa da liberdade;
− Tem de surgir para substituir uma pena de prisão que, previamente, determinamos em concreto.

4.5. PENAS ACESSÓRIAS

Se eu for condenada pelo crime de condução perigosa, posso ser condenada numa pena de multa e,
juntamente com a multa, ficar inibida de conduzir durante algum tempo (a inibição de conduzir é uma pena acessória)
– exemplo: artigo 69.º CP.

Também estas servem para a tutela dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na sociedade e, tal
como as outras penas, em regra, têm um limite mínimo e um limite máximo de duração, exceto se estivermos a falar
das penas acessórias que se aplicam aos crimes contra animais de companhia (artigo 388.º-A).

Estas penas acessórias, do ponto de vista da Dr.ª, são inconstitucionais, uma vez que não têm qualquer limite
mínimo fixado.

As penas acessórias são verdadeiras penas e têm de o ser, sob pena de violarmos o artigo 30.º/4 da CRP que
nos diz que nenhuma pena pode ter como efeito automático a perda de direitos civis, profissionais ou políticos (artigo
65.º CP).

Em bom rigor, o artigo 67.º não é uma pena acessória – é um efeito material necessário da condenação à pena
de prisão.

No artigo 66.º temos a pena acessória da proibição do exercício de função, mas aqui nada é automático;
estamos aqui verdadeiramente perante uma pena acessória.
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É outra verdadeira pena acessória a do artigo 69.º, assim como as dos artigos 69.º-B e 69.º-C. Estes últimos
dois artigos deveriam estar inseridos na parte especial do Código Penal: o nº1 do artigo 69.º-B diz que pode ser
condenado e o nº2 diz que é condenado – isto não pode significar uma condenação automática (isso está proibido
pelo artigo 30.º/4).

O artigo 152.º/5 prevê a pena acessória de proibição de contacto com a vítima.

Suponhamos que somos condenados por condução perigosa – o que é que nos iria preocupar mais? Seguramente, não
era pagar a multa, mas sim ficar sem carta durante um período de tempo (inibição do exercício da condução). Secalhar o que fazia
sentido era, relativamente a certos crimes, as penas acessórias passarem a penas principais ou então serem aplicadas a título
principal.

Outro exemplo: os famosos crimes de corrupção da parte de titulares de cargos políticos – mais importante do que a
pena de prisão a que eventualmente sejam condenados, é ficarem proibidos durante um tempo significativo de exercer cargos
políticos.

5. TIPOS DE MEDIDAS DE SEGURANÇA

Já sabemos que o nosso sistema é tendencialmente monista e, por isso, só temos uma medida de segurança
privativa da liberdade: internamento de inimputável por anomalia psíquica (artigo 91.º CP).

As medidas de segurança não privativas da liberdade não desvirtuam o caráter monista do sistema e, por isso,
além desta medida de segurança privativa da liberdade, temos depois medidas de segurança não privativas da
liberdade e estas também são aplicáveis a agentes imputáveis, nomeadamente: artigo 100.º, artigo 101.º e artigo (…).

O artigo 100.º/1 termina dizendo que se aplica quando houver receio de que possa vir a praticar outros factos
da mesma espécie: isto é que é a perigosidade criminal.

Além destas medidas de segurança não privativas da liberdade, temos depois uma outra que estudaremos
mais à frente que é a suspensão da execução do internamento de inimputáveis (como medida de segurança de
substituição, que só se aplica a agentes inimputáveis).

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II. DETERMINAÇÃO DA PENA APLICÁVEL ÀS PESSOAS SINGULARES

1. DETERMINAÇÃO DA PENA EM SENTIDO AMPLO

Vamos supor que alguém é jugado pela prática do crime de homicídio a pedido da vítima – previsto no art.
134.º do CP. Este artigo diz-nos que quem matar uma pessoa por pedido que ela lhe tenha feito é punido por pena de
prisão até 3 anos. Ora, o juiz dá como provados os factos e tem de decidir a pena concreta a ser aplicada. Na
determinação da pena há três operações – as duas primeiras essenciais e a terceira eventual:
• Saber qual é a pena aplicável (estamos aqui a falar de uma moldura penal);
• O juiz vai ter de encontrar a pena concreta, aquela que vai ser aplicada ao agente;
• Se o juiz tiver encontrado uma pena concreta ate 5 anos de prisão, o juiz vai decidir se a substitui por
uma pena não privativa da liberdade.

Este sistema pressupõe dois papéis: o papel do legislador e o papel do juiz.

O legislador é quem nos diz qual é a moldura penal do crime e é quem, valorando a gravidade máxima e
mínima daquele comportamento, nos oferece, no tipo legal de crime, um limite mínimo e um limite máximo (=moldura
penal). Por outro lado, é também ao legislador que cabe decidir se aquele comportamento é só punido com prisão ou
se, em alternativa, pode ser também punido com multa ou até exclusivamente com multa. Cabe também ao legislador
definir as circunstâncias modificativas atenuantes e agravantes. As circunstâncias modificativas que o legislador prevê
na lei vão modificar em determinadas circunstâncias ou o limite mínimo ou o limite máximo ou ambos os limites
previstos inicialmente para cada comportamento. Temos uma circunstância modificativa atenuante se o agente em
vez de consumar o crime, apenas o tiver tentado – a tentativa é obviamente menos punida que a consumação da
prática do crime; havendo tentativa, o limite mínimo e o limite máximo da pena serão atenuados. É também o
legislador que nos vai fornecer os critérios de determinação da medida concreta da pena (artigo 71.º CP) e é também
o legislador que nos vai fornecer os critérios de escolha da pena (artigo 70.º CP).

Ao juiz cabe determinar qual é a pena aplicável. Se no tipo legal de crime o legislador oferecer a pena de prisão
e a multa, cabe ao juiz decidir qual delas será aplicável no caso concreto. Cabe-lhe também determinar se há
circunstâncias modificativas atenuantes ou agravantes. Cabe-lhe ainda determinar a pena concreta valorando as
circunstâncias concretas do caso.

Não podemos esquecer a fase da execução das penas, nomeadamente a fase da execução da pena de prisão
porque é só ao fim do cumprimento da pena que de facto sabemos qual foi a pena aplicada naquele caso. Suponhamos
que alguém comete um homicídio qualificado e que o juiz aplica uma pena de prisão de 20 anos. Esta pena de prisão
de 20 anos vai começar a ser executada. Se for concedida a liberdade condicional a este agente a meio da pena, ou

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seja, depois de ter estado 10 anos a sofrer pena de prisão, esta condenação vai ter uma duração máxima de 5 anos.
Logo, afinal este agente que tinha sido condenado a 20 anos de prisão acaba por cumprir apenas 15 anos de pena.

2. DETERMINAÇÃO DA MOLDURA PENAL (PENA APLICÁVEL)

Quando estamos na operação de determinação da pena aplicável, podemos encontrar só uma pena de prisão
(por exemplo o artigo 164.º CP), só uma pena de multa (por exemplo o artigo 366.º/2 CP) ou uma pena de multa em
alternativa a uma pena de prisão (por exemplo o artigo 143.º CP).
Neste último caso, a primeira coisa que o juiz tem de fazer é decidir se vai aplicar uma pena de multa ou uma
pena de prisão. Por vezes, quando a multa seja principal alternativa, o juiz confronta-se com uma operação de escolha
da pena.

A determinação da pena aplicável supõe que o juiz subsuma os factos, que dá como provados na sentença,
num tipo legal de crime. A subsunção de um comportamento num tipo legal de crime pode também não ser pacífica.
Consoante seja num ou noutro tipo legal de crime, assim varia a pena aplicável ao agente.

Exemplo: eu posso ter dado como provado que o senhor A matou o senhor B e, depois, confrontar-me com a
questão de saber se este homicídio deve ser punido com uma pena de prisão de 8 a 16 anos (homicídio simples) ou
com uma pena de prisão de 12 a 25 anos (homicídio qualificado) ou, ainda, com uma pena de prisão de 1 a 5 anos
(homicídio privilegiado: artigo 133.º). Isto tem a ver com o conjunto dos factos que o juiz dá como provados na
sentença condenatória.

Nestes casos, estamos perante situações em que o legislador entendeu, quando determinou a moldura entre
8 a 16 anos de prisão, que, atendendo à gravidade mínima e máxima do homicídio, em regra, um homicídio deve ser
punido com uma pena de prisão no mínimo de 8 anos e no máximo de 16 anos. Mas há situações em que há aquilo a
que chamamos tecnicamente alterações ao nível do tipo de ilícito ou ao nível do tipo de culpa que justificam que a
pena não seja de 8 a 16 anos e seja por exemplo de 12 a 25 anos. No caso do homicídio qualificado, a doutrina
maioritária diz que, se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade,
o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos. Exemplo: quando o agente comete o homicídio na pessoa do
seu ascendente ou descendente (a mãe ou o pai que mata o filho). Neste circunstancialismo o tipo de culpa que foi
pressuposto pelo legislador quando determinou a pena de 8 a 16 anos é mais grave, dado à relação familiar que
intercede entre o agente e a vítima.

Em suma, o legislador prevê tipos fundamentais, tipos qualificados e tipos privilegiados. Por exemplo, em
matéria de crimes sexuais, o crime de coação sexual (artigo 163.º) é o tipo fundamental, já a violação é o tipo
qualificado.

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Um tipo legal é qualificado ou privilegiado quando se conclua que há ali alterações ao nível do tipo de ilícito
ou ao nível do tipo de culpa. Exemplo: o artigo 177.º do CP diz que a pena é mais grave quando entre o agente da
prática de um crime sexual e a vítima interceder uma relação de parentesco, ou seja, se A abusa sexualmente de uma
criança, é punido com uma pena, mas se o A for pai da criança a pena aplicável é mais grave. Se o comportamento for
o de um pai que abusa sexualmente de um filho, estamos aqui perante uma alteração ao nível do tipo de ilícito, ou
seja, estaremos perante um tipo qualificado e não perante uma mera circunstância modificativa agravante. As
circunstâncias modificativas não pressupõem alterações ao nível do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, mas acabam
por contender com a maior ou menor gravidade do crime, ou seja, se eu estou perante uma circunstância modificativa
agravante, estou perante circunstâncias que, de todo o modo, agravam a pena porque é maior a gravidade do crime.
Voltando ao exemplo da tentativa: se eu, em vez de matar alguém, me ficar apenas pelo estádio da tentativa, essa
tentativa não altera o tipo de ilícito ou o tipo de culpa, mas é menos grave tentar matar do que matar. Se eu atuo não
como autora de um crime, mas como mera cúmplice, o tipo de ilícito e o tipo de culpa são os mesmos, mas o meu
comportamento é menos grave.

• As circunstâncias modificativas gerais são aquelas que estão previstas na parte geral do CP e servem para
todo e qualquer crime (por exemplo, artigos 23.º e 27.º do CP).

• As circunstâncias modificativas especiais/específicas são aquelas que estão previstas na parte especial do CP.
A própria tentativa às vezes está prevista na parte especial do CP porque, em regra, como diz o artigo 23.º, a tentativa
só é punível se ao crime consumado respetivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão. Do artigo 286.º do CP
constam casos de atenuação especial da pena (circunstância modificativa atenuante). O artigo 374.º-B do CP também
prevê uma circunstância modificativa atenuante em casos de corrupção.

Como é que fazemos se, num caso concreto, tivermos um CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS? Suponhamos
que determinado individuo comete um crime punido com uma pena de prisão até 9 anos e que este individuo não
passa da consumação (temos, portanto, uma tentativa que dá direito a uma atenuação especial da pena), que ele
atuou como cúmplice e que é um jovem de 18 anos. Temos aqui 3 circunstâncias modificativas. Se formos ao artigo
73.º do CP, vemos que, quando houver lugar a atenuação especial da pena, o limite máximo da pena é reduzido de
um terço (=tirar um terço ao limite máximo). O critério de funcionamento das circunstâncias modificativas atenuantes
ou agravantes em concurso é o funcionamento sucessivo.

Outra questão é saber quando o CONCURSO FOR ENTRE CIRCUNSTÂNCIAS MODIFICATIVAS ATENUANTES E
AGRAVANTES. Neste caso, o critério é fazer funcionar primeiro a circunstância modificativa agravante e depois a
circunstância modificativa atenuante. Isto tem, porém, uma exceção que é o caso da reincidência: quando estivermos
perante um agente reincidente que apenas tentou a prática de um crime, aqui excecionalmente fazemos funcionar
primeiro a atenuante e depois a agravante.

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É muito relevante na prática sabermos se estamos perante uma circunstância modificativa ou um tipo legal de
crime fundamental ou privilegiado.

O procedimento criminal prescreve ao fim de X anos (artigo 118.º CP) em função da pena aplicável ao crime.

EM SUMA:
O juiz, em face dos factos comprovados, vai subsumi-los num tipo legal de crime que pode ser o fundamental,
o qualificado ou o privilegiado. Depois, o juiz encontra a pena aplicável. A pena aplicável pode ser só prisão, pode ser
só multa ou pode ser prisão ou multa (caso em que o juiz tem de escolher). Quando o juiz opta pela prisão ou pela
multa, ainda tem que verificar se, no caso, há circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes porque a pena
que ele encontra por referência ao tipo legal de crime pode ser modificada consoante haja ou não estas circunstâncias.

3. DETERMINAÇÃO CONCRETA DA PENA (PENA APLICADA)

De acordo com o artigo 71.º/3 do CP, na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida
da pena. Isto já não tem a ver com a arte de julgar do juiz.

a) MODELO DA MOLDURA DA CULPA OU DO ESPAÇO DA LIBERDADE:

Este modelo diz-nos que o juiz, na determinação da medida concreta da pena, a primeira coisa que deve fazer
é considerar a culpa do agente e encontrar uma moldura de culpa. A culpa só permitiria chegar a uma moldura e não
a uma quantia exata.

Esta teoria diz-nos ainda que qualquer pena, dentro da moldura da culpa, seria adequada a prosseguir a
finalidade de prevenção geral positiva ou de integração. Como sabemos, esta prevenção diz-nos que a finalidade da
pena é a reafirmação da validade da norma que foi violada com a prática do crime. De acordo com este modelo,
qualquer pena, porque seria uma pena adequada à culpa do agente, prosseguiria também esta finalidade.

Dentro desta moldura da culpa que satisfaz também as exigências de prevenção geral, caberia em último
termo à prevenção geral de socialização um quantum final da pena.
Portanto, este modelo relaciona desta forma a culpa e a prevenção e, desse ponto de vista, seria um modelo
adequado ao artigo 71.º do nosso CP.

Sucede, porém, que todos conhecemos a realidade dos delinquentes não carecidos de ressocialização. Há
agentes relativamente aos quais falhará qualquer processo de socialização e, por outro lado, há agentes que, apesar
de cometerem um crime, não são carecidos de socialização, até porque o crime pode ser apenas um crime situacional,
muito marcado pela situação (como são muitas vezes os crimes passionais). A taxa de reincidência dos homicidas é
muito menor do que a taxa de reincidência dos “ladrões”, por exemplo. Os criminosos de guerra nazis, que não foram
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condenados, não voltaram a cometer crimes de guerra. Se lhes tivéssemos aplicado uma pena, teríamos aplicado uma
pena a agentes não carecidos de socialização. Com isto não queremos dizer que a pena não deve ser aplicada, porque
ela deve ser sempre aplicada para haver uma reafirmação da norma que foi violada com a prática do crime.

Os defensores deste modelo, nomeadamente o professor alemão Claus Roxin, admitem que,
excecionalmente, a tal pena que não poderia ficar aquém dos 10 anos (por exemplo), fique aquém dos 10 anos se
estivermos claramente perante um agente não carecido de socialização, com um limite, porém: nunca pode ficar
abaixo do limite mínimo legal.

Em suma, a culpa serve para construir uma moldura que, no limite mínimo, significa a pena que já é adequada
à culpa do agente e, no limite máximo, a pena que ainda é adequada à culpa do agente. Qualquer pena dentro da
moldura da culpa satisfaz a prevenção geral positiva.

PORQUE É QUE, APESAR DE TUDO, ESTE MODELO NÃO SERVE PARA O DIREITO PORTUGUÊS?
O artigo 71.º realmente diz que a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do
agente e das exigências de prevenção, mas temos de ler o artigo 40.º do CP que diz que as finalidades das penas são
finalidades de prevenção geral e de prevenção especial. Um modelo como este concede demasiada importância à
culpa e, por isso, não estará de acordo com o artigo 40.º/1 do CP. Este artigo dá prevalência até à prevenção geral face
à prevenção especial. A finalidade primordial da pena é a prevenção geral e, sempre que possível, a reinserção social
do agente. Por outro lado, nós temos o nº2 que aponta o papel que a culpa desempenha na determinação da medida
concreta da pena: a culpa é o máximo de pena que podemos aplicar ao agente (é pressuposto e limite da pena).
Portanto, resulta do artigo 40.º/2 que a culpa do agente é considerada somente no sentido de não lhe poder ser
aplicada uma pena concreta que ultrapasse a sua culpa. O princípio da culpa é, em matéria de penas, a concretização
do princípio da proibição do excesso. No modelo da moldura da culpa, a culpa fornecia-nos um limite mínimo e um
limite máximo. De acordo com a nossa lei, a culpa fornece apenas o limite máximo.

Aqui podemos trazer à discussão uma outra norma: no direito português não se justifica dizer qual é o mínimo
de pena que se deve aplicar, como faz Roxin, porque temos o instituto da dispensa de pena (artigo 74.º CP). Não
obstante haver crime, pode não haver a aplicação de qualquer pena. Não há pena sem culpa, não há pena superior à
culpa – este princípio tem um caráter unívoco em Portugal, ou seja, pode haver culpa e não haver a aplicação de uma
pena. Porque é que, havendo culpa, não há aplicação de uma pena? Porque entendemos que pode haver culpa e não
ser necessário aplicar uma pena porque o que comanda a aplicação da pena são as exigências de prevenção geral e
especial. Então se pode haver culpa e não haver pena, então, por maioria de razão, pode haver uma pena inferior ao
mínimo da culpa. No direito português, não faz sentido pedir à culpa que nos dê o mínimo de pena que vamos aplicar
ao agente.

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b) MODELO DA MOLDURA DA PREVENÇÃO:

O juiz tem na primeira operação, por exemplo, a tal pena de 8 a 16 anos (homicídio simples) e, na segunda
operação, vai construir a moldura da prevenção. Olhando para o caso concreto, o juiz vai ver qual é o mínimo de pena
necessário para a comunidade jurídica continuar a acreditar na validade e na vigência da norma que foi violada.

Artigo 40.º/2: a culpa é limite, ou seja, a seguir o juiz tem de ver se o limite máximo de 15 anos que é dado
pela medida ótima de tutela do bem jurídico é compatível com a culpa do agente. Se concluir que 15 anos é excessivo
do ponto de vista da culpa do agente, baixa por exemplo para 14 se concluir que a culpa do agente suporta uma pena
de 14 anos. Passamos a ter uma moldura de 12 anos, que é o mínimo que é preciso aplicar do ponto de vista da
prevenção geral, e o máximo de 14.

A vantagem deste modelo em relação ao anterior é que este concede à prevenção a importância que lhe
damos no CP, atribui à culpa o papel que o artigo 40.º/2 lhe destina e é coerente com o artigo 74.º do CP que permite
até ter culpa e não haver a aplicação de qualquer pena. Logo, este modelo está de acordo com o caráter unilateral do
princípio da culpa.

Tem ainda outra vantagem: no modelo anterior, por razões excecionais, poderíamos ficar aquém do limite
mínimo da moldura da culpa, mas sem nunca pôr em causa o mínimo da moldura legal; neste modelo da prevenção,
admitimos que o mínimo de pena adequado à tutela das expectativas comunitárias quanto à validade e vigência da
norma seja superior ao mínimo legal.

4. CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO E DE VALORAÇÃO DOS FATORES DE MEDIDA DA PENA


E FATORES DE MEDIDA DA PENA

O artigo 71.º dá-nos os critérios de determinação da pena (culpa e prevenção) e o nº 2 deste artigo diz-nos
que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra dele, ou seja, o que o nº
2 prevê são fatores de medida da pena.

O dolo e a negligência são fatores muito importantes para efeitos de culpa e não só. E nós valoramos o dolo e
a negligência para estes efeitos tendo em conta que, se o dolo for direto, pesará mais para a culpa do que ser for um
dolo eventual ou necessário; se o agente for negligente e não doloso, isso terá um peso diferente do que se este
tivesse tido um comportamento doloso.
O juiz tem de ponderar todos estes fatores previstos no nº 2, os quais podem ser agrupados em:
− Fatores relativos à execução do facto (alíneas a), b), c), e e));
− Fatores que têm a ver com a personalidade do agente (alíneas b) e f));
− Fatores que têm a ver com a conduta do agente anterior e posterior ao facto (al. e)).

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Há fatores ambivalentes de medida da pena, o que quer dizer que o mesmo fator releva quer para a culpa e
quer para a prevenção, como é o caso de considerar o passado do indivíduo à luz do seu registo criminal.

E há ainda fatores duplamente ambivalentes, que quando considerados do ponto de vista da culpa, atenuam
a medida concreta da pena, mas o mesmo fator visto à luz do critério da prevenção, pode agravar a medida concreta
da pena.

✓ Costuma sair em exame pedir um fator de medida da pena que não seja ambivalente e, no elenco do nº 2 do artigo 71.º,
temos um caso assim, nomeadamente no caso de um comportamento posterior ao facto (alínea e)). A conduta anterior ao facto
tanto releva para efeitos de culpa quanto de prevenção, mas a conduta posterior ao facto nunca pode relevar para efeitos de
culpa, porque a culpa do agente cristaliza-se no momento da prática do facto – por melhor que seja o meu comportamento
posterior à prática do facto, a minha pena não será atenuada por isso.

O artigo 71.º/2 consagra o princípio da proibição da dupla valoração: na determinação da medida concreta
da pena não pode o juiz valorar aquilo que já foi valorado pelo legislador quando construiu a moldura.
− Exemplo: se eu atenuo especialmente a pena de um homicídio porque só houve tentativa (artigo 23.º), não faz
sentido eu, dentro da moldura atenuada, dizer que a pena concreta que vou aplicar deve ser menor porque o crime foi
só tentado e não consumado.

No artigo 143.º do CP temos a ofensa à integridade física simples e no artigo 144.º temos a ofensa à
integridade física grave: deixamos de ter uma ofensa simples se através da ofensa privarmos alguém de importante
órgão ou membro ou desfigurarmos a pessoa grave e permanentemente.

5. DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA DE MULTA

No Código Penal o sistema (adotado) de determinação da pena de multa é o sistema dos dias de multa (artigo
47.º CP).

A alternativa seria o sistema da soma global: aqui o legislador no tipo legal de crime, quando previsse a punição
com pena de multa, diria que aquele comportamento seria punido, por exemplo, com uma pena de multa de 200€
(sistema de soma global de multa em quantia fixa) ou com uma pena de multa entre 20 e 200€ (sistema de soma global
de multa em quantia a fixar entre um quantitativo mínimo e um quantitativo máximo). Mas não é este o nosso sistema.

A multa em quantia fixa seria mesmo inconstitucional: uma norma que previsse uma quantia fixa de multa
seria inconstitucional por violação do princípio da culpa (porque uma multa em quantia fixa pode vir a aplicar-se a
uma pessoa acima do permitido pela sua culpa e temos de ter em conta que a culpa é limite da pena), do princípio da
igualdade (porque estar-se-ia a tratar da mesma forma pessoas com capacidade financeira para pagar aquela multa e
pessoas que não têm capacidade para o fazer) e do princípio da proporcionalidade (pelas mesmas razões do princípio

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da culpa). O TC Português já julgou várias normas que previam penas de multa em quantia fixa e considerou-as
inconstitucionais por estes motivos. Uma pena de multa só terá eficácia político-criminal se for adequada à situação
económico-financeira do agente.

O SISTEMA DOS DIAS DE MULTA consiste em o juiz, numa primeira operação, determinar os dias de multa e
esta determinação faz-se de acordo com os critérios e os fatores previstos no artigo 71.º, ou seja, no fundo é
exatamente a mesma coisa determinar uma pena de prisão entre 8 e 16 anos ou uma pena de multa entre 10 e 365
dias. A operação mais complexa é a de determinar, numa segunda operação, o quantitativo diário da multa. De acordo
com o artigo 47.º, chega-se ao quantitativo diário em função da situação económico-financeira do condenado e dos
seus encargos pessoais, ou seja, o juiz vai considerar aqui a totalidade dos rendimentos próprios do condenado e, em
regra, fá-lo-á atendendo à última declaração de IRS do condenado. A seguir o tribunal tem de considerar também os
encargos que o condenado tem, por exemplo com o pagamento de impostos e o pagamento de uma pensão de
alimentos.

A questão que se coloca aqui é a de saber se, além dos rendimentos, devemos considerar o património do
condenado. É óbvio que, se eu além do meu ordenado, tiver 5 ou 6 apartamentos arrendados, a renda que eu recebo
dos apartamentos são consideradas para a determinação do meu rendimento. Mas a questão é: vamos considerar o
facto de eu ser proprietária de 5 ou 6 apartamentos? Faz sentido considerar o património de tal forma que, se preciso
for, o condenado vende o património? A resposta aqui deve ser negativa. Considerar os rendimentos do património
sim, mas considerar o património em si não parece razoável.

O QUE FAZER COM AS PESSOAS QUE NÃO TÊM RENDIMENTOS PRÓPRIOS?



Nem sempre podemos concluir pela impossibilidade de condenação em pena de multa. Quando falamos aqui
em pessoas carentes de rendimentos próprios estamos a pensar por exemplo num desempregado, mas já não será
assim se a pessoa estiver desempregada e receber o subsídio de desemprego (este subsídio entra para a contabilização
do rendimento). Pensemos também nos estudantes: estes não têm rendimentos próprios. Será que não podem ser
condenados numa pena de multa? Na realidade estas pessoas têm um rendimento.

O QUE FAZER COM AS PESSOAS QUE VIVAM ABAIXO DO MÍNIMO EXISTENCIAL OU NO MÍNIMO EXISTENCIAL?

Haverá muitas pessoas que não podem pagar 5€ por dia, mas haverá muitas outras que podem pagar 1€ por
dia, por exemplo. O limite mínimo da pena de multa foi aumentado de 1€ para 5€. De todo o modo, estas pessoas não
podem deixar de ser condenadas em multa só porque não a podem pagar. Isso representaria uma violação do artigo
13.º/2 da CRP (proibição de discriminação em função da situação económico-financeira dos condenados). A solução
que a nossa lei dá está no artigo 49.º/3: se eu estiver perante alguém que não possa pagar o mínimo de multa então
eu condeno-a ao pagamento da pena de multa e, a seguir, suspendo a execução da prisão subsidiária, ou seja, converto
a multa em prisão subsidiária e suspendo a execução da mesma.

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Comparativamente com a pena de prisão, a pena de multa tem uma execução mais elástica, como já dissemos,
e isso tem a ver com o que se diz no artigo 47.º/3: este artigo permite-nos o pagamento diferido da multa (se eu for
hoje condenada em pena de multa posso pedir ao tribunal para pagar a multa só em julho quando recebo o meu
subsídio de férias, mas só se pode diferir no máximo por 1 ano) e permite-nos o pagamento da pena de multa em
prestações (mas a última prestação não pode ir além dos 2 anos).
A flexibilidade é tanta que, inclusivamente, eu posso pedir para, em vez de pagar em dinheiro, pagar em
espécie (=prestar trabalho em vez de entregar o quantitativo correspondente à pena de multa).

Como a pena de multa só é uma verdadeira pena se for sentida como mal pelo condenado, há aqui outro
pormenor: vamos estudar em Processo Penal que, em matéria de recursos, existe o princípio da proibição da reforma
para pior (artigo 409.º do Código de Processo Penal). Um arguido que seja condenado, se recorrer da condenação,
não pode ver a sua pena agravada na sua medida ou espécie, ou seja, se eu for condenada em 8 anos de pena de
prisão e se recorrer, o tribunal superior não me pode aplicar 10 anos. Excecionalmente, pode haver reforma para pior
do quantitativo diário da pena de multa: o tribunal não pode alterar nunca os dias de multa, mas pode alterar o valor
monetário por dia.

III. CASOS ESPECIAIS DE DETERMINAÇÃO DA PENA

Estudado o processo normal de determinação da pena (o juiz encontra a pena aplicável ao crime, pena essa
que pode ser uma pena de prisão ou uma pena de multa; depois tem lugar a operação de determinação da medida
concreta da pena dentro da moldura penal aplicável e, por fim, faz a escolha da pena), importa agora considerar as
situações em que o processo de determinação da pena se rege por critérios particulares, quer ao nível da
determinação legal ou abstrata quer ao da determinação judicial ou concreta.

1. REINCIDÊNCIA (artigo 75.º CP)

Segundo o disposto no artigo 75.º/1 do CP, é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma
de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois
de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro
crime doloso. E acrescenta o nº2 que o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a
reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos.

À luz do artigo 76.º, temos aqui um caso especial de agravação da pena: a reincidência é uma circunstância
modificativa agravante do nosso sistema jurídico.

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1.1. PRESSUPOSTOS FORMAIS E MATERIAL

• Pressupostos formais relativos ao crime precedente:


− Tem de ser um crime doloso: esta exigência encontra justificação na ideia de que só relativamente a
crimes que tenham sido previstos e queridos pelo agente e que se fundamentem numa atitude pessoal contrária ou
indiferente às normas jurídico-penais ganha sentido o pressuposto material desta circunstância modificativa agravante
e, ainda, na exigência de proporcionalidade, uma vez que está em causa a agravação da moldura penal prevista para
o crime.
− Tem de ser um crime punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses: excluem-se os casos em
que o agente cumpriu pena de prisão na sequência da revogação de pena de substituição e s casos em que o agente
foi punido com pena de substituição privativa da liberdade (regime de permanência na habitação, prisão por dias livres
ou regime de semidetenção). Não é necessário que o agente cumpra a pena de prisão, basta que tenha sido condenado
a essa pena (artigo 75.º/4 CP).
− Tem de ter sido objeto de uma decisão já transitada em julgado: esta exigência separa este caso
especial de determinação da pena do concurso de crimes.

• Pressupostos formais relativos ao crime atual:


− Tem de ser um crime doloso;
− Tem de vir a ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses.

• Pressuposto formal relativo a ambos os crimes: entre a prática de um crime e de outro não pode ter passado
mais de 5 anos, sob pena de prescrição da reincidência – artigo 75.º/2. Mas nesse período de tempo não se conta o
tempo em que ele tenha estado privado da liberdade.

• Pressuposto material da reincidência: eu devo ser mais punida quando sou considerada reincidente porque,
ao reincidir, eu sou considerada mais culpada porque, ao cometer o segundo crime, não respeitei a solene advertência
contida na condenação anterior no sentido de não praticar crimes. O pressuposto material da reincidência é, portanto,
o desrespeito pela advertência. Isto significa que não basta que o agente cometa dois crimes, ainda que sejam os dois
dolosos e punidos com prisão efetiva superior a 6 meses. Tem de haver alguma conexão entre o crime anteriormente
cometido e o crime que agora se cometeu. Não quer isto dizer também que tenha de ser rigorosamente o mesmo
crime.

Não é reincidente aquele que foi anteriormente condenado, por exemplo, numa prestação de trabalho a favor
da comunidade, não a cumpriu e depois teve de cumprir a pena de prisão que se quis substituir. Este agente não é
reincidente porque ele foi condenado a uma prestação de trabalho a favor da comunidade, não a uma pena de prisão
efetiva. A expressão “prisão efetiva” tem a ver com não ter sido aplicada nem ser agora aplicada uma pena de
substituição. A condenação anterior e a atual tem de ser em prisão efetiva, não pode ser uma pena de substituição.

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Mas já conta para efeitos de reincidência a condenação do agente numa pena de prisão até 2 anos cumprida
em regime de permanência na habitação (artigo 43.º CP). Este regime não é uma pena de substituição, mas sim uma
forma de cumprimento da pena de prisão. Se eu for condenada numa pena de prisão de 1 ano a cumprir na minha
habitação, já se verifica o pressuposto da reincidência porque, como esta obrigação não é uma pena de substituição,
é uma condenação em pena de prisão efetiva, para todos os efeitos. As penas de prisão efetiva até 2 anos podem ser
cumpridas na prisão ou em casa. Quer numa situação ou noutra, estamos perante uma condenação em pena de prisão
efetiva.

Os crimes anteriores não levam à condenação por reincidência se não se verificarem estes pressupostos que
mencionamos, mas obviamente que a circunstância de anteriormente já ter sido cometido um crime igual tem relevo
na determinação da medida concreta da pena. Não tem relevo para efeitos de punição com reincidência, mas essa
consideração entra nos fatores de medida da pena concreta que estão no artigo 71.º do CP.

1.2. OPERAÇÕES DA DETERMINAÇÃO DA PENA EM CASO DE REINCIDÊNCIA

Dispõe o artigo 76.º/1 do CP que, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é
elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, não podendo a agravação exceder a medida da pena
mais grave aplicada nas condenações anteriores. O que supõe a autonomização de quatro operações:

• O juiz, em primeiro lugar, vai determinar a pena como se o agente não fosse reincidente (artigo 71.º),
seguindo o procedimento normal de determinação da pena. Trata-se de uma operação duplamente instrumental:
serve, por um lado, para verificar um dos pressupostos formais da reincidência – o crime reiterado tem de ser punido
com pena de prisão efetiva superior a 6 meses – e, por outro lado, para tornar possível a última operação, a qual é
imposta pela 2ª parte do artigo 76.º/1 do CP. O caráter instrumental desta operação afasta qualquer possibilidade de
violação do princípio da proibição da dupla valoração.

• Em segundo lugar, o tribunal vai construir a moldura penal da reincidência, a qual tem como limite
máximo o limite máximo previsto pela lei para o respetivo crime e como limite mínimo o limite mínimo legalmente
previsto para o tipo elevado de um terço, em razão do desrespeito pela advertência contida na condenação anterior.

• Em terceiro lugar, dentro desta moldura penal agravada, o tribunal vai determinar a medida concreta
da pena, considerando agora que o agente é reincidente. Imaginemos que chegamos a uma pena de 7 anos (entre 4 a 10).
Qual foi a agravação da pena por ele ser reincidente? 2 anos. Se ele não fosse reincidente, aplicar-lhe-ia uma pena de 5 anos.
Como é reincidente, aplicamos uma pena de 7 anos, ou seja, agravamos a pena em 2 anos.

• Por fim, o tribunal tem de comparar a medida da pena a que chegou sem entrar em linha de conta
com a reincidência – a medida da pena a que chegou na primeira operação – com aquela que encontrou dentro da
moldura da reincidência. Isto porque a agravação da pena não pode ser superior à pena mais grave da condenação

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anterior (artigo 76.º/1). Suponhamos que eu anteriormente tinha também praticado um crime e fui condenada em 6 anos de
pena de prisão. O juiz agora quer condenar-me a 7 anos de prisão. Sabemos que, sendo 7, há aqui uma agravação de 2 anos. Eu
posso manter os 7 anos, porque a agravação (2 anos) não é superior à pena da condenação anterior (6 anos). Nós só sabemos
qual é o limite da agravação comparando a pena que lhe aplicaríamos se não fosse reincidente com a pena que lhe aplicamos por
ser reincidente.

CASO PARTICULAR:
O limite da agravação assenta numa ideia de proporcionalidade e, portanto, podemos dizer que há aqui um
limite externo: em caso algum a agravação em virtude da reincidência pode ser superior à pena concreta mais grave
das condenações anteriores.
Imaginemos que, voltando ao caso anterior, vamos agravar, na segunda operação, o limite mínimo num terço
e ficamos com 4 a 10 anos, mas que a pena anterior em que eu fui condenada foi de apenas 9 meses. A agravação do
limite mínimo consome a medida da agravação porque o limite mínimo é agravado em 1 ano. De acordo com o artigo
76.º/1, a agravação não pode ser superior à pena concreta mais grave das condenações anteriores. Então nesta
situação o limite mínimo não poderia passar de 3 para 4; seria 3 anos e 9 meses. Isso tem a ver com a tal ideia de
proporcionalidade.

1.3. CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS MODIFICATIVAS ATENUANTES E/OU AGRAVANTES

A solução para concurso de circunstâncias modificativas atenuantes e agravantes é fazer funcionar primeiro
as agravantes e depois as atenuantes. Mas há aqui uma situação especial que é a da reincidência.
Em caso de reincidência, começamos pelas atenuantes e depois é que vamos às agravantes. Só assim é que
podemos determinar, como a lei exige, qual é o montante da agravação.
A pena não pode ser agravada em medida superior à pena mais grave das condenações anteriores e, para
sabermos de quanto foi essa agravação que está limitada, temos de saber qual é a pena que aplicaríamos ao agente
se ele não fosse reincidente e, portanto, temos de fazer funcionar primeiro as circunstâncias modificativas atenuantes.

1.4. REFLEXÃO DOUTRINAL

Este instituto da reincidência é um instituto que não tem simpatia de muitos e já houve países como a
Alemanha que revogaram no Código Penal o artigo da reincidência. A Dr.ª Maria João Antunes defende que não
haveria qualquer problema em revogar os artigos 75.º e 76.º do Código Penal, porque a maior culpa do agente por ser
reincidente seria sempre considerada ao abrigo do artigo 71.º.

2. CONCURSO DE CRIMES

De acordo com o artigo 77.º/1, 1ª parte, do CP, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de
transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.

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Vejamos o artigo 30.º do CP: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente
cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Se eu furtar
e burlar, cometi dois crimes. Se eu furtar 10 vezes, tenho aqui um preenchimento plural do mesmo tipo legal de crime.
Há aqui, porém, uma palavra-chave: “efetivamente cometidos”. Temos de distinguir o concurso
verdadeiro/efetivo (artigo 30.º/1) do concurso legal/aparente. Aquilo que vamos estudar é como punir o concurso
verdadeiro ou efetivo de crimes porque, quando o concurso é legal ou aparente, nós não temos mais do que um crime
na realidade.

Se eu cometer um crime de homicídio qualificado, é sinal que matei alguém revelando através do meu
comportamento uma especial censurabilidade ou perversidade, mas o certo é que eu matei, preenchi o tipo legal do
crime de homicídio qualificado. Mas também cometi um crime de homicídio simples porque o meu comportamento
enquadra-se naquele tipo legal de crime. Isto é claramente um concurso aparente de infrações porque obviamente
que eu só vou ser condenada pelo homicídio qualificado.

Outras vezes existe entre os tipos legais de crime uma relação de subsidiariedade. As normas de punição da
tentativa do homicídio são subsidiárias e, portanto, existe entre estas normas uma relação de subsidiariedade que
leva à exclusão da norma subsidiária, ou seja, eu sou punida apenas pela norma principal.

Imaginemos que eu furto alguém e quando o faço empurro-a e ela bate com a cabeça no chão. Neste caso, o
crime deixa de ser furto e passa a ser roubo. Eu, no fundo, cometi aqui três crimes: furto, roubo e ofensa à integridade
física. Mas não vou ser punida por estes três crimes. Vou ser punida apenas pelo crime de roubo porque intercede
aqui uma relação de consunção: as normas do roubo consomem as normas do furto e da ofensa à integridade física
simples e, portanto, neste caso também estamos perante um concurso aparente de infrações.

Imaginemos agora que eu ando aí a burlar pessoas e, para isso, falsifiquei documentos. O Supremo Tribunal
de Justiça entende que, neste caso, estamos perante um concurso de crimes, ou seja, o agente cometeu um crime de
burla e de falsificação de documentos – temos um concurso efetivo/verdadeiro de crimes. Há uma parte da doutrina
que entende que este é um caso de consunção, ou seja, a burla consome a falsificação.

Vejamos agora o caso em que há um crime de homicídio e um crime de ocultação de cadáver ou um crime de profanação
de cadáver. Estes devem ser considerados outros crimes ou estamos aqui no âmbito daquilo a que a doutrina chama factos
posteriores não puníveis? É um concurso aparente ou verdadeiro? Isto é só para vermos o quão difícil pode ser esta operação.

Há países que, no âmbito do concurso verdadeiro (artigo 30.º/1), distinguem:


• Concurso verdadeiro ou efetivo:
− Ideal:
− Real: quando a cada crime corresponder uma ação autónoma;
• Concurso aparente ou legal.

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Em Portugal não distinguimos a punição do concurso consoante ele seja ideal ou real. Punimos de forma
uniforme o concurso verdadeiro ou efetivo.

2.1. POSSIBILIDADES DE TRATAMENTO DO CONCURSO DE CRIMES

Segundo o SISTEMA DA ACUMULAÇÃO MATERIAL, determina-se a pena correspondente a cada crime em


concurso e aplicam-se as penas na sua totalidade, as quais são depois sucessivamente cumpridas se tiverem a mesma
natureza ou simultaneamente cumpridas se tal for materialmente possível.

Este sistema pode levar à modificação real da espécie de pena, podendo transformar penas temporárias de
prisão em pena de prisão perpétua. Pode acarretar o desrespeito do princípio da culpa e, além disso, não é
compaginável com a finalidade preventiva de reintegração do agente, dada a execução fracionada das penas.
No entanto, os países que adotam este tipo de sistema (por exemplo, Espanha e Brasil) têm em regra uma
norma para a execução da pena, ou seja, quando em Espanha alguém é condenado a 150 anos de prisão, há uma regra
segundo a qual essa pena, do ponto de vista da execução, não pode exceder 30 anos.

De acordo com o SISTEMA DA PENA ÚNICA, aos crimes em concurso corresponde uma pena: uma pena
unitária ou uma pena conjunta.

• O sistema é de pena unitária quando a punição do concurso ocorra sem considerar o número de crimes
concorrentes e independentemente da forma como poderiam combinar-se as penas que a cada um caberiam.
Neste caso, a punição do concurso é levada a cabo através da pena concretamente determinada e cabida ao
crime mais grave, com a consequência da impunidade dos outros crimes de igual ou menor gravidade.

• O sistema é de pena conjunta sempre que as molduras penais previstas, ou as penas concretamente
determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas segundo um princípio de
absorção ou um princípio de exasperação. Neste caso, a punição do concurso ocorre em função da moldura
penal prevista para o crime mais grave, devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de
crimes, com a consequência de o efeito agravante ser tanto menor quanto maior for o número de crimes
praticados pelo agente.

2.2. DETERMINAÇÃO DA PENA NO DIREITO VIGENTE (EM CONCURSO DE CRIMES)

Atendendo ao disposto no artigo 77.º/1 do CP, podemos concluir que, no direito português, adotamos um
sistema da pena única conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico.

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Segundo este sistema (cfr. artigo 77.º/2 CP):

• Primeira operação: o tribunal começa por determinar a pena (de prisão ou de multa) que concretamente
caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal de determinação até à operação da
escolha da pena, uma vez que é relativamente à pena conjunta que faz sentido pôr a questão da substituição.

• Segunda operação: em seguida, o tribunal vai construir a moldura penal do concurso. O limite máximo da
moldura é dado pela soma das penas concretas que encontramos na primeira operação e o limite mínimo é a pena
concreta mais elevada. Este é um dos casos em que se pode ir até aos 25 anos de prisão.

• Terceira operação: o tribunal vai determinar a medida da pena conjunta do concurso, dentro da moldura
penal, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção (artigo 71.º CP) e o critério especial segundo o qual na
medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º/1, 2ª parte). É este
critério especial que garante a observância do princípio da proibição da dupla valoração.

• Quarta operação: o tribunal tem o poder-dever de substituir a pena única conjunta encontrada por uma pena
de substituição, em função dos critérios gerais de escolha da pena estabelecidos no artigo 70.º do CP; bem como o
poder-dever de decidir se a pena de prisão efetiva até 2 anos é executada em regime de permanência na habitação,
de acordo com o disposto no artigo 43.º do CP.

Suponhamos que temos dois crimes de furto puníveis com uma pena de 2 a 10 anos e o juiz determina
relativamente a cada um deles uma pena de 4 anos. Estes 4 anos teoricamente são substituíveis por uma pena não
privativa da liberdade, mas como temos uma situação de concurso não vamos decidir essa substituição na 1ª operação.
Essa equacionação deve ser feita apenas na 3ª operação relativamente à pena conjunta.

O que distingue esta situação da reincidência é a circunstância de o agente ser punido como reincidente se
o crime ocorrer depois do trânsito em julgado da sentença condenatória; em caso de concurso de crimes,
determinamos a pena desta forma se estivermos perante uma situação em que o agente cometeu vários crimes, mas
ainda não houve relativamente a eles qualquer decisão transitada em julgado.

2.3. CRIMES PUNIDOS COM PENAS DE NATUREZA DIFERENTE

Suponhamos que o agente comete um crime de homicídio punível com uma pena de prisão entre 8 e 16 anos
e um crime de ofensa à integridade física simples punível com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Aqui o juiz tem de escolher entre a pena de prisão ou a pena de multa principal.
Imaginemos que ele escolhe a pena de multa e, portanto, temos um primeiro crime punível com uma pena de
prisão e um segundo crime punível com pena de multa.

24
Esta é a única situação que pode acontecer no direito português: termos uma pena de prisão e uma pena de
multa, porque estas são as únicas penas principais que temos.

O artigo 77.º/3 diz que, se as penas aplicáveis aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de
multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos
números anteriores.
Antes de 1995, este caso era punido através de um sistema de acumulação: o agente era condenado numa
pena de prisão e numa multa. Em 1995 houve a opção de terminar com as penas de multa complementares, ou seja,
acabou esta acumulação.

Hoje no Código Penal não encontramos nenhum tipo legal de crime onde o legislador diga que o agente é
punido com pena de prisão e com pena de multa. Nesta altura, o legislador também acabou com a pena de multa
complementar no concurso de crimes. Portanto, desde 1995 que não é possível aplicar em caso de concurso de
crimes uma pena de prisão e uma pena de multa.

O artigo 77.º/3 diz que a diferente natureza destas penas se mantém na pena única, ou seja, apesar de termos
penas de diferente natureza, vamos determinar uma só pena (sistema de pena única). Temos de determinar a pena
concreta cabida ao crime em causa e a pena concreta da pena de multa. Para determinarmos a pena única,
precisamos de ter grandezas iguais, então vamos converter os dias de multa em prisão subsidiária de acordo com
os critérios previstos no artigo 49.º/1 do CP. Significa isto que 120 dias de multa, de acordo com este artigo, vão
corresponder a 80 dias de prisão subsidiária.

É sempre dada a possibilidade ao condenado de ele optar por pagar a multa e, pagando a multa, ela não vai
integrar as operações do concurso. Isso resulta do inciso da norma que diz que se mantém a diferente natureza.

2.4. DETERMINAÇÃO SUPERVENIENTE DA PENA DO CONCURSO (artigo 78.º)

a) PRESSUPOSTOS:

Para ter lugar esta extensão do regime de punição do concurso de crimes é necessário que o crime de que
haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que
o tribunal tê-lo-ia tomado em conta para o efeito de determinar uma pena conjunta, se dele tivesse tido
conhecimento.

Isto significa que pode acontecer que eu tenha praticado vários crimes e esteja a ser julgada pela prática de
um desses crimes, pois o sistema de administração da justiça penal não conheceu os outros crimes que eu já tinha
cometido. Neste caso, o juiz não determina a pena única conjunta, pois esta será determinada supervenientemente,
depois do trânsito em julgado do 2° crime.

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Temos de ler o artigo 78.º a par do Acórdão 9/2016 do STJ. Este acórdão defende que “o momento temporal
a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do
trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”. A Dr.ª Maria João Antunes
discorda desta jurisprudência fixada.

Por outro lado, para esta extensão do regime de punição do concurso de crimes ter lugar preciso é que as
condenações pelos crimes anteriores já tenham transitado em julgado, o que pressupõe, portanto, que os crimes já
tenham sido objeto de condenações transitadas em julgado.
A letra atual do nº2 do artigo 78.º estabelece que a determinação superveniente da pena só tem lugar se as
condenações já tiverem transitado em julgado.

O artigo 78.º existe para os casos em que o agente já cometeu outros crimes, mas que não chegaram ao
conhecimento das autoridades, e também para os casos em que o agente já cometeu outros crimes que chegaram ao
conhecimento das autoridades, mas não é possível julgar e condenar devido a regras processuais.
Ou seja: nós fazemos uma determinação superveniente, porque as pessoas que cometem crimes não podem
ser penalizadas pelo facto de o sistema não conhecer todos os crimes que praticaram ou não os poder conhecer em
virtude de regras processuais.

b) REGIME:

Nestas situações de determinação superveniente da pena em caso de concurso, se o agente já tiver cumprido
uma parte da pena, essa parte é descontada depois na pena única conjunta. É esse o sentido da parte final do nº1 do
artigo 78.º do CP, mas esta parte só vale para os casos em que a pena ainda esteja a ser cumprida.

Uma situação mais complicada e que não tem uma solução unânime na doutrina é a seguinte: suponhamos
que eu sou condenada pela prática de um crime em suspensão da execução da pena de prisão. O juiz pune-me com 4
anos de pena de prisão, mas determina esta suspensão. Entretanto, vem-se a descobrir que, anteriormente aquela
condenação, eu tinha praticado outro crime. Como a pena anterior foi pena não privativa da liberdade, ela mantém-
se junto a esta ou não? Quando a pena anterior é pena não privativa da liberdade, continua a haver uma
determinação superveniente da pena do concurso em termos normais?

A Dr.ª Maria João Antunes entende que, em caso de concurso, não se justifica que não sejam seguidas as
regras normais, ou seja, neste caso, o juiz anularia a suspensão de execução da pena, lidaria com a pena concreta dos
4 anos de pena de prisão, determinaria a pena concreta, depois a pena única e, por fim, decidiria se substitui ou não
a pena única do concurso por uma pena não privativa da liberdade.

26
Como é que devemos proceder em caso de determinação superveniente da pena em concurso de crimes?
Suponhamos que eu hoje sou condenada numa pena concreta de 10 anos, a decisão transita em julgado e depois
descobre-se que eu tinha anteriormente cometido um outro crime. Vem um terceiro tribunal determinar a pena única
conjunta. Suponhamos, ainda, que os 10 anos a que fui condenada são já uma pena conjunta porque pratiquei 3
crimes. Nesse caso, temos de ver quais foram as penas concretas de cada um dos 3 crimes, juntar a pena concreta do
4º crime e determinar a pena única conjunta.

2.5. PUNIÇÃO DO CRIME CONTINUADO (artigo 30.º/2)

O artigo 79.º/1 do CP estabelece que o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais
grave que integra a continuação.

Este preceito é expressão de um princípio da exasperação: o tribunal determina a medida concreta da pena
do crime continuado dentro da moldura penal mais grave cabida aos diversos crimes que integram a continuação,
valorando dentro dessa moldura a pluralidade dos atos praticados.

O nº2 do mesmo artigo acrescenta agora que se, depois de uma condenação transitada em julgado, for
conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior. Ou
seja, permite-se, contra o trânsito em julgado da decisão, uma nova determinação da pena do crime continuado a
partir de uma moldura penal mais grave. Hipótese em que a pena anteriormente imposta é descontada na pena que
a substitui, na medida em que já estiver cumprida (artigo 81.º CP).

Um crime continuado pressupõe sempre um concurso verdadeiro de crimes (não confundir crime continuado
com crime permanente), só que há situações em que nós devemos tratar esse concurso verdadeiro de crimes como
se o agente tivesse praticado apenas um crime. Ele cometeu, de facto, vários crimes em concurso verdadeiro, mas
vamos tratar esse cometimento de forma a punir o agente como se tivesse cometido apenas um crime.
Vamos fazer isto porque há situações em que a pluralidade dos crimes está enquadrada num certo
circunstancialismo externo que “arrasta” o agente para a prática de novos crimes.

✓ Exemplo: Suponhamos que eu arranjo uma chave para assaltar determinado apartamento e entro no apartamento com
essa chave, assaltando o mesmo. Quando saio do apartamento, apercebo-me que, no apartamento ao lado, não está ninguém e
penso: “pode ser que esta chave abra também a porta ao lado”. Experimento, a porta abre e faço também o assalto ao
apartamento ao lado. Eu não programei assaltar o apartamento ao lado, mas, como o ditado diz, “a ocasião faz o ladrão”. Entende-
se que há aqui um circunstancialismo exterior que me arrastou para a prática do crime.

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3. DESCONTO

O instituto do desconto está regulado nos artigos 80.º a 82.º do CP, justificando-se por imperativos de justiça
material, ainda que com eventual prejuízo para a prossecução das finalidades preventivas das sanções (por exemplo, se
feito o desconto já não houver tempo de pena para cumprir ou este for reduzido).
A justificação abrange as privações da liberdade de natureza processual que o agente tenha sofrido, as quais
devem ser descontadas na pena em que o agente venha a ser condenado, bem com a pena imposta por decisão
transitada em julgado, a qual deve ser descontada na pena que posteriormente a substitua.

3.1. MEDIDAS PROCESSUAIS

O desconto das medidas processuais nas penas em que o agente venha a ser efetivamente condenado tem
lugar ainda que estas medidas tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado.

O Tribunal Constitucional já julgou não inconstitucional a norma do artigo 80.º/1 do CP, interpretada no
sentido de que o desconto da pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado,
quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a
medida de prisão preventiva foi aplicada.

Se a medida processual – detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação – for


descontada em pena de prisão, o desconto é feito por inteiro (artigo 80.º/1).

Se for descontada na pena de multa, o desconto é feito à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo
menos, um dia de multa (artigo 80.º/2).

As medidas processuais devem ser também descontadas no período mínimo de duração da medida de
segurança de internamento, previsto no artigo 91.º/2, aplicando-se, por analogia o disposto no artigo 80.º/1.

As medidas processuais devem, ainda, ser descontadas nas penas de substituição que venham a ser impostas,
por inteiro ou fazendo o desconto que parecer equitativo, consoante os casos (se a pena for, por exemplo, a de
suspensão da execução da pena de prisão, far-se-á o que parecer equitativo, em face do disposto no artigo 50.º/5; se
a pena for, por exemplo, a de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas, far-se-á
o que parecer equitativo, perante o que dispõe o artigo 46.º/1; se a pena for a de multa deverá seguir-se o que a lei
dispõe para a multa principal).

A lei afasta, referindo-se expressamente ao desconto das medidas processuais no cumprimento da pena de
prisão (da pena efetivamente aplicada), que seja feito o desconto na pena principal antes de ter lugar a operação de

28
escolha da pena, afastando com isso a possibilidade de esta operação se tornar possível só porque teve lugar o
desconto (quando, por exemplo, haja o desconto de um ano e seis meses numa pena de prisão de seis anos).

Não há qualquer justificação político-criminal para admitir o instituto do desconto em relação a penas
acessórias.

3.2. PENA ANTERIOR (artigo 81.º)

Isto acontecerá, por exemplo, em casos de:


− Conhecimento superveniente do concurso;
− Conhecimento superveniente de uma conduta mais grave que integre a continuação criminosa;
− No contexto de um processo de revisão (artigos 449.º e ss. CPP);
− Na sequência da reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável (artigos
2.º/4 do CP e 371.º-A do CPP).

Se a pena anterior for descontada numa outra pena da mesma natureza, o desconto é feito por inteiro (artigo
81.º/1). Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito o desconto que parecer equitativo (artigo
81.º/2).

3.3. REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO (artigo 43.º/1 alínea b)

Este regime é uma forma de execução da pena de prisão, decidida na sentença condenatória, depois de obtido
o consentimento do condenado.
Estamos perante uma solução legal congruente com a natureza do desconto e que acautela as finalidades
preventivas da punição, uma vez que a pena resultante do desconto só é executada no regime de permanência na
habitação se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da
execução da pena de prisão.
Contudo, é uma solução que acaba por poder pôr a descoberto um tratamento diferenciado de determinados
condenados.

4. ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA (artigo 72.º)

4.1. JUSTIFICAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL

Quando o legislador constrói uma moldura penal, tem na sua mente os casos-padrão e a ilicitude que, em
regra, ocorre no homicídio, por exemplo, assim como a culpa.

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Sucede que, por vezes, há circunstâncias da vida que não conseguimos prever para construir a moldura penal.
Para as situações excecionais que o legislador não teve em mente, temos o instituto da atenuação especial da pena
previsto no artigo 72.º do CP.

O juiz, na 1ª operação de determinação da pena, tem de ver qual é a pena aplicável e podem intervir aqui
circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes. Depois há uma cláusula geral de atenuação especial da pena.

Se, por via de circunstâncias anteriores ou posteriores ao facto, o juiz concluir que aquela pena que o legislador
lhe dá, do ponto de vista da ilicitude, da culpa ou da necessidade de pena, então o tribunal atenua especialmente essa
pena. No nº2 do artigo 72.º temos as circunstâncias que o legislador exemplifica que podem fazer com que o juiz
conclua que estamos perante um caso de atenuação especial da pena.

Se se verificar alguma destas circunstâncias, ela por si só não leva à atenuação especial da pena. Isto significa
que pode haver outras circunstâncias que não estejam aqui previstas e que levem o tribunal a concluir pela atenuação
especial da pena.

4.2. TERMOS DA ATENUAÇÃO

Tratando-se de pena de prisão, o limite máximo é reduzido de um terço, dependendo a redução do limite
mínimo do montante deste (artigo 73.º/1, alíneas a) e b), do CP):
• Se for igual ou superior a três anos é reduzido a um quinto;
• Se for inferior a três anos é reduzido ao mínimo legal (um mês, segundo o artigo 41.º/1).

Tratando-se de pena de multa, o limite máximo é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo
legal (10 dias – artigo 47.º/1) – artigo 73.º/1, alínea c), do CP.

Para os casos em que o limite máximo da pena de prisão não seja superior a 3 anos admite-se mesmo a
substituição desta por multa, dentro dos limites gerais previstos no artigo 47.º do CP, o que deverá ser equacionado
à luz do critério de escolha da pena previsto no artigo 70.º do CP. A pena de multa surgirá então na veste de pena
principal alternativa, ainda no âmbito da primeira operação de determinação da pena.

A pena que for concretamente determinada dentro da moldura penal especialmente atenuada, em função
dos critérios da culpa e da prevenção e com observância do princípio da proibição da dupla valoração (artigo 71.º/1),
pode ainda vir a ser substituída nos termos gerais (artigos 73.º/2 e 70.º).

30
5. DISPENSA DE PENA (artigo 74.º/1 CP)

5.1. JUSTIFICAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL

O tribunal declara o arguido culpado, mas dispensa-o de pena. Há da parte do arguido um comportamento
típico, ilícito, culposo (e punível) que, no entanto, não determina a aplicação de uma qualquer pena – só a declaração
de que é culpado –, em virtude do caráter bagatelar daquele comportamento e da circunstância de a pena não ser
necessária, perante as finalidades que deveria cumprir (artigo 40.º/1).

Em suma, é um caso especial de determinação, pois a sentença que decreta a dispensa é uma sentença
condenatória (artigos 375.º/3 e 521.º CPP e artigo 6.º/c) da Lei n.º 37/2015 de 5 de maio).

5.2. PRESSUPOSTOS

Segundo o artigo 74.º CP, a dispensa de pena depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
• O crime tem de ser punível com pena de prisão não superior a 6 meses ou só com pena de multa não
superior a 120 dias (artigo 74.º/1 CP);
• A ilicitude do facto e a culpa do agente têm de ser diminutas (artigo 74.º/1-a) CP);
• O dano tem de ter sido reparado ou estar em vias de reparação, caso em que o juiz pode adiar a
sentença para reapreciação do caso dentro de 1 ano (artigo 74.º/1-b) CP);
• À dispensa de pena não se podem opor razões de prevenção (artigo 74.º/1-c) CP).

Os requisitos constantes destas alíneas têm de ser observados quando uma outra norma admitir, com caráter
facultativo, a dispensa de pena (artigo 74.º/3 CP), por exemplo os artigos 143.º/3, 148.º/2, 186.º e 286.º CP.

5.3. RELEVO DOGMÁTICO

Do ponto de vista dogmático político-criminal, este instituto é regulador do caráter unilateral do princípio da
pena, pois temos aqui uma situação em que, não obstante haver culpa do agente, ainda que diminuta, não aplicamos
uma pena ao mesmo. Isto significa, assim, que pode haver culpa sem pena. Por isso a culpa não é fundamento da
pena, é apenas limite e pressuposto. O fundamento são as exigências preventivas.

A culpa só nos deve dar o limite máximo da pena. Isto significa que os requisitos de que depende o instituto
da dispensa admitem um relacionamento unilateral ou unívoco entre pena e culpa, de harmonia com o preceituado
no artigo 40.º/1 e 2 CP, sendo, assim, coerente com o artigo 74.º CP, porque este permite haver culpa e não haver
pena e se o legislador admite que pode haver culpa sem pena temos de admitir que possamos ter uma pena inferior
à culpa do agente. Podemos ficar aquém da pena mínima exigida pela culpa.

31
IV. ESCOLHA DA PENA E PENAS DE SUBSTITUIÇÃO

A determinação da pena (em sentido amplo) completa-se com a operação (eventual) de escolha da pena, o
que abrange quer a hipótese de a escolha ocorrer logo ao nível da determinação da pena aplicável quer os casos em
que esta tem lugar já depois da determinação da medida concreta da pena.
Na primeira hipótese a escolha é entre a pena de prisão e a pena de multa; na segunda, a escolha é entre a
pena de prisão e as penas de multa, de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, de suspensão da
execução da pena de prisão ou de prestação de trabalho a favor da comunidade ou entre a pena de multa e a pena de
admoestação.

1. CRITÉRIO DE ESCOLHA DAS PENAS DE SUBSTITUIÇÃO

Podemos identificar um critério geral de escolha da pena a partir dos artigos 70.º, 50.º/1, 58.º/1 e 60.º/2 do
CP, segundo o qual o tribunal dá preferência à pena não privativa da liberdade, verificados os pressupostos formais
da aplicação desta pena, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição –
finalidades preventivas, segundo o disposto nos artigos 40.º/1 e 2 e 46.º/1 do CP.

Embora o nº1 do artigo 45.º aponte exclusivamente para um critério preventivo-especial – a pena de prisão
não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, exceto se a
execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes – deve entender-se que
o critério da substituição por multa é o critério geral fixado no artigo 70.º do CP.

A falta de rendimentos do condenado é que não poderá ser critério da não substituição da pena de prisão por
pena de multa. Aqui é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 49.º/3 do CP.

São finalidades exclusivamente preventivas que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa
da liberdade. Não é, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena
(artigo 40.º/2), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal
ou da pena de substituição que venha a ser aplicada (artigo 71.º/1).

São distintos os critérios que conduzem à preferência pela pena de multa principal e os que levam à escolha
da pena de multa de substituição:

• No primeiro caso, o critério é o da conveniência ou da maior ou menor adequação da pena. Assim se


compreendendo que o tribunal possa, numa primeira operação, escolher a pena de prisão em detrimento da
pena de multa (principal) e acabe por escolher a pena de multa (de substituição) na última operação.

32
• Por outro lado, a opção pela pena de prisão, em detrimento da multa alternativa (pena principal),
pode revelar-se mais vantajosa do ponto de vista preventivo-especial, uma vez que fazendo essa opção o
tribunal poderá ter depois um leque alargado de penas não privativas da liberdade.

• Além disso, é distinto o regime de execução da pena de multa principal e da pena de multa de
substituição:
− A prisão subsidiária corresponde aos dias de multa reduzidos a dois terços (artigo 49.º/1),
enquanto à multa de substituição não paga corresponde o cumprimento da pena de prisão aplicada na
sentença (artigo 45.º/2, 1ª parte);
− O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão
subsidiária (artigos 49.º/2 CP e 491.º-A CPP), mas não a execução da pena de prisão aplicada na sentença;
− A multa parcialmente paga repercute-se no tempo de prisão subsidiária (artigo 49.º/2), mas
já não se repercute na pena de prisão aplicada na sentença;
− A pena de prisão pode ser executada em regime de permanência na habitação, com
fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, em caso de não pagamento da multa de substituição,
diferentemente da prisão subsidiária em caso de não pagamento da multa principal (artigo 43.º/1, al. c));
− O condenado que cumpra prisão subsidiária não pode ser libertado condicionalmente, mas já
o pode ser o condenado que cumpra a pena de prisão que se intentou substituir por pena de multa.

2. REGIME GERAL DAS PENAS DE SUBSTITUIÇÃO

Não obstante as especificidades de cada uma das penas de substituição em sentido próprio, há um regime que
lhes é comum em dois aspetos fundamentais – o da medida concreta da pena que substitui a pena de prisão e o do
incumprimento da pena de substituição. Estes aspetos já não têm qualquer autonomia relativamente à admoestação,
prevista no artigo 60.º CP, em face do conteúdo desta pena de substituição da pena de multa.

2.1. MEDIDA CONCRETA DA PENA DE SUBSTITUIÇÃO

A medida concreta da pena de substituição é determinada de forma autónoma, a partir dos critérios
estabelecidos no artigo 71.º. Não há qualquer correspondência automática entre o tempo de prisão ou os dias de
multa e a medida da pena que a substitui. Isso mesmo decorre do disposto nos artigos 45.º/1, 2ª parte, 46.º/1, 50.º/5
e 60.º do CP.

Assim sendo, os dias de multa de substituição são determinados dentro da moldura dada pelo artigo 47.º/1 –
limite mínimo de dez dias e limite máximo de trezentos e sessenta –, de acordo com os critérios estabelecidos no n.°
1 do artigo 71.º, correspondendo a cada dia uma quantia entre €5 e €500, fixada em função da situação económica
financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artigo 47.º/2).

33
V. EXECUÇÃO DAS PENAS PRINCIPAIS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS SINGULARES

1. EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

Ao nível da execução da pena, nomeadamente da pena de prisão, vale o artigo 42.º CP: a finalidade de
prevenção especial é a finalidade primordial (contrariamente ao disposto no artigo 40.º/1, ou seja, há uma inversão
de prioridades).

Isto releva porque já estamos no momento da execução da pena de prisão, relevando a exigência de prevenção
especial, sendo este momento determinante para apurar quanto tempo o condenado vai ficar efetivamente privado
da liberdade, nomeadamente por via do instituto da liberdade condicional.

A regra é: quem condena também acompanha a execução da pena. A exceção é que a pena de prisão e a
medida de segurança de internamento podem ser acompanhadas na sua execução não pelo tribunal da condenação,
mas sim pelo tribunal de execução das penas – esta é a regra geral do direito penal português.

Relembremos o artigo 30.º/5 da CRP que diz que os condenados a quem sejam aplicadas penas privativas da
liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvo determinados casos. Desta norma se deduz que
quem é condenado numa pena de prisão ou numa medida de segurança de internamento não perde a titularidade de
direitos fundamentais.

Temos também no Código Penal o artigo 42.º/1 que nos diz que a execução da pena de prisão deve orientar-
se no sentido da reintegração social do recluso (a finalidade principal da execução da pena de prisão é não dessocializar
o recluso) e o nº2 diz-nos que a execução é regulada em legislação própria (nomeadamente, no Código da Execução
das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade).

Nos termos do artigo 41.º/4 do CP, temos a duração e a contagem dos traços da pena de prisão.
Diz-nos o artigo 24.º do CP que a libertação tem lugar durante a manhã do último dia do cumprimento da
pena.

1.1. REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO

Está consagrado no artigo 43.º do CP. Este regime, tal como consagrado hoje neste artigo, resultou da Lei n.º
94/2017, de 23 de agosto.

Este regime é uma forma de executar a pena de prisão. Eu, em vez de estar na prisão a cumprir uma pena,
estou em minha casa a cumprir uma pena de prisão.

34
O antecedente remoto deste regime atual de permanência na habitação foi a medida de coação que foi
introduzida no Código Penal em 1987.

Quem esteja em regime de permanência na habitação vai poder, em alguns casos e determinadas
circunstâncias, sair de casa. Mas, nessa altura, a pessoa estará a ser monitorizada pelo sistema. Se eu cometer um
crime no período em que saí de casa, isso pode ser utilizado como prova contra mim? Eu posso ser monitorizada em
tudo quando estou a ser sujeita a estes meios técnicos de controlo à distância? Este meio técnico existe para saber se
eu estou em casa nas horas em que devo estar e se eu saio nas horas em que me é permitido saber, mas também
permite aceder a outros conhecimentos.

De acordo com o artigo 43.º, existe a medida de obrigação de permanência na habitação com fiscalização por
meios técnicos de controlo à distância.

Coloca-se a questão de regime de permanência na habitação só depois de o juiz concluir que há uma pena de
prisão efetiva.

a) PRESSUPOSTOS FORMAIS:

• É preciso que o condenado consinta, mas não é só o condenado que tem de dar o seu consentimento. Os
familiares que coabitem com o condenado também têm de consentir (se maiores de 16 anos);

• É preciso que o juiz condene numa pena de prisão efetiva não superior a 2 anos de prisão;

• A alínea c) do artigo 43.º permite que a pena de prisão efetiva seja cumprida neste regime quando resulte da
revogação de uma pena de substituição. Sempre que a pena de substituição seja revogada, o condenado tem de
cumprir a pena de prisão que se quis substituir. Este regime não vale quando a pena de multa é uma pena de multa
principal. Se eu for condenada numa pena de multa principal e se não a pagar, eu vou ter de cumprir prisão subsidiária
e esta prisão subsidiária não pode ser cumprida em regime de permanência na habitação.

b) PRESSUPOSTO MATERIAL:

• Artigo 43.º/1: por meio deste regime devem realizar-se de forma adequada e suficiente as finalidades da
execução da pena de prisão.
− Trata-se de um poder-dever para o tribunal, com a consequência de dever fundamentar a decisão que
dê preferência à execução da pena de prisão em meio prisional, em estabelecimento prisional, em detrimento da
execução em regime de permanência na habitação. Só desta forma é dado cumprimento ao propósito político-criminal
da preferência pela execução das penas de prisão até dois anos em regime de permanência na habitação.

35
Não obstante a execução da pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação, pelo
tempo de duração da pena, o tribunal pode autorizar que o condenado se ausente da habitação (artigo 43.º/2 CP).
Estão em causa as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade
profissional, formação profissional ou estudos do condenado, bem como outras que o decurso da execução mostre
pertinentes (artigos 43.º/3 e 44.º/1 CP).

Por outro lado, o regime de permanência na habitação pode ficar subordinado ao cumprimento de regras de
conduta, que poderão ser modificadas posteriormente, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social,
destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo
cumprimento seja razoavelmente de exigir.

Não obstante, o tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado infringir grosseira ou
repetidamente as regras de conduta, o disposto no plano de reinserção social ou os deveres decorrentes do regime
de execução da pena de prisão, se cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que
estiveram na base do regime de permanência na habitação não puderam, por meio dele, ser alcançadas ou se for
sujeito a medida de coação de prisão preventiva (artigo 44.º/2 CP). A revogação determina a execução da pena de
prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional, podendo ser concedida a liberdade condicional
relativamente ao tempo de pena a cumprir.

1.2. LIBERDADE CONDICIONAL

O instituto da liberdade condicional é um incidente de execução da pena de prisão, uma vez que a aplicação
da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado (artigo 61.º/1 CP) e a sua duração não
pode ultrapassar o tempo de pena que ainda falta cumprir (artigo 61.º/5 CP).

É um incidente que se justifica político-criminalmente à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração


do agente na sociedade e da finalidade preventivo-geral da tutela de bens jurídicos (artigo 40.º/1 CP).

O período em que o condenado está em liberdade condicional conta como tempo de cumprimento da pena
de prisão e o período em que o condenado está em liberdade condicional suspende a contagem do prazo de cinco
anos, para o efeito de dar como verificado um dos pressupostos da reincidência e da pena relativamente
indeterminada (artigos 75.º/2 e 83.º/3 CP).

a) PRESSUPOSTOS:

• Consentimento do condenado (artigo 61.º/1 CP);


• Cumprimento mínimo de seis meses de pena de prisão (artigo 61.º/2 CP);
• Cumprimento de metade da pena de prisão (pressuposto formal).
36
Para o efeito de ser concedida a liberdade condicional deve descontar-se na metade da pena em que o agente
foi condenado o tempo em que esteve detido, preso preventivamente ou em obrigação de permanência na habitação
(artigo 80.º/1 CP).

De acordo com o disposto na al. a) do n.° 2 do artigo 61.º, é pressuposto material da concessão da liberdade
condicional ser fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua
personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade,
conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes – o juízo de prognose favorável sobre o
comportamento futuro do condenado em liberdade faz-se a partir dos elementos aqui enumerados, os quais
funcionam como índice de ressocialização e de um comportamento futuro sem o cometimento de crimes.

Segundo o disposto na alínea b) do mesmo artigo, é também pressuposto material da concessão da liberdade
condicional que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O quantum de pena que é necessário cumprir, para que a libertação se revele compatível com a defesa da
ordem jurídica e da paz social, deverá ter como referência o limite mínimo da moldura da prevenção a que o juiz da
condenação chegou na operação de determinação da medida concreta da pena. Por outro lado, é também uma
referência o próprio limite mínimo legal.

Em suma, a concessão da liberdade condicional, com o consentimento do condenado, a metade do


cumprimento da pena, depende da satisfação de exigências de prevenção especial de socialização e de prevenção
geral positiva, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico. O que significa que não depende do arrependimento
do condenado e da interiorização da sua culpa.

Uma vez verificados os pressupostos – formais e materiais – de que depende, o tribunal de execução das penas
tem o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional.

Quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena basta concluir que se revela preenchido o requisito
de ser fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e
a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida
de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (artigo 61.º/3 CP) – a libertação tem de ser compatível com a
defesa da ordem jurídica e da paz social.

Quando se encontrarem cumpridos cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos, o condenado é
colocado em liberdade condicional, desde que nisso consinta (artigo 61.º/1 CP), sem que haja a verificação de qualquer
pressuposto material (artigo 61.º/4 CP). Como está em causa uma pena de prisão de longa duração – superior a seis
anos – pretende-se assegurar um período de transição entre a vida na prisão e a vida em liberdade.

37
Por contraposição ao disposto nos números 2 e 3 do artigo 61.º do CP, a liberdade condicional aos cinco sextos
de cumprimento da pena de prisão superior a seis anos é denominada “liberdade condicional obrigatória”, não
dependendo da verificação de um qualquer pressuposto material de concessão – sem prejuízo do pressuposto do
consentimento do condenado.

Na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 48/95, deixou de haver renovação anual da instância,
quando a liberdade condicional não fosse concedida por não se poderem ter como verificados os respetivos pressupostos
materiais. Assim, se a liberdade condicional fosse negada a metade da pena, havia renovação da instância apenas quando
estivessem cumpridos dois terços da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 61.º/3 CP, momento em que o critério da
concessão da liberdade condicional, de um ponto de vista material, se fundava apenas em exigências de prevenção especial de
socialização. Negada aos dois terços do cumprimento da pena de prisão, a liberdade condicional era depois concedida
“obrigatoriamente” quando estivessem cumpridos cinco sextos da pena de prisão, tratando-se de uma pena superior a seis anos
e havendo consentimento do condenado, segundo o consagrado nos números 1 e 4 do artigo 61.º CP.

No entanto, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 115/2009 voltou a haver renovação anual da instância – a instância
renova-se de doze em doze meses a contar da data em que foi proferida a anterior decisão – nos casos em que a liberdade
condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano (artigo 180.º/1 CE). Voltou a haver
renovação anual da instância, sem prejuízo do disposto no artigo 61.º CP, o que significa que, até serem atingidos dois terços de
cumprimento da pena de prisão, a reapreciação far-se-á à luz dos critérios de concessão da liberdade condicional a metade da
pena (artigo 61.º/2 CP); e que, cumpridos dois terços da pena, a reapreciação terá lugar de acordo com o critério estabelecido
para a libertação condicional a dois terços da pena (artigo 61.º/3 CP), exceto se se tratar de pena de prisão superior a seis anos,
caso em que este critério valerá somente até serem perfeitos cinco sextos da mesma. A partir deste momento o condenado é
“obrigatoriamente” libertado, desde que nisso consinta (artigo 61.º/1 e 3 CP).

✓ Ficou-nos uma questão pendente quando estudamos o instituto do desconto: como é que nós consideramos,
para efeitos de metade da pena, o instituto do desconto? Imaginemos que eu sou condenada numa pena de 10 anos
e estive 2 anos em prisão preventiva. Quando é que eu posso ser posta em liberdade condicional? Se temos 10 anos,
fazemos um desconto de 2 anos e condenamos em 8 anos. Metade de 8 é 4 anos. Eu estive 2 anos em prisão preventiva
e tenho de estar 4 anos para ser posta em liberdade condicional. Do ponto de vista da Dr.ª, esta não é uma boa solução.
A Dr.ª entende que deve ser descontado o tempo do desconto na metade da pena e, assim sendo, eu só teria de
cumprir mais 3 anos até me ser concedida a liberdade condicional.

b) DURAÇÃO:

Dispõe o artigo 61.º/5 CP que em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual
ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a cinco anos.

Por via do instituto da liberdade condicional, a medida da pena de prisão determinada na decisão condenatória
poderá ser superior à duração da pena que é efetivamente cumprida, em meio prisional e fora dele. Assim será, por
exemplo, se ao condenado em vinte anos de prisão for concedida a liberdade condicional a metade da pena. Nesta
38
hipótese, o condenado cumpre somente quinze anos de pena de prisão: dez anos em meio prisional e cinco anos fora
dele, no regime de liberdade condicional.

c) LIBERDADE CONDICIONAL EM CASO DE EXECUÇÃO SUCESSIVA DE VÁRIAS PENAS:

O regime da concessão da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas encontra-se
regulado no artigo 63.º CP, introduzido pelo Decreto-Lei n.° 48/95 para preencher a lacuna até então existente.
Dos números 1 e 2 daquela disposição resulta que a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro
lugar é interrompida ao meio da pena, sucedendo-lhe a execução da pena que deva ser executada a seguir; e que o
tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que o possa fazer, de forma simultânea, relativamente
à totalidade das penas. Só depois de decorrido o prazo de que depende a concessão da liberdade condicional das
várias penas é que tem lugar o juízo sobre os pressupostos materiais dessa conceção (artigo 61.º/2, als. a) e b) CP).

Se o condenado não tiver beneficiado da liberdade condicional e se a soma das penas que devam ser
cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, desde
que este consinta, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas (artigo 63.º/3 CP), tendo lugar
a denominada “liberdade condicional obrigatória”.

Por força do disposto no artigo 63.º/4 CP, este regime de concessão da liberdade condicional em caso de
execução sucessiva de várias penas não é aplicável quando a execução da pena de prisão resultar de revogação da
liberdade condicional (artigo 64.º/2 e 3 CP), o que poderá encontrar justificação precisamente na circunstância de ter
havido revogação da liberdade condicional.

1.3. EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA – NÃO PAGAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Determinada a pena de multa principal que o agente da prática do crime vai cumprir, segue-se a fase da
execução, a qual corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver
corrido (artigo 470.º/1 CPP).

a) EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA:

Por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 48/95, a execução da pena de multa pode ocorrer
por duas formas: por pagamento voluntário, nos termos do disposto no artigo 489.º do CPP ou por prestação de dias
de trabalho, nos termos previstos nos artigos 48.º do CP e 490.º do CPP e no Decreto-Lei n.° 375/97, de 24 de
dezembro, por força do artigo 15.º deste diploma.

A prestação de trabalho deixou de ser uma sanção, para passar a ser uma forma de cumprimento da pena de
multa, a requerimento do condenado, quando for de concluir que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades
39
da punição previstas no n.° 1 do artigo 40.º. Na medida em que é uma forma alternativa de cumprimento voluntário
da multa, a substituição da multa por prestação de dias de trabalho não depende, obviamente, da impossibilidade de
pagamento do quantitativo fixado na sentença condenatória, por motivo não imputável ao condenado.
Os dias de trabalho prestados, depois de 1995, passaram a constituir uma forma de execução da pena de
multa, sanção esta que se executa através do pagamento voluntário do quantitativo fixado ou da prestação de dias de
trabalho, a requerimento do condenado.

O requerimento para substituição da multa por trabalho é apresentado no prazo de quinze dias a contar da
notificação para pagamento da multa, no prazo estabelecido para o pagamento diferido do quantitativo fixado ou no
prazo determinado para o pagamento da multa em prestações (artigos 47.º/3 CP).

Por remissão do n.° 2 do artigo 48.º para os números 3 e 4 do artigo 58.º, cada dia de multa corresponde a
uma hora de trabalho, podendo ser prestado em dias úteis, aos sábados, domingos e feriados, sem que a duração dos
períodos de trabalho possa prejudicar a jornada normal de trabalho ou exceder, por dia, o permitido segundo o regime
de horas extraordinárias aplicável (expressamente neste sentido, ver Acórdão n.° 13/2013, de 18 de setembro).

b) NÃO PAGAMENTO DA MULTA E SUAS CONSEQUÊNCIAS:

Se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntariamente, tem lugar o pagamento
coercivo (artigo 49.º/1 CP), por via da execução patrimonial, nos termos do disposto no artigo 491.º do CPP.
Se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida
prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão
(artigo 49.º/1 CP). O tempo correspondente é reduzido a dois terços por não ser defensável a equivalência entre um
dia de multa e um dia de prisão, em face do que esta representa de sofrimento para o condenado.

Esta privação da liberdade tem a natureza de sanção de constrangimento, visando, em último termo,
constranger o condenado a pagar a multa. Por isso, não é admissível quer a concessão da liberdade condicional (artigo
61.º CP) quer a execução da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação (artigo 43.º/1, al. c) CP).
Ora, uma vez que a prisão subsidiária se trata de uma mera sanção pelo não pagamento da pena de multa
principal, tendo em vista constranger o condenado, o seu pagamento, total ou parcial, a todo o tempo, evita a
execução da prisão subsidiária (artigos 49.º/2 CP e 491.º-A CPP) – o pagamento apenas parcial deve refletir-se, de
forma proporcional, no tempo de prisão subsidiária.

No entanto, se se provar que a razão do não pagamento não é imputável ao condenado, a solução será
diferente: o artigo 49.º/3 CP prevê a suspensão da execução da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de
deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Isto acontece em observância do princípio
da igualdade.

40
1.4. EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA DE SUBSTITUIÇÃO – NÃO PAGAMENTO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS

Determinada a pena de multa de substituição que o agente da prática do crime vai cumprir, segue-se a fase
da execução, a qual corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver
corrido (artigo 470.º/1 CPP).

a) EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA DE SUBSTITUIÇÃO:

Por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 48/95, a execução da pena de multa pode ocorrer
por duas formas: por pagamento voluntário, nos termos do disposto no artigo 489.º do CPP ou por prestação de dias
de trabalho, nos termos previstos nos artigos 48.º do CP e 490.º do CPP e no Decreto-Lei n.° 375/97, de 24 de
dezembro, por força do artigo 15.º deste diploma.
O STJ fixou jurisprudência no sentido de que “em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos
termos do artigo 43.º/1 CP, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do
disposto no artigo 48.º CP, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos artigos 489.º e 490.º
CPP” (Acórdão n.° 7/2016). Com efeito, também o condenado em pena de multa de substituição pode requerer ao
tribunal que a multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho, ao abrigo do disposto no artigo
48.º CP, após o trânsito em julgado da decisão, no prazo previsto no artigo 490.º/1 CPP.

É indiscutível que o regime da pena de multa principal é distinto do regime da pena de multa de substituição. Tal
diferenciação não obsta, porém, a que o condenado em pena de multa de substituição requeira depois a sua substituição por dias
de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda de
instituições particulares de solidariedade social. E não é, certamente, um obstáculo a este requerimento a circunstância de o
artigo 45.º CP não remeter para o artigo 48.º desde Código – só o incumprimento destas penas justifica diferenciações, não o seu
cumprimento.

Em suma, o condenado em pena de multa de substituição pode cumpri-la pagando o quantitativo fixado na
decisão condenatória, de forma imediata e integral numa só prestação, no prazo de quinze dias contados a partir da
notificação para o efeito; pagando integralmente o quantitativo fixado na decisão condenatória, em prestações,
depois de o tribunal dar permissão para o efeito; pagando integralmente o quantitativo fixado na decisão condenatória
dentro do prazo autorizado pelo tribunal; prestando dias de trabalho, a seu requerimento, depois de o tribunal
ordenar a substituição da multa por estes.

b) NÃO PAGAMENTO DA MULTA DE SUBSTITUIÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS:

Se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntariamente, tem lugar o pagamento
coercivo, por via da execução patrimonial, nos termos do disposto no artigo 491.º do CPP.

41
Se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida
pena de prisão aplicada na sentença (artigo 45.º/2, 1ª parte), não sendo correspondentemente aplicável o disposto
no artigo 49.º/2 CP. Neste caso, já é admissível a libertação condicional do condenado, verificados os pressupostos do
artigo 61.º CP, bem como a execução da pena em regime de permanência na habitação (artigo 43.º/1, al. c), parte
final do CP).

A remissão que o n.° 2 do artigo 45.º faz para o n.° 3 do artigo 49.º significa que há a suspensão da execução
da pena de prisão, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou
financeiro, se se provar que a razão do não pagamento não é imputável ao condenado. Se os deveres ou regras de
conduta não forem cumpridos, é executada a pena de prisão; sendo cumpridos, é declarada extinta a pena de multa.

VI. MEDIDAS DE SEGURANÇA

1. EVOLUÇÃO E JUSTIFICAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL GERAL

Como consequência óbvia do sistema tendencialmente monista de reações criminais, a medida de segurança
de internamento de inimputável em razão de anomalia psíquica é a que mais se destaca no sistema sancionatório,
sem prejuízo da relevância que também deve merecer a suspensão da execução do internamento e o regime de
vicariato na execução.

A medida de segurança, em geral, surge como resposta à especial perigosidade de delinquentes imputáveis
especialmente perigosos e de delinquentes de imputabilidade diminuída, relativamente aos quais a pena é tida como
insuficiente do ponto de vista preventivo-especial; e como resposta, ainda, à especial perigosidade de delinquentes
inimputáveis, em razão de anomalia psíquica, em relação aos quais a pena é inadequada.

2. PRESSUPOSTO, FUNDAMENTO E LIMITE

O pressuposto de aplicação da medida de segurança é a perigosidade criminal do agente, o que justificou, no


passado, por referência ao princípio da atualidade do estado perigoso:
− Que se excluísse o efeito de caso julgado da decisão sobre a imposição de uma medida de segurança;
− Que as medidas de segurança fossem imprescritíveis;
− Que não se lhes estendesse o princípio da legalidade criminal;
− Que fossem admissíveis medidas de segurança pré-delituais;
− Que não houvesse limites fundados no princípio da proibição do excesso;
− E que se aceitasse a indeterminação da duração das medidas de segurança.

42
Recusando, embora, este regime, o pressuposto de uma medida de segurança continua a ser a perigosidade
criminal do agente.

Surgidas, indiscutivelmente, para fazer face a exigências preventivo-especiais, é hoje discutível se as medidas
de segurança prosseguem também uma finalidade de prevenção geral positiva, designadamente a de internamento
de agente inimputável em razão de anomalia psíquica (artigo 91.º CP).
Por um lado, o artigo 40.º/1 do CP não distingue, do ponto de vista das finalidades, as penas das medidas de
segurança. Por outro lado, o artigo 91.º/2 do CP passou a dispor que, quando o facto praticado pelo inimputável
corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos,
o internamento tem a duração mínima de 3 anos, salvo se a liberação se revelar compatível com a defesa da ordem
jurídica e da paz social.

Porém, só aparentemente é que de tais preceitos resulta uma total identidade entre as penas e medidas de
segurança, no que toca às finalidades das mesmas. O primeiro artigo contém uma norma geral sobre as finalidades
das medidas de segurança, incluídas, portanto, as aplicáveis a delinquentes imputáveis (artigos 20.º/2, 100.º, 101.º e
102.º do CP). O segundo artigo prevê uma norma cuja aplicação se deve restringir aos casos em que há declaração de
inimputabilidade nos termos dos números 2 e 3 do artigo 20.º do CP.

A aplicação das medidas de segurança está subordinada ao princípio jurídico-constitucional da proibição do


excesso, ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo que vale em matéria de restrições de direitos
fundamentais, o qual desempenha papel e função análogos aos que são desempenhados pelo princípio da culpa em
matéria de penas. A restrição do direito à liberdade deve ser adequada, necessária e proporcionada (artigo 40.º/3).

3. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Referimo-nos, neste âmbito, aos seguintes princípios:


• Princípio da legalidade e princípio da aplicação da lei penal mais favorável (artigos 29.º da CRP e 1.º e
2.º do CP);
• Princípio do ilícito-típico (artigos 29.º da CRP e 91.º/1 do CP);
• Princípio da proporcionalidade (artigos 18.º/2 da CRP e 40.º/3, 91.º/1, 94.º e 98.º do CP);
• Princípio da prescritibilidade das medidas de segurança (artigo 124.º do CP);
• Princípio da proibição de medidas de segurança com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou
indefinida (artigos 30.º/1 da CRP e 92.º/2 do CP).

43
4. MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAMENTO

O nº1 do artigo 91.º do CP dispõe que quem tiver praticado um facto ilícito e for considerado inimputável, nos
termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança,
sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha
a cometer outros factos da mesma espécie.

4.1. PRESSUPOSTOS

Em face do teor do nº1 do artigo 91.º, os pressupostos da medida de segurança privativa da liberdade aí
prevista são os seguintes:
• A prática de um “facto ilícito típico”;
• A declaração de inimputabilidade, nos termos do artigo 20.º do CP;
• O juízo de prognose desfavorável quanto à perigosidade criminal do agente, no sentido de que, por
virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, há “fundado receio de que venha a cometer
outros factos da mesma espécie”;
• Observância do princípio da proporcionalidade, na medida em que há que ponderar a gravidade do
facto ilícito típico e porque a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do
facto e à perigosidade do agente (artigo 40.º/3 CP).

4.2. FINALIDADE

Ao pressuposto da perigosidade criminal do agente liga-se a finalidade preventivo-especial da medida de


segurança de internamento.
Não há, verdadeiramente, a violação de uma norma, não havendo, consequentemente, a necessidade de
reafirmar a validade da norma, quando o facto ilícito típico é praticado por quem é depois considerado inimputável
por anomalia psíquica (com fundamento no artigo 20.º/1 do CP).
O que já não acontece com os que são declarados inimputáveis sendo embora delinquentes de imputabilidade
diminuída (artigo 20.º/2 CP). Relativamente a estes, já pode concluir-se pela violação da norma, cuja validade importa
reafirmar, aplicando-se-lhes o nº2 do artigo 91.º do CP.

4.3. DURAÇÃO

O internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo
inimputável (artigos 92.º/2 do CP e 501.º/1 do CPP).

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Se o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime punível com pena superior a 8 anos e o perigo
de novos factos da mesma espécie for de tal modo grave que desaconselhe a libertação, o internamento pode ser
prorrogado por períodos sucessivos de dois anos até se verificar a situação de cessação do estado de perigosidade
(artigos 30.º/2 da CRP e 92.º/3 do CP). Não basta, pois, que haja o fundado receio de que o internado venha a cometer
outros factos da mesma espécie (artigo 91.º/1), exigindo-se antes que o perigo de novos factos da mesma espécie
seja de tal modo grave que desaconselhe a libertação.

Do nº2 do artigo 91.º do CP resulta que há casos em que o internamento tem um limite mínimo de duração
de três anos, devendo este limite constar da decisão que decreta o internamento (artigo 501.º/1 do CPP). Esta previsão
excecional abrange apenas os crimes contra as pessoas e de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a
cinco anos. O tribunal não pode fixar um período mínimo superior. Se não se tratar de crime contra as pessoas ou
crime de perigo comum, puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, não há o estabelecimento de qualquer limite
mínimo de duração.

A duração do internamento já poderá ficar aquém dos três anos se, cessado o estado de perigosidade, a
libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Por outro lado, dada a finalidade preventivo-especial da medida de segurança, o nº2 do artigo 91.º é aplicável
somente quando o agente tenha sido declarado inimputável nos termos do artigo 20.º/2 e 3 do CP. Nesta hipótese,
deve ser descontada no período mínimo de duração a medida processual que o internado tenha sofrido
anteriormente.

Com a eliminação dos institutos da libertação a título de ensaio e da liberdade experimental e a previsão do
instituto da liberdade para prova (artigos 94.º e 95.º do CP), passou a poder afirmar-se que, salvaguardados os casos
aos quais é aplicável o nº2 do artigo 91.º, o internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de
perigosidade criminal que lhe deu origem (artigo 92.º/1).

O internamento findará, ainda, pelo decurso do tempo, atingida que seja a duração máxima do mesmo,
salvaguardados os casos previstos no nº3 do artigo 92.º do CP.

4.4. EXECUÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAMENTO (reexame, revisão e


liberdade para prova)

A decisão judicial que sujeita o agente inimputável a medida de segurança de internamento vale como decisão
penal condenatória para os efeitos previstos no artigo 376.º/3 do CPP, não obstante a decisão ser absolutória.

O CPP e o CE dedicam várias disposições à execução da medida de segurança de internamento: artigos 469.º,
475.º, 501.º, 502.º, 504.º e 506.º do CPP e artigos 126.º e ss. e 156.º e ss. do CE.

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O artigo 96.º do CP dispõe que não pode iniciar-se a execução da medida de segurança de internamento,
decorridos dois anos ou mais sobre a decisão que a tiver decretado, sem que seja apreciada a subsistência dos
pressupostos que fundamentaram a sua aplicação (cfr. artigo 504.º do CPP).

Na sequência do reexame, o tribunal poderá confirmar a medida decretada, se se mantiver o estado de


perigosidade e não for caso de suspensão da execução do internamento, suspender a execução da medida decretada,
se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcança a finalidade da medida (artigo 98.º do CP), ou revogar
a medida decretada se, entretanto, tiver cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem (artigo 92.º/1
do CP). Ao lado do instituto do reexame não pode deixar de ser considera a hipótese de prescrição da medida de
segurança (artigo 124.º/1 do CP).

O artigo 93.º do CP estabelece que se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do
internamento, o tribunal aprecia a questão a todo o tempo, tendo lugar uma apreciação obrigatória, decorridos dois
anos sobre o início do internamento ou da decisão que o tiver mantido, ressalvado sempre o prazo mínimo fixado no
nº2 do artigo 91.º.
Este instituto encontra justificação na característica que é conatural a qualquer medida de segurança – finda
logo que cesse o pressuposto que a justifica, não tendo qualquer duração predeterminada; e no princípio da
proporcionalidade, na medida em que não consente privações de liberdade que se tornaram excessivas perante
alterações do estado de perigosidade do internado.

Nas situações em que há alterações do estado de perigosidade do internado, durante a execução da sanção,
vale precisamente o instituto da liberdade para prova.
Se da revisão da situação do internado resultar que há razões para esperar que a finalidade da medida de
segurança possa ser alcançada em meio aberto, o internado é aí colocado pelo tribunal. Pressuposto material da
colocação em liberdade de prova é a subsistência do estado de perigosidade criminal que deu origem à medida de
segurança, podendo, no entanto, a finalidade preventivo-especial da sanção ser alcançada em meio aberto. Desta
forma dá-se concretização ao princípio da proporcionalidade.

Segundo o artigo 94.º/2 do CP, o período de liberdade para prova é fixado entre um mínimo de 2 anos e um
máximo de 5, não podendo ultrapassar, todavia, o tempo que faltar para o limite máximo de duração do internamento.
Como se trata de um incidente de execução da medida de segurança de internamento, a liberdade para prova
poderá cessar a todo o tempo se o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal, por aplicação do
disposto nos artigos 92.º/1 e 93.º/1 e 2 do CP.

Por remissão do nº3 do artigo 94.º para os números 3 e 4 do artigo 98.º, a decisão de colocar o internado em
liberdade para prova impõe ao agente regras de conduta necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever
de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações
nos lugares que lhe forem indicados, sendo colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social.

46
De acordo com o artigo 94.º/4, a medida de internamento é declarada extinta, se não houver motivos que
conduzam à revogação da liberdade para prova, findo o tempo de duração desta. Se, findo o período de liberdade
para prova, se encontrar pendente processo ou incidente que possa conduzir à revogação, a medida é declarada
extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação.

O artigo 95.º do CP prevê duas causas de revogação da liberdade para prova:


• O comportamento do agente revela que o internamento é indispensável (alínea a) do nº1);
• O agente foi condenado em pena privativa da liberdade e não se verificam os pressupostos da
suspensão da execução da pena de prisão (alínea b) do nº1).

A consequência da revogação é o reinternamento do agente, sendo correspondentemente aplicável o disposto


no artigo 92.º do CP.
Tratando-se de um incidente da execução da medida de segurança de internamento, deverá contar,
nomeadamente para o prazo previsto no nº2 daquele artigo 92.º, o tempo que o agente esteve em liberdade para
prova.

4.5. VICARIATO NA EXECUÇÃO

As alterações de 1995 vieram colmatar a lacuna existente em matéria de execução de pena e de medida de
segurança privativas da liberdade, aplicadas ao agente pela prática de factos distintos, através da adoção de um
princípio de vicariato na execução – artigos 99.º do CP, 169.º e ss. do CE e 15.º do DL n.º 375/97, de 24 de dezembro.

A medida de segurança de internamento é executada antes da pena de prisão a que o agente tiver sido
condenado (nº1, 1ª parte).

A duração da medida de segurança é descontada na duração da pena de prisão (nº1, parte final).

O agente é colocado em liberdade condicional se, efetuado o desconto, se encontrar cumprido o tempo
correspondente a metade da pena e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social
(nº2).

Prevê-se ainda que, se a medida de segurança dever cessar, mas não tiver ainda decorrido o tempo
correspondente a metade da pena, o tribunal pode, a requerimento do condenado, substituir o tempo de prisão que
faltar para metade da pena, até ao máximo de um ano, por prestação de trabalho a favor da comunidade, se tal se
revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (nº3).

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5. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DO INTERNAMENTO

De acordo com o artigo 98.º/1 do CP, o tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a
suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.
No entanto, não pode ser decretada se o agente for simultaneamente condenado em pena privativa da
liberdade e não se verificarem os pressupostos da execução desta (artigo 98.º/5 CP).
Excecionalmente, quando seja aplicado o nº2 do artigo 91.º, exige-se também que a medida de segurança não
privativa da liberdade seja compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (artigo 98.º/2 CP).

A previsão desta medida de segurança não privativa da liberdade, da competência do juiz de julgamento, dá
expressão ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de reintegração do agente na
sociedade.

A decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta, em termos correspondentes aos referidos no
artigo 52.º do CP (artigo 98.º/3 e 4 do CP).

A suspensão da execução do internamento tem, em regra, a duração máxima correspondente à da medida


de segurança de internamento, devendo findar quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade
criminal que lhe deu origem, no quadro de revisão periódica da situação do agente (artigos 92.º e 93.º/1 e 2 do CP,
por remissão do artigo 98.º/6-a) do CP).

A suspensão da execução do internamento é revogada se o comportamento do agente revelar que o


internamento é indispensável ou se o agente for condenado em pena privativa da liberdade e não se verifiquem os
pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, com a consequência de ter, então, lugar o internamento
do agente (artigo 95.º do CP, por remissão do artigo 98.º/6-b) do CP).

VII. PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA

1. JUSTIFICAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL E NATUREZA MISTA DA SANÇÃO

A pena relativamente indeterminada, prevista nos artigos 83.º a 90.º do CP, pretende ser uma resposta à
delinquência especialmente perigosa – à delinquência por tendência e à delinquência ligada ao abuso de álcool e de
estupefacientes.
Encontra justificação político-criminal numa acentuada inclinação para o crime por parte do agente, sem que
se confunda com a pena aplicada ao agente reincidente, apesar dos pontos de coincidência (cfr. artigo 76.º/2 CP), uma
vez que na pena relativamente indeterminada releva de forma imediata o pressuposto da perigosidade criminal.

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Como o próprio nome sugere, o agente da prática do crime é condenado numa pena em relação à qual
conhece apenas o mínimo e o máximo de duração (isto não é inconstitucional).

A pena relativamente indeterminada é uma sanção de natureza mista, por força do artigo 90.º do CP: é
executada como pena até a momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime e é
executada como medida de segurança a partir deste momento e até ao seu limite máximo.

São pressupostos da sua aplicação quer a culpa quer a perigosidade criminal do agente. Além da culpa, é
pressuposto autónomo da aplicação da pena relativamente indeterminada que a avaliação conjunta dos factos e da
personalidade do agente revele uma acentuada inclinação para o crime ou para determinado tipo de crime, que no
momento da condenação ainda persista (artigos 83.º/1, 84.º/1 e 274.º-A/4 do CP), ou que os crimes tenham sido
praticados em estado de embriaguez ou estejam relacionados com o alcoolismo ou com a tendência do agente (artigo
86.º/1 CP).

2. DELINQUENTES POR TENDÊNCIA – PRESSUPOSTOS E LIMITES DE DURAÇÃO

Relativamente à delinquência especialmente perigosa por tendência, o legislador distingue a “delinquência


por tendência grave” (artigo 83.º CP) da “delinquência por tendência menos grave” (artigo 84.º CP).

a) PRESSUPOSTOS:

No âmbito da delinquência por tendência grave, são pressupostos de aplicação de uma pena relativamente
indeterminada, segundo o artigo 83.º/1 do CP, que:
• O agente pratique um crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva por mais
de 2 anos;
• O agente tenha cometido anteriormente 2 ou mais crimes dolosos, aos quais tenha sido ou seja
aplicada prisão efetiva também por mais de 2 anos;
• Sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revele uma
acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Sendo tomados em conta os factos julgados em país estrangeiro que tiverem conduzido à aplicação de uma pena de
prisão efetiva por mais de 2 anos, desde que a eles seja aplicável, segundo a lei portuguesa, pena de prisão superior a 2 anos
(artigo 83.º/4 CP).

No âmbito da delinquência por tendência menos grave, são pressupostos de aplicação de uma pena
relativamente indeterminada, segundo o artigo 84.º/1 do CP, que:
• O agente pratique um crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva;

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• O agente tenha cometido anteriormente 4 ou mais crimes dolosos, aos quais tenha sido ou seja
aplicada pena de prisão efetiva;
• Se verifiquem os pressupostos fixados no artigo 83.º/1 do CP.

Sendo tomados em conta os factos julgados em país estrangeiro que tiverem conduzido à aplicação de uma pena de
prisão efetiva, desde que a eles seja aplicável, segundo a lei portuguesa, pena de prisão (artigo 84.º/4 CP).

Exige-se que o agente tenha sido ou seja condenado em pena de prisão efetiva por certo tempo ou em pena
de prisão efetiva, o que afasta condenações em pena de substituição e os casos em que a pena de prisão foi cumprida
na sequência de revogação da pena de substituição. Já estão, porém, incluídas as condenações em pena de prisão
efetiva que seja executada no regime de permanência na habitação.

Além disso, a aplicação da pena relativamente indeterminada não exige a condenação pelos crimes
anteriormente praticados, bastando-se com a sua prática: é pressuposto que a cada um dos crimes anteriores tenha
sido ou seja aplicada pena de prisão por certo tempo ou pena de prisão efetiva.

Prevê-se um prazo de “prescrição” da tendência, na medida em que qualquer crime deixa de ser tomado em
conta, quando entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos, não sendo computado
neste prazo o período durante o qual o agente cumpriu medida processual, pena de prisão ou medida de segurança
(artigos 83.º/3 e 84.º/3 CP).

É pressuposto material de aplicação da pena relativamente indeterminada que, a avaliação conjunta dos
factos praticados e da personalidade do agente revele uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da
condenação ainda persista (artigos 83.º/1, parte final, e 84.º/1, parte final, do CP).

b) LIMITES DE DURAÇÃO:

Nos termos do artigo 83.º/2 do CP, aos delinquentes por tendência grave aplica-se uma pena relativamente
indeterminada que tem um mínimo correspondente a 2/3 da pena de prisão que concretamente caberia ao crime
cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos, sem exceder 25 anos no total.

Para os casos de delinquência por tendência menos grave, dispõe o artigo 84.º/2 que a pena relativamente
indeterminada tem um mínimo correspondente a 2/3 da pena de prisão que concretamente caberia ao crime
cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 4 anos, sem exceder 25 anos no total.

Para a determinação dos limites, mínimo e máximo, de duração da pena relativamente indeterminada é
necessário determinar a medida da pena que concretamente caberia ao crime cometido, de acordo com os critérios
gerais de determinação da medida da pena (artigo 71.º CP).

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3. AGENTES COM MENOS DE 25 ANOS DE IDADE

Em razão da idade do agente há uma atenuação do regime da pena relativamente indeterminada (artigo 85.º
CP) que se concretiza no seguinte: o disposto nos artigos 83.º e 84.º só é aplicável se o agente tiver cumprido prisão
no mínimo de um ano. Nestas hipóteses, o limite máximo da pena relativamente indeterminada corresponde a um
acréscimo de 4 ou de 2 anos à prisão que concretamente caberia ao crime cometido. O prazo de “prescrição da
tendência” é de 3 anos nos casos de delinquência grave.

4. ALCOÓLICOS E EQUIPARADOS

Segundo os artigos 86.º/1 e 88.º do CP, se um alcoólico, pessoa com tendência para abusar de bebidas
alcoólicas ou pessoa que abuse de estupefacientes praticar crime a que devesse aplicar-se concretamente prisão
efetiva e tiver cometido anteriormente crime a que tenha sido aplicada também prisão efetiva, é punido com uma pena
relativamente indeterminada sempre que os crimes tiverem sido praticados em estado de embriaguez, estiverem
relacionados com o alcoolismo ou com o abuso de estupefacientes ou com a tendência do agente.

Nestes casos, a pena tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente
caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a eta pena acrescida de 2 anos na primeira condenação e
de 4 anos nas restantes, sem exceder 25 anos no total (artigos 86.º/2 e 88.º CP).

5. AGENTES DA PRÁTICA DE CRIME DE INCÊNDIO FLORESTAL

De acordo com o artigo 274.º-A/4, quem praticar crime doloso de incêndio florestal a que devesse aplicar-se
concretamente prisão efetiva e tiver cometido anteriormente crime doloso de incêndio florestal a que tenha sido ou
seja aplicada pena de prisão efetiva, é punido com uma pena relativamente indeterminada sempre que a avaliação
conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para a prática deste
crime, que persista no momento da condenação.

Nestes casos, a pena tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente
caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 2 anos na primeira condenação e
de 4 anos nas restantes, sem exceder 25 anos (artigos 86.º/2 e 274.º-A/5 do CP).

6. EXECUÇÃO

Dispõe o artigo 89.º/1 e 2 do CP que, em caso de aplicação de pena relativamente indeterminada, é elaborado,
com a brevidade possível, um plano individual de readaptação do delinquente com base nos conhecimentos que sobre

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ele houver e, sempre que possível, com a sua concordância, o qual poderá sofrer, no decurso do cumprimento da pena,
as modificações exigidas pelo progresso do delinquente e por outras circunstâncias relevantes.

Tratando-se de alcoólicos e de agentes que abusem de estupefacientes, a execução da pena é orientada no


sentido de eliminar o alcoolismo ou a toxicodependência do agente ou combater a sua tendência para abusar de
bebidas alcoólicas ou de estupefacientes (artigos 87.º e 88.º CP).

Tratando-se de agentes da prática do crime de incêndio florestal, a execução da pena relativamente


indeterminada é orientada no sentido de combater a tendência para a prática desse tipo de crime (artigo 274.º-A/5 e
87.º CP).

O tempo de pena que o condenado em pena relativamente indeterminada deve cumprir não é determinado
na decisão condenatória. É determinado já na fase de execução, uma vez cumprido o limite mínimo que é legalmente
fixado por referência à medida da pena que ao crime caberia segundo os critérios estabelecidos no artigo 71.º do CP.
Este tempo de pena é determinado quer a partir de regras de execução da pena de prisão, que funcionarão
até ao momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, quer segundo
regras de execução da medida de segurança de internamento, a partir deste momento e até ao limite máximo da pena
relativamente indeterminada (artigo 90.º do CP).

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