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Uinie Caminha. Securitização, 2 Ed
Uinie Caminha. Securitização, 2 Ed
saraivajur.com.br
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Uinie Caminha
Especialista em Direito do Mercado Financeiro pelo
Ibmec Business School. Doutora em Direito Comercial
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Advogada em São Paulo.
SECU RITIZA ÇÂ O
2- edição
revista e atualizada
2007
Editora
P Saraiva
ISBN 978-85-020-5990-0
D ado s In te rn a c io n a is de C a ta lo g a ç ã o na P u b lic a ç ã o (C IP )
(C â m a ra B ra s ile ira do Livro, SP, B ra s il)
C a m in h a , U inie
S e c u ritiz a ç ã o / U in ie C a m in h a . — 2. ed. rev. e a tu a l.
— S ão P a u lo : S a ra iv a , 20 07.
1. S e c u ritiz a ç ã o I. T ítu lo .
0 6 -7 7 8 7 C D U -3 4 :3 3 6 .7 6
ín d ic e p a ra c a tá lo g o s is te m á tic o :
1. S e c u ritiz a ç ã o : D ire ito fin a n c e iro 3 4 :3 3 6 .7 6
Editora
d ‘Saraiva
Av. Marquês de São Vicente, 1697 — CEP 01139-904 — Barra Funda — São Paulo-SP
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VII
SUMÁRIO
Nota à segunda edição................................................................. XIII
Apresentação................................................................................. XVII
Ainda à guisa de apresentação................................................... XIX
INTRODUÇÃO............................................................................ 1
P rimeira P arte
ASPECTOS ECONÔMICOS DA SECURITIZAÇÃO
IX
3.2. Definição...................................................................... 38
3.3. Histórico....................................................................... 39
3.4. M ecanismo................................................................... 41
Segunda P arte
ASPECTOS JURÍDICOS DA SECURITIZAÇÃO
X
2.2.2. Regimes de circulação dos títulos de crédito 89
2 . 3. Valores mobiliários ................................................... 90
2.3.1. Conceito e características................................ 93
XI
6.1.3.1. Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios — F ID C s....................... 155
6.1.4. Securitização de créditos financeiros............ 156
6.1.5. Securitização de ativos do agronegócio........ 159
6.2. Adequação do tratamento jurídico da securitização
no B rasil....................................................................... 160
CONCLUSÃO.............................................................................. 189
Bibliografia.................................................................................... 193
XII
NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO
In dilutes como o de que trata o presente trabalho são objeto de
■.vr, i 'i •>e relevantes mudanças. Deve-se, inclusive, a essa caracte-
iv |.(m parte de sua utilidade aos agentes econômicos, que neces-
do instrumentos dinâmicos e adaptáveis para revestir os negó-
pccialmente no âmbito do mercado financeiro e de capitais.
i d et (o, a securitização, conforme já se previa há alguns anos,
tn |M -vido por fases de evolução e amadurecimento consistentes, o
{tie lot na a operação cada vez mais adequada aos fins pretendidos
Mi? aqueles que a utilizam.
t ont relação ao volume dos negócios envolvendo as várias es-
i is que podem ser identificadas como securitização — como os
» de direitos creditórios e as sociedades securitizadoras — , houve
um inascimento significativo nos últimos anos. Entre 2002 e os três
„ guieiros trimestres de 2005, o volume de recursos envolvidos em
»«jHuações de securitização aumentou cerca de 1.361%, conforme
«lidos colhidos da Comissão de Valores Mobiliários e da Associação
Nacional de Bancos de Investimentos pela M oody’s Investors
Service*.
Esse crescimento rápido demonstra, conforme explicitado nes
te iiabalho, que a securitização ainda é uma tecnologia em fase de
inserção. Acredita-se que o progresso em seu uso deva continuar ace-
Ifiado nos próximos anos.
Porém, mais do que os números, vê-se uma evolução no enten
dimento que os operadores do Direito e o próprio legislador têm so-
ba* a securitização. Nos últimos dois anos, alguns avanços legislativos
• >>ntrihuíram para fortalecer a segurança jurídica da operação, reco-
XIII
nhecida, inclusive, pelas próprias autoridades governamentais, com
tratamento tributário diferenciado para algumas espécies de
securitizadoras, como importante ferramenta de financiamento a pro
jetos de grande vulto.
Umas das principais inovações, no que pese não se tratar de
uma lei específica sobre o instituto, vem na nova Lei de Falências e
Recuperação de Empresas, que exclui expressamente os bens cedi
dos em operações de securitização da massa falida. Apesar de ainda
não se poder precisar o alcance que o judiciário vai dar a esse dispo
sitivo, vê-se que uma importante dúvida acerca da viabilidade jurídi
ca da securitização no Brasil foi assim dirimida.
Além disso, tem-se considerado a securitização como alternati
va de financiamento em outros nichos de mercado. Nesse sentido, foi
editada, em 2005, legislação acerca da securitização de base agríco
la. Embora seja possível a securitização de praticamente qualquer
ativo, independentemente de legislação especial, conforme se defen
de no presente trabalho, a criação de títulos específicos e de estrutura
própria demonstra o interesse das autoridades no desenvolvimento
da operação, tornando-a mais segura.
É certo que, assim como avanços benéficos ao instituto, obser-
varam-se também algumas utilizações desvirtuadas de seus mecanis
mos, especialmente no que se refere a sociedades de fomento mer
cantil. Na verdade, tem -se tornado comum a utilização das
securitizadoras, em estruturas que nada mais encerram do que opera
ções de factoring, como forma de se obterem vantagens fiscais.
Esses, dentre outros assuntos, serão abordados nesta edição do
presente trabalho, que, espera-se, seja útil tanto a acadêmicos quanto
a operadores do Direito. E óbvio que o aspecto jurídico da operação
continuará sendo o mais explorado, pois, apesar de ele ser sempre e
inevitavelmente acessório de sua função econômica, participa de
maneira decisiva em seu sucesso ou fracasso. Não se tem a preten
são, todavia, de esgotar as inovações pelas quais passou e vem pas
sando a securitização, até porque, enquanto são escritas estas consi
derações, novas possibilidades estão surgindo.
Assim como na primeira edição, a autora continua contando com
a ajuda de diversas pessoas que, de maneiras diferentes, mas sempre
XIV
11 j ui.titles, contribuem para o desenvolvimento de seu trabalho:
A.tiwudo Caminha, sempre, toda a família, especialmente a Cecília,
.fu. ,nm!a não existia na primeira edição deste livro, colegas da Uni-
»i ssdiklc de Fortaleza — UNIFOR e a própria UNIFOR, que, como
»•'sMUtição, acredita na pesquisa como caminho para o desenvolvi-
<Hfin» da educação.
XV
APRESENTAÇÃO
Uma das funções da academia, notadamente das universidades
públicas, é a formação de pessoas que, por meio de discussão de
problemas teóricos, numa forma única de prestação de serviços à
comunidade, toma como seu centro de estudos problemas reais cria
dos pelas inovações derivadas do tráfego negociai.
Se os operadores econômicos se dedicam a desenhar negócios
que permitam segregar ou distribuir riscos, cabe ao jurista buscar no
ordenamento jurídico institutos que, ao acolher as operações, mante
nham os modelos de certeza e segurança de forma que, ao facilitar a
realização de negócios de interesse da comunidade, não se impo
nham a ela eventuais danos que possam advir do negócio entre parti
culares.
Diante da velocidade com que operações econômicas inovam
nas relações intersubjetivas, em que ganham espaço no tráfego
negociai, notadamente aquelas que, em decorrência da globalização
da economia, foram engendradas com base em outros sistemas jurí
dico-positivos, é mister compor a necessidade empresarial e as nor
mas jurídicas.
Securitização é uma dessas operações que surge nos Estados
Unidos da América e que atravessa as fronteiras nacionais por facili
tar a solução de problemas ligados a riscos económico-financeiros.
Não por outra razão Uinie envereda pela função econômica da
securitização, uma vez que a mobilização e a circulação de riquezas
são imperativos da sociedade. A percepção de que as instituições fi
nanceiras, cada vez mais, parecem perder espaço na intermediação
da circulação da moeda e crédito, dadas as permanentes criações do
gênio empresarial, repercutem no direito.
O sistema, pensado nos séculos XIX e XX, basicamente no pri
meiro quartel, teria previsto instrumental para garantir as novas ope-
XVII
rações econômicas? A função social que desempenha e a utilidade
que representa, dependem das garantias que se possam apresentar
aos agentes econômicos.
Sobre ser necessário compreender o fenômeno econômico, como
é próprio dos comercialistas, não passou despercebido a Uinie, que
se embrenhou por área usualmente estranha ao operador do Direito.
A autora trouxe para o texto as relações fundamentais entre Direito e
Economia, os aspectos financeiros, analisou o fato de que pessoas
avessas a risco, mas com potencial de investimento desde que se lhes
ofereça nível adequado de segurança, tomam a securitização potente
-instrumento para a alocação de recursos na sociedade.
Com felicidade Uinie faz de sua tese de doutoramento, apresen
tada e defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, cabal demonstração de que é possível compor teoria e prática,
direito e outras áreas do conhecimento, com o que ganham todos. À
instituição porque cumpre duas funções: prepara pessoas para, criti
camente, pensar o sistema jurídico, presta serviços à sociedade que
provê os fundos para o ensino e pesquisa. À comunidade porque re
cebe, em contrapartida, os frutos do esforço e da pertinácia de seus
mais promissores jovens.
Orgulho-me de ter insistido para que Uinie aceitasse o desafio,
por tê-la entre meus alunos e, sobretudo, porque, ao escolhê-la, acre
dito ter devolvido à sociedade pessoa apta para enfrentar problemas e
encontrar soluções.
XVIII
AINDA À GUISA DE APRESENTAÇÃO
XIX
A novidade desta obra é evidente, até porque no longo percurso
de sua elaboração e aprovação deu-se um fato pouco usual, e até pito
resco, que comprova a evidência. Numa das seções de preparo e jul
gamento deste trabalho da autora, causou surpresa a presença de al
guns dos chamados “operadores” do mercado financeiro, para tomar
conhecimento do que a Universidade estava produzindo sobre a tal
securitização. Alguns anos de trabalho silencioso se passaram até que
essa produção viesse a lume para satisfazer essa curiosidade, mas
com equilíbrio e inequívoca atualidade.
E vem a público para mostrar que a novidade não é assim tão
nova, pois a obra demonstra soluções jurídicas novas, sim, porém
concebidas para resolver problemas econômicos tão antigos quanto
o capitalismo industrial, como já apontava Ascarelli nos anos 30 do
século passado. Ao cuidar em quatro estudos magistrais dos títulos
de crédito (depois reunidos na sua “Teoria Geral”), o maior comer-
cialista do século XX — fazendo inclusive reparos a Bearle & Means,
que omitiram o tema em seu The M odem Corporation and Private
Property — alertava para o fato de a “nova” economia haver alterado
substancialmente o caráter da propriedade, que há séculos já cortara
suas âncoras com os bens materiais, para multiplicar-se em novos
bens e direitos sobre ela erigidos, numa velocidade tal que chegou,
mais recentemente, à securitização, fórmula criativa de mobilização
de ativos presentes e futuros, dissecada pela autora tanto do ponto de
vista estrutural, quanto do funcional.
Em uma apresentação complementar não poderia faltar referên
cia à orientadora acadêmica da Doutora Uinie, a Professora Rachel
Sztajn, esta sim a única com méritos e qualificações para apresentar a
obra — à qual acresci, a pedidos, estas deslustradas palavras — visto
que foram da eminente professora o discernimento e a sabedoria de
bem aproveitar as melhores qualidades da doutoranda.
Como também não poderia deixar de ser feita a necessária men
ção à autora, ainda desconhecida do público em geral. Esta brava
cearense chegou a estas plagas para realizar o seu doutoramento, e
aqui ficou, estabelecendo família, cooptada pela paulicéia desvairada
(não sei se para o agrado de seu grande mentor, o emérito comercialista
Bomfim Viana, lídimo sucessor no Ceará do saudoso Fran Martins),
XX
I
ingressando ainda nas lides profissionais, graças às suas qualidades
de advogada (e como tal adquirindo visão prática e experiência, trans
postas para a obra). E também revelou talento como docente, ao co
migo colaborar como monitora pós-graduanda, nas Arcadas.
Talento e inteligência não são dons recebidos gratuitamente, pois
a parábola bíblica ensina que quem os recebe tem a obrigação de
investi-los, devolvendo-os aos seus semelhantes com os juros de suas
realizações. Parece que a autora vem cumprindo, e bem, o contrato.
Com isso ganha a literatura jurídica nacional e ganham os profissio
nais do direito, mas não só eles, pois também os “operadores” do
mercado poderão aqui aproveitar as ponderadas análises econômicas
e financeiras, típicas, aliás, da escola de Direito Comercial da velha
Academia, sempre atenta às sábias lições de Vivante, acerca da
simbiose inextricável Direito & Economia.
Natal de 2004.
Mauro Rodrigues Penteado
Professor de Graduação e Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
XXI
INTRODUÇÃO
O mercado financeiro mundial tem sofrido mudanças substan
ciais nos últimos vinte anos, especialmente no que diz respeito a ope
rações que envolvem financiamento de projetos e companhias. A
securitização foi uma das principais inovações percebidas durante
esse período, sendo seu uso cada vez mais comum. No Brasil, as
primeiras operações de securitização ocorreram na década de 80 do
século recém-findo, e, ultimamente, sua utilização tem se dissemina
do substancialmente. p( i >
O termo securitização pode ser enténdídotãnto em sentido amí
pio quanto em sentido estrito. Empentido amglb, representa o acesso)
ao mercado de capitais como alternativa de financiamento e investi
mento, em substituição a outras opções ligadas ao mercado financei
ro tradicional, ou seja, é sinônimo de desintermediação financeira. Já
--------..,irwl"'"nv»Yi'rí.ir.‘.;<r..r.. Kir.T.--—
1
O legislador brasileiro preocupou-se em inserir a operação de
securitização no ordenamento jurídico, mas não de forma sistêmica.
A não ser por normas específicas emanadas de órgãos reguladores ou
aplicáveis apenas a segmento determinado da economia, a matéria
está desregulada por nosso direito positivo. Não há uma norma geral
que defina e situe a operação no sistema jurídico. Acredita-se que
isso se deve ao fato de que, até pouco tempo, a securitização era algo
distante, só aplicável a sofisticadas operações financeiras. Ultima
mente, porém, vem sendo usada com freqüência cada vez maior em
operações corriqueiras, o que leva a questionar sobre a real necessi
dade de inserção da securitização no ordenamento jurídico brasileiro
de forma mais ampla.
A operação de securitização é atualmente estruturada com base
em institutos tradicionais do Direito Privado e adaptada às regula
mentações aplicáveis conforme o tipo de ativo envolvido na opera
ção. Apesar de até hoje essa solução ter-se mostrado suficiente, ela
não tem conseguido elidir püvidãsTã respeito de diversos aspectos, í
como a compítififiízâçâõTfa securitização com a teoria do patrimô
nio. regimes concursais, responsabilidade da sociedade emissora d e 1
títulos e natureza dos títulos emitidos|Keste saBèFsè^escTaréciméff
to de tais dúvidas cabFa^õüIrínãrêTjurisprudência ou ao legislador.
Outra dúvida que a falta de legislação enseja é a posição ocupa
da pela securitização no mercado financeiro. A securitização pode
ser posicionada dentro ou paralelamente a ele, a depender da exten
são e forma de se definir o Sistema Financeiro Nacional.
No presente trabalho, pretende-se analisar a operação de
securitização em duplo aspecto: resposta às necessidades econômi
cas ao mesmo tempo que desencadeadora da utilização inovadora
de tradicionais institutos jurídicos e de reforma e adaptação da le
gislação. ')
O escopo maior do trabalho consiste em buscar determinar a
natureza jurídica da securitização, para então sugerir a melhor disci-
plina paraãoperaçãoi Para tanto, será procedida a análise da estrutu
ra da operação de forma a determinar em que medida ela pode ser
considerada um negócio único, um todo sistêmico, e qual seria o ele
mento de conexão dos diversos contratos que a compõem. Prctende-
2
se, ainda, mostrar que a regulação jurídica eficiente pode ser consi
derada um meio de desenvolvimento da securitização em nosso mer
cado de capitais.
Para que se possa chegar às conclusões pretendidas serão anali
sadas questões a respeito da desintermediação e função dos interme-
diáriosfinanceiros no mercado securitizado,jdãsrelaçõesdasecuríi1-'\
Vzaçáo com'a tecmã do patrimônio e regimes concursais e da adequa- j
cão dos instrumentos jurídicos utilizados à estrutura da operaçãof
O trabalho se divide em duas partes, nas quais se abordam dife
rentes aspectos da securitização. Os temas são tratados tanto em ca
ráter geral, com a análise e criação de conceitos, como em detalhes
específicos e características mais especiais.
j Na primeira parte j tratar-se-á dos aspectos econômicos da secu-
ritizâção: a desintermediação, a gradual substituição do mercado fi
nanceiro tradicional pelo mercado de capitais, o crescimento dos
mercados e sua integração como preconizadores de novos instrumen
tos jurídico-financeiros. Nessa ocasião, serão analisados a estrutura
do Sistema Financeiro Nacional, a inserção da securitização como
parte dessa estrutura e os meios jurídicos através dos quais os recur
sos financeiros são transferidos dos agentes poupadores para aqueles
que deles necessitam, ora com a interveniência de bancos, ora direta
mente, através do mercado de capitais. Analisar-se-á também a evo
lução do sistema bancário até alcançar a complexidade das institui
ções financeiras dos dias de hoje, e o papel do mercado de capitais
nessa evolução.
Ainda nessa parte, abordar-se-á a relação entre a securitização e
a globalização, especialmente no que diz respeito aos desafios dos
sistemas regulatórios locais com relação a operações transnacionais.
Discorrer-se-á também sobre aspectos estriüurais da securitização e
sobre sua íntima ligação com o jconceito de íiscoJiá que uma das
principais características da securitização é a dispersão do risco en-
volvido nas operações. Nesse capítulo, será abordado o impacto da
sêcüntizição com relação aos principais tipos de risco a que estão
sujeitas as operações de investimento e financiamento. Todo o aspec
to econômico analisado inicialmente servirá de instrumento ao estu
do jurídico que segue nas demais partes do trabalho.
3
Najsegunda partejserão estudados aspectos jurídicos da securi-
tização. N êssFpoSo, o que foi abordado em análise financeira na
primeira parte do trabalho será analisado sob ponto de vista jurídico:
os mecanismos já criados pelo direito para a circulação e mobiliza
ção de riquezas, que são imprescindíveis à desintermediação e, por
conseguinte, à securitização. A evolução desses mecanismos, suas
perspectivas de adaptação e desenvolvimento e sua utilização em novas
tecnologias financeiras e jurídicas apresentadas.
Em seguida, a própria operação será esmiuçada, em cada uma
de suas nuanças, modalidades, características. A estrutura atualmen
te utilizada e os mecanismos jurídicos empregados na execução da
securitização serão apresentados e criticados. A partir dessa análise
estrutural, estudar-se-á a natureza jurídica da operação.
Será analisado ainda o desenvolvimento legislativo brasileiro.
A adaptação à necessária utilização de novos instrumentos financei
ros será estudada, com ênfase nas diversas formas e focos de aplica
ção da securitização no Brasil e na perspectiva de desenvolvimento
desse mercado. Serão examinadas as possibilidades e as condições
para o desenvolvimento da securitização no Brasil, assim como o
papel dos institutos jurídicos nesse desenvolvimento.
Note-se que se optou por não inserir capítulo específico dedica
do a outros sistemas jurídicos, sendo que as experiências estrangei
ras serão abordadas em notas distribuídas ao longo do trabalho, à
medida que tais sistemas sejam mencionados.
Por fim, serão apresentadas as conclusões a respeito de cada
uma das questões suscitadas.
4
P rimeira P arie
ASPECTOS ECONÔMICOS
DA SECURITIZAÇÃO
5
tulos que seguem, é feita uma análise de diversos aspectos ligados à
securitização em sentido amplo, envolvendo seu surgimento, inser
ção no mercado financeiro, evolução, função e efeitos, especialmen
te com relação às instituições financeiras.
Assim, inicia-se este estudo com uma análise do conceito, fun
ção e evolução das instituições financeiras e, especialmente, do pro
cesso de desintermediação que vem modificando o seu papel em
negócios jurídicos tanto do mercado financeiro, como do mercado
de capitais.
6
C apítulo 1
SISTEMA FINANCEIRO: CONCEITO,
EVOLUÇÃO E ESTRUTURA
1.1. Definição de instituição financeira
De acordo com a legislação brasileira, as instituições bancárias,
assim como as demais instituições financeiras, são definidas por suas
atividades, ou seja, o conceito de atividade bancária é essencial para
determinar a natureza de uma sociedade no mercado financeiro. Esse
critério vem sendo usado desde as primeiras regulamentações do sis
tema financeiro, como se pode observar na leitura do art. Ia do De
creto n. 2.711, de 19 de dezembro de 1860, que já determinava que
seriam bancos as companhias ou sociedades anônimas sem firma
social, e administradas por mandatários, que tivessem por objeto uma
das atividades que listava1.
Apesar de a lista não se ter mostrado precisa nem à época de
vigência do Decreto, pode-se observar que o sistema jurídico brasi
leiro, desde os tempos mais antigos, adotou a postura de definir as
instituições financeiras através de suas atividades.
Na opinião de Carvalho de Mendonça2, melhor sorte teve o Có
digo Comercial, ao definir o banqueiro, em vez de suas atividades:
7
“São considerados banqueiros os comerciantes que têm
por profissão habitual do seu comércio as operações chama
das de Banco”.
8
Essa forma de definição justifica-se na prática por ser deter
minante que as autoridades monetárias possam fiscalizar a regula
ridade da constituição e funcionamento das instituições financei-
m .. ou mesmo sociedades que, embora não classificadas ou regis
tradas como instituições financeiras, exerçam irregularmente ativi
dades privativas destas.
Nesse sentido, o art. I2 da Lei n. 7.492/86, que estipula os cri
mes contra o sistema financeiro, traz definição ainda mais abrangente
de instituição financeira, mas sempre levando em conta o critério das
atividades exercidas.
Nos termos da citada lei, são consideradas instituições financei
ras pessoas jurídicas de direito público ou privado, que tenham como
atividade principal ou acessória a captação, intermediação ou aplica
ção de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou es
trangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, inter
mediação ou administração de valores mobiliários. Ainda se equipa
ram a instituição financeira, entidades ou pessoas que captem ou admi
nistrem seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de
poupança ou recursos de terceiros, ainda que de forma eventual.
A mesma lei tipifica, ainda, como crime contra o sistema finan
ceiro a operação, sem autorização própria, de instituição financeira
— levando-se em conta que serão consideradas instituições financei
ras quaisquer sociedades ou indivíduos que exerçam suas atividades
privativas, ainda que não profissionalmente e mesmo que assim não
se intitulem.
9
■;v IC& fTr.. - ;
10
O autor ensina ainda que negócios jurídicos tipicamente civis,
como o mútuo, transmutam-se em operações financeiras quando
realizados por instituição cuia atividade compreenda o trinômio a
que se refere, ou seja, a boleta, intermediação e aplicacãojlc recur
sos. Assim é que o negocio de crédito, quando relacionado com a
atividade financeira desenvolvida pela instituição bancária, passa,
de negócio civil ou empresarial, a financeiro, e, portanto, sujeito a
estatuto próprio9.
Ressalte-se que as demais instituições financeiras ou entidades
equiparadas que também encontram definição legal, como corretoras
e distribuidoras de valores mobiliários, caixas econômicas ou coope
rativas de crédito, têm os seus conceitos baseados nas atividades
exercidas, seguindo, assim, o mesmo modelo de definição adotado
para os bancos.
Todavia, no que diz respeito à securitização, mais importante
do que a definição de instituição financeira em si é a delimitação do
conjunto de normas e organizações em que tais instituições estão
inseridas. É a partir desse conjunto chamado de sistema financeiro
que se poderá definir e posicionar a securitização no mercado finan
ceiro brasileiro.
9De acordo com Peter Rose (Commercial bank management. 3. ed. Chicago: Irwin,
1996. p. 4), o problema em se definir um banco a partir de suas funções é o de que
não somente as funções exercidas pelos bancos estão mudando, como as funções de
entidades concorrentes dos bancos também estão. Assim, de acordo com o autor, a
abordagem mais apropriada atualmente seria em termos de distinguir os bancos atra
vés dos serviços que oferecem ao público. Nesse sentido “Banks are those finam in!
institutions that offer the widest range o f financial services — specially credit, saving v.
and paym ent services — and perform the widest range o f financial functions i f an\
business firm s in the economy”.
se órgãos reguladores e os mais variados tipos de instituições que, de
alguma forma, lidam com captação e investimento de recursos ou
com a intermediação de operações financeiras.
Uma análise institucional do sistema financeiro brasileiro mos
tra a existência de quatro subsistemas, organizados de acordo com o
órgão regulador de cada um deles. No topo hierárquico do sistema
encontra-se o Conselho Monetário Nacional ao qual estão subordi
nados os demais órgãos reguladores e de fiscalização, bem como to
das as instituições participantes.
O primeiro subsistema tem o Banco Central do Brasil como
órgão regulador primordial. Sob sua fiscalização estão todas as insti
tuições bancárias, caixas econômicas, cooperativas de crédito, socie
dades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédi
to imobiliário, companhias hipotecárias, associações de poupança e
empréstimo, agências de fomento, sociedades de arrendamento mer
cantil, sociedades corretoras de câmbio, sociedades de crédito ao
microempreendedor e representações de instituições financeiras es
trangeiras, além de outras sob as quais tem jurisdição concorrente
com a Comissão de Valores Mobiliários. Ademais, o Banco Central
do Brasil tem a função de editar os normativos emanados do Conse
lho Monetário Nacional.
Enquanto ao Banco Central subordinam-se as instituições do
mercado financeiro propriamente dito, à Comissão de Valores Mobi
liários estão sujeitas aquelas integrantes do sistema brasileiro de dis
tribuição de títulos e valores mobiliários. Assim, fazem parte do se
gundo subsistema os bancos de investimento, os fundos e clubes de
investimento, as sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e
valores mobiliários, os agentes autônomos de investimentos, as bol
sas de mercadorias e de futuros e as bolsas de valores. Note-se que,
embora em menor grau, também as instituições aqui citadas estão
sujeitas à regulação emanada pelo Banco Central do Brasil.
Há também dois subsistemas menores, regulados pela Superin
tendência de Seguros Privados — SUSEP e Secretaria de Previdên
cia Complementar — SPC respectivamente, que englobam as entida
des abertas de previdência complementar, as sociedades seguradoras
e as sociedades de capitalização, o primeiro, e as entidades fechadas
de previdência complementar, o segundo.
12
Tendo como parâmetro essa análise institucional, é difícil msc
iir a securitização — ou as companhias securitizadoras — em um
dos subsistemas apresentados. Apesar de ser uma operação típica do
mercado de capitais, conforme se verá adiante, ela está intimamente
ligada ao sistema financeiro propriamente dito. Por outro lado, nem
iodas as companhias securitizadoras estão sujeitas à fiscalização do
Banco Central, pois são constituídas sob a forma de sociedades não
financeiras, ou mesmo da Comissão de Valores Mobiliários — CVM,
se a emissão de títulos e valores mobiliários se der privadamente.
Todavia, colocar a securitização fora, como algo paralelo ao sistema
financeiro, seria negar suas funções econômicas, ligadas primordial
mente ificliptaçiodeTecursos^ò
Não obstante, uma análise diferente do Sistema Financeiro Na
cional pode mostrar que a securitização está, sim, inserida em sua
estrutura. O sistema financeiro também pode ser analisado sob uma
perspectiva funcional em vez de institucional, como qualquer outra
atividade econômica e, sob essa ótica, pode-se perceber claramente a
inserção da securitização em sua estrutura.
N esse sentido, podem-se identificar seis funções básicas
exercidas pelo sistema financeiro, adiante comentadas10.
a) A primeira dessas funções é prover o mercado de sistema de
pagamentos para a negociação de bens e serviços. Pode-se definir
sistema de pagamentos como um conjunto de procedimentos e ins
trumentos integrados que permitem a movimentação financeira na
economia, tanto em moeda local quanto estrangeira. A função bási
ca de um sistema de pagamentos é permitir a transferência de recur
sos, o processamento e a liquidação de pagamentos. Para alcançar a
exata dimensão da importância dessa função, basta imaginar o nú
mero de operações em que o devedor paga seu débito ao credor
diretamente, em dinheiro e à vista, em contraste com as vezes em
que operações são liquidadas de qualquer outra forma, como por
meio de cheques, cartões de crédito, boletos bancários ou outros
1' A confirmar a importância dessa função está o fato de que foi implantado, desde
22 de abril de 2002. o novo Sistema Brasileiro de Pagamentos que visa, basicamen
te, oferecer maior segurança às movimentações financeiras, ao mesmo tempo facili
tando o controle dessas movimentações pelo Banco Central do Brasil.
12 Neste sentido, cf. DE CHIARA, JoséTadeu. Moeda e ordem jurídica. 1986. Tese
(Doutorado) — Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.
p. 80 e s. O autor afirma que “a conceituação da moeda como unidade ideal estabe
lecida no ordenamento jurídico está baseada entre outros no fato de que a moeda
fisicamente considerada tem atualmente uma participação extremamente reduzida
no conjunto dos pagamentos. A liquidação das obrigações de pagamento em dinhei
ro em sua grande maioria se efetiva mediante transferência de créditos junto ao
sistema bancário, pela utilização dos mecanismos dos cheques, ordens de pagamen
to, documentos de crédito, além de outros papéis que transitam pelo sistema de
compensação”.
14
e) A quinta função do sistema financeiro refere-se ao forneci
mento de informações sobre preços e outros subsídios úteis à tomada
de decisões descentralizadas de vários setores da economia. Essa fun
ção é bem mais ligada ao mercado de capitais que ao mercado finan
ceiro propriamente dito. Assim, os preços de valores mobiliários
emitidos por determinada companhia, bem como as taxas de juros
pagas por essa companhia, podem oferecer informações importantes
a respeito da sua situação econômica e financeira.
f) Por fim, a sexta função do sistema financeiro consiste em
equacionar problemas de assimetria de informações em operações
em que uma das partes possui mais informações ou mais condições
para conseguir tais informações que a outra.
Note-se que, devido a diferenças de tamanho, complexidade e
tecnologia disponível, assim como diversidades culturais, políticas e
históricas, a estrutura mais eficiente para compor e disciplinar o sis
tema financeiro difere grandemente no tempo e no espaço. Assim,
mesmo quando as instituições são as mesmas, as atividades por elas
realizadas variam grandemente em função do tempo e do lugar onde
elas estão situadas11.
Por outro lado, as funções básicas acima descritas são as mes
mas em qualquer economia. Tais funções são bem mais estáveis do
que as instituições que as exercem ou mesmo que a estrutura
institucional na qual estão inseridas. Por essa razão, uma análise fun
cional do sistema financeiro pode ser considerada uma referência mais
estável que uma análise institucional ou estrutural, especialmente em
mercados em constante transformação.
Quando uma estrutura institucional encontra-se em transforma
ção, é difícil utilizar as próprias instituições para analisar o sistema
financeiro. Com efeito, com o atual cenário de mudanças nas ativida
des e serviços oferecidos por instituições financeiras tradicionais e
de serviços, bem como novas tecnologias oferecidas, a análise funcio
nal torna-se uma grande aliada no entendimento de tais mudanças*14.
15
Pelas mesmas razões, a regulamentação das atividades finan
ceiras também deve ser feita a partir de uma perspectiva funcional.
Uma legislação baseada em instituições muito provavelmente vai
mostrar-se menos eficiente e menos estável que aquela baseada num
sistema funcional. Esse tipo de regulação é baseado no que as insti
tuições financeiras fazem, e não no que elas são. mostrando-se, as
sim, mais estável15.
Dessa forma é que, se da perspectiva institucional é difícil en
quadrar a securitização no sistema financeiro, da perspectiva funcio
nal ela se encaixa perfeitamente, já que é apta a satisfazer pelo menos
três funções atribuídas ao mercado financeiro, quais sejam: a
mobilização de fundos, a transferência de recursos no tempo e no
espaço e o controle e alocação de riscos.
As operações de securitização se dão, assim, dentro do sistema
financeiro, e não paralelamente a ele, sendo, na verdade, uma evolu
ção em sua estrutura, que visa torná-lo mais eficiente na captação de
recursos e dispersão de risco. A securitização inova, assim, em um
dos elementos caracterizadores da atividade financeira, pois, enquanto
a coleta e aplicação de recursos restam inalteradas, a intermediação
financeira ganha um novo sentido no mercado securitizado.
16
C apítulo 2
A INTERMEDIAÇÃO E A
DESINTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
2,1. A intermediação financeira
Atualmente há várias espécies de instituições que, de alguma
form a, praticam o que se pode chamar genericamente de intermediação
financeira. Apesar de terem naturezas essencialmente distintas, as
diversas maneiras de agir como intermediário no mercado financeiro
tê m alguns pontos em comum. D e acordo com Greenbaum e
Thankor16, todas essas instituições financeiras — e nesse conceito
estão incluídas atividades tão distintas como as de um banco comer
cial e as de uma corretora de valores mobiliários — têm uma caracte
rística em comum: todas elas, de alguma forma, processam risco e
informação a respeito de risco.
Como o nome sugere, intermediários financeiros são aquelas
instituições que se põem entre os fornecedores e os consumidores d e
capitais. Como qualquer outra atividade de intermediação, eles apro
ximam, mesmo que indiretamente, as partes interessadas em deter
minado negócio jurídico, ligado a um fluxo de recursos, e oferecem
serviços que podem ajudar a solucionar problemas relacionados à
falta ou precariedade de informações. Além disso, o fato de as insti
tuições financeiras atuarem segundo regras muito rígidas e específi
cas faz com que a maioria dos poupadores considere mais seguro
depositar nelas seus recursos e aí fazer seus investimentos, que os
emprestar diretamente a tomadores.
17
■y\..A
17HEFFERNAN, Shelagh. M odem banking in theory and practice. New York: John
Wiley and Sons, 1998. p. 18. De acordo com esse autor, há quatro tipos de custo de
informação, quais sejam: custo de prospecção, pás to de verificação/custo de
monitoramentq?e custo relativo a aplicação de medidas coercitivas no caso de
inadimplemento contratual. Sustenta ainda o autor que a instituição financeira está
mais apta a arcar com esses custos que um indivíduo, ou mesmo sociedade não
financeira, isoladamente.
18Sobre este assunto, cf. GOODHART, C. A. Money, information and uncertainty.
2. ed. Londres: Macmillan, 1989. p. 104-121, onde o autor discorre sobre os papéis
desempenhados pela intermediação.
18
ts atividades típicas dessas instituições podem ser agrupadas ern dois
tipos básicos, mesmo exercidas por entidades que se enquadrem em
vários tipos jurídicos. É, assim, uma classificação eminentemente
funcional.
19
Ainda de acordo com Orlando Gomes” , a relação jurídica entre
o corretor e seus clientes não surge unicamente do negócio contratual
de mediação, pois direitos e obrigações nascem também do simples
fato de o intermediário haver concorrido de modo eficaz para a apro
ximação das partes do negócio principal. Haveria uma relação jurídi
ca, independentemente de declaração formal de vontade, emitida para
a formação do contrato de corretagem. Interpreta-se a atividade do
corretor como se ele houvesse sido contratado para exercê-la, pois a
corretagem é atividade que pode ser desempenhada ocasionalmente,
não exigindo prática habitual.
Como se verá em detalhe adiante, essa espécie de intermediação
financeira representada pela corretagem é comum no mercado de
capitais, pois, nesse caso, o intermediário não é parte do negócio,
mas apenas interveniente. No Brasil, a participação do corretor é
íexigida por lei, quando a compra e venda de títulos ou valores mobi-
jliários se dá por intermédio de oferta pública, seja ela operada no
(mercado primário, seja no secundário. A operação realizada sem a
intermediação de corretor será nula, por carecer de elemento essen
cial de sua forma2223. De acordo com Ascarelli24, a participação de cor
retores em operações de mercado de capitais é uma exigência de tute
la do Poder Público, não um privilégio estabelecido em interesse dos
corretores.
Para os fins da classificação adotada pelos autores citados, as
atividades de corretagem teriam um sentido mais amplo, envolven
do, também, o financiamento bancário. Nesse caso, o intermediário
financeiro indiretamente aproxima as contrapartes, já que o cliente
que deposita seus recursos no banco não sabe que fim será dado a
esses pela instituição. Assim, quando alguém deposita dinheiro em
um banco, pode estar, sem saber, emprestando recursos para outra
pessoa, já que o banco utiliza os recursos depositados em operações
20
d e crédito e financiamento. Numa interpretação mais ampla, o banco
e sta ria aproximando agentes deficitários e superavitários, mesmo sem
o conhecimento das partes envolvidas.
É claro que esse tipo de intermediação não poderia ser encaixa
d o n o conceito jurídico de corretagem apresentado anteriormente,
pois o banco efetivamente é parte nos dois negócios jurídicos envol
v id o s, e não apenas interveniente. Esse fato é incompatível com a
natureza da corretagem em nosso direito, pois sua essência é o fato
d e o corretor aproximar as partes sem, no entanto, participar do con
trato principal. Apesar disso, para fins da classificação aqui adotada,
poder-se-ia considerar a atividade do banco como intermediação pro
priamente dita, pois estaria exercendo essa função econômica25.
Assim, podem-se agrupar, numa mesma categoria de serviços,
aqueles prestados por um banco de depósitos e por uma corretora de
v alores mobiliários, pois ambos realizam operações de intermediação,
no sentido aqui explicitado.
21
em conjunto, determinada rentabilidade que não atingiriam isolada
mente. Assim, a instituição adquiriria os ativos e os agruparia, trans
formando qualitativamente suas características originárias. Isso ocorre,
por exemplo, quando da constituição de um fundo de investimento:
vários títulos, com características individuais, são agrupados e pas
sam a ser considerados como uma universalidade, cada um contribu
indo com algum elemento para a formação de um caráter único. Ou
tro exemplo poderia ser a mera prestação de uma fiança bancária ou
um seguro. Essa simples aposição de garantia modificaria o risco de
crédito do ativo, transformando-o qualitativamente.
Assim como nos exemplos acima, a transformação qualitativa
se dá por intermédio de operações típicas do mercado financeiro, pois
torna-se mais fácil esse tipo de atividade quando os ativos transfor
mados pertencem à instituição, e, como se verá adiante, é no merca
do financeiro que as instituições participam ativa ou passivamente
das operações.
Não obstante, entidades não financeiras que estejam autoriza
das a operar na administração de carteiras também realizariam trans
formação qualitativa de ativos, quando do exercício dessa atividade.
Novamente, pode-se comprovar que a distinção das instituições fi
nanceiras fica cada vez menos marcante, e suas atividades estão cada
vez mais próximas.
Na verdade, a importância prática dessa diferenciação é mostrar
como atividades tão distintas quanto corretagem e captação de depó
sitos à vista podem estar, de alguma forma, agrupadas num mesmo
conceito jurídico, qual seja, intermediação financeira. E, ainda, mos
trar como a intermediação financeira, atividade essencial de institui
ção financeira, pode assumir papéis tão diferentes na relação dessas
instituições com seus clientes.
Nas operações de securitização, há confluência das duas espé
cies de atividade apresentadas, o que, na maioria das vezes, faz com
que seja necessária a participação de mais de uma instituição no pro
cesso de estruturação das operações, ou, pelo menos, de uma institui
ção que exerça ambos os tipos de atividade.
No decorrer de uma operação de securitização, pode-se visualizar
facilmente a intermediação propriamente dita no momento da distri-
22
buição e subscrição dos títulos emitidos com lastro nos ativos segre
gados. Porém, é na transformação qualitativa de ativos que a
securitização tem seu diferencial com relação a outras estruturas tra
dicionais do mercado financeiro. Além do agrupamento de ativos para
que a emissão tenha determinadas características, é através da
securitização que ativos ilíquidos são “transformados” em instrumen
tos líquidos, aptos a circular.
27Sobre o assunto, cf. ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. M er
cado financeiro: aspectos históricos e conceituais. São Paulo: Pioneira. 1999.
28ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA Iran Siqueira, op. cit., p. 3.
23
vista; e mercado de capitais, que, em contrapartida, destinar-se-ia ao
financiamento de operações de prazo mais alongado. Há ainda o que
se chama de mercado monetário, que trata de operações de curtíssimo
prazo, como as interbancárias e de overnight.
Neste trabalho, porém, essa distinção entre mercado financeiro
e de capitais não é utilizada. Aqui, o parâmetro para diferenciação
dentro do mercado financeiro em sentido amplo, entre mercado fi
nanceiro em sentido estrito, ou simplesmente mercado financeiro, e
mercado de capitais não é o prazo das operações, mas sim a utiliza
ção ou não da intermediação bancária tradicional para a obtenção e
aplicação de recursos.
24
Bmbora o escopo seja a transferência de recursos entre os agentes
superavitários e os deficitários do mercado, há dois negócios jurídi
cos distintos, sendo que a instituição financeira participa de ambos
cm posições diferentes.
Uma das funções essenciais de um banco é a de transferir o
saldo financeiro daqueles agentes que apresentam excesso de pou
pança àqueles que precisam de fundos para financiar seus empreen
dimentos. Os negócios jurídicos básicos para a realização dessa fun
ção são os contratos de depósito e de mútuo. No depósito, a institui
ção recebe dos depositantes os recursos necessários para o financia
mento daqueles que com a instituição irão celebrar o contrato de
mútuo.
No contrato de depósito, a instituição financeira está no pólo
passivo da relação, ou seja, ela é a depositária dos recursos a ela
confiados pelo depositante, que poderão ser reclamados a qualquer
tempo por este, aos quais são somados eventuais frutos que tenham
rendido, ou subtraídos os encargos cobrados por serviços prestados.
Na maioria das vezes, os depósitos feitos em instituições financeiras
são de coisas fungíveis — especialmente dinheiro — e, nesse caso, o
contrato de depósito é disciplinado pelas mesmas regras relativas ao
contrato de mútuo, conforme dispõe o art. 645 do Código Civil.
De acordo com o artigo 586 do Código Civil, “o mútuo é o
empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao
mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade
e quantidade”.
Ainda de acordo com a lei substantiva civil, em seu art. 587, o
mútuo transfere o domínio da coisa emprestada, e, por isso mesmo, o
banco pode dispor dos recursos depositados em outras operações.
No caso do mútuo propriamente dito, a instituição financeira
está no pólo ativo da relação, ou seja, ela empresta recursos para seus
clientes que se comprometem a devolvê-los acrescidos dos encargos
combinados.
Apesar de exercer outras funções, especialmente a prestação de
serviços menos típicos de sua atividade tradicional, o banco comer
cial tem, na intermediação de recursos, sua função precípua. Os de
mais serviços são chamados de atividades acessórias por Nelson
25
Abrão30, e, ainda de acordo com o autor, sempre objetivam a viabili
zação da operação principal, e, como tal, estão conectadas a ela. Não
obstante, a gama de serviços considerados acessórios vem crescendo
de forma diretamente proporcional ao crescimento da desintermedia-
ção financeira. Esse crescimento diz respeito não somente ao número
de operações realizadas, mas também à representatividade dessas ati
vidades nas receitas dos bancos.
Nesse sentido, os mercados financeiro e de capitais, que ante
riormente tinham limites e contornos bem definidos, têm-se mistura
do e se tomado cada vez mais interpenetrados.
26
sos será formalizada por um contrato de corretagem ou outra presta
ção de serviços correlata. Ele não faz parte do negócio jurídico prin
cipal, que poderia ser, por exemplo, um empréstimo via emissão de
debêntures.
Em tese, num mercado eficiente32, não haveria necessidade da
presença de um intermediário financeiro nas operações de captação
de fundos via mercado de capitais. Entretanto, a Lei n. 6.385/76 esta
belece que é obrigatória a presença de um agente financeiro nas ope
rações que envolvam distribuição pública de valores mobiliários. Da
mesma forma, as informações incompletas ou incompreensíveis aos
leigos fazem com que a presença de um intermediário, mais que uma
exigência legal, seja uma necessidade.
É assim que no mercado de capitais, mesmo em se tratando de
um canal direto de financiamento, há necessidade de um intermediá
rio — ainda que com função diversa daquela exercida pelo banco,
que deverá promover, colocar e por vezes subscrever os valores mo
biliários emitidos.
Sua função está mais ligada a aspectos formais da relação en
tre investidores e poupadores, bem como aos procedimentos junto
às bolsas de valores e mercado de balcão organizado, e ao supri
mento de deficiências de informação33. A instituição financeira, nesse12
27
caso, é mera interveniente, não assumindo, via de regra, risco de
crédito.
As operações do mercado de capitais normal mente se dão por
meio de contratos de compra e venda de títulos, que se distinguem da
compra e venda simples por conta das formas especiais de que se
revestem, pelas modalidades que apresentam, pelas reservas de direi
tos por parte dos contratantes e por ser a especulação um elemento de
especial importância para o contrato. De acordo com Carvalho de
Mendonça, não obstante as suas formas e modalidades de fins pecu
liares, são aplicáveis a essas operações as normas legais sobre com
pra e venda mercantil compatíveis34.
O mercado de captais é subdividido em primário e secundário.
Tal subdivisão diz respeito exclusivamente à relação do emissor dos
títulos com o seu adquirente.
No mercado primário, aquele que necessita de recursos se colo
ca diretamente em contato com o financiador, através da emissão de
títulos. É nessa fase, segundo Roberto Quiroga35, que ocorre o real
trânsito de recursos entre os agentes superavitários e os deficitários
do mercado. É nesse segmento que o mercado de capitais cumpre sua
função precípua de levar recursos àqueles que deles necessitam.
Já o mercado secundário constitui fase necessariamente poste
rio r ao mercado primário. A partir do momento em que são adquiri
d o s no mercado primário, os títulos se tomam, via de re g ra , livre
mente negociáveis. A essa negociação posterior dá-se o nome d e
mercado secundário, cuja função é promover a circulação d e riq u e
z a s, mais que o financiamento de projetos.
Analisado em sua essência, o mercado de capitais tra z como
principal vantagem conceituai em relação ao mercado financeiro a
ção” (op. cit., p. 338). Ainda de acordo com o autor, no sentido legal, a definição
deve ser ampliada de modo a compreender os contratos que podem ser efetuados
fora de bolsa, mas que, devido a seu objeto, estão incluídos neste tipo de atividade.
34MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. op. cit., p. 339.
35 MOSQUEIRA, Roberto Quiroga. op. cit., p. 24.
28
mobilização cias riquezas. Isto é, a possibilidade que o mercado de
capitais tem de fazer circular a riqueza com maior eficiência.
Enquanto no mercado financeiro, geralmente, não há mercado
secundário para os recursos depositados36, no mercado de capitais, o
fato de a poupança se dar através de títulos ou valores mobiliários
traz urna vantagem importantíssima: essa poupança pode circular,
mudar de mãos, gerar mais riquezas.
A função precípua do mercado secundário é dar liquidez aos
títulos negociados no mercado de capitais. O investidor que comprar
um valor mobiliário no mercado primário pode a qualquer momento
transferi-lo. Quanto maior for a liquidez de um mercado, mais efi
ciente ele será, e isso faz com que a existência de um mercado secun
dário forte seja imprescindível para a captação das companhias por
intermédio desse mecanismo.
36 Note-se que essa afirmação é correta em tese: a cada dia. novas técnicas de
securitização possibilitam a circulação de recursos depositados no mercado finan
ceiro. Mesmo assim, deve-se observar que há uma utilização secundária do mercado
de capitais. É o que ocorre, por exemplo, com a securitização de créditos bancários.
37ROSE, Peter. op. cit., p. 6-7.
38BRYAN, Lowell. The risks, potential, and promise of securitization. In: KENDALL,
Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). A prim er on securitization. Cambridge:
MIT Press, 1996. p. 171.
29
Segundo Nelson Abrão39, a atividade bancária iniciou-se ainda
nos tempos da Antiguidade, floresceu na Idade Média, com evolução
da mera troca de moedas para a atividade creditícia propriamente
dita. A evolução da economia nas Idades Moderna e Contemporânea
exigiu que os bancos se tornassem mais sofisticados e praticassem
operações diversas com o intuito de impulsionar e possibilitar o de
senvolvimento dos mercados. Porém, sua função primordial já estava
definida desde seu surgimento! captar recursos e repassá-los, absor
vendo os riscos das operações.»
De acordo com Carvalho de Mendonça40, os bancos represen
tam, na sociedade contemporânea, o mais poderoso elemento do cré
dito, para onde afluem ofertas e procuras de capital, em razão das
relações e dos meios que dispõem e de sua reconhecida capacidade e
solvência. Continua o autor afirmando que, sob o ponto de vista eco
nômico, são verdadeiros intermediários do crédito, recebendo, em
seu nome e por conta própria, e como devedores diretos, capitais de
uns, para, ainda em seu nome e por sua conta, e como credores dire
tos, repassarem a outros. Observa-se a função intermediadora dos
bancos, tanto nas operações ativas — abertura de credito, concessão
de financiamentos, operações de câmbio — quanto nas passivas —
depósitos pecuniários, redescontos — realizadas por meio de atos
sucessivos, conexos entre si.
Esse sistema de intermediação, em que o intermediário finan
ceiro mantém capital suficiente para absorver todos os riscos de suas
operações, tem-se tornado obsoleto se comparado às modernas téc
nicas de engenharia financeira, nas quais os riscos envolvidos podem
ser dispersados. O processo que começou sendo chamado de
desintermediação, e hoje é conhecido como securitização em sentido
amplo, tem início, Tãzêndõcóm qüe os bancos, no exercício de suas
funções originais, percam ó monopólio e o controle da liquidez do
mercado41.
30
() fenômeno da desintermediação pode ser analisado como um
a s p e e fo isolado, e visto como o recurso cada vez mais freqüente ao
mercado de capitais, tanto por investidores quanto por poupadores.
Pode, também, ser agrupado com um conjunto de outras tendências,
que, na verdade, fazem parte de um mesmo fenômeno, o qual modi
ficou e está ainda modificando o modelo de intermediação financeira
até hoje conhecido42.
Com efeito, nas últimas décadas, os bancos comerciais dos prin
cipais países industrializados têm-se tomado bastante adaptáveis no
que diz respeito a suas áreas de atuação. Tais instituições têm mostrado
grande interesse num mercado que, tradicionalmente, estaria fora do
objeto central de seus negócios. Pode-se notar, de forma marcante, o
ingresso dos bancos no mercado de capitais. Isso tem tornado cada vez
menos clara a distinção tradicional da qual se tratará mais adiante, en
tre financiamento direto e financiamento indireto de empresas e negó
cios, ou seja, da diferença entre mercado financeiro e de capitais43.
O impacto do crescimento do mercado de capitais em relação aos
bancos pode ser analisado de duas formas: pode-se considerar que tal
fenômeno tem apenas a função de reduzir o financiamento tradicional
e, conseqiientemente, de enfraquecer o papel dos bancos; ou, por outro
lado, o financiamento de empresas por via de mercado de capitais pode
guardar em si um lugar importante para as instituições bancárias. A
questão reside em saber se a atividade bancária é dispensável ou com
plementar, quando Há prevalênciadõTnêfcã3õ"i3êc^itãis.
Na primeira hipótese, ou seja, de os bancos serem dispensáveis
ao processo de securitização em sentido amplo, a entrada das institui
ções bancárias no mercado de capitais seria uma resposta à tendência
de desintermediação diante de um quadro de diminuição progressiva
do financiamento tradicional, ou seja, seria mero reflexo da retração de
seu mercado tradicional, com migração para outro segmento.
12Nesse sentido, ensina BRYAN, Lowell, op. cit., p. 173: ‘T he whole bundle of
technology called banking is a very mature technology and is being displaced by a
different one based upon securities, which is still in a rapid growth phase”,
43LANDI, Andrea. FORESTIERI, Giancarlo; ONADO, Marco (Coord ), Banchtr c
mercati m obiliari: teoria ed esperienze europee. Milano: Egea. IW2. p 27.
Na segunda hipótese, a d iv e rs ific a ç ã o d a atividade bancária re
fletiria mais a adaptação para o a te n d im e n to à e x ig ê n c ia das s o c ie d a
des de usufruir da m elhor maneira as á re a s de in te rc e s s ã o entre os
serviços de crédito e o m e rc a d o d e c a p ita is.
Na verdade, os bancos usaram, como tá tic a para evitar q u e a
evolução do mercado de capitais viesse a se r um fator de retração d o
seu mercado de atuação, máxima d a s a b e d o ria popular: se não pode
vencer o inimigo, junte-se a ele. Os g ra n d e s b a n c o s começaram a se
desenvolver na negociação de títulos no m e rc a d o de capitais, explo
rando outro tipo de intermediação. Nessa o rd e m d e idéias, os bancos
múltiplos passam a ser a tendência do m e rc a d o a partir da década d e
80 do século passado.
Com efeito, na visão de Amoldo Wald44, a complexidade que o
mercado de crédito atingiu nos últimos anos fez com que se multipli
cassem as fórmulas de financiamento, e isso modificou o papel dos
bancos no mercado financeiro. De meros prestamistas, os bancos
passaram a catalisadores de negócios.
Ainda de acordo com o mesmo autor, há, no Brasil, uma super
posição e uma interpenetração entre mercados financeiro e de capi
tais, não sendo possível, por razões históricas, a criação de um mer
cado de capitais totalmente separado e simplesmente complementar
ao sistema bancário. Devem-se, apenas, delimitar as superposições e
determinar as funções de cada um deles.
Com efeito, essa interposição é facilmente percebida no Brasil,
especialmente no que diz respeito às condições operacionais dos ban
cos, que combinam o crédito tradicional com a atividade de interme
diação mobiliária.
De acordo com Susan Phillips45, a securitização representa, por
diversas razões, importante instrumento de desenvolvimento para os*43
32
bancos, apesar de ser também um fenômeno que exigiu certas adap
tações e modificações no papel desempenhado pelos intermediários
financeiros. Nesse sentido, a autora ensina que:
“Securitization represents an specially important deve
lopment for banks. Since more assets can now be regularly traded
in convenient forms, the role of financial intermediaries has
changed. In short, the line between loans and securities has
blurred as more loans can be readily transformed into securities.
Banks have been key participants in this ongoing process, both
as suppliers of assets to be securitized and as holders of mortgage-
backed and asset-backed securities and derivatives on those
securities”46.
E complementa:
“So even though securitization has taken a lot of assets off
the balance sheets of banks, banks are still originating an
increasing portion of mortgage loans”47.
A autora finaliza informando que a securitização ainda trouxe
uma vantagem adicional aos bancos ao permitir que eles ajustem seus
balanços pela alocação de determinados ativos, tomando o seu patri
mônio mais líquido48.
Em um mercado altamente securitizado, o serviço objeto da
negociação com a instituição não é mais o financiamento puro e sim
ples, já que este será feito de forma difusa, mas a organização da
operação. Os bancos também têm função importante na estmturação
33
de operações que transcendem meros empréstimos e envolvem me
canismos sofisticados que visam, especialmente, redução do paga
mento de impostos e estruturação societária adequada. Há uma
abrangência cada vez maior dos serviços ditos complementares à ati
vidade bancária, e tais serviços representam urna parcela cada vez
mais significativa de suas receitas:
Dessa forma, não há que falar que as instituições bancárias per
deram uma parte de seu mercado de financiamento. O que foi modi
ficado com a evolução da securitização foi o papel desempenhado
por bancos nesse mercado: enquanto no financiamento tradicional o
banco age como intermediário em sentido estrito entre o agente defi
citário e o superavitário, sendo, assim, o verdadeiro financiador da
operação, no financiamento por via de mercado de capitais, o banco
pode exercer diversas funções, tais como underwriter, avaliador, de
positário, estruturador, dentre outras.
34
C apítulo 3
ANÁLISE CONCEITUAL DA
SECURITIZAÇÃO
Enquanto a securitização em sentido amplo abrange diversos ele
mentos ligados à desintermediação financeira, a securitização em sen
tido estrito é um dos instrumentos jurídicos dessa desintermediação.
A securitização é operação relativamente recente, e, por isso
mesmo, não conta com uma construção doutrinária jurídica sólida a
respeito de seus aspectos conceituais.
A utilização d a securitização tem-se tornado mais freqüente, mas
a in d a h á muitas dúvidas a respeito da identidade e alcance da opera
ção. Para que se possa determinar esses elementos, é importante que
se discorra a respeito d e aspectos como a denominação, definição
técnica, origem e estrutura mais utilizada. É o q u e se passa a analisar.
3.1. Denominação
De acordo c o m F i d e l i s O d i t a h 49, a p a l a v r a s e c u r i t i z a ç ã o
(,s e c u r itis a tio n n o te x to o rig in a l e m in g lê s ) c a re c e d e s e n tid o té c n ic o ,
e pode ser e n te n d id a d e d iv e rsa s fo rm a s , se n d o s im p le s m e n te ja r g ã o
d e m e rc a d o fin a n c e iro in c o rp o ra d o ao s is te m a ju r íd ic o se m m a io re s
c u id a d o s . S e isso é v e rd a d e n o id io m a in g lê s , m u ito m a is se a p lic a no
c a s o d a lín g u a p o rtu g u e s a .
Isso p o rq u e a p a la v ra s e c u r itiz a tio n é u m n e o lo g is m o o riu n d o
d a p a la v ra s e c u r ity , c u ja tra d u ç ã o m a is a p ro x im a d a p a ra n o s s o id io
m a s e ria v a lo r m o b iliá rio . N o B ra s il, s im p le s m e n te tra n s p o rto u -s e o
49 ODITAH, Fidelis. Selected issues in securitization. In: The future fo r the global
securities market, legal and regulatory aspects. Oxford: Clarendon Press, 1996. p. 84.
35
termo norte-americano, sem qualquer cuidado em lhe imprimir senti
do técnico, já que a palavra securitização, em português, não remete
nem foneticamente à operação que ela designa.
É interessante a origem quase acidental da palavra em seu ber
ço, os Estados Unidos. De acordo com Lewis Ranieri50, o termo tem
sua primeira aparição em 1977, em uma coluna do Wall Street Journal.
Uma jornalista entrevistou o autor sobre a primeira operação do gê
nero realizada no mercado imobiliário, indagando-lhe o nome que
ele dava àquele processo; por falta de um termo melhor, ele o cha
mou de securitização. Antes de ser publicada a coluna, a jornalista
teve que confirmar o nome da operação com o autor, pois o editor do
jornal não o aceitou de pronto, alegando ter a jornalista usado de
inglês impróprio. O termo securitização foi então publicado, pela
primeira vez, com uma nota esclarecendo que se tratava de um termo
pinçado por Wall Street, não sendo, assim, uma palavra “de verdade”.
Depois disso, o termo, apesar de pouco técnico, foi adotado pelo
mercado e usado para designar a securitização em suas diversas
acepções.
Ao contrário do que ocorre n o Brasil, o termo “titularização”,
oriundo da denominação francesa “titr is a tio n ”, foi preferido pela
maioria dos autores portugueses. Nesse sentido, Armindo Matias5'
declara que o neologismo securitização é desenraizado e sem q u a l
quer sugestão significativa.-O recurso à d e n o m in ã p õ T r â n c e s a quej
\ conduz ao vocábulotitularização é o que, segundo o citado a u to r,
mais se ajusta à realidade portuguesa, pois a operação pode ser vista!
; como uma verdadeira “titularização de créditos”52. | ™
50RANIERI, Lewis. The origins of securitization, sources of its growth, and its future
potential. In: KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.), op. cit., p. 30.
51 MATIAS, Armindo Saraiva. Titularização: um novo instrumento financeiro. R e
vista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112,
p. 52, out./dez. 1998.
52 O termo titularização foi adotado em Portugal pelo Decreto-Lei n. 453, de 5 de
novembro de 1999, que regula as operações de securitização nesse país quanto à
cessão de créditos, constituição de veículos de securitização e emissão dos títulos na
operação. Antes da entrada em vigor desse diploma, não havia estrutura legal defini-
36
No Brasil, o termo norte-americano é utilizado irrestritamente
para designar os diversos contratos que compõem uma securitização,
apesar de sua impropriedade. Neste trabalho, optou-se por manter a
terminologia, por sua ampla disseminação e uso no mercado finan
ceiro, e mesmo em leis e regulamentos.
Ainda de acordo com Oditah, a palavra securitização pode ser
entendida de três formas, motivo pelo qual se deve delinear exata
mente o que se está querendo identificar. A securitização pode signi
ficar si rnpiesiiipnte a-transformação de ativos ilíquidos em títulos
negoci áveisf pode também identificar operações de cessão de
recebíveis, quer siga a tal cessão, ou não, uma emissão de títulos; e
ainda como o processo de emissão de títulos de dívida (debêntures
ou commercial papers, por exemplo), quer tais papéis sejam, ou não,
iastreados era ativos subjacentes.
No presente trabalho, o termo securitização tem sido utilizado
em dois sentidos: o amplo e o estrito. No sentido amplo, a securitização
da para securitização como a adotada nos outros países em que ela é disciplinada.
Apenas reconhecia-se sua semelhança com a emissão de obrigações hipotecárias,
não havendo previsão de segregação do lastro da operação em veículo próprio, mas
apenas um privilégio dos credores dos títulos emitidos sobre os créditos afetados à
emissão. Atualmente, o Decreto-Lei 453/99 prevê a cessão de créditos de socieda
des financeiras, e não financeiras, tanto a fundos de investimento quanto a compa
nhias de propósito exclusivo. Note-se que esse diploma legal criou um regime de
exceção no que diz respeito à cessão de créditos no Direito Civil português: dispen
sou a notificação do devedor quando o cedente se tratar de instituição financeira ou
assemelhada. Outra facilidade no que diz respeito à cessão dos créditos para a
securitização é o fato de poder ser feita por instrumento particular, mesmo quando
se tratar de créditos hipotecários. Os títulos emitidos na operação tanto podem ser
unidades de titularização, emitidas pelos fundos de titularização. quanto obrigações
titularizadas, emitidas pelas sociedades de titularização. É válido ressaltar que ambos
os veículos são considerados sociedades financeiras para efeitos de fiscalização. A
legislação portuguesa ainda impõe o registro das emissões no órgão regulador do mer
cado de capitais (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários — CMVM), mesmo
quando sejam feitas em caráter privado. Uma diferença marcante do sistema portu
guês em relação aos outros aqui analisados, inclusive ao brasileiro, é o fato de não ler
adotado o “limited recourse”, ou seja, os credores dos títulos emitidos pela socieda
de de titularização podem vir a ser reembolsados com a utilização do patrimônio
geral da emissora, caso os créditos afetados à securitização não sejam suficientes.
37
é entendida como a substituição das formas tradicionais de financia
mento bancário pelo financiamento através do mercado de capitais.
Designa-se com ele a desintermediação financeira.
Em sentido estrito, a securitização é uma operação complexa,
que envolve alguma forma de segregação de património, quer pela
cessão a uma pessoa jurídica distinta, quer pela segregação interna, e
uma emissão de títulos lastreada nesse patrimônio segregado. Assim,
envolve não um, mas os três significados apresentados por Oditah,
juntos numa mesma operação específica e diferente de cada uma de
suas partes em separado.
Essa classificação tem o objetivo de distinguir o fenômeno da
desintermediação financeira da operação propriamente dita, que é,
na verdade, um instrumento de desintermediação.
3.2. Definição
Do ponto de vista financeiro, a securitização em sentido estrito
é uma operação por meio da qual se mobilizam ativos — presentes
ou futuros — que, de outra maneira, não teriam a possibilidade de se
autofinanciar ou gerar renda presente. A possibilidade de se emitirem
títulos ou valores mobiliários a partir de uma operação de cessão
ordinária é uma forma de se mobilizarem créditos gerados nas mais
diversas operações, ainda que tais créditos só venham a ser realiza
dos no futuro.
Com a securitização, o agente econômico que origina créditos
pode diluir os riscos de sua carteira de recebíveis, mesmo que ela
seja futura, e adiantar receitas a ela referentes ou financiar projetos,
pela emissão de títulos lastreados nessa carteira. Assim, a função eco
nômica da securitização pode ser resumida em três aspectos; mobili
zar riquezas.' dispersar riscos ,e dcsintgrmcdiar o processo de finan
ciamento!!
Sob a ótica jurídica, a securitização pode ser definida como a
estrutura composta por um conjunto de negócios jurídicos — ou um
negócio jurídico indireto, como se verá adiante — que envolve a ces
são e a segregação de ativos em uma sociedade, ou um fundo de
investimento, que emite títulos garantidos pelos ativos segregados.
38
Esses títulos são vendidos a investidores e os recursos coletados ser
vem de contraprestação pela cessão de ativos.
De acordo com Armindo Matias, a
3.3. Histórico
A securitização tem origem recente, e, embora possa ter havido
operações com estruturas semelhantes anteriormente54, o nascimento
da operação de securitização tem sua base no mercado imobiliário
dos Estados Unidos dos anos 70 do século recém-findo. Naquela épo
ca, a demanda por recursos para financiamento à habitação e a pouca
oferta de capitais fizeram com que o mercado encontrasse mecanis
mos alternativos ao financiamento imobiliário tradicional.
O fomento do mercado secundário para títulos lastreados em
hipotecas estava a cargo de agências governamentais, que tinham o
escopo de aumentar a oferta de fundos para o financiamento da habi
tação. Depois de um desenvolvimento extremamente bem-sucedido
39
— h o je o m e rc a d o d e fin a n c ia m e n to im o b iliá rio americano é quase
to ta lm e n te s e c u ritiz a d o — as a g ê n c ia s re s p o n s á v e is p o r esse fomen
to foram privatizadas.
S e g u n d o L e la n d Brendsel55, trê s fa to re s p rin c ip a is im p u ls io n a
ra m o p ro g re s s o d a s e c u ritiz a ç ã o n o fin a n c ia m e n to im o b iliá rio d o s
E s ta d o s U n id o s: ( l 2) a s e c u ritiz a ç ã o a tra i c a p ita l p riv a d o p a ra e s s a
p a rc e la d o m e rc a d o q u e g e ra lm e n te é a te n d id a p e lo s e to r p ú b lic o ,
p o is a p re s e n ta fle x ib ilid a d e e m su a e s tru tu ra e c a ra c te rís tic a s p a ra
a te n d e r às n e c e s s id a d e s d o in v e stid o r; (2 a) a s e c u ritiz a ç ã o p ro m o v e a
c o m p e titiv id a d e e n tre a g e n te s d o m e rc a d o p a ra p re sta ç ã o d o s d iv e r
so s s e rv iç o s c o rre la to s à o p e ra ç ã o , o q u e fa z c o m q u e se ja m r e d u z i
d o s o s c u s to s d e c a p ta ç ã o ; e (32) a s e c u ritiz a ç ã o traz m a io r e s ta b ilid a
d e a o m e rc a d o d e f in a n c ia m e n to im o b iliá rio , p o is é u m s is te m a a p to
a g e re n c ia r m e lh o r o s ris c o s a e le in e re n te s.
A p ó s s u a b e m - s u c e d id a utilização no mercado imobiliário, o
m e c a n is m o c o m e ç o u a s e r utilizado em outros mercados, mostran
d o - s e ig u a lm e n te eficiente. Nos Estados Unidos, os recebíveis de
a d m in is tr a d o r a s d e c a r tõ e s de crédito, por exemplo, sloTenTsua
m a io r ia , s e c ü r iíiz a d o s .
No Brasil, a securitização começou a ser usada em operações de
exportação no final da década de 80 do século XX, mas foi nos anos
9 0 que ela iniciou seu desenvolvimento, especialmente no financia
mento de projetos imobiliários. Diferentemente do que aconteceu nos
Estados Unidos, a securitização foi introduzida entre nós por agentes
pri vados, e apesar de também ter como alvo o mercado imobiliário, o
fo c o foi diferente: o financiamento de projetos como escolas parti
culares e centros comerciais foi a principal utilização inicial da ope
ração. As emissões de títulos estavam lastreadas em créditos futuros,
e não em dívidas já existentes.
Apenas em 1997 o governo brasileiro resolveu se utilizar da
securitização para tentar mitigar o problema do déficit de recursos
p a r a o financiamento habitacional, com a promulgação da Lei n. 9.514,
q u e disciplina o Sistema Financeiro Imobiliário.
40
Atualmente, além de movimentos de entidades privadas para o
desenvolvimento da securitização de base imobiliária no Brasil, é
cada vez maior a sua utilização com lastro em outros tipos de ativo,
como créditos financeiros ou comerciais.
3.4. 'Mecanismo
A p e s a r de ter surgido há poucas décadas, a securitização já é
utilizada em q u a s e todo o mundo. Na prática, a operação consiste em
que a sociedade que possui o ativo a ser securitizado - ..que se deno-
m in a |õ n g m ã d o t — transfere esse ativo a um veículo especificamente
criado p a ra essè fim, sem atividade operacional, que pode ser u m a
sociedade, u m fu n d o , um trust — denominado veículo de propósito
e x c lu siv o , ou VPE — , que, por sua vez, emitirá títulos lastreados nos
c ré d ito s re c e b id o s , captando, assim, recursos que serão repassados
a o o rig in a d o r, c o m o pagamento pela cessão dos créditos ou de outro
ativ o utilizado.
Em linhas gerais, esse tipo de operação consiste em que o
o r ig in a d o r segregue de seu patrimônio geral determinado ativo em
um VPE, por intermédio de uma cessão de crédito ou de contrato. A
partir do lastro representado pelo ativo cedido, o VPEjunitirá títulos
a serem adquiridos por investidores, que, assim, antecipam uma re
ceita que só no futuro séria realizada peio originador,
O ativo pode ser um fluxo de recebimentos, um bem, ou um direi
to de qualquer ordem, desde que possa ser cedido e gerar renda. Podem
ainda ser lastro de operações de securitização as receitas futuras j des
de que determináveisÀO título a ele associado deve ser estruturado de
acordo com os objetivos de cada operação, sendo o instrumento utili
zado para transferir o resultado financeiro originado pelo ativo aos
investidores. Geralmente, os títulos utilizados nas securitizações no
Brasil são as debêntures ou quotas de fundos de investimento.
De acordo com Kendall e Fishman56, a estrutura da securitização
P C o m -CÁQ r q j q '/A 'P<G i > fcV- > g,
56 KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.). op. cit., p. 1. De acordo
com os autores, “securitization may be defined as a process qfpackaging individual
loans and other debt instruments, converting the package into security or securities,
and enhancing their credit status or rating to fu rth er their sale to third parties
42
e m issã o , Da mesma forma, o risco dos investidores restringe-se a
e sse ativo, em vez de englobar todo o negócio do originador» .........
Nessa ordem de idéias, a securitização é estruturada para se
autofmanciar e sustentar, não tendo o emitente outra obrigação para
com os proprietários dos títulos, senão o fluxo oriundo do grupo de
ativos segregados57.
44
vestidores com relação a ofertas de valores mobiliários; tornar dispo
nível aos agentes do mercado mecanismos eficientes para que as ope
rações se dêem tempestivamente; inibir a manipulação de informa
ções e manter agências reguladoras transparentes, ágeis e confiáveis.
Nesse sentido, a regulação mostra-se como peça-chave no de
senvolvimento do mercado de capitais, tanto interna como externa
mente. No âmbito externo, é de suma importância a regulação das
relações do mercado interno com emissores e investidores de outras
jurisdições. Esse, com efeito, tem-se mostrado um dos principais
desafios enfrentados pelos sistemas regulatórios de todo o mundo.
“ HOUTTE, Hans van. Law applicable to securities transactions: choice of law issues.
In: The future..., p. 69-82.
a) o regime de transferência das ações ou outros títulos nego
ciados — se nominativas ou ao portador;
b) a moeda na qual o capital da companhia deve estar expresso;
c) a existência ou não de direito de preferência dos atuais acio
nistas em relação a novos que ingressem na sociedade;
d) a possibilidade de desdobramento ou grupamento das ações
da companhia;
e) a possibilidade de venda das ações por preço inferior ao valor
de subscrição;
f) o momento da integralização das ações subscritas;
g) a possibilidade de as ações serem integralizadas em bens ou
direitos; e
h) a possibilidade de emissão de certificados representativos das
ações.
Ainda de acordo com Houtte61, a lex societatis, que disciplina a
emissão de ações, também deve reger as relações — direitos e obri
gações — dos acionistas com relação à companhia emissora, tais
como:
a) limite de responsabilidade dos acionistas por dívidas da so
ciedade;
b) política de remuneração do capital investido — dividendos
e/ou juros sobre o capital próprio;
c) direito de voto e restrições a esse direito;
d) proteção de acionistas minoritários; e
e) subscrição de novas ações.
Todavia, esse autor não considera a questão assim tão simples
quando, em vez de títulos de capital, os instrumentos negociados são
títulos de dívida, que não são representativos de parcelas do capital
social. A relação que as ações guardam com a sociedade não se co
munica aos demais valores mobiliários que possam ser emitidos, como
46
drl tontines ou notas promissórias. Nesse caso, era vez da lexsocietatis.
b princípio seria o da lei do contrato62. . '
Essa posição seria coerente com os preceitos da Convenção de
Roma realizada em 1980, encontro no qual se discutiu sobre a legis
lação aplicável a obrigações contratuais. Nessa ocasião, ficou acorçN
dado entre os signatários que o contrato seria regido pela legislação a
que se sujeita a parte que estabelece as características do negócio.
Em se tratando da emissão de títulos por sociedades anônimas, essa
tarefa compete, normalmente, à companhia emissora.
A solução apresentada, no entanto, é bastante simplista, pois,
em se tratando de oferta pública de papéis em países diferentes da
quele onde está situada a companhia emissora, novos problemas são
suscitados.
Podem ser aplicáveis, concomitantemente às leis do país onde
se localiza a companhia emissora, as leis do país onde se concentra
ram os esforços de venda, do país onde foram adquiridos os títulos
ou valores mobiliários, dó páís em cuja bolsa de valores estejam co
tados, ou ainda do país em que está sediado b agente de colocação.
Tantas possibilidades de aplicação de legislações distintas podem
causar incompatibilidade, conflito de legislação e até impossibilitar
uma emissão transnacional.
Parece lógico que uma companhia deva observar a legislação de
seu próprio país ao organizar qualquer distribuição de valores mobi
liários. Porém, em alguns casos, deveria também observar a regulação
de outros países. Poder-se-ia argumentai’ que, se tais papéis serão
subscritos em diferentes países, a lei de tais países também seria apli
cável, mas, mesmo nesse caso específico, sempre seria mais razoável
que a legislação aplicável fosse aquela do local da situação da socie
dade emissora63.
“ “Shares are closely interwoven with the legal operation o f the company. The issue
of shares is, therefore, governed by the lex soeietatis. Other securities, such as bonds,
investment funds certificates, SICAVs, futures and options, do not have the same
links with the company’s law. As a general rule, they should be governed by the
contract law.”
" { HOUTTE, Hans van. op. cit., p. 76.
47
Há ainda a possibilidade de conflito entre a lei estrangeira e o
estatuto da companhia emissora, já que este foi elaborado em confor
midade com a lei da sede da sociedade. Também aí a lógica seria
obedecer ao estatuto, sob pena de desrespeitar os direitos de todos os
sócios da companhia, bem como de credores e prestadores de servi
ços locais6465.
A securitização necessita, para seu pleno desenvolvimento, de
regulação favorável à integração dos mercados de capitais dos diver
sos países, de modo a desenvolver plenamente sua aptidão: fazer cir
cular riquezas.
48
por outra jurisdição que se julgue competente da mesma forma. A
idéia subjacente a esse tipo de sistema regulatório é a de que os resi
dentes de uma determinada jurisdição devem ser protegidos por seu
agente regulador, e qualquer ente estrangeiro que deseje participar
desse mercado deve-se submeter às suas regras.
Atualmente, o sistema nacional é a base da maioria dos siste
mas regulatórios do mundo, inclusive do brasileiro. Tendo em vista o
crescente desenvolvimento de operações envolvendo mais de uma
jurisdição, alguns países que adotam o modelo nacional o mesclam
com o modelo recíproco.
De acordo com o sistema recíproco, duas ou mais jurisdições
podem concordar em, reciprocamente, aceitar os padrões de regulação
uma da outra, em substituição ou em complementação ao sistema
local, sempre que haja operações que, de uma forma ou de outra, se
sujeitariam aos dois sistemas.
Teoricamente, pode haver uma aceitação mútua de todos os pa
drões de regulação aplicados por determinada jurisdição em outra,
mas, geralmente, isso acontece apenas com áreas específicas ou de
terminadas cláusulas ou características contratuais, como, por exem
plo, "padrões dc ílisclosiiiv. regulação de intermediários financeiros
ou adequação de capital.
O terceiro modelo de aceitação e reconhecimento da legislação
estrangeira é a deferência. No caso da reciprocidade a entidade regu
ladora local renuncia a uma parcela de seu poder de controle, mas
apenas se idêntica medida for adotada pela entidade estrangeira. Há,
no entanto, casos em que o reconhecimento mútuo não é necessário.
Assim, um determinado sistema pode permitir a eleição ou deferên
cia a outro sistema de função de regular um ou alguns negócios jurí
dicos, mesmo que ocorram em sua jurisdição.
A deferência funcionaria, assim, como a eleição de foro compe
tente ou legislação aplicável, que pode ser utilizado sempre que, numa
operação que envolve mais de um sistema, se reconheça como apro
priado, e mais conveniente à operação, a utilização de um sistema
apenas, que poderia, inclusive, ser um terceiro, que não esteja direta
mente incluído na operação regulada.
49
Tomando-se, por exemplo, jurisdições como a norte-americana,
pode-se identificar um caso de modelo nacional exacerbado: a regra
é que a lei norte-americana é aplicável mesmo em operações efetuadas
fora dos Estados Unidos, sempre que uma quantidade substancial de
informações tenha sido fornecida dentro do seu território66.
\ No caso do Brasil, a Lei de Introdução ao Código Civil adota a
■ jus loci contractus. Assim, para reger e qualificar obrigações, aplica-
se a lei do país onde se constituírem. A Lei de Introdução ainda deter
mina que a obrigação oriunda de contrato reputa-se constituída no
local cm que resida o proponente.\Se aplicada ao pé da letra, essa
disposição implicaria que, numa emissão em que a companhia emis
sora tivesse sua sede no exterior, mas que os títulos fossem distribuí
dos globalmente, não se aplicaria a legislação brasileira, já que o
proponente está em outro país.
Porém, essa solução parece ser uma redução da realidade, vista
a complexidade das relações que envolvem ofertas públicas de valo-
rêsmõbllíáriosCp entendimento daComissão de Valores Mobiliários
tem sido o de considerar aplicável a legislação brasileira sempre que
"ha ãpéíò à poupança de brasileirosAA confirmar esse entendimento, a
1 CVM divulgou, em 18 de abril de 20007uma Informação para a im
prensa na qual determina, em linhas gerais, que instituições financei
ras estrangeiras, que não estejam devidamente autorizadas a funcio
nar ho Brasil, não põdéiri oferecer a possibilidade de brasileiros com
prarem e vendei em ações diretamente de bolsas de valores ou merca
dos de balcão no exterior, em especial através de meios eletrônicos.
A CVM afirma que essas instituições não podem fazer captação de
recursos no Brasil, já que não fazem parte do sistema de distribuição
de títulos e valores mobiliários.
A questão da aplicação da lei de determinado país a obrigações
é um dos assuntos mais controversos em direito internacional priva
do. Essa é a opinião de Amílcar de Castro, que ensina:
50
“Tem sido penoso e interminável o problema da prevalência
desta ou daquela circunstância de conexão em matéria de obri
gações; até agora doutrinariamente insolúvel, e positivamente
mal resolvida pela legislação e pela jurisprudência...”67.
67CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Fo
rense, 2000. p. 432 e s.
68CASTRO, Amílcar de. op. cit., p. 432 e s.
51
um avanço tecnológico quando se cria possibilidade de realização de
uma mesma tarefa com o dispêndio de menos recursos, ou uma me
lhor realização da mesma tarefa despendendo-se a mesma quantida
de de recursos69. Pode-se, sem grande esforço de argumentação, con
siderar a securitização um avanço tecnológico, já que, em não haven
do distorções no mercado, diminuem-se os custos de captação de
recursos, em comparação com o mercado financeiro tradicional.
De acordo com Rosenthal e Ocampo70, ao ser utilizada em ope
rações financeiras, toda nova tecnologia passa por duas fases até atingir
sua maturidade, que corresponderia à sua utilização com o máximo
de eficiência econômica. Haveria uma fase inicial de inserção do novo
instrumento tecnológico e, logo depois, uma fase de crescimento de
sua utilização. No caso de restar provado que a utilização desse ins
trumento poderia melhorar as estruturas de operações financeiras,
ela passaria à maturidade.
No ano de publicação de sua obra, 1988, os autores considera
vam que a securitização ainda se encontrava na fase de inserção no
mercado norte-americano. Eles previram, naquela ocasião, que a
securitização experimentaria uma fase de grande crescimento nos anos
seguintes, o que efetivamente aconteceu, e, ainda hoje, ocorre no
mercado norte-americano. No que diz respeito a economias em que o
mercado de capitais não é bem desenvolvido, a securitização ainda
pode ser considerada em fase de inserção.
Como conseqüência do próprio amadurecimento do mercado
da securitização, pode-se prever que boa parcela do mercado que
atualmente utiliza outros mecanismos de financiamento migrará para
a securitização, diminuindo as receitas brutas das instituições finan
ceiras advindas de operações tradicionais, não apenas porque dimi
nuirá a demanda por tais serviços, mas porque a securitização, como
52
qualquer outra tecnologia financeira, tem por objetivo a redução dos
custos da intermediação financeira71. Isso, porém, depende de uma
série de fatores que, no caso do mercado brasileiro, ainda precisam
ser implementados. Esse aspecto será objeto de posterior análise.
53
C apítulo 5
A SECURITIZAÇÃO E A DISPERSÃO
DE RISCO
5.1. A securitização como mecanismo de alocação de risco
O processo de desintermediação pelo qual vem passando o mer
cado financeiro global tem como conseqiiência a dispersão do risco
nas operações de financiamento. Conforme já explicado, o financia
mento mediante empréstimo bancário concentra o risco numa só ins
tituição, enquanto o financiamento por via de mercado de capitais
permite que cada investidor decida o quanto de risco irá assumir em
cada empreendimento, já que a captação de recursos é fracionada por
meio de títulos ou valores mobiliários.
A securitização tem função extremamente relevante no que diz
respeito à alocação de risco, podendo ajudar nó gerenciamento, em
diferentes graus, da maioria dos tipos de risco a que estão sujeitas
instituições financeiras ou outros originadores de natureza diversa.
Essa função, se utilizada adequadamente, pode refletir no fortaleci
mento do mercado financeiro como um todo. Por seu intermédio, o
risco envolvido em determinados financiamentos pode ser dividido e
dirigido a quem possa analisá-lo e entendê-lo melhor, e, por conse
guinte, demandar retorno menor para assumi-lo72.
No financiamento bancário tradicional, a instituição que em
presta os recursos tenta minimizar o risco de crédito por meio de dois
54
mecanismos que ocorrem em fases distintas do processo: inicialmen-
te, pela análise de crédito, e, posteriormente, pelo monitoramento do
devedor. Assim, a instituição absorve todo o risco de crédito susten
tando o ativo em seu balanço e alocando capital próprio para fazer
face a ele.
Ocorre, porém, que, para poder arcar com o risco do emprésti
mo, a instituição necessita enquadrar-se em certos níveis de adequa
ção de capital, o que, obviamente, onera sua estrutura de custo. Ban
cos centrais de todo o mundo tendem a tornar mais rígidos tais níveis
de adequação, de modo a aumentar o nível de capital próprio para
garantir o sistema, o que, por conseqüência, torna mais custosa a
outorga de empréstimos73.
Numa securitização de créditos, o processo inicia-se da mesma
forma de um financiamento tradicional: análise de crédito e
monitoramento. Porém, as semelhanças se encerram nesse ponto74.
Na securitização, o risco do empréstimo é distribuído entre diversos
investidores que compram títulos representativos de uma dívida, e
são lastreados por um ativo a ela correspondente.
Na securitização, o credor da emissora dos títulos tem, ainda, a
exata dimensão da garantia de pagamento de seu crédito, que é o
ativo segregado no veículo de propósito exclusivo75. Não há concorrên
56
dos elementos do risco, juntamente com a possibilidade e in c e rte z a
do evento, e o acaso78.
O objeto do contrato de seguro é o risco, ou seja, a probabilida
de de sinistro que ameaça o patrimônio do segurado. Em se tratando
de contrato de seguro, o conceito de risco é técnico, oriundo de ob
servação sistemática de sinistros, só podendo ser objeto de seguro
quando é mensurado estatisticamente79.
De acordo com o Código Civil brasileiro, o contrato de seguro é
aquele pelo qual o segurador se obriga, mediante o pagamento de um
prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa
ou coisa, contra riscos predeterminados. Assim, o segurado paga uma
determinada quantia para que um terceiro assuma os riscos relativos
a algum bem. Verificado o evento a que está condicionada a obriga
ção do segurador de indenizar, este deve fazê-lo, desde que o segura
do haja cumprido com sua obrigação no contrato, qual seja, o paga
mento do prêmio80.
Outros instrumentos, porém, são utilizados para proteger e mi
tigar os efeitos de sinistros, que não necessariamente o contrato de
seguro. Os contratos futuros há muito são utilizados como forma de
controlar o risco envolvido em atividades produtivas. Isso porque o
risco de superveniência de modificações no preço do ativo a que o
contrato se refere no lapso temporal entre a celebração do contrato e
a sua execução desaparece com a possibilidade de liquidação do con
trato a qualquer tempo antes de seu termo.
De acordo com Rachel Sztajn,
81SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps: uma visão jurídica. São Paulo: Cultural Paulista,
1999.
82 SZTAJN, Rachel. Sobre a natureza jurídica das opções negociadas em bolsas.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v.
105, p. 53-73, jan./mar. 1997.
58
ndunte, pode ser de alguma forma controlado pela securitização por
t‘c-io desse mecanismo.
a) Risco de crédito
O risco de crédito diz respeito à possibilidade de não-cumpri-
mento de obrigações pecuniárias por parte dos devedores. Pode-se
ainda englobar nesse tipo a possibilidade de rebaixamento da classi
ficação de risco de um devedor.
Esse fato não necessariamente implica que o devedor restará
inadimplente, mas pode acarretar modificações e perda de valor da
carteira de ativos de seus credores. Daí a importância das agências de
classificação de risco no que diz respeito ao risco de crédito. É exata
mente esse tipo — e somente esse — que elas avaliam.
88Note-se que existem diversos outros tipos de risco que poderiam ser enumerados,
sendo esses apenas os mais relevantes. O Comitê de Supervisão Bancária da Basi
léia, por exemplo, aponta ainda o risco-país ou risco político, o risco operacional, o
risco legal e o risco de reputação, além dos já mencionados. O risco-país é aquele
inerente aos ambientes econômico, social e político. Normalmente é mais relevante
no caso de empréstimos aos governos estrangeiros e suas agências, mas é também
importante considerá-lo no caso de empréstimos a particulares, já que um dos seus
componentes é o “risco de transferência”, que diz respeito à possibilidade de se
converter em moeda estrangeira as dívidas expressas em moeda local. O risco
operacional diz respeito à qualidade dos controles internos e domínios corporativos
da instituição financeira. Já o risco legal tem diversos aspectos, destacando-se o
impacto de pareceres e outros documentos legais e a inadequação da legislação na
resolução de problemas do banco. O risco de reputação refere-se a falhas operacionais
e deficiências no cumprimento de exigências legais, de forma a reduzir a confiança
do público em determinada instituição.
89Neste sentido, HEFERNAN, Shelagh. op. cit., p. 170-172.
60
No que se refere ao risco de crédito, as instituições financeiras
mantêm padrões de análise que procuram garantir aos seus emprésti
mos o maior grau de segurança possível. Apesar de esse tipo de con
trole remontar às mais antigas instituições bancárias, a tecnologia de
análise de crédito tem evoluído juntamente com o próprio mercado
financeiro como um todo.
Ainda de acordo com Bessis90, o risco de crédito tem duas di
mensões distintas, quais sejam, a quantidade e a qualidade. A dimen
são da quantidade diz respeito a quanto se pode perder em determi
nada operação, independentemente da probabilidade dessa perda. Ao
contrário, na dimensão da qualidade, a preocupação desloca-se para
a probabilidade da perda ocorrer, sem levar em conta o montante. E a
essa última dimensão que se referem as classificações dadas por agên-f4-
cias de classificação de risco.
De acordo com Greenbaum e Thankor91, o afastamento do risco
de crédito pode ser obtido pelas instituições financeiras mediante a
adoção de dois mecanismos distintos: a aquisição tão-somente de
ativos com risco mínimo ou nenhum risco de crédito, como títulos do
governo ou aqueles aos quais as agências de classificação de risco
atribuem notas máximas ou desenvolvimento de técnicas eficazes de
análise e controle de devedores.
Como os títulos com baixo ou nenhum risco de crédito não pos
sibilitariam que os bancos cobrissem seus custos, já que apresentam
baixo retorno, a segunda opção seria a mais adequada ao controle
desse tipo de risco.
A securitização pode ser considerada forma alternativa para re
duzir o risco de crédito, sendo essa a modalidade em que suas vanta
gens se apresentam mais claras e imediatas. A transferência, sem /
coobrigação, de créditos para outra entidade, dentro de um processo j
de securitização, além de ser um adiantamento de receitas, transfere(
o risco de crédito, inicialmente para o veículo de propósito exclusi- \
vo, e, posteriormente, com a venda de valores mobiliários lastreados '
nesses créditos, pulveriza esse risco no mercado.
b) O risco de liquidez
O risco de liquidez diz respeito ao grau de facilidade com que
os ativos podem ser transformados em dinheiro ou outro bem de acei
tação similar. A falta de liquidez tanto pode significar simplesmente
um descasamento entre os recebíveis e os exigíveis a curto prazo
quanto uma séria crise financeira. Dessa forma, o risco de liquidez
pode acarretar dificuldade de captação de recursos a custo razoável a
curto ou médio prazo, agravando ainda mais a situação da sociedade.
Indicadores de liquidez incluem volume de operações realiza
das, taxas praticadas e respectivas flutuações e dificuldade em en
contrar contrapartes para operações. No que diz respeito a institui
ções financeiras, o risco de liquidez reside, essencialmente, no fato
de captar recursos a curto prazo e aplicá-los a longo prazo, criando-
se, aí, um intervalo entre os vencimentos das obrigações e os créditos
a receber. A capacidade de gerenciar esse tipo de problema é fator
determinante para a análise do risco de liquidez.
Também não é necessário grande esforço para entender por que
a securitização traz vantagens com relação a esse tipo de risco: a
transferência de ativos ilíquidos, com a conseqüente antecipação de
receitas, significa acréscimo no nível de liquidez do originador.
62
AXVc
d) R isco d e m erca d o
O risco de mercado refere-se a variações adversas do valor de
ativos negociáveis no momento de liquidar operações. Como esse
tipo de risco só pode ser avaliado no período de liquidação dos ativos
relevantes, não se pode mensurá-lo constantemente, nem tampouco
com base num período de permanência de determinado ativo m> ha
lanço da instituição.
63
Desse modo, antes do período de liquidação, apenas se pode
falar em risco relativo à capacidade de monitorar as oscilações do
mercado com relação à carteira de ativos93. Essa avaliação, assim, diz
respeito não aos ativos em si, mas à capacidade técnica de que a ins
tituição é titular.
A determinação de risco de mercado tem, pois, como base a
instabilidade de parâmetros como taxas de juros, índices de bolsas de
valores, taxas de câmbio. Há diversos aspectos que compõem esse
tipo de risco, sendo ele especialmente relevante em economias instá
veis, onde preços de ativos podem variar consideravelmente em cur
tos intervalos.
Havendo boa análise de mercado, pode-se utilizar a securitização
para se desfazer de determinados ativos no melhor momento, ou seja,
naquele em que seu valor de mercado esteja sobreestimado.
e) Risco cambial
Risco cambial é aquele relativo a possíveis perdas atribuídas a
variações de taxas de câmbio. Para que tal risco seja relevante, é
necessário que receitas ou obrigações estejam indexadas a alguma
moeda estrangeira sujeita a flutuação.
Na verdade, o risco cambial pode ser considerado um compo
nente do risco de mercado, pois diz respeito ao valor de um ativo da
instituição em determinado momento. A avaliação do melhor mo
mento para se desfazer do ativo, no que diz respeito à taxa de câmbio,
seria, assim, um componente mitigador do risco cambial.
De qualquer maneira, há diversas formas de contornar esse tipo
de risco, com instrumentos financeiros de proteção, como swaps ou
opções de compra ou venda de moeda estrangeira.
Com o mesmo fundamento apresentado no que diz respeito a
taxas de juros, a securitização pode ser utilizada como uma forma de
alocar o risco cambial, quando este se apresentar em níveis inade
quados no balanço do originador.
64
f) Risco de insolvência
Diferente do risco de liquidez, que diz respeito a um aspecto
mais imediato da situação financeira de uma sociedade, o risco de
insolvência revela a possibilidade de não conseguir cobrir prejuízos
oriundos de quaisquer tipos de risco. Assim, o risco de insolvência é,
na verdade, o risco de inadimplência da instituição financeira. Pode
ser considerado, assim, o inverso do risco de crédito, que é aplicado
às contrapartes dos bancos94.
O risco de insolvência está intimamente ligado à adequação de
capital, ou seja, o nível até o qual o capital de urna instituição finan
ceira pode estar com prom etido com relação a diversas espécies de
risco. Assim, a adequação de capital é fundamentada em princípios
basilares de controle de risco de insolvência, que, de acordo com
Bessis95, con sistem na premissa de que todos os riscos geram prejuí
zos em potencial. A proteção para tais prejuízos é, em última instân
cia, o capital, e este deve estar ajustado de modo a absorver todos os
tipos de risco a que se expõe uma instituição financeira.
A regulação do mercado financeiro define quais níveis de risco
as instituições financeiras podem tomar em função de seu capital, de
modo a minorar o risco de insolvência. Porém, esse sistema está lon
ge de ser infalível.
Juntamente com o risco de crédito, o risco de insolvência é o
que pode ser mais bem controlado por intermédio da securitização,
em grande parte por estar intimamente relacionado com aquele tipo
de risco.
66
xado, com agências de classificação de risco, underwriters, auditores
independentes, evita a degeneração, ou ao menos deixa clara a quali
dade dos ativos negociados no mercado de capitais.
Da mesma forma, a existência de regras rígidas, no que diz res
peito à adequação de capital das instituições financeiras, e um siste
ma regulatório eficiente podem evitar o “empobrecimento” de insti
tuições financeiras pela securitização de seus melhores ativos.
Por outro lado, especificamente no Brasil, recentemente vem
sendo observada com certa constância a utilização da securitização
como forma de disfarçar operações de fomento mercantil, especial-
mente beneficiando as supostas securitizadoras com tratamento tri
butário diferenciado.
De modo geral, as sociedades de fom ento mercantil se
autodenominam securitizadoras, mas, na verdade, não praticam ati
vidades que possam ser caracterizadas como securitização, no senti
do técnico, consistindo, basicamente, em prestadoras de serviços de
assessoria creditícia e cessionárias de títulos.
Esse tipo de atitude tem causado desconfiança, especialmente
nos entes de fiscalização e arrecadação tributária, com relação à ati
vidade das securitizadoras, inclusive das que realmente efetuam a
operação propriamente dita.
S egunda P arte
A SPEC TO S JU R ÍD IC O S DA
SECURITIZAÇÃO
69
C a p ít u l o 1
A MOBILIZAÇÃO DE RIQUEZAS E A
TUTELA JURÍDICA
A mobilização de riquezas é característica essencial do merca
do de capitais. Com efeito, as operações que se desenvolvem nesse
mercado têm como marca fundamental o fracionamento e a rápida
transferência de valores, ou seja, a mobilização.
É evidente que a mobilização de riquezas necessita de instru
mentos jurídicos que a viabilizem. Assim é que, para desenvolver um
estudo que pretenda abordar a desintermediação e um de seus meca
nismos mais importantes, a securitização, devem-se analisar, inicial
mente, os instrumentos de mobilização de riquezas, desde as formas
ordinárias de cessão de crédito aos títulos de crédito, e, por fim, os
valores mobiliários.
!s BORGES, João Eunápio. Títulos de crédito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1983.
Ensina o autor que, nas vendas a prazo, o industrial recebe títu
los de crédito. Utilizando-se do desconto bancário", o industrial cre
dor receberá imediatamente o valor que o comprador somente pagará
no vencimento dos títulos, ou seja, depois de 60, 90, 120 dias, ou
mais. O atacadista que comprou a crédito venderá também a crédito
para o varejista, que, por sua vez, venderá a mesma mercadoria a
crédito ao consumidor. Cada um receberá títulos de crédito em vez
de dinheiro, e, pelo desconto, os títulos de crédito se converterão,
imediatamente, em dinheiro. Vários títulos de crédito emitidos, des
contados ou negociados permitem o uso simultâneo de um só capital
por diversas pessoas.
Nesse sentido, por ser o ponto crucial da securitização, é que
esse aspecto dinâmico das riquezas, assim como os instrumentos que
o possibilitam e viabilizam, é abordado neste trabalho.
Os instrumentos utilizados na circulação de direitos patrimoniais
devem estar aptos a cumprir sua função econômica, de transferir ati
vos entre os agentes do mercado. Serão analisados alguns instrumen
tos de circulação geralmente utilizados em operações de securitização,
em momentos distintos: a cessão de créditos e de contratos, os títulos
de crédito e os valores mobiliários.
Quando se transfere um direito patrimonial, especialmente cré
dito, mediante instrumentos tradicionais, como a cessão ordinária de
crédito, por exemplo, transfere-se, conjuntamente, um feixe de obri
gações e direitos inerentes à operação subjacente que lhe deu origem.
A cessão é um instrumento importante para realização de diversos
negócios jurídicos, inclusive a securitização, principalmente porque
viabiliza a transferência de elementos contratuais para terceiros, es
tranhos à relação contratual.
É fácil notar, porém, que esse não é o instrumento adequado à
circulação de créditos, já que não atende nem ao requisito da eficiên
cia, nem ao da segurança, tornando-a difícil na prática, principal
mente porque a figura do crédito continua ligada aos sujeitos da rela-9
72
,n> i h lhe deu origem. Na cessão ordinária de créditos, o cessionário
o to teta a segurança necessária às relações de crédito, se restar su
iit.ulinado à existência do crédito do cedente, e exposto a todas as
s h issitudes que podem advir da relação fundamental que o gerou.
Os instrumentos jurídicos utilizados na transferência dos crédi
tos. antes do surgimento dos títulos de crédito, apresentavam exata-
mente esse inconveniente: não dotar o cessionário de satisfatório grau
dc inoponibilidade em relação ao direito que ele adquiria.
Entretanto, a circulação dos direitos patrimoniais é exigida pelo
mercado, e é mister que ela se dê de forma rápida e segura. A econo
mia moderna tem por base o crédito, e, para que ele se torne eficien
te. faz-se necessário que circule100. Essa antinomia entre as necessi
dades do mercado e as normas jurídicas foi ultrapassada com o con
ceito de título de crédito e, posteriormente, de valor mobiliário.
Os mecanismos até então existentes eram ineficientes para de
senvolver a circulação de crédito, porque, para a sua circulação se dar
de forma eficaz, é necessário que ele esteja perfeitamente delimitado,
especificado e destacado da figura subjetiva do cedente e da relação
que o originou, o que não ocorre de forma efetiva em nenhum desses
instrumentos.
Nesse mesmo sentido é a lição de Camelutti101, que ensina:
“Ci vuol poco a capire come le esigenze delia circolazione
non possano dirsi soddisfatte da questo regime delia cessione
100A confirmar essa necessidade, é fácil perceber que a maioria dos instrumentos de
engenharia financeira moderna utiliza-se da figura da circulação de créditos. Para
citar apenas dois exemplos muito utilizados, tem-se o fomento mercantil (fa cto rin g )
que é instrumento utilizado de forma massiva por todos os setores da economia
como modo de antecipar receitas. Outro exemplo, o próprio objeto deste trabalho, é
o da securitização de ativos, que se utiliza tanto de meios ordinários de cessão de
crédito, quanto de transferência direta via títulos. Tanto numa como na outra opera
ção, há necessidade de os créditos serem transferidos da forma mais segura e ágil,
possibilitando, da mesma forma, que o cessionário possa tomar a transferi-lo. E essa
liquidez que dá lastro a negócios com transferência de crédito, e, para que cia ex ista,
tornam-se necessários mecanismos eficazes de transferência.
101In CARNELUTTI, Francesco. T eoria g iu rid ic a d e lia c irc o la zio n e . Patlova: CE
DAM, 1934. p. 186.
ordinaria; appunto, per sodisfare é stato inventato il titolo de
credito, il quale è un strumento non solo delia apparenza ma
ancora delia sicurezza delia circolazione”102.
102“É fácil compreender como as exigências de circulação não podem ser considera
das satisfeitas com o regime da cessão ordinária; com efeito, para satisfazê-las, fo
ram inventados títulos de crédito, que são instrumentos não apenas de aparência,
mas também de segurança da circulação.”
103CARNELUTTI, Francesco. op. cit., p. 12.
74
os bens adquirem valor no momento em que são considerados cm
seu aspecto dinâmico, com possibilidade de gerar mais riquezas, e
não em seu aspecto estático.
É no aspecto dinâmico das riquezas que se insere o fenômeno
da mobilização. O fato de que se possa transferir bens com rapidez e
segurança de uma pessoa para outra é elemento de especial relevân
cia para o mercado de capitais, pois é essencialmente nele que a
mobilização e a circulação de riquezas encontram ambiente propício
ao desenvolvimento.
Esse dinamismo que envolve a atividade de mobilização e cir
culação de riquezas faz crescer, por conseqüência, o número de pes
soas envolvidas nessa atividade, pois, quanto mais líquido for deter
minado mercado, mais pessoas estarão ligadas por uma teia de ope
rações que, geralmente, têm origem num único negócio. Carnelutti
ensina, ainda, que dessa diversidade de interesses envolvidos podem
surgir conflitos e problemas que devem ser tutelados pelo Direito.
Carnelutti aponta, outrossim, três critérios que podem levar à
solução dos conflitos gerados pela mobilização e circulação dos re
cursos financeiros, quais sejam: a) a liberdade, já que a circulação
deve fluir nas ocasiões em que dela se tenha necessidade, e a melhor
forma para indicar tal momento é a livre determinação do mercado;
b) o aspecto formal, no sentido de se deixar claro o destino dos bens
que são postos em circulação; e c) a segurança, para que as vantagens
da circulação sejam garantidas e para que ela tenha a eficácia exigida
pela economia104.
O aspecto ligado à livre determinação não implica ausência de
regramento sobre a circulação de riquezas. Aqui, o que se pretende
salientar é que, em se tendo um ambiente favorável, tanto jurídica
como economicamente, o próprio mercado vai determinar o fluxo e a
mobilização das riquezas. Tanto assim é que o aspecto formal da cir
culação e a segurança jurídica seguem a liberdade como pressupos
tos básicos para resolução de conflitos oriundos da circulação de ri
quezas.
75
Nessa ordem de idéias não é necessária uma análise mais detida
para se compreender que a mera necessidade econômica não é sufi
ciente para o desenvolvimento dos meios de circulação de riquezas.
A concepção de circulação não é exeqüível sem a tutela do Direito, pois
requer disciplina jurídica como requisito de sua própria existência105.
Essa observação é especialmente importante quando se fala em
mobilização e circulação dos direitos patrimoniais. Há, aqui, uma
particular necessidade de segurança e eficiência, uma vez que o insti
tuto do crédito tem a sua base na confiança depositada por aquele que
dispõe de recursos e pretende transferi-los, mediante certa remunera
ção, a outrem, que deles necessita.
Nesse sentido, aponta Rachel Sztajn que a tutela jurídica é in
dispensável para a eficiência dos mecanismos econômicos, e afirma
ainda que:
“Sempre que a lei, embora complexa, dá maior segurança
aos operadores econômicos, ao contrário do que afirma Ulhoa
Coelho, os preços tendem a cair, pois que os custos de transação
ficam reduzidos. Quando há certeza de enforcement, a comple
xidade pesa menos”106.
Assim é que, pela própria necessidade econômica, surgiram
desde os institutos mais antigos, que viabilizavam o transporte mais
seguro de riquezas, até os mecanismos mais modernos, todos, de cer
ta forma, relacionados aos títulos de crédito. Porém, à medida que se
dissemina o uso de tais instrumentos, a tutela jurídica toma-se essen
cial. Quanto maior o número de pessoas envolvidas, maior a necessi
dade de que o Direito regule as relações entre essas pessoas. Assim,
105Nesse sentido, Carnelutti (op. cit., p. 9 e s,), que acrescenta, com propriedade, que
“la ragione de questo necessário intervento del diritto sta in ciò che, naturalmente,
codesto fenomeno, in tutte le sue forme, determina tra le persone constituent! i soggetti
delia circolazione comine tra questi e i terzi, conflitti di interessi, i quali se non
fossero composti e regolati dal diritto, turberebbero lo svolgimento dei fenomeno e
perfino lo renderebbero impossibile...”.
106In SZTAJN, Rachel. Os custos provocados pelo direito. R e v ista d e D ire ito M e r
São Paulo, n. 112, p. 75-79, out./dez.
can til, In d u stria l, E c o n ô m ic o e F in an ceiro,
1998. p. 75-79.
76
como os instrumentos de mobilização de riquezas têm por função
primordial fazê-las circular pelo maior número de pessoas possível, a
tutela jurídica torna-se essencial para que esses instrumentos, cria
dos a partir de necessidades econômicas, se tomem plenamente efi
cazes e cumpram a função para a qual foram criados.
Os títulos de crédito, por exemplo, tiveram sua origem sem que
houvesse a interferência do Estado. Eram instrumentos utilizados pelos
comerciantes para viabilizar operações que envolviam o transporte
de valores, ou mesmo, antes que fosse utilizado o contrato de seguro,
em negócios que apresentassem grande risco, como as explorações
marítimas. Porém, a praticidade e a eficiência dos títulos de crédito
tomaram seu uso disseminado também entre não-comerciantes. As
sim, a partir da disseminação do uso dos títulos de crédito, bem como
de outros institutos originados da prática comercial, há uma real neces
sidade de tutela jurídica, para que possam ser realmente eficazes107.
Como tantos outros fenômenos econômicos, a securitização uti-
liza-se de diversos instrumentos jurídicos, especialmente aqueles cuja
vocação é mobilizar, transmitir e transferir crédito. Passa-se a anali
sar alguns institutos jurídicos que viabilizam a desintermediação fi
nanceira, mediante estruturação da securitização em sentido estrito.
IN S T R U M E N T O S JU R ÍD IC O S D E
M O B I L I Z A Ç Ã O DE R I Q U E Z A S
108GOMES, Odando. N o v ís sim a s q u e s tõ e s d e d ire ito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1988. p. 82 es.
78
crédito negociado. O novo credor adquire o crédito a título deri
vado, exercendo o respectivo direito como se fosse credor origi
nário, nos seus limites”.
111É o que se chama no Direito norte-americano de true sala. A não ser em casos
muito especiais previstos em lei, a simples segregação do ativo no balanço do
originador (o n -b a la n c e ) não é suficiente para dar à operação a segurança que lhe é
peculiar. Faz-se necessária a cessão desses ativos, de forma que efetivamente dei
xem de integrar o patrimônio do originador. Em sistemas como o português, a tru e
s a le é exigida para que se cumpram fielmente as disposições legais a respeito de
securitização.
80
des do § l 2 do art. 654, que são a indicação do lugar onde foi passado
o negócio, a qualificação das partes, data e objetivo da outorga com
designação e extensão dos poderes conferidos.
Além disso, para que tenha eficácia em relação ao devedor, a
cessão deve ser a ele notificada, a não ser que ele se declare ciente da
cessão mediante escrito público ou particular.
As formalidades exigidas pelo Código Civil para a eficácia da
cessão de créditos, especialmente no que diz respeito à notificação do
devedor, constituem uma das dificuldades operacionais da securitização.
Com efeito, num processo de securitização, em que são cedidas gran
des quantidades de créditos e normalmente de forma continuada, a
notificação dos devedores pode representar custos elevados, sem con
siderar ainda a dificuldade operacional desse processo. O que pode ser
feito na prática para mitigar esse problema é delegar ao cedente as
funções de fagente arrecadadqjvdos créditos cedidos, de forma que o
pagamento possa ser feito pelo devedor ao credor originário.
No caso específico de créditos imobiliários, o legislador brasi
leiro criou um instrumento para resolver o problema da cessão dos
créditos para securitização, mediante criação de títulos representati
vos de tais créditos que podem ser cedidos sem maiores formalida
des. Conforme se verá adiante, trata-se de incentivo ao desenvolvi
mento da securitização de base imobiliária no Brasil.
A princípio, qualquer crédito pode ser cedido, se a isso não se
opuser sua natureza, disposição legal ou contratual. A cessão de crédi
to futuro, todavia, não era assunto pacífico entre os doutrinadores du
rante a vigência do Código Civil de 1916. Acredita-se, todavia, que tal
modalidade em nada desvirtuava ou se contrapunha à natureza do ins
tituto, mesmo na vigência do antigo Código. Nesse sentido ensina
Antônio Chaves11213que simplesmente há uma estipulação de que o cré
dito já pertence a outro — o cessionário — mesmo antes de nascer1u.
112CHAVES, Antônio. T ratado d e d ire ito c iv il: obrigações. São Paulo: Revista cios
Tribunais, 1984. v. 2, t. 1, p. 363 e s.
113Em sentido contrário, Orlando Gomes (O b r ig a ç õ e s . 5. ed. Rio de Janeiro: Porei»«
se, 1978. p. 252), considera não ser possível a cessão de todos os créditos v#»
nham a nascer de um negócio, pois isso constituiria ato imoral.
Propunha-se, basicamente, duas teorias para explicar a cessão
de crédito futuro, quais sejam: a teoria da transmissão e a teoria da
imediação. De acordo com a primeira, o crédito objeto de cessão
futura nasce e se constitui na figura do cedente, e, só depois, é cedido
aos cessionários. Já a teoria da imediação explica que o crédito, uma
vez cedido, já nasce e se constitui na pessoa do cessionário114.
Com o advento no novo Código Civil, essa discussão não mais
tem razão de ser, já que, dentre os requisitos para a validade do negó
cio jurídico, determinados no art. 104, está o objeto lícito, possível,
determinado ou determinável. Assim, no caso da cessão de créditos
futuros, o objeto do negócio não seria conhecido no momento da
celebração, mas determinável.
Esse tipo de negócio é a base da securitização que visa ao finan
ciamento de projetos. Nesse caso, as expectativas de renda de deter
minado empreendimento é que dão lastro às emissões de títulos fei
tas pelo veículo de propósito exclusivo da operação. Os créditos são
cedidos ao VPE mesmo antes de constituídos e, na maioria das vezes,
mesmo antes de estruturado o projeto
No que diz respeito às garantias, o Código Civil brasileiro é
claro ao definir, no art. 287, que, “salvo disposição em contrário, na
cessão de um crédito, abrangem-se todos os seus acessórios”. Assim,
os créditos cedidos são acompanhados por quaisquer garantias que
porventura tenham, mesmo as que são exclusivas de determinados
segmentos da economia. Ademais, na cessão de crédito, o contrato
original permanece inalterado, em todas as suas estipulações, tendo
sido modificado apenas o sujeito que faz jus a determinada presta
ção. Esse fato não modifica a natureza do contrato, que permanece
inalterado em todas as suas cláusulas.
Apesar de aparentemente pacífica, a questão da transferência de
elementos acessórios de contratos mostrou-se, e ainda mostra-se,
controversa, principalmente no que diz respeito a garantias e taxas de
juros permitidas somente a instituições financeiras. O exemplo mais
114A respeito cio assunto, ef. CABRAL, Antônio da Silva. Cessão de contratos. São
Paulo: Saraiva, 1987. p. 149 e s.
82
típico dessa questão refere-se à jalienação fiduciária em garantia dc
bens móveis. jPor ser garantia que apenas pode ser constituída em
favor de instituição financeira, discute-se sobre a possibilidade de
sua transferência a entidade não financeira.
Porém, além das disposições do Código Civil a respeito da ces
são de garantias, a Resolução CMN n. 2.686/2000, que disciplina a
securitização de créditos financeiros, determina expressamente que a
cessão de créditos para fins de securitização implica a transferência
dos contratos, títulos, instrumentos e garantias necessários à sua exe
cução. Ou seja, o Conselho Monetário Nacional permitiu a utilização
de mecanismos de execução próprios de instituições financeiras por
sociedades securitizadoras, que não são instituições financeiras. Ade
mais, a legislação sobre alienação fiduciária exige apenas que a ga
rantia seja constituída em favor de instituição financeira, e nada dis
põe a respeito de transferência. Assim, tendo sido a garantia devida
mente constituída, não há que falar em restrições a sua transferência
em negócio de cessão de crédito.
A mesma regra se aplica às taxas de juros cobradas por institui
ções financeiras, as quais não se sujeitam à Lei da Usura, já que as
taxas de juros também são prestações acessórias da dívida principal.
84
2.2. Títulos de crédito
Na circulação de coisas móveis, tem-se em vista a coisa em si,
enquanto na circulação de créditos, tem-se em vista o direito objeto
da transferência, com todo o seu subjetivismo121. E esse subjetivismo
que dificulta a transferência dos direitos, tornando-a insegura, pois
somente será válida a transferência de um direito quando operada
pelo verdadeiro titular e de acordo com as formalidades exigidas no
instrumento que lhe deu origem, que, por sua vez, não possui forma
certa e determinada. Por isso, o adquirente nunca estará completa
mente seguro sobre o conteúdo de sua aquisição, independentemente
da boa-fé com que as partes tenham agido.
Especialmente no que concerne ao crédito, o adquirente não sabe
ao certo o que está recebendo, pois esse crédito diz respeito a deter
minado negócio do qual não participou, não tendo, assim, conheci
mento de todas as suas particularidades, e, por conseguinte, das ex
ceções que lhe possam ser opostas.
Essa é a principal causa das dificuldades enfrentadas na circula
ção dos créditos por meio de instrumentos que, apesar de até hoje
utilizados, não se prestam a fazer circular a riqueza de forma rápida e
eficaz, como a cessão de créditos e de contratos que, como já se de
monstrou, não delimitam exatamente o conteúdo do que está sendo
posto em circulação.
Os títulos de crédito vieram suprir a necessidade econômica de
segurança e rapidez na transmissão de créditos, com sua objetivização,
delimitação e incorporação em um instrumento que pode circular,
submetido às regras relativas à circulação das coisas móveis, e que
carrega consigo o conteúdo perfeitamente especificado do direito nele
incorporado.
Ao se apossar de um título de crédito, observadas as regras de
circulação a que esteja sujeito, seu novo titular saberá, simples
mente lendo o que nele está escrito, todos os direitos oriundos do
título, pouco importando como e em qual relação ele tenha sido
121ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. 2. ed. Trad. Ur Nieolau
Nazo. São Paulo: Saraiva, 1969. p. 6.
gerado. Isso porque o título de crédito é o documento necessário ao
exercício do direito literal e autônomo nele contido, produzindo
efeitos apenas quando contém todos os requisitos prescritos em lei
(art. 887 do CC).
Essas características dos títulos de crédito têm a função primor
dial de distingui-los de outros documentos, dotando seus possuido
res de maior segurança jurídica, já que significam que o direito está
incorporado à cártula. É exatamente essa segurança outorgada pelo
direito que faz os títulos de crédito instrumentos hábeis a promover a
circulação de riquezas de forma rápida e eficaz.
86
Desaparece apenas a tutela diferenciada oferecida pelo ductt. > -j.s tu
do o crédito è incorporado em um dõcumèntõ cártulãr1 7
Admitindo-se que quem tem a posse do título de c r é d ito i - 1
legitimado a exercer o direito nele incorporado e derivar essa legiti
midade exatamente d a posse, fácil concluir que a circulação d o direi
to se dá com circulação d o título. Desse modo, satisfaz-se a necessi
dade econômica fundamental de circulação dos créditos, d iv e rsa da
circulação dos direitos125126.
Nesse ponto surge u m problema, qual seja, distinguir posse c
propriedade do título e titularidade e legitimação em relação ao direi
to nele incorporado. De acordo com Asquinil27j a titularidade do di
reito depende de sua propriedade, enquanto a legitimação para o exer
cício do direito depende de sua possej Esse autor define titularidade
como sendo “la apparteneza sostanziale dei diritto cartolare ad un
determinatto soggetto”128, enquanto a legitimação seria “il potere di
esercizio dei diritto stesso, colegatto ad una data situazione formale,
prescindendo dalla apparteneza dei diritto”129*.
Dependendo do regime de circulação a que se submeta o título,
a posse poderá ser simples ou qualificada1’0. Com efeito, nos títulos
ao portador, a posse pura e simples já qualifica e legitima o possuidor
ao exercício do direito nele contido. No caso dos títulos à ordem e
nominativos, essa posse deve ser qualificada, ou seja, necessita de
125Esse também é o regime adotado pelo novo Código Civil, quando determina, em
seu art. 888, que “a omissão de qualquer requisito legal, que tire do escrito a sua
validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe
deu origem”. No mesmo sentido, o art. 909 estabelece que “o proprietário, que per
der ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele, poderá obter novo
título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos”,
126Sobre o assunto, cf. ASCARELLI, Tullio. T eoria geral...
127ASQUINI. T ito li d i c re d ito e in p a r tic o la r e la c a tn b ia le e tito li b a n c a ri d i p a g a
Padova: CEDAM, 1951. p. 47 e s.
m en to .
128“A propriedade substancial do direito cartular a um determinado sujeito."
129“O poder de exercício do próprio direito, combinado a uma certa sitttayiu» torroiil,
prescindindo da titularidade do direito.”
1,0ASQUINI. op. cit., p. 47 es.
outras formalidades além da mera tradição para que o título seja trans
ferido validamente. No caso dos títulos nominativos, a inscrição no
registro próprio do devedor é a formalidade necessária para sua trans
ferência, e nos títulos à ordem, o endosso deve ser acrescido ao título,
quando de sua cessão.
A legitimação é indispensável, pois é ela que determina quem
está em posição jurídica para exercer determinado direito. Porém,
também a titularidade, que tem ligação com a propriedade e não com
a posse, deve ser levada em consideração, pois, se ela não existe, isso
significa que a detenção do título foi originada de forma ilícita, o
que, em última análise, contraria o próprio princípio inspirador dos
títulos de crédito, qual seja, o da segurança da circulação. Nessa hi
pótese, prejudicado estaria o real proprietário do título. Sendo o títu
lo de crédito coisa móvel, como já frisado, será considerado seu pro
prietário aquele que o apresentar, ressalvados certos casos em que a
boa-fé há de prevalecer, como do título extraviado, deteriorado, fur
tado ou roubado.
Reconhece-se, assim, que a posse do título deve ter-se origina
do licitamente, ou seja, ser oriunda de negócio jurídico válido. A lei,
porém, protege o possuidor de boa-fé, no caso de haver este recebido
o título de alguém que não detinha a titularidade, e, assim, não pode
ria transferi-lo licitamente. Caso assim não fosse, restaria prejudica
da a eficiência circulatória dos títulos, pois cada pessoa que os rece
besse estaria preocupada em verificar a validade e a licitude do negó
cio mediante o qual aquele que o transferira o teria adquirido.
É claro que a circulação dos direitos patrimoniais pode dar-se
de acordo com as normas do direito comum, mas, se assim for, não se
poderá alegar a inoponibilidade das exceções que caracterizam os
títulos de crédito11'.
A circulação de direitos por intermédio dos títulos de crédito,
assim entendida a transferência imediata do direito de modo que ele
possa constituir-se autônomo aos sucessivos possuidores legitima-13
131 Sobre o assunto, cf. VIANA, Francisco de Assis Bomfim. Fundamento das exce
ções cambiárias. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.
88
dos do título, apesar de ter por objeto o direito nele incorporado, d;-
se pela circulação do próprio título, submetendo-se, assim, its regi;,
para transferência das coisas móveis, e não dos direitos.
É somente dessa forma que se satisfaz plenamente a exigência
econômica da qual se originou, delimitando e objetivando o direito
por meio dos princípios da hteralidade je, eventualmente, da<ábstra-
ção,: no título que o incorpora132.
90
Apesar de não ter como função ptfmária a captação de rei ut •
e sim a circulação de riquezas, os títulos de crédito trazem em .
outras características essenciais ao mercado de capitais, especialmnit.
por serem meio de circulação dotado de segurança jurídica.
Os valores mobiliários, mesmo sem ter relação do tipo gênero/
espécie com os títulos de crédito, têm seu conceito intimamente liga
do com o desses138. Assim, existem títulos de crédito considerados
valores mobiliários pela legislação brasileira, sendo que outros tipos
carecem dessa característica.
De acordo com Rocha e Lima139, deve-se aos franceses a distin
ção entre títulos de crédito e valores mobiliários, sendo os primeiros
instrumentos oriundos de relações bilaterais comuns do comércio,
enquanto os segundos estariam imersos num mercado específico, em
que as operações não são meramente bilaterais, mas se disseminam
no mercado por um público indeterminado.
Na verdade, o que distingue essencialmente os títulos de crédito
dos valores mobiliários é a sua função econômica. Enquanto os pri
meiros foram concebidos para ser documentos individuais, ou seja,
cada título incorporando direito individual e singular, que circularia
indefinidas vezes, os valores mobiliários têm vocação para a distri
buição em massa, de que deriva a fungibilidade.
Ocorre que, apesar de conceitualmente diferentes, os valores
mobiliários utilizam-se, por conveniência, dos mesmos mecanismos
de circulação dos títulos de crédito. Daí por que, como se apontou
anteriormente, alguns títulos de crédito podem, caso sejam distribuí
dos em certas proporções e se utilizem de mecanismos determinados
92
essa característica que faz com que a distribuição dos valores mobi
liários siga normas estritas, determinadas por lei.
141Sobre a classificação dos títulos de crédito, cf. Cesare Vivante (Tratatto di diritto...,
p. 26-30), que aborda a matéria a designação de “categorias dos títulos de crédito ”,
de acordo com os direitos que incorporam, considerando as mais importantes (por
dizerem respeito à natureza do crédito de que se revestem) as que os classificam em
títulos de crédito próprios, impróprios, de legitimação e de participação, da seguinte
forma: a) títulos de crédito próprios: aqueles que encerram uma verdadeira operação
de crédito, sendo preponderante o elemento pessoal, já que são baseados na confian
ça que merecem as partes, a exemplo da letra de câmbio e nota promissória, ordem
e promessa de pagamento; b) títulos de crédito impróprios: apesar de não represen
tarem uma verdadeira operação de crédito, mas por serem revestidos de certos re
quisitos dos títulos de crédito propriamente ditos, circulam com as garantias que
caracterizam esses últimos, o que confere segurança aos seus portadores, c. conse
quentemente, larga aceitação no mercado; c) títulos de legitimação: não conferem
ao seu portador um direito de receber crédito propriamente dito, mas de recebei uma
prestação de coisas ou serviços; e d) títulos de participação: que dão ao portador um
direito de participação, como é o caso das ações das sociedades anônimas,
dade, conforme já exposto, o que ocorre é a utilização, pelos valores
mobiliários, do sistema de circulação criado para os títulos de crédi
to, o que leva à transmutação de alguns deles em valores mobiliários.
Os dois institutos restam, porém, distintos.
De acordo com Ary Oswaldo Mattos Filho142, o conceito de va
lor mobiliário se impõe, e é mesmo necessário para a demarcação da
legislação a ele inerente. Da mesma forma, seu conceito é necessário
para determinar o campo de atuação do governo para regular a área
ligada à capitalização de empresas e o acesso à poupança pública.
Assim, para o autor, a conceituação de valor mobiliário não é sim
plesmente formal, más serve para “delimitar o campo de atuação dos
órgãos do Poder Executivo Federal encarregados de normatizar e in
centivar o seu uso”.
Além de delimitar a competência da Comissão de Valores Mo
biliários — CVM, õ' conceito de valor mobiliárioTaíhbém interessa
ao Banco Central do Brasil, uma vez que cabe a essa entidade a
normalização de outra parcela de valores mobiliários não emilidos
ipor sóciedades anônimas, como quotas de fundos de investimento.
1 Da mesma forma, tal conceito é de suma importância para que o
Conselho Monetário Nacional — CMN possa exercer com proprieda
de as funções que lhe outorga o art. 2- da Lei n. 6.385/76, que faculta a
esse Conselho sujeitar outros títulos à autoridade da CVM, a seu crité
rio. Um conceito claro pode evitar que o CMN considere valor mobi
liário algo que não possua os elementos inerentes à sua natureza.
Segundo Mattos Filho143, existem duas formas básicas para ca
racterização de valores mobiliários, quais sejam: a adotada pela maio
ria dos países de tradição jurídica romano-germânica, que opta por
conceituar valor mobiliário; e aquela seguida por países de tradição
jurídica anglo-saxônica, que opta por listar exaustivamente as espé
cies consideradas valores mobiliários em dado sistema jurídico144.
94
Apesar de o Brasil possuir um sistema jurídico com ba' <• roma
no-germânica, a Lei n. 6.385/76, em vez de dar um conceito ■1u >de
valor mobiliário, optou por fazer uma lista, que poderia ser am.x ni.i
da pelo Conselho Monetário Nacional. Inclusive, na opinuo de
Leães145, a legislação de mercado de capitais brasileira foi o primeiro
caso de adaptação de um complexo de instituições e normas jurídi
cas, oriundas de um país de sistema jurídico baseado na common law,
no contexto de um país tributário da tradição continental européia.
Essa forma, em se tratando do sistema jurídico brasileiro, apre
sentou uma série de inconvenientes, pois, além de os juízes brasileiros
não terem o mesmo grau de liberdade dos juízes norte-americanos, por
exemplo, para decidirem, in casu, o que poderia ser considerado ou
não valor mobiliário, permite que o CMN crie, por meio de resoluções,
novas figuras jurídicas que podem ser incluídas na regulamentação ine
rente aos valores mobiliários, sem, para tanto, definir parâmetros.
Na opinião de Haroldo Verçosa146, a carência de um conceito
mais preciso faz com que a proteção jurídica torne-se inadequada a
147 De acordo com Ary Oswaldo Mattos Filho (op. c it, p. 39), “caso não existisse a
Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central, ou qualquer outro órgão gover
namental não regulasse o acesso ao mercado de capitais, seria indiferente a existên
cia ou não do conceito”.
118 LEÃES, Luís Gastão Paes de Barros. op. cit., p. 60.
1"’MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. op. cit., p. 40 e s.
96
0 controle do empreendimento, já que negócios com valores
mobiliários são o principal exemplo de separação entre a proprieda
de e a gestão dos recursos, e é exatamente nesse ponto que o Estado
deve atuar, protegendo os investidores;
g) materialização do valor mobiliário, porquanto os direitos e
obrigações gerados pelos valores mobiliários podem ser, ou não,
corporificados em algum tipo de documento; e
h) falta de especialização, pois geralmente o investidor não tem
conhecimentos técnicos suficientes para analisar o investimento que
está fazendo. É essa característica do investidor que o toma a ponta
mais fraca no negócio, e, por essa razão, o foco da tutela estatal.
Tendo em vista esses elementos, Mattos Filho conceitua valor
mobiliário como sendo
“o investimento oferecido ao público, sobre o qual o investi
dor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinhei
ro, bens ou serviço, na expectativa de lucro, não sendo neces
sária a emissão do título para materialização da relação
obrigacional”150.
97
ro, do conceito norte-americano de valor mobiliário, o que realmente
veio a ocorrer em 2001.
A situação de indefinição legislativa foi alterada com o advento
da Medida Provisória n. 1.987, convertida na Lei n. 10.198, em 16 de
fevereiro de 200!. Primordialmente, a medida provisória foi editada
com o objetivo de disciplinar certos tipos de contratos de investimen
to coletivo (principalmente os conhecidos como “boi gordo”), que
estavam sendo utilizados como forma de captação de recursos junto
ao público investidor, sem a devida fiscalização dos órgãos regulado
res do mercado de capitais.
Para que os referidos contratos pudessem ser qualificados como
valores mobiliários e assim situá-los sob a responsabilidade da CVM,
a nova legislação teve que ampliar bastante o seu conceito. Apesar de
apresentar todas as características de valores mobiliários, os contra
tos de investimento coletivo não eram assim considerados, uma vez
que não faziam parte do rol determinado pela legislação vigente152.
Assim, o art. 12 da Lei n. 10.198/2001 traz um conceito de valor
mobiliário bastante similar ao adotado pelo Direito norte-americano,
abarcando quaisquer negócios jurídicos que possuam essas caracte
rísticas:
98
*)
clusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos
advêm de esforço do empreendedor ou de terceiros”.
Com a nova legislação, além de alargar o conceito para abarcar
novas formas de investimento, o sistema de caracterização de valores
mobiliários tomou-se mais adequado ao nosso ordenamento jurídico.
Da mesma forma, deixa caminho aberto para a criação de novos valo
res mobiliários, à medida que as necessidades econômicas o exigirem.
Esse conceito foi posteriormente inserido na Lei n. 6.385/76, no inciso
IX do art. 22, pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, no qual são
listados os valores mobiliários, segundo a legislação brasileira.
Os instrumentos de mobilização de riquezas estão caracteriza
dos e regulados pelo Direito brasileiro, sendo assim dotados da segu
rança conceituai a eles necessária. Esse é um dos pré-requisitos bási
cos da utilização do mercado de capitais pelos agentes econômicos e
de seu conseqüente desenvolvimento.
Como se detalhará mais adiante, para que seja estruturada, a
securitização se utiliza de diversos instrumentos jurídicos, dentre eles
a cessão de créditos, a cessão de contratos, as formas societárias e
outras comunhões de recursos, como os fundos de investimento, a
prestação de garantias, mas ela necessita de uma emissão de títulos.
É por intermédio da distribuição de títulos ou valores mobiliá
rios que ela se torna perfeita e acabada. Os mecanismos de circulação
e mobilização de riquezas são, assim, um pressuposto da existência e
da viabilidade das operações de securitização, que visa, exatamente,
promover essa circulação.
A seguir, com a análise da estrutura da securitização, será estu
dado, detalhadamente, cada um dos institutos jurídicos utilizados na
operação.
C a p ít u l o 3
A ESTRUTURA DA SECURITIZAÇÃO
A securitização é uma operação complexa, composta de diver
sos negócios jurídicos interligados pelo nexo do escopo: cada um
deles visa ao fim comum de viabilizar a operação como um todo.
A estrutura contratual da securitização é de extrema importân
cia, pois é ela que determina suas características e o regime jurídico a
que se sujeita a operação. Assim é que, a partir da análise da estrutura
da securitização, pretende-se determinar sua natureza jurídica: pode-
se considerar a securitização de um negócio único, ou simplesmente
vários negócios praticados sucessivamente.
Nesta parte do trabalho, a securitização passa a ser estudada
como conjunto de negócios jurídicos que, apesar de apresentar estru
tura flexível, mantém certas características constantes, sempre visan
do à desintermediação e à pulverização do risco.
153BARRATT, Jeffery. Financing projects through the capital markets: a South East
Asia Perspective. In: The fu tu re ..., p. 95-105.
100
de ativos que serão securitizados; b) um veículo de propósito ex
clusivo — companhia, fundo ou tmsf, c) uma emissão de títulos
negociáveis pelo veículo de propósito exclusivo; e d) uma agência
de classificação de risco que deve classificar a emissão do veículo
de propósito exclusivo.
A partir desses elementos, tem-se que uma operação padrão pode
ser estruturalmente descrita da seguinte forma: uma sociedade
(originador) tem bens, direitos ou expectativas de direitos que são
representados por contratos ou títulos. O originador constirtii uma
sociedade sem atividade operacional ou um fundo (VPE), que deverá
receber os ativos e emitir títulos ou valores mobiliários lastreados
nesses ativos. Os investidores compram os títulos emitidos pelo VPE,
que paga ao originador pela cessão dos ativos com os recursos oriun
dos da venda dos títulos. Podem ser apostas garantias adicionais, bem
como ser contratada agência de classificação de risco para avaliar a
emissão.
Assim, em se agrupando as fases segundo suas características, a
operação pode ser dividida nas etapas analisadas detidamente a se
guir: a) constituição do veículo de propósito específico; b) segrega
ção de ativos mediante cessão de créditos ou de contratos; c) emissão
e subscrição de títulos; e d) classificação de risco da emissão. Cada
uma dessas fases pode ser caracterizada por negócios e atos jurídicos
determinados. É por meio desses instrumentos jurídicos que se anali
sará cada etapa da operação de securitização.
102
poderes de disposição sobre eles. Todavia, esse poder de disposição e
“limitado pelo dever de administrar a coisa em proveito do institui
dor ou do beneficiário”157.
É exatamente essa dicotomia da propriedade, dividida em “pro
priedade de garantia” e “propriedade de fruição”, que faz do trust o
VPE mais adequado à securitização, visto que reúne todos os elemen
tos necessários à segregação do patrimônio, além de tratamento tribu
tário diferenciado (no Direito norte-americano e em outros países onde
é utilizado) e total controle do patrimônio pelo seu administrador.
Ocorre que é difícil a transposição do conceito de propriedade
resolúvel para sistemas jurídicos de base romano-germânica, e, por
isso mesmo, o trust não é um instituto previsto no Direito brasilei
ro, a exemplo da maioria dos sistemas jurídicos baseados nesse mo
delo158. Assim, no Brasil, os veículos utilizados nas securitizações
104
b) Fundos de investimento
De acordo com Chalhub161, os fundos mútuos de investimento
(bnram a perspectiva para a assimilação, no ordenamento jurídico
'•rasileiro, de elementos essenciais do trust, relativos à administração
. D patrimônios em benefício de investidores.
Os fundos de investimento no Brasil são constituídos sob a for
ma de condomínios, abertos ou fechados, a depender da possibilida
de de transferência e resgate de suas quotas. Não possuem personali
dade jurídica, e, portanto, o administrador, que os constitui, age em
seu nome, não se confundido, porém, o seu patrimônio particular com
aquele do fundo que administra. Os administradores dos fundos de
investimento possuem os mais amplos poderes de gestão, incluindo a
alienação do patrimônio e a compra e venda de títulos, dentre outros.
A estrutura jurídica dos fundos de investimento mostra-se ade
quada à securitização, sendo preferida em alguns países à forma
estruturas forem utilizadas como VPE, como é o caso dos Fundos de Investimento
imobiliário e dos Fundos de Direitos Creditórios, há securitização. Afinal, em tais
casos, os fundos de investimento têm exatamente a mesma função econômica de
uma sociedade de propósito exclusivo, não se tratando de instituto diverso, mas
apenas do uso de veículo diferente para emissão de títulos. Outro sistema que utiliza
os fundos de investimento como base da securitização é o francês. Assim, os Fonds
Communs de Créance foram criados na França pela Lei 88-1201, de dezembro de
1998, com o intuito de desenvolver a securitização no país. Após alguns ajustes da
legislação, o mecanismo francês de securitização passou a consistir na cessão dos
créditos, via borderô, ao fundo, que, por sua vez, emite os títulos negociáveis no
mercado secundário. Vale ressaltar que os títulos emitidos não são necessariamente
quotas, podendo esses fundos emitir títulos similares a debêntures, com diferentes
características, com relação a termo, resgate e remuneração. Há ainda a necessidade
de um gestor para o fundo, separado do originador, e ainda de um depositário para
os títulos. Os créditos que podem ser cedidos ao fundo são somente os de institui
ções financeiras e entidades equiparadas. Na França, os empréstimos interbancários
representam a esmagadora maioria dos ativos dos Fonds Communs de Créance. No
Brasil, os Fundos de Direitos Creditórios assemelham-se bastante à estrutura fran
cesa, tendo apenas uma utilização mais abrangente, já que os créditos não precisam
necessariamente ser detidos por instituições financeiras.
CHALHUB, Melhin Namen. Negócio fiduciário. Rio de Janeiro; São Paulo; Re
novar, 2000. p. 326 e s.
105
societária, como é o caso da França. No Brasil, existe previsão ex
pressa para duas espécies de VPEs sob a forma de fundos de investi
mento: os fundos de investimento imobiliário e os fundos de investi
mento em direitos creditórios. Apesar de não ser utilizado o termo
securitização nas normas que regulam esses tipos de fundos, sua es
trutura é a mesma de uma securitização com veículo societário.
No caso dos fundos de investimento imobiliário, o ativo
subjacente à emissão de quotas são bens ou direitos de natureza imo-
^biliária. Sua constituição e funcionamento estão disciplinados pela
' Lei n. 8.668/93 e reguladas pela Instrução CYM 205/94. Esses fun
dos já são bastante utilizados no mercado brasileiro e são responsá
veis por algumas das mais bem -sucedidas experiências de
securitização no Brasil. Conforme se verá adiante, os fundos imobi
liários são efetivamente negócios fiduciários, conforme definido na
lei que os instituiu.
Mais recentemente, o Conselho Monetário Nacional, por inter
médio da Resolução n. 2.907/2001, e a Comissão de Valores Mobi
liários, com a Instrução n. 356/2001, criaram os fundos de investi
mento em direitos creditórios, ou fundos de recebíveis, como fica
ram conhecidos. Trata-se de uma estrutura similar à de uma securi
tização francesa, na qual o patrimônio do fundo de investimento é
composto de direitos creditórios. A legislação sobre fundos de recebí
veis pode ser considerada atualmente aquela que prevê a estrutura
que mais se aproxima de uma regra geral para a securitização. Po
rém, o fato de ser emanada do Conselho Monetário Nacional limita
sua aplicação às entidades sob a sua fiscalização.
Em ambos os casos, os fundos que funcionam como veículos
para securitização são disciplinados pelas regras aplicáveis a quais
quer fundos de investimentos, observadas as particularidades deter
minadas na legislação específica, conforme se verá adiante, inclusive
no que diz respeito à sua constituição.
c) S o cied a d e s
O VPE sob forma societária, por sua vez, possui as mesmas
características de qualquer sociedade, tanto no sentido material —
ou seja, trata-se de um contrato de comunhão de escopo em que duas
ou mais pessoas reúnem esforços para a obtenção de um fim comum
106
- quanto no que diz respeito a requisitos formais de constituição16-.
Mesmo as companhias securitizadoras expressamente previstas em
lei (companhias securitizadoras de créditos imobiliários e compa
nhias securitizadoras de créditos financeiros) são constituídas e fun
cionam como sociedades anônimas comuns.
O objeto da sociedade utilizada como VPE é especificamente
receber o ativo utilizado como lastro da securitização e emitir os títu
los lastreados nesse ativo. Como se situa no campo da licitude, o
objeto da sociedade pode ser livremente estipulado entre as partes, e
essa característica (objeto exclusivo) não conflita com a natureza da
forma societária.
No caso das companhias securitizadoras de créditos imobiliá
rios, k Lei n. 9.514/97 cjetermina que seu objeto será a “aquisição e
securitização desses créditos e a emissão e colocação, no mercado
financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo emitir
outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compa
tíveis com suas atividades”.
Apesar de parecer, pela leitura da lei, que há a possibilidade de
a companhia securitizadora de créditos imobiliários ter atividade
operacional (prestação de serviços), acredita-se que os únicos servi
ços compatíveis com a atividade de um VPE sejam aqueles ligados à
própria emissão, como, por exemplo, o recebimento e monitoramento
dos créditos que servem de lastro à emissão. Contrapõem-se à pró
pria natureza do veículo e da operação na qual ele está inserido as
atividades que o exponham a riscos de insolvência.
Já a legislação a respeito da securitização de créditos financei
ros é mais restritiva, e determina que a cessão de créditos das institui
ções financeiras para fins de securitização serão efetuadas somente a
sociedades anônimas que tenham por objeto exclusivo a aquisição
desses créditos.
Além do objeto, a maior diferença entre a sociedade VPE e as
constituídas fora de securitizações não está nos aspectos formais, e162
162A respeito das características do contrato de sociedade, cf. SZTAJN, Rachel < í w
trato de sociedade e form as societárias. São Paulo: Saraiva, 1989.
sim no fim a ser alcançado. A constituição da sociedade, nesses ca
sos, não exaure o objetivo do negócio; ela é parte de uma série de
contratos interligados por um escopo comum, ou seja, a estruturação
da securitização. Ademais, via de regra, as sociedades VPEs não pos
suem atividade operacional, já que isso aumentaria a exposição a di
ficuldades financeiras, ou mesmo insolvência e falência.
Os VPEs sob forma societária, geralmente, são constituídos na
modalidade de sociedades por ações. Isso se deve à possibilidade que
; as companhias têm de emitir valores mobiliários que outros tipos
societários nao”têm. As companhias apresentam, ainda, maior sepa-
; ração entre os bens e direitos pertencentes aos sócios em relação ao
patrimônio da sociedade, bem como regime jurídico mais completo e
consolidado, o que proporciona maior segurança que outras espécies
.societárias. ‘ ,
1 A constituição de uma sociedade ppr ações que servirá como
VPE numa securitização segue as m esdas regras especificadas na
Lei das Sociedades por Ações, em seus árts. 80g seguintes, que são
aplicáveis a qualquer sociedade anônima. Os acionistas do VPE qua
se sempre são pessoas físicas ou jurídicas ligadas ao originador. So
mente quando a securitização se dá por emissão de ações é que os
próprios investidores são os acionistas da companhia. Nesse caso, os
investidores subscrevem as ações emitidas pela sociedade securitiza-
dora, tornando-se seus acionistas e não credores. Apesar de não ser
muito utilizada, essa estrutura é possível e apresenta algumas vanta
gens, como maior controle do VPE pelos investidores.
108
co, em comparação com o próprio originador, e, por conseguinte,
menor exigência de taxas por parte dos investidores e prazo mais
longo para' financiamento da dívida. Para os investidores, o menor
risco significa maior segurança em investimentos, que, em tese, se
rão mais rentáveis que aqueles tradicionalmente apresentados no
mercado.
No que diz respeito à segregação do ativo, podem-se classificar
as operações de securitização e m duas espécies163: operações com
(segregação interna e óperações com segregação externai No primeiro
caso, a emissão é feita pelo próprio originador, vinculando-se ao ati
vo que lhe serve de lastro mediante instrumentos contratuais, como,
por exemplo, constituição de garantias. Já na segunda espécie, a se
gregação se faz pela cessão de créditos a uma outra pessoa jurídica,
apartando-se efetivamente o lastro da securitização do patrimônio do j
originador. A emissão, nesse caso, é feita pelo veículo de propósito
exclusivo.
Enquanto a securitização com segregação externa apresenta a
típica estrutura da operação, a securitização com segregação interna
pode ser considerada uma simples emissão de títulos com garantia
determinada. Apesar disso, ela pode, conceitualmente, ser considera
da uma verdadeira securitização, já que apresenta todos os seus re
quisitos materiais, mesmo que, formalmente, lhe falte um elemento
estrutural. Um exemplo típico de securitização com segregação in
terna de lastro é a securitização de base imobiliária com constituição
'de pátriimôníõ'dê ãfetáçâõ:
A qualidade do ativo que servirá de lastro à emissão tem grande
importância no processo de securitização, pois, em última análise, a
emissão terá as mesmas características desse ativo, especialmente no
que diz respeito a termo, rendimentos e resgate. Vale salientar que
quanto mais homogêneos os contratos/créditos cedidos, mais fácil
será seu agrupamento para posterior securitização. É bem mais sim
ples a cessão dos créditos ou contratos, no caso de contratos por ade
163Sobre o assunto, cf. BORGES, Luís Ferreira Xavier. Securitizaçãi >> orno p.ui !.«
segregação do risco empresarial. Revista do Direito Bancário, do NU > >V A < t
tais e da Arbitragem, São Paulo, v. 10, p. 257-267, out./dez. 2000.
109
são ou contratos-tipo: não há necessidade de análise de cada instru
mento contratual individualmente para conhecer detalhes como a
possibilidade de cessão, necessidade de aprovação ou mera notifica
ção do cedido.
Também deve ser levada em conta a figura do devedor,jou seja,
a pessoa contra quem os créditos cedidos foram sacados, pois, ge
ralmente, antes de se utilizar determinada carteira de recebíveis como
lastro em securitizações, são realizadas severas auditorias, espe
cialmente se for contratada agência de classificação de risco para a
emissão.
Apesar de estruturalmente os devedores não serem partes tão
relevantes na securitização, já que não participam dos negócios jurí
dicos que a compõem a não ser eventualmente na condição de
anuentes, do ponto de vista financeiro, são eles que vão determinar a
qualidade dos títulos emitidos e os investidores que irão adquiri-los.
Isso porque os contratos por meio dos quais foram constituídas
as dívidas são, na maioria das vezes, a única garantia dos títulos emi
tidos na securitização, e, assim, deles depende, diretamente, a solva
bilidade do emissor. Por essa razão, além das auditorias financeiras,
são geralmente realizadas auditorias jurídicas, com a finalidade de
verificar, além da qualidade dos créditos, sua correta constituição,
possibilidade e formalidades para a cessão, dentre outros aspectos.
O originador é aquele que, inicialmente, detém a titularidade
dos créditos que servem de lastro à operação, e também pode ser
responsável por serviços como o recebimento e cobrança de tais cré
ditos e seu repasse ao VPE ou diretamente aos investidores.
A natureza das atividades do originador é que vai determinar a
natureza da operação de securitização e, conseqüentemente, a
aplicabilidade de regras específicas disciplinadoras de cada tipo de
operação. A securitização de créditos bancários é estritamente regu
lada pelo Conselho Monetário Nacional, através do Banco Central,
assim como a securitização de exportações. No âmbito do Sistema
Financeiro Imobiliário, a operação também possui regulamento pró
prio. Caso as sociedades originadoras não se enquadrem em nenhu
ma categoria regulada, a securitização seguirá as normas gerais de
Direito Civil e Comercial, onde não há previsão específica para a
operação.
110
A situação económico-financeira do originador não é tfio ini
jíoíiante quanto a qualidade dos créditos cedidos, tendo em \ im i .tut
eu patrimônio.geral, não.responde pela solvabilidade dos titulo--
•itvildos pelo VPE. Todavia, a cessão de créditos, quando se c ik oh
* i , i p-m curso processo de execução forçada ou falência do originador,
112
demais, como se fosse única. Apesar de a dívida poder ser considera
da no todo, também pode considerar-se cada uma de suas frações, já
que seu titular está investido nos direitos nelas consignados. Ela ex
prime, nas palavras do autor, “contingente do contrato de mútuo, cons
tituído no ato da emissão”166.
A Lei n. 6.404/76 prevê três tipos de debênture, no que diz res
peito às garantias oferecidas aos investidores: debênture com garan
tia flutuante, debênture com garantia real e debênture subordinada
ou simples. E ainda duas outras qualificações, relativamente ao tipo de
remuneração que oferecem aos investidores: renda fixa ou variável.
No caso das emissões em processos de securitização, a garantia
do pagamento das debêntures depende do tipo de ativo subjacente à
emissão. Se se tratar de uma securitização imobiliária, a garantia será
real, e seguirá as mesmas normas relativas a registro e outras forma
lidades para esse tipo de emissão. No caso de outro tipo de ativo, a
garantia será flutuante, sobre todo o patrimônio do VPE, uma vez
que o patrimônio está restrito ao próprio ativo-lastro. A emissão de
títulos subordinados é ainda possível, se um mesmo VPE emite di
versas séries, com diferentes graus de prioridade de reembolso ou
pagamento de rendimentos, mas a realização de uma operação de
securitização através da emissão de títulos unicamente subordinados
é contrária ao próprio conceito da operação, qual seja, o de oferecer
um ativo específico em garantia de uma emissão a ele ligada.
Apenas as securitizações de base imobiliária contam com títu
los específicos, criados por legislação especial, quais sejam, o certifi
cado de recebíveis imobiliários — CRI e a letra de crédito imobiliá
rio —■LCI. Os CRIs foram criados quando da implantação do Siste
ma Financeiro Imobiliário e são emitidos por companhias securi-
112
demais, como se fosse única. Apesar de a dívida poder ser considera
da no todo, também pode considerar-se cada uma de suas frações, já
que seu titular está investido nos direitos nelas consignados. Ela ex
prime, nas palavras do autor, “contingente do contrato de mútuo, cons
tituído no ato da emissão”166.
A Lei n. 6.404/76 prevê três tipos de debênture, no que diz res
peito às garantias oferecidas aos investidores: debênture com garan
tia flutuante, debênture com garantia real e debênture subordinada
ou simples. E ainda duas outras qualificações, relativamente ao tipo de
remuneração que oferecem aos investidores: renda fixa ou variável.
No caso das emissões em processos de securitização, a garantia
do pagamento das debêntures depende do tipo de ativo subjacente à
emissão. Se se tratar de uma securitização imobiliária, a garantia será
real, e seguirá as mesmas normas relativas a registro e outras forma
lidades para esse tipo de emissão. No caso de outro tipo de ativo, a
garantia será flutuante, sobre todo o patrimônio do VPE, uma vez
que o patrimônio está restrito ao próprio ativo-lastro. A emissão de
títulos subordinados é ainda possível, se um mesmo VPE emite di
versas séries, com diferentes graus de prioridade de reembolso ou
pagamento de rendimentos, mas a realização de uma operação de
securitização através da emissão de títulos unicamente subordinados
é contrária ao próprio conceito da operação, qual seja, o de oferecer
um ativo específico em garantia de uma emissão a ele ligada.
Apenas as securitizações de base imobiliária contam com títu
los específicos, criados por legislação especial, quais sejam, o certifi
cado de recebíveis imobiliários — CRI e a letra de crédito imobiliá
rio — LCI. Os CRIs foram criados quando da implantação do Siste
ma Financeiro Imobiliário e são emitidos por companhias securi-
166 Sobre o assunto Marcos Paulo de Almeida Salles ( Uma contribuição à análise
das debêntures. 1986. p. 83. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) — Fa
culdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1986) afirma, porém, que não é
fácil identificar numa emissão/subscrição de debêntures um contrato de mútuo. O
que ocorre, de acordo com o autor citado, é que “para que se dê a subscrição há os
mais variados negócios jurídicos subjacentes dentre os quais predomina o mútuo e
assim se explica a teoria dominante entre os juristas de origem latina de que a emis
são de debêntures a ele se resume”.
tizadoras. Já as LCIs são valores mobiliários emitidos por institui
ções financeiras, tendo por lastro, necessariamente, créditos imobiliá
rios. São de criação mais recente e visam a simplificar o processo de
securitização imobiliária, já que dispensam a companhia securiti-
zadora. A emissão desses documentos obedece a regras semelhantes
àquelas aplicáveis a emissões de outros títulos, e suas características
especiais estão definidas em lei e regulamentação complementar, que
serão analisadas adiante.
Em todos os outros casos, geralmente, as securitizações são fei
tas pela emissão de debêntures, que, por serem títulos essencialmen
te de longo prazo, e por apresentarem diversas possibilidades de
estruturação e graus de preferência, podendo ser emitidas em dife
rentes séries e com diferentes níveis de garantia, apresentam-se como
instrumentos eficazes para a securitização. Assim, mesmo em securiti
zações de base imobiliária, é comum a utilização de debêntures, ape
sar da existência de títulos específicos.
Podem ainda ser utilizadas quotas de fundos de investimento,
especialmente em securitizações de base imobiliária, e, mais recen
temente, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Essas quo
tas são também legalmente consideradas valores mobiliários, e se
guem o mesmo disciplinamento para a distribuição dos demais valo
res mobiliários previstos na legislação brasileira.
Para instrumentalizar a securitização, pode-se ainda usar títulos
de capital, como ações ou quotas de sociedade. Não há qualquer óbi
ce conceituai nesse sentido, apesar de essa estrutura não ser tão co
mum. Nesse caso, também há a possibilidade de atribuir característi
cas a classes distintas de ações preferenciais, aproximando-as de tí
tulos de renda fixa.
Discute-se a respeito da adequação de títulos que não foram
criados especificam ente para ser em itidos em processos de
securitização, como é o caso das debêntures, das ações e das quotas
de fundos, em contraste com títulos como os CRIs e LCIs, específi
cos para esse tipo de operação.
Acredita-se que a não-existência de títulos específicos de
securitização para todas as operações dê maior flexibilidade ao negó
cio. A debênture é um título bastante adaptável, podendo ser emitida
114
de acordo com as necessidades de cada operação, no que di/ respeito
a termo, garantia e forma de remuneração. É, também, um .,, ,(h cie
de valor mobiliário bastante utilizada e reconhecida no nuu.ido, o
que faz com que traga maior segurança aos investidores.
167 BARON, Neil. The role of rating agencies in the securitization process. In
KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J. (Coord.), op. cil.. p. 8 1.
'“ BARON, Neil. op. cit., p. 82.
uma agência de classificação de risco é sua reputação, que advém da
qualidade e confiabilidade de suas análises.
Apesar de serem contratadas e pagas pelos emissores dos títu
los, as notas dadas pelas agências de classificação de risco têm o
objetivo de informar o investidor, e não o emissor. Dessa forma, se os
investidores não têm confiança na agência contratada pelo emissor,
pouco importa que ela atribua aos papéis emitidos a nota máxima,
pois os investidores não confiarão na qualidade de sua opinião nem
utilizarão a nota como um dado de avaliação do preço que estarão
dispostos a pagar pelos títulos.
Oportuno ressaltar que não é raro em operações de securitização
a nota atribuída a determinada emissão ser mais alta que aquela atri
buída ao originador. Esse fenômeno é facilmente explicável se se
considerar que na securitização o risco é b e m mais definido, pois o
conjunto de ativos q u e dá la s tro à e m is s ã o é determinado e segrega
do, não se misturando com o restante d o patrimônio do originador. É
claro que para is s o ocorrer a s e g re g a ç ã o d o patrimônio tem que ser
efetivada de maneira juridicamente adequada, com a efetiva cessão
dos créditos e todas as formalidades eventualmente exigidas.
116
C apítulo 4
SECURITIZAÇÃO E TEORIA
DO PATRIMÔNIO
4.1, Conceito de patrimônio e patrimônio separado
Para os fins deste estudo, considera-se(be^, assim como o faz
Oscar Barreto Filho169*, em seu sentido restrito, ou seja, bem econô
mico apropriável pelo homem e suscetível de avaliação pecuniária,
Nesse sentido, os bens não são necessariamente materiais, sendo tam
bém considerados bens os direitos e obrigações, coisas corpóreas ou
incorpóreas. * —-
Os bens podem ser considerados de forma singular ou coleti-
vaéUm conjunto dé bens que permanecem totálmente distintos uns j
1 dos outros e são suscetíveis de conservar íntegras as respectivas í
117
co”171. Assim, o patrimônio envolve tanto elementos ativos (bens
corpóreos e direitos) quanto passivos (obrigações e dívidas)172, ava
liáveis em pecúnia173.
Existem várias teorias sobre o conceito e natureza do patrimô
nio174. Tais teorias podem ser agrupadas em duas grandes correntes:
teoria clássica, de orientação personalista e subjetiva; e teoria moder
na, de orientação objetiva e realista175.
A teoria clássica vincula de forma absoluta as noções de patri
mônio e personalidade. O patrimônio é considerado o conjunto de
direitos e deveres de uma pessoa determinada, sendo então uma uni-
^ versalidade de direito. Por ser o patrimônio uma emanação da perso-
nalidade, podem ser inferidas as seguintes consequências: a) só as
118
ções, formando o patrimônio. Dessa forma, de acordo com tal con
cepção, patrimônio seria um conjunto de bens coesos por serem afe
tados a um mesmo objetivo176.
Ao contrário da teoria clássica, pela teoria moderna é factível
1 uma pessoa possuir mais de um patrimônio, desde que afetados a fins
diferentes. Nesse mesmo sentido, Paulo Cunha177 afirma que não-são
, aceitáveis os princípios da unicidade, indivisibilidade e inseparabili-
V j dacte do patrimônio em relação ao seu titular; ao contrário, é perfeita-
y mente admissível a idéia de unificação patrimonial pela identidade
kie fim, de tal sorte que a mesma pessoa pode ser titular de mais de
um patrimônio178.
A idéia de patrimônio do Código Civil de 1916 era extrema
mente personalista, subjetivista, já que estava essencialmentejiga-
da à noção de sujeito de direito como elemento unificador do patri-
ifioriHy.Tlíão ao objetivo a que se destinava esse pitffihôluô!~Mes-
ino a^sihi. o Código Civií aceitava a afetação de parcelas do patri
mônio, ou a idéia de patrimônios separados ou especiais, como o
dote, a comunhão"mâlHmõnSTfiFhéhsV Ô pâtn^ o
^ fideicomisso. .. .......... ......-............. .......
i Já o novo Código Civil traz uma importante disposição no que
I diz respeito à objetivização do patrimônio, quando admite, em seu
| art. 90, a criação de universalidades de fato que sejam objeto de rela-
! ções jurídicas próprias. Assim, apesar Hecónsagrar o princípio de
? que os bens do responsável por ofensa ou violação do direito de ou-
s trem ficam suj eitos à reparação do dano causado, princípio esse ligado
j à teoria clássica do patrimônio, o Código Civil apresenta a possibilida-
) de da segregação de parcelas do patrimônio, afetadas a um fim especí-
j fico. Essa disposição, sem paralelo no Código anterior, pode-se mos- I
I trar bastante importante na legitimação de operações de securitiza- j
j ção com segregação interna de patrimônio, a depender da interpreta- /
! ção que, no futuro, os operadores do direito venham a lhe dar. f
l79TUHR, Andreas von. Derecho civil: teoria general dei derecho civil alemán. Buenos
Aires: Depalma, 1946. v. 1, p. 409 e s.
180TUHR, Andreas von. op. cit., p. 408.
181MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Atuali
zado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2000. t. 5, p. 425 e s.
182TUHR, Andreas von. op. cit., p. 210 e s.
120
são outorgados, ao contrário do que sucede com o patrimônio geral,
o qual serve a fins gerais; b) a administração do patrimônio separado
pode ser conferida a outra pessoa que não o seu titular; c) os limites
entre o patrimônio especial e o principal são marcados pela lei ou por
convenção, de sorte que naquele ingressam todos os direitos que a lei
ou a manifestação de vontades consigna, integrando-se neste todos
os demais; d) a lei não estabelece de modo taxativo os limites entre
patrimônio especial e geral, de maneira que, em certos casos, é dado
aos interessados modificá-los mediante transferência de elementos, /
entre ambas as massas patrimoniais; e) como o patrimônio geral, o ' ^
especial também pode ter um passivo ao lado do ativo, no sentido de
que o titular do patrimônio, ou aquele que exerce a sua administra
ção, fica adstrito a cumprir certas obrigações por meio do patrimônio
especial, que responderá pelo inadimplemento; e f) existe a possibili
dade de relações jurídicas entre o patrimônio geral e o especial.
A principal ilação que se extrai das características do patrimô
nio especial é que, a não ser em casos excepcionais, ele não responde
por dívidas do patrimônio geral, no caso de um mesmo titular, nem
de outros patrimônios especiais, nem por dívidas pessoais de seu ad
ministrador. É o que Pontes de Miranda183 chama de princípio da
, incolumidade dos patrimônios separados.
Semelhante é a opinião de Sylvio Marcondes184, quando, tratan
do da limitação de responsabilidade do comerciante individual, afir
ma que resta refutada a teoria da unicidade do patrimônio, já que o
próprio legislador reconhece a existência de determinadas universa
lidades jurídicas subordinadas a um mesmo sujeito de direito. Afir
ma ainda que tal universalidade especial deve estar legalmente regu
lada para ser apta a apresentar satisfatórias condições para centrali
zar as relações jurídicas emergentes da atividade originadora a que
esteja vinculada.
122
Nesse caso, o patrimônio separado regularmente constituído não
pode ingressar na massa falida, nem ser exigido por credores do
originador, uma vez que foi destacado para um fim específico do
qual é garantidor.
Com efeito, a nova Lei de Falências e Recuperação de Empre
sas, Lei n. 11.101/2005, reconheceu essa característica do patrimônio
que serve de lastro à operação de securitização, determinando, ex
pressamente, que tais ativos não fazem parte da massa falida do
originador.
Assim, determina o § l2 do art. 136 do diploma falimentar bra
sileiro que, “na hipótese de securitização de créditos do devedor, não
será declarada a ineficácia ou revogado o ato de cessão em prejuízo
dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo
securitizador”.
123
q ü e n te apelo aos a tiv o s do V P E para saldar dívidas do originador188,
o u nulidade, ou mesmo anulação do negócio jurídico pelo qual se fez
a transferência dos ativos do originador ao VPE. Essa última hipóte
se poderia ser considerada, caso o negócio fosse realizado em fraude
contra credores.
De acordo com Humberto Theodoro Jr.189 as principais sedes
normativas de repressão à fraude são o Código Civil, onde está defi
nida a fraude contra credores; a Lei de Falências, em que se regula a
ação revocatória e o Código de Processo Civil, onde está disciplinada
a fraude à execução.
O negócio com fraude contra credores é, de acordo com o Códi
go Civil, a) o ato de transmissão gratuita de bens, ou remissão de
dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por ele reduzi
do à insolvência; ou b) o contrato oneroso do devedor insolvente,
quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conheci
da do outro contratante. Em ambos os casos, os negócios jurídicos
praticados em fraude contra credores podem ser anulados. Nas hipó
teses apresentadas, a possibilidade de anulação do negócio jurídico
não está ligada ao fato de se tratar de securitização, e sim às circuns
tâncias em que ocorreram.
Nesse sentido, e ainda de acordo Theodoro Jr., a fraude não é
vício intrínseco ao ato, e, por isso, não deveria tomá-lo anulável.
Deveria, sim, ser considerado ineficaz, em decorrência de lesão a
terceiros, ou seja, mesmo sendo válido, não é suficiente, por si só,
para produzir efeitos.
No caso de falência, visando à proteção da massa falida, o legis
lador brasileiro considerou sem efeito, quanto a ela, os atos enumera
dos na lei falimentar, dentre os quais a constituição de direito real de
garantia e as inscrições de direitos reais e as transcrições de transfe-
126
disciplinar, fixado, usualmente, em regras cogentes ou dis
positivas” 192*.
Em senso contrário, o contrato atípico é aquele que ainda não
foi disciplinado de forma integral pelo legislador. Ainda de acordo
com a autora, o típico e o atípico significam, respectivamente, o anti
go, já consolidado; e o exercício do auto-renovamento do sistema
fundado na autonomia privada.
Apesar de contar com normas legais especificamente aplicáveis
a algumas de suas espécies, a securitização pode ainda ser considera
da um negócio atípico. Isso porque o legislador brasileiro não se pre-
ocupouem inserir a operação de forma.isis.tê in k a - ^
mento.^Sua unidade de estrutura advém antes da prática negociai,
que da disciplina jurídica que a imponha. ç '
Utilizando-se Halütònomià da vontade, as partes criam contra
tos para instrumentalizar suas relações econômicas de forma mais
eficiente. A securitização é exemplo dessa força criadora.
A celebração de uma operação de securitização é baseada, as
sim, na autonomia da vontade, ou seja, na possibilidade que os entes
privados têm de contratar, observados certos limites impostos pelo
Direito e pela Moral. De acordo com Rachel Sztajn191, na visão dos
economistas, o que leva as pessoas a contratar é a possibilidade de
melhora do bem-estar das partes, justificando-se a força vinculante
dos contratos pelo fato de permitirem, dentre outras coisas, a transfe
rência de riqueza e de risco. É, assim, a necessidade econômica que
induz a celebração de um contrato.
Nas palavras de Enzo Roppo194, não há contrato se não houver
uma operação econômica, e, por outro lado, “o contrato é a veste
jurídico-formal de operações econômicas”. O princípio da autono
mia da vontade compreende não só a livre determinação quanto ao
fato de contratar ou não, mas também do conteúdo do contrato que se
quer firmar, e o tipo contratual no qual se pretende enquadrar a opera-
128
5.2. Securitização como negócio indireto
De acordo com Ascarelli197, a utilização de tradicionais institu
tos jurídicos com funções diversas das que usuaimente exercem de
senvolve o Direito, pois tais institutos, apesar de manterem a mesma
forma, servem a finalidades renovadas.
Ainda de acordo com o citado autor198, o fenômeno da utiliza
ção de antigas formas para novos fins visa conciliar exigências da
vida prática com a certeza e a segurança da disciplina jurídica. Por
vezes, esse fenômeno mostra-se mais adequado que a edição de le
gislação específica, já que os institutos utilizados são testados e utili
zados em profusão, oferecendo certeza que normalmente não é en
contrada em novos institutos. Apesar de às vezes contrariar a simetria
e a estética do sistema jurídico, esse tipo de absorção de novos negó
cios dentro de figuras jurídicas antigas traz vantagens, como a satis
fação de novas exigências, sem o abandono do desenvolvimento jurí
dico, e a certeza decorrente da utilização de institutos já conhecidos.
Ascareili .ensina ainda que esse fenômeno pode ser denominado
Inércia JurídicafAfirma o autor que
129
“há, pois, um negócio indireto sempre que as partes recorrem,
no caso concreto, a um negócio determinado visando a alcançar
através dele, consciente e consensualmente, finalidades diver
sas das que, em princípio, lhe são típicas”200.
130
É esse exatamente o caso da securitização: vários t <mii ah > stu>
utilizados para estruturar um negócio único, que não possui d i i p l i
na jurídica própria. É um negócio indireto, que se utiliza de nutifuíos
como cessão de créditos, constituição de sociedades, emissão de litu
| los, prestação de garantias e compra e venda de títulos, mas tem uma
Mnica finalidade203. Quando as partes do negócio concordam em cele
brar o conjunto de contratos, não têm em mente cada um separada
mente, mas sim a securitização. Somente o conjunto dos contratos
serve ao propósito das partes contratantes.
No mesmo sentido, Domenico Rubino204 afirma que se pode
falar em “combinação de negócios com escopo indireto”, sempre que
. sejam utilizados vários “negócios-meio” para se atingir ao “negócio-
fim”, sendo essa combinação considerada um negócio único.
Na securitização, negócios jurídicos tradicionais são utilizados
com escopo diferente do que têm via de regra. O interesse das partes
as leva a praticá-los visando uma estrutura mais complexa, e não o
fim de cada negócio individualmente. Sob outro ponto de vista, p o
der-se-ia também afirmar que a securitização acrescenta elementos
novos, não previstos na norma positiva, a institutos já consagrados,
de modo a satisfazer ao interesse das partes na celebração do negócio
jurídico pretendido.
O principal escopo das partes em se utilizar de estruturas jurídi-
caI para fins diferentes daqueles a que normalmente se destinam é
apropriar-se da disciplina jurídica dessas estruturas, já consagradas e
conhecidas, e não se afastar do terreno conhecido dos negócios
nominados.
132
Nas palavras de Otto de Souza Lima, o negócio fiduciário é
133
são. Nas palavras de Ferrara210, há a união de dois negócios de índole
e efeitos diferentes, colocados em recíproca oposição: um contrato
real positivo e um contrato obrigacional negativo. Ocorre que ambos
os negócios estão ligados pela unidade de escopo, tornando-se uno e
incindível.
Na estrutura de qualquer operação que possa ser considerada
uma securitização em sentido estrito, podem-se encontrar os elemen
tos de um negócio fiduciário: há uma cessão de bens ou direito por
parte do originador (fiduciante) a um veículo de propósito exclusivo
(fiduciário) em benefício dos investidores, com um escopo determi
nado, que não pode ser desvirtuado pelo cessionário.
É claro que na securitização, muito mais que simplesmente a
fidúcia, as funções e poderes do fiduciário estão protegidas contra
tualmente, e mesmo pela legislação, nas hipóteses de securitização
de créditos imobiliários e financeiros. Mesmo assim, a natureza
fiduciária da securitização é patente, sendo ela reconhecida pelo pró
prio legislador, conforme se verá adiante.
Há ainda que ressaltai' a distinção entre os negócios simulados e
os negócios fiduciários. Segundo o Código Civil brasileiro, o negócio
jurídico é simulado, e, portanto, nulo, quando aparentar conferir ou
transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente con
fere ou transmite; contiver declaração, confissão, condição ou cláusula
não verdadeira; e/ou for antedatado ou pós-datado. O negócio fiduciá
rio não se enquadra em nenhuma dessas características, sendo, antes,
um negócio almejado pelas partes envolvidas. Enquanto o negócio
simulado se realiza com o intuito de suscitar uma aparência, o negó
cio fiduciário realiza-se com o intuito de suprir uma lacuna legal.
Conforme já se analisou, os negócios fiduciários são mais bem
assimilados pelos países tributários da tradição anglo-saxônica, onde
a decomposição da propriedade é admitida sem grandes problemas
conceituais, sendo o trust um dos instrumentos mais utilizados no
tráfego negociai nesse caso. Em países de base jurídica romano-
134
germânica, os negócios fiduciários são de difícil inserção, devendo
derivar de institutos jurídicos já consolidados, de forma a não colidir
com os princípios desses sistemas.
Existem diversos exemplos de negócios fiduciários presentes
há algum tempo na legislação brasileira, como a alienação fiduciária
em garantia de coisa móvel e a alienação fiduciária de ações e mes
mo, em certa medida, os fundos mútuos de investimento.
Não obstante, foi com o desenvolvimento da securitização que
o legislador brasileiro tomou iniciativas realmente inovadoras, com a
instituição da propriedade fiduciária nos fundos de investimento imo
biliário, o regime fiduciário e a alienação fiduciária de bens imóveis
do Sistema Financeiro Imobiliário, e ainda o patrimônio de afetação
nas incorporações imobiliárias. Apesar de não se identificarem com
o trust, apresentam o elemento característico dos negócios fiduciários,
que consiste basicamente na transmissão da propriedade afetada a
um fim específico.
Assim, o próprio legislador, reconhecendo a natureza da securi
tização de negócio fiduciário, procurou tornar disponíveis institutos
que pudessem viabilizar sua estruturação de maneira mais segura,
pelo menos no que diz respeito ao segmento imobiliário.
211 A esse respeito, cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento juridico 10. ed
Brasília: UNB, 1999.
Nesse sentido, ensina Álvaro Villaça Azevedo212 que são aplica-
\ das aos contratos atípicos as normas de caráter geral, que se sujeitam
, ^ a quaisquer declarações de vontade; as estipulações contratuais acor
dadas pelas partes e ainda as normas que regulam os contratos tígi-
icos, por analogia, sempre que possível.
No caso da securitização, pode-se dizer que a norma jurídica se
aplica a ela de duas maneiras: por analogia e por indução. Enquanto
a analogia consiste em que se empregue um princípio jurídico que a
lei estabelece para um determinado fato, a um outro não regulado,
mas juridicamente semelhante ao primeiro, na indução, estende-se
para todos os casos da mesma natureza aquilo que é válido apenas
para um determinado caso213.
De acordo com Rachel Sztajn,
“os contratos típicos são resultado de anterior criação dos par
ticulares, socialmente aceita, fruto de relações sociais e eco
nômicas, e reconhecidos pelo legislador por merecedores de
tutela”214.
136
indução, quando se aplicam modelos disciplinados espt cuie.. de
securitização de créditos financeiros ou imobiliários para quui qi«*i
operações.
Dessa maneira, a securitização vai se inserindo no ordenam, nío
jurídico brasileiro, e busca sua identidade jurídica espontaneatm me,
sem limites legais específicos que a restrinjam.
Faz bem o legislador brasileiro em esperar a consolidação da
operação para só então regulá-la de maneira mais geral, já que um
disciplinamento precoce poderia criar limites ou dar à operação ca
racterísticas incompatíveis com as necessidades mercadológicas.
Apesar de se poder argumentar que a falta de legislação amplr
poderia atrasar o desenvolvimento da operação no Brasil por não dotá-
la da segurança que apenas o direito é capaz de oferecer, acredita-sf
que o disciplinamento precoce poderia inviabilizar definitivamente;
securitização no país.
137
Nesse sentido, ensina Álvaro Villaça Azevedo212 que são aplica
das aos contratos atípicos as normas de caráter geral, que se sujeitam
.-ív ja quaisquer declarações de vontade; as estipulações contratuais acor
dadas pelas partes e ainda as normas que regulam os contratos típi-
icos, por analogia, sempre que possível.
No caso da securitização, pode-se dizer que a norma jurídica se
aplica a ela de duas maneiras: por analogia e por indução. Enquanto
a analogia consiste em que se empregue um princípio jurídico que a
lei estabelece para um determinado fato, a um outro não regulado,
mas juridicamente semelhante ao primeiro, na indução, estende-se
para todos os casos da mesma natureza aquilo que é válido apenas
para um determinado caso213.
De acordo com Rachel Sztajn,
136
indução, quando se aplicam modelos disciplinados específicos de
securitização de créditos financeiros ou imobiliários para quaisquer
operações.
Dessa maneira, a securitização vai se inserindo no ordenamento
jurídico brasileiro, e busca sua identidade jurídica espontaneamente,
sem limites legais específicos que a restrinjam.
Faz bem o legislador brasileiro em esperar a consolidação da
operação para só então regulá-la de maneira mais geral, já que um
disciplinamento precoce poderia criar limites ou dar à operação ca
racterísticas incompatíveis com as necessidades mercadológicas.
Apesar de se poder argumentar que a falta de legislação ampla
poderia atrasar o desenvolvimento da operação no Brasil por não dotá-
la da segurança que apenas o direito é capaz de oferecer, acredita-se
que o disciplinamento precoce poderia inviabilizar definitivamente a
securitização no país.
215 BULGARELLI, Waklirio. Contratos mercantis. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 533.
216 BULGARELLI, Waldirio. Contratos..., p. 373. O autor traz extensa exposição a
respeito da natureza do contrato de arrendamento mercantil.
securitização: mobilização de ativos. Além da função . ■..nomt .1
‘•' Sobre o assunto, cf. LOPES, Mauro Brandão. Natureza jurídica do ' Icasiii!;'
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, «. 14,
p. 35-39, 1974.
C apítulo 6
A SECURITIZAÇÃO NO BRASIL
A securitização no Brasil encontra-se em fase embrionária de
desenvolvimento, se comparada a países como os Estados Unidos ou
a Inglaterra. Há ainda uma quantidade pequena de operações que se
restringem a segmentos determinados.
Há quem considere que a carência de regulamento sistêmico
próprio é uma das razões para o tímido desenvolvimento da securiti
zação no Brasil, já que esse fato traria à operação certo nível de incer
teza, especialmente no tocante a pontos polêmicos, como a eficácia
da cessão dos créditos perante credores do originador, e a natureza
dos títulos emitidos. Pode-se, todavia, encarar a questão de forma
diametralmente oposta: o uso de instrumentos jurídicos consagra
dos, com pequenos ajustes decorrentes de legislação específica, daria
mais segurança à operação, já que, há bastante tempo, esses instru
mentos estão consolidados no ordenamento jurídico.
Esse é o ponto que se passa a explorar.
140
reguladores, como o Banco Central ou a Comissão d e Valores Mo
biliários. Torna-se. assim, difícil a utilização de ta is re g ra s por in
dução em outros tipos de operação, exatamente por sua especifici
dade e pela limitação de alcance da competência dos ó rg ã o s que
emitiram tais normas.
Em geral, as regras aplicáveis à securitização de ativos diferen
tes daqueles amparados pelas normas específicas são as normas ge
rais de Direito Civil e Comercial, com todos os inconvenientes e van
tagens que isso possa trazer, como analisado a seguir.
O primeiro diploma legal a tratar da securitização, apesar de
não utilizar essa palavra em seu texto, foi a Resolução CMN n. 1.834/
91, regulamentada pela Circular do Banco Central do Brasil n. 1.979/
91, que trata da securitização de ativos oriundos de exportação.
A lg u m tempo depois, surgiram regras sobre a securitização de
b a s e imobiliária, seguidas de legislação de vida breve sobre a
s e c u ritiz a ç ã o de ativos empresariais em geral e a securitização de
a tiv o s financeiros. Recentemente, editou-se legislação similar àquela
v o lta d a à securitização de base imobiliária, com relação aos ativos d o
chamado agronegócio, o q u e , mais uma vez, indica a intenção das
autoridades b ra s ile ira s d e e n c o n tra r novas formas de financiamento
para os diversos s e to re s p ro d u tiv o s do País.
Seguindo a o rd e m c r o n o ló g ic a na qual surgiram os primeiros
normativos a regular a o p e r a ç ã o , inicialmente abordar-se-á a secu
ritização de ativos ligados à exportação, seguindo-se a securitiza
ção de base imobiliária, em que o ativo subjacente à operação com
põe-se de imóveis e direitos sobre imóveis. Em seguida aborda-se a
securitização de ativos empresariais em geral, onde se enquadra
riam os recebíveis originários de operações de comércio e presta
cão de serviços. Analisa-se a evolução da regulamentação da secu
ritização de ativos financeiros, que alcança créditos gerados em
operações praticadas por instituições financeiras, e, por fim, os mo
canismos de securitização do agronegócio serão explorados.
142
que incorporam direitos a parcelas do patrimônio segregado no ínist,
bem como a seus eventuais rendimentos.
Por se tratar de emissão com lastro em receitas futuras, e sse
mecanismo pode ser caracterizado como empréstimo externo ou fi
nanciamento à exportação. Isso porque mediante a emissão de títu lo s
no exterior, o exportador antecipa receitas que só efetivaria após e x
p o rta r sua produção219. Porém, difere do financiamento direto pelp
fa to de pulverizar o risco envolvido pela emissão de títulos.
As regras que disciplinam a securitização de exportações são
bastante específicas, não podendo ser utilizadas subsidiariamente em
processos de securitização que não aqueles especificamente descri
tos na regulamentação.
Esse mecanismo já é bem consolidado e comum no mercado bra
sileiro, mas é restrito a sociedades de grande porte, em sua maioria
controladas por grandes conglomerados internacionais. Não obstante,
é de grande valia o exemplo bem-sucedido da securitização de expor
tações, para demonstrar a segurança jurídica da operação no Brasil.
1 4 4
gar a um fracionamento desta, distinto daquele previsto na legislação
civil e na de registros públicos.
Os fundos de investimento imobiliário, mesmo não sendo ex
pressamente considerados mecanismos de securitização, conceitual-
mente apresentam suas mesmas características, já que, como na se
curitização, segregam-se ativos específicos para posterior emissão de
títulos neles lastreados. Assim como na securitização, de acordo com
Andrezzo e Lima221, o objetivo de tais fundos é criar uma poupança
estável e de longo prazo, além de propiciar liquidez a um mercado
tradicionalmente ilíquido, como o imobiliário.
Como os demais fundos de investimento previstos em nossa le
gislação, os fundos imobiliários são constituídos sob a forma de con
domínios, e são representados, ativa e passivamente, pela instituição
que os administra. Porém, enquanto nos fundos de investimento em
geral os bens que constituem seu patrimônio são adquiridos pelo fun
do em seu nome, no caso dos fundos imobiliários os bens e direitos
de natureza imobiliária são adquiridos pela própria instituição admi
nistradora do fundo, com o intuito de se evitarem questionamentos
quanto à legitimidade do condomínio para a aquisição e alienação
dos bens imóveis.
Assim, a maior inovação trazida pela Lei n. 8.668/93 foi, na
verdade, o estabelecimento da propriedade fiduciária do administra
dor com relação ao patrimônio do fundo. De acordo com a citada lei,
os bens e direitos integrantes do patrimônio do fundo de investimen
to imobiliário são mantidos sob propriedade fiduciária da instituição
administradora, e, assim como os frutos e rendimentos deles decor
rentes, não se comunicam com o patrimônio desta, não respondendo
direta ou indiretamente por obrigações da administradora, nem po
dendo ser dados em garantia em operações da instituição.
Ainda no entendimento de Rachel Sztajn222, os fundos de inves
timento imobiliário apresentariam uma estrutura própria de negócios
fiduciários, aproximando-se assim dos mecanismos de securitização
utilizados em países em que a operação é mais desenvolvida. Porem,
221 ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira, op. cit., p. 236,
222 SZTAJN, Rachel. Quotas de fundos de investimentos..., p. 104-108.
não se trataria de um negócio fiduciário nos moldes anglo-saxões
(itrust), tampouco de negócio fiduciário típico do sistema de base ro
mano-germânica.
É, pois, um negócio fiduciário sui generis tipificado pela Lei n.
8.668/93, mediante o qual a administradora do fundo age como se
fosse proprietária dos bens, mas sem que esses se mesclem com seu
patrimônio particular. É, efetivamente, uma modalidade de patrimô
nio separado, apta a servir aos fins de securitização.
Posteriormente, a Lei veio a ser regulamentada, em suas respec
tivas áreas de atuação, tanto pela Comissão de Valores Mobiliários,
com a Instrução n. 205, de 14 de janeiro de 1994, quanto pelo Conse
lho Monetário Nacional, com as Resoluções CMN n. 2.248, de 8 de
fevereiro de 1996, e n. 2.686, de 26 de janeiro de 2000.
Apesar de não serem tão numerosos, os fundos de investimento
imobiliário são responsáveis pelas experiências mais bem-sucedidas
de securitização no Brasil, inclusive no tocante à aceitação dos títu
los por parte do público investidor e até na formação de um pequeno
mercado secundário para os títulos emitidos.
b) S ecu ritiz a çã o d e C réd itos Im o b iliá r io s
Com o advento da Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997,
regulamentada pela Resolução CMN n. 2.517, de 29 de junho de
1998, foi instituído o Sistema Financeiro Imobiliário — SFI, que tem
por objetivo criar um mercado secundário para os créditos imobiliá
rios mediante a securitização, captando recursos privados para esse
segmento da economia de forma alternativa à tradicionalmente utili
zada, que consistia basicamente nos recursos do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço — FGTS, caderneta de poupança ou dos pró
prios cofres públicos223.
Ainda que antes da mencionada lei fosse possível a securitização
de créditos imobiliários, assim como de qualquer outro ativo, a cria
ção de mecanismos e instrumentos específicos objetivou estimular
esse mercado, sem, contudo, ser bem-sucedida nesse intuito. A
223 A respeito da criação do SFI, cf. SFI: um novo modelo habitacional. São Paulo:
Abecip, 1996.
146
securitização de base imobiliária no Brasil é responsável por parcela
ainda insignificante dos recursos necessários ao financiamento
habitacional.
Em seu art. 8a, a Lei n. 9.514/97 define a securitização de crédi
tos imobiliários como sendo a operação pela qual tais créditos são
expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédi
to, mediante termo de securitização de créditos lavrado por uma com
panhia securitizadora, onde constarão todas as informações a respei
to da operação em tela.
A operação segue a estrutura básica de securitização apresenta
da neste trabalho: os créditos imobiliários são cedidos ao veículo de
propósito exclusivo, que emite títulos lastreados nesses créditos. A
diferença desse tipo de securitização é que a própria lei prevê instru
mentos para eliminar lacunas ou obstáculos impostos pela legislação
geral a operações de securitização que, apesar de não inviabilizá-las,
dificultam sua estruturação. Assim, a lei dispõe sobre o veículo pró
prio de securitização, títulos específicos, mecanismos de segregação
e proteção do patrimônio lastro da emissão, garantias adicionais aos
investidores, e dispensa expressamente a notificação do devedor quan
do da cessão^kTcréditos à companhia securitizadora.
A lei prevê como veículo de securitização as sociedades securi-
tizadoras de créditos imobiliários, que são instituições não financei
ras e devem ser constituídas sob a forma de sociedades por ações.
Sua função consiste em adquirir créditos e emitir e colocar no merca
do de certificados os recebíveis imobiliários (CRIs).
Apesar de as companhias securitizadoras serem autorizadas a
emitir outros valores mobiliários, os CRIs são os títulos que, especi
ficamente, representam os créditos imobiliários que os lastreiam.
Conforme definido no art. 6a da Lei n. 9.514/97, os CRIs são títulos
de crédito nominativos, de livre negociação, lastreados em créditos
imobiliários, constituem promessas de pagamento em dinheiro, e so
mente podem ser emitidos pelas companhias securitizadoras de cré
ditos imobiliários224.
148
maior credibilidade à emissão de CRLs e de outros valores mobiliá
rios porventura emitidos pela companhia securitizadora225.
Em sua esfera de atuação, a Comissão de Valores Mobtliaum.
através da Instrução n. 284, disciplinou os procedimentos de n ;»i o >
das companhias securitizadoras de créditos imobiliários, bem <om»
aqueles relativos à distribuição pública de CRIs. Dentre as piuiupuiN
disposições da citada instrução, destaca-se aquela que dispensa a i r
lização de intermediário financeiro226 para distribuição pública th
CRIs, tomando o procedimento mais simples e menos dispêndio...
Mais recentemente, através da Medida Provisória n. 2.223, de
4 de setembro de 2001, convertida na Lei n. 10.931/2004, foi deter
minado que os próprios agentes financeiros podem operar a secut í
tização, sem necessidade da companhia securitizadora, pela emis
são das Letras de Crédito Imobiliário — LCI, títulos criados por
esse diploma legal.
As LCIs são títulos nominativos, que podem ser transferidos
mediante endosso em preto, emitidos e negociados independente
mente de efetiva tradição, ou seja, podem ser escriturais. Elas têm
lastro em créditos imobiliários garantidos por hipoteca ou aliena
ção fiduciária de coisa imóvel, e não podem ser emitidas com prazo
superior àquele dos créditos que lhe dão lastro. Trata-se de urna
estrutura diferente, pois dispensa o uso de VPE, mas, assim corno a
securitização propriamente dita, cumpre a função de conferir cireu-
labilidade a ativos imobiliários.
A securitização no Brasil é, como o foi nos Estados Unidos na
penúltima década, uma saída eficiente para reduzir o déficit habita
a) P a trim ô n io d e a feta çã o
O patrimônio de afetação permite separar o patrimônio geral da
empresa incorporadora do patrimônio referente a cada empreendi
mento específico, visando à consecução da edificação e à entrega das
unidades imobiliárias aos respectivos proprietários. Na verdade, ocorre
uma segregação de cada empreendimento com relação ao risco de
outros, bem como quanto ao risco da própria empresa incorporadora.
150
( ’ada empreendimento passa a ser um centro de geração de receitas e
despesas, que se deve auto-sustentar.
Assim, cada empreendimento possui ativo e passivo próprios,
formados por bens, direitos e obrigações que lhe são inerentes, bem
como os adquiridos no decorrer do desenvolvimento do negócio.
Com o patrimônio de afetação, o construtor obriga-se a manter
em separado todos os bens e recursos relativos a determinado em
preendimento, não podendo investi-lo em outras atividades ou em
preendimentos diversos daquele que originou os recursos.
Note-se, porém, que o patrimônio de afetação é limitado ao
montante necessário para a consecução de determinado empreendi
mento, sendo seus recursos utilizados para pagamento ou reembolso
das despesas inerentes à incorporação. Assim, caso a receita do em
preendimento seja excedente ao montante estipulado para sua conse
cução, passará a fazer parte do patrimônio geral do incorporador, e
não mais do patrimônio de afetação.
Ressalte-se que, apesar de o patrimônio de afetação ser exclusi
vamente destinado à consecução do empreendimento, se porventura
o incorporador vier a prejudicar esse patrimônio, responderá também
com seu patrimônio geral e pessoal por esse prejuízo.
A constituição do patrimônio de afetação é facultativa, poden
do o incorporador adotá-lo a qualquer tempo, ainda que a incorpo
ração haja sido instituída anteriormente à Medida Provisória n.
2.221/2001. O patrimônio dc afetação c constituído mediante aver
bação, junto ao Registro de Imó\cis. dc termo firmado pelo incor-
poíadôr ou peTosTtituhires de direitos reais dc aquisição, e está su
jeito a regras bem específicas, conforme detalhado a seguir.
Paralelamente à constituição do patrimônio de afetação, deverá
ser instituída uma comissão de representantes, formada por titulares
de direitos reais sobre o empreendimento, os quais, por sua vez, terão
os poderes necessários para fiscalizar referido patrimônio, poden
do, para tanto, contratar profissionais especializados. Havendo fi
nanciamento, o patrimônio de afetação poderá ser auditado por pes
soa física ou jurídica nomeada pela instituição financiadora.
Dentre as obrigações do incorporador, destacam-se: promover
os atos necessários à boa administração da incorporação; manter sepa
rado de seu patrimônio, em conta específica, os bens e direitos objeto
de cada incorporação; e entregar à comissão de representantes, tri
mestralmente, demonstrativos do estado da obra, suas perspectivas, e
balancete financeiro do patrimônio de afetação.
No caso de falência do incorporador, esta não atingirá o patri
mônio de afetação, nem mesmo constituirá crédito para a massa fali
da. Havendo financiamento da construção, os adquirentes serão sub-
rogados nos direitos e obrigações contratuais do falido. No prazo de
60 dias da decretação de falência do incorporador, deverá ser convo
cada a comissão de representantes, ou, na falta desta, um sexto dos
titulares das frações ideais, para deliberar sobre os termos da cons
trução da obra e destinação do patrimônio de afetação.
A comissão terá poder para decidir entre a continuidade da obra
e a liquidação do patrimônio de afetação, seguida da venda do patri
mônio e distribuição da quantia correspondente entre seus integran
tes. Optando por assumir a administração da obra, os adquirentes
responderão solidariamente com o incorporador pelas obrigações tra
balhistas, cíveis e demais encargos, desde que vinculados ao patri
mônio de afetação.
Visando resguardar-se contra não-pagamento por parte dos con
tratantes adquirentes de parcelas do empreendimento, é lícito ao
incorporador estipular no contrato, de acordo com o art. 63 da Lei n.
4.591/68, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento
de três prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicial
mente, quer alteradas ou criadas posteriormente, depois de prévia
notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implicará
rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou até mesmo determi
nar que pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de
terreno e à parte construída adicionada.
A edição da medida provisória, já convertida em lei, foi mais
um sinal do interesse das autoridades brasileiras no desenvolvimento
da securitização de base imobiliária, por configurar-se como uma al
ternativa viável ao financiamento tradicional à habitação.
b) R eg im e fid u ciá rio
A lei faculta a instituição de regime fiduciário sobre créditos
imobiliários pela companhia securitizadora, por meio do qual se se
152
gregam os ativos-lastro de determinada emissão, os quais nao se c<>
municam com o patrimônio geral da companhia securitizadora.
O regime fiduciário é instituído mediante a declaração unilate
ral da securitizadora, no contexto do termo de securitização, c impli
ca a constituição de patrimônio separado, afetado ao fim específico
de honrar os compromissos financeiros referentes a uma determina
da emissão de títulos. Todavia, pode ser outorgado, no termo de secu
ritização, o direito de os beneficiários do patrimônio separado have
rem seus créditos contra o patrimônio da companhia securitizadora,
no caso daquele se tomar insuficiente para aquele fim.
A lei diz ainda que o patrimônio segregado não pode ser dado
em garantia, nem pode ser exigido por credores da companhia securi
tizadora, por mais privilegiados que sejam. Cabe à companhia
securitizadora administrar cada patrimônio separado que venha a ins
tituir, mantendo seus registros contábeis e publicando suas demons
trações financeiras de forma totalmente independente.
Há ainda a necessidade de nomeação de um agente fiduciário,
c o m p o d e r e s a m p lo s de representação, incumbindo-lhe, em linhas
gerais, zelar pelo patrimônio submetido ao regime fiduciário e pe
los interesses de seus beneficiários. Note-se que se aplica ao agente
fiduciário as mesmas regras impostas aos agentes fiduciários de
emissões de debêntures, a que se refere a Lei das Sociedades por
Ações.
Ressalte-se que a insuficiência de bens do patrimônio separado
não deverá submetê-lo a regimes falimentares, mas caberá ao a g e n te
fiduciário reunir os beneficiários em assembléia para deliberar so b re
sua administração ou liquidação. Já no caso insolvência da c o m p a
nhia securitizadora, o patrimônio separado não será afetado e o a g e n
te fiduciário assumirá imediatamente sua custódia e a d m in istra ç ã o ,
devendo também convocar assembléia de beneficiários para d e c id ir
sobre sua administração.
A exemplo do que ocorre com o s fundos im o b iliá r io s , a lei
criou um regime fiduciário especial para operações d e securitiza
ção, protegendo expressamente o patrimônio s e g re g a d o p a ra a se
curitização de eventuais demandas c o n tr a o o r ig in a d o r ou incsmo
contra o VPE.
6 .1 .3 . S ecu ritiz a çã o d e a tiv o s em p r esa ria is em gerai
154
wiirHizaçào, e, no caso da securitização empresarial, o ativo subjà-
. cttSt* pode ser qualquer um passível de gerar renda. A falta de regula
ste til ação. em vez de prejudicar, pode ser considerada um ponto van-
»?! > o, urna vez que lhe propicia a necessária flexibilidade para sua
sWnituração.
Atualmente, o setor de cartões de crédito é um dos que mais se
«Cíli/arn da securitização empresarial em todo o mundo. Também no
K i . i m í as administradoras empregam esse mecanismo para adiantar
' A respeito do modelo francês de securitização, cf. nota 160 deste trabalho.
155
A regulamentação dos fundos determina que a aplicação de re
cursos somente deve ser feita por investidores qualificados228. Toda
via, entende-se que essa seja uma circunstância ligada ao fato de se
tratar de produto financeiro ainda não totalmente consolidado no
mercado, mas que, no futuro, poderá ser uma opção de investimento
de varejo.
Com efeito, a legislação a respeito de FIDCs admite espécies
diferenciadas de quotas — subordinadas e seniores — , sendo que as
últimas podem oferecer garantias maiores para seu resgate, podendo,
assim, ser viável para investidores não qualificados.
Os FIDCs têm representado um dos instrumentos de maior cres
cimento para a securitização, tendo a sua regulamentação evoluído
consideravelmente, apesar de ainda existirem algumas dúvidas com
relação à natureza da cessão dos créditos do originador para o fundo,
especialmente com relação à incidência do Imposto sobre Operações
Financeiras — IOF.
Até mesmo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social — BNDES tem utilizado os fundos de recebíveis como ins
trumento de aporte de recursos e financiamento de empresas, uma
vez que ele permite estruturações bastante distintas, possibilitando o
investimento em setores diversos.
”sDe acordo com a definição legal, o termo investidor qualificado abrange as insti
tuições financeiras, as companhias seguradoras, as sociedades de capitalização, as
entidades abertas e fechadas de previdência privada, as pessoas jurídicas não finan
ceiras com patrimônio líquido superior a R$ 5.000.000,00, os fundos de investimen
to em quotas destinados exclusivamente a investidores qualificados, as pessoas físi
cas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$
300.000,00, e que, adicionalmente, atestem, por escrito, a sua condição de investidor
qualificado mediante termo próprio; e os administradores de carteira e consultores
de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios
(Instrução CVM n. 409/2004).
156
de recebíveis bancários e das demais instituições financeiras, como
empréstimos e carteiras de arrendamento mercantil229.
De acordo com Andrezzo e Lima230, por meio desse mecanis
mo, as instituições financeiras contempladas na citada resolução fo
ram autorizadas a excluir de seus balanços operações que pudessem
comprometer seus níveis de concentração de risco, ou mesmo con
tratos problemáticos, cedendo-os para veículos de propósito especí
fico que não integram o Sistema Financeiro Nacional, não se sujei
tando, assim, à severa disciplina dos órgãos reguladores. Antes da
promulgação da Resolução n. 2.493/98, as cessões de crédito de ins
tituições financeiras apresentavam-se como um regime de exceção,
sendo reguladas pela Resolução CMN n. 1.962/92.
Com efeito, a Resolução n. 1.962/92 estabelece a cessão de cré
dito entre instituições financeiras, mas não a companhias securitiza-
doras, além de exigir uma série de formalidades para a efetivação do
negócio de cessão.
A Resolução CMN n. 2.493/98 dispunha, em suma, sobre auto
rização para cessão de créditos oriundos de determinadas operações
por parte de bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investi
mento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, socie
dades de crédito imobiliário, sociedades de arrendamento mercantil
e companhias hipotecárias, sociedades anônimas de objeto exclusivo
e companhias securitizadoras de créditos financeiros.
A Resolução n. 2.493/98 proibia expressamente a coobrigação
da instituição cedente dos créditos ou de qualquer coligada, pelo pa
gamento dos créditos cedidos. Não permitia, também, a recompra de
créditos anteriormente cedidos, ou a aquisição, pela cedente, dos tí
tulos emitidos com lastro nos créditos securitizados.
Em 26 de janeiro de 2Q00, a Resolução CMN n. 2.493/98 foi
revogada pela de p. 2.686, que passou a regular a securitização de
231Neste sentido, cf. ROSENTHAL, James; OCAMPO, Juan. op. eit, p. 17.
158
Provavelmente por essa razão, desde 1993, o CMN vem tentan
do disciplinar a matéria, de modo a manter o controle estrito do Ban
co Central sobre as operações das instituições financeiras e, ao mes
mo tempo, possibilitar o desenvolvimento da securitização como uma
operação capaz de contribuir para obtenção de um mercado financei
ro mais forte e estável.
160
Esse tipo de tratamento jurídico, aberto e sem diretrizes estabe
lecidas, faz com que a securitização seja flexível — e assim deve ser
— já que ainda se encontra em desenvolvimento no Brasil, podendo
vir a ser utilizada para os mais diversos fins. Apenas após a operação
estar plenamente caracterizada em nossa sociedade, no que diz. res
peito à estrutura e função econômica, poder-se-ia criar legislação
ampla, para consolidar o uso que já vem sendo observado, de modo a
incorporá-la defmitivamente ao nosso ordenamento jurídico.
Ademais, não há no ordenamento jurídico pátrio entraves que
impeçam a realização da operação com base na estrutura descrita
neste trabalho. As regras de direito privado podem e devem ser utili
zadas para novos fins, de acordo com as necessidades da sociedade.
Já a regulação específica tem grande importância, por diferen
tes razões: no caso do financiamento imobiliário, a legislação tem o
mérito de contribuir para o desenvolvimento do mercado e criação de
negociação secundária para os títulos emitidos nesses processos,
mesmo não sendo suficiente para atingir esse objetivo isoladamente.
Já no caso da securitização bancária, a legislação visa não ao desen
volvimento, mas sim ao controle da utilização da operação.
É importante ressaltar, todavia, que o regramento jurídico deve
disciplinar sem engessar o desenvolvimento da operação em outras
áreas, mas sim contribuir para seu desenvolvimento responsável. Os
nichos de regulação devem continuar específicos e com objetivos cia-
ramente definidos para cada um deles.
No entanto, há medidas que poderiam ser adotadas no campo
jurídico para desenvolver a securitização, não em normas que regu
lassem a operação, mas no campo do Direito Civil e Tributário.
No que concerne ao Direito Civil, a introdução expressa da fi
gura do patrimônio separado no ordenamento jurídico brasileiro, nos
moldes daquele utilizado pela legislação do Sistema Financeiro Imo
biliário, poderia criar um mecanismo bastante eficaz para a securiti
zação no Brasil.
Note-se que, na Argentina, foi introduzida a figura do tru.st, e,
apesar de ser um instituto típico do Direito anglo-saxônico, t. m s
mostrado bastante eficiente naquele país. Na verdade, o moo f .it
gentino solucionou os dois problemas de forma conjunta, jau*' . *
(>
trust tem tratamento tributário privilegiado, com relação a fundos de
investimento e formas societárias.
Do ponto de vista tributário, apesar de este trabalho não ter a
pretensão de elaborar nenhuma tese nesse campo, é fácil notar que,
por envolver diversas transferências de direitos e valores, a opera
ção de securitização é taxada em demasia por tributos incidentes
sobre movimentações e operações financeiras, o que a faz tornar-se
muito dispendiosa. A política tributária poderia ser dirigida a mino
rar os custos envolvidos na securitização e no mercado de capitais
em geral.
O que também se pode perceber da experiência no Direito es
trangeiro é que o desenvolvimento da securitização em cada país de
pende menos da legislação que regula a operação internamente, e
mais do grau de desenvolvimento do seu meneado de capitais. Assim,
nota-se que, na França, o instituto mostra-se bem mais desenvolvido
do que na Itália e em Portugal, sendo que todos possuem legislação
geral sobre securitização.
O desenvolvimento do mercado de capitais, por sua vez, depen
de de medidas bem mais abrangentes no campo do Direito. Tais me
didas dizem respeito muito mais à forma, na qual são utilizados os
mecanismos disponíveis no Direito societário e mobiliário, do que à
criação de novos institutos. E o que se passa a analisar.
162
C a pít u l o 7
232BLACK, Bernard S. The legal and institutional preconditions for a strong securities
market. U C L A L a w R e v ie w , n. 48. (Working Paper n. 179 da John M. Ollin Program
in Law and Economics).
233 O autor ensina que num mercado fraco, onde os elementos de evidenciação e
eliminação de conflitos de interesses não estão presentes, o mercado de capitais
tende a reunir somente as piores empresas. Isso porque sempre que um investidor
paga por uma determinada ação, já vai exigir certo desconto, por achar que está
164
De acordo com o autor, as precondições acima citadas seriam
alcançadas por meio da existência e funcionamento de forma eficaz
de algumas instituições que, em sua maioria, dependem das normas e
estrutura jurídicas de determinado país.
Posteriormente, Bernard Black publicou um artigo especifica-
mente acerca do fortalecimento do mercado de capitais no Brasil234.
Na verdade, o autor faz a mesma análise realizada anteriormente,
tendo em vista algumas peculiaridades do mercado brasileiro.
Passa-se a analisar as instituições listadas por Black como capa
zes de propiciar as precondições para o fortalecimento do mercado de
capitais, cujo implemento ou melhoramento depende diretamente do
sistema jurídico. Tal análise será efetuada tendo em vista o atual está
gio em que se encontra o mercado de capitais brasileiro, de modo a
identificar quais dessas instituições já foram incorporadas, e quais ain
da não foram desenvolvidas no Brasil, e, em última análise, investigar
se realmente tais instituições são relevantes para o desenvolvimento do
mercado de capitais e, indiretamente, da securitização no Brasil. As
demais instituições, que não são, ao menos diretamente, afetadas por
modificações na legislação vigente, serão listadas posteriormente.
sendo enganado de alguma forma, ou que será prejudicado por uma administração
descompromissada. Assim, as empresas que efetivamente disponibilizem boas in
formações, e dispõem de controles internos suficientes para coibir o conflito de
interesses, serão consideradas como pertencentes à mesma categoria daquelas que
não possuem tais controles. Suas ações serão, assim, descontadas como as daquelas
o foram, e não valerá a pena continuar no mercado de capitais. Por conseqtiência,
somente restariam as piores empresas, até que o mercado tendería ao desapareci
mento. Ao contrário, quando presentes as instituições apontadas pelo autor, o mer
cado encontraria um equilíbrio “forte”, no qual as boas empresas seriam valorizadas
e não apenadas pela deficiência do mercado com um todo.
234BLACK, Bernard S. Strengthening Brazil’s securities markets. Revista de D m ítg
Mercantil, Industriai, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 120, p. 41*55. (MU
dez. 2000.
165
o que ele chama de seleção adversa no mercado de capitais. Esse
problema consiste basicamente no fato de algumas companhias ofe
recerem informações incompletas ou inexatas ao mercado e assim
fazerem com que os investidores acreditem que todas as companhias
agem dessa forma.
Assim, os investidores estariam dispostos a pagar um preço muito
baixo pelos valores mobiliários emitidos por todas as companhias.
Isso não seria um problema para aquelas que realmente tivessem dado
informações incompletas ou inexatas ao mercado, mas seria um grande
desestimulo para as companhias honestas. Esse processo induziria a
que as companhias confiáveis preferissem não se financiar via mer
cado de capitais, onde só restariam aquelas cujos valores mobiliários
valem ainda menos que o mercado está disposto a pagar por elas.
Ainda segundo Black, países como os Estados Unidos conse
guiram minorar o problema de assimetria de informações com um
sistema legal rígido e um conjunto de instituições públicas e privadas
que garantem a ampla evidenciação no mercado de capitais.
A palavra evidenciação, que, em sentido amplo, significa o for
necimento de informações, é utilizada na área contábil em sentido
mais restrito, significando a divulgação de informações sobre as ati
vidades de uma companhia por intermédio dos relatórios contábeis.
A evidenciação, como afirma Iudícibus235, é um compromisso
inalienável da Contabilidade com seus usuários e com os seus pró
prios objetivos. As empresas podem adotar diferentes formas de
evidenciação, mas devem fornecer informações em quantidade e qua
lidade que atendam às necessidades dos usuários das demonstrações
contábeis236.
Além das demonstrações contábeis em si, ou seja, da eviden
ciação em seu sentido estrito, afull disclosure a que se refere Bernard
166
Black em seu artigo tem uma amplitude muito maior: diz respeito a
qualquer informação importante para a determinação do valor da
empresa. Estariam incluídos nesse conceito fatos relevantes — como
definidos pela Instrução CVM n. 358/2002: qualquer fato ou evento
que possa, de qualquer forma, influenciar no preço ou volume de
negociação dos valores mobiliários emitidos por uma companhia.
De acordo com Black, para que um mercado seja considerado
suficientemente “informado” sobre a situação das companhias que
apelam à poupança pública, devem ser previstas e efetivamente cria
das condições para que se desenvolvam certas instituições.
A maioria dessas instituições está intimamente ligada ao siste
ma jurídico a que está sujeito determinado mercado, e dizem respei
to, basicamente, aos princípios contábeis, ao Poder Judiciário, à res
ponsabilidade de administradores de companhias por informações
incompletas ou incorretas e à autoridade reguladora.
b) P o d er J u d iciá rio
Como citado em diversas oportunidades, é grande a importân
cia do sistema jurídico no desenvolvimento do mercado de capitais,
especialmente no que tange à tipificação de instrumentos utilizados
n e sse mercado.
Aqui, vale frisar mais uma vez a importância do Direito na
re g u la ç ã o dos mecanismos econômicos, fazendo com que se tornem
m a is eficientes e com contornos mais claros e definidos, com uma
conseqüente diminuição de custos de transação237.
Nesse mesmo sentido, porém sob outra ótica, em artigo dispo
nível no site da Universidade de Stanford, Franco Modigliani e Enrico
Perotti238 apontam como fator essencial para o desenvolvimento do
168
mercado de capitais a possibilidade de efetivamente aplicar (ou seja,
o enforcement) as regras que visam proteger os investidores no mer
cado de capitais.
Com efeito, assim como Black, entendem os autores que há re
lação direta entre a forma e intensidade com que são protegidos os
direitos dos acionistas minoritários, e o grau de desenvolvimento do
mercado de capitais em dado ordenamento jurídico.
A intensidade com que se recorre ao financiamento bancário,
em vez do financiamento via mercado de capitais, ou, em outras pa
lavras, o grau de desintermediação de determinado mercado, seria
determinada pela possibilidade de serem efetivamente protegidos os
investidores contra a ação danosa de administradores e controladores
de companhias abertas. Os autores chegam inclusive a afirmar que a
falta de proteção adequada aos acionistas minoritários “empurra” as
empresas ao financiamento via mercado financeiro239.
Isso porque a falta de confiança de que obrigações assumidas
contratualmente — e aqui se incluem obrigações oriundas de títulos
e valores mobiliários — serão respeitadas, quer espontaneamente,
quer por intervenção do Poder Público, pode levar à própria degene
ração da negociação privada.
Afirmam os autores que, sendo ineficiente o aparato legal de
proteção aos investidores, há tendência de concentração no mercado
acionário, com conseqüente prejuízo à liquidez desse mercado. Pare
ce óbvio que deter percentuais elevados no capital de determinada
sociedade é uma maneira de se proteger contra conflitos de interesse.
Assim o investidor evitaria que fossem tomadas decisões a sua revelia
e em seu prejuízo. Todavia, o grau de liquidez, como já comentado, é
um dos principais parâmetros para determinar o nível de desenvolvi
mento do mercado, o que faz com que essa técnica seja nociva.
Mais ainda:
169
and their associated investor rights depend largely on security
law; proper enforcement depends on the quality of the legal
system”2'10.
Entende-se, nesse caso, que os autores consideram ainda mais
importante a eficiência do Poder Judiciário ao tutelar os interesses
dos minoritários do que da própria existência de regras de Direito
material específicas para o mercado de capitais. Na verdade, afir
mam que:
170
having common characteristics, and the function of the
enumerated requirements of rule is to assure that from those
characteristics there arises a common legal position vis-à-vis
the opposing party, the legal right or obligations of which the
courts can efficient and fairly adjudicate in a single proceeding.
A representative action: An action is a representative action when
it is based upon a primary or personal right belonging to the
plaintiff stockholder and those in his class242.
242Uma ‘classe’ no que diz respeito a ‘ação de classe’ deve ser entendida em sentido
abrangente e coloquial, de um grupo de pessoas reunidas por terem características
comuns, e a função dos requisitos enumerados na norma é assegurar que daquelas
características surja uma posição legal comum com relação à contraparte, sendo
seus direitos defendidos de forma eficiente pelo poder judiciário em um único pro
cedimento. Uma ‘ação representativa’: é a ação baseada no direito pessoal do autor-
acionista, e de todos aqueles de sua mesma classe.”
243Sobre o assunto, cf. TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. A Lei 7.913 de
7.12.89: a tutela judicial do mercado de valores mobiliários. Revista de Direito M er
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 80, p. 138- 148.
judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento por
danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores
do mercado, sendo esse prejuízo causado especialmente por opera
ções fraudulentas, práticas não eqüitativas, manipulação de preços
ou criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preços de
valores mobiliários; compra ou venda de valores mobiliários por par
te dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta,
com uso de informação privilegiada; e omissão de informação rele
vante por quem tem o dever de divulgá-la, bem como sua prestação
de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.
A lista apresentada pela lei é, contudo, apenas exemplificativa,
já que seu texto diz expressamente que a ação cabe quando os danos
aos investidores “decorrerem especialmente de...”. Sendo assim, a
tutela diferenciada é passível de invocação sempre que haja dano a
investidor por inobservância da legislação e regulamentação referen
tes ao mercado de capitais.
Ainda que se considere que, do ponto de vista procedimental, o
mercado brasileiro conte com instrumentos adequados para a tutela
do investidor, a maioria dos agentes não confia na capacidade técnica
dos juízes brasileiros para resolver questões ligadas ao mercado de
capitais. Prefere-se, na maioria das vezes, recorrer à solução de lití
gios via acordos privados ou arbitragem. Essa tendência se conforma
pelo fato de que, na recente reforma da Lei das Sociedades por Ações,
previu-se expressamente a possibilidade de o estatuto das compa
nhias determinar a solução de litígios societários pela arbitragem.
Na perspectiva aqui apresentada, a falta de preparo do Poder
Judiciário para lidar com questões ligadas ao mercado de capitais e a
conseqüente falta de confiança e relutância dos agentes do mercado
em utilizar-se de sua tutela é um ponto crítico ao desenvolvimento do
mercado brasileiro.
c) A u to rid a d e regu lad ora
De acordo com Black244, não é viável o desenvolvimento de um
mercado de capitais forte sem um órgão regulador honesto, compe-
172
tente e com condições objetivas de fiscalizar a ação dos agentes de
mercado.
Antes de 1965, o mercado de capitais brasileiro não possuía
regulação específica. Segundo Alberto Venâncio Filho215, o desen
volvimento inicial do mercado de capitais no Brasil deu-se de forma
“empírica e sem adequada estruturação legal, salvo dispositivos ob
soletos sobre Bolsas de Valores...”.
Com o desenvolvimento da economia e, especialmente, de um
incipiente sistema financeiro, veio a lume a Lei n. 4.728, de 14 de
julho de 1965, disciplinando o embrionário mercado de capitais bra
sileiro, incumbindo o Conselho Monetário Nacional de regulá-lo e o
Banco Central de fiscalizá-lo.
Já nessa época, cogitou-se a criação de uma agência reguladora
específica para o mercado de capitais, separada do Banco Central,
que, por natureza, destina-se à fiscalização das instituições financei
ras bancárias. Essa agência seria denominada Superintendência de
Mercado de Capitais — SUMEC, mas ainda seria subordinada ao
Banco Central.
Somente em 1976 foi criada a Comissão de Valores Mobiliá
rios, agência governamental especialmente constituída para regular e
fiscalizar o mercado de capitais, ligada ao Ministério da Fazenda.
Antes de sua criação, como já explicitado, tais funções vinham sendo
exercidas, desde 1964, pelo Banco Central, que acumulou as funções
de órgão regulador dos mercados financeiro e de capitais, até a efeti
va estruturação da CVM245246.
Na opinião de Black247 a Comissão de Valores Mobiliários ain
da não é suficientemente sofisticada e tem pessoal e orçamentos mui-
173
to reduzidos para enfrentar formais sutis de sonegação de informa
ções relevantes oü conflitos de interesses. Contudo, a deficiência da
CVM não é de tal maneira acentuada que possa ser caracterizada
como um empecilho para o desenvolvimento do mercado, a exemplo
dos itens anteriores.
Além da CVM, há, no mercado brasileiro, entidades de auto-
regulação que exercem papel fundamental no desenvolvimento das
práticas adotadas pelas instituições intermediárias. Destacam-se as
experiências da Associação Nacional dos Bancos de Investimento,
que elaborou códigos de auto-regulação para ofertas públicas de títu
los e valores mobiliários e para fundos de investimento e das bolsas
de valores. Assim, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que
atualmente concentra a quase-totalidade das operações do mercado
de capitais brasileiro, apresenta padrões razoavelmente rígidos de
listagem das companhias cujos valores mobiliários integram sua car
teira de títulos negociados.
Em dezembro de 2000, a Bovespa anunciou regras para a lis
tagem de companhias num segmento especial, as quais, em seu con
junto, chamou de “Novo Mercado”. As companhias não são obriga
das a aderir ao novo modelo, porém, aquelas que o fizerem sujeitar-
se-ão a regras bem mais rígidas que aquelas hoje estipuladas pela
legislação pertinente.
Há dois níveis diferenciados para companhias que adotarem
determinadas práticas de boa governança corporativa, mas que ainda
não pretendem ou não podem cumprir todas as exigências necessá
rias à inclusão na listagem do Novo Mercado. Este tem como intuito
primordial favorecer o desenvolvimento do mercado de capitais me
diante a criação de exigências mais rígidas de governança corporati
va248 e controles internos por parte das companhias abertas.
174
De acordo com documento elaborado pela Bovespa249, o Novo
Mercado consiste em
175
Na realidade, era diversos aspectos, a Bovespa antecipou-se à
reforma da Lei das Sociedades por Ações ocorrida no final de 2001,
já que algumas — mas não todas — de suas exigências encontram
disposições similares no novo texto legal.
176
ções previstas naquela instrução, especialmente quanto à sua inde
pendência e à regularidade de seu registro na Comissão de Valores
Mobiliários.
Além disso, aplica-se aos casos de descumprimento da legisla
ção que disciplina a evidenciação a regra geral a respeito de respon
sabilização de administradores. Ou seja, respondem civilmente pelos
danos causados a terceiros, acionistas ou a companhia que adminis
trem, por atos praticados em descumprimento da lei ou do estatuto,
ou dentro de seus poderes, com culpa ou dolo.
252 Black divide as práticas que envolvem conflitos de interesses (s e lf-d e a lin g ) ern
duas modalidades: direto e indireto. Ocorre conflito de interesses direto quando os
administradores da companhia efetuarem operações em nome da companhia em
condições piores que as disponíveis no mercado, movidos por interesses pessoais. O
conflito de interesses indireto diz respeito ao uso de informações privilegiadas na
negociação de valores mobiliários de emissão da companhia.
:5'N esse sentido, cf. CAMINHA, Uinie. A eficiência alocativa das normas de direito
societário com relação ao acionista minoritário. R e vista cie D ire ito M erca n til, In d u s
tria l, E c o n ô m ico e F in a n ceiro , São Paulo, n. I 16, p. 194-199, out./dez. 1999.
177
nio aí depositado. Nos dias atuais, há uma flagrante tendência à dele
gação da tarefa de gerir a administradores profissionais, que não se
jam necessariamente sócios da sociedade que administram254.
Com efeito, o fato de se entregar a um administrador a respon
sabilidade pela gestão de patrimônio de terceiros provoca, quase ine
vitavelmente, problemas de conflitos de interesses255.
Os administradores e gestores de recursos alheios encontram-
se, amiúde, em situações em que poderiam agir em seu próprio inte
resse, por instinto natural, ou no interesse das pessoas que lhes confia
ram a administração e gestão de seu patrimônio, por dever legal256.
Esse problema de conflito de interesses pode levar, numa situação-
limite, ao ponto em que os interesses da companhia e os da pessoa do
administrador sejam diametralmente contrários.
Na prática, torna-se difícil induzir os administradores a tomar
decisões que visem ao interesse da sociedade, se, geralmente, os in
vestidores, acionistas da companhia, por sua vez, encontram-se im
possibilitados, quer formal, quer materialmente, de exercer influên
cia em sua administração, ou mesmo de fiscalizar seus membros de
forma satisfatória, a fim de direcionar as ações dos administradores
no sentido que mais agregue valor à companhia.
178
Para minimizar esse problema, podem ser utilizadas, em con
junto ou isoladamente, três estratégias, de modo a compatibilizar os
interesses dos proprietários com os dos gestores de capitais.
A primeira delas, de âmbito interno, consiste em oferecer in
centivos aos administradores, ligados à performance da companhia,
para que se possa criar uma identidade entre os interesses do admi
nistrador e os da empresa257.
A segunda estratégia seria intensificar o dever do administrador
de prestar contas aos acionistas, numa forma mais eficiente de esti
mular os gestores a agir de acordo com os interesses da sociedade e,
ao mesmo tempo, incentivar os acionistas a participar das decisões
da companhia258.
Uma terceira estratégia que, na opinião de alguns doutrinadores,
podería levar o administrador a priorizar os interesses da companhia
seria a definição de sanções aplicáveis a condutas capazes de acarre
tar prejuízos para a companhia259.
De acordo com Black, determinados cenários jurídico-institu
cionais tendem a minimizar problemas de conflito de interesses so
cietários, de modo a incentivar os administradores a gerir empresas
no melhor interesse dos seus proprietários. Esses cenários depen
dem da presença de determinado arcabouço institucional, até certo
179
ponto ligado àquele necessário à ampla evidenciação, já que, quan
do todas as operações societárias são amplamente divulgadas, tor-
na-se mais difícil agir em conflito de interesses. Abaixo segue uma
breve análise daquelas instituições necessárias à prevenção do con
flito de interesses que não foram objeto de comentários anterior
mente, que abrangem basicamente a existência de regras eficientes
no âmbito da legislação societária relativamente ao conflito de inte
resses e regras que visem a reprimir a manipulação de mercado.
a) Regras eficientes de direito societário
A Lei das Sociedades por Ações dispõe, em diversas ocasiões,
sobre problemas de conflitos de interesses, tanto no que diz respeito
a administradores quanto com relação a controladores, e até acionis
tas não controladores.
Não há, porém, qualquer exigência de evidenciação ou apre
ciação por auditores independentes diferenciada para operações que
envolvam administradores ou controladores. A Instrução CVM n.
358/2002 apenas obriga controladores e administradores a infor
mar suas posições acionárias na data em que assumirem os respec
tivos cargos ou posições na companhia, bem como qualquer opera
ção que envolva valores mobiliários de sua propriedade. A qual
quer momento, a CVM pode pedir que a companhia envie essas
informações para sua análise.
No que diz respeito à possibilidade de responsabilização de ad
ministradores, o art. 158 da Lei das Sociedades por Ações dispõe que
ele responderá civilmente por atos praticados dentro de suas atribui
ções ou poderes, porém com culpa ou dolo ou com violação da lei ou
do estatuto.
Na lei não há, contudo, previsão de responsabilidade penal de
administradores ou controladores, sendo aplicável, assim, nos casos
de prática de crimes relacionados à gestão societária por parte dos
administradores, a lei penal geral.
No que concerne ao acionista controlador, dispõe o art. 117 da
mesma lei que ele responde pelos danos que causar à companhia por
atos praticados com abuso de poder. Relaciona-se, então, uma série
de atos considerados abusivos, sendo tal lista meramente exemplifi-
cativa, e não exaustiva.
180
No tocante a acionistas não controladores, o art. 115 dispõe que
o acionista deve exercer o direito de voto sempre em benefício da
companhia, sendo considerado abusivo o voto exercido com o fim de
causar dano à companhia ou outros acionistas, ou de trazer para si ou
para outrem vantagens indevidas, em detrimento dos interesses da
sociedade.
A lei dispõe ainda que os acionistas não podem votar n a s deli
b e ra ç õ e s d a a s s e m b lé ia destinadas a aprovação de laudos de a v a lia
ç ã o d e b e n s d a d o s a título d e integralização de capital subscrito, ou
d e su a s c o n ta s c o m o a d m in is tra d o re s , ou, de maneira mais geral, em
q u a is q u e r m a té ria s e m q u e p o s s a m ter interesse conflitante com o da
c o m p a n h ia .
O a c io n is ta q u e descumprir tais determinações será compelido
a re s s a rc ir e v e n tu a is prejuízos que causar à companhia por meio de
seu v o to a b u siv o , podendo ainda ser anulada a deliberação tomada
c o m d e s o b e d iê n c ia ao disposto no art. 115.
R e la tiv a m e n te ao uso de informações privilegiadas, a própria
L e i das Sociedades Anônimas estabelece, no § 42 do art. 155, a proi
b iç ã o da divulgação, bem como da utilização, em benefício próprio
ou de terceiros, de inf ormações das quais tenha tido ciência em razão
do cargo que ocupa.
Estabelece, ainda, que a pessoa prejudicada em compra e venda
de valores mobiliários contratada com infração ao ali disposto tem
direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos
que, ao contratar, já conhecesse a informação.
No âmbito regulatório, a Instrução n. 358/2002, da CVM, veda
e trata como infração grave o uso de informações obtidas por conta
de cargo ou função para obter vantagem que não teria, caso não esti
vesse investido em tal cargo. Assim, o uso de informação privilegia
da é bastante regulado, sendo que a efetiva aplicação dessas regras
ainda é restrita no Brasil.
Apesar de existirem certas normas de direito material q u e p o s
sibilitam a responsabilização de administradores e c o n tr o la d o r e s
por atos c o n tr á r io s aos interesses d a s o c ie d a d e , há p o u c o s c a s o s em
q u e , n a p rá tic a , administradores o u c o n tr o la d o r e s tenham s id o elê-
tiv a m e n te p u n id o s p o r este tip o d e c o n d u ta . Isso se deve. b a s ic a
mente, a duas razões: a primeira diz respeito à pouca confiança que
investidores depositam no Poder Judiciário, para apreciar questões
ligadas a direito societário e mercado de capitais, e a segunda à
falta de cultura relacionada à punição de atos em conflito de inte
resses.
182
7.3. O problema institucional brasileiro
Além das citadas acima, Bernard Black261 apresenta ainda uma
lista de instituições não ligadas diretamente ao sistema jurídico,
mas que são essenciais ao desenvolvimento do mercado de capitais,
quais sejam: bons profissionais de contabilidade, bons bancos de
investimento, bons advogados atuantes na área de mercado de capi
tais, possibilidade de responsabilização de todos esses profissio
nais, imprensa especializada ativa e bons analistas de mercado, além
de cultura de evidenciação entre os profissionais de contabilidade,
bancos de investimento e advogados.
Apesar de ainda não ter alcançado o mesmo nível de rigidez de
legislações como a norte-americana, o sistema jurídico brasileiro, no
que diz respeito ao mercado de capitais, não é tão deficiente que jus
tifique sua insipiência. Na verdade, apesar de ainda poder contar com
o aperfeiçoamento das normas jurídicas que tutelam o mercado de
capitais, as maiores deficiências no Brasil, tomando-se por base a
lista de instituições apresentada por Black, são aquelas ligadas à cul
tura de poupança e à forma de lidar com direitos já assegurados dos
investidores.
Pode-se concluir, assim, que o entrave para o desenvolvimento
do mercado de capitais brasileiro é bem mais institucional que legal,
e, dessa forma, bem mais complexo de ser superado. Isso porque o
aparato institucional de determinado mercado envolve mais elemen
tos que simplesmente regras de direito positivo.
Nesse sentido, Douglas North262 ensina que as instituições são
as “regras do jogo” em determinada sociedade, ou seja, são os con
troles formais ou informais criados pelo homem para regerem suas
relações entre si. As instituições servem, assim, para reduzir incerte
zas na interação humana, tornado-a mais segura e previsível. Incluem-
se em seu conceito os controles formais e informais e a maneira na
qual esses controles são aplicados, caso sejam desrespeitados.
“ ’No texto original, o autor fala em property rights (op. cit., p. 33), o que seria um
conceito mais econômico que jurídico. Tais direitos seriam “the rights individuals
appropriate over their own labor and the goods and services they possess.
Appropriation is a function of legal rules, organizational framework, enforcement,
and norms of behavior — that is, the institutional framework”.
264NORTH, Douglas, op. cit., p. 6 e s.
265NORTH, Douglas, op. cit., p. 36 e s.
184
melhantes funcionam de maneira diversa em culturas diferentes, e,
ainda, de como amiúde culturas restam basicamente inalteradas
apesar de bruscas mudanças em suas legislações. Os controles in
formais seriam, assim, a cultura, os usos e costumes de determina
do lugar, as normas de conduta que, apesar de não tipificadas, são
constantemente observadas e cuja não observância traz reprovação
social para o infrator.
No que diz respeito à influência dos controles formais, ou,
mais especificamente, das normas de direito positivo na estrutura
ção do mercado, elas, basicamente, promovem alguns tipos de ope
rações econômicas, mas não todas. Assim, o desenvolvimento de
certa espécie de tráfego financeiro depende das diretrizes políticas
das normas positivas de determinado mercado. Tais diretrizes vão
determinar as normas hierarquicamente superiores, que, por sua vez,
estabelecerão as inferiores, e em seguida os regulamentos, os quais,
por seu turno, influenciarão os contratos firmados entre os agentes
econômicos266.
Assim, em última análise, é a política econômica que vai ajudar
a determinar as características mercadológicas, mediante o estímulo
ou desestimulo de operações comercias e financeiras.
O terceiro elemento do aparato institucional é a forma de apli
cação (enforcement) dos dois primeiros elementos, especialmente do
segundo. De acordo com North267, as partes de um negócio devem ser
capazes de promover a execução forçada das disposições contratuais
a um custo tal que o contrato continue valendo a pena. Essa aplicação
nas normas materiais é, na maioria das vezes, outorgada ao Estado,
que deve ser uma força coercitiva capaz de monitorar e tutelar os
direitos patrimoniais de forma eficiente, o que, na maioria dos casos,
não é possível.
Dessa forma, não é necessária apenas a existência de meios ad
ministrativos e judiciais de se promover a execução de obrigações
contratuais não cumpridas. E preciso que tais meios sejam economi
camente viáveis.
185
North268 conclui que quem promove mudanças, em última aná
lise, são os agentes econômicos, impulsionados pelos incentivos ou
constrangimentos impingidos pelo aparato institucional. De acordo
com o autor, as mudanças são ajustes marginais no complexo de nor
mas não escritas, direito positivo e mecanismos de aplicação dessas
normas.
Não obstante, as instituições devem ser, por natureza, estáveis,
e é essa estabilidade institucional que permite a elaboração de formas
mais complexas de operações econômicas. Excessivas mudanças nas
normas de conduta trazem insegurança e isso desestimula a elabora
ção de negócios jurídicos mais elaborados, já que as normas jurídicas
aplicáveis podem ser modificadas no meio do caminho.
Assim, é a estabilidade alcançada por meio de instituições efi
cientes, ou seja, que reduzam os custos de transação no mercado, que
faz com que os indivíduos e organizações se sintam seguros para
elaborar mais suas relações jurídicas. É preciso confiar nas normas e
instituições que regem os negócios jurídicos e naquelas que servem a
executá-los, para se deixar disciplinar por elas por muito tempo. É
desse tipo de confiança que se necessita para o desenvolvimento do
mercado de capitais.
186
ao do mercado de capitais. Isso porque a securitização em sentido
amplo implica migração de recursos do mercado financeiro para o de
capitais, quer por meio de mecanismos tradicionais do mercado de
capitais, quer por intermédio da securitização em sentido estrito.
No que se refere às instituições apresentadas por Bernard Black
como necessárias ao desenvolvimento do mercado de capitais, não
há no Brasil uma carência tão grande, no que se refere à legislação,
que justifique a insipiência do mercado brasileiro.
Porém, há outro grupo de precondições ao desenvolvimento do
mercado de capitais que é tão importante quanto aquelas anterior
mente mencionadas, e que atualmente não estão presentes no merca
do brasileiro. Essas precondições podem ser chamadas de condições
de isonomia competitiva do mercado de capitais com relação ao mer
cado financeiro, e incluem uma política de taxas de juros, tributação
e regulação do mercado de capitais que incentive tal mercado269.
No Brasil, tradicionalmente, as taxas de juros são bastante altas,
fruto da política monetária e da instabilidade da economia. Os eco
nomistas são unânimes em afirmar que taxas de juros altas são entra
ves ao desenvolvimento do mercado de capitais, pois tomam quase
impossível que ele compita com os rendimentos oferecidos pelo mer
cado financeiro.
Por outro lado, conforme já comentado, a tributação intensiva
das operações de mercado de capitais desestimula o investimento e a
poupança, novamente criando condições desfavoráveis de competiti
vidade com relação ao mercado financeiro.
Assim, é da política econômica que deve partir o estímulo para
o crescimento do mercado de capitais. Como analisado anteriormen-
187
te, são as diretrizes que o governo desenha para economia que vão
determinar o tipo de operação que a legislação e regulamentação vai
estimular ou não.
É fato, todavia, que, culturalmente, os investidores brasileiros
não vêem no mercado de capitais uma opção para a poupança de seus
recursos. Tal fato diz respeito a uma crise institucional complexa,
que tem como alicerce a instabilidade econômica experimentada no
Brasil desde sua independência.
Esse ponto é crítico para o desenvolvimento da securitização,
pois, sem mercado de capitais desenvolvido e líquido, o investimento
em títulos e valores mobiliários não se faz atrativo. Necessita-se mui
to mais de política de estímulo ao mercado de capitais e de estabili
dade do que de regras específicas sobre a securitização.
Ocorre que esse tipo de ambiente não é atingido de forma rápi
da: a modificação da política econômica com a posterior modifica
ção das normas jurídicas de modo a que possam estimular um novo
setor é algo demorado. Mais demorada ainda é a estabilização das
novas regras e sua aceitação pelos agentes econômicos, para que pos
sam fmalmente ser utilizadas em operações específicas. Há, sem dú
vida, um longo caminho a percorrer, para que operações como a
securitização sejam utilizadas eficientemente no Brasil.
188
CONCLUSÃO
A securitização foi analisada neste trabalho em dois sentidos:
um amplo e um estrito.
A análise da securitização em sentido amplo prestou-se a es
clarecer a sua função econômica, que pode ser resumida na mobili
zação de riquezas, dispersão de riscos e desintermediação do pro
cesso de financiamento. Sob esse aspecto, conclui-se que as insti
tuições financeiras bancárias ainda são necessárias no mercado de-
sintermediado, pois exercem diversas funções na própria securiti
zação e abrangem serviços e setores que estão fora do âmbito da
securitização.
Ainda nessa parte do trabalho, concluiu-se que o desenvolvi
mento da desintermediação financeira ainda é obstado pelo modelo
de regulação interna do mercado de capitais da maioria dos países,
que dificulta a circulação de títulos internacionalmente. A solução
mais factível para esse problema seria a ação mais efetiva de organis
mos internacionais e associações de órgãos reguladores, de forma a
se determinarem estruturas e normas para emissões transnacionais.
No tocante à securitização em sentido estrito, a análise dedi
cou-se à estrutura da operação e aos elementos jurídicos que a
compõem. Com base em sua função econômica e identidade ju
rídica, chegou-se à conclusão de que a securitização, apesar de
ser formada por vários contratos já utilizados no Direito brasilei
ro, consiste num negócio jurídico específico e individualizado,
apesar de atípico. Dentre as figuras abordadas na literatura jurídi
ca, a que mais se presta a descrever o instituto é o negócio indire
to, legítimo e válido, já que lícito e aceito conscientemente pelas
partes contratantes.
Dentre as espécies de negócio indireto existentes, a .securitização
possui as características de negócio fiduciário, pois se apresenta como
189
uma transmissão de bens ou direitos afetada a um objetivo determi
nado entre as partes, que limita o uso e gozo da propriedade transferida
pelo cessionário.
Apesar de atualmente haver dúvida sobre a validade e eficá
cia da segregação de patrimônio do originador em relação ao veí
culo de propósito exclusivo, especialmente no caso de falência ou
concurso de credores, acredita-se que essa desconfiança deve-se à
novidade do negócio, já que, conforme demonstrado, ela é válida
e plenamente compatível com o conceito moderno de patrimônio,
mesmo quando implementada através de segregação interna, e não
por cessão de créditos.
A corroborar com essa tese, o legislador brasileiro tem entendi
do válida a segregação patrimonial, inclusive criando mecanismos
especiais para a securitização imobiliária, como é o caso do fundo de
investimento imobiliário e do regime fiduciário da securitização de
ativos de natureza imobiliária, onde claramente se verifica a adoção
de mecanismos fiduciários pelo ordenamento jurídico pátrio para
viabilizar a securitização.
De todo o exposto, conclui-se ainda pela não-conveniência ime
diata de legislação ampla sobre securitização no Brasil, já que a opera
ção ainda não vem sendo usada sistematicamente em nosso mercado,
podendo uma tipificação precipitada atribuir-lhe características que não
sejam assimiladas nem adequadas pelos operadores econômicos.
Não há empecilhos legais à securitização no ordenamento bra
sileiro, que dispõe de instrumental razoavelmente adequado à
estruturação da operação. Exatamente pela capacidade de utilização
de institutos tradicionais para sua estruturação é que a securitização
pode ser considerada um exemplo de desenvolvimento e criação jurí
dica. Os operadores do Direito podem e devem utilizar-se dos instru
mentos jurídicos disponíveis para a estruturação da securitização.
Por outro lado, a legislação específica sobre determinados seg
mentos da economia pode-se mostrar de muita valia, tanto para fo
mentar a utilização da operação como para testar mecanismos jurídi
cos que, uma vez integrados de forma efetiva ao ordenamento jurídi
co e amalgamados pelo uso, podem vir a ser consolidados em legisla
ção ampla, que regule todos os tipos de securitização.
190
Todavia, o aperfeiçoamento da legislação brasileira aplicável a
veículos de investimento em geral pode ser um instrumento de de
senvolvimento da securitização no País. Nesse sentido, sugere-se a
adoção ampla da noção de regime fiduciário nos moldes adotados na
legislação do Sistema Financeiro Imobiliário, que resultaria em mo
delo semelhante ao argentino, porém, sem a necessidade de adoção
do trust nos moldes anglo-saxônicos, pois, nas palavras de Rachel
Sztajn, “ampliar o alcance e a aplicabilidade de institutos jurídicos
conhecidos e reconhecidos é melhor técnica que a ‘importação’ ou
mescla de outros sistemas”270.
No que diz respeito ao desenvolvimento da operação no Brasil,
conclui-se que isso somente será factível com o desenvolvimento do
mercado de capitais como um todo, já que é nesse mercado que a
securitização está inserida. Não se pode cogitar uma experiência bem-
sucedida em securitização, sem um mercado secundário para os títu
los emitidos.
O Direito deve assegurar que os instrumentos jurídicos já exis
tentes para a proteção de investidores e captadores de recursos pos
sam ser utilizados com eficiência, para que, através da segurança,
nasça no Brasil a cultura de mercado de capitais. Acredita-se que,
quando utilizado dessa forma, o Direito poderá efetivamente ser con
siderado um fator de desenvolvimento econômico.
Não obstante, a questão do desenvolvimento do mercado de ca
pitais do Brasil está ligada de forma inequívoca à instabilidade e à
política econômica que tomam o mercado de capitais não competiti
vo com relação ao mercado financeiro. Mudanças nesse ponto são
complexas e exigem não apenas vontade política de promover mu
danças institucionais, mas também tempo. É assim que se pode afir
mar que, exatamente por depender do desenvolvimento do mercado
de capitais, a securitização ainda deve ter, por muito tempo, utiliza
ção bastante restrita no Brasil.
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