Você está na página 1de 224

SECURITIZAÇÃO

saraivajur.com.br
Visite nosso portal
Uinie Caminha
Especialista em Direito do Mercado Financeiro pelo
Ibmec Business School. Doutora em Direito Comercial
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Advogada em São Paulo.

SECU RITIZA ÇÂ O

2- edição
revista e atualizada

2007

Editora
P Saraiva
ISBN 978-85-020-5990-0
D ado s In te rn a c io n a is de C a ta lo g a ç ã o na P u b lic a ç ã o (C IP )
(C â m a ra B ra s ile ira do Livro, SP, B ra s il)

C a m in h a , U inie
S e c u ritiz a ç ã o / U in ie C a m in h a . — 2. ed. rev. e a tu a l.
— S ão P a u lo : S a ra iv a , 20 07.

1. S e c u ritiz a ç ã o I. T ítu lo .

0 6 -7 7 8 7 C D U -3 4 :3 3 6 .7 6

ín d ic e p a ra c a tá lo g o s is te m á tic o :
1. S e c u ritiz a ç ã o : D ire ito fin a n c e iro 3 4 :3 3 6 .7 6

Data de fechamento da edição: 30-9-2006.

Editora
d ‘Saraiva
Av. Marquês de São Vicente, 1697 — CEP 01139-904 — Barra Funda — São Paulo-SP
Vendas: (11) 3613-3344 (tel.) / (11) 3611-3268 (fax) — SAC: (11) 3613-3210 (Grande SP) / 0800557688
(outras localidades) — E-mail: saraivajur@editorasaraiva.com.br — Acesse: www.saraivajur.com.br

Filiais MINAS GERAIS


Rua Além Paraíba, 449 — Lagoinha
Fone: (31) 3429-8300 — Fax: (31) 3429-8310
AMAZONAS/RONDÔNIA/RORAIMA/ACRE Belo Horizonte
Rua Costa Azevedo, 56 — Centro PARÁ/AMAPÁ
Fone: (92) 3633-4227 — Fax: (92) 3633-4782 Travessa Apinagés, 186 — Batista Campos
Manaus Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038
BAHIA/SERGIPE Fax: (91) 3241-0499 — Belém
Rua Agripino Dórea, 23 — Brotas PARANÁ/SANTA CATARINA
Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 Rua Conselheiro Laurindo, 2895 — Prado Velho
Fax: (71) 3381 -0959 — Salvador Fone/Fax: (41) 3332-4894 — Curitiba
BAURU (SÃO PAULO) PERNAMBUCO/PARAÍBA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS
Rua Monsenhor Claro. 2-55/2-57 — Centro
Rua Corredor do Bispo, 185 —• Boa Vista
Fone: (14) 3234-5643 — Fax; (14) 3234-7401
Fone: (81) 3421-4246 — Fax: (81) 3421-4510
Bauru
Recife
CEARÁ/PIAUÍ/MARANHÃO
RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO)
Av. Filomeno Gomes, 670 - - Jacarecanga
Av. Francisco Junqueira, 125 5... Centro
Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384
Fone: (16) 3610-5843 — Fax: (16) 3610-8284
Fax: (85) 3238-1331 — Fortaleza
Ribeirão Preto
DISTRITO FEDERAL
SIG QD 3 BI. B - Loja 97 ~~ Setor Industrial Gráfico RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO
Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 — Vila Isabel
Fone: (21) 2577-9494 — Fax: (21) 2577-8867/2577-9565
Fax: (61) 3344-1709 — Brasília
GOIAS/TOCANTINS Rio de Janeiro
Av. Independência, 5330 — Setor Aeroporto RIO GRANDE DO SUL
Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 Av. Ceará, 1360 — São Geraldo
Fax: (62) 3224-3016 — Goiânia Fone: (51) 3343-1467 / 3343-7563
MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO Fax: (51) 3343-2986 / 3343-7469 — Porto Alegre
Rua 14 de Julho, 3148 — Centro SÃO PAULO
Fone: (67) 3382-3682 — Fax: (67) 3382-0112 Av. Marquês de São Vicente, 1697 — Barra Funda
Campo Grande Fone: PABX (11) 3613-3000 — São Paulo
A
Armando Caminha Filho
e
Francisco de Assis Bornfim Viana
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todas as pessoas que me ajudaram a
gostar tanto de São Paulo: obrigada Vitória, Juliana, Deise,
Mariângela, Raphael, Ana Luíza, M elissa, Fernanda, Roberto
Portella, Fernando Koury, D r Marco Antônio, por fazerem parte da
minha vida de maneira especial.

Muito obrigada às pessoas que não me deixaram esquecer onde


é minha casa, e o quanto ela é importante para mim. Obrigada ma­
mãe, papai, sorella, vovô e vovó, tia Dolores, Daniel, Verinha, Mo­
ras, Lília.

Obrigada ao Fábio e ao João, por darem significado a cada


minuto de minha vida.

Obrigada à minha orientadora, Professora Rachel Sztajn, pela


firmeza e presença constantes, e a todos os meus professores, espe­
cialmente ao Professor Mauro Penteado, que me permitiu viver a
experiência única de ensinar.

Obrigada, ainda, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado


de São Paulo — FAPESP, que viabilizou a elaboração deste trabalho.

VII
SUMÁRIO
Nota à segunda edição................................................................. XIII
Apresentação................................................................................. XVII
Ainda à guisa de apresentação................................................... XIX

INTRODUÇÃO............................................................................ 1

P rimeira P arte
ASPECTOS ECONÔMICOS DA SECURITIZAÇÃO

C apítulo 1 4- SISTEMA FINANCEIRO: CONCEITO, EVO­


LUÇÃO E ESTRUTURA................................................... 7
1.1. Definição de instituição financeira............................ 7
1.2. Estrutura e funções do Sistema Financeiro............. 11

C apítulo 2 — A INTERMEDIAÇÃO E A DESINTERME-


DIAÇÃO FINANCEIRA.................................................... 17
2.1. A intermediação financeira........................................ 17
2.1.1. Atividades de intermediação propriamente
d ita ................................................................... 19
2.1.2. Transformação qualitativa de ativos.............. 21
2.2. Mercado financeiro e mercado de capitais.............. 23
2.2.1. Mercado financeiro.......................................... 24
2.2.2. Mercado de capitais......................................... 26
2.3. Os bancos e o mercado desintermediado................. 29

Capítulo 3,Ã- ANÁLISE CONCEITUAL DA SECURITI-


.........ZA Ç Â O ................................................................................. 35
3.1. Denominação................................................................ 35

IX
3.2. Definição...................................................................... 38
3.3. Histórico....................................................................... 39
3.4. M ecanismo................................................................... 41

(.C apítulo 4 — SECURITIZAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO..... 44


4.1. Globalização e harmonização de sistemas regu-
latórios lo ca is............................................................... 45
4.2. Espécies de sistemas regulatórios do mercado de
capitais.............................................................. ;......... 48
4.3. Desenvolvimento da securitização........................... 51

Capítulo ? — A SECURITIZAÇÃO E A DISPERSÃO DE


,...........R i s d o .................................................................................. 54
5.1. A securitização como mecanismo de alocação de
risco............................................................................... 54
5.2. Outros mecanismos de controle do r isc o ................. 56
5.3. Conceito e tipos de risco ............................................ 59
5.4. Críticas ao uso indiscriminado da securitização.... 65

Segunda P arte
ASPECTOS JURÍDICOS DA SECURITIZAÇÃO

Capítulo 1 — A MOBILIZAÇÃO DE RIQUEZAS E A


TUTELA JURÍDICA......................................................... 71
1.1. Mobilização e circulação do crédito......................... 71
1.2. A necessidade de tutela jurídica................................ 74

Capítulo 2 — INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE MOBILI­


ZAÇÃO DE RIQUEZAS................................................... 78
2.1. Cessão de crédito......................................................... 78
2.1.1. Cessão de crédito e cessão de contrato......... 83
2.2. Títulos de crédito......................................................... 85
2.2.1. Legitimação e titularidade............................... 86

X
2.2.2. Regimes de circulação dos títulos de crédito 89
2 . 3. Valores mobiliários ................................................... 90
2.3.1. Conceito e características................................ 93

t • vm i i o 3 — A ESTRUTURA DA SECURITIZAÇÃO....... 100


£ *' ::
IJEases da securitização................................................ 100
3.1.1. Constituição do veículo de propósito exclu­
siv o ..................................................................... 101
3.1.2. Segregação do ativ o ......................................... 108
3.1.3. Emiss_ão e subscrição dos títulos.................... 111
3.1.4. Classificação de risco da em issão.................. 115

» u-iruLO 4 SECURITIZAÇÃO E TEORIA DO PATRI-


.....„ J á Ô M O .......................................................................................117
4:1. Conceito de patrimônio e patrimônio separado 1. 117
4.2. Securitização e tutela dos credores........................ . 123 /

C apítulo 5 — A NATUREZA JURÍDICA DA SECURI-


TIZAÇÃO............................................................................ 126
5.1. Securitização e a autonomia privada........................ 126
5.2. Securitização como negócio indireto....................... 129
5.3. A securitização como negócio fiduciário................ 132
5.4. O caminho para a tipificação..................................... 135
5.5. Securitização e institutos afins.................................. 137

CAPÍTULO 6 — A SECURITIZAÇÃO NO BRASIL.......... 140


6.1. A disciplina legal da securitização no Brasil ....... 140
6.1.1. Securitização de exportações......................... 141
6.1.2. Securitização de base imobiliária................... 143
6.1.2.1. Segregação patrimonial na securiti­
zação imobiliária............................... 150
6.1.3. Securitização de ativos empresariais em
geral................................................................... 154

XI
6.1.3.1. Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios — F ID C s....................... 155
6.1.4. Securitização de créditos financeiros............ 156
6.1.5. Securitização de ativos do agronegócio........ 159
6.2. Adequação do tratamento jurídico da securitização
no B rasil....................................................................... 160

C apítulo 7 — 0 DIREITO COMO ESTÍMULO AO DE­


SENVOLVIMENTO DE NOVAS TECNOLOGIAS
FINANCEIRAS................................................................... 163
7.1. Instituições básicas para a garantia da ampla eviden-
ciação............................................................................. 165
7.2. Instituições básicas para a proteção de investidores
contra conflito de interesses...................................... 177
7.3. O problema institucional brasileiro.......................... 183
7.4. Perspectivas de desenvolvimento da securitização
no mercado brasileiro................................................. 186

CONCLUSÃO.............................................................................. 189
Bibliografia.................................................................................... 193

XII
NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO
In dilutes como o de que trata o presente trabalho são objeto de
■.vr, i 'i •>e relevantes mudanças. Deve-se, inclusive, a essa caracte-
iv |.(m parte de sua utilidade aos agentes econômicos, que neces-
do instrumentos dinâmicos e adaptáveis para revestir os negó-
pccialmente no âmbito do mercado financeiro e de capitais.
i d et (o, a securitização, conforme já se previa há alguns anos,
tn |M -vido por fases de evolução e amadurecimento consistentes, o
{tie lot na a operação cada vez mais adequada aos fins pretendidos
Mi? aqueles que a utilizam.
t ont relação ao volume dos negócios envolvendo as várias es-
i is que podem ser identificadas como securitização — como os
» de direitos creditórios e as sociedades securitizadoras — , houve
um inascimento significativo nos últimos anos. Entre 2002 e os três
„ guieiros trimestres de 2005, o volume de recursos envolvidos em
»«jHuações de securitização aumentou cerca de 1.361%, conforme
«lidos colhidos da Comissão de Valores Mobiliários e da Associação
Nacional de Bancos de Investimentos pela M oody’s Investors
Service*.
Esse crescimento rápido demonstra, conforme explicitado nes­
te iiabalho, que a securitização ainda é uma tecnologia em fase de
inserção. Acredita-se que o progresso em seu uso deva continuar ace-
Ifiado nos próximos anos.
Porém, mais do que os números, vê-se uma evolução no enten­
dimento que os operadores do Direito e o próprio legislador têm so-
ba* a securitização. Nos últimos dois anos, alguns avanços legislativos
• >>ntrihuíram para fortalecer a segurança jurídica da operação, reco-

* U.hIon disponíveis em: < www.moodys.com.br/brasil/pdf/SpeciaLComment__.


Brazil _Securitization_2005_Portuguese_pdfs>. Acessado em 8 de agosto de 2006.

XIII
nhecida, inclusive, pelas próprias autoridades governamentais, com
tratamento tributário diferenciado para algumas espécies de
securitizadoras, como importante ferramenta de financiamento a pro­
jetos de grande vulto.
Umas das principais inovações, no que pese não se tratar de
uma lei específica sobre o instituto, vem na nova Lei de Falências e
Recuperação de Empresas, que exclui expressamente os bens cedi­
dos em operações de securitização da massa falida. Apesar de ainda
não se poder precisar o alcance que o judiciário vai dar a esse dispo­
sitivo, vê-se que uma importante dúvida acerca da viabilidade jurídi­
ca da securitização no Brasil foi assim dirimida.
Além disso, tem-se considerado a securitização como alternati­
va de financiamento em outros nichos de mercado. Nesse sentido, foi
editada, em 2005, legislação acerca da securitização de base agríco­
la. Embora seja possível a securitização de praticamente qualquer
ativo, independentemente de legislação especial, conforme se defen­
de no presente trabalho, a criação de títulos específicos e de estrutura
própria demonstra o interesse das autoridades no desenvolvimento
da operação, tornando-a mais segura.
É certo que, assim como avanços benéficos ao instituto, obser-
varam-se também algumas utilizações desvirtuadas de seus mecanis­
mos, especialmente no que se refere a sociedades de fomento mer­
cantil. Na verdade, tem -se tornado comum a utilização das
securitizadoras, em estruturas que nada mais encerram do que opera­
ções de factoring, como forma de se obterem vantagens fiscais.
Esses, dentre outros assuntos, serão abordados nesta edição do
presente trabalho, que, espera-se, seja útil tanto a acadêmicos quanto
a operadores do Direito. E óbvio que o aspecto jurídico da operação
continuará sendo o mais explorado, pois, apesar de ele ser sempre e
inevitavelmente acessório de sua função econômica, participa de
maneira decisiva em seu sucesso ou fracasso. Não se tem a preten­
são, todavia, de esgotar as inovações pelas quais passou e vem pas­
sando a securitização, até porque, enquanto são escritas estas consi­
derações, novas possibilidades estão surgindo.
Assim como na primeira edição, a autora continua contando com
a ajuda de diversas pessoas que, de maneiras diferentes, mas sempre

XIV
11 j ui.titles, contribuem para o desenvolvimento de seu trabalho:
A.tiwudo Caminha, sempre, toda a família, especialmente a Cecília,
.fu. ,nm!a não existia na primeira edição deste livro, colegas da Uni-
»i ssdiklc de Fortaleza — UNIFOR e a própria UNIFOR, que, como
»•'sMUtição, acredita na pesquisa como caminho para o desenvolvi-
<Hfin» da educação.

XV
APRESENTAÇÃO
Uma das funções da academia, notadamente das universidades
públicas, é a formação de pessoas que, por meio de discussão de
problemas teóricos, numa forma única de prestação de serviços à
comunidade, toma como seu centro de estudos problemas reais cria­
dos pelas inovações derivadas do tráfego negociai.
Se os operadores econômicos se dedicam a desenhar negócios
que permitam segregar ou distribuir riscos, cabe ao jurista buscar no
ordenamento jurídico institutos que, ao acolher as operações, mante­
nham os modelos de certeza e segurança de forma que, ao facilitar a
realização de negócios de interesse da comunidade, não se impo­
nham a ela eventuais danos que possam advir do negócio entre parti­
culares.
Diante da velocidade com que operações econômicas inovam
nas relações intersubjetivas, em que ganham espaço no tráfego
negociai, notadamente aquelas que, em decorrência da globalização
da economia, foram engendradas com base em outros sistemas jurí­
dico-positivos, é mister compor a necessidade empresarial e as nor­
mas jurídicas.
Securitização é uma dessas operações que surge nos Estados
Unidos da América e que atravessa as fronteiras nacionais por facili­
tar a solução de problemas ligados a riscos económico-financeiros.
Não por outra razão Uinie envereda pela função econômica da
securitização, uma vez que a mobilização e a circulação de riquezas
são imperativos da sociedade. A percepção de que as instituições fi­
nanceiras, cada vez mais, parecem perder espaço na intermediação
da circulação da moeda e crédito, dadas as permanentes criações do
gênio empresarial, repercutem no direito.
O sistema, pensado nos séculos XIX e XX, basicamente no pri­
meiro quartel, teria previsto instrumental para garantir as novas ope-

XVII
rações econômicas? A função social que desempenha e a utilidade
que representa, dependem das garantias que se possam apresentar
aos agentes econômicos.
Sobre ser necessário compreender o fenômeno econômico, como
é próprio dos comercialistas, não passou despercebido a Uinie, que
se embrenhou por área usualmente estranha ao operador do Direito.
A autora trouxe para o texto as relações fundamentais entre Direito e
Economia, os aspectos financeiros, analisou o fato de que pessoas
avessas a risco, mas com potencial de investimento desde que se lhes
ofereça nível adequado de segurança, tomam a securitização potente
-instrumento para a alocação de recursos na sociedade.
Com felicidade Uinie faz de sua tese de doutoramento, apresen­
tada e defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, cabal demonstração de que é possível compor teoria e prática,
direito e outras áreas do conhecimento, com o que ganham todos. À
instituição porque cumpre duas funções: prepara pessoas para, criti­
camente, pensar o sistema jurídico, presta serviços à sociedade que
provê os fundos para o ensino e pesquisa. À comunidade porque re­
cebe, em contrapartida, os frutos do esforço e da pertinácia de seus
mais promissores jovens.
Orgulho-me de ter insistido para que Uinie aceitasse o desafio,
por tê-la entre meus alunos e, sobretudo, porque, ao escolhê-la, acre­
dito ter devolvido à sociedade pessoa apta para enfrentar problemas e
encontrar soluções.

São Paulo, 10 de novembro de 2004.


Rachel Sztajn

XVIII
AINDA À GUISA DE APRESENTAÇÃO

Em outros tempos, uma obra desta envergadura dispensaria apre-


Mm!ações. Vivemos, porém, época extraordinária da história da hu­
manidade; e a experiência comprova que, como tudo que sucede com
»>fsomem, também o extraordinário tem seus prós e contras, a recla­
mar reflexões e prudência. Se é certo que em momento algum da
»ívilização as informações foram disseminadas com tal velocidade e
amplitude, não é menos acertado considerar com prudência a pletora
•ir dados e publicações, de estatísticas, análises, opiniões, comentá-
i ms, estudos, teses, monografias, sobretudo em letra impressa, pau-
t,mdo-se o interessado com espírito crítico, a fim de não naufragar ou
sucumbir em meio a informes no mais das vezes inúteis ou vazios.
No campo do Direito essa constatação é diária. Que advogado
i.i não exultou, após adentrar em várias livrarias, ou depois de repas-
;tr “sites” especializados: “hélas”, enfim um livro pensado e refleti­
do, de “peso”, que, além de atender minhas preocupações imediatas
■t>m a informação e o saber, vai permanecer para além de suas pri­
meiras leituras, porque se trata de obra de referência sobre o tema.
\bstraindo aqui o apreço pela autora, parece que este livro tem essa
vocação.
Pois a era da informação não poderia deixar de se refletir na
indústria, no caso a indústria editorial. Entre nós o fenômeno é co­
nhecido, com a expansão vertiginosa de editoras, subeditoras e asse­
melhadas, poucas delas tendo o cuidado de escrutinar rigorosamente
i >s originais, porque o mercado é comprador. Basta aparecer uma “no-
vidade”, mesmo oriunda de plágio, e a demanda está garantida para o
que for posto à venda. Em nossa Universidade temos experimentado
intensamente a anomalia, daí o rigor na avaliação da produção cien­
tífica, pois se a sociedade nos paga e financia, porque a instituição é
publica, é justo a ela oferecer serviços da melhor qualidade. Mais
uma vez parece que, no caso, a missão foi adequadamente cumprida.

XIX
A novidade desta obra é evidente, até porque no longo percurso
de sua elaboração e aprovação deu-se um fato pouco usual, e até pito­
resco, que comprova a evidência. Numa das seções de preparo e jul­
gamento deste trabalho da autora, causou surpresa a presença de al­
guns dos chamados “operadores” do mercado financeiro, para tomar
conhecimento do que a Universidade estava produzindo sobre a tal
securitização. Alguns anos de trabalho silencioso se passaram até que
essa produção viesse a lume para satisfazer essa curiosidade, mas
com equilíbrio e inequívoca atualidade.
E vem a público para mostrar que a novidade não é assim tão
nova, pois a obra demonstra soluções jurídicas novas, sim, porém
concebidas para resolver problemas econômicos tão antigos quanto
o capitalismo industrial, como já apontava Ascarelli nos anos 30 do
século passado. Ao cuidar em quatro estudos magistrais dos títulos
de crédito (depois reunidos na sua “Teoria Geral”), o maior comer-
cialista do século XX — fazendo inclusive reparos a Bearle & Means,
que omitiram o tema em seu The M odem Corporation and Private
Property — alertava para o fato de a “nova” economia haver alterado
substancialmente o caráter da propriedade, que há séculos já cortara
suas âncoras com os bens materiais, para multiplicar-se em novos
bens e direitos sobre ela erigidos, numa velocidade tal que chegou,
mais recentemente, à securitização, fórmula criativa de mobilização
de ativos presentes e futuros, dissecada pela autora tanto do ponto de
vista estrutural, quanto do funcional.
Em uma apresentação complementar não poderia faltar referên­
cia à orientadora acadêmica da Doutora Uinie, a Professora Rachel
Sztajn, esta sim a única com méritos e qualificações para apresentar a
obra — à qual acresci, a pedidos, estas deslustradas palavras — visto
que foram da eminente professora o discernimento e a sabedoria de
bem aproveitar as melhores qualidades da doutoranda.
Como também não poderia deixar de ser feita a necessária men­
ção à autora, ainda desconhecida do público em geral. Esta brava
cearense chegou a estas plagas para realizar o seu doutoramento, e
aqui ficou, estabelecendo família, cooptada pela paulicéia desvairada
(não sei se para o agrado de seu grande mentor, o emérito comercialista
Bomfim Viana, lídimo sucessor no Ceará do saudoso Fran Martins),

XX

I
ingressando ainda nas lides profissionais, graças às suas qualidades
de advogada (e como tal adquirindo visão prática e experiência, trans­
postas para a obra). E também revelou talento como docente, ao co­
migo colaborar como monitora pós-graduanda, nas Arcadas.
Talento e inteligência não são dons recebidos gratuitamente, pois
a parábola bíblica ensina que quem os recebe tem a obrigação de
investi-los, devolvendo-os aos seus semelhantes com os juros de suas
realizações. Parece que a autora vem cumprindo, e bem, o contrato.
Com isso ganha a literatura jurídica nacional e ganham os profissio­
nais do direito, mas não só eles, pois também os “operadores” do
mercado poderão aqui aproveitar as ponderadas análises econômicas
e financeiras, típicas, aliás, da escola de Direito Comercial da velha
Academia, sempre atenta às sábias lições de Vivante, acerca da
simbiose inextricável Direito & Economia.

Natal de 2004.
Mauro Rodrigues Penteado
Professor de Graduação e Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

XXI
INTRODUÇÃO
O mercado financeiro mundial tem sofrido mudanças substan­
ciais nos últimos vinte anos, especialmente no que diz respeito a ope­
rações que envolvem financiamento de projetos e companhias. A
securitização foi uma das principais inovações percebidas durante
esse período, sendo seu uso cada vez mais comum. No Brasil, as
primeiras operações de securitização ocorreram na década de 80 do
século recém-findo, e, ultimamente, sua utilização tem se dissemina­
do substancialmente. p( i >
O termo securitização pode ser enténdídotãnto em sentido amí
pio quanto em sentido estrito. Empentido amglb, representa o acesso)
ao mercado de capitais como alternativa de financiamento e investi­
mento, em substituição a outras opções ligadas ao mercado financei­
ro tradicional, ou seja, é sinônimo de desintermediação financeira. Já
--------..,irwl"'"nv»Yi'rí.ir.‘.;<r..r.. Kir.T.--—

a securitização em sentido estritojé a operação que tem por escopo a


segregação de ativos em veículo próprio, com o fim de servirem de
lastro à emissão de títulos por esse mesmo veículo, e, como se verá,
trata-se de um poderoso instrumento no processo de desintermediação
que atualmente atinge a maioria dos países.
Com efeito, a securitização é um exemplo da proatividade dos
agentes econômicos. Seu desenvolvimento, eminentemente causa­
do pela necessidade de recursos em alguns segmentos da econo­
mia, pode ser estudado tanto como movimento de retirada de inter­
mediários da relação entre investidores e captadores de recursos
quanto como instrumento de resposta jurídica a necessidades eco­
nômicas. Seria, nesse aspecto, o desenho jurídico das operações
não intermediadas de captação e investimento de recursos. Se, por
um lado, a securitização surge como resultado de um processo eco­
nômico de desintermediação (sentido amplo), por outro lado pode
ser encarada como instrumento dessa desintermediação (sentido
estrito).

1
O legislador brasileiro preocupou-se em inserir a operação de
securitização no ordenamento jurídico, mas não de forma sistêmica.
A não ser por normas específicas emanadas de órgãos reguladores ou
aplicáveis apenas a segmento determinado da economia, a matéria
está desregulada por nosso direito positivo. Não há uma norma geral
que defina e situe a operação no sistema jurídico. Acredita-se que
isso se deve ao fato de que, até pouco tempo, a securitização era algo
distante, só aplicável a sofisticadas operações financeiras. Ultima­
mente, porém, vem sendo usada com freqüência cada vez maior em
operações corriqueiras, o que leva a questionar sobre a real necessi­
dade de inserção da securitização no ordenamento jurídico brasileiro
de forma mais ampla.
A operação de securitização é atualmente estruturada com base
em institutos tradicionais do Direito Privado e adaptada às regula­
mentações aplicáveis conforme o tipo de ativo envolvido na opera­
ção. Apesar de até hoje essa solução ter-se mostrado suficiente, ela
não tem conseguido elidir püvidãsTã respeito de diversos aspectos, í
como a compítififiízâçâõTfa securitização com a teoria do patrimô­
nio. regimes concursais, responsabilidade da sociedade emissora d e 1
títulos e natureza dos títulos emitidos|Keste saBèFsè^escTaréciméff
to de tais dúvidas cabFa^õüIrínãrêTjurisprudência ou ao legislador.
Outra dúvida que a falta de legislação enseja é a posição ocupa­
da pela securitização no mercado financeiro. A securitização pode
ser posicionada dentro ou paralelamente a ele, a depender da exten­
são e forma de se definir o Sistema Financeiro Nacional.
No presente trabalho, pretende-se analisar a operação de
securitização em duplo aspecto: resposta às necessidades econômi­
cas ao mesmo tempo que desencadeadora da utilização inovadora
de tradicionais institutos jurídicos e de reforma e adaptação da le­
gislação. ')
O escopo maior do trabalho consiste em buscar determinar a
natureza jurídica da securitização, para então sugerir a melhor disci-
plina paraãoperaçãoi Para tanto, será procedida a análise da estrutu­
ra da operação de forma a determinar em que medida ela pode ser
considerada um negócio único, um todo sistêmico, e qual seria o ele­
mento de conexão dos diversos contratos que a compõem. Prctende-

2
se, ainda, mostrar que a regulação jurídica eficiente pode ser consi­
derada um meio de desenvolvimento da securitização em nosso mer­
cado de capitais.
Para que se possa chegar às conclusões pretendidas serão anali­
sadas questões a respeito da desintermediação e função dos interme-
diáriosfinanceiros no mercado securitizado,jdãsrelaçõesdasecuríi1-'\
Vzaçáo com'a tecmã do patrimônio e regimes concursais e da adequa- j
cão dos instrumentos jurídicos utilizados à estrutura da operaçãof
O trabalho se divide em duas partes, nas quais se abordam dife­
rentes aspectos da securitização. Os temas são tratados tanto em ca­
ráter geral, com a análise e criação de conceitos, como em detalhes
específicos e características mais especiais.
j Na primeira parte j tratar-se-á dos aspectos econômicos da secu-
ritizâção: a desintermediação, a gradual substituição do mercado fi­
nanceiro tradicional pelo mercado de capitais, o crescimento dos
mercados e sua integração como preconizadores de novos instrumen­
tos jurídico-financeiros. Nessa ocasião, serão analisados a estrutura
do Sistema Financeiro Nacional, a inserção da securitização como
parte dessa estrutura e os meios jurídicos através dos quais os recur­
sos financeiros são transferidos dos agentes poupadores para aqueles
que deles necessitam, ora com a interveniência de bancos, ora direta­
mente, através do mercado de capitais. Analisar-se-á também a evo­
lução do sistema bancário até alcançar a complexidade das institui­
ções financeiras dos dias de hoje, e o papel do mercado de capitais
nessa evolução.
Ainda nessa parte, abordar-se-á a relação entre a securitização e
a globalização, especialmente no que diz respeito aos desafios dos
sistemas regulatórios locais com relação a operações transnacionais.
Discorrer-se-á também sobre aspectos estriüurais da securitização e
sobre sua íntima ligação com o jconceito de íiscoJiá que uma das
principais características da securitização é a dispersão do risco en-
volvido nas operações. Nesse capítulo, será abordado o impacto da
sêcüntizição com relação aos principais tipos de risco a que estão
sujeitas as operações de investimento e financiamento. Todo o aspec­
to econômico analisado inicialmente servirá de instrumento ao estu­
do jurídico que segue nas demais partes do trabalho.

3
Najsegunda partejserão estudados aspectos jurídicos da securi-
tização. N êssFpoSo, o que foi abordado em análise financeira na
primeira parte do trabalho será analisado sob ponto de vista jurídico:
os mecanismos já criados pelo direito para a circulação e mobiliza­
ção de riquezas, que são imprescindíveis à desintermediação e, por
conseguinte, à securitização. A evolução desses mecanismos, suas
perspectivas de adaptação e desenvolvimento e sua utilização em novas
tecnologias financeiras e jurídicas apresentadas.
Em seguida, a própria operação será esmiuçada, em cada uma
de suas nuanças, modalidades, características. A estrutura atualmen­
te utilizada e os mecanismos jurídicos empregados na execução da
securitização serão apresentados e criticados. A partir dessa análise
estrutural, estudar-se-á a natureza jurídica da operação.
Será analisado ainda o desenvolvimento legislativo brasileiro.
A adaptação à necessária utilização de novos instrumentos financei­
ros será estudada, com ênfase nas diversas formas e focos de aplica­
ção da securitização no Brasil e na perspectiva de desenvolvimento
desse mercado. Serão examinadas as possibilidades e as condições
para o desenvolvimento da securitização no Brasil, assim como o
papel dos institutos jurídicos nesse desenvolvimento.
Note-se que se optou por não inserir capítulo específico dedica­
do a outros sistemas jurídicos, sendo que as experiências estrangei­
ras serão abordadas em notas distribuídas ao longo do trabalho, à
medida que tais sistemas sejam mencionados.
Por fim, serão apresentadas as conclusões a respeito de cada
uma das questões suscitadas.

4
P rimeira P arie

ASPECTOS ECONÔMICOS
DA SECURITIZAÇÃO

Para que se possa discutir a securitização, deve-se, inicialmen­


te, estudar o ambiente económico-financeiro no qual ela vem se de­
senvolvendo. No mais das vezes, as novas operações financeiras sur­
gem como resposta a demandas da economia, e com a securitização
não foi diferente.
Com o uso dos instrumentos jurídicos disponíveis, procuraram-
se meios de solucionar o problema da falta de capitais para o finan­
ciamento de projetos e sociedades, e opções para reduzir os riscos
envolvidos nessas operações. Note-se que nada disso teria sido ne­
cessário se os instrumentos financeiros tradicionais fossem suficien­
tes para atender às demandas do mercado.
As instituições financeiras foram, no século recém-findo, as gran­
des responsáveis por modificações nos mercados. O chamado capita­
lismo financeiro transformou os bancos em grandes agentes econô­
micos. Ocorre que a maturidade e a evolução do sistema criado pelos
próprios bancos fizeram com que eles tivessem que modificar suas
estruturas de modo a acompanhar as necessidades do mercado, in­
clusive no que diz respeito a desintermediação e securitização.
Nesse sentindo, o fato de os negócios que envolvem financia­
mento se mostrarem cada vez mais vultosos levou as próprias insti­
tuições financeiras a procurar alternativas que minimizassem o ris­
co inerente a essas operações e criassem novos meios de captar
recursos.
Em linhas gerais, esses fatores impulsionaram a desintermedia­
ção financeira, ou seja, a securitização em sentido amplo. Nos capí­

5
tulos que seguem, é feita uma análise de diversos aspectos ligados à
securitização em sentido amplo, envolvendo seu surgimento, inser­
ção no mercado financeiro, evolução, função e efeitos, especialmen­
te com relação às instituições financeiras.
Assim, inicia-se este estudo com uma análise do conceito, fun­
ção e evolução das instituições financeiras e, especialmente, do pro­
cesso de desintermediação que vem modificando o seu papel em
negócios jurídicos tanto do mercado financeiro, como do mercado
de capitais.

6
C apítulo 1
SISTEMA FINANCEIRO: CONCEITO,
EVOLUÇÃO E ESTRUTURA
1.1. Definição de instituição financeira
De acordo com a legislação brasileira, as instituições bancárias,
assim como as demais instituições financeiras, são definidas por suas
atividades, ou seja, o conceito de atividade bancária é essencial para
determinar a natureza de uma sociedade no mercado financeiro. Esse
critério vem sendo usado desde as primeiras regulamentações do sis­
tema financeiro, como se pode observar na leitura do art. Ia do De­
creto n. 2.711, de 19 de dezembro de 1860, que já determinava que
seriam bancos as companhias ou sociedades anônimas sem firma
social, e administradas por mandatários, que tivessem por objeto uma
das atividades que listava1.
Apesar de a lista não se ter mostrado precisa nem à época de
vigência do Decreto, pode-se observar que o sistema jurídico brasi­
leiro, desde os tempos mais antigos, adotou a postura de definir as
instituições financeiras através de suas atividades.
Na opinião de Carvalho de Mendonça2, melhor sorte teve o Có­
digo Comercial, ao definir o banqueiro, em vez de suas atividades:

1 São atividades consideradas de banco, segundo o Decreto n. 2.711: “O comércio


por conta própria ou de terceiro, de ouro ou prata, em moeda ou em barras; de títulos
da dívida pública nacional ou estrangeira, e de ações de empresas de qualquer natu­
reza; de efeitos de comércio e outros valores negociáveis ou transmissíveis por via
de endosso, ou por simples tradição; empréstimos de qualquer espécie ou natureza;
operações de câmbio; depósitos de valores de qualquer natureza; abertura de contas
correntes; e, em geral, quaisquer operações chamadas de banco, ou que tendam ao
desenvolvimento do crédito público”.
2 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro.
4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1947. Livro 4, v. 6, p. 13.

7
“São considerados banqueiros os comerciantes que têm
por profissão habitual do seu comércio as operações chama­
das de Banco”.

Mesmo assim, não se escapa completamente do modelo de de­


finição por intermédio das atividades, já que são as “operações de
banco” que vão determinar o banqueiro, e essas operações são, justa­
mente, as atividades financeiras por excelência.
A evolução da legislação brasileira foi no sentido de adotar ain­
da as atividades financeiras como cerne do conceito de banco e de­
mais instituições financeiras. Essa é a orientação adotada pela Lei n.
4.595/64, que define instituição financeira especialmente para fins
de regulação e fiscalização por parte das autoridades monetárias*123.
Seguindo a mesma lógica, o Manual de Normas e Instruções do
Banco Central do Brasil — MNI, que consolida as regras emanadas
do Conselho Monetário Nacional — CMN e do Banco Central do
Brasil a respeito do funcionamento e organização das instituições
financeiras, traz as definições das diversas espécies de banco e de­
mais instituições sob a fiscalização do Banco Central, por meio das
atividades que exercem4.

3 Assim é que o art. 17 da Lei n. 4.595/64 dispõe que “consideram-se instituições


financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou
privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação
ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único: Para os efeitos desta Lei e da legislação em vigor, equiparam-se às
instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades refe­
ridas neste artigo, de forma permanente ou habitual”.
4 Tome-se como exemplo o conceito de banco de investimento, constante dos itens
1- 1-2-1 e 1-1-2-2 do MNI.
“1 - 0 banco de investimento, instituição financeira de natureza privada, especializa­
da em operações de participação societária de caráter temporário, de financiamento
da atividade produtiva para o suprimento de capital fixo e de giro e de administração
de recursos de terceiros, deve ser constituído sob a forma de sociedade anônima,
devendo de sua denominação constar a expressão ‘Banco de Investimento’.
2- Ao banco de investimento é facultado, além da realização das atividades inerentes
à consecução de seus objetivos: praticar operações de compra e venda, por conta

8
Essa forma de definição justifica-se na prática por ser deter­
minante que as autoridades monetárias possam fiscalizar a regula­
ridade da constituição e funcionamento das instituições financei-
m .. ou mesmo sociedades que, embora não classificadas ou regis­
tradas como instituições financeiras, exerçam irregularmente ativi­
dades privativas destas.
Nesse sentido, o art. I2 da Lei n. 7.492/86, que estipula os cri­
mes contra o sistema financeiro, traz definição ainda mais abrangente
de instituição financeira, mas sempre levando em conta o critério das
atividades exercidas.
Nos termos da citada lei, são consideradas instituições financei­
ras pessoas jurídicas de direito público ou privado, que tenham como
atividade principal ou acessória a captação, intermediação ou aplica­
ção de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou es­
trangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, inter­
mediação ou administração de valores mobiliários. Ainda se equipa­
ram a instituição financeira, entidades ou pessoas que captem ou admi­
nistrem seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de
poupança ou recursos de terceiros, ainda que de forma eventual.
A mesma lei tipifica, ainda, como crime contra o sistema finan­
ceiro a operação, sem autorização própria, de instituição financeira
— levando-se em conta que serão consideradas instituições financei­
ras quaisquer sociedades ou indivíduos que exerçam suas atividades
privativas, ainda que não profissionalmente e mesmo que assim não
se intitulem.

própria ou de terceiros, de metais preciosos, no mercado físico e de quaisquer títulos


e valores mobiliários, no mercado financeiro e de capitais; operar em bolsas de mer­
cadorias e de futuros, bem como em mercados de balcão organizados, por conta
própria ou de terceiros; operar em todas as modalidades de concessão de crédito
para financiamento de capital fixo e de giro; participar do processo de emissão,
subscrição para revenda e distribuição de títulos e valores mobiliários; operar em
câmbio, mediante autorização específica do Banco Central do Brasil; coordenar pro­
cessos de reorganização e reestruturação de sociedades e conglomerados, financei­
ros ou não, mediante a prestação de serviços de consultoria, participação societária
e/ou concessão de financiamentos ou empréstimos; bem como realizar outras opera­
ções autorizadas pelo Banco Central do Brasil”.

9
■;v IC& fTr.. - ;

Apesar do rigorismo legal, Haroldo Verçosa5 ensina que se deve


usar de bom senso quando da caracterização de instituições financei­
ras, e que não se deve confundir atividade-meio com atividade-fim.
Continua o autor explicando que as instituições financeiras não de­
têm a exclusividade na realização de operações financeiras, e que há
uma diferença entre realizar tais operações e operar instituição finan­
ceira. É mister sempre levar em consideração que para a caracteriza­
ção da atividade é necessário que ela se dê de forma habitual, confor­
me já determinava o Código Comercial de 1850, para que não se faça
uma interpretação distorcida da lei.
i# Em termos práticos, fg atividade bancária em essência consiste\
fT m cãp tãr'^ uma determinada remuneração6 e repas- 'j
1 sar esses recursos a terceiros cobrando uma taxa mais alta que aquela
|_da captação-V^pesaf cle desenvolverem também atividades acessórias
ou subsidiárias, que não revestem o caráter de operações qualificati­
vas do tráfico bancário, os bancos têm por escopo, nas palavras de
Carvalho de Mendonça, a “intromissão entre os que têm e os que
precisam de capitais”7. No entanto, a caracterização legal da ativida­
de de Instituições Financeiras vai muito além desse conceito.
Também a melhor doutrina opta, na maior parte das vezes, por
conceituar as instituições financeiras a partir de suas atividades. As­
sim é que Leães define operações financeiras como
“os negócios de crédito, realizados por instituições cuja ativida­
de seja justamente a coleta, intermediação e aplicação de recur­
sos próprios e de terceiros”8.

’ O significado da expressão “operar instituição financeira” constante do art. 16 da


Lei “dos Crimes do Colarinho Branco”, RDM , v. 115, p. 142-170.
6 Note-se que no caso do depósito à vista não há pagamento de remuneração ao
depositante por parte da instituição financeira. Há, na verdade, uma prestação de
serviço por parte da instituição financeira ao seu cliente, que paga uma contraprestação
por tal serviço.
’ MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. op. cit., p. 242 e s.
8 LEÃES, Luís Gastão Paes de Barros. A operação de “factoring” como operação
mercantil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São
Paulo, v. 115, p. 239-254.

10
O autor ensina ainda que negócios jurídicos tipicamente civis,
como o mútuo, transmutam-se em operações financeiras quando
realizados por instituição cuia atividade compreenda o trinômio a
que se refere, ou seja, a boleta, intermediação e aplicacãojlc recur­
sos. Assim é que o negocio de crédito, quando relacionado com a
atividade financeira desenvolvida pela instituição bancária, passa,
de negócio civil ou empresarial, a financeiro, e, portanto, sujeito a
estatuto próprio9.
Ressalte-se que as demais instituições financeiras ou entidades
equiparadas que também encontram definição legal, como corretoras
e distribuidoras de valores mobiliários, caixas econômicas ou coope­
rativas de crédito, têm os seus conceitos baseados nas atividades
exercidas, seguindo, assim, o mesmo modelo de definição adotado
para os bancos.
Todavia, no que diz respeito à securitização, mais importante
do que a definição de instituição financeira em si é a delimitação do
conjunto de normas e organizações em que tais instituições estão
inseridas. É a partir desse conjunto chamado de sistema financeiro
que se poderá definir e posicionar a securitização no mercado finan­
ceiro brasileiro.

1.2. Estrutura e funções do Sistema Financeiro


A estrutura do sistema financeiro brasileiro comporta ativida­
des tão diversas que a simples definição de instituição financeira não
é suficiente para delimitar os seus contornos. Dentre as instituições
que se podem considerar inseridas no sistema financeiro, encontram-

9De acordo com Peter Rose (Commercial bank management. 3. ed. Chicago: Irwin,
1996. p. 4), o problema em se definir um banco a partir de suas funções é o de que
não somente as funções exercidas pelos bancos estão mudando, como as funções de
entidades concorrentes dos bancos também estão. Assim, de acordo com o autor, a
abordagem mais apropriada atualmente seria em termos de distinguir os bancos atra
vés dos serviços que oferecem ao público. Nesse sentido “Banks are those finam in!
institutions that offer the widest range o f financial services — specially credit, saving v.
and paym ent services — and perform the widest range o f financial functions i f an\
business firm s in the economy”.
se órgãos reguladores e os mais variados tipos de instituições que, de
alguma forma, lidam com captação e investimento de recursos ou
com a intermediação de operações financeiras.
Uma análise institucional do sistema financeiro brasileiro mos­
tra a existência de quatro subsistemas, organizados de acordo com o
órgão regulador de cada um deles. No topo hierárquico do sistema
encontra-se o Conselho Monetário Nacional ao qual estão subordi­
nados os demais órgãos reguladores e de fiscalização, bem como to­
das as instituições participantes.
O primeiro subsistema tem o Banco Central do Brasil como
órgão regulador primordial. Sob sua fiscalização estão todas as insti­
tuições bancárias, caixas econômicas, cooperativas de crédito, socie­
dades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédi­
to imobiliário, companhias hipotecárias, associações de poupança e
empréstimo, agências de fomento, sociedades de arrendamento mer­
cantil, sociedades corretoras de câmbio, sociedades de crédito ao
microempreendedor e representações de instituições financeiras es­
trangeiras, além de outras sob as quais tem jurisdição concorrente
com a Comissão de Valores Mobiliários. Ademais, o Banco Central
do Brasil tem a função de editar os normativos emanados do Conse­
lho Monetário Nacional.
Enquanto ao Banco Central subordinam-se as instituições do
mercado financeiro propriamente dito, à Comissão de Valores Mobi­
liários estão sujeitas aquelas integrantes do sistema brasileiro de dis­
tribuição de títulos e valores mobiliários. Assim, fazem parte do se­
gundo subsistema os bancos de investimento, os fundos e clubes de
investimento, as sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e
valores mobiliários, os agentes autônomos de investimentos, as bol­
sas de mercadorias e de futuros e as bolsas de valores. Note-se que,
embora em menor grau, também as instituições aqui citadas estão
sujeitas à regulação emanada pelo Banco Central do Brasil.
Há também dois subsistemas menores, regulados pela Superin­
tendência de Seguros Privados — SUSEP e Secretaria de Previdên­
cia Complementar — SPC respectivamente, que englobam as entida­
des abertas de previdência complementar, as sociedades seguradoras
e as sociedades de capitalização, o primeiro, e as entidades fechadas
de previdência complementar, o segundo.

12
Tendo como parâmetro essa análise institucional, é difícil msc
iir a securitização — ou as companhias securitizadoras — em um
dos subsistemas apresentados. Apesar de ser uma operação típica do
mercado de capitais, conforme se verá adiante, ela está intimamente
ligada ao sistema financeiro propriamente dito. Por outro lado, nem
iodas as companhias securitizadoras estão sujeitas à fiscalização do
Banco Central, pois são constituídas sob a forma de sociedades não
financeiras, ou mesmo da Comissão de Valores Mobiliários — CVM,
se a emissão de títulos e valores mobiliários se der privadamente.
Todavia, colocar a securitização fora, como algo paralelo ao sistema
financeiro, seria negar suas funções econômicas, ligadas primordial­
mente ificliptaçiodeTecursos^ò
Não obstante, uma análise diferente do Sistema Financeiro Na­
cional pode mostrar que a securitização está, sim, inserida em sua
estrutura. O sistema financeiro também pode ser analisado sob uma
perspectiva funcional em vez de institucional, como qualquer outra
atividade econômica e, sob essa ótica, pode-se perceber claramente a
inserção da securitização em sua estrutura.
N esse sentido, podem-se identificar seis funções básicas
exercidas pelo sistema financeiro, adiante comentadas10.
a) A primeira dessas funções é prover o mercado de sistema de
pagamentos para a negociação de bens e serviços. Pode-se definir
sistema de pagamentos como um conjunto de procedimentos e ins­
trumentos integrados que permitem a movimentação financeira na
economia, tanto em moeda local quanto estrangeira. A função bási­
ca de um sistema de pagamentos é permitir a transferência de recur­
sos, o processamento e a liquidação de pagamentos. Para alcançar a
exata dimensão da importância dessa função, basta imaginar o nú­
mero de operações em que o devedor paga seu débito ao credor
diretamente, em dinheiro e à vista, em contraste com as vezes em
que operações são liquidadas de qualquer outra forma, como por
meio de cheques, cartões de crédito, boletos bancários ou outros

'"MASON, Scott et al. Cases in financial engineering: applied studies of financial


innovation. New Jersey: Prentice Hall, 1995. p. 10 e s.
documentos de arrecadação". Em todas essas ocasiões, ou seja, a
imensa maioria, há a utilização de serviços bancários ligados ao
sistema de pagamentos*12.
b) A segunda função é tornar disponíveis mecanismos aptos a
mobilizar fundos para assumir empreitadas de larga escala. Na eco­
nomia moderna, os investimentos mínimos exigidos para constituir
e manter empreendimentos e sociedades estão bem além da capaci­
dade de indivíduos e, muitas vezes, mesmo de grupos de pessoas. O
sistema financeiro proporciona diversos mecanismos, desde emprés­
timos tradicionais até o recurso ao mercado de capitais e mesmo à
securitização, para captar os fundos necessários às atividades em­
presariais.
c) A terceira função consiste em viabilizar a transferência de
recursos econômicos no tempo, entre regiões geográficas e atividades
econômicas distintas. Nesse sentido, o sistema financeiro promove a
alocação, circulação e multiplicação de recursos de modo a atender às
necessidades daqueles que recorrem aos seus mecanismos.
d) A quarta função do sistema financeiro diz respeito ao contro­
le e alocação de riscos. Um sistema financeiro bem desenvolvido
pode alocar os riscos inerentes às operações financeiras de modo a
diluí-los, ou mesmo concentrá-los em determinadas instituições que
estejam dispostas a se expor a esses riscos.

1' A confirmar a importância dessa função está o fato de que foi implantado, desde
22 de abril de 2002. o novo Sistema Brasileiro de Pagamentos que visa, basicamen­
te, oferecer maior segurança às movimentações financeiras, ao mesmo tempo facili­
tando o controle dessas movimentações pelo Banco Central do Brasil.
12 Neste sentido, cf. DE CHIARA, JoséTadeu. Moeda e ordem jurídica. 1986. Tese
(Doutorado) — Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.
p. 80 e s. O autor afirma que “a conceituação da moeda como unidade ideal estabe­
lecida no ordenamento jurídico está baseada entre outros no fato de que a moeda
fisicamente considerada tem atualmente uma participação extremamente reduzida
no conjunto dos pagamentos. A liquidação das obrigações de pagamento em dinhei­
ro em sua grande maioria se efetiva mediante transferência de créditos junto ao
sistema bancário, pela utilização dos mecanismos dos cheques, ordens de pagamen­
to, documentos de crédito, além de outros papéis que transitam pelo sistema de
compensação”.

14
e) A quinta função do sistema financeiro refere-se ao forneci­
mento de informações sobre preços e outros subsídios úteis à tomada
de decisões descentralizadas de vários setores da economia. Essa fun­
ção é bem mais ligada ao mercado de capitais que ao mercado finan­
ceiro propriamente dito. Assim, os preços de valores mobiliários
emitidos por determinada companhia, bem como as taxas de juros
pagas por essa companhia, podem oferecer informações importantes
a respeito da sua situação econômica e financeira.
f) Por fim, a sexta função do sistema financeiro consiste em
equacionar problemas de assimetria de informações em operações
em que uma das partes possui mais informações ou mais condições
para conseguir tais informações que a outra.
Note-se que, devido a diferenças de tamanho, complexidade e
tecnologia disponível, assim como diversidades culturais, políticas e
históricas, a estrutura mais eficiente para compor e disciplinar o sis­
tema financeiro difere grandemente no tempo e no espaço. Assim,
mesmo quando as instituições são as mesmas, as atividades por elas
realizadas variam grandemente em função do tempo e do lugar onde
elas estão situadas11.
Por outro lado, as funções básicas acima descritas são as mes­
mas em qualquer economia. Tais funções são bem mais estáveis do
que as instituições que as exercem ou mesmo que a estrutura
institucional na qual estão inseridas. Por essa razão, uma análise fun­
cional do sistema financeiro pode ser considerada uma referência mais
estável que uma análise institucional ou estrutural, especialmente em
mercados em constante transformação.
Quando uma estrutura institucional encontra-se em transforma
ção, é difícil utilizar as próprias instituições para analisar o sistema
financeiro. Com efeito, com o atual cenário de mudanças nas ativida­
des e serviços oferecidos por instituições financeiras tradicionais e
de serviços, bem como novas tecnologias oferecidas, a análise funcio­
nal torna-se uma grande aliada no entendimento de tais mudanças*14.

‘’MASON, Scott et al. op. cít., p. 13.


14MASON, Scott et. al. op. cit., p. 13-14.

15
Pelas mesmas razões, a regulamentação das atividades finan­
ceiras também deve ser feita a partir de uma perspectiva funcional.
Uma legislação baseada em instituições muito provavelmente vai
mostrar-se menos eficiente e menos estável que aquela baseada num
sistema funcional. Esse tipo de regulação é baseado no que as insti­
tuições financeiras fazem, e não no que elas são. mostrando-se, as­
sim, mais estável15.
Dessa forma é que, se da perspectiva institucional é difícil en­
quadrar a securitização no sistema financeiro, da perspectiva funcio­
nal ela se encaixa perfeitamente, já que é apta a satisfazer pelo menos
três funções atribuídas ao mercado financeiro, quais sejam: a
mobilização de fundos, a transferência de recursos no tempo e no
espaço e o controle e alocação de riscos.
As operações de securitização se dão, assim, dentro do sistema
financeiro, e não paralelamente a ele, sendo, na verdade, uma evolu­
ção em sua estrutura, que visa torná-lo mais eficiente na captação de
recursos e dispersão de risco. A securitização inova, assim, em um
dos elementos caracterizadores da atividade financeira, pois, enquanto
a coleta e aplicação de recursos restam inalteradas, a intermediação
financeira ganha um novo sentido no mercado securitizado.

15A respeito da regulação institucional e funcional, cf. SCHOONER, Heidi Mandanis.


Functional regulation: the securitization of banking law. Social Science Research
Network. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm7abstract jd=283748>.

16
C apítulo 2

A INTERMEDIAÇÃO E A
DESINTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
2,1. A intermediação financeira
Atualmente há várias espécies de instituições que, de alguma
form a, praticam o que se pode chamar genericamente de intermediação
financeira. Apesar de terem naturezas essencialmente distintas, as
diversas maneiras de agir como intermediário no mercado financeiro
tê m alguns pontos em comum. D e acordo com Greenbaum e
Thankor16, todas essas instituições financeiras — e nesse conceito
estão incluídas atividades tão distintas como as de um banco comer­
cial e as de uma corretora de valores mobiliários — têm uma caracte­
rística em comum: todas elas, de alguma forma, processam risco e
informação a respeito de risco.
Como o nome sugere, intermediários financeiros são aquelas
instituições que se põem entre os fornecedores e os consumidores d e
capitais. Como qualquer outra atividade de intermediação, eles apro­
ximam, mesmo que indiretamente, as partes interessadas em deter­
minado negócio jurídico, ligado a um fluxo de recursos, e oferecem
serviços que podem ajudar a solucionar problemas relacionados à
falta ou precariedade de informações. Além disso, o fato de as insti­
tuições financeiras atuarem segundo regras muito rígidas e específi­
cas faz com que a maioria dos poupadores considere mais seguro
depositar nelas seus recursos e aí fazer seus investimentos, que os
emprestar diretamente a tomadores.

16 GREENBAUM, Stuart L.; THANKOR, Anjan V. C ontem porary fin a n c ia l


intermediation. Orlando: Dryden Press, 1995. p. 48.

17
■y\..A

j Na opinião de Heffernan17, a razão pela qual os agentes deficitá-


\ rios e superavitários não interagem diretamente diz respeito basica-
^ i mente ao elevado custo de informação e ao descasamento de interes-
* ses. Enquanto particulares incorreriam em custos demasiadamente
pitos para encontrar exatamente a contraparte para a operação que
pretendem contratar, e ao mesmo tempo se informar e se assegurar de
que essa contraparte honraria compromissos assumidos, a instituição
financeira realiza esse tipo de atividade profissionalmente e em gran­
de escala, o que reduz os seus custos.
[ Nesse aspecto, a intermediação financeira reúne, basicamente,!
dois elementos: o processamento de risco e informação e o esforço
r , para a aproximação de agentes econômicosriridepêhdMTémêhle dè
^ a x sp é d ^ T m stx tu íç ã o financeira lida com informação e com o
modo como essa informação pode ser utilizada para reduzir riscos no
mercado e aproximar partes complementares em um negócio.
Podem-se classificar as instituições financeiras de diversas for­
mas. Greenbaum e Thankor dividem as atividades de intermediação
financeira em dois tipos básicos, quais sejam: atividades de
intermediação propriamente dita e atividades de “transformação qua­
litativa de ativos”18. Ambas envolvem o processamento de risco e
informação, mas há diferenças na forma de oferecer tais serviços ao
público consumidor.
Não trata, essa distinção, de separar as instituições financeiras,
seguindo o modelo clássico, em bancos comerciais, bancos de inves­
timento, caixas econômicas, corretoras e demais instituições fiscali­
zadas pelas autoridades monetárias. Procura-se, sim, demonstrar como

17HEFFERNAN, Shelagh. M odem banking in theory and practice. New York: John
Wiley and Sons, 1998. p. 18. De acordo com esse autor, há quatro tipos de custo de
informação, quais sejam: custo de prospecção, pás to de verificação/custo de
monitoramentq?e custo relativo a aplicação de medidas coercitivas no caso de
inadimplemento contratual. Sustenta ainda o autor que a instituição financeira está
mais apta a arcar com esses custos que um indivíduo, ou mesmo sociedade não
financeira, isoladamente.
18Sobre este assunto, cf. GOODHART, C. A. Money, information and uncertainty.
2. ed. Londres: Macmillan, 1989. p. 104-121, onde o autor discorre sobre os papéis
desempenhados pela intermediação.

18
ts atividades típicas dessas instituições podem ser agrupadas ern dois
tipos básicos, mesmo exercidas por entidades que se enquadrem em
vários tipos jurídicos. É, assim, uma classificação eminentemente
funcional.

2.1.1. A tiv id a d e s d e i n t e r m e d i a ç ã o propriamente dita


De acordo com os autores citados19, praticam intermediação
financeira propriamente dita os corretores de títulos e valores mo­
biliários20.
A corretagem consiste em colocar em contato partes comple­
mentares em um negócio jurídico. O corretor é remunerado por esse
serviço, mas, na verdade, o que ele está vendendo é informação. Essa
informação pode ser sobre o negócio que se pretende realizar, a opor­
tunidade de realizá-lo ou ainda sobre a contraparte. Essa é a opinião
de Orlando Gomes21, quando ensina que o corretor aproxima pessoas
que desejam contratar, pondo-as em contato. Cumpre sua função acon­
selhando a conclusão do contrato, informando as condições do negó­
cio e procurando conciliar os interesses das pessoas que aproxima.
Conforme se apontou anteriormente, o custo de obtenção da in­
formação por parte do corretor é muito menor que o custo que um
comprador ou vendedor teria em obter a mesma informação, poden­
do este ser rateado entre seus clientes. Isso porque o corretor pode
usar a mesma informação indefinidas vezes, diluindo o custo entre os
diversos clientes que sejam beneficiados com a informação.

''GREENBAUM, Stuart L.; THANKOR, Anjan V. op. cit.


-"No Brasil, a atividade dos corretores foi regulada no Código Comercial, nos aris.
36 a 67, no título dedicado aos Agentes Auxiliares do Comércio. O contrato dc
corretagem, porém, não mereceu disciplinamento no Código Comercial nem no
Código Civil de 1916, sendo essa carência corrigida pelo novo Código Civil, que
trata do assunto em seus arts. 722 a 729. De acordo com o novo Código Civil, "pelo
contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de
prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter
para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas” (art. 722).
:l GOMES, Orlando. Contratos. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 380.

19
Ainda de acordo com Orlando Gomes” , a relação jurídica entre
o corretor e seus clientes não surge unicamente do negócio contratual
de mediação, pois direitos e obrigações nascem também do simples
fato de o intermediário haver concorrido de modo eficaz para a apro­
ximação das partes do negócio principal. Haveria uma relação jurídi­
ca, independentemente de declaração formal de vontade, emitida para
a formação do contrato de corretagem. Interpreta-se a atividade do
corretor como se ele houvesse sido contratado para exercê-la, pois a
corretagem é atividade que pode ser desempenhada ocasionalmente,
não exigindo prática habitual.
Como se verá em detalhe adiante, essa espécie de intermediação
financeira representada pela corretagem é comum no mercado de
capitais, pois, nesse caso, o intermediário não é parte do negócio,
mas apenas interveniente. No Brasil, a participação do corretor é
íexigida por lei, quando a compra e venda de títulos ou valores mobi-
jliários se dá por intermédio de oferta pública, seja ela operada no
(mercado primário, seja no secundário. A operação realizada sem a
intermediação de corretor será nula, por carecer de elemento essen­
cial de sua forma2223. De acordo com Ascarelli24, a participação de cor­
retores em operações de mercado de capitais é uma exigência de tute­
la do Poder Público, não um privilégio estabelecido em interesse dos
corretores.
Para os fins da classificação adotada pelos autores citados, as
atividades de corretagem teriam um sentido mais amplo, envolven­
do, também, o financiamento bancário. Nesse caso, o intermediário
financeiro indiretamente aproxima as contrapartes, já que o cliente
que deposita seus recursos no banco não sabe que fim será dado a
esses pela instituição. Assim, quando alguém deposita dinheiro em
um banco, pode estar, sem saber, emprestando recursos para outra
pessoa, já que o banco utiliza os recursos depositados em operações

22GOMES, Orlando, op. cit., p. 308.


I” N esse sentido, cf. VIEIRA, Antônio Cláudio de Lima. A intermediação no merca-
jdo de capitais. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
ISão Paulo, n. 2, Nova Série, p. 107-110, 1973.
24ASCARELLI, Tullio. Ensaios e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1952. p. 125-126.

20
d e crédito e financiamento. Numa interpretação mais ampla, o banco
e sta ria aproximando agentes deficitários e superavitários, mesmo sem
o conhecimento das partes envolvidas.
É claro que esse tipo de intermediação não poderia ser encaixa­
d o n o conceito jurídico de corretagem apresentado anteriormente,
pois o banco efetivamente é parte nos dois negócios jurídicos envol­
v id o s, e não apenas interveniente. Esse fato é incompatível com a
natureza da corretagem em nosso direito, pois sua essência é o fato
d e o corretor aproximar as partes sem, no entanto, participar do con­
trato principal. Apesar disso, para fins da classificação aqui adotada,
poder-se-ia considerar a atividade do banco como intermediação pro­
priamente dita, pois estaria exercendo essa função econômica25.
Assim, podem-se agrupar, numa mesma categoria de serviços,
aqueles prestados por um banco de depósitos e por uma corretora de
v alores mobiliários, pois ambos realizam operações de intermediação,
no sentido aqui explicitado.

2.1.2. Transformação qualitativa de ativos


G re e n b a u m e Thankor26 chamam de transformação qualitativa
d e a tiv o s a possibilidade de modificação das características de bens,
d ire ito s e o b rig a ç õ e s . Dentre as características que podem ser modi­
ficad as, os a u to re s c ita m o termo, a divisibilidade, a liquidez, o risco
de c ré d ito e a té m e s m o a moeda na qual são expressos. Em outras
p a la v ra s, a tra n s fo rm a ç ã o qualitativa de ativos consiste em agrupar,
d e s m e m b ra r o u a c re s c e n ta r acessórios a ativos de modo que atinjam
c e rta s c a ra c te rís tic a s , que são diversas das que originariamente apre­
sen tav am .
U m e x e m p lo simples desse tipo de atividade é o agrupamento
d e v á rio s a tiv o s e m uma c a rte ira de modo a garantir que eles atinjam,

“ Note-se que a atuação de corretores de valores mobiliários em nome próprio, nas


chamadas negociações de carteira própria, não vai de encontro à distinção apresen­
tada, já que o que se mostra não é uma distinção entre diversos tipos de instituição
financeira, e sim uma classificação de atividades.
6GREENBAUM, Stuart L.; THANKOR, Anjan V. op. cit., p. 53.

21
em conjunto, determinada rentabilidade que não atingiriam isolada­
mente. Assim, a instituição adquiriria os ativos e os agruparia, trans­
formando qualitativamente suas características originárias. Isso ocorre,
por exemplo, quando da constituição de um fundo de investimento:
vários títulos, com características individuais, são agrupados e pas­
sam a ser considerados como uma universalidade, cada um contribu­
indo com algum elemento para a formação de um caráter único. Ou­
tro exemplo poderia ser a mera prestação de uma fiança bancária ou
um seguro. Essa simples aposição de garantia modificaria o risco de
crédito do ativo, transformando-o qualitativamente.
Assim como nos exemplos acima, a transformação qualitativa
se dá por intermédio de operações típicas do mercado financeiro, pois
torna-se mais fácil esse tipo de atividade quando os ativos transfor­
mados pertencem à instituição, e, como se verá adiante, é no merca­
do financeiro que as instituições participam ativa ou passivamente
das operações.
Não obstante, entidades não financeiras que estejam autoriza­
das a operar na administração de carteiras também realizariam trans­
formação qualitativa de ativos, quando do exercício dessa atividade.
Novamente, pode-se comprovar que a distinção das instituições fi­
nanceiras fica cada vez menos marcante, e suas atividades estão cada
vez mais próximas.
Na verdade, a importância prática dessa diferenciação é mostrar
como atividades tão distintas quanto corretagem e captação de depó­
sitos à vista podem estar, de alguma forma, agrupadas num mesmo
conceito jurídico, qual seja, intermediação financeira. E, ainda, mos­
trar como a intermediação financeira, atividade essencial de institui­
ção financeira, pode assumir papéis tão diferentes na relação dessas
instituições com seus clientes.
Nas operações de securitização, há confluência das duas espé­
cies de atividade apresentadas, o que, na maioria das vezes, faz com
que seja necessária a participação de mais de uma instituição no pro­
cesso de estruturação das operações, ou, pelo menos, de uma institui­
ção que exerça ambos os tipos de atividade.
No decorrer de uma operação de securitização, pode-se visualizar
facilmente a intermediação propriamente dita no momento da distri-

22
buição e subscrição dos títulos emitidos com lastro nos ativos segre­
gados. Porém, é na transformação qualitativa de ativos que a
securitização tem seu diferencial com relação a outras estruturas tra­
dicionais do mercado financeiro. Além do agrupamento de ativos para
que a emissão tenha determinadas características, é através da
securitização que ativos ilíquidos são “transformados” em instrumen­
tos líquidos, aptos a circular.

2 .2 . Mercado financeiro e mercado de capitais


A diferença entre os mercados financeiro e de capitais reside na
forma como os recursos financeiros transitam entre aqueles que bus­
cam formas de aplicar sua renda não consumida e aqueles que procu­
ram financiamento para seus projetos e negócios. Assim, investimen­
to e poupança constituem o cerne dessa distinção, por meio da qual
se procuram identificar mecanismos que possibilitem o aproveita­
mento dos fluxos de poupança e investimentos da forma mais efi­
ciente possível27.
De acordo com Andréa Andrezzo e Iran Lima,

“o mercado financeiro é composto por um conjunto de institui­


ções e instrumentos financeiros destinados a possibilitar a trans­
ferência de recursos dos ofertadores para os tomadores, criando
condições de liquidez do mercado”28.

Ainda de acordo com os autores, o mercado financeiro é o lugar


onde o dinheiro é gerido, intermediado, oferecido e procurado, por
meio de canais de comunicação que se entrelaçam na formação de
sistemas.
No que diz respeito aos prazos das operações, o mercado finan­
ceiro pode ser dividido em mercado de crédito, composto basicamen­
te de instrumentos e instituições que viabilizam operações de curto e
médio prazos, ou ainda de prazo indeterminado, como os depósitos à

27Sobre o assunto, cf. ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. M er­
cado financeiro: aspectos históricos e conceituais. São Paulo: Pioneira. 1999.
28ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA Iran Siqueira, op. cit., p. 3.

23
vista; e mercado de capitais, que, em contrapartida, destinar-se-ia ao
financiamento de operações de prazo mais alongado. Há ainda o que
se chama de mercado monetário, que trata de operações de curtíssimo
prazo, como as interbancárias e de overnight.
Neste trabalho, porém, essa distinção entre mercado financeiro
e de capitais não é utilizada. Aqui, o parâmetro para diferenciação
dentro do mercado financeiro em sentido amplo, entre mercado fi­
nanceiro em sentido estrito, ou simplesmente mercado financeiro, e
mercado de capitais não é o prazo das operações, mas sim a utiliza­
ção ou não da intermediação bancária tradicional para a obtenção e
aplicação de recursos.

2.2.1. Mercado financeiro


A distinção entre o financiamento via mercado financeiro e de
capitais é apresentada de maneira bastante clara por Roberto Quiroga
M osqueira. Para o autor, o mercado financeiro é aquele da
intermediação bancária ou intermediação financeira. Caracteriza-se,
assim, pela interposição de uma instituição financeira entre aqueles
que têm recursos disponíveis e aqueles que necessitam de fundos.
Nesse caso,

“a instituição financeira aparece como captadora de dinheiro


junto ao público, para posterior cessão desses valores àqueles
que necessitam de financiamento. Daí por que tal mercado tam­
bém é denominado ‘mercado de crédito”’29.

A intermediação financeira tem um elemento que, no caso de


operações de mercado de capitais, não assume os mesmos contor­
nos. Aqui, a instituição atua como parte nas operações que
intermedia. Quando ela capta os recursos, e aparece no lado passi­
vo da relação comercial, é, de certa forma, devedora daquele que
deposita seus recursos. Por outro lado, quando dá crédito, o banco
está no pólo ativo da relação, e é credor dos recursos emprestados.

29MOSQUEIRA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais.


São Paulo: Dialética, 1999. p. 20 e s.

24
Bmbora o escopo seja a transferência de recursos entre os agentes
superavitários e os deficitários do mercado, há dois negócios jurídi­
cos distintos, sendo que a instituição financeira participa de ambos
cm posições diferentes.
Uma das funções essenciais de um banco é a de transferir o
saldo financeiro daqueles agentes que apresentam excesso de pou­
pança àqueles que precisam de fundos para financiar seus empreen­
dimentos. Os negócios jurídicos básicos para a realização dessa fun­
ção são os contratos de depósito e de mútuo. No depósito, a institui­
ção recebe dos depositantes os recursos necessários para o financia­
mento daqueles que com a instituição irão celebrar o contrato de
mútuo.
No contrato de depósito, a instituição financeira está no pólo
passivo da relação, ou seja, ela é a depositária dos recursos a ela
confiados pelo depositante, que poderão ser reclamados a qualquer
tempo por este, aos quais são somados eventuais frutos que tenham
rendido, ou subtraídos os encargos cobrados por serviços prestados.
Na maioria das vezes, os depósitos feitos em instituições financeiras
são de coisas fungíveis — especialmente dinheiro — e, nesse caso, o
contrato de depósito é disciplinado pelas mesmas regras relativas ao
contrato de mútuo, conforme dispõe o art. 645 do Código Civil.
De acordo com o artigo 586 do Código Civil, “o mútuo é o
empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao
mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade
e quantidade”.
Ainda de acordo com a lei substantiva civil, em seu art. 587, o
mútuo transfere o domínio da coisa emprestada, e, por isso mesmo, o
banco pode dispor dos recursos depositados em outras operações.
No caso do mútuo propriamente dito, a instituição financeira
está no pólo ativo da relação, ou seja, ela empresta recursos para seus
clientes que se comprometem a devolvê-los acrescidos dos encargos
combinados.
Apesar de exercer outras funções, especialmente a prestação de
serviços menos típicos de sua atividade tradicional, o banco comer­
cial tem, na intermediação de recursos, sua função precípua. Os de­
mais serviços são chamados de atividades acessórias por Nelson

25
Abrão30, e, ainda de acordo com o autor, sempre objetivam a viabili­
zação da operação principal, e, como tal, estão conectadas a ela. Não
obstante, a gama de serviços considerados acessórios vem crescendo
de forma diretamente proporcional ao crescimento da desintermedia-
ção financeira. Esse crescimento diz respeito não somente ao número
de operações realizadas, mas também à representatividade dessas ati­
vidades nas receitas dos bancos.
Nesse sentido, os mercados financeiro e de capitais, que ante­
riormente tinham limites e contornos bem definidos, têm-se mistura­
do e se tomado cada vez mais interpenetrados.

2.2.2. Mercado de capitais


O mercado de capitais, também chamado de mercado de valo­
res mobiliários, é essencialmente caracterizado pela desintermediação.
De acordo com Roberto Quiroga Mosqueira, no mercado de capitais,

| “a entidade financeira não se interpõe entre o indivíduo que dis-


| põe de poupança e aquele que está necessitando dela: o trânsito
_ j de recursos financeiros do detentor de poupança para o necessi-
^ tado de financiamento se dá diretamente. A instituição financei­
ra insere-se na operação apenas como interveniente obrigatória,
atuando como instrumento para viabilizar a realização das ope­
rações realizadas no âmbito do mercado de capitais”31.
Diferentemente do que ocorre no mercado financeiro, os recur­
sos saem diretamente das reservas do poupador, para suprir as neces­
sidades dos tomadores de recursos. O intermediário age, no mercado
de capitais, de forma bem diferente do que no mercado financeiro.
Enquanto no mercado financeiro ele é parte de dois negócios jurídi­
cos, no pólo ativo e passivo, alternadamente, no mercado de capitais
ele não é parte nas operações.
De fato, nas operações típicas de mercado de capitais, a única
relação que o intermediário financeiro terá com o tomador de recur-

30ABRÃO, Nelson. Curso de direito bancário. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 6.


31 MOSQUEIRA, Roberto Quiroga. op. cit., p. 22-23.

26
sos será formalizada por um contrato de corretagem ou outra presta­
ção de serviços correlata. Ele não faz parte do negócio jurídico prin­
cipal, que poderia ser, por exemplo, um empréstimo via emissão de
debêntures.
Em tese, num mercado eficiente32, não haveria necessidade da
presença de um intermediário financeiro nas operações de captação
de fundos via mercado de capitais. Entretanto, a Lei n. 6.385/76 esta­
belece que é obrigatória a presença de um agente financeiro nas ope­
rações que envolvam distribuição pública de valores mobiliários. Da
mesma forma, as informações incompletas ou incompreensíveis aos
leigos fazem com que a presença de um intermediário, mais que uma
exigência legal, seja uma necessidade.
É assim que no mercado de capitais, mesmo em se tratando de
um canal direto de financiamento, há necessidade de um intermediá­
rio — ainda que com função diversa daquela exercida pelo banco,
que deverá promover, colocar e por vezes subscrever os valores mo­
biliários emitidos.
Sua função está mais ligada a aspectos formais da relação en­
tre investidores e poupadores, bem como aos procedimentos junto
às bolsas de valores e mercado de balcão organizado, e ao supri­
mento de deficiências de informação33. A instituição financeira, nesse12

12Segundo a teoria, o mercado eficiente é aquele no qual os preços de bens negocia­


dos refletem as expectativas de todos os participantes. Seus adeptos consideram
inútil procurar ações subavaliadas ou fazer previsões de movimentos de mercado.
Qualquer novo desenvolvimento se reflete sobre o preço das ações de uma compa­
nhia, tomando impossível vencer o mercado (DOWNES John; GOLDMAN Elliot.
Dicionário de te m ios financeiros e de investimento. São Paulo: Nobel-Bovespa, 1986.
p. 145). Ou ainda, de acordo com Aswath Damondaram (Avaliação de investimento:
ferramentas e técnicas para a determinação do valor de qualquer ativo. Rio de Janei­
ro: Qualitymark, 1999. p. 184), o mercado eficiente é aquele em que o preço de
mercado é uma estimativa não tendenciosa do valor real do investimento.
•” Praticam-se, no mercado de capitais, as chamadas “operações de bolsa”, expres­
são que, apesar de pouco usada nos dias de hoje, ainda pode definir as operações de
mercado de capitais. De acordo com J. X. Carvalho de Mendonça, as operações de
bolsa são “contratos concluídos, com a mediação de um corretor, no local e nas
horas da bolsa, tendo por objeto valores ou mercadorias nela admitidos à negocia-

27
caso, é mera interveniente, não assumindo, via de regra, risco de
crédito.
As operações do mercado de capitais normal mente se dão por
meio de contratos de compra e venda de títulos, que se distinguem da
compra e venda simples por conta das formas especiais de que se
revestem, pelas modalidades que apresentam, pelas reservas de direi­
tos por parte dos contratantes e por ser a especulação um elemento de
especial importância para o contrato. De acordo com Carvalho de
Mendonça, não obstante as suas formas e modalidades de fins pecu­
liares, são aplicáveis a essas operações as normas legais sobre com­
pra e venda mercantil compatíveis34.
O mercado de captais é subdividido em primário e secundário.
Tal subdivisão diz respeito exclusivamente à relação do emissor dos
títulos com o seu adquirente.
No mercado primário, aquele que necessita de recursos se colo­
ca diretamente em contato com o financiador, através da emissão de
títulos. É nessa fase, segundo Roberto Quiroga35, que ocorre o real
trânsito de recursos entre os agentes superavitários e os deficitários
do mercado. É nesse segmento que o mercado de capitais cumpre sua
função precípua de levar recursos àqueles que deles necessitam.
Já o mercado secundário constitui fase necessariamente poste­
rio r ao mercado primário. A partir do momento em que são adquiri­
d o s no mercado primário, os títulos se tomam, via de re g ra , livre­
mente negociáveis. A essa negociação posterior dá-se o nome d e
mercado secundário, cuja função é promover a circulação d e riq u e ­
z a s, mais que o financiamento de projetos.
Analisado em sua essência, o mercado de capitais tra z como
principal vantagem conceituai em relação ao mercado financeiro a

ção” (op. cit., p. 338). Ainda de acordo com o autor, no sentido legal, a definição
deve ser ampliada de modo a compreender os contratos que podem ser efetuados
fora de bolsa, mas que, devido a seu objeto, estão incluídos neste tipo de atividade.
34MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. op. cit., p. 339.
35 MOSQUEIRA, Roberto Quiroga. op. cit., p. 24.

28
mobilização cias riquezas. Isto é, a possibilidade que o mercado de
capitais tem de fazer circular a riqueza com maior eficiência.
Enquanto no mercado financeiro, geralmente, não há mercado
secundário para os recursos depositados36, no mercado de capitais, o
fato de a poupança se dar através de títulos ou valores mobiliários
traz urna vantagem importantíssima: essa poupança pode circular,
mudar de mãos, gerar mais riquezas.
A função precípua do mercado secundário é dar liquidez aos
títulos negociados no mercado de capitais. O investidor que comprar
um valor mobiliário no mercado primário pode a qualquer momento
transferi-lo. Quanto maior for a liquidez de um mercado, mais efi­
ciente ele será, e isso faz com que a existência de um mercado secun­
dário forte seja imprescindível para a captação das companhias por
intermédio desse mecanismo.

2.3. Os bancos e o mercado desintermediado


De acordo com Peter Rose37, os primeiros bancos tiveram ori­
gem na Grécia antiga. O autor afinna que, inicialmente, o sistema
bancário diferia do que hoje se conhece devido, basicamente, ao fato
de que os banqueiros utilizavam-se de seu próprio capital no exercí­
cio de suas atividades. Posteriormente, com a evolução do sistema,
surgiu a idéia de captar depósitos para desenvolver as atividades típi-
cas de banco, utilizando-se, assim, capital de terceiros.
Não obstante, o modelo do sistema bancário que se conhece nos
dias de hoje tem sua origem na Idade Média, e, apesar de ter tido
ciclo de evolução bastante longo — mais de quinhentos anos — , não
mudou muito em sua essência desde que foi implantado38.

36 Note-se que essa afirmação é correta em tese: a cada dia. novas técnicas de
securitização possibilitam a circulação de recursos depositados no mercado finan­
ceiro. Mesmo assim, deve-se observar que há uma utilização secundária do mercado
de capitais. É o que ocorre, por exemplo, com a securitização de créditos bancários.
37ROSE, Peter. op. cit., p. 6-7.
38BRYAN, Lowell. The risks, potential, and promise of securitization. In: KENDALL,
Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). A prim er on securitization. Cambridge:
MIT Press, 1996. p. 171.

29
Segundo Nelson Abrão39, a atividade bancária iniciou-se ainda
nos tempos da Antiguidade, floresceu na Idade Média, com evolução
da mera troca de moedas para a atividade creditícia propriamente
dita. A evolução da economia nas Idades Moderna e Contemporânea
exigiu que os bancos se tornassem mais sofisticados e praticassem
operações diversas com o intuito de impulsionar e possibilitar o de­
senvolvimento dos mercados. Porém, sua função primordial já estava
definida desde seu surgimento! captar recursos e repassá-los, absor­
vendo os riscos das operações.»
De acordo com Carvalho de Mendonça40, os bancos represen­
tam, na sociedade contemporânea, o mais poderoso elemento do cré­
dito, para onde afluem ofertas e procuras de capital, em razão das
relações e dos meios que dispõem e de sua reconhecida capacidade e
solvência. Continua o autor afirmando que, sob o ponto de vista eco­
nômico, são verdadeiros intermediários do crédito, recebendo, em
seu nome e por conta própria, e como devedores diretos, capitais de
uns, para, ainda em seu nome e por sua conta, e como credores dire­
tos, repassarem a outros. Observa-se a função intermediadora dos
bancos, tanto nas operações ativas — abertura de credito, concessão
de financiamentos, operações de câmbio — quanto nas passivas —
depósitos pecuniários, redescontos — realizadas por meio de atos
sucessivos, conexos entre si.
Esse sistema de intermediação, em que o intermediário finan­
ceiro mantém capital suficiente para absorver todos os riscos de suas
operações, tem-se tornado obsoleto se comparado às modernas téc­
nicas de engenharia financeira, nas quais os riscos envolvidos podem
ser dispersados. O processo que começou sendo chamado de
desintermediação, e hoje é conhecido como securitização em sentido
amplo, tem início, Tãzêndõcóm qüe os bancos, no exercício de suas
funções originais, percam ó monopólio e o controle da liquidez do
mercado41.

30ABRÃO, Nelson, op. cit., p. 7-10.


40MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. op. cit., p. 487 e s.
41 BRYAN, Lowell, op. cit., p. 172.

30
() fenômeno da desintermediação pode ser analisado como um
a s p e e fo isolado, e visto como o recurso cada vez mais freqüente ao
mercado de capitais, tanto por investidores quanto por poupadores.
Pode, também, ser agrupado com um conjunto de outras tendências,
que, na verdade, fazem parte de um mesmo fenômeno, o qual modi­
ficou e está ainda modificando o modelo de intermediação financeira
até hoje conhecido42.
Com efeito, nas últimas décadas, os bancos comerciais dos prin­
cipais países industrializados têm-se tomado bastante adaptáveis no
que diz respeito a suas áreas de atuação. Tais instituições têm mostrado
grande interesse num mercado que, tradicionalmente, estaria fora do
objeto central de seus negócios. Pode-se notar, de forma marcante, o
ingresso dos bancos no mercado de capitais. Isso tem tornado cada vez
menos clara a distinção tradicional da qual se tratará mais adiante, en­
tre financiamento direto e financiamento indireto de empresas e negó­
cios, ou seja, da diferença entre mercado financeiro e de capitais43.
O impacto do crescimento do mercado de capitais em relação aos
bancos pode ser analisado de duas formas: pode-se considerar que tal
fenômeno tem apenas a função de reduzir o financiamento tradicional
e, conseqiientemente, de enfraquecer o papel dos bancos; ou, por outro
lado, o financiamento de empresas por via de mercado de capitais pode
guardar em si um lugar importante para as instituições bancárias. A
questão reside em saber se a atividade bancária é dispensável ou com­
plementar, quando Há prevalênciadõTnêfcã3õ"i3êc^itãis.
Na primeira hipótese, ou seja, de os bancos serem dispensáveis
ao processo de securitização em sentido amplo, a entrada das institui­
ções bancárias no mercado de capitais seria uma resposta à tendência
de desintermediação diante de um quadro de diminuição progressiva
do financiamento tradicional, ou seja, seria mero reflexo da retração de
seu mercado tradicional, com migração para outro segmento.

12Nesse sentido, ensina BRYAN, Lowell, op. cit., p. 173: ‘T he whole bundle of
technology called banking is a very mature technology and is being displaced by a
different one based upon securities, which is still in a rapid growth phase”,
43LANDI, Andrea. FORESTIERI, Giancarlo; ONADO, Marco (Coord ), Banchtr c
mercati m obiliari: teoria ed esperienze europee. Milano: Egea. IW2. p 27.
Na segunda hipótese, a d iv e rs ific a ç ã o d a atividade bancária re­
fletiria mais a adaptação para o a te n d im e n to à e x ig ê n c ia das s o c ie d a ­
des de usufruir da m elhor maneira as á re a s de in te rc e s s ã o entre os
serviços de crédito e o m e rc a d o d e c a p ita is.
Na verdade, os bancos usaram, como tá tic a para evitar q u e a
evolução do mercado de capitais viesse a se r um fator de retração d o
seu mercado de atuação, máxima d a s a b e d o ria popular: se não pode
vencer o inimigo, junte-se a ele. Os g ra n d e s b a n c o s começaram a se
desenvolver na negociação de títulos no m e rc a d o de capitais, explo­
rando outro tipo de intermediação. Nessa o rd e m d e idéias, os bancos
múltiplos passam a ser a tendência do m e rc a d o a partir da década d e
80 do século passado.
Com efeito, na visão de Amoldo Wald44, a complexidade que o
mercado de crédito atingiu nos últimos anos fez com que se multipli­
cassem as fórmulas de financiamento, e isso modificou o papel dos
bancos no mercado financeiro. De meros prestamistas, os bancos
passaram a catalisadores de negócios.
Ainda de acordo com o mesmo autor, há, no Brasil, uma super­
posição e uma interpenetração entre mercados financeiro e de capi­
tais, não sendo possível, por razões históricas, a criação de um mer­
cado de capitais totalmente separado e simplesmente complementar
ao sistema bancário. Devem-se, apenas, delimitar as superposições e
determinar as funções de cada um deles.
Com efeito, essa interposição é facilmente percebida no Brasil,
especialmente no que diz respeito às condições operacionais dos ban­
cos, que combinam o crédito tradicional com a atividade de interme­
diação mobiliária.
De acordo com Susan Phillips45, a securitização representa, por
diversas razões, importante instrumento de desenvolvimento para os*43

44 WALD, Amoldo. O banco como catalizador de negócios. In: Estudos e pareceres


de direito comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 343 e s.
43PHILLIPS, Susan. The place of securitization in the financial system: implications
for banking and monetary policy. In: KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J.
(Coord.), op. cit., p. 129.

32
bancos, apesar de ser também um fenômeno que exigiu certas adap­
tações e modificações no papel desempenhado pelos intermediários
financeiros. Nesse sentido, a autora ensina que:
“Securitization represents an specially important deve­
lopment for banks. Since more assets can now be regularly traded
in convenient forms, the role of financial intermediaries has
changed. In short, the line between loans and securities has
blurred as more loans can be readily transformed into securities.
Banks have been key participants in this ongoing process, both
as suppliers of assets to be securitized and as holders of mortgage-
backed and asset-backed securities and derivatives on those
securities”46.
E complementa:
“So even though securitization has taken a lot of assets off
the balance sheets of banks, banks are still originating an
increasing portion of mortgage loans”47.
A autora finaliza informando que a securitização ainda trouxe
uma vantagem adicional aos bancos ao permitir que eles ajustem seus
balanços pela alocação de determinados ativos, tomando o seu patri­
mônio mais líquido48.
Em um mercado altamente securitizado, o serviço objeto da
negociação com a instituição não é mais o financiamento puro e sim­
ples, já que este será feito de forma difusa, mas a organização da
operação. Os bancos também têm função importante na estmturação

46“A securitização representa uma evolução especialmente importante para os ban­


cos. Uma vez que mais ativos podem ser negociados de forma adequada, o papel dos
intermediários mudou. Em síntese, a diferença entre empréstimo e títulos vem en­
fraquecendo já que mais e mais empréstimos podem ser facilmente transformados
em títulos. Os bancos têm sido participantes chave nesse processo em andamento,
tanto como fornecedores de ativos a serem securitizados quanto como investidores em
títulos lastreados em ativos imobiliários, ou em geral, e derivativos desses títulos.”
47“Assim, apesar de a securitização ter tirado muitos ativos dos balanços dos bancos,
eles ainda originam uma quantidade crescente de financiamentos imobiliários.”
48PHILLIPS, Susan. op. cit., p. 132.

33
de operações que transcendem meros empréstimos e envolvem me­
canismos sofisticados que visam, especialmente, redução do paga­
mento de impostos e estruturação societária adequada. Há uma
abrangência cada vez maior dos serviços ditos complementares à ati­
vidade bancária, e tais serviços representam urna parcela cada vez
mais significativa de suas receitas:
Dessa forma, não há que falar que as instituições bancárias per­
deram uma parte de seu mercado de financiamento. O que foi modi­
ficado com a evolução da securitização foi o papel desempenhado
por bancos nesse mercado: enquanto no financiamento tradicional o
banco age como intermediário em sentido estrito entre o agente defi­
citário e o superavitário, sendo, assim, o verdadeiro financiador da
operação, no financiamento por via de mercado de capitais, o banco
pode exercer diversas funções, tais como underwriter, avaliador, de­
positário, estruturador, dentre outras.

34
C apítulo 3
ANÁLISE CONCEITUAL DA
SECURITIZAÇÃO
Enquanto a securitização em sentido amplo abrange diversos ele­
mentos ligados à desintermediação financeira, a securitização em sen­
tido estrito é um dos instrumentos jurídicos dessa desintermediação.
A securitização é operação relativamente recente, e, por isso
mesmo, não conta com uma construção doutrinária jurídica sólida a
respeito de seus aspectos conceituais.
A utilização d a securitização tem-se tornado mais freqüente, mas
a in d a h á muitas dúvidas a respeito da identidade e alcance da opera­
ção. Para que se possa determinar esses elementos, é importante que
se discorra a respeito d e aspectos como a denominação, definição
técnica, origem e estrutura mais utilizada. É o q u e se passa a analisar.

3.1. Denominação
De acordo c o m F i d e l i s O d i t a h 49, a p a l a v r a s e c u r i t i z a ç ã o
(,s e c u r itis a tio n n o te x to o rig in a l e m in g lê s ) c a re c e d e s e n tid o té c n ic o ,
e pode ser e n te n d id a d e d iv e rsa s fo rm a s , se n d o s im p le s m e n te ja r g ã o
d e m e rc a d o fin a n c e iro in c o rp o ra d o ao s is te m a ju r íd ic o se m m a io re s
c u id a d o s . S e isso é v e rd a d e n o id io m a in g lê s , m u ito m a is se a p lic a no
c a s o d a lín g u a p o rtu g u e s a .
Isso p o rq u e a p a la v ra s e c u r itiz a tio n é u m n e o lo g is m o o riu n d o
d a p a la v ra s e c u r ity , c u ja tra d u ç ã o m a is a p ro x im a d a p a ra n o s s o id io ­
m a s e ria v a lo r m o b iliá rio . N o B ra s il, s im p le s m e n te tra n s p o rto u -s e o

49 ODITAH, Fidelis. Selected issues in securitization. In: The future fo r the global
securities market, legal and regulatory aspects. Oxford: Clarendon Press, 1996. p. 84.

35
termo norte-americano, sem qualquer cuidado em lhe imprimir senti­
do técnico, já que a palavra securitização, em português, não remete
nem foneticamente à operação que ela designa.
É interessante a origem quase acidental da palavra em seu ber­
ço, os Estados Unidos. De acordo com Lewis Ranieri50, o termo tem
sua primeira aparição em 1977, em uma coluna do Wall Street Journal.
Uma jornalista entrevistou o autor sobre a primeira operação do gê­
nero realizada no mercado imobiliário, indagando-lhe o nome que
ele dava àquele processo; por falta de um termo melhor, ele o cha­
mou de securitização. Antes de ser publicada a coluna, a jornalista
teve que confirmar o nome da operação com o autor, pois o editor do
jornal não o aceitou de pronto, alegando ter a jornalista usado de
inglês impróprio. O termo securitização foi então publicado, pela
primeira vez, com uma nota esclarecendo que se tratava de um termo
pinçado por Wall Street, não sendo, assim, uma palavra “de verdade”.
Depois disso, o termo, apesar de pouco técnico, foi adotado pelo
mercado e usado para designar a securitização em suas diversas
acepções.
Ao contrário do que ocorre n o Brasil, o termo “titularização”,
oriundo da denominação francesa “titr is a tio n ”, foi preferido pela
maioria dos autores portugueses. Nesse sentido, Armindo Matias5'
declara que o neologismo securitização é desenraizado e sem q u a l­
quer sugestão significativa.-O recurso à d e n o m in ã p õ T r â n c e s a quej
\ conduz ao vocábulotitularização é o que, segundo o citado a u to r,
mais se ajusta à realidade portuguesa, pois a operação pode ser vista!
; como uma verdadeira “titularização de créditos”52. | ™

50RANIERI, Lewis. The origins of securitization, sources of its growth, and its future
potential. In: KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.), op. cit., p. 30.
51 MATIAS, Armindo Saraiva. Titularização: um novo instrumento financeiro. R e­
vista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112,
p. 52, out./dez. 1998.
52 O termo titularização foi adotado em Portugal pelo Decreto-Lei n. 453, de 5 de
novembro de 1999, que regula as operações de securitização nesse país quanto à
cessão de créditos, constituição de veículos de securitização e emissão dos títulos na
operação. Antes da entrada em vigor desse diploma, não havia estrutura legal defini-

36
No Brasil, o termo norte-americano é utilizado irrestritamente
para designar os diversos contratos que compõem uma securitização,
apesar de sua impropriedade. Neste trabalho, optou-se por manter a
terminologia, por sua ampla disseminação e uso no mercado finan­
ceiro, e mesmo em leis e regulamentos.
Ainda de acordo com Oditah, a palavra securitização pode ser
entendida de três formas, motivo pelo qual se deve delinear exata­
mente o que se está querendo identificar. A securitização pode signi­
ficar si rnpiesiiipnte a-transformação de ativos ilíquidos em títulos
negoci áveisf pode também identificar operações de cessão de
recebíveis, quer siga a tal cessão, ou não, uma emissão de títulos; e
ainda como o processo de emissão de títulos de dívida (debêntures
ou commercial papers, por exemplo), quer tais papéis sejam, ou não,
iastreados era ativos subjacentes.
No presente trabalho, o termo securitização tem sido utilizado
em dois sentidos: o amplo e o estrito. No sentido amplo, a securitização

da para securitização como a adotada nos outros países em que ela é disciplinada.
Apenas reconhecia-se sua semelhança com a emissão de obrigações hipotecárias,
não havendo previsão de segregação do lastro da operação em veículo próprio, mas
apenas um privilégio dos credores dos títulos emitidos sobre os créditos afetados à
emissão. Atualmente, o Decreto-Lei 453/99 prevê a cessão de créditos de socieda­
des financeiras, e não financeiras, tanto a fundos de investimento quanto a compa­
nhias de propósito exclusivo. Note-se que esse diploma legal criou um regime de
exceção no que diz respeito à cessão de créditos no Direito Civil português: dispen­
sou a notificação do devedor quando o cedente se tratar de instituição financeira ou
assemelhada. Outra facilidade no que diz respeito à cessão dos créditos para a
securitização é o fato de poder ser feita por instrumento particular, mesmo quando
se tratar de créditos hipotecários. Os títulos emitidos na operação tanto podem ser
unidades de titularização, emitidas pelos fundos de titularização. quanto obrigações
titularizadas, emitidas pelas sociedades de titularização. É válido ressaltar que ambos
os veículos são considerados sociedades financeiras para efeitos de fiscalização. A
legislação portuguesa ainda impõe o registro das emissões no órgão regulador do mer­
cado de capitais (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários — CMVM), mesmo
quando sejam feitas em caráter privado. Uma diferença marcante do sistema portu­
guês em relação aos outros aqui analisados, inclusive ao brasileiro, é o fato de não ler
adotado o “limited recourse”, ou seja, os credores dos títulos emitidos pela socieda­
de de titularização podem vir a ser reembolsados com a utilização do patrimônio
geral da emissora, caso os créditos afetados à securitização não sejam suficientes.

37
é entendida como a substituição das formas tradicionais de financia­
mento bancário pelo financiamento através do mercado de capitais.
Designa-se com ele a desintermediação financeira.
Em sentido estrito, a securitização é uma operação complexa,
que envolve alguma forma de segregação de património, quer pela
cessão a uma pessoa jurídica distinta, quer pela segregação interna, e
uma emissão de títulos lastreada nesse patrimônio segregado. Assim,
envolve não um, mas os três significados apresentados por Oditah,
juntos numa mesma operação específica e diferente de cada uma de
suas partes em separado.
Essa classificação tem o objetivo de distinguir o fenômeno da
desintermediação financeira da operação propriamente dita, que é,
na verdade, um instrumento de desintermediação.

3.2. Definição
Do ponto de vista financeiro, a securitização em sentido estrito
é uma operação por meio da qual se mobilizam ativos — presentes
ou futuros — que, de outra maneira, não teriam a possibilidade de se
autofinanciar ou gerar renda presente. A possibilidade de se emitirem
títulos ou valores mobiliários a partir de uma operação de cessão
ordinária é uma forma de se mobilizarem créditos gerados nas mais
diversas operações, ainda que tais créditos só venham a ser realiza­
dos no futuro.
Com a securitização, o agente econômico que origina créditos
pode diluir os riscos de sua carteira de recebíveis, mesmo que ela
seja futura, e adiantar receitas a ela referentes ou financiar projetos,
pela emissão de títulos lastreados nessa carteira. Assim, a função eco­
nômica da securitização pode ser resumida em três aspectos; mobili­
zar riquezas.' dispersar riscos ,e dcsintgrmcdiar o processo de finan­
ciamento!!
Sob a ótica jurídica, a securitização pode ser definida como a
estrutura composta por um conjunto de negócios jurídicos — ou um
negócio jurídico indireto, como se verá adiante — que envolve a ces­
são e a segregação de ativos em uma sociedade, ou um fundo de
investimento, que emite títulos garantidos pelos ativos segregados.

38
Esses títulos são vendidos a investidores e os recursos coletados ser­
vem de contraprestação pela cessão de ativos.
De acordo com Armindo Matias, a

“noção genérica e ampla que nos fica da titularização é a de


uma emissão de títulos negociáveis tendo por base e substrato
fluxos de tesouraria gerados por activos específicos”53.

Dessa forma, e ainda segundo o citado autor, na operação de


securitização, ativos são autonomizados em relação ao patrimônio
do originador, pela transferência da titularidade de tais ativos, e, pos-
teriormente, pela emissão de títulos representativos desse universo.
Assim, pode-se definir securitização como um conjunto de con­
tratos que visa à emissão de títulos garantidos por um ativo específi­
co, segregado geralmente em veículo de propósito exclusivo do pa­
trimônio geral da sociedade beneficiária final dos recursos captados.

3.3. Histórico
A securitização tem origem recente, e, embora possa ter havido
operações com estruturas semelhantes anteriormente54, o nascimento
da operação de securitização tem sua base no mercado imobiliário
dos Estados Unidos dos anos 70 do século recém-findo. Naquela épo­
ca, a demanda por recursos para financiamento à habitação e a pouca
oferta de capitais fizeram com que o mercado encontrasse mecanis­
mos alternativos ao financiamento imobiliário tradicional.
O fomento do mercado secundário para títulos lastreados em
hipotecas estava a cargo de agências governamentais, que tinham o
escopo de aumentar a oferta de fundos para o financiamento da habi­
tação. Depois de um desenvolvimento extremamente bem-sucedido

51MATIAS, Armindo Saraiva, op. cit., p. 50.


54Há autores que se referem à década de 30 do século passado como tendo sido o
berço da securitização. A grande depressão americana teria obrigado o governo a
criar novas formas de financiamento para a habitação. Porém, foi apenas na década
de 70 que o mercado secundário para os títulos emitidos nesses processos floresceu
e tornou-se relevante.

39
— h o je o m e rc a d o d e fin a n c ia m e n to im o b iliá rio americano é quase
to ta lm e n te s e c u ritiz a d o — as a g ê n c ia s re s p o n s á v e is p o r esse fomen­
to foram privatizadas.
S e g u n d o L e la n d Brendsel55, trê s fa to re s p rin c ip a is im p u ls io n a ­
ra m o p ro g re s s o d a s e c u ritiz a ç ã o n o fin a n c ia m e n to im o b iliá rio d o s
E s ta d o s U n id o s: ( l 2) a s e c u ritiz a ç ã o a tra i c a p ita l p riv a d o p a ra e s s a
p a rc e la d o m e rc a d o q u e g e ra lm e n te é a te n d id a p e lo s e to r p ú b lic o ,
p o is a p re s e n ta fle x ib ilid a d e e m su a e s tru tu ra e c a ra c te rís tic a s p a ra
a te n d e r às n e c e s s id a d e s d o in v e stid o r; (2 a) a s e c u ritiz a ç ã o p ro m o v e a
c o m p e titiv id a d e e n tre a g e n te s d o m e rc a d o p a ra p re sta ç ã o d o s d iv e r­
so s s e rv iç o s c o rre la to s à o p e ra ç ã o , o q u e fa z c o m q u e se ja m r e d u z i­
d o s o s c u s to s d e c a p ta ç ã o ; e (32) a s e c u ritiz a ç ã o traz m a io r e s ta b ilid a ­
d e a o m e rc a d o d e f in a n c ia m e n to im o b iliá rio , p o is é u m s is te m a a p to
a g e re n c ia r m e lh o r o s ris c o s a e le in e re n te s.
A p ó s s u a b e m - s u c e d id a utilização no mercado imobiliário, o
m e c a n is m o c o m e ç o u a s e r utilizado em outros mercados, mostran­
d o - s e ig u a lm e n te eficiente. Nos Estados Unidos, os recebíveis de
a d m in is tr a d o r a s d e c a r tõ e s de crédito, por exemplo, sloTenTsua
m a io r ia , s e c ü r iíiz a d o s .
No Brasil, a securitização começou a ser usada em operações de
exportação no final da década de 80 do século XX, mas foi nos anos
9 0 que ela iniciou seu desenvolvimento, especialmente no financia­
mento de projetos imobiliários. Diferentemente do que aconteceu nos
Estados Unidos, a securitização foi introduzida entre nós por agentes
pri vados, e apesar de também ter como alvo o mercado imobiliário, o
fo c o foi diferente: o financiamento de projetos como escolas parti­
culares e centros comerciais foi a principal utilização inicial da ope­
ração. As emissões de títulos estavam lastreadas em créditos futuros,
e não em dívidas já existentes.
Apenas em 1997 o governo brasileiro resolveu se utilizar da
securitização para tentar mitigar o problema do déficit de recursos
p a r a o financiamento habitacional, com a promulgação da Lei n. 9.514,
q u e disciplina o Sistema Financeiro Imobiliário.

55 BRENDSEL, Leland. Securitization’s role in housing finance. In: KENDALL,


Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.), op. cit., p. 22.

40
Atualmente, além de movimentos de entidades privadas para o
desenvolvimento da securitização de base imobiliária no Brasil, é
cada vez maior a sua utilização com lastro em outros tipos de ativo,
como créditos financeiros ou comerciais.

3.4. 'Mecanismo
A p e s a r de ter surgido há poucas décadas, a securitização já é
utilizada em q u a s e todo o mundo. Na prática, a operação consiste em
que a sociedade que possui o ativo a ser securitizado - ..que se deno-
m in a |õ n g m ã d o t — transfere esse ativo a um veículo especificamente
criado p a ra essè fim, sem atividade operacional, que pode ser u m a
sociedade, u m fu n d o , um trust — denominado veículo de propósito
e x c lu siv o , ou VPE — , que, por sua vez, emitirá títulos lastreados nos
c ré d ito s re c e b id o s , captando, assim, recursos que serão repassados
a o o rig in a d o r, c o m o pagamento pela cessão dos créditos ou de outro
ativ o utilizado.
Em linhas gerais, esse tipo de operação consiste em que o
o r ig in a d o r segregue de seu patrimônio geral determinado ativo em
um VPE, por intermédio de uma cessão de crédito ou de contrato. A
partir do lastro representado pelo ativo cedido, o VPEjunitirá títulos
a serem adquiridos por investidores, que, assim, antecipam uma re­
ceita que só no futuro séria realizada peio originador,
O ativo pode ser um fluxo de recebimentos, um bem, ou um direi­
to de qualquer ordem, desde que possa ser cedido e gerar renda. Podem
ainda ser lastro de operações de securitização as receitas futuras j des­
de que determináveisÀO título a ele associado deve ser estruturado de
acordo com os objetivos de cada operação, sendo o instrumento utili­
zado para transferir o resultado financeiro originado pelo ativo aos
investidores. Geralmente, os títulos utilizados nas securitizações no
Brasil são as debêntures ou quotas de fundos de investimento.
De acordo com Kendall e Fishman56, a estrutura da securitização
P C o m -CÁQ r q j q '/A 'P<G i > fcV- > g,
56 KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). op. cit., p. 1. De acordo
com os autores, “securitization may be defined as a process qfpackaging individual
loans and other debt instruments, converting the package into security or securities,
and enhancing their credit status or rating to fu rth er their sale to third parties

(/■ ■ ' ■ f / Ç ' i ( ' t f ' . Ç d:


41
pode ser definida como um agrupamento de empréstimos individuais e
outros instrumentos de débito, seguido de sua conversão em valores
mobiliários e do melhoramento de sua classificação de risco, mediante
á prestação de garantias adicionais, ou posterior medição de seu risco
de crédito, para que possam assim alcançar um preço melhor junto a
investidores. Desse modo, ainda de acordo com o mesmo autor, essa
operação transforma os ativos iniciais, que são ilíquidos por natureza,
em instrumentos que podem ser vendidos a investidores, fazendo cir­
cular a riqueza que eles representam, multiplicando-a.
O gráfico abaixo mostra, de maneira esquemática, as fases e os
agentes que geralmente participam de uma operação de securitização.

Diferentemente das emissões tradicionais, a garantia primeira


dos investidores não recai sobre a totalidade do patrimônio do tomador
dos recursos, mas apenas sobre o grupo de ativos que deu origem à

42
e m issã o , Da mesma forma, o risco dos investidores restringe-se a
e sse ativo, em vez de englobar todo o negócio do originador» .........
Nessa ordem de idéias, a securitização é estruturada para se
autofmanciar e sustentar, não tendo o emitente outra obrigação para
com os proprietários dos títulos, senão o fluxo oriundo do grupo de
ativos segregados57.

57KENDALL, LeonT.; FISHMAN, Michael J. (Coord.), op. cit„ p. 2.


C a p ít u l o 4
S E C U R I T I Z A Ç Ã O E GLOBALIZAÇÃO

Nos anos 70 do século passado, quando teve início o processo


que hoje se chama globalização, os mercados locais ainda eram bas­
tante segregados, e engatinhavam rumo à integração para um merca­
do global. Nessa época, a primeira espécie de ativo a ser globalizada
foi o dinheiro — moedas estrangeiras. Depois, seguindo a mesma
tendência, nos anos 80, títulos de dívida, e, posteriormente, nos anos
90, títulos de capital.
A securitização tem estrita relação com a globalização. Por ela,
ativos originariamente sem liquidez podem ser alocados no mercado
de capitais, onde têm possibilidade de ser negociados, inclusive glo­
balmente. A integração dos mercados é, ao mesmo tempo, uma pre­
missa e uma conseqüência da securitização, já que desmobilizar ri­
quezas leva à sua circulação, e tal circulação pode alcançar mercados
além das fronteiras políticas dos países onde foram originadas58.
Especialmente em países de economias emergentes, o desen­
volvimento do mercado local é de suma importância para sua inser­
ção na economia globalizada. A atratividade de determinado merca­
do de capitais para outros países é decisiva para aumentar o nível da
captação interna, e está intimamente relacionada com a forma como
tal mercado está organizado e regulado intemamente.
De acordo com Simon Sackman e Margaret Coltman59, para que
um país possa atrair investimentos, seu sistema regulatório deve aten­
der a uma série de requisitos: adotar parâmetros de proteção aos in-38

38 N esse sentido, SACKMAN, Simon; COLTMAN, Margaret. Legal aspects of a


global securities market. In: The future..., p. 18-30.
59SACKMAN, Simon; COLTMAN, Margaret, op. cit., p. 19-20.

44
vestidores com relação a ofertas de valores mobiliários; tornar dispo­
nível aos agentes do mercado mecanismos eficientes para que as ope ­
rações se dêem tempestivamente; inibir a manipulação de informa­
ções e manter agências reguladoras transparentes, ágeis e confiáveis.
Nesse sentido, a regulação mostra-se como peça-chave no de­
senvolvimento do mercado de capitais, tanto interna como externa­
mente. No âmbito externo, é de suma importância a regulação das
relações do mercado interno com emissores e investidores de outras
jurisdições. Esse, com efeito, tem-se mostrado um dos principais
desafios enfrentados pelos sistemas regulatórios de todo o mundo.

\4J) Globalização e harmonização de sistemas regulatórios locais


A harmonização de sistemas regulatórios é um desafio que até
sistemas já em patamares mais sofisticados, como o dos Estados
Unidos e o do Reino Unido, têm de enfrentar para se adequar à nova
era de mercados globalizados. Essa questão é de suma importância,
pois a intransigência nesse aspecto pode inibir o desenvolvimento do
mercado local, assim como excluir os investidores domésticos de uma
série de negócios que poderiam realizar fora de suas fronteiras.
Nesse sentido, um dos principais problemas causados pela
globalização com relação aos vários mercados de capitais locais, em
operações que envolvem agentes sujeitos a diferentes regulamenta­
ções, refere-se ao conflito ou cumulatividade de legislações aplicá­
veis. Hans van Houtte escreveu um artigo específico sobre esse as­
sunto, tratando da legislação aplicável a emissões de ações que abran­
gem mais de uma jurisdição60.
Ensina Houttê que, no caso de conflito de leis, a emissão de
ações (ou qualquer outro título representativo de parte do capital de
uma sociedade anônima), bem como o processo de oferta de tais títu­
los para o público, deve ser regida pela lex societatis, ou seja, a lei a
que está sujeita a sociedade emissora. De acordo como o autor, a lex
i
societatis determinaria:

“ HOUTTE, Hans van. Law applicable to securities transactions: choice of law issues.
In: The future..., p. 69-82.
a) o regime de transferência das ações ou outros títulos nego­
ciados — se nominativas ou ao portador;
b) a moeda na qual o capital da companhia deve estar expresso;
c) a existência ou não de direito de preferência dos atuais acio­
nistas em relação a novos que ingressem na sociedade;
d) a possibilidade de desdobramento ou grupamento das ações
da companhia;
e) a possibilidade de venda das ações por preço inferior ao valor
de subscrição;
f) o momento da integralização das ações subscritas;
g) a possibilidade de as ações serem integralizadas em bens ou
direitos; e
h) a possibilidade de emissão de certificados representativos das
ações.
Ainda de acordo com Houtte61, a lex societatis, que disciplina a
emissão de ações, também deve reger as relações — direitos e obri­
gações — dos acionistas com relação à companhia emissora, tais
como:
a) limite de responsabilidade dos acionistas por dívidas da so­
ciedade;
b) política de remuneração do capital investido — dividendos
e/ou juros sobre o capital próprio;
c) direito de voto e restrições a esse direito;
d) proteção de acionistas minoritários; e
e) subscrição de novas ações.
Todavia, esse autor não considera a questão assim tão simples
quando, em vez de títulos de capital, os instrumentos negociados são
títulos de dívida, que não são representativos de parcelas do capital
social. A relação que as ações guardam com a sociedade não se co­
munica aos demais valores mobiliários que possam ser emitidos, como

61 HOUTTE, Hans van. op. cit., p. 70.

46
drl tontines ou notas promissórias. Nesse caso, era vez da lexsocietatis.
b princípio seria o da lei do contrato62. . '
Essa posição seria coerente com os preceitos da Convenção de
Roma realizada em 1980, encontro no qual se discutiu sobre a legis­
lação aplicável a obrigações contratuais. Nessa ocasião, ficou acorçN
dado entre os signatários que o contrato seria regido pela legislação a
que se sujeita a parte que estabelece as características do negócio.
Em se tratando da emissão de títulos por sociedades anônimas, essa
tarefa compete, normalmente, à companhia emissora.
A solução apresentada, no entanto, é bastante simplista, pois,
em se tratando de oferta pública de papéis em países diferentes da­
quele onde está situada a companhia emissora, novos problemas são
suscitados.
Podem ser aplicáveis, concomitantemente às leis do país onde
se localiza a companhia emissora, as leis do país onde se concentra­
ram os esforços de venda, do país onde foram adquiridos os títulos
ou valores mobiliários, dó páís em cuja bolsa de valores estejam co­
tados, ou ainda do país em que está sediado b agente de colocação.
Tantas possibilidades de aplicação de legislações distintas podem
causar incompatibilidade, conflito de legislação e até impossibilitar
uma emissão transnacional.
Parece lógico que uma companhia deva observar a legislação de
seu próprio país ao organizar qualquer distribuição de valores mobi­
liários. Porém, em alguns casos, deveria também observar a regulação
de outros países. Poder-se-ia argumentai’ que, se tais papéis serão
subscritos em diferentes países, a lei de tais países também seria apli­
cável, mas, mesmo nesse caso específico, sempre seria mais razoável
que a legislação aplicável fosse aquela do local da situação da socie­
dade emissora63.

“ “Shares are closely interwoven with the legal operation o f the company. The issue
of shares is, therefore, governed by the lex soeietatis. Other securities, such as bonds,
investment funds certificates, SICAVs, futures and options, do not have the same
links with the company’s law. As a general rule, they should be governed by the
contract law.”
" { HOUTTE, Hans van. op. cit., p. 76.

47
Há ainda a possibilidade de conflito entre a lei estrangeira e o
estatuto da companhia emissora, já que este foi elaborado em confor­
midade com a lei da sede da sociedade. Também aí a lógica seria
obedecer ao estatuto, sob pena de desrespeitar os direitos de todos os
sócios da companhia, bem como de credores e prestadores de servi­
ços locais6465.
A securitização necessita, para seu pleno desenvolvimento, de
regulação favorável à integração dos mercados de capitais dos diver­
sos países, de modo a desenvolver plenamente sua aptidão: fazer cir­
cular riquezas.

4.2. Espécies de sistemas regulatórios do mercado de capitais


A maioria dos países adota sistemas jurídicos nos quais as le­
gislações estrangeiras não são reconhecidas como aptas a substituir
ou complementar a interna, nem mesmo quando tal legislação é tão
ou mais severa que a nacional. É esse tipo de postura que, ainda hoje,
dificulta a integração dos mercados de capitais mundiais.
No que diz respeito ao grau de interação do sistema regulatório
do mercado de capitais de um país em relação aos outros, e ao grau
de aceitação da legislação estrangeira dentro da jurisdição de um sis­
tema local, podem-se classificar tais sistemas em três tipos, em or­
dem crescente.de harmonização com outros sistemas, quais sejam:
naciona), recíprocqje de deferência66)
A base do modelo nacional consiste na sujeição de qualquer
atividade conduzida dentro do mercado local — jurisdição do regu­
lador local — ou mesmo operações realizadas fora de tal jurisdição,
mas que tenham qualquer impacto direto no mercado interno, às re­
gras impostas pelo regulador local, mesmo que já sejam reguladas

j 64 Nesse contexto, a Instrução CVM n. 400/2003 permite o pedido de dispensa de


registro ou requisitos de registro de ofertas públicas de valores mobiliários, no caso
de a distribuição se realizar em mais de uma jurisdição, de forma a compatibilizar os
diferentes procedimentos envolvidos (art 4S, IV).
65GREENE, Edward F. et al. Concepts of regululion: the US model. In: The future...,
p. 157-178.

48
por outra jurisdição que se julgue competente da mesma forma. A
idéia subjacente a esse tipo de sistema regulatório é a de que os resi­
dentes de uma determinada jurisdição devem ser protegidos por seu
agente regulador, e qualquer ente estrangeiro que deseje participar
desse mercado deve-se submeter às suas regras.
Atualmente, o sistema nacional é a base da maioria dos siste­
mas regulatórios do mundo, inclusive do brasileiro. Tendo em vista o
crescente desenvolvimento de operações envolvendo mais de uma
jurisdição, alguns países que adotam o modelo nacional o mesclam
com o modelo recíproco.
De acordo com o sistema recíproco, duas ou mais jurisdições
podem concordar em, reciprocamente, aceitar os padrões de regulação
uma da outra, em substituição ou em complementação ao sistema
local, sempre que haja operações que, de uma forma ou de outra, se
sujeitariam aos dois sistemas.
Teoricamente, pode haver uma aceitação mútua de todos os pa­
drões de regulação aplicados por determinada jurisdição em outra,
mas, geralmente, isso acontece apenas com áreas específicas ou de­
terminadas cláusulas ou características contratuais, como, por exem­
plo, "padrões dc ílisclosiiiv. regulação de intermediários financeiros
ou adequação de capital.
O terceiro modelo de aceitação e reconhecimento da legislação
estrangeira é a deferência. No caso da reciprocidade a entidade regu­
ladora local renuncia a uma parcela de seu poder de controle, mas
apenas se idêntica medida for adotada pela entidade estrangeira. Há,
no entanto, casos em que o reconhecimento mútuo não é necessário.
Assim, um determinado sistema pode permitir a eleição ou deferên­
cia a outro sistema de função de regular um ou alguns negócios jurí­
dicos, mesmo que ocorram em sua jurisdição.
A deferência funcionaria, assim, como a eleição de foro compe­
tente ou legislação aplicável, que pode ser utilizado sempre que, numa
operação que envolve mais de um sistema, se reconheça como apro­
priado, e mais conveniente à operação, a utilização de um sistema
apenas, que poderia, inclusive, ser um terceiro, que não esteja direta­
mente incluído na operação regulada.

49
Tomando-se, por exemplo, jurisdições como a norte-americana,
pode-se identificar um caso de modelo nacional exacerbado: a regra
é que a lei norte-americana é aplicável mesmo em operações efetuadas
fora dos Estados Unidos, sempre que uma quantidade substancial de
informações tenha sido fornecida dentro do seu território66.
\ No caso do Brasil, a Lei de Introdução ao Código Civil adota a
■ jus loci contractus. Assim, para reger e qualificar obrigações, aplica-
se a lei do país onde se constituírem. A Lei de Introdução ainda deter­
mina que a obrigação oriunda de contrato reputa-se constituída no
local cm que resida o proponente.\Se aplicada ao pé da letra, essa
disposição implicaria que, numa emissão em que a companhia emis­
sora tivesse sua sede no exterior, mas que os títulos fossem distribuí­
dos globalmente, não se aplicaria a legislação brasileira, já que o
proponente está em outro país.
Porém, essa solução parece ser uma redução da realidade, vista
a complexidade das relações que envolvem ofertas públicas de valo-
rêsmõbllíáriosCp entendimento daComissão de Valores Mobiliários
tem sido o de considerar aplicável a legislação brasileira sempre que
"ha ãpéíò à poupança de brasileirosAA confirmar esse entendimento, a
1 CVM divulgou, em 18 de abril de 20007uma Informação para a im­
prensa na qual determina, em linhas gerais, que instituições financei­
ras estrangeiras, que não estejam devidamente autorizadas a funcio­
nar ho Brasil, não põdéiri oferecer a possibilidade de brasileiros com­
prarem e vendei em ações diretamente de bolsas de valores ou merca­
dos de balcão no exterior, em especial através de meios eletrônicos.
A CVM afirma que essas instituições não podem fazer captação de
recursos no Brasil, já que não fazem parte do sistema de distribuição
de títulos e valores mobiliários.
A questão da aplicação da lei de determinado país a obrigações
é um dos assuntos mais controversos em direito internacional priva­
do. Essa é a opinião de Amílcar de Castro, que ensina:

66Acerca da origem e desenvolvimento da legislação norte-americana sobre valores


mobiliários, Cf. LOSS, Louis. Securities regulation. Boston: Little, Brown and
Company, 1951.

50
“Tem sido penoso e interminável o problema da prevalência
desta ou daquela circunstância de conexão em matéria de obri­
gações; até agora doutrinariamente insolúvel, e positivamente
mal resolvida pela legislação e pela jurisprudência...”67.

Com efeito, discute-se a possibilidade da aplicação de um direi­


to único às obrigações, já que o emprego de várias legislações não só
desfiguraria o contrato, que é um todo coeso, como também
desnaturaria as legislações aplicadas em pequenas porções, no qual
faltaria unidade e coesão. Por outro lado, o contrato que envolve di­
versas jurisdições por si só já não é “puro, ou normal” e que lhe pode
“mais convir direito impuro, ou anormal”68.
Se a questão é assim controversa no que diz respeito a contratos
e obrigações em geral, muito mais se complica no que toca a valores
mobiliários. Isso porque, por sua própria natureza, deve ser distribuí­
do maciçamente e circular, envolvendo cada vez mais pessoas em
sua teia de relações jurídicas.

4.3. Desenvolvimento da securitização


Tendo o mercado securitizado as vantagens já enumeradas, pode-
se indagar por quais razões seu crescimento ainda é relativamente
lento, e por que não conquistou uma parcela maior do mercado finan­
ceiro, mesmo em países mais desenvolvidos.
Não se tratará, neste momento, de problemas ligados diretamente
ao desenvolvimento do próprio mercado de capitais, que é um ponto
crítico para o crescimento da securitização, que será abordado poste­
riormente, mas somente do próprio aperfeiçoamento de uma nova
tecnologia, e de como ela é absorvida pelo mercado.
Neste ponto, a securitização pode ser considerada um avanço
tecnológico na área de finanças, para fins de análise de suas perspec­
tivas de desenvolvimento. Isso porque, em economia, identifica-se

67CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Fo­
rense, 2000. p. 432 e s.
68CASTRO, Amílcar de. op. cit., p. 432 e s.

51
um avanço tecnológico quando se cria possibilidade de realização de
uma mesma tarefa com o dispêndio de menos recursos, ou uma me­
lhor realização da mesma tarefa despendendo-se a mesma quantida­
de de recursos69. Pode-se, sem grande esforço de argumentação, con­
siderar a securitização um avanço tecnológico, já que, em não haven­
do distorções no mercado, diminuem-se os custos de captação de
recursos, em comparação com o mercado financeiro tradicional.
De acordo com Rosenthal e Ocampo70, ao ser utilizada em ope­
rações financeiras, toda nova tecnologia passa por duas fases até atingir
sua maturidade, que corresponderia à sua utilização com o máximo
de eficiência econômica. Haveria uma fase inicial de inserção do novo
instrumento tecnológico e, logo depois, uma fase de crescimento de
sua utilização. No caso de restar provado que a utilização desse ins­
trumento poderia melhorar as estruturas de operações financeiras,
ela passaria à maturidade.
No ano de publicação de sua obra, 1988, os autores considera­
vam que a securitização ainda se encontrava na fase de inserção no
mercado norte-americano. Eles previram, naquela ocasião, que a
securitização experimentaria uma fase de grande crescimento nos anos
seguintes, o que efetivamente aconteceu, e, ainda hoje, ocorre no
mercado norte-americano. No que diz respeito a economias em que o
mercado de capitais não é bem desenvolvido, a securitização ainda
pode ser considerada em fase de inserção.
Como conseqüência do próprio amadurecimento do mercado
da securitização, pode-se prever que boa parcela do mercado que
atualmente utiliza outros mecanismos de financiamento migrará para
a securitização, diminuindo as receitas brutas das instituições finan­
ceiras advindas de operações tradicionais, não apenas porque dimi­
nuirá a demanda por tais serviços, mas porque a securitização, como

69 Nesse sentido, ROSENTHAL, James; OCAMPO, Juan. Securitization o f credit:


inside the new technology o f finance. New York: Wiley, 1988. p. 5: “We adopt the
definition o f a technological advance as encompassing a new process that yields
either a comparable service from less resources than before, or a better service from
less resources than before”.
70ROSENTHAL, James; OCAMPO, Juan. op. cit., p. 215.

52
qualquer outra tecnologia financeira, tem por objetivo a redução dos
custos da intermediação financeira71. Isso, porém, depende de uma
série de fatores que, no caso do mercado brasileiro, ainda precisam
ser implementados. Esse aspecto será objeto de posterior análise.

” Ressalte-se que essa diminuição de custos é ainda teórica, ao menos no Brasil. A


estruturação de uma operação de securitização ainda é bastante cara, sendo esse um
dos motivos de sua incipiente utilização entre nós.

53
C apítulo 5
A SECURITIZAÇÃO E A DISPERSÃO
DE RISCO
5.1. A securitização como mecanismo de alocação de risco
O processo de desintermediação pelo qual vem passando o mer­
cado financeiro global tem como conseqiiência a dispersão do risco
nas operações de financiamento. Conforme já explicado, o financia­
mento mediante empréstimo bancário concentra o risco numa só ins­
tituição, enquanto o financiamento por via de mercado de capitais
permite que cada investidor decida o quanto de risco irá assumir em
cada empreendimento, já que a captação de recursos é fracionada por
meio de títulos ou valores mobiliários.
A securitização tem função extremamente relevante no que diz
respeito à alocação de risco, podendo ajudar nó gerenciamento, em
diferentes graus, da maioria dos tipos de risco a que estão sujeitas
instituições financeiras ou outros originadores de natureza diversa.
Essa função, se utilizada adequadamente, pode refletir no fortaleci­
mento do mercado financeiro como um todo. Por seu intermédio, o
risco envolvido em determinados financiamentos pode ser dividido e
dirigido a quem possa analisá-lo e entendê-lo melhor, e, por conse­
guinte, demandar retorno menor para assumi-lo72.
No financiamento bancário tradicional, a instituição que em­
presta os recursos tenta minimizar o risco de crédito por meio de dois

72 Nesse sentido, cf. BHATTACHARYA, Anand; FABOZZI, Frank (Org.). Asset-


backed securities. New Hope: Frank Fabozzi Associates, 1996. p. 238. Os autores
afirmam que “securitization allows issuer to dissect the risks and rewards of investing
in a pool of receivables. The risks can be allocated to those market participants that
are in the best position to understand and absorb them and thus would do so at the
lowest cost”.

54
mecanismos que ocorrem em fases distintas do processo: inicialmen-
te, pela análise de crédito, e, posteriormente, pelo monitoramento do
devedor. Assim, a instituição absorve todo o risco de crédito susten­
tando o ativo em seu balanço e alocando capital próprio para fazer
face a ele.
Ocorre, porém, que, para poder arcar com o risco do emprésti­
mo, a instituição necessita enquadrar-se em certos níveis de adequa­
ção de capital, o que, obviamente, onera sua estrutura de custo. Ban­
cos centrais de todo o mundo tendem a tornar mais rígidos tais níveis
de adequação, de modo a aumentar o nível de capital próprio para
garantir o sistema, o que, por conseqüência, torna mais custosa a
outorga de empréstimos73.
Numa securitização de créditos, o processo inicia-se da mesma
forma de um financiamento tradicional: análise de crédito e
monitoramento. Porém, as semelhanças se encerram nesse ponto74.
Na securitização, o risco do empréstimo é distribuído entre diversos
investidores que compram títulos representativos de uma dívida, e
são lastreados por um ativo a ela correspondente.
Na securitização, o credor da emissora dos títulos tem, ainda, a
exata dimensão da garantia de pagamento de seu crédito, que é o
ativo segregado no veículo de propósito exclusivo75. Não há concorrên­

75Com efeito, dentre os Princípios Essenciais da Basiléia, elaborado pelo Comitê de


Supervisão Bancária da Basiléia, a adequação de capital ocupa lugar de destaque,
por reduzir “o risco de perda dos depositantes, credores e demais investidores e para
ajudar os supervisores na busca da estabilidade global da indústria bancária”. O
documento pode ser encontrado no site do Banco Central do Brasil. Disponível em:
<www.bcb.gov.br>.
74ROSENTHAL, James; OCAMPO, Juan. op. cit., p. 9.
75Há casos em que a securitização é estruturada de modo a co-obrigar o securitizador
pelas obrigações do veículo de propósito exclusivo, ou seja, recurso a outros ativos,
além daqueles segregados. Nesse caso, há garantia maior para o investidor que, além
de ter o recurso ao patrimônio total do emissor, pode contar com a capacidade de
solvência do originador, no caso de insuficiência dos ativos segregados. Assim, o
risco dos ativos segregados não é eliminado do balanço do originador. Por o utro
lado, a operação perde uma de suas principais características, que é a delimitação
exata do lastro dos títulos emitidos. De qualquer maneira, a dispersão do risco é
cia de outros credores, que não os detentores de títulos oriundos da
securitização, que também não estão sujeitos ao risco da sociedade
originadora. Na verdade, em negócios de securitização, a responsa­
bilidade de todos os envolvidos é bem determinada: em geral, o
originador não responde pelas dívidas do VPE, e este tem responsa­
bilidade limitada aos bens segregados para a operação.

5 .2 . Outros mecanismos de controle do risco


Além da securitização, há outros instrumentos que podem ser
utilizados para o controle e redução de riscos envolvidos. A maioria
desses instrumentos é bem mais tradicional que a securitização e por
isso é aplicada com maior freqüência.
O contrato de seguro é o instrumento jurídico intuitivamente
associado ao conceito de risco. Com efeito, ele é tradicionalmente
utilizado para proteger bens tangíveis e intangíveis contra determina­
dos eventos danosos, pois
“a noção de seguro supõe a de risco, isto é, o fato de estar o
sujeito exposto à eventualidade de um dano à sua pessoa, ou a
seu patrimônio, motivado pelo acaso”76.
De acordo com J. Vital77, o objeto do seguro não é a coisa, nem
a pessoa a que ele se refere, e sim o risco a que esta ou aquela está
sujeita. Já para Joaquim Ganires, a necessidade patrimonial é um

beneficiada em relação à captação tradicional mesmo com a co-obrigação do originador,


já que, mesmo com a possibilidade de ser subsidiariamente responsável pela solvência
dos títulos emitidos, o originador será um devedor secundário e, a depender da quali­
dade dos ativos segregados, a possibilidade de execução da cláusula de co-obrigação
pode ser insignificante. Há ainda a possibilidade de recurso a outros bens da compa­
nhia emissora, que não aqueles especificamente atrelados à emissão. Nesse caso, ape­
sar de não haver co-obrigação do originador, há uma melhora nas garantias do investi­
dor adquirente dos títulos. Essa hipótese é expressamente prevista no caso de
securitização de base imobiliária, cuja legislação específica ainda prevê outras garan­
tias, como, por exemplo, alienação fiduciária do bem imóvel.
76DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1996. v. 4, p. 374.
77VITAL, J. Noções fundam entais de seguros. Rio de Janeiro: IRB, 1943. p. 27-28.

56
dos elementos do risco, juntamente com a possibilidade e in c e rte z a
do evento, e o acaso78.
O objeto do contrato de seguro é o risco, ou seja, a probabilida­
de de sinistro que ameaça o patrimônio do segurado. Em se tratando
de contrato de seguro, o conceito de risco é técnico, oriundo de ob­
servação sistemática de sinistros, só podendo ser objeto de seguro
quando é mensurado estatisticamente79.
De acordo com o Código Civil brasileiro, o contrato de seguro é
aquele pelo qual o segurador se obriga, mediante o pagamento de um
prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa
ou coisa, contra riscos predeterminados. Assim, o segurado paga uma
determinada quantia para que um terceiro assuma os riscos relativos
a algum bem. Verificado o evento a que está condicionada a obriga­
ção do segurador de indenizar, este deve fazê-lo, desde que o segura­
do haja cumprido com sua obrigação no contrato, qual seja, o paga­
mento do prêmio80.
Outros instrumentos, porém, são utilizados para proteger e mi­
tigar os efeitos de sinistros, que não necessariamente o contrato de
seguro. Os contratos futuros há muito são utilizados como forma de
controlar o risco envolvido em atividades produtivas. Isso porque o
risco de superveniência de modificações no preço do ativo a que o
contrato se refere no lapso temporal entre a celebração do contrato e
a sua execução desaparece com a possibilidade de liquidação do con­
trato a qualquer tempo antes de seu termo.
De acordo com Rachel Sztajn,

“os contratos futuros são operações socialmente tipificadas pa­


dronizadas, cujas cláusulas são predispostas pelas bolsas em que
sejam admitidos à negociação com a finalidade de torná-los
fungíveis de um lado permitindo que circulem, e de evitar ques­

78GARRIRES, Joaquim. Contrato de seguro terrestre. Madrid, 1973.


79 VIVANTE, Cesare. Il contrato di assicurazione. Milano: Editore-Libran« delia
Real Casa, 1887. v. 1.
“ Nesse sentido, cf. GOMES, Orlando. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro:
1978. p. 493.
tões quando da execução das obrigações no caso de entrega dos
bens, de outro (com a padronização da qualidade dos bens pode
tratar-se a compra futura como venda por amostra). Não apenas
socialmente tipificados, mas regidos por disposições de autori­
dade administrativa — Banco Central do Brasil, quando há
moeda, juros ou ativo financeiro envolvido, Comissão de Valo­
res Mobiliários, no caso do bem subjacente ser valor mobiliário
ou versar sobre valor mobiliário — , ou fiscalizado pelas bolsas
em regime de auto-regulação, os contratos futuros aparecem,
no tráfico, com função de garantia ou operação financeira”*".

As opções de compra e venda atuam de forma semelhante aos


contratos futuros no que diz respeito à proteção contra a volatilidade
de preços de produtos. Rachel Sztajn*2 explica que diferentemente
das promessas de compra e venda, nas quais, uma vez observadas as
disposições contratuais, torna-se obrigatória sua execução, as opções
podem ou não serem exercidas por seus titulares, a depender unica­
mente de seu interesse. As opções podem, ainda de acordo com a
autora, ser utilizadas tanto na busca de ganhos no mercado bursátil
quanto na administração de riscos.
A securitização, porém, atua de forma diversa no controle do
risco: em vez de prever indenização caso o sinistro aconteça, como
no seguro, ou manter uma situação econômica em patamares míni­
mos aceitáveis, como nos contratos futuros ou opções, procura miti­
gar o risco simplesmente dividindo-o e dispersando-o.
Trata-se de mecanismo pelo qual o risco envolvido numa opera­
ção é fracionado e diluído, de forma a que ele venha a se tomar
irrelevante ou aceitável para cada parte envolvida, o que não ocorre­
ria se estivesse concentrado em uma única instituição. Cada um dos
tipos de risco envolvidos em atividades financeiras, conforme se verá812

81SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps: uma visão jurídica. São Paulo: Cultural Paulista,
1999.
82 SZTAJN, Rachel. Sobre a natureza jurídica das opções negociadas em bolsas.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v.
105, p. 53-73, jan./mar. 1997.

58
ndunte, pode ser de alguma forma controlado pela securitização por
t‘c-io desse mecanismo.

O . C onceito e tipos de risco


De acordo com Heffeman8’, risco pode ser definido como
“the volatility or standard deviation (square root of the variance)
of net cash flows of the fírm, or, if the company is very large, a
unit within it”8384.
Em termos econômicos, o risco é medido pelo desvio-padrão
do fluxo de caixa da sociedade ou de parcela dele. Com efeito, o
conceito de risco está intimamente ligado ao de incerteza, sendo as
expressões comumente usadas como sinônimas. De acordo com Hé­
lio de Paula Leite,
“o termo ‘risco’ é utilizado sempre que se pode estabelecer, ou
mesmo prever uma distribuição de probabilidade em tomo da
expectativa de retorno”85.
Já no sentido jurídico, risco é o acontecimento possível, mas
futuro e incerto, quer quanto a sua ocorrência, quer quanto ao mo­
mento em que se deverá produzir, independente da vontade dos con­
tratantes. Para Vivante86, o risco é um evento fortuito que influencia^»
com a sua aleatoriedade as obrigações dos contratantes.
Bessis87 enumera seis tipos diferentes de risco a que estão sujei­
tas as instituições financeiras ou, em geral, qualquer entidade que
atue no mercado financeiro. Na verdade, por estarem compreendidas

83 HEFFERNAN, Shelagh. op. cit., p. 164-165.


84“A volatilidade ou desvio-padrão (raiz quadrada da variância) dos fluxos de caixa
líquidos de uma empresa, ou, se for muito grande, de uma unidade dela.”
85LEITE, Hélio de Paula. Risco. 1976. p. 18. Dissertação (Mestrado) — Fundação
Getulio Vargas, 1976.
86 VIVANTE. Cesare. op. cit., v. 3, p. 30 e s.
87 BESSIS, Joèl. Risk m anagement in banking. Chichester: John Wiley & St
p. 5 e s. O autor cita ainda riscos operacionais que, no entanto, fogem ao escopo
deste trabalho.
no gênero risco, todas essas modalidades dizem respeito à incerteza,
variando, porém, no que concerne ao fator preponderante na medi­
ção dessa incerteza.
Há, assim, (a) risco de crédito, (b) risco de liquidez, (c) risco de
taxas de juros, (d) risco de mercado, (e) risco cambial e (f) risco de
insolvência88*.De uma forma ou de outra, a securitização é um instru­
mento adequado para a melhor alocação e redução do impacto de
cada uma dessas modalidades de risco81).
Passa-se a analisar brevemente cada uma dessas variedades de ris­
co, bem como o impacto positivo da securitização em cada uma delas.

a) Risco de crédito
O risco de crédito diz respeito à possibilidade de não-cumpri-
mento de obrigações pecuniárias por parte dos devedores. Pode-se
ainda englobar nesse tipo a possibilidade de rebaixamento da classi­
ficação de risco de um devedor.
Esse fato não necessariamente implica que o devedor restará
inadimplente, mas pode acarretar modificações e perda de valor da
carteira de ativos de seus credores. Daí a importância das agências de
classificação de risco no que diz respeito ao risco de crédito. É exata­
mente esse tipo — e somente esse — que elas avaliam.

88Note-se que existem diversos outros tipos de risco que poderiam ser enumerados,
sendo esses apenas os mais relevantes. O Comitê de Supervisão Bancária da Basi­
léia, por exemplo, aponta ainda o risco-país ou risco político, o risco operacional, o
risco legal e o risco de reputação, além dos já mencionados. O risco-país é aquele
inerente aos ambientes econômico, social e político. Normalmente é mais relevante
no caso de empréstimos aos governos estrangeiros e suas agências, mas é também
importante considerá-lo no caso de empréstimos a particulares, já que um dos seus
componentes é o “risco de transferência”, que diz respeito à possibilidade de se
converter em moeda estrangeira as dívidas expressas em moeda local. O risco
operacional diz respeito à qualidade dos controles internos e domínios corporativos
da instituição financeira. Já o risco legal tem diversos aspectos, destacando-se o
impacto de pareceres e outros documentos legais e a inadequação da legislação na
resolução de problemas do banco. O risco de reputação refere-se a falhas operacionais
e deficiências no cumprimento de exigências legais, de forma a reduzir a confiança
do público em determinada instituição.
89Neste sentido, HEFERNAN, Shelagh. op. cit., p. 170-172.

60
No que se refere ao risco de crédito, as instituições financeiras
mantêm padrões de análise que procuram garantir aos seus emprésti­
mos o maior grau de segurança possível. Apesar de esse tipo de con­
trole remontar às mais antigas instituições bancárias, a tecnologia de
análise de crédito tem evoluído juntamente com o próprio mercado
financeiro como um todo.
Ainda de acordo com Bessis90, o risco de crédito tem duas di­
mensões distintas, quais sejam, a quantidade e a qualidade. A dimen­
são da quantidade diz respeito a quanto se pode perder em determi­
nada operação, independentemente da probabilidade dessa perda. Ao
contrário, na dimensão da qualidade, a preocupação desloca-se para
a probabilidade da perda ocorrer, sem levar em conta o montante. E a
essa última dimensão que se referem as classificações dadas por agên-f4-
cias de classificação de risco.
De acordo com Greenbaum e Thankor91, o afastamento do risco
de crédito pode ser obtido pelas instituições financeiras mediante a
adoção de dois mecanismos distintos: a aquisição tão-somente de
ativos com risco mínimo ou nenhum risco de crédito, como títulos do
governo ou aqueles aos quais as agências de classificação de risco
atribuem notas máximas ou desenvolvimento de técnicas eficazes de
análise e controle de devedores.
Como os títulos com baixo ou nenhum risco de crédito não pos­
sibilitariam que os bancos cobrissem seus custos, já que apresentam
baixo retorno, a segunda opção seria a mais adequada ao controle
desse tipo de risco.
A securitização pode ser considerada forma alternativa para re­
duzir o risco de crédito, sendo essa a modalidade em que suas vanta­
gens se apresentam mais claras e imediatas. A transferência, sem /
coobrigação, de créditos para outra entidade, dentro de um processo j
de securitização, além de ser um adiantamento de receitas, transfere(
o risco de crédito, inicialmente para o veículo de propósito exclusi- \
vo, e, posteriormente, com a venda de valores mobiliários lastreados '
nesses créditos, pulveriza esse risco no mercado.

90BESSIS, Joèl. op. cit., p. 6-7.


91 GREENBAUM, Stuart L.; THANKOR, Anjan V. op. cit., p. 136.
Na verdade, o impacto em todos os outros tipos de risco advém
do mesmo princípio: se se transfere um crédito a outra instituição,
transfere-se conjuntamente o risco inerente a esse crédito. A grande
vantagem da securitização reside no fato de que essa transferência
também implica dispersão desse risco, com relação ao grau de con­
centração que ele apresentava antes da operação.

b) O risco de liquidez
O risco de liquidez diz respeito ao grau de facilidade com que
os ativos podem ser transformados em dinheiro ou outro bem de acei­
tação similar. A falta de liquidez tanto pode significar simplesmente
um descasamento entre os recebíveis e os exigíveis a curto prazo
quanto uma séria crise financeira. Dessa forma, o risco de liquidez
pode acarretar dificuldade de captação de recursos a custo razoável a
curto ou médio prazo, agravando ainda mais a situação da sociedade.
Indicadores de liquidez incluem volume de operações realiza­
das, taxas praticadas e respectivas flutuações e dificuldade em en­
contrar contrapartes para operações. No que diz respeito a institui­
ções financeiras, o risco de liquidez reside, essencialmente, no fato
de captar recursos a curto prazo e aplicá-los a longo prazo, criando-
se, aí, um intervalo entre os vencimentos das obrigações e os créditos
a receber. A capacidade de gerenciar esse tipo de problema é fator
determinante para a análise do risco de liquidez.
Também não é necessário grande esforço para entender por que
a securitização traz vantagens com relação a esse tipo de risco: a
transferência de ativos ilíquidos, com a conseqüente antecipação de
receitas, significa acréscimo no nível de liquidez do originador.

c) Risco de taxas de juros


Bessis92 define risco de taxas de juros como a possibilidade de
obter resultados financeiros reduzidos pela flutuação das taxas de
juros. Isso é particularmente importante para instituições financeiras,
na medida em que a maioria das contas, tanto de seu ativo quanto de
seu passivo, gera despesas e receitas baseadas em taxas de juros. As-

1,2BESSIS, Joèl. op. cit., p. 8.

62
AXVc

sim, um descasamento entre as taxas cobradas e as taxas a serem


pagas pode ser fatal.
Outra fonte indireta de risco de taxas de juros está implícita em
algumas opções de produtos bancários - normalmente existentes
por força de lei. É o caso de pré-pagamentos dc empréstimos. Se as
taxas de juros sobem, ou se mantêm estáveis, não é provável que haja
pré-pagamento de empréstimos. Por outro lado, se a taxa cai. deve­
dores são levados a pagar antecipadamente seus empréstimos antigos
e financiar-se novamente beneficiando-se das novas taxas. ~
Para a instituição financeira esse procedimento pode i epresen-
tar uma perda considerável, tanto por conta da taxa de juros que dei­
xará de receber quanto pelo desconto do empréstimo pago antecipa­
damente. O pré-pagamento pode causar ainda um problema dc
descasamento com as taxas de captação pagas pelo banco.
No que diz respeito ao risco de descasamento de taxas, a securi-
tização também torna mais fácil o seu gerenciamento, uma vez que a
homogeneidade dos grupos de ativos securitizados permite melhor
controle das taxas a serem pagas aos investidores. Da mesma forma,
a própria dispersão em si já representa uma grande vantagem com rela­
ção à manutenção do risco concentrado em uma única instituição.
A securitização também pode-se mostrar mecanismo eficaz no
controle das taxas de juros, visto que a seleção dos ativos a serem
securitizados leva em conta a taxa paga pelos devedores originários
dos créditos cedidos e aquela a ser paga aos investidores. Como todo
esse planejamento é feito a priori, o originador pode selecionar aqueles
ativos que, dentro do seu patrimônio, apresentem maior risco de taxa
de juros, de modo a repassá-lo a investidores mais afeitos a esse tipo
de risco.

d) R isco d e m erca d o
O risco de mercado refere-se a variações adversas do valor de
ativos negociáveis no momento de liquidar operações. Como esse
tipo de risco só pode ser avaliado no período de liquidação dos ativos
relevantes, não se pode mensurá-lo constantemente, nem tampouco
com base num período de permanência de determinado ativo m> ha
lanço da instituição.

63
Desse modo, antes do período de liquidação, apenas se pode
falar em risco relativo à capacidade de monitorar as oscilações do
mercado com relação à carteira de ativos93. Essa avaliação, assim, diz
respeito não aos ativos em si, mas à capacidade técnica de que a ins­
tituição é titular.
A determinação de risco de mercado tem, pois, como base a
instabilidade de parâmetros como taxas de juros, índices de bolsas de
valores, taxas de câmbio. Há diversos aspectos que compõem esse
tipo de risco, sendo ele especialmente relevante em economias instá­
veis, onde preços de ativos podem variar consideravelmente em cur­
tos intervalos.
Havendo boa análise de mercado, pode-se utilizar a securitização
para se desfazer de determinados ativos no melhor momento, ou seja,
naquele em que seu valor de mercado esteja sobreestimado.

e) Risco cambial
Risco cambial é aquele relativo a possíveis perdas atribuídas a
variações de taxas de câmbio. Para que tal risco seja relevante, é
necessário que receitas ou obrigações estejam indexadas a alguma
moeda estrangeira sujeita a flutuação.
Na verdade, o risco cambial pode ser considerado um compo­
nente do risco de mercado, pois diz respeito ao valor de um ativo da
instituição em determinado momento. A avaliação do melhor mo­
mento para se desfazer do ativo, no que diz respeito à taxa de câmbio,
seria, assim, um componente mitigador do risco cambial.
De qualquer maneira, há diversas formas de contornar esse tipo
de risco, com instrumentos financeiros de proteção, como swaps ou
opções de compra ou venda de moeda estrangeira.
Com o mesmo fundamento apresentado no que diz respeito a
taxas de juros, a securitização pode ser utilizada como uma forma de
alocar o risco cambial, quando este se apresentar em níveis inade­
quados no balanço do originador.

“ BESSIS, Joel. op. cit., p. 9.

64
f) Risco de insolvência
Diferente do risco de liquidez, que diz respeito a um aspecto
mais imediato da situação financeira de uma sociedade, o risco de
insolvência revela a possibilidade de não conseguir cobrir prejuízos
oriundos de quaisquer tipos de risco. Assim, o risco de insolvência é,
na verdade, o risco de inadimplência da instituição financeira. Pode
ser considerado, assim, o inverso do risco de crédito, que é aplicado
às contrapartes dos bancos94.
O risco de insolvência está intimamente ligado à adequação de
capital, ou seja, o nível até o qual o capital de urna instituição finan­
ceira pode estar com prom etido com relação a diversas espécies de
risco. Assim, a adequação de capital é fundamentada em princípios
basilares de controle de risco de insolvência, que, de acordo com
Bessis95, con sistem na premissa de que todos os riscos geram prejuí­
zos em potencial. A proteção para tais prejuízos é, em última instân­
cia, o capital, e este deve estar ajustado de modo a absorver todos os
tipos de risco a que se expõe uma instituição financeira.
A regulação do mercado financeiro define quais níveis de risco
as instituições financeiras podem tomar em função de seu capital, de
modo a minorar o risco de insolvência. Porém, esse sistema está lon­
ge de ser infalível.
Juntamente com o risco de crédito, o risco de insolvência é o
que pode ser mais bem controlado por intermédio da securitização,
em grande parte por estar intimamente relacionado com aquele tipo
de risco.

5.4. Críticas ao uso indiscriminado da securitização


Como ocorre com qualquer outro mecanismo jurídico-financei­
ro, os agentes econômicos podem-se utilizar da securitização de ma­
neira nociva às partes diretamente envolvidas, e mesmo ao mercado
de forma geral.

“ BESSIS, Joél. op. cit.,p. 11.


951<±, loc. cit.
Bhattacharya e Fabozzi96 apontam dois aspectos relativos ao mau
uso da securitização, e que estão ligados à seleção e segregação ina­
dequada de ativos e ao disfarce de demonstrações financeiras.
Com relação ao primeiro aspecto, os autores explicam que, com
o intuito de reduzir custos com garantias e auditorias, os securiti-
zadores poderiam utilizar como lastro apenas seus ativos/créditos que
apresentassem menor risco. Nesse caso, os credores do próprio
originador ou securitizador ver-se-iam diante de uma situação onde
seus créditos perderiam grande parte das garantias, já que a melhor
parcela dos ativos do originador/securitizador seria apartada em pa­
trimônio autônomo.
Os dois autores apresentam também — ainda que com a reserva
de se tratar de um argumento meramente acadêmico — a possibilidade
de ocorrer o extremo oposto. Se os originadores decidissem por segre­
gar apenas seus ativos/créditos de maior risco, os investidores poderi­
am imaginar que tais originadores possuíam apenas ativos de má qua­
lidade em seu patrimônio. Isso poderia abalar a credibilidade do
originador, especialmente em se tratando de instituição financeira.
O uso da securitização pode ser desvirtuado por má gestão ou
mesmo por propósitos desonestos. Em ambos os casos, porém, a ins­
tituição originadora sofreria, a médio e longo prazos, dificuldades de
implementar novas operações.
Quanto à má escrituração das demonstrações financeiras, tal
aspecto diz respeito tanto ao uso da securitização para retirar do ba­
lanço ativos de baixa qualidade quanto à possibilidade de se outorgar
financiamento a sociedades em dificuldades ou que já tenham exau­
rido o limite de exposição com relação a determinada instituição fi­
nanceira97.
Ambos os problemas apresentados podem ser considerados re­
motos. De início porque o aparato envolvido num mercado securiti-*17

BHATTACHARYA, Anand: FABOZZI, Frank (Org.). op. cit., p. 17 e s.


117Ressalte-se que o Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia já aconselha a fisca­
lização de operações bancárias consideradas o jf balance sheet, como seria o caso da
securitização, exatamente para evitar que aconteça o disfarce de demonstrações fi­
nanceiras.

66
xado, com agências de classificação de risco, underwriters, auditores
independentes, evita a degeneração, ou ao menos deixa clara a quali­
dade dos ativos negociados no mercado de capitais.
Da mesma forma, a existência de regras rígidas, no que diz res­
peito à adequação de capital das instituições financeiras, e um siste­
ma regulatório eficiente podem evitar o “empobrecimento” de insti­
tuições financeiras pela securitização de seus melhores ativos.
Por outro lado, especificamente no Brasil, recentemente vem
sendo observada com certa constância a utilização da securitização
como forma de disfarçar operações de fomento mercantil, especial-
mente beneficiando as supostas securitizadoras com tratamento tri­
butário diferenciado.
De modo geral, as sociedades de fom ento mercantil se
autodenominam securitizadoras, mas, na verdade, não praticam ati­
vidades que possam ser caracterizadas como securitização, no senti­
do técnico, consistindo, basicamente, em prestadoras de serviços de
assessoria creditícia e cessionárias de títulos.
Esse tipo de atitude tem causado desconfiança, especialmente
nos entes de fiscalização e arrecadação tributária, com relação à ati­
vidade das securitizadoras, inclusive das que realmente efetuam a
operação propriamente dita.
S egunda P arte

A SPEC TO S JU R ÍD IC O S DA
SECURITIZAÇÃO

Com a desintermediação financeira, o mercado ganha não só


em eficiência, mas também em complexidade. As operações de mer­
cado de capitais exigem uma estrutura jurídica e institucional mais
elaborada, se não por outra razão, pelo simples fato de envolver mais
pessoas.
A securitização, assim, demanda que o arcabouço jurídico seja
adequado a seu desenvolvimento, e apto a oferecer segurança aos
agentes envolvidos.
Nesta segunda parte do trabalho os aspectos jurídicos da
securitização serão analisados com o intuito de determinar a adequa­
ção dos instrumentos atualmente oferecidos pelo Direito para sua
estruturação, sua natureza jurídica e ainda a melhor forma de o Direi­
to ajudar no desenvolvimento da operação no Brasil.

69
C a p ít u l o 1

A MOBILIZAÇÃO DE RIQUEZAS E A
TUTELA JURÍDICA
A mobilização de riquezas é característica essencial do merca­
do de capitais. Com efeito, as operações que se desenvolvem nesse
mercado têm como marca fundamental o fracionamento e a rápida
transferência de valores, ou seja, a mobilização.
É evidente que a mobilização de riquezas necessita de instru­
mentos jurídicos que a viabilizem. Assim é que, para desenvolver um
estudo que pretenda abordar a desintermediação e um de seus meca­
nismos mais importantes, a securitização, devem-se analisar, inicial­
mente, os instrumentos de mobilização de riquezas, desde as formas
ordinárias de cessão de crédito aos títulos de crédito, e, por fim, os
valores mobiliários.

1.1. Mobilização e circulação do crédito


A mobilização traz ínsita a noção de circulação, movimentação,
geração de mais riquezas e de diversos negócios. Assim, para que a
riqueza estática, num armazém, numa lavoura, numa fábrica, num
canteiro de obras, possa circular e se transformar em mais riqueza,
tomando a economia dinâmica, são necessários instrumentos que as
identifiquem e “transportem”.
João Eunápio Borges98 traz um exemplo simples, que bem pode
ilustrar a capacidade de geração de riquezas mediante uma única ope­
ração, mesmo sem se utilizar de qualquer mecanismo ou estrutura
jurídica mais sofisticados.

!s BORGES, João Eunápio. Títulos de crédito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1983.
Ensina o autor que, nas vendas a prazo, o industrial recebe títu­
los de crédito. Utilizando-se do desconto bancário", o industrial cre­
dor receberá imediatamente o valor que o comprador somente pagará
no vencimento dos títulos, ou seja, depois de 60, 90, 120 dias, ou
mais. O atacadista que comprou a crédito venderá também a crédito
para o varejista, que, por sua vez, venderá a mesma mercadoria a
crédito ao consumidor. Cada um receberá títulos de crédito em vez
de dinheiro, e, pelo desconto, os títulos de crédito se converterão,
imediatamente, em dinheiro. Vários títulos de crédito emitidos, des­
contados ou negociados permitem o uso simultâneo de um só capital
por diversas pessoas.
Nesse sentido, por ser o ponto crucial da securitização, é que
esse aspecto dinâmico das riquezas, assim como os instrumentos que
o possibilitam e viabilizam, é abordado neste trabalho.
Os instrumentos utilizados na circulação de direitos patrimoniais
devem estar aptos a cumprir sua função econômica, de transferir ati­
vos entre os agentes do mercado. Serão analisados alguns instrumen­
tos de circulação geralmente utilizados em operações de securitização,
em momentos distintos: a cessão de créditos e de contratos, os títulos
de crédito e os valores mobiliários.
Quando se transfere um direito patrimonial, especialmente cré­
dito, mediante instrumentos tradicionais, como a cessão ordinária de
crédito, por exemplo, transfere-se, conjuntamente, um feixe de obri­
gações e direitos inerentes à operação subjacente que lhe deu origem.
A cessão é um instrumento importante para realização de diversos
negócios jurídicos, inclusive a securitização, principalmente porque
viabiliza a transferência de elementos contratuais para terceiros, es­
tranhos à relação contratual.
É fácil notar, porém, que esse não é o instrumento adequado à
circulação de créditos, já que não atende nem ao requisito da eficiên­
cia, nem ao da segurança, tornando-a difícil na prática, principal­
mente porque a figura do crédito continua ligada aos sujeitos da rela-9

99 Sobre o desconto Bancário, cf. VIANA, Francisco de Assis Bomfim. Desconto


bancário. 3. ed. Rio de Janeiro: Brasília Jurídica, 1999.

72
,n> i h lhe deu origem. Na cessão ordinária de créditos, o cessionário
o to teta a segurança necessária às relações de crédito, se restar su
iit.ulinado à existência do crédito do cedente, e exposto a todas as
s h issitudes que podem advir da relação fundamental que o gerou.
Os instrumentos jurídicos utilizados na transferência dos crédi­
tos. antes do surgimento dos títulos de crédito, apresentavam exata-
mente esse inconveniente: não dotar o cessionário de satisfatório grau
dc inoponibilidade em relação ao direito que ele adquiria.
Entretanto, a circulação dos direitos patrimoniais é exigida pelo
mercado, e é mister que ela se dê de forma rápida e segura. A econo­
mia moderna tem por base o crédito, e, para que ele se torne eficien­
te. faz-se necessário que circule100. Essa antinomia entre as necessi­
dades do mercado e as normas jurídicas foi ultrapassada com o con­
ceito de título de crédito e, posteriormente, de valor mobiliário.
Os mecanismos até então existentes eram ineficientes para de­
senvolver a circulação de crédito, porque, para a sua circulação se dar
de forma eficaz, é necessário que ele esteja perfeitamente delimitado,
especificado e destacado da figura subjetiva do cedente e da relação
que o originou, o que não ocorre de forma efetiva em nenhum desses
instrumentos.
Nesse mesmo sentido é a lição de Camelutti101, que ensina:
“Ci vuol poco a capire come le esigenze delia circolazione
non possano dirsi soddisfatte da questo regime delia cessione

100A confirmar essa necessidade, é fácil perceber que a maioria dos instrumentos de
engenharia financeira moderna utiliza-se da figura da circulação de créditos. Para
citar apenas dois exemplos muito utilizados, tem-se o fomento mercantil (fa cto rin g )
que é instrumento utilizado de forma massiva por todos os setores da economia
como modo de antecipar receitas. Outro exemplo, o próprio objeto deste trabalho, é
o da securitização de ativos, que se utiliza tanto de meios ordinários de cessão de
crédito, quanto de transferência direta via títulos. Tanto numa como na outra opera­
ção, há necessidade de os créditos serem transferidos da forma mais segura e ágil,
possibilitando, da mesma forma, que o cessionário possa tomar a transferi-lo. E essa
liquidez que dá lastro a negócios com transferência de crédito, e, para que cia ex ista,
tornam-se necessários mecanismos eficazes de transferência.
101In CARNELUTTI, Francesco. T eoria g iu rid ic a d e lia c irc o la zio n e . Patlova: CE­
DAM, 1934. p. 186.
ordinaria; appunto, per sodisfare é stato inventato il titolo de
credito, il quale è un strumento non solo delia apparenza ma
ancora delia sicurezza delia circolazione”102.

Com efeito, quando se fala em cessão ordinária de crédito, o


que é realmente considerado é a transferência do direito, na qual o
instrumento utilizado para formalizar a cessão não tem tanta im­
portância. N esse m ecanism o, ainda é pequeno o grau de
objetivização do direito envolvido na operação, pois, junto com esse
direito, o cessionário sub-roga-se no conjunto de circunstâncias que
o envolvem.
Com os títulos de crédito, essa objetivização torna-se quase ab­
soluta, o direito é “despersonalizado” e, ao contrário do que ocorre
com a cessão ordinária de direitos, o instrumento que formaliza a
operação, ou seja, o próprio documento, é a peça fundamental, sem a
qual a transferência não se realiza.
Logo, a circulação do crédito incorporado nos títulos de crédito
submete-se às regras de circulação das coisas móveis, pois circula
juntamente com a cártula que o incorpora, e não mais às normas de
circulação dos direitos, ressalvadas, é claro, as formalidades exigidas
quando se tratar de títulos endossáveis e nominativos. Dessa forma,
por meio dos títulos de crédito, pode-se satisfazer a necessidade mo­
derna de mobilização e multiplicação de riquezas, e tornar a econo­
mia mais dinâmica.

1.2. A necessidade de tutela jurídica


De acordo com Carnelutti, a circulação consiste na transferên­
cia de determinado bem de um para outro titular103. Com essa expli­
cação simples, pode-se identificar, no fenômeno da circulação, a peça
fundamental para o desenvolvimento da economia moderna, já que

102“É fácil compreender como as exigências de circulação não podem ser considera­
das satisfeitas com o regime da cessão ordinária; com efeito, para satisfazê-las, fo­
ram inventados títulos de crédito, que são instrumentos não apenas de aparência,
mas também de segurança da circulação.”
103CARNELUTTI, Francesco. op. cit., p. 12.

74
os bens adquirem valor no momento em que são considerados cm
seu aspecto dinâmico, com possibilidade de gerar mais riquezas, e
não em seu aspecto estático.
É no aspecto dinâmico das riquezas que se insere o fenômeno
da mobilização. O fato de que se possa transferir bens com rapidez e
segurança de uma pessoa para outra é elemento de especial relevân­
cia para o mercado de capitais, pois é essencialmente nele que a
mobilização e a circulação de riquezas encontram ambiente propício
ao desenvolvimento.
Esse dinamismo que envolve a atividade de mobilização e cir­
culação de riquezas faz crescer, por conseqüência, o número de pes­
soas envolvidas nessa atividade, pois, quanto mais líquido for deter­
minado mercado, mais pessoas estarão ligadas por uma teia de ope­
rações que, geralmente, têm origem num único negócio. Carnelutti
ensina, ainda, que dessa diversidade de interesses envolvidos podem
surgir conflitos e problemas que devem ser tutelados pelo Direito.
Carnelutti aponta, outrossim, três critérios que podem levar à
solução dos conflitos gerados pela mobilização e circulação dos re­
cursos financeiros, quais sejam: a) a liberdade, já que a circulação
deve fluir nas ocasiões em que dela se tenha necessidade, e a melhor
forma para indicar tal momento é a livre determinação do mercado;
b) o aspecto formal, no sentido de se deixar claro o destino dos bens
que são postos em circulação; e c) a segurança, para que as vantagens
da circulação sejam garantidas e para que ela tenha a eficácia exigida
pela economia104.
O aspecto ligado à livre determinação não implica ausência de
regramento sobre a circulação de riquezas. Aqui, o que se pretende
salientar é que, em se tendo um ambiente favorável, tanto jurídica
como economicamente, o próprio mercado vai determinar o fluxo e a
mobilização das riquezas. Tanto assim é que o aspecto formal da cir­
culação e a segurança jurídica seguem a liberdade como pressupos­
tos básicos para resolução de conflitos oriundos da circulação de ri­
quezas.

104CARNELUTTI, Francesco. op. cit., p. 12-13.

75
Nessa ordem de idéias não é necessária uma análise mais detida
para se compreender que a mera necessidade econômica não é sufi­
ciente para o desenvolvimento dos meios de circulação de riquezas.
A concepção de circulação não é exeqüível sem a tutela do Direito, pois
requer disciplina jurídica como requisito de sua própria existência105.
Essa observação é especialmente importante quando se fala em
mobilização e circulação dos direitos patrimoniais. Há, aqui, uma
particular necessidade de segurança e eficiência, uma vez que o insti­
tuto do crédito tem a sua base na confiança depositada por aquele que
dispõe de recursos e pretende transferi-los, mediante certa remunera­
ção, a outrem, que deles necessita.
Nesse sentido, aponta Rachel Sztajn que a tutela jurídica é in­
dispensável para a eficiência dos mecanismos econômicos, e afirma
ainda que:
“Sempre que a lei, embora complexa, dá maior segurança
aos operadores econômicos, ao contrário do que afirma Ulhoa
Coelho, os preços tendem a cair, pois que os custos de transação
ficam reduzidos. Quando há certeza de enforcement, a comple­
xidade pesa menos”106.
Assim é que, pela própria necessidade econômica, surgiram
desde os institutos mais antigos, que viabilizavam o transporte mais
seguro de riquezas, até os mecanismos mais modernos, todos, de cer­
ta forma, relacionados aos títulos de crédito. Porém, à medida que se
dissemina o uso de tais instrumentos, a tutela jurídica toma-se essen­
cial. Quanto maior o número de pessoas envolvidas, maior a necessi­
dade de que o Direito regule as relações entre essas pessoas. Assim,

105Nesse sentido, Carnelutti (op. cit., p. 9 e s,), que acrescenta, com propriedade, que
“la ragione de questo necessário intervento del diritto sta in ciò che, naturalmente,
codesto fenomeno, in tutte le sue forme, determina tra le persone constituent! i soggetti
delia circolazione comine tra questi e i terzi, conflitti di interessi, i quali se non
fossero composti e regolati dal diritto, turberebbero lo svolgimento dei fenomeno e
perfino lo renderebbero impossibile...”.
106In SZTAJN, Rachel. Os custos provocados pelo direito. R e v ista d e D ire ito M e r ­
São Paulo, n. 112, p. 75-79, out./dez.
can til, In d u stria l, E c o n ô m ic o e F in an ceiro,
1998. p. 75-79.

76
como os instrumentos de mobilização de riquezas têm por função
primordial fazê-las circular pelo maior número de pessoas possível, a
tutela jurídica torna-se essencial para que esses instrumentos, cria
dos a partir de necessidades econômicas, se tomem plenamente efi­
cazes e cumpram a função para a qual foram criados.
Os títulos de crédito, por exemplo, tiveram sua origem sem que
houvesse a interferência do Estado. Eram instrumentos utilizados pelos
comerciantes para viabilizar operações que envolviam o transporte
de valores, ou mesmo, antes que fosse utilizado o contrato de seguro,
em negócios que apresentassem grande risco, como as explorações
marítimas. Porém, a praticidade e a eficiência dos títulos de crédito
tomaram seu uso disseminado também entre não-comerciantes. As­
sim, a partir da disseminação do uso dos títulos de crédito, bem como
de outros institutos originados da prática comercial, há uma real neces­
sidade de tutela jurídica, para que possam ser realmente eficazes107.
Como tantos outros fenômenos econômicos, a securitização uti-
liza-se de diversos instrumentos jurídicos, especialmente aqueles cuja
vocação é mobilizar, transmitir e transferir crédito. Passa-se a anali­
sar alguns institutos jurídicos que viabilizam a desintermediação fi­
nanceira, mediante estruturação da securitização em sentido estrito.

107Sobre o assunto, cf. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do direito comeri


(Tradução do primeiro capítulo do C o rso d i d iritto co m m ercia le — introduzí»»
teoria deirimpresa. Giuffrè, 1962, de Tulio Ascarelli). R evista de Direito Memm
Industrial, E co n ô m ico e F in an ceiro , São Paulo, v. 35, n. 103, p. 87-100, jul.Aei, 1(8
C a pít u l o 2

IN S T R U M E N T O S JU R ÍD IC O S D E
M O B I L I Z A Ç Ã O DE R I Q U E Z A S

Na securitização são utilizados basicamente dois tipos de ins­


trumento jurídico de transferência de ativos, cada um em fase distinta
da operação: inicialmente, precisa-se de um contrato apto a transferir
segura e efetivamente os bens que servirão de lastro à operação para
o veículo de propósito exclusivo que emitirá os títulos. Em seguida,
necessita-se de instrumentos hábeis a movimentar rapidamente os
valores lastreados no patrimônio segregado.
Assim, a cessão de crédito ou de contrato, num primeiro momen­
to, e os títulos de crédito ou valores mobiliários, num segundo, são os
instrumentos jurídicos de mobilização de riquezas comumente utiliza­
dos em operações de securitização. Passa-se a analisar cada um deles.

2.1. Cessão de crédito


De acordo com Orlando Gomes108, a cessão de crédito pode ser
apresentada como antecedente jurídico ou como efeito do ato da trans­
ferência do direito. No Direito brasileiro, o legislador de 1916 optou
por considerar o instituto um efeito, alocando sua regulamentação na
parte do Código Civil reservada às obrigações e não aos contratos.
Tal entendimento foi mantido no Código Civil de 2002.
Ainda de acordo com o autor, por efeito da cessão,
“o credor originário sai da relação obrigacional, por isso que,
celebrado o contrato, ocorre a substituição na titularidade do

108GOMES, Odando. N o v ís sim a s q u e s tõ e s d e d ire ito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1988. p. 82 es.

78
crédito negociado. O novo credor adquire o crédito a título deri ­
vado, exercendo o respectivo direito como se fosse credor origi
nário, nos seus limites”.

No entender de Carvalho Santos109, a utilidade da cessão dc cré­


dito está no fato de que o crédito pode ser empregado pelo credor
como dinheiro, negociado e transferido como qualquer outro elemento
de seu patrimônio. Essa objetivização do crédito é tratada de forma
interessante por Orlando Gomes, que menciona a possibilidade de se
considerar o credor “proprietário do crédito”, e, assim, poder-se-ia
inclusive falar em “compra e venda de crédito” , como se de coisa se
tratasse.
O principal efeito da cessão de créditos é o de transmitir, do
cedente ao cessionário, o direito à prestação. Ou seja, uma alteração
subjetiva da obrigação. Na opinião de Eizirik110, uma vez realizada a
cessão, o cessionário adquire, além do poder formal de exigir o cum­
primento da obrigação por parte do devedor cedido, o direito à pres­
tação em si, no qual se inclui o direito a danos moratórios e por
inadimplemento.
Apesar de não ser o instrumento mais adequado à circulação de
riquezas, a cessão de crédito tem papel fundamental na fase inicial da
securitização. No momento da estruturação da operação, é normal­
mente por meio desse tipo de negócio jurídico que é segregado o
patrimônio que servirá de lastro para a emissão. Nessa fase, a cessão
se torna eficiente, pois a operação não envolve um número grande ou
indefinido de partes. A cessão é feita do originador ao VPE.
A transferência dos ativos é o cerne da securitização, sendo ela
o seu diferencial em relação a emissões simples de valores mobiliá­
rios. A segregação é o elemento delimitador do patrimônio que ga­
rante o crédito dos adquirentes dos títulos emitidos na securitização.

109SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado. 5. ed. 8S>>


Paulo: Freitas Bastos, 1955. v. 14. p. 225-226.
"“EIZIRIK, Nelson. Cessão de créditos no mercado financeiro. R evista d e I h/*>!#«•
Mercantil, industrial. Econômico e Financeiro , São Paulo, n. 116, p. 200-21 1. òtr!
dez. 1999.
É a transferência que vai restringir os ativos que respondem pelo pa­
gamento da remuneração e resgate dos títulos, e também vai separar
tais ativos do patrimônio geral do originador, de forma a protegê-lo
de eventuais credores. É de suma importância, assim, que essa trans­
ferência se dê de forma efetiva, e não apenas virtual. Para reforçar a
segurança da operação, os ativos devem realmente deixar o domínio
do originador e passar ao emissor111.
Assim, a cessão deve-se revestir de todas as formalidades ne­
cessárias para que qualquer negócio jurídico seja plenamente válido,
ou seja, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou
determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Além disso,
cedente e cessionário devem observar as formalidades exigidas espe­
cificamente para a transmissão de obrigações descritas no Código
Civil, especialmente aquelas relativas à forma e à notificação do de­
vedor cedido.
Nesse sentido, para que uma cessão de créditos seja válida e
eficaz, ela deve conter requisitos subjetivos, objetivos e formais.
Quanto aos sujeitos, o cedente deve efetivamente ser o titular do cré­
dito para que possa validamente cedê-lo, e o cessionário deve ter
legitimação para adquirir o crédito, ou seja, não deve estar impedido
por lei de ocupar a posição de credor que lhe é transferida. No que diz
respeito ao objeto da cessão, o crédito deve ser passível de cessão. É
necessário que não exista nada em sua natureza, ou disposição legal
ou contratual que lhe impinja intransferibilidade. Quanto aos aspec­
tos formais, a cessão deve observar as prescrições do Código Civil no
que diz respeito à forma da qual se deve revestir.
De acordo com o art. 288 do Código Civil, para que seja válida
perante terceiros, a transmissão de um crédito deve ser celebrada por
instrumento público ou, altemativamente, revestir-se das formal ida-

111É o que se chama no Direito norte-americano de true sala. A não ser em casos
muito especiais previstos em lei, a simples segregação do ativo no balanço do
originador (o n -b a la n c e ) não é suficiente para dar à operação a segurança que lhe é
peculiar. Faz-se necessária a cessão desses ativos, de forma que efetivamente dei­
xem de integrar o patrimônio do originador. Em sistemas como o português, a tru e
s a le é exigida para que se cumpram fielmente as disposições legais a respeito de
securitização.

80
des do § l 2 do art. 654, que são a indicação do lugar onde foi passado
o negócio, a qualificação das partes, data e objetivo da outorga com
designação e extensão dos poderes conferidos.
Além disso, para que tenha eficácia em relação ao devedor, a
cessão deve ser a ele notificada, a não ser que ele se declare ciente da
cessão mediante escrito público ou particular.
As formalidades exigidas pelo Código Civil para a eficácia da
cessão de créditos, especialmente no que diz respeito à notificação do
devedor, constituem uma das dificuldades operacionais da securitização.
Com efeito, num processo de securitização, em que são cedidas gran­
des quantidades de créditos e normalmente de forma continuada, a
notificação dos devedores pode representar custos elevados, sem con­
siderar ainda a dificuldade operacional desse processo. O que pode ser
feito na prática para mitigar esse problema é delegar ao cedente as
funções de fagente arrecadadqjvdos créditos cedidos, de forma que o
pagamento possa ser feito pelo devedor ao credor originário.
No caso específico de créditos imobiliários, o legislador brasi­
leiro criou um instrumento para resolver o problema da cessão dos
créditos para securitização, mediante criação de títulos representati­
vos de tais créditos que podem ser cedidos sem maiores formalida­
des. Conforme se verá adiante, trata-se de incentivo ao desenvolvi­
mento da securitização de base imobiliária no Brasil.
A princípio, qualquer crédito pode ser cedido, se a isso não se
opuser sua natureza, disposição legal ou contratual. A cessão de crédi­
to futuro, todavia, não era assunto pacífico entre os doutrinadores du­
rante a vigência do Código Civil de 1916. Acredita-se, todavia, que tal
modalidade em nada desvirtuava ou se contrapunha à natureza do ins­
tituto, mesmo na vigência do antigo Código. Nesse sentido ensina
Antônio Chaves11213que simplesmente há uma estipulação de que o cré­
dito já pertence a outro — o cessionário — mesmo antes de nascer1u.

112CHAVES, Antônio. T ratado d e d ire ito c iv il: obrigações. São Paulo: Revista cios
Tribunais, 1984. v. 2, t. 1, p. 363 e s.
113Em sentido contrário, Orlando Gomes (O b r ig a ç õ e s . 5. ed. Rio de Janeiro: Porei»«
se, 1978. p. 252), considera não ser possível a cessão de todos os créditos v#»
nham a nascer de um negócio, pois isso constituiria ato imoral.
Propunha-se, basicamente, duas teorias para explicar a cessão
de crédito futuro, quais sejam: a teoria da transmissão e a teoria da
imediação. De acordo com a primeira, o crédito objeto de cessão
futura nasce e se constitui na figura do cedente, e, só depois, é cedido
aos cessionários. Já a teoria da imediação explica que o crédito, uma
vez cedido, já nasce e se constitui na pessoa do cessionário114.
Com o advento no novo Código Civil, essa discussão não mais
tem razão de ser, já que, dentre os requisitos para a validade do negó­
cio jurídico, determinados no art. 104, está o objeto lícito, possível,
determinado ou determinável. Assim, no caso da cessão de créditos
futuros, o objeto do negócio não seria conhecido no momento da
celebração, mas determinável.
Esse tipo de negócio é a base da securitização que visa ao finan­
ciamento de projetos. Nesse caso, as expectativas de renda de deter­
minado empreendimento é que dão lastro às emissões de títulos fei­
tas pelo veículo de propósito exclusivo da operação. Os créditos são
cedidos ao VPE mesmo antes de constituídos e, na maioria das vezes,
mesmo antes de estruturado o projeto
No que diz respeito às garantias, o Código Civil brasileiro é
claro ao definir, no art. 287, que, “salvo disposição em contrário, na
cessão de um crédito, abrangem-se todos os seus acessórios”. Assim,
os créditos cedidos são acompanhados por quaisquer garantias que
porventura tenham, mesmo as que são exclusivas de determinados
segmentos da economia. Ademais, na cessão de crédito, o contrato
original permanece inalterado, em todas as suas estipulações, tendo
sido modificado apenas o sujeito que faz jus a determinada presta­
ção. Esse fato não modifica a natureza do contrato, que permanece
inalterado em todas as suas cláusulas.
Apesar de aparentemente pacífica, a questão da transferência de
elementos acessórios de contratos mostrou-se, e ainda mostra-se,
controversa, principalmente no que diz respeito a garantias e taxas de
juros permitidas somente a instituições financeiras. O exemplo mais

114A respeito cio assunto, ef. CABRAL, Antônio da Silva. Cessão de contratos. São
Paulo: Saraiva, 1987. p. 149 e s.

82
típico dessa questão refere-se à jalienação fiduciária em garantia dc
bens móveis. jPor ser garantia que apenas pode ser constituída em
favor de instituição financeira, discute-se sobre a possibilidade de
sua transferência a entidade não financeira.
Porém, além das disposições do Código Civil a respeito da ces­
são de garantias, a Resolução CMN n. 2.686/2000, que disciplina a
securitização de créditos financeiros, determina expressamente que a
cessão de créditos para fins de securitização implica a transferência
dos contratos, títulos, instrumentos e garantias necessários à sua exe­
cução. Ou seja, o Conselho Monetário Nacional permitiu a utilização
de mecanismos de execução próprios de instituições financeiras por
sociedades securitizadoras, que não são instituições financeiras. Ade­
mais, a legislação sobre alienação fiduciária exige apenas que a ga­
rantia seja constituída em favor de instituição financeira, e nada dis­
põe a respeito de transferência. Assim, tendo sido a garantia devida­
mente constituída, não há que falar em restrições a sua transferência
em negócio de cessão de crédito.
A mesma regra se aplica às taxas de juros cobradas por institui­
ções financeiras, as quais não se sujeitam à Lei da Usura, já que as
taxas de juros também são prestações acessórias da dívida principal.

2.1.1. C essã o d e créd ito e cessão d e co n tra to

Tanto a cessão de crédito quanto a cessão de contrato podem ser


celebradas em operações de securitização. A não ser quando expres­
samente disposto em legislação específica a respeito de determinado
tipo de securitização, fica a critério das partes definir aquele que mais
se adequa ao negócio pretendido.
A cessão de contrato não se confunde com a cessão de crédito,
nem com a cessão de débito, pois, no caso daquela, opera-se urna
“total transferência na sua unidade orgânica dos direitos e obriga­
ções”115, enquanto na cessão de créditos altera-se um dos pólos <l,i
relação contratual, restando inalterados seus demais elemento,. 1
mesma forma, não se deve confundir nenhuma dessas figuras >om .

115GOMES, Orlando. C o n tra to s..., 6. ed. p. 175.


novação, em que efetivamente ocorre a extinção de uma relação
obrigacional, que é substituída por outra.
A cessão de contrato pode ser definida como o negócio jurídico
mediante o qual a posição contratual de uma das partes é assumida
por terceiro. De acordo com Orlando Gomes, “na cessão de contratos
há a substituição de um dos contratantes por outrem, que passa a
figurar na relação contratual como se fora a parte de quem tomou o
lugar”116.
Nas palavras de Antonio da Silva Cabral, a cessão de contrato,
ou cessão de posição contratual, é
“o negócio jurídico que tem por objetivo a transferência por
uma das partes (cedente) a um terceiro (cessionário), com a
anuência da outra parte (cedido), da posição contratual”"7.
Para Orlando Gomes, enquanto a cessão de contrato é conside­
rada um meio de circulação de contratos118, a cessão de crédito119 é
uma forma de modificação da relação obrigacional, juntamente com
a sub-rogação, a delegação e a expromissão120.
A cessão de crédito e a cessão de contrato possuem característi­
cas próprias e, por isso mesmo, vantagens e desvantagens. No que
diz respeito à celeridade da operação, a cessão de créditos é a melhor
opção já que, nesse caso, não há necessidade, via de regra, de anuência
do cedido, mas de simples notificação. Já no caso da cessão de con­
trato, como há efetivamente uma substituição na posição contratual
ocupada pelo cedente, há necessidade de que a parte cedida concorde
com o negócio. Porém, caso a caso deve ser analisada a adequação de
uma ou outra forma para a transferência dos ativos que servirão de
lastro à securitização.

116GOMES, Orlando, p. 175 e s.


117CABRAL, Antonio da Silva. op. cit.
ll8GOMES, Orlando. Contratos..., 6. ed. p. 175.
119A respeito da cessão de crédito, cf. GRAZIANI, Alessandro. La cessioni dei crediti.
Perugia: Tipografia Guerriero Guerra, 1930, e PANUCCIO, Vincenzo. La cessione
volontaria dei crediti : nella teoria del transferimento. Milano: Giuffrè, 1965.
120GOMES, Orlando. Contratos..., 6. ed. p. 238.

84
2.2. Títulos de crédito
Na circulação de coisas móveis, tem-se em vista a coisa em si,
enquanto na circulação de créditos, tem-se em vista o direito objeto
da transferência, com todo o seu subjetivismo121. E esse subjetivismo
que dificulta a transferência dos direitos, tornando-a insegura, pois
somente será válida a transferência de um direito quando operada
pelo verdadeiro titular e de acordo com as formalidades exigidas no
instrumento que lhe deu origem, que, por sua vez, não possui forma
certa e determinada. Por isso, o adquirente nunca estará completa­
mente seguro sobre o conteúdo de sua aquisição, independentemente
da boa-fé com que as partes tenham agido.
Especialmente no que concerne ao crédito, o adquirente não sabe
ao certo o que está recebendo, pois esse crédito diz respeito a deter­
minado negócio do qual não participou, não tendo, assim, conheci­
mento de todas as suas particularidades, e, por conseguinte, das ex­
ceções que lhe possam ser opostas.
Essa é a principal causa das dificuldades enfrentadas na circula­
ção dos créditos por meio de instrumentos que, apesar de até hoje
utilizados, não se prestam a fazer circular a riqueza de forma rápida e
eficaz, como a cessão de créditos e de contratos que, como já se de­
monstrou, não delimitam exatamente o conteúdo do que está sendo
posto em circulação.
Os títulos de crédito vieram suprir a necessidade econômica de
segurança e rapidez na transmissão de créditos, com sua objetivização,
delimitação e incorporação em um instrumento que pode circular,
submetido às regras relativas à circulação das coisas móveis, e que
carrega consigo o conteúdo perfeitamente especificado do direito nele
incorporado.
Ao se apossar de um título de crédito, observadas as regras de
circulação a que esteja sujeito, seu novo titular saberá, simples­
mente lendo o que nele está escrito, todos os direitos oriundos do
título, pouco importando como e em qual relação ele tenha sido

121ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. 2. ed. Trad. Ur Nieolau
Nazo. São Paulo: Saraiva, 1969. p. 6.
gerado. Isso porque o título de crédito é o documento necessário ao
exercício do direito literal e autônomo nele contido, produzindo
efeitos apenas quando contém todos os requisitos prescritos em lei
(art. 887 do CC).
Essas características dos títulos de crédito têm a função primor­
dial de distingui-los de outros documentos, dotando seus possuido­
res de maior segurança jurídica, já que significam que o direito está
incorporado à cártula. É exatamente essa segurança outorgada pelo
direito que faz os títulos de crédito instrumentos hábeis a promover a
circulação de riquezas de forma rápida e eficaz.

2.2.1. L eg itim a ç ã o e titu la rid a d e

É claro que não se pode considerar absoluta a incorporação do


direito à cártula, visto que, assim procedendo, estar-se-ia pondo de
lado a função instrumental do título em relação ao direito que ele faz
circular. O título existe porque existe o direito incorporado122. Se de
outra forma fosse, estaria circulando um título que só carregaria con­
sigo seu valor intrínseco ou, por outro lado, ocorreria o perecimento
do direito pelo mero perecimento do título. Pode-se visualizar essa
situação, no caso do título destruído ou anulado. Nas palavras de
Vivante123, quando isso ocorre

“cessa la necessità di quel vincolo fra il documento e il diritto, e


il diritto può esercitarsi anche senza di esso — cella finchè il
titolo esiste 1’esercizio dei diritto è subordinato alia detenzione
e la esibizione dei titolo stesso”124.
Assim, percebe-se que a incorporação não é absoluta, pois o
direito incorporado não desaparece com o título que o faz circular.

122Nesse sentido, DE LUCCA, Newton. Aspectos da teoria geral do títulos de crédi­


to. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 16 e s.
123VIVANTE, Cesare. Tratatto di diritto commerciale. 3. ed. Milano: Vallardi, 1904.
v. 3, p. 154 e s.
124“Cessa a necessidade do vínculo entre o documento e o direito, e o direito pode
ser exercido mesmo sem ele — já que com a existência do título, o exercício do
direito é subordinado à detenção e à exibição do próprio título.”

86
Desaparece apenas a tutela diferenciada oferecida pelo ductt. > -j.s tu
do o crédito è incorporado em um dõcumèntõ cártulãr1 7
Admitindo-se que quem tem a posse do título de c r é d ito i - 1
legitimado a exercer o direito nele incorporado e derivar essa legiti­
midade exatamente d a posse, fácil concluir que a circulação d o direi
to se dá com circulação d o título. Desse modo, satisfaz-se a necessi­
dade econômica fundamental de circulação dos créditos, d iv e rsa da
circulação dos direitos125126.
Nesse ponto surge u m problema, qual seja, distinguir posse c
propriedade do título e titularidade e legitimação em relação ao direi­
to nele incorporado. De acordo com Asquinil27j a titularidade do di­
reito depende de sua propriedade, enquanto a legitimação para o exer­
cício do direito depende de sua possej Esse autor define titularidade
como sendo “la apparteneza sostanziale dei diritto cartolare ad un
determinatto soggetto”128, enquanto a legitimação seria “il potere di
esercizio dei diritto stesso, colegatto ad una data situazione formale,
prescindendo dalla apparteneza dei diritto”129*.
Dependendo do regime de circulação a que se submeta o título,
a posse poderá ser simples ou qualificada1’0. Com efeito, nos títulos
ao portador, a posse pura e simples já qualifica e legitima o possuidor
ao exercício do direito nele contido. No caso dos títulos à ordem e
nominativos, essa posse deve ser qualificada, ou seja, necessita de

125Esse também é o regime adotado pelo novo Código Civil, quando determina, em
seu art. 888, que “a omissão de qualquer requisito legal, que tire do escrito a sua
validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe
deu origem”. No mesmo sentido, o art. 909 estabelece que “o proprietário, que per­
der ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele, poderá obter novo
título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos”,
126Sobre o assunto, cf. ASCARELLI, Tullio. T eoria geral...
127ASQUINI. T ito li d i c re d ito e in p a r tic o la r e la c a tn b ia le e tito li b a n c a ri d i p a g a ­
Padova: CEDAM, 1951. p. 47 e s.
m en to .
128“A propriedade substancial do direito cartular a um determinado sujeito."
129“O poder de exercício do próprio direito, combinado a uma certa sitttayiu» torroiil,
prescindindo da titularidade do direito.”
1,0ASQUINI. op. cit., p. 47 es.
outras formalidades além da mera tradição para que o título seja trans­
ferido validamente. No caso dos títulos nominativos, a inscrição no
registro próprio do devedor é a formalidade necessária para sua trans­
ferência, e nos títulos à ordem, o endosso deve ser acrescido ao título,
quando de sua cessão.
A legitimação é indispensável, pois é ela que determina quem
está em posição jurídica para exercer determinado direito. Porém,
também a titularidade, que tem ligação com a propriedade e não com
a posse, deve ser levada em consideração, pois, se ela não existe, isso
significa que a detenção do título foi originada de forma ilícita, o
que, em última análise, contraria o próprio princípio inspirador dos
títulos de crédito, qual seja, o da segurança da circulação. Nessa hi­
pótese, prejudicado estaria o real proprietário do título. Sendo o títu­
lo de crédito coisa móvel, como já frisado, será considerado seu pro­
prietário aquele que o apresentar, ressalvados certos casos em que a
boa-fé há de prevalecer, como do título extraviado, deteriorado, fur­
tado ou roubado.
Reconhece-se, assim, que a posse do título deve ter-se origina­
do licitamente, ou seja, ser oriunda de negócio jurídico válido. A lei,
porém, protege o possuidor de boa-fé, no caso de haver este recebido
o título de alguém que não detinha a titularidade, e, assim, não pode­
ria transferi-lo licitamente. Caso assim não fosse, restaria prejudica­
da a eficiência circulatória dos títulos, pois cada pessoa que os rece­
besse estaria preocupada em verificar a validade e a licitude do negó­
cio mediante o qual aquele que o transferira o teria adquirido.
É claro que a circulação dos direitos patrimoniais pode dar-se
de acordo com as normas do direito comum, mas, se assim for, não se
poderá alegar a inoponibilidade das exceções que caracterizam os
títulos de crédito11'.
A circulação de direitos por intermédio dos títulos de crédito,
assim entendida a transferência imediata do direito de modo que ele
possa constituir-se autônomo aos sucessivos possuidores legitima-13

131 Sobre o assunto, cf. VIANA, Francisco de Assis Bomfim. Fundamento das exce­
ções cambiárias. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

88
dos do título, apesar de ter por objeto o direito nele incorporado, d;-
se pela circulação do próprio título, submetendo-se, assim, its regi;,
para transferência das coisas móveis, e não dos direitos.
É somente dessa forma que se satisfaz plenamente a exigência
econômica da qual se originou, delimitando e objetivando o direito
por meio dos princípios da hteralidade je, eventualmente, da<ábstra-
ção,: no título que o incorpora132.

2.2.2. Regimes de circulação dos títulos de crédito


Nos títulos de crédito, as ordens ou promessas de pagamento
não são feitas exclusivamente para benefício direto de uma pessoa
certa, mas de quem legitimamente possua o título. Assim, mesmo
que venha identificada no documento a pessoa beneficiária do crédi­
to, esta pode transferi-lo por mera tradição, endosso ou transferí, a
depender da forma prevista para a circulação desse título133.
Existem, como já salientado, diferentes formas de circulação a
cujas regras podem estar submetidos os títulos de crédito. Essas for­
mas de circulação condicionam a transferência desses títulos à obser­
vância de regras específicas. Nesse aspecto, os títulos de crédito são
tradicionalmente classificados em três espécies: títulos ao portador,
títulos à ordem e títulos nominativos134.
Na opinião de Newton De Lucca135, esse modelo tripartido
comumente adotado pela doutrina não é a melhor forma de classifi­
cação dos títulos, no que diz respeito a sua circulação. Melhor seria
adotar uma classificação bipartida, entre título^ ao portador e títulos
/ nominativos, podendo esses últimos ser endossáveis ou não. Isso
porque os títulos à ordem são sempre nominativos, distinguindo-se,

1,2 ASCARELLI, Tullio. Teoria geral...


133MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. 1, p. 19
134 De acordo com DE LUCCA, Newton. Aspectos da teoria geral, cit., p. 109, »
classificação dos títulos de crédito conforme sua forma de circulação é. na prática, a
mais importante. O novo Código Civil brasileiro também adota essa classíftcaçà«
tripartida (arts. 906 a 926).
1,5 DE LUCCA, Newton. op. cit., p. 110.
todavia, dos nominativos tout court pela peculiar forma de transfe­
rência desses últimos.
De qualquer maneira, o conceito de título de crédito, como sói
acontecer com todos os institutos jurídicos, tendeu a se desenvolver e
se adaptar às necessidades econômicas. Um exemplo dessa adapta­
ção são os títulos escriturais.
Mauro Rodrigues Penteado, em artigo no qual comenta a abor­
dagem feita pelo Projeto de Código Civil136 aos títulos de crédito,
defende que

“a lei geral de regência dos títulos de crédito não perca a oportu­


nidade de contemplar o fenômeno verificado mais recentemen­
te na praxe negociai, de propagação inevitável em virtude da
informática e das modernas técnicas de administração, relativo
(a chamada descartularizaçãoj mais freqüente no campo de utili­
zação das duplicatas, embora já reconhecido, limitadamente, em
lei (Lei n. 6.404/76, art. 34)”.

Nos últimos anos, essa realidade tornou-se ainda mais premen­


te. A intensificação da utilização de serviços bancários e de correta­
gem de valores mobiliários através da Internet faz com que a regulação
de tais operações se torne cada vez mais urgente137. Porém, o novo
Código Civil restou silente a respeito do assunto.

2.3. Valores mobiliários


No conceito dos títulos de crédito já vinha embutido o embrião
do que seria o mercado de capitais, no qual o pressuposto básico é a
pulverização e circulação de riquezas, em contraste com a concentra­
ção das formas tradicionais de financiamento.

136 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Títulos de crédito no Projeto de Código Civil.


R e v ista d e D ir e ito M ercan til, In du strial, E c o n ô m ic o e F in a n ceiro , São Paulo, v. 34,
n. 100, p. 39, out./dez. 1995.
137Já em 1985, Newton de Lucca tratava do assunto da descartularização dos títu­
los de crédito. DE LUCCA, Newton. A c a m b ia l-e x tr a to . São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1985.

90
Apesar de não ter como função ptfmária a captação de rei ut •
e sim a circulação de riquezas, os títulos de crédito trazem em .
outras características essenciais ao mercado de capitais, especialmnit.
por serem meio de circulação dotado de segurança jurídica.
Os valores mobiliários, mesmo sem ter relação do tipo gênero/
espécie com os títulos de crédito, têm seu conceito intimamente liga­
do com o desses138. Assim, existem títulos de crédito considerados
valores mobiliários pela legislação brasileira, sendo que outros tipos
carecem dessa característica.
De acordo com Rocha e Lima139, deve-se aos franceses a distin­
ção entre títulos de crédito e valores mobiliários, sendo os primeiros
instrumentos oriundos de relações bilaterais comuns do comércio,
enquanto os segundos estariam imersos num mercado específico, em
que as operações não são meramente bilaterais, mas se disseminam
no mercado por um público indeterminado.
Na verdade, o que distingue essencialmente os títulos de crédito
dos valores mobiliários é a sua função econômica. Enquanto os pri­
meiros foram concebidos para ser documentos individuais, ou seja,
cada título incorporando direito individual e singular, que circularia
indefinidas vezes, os valores mobiliários têm vocação para a distri­
buição em massa, de que deriva a fungibilidade.
Ocorre que, apesar de conceitualmente diferentes, os valores
mobiliários utilizam-se, por conveniência, dos mesmos mecanismos
de circulação dos títulos de crédito. Daí por que, como se apontou
anteriormente, alguns títulos de crédito podem, caso sejam distribuí­
dos em certas proporções e se utilizem de mecanismos determinados

138Opinião diversa é a de Philomeno Joaquim da Costa (Anotações às companhias.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. v. 1, notas 1 e 12, p. 197 e 203) quando,
apesar de ressalvar que essa distinção não tem qualquer valia teórica, classifica os
títulos de crédito quanto à sua duração em valores mobiliários e efeitos de comércio.
Mais adiante confirma seu entendimento, novamente afirmando serem os valores
mobiliários espécies de títulos de crédito.
139ROCHA, João Luiz Coelho da; LIMA, Marcelle Fonseca. Os valores mobiliários
como título de crédito. Revista de Direito Mercantil. Industrial. Econômico c Finan-
ceiro, São Paulo, v. 120, p. 137-141, jul./set. 2000.
por lei, transmutar-se em valores mobiliários. É o caso das notas pro­
missórias comerciais ou commercial papers.
A razão para a utilização dos mecanismos de circulação dos
títulos de crédito por parte dos valores mobiliários é que tais meca­
nismos funcionam. Os títulos de crédito foram criados, como instru­
mentos jurídicos, para suprir a necessidade de delimitação e transfe­
rência segura de direitos patrimoniais, e cumprem essa função de
forma eficiente. Não seria necessária a criação de nova forma de cir­
culação para os valores mobiliários, se eles podem-se utilizar de uma
já bem-sucedida.
Nesse sentido, aponta com propriedade Bulgarelli140que os va­
lores mobiliários, apesar de não se confundirem com os títulos de
crédito, são “títulos de massa, títulos negociáveis e títulos societários”.
Assim sendo,

“participam e devem se integrar à teoria geral dos títulos de cré­


dito, não só para se manter a unidade conceituai e sistemática,
mas porque impregnados, se não de todos, ao menos de vários
requisitos característicos dos títulos de crédito”.

Continua o autor afirmando que, para ser considerado um valor


mobiliário, o documento necessita de alguns requisitos específicos,
independente de disposição legal, que lhe possibilite a mobilização
de títulos de massa e ainda sua vinculação a uma companhia emisso­
ra. Por outro lado, para que sejam eficazes para os fins a que se pres­
tam, os valores mobiliários necessitam estar revestidos de algumas
características dos títulos de créditos, especialmente no que diz res­
peito à circulabilidade, legitimação e titularidade.
Os valores mobiliários, mesmo tendo pontos essenciais em co­
mum com os títulos de crédito, apresentam características próprias
que fazem deles instituto diverso, como, por exemplo, o fato de te­
rem ligada a seu conceito a idéia de emissão em massa. É exatamente

IJ0BULGARELLI, Waldirio. Os valores mobiliários brasileiros como títulos de cré­


dito. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo,
n. 37, p. 111,

92
essa característica que faz com que a distribuição dos valores mobi
liários siga normas estritas, determinadas por lei.

2.3.1. Conceito e características


Os diplomas legais que tratam dos valores mobiliários no Brasi I
são as Leis n. 4.728/65 e 6.385/76, especialmente essa última.
Os valores mobiliários surgiram, assim como os títulos de cré­
dito, com a necessidade de transporte rápido e seguro de valores;
porém, nesse caso, a característica mais marcante era a escala em que
os títulos eram distribuídos. O valor mobiliário tem a função de per­
mitir que ativos de diversas espécies sejam oferecidos de maneira
indiscriminada, ou seja, ofertados publicamente de maneira segura,
tanto por conta das características do instituto jurídico quanto pelo
aparato legal que disciplina sua oferta em todos os países em que ele
é regulado pelo ordenamento jurídico.
Na doutrina, o conceito de valor mobiliário aparece intimamen­
te ligado ao de título de crédito, ora sendo classificados como títulos
de crédito propriamente ditos, ora como títulos impróprios141, já que
alguns valores mobiliários guardam todas as características clássicas
inerentes aos títulos de crédito, enquanto outros, como as ações, por
exemplo, apresentam apenas algumas dessas características. Na ver­

141Sobre a classificação dos títulos de crédito, cf. Cesare Vivante (Tratatto di diritto...,
p. 26-30), que aborda a matéria a designação de “categorias dos títulos de crédito ”,
de acordo com os direitos que incorporam, considerando as mais importantes (por
dizerem respeito à natureza do crédito de que se revestem) as que os classificam em
títulos de crédito próprios, impróprios, de legitimação e de participação, da seguinte
forma: a) títulos de crédito próprios: aqueles que encerram uma verdadeira operação
de crédito, sendo preponderante o elemento pessoal, já que são baseados na confian­
ça que merecem as partes, a exemplo da letra de câmbio e nota promissória, ordem
e promessa de pagamento; b) títulos de crédito impróprios: apesar de não represen­
tarem uma verdadeira operação de crédito, mas por serem revestidos de certos re­
quisitos dos títulos de crédito propriamente ditos, circulam com as garantias que
caracterizam esses últimos, o que confere segurança aos seus portadores, c. conse­
quentemente, larga aceitação no mercado; c) títulos de legitimação: não conferem
ao seu portador um direito de receber crédito propriamente dito, mas de recebei uma
prestação de coisas ou serviços; e d) títulos de participação: que dão ao portador um
direito de participação, como é o caso das ações das sociedades anônimas,
dade, conforme já exposto, o que ocorre é a utilização, pelos valores
mobiliários, do sistema de circulação criado para os títulos de crédi­
to, o que leva à transmutação de alguns deles em valores mobiliários.
Os dois institutos restam, porém, distintos.
De acordo com Ary Oswaldo Mattos Filho142, o conceito de va­
lor mobiliário se impõe, e é mesmo necessário para a demarcação da
legislação a ele inerente. Da mesma forma, seu conceito é necessário
para determinar o campo de atuação do governo para regular a área
ligada à capitalização de empresas e o acesso à poupança pública.
Assim, para o autor, a conceituação de valor mobiliário não é sim­
plesmente formal, más serve para “delimitar o campo de atuação dos
órgãos do Poder Executivo Federal encarregados de normatizar e in­
centivar o seu uso”.
Além de delimitar a competência da Comissão de Valores Mo­
biliários — CVM, õ' conceito de valor mobiliárioTaíhbém interessa
ao Banco Central do Brasil, uma vez que cabe a essa entidade a
normalização de outra parcela de valores mobiliários não emilidos
ipor sóciedades anônimas, como quotas de fundos de investimento.
1 Da mesma forma, tal conceito é de suma importância para que o
Conselho Monetário Nacional — CMN possa exercer com proprieda­
de as funções que lhe outorga o art. 2- da Lei n. 6.385/76, que faculta a
esse Conselho sujeitar outros títulos à autoridade da CVM, a seu crité­
rio. Um conceito claro pode evitar que o CMN considere valor mobi­
liário algo que não possua os elementos inerentes à sua natureza.
Segundo Mattos Filho143, existem duas formas básicas para ca­
racterização de valores mobiliários, quais sejam: a adotada pela maio­
ria dos países de tradição jurídica romano-germânica, que opta por
conceituar valor mobiliário; e aquela seguida por países de tradição
jurídica anglo-saxônica, que opta por listar exaustivamente as espé­
cies consideradas valores mobiliários em dado sistema jurídico144.

142MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. O conceito de valor mobiliário. Revista de D i­


reito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , São Paulo, n. 59, p. 31.
142MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. op. cit., p. 33.
144 No caso americano, por exemplo, as securities são definidas pela listagem das
espécies existentes, assim: “The term ‘security’ means any note, stock, treasure stock,

94
Apesar de o Brasil possuir um sistema jurídico com ba' <• roma­
no-germânica, a Lei n. 6.385/76, em vez de dar um conceito ■1u >de
valor mobiliário, optou por fazer uma lista, que poderia ser am.x ni.i
da pelo Conselho Monetário Nacional. Inclusive, na opinuo de
Leães145, a legislação de mercado de capitais brasileira foi o primeiro
caso de adaptação de um complexo de instituições e normas jurídi­
cas, oriundas de um país de sistema jurídico baseado na common law,
no contexto de um país tributário da tradição continental européia.
Essa forma, em se tratando do sistema jurídico brasileiro, apre­
sentou uma série de inconvenientes, pois, além de os juízes brasileiros
não terem o mesmo grau de liberdade dos juízes norte-americanos, por
exemplo, para decidirem, in casu, o que poderia ser considerado ou
não valor mobiliário, permite que o CMN crie, por meio de resoluções,
novas figuras jurídicas que podem ser incluídas na regulamentação ine­
rente aos valores mobiliários, sem, para tanto, definir parâmetros.
Na opinião de Haroldo Verçosa146, a carência de um conceito
mais preciso faz com que a proteção jurídica torne-se inadequada a

bond, debenture, evidence o f indebtedness, certificate of interest or participation in


any profit-sharing agreement, collateral trust certificate, pre-organization certificate
or subscription, transferable share, investment contract, voting-trust certificate,
certificate of deposit for a security, fractional undivided interest in oil, gas, or other
mineral rights, or, in general, any interest or instrument commonly known as a security,
or any certificate of interest or participation in, temporary or interim certificate for,
receipt for, guarantee of, or warrant or right to subscribe to or purchase, any of the
foregoing”. Essa forma de caracterização, no entanto, mostra-se bastante ineficiente,
razão pela qual, de acordo com Luís Gastão Paes de Barros Leães (O conceito de
“security” no direito norte-americano e o conceito análogo no direito brasileiro.
R e v ista d e D ir e ito M ercan til, Industrial, E con ôm ico e F inanceiro, São Paulo. v. 14. p.
41-60, 1974), as cortes americanas acharam por bem, a partir de um caso concreto,
elaborar um conceito mais genérico, que seria: “A Security is a transaction, whereby
(1) a person invests his money (2) in a common interprise and (3) is led to espect
profits (4) solely from the efforts of the pormoter or a third party” (op. cit., p. -IX i.
145LEÃES, Luís Gastão Paes de Barros. op. cit., p. 58.
146VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Notas sobre o regime jurídico da - oiei
tas ao público de produtos, serviços e valores mobiliários no direito brasileiro uuu
questão de complementação da proteção de consumidores c investidores.
D ire ito M e rca n til, In d u strial, E c o n ô m ico e F in an ceiro. São Paulo, \ 1135, p, 7 I :
j an ./mar. 1997.
todos os valores mobiliários que não estejam vinculados à Comissão
de Valores Mobiliários ou ao Banco Central do Brasil.
Portanto, faz-se necessária uma conceituação mais precisa de
valor mobiliário, visto que, como já se frisou antes, ela é imprescin­
dível para a delimitação do papel das agências governamentais en­
carregadas de fiscalizar e regular o mercado de capitais'47. Uma defi­
nição que contenha elementos fundamentais para a delimitação do
instituto é indispensável, seguindo o binômio genêro próximo-dife-
rença específica. No entender de Leãesl4S, esse tipo de conceito deve
abranger as captações no mercado em sua acepção mais lata, de for­
ma a permitir que as agências reguladoras protejam os interesses dos
investidores.
Segundo Mattos Filho149, a conceituação de valor mobiliário pode
ser feita pelo exame de suas características mais visíveis, sendo que,
segundo o autor, seriam:
a) contribuição para o investimento, que pode ser pecuniária ou
não;
b) empreendimento comum, onde o investidor entrega seu bem
para a gestão de terceiros, sendo o valor mobiliário o elo entre eles;
c) expectativa de lucro, pois o investidor espera que seu capital
seja remunerado;
d) caracterização do empreendimento, já que o substrato econô­
mico do negócio é que vai determinar a sua caracterização, e não ao
contrário;
e) contrato de risco, porque a possibilidade de perda econômica
é uma característica relevante dos negócios envolvendo valores mo­
biliários;*1

147 De acordo com Ary Oswaldo Mattos Filho (op. c it, p. 39), “caso não existisse a
Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central, ou qualquer outro órgão gover­
namental não regulasse o acesso ao mercado de capitais, seria indiferente a existên­
cia ou não do conceito”.
118 LEÃES, Luís Gastão Paes de Barros. op. cit., p. 60.
1"’MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. op. cit., p. 40 e s.

96
0 controle do empreendimento, já que negócios com valores
mobiliários são o principal exemplo de separação entre a proprieda­
de e a gestão dos recursos, e é exatamente nesse ponto que o Estado
deve atuar, protegendo os investidores;
g) materialização do valor mobiliário, porquanto os direitos e
obrigações gerados pelos valores mobiliários podem ser, ou não,
corporificados em algum tipo de documento; e
h) falta de especialização, pois geralmente o investidor não tem
conhecimentos técnicos suficientes para analisar o investimento que
está fazendo. É essa característica do investidor que o toma a ponta
mais fraca no negócio, e, por essa razão, o foco da tutela estatal.
Tendo em vista esses elementos, Mattos Filho conceitua valor
mobiliário como sendo
“o investimento oferecido ao público, sobre o qual o investi­
dor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinhei­
ro, bens ou serviço, na expectativa de lucro, não sendo neces­
sária a emissão do título para materialização da relação
obrigacional”150.

Leães ensina que o conceito de valor mobiliário (security) no


direito norte-americano é extraído muito mais de casos concretos do
que da legislação positiva. De acordo com o autor, são cinco as carac­
terísticas que, presentes, definem valor mobiliário naquele ordena­
mento jurídico:
“(1) todo investimento em dinheiro ou bens suscetíveis de
avaliação monetária, (2) realizado pelo investidor em razão de
uma captação pública de recursos, (3) de modo a fornecer capi­
tal de risco a um empreendimento, (4) em que ele, o investidor,
não tem ingerência direta, (5) mas do qual espera obter algum
ganho ou benefício futuro”151.
Nota-se uniformidade nos elementos apresentados por ambos
os autores, e ainda a tendência de adaptação, para o Direito brasilei■

150MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. op. cit., p. 49.


151LEÃES, Luís Gastâo Paes de Barros. op. cit., p. 48.

97
ro, do conceito norte-americano de valor mobiliário, o que realmente
veio a ocorrer em 2001.
A situação de indefinição legislativa foi alterada com o advento
da Medida Provisória n. 1.987, convertida na Lei n. 10.198, em 16 de
fevereiro de 200!. Primordialmente, a medida provisória foi editada
com o objetivo de disciplinar certos tipos de contratos de investimen­
to coletivo (principalmente os conhecidos como “boi gordo”), que
estavam sendo utilizados como forma de captação de recursos junto
ao público investidor, sem a devida fiscalização dos órgãos regulado­
res do mercado de capitais.
Para que os referidos contratos pudessem ser qualificados como
valores mobiliários e assim situá-los sob a responsabilidade da CVM,
a nova legislação teve que ampliar bastante o seu conceito. Apesar de
apresentar todas as características de valores mobiliários, os contra­
tos de investimento coletivo não eram assim considerados, uma vez
que não faziam parte do rol determinado pela legislação vigente152.
Assim, o art. 12 da Lei n. 10.198/2001 traz um conceito de valor
mobiliário bastante similar ao adotado pelo Direito norte-americano,
abarcando quaisquer negócios jurídicos que possuam essas caracte­
rísticas:

“Constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei


n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados publica­
mente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que ge­
rem direito de participação, de parceria ou de remuneração, in-

152Sobre o assomo cf. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A CVM e os contra­


tos de investimento coletivo (“boi gordo” c outros). R e vista d e D ire ito M ercan til,
In d u stria l, E c o n ô m ico e F in a n ceiro , São Paulo, v. 108, p. 91-100, out./dez. 1997. O
autor afirma que “os contratos de b o i g o rd o vieram a ser qualificados como valores
mobiliários sujeitos à disciplina da Lei 6.385/76, ou seja, colocados sob a responsa­
bilidade da CVM. Para esse efeito, veio a ser grandemente alargado o conceito de
valor mobiliário, quando considerada a legislação anterior, do que resultaram reper­
cussões deveras importantes no mercado. Desse novo tratamento legislativo deve
resultar — em tese — uma melhor proteção do comprador, tendo em vista a neces­
sidade de prévio registro das operações correspondentes e sua fiscalização
institucional por aquela autarquia federal”.

98
*)
clusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos
advêm de esforço do empreendedor ou de terceiros”.
Com a nova legislação, além de alargar o conceito para abarcar
novas formas de investimento, o sistema de caracterização de valores
mobiliários tomou-se mais adequado ao nosso ordenamento jurídico.
Da mesma forma, deixa caminho aberto para a criação de novos valo­
res mobiliários, à medida que as necessidades econômicas o exigirem.
Esse conceito foi posteriormente inserido na Lei n. 6.385/76, no inciso
IX do art. 22, pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, no qual são
listados os valores mobiliários, segundo a legislação brasileira.
Os instrumentos de mobilização de riquezas estão caracteriza­
dos e regulados pelo Direito brasileiro, sendo assim dotados da segu­
rança conceituai a eles necessária. Esse é um dos pré-requisitos bási­
cos da utilização do mercado de capitais pelos agentes econômicos e
de seu conseqüente desenvolvimento.
Como se detalhará mais adiante, para que seja estruturada, a
securitização se utiliza de diversos instrumentos jurídicos, dentre eles
a cessão de créditos, a cessão de contratos, as formas societárias e
outras comunhões de recursos, como os fundos de investimento, a
prestação de garantias, mas ela necessita de uma emissão de títulos.
É por intermédio da distribuição de títulos ou valores mobiliá­
rios que ela se torna perfeita e acabada. Os mecanismos de circulação
e mobilização de riquezas são, assim, um pressuposto da existência e
da viabilidade das operações de securitização, que visa, exatamente,
promover essa circulação.
A seguir, com a análise da estrutura da securitização, será estu­
dado, detalhadamente, cada um dos institutos jurídicos utilizados na
operação.
C a p ít u l o 3

A ESTRUTURA DA SECURITIZAÇÃO
A securitização é uma operação complexa, composta de diver­
sos negócios jurídicos interligados pelo nexo do escopo: cada um
deles visa ao fim comum de viabilizar a operação como um todo.
A estrutura contratual da securitização é de extrema importân­
cia, pois é ela que determina suas características e o regime jurídico a
que se sujeita a operação. Assim é que, a partir da análise da estrutura
da securitização, pretende-se determinar sua natureza jurídica: pode-
se considerar a securitização de um negócio único, ou simplesmente
vários negócios praticados sucessivamente.
Nesta parte do trabalho, a securitização passa a ser estudada
como conjunto de negócios jurídicos que, apesar de apresentar estru­
tura flexível, mantém certas características constantes, sempre visan­
do à desintermediação e à pulverização do risco.

3.1. Fases da securitização


Por não haver estrutura única legalmente imposta à securitização,
e pela flexibilidade que a ela é conferida por conta da diversidade de
utilizações que pode ter, a securitização pode ser adaptada a diversas
necessidades, ser mais complexa ou mais simples, envolver mais ou
menos partes. Mesmo assim, é possível identificarem-se estruturas
constantes em todas as operações que, hoje em dia, podem ser consi­
deradas securitizações em sentido estrito.
De acordo com Jeffery Barratt153 a estrutura de uma securiti­
zação geralmente envolve os seguintes elementos: a) um conjunto

153BARRATT, Jeffery. Financing projects through the capital markets: a South East
Asia Perspective. In: The fu tu re ..., p. 95-105.

100
de ativos que serão securitizados; b) um veículo de propósito ex­
clusivo — companhia, fundo ou tmsf, c) uma emissão de títulos
negociáveis pelo veículo de propósito exclusivo; e d) uma agência
de classificação de risco que deve classificar a emissão do veículo
de propósito exclusivo.
A partir desses elementos, tem-se que uma operação padrão pode
ser estruturalmente descrita da seguinte forma: uma sociedade
(originador) tem bens, direitos ou expectativas de direitos que são
representados por contratos ou títulos. O originador constirtii uma
sociedade sem atividade operacional ou um fundo (VPE), que deverá
receber os ativos e emitir títulos ou valores mobiliários lastreados
nesses ativos. Os investidores compram os títulos emitidos pelo VPE,
que paga ao originador pela cessão dos ativos com os recursos oriun­
dos da venda dos títulos. Podem ser apostas garantias adicionais, bem
como ser contratada agência de classificação de risco para avaliar a
emissão.
Assim, em se agrupando as fases segundo suas características, a
operação pode ser dividida nas etapas analisadas detidamente a se­
guir: a) constituição do veículo de propósito específico; b) segrega­
ção de ativos mediante cessão de créditos ou de contratos; c) emissão
e subscrição de títulos; e d) classificação de risco da emissão. Cada
uma dessas fases pode ser caracterizada por negócios e atos jurídicos
determinados. É por meio desses instrumentos jurídicos que se anali­
sará cada etapa da operação de securitização.

3.1.1. Constituição do veículo de propósito exclusivo

Antes de definir a form a de constituição dos veículos de


securitização, deve-se determinar qual veículo será utilizado. Há al­
gumas opções que devem ser consideradas, dependendo da estrutura
e objetivos da operação. O veículo de propósito exclusivo é a figura
jurídica constituída especialmente para a operação de securitização,
e tem como único escopo a aquisição de ativos a serem securitizados
e a emissão dos títulos lastreados nesses ativos.
a) Trust
Nos países que adotam o sistema anglo-saxão, o VPE getai
mente utilizado é o tr u s t, que, de acordo com Rosenthal e Ocampo134,
pode ser definido como.

“an unincorporated entity generally created under state law by a


depositor contributing property to be held by a trustee pursuant
to a written trust agreement between the depositor and the trustee.
The depositor may be the beneficial owner of the trust property,
or the ownership of the property may be conveyed to third parties.
The trustee is responsible for managing the trust property on
behalf of the beneficial owners”154155.

Com efeito, configura-se o tr u s t pela entrega de bens pertencen­


tes a uma pessoa (denominada s e t tl o r ) a outra pessoa (que se deno­
mina tr u s t e e ) para que deles “faça uso conforme determinado encar­
go que lhe tenha sido cometido”156. Mediante a instituição do tr u s t, o
s e t tl o r efetivamente transfere a propriedade dos bens objeto do tr u s t ao
tr u s te e , que assume a obrigação de administrá-los conforme as orien­
tações recebidas em benefício de um terceiro, que seria o beneficiário
do negócio. Trata-se, assim, de um típico negócio fiduciário.
Ocorre, porém, que a propriedade do tr u s te e sobre os bens não
é definitiva, e sim temporária e limitada à subsistência do tr u s t. Isso
se torna possível porque, nas legislações baseadas no modelo anglo-
saxão, existe a possibilidade de dicotomia da propriedade, ou seja, de
co-existência de duas propriedades sobre um mesmo bem. Assim, o
tr u s te e teria a n o m in a l p r o p e r t y do bem, enquanto o beneficiário do
tr u s t seria titular da e q u it a b le p r o p e r ty . O tr u s te e não é mero manda­
tário ou administrador dos bens, mas efetivamente proprietário com

154ROSENTHAL, James; OCAMPO, Juan. op. cit., p. 137.


155 “Uma entidade não personificada, geralmente criada de acordo com as leis esta­
duais, por um depositante que contribui com bens para serem mantidos por um agente
fiduciário, mediante um contrato por escrito de trust, entre o depositante e o agente
fiduciário. O depositante pode ser o beneficiário dos bens depositados, ou ainda
pode ser apontado um terceiro como beneficiário. O agente fiduciário é responsável
pela gestão dos bens em nome dos beneficiários.”
136Cf. CHALHUB, Melhin Namen. A fidúcia no sistema de garantias reais do direito
brasileiro. Felsberg e Associados. Disponível em: <www.felsberg.com.br/portugues/
artigos/ppfiduciahtmlx

102
poderes de disposição sobre eles. Todavia, esse poder de disposição e
“limitado pelo dever de administrar a coisa em proveito do institui
dor ou do beneficiário”157.
É exatamente essa dicotomia da propriedade, dividida em “pro­
priedade de garantia” e “propriedade de fruição”, que faz do trust o
VPE mais adequado à securitização, visto que reúne todos os elemen­
tos necessários à segregação do patrimônio, além de tratamento tribu­
tário diferenciado (no Direito norte-americano e em outros países onde
é utilizado) e total controle do patrimônio pelo seu administrador.
Ocorre que é difícil a transposição do conceito de propriedade
resolúvel para sistemas jurídicos de base romano-germânica, e, por
isso mesmo, o trust não é um instituto previsto no Direito brasilei­
ro, a exemplo da maioria dos sistemas jurídicos baseados nesse mo­
delo158. Assim, no Brasil, os veículos utilizados nas securitizações

l57CHALHUB, Melhin Namen, op. cit.


158A Argentina, por exemplo, pode ser apontada como uma exceção, pois, apesar de
adotar o modelo romano-germânico como base de seu sistema jurídico, tem no trust
ou fideicomisso a base das operações de securitização. Com efeito, considera-se que
a edição da Lei n. 24.441/95 foi o principal fator de desenvolvimento da operação no
país, apesar de não ser especificamente voltada à securitização, e sim à criação de
um veículo geral para a segregação de patrimônio. Tal lei prevê que uma relação
fiduciária será criada mediante transferência de determinados bens de uma pessoa a
outra (trustee ou fiduciário), que se compromete a exercer os direitos que possam
ser atribuídos à titularidade sobre tais bens em benefício de outra pessoa ou grupo de
pessoas (beneficiários). Apesar de o Código Civil argentino já haver previsto a rela­
ção fiduciária antes da edição da Lei do Trust, este tinha utilização restrita e conside­
rado inadequado à operação. Essa é a principal diferença com relação à securitização
no Brasil, onde se usam outros veículos para securitização, como fundos de investi­
mento e companhias de propósito exclusivo, sendo a estrutura utilizada bastante
similar, apesar disso. Na securitização argentina, o trust tem como objetivo exclusi­
vo adquirir os créditos ou ativos a serem securitizados, por intermédio do dinheiro
que ingressará em seu caixa pela venda dos valores mobiliários que emitirá no mer­
cado de capitais. Os valores mobiliários emitidos têm como garantia os ativos
subjacentes, que devem ser suficientes para cobrir o valor principal do empréstimo e
todos os encargos e custos envolvidos. Apesar de não haver proibição do uso de
companhia para a securitização argentina, o trust apresenta uma série de vantagens
advindas da legislação específica, que incentiva a utilização desse veículo, dentre sis
quais: a) desempenha diversas funções, reduzindo os custos envolvidos (emissor.
são sociedades anônimas159 ou fundos mútuos de investimento160.

depositário e agente de pagamento); b) tratamento fiscal privilegiado; c) impossibi­


lidade de ter sua falência decretada, excetuados os casos de transferência fraudulen­
ta de bens para o trust. O trustee (responsável pela administração do trust) deve, ao
menos uma vez ao ano, prestar conta aos beneficiários (investidores), respondendo a
estes no caso de administração negligente, e é proibido de adquirir os bens segrega­
dos no fideicomisso. Em princípio, não há restrições para que indivíduos ou pessoas
jurídicas atuem como trustees, a não ser do caso de tnists financeiros, em que tal
função deve ser exercida por uma instituição financeira. Na Argentina, assim como
no Brasil, não há limitação com respeito aos bens que podem ser securitizados,
respeitada sua natureza e os princípios gerais do direito. Os ativos tipicamente
securitizados são: ativos bancários (hipotecas, penhores, créditos pessoais, cheques
de pagamento diferido); dívidas de cartões de crédito; empreendimentos imobiliá­
rios, fluxos regulares, como os oriundos de arrendamento mercantil e concessioná­
rias de serviços públicos.
159Assim como no Brasil, o sistema italiano elegeu a sociedade anônima como veí­
culo mais comum para a securítização. A operação foi regulada nesse país pela Lei
de 30 de abril de 1999 — 130, sendo que alguns autores acreditam ter sido a edição
da lei peça-chave para o desenvolvimento da operação no país, apesar de tal desen­
volvimento ainda se encontrar em fase inicial. Isso porque os princípios de respon­
sabilidade patrimonial e limites de endividamento de sociedades eram considerados
fatores de limitação da utilização da operação antes da edição da lei (cf. Giuseppe
Rumi, Securitisation, Milão, II Sole 24 ore, 2001). A Lei 130/99 desenha a operação
de securítização com base num único modelo, com a utilização de urna sociedade de
propósito específico (Società per la Cartolarizzazione dei Crediti) como veículo:
porém, não há no diploma qualquer proibição à utilização de fundos de investimen­
to, tendo inclusive uma disposição considerando os princípios da lei aplicáveis aos
casos de cessão a fundos mútuos de investimento. A lei italiana não determina quem
pode ser originador dos ativos securitizados, podendo essa omissão ser interpretada
como flexibilidade. Da mesma forma, não é determinado título específico a ser emi­
tido na operação, podendo ser utilizado um tipo já existente, ou ainda modelado de
acordo com as características da operação. Tal título seria então classificado de acordo
com a categoria tributária na qual se enquadrasse. No que diz respeito à segregação de
patrimônio, a Lei 130/99 acolhe o princípio da afetação de patrimônio para fins de
securítização. A cessão dos créditos, porém, para ter eficácia, deve ser revestida de
algumas formalidades, como a necessidade de publicação no Diário Oficial, no caso
de créditos bancários. Ainda se tratou da possibilidade de falência do originador e do
devedor cedido, para assegurar a proteção dos investidores. Assim como no Brasil, os
elevados custos da operação ainda são o maior empecilho ao seu desenvolvimento.
160Apesar de os fundos de investimento serem tratados na legislação brasileira como
categoria distinta da securítização, no presente trabalho considera-se que, se tais

104
b) Fundos de investimento
De acordo com Chalhub161, os fundos mútuos de investimento
(bnram a perspectiva para a assimilação, no ordenamento jurídico
'•rasileiro, de elementos essenciais do trust, relativos à administração
. D patrimônios em benefício de investidores.
Os fundos de investimento no Brasil são constituídos sob a for­
ma de condomínios, abertos ou fechados, a depender da possibilida­
de de transferência e resgate de suas quotas. Não possuem personali­
dade jurídica, e, portanto, o administrador, que os constitui, age em
seu nome, não se confundido, porém, o seu patrimônio particular com
aquele do fundo que administra. Os administradores dos fundos de
investimento possuem os mais amplos poderes de gestão, incluindo a
alienação do patrimônio e a compra e venda de títulos, dentre outros.
A estrutura jurídica dos fundos de investimento mostra-se ade­
quada à securitização, sendo preferida em alguns países à forma

estruturas forem utilizadas como VPE, como é o caso dos Fundos de Investimento
imobiliário e dos Fundos de Direitos Creditórios, há securitização. Afinal, em tais
casos, os fundos de investimento têm exatamente a mesma função econômica de
uma sociedade de propósito exclusivo, não se tratando de instituto diverso, mas
apenas do uso de veículo diferente para emissão de títulos. Outro sistema que utiliza
os fundos de investimento como base da securitização é o francês. Assim, os Fonds
Communs de Créance foram criados na França pela Lei 88-1201, de dezembro de
1998, com o intuito de desenvolver a securitização no país. Após alguns ajustes da
legislação, o mecanismo francês de securitização passou a consistir na cessão dos
créditos, via borderô, ao fundo, que, por sua vez, emite os títulos negociáveis no
mercado secundário. Vale ressaltar que os títulos emitidos não são necessariamente
quotas, podendo esses fundos emitir títulos similares a debêntures, com diferentes
características, com relação a termo, resgate e remuneração. Há ainda a necessidade
de um gestor para o fundo, separado do originador, e ainda de um depositário para
os títulos. Os créditos que podem ser cedidos ao fundo são somente os de institui­
ções financeiras e entidades equiparadas. Na França, os empréstimos interbancários
representam a esmagadora maioria dos ativos dos Fonds Communs de Créance. No
Brasil, os Fundos de Direitos Creditórios assemelham-se bastante à estrutura fran­
cesa, tendo apenas uma utilização mais abrangente, já que os créditos não precisam
necessariamente ser detidos por instituições financeiras.
CHALHUB, Melhin Namen. Negócio fiduciário. Rio de Janeiro; São Paulo; Re­
novar, 2000. p. 326 e s.

105
societária, como é o caso da França. No Brasil, existe previsão ex­
pressa para duas espécies de VPEs sob a forma de fundos de investi­
mento: os fundos de investimento imobiliário e os fundos de investi­
mento em direitos creditórios. Apesar de não ser utilizado o termo
securitização nas normas que regulam esses tipos de fundos, sua es­
trutura é a mesma de uma securitização com veículo societário.
No caso dos fundos de investimento imobiliário, o ativo
subjacente à emissão de quotas são bens ou direitos de natureza imo-
^biliária. Sua constituição e funcionamento estão disciplinados pela
' Lei n. 8.668/93 e reguladas pela Instrução CYM 205/94. Esses fun­
dos já são bastante utilizados no mercado brasileiro e são responsá­
veis por algumas das mais bem -sucedidas experiências de
securitização no Brasil. Conforme se verá adiante, os fundos imobi­
liários são efetivamente negócios fiduciários, conforme definido na
lei que os instituiu.
Mais recentemente, o Conselho Monetário Nacional, por inter­
médio da Resolução n. 2.907/2001, e a Comissão de Valores Mobi­
liários, com a Instrução n. 356/2001, criaram os fundos de investi­
mento em direitos creditórios, ou fundos de recebíveis, como fica­
ram conhecidos. Trata-se de uma estrutura similar à de uma securi­
tização francesa, na qual o patrimônio do fundo de investimento é
composto de direitos creditórios. A legislação sobre fundos de recebí­
veis pode ser considerada atualmente aquela que prevê a estrutura
que mais se aproxima de uma regra geral para a securitização. Po­
rém, o fato de ser emanada do Conselho Monetário Nacional limita
sua aplicação às entidades sob a sua fiscalização.
Em ambos os casos, os fundos que funcionam como veículos
para securitização são disciplinados pelas regras aplicáveis a quais­
quer fundos de investimentos, observadas as particularidades deter­
minadas na legislação específica, conforme se verá adiante, inclusive
no que diz respeito à sua constituição.

c) S o cied a d e s
O VPE sob forma societária, por sua vez, possui as mesmas
características de qualquer sociedade, tanto no sentido material —
ou seja, trata-se de um contrato de comunhão de escopo em que duas
ou mais pessoas reúnem esforços para a obtenção de um fim comum

106
- quanto no que diz respeito a requisitos formais de constituição16-.
Mesmo as companhias securitizadoras expressamente previstas em
lei (companhias securitizadoras de créditos imobiliários e compa­
nhias securitizadoras de créditos financeiros) são constituídas e fun­
cionam como sociedades anônimas comuns.
O objeto da sociedade utilizada como VPE é especificamente
receber o ativo utilizado como lastro da securitização e emitir os títu­
los lastreados nesse ativo. Como se situa no campo da licitude, o
objeto da sociedade pode ser livremente estipulado entre as partes, e
essa característica (objeto exclusivo) não conflita com a natureza da
forma societária.
No caso das companhias securitizadoras de créditos imobiliá­
rios, k Lei n. 9.514/97 cjetermina que seu objeto será a “aquisição e
securitização desses créditos e a emissão e colocação, no mercado
financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo emitir
outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compa­
tíveis com suas atividades”.
Apesar de parecer, pela leitura da lei, que há a possibilidade de
a companhia securitizadora de créditos imobiliários ter atividade
operacional (prestação de serviços), acredita-se que os únicos servi­
ços compatíveis com a atividade de um VPE sejam aqueles ligados à
própria emissão, como, por exemplo, o recebimento e monitoramento
dos créditos que servem de lastro à emissão. Contrapõem-se à pró­
pria natureza do veículo e da operação na qual ele está inserido as
atividades que o exponham a riscos de insolvência.
Já a legislação a respeito da securitização de créditos financei­
ros é mais restritiva, e determina que a cessão de créditos das institui­
ções financeiras para fins de securitização serão efetuadas somente a
sociedades anônimas que tenham por objeto exclusivo a aquisição
desses créditos.
Além do objeto, a maior diferença entre a sociedade VPE e as
constituídas fora de securitizações não está nos aspectos formais, e162

162A respeito das características do contrato de sociedade, cf. SZTAJN, Rachel < í w
trato de sociedade e form as societárias. São Paulo: Saraiva, 1989.
sim no fim a ser alcançado. A constituição da sociedade, nesses ca­
sos, não exaure o objetivo do negócio; ela é parte de uma série de
contratos interligados por um escopo comum, ou seja, a estruturação
da securitização. Ademais, via de regra, as sociedades VPEs não pos­
suem atividade operacional, já que isso aumentaria a exposição a di­
ficuldades financeiras, ou mesmo insolvência e falência.
Os VPEs sob forma societária, geralmente, são constituídos na
modalidade de sociedades por ações. Isso se deve à possibilidade que
; as companhias têm de emitir valores mobiliários que outros tipos
societários nao”têm. As companhias apresentam, ainda, maior sepa-
; ração entre os bens e direitos pertencentes aos sócios em relação ao
patrimônio da sociedade, bem como regime jurídico mais completo e
consolidado, o que proporciona maior segurança que outras espécies
.societárias. ‘ ,
1 A constituição de uma sociedade ppr ações que servirá como
VPE numa securitização segue as m esdas regras especificadas na
Lei das Sociedades por Ações, em seus árts. 80g seguintes, que são
aplicáveis a qualquer sociedade anônima. Os acionistas do VPE qua­
se sempre são pessoas físicas ou jurídicas ligadas ao originador. So­
mente quando a securitização se dá por emissão de ações é que os
próprios investidores são os acionistas da companhia. Nesse caso, os
investidores subscrevem as ações emitidas pela sociedade securitiza-
dora, tornando-se seus acionistas e não credores. Apesar de não ser
muito utilizada, essa estrutura é possível e apresenta algumas vanta­
gens, como maior controle do VPE pelos investidores.

3.1.2. S eg reg a çã o do ativo


A característica mais marcante e, ao mesmo tempo, uma das
maiores vantagens da operação de securitização é a segregação do
lastro dos títulos emitidos num veículo distinto do originador dos
créditos.
Essa característica apresenta-se como vantagem tanto para os
originadores quanto para os investidores. Para os primeiros, por per­
mitir-lhesuma operação que, em princípio não será registrada em
suas demonstrações financeiras e que, por não incorporar os riscos
de uma empresa operacional, poderá ter melhor classificação de ris-

108
co, em comparação com o próprio originador, e, por conseguinte,
menor exigência de taxas por parte dos investidores e prazo mais
longo para' financiamento da dívida. Para os investidores, o menor
risco significa maior segurança em investimentos, que, em tese, se­
rão mais rentáveis que aqueles tradicionalmente apresentados no
mercado.
No que diz respeito à segregação do ativo, podem-se classificar
as operações de securitização e m duas espécies163: operações com
(segregação interna e óperações com segregação externai No primeiro
caso, a emissão é feita pelo próprio originador, vinculando-se ao ati­
vo que lhe serve de lastro mediante instrumentos contratuais, como,
por exemplo, constituição de garantias. Já na segunda espécie, a se­
gregação se faz pela cessão de créditos a uma outra pessoa jurídica,
apartando-se efetivamente o lastro da securitização do patrimônio do j
originador. A emissão, nesse caso, é feita pelo veículo de propósito
exclusivo.
Enquanto a securitização com segregação externa apresenta a
típica estrutura da operação, a securitização com segregação interna
pode ser considerada uma simples emissão de títulos com garantia
determinada. Apesar disso, ela pode, conceitualmente, ser considera­
da uma verdadeira securitização, já que apresenta todos os seus re­
quisitos materiais, mesmo que, formalmente, lhe falte um elemento
estrutural. Um exemplo típico de securitização com segregação in­
terna de lastro é a securitização de base imobiliária com constituição
'de pátriimôníõ'dê ãfetáçâõ:
A qualidade do ativo que servirá de lastro à emissão tem grande
importância no processo de securitização, pois, em última análise, a
emissão terá as mesmas características desse ativo, especialmente no
que diz respeito a termo, rendimentos e resgate. Vale salientar que
quanto mais homogêneos os contratos/créditos cedidos, mais fácil
será seu agrupamento para posterior securitização. É bem mais sim­
ples a cessão dos créditos ou contratos, no caso de contratos por ade­

163Sobre o assunto, cf. BORGES, Luís Ferreira Xavier. Securitizaçãi >> orno p.ui !.«
segregação do risco empresarial. Revista do Direito Bancário, do NU > >V A < t
tais e da Arbitragem, São Paulo, v. 10, p. 257-267, out./dez. 2000.

109
são ou contratos-tipo: não há necessidade de análise de cada instru­
mento contratual individualmente para conhecer detalhes como a
possibilidade de cessão, necessidade de aprovação ou mera notifica­
ção do cedido.
Também deve ser levada em conta a figura do devedor,jou seja,
a pessoa contra quem os créditos cedidos foram sacados, pois, ge­
ralmente, antes de se utilizar determinada carteira de recebíveis como
lastro em securitizações, são realizadas severas auditorias, espe­
cialmente se for contratada agência de classificação de risco para a
emissão.
Apesar de estruturalmente os devedores não serem partes tão
relevantes na securitização, já que não participam dos negócios jurí­
dicos que a compõem a não ser eventualmente na condição de
anuentes, do ponto de vista financeiro, são eles que vão determinar a
qualidade dos títulos emitidos e os investidores que irão adquiri-los.
Isso porque os contratos por meio dos quais foram constituídas
as dívidas são, na maioria das vezes, a única garantia dos títulos emi­
tidos na securitização, e, assim, deles depende, diretamente, a solva­
bilidade do emissor. Por essa razão, além das auditorias financeiras,
são geralmente realizadas auditorias jurídicas, com a finalidade de
verificar, além da qualidade dos créditos, sua correta constituição,
possibilidade e formalidades para a cessão, dentre outros aspectos.
O originador é aquele que, inicialmente, detém a titularidade
dos créditos que servem de lastro à operação, e também pode ser
responsável por serviços como o recebimento e cobrança de tais cré­
ditos e seu repasse ao VPE ou diretamente aos investidores.
A natureza das atividades do originador é que vai determinar a
natureza da operação de securitização e, conseqüentemente, a
aplicabilidade de regras específicas disciplinadoras de cada tipo de
operação. A securitização de créditos bancários é estritamente regu­
lada pelo Conselho Monetário Nacional, através do Banco Central,
assim como a securitização de exportações. No âmbito do Sistema
Financeiro Imobiliário, a operação também possui regulamento pró­
prio. Caso as sociedades originadoras não se enquadrem em nenhu­
ma categoria regulada, a securitização seguirá as normas gerais de
Direito Civil e Comercial, onde não há previsão específica para a
operação.

110
A situação económico-financeira do originador não é tfio ini
jíoíiante quanto a qualidade dos créditos cedidos, tendo em \ im i .tut
eu patrimônio.geral, não.responde pela solvabilidade dos titulo--
•itvildos pelo VPE. Todavia, a cessão de créditos, quando se c ik oh
* i , i p-m curso processo de execução forçada ou falência do originador,

pode ser anulada, conforme se verá mais detalhadamente. r


A formalização da segregação do ativo e seus efeitos quanto ao
osiginador e terceiros são os aspectos mais controversos na securiti­
zação. Geralmente ela se dá pela cessão de crédito ou de contrato,
por meio da qual o originador transfere ao VPE uma parcela de seu
patrimônio. É exatamente desse desmembramento do patrimônio do
originador que se geram as maiores polêmicas a respeito da operação
de securitização, que serão objeto do capítulo seguinte.

3.1.3. E m issã o e su b sc riçã o d o s títu lo s

Em qualquer processo de securitização, os investidores são os


principais agentes. Eles são o alvo de todo o processo, pois, se não se
interessarem pelos títulos emitidos, o financiamento que se pretendia
é frustrado, bem como a mobilização de riquezas e a dispersão do
risco que se visava. Assim, os títulos oferecidos devem ir ao encontro
de suas necessidades de investimento, no que diz respeito a taxas,
prazo e natureza, sob pena de não encontrarem compradores.
Quanto a esse aspecto, a securitização apresenta vantagem com
relação a emissões sem segregação: podem-se escolher os ativos que
darão lastro aos títulos, de forma a imprimir à emissão as caracterís­
ticas determinadas. Se há mercado para títulos de longo prazo e re­
muneração prefixada, pode-se lastrear a emissão em determinado tipo
de ativo com essas características, como recebíveis oriundos de fi­
nanciamento à habitação. Também é possível que se transformem
qualitativamente certos ativos que têm características diversas para
que adquiram o perfil desejado para a operação. Um exemplo disso r
a “transformação” de créditos de curto prazo em longo p r a /o . m,
diante a substituição constante desses créditos por outros
natureza, mas com termo de vencimento posterior. A essa m* >*»''»
dá o nome de crédito rotativo (revolving credits).
A emissão dos títulos é a fase na qual efetivamente se realiza a
securitização, no sentido literal. É quando o ativo que serve de lastro
se transforma em títulos negociáveis, mobilizando-se. De acordo com
Luis de Angulo Rodriguez164, a emissão de títulos de dívidas tem
duas fases relevantes: a emissão propriamente dita e a subscrição dos
títulos emitidos. As emissões são, nas palavras do mesmo autor,

“dos voluntades, una oferta y una aceptación, cuyo encuentro


produce el perfeccionamento de um negocio jurídico bilateral,
como es la operación de emisión de obligaciones”.
Apesar de seguirem a mesma disciplina jurídica, há algumas
diferenças conceituais entre emissões tradicionais de títulos e emis­
sões em processos de securitização, especialmente no que diz respei­
to ao risco e à estruturação da operação. Assim, tanto as regras cabí­
veis nas emissões de sociedades anônimas, contidas na Lei n. 6.404/
76, quanto a regulamentação complementar emanada da Comissão
de Valores Mobiliários são aplicáveis às emissões feitas por VPE em
processos de securitização.
Todavia, do ponto de vista conceituai, a securitização separa o
originador, beneficiário mediato dos recursos captados com a emis­
são, de seus investidores, por intermédio de um VPE. Em vez de
fazer uma emissão diretamente, o originador constrói, pela securiti­
zação, um patrimônio segregado que garantirá o pagamento dos títu­
los emitidos, limitando o risco e a possibilidade de alcance dos crédi­
tos dos detentores de tais títulos.
Atualmente, no Brasil, o principal título emitido em operações
de securitização é a debênture. De acordo com Waldemar Ferreira165,
as debêntures representam parcelas de um empréstimo. Tece-se este
de cédulas absolutamente iguais, cujo conjunto lhe forma o montan­
te. Porém, cada uma delas tem vida autônoma e independente das

IMÂNGULO RODRIGUEZ, Luis de. La financiación de empresas mediante tipos


especiales de obligaciones. Bolonha: Publicaciones del Real Colégio Espana en
Bologna, 1968. p. 14.
165FERREIRA, Waldemar M. Tratado das debênturas. São Paulo: Freitas Bastos,
1944. p. 26.

112
demais, como se fosse única. Apesar de a dívida poder ser considera­
da no todo, também pode considerar-se cada uma de suas frações, já
que seu titular está investido nos direitos nelas consignados. Ela ex­
prime, nas palavras do autor, “contingente do contrato de mútuo, cons­
tituído no ato da emissão”166.
A Lei n. 6.404/76 prevê três tipos de debênture, no que diz res­
peito às garantias oferecidas aos investidores: debênture com garan­
tia flutuante, debênture com garantia real e debênture subordinada
ou simples. E ainda duas outras qualificações, relativamente ao tipo de
remuneração que oferecem aos investidores: renda fixa ou variável.
No caso das emissões em processos de securitização, a garantia
do pagamento das debêntures depende do tipo de ativo subjacente à
emissão. Se se tratar de uma securitização imobiliária, a garantia será
real, e seguirá as mesmas normas relativas a registro e outras forma­
lidades para esse tipo de emissão. No caso de outro tipo de ativo, a
garantia será flutuante, sobre todo o patrimônio do VPE, uma vez
que o patrimônio está restrito ao próprio ativo-lastro. A emissão de
títulos subordinados é ainda possível, se um mesmo VPE emite di­
versas séries, com diferentes graus de prioridade de reembolso ou
pagamento de rendimentos, mas a realização de uma operação de
securitização através da emissão de títulos unicamente subordinados
é contrária ao próprio conceito da operação, qual seja, o de oferecer
um ativo específico em garantia de uma emissão a ele ligada.
Apenas as securitizações de base imobiliária contam com títu­
los específicos, criados por legislação especial, quais sejam, o certifi­
cado de recebíveis imobiliários — CRI e a letra de crédito imobiliá­
rio —■LCI. Os CRIs foram criados quando da implantação do Siste­
ma Financeiro Imobiliário e são emitidos por companhias securi-

166Sobre o assunto Marcos Paulo de Almeida Salles (Uma contribuição à análise


das debêntures. 1986. p. 83. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) — Fa­
culdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1986) afirma, porém, que não e
fácil identificar numa emissão/subscrição de debêntures um contrato de mutuo ( )
que ocorre, de acordo com o autor citado, é que “para que se dê a subscrição
mais variados negócios jurídicos subjacentes dentre os quais predomina •> iminjo <
assim se explica a teoria dominante entre os juristas de origem latina ck* que íi «•mi»-
são de debêntures a ele se resume”.
A emissão dos títulos é a fase na qual efetivamente se realiza a
securitização, no sentido literal. É quando o ativo que serve de lastro
se transforma em títulos negociáveis, mobilizando-se. De acordo com
Luis de Angulo Rodriguez164, a emissão de títulos de dívidas tem
duas fases relevantes: a emissão propriamente dita e a subscrição dos
títulos emitidos. As emissões são, nas palavras do mesmo autor,

“dos voluntades, una oferta y una aceptación, cuyo encuentro


produce el perfeccionamento de um negocio jurídico bilateral,
como es la operación de emisión de obligaciones”.

Apesar de seguirem a mesma disciplina jurídica, há algumas


diferenças conceituais entre emissões tradicionais de títulos e emis­
sões em processos de securitização, especialmente no que diz respei­
to ao risco e à estruturação da operação. Assim, tanto as regras cabí­
veis nas emissões de sociedades anônimas, contidas na Lei n. 6.404/
76, quanto a regulamentação complementar emanada da Comissão
de Valores Mobiliários são aplicáveis às emissões feitas por VPE em
processos de securitização.
Todavia, do ponto de vista conceituai, a securitização separa o
originador, beneficiário mediato dos recursos captados com a emis­
são, de seus investidores, por intermédio de um VPE. Em vez de
fazer uma emissão diretamente, o originador constrói, pela securiti­
zação, um patrimônio segregado que garantirá o pagamento dos títu­
los emitidos, limitando o risco e a possibilidade de alcance dos crédi­
tos dos detentores de tais títulos.
Atualmente, no Brasil, o principal título emitido em operações
de securitização é a debênture. De acordo com Waldemar Ferreira165,
as debêntures representam parcelas de um empréstimo. Tece-se este
de cédulas absolutamente iguais, cujo conjunto lhe forma o montan­
te. Porém, cada uma delas tem vida autônoma e independente das

164 ÂNGULO RODRIGUEZ, Luis de. La financiación de empresas mediante tipos


especiales de obligaciones. Bolonha: Publicaciones del Real Colégio Espana en
Bologna, 1968. p. 14.
165 FERREIRA. Waldemar M. Tratado das debênturas. São Paulo: Freitas Bastos,
1944. p. 26.

112
demais, como se fosse única. Apesar de a dívida poder ser considera­
da no todo, também pode considerar-se cada uma de suas frações, já
que seu titular está investido nos direitos nelas consignados. Ela ex­
prime, nas palavras do autor, “contingente do contrato de mútuo, cons­
tituído no ato da emissão”166.
A Lei n. 6.404/76 prevê três tipos de debênture, no que diz res­
peito às garantias oferecidas aos investidores: debênture com garan­
tia flutuante, debênture com garantia real e debênture subordinada
ou simples. E ainda duas outras qualificações, relativamente ao tipo de
remuneração que oferecem aos investidores: renda fixa ou variável.
No caso das emissões em processos de securitização, a garantia
do pagamento das debêntures depende do tipo de ativo subjacente à
emissão. Se se tratar de uma securitização imobiliária, a garantia será
real, e seguirá as mesmas normas relativas a registro e outras forma­
lidades para esse tipo de emissão. No caso de outro tipo de ativo, a
garantia será flutuante, sobre todo o patrimônio do VPE, uma vez
que o patrimônio está restrito ao próprio ativo-lastro. A emissão de
títulos subordinados é ainda possível, se um mesmo VPE emite di­
versas séries, com diferentes graus de prioridade de reembolso ou
pagamento de rendimentos, mas a realização de uma operação de
securitização através da emissão de títulos unicamente subordinados
é contrária ao próprio conceito da operação, qual seja, o de oferecer
um ativo específico em garantia de uma emissão a ele ligada.
Apenas as securitizações de base imobiliária contam com títu­
los específicos, criados por legislação especial, quais sejam, o certifi­
cado de recebíveis imobiliários — CRI e a letra de crédito imobiliá­
rio — LCI. Os CRIs foram criados quando da implantação do Siste­
ma Financeiro Imobiliário e são emitidos por companhias securi-

166 Sobre o assunto Marcos Paulo de Almeida Salles ( Uma contribuição à análise
das debêntures. 1986. p. 83. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) — Fa­
culdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1986) afirma, porém, que não é
fácil identificar numa emissão/subscrição de debêntures um contrato de mútuo. O
que ocorre, de acordo com o autor citado, é que “para que se dê a subscrição há os
mais variados negócios jurídicos subjacentes dentre os quais predomina o mútuo e
assim se explica a teoria dominante entre os juristas de origem latina de que a emis­
são de debêntures a ele se resume”.
tizadoras. Já as LCIs são valores mobiliários emitidos por institui­
ções financeiras, tendo por lastro, necessariamente, créditos imobiliá­
rios. São de criação mais recente e visam a simplificar o processo de
securitização imobiliária, já que dispensam a companhia securiti-
zadora. A emissão desses documentos obedece a regras semelhantes
àquelas aplicáveis a emissões de outros títulos, e suas características
especiais estão definidas em lei e regulamentação complementar, que
serão analisadas adiante.
Em todos os outros casos, geralmente, as securitizações são fei­
tas pela emissão de debêntures, que, por serem títulos essencialmen­
te de longo prazo, e por apresentarem diversas possibilidades de
estruturação e graus de preferência, podendo ser emitidas em dife­
rentes séries e com diferentes níveis de garantia, apresentam-se como
instrumentos eficazes para a securitização. Assim, mesmo em securiti­
zações de base imobiliária, é comum a utilização de debêntures, ape­
sar da existência de títulos específicos.
Podem ainda ser utilizadas quotas de fundos de investimento,
especialmente em securitizações de base imobiliária, e, mais recen­
temente, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Essas quo­
tas são também legalmente consideradas valores mobiliários, e se­
guem o mesmo disciplinamento para a distribuição dos demais valo­
res mobiliários previstos na legislação brasileira.
Para instrumentalizar a securitização, pode-se ainda usar títulos
de capital, como ações ou quotas de sociedade. Não há qualquer óbi­
ce conceituai nesse sentido, apesar de essa estrutura não ser tão co­
mum. Nesse caso, também há a possibilidade de atribuir característi­
cas a classes distintas de ações preferenciais, aproximando-as de tí­
tulos de renda fixa.
Discute-se a respeito da adequação de títulos que não foram
criados especificam ente para ser em itidos em processos de
securitização, como é o caso das debêntures, das ações e das quotas
de fundos, em contraste com títulos como os CRIs e LCIs, específi­
cos para esse tipo de operação.
Acredita-se que a não-existência de títulos específicos de
securitização para todas as operações dê maior flexibilidade ao negó­
cio. A debênture é um título bastante adaptável, podendo ser emitida

114
de acordo com as necessidades de cada operação, no que di/ respeito
a termo, garantia e forma de remuneração. É, também, um .,, ,(h cie
de valor mobiliário bastante utilizada e reconhecida no nuu.ido, o
que faz com que traga maior segurança aos investidores.

3.1.4. Classificação de risco da emissão


Apesar de não ser, por via de regra, obrigatória no Brasil, como
o é em outros sistemas, a classificação de risco (rating) tem grande
importância no processo de securitização, porquanto dá ao investidor
uma noção mais segura e imparcial do risco de crédito relativo à
emissão.
De acordo com Neil Baron167, a principal função desenvolvida
por agências de classificação de risco é assessorar os investidores nas
decisões de investimento. Por meio de pesquisas, análise e informa­
ções, as agências de classificação de risco informam os investidores
para que estes não assumam risco de crédito despercebidamente.
Note-se que a classificação atribuída pela agência de classifica­
ção de risco a uma sociedade, ou emissão, diz respeito apenas a seu
risco de crédito; ou seja, ela apenas aborda a possibilidade de paga­
mento de juros e principal investidos, de acordo com os termos pac­
tuados.
As agências de classificação de risco não opinam sobre outros
tipos de risco, como, por exemplo, o relativo a taxas de juros; ou
sobre a adequação de determinado tipo de investimento ao perfil do
investidor, mas tão-somente sobre a probabilidade de pagamento de
acordo com as especificações da oferta.
Os serviços da agência de classificação de risco são contratados
e pagos pelo emissor dos títulos. Esse fato poderia levar a um confli­
to de interesses, já que a sociedade emissora paga à agência para que
esta atribua uma nota aos títulos de sua emissão. Porém, ainda de
acordo com Baron168, isso não ocorre, pois o maior patrimônio de

167 BARON, Neil. The role of rating agencies in the securitization process. In
KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.), op. cil.. p. 8 1.
'“ BARON, Neil. op. cit., p. 82.
uma agência de classificação de risco é sua reputação, que advém da
qualidade e confiabilidade de suas análises.
Apesar de serem contratadas e pagas pelos emissores dos títu­
los, as notas dadas pelas agências de classificação de risco têm o
objetivo de informar o investidor, e não o emissor. Dessa forma, se os
investidores não têm confiança na agência contratada pelo emissor,
pouco importa que ela atribua aos papéis emitidos a nota máxima,
pois os investidores não confiarão na qualidade de sua opinião nem
utilizarão a nota como um dado de avaliação do preço que estarão
dispostos a pagar pelos títulos.
Oportuno ressaltar que não é raro em operações de securitização
a nota atribuída a determinada emissão ser mais alta que aquela atri­
buída ao originador. Esse fenômeno é facilmente explicável se se
considerar que na securitização o risco é b e m mais definido, pois o
conjunto de ativos q u e dá la s tro à e m is s ã o é determinado e segrega­
do, não se misturando com o restante d o patrimônio do originador. É
claro que para is s o ocorrer a s e g re g a ç ã o d o patrimônio tem que ser
efetivada de maneira juridicamente adequada, com a efetiva cessão
dos créditos e todas as formalidades eventualmente exigidas.

116
C apítulo 4
SECURITIZAÇÃO E TEORIA
DO PATRIMÔNIO
4.1, Conceito de patrimônio e patrimônio separado
Para os fins deste estudo, considera-se(be^, assim como o faz
Oscar Barreto Filho169*, em seu sentido restrito, ou seja, bem econô­
mico apropriável pelo homem e suscetível de avaliação pecuniária,
Nesse sentido, os bens não são necessariamente materiais, sendo tam­
bém considerados bens os direitos e obrigações, coisas corpóreas ou
incorpóreas. * —-
Os bens podem ser considerados de forma singular ou coleti-
vaéUm conjunto dé bens que permanecem totálmente distintos uns j
1 dos outros e são suscetíveis de conservar íntegras as respectivas í

fisionomias, mas que são juridicamente considerados uma unidade,


constitui uma universalidade de direito jApésãr de os bens não per­
derem suas identidades, os elementos ativos encontram-se unidos
pela necessidade de responderem pelos elementos passivos compo-
nentes dessa universalidade, bem.como. pelo seu objetivo comum.
í Diferentemente das universalidades de fato, que se formam por von-
Stadc dos indivíduos, as universalidades de direito se formam por ;
força de lei\ Õ principal exemplo de universalidade de difêrtiTe o
pátrímôniõ1’0.
Pode-se definir patrimônio como o “complexo de relações jurí­
dicas ativas e passivas de uma pessoa, que tiverem valor econômi-

169 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial', fundo de co­


mércio ou fazenda mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1969. p. 32 e s.
17,1Nesse sentido, cf. MACHADO, Sylvio Marcondes. Problemas de direito mercan­
til. São Paulo: Max Limonad, 1970. p. 80.

117
co”171. Assim, o patrimônio envolve tanto elementos ativos (bens
corpóreos e direitos) quanto passivos (obrigações e dívidas)172, ava­
liáveis em pecúnia173.
Existem várias teorias sobre o conceito e natureza do patrimô­
nio174. Tais teorias podem ser agrupadas em duas grandes correntes:
teoria clássica, de orientação personalista e subjetiva; e teoria moder­
na, de orientação objetiva e realista175.
A teoria clássica vincula de forma absoluta as noções de patri­
mônio e personalidade. O patrimônio é considerado o conjunto de
direitos e deveres de uma pessoa determinada, sendo então uma uni-
^ versalidade de direito. Por ser o patrimônio uma emanação da perso-
nalidade, podem ser inferidas as seguintes consequências: a) só as

(pêSsoas, naturais e jurídicas possuem patrimônio; b) toda pessoa possui


patrimônio, mesmo que não possua nenhum bem; c) toda pessoa só
I pode ter um patrimônio, sendo ele, em princípio, uno e indivisível.
Já a teoria moderna adota concepção objetiva do patrimônio,
procurando justificar a coesão dos elementos, não por estarem liga­
dos a uma pessoa, mas por terem destinação comum. A finalidade
comum seria o ponto de unificação do conjunto de direitos e obriga-

171 BARRETO FILHO, Oscar. op. cit., p. 48.


172Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1996. v. 1, p. 243 e s.) traz a discussão sobre a inserção de elementos
passivos, ou seja, dívidas e obrigações no conceito de patrimônio. O próprio autor,
porém, refuta a possibilidade de imaginar o patrimônio sem o lado negativo. Para
bem compreender em sua maior extensão a noção de patrimônio, é indispensável
observar a incidência dos resultados sobre o complexo econômico da pessoa. Acei­
tando que ele os receba a ambos, concluímos que, num dado momento, tanto os
direitos quanto os compromissos o integram.
173Nesse sentido, cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 31. ed. São Paulo: Saraiva,
2001. v. l,p . 111.
171A respeito das diversas teorias sobre o patrimônio cf. SALOMÃO FILHO, Calixto.
A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros Ed., 1995.
175Paulo Cunha (Do patrim ônio: estudo de direito privado. Lisboa, 1934. v. 1, p. 62
e s.) acredita não ser possível essa redução das diversas teorias que tratam do patri­
mônio em duas correntes opostas. A análise de todas as variantes apresentadas pelo
autor, porém, foge ao escopo deste trabalho.

118
ções, formando o patrimônio. Dessa forma, de acordo com tal con­
cepção, patrimônio seria um conjunto de bens coesos por serem afe­
tados a um mesmo objetivo176.
Ao contrário da teoria clássica, pela teoria moderna é factível
1 uma pessoa possuir mais de um patrimônio, desde que afetados a fins
diferentes. Nesse mesmo sentido, Paulo Cunha177 afirma que não-são
, aceitáveis os princípios da unicidade, indivisibilidade e inseparabili-
V j dacte do patrimônio em relação ao seu titular; ao contrário, é perfeita-
y mente admissível a idéia de unificação patrimonial pela identidade
kie fim, de tal sorte que a mesma pessoa pode ser titular de mais de
um patrimônio178.
A idéia de patrimônio do Código Civil de 1916 era extrema­
mente personalista, subjetivista, já que estava essencialmentejiga-
da à noção de sujeito de direito como elemento unificador do patri-
ifioriHy.Tlíão ao objetivo a que se destinava esse pitffihôluô!~Mes-
ino a^sihi. o Código Civií aceitava a afetação de parcelas do patri­
mônio, ou a idéia de patrimônios separados ou especiais, como o
dote, a comunhão"mâlHmõnSTfiFhéhsV Ô pâtn^ o
^ fideicomisso. .. .......... ......-............. .......
i Já o novo Código Civil traz uma importante disposição no que
I diz respeito à objetivização do patrimônio, quando admite, em seu
| art. 90, a criação de universalidades de fato que sejam objeto de rela-
! ções jurídicas próprias. Assim, apesar Hecónsagrar o princípio de
? que os bens do responsável por ofensa ou violação do direito de ou-
s trem ficam suj eitos à reparação do dano causado, princípio esse ligado
j à teoria clássica do patrimônio, o Código Civil apresenta a possibilida-
) de da segregação de parcelas do patrimônio, afetadas a um fim especí-
j fico. Essa disposição, sem paralelo no Código anterior, pode-se mos- I
I trar bastante importante na legitimação de operações de securitiza- j
j ção com segregação interna de patrimônio, a depender da interpreta- /
! ção que, no futuro, os operadores do direito venham a lhe dar. f

176BARRETO FILHO, Oscar. op. cit., p. 50.


177CUNHA, Paulo. op. cit., p. 390 e s.
178Contra esta concepção, BULGARELLI, Waldirio. Sociedades, empresa e estabe­
lecimento. São Paulo: Atlas, 1980. p. 54 e s.
Na opinião de Von Tuhr179, a unicidade patrimonial se desfaz
quando um conjunto de direitos, cujos elementos possivelmente são
mutáveis, regido por normas especiais, encontra-se dentro de deter­
minado patrimônio, sendo que só excepcionalmente, e em certa me­
dida, pode esse conjunto ter existência separada do patrimônio no
qual ele está inserido|^mróWpafrffflM10"gOTlrhareria uma^síej
ra mais fêsífftaj passível de desenvolvimento econômico próprio, f
ÂsBímTBeacordo com aquele autor,
“la situación peculiar dei patrimônio especial fluye de los fines
especiales que la determinam El patrimônio normal serve a fines
generales que, en principio, su titular fija livremente (...). En cam­
bio, es especifico el fin al cual se destina el patrimônio especial:
lajreserva de la mujer y el patrimônio libre delo infante deben
servir a sus necesidades y no as de lo marido y dei padre. Los
demás patrimônios están afectados al fin de su liquidación”180.

É exatamente isso que ocorre na segregação de ativos na


' securitização. lim conjunto de bens — uma parcela do patrimônio do
originador — é segregado num veículo próprio, visando ao cumpri-
\ mento de obrigações representadas por títulos. Para Pontes de
Miranda181, o fim do patrimônio especial é o elemento que lhe traça
esfera própria. No caso do patrimônio geral, o fim é a distinção da
pessoa entre as pessoas, físicas ou jurídicas. Os fins internos são se­
cundários, por mais gerais que sejam. O patrimônio especial tem seu
fim fixado por manifestação de vontade ou por lei, e é dessa especia­
lização que nascem direitos e obrigações inerentes a esse patrimônio.
Von Tuhr182 atribui ainda uma série de características ao patri­
mônio especial, destacando-se as seguintes: a) a situação peculiar do
patrimônio especial decorre dos fins próprios e específicos que lhe

l79TUHR, Andreas von. Derecho civil: teoria general dei derecho civil alemán. Buenos
Aires: Depalma, 1946. v. 1, p. 409 e s.
180TUHR, Andreas von. op. cit., p. 408.
181MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Atuali­
zado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2000. t. 5, p. 425 e s.
182TUHR, Andreas von. op. cit., p. 210 e s.

120
são outorgados, ao contrário do que sucede com o patrimônio geral,
o qual serve a fins gerais; b) a administração do patrimônio separado
pode ser conferida a outra pessoa que não o seu titular; c) os limites
entre o patrimônio especial e o principal são marcados pela lei ou por
convenção, de sorte que naquele ingressam todos os direitos que a lei
ou a manifestação de vontades consigna, integrando-se neste todos
os demais; d) a lei não estabelece de modo taxativo os limites entre
patrimônio especial e geral, de maneira que, em certos casos, é dado
aos interessados modificá-los mediante transferência de elementos, /
entre ambas as massas patrimoniais; e) como o patrimônio geral, o ' ^
especial também pode ter um passivo ao lado do ativo, no sentido de
que o titular do patrimônio, ou aquele que exerce a sua administra­
ção, fica adstrito a cumprir certas obrigações por meio do patrimônio
especial, que responderá pelo inadimplemento; e f) existe a possibili­
dade de relações jurídicas entre o patrimônio geral e o especial.
A principal ilação que se extrai das características do patrimô­
nio especial é que, a não ser em casos excepcionais, ele não responde
por dívidas do patrimônio geral, no caso de um mesmo titular, nem
de outros patrimônios especiais, nem por dívidas pessoais de seu ad­
ministrador. É o que Pontes de Miranda183 chama de princípio da
, incolumidade dos patrimônios separados.
Semelhante é a opinião de Sylvio Marcondes184, quando, tratan­
do da limitação de responsabilidade do comerciante individual, afir­
ma que resta refutada a teoria da unicidade do patrimônio, já que o
próprio legislador reconhece a existência de determinadas universa­
lidades jurídicas subordinadas a um mesmo sujeito de direito. Afir­
ma ainda que tal universalidade especial deve estar legalmente regu­
lada para ser apta a apresentar satisfatórias condições para centrali­
zar as relações jurídicas emergentes da atividade originadora a que
esteja vinculada.

183MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes tie. op. cit., p. 444.


184MACHADO, Sylvio Marcondes. Limitação de responsabilidade de comerciante
individual. 1956. p. 280 e s. Tese (Cátedra de Direito Comercial) — Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1956.
/

O mesmo autor183 ainda diferencia o patrimônio especial do pa­


trimônio autônomo. Este último designaria não um “destaque de um
núcleo de bens que continuaria a pertencer a um mesmo titular”, mas
a formação, a partir de elementos de um patrimônio original, de um
novo patrimônio, que tenha, senão um sujeito próprio, pelo menos
um fim específico e bem delimitado. !
Seguramente, a principal utilidade prática dos conceitos de pa­
trimônio geral, separado ou autônomo, é a delimitação da responsa­
bilidade de seus titulares, ou seja, determinar quais elementos ativos
respondem por determinadas obrigações.
No que diz respeito à securitização, a segregação patrimonial
feita através de veículo societário não suscitaria grandes discussões
com respeito à validade da afetação do patrimônio, já que, nesse
caso, ter-se-ia um patrimônio autônomo, desde que cada compa­
nhia respondesse por apenas uma operação. Caso, por outro lado, a
securitização fosse feita conjTsegregacão interna, ou um único veí­
culo fosse utilizado para mais 3e uma operação, a segregação entre
os ativos que dão lastro a cada uma das operações poderia ser des­
considerada, já que nfo há, salvo em caso excepcional, previsão
legal para tal afetação,^
Para que uma operação de securitização seja bem-sucedida, e
para que se tenha segurança em tal operação, faz necessário assegu­
rar que os ativos que sirvam de lastro para uma emissão não respon­
derão por obrigações do patrimônio geral do originador, ou mesmo
da companhia securitizadora, caso esta sirva de veículo para várias
1securitizações.
Uma situação-limite em que a securitização deveria, em tese,
mostrar-se totalmente segura é a falência do originador, ou seja, aquela
pessoa jurídica que destacou uma parte de seu patrimônio para cria­
ção de patrimônio autônomo ou de patrimônios separados dentro de
uma securitizadora.*

'®5Id. Problemas..., p. 95-97.


previsão apenas no caso de securitização de base imobiliária, como analisado
adiante.

122
Nesse caso, o patrimônio separado regularmente constituído não
pode ingressar na massa falida, nem ser exigido por credores do
originador, uma vez que foi destacado para um fim específico do
qual é garantidor.
Com efeito, a nova Lei de Falências e Recuperação de Empre­
sas, Lei n. 11.101/2005, reconheceu essa característica do patrimônio
que serve de lastro à operação de securitização, determinando, ex­
pressamente, que tais ativos não fazem parte da massa falida do
originador.
Assim, determina o § l2 do art. 136 do diploma falimentar bra­
sileiro que, “na hipótese de securitização de créditos do devedor, não
será declarada a ineficácia ou revogado o ato de cessão em prejuízo
dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo
securitizador”.

4.2. Securitização e tutela dos credores


De acordo com Sylvio Marcondes187, é na unicidade das relações
passivas e ativas do titular do patrimônio que se encontra o princípio
fundamental de toda a organização do crédito, já que, como conse-
qüência deste, o devedor responde por suas obrigações com todos os
seus ativos, sendo este, assim, garantia comum de seus credores.
Por esse motivo, a efetiva transferência dos ativos que servem
de lastro à securitização ao VPE tem importância singular dentro da
operação. Caso essa transferência não ocorra de fato e de direito, há o
risco de consolidação do patrimônio do originador e do VPE, sendo,
assimr eliminada a principal característica da operação, qual seja, a
Csegregação do risco)
O risco de consolidação refere-se à possibilidade de os ativos
do VPE serem reunidos aos ativos do originador, caso os recursos
deste não sejam suficientes para saldar suas dívidas. Isso ocorreria,
por exemplo, na hipótese de confusão de patrimônios, com o conse-

187MACHADO, Sylvio Marcondes. Questões de direito mercantil. São Paulo: Sarai­


va, 1977. p. 126.

123
q ü e n te apelo aos a tiv o s do V P E para saldar dívidas do originador188,
o u nulidade, ou mesmo anulação do negócio jurídico pelo qual se fez
a transferência dos ativos do originador ao VPE. Essa última hipóte­
se poderia ser considerada, caso o negócio fosse realizado em fraude
contra credores.
De acordo com Humberto Theodoro Jr.189 as principais sedes
normativas de repressão à fraude são o Código Civil, onde está defi­
nida a fraude contra credores; a Lei de Falências, em que se regula a
ação revocatória e o Código de Processo Civil, onde está disciplinada
a fraude à execução.
O negócio com fraude contra credores é, de acordo com o Códi­
go Civil, a) o ato de transmissão gratuita de bens, ou remissão de
dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por ele reduzi­
do à insolvência; ou b) o contrato oneroso do devedor insolvente,
quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conheci­
da do outro contratante. Em ambos os casos, os negócios jurídicos
praticados em fraude contra credores podem ser anulados. Nas hipó­
teses apresentadas, a possibilidade de anulação do negócio jurídico
não está ligada ao fato de se tratar de securitização, e sim às circuns­
tâncias em que ocorreram.
Nesse sentido, e ainda de acordo Theodoro Jr., a fraude não é
vício intrínseco ao ato, e, por isso, não deveria tomá-lo anulável.
Deveria, sim, ser considerado ineficaz, em decorrência de lesão a
terceiros, ou seja, mesmo sendo válido, não é suficiente, por si só,
para produzir efeitos.
No caso de falência, visando à proteção da massa falida, o legis­
lador brasileiro considerou sem efeito, quanto a ela, os atos enumera­
dos na lei falimentar, dentre os quais a constituição de direito real de
garantia e as inscrições de direitos reais e as transcrições de transfe-

188Sobre o assunto, cf. KOURY, Susy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da


personalidade jurídica (disregard doctrine} e os grupos de empresas. Rio de Janei­
ro: Forense, 1993. p. 145 e s.
is<>THEODORO JR., Humberto. Fraude contra credores e fraude à execução. RT,
São Paulo, v. 776, p. 11-33.
rências de propriedade, entre vivos, além de serem revogáveis os atos
praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude
do devedor e do terceiro que com ele contratar. Nesse caso, os atos
permanecem válidos, mas ineficazes quanto à massa falida1'"'. Toda­
via, conforme já explicitado, a nova Lei de Falências, editada em
2005, traz disposição específica que exclui da ação revocatória da
falência os créditos cedidos em securitização.
A fraude à execução constitui uma especificação da fraude con­
tra credores191, ou seja, é o ato lesivo a credores praticado quando já
está em curso uma execução forçada, ou, como entendido de forma
quase-unânime pela jurisprudência, no curso de outro processo judi­
cial (de conhecimento) que possa vir a reduzir o réu a insolvência.
Theodoro Jr. ainda ensina, na mesma ocasião, que o que separa
os três institutos, quais sejam, a fraude contra credores, a revocatória
da falência e a fraude à execução, são aspectos secundários, como o
fato de haver ou não demanda contra o alienante. O fulcro, porém,
dos institutos é o mesmo.
Os negócios jurídicos praticados na securitização estão sujei­
tos à impugnação por conta de lesão a credores assim como em
qualquer outra operação. O que torna esse assunto crítico em se
tratando de securitização é o fato de que uma possível anulabilida-
de ou ineficácia da cessão dos ativos subjacentes ao VPE descarac­
terizaria a operação.
Por este fato mesmo é que a primeira fase da securitização, ou
seja, a transferência do patrimônio a ser securitizado ao veículo de
securitização deve estar revestida de todas as formalidades necessá­
rias para sua existência, validade e eficácia.

1,10MACHADO, Sylvio Marcondes. Da fraude contra credores; falência e ali<-n.t$t>>


do estabelecimento. In; Questões de direito mercantil. São Paulo: Saraiva, I'■>.' /,
191THEODORO JR., Humberto, op. cit., p. 11-33.
C apítulo S
A NATUREZA JURÍDICA DA
SECURITIZAÇÃO
A partir da análise econômica que precedeu esta parte do traba­
lho, e dos elementos jurídicos já colhidos dessa segunda parte, pode-
se agora proceder ao estudo da natureza jurídica da operação de
securitização.
Do ponto de vista funcional, a securitização pode ser analisa­
da como instrumento de mobilização de riquezas ou de alocação de
ativos, conforme assinalado nos capítulos anteriores. Sob a ótica
jurídica, no entanto, pode-se visualizar na operação de securitiza­
ção uma série de contratos nominados, que há tempos são utiliza­
dos para fins específicos e determinados, servindo a uma finalidade
única e, em alguns aspectos, diversa daqueles fins a que serviam
tradicionalmente.
Nesse sentido, não há um negócio jurídico único tipificado de­
nominado securitização. Ela é, na verdade, formada por diversos atos
sucessivos e razoavelmente constantes, com o escopo único de
viabilizar juridicamente a operação. Assim, a constituição de uma
sociedade, a cessão de créditos e a emissão de títulos servem ao obje­
tivo de estruturar uma securitização, não se esgotando em suas fina­
lidades tradicionais.

5.1. Securitização e a autonomia privada


Segundo Rachel Sztajn, o contrato típico é

“aquele modelo integralmente configurado em todos os seus


elementos pelo legislador, é o tipo legal, descrito na norma
e cujos efeitos são, também, típicos e igualmente descritos.
Para os contratos típicos, há todo um esquema, arcabouço

126
disciplinar, fixado, usualmente, em regras cogentes ou dis­
positivas” 192*.
Em senso contrário, o contrato atípico é aquele que ainda não
foi disciplinado de forma integral pelo legislador. Ainda de acordo
com a autora, o típico e o atípico significam, respectivamente, o anti­
go, já consolidado; e o exercício do auto-renovamento do sistema
fundado na autonomia privada.
Apesar de contar com normas legais especificamente aplicáveis
a algumas de suas espécies, a securitização pode ainda ser considera­
da um negócio atípico. Isso porque o legislador brasileiro não se pre-
ocupouem inserir a operação de forma.isis.tê in k a - ^
mento.^Sua unidade de estrutura advém antes da prática negociai,
que da disciplina jurídica que a imponha. ç '
Utilizando-se Halütònomià da vontade, as partes criam contra­
tos para instrumentalizar suas relações econômicas de forma mais
eficiente. A securitização é exemplo dessa força criadora.
A celebração de uma operação de securitização é baseada, as­
sim, na autonomia da vontade, ou seja, na possibilidade que os entes
privados têm de contratar, observados certos limites impostos pelo
Direito e pela Moral. De acordo com Rachel Sztajn191, na visão dos
economistas, o que leva as pessoas a contratar é a possibilidade de
melhora do bem-estar das partes, justificando-se a força vinculante
dos contratos pelo fato de permitirem, dentre outras coisas, a transfe­
rência de riqueza e de risco. É, assim, a necessidade econômica que
induz a celebração de um contrato.
Nas palavras de Enzo Roppo194, não há contrato se não houver
uma operação econômica, e, por outro lado, “o contrato é a veste
jurídico-formal de operações econômicas”. O princípio da autono­
mia da vontade compreende não só a livre determinação quanto ao
fato de contratar ou não, mas também do conteúdo do contrato que se
quer firmar, e o tipo contratual no qual se pretende enquadrar a opera-

l92SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps..., p. 51.


I9;1SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps..., p. 52 e s.
194ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988.
ção ou ainda a possibilidade de concluir contratos que não pertençam
aos tipos que têm uma disciplina particular.
O princípio da liberdade contratual é adotado pelo Código Civil
brasileiro, que dispõe, em seu art. 421, que a liberdade de contratar
será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. De
forma mais clara ainda, no art. 425, determina que é lícito às partes
estipularem contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas
naquele Código.
Com efeito, Miguel Reale afirma que o texto do Código Civil
de 2002 é resultado da superação do rigorismo positivista, com a
adoção de

“normas ou cláusulas abertas, ou seja, não subordinadas ao


renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem
nada deixar para a imaginação criadora dos advogados e ju­
ristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos
juízes”195.

Da mesma forma, Miguel Reale196erige três princípios nos quais


está baseado o Código Civil, dentre os quais está o princípio da
operabilidade, que visa estabelecer soluções normativas de modo a
facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador do direito.
Assim, o próprio Código Civil admite que nem sempre se dis­
põe de modelos contratuais definidos no ordenamento jurídico que
atendam plenamente às necessidades de cada situação específica. Por
esse motivo, às partes é dada a possibilidade de, dentro do campo da
licitude e observada a função social do contrato, criar novas formas
contratuais, seja combinando vários contratos típicos, seja dando nova
utilização a formas contratuais já consagradas, e, freqüentemente,
utilizando-se das duas técnicas em conjunto. Assim é estruturada a
operação de securitização.

195REALE, Miguel. A boa fé no Código Civil. Revista de Direito Bancário, do M er­


cado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, n. 21, p. 11-13, jul./set. 2003.
196REALE, Miguel. Prefácio ao Novo Código Civil Brasileiro. 3. cd. rev. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

128
5.2. Securitização como negócio indireto
De acordo com Ascarelli197, a utilização de tradicionais institu­
tos jurídicos com funções diversas das que usuaimente exercem de­
senvolve o Direito, pois tais institutos, apesar de manterem a mesma
forma, servem a finalidades renovadas.
Ainda de acordo com o citado autor198, o fenômeno da utiliza­
ção de antigas formas para novos fins visa conciliar exigências da
vida prática com a certeza e a segurança da disciplina jurídica. Por
vezes, esse fenômeno mostra-se mais adequado que a edição de le­
gislação específica, já que os institutos utilizados são testados e utili­
zados em profusão, oferecendo certeza que normalmente não é en­
contrada em novos institutos. Apesar de às vezes contrariar a simetria
e a estética do sistema jurídico, esse tipo de absorção de novos negó­
cios dentro de figuras jurídicas antigas traz vantagens, como a satis­
fação de novas exigências, sem o abandono do desenvolvimento jurí­
dico, e a certeza decorrente da utilização de institutos já conhecidos.
Ascareili .ensina ainda que esse fenômeno pode ser denominado
Inércia JurídicafAfirma o autor que

“ei direito evolui muitas vezes lentamente, mas organicamente;


os novos institutos não surgem de improviso, mas desenvolvem-
se pouco a pouco, no tronco de velhos institutos que incessante­
mente se renovam e desempenham novas funções. É exatamen­
te através dessa contínua adaptação de velhos institutos a novas
fyjações que o direito se vai desenvolvendo, não raro exibindo,
na forma que permanece idêntica a despeito do renovar das fun­
ções, traços da sua história passada”199.

Essa utilização de formas jurídicas já consagradas com fins di­


versos daqueles para os quais foram criadas dá origem ao que se
pode chamar de negócio indireto. Ainda no parecer de Ascarelli,

197ASCARELLI, Tullio. P ro b le m a s d a s s o c ie d a d e s a n ô n im a s e d ir e ito c o m p a ra d o .


Campinas: Bookseller, 2001. p. 152 e s.
“JSASCARELLI, Tullio. p. 155.
m ASCARELLI, Tullio. N egócio ju ríd ic o indirecto. Lisboa: Jornal do Fftro, 1903. p ti.

129
“há, pois, um negócio indireto sempre que as partes recorrem,
no caso concreto, a um negócio determinado visando a alcançar
através dele, consciente e consensualmente, finalidades diver­
sas das que, em princípio, lhe são típicas”200.

O conjunto formado pela estrutura contratual de uma operação


de securitização poderia, de acordo com a teoria de Ascarelli, ser
considerado um negócio indireto, pois, mediante contratos já tradi­
cionais em nosso ordenamento, buscam-se formas jurídicas para atin­
gir a um fim específico, qual seja, a operação de securitização201.
Isso porque ao constituir o veículo de propósito exclusivo, ao
segregar os ativos que servirão de lastro e ao emitir os títulos, visa-se
a uma estrutura única, como se cada um dos negócios jurídicos en­
volvidos não pudesse ser considerado isoladamente, mas em con­
junto, dessem forma e conteúdo a uma estrutura determinada, qual
seja, a securitização. Assim, o fim de cada um deles seria a consecu­
ção da securitização, e não a simples constituição de uma sociedade,
ou cessão de contratos.
Com efeito, ainda de acordo com Ascarelli202, o elemento deci­
sivo para caracterizar diversos negócios como negócio único é a co­
nexão dos vários fins almejados pela vontade das partes: quando as
intenções econômicas das partes são estreitamente ligadas entre si,
há um negócio único.

200ASCARELLI, Tullio. Problemas..., p. 156.


201A confirmar essa caracterização, o próprio autor da teoria afirma (Negócio ju ríd i­
co indirecto..., p. 13) que o exemplo típico de negócio indireto é o negócio fiduciário:
“O fim realmente perseguido pelas partes com o negócio não corresponde ao típico
negócio adoptado; o negócio é querido, e seriamente querido pelas partes, mas para
um escopo diverso do seu escopo típico. A característica do negócio fiduciário deri­
va do fato de realizar uma transmissão de propriedade, mas de o seu efeito de direito
real ser parcialmente neutralizado por uma convenção entre as partes, em virtude da
qual o adquirente pode aproveitar-se da propriedade adquirida, exclusivamente para
o fim especial pretendido pelas partes”. Como já exposto, os países que acolhem o
sistema anglo-saxônico, mesmo alguns filiados ao sistema romano-germânico, ado­
tam o trust (fideicomisso) como veículo de securitização.
202 ASCARELLI, Tullio. Problemas..., p. 163-165.

130
É esse exatamente o caso da securitização: vários t <mii ah > stu>
utilizados para estruturar um negócio único, que não possui d i i p l i
na jurídica própria. É um negócio indireto, que se utiliza de nutifuíos
como cessão de créditos, constituição de sociedades, emissão de litu
| los, prestação de garantias e compra e venda de títulos, mas tem uma
Mnica finalidade203. Quando as partes do negócio concordam em cele­
brar o conjunto de contratos, não têm em mente cada um separada­
mente, mas sim a securitização. Somente o conjunto dos contratos
serve ao propósito das partes contratantes.
No mesmo sentido, Domenico Rubino204 afirma que se pode
falar em “combinação de negócios com escopo indireto”, sempre que
. sejam utilizados vários “negócios-meio” para se atingir ao “negócio-
fim”, sendo essa combinação considerada um negócio único.
Na securitização, negócios jurídicos tradicionais são utilizados
com escopo diferente do que têm via de regra. O interesse das partes
as leva a praticá-los visando uma estrutura mais complexa, e não o
fim de cada negócio individualmente. Sob outro ponto de vista, p o
der-se-ia também afirmar que a securitização acrescenta elementos
novos, não previstos na norma positiva, a institutos já consagrados,
de modo a satisfazer ao interesse das partes na celebração do negócio
jurídico pretendido.
O principal escopo das partes em se utilizar de estruturas jurídi-
caI para fins diferentes daqueles a que normalmente se destinam é
apropriar-se da disciplina jurídica dessas estruturas, já consagradas e
conhecidas, e não se afastar do terreno conhecido dos negócios
nominados.

20'Tome-se como exemplo o caso da sociedade constituída para fins de securitização:


ela geralmente tem o capital reduzido ao mínimo possível, e seus sócios são. na
maioria das vezes, irrelevantes do ponto de vista estrutural da operação; ou seja, cia
visa tão-somente minimizar o risco da operação.
204RUBINO, Domenico. II n e g o z i o jurídico indiretto. Milano: Giuffrè, 19 ' / p '
s.: “Ciascuno dei singoli m ezzi combinati di solito è adottato put.itn. m
semplicemente, o per lo meno senza particolarità idonee a palesare lo scopo m n >
che può arguirsi con sicurezza solo considerando it loro insieme, già che p r ó p r io k»
siffatta combinazione risiede la caratteristica dei procedimento”.
No caso da securitização, para que se possa legislar sobre um
negócio que não tem disciplina jurídica específica, precisa-se não de
um, mas de vários institutos jurídicos que, em conjunto, terão o fim
único e específico de estruturar juridicamente operação. Esse objeti­
vo único seria o elemento comum que faria com que todos os institu­
tos envolvidos pudessem ser considerados um negócio único.

5.3. A securitização como negócio fiduciário


Uma vez definido que a securitização pode ser caracterizada
como um negócio indireto, resta determinar que tipo de negócio indi­
reto ela seria.
Dentre as espécies de negócios indiretos, aqueles mais comuns,
e ao mesmo tempo, de maior utilidade na prática negociai, são os
negócios fiduciários. Há mesmo autores que identificam os dois ins­
titutos, porém, a grande maioria advoga pela relação do tipo gênero-
espécie entre os dois. Nesse sentido, o negócio fiduciário seria uma
das modalidades de negócio indireto205, já que possui características
distintivas e constantes, diversas daquelas apresentadas por outros
tipos de negócios indiretos.
Segundo Luigi Cariota-Ferrara206, os negócios indiretos englo­
bam os negócios fiduciários, os quais não constituem o único exem­
plo daqueles. No âmbito dos negócios indiretos, o traço distintivo
dos negócios fiduciários está no fato de que se constituem em um
negócio real, limitado por um pacto obrigacional. Apresentam, se­
gundo o mesmo autor, um excesso do meio com relação ao objetivo,
i O negócio fiduciário é aquele pelo qual uma pessoa (fiduciante)
transmite a propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito
a outra (fiduciário), que se obriga a dar-lhe a destinação determinada
em um instrumento à parte (pacto fiduciário), e, uma vez cumprido
esse encargo, a devolver a coisa ou o direito ao fiduciante ou a um
terceiro beneficiário206'*.

205Nesse sentido, cf. ASCARELLI, Tullio. Negócio jurídico..., p. 20 e s.


206CARIOTA-FERRARA, Luigi. / negozifiduciari. Padova: CEDAM, 1933.
206ASobre o assunto, cf. BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Da fidúcia à securitização:

132
Nas palavras de Otto de Souza Lima, o negócio fiduciário é

“aquele em que se transmite uma coisa ou direito a outrem, para


determinado fim, assumindo o adquirente a obrigação de usar
deles segundo aquele fim e, satisfeito este, devolvê-los ao
transmitente”207.

Como negócio jurídico indireto, no negócio fiduciário, as par­


tes utilizam determinados meios jurídicos para alcançar um fim que
não é aquele comumente almejado pelas partes. Há quem considere
que no negócio fiduciário o instrumento jurídico utilizado sempre
extravasa o resultado econômico que lhe pretendia o legislador, po­
rém, de acordo com Lima208, não há desproporção entre o meio utili­
zado e seu fim, mas simplesmente a ausência de.ontros meios para se
atingir o objetivo pretendido. O que ocorre, na opinião do citado au­
tor, é uma não coincidência entre o fim técnico do negócio e o fim
econômico.
É característica do negócio fiduciário a articulação entre a trans­
missão da propriedade de um bem ou da titularidade de um direito, e
uma convenção firmada entre as partes, com o intuito de amenizar os
efeitoj do direito real transmitido, uma vez que tal transmissão se faz
visando tomar o fiduciário proprietário da coisa ou titular do direito
transmitido, mas com a ressalva de que essa propriedade/titularidade
está afetada a um fim pactuado entre as partes209.
Na formalização do negócio fiduciário opera-se a transmissão
da propriedade de um bem ou da titularidade de um direito do
fiduciante ao fiduciário, e simultaneamente, verifica-se a aquisição
de direitos por parte do fiduciante e de obrigações por parte do
fiduciário em decorrência de outro contrato ligado a essa transmis­

as garantias dos negócios empresariais e o afastamento da jurisdição. 2006. Tese


(Doutorado) — Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006.
207 LIMA, Otto de Souza. Negócio fiduciário. 1959. Tese (Cátedra de Direito Civil)
— Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1950.
208LIMA, Otto de Souza. op. cit., p. 27 e s.
“ ’ Nesse sentido, CHALHUB, Melhin Namen. Negócio fiduciário.... p. 43 e s.

133
são. Nas palavras de Ferrara210, há a união de dois negócios de índole
e efeitos diferentes, colocados em recíproca oposição: um contrato
real positivo e um contrato obrigacional negativo. Ocorre que ambos
os negócios estão ligados pela unidade de escopo, tornando-se uno e
incindível.
Na estrutura de qualquer operação que possa ser considerada
uma securitização em sentido estrito, podem-se encontrar os elemen­
tos de um negócio fiduciário: há uma cessão de bens ou direito por
parte do originador (fiduciante) a um veículo de propósito exclusivo
(fiduciário) em benefício dos investidores, com um escopo determi­
nado, que não pode ser desvirtuado pelo cessionário.
É claro que na securitização, muito mais que simplesmente a
fidúcia, as funções e poderes do fiduciário estão protegidas contra­
tualmente, e mesmo pela legislação, nas hipóteses de securitização
de créditos imobiliários e financeiros. Mesmo assim, a natureza
fiduciária da securitização é patente, sendo ela reconhecida pelo pró­
prio legislador, conforme se verá adiante.
Há ainda que ressaltai' a distinção entre os negócios simulados e
os negócios fiduciários. Segundo o Código Civil brasileiro, o negócio
jurídico é simulado, e, portanto, nulo, quando aparentar conferir ou
transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente con­
fere ou transmite; contiver declaração, confissão, condição ou cláusula
não verdadeira; e/ou for antedatado ou pós-datado. O negócio fiduciá­
rio não se enquadra em nenhuma dessas características, sendo, antes,
um negócio almejado pelas partes envolvidas. Enquanto o negócio
simulado se realiza com o intuito de suscitar uma aparência, o negó­
cio fiduciário realiza-se com o intuito de suprir uma lacuna legal.
Conforme já se analisou, os negócios fiduciários são mais bem
assimilados pelos países tributários da tradição anglo-saxônica, onde
a decomposição da propriedade é admitida sem grandes problemas
conceituais, sendo o trust um dos instrumentos mais utilizados no
tráfego negociai nesse caso. Em países de base jurídica romano-

210FERRARA, Francesco. Simulação nos negócios jurídicos. São Paulo: Saraiva,


1939. p. 53 e s .

134
germânica, os negócios fiduciários são de difícil inserção, devendo
derivar de institutos jurídicos já consolidados, de forma a não colidir
com os princípios desses sistemas.
Existem diversos exemplos de negócios fiduciários presentes
há algum tempo na legislação brasileira, como a alienação fiduciária
em garantia de coisa móvel e a alienação fiduciária de ações e mes­
mo, em certa medida, os fundos mútuos de investimento.
Não obstante, foi com o desenvolvimento da securitização que
o legislador brasileiro tomou iniciativas realmente inovadoras, com a
instituição da propriedade fiduciária nos fundos de investimento imo­
biliário, o regime fiduciário e a alienação fiduciária de bens imóveis
do Sistema Financeiro Imobiliário, e ainda o patrimônio de afetação
nas incorporações imobiliárias. Apesar de não se identificarem com
o trust, apresentam o elemento característico dos negócios fiduciários,
que consiste basicamente na transmissão da propriedade afetada a
um fim específico.
Assim, o próprio legislador, reconhecendo a natureza da securi­
tização de negócio fiduciário, procurou tornar disponíveis institutos
que pudessem viabilizar sua estruturação de maneira mais segura,
pelo menos no que diz respeito ao segmento imobiliário.

5.4. O caminho para a tipificação


Existem diversas formas de aplicar o direito positivo a relações
contratuais atípicas. Até porque o princípio da completude do
ordenamento jurídico não admite que ele tenha lacunas. Todas as si­
tuações devem ser reguladas por uma norma do ordenamento jurídi­
co211, não podendo o juiz se eximir de julgar determinado caso ale­
gando a ausência de legislação a seu respeito.
Com efeito, a Lei de Introdução ao Código Civil determina, em
seu art. 42, que, quando a lei for omissa a respeito de algum assunto,
o juiz deve decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.

211 A esse respeito, cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento juridico 10. ed
Brasília: UNB, 1999.
Nesse sentido, ensina Álvaro Villaça Azevedo212 que são aplica-
\ das aos contratos atípicos as normas de caráter geral, que se sujeitam
, ^ a quaisquer declarações de vontade; as estipulações contratuais acor­
dadas pelas partes e ainda as normas que regulam os contratos tígi-
icos, por analogia, sempre que possível.
No caso da securitização, pode-se dizer que a norma jurídica se
aplica a ela de duas maneiras: por analogia e por indução. Enquanto
a analogia consiste em que se empregue um princípio jurídico que a
lei estabelece para um determinado fato, a um outro não regulado,
mas juridicamente semelhante ao primeiro, na indução, estende-se
para todos os casos da mesma natureza aquilo que é válido apenas
para um determinado caso213.
De acordo com Rachel Sztajn,
“os contratos típicos são resultado de anterior criação dos par­
ticulares, socialmente aceita, fruto de relações sociais e eco­
nômicas, e reconhecidos pelo legislador por merecedores de
tutela”214.

Assim é que, com o uso e uniformização de procedimentos, os


contratos passam de atípicos a típicos, pelo reconhecimento de sua
função social e econômica pelo legislador. Esse, porém, é um proces­
so lento, e até que o legislador crie disciplina específica para deter­
minado negócio, ele se utiliza da disciplina jurídica de outro, ou ou­
tros, conforme se comentou acima.
Pela analogia, a operação de securitização se apodera da disci­
plina jurídica da cessão de créditos, da emissão de títulos, dentre ou­
tras, para construir uma unidade negociai.
Mais recentemente, com a criação de regras específicas para a
securitização em alguns segmentos da economia, passa-se a utilizar a

212 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Contratos inominados ou atípicos. 2. ed. Belém:


CEJUP, 1984.
2l3Cf. FRANÇA, R. Limongi. Formas de aplicação do direito positivo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1969. p. 68 e s.
214SZTAJN. Rachel. Futuros e swaps..., p. 51 e s.

136
indução, quando se aplicam modelos disciplinados espt cuie.. de
securitização de créditos financeiros ou imobiliários para quui qi«*i
operações.
Dessa maneira, a securitização vai se inserindo no ordenam, nío
jurídico brasileiro, e busca sua identidade jurídica espontaneatm me,
sem limites legais específicos que a restrinjam.
Faz bem o legislador brasileiro em esperar a consolidação da
operação para só então regulá-la de maneira mais geral, já que um
disciplinamento precoce poderia criar limites ou dar à operação ca­
racterísticas incompatíveis com as necessidades mercadológicas.
Apesar de se poder argumentar que a falta de legislação amplr
poderia atrasar o desenvolvimento da operação no Brasil por não dotá-
la da segurança que apenas o direito é capaz de oferecer, acredita-sf
que o disciplinamento precoce poderia inviabilizar definitivamente;
securitização no país.

5 .5 . Securitização e institutos afins


\ Há alguns institutos que podem ser utilizados para os fins a que
; se presta a securitização e que, por isso, podem ser confundidos com
/ ela. A operação visa financiar sociedades, adiantar receitas e diluir
riscos, mas pode ser substituída, em cada um desses aspectos, por
outras operações, como, por exemplo, o empréstimo bancário, o fo­
mento mercantil ou emissões tradicionais de debêntures ou outros
títulos de dívida.
Nenhuma dessas operações traz, porém, todos os elementos da
securitização e, assim, têm natureza e função distintas. Tomando-se
por exemplo as operações acima citadas, tem-se que o empréstimo
bancário não distribui o risco envolvido na operação, mas o concen­
tra numa instituição financeira, assim como o fomento mercantil, que
apesar de adiantar receitas, por meio do desconto de títulos a vencer,
mantém o risco concentrado. Já os ativos que lhes dão lastro, apesar
de dispersar o risco entre diversos investidores, não isolam os at i vos
que garantem a emissão, além de gerar endividamento direto para o
emissor. Todavia, a securitização mantém um certo grau de seme­
lhança com cada uma delas, conforme se expõe a seguir.

137
Nesse sentido, ensina Álvaro Villaça Azevedo212 que são aplica­
das aos contratos atípicos as normas de caráter geral, que se sujeitam
.-ív ja quaisquer declarações de vontade; as estipulações contratuais acor­
dadas pelas partes e ainda as normas que regulam os contratos típi-
icos, por analogia, sempre que possível.
No caso da securitização, pode-se dizer que a norma jurídica se
aplica a ela de duas maneiras: por analogia e por indução. Enquanto
a analogia consiste em que se empregue um princípio jurídico que a
lei estabelece para um determinado fato, a um outro não regulado,
mas juridicamente semelhante ao primeiro, na indução, estende-se
para todos os casos da mesma natureza aquilo que é válido apenas
para um determinado caso213.
De acordo com Rachel Sztajn,

“os contratos típicos são resultado de anterior criação dos par­


ticulares, socialmente aceita, fruto de relações sociais e eco­
nômicas, e reconhecidos pelo legislador por merecedores de
tutela”214.

Assim é que, com o uso e uniformização de procedimentos, os


contratos passam de atípicos a típicos, pelo reconhecimento de sua
função social e econômica pelo legislador. Esse, porém, é um proces­
so lento, e até que o legislador crie disciplina específica para deter­
minado negócio, ele se utiliza da disciplina jurídica de outro, ou ou­
tros, conforme se comentou acima.
, Pela analogia, a operação de securitização se apodera da disci­
plina jurídica da cessão de créditos, da emissão de títulos, dentre ou-
Jtras, para construir uma unidade negociai.
Mais recentemente, com a criação de regras específicas para a
securitização em alguns segmentos da economia, passa-se a utilizar a

212 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Contratos inominados ou atípicos. 2. ed. Belém:


CEJUP, 1984.
213Cf. FRANÇA, R. Limongi. Formas de aplicação do direito positivo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1969. p. 68 e s.
2I4SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps..., p. 51 e s.

136
indução, quando se aplicam modelos disciplinados específicos de
securitização de créditos financeiros ou imobiliários para quaisquer
operações.
Dessa maneira, a securitização vai se inserindo no ordenamento
jurídico brasileiro, e busca sua identidade jurídica espontaneamente,
sem limites legais específicos que a restrinjam.
Faz bem o legislador brasileiro em esperar a consolidação da
operação para só então regulá-la de maneira mais geral, já que um
disciplinamento precoce poderia criar limites ou dar à operação ca­
racterísticas incompatíveis com as necessidades mercadológicas.
Apesar de se poder argumentar que a falta de legislação ampla
poderia atrasar o desenvolvimento da operação no Brasil por não dotá-
la da segurança que apenas o direito é capaz de oferecer, acredita-se
que o disciplinamento precoce poderia inviabilizar definitivamente a
securitização no país.

5 .5 . Securitização e institutos afins


Há alguns institutos que podem ser utilizados para os fins a que
se presta a securitização e que, por isso, podem ser confundidos com
ela. A operação visa financiar sociedades, adiantar receitas e diluir
riscos, mas pode ser substituída, em cada um desses aspectos, por
outras operações, como, por exemplo, o empréstimo bancário, o fo­
mento mercantil ou emissões tradicionais de debêntures ou outros
títulos de dívida.
Nenhuma dessas operações traz, porém, todos os elementos da
securitização e, assim, têm natureza e função distintas. Tomando-se
por exemplo as operações acima citadas, tem-se que o empréstimo
bancário não distribui o risco envolvido na operação, mas o concen­
tra numa instituição financeira, assim como o fomento mercantil, que
apesar de adiantar receitas, por meio do desconto de títulos a vencer,
mantém o risco concentrado. Já os ativos que lhes dão lastro, apesar
de dispersar o risco entre diversos investidores, não isolam os ativos
que garantem a emissão, além de gerar endividamento direto para o
emissor. Todavia, a securitização mantém um certo grau de seme­
lhança com cada uma delas, conforme se expõe a seguir.
Como já se comentou, por intermédio da securitização é possí­
vel o adiantamento de receitas oriundas de títulos a vencer. Isso é
muito comum na securitização de créditos ou mesmo por meio dos
fundos de direitos creditórios. Todavia, essa função já vinha sendo
desempenhada pelas sociedades de fomento mercantil, conhecidas
no mercado como empresas de factoring ou faturização. Essa técnica
1potle ser considerada, assim como a securitização, mobilização de
créditos, já que consiste, nas palavras de Bulgarelli, em “venda de
faturamento de uma empresa a outra”215.
De acordo com Fran Martins, a faturização se apresenta tanto
como uma técnica financeira quanto como instrumento de gestão
comercial. No primeiro aspecto, representa um financiamento da
empresa faturizada, adquirindo o faturizador os créditos e o respecti­
vo risco. Já no segundo aspecto, segundo o autor, a faturização per­
mite a interferência do faturizador nas operações do faturizado, sele­
cionando os seus clientes e lhe informando sobre as condições gerais
de seu negócio.
De todo modo, apesar de se prestar ao adiantamento de receitas,
o fomento mercantil tem utilização bem mais restrita que a
securitização, sendo a alternativa mais adequada em se tratando de
pequenas e médias empresas, quando a dimensão do fluxo de crédi­
tos não justifica a estruturação de uma securitização.
O arrendamento mercantil ou leasing é uma operação de uso
bastante difundido no mercado brasileiro. Segundo Bulgarelli216, por
conta de sua natureza controvertida, o contrato de leasing pode ser
considerado tanto uma compra e venda mercantil como uma locação,
ou ainda ser alocado junto às operações financeiras. Porém, o autor
prefere considerá-la um tipo autônomo, dada sua natureza original e
sua condição de nova figura contratual.
Apesar de em princípio parecer bastante diferente, o leasing pode
ter, a depender de sua utilização, função econômica similar à

215 BULGARELLI, Waklirio. Contratos mercantis. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 533.
216 BULGARELLI, Waldirio. Contratos..., p. 373. O autor traz extensa exposição a
respeito da natureza do contrato de arrendamento mercantil.
securitização: mobilização de ativos. Além da função . ■..nomt .1

leasing apresenta outro traço de identidade com a seciii i(//ac.u ;s-


sim como esta, utiliza-se de diversos contratos já previstos no 01.k
namento jurídico brasileiro em sua estrutura, mantendo, ontietamo.
identidade e características próprias.
O arrendamento mercantil aceita diversas modalidades, que, em
maior ou menor grau, podem ser utilizadas para dar liquidez a ativos
e financiar sociedades. É assim na operação denominada sale and \
lease back. Nessa estrutura, um bem do arrendatário é vendido ao \
arrendador, e imediatamente arrendado de volta ao proprietário ori- i
ginal, de modo que o arrendatário continua utilizando-o.
É uma operação comum com relação a imóveis, que, por defini­
ção, são bens de liquidez reduzida. O proprietário do imóvel 0 vende,
e 0 aluga de volta. Pode ser uma estrutura interessante para cadeias
de varejo, haja vista a elevada despesa de manutenção dos imóveis
onde funcionam as lojas.
Outra modalidade de leasing que pode ser utilizada para fins
semelhantes aos da securitização é a chamada de autofinanciamento
ou self-leasing, em que a operação é contratada com o próprio fabri­
cante. O contrato de arrendamento mercantil pode ainda ser firmado
entre empresas coligadas ou com relação de controle entre si, tornan­
do mais marcante a característica de financiamento do contrato-17.
A emissão de títulos por parte das sociedades anônimas tem
sido uma forma de financiamento bastante utilizada. Consiste no aces­
so ao mercado de capitais para buscar capital próprio ou de terceiros,
por intermédio de bolsas de valores ou mercados de balcão. Com
efeito, esse tipo de operação identifica-se muito com a securitização.
sendo mesmo um instrumento de desintermediação e diluição de ris­
co. A diferença básica está nas características dos títulos emitidos e
na segregação do lastro da emissão.

‘•' Sobre o assunto, cf. LOPES, Mauro Brandão. Natureza jurídica do ' Icasiii!;'
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, «. 14,
p. 35-39, 1974.
C apítulo 6

A SECURITIZAÇÃO NO BRASIL
A securitização no Brasil encontra-se em fase embrionária de
desenvolvimento, se comparada a países como os Estados Unidos ou
a Inglaterra. Há ainda uma quantidade pequena de operações que se
restringem a segmentos determinados.
Há quem considere que a carência de regulamento sistêmico
próprio é uma das razões para o tímido desenvolvimento da securiti­
zação no Brasil, já que esse fato traria à operação certo nível de incer­
teza, especialmente no tocante a pontos polêmicos, como a eficácia
da cessão dos créditos perante credores do originador, e a natureza
dos títulos emitidos. Pode-se, todavia, encarar a questão de forma
diametralmente oposta: o uso de instrumentos jurídicos consagra­
dos, com pequenos ajustes decorrentes de legislação específica, daria
mais segurança à operação, já que, há bastante tempo, esses instru­
mentos estão consolidados no ordenamento jurídico.
Esse é o ponto que se passa a explorar.

6.1. A disciplina legal da securitização no Brasil


A securitização no Brasil é recente. As primeiras operações com
a estrutura que hoje se conhece foram realizadas no final da década
de 80 do século passado. Por se tratar de operação à época considera­
da sofisticada, desenvolveu-se inicialmente em nichos específicos, e
por isso a regulamentação veio estratificada, sempre ligada ao ativo
subjacente à operação. Assim, o foco dos normativos ligados à secu­
ritização não é a operação em si, mas sim os ativos que lhe dão lastro.
Esse fato faz com que as regras jurídicas que disciplinam a
securitização sejam bastante específicas para operações ligadas a
determinado tipo de ativo, em sua maioria expedidas por órgãos

140
reguladores, como o Banco Central ou a Comissão d e Valores Mo­
biliários. Torna-se. assim, difícil a utilização de ta is re g ra s por in­
dução em outros tipos de operação, exatamente por sua especifici­
dade e pela limitação de alcance da competência dos ó rg ã o s que
emitiram tais normas.
Em geral, as regras aplicáveis à securitização de ativos diferen­
tes daqueles amparados pelas normas específicas são as normas ge­
rais de Direito Civil e Comercial, com todos os inconvenientes e van­
tagens que isso possa trazer, como analisado a seguir.
O primeiro diploma legal a tratar da securitização, apesar de
não utilizar essa palavra em seu texto, foi a Resolução CMN n. 1.834/
91, regulamentada pela Circular do Banco Central do Brasil n. 1.979/
91, que trata da securitização de ativos oriundos de exportação.
A lg u m tempo depois, surgiram regras sobre a securitização de
b a s e imobiliária, seguidas de legislação de vida breve sobre a
s e c u ritiz a ç ã o de ativos empresariais em geral e a securitização de
a tiv o s financeiros. Recentemente, editou-se legislação similar àquela
v o lta d a à securitização de base imobiliária, com relação aos ativos d o
chamado agronegócio, o q u e , mais uma vez, indica a intenção das
autoridades b ra s ile ira s d e e n c o n tra r novas formas de financiamento
para os diversos s e to re s p ro d u tiv o s do País.
Seguindo a o rd e m c r o n o ló g ic a na qual surgiram os primeiros
normativos a regular a o p e r a ç ã o , inicialmente abordar-se-á a secu­
ritização de ativos ligados à exportação, seguindo-se a securitiza­
ção de base imobiliária, em que o ativo subjacente à operação com
põe-se de imóveis e direitos sobre imóveis. Em seguida aborda-se a
securitização de ativos empresariais em geral, onde se enquadra­
riam os recebíveis originários de operações de comércio e presta
cão de serviços. Analisa-se a evolução da regulamentação da secu­
ritização de ativos financeiros, que alcança créditos gerados em
operações praticadas por instituições financeiras, e, por fim, os mo
canismos de securitização do agronegócio serão explorados.

6.1.1. Securitização de exportações


A securitização de exportações surgiu em nosso ordenamento ju -
rídico em 1.991, por intermédio da Resolução CMN n. 1.844, que di s
põe a respeito do financiamento a exportações no âmbito do Programa
de Financiamento às Exportações — PROEX. A assistência financeira
de tal Programa consiste em desconto de títulos, no caso de exportação
de bens, ou financiamento direto, no caso de exportação de serviços.
Apesar de não mencionar expressamente o termo "securitização”, re­
ferida Resolução estabelece que as operações de financiamento a que
se refere terão por objeto títulos emitidos por exportador brasileiro,
representativos de exportação de determinados bens, o que já repre­
senta um esboço da estrutura da securitização de exportações.
A Resolução n. 1.844/91 foi regulamentada pela Circular n.
1.979/91 do Banco Central, posteriormente revogada pela Circular n.
3.027, de 22 de fevereiro de 2001, visando a adequação dos procedi­
mentos da operação ao Registro Declaratório Eletrônico.
Essa Circular refere-se expressamente à securitização de expor­
tações, definindo-a como captação de recursos no mercado externo,
com estabelecimento de vínculo a exportações que podem ser da pró­
pria tomadora, ou de outros exportadores que não necessariamente
têm de pertencer ao mesmo grupo econômico do tomador.
Assim, o mecanismo de securitização de exportações consiste
na emissão de títulos lastreada em ativo específico, ou seja, créditos
oriundos da exportação de bens. A emissão dos títulos se dá no mer­
cado internacional lastreada em vendas ao exterior a pagamento futu­
ro ou mesmo expectativas de créditos218.
Na prática, a subsidiária estrangeira de uma sociedade brasilei­
ra cede, em favor de um veículo de propósito exclusivo, os seus
recebíveis de exportação contra os compradores/importadores. É esse
VPE que emite valores mobiliários no mercado internacional, com
lastro nos recebíveis adquiridos, captando, dessa forma, os recursos a
serem repassados à matriz brasileira.
Como a emissão é feita no exterior, e não há previsão sobre o
tipo de estrutura a ser utilizada, o VPE nessas operações geralmente
é um trust, que, conforme se viu, é o veículo mais adequado à securi­
tização. No mesmo sentido, os títulos emitidos são trust certificates

218 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 7. ed. Rio de


Janeiro: Qualitymark, 1995. p. 200.

142
que incorporam direitos a parcelas do patrimônio segregado no ínist,
bem como a seus eventuais rendimentos.
Por se tratar de emissão com lastro em receitas futuras, e sse
mecanismo pode ser caracterizado como empréstimo externo ou fi­
nanciamento à exportação. Isso porque mediante a emissão de títu lo s
no exterior, o exportador antecipa receitas que só efetivaria após e x ­
p o rta r sua produção219. Porém, difere do financiamento direto pelp
fa to de pulverizar o risco envolvido pela emissão de títulos.
As regras que disciplinam a securitização de exportações são
bastante específicas, não podendo ser utilizadas subsidiariamente em
processos de securitização que não aqueles especificamente descri ­
tos na regulamentação.
Esse mecanismo já é bem consolidado e comum no mercado bra­
sileiro, mas é restrito a sociedades de grande porte, em sua maioria
controladas por grandes conglomerados internacionais. Não obstante,
é de grande valia o exemplo bem-sucedido da securitização de expor­
tações, para demonstrar a segurança jurídica da operação no Brasil.

6.1.2. S ecu ritiz a çã o d e b ase im o b iliá ria

A exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, o mercado imo­


biliário também pode ser considerado o berço da operação de
securitização no Brasil. Apesar de não ter sido o primeiro segmento a
ser regulamentado, é para esse tipo de securitização que a legislação
brasileira é mais desenvolvida, havendo mesmo previsão legal para

219Não há que se confundir a securitização de exportações com o pré-pagamento ou


pagamento antecipado de exportação. Apesar de ambos poderem ser usados como
meio de financiamento à atividade, apresentam mecanismos bem distintos. O pré-
pagamento de exportação, conforme definido pela Circular n. 2.919/99 do Banco
Central, é “a aplicação de recursos em moeda estrangeira na liquidação de contratos
de câmbio de exportação, anteriormente ao embarque das mercadorias". Essa ante­
cipação, que constitui financiamento à produção de bens destinados à exportação,
pode ser concedida tanto pelo importador das mercadorias no exterior quanto por
qualquer outra pessoa jurídica localizada fora do Brasil. Dentre as últimas, em njv
tram-se geralmente empresas afiliadas à exportadora e instituições financeiras es
trangeiras. Como se vê, não há, em princípio, emissão de títulos ou segregaçfio tli
risco, como ocorre na securitização.
duas modalidades de securitização, uma via fundos mútuos de inves­
timento; outra via sociedade de propósito exclusivo. Com efeito, nesse
segmento, o vulto dos empreendimentos justifica captação de recur­
s o s mais elaborada e há maior interesse social no desenvolvimento
de vias alternativas de captação de recursos.
A legislação do Sistema Financeiro Imobiliário — SFI, que dis­
ciplina a securitização imobiliária, visa justamente desafogar o siste­
ma tradicional de financiamento à habitação, utilizando-se de recur­
sos privados em um segmento econômico normalmente custeado pelo
setor público.
Os fundos imobiliários são outra opção para o financiamento de
projetos imobiliários. Esses fundos, já bem consolidados no sistema
jurídico brasileiro, têm sido bem-sucedidos no financiamento de pro­
jetos como centros comerciais e condomínios empresariais.
Ambos os institutos aplicados na securitização imobiliária trou­
xeram importantes inpvações para o ordenamento jurídico brasileiro,
visando viabilizar e tornar mais seguras as operações, especialmente
no que diz respeito à segregação patrimonial e ao controle dos recur­
sos por parte dos investidores.
a) Fundos de Investimento Imobiliário
O primeiro diploma legal que efetivamente previu a securitização
de base imobiliária no Brasil foi a Lei n. 8.668, de 25 de junho de
1993. O art. I2 dessa lei define o Fundo de Investimento Imobiliário
como uma comunhão de recursos, sem personalidade jurídica, capta­
dos pelo sistema de distribuição de valores mobiliários, previsto na
Lei n. 6.385/76, e destinados a aplicação em empreendimentos imo­
biliários. A lei estipula ainda, em seu art. 32, que as quotas desses
fundos são valores mobiliários, sujeitando-se, por conseguinte, à le­
gislação pertinente.
De acordo com Rachel Sztajn220, os fundos imobiliários vieram
permitir a securitização da propriedade imobiliária de modo a se che­

:í" SZTAJN, Rachel. Quotas de fundos de investimento imobiliários: novo valor


mobiliário. Revista cie Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São
Paulo. n. 93, p. 104-108, jan./mar. 1994.

1 4 4
gar a um fracionamento desta, distinto daquele previsto na legislação
civil e na de registros públicos.
Os fundos de investimento imobiliário, mesmo não sendo ex­
pressamente considerados mecanismos de securitização, conceitual-
mente apresentam suas mesmas características, já que, como na se­
curitização, segregam-se ativos específicos para posterior emissão de
títulos neles lastreados. Assim como na securitização, de acordo com
Andrezzo e Lima221, o objetivo de tais fundos é criar uma poupança
estável e de longo prazo, além de propiciar liquidez a um mercado
tradicionalmente ilíquido, como o imobiliário.
Como os demais fundos de investimento previstos em nossa le­
gislação, os fundos imobiliários são constituídos sob a forma de con­
domínios, e são representados, ativa e passivamente, pela instituição
que os administra. Porém, enquanto nos fundos de investimento em
geral os bens que constituem seu patrimônio são adquiridos pelo fun­
do em seu nome, no caso dos fundos imobiliários os bens e direitos
de natureza imobiliária são adquiridos pela própria instituição admi­
nistradora do fundo, com o intuito de se evitarem questionamentos
quanto à legitimidade do condomínio para a aquisição e alienação
dos bens imóveis.
Assim, a maior inovação trazida pela Lei n. 8.668/93 foi, na
verdade, o estabelecimento da propriedade fiduciária do administra­
dor com relação ao patrimônio do fundo. De acordo com a citada lei,
os bens e direitos integrantes do patrimônio do fundo de investimen­
to imobiliário são mantidos sob propriedade fiduciária da instituição
administradora, e, assim como os frutos e rendimentos deles decor­
rentes, não se comunicam com o patrimônio desta, não respondendo
direta ou indiretamente por obrigações da administradora, nem po­
dendo ser dados em garantia em operações da instituição.
Ainda no entendimento de Rachel Sztajn222, os fundos de inves­
timento imobiliário apresentariam uma estrutura própria de negócios
fiduciários, aproximando-se assim dos mecanismos de securitização
utilizados em países em que a operação é mais desenvolvida. Porem,

221 ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira, op. cit., p. 236,
222 SZTAJN, Rachel. Quotas de fundos de investimentos..., p. 104-108.
não se trataria de um negócio fiduciário nos moldes anglo-saxões
(itrust), tampouco de negócio fiduciário típico do sistema de base ro­
mano-germânica.
É, pois, um negócio fiduciário sui generis tipificado pela Lei n.
8.668/93, mediante o qual a administradora do fundo age como se
fosse proprietária dos bens, mas sem que esses se mesclem com seu
patrimônio particular. É, efetivamente, uma modalidade de patrimô­
nio separado, apta a servir aos fins de securitização.
Posteriormente, a Lei veio a ser regulamentada, em suas respec­
tivas áreas de atuação, tanto pela Comissão de Valores Mobiliários,
com a Instrução n. 205, de 14 de janeiro de 1994, quanto pelo Conse­
lho Monetário Nacional, com as Resoluções CMN n. 2.248, de 8 de
fevereiro de 1996, e n. 2.686, de 26 de janeiro de 2000.
Apesar de não serem tão numerosos, os fundos de investimento
imobiliário são responsáveis pelas experiências mais bem-sucedidas
de securitização no Brasil, inclusive no tocante à aceitação dos títu­
los por parte do público investidor e até na formação de um pequeno
mercado secundário para os títulos emitidos.
b) S ecu ritiz a çã o d e C réd itos Im o b iliá r io s
Com o advento da Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997,
regulamentada pela Resolução CMN n. 2.517, de 29 de junho de
1998, foi instituído o Sistema Financeiro Imobiliário — SFI, que tem
por objetivo criar um mercado secundário para os créditos imobiliá­
rios mediante a securitização, captando recursos privados para esse
segmento da economia de forma alternativa à tradicionalmente utili­
zada, que consistia basicamente nos recursos do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço — FGTS, caderneta de poupança ou dos pró­
prios cofres públicos223.
Ainda que antes da mencionada lei fosse possível a securitização
de créditos imobiliários, assim como de qualquer outro ativo, a cria­
ção de mecanismos e instrumentos específicos objetivou estimular
esse mercado, sem, contudo, ser bem-sucedida nesse intuito. A

223 A respeito da criação do SFI, cf. SFI: um novo modelo habitacional. São Paulo:
Abecip, 1996.

146
securitização de base imobiliária no Brasil é responsável por parcela
ainda insignificante dos recursos necessários ao financiamento
habitacional.
Em seu art. 8a, a Lei n. 9.514/97 define a securitização de crédi­
tos imobiliários como sendo a operação pela qual tais créditos são
expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédi­
to, mediante termo de securitização de créditos lavrado por uma com­
panhia securitizadora, onde constarão todas as informações a respei ­
to da operação em tela.
A operação segue a estrutura básica de securitização apresenta­
da neste trabalho: os créditos imobiliários são cedidos ao veículo de
propósito exclusivo, que emite títulos lastreados nesses créditos. A
diferença desse tipo de securitização é que a própria lei prevê instru­
mentos para eliminar lacunas ou obstáculos impostos pela legislação
geral a operações de securitização que, apesar de não inviabilizá-las,
dificultam sua estruturação. Assim, a lei dispõe sobre o veículo pró­
prio de securitização, títulos específicos, mecanismos de segregação
e proteção do patrimônio lastro da emissão, garantias adicionais aos
investidores, e dispensa expressamente a notificação do devedor quan­
do da cessão^kTcréditos à companhia securitizadora.
A lei prevê como veículo de securitização as sociedades securi-
tizadoras de créditos imobiliários, que são instituições não financei­
ras e devem ser constituídas sob a forma de sociedades por ações.
Sua função consiste em adquirir créditos e emitir e colocar no merca­
do de certificados os recebíveis imobiliários (CRIs).
Apesar de as companhias securitizadoras serem autorizadas a
emitir outros valores mobiliários, os CRIs são os títulos que, especi­
ficamente, representam os créditos imobiliários que os lastreiam.
Conforme definido no art. 6a da Lei n. 9.514/97, os CRIs são títulos
de crédito nominativos, de livre negociação, lastreados em créditos
imobiliários, constituem promessas de pagamento em dinheiro, e so­
mente podem ser emitidos pelas companhias securitizadoras de cré­
ditos imobiliários224.

224Os Certificados de Recebíveis Imobiliários foram considerados valores ttiobiliâ*


rios pela Resolução CMN n. 2.517/98.
Os créditos segregados para a securitização podem ser repre­
sentados por quaisquer contratos sobre ativos imobiliários que de­
vem ser devidamente cedidos à companhia securitizadora. Há, ainda,
a possibilidade de que tais créditos sejam representados por Cédulas
de Crédito Imobiliário — CCI. Elas foram instituídas pela Medida
Provisória n. 2.223, de 4 setembro de 2001, posteriormente converti­
da na Lei n. 10.931/2004, sendo emitidas pelo credor imobiliário,
independentemente da autorização do devedor imobiliário, e poderá
representar parte ou a integralidade de um crédito imobiliário.
A vantagem desse instrumento é que ele delimita e padroniza os
créditos imobiliários, facilitando sua transferência ao VPE e a securi­
tização como um todo. A cessão das CCI pode ser feita por endosso,
caso sejam documentos cartulares, ou por meio de central de liquida­
ção e custódia de títulos, no caso de emissão escriturai. A legislação
prevê expressamente que a cessão da CCI implica automática trans­
missão das respectivas garantias ao cessionário, sub-rogando-se em
todos os direitos representados pela cédula, e, especificamente no
caso de alienação fiduciária, o cessionário se investirá na proprieda­
de fiduciária que cabia ao cedente.
No caso de securitização lastreada em CCIs, as cédulas deverão
ser identificadas no respectivo termo de securitização, mediante a
indicação de seu número, valor, série e instituição custodiante, men­
cionando o patrimônio separado a que estão afetadas.
Apesar de as emissões de securitizações imobiliárias já estarem
bem protegidas por meio de segregação patrimonial, como se verá
adiante, a Lei n. 9.514/97 prevê garantias adicionais que podem ser
oferecidas pela companhia securitizadora, como, por exemplo, ga­
rantia flutuante sobre todo seu patrimônio, hipoteca, cessão fiduciária
de direitos creditórios, caução de direitos creditórios ou aquisitivos
decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis.
Se, porém, nenhuma garantia constar expressamente do termo de
securitização, os detentores de CRIs somente poderão reclamar o
patrimônio separado no qual são lastreados seus créditos.
A Lei n. 9.514/97 determina ainda a possibilidade de alienação
fiduciária de bens imóveis, no âmbito do SFI. Assim, tem-se um
mecanismo rápido e eficaz para a recuperação de crédito, trazendo

148
maior credibilidade à emissão de CRLs e de outros valores mobiliá­
rios porventura emitidos pela companhia securitizadora225.
Em sua esfera de atuação, a Comissão de Valores Mobtliaum.
através da Instrução n. 284, disciplinou os procedimentos de n ;»i o >
das companhias securitizadoras de créditos imobiliários, bem <om»
aqueles relativos à distribuição pública de CRIs. Dentre as piuiupuiN
disposições da citada instrução, destaca-se aquela que dispensa a i r
lização de intermediário financeiro226 para distribuição pública th
CRIs, tomando o procedimento mais simples e menos dispêndio...
Mais recentemente, através da Medida Provisória n. 2.223, de
4 de setembro de 2001, convertida na Lei n. 10.931/2004, foi deter­
minado que os próprios agentes financeiros podem operar a secut í
tização, sem necessidade da companhia securitizadora, pela emis­
são das Letras de Crédito Imobiliário — LCI, títulos criados por
esse diploma legal.
As LCIs são títulos nominativos, que podem ser transferidos
mediante endosso em preto, emitidos e negociados independente­
mente de efetiva tradição, ou seja, podem ser escriturais. Elas têm
lastro em créditos imobiliários garantidos por hipoteca ou aliena­
ção fiduciária de coisa imóvel, e não podem ser emitidas com prazo
superior àquele dos créditos que lhe dão lastro. Trata-se de urna
estrutura diferente, pois dispensa o uso de VPE, mas, assim corno a
securitização propriamente dita, cumpre a função de conferir cireu-
labilidade a ativos imobiliários.
A securitização no Brasil é, como o foi nos Estados Unidos na
penúltima década, uma saída eficiente para reduzir o déficit habita­

225 Apesar de se apresentar como uma novidade, há tempos, alguns jurista«


propugnavam pela introdução da alienação fiduciária de bem imóvel em n o s s o orde­
namento. Com efeito, Amoldo Walcl (WALD, Amoldo. Novos instrumentos para o
direito imobiliário: fundos, alienação fiduciária e “leasing”. In: op. cit, p. 217 22*1 ,
propôs o instituto como solução para o problema do inadimplemento de mum.j* ,< ,
demora na solução de demandas do âmbito do BNH.
226“Art. 32 A distribuição pública de CRI pode ser realizada sem a interm. <h <
instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobilt.nn* <n
re art. 15 da Lei n. 6.385/76.”
cional227. Contudo, para que haja uma perspectiva de desenvolvimen­
to do SFI nos moldes que se propõe, deve haver, concomitantemente
à sua implantação, estímulo ao desenvolvimento do mercado secun­
dário dos CRIs, assim como ocorreu nos Estados Unidos. A simples
edição da legislação não tem, como se tem visto, o condão de desen­
volver o mercado para um tipo de operação.

6.1.2.1. Segregação patrimonial na securitização imobiliária

Conforme já analisado, a segregação patrimonial é o ponto crí­


tico das operações de securitização no Brasil. Por esse motivo, a le­
gislação brasileira a respeito de securitização imobiliária preocupou-
se em tratar dessa segregação em duas esferas: tanto no âmbito da
incorporadora, anteriormente à estruturação da securitização, como
na companhia securitizadora, após cedidos os créditos.
Assim, no final de 2001, foi introduzido no ordenamento jurídi­
co brasileiro mais um instrumento para a segregação de patrimônio
para as securitizações de base imobiliária. A Medida Provisória n.
2.221, de 4 de setembro de 2001, posteriormente convertida na Lei n.
10.931/2004, criou a figura do patrimônio de afetação nas incorpora­
ções imobiliárias.
Já na esfera do veículo de securitização, a Lei n. 9.514/97 prevê
a possibilidade de instituição de regime fiduciário sobre os créditos
afetados a uma emissão, de modo a segregá-los completamente do
restante do patrimônio da companhia securitizadora.

a) P a trim ô n io d e a feta çã o
O patrimônio de afetação permite separar o patrimônio geral da
empresa incorporadora do patrimônio referente a cada empreendi­
mento específico, visando à consecução da edificação e à entrega das
unidades imobiliárias aos respectivos proprietários. Na verdade, ocorre
uma segregação de cada empreendimento com relação ao risco de
outros, bem como quanto ao risco da própria empresa incorporadora.

227Nesse sentido, PEDRETTI, Maria das Graças; COSAC, Marcelo. Securitização é


um meio de reduzir déficit habitacional. Gazeta Mercantil, São Paulo, 13 fev. 2001.

150
( ’ada empreendimento passa a ser um centro de geração de receitas e
despesas, que se deve auto-sustentar.
Assim, cada empreendimento possui ativo e passivo próprios,
formados por bens, direitos e obrigações que lhe são inerentes, bem
como os adquiridos no decorrer do desenvolvimento do negócio.
Com o patrimônio de afetação, o construtor obriga-se a manter
em separado todos os bens e recursos relativos a determinado em­
preendimento, não podendo investi-lo em outras atividades ou em­
preendimentos diversos daquele que originou os recursos.
Note-se, porém, que o patrimônio de afetação é limitado ao
montante necessário para a consecução de determinado empreendi­
mento, sendo seus recursos utilizados para pagamento ou reembolso
das despesas inerentes à incorporação. Assim, caso a receita do em­
preendimento seja excedente ao montante estipulado para sua conse­
cução, passará a fazer parte do patrimônio geral do incorporador, e
não mais do patrimônio de afetação.
Ressalte-se que, apesar de o patrimônio de afetação ser exclusi­
vamente destinado à consecução do empreendimento, se porventura
o incorporador vier a prejudicar esse patrimônio, responderá também
com seu patrimônio geral e pessoal por esse prejuízo.
A constituição do patrimônio de afetação é facultativa, poden­
do o incorporador adotá-lo a qualquer tempo, ainda que a incorpo­
ração haja sido instituída anteriormente à Medida Provisória n.
2.221/2001. O patrimônio dc afetação c constituído mediante aver­
bação, junto ao Registro de Imó\cis. dc termo firmado pelo incor-
poíadôr ou peTosTtituhires de direitos reais dc aquisição, e está su­
jeito a regras bem específicas, conforme detalhado a seguir.
Paralelamente à constituição do patrimônio de afetação, deverá
ser instituída uma comissão de representantes, formada por titulares
de direitos reais sobre o empreendimento, os quais, por sua vez, terão
os poderes necessários para fiscalizar referido patrimônio, poden­
do, para tanto, contratar profissionais especializados. Havendo fi­
nanciamento, o patrimônio de afetação poderá ser auditado por pes­
soa física ou jurídica nomeada pela instituição financiadora.
Dentre as obrigações do incorporador, destacam-se: promover
os atos necessários à boa administração da incorporação; manter sepa­
rado de seu patrimônio, em conta específica, os bens e direitos objeto
de cada incorporação; e entregar à comissão de representantes, tri­
mestralmente, demonstrativos do estado da obra, suas perspectivas, e
balancete financeiro do patrimônio de afetação.
No caso de falência do incorporador, esta não atingirá o patri­
mônio de afetação, nem mesmo constituirá crédito para a massa fali­
da. Havendo financiamento da construção, os adquirentes serão sub-
rogados nos direitos e obrigações contratuais do falido. No prazo de
60 dias da decretação de falência do incorporador, deverá ser convo­
cada a comissão de representantes, ou, na falta desta, um sexto dos
titulares das frações ideais, para deliberar sobre os termos da cons­
trução da obra e destinação do patrimônio de afetação.
A comissão terá poder para decidir entre a continuidade da obra
e a liquidação do patrimônio de afetação, seguida da venda do patri­
mônio e distribuição da quantia correspondente entre seus integran­
tes. Optando por assumir a administração da obra, os adquirentes
responderão solidariamente com o incorporador pelas obrigações tra­
balhistas, cíveis e demais encargos, desde que vinculados ao patri­
mônio de afetação.
Visando resguardar-se contra não-pagamento por parte dos con­
tratantes adquirentes de parcelas do empreendimento, é lícito ao
incorporador estipular no contrato, de acordo com o art. 63 da Lei n.
4.591/68, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento
de três prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicial­
mente, quer alteradas ou criadas posteriormente, depois de prévia
notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implicará
rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou até mesmo determi­
nar que pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de
terreno e à parte construída adicionada.
A edição da medida provisória, já convertida em lei, foi mais
um sinal do interesse das autoridades brasileiras no desenvolvimento
da securitização de base imobiliária, por configurar-se como uma al­
ternativa viável ao financiamento tradicional à habitação.
b) R eg im e fid u ciá rio
A lei faculta a instituição de regime fiduciário sobre créditos
imobiliários pela companhia securitizadora, por meio do qual se se­

152
gregam os ativos-lastro de determinada emissão, os quais nao se c<>
municam com o patrimônio geral da companhia securitizadora.
O regime fiduciário é instituído mediante a declaração unilate­
ral da securitizadora, no contexto do termo de securitização, c impli­
ca a constituição de patrimônio separado, afetado ao fim específico
de honrar os compromissos financeiros referentes a uma determina
da emissão de títulos. Todavia, pode ser outorgado, no termo de secu­
ritização, o direito de os beneficiários do patrimônio separado have­
rem seus créditos contra o patrimônio da companhia securitizadora,
no caso daquele se tomar insuficiente para aquele fim.
A lei diz ainda que o patrimônio segregado não pode ser dado
em garantia, nem pode ser exigido por credores da companhia securi­
tizadora, por mais privilegiados que sejam. Cabe à companhia
securitizadora administrar cada patrimônio separado que venha a ins­
tituir, mantendo seus registros contábeis e publicando suas demons­
trações financeiras de forma totalmente independente.
Há ainda a necessidade de nomeação de um agente fiduciário,
c o m p o d e r e s a m p lo s de representação, incumbindo-lhe, em linhas
gerais, zelar pelo patrimônio submetido ao regime fiduciário e pe­
los interesses de seus beneficiários. Note-se que se aplica ao agente
fiduciário as mesmas regras impostas aos agentes fiduciários de
emissões de debêntures, a que se refere a Lei das Sociedades por
Ações.
Ressalte-se que a insuficiência de bens do patrimônio separado
não deverá submetê-lo a regimes falimentares, mas caberá ao a g e n te
fiduciário reunir os beneficiários em assembléia para deliberar so b re
sua administração ou liquidação. Já no caso insolvência da c o m p a ­
nhia securitizadora, o patrimônio separado não será afetado e o a g e n ­
te fiduciário assumirá imediatamente sua custódia e a d m in istra ç ã o ,
devendo também convocar assembléia de beneficiários para d e c id ir
sobre sua administração.
A exemplo do que ocorre com o s fundos im o b iliá r io s , a lei
criou um regime fiduciário especial para operações d e securitiza­
ção, protegendo expressamente o patrimônio s e g re g a d o p a ra a se­
curitização de eventuais demandas c o n tr a o o r ig in a d o r ou incsmo
contra o VPE.
6 .1 .3 . S ecu ritiz a çã o d e a tiv o s em p r esa ria is em gerai

Para os fins deste estudo, consideram-se ativos empresariais não


só os oriundos de operações estritamente comerciais, mas também
aqueles originados em outras atividades que envolvam a criação de
valores econômicos, como, por exemplo, a prestação de serviços, que,
apesar de não ser atividade tradicionalmente comercial, gera fluxos
de caixa passíveis de circulação. Por outro lado, apesar de os ativos
bancários, ou de exportação, constituírem créditos eminentemente
empresariais, não estão aqui incluídos, por terem disciplina própria
relativamente à securitização. A securitização empresarial seria, por
assim dizer, uma categoria residual, que abarcaria as situações não
incluídas nas disciplinas específicas aqui classificadas.
Tentando inaugurar uma nova etapa da securitização, em 1993.
o CMN emitiu a Resolução n. 2.026, permitindo que instituições fj
nanceiras adquirissem títulos emitidos por VPEs. Nesse caso, os ati­
vos-lastro da operação seriam eminentemente comerciais ou oriun­
dos de prestação de serviços, ou seja, títulos representativos de crédi
tos originários de venda no varejo, receitas de prestação de serviços,
faturas de cartão de crédito, dentre outras. Esses créditos deveriam
ser segregados em VPE que emitiriam títulos neles lastreados. Eram
exatamente esses títulos que a citada resolução permitia serem ad­
quiridos por instituições financeiras.
A Resolução n. 2.026/93, porém, foi revogada pela de n. 2.493/
98, que, todavia, não regulou a matéria. Como adiante assinalado,
essa resolução dispõe sobre a securitização de créditos bancários,
tendo os bancos como originadores. A citada norma não trata da aqui
sição de títulos de securitização empresarial por instituições financei­
ras, mas sim da securitização dos créditos de instituições financeiras.
Mais do que qualquer das outras modalidades, a securitização
de ativos empresariais pode ser considerada hoje um negócio jurídi­
co indireto, pois carece de qualquer disciplina legal específica que
lhe dê amparo. É uma combinação de instrumentos jurídicos — basi­
camente a cessão de créditos e emissão de títulos — que se transfor­
ma num negócio jurídico atípico.
Não há diploma legal que a discipline, pois, como visto, a regu ­
lamentação específica é determinada pelo tipo de bem que dá lastro à

154
wiirHizaçào, e, no caso da securitização empresarial, o ativo subjà-
. cttSt* pode ser qualquer um passível de gerar renda. A falta de regula­
ste til ação. em vez de prejudicar, pode ser considerada um ponto van-
»?! > o, urna vez que lhe propicia a necessária flexibilidade para sua
sWnituração.
Atualmente, o setor de cartões de crédito é um dos que mais se
«Cíli/arn da securitização empresarial em todo o mundo. Também no
K i . i m í as administradoras empregam esse mecanismo para adiantar

i.-i eitas. Setores como o automobilístico e o de aviação comercial já


iniciaram a securitização de suas carteiras de contas a receber.

o >,j.J. Fundos de Investimento em Direitos Credito rios — FIDCs

Mais recentemente, o CMN criou, por meio da Resolução n.


».007/2001, um instrumento que se presta à securitização de ativos
empresariais, embora também possa ser usado por outros segmentos,
li ata-se do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios — FIDC
ou fundo de recebíveis, como ficou conhecido no mercado. Esse mo­
ld o repete, consideravelmente, o m odelo francês dos Fonds
ftm m uns de Créance, que se mostrou eficiente naquele país227A
Desde sua criação, e de forma mais consistente nos últimos anos,
os fundos de recebíveis têm possibilitado o acesso ao mercado de
capitais a sociedades empresárias de médio porte, como forma de
financiar suas atividades. Além disso, esses fundos apresentam van­
tagens fiscais aos investidores e originadores, se comparados às so­
ciedades de propósito específico, utilizadas para a securitização de
ativos empresariais.
A constituição desse tipo de fundo se dá mediante a cessão de
créditos do originador ao fundo, os quais passam a compor, primor­
dialmente, seu ativo. O rendimento das carteiras resulta da diferen­
ça entre o valor líquido antecipadamente pago aos originadores pe­
los créditos e os juros pagos pelos devedores no vencimento da
obrigação.

' A respeito do modelo francês de securitização, cf. nota 160 deste trabalho.

155
A regulamentação dos fundos determina que a aplicação de re­
cursos somente deve ser feita por investidores qualificados228. Toda­
via, entende-se que essa seja uma circunstância ligada ao fato de se
tratar de produto financeiro ainda não totalmente consolidado no
mercado, mas que, no futuro, poderá ser uma opção de investimento
de varejo.
Com efeito, a legislação a respeito de FIDCs admite espécies
diferenciadas de quotas — subordinadas e seniores — , sendo que as
últimas podem oferecer garantias maiores para seu resgate, podendo,
assim, ser viável para investidores não qualificados.
Os FIDCs têm representado um dos instrumentos de maior cres­
cimento para a securitização, tendo a sua regulamentação evoluído
consideravelmente, apesar de ainda existirem algumas dúvidas com
relação à natureza da cessão dos créditos do originador para o fundo,
especialmente com relação à incidência do Imposto sobre Operações
Financeiras — IOF.
Até mesmo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social — BNDES tem utilizado os fundos de recebíveis como ins­
trumento de aporte de recursos e financiamento de empresas, uma
vez que ele permite estruturações bastante distintas, possibilitando o
investimento em setores diversos.

6.1.4. Securitização d e créd itos fin a n ceiro s

Mediante a Resolução CMN n. 2.493, de 7 de maio de 1998, as


autoridades monetárias regulamentaram a securitização das carteiras

”sDe acordo com a definição legal, o termo investidor qualificado abrange as insti­
tuições financeiras, as companhias seguradoras, as sociedades de capitalização, as
entidades abertas e fechadas de previdência privada, as pessoas jurídicas não finan­
ceiras com patrimônio líquido superior a R$ 5.000.000,00, os fundos de investimen­
to em quotas destinados exclusivamente a investidores qualificados, as pessoas físi­
cas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$
300.000,00, e que, adicionalmente, atestem, por escrito, a sua condição de investidor
qualificado mediante termo próprio; e os administradores de carteira e consultores
de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios
(Instrução CVM n. 409/2004).

156
de recebíveis bancários e das demais instituições financeiras, como
empréstimos e carteiras de arrendamento mercantil229.
De acordo com Andrezzo e Lima230, por meio desse mecanis­
mo, as instituições financeiras contempladas na citada resolução fo­
ram autorizadas a excluir de seus balanços operações que pudessem
comprometer seus níveis de concentração de risco, ou mesmo con­
tratos problemáticos, cedendo-os para veículos de propósito especí­
fico que não integram o Sistema Financeiro Nacional, não se sujei­
tando, assim, à severa disciplina dos órgãos reguladores. Antes da
promulgação da Resolução n. 2.493/98, as cessões de crédito de ins­
tituições financeiras apresentavam-se como um regime de exceção,
sendo reguladas pela Resolução CMN n. 1.962/92.
Com efeito, a Resolução n. 1.962/92 estabelece a cessão de cré­
dito entre instituições financeiras, mas não a companhias securitiza-
doras, além de exigir uma série de formalidades para a efetivação do
negócio de cessão.
A Resolução CMN n. 2.493/98 dispunha, em suma, sobre auto­
rização para cessão de créditos oriundos de determinadas operações
por parte de bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investi­
mento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, socie­
dades de crédito imobiliário, sociedades de arrendamento mercantil
e companhias hipotecárias, sociedades anônimas de objeto exclusivo
e companhias securitizadoras de créditos financeiros.
A Resolução n. 2.493/98 proibia expressamente a coobrigação
da instituição cedente dos créditos ou de qualquer coligada, pelo pa­
gamento dos créditos cedidos. Não permitia, também, a recompra de
créditos anteriormente cedidos, ou a aquisição, pela cedente, dos tí­
tulos emitidos com lastro nos créditos securitizados.
Em 26 de janeiro de 2Q00, a Resolução CMN n. 2.493/98 foi
revogada pela de p. 2.686, que passou a regular a securitização de

2MCarlos Fagundes (Securitização: inovação na gestão de créditos bancários.


T e c n o lo g ia d e c r é d i t o , v. 2, n. 1 i, p. 6-13, mar. 1999) afirma ter sido a edição da
Resolução 2493/98 uma revolução sem precedentes.
230ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira, op. cit., p. 305.
créditos financeiros. O mecanismo de securitização de créditos fi­
nanceiros é o mesmo apresentado como estrutura básica de securiti­
zação neste trabalho: as instituições financeiras cedem seus créditos
às companhias securitizadoras, que emitem títulos lastreados nesses
créditos.
A companhia securitizadora de créditos financeiros pode emitir
ações ou debêntures não conversíveis para distribuição pública, ou
debentures não conversíveis subordinadas para emissão privada, no
mercado local, ou ainda outros valores mobiliários para distribuição
no exterior, de acordo com as leis do país de distribuição. Note-se
que a emissão privada de debêntures só é permitida no caso de a
instituição cedente dos créditos ser sua única adquirente.
A nova resolução passa a permitir expressamente a coobrigação
da cedente pelo pagamento dos créditos. Tal medida, que aumenta a
segurança dos investidores que adquirem os títulos lastreados nos
créditos, visa incrementar esse mercado, tomando-o mais atraente
para os investidores.
Mesmo assim, presentemente, registra-se na CVM um número
reduzido de securitizações desse tipo. A maioria das operações reali­
zadas obtiveram da autarquia a dispensa do registro previsto na Ins­
trução CVM n. 281/98, que disciplina a emissão de debêntures por
companhias securitizadoras de créditos financeiros, pelo fato de os
títulos emitidos pela companhia securitizadora se destinarem a um
único subscritor. Esse fato, na verdade, inibe a dispersão do risco
característica da securitização.
Da mesma forma que o Banco Central do Brasil, a maioria dos
bancos centrais e agências reguladoras em todo o mundo vêem com
preocupação os mecanismos de securitização de créditos de institui­
ções financeiras. Em primeiro lugar, porque a securitização pode ser
considerada uma forma de elidir as exigências de adequação de capi­
tal impostas aos bancos e demais instituições financeiras; e, em se­
gundo lugar, em razão de perderem parte de seu controle sobre os
ativos de tais instituições e, com especialidade, sobre parte dos me­
canismos de política monetária231.

231Neste sentido, cf. ROSENTHAL, James; OCAMPO, Juan. op. eit, p. 17.

158
Provavelmente por essa razão, desde 1993, o CMN vem tentan­
do disciplinar a matéria, de modo a manter o controle estrito do Ban­
co Central sobre as operações das instituições financeiras e, ao mes­
mo tempo, possibilitar o desenvolvimento da securitização como uma
operação capaz de contribuir para obtenção de um mercado financei­
ro mais forte e estável.

6.1.5. Securitização d e a tiv o s d o a g ro n eg ó c io

Em 2004, por meio da Medida Provisória n. 221, de l 2 de outu­


bro, posteriormente convertida na Lei n. 11.076, de 30 de dezembro
de 2004, introduziram-se no Brasil os títulos específicos para a
securitização no agronegócio. O modelo determinado pela lei é bas­
tante similar ao adotado para a securitização de base imobiliária, uma
vez que, como nesse segmento, tem a finalidade de desenvolver in­
vestimentos e financiar as atividades ligadas a produtos agropecuários,
seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico.
Conforme mencionada lei, os antigos Certificados de Depósito
de Mercadorias e Warrants não podem mais ser emitidos com lastro
em produtos relativos ao agronegócio, tendo sido substituídos pelo
CDA — Certificado de Depósito Agropecuário e pelo WA — Warrant
Agropecuário, que, assim como seus antecessores, são emitidos si­
multaneamente e lastreados em produtos depositados em armazéns
devidamente certificados por autoridades governamentais.
Foram criados os Certificados de Direitos Creditórios do
Agronegócio — CDCA, as Letras de Crédito do Agronegócio — LC A,
de emissão exclusiva de instituições financeiras, e ainda o Certifica­
do de Recebíveis do Agronegócio — CRA, cuja emissão é exclusiva
para sociedades de securitização de recebíveis.
Os títulos específicos para o setor agropecuário já apresentam
resultados, sendo que já foram utilizados em diversas emissões e.
portanto, começam a cumprir a função para a qual foram criados.
De acordo com o item 12 da exposição de motivos d a M e d id a
Provisória, ela

“visa criar um estímulo para que os próprios agentes de nict >


do lancem opções de produtos agropecuários, o que contribui
ria para o desenvolvimento do mercado de capitais com referên­
cia em produtos do agronegócio, com nítidos benefícios para
ambas as partes, em especial para o autofmanciamento do setor
no médio e longo prazos. Por outro lado, tal medida representa­
ria uma forma mais eficien te e de maior potencial de
implementação da política de preços mínimos”.

Conforme o art. 40 da mencionada lei,

“a securitização de direitos creditórios do agronegócio é a ope­


ração pela qual tais direitos são expressamente vinculados à
emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de
Securitização de Direitos Creditórios, emitido por uma compa­
nhia securitizadora, do qual constarão os seguintes elementos:
I — identificação do devedor;
II — valor nominal e o vencimento de cada direito creditório
a ele vinculado;
III — identificação dos títulos emitidos;
IV — indicação de outras garantias de resgate dos títulos
da série emitida, quando constituídas”.

Em consonância com o que se defende acerca da natureza jurí­


dica da securitização, acredita-se que mesmo antes da edição da le­
gislação específica sobre os títulos do agronegócio já seria possível
lastrear emissão de títulos, como debêntures ou quotas de fundo com
ativos dessa natureza. Porém, a criação de instrumentos específicos
demonstra intenção política no desenvolvimento do agronegócio com
base no mercado de capitais.

6.2. Adequação do tratamentojurídico da securitização no Brasil


Consoante já comentado, não há legislação geral sobre
securitização no Brasil, ao contrário de alguns países de sistema ro­
mano-germânico, como Portugal, Itália, França e Argentina. Há, sim,
legislação e regulamentação sobre a securitização de determinados
tipos de ativo, conforme sua especificidade ou interesse do Estado
em promover seu desenvolvimento.

160
Esse tipo de tratamento jurídico, aberto e sem diretrizes estabe­
lecidas, faz com que a securitização seja flexível — e assim deve ser
— já que ainda se encontra em desenvolvimento no Brasil, podendo
vir a ser utilizada para os mais diversos fins. Apenas após a operação
estar plenamente caracterizada em nossa sociedade, no que diz. res­
peito à estrutura e função econômica, poder-se-ia criar legislação
ampla, para consolidar o uso que já vem sendo observado, de modo a
incorporá-la defmitivamente ao nosso ordenamento jurídico.
Ademais, não há no ordenamento jurídico pátrio entraves que
impeçam a realização da operação com base na estrutura descrita
neste trabalho. As regras de direito privado podem e devem ser utili­
zadas para novos fins, de acordo com as necessidades da sociedade.
Já a regulação específica tem grande importância, por diferen­
tes razões: no caso do financiamento imobiliário, a legislação tem o
mérito de contribuir para o desenvolvimento do mercado e criação de
negociação secundária para os títulos emitidos nesses processos,
mesmo não sendo suficiente para atingir esse objetivo isoladamente.
Já no caso da securitização bancária, a legislação visa não ao desen­
volvimento, mas sim ao controle da utilização da operação.
É importante ressaltar, todavia, que o regramento jurídico deve
disciplinar sem engessar o desenvolvimento da operação em outras
áreas, mas sim contribuir para seu desenvolvimento responsável. Os
nichos de regulação devem continuar específicos e com objetivos cia-
ramente definidos para cada um deles.
No entanto, há medidas que poderiam ser adotadas no campo
jurídico para desenvolver a securitização, não em normas que regu­
lassem a operação, mas no campo do Direito Civil e Tributário.
No que concerne ao Direito Civil, a introdução expressa da fi­
gura do patrimônio separado no ordenamento jurídico brasileiro, nos
moldes daquele utilizado pela legislação do Sistema Financeiro Imo­
biliário, poderia criar um mecanismo bastante eficaz para a securiti­
zação no Brasil.
Note-se que, na Argentina, foi introduzida a figura do tru.st, e,
apesar de ser um instituto típico do Direito anglo-saxônico, t. m s
mostrado bastante eficiente naquele país. Na verdade, o moo f .it
gentino solucionou os dois problemas de forma conjunta, jau*' . *

(>
trust tem tratamento tributário privilegiado, com relação a fundos de
investimento e formas societárias.
Do ponto de vista tributário, apesar de este trabalho não ter a
pretensão de elaborar nenhuma tese nesse campo, é fácil notar que,
por envolver diversas transferências de direitos e valores, a opera­
ção de securitização é taxada em demasia por tributos incidentes
sobre movimentações e operações financeiras, o que a faz tornar-se
muito dispendiosa. A política tributária poderia ser dirigida a mino­
rar os custos envolvidos na securitização e no mercado de capitais
em geral.
O que também se pode perceber da experiência no Direito es­
trangeiro é que o desenvolvimento da securitização em cada país de­
pende menos da legislação que regula a operação internamente, e
mais do grau de desenvolvimento do seu meneado de capitais. Assim,
nota-se que, na França, o instituto mostra-se bem mais desenvolvido
do que na Itália e em Portugal, sendo que todos possuem legislação
geral sobre securitização.
O desenvolvimento do mercado de capitais, por sua vez, depen­
de de medidas bem mais abrangentes no campo do Direito. Tais me­
didas dizem respeito muito mais à forma, na qual são utilizados os
mecanismos disponíveis no Direito societário e mobiliário, do que à
criação de novos institutos. E o que se passa a analisar.

162
C a pít u l o 7

O DIREITO COMO ESTÍMULO AO


DESENVOLVIMENTO DE NOVAS
TECNOLOGIAS FINANCEIRAS
No que diz respeito ao papel desempenhado pelas normas jurí­
dicas, o desenvolvimento da securitização no Brasil depende menos
de regras específicas que regulem a operação do que daquelas que
estimulem o desenvolvimento do mercado de capitais de forma ge­
ral. Não há como imaginar o crescimento qualitativo e quantitativo
da securitização sem que o mercado de capitais seja desenvolvido.
De fato, não faz sequer sentido se falar em desenvolvimento de uma
determinada espécie de operação de mercado de capitais, se tal mer­
cado é incipiente.
O desenvolvimento do mercado de capitais é requisito essencial
para o avanço da securitização — não somente em sentido lato, como
desintermediação, mas também no sentido estrito, como operação
em si. Na verdade, mais que isso, é indispensável, para o incremento
da securitização em qualquer economia, que nela haja cultura de pou­
pança, e mais, cultura de poupança sem entesouramento e dirigida ao
mercado de capitais.
É nesse ponto que se faz necessário um retorno ao tipo de análi­
se macroeconômica desenvolvido no início do trabalho, a respeito do
desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, uma vez que nele
está inserida a securitização.
Questiona-se até que ponto normas jurídicas poderiam servir
como estímulo ao desenvolvimento do mercado de capitais. No capí­
tulo anterior, analisou-se a adequação da legislação específica sobre
securitização, e como ela poderia ser modificada, interpretada e utili­
zada com o incentivo ao desenvolvimento da operação. Porém, neste
capítulo, a análise é mais complexa: ainda que exista legislação, e
interpretação adequada dessa legislação, esse fato em si não é sufi­
ciente para promover o desenvolvimento da securitização.
Mesmo havendo normas jurídicas que viabilizem e até estimu­
lem o crescimento da securitização, esse arcabouço jurídico é inútil
se não há ambiente econômico para o desenvolvimento da operação:
ou seja, se não houver mercado de capitais. É exatamente nesse pon­
to que cabe a indagação: como o Direito pode ajudar no desenvolvi­
mento do mercado de capitais?
A esse respeito, Bernard Black232 publicou um artigo na UCLA
Law Review, intitulado “The legal and institutional preconditions for
a strong s e c u ritie s market”. Nesse trabalho, o autor ensina que a cons­
trução d e u m m e rc a d o de capitais forte é uma tarefa difícil e que
d e m a n d a te m p o , p o is depende de uma complexa rede de instituições
q u e d ê e m su p o rte a e sse mercado. Enumera o autor duas precondições
p a ra o in c r e m e n to d o mercado de capitais em países onde ele é
in c ip ie n te o u m e sm o in e x iste n te , baseado nas experiências vivenciadas
p e la R ú s s ia e p o r o u tro s países em desenvolvimento.
Tais precondições têm por base, essencialmente, duas premis­
sas abrangentes, que dependem consideravelmente, mas não de for­
ma exclusiva, da legislação em vigor em determinado mercado: um
mercado de capitais somente será desenvolvido se nele houver (a)
alta evidenciação e (b) eliminação de conflitos de interesses. A pre­
sença de tais requisitos seria necessária, mas não suficiente para o
desenvolvimento do mercado de capitais. Todavia, uma vez verifica­
dos, o mercado de capitais atingiria um tipo de equilíbrio no qual os
investidores estariam dispostos a pagar exatamente o valor atribuído
à companhia ou ao projeto que busca financiamento233.

232BLACK, Bernard S. The legal and institutional preconditions for a strong securities
market. U C L A L a w R e v ie w , n. 48. (Working Paper n. 179 da John M. Ollin Program
in Law and Economics).
233 O autor ensina que num mercado fraco, onde os elementos de evidenciação e
eliminação de conflitos de interesses não estão presentes, o mercado de capitais
tende a reunir somente as piores empresas. Isso porque sempre que um investidor
paga por uma determinada ação, já vai exigir certo desconto, por achar que está

164
De acordo com o autor, as precondições acima citadas seriam
alcançadas por meio da existência e funcionamento de forma eficaz
de algumas instituições que, em sua maioria, dependem das normas e
estrutura jurídicas de determinado país.
Posteriormente, Bernard Black publicou um artigo especifica-
mente acerca do fortalecimento do mercado de capitais no Brasil234.
Na verdade, o autor faz a mesma análise realizada anteriormente,
tendo em vista algumas peculiaridades do mercado brasileiro.
Passa-se a analisar as instituições listadas por Black como capa­
zes de propiciar as precondições para o fortalecimento do mercado de
capitais, cujo implemento ou melhoramento depende diretamente do
sistema jurídico. Tal análise será efetuada tendo em vista o atual está­
gio em que se encontra o mercado de capitais brasileiro, de modo a
identificar quais dessas instituições já foram incorporadas, e quais ain­
da não foram desenvolvidas no Brasil, e, em última análise, investigar
se realmente tais instituições são relevantes para o desenvolvimento do
mercado de capitais e, indiretamente, da securitização no Brasil. As
demais instituições, que não são, ao menos diretamente, afetadas por
modificações na legislação vigente, serão listadas posteriormente.

7.1. Instituições básicas para a garantia da ampla evidenciação


De acordo com Black, a assimetria de informações entre os in­
vestidores e os controladores/administradores de uma companhia cria

sendo enganado de alguma forma, ou que será prejudicado por uma administração
descompromissada. Assim, as empresas que efetivamente disponibilizem boas in­
formações, e dispõem de controles internos suficientes para coibir o conflito de
interesses, serão consideradas como pertencentes à mesma categoria daquelas que
não possuem tais controles. Suas ações serão, assim, descontadas como as daquelas
o foram, e não valerá a pena continuar no mercado de capitais. Por conseqtiência,
somente restariam as piores empresas, até que o mercado tendería ao desapareci­
mento. Ao contrário, quando presentes as instituições apontadas pelo autor, o mer­
cado encontraria um equilíbrio “forte”, no qual as boas empresas seriam valorizadas
e não apenadas pela deficiência do mercado com um todo.
234BLACK, Bernard S. Strengthening Brazil’s securities markets. Revista de D m ítg
Mercantil, Industriai, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 120, p. 41*55. (MU
dez. 2000.

165
o que ele chama de seleção adversa no mercado de capitais. Esse
problema consiste basicamente no fato de algumas companhias ofe­
recerem informações incompletas ou inexatas ao mercado e assim
fazerem com que os investidores acreditem que todas as companhias
agem dessa forma.
Assim, os investidores estariam dispostos a pagar um preço muito
baixo pelos valores mobiliários emitidos por todas as companhias.
Isso não seria um problema para aquelas que realmente tivessem dado
informações incompletas ou inexatas ao mercado, mas seria um grande
desestimulo para as companhias honestas. Esse processo induziria a
que as companhias confiáveis preferissem não se financiar via mer­
cado de capitais, onde só restariam aquelas cujos valores mobiliários
valem ainda menos que o mercado está disposto a pagar por elas.
Ainda segundo Black, países como os Estados Unidos conse­
guiram minorar o problema de assimetria de informações com um
sistema legal rígido e um conjunto de instituições públicas e privadas
que garantem a ampla evidenciação no mercado de capitais.
A palavra evidenciação, que, em sentido amplo, significa o for­
necimento de informações, é utilizada na área contábil em sentido
mais restrito, significando a divulgação de informações sobre as ati­
vidades de uma companhia por intermédio dos relatórios contábeis.
A evidenciação, como afirma Iudícibus235, é um compromisso
inalienável da Contabilidade com seus usuários e com os seus pró­
prios objetivos. As empresas podem adotar diferentes formas de
evidenciação, mas devem fornecer informações em quantidade e qua­
lidade que atendam às necessidades dos usuários das demonstrações
contábeis236.
Além das demonstrações contábeis em si, ou seja, da eviden­
ciação em seu sentido estrito, afull disclosure a que se refere Bernard

2,5IUDÍCIBUS, Sérgio. Teoria da contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1997.


236 Neste sentido, cf. CARVALHO, Nelson; Lisboa, Lázaro Plácido; PONTE Vera
Maria Rodrigues. Evidenciação (disclosure) nas demonstrações contábeis. In: SE­
MANA DE CONTABILIDADE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL, 8. Anais...,
Brasília, 1999. p. 279-288.

166
Black em seu artigo tem uma amplitude muito maior: diz respeito a
qualquer informação importante para a determinação do valor da
empresa. Estariam incluídos nesse conceito fatos relevantes — como
definidos pela Instrução CVM n. 358/2002: qualquer fato ou evento
que possa, de qualquer forma, influenciar no preço ou volume de
negociação dos valores mobiliários emitidos por uma companhia.
De acordo com Black, para que um mercado seja considerado
suficientemente “informado” sobre a situação das companhias que
apelam à poupança pública, devem ser previstas e efetivamente cria­
das condições para que se desenvolvam certas instituições.
A maioria dessas instituições está intimamente ligada ao siste­
ma jurídico a que está sujeito determinado mercado, e dizem respei­
to, basicamente, aos princípios contábeis, ao Poder Judiciário, à res­
ponsabilidade de administradores de companhias por informações
incompletas ou incorretas e à autoridade reguladora.

a) P rin cíp io s co n tá b eis


No que tange aos padrões de contabilização, os chamados prin­
cípios de contabilidade fundamentais estão consolidados na Lei das
Sociedades por Ações. Tais parâmetros, porém, não são considera­
dos suficientemente rígidos, dando margem a diversas interpretações
e artifícios que podem mascarar as informações registradas.
Pode-se afirmar que os critérios de informação brasileiros são,
de longe, menos exigentes que os norte-americanos — US GAAP —
United States Generally Accepted Accouting Principies ou as nor­
mas do IASB — International Accounting Standard Board.
A Comissão de Valores Mobiliários elaborou projeto de lei
modificando a atual Lei das Sociedades Anônimas, no tocante às
demonstrações financeiras. Em vários aspectos, o projeto aproxi­
ma as normas contábeis brasileiras daquelas acolhidas pelo IASB.
Assim, esse seria um dos aspectos no qual a legislação brasilei­
ra deveria desenvolver-se, para que o mercado de capitais local pu­
desse alcançar um nível mais forte de equilíbrio.
Com relação à auditoria das informações contábeis, note-se que
todas as companhias abertas devem ter suas demonstrações auditmls«
por auditores independentes devidamente registrados na CVM, sen­
do que, como forma de preservar a independência do profissional, tal
auditoria não pode ser feita pelo mesmo auditor por mais de cinco
anos consecutivos, devendo ainda ser observado prazo de três anos
para recontratação
O que costuma ocorrer em operações mais sofisticadas é a elei­
ção de outros padrões para a evidenciação de informações mais rígidos
que os brasileiros. Esse fenômeno é considerado comum por Black,
que o chama de piggyback (montar nas costas). Assim, um país, no
qual a legislação não é tão rígida, adotaria a de outro para reger deter­
minada relação. Em alguns casos, como na escrituração, esse fenôme­
no é fácil de acontecer e, na verdade, bem comum atualmente. Toda­
via, não é suficiente, nem mesmo adequado, até porque, em se utili­
zando esta técnica, cria-se a necessidade de elaborar demonstrações
financeiras duas vezes: uma para cumprir as normas vigentes e outra
para satisfazer os investidores, o que encarece a operação. Logo, é
fá c il n o ta r q u e o próprio mercado reconhece a necessidade de níveis
m a is e le v a d o s d e e v id e n c ia ç ã o e, mesmo sem regra legal que deter­
mine, buscar dar ao investidor informação de melhor qualidade.

b) P o d er J u d iciá rio
Como citado em diversas oportunidades, é grande a importân­
cia do sistema jurídico no desenvolvimento do mercado de capitais,
especialmente no que tange à tipificação de instrumentos utilizados
n e sse mercado.
Aqui, vale frisar mais uma vez a importância do Direito na
re g u la ç ã o dos mecanismos econômicos, fazendo com que se tornem
m a is eficientes e com contornos mais claros e definidos, com uma
conseqüente diminuição de custos de transação237.
Nesse mesmo sentido, porém sob outra ótica, em artigo dispo­
nível no site da Universidade de Stanford, Franco Modigliani e Enrico
Perotti238 apontam como fator essencial para o desenvolvimento do

237A este respeito, conferir SZTAJN, Rachel. Os custos provocados...


238 MODIGLIANI, Franco; PEROTTI, Enrico. Security versus bank finance: the
importance of a proper enforcement o f legal rules, 2 lev. 2000.

168
mercado de capitais a possibilidade de efetivamente aplicar (ou seja,
o enforcement) as regras que visam proteger os investidores no mer­
cado de capitais.
Com efeito, assim como Black, entendem os autores que há re­
lação direta entre a forma e intensidade com que são protegidos os
direitos dos acionistas minoritários, e o grau de desenvolvimento do
mercado de capitais em dado ordenamento jurídico.
A intensidade com que se recorre ao financiamento bancário,
em vez do financiamento via mercado de capitais, ou, em outras pa­
lavras, o grau de desintermediação de determinado mercado, seria
determinada pela possibilidade de serem efetivamente protegidos os
investidores contra a ação danosa de administradores e controladores
de companhias abertas. Os autores chegam inclusive a afirmar que a
falta de proteção adequada aos acionistas minoritários “empurra” as
empresas ao financiamento via mercado financeiro239.
Isso porque a falta de confiança de que obrigações assumidas
contratualmente — e aqui se incluem obrigações oriundas de títulos
e valores mobiliários — serão respeitadas, quer espontaneamente,
quer por intervenção do Poder Público, pode levar à própria degene­
ração da negociação privada.
Afirmam os autores que, sendo ineficiente o aparato legal de
proteção aos investidores, há tendência de concentração no mercado
acionário, com conseqüente prejuízo à liquidez desse mercado. Pare­
ce óbvio que deter percentuais elevados no capital de determinada
sociedade é uma maneira de se proteger contra conflitos de interesse.
Assim o investidor evitaria que fossem tomadas decisões a sua revelia
e em seu prejuízo. Todavia, o grau de liquidez, como já comentado, é
um dos principais parâmetros para determinar o nível de desenvolvi­
mento do mercado, o que faz com que essa técnica seja nociva.
Mais ainda:

“the relative attractiveness of security versus intermediated


finance is most sensitive to the quality of legal enforcement.
Securities are standardized arm’s length contractual relationships,

2,9MODIGLIANI, Franco; PEROTTI, Enrico, op. cit., p. 5.

169
and their associated investor rights depend largely on security
law; proper enforcement depends on the quality of the legal
system”2'10.
Entende-se, nesse caso, que os autores consideram ainda mais
importante a eficiência do Poder Judiciário ao tutelar os interesses
dos minoritários do que da própria existência de regras de Direito
material específicas para o mercado de capitais. Na verdade, afir­
mam que:

“Public enforcement o f contract law facilitates private


arrangements by providing a veh icle for contractual
commitments. In addition, regulatory rules complement private
contracts by providing default and standard clauses... It is
important to realize, however, that legal rules alone are not
sufficient to create a favorable legal framework, their proper
enforcement is just as important”240241.

Nesse ponto, trata-se de se analisar não o Direito material, mas


a própria interpretação/aplicação desse Direito, o que leva, inevita­
velmente, a uma análise do sistema judiciário ao qual está sujeito o
mercado.
Não há no Brasil procedimentos comparáveis às class action
ou, mais especificamente, representative actions do Direito norte-
americano. O Black 's Law Dictionary as define como:

“a ‘class’ within rule relating to class action must be taken in


broad colloquial sense of group of people ranked together as

240“A relativa atratividade do mercado de capitais com relação ao mercado financei­


ro é bastante sensível à eficácia das normas legais. Valores mobiliários são relações
contratuais padronizadas e os direitos dos investidores dependem grandemente da
regulação do mercado de capitais; eficácia adequada depende da qualidade do siste­
ma legal.”
241 “A eficácia das normas contratuais facilita acordos privados, disponibilizando
veículo para os compromissos contratuais. Ademais, normas regulatórias comple­
mentam os arranjos contratuais fornecendo cláusulas padrão... É importante notar,
todavia, que as normas jurídicas sozinhas não são suficientes para criar ambiente
favorável, sua eficácia é tão importante quanto.”

170
having common characteristics, and the function of the
enumerated requirements of rule is to assure that from those
characteristics there arises a common legal position vis-à-vis
the opposing party, the legal right or obligations of which the
courts can efficient and fairly adjudicate in a single proceeding.
A representative action: An action is a representative action when
it is based upon a primary or personal right belonging to the
plaintiff stockholder and those in his class242.

Esse fato induz, mesmo que indiretamente, ao desenvolvimento


do financiamento bancário com relação ao mercado de capitais, já
que a impossibilidade ou a dificuldade de congregar interesses seme­
lhantes em uma única ação ensejaria desestimulo aos investidores em
defender seus interesses judicialmente. Por outro lado, quando se tra­
ta de financiamento concentrado, o montante justificaria a adoção
isolada de medidas judiciais.
A ação civil pública, introduzida em nosso Direito pela Lei n.
7.347, de 24 de julho de 1985, que seria instrumento adequado à
proteção de acionistas minoritários, limitava-se, quando de sua intro­
dução ao sistema jurídico brasileiro, à proteção dos danos causados
ao meio ambiente, consumidores e patrimônio cultural.
Em 1989, porém, foi editada a Lei n. 7.913, que disciplina exa­
tamente a ação civil pública de responsabilidade por danos causados
aos investidores no mercado de valores mobiliários243. A lei dispõe
que, sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministé­
rio Público, de ofício ou por solicitação da CVM, adotará medidas

242Uma ‘classe’ no que diz respeito a ‘ação de classe’ deve ser entendida em sentido
abrangente e coloquial, de um grupo de pessoas reunidas por terem características
comuns, e a função dos requisitos enumerados na norma é assegurar que daquelas
características surja uma posição legal comum com relação à contraparte, sendo
seus direitos defendidos de forma eficiente pelo poder judiciário em um único pro­
cedimento. Uma ‘ação representativa’: é a ação baseada no direito pessoal do autor-
acionista, e de todos aqueles de sua mesma classe.”
243Sobre o assunto, cf. TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. A Lei 7.913 de
7.12.89: a tutela judicial do mercado de valores mobiliários. Revista de Direito M er­
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 80, p. 138- 148.
judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento por
danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores
do mercado, sendo esse prejuízo causado especialmente por opera­
ções fraudulentas, práticas não eqüitativas, manipulação de preços
ou criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preços de
valores mobiliários; compra ou venda de valores mobiliários por par­
te dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta,
com uso de informação privilegiada; e omissão de informação rele­
vante por quem tem o dever de divulgá-la, bem como sua prestação
de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.
A lista apresentada pela lei é, contudo, apenas exemplificativa,
já que seu texto diz expressamente que a ação cabe quando os danos
aos investidores “decorrerem especialmente de...”. Sendo assim, a
tutela diferenciada é passível de invocação sempre que haja dano a
investidor por inobservância da legislação e regulamentação referen­
tes ao mercado de capitais.
Ainda que se considere que, do ponto de vista procedimental, o
mercado brasileiro conte com instrumentos adequados para a tutela
do investidor, a maioria dos agentes não confia na capacidade técnica
dos juízes brasileiros para resolver questões ligadas ao mercado de
capitais. Prefere-se, na maioria das vezes, recorrer à solução de lití­
gios via acordos privados ou arbitragem. Essa tendência se conforma
pelo fato de que, na recente reforma da Lei das Sociedades por Ações,
previu-se expressamente a possibilidade de o estatuto das compa­
nhias determinar a solução de litígios societários pela arbitragem.
Na perspectiva aqui apresentada, a falta de preparo do Poder
Judiciário para lidar com questões ligadas ao mercado de capitais e a
conseqüente falta de confiança e relutância dos agentes do mercado
em utilizar-se de sua tutela é um ponto crítico ao desenvolvimento do
mercado brasileiro.
c) A u to rid a d e regu lad ora
De acordo com Black244, não é viável o desenvolvimento de um
mercado de capitais forte sem um órgão regulador honesto, compe-

244 BLACK, Bernard S. Strengthening..., p. 51.

172
tente e com condições objetivas de fiscalizar a ação dos agentes de
mercado.
Antes de 1965, o mercado de capitais brasileiro não possuía
regulação específica. Segundo Alberto Venâncio Filho215, o desen­
volvimento inicial do mercado de capitais no Brasil deu-se de forma
“empírica e sem adequada estruturação legal, salvo dispositivos ob­
soletos sobre Bolsas de Valores...”.
Com o desenvolvimento da economia e, especialmente, de um
incipiente sistema financeiro, veio a lume a Lei n. 4.728, de 14 de
julho de 1965, disciplinando o embrionário mercado de capitais bra­
sileiro, incumbindo o Conselho Monetário Nacional de regulá-lo e o
Banco Central de fiscalizá-lo.
Já nessa época, cogitou-se a criação de uma agência reguladora
específica para o mercado de capitais, separada do Banco Central,
que, por natureza, destina-se à fiscalização das instituições financei­
ras bancárias. Essa agência seria denominada Superintendência de
Mercado de Capitais — SUMEC, mas ainda seria subordinada ao
Banco Central.
Somente em 1976 foi criada a Comissão de Valores Mobiliá­
rios, agência governamental especialmente constituída para regular e
fiscalizar o mercado de capitais, ligada ao Ministério da Fazenda.
Antes de sua criação, como já explicitado, tais funções vinham sendo
exercidas, desde 1964, pelo Banco Central, que acumulou as funções
de órgão regulador dos mercados financeiro e de capitais, até a efeti­
va estruturação da CVM245246.
Na opinião de Black247 a Comissão de Valores Mobiliários ain­
da não é suficientemente sofisticada e tem pessoal e orçamentos mui-

245VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico: o


direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 295.
246Atualmente, discute-se a respeito da unificação das agências reguladoras do mer­
cado de capitais (CVM), Fundos de Pensão Abertos (SUSEP) c de Fundos de Pen­
são Fechados (SPC) e mesmo do Mercado Financeiro (Bacon). Sobre o assunto, cf.
KISTLER, Henri Eduard Stupakoff. Brasil, a caminho de um regulador único para o
sistema financeiro? Revista da CVM, n. 31, p. 56-72. maio de 2000.
247 BLACK, Bernard S. Strengthening.... p. 5 1.

173
to reduzidos para enfrentar formais sutis de sonegação de informa­
ções relevantes oü conflitos de interesses. Contudo, a deficiência da
CVM não é de tal maneira acentuada que possa ser caracterizada
como um empecilho para o desenvolvimento do mercado, a exemplo
dos itens anteriores.
Além da CVM, há, no mercado brasileiro, entidades de auto-
regulação que exercem papel fundamental no desenvolvimento das
práticas adotadas pelas instituições intermediárias. Destacam-se as
experiências da Associação Nacional dos Bancos de Investimento,
que elaborou códigos de auto-regulação para ofertas públicas de títu­
los e valores mobiliários e para fundos de investimento e das bolsas
de valores. Assim, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que
atualmente concentra a quase-totalidade das operações do mercado
de capitais brasileiro, apresenta padrões razoavelmente rígidos de
listagem das companhias cujos valores mobiliários integram sua car­
teira de títulos negociados.
Em dezembro de 2000, a Bovespa anunciou regras para a lis­
tagem de companhias num segmento especial, as quais, em seu con­
junto, chamou de “Novo Mercado”. As companhias não são obriga­
das a aderir ao novo modelo, porém, aquelas que o fizerem sujeitar-
se-ão a regras bem mais rígidas que aquelas hoje estipuladas pela
legislação pertinente.
Há dois níveis diferenciados para companhias que adotarem
determinadas práticas de boa governança corporativa, mas que ainda
não pretendem ou não podem cumprir todas as exigências necessá­
rias à inclusão na listagem do Novo Mercado. Este tem como intuito
primordial favorecer o desenvolvimento do mercado de capitais me­
diante a criação de exigências mais rígidas de governança corporati­
va248 e controles internos por parte das companhias abertas.

248 Governança corporativa é uma tradução literal da expressão inglesa “c o rp o ra te


g o vern a n c e ”, e significa basicamente um conjunto de instrumentos voltados ao con­
trole e monitoração de práticas internas de companhias, com o intuito de evitar confli­
tos de interesses entre administradores e acionistas. A esse respeito, cf. STAPLEDON,
G. P. In stitu tio n a l sh a re h o ld e rs a n d c o r p o ra te g o v e rn a n c e . New York: Claredon
Press Oxford, 1996; KEASEY, Kevin et al. C o r p o r a te g o v e r n a n c e : economic,
management and financial issues. New York: Oxford University Press, 1997.

174
De acordo com documento elaborado pela Bovespa249, o Novo
Mercado consiste em

“um novo segmento de listagem destinado à negociação de ações


emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente,
com a adoção de práticas de governança corporativa e disclosure
adicionais em relação ao que é exigido pela legislação”.

Na verdade, trata-se de adesão voluntária por parte das compa­


nhias a regras que ultrapassariam as exigências da Lei das Socieda­
des por Ações no que se refere à proteção do investidor. Há, assim,
níveis de exigência diferentes para companhias que preferirem per­
manecer no mercado tradicional e mais rigorosos para aquelas
posicionadas em quaisquer dos níveis de governança corporativa di­
ferenciada, ou no Novo Mercado.
Ainda de acordo com o documento elaborado pela Bolsa, o
regulamento de listagem no Novo Mercado inclui regras que am­
pliam o direito dos acionistas, melhoram a qualidade das informa­
ções prestadas e ainda determinam a solução de conflitos por arbi­
tragem. Uma das regras de maior impacto desse mercado, por exem­
plo, proíbe a emissão de ações preferenciais pelas companhias lis­
tadas no Novo Mercado. A consequência lógica desse fato é que
todos os acionistas teriam algum nível de influência política na ad­
ministração da companhia.
De certa forma, a iniciativa da Bovespa procura adequar o mer­
cado brasileiro a padrões mais rígidos de controle interno, tornando-
se mais confiável e seguro. É, na verdade, uma forma de fazer com
que as empresas, por sua própria iniciativa, se adaptem a um padrão
mais elevado de equilíbrio, conforme definido por Black25". E, verda­
deiramente, uma forma de suprir a falta de legislação mais rígida
com relação a governança corporativa, adotando-se os parâmetros,
indicados por Black, e, assim, atingir um nível mais elevado de de­
senvolvimento do mercado de capitais.

^'Documento disponível no site da Bolsa de Valores do Estado de São Paulo —


BOVESPA <www.bovespa.com.br>.
250 BLACK, Bernard S. Strengthening.... p. 5 1.

175
Na realidade, era diversos aspectos, a Bovespa antecipou-se à
reforma da Lei das Sociedades por Ações ocorrida no final de 2001,
já que algumas — mas não todas — de suas exigências encontram
disposições similares no novo texto legal.

d) Responsabilidade dos administradores


De acordo com Black251, em mercados securitizados, as sanções
para casos de sonegação de informações relevantes são bastante se­
veras. Isso vale tanto para as companhias quanto pessoalmente para
seus administradores.
Vem merecendo especial atenção por parte do legislador brasi­
leiro a possibilidade de responsabilização de administradores ou
controladores de sociedades com relação à ampla evidenciação.
Com efeito, em fevereiro de 2002, foi editada a Instrução CVM
n. 358, que dispõe sobre a divulgação de eventos considerados “fatos
ou atos relevantes”, substituindo a Instrução n. 31/84. Além de ter
expandido a lista de eventos que devem ser divulgados no mercado, a
Instrução atribui a todos os administradores, e não apenas ao diretor
de relações com investidores, a responsabilidade pela divulgação de
tais eventos, sendo considerada infração grave a sua não-divulgação.
No mesmo sentido, a Instrução CVM n. 358/2002 relaciona uma
série de responsabilidades dos administradores de companhias que
contratem serviços de auditores independentes, como, por exemplo,
fornecer a esses profissionais todos os elementos e condições neces­
sários ao perfeito desempenho de suas funções. Todavia, ainda de
acordo cora essa instrução, a responsabilidade desses administrado­
res pelas informações contidas nas demonstrações contábeis ou nas
declarações fornecidas não elide a responsabilidade do auditor inde­
pendente no tocante ao seu relatório de revisão especial de demons­
trações trimestrais ou ao seu parecer de auditoria, nem o desobriga da
adoção dos procedimentos de auditoria requeridos nas circunstân­
cias específicas de cada caso.
Os administradores ainda podem ser responsabilizados pela
contratação de auditores independentes que não atendam às condi­

251 BLACK, Bemard S. Strengthening..., p. 51.

176
ções previstas naquela instrução, especialmente quanto à sua inde­
pendência e à regularidade de seu registro na Comissão de Valores
Mobiliários.
Além disso, aplica-se aos casos de descumprimento da legisla­
ção que disciplina a evidenciação a regra geral a respeito de respon­
sabilização de administradores. Ou seja, respondem civilmente pelos
danos causados a terceiros, acionistas ou a companhia que adminis­
trem, por atos praticados em descumprimento da lei ou do estatuto,
ou dentro de seus poderes, com culpa ou dolo.

7.2. Instituições básicas para a proteção de investidores


contra conflito de interesses252
Os problemas de conflitos de interesses são ainda mais difíceis
de solucionar que aqueles ligados à evidenciação. Isso porque é mais
fácil constatar erros consubstanciados em documentos escritos, como
balanços e demais demonstrações financeiras, do que em operações
que envolvam conflitos de interesses, que nem sempre podem ser
formalmente registradas.
O conflito de interesses entre administradores e sócios, espe­
cialmente não controladores, surge como efeito da separação entre a
propriedade e o controle das sociedades, mais evidente nas últimas
décadas253.
É pacífico que especialmente o modelo societário das compa­
nhias tende a distinguir, como agentes com funções diversas, os pro­
prietários do capital, ou seja, aqueles que investem e aplicam recur­
sos na sociedade, daqueles que efetivamente administram o patrirnô-

252 Black divide as práticas que envolvem conflitos de interesses (s e lf-d e a lin g ) ern
duas modalidades: direto e indireto. Ocorre conflito de interesses direto quando os
administradores da companhia efetuarem operações em nome da companhia em
condições piores que as disponíveis no mercado, movidos por interesses pessoais. O
conflito de interesses indireto diz respeito ao uso de informações privilegiadas na
negociação de valores mobiliários de emissão da companhia.
:5'N esse sentido, cf. CAMINHA, Uinie. A eficiência alocativa das normas de direito
societário com relação ao acionista minoritário. R e vista cie D ire ito M erca n til, In d u s­
tria l, E c o n ô m ico e F in a n ceiro , São Paulo, n. I 16, p. 194-199, out./dez. 1999.

177
nio aí depositado. Nos dias atuais, há uma flagrante tendência à dele­
gação da tarefa de gerir a administradores profissionais, que não se­
jam necessariamente sócios da sociedade que administram254.
Com efeito, o fato de se entregar a um administrador a respon­
sabilidade pela gestão de patrimônio de terceiros provoca, quase ine­
vitavelmente, problemas de conflitos de interesses255.
Os administradores e gestores de recursos alheios encontram-
se, amiúde, em situações em que poderiam agir em seu próprio inte­
resse, por instinto natural, ou no interesse das pessoas que lhes confia­
ram a administração e gestão de seu patrimônio, por dever legal256.
Esse problema de conflito de interesses pode levar, numa situação-
limite, ao ponto em que os interesses da companhia e os da pessoa do
administrador sejam diametralmente contrários.
Na prática, torna-se difícil induzir os administradores a tomar
decisões que visem ao interesse da sociedade, se, geralmente, os in­
vestidores, acionistas da companhia, por sua vez, encontram-se im­
possibilitados, quer formal, quer materialmente, de exercer influên­
cia em sua administração, ou mesmo de fiscalizar seus membros de
forma satisfatória, a fim de direcionar as ações dos administradores
no sentido que mais agregue valor à companhia.

254Fábio Konder Comparato (O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed. Rio


de Janeiro: Forense, 1983. p. 57 e s.) distingue quatro modalidades de controle inter­
no empresarial, apresentando-os em ordem crescente no que diz respeito à sua sepa­
ração da propriedade: controle totalitário, controle majoritário, controle minoritário
e controle gerencial. Assim, de acordo com essa classificação, o controle gerencial,
que se apresenta como tendência no direito societário moderno, é aquele em que
mais se distanciam os proprietários do capital da sua efetiva administração.
255Nesse sentido, cf. JESEN, Michael C. Self-interest, altruism, incentives and agency
theory. In: THE NEW corporate finance: where theory meets practice, p. 30: “Agency
theory says that because people pursue their own best interests, conflicts o f interests
inevitably arise over least some issues when they engage in cooperative endeavors.
Such activities include not only commerce conduct by partnerships and corporations,
but also the interaction among members of families and other social organizations”.
256Com efeito, dispõe o art. 153 da Lei n. 6.404/76, sobre o dever de diligência do
administrador de sociedade anônima, que “o administrador da companhia deve em­
pregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo
e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”.

178
Para minimizar esse problema, podem ser utilizadas, em con­
junto ou isoladamente, três estratégias, de modo a compatibilizar os
interesses dos proprietários com os dos gestores de capitais.
A primeira delas, de âmbito interno, consiste em oferecer in­
centivos aos administradores, ligados à performance da companhia,
para que se possa criar uma identidade entre os interesses do admi­
nistrador e os da empresa257.
A segunda estratégia seria intensificar o dever do administrador
de prestar contas aos acionistas, numa forma mais eficiente de esti­
mular os gestores a agir de acordo com os interesses da sociedade e,
ao mesmo tempo, incentivar os acionistas a participar das decisões
da companhia258.
Uma terceira estratégia que, na opinião de alguns doutrinadores,
podería levar o administrador a priorizar os interesses da companhia
seria a definição de sanções aplicáveis a condutas capazes de acarre­
tar prejuízos para a companhia259.
De acordo com Black, determinados cenários jurídico-institu­
cionais tendem a minimizar problemas de conflito de interesses so­
cietários, de modo a incentivar os administradores a gerir empresas
no melhor interesse dos seus proprietários. Esses cenários depen­
dem da presença de determinado arcabouço institucional, até certo

257Dentre as formas mais comuns de incentivo, está a de oferecer ao administrador


opção de compra de ações da companhia, de modo a despertar o seu interesse na
elevação da cotação de mercado.
278Na opinião de Bernard S. Black (Institutional investors and corporate governance:
the case for institutional voice. In: S tu d ie s in in tern a tio n a l c o r p o r a te fin a n c e a m i
g o v e r n a n c e s y ste m s . New York: Oxford University Press, 1997. p. 160), os mecanis­
mos de fiscalização e prestação de contas mostram-se bem mais eficientes que aque­
les ligados a incentivos. Nesse sentido, afirma o autor que “accountability is central
to efficiency for any large organization, be it a government, a university or a
corporation. The other forces that tend to keep corporate managers from wasting the
shareholders' money, including financial incentives and product market competition,
are often weak or come into play only after much damage has been done”.
Nesse sentido, COOTER, Robert D. M o d e ls o f m o ra lity in la w a n d e c o n o m ic s:
self control, self-improvement, for the ’’bad man” of Holmes. UC Berkeley: Program
in Law, Economics & Institutions.

179
ponto ligado àquele necessário à ampla evidenciação, já que, quan­
do todas as operações societárias são amplamente divulgadas, tor-
na-se mais difícil agir em conflito de interesses. Abaixo segue uma
breve análise daquelas instituições necessárias à prevenção do con­
flito de interesses que não foram objeto de comentários anterior­
mente, que abrangem basicamente a existência de regras eficientes
no âmbito da legislação societária relativamente ao conflito de inte­
resses e regras que visem a reprimir a manipulação de mercado.
a) Regras eficientes de direito societário
A Lei das Sociedades por Ações dispõe, em diversas ocasiões,
sobre problemas de conflitos de interesses, tanto no que diz respeito
a administradores quanto com relação a controladores, e até acionis­
tas não controladores.
Não há, porém, qualquer exigência de evidenciação ou apre­
ciação por auditores independentes diferenciada para operações que
envolvam administradores ou controladores. A Instrução CVM n.
358/2002 apenas obriga controladores e administradores a infor­
mar suas posições acionárias na data em que assumirem os respec­
tivos cargos ou posições na companhia, bem como qualquer opera­
ção que envolva valores mobiliários de sua propriedade. A qual­
quer momento, a CVM pode pedir que a companhia envie essas
informações para sua análise.
No que diz respeito à possibilidade de responsabilização de ad­
ministradores, o art. 158 da Lei das Sociedades por Ações dispõe que
ele responderá civilmente por atos praticados dentro de suas atribui­
ções ou poderes, porém com culpa ou dolo ou com violação da lei ou
do estatuto.
Na lei não há, contudo, previsão de responsabilidade penal de
administradores ou controladores, sendo aplicável, assim, nos casos
de prática de crimes relacionados à gestão societária por parte dos
administradores, a lei penal geral.
No que concerne ao acionista controlador, dispõe o art. 117 da
mesma lei que ele responde pelos danos que causar à companhia por
atos praticados com abuso de poder. Relaciona-se, então, uma série
de atos considerados abusivos, sendo tal lista meramente exemplifi-
cativa, e não exaustiva.

180
No tocante a acionistas não controladores, o art. 115 dispõe que
o acionista deve exercer o direito de voto sempre em benefício da
companhia, sendo considerado abusivo o voto exercido com o fim de
causar dano à companhia ou outros acionistas, ou de trazer para si ou
para outrem vantagens indevidas, em detrimento dos interesses da
sociedade.
A lei dispõe ainda que os acionistas não podem votar n a s deli­
b e ra ç õ e s d a a s s e m b lé ia destinadas a aprovação de laudos de a v a lia ­
ç ã o d e b e n s d a d o s a título d e integralização de capital subscrito, ou
d e su a s c o n ta s c o m o a d m in is tra d o re s , ou, de maneira mais geral, em
q u a is q u e r m a té ria s e m q u e p o s s a m ter interesse conflitante com o da
c o m p a n h ia .
O a c io n is ta q u e descumprir tais determinações será compelido
a re s s a rc ir e v e n tu a is prejuízos que causar à companhia por meio de
seu v o to a b u siv o , podendo ainda ser anulada a deliberação tomada
c o m d e s o b e d iê n c ia ao disposto no art. 115.
R e la tiv a m e n te ao uso de informações privilegiadas, a própria
L e i das Sociedades Anônimas estabelece, no § 42 do art. 155, a proi­
b iç ã o da divulgação, bem como da utilização, em benefício próprio
ou de terceiros, de inf ormações das quais tenha tido ciência em razão
do cargo que ocupa.
Estabelece, ainda, que a pessoa prejudicada em compra e venda
de valores mobiliários contratada com infração ao ali disposto tem
direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos
que, ao contratar, já conhecesse a informação.
No âmbito regulatório, a Instrução n. 358/2002, da CVM, veda
e trata como infração grave o uso de informações obtidas por conta
de cargo ou função para obter vantagem que não teria, caso não esti­
vesse investido em tal cargo. Assim, o uso de informação privilegia­
da é bastante regulado, sendo que a efetiva aplicação dessas regras
ainda é restrita no Brasil.
Apesar de existirem certas normas de direito material q u e p o s ­
sibilitam a responsabilização de administradores e c o n tr o la d o r e s
por atos c o n tr á r io s aos interesses d a s o c ie d a d e , há p o u c o s c a s o s em
q u e , n a p rá tic a , administradores o u c o n tr o la d o r e s tenham s id o elê-
tiv a m e n te p u n id o s p o r este tip o d e c o n d u ta . Isso se deve. b a s ic a ­
mente, a duas razões: a primeira diz respeito à pouca confiança que
investidores depositam no Poder Judiciário, para apreciar questões
ligadas a direito societário e mercado de capitais, e a segunda à
falta de cultura relacionada à punição de atos em conflito de inte­
resses.

b) Regras relativas à manipulação de mercado


A agência reguladora brasileira busca, por meio de regulamen­
tação (controle a priori) e ações punitivas (controle a posteriori),
impedir práticas de manipulação de mercado, tomando-o, assim, o
mais transparente possível. Com efeito, inclui-se entre as atribuições
do Conselho Monetário Nacional, em conjunto com a CVM, deter­
minadas pelo art. 4s da Lei n. 6.385/74:

“evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação desti­


nada a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preços
dos valores mobiliários negociados no mercado e assegurar o
acesso do público a informações sobre os valores mobiliários
negociados e as companhias que os tenham emitido”.

Segundo Leães260, o princípio do disclosure não se esgota ape­


nas com a prestação de informações: é preciso que, paralelamente,
medidas sejam tomadas para que todos os investidores, efetivos ou
potenciais, tenham, ao mesmo tempo, acesso a novas informações.
Com efeito, no entendimento do mesmo autor, a repressão ao
insider trading é colorário natural da adoção do princípio do disclosure
da regulação do mercado de capitais.
Assim, caso todos os investidores tenham acesso a informação
em quantidade e qualidade eqüitativas, torna-se, na prática, muito
difícil a manipulação de mercado. Conforme já analisado, as regras
societárias e as regulatórias do mercado de capitais têm evoluído no
sentido de expandir cada vez mais o conceito de informação relevan­
te e a obrigatoriedade de divulgação dessas informações.

2WILEAES, Luís Gastao Paes de Barros. Mercado de capitais e “insider trading”.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 173.

182
7.3. O problema institucional brasileiro
Além das citadas acima, Bernard Black261 apresenta ainda uma
lista de instituições não ligadas diretamente ao sistema jurídico,
mas que são essenciais ao desenvolvimento do mercado de capitais,
quais sejam: bons profissionais de contabilidade, bons bancos de
investimento, bons advogados atuantes na área de mercado de capi­
tais, possibilidade de responsabilização de todos esses profissio­
nais, imprensa especializada ativa e bons analistas de mercado, além
de cultura de evidenciação entre os profissionais de contabilidade,
bancos de investimento e advogados.
Apesar de ainda não ter alcançado o mesmo nível de rigidez de
legislações como a norte-americana, o sistema jurídico brasileiro, no
que diz respeito ao mercado de capitais, não é tão deficiente que jus­
tifique sua insipiência. Na verdade, apesar de ainda poder contar com
o aperfeiçoamento das normas jurídicas que tutelam o mercado de
capitais, as maiores deficiências no Brasil, tomando-se por base a
lista de instituições apresentada por Black, são aquelas ligadas à cul­
tura de poupança e à forma de lidar com direitos já assegurados dos
investidores.
Pode-se concluir, assim, que o entrave para o desenvolvimento
do mercado de capitais brasileiro é bem mais institucional que legal,
e, dessa forma, bem mais complexo de ser superado. Isso porque o
aparato institucional de determinado mercado envolve mais elemen­
tos que simplesmente regras de direito positivo.
Nesse sentido, Douglas North262 ensina que as instituições são
as “regras do jogo” em determinada sociedade, ou seja, são os con­
troles formais ou informais criados pelo homem para regerem suas
relações entre si. As instituições servem, assim, para reduzir incerte­
zas na interação humana, tornado-a mais segura e previsível. Incluem-
se em seu conceito os controles formais e informais e a maneira na
qual esses controles são aplicados, caso sejam desrespeitados.

261 BLACK, Bernard S. Strengthening..., p. 51.


262 NORTH, Douglas. Institutions, institutional change and economic performance.
Cambridge: Cambridge University Press, 1994. p. 3.
Ainda de acordo com o autor, as instituições influenciam a p er­
formance da economia, pois afetam os custos de transação e a forma
como são protegidos os direitos patrimoniais dos indivíduos263. Mu­
danças no aparato institucional de uma sociedade são bastante com­
plexas, mas às vezes necessárias, pois, apesar de estáveis, as institui­
ções nem sempre são eficientes. E ainda, quanto mais uma sociedade
evolui, ou quanto mais complexas são as relações entre seus indiví­
duos e suas organizações, mais se exige do aparto institucional dessa
sociedade.
No exemplo específico aqui tratado, uma operação de mercado
de capitais exigiria muito mais das instituições locais que uma de
mercado financeiro, dada sua maior complexidade e, especialmente,
o maior número de pessoas e organizações envolvidas. Com efeito,
numa securitização, a pulverização do risco pressupõe, exatamente,
a participação do maior número possível de investidores no negócio
jurídico. Em um empréstimo bancário, via de regra, essa complexi­
dade diminui consideravelmente.
Mudanças institucionais requerem, de acordo com North264,
modificações nos controles informais e formais de conduta, e ainda
na forma como esses controles são aplicados (enforcement). São es­
ses três elementos que, em última análise, determinam como e, mais
especificamente, por intermédio de quais meios os indivíduos e orga­
nizações de determinado mercado se relacionam economicamente.
No que diz respeito a controles informais, North265 ensina que
as normas não escritas de uma sociedade são bem mais difíceis de
identificar e descrever que as normas escritas, e, não obstante, são
tão importantes quanto estas para a determinação de seu aparato
institucional. Uma prova disso é o fato de que normas bastante se-

“ ’No texto original, o autor fala em property rights (op. cit., p. 33), o que seria um
conceito mais econômico que jurídico. Tais direitos seriam “the rights individuals
appropriate over their own labor and the goods and services they possess.
Appropriation is a function of legal rules, organizational framework, enforcement,
and norms of behavior — that is, the institutional framework”.
264NORTH, Douglas, op. cit., p. 6 e s.
265NORTH, Douglas, op. cit., p. 36 e s.

184
melhantes funcionam de maneira diversa em culturas diferentes, e,
ainda, de como amiúde culturas restam basicamente inalteradas
apesar de bruscas mudanças em suas legislações. Os controles in­
formais seriam, assim, a cultura, os usos e costumes de determina­
do lugar, as normas de conduta que, apesar de não tipificadas, são
constantemente observadas e cuja não observância traz reprovação
social para o infrator.
No que diz respeito à influência dos controles formais, ou,
mais especificamente, das normas de direito positivo na estrutura­
ção do mercado, elas, basicamente, promovem alguns tipos de ope­
rações econômicas, mas não todas. Assim, o desenvolvimento de
certa espécie de tráfego financeiro depende das diretrizes políticas
das normas positivas de determinado mercado. Tais diretrizes vão
determinar as normas hierarquicamente superiores, que, por sua vez,
estabelecerão as inferiores, e em seguida os regulamentos, os quais,
por seu turno, influenciarão os contratos firmados entre os agentes
econômicos266.
Assim, em última análise, é a política econômica que vai ajudar
a determinar as características mercadológicas, mediante o estímulo
ou desestimulo de operações comercias e financeiras.
O terceiro elemento do aparato institucional é a forma de apli­
cação (enforcement) dos dois primeiros elementos, especialmente do
segundo. De acordo com North267, as partes de um negócio devem ser
capazes de promover a execução forçada das disposições contratuais
a um custo tal que o contrato continue valendo a pena. Essa aplicação
nas normas materiais é, na maioria das vezes, outorgada ao Estado,
que deve ser uma força coercitiva capaz de monitorar e tutelar os
direitos patrimoniais de forma eficiente, o que, na maioria dos casos,
não é possível.
Dessa forma, não é necessária apenas a existência de meios ad­
ministrativos e judiciais de se promover a execução de obrigações
contratuais não cumpridas. E preciso que tais meios sejam economi­
camente viáveis.

266NORTH, Douglas, op. cit.. p. 46 e s.


267 NORTH, Douglas, op. cit., p. 54 e s.

185
North268 conclui que quem promove mudanças, em última aná­
lise, são os agentes econômicos, impulsionados pelos incentivos ou
constrangimentos impingidos pelo aparato institucional. De acordo
com o autor, as mudanças são ajustes marginais no complexo de nor­
mas não escritas, direito positivo e mecanismos de aplicação dessas
normas.
Não obstante, as instituições devem ser, por natureza, estáveis,
e é essa estabilidade institucional que permite a elaboração de formas
mais complexas de operações econômicas. Excessivas mudanças nas
normas de conduta trazem insegurança e isso desestimula a elabora­
ção de negócios jurídicos mais elaborados, já que as normas jurídicas
aplicáveis podem ser modificadas no meio do caminho.
Assim, é a estabilidade alcançada por meio de instituições efi­
cientes, ou seja, que reduzam os custos de transação no mercado, que
faz com que os indivíduos e organizações se sintam seguros para
elaborar mais suas relações jurídicas. É preciso confiar nas normas e
instituições que regem os negócios jurídicos e naquelas que servem a
executá-los, para se deixar disciplinar por elas por muito tempo. É
desse tipo de confiança que se necessita para o desenvolvimento do
mercado de capitais.

7.4. Perspectivas de desenvolvimento da securitização no


mercado brasileiro
A tecnologia da securitização encontra-se em fase de inserção
no mercado brasileiro: ainda não se podem esperar grandes impulsos
de desenvolvimento, sem que haja um considerável esforço e incen­
tivo, tanto por parte de autoridades governamentais, quanto de enti­
dades ligadas ao mercado de capitais.
O desenvolvimento da securitização no Brasil está na depen­
dência da criação e crescimento de um mercado secundário razoavel­
mente líquido para os títulos dela oriundos, sem o que os próprios
benefícios da operação restam bastante prejudicados. Conforme apon­
tado anteriormente, esse desenvolvimento está intimamente ligado

26SNORTH, Douglas, op. cit., p. 83 e s.

186
ao do mercado de capitais. Isso porque a securitização em sentido
amplo implica migração de recursos do mercado financeiro para o de
capitais, quer por meio de mecanismos tradicionais do mercado de
capitais, quer por intermédio da securitização em sentido estrito.
No que se refere às instituições apresentadas por Bernard Black
como necessárias ao desenvolvimento do mercado de capitais, não
há no Brasil uma carência tão grande, no que se refere à legislação,
que justifique a insipiência do mercado brasileiro.
Porém, há outro grupo de precondições ao desenvolvimento do
mercado de capitais que é tão importante quanto aquelas anterior­
mente mencionadas, e que atualmente não estão presentes no merca­
do brasileiro. Essas precondições podem ser chamadas de condições
de isonomia competitiva do mercado de capitais com relação ao mer­
cado financeiro, e incluem uma política de taxas de juros, tributação
e regulação do mercado de capitais que incentive tal mercado269.
No Brasil, tradicionalmente, as taxas de juros são bastante altas,
fruto da política monetária e da instabilidade da economia. Os eco­
nomistas são unânimes em afirmar que taxas de juros altas são entra­
ves ao desenvolvimento do mercado de capitais, pois tomam quase
impossível que ele compita com os rendimentos oferecidos pelo mer­
cado financeiro.
Por outro lado, conforme já comentado, a tributação intensiva
das operações de mercado de capitais desestimula o investimento e a
poupança, novamente criando condições desfavoráveis de competiti­
vidade com relação ao mercado financeiro.
Assim, é da política econômica que deve partir o estímulo para
o crescimento do mercado de capitais. Como analisado anteriormen-

:w CASAGRANDE NETO, Humberto et al. M a ça d o de capitais: a saída para o


crescimento. São Paulo: Lazuli, 2002. (Série AB AMEC). Nessa obra, elaborada com
base nas palestras proferidas no Congresso Nacional da AB AMEC em 2002. e que
visou a elaboração de um Plano Diretor para o mercado de capitais brasileiro, con­
clui-se que há dois tipos de condições necessárias à funcionalidade e eficiência do
mercado de capitais, quais sejam: a) condições de eficiência, que coincidem com
aquelas apresentadas por Black em seus trabalhos: e b) condições de competitivida­
de, que dizem respeito à atratividade do mercado de capitais para poupadores c
investidores.

187
te, são as diretrizes que o governo desenha para economia que vão
determinar o tipo de operação que a legislação e regulamentação vai
estimular ou não.
É fato, todavia, que, culturalmente, os investidores brasileiros
não vêem no mercado de capitais uma opção para a poupança de seus
recursos. Tal fato diz respeito a uma crise institucional complexa,
que tem como alicerce a instabilidade econômica experimentada no
Brasil desde sua independência.
Esse ponto é crítico para o desenvolvimento da securitização,
pois, sem mercado de capitais desenvolvido e líquido, o investimento
em títulos e valores mobiliários não se faz atrativo. Necessita-se mui­
to mais de política de estímulo ao mercado de capitais e de estabili­
dade do que de regras específicas sobre a securitização.
Ocorre que esse tipo de ambiente não é atingido de forma rápi­
da: a modificação da política econômica com a posterior modifica­
ção das normas jurídicas de modo a que possam estimular um novo
setor é algo demorado. Mais demorada ainda é a estabilização das
novas regras e sua aceitação pelos agentes econômicos, para que pos­
sam fmalmente ser utilizadas em operações específicas. Há, sem dú­
vida, um longo caminho a percorrer, para que operações como a
securitização sejam utilizadas eficientemente no Brasil.

188
CONCLUSÃO
A securitização foi analisada neste trabalho em dois sentidos:
um amplo e um estrito.
A análise da securitização em sentido amplo prestou-se a es­
clarecer a sua função econômica, que pode ser resumida na mobili­
zação de riquezas, dispersão de riscos e desintermediação do pro­
cesso de financiamento. Sob esse aspecto, conclui-se que as insti­
tuições financeiras bancárias ainda são necessárias no mercado de-
sintermediado, pois exercem diversas funções na própria securiti­
zação e abrangem serviços e setores que estão fora do âmbito da
securitização.
Ainda nessa parte do trabalho, concluiu-se que o desenvolvi­
mento da desintermediação financeira ainda é obstado pelo modelo
de regulação interna do mercado de capitais da maioria dos países,
que dificulta a circulação de títulos internacionalmente. A solução
mais factível para esse problema seria a ação mais efetiva de organis­
mos internacionais e associações de órgãos reguladores, de forma a
se determinarem estruturas e normas para emissões transnacionais.
No tocante à securitização em sentido estrito, a análise dedi­
cou-se à estrutura da operação e aos elementos jurídicos que a
compõem. Com base em sua função econômica e identidade ju­
rídica, chegou-se à conclusão de que a securitização, apesar de
ser formada por vários contratos já utilizados no Direito brasilei­
ro, consiste num negócio jurídico específico e individualizado,
apesar de atípico. Dentre as figuras abordadas na literatura jurídi­
ca, a que mais se presta a descrever o instituto é o negócio indire­
to, legítimo e válido, já que lícito e aceito conscientemente pelas
partes contratantes.
Dentre as espécies de negócio indireto existentes, a .securitização
possui as características de negócio fiduciário, pois se apresenta como

189
uma transmissão de bens ou direitos afetada a um objetivo determi­
nado entre as partes, que limita o uso e gozo da propriedade transferida
pelo cessionário.
Apesar de atualmente haver dúvida sobre a validade e eficá­
cia da segregação de patrimônio do originador em relação ao veí­
culo de propósito exclusivo, especialmente no caso de falência ou
concurso de credores, acredita-se que essa desconfiança deve-se à
novidade do negócio, já que, conforme demonstrado, ela é válida
e plenamente compatível com o conceito moderno de patrimônio,
mesmo quando implementada através de segregação interna, e não
por cessão de créditos.
A corroborar com essa tese, o legislador brasileiro tem entendi­
do válida a segregação patrimonial, inclusive criando mecanismos
especiais para a securitização imobiliária, como é o caso do fundo de
investimento imobiliário e do regime fiduciário da securitização de
ativos de natureza imobiliária, onde claramente se verifica a adoção
de mecanismos fiduciários pelo ordenamento jurídico pátrio para
viabilizar a securitização.
De todo o exposto, conclui-se ainda pela não-conveniência ime­
diata de legislação ampla sobre securitização no Brasil, já que a opera­
ção ainda não vem sendo usada sistematicamente em nosso mercado,
podendo uma tipificação precipitada atribuir-lhe características que não
sejam assimiladas nem adequadas pelos operadores econômicos.
Não há empecilhos legais à securitização no ordenamento bra­
sileiro, que dispõe de instrumental razoavelmente adequado à
estruturação da operação. Exatamente pela capacidade de utilização
de institutos tradicionais para sua estruturação é que a securitização
pode ser considerada um exemplo de desenvolvimento e criação jurí­
dica. Os operadores do Direito podem e devem utilizar-se dos instru­
mentos jurídicos disponíveis para a estruturação da securitização.
Por outro lado, a legislação específica sobre determinados seg­
mentos da economia pode-se mostrar de muita valia, tanto para fo­
mentar a utilização da operação como para testar mecanismos jurídi­
cos que, uma vez integrados de forma efetiva ao ordenamento jurídi­
co e amalgamados pelo uso, podem vir a ser consolidados em legisla­
ção ampla, que regule todos os tipos de securitização.

190
Todavia, o aperfeiçoamento da legislação brasileira aplicável a
veículos de investimento em geral pode ser um instrumento de de­
senvolvimento da securitização no País. Nesse sentido, sugere-se a
adoção ampla da noção de regime fiduciário nos moldes adotados na
legislação do Sistema Financeiro Imobiliário, que resultaria em mo­
delo semelhante ao argentino, porém, sem a necessidade de adoção
do trust nos moldes anglo-saxônicos, pois, nas palavras de Rachel
Sztajn, “ampliar o alcance e a aplicabilidade de institutos jurídicos
conhecidos e reconhecidos é melhor técnica que a ‘importação’ ou
mescla de outros sistemas”270.
No que diz respeito ao desenvolvimento da operação no Brasil,
conclui-se que isso somente será factível com o desenvolvimento do
mercado de capitais como um todo, já que é nesse mercado que a
securitização está inserida. Não se pode cogitar uma experiência bem-
sucedida em securitização, sem um mercado secundário para os títu­
los emitidos.
O Direito deve assegurar que os instrumentos jurídicos já exis­
tentes para a proteção de investidores e captadores de recursos pos­
sam ser utilizados com eficiência, para que, através da segurança,
nasça no Brasil a cultura de mercado de capitais. Acredita-se que,
quando utilizado dessa forma, o Direito poderá efetivamente ser con­
siderado um fator de desenvolvimento econômico.
Não obstante, a questão do desenvolvimento do mercado de ca­
pitais do Brasil está ligada de forma inequívoca à instabilidade e à
política econômica que tomam o mercado de capitais não competiti­
vo com relação ao mercado financeiro. Mudanças nesse ponto são
complexas e exigem não apenas vontade política de promover mu­
danças institucionais, mas também tempo. É assim que se pode afir­
mar que, exatamente por depender do desenvolvimento do mercado
de capitais, a securitização ainda deve ter, por muito tempo, utiliza­
ção bastante restrita no Brasil.

27°szTA JN , Rachel. Quotas de fundos..., p. 108.

191
BIBLIOGRAFIA

ABRÃO, Nelson. Curso de direito bancário. São Paulo: Saraiva, 1982.

ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mercado f i­


nanceiro: aspectos históricos e conceituais. São Paulo: Pioneira, 1999.

ANGULO RODRIGUEZ, Luis de. Lafinanciación de empresas me­


diante tipos especiales de obligaciones. Bologna: Publicaciones dei
Real Colégio Espana en Bologna, 1968.

ASCARELLI, Tullio. Ensaios e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1952.

________ . Negócio jurídico indirecto. Lisboa: Jornal do Fôro, 1965.

________ . Problemas das sociedades anônimas e direito compara­


do. Campinas: Bookseller, 2001.
________ . Teoria geral dos títulos de crédito. 2. ed. Trad. Nicolau
Nazo. São Paulo: Saraiva, 1969.

ASQUINI. Titoli di credito e in particolare la cambiale e titoli bancari


di pagamento. Padova: CEDAM, 1951.

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Contratos inominados ou atípicos. 2.


ed. Belém: CEJUP, 1984.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Disponível em: <www.bcb.gov.br>.

BARBI FILHO, Celso. Ilegalidade da arrecadação dos bens da socie­


dade controlada na falência de sua controladora. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 116, p.
211-214, out./dez. 1999.

BARON, Neil. The role of rating agencies in the securitization process.


In: KENDALL, LeonT.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). A primer
on securitization. Cambridge: MIT Press, 1996.

193
BARRATT, Jeffery. Financing projects through the capital markets:
a South East Asia Perspective. In: The future fo r the global securities
market-, legal and regulatory aspects. Oxford: Clarendon Press, 1996.
p. 95-105.

BARRETO FILHO, Oscar. Teoria cio estabelecimento comercial.


fundo de comércio ou fazenda mercantil. São Paulo: Max Limonad,
1969.

BHATTACHARYA, Anand; FABOZZI, Frank (Org.). Asset-backed


securities. New Hope: Frank Fabozzi Associates, 1996.

BAUMS, Theodor. Asset securitization in Europe. Amsterdam: Klwer


Law and Taxation Publishers, 1994 (Forum Internationale, n. 20).

BENSTON, George J.; SMITH JR., Clifford W. A transaction cost


approach to the theory of financial intermediation. In: JAMES,
Christopher M.; SMITH JR., Clifford W. Studies in financial
institutions: commercial banks. New York: McGraw-Hill, 1994.

BESSIS, Joel. Risk management in banking. Chichester: John Wiley


& Sons, 1998.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Da fidúcia à securitização: as


garantias dos negócios empresariais e o afastamento da jurisdição.
2006. Tese (Doutorado) — Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2006.

BLACK, Bernard S. Institutional investors and corporate governance:


the case for institutional voice. In: Studies in international corporate
finance and governance systems. New York: Oxford University Press,
1997.

________ . Strengthening Brazil’s securities markets. Revista de D i­


reito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v.
120, p. 41-55, out./dez. 2000.

________ . The legal and institutional preconditions for a strong


securities market. UCLA Law Review, n. 48 (Working Paper n. 179
da John M. Ollin Program in Law and Economics).

194
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico 10. ed. Brasília:
UNB, 1999.

BORGES, João Eunápio. Títulos de crédito. 2. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1983.

BORGES, Luís Ferreira Xavier. Securitização como parte da segre­


gação do risco empresarial. Revista do Direito Bancário, do Merca­
do de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, v. 10, p. 257-267, out./
dez. 2000.

BRENDSEL, Leland. Securitization’s role in housing finance. In:


KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). A primer on
securitization. Cambridge: MIT Press, 1996.

BRYAN, Lowell. The risks, potential, and promise of securitization.


In: KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). A primer
on securitization. Cambridge: MIT Press, 1996

BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 10. ed. São Paulo:


Atlas, 1998.

________. Os valores mobiliários brasileiros como títulos de crédito.


Revista de Direito Mercantil, Industricd, Econômico e Financeiro,
São Paulo, n. 37, p. 94-112.
________. Sociedade, empresa e estabelecimento. São Paulo: Atlas,
1980.

CABRAL, Antônio da Silva. Cessão de contratos. São Paulo: Sarai­


va, 1987.

CAMINHA, Uinie. A eficiência alocativa das normas de direito


societário com relação ao acionista minoritário. Revista de Direito
Mercantil, Industricd, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 116, p.
194-199, out./dez. 1999.
CARIOTA-FERRARA, Luigi. / negozi fidnciari. Padova: CEDAM,
1933.
CARNELUTTI, Francesco. Teoria giuridica della circolazione.
Padova: CEDAM, 1934.

195
CARVALHO, Nelson; LISBOA, Lázaro Plácido; PONTE, Vera Ma­
ria Rodrigues. Evidenciação (disclosure) nas demonstrações contábeis.
In: SEMANA DE CONTABILIDADE DO BANCO CENTRAL DO
BRASIL, 8. Anais da semana de contabilidade do Banco Central do
Brasil, Brasília, 1999.

CASAGRANDE NETO, Humberto et al. Mercado de capitais: a saí­


da para o crescimento. São Paulo: Lazuli, 2002. (Série ABAMEC).

CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 5. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2000.

CHALHUB, Melhin Namen. Afidúcia no sistema de garantias reais


do direito brasileiro. Felsberg e Associados. Disponível em:
<www.felsberg.com.br/portugues/artigos/ppfiduciahtml>.

________ . Negóciofiduciário. Rio de Janeiro; São Paulo: Renovar, 2000.

CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil. 3. ed. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 1984. v. 2, t. 1.

COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade


anônima. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

_______ _. Origem do direito comercial. (Tradução do primeiro ca­


pítulo do Corso di diritto com m ercials: introduzione e teoria
delT impresa. Giuffrè, 1962, de Tullio Ascarelli). Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 35, n.
103, p. 87-100, jul./set. 1996.

_____ ___ . O seguro de crédito. São Paulo: Max Limonad, 1966.

COOTER, Robert D. Models of morality in law and economics: self


control, self-improvement, for the ’’bad man” of Holmes. UC
Berkeley: Program in Law, Economics & Institutions.

COSTA, Philomeno Joaquim da. Anotações às companhias. São Pau­


lo: Revista dos Tribunais, 1980. v. 1.

CUNHA, Paulo. Do patrimônio: estudo de direito privado. Lisboa,


1934. v. 1 e 2.

196
DAMOND ARAM, Aswath. Avaliação de investimento: ferramentas
e técnicas para a determinação do valor de qualquer ativo. Rio de
Janeiro: Qualitymark, 1999.
DE CHIARA, José Tadeu. Moeda e ordem jurídica. 1986. Tese (Dou­
torado) — Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1986.
DE LUCCA, Newton. A cambial-extrato. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1985.
______ . Aspectos da teoria geral do títulos de crédito. São Paulo:
Pioneira, 1979.

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 2. ed.


São Paulo: Saraiva, 1996. v. 3 e 4.

DOWNES John; GOLDMAN Elliot. Dicionário de termos financei­


ros e de investimento. São Paulo: Nobel-Bovespa, 1986.

EIZIRIK, Nelson. Cessão de créditos no mercado financeiro. Revista


de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Pau­
lo, n. 116, p. 200-214, out./dez. 1999.

FAGUNDES, Carlos. Securitização: inovação na gestão de créditos


bancários. Tecnologia de Crédito, v. 2, n. 11, p. 6-13, mar. 1999.

FERR ARA, Francesco. Simulação nos negócios jurídicos. São Pau­


lo: Saraiva, 1939.

FERREIRA, Waldemar M. Tratado das debênturas. São Paulo: Freitas


Bastos, 1944. v. 1.

FORESTIERI, Giancarlo; ONADO, Marco (Coord.). Banche e


mercati mobiliari: teoria ed esperienze europee. Milano: Egea, 1992.

FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 7.


ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995.

FRANÇA, R. Limongi. Formas de aplicação do direito positivo. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 1969.

GARRIRES, Joaquim. Contrato de seguro terrestre. Madrid, 1973.

197
GART, Alan. Regulation, deregulation, reegulation: the future for the
banking, insurance and securities industry. New York: John Wiley &
Sons, 1994.
GLENNIE, David G.; BOUTER, Eduard C ; DE LUKE, Randall D.
(Org.). Securitization. Londres: Klwer Law Internation, 1998.
GOMES, Orlando. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
________ . Contratos. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
________ . Novíssimas questões de direito civil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1988.

________ . Obrigações. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.


GOODE, Roy. The nature and transfer of rights in dematerialized
and immobilized securities. In: The future for the global securities
market: legal and regulatory aspects. Oxford: Clarendon Press, 1996.
p. 107-130.
GOODHART, C. A. Money, information and uncertainty. 2. ed. Lon­
dres: Macmillan, 1989.
GRANIER, Thierry; JAFFEUX, Corynne. La titrisation: aspects
juridique et financier. Paris: Economica, 1997.

GRAZIANI, Alessandro. La cessioni dei crecliti. Perugia: Tipografia


Guerriero Guerra, 1930.

GREENBAUM, Stuart L.; THANKOR, Anjan Y. Contemporary


financial intermediation. Orlando: Dryden Press, 1995.

GREENE, Edward F. et al. Concepts of regulation: the US model. In:


The future fo r the global securities market, legal and regulatory
aspects. Oxford: Clarendon Press, 1996. p. 157-178.
GUMI, Giuseppe. Securitisation. Milano: II Sole 24 ore, 2001.

HEFFERNAN, Shelagh. Modem banking in theory and practice. New


York: John Wiley and Sons, 1998.

HENDELSON, John; SCOTT, Jonathan P. Securitization. New York:


New York Institute of Finance, 1988.

198
ING, Barings (Org.) Asset securitization: current techniques and
emerging market applications. Euromoney, 2000.

HOUTTE, Hans van. Law applicable to securities transactions: choice


of law issues. In: The future for the global securities market: legal
and regulatory aspects. Oxford: Clarendon Press, 1996. p. 69-82.

IUDÍCIBUS, Sérgio. Teoria da contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas,


1997.

JESEN, Michael C. Self-interest, altruism, incentives and agency theory.


In: The new corporate finance: where theory meets practice, p. 29-34.

JUSTEN FILHO, Marçal. A desconsideração da personalidade


societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

KEASEY, Kevin et al. Corporate governance: economic, management


and financial issues. New York: Oxford University Press, 1997.

KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). A primer on


securitization. Cambridge: MIT Press, 1996.

KISTLER, Henri Eduard Stupakoff. Brasil, a caminho de um regula­


dor único para o sistema financeiro? Revista da CVM, n. 31, p. 56-
72, maio 2000.
KOURY, Susy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da persona­
lidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. Rio de
Janeiro: Forense, 1993.

LANDI, Andrea; FORESTIERI, Giancarlo; ONADO, Marco


(Coord.). Banche e me read mobiliari: teoria ed esperienze europee.
Milano: Egea, 1992.
LEÃES, Luís Gastão Paes de Barros. O conceito de “security" no
direito norte-americano e o conceito análogo no direito brasileiro.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
São Paulo, v. 14, p. 41-60, 1974.
_____ . Mercado de capitais e “insider trading”. São Paulo: Re­
vista dos Tribunais, 1982.

199
________ . A operação de “factoring” como operação mercantil. Re­
vista de Direito Mercantil, Industriai Econômico e Financeiro, São
Paulo, v. 115, p. 239-254.
LEITE, Hélio de Paula. Risco. 1976. Dissertação (Mestrado) — Fun­
dação Getulio Vargas, 1976.
LIMA, João Frazen de. Curso de direito civil brasileiro: direito das
obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 2, t. 1.

LIMA. Otto de Souza. Negócio fiduciário. 1959. Tese (Cátedra de


Direito Civil) — Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1959.
LOPES, Mauro Brandão. Natureza jurídica do “leasing”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n.
14, p. 3 5 -3 9 , 1974.

________ . SA: títulos e contratos novos. São Paulo: Revista dos Tri­
bunais, 1978.
LOSS, Louis. Securities regulation. Boston: Little, Brown and
Company, 1951.
MACHADO, Sylvio Marcondes. Da fraude contra credores; falência
e alienação do estabelecimento. In: Questões de direito mercantil.
São Paulo: Saraiva, 1977.
________ . Limitação de responsabilidade de comerciante indivi­
dual. 1956. Tese (Cátedra de Direito Comercial) — Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1956.
________ . Questões de direito mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977.
________ . Problemas de direito mercantil. São Paulo: Max Limonad,
1970.
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1977.
________ . Títulos de crédito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. 2 v.
MASON, Scott et al. Cases in financial engineering: applied studies
of financial innovation. New Jersey: Prentice Hall, 1995.

200
MATIAS, Armindo Saraiva. Titularização: um novo instrumento fi­
nanceiro. Revista de Direito Mercantil, industrial. Econômico e Fi­
nanceiro, São Paulo, n. 112, p. 48-54, out./dez. 1998.

MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. O conceito de valor mobiliário.


Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
São Paulo, n. 59, p. 30-55.

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comer­


cial brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1947. Livro 4, v. 6;
Livro 1, v. !.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito pri­


vado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller,
2000. t. 3, e t. 5.

MODIGLIANI, Franco; PEROTTI, Enrico. Security versus bank


finance: the importance of a proper enforcement of legal rules. 2 fev.
2000.
MOSQUEIRA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro
e de capitais. São Paulo: Dialética, 1999.

NORTH, Douglas. Institutions, institutional change and economic


performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

ODITAH, Fidelis. Selected issues in securitization. In: The future fo r


the global securities market: legal and regulatory aspects. Oxford:
Clarendon Press, 1996. p. 83-94.

PANUCCIO, Vincenzo. La cessione volontaria dei credit!: nella teo­


ria del transferi mento. Milano: Giuffrè , 1965.

PEDRETTI, Maria das Graças; COSAC, Marcelo. Securitização é


um meio de reduzir déficit habitacional. Gazeta Mercantil, São Pau­
lo, 13 fev. 2001.

PENTEADO, Mauro Rodrigues. Títulos de crédito no Projeto de


Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, São Paulo, v. 34, n. 100, p. 24-48, out./dez. 1995.

201
PENTEADO JÚNIOR, Cassio Martins C. A propósito da securitização
de recebíveis: cessão de créditos ou cessão de contrato. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v.
115, p. 124-126, jul./set. 1999.

________ . A securitização de recebíveis de créditos gerados em ope­


rações dos bancos: a Resolução 2.493 em sua perspectiva jurídica.
Revista de Direito Mercantil, Industriai, Econômico e Financeiro,
São Paulo, v. 1II, p. 120-124, jul./set. 1998.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1996. v. 1.
________ . Instituições de direito civil: fontes das obrigações. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1975. v. 2.
PHILLIPS, Susan. The place of securitization in the financial system:
implications for banking and monetary policy. In: KENDALL, Leon
T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). A primer on securitization.
Cambridge: MIT Press, 1996.
RANIERI, Lewis. The origins of securitization, sources of its growth,
and its future potential. In: KENDALL, LeonT.; FISPIMAN, Michael
J. (Coord.). A primer on securitization. Cambridge: MIT Press, 1996.
REALE, Miguel. A boa fé no Código Civil. Revista de Direito Ban­
cário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, n. 21, p.
11-13, jul./set. 2003.
________ . Prefácio ao Novo Código Civil brasileiro. 3. ed. rev. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
ROCHA, João Luiz Coelho da; LIMA, Marcelle Fonseca. Os valores
mobiliários como título de crédito. Revista de Direito Mercantil, In­
dustrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 120, p. 137-141, jul./
set. 2000.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
v. 1.
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988.
ROSE, Peter. Commercial bank management. 3. ed. Chicago: Irwin, 1996.

202
ROSENTHAL, James; OCAMPO, Juan. Securitization o f credit’.
inside the new technology of finance. New York: Wiley, 1988.

RUBINO, Domenico. II negoziojurídico indiretto. Milano: Giuffrè,


1937.

SACKMAN, Simon; COLTMAN, Margaret. Legal aspects of a global


securities market. In: The future fo r the global securities market’, le­
gal and regulatory aspects. Oxford: Clarendon Press, 1996. p. 18-30.

SALLES, Marcos Paulo de Almeida. Uma contribuição à análise das


debêntures. 1986. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) —
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.

SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo:


Malheiros Ed„ 1995.

SANDO, Ruth Ann. SFI: um novo modelo habitacional. São Paulo:


Abecip, 1996.

SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado.


5. ed. São Paulo; Freitas Bastos, 1955. v. 14.

SCHOONER, Heidi Mandanis. Functional regulation: the securitization


of banking law. Social Science Research Network. Disponível etn:
<http://papers.ssrn. com/sol3/papers.cfm?abstract_id=283748>.

SCHWARCZ, Steven L. Structured finance: a guide to the principles


of assets securitization. 2. ed. New York: Practising Law Institute, 1993.
STAPLEDON, G. P. Institutional shareholders and corporate
governance. New York: Clarendon Press Oxford, 1996.

SZTAJN, Rachel. Contrato de sociedade e formas societárias. São


Paulo: Saraiva, 1989.

________ . Futuros e swaps: uma visão jurídica, São Paulo: Cultural


Paulista, 1999.

________ . Os custos provocados pelo direito. Revista de Direito


Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 1 12, p.
75-79, out./dez. 1998.

203
________ . Quotas de fundos de investimento imobiliário: novo valor
mobiliário. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, São Paulo, n. 93, p. 104-108, jan./mar. 1994.

________ . Sobre a natureza jurídica das opções negociadas em bol­


sas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei­
ro, São Paulo, v. 105, p. 53-73, jan./mar. 1997.

THEODORO JR., Humberto. Fraude contra credores e fraude à exe­


cução. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 776, p. 11-33.
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. A Lei 7.913 de 7.12.89:
a tutela judicial do mercado de valores mobiliários. Revista de Direi­
to Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 80,
p. 138-148.
VENANCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio
econômico: o direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A CVM e os contratos de
investimento coletivo (“boi gordo” e outros). Revista de Direito Mer­
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 108, p. 91-
100, out./dez. 1997.
_______ . Notas sobre o regime jurídico das ofertas ao público de
produtos, serviços e valores mobiliários no direito brasileiro: uma
questão de complementação da proteção de consumidores e investi­
dores. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Finan­
ceiro, São Paulo. v. 105, p. 74-83, janVmar. 1997.
_______ . O significado da expressão “operar instituição financeira”
constante do art. 16 da Lei “dos Crimes do Colarinho Branco”. Re­
vista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São
Paulo, v. 115, p. 142-170, jul./set. 1999.

VIANA, Francisco de Assis Bomfim. Desconto bancário. 3. ed. Rio


de Janeiro: Brasília Jurídica, 1999.
_______ . Fundamento das exceções cambiárias. 2. ed. Brasília:
Brasília Jurídica, 1999.

204
VIEIRA, Antônio Cláudio de Lima. Á intermediação no mercado de
capitais. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Fi­
nanceiro, São Paulo, n. 2. Nova Série, p. 107-1 10, 1973.
VITAL, I. Noções fundamentais de seguros. Rio de Janeiro: ÍRB,
1943.
VIVANTE, Cesare. 11 contrato di assicurazione. Milano: Editore-
Librario delia Real Casa, 1887. v. 1 e 3.
______ . Tratatto di diritto commerciale. 3. ed. Milano: Vallardi, 1904.
v. 3.

VON TUHR, Andreas. Derecho civil: teoria general dei derecho civil
alenián. Buenos Aires: Depalma, 1946. v. 1.
WALD, Arnoldo. Novos instrumentos para o direito imobiliário: fun­
dos, alienação fiduciária e “leasing”. In: Estudos e pareceres de di­
reito comercial: problemas comerciais e fiscais da empresa contem­
porânea. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972.
______ . O banco como catalizador de negócios. In: Estudos e pare­
ceres de direito comercial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.

ZLATKOVIC, Mihailo Milan. Securitização de recebíveis de expor­


tação: mecanismo de captação externo para empresas brasileiras.
1997. Dissertação (Mestrado) — Fundação Getúlio Vargas, São Pau­
lo, 1997.

205

Você também pode gostar