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AgRg no HABEAS CORPUS Nº 731857 - SP (2022/0087444-0)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ


AGRAVANTE : ANDERSON RODRIGUES LEITAO (PRESO)
ADVOGADOS : DANIEL GUIMARÃES ZVEIBIL - SP195304
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. ALEGAÇÃO TARDIA DE NULIDADE.
APLICAÇÃO DA TEORIA DA NULIDADE DE ALGIBEIRA.
1. A invocação tardia pelos impetrantes de nulidade do acórdão
apelatório (proferido há dois anos), a fim de reverter resultado que lhe é
desfavorável, demonstra a utilização da chamada nulidade de algibeira,
que é rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça.
2. No caso dos autos, a defesa impetrou o writ quase dois anos após o
acórdão que decretou a nulidade do primeiro julgamento e pouco menos
de um ano depois de proferido o segundo veredito condenatório pelo
Tribunal do Júri.
3. Agravo regimental não provido.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

ANDERSON RODRIGUES LEITÃO interpõe agravo regimental


contra decisão de fls. 280-285, em que não conheci do habeas corpus.
A defesa aduz que a Corte local anulou o primeiro julgamento do
Tribunal do Júri com base em tese formulada exclusivamente pelo assistente de
acusação, não alegada pelo Ministério Público no recurso de apelação.

Afirma que não houve insurgência por parte do órgão acusador quanto
ao reconhecimento do privilégio do § 1º do art. 121 do Código Penal pelos jurados
do Conselho de Sentença, de modo que foram impugnadas apenas a falta de
quesitação da qualificadora do feminicídio e a contrariedade à prova dos autos no
que se refere aos delitos de ocultação de cadáver e furto.

Pleiteia, portanto, a reconsideração do decisum anteriormente proferido


ou a submissão do recurso à turma julgadora, para fins de anular o acórdão da
Câmara Criminal que determinou novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

Em que pese o esforço do agravante, os argumentos apresentados são


insuficientes para infirmar a decisão recorrida, cuja conclusão mantenho. Na
decisão impugnada, registrei o seguinte (fls. 283-285, grifei):

A irresignação não comporta conhecimento.


Em análise dos autos, verifica-se que a defesa impetrou o
presente writ quase dois anos após o acórdão que decretou a
nulidade do primeiro julgamento e depois de proferido o
segundo veredicto pelo Tribunal do Júri.
Tal conduta não é admitida por esta Corte Superior, segundo a
qual "o fato de não ter alegado o vício na primeira oportunidade
caracteriza a chamada nulidade de algibeira. Esse procedimento é
incompatível com o princípio da boa-fé, que norteia o sistema
processual vigente, exigindo lealdade e cooperação de todos os
sujeitos envolvidos na relação jurídico-processual" (HC n.
617.877/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe
7/12/2020, grifei).
Nesse sentido, cito ainda:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS
CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DEFENSIVA DE
OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 14 DO STF. MATÉRIA
NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INDEFERIMENTO DE
ACESSO À MÍDIA DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
ALEGADA NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ART. 563 DO CPP.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO.
PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. PRETENSA
NULIDADE OCORRIDA NA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
ARGUIÇÃO ATÉ AS ALEGAÇÕES FINAIS SOB PENA DE
PRECLUSÃO. ART. 571, II, DO CPP. NULIDADE DE
ALGIBEIRA. PRÁTICANÃO TOLERADA PELA
JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Em relação à alegação de ofensa à Súmula vinculante n. 14,
verifica-se que a questão não foi objeto de julgamento no acórdão
impugnado, o que impede seu conhecimento por este Tribunal
Superior, sob pena de indevida supressão de instância.
2. Na hipótese, em que pese as mídias não estarem anexadas
aos autos, a defesa não requereu a sua juntada durante a instrução
da ação, o fazendo apenas por ocasião do julgamento da sessão
plenária.
3. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal, seja
absoluta ou relativa, reclama uma efetiva demonstração do
prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da
instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas
de nullité sans grief).
4. Assim, razão não assiste à defesa, na medida em que conforme
o art. 571, II, do CPP, eventual nulidade ocorrida até o
encerramento da fase de instrução deve ser arguida por ocasião
das alegações finais, sob pena de preclusão, com a imprescindível
demonstração do efetivo prejuízo suportado pela parte, o que
inocorreu nos autos, na medida em que havia disponibilidade da
íntegra das transcrições e que o acusado havia confessado a prática
criminosa.
5. Cumpre registrar que o prejuízo não pode ser presumido em
razão apenas da prolação de sentença condenatória, mas deve ser
demonstrado de modo efetivo.
6. Por fim, o atendimento ao pleito defensivo resultaria em
implícita aceitação da chamada "nulidade de algibeira" - aquela
que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após
ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva
de melhor conveniência futura. Ressalta-se, a propósito, que tal
atitude não encontra ressonância no sistema jurídico vigente,
pautado no princípio da boa-fé processual, que exige lealdade de
todos os agentes processuais.7. Agravo regimental
desprovido.(AgRg no HC n. 710.305/PB, Rel. Ministro Ribeiro
Dantas, 5ª T., DJe 20/6/2022)
Ademais, destaca-se que, embora haja divergência doutrinária e
jurisprudencial acerca da amplitude do direito recursal do
assistente – em razão da interpretação dos arts. 270 e 398 do
Código de Processo Penal –, há precedentes nesta Corte Superior
no sentido de que a atuação do assistente de acusação não depende
da inércia do Ministério Público. Confira-se:
[...]
Com efeito, este Relator é sensível às dificuldades internas e externas
enfrentadas pelos atores do sistema de justiça criminal, notadamente a Defensoria
Pública, de modo que reconhece o esforço e a dedicação dos membros dessa
instituição para a manutenção de suas atividades e dos seus serviços no contexto da
pandemia e também fora dela.

Contudo, verifica-se que, apesar da ciência inequívoca do conteúdo da


decisão de segundo grau, a defesa impetrou o presente writ, em que alega
nulidade do acórdão que determinou novo julgamento pelo Tribunal do Júri a partir
do conhecimento e provimento de tese recursal exclusiva da Assistência de
Acusação, quase dois anos após ter sido decretada a nulidade do primeiro
julgamento e pouco menos de um ano depois de proferido o segundo veredicto
pelo Tribunal do Júri.

Como já dito, tal conduta não é admitida por esta Corte Superior,
segundo a qual "o fato de não ter alegado o vício na primeira oportunidade
caracteriza a chamada nulidade de algibeira. Esse procedimento é incompatível
com o princípio da boa-fé, que norteia o sistema processual vigente, exigindo
lealdade e cooperação de todos os sujeitos envolvidos na relação jurídico-
processual" (HC n. 617.877/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª
T., DJe 7/12/2020, grifei).

A teoria da nulidade de algibeira, já adotada pelo Superior Tribunal de


Justiça em diversas ocasiões, relativiza a decretação de nulidades com fundamento
no princípio da boa-fé processual. Cabe, portanto, ao Poder Judiciário zelar pela
regularidade na tramitação dos feitos criminais, de modo a rechaçar procedimentos
e condutas não pautadas pelo princípio boa-fé processual. Nas palavras de Antonio
do Passo Cabral:

Na atualidade, o devido processo legal deve forjar-se num "devido


processo leal, e, se a ampla defesa deve ser enaltecida e
preservada, de outro lado, como salientou Verde, o "sacrossanto
direito de litigar" não pode se converter em abuso. Entendemos,
portanto, que, visualizando um vício, a defesa deve impugná-la
imediatamente, no máximo até a prática do seu próximo ato
postulatório. Em não o fazendo, pode ficar configurada
omissão legítima que sinaliza para a vontade inequívoca de
não recorrer, de conformar-se com o defeito e prosseguir na
cadeia de atos processuais, tornando preclusas as alegações de
nulidade posteriores.
[...]

Os deveres processuais constituem um minimum de limitações ao


exercício da actio, e podem ser legitimamente exigidos pelo juiz, e
nem mesmo a ampla defesa impede que o magistrado conduza a
marcha processual dentro dos padrões normativos da ética
processual. Trata-se das faculdades processuais do juiz na direção
formal do processo, e dentre elas as faculdades coercitivas, que
justificam a aplicação de consequências jurídicas (como a
inadmissibilidade de atos incompatíveis) para comportamentos
processuais antiéticos. Assim, a eficiência processual e seu
balanceamento com as garantias individuais são a tônica atual,
tanto no processo civil quanto no processo penal, na batuta do
formalismo-valorativo. (CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades
no processo penal entre garantismo, instrumentalidade e boa-fé: a
validade prima facie dos atos processuais. In: Revista do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº
48, p. 37-74, abr./jun. 2013, grifei)

Cito, a propósito, os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT


INDEFERIDO LIMINARMENTE. NULIDADES. MATÉRIA
ANALISADA EM OUTRO HABEAS CORPUS IMPETRADO
PERANTE O STJ. ACÓRDÃO DE APELAÇÃO PROFERIDO
HÁ MAIS DE 9 ANOS. "NULIDADE DE ALGIBEIRA".
PRÁTICA NÃO TOLERADA PELA JURISPRUDÊNCIA
DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE
SE NEGA PROVIMENTO.
1. Como é de conhecimento, é pacífico o entendimento firmado
nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão
já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-
se de mera reiteração de pedido (AgRg no HC n. 531.227/SP, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma,
julgado em 10/9/2019, DJe de 18/9/2019).
2. Na hipótese, o tema de fundo contido no presente habeas
corpus, consistente na nulidade pela utilização em apelação de
escuta telefônica não examinada pelo magistrado de primeiro grau
nos autos n. 019.08.002420-1 e pela ilicitude das interceptações
telefônicas foi examinado e afastado pelo Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento do HC n. 292.800/SC, DE MINHA
RELATORIA, que foi impetrado em favor do ora agravante e
contra o mesmo acórdão de segundo grau (Apelação Criminal n.
2009.070338-5).
3. Ademais, Já tendo sido a matéria devidamente analisada em
prévia impetração, não há como se conhecer do mesmo pleito para
esta mesma pessoa, apenas porque formulado por outro advogado
(AgRg no HC 677.795/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 16/11/2021, DJe de
19/11/2021).
4. Ainda que assim não o fosse, a invocação tardia pelos
impetrantes de nulidade do acórdão apelatório (proferido há
mais de 9 anos), a fim de reverter resultado que lhe é
desfavorável, demonstra a utilização da
chamada nulidade de algibeira, que é rechaçada pelo Superior
Tribunal de Justiça.
5. A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tolera a
chamada "nulidade de algibeira" - aquela que, podendo ser
sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do
vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de
melhor conveniência futura. Observe-se que tal atitude não
encontra ressonância no sistema jurídico vigente, pautado no
princípio da boa-fé processual, que exige lealdade de todos os
agentes processuais (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp
1382353/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma,
julgado em 7/5/2019, DJe de 13/5/2019).
6. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC n. 727.016/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, 5ª T., DJe 25/3/2022, destaquei)

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE


VULNERÁVEL. EMBARGOS INFRINGENTES. OPOSIÇÃO
ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. ORDEM
IMPETRADA QUASE 4 ANOS DEPOIS DA NEGATIVA DE
SEGUIMENTO. NULIDADE DE ALGIBEIRA. PRECLUSÃO
LÓGICA. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tolera a chamada
"nulidade de algibeira" - aquela que, podendo ser sanada pela
insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é
alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor
conveniência futura.
Observe-se que tal atitude não encontra ressonância no sistema
jurídico vigente, pautado no princípio da boa-fé processual, que
exige lealdade de todos os agentes processuais. Precedentes.
2. A marcha processual avança rumo à conclusão da prestação
jurisdicional, sendo inconciliável com o processo penal
moderno a prática de atos processuais que repristinem fases já
superadas.
3. Hipótese em que se afigura presente a preclusão lógica, uma
vez que passados quase quatro anos da negativa de seguimento
dos embargos infringentes por extemporaneidade.
4. A alegação que o Código de Processo Civil de 2015
regulamentou a atuação cautelosa da parte (art. 218, § 4º) não
serve de fundamento para conhecimento e processamento do
recurso outrora apresentado extemporaneamente, não afastada a
preclusão lógica, porquanto a defesa, somente após o decurso de
quase 4 (anos), vem se socorrer da norma, embora publicada a Lei
n. 13.105/2015 em 16/3/2015. Aplicação do art. 565 do Código de
Processo Penal.
5. Ordem denegada.
(HC n. 503.665/SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe
21/5/2019)

Por fim, observa-se que a mera abordagem periférica da questão na


decisão impugnada não constitui enfrentamento do mérito da tese defensiva, razão
pela qual deve ser mantido o não conhecimento do habeas corpus.

À vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

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