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, J TÍTULOS JÁ LANÇADOS

Administrativo - Romev Felipe Bacellar Filho


Civil 1 - Parte Gemi - Murilo Sechieri Costa lieves
Civil 2 - Direito das Obrigações - Murilo Sechieri Costa Neves
■d"***
Civil 3 - Direito dos Contratos - Vitor Frederico Kiimpel
Civil 4 - Direito dos Coisas - Vitor Frederico Kümpel
Civil 5 - Direito de Família - Murilo Sechieri Costa Neves
Civil 6 - Direito dos Sucessões - Murilo Sechieri Costa Neves
Comercial 1 - José Marcelo Martins Proença
Comercial 2 - Josê Marcelo Martins Proença _
Constitucional 1 - Josê Carlos Tcsetti Barruffini
Constitucional 2 - José Carlos TosettiBarraffini
Eleitoral - Celso Spitzcovsky e Fábio Nilson Soares de Moraes
da Infância e da Juventude - Roberto BarbosaÂíyes
Penal I - Parte Geral - André Estefam
Pencd 2 -P a r t e Especial - Edilson Mougenot Bonfim
Penal 3 - Parte Especial - André Estefam e Pedro Franco de Campos
Penal 4 - Parte Especial - André Estefam
Previdenciárío - lonas Deda Gonçalves
do Trabalho - Carlos Frederico Zisnmcrman Meto
Tributário - Cristiano Frederico Ruschmann
rofissional da Advocacia - Haroldo Paranhos Cardella
is Especiais Cíveis e Criminais - Allan Helber de Oliveira, Maneio Dias Gonçalves Vilela eA nèé Blefam
cão Especial - Interesses Difusos e Coletivos - Fábio Ramazzini Bechara
rão Penal Especial - Crimes Hediondos, Abuso de Autoridade/Tóxicos, Contravenções, Tortura, Porte de
lim e s contra a Ordem Tributária - Fábio Ramazzini Bedtara
a Legal - Eduardo Roberto Alcântara Del-Campa
o Civil 1 - Processo de Conhecimento - Âllan Helber de Oliveira 6 Marcelo Dias Gonçalves Vilela :
o Civil 2 - Processo de Execução - Allan Helber de Oliveira e Marcelo Dias Gonçalves Vilela
o Gvil 3 - Processo Cautelar - Allan Helber de Oliveira e Marcelo Dias Gonçalves Vdela (no prelo)
0 Ovil 4 - Procedimentos Especiais - Allan Helber de Oliveira e Marcelo Dias Gonçalves Vdela
1 Penal I - Dos'Fundamentos à Sentença - Edilson Afougenof Bonfim
i Penal 2 - Dos Procedimentos aos Recursos - Edilson Mougenot Bonfim
> do Trabalho - Carlos Frederico Zimmerman Neto ,

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EDILSON MOUGENOT BONFIM

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Medicina--- Legal
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Eduardo Roberto Alcântara Del^Campo^

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universitários! e prepara

mmadores de bancas de- concursos. que


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volveram conjuntamente um projeto em vgue\
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condensam o máximo de mformação/formação:
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jundica num texto objetivo,>conciso e .prático*
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?«timrzando .dessa: torma. o estudo do :concursan*iv>%ípt8
do o do acadêmico deDircito Cada um dos au S®3|
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Medicina Legal

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Coleção Curso è? Concurso

COORDENAÇÃO EDILSON MOUGENOT BONFIM

Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo

Medicina Legal

4a edição
2007

Edito ra
S a r a iv a
IS BN 9 7 8 -8 5 -0 2 -0 5 9 4 3 -2 obra completa
IS BN 9 7 8 -8 5 -0 2 -0 6 3 8 3 -9
D ados Internacionais de C a talog ação na Publicação (C IP )
(C â m a ra Brasileira do Livro, SP, Brasil)

D e l-C a m p o , Eduardo Roberto A lcântara


M edicina legal / Eduardo R oberto Alcântara D e l-
Cam po. — 4. ed. — São Paulo : Saraiva, 2007. —
(C o le çã o curso & concurso / coordenação Edilson
M ougenot Bonfim )

1. M edicina legal 2. M edicina legal - Brasil I. Bonfim ,


Edilson M ougenot. II. Títu lo . III. Série.

07-2550 G D U -3 4 0 .6 (8 1 )

índice para catálogo sistem ático:


1. Brasil : M edicina legal : Direito 3 4 0 .6 (8 1 )

D ata de fecham ento da edição: 1 4 -5 -2 0 0 7 .

E d ito ra
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Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 Av. Ceará, 1360 — São Geraldo
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MATO GROSSO DO SUL/MATO G R O S S O Fax: (51) 3343-2986 / 3343-7469 — Porto Alegre
Rua 14 de Julho, 3148 — Centro SÃO PAULO
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Campo Grande Fone: PABX (11) 3613-3000 — São Paulo
Ao saudoso M estre e amigo
José Lopes Zarzuela, sem cujos
ensinamentos esta obra não
teria sido possível.

A minha esposa, Luciana, e minhas filhas,


Gabriela e Victoria, porque iluminaram
minha existência.
A b r e v ia t u r a s

a.C. — antes de Cristo


ADN — ácido desoxirribonucléico
art. — artigo
atm. — atmosfera
BIC — Boletim de Identificação Criminal
C— centígrado
Cap. — capítulo
CAT — Comunicação de Acidente do Trabalho
CBC — Companhia Brasileira de Cartuchos
c/c — combinado com
CC — Código Civil
CFM — Conselho Federal de Medicina
CID — Código Internacional de Doenças
CLT — Consolidação das Leis do Trabalho
CP — Código Penal
CPC — Código de Processo Civil
CPM — Código Penal M ilitar
CPP — Código de Processo Penal
CPPM — Código de Processo Penal Militar
CREMEC — Conselho Regional de Medicina do Ceará
CTB — Código de Trânsito Brasileiro
dB — decibel
d .C .— depois de Cristo
DGP — Delegacia Geral de Polícia
DIRD — Departamento de Identificação e Registros Diversos
DNA — deoxyribonucleic acid

vn
DSM Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturba­
ções Mentais
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ECD exame de corpo de delito
g grama
HLA human leucocyte antigen
IC Instituto de Criminalística
HRGD Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt
IML Instituto Médico-Legal
JTACrimSP Jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de
São Paulo
kg quilograma
kgf quilograma-força
km quilômetro
km/h quilômetros por hora
lb. libra
LCP Lei das Contravenções Penais
LEP Lei de Execução Penal
m metro
mm milímetro
m/s metros por segundo
n. número
OMS Organização Mundial de Saúde
p. ex. por exemplo
s. seguintes
SIDA Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SNC sistema nervoso central
STF Supremo Tribunal Federal
Súm. súmula
SVO Serviço de Verificação de Óbitos

vm
Í n d ic e

Abreviaturas................................................................................... VII
Capítulo 1 — IN T R O D U Ç Ã O ........................................ 1
1. Conceito de medicina le g a l.................................................. 1
2. Escorço histórico.................. ................................................. 3
2.1. Período a n tig o ................................................................ 3
2.2. Período ro m a n o ........................... .................................. 4
2.3. Período da Idade Média ................................................ 5
2.4. Período canônico............................................................ 6
2.5. Período moderno ou científico..................................... 7
3. Classificação................... ....................................................... 9
3.1. M edicina legal g e ra l....................................................... 10
3.2. M edicina legal esp ecial................................... ............. 11
4. M edicina legal, criminalística e crim inologia................... 12
5. Perícias e peritos..................................................................... 15
5.1. C o n ceito ............................. ............................................. 15
5.2. Classificação das perícias.............................................. 15
5.3. Peritos, classificação, investidura enumero necessário .. 17
5.3.1. Investidura............................................................ 19
5.3.2. Número de peritos............................................... 19
5.4. Coipo de delito e exame de corpo de d elito ............... 20
6. A Polícia Científica no Estado de São P aulo..................... 21
6 .1 .0 Instituto M édico-Legal.............................................. 22
6.2. O Instituto de C rim inalística........................................ 24
6 . 3 .0 Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton D aunt.. 24
7. Documentos m édico-legais.................................................. 24
7.1. Conceito e características.............................. ............... 24
7.2. Classificação ................................................................... 25
7.3. Atestados ou certificados m éd ico s.............................. 25
7.3.1. Atestados clín ico s............................................... 25

IX
7.3.2. Atestados para fins previdenciários ................. 27
7.3.3. Atestados de óbito............................................... 27
7.4. Notificações com pulsórias............................................ 31
7.4.1. Doenças de notificação compulsória................ 32
7.4.2. Comunicação de acidente do trabalho — CAT 34
7.4.3. Comunicação da ocorrência de crime de ação
penal publica incondicionada............................ 35
7.4.4. Comunicação da ocorrência de morte encefálica . 36
7.4.5. Ocorrências induzidas ou causadas por alguém
não m édico........................................................... 36
7.4.6. Violência contra a m u lh er................................. 37
7.4.7. Esterilizações cirúrgicas............................ ........ 38
7.4.8. A ocorrência de maus-tratos contra criança ou
adolescente........................................................... 38
7.4.9. A ocorrência de maus-tratos contra id o so ....... 38
7.4.10.Tortur a ................................................................ 39
7.5. Relatórios m édico-legais............................................... 39
7.6. Pareceres ou consultas m édico-legais......................... 40
7.7. Q uesitos............................................................................ 40
7.8. Falsa perícia — divergência entre p erito s.................. 41
7.9. Prazo para realização das perícias e entrega dos laudos.. 42
7.9.1. Realização da p e ríc ia ......................................... 42
7.9.2. Prazo para entrega dos relatórios..................... 43
7.9.3. R esu m o ............. ................................................... 44
7.10. Suspeição, incompatibilidade e im pedim ento......... 45
7.10.1. Suspeição.......................................................... 45
7.10.2. Incompatibilidade e im pedim ento................ 46
8 . Principais dispositivos legais relacionados......................... 47

Capítulo 2 — BREVE ESTUDO DAS REGIÕES


C O R PÓ R E A S......... V;...................................................... 52
1. Regiões anatômicas anteriores do corpo h u m a n o ............ 52
2. Regiões anatômicas posteriores do corpo hum ano........... 53
3. Regiões anatômicas anteriores do tro n c o ........................... 54
4. Regiões anatômicas da face lateral direita do tro n c o ....... 55
5. Regiões anatômicas da cabeça e pescoço........................... 56

X
6 . Regiões da face anterior do membro superior direito....... 56 -
7. Regiões das faces palmar e dorsal da mão d ire ita ........ 57
8. Regiões da face anterior do membro inferior direito........ 57
9. Regiões anatômicas do p erín e o ........................................... 58
10. Regiões auditivas e oculares externas........................... 58

Capítulo 3 — A N TR O PO L O G IA F O R E N SE ............ 59
1. Identidade e identificação.................................................... 59
1.1. H istórico.......................................................................... 59
1.1.1. Métodos mais recentes....................................... 61
1.2. Requisitos técnicos dos métodos de identificação .... 63
1.3. Identidade m édico-legal......................................... ...... 64
1.4. R a ç a s ........................................ ....................................... 65
1.5. S ex o ................................................................................. . 66
1.6. Id a d e................................................................................. 67
1.7. Características particulares físicas naturais................ 67
1.8. Características particulares físicas adquiridas........... 68
1.9. Características p síq u icas................................ .............. 68
2. B iom etria................................................................................ 68
2.1. C aracterísticas................................................................ 69
2.2. Principais sistemas biom étricos................................... 69
3. Sistema datiloscópico de V ucetich...................................... 72
3.1. Atribuição e term inologia............................................ 74
3.2. Gênese dos desenhos p a p ila re s.................................... 75
3.3. Term inologia................................................................... 76
3.4. Tomada de impressões dígito-papilares em locais de
crime — reveladores...................................................... 78
3.5. Tomada de impressões dígito-papilares da p esso a.... 82
3.5.1. Tomada de impressões na pessoa v iv a............ 82
3.5.2. Tomada de impressões no cadáver................... 84
3.6. Boletim de Identificação Criminal — BIC ................ 85
3.7. Classificação — o sistema de Vucetich....................... 88
3.7.1. Elementos da impressão d ig ital........................ 88
3.7.2. Linhas albodatiloscópicas e albodatilograma . 89
3.7.3. Pontos característicos......................................... 89

XI
3.7.4. P o ro s ..................................................................... 89
3.7.5. D e lta s.................................................................... 89
3.7.6. Tipos fundam entais............................................ 91
3.7.7. Fórmula datiloscópica— os sistemas de arquivos 93
3.7.8. A comparação — pontos característicos......... 95
3.8. Impressões palmares e plantares.................................. 97
3.9. Poroscopia....................................................................... 99
3.10. A nom alias..................................................................... 99
C apítulo 4 — TRAUM ATO LO G IA F O R E N S E ...... 102
1. Conceito................................................................................... 102
2. Energias de ordem m ecânica................................................ 102
2.1. Classificação dos instrumentos mecânicos ................ 103
2.2. Instrumentos perfurantes ou punctórios..................... 104
2.3. Leis de Filhós e L an g er................................................. 104
2.4. Instrumentos co rtan tes.................................................. 106
2.5. Instrumentos contundentes........................................... 108
2.6. Conformação das lesões co n tu sas............................... 111
2.7. Instrumentos perfurocortantes................... .................. 112
2.8. Instrumentos perfurocontundentes.............................. 113
2.9. Instrumentos cortocontundentes..................... ............. 114
2.10. Instrumentos lacerantes ou dilacerantes................... 114
3. Energias de ordem fís ic a ...................................................... 116
3.1. Lesões produzidas pelo c a lo r...................................... 116
3.2. Lesões produzidas pelo calor frio ................................ 117
3.3. Lesões produzidas pelo calor quente........................... 117
3.3.1. Term onoses................................. ........................ 118
3.3.2. Queimaduras ................................................. 119
3.3.3. Etiologia da morte pelas queim aduras........... 121
3.4. Lesões produzidas pela p re ssã o ................................... 122
3.5. Lesões produzidas pela eletricidade....................... . 124
3.6. Lesões produzidas pela radioatividade....................... 126
3.7. Lesões produzidas pela lu z ........................................... 127
3.8. Lesões produzidas pelo so m ......................................... 128
4. Energias de ordem q u ím ica.................................................. 130

xn
4.1. Monóxido de c a rb o n o ............................................ ...... 132
5. Energias de ordem físico-quím ica....................................... 135
5.1. M orte por enforcam ento.............................................. . 137
5.2. Estrangulam ento............................................................. 142
5 .3 . E sganadura...................................................................... 143
5.4. Sufocação......... ;.............................................................. 144
5.5. Colocação da vítima em meio líquido — afogamento 145
5.5.1. Afogado azul e afogado b ranco......................... 145
5-5.2. Fases da m orte por afogam ento........................ 146
5.5.3. Principais sin ais................................................... 147
5.6. Imersão em atmosfera de gases irrespiráveis............ 148
6 . Energias de ordem bioquím ica............................................ 150
6.1. Inanição................................. .......................................... 150
6.2. Doenças carenciais......................................................... 152
6.3. Intoxicações alim entares.... ......................................... 157
6.4. A uto-intoxicações.......................................................... 157
6.5. Infecções ...................................................................... . 157
7. Energias de ordem biodinâmica — choque.................... . 158
8 . Energias de ordem m is ta ...................................................... 160
8.1. F ad ig a............................................................................... 160
8.2. Doenças parasitárias...................................................... 161
8.3. S ev ícias............................................................................ 162
8.3.1. Síndrome da criança m altratada....................... 162
8.3.2. Síndrome do ancião m altratado....................... 164
8.3.3. Tortura................................................................... 165

C apítulo 5 — B A L ÍS T IC A F O R E N S E ......................... 167


1. C onceito....................................................................... ............ 167
2. As armas de fo g o .................................................................... 167
3. Classificação das armas de fo g o ............. ............................ 167
3.1. Classificação das armas quanto à alma do c an o ........ 168
4. Algumas considerações sobre o rev ó lv er........................... 169
5. Algumas considerações sobre as pistolas semi-autoroátícas... 170
6 . Algumas considerações sobre as armas lo n g a s................. 172
6.1. Espingarda e e sc o p e ta ................................................... 172

xm
6.2. C arab in a........................................................................... 172
6.3. R ifle.................................................................................. 172
6.4. F uzil.................................................................................. 173
6.5. M osquetão........................................................................ 173
7. Calibre das armas de f o g o .................................................... 173
7.1. Calibre das armas de alma raiada, de seus cartuchos
de munição e projéteis................................................... 174
7.2. Calibre das armas de alma lisa, sua munição e projéteis . 175
8. M unição................................................................................... 177
8.1. Partes do cartucho de m unição..................................... 177
9. Ferimentos produzidos por projéteis de arm a de f o g o .... 177
9.1. Ferimentos de en tra d a ................................................... 178
9.2. Ferimentos de saíd a........................................................ 178
9.3. Ferimentos produzidos porprojéteis múltiplos (balins).. 179
9.4. Ferimentos produzidos por projéteis unitários.......... 180
9.5. Orlas ou halos de contusão, enxugo e escoriação ..... 181
9.6. Zonas de chamuscamento, esfumaçamento e tatuagem.. 184
9.7. Disparos encostados...................................................... 188
9.8. Disparos em o s so s ........................................... .............. 189
9.9. Determinação da distância de disparo......................... 189

C a p í t u l o 6 — S E X O L O G IA F O R E N S E ....................... 192
1. Conceito de s e x o ............................ ................................... 192
2. Sexo gen ético ...................................... ................................... 192
2.1. Síndrome de T u m er........................................................ 194
2.2. Síndrome de K linefelter................................................ 194
2.3. Polissomia dos cromossomos sexuais......................... 195
2.3.1. Aneuploidias aütossômicas ................................ 195
2.4. Síndrome de D o w n . ..................................................... 196
2.5. Síndrome de E d w ard s................................. ................ . 196
2.6. Síndrome de P atau ................................................. ........
s.
197
3. Sexo endóçrino........... ........................................................... 198
4. Sexo m orfológico................................................................... 199
5. Sexo psicológico.............................. .-..................................... 199
6 . Sexo jurídico............................................................................ 199

XIV
7. Distúrbios do instinto sex u al................................................ 200
7.1. E ro tism o.......................................................................... 201
7.2. Lubricidade sen il............................................................ 201
7.3. A nafrodisia...................................................................... 202
7.4. F rig id e z ............................................................................ 202
7.5. E rotom ania...................................................................... 202
7.6. Auto-erotismo ou aloerotism o...................................... 202
7.7. Erotografia ou erotografom ania.................................. 202
7.8. E xibicionism o................................................................ 203
7.9. Narcisism o....................................................................... 203
7.10. Mixoscopia ou voyeurism o......................................... 203
7.11. Fetichism o..................................................................... 203
7.12. Gerontofllia ou crono-inversão................................. 203
7.13. Cromo-inversão ......................... ................................... 203
7.14. Etno-inversão................................................................ 204
7.15. Topo-inversão................................. ............................. 204
7.16. Troca de casais ou troca interconjugal...................... 204
7.17. O nanism o....................................................................... 204
7.18. Edipism o........................................................................ 205
7.19. Pedofilia e hebefilia..................................................... 205
7.20. Pigm aüonism o.............................................................. 205
7.21. Frotteurism o....................................................... 205
7.22. Pluralismo ou trio lism o......... ..................................... 206
7.23. V am pirism o............................................................ .. 206
7.24. R iparofília...................................................................... 206
7.25. U rolagnia....................................................................... 206
7.26. Coprofilia....................................................................... 206
7.27. C oprolalia...................................................................... 206
7.28. Bestialismo, zoolagnia, zoofilismo, zoofilia e zooe-
ra stia ............................................................................... 207
7.29. N ecrofilia...................................................................... . 207
7.30. S ad ism o .......................................................................... 207
7.31. M asoquism o.................................................................. 207
7.32. Sadom asoquism o.......................................................... 207
7.33. Flagelatismo ou flagelação......................................... 207
7.34. H om ossexualism o....................................................... 208
8 . Gravidez, parto e puerpério.................................................. 208
8.1. Desenvolvimento se x u a l............................................... 208
8.2. G ravidez.......................................................................... 210
8.3. Diagnóstico da gravidez................................................ 211
8.4. Nascimento...................................................................... 213
8.5. Puerpério e estado puerperal........................................ 213
9. Perícias relacionadas.......... ................................................... 214
9.1. Sedução............................................................................ 214
9.2. Estupro e posse sexual mediante fraude..................... 216
9.3. Atentado violento ao pudor e atentado ao pudor m e­
diante frau d e.................... ............................................... 217
9.4. A b o rto .............................................................................. 218
9.5. Infanticídio...................................................................... 220
10. As im pótências....................................................................... 223
11. Investigação de paternidade................................................. 224
11.1. Provas mendelianas não sangüíneas.......................... 226
11.2. Provas mendelianas sangüíneas.................................. 227
11.3. Sistema A B O ................................................................ 228
11.4. Fatores M N .................................................................... 230
11.5. Fatores Rh e r h ............................................................:. 230
1 1.6 . Outros fato res............................... :............................... 231
11.7. Sistema H L A ................................................................. 231
11.8. D N A ................................................................................ 233

C apítulo 7 — T A N A T O L O G IA ........................................ 236


1. Conceito de morte ............................................................. 236
2. Tanatognose e cronotanatognose......................................... 238
2.1. Fenômenos cadavéricos ........................................... . 23 8
2.2. Fenômenos cadavéricos abióticos im ediatos.............. 239
2.3. Fenômenos cadavéricos abióticos consecutivos....... 240
2.3.1. Resfriamento do corpo — algidez cadavérica.... 240
2.3.2. Rigidez cadavérica.............................................. 241

XVI
2.3.3. Livores cadavéricos e hipóstases..................... 242
2.3.4. D esidratação........................................................ 243
2.4. Fenômenos cadavéricos transform ativos................... 244
2.4.1. Autólise (transformativo destrutivo)................ 244
2.4.2. Putrefação (transformativo destrutivo) ............ 245
2.4.3. Maceração (transformativo destrutivo)............ 247
2.4.4. Saponificação ou adipocera (transformativo
conservador)............................................ ........... 247
2.4.5. M umificação (transformativo conservador) ... 248
2.4.6. Calcificação (transformativo conservador)..... 248
2.4.7. Corificação (transformativo conservador)...... 248
3. Fauna cadavérica.................................................................... 249
3.1. Fauna ao ar liv re ............................................................. 249
3.2. Fauna dos túm ulos......................................................... 251
3.3. Fauna aquática............................................. ......... ........ 252
4. Primoriência e com oriência.................................................. 252
5. Diagnóstico jurídico da morte — aspectos g erais............ 252
5.1. M orte suspeita súbita e morte por inibição (reflexo
d eH erin g )........................................................................ 253
5.2. Morte suspeita de violência o cu lta.............................. 255
5.3. M orte suspeita de violência indefinida....................... 255
5.4. M orte suspeita de violência definida.......................... 255
5.5. M orte de infortúnio do trab alh o .................................. 255
6 . O exame m édico-legal.................................................... ...... 256
6.1. N ecropsia(autópsia)...................................................... 256
6.1.1. T écnica................................. ............................... 256
6.1.2. Necropsias brancas ............................................. 257

Capítulo 8 — TO X IC O LO G IA F O R E N S E ............... 260


1. Características g e ra is ............................................................. 260
2. Farm acodependência......................................................... 261
3. Classificação............................................................................ 261
4. Principais d ro g a s .................................................................... 265
4.1. B arbitúricos..................................................................... 265

X V H
4.2. Benzodiazepímcos.......................................................... 266
4.3. A nfetam inas.................................................................... 266
4.4. Ecstasy (M D M A )........................................................... 267
4.5. Special K (K etam ina).................................................... 268
4.6. GBH ou “Líquido X ” .................................................... 268
4.7. Ó p io .................................................................................. 269
4.8. M orfina............................................................................. 270
4.9. H eroína........................................ .................................... 270
4.10. C ocaína........................................................................... 270
4.11. M aco n h a......................................................................... 271
4.12. M escalina........................................................................ 271
4.13. L S D -2 5 .......................................................................... 272
4.14. Esteróides ou anabolizantes........................................ 272
4.15. Inalantes.......................................................................... 273
4.16. Tabaco............................................................................. 274
4.17. Cafeína...................... ..................................................... 275
4.18. P oppers.......................................................................... 275
5. A lcoolism o.............................................................................. 276
5.1. Alcoolismo agudo — em briaguez................................ 277
5.2. Alcoolismo agudo — embriaguez patológica........... 282
5.3. Alcoolismo crô n ic o ........................................................ 283
5.4. Psicoses alcoólicas com sintomas psiquiátricos........ 284
5.4.1. Delírio a lco ó lico .............................. .................. 284
5.4.2. Depressão alcoólica ag u d a....:........................... 284
5.4.3. Alucinose auditiva aguda................................... 284
5.4.4. Paranóia alcoólica — delírio de ciúm es........... 284
5.4.5. D ipsom ania.................................................. ....... 285
5.5. Psicoses alcoólicas com sintomas psiquiátricos e neu­
rológicos ........... .............. .................. .............................. 285
5.5.1. Psicose polineurftica de K orsakoff.................. 285
5.5.2. Encefalopatia de W em icke................................. 286
5.5.3. Encçfalopatia porto -cav a................................... 286
5.5.4. Síndrome de M archiafava................................. 286
5.5.5. Epilepsia alco ó lica............. ................................ 287
5.5.6. Demência alcoólica............................................ 287

XVIII
5.6. Exame de avaliação de dependência de drogas......... 287
5.6.1. Procedimento para realização do e x a m e ......... 291
5.6.2. Prazo para realização da perícia........................ 291
5.6.3. Q uesitos................................................................ 292
5.7. Tratamento médico e medida de segurança................ 293
5.7.1. Inim putabilidade................................................. 294
5.7.2. Espécie de tratamento a ser aplicado................ 295
5.7.3. Sem i-im putabilidade.......................................... 296
5.8. Tratamento médico no-ECA...................................... 297

Capítulo 9 — PSIC O PATO LO G IA F O R E N S E ........ 298


1. Psiquiatria e psicologia fo ren se........................................... 298
2. Normalidade e anorm alidade................................................ 298
3. Capacidade civil e crim in al.................................................. 299
4. N ota sobre a nomenclatura e classificação dos transtornos
m entais..................................................................................... 301
5. Limitadores e modificadores da capacidade civil e imputa­
bilidade penal ......................................................................... 304
6 . Fatores biológicos.................................................................. 306
6.1. R aç a.................................................................................. 306
6.2. Id ad e................................................................................. 306
6.3. Sexo.................................................................................. 307
6.4. Emoção e p aix ão ............ ............................. ................ 308
6.5. A g o n ia...................................................................... ....... 308
6 .6 . E pilepsia.......................................................................... 309
6.7. C eg u eira.......................................................................... 309
7. Fatores psicopatológicos...................... ^............................... 310
7.1. Transtornos do s o n o ......... ............................................ 310
7.2. Transtorno misto da linguagem receptivo/expressiva —
surdim utism o.................................................................. 312
7.3. Transtornos da linguagem expressiva — afasia........ 312
7.4. Transtornos obsessivo-compulsivos — prodigalidade.. 312
7.5. Transtornos relacionados a substâncias — embriaguez
e toxicom anias................................................................. 313

XIX
8 . Fatores psiquiátricos.............................................................. 313
8.1. Estados dem enciais........................................................ 314
8.2. Retardos mentais (oligofrenias)..................... ............. 314
8.3. Esquizofrenias e outros transtornos psicóticos ......... 316
8.3.1. Psicoses — transtornos bipolares .................... 317
8.3.2. Transtornos da personalidade (personalidades
psicopáticas).......................................... . v.......... 318
.8.3.3. Personalidade paranóica ou paranóide............ 318
8 .3.4. Personalidade esquizóide................................... 319
8.3.5. Personalidade esquizotípica.............................. 319
8.3.6. Personalidade anti-social ou dissociai (socio-
patas)............. ....................................................... 319
8.3.7. Transtorno de personalidade com instabilidade
emocional (borderline e im pulsivo)................. 320
8.3.8. Personalidade narcisista..................................... 320
8.3.9. Personalidade histriônica................................... 321
8.3.10. Personalidade obsessivo-compulsiva (anan-
cástica)............................................................... 321
8.3.11. Personalidade ansiosa (esquiva)..................... 321
8.3.12. Personalidade dependente (astênica)............. 321
8.3.13. Pers onalidades psicopáticas............................ 322
8.3.14. Síndromes psicopáticas .................................... 325
8.4. Transtornos diversos — neuroses ............................... 326
9. Fatores m esológicos.............................................................. 328
9.1. Civilização — silvxcolas ............................................... 328
9.2. Psicologia das m ultidões............................................... 329
10. Fatores legais — reincidência p en al.................................... 329
11. Temperamento............................................. .......................... 330
Bibliografia.............. ............... ..................................................... 333

XX
C a p ít u l o 1
IN T R O D U Ç Ã O

1. C O N C E IT O D E M E D IC IN A L E G A L
Apesar do infindável debate teórico para encontrar uma defini­
ção precisa sobre o que é o direito, é possível inferir que ele nasce das
necessidades básicas da sociedade e para ela é voltado como condi­
ção precípua de sua sobrevivência. Esta é a razão pela qual todos os
campos do conhecimento humano têm repercussão na esfera jurídica
e vice-versa.
Com as ciências médicas não seria diferente, pois inúmeras ques­
tões levadas aos nossos tribunais acabam por abranger discussões
técnicas puramente afetas à área médica, tomando indispensável a
intervenção de profissional qualificado.
D aí a necessidade de delimitar um subconjunto de conheci­
mentos comuns a essas áreas do saber humano (jurídico e médico), e
com ele procurar conceituar medicina legal.
Doutrinariamente encontramos três correntes que procuram de­
limitar o campo de abrangência e conceituar medicina legal (Flamínio
Fávero, Medicina legal: introdução ao estudo da medicina legal, 1975,
p. 13-16):

corrente restritiva
{ corrente extensiva
corrente intermediária ou eclética

Para os partidários da corrente restritiva, a medicina legal não cons­


titui ciência autônoma, por não apresentar objeto e método próprios,
podendo ser aplicada por qualquer médico no interesse da justiça.
Os que defendem a corrente extensiva afirmam que a medicina
legal possui objeto e método próprios, podendo ser exercida apenas
por um a parcela de especialistas denominados médicos-legistas.
1
A corrente intermediária ou eclética, de que são partidários, entre
outros, nomes como Flamínio Fávero, Almeida Júnior, Hilário Veiga
de Carvalho, Leão Bruno e Emílio Frederico Pablo Bonnet, afirma
que a medicina legal é, ao mesmo tempo, ciência e arté. Ciência por­
que tem técnicas e métodos sistematizados, voltados para uma finali­
dade própria, e arte porque, nas mãos do perito, aplica esses precei­
tos com o objetivo de solucionar uma questão real colocada. Dessa
maneira, embora não possua método e objeto exclusivos, tem algu­
mas particularidades que a diferenciam, de outras ciências. Essa é a
posição mais aceita atualmente.
Dentre as inúmeras definições para a medicina legal, cada autor
procura trazer sua contribuição, salientando este ou aquele atributo
da matéria. Todos os conceitos, no entanto, procuram demonstrar a
íntima relação existente entre ela e o direito.
Vejamos algumas definições mais conhecidas:
“A aplicação dos conhecimentos médico-biológicos na elabo­
ração e execução das leis que deles carecem” (Fávero, 1975, p. 14).
“A medicina a serviço das ciências jurídicas e sociais” (Genival
Veloso de França, Medicina legal, 1998, p. 3).
“O conjunto de conhecimentos médicos e paramédicos destina­
dos a servir ao Direito, cooperando na elaboração, auxiliando na in­
terpretação e colaborando na execução dos dispositivos legais, no
seu campo de ação de medicina aplicada” (Hélio Gomes, Medicina
legal, 1989, p. 7).
“A ciência e arte extrajurldica auxiliar alicerçada em um conjun­
to de conhecimentos médicos, paramédicos e biológicos, destinados a
defender os direitos e os interesses dos homens e da sociedade” (Delton
Croce e Delton Croce Júnior, Manual de medicina legal, 1998, p. 1).
“A ciência de aplicação dos conhecimentos médico-biológicos
aos interesses do Direito constituído, do Direito constituendo e à fis­
calização do exercício médico-profissional” (Odon Ramos Maranhão,
Curso básico de medicina legal, 2002, p. 25).
Poderíamos enumerar um sem-número de outras definições,
procurando dar uma visão geral da medicina legal, e todas, como
definições que são, passíveis de críticas por enfocarem determinada

2
particularidade, esquecendo-se de outras de interesse. O mais impor­
tante é demonstrar a íntima relação entre os conhecimentos de natu­
reza m édica e biológica colocados a serviço da justiça para esclareci­
mento de questões com repercussão no universo jurídico.

2. E S C O R Ç O H IS T Ó R IC O
A história da medicina legal confunde-se, um pouco, com a da
própria medicina e pode ser dividida em cinco períodos (Dicionário
Déchambre, apud Gomes, 1989, p. 17):
• período antigo;
• período romano;
• período da Idade Média;
• período canônico; e
• período moderno ou científico.

2.1. Período antigo


Do período antigo temos apenas alguns registros esparsos nas
legislações dos primeiros povos. A medicina e o direito, nessa época,
eram bastante empíricos e de cunho predominantemente religioso.
Os sacerdotes englobavam as funções de médico, legislador e julgador,
procurando aplacar a ira divina, representada pelas doenças e outros
infortúnios que eventualmente recaíam sobre o grupo, ora com sacri­
fícios e orações, ora com o uso rudimentar de ervas medicinais.
Os médicos egípcios foram os primeiros a distinguir os vários
tipos de fraturas experimentadas pelos escravos afetos à construção
das p irâ m id e s. H av ia, tam bém , as técn icas em pregadas no
em balsam am ento de cadáveres, o que lhes valeu o título de
“tanatólogos mais completos da antiguidade” (Emílio Frederico Pablo
Bonnet, Medicina legal, 1993, p. 50).
Imotep (3000 a.C.), arquiteto da grande pirâmide de Sakara, é apon­
tado como sendo o primeiro perito médico-legal (J . Pinto da Costa, Ori­
gens da medicina legal, in www.geocities.com.rjaf2000/mljpciitm).
O documento mais antigo em que é possível vislumbrar uma
associação entre medicina e direito é o Código de Hammurabi (1900

3
a.C.), na Babilônia, que previa alguns dispositivos regulamentadores
da relação médico/paciente.
Os hebreus, já no livro de Moisés e posteriormente no Talmude,
registram a descrição de costumes e obrigações relacionados com a
atividade sexual, assim como causas médicas de nulidade de matri­
mônio e divórcio (Gisbert Calabuig, Medicina legal y toxicología,
1998, p. 8).
O Código de Manu Manusrti (200 a.C. a 200 d.C.), na índia,
assentava que crianças, velhos, embriagados, deficientes mentais e
loucos não podiam ser ouvidos como testemunhas (Hygino de Car­
valho Hércules, História da medicina legal, Revista Acadêmica da
UFRJ, 1988, p. 53).
N a Pérsia antiga (atual Irã), as leis previam um a classificação
das lesões corporais por ordem de gravidade, com o objetivo de fixar
multa por parte do agressor.
D a Grécia antiga vêm os fundamentos da medicina legal do tra­
balho, particularmente da obra de Platão (427 a 347 a.C.), que des­
creve as deformações experimentadas por artesãos em razão de seu
ofício.
Ainda na Grécia, importante salientar os trabalhos de Hipócrates
(460 a 377 a.C.), considerado o pai da antiga medicina. A ele são
atribuídos estudos relacionados com o. prognóstico de enfermidades,
articulações e fraturas, feridas na cabeça, partos prematuros e regras
para o exercício da medicina, encabeçadas pelo célebre juramento,
até hoje realizado pelos médicos no início de sua atividade profissional.
A China deu os primeiros passos no que toca ao exame pericial
dos locais de crime, com a obra denominada Si-yuan-lu, atribuída a
Song T s’eu, publicada em 1248, onde encontramos algumas regras
gerais a serem seguidas no exame de um local em que ocorreu um
delito, assim como regras para distinção de lesões produzidas em
vida e post mortem.

2.2. Período romano


No período romano os relatos são também isolados, mas em
maior número.
Consta que Numa Pompttio, segundo lendário rei de Roma (715
a 673 a.C.), teria ordenado exame das mulheres antes de sua execu­
ção para verificar se estavam grávidas.
A Lei das XII Tábuas (449 a.C.) determinava, entre outras pres­
crições, que a duração máxima prevista para a gravidez seria de dez
meses, antecipando o atual prazo de impedimento matrimonial por
viuvez (art. 1.523, II, do CC).
H á o relato do exame do cadáver de Júlio César, pelo médico
Antistius (44 a.C.), que comprovou que apenas um dos vinte e três
ferimentos era letal.
Em bora as necropsias fossem proscritas, por respeito ao cadá­
ver, há notícia de exames externos efetuados por médicos. Tito Livio
(59 a.C. a 17 d.C.) menciona que um médico examinou os corpos de
Tarquínio e Germânico, suspeitos de assassinato.
O Código de Justiniano (483 a 565 d.C.) trazia algumas deter­
minações referentes a exames médicos relacionados com a indicação
da data de nascimento, sobre o exame das mulheres grávidas, ques­
tões relacionadas com o casamento e o reconhecimento de que os
médicos eram testemunhas especiais em juízo.

2.3. Período da Idade Média


N a Idade M édia destacam-se a Lei Sálica (511 d.C.), lei dos
francos que excluía as mulheres do trono, e as Capitulares de Carlos
Magno (742 a 814 d.C.), que traziam ponderações a respeito de res­
sarcimento das vítimas e descrição de possíveis lesões, assim como
indicavam meios de prova destinados à comprovação da impotência
sexual.
Nessa época prevaleciam os ordálios, ou Juízos de Deus (prati­
cados até o IV Concilio de Latrão, em 1215 d.C., e até hoje em algu­
mas sociedades primitivas), que consistiam em fazer o acusado pas­
sar por diversas provas de natureza física.
Alguns exemplos são a prova da cruz, consistente em colocar
os litigantes frente a frente com os braços abertos até que um deles,
vencido pelo cansaço, os deixasse cair, perdendo a contenda; o ordálio
do ferro em brasa, em que o acusado era obrigado a segurar uma

5
barra candente, sendo inocentado na hipótese (remota) de não sofrer
queimaduras; ou o ordálio da água, geralmente aplicado às mulheres
adúlteras, que eram lançadas no rio com uma pesada pedra amarrada
ao pescoço, ficando inocentadas se flutuassem.
Na França, Felipe, “o audaz”, emite as Cartas Patentes, em 1278,
criando a figura de cirurgiões juramentados junto à coroa.
A obrigatoriedade de perícia médica em casos de morte violen­
ta, entretan to , só teve lu g ar com a p ro m ulgação do C ódigo
Bambergense, em 1507 (Hércules, 1988, p. 54).

2.4. Período canônico


Foi no período canônico, já na baixa Idade Média, que, em 1209,
tivemos o início da perícia médica propriamente dita, pois, a partir de
um decreto de Inocêncio IH, os feridos levados aos tribunais passa­
ram a ser examinados por médicos.
Em 1234, o Papa Gregório IX editou a bula Peritorum Indicio
M edicaram, segundo a qual som ente o m édico poderia indicar en­
tre vários ferim entos aquele que teria sido o causador da morte. O
mesmo docum ento manda substituir o juram ento pelo exame mé­
dico de virgindade e institui a “prova do congresso”, para os ca­
sos de anulação do casam ento e comprovação da im potência do
marido.
Em 1374, ano da grande peste, o Papa Gregório XI concedeu à
faculdade de Montpellier, na França, a autorização para a realização
de necropsias (Hércules, 1988, p. 54).
Em 1521 o corpo do Papa Leão X, suspeito de ter sido morto
por envenenamento, foi necropsiado.
Para Lazzaretti, o início da medicina legal prática ocorreu na
Itália, em 1525, com o Edito delia Gran Carta delia Viçaria di Napoli,
que tomou obrigatório o parecer de.peritos profissionais (Fávero, 1975,
p. 18).
s
O grande marco, entretanto, da medicina legal, no século XVI,
foi a promulgação, em 1532, pelo Imperador Carlos V, na Alemanha,
da Constituinte Criminalis Carolina (Código Criminal Carolino), que
permitiu a realização de necropsias em caso de morte violenta, pri­

6
meiro passo no sentido de tom ar obrigatória essa prática (Hércules, '
1988, p. 55).

2.5. Período moderno ou científico


O período m oderno ou científico inicia-se em 1575, quan­
do o cirurgião francês Am broise Paré publica a obra intitulada
D es rapports et des m oyens d ’em baum er les corps morts, consi­
derado o prim eiro livro ocidental de m edicina legal (Delton Croçe
considera a obra m encionada com o a últim a do período anterior
— 1998, p. 7).
Valem menção, no mesmo período, Baptista Condronchius, com
a obra Methodus testificandi, em 1597, que relata questões médico-
legais de traumatologia, sexologia e toxicologia, e Séverin Pineau,
em 1598, que relatou, pela primeira vez, a existência de himens com­
placentes.
Em 1602, Fortunatus Fidelis, de Palermo, lançou o primeiro
tratado de medicina legal, intitulado De relatoribus libri quator in
quíbus ea omnia quae inforensibus acpublicis causis medieipreferre
solent plenissime traduntur, que dedicava todo um capítulo às enfer­
midades simuladas.
Paulus Zacchias (1584 a 1659), médico do Papa Inocente X,
com seu principal trabalho, a obra Quaestiones medico legales opus
jurisperitis maxime tiecessarium medicis peritile, pilblicada em dez
volumes, entre os anos de 1621 e 1658 e considerada pela maioria
dos autores como fíindadora da medicina legal, respondeu a centenas
de questões teóricas e práticas relacionadas ao direito e à saúde pú­
blica, englobando todo o conhecimento científico desde a antiguida­
de clássica até o século XVH.
A Alemanha, a partir de 1650, registra grandes nomes da medi­
cina legal, valendo mencionar os trabalhos de Gottfried Welsch (1618
a 1690), Christian Friedrích Michaelis (1754 a 1814), que ministrou
o primeiro curso de medicina legal, e Friedrích August Von Am mon -
(1799 a 1861), todos da Universidade de Leipzig.
Em 1682, Jan Schreyer aplica, pela primeira vez, a docimasia -
de Galeno, técnica teorizada, em 1677, por J. Swammerdam, consis-

7
quisadores e papiloscopistas do IIRGD. As atribuições específi­
cas de cada um desses ramos serão mais bem analisadas no capí­
tulo seguinte.

Medicina legal sob o aspecto \ ^ i c i n a legal pericial - médicos-legistas


criminalística — pentos criminais
profissional | F „
L medicina legal antropologica — IIRGD

Finalmente, segundo aspecto didático, temos:

deontologia médica
geral
diceologia médica

antropologia médico-legal ou forense


asfixiologia médico-legal ou forense
criminologia
genética médico-legal
Medicina legal sob o infortuiustica
aspecto didático policiologia científica
especial psicologia médico-legal ou forense
psiquiatria médico-legal ou forense
sexologia médico-legal ou forense
tanatologia médico-legal ou forense
toxicologia médico-legal ou forense
traumatologia médico-legal ou forense
vitimologia

A classificação acima difere daquela apresentada por Genival


Veloso de França (1998, p. 5), no sentido de excluir a criminalística,
que entendemos ser ciência autônoma, e incluir a policiologia cientí­
fica (Croce, 1998, p. 9).

3.1. M edicina legal g era l


A medicina legal geral, também chamada de medicina legal
profissional o\xjurisprudência médica, trata do estudo dos direitos e
deveres dos profissionais da medicirtà e divide-se em deontologia e
diceologia médicas.
A deontologia médica é o ramo da medicina que se preocupa -
com os princípios e fundamentos do exercício profissional. Traça

10
normas a serem observadas pelos médicos em suas relações com pa­
c ie n tes, colegas e com a sociedade em geral, como, por exemplo,
exercício legal e ilegal, segredo médico, ética e responsabilidade
médicas.
A diceologia médica é parte que trata dos direitos do profissio­
nal da medicina, por exemplo, honorários, horário de trabalho, repre­
sentação e tratamento protocolar.

3.2. Medicina legal especial


A medicina legal especial divide-se em vários capítulos, ou
subáreas:
a) antropologia médico-legal ou forense — trata basicamente
das questões relativas a identidade e identificação;
b) asfixiologia médico-legal ou forense — cuida dos achados
médico-legais referentes às asfixias, como esganadura, estrangula­
mento, soterramento, afogamento etc.;
c) criminologia — preocupa-se com a origem e a dinâmica do
crime, particularmente sob o aspecto do criminoso e da vítima;
d) genética médico-legal ou forense — trata de questões perti­
nentes à determinação da paternidade e também à identificação, nes­
te caso, relacionada com a herança genética;
e) infortunística — cuida dos ambientes e acidentes do trabalho
assim como das doenças profissionais;
f) policiologia científica — estuda os métodos científicos, de
interesse médico-legal, empregados pela polícia nas investigações
criminais;
g) psicologia médico-legal ou forense — estuda o psiquismo da
pessoa normal e as alterações emocionais que podem influenciar nas
confissões e testemunhos prestados em juízo;
h) psiquiatria médico-legal ou forense — estuda os processos
mentais patológicos, particularmente aqueles ligados com as ques­
tões de capacidade civil e criminal;
i) sexologia médico-legal ou forense — estuda a sexualidade
humana normal, anormal ou criminosa;

11
tente em colocar os pulmões do infante morto em água para determi­
nar se houve ou não nascimento com vida (respiração).
Em 1710, Johann Bohn publica o trabalho De renunciatione
vulnerum, em que é proposta uma classificação das lesões e um rotei­
ro para o diagnóstico diferencial daquelas produzidas em vida e após
a morte.
Em 1722, Hermann Friedrich Teichmeyer lança o livro intitulado
Institutiones medicinae legalis velforensis.
Foi no final do século XIX e início do XX, porém, que a medi­
cina legal se estabeleceu definitivamente.
A França desponta com nomes como José Boaventura Orfila
(“pai da toxicologia” — 1821), Philippe Pinei (1745 a 1826, psiqui­
atria forense), Alphonse Devergie (1798 a 1879), Ambroise Auguste
Tardieu (1818 a 1879), Alphonse Lacassagne (1843 a 1924), Paul
Camille Hippolite Brouardel (1869 a 1906), Edmond Locard (1877 a
1966) e Camile Simonin (1891 a 1961). Na Alemanha, Carlos Liman
(1818 a 1891) e Richard Ebing (1840 a 1902). Na Inglaterra, John
Gordon Smith, que, em 1821, publicou o primeiro livro de medicina
legal, Harvey Littlejohn e John Glaister. Na Itália, houve uma mescla
entre médicos-legistas e penalistas, podendo ser citados: Cesare
Lombroso (1835 a 1909), Barzelloti, Martini, Perrone, Garófalo,
Virgílio, Nicéfaro, Falconi e Ferri. Na Rüssia, Balk, Sergie Gromov,
S. G. Georguieff, Dragendorffe Pirogoff.
N a Áustria, Hoffinann e B em t criam em Viena o primeiro insti­
tuto médico-legal, em 1818, desenvolvendo a ciência juntamente com
Haberda, Schneister e Paltauf.
De registrar, também, no período, a proliferação dos cranio-
logistas e frenologistas, como Franz Joseph Gall, que, apesar de pro­
curarem revestir suas atividades de aparência científica, apresenta­
vam métodos e conclusões de discutível eficácia.
\
No Brasil a mediçina legal só se desenvolve a partir do Período
Colonial, com alguns documentos esparsos. Apenas em 1832, com a
regulamentação do processo penal, é que passam a ser reconhecidos
alguns regramentos.
Apesar disso, os autores brasileiros desfrutam de considerável
prestígio nos meios internacionais. Podemos citar nomes como
Alcântara Machado, Álvaro Dória, Delton Croce, Flamínio Fávero,
Garcia Moreno, Genival Veloso de França, Hélio Gomes, Hilário
Veiga de Carvalho, Oscar Freire e inúmeros outros.

3. CLASSIFICAÇÃO
Classifica-se a medicina legal segundo três critérios: histórico,
profissional e didático (França, 1998, p. 5).
Sob o ponto de vista histórico, divide-se a medicina legal de
acordo com suas quatro fases evolutivas:

medicina legal pericial


Medicina legal sob o medicina legal legislativa
aspecto histórico medicina legal doutrinária
medicina legal filosófica

• A medicina legal pericial, medicina legal administrativa,


técnica pericial forense ou judiciária, corresponde à forma ini­
cial da ciência, voltada unicamente para a solução dos problemas
afetos à justiça.
• A medicina legal legislativa procura assessorar os processos
legislativos que envolvam matérias relacionadas com as áreas médi­
ca e biológica.
• A medicina legal doutrinária pretende contribuir para a dis­
cussão e fundamentação de institutos jurídicos ligados às áreas médi­
ca e biológica.
•A. medicina legal filosófica, mais recente, discute assuntos li­
gados à ética do exercício da medicina, no relacionamento entre pro­
fissional e paciente.
Segundo Genival Veloso de França (1998, p. 8), sob o as­
pecto profissional, busca-se classificar a medicina legal segundo
a maneira como a m atéria é exercida na prática, de acordo com as
atribuições conferidas aos profissionais da área. Divide-se em m e­
dicina legal pericial, afeta aos médicos-legistas, criminalística,
ligada aos peritos criminais, e antropológica, exercida pelos pes­

9
quisadores e papiloscopistas do IIRGD. As atribuições específi­
cas de cada um desses ramos serão mais bem analisadas no capí­
tulo seguinte.

Medicina legal sob o aspecto [ mediÇin« legal pericial - médicos-legistas


c - i < criminalística — pentos criminais
profissional T. . _ ,, .
^ medicina legal antropologica — ILRGD

Finalmente, segundo aspecto didático, temos:

deontologia médica
geral
diceologia médica

antropologia médico-legal ou forense


asfixiologia médico-legal ou forense
criminologia
genética médico-legal
Medicina legal sob o infortunística
aspecto didático policiologia científica
especial < psicologia médico-legal ou forense
psiquiatria médico-legal ou forense
sexologia médico-legal ou forense
tanatologia médico-legal ou forense
toxicologia médico-legal ou forense
traumatologia médico-legal ou forense
vitimologia

A classificação acima difere daquela apresentada por Genival


Veloso de França (1998, p. 5), no sentido de excluir a criminalística,
que entendemos ser ciência autônoma, e incluir a policiologia cientí­
fica (Croce, 1998, p. 9).

3.1. Medicina legal geral


A medicina legal geral, também chamada de medicina legal
profissional ou jurisprudência médica, trata do estudo dos direitos e
deveres dos profissionais da medicina e divide-se em deontologia e
diceologia médicas.
A deontologia médica é o ramo da medicina que se preocupa
com os princípios e fundamentos do exercício profissional. Traça

10
normas a serem observadas pelos médicos em suas relações com pa­
cien te s, colegas e com a sociedade em geral, como, por exemplo,
exercício legal e ilegal, segredo médico, ética e responsabilidade
médicas.
A diceologia médica é parte que trata dos direitos do profissio­
nal da medicina, por exemplo, honorários, horário de trabalho, repre­
sentação e tratamento protocolar.

3.2. Medicina legal especial


A medicina legal especial divide-se em vários capítulos, ou
subáreas:
a) antropologia médico-legal ou forense — trata basicamente
das questões relativas a identidade e identificação;
b) asfixiologia médico-legal ou forense — cuida dos achados
médico-legais referentes às asfixias, como esganadura, estrangula­
mento, soterramento, afogamento etc.;
c) criminologia — preocupa-se com a origem e a dinâmica do
crime, particularmente sob o aspecto do criminoso e da vítima;
d) genética médico-legal ou forense — trata de questões perti­
nentes à determinação da paternidade e também à identificação, nes­
te caso, relacionada com a herança genética;
e) infortunística — cuida dos ambientes e acidentes do trabalho
assim como das doenças profissionais;
f) policiologia científica — estuda os métodos científicos, de
interesse médico-legal, empregados pela polícia nas investigações
criminais;
g) psicologia médico-legal ou forense — estuda o psiquismo da
pessoa normal e as alterações emocionais que podem influenciar nas
confissões e testemunhos prestados em juízo;
h) psiquiatria médico-legal ou forense — estuda os processos
mentais patológicos, particularmente aqueles ligados com as ques­
tões de capacidade civil e criminal;
i) sexologia médico-legal ou forense — estuda a sexualidade
humana normal, anormal ou criminosa;

11
j) tanatologia médico-legal ou forense — estuda o morto e a
morte, assim como os fenômenos dela decorrentes;
1) toxicologia médico-legal ou forense — estuda os efeitos das
diversas substâncias químicas no organismo, particularmente os cáus­
ticos, os venenos e os tóxicos (álcool e drogas em geral);
m) traumatologia médico-legal ou forense — estuda as lesões
corporais e as energias causadoras dessas lesões; e
n) vitimologia — estuda a vítima e seu comportamento na ocor­
rência e desenrolar dos delitos.
Há autores que se referem, ainda, a uma medicina legal social,
cujo objeto de estudo subdivide-se em medicina do trabalho, medicina
legal preventiva e medicina legal securitária (Maranhão, 2002, p. 30).

medicina legal do trabalho


Í medicina legal preventiva
medicina legal securitária

É claro que as subáreas mencionadas não se esgotam nelas mes­


mas, interagindo entre si e com outras áreas do conhecimento humano.

4. M EDICINA LEG AL, C R IM IN A LÍSTIC A E CRIM INO-


LOGIA
Uma questão muito comum em concursos públicos é aquela re:
ferente à diferença existente entre medicina legal, criminalística e
criminologia. Ainda que tenhamos esboçado um princípio de defini­
ção, é preciso diferenciar claramente o campo de atuação de cada
uma dessas ciências ou áreas do conhecimento humano.
■, f A medicina legal, como vimos, é ciência autônoma ou ramo da
: medicina (conforme o conceito adotado) que estuda os fenômenos
■ biológicos de interesse judicial, quer na esfera cível, quer na penal ou
; trabalhista. Seu objeto, portanto, é o corpo humano, vivo ou morto, e
suas interações com o ambiente. '
A criminologia é súbárea da própria medicina legal que estu­
da o crime e sua relação com a personalidade do criminoso e o
comportamento das vítimas. Analisa, basicamente, o delito enquanto

12
fenômeno social, procurando em sua gênese a melhor forma de pre­
venção.
Segundo Sutherland, a criminologia “é a ciência que estuda os
fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do crimino­
so, sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo” (Edwin H.
Sutherland, Principies o f criminology, 1960, p. 27).
A partir de 1970, inicialmente nos Estados Unidos e na Ingla­
terra e depois se irradiando para outros países da Europa, surgiu um
movimento, de forte inspiração marxista, ao qual se convencionou
chamar de nova criminologia, criminologia radical ou criminologia
crítica, que buscava na desigualdade social e no sistema de produção
capitalista a gênese da criminalidade.
Num segundo momento, essas teorias iniciais cederam lugar às
três distintas tendências da criminologia moderna: o neo-realismo de
esquerda, o chamado direito penal mínimo e o abolicionismo.
Os neo-realistas de esquerda defendem a idéia de que a carên­
cia leva à inconformidade e que a ausência de soluções políticas con­
duz ao delito. Propugnam uma modificação do Direito Penal, substi­
tuindo os tipos sancionadores atuais por outros que melhor tutelem
os direitos das classes trabalhadoras, mas aceitam a idéia do cárcere
para situações extremas.
Os defensores do direito penal mínimo fazem uma releitura da
teoria da rotulação social (labelling approach) e propugnam uma
redução e uma readaptação do Direito Penal em prol dos menos favo­
recidos. “Deve-se deixar de atribuir relevo aos pensamentos tradicio­
nais da criminalidade de massas ou criminalidade de rua (furto, rou­
bo etc.) para pensar uma ‘criminalidade dos oprimidos’: racismo,
discriminação sexual, criminalidade de colarinho-branco, crimes eco­
lógicos, belicismo etc.” (Shecaira, Criminologia, 2004, p. 343).
Finalmente, os partidários do abolicionismo propõem a elimi­
nação do sistema punitivo atual sob o argumento de que o Direito
Penal não tem feito mais que justificar as desigualdades e injustiças
sociais (Shecaira, Criminologia, cit., p. 345) e que a sociedade deve
organizar-se de modo diferente para superar esses conflitos.
A essas teorias se contrapõem os movimentos radicais ditos de

13
direita, como, por exemplo, os movimentos “lei e ordem” e “tolerân­
cia zero”.
A criminalística é a ciência que estuda os vestígios deixados
j pelo crime no local do fato, objetivando a sua comprovação e a
identificação do criminoso. Embora tenha muitos pontos em co-
\ mum com a medicina legal, é ciência autônoma, com objeto e mé-
\ todos próprios.
A diferença básica entre a medicina legal e a criminalística pode
ser aquilatada no conceito de Del-Picchia, segundo o qual esta últi­
ma “é a disciplina que cogita do reconhecimento e análise dos vestí­
gios extrínsecos relacionados com o crime ou com a identificação de
seus participantes”. “O exame e a análise dos vestígios intrínsecos do
corpo humano (da pele para dentro)” são da alçada médico-legal (José
Del-Picchia Filho e Celso Mauro Ribeiro Del-Picchia, Tratado de
documentoscopia, 1976, p. 5).
O esquema a seguir dá uma boa demonstração das diferenças
existentes entre as mencionadas ciências e os ramos do conhecimento
humano.

Criminalística Criminologia Medicina legal

Ciência autônoma. Ramo da medicina legal. Ciência autônoma.

Estuda vestígios e indí­ Estuda a etiologia do de­ Estuda as alterações bio-


cios deixados no local do lito, as causas que leva­ psicológicas do organis­
crime pelo fato delituoso. ram o agente ao cometi- mo humano, vivo ou mor­
mento do crime. to, que têm interesse ju­
dicial (civil ou criminal).

Preocupa-se mais com a Estuda o comportamen­ Estuda o comportamen­


identificação do delin­ to do delinqüente. to da pessoa humana.
qüente e com a produção
de prova.

Interpretação dos ele­ Estuda a personalidade Estuda a personalidade


mentos encontrados no do criminoso e. os meios da pessoa humana.
local dos fatos a fim de de ressocialiiação do de­
comprovar ou não a ver­ linqüente.
são apresentada em juízo
— dinâmica do evento.

14
5. PERÍCIAS E PERITOS

5.1. Conceito
4■f ' Todos os exames levados a efeito por profissionais da medicina
i
(clínicos, laboratoriais ou necroscópicos) e que são destinados a uso
I
' judicial denominam-se perícias médico-legais.
\
Da mesma maneira, todos os exames elaborados por profissio­
nais de outras áreas do conhecimento humano, que não médicos, desde
que destinados a uso como meio de prova em juízo, são denomina­
dos, simplesmente, perícias.
Como as questões levadas a juízo são muito variadas, a na­
tureza da perícia depende da natureza do exame considerado,
requerendo um profissional especializado que poderá ou não ser
um médico. Tratando-se de m atéria médica o profissional deve­
rá ser médico, e o exame produzido, uma perícia médica. Em
caso de m atéria referente, por exemplo, à construção civil, o
perito indicado deverá ser engenheiro ou arquiteto, e o exame
produzido, uma perícia de engenharia, portanto, afeta à área da
criminalística.
f Peritos, pois, são todos aqueles técnicos, de nível superior ou
não, concursados ou não, mas especialistas em determinada área do
1 conhecimento humano e que, por designação da autoridade compe-
| tente, prestam serviços à justiça ou à polícia a respeito de fatos, pes-
soas ou coisas.

5.2. Classificação das perícias


As perícias podem ser classificadas segundo vários crité­
rios. No quadro abaixo m ostram os apenas alguns, a título de
exemplo:

15
psiquiátrica
necroscópica
traumatológica
sexológica
etc.
segundo a matéria
contábil
de engenharia
química
não médicas
física
balística
etc.
Classificação das
perícias
segundo o modo cotno se realiza o exame inthreta

cível
( criminal
trabalhista

de retratação — percipiendi

Í interpretativa — deduciendi
opinativa
retrospectiva
quanto ao momento de realização
{ prospectiva

A perícia será direta quando, no caso da medicina legal, por


exemplo, o médico examinar diretamente a pessoa ou o corpo da
vítima e indireta quando o exame for realizado por intermédio de
fichas hospitalares ou outros documentos.
A perícia de retratação, também denominada percipiendi, visa
apenas a descrição pura e simples daquilo que foi observado pelo
perito. A maior parte das perícias resume-se à narração minuciosa
daquilo que foi observado no local, nos instrumentos do crime ou no
corpo da vítima, sem que o técnico venha a emitir uma conclusão
específica.
Essa modalidade de exame pericial é bastante comum, particu­
larmente em laudos relacionados com exame de local de crime. O
próprio símbolo do Instituto de Criminalística de São Paulo, no
aforismo latino visum et repertum, retrata essa realidade.

16
A perícia interpretativa ou deduciendi é a que se realiza por
intermédio de um processo científico de interpretação dos fatos ou de
suas circunstâncias, no qual o perito, após analisar todos os elemen­
tos encontrados em seu objeto de estudo, lança uma conclusão técni­
ca relacionada com o fato colocado à sua apreciação.
Perícias op inativas são aquelas em que são exarados pareceres
dos especialistas sobre determinado assunto.
No que toca ao momento de sua realização, as perícias podem
ser retrospectivas ou prospectivas. As retrospectivas constituem exa­
mes realizados no presente, mas relacionados com fatos passados,
com o objetivo de perpetuar os elementos de prova. Constituem a
maior parte das perícias.
As perícias prospectivas objetivam o exame de situações pre­
sentes cujos efeitos deverão ocorrer no futuro. É o caso, por exem­
plo, do exame de cessação de periculosidade, previsto no art. 775 do
Código de Processo Penal.

5.3. Peritos, classificação, investidura e número necessário


Os peritos, de acordo com a investidura, classificam-se em ofi­
ciais, louvados ou nomeados e assistentes técnicos.

Peritos

Na área penal os peritos, médicos ou não, devem atuar por de­


ver de ofício, são funcionários públicos concursados para exercer
exatamente o mister de realizar perícias nas diversas áreas (ver item
6 — a Polícia Científica no Estado de São Paulo).
Quando a perícia for de natureza médico-legal, o exame deverá,
preferencialmente, ser realizado por profissional médico, também
denominado perito médico ou médico-legista. Quando de outra natu­
reza, a responsabilidade deverá recair sobre profissional de curso su­
perior denominado perito criminal.
Na ausência de peritos oficiais, ou se a instituição pública não
dispuser de serviço próprio para o exame que se pretende realizar, o

17
juiz poderá, mesmo na esfera penal, nomear pessoas idôneas, de ní­
vel superior, para a realização da perícia. É o que dispõe o § 1Qdo art.
159 do Código de Processo Penal.
Tais peritos são também chamados de peritos leigos ou ad hoc e
^deverão ser sempre profissionais de curso superior.

CPP — Art. 159....


§ Ia Não havendo peritos oficiais, o exame será realizado por duas pessoas idô­
neas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de preferência, entre
as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame.

/"“ Na esfera cível, até pela diversidade de questões, os exames


° I geralmente não são realizados por peritos oficiais, e sim por peritos
°] nomeados pelo juiz. São os peritos nomeados ou louvados, nos ter-
\ mos do art. 421 do Código de Processo Civil:

CPC
Art. 421. O juiz nomeará o perito, fixando de imediato, o prazo para a entrega do
laudo.

Apesar de, na esfera civil, o juiz não ficar adstrito à indicação


de peritos oficiais, a regra do art. 434 do Código de Processo Civil
manda que o magistrado, em questões médico-legais ou relacionadas
com falsidades documentais, escolha o perito preferencialmente en­
tre os oficiais.

CPC
Art. 434. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de
documento, ou for de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de prefe­
rência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados. O juiz au­
torizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame, ao diretor
do estabelecimento.

Finalmente temos a figura dos assistentes técnicos, que nada


mais são que profissionais da confiança das partes, no processo ci­
vil, indicados para acompanhar o exame do perito nomeado pelo
juiz.

18
5.3.1* Investidura
Os peritos oficiais são designados para atuar neste ou naquele
processo ou procedimento por determinação ou do diretor da reparti-
rãn pública a que estão ligados ou do Poder Judiciário e prestam
compromisso uma única vez, ao assumir o cargo.
, Em havendo nomeação de peritos ad hoc, por inexistência dos
J oficiais, nos termos do § l c do art. 159 do Código de Processo Penal,
o compromisso deverá ser prestado. É o que dispõe o § 2a do mesmo
^dispositivo:

CPP— Art. 159....


§ 2a Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desem­
penhar o encargo.

Na esfera cível, o compromisso foi abolido com a edição da Lei


n. 8.455, de 24 de agosto de 1992, que modificou o art. 422 do Códi­
go de Processo Civil:

CPC
Art. 422. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido,
independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de
confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.

5.3.2. Número de peritos


r Na área penal, a questão do número de peritos gera discussão há
\ \ algum tempo. Com o advento da Lei n. 8.862, de 28 de março de
1994, que alterou dispositivos do CPP, passou-se a exigir expressa-
| mente o concurso de dois peritos para a realização do exame:

CPP
Art. 159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois
peritos oficiais.

Tal exigência, como grande parte das leis no Brasil, por total
ausência de recursos humanos e materiais, deixa de ser cumprida. Os
exames continuam sendo realizados por um único perito e assinados

19
por um segundo, a título de revisor, que na maior parte das vezes é
mero subscritor, em confiança, de trabalho alheio.
Por outro lado, se houver nomeação de peritos não oficiais, nos
termos do § 1- do art. 159 do Código de Processo Penal, o número de
peritos deverá ser necessariamente dois, conforme a Súmula 361 do STF:

Súmula 361. No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito,


considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência
de apreensão.

No processo cível, em regra, há um único perito nomeado pelo


^ juiz e a possibilidade de indicação de dois assistentes técnicos, um
I para cada parte, mas o número pode aumentar de acordo com a ne-
1,cessidade do caso.
A Lei n. 10.358, de 27 de dezembro de 2001, acrescentou o art.
431-B ao Código de Processo Civil, visando flexibilizar, em caso de
complexidade, o número de peritos e assistentes técnicos atuantes.

CPC
Art. 431-B, Tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma área de
conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a parte
indicar mais de um assistente técnico.

Na Justiça do Trabalho a matéria vem regulada pela Lei n. 5.584,


de 26 de junho de 1970, que, em seu art. 3S, prevê a nomeação de um
único perito e a possibilidade de nomeação de assistente pelas partes:

Lei n. 5.584/70
Art, 3a Os exames periciais serão realizados por perito único designado pelo juiz,
que fixará o prazo para entrega do laudo.
Parágrafo único. Permitir-se-á a cada parte a indicação de um assistente, cujo
laudo terá que ser apresentado no mesmo prazo assinado para o perito, sob pena
de ser desentranhado dos autos.

5.4. Corpo de delito è exame de corpo de delito


Algumas infrações penais, como a injúria verbal, não deixam
vestígios (delicia facti transeuntis). Outras, como o homicídio ou a

20
maioria dos delitos patrimoniais, deixam modificações no mundo
material que podem ser percebidas por nossos sentidos ou por apare­
lhos especiais (delicta facti permanentis). Nesses casos é necessária
a realização do exame de corpo de delito, cujo resultado será posteri­
ormente apresentado sob a forma de minucioso relatório.
Para José Lopes Zarzuela, a expressão “corpo de delito”
corresponde “à somatória de elementos vestigiais encontradiços nos
locais de fato, no instrumento relacionado com a prática de uma in­
fração penal, no exame das peças ou na pessoa física, viva ou morta,
deixados pelo sujeito ativo da infração penal, que serão apreciados,
interpretados e descritos em laudo pericial” (conceito ministrado em
aula proferida na Academia de Polícia do Estado de São Paulo).
Assim, distingue-se o corpo de delito, que, nas palavras de
Fernando Capez, constitui “o próprio crime em sua tipicidade”, do
exame de corpo de delito, que é todo exame realizado no local dos
fatos, nos instrumentos relacionados e, inclusive, nas pessoas envol­
vidas (Fernando Capez, Curso de processo penal, 1998, p. 254).

Exame de coipo de delito não é apenas o exame realizado na pessoa, mas todo
exame relacionado com o fato criminoso, inclusive aquele feito no local e os
exames laboratoriais subseqüentes.

6. A POLÍCIA CIEN TÍFICA NO ESTADO DE SÃO PAULO


No Estado de São Paulo, por iniciativa do Governador Mário
Covas, através do Decreto Estadual n. 42.847, de 9 de fevereiro de
1998, foi implementada a Superintendência da Polícia Técnico-Cien-
tífica, ligada diretamente ao Gabinete do Secretário da Segurança
Pública.
Antiga aspiração de seus membros, o mencionado decreto pre­
vê que a Superintendência da Polícia Técnico-Científica deve ser
dirigida, alternadamente, por peritos criminais e médicos legistas,
para um período de dois anos.
A chamada polícia científica, antiga polícia técnica, assim se
estrutura atualmente:

21
6.1. O Instituto Médico-Legal
O Instituto Médico-Legal (IML) tem por finalidade a elabora­
ção das perícias médico-legais e toxicológicas.
Aos médicos legistas ficam afetas as necropsias, exumações
e exam es na p esso a h u m an a. Ôs exam es to x ico ló g ico s e
laboratoriais, relacionados, embora realizados no IML, não são
da alçada dos médicos-legistas,.mas sim de peritos criminais ali
alocados.
O quadro a seguir elenca os exames de corpo de delito privati­
vos dos médicos-legistás (apud José Lopes Zarzuela, M inoru
Matunaga e Pedro Lourenço Thomaz, Laudo pericial — aspectos
técnicos e jurídicos, 2000, p. 230 - 231):

22
Perícia Núcleo responsável
Exame de sanidade física Seção de Clínica
Embriaguez Seção de Clínica
Acidente do trabalho Seção de Clínica
Lesões corporais Seção de Clínica Médica
Verificação de idade cronológica Seção de Clínica-Sede
Exame de sanidade mental Seção de Psiquiatria
Determinação de personalidades
psicopáticas, psicóticas, dissociais, Seção de Psiquiatria
neuróticas e oligofrênicas
Averiguação da ausência ou da
Hospital de Custódia e Tratamento
persistência da periculosidade do
Psiquiátrico
condenado
Necropsia Seção Técnica de Necropsia
Exame cadavérico Seção Técnica de Necropsia
Exumação Seção Técnica de Necropsia
Dosagem alcoólica em material biológico Seção Técnica de Pesquisa e dosagem de
de pessoas vivas ou mortas Álcool
Estado puerperal Seção Técnica de Psiquiatria
Exames radiológicos Seção Técnica de Radiologia
Verificação de aborto recente Seção Técnica de Sexologia Forense
Verificação de gravidez Seção Técnica de Sexologia Forense
Exame de conjunção carnal recente Seção Técnica de Sexologia Forense
Estupro recente Seção Técnica de Sexologia Forense
Verificação de contágio venéreo Seção Técnica de Sexologia Forense
Atentado ao pudor Seção Técnica de Sexologia Forense
Parto recente Seção Técnica de Sexologia Forense
Determinação do sexo em casos de estados
intersexuais quando interessam aos Seção Técnica de Sexologia Forense
inquéritos policiais e/ou processo penal
Perícias em ossos em geral, dentes e pêlos Setor Técnico de Antropologia
Determinação da espécie animal em ossadas Setor Técnico de Antropologia
Determinação da estatura por meio de
Setor Técnico de Antropologia
perícias em ossos longos
Determinação da raça Setor Técnico de Antropologia
Pesquisas bacteriológicas de materiais
orgânicos, sangue, pus, esperma, urina,
fezes, mecônio, colostro, leite, pêlos de Setor Técnico de Biologia Forense
origem humana oriundas do vivo e do
cadáver

23
6.2. O Instituto de Criminalística
O Instituto de Criminalística (IC) subdivide-se em diversas se­
ções e setores, realizando perícias tanto em locais de crimes como
em documentos e peças relacionadas. A gama de exames realizados
pelo Instituto de Criminalística é enorme, atingindo a maioria das
áreas do conhecimento humano, como, por exemplo, as perícias em
documentos, som e imagem, balística, crimes contra a pessoa, contra
o patrimônio, acidentes de trânsito etc.

6.3. O Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt


O Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (URGD)
encarrega-se da pesquisa de impressões dígito-papilares, identifica­
ção dactiloscópica e expedição de Carteiras de Identidade.
Curioso que, embora o IIRGD realize perícias, tanto em locais
de crime como de comparação de impressões papilares, seus agentes
não são conhecidos como peritos, mas sim como pesquisadores
papiloscópicos e papiloscopistaspoliciais. Aos primeiros, pesquisa­
dores papiloscópicos, está afeta a tarefa de pesquisar e coletar im­
pressões nos locais de crime. Aos papiloscopistas, a classificação, o
estudo e o cotejo de tais impressões.

7. DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS
7.1. Conceito e características
Documentos médico-legais ou médico-judiciários são todas as
informações de conteúdo médico, apresentadas por médico, verbal­
mente ou por escrito, que tenham interesse judicial.
São características dos documentos médico-legais:
• ser elaborado por médico devidamente habilitado na forma da
legislação vigente;
• decorrer de exame que corresponda a ato médico específico,
assim entendidos aqueles próprios do exercício da medicina, com
exceção dos pareceres, em que o profissional poderá valer-se de dou­
trina preexistente;
• apresentação verbal ou por escrito; e
objetivar o esclarecimento de questão colocada perante a justiça.

7.2. Classificação
oficiosos

atestados ou
( administrativos

judiciários
certificados médicos
atestados para fins previdenciários
atestados de óbito
oficial
clínico

doenças de notificação compulsória


comunicação de acidente do trabalho — CAT
de crime de ação penal pública incondicionada
Documentos , comunicação da ocorrência de morte encefálica
médico-legais notificações óbitos ou lesões à saúde produzidos por não-médico
compulsórias | violência contra a mulher atendida em serviços de saúde
esterilizações cirúrgicas
maus-tratos contra criança ou adolescente
maus-tratos contra idoso
tortura

relatórios médico-legais -í 1aut° mt^ C°


laudo médico-legal

pareceres ou consultas médico-legais


depoimentos orais

7.3. Atestados ou certificados médicos


Atestados médicos ou certificados médicos são informações pres­
tadas por escrito a respeito de um determinado fato de interesse médico,
assim como de suas possíveis conseqüências. Subdividem-se em ates-
tados clínicos, atestados para fins previdenciários e atestados de óbito.

7.3.1. Atestados clínicos


Os atestados clínicos são simples declarações de natureza mé­
dica prestadas por profissional habilitado, como, por exemplo, a de­
claração destinada a justificar ausência no trabalho. A expedição do
atestado, quando solicitado pelo paciente ou seu responsável legal,

25
constitui uma obrigação do médico, de acordo com o art. 112 do
Código de Ética Médica (Resolução n. 1.246/88 do Conselho Fe­
deral de Medicina).

Código de Ética Médica


É vedado ao médico:

Art. 112. Deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando


solicitado pelo seu paciente ou seu responsável legal.
Parágrafo único. O atestado médico é parte integrante do ato ou tratamento médi­
co, sendo o seu fornecimento direito inquestionável do paciente, não importando
em qualquer majoração dos honorários.

Embora não exista grande formalidade para a obtenção do ates­


tado clínico, os arts. 39 e 110 do Código de Ética Médica vedam seu
fornecimento de forma irregular ou sem que o profissional tenha efe­
tivamente praticado o ato que o justifique, ou que não corresponda à
verdade. Mais que infração ética, o fato de dar o médico atestado
falso no exercício da profissão configura crime previsto no art. 302
do Código Penal.

Código de Ética Médica


É vedado ao médico:

Art. 39. Receitar ou atestar de forma secreta ou ilegível, assim como assinar em
branco folhas de receituários, laudos, atestados ou quaisquer outros documentos
médicos.

Art. 110. Fornecer atestado sem ter praticado o ato profissional que o justifique,
ou que não corresponda à verdade.

Art. 302. Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso:


Pena — detenção, de um mês a um ano.' -
Parágrafo único. Se o crime é cometido.com o fim de lucro, aplica-se também
multa.

Conforme o destinatário, os atestados clínicos podem dividir-se


ainda em: oficiosos, administrativos ou judiciários.

26
Atestados oficiosos são destinados a justificar fatos do dia-a-
dia, como ausência às aulas ou ao trabalho, sem qualquer cunho de
oficialidade.
Atestados administrativos são aqueles apresentados no serviço
público para abono de faltas ou obtenção de aposentadoria e relacio­
nam-se com o exercício de determinada função pública.
Atestados judiciários são os destinados a uso pela justiça.
Para Delton Croce, “somente os atestados judiciários consti­
tuem documentos médico-legais” (1998, p. 29). É bem verdade que a
validade jurídica de tais atestados, principalmente pela ausência de
formalidades legais, é questionável, mas podem ser classificados como
documentos médico-legais, em sentido amplo, se utilizados como
princípio de prova de fatos de relevância jurídica.

7.3.2. Atestados para fins previdenciários


Os atestados para fins previdenciários são aqueles destinados a
comprovar determinado estado patológico especificamente perante a
Previdência. Sua principal característica é a necessidade do diagnósti­
co, segundo sua classificação de acordo com o Código Internacional
de Doenças (CID), publicado pela OMS — Organização Mundial de
Saúde (atualmente estamos na 10arevisão — CID 10 — aprovada pela
Conferência Internacional para a Décima Revisão, em 1989, e adotada
pela Quadragésima Terceira Assembléia Mundial da Saúde). Esta foi a
maneira encontrada para permitir ao médico a indicação do diagnósti­
co sem a quebra do sigilo profissional a que está obrigado.
Ver também a Resolução do Conselho Federal de Medicina n.
1.488, de 11 de fevereiro de 1998, que trata do atestado de saúde
ocupacional ASO.

7.3.3. Atestados de óbito


Juridicamente a morte pode ser natural, violenta ou não natural
e suspeita. Será considerada violenta ou não natural quando decor­
rente da ação de energias externas, ainda que tardiamente, assumin­
do a forma de acidente, suicídio ou crime (apud Hélio Gomes, atua­
lizado por Hygino Hércules, Medicina legal, 2003, p. 39). Será tida
como suspeita se inesperada e sem causa evidente.
Os atestados de óbito são documentos necessários para que possa
ocorrer o sepultamento (art. 77 da Lei n, 6.015, de 31-12-1973 —
Registros Públicos). Podem ser clínicos ou oficiais.

27
O atestado de óbito será clínico quando a morte for natural e
tiver ocorrido com assistência médica. O fornecimento do atestado,
nessas condições, é dever do médico, como determina o art. 115 do
Código de Ética Médica.
Nesses casos, a declaração de óbito deve ser fornecida preferen­
cialmente pelo médico que vinha prestando assistência (art. 22, 1, n ,
a, da Resolução n. 1.779/05 do Conselho Federal de Medicina).
Na hipótese de paciente internado sob regime hospitalar, o ates­
tado pode ser fornecido pelo médico assistente ou substituto perten­
cente à instituição (art. 2-, 1, ET, b, daRes. n. 1.779/05).
Se o paciente estava em tratamento sob regime ambulatorial, o
atestado deve ser fornecido pelo médico designado pela instituição que
prestava assistência ou pelo SVO (art. 2S, 1, n , c, da Res. n. 1.779/05).
A declaração de óbito do paciente em tratamento sob regime
domiciliar (Programa Saúde da Família, internação domiciliar,
homecare e outros) deverá ser fornecida pelo médico pertencente ao
programa ao qual o paciente estava cadastrado, ou pelo SVO, caso o
médico não consiga correlacionar o óbito com o quadro clínico
concernente ao acompanhamento do paciente (art. 2°, 1, II, d, da Res.
n. 1.779/05).
“Em caso de morte fetal os médicos que prestaram assistência à
mãe ficam obrigados a fornecer a declaração de óbito do feto, quan­
do a gestação tiver duração igual ou superior a 20 semanas ou o feto
tiver peso corporal igual ou superior a 500 (quinhentos) gramas e/ou
estatura igual ou superior a 25 cm” (art. 2S, 2, da Res. n. 1.779/05).
Se o óbito foi natural, mas sem assistência médica ao falecido,
ou sendo a morte violenta ou suspeita (não natural), o médico não
poderá fornecer o atestado.
Nas mortes naturais não assistidas o corpo deverá ser encaminha­
do preferencialmente para o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) ou,
na sua ausência, para médicos do serviço público de saúde (art. 2S, 1, 1, a
e b, da Res. n. 1.779/05). . -
No caso de mortes violentas ou suspeitas, ao IML, onde serão
realizados exames destinados a comprovar a causa mortis (art. 2S, 3, da
Res. n. 1.779/05).
Também deverão ser encaminhadas ao IML as ocorrências em
que a morte possa ter decorrido dé “alguma medida com intenção
diagnóstica ou terapêutica indicada por agente não-médico ou realiza­
da por quem não esteja habilitado para fazê-lo” (art. I 2da Resolução n.
1.641, de 12 de julho de 2002, do Conselho Federal de Medicina).

28
Código de Ética Médica
É vedado ao médico: (...)
Art. 114. Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando
não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como
plantonista, médico substituto, ou em caso de necropsia e verificação médico-
legal.
Art. 115. Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência,
exceto quando houver indícios de morte violenta.

Resolução CFM n. 1.779/05


Art. Ia O preenchimento dos dados constantes na Declaração de Óbito é da res­
ponsabilidade do médico que atestou a morte.
Art. 22 Os médicos, quando do preenchimento da Declaração de Óbito, obedece­
rão as seguintes normas:
1) Morte natural:
I. Morte sem assistência médica:
a) Nas localidades com Serviço de Verificação de Óbitos (SVO):
A Declaração de Óbito deverá ser fornecida pelos médicos do SVO.
b)Nas localidades sem SVO:
A Declaração de Óbito deverá ser fornecida pelos médicos do serviço pú­
blico de saúde mais próximo do local onde ocorreu o evento; na sua ausên­
cia, por qualquer médico da localidade.
II. Morte com assistência médica:
a) A Declaração de Óbito deverá ser fornecida, sempre que possível, pelo mé­
dico que vinha prestando assistência ao paciente.
b) A Declaração de Óbito do paciente internado sob regime hospitalar deverá
ser fornecida pelo médico assistente e, na sua falta, por médico substituto
pertencente à instituição.
c) A Declaração de Óbito do paciente em tratamento sob regime ambulatorial
deverá ser fornecida por médico designado pela instituição que prestava
assistência, ou pelo SVO.
d) A Declaração de Óbito do paciente em tratamento sob regime domiciliar
(Programa Saúde da Família, internação domiciliar e outros) deverá ser
fornecida pelo médico pertencente ao programa ao qual o paciente estava
cadastrado, ou pelo SVO, caso o médico não consiga correlacionar o óbito
com o quadro clínico concernente ao acompanhamento do paciente.
2) Morte fetal:
Em caso de morte fetal, os médicos que prestaram assistência à mãe ficam
obrigados a fornecer a Declaração de Óbito quando a gestação tiver duração
igual ou superior a 20 semanas ou o feto tiver peso corporal igual ou superior
a 500 (quinhentos) gramas e/ou estatura igual ou superior a 25 cm.
3) Mortes violentas ou não naturais:
A Declaração de Óbito deverá, obrigatoriamente, ser fornecida pelos serviços
médico-legais.
Parágrafo único. Nas localidades onde existir apenas 1 (um) médico, este é o
responsável pelo fornecimento da Declaração de Óbito.
Art. 3a Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação e revoga a Reso­
lução CFM n. 1.601/00.
Resolução CFM n. 1.641/02
Art. Xa É vedado aos médicos conceder declaração de óbito em que o evento que
levou à morte possa ter sido alguma medida com intenção diagnóstica ou tera­
pêutica indicada por agente não-médico ou realizada por quem não esteja habili­
tado para fazê-lo, devendo, neste caso, tal fato ser comunicado à autoridade poli­
cial competente a fim de que o coipo possa ser encaminhado ao Instituto Médico
Legal para verificação da causa mortis.

Em São Paulo, o Serviço de Verificação de Óbitos foi regu­


lamentado, na Capital, pelo Decreto n. 4.967, de 13 de abril de
1931, modificado pela Lei n. 10.095, de 3 de maio de 1968, e
pelo Decreto n. 51.914, de 5 de dezembro de 1968, e em todo o
Estado, pela Lei n. 5.452, de 22 de dezembro de 1986, que esta­
belece:

Lei Estadual n. 5.452/86


Artigo 2a Os serviços de Verificação de Óbitos têm por finalidade:
I - esclarecer a causa mortis em casos de óbito por moléstia mal definida ou sem
assistência médica;
II - prestar colaboração técnica, didática e científica aos Departamentos de Pato­
logia das Faculdades de Medicina, órgãos afins ou outros interessados, partici­
pando de seus trabalhos e podendo funcionar nas suas dependências e instala­
ções.
Artigo 3a Compete aos Serviços de Verificação de Óbitos:
I - realizar as necropsias de pessoas falecidas de morte natural sem assistência
médica ou com atestado de óbito de moléstia mal definida, inclusive os que lhe
forem encaminhados pelo Instituto Médico Legal do Estado — IML, fornecendo
os respectivos atestados de óbito;
II - proceder ao registro de óbito e expedir guia de sepultamento, dentro dos
prazos legais, para corpos necropsiados e não reclamados. Nesse caso, o sepulta­
mento poderá ser feito 48 horas após a necropsia, salvo no caso de cadáveres
putrefatos, hipótese em que poderá ser feito imediatamente;
in - remover para o IML os casos suspeitos de morte violenta verificados antes
ou no decorrer da necropsia e aqueles, de morte natural, de identificação desco­
nhecida, enviando, sempre que couber, comunicação à autoridade policial;
IV - fiscalizar o embarque de cadáveres, ossadas ou restos exumados, para fora
de cada município, expedindo os competentes “livre trânsito”, nos casos de mor­
te natural;
V - realizar e/ou fiscalizar embalsamamentos e formolizações de acordo com a
legislação sanitária e convenções internacionais em vigor;

30
VI - lacrar as umas funerárias que se destinam ao Exterior, nos casos de morte
natural;
VH - fazer as necessárias comunicações à fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados — SEADE e, quando solicitado, a outros órgãos interessados, nos ca­
sos em que, após exames complementares, for modificado ou completado o diag­
nóstico da causa básica da morte.
Parágrafo único. As atribuições a que se referem os incisos IV e VI, quando se
tratar de morte violenta, serão de competência do IML.

A respeito dos Serviços de Verificação de Óbito, ver também


Portaria MS/GM n. 1.405, de 29 de junho de 2006, que instituiu a
Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbito e Esclarecimento
da Causa Mortis (SVO).

do médico — mortes naturais, desde que tenha assistido o paciente


Atribuição
para atestar .
J mortes naturais quando não há médico para atestar
1 doenças mal definidas
o óbito
IML — mortes não naturais (violentas ou suspeitas)

7.4. Notificações compulsórias


Notificações compulsórias são comunicações obrigatórias fei­
tas pelo médico (ou eventualmente por outros profissionais de saúde)
às autoridades competentes, por razões sociais ou sanitárias. São elas:
• doenças de notificação compulsória;
• comunicação de acidente do trabalho — CAT;
• notificação de crime de ação penal pública incondicionada que
teve ciência no exercício da medicina (art. 66 da LCP);
• comunicação da ocorrência de morte encefálica;
• comunicação dos óbitos ou casos de lesão ou dano à saúde
induzidos ou causados por alguém não-médico (art. 4a da Resolução
CFM n. 1.641/02);
• a violência contra a mulher atendida em serviços de saúde
públicos e privados (Lei n. 10.778/03);
• as esterilizações cirúrgicas (Lei n. 9.263/96);

31
• maus-tratos contra criança ou adolescente (ECA, arts. 13 e 245);
• maus-tratos contra idoso (Lei n. 10.741/03, art. 19); e
• tortura (art. 53, parágrafo único, do Código de Ética Médica)
(Resolução CFM n. 1.246/88).

7.4.1. Doenças de notificação compulsória


As notificações ou atestados para internação compulsória são
informações que o médico está obrigado a prestar para a autoridade
competente sobre moléstias infecto-contagiosas.
Os parâmetros para a inclusão de determinada moléstia no rol
daquelas de comunicação obrigatória são traçados pela Lei n. 6.259,
de 30 de outubro de 1975, e pelo Decreto n. 78.231, de 12 de agosto
de 1976, que a regulamentou. Ambos os diplomas legais atribuem ao
Ministério da Saúde a normatização da matéria.

Lei n. 6.259/75
Art. 7a São de notificação compulsória às autoridades sanitárias os casos suspei­
tos ou confirmados:
I — de doenças que podem implicar medidas de isolamento ou quarentena, de
acordo com o Regulamento Sanitário Internacional;
II — de doenças constantes de relação elaborada pelo Ministério da Saúde, para
cada Unidade da Federação, a ser atualizada periodicamente.
§ Ia Na relação de doenças de que trata o inciso II deste artigo será incluído item
para casos de “agravo inusitado à saúde”.
§ 2a O Ministério da Saúde poderá exigir dos Serviços de Saúde a notificação
negativa da ocorrência de doenças constantes da relação de que tratam os itens I
e H deste artigo.

Atualmente, são agravos de notificação compulsória em todo o


território nacional, segundo a Portaria n. 5, de 21 de fevereiro de
2006, da Secretaria de Vigilância cm Saúde:
I. Botulismo
II. Carbúnculo ou “Antraz” •
in. Cólera
IV. Coqueluche
V. Dengue

32
VI. Difteria
VII. Doença de Creutzfeldt-Jacob
Vm. Doenças de Chagas (casos agudos)
IX. Doenças Meningocócicas e outras Meningites
X. Esquistossomose (em área não endêmica)
XI. Eventos Adversos Pós-Vacinação
XH Febre Amarela
Xm. Febre do Nilo Ocidental
XIV. Febre Maculosa
XV. Febre Tifóide
XVI. Hanseníase
XVÜ. Hantaviroses
XVffl. Hepatites Virais
XIX. Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana — HIV
em gestantes e crianças expostas ao risco de transmissão
vertical
XX. Influenza humana por novo subtipo (pandêmico)
XXI. Leishmaniose Tegumentar Americana
XXII. Leishmaniose Visceral
XX m . Leptospirose
XXIV. Malária
XXV. Meningite por Haemophilus influenzae
XXVI. Peste
XXVII. Poliomielite
XXVIÜ. Paralisia Flácida Aguda
XXIX. Raiva Humana
XXX. Rubeola
XXXI. Síndrome da Rubéola Congênita
XXXII. Sarampo
XXXHI. Sífilis Congênita

33
XXXIV. Sífilis em gestante
XXXV. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida— AIDS
XXXVI. Síndrome Febril íctero-hemorrágica Aguda
XXXVII. Síndrome Respiratória Aguda Grave
XXXVIU. Tétano
XXXIX. Tularemia
XL. Tuberculose
XLI. Varíola

Ao deixar de comunicar à autoridade sanitária competente a


ocorrência de moléstia de notificação compulsória de que teve ciên­
cia no exercício da medicina, pode o médico cometer o delito previs­
to no art. 269 do Código Penal:

CP — Omissão de notificação de doença


Art. 269. Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notifi­
cação é compulsória:
Pena — detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

7.4.2, Comunicação de acidente do trabalho — CAT


Por força do que dispõe o art. 169 da CLT, os médicos do traba­
lho estão obrigados a comunicar à Previdência a òcorrência de aci­
dentes e doenças profissionais ou produzidas em virtude de condi­
ções especiais de trabalho.

CLT
Art. 169. Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzi­
das em virtude de condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de
suspeita, de conformidade com. as instruções expedidas pelo Ministério do Tra­
balho.

A Lei n, 8.213, de 24 de julho de 1991, que regulamentou os


benefícios da Previdência Social,- ampliou o conceito de acidente do
trabalho para incluir as doenças profissionais e do trabalho.

34
Lei n. 8.213/91
Art, 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as
seguintes entidades mórbidas:
I — doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exer­
cício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva rela­
ção elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
n — doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em fun­
ção de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione
diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

A comunicação de acidente do trabalho — CAT é obrigatória


mesmo nas hipóteses em que não há afastamento do trabalho. A falha
na comunicação também pode configurar o delito previsto no art.
269 do Código Penal.

7.4.3. Comunicação da ocorrência de crime de ação penal públi­


ca incondicionada
O Decreto-lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941, Lei das Con­
travenções Penais, estabeleceu, em seu art. 66, n , a figura da omissão
de comunicação de crime, levando à obrigatoriedade de o médico
informar, para a autoridade competente, sobre a ocorrência de crime
de ação penal pública incondicionada de que teve ciência no exercí­
cio da profissão, desde que a notícia não exponha o cliente a procedi­
mento criminal.

LCP — Omissão de comunicação de crime


Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

II — crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina


ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de represen­
tação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal:
Pena — multa.

Interessante ressaltar que a norma contravencional não fi­


xou prazo para a comunicação, dificultando a concretização do
tipo.

35
7.4.4. Comunicação da ocorrência de morte encefálica
A Lei n. 8.489, de 18 de novembro de 1992 (revogada), já estabele­
cia, em seu art. 12, a obrigatoriedade de comunicação, em caráter
emergencial, dos diagnósticos de morte encefálica ocorridos nos hospi­
tais públicos e privados, de maneira a permitir o transplante de órgãos.
Mais recentemente a Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997,
que trata especificamente dos transplantes de órgãos, no mesmo sen­
tido, estabeleceu que:

Lei n. 9.434/97
Art. 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde, notificar, às cen­
trais de notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde
ocorrer, o diagnóstico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos.

A responsabilidade pelo descumprimento, na hipótese, não é


penal, sendo inaplicável o disposto no art. 269 do Código Penal. Pri­
meiro, por não se tratar de doença cuja notificação é compulsória,
segundo, porque a obrigação de comunicar é do estabelecimento, fi­
cando a cargo de seus administradores, inexistindo responsabilidade
penal objetiva, e, por derradeiro, porque o art. 22, § Ia, da Lei n.
9.434/97 prevê a aplicação de multa para a instituição em caso de
omissão em face do art. 13.

Lei n. 9.434/97
Art. 22. As instituições que deixarem de manter em arquivo relatórios dos trans­
plantes realizados, conforme o disposto no art. 3a, § l 2, ou que não enviarem os
relatórios mencionados no art. 3a, § 2a, ao órgão de gestão estadual do Sistema
Unico de Saúde, estão sujeitas a multa, de 100 a 200 dias-multa.
§ 1BIncorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as
notificações previstas no art. 13.

7.4.5. Ocorrências induzidas ou causadas por alguém não médico


A Resolução n. 1.641, de 12 de julho de 2002, do Conselho
Federal de Medicina estabeleceu a necessidade de comunicação das
ocorrências de óbitos ou casos de lesão ou dano à saúde induzidos ou
causados por alguém não médico para a autoridade policial e para o
respectivo Conselho Regional de Medicina.
Resolução CFM n. 1.641/02
Art. P É vedado aos médicos conceder declaração de óbito era que o evento que
levou à morte possa ter sido alguma medida com intenção diagnóstica ou tera­
pêutica indicada por agente não-médico ou realizada por quem não esteja habili­
tado para fazê-lo, devendo, neste caso, tal fato ser comunicado à autoridade poli­
cial competente a fim de que o corpó possa ser encaminhado ao Instituto Médico
Legal para verificação da causa mortis.
Art. 2CSem prejuízo do dever de assistência, a comunicação à autoridade polici­
al, visando o encaminhamento do paciente ao Instituto Médico Legal para exame
de corpo de delito, também é devida, mesmo na ausência de óbito, nos casos de
lesão ou dano à saúde induzida ou causada por alguém não-médico.

Art. 4a Nos casos mencionados nos arts. Ia c 2a deve ser feita imediata comunica­
ção ao Conselho Regional de Medicina local.

7.4.6. Violência contra a mulher


A Lei n. 10.778, de 24 de novembro de 2003, regulamentada
pelo Decreto n. 5.099, de 3 de junho de 2004, estabeleceu a obriga­
toriedade da notificação compulsória dos casos de violência contra a
mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados:

Lei n. 10.778/03
Art. I2 Constitui objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, a
violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados.
§ Ia Para os efeitos desta Lei, deve-se entender por violência contra a mulher
qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofri­
mento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado.
§ 22 Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e
psicológica e que:
I — tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra
relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo
domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-
tratos e abuso sexual;
II — tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que
compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pes­
soas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no
lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de
saúde ou qualquer outro lugar; e
m — seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que
ocorra.
§ 3a Para efeito da definição serão observados também as convenções e acordos
internacionais assinados pelo Brasil, que disponham sobre prevenção, punição e
erradicação da violência contra a mulher.

37
7.4.7. Esterilizações cirúrgicas
A Lei n. 9.263, de 12 de janeiro 1996 (Planejamento familiar),
em seu art. 11, determina sejam comunicadas as esterilizações cirúr­
gicas para a direção do Sistema Único de Saúde, prevendo figura
penal em caso de descumprimento:

Lei n. 9.263/96
Art. 16. Deixar o médico de notificar à autoridade sanitária as esterilizações ci­
rúrgicas que realizar.
Pena — detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

7.4.8. A ocorrência de m aus-tratos contra criança ou adolescente


O art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a
necessidade de casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos con­
tra criança ou adolescente serem obrigatoriamente comunicados ao
Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras
providências legais.
O art. 245 do mesmo diplom a legal prevê uma sanção ad­
ministrativa em caso de descumprimento, mencionando expres­
samente os médicos responsáveis por estabelecimentos de aten­
ção à saúde:

ECA
Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de aten­
ção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à auto­
ridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou
confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:
Pena — multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em
caso de reincidência. \

7.4.9. A ocorrência de m aus-tratos còiitra idoso


A Lei n. 10.741, de Ia de outubro de 2003, estabeleceu a
obrigatoriedade de os profissionais de saúde comunicarem os casos
confirmados ou não de maus-tratos contra idoso:

38
Lei n. 10.741/03
Art. 19. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra idoso serão
obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde a quaisquer dos se­
guintes órgãos:
I — autoridade policial;
II — Ministério Público;
TTT— Conselho Municipal do Idoso;
IV — Conselho Estadual do Idoso;
V — Conselho Nacional do Idoso.

7.4.10. Tortura
O Código de Ética Médica (Resolução CFM n. 1.246/88) prevê
a comunicação obrigatória, para a autoridade competente, dos atos
lesivos à personalidade ou à saúde física ou psíquica do paciente sob
cuidado médico.

Art. 53. (...)


Parágrafo único. Ocorrendo quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde físi­
ca ou psíquica dos pacientes a ele confiados, o médico está obrigado a denunciar
o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina.

É bom lembrar que, em se tratando de norma de cunho ético,


não obriga o profissional, e o seu descumprimento pode acarretar
apenas sanções administrativas.

7.5. Relatórios médico-legais


Os relatórios médico-legais são, em última análise, os do­
cumentos resultantes da atuação do serviço médico-legal. Subdivi­
dem-se era autos médico-legais e laudos médico-legais.
Não há, em essência, diferença entre auto e laudo médico-legal.
Se o relatório for ditado ao escrivão ou escrevente, na presença da
autoridade, policial ou judiciária, será chamado de auto médico-le­
gal. Por outro lado, caso seja elaborado posteriormente pelo próprio
perito, estaremos diante do laudo médico-legal (mais comum).
Também não há uma forma legal para apresentação do relató­
rio, seja ele um auto médico-legal ou laudo. Entretanto, geralmente
os laudos apresentam, no mínimo:

39
• preâmbulo ou intróito — onde o perito fornece dados gerais,
como autoridade requisitante, objeto do exame, data etc.;
• histórico ou anamnese — com um resumo dos antecedentes
do caso de interesse pericial;
• descrição — todas as etapas, o mais pormenorizadamente pos­
sível, dos exames realizados;
• discussão — dos achados e exames complementares;
• conclusões — as ilações e ponderações decorrentes do exame;
• resposta aos quesitos — aos quesitos oficiais (ver) e aos de­
mais, quando formulados;
•fecho ou encerramento.

7.6. Pareceres ou consultas médico-legais


Os pareceres médico-legais são consultas feitas a profissionais
de reconhecido renome na área médica para utilização como prova
em processo judicial ou administrativo.
São documentos oficiosos, particulares, geralmente encomen­
dados pelas partes para reforçar sua tese sobre determinado assunto
de interesse e, por isso mesmo, não obstante o renome do autor, de­
vem ser analisados com cautela, raramente se sobrepondo aos exa­
mes oficiais,

7.7. Quesitos
Quesitos são perguntas específicas, dirigidas pelo juiz ou pelas
partes aos peritos, objetivando esclarecer determinado ponto referen­
te ao exame realizado.
Os quesitos, além de ajudar a esclarecer pontos obscuros, ser­
vem de orientação ao perito para a elaboração de seu relatório, uma
vez que terá de dirigir seus trabalhos no sentido de responder às ques­
tões formuladas.
Não se pode esquecer que os peritos, embora especialistas na
sua área de atuação, não têm, em regra, conhecimento jurídico. Daí a
necessidade de que respondam a determinadas perguntas, relevantes
para o direito, mas aparentemente sem importância para um técnico
de outra área do saber humano.

40
Na área penal existem quesitos-padrão, chamados oficiais, na
dependência do tipo de exame realizado. São exemplos de quesitos
oficiais na área médico-legal:
No exame cadavérico;
• Houve morte?
• Qual a causa da morte?
• Qual o instrumento ou meio que produziu a morte?
• Foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
tortura ou outro meio insidíoso ou cruel?
Na lesão corporal:
• Houve ofensa à integridade física ou à saúde do paciente?
• Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa?
• A ofensa foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo,
asfixia, tortura ou outro mexo insidioso ou cruel?
• Resultou incapacidade para as funções habituais por mais de
30 dias?
• Resultou perigo de vida?
• Resultou debilidade permanente ou perda de membro, sentido
ou função?
• Resultou incapacidade para o trabalho, enfermidade incurável
ou deformidade permanente?
• Resultou aceleração de parto ou aborto?
Na área cível não há quesitos previamente estabelecidos, o que
permite ao juiz e às partes formulá-los livremente de acordo com as
particularidades específicas do caso.

7.8. Falsa perícia — divergência entre peritos


A falsa perícia é delito previsto no art. 342 do Código Penal:

CP — Falso testemunho ou falsa perícia


Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha,
perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo,
inquérito policial, ou em juízo arbitrai:
Pena — reclusão, de um a três anos, e multa. __ ________

41
§ Ia As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado me­
diante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir
efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da
administração pública direta ou indireta.
§ 2“ O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu
o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

É preciso diferenciar a.falsa perícia, em que o especialista, oficial


ou não, propositadamente, faz afirmação falsa, nega a verdade ou si­
lencia sobre fato relevante, de eventual erro cometido no exercício do
mister, ou mesmo colocação divergente por entendimento diverso.
Dessa forma, é perfeitamente possível que as conclusões de pe­
ritos diversos sejam divergentes ou mesmo contraditórias {perícia
contraditória). Isso ocorrerá:
• por um deles ter lançado propositadamente conclusões errôneas;
• por ter um deles analisado de modo diverso os achados peri­
ciais; ou
• por erro.
Apenas na primeira hipótese é que se poderá falar em falsa
perícia.
Aliás, o próprio Código de Processo Penal, em seu art. 168,
§ 1“ fala do exame complementar, em caso de lesões coiporais, e na
possibilidade de retificação do laudo inicial.

CPP — Art. 168. ...§ Ia N o exame complementar, os peritos terão presente o auto
de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.

7.9. Prazo para realização das perícias e entrega dos laudos

7.9.1. Realização da perícia


O prazo para realização da perícia (ou do exame de corpo de
delito) há de ser forçosamente curto. Velho brocardo utilizado pelos
peritos criminais dá bem a idéia da importância de um exame célere:
“o tempo que passa é a verdade que foge”.
Nesse sentido a disposição dos arts. 6a e 161 do Código de Pro­
cesso Penal:

42
CPP
Art. 6a Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade
policial deverá:
I — dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e con­
servação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

VH — determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a


quaisquer outras perícias;

| CPP— Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e
I a qualquer hora-________________________ .

Os únicos prazos para a realização da perícia, fixados no Códi­


go de Processo Penal, são na verdade prazos mínimos, de 6 horas
para a realização do exame necroscópico (art. 162, caput, do CPP) e
de 30 dias para a realização do exame complementar de classificação
das lesões corporais (art. 168, § 29, do CPP).

CPP
Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os
peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes
daquele prazo, o que declararão no auto.

Art. 168....
§ 2S Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § Ia, I,
do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de trinta dias, contado
da data do crime._______________________________________________________

No Código de Processo Civil, por outro lado, não há prazo fixa­


do para a realização dos exames.

7.9.2. Prazo para entrega dos relatórios


Para a entrega dos relatórios o CPP estabelece o prazo genérico
de 10 dias (art. 160, parágrafo único).

C PP— Art. 160....


Parágrafo tínico. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de dez dias,
podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos
peritos.

43
Há prazos especiais, como, por exemplo, aquele designado pelo
juiz para a verificação da cessação da periculosidade (art. 777, § 2S,
do CPP) ou o do exame decorrente do incidente de insanidade (art.
150, § l2, do CPP), que não pode ultrapassar 45 dias.
No Código de Processo Civil os prazos são fixados pelo juiz,
que deverá atentar para a data da audiência de instrução e julgamento
(arts. 421 e 433 do CPC), tendo os assistentes técnicos o prazo co­
mum de 10 dias para a apresentação de seus pareceres, depois de
intimadas as partes da apresentação do laudo (art. 433, parágrafo único,
do CPC).

CPC
Art. 421. O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do
laudo.
Art. 433, O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz,
pelo menos vinte dias antes da audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo co­
mum de dez dias, após intimadas as partes da apresentação do laudo.

Caso o prazo fixado pelo juiz não seja suficiente para a realiza­
ção da perícia, poderá ser prorrogado uma única vez:
CPC
Art. 432. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro
do prazo, o juiz conceder-lhe-á, por uma vez, prorrogação, segundo o seu pru­
dente arbítrio.

7.9.3. Resumo
regra — o mais rápido possível

para o exame

regra — 10 dias

para entrega cessação da periculosidade


do laudo incidente de insanidade
exceções dilação solicitada pelos peritos
outras hipóteses

44
paia o exame — logo após a nomeação pelo juiz

regra — prazo determinado pelo juiz


Prazos CPC <
para entrega
do laudo

7.10. Suspeição, incompatibilidade e impedimento


Em primeiro lugar é necessário -diferenciar, ainda que rapida­
mente, as hipóteses de suspeição, incompatibilidade e impedimento.
Muito embora as expressões sejam normalmente confundidas e
usadas até indiscriminadamente umas pelas outras, descrevem situa­
ções que afastam a competência do juiz e também a atribuição dos
órgãos auxiliares da justiça (peritos).
A suspeição decorre de vínculo do juiz, ou de auxiliar, com as
partes; o impedimento indica relação de interesse com o objeto do
processo; e a incompatibilidade advém de outras razões de conve­
niência, não abrangidas pelas hipóteses de suspeição e impedimento,
previstas geralmente nas leis de organização judiciária.

7.10.1. Suspeição
A suspeição nada mais é que a argüição de que o juiz, em decor­
rência de interesses ou sentimentos pessoais (amor, ódio, medo etc.),
não poderá julgar a causa com a isenção e imparcialidade necessárias
à aplicação da justiça.
As hipóteses de suspeição estão elencadas no art. 254 do CPP:

CPP
Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por
qualquer das partes:
I — se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II — se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a pro­
cesso por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
i n — se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau,
inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado
por qualquer das partes;

45
IV — se tiver aconselhado qualquer das partes;
V — se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
V I— se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

As hipóteses de suspeição dos juizes aplicam-se aos órgãos au-


xiliares da justiça, vale dizer, peritos, por expressa disposição do art.
280 do CPP:

CPP
Art. 280. É extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre
suspeição dos juizes.

7.10.2. Incompatibilidade e impedimento


Diz o art. 112 do Código de Processo Penal que “O juiz, o órgão do
Ministério Publico, os serventuários ou funcionários de justiça e os peri­
tos ou intérpretes ábster-se-ão de servir no processo, quando houver in­
compatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos...”.
As hipóteses de incom patibilidade e im pedim ento vêm
elencadas, indistintamente, nos arts. 252 e 253 do CPP:

CPP
Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
I — tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha
reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão
do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
II— ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como
testemunha;
m — tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou
de direito, sobre a questão;
IV — ele próprio ou seu cônjuge ou parente, e consangüíneo ou afim em linha
reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessa­
do no feito.

Art. 253. Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juizes
que forem entre st parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta ou colateral
até o terceiro grau, inclusive.

O Código de Processo Civil trata das hipóteses de suspeição,

46 ........ ....................
e impedimento nos arts. 134 e 135, estendendo
in c o m p a tib ilid a d e
sua aplicação aos peritos por expressa disposição do art. 138, m .
Como bem salienta Tourinho Filho (Processo penal, 1987, p.
493 ), a distinção entre incom patibilidade e im pedim ento é
despicienda e sem qualquer cunho prático, pois, quer se trate da­
quela, quer se trate deste, os atos processuais realizados são como
se não existissem.

Suspeição vínculo do perito com as partes — art. 254 CPP


impedimento relação de interesse com o objeto do processo
outras razões de conveniência previstas nas leis de
Incompatibilidade
organização judiciária

8. PRINCIPAIS DISPOSITIVOS LEGAIS RELACIONADOS

CPP CPC CPPM

Apreensão de objetos 6®, II, 527 842, § 3a —

276, 278,
421, § 1a. I, 422, -
Assistentes técnicos — 428,429, 431-B,
433, § único,
435, 446, 452

Autópsia 162 — 333, 334

Boletim de identificação 809, caput e §§ — 616, 655

Capacitação técnica 159, § 1a 145,434 48,


318

Compromisso dos peritos e 159, §2* 422 48, § único


assistentes técnicos

Condução do perito 278 __ 51

Contraprova — — 340

Deficiência ou omissão do 168, § 1a 438 323, 331, § 1 2


laudo pericial

Desaparecimento dos vestigios 167 328, § único

Dermatoglifia Judiciária 6, VIII, • 337


166

47
CPP CP C CPPM

Deveres dos peritos e 277, caput 433, 48, § único,


assistentes técnicos e § único 435, 49,
452. 1 319

Direitos dos pontos e 33,146, 429, 432 13, i,


assistentes técnicos 48,137,
" 157, §§ 1*6 2*.
320

Divergência entra os peritos 180 435, 436, 437, 438 322

Desenhos 165, 429 324


169, caput, 170

Dinâmica dos fatos 169, § único — __


Disciplina judiciária 275 421 48, § único

Escusa do perito 277 146, 423 49, 50

Esquemas 165, 429 324


169, caput, 170

Exame do corpo de delilo 6a, VII, 158, 161, 13, f,


167, 184, 525, 27,185, § 2a,
564, III, b 315, 328, 329,
331, §§ 1a e 4“,
333, a, 432, b,
500, b, 516, g

Exame externo do cadáver 162, § único — 335

Exame para classificação das 168, caput s §§ 12e — 331, caput e §§


lesões corporais no art. 129, 2a
§ 1s, I, do CP

Estatística criminal 23, 694, — 616, '


709, caput e § I a, 655
747

Exame complementar 168, §§ 1a e 2° 437, 323,


181 438 331, caput e §§

Exame do cadáver (ver autópsia) 162 a 166 — 335, 337

Exame médico-legal 149, caput. 218, 434, 877 321, 334,


775, li 600, § único

Exumação 163, 166 — 330, d, 338

Falsa perícia 342 do CP 147, 346 do CPM


6 83,1,2a figura,
1.010,1, 2a figura

Fatos que não demandam 167, 184 420, § único, I a III, 315, § ünico
perícia 427

48
CPI3 CPC CPPM

Fotografia judiciária 164,165, 429 324


169, caput, 170

H on orário s d o s peritos — 33 —

Horário de realização 161, 163 431-A 327, 329

Idade mínima 279, III — 52, d

Identificação d o c a d á v e r 166, caput — 337

Identificação do indiciado 6a, VIII — 330, e

Im p edim en tos e s u s p e iç õ e s 105, 112, 252, 134, 135, 37, a,


253, 254, 255, 13B, III, 52, 53, 137,
279, 280 423 139, 334, § único

impossibilidade de realização 167, 420, § único, 111 328, § único


do ECD 168, § 3a

incêndio — — 343

Incidente de insanidade 149 '—" 156,


162, § 1a,
330, c, 332

indeferimento da perícia 184 420, § único 315. § único

Infrações penais que deixam 6a, VII, 158,525, — 27,314.


vestfgios 535, § 1* 328, caput,
564, III, b 341,500, III, b

Início do ECD 161, 162 421 329, 334

Insalubridado — — —

Instrumentos do crime 11, 171, 175 — 320,330, g,


341,345

interdição — 1.183 —

Laudo imperfeito 181 435, 437, 438, 323,


439 331, § 1a

Laudo pericial 153, 160, 165, 218, § 1a, 421,429, 50, § único, c,
169,178, 432, 433, 436, 607, 160,162,
179, § único, 681, 722, § 1a, 319,322,
180, 181,182, 878, 957, 976, 323, 325,
277, § único, c, 978, 1.009, 1.011, 326,
527, 528, 529, 1.036, §§ I a e 2a, 600, § único
775, li 1.045, 1.066, § 2a,
1.183, 1.186,
1.207

Laudos complementares 168, §§ 1a e 2a, 437, 323,


181 438 331, § 1a

49
CPP CPC CPPM
Natureza da prova pericial — 420 330

Número de peritos 159, caput, 421, 318


527, 431-B,
775, II 842, §3®

Não podem ser peritos 279, 424, I e II 52


(ver Incompatibilidade e 280
suspeição)

Nomeação de peritos e 159, § 1 Ee 2a, 421, 48


assistentes técnicos 276 431-B,

Novo exame 180, 437, 438, 439, 322,


181, § único 1.066, § 2“ 326

Nulidade 564, III, b — 500, III, b

Órgãos auxiliares da justiça — 139 318

Órgãos que podem requisitar 6a, VII e VIII, 315,


exames 7a, 13, íl, 321
47, 149,156,
271, § 12,
366, 423, 499, 502,
509, 538, 757

Pareceres técnicos — 427 —

Penalidades administrativas ao 277, § único 147, 50,


perito 424, § único 51

Perfcias criminalísticas 11,164,165 434 330, e, f e g,


166,170, 171, 340 a 345
172,173,174,175,
240, § 1fl, d, 527

Perícias médico-legais 149, 218, 156,


162, 434, 162,
163, caput, 877 330, a, b , c 6 d,
775 331 a 338

Perícia por carta — 428 346

Peritos “ad hoc’ Súm. 361 do STF, 145, 318


135, §2®, 421
159, §§ 12 e 2a/
179, caputí 275,
277, capüt,
527, caput, 775, li
V
Peritos oficiais 159, caput 434 48, caput

Prazo para entrega do laudo 150, §1 a, 146,421, 157, § I a,


160, § único, 433 325
777, § 2S

50
CPP CPC CPPM
Preservação do local 6a, I, — 339
169, caput

Quesitos 160, 276, 278, 48, § único,


176, 421, § 1a, II, 65, c,
177 425, 426, 159, 316, 317,
435, 452, I 319, 325, 346

Realização de outras —
— 158
diligências

Reconhecimento de escritos — — 344

Reconhecimento do cadáver 166 — 337

Reconstituição 7a 442, III 13, § único

Rejeição do laudo 182 436, 437, 32B


438, 439

Restauração de autos 541, §2®, b 1.066, § 2a 481, § 2fl, b

Substituição do perito ou — 424, J e II 137


assistente técnico

Terceiro perito 180 — 322

Topografia judiciária 165, 169, 170 429 324

Vestígios 158, 164, 167, ■


“ 27, 328,
171,535, § 1a, 341,
564, III, b 500, lli, b

Vistoria 420 —

51
C a p ít u l o 2
BREVE ESTUDO DAS REGIÕES
CORPÓREAS
Ao elaborar seu relatório, o perito deve reportar-se às regiões coipóreas
para localização de um ferimento ou lesão. Embora existam algumas pe­
quenas variações, as principais regiões são as a seguir expostas:

1. R E G IÕ E S ANATÔM ICAS A N T E R IO R E S DO C O R PO
HUM ANO

A n t e r io r d a m ã o

A n te r io r d o a n te b r a ç o

C u b lta l a n te rio r

B r a q u ia l a n te r io r ta l

A u r f c u la r
líd o m a s tú íd e a
T r fg o n o la te r a l d o p e s c o ç o

ila r
A c r o m ia l
10 d e lto p e llo r a l
S u b t ia v í c u la r
□ e ltó ld e a

i$ d e d o s d a s m ã o s
q u lro d á c tílo a

U ngueal

D o rs a l d o s d e d o s d o p á
Ou d o s p e d a r tle u lo s

52
2 . R E G IÕ ES ANATÔMICAS PO STE R IO R E S D O CORPO
HUMANO

53
3. REGIÕES ANATÔMICAS ANTERIORES DO TRONCO

54
4. REGIÕES ANATÔMICAS DA FACE LATERAL DIREITA
DO TRONCO
5. REGIÕES ANATÔMICAS DA CABEÇA E PESCOÇO

d o pescoço

6 . R E G IÕ ES DA FACE A N T E R IO R DO M EM BRO SU PE­


R IO R D IR E IT O

56
7 . REG IÕ ES DAS FACES PALM AR E DORSAL DA MÃO
DIREITA
F a la n g e t a o u

Falange ou
falange prqximal
(no polegar não há
falange mádla)
I — Polegar ou 1* quirodáctilo
II — Indicador ou 2» quirodáctilo
III — Dedo média ou 3Dquirodáctlto
IV Dedo anular ou 4* qulrodáctllo
V — Mínimo ou 5®quirodáctito

8. REGIÕES DA FACE AN TERIOR DO MEMBRO INFERIOR


DIREITO

Terço superior da coxa

Terço médio da coxa

Terço inferior da coxa

Patelar ou rótula Joelho

Terço superior da perna

Terço médio da perna

Terço inferior da perna Melolar lateral

Dorso do pé
Vj^Calcânea
Artelho:
Face mediai do pé

57
9. REGIÕES ANATÔMICAS DO PERÍNEO
Pudenda

10. REGIÕES AUDITIVAS E OCULARES EXTERNAS

Arco superciliar

58
C a p ít u l o 3
ANTROPOLOGIA FORENSE
^ 'í~ A antropologia forense é o ramo da medicina legal que, utili-
J zando-se de conhecimentos da antropologia geral, ocupa-se princi-
) palmente com as questões relativas a identidade e identificação.

1. IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO
Identidade é “o conjunto de caracteres próprios e exclusivos
^ ) das pessoas, dos animais, das coisas e dos objetos. É a soma de si-
nais, marcas e caracteres positivos ou negativos que, no conjunto,
j individualizam o ser humano ou uma coisa, distinguindo-os dos de-

[ mais” (Croce, 1998, p. 36).


É o conjunto de caracteres que toma alguém único, perfeita­
mente separável dos demais.
Identificação é o processo através do qual se determina a iden­
tidade de uma pessoa ou coisa.
^ Não se deve confundir identificação com reconhecimento. A
^ ( identificação 6 uma técnica científica, executada por perito e que
^ J goza de confiabilidade, enquanto o reconhecimento, além de ser
\ um processo empírico, é exercido por leigo e com baixo grau de
£''' \ precisão.
A importância da determinação da identidade e da identifica­
ção é clara, principalmente na esfera penal, em que bens jurídicos
como a liberdade da pessoa humana são colocados em risco.

1.1. Histórico
A história da identificação e de seus processos remonta aos
caldeus e babilônios. No Código de Hammurabi já havia menção a
amputações de partes do corpo como forma de individualização. Nessa
época, o processo de identificação confundia-se com a própria puni­
ção, e os meios empregados visavam mais identificar aqueles que

59
haviam sido condenados do que propriamente conferir alguma segu­
rança social.
Outro exemplo foi a aplicação do ferrete, que consistia em mar­
car as pessoas com ferro em brasa, sempre em locais visíveis.
Esses sistemas, que confundiam pena e identificação, foram uti­
lizados por muito tempo, até a Idade Média, existindo países que,
ainda hoje, adotam tais punições.
Em termos de métodos de identificação, historicamente valem
menção:
a) assinalamento sucinto ou sumário — ainda utilizado atual­
mente, no Boletim de Identificação Criminal — BIC, por exemplo,
consiste na simples anotação das principais características do identi­
ficando, como raça, estatura, idade, cabelos, presença de tatuagens,
sinais particulares etc.;
b) sistema dermográfico de Bentham — idealizado pelo jurista
inglês Benjamin Bentham, preconizava a identificação pela tatuagem
de todas as pessoas no nascimento, possibilitando, destarte, fácil iden­
tificação;
c) sistema de Icard — previa a injeção de parafina em determi­
nadas regiões não visíveis do corpo, de maneira a criar pequenos
tumores perceptíveis ao tato. Se fossem extirpados, restaria, inequí­
voca, a cicatriz cirúrgica;
d) sistema craniográfico de Anfósso — baseava-se na tomada
de algumas medidas padronizadas do crânio (ver biometria);
e) sistema otométrico de Frigério — procurou a identificação
pelos desenhos variados dos pavilhões auriculares e suas medidas
(ver biometria);
f) sistema oftométrico de Capdeville — pretendia a identifica­
ção pela coloração e medidas dos olhos, como curvatura das córneas,
distância interpupilar e outras (ver biometria);
g) sistema oftalmoscópico de Levinsohn — recomendou a iden­
tificação na comparação de fotografias do fundo do olho (ver
biometria);
h) sistema radiológico de Levinsohn — preconizava a identifi­
cação na m edida dos ossos do carpo, tom adas por imagens
radiográficas;

60
i) sistema onfalográfico de Bert e Viamay — pretendia a identi­
ficação pela conformação variada da cicatriz umbilical;
j) sistema palmar de Stockes e Wild — baseou-se na grande
variação dos desenhos formados pelos sulcos palmares;
k) sistema flebográfico de Tamassia — procurou estabelecer a
identificação das pessoas pelos desenhos formados pelas veias no
dorso das mãos (ver biometria);
1) sistema flebográfico de Ameuille — similar ao anterior, pro­
curou a identificação pelos desenhos formados pelas veias da fronte
(ver biometria);
m) sistema antropométrico de Bertillon— fundava a identifica­
ção na tomada de sinais particulares e de algumas medidas prefixa­
das, como diâmetro ântero-posterior da cabeça, comprimento do an­
tebraço, estatura e outras. Essas medidas e sinais eram classificados e
arquivados, permitindo assim a comparação posterior dos dados (ver
biometria);
n) sistema odontológico de Amoedo — preconizou a identifica­
ção na arcada dentária. Derivações desse método são hoje bastante
utilizadas, principalmente em situações como desastres aéreos, em
que outros métodos de identificação tomam-se ineficazes;
o) sistema geométrico de Matheios — pouco utilizado, era ba­
seado na comparação de fotografias e na tomada de medidas sobre
fotos anteriores e atuais do identificando (ver prosopografia);
p) sistema poroscópico de Locard — pretendia a identificação
pelo desenho e imutabilidade dos poros da pele;
q) sistema dactiloscópico de Vucetich — pela sua utilização e,
ainda, atualidade, será estudado separadamente.

1.1.1. Métodos mais recentes


Como sistemas mais modernos podemos citar:
-Ã? a) fotografia — ainda muito utilizada, a fotografia é um dos
principais meios de identificação, trazendo alguns inconvenientes,
como a possibilidade de modificações decorrentes da idade ou a ocor­
rência de sósias; ^ ; 7
-0 b) fotografia sinaléptica — sistema também preconizado por
Alphonso Bertillon, consistia na tomada de fotografias de frente e de

61
perfil, sempre do mesmo tamanho, para posterior comparação. Vari­
ações desse sistema são ainda utilizadas em alguns países (foto
reproduzida com autorização e por cortesia da TSL — Tecnologia e
Sistemas Ltda.);

\ c) retrato falado— nada mais é que uma reprodução artística da


face do criminoso, baseada nas descrições das vítimas e das testemu­
nhas. Atualmente existem transparências já padronizadas e até pro­
gramas de computador que auxiliam o desenhista na produção do
retrato (fotos reproduzidas com autorização e por cortesia da TSL —
Tecnologia e Sistemas Ltda.);
\ L

v i d) prosopografia — também chamada de método de Piacentino


ou crânio-foto-comparativo (França, 1998, p. 45), é o processo de
identificação que se caracteriza pela superposição, por transparência,
de imagens tiradas em vida sobre a imagem do crânio, à procura de
correspondências que levem à identidade;
e) impressão genética do DNA — os recentes estudos de Alec
Jejfreys e de seu colega Vicky Wilson (1984) permitiram a criação
de um método prático, rápido e relativamente econômico de purifi­
cação e comparação do DNA, com evidente aplicação em questões
judiciais relacionadas principalmente com a paternidade e a identi­
ficação de criminosos, por intermédio da análise de manchas de
fluidos orgânicos, anexos cutâneos (pelos e unhas) e partes do ca­
dáver;
^^ f) Biometria (ver item 2).

1.2. Requisitos técnicos dos métodos de identificação


Qualquer que seja o método de identificação preconizado,
para que possa ser utilizado na prática, necessita de cinco requi­
sitos:

unicidade ou individualidade
imutabilidade
Requisitos técnicos perenidade
praticabilidade
classificabilidãde

a) unicidade — os elementos escolhidos para a identificação


devem permitir a distinção precisa, clara, entre o identificando e os
demais;
b) imutabilidade — as características consideradas preci­
sam ser imutáveis, não podendo sofrer alteração com o passar
do tempo;
c) perenidade — os dados escolhidos devem perdurar por toda
a vida, não se perdendo com o passar do tempo. Há características
que são imutáveis durante um certo período de vida, mas não são

63
perenes, como, por exemplo, o número de dentes, considerando-se as
duas dentições;
d) praticabilidade — o método deve ser prático, permitindo àque­
les que irão colher os dados de identificação uma tomada segura e
rápida, que não cause constrangimento aos identificandos e permita
um bom grau de segurança e confiabilidade. Alguns métodos preco­
nizados pelos antigos pesquisadores, e que se mostravam impraticá­
veis à época, hoje, com o advento da computação, estão sendo repen­
sados (vide biometria — item 2);
e) classificabilidade — o método escolhido deve permitir a com­
paração entre os dados de forma sistemática e precisa, de maneira a
rapidamente apontar o identificado em uma população.

1.3. Identidade médico-legal


A necessidade de identificação pode recair sobre a pessoa viva
ou sobre o cadáver. Recaindo sobre o corpo sem vida, pode ainda ser
í necessário o exame de partes do cadáver para, por exemplo, determi­
n a ç ã o de sexo, idade e compleição física.
Baseando-se nos requisitos indicados (unicidade, im uta­
bilidade, perenidade, praticabilidade e classificabilidade), os pro­
cessos de identificação costum am u tilizar m étodos antro-
pomórficos e outros que podem ou não requerer conhecimento
médico-legal.
Assim, não é necessária a presença de um médico-legistapara a
tomada de fotografias de identificação ou mesmo de impressões
papilares. Será necessária a presença de um técnico, porém, para exa­
me do DNA ou mesmo de tipos sangüíneos.
Atualmente, ainda são analisadas inúmeras características q u e,
podem levar à identificação, utilizadas de forma isolada ou em con­
junto, podendo os exames ser realizados por médicos ou policiais
treinados conforme o casò.
O quadro a seguir dá um a idéia de parte dessas caracterís­
ticas:

64
raça
gerais (de um grupo de indivíduos) -| sexo
idade

peso e conformação
estatura
sinais particulares
malformações genéticas
naturais características gerais
Características grupos sangüíneos
impressões papilares
particulares exame do DNA

tatuagens
cicatrizes
adquiridas
sinais particulares
mutilações

psicológicas

1.4. Raças
Raças são subdivisões de uma mesma espécie; no nosso caso, a
humana. Em termos genéticos, são populações que se diferenciam na
freqüência de seus genes ou na estrutura de seus cromossomos, em
deconrência de um processo gradual de diversificação das populações
naturais em razão da multiplicidade de fatores culturais e ambientais.
Existem várias classificações de raças. A mais comum é a de Salvatore
Ottolenghi (1861 a 1934), que aponta para cinco tipos fundamentais:

tipo caucásico
tipo mongóLico
Raças tipo negróide
tipo indiano
tipo australóide

Vo a) tipo caucásico — é o homem branco comum. Tem pele branca


i ou trigueira (moreno claro); os cabelos são crespos ou lisos, de tonali-
■\ dade acastanhada ou loira; os olhos são azuis ou castanhos e o rosto é

65
ovalado. O perfil facial é ortognata (possui o ângulo da face quase
totalmente reto) e levemente prognata (maxilar inferior proeminente);
' b) tipo mongólico — tem pele amarela. Os cabelos são lisos e
castanhos; a face é achatada da frente para trás; o nariz é curto e
; largo; os olhos são amendoados e os maxilares pequenos e salientes;
c) tipo negróide — tem pele de tonalidade castanho-escuro, quase
negra; os cabelos são bastante crespos e o crânio é dolicocéfalo (alon-
\ gado com diâmetro transversal menor do que o diâmetro ântero-pos-
terior). Apresenta prognatismo acentuado e o nariz curto e largo;
d) tipo indiano — a pele é amarelada, tendendo ao avermelhado.
A estatura é elevada; os cabelos são Usos e pretos; os olhos, acasta-
' nhados. O crânio é mesocéfalo (índice médio de crânio entre largura
V e comprimento), tem orelhas pequenas, nariz saliente, longo e estrei-
; to e maxilar inferior bastante desenvolvido;
^ e) tipo australóide — estatura alta, pele amarelada ou trigueira;
' os cabelos são pretos, ondulados e longos; o nariz é curto. Apresenta
prognatismo e maxilar inferior desenvolvido.
A classificação tem interesse apenas histórico. Depois do
seqüenciamento do genoma humano, a definição de raça, como um
grupo de indivíduos geneticamente distinto de outro, não mais se
sustenta. Isso porque o conceito foi sempre baseado em traços físi­
cos, como a cor da pele, dos olhos ou peculiaridades faciais, ignoran­
do o fato de que pessoas fenotipicamente semelhantes podem apre­
sentar carga genética significativamente diversa. É possível, entre­
tanto, separar as pessoas em grupos similares, de acordo com alguma
característica genética específica (portadores de anemia falciforme,
por exemplo), para finalidades terapêuticas.

2.5. Sexo
A determinação do sexo na pessoa viva ou no cadáver íntegro
geralmente não oferece maior dificuldade. Entretanto, esta surge quan­
do se deve examinar partes de um corpo ou mesmo um corpo em
adiantado estado de decomposição ou carbonizado.
f Na ausência da genitália externa ou de órgãos internos, como o
útero, a diferenciação é feita por intermédio do esqueleto, dando-se
; especial atenção àbacia, que apresenta grandes diferenças anatômicas
\ do homem para a mulher.
1.6. Idade
A determinação da idade também é de fundamental importân­
cia. As principais fases da vida humana são:

Da concepção até o 3a mês embrião — vida intra-uterina


D o 3a mês até o parto feto — vida intra-uterina
Nascido que não recebeu
cuidados higiênicos infante nascido
Nascido que já recebeu
cuidados higiênicos recém-nascido
Até 7 anos Ia infância
Dos 7 aos 12 anos 2a infância
Dos 12 aos 18 anos adolescência
Dos 18 aos 21 anos mocidade
Dos 22 aos 59 anos adulto
Dos 60 aos 80 anos velhice (aplica-se o Estatuto do Idoso)
Acima dos 80 anos senilidade

A determinação da idade é feita principalmente pelo tamanho e


estado de desenvolvimento dos ossos.
Não se devem confundir as fases da vida humana segundo o
critério médico-legal com eventuais conceitos jurídicos. Note-se,
por exemplo, que o Código Penal estabelece a idade limite de 14
anos para a presunção de inocência (arts. 121, § A-, 126, parágrafo
único, 136, § 3S, 215, 216, 218, 224 e 227, § I a). Já o Estatuto da
Criança e do Adolescente, mais próximo do critério médico, em seu
art. 2a, define como criança a pessoa até 12 anos de idade incom­
pletos, e como adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.
Quanto à velhice, o Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741, de l e de
outubro de 2003, em seu art. I 9, define como idade limite os 60 anos.

1.7. Características particulares físicas naturais


No processo de identificação também são freqüentemente utili­
zadas as características físicas naturais de cada indivíduo, ou seja,
as particularidades de cada um, por exemplo, a estatura, o peso e a
conformação, sinais particulares como marcas de nascimento ou pin­
tas, malformações genéticas, grupos sangüíneos e até as impressões
papilares ou a impressão genética do DNA.

1.8. Características particulares físicas adquiridas


Ao lado das características físicas naturais, que nascem com o
indivíduo, temos as características físicas adquiridas, que podem
exercer importante papel na identificação.
Dessa maneira, temos as mutilações e deformidades, as cicatri­
zes, as tatuagens e outras peculiaridades.
As tatuagens têm importante papel, pois, além da identificação,
podem revelar indícios do passado da pessoa que se examina.
Nas prisões, por exemplo, há verdadeiros códigos transmitidos
por tatuagens e que indicam, geralmente, ou a filiação a uma facção
ou organização criminosa ou a natureza do delito praticado.

1.9. Características psíquicas


As características psíquicas de uma determinada pessoa, desde
que perfeitamente delimitadas, poderão, eventualmente, servir como
mais um elemento de identificação. A maioria delas, entretanto, não
serve para individualização, por ausência dos requisitos técnicos de
método, principalmente imutabilidade e praticabilidade.

2. BIOM ETRIA
Com o advento da computação e o aumento da capacidade e
velocidade do processamento de dados, muitos dos antigos métodos
de identificação, que eram impraticáveis na época, voltaram a ser
reconsiderados.
O sistema de identificação biométrico é, basicamente, um método
automatizado de reconhecimento de padrões que busca a identidade de
uma pessoa por algumas de suas característiCas/&icíis ou comportamentais.
Dependendo do grau de confiabilidade, ou mesmo do de discri­
minação da característica considerada, os sistemas biométricos podem
ser classificados como de verificação ou de identificação (David Maltoni
e outros, Handbook offingerprint recognition, 2003, p. 3).
Os sistemas biométricos de verificação comparam os dados de
uma pessoa com seus padrões, anteriormente gravados no sistema. É

68
uma comparação do tipo um para um, cuja única finalidade é respon­
der se a pessoa questionada é realmente quem diz ser.
Os sistemas biométricos de identificação procuram o reconhe­
cimento do indivíduo varrendo toda uma base de dados. É uma com­
paração do tipo um para muitos, cuja finalidade é responder quem é a
pessoa pesquisada.

2.1. Características
Como características principais, além daquelas já apontadas para
os métodos de identificação em geral' (unicidade, imutabilidade, pe­
renidade, praticabilidade e classificábilidade), os sistemas biométricos
devem ainda considerar outras específicas de módulos informatizados,
como performance, universalidade, aceitação e segurança.
A performance refere-se aos requisitos de precisão, velocidade,
robustez e confiabilidade que deve ter o sistema.
Universalidade significa que todas as pessoas devem ter as ca­
racterísticas pesquisadas de maneira a permitir a comparação.
A aceitação diz respeito à privacidade ou ao grau de intrusão
que as pessoas estão dispostas a aceitar em seu dia-a-dia.
A segurança indica a possibilidade de fraude dos sistemas, refle­
tindo suá facilidade de burla.

2.2. Principais sistemas biométricos


O quadro a seguir mostra alguns dos métodos mais modernos e
suas características (Samir Nanavati e outros, Biometrics — identity
Werification in a networked world, 2002, p. 30-31).

Tecnologia Possibilidade de Possibilidade de Possibilidade de


modificação nos alteração na alterações
dados tomada dos ambientais
biométricos dados

Reconhecimento Baixa a moderada. Moderada. Baixa. Algumas


das impressões A s impressões da Algumas varia­ soluções usadas
digitais maioria das ções de angulação para a tomada
pessoas permane­ e posição na das impressões
cem estáveis e em tomada podem são suscetíveis

69
condiçSes de uso conduzir a um de alteração em
por toda a vida. falso negativo. razão de luz ou
temperatura do
ambiente. Tais
casos, entretanto,
são bastante
raros.

Reconhecimento Moderada a alta. Baixa a moderada. Moderada a alta.


da face Algumas mudan­ Em um ambiente Mudanças na
ças no estilo de controlado, o intensidade e
corte de cabelo e ângulo de ângulo da
uso de barba, apresentação e iluminação,
/ ✓ assim como tomada de dados assim como a
V drásticas altera­ não deve variar. O composição do
ções de peso, técnico deve estar pano de fundo,
podem induzir a atento para o uso podem causar
um falso negativo. de óculos, chapéus problemas de
ou outros adere­ reconhecimento
ços, que podem no escaneamento
alterar a facial.
confiabilidade do
material coletado.

Reconhecimento Baixa a moderada. Moderada a alta. Moderada a alta.


de voz Algumas enfermi­ A altura da voz, Ruídos
dades podem inflexão e duração ambientais e a
afetar a voz a do discurso devem qualidade dos
ponto de causar ser consistentes de aparelhos
um falso negativo. maneira a permitir utilizados para a
a verificação. gravação podem
influenciar e
aumentar a
possibilidade de
um falso
negativo.

Reconhecimento Baixa. O desenho Moderada a alta. Baixa. Altera­


da íris da íris é muito Os usuários devem ções de luz não
estável e, exce­ posicionar-se afetam a
tuando-se corretamente de tecnologia,
traumatiçmo maneira a permitir baseada em luz
ocular, os padrões uma boa qualidade infravermelha.
tendem a perma­ na imagem
necer inalterados. capturada.

70
Reconhecimento Moderada a alta. Moderada a alta. Baixa. A
de assinatura Para algumas Dependendo da tecnologia
pessoas a assinatu­ posição em que empregada sofre
ra é altamente for feita a pouquíssima
suscetível de assinatura, influência das
alteração, podemos ter alterações
principalmente grandes alterações ambientais.
com o decorrer do no padrão.
tempo.

Geometria da mão Moderada. Baixa a moderada. Baixa. A


Ferimentos, A tecnologia é tecnologia
inchaços, retenção construída para empregada sofre
hídrica são fatores corrigir erros de pouquíssima
que podem levar a postura. Entretan­ influência das
um falso negativo. to, alguns usuários alterações
podem recusar-se ambientais.
a adotar a postura
correta.

Reconhecimento Baixa. Com Alta. A postura do Baixa. A


de fundo de olho exceção do usuário é de tecnologia
(retina) deslocamento de extrema importân­ empregada sofre
retina, relacionado cia e pode levar a pouquíssima
com a idade ou falsos negativos. influência das
algumas afecções alterações
oculares, os ambientais.
padrões são
bastante estáveis.

Dinâmica de M oderada a alta. M oderada a alta. Baixa. A


digitação Os padrões de Os diferentes tipos tecnologia
digitação mudam de teclados podem empregada sofre
com muita levar a alterações pouquíssima
facilidade, significativas. influência das
especialmente em alterações
datilógrafos com ambientais.
pouca experiência.

Além dessas tecnologias, já disponíveis, são ainda descritos


métodos para:
• reconhecimento de unha;
• reconhecimento do odor corporal;
• mapa termal da face;

71
• veias da mão;
• dinâmica dos movimentos labiais;
•modo de andar (“ginga”).

O quadro a seguir mostra as principais características dos siste­


mas biométricos mais importantes (Maltoni, 2003, p. 12).

Praticabilidade
Universalidade

Imatabilidade

Performance
oi

Unicidade

Aceitação
tu
Identificador biométrico S
«3
U
s.
Oi
í»

DNA A A A B A B B
Escaneamento da orelha M M A M M A M
Escaneamento da face A B M A B A A
Termograma facial A A B A M A B
Impressões digitais M A A M A M M
Modo de andar M B B A B A M
Geometria da mão M M M A M M M
Veias da mão M M M M M M B
Escaneamento de íris A A A M A B B
Dinâmica da digitação B B B M B M M
Odor corporal A A A B B M B
Escaneamento da retina A A M B A B B
Assinatura B B B A B A A
Voz M B B M B A A

3. SISTEMA DAULOSCÓPICO DE VUCETICH


-p / ’ Criado em 1891 por Juan Vucetich (1858 a 1925), o sistema
J ) datiloscópico estuda as impressões digitais ou vestígios deixados pelas
polpas dos dedos nos mais variados suportes. Adotado no Brasil des-
/ 7de 1903, representou uma verdadeira revolução nos métodos de idén-
\ tificação. Primeiro pela praticidade, segundo pela simplicidade e efi­

72
ciência e, em terceiro lugar, pela segurança fornecida em termos de
identificação pessoal.
Os desenhos digitais, segundo Edmond Locard, apresentam três
características fundamentais que os tomam importante elemento de
identificação: a perenidade, a imutabilidade e a variedade {Venquête
crimínelle et les mêthodes scientifiques, 1933, p. 104).

perenidade
ír f
j Características dos desenhos papilares (segundo Locard) imutabilidade
L variedade

Perenidade — os desenhos formados pelas cristas papilares for­


mam-se já no sexto mês da vida intra-uterina (alguns autores apon­
tam o sétimo) e perduram por toda a existência, com exceção de
abrasões e cortes na polpa digital (Maltoni, 2003, p. 24).
Imutabilidade — mesmo pela abrasão ou queimaduras de até
segundo grau não desaparecem, recompondo-se sem qualquer altera­
ção do desenho original em curto período.
Variedade — cada desenho é único. Até hoje não foram encon­
tradas duas impressões idênticas.
A essas três características, apontadas por Locard, acrescenta-
se um a quarta, que, em uma era desprovida dos recursos de
informática, permitiu a difusão e utilização do método idealizado por
Juan Vucetich, a classificabilidade.

perenidade
imutabilidade
Características dos desenhos papilares variedade
classificabilidade

Vale aqui um parêntese para anotar que alguns autores moder­


nos questionam a individualidade das impressões digitais, alegan­
do não haver bases científicas para tal afirmação, e que os desenhos
papilares são únicos apenas na medida em que todas as característi­
cas biológicas são distintas, na dependência do grau de detalhamento
do exame realizado. As críticas voltam-se, principalmente, aos mé­

73
de c o m p a r a ç ã o automatizados que não levam em considera­
to d o s
ção toda a impressão, mas apenas seus fragmentos. A título de exem­
plo, D . Costello, em artigo publicado no Wall Street Journal
(Families: the perfect deception: identical twins, 1999), menciona
a possibilidade de as impressões digitais de gêmeos idênticos se­
rem 95% similares.

3.1. Atribuição e terminologia


Inicialmente é preciso fazer uma diferenciação entre os termos
papiloscopia e datiloscopia,
Não são apenas as pontas dos dedos que apresentam desenhos
característicos formados por linhas e sulcos. Também as faces
palmares (das mãos) e plantares (dos pés) possuem esses desenhos,
que têm origem na derme e, por tal, são perenes e imutáveis.
Assim, podemos dizer que a expressão impressões papilares,
embora utilizada genericamente para indicar impressões digitais (ou
dígito-papilares), engloba também as impressões palmares e as plan­
tares.

digitais ou dígito-papilares
( palmares (das mãos)
plantares (dos pés)

No Estado de São Paulo, a atribuição para coleta, comparação e


análise das impressões papilares é do Instituto de Identificação
Ricardo Gumbleton Daunt — URGD (ver item 6 do Capítulo 1), por
intermédio de duas carreiras policiais, os pesquisadores papilos­
cópicos e os papiloscopistas.
Aos primeiros, pesquisadores papiloscópicos, está afeta a tare­
fa de pesquisa e levantamento das impressões papilares (digitais,
palmares e plantares) nos locais de crime e da tomada das fichas
datiloscópicas quando da identificação civil ou criminal.
Os papiloscopistas ücean. com ás tarefas de comparação e clas­
sificação dos fragmentos e impressões encontrados e de elaboração
do laudo correspondente.

74
3.2. Gênese dos desenhos papilares
A pele possui duas camadas, uma mais superficial, denomi­
nada epiderme, e outra, a ela adjacente, mais profunda, a que
ch am am os de derme. As cristas papilares, cujas ondulações for­
mam os desenhos papilares, nada mais são que circunvoluções
da epiderme que se estendem sobre as cadeias paralelas de glân­
dulas, terminais nervosos e vasculares existentes na derme. A
altura das projeções nas regiões palmares e plantares oscila en­
tre 110 p (cento e dez micrà) e 225 p (duzentos e vinte e cinco
micra).
Admite-se que uma das funções das papilas é aumentar a zona
de contato entre a derme e a epiderme, trazendo maior resistência à
pele, razão pela qual são mais freqüentes nas áreas sujeitas a maio­
res pressões e atritos (Junqueira e Carneiro, Histologia básica, 1973,
p. 346).
A pele contém um grande número de glândulas sudoríparas
e sebáceas. As sudoríparas localizam-se na derme, conforme in­
dica o esquema a seguir, e sua secreção, o suor, permite a perda de
calor pelo m ecanism o da evaporação (vide m ecanism os de
regulação da temperatura). Possuem um longo dueto excretor que
atravessa a epiderme e abre-se na superfície da pele por intermé­
dio do poro. Existem particularmente na palma das mãos e planta
dos pés, sendo também encontradas em outras regiões, como axi­
las e genitais.
É exatamente a secreção das glândulas sudoríparas que, depo­
sitadas sobre as cristas e sulcos papilares, irá constituir a “tinta bi­
ológica” que permite sejam deixadas as impressões do desenho di­
gital sobre os vários suportes.
As glândulas sebáceas também estão localizadas na derme,
mas não existem nas regiões palmares e plantares e por isso têm
pouca importância em sede de papiloscopia. São geralmente en­
contradas nos folículos pilosos, e sua secreção serve para lubrificar
pele e pêlos.

75
3.3. Terminologia
Primeiro é preciso distinguir entre desenho papilar e impressão
papilar.
Como vimos, na epiderme há um conjunto de sulcos e cristas,
• que assumem configurações variadas, ao qual denominamos dese­
nho papilar. Particularmente, no caso das pontas dos dedos, iremos
falar em desenho digital.
Esse desenho papilar, deixando sua impressão sobre um supor­
te, dará origem ao que chamamos de impressão papilar, ou, no caso
das pontas dos dedos, impressãgjdigital.
A impressãopapilar é, pois,
o reverso do desenho papilar, e a
impressão digital', o reverso do
desenho digital (figura).
As impressões papilares
(digitais, palmares ou planta-
res) inteiras ou apenas seus
fragmentos podem ser encon­
tradas nos locais de crime, em objetos ou instrumentos relacio­
nados. v
De acordo com o suporte em que são deixadas e também depen­
dendo da maneira como são impressas, sobre esses suportes, as im­
pressões papilares em locais de crime podem ser classificadas como:

76
visíveis
( moldadas

latentes
Impressões visíveis são aquelas deixadas com tinta, graxa, san­
gue ou outros pigmentos e que podem ser visualizadas a olho nu.
Essas impressões podem ser fotografadas diretamente pelo pesquisa­
dor (foto reproduzida com autorização e por cortesia da TSL —
Tecnologia e Sistemas Ltda.).

As impressões moldadas ou
modeladas são as deixadas sobre
suportes plásticos, como sabão, mas­
sa de vidraceiro ou qualquer outro
de consistência pastosa ou mode-
lável.
Tais impressões podem ser fo­
tografadas diretamente pelo pesqui­
sador. Entretanto, é de observar que
nas impressões moldadas os sulcos
correspondem às cristas e vice-
versa.
As impressões latentes, mais
comumente encontradas, são aquelas deixadas por dedos, mãos ou pés
limpos, e que não podem ser visualizadas a olho desarmado. Para
procurá-las o pesquisador deve utilizar reveladores especiais, como ve­
remos a seguir. A fotografia mostra impressões latentes, deixadas em

__ .77
papel e já reveladas por vapores de nimdiiiià (foto reproduzida com
autorização e por cortesia da TSL — Tecnologia e Sistemas Ltda.).

Impressões reveladas são aquelas trazidas à visualização pela


aplicação de reveladores especiais.
Suportes são todas as superfícies que podem receber uma im­
pressão papilar. Não são todos os materiais que se prestam a isso. Os
melhores suportes são as superfícies lisas e polidas, como vidro,
metais, planos envemizados e objetos de louça ou porcelana. Tam­
bém são aptos a receber impressões papilares os papéis lisos, algu­
mas frutas de casca lisa, como as maçãs, e o couro liso.
Por último, é preciso diferenciar impressões papilares ou dígi-
to-papilares de marcas de dedos. Impressões papilares são as deixa­
das sobre os vários suportes e que mostram os desenhos formados
pelas cristas papilares, permitindo, destarte, a identificação. As mar­
cas de dedos são meros esfregaços produzidos com os dedos ou com
as mãos, mas que não permitem a identificação de qualquer desenho
papilar, sendo, portanto, inúteis para identificação.

3.4. Tomada de impressões dígito-papilares em locais de cri­


me — reveladores
A tomada das impressões e fragmentos de impressões em locais
de crime, objetos e instrumentos relacionados é tarefa afeta aos pes­
quisadores papiloscópicos.
Chegando ao local de um crime, os pesquisadores passam a pro­

78
c u r a r inicialmente as impressões visíveis e moldadas para, em segui­

da, investigar as impressões latentes.


Como não são todos os suportes que podem receber impressões
papilares, a pesquisa é realizada apenas nos locais mais prováveis
para encontrá-las, e a técnica consiste em fazer incidir um facho de
luz oblíqua sobre a superfície de modo a indicar o lugar onde se en­
contra a impressão.
Localizada a impressão, sobre ela é aplicado um revelador, que
varia de acordo com a cor e a natureza do suporte, assim como com a
idade da impressão.
Reveladores “são, do ponto de vista genérico, substâncias puras
ou misturadas capazes, física ou quimicamente, de tomar visíveis
impressões papilares latentes” (José Lopes Zarzuela, Temas funda-
mentais de criminalística, 1996, p. 78).

cor do suporte
Fatores que influenciam na escolha do revelador natureza do suporte
idade da impressão

O quadro a seguir dá uma idéia dos principais reveladores de


acordo com a natureza e a cor dos vários suportes:

negro de fumo
negro de marfim
de cor única bem clara -
grafite
pós magnéticos
claros óxido vermelho de cobre

antraceno (branco)
fluorescentes fluoresceína (marrom)
Suportes eosina (vermelho)

carbonato de chumbo
carbonato de cálcio
escuros <
carbonato de magnésio
pós magnéticos

papéis, produtos que reagem com os subprodutos da perspiração,


madeira como vapores de iodo, solução de nitrato de prata a 5%
e couro ou ninidrina

79
I
Os pós magnéticos devem ser aplicados com pincéis próprios, |
que nada mais são que verdadeiros ímãs, permitindo a aspersão do |
pó sobre a superfície sem contato físico do pincel. A ilustração se- J
guinte mostra a maneira como o pó adere ao pincel e pode ser espa- |
lhado sobre a superfície a ser pesquisada (foto reproduzida com au- 3
torização e por cortesia da TSL — Tecnologia e Sistemas Ltda.). A

%íi
Os reveladores fluorescentes somente mostram as impressões fg
quando iluminados por luz ultravioleta. ||

A ilustração acima mostra impressões reveladas com revelador |


fluorescente e submetidas à incidência de iluminação ultravioleta
(reproduzida com autorização e por cortesia da TSL— Tecnologia e
Sistemas Ltda.).
Uma vez revelada a impressão, é preciso seja ela ou fotografada
no próprio local, ou levantada para ser transportada até o Instituto de

80
Identificação, onde serão realizadas a classificação e a comparação
pelos papiloscopistas.
Normalmente o levantamento das impressões é feito com a apli­
cação de fitas adesivas de boa qualidade, que, depois, são coladas em
lâminas de vidro e identificadas para permitir o transporte seguro
(foto reproduzida com autorização e por cortesia da TSL— Tecnologia
e Sistemas Ltda.).

Já no Instituto de Identificação, os papiloscopistas passam a


comparar os fragmentos e impressões papilares encontrados no local
do crime com as fichas datiloscópicas do próprio instituto ou com
impressões tomadas dos suspeitos.
Para essas comparações os papiloscopistas normalmente se uti­
lizam de aparelhos como lupas ou comparadores ópticos (foto
reproduzida com autorização e por cortesia da TSL — Tecnologia e
Sistemas Ltda.).
3.5. Tomada de impressões dígito-papilares da pessoa
Tão ou mais importante que a tomada de impressões em locais
de crime é a coleta de impressões na pessoa, visto que elas é que
darão origem aos arquivos do Instituto de Identificação e posterior­
mente serão comparadas com as colhidas no local do fato.
Devemos diferenciar os métodos utilizados para a tomada de
impressões nas pessoas vivas daqueles usados para a coleta de im­
pressões de cadáveres.

3.5.1. Tomada de impressões na pessoa viva


A tomada de impressões digitais das pessoas vivas não oferece
maiores cuidados. Basta que o pesquisador utilize o equipamento
correto, basicamente tinta apropriada, um rolo e o respectivo suporte,
para entintamento dos dedos, e o impresso destinado ao recebimento
das impressões (fotos reproduzidas com autorização e por cortesia da
TSL — Tecnologia e Sistemas Ltda.).

Antes de tomar as impressões o excesso de tinta deve ser retira­


do para que o desenho digital apareça impresso com clareza, permi­
tindo identificação e pesquisa.
Lamentavelmente, por abso- '
luta falta de técnica, boa parte das ■,
impressões colhidas não são mais
que marcas de dedos, esfregaçòs
de tinta, borrões sem qualquers
serventia.
Primeiro tiramos ás impres­
sões dos polegares e depois dos
demais dedos, individualmente.
Em seguida são coletadas
as impressões dos dedos em con­
junto. Dessa forma, conseguem-
se duas impressões de cada um
dos dedos, permitindo um arqui­
vo seguro para futuras compa­
rações.

No Estado de São Paulo utilizam-se basicamente dois impressos,


um para identificação civil, que é preenchido quando se tira Carteira de
Identidade, e outro conhecido como BIC, ou Boletim de Identificação
Criminal, que é preenchido por ocasião do indiciamento e que, além
das impressões digitais, traz outros dados relativos à pessoa do indiciado
ou ao seu modo de ação.
A ilustração a seguir mostra o impresso (frente e verso) utiliza­
do para identificação civil.

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83
Além do entintamento dos dedos, uma outra técnica, que não é
muito difundida, é o digitofotograma (Croce, 1998, p. 88), idealiza­
do patAntonio Lázaro Valeriani Martins, e que consiste em embeber
os dedos com revelador radiológico e depois colocá-los sobre chapas
radiográficas veladas, exercendo rápida pressão. Em seguida embe­
be-se a chapa com fixador e tem-se uma imagem nítida de todo o
desenho digital.
Modernamente os antigos métodos vão sendo substituídos pe­
los aparelhos e programas para digitalização, coleta e arquivamento
das impressões digitais. Um bom exemplo são os escâneres utiliza­
dos para fichamento de estrangeiros nos aeroportos (ver biometria—
item 2).

3.5.2. Tomada de impressões no cadáver


A tomada de impressões digitais na pessoa morta, quando o 1j
óbito ocorreu recentemente, também não oferece qualquer dificulda- 11
de, bastando que o pesquisador proceda da mesma maneira que faria | í
para tirar as impressões de pessoa viva. 1f
Com o passar do tempo, porém, e na dependência das condi- \\
ções em que se encontra o corpo, podem surgir três espécies de difi- f|
culdades:
a) rigidez cadavérica;
b) excessivo amolecimento dos tecidos; e
c) início da putrefação.
A rigidez cadavérica não é óbice para a tomada das impressões *1
digitais, podendo, no máximo, dificultar bastante a sua execução. |
O amolecimento excessivo dos tecidos .ocorre, por exemplo, |
nos corpos dos afogados. Normalmente basta que o pesquisador i
tenha a cautela de limpar os dedos do cadáver com um pouco de [
álco o l e em seguida ap licar a tin ta . E m alguns casos de ^
emurchecimento mais avançado preconiza-se a injeção subdérmica
de um líquido inerte, como a parafina ou a glicerina, com a finali- ;
dade de devolver a conformação da extremidade digital e permitir a \
coleta de impressões.
Para os corpos em decomposição é necessária a retirada da
luva cadavérica (1 e 2), ou seja, a pele que recobre os dedos da
mão. Após isso, o pesquisador veste a pele do cadáver sobre sua
própria mão, previamente protegida por uma luva de borracha (3), e
então pode tranqüilamente fazer a tomada das impressões digitais
(4 e 5).

d o d e d o do c a d á v e r

3.6. Boletim de Identificação Criminal — BIC


No Boletim de Identificação Criminal e Modus Operandi —
BIC, além das impressões digitais, são consignados dados de três
categorias, referentes ao identificado, ao inquérito e ao modus
operandi.
No que toca à pessoa do autor, além da qualificação civil com­
pleta, devem ser indicadas outras características físicas que permi­

85
tam a correta individualização do identificado, tais como cútis, cor
dos olhos, cor e tipo de cabelo. São anotadas, ainda, a presença de ^
deformidades, cicatrizes, tatuagens, amputações e outras peculiari­
dades físicas.

86
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87
3,7. Classificação — o sistema de Vucetich
Conquanto existam vários outros sistemas para classificação e
comparação das impressões dígito-papilares {sistemas datiloscópicos),
no Brasil o adotado foi aquele idealizado por Juan Vucetich, desde
1903. O quadro abaixo indica alguns criadores de sistem as
datiloscópicos adotados em outros países:
Brasil e Argentina Juan Vucetich
Cuba Steegers
Egito Harvey Pachá
França e Bélgica Alphonso Bertillon e Locard
Holanda Spillet
índia Conlay
Inglaterra e Estados Unidos Henry
Itália Gastí-Ottolenghi
Portugal Alberto Pessoa e Valadares

O método de Vucetich baseia-se na existência de grupos de de­


senhos digitais que se repetem, permitindo assim uma classificação.

3.7.1. Elementos da impressão digital


Já vimos que o desenho digital é formado de sulcos e cristas
papilares dispostos na polpa digital. Além desses sulcos e cristas,
outros elementos de importância podem ser encontrados.^

cristas papilares
sulcos papilares
linhas albodatíloscópicas
Elementos da impressão digital
pontos característicos
poros
delta

Ao examinar uma impressão digital, vemos linhas pretas, que


correspondem às cristas papilares, e linhas brancas, que correspondem
aos sulcos. A característica principal dessas linhas é que elas se desen­
volvem paralelamente, formando os desenhos que constituem a im­
pressão digital. Esses desenhos, como salientamos, são imutáveis, nas­
cem com o indivíduo e permanecem inalterados por toda a existência.

88
3.7.2. Linhas albodatiloscópicas e albodatilograma
Por vezes é possível identificar linhas transversais, que não acom­
panham as cristas papilares. São as chamadas Unhas albodatiloscópicas
ou linhas brancas. São tidas como alterações patológicas do desenho
digital, geralmente ligadas a atividade profissional (digitadores, p. ex.).
Não são perenes, podendo surgir ou desaparecer durante a vida e, por
isso mesmo, não servem como elemento de classificação.
As impressões que contêm grande número dessas linhas são
comumente chamadas de albodatilogramas.

3.7.3. Pontos característicos


Pontos característicos são acidentes, desenhos especiais forma­
dos pelas cristas papilares e que servem para o cotejo e a identifica­
ção das impressões digitais. Voltaremos a falar dos pontos caracterís­
ticos logo mais.

3.7.4. Poros
Poros são as aberturas dos canais sudoríparos, localizados so­
bre as cristas papilares. Há cerca de 94 poros por cm2de pele e são
eles os responsáveis, juntamente com as glândulas sebáceas, pela
perspiração da pele, que, em última análise, constitui a “tinta” com
que a natureza imprime os desenhos digitais nos variados suportes.

3.7.5. Deltas
Os deltas, em datiloscopia, têm recebido várias definições, en­
tre as quais a de serem “pequenos ângulos ou triângulos formados

89
pelas cristas papilares” ou “pontos de encontro dos três sistemas de
linhas” (Álvaro Placeres de Araújo, Manual de dactiloscopia, 1960,
p. 109), e constituem um dos elementos mais significativos da im­
pressão digital, pois é por intermédio de sua presença (ou não) e de
sua localização que podemos classificar os vários desenhos digitais.

A partir dos deltas vamos definir aquilo que se convencionou


chamar de sistemas principais de linhas do datilograma.
Três são os sistemas de linhas que podem ser encontrados nos
datilogramas: o marginal, o nuclear e o basilar, delimitados entre si
pelas linhas diretrizes.

As linhas diretrizes são nada mais que o prolongamento, imagi­


nário ou real, dos braços do delta que delimitam entre si os três siste­
mas mencionados.
A figura mostra os diferentes sistemas de linhas delimitados
pelas linhas diretrizes, nos vários tipos de impressão digital.

Verticilo Presilha externa Presiiha Interna Arco

90
0 sistema marginal é formado pelas linhas que estão acima do
ramo superior das linhas diretrizes.

O sistema basilar compreende as linhas abaixo do ramo infe­


rior das linhas diretrizes. / Ják
f ir \ \ 1
1

O sistema nuclear, por fim, engloba as linhas existentes entre 6 i \


os ramos das linhas diretrizes.

3.7.6. Tipos fundamentais


Com base na presença ou ausência do delta, sua posição no de­
senho digital e nos sistemas de linhas dos datilogramas, Vucetich clas­
sificou as impressões digitais em quatro tipos fundamentais, a saber:
arco (também chamada de figura adéltica), presilha interna, presi-
Iha externa e verticilo.

Tipos fundamentais de Vucetich


Verticilo dois deltas
Presilha externa delta à esquerda
Presilha interna delta à direita
Arco delta ausente

A indicação da posição do delta é feita sempre em relação à


impressão digital e não diretamente no desenho digital do dedo
considerado. Assim, se uma presilha externa, quando impressa, tem

91
o delta à esquerda, se olharmos diretamente no dedo, na polpa digital
correspondente, o delta estará à direita.
O arco é, pois, tuna das figuras fundamentais que não apresenta
delta, por isso chamada de figura adelta ou adéltica.
Na presilha externa o delta está â esquerda do observador, en­
quanto na presilha interna está à direita.
Finalmente, no verticilo temos dois deltas, um à direita e outro à
esquerda. O verticilo é também chamado de figura bidelta ou bidéltica.
As figuras abaixo dão um bom exemplo dos tipos fundamentais das
impressões digitais segundo a classificação proposta por Juan Vucetich.

Arco — figura sem deltas Verticilo — presença de dois deltas

Presilha externa — delta à esquerda Presilha intema — delta à direita

Os desenhos digitais apresentam-se nas seguintes percentagens:


•Arcos — 5%
• Presilhas (intema e externa) — 60 %
• Verticilos — 35%
3.7.7. Fórmula datiloscópica — os sistemas de arquivos
Definidos os tipos fundamentais, ficou relativamente fácil esta­
belecer um sistema de classificação.
O IIRGD, originalmente, mantinha dois tipos de arquivos, o
decadatilar e o monodatilar, hoje desativado.
O arquivo decadatilar recebe as planilhas de identificação com­
pletas, com os dez dedos de cada pessoa que tira uma Carteira de
Identidade ou é identificada criminalmente (individual datilos-
cópicà).
O arquivo monodatilar destinava-se a receber impressões de
criminosos, principalmente autores de crimes patrimoniais, e impres­
sões colhidas em locais de crime que, por qualquer razão, ainda não
haviam sido identificadas (Álvaro Placeres de Araújo, Pequena enci­
clopédia dactiloscópica, 1949, p. 42).

decadatilar — para as individuais datiloscópicas


{ monodatilar — para os datilogramas (desativado)

Para as figuras ou tipos fundamentais dos polegares, associa-se


uma letra e aos tipos dós demais dedos, um número, conforme tabela
abaixo. As amputações são indicadas com o número zero e os dedos
defeituosos e cicatrizes com a letra X, quer comprometam o polegar,
quer sejam encontradas nos demais dedos.

Tipo fundamental Polegar Demais dedos


Verticilo V 4
Presilha externa E 3
Presilha intema I 2
Arco A 1 ------

Dedos defeituosos e cicatrizes X X


Amputações 0 0

93
A figura mostra uma cicatriz que compromete o nú­
cleo da impressão e impede sua correta classificação,
devendo ser assinalada, na fórmula datiloscópica, com
um X.

Analisando-se os dedos de ambas as mãos e exprimindo os ti­


pos fundamentais encontrados sob a forma de fração, com os dedos
da mão direita no numerador (série) e os da mão esquerda no deno­
minador (secção), teremos a fórmula datiloscópica, que permite agru­
par, em um primeiro momento, ao menos os indivíduos que apresen­
tam a mesma equação.
São 1.048.576 (um milhão, quarenta e oito mil, quinhentas e
setenta e seis) combinações possíveis, o que evidencia o fato de exis­
tirem várias pessoas com a mesma fórmula datiloscópica. Além dis­
so, a distribuição não é equânime, existindo algumas fórmulas mais
freqüentes que as outras. Não obstante, como o número de combina­
ções é bastante grande, tem-se uma redução significativa no universo
de pesquisa.
São exemplos de fórmulas fundamentais (as mais freqüentes):

E 2 3 3 3 E 2 3 3 3 E 3 3 3 3
I 2 2 2 2 I 3 2 2 2 I 2 2 2 2

E 3 3 3 3 V 4 4 ■4 3 V 4 4 4 4
I 3 2 2 2 V 4 4 '4 2 I 4 4 4 4

Além dessas formas de classificação, existem outras subclas-


sificações, de acordo com particularidades de cada tipo fundamental
e que permitem uma divisão ainda maior. O quadro abaixo mostra as
subclassificações adotadas atualmente pelo URGD:

94
plano
angular
arco bifurcado à direita
bifurcado à esquerda
destro-apresühado
sinis Lro apresilhado

normal
presilhas invadida
Classificação dos desenhos digitais
dupla
ganchosa

circular
espiral
ovoidal
verticilo
sinuoso
duvidoso
ganchoso

Impressões anômalas ou desenhos anômalos são certos tipos de


impressões, bastante raras, que não podem ser incluídas nos quatro
tipos fundamentais (figura).

3.7.8. A comparação — pontos característicos


A comparação entre fragmentos de impressões e impressões
íntegras pode ser necessária em duas situações:
• para estabelecer ou confirmar a identidade de uma pessoa ou
corpo (legitimação);
• para tentar estabelecer a identidade do autor, por meio de frag­
mentos encontrados em locais ou instrumentos de crime.
-------------------- 95
No primeiro caso, legitimação, são tomadas as impressões do
vivo ou do cadáver e comparadas com aquelas existentes nos arqui­
vos do IIRGD.
Na segunda hipótese, não menos freqüente, temos o encontro
de fragmentos de impressões ou impressões completas, deixadas em
locais ou instrumentos de crime pelo autor, e que precisam ser cote­
jadas com possíveis suspeitos para identificação.
Em ambos os casos a identificação é sempre baseada ha análise
dos chamados pontos característicos, acidentes presentes no dese­
nho digital, e que, encontrados na mesma posição e sentido e em
número significativo, servem para estabelecer a identidade de forma
definitiva e segura.
A denominação dos pontos característicos varia de autor para
autor. Os mais freqüentes são: ponto, ilhota, cortada, bifurcação,
confluência ouforquilha, encerro, anastomose, crochê ou haste, prin­
cípio de tinha efim de linha.

Para estabelecer a identidade pelo encontro dos pontos caracte­


rísticos, o papiloscopista amplia as impressões a serem comparadas
(no mínimo cinco vezes) e depois passa a “varrer” o campo de pes­
quisa sempre no mesmo sentido (sentido horário), assinalando os
pontos mais representativos. \
Doze pontos característicos localizados em ambas as impres­
sões comparadas, nas mesmas posições e sem discrepâncias, são su­
ficientes, no Brasil, para estabelecer a identidade.
O número de pontos característicos necessários para uma identi­
ficação positiva varia de país para país. O quadro abaixo mostra alguns
dos critérios adotados em outras nações (Maranhão, 2002, p. 69).

96
País Número de pontos
França 17
Inglaterra 12 a 16
Suíça 12 a 14
Áustria 12
Espanha 10 a 12
U.S.A. 8 a 12
Alemanha 8 a 12

Na falta de pontos característicos suficientes para estabelecer a


identidade, o que pode ocorrer quando são comparados fragmentos
de impressões, o papüoscopista pode utilizar aporoscopia, uma vez
que em cada uma das linhas que compõem o desenho digital o núme­
ro, a localização e a posição dos poros também são imutáveis.

3.8. Impressões palmares e plantares


Como vimos, as impressões papilares existem não apenas nas
extremidades digitais, como também nas palmas das mãos — im­
pressões palmares — e planta dos pés — impressões plantares.
Com relação às impressões palmares, vários sistemas de classi­
ficação foram propostos, como, por exemplo, os de Stockis, Lecha-
Marzo, Ferrer, Edward Loth, Wilder, Wentworth e Felisberto Belleti.
Tais classificações, entretanto, não são adotadas de forma siste­
mática por nenhum país. No máximo, as impressões palmares são
utilizadas para cotejo, quando encontradas nos locais de crime.
As impressões plantares não têm tido melhor sorte, sendo pro­
postos alguns sistemas de identificação — dentre os quais se salienta
o de Wilder e Wentworth — que não são ordinariamente utilizados.
O encontro das impressões plantares é mais raro, até porque os
pés, normalmente, encontram-se recobertos por calçado.
Outro ponto que dificulta bastante o encontro de impressões plan­
tares nos locais de crime é o fato de o solo geralmente ser irregular,
quando não recoberto por partículas como areia e terra, dificultando,
destarte, mesmo a pés descalços, a deposição dos desenhos papilares.

97
Não se podem confundir pegadas com impressões plantares. O
que se encontra com grande profusão nos locais de crime são pega­
das, que têm ampla utilização na investigação criminal, mas não se
confundem com a identificação pela comparação dos desenhos dei­
xados pelas cristas papilares.
Uma aplicação bastante usual para as impressões plantares é a
identificação sistemática e obrigatória dos recém-nascidos nas ma-
temidades (ilustração).

PRÓ M A TR E P A U L IS T A L TD A .
14 A T f qN IO * 0 t I Ap,> ....I
AI, Jw qtrin Ett^tnie d« Um*, 30? - S. P*tl»

Pnujontsta j

Dota do «ojpíirteTiío__ u Roraa...


ID E N T IP IC A O A O

O Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA (Lei n. 8.069,


de 13-7-1990) — estabelece, em seu art. 10,13, que:

ECA
Art, 10, Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à sadde de gestantes,
públicos e particulares, são obrigados a: : ^

II — identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e


digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normalizadas
pela autoridade administrativa competente (grifo nosso).

98
O mesmo estatuto legal prevê que a ausência da identificação
constitui crime:

EGA
Art. 229. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de aten­
ção à saúde de gestante de identificar corretamente o nconato e a parturiente, por
ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10
desta Lei:
Pena — detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena — detenção de dois a seis meses, ou multa.

3.9. Poroscopia
A poroscopia é o estudo dos poros para a identificação crimi­
nal. Foi idealizada como sistema de identificação em 1883 por Artur
Kolman, por apresentar as mesmas características de perenidade,
imutabilidade e variabilidade que os desenhos papilares.
Atualmente é utilizado como um sistema auxiliar ao datilos-
cópico, e a identificação é feita com base no número de poros,
sua posição, dimensão e forma. Estudos têm demonstrado, con­
tudo, que não é possível a identificação em grande escala pelos
poros.

número de poros — oscila de 9 a 18 por mm2


posição dos poros — sobre as cristas papilares
Poroscopia
dimensão — entre 80 a 250 milésimos de mm
forma — circular, oval ou triangular

3.10. Anomalias
Anomalias nada mais são que certos defeitos que atingem os
dedos das mãos ou dos pés. Podem ser congênitas ou adquiridas,
como, por exemplo, as amputações. As anomalias congênitas mais
comuns são:

99
polidactilia ou hiperdactilia
(
ectrodactilia

sindactilia
Anomalias - alteração microdactilia
de volume macrodactilia
quanto à forma dos dedos
{=
alteração no braquidactilia
comprimento {■megalodactilia

A polidactilia ou hiperdactilia é uma anomalia congênita que


consiste em ter o indivíduo quirodáctilos (dedos das mãos) ou
pododáctilos (dedos dos pés) em número superior ao normal, ou seja,
mais de cinco. Normalmente a polidactilia limita-se a seis ou sete
dedos, mas já houve descrição de casos com onze.
A ectrodactilia é a anomalia congênita oposta à polidactilia e
consiste em ter o indivíduo um número de quirodáctilos ou
pododáctilos menor que o normal, menos de cinco dedos. As ampu­
tações não são consideradas ectrodactilias.
A sindactilia é a anomalia congênita que consiste na união de
dois ou mais dedos.
Na microdactilia, os dedos, por defeito congênito, têm volume
muito reduzido, enquanto na braquidactilia eles são mais curtos que
o normal
Na megalodactilia os dedos são mais longos que o normal, ao
passo que na macrodactilia são mais volumosos.
Em datiloscopia, interessam apenas as malformações relacio­
nadas com o número de dedos. Vimos'que as amputações, ausências
congênitas e os dedos defeituosos são anotados na fórmula funda­
mental com a letra X. Luiz de Piria {Dactiloscopia, 1938) sugeriu
que nos casos de p o lid a ctilia o tipo fundam ental do dedo
supranumerário fosse anotado à margem do polegar da mesma mão,
empregando-se a letra minúscula correspondente a esse tipo.
As anomalias referentes à forma dos dedos geralmente não in­
terferem na tomada das impressões dígito-papilares e, portanto, não

100
merecem maiores considerações. Podem, por outro lado, servir como
importante fonte de identificação em juízo, nos casos em que teste­
munhas eventualmente citam determinadas características físicas do
agente, como dedos muito longos ou deformados, descrições essas
inconfundíveis.

Anomalias quanto ao númern

i Ectrodactilia Sindactilia
Anomalias quanto ao volume

Microdactilia Macrodactilia

Anomalias quanto ao comprimento

Megalodactilia Braquidactilia

101
C a p ít u l o 4
TRAUMATOLOGIA FORENSE

1. CONCEITO
Segundo Genivctl França (1998, p. 55), “a traumatologia estu­
da as lesões e os estados patológicos, imediatos ou tardios, produzi­
dos por violência sobre o corpo humano”.
! ' t ,- ... ”w ce ( 1998, p. H 5 ), “é o capítulo da Medicina
estudam as lesões corporais resultantes de
\ traumatismos ae ordem material ou moral, danosos ao corpo ou à
saúde física ou mental” .
Os danos pessoais podem ser decorrentes da ação de vá­
rias form as de energia sobre o corpo hum ano (França, 1998,
p. 55):

de ordem mecânica
de ordem física
de ordem química
Energias de oídem físico-química
de ordem bioquímica
de ordem bíodinâmica
de ordem mista

2. ENERGIAS DE ORDEM MECANICA


As energias de ordem mecânica são aquelas que, incidindo so­
bre um corpo, são capazes de modificar o seu estado de repouso ou
movimento. Podem atuar de várias maneiras, conforme a natureza
dos agentes que as veiculam.

102
naturais — mãos, pés, cabeça, o próprio corpo,
enfim
armas propriamente ditas — armas de fogo, punhais,
soco inglês, cacetete, funda etc.
A g en tes das e n e rg ia s J
eventuais — faca, navalha, machado, foice
de ordem mecânica } V

maquinismos e peças de máquina


animais — mordeduras e arranhaduras em geral
outros meios — quedas, explosões etc.

2,1. Classificação dos instrumentos mecânicos


Levando-se em consideração a relação entre o corpo e o instru­
mento causador de uma lesão, vamos verificar que as lesões podem
se r produzidas pela ação do instrumento sobre o corpo {meio ativo),
pela ação do corpo sobre o instrumento (meio passivo) ou de forma
mista, quando um atua sobre o outro.

M'

Meio passivo

103
A gravidade da lesão vai depender da intensidade com que a
energia mecânica atingiu o corpo, da sede e natureza da lesão e, ain­
da, da maior ou menor resistência tecidual.
Conforme a superfície de contato, o modo de ação e as caracte­
rísticas das lesões, os instrumentos classificam-se em:

perfurantes ou punctórios
de ação simples cortantes
contundentes

perfurocortantes
de ação composta perfurocontundentes
cortocontundentes

2.2. Instrumentos perfurantes ou punctórios


Os instrumentos perfurantes ou punctórios agem por meio
/ de pressão exercida em um ponto. São instrumentos finos, alon-
À gados e pontiagudos que causam pequenas lesões de pouca re­
percussão na superfície corpórea, mas de profundidade apreciá-
\_vel. Quase sempre atuam separando as fibras do tecido sem
seccioná-las. Como exemplo, podem os citar o picador de gelo e
as agulhas em geral.
As lesões produzidas pelos instrum entos punctórios ou
perfurantes são denominadas lesões punctórios.

2.3. Leis de Filhós e Langer


A maior parte da pele que recobre a superfície do nosso corpo
está sujeita a tensão, geralmente de orientação e sentido perpendicu­
lar ao movimento muscular de uma determinada região.
Em razão disso, os ferimentos produzidos por instrumentos ci­
líndricos ou cônicos, dotados de uma ponta apenas, serão diminutos
e representados por apenas um ponto.
Se, por outro lado, o instrumento for cilíndrico ou cilindro-
cônico, mas de maior diâmetro, causará um afastamento maior dos

104
tecidos e, em razão das linhas de tensão da pele, assumirá a confor­
mação de um fenmento produzido por um instrumento perfurocor
tante de dois gumes.

Essas considerações foram sistematizadas pelas chamadas


Leis de Filhós e Langer, transcritas a seguir (apud Fávero, 1975,
p. 268):
a) Primeira Lei de Filhós — “as soluções de continuidade
são feridas semelhantes às produzidas por instrumentos de dois
cortes”.
b) Segunda Lei de Filhós — “na mesma região, o eixo da
solução de continuidade está orientado sempre no mesmo senti­
do, o que permite distinguir a lesão de outra que tivesse sido pro­
duzida por instrumento de dois cortes”.
c) Lei de Langer — “em certas regiões onde há cruzamento
de fibrilas, o afastamento das bordas da lesão assume o aspecto de
ponta de seta, de triângulo, ou mesmo de quadrilátero”.
A ilustração a seguir mostra as chamadas linhas de clivagem
de Langer. São linhas de tensão determinadas pela direção das
fibras da pele.

105
2.4. Instrumentos cortantes
Os instrumentos cortantes agem por m eio de pressão e
deslizamento sobre a pele ou tecido dos órgãos. Os melhores exem­
plos são as lâminas de bàrbear, as navalhas e o bisturi. As facas, quando
atuam pelo deslizamento da lâmina, podem ser consideradas instru­
mentos cortantes.
/)0[
?/■
á As lesões produzidas pelos instrumentos cortantes são denomi-
Jnadas lesões incisas e têm. as seguintes características:
l
margens Usas e regulares
ausência de região de contusão
Lesões incisas geralmente mais largas e profundas na porção média
existência freqüente da cauda de escoriação ou de saída
hemorragia geralmente abundante

As lesões incisas são freqüentemente encontradas em suicídios,


particularmente nas vítimas que cortam o pescoço ou os pulsos. Tam­
bém são características de ferimentos de defesa, em caso de agressão
com armas brancas (facas, navalhas etc.), hipótese em que os
ferimentos recaem, quase sempre, nas mãos e braços.

Quando os ferimentos incisos são produzidos contra as linhas


de força da pele (ver Leis de Filhós e Langer) a tendência é a de haver
grande afastamento das margens da ferida.
^ Esgorjamento, degola e decapitação — são lesões de natureza
^ incisa localizadas no pescoço. O esgorjamento é a lesão localizada
i na região anterior do pescoço. A degola, na região posterior, ea.de-

\
capitação, a separação da cabeça do corpo. A ilustração a seguir mostra
casos de decapitação.

107
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2.5. Instrumentos contundentes


0 Os instrumentos contundentes são todos aqueles que agem pela
^ ; ação de uma superfície. Podem ser sólidos, líquidos ou gasosos des-
oj de que atuem por pressão, explosão, torção, distensão, descompressão,
arrastamento ou outro meio, como, por exemplo, as mãos, um tijolo,
; um automóvel, jato de ar, a superfície de água de uma piscina etc.
Os instrumentos contundentes produzem lesões confusas, en­
contradas nos acidentes de automóvel, nos desabamentos, em lutas
corporais e outros.

108
As lesões contusas, segundo Delton Croce (1998, p. 189— 200),
englobam :

esconaçoes
equimoses
contusões < hematomas
bossas hcmáticas
bossas línfáticas

comoção cerebral
contusão cerebral
no cramo <
compressão cerebral
síndrome pós-concussão
Lesões contusas
na coluna vertebral
no tórax
feridas contusas no abdome
nas artérias

contusão óssea
nos ossos

nas articulações
1entorse

Escoriações — popularmente denominadas “esfolados” ou “ar­


ranhões” , são lesões superficiais, geralm ente produzidas por
deslizamento, em que apenas a camada mais externa da pele, a derme,
é atingida.
Equimoses— a intensidade da equimose depende do instrumento
e do seu grau de violência. São as comumente chamadas “manchas
roxas”, que aparecem em razão do rompimento de vasos sangüíneos
superficiais ou profundos.
As equimoses superficiais apresentam uma sucessão de cores
denominada, por Legrand Du Saulle, espectro equimótico, decorren­
te das sucessivas alterações cromáticas por que passa a hemoglobina
em sua metabolização e absorção pelo organismo.

109
Essa evolução é muito importante em casos de violência do­
méstica e maus-tratos, principalmente envolvendo crianças, pois a :|
presença de inúmeras lesões de coloração variada atesta pela conti­
nuidade das sevícias, afastando a alegação, bastante comum por par- í ||
te da defesa, de ferimentos produzidos por um único acidente.
Uma outra importante característica médico-legal das equimoses
é o fato de constituírem reações vitais por excelência, não sendo en­
contradas no cadáver em lesões produzidas após a morte.
O quadro a seguir mostra a evolução do espectro equimótico:

Espectro equimótico
Tempo Coloração Molécula de hemoglobina
Ia dia vermelho escuro hemoglobina
Do 2a ao 3a dias violeta
D o 4a ao 6a dias azulado hemossiderina
Do 7“ ao 10a dias verde escuro hematoidina
D o l l s ao 12a dias verde-amarelado hematina
Do 12a ao 17a dias amarelado
A partir do 22“ dia desaparecem os vestígios da equimose

Hem atom as — são coleções sangüíneas form adas pelo


extravasamento de sangue oriundo de vasos de maior calibre. Nor­
malmente se apresentam em relevo na pele, e sua resolução é mais
lenta que a da equimose.
Bossas hemâticas — são protuberâncias, hematomas locali­
zados em regiões como a cabeça, onde o sangue não pode difun­
dir-se para os tecidos moles, formando verdadeiras bolsas reple­
tas de sangue.
Bossas linfáticas — similares às bossas hemâticas, são cole­
ções formadas pelo rompimento dos vasos linfáticos.
Comoção cerebral — é o mMs leve dos acometimentos cere­
brais. Normalmente é traduzido por uma descarga do sistema nervo­
so central sem lesão, que se manifesta por perda temporária dos re­
flexos, do controle dos esfíncteres e da consciência.

110
Contusão cerebral — decorre de uma lesão microscópica do
encéfalo que pode ou não estar localizada próximo à área traumatizada.
Aos sintomas da comoção cerebral, podem-se acrescentar as convul­
sões e espasmos.
Compressão cerebral — é provocada por hemorragia da artéria
meníngea média ou veia cortical subaracnóidea e pode, na dependên­
cia do volume hemorrágico, vir a determinar o que se chama de inter­
valo lúcido, ou seja, um período aparentemente assintomático logo
após o trauma. Pode levar à morte por compressão cerebral e anoxia
do centro da percepção e da consciência.
Síndrome pós-concussão — o termo concussão indica comoção
violenta, abalo, choque. Na verdade, a síndrome pós-concussão pode
aparecer sempre que há um traumatismo craniano. Ocorre em lesões
de pequena monta, em que não há sinais de dano. Caracteriza-se por
algumas alterações da personalidade, como irritação, inquietude,
desconsideração pelas pessoas etc.
Contusões ósseas — são microfraturas e pequenas hemorragias
decorrentes da ação de instrumentos contundentes sobre os ossos,
sem que haja ruptura do tecido ósseo.
Fraturas — são soluções de continuidade, parciais ou totais, do
tecido ósseo.
Luxação — é o deslocamento de dois ou mais ossos em relação
à sua articulação pelo rompimento da cápsula articular.
Entorse — é a lesão dos ligamentos pela realização de um mo­
vimento que vai além dos limites fisiológicos da articulação.

2.6. Conformação das lesões contusas


Os ferimentos contusos assumem, com freqüência, a conforma­
ção do instrum ento que os produziu. Outras vezes produzem
ferimentos de natureza variada, de grandes proporções, sendo difícil
distinguir o agente lesivo. As ilustrações a seguir dão bem uma idéia
dessa variação.

111
2.7. Instrumentos perfurocortantes
\

v Os instrumentos perfurocortantes são aqueles geralmente dotados


'1 c, de ao menos uma ponta e pelo menos uma lâmina ou gume. Agem,
j inicialmente, afastando as fibras e facilitando a penetração, para depois
^seccioná-las. O melhor.exemplo desse tipo de instrumento são as facas.
As lesões produzidas pelos instrumentos perfurocortantes de-
nominam-se perfuroincisas e têm como característica serem mais
profundas que largas.

112
Quando atingem a região abdominal podem levar h evisceração.
Tam bém podem dar origem às chamadas lesões em acordeão (plaies
en accordéon), mencionadas por Lacassagne (Précis de médecine
légale, 1906, p. 415), em que instrum entos perfurantes ou
perfurocortantes de lâminas curtas, por compressão da parede abdo­
minal, produzem lesões bastante profundas.

2.8. Instrumentos perfurocontundentes


i r-
Instrumentos perfurocontundentes são aqueles que agem inici­
ei almente por pressão em uma superfície para em seguida perfurar a
Vregião atingida.
/’ As lesões produzidas pelos instrumentos perfurocontundentes
vÇ/ denominam-se peifurocontusas e são típicas dos projéteis de arma
í de fogo, não obstante não sejam eles os únicos agentes capazes de
produzir esse tipo de ferimento.
j É bom lembrar que qualquer instrumento com conformação ci-
i lindro-ogival, como a ponta de um guarda-chuva, é capaz de produzir
iferiinentos perfurocontusos.
Tendo em vista as peculiaridades e o maior interesse que des­
pertam os ferimentos produzidos por armas de fogo, eles serão es­
tudados mais detalhadamente no capítulo reservado à balística fo­
rense.

113
2.9. Instrumentos cortocontundentes
/>'■ f Os instrumentos cortocontundentes são aqueles que atuam por
| pressão exercida sobre uma linha, produzindo lesões denominadas
cortocontusas. São exemplos o machado, um golpe de facão desferi-
-do com a lâmina, o cutelo etc.
A distinção entre os ferimentos cortocontusos e os incisos faz-
se pela zona de contusão, que existe ao longo das bordas do primeiro
e inexiste no segundo.

2.10. Instrumentos lacerantes ou dilacerantes


É bastante freqüente encontrarmos em laudos periciais refe­
rência a ferimentos lacerantes ou lacerocontusos. Para Delton
Croce (1998, p. 183) e Genival França (1998, p. 55) não há
ferimentos dilacerantes, contusodilacerantes,perfurodilacerantes
ou cortodilacerantes, precisamente porque não existem instrumen­
tos dilacerantes. Asísim, os ferimentos lacerocontusos, mencio­
nados em laudos periciais, nada mais são que soluções de conti­
nuidade de grandes proporções produzidas pela ação de agente
contundente.

114
Essa espécie de ferimento é freqüentemente encontrada em aci­
dentes de trânsito ou em precipitações.

O quadro a seguir traz um resumo dos ferimentos e lesões cor­


respondentes:

A ção In str u m e n to L e sã o E x e m p lo

r perfurante pune tó ría agulhas, estilete, pícador de gelo


i
...Simples cortante incisa navalha e lâmina de barbear
contundente contusa mãos, tijolo, bordão

perfurocortante perfuroincisa facas em geral


Composta perfiirocontundente peifurocontusa projétil de arma de fogo
cortocontundente cortoconlusa machado, cutelo

É bom lembrar que os instrumentos, mesmo pertencendo a uma


determinada categoria, podem produzir ferimentos de natureza diversa.
Assim, um a faca, que em princípio é um instrum ento!
perfurocortante, pode produzir: uma lesão incisa, se a lâmina desli-j
zar sobre a superfície, cortando-a; uma lesão perfuroincisa, se for
introduzida de ponta na região atingida; uma lesão cortocàntusa, se a
região for golpeada com a lâmina; e finalmente uma lesão contusa,
se a região for golpeada com a lateral, o dorso ou o cabo da faca.

3. ENERGIAS D E ORDEM FÍSICA


Energias de ordem física são aquelas capazes de modificar o
estado físico podendo provocar lesões corporais ou a morte.

temperatura
pressão
eletricidade
Energias de ordem física
radioatividade
luz
som

3.1. Lesões produzidas pelo calor

calor frio
J insolação
difuso — termonoses
| intermação
Lesões produzidas calor quente
pelo calor
direto — queimaduras

oscilações de temperatura

Tendo em vista que o homem é‘um animal homeotérmico, são


extremamente importantes para o organismo os mecanismos de con­
trole do calor, ante a necessidade-de manter a temperatura corpórea
dentro de certos limites bastante precisos.
Tanto a perda de calor para o meio ambiente, produzida pelo
calor frio, como o ganho de calor, decorrente do calor quente, ou as
oscilações freqüentes e abruptas de temperatura podem levar a lesões
irreversíveis, ocasionando, inclusive, a morte.

116
3 2. Lesões produzidas pelo calor frio
1

i A temperatura corporal mínima compatível com a vida, segun-


jdo Bonnet (1993, p. 534), é de aproximadamente 31a C. A maior
|parte dos casos de morte ou lesões produzidas pelo frio decorre da
jexposição a temperaturas atmosféricas muito baixas, o que não ocor-
jre no Brasil. Pode haver, entretanto, alguns casos envolvendo câma-
| ras frigoríficas, geladeiras ou hidrogênio líquido,
i Juridicamente, as lesões envolvendo calor frio são, em regra,
| acidentais, não se podendo excluir aquelas decorrentes de ações cri-
| minosas como o abandono de recém-nascidos ou maus-tratos a ido-
isos.
í

j As lesões produzidas pelo frio, denominadas geladuras, têm


i aspecto pálido e anserino, evoluindo paiaisquemia e necrose ou gan-
Igrena. No sistema nervoso o frio pode levar à sonolência, alterações
i dos movimentos, insensibilidade de membros e delírio.
i As geladuras, segundo Callisen (apud Croce, 1998, p. 253),
| admitem três graus:

1Egrau — eritema — ocorre em razão da vasoconstrição no nível da pele,


com palidez inicial e rubor secundário, produzido pela
estase sangüínea nas áreas atingidas
2a grau — flictenas — em decorrência da estase, ocorre transudação de plas­
ca ma e formação de bolhas similares àquelas observa­
das nas queimaduras
6 3- grau — necrose ou gragrena — o sangue coagula-se no interior dos capi­
lares e, por ausência de irrigação, ocorre
a morte tecidual

Na Primeira Guerra Mundial eram comuns as lesões produzidas


pelo frio, particularmente atingindo os membros inferiores dos sol­
dados e, por isso, denominadas pés de trincheira.

3.3. Lesões produzidas pelo calor quente


O calor quente pode atuar sobre o corpo humano de forma difusa
ou direta. Atua de forma difusa quando a fonte de calor não incide
diretamente sobre a área atingida, mas sim tomando o meio ambiente
incompatível com os fenômenos biológicos.

117
A forma de calor difuso produz os quadros conhecidos como
compreendendo a insolação e a intermação. Alguns au­
te rm o n o s e s ,
tores citam, ainda, câimbra térmica, brotoeja, síncope térmica e de­
sidratação (Gomes, 2003, p. 254).
O calor direto produz as chamadas queimaduras, que podem ser
simples, quando produzidas apenas pelo calor, ou complexas, quando,
além do calor existem outros fatores, como nas queimaduras por eletri­
cidade, atrito, agentes químicos etc.

3.3.1. Termonoses

Insolação

Í
Intermação

A diferença entre insolação e intermação está no fato de que na


primeira existe uma ação direta dos raios solares sobre o corpo,
particularm ente na região d a cabeça, enquanto na segunda,
intermação, há o superaquecimento do organismo pelo aumento do
calor ambiente, dè maneira natural ou artificial, ou, ainda, a obstru­
ção dos mecanismos de troca calórica do corpo com o meio. A
intermação também recebe os nomes de exaustão térmica e prostra­
ção térmica. -
A câimbra térmica, câimbra dos foguistas ou câimbra dos m i­
neiros, decorre de trabalho físico pesado em ambientes de tempera­
tura e umidade elevadas. Em razão da sudorese intensa, há uma
descompensação no equilíbrio de sódio e cloro do organismo levan­
do a fenôm enos dolorosos que gtingem, principalm ente, as
panturrilhas.
\

Brotoejas são erupções temporárias de pele que, no verão, atin­


gem mais frequentemente as crianças e adultos obesos. Caracteri­
zam-se por uma hiperemia provocada pela sudorese intensa e conse­
qüente infiltração do suor na camada córnea da epiderme.
A síncope térmica corresponde a uma queda abrupta da pressão
sangüínea em razão da vasodilatação superficial da pele e desidrata­
ção, levando à perda dos sentidos.
118
Denomina-se desidratação o quadro clínico provocado pela perda
de água do organismo. Pode ocorrer pela via cutânea, no caso de tempe­
raturas ambientais muito elevadas, em razão da sudorese intensa, mas
tam bém é observada em distúrbios digestivos, renais e respiratórios.

3.3.2. Queimaduras
Queimaduras são lesões corporais produzidas pelo calor agin­
do diretamente sobre o organismo em qualquer de suas formas. As
mais comuns são aquelas causadas pelo fogo, líquidos em ebulição e
metais incandescentes.
Quanto à gravidade, existem diversas classificações para as quei­
maduras. As mais comuns são as propostas por Lussena/Hofinann,
que admite quatro graus, e a de Dupuytren, que prevê seis graus,
conforme a intensidade da lesão produzida.

Ia grau — queimaduras leves, simples formação de


eritemas (sinal de Christinson)
2a grau — formação de flictenas nas áreas erite-
Lussena/Hofmarm matosas
3fl grau — atingem a derme e os tecidos adjacentes,
dando origem à formação de escaras
42 grau — carbonização
■a
Ia grau — atinge apenas a camada córnea da epiderme pro­
1 vocando edema superficial
o 2e grau — atinge as camadas epidérmicas e parte superficial
da derme, dando origem a flictenas
& 3“ grau — atinge as camadas epidérmicas e parte da derme,
Dupuytren com destruição dos terminais nervosos sensitivos.
■a§ Não há dor
! 42 grau — atinge amplamente a derme destruindo as estrutu­
ras vasculares, terminais nèrvosos e glândulas
& 52 grau — compromete as aponevroses e músculos, sem atin­
gir a estrutura óssea. Nota-se a formação de escaras
6a grau — carbonização

Com relação à extensão, as queimaduras poderão ser mais ou


menos severas dependendo do percentual de comprometimento da
superfície corpórea, da importância vital da área atingida e do grau
de profundidade. A idade da vítima também deve ser considerada.

119
Um velho ou uma criança que apresentem de 5% a 10% da área
corpórea atingida podem ser considerados grandes queimados, en­
quanto para um adulto o percentual é de 20 % ou mais.
M anife Elias Zacharias, para avaliar a extensão das queimadu­
ras, propõem a divisão em pequeno, médio e grande queimado, con­
siderando, sob o ponto de vista clínico, a gravidade, os riscos experi­
mentados pelo paciente, a percentagem do corpo atingida e a faixa
etária (Dicionário de medicina legal, 1991, pág. 402).

Graus Idade em anos Área atingida


Pequeno queimado 2a e 32 -5 -5%
de 5 a 14 -1 0 %
+ de 14 -15%
Médio queimado 2a e 3a -5 de 5 a 10%
de 5 a 14 de 10 a 20%
+ de 14 de 15 a 30%
Grande queimado 22e 3a -5 + 10%
de 5 a 14 + 20%
+ de 14 + 30%

Também são considerados grandes queimados, sejam crianças, ve­


lhos ou adultos, aqueles que têm comprometidas a face, mãos, pés e genitais.
Ainda quanto à extensão, costuma-se utilizar, para avaliação do risco
de vida, a regra dos noves de Pulasld e Termison (in Benaim, apud Bormet,
1993, p. 258). Divide-se o corpo em frações correspondentes a 9%, permi­
tindo calcular com boa aproximação o percentual do coipo atingido.

120
Na carbonização o corpo reduz em volume e peso, podendo ocor­
rer exposição da arcada dentária e abertura dos olhos. Os membros
geralm ente se flexionam, dando ao cadáver a posição de boxeador.

3.3.3. Etiologia da morte pelas queimaduras


Diversas teorias procuram explicar a etiologia das mortes por
queimaduras (Croce, 1998, p. 248):

teoria do choque nervoso


teoria das intoxicações
Mortes por queimaduras
teoria das alterações sangüíneas
teoria da toxemia infecciosa

Teoria do choque nervoso — por esta teoria a morte ocorreria


em decorrência de um colapso cardiovascular produzido pela dor in­
tensa, principalmente nas primeiras horas após a queimadura.

121
Teoria das intoxicações — a destruição acentuada dos tecidos
produziria alta concentração de toxinas no sangue levando o indiví­
duo à morte.
Teoria das alterações sangüíneas — trata-se de uma teoria não
mais aceita modernamente, pela qual as células do sangue sofreriam
alterações nos locais atingidos e, em razão disso, produziriam trombos
letais, que dariam causa a embolias e infartos.
Na verdade, o que ocorre é uma deficiência circulatória, na de­
pendência da extensão das lesões, que pode levar à perda de plasma,
hemoconcentração e choque.
Teoria da toxemia infecciosa — como as queimaduras são fa­
cilmente suscetíveis a infecções, particularmente as produzidas por
germes oportunistas, são freqüentes infecções severíssimas, que se
instalam particularmente nas 48 horas que sucedem o evento e que
podem levar a vítima ao óbito.

3.4. Lesões produzidas pela pressão


A pressão também pode produzir severas alterações no organis­
mo humano.
Em condições normais podemos suportar pressão de aproxima­
damente uma atmosfera ou 760 mm da Hg (pressão ao nível do mar).
Ao ser exposto a sensíveis alterações de pressão, o corpo preci­
sa de um tempo para se adaptar, caso contrário poderão oconrer le­
sões ou mesmo a morte. Os principais fenômenos resultantes das
alterações depressão, genericamente denominados baropatias, são:

diminuição da pressão — mal das montanhas ou dos aviadores


Baropatias
. . _ I doença dos caixões ou mal dos escafandristas
aumento da pressão J ,
ybarotraunias

O mal das montanhas ou mal. dos aviadores é produzido pela


rarefação do ar em grandes altitudes. À medida que a altura aumenta
o nível de oxigênio diminui. Para compensar, o organismo precisa
produzir um maior número de glóbulos vermelhos (poliglobulia).

122
Quando não há tempo de adaptação suficiente para o incremen­
to do número de hemácias, ocorrem aumento de batimentos cardía­
cos, náuseas, epistaxe e otorragia, desmaios e, eventualmente, mor­
te. Normalmente, tais sintomas são observados em altitudes entre
4.600 m e 6.100 m. Aciraa disso há rápida perda do controle muscu­
lar e morte.

O gráfico mostra o tempo de exposição necessário, em baixas


concentrações de oxigênio, para que haja diminuição da consciência
ou coma (In Williams & Wilkins, apud Arthur C. Guyton, Tratado de
fisiologia médica, 1973, p. 498).
A doença dos caixões ou mal dos escafandristas ocorre quando
o mergulhador retoma muito rapidamente à superfície.
Para cada 10 m de profundidade há um acréscimo na pressão
equivalente a aproximadamente uma atmosfera.
Como o volume de ar no organismo do mergulhador reduz pela
metade toda vez que a pressão atmosférica praticamente dobra, é pre­
ciso que ele compense essa diferença de alguma maneira. Isso é feito
pelo cilindro de ar, que injeta mais ar nos pulmões à medida que o
mergulhador desce.
Essa compensação traz dois problemas. O primeiro diz respeito
ao próprio volume de ar inspirado, que deve ser expirado gradativa-
mente durante a subida para não provocar a ruptura dos alvéolos.

123
O segundo, e que demanda maior cuidado, é que o nitrogênio
presente no ar atmosférico é absorvido pelos tecidos em maior quan- .
tidade, podendo levar à chamada narcose por nitrogênio a altas
pressões.
Da mesma maneira, é possível a ocorrência de intoxicações tam­
bém pelo próprio oxigênio e gás carbônico.

Profundidade Pressão Volume dos gases


Ao nível do mar 1 atm 1 litro
11 m 2 atms 1/2 litro
33 m 4 atms 1/4 litro
78 m 8 atms 1/8 litro

Barotraumas constituem traumas decorrentes de mudanças


abruptas de pressão. São freqüentes em mergulhadores que retomam
à superfície sem aguardar o tempo necessário de descompressão, e
manifestam-se por perfurações de tímpano, rompimento de alvéo­
los e até fraturas em dentes mal obturados e que contêm ar em seu
interior.

3.5. Lesões produzidas pela eletricidade


A eletricidade, qualquer que seja sua origem, pode atuar sobre o
corpo humano produzindo lesões bastante severas e, com freqüência,
a morte.
A energia elétrica, conforme a origem, pode causar as seguintes
lesões:

. , | fulminaçao — morte
natural ou cósmica -! _
fulguraçao — lesoes corporais

Eletricidade
eletroplessão — acidental \
artificial p 1 lesoes corporais
ou industrial
eletrocussão — execução de um condenado

124
A eletricidade natural ou cósmica (raios), agindo sobre o corpo
humano, pode causar a morte (Julminação) ou lesões corporais
(julguraçãó). Externamente as lesões tomam aspecto arboriforme,
denominadas sinal de Lichtemberg, decorrentes de fenômenos
vasomotores, que podem desaparecer com o tempo em caso de so­
brevivência.
Internamente as lesões podem traduzir-se por hemorragias, con­
gestão dos diversos órgãos e até fraturas ósseas.
A eletricidade arti­
ficial produz, no local de
entrada, uma lesão que
com freqüência assume a
forma do condutor elétri­
co que originou a descar­
ga. É um ferimento de
bordas elevadas e colo­
ração amarelo esbran­
quiçada e indolor, que re­
cebe a denominação de marca elétrica de Jellinek.
Além da marca elétrica, que é o sinal de entrada da corrente
elétrica no corpo, é possível encontrar as queimaduras elétricas,
decorrentes do calor produzido pela passagem da corrente pelo
corpo.
Tanto nos casos envolvendo eletricidade natural como artificial
é possível encontrar ferimentos de saída, indicando o local onde a
descarga elétrica deixou o corpo. A maioria dessas lesões encontra-
se nos pés.
Três teorias procuram explicar a morte em decorrência da pas­
sagem da corrente elétrica: —

morte pulmonar ou por asfixia


Morte pela eletricidade morte cardíaca
morte cerebral

125
Na morte pulmonar, o óbito decorre da tetanização dos múscu­
los respiratórios e dos fenômenos vasomotores decorrentes, como
edema pulmonar e congestão. A morte pulmonar é observada em ten­
sões entre 120 e 1200 volts.
A morte cardíaca sobrevem da fibrilação cardíaca produzida
pela passagem da corrente elétrica. Ocorre nas tensões menores, ge­
ralmente abaixo de 120 volts.
A morte cerebral é observada nas tensões acima de 1200 volts e
apresenta como lesões a hemorragia das meninges e demais estrutu­
ras do cérebro.

3,6. Lesões produzidas pela radioatividade


As principais fontes de radiação são, segundo Genival França
(1998, p. 83), os raios X, o rádio e a energia atômica, responsáveis
pela emissão dos raios alfa (partículas alfa), beta (partículas beta) e
gama (radiação eletromagnética, de pequeno comprimento de onda,
emitida num processo de transição nuclear ou de aniquilação de par­
tículas).
Alguns dos efeitos sobre o organismo são:
a) alterações genéticas;
b) vários tipos de câncer;
c) alterações da espermatogênese; e
d) alteração das células do sangue, produzindo hemorragias acen­
tuadas em vários pontos do organismo.
A foto a seguir mostra queimaduras produzidas por explo­
são atômica em correspondência cçm as partes escuras de um
quimono usado pela vítima quando da explosão da bomba atô­
m ica de Nagasaki (Images o f A m erican Political H istory —
htpp ://teachpol. tcnj ,edu/amer_pol Jhist/use.htm ).

126
3.7. Lesões produzidas pela luz
A luz, dependendo da intensidade, também pode ocasionar
lesões no corpo humano, particularmente relacionadas com alte­
rações ou até mesmo perda da visão por dano irreversível no ner­
vo ótico.
A luz tem forte influência sobre o psiquismo humano, razão
pela qual a polícia lamentavelmente utilizou, durante longo período,
o chamado terceiro grau, técnica de interrogatório em que o interro­
gando era colocado debaixo de um holofote que lhe ofuscava a visão.
Há um tipo raro de epilepsia, denominada fotossensível, que
pode ser desencadeada pela exposição da pessoa a variações intermi­
tentes de luz, como a tela de uma televisão, luz estroboscópica ou
mesmo raios de sol passando por folhas de árvores.
Não se deve esquecer, também, que os raios laser, bastante uti­
lizados em cirurgias, nada mais são que feixes coerentes de luz de
alta intensidade e podem produzir lesões.

127
3.8. Lesões produzidas pelo som
As ondas sonoras, ou ondas de pressão, são as propagações de
um distúrbio mecânico através de um meio elástico como o ar.
As ondas sonoras compreendem:

freqüência — número d e vibrações por s e g u n d o


{ amplitude — indica a intensidade do som, o comprimento da
onda propagada

Para medir a intensidade de um som, utiliza-se normalmente o


decibel, unidade que corresponde ao mais baixo som detectãvel pelo
ouvido humano.
É certo que a sensibilidade do ouvido humano varia com a ida­
de e de acordo com particularidades de cada indivíduo. Há, entretan­
to, um limite máximo, acima do qual o aparelho auditivo pode expe­
rimentar lesões por vezes irreversíveis.
As lesões variam não somente na proporção da intensidade do
som como também em razão do tempo de exposição. Assim, ruídos
de intensidade elevada, acima de 160 dB, podem levar à surdez ime­
diata. Outros sons, de menor intensidade, podem causar lesões se em
exposições prolongadas.
As tabelas a seguir mostram alguns exemplos da variação sono­
ra e do tempo máximo de tolerância.

Ambiente dB
Limite de audição 1
Ruído da respiração 10
Restaurante tranqüilo 50
Conversa em tom normal 60
Tráfego normal 70
\
Oficina mecânica 90
Avião a hélice na decolagem 120
Jato na decolagem 150

128
Segundo o anexo n. 1 da NR-15, os limites de tolerância para
ruído contínuo ou intermitente (assina considerados os que não sejam
de impacto) são:

Tempo máximo de exposição dB


8 horas 85
7 horas 86
6 horas 87
5 horas 88
4 horas e 30 minutos 89
4 horas 90
3 horas e 30 minutos 91
3 horas 92
2 horas e 40 minutos 93
2 horas e 15 minutos 94
2 horas 95
1 hora e 45 minutos 96
1 hora e 15 minutos 98
1 hora 100
45 minutos 102
35 minutos 104
30 minutos 105
25 minutos 106
20 minutos 108
15 minutos 110
10 minutos 112
8 minutos 114
7 minutos 115

O anexo n. 2 aponta como limite de tolerância para ruídos de


impacto o valor de 130 dB, assim entendidos aqueles que apresentam
picos de energia acústica de duração inferior a um segundo, a inter­
valos superiores a um segundo.
As atividades ou operações que expõem os trabalhadores a ní­
veis de ruído, contínuo ou intermitente, superiores a 115 dB, ou de
impacto acima de 140 dB, sem proteção adequada, oferecem risco
grave e iminente.

129
4. ENERGIAS DE ORDEM QUÍMICA
Energias de ordem química são aquelas que atuara nos tecidos
vivos através de substâncias que provocam alterações de natureza
somática, fisiológica ou psíquica, podendo levar inclusive à morte.
Compreendem os cáusticos e os venenos.

[cáusticos ou corrosivos
Energias de ordem química j venenos ou tóxicos

Os cáusticos ou corrosivos são substâncias químicas que pro­


vocam profunda desorganização dos tecidos vivos, quer por desidra­
tação (coagulantes), quer por efeito de dissolução dos minerais
(liquefacientes).
São exemplos de cáusticos a soda, o ácido clorídrico e o ácido
sulfürico, ou vitríolo, de onde deriva a denominação vitriolagem, que
indica as lesões produzidas por essas substâncias.
Definir veneno ou tóxico é uma tarefa bastante difícil, visto que,
dependendo da dose, até mesmo os alimentos ou a própria água po­
dem provocar danos à saúde.
Podem-se conceituar venenos ou tóxicos como substâncias de
qualquer natureza que, uma vez introduzidas no organismo e por ele
assimiladas e metabolizadas, podem levar a danos da saúde física ou
psíquica, inclusive à morte.
Brito Filho, comentando a fragilidade do conceito de tóxico ou
veneno, indica ser possível afirmar, “de maneira grosseira, que todas
as substâncias da natureza podem atuar como tóxicos, porém, nem
todas devem ser consideradas como tal. Assim, não devemos confun­
dir toxicidade que é a capacidade inerente a uma substância de pro­
duzir efeito sobre o organismo com o risco ou perigo que uma subs­
tância oferece. Podemos deduzir què, dependendo da quantidade e
desde que seja absorvida, qualquer substância poderá ser considera­
da veneno. Assim, em toxicologia se estudam somente certas drogas
que mesmo em pequeníssimas quantidades possam provocar distúr­
bios orgânicos” (Toxicologia humana e geral, 1988, p. 3).
Genival França (1998, p. 91) propõe a seguinte classificação
para os venenos ou tóxicos:

130
líquidos
quanto ao estado físico sólidos
gasosos

animal
vegetal
quanto à origem
mineral
sintético

óxidos
ácidos
inorgânicos
sais
bases

hidrocarbonctos
Venenos ou
álcoois
tóxicos quanto às funções acetonas
químicas aldeídos
ácidos orgânicos
orgânicos
ésteres
aminas
íumnoácidos
carboidratos
alcalóides

domésticos
agrícolas
industriais
quanto ao uso
medicinais
cosméticos
venenos propriamente ditos

Brito Filho (1998, p. 3), de forma mais simples, divide os vene­


nos ou tóxicos em:

gasosos
voláteis
metálicos
álcalis e ácidos cáusticos
Venenos ou tóxicos
pesticidas
alcalóides e ptomaínas afins
psicofármacos e psicotrópicos
outros

131
Os envenenamentos, dependendo do tóxico considerado, podem
ter etiologia acidental, homicida ou suicida, devendo ser considera­
dos todos os elementos à disposição do perito, particularmente no
exame do local, para que possa ter subsídios suficientes para a deter­
minação da etiologia jurídica da morte.
Com relação aos venenos de origem alimentar, é preciso dife­
renciar os envenenamentos das intoxicações alimentares.
No caso dos envenenamentos de origem alimentar a vítima in­
gere, como se alimentos fossem, substâncias químicas nocivas ao
organismo, experimentando sintomas que variam de acordo com a
qualidade e a quantidade do princípio tóxico ingerido. É o caso, por
exemplo, da mandioca brava ou do peixe baiacu (o Logocephalus
laevigatus, tão lembrado nas crônicas de João Ubaldo Ribeiro).
Nas intoxicações alimentares o alimento em si não apresenta
qualquer princípio nocivo ao organismo, mas está contaminado com
substâncias ou microorganismos prejudiciais à saúde. As intoxica­
ções alimentares serão melhor analisadas no tópico das energias de
ordem bioquímica.

4.1. Monóxido de carbono


Uma das principais fontes de morte acidental tem sido as into­
xicações pelo monóxido de carbono.
Gás incolor, inodoro e insípido, é produzido em todas as re­
ações de combustão incompleta, sendo encontrado em braseiros
para aquecimento, motores a explosão, combustão de lenha em
lugares sem ventilação, combustão incompleta do gás de cozinha
e outros.
Os compostos orgânicos, como o carvão vegetal, ou alimentos
ricos em amido, como arroz ou feijão, queimados perante pouco
fornecimento de oxigênio, são excelentes fontes de monóxido de
carbono. v

Combustão completa C H2n + 0 2 COa (dióxido de carbono) + H p (água)


Combustão incompleta CnHii + O —> CO (monóxido de carbono) + H^O (água)
Uma vez aspirado, o monóxido de carbono dilui-se no plasma
sangüíneo, onde forma, com a hemoglobina, um composto altamente
estável denom inado carboxiem oglobina. Sua afinidade pela
hemoglobina é cerca de 250 vezes maior que a do próprio oxigênio.
Dessa maneira, é suficiente que no ar atmosférico, onde o oxigênio
representa aproximadamente 20%, haja cerca de 0,08% de monóxido
de carbono para que metade da hemoglobina ativa seja transformada
em carboxiemoglobina.

7 co

Carboxiemoglobina

í>

A morte sobrevêm quando cerca de 2/3 da hemoglobina é trans­


formada em carboxiemoglobina.
A sintomatologia é variada e depende do grau de intoxicação
apresentado. N a intoxicação aguda temos cefaléia, vertigens, dimi­
nuição da acuidade visual, diminuição da capacidade auditiva, esta­
do de embriaguez, onirismo (alucinações) e inibição muscular. A ini­
bição muscular atinge principalmente os membros inferiores, o que
impede a vítima de fugir do local, e os músculos da laringe, dificul-

133
tando que peça socorro. Seguem-se perda dos reflexos e coma pro
fundo e prolongado, podendo estender-se por até 36 horas.
Nos casos fulminantes, em que não há propriamente sintomas, são
suficientes poucas inalações para produzir a morte, podendo a vítima
sentir apenas vertigens e fraqueza para logo cair em coma profundo. -
Como a ligação entre a hemoglobina e o monóxido forma um
composto extremamente estável, é possível a intoxicação cumulativa
ou crônica, que ocorre quando a pessoa é submetida, de forma inter­
mitente, a uma atmosfera com relevante concentração de monóxido
de carbono por dias seguidos. Essa forma de intoxicação é comum
em cozinheiros, churrasqueiros ou foguistas.
A pessoa morta por monóxido de carbono parece dormir. Sua
pele é rosada, seus lábios têm uma tonalidade também rosada e não
se instala a cianose comum dos asfixiados. Apresenta rigidez cadavé-
rica precoce, sangue fluido e rosado, manchas hipostáticas claras,
edema cerebral e putrefação tardia. O diagnóstico deve ser confirma­
do com a pesquisa do monóxido de carbono no sangue, particular­
mente pela micróespectroscopia.
O tratamento das intoxicações agudas e crônicas é relativa­
mente simples, sendo suficiente que se retire a pessoa da atmosfera
saturada pelo monóxido de carbono, colocando-a em uma atmosfe­
ra rica em oxigênio. Por vezes será preciso a transfusão sangüínea.
A existência ou não de
seqüelas lim ita-se a
transtornos de origem
nervosa ou psíquica e
dependerá do tempo
que o sistema nervo­
so central ficou priva­
do da oxigenação. O
gráfico (elaborado
pela COMGAS) mos­
tra a relação entre o
tempo de exposição,
as diferentes concen­
trações e os sintomas
observados.

134
.
5 ENERGIAS DE ORDEM FÍSICO-QUÍM ICA
Sob o título de energias de ordem fifsico-quúnica iremos anali­
sar a asfixiologia forense, ou capítulo da medicina-legal que estuda
as asfixias.
Asfixia, do grego asphuksia, indica “falta de pulso” e é utilizado,
pelo costume, para indicar a supressão da respiração. O termo, no entan­
to, é abrangente e pode englobar várias causas de morte. Segundo Almeida
Júnior, para a medicina legal somente irão interessar as asfixias que apre­
sentem três características (Lições de medicina legal, 1996, p. 186):

Entende-se por asfixia primitiva aquela que é causa primária da


morte e não conseqüência de algum fenômeno orgânico prévio. Vio­
lenta é toda asfixia que não decorre de processo natural, orgânico, e
mecânica é a produzida por agente mecânico.
Respeitadas essas características, interessam à medicina legal
apenas as asfixias por enforcamento, estrangulamento, esganadura,
sufocação direta ou indireta, afogamento e imersão em atmosfera de
gases irrespiráveis.
Delton Croce (1998, p. 281) propõe a seguinte classificação para
as asfixias:

enforcamento
por constrição do pescoço -I esganadura
estrangulamento

oclusão dos orifícios das vias aéreas


oclusão das vias aéreas
direta ou ativa
soterramento
por sufocação -i
confinamento

indireta ou passiva — compressão do tórax

por colocação da vítima em

135
As asfixias são consideradas pelo direito penal como meio
cruel, principalmente pelo tempo necessário à produção da mor­
te, cerca de três minutos ou mais, levando a vítima a grande sofri­
mento físico e mental.
Odon Maranhão (2002, p. 319) indica como características ge­
rais das asfixias mecânicas os seguintes sinais:

Sinais externos Sinais internos

Cianose da pele Equimoses viscerais (Tardieu)


Equimose das conjuntivas Congestão das vísceras
Escuma da boca Fluidez sangüínea
Resfriamento cadavérico lento

As manchas de Tardieu, ou equimoses viscerais, são pequenas


manchas avermelhadas (petéquias hemorrágicas), encontradas em quase
todos os casos de asfixia mecânica, principalmente nos pulmões, e de­
correm da ruptura dos capilares pela alta pressão arterial provocada
pelo aumento da concentração de gás carbônico no sangue. A ilustra­
ção a seguir dá uma noção das chamadas manchas de Tardieu,

Nos pulm ões dos afogados podem os tam bém encontrar


equimoses viscerais denominadas manchas de Paltauf.
Para poder sobreviver o homem precisa respirar uma atmosfera
com aproximadamente 21% de oxigênio. Concentrações abaixo de
7% podem levar a sérias alterações orgânicas e inferiores a 3% cau­
sam a morte.
Nossos pulmões têm as seguintes características (Croce, 1998,
p. 275-276):
• ar circulante — é a quantidade de ar que entra e sai dos pul­
mões em cada movimento inspiratório/expiratório, cerca de 500 cc;
• ar complementar— cerca de 1500 cc, é a quantidade máxima
de ar que pode entrar nos pulmões em uma inspiração forçada;
• ar de reserva — cerca de 1500 cc, é a quantidade máxima de
ar que pode ser eliminada pelos pulmões em uma expiração forçada;
• ar residual — cerca de 1000 cc, é o volume mínimo de ar que
remanesce nos pulmões;
• capacidade pulmonar — indica a soma do ar residual e do de
reserva, cerca de 2500 cc;
• capacidade total dos pulmões — cerca de 4500 cc.
O número de movimentos respiratórios diminui com a idade,
sendo de, aproximadamente, 40 a 45 por minuto em um recém-nasci­
do e de 16 em um homem adulto.
Com relação ao número de movimentos respiratórios temos:
• eupnéia — respiração normal;
• bradpnéia, espaniopnéia ou oligopnéia — número de movi­
mentos respiratórios diminuídos;
• tacpnêia, polipnéia ou hiperpnéia — número aumentado de
movimentos respiratórios;
• dispnéia — dificuldade em respirar, respiração difícil, cujo
grau máximo é a ortopnéia;
• apnêia — parada da respiração.

5.1. Morte por enforcamento


O enforcamento poderia ser definido como a constrição do pes­
coço por baraço mecânico (corda ou cordel) tracionado pela força-
peso do próprio corpo.
Geralmente é meio utilizado por suicidas, podendo eventual­
mente ser acidental, homicida ou, ainda, forma de execução.

137
O sulco no enforcamento tem as seguintes características: nor­
malmente é oblíquo, descontínuo, sendo interrompido na altura do
nó, e desigualmente profundo. Nos enforcamentos típicos, o nó si­
tua-se na região posterior do pescoço. Nos atípicos, pode aparecer na
região anterior ou lateral do pescoço. Por vezes nem sequer existe o
nó, bastando que o meio constritivo pressione os vasos laterais do
pescoço com pressão suficiente para interromper a circulação.

Posição típica do nó Posição atípica do nó

A esse respeito Flamínio Fávero (1975, p. 359) indica que as


veias jugulares podem ser obliteradas com uma compressão local de
apenas 2 kg; as artérias carótidas, com 5 kg; a traquéia fecha-se com
15 kg; e finalmente temos a compressão das artérias vertebrais com
apenas 25 kg.
Para que ocorra no enforcamento um processo verdadeiramente
asfixico é necessária a obliteração completa da traquéia. Pode ocor­
rer, entretanto, na dependência da posição e conformação do baraço
mecânico, o fechamento da glote pela fratura ou pela projeção do
osso hióide contra a faringe.
Também não é necessário, como se acredita, que o corpo fique
suspenso no ar (suspensão completa), sendo possível a ocorrência, da
morte mesmo quando ele permanece apoiado no solo em suspensão
incompleta.

138
Os gráficos e fotografias a seguir demonstram posições possí­
veis para a morte por enforcamento e a conformação dos sulcos ob­
servados.

Suspensão incompleta

139
O sulco, no enforcamento, assume sem­
pre a Característica do meio mecânico que
deteiminou a constrição do pescoço, seja
decorrente de suicídio, sej a em caso de mor­
te acidental.
\ í ' A morte no enforcamento pode ocorrer por três mecanismos:
^ a)pela asfixia mecânica — a constrição do pescoço pode obliterar
J: as vias respiratórias produzindo a morte;
| b) por inibição — a constrição lesa os nervos vagos e os seios
í carotídeos, determinando a parada cardiorrespiratória e a conseqüen-
! te morte;

141
c) por obstrução da circulação — como vimos, uma pequena
pressão no pescoço pode determinar a interrupção da circulação para ■
o cérebro, ocasionando a morte.

5.2. Estrangulamento
!t J O estrangulamento pode ser definido como a constrição do pes-
I coço por baraço mecânico (corda ou cordel) acionado por força es-
[ tranha ao peso do próprio corpo.
É meio utilizado, geralmente, por homicidas, podendo muito
raramente ser encontrado em suicídios (a vítima aplica um torniquete
no próprio pescoço). Também já foi utilizado como forma de execu­
ção (garrote vil, p. ex.).

Só é possível com o uso Garrote vil - meto de execução


de um torniquete
O sulco no estrangulamento é transversal e horizontal, podendo
eventualmente ser oblíquo. É contínuo e homogêneo em relação à
profundidade, uma vez que não existe o nó típico do enforcamento.
Os mecanismos da morte por estrangulamento são similares
àqueles observados no enforcamento, ou seja, asfixia mecânica pro­
priamente dita, inibição vagai por compressão do pescoço e inter­
rupção da circulação sangüínea.

5.3. Esganadura
A esganadura é a asfixia mecânica
pela constrição ântero-lateral do pesco­
ço produzida pela ação direta das mãos
do agente.
Não há sulco, que cede seu lugar
para marcas ou estigmas ungueais (mar­
cas de unhas) e diversas escoriações,
equimoses e hematomas. Com certa fre­
qüência é notada a fratura do hióide (Go­
mes, 2003, p. 349).
A esganadura é essencialmente
homicida, sendo bastante comum no
infanticídio (foto) e nos crimes sexuais.
A doutrina é unânime em afastar o suicídio por essa forma de asfixia.
A etiologia da morte por esganadura tem sido explicada mais
pelos fenômenos de inibição nervosa decorrentes da compressão do
pescoço (inibição vagai ou
choque vagai) que pela as­
fixia propriamente dita.
A morte por obstrução
da circulação não tem sido
relacionada pela literatura
médica, até porque o tem­
po necessário para a sua
instalação é bastante dila­
tado.

143
O quadro a seguir mostra as principais diferenças entre as três
modalidades de asfbdas mecânicas por constrição do pescoço.

Lesões no pescoço

Enforcamento Estrangulamento Esganadura

Constrição produzida por Constrição produzida por Constrição produzida di­


baraço mecânico aciona­ baraço mecânico aciona­ retamente pelas mãos do
do pela força peso do do por força estranha ao agente.
próprio corpo. peso do corpo.

Sulco oblíquo. Sulco transversal e hori­


zontal.
Não há sulco, mas marcas
Sulco descontínuo. Sulco contínuo. ungueais que se distri­
buem pela região ântero-
Sulco desigualmente pro­ Sulco de bondas e pro­ lateral do pescoço.
fundo, sendo mais acen­ fundidade uniformes.
tuado na região oposta
ao nó.

O nó geralmente é colo­ Não há nó. Não há nó.


cado na região posterior
do pescoço (típico).

5.4. Sufocação
/') 7 j A sufocação é a asfixia mecânica decorrente do bloqueio dire-
' V to ou indireto das vias respiratórias, impedindo a penetração do ar.
1 Compreende:
v
obstrução dos orifícios externos respiratórios
direta obstrução das vias respiratórias
Soterramento s
Sufocação
Confinamento

indireta — compressão do tórax

A oclusão dos orifícios externos respiratórios, de origem nor­


malmente homicida, é praticada ou com as próprias mãos ou com a
utilização de agentes moles como travesseiros e almofadas.

144
A obstrução das vias respiratórias é com freqüência acidental e
ocorre pela aspiração de corpos estranhos (alimentos, próteses, pe­
quenos brinquedos, chicletes etc.).
O soterramento é a asfixia que resulta da obstrução das vias
respiratórias pela colocação da vítima em meio sólido ou poeirento.
É normalmente acidental, sendo encontrado nos desabamentos e ava­
lanchas.
O confinamento ocorre quando a vítima fica presa em ambien­
tes reduzidos e fechados impossibilitando a troca de ar. A morte ocorré
por esgotamento do oxigênio e aumento das concentrações de gás
carbônico.
A sufocação indireta decorre da compressão da caixa torácica,
impedindo os movimentos respiratórios e levando à morte por asfi­
xia. Esse tipo de sufocação é encontrado em acidentes, em que há
compressão do tórax, ou tem etiologia homicida. Foi utilizado, na
Idade Média, como meio de execução, particularmente para as mu­
lheres acusadas de bruxaria, que eram colocadas sob uma tábua, em
cima da qual eram depositadas pedras, até que sobreviesse a morte.

5.5. Colocação ãa vítima em meio líquido — afogamento


/^
yéV" O afogamento é a modalidade de asfixia mecânica em que há
S penetração de líquido nas vias aéreas. Não há necessidade de imersão
j total do corpo, bastando que as vias aéreas estejam submersas, co-
Ibertas pelo líquido, impedindo a respiração.
A maior parte dos afogamentos é acidental, podendo ser encon­
trados homicídios e suicídios. E comumente utilizado como meio de
tortura e j á serviu como forma de execução.

5.5.1. Afogado azul e afogado branco


É também freqüente a simulação de afogamento, quando a víti­
ma é atirada na água já sem vida. Por esse motivo, há a divisão entre
afogado azul ou real e afogado branco de Parot ou falso afogado,
situação em que o corpo é atirado na água depois de morto.
É claro que no afogado branco não serão encontrados os sinais
característicos do afogamento, permitindo ao legista a diferenciação.

145
5.5.2. Fases da morte por afogamento
A morte por afogamento desenvolve-se em três fases:
a) fase de resistência — nela a vítima tenta conter a respiração o
máximo possível; if
b) fase de exaustão — na qual, por reflexos bulbares, a vítixná
passa a inspirar o líquido profundamente; e %
c) fase de asfixia— que comina com perda da consciência, con-í
vulsões e morte.
Galabuig, baseando-se nos trabalhos de Ponsold, descreve cin­
co fases para o afogamento (1998, p. 428): “Quando uma pessoa cai
na água, sua primeira reação é efetuar uma inspiração profunda, an­
tes de afundar (I). Depois há uma apnéia voluntária (II) até que o
aumento da concentração de C 0 2 e diminuição da de 0 2 a obrigam a
uma inspiração forçada (EI). Logo a inalação de água continua e po­
dem aparecer convulsões (IV). A respiração pára e se instala uma
anoxia cerebral irreversível que provoca a morte (V)”.

I II III IV V

146
5.5.3- Principais sinais
Odon Maranhão (2002, p. 325) e Delton Croce (1998, p. 293 -
296) elencam, como principais sinais, internos e externos, encontra­
dos nos afogados:

Sinais externos
Cianose da face Aparece na maior parte de todas as asfixias.
"pele anserina Ou “pele de galinha”, corresponde ao eriçamento
dos pêlos — sinal de Bemt.
Maceração da pele A epiderme fica infiltrada de água, principalmen­
te as mãos e os pés (vide ilustração).
plâncton nas mãos e unhas Pela presença desses materiais no meio líquido
onde ocorreu a imersão.
Lesões de arrasto (Simonin) Pelo embate do corpo no leito do curso de água
(vide ilustração).
Retração dos mamilos, Pela baixa temperatura da água e choque térmico
testículos e pênis provocado.
Rigidez cadavérica precoce
Procidência da língua Que não é um sinal exclusivo dos afogados, mas
aparece com freqüência nas asfixias mecânicas.
Cabeça de negro A cabeça dos afogados em adiantado estado de
putrefação adquire uma coloração verde-escuro.

147
Sinais internos
Diluição do sangue A ingestão de grande quantidade de água acaba
por fluidificar o sangue em razão do equilíbrio
osmótico rompido.
Cogumelo de escuma O plasma sangüíneo passa para o alvéolo e há
grande formação de escuma, que preenche a ár­
vore respiratória e sai pela boca.
Manchas de Paliauf Produzidas pela ação hemolítica da água sobre as
hemorragias pleurais {Tardieu). Nada mais são que
as manchas de Tardieu acompanhadas de um halo
hemolítico.
Plâncton e água nas vias res­
piratórias e digestivas Pela aspiração e ingestão de grande quantidade
Presença de líquido no ou­ de líquido.
vido médio

Delton Croce (1998, p. 295) aponta o cogumelo de espuma (ou


escuma) como sinal externo.
A foto a seguir dá uma idéia do cogumelo de espuma, típico nos
afogados:

5.6. Imersão em atmosfera de gases irrespiráveis


Para poder sobreviver o homem precisa respirar uma atmosfera
com aproximadamente 21% de oxigênio. Toda vez, portanto, que o

148 -------------- '


organismo é colocado em uma atmosfera incompatível com os fenô­
menos vitais, pode sobrevir a morte.
A rubrica “imersão em atmosfera de gases irrespiráveis” não é
perfeitamente correta, porquanto nem todas as substâncias que tor­
nam o ambiente incompatível com os fenômenos respiratórios são
g a ses. Vários são líquidos nebulizados ou mesmo fumos.
A asfixia por gases ou vapores irritantes ou cáusticos constitui
um dos capítulos mais complexos da asfixiologia forense, pela diver­
sidade de substâncias incompatíveis com os fenômenos biológicos.
Apenas á título de ilustração, a -classificação a seguir dá uma
noção da dimensão do tema.
brometo de benzila
irritantes dos olhos cloreto de metila
ou lacrimogêneos brometo de xilol
bromoacetofenona

irritantes cianeto de diienilarsina


respiratórios ou
estemutatórios Í cloreto de difenilarsina
tricloreto de fósforo
de guerra
cáusticos do pulmão ou J fosfogênio
sufocantes 1 clo5°
I arsina

cáusticos da pele J iperita ou gás mostarda


Asfixia por gases e ou vesicantes 1 lewisita
vapores irritantes
ou cáusticos , . [ ácido cianídrico
gases tóxicos j óxido de carbono

amoníaco
domésticos
{ monóxido de carbono

vários
vaporesprodutos voláteis de limpeza doméstica
nitrosos
metano ou gás dos pântanos
profissionais fumos de metais, como antimônio,
alumínio ou chumbo

clorofórmio
éter
anestésicos cloreto de etila
protóxido de nitrogênio
óxido nitroso — gás hilariante

149
A classificação não é exaustiva, mas apenas exemplificativa,;
havendo inúmeros outros produtos que podem produzir atmosfera
incompatível com a respiração.

6. ENERGIAS DE ORDEM BIOQUÍM ICA


As energias de ordem bioquímica são aquelas que se manifes­
tam de modo combinado, havendo fatores orgânicos e químicos. Di­
ferem das de ordem puramente química porque, embora haja um fa­
tor relacionado com o excesso ou a falta de alguma substância quími­
ca, também interferem no estado de saúde da vítima, sua higidez or­
gânica e capacidade de resistência.
As energias de ordem bioquímica podem atuar de forma negati­
va, englobando a inanição e as doenças carenciais, ou de forma po­
sitiva, nas intoxicações alimentares, auto-intoxicações e infecções.

inanição
negativas
doenças carenciais
Energias de ordem bioquímica ^

V.

6.1. In a n içã o
Para sobreviver e ter um desenvolvimento completo e sadio, o
ser humano precisa de uma alimentação balanceada, rica em nutrien­
tes fundamentais, quais sejam:
• carboidratos;
• proteínas;
• gorduras;
• vitaminas; s

• sais minerais; e
• água.
A ausência prolongada de um ou mais desses nutrientes pode
levar a transtornos irreparáveis para a economia orgânica. Como re­

150
gra, a fome manifesta-se após um período médio de 24 horas sem
alimentação, podendo uma pessoa normal resistir até 7 dias ingerin­
do apenas água.
Para uma boa nutrição não basta ingerir grandes quantidades de
alimento, é também preciso selecionar categorias e qualidade.
As Leis de Escudero (apud Croce, 1998, p. 307) dão bem uma
idéia dos princípios básicos que regem uma boa alimentação:
a) Lei da Qualidade — o regime deve conter alimentos comple­
tos em sua composição;
b) Lei da Quantidade — a quantidade de alimentos deve ser
suficiente para cobrir as exigências calóricas do organismo e manter
o equilíbrio do balanço nutritivo;
c) Lei da Harmonia — as quantidades dos diversos princípios
que integram a alimentação devem guardar entre si uma relação de
proporção; e
d) Lei da Adequação — a finalidade da alimentação está subor­
dinada à sua adaptação ao organismo.
A inanição é, pois, o enfraquecimento extremo por falta ou re­
dução exagerada de alimentos imprescindíveis à manutenção dos fe­
nômenos biológicos. Pode ter etiologia acidental, voluntária, econô­
mica ou criminosa.
A inanição acidental é rara, mas pode ocorrer em casos em que
a vítima fica presa por vários dias em algum lugar onde não tem
acesso a alimentos e ou água. A inanição voluntária constitui hoje
forma de protesto tanto de presos como de ativistas políticos e é de­
corrente da chamada greve de fome. A inanição econômica é obser­
vada em larga escala em países do terceiro mundo, onde a fome e a
miséria são uma constante, e milhares de seres humanos são literal­
mente abandonados à própria sorte pelos países mais desenvolvidos.
Trata-se, em verdade, de uma forma omissiva de assassinato em mas­
sa que certamente a história irá debitar a todos nós.
Mais rara, a inanição criminosa pode ser observada particular­
mente em situações em que crianças, velhos e enfermos são deixados
sem alimentos e socorro no aguardo de que a natureza siga seu curso
natural (crimes de infanticídio e abandono material).

151
Quando, além da falta de alimento, ocorre também a privaçãd
de água, o óbito sobrevêm rapidamente. O grau máximo de inanição
é denominado caquexia, que normalmente evolui para a morte. g
De qualquer modo, uma abstenção total de alimentos por uni
período superior a 10 dias pode levar ao óbito ou a lesões irreversíveis;:
como a síndrome demencial.

6.2. Doenças carenciais


Ao contrário da inanição, que se instala com a privação de ali­
m entos, considerados de um a m aneira geral (especialm ente
carboidratos e proteínas), as chamadas doenças carenciais ocorrem
quando há falta de um determinado e específico nutriente, geralmen­
te as vitaminas.
Vitaminas são enzimas, não produzidas pelo organismo, que
participam de boa parte das reações químicas do organismo. Como
não são produzidas pelo organismo devem ser ingeridas com a ali­
mentação, ainda que em pequenas doses diárias. A carência de deter­
minada vitamina pode levar a um quadro denominado hipovitaminose,
e a ausência total, à avitaminose.
O quadro a seguir indica as principais vitaminas e os efeitos
decorrentes de sua diminuição ou privação.

Necessidade
Vitamina diária do Função Carência
adulto

A 3,1 mg Manutenção do te­ Xeroftalmia, quera-


Retinol cido 'epitelial, crcs- tomalácia, desca-
cimento da maior mação cutânea, ce­
parte das células do gueira noturna e
cprpo e formação maior suscetibili-
dos pigmentos da dade a infecções.
retina.

1,3 mg Interfere no meta­ Neurites, compro­


Tiamina bolismo dos carboi­ metimento do SNC,
dratos -e das pro-' problemas cardía­
teíhas. cos.
1,8 mg Interfere no trans­ Dermatites, vôm i­
b2 .
Riboflavina porte de hidrogênio tos, diarréia, espas­
para vários sistemas mos musculares e
oxidativos do corpo. morte.

b3 15 mg Também chamada Ulcerações de pele,


Niacrna de ácido nicotínico, pelagra, perturba­
interfere no meta­ ções do SNC, con­
bolismo do hidro­ vulsões.
gênio em vários te­
cidos do corpo.

10 mg Atua no metabolis­ Retardo no cresci­


Áci(ío mo dos carboidra- mento, esterilidade
pantotênico tos e das gorduras a e dermatites.
nível celular.

2,0 mg Atua no metabolis­ Diminuição da ve­


• •
Pindoxina mo dos aminoáci- locidade de cresci­
dos e proteínas. mento, dermatites,
transtornos digesti­
vos, como vômitos
e diarréia, anemia,
convulsões e sinais
de perturbação men­
tal.

B7 500 mg Tem função no cres­ Presume-se que sua


Inositol cimento, perda de falta pode acarretar
pêlos e metabolis­ infiltração gorduro­
mo da gordura he- sa do fígado.
p á t ic a .
g 0,4 mg Atua no metabolis­ Retardo no cresci­
Ácido fólico mo dos aminoáci- mento e instalação
dos, particularmen­ de anemias micro-
te da serina, metio- cíticas, uma vez que
nina, purina e ti- atua no sistema de
mina. maturação dos gló­
bulos vermelhos.

2,0 mg Tem muita impor­ Anem ia m icrocí-


• ■
Cianocobalanima tância na produção tica.
de glóbulos verme­
lhos.

Ignorada Açâo pouco conhe­ Desconhecidos os


Ácido pàngânico cida. Seu uso tem sintomas.
sido indicado no
tratamento de_pro-

153
blem as cardíacos
ou hepáticos.

c 60 mg Funciona como re- A insuficiência por


Ácido ascórbico dutor em processo período de 20 a 30
de oxidação semanas leva ao es-
corbuto, ou mal dos
marinheiros, que se
caracteriza por he­
morragias das gen­
givas, osteoporose,
fraturas e diarréia.

D 400 UI Aumenta a absor­ É mais necessária


Anti-raquítica ção de cálcio no tra­ na fase de cresci­
to gastrintestinal e mento e gestação.
ajuda a deposição Sua falta leva ao
de cálcio nos ossos quadro conhecido
como raquitismo.

E 15 UI Sob a denominação A ausência, rara na


Alfatocoferol . de vitamina E, agru­ e sp é c ie humana,
pam-se vários com­ pode levar à parali­
postos com a mes­ sia dos membros in­
ma função. Atua no feriores e à esterili­
funcionamento das dade.
gônadas e por isso
é chamada de anti-
esterílidade.

H 30 |ig Atua na fixação de Dermatite discreta,


Biotina C 0 2, na formação prostração, dores
da pele e no desen­ musculares e diar­
volvimento de bac­ réias.
térias e leveduras a
nível de trato gas­
trintestinal.

K 70 mg É üm dos fatores da Retardamento da


Anti-hemorrágica coagulação sangüí­ coagulação sangüí­
nea, havendo vários nea.
.compostos, sintéti­
cos ou não, que têm
aNmesma atividade
dá vitamina K.

Notas:
• Xeroftalmia— oftalmia caracterizada pelo ressecamento de cór
e conjuntiva, devido à deficiência de vitamina A. O quadro mórbido ini­

154
cia-se com cegueira noturna e secura anormal nos olhos, evoluindo para
queratom alácia (forma avançada de espessamento da córnea).
• Escorbuto — doença aguda ou crônica, provocada por deficiência
de vitamina C, caracterizada por hemorragias, alterações das gengivas e
pouca resistência a infecções. Também chamada de mal dos marinheiros.
• Pelagra — doença provocada pela deficiência de vitamina B 3
(Niacina), caracterizada por dermatite, distúrbios gastrintestinais e
psíquicos.
Também com relação ao metabolismo dos sais minerais pode­
mos observar doenças carenciais:

Necessidade
Mineral diária do Função Carência
adulto

Na 3.0 g O sódio, o potássio e o A carência desses mi­


Sódio cloro participam do nerais e de seus com­
equilíbrio osmótico do postos é incompatível
K 1.0 g organismo. São indis­ com a vida.
Potássio pensáveis para a manu­
tenção de quase todas as
Cl 3.5 g reações orgânicas e o
Cloro equilíbrio dos líquidos
intra e extracelular.

Ca 0,8 g O cá lcio encontra-se Níveis baixos de cálcio


Cálcio principalmente deposita­ podem levar à tetania,
do sob a forma de fosfato alterações esqueléticas
de cálcio nos ossos. Re- e distúrbios de coagu-
laciona-se com o meca­ lação sangüínea.
nismo de transmissão de
impulsos nervosos e co-
agulação sangüínea.

po. 1,5 g O fósforo participa da A diminuição do nível


Fosfato maior parte das reações de fosfatos não causa
químicas a nível celular, sintomas imediatos. A
relacionando-se com a carência prolongada,
formação de ATP e ADP. porém, poderá levar à
Além disso, está presen­ desmineralização óssea
te nos ossos sob a forma acentuada.
de fosfato de cálcio.

Fe 12,0 rag A função do ferro rela- A carência de ferro


Ferro ciona-se principalmente pode levar a anemias
com a formação da mo- hipocrômicas.

155
lécula de hemoglobina,
participando também da
composição de algumas
enzimas oxidativas. É
fundamental, portanto,
para o transporte de oxi­
gênio às células e para a
manutenção dos sistemas
oxid ativos intracelulares.

I 250 ng O iodo é indispensável Hipotiroidismo, bócio


Iodo para a formação de tiro- colóide endêmico.
xina, hormônio regula­
dor do metabolismo ce­
lular.

Mg 300 mg Tem basicam ente as Irritabilidade, vaso di-


Magnésio mesmas funções do po­ latação p eriférica e
tássio e funciona como arritmias cardíacas.
catalisador de várias
reações enzimáticas.

Co Ignorada O cobalto é integrante A carência de cobalto


Cobalto da vitamina B ,, e como pode levar a uma ane­
tal im prescindível ao mia microcítica.
crescimento dos glóbu­
los vermelhos.

Cu 2 mg Participa do metabolis­ A nem ia m icrocítica


Cobre mo celular e interfere na normocrômica.
absorção do ferro a ní­
vel do trato intestinal.

Mn 2,5 a 5 mg Relaciona-se com o de­ ■A carência pode levar


Manganês senvolvimento sexual e a uma atrofia testicular.
participa do metabolis­ Com relação à uréia,
mo da uréia. haverá acúm ulo dos
compostos de amônia
no organismo e intoxi­
cação.

Zn 15 mg O zinco é parte integran­ A carência de zinco


Zinco te da anidrase carbô­ pode levar a uma má
nica, uma enzima res- oxigenação a nível ce­
ponsávelpela combina­ lular e até a morte. Atua
ção da água com o dió- também no metabolis­
. xido de carbono e sua mo da insulina e junto
liberação rápida para os a algumas enzimas di­
alvéolos pulmonares na gestivas.
expiração.

156
6.3. Intoxicações alimentares
Vimos que nos envenenamentos de origem alimentar a vítima
ingere, como se alimentos fossem, substâncias químicas nocivas ao
organismo, enquanto nas intoxicações alimentares o alimento em si
não apresenta qualquer princípio nocivo ao organismo, mas está con­
taminado com substâncias ou microorganismos prejudiciais à saúde.
As toxinfecções mais comuns são a salmonelose, o botulismo e
estafilococose, que têm como sintomatologia comum vômitos incoer-
cíveís, diarréia, podendo chegar a sintomas neurológicos e à morte.
A etiologia mais comum de intoxicação alimentar é a acidental,
quando a vítima ingere alimentos contaminados sem perceber que já
não se encontram próprios para o consumo. Também comum é a for­
ma culposa, em razão da ganância de certos comerciantes que insis­
tem em manter à venda produtos que já deveriam ter sido recolhidos.
A forma dolosa é praticamente inexistente.

6.4. Auto-intoxicações
As auto-intoxicações ou intoxicações endógenas decorrem de
anormalidades no funcionamento de alguns órgãos, particularmente
em relação à excreção de catabólitos.
Como é sabido, várias das reações químicas do organismo pro­
duzem substâncias nocivas à economia orgânica, substâncias essas
que devem ser excretadas rápida e eficientemente.
A falha nesses sistemas de excreção, ou mesmo o aumento exa­
gerado na produção de catabólitos, pode gerar quadros tóxicos e até
o êxito letal. É o organismo lutando contra o próprio organismo.
Uma das intoxicações endógenas mais comuns é pela uréia
(uremia), em casos de insuficiência renal.

6.5. Infecções
Infecções são perturbações causadas por organismos pato­
gênicos, bactérias, fungos ou vírus, podendo produzir desde peque­
nas alterações no coxpo até o óbito.
A maior parte das infecções é de origem acidental. A' forma
dolosa existe e constitui o crime descrito nos arts. 130 (perigo de

157
contágio venéreo) ou 131 (perigo de contágio de moléstia grave),
ambos do Código Penal.

7. ENERGIAS DE ORDEM BIODINÂMICA — CHOQUE


Sob a designação genérica de choque, termo derivado do inglês
shock, englobamos todos os estados clínicos em que o organismo não
consegue sustentar o equilíbrio circulatório desejado para a manuten­
ção dos fenômenos biológicos, quex em decorrência de descarga insu­
ficiente pelo coração, quer por diminuição do volume circulatório.
O choque é uma síndrome, um conjunto de sintomas comuns
decorrentes de causas diversas, mas relacionados com a queda acen­
tuada e rápida da pressão arterial e venosa. O pulso aumenta em fre­
qüência, mas diminui em amplitude (taquisfigmia e pulso filiforme),
apele e as mucosas apresentam-se cianóticas, a respiração diminui, o
débito urinário diminui .e, se não houver pronta reversão do quadro,
haverá perda de consciência (coma), acidose metabólica e morte.

diminuição da pressão arterial e venosa


taquisfigmia e pulso filiforme
Síndrome do choque B respiração superficial
depressão do SNC — coma
acidose metabólica
morte

As causas e o momento de instalação do choque podem variar,


mas os sintomas serão basicamente os mesmos.

quanto ao momento em que se instala

cardiogênico
obstrutivo \

Choque
quanto a origem J hipovolêmico o

septicêmico ou infeccioso
periférico

-158
Quanto ao momento em que se instala, o choque pode ser pri­
mário ou secundário. Será primário se a síndrome se manifestar ime­
diatamente após a ocorrência da causa e secundário se, entre o fator
determinante do choque e o início dos sintomas caracterizadores da
síndrome, existir um lapso de tempo significativo.
Quanto à origem o choque pode ser cardiogênico, obstrutivo,
fiipovolêmico ou periférico. O choque cardiogênico ocorre normal­
mente no infarto do miocárdio e é caracterizado por uma rápida di­
minuição na capacidade de bombeamento do coração.
O choque obstrutivo advém de um bloqueio da circulação de
retomo como, por exemplo, nas tromboses, obstrução das veias ca­
vas, alguns tumores, embolias e aneurismas.
O choque hipovolêmico é resultante da redução abrupta do vo­
lume sangüíneo total, quer seja por hemorragia (perda de sangue —
choque hemorrágico), perda de plasma (choque plasmogênico — nas
supurações, v.g., em queimaduras graves) ou de líquido extracelular
(ichoque hidropênico — nas desidratações).
O choque periférico compreende várias modalidades, de acor­
do com a etiologia. Será septicêmico se resultar de processos infec­
ciosos agudos causados por germes que, liberando endotoxinas, le­
vam a um desequilíbrio da circulação periférica.
O choque (periférico) anafilático ê observado em pessoas por­
tadoras de hipersensibilidade alérgica a determinadas substâncias, com
liberação de histamina e violenta vasodilatação periférica.
O choque (periférico) neurogênico pode ser desencadeado por
fortes distúrbios emocionais, dor intensa, esforço excessivo ou em
decorrência de ação reflexa, v.g., nos traumatismos de coluna ou du­
rante anestesias raquidianas.
Alguns autores mencionam, ainda, o choque por embolismo do
líquido amniótico (Croce, 1998, p. 312). Trata-se de uma modalida­
de de choque obstrutivo que ocorre particularmente em recém-nasci­
dos por aspiração de líquido amniótico ou mecônio, levando a um
quadro de cor pulmonale agudo.

Nota: cor pulmonale é a hipertrofia e posterior falha do ventrículo direito em


decorrência de uma afecção pulmonar. Inicialmente instala-se a hipertrofia e de­

159
pois a incapacidade de eficiente resposta cardíaca em face de exercícios ou estí­
mulos. Os sintomas dependem do grau de comprometimento do músculo cardía­
co, mas incluem dispnéia, tosse, fadiga e grande produção de secreção pulmonar.

8. ENERGIAS DE ORDEM MISTA


Dentro do conceito de energias de ordem mista podemos agru­
par todas aquelas situações em que para a produção da lesão concor­
rem causas variadas. Genival França (1998, p. 114) apresenta a se­
guinte classificação para as energias de ordem mista:

fadiga

doenças parasitárias
Energias de ordem mista *

8.1. Fadiga
Por fadiga deve-se entender o conjunto de sintomas experimen­
tados pelo organismo submetido a um regime de trabalho ou esforço
que vai além de sua capacidade normal de resistência.
Pode ser aguda ou crônica. Na. fadiga aguda a vítima realiza
atividades físicas em excesso, de forma mais, ou menos contínua, até
exceder os limites orgânicos. Um bom exemplo é o do soldado grego
que, no ano de 490 a.C., correu do campo de batalha das planícies de
Maratona até a cidade de Atenas (uma distância superior a 35 km),
para anunciar a vitória dos gregos sobre os invasores persas, morren­
do logo após dar a auspiciosa notícia.
Na fadiga crônica não há propriamente excesso de atividade
em cada seção; o que ocorre é que a vítima não permite ao seu corpo
o tempo de repouso e recuperação necessários, minando a resistência
orgânica até a perturbação da homeostase (estabilidade do meio in­
terno do organismo). A fadiga crônica é também chamada de stress,
estresse ou estafa. '•
Os sintomas são variados e incluem desde taquicardia e palpita­
ções até depressão, insônia, impotência e diminuição dá capacidade
mental.

160
A etio lo g ia ju ríd ic a é g e ralm en te de o rd em acidental ou culposa.
Interessa mais ao ramo da in fo rtunística.

8.2. Doenças parasitárias


Sob o tópico de doenças parasitárias devemos distinguir inicial­
mente ectoparasitas e endoparasitas.
Os ectoparasitas são aqueles que vivem na superfície do corpo
do hospedeiro, incluindo as aberturas e cavidades naturais facilmen­
te acessíveis, como fossas nasais, ouvidos, boca, ânus, olhos etc. Como
exemplo de ectoparasitoses poderíamos citar apediculose, a escabiose
(sarna), as miíases (vulgarmente conhecidas por bicheiras), assim
como infestações por carrapatos, piolhos e pulgas. As ilustrações
mostram alguns dos ectoparasitos humanos mais comuns.

Sarcoptes scabiei Pulex irritans Pediculus humanus

Não raro, as ectoparasitoses, dependendo do grau de infestação,


podem levar o hospedeiro ao estresse, primeiro em razão da força
espoliativa dos parasitas e depois pelo desconforto que geralmente
lhe causam.
Os endoparasitas são aqueles que habitam órgãos ou sistemas
de órgãos, o interior dos tecidos ou cavidades situadas em planos
profundos.
Os endoparasitas dividem-se basicamente em dois grandes gru­
pos, os helmintos e os protozoários, e são responsáveis por afecções
como doença de Chagas, malária, leishmaniose, tripanossomíase,
esquistossomose, infestações por tênia, cisticercose e outras.

161
É comum que ectoparasitas funcionem como reservatórios na­
turais ou vetores de endoparasitas. Como exemplo, a pulga do rato
Çíenopsylla cheopis), transmissora da peste (Pasteurella pestis), ou
o mosquito {Aedes aegypti), transmissor da filariose (Wuchereria
bancrofti).
Os sintomas são muito variados e dependem de cada tipo de
parasitose considerada. Embora constituam um achado comum de
necropsia, as infestações parasitárias raramente apresentam interesse
jurídico, podendo ser objeto de análise no campo das doenças profis­
sionais.

8.3. Sevícias
As sevícias são analisadas dentro do capítulo destinado às ener­
gias de ordem mista em razão de que nelas, quase sempre, estão pre­
sentes várias modalidades de agressão.

síndrome da criança maltratada


Sevícias síndrome do ancião maltratado
tortura

8.3.1. Síndrome da criança maltratada


Termo criado em 1971, a síndrome da criança maltratada, tam­
bém denominada síndrome da criança espancada, síndrome de
Silverman, síndrome de Cajfey-Kempe ou battered child syndrome,
compreende um conjunto de lesões externas e internas apresentado
por crianças de tenra idade submetidas a espancamentos, prisão, quei­
maduras com pontas de cigarros e todá'a sorte de sevícias.
As lesões são, em regra, infligidas pelos próprios pais, naturais
ou não, e a síndrome, para ser diagnosticada, apresenta as seguintes
características: \
• atinge preferencialmente crianças na primeira infância, de até
4 anos de idade;
■ • as lesões são múltiplas e variadas, podendo comprometer vá­
rias regiões do corpo;
• observa-se a coexistência de lesões produzidas em épocas di­
versas, indicando a continuidade temporal das sevícias (importância
do espectro equimótico para diagnóstico);
• as principais formas são: o abuso nos meios de correção e
disciplina, traduzido por castigos corporais, privação de alimentos, e
o abuso emocional. Também são freqüentes lesões decorrentes do
abandono e do abuso sexual;
• os principais fatores de risco são: pobreza, ignorância, situações
de stress, presença de deficiências físicas ou mentais na criança, depen­
dência química, baixa idade dos genitores e alterações psicológicas.
Embora a etiologia seja sempre criminosa, é conveniente sub­
meter o agressor a avaliação psiquiátrica, pois pode estar presente
alteração psicoemocional grave.
Devem-se excluir outras síndromes, que também podem levar a
lesões na criança, como a síndrome de Munchausen por substituição,
a síndrome do bebê sacudido (shaken baby syndrome) e a síndrome
da morte súbita infantil (sudden infant death syndrome).
A síndrome de Munchausen é uma alteração psicológica em que
a pessoa procura simular conscientemente doenças e relatar sinto­
mas, que sabe inexistentes, com o único objetivo de chamar a aten­
ção. Há, entretanto, uma variante dessa síndrome, denominada
Munchausen por substituição, em que “uma criança é utilizada como
paciente passivo, geralmente por um dos genitores. O genitor falsifi­
ca a história médica da criança e pode causar-lhe danos com medica­
mentos ou adicionando sangue ou contaminantes bacterianos em
amostras de urina, orientando todo o seu esforço para simular uma
doença. A motivação subjacente a esse comportamento tão estranho
parece ser uma necessidade patológica de atenção e de manter uma
relação intensa com a criança” (apud Manual Merck— Distúrbios da
saúde m ental — Capítulo 82 — Distúrbios somatoformes —
www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/nam_sec7_82.htm).
A síndrome do bebê sacudido (shaken baby syndrome) descre­
ve uma série de sinais e sintomas que decorrem do ato de sacudir
vigorosamente a criança, segurando-a pelas extremidades ou pelos
ombros, causando, com isso, danos ao cérebro pelas forças de acele­
ração. Os fatores de risco são os mesmos observados na síndrome da

163
criança maltratada, acrescidos do choro renitente, que parece ser um
dos principais fatores desencadeantes da agressão.
A síndrome da morte súbita infantil (sudden infant death
syndrome), também conhecida como “morte do berço”, ocorre nos
primeiros 4 meses de vida e é caracterizada pela morte abrupta e
aparentemente sem causa. A etiologia ainda é discutida, existindo
várias teorias que procuram explicar as ocorrências, como anomalias
do sistema nervoso e imunológico e malformações congênitas. É cla­
ro que, nesse caso, não há que falar em maus-tratos.

8.3.2. Síndrome do ancião maltratado


Assim como na síndrome da criança maltratada, a síndrome do
ancião maltratado constitui mais uma faceta do aumento da violên­
cia familiar, sendo também observada com freqüência em hospitais e
asilos destinados ao abrigo de valetudinários.
Pela sua própria condição física, o idoso toma-se presa fácil de
toda sorte de sévícias por parte de seus agressores. Os maus-tratos
incluem desde o abandono até agressões físicas e psíquicas, como
admoestações verbais, ameaças e desprezo.
O diagnóstico deve ser cuidadoso, em razão da particular situa­
ção do idoso, não sendo raro dizer-se abandonado e maltratado quan­
do na verdade está recebendo toda a atenção de seus familiares.
Roberto Lyra explica que “a velhice avançada comporta, quase
que inevitavelmente, profundas alterações somáticas que repercutem
no estado psíquico. O velho aforismo ‘o homem tem a idade de suas
artérias’ é uma verdade que raramente admite exceções. Existe um
momento em que o indivíduo deixa de ser, mentalmente, o que sem­
pre foi, em que modifica o próprio torp afetivo, em que as faculdades
psíquicas enfraquecem e ele se toma, desarrazoadamente, desconfia­
do e sugestíonável, em que teme, sobretudo, a solidão, em que recor­
re às puerilidades e às pequenas mentiras, em que a memória de fixa­
ção empalidece, vendo furtos onde pão existe senão a sua amnésia,
descuido e ingratidão .onde só há as suas insuportáveis e egoísticas
exigências. Em determinada época da vida cada qual deixa de ser são
da mente, sem, todavia, tomar-se psiquicamente um doente” (Co­
mentários ao Código Penal, 1955, p. 353).

164
Dessa forma, o perito deverá procurar observar sinais de efetivo
abandono e de maus-tratos recorrentes para poder firmar, com segu­
rança, seu diagnóstico.

8.3.3. Tortura
O conceito moderno de tortura, para a maior parte dos países,
indica um envolvimento de natureza pública. Procura-se entender a
tortura como algo que, sistematicamente, é aplicado ou conduzido
por uma autoridade pública, e as diversas legislações de natureza penal
buscam traduzir essa peculiaridade.
A preocupação explica-se pelo absurdo número de relatos de
tortura em praticamente todo o mundo, ocorrido mesmo atualmente.
Entretanto, ainda que tal fato espelhe preocupação legítima com o
aumento da violência estatal, o conceito médico-legal não deve res­
tringir-se ao âmbito da tortura patrocinada pelos poderes públicos.
No Brasil, a Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997, definiu em seu
art. Ia o crime de tortura, apresentando conceito um pouco mais am­
plo, que fugiu da limitação do horizonte estatal. Apesar de mais
abrangente, a redação tem sido criticada severamente por constituir
tipo penal por demais aberto, uma vez que não indicou de maneira
clara o tipo de sofrimento físico ou mental constitutivo da tortura.

Lei n. 9.455/97
Art. P Constitui crime de tortura:
I — constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-
lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de ter­
ceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II — submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, cora emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena — reclusão, de dois a oito anos.
§ Ia Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de
segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não
previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§ 22Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-
las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

165
A capacidade de parte da humanidade em infligir dor e sofri-;
mento a outros semelhantes é quase tão antiga como sua própria his-;
tória, e a tortura é aplicada não apenas em nome da lei ou do Estado,
como também por motivos étnicos, religiosos, sociais ou simples-:
mente por puro prazer pessoal.
A perícia médica é difícil e os achados muito variados, pois
dependem do processo a que foi submetida a vítima.
Para os que sobrevivem, as seqüelas físicas e psíquicas são
inimagináveis e vão desde debilidades funcionais até a perda com­
pleta de função ou sentido.
Em nível psicológico temos a síndrome pós-tortura, caracteri­
zada por imagens recorrentes dos suplícios aplicados, desorientação,
irritabilidade, isolamento e, em muitos casos, tendências suicidas.
A etiologia jurídica da tortura é, na esmagadora maioria das
vezes, criminosa, não se podendo descartar eventuais casos de
autoflagelação. A ilustração mostra uma espécie de instrumento de
tortura vulgarmente conhecido como pau-de-arara ou cambau.

166
C a p ít u l o 5
BALÍSTICA FORENSE

1. CONCEITO
Balística forense é a disciplina que estuda basicamente as armas
de fogo, as munições, os fenômenos è os efeitos dos disparos dessas
annas, a fim de esclarecer questões de interesse judicial.
Eraldo Rabello conceitua a disciplina como “a parte do conhe­
cimento criminalístico e médico-legal que tem por objeto especial o
estudo das armas de fogo, da munição e dos fenômenos e efeitos
próprios dos tiros destas armas, no que tiverem de útil ao esclareci­
mento e à prova de questões de fato, no interesse da justiça tanto
penal como civil” (Balística forense, 1995, p. 19).
O estudo da balística é de maior interesse para a criminalística.
Entretanto, alguns conceitos serão necessários para que se possam
estudar as lesões decorrentes dos disparos das armas de fogo.

2. AS ARMAS DE FOGO
Armas de fogo são engenhos mecânicos destinados a lançar pro­
jéteis no espaço pela ação da força expansiva dos gases oriundos da
combustão da pólvora.
A principal característica das armas de fogo é a de aproveitar a
grande quantidade de gases oriundos da reação química de combus­
tão do propelente (pólvora), para obtenção de energia mecânica, con­
sistente no arremesso do projétil.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO


As armas de fogo podem ser classificadas segundo critérios va­
riados, na dependência da característica analisada. O quadro a seguir,

167
proposto por Eraldo Rabello (1995, p. 40), dá uma noção dos princi­
pais grupamentos considerados:

lisa
' quanto ao número f pares
quanto à alma de raias 1 ímpares
do cano raiada «
dextrogiras
quanto ao sentido
{sinistrogiras

de antecarga
quanto ao sistema de carregamento

extrínseca
{de retrocarga

quanto ao
Armas de fogo * percussão <
sistema de [ central [ direta
intrínsecaA , i .
inflamação I radial Iindireta
elétrica

de tiro unitário

quanto ao funcionamento < não automática


{ senü-automática

automática
fixas
Í semiportáteis
portáteis

3.1. Classificação das armas quanto à alma do cano


Para o escopo deste trabalho irá interessar, particularmente, a
classificação quanto à alma do cano.
As armas de porte individual, também conhecidas por armas
leves, dividem-se em dois grandes grupos: as com canos de alma lisa
(parte interna do cano da arma) e as com canos de alma raiada.
de alma lisa\
Armas de porte individual
de alma raiáda

As raias são sulcos ou escavações produzidas na parte interna


do cano (alma) por meio de fresas apropriadas, dando origem a um

168
determina^0 número de ressaltos e cavados, dispostos de forma heli-
coidal, cuja finalidade principal é imprimir ao projétil um movimen­
to de rotação ao redor de seu próprio eixo centro-longitudinal. A ilus­
tração mostra o raiamento no cano da arma e as correspondentes
marcas deixadas no projétil.

Raias dexfcrogiras Raias sinistrogiras

As armas com cano de alma raiada são aquelas que utilizam


cartuchos de munição com projéteis unitários e podem ser curtas (re­
vólveres, garruchas, pistolas etc.) ou longas (carabinas, fuzis etc.).
As armas com cano de alma lisa são as que utilizam cartuchos de
munição com projéteis múltiplos, geralmente usadas para caça (es­
pingardas) ou tiro esportivo.

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O REVÓLVER


O revólver pode ser definido como uma arma curta, de repeti­
ção, não automática, composta de armação, tambor, cano (sem câma­
ra de combustão) e mecanismo. O comprimento do cano, o número
de raias, a direção do raiamento, o tamanho da armação, a capacida­
de do tambor e o tipo de mecanismo variam de arma para arma e são
particularidades que servem para a identificação genérica.
A característica básica do revólver é a de apresentar um único
cano para várias câmaras de combustão. Seu disparo ocorre quando o
cão é liberado pela pressão na tecla do gatilho e, impulsionado por
uma mola, denominada mola real, faz com que o percussor atinja a
base do cartucho de munição.

169
Para a realização de um segundo disparo, o atirador deve presl
sionar novamente a tecla do gatilho. Essa pressão terá dois efeitos!
concomitantes, ou seja, o de rotacionar o tambor para alinhar com cf
cano outra câmara de combustão (com novo cartucho) e, ao mesmo4
tempo, afastar o cão para um novo tiro.

Tam bor
Alça de mira .

< - ■— ■Orelha do cão

Chave do tambor

Corpo da arma
Haste do extrator

Suporte do tambor Cabo

Gatilho
Guarda-m ato

Os revólveres podem funcionar em ação simples ou dupla. Na


ação simples o atirador recua o cão até sua posição posterior (engatilha
a arma), e a pressão no gatilho apenas libera o cão, que irá produzir o
disparo. Na ação dupla o cão é levado até a posição posterior pela
pressão do atirador no gatilho (que também serve para rotacionar o
tambor), quando é liberado para produzir o disparo.

5. ALGUM AS CO NSIDERAÇÕES SOBRE AS PISTO LA S


SEMI-AUTOMÁTICAS
\

Vimos que toda vez que ocorre um disparo os gases decorrentes


da explosão da pólvora destacam o projétil de seu encaixe no estojo e
o impulsionam com grande potência através do cano, Da mesma
maneira, esses gases empurram para trás o estojo com tal violência
que as irregularidades da culatra nele ficam impressas (e poderão
servir para eventual identificação da arma).

170
No revólver essa força é perdida, uma vez que a culatra é fixa e
serve apenas para impedir que o estojo saia pela parte de trás, atin­
gindo o atirador.
Para aproveitar essa considerável energia, surgiram as armas de
repetição semi-automâticas, que utilizara a força dos gases (exercida
sobre o estojo) para realimentação, e as armas de repetição automá­
ticas, que utilizam a força expansiva dos gases para realimentação e
deflagração de novos disparos.
As pistolas semi-automáticas, portanto, podem ser definidas
com o armas que aproveitam a força expansiva dos gases para sua
alimentação, dependendo, entretanto, cada disparo, do acionamento
do gatilho pelo atirador.
Da mesma maneira que os revólveres, as características gerais,
com o número de raias, direção do raiamento, tamanho da armação,
capacidade do pente e tipo de mecanismo, variam de arma para
arma e são particularidades que servem para a sua identificação
genérica.

Massa de mira
Ferrolho Alça de mira

Cão

Registro de
segurança

Cabo

Pente

171
6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRÉ AS ARMAS LONGAS;
Armas longas são aquelas que, em razão do comprimento d o ;
cano e da coronha, possuem grande dimensão longitudinal, exigindo
para seu uso o apoio do ombro e ambas as mãos do atirador.
Dentre as armas longas e portáteis, distinguem-se a espingarda
e a escopeta, a carabina, o rifle, o fuzil e o mosquetão.

espingarda e escopeta
carabina
Principais armas longas portáteis < rifle
fuzil
mosquetão

6.1. Espingarda e escopeta


O termo espingarda deriva do francês espingarde e serve para
designar qualquer arma de fogo longa, com cano de alma lisa. As
espingardas podem ser dotadas de um ou dois canos, paralelos ou
colocados um sobre o outro. Quanto ao sistema de alimentação, po­
dem ser ou não de repetição (pump action ou semi-automáticas). O
termo escopeta é usado para designar as armas de alma lisa de cano
curto e grosso calibre, reservando-se a denominação espingarda para
as de cano longo e calibres menores.

6.2. Carabina
De origem italiana, o termo carabina designa armas de fogo
portáteis, de repetição, cano longo e alma raiada. O cano das carabi-
nas mede entre 18” e 20” (de 45 cm a 51 cm), e é exatamente pelo
comprimento, menor, que diferem do(s rifles, que têm canos maiores.
A alimentação e o carregamentp das carabinas são feitos geral­
mente pelo sistema de bomba (pump action) ou de alavanca (lever
action). ’■

6.3. Rifle ■■
Os rifles são armas de fogo longas, portáteis, de carregamento
manual (não automáticos) ou de repetição, cano longo e alma raiada.
gua diferença em relação às carabinas reside exatamente no compri­
mento maior do cano, que atinge 24” (61 cm). Possuem um ou dois
canos, e o sistema de carregamento pode ser por ferrolho, alavanca,
bom ba ou semi-automático.

6.4. Fuzil
Fuzil é uma arma de fogo longa, portátil, automática, com alma
raiada, calibre potente e que normalmente tem uso militar, podendo
ser utilizado para caça de grande porte. É uma arma automática, que
apresenta uma cadência de tiros entre 650 a 750 disparos por minuto.

6.5. Mosquetão
Da mesma forma que o fuzil, o mosquetão é uma arma de fogo
longa, portátil, de repetição, com alma raiada. O carregamento é
manual, pelo sistema de ferrolho, que é recuado manualmente pelo
atirador.

7. CALIBRE DAS ARMAS DE FOGO


Quando se fabrica o cano de uma arma de fogo inicialmente se
produz uma perfuração que é alargada até um determinado diâmetro,
característico de cada arma. Nas de alma raiada, após a perfuração é
feito ainda o raiamento, ao longo do cano, formando, então, os
ressaltos e cavados.
Calibre de uma arma nada mais é que a medida utilizada para
indicar o diâmetro interno de seu cano e a munição correspondente.
Existe um calibre nominal, que é o valor empregado comercial­
mente para caracterizar a arma e sua munição, e um calibre real, que
corresponde à medida efetiva do diâmetro interno do cano ou ao diâ­
metro efetivo do projétil, e que pode, ou não, coincidir com o calibre
nominal.

Calibre -! rea^— medida efetiva do cano


[ nominal — valor utilizado comercialmente para indicar o calibre

Ao se falar em calibre, portanto, é preciso identificar três cate­


gorias distintas:

173
de alma lisa
das armas
de alma raiada

Calibre
, ... f para armas de afma lisa
dos projeteis i , , . ,
r J I para armas de alma raiada

, _ f para armas de alma lisa


dos cartuchos de mumçao ,
^ para armas de alma raiada

7.1. Calibre das armas de alma raiada, de seus cartuchos de


munição e projéteis
O calibre nominal das armas de alma raiada coincide com seu
calibre real, é dado pelo diâmetro interno do cano antes da execução
do raiamento (diâmetro entre cheios) e pode, na dependência do sis­
tema adotado, ser indicado em centésimos de polegada (sistema nor­
te-americano), milésimos de polegada (sistema inglês) ou em milí­
metros (sistema métrico).

Sistema americano Sistema inglês Sistema métrico

22 (.22”) 220 (.220”) 5,6 mm


25 (.25”) 250 (.250”) 6,35 mm
30 (.30”) 300 (.300”) 7,62 mm*
32 (.32”) 320 (.320”) 7,65 mm
38 (.38”) 380 (.380”) 8,9 mm
41 (.41”) 410 (.410”) 10,1 mm
44 (.44”) 440 (.440”) 10,8 mm
45 (.45”) 450 (.450”) 11,25 mm

*Nota: o calibre 7,62 mm corresponde ao calibre 7 mm nas armas longas.

O diâmetro ou calibre efetivo do projétil, nas armas em que o


número de raias é par, corresponde ao espaço entre dois cavados, e,
naquelas em que é ímpar, à distância entre um cheio e o ressalto
diametralmente oposto. Logo, o calibre efetivo do projétil é, portan­
to, sempre um pouco maior que o calibre real ou nominal da arma

174
considerada. Isso ocorre para que não exista perda de pressão quando
o projétil é impulsionado através do cano pelos gases em expansão.
Essa característica faz com que a marca do raiamento fique impressa
nos projéteis (e sirva, posteriormente, para identificação da arma).

real ou nominal da arma — distância entre cheios

distância entre um cheio e um cavado


Calibre
(número ímpar de raias)
das armas raiadas real do projétil
distância entre dois cavados (número par de
raias)

Embora o calibre real das armas de alma raiada seja ligeiramente


menor que o calibre (ou diâmetro) do projétil, costuma-se indicar os
cartuchos de munição pelo calibre nominal da arma e não do projétil.

7.2. Calibre das armas de alma lisa, sua munição eprojéteis


O calibre das armas de alma lisa, ou de caça, não é expresso
pelo diâmetro interno do cano, mas sim pelo número de esferas de
chumbo puro, de diâmetro igual ao do cano em referência, necessá­
rio para atingir uma libra de peso (454 g).
Isso não significa que os projéteis por ela disparados terão o diâme­
tro do cano. Ao contrário, são geralmente bem menores. O que a medida
indica é apenas uma convenção, ou seja, tomam-se esferas de chumbo
imaginárias, de diâmetro igual ao cano da arma, e contam-se quantas
esferas serão necessárias para compor uma libra de peso, O número en­
contrado indicará o calibre nominal da arma (na ilustração, o calibre 12).

175
Existem algumas exceções, como, por exemplo, o calibre 410,
que corresponde a uma indicação do diâmetro interno do cano (0,410
de polegada) e eqüivale ao calibre 36. O quadro a seguir dá uma idéia
da relação entre o calibre nominal e o calibre real (diâmetro interno
do cano) das armas longas de alma lisa:

Calibre n o m in a l Calibre real


12 18,50 mm
16 17,00 mm
20 15,70 mm
24 14,80 mm
28 14,00 ram
32 12,80 mm
36 (.410) 10,40 mm

Examinando a tabela acima verifica-se que o calibre nominal


das armas longas de alma lisa varia de modo inversamente propor­
cional ao seu calibre real, ou seja, quanto menor for o número que
indica o calibre nominal ( 12), maior será na verdade o diâmetro in­
terno do cano ou calibre real (18,50 mm).
O número de esferas de chumbo (projéteis múltiplos) que cada
cartucho pode comportar irá depender do diâmetro das esferas: É
intuitivo, porém, que os maiores cartuchos podem abrigar um núme­
ro maior de projéteis múltiplos.

Resumindo, temos:

real da arma — diâmetro interno do cano


nominal da arma — número de esferas de chumbo, de diâ­
metro igual ao diâmetro interno do cano, necessárias para
Calibre das armas compor uma libra
de alma Usa nominal do cartucho — o mesmo calibre nominal da arma
nominal do projétil— números ou letras convencionados pela
indústria
real do projétil — diâmetro real do chumbo utilizado

176
8. MUNIÇÃO
Pelo vocábulo munição podemos designar projéteis, pólvoras e
demais artefatos explosivos com que se carregam armas de fogo.

8.1. Partes do cartucho de munição


Qualquer que seja o cartucho considerado, será composto de
estojo, espoleta com mistura iniciadora, pólvora, projétil e, para os
cartuchos dotados de projéteis múltiplos, destinados às armas de alma
lisa, também o embuchamento.

estojo
espoleta
Cartucho de munição pólvora
projétil
embuchamento - ■armas de alma lisa

A figura mostra as principais partes dos cartuchos de munição


para armas de cano com alma raiada (projéteis unitários, em regra) e
para aquelas de cano com alma lisa (projéteis múltiplos, em regra).

Fechamento

Projéteis (balins)
Tubo (plástico ou papelão)

Bucha
Pólvora (propelente)
Propelente Estojo de metal
Iniciador Base

Espoleta Espoleta

9. FERIM ENTOS PRODUZIDOS PO R PROJÉTEIS DE ARMA


DE FOGO
O projétil de arma de fogo é um agente mecânico perfu-
rocontundente, que determina uma lesão de natureza perfurocontusa.

177
O estuda das lesões produzidas pela ação de projéteis de arma
de fogo, sejam eles unitários ou múltiplos, apresenta relevância espe­
cial, primeiro porque constituem número expressivo de ocorrências,
em grande núm ero de etiologia crim inosa. Além disso, pela
multiplicidade de facetas e características, geralmente fornecem ele­
mentos preciosos à investigação, determinação da causa jurídica do
evento ou ainda da possível autoria.
Na análise dos ferimentos produzidos por projéteis de arma de
fogo, quatro são os pontos que devem merecer atenção do perito:
a) determinação e descrição dos ferimentos de entrada e saída;
b) a trajetória do projétil no interior do corpo, bem como a des­
crição das lesões internas;
c) a orientação do disparo em relação à posição do corpo; e
d) a distância provável do disparo.

9.1. Ferimentos de entrada


As características dos ferimentos de entrada produzidos por pro­
jéteis de arma de fogo dependem, basicamente, de três fatores princi­
pais, quais sejam: tipo de munição empregada (projétil unitário ou
projéteis múltiplos), ângulo de incidência e distância de tiro.

. . . _ . [projétil urnco
do tipo de mumçao empregada -< ... . ,
As características Iprojéteis múltiplos
do ferimento de
entrada dependem do ângulo de incidência
da distância em que foi efetuado o disparo

9.2. Ferimentos de saída


Os ferimentos de saída somente existem, por óbvio, se o projétil
transfixar o corpo. Não têm. grande importância, salvo na determina­
ção da trajetória, porque não possuem características próprias.
Como regra geral, o.ferimento de saída é irregular, maior que o
de entrada, até porque o projétil freqüentemente se deforma em sua
passagem pelos tecidos orgânicos, e tem as bordas voltadas para fora.
Alguns projéteis especiais, de alta energia, com velocidades
superiores a 750 m/s, em razão das ondas de choque produzidas pelo
seu deslocamento, costumam produzir ferimentos de saída de gran­
des proporções. A foto mostra o ferimento de saída produzido por
munição Magnum .357.

9.3. Ferimentos produzidos por projéteis múltiplos (balins)


Nos disparos efetuados com cartuchos de munição de projéteis
múltiplos (armas de alma lisa), o aspecto da lesão depende, basica­
mente, da distância em que foram realizados e da conseqüente aber­
tura do cone de dispersão.
Em tiros muito próximos ou encostados, os projéteis múltiplos
causam grande destruição tecidual, muitas vezes acompanhada de
significativa perda de substância (foto).
Nos disparos efetuados a distância, o que observamos é a exis­
tência de lesões múltiplas, como se produzidas por vários disparos
unitários, distribuídas ao redor de um ponto central, e que se afastam
mais uma da outra quanto maior for a distância entre o atirador e o
alvo.
O ângulo de tiro irá determinar o formato da lesão única (se o
tiro for à curta distância) ou do desenho formado pela distribuição
das múltiplas lesões, (nos tiros à distância), que poderá ser circular,
nos disparos perpendiculares ao alvo, e elíptico ou cônico, quando a
carga de projéteis incidir de maneira oblíqua sobre o alvo.

9.4. Ferimentos produzidos p o r projéteis unitários


A lesão de entrada produzida por projétil de arma de fogo é
geralmente circular ou elíptica, na dependência do ângulo de inci­
dência e das linhas de tensão que atuam sobre a pele (ver Leis de
Filhós e Langer). Excepcionalmente, podem ter formato diverso,
atípico, quando o projétil atinge algum alvo intermediário antes de
incidir sobre o corpo da vítima. Nesses casos ou o projétil se deforma
ou perde sua trajetória axial, para penetrar no corpo com sua face
lateral, cilíndrica, determinando, assim, um ferimento de entrada com
formato de letra “D”.
A lesão também terá conformação atípica quando o projétil atin­
gir tangencialmente a pele, “de raspão”, hipótese em que o ferimento
irá apresentar-se como uma escoriação de formato alongado. Nesse
caso, é claro, não se pode falar em ferimento de entrada, pois o projé­
til não penetrou o corpo;'
- Apesar de haver certa correspondência de forma entre a seção
do projétil e o ferimento, não é possível determinar o calibre da arma

180
pelo diâmetro da lesão, visto que, em razão da elasticidade da pele e
das linhas de tensão, o orifício de entrada pode ser menor, maior ou
igual ao diâmetro do projétil que lhe deu origem.
O ferimento de entrada tem geralmente bordos invertidos,
invaginados, voltados para o interior do corpo, característica contrá­
ria à dos ferimentos de saída, que possuem as bordas evertidas, le­
vantadas, indicando claramente o sentido de sua trajetória.
Como exceção, temos a câmara de Hoffmann ou câmara de
mina, observada nos tiros encostados em regiões que recobrem tá­
buas ósseas, em que o ferimento de entrada tem os bordos evertidos,
voltados para fora. Falaremos dessa espécie de ferimento mais
detalhadamente à frente.
Além do aspecto morfológico, ao redor dos ferimentos de en­
trada produzidos por projéteis de arma de fogo, podemos observar
algumas espécies de orlas (ou halos) e zonas, fenômenos que se apre­
sentam de fundamental importância tanto para a caracterização da
natureza do ferimento como para a determinação da distância em que
foi realizado o disparo.
As orlas (ou halos) são regiões circunscritas, regulares, que cir­
cundam o ferimento como pequenas auréolas, dando-lhe característi­
cas especiais que permitem diferenciar as lesões produzidas por pro­
jétil de outras determinadas por instrumentos diversos.
As zonas compreendem áreas maiores, irregulares, que podem
ou não estar presentes e que terão importância fundamental na deter­
minação da distância do disparo.

escoriação-
orlas ou halos contusão
enxugo
Ferimento de entrada de projétil
esfumaçamento
zonas chamuscamento
tatuagem

9.5. Orlas ou halos de contusão, enxugo e escoriação


A pele é constituída por duas camadas distintas, a epiderme e a
derme. A primeira é mais fina e menos elástica, rompendo-se de ime-

181
diato pelo embate do projétil. A segunda, a derme, mais elástica, acom­
panha o projétil encapsulando-o parcialmente antes de se romper
para depois voltar à posição original.

A primeira orla produzida é a de contusão, que corresponde a


uma pequena região equimótica decorrente da lesão ocasionada pelo
embate do projétil na rede de capilares da pele. Trata-se de um halo
róseo que circunda o orifício de entrada, e que é mais evidente nas
pessoas de pele clara, sendo difícil de observar em peles de tonalida­
de mais escura.

Orla de contusão

Ponto de impacto do projétil

Como a epiderme é menos elástica que a derme, após a passagem


do projétil é possível observar uma pequena retração com conseqüente
exposição da derme, como se tivéssemos dois anéis concêntricos, um,
de diâmetro maior, formado pela ruptura da epiderme, e um outro, de
diâmetro menor, formado pela exposição da derme. A esse anel (de
exposição da derme) denominamos orla ou halo de escoriação.

Orla de escoriação — derme


Ferimento .de entrada
Limite da lesão na epiderme
Oria de contusão

182

aoa
l!«'
!P"
A maior parte dos autores costuma agrupar as orlas de contu­
são e de escoriação como se formassem uma única, apresentando,
também, como sinônimos os termos orla erosiva (Piedelièvre e
Desoille), orla desepitelizada {França) e anel de Fisch (Croce, 1998,
p. 231). ;i.j ’■

Na verdade, a orla de escoriação corresponde à diminuta expo­


sição da derme sobre a lesão causada na epiderme, em razão da dife­
rença de elasticidade entre as camadas. A orla de contusão, por outro
lado, indica uma área maior, que circunda o ferimento, e é formada
pelo halo hiperêmico decorrente da lesão dos capilares da área atin­
gida pelo embate do projétil.
Oría de escoriação
Epiderme

Orla de contusão

Finalmente, ao atravessar a derme, o projétil literalmente se en­


xuga. Limpa-se das sujidades e impurezas trazidas do cano da arma,
restos de pólvora e fuligem depositados em sua superfície, deixando
na derme um anel enegrecido a que se convencionou chamar de orla
de enxugo e que normalmente impede que observemos a orla de es­
coriação, que fica parcialmente sobreposta a ela.

Orla de enxugo
Orla de escoriação — derme

Ferimento de entrada

Limite da lesão na epiderme

Orla de contusão

183
Essas três orlas estão presentes na quase-totalidade dos
ferimentos de entrada produzidos por projéteis de arma de fogo, in­
dependente da distância em que o disparo foi efetuado. É claro que,
se for à curta distância, as zonãs de chamuscamento, esfumaçamento
e tatuagem, que estudaremos a seguir, certamente irão impedir a
visualização das orlas, o que não significa sua ausência.
Os halos de escoriação e contusão não são exclusivos dos
ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, podendo ser
observados em lesões determ inadas por outros instrum entos
perfurocontusos. A orla de enxugo de coloração enegrecida é mais
característica e, com segurança, indica ferimento de entrada de pro­
jétil de arma de fogo.
As fotos a seguir mostram o aspecto de ferimentos de entrada
produzidos por projéteis unitários de arma de fogo, decorrentes de
disparos efetuados à distância.

9.6. Zonas de chamuscamento, esfumaçamento e tatuagem


Quando uma arma é disparada, juntamente com o projétil são expe­
lidos pela boca do cano um considerável volume de gases em alta tempe­
ratura e em combustão, certa quantidade de fumaça (que varia de acordo
com o propelente utilizado) e pequenos grãos de pólvora (combustos,
semicombustos ou em combustão), assim como mieropartículas metáli­
cas oriundas da abrasão do projétil no cano da arma.

184 “
Esses componentes são impelidos juntamente com o projétil,
mas, como têm massa infinitamente menor, não possuem energia
cinética para ir além de uns poucos centímetros da boca do cano da
arma, podendo não atingir o alvo, na dependência da distância, da
arma, tipo e idade da munição utilizada.
Se o disparo for efetuado muito próximo do alvo, algo em tomo
de 5 cm, poderemos ter a zona de chamuscamento, que nada mais é
que uma região onde a pele é literalmente queimada pela chama que
sai pela boca do cano da arma.

Para uma distância maior, de até 30 cm, a fumaça decorrente do


disparo poderá atingir o alvo e depositar-se ao redor do ferimento de
entrada, produzindo a chamada zona de esjumaçamento.

185
Finalmente, e exatamente porque têm massa maior que as partí­
culas de fuligem, restam os grãos de pólvora e as partículas metálicas
decorrentes da abrasao do projétil no cano da arma, que incidem so­
bre o alvo como verdadeiros projéteis secundários, por vezes incrus­
tando-se na pele de tal maneira que formam verdadeiras tatuagens
(zona de tatuagem).

A zona de tatuagem pode


ser encontrada em disparos rea­
lizados até 50 cm do alvo. Aci­
ma dessa distância costumamos
observar apenas as orlãs de con­
tusão, escoriação e enxugo. Em
disparos muito próximos,' não há
dispersão suficiente dos grãos de
pólvora que acabam por acom­
panhar o projétil para o interior
da lesão, ou depositam-se tão próximos ao ferimento de entrada que não
chegam a constituir uma zona de tatuagem.

A zona de esfumaçamento pode ser removida com água, ao pas­


so que as demais não. Mesmo lavada a região, permanecem e podem
ser observadas pelo perito.

-------------- 187
9.7. Disparos encostados
Nos disparos encostados temos de diferenciar duas situações
distintas: os disparos que atingem unicamente tecidos moles e os que
incidem sobre partes do corpo que recobrem ossos planos, como, por
exemplo, os do crânio.
Quando o disparo encostado atinge unicamente tecidos moles,
além do projétil, todos os demais elementos penetram no ferimento,
causando um a lesão interna de grande m onta. As zonas de
chamuscamento, esfumaçamento e tatuagem ficam todas no interior
do corpo, mas o orifício de entrada permanece com sua configuração
circular ou elíptica.
Por vezes, na dependência da força com que a arma foi pressio­
nada sobre a região atingida, é possível evidenciar a marca do cano
sobre apele (foto). Esses ferimentos são freqüentemente observados
em suicídios.

Quando, logo abaixo da região atingida, existe uma tábua óssea,


o projétil pode (ou não) conseguir perfurá-la, mas os gases e as
micropctrtículas certamente não. Nesses casos há um descolamento
dos tecidos e uma verdadeira explosão, no sentido inverso (de dentro
para fora), pelo refluxo dos gases, formando um ferimento de confor­
mação estrelada e de bordos evertidos (para fora), denominado câ­
mara de mina ou câmara de Hoffmann,

188
9.8. D isparos em ossos
Nos ossos longos os disparos freqüentemente produzem fratu­
ras, podendo as esquírolas ósseas constituir verdadeiros projéteis se­
cundários. Dessa forma, é possível, inclusive, que exista mais de um
ferimento de saída. Nos ossos planos ou chatos, como no crânio, é
facilmente diferenciável o ferimento de entrada (A) ào ferimento de
saída (B) em razão do cone de dispersão formado pelos fragmentos
ósseos (sinal do funil de Bonnet).

9.9. Determinação da distância de disparo


Com base nas orlas e zonas descritas, muitas vezes é possível ao
perito determinar, aproximadamente, a distância em que foi dispara-

189
da a arma em relação ao alvo. A questão tem particular relevância
nos casos em que se discute, por exemplo, se a própria vítima poderia '
ter feito uso da arma (suicídio) ou não (homicídio). '/>-
Para que o perito possa manifestar-se com um certo grau dc
precisão, irá necessitar da arma e da munição utilizada. Munido des­
se material, deverá efetuar disparos experimentais no estande de tiro
e comparar os resultados obtidos com as zonas deixadas no corpo ou
vestes da vítima.
Os resultados procuram comparar distâncias não superiores a
50 cm. Acima desse patamar o disparo é sempre dito à distância, não
se podendo diferenciar um efetuado a 1 m de outro realizado a 10 m
ou mais.
O quadro a seguir dá uma noção das distâncias em que é possí­
vel observar cada uma das orlas e zonas.

Orlas Zonas
Distância
Chtunusca- Es&uoaça- Tatuagem
Contusão Escoriação Enxugo
mento mento
A té 5 cm X X X X X
De 5 a 10 cm X X X X X
De 10 a 30 cm X X X X X
Até 50 cm X X X X
+ de 50 cm X X X

É claro que cada caso deve ser considerado separadamente, já


que existem inúmeras variações decorrentes do tipo de arma e muni­
ção empregado. Além disso, devemos atentar também para a existên­
cia de vestuário recobrindo a região atingida. Não raro, a pele acaba
por receber apenas o projétil, ficando tòdos os demais vestígios reti­
dos nas tramas do tecido. \
Lamentavelmente nem sempre as roupas são recolhidas e
guardadas de maneira correta, o que leva a inexorável prejuízo
para a justiça. A esperada resposta, para a caracterização segura
de um suicídio ou homicídio, deixa de ser obtida simplesmente
por desídia de quem deveria ter preservado as vestes do morto e
não o fez.

190
Nos disparos decorrentes de projéteis múltiplos de arma de fogo,
com o vimos, a distância pode ser determinada de acordo com a aber­
tura do cone de dispersão. Também, e principalmente nesse caso, o
perito somente poderá opinar se tiver em mãos a arma utilizada para
a realização de disparos experimentais e de comparação.
Sem a arma para análise, o máximo que o perito poderá infor­
mar é que se trata de disparo realizado encostado, à curta ou longa
distância, nada mais que isso.
C apítulo 6
SEXOLOGIA FORENSE
A sexologia forense é o ramo da medicina legal que se dedica
ao estudo dos fenômenos relacionados com a reprodução humana,
desde a concepção até o puerpério.
Segundo Bonnet (1993, p. 1007), a sexologia é a disciplina
científica que estuda as questões relacionadas com o sexo em seus
aspectos médicos, jurídicos, filosóficos e sociológicos. Para o mes­
mo autor, a sexologia médico-legal ou forense nada mais é que o
ramo da medicina legal que estuda a solução dos problemas jurídi­
cos que o sexo pode suscitar

1. CONCEITO DE SEXO
Na verdade não podemos mais falar em sexo ou sexos sem ter em
mente um conceito integrado com vários fatores parciais. O sexo, pois,
deve ser analisado em seus diversos aspectos, segundo o quadro abaixo:

endócrino
f
Sexo - propriamente dito
moifológíco <
dinâmico ou copulãtivo

psicológico
jurídico

2. SEXO GENÉTICO
O ser humano possui 46 cromossomos, divididos em 22 pares
autos sômicos e um sexual, que determinam as seguintes fórmulas
genéticas:
Homem 44A + X Y
Mulher 44A + XX

Cada gameta, portanto, carreará a metade da carga genética,


apresentando as fórmulas abaixo, que determinam o chamado sexo
cromossômico:

Óvulos 22A + X
22A + X
Espermatozóides
22A +Y

A ilustração a seguir mostra o cariótipo masculino normal:

1 2 3 4 5 8 7 8

9 10 t1 12 13 14 15 16

ff U !}f! ^ k as | s
17 13 13 20 21 72 X Y

Além do sexo cromossômico, temos o sexo cromatínico ou sexo


nuclear. Os núcleos das células dos indivíduos cromossomicamente
femininos são dotados de um corpúsculo cromatínico, descrito pela
primeira vez pelo pesquisador inglês Murrey Barr em 1949 e por isso
denominado corpúsculo de Barr. Posteriormente comprovou-se que
esses corpúsculos nada mais eram que um dos cromossomos X, que,
na interfase, se espiralava e ficava inativo.
Dentre as principais alterações genéticas ligadas ao sexo
(aneuploidias sexuais) temos a síndrome de Tumer, a síndrome de
Klinefelter e a polissomia dos cromossomos sexuais.

193
2.1. Síndrome de Tumer
Atinge as pessoas do sexo fe m in i n o , embora os afetados não
possuam cromatina sexual. É caracterizada pela presença de 45
cromossomos, sendo <jue, do par dos cromossomos sexuais, há ape ­
nas um X (44A + X). E uma anomalia rara, atingindo uma a cáda três
mil mulheres normais. ;5
São mulheres geralmente estéreis, de ovários atrofiados, baixai
estatura e que não desenvolvem os caracteres sexuais secundários!
por deficiência de estrógenos, Não costumam apresentar desvios de-
personalidade.

2.2. Síndrome de Klinefelter


Ocorre em indivíduos do sexo masculino que apresentam um
dos seguintes cariótipos: XXY (44A + XXY — ilustração), XXYY
(44A + XXYY), XXXY (44A + XXXY), XXXYY (44A + XXXYY)
ou XXXXY (44A + XXXXY). A frçqüência é de um para quinhen­
tos nascidos do sexo masculino.
Fisicamente, são homens de estatura elevada, com mamas
hipertrofiadas (ginecomastia) e voz fina. O pênis é pouco desenvol­
vido e, muito embora consigam ter ereção e ejaculação, são normal­
mente estéreis por não produzir espermatozóides.
Além dessas alterações de caráter sexual, apresentam uma dis­
creta diminuição da capacidade mental.
2.3. Polissomia dos cromossomos sexuais
Dentro do capítulo da polissomia dos cromossomos sexuais,
temos as mulheres triplo, tetra e pentaX, caracterizadas por fenótipo
normal, mas com graus crescentes de retardamento mental (44A +
XX + nX).
Também nessa categoria vamos encontrar os homens duplo Y
(44A + XYY), conhecidos como “supermachos”, que aparecem
na freqüência de um por mil nascimentos. Fenotipicamente não
há alterações perceptíveis, salvo uma estatura pouco mais elevada
que a normal. Há estudos que buscam ligar comportamentos vio­
lentos a esse tipo de cariótipo, a tal ponto que alguns autores che­
garam a denominá-lo “síndrome da criminalidade”. Tal fato, en­
tretanto, não é aceito pacificamente pela comunidade científica
internacional.

2.3.1. Aneuploidias autossômicas


Outras alterações, como a síndrome de Down, síndrome de
Edwards e a síndrome de Patau, embora de origem genética, não
apresentam ligação com os cromossomos sexuais, atingindo os pares
autossômicos. São sempre trissomias, atingindo os pares 21,18 e 13,
respectivamente.

195
2.4. Síndrome de Down
A síndrome de Down ou trissomia do cromossomo 21 é, sem
dúvida, o distúrbio autossômico mais comum e a mais freqüente for­
ma de deficiência mental congênita, ocorrendo na proporção de unj
para cada setecentos nascimentos normais. O portador da síndrome
de Down possui 47 cromossomos, sendo o cromossomo extra ligado
ao par 21 (44A + XX + 21 ou 44A + XY + 21).

1 2 3 4 5 6 7 B

9 tO 11 12 13 14 15 16

w -| —t ~
22 X y

Além da deficiência mental moderada, os afetados têm baixa


estatura e braquicefalia (crânio pouco alongado), com o occipital acha­
tado. O pavilhão das orelhas é pequeno e dismórflco. A face é achata­
da e arredondada, os olhos mostram fendas palpebrais e exibem man­
chas de Brushfield ao redor da margem da íris. A boca é aberta, mui­
tas vezes mostrando a língua sulcada e saliente.
As mãos são curtas e largas, freqüentemente com uma única
prega palmar transversa (“prega simiesca”).

2.5. Síndrome de Edwards


: \
A Síndrome de Edwards ou trissomia do cromossomo 18 (44A
+ XX + 18 ou 44A + XY + 18), com freqüência de um para oito mil
nascimentos, tem como manifestações retardamento mental, atraso
do crescimento e, às vezes, malformações cardíacas graves.

196
O afetado apresenta microcefalia, com a região occipital ex­
trem am ente alongada. O pavilhão d as orelhas é dismórfico e d e im­
plantação baixa. A boca é pequena. O pescoço é curto. Estão pre­
sentes deficiências visuais severas. Há uma grande distância entre
os mamilos (intermamilar). Os genitais externos são anômalos. O
dedo indicador é maior do que os outros e flexionado sobre o dedo
médio. Os pés têm as plantas arqueadas. As unhas costumam se r
incompletas (hipoplásticas). A idade materna avançada tem sido
um dos fatores apontados como causa determinante da ocorrência
da síndrome.

1 2 3 4 5 6 7 8

9 10 11 12 15 14 15 16

« h w | a -
17 \ 18 / 19 20 21 22 X Y

2.6. Síndrome de Patau


A síndrome de Patau ou trissomia do cromossomo 13 (44A
+ XX + 13 ou 44A + XY + 13) é clinicam ente grave e letal em
quase todos os casos, com sobrevida de, no máximo, 6 meses
de idade.
O fenótipo inclui malformações severas do sistema nervoso
central. Um retardamento mental acentuado está presente. Em ge­
ral há defeitos cardíacos congênitos e urogenitais. Com freqüência
encontram-se fendas labial e palatina, anormalidades oculares,
polidactilia (ver item 3.10 do Capítulo 3), punhos cerrados e plan­
tas arqueadas.

197
3. SEXO ENDÓCRINO
O sexo endócrino 6 determinado basicamente pelas gônadas ou
glândulas reprodutoras e por outras glândulas, como a tireóide e a
hipófise, que, em menor grau, também interferem nos fenômenos
orgânicos relacionados com o sexo.
O sexo gonádico aparece logo no início da vida intra-uterina, ao
redor dos 40 a 45 dias, em decorrência da transformação masculina
ou feminina determinada pelo sexo cromossômico sobre a gônada
inicial indiferenciada (Bonnet, 1993, p. 1011).
Antes da determinação do sexo gonádico, o embrião é sempre
morfologicamente feminino, e o processo de masculinização depen­
de da produção hormonal do testículo ainda na fase fetal.
O quadro a seguir mostra a constituição hormonal básica de
cada sexo (apud Bonnet, 1993, p. 1012).

Glândulas Sexos
M asculino Feminino
Estrógeno
Ovários ... — Progesterona
Andrógenos urinários
Testículo Tèstosterona —
17 Cetosteróides 17 Cetosteróides
Supra-renal Corticosteróides Corticosteróides
Andrógenos urinários Andrógenos urinários
Lóbulo anterior da hipófise Gonadotropina Gonadotropina
4. SEXO M O RFOLÓGICO
A morfologia ou aparência dos órgãos genitais internos e exter­
nos nos indivíduos normais é bastante evidente e diferenciada, não
dando margem a erros. Há, entretanto, estados patológicos
(intersexuais), em que podem surgir dúvidas.
Bonnet (1993, p. 1015) fala ainda em diferenças relacionadas
com a mecânica da cópula, que o autor denomina sexo dinâmico ou
copulativo, indicando que as fases do ato sexual diferem sensivel­
mente de acordo com o sexo, e que a insuficiência ou ausência entre
essas etapas pode levar ao insucesso da conjunção carnal.

Homem Mulher
Excitação Excitação
Ereção Apresentação e lubrificação
Penetração Recepção
Movimento Ereção
Orgasmo Movimento
Ejaculação Orgasmo
Relaxamento Relaxamento

5. SEXO PSICO LÓ G ICO


Como vimos, há uma série de fatores ligados ao sexo que, de
uma maneira ou de outra, acabam por apresentar repercussão psico­
lógica. Somados aos aspectos de natureza orgânica, unem-se outros,
externos, de ordem social, religiosa, familiar ou educacional quê de­
terminam o comportamento sexual do indivíduo. Esses fatores com­
binados podem levar tanto ao desenvolvimento de um comportamen­
to característico de cada sexo, como originar um sem-número de des­
vios patológicos (ver item 7).

6. SEXO JURÍDICO
Sexo jurídico ê aquele constante do registro civil, normalmente
baseado em declaração dos pais e testemunhas, podendo ocorrer erros
provocados dolosamente ou mesmo em decorrência da presença de
estados intersexuais, como o pseudo-hermafroditismo, por exemplo.

199
7. DISTÚRBIOS DO INSTINTO SEXUAL
satiríase
( ninfomaiiia ou
uteromama
quantidade
lubricidade senil

j anafrodisía
diminuição 1 frigidez

erotomania
auto-erotismo ou aloerotismo
erotografia ou erotografomania
exibicionismo
narcisismo
mixoscopia ou voyeurismo
fetichismo
desvios do gerontofilia ou crono-inversão
instinto cromo-inversão
etno-inversão
topo-inversão
troca de casais
onanismo
edipismo
Distúrbios do pedofília e hebefilia
instinto sexual pigmalionismo
frotteuiismo

qualidade
pluralismo ou triolismo
vampirismo
riparoftlia
urolagnia
coprofiüa
aberrações coprolalia
sexuais bestialismo ou zoolagnia
necrofiüa
sadismo
masoquismo
sadomasoquismo
flagelatismo ou flagelação

masculino — pederastia, so-


inversão ou doinia ou uranismo
homossexualismo "
feminino — safismo, 'lesbia-
nismo ou tribadismo

200
Não há um consenso entre os autores a respeito de quais sejam
as aberrações e quais os desvios do instinto sexual. O quadro acima
mostra algumas das posições mais comuns, com a ressalva no senti­
do de que o homossexualismo é quase sempre apontado como uma
aberração sexual, não obstante exista uma tendência atual no sentido
de considerar que a orientação sexual, por si só, não deve ser vista
como um transtorno (CID-10, F 66 — nota ao tópico dos transtornos
psicológicos e comportamentais associados ao desenvolvimento se­
xual e à sua orientação).
De obsèrvar, ainda, que a classificação apresentada e as nomen­
claturas utilizadas são arcaicas. O DSM — IV, da Associação Psi­
quiátrica Americana, apresenta como parafilias (distúrbios psíqui­
cos que se caracterizam pela preferência ou obsessão por práticas
sexuais socialmente não aceitas) apenas exibicionismo, fetichismo,
frotteurismo, pedofilia, masoquismo, sadismo e voyeurismo, colo­
cando todas as demais como parafilias sem outra especificação.
Em razão de ser citada por toda a doutrina existente, utilizare­
mos a classificação tradicional, mais ampla.

7.1. Erotismo
O erotismo é o aumento exagerado do apetite sexual, caracteri­
zado pela satiríase no homem e pela ninfomania ou uteromania na
mulher. No satirismo há ereção e ejaculação por diversas vezes. Não
deve ser confundido com o priapismo, que é uma ereção patológica
que não desemboca no prazer sexual. Ao contrário, o priapismo é
doloroso e funda-se quase sempre em causas psíquicas.
Não deve ser confundido também com o dom-juanismo, que é a
tendência a proceder de maneira sedutora e libertina. Uma preocupa­
ção excessiva do sexo masculino com a conquista amorosa que o leva
a ensejar relacionamentos inconsistentes.

7.2. Lubricidade senil


A lubricidade senil é a exacerbação do apetite sexual em idade
provecta. É sinal evidente de perturbação psicológica e por vezes
leva o ancião à prática de perversões e atos obscenos.

201
Como bem salienta Hélio Gomes (2003, p. 465), a importância;
da lubricidade senil vem do fato de poder conduzir os idosos, que
outrora mantiveram uma vida sexual saudável, à prática de atos libi­
dinosos, atentados ao pudor, tomando-os, da mesma forma, presa
fácil de extorsões e ataques de prodigalidade.

7.3. Anafrodisia
É a diminuição do instinto sexual do homem, levando-o ao qua­
se total desinteresse pelo sexo oposto. Normalmente vem associado
a alterações glandulares ou psicológicas.

7.4. Frigidez
É a diminuição do instinto sexual na mulher, freqüentemente
associada a desequilíbrios emocionais ou glandulares ou ainda como
decorrência do vaginismo, Nos casos mais extremados pode levar à
androfobia, apándria ou misandria, termos que designam o horror
ao sexo masculino.

7.5. Erotomania
Na erotomania não há o desejo carnal. Ao contrário, o erotômano
perde-se em uma espécie de amor platônico bastante profundo que
preenche integralmente sua vida e por vezes pode levá-lo ao ridículo.
Os erotômanos são quase sempre virgens e castos.

7.6. Auto-erotismo ou aloerotismo


No auto-erotismo ou aloerotisnio o ápice sexual é atingido sem
a presença do parceiro, apenas de modo contemplativo, perante uma
pessoa ou um retrato.

7.7. Erotografia ou erotografomania


A erotografia oü eretografomania “é um desvio sexual que se
caracteriza pelo gosto de escrever assuntos dè fundo puramenté eró­
tico” (apud Paes da Cunha, in Gomes, 2003, p. 462).
7.8. Exibicionismo
O s exibicionistas geralmente expõem a genitália ou as partes
pudendas apenas pelo prazer incontrolável de fazê-lo. São conhecidas,
p o r exemplo, as famosas “chispadas”, em que adolescentes nus praticam
corridas rápidas pelas ruas ou aparecem diante de câmeras de televisão.

7.9. Narcisismo
Mais comum nas mulheres, o narcisismo nada mais é que o
culto exagerado do próprio corpo. Alguns autores afirmam que o
narcisismo nas mulheres é constante e normal, desde que não impor­
te em aversão ao ato sexual.
Uma forma de narcisismo masculino é atualmente denominada
metrossexualidade. O termo metrossexual, cunhado em 2003, é utili­
zado para definir o homem urbano de grande senso estético e que
gasta boa parcela de seu tempo e dinheiro (mais de 30%) com sua
aparência e estilo de vida.

7.10. Mixoscopia ou “voyeurismo”


Prazer que têm certas pessoas em contemplar o ato sexual prati­
cado por terceiros.

7.11. Fetichismo
Excitação anormal e predileção por determinadas partes do cor­
po do parceiro ou ainda por objetos e pertences da pessoa amada,
como suas peças íntimas.

7.12. Gerontofilia ou crono-inversão


Predileção sexual de jovens por pessoas de idade avançada. Fran­
ça (1998, p. 195) aponta que o contrário, ou seja, o amor dos velhos
pelos jovens é compreensível. A aberração dá-se no sentido oposto.

7.13. Cromo-inversão
Atração sexual por pessoas de cor diferente. Não se tomando uma
obsessão, não pode sequer ser considerada desvio da sexualidade.

______ __ 203
7.14. Etno-inversão
Trata-se de uma variedade de cromo-inversão em que a pessoa
sente atração sexual exacerbada por determinadas raças. Também não
tem grande interesse médico-legal, salvo na forma obsessiva.

7.15. Topo-inversão
Prazer sexual pela prática de coito ectópico ou atos eróticos di­
versos da conjunção carnal, como sexo anal, oral, praticado entre as
coxas, dedos dos pés, mamas etc.
Dentre as várias modalidades de sexo ectópico, são considera­
dos normais, como jogos sexuais que antecedem ao coito, afellatio
in ore e o cunnilingus.

7.16. Troca de casais ou troca interconjugal


A troca de casais ou swing, ante a liberação dos costumes, pode
não significar mais que um simples desejo da troca de parceiros para
aquecer a vida sexual do casal e, nesse sentido, não pode ser tido
como uma aberração ou desvio.
Atualmente há inúmeros sites na Internet especializados na di­
vulgação e apoio à prática.
Caso se tome uma obsessão, então poderá ser tomada como
desvio. A prática do sexo grupai, ainda que pelo casal, pode ser clas­
sificada como pluralismo (item 7.22).

7.17. Onanismo
Incorretamente derivado do chamado “coito solitário de Onan”,
personagem bíblico que, na verdade; para não ofender os costumes
hebraicos, praticava o coito interrompido com Tamar, a viúva de seu
irmão. O onanismo nada mais é que a masturbação.
A masturbação pode ser considerada normal na puberdade ou
mesmo quando praticada pelo casal (heteromasturbação), desde que
não venha a substituir ou representar aversão ao coito.
Estudos recentes apontam a masturbação, mesmo na idade adulta,
como preventiva dos tumores de próstata, por aliviar a glândula de
secreções cujo acúmulo seria fator predisponente. Segundo o pesqui­
sador Graham Giles, do Cancer Council Victoria, era Melboume,
um homem na faixa dos 20 anos, ejaculando mais de cinco vezes por
semana, diminuiria em três a possibilidade de desenvolver tumores
malignos na próstata (Douglas Fox, Can masturbating each day keep
the doctor away? New Scientist, 2003, p. 15).

7.18. Edipismo
Tendência ao incesto, à prática de relações sexuais com paren­
tes muito próximos. São relativamente comuns as relações de pais
com filhos e entre irmãos.

7.19. Pedofüia e hebefffia


Predileção pela prática de ato sexual com crianças. Pode ser
hétero ou homossexual. A hebefilia é a preferência por adolescentes
do sexo masculino entre 10 e 16 anos. Também pode ser hétero ou
homossexual.
Esses distúrbios são um verdadeiro problema de polícia judi­
ciária, principalmente após o advento da Internet, pois constituem
um público-alvo de prostituição e pornografia infantil.

7.20. Pigmalionismo
Excitação por estátuas. Alguns autores descrevem o pigmalio­
nismo como sendo uma modalidade rara e menos severa de necrofilia
(Croce, 1998, p. 593).
O termo deriva do mito de Pigmalião, escultor da ilha de Chipre
que se apaixonou perdidamente pela estátua de mulher que esculpira.
Desesperado, pediu a Afrodite que encontrasse uma mulher seme­
lhante. A Deusa, sensível aos apelos, deu vida à própria estátua, nas­
cendo Galatéia, que se tomou esposa de Pigmalião.

7.21. “Frotteurismo”
Distúrbio do comportamento sexual caracterizado pela necessi­
dade de tocar ou esfregar-se em outra pessoa. A prática ocorre geral­
mente em locais públicos ou de grande concentração de pessoas, em

205
que pode passar despercebida. É mais freqüente entre os 15 e os 25
anos de idade.

7.22. Pluralismo ou triolismo


Prática sexual com pluralidade de parceiros ao mesmo tempo,
três (triolismo ou mènage à trois) ou mais pessoas (pluralismo, sexo
grupai, swapping ou, vulgarmente, “suruba”).

7.23. Vampirismo
Prazer sexual obtido pela ingestão do sangue do parceiro. Mui­
tos homens têm predileção por praticar sexo oral com mulheres du­
rante o período menstruai, exatamente porque atingem o êxtase se­
xual ao ingerir o sangue da companheira.

7.24. Riparofilia
Atração sexual por pessoas com péssimos hábitos de higiene,
de baixa condição social. Há homens, por exemplo, que manifestam
predileção por mulheres no período menstruai (ver vampirismo).

7.25. Urolagnia
Prazer sexual em contemplar ó parceiro no ato da micção ou em
apenas ouvir o barulho da urina caindo no vaso sanitário. Delton Croce
acrescenta que a “associação de idéias sexuais com água, incluindo
urina e micção, é denominada de ondinismo”, termo derivado de
Ondina, ninfa do amor na mitologia nórdica que vive nas águas.

7.26. Coprofilia
\

Prazer sexual ligado ao ato da defecação ou ao contato direto


com as fezes.

7.27. Coprolalia
Prazer sexual ligado a palavras de baixo calão. Algumas pes­
soas, para atingir o prazer sexual, precisam que o parceiro antes ou
durante o ato utilize expressões chulas, típicas de um vocabulário
bastante baixo.

7.28. Bestialismo, zoolagnia, zoofilismo, zoofllia e zooerastia


O bestialismo, zoofilismo ou zoolagnia engloba a prática de
atos libidinosos (zoofilia) ou o ato sexual em si (zooerastia) com
animais.

7.29. Necrofilia
Trata-se de um dos mais sérios distúrbios sexuais, manifestado
pela compulsão da prática sexual com cadáveres.

7.30. Sadismo
Caracteriza-se pelo excesso de crueldade e prazer sexual obtido
pelo sofrimento imposto ao parceiro. O termo deriva de Donatien
Alphonse François de Sade (1740-1814), o “Marquês de Sade”, au­
tor francês cujas obras, ainda hoje consideradas por alguns como
obscenas, descrevem toda a sorte de desvios sexuais ligados à humi­
lhação e ao tormento do parceiro.

7.31. Masoquismo
O termo deriva das obras de Leopold von Sacher-Masoch (1835-
1895), que descrevem variadas fantasias eróticas ligadas à dor e ao
sofrimento. O masoquismo representa, assim, o prazer sexual obtido
pelo sofrimento físico ou moral.

7.32. Sadomasoquismo
Similar às formas anteriores, o sadomasoquismo conjuga em
um único indivíduo a satisfação sexual por provocar no parceiro e
também experimentar a dor.

7.33. Flagelatismo ou flagelação


Forma de sadismo em que o sofrimento do parceiro é especifi­
camente infligido por meio de chicotadas.

207
7.34. Homossexualismo
A origem da homossexualidade, tanto masculina como femini­
na, é variável. Para alguns autores, é educacional, para outros,
psicogênica ou ainda hormonal. De qualquer modo, todos concor­
dam que o homossexualismo é uma severa alteração da personalida­
de normal, trazendo conseqüências irreparáveis quer de natureza fí­
sica, quer psicológica.
É preciso diferenciar, entretanto, o homossexual do intersexual,
do transexual e do travesti.
No intersexualismo o indívíduo, por alterações geralmente de
origem genética ou hormonal, não tem sexo definido. Apresenta a
genitália externa ou interna indefinida e é comumente estéril.
O transexualismo é uma alteração psicológica bastante grave
que conduz o indivíduo (geralmente homem) a querer pertencer ao
sexo oposto. Com freqüência o transexual adota os trajes do outro
sexo e tudo faz para sentir-se como tal, chegando inclusive à transfor­
mação sexual cirúrgica. O transexual é um inconformado com o seu
estado sexual e não admite ser homossexual.
No travestismo o invertido sente prazer em utilizar as vestes do
sexo oposto e tem forte tendência ao homossexualismo. Ao contrário
do transexual, o travesti tem perfeita noção do sexo fenotípico a que
pertence e não deseja a mudança.

8. GRAVIDEZ, PARTO E PUERPÉRIO

8.1. Desenvolvimento sexual


A maturidade sexual do homem tem início entre os 11 e os 13
anos de idade, com o rápido aumento na produção da testosterona
(vide gráfico). Ao redor dos 20 anos os níveis hormonais estabili­
zam-se para começar a decair, também rapidamente, próximo dos
40, chegando a praticamente zero aos 80 anos. A testosterona é res­
ponsável pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais primários (au­
mento do pênis, bolsa escrotal, testículos etc.) e secundários (distri­
buição de pêlos, efeitos sobre a voz, pele etc.).

208
Na mulher, o início da vida sexual adulta começa ao redor dos 8
anos de idade com o aumento da produção de gonadotrofinas e o
evento da primeira menstruação (menarca), entre 11 e 15 anos.
Ao redor dos 45 e 50 anos os ciclos vão-se tomando irregulares
(climatério feminino) para cessar por completo em tomo dos 60 anos
de idade.
Assim como no homem, o aumento dos estrogênios durante a
puberdade é responsável pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais
primários (aumento dos genitais e mamas etc.) e secundários (dis­
tribuição da gordura corpórea, de pêlos etc.).
O gráfico mostra as taxas de testosterona e estrogênio nas dife­
rentes idades (Guyton, 1973, p. 908 e 924).

Taxa de secreção de testosterona em diferentes fcJa- Secreção de estrogênios durante a vida sexual
des, medida pelas concentrações de androsterona
j i d plasma

Em razão de uma alteração cíclica de estrogênios e de


progesterona no sangue circulante da mulher, cuja oscilação é deter­
minada pelos níveis de hormônios gonadotrófiços secretados pela
adenoipófise (sistema hipotálamo-adenoipófise-ovário), estabelece-
se o ciclo menstruai ou catamenial, caracterizado pela ovulação e
pelas alterações do endométrio (mucosa que recobre a face intema
do útero).
O ciclo menstrua1normal é de 28 dias, sendo relativamente co­
muns ciclos de 20 e 45 dias. O esquema a seguir mostra a correspon­
dência entre o ciclo endometrial e a ovulação, bem como os picos
hormonais envolvidos, considerando-se um ciclo de 28 dias.

209
0 4 14 28 4 14 za
Dias do ciclo menstruai

Para que ocorra a fecundação, é preciso que existam


espermatozóides viáveis logo após a ovulação, pois o período fértil
da mulher dura aproximadamente 24 horas.
Havendo um ciclo menstruai regular, a ovulação ocorre em tor­
no de 13 a 15 dias antes da próxima menstruação. Em um ciclo de 28
dias, no 14a dia; em um ciclo de 20 dias, no 6a dia; e em um ciclo de
45 dias, no 31a dia. Essas discrepâncias, assim como os ciclos irregu­
lares, são responsáveis pelos chamados erros de tabela e por um grande
número de concepções não desejadas.

8.2. Gravidez
\

A fertilização do óvulo ocorre antes ou logo após a penetração


na trompa de Falópio, formando o ovo. Cerca de 3 dias depois, o ovo
se fixa à parede do útero (gravidez tópica), dando início ao ciclo
gravídico, que se manterá até o parto.

210
A gestação humana normal dura, em média, 280 dias ou 40 se­
manas. Para que haja sobrevivência do feto, sem cuidados especiais,
é preciso que dure um mínimo de 196 dias ou um máximo de 294,
inexistindo observações de nascidos depois de 300 dias do coito fe-
cundante (Bonnet, 1993, p. 116).
Tomando por fundamento os dados biológicos, o Código Civil
(Lei n. 10.406, de 10-1-2002) estabeleceu como causa suspensiva do
m atrim ônio, para a mulher, o prazo de 10 meses, contados do dia em
que ocorreu a viuvez ou desfez-se a sociedade conjugal (CC, art.
1.523,11).
Quanto à paternidade, presumem-se concebidos na constância
do casamento os filhos “nascidos cento e oitenta dias, pelo menos,
depois de estabelecida a convivência conjugal” (CC, art. 1.597,1) e
os filhos “nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da
sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anula­
ção do casamento” (art. 1.597, II, do CC).
Dessa forma, em relação à gestação, o prazo legal mínimo é de
180 e o máximo de 300 dias.

8.3. Diagnóstico da gravidez


O diagnóstico da gestação pode ser clinico, instrumental ou
laboratorial, conforme o esquema abaixo:

cessação da menstruação
modificações nas mamas
presença de secreção láctea
surgimento de manchas no rosto (más­
cara gravídica)
sinais de
Principais aumento de volume do ventre
probabilidade
métodos (mais precoces)
para sinal de Klüge
clínico
diagnóstico sinal de Osiander
da alterações sinal de Puzos
na genitália sinal de Jacquemien
gestação
sinal de Budin

sinais de movimentos do feto


certeza auscultação dos batimentos cardíacos do feto
(tardios) auscultação do sopro uterino ou materno

211
ultra-sonografia pélvica
radiografia (cm desuso)
instrumental
Principais ressonância magnética
métodos laparoscopia— para os casos de gravidez ectópica
para
diagnóstico testes químicos
da testes biológicos — usam animais de laboratório
gestação (interesse histórico)
testes imunológicos
estudo das alterações celulares da mucosa vaginal

O diagnóstico preciso da gravidez tem grande importância no


direito civil em questões relacionadas com anulação de casamento e
nas sucessões; no direito do trabalho, pela sua implicação com a es­
tabilidade; no direito penal, pela necessidade de adequação do regi­
me prisional à condição da gestante.
Com relação ao diagnóstico, e tendo em vista as declarações da
paciente, algumas situações podem ocorrer:
• gestação declarada — a mulher pensa que está grávida há
determinado período de tempo e o diagnóstico confirma o fato;
• metassimulação da gravidez — a mulher admite a gestação,
mas mente, para mais ou menos, quanto ao tempo de gravidez (Fran­
ça, 1998, p. 202);
• suposição de gravidez — a mulher pensa estar grávida, mas
não está;
• simulação de gravidez — a mulher sabe que não está grávida
mas mente estar;
• dissimulação de gravidez — a mulher sabe que está grávida
mas nega o fato;
• desconhecimento da gravidez — a mulhèr não sabe que está
grávida.
Como anomalias da gravidez temos:
• supetfecundação — ou supérimpregnação, é a fecundação de
dois óvulos da mesma ovulação, no mesmo coito ou em cópulas diver­
sas, podendo, inclusive, haver geração de filhos de pais diferentes;
• superfetação — raríssima fecundação de dois ou mais óvulos
de ciclos diferentes;
• gravidez ectópica — gestação fora do útero, que pode ocorrer
nas trompas (gravidez tubária), nos ovários ou na cavidade abdomi­
nal. Quando ocorre a morte do feto e este não é expulso, forma-se
uma espécie de cálculo calcificado denominado litopédio;
• mola hidatiforme ou gravidez molar — forma de degeneração
e atrofia do embrião que pode evoluir, inclusive, para um tumor ma­
ligno (coriocarcinoma).

8.4. Nascimento
O parto corresponde ao conjunto de fenômenos mecânicos e
fisiológicos que levam à expulsão do feto com vida e seus anexos do
corpo da mãe. Inicia-se com o rompimento da bolsa e finda com a
expulsão da placenta (dequitação). Pode ser a termo, se finda a ges­
tação, ou prematuro, se ela foi antecipada; natural ou cirúrgico (ce­
sariana); em vida ou post mortem.

8.5. Puerpério e estadopuerperal


O período compreendido entre o parto e o retomo do útero ao
seu estado normal é denominado puerpério e tem uma duração mé­
dia de 45 dias.
O parto, ainda que possa produzir pequenos transtornos psico­
lógicos, como emotividade exacerbada e depressão pós-parto, não
deve induzir transtornos de gravidade. O puerpério é um quadro fi­
siológico que atinge todas as mulheres que dão à luz, sendo raras
alterações de cunho psicológico graves como a psicose puerperal.
O chamado estado puerperal, exigido por nossa lei penal para a
caracterização do crime de infanticídio, não encontra um conceito
unânime entre os autores, alguns dos quais questionam inclusive a
sua existência, baseados no fato de que somente atinge mulheres que
experimentaram gestações indesejadas ou que provêm das baixas clas­
ses sociais.
Zacharias (1991, p. 173) conceitua o estado puerperal como
uma “perturbação psíquica, de caráter agudo e transitório, que, por
influência simultânea de fatores fisiológicos, psicológicos e sociais,
acomete a parturiente ou a puérpera, até então mentalmente sã, afetan­
do seu comportamento e podendo impeli-la à prática do infanticídio”.

213
Por outro lado, é sempre possível que estados mentais patológi­
cos preexistentes sejam agravados pelo parto e, com isso, levem à
prática do infanticídio. Tem-se demonstrado que este ocorre mais
nesses casos, em que a patologia existe, mas é revelada somente em
decorrência do parto.
De qualquer maneira o perito deverá observar:
a) a recenticidade do parto;
b) se o parto transcorreu de form a a provocar sofrimento
incomum na parturiente;
c) se a parturiente recorda-se do ocorrido;
d) se a parturiente apresenta histórico de psicopatia anterior;
e) se existe comprovação de que, em razão do parto, surgiu al­
guma perturbação mental capaz de levá-la ao crime.

9. PERÍCIA S RELACIONADAS

9.1. Sedução
Nota im portante: A Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005, em
seu art. 52, revogou expressamente o art. 217 do Código Penal. Sendo
assim, não mais deverá ser realizada perícia por sedução. Mantive­
mos, entretanto, as considerações a respeito da integridade do hímen
por ser de interesse médico-legal em outras perícias."
O hímen é uma membrana mucosa, colocada entre a vulva e a
vagina, encontrada nos primatas, nos eqüídeos e em alguns outros
mamíferos, estando ausente na maioria das espécies animais.
Pode ser pequeno, limitando-se a uma orla bastante estreita, ou
obliterar toda a luz vaginal. Geralmehte possui um ou mais orifícios
por onde sai o fluxo menstruai, mas pode apresentar-se impeifurado.
Afrânio Peixoto classifica, os him ens em com issurados,
acomissurados e atípicos, conforme apresentem comissuras ou séptos
dividindo o orifício himenal (Sexologia forense, 1934, p. 70).
Oscar Freire baseia sua classificação na forma e número dos
orifícios e divide-os em himens com orifício, himens sem orifício e
atípicos (apud França, 1998, p. 182).
Delton Croce (1998, p. 494) classifica os himens segundo o
quadro a seguir:

ausentes
imperfurados

resistentes
complacentes semilunares
Himens perfurados anulares
não complacentes ou rompíveis
septados
labiados

atípicos f, , , f pendentes
, J. fenestrados com apendice -i „
múltiplos 1 salientes

Embora de rara ocorrência, é possível a agenesia himenal ou


ausência de hímen, que não se confunde com o hímen complacente.
Os himens imperfurados necessitam de uma incisão cirúrgica
para que possam dar passagem ao fluxo menstruai.
Himens resistentes são aqueles que têm consistência cartila­
ginosa, impedindo a penetração do membro viril no interior da vagi-
na. Nesses casos recomenda-se a incisão cirúrgica para que a mulher
possa ter uma vida sexual normal.
Com exceção dos chamados himens complacentes, que não se
rompem durante o coito por serem compostos de tecido elástico e
apresentarem reduzida orla himenal, as demais espécies possuem le­
sões ou roturas em decorrência da prática sexual e que constituem, na
verdade, a essência do exame pericial da sedução.
O número de roturas varia de um a cinco e são indicadas pelo
médico-legista em um impresso próprio, assinalando-se a orientação
como se fosse um mostrador de relógio, por exemplo, indicando
roturas às 10 horas ou às 6 horas etc.
O hímen não se rompe exclusivamente pela prática do coito.
Embora em casos bens isolados, há na literatura médica indicações
de rupturas traumáticas, em decorrência de quedas òu prática es­
portiva, corpos estranhos ou manobras médicas inadequadas.

215
A cícatrização é rápida e ocorre em tomo de 21 dias, razão pela
qual a perícia deve ser realizada o mais rápido possível.

Jmperfurado Compíacenie

9.2. Estupro e posse sexual mediante fraude


No estupro o médico procurará comprovar a cópula vagínica.
Se a mulher for virgem a ruptura do hímen poderá indicar a ocorrên­
cia da violação sexual. Caso não, a perícia poderá basear-se em sinais
da violência praticada ou na prova da1existência de sêmen.
A presença de esperma ou de fosfatase ácida (componente do
líquido seminal) na secreção vaginal são indicativos do coito, muitg
embora para a caracterização do estupro não seja necessário que o
agressor tenha ejaculado, bastando a comprovação da violência ou
grave ameaça e da penetração, ainda que parcial, do pênis na vagina.
Quando a violência é real, a perícia poderá ainda demonstrar a
evidência de lesões corporais.
Nas mulheres acostumadas à uma vida sexual ativa, a perícia do
estupro poderá encontrar algumas -dificuldades, ficando restrita aos
achados de violência física e à presença eventual de espermatozóides
ou componentes do líquido seminal.
A foto a seguir mostra a espécie de lesão observada em vítima
de estupro, quando o exame é realizado logo após a violência sexual.

216
Na posse sexual mediante fraude não há o elemento violência, e
a perícia médica será voltada quase exclusivamente para a compro­
vação da cópula.
Importante lembrar que a Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005,
alterou a redação do art. 215 do Código Penal para suprimir o ele­
mento normativo relativo à honestidade da mulher no crime de posse
sexual mediante fraude. Agora, qualquer mulher pode, em tese, ser
vítima do crime em questão.

9.3. Atentado violento ao pudor e atentado ao pudor mediante


fraude
A natureza variada das agressões que podem ser cometidas e
classificadas sob o mesmo nome jurídico de atentado violento ao pudor
dá uma indicação dos inúmeros achados médico-legais possíveis.
A perícia deve preocupar-se em demonstrar a forma do ato
libidinoso praticado (diverso da conjunção carnal), bem como os
vestígios eventualmente deixados pela violência. Dependendo da
forma do ato libidinoso praticado, o legista poderá encontrar ou
pesquisar marcas de mordidas, presença de esperma, outros líqui­
dos orgânicos etc.
No atentado violento ao pudor mediante fraude, a perícia é bas­
tante difícil, mas em algumas modalidades, como, por exemplo, o

217
coito anal, a presença de esperma poderá fornecer elemento de certe­
za ao perito médico.
Importante lembrar que a Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005,
alterou a redação do art. 216 do Código Penal, substituindo a expres­
são “mulher honesta” pelo vocábulo “alguém”. Assim sendo, agora
tanto o homem quanto a mulher, honesta ou não, podem ser sujeitos
passivos do crime em apreço.

9.4. Aborto
Abortamento, segundo Bonnet (1993, p. 1138), “é a morte do
produto da concepção em qualquer momento da gravidez”. Para
Tardieu consiste na “expulsão prematura e violentamente provocada
do produto da concepção independentemente de todas as circunstân­
cias de idade, viabilidade e mesmo de formação regular” (apud Fran­
ça, 1998, p. 223).
Alguns autòres costumam diferenciar os termos abortamento e
aborto, atribuindo ao primeiro o significado do ato de abortar e ao
segundo o produto do abortamento. Tal separação, entretanto, não é
técnica, sendo a palavra aborto também utilizada para designar o ato
de abortar.
O aborto doloso é repelido por nosso ordenamento jurídico-pe-
nal, excluindo-se algumas situações em que é legal e, portanto, per­
mitido (art. 128 do CP).

, . 1 f aborto terapêutico (art. 1 2 8 ,1, do CP)


o o eg | aborto sentimental (art. 128, II, do CP)

Aborto terapêutico — em algumas situações não há como man­


ter a vida do produto da concepção e á da gestante. Quando o médico
encontra-se nesse dilema, a lei autoriza o sacrifício da vida do feto.
Para que isso ocorra, entretanto, são necessários alguns fatores:
a) que a gestante esteja em perigo de vida;
b) que o perigo de vida esteja diretamente relacionado com a
gravidez;

218
c) que a interrupção da gestação faça cessar o risco da gestan­
te; e
d) que a interrupção da gravidez seja o único meio de salvar a
vida da gestante.
Apenas como cautela, recomenda-se que o médico confirme sua
decisão com a opinião de dois outros colegas.
Recentemente, em polêmica decisão, o Supremo Tribunal Fe­
deral, por liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello,
garantiu a possibilidade de interrupção da gestação de fetos com com­
provada anencefalia (que não têm cérebro e chances de sobrevivên­
cia). A liminar foi cassada, mas a decisão, que se favorável criará
nova hipótese de aborto legal, ainda está pendente de julgamento
(Médico pode pôr fim à gestação de feto sem cérebro, O Estado de S.
Paulo, 2-7-2004, p. A14).
Aborto sentimental — é o aborto praticado por médico quando
a gestação decorre de estupro.
Muito embora o art. 128, n , do CP fale em estupro, a jurispru­
dência tem entendido que o dispositivo é aplicável também quando a
gestação decorre de atentado violento ao pudor (analogia in bonam
partem).
Não existem outras modalidades de aborto legal no Brasil. O
chamado aborto eugênico, eugenético ou eugenésico, que permite a
interrupção da gestação por anomalia fetal, ainda não é admitido por
nossa legislação, embora exista proposta nesse sentido no anteproje­
to da nova parte especial do Código Penal.
Dividem-se os meios empregados para a prática do aborto em
medicamentosos (ou tóxicos) e mecânicos.
A perícia no aborto criminoso é bastante difícil e requer al­
guns cuidados por parte do perito. São observadas eventuais le­
sões no períneo, lesões decorrentes do meio utilizado (muitas ve­
zes são encontrados vestígios do próprio meio empregado, como
sondas ou outros instrumentos), lesões uterinas e ainda exames
laboratoriais.

219
No aborto examina-se, também, o feto, muito embora em inú­
meras situações não se consiga chegar à mãe, uma vez que o produto
da concepção é atirado em terrenos baldios (vide fotos), rios, ou mes­
mo depositado em vasos sanitários.
Na existência de possíveis suspeitas, o exame clínico e even­
tualmente uma análise de DNA poderá determinar com segurança a
maternidade.
A foto a seguir mostra os instrumentos cirúrgicos geralmente
encontrados em uma clínica destinada à realização de abortos.

9.5. Infanticídio
O crime de infanticídio vem descrito no art. 123 do Código Penal:

220
CP
Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o
parto ou logo após.

A perícia no infanticídio é bastante complexa e compreende duas


etapas. A primeira, determinar se o produto da concepção nasceu com
vida (feto nascente ou infante nascido), e a segunda, se a mulher agiu
sob influência do estado puerperal.

feto nascente
no produto da concepção para saber
infante nascido
se nasceu com vida
Perícia no infanticídio < recém-nascido

na parturiente — determinação do estado puerperal

Como o infanticídio pode ser cometido durante o parto, é pos­


sível que a conduta tenha recaído sobre o feto nascente, que se dife­
rencia do infante nascido apenas pelo fato de não ter respirado.
Infante nascido é o que acabou de nascer, mas ainda não rece­
beu os primeiros cuidados. Tem o corpo recoberto por sangue fetal
ou materno (estado sanguinolento), as pregas cutâneas recobertas por
substância sebácea (induto sebáceo), apresenta-se ligado ao cordãò
umbilical e ainda não expulsou o mecônio (substância presente no
intestino do feto). ----
Denomina-se recém-nascido a criança que recebeu os primei­
ros cuidados, até o 1- dia de vida, guardando ainda alguns vestígios
da vida intra-uterina.
É fundamental para a comprovação do crime de infanticídio a
prova de vida extra-uterina, o que se faz pelas chamadas docimasias
ou por provas ocasionais.

docimasias — comprovação da respiração


Prova de vida extra-uterina
provas ocasionais

As docimasias são provas destinadas a comprovar a respiração


ou seus efeitos. O quadro a seguir mostra algumas das principais:

221
Docimasia diafragmática de Abertura da cavidade tóracoabdominal e observa­
Ploquet ção do diafragma. Quando não houve respiração o
diafragma mostra-se recolhido, convexo e voltado
para o interior do tórax. Quando já ocorreu a respi­
ração ele está mais plano, menos abaulado.
Docimasia óptica ou visual Simples observação visual do pulmão. O que não
de Bouchut respirou tem aparência mais compacta, sólida, e
o que respirou apresenta o desenho alveolar mais
evidente.
D ocim asia tátil de N erio No pulmão que respirou, à palpação sente-se um leve
Rojas crepitar, que é ausente naquele que não respirou.
D ocim asia radiológica de Inspeção radiográfica dos pulmões. Os que res­
Bordas piraram mostram-se desenvolvidos, ao passo que
os que não respiraram estão colabados.
Docim asia hidrostática de Consiste na imersão dos pulmões ou de fragmen­
Galeno tos deles em uma cuba com água. Se houver
flutuação é porque houve respiração. Esta é a pro­
va mais comumente utilizada no dia-a-dia pericial.
D ocim asia histológica de Baseia-se no exame microscópico do pulmão e
Balthazard e Lebrun nas alterações anatomopatológicas que diferen­
ciam aquele que respirou do que não respirou.
Docimasia gastrointestinal de Comprovação da existência de ar no trato gastro­
Breslau intestinal.
D o cim a sia auricular de Presença de ar na caixa do tímpano.
Wreden-Wendt-Gélé
Docimasia siálica de Souza Pesquisa a presença de saliva no estômago.
Diniz
Docimasia do nervo óptico Baseia-se na mielinizaçâo do nervo óptico, que
de Mirto se inicia cerca de 12 horas após o nascimento.
Docimasia epimicroscópica Baseia-se na análise microscópica de fragmen­
pneum oarquitetônica de tos do pulmão pelo ultra-opak.
Hilário Veiga de Carvalho
Docimasia Óptica de Icard Esmagam-se pequenos fragmentos do pulmão do
recém-nascido entre lâmina e lamínula. Ao mi­
croscópio, observam-se pequenas bolhas de ar.
D o cim a sia plêurica de Constatação da pressão negativa na cavidade
Placzec pleural do infante que não respirou.
Docimasia pneumo-hepática Baseia-se na comparação entre o volume sangüí­
de Puccinotti neo do pulmão e do fígado.
Docimasia hematopneumo- Comparação e análise da hemoglobina do pul­
hepática de Severi mão e fígado.

222
Prova hemato-arteriovenosa B aseia-se na comparação entre as taxas de
de França oxiemoglobina do sangue venoso e arterial, em
busca de comprovação da hematose e, por conse­
qüência, da respiração.
Docimasia supra-renal fisio­ Funda-se na análise dos efeitos da adrenalina so­
lógica bre a musculatura lisa e cardíaca.

Como provas ocasionais para a comprovação de vida extra-


uterina podemos citar o encontro de corpos estranhos nas vias aé­
reas, geralmente indicando que a criança foi morta por sufocação; a
presença de substâncias alimentares no trato digestivo-, e a observa­
ção de reações vitais em lesões do cadáver.
Finalmente, e de difícil comprovação, é a caracterização do esta­
do mental da parturiente, normalmente denominado estado puerperal.
As considerações sobre a comprovação do estado puerperal já
foram feitas no item 8.5.

10. AS IM POTENCIAS
A incapacidade em manter uma relação sexual é denominada
impotência coeundi no homem e acopulia na mulher, podendo dar
causa a anulação do casamento.
A impossibilidade de gerar filhos é chamada de impotência
generandi, ou esterilidade masculina, e impotência concipiendi, ou
esterilidade feminina, e não implica causa de anulação do matrimônio.
A doutrina entende que apenas a impotência coeundi e a
acopulia podem constituir erro essencial por ignorância de defeito
físico irremediável passível de anular o casamento (art. 1.550, III,
c/c o art. 1.557, UI, do CC). Note-se que, mesmo nesses casos, o
casamento somente será anulável se o fato era ignorado pelo outro
cônjuge.
impotência generandi —

Transtornos da fisiológica — idade


no homem •
reprodução impotência coeundi - fisiopática
orgânica
psíquica
v. V

223
impotência concipiendi — esterilidade feminina
Transtornos da na mulher
reprodução orgânica
acopuha j ps£quica

A impotência verdadeira, ou coeundi, pode ser de origem fisio­


lógica, relacionada com a idade; fisiopática, quando causada por
malformações ou distúrbios neuroglandulares; orgânica, decorrente
geralmente de lesões nervosas ou alterações circulatórias graves; e
psíquica.
Na mulher, a acopulia pode derivar de causas orgânicas, como
ausência de vagina ou malformações genitais; e causas psíquicas,
como frigidez, vaginismo, dispaneuria ou coitofobia.
A frigidez é a impossibilidade feminina de atingir o orgasmo. O
vaginismo é uma contração espástica da musculatura vaginal que
impede a penetração do órgão sexual masculino. A dispaneuria é a
sensação de dor durante a relação sexual, e a coitofobia, a aversão
patológica ao cònúbio por causas diversas, como, por exemplo,
homossexualismo, ignorância ou estados patológicos mentais gra­
ves, como esquizofrenia ou oligofrenia.

11. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE


Diz o velho brocardo latino: mater semper certa est, pater
est quem nuptial demonstrant (a mãe sempre é certa, pai é aquele
que as núpcias demonstram). O pensamento, revela, em termos
médico-legais, apenas uma meia-verdade. É certo que os casos de
investigação de paternidade em que se busca determinar a identi­
dade do pai são bem mais freqüentes que aqueles em que a mãe é
questionada, mas há hipóteses, como, por exemplo, casos de se­
qüestro de crianças, nas quais a maternidade também deve ser
colocada à prová. '■
A perícia de investigação de paternidade busca o reconhecimento
da filiação com o intuito de determinar a identidade civil e, quase
sempre, com implicações sucessórias.
Genival França (Í998, p. 253) e Delton Croce (1998, p. 610)
dividem as provas para determinação da paternidade em dois grandes
grupos, genéticas e não genéticas:

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As provas não genéticas são meramente de orientação e, no máxi­
mo, servem para direcionar o perito quando da realização de seu trabalho.
As provas genéticas pré-mendelianas têm interesse apenas his­
tórico. Com o adverte Ayush M orad Am ar, “a confrontação
fisionômica, o retrato falado, o estudo das impressões digitais, da cor
da pele, das variações pigmentares, os exames mais especializados,
como o craniom étrico, o cranioscópico, o odontom étrico, o
prosoposcópico etc., quase nada oferecem de valor prático: as Leis
de Mendel evidenciam a possibilidade de se encontrarem, na prática,
indivíduos nada semelhantes aos seus ascendentes” (Investigação de
paternidade — aspectos médico-legais, 1987, p. 17).
Dessa forma, atualmente, mostram-se de valor probatório, no
campo da investigação de paternidade, apenas as provas mendelianas,
não sangüíneas e, principalmente, as sangüíneas.

11.1 Provas mendelianas não sangüíneas

Exame do pavilhão auricular Baseia-se no exame do lóbulo da orelha dos pais


e filhos. O lóbulo livre é dominante enquanto o
preso é recessivo.
Anomalia dos dedos As anomalias dos dedos (vide item 3.10 do Capí­
tulo 3), como á sindactilia ou ectrodactilia, têm
caráter dominante. Assim, o filho de uma mãé
normal com alguma anomalia deve ter um pai com
essa anomalia.
Características dos dentes Existem algumas alterações genéticas, como a
ausência de dentes, que estão sendo estudadas.
Presença de mancha mongó- Trata-se de uma mancha de coloração e confor­
lica mação variável que tende ã desaparecer até os
dois anos de idade. A presença dessa mancha ex­
clui os genitores caucasianos puros (brancos).
Hemofilia E uma doença hereditária, hemorrágica, caracte­
rizada por. um distúrbio na coagulação do san­
gue, ligada ao cromossomo X, transmitida pela
mulher e que se manifesta no homem. Por ser de
comprovada origem genética, nenhum filho de
pais geneticamente sadios pode ser hemofílico.

226
Daltonismo Também é uma doença hereditária ligada ao sexo
(cromossomo X), caracterizada pela incapacida­
de de distinguir cores. Filhos de pais genetica­
mente sadios não podem ser daltônicos.
Orientação dos cabelos A orientação no redemoinho dos cabelos é deter­
minada por um fator dominante (orientação
dextrogira) e outro recessivo (levogira).
Cor da pele Acredita-se que cinco pares de genes estejam
envolvidos na determinação da tonalidade da pele
humana, que vai desde o preto até o branco puro.
Os filhos devem ter sempre uma tonalidade de
pele intermediária à dos pais. A presença de um
filho mais claro ou mais escuro levanta suspeita
sobre a paternidade.

É claro que a análise dessas características, mesmo quando pre­


sentes, não autoriza afirmar a paternidade, podendo, no máximo,
infirmá-la em alguns casos.

11.2. Provas mendelianas sangüíneas


Quando tiveram início as transfusões sangüíneas, percebeu-se
que em algumas nada ocorria, enquanto em outras havia violenta re­
ação orgânica do receptor, chegando, às vezes, ao êxito letal.
Descobriu-se que as hemácias possuíam em sua superfície va­
riadas glicoproteínas, com propriedades antigênicas e que, uma vez
transfundidas, podiam levar a uma resposta imunitária por parte do
organismo receptor com conseqüente aglutinação e lise das células
recebidas.
Com o aprimoramento da sorologia centenas de antígenos fo­
ram descobertos. Alguns responsáveis pelas reações transfusionais e
outros que, embora não reagentes por transfusão, têm importância na
rejeição de órgãos em caso de transplantes.
Também os glóbulos brancos, leucócitos, possuem em sua su­
perfície inúmeros antígenos, diversos daqueles observados nas célu­
las vermelhas do sangue, e que podem ser responsáveis por algumas
reações transfusionais adversas. Sua importância maior, entretanto,
repousa no estudo da investigação de paternidade.
Os principais grupos de antígenos dos glóbulos sangüíneos são
os seguintes:

sistema ABO
fatores M e N
fatores Rh e rh

nemacias ' sistema Lewis


Antígenos sistema Dujjfy
outros fatores sistema Kidd
sistema Kell Cellano
grupos Lutheran

leucócitos — sistema HLA

11.3. Sistema ABO


Os antígenos que compõem o sistema ABO foram os primeiros
antígenos eritrocitários descobertos, graças aos trabalhos do
imunologista austríaco Karl Landsteiner em 1901.
Sobre a superfície das hemácias podemos encontrar dois
antígenos, diferentes e relacionados, que tomam as células passíveís
de aglutinação, a que se convencionou chamar de aglutinogênio tipo
A e aglutinogênio tipo B.
Dependendo da maneira como esses antígenos são transmiti­
dos de geração a geração, por três pares de genes, A, B e O, pode­
mos identificar indivíduos portadores de cada um deles separada­
mente, dos dois ou de nenhum, formando quatro grupos fundamen­
tais: A, B, AB e O, este último indicativo da ausência de ambos os
aglutinogênios.

Grupo sangüíneo (ienótipos possíveis


A : s AA ou AO
B v- BB ou BO
AB AB
O OO

228
Grupo sangüíneo dos pais Filhos possíveis Filhos impossíveis
AXA A eO B e AB
AXB O, A, B e AB nenhum
AXAB A, B e AB O
AXO AeO B e AR
BXB B eO AeAB
BXAB A, B e AB O
BXO B eO AeAB
ABXAB A, B e AB O
ABXO AeB O e AB
OXO O A, B e AB

Os antígenos sangüíneos não estão restritos às células verme­


lhas do sangue ou aos tecidos dos órgãos hemopoiéticos (produtores
de sangue). Não há dúvida que os antígenos do sistema ABO podem
ser encontrados nos vários tecidos orgânicos, tendo sido identifica­
dos em plaquetas, leucócitos, células do tecido epitelial, pele, trato
gastrintestinal e urinário, bem como em alguns fluidos e secreções
orgânicas como saliva, variando em concentração de pessoa para
pessoa. ............... -...........
Essa característica reveste-se de importância em medicina legal
porque permite a tipagem sangüínea, ao menos em relação ao grupo
ABO, a partir de manchas recolhidas das vestes da vítima ou mesmo
tocos de cigarro retirados do local do crime.
Ainda que o sistema ABO não possa ser utilizado para provar
a paternidade, serve como prova de exclusão, já que uma criança
não pode pertencer a um grupo sangüíneo que não esteja presente
nos pais.
Também em locais de crime o sistema ABO pode levar à in­
clusão ou exclusão de eventuais suspeitos, caso o autor indigitado
tenha deixado na cena do delito material que permita a tipagem
sangüínea.

--------------- 229
11.4. Fatores MN
Descobertos em 1927, por Landsteiner e Levine, os aglu-
tin o g ê n io sM e N levam à formação de três grupos sangüíneos dis4
tintos: í
Grupo sangüíneo Genótipos possíveis
M MM
N NN
MN MN

Grupo sangüíneo dos pais Filhos possíveis Filhos impossíveis


MXM M NeMN
MXN MN NeM
MXMN MN e M N
NXN N MeMN
NXMN MNeN M
MNXMN MN, M e N nenhum

Da mesma maneira que o ABO, o sistema MN não serve para


provar a paternidade, mas pode excluí-la com certeza, visto que uma
criança não pode pertencer a um grupo sangüíneo que não esteja pre­
sente nos pais.

11.5. Fatores Rh e rh
Em 1939 Philip Levine e R. E. Stetson descreveram a presença
de um antígeno no soro de gestantes à que denominaram Rho ou D.
Em 1940, Landsteiner e Wiener descobriram que glóbulos verme­
lhos, provenientes do macaco Rhesus, quando lavados e inoculados
em coelhos, levavam à produção defuma espécie de anticorpos que
reagia com 85% dos indivíduos de raça branca. A esse fator foi dado
o nome d qfator rhesus ou fator Rh, indicando genericamente por Rh
(Rh positivo) os indivíduos reagentes e por rh (Rh negativo) os não
reagentes.

230
Em termos médico-legais a importância do fator Rh está ligada
ao cuidado necessário nas transfusões sangüíneas, podendo eventuais
acidentes caracterizar negligência médica, especialmente em ques­
tões relativas à prevenção da eritroblastose fetal (doença hemolítica
do recém-nascido).
No campo da exclusão da paternidade, o fator Rh pode operar
como auxiliar e, mesmo assim, com baixo percentual de eficácia,
uma vez que a análise do fator Rh em combinação com o sistema
ABO pode excluir a paternidade em menos de 30% dos casos
alegados.

11.6. Outros fatores


Outros fatores sangüíneos de grande importância para a
hematologia e imunologia, particularmente em questões envolven­
do transfusões sangüíneas e transplantes de órgãos, como os siste­
mas Lewis, Dujfy, Kidd, Kell Cellano e grupos Lutheran, funcio­
nam como exames apenas complementares em termos de investiga­
ção da paternidade, podendo excluir, mas não confirmar eventual
alegação.

11.7. Sistema HLA


Os antígenos leucocitários humanos, identificados pela sigla
HLA (Human Leucocyte Antigen), estão presentes na superfície de
todas as células nucleadas do organismo (o que exclui as hemãcias) e
têm grande importância nas questões de histocompatibilidade (iden­
tidade genética entre dois indivíduos, que possibilita ou não o trans­
plante de tecidos).
Verificou-se que esses antígenos estavam ligados à interação de
vários genes, identificados pelas letras A, B, C e D, localizados no
braço curto do par de cromossomos 6 , cada um deles associado a vá­
rios alelos (cada uma das formas que um gene pode apresentar e que
determina características diferentes). O quadro abaixo mostra os alelos
conhecidos até o momento, embora exista certa divergência entre os
autores quanto à classificação e nomenclatura (baseado em quadro pro­
posto por Gilberto Alvarenga Navarro, in Gomes, 2003, p. 551):

231
HLA-A HLA-B HLA-C HLA-D

Al A36 B5 B40(5) B59 Cwl DR1 DR18(3)


A2 A43 B7 B41 B60C40) Cw2 DR103 DR51
A203 A66C10) B703 B42 B61(40) Cw3 DE2 DR52
A3 A68(28) B8 B44(12) B62(15) Cw4 DR3 DR53
A9 AÓ9(28) B12 B45(12) B63(15) Cw5 DR4
AlO A74(19) B13 B46 B64C14) Cw6 DR5 DQ1
A li B14 B47 B65(14) Cw7 DR6 DQ2
A19 BIS B48 B67 Cw8 DR7 DQ3
A23(9) B17 B49(21) B70 Cw9(w3) DR8 DQ4
A24(9) B18 B50(21) B71 Cwl0(w3) DR9 DQ5(1)
A2403 B21 B51(5) B71(70) Cwl2 DR10 DQ6(1)
A25(10) B22 B5102 B72(70) Cwl3 DR11(5) DQ7(3)
A26(10) B27 B5103 B73 Cwl4 DR12(5) DQ8(3)
A28 B35 B52(5) B75(15) Cwl5 DR13(6) DQ9(3)
A29(19) B37 B53 B76(15) Cwl 6 DR14(6)
A30(19) B38(16) B54(22) B77(15) Cwl7 DR1403
A31(19) B39(16) B55(22) B7801 DR1404
A32(19) B3901 B56(22) Bw4 DRÍ5(2)
A33(19) B3902 B57{17) Bw6 DR16(2)
A34(10) B40 B58(17) DR17(3)

O número de alelos e, conseqüentemente, de antígenos HLA


detectáveis que cada pessoa pode apresentar varia de quatro a
um máximo de oito, sendo metade recebida da m ãe e metade do
pai.
A herança, devido à proximidade dos loci (plural de lócus, indi­
ca o lugar que o gene ocupa no cromossomo), é co-dominante, ou
seja, não há genes recessivos, e faz-se em blocos, o que leva os filhos
a apresentar apenas quatro combinações possíveis em relação aos
pais (vide esquema).
Graças ao acentuado polimorfismo (variação dentro de uma
população), o sistem a HLA é múito adequado à investigação
de paternidade, pois os. índices de exclusão ultrapassam 90%,
valor bastante significativo se com parado aos dos sistem as
ABO, Rh e MN.
Filhos

4 11.8. DNA
nJ A partir de meados da década de 80, com a descoberta, pela
§ equipe de Alec Jeffreys, de regiões variáveis do genoma humano, a
habilidade dos laboratórios periciais em identificar autores de crimes
I a partir de amostras de seus fluidos orgânicos cresceu enormemente.
O DNA (deoxyribonucleic acid) ou ADN (ácido desoxir-
0 ribonucléico), em português, é uma longa molécula, em forma de
a dupla hélice, encarregada da transmissão de informações genéticas
< de todos os seres vivos.
z
Ü A molécula do DNA é formada por duas longas fitas de susten­
Q tação, compostas por uma pentose (um açúcar — desoxirribose) e
LU
um grupo fosfato (P 0 4), qué se sucedem alternadamente. Unindo as
fitas de sustentação, temos quatro bases nitrogenadas, duas purinas
(adenina e citosina) e duas pirimidinas (timina e guanina), que, li­
gando-se entre si, dão a conformação de uma escada em espiral com
cerca de três bilhões de degraus.
Apenas uma pequena porção da molécula de DNA é responsá­
vel pela transmissão de nossas características genéticas. A maior par­
te, entretanto, não tem função conhecida (junk DNA).
Nessa ampla faixa de DNA de função indefinida existem pe­
quenas regiões, denominadas microssatélites ou minissatélites, for­
madas por pequenas seqüências de dois a seis pares de bases

233
nitrogenadas (nucleotídeos), que se repetem inúmeras vezes do co­
meço ao fim (short tandem repeat — STR).
Essas regiões apresentam um polimorfismo bastante acentua­
do, permitindo sua aplicação nos métodos de identificação com utili­
dade na área forense.
A análise começa com a extração do DNA da amostra. Como
geralmente a quantidade de DNA obtida é muito pequena, é preciso
multiplicar a amostra com um método conhecido como reação em
cadeia de polimerase (polymerase chain reaction) ou PCR.
Uma vez multiplicada a amostra, as cópias são submetidas à
eletroforese em gel de agarose e separam-se de acordo com os tama­
nhos. Para tornar os fragmentos visíveis usam-se marcadores radioa­
tivos, que sensibilizam uma chapa radiográfica, produzindo faixas
paralelas horizontais, similares a um código de barras, correspon­
dentes às frações identificadas pelas sondas.
No campo da identificação criminal, compara-se a amostra reti­
rada do local do crime com aquela obtida da pessoa suspeita. Se as
bandas forem correspondentes, a identificação é positiva.
Para a investigação de paternidade a questão é um pouco mais
complexa.
É sabido que o filho recebe metade de seu DNA da mãe e meta­
de do pai, visto que os garaetas (óvulo e espermatozóide) são células
haplóides (possuem a metade do número de cromossomos das de­
mais células do organismo).
Ao colocarem-se, lado a lado, as amostras de mãe, pretenso pai
e filho, cada fração existente no DNA do filho deve ser proveniente
do DNA da mãe ou do pai. Caso exista alguma faixa sem correspon­
dência, o exame terá excluído a paternidade.
Para a afirmação da paternidade, quando todas as. frações são
coincidentes, calcula-se o percentual de cada fração na população,
estabelecendo-se um cálculo estatístico de probabilidade.
No quadro abaixo temos, à direita, um quadro de probabilida­
des, ou seja, todas as frações identificadas no filho vieram do pai ou
da mãe. No quadro à esquerda, temos algumas frações que não
encontram correspondência nem na mãe, nem no indigitado pai

234
(setas pretas), o que leva à conclusão de que este é outra pessoa que
não o investigado.

Paternidade excluída Paternidade provável


Mãe Filho Pai Mãe Filho Pai
'<P

u rn m u m im iiro m w iim im in iii»

O exame do DNA, que pela sua precisão recebeu o nome de


impressão digital do DNA (DNAfingerprint), vem sendo questiona­
do quanto a sua exatidão. Algumas ponderações relacionadas com a
possibilidade de contaminação ou com as tabelas de freqüência gênica
utilizadas para o cálculo de probabilidade têm lançado dúvidas sobre
a infalibilidade inicialmente proclamada do exame. Em que pesem as
críticas, bastante ponderáveis, o exame do DNA ainda é dos mais
seguros no que toca à identificação criminal e determinação da pater­
nidade, com probabilidades que ultrapassam os 98% de certeza.

235
C a p ít u l o 7
TANATOLOGIA
A tanatologia médico-legal ou forense é o ramo da medicina
legal que estuda o morto e a morte, assim como os fenômenos dela
decorrentes.

1. CONCEITO DE M O RTE
Ainda que para nós, seres humanos, a morte se apresente como
um evento único, determinado, que ocorre em um instante preciso,
na verdade ela engloba uma série de transformações sucessivas que
se prolongam no tempo. A morte é um processo dinâmico e prolon­
gado.
Para Simonin, a morte constitui um processo que se inicia nos
centros vitais cerebrais ou cardíacos e se propaga, progressivamente,
a todos os órgãos e tecidos, ocorrendo inicialmente a morte funcional
e depois a morte tissular (apud, Zarzuela. O perito e as mortes violen­
tas, Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas
Unidas, 1991, p. 222).
O conceito mais simples de morte (morte clínica) e que não
mais corresponde à realidade é o de “cessação total e permanente das
funções vitais”, isto porque, no grau de desenvolvimento atual da
medicina, é possível, em várias situações, reverter o quadro e trazer
de novo à atividade um organismo cujas funções vitais haviam cessado.
Atualmente temos dois conceitos de morte mais precisos: a morte
circulatória, que corresponde à parada cardíaca irreversível, e a mor­
te cerebral, definida como a morte encefálica geral e não apenas da
porção cortical, ainda que o coração esteja em atividade. O conceito
de morte cerebral passou a ter grande importância com o advento
dos transplantes de órgãos e tecidos.
O Comitê de Ressuscitação e Transplante de Órgãos da Socie­
dade Alemã de Cirurgia, em trabalho de 1968, concluiu que há três

236
condições para determinar-se a realidade da morte (apud Zarzuela,
1991, p. 223):
“A. O cérebro está morto quando:
a) observam-se os sinais clássicos da morte ou
b) a depressão circulatória tenha provocado uma parada respira­
tória ou cardíaca que não responde a tratamento, no final de uma
doença incurável e progressiva ou no curso de uma perda gradual das
funções vitais;
B. a morte cerebral pode produzir-se antes que cessem os
batimentos cardíacos (traumatismos cerebrais); considerar-se-á que
o cérebro está morto depois de 12 horas de inconsciência com falta
de respiração espontânea, midrxase bilateral e EEG isoelétrico, ou
quando o angiograma revela cessação da circulação intracraniana
durante 30 minutos;
C. pode ocorrer que o coração pare e o sistem a nervoso cen­
tral esteja intacto ou com possibilidade de se recuperar. Convém
então iniciar a ressuscitação; se os batimentos cardíacos não
reaparecerem, pode-se dar por m orto o paciente; porém, se rea­
parecerem, inclusive sem se restabelecer a consciência ou a res­
piração espontâneas, deve-se seguir, aplicando as normas usuais
de assistência intensiva, até que fique demonstrada a morte ce­
rebral”.
Fala-se ainda em morte aparente, anatômica, histológica, rela­
tiva, intermédia e real.
A morte aparente é o estado em que na verdade o indivíduo
apenas parece morto em razão de baixa atividade metabólica e cir­
culatória. Há inconsciência, relaxamento muscular, respiração dimi­
nuída ou apnéia (falta de respiração). Para evitar o sepultamento aci­
dental nessas condições, a lei exige o decurso de 24 horas antes da
inumação.
Morte anatômica é a parada total e permanente de todas as fun­
ções orgânicas.
Morte histológica é a morte das células que compõem os vários
tecidos e órgãos. Como a morte ê um fenômeno que se protrai no

------- 237
tempo, é perfeitamente normal encontrarmos células vivas no cadá­
ver mesmo dias após a inumação.
M orte relativa é o estado de parada cardíaca reversível, em
que o organismo ainda não ultrapassou o “ponto de não retor­
no” , podendo, se subm etido à m assagem cardíaca oportuna,
retornar à vida.
Morte intermediária ou intermédia é a cessação progressiva das
atividades orgânicas sem que seja possível a recuperação da vida.
Morte real ou absoluta é a morte na acepção técnica da palavra,
a cessação de toda atividade biológica do indivíduo.
Na falta de aparelhagem especial para a determinação do
“momento da morte”, utiliza-se o conceito clássico de que ela
ocorre com a parada irreversível da respiração e circulação (morte
clínica).

2. TANATOGNOSE E CRONOTANATOGNOSE
Denominam-se tanatognose à parte da tanatologia forense que
estuda a realidade da morte e cronotanatognose à que se ocupa da
determinação do tempo em que ela ocorreu. Tanto uma como a outra
baseiam-se nos chamados fenômenos cadavéricos.

2.1. Fenômenos cadavéricos


Como vimos, a morte é uma sucessão de fenômenos que se pro­
longa no tempo. Não ocorre em um instante preciso, do quê decorre
a dificuldade de determinar o chamado momento da morte.
A fim de poder melhor estudar os fenômenos cadavéricos, que
nada mais são do que as várias transformações por que passa o corpo
na sua transição da vida para a morte,, Lorenzo Borri estabeleceu que
os fenômenos cadavéricos dividem-se em dois grandes grupos: os
abióticos, avitais ou vitais negativos, que podem ser observados
indiscriminadamente em todas as mòrtes, e os transformativos ou de
positivação da morte, que podem variar de caso a caso (apud Maria
Celeste Santos, Morte encefálica e a lei dos transplantes de órgãos,
1998, p. 11).

238
perda da consciência
imobilidade
relaxamento muscular
relaxamento dos esfíncteres
imediatos
parada cardíaca
ausência de pulso
parada respiratória
abióticos
insensibilidade

resfriamento do corpo
Fenômenos rigidez cadavérica
cadavéricos consecutivos hipóstases
livores cadavéricos
desidratação

autólise
{ putrefação

transformativos maceração
mumificação
saponificação
conservadores
] calcificação
corificação
l
2.2. F enôm enos cadavéricos abióticos im ediatos
Os fenômenos cadavéricos abióticos imediatos não são si­
nais de certeza em que pode basear-se o médico para afirmar a
ocorrência de morte. Há várias manobras preconizadas por inú­
meros autores para, nessa fase, obter-se o diagnóstico de morte
recente ou im ediata. As m ais com uns são a auscultação, a
eletrocardiografia e a prova de fluoresceína de Icard (injeção de
certa quantidade de fluoresceína por veia endovenosa. Se ainda
houver vida, após alguns minutos a pele e as mucosas adquirem
coloração amarelada).
Ainda, como fenômeno abiótico imediato, temos a fácies
hipocrática, face hipocrática, ou máscara da morte, para indicar
o aspecto do rosto e a expressão fisionômica do cadáver, em de­
corrência da perda do tônus muscular, descrita como “fronte

239
enrugada e árida, olhos fundos, nariz afilado com orla escura, têm­
poras deprimidas, vazias e enrugadas, orelhas repuxadas para cima,
lábios caídos, maçãs deprimidas, queixo enrugado e seco, pele
seca e lívida, cílios e pêlos do nariz e das orelhas semeados por
poeira brancacenta, semblante carregado e desconhecido” (Fran­
ça, 1998, p. 307).

2.3. Fenômenos cadavéricos abióticos consecutivos


Os fenômenos cadavéricos abióticos consecutivos têm uma
maior importância na determinação do momento da morte.

2.3.1. Resfriamento do corpo — algidez cadavérica


O resfriamento do cadáver, também chamado de algidez ca­
davérica, depende de vários fatores, como temperatura do corpo no
mom ento da morte, temperatura e umidade ambientes, idade,
panículo adiposo, vestimentas e outros. Assim, crianças e velhos
esfriam mais rapidamente que os adultos, os obesos mais lentamente
que os magros, os vestidos mais lentamente que os com menos pe­
ças de roupas etc.
Há grande divergência, entre os autores, quanto à velocidade de
perda de calor.
Delton Croce (1998, p. 353) indica que o corpo resfria, em
regra, cerca de 0,5 °C nas primeiras 3 horas e em seguida 1°C por
hora até encontrar o equilíbrio térmico com o meio, o que ocorre,
para uma temperatura ambiente de 24 °C, em aproximadamente 20
horas para crianças e velhos e 24 a 26 horas para um adulto de
compleição média. v
Flamínio Fávero (1975, p. 544), desconsiderando outros fato­
res que não os ambientais, aponta, para o nosso meio, um declínio
médio de temperatura de 1,5 °C por hora. No mesmo sentido os
trabalhos de Glaister, qüe propôs uma fórmula para o cálculo da
hora aproximada da morte, baseada no mesmo decréscimo médio
de 1,5 °C por hora (in Zarzuela, 1996, p. 55):

240
Temperatura retalI ] _ ^TemperaturaretalncA
Tempo '
média = 37 °C J “ tmomento do exame j

1,5
aproximado da
morte em horasj

2.3.2. Rigidez cadavérica


A rigidez cadavérica instala-se em razão do aumento do teor de
ácido lático nos músculos e conseqüente coagulação da miosina.
Segundo a Lei de Nysten, atinge inicialmente a musculatura da
mandíbula, para em seguida comprometer os músculos do pescoço,
do tórax, membros superiores, abdome e membros inferiores.
Em regra, a rigidez inicia-se de 3 a 5 horas após o óbito, insta­
la-se completamente entre 8 e 12 horas e permanece por um perío­
do de 12 a 24 horas, quando a musculatura retorna ao estado de
flacidez. Excepcionalmente pode ser observada até 3 dias depois da
morte.
Luiz Eduardo Dorea adverte que, como a variação é relativa­
mente grande, o cálculo da hora da morte com base na rigidez cada­
vérica deve ser sempre aproximado (Fenômenos cadavéricos tes­
tes simples para cronotanatognose, 1995, p. 21).
Htn alguns casos, e por razões não perfeitamente explicadas,
mas freqüentemente associadas às mortes rápidas e violentas, a rigi­
dez cadavérica pode instalar-se de maneira abrupta. Trata-se do cha­
mado espasmo cadavérico, rigidez cataléptica, plástica ou estatuária
(Croce, 1998, p. 354). Nesses casos, o cadáver assume a posição em
que estava no momento de transição da vida para a morte.
Os raros casos de espasmo cadavérico são de grande valia para
a perícia, porque demonstram com segurança a dinâmica assumida
pela vítima no instante do óbito. A foto mostra o cadáver segurando
uma faca, na posição exata do “momento da morte”, em demonstra­
ção inequívoca da ocorrência do espasmo.

241
Há, finalmente, uma espécie de rigidez que pode ser observada
ainda em vida, nos casos de intoxicação por estricnina, nos vitima­
dos por tétano ou ainda quando a morte decorre de grandes lesões do
sistema nervoso central.

2.3.3. Livores cadavéricos e hipóstases


Cessada a circulação, o sangue, pela ação da gravidade, tende a
depositar-se nas partes mais baixas do corpo, de acordo com a posi­
ção do cadáver.
Essas coleções sangüíneas, encontradas dentro dos órgãos, ca­
vidades e partes baixas do corpo, são denominadas hipóstases,
cutâneas ou viscerais, e caracterizam-se, externamente, por apresen­
tar coloração vermelho púrpura.
Em contrapartida, nas áreas opostas, superiores, e naquelas onde
o corpo está pressionado contra um anteparo ou premido por algum
baraço mecânico (cintos, laços ou a própria vestimenta apertada),
surgem áreas mais claras, lívidas, denominadas livores cutâneos ou
livores paradoxos (França, 1998, p. 308).
Tanto os livores quanto as hipóstases surgem em torno de 2 a 3
horas após a morte. Passadas 8 a 12 horas, fixam-se, em razão da
coagulação do sangue, .no interior dos capilares, para não mais mu­
dar de posição, ainda quê ò corpo tenha sua colocação alterada. Tem
grande importância na determinação da posição do cadáver no mo­
mento do óbito.

242
Na raça negra os livores cutâneos são dificilmente observados
à vista desarmada, sendo constatados somente com o uso de
colorímetro. Em recém-nascidos as hipóstases cutâneas costumam
ser muito evidentes, o que, freqüentemente, faz com que leigos, ao
visualizar o corpo da criança, pensem, que ela sofreu agressões por
parte dos genitores.

2.3.4. Desidratação
A evaporação da água que integra o organismo vivo, com o pas­
sar do tempo, leva a uma perda gradativa de pesô, que varia de indi­
víduo para indivíduo, e é mais acentuada nos recém-nascidos, osci­
lando de 8 g a 18 g por quilo de peso ao dia.
Observa-se, também, em decorrência da desidratação, o
pergaminhamento da pele, a dessecação das mucos as e uma diminui­
ção do tônus do globo ocular. Na esclerótica surge uma mancha
enegrecida denominada livor esclerorotinae nigrencens ou sinal de
Sommer & Lacher.
2.4. Fenômenos cadavéricos transform ativos
autólise

Fenômenos transformativos
Í putrefação
maceração

mumificação
saponifícaçao
conservadores calcificação
corificação

2.4.1. Autólise (transforraativo destrutivo)


Com a morte, e cessada a circulação, as células deixam de rece­
ber os nutrientes necessários à manutenção dos fenômenos biológi­
cos. O meio orgânico, que em vida era neutro, passa a ser ácido,
tomando impossível a realização dos fenômenos vitais. Com a alte­
ração do pH e pela ação da pressão osmótica, as membranas celula­
res rompem-se, desintegrando os tecidos.
A acidificação dos tecidos, sinal evidente de morte, pode ser compro­
vada por várias provas laboratoriais com o uso de indicadores químicos:

Sinal de Labord Introduz-se uma agulha de aço no tecido por cer­


ca de 30 segundos. Se permanecer brilhando com­
prova-se a morte.
Sinal de Lecha-Marzo Coloca-se um pedaço de papel de tomassol por
debaixo da pálpebra para verificar a acidez
indicadora do óbito, caso em que o papel ficará
vermelho.
Sinal de Silvio Rebelo Introduz-se um fio embebido em azul de bromo-
timol em uma dobra de pele. Se o meio for ácido,
a coloração tenderá ao amarelo.
Sinal de forcipressão física Comprime-se uma prega de pele com uma pinça.
de Icard No morto a prega irá persistir, enquanto no vivo
se desfará. 1
Sinal de forcipressão quími­ Mede-se, com papel de tomassol, a acidez da se­
ca de Icard creção serosa que escorre da prega de pele
pinçada.'-
Sinal de De-Dotninicis Raspa-se levemente apele do abdome e mede-se
\ a acidez com papel de tomassol.
S inal de B risse m o re t é Retiram-se, por punção, fragmentos do fígado e
Ambard do baço e verifica-se a acidez com papel de
tomassol.

244
2.4.2. Putrefação (transformativo destrutivo)
A putrefação começa logo após a autólise pela ação de germes
aeróbicos e anaeróbicos. Inicia-se, geralmente, no intestino grosso,
dando origem à chamada mancha verde abdominal, e espalha-se pelo
organismo.
Embora exista uma variação muito grande na marcha da putre­
fação, dependendo do local em que o cadáver está colocado ou mes­
mo da causa mortis, a putrefação obedece 4 fases:

fase da coloração
Putrefação fase gasosa
fase coliquatíva
esqueletização

A fase da coloração surge entre 20 e 24 horas após a morte e


pode durar até 7 dias. Tem início pela mancha verde abdominal loca­
lizada na fossa ilíaca direita (ceco), difundindo-se por todo o corpo.
Nos afogados o período de coloração tem início na cabeça e parte
superior do tórax.
A fase gasosa decorre dos gases da putrefação que são forma­
dos no interior do corpo e fazem com que o cadáver adquira uma
aparência de agigantamento, comprotrusão da língua e inchaço dos
genitais (particularmente da bolsa escrotal, no sexo masculino). A
epiderme destaca-se e há uma grande quantidade de bolhas com con­
teúdo sero-sanguinolento {flictenas putrefativos). O sangue é força­
do para a periferia, dando origem ao desenho dos vasos na superfície
da pele (circulação póstuma de BrouardeT).
A fase gasosa tem início de 2 a 7 dias após o óbito e pode durar
de 7 a 30 dias.
A fase coliquatíva é a dissolução do cadáver pela ação das bac­
térias e da fauna cadavérica. Pode durar de um mês a dois ou três
anos e finda com a esqueletização, que é a redução do cadáver às
suas partes ósseas.
Os cabelos e os dentes resistem mais tempo à destruição, mas,
assim como os ossos, também são destruídos, reduzidos a pó.

245
Protusão
Circulação póstuma da língua
de Brouardel
Agigantamento

Flictenas
putrefativoa

Inchaço dos
genitais

Mancha verde
abdominal

I - Fase da coloração II - Fase gasosa

III - Fase coliquativa |V - Esqueletização

246
As fotos mostram corpos mis fíiscs de csqueletização c gasosaf
respectivamente.

2.4.3. Maceraçâo (transformativo destrutivo)


A maceraçâo é um fenômeno transformativo destrutivo obser­
vado basicamente em duas situações: nos submersos em meio líqui­
do contaminado (maceraçâo séptica) e nos fetos retidos a partir do 52
mês de gestação (maceraçâo asséptica).
Na maceraçâo os ossos soltam-se dos tecidos, o abdome achata-
se e o tegumento desprende-se sob a forma de largos retalhos.

2.4.4. Saponitícação ou adipocera (transformativo conservador)


A saponificação ou adipocera é um fenômeno transformativo
conservador em que o cadáver adquire consistência untuosa e mole
como sabão ou cera. Normalmente a saponificação atinge apenas
partes do cadáver, podendo, entretanto, afetar todo o corpo.
A saponificação é um fenômeno que se inicia já quando o corpo
se encontra em adiantado estado de putrefação e é facilitado por so­
los argilosos onde não há muita aeração.

247
2.4.5. M u m ific a ç ã o (transformativo conservador)

A mumificação é um processo
conservativo que pode ser natural ou
artificial.
N a m um ificação artificial,
os corpos são subm etidos a pro­
c e sso s e sp e c ia is d e stin a d o s à
conservação do corpo, como, por
exem plo, as m úm ias dos faraós
egípcios.
O processo n atu ral ocorre
quando as condições clim áticas
favorecem uma rápida desidrata­
ção do corpo, im pedindo a ação
das bactérias que levam à putre­
fação.

2.4.6. Calcificaçao (transformativo conservador)


A calcificação é um fenôm eno transfprm ativo conserva­
dor que atinge fetos retidos na cavidade abdominal, em decor­
rência de rotura de gestação tubária, e que passam por uma
incrustação de sais de cálcio, adquirindo uma aparência pétrea
(litopédio).
Excepcionalmente o fenômeno pode ser observado nas partes
moles do cadáver de um adulto.

2.4.7. Corificação (transformativo conservador)


A corificação 6 um fenômeno transformativo conservador ob­
servado em corpos encerrados em caixões metálicos hermeticamente
fechados, principalmente de zinco.

248
Preservado o corpo da decomposição, a pele assume a colora­
ção e o aspecto de couro curtido. As vísceras e a musculatura perma­
necem conservadas, mas amolecidas (França, 1998, p. 314).

3. FAUNA CADAVÉRICA

De extrema importância para a determinação da cronologia da


morte, particularmente nos corpos deixados ao ar livre, o estudo da
fauna cadavérica baseia-se na especificidade demonstrada por algu­
mas espécies animais por certa fase da decomposição do corpo.
Para alguns autores, a fauna cadavérica é composta de todos os
organismos vivos que concorram para a destruição do cadáver. Para
outros, abrange apenas os insetos que vivem do corpo em sua fase
larvar.
Flamínio Fávero (1975, p. 575) identifica três faunas distintas,
de acordo com o local onde o corpo é deixado: fauna ao ar livre,
fauna dos túmulos e fauna aquática.

3.1. Fauna ao ar livre


Segundo Mégin, os “trabalhadores da morte” atacam o corpo
deixado ao ar livre em oito legiões consecutivas (apud Fávero, 1975,
p. 577-583):

Ordem Gênero Espécies encontradas Época

Ia Legião Musca Musca doméstica 8 a 15 dias


Calliphora Musca stabulans
Calliphora vomitória

2a Legião Lucillia Lucillia coesar 15 a 20 dias


Sarcophaga Sarcophaga cam aria
Cynominia Sarcophaga arvensis
Onesia Sarcophaga laticrus
Cynomia mortuorum

3a Legião Dermestes Dermestes lardarius 3 a 6 meses


Dermestes frischii
Dermestes undulatus
Dermestes pinguinalis

249
Ordem Gênero Espécies encontradas Época

4“ Legião Pyophila Pyophila petasionis


Ánthomya Ánthomya vicina
Necrobia Necrobia coeruleus
(besouros) Necrobia ruficollis
10 meses
5 a Legião Tyreophora Tyreophora cynophila
Lonchea Tyreophora furcata
Ophyra Tyreophora antropophaga
Phora Lonchea nigrimana
. Necrophorus Ophyra cadaverina
Silpha Phora aterrima
Hister Necrophorus humator
Saprínus Silpha littoralis
Silpha obscura
Hister cadaverínus
Saprínus rontodatus

6a Legião Uropoda Uropoda nummularia 1 ano


Tyroglyphus Tyroglyphus cadaverínus
Glyciphagus Glyciphagus cursor
Trachynotus Glyciphagus spinipes
Coepophagus Trachynotus siro
Trachynotus longior
Trachynotus necrophagus
Coepophagus echinopus

7a Legião Aglossa Aglossa cuprealis 1 a 2 anos


Tineola Tineola biselliela
Tmea Unea pellionela
Attagenus Attagenus pellio
Anthrenus Antherenus museorum

8a Legião Tenebrius Tenebrius obscurus cerca de 3 anos


Ptinus Ptinus bruneus
3.2. Fauna dos túmulos
A fauna dos cadáveres inumados ou fauna dos túmulos é bem
menos exuberante que aquela encontrada nos cadáveres insepultos. Em
termos de cronotanatognose, é possível determinar o tempo de
enterramento pelo número de gerações encontradas e não propriamen­
te pela existência de legiões, como nos corpos deixados ao ar livre.
Oscar Freire classificou a fauna dos túmulos conforme o qua­
dro abaixo:

Classe Ordem Gênero Espécie

Sarcophaga chrysostoma
Sarcophaga georgina
Sarcophaga Sarcophaga tesselata
Diptera Synthesiomyia Synthesiomyia brasiliana
(moscas e Chrysomyia Chrysomyia macellaria
mosquitos) Lucillia Lucillia eximia
Ophyra Lucillia pútrida
Lucillia segmentaria
Ophyra senescens

Hister Hister sp
Hexapnda Saprinus Saprinus azureus
(insetos) Dermestes Dermestes sp
Coleóptera
Necrobia Necrobia ruficollis
(escaravelhos)
Silpha Necrobia rufipes
Deltochium Silpha cayannensis
Deltochium brasiliensis

Lepdoptera
Aglossa Aglossa cuprealis
(mariposas)

Hymenoptera
(insetos com asas Camponotus Camponotus abdominales
membranosas)

Arachnoidea
(aranhas, Grande quantidade de ácaros similares
Acari
ácaros e àqueles encontrados nos corpos insepultos
escorpiões)

251
3 .3 . Fauna aquática
Os corpos encontrados imersos em água doce ou salgada costu­
mam apresentar inúmeras lesões produzidas por mamíferos (lontras
e eventualmente ratos), aves (urubus e gaivotas), peixes (diversas es­
pécies) e crustáceos (lagostas, caranguejos e siris).

4. PRIM O RIÊNCIA E COMOR1ÊNCIA


Quando duas pessoas morrem simultaneamente, sem que se
possa indicar qual faleceu primeiro, temos a hipótese de comoriência.
Quando é possível determinar quem primeiro veio a óbito, dizemos
que ocorreu a primoriência.
O Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) trata da
comoriência em seu art. 8a (antigo art. 11):

cc
Art, 8a S e dois oa mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo
averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simul­
taneamente mortos.

A determinação da cronologia de mortes muito próximas, quando


possível, tem enorme importância em questões sucessórias. Por essa
razão, a lei civil, sabiamente, não permitiu qualquer presunção no
sentido da primoriência, mas apenas da comoriência.
Se o exame pericial dos corpos puder, sem sombra de dúvidas,
determinar aquele que primeiro veio a óbito, estabelece-se a ordem
sucessória em favor de seus descendentes, caso contrário, presumir-
se-ão mortos no mesmo instante.

5. DIAGNÓSTICO JU R ÍD IC O DÂ M O RTE — ASPECTOS


GERAIS
Uma das principais funções dô estudo da medicina legal, parti­
cularmente da tanatologia, é a classificação jurídica da morte, ou
seja, se ocorreu homicídio, suicídio òu morte acidental.
Os óbitos provocados por causas naturais, sejam rápidos ou len­
tos, salvo implicações sucessórias, não oferecem dificuldade aos pe­
ritos ou à justiça.

252
A s mortes flagrantemente violentas também são de fácil diag­
nóstico. A dificuldade repousa nos casos em que a violência não é
evidente (mortes suspeitas) e, por tal, reclamam exame mais acurado.
Canger Rodrigues propõe vim quadro sinótico com as possíveis
ocorrências (Morte súbita e morte suspeita em medicina legal, Ciên­
cia Penal 1 , 1973, p. 9-53):

5.1. Morte suspeita súbita e morte por inibição (reflexo de


Hering)
As mortes súbitas, em que não há violência manifesta, são con­
sideradas suspeitas apenas por serem inesperadas, imprevisíveis.
Nesses casos é muito importante que se faça uma boa análise dos
antecedentes (comemorativos), que sempre podem fornecer subsí­
dios ao diagnóstico.
As causas são diversas, como, por exemplo, distúrbios cardio-
vasculares, problemas respiratórios, reações anafiláticas, fadiga etc.

253
importantes ocorrências de morte súbita é a cha­
U m a d a s m a is
mada morte reflexa por inibição vagai (reflexo de Hering), em que o
óbito ocorre de forma absolutamente inesperada, em decorrência de
inibição cardiorrespiratória, sem que se possa encontrar uma causa
determinante convincente.
Sabe-se que existem algumas pessoas com maior predisposição
ao fenômeno por exacerbação dos reflexos inibidores e que é preciso
alguma excitação externa, de natureza física, química ou psíquica, agin­
do sobre os centros nervosos através de algumas áreas do corpo deno­
minadas zonas reflexógenas ou zonas-gatilho (Rodrigues, 1973, p. 33).
Para que se considere a morte com tendo possível causa inibitó-
ria, são necessárias três condições:
a) morte súbita e inesperada de pessoa sadia, geralmente por
parada cardiorrespiratória;
b) traumatismo ou irritação periférica, de pequena monta, sobre
certas partes do corpo; e
c) ausência de lesões capazes de justificar o óbito.
O quadro a seguir mostra as principais zonas reflexógenas:
Vias aéreas superiores:
• inalação de gases irritantes
• penetração súbita de liquido nas narinas

Pescoço (taringe e seio carotídeo):


• golpes:
• tentativa de estrangulamento ou esganadura
• enforcamento

Cavidade torácica:
• excitação da pleura e corpos aérticos.

Região epigástrica (plexo solar):


• golpes.

Cavidade abdominal:
•tração de atças intestinais sob anestesia superficial
• excitação do peritânio nas mesmas condições

Genitais:
• compressão ou golpes nos testículos:
• lavagens vaginais.
• manobras aborlivas

254 -------
A morte por inibição é quase sempre acidental (quedas, mano­
bras cirúrgicas), podendo, eventualmente, ter origem criminosa (es­
trangulamento, esganadura, golpes de artes marciais etc.).

5.2. Morte suspeita de violência oculta


Dá-se quando os corpos não mostram lesões externas, mas po­
dem ocultar algum tipo de lesão, como traumatismos, envenenamen­
tos, sevícias ou outros sinais que, comprovados, alteram a natureza
jurídica da ocorrência.
Tais mortes são, normalmente, classificadas pela autoridade
policial, ao requisitar os exames periciais, como morte a esclarecer
ou encontro de cadáver.
Nesse grupo podem ser incluídos os corpos em adiantado esta­
do de decomposição.

5.3. Morte suspeita de violência indefinida


Aqui a violência existe e é evidente, mas o exame externo não
permite determinar com precisão a causa das lesões e, por conse­
qüência, o diagnóstico jurídico do evento.
Um bom exemplo é o de corpos atingidos por composições fér­
reas. A grande extensão das lesões pode mascarar outras, produzidas
antes do atropelamento.

5.4. Morte suspeita de violência definida


O corpo mostra lesões externas perfeitamente definidas quanto
à sua causa, mas a etiologia jurídica do evento permanece obscura.
O encontro de um corpo na água, afogado, embora aponte no
sentido de morte acidental, não permite que se descartem as hipóte­
ses de suicídio e homicídio.

5.5. Morte de infortúnio do trabalho


A dúvida, nestes casos, recai sobre o nexo causai entre a ativi­
dade laborativa e ás lesões observadas, sendo indispensável a realiza­
ção da necropsia.

255
6. O EXAME M ÉDICO-LEGAL
A técnica tanatológica compreende várias fases, que vão des­
de a análise do local onde ocorreu o óbito até os exames
laboratoriais complementares, com o objetivo de determinar a
causa mortis e, se possível, contribuir para o esclarecimento da
natureza jurídica do evento (morte natural, acidental, suicida ou
criminosa).
H ilário Veiga de Carvalho descreve as fases do exame
tanatológico da forma como segue:

história do fato
história da vítima
pennecroscopia < história do suposto agressor
exame do local (peritos
criminais)
Exame
Diagnóstico
tanatológico
necroscopia completa

histológicos
exames complementares químicos
outros

6.1. Necropsia (autópsia)


Os termos necropsia e autópsia designam o exame que se
realiza no cadáver, interna e externamente, com a finalidade de
determinar a causa da morte. O vocábulo autópsia, derivado do
grego autópsia, que para alguns autores significa exame em si
mesmo, encontra-se em desuso, sendo mais adequado utilizar
necropsia. ,

6.1. 1. Técnica
Na necropsia médico-legal procede-se, inicialmente, a uma mi­
nuciosa inspeção externa, em que são analisados sexo, compleição
física, estado de nutrição, presença de cicatrizes e tatuagens, defor­
midades, ferimentos externos etc.

256
Durante a inspeção externa, as vestes devem receber especial
atenção, principalmente em relação a manchas, orgânicas ou não, e
soluções de continuidade.
No caso de existirem ferimentos produzidos por projéteis de
arma de fogo, o perito deve verificar se resíduos do disparo chegaram
a depositar-se sobre as peças de vestuário.
Em seguida, passa-se para a inspeção interna, com o exame das
cavidades torácica e abdominal, órgãos do pescoço (laringe, traquéia,
tireóide e esôfago), cavidade vertebral, cavidade craniana e cavida­
des acessórias da cabeça (órbitas, fossas nasais, ouvidos e seios fron­
tais, maxilares e esfenoidais).
Os diversos sistemas orgânicos são examinados individualmen­
te e, sendo necessário, colhidas amostras dos órgãos e fluidos orgâni­
cos para exames laboratoriais complementares.
Finalm ente, depois de minucioso exame e coleta de mate­
rial, o corpo é recomposto para ser entregue aos familiares e
inumado.

6.1.2. Necropsias brancas


Mesmo dispondo os médicos-legistas dos meios científicos ade­
quados, existem inúmeras situações em que, apesar do avanço da
ciência, não é possível esclarecer a causa mortis. São as chamadas
necropsias brancas, que ocorrem, por exemplo, em casos de envene­
namento nos quais a dosagem ou natureza da substância utilizada é
suficiente para determinar a morte, mas não para permitir a detecção
do agente.
Canger Rodrigues (1973, p. 35) lembra, entretanto, que o
diagnóstico de morte indeterminada “só é plenamente aceitável
após autópsia completa, uma vez esgotados todos os meios de in­
vestigação, devendo o exame do cadáver ser negativo, sob todos
os aspectos”.
Os esquemas seguintes mostram as principais etapas da necropsia
médico-legal.

257
Abertura das cavidades
torácica e abdom inal por Retirada do plastrão condroestemal
incisão mento-pubiana para acesso aos órgãos da
cavidade torácica

258
VI Incisão bímastóídea vertical
e rebatlmento do couro cabeludo.

VIII Recomposição do corpo


para inumação

259
C apítulo 8
TOXICOLOGIA FORENSE V
j?

1. CARACTERÍSTICAS GERAIS
Vimos que os tóxicos (ou venenos) podem ser conceituados como
substâncias de qualquer natureza que, uma vez introduzidas no orga­
nismo e por ele assimiladas e metabolizadas, podem levar a danos na
saúde física ou psíquica, inclusive à morte, na dependência da dose e
via de administração utilizada.
Drogas tóxicas ou substâncias psicoativas são aquelas “subs­
tâncias químicas, naturais ou sintéticas, que têm a capacidade de
agir sobre o sistema nervoso central, com tendência ao tropismo
pelo cérebro que comanda o corpo, alterando a normalidade mental
ou psíquica, desequilibrando a conduta e a personalidade” (Croce,
1998, p. 546).
Os termos toxicomania e toxicofilia definem o hábito do uso
regular de drogas. Segundo o Comitê de Peritos da Organização
Mundial de Saúde, compreendem “um estado de intoxicação crô­
nica ou periódica, prejudicial ao indivíduo e nociva à sociedade,
pelo consumo repetido de determinada droga, seja ela natural ou
sintética” .
Atualmente usam-se os termos drogadito e drogadição, lamen­
táveis estrangeirismos derivados do inglês drug addict, para desig­
nar, respectivamente, o toxicômano e a toxicomania. Note-se que,
desde 1964, a Organização Mundiàl de Saúde já recomendava o uso.
das expressões dependência (dependence) e drogas que induzem de­
pendência (dependence producting drugs) em substituição a adição
(addiction) e hábito (habituation).
As toxicofilias têm as seguintes características gerais:

260
a) com pulsão — necessidade invencível de consumo do.
fármaco;
b) tolerância — tendência a aumentar paulatinamente a dosa­
gem para a obtenção dos mesmos efeitos;
c) dependência —■física ou psíquica, com tendência ao
desencadeamento de crises de abstinência ante a privação da
droga.

2 . FARMACODEPENDÊNCIA
A farmacodependência ou simplesmente dependência, segun­
do a Organização Mundial de Saúde, pode ser definida como “um
estado psíquico e às vezes físico causado pela interação entre um
organismo vivo e um fármaco; caracteriza-se por modificações do
comportamento e outras reações que compreendem sempre um im­
pulso irreprimível para tomar o fármaco, em forma contínua ou pe­
riódica, afim de experimentar seus efeitos psíquicos e, às vezes, para
evitar o mal-estar produzido pela privação. A dependência pode ser
ou não acompanhada de tolerância. Uma mesma pessoa pode depen­
der de um ou mais fármacos”.
É um verdadeiro estado de escravidão da pessoa à droga, po­
dendo ser de natureza/zjica ou psíquica.
A dependência psíquica é caracterizada pela compulsão em con­
sumir a droga de maneira periódica ou contínua, quer para a obten­
ção de prazer, quer para alívio de um mal-estar.
A dependência física é marcada pelo surgimento de transtornos
de natureza física ou pela síndrome de abstinência, quando a droga
não é consumida.

3. CLASSIFICAÇÃO
Drogas, entorpecentes ou psicotrópicos são compostos quími­
cos, naturais ou não, que, agindo sobre o cérebro, produzem estados
de excitação, depressão ou alterações variadas no psiquismo.

261
A Lei n. 1 1 .3 4 3 , de 2 3 de agosto de 2006, alterou a tradicional
expressão “substância entorpecente ou que determine dependência
física ou psíquica” pelo termo “drogas” (art. I 2, parágrafo único),
alteração, aliás, que já havia sido introduzida pela revogada Lei n.
10.409, de 11 de janeiro de 2002, mas que não chegou a ser utiliza­
da em razão do veto ao Capítulo III, que tratava dos crimes e das
penas.

Lein. 11.343/06
Art. 1“ ...
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substân­
cias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei
ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da
União.

Não houve modificação, porém, no critério de definição, que


continua remetendo os produtos e substâncias capazes de causar de­
pendência às relações publicadas e atualizadas periodicamente pelo
Poder Executivo da União, ou seja, a Lei n. 11.343/06 é expressa­
mente uma lei penal em branco.
Como bem lembram Greco Filho e Rassi, a nova Lei de
Drogas optou pela pior solução, pojrque, “se a droga nova, não
relacionada pela Secretaria de Vigilância Sanitária do M inisté­
rio da Saúde, for difundida no Brasil, a despeito das piores e
mais .funestas conseqüências que possa gerar para a saúde públi­
ca, causando dependência física ou psíquica, não sofrerá repres­
são penal em virtude da sistem ática mantida” (Lei de Drogas
anotada, 2007, p. 13).
Deley e Deniker, dois farmacologistas franceses, agruparam os
psicotmpicos em três grandes griipos, os psicolépticos, os psica-
nalépticos e os psicodislépticos (Vargas, Manual de psiquiatria fo ­
rense, 1990, p. 182). -
A esses três grupos principais alguns autores acrescentam um
quarto, o dos pampsicotrópicos.
No grupo dos psicolépticos temos as drogas que deprimem o
sistema nervoso. São sedativos que reduzem a motricidade e a sensi­
bilidade, diminuindo as emoções e o raciocínio. Dividem-se em
hipnosedativos, tranqüilizantes e neurolépticos.
Entre os hipnosedativos (barhitúricos) e os tranqüilizantes va­
mos encontrar as prin cip ais fontes de farm acodependência
iatrogênica (provocada pelo médico), particularmente em relação a
indutores do sono e similares, por vezes receitados indiscrimina­
damente.
Os neurolépticos não representam risco para a saúde públi­
ca. Utilizados como anestésicos, dificilmente causarão depen­
dência.
Os psicanalépticos são os estimulantes do sistema nervoso cen­
tral, que levam à euforia, prolongam o estado de vigília e causam a
sensação de um incremento da atividade intelectual. Destacam-se
nesse grupo as anfetaminas e os anorexígenos, também fonte de
farmacodependência iatrogênica.
Os psicodislépticos produzem uma dissociação do psiquismo
levando a alucinações e delírios. Nesse grupo de drogas é que vamos
encontrar os tóxicos socialmente mais importantes, como álcool, co­
caína e maconha.
Algumas dessas drogas são normalmente utilizadas em rituais
religiosos (chá do Santo Daime, p. ex.), pela sensação de liberação
do ego e idéia de uma nova dimensão para a consciência.
Por derradeiro, temos os pampsicotrópicos. São drogas moder­
nas, utilizadas como anticonvulsivantes, mas que podem induzir de­
pendência física ou psíquica. Têm aplicação clínica em determinados
estados de angústia e depressão, devendo ser administrados sempre
sob supervisão médica.
Os esquemas a seguir, baseados em similares propostos pelo Prof,
Protásio de Carvalho (A didática dos tóxicos, 1977, p. 30), indicam as
principais substâncias psicotrópicas de cada grupo:

263
secobarbital
amobarbital
barbitúricos
hipnossedativos fenobarbital
pentobarbital

não barbittíricos — kctamina

clorpromazina e outros derivados feiiotiazínicos


procloipemazina e outros derivados
neurolépticos
butiferona: haloperidol
tioxanteno: Ro 4-0403
Psicolépticos ■
hidroxina
{ benactizina

azaciclonol
tranqüilizantes
nnorrelaxarites com [
atividade neurossedativa | ciOIidiaZepóxido

miorrelaxantes sem j mefenezina


atividade neurossedativa 1 clorzoxazona

derivados do álcool propflico


timolépticos ou
ansiolíticos { benzodiazeplnicos

substâncias químicas heterogêneas


anfetamina
aril-alquilaminas dextro-anfetamina
simpatomiméticas fentermina
MDMA (ecstasy), ICE

pipradrol

Psicanalép ticos
Í metilfenidato

facetoperano

psicotônicos tó b id o ^ s d a i S á ?
monoamwoxidase j feúUm iropiM clraím a

derivados r~ ,
oxazolidíaicos J f? ox‘!zo f _
e canfânicos jeülannno-feml-norcanfano

cafeína
acetato de desoxicorticos-
outros compostos terona
deanol
centrofenoxina

264
álcool
ópio, heroína e morfina
euforizantes <
cocaína
óxido nitroso

mescalina
psicodislépticos
bufotenina
adrenolutina
alucinógenos ou
psilocibina
despersonalizantes
estramônio
maconha
LSD 25 (dietilaniida do ácido lisérgico)

clorprotixeno
Fampsicotrópicos
{ trimeprina

4. PRINCIPAIS DROGAS
Algumas drogas, pela sua importância, merecem rápido destaque.

4.1. Barbitáricos
Barbitúricos são substâncias químicas derivadas da composi­
ção sintética entre uréia e ácido malônico (maloniluréia), psicolépticos
de ação depressora sobre o sistema nervoso central, destacando-se,
entre outros: barbital (Veronal), alobarbital (Dial), amobarbital
(Am ital), fe n o b a rb ita l (G ardenal), secobarbital (Seconal),
pentobarbital (Nembutal) e tiopental (Pentotal).
Clinicamente são indicados no tratamento de quadros epilépti­
cos, ansiedade e insônia òu como anestésicos de eleição para entubação
e procedimentos cirúrgicos rápidos.
Utilizados nas doses terapêuticas recomendadas e sob supervi­
são médica, não costumam causar qualquer problema ao paciente.
Entretanto, usados indiscriminadamente, podem induzir tolerância e
dependência física e psíquica.
As intoxicações agudas são geralmente de origem suicida, e a
dose letal é cerca de vinte vezes superior à habitualmente usada. Os
sintomas incluem sonolência, hipotensão arterial, coma e morte
(Zacharias, 1991, p. 54).

265
-
Nas intoxicações crônicas, toxicomania ba.rbitu.rica, há uuia.
com pleta transformação do viciado, que se tom a apático e passa a
descuidar da aparência e higiene pessoais. Nos casos mais avança­
dos, temos incoordenação motora, perda de memória, dificuldade na
fala (disartxià), confusão mental, inconsciência, convulsões e even­
tualmente morte.

4.2. Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos pertencem a um grupo de substâncias uti­
lizadas como tranqüilizantes e ansiolíticos e foram introduzidos no
m ercado farm acêutico como uma alternativa mais segura aos
barbituricos. Estão entre os medicamentos mais utilizados no mundo
todo, sendo considerados um problema de saúde pública nos países
mais desenvolvidos.
Como exemplos de medicamentos à base de benzodiazepínicos
poderíamos citar: Aniolax, Bromazepam, Calmociteno, Clorazepam,
Diazepam, Dienpax, Flunitrazepam, Flurazepam, Frontal, Lexotan,
Lorazepam, Lorax, Nitrazepam, Psicosedin, Rohypnol, Somalium,
Valium etc.
Mesmo quando consumidos em doses terapêuticas, a interrup­
ção abmpta pode provocar síndrome de abstinência em até 50% das
pessoas tratadas por 6 meses ou mais.
Os efeitos terapêuticos dos benzodiazepínicos incluem indução
do sono, tranquilização e redução da ansiedade (ansiolíticos).
Entre os sintomas provocados pela abstinência poderíamos ci­
tar insônia, initação, perda da memória e, muito raramente, alucina­
ções. Fisicamente podemos observar sudorese intensa, palpitações,
náuseas e perda do apetite.
Nos Estados Unidos o uso de alguns benzodiazepínicos (como o
Rohypnol) está intimamente ligado a casos de abusos sexuais, porque,
quando diluídos em álcool, esses fámiacos têm seus efeitos potencializados,
tomando a vítima absolutamente indefesa. Por essa razão recebem a deno­
minação de date rape drugs (drogas de encontro com o estupro).

4.3. Anfetaminas
As anfetaminas, popularmente conhecidas por bolinha, cristal

266
ou co-piloto, são aminas simpaticomiméticas que pertencem a três
categorias de drogas sintéticas, quimicamente semelhantes: a
anfetamina propriam ente dita (Benzedrine e Bifetam ina), a
dextroanfetamina (Dexamil eDexedrine) e a metanfetamina (Desbutal,
Desoxyn, Methedrine e Obedrin), todas elas com poderosa ação esti­
mulante sobre o sistema nervoso central.
Entre os principais efeitos terapêuticos poderíamos citar: au­
mento da confiança e do estado de alerta, diminuição do sono e perda
de apetite, este último responsável pelo seu uso generalizado como
tratamento anti-obesidade.
Em razão da resposta estimulante, as anfetaminas começaram a
ser utilizadas por esportistas com o objetivo de incrementar sua capa­
cidade física, indo, por vezes, além dos limites de segurança e resis­
tência orgânicas. Mais recentemente, pelo seu baixo custo e facilida­
de de aquisição, tomaram-se drogas amplamente consumidas em raves
e discotecas (clubber drugs), principalmente nas fonnas de ecstasy
(metileno-droxi-metanfetamina) e Ice (metanfetamina).
O uso prolongado e indiscriminado do fármaco pode levar à
psicose “toxicoanfetamínica” (Sandrim e Penteado, Drogas —
imputabilidade e dependência, 1994, p. 30), caracterizada por insô­
nia, loquacidade, irritação, diminuição da capacidade mental e even­
tualmente alucinações. No plano físico são descritos: anorexia (per­
da do apetite), aumento da pressão arterial, taquicardia, tremores
musculares, lesões irreversíveis no sistema nervoso central, convul­
sões, coma e morte.
A droga pode ser ingerida por via oral em cápsulas ou compri­
midos, consumida por via intravenosa (diluída em água destilada),
aspirada na forma de pó e fumada com auxílio de um cachimbo
artesanal. Pode, também, ser diluída em bebidas alcoólicas.
As anfetaminas não causam dependência física, apenas psíquica.

4.4. “Ecstasy” (MDMA)


O ecstasy ou pílula do amor é uma anfetamina cujo princípio
ativo, o metilcno-droxi-metanfetamina ou MDMA, provoca nos usu­
ários forte sentimento de empatia e conforto, razão pela qual vem,
cada vez mais, sendo utilizado em grande quantidade em festas da
alta sociedade, particularmente em raves e discotecas.

267
Seu consum o é feito por via oral, sob á forma de comprimidos,
ou por aspiração do pó, como a cocaína (mais raro).
Os efeitos correspondem a uma abertura emocional seguida de
desinibição e euforia. Cessados os efeitos estimulantes, observa-se
forte depressão nos usuários (“aterragem”), podendo levar ao suicídio.
O uso contínuo leva a um decréscimo nos níveis de serotonina,
com conseqüente queda na libido, crises de pânico e depressão crôni­
ca. Foram observadas lesões no cérebro (coordenação e memória),
coração e fígado.

4.5. “Special K” (Ketamina)


Desenvolvido nos anos 60 como anestésico para ser usado nos
campos de batalha do Vietnã, o hidrocloridrato de ketamina é um
tranqüilizante atualmente utilizado em clínica veterinária.
Em razão dos potentes efeitos alucinógenos que produz, passou
a ser usado como droga a partir dos anos 70 e ressurgiu nas raves e
discotecas dos anos 90 com o nome de special K ou vitamina K.
Entre os sintomas estão descritas alucinações com distorções
visuais, perda das noções de tempo e identidade. O pico pode durar
de 30 minutos a 2 horas, mas a droga permanece no organismo por
mais de 24 horas. O uso contínuo do fármaco pode levar a sérios
distúrbios, como amnésia e incoordenação motora, e à morte por com­
plicações respiratórias.
A forma mais usual de consumo é a aspiração do pó da droga
desidratada, podendo eventualmente ser borrifada em cigarros co­
muns ou de maconha e fumada.
Recentemente foi feita em São Paulo a primeira apreensão da
droga, em uma boate no bairro da Barra Funda (Polícia faz primeira
apreensão da droga specialK em São Paulo, O Estado de S. Paulo —
Cidades, p. C3).

4.6. G Bff ou “Líquido X ”


O GBH ( G am m a-hydroxybutyric acid ou ácido gam a-
hidroxibutírico) foi sintetizado em 1961, na França, por Henri Laborit
(1914-1995) para ser utilizado como anestésico.

268
O uso inadequado iniciou-se pelos físiculturistas, como estimu­
lante do crescimento muscular. Mais recentemente, e geralmente uti­
lizado em combinação com outras drogas como o ecstasy ou o special
%, surgiu nas raves e discotecas, com o nome de “líquido X”.
É consumido na forma de tabletes, cápsulas, pó branco ou líqui­
do incolor. Além de apresentar baixo custo, a droga pode ser prepara­
da em casa, a partir de um composto químico utilizado para limpeza
de placas eletrônicas.
Por não ter odor e ser praticamente sem sabor (levemente salga­
do), pode ser misturado em bebidas alcoólicas (que potencializam o
efeito) sem que a vítima perceba, o que faz do GBH uma outra droga
utilizada para a prática de abusos sexuais (date rape drugs).
Cerca de 5 a 10 minutos após a ingestão da dose usual (entre 0,5
g e 1,5 g), a pessoa experimenta leve relaxamento e sensação de bem-
estar, acompanhados de desinibição e excitação sexual.
Os efeitos colaterais incluem cefaléia, náuseas, perda de memó­
ria e torpor. Já foram relatados inúmeros casos de óbito por overdose.

4.7. Ópio
O ópio é uma mistura de alcalóides extraídos dos frutos ou cápsu­
las verdes da papoula (Papaver somniferwri), do qual derivam outras
drogas, como a heroína, a morfina e a codeíaa (utilizada contra a tosse).
Originariamente tem aparência de um xarope leitoso, que, colo­
cado para secar por aproximadamente 2 meses, transforma-se em uma
pasta acastanhada de sabor amargo.
A forma mais usual de consumo é a aspiração da fumaça resultante
de sua queima na forma de cigarro, mas pode ser ingerido ou injetado.
Graças ao seu principal efeito, uma potente ação analgésica e
depressora sobre o sistema nervoso central, os opiáceos foram utili­
zados durante muitos anos em clínicas médicas, valendo citação os
preparados: Láudano de Sydenham, o Pó de Dover e o Elixir
Paregórico, todos atualmente em desuso.
O viciado experimenta uma fase inicial de excitação, inclusive
com incremento das funções psíquicas, para depois cair em depres­
são e prostração profunda que o impedem de qualquer atividade.
As form as derivadas, heroína e morfina, são mais utilizadas que
o próprio ópio-

4.8. Morfina
A morfina é um alcalóide fenantrênico derivado do ópio. Origi-
nariamente tem o aspecto de um líquido incolor, cuja via de adminis­
tração é a injeção intramuscular.
Em clínicas médicas utiliza-se a forma de cloridrato de apomor-
fina, um sal hidrossolúvel com aparência de um pó branco e cristali­
no de sabor amargo.
Sua ação principal é narcótica, produzindo apatia, analgesia e
sonolência com delírios eróticos prolongados. A dependência insta­
la-se após duas semanas de uso contínuo e pode levar o morfinômano
à morte por debilidade geral do organismo.
Há relatos de dependência após a primeira dose.

4.9. Heroina
A heroína é um derivado sintético da morfina, denominado
diacetilmorfina. Tem a forma de um pó branco e cristalino, cujos
efeitos são similares aos da própria morfina, mas cerca de cinco ve­
zes mais potentes.
A via de administração é geralmente hipodérmica, e a depen­
dência instala-se com maior facilidade.

4.10. Cocaína
A cocaína é um alcalóide estimulante extraído das folhas da
coca ou epadu (Erythroxylum coca). Fisicamente, caracteriza-se por
ser um pó branco e cristalino de sabor amargo (farinha, neve ou hran-
quinha).
A maneira mais usual de utilizá-la é pela aspiração nasal do pó (pita-
daoaprise), ou pela via subcutânea, com o uso de uma seringa hipodérmica.
A cocaína também pode ser fumada em cachimbos improvisa­
dos (maricás), quando iia forma de crack (pedra) ou merla (melado).
Tanto o crack como a merla são subprodutos da cocaína, obti­
dos a partii da mistura da pasta básica com bicarbonato de sódio. O

270
crack tem a forma de pedra, enquanto a merla, de uma pasta viscosa.
Por serem mais baratos, tomaram-se as drogas de eleição entre os
usuários de baixo poder aquisitivo.
O consumo de cocaína leva à sensação de ausência de cansaço, pro­
longamento do estado de vigília e euforia intensa. Após a excitação segue
nma depressão profunda que pode levar o cocainômano ao suicídio.
No Brasil, a cocaína é a droga mais utilizada pelos usuários de
fármacos injetáveis. O hábito de compartilhar seringas, a baixa auto-
estima e os péssimos hábitos de higiene acabam por levar ao contá­
gio de várias enfermidades como a hepatite, a dengue e a SIDA.

4.11. Maconha
Conhecida também por inúmeras outras denominações, como
erva, fumo, haxixe, marijuana e pacau, a maconha é uma substância
tóxica constituída pelas inflorescências dos exemplares femininos da
Cannabis sativa ou cânhamo da índia.
Seu princípio ativo é o 9-gama-transtetrahidrocanabinol (THC),
um composto fenólico encontrado na resina das plantas femininas, e
cuja concentração é bastante variada.
A via de administração é basicamente o fumo, sob a forma de
toscos cigarros denominados baseados.
Age no sistema nervoso central produzindo algumas alucina­
ções, alteração da percepção temporal e certo grau de sonolência.
Diminui a sensibilidade à temperatura e à dor.
Não causa dependência física, mas pode levar à dependência
psíquica, se consumida por tempo prolongado.
O viciado crônico, como bem descreve Zacharias (1991, p. 286),
“toma-se uma figura facilmente reconhecível: desnutrido, emaciado,
ostenta na fisionomia expressão aparvalhada; o rosto é pálido, apele
sem viço, os olhos aprofundados nas órbitas, o olhar mortiço, a voz
rouca, as mãos trêmulas, o caminhar incerto”.

4.12. Mescalina
A mescalina é um alcalóide extraído do cactopeiote (.Lophophora
williamsii), cujo princípio ativo é o 3,4,5-trimetoxifeniletilamina.

271
A administração pode ser oral ou parenteral por injeção
endovenosa.
Os efeitos são alucinatórios e despersonalizantes, similares aos
do LSD, com uma duração prolongada (12 horas).
Não causa dependência física, mas pode levar a danos
irreparáveis no sistema nervoso.

4.13. LSD-25
O LSD-25, ou dietilainida do ácido lisérgico, cuja sigla deriva
do alemão Liserber Saure Diethylanid, é um produto semi-sintético
formado pela aglutinação de uma dietilamida com o ácido lisérgico,
extraído do fungo Clavicepspurpurea (esporão do centeio). O núme­
ro 25 indica a vigésima quinta experiência de uma série.
Fisicamente é um pó incolor, inodoro e sem sabor, que pode ser inge­
rido sob a forma de comprimidos ou aplicado por injeções endovenosas.
Os efeitos, que perduram por 6 a 12 horas, são alucinatórios e
despersonalizantes. As chamadas viagens levam o usuário a ter a er­
rônea sensação que alcançou outros planos de existência, chegando
mesmo a sentir que o espírito abandonou o corpo.
Embora não cause dependência física, não raro pode desenca­
dear crises psicóticas, em pessoas predispostas, e comportamentos
abeirantes, que podem levar à prática de crimes ou mesmo do suicídio.
Foram relatadas malformações físicas e mentais nos filhos de
usuários, levando à conclusão de um efeito teratogênico cumulativo.

4.14. Esterôides ou anabolizantes


Os esterôides ou anabolizantes são um grupo de derivados sinté­
ticos da testosterona, clinicamente recomendados para tratamento de
pessoas com baixas taxas do hormônio masculino, por exemplo, ho­
mens submetidos à ablação cirúrgica dos testículos. Como produtos
comerciais, poderíamos citar: Androxon, Deca-Durabolim e Durasteton.
De forma inadequada, essas drogas são freqüentemente utiliza­
das por esportistas, que chegam a consumir doses cerca de cem vezes
superiores às terapêuticas, para aumento da massa muscular ou de­
sempenho físico, de maneira a proporcionar vantagem em relação a
outros competidores.

272
Além da fraude em si, pelo uso de substâncias sintéticas em
competições esportivas, que leva à desclassificação do atleta, o abuso
desses produtos pode causar sérias alterações físicas e psicológicas,
como aumento da agressividade, redução da produção de espenna,
impotência, ginecomastia (crescimento das mamas) e predisposição
a tumores hepáticos.
Usados por mulheres, levam ao surgimento de caracteres se­
xuais secundários masculinos, como crescimento de pêlos e en-
grossamento da voz, além de atrofia dos ovários e esterilidade.
Embora o uso de anabolizantes não leve ao consumo de outras
drogas, há relatos de dependência aos próprios esteróides, em razão
de sintomas físicos e psíquicos desagradáveis provocados pela su­
pressão da droga.

4.15. Inalantes
Inalantes são hidrocarbonetos, tais como cloreto de etila (lança-
perfume), butano, n-hexano, propano, tolueno, tricloroetileno, xilol etc.,
encontrados em um sem-número de produtos comerciais comuns, como
esmaltes, colas, tintas, removedores, gasolina, vernizes e outros, cujos
vapores e gases podem ser inalados proposital ou acidentalmente.
A importância toxicológica dessas substâncias reside exatamente
no fato de serem produtos comerciais comuns, não vedados pela le­
gislação. Por apresentarem baixo custo, facilidade de aquisição e de
utilização, constituem drogas de eleição das crianças, principalmente
meninos de rua, abrindo caminho ao consumo de outros fármacos.
A inalação acidental pode levar à configuração de acidente do traba­
lho (em indústrias de calçados, oficinas de pintura, postos de gasolina etc.).
Os efeitos físicos são similares aos dos anestésicos e incluem
sensação de torpor e bem-estar que pode durar alguns minutos. Há
também uma sensação de saciedade temporária, o que faz com que
sejam utilizados por crianças carentes para minimizar a fome.
Se inalados em altas concentrações, conduzem à sufocação, pa­
rada cardíaca e morte. Outros efeitos, observados com o uso contí­
nuo, são perda de peso, incoordenação motora, lesões hepáticas e
renais, perda da memória, danos no sistema nervoso central irre­
versíveis, coma e morte.

273
E stu d os recentes indicam que essas substâncias atuam nas mes-
mas regiões do cérebro que a cocaína (Jornal Saúde, Cola de sapatei- If!
ro afeta cérebro de forma igual à cocaína, advertem cientistas__ Tâl
www.saudeemmovimento.com.br). >
O uso prolongado por levar à dependência física e psíquica (mais *.
comum). %
Especificamente entre nós, as colas de sapateiro (Cascola, Patex, ~
Brascoplast etc.), por conterem tolueno ou n-hexano em suas com­
posições, acabam por ser a droga mais usada entre meninos de rua e -
estudantes da rede pública de ensino (CEBRID, Solventes ou inalantes
— www.saude.inf.br/cebrid).
Embora o tolueno não esteja incluído entre as drogas de uso
proibido, é possível responsabilizar as pessoas que vendem o produ­
to para crianças com base no art. 243 do ECA, que teve a pena am­
pliada pela Lei n. 10.764, de 12-11-2003.

ECA
Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de
qualquer foima, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos com­
ponentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização
indevida:
Pena — detenção de dois a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime
mais grave.

4.16. Tabaco
O tabaco é uma planta do gênero Nicotiana com mais de 50
espécies diferentes, dentre as quais se destacam a Nicotiana tabacunii
a Nicotiana langsdotffii e a Nicotiana rústica, consumidas em cigar­
ros, charutos e cachimbos, artesanais ou industriais.
Na combustão do tabaco produzem-se milhares de substâncias (ga­
ses, vapores orgânicos e compostos libertados em forma de partículas) que
são transportadas pelo fumo até os pulmões. Dentre os inúmeros princípi­
os ativos, destacam-se a nicotina, diversos agentes irritantes e o alcatrão.
A nicotina é o alcalóide responsável pela maior parte dos efei­
tos do tabaco e pela ^dependência física. Dentre os irritantes, pode­
mos mencionar: acroleíúa, amoníaco, fenóis e ácido cianídrico, res­
ponsáveis péla irritação brônquica e tosse dos fumantes. O alcatrão
responde pelos efeitos altamente cancerígenos do fumo.

274
Tido durante muitos anos como símbolo de satisfação e status
social, ainda que, ao contrário de outras drogas, o hábito de fumar seja
socialmente aceito e não altere significativamente o relacionamento
social do viciado, os danos à saúde são inegáveis, como, entre outros,
bronquite e enfisema pulmonar, câncer no pulmão e em outros órgãos
(boca, laringe, faringe, esôfago, pâncreas, rim, bexiga e colo de útero),
doenças vasculares (trombose e derrame cerebral), úlceras gástricas,
impotência sexual, complicações na gestação e malformações fetais.

4.17. Cafeína
A cafeína é uma substância estimulante do sistema nervoso cen­
tral, presente em plantas como café, chá e cacau, bem como em algu­
mas bebidas à base de cola.
O consumo excessivo de cafeína pode levar à ocorrência de
gastrite, vômitos, intranqüilidade, ansiedade, insônia, tremores mus­
culares e depressão.
Ainda que o uso moderado da cafeína, por seu efeito estimulan­
te, possa ser benéfico ao organismo, o consumo exagerado pode le­
var à dependência física. Sua interrupção abrupta produz uma espé­
cie de síndrome de abstinência caracterizada por dores de cabeça,
irritabilidade, sonolência e diminuição da capacidade intelectual.

4.18. “Poppers”
Os poppers (nitrato de amila ou butila) são vasodilatadores ori­
ginalmente empregados no tratamento da angina.
Distribuídos em pequenas garrafas de vidro, são normalmente
consumidos por inalação graças à extrema volatilidade do produto à
temperatura ambiente. Basta abrir a garrafa, colocá-la junto às narinas
e aspirar os gases. O efeito é imediato e corresponde a uma sensação de
estímulo provocada pelo maior afluxo de sangue no cérebro e coração,
que dura cerca de dois minutos.
Ao lado do efeito vasodilatador estimulante, causa o relaxamento
de todos os músculos do corpo, inclusive do esfíncter anal, razão
pela qual é muito utilizado pela comunidade homossexual, porque
favorece o intercurso sexual, não obstante dificultar a ereção.
Apesar de não causar dependência, o uso prolongado pode pro­
vocar danos ao sistema cardiorrespiratório pelo aumento exagerado

275
d o trabalho cardíaco. T am bém são relatados e fe ito s relacion ad os coni
im u n o ssu p ress ão.

S. ALCOOLISM O
Apesar de não ter seu uso proibido e constituir, de certa forma
um hábito socialmente aceito, o alcoolismo é tão ou mais nocivo à
saúde e à sociedade que as demais toxicofilias, traduzindo-se em ver­
dadeiro problema de saúde pública.
O álcool pode agir no organismo de várias formas, produzindo
desde uma simples embriaguez episódica até a psicose alcoólica (afual
transtorno psicótico induzido por álcool). O esquema a seguir resu­
me os principais quadros da intoxicação alcoólica, segundo a termi­
nologia clássica:

fase de excitação (subaguda ou do macaco)


embriaguez fase de confusão (aguda ou do leão)
fase siderativa ou comatosa (superaguda ou
do porco)
agudo
agressiva ou violenta
embriaguez patológica excitomotora
(segundo Víberi) convulsiva
delirante

subagudo
delírio agudo (delirium
Alcoolismo alcoólico tremens)
superagudo
com sintomas
psiquiátricos
depressão alcoólica aguda
alucinose auditiva aguda
crônico
paranóia alcoólica— delírio de ciúmes
(psicoses
dipsomania
alcoólicas)
psicose polineurítica de Korsákoff
com sintomas encefalopatia de Wemicke
■.psiquiátricos é encefalopatia porto-cava
neurológicos síndrome de Màrchiafava
epilepsia alcoólica
demência alcoólica

276
A nomenclatura dos transtornos mentais relacionados com o uso
de álcool foi significativamente alterada pelo DSM — IV da Asso­
ciação Psiquiátrica Americana:
• transtornos por uso de álcool:
— dependência de álcool;
— abuso de álcool;
• transtornos induzidos por álcool:
— intoxicação por álcool;
— abstinência de álcool;
— delirium por intoxicação com álcool;
— delirium por abstinência de álcool;
— demência persistente induzida por álcool;
— transtorno amnésico persistente induzido por álcool;
— transtorno psicótico induzido por álcool;
— transtorno do humor induzido por álcool;
— transtorno de ansiedade induzido por álcool;
— disfunção sexual induzida por álcool;
— transtorno do sono induzido por álcool.
Por questões didáticas e por ser mais conhecida, neste trabalho
comentaremos a terminologia clássica.

5.1, Alcoolismo agudo — embriaguez


O alcoolismo agudo, ou embriaguez alcoólica, pode ser normal
ou patológico.
Na embriaguez normal, comum, o usuário desenvolve os sinto­
mas em três fases distintas. Inicialmente, mostra-se desinibido e eu­
fórico, com vivacidade mental e motora (fase da excitação ou do
macaco).
A intoxicação progride e surgem comportamentos anti-sociais,
como irritação e agressividade. Os pensamentos tornam-se confusos
e comumente refletem quadro depressivo (fase da confusão ou do
leão).

277
F in alm en te, o éhdo não mais consegue manter-se em pé e cai %.
em sono profundo, que, na dependência da quantidade de álcool W?
ingerida, pode acarretar coma e morte (fase siderativa ou com atosà'^^
ou do porco).
H á certa discrepância entre os diversos autores quanto à
alcoolemia necessária para determinar cada fase, até porque existem
grandes variações individuais. O quadro a seguir, baseado em similar ’%
proposto por C. Simonin (Medicina legal judicial, 1962, p. 587), dá á
uma noção das dosagens em cada fase.

Uma outra maneira de dosar a alcoolemia é através da Tabela


Internacional de Ladd e Gibson, que mede a concentração de álcool
no sangue em percentuais (apud Vaigas, 1990, p. 166):

l fi Grau de 0,005 a 0,014% de álcool no sangue


2a Grau de 0,015 a 0SO49% de álcool no sangue
3a Grau de 0,050 a 0,149% de álcool no sangue
4a Grau \ de 0,150 a 0,299% de álcool no sangue
52 Grau de 0,300 a 0399% de álcool no sangue
6“ Grau de 0,400 a 0,600% de áloool no sangue

278
O tempo de eliminação também varia de pessoa para pessoa,
influindo não apenas a quantidade de álcool ingerido, como também
o tipo de bebida, o consumo conjunto de alimentos, a compleição
física, a idade, o sexo etc.
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 23-9-1997),
em seu art. 276, adotando critério objetivo, entendeu que a concen­
tração de 0,6 g de álcool por litro de sangue já é suficiente para com­
prometer a direção de veículo automotor. Note-se que essa concen­
tração encontra-se abaixo da necessária para detecção de início de
embriaguez ( 1,12 g/l de sangue — vide gráfico).

Código de Trânsito
Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue com­
prova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.

Além desse dispositivo, a Resolução n. 206, de 20 de outubro


de 2006, do CONTRAN, estabeleceu outros procedimentos e os li­
mites que permitem a afirmação de que o condutor de um veículo
estava sob influência de álcool ou substâncias de efeitos análogos:

Resolução CONTRAN n. 206/06


Art. Ia A confirmação de que o condutor se encontra dirigindo sob a influência
de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência
física ou psíquica, se dará por, pelo menos, um dos seguintes procedimentos:
I — teste de alcoolemia com a concentração de álcool igual ou superior a seis
decigramas de álcool por litro de sangue;
II— teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) que resulte na concen­
tração de álcool igual ou superior a 0,3 mg por litro de ar expelido dos pulmões;
III — exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da
Polícia Judiciária;
IV — exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão
ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso de
substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

Presunção de culpa
A boa técnica jurídica determina que alcoolemia, assim como
qualquer outra condição orgânica constatável, seja determinada por

279
interm éd io de perícia. Entretanto, a Lei n. 11.275, de 7 de fevereiro
de 2006, alterou a redação do art. 277 do Código de Trânsito Brasi­
leiro , para admitir, no caso de recusa do motorista em se submeter à
perícia ou ao teste do “bafômetro” (etilômetro), que o estado de
embriaguês possa ser comprovado mediante a obtenção de outras
provas em direito admitidas (§ 2a).

Código de Trânsito
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito
ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência
de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou ou-
tro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados
pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ Ia Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância
entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2a N o caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia
previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a
obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca
dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo
de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor.

Regulamentando o dispositivo, a Resolução n. 206, de 20 de


outubro de 2006, do CONTRAN, em seu art. 2a, previu que:

Resolução CONTRAN n. 206/06


Art. 2a No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da
perícia, previstos no art 1-, a infração poderá ser caracterizada mediante a obten­
ção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas
acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer subs­
tância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme Anexo desta Resolução.
§ 1“ Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da Autorida­
de de Trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração
prevista no art. 165 da Lei n. 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrên­
cia ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no
Anexo desta Resolução.
§ 2a O documento citado no § Ia deste artigo deverá ser preenchido e firmado
pelo agente da Autoridade de Trânsito, que confirmará a recusa do condutor em
se submeter aos exames previstos pelo art. 277 da Lei n. 9.503/97.

O Anexo, a que se refere o caput do dispositivo acima transcri­


to, traz o seguinte questionário:

280
Resolução CONTRAN n. 206/06
I. Quanto ao condutor:
a. Nome;
b. Número do Prontuário da CNH ou do documento de identificação;
c. Endereço, sempre que possível.
II. Quanto ao veículo:
a. Placa/ÜF;
b. Marca.
DL Quanto ao fato:
a. Data;
b. Hora;
c. Local;
d. Número do auto de infração.
IV. Relato:
a. O condutor:
i. Envolveu-se em acidente de trânsito;
ii. Declara ter ingerido bebida alcoólica;
Em caso positivo, quando:
iii. Declara ter feito uso de substância tóxica, entoipecente ou de efeito análogo.
Em caso positivo, quando:
iv. Nega ter ingerido bebida alcoólica;
v. Nega ter feito uso de substância tóxica, entorpecente ou de efeito análogo;
b. Quanto à aparência, se o condutor apresenta:
i. Sonolência;
ii. Olhos vermelhos;
iii. Vômito;
iv. Soluços;
v. Desordem nas vestes;
vi. Odor de álcool no hálito.
c. Quanto à atitude, se o condutor apresenta;
i. Agressividade;
ii. Arrogância;
iii. Exaltação-,
iv. Ironia;
v. Falante;
vi. Dispersão.
d. Quanto à orientação, se o condutor:
i. sabe onde está;
ii. sabe a data e a hora.
e. Quanto à memória, se o condutor;
i. sabe seu endereço;
ii. lembra dos atos cometidos;
f. Quanto à capacidade motora e veibal, se o condutor a p r e se n ta :__________

281
i. Dificuldade no equilíbrio;
íi. Fala alterada;
V. Afírmaç2o expressa de que:
D e acordo com as características acima descritas, constatei que o condutor (nome
do condutor) do veículo de placa (placa do veículo), (está/não está) sob a influência
de álcool, substância tóxica, entorpecente ou de efeitos análogos e se recusou a
submeter-se aos testes, exames ou perícia que permitiriam certificar o seu estado.
VI. Dados do Policial ou do Agente da Autoridade de Trânsito:
a. Nome;
b. Matrícula;
c. Assinatura,

Note-se que antes da alteração do art. 277 do Código de Trânsi­


to Brasileiro, o caput do dispositivo previa; “Todo condutor de veícu­
lo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que fo r alvo de
fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites
(de alcoolemia)previstos no artigo anterior (art. 276), será submeti­
do a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame
que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados
pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”. Redação, conve­
nhamos, bem mais técnica e razoável que a atual, até porque o polici­
al ou agente da autoridade de trânsito não pode ser mais que mera
testemunha e nunca se subsumir na figura de perito, especialmente
em matéria de natureza médica.
Assim, em que pese a boa intenção do legislador, é bem possível
que o § 2fi do art. 277 venha a ser declarado inconstitucional por ofensa
ao princípio da presunção de inocência (CF, art. 5a, LVIT), do qual de­
corre o corolário de que o réu não é obrigado a fazer prova contra si.

5.2. Alcoolismo agudo — embriaguez patológica


A embriaguez patológica, segundo'Delton Croce (1998, p. 97),
é a que se manifesta em descendentes de alcoólatras, pessoas predis­
postas e com personalidades psicopáticas.
Embora ingerindo pequenas quantidades, essas pessoas apre­
sentam respostas incomuns àos efeitos do álcool que, segundo Ch.
Vibert, podem ser de quatro tipos, conforme o quadro abaixo (in Précis
de médecine légale, 1917, pág. 700):

282
Agressiva ou violenta o alcoólatra apresenta grande agressividade com
pequenas doses da substância, podendo, inclusive,
praticar crimes.
Excitomotora inquietação e fúria destrutiva, com acessos de rai­
va e destruição.
Convulsiva além dos impulsos destruidores, seguem-se episó­
dios convulsivos, epileptiformes.
Delirante delírios com idéias de auto-acusação e tendência
ao suicídio.

5.3. Alcoolismo crônico


Enquanto o alcoolismo agudo é geralmente episódico, o alcoo­
lismo crônico é uma deformação persistente do psiquismo, similar a
uma doença mental, consistindo na intoxicação progressiva do orga­
nismo pelo uso habitual do álcool.
Para que se instale, é necessário o consumo contínuo e regular
de bebidas alcoólicas por tempo bastante prolongado. Identificam-se
quatro períodos (apud Zacharias, 1991, p. 29):

Período oculto Instabilidade emocional, tensão e angústia que somen­


te cessam com o consumo do álcool. A ingestão é ge­
ralmente às escondidas e o indivíduo não mostra sinto­
mas de embriaguez. - -------
Período prodrômico A ação nociva do álcool já se faz sentir em pequenos
lapsos de memória (amnésia lacunar). A necessidade
da bebida toma-se evidente. Os amigos e familiares
começam a manifestar preocupação.
Período básico Instala-se a dependência. O indivíduo não consegue
parar de beber e quase sempre se embriaga. Abandona
o emprego e a família, torna-se irritadiço e agressivo,
descuida dabigienepessoal e da alimentação. Certo grau
de impotência está presente.
Período crônico A ingestão de álcool inicia-se já pela manhã. Nesse perío­
do é que vamos encontrar os sintomas mais graves da in­
toxicação alcoólica, com perda do amor próprio e da dig­
nidade pessoal. Crises de agressividade podem compelir o
alcoólatra à prática de crimes. Estão presentes as psicoses
alcoólicas (ver itens 5.4 e 5.5).

283
5.4. Psicoses alcoólicas com sintomas psiquiátricos
5.4.1. Delírio alcoólico
O delírio alcoólico pode ser subagudo, agudo ou superagudo.
No delírio alcoólico subagudo, também conhecido como
encefalose alcoólica subaguãa (apud Vargas, 1990, p. 242), o alcoó­
latra apresenta sinais de irritação e insônia, agitação, sudorese inten­
sa e delírios que se traduzem por comportamentos e falas com seres
imaginários.
São freqüentes os relatos de visões de animais assustadores
Czoopsias), como cobras ou aranhas. Os ataques costumam ocorrer
no final da tarde para a noite e acometem, preferencialmente, os al­
coólatras com idade superior a 40 anos.
No delírio alcoólico agudo ou delirium tremens, o viciado apre­
senta sintomas muito semelhantes aos do delírio subagudo, apenas
mais acentuados. A qualidade e a quantidade das alucinações aumen­
tam significativamente, sendo comum a procura pelo suicídio.
No delírio alcoólico superagudo, além da mesma sintomatologia
delirante, instala-se um completo estado de desagregação mental,
caracterizado pela total insensibilidade ao meio ambiente e perda da
capacidade de julgamento e raciocínio.

5.4.2. Depressão alcoólica aguda


A intoxicação prolongada pelo álcool conduz o alcoólatra à per­
da da auto-estima com conseqüente depressão e tendência ao suicídio.

5.4.3. Alucinose auditiva aguda


É uma derivação do delirium tremens em que predominam mais
alucinações auditivas que visuais. O alcoólatra pensa ouvir vozes de
comando e reprovação que podem tornar-se crônicas e até conduzir à
esquizofrenia. A tendência ao suicídio está presente.
V

5.4.4. Paranóia alcoólica delírio de ciúmes


' Descrita inicialmente por Kraepelin, a psicose alcoólica traduz-se
por idéias recorrentes de insegurança no relacionamento amoroso e fa-

284
ixúliar. O alcoólatra desenvolve um sentimento doentio e não fundamen­
tado de desconfiança em relação ao companheiro {delírio de ciúmes), a
quem passa a perseguir, vigiar e acusar de traição indiscriminadamente.
O descuido com a higiene pessoal, uma impotência moderada e
a diminuição da libido podem acentuar o quadro, na medida em que
o parceiro passa a desenvolver certa repulsa aos contatos sexuais,
fazendo com que a desconfiança do alcoólatra aumente.
Não raro, em razão das violentas crises que pode despertar, o
viciado pode ser levado ao cometimento de crimes.

5.4.5. Dipsomania
Embora, no passado, tenha sido descrita com certa freqüência
na literatura médica, a dipsomania é atualmente um quadro raro que
se caracteriza por crises em que o alcoólatra sente uma necessidade
incontrolável de consumir bebidas alcoólicas em grande quantidade.
Interessante é o fato de o dipsômano permanecer absolutamente
abstêmio entre as crises, que são cíclicas, de duração bastante variá­
vel e geralmente precedidas de sintomas depressivos, como tristeza
profunda, insônia ou inapetência.
Quando não encontra a bebida, o dipsômano chega a ingerir
álcool puro ou mesmo gasolina.

5.5. Psicoses alcoólicas com sintomas psiquiátricos e neuro­


lógicos

5.5.1. Psicose polineurftica de Korsakoff


Também cham ada de síndrom e de Korsakoff, a psicose
polineurítica de Korsakoff'costuma aparecer nos estágios mais avan­
çados do alcoolismo crônico, embora seja observada também em in­
toxicações por arsênico e monóxido de carbono.
Manifesta-se com mais freqüência entre as mulheres e após os
50 anos de idade, podendo surgir como conseqüência de uma crise de
delirium tremens.
Clinicamente, caracteriza-se por transtornos de memória, par­
ticularmente a amnésia de fixação, que faz com que o doente esqueça

285
os fatos mais recentes de sua vida. Desorientação no tempo e no es­
paço, criação de relatos imaginários (fabulação) e falsos reconheci­
mentos são também sintomas comuns.
Fisicamente a síndrome manifesta-se por paralisias e paresias
(perda parcial da mobilidade), acompanhadas de atrofias e dores
musculares que atingem preferencialmente os membros inferiores,
dificultando a movimentação do doente.
O prognóstico é reservado, pois a evolução conduz quase sem­
pre à demência alcoólica. A recuperação, quando ocorre, é bastante
lenta, podendo os sintomas perdurar por vários anos.

5.5.2. Encefalopatia de Wernicke


A maior parte dos autores não reconhece a encefalopatia de
Wernicke como uma entidade autônoma, incluindo os sintomas na
própria síndrome de Korsakoff.
Ocorre em uma pequena parcela dos alcoólatras crônicos e pro­
vavelmente está associada à carência de vitaminas do complexo B.
Clinicamente inicia-se com vômitos, falta de coordenação motora
(ataxia), insônia e alucinações (similares às do delirium tremens). A
deterioração mental agrava-se rapidamente, podendo chegar à incons­
ciência (estupor) e morte em curto período de tempo.

5.5.3. Encefalopatia porto-cava


É uma síndrome que aparece no alcoólatra portador de cirrose
hepática caracterizada por transtornos de consciência em níveis va­
riados, em decorrência de alterações circulatórias relacionadas com
o sistema porta (sistema de circulação do fígado), que levam a um
aumento da amônia no sangue.
Os sintomas neurológicos englobam perturbações da consciên­
cia, do humor, tremores musculares (flapping), comahepático e mor­
te (apud Vargas, 1990, p. 249).
: V

5.5.4. Síndrome de Marchiafava


Quadro raro que acomete alcoólatras crônicos, especialmente
viciados em vinho tinto italiano (acredita-se que em razão de impu­
rezas metálicas), caracterizado pela necrose de áreas específicas do
cérebro (corpo caloso e comissura anterior).
Os sintomas compreendem um quadro psicótico agudo consis­
tente em incoordenação motora (ataxia), desorientação e confusão,
que evoluem para apatia completa, hemiplegia (paralisia da metade
do corpo), coma e morte.

5.5.5. Epilepsia alcoólica


Cerca de 15% dos alcoólatras crônicos chegam a apresentar ata­
ques epileptiformes, crises convulsivas cuja origem é atribuída ao
uso imoderado do álcool.
Atualmente questiona-se a relação do álcool com distúrbios
epileptiformes, acreditando-se que, na maioria das vezes, ele pos­
sa fun cio n ar apenas com o “disp arad o r” de um a condição
preexistente.
Tanto isso é verdadeiro que, cessado o alcoolismo, desapare­
cem as crises convulsivas sem necessidade de medicação própria.

5.5.6. Demência alcoólica


O termo é normalmente utilizado para descrever as fases finais
da síndrome de Korsakoff. Consiste em uma grande deterioração da
memória e da capacidade intelectual, levando a progressiva e
irreversível decadência moral e física.

5.6. Exame de avaliação de dependência de drogas


A Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976 (Lei de Tóxicos), identi­
ficava quatro situações possíveis em relação à dependência (Vargas,
1990, p. 190):
a) usuário ou experimentador ocasional (art. 16 da Lei n. 6.368/
76);
b) usuário dependente (art. 19 da Lei n. 6.368/76);
c) traficante (art. 12 da Lei n. 6.368/76); e
d) traficante dependente (arts. 12 e 19 da Lei n, 6.368/76).

287
A L ei n. 11.343, d e 2 3 de agosto de 2 0 0 6 , trouxe algum as altera­
çõ es im portantes. Primeiro, porque fe z nítida separação entre o usuário e
o traficante, dependentes ou não, colocando-os, in clu sive, em títulos di­
versos, e, em segundo lugar, porque m ultiplicou as figuras penais:

usuário (ocasional ou não) — art. 28

traficante e assemelhados — art. 33 e §§


maquinário destinado à fabricação — art. 34
associação para o fim de tráfico — art. 35
financiamento ou custeio ao tráfico
L ein. 11.343/06 J
— art. 36 dependentes
informante eventual do tráfico — art. 37 r ou não
prescrição ou ministração culposa de droga
— art. 38
condução de embarcação ou aeronave
sob o efeito de droga — art. 39

O exame de avaliação de dependência de drogas, assim deno­


minado pelo art. 56, § 2S, da Lei n. 11.343/06, objetiva inicialmente
distinguir aquele que é dependente de droga (seja usuário, traficante
ou assemelhado) e, portanto, não tem possibilidade, sem ajuda espe­
cializada, de furtar-se ao uso do fármaco, daquele que consome even­
tualmente (usuário ocasional) ou aufere vantagem econômica no co­
mércio irregular dos entorpecentes (traficante ou assemelhado) sem
deles se utilizar.

Lein. 11.343/06
Art. 5 6 ....
§ 2a A audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30
(trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a reali­
zação de avaliação para atestar dependêncíà de drogas, quando se realizará em
90 (noventa) dias (grifo nosso). ,

Não basta, porém, constatar ou não a dependência física e ou


psíquica, pois “o simples fato de õ réu ser dependente de substância
psicotrópica, não significa seja ele inimputável” (JTAcrimSP, 67/253).
Ê necessário, em um segundo momento, verificar o grau dessa depen­
dência para poder avaliar a imputabilidade do agente de acordo com o
que dispõem os arts. 45 a 47 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006:

-288 -
Lein. 11.343/06
Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito,
proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou
da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial,
que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas
no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminha­
mento para tratamento médico adequado.
Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das
circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da
ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a
necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profis­
sional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a
tal se proceda, observado o disposto no art, 26 desta Lei.

São oito situações distintas:


a) o agente, em razão de dependência, era inteiramente inca­
paz de entender o caráter ilícito do fato (art. 45, caput, da Lei n.
11.343/06);
b) o agente, em razão de dependência, era inteiramente incapaz
de determinar-se de acoido com o entendimento sobre o caráter ilíci­
to do fato (art 45, caput, da Lei n. 11.343/06);
c) o agente, sob o efeito de droga, proveniente de caso fortuito
ou de força maior, era inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato (art. 45, caput, da Lei n. 11.343/06);
d) o agente, sob o efeito de droga, proveniente de caso fortuito
ou de força maior, era inteiramente incapaz de determinar-se de acordo
com o entendimento sobre o caráter ilícito do fato (art. 45, caput, da
Lein. 11.343/06);
e) o agente, em razão de dependência, era parcialmente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato (art. 46 da Lei n. 11.343/06);
. f) o agente, em razão de dependência, era parcialmente incapaz
de determinar-se de acordo com o entendimento sobre o caráter ilíci­
to do fato (art. 46 da Lei n. 11.343/06);

289
g) o agente, sob o efeito de droga, proveniente de caso fortuito
ou de força maior, era parcialmente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato (art. 46 da Lei n. 11.343/06);
h) o agente, sob o efeito de droga, proveniente de caso fortuito
ou deforça maior, era parcialmente incapaz de determinar-se de acor­
do com o entendimento sobre o caráter ilícito do fato (art. 46 da Lei
n. 11.343/06).
Nas quatro primeiras, temos a inimputabilidade, com a conse­
qüente isenção de pena. Nas quatro últimas, as hipóteses de semi-
imputabilidade como causa de redução de pena.
Note-se que não se trata de semidependência, figura inexistente
na anterior (Leí n. 6.368/76) e na atual legislação brasileira sobre
tóxicos, más sim de semi-responsabilidade.
O dependente pode, ao tempo da ação ou omissão, ser total­
mente capaz, parcialmente capaz ou incapaz de entender a natureza
ilícita de sua conduta e ou de agir de acordo com essa compreensão.
Em geral, os dependentes leves são imputáveis, já que perfeita­
mente capazes de entender o caráter ilícito dos atos praticados e de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
A dependência moderada pode levar à semi-imputabilidade, com
conseqüente redução da pena (art. 46 da Lei n. 11.343/06), e a depen­
dência severa, à inimputabilidade (art. 45, caput, da Lei n. 11.343/
06), excluindo a responsabilidade penal.

leve — imputabilidade — aplica-se a pena


Dependência - moderada — semi-imputabilidade — pena reduzida
severa — inimputabilidade — isenta de pena

É importante lembrar que, se o agente não dependente estiver


sob efeito de droga que não seja proveniente de caso fortuito ou força
maior, não poderá beneficiar-se da isenção ou da redução de pena
(actio libera in causa — art. 28, n , do'CP), podendo até ver sua pena
agravada (embriaguez preordenada —=- art. 61, II, l, do CP).
Ainda com relação à inimputabilidade ou semi-imputabilidade,
seguindo a orientação anterior (do Código Penal e da Lei n. 6.368/
76), a nova Lei de Drogas também adotou o critério biopsicológico.
Dessa forma, para se reconhecer a ausência ou a diminuição da capa­

290
cidade cognitiva do autor, é sempre necessário que ocorra a conjun­
ção de três fatores (Mendonça e Carvalho, 2007, p. 176):
a) a causa biológica, ou seja, a constatação de que o agente era
dependente ou que agiu sob efeito de droga em razão de caso fortuito
ou força maior;
b) a conseqüência psicológica, consistente em determinar se,
em razão da causa biológica, era o agente inteira ou parcialmente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento; e
c) o elemento temporal de a conseqüência psicológica existir no
instante da prática do ato.
A perícia, entretanto, na maioria dos casos, só poderá afirmar a
dependência e o eventual comprometimento psíquico do autor do
fato incriminado. Se estava ele sob o efeito da droga no momento do
crime, se podia entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
segundo tal entendimento naquele exato momento são questões que
precisam ser complementadas por outros meios de prova.

5.6.1. Procedimento p a ra realização do exame


A nova Lei de Drogas não tratou do procedimento para realiza­
ção do exame de avaliação de dependência de drogas, que continua
sendo realizado segundo o rito previsto nos arts. 149 a 154 do Códi­
go de Processo Penal para o incidente de insanidade, no que couber.

5.6.2. Prazo p a ra realização da perícia


A Lei n. 11.343/06 prevê procedimentos diversos conforme o
tipo de delito praticado.
Para as condutas previstas no art. 28, se cometidas isoladamen­
te, o rito deve ser o da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 —
Juizados Especiais Criminais (art. 48, § Ia, da Lei n. 11.343/06). Nos
demais casos (crimes tipificados nos arts. 33 a 39), o rito deve ser o
das Seções I e II do Capítulo IH (arts. 50 e s.).
Em relação à conduta do art. 28 da Lei n. 11.343/06 (usuário),
como não há possibilidade de prisão em flagrante (art. 48, § 2a), o
exame, se requisitado, será realizado em sede do Juizado Especial
Criminal. Nesse caso, no silêncio da nova legislação, o prazo, em

291
p rin cíp io , se ria aq u ele p recon izad o p e lo art. 150, § l 2, d o Código d e
P ro c esso P en al (4 5 d ias), sa lv o dem onstrada n e c e ssid a d e d e dilação.

L ein. 11.343/06
Art. 4 8 ....
§ 2a Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão
em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo
competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, la­
vrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dós exames
e perícias necessários.

Ocorre que, para os crimes mais graves, a nova Lei de Drogas


estabeleceu o prazo de 90 dias entre o recebimento da denúncia e a
audiência de instrução e julgamento nos casos em que foi determina­
da a perícia (no art. 56, § 2a).
Não haveria sentido admitir prazo menor para os casos em que
o autor permanece em liberdade. Sendo assim, entendemos que o
novo prazo para realização do exame de avaliação de dependência
de drogas é hoje de 90 dias, em qualquer hipótese, facultado às par­
tes o oferecimento de quesitos.

Lein. 11.343/06
Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de
instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do
Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais.

§ 2aA audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30
(trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a reali­
zação de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em
90 (noventa) dias.

5.6.3. Quesitos
Os quesitos mais comuns, baseados no texto de lei, continuam
sendo os mesmos:
1) era o examinado, ao tempo da ação ou omissão, dependente
de droga(s)? De qual(is) droga(s)?
2) em caso de resposta afirmativa ao quesito anterior, a depen­
dência era física ou psíquica?

292
3) era o examinado, ao tempo da açao ou omissão, em razão da
dependência de droga(s), inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento?
4) era o examinado, ao tempo da ação ou omissão, em razão da
dependência de droga(s), parcialmente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento?
5) era o examinado, ao tempo da ação ou omissão, em razão de
estar sob o efeito de droga, inteiramente incapaz de entender o cará­
ter ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento?
6) era o examinado, ao tempo da ação ou omissão, em razão de
estar sob o efeito de droga, parcialmente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento?
7) necessita o examinado de tratamento? Qual o indicado?
8) em caso de resposta afirmativa ao quesito anterior, é necessá­
ria a internação hospitalar do examinado para tratamento? Por quê?

5.7. Tratamento médico e medida de segurança


A Lei n. 11.343/06 trouxe algumas inovações importantes rela­
cionadas com o tratamento aplicável aos inimputáveis e semi-impu-
táveis, esclarecendo a dúvida que durante anos permeou a jurispru­
dência em relação à interpretação do art. 29 da Lei n. 6.368/76, a
respeito da possibilidade ou não de tratamento aos semi-imputáveis.
Pela simples leitura do parágrafo único do art. 45 (inimpu­
tabilidade) e do art. 47 (semi-imputabilidade), verifica-se que tanto
ao inimputável quanto ao imputável é possível o encaminhamento
para tratamento médico adequado.

Lei n. 11.343/06
Art. 4 5 .... (inimputabilidade)
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial,
que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas
no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminha­
mento para tratamento m édico adequado.
Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a
necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profis­
sional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a
tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.

293 ^
A grande novidade, entretanto, fica por conta do encaminha­
mento facultativo ao tratamento, mesmo aos inimputáveis.
Pela sistemática da revogada Lei n. 6.368/76, uma vez reconhe­
cida a dependência e a inimputabilidade, o juiz era obrigado a deter­
minar o tratamento em regime de internação ou ambulatorial (arts.
10 e 29). Ao dependente com capacidade diminuída, o magistrado
impunha a pena e dispensava tratamento médico em ambulatório in­
terno do sistema penitenciário (art. 11).

Lei n. 6.368/76 (REVOGADA)


Art. 29. Quando o juiz absolver o agente, reconhecendo por força de perícia
oficial, que ele, em razão de dependência, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento, ordenará seja o mesmo submetido a tratamento
médico.

Art. 10.0 tratamento sob regime de internação hospitalar será obrigatório quan­
do o quadro clínico do dependente ou a natureza de suas manifestações
psicopatológicas assim o exigirem.
§ Ia Quando verificada a desnecessidade de internação, o dependente será sub­
metido a tratamento em regime extra-hospítalar, com assistência do serviço soci­
al competente.

Art. 11. Ao dependente que, em razão da prática de qualquer infração penal, for
imposta pena privativa de liberdade ou medida de segurança detentiva será dis­
pensado tratamento em ambulatório interno do sistema penitenciário onde esti­
ver cumprindo a sanção respectiva.

5.7.1. Inim putabilidade


Pela nova sistemática, reconhecendo ^inimputabilidade do agente,
o juiz necessariamente decretará a absolvição e decidirá sobre a neces­
sidade ou não de encaminhar o réu a tratamento médico adequado que
continua tendo a natureza jurídica de medida de segurança.
Sendo o caso de reconhecimento ,de embriaguez resultante de
caso fortuito ou força maior, não há falar em aplicação de qualquer
tratamento, daí a faculdade conferida ao juiz para analisar e decidir
sobre o caso concreto.

294
No caso dainimputabilidade por dependência o tratamento con­
tinua sendo obrigatório.
Alguns autores têm entendido que, mesmo que o magistrado
determine o encaminhamento para tratamento, este será facultativo e
só poderá ser implementado com a concordância do agente (ver Men­
donça e Carvalho, 2007, p. 179).
Ousamos discordar.
Se, por um lado, é bem verdade que o tratamento é facultativo
no tocante à possibilidade de o m agistrado, ao reconhecer a
inimputabilidade, decretá-lo ou não, por outro, no caso de ser o trata­
mento necessário, a regra é a da obrigatoriedade de sua aplicação.
Note-se que o parágrafo único do art. 45 diz que o juiz “poderá
determinar, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento
médico adequado”. Encaminhar, aqui, tem o sentido de conduzir, le­
var, fazer com que, e não o de simplesmente mostrar um caminho
que pode ou não ser seguido.
Entendimento diverso levaria ao absurdo de se permitir que um
toxicômano severo, que tenha cometido vários homicídios em razão
da dependência, possa ser absolvido e escolher se deseja o tratamen­
to ou prefere continuar consumindo o fármaco e matando impune­
mente.
Nesse sentido o magistério de Greco Filho e Rassi: “O juiz não
poderá determinar o tratamento se se tratar de absolvição em razão
de caso fortuito ou força maior, hipótese em que não há o que se
tratar. Se, porém, a absolvição decorre da dependência que, como já
se expôs, é doença mental, a única e inafastável conseqüência é a da
imposição de medida de proteção social, que é, no caso, o tratamen­
to, porque, tendo sido praticado crime em razão da dependência, há
perigo social que não pode simplesmente ser desconsiderado. Enten­
der o contrário seria suicídio jurídico, social e moral” (2007, p. 151).

5.7.2. Espécie de tratam ento a ser aplicado


Quanto à espécie de tratamento que deve ser aplicado (internação
ou ambulatorial), embora a decisão seja do magistrado, deve basear-
se nas conclusões do relatório médico, que indicará para cada caso a
medida mais adequada.

295
D e qualquer form a, a medida não comporta prazo mínimo e será
aplicada por tempo indeterminado, persistindo até que seja constatada
a cessação de periculosidade por laudo médico (CP, art. 97, § l 2).

5 .7 3 . Semi-imputabilidade
Comrelação aos semi-imputáveis, a situação é um pouco diversa,
pois a nova Lei de Drogas, seguindo a orientação anterior, previu uma
exceção ao sistema vicariante do Código Penal, segundo o qual aos
semi-responsáveis pode ser aplicada pena reduzida ou, por substitui­
ção, medida de segurança (CP, art. 26, parágrafo único, c/c o art. 98).
Já na revogada Lei n. 6.368/76 (art. 11), ao reconhecer a semi-
responsabilidade, o magistrado devia aplicar a pena reduzida, mas
decretava, também, tratamento médico em ambulatório interno do
sistema penitenciário.
O mesmo sistema foi adotado pela Lei n. 11.343/06, porém de
forma mais clara, afastando qualquer dúvida de interpretação.
Reconhecendo que o agente, em razão de dependência ou sob o
efeito de droga, proveniente de caso fortuito ou força maior, não pos­
suía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de enten­
der o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, o juiz aplicará a redução de um a dois terços na pena
correspondente (art. 46). Entendendo, porém, que existe a necessida­
de de tratamento, poderá, cumulativamente, determinar “que a tal se
proceda” (art. 47), observado o disposto no art. 26:

L ein. 11.343/06
A rt 46. As penas podem ser reduzidas de vim terço a dois terços se, por força das
circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da
ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a
necessidade de encaminhamento do agente pará tratamento, realizada por profis­
sional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a
tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.
Art. 26. O usuário e o dependente de drogas.que, em razão da prática de infração
penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida
de segurança, têm garantidos os serviços de atenção à sua saúde, definidos pelo
respectivo sistema penitenciário.

296
5.8. Tratamento médico no ECA
A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), não previu tratamento médico ou ambulatorial para o
dependente como conseqüência da prática de ato infracional, mas
apenas as medidas protetivas constantes do art. 101, V e VI, que po­
dem ser aplicadas ao infrator ou a qualquer criança ou adolescente
em situação de risco (art. 98 do ECA):

ECA
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre
que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I — por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II — por feita, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III — em razão de sua conduta.

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

V — requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime


hospitalar ou ambulatorial;
VI — inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e trata­
mento a alcoólatras e toxicômanos;

297
C a p ít u l o 9
PSICOPATOLOGIA FORENSE

1. PSIQUIATRIA E PSICO LO GIA FORENSE


Sob o título de psicopatologia forense costumam-se englobar
dois grandes ramos da medicina legal, a psicologia forense e a psi­
quiatria forense.
A primeira, psicologia forense, estuda a personalidade normal e
os fatores que nela influem, quer sejam de natureza biológica, quer
sejam de natureza mesológica (do meio, ecológica) ou social.
A psiquiatria forense ocupa-se, por sua vez, dos transtornos
anormais da personalidade, as chamadas “doenças mentais”, os
retardos mentais, as demências, as esquizofrenias e outros transtor­
nos psicóticos ou não.

Psicopatologia forense -í P ^ ^ a tr ia Jorense


[ psicologia forense

Alguns autores falam, ainda, em psicologia judiciária como a


aplicação da psicologia aos processos civis e criminais.
O psicopatologista forense pode ser chamado para esclarecer
questões relacionadas com a capacidade civil e a imputabilidade pe­
nal. E a única perícia que não pode ser determinada pela autoridade
policial, mas apenas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes
(Croce, 1998, p. 528).

2. NORMALIDADE E ANORMALIDADE
Porot definia personalidade como “a síntese de todos os ele­
mentos que concorrem para a conformação mental de uma pes­
soa, de modo a comunicar-lhe fisionomia própria” (Maranhão,
2002, p. 339).

298
A constituição biopsicológica de um indivíduo é bastante com­
plexa, nela influenciando inúmeros fatores que oscilam desde a pró­
pria conformação física até o conjunto de experiências pessoais
vivenciadas.
Assim, não se pode dizer que exista uma “personalidade nor­
mal”, não há um limite rígido, uma linha divisória clara entre o que
se convencionou chamar de normalidade e anormalidade.
O que se procura estabelecer, entretanto, é se o indivíduo carre­
ga ou não os sinais patológicos que são característicos das principais
moléstias mentais conhecidas, ou seja, o conceito de normalidade
vem por exclusão. É normal todo indivíduo que não tem sinais pró­
prios de nenhuma enfermidade mental catalogada e que, por isso,
consegue viver em sociedade de forma harmônica.

3. CAPACIDADE CIVIL E CRIMINAL


Para que alguém possa ter capacidade penal e civil e, con­
seqüentemente, responder pelos seus atos, é necessário que apresente
saúde mental e maturidade psíquica.

_ ,..., , [penal — imputabilidade


Responsabilidade -í . ,
I civil — capacidade

A imputabilidade penal implica ter o agente pleno discernimento


dos seus atos ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A possibilidade de responsabilização penal aparece como conse­
qüência dos atos praticados diante desse entendimento.
Prevê o art. 26 do Código Penal que:

CP
Art. 26, É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteira­
mente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em
virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incom­
pleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

299
Da leitura atenta do texto de lei deduz-se que:
inteiramente doença mental
incapaz de desenvolvimento mental
discernir o incompleto
caráter ilícito desenvolvimento mental
do fato retardado
inimputáveis
inteiramente doença mental
incapaz de
determinar-se
de acordo com
o entendimento
Í desenvolvimento mental
incompleto

Imputabilidade desenvolvimento mental


retardado
penal
relativamente perturbação da saúde
incapaz de mental
discernir o desenvolvimento mental
caráter ilícito incompleto
do fato desenvolvimento mental
retardado
semi-imputáveis
relativamente perturbação da saúde
incapaz de mental
determinar-se desenvolvimento mental
de acordo com incompleto
o entendimento desenvolvimento mental
retardado

A respeito da imputabilidade penal, ver também item 5.6: Exa­


me de avaliação de dependência de drogas.
A capacidade civil, por outro lado, pode ser definida como a
aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações por conta própria,
sem a necessidade de representação legal.
Os arts. 3a e 4a do Código Civil determinam que:

CC
Art. 3a São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente ós atos da vida civil:
I — os menores de dezesseis anos; ■-
II — os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos;
m — os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
\

Art. 4a São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:


I — os maiores de dezesseis è menores de dezoito anos;
n — os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,
tenham o discernimento reduzido;

300
TTT— os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV — os pródigos.
Parágrafo tínico. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Note-se que o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002)


alterou significativamente a redação dos arts. 5a e 6a do Código de
1916.
Com relação aos absolutamente incapazes, suprimiu as expres­
sões “loucos de todo o gênero”, “surdos-mudos” e “ausentes, decla­
rados tais por atos do juiz”.
No que toca aos relativamente incapazes, reduziu a maioridade
civil para 18 anos e acrescentou “os ébrios habituais, viciados em
tóxicos e excepcionais” como passíveis de semi-responsabilidade.

4. NOTA SOBRE A NOMENCLATURA E CLASSIFICAÇÃO


DOS TRANSTORNOS MENTAIS
A questão da denominação e classificação dos transtornos men­
tais toma bastante difícil a elaboração de um esquema didático que
englobe todas as orientações, porque a nomenclatura contemplada
pela Organização Mundial de Saúde (CID — 10) diverge das classifi­
cações da Associação de Psiquiatria Americana (DSM — m e DSM
— IV), sendo que estas também diferem substancialmente entre si.
Além disso, como bem observa Heber Soares Vargas (1990, p.
207), “praticamente, quase todos os livros de Medicina Legal ou de
Psiquiatria Forense ainda se cingem às antigas classificações das do­
enças mentais”, que são diferentes daquelas supracitadas.
Por outro lado, não houve modificação substancial quanto ao con­
teúdo teórico da maior parte dos transtornos mentais, cujas entidades
clássicas, representadas pelos retardos mentais, epilepsias, neuroses,
psicopatias e psicoses, permanecem relativamente estáveis na literatu­
ra médica específica, embora com outras denominações.

retardos mentais
epilepsias
Doenças mentais neuroses
psicopatias
psicoses (inclui a esquizofrenia)

301
Sendo assim, e em se tratando de obra destinada a concursos
públicos, optamos por apresentar a nomenclatura atual, proposta pela
Associação Psiquiátrica Americana (DSM — IV), associada, quando
possível, à terminologia referida pelos principais autores, ainda que
desatualizada.
Apenas para conhecimento, transcrevemos, a seguir, as classifi­
cações dos transtornos mentais, segundo o CID — 10 e o DSM — IV.
O CID — 10 agrupa os transtornos mentais e comportamentais
em onze categorias distintas, conforme o esquema a seguir:
• transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos;
• transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de subs­
tância psicoativa;
• esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos deli­
rantes;
• transtornos do humor (afetivos);
• transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o stress
e transtornos somatoformes;
• síndromes comportamentais associadas a disfunções fisioló­
gicas e fatores físicos;
• transtornos da personalidade e do comportamento do adulto;
• retardo mental;
• transtornos do desenvolvimento psicológico;
• transtornos do comportamento e transtornos emocionais que
aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência;
• transtorno mental não especificado.
O DSM — IV divide os transtornos mentais em dezesseis cate­
gorias:
• transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na
infância ou adolescência:
— retardo mental; s

— transtornos da aprendizagem;
— transtornos das habilidades motoras;
— transtornos da comunicação; transtornos invasivos do desen­
volvimento;
— transtornos de déficit de atenção e do comportamento
diruptivo;
— transtornos da alimentação da primeira infância;
— transtornos de tique;
— transtornos da excreção;
— outros transtornos da infância e da adolescência;
• delirium, demência, transtorno amnéstico e outros transtornos
cognitivos:
— delirium;
— demência;
— transtornos amnésticos;
— outros transtornos cognitivos;
• transtornos mentais devido a uma condição médica geral;
• transtornos relacionados a substâncias:
— transtornos relacionados ao álcool;
— transtornos relacionados à anfetamina;
— transtornos relacionados à cafeína;
— transtornos relacionados à cannabis;
— transtornos relacionados à cocaína;
— transtornos relacionados a alucinógenos;
— transtornos relacionados a inalantes;
— transtornos relacionados à nicotina;
— transtornos relacionados a opióides;
— transtornos relacionados à fenciclidina;
— transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos ou
ansiolíticos;
— transtornos relacionados a múltiplas substâncias;
— transtornos relacionados a outras substâncias ou substâncias
desconhecidas;
• esquizofrenia e outros transtornos psicóticos;
• transtornos do humor;
— transtornos depressivos;
— transtornos bipolares;

303
• transtornos de ansiedade;
• transtornos somatoformes;
• transtornos factícios;
• transtornos dissociativos;
• transtornos sexuais e da identidade de gênero:
— disfunções sexuais;
— parafilias;
— transtornos da identidade de gênero;
• transtornos alimentares;
• transtornos do sono:
— transtornos primários do sono;
— transtornos do sono relacionados a outro transtorno mental;
• transtornos do controle dos impulsos não classificados em outro
local;
• transtornos da personalidade;
• outras condições que podem ser foco de atenção clinica:
— fatores psicológicos que afetam a condição médica;
— transtornos dos movimentos induzidos por medicamentos;
— problemas de relacionamento;
— problemas relacionados ao abuso ou negligência;
— condições adicionais que podem ser um foco de atenção clí­
nica.
Há uma tendência atual no sentido de considerar, além da
sintomatologia em si, a quantidade e a qualidade desses sintomas
para fixação do diagnóstico. Assim, um mesmo conjunto de sinto­
mas pode caracterizar um transtorno menos ou mais severo, na de­
pendência do grau de comprometimento do psiquismo do paciente.
\

5. LIMITADORES E MODtFICADORES DA CAPACIDADE


CIVIL E IMPUTABILIDADE PENAL
' ' \
Vimos que o indivíduo pode sér considerado normal quando
não é portador de qualquer das patologias mentais conhecidas e con­
segue conviver de forma harmônica na sociedade. Com base nesse
conceito é possível afirmar que será normal e, portanto, responsável

304
toda pessoa que não apresentar limitadores ou modificadores da ca­
pacidade civil ou imputabilidade criminal.
O quadro a seguir, adaptado de similar proposto por Delton
Croce (1998, p. 530), indica os principais limitadores e modificadores
da responsabilidade civil e imputabilidade penal:

raça
idade
sexo
biológicos emoção e paixão
agonia
epilepsia
cegueira

dissonias
transtornos parassonias —
do sono sonambulismo

transtornos mistos da linguagem re­


ceptivo/expressiva (surdimutismo)
psicopatológicos transtornos da linguagem expressiva
Fatores limitadores ou — afasia
modificadores da transtornos obsessivo-compuísivos
capacidade civil e da — prodigalidade
imputabilidade penal
transtornos
embriaguez
relacionados toxicofilias
a substâncias

estados demenciais
retardos mentais (oligofrenias)
esquizofrenias'e outros transtornos
psiquiátricos psicóticos

f(neuroses)
transtornos diversos
^(psicoses)

,, . f civilização
meso gicos psieologta das multidões

legais — reincidência penal

305
O quadro acima, principalm ente no que toca aos fatores
psicopatológicos e psiquiátricos, é meramente exemplificativo, pois
há um sem-número de transtornos mentais que podem levar ao com­
prometimento da capacidade civil ou da imputabilidade penal e que
não são normalmente abordados pela literatura médico-legal.
Neste trabalho, iremos nos ater aos tópicos mais usuais, adap­
tando, como salientado, a nomenclatura ultrapassada às classifica­
ções modernas.

6 . FATORES BIOLÓGICOS

6.1. Raça
O fator raça não é inclufdo no quadro original apresentado por
Delton Croce (1998, p. 530), mas há autores, como Genival França
(1998, p. 344), que incluem esse conceito apenas para análise.
A raça em si não pode ser considerada fator modificador da
capacidade civil ou imputablidade penal. Já ficou amplamente de­
monstrado que não existem raças inferiores ou superiores, o que há
são características culturais e econômicas que em dado momento his­
tórico podem favorecer esta ou aquela comunidade ou grupamento
étnico. Existem trabalhos, entretanto, como o polêmico The bell cur­
ve (A curva do sino), de Richard J. Herrnstein e Charles Murray, que
pretendem afirmar a diferente habilidade intelectual ou a tendência
inata de determinadas raças para a criminalidade.
Ver considerações do item 1.4.

6.2. Idade
A idade tem aparecido como fator determinante tanto em rela­
ção à imputabilidade penal quanto à capacidade civil. Os menores de
18 anos são considerados inimputáveis, em razão de desenvolvimen­
to mental incompleto, e, portanto, não se sujeitam às sanções da lei
penal, ficando apenas adstritos às medidas protetivas e socio-
educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os maiores de 18 anos e menores de 21 anos, considerados à
época do fato, devem ter suas penas necessariamente reduzidas (art.

306
65, I, do CP), sendo os prazos prescricionais contados pela metade
(art. 115 do CP).
A idade avançada também foi considerada pelo legislador penal
como atenuante genérica (art. 65,1, do CP), merecendo o maior de 70
anos, à época da sentença, o mesmo tratamento do menor de 21 quanto
à redução dos prazos prescricionais.
Além disso, os maiores de 70 anos beneficiam-se do sursis etário
(art. 77, § 2fi, do CP), que permite sejam suspensas condenações de
até 4 anos, e da prisão albergue domiciliar (art. 117,1, da LEP).
Pela lei civil, os menores de 16 anos são absolutamente inca­
pazes (art. 32,1, do CC) e os menores de 18 anos relativamente incapa­
zes (art. 4a, I, do CC), podendo os maiores de 16 anos ser emancipa­
dos nas hipóteses previstas no art. 5a, I, do CC.
A lei civil também se preocupou com os valetudinários, preven­
do, por exemplo, a aposentadoria compulsória aos 70 anos ou res­
tringindo o regime matrimonial para as pessoas maiores de 60 anos
(art. 1.641, D, do Código Civil).
O Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741, de l 2 de outubro de 2003, é
também um bom exemplo do reconhecimento, pelo ordenamento ju­
rídico, de que o idoso, em razão de suas peculiaridades físicas, deve
receber tratamento especial do Estado.

6.3. Sexo
O sexo, na lei penal, é apenas considerado como atenuante no
crime de infanticídio. Mesmo assim, não se pode considerar que a
atenuação decorra em razão do sexo, mas, como vimos, de um parti­
cular estado mental da parturiente.
Há, por outro lado, algumas alterações do psiquismo relaciona­
das com períodos críticos da evolução do organismo feminino, como a
gestação, a lactação, o climatério, ou mesmo ligadas ao ciclo menstru­
ai. Tais alterações, entretanto, se por um lado podem traduzir modifica­
ções de humor ou emotividade, salvo em casos absolutamente anor­
mais, não devem influir na capacidade ou imputabilidade da mulher.
A tendência atual, aliás, é a de suprimir qualquer diferença de
tratamento entre os sexos. Nesse sentido, por exemplo, o atual Códi­
go Civil igualou a idade núbil do homem e da mulher em 16 anos
(art. 1.517 ■— antigo art. 183, XII) e estabeleceu o limite de 60 anos
para a a d o çã o obrigatória do regime matrimonial de separação de
bens, independente do sexo dos nubentes (art. 1.641, II — antigo art.
25 8 , parágrafo único, II).

6.4. Emoção e paixão


Emoção e paixão são estados emocionais que se diferenciam
tão-somente pelo tempo de duração. Na emoção o sentimento é ge­
ralmente fugaz, momentâneo, enquanto a paixão é mais duradoura.
’Tanto uma como a outra levam a alterações orgânicas, como,
por exemplo, aumento dos batimentos cardíacos e respiratórios,
sudorese e diurese intensas. Ao lado, produzem um comprometimen­
to das funções mentais superiores, diminuindo a capacidade de ra­
ciocínio e de autodeterminação.
O Código Penal não considera a emoção como causa de exclu­
são da imputabilidade (art. 2 8 ,1), podendo, entretanto, operar como
atenuante genérica (art. 65, III, c) ou causa de diminuição de pena no
homicídio (art. 121, § Ia) e lesão corporal (art. 129, § 4a).
A emoção e a paixão são geradas pelo sistema límbico, região
cerebral que engloba o tálamo, hipotálamo, hipófise e hipocampo
(Croce, 1998, p. 534). Em alguns casos patológicos, o desequilíbrio
do sistema límbico, quer por excesso de estimulação, quer por
estimulação insuficiente, pode levar a estados emocionais que os­
cilam desde o sentimentalismo extremado até a ira ou o medo. Nes­
sas hipóteses, após um exame psiquiátrico, poderá ser possível cons­
tatar a inimputabilidade ou semi-imputabilidade.

6.5. Agonia
A agonia pode ser definida como o conjunto de fenômenos que
aparecem na fase final de doenças agudas ou crônicas e prenunciam a
morte.
Na verdade não é a proximidade da morte que leva à invalidade
dos atos praticados, mas-sim a possibilidade de o paciente não poder
expressar livremente a sua vontade.

308
Como o agônico depois da morte não mais poderá ratificar ou
retificar os seus atos, para que as ações praticadas pelo moribundo
possam ter algum valor, é normalmente recomendada a presença de
testemunhas.

6.6. Epilepsia
Remotamente denominada “mal sagrado”, a epilepsia é uma das
doenças mais antigas da humanidade. O termo deriva do grego e sig­
nifica “surpreender”, em razão das crises que se instalam de maneira
súbita e inesperada.
Não é uma “doença mental”, mas uma afecção do sistema ner­
voso central, de caráter normalmente crônico, e que se manifesta por
alterações sensitivas, motoras ou psíquicas, como perda dos senti­
dos, amnésia e convulsões.
Se provocados entre os ataques, os epilépticos podem reagir de
modo desmedido, dando causa a crimes bastante violentos.

6.7. Cegueira
A cegueira, por si só, não pode ser considerada um fator
modificador da imputabilidade penal ou da capacidade civil.
Entretanto, há situações em que o cego experimenta algumas
limitações legais.
É o caso, por exemplo, da incapacidade para depor como teste­
munha quando a ciência dos fatos depender do sentido da visão (art.
405, § l s, IV, do CPC), ou da necessidade do testamento público (art.
1.867 do CC).

CPC
Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes,
impedidas ou suspeitas.
§ Ia São incapazes;

IV — o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes
faltam.

309
cc
Art. 1 .867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz
alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma
das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada
menção no testamento.

7. FATORES PSICOPATOLÓGICOS

7.1. Transtornos do sono


Existem três estados mentais principais nos seres humanos: vi­
gília, sono e sonho. O sono é desencadeado pela presença de media­
dores neuroquímicos que atuam sobre o sistema nervoso e literal­
mente o forçam a dormir.
O sonho (ou sono paradoxal) é necessário para a saúde do indi­
víduo.
A privação do sono e principalmente do sono paradoxal pode
levar a perturbações mentais, alucinações e morte.
O sono normal em princípio não altera a capacidade ou a
imputabilidade. É possível, porém, a ocorrência da chamada “em­
briaguez do sono”, estado imediatamente anterior à perda da consci­
ência, antes do sono, ou ao retomo à vigília, após ele. Nesses mo­
mentos a capacidade de intelecção está grandemente comprometida.
Demonstrado claramente que alguém cometeu um delito nesse
estado de semiconsciência, deve ser tido como irresponsável, já que
seus atos são puramente mecânicos e não dirigidos por vontade própria.
Dentre os transtornos do sono, o DSM — IV indica:

transtornos primários do stíno


Transtornos do
<
sono
transtornos do sono relacionados a outro transtorno mental
outros transtornos do sono

Dissonias são “transtornos primários de iniciação ou manuten­


ção do sono ou de sonolência excessiva, caracterizados por um dis-
túrbio na quantidade, qualidade ou regulação de ritmo do sono” (DSM
— IV, p. 525).
Parassonias são “transtornos caracterizados por eventos
comportamentais ou fisiológicos anormais, ocorrendo em associa­
ção com o sono, estágios específicos do sono ou transições do sono
para a vigília. Diferentemente das dissonias, as parassonias não en­
volvem anormalidades nos mecanismos geradores dos estados de
sono e vigília, nem o tempo de ocorrência do sono e da vigília. Ao
invés disso, as parassonias representam a ativação de sistemas fi­
siológicos em momentos impróprios, durante o ciclo de sono-vigí-
lia. Em particular esses transtornos envolvem a ativação do sistema
nervoso autônomo, do sistema motor ou de processos cognitivos
durante o sono ou as transições entre sono-vigília. Diferentes
parassonias ocorrem em diferentes momentos durante o sono, e
parassonias específicas freqüentemente ocorrem durante estágios
específicos do sono. Os indivíduos com parassonias em geral se
apresentam com queixas de comportamento incomum durante o
sono, ao invés de queixas de insônia ou sonolência excessiva du­
rante o dia” (DSM — IV, p. 550).
Dentre as parassonias, encontramos o transtorno de sonambu~
lismo, perturbação mental relativamente comum na infância, em que
o indivíduo perde a consciência, tem alguns dos sentidos diminuídos,
mas mantém a atividade locomotora, podendo andar e desviar-se de
objetos colocados em seu trajeto.
O hipnotismo é uma forma de “sonambulismo provocado”, um
processo de sugestão em que o indivíduo adentra em um estado de
transe e fica sob o domínio relativo do hipnotizador.
O que se tem demonstrado é que o hipnotizado somente age até
os limites daquilo que faria sem estar hipnotizado, ou seja, jamais
executará ordens que forem contrárias aos seus princípios éticos e
morais.
Por esse motivo, o estado hipnótico não tem sido aceito como
atenuante ou dirimente, podendo, entretanto, operar como agravante
se a vítima estiver hipnotizada.

311
7.2. Transtorno misto da linguagem receptivo/expressiva —
surdimutismo
O Código Civil de 1916, em seu art. 5fi, UI, indicava, como ab­
solutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil,
os surdos-mudos que não pudessem exprimir a sua vontade.
Com extrema felicidade, o novo Código Civil, atento aos avan­
ços da psicologia e psiquiatria, substituiu a redação anterior para con­
siderar como absolutamente incapazes todos aqueles que, mesmo por
causa transitória, não podem exprimir sua vontade (art. 3S, UI).
A nova redação ampliou, destarte, o rol de possibilidades, para
englobar não apenas os portadores de transtornos da linguagem (en­
tre os quais os surdos-mudos), como também os que exibam outras
perturbações que comprometam e viciem o seu consentimento.
De qualquer modo, tanto a inimputabilidade quanto a incapaci­
dade somente podem ser reconhecidas por exame pericial para averi­
guação da possibilidade de expressão livre da vontade e capacidade
de compreensão dos fatos.

7.3. Transtornos da linguagem expressiva — afasia


Afasia é a perda completa da fala. O afásico, embora não apre­
sentando demência ou alterações do aparelho fonador, é inteiramente
incapaz de compreender a palavra falada ou escrita e de manifestar-
se nesse sentido. Sendo assim, a afasia é um estado patológico
modificador da capacidade e da imputabilidade que pode levar à
irresponsabilidade penal ou civil.
Não se deve confundir afasia com disartria. Nesta, o indivíduo
apenas não consegue falar era decorrência de lesões nervosas, mas
compreende tudo que é dito, balbucia palavras e pode expressar-se
por outros meios que não a fala.

7.4. Transtornos obsessivo-compulsivos — prodigalidade


Os transtornos obsessivo-compulsivos são caracterizados essen­
cialmente por idéias obsessivas ou comportamentos compulsivos re­
correntes que o paciente, embora ciente do absurdo e da inutilidade
do que faz, não consegue evitar.

312
A prodigalidade é uma forma de transtorno compulsivo em que
a pessoa, sem qualquer justificativa, dilapida seu patrimônio de for­
ma desordenada, chegando a comprometer a própria subsistência.
Os pródigos são tidos como relativamente incapazes (art. 49, IV,
do CC), podendo praticar certos atos da vida civil, desde que devida­
mente assistidos por um curador.
Alguns outros transtornos obsessivos, como, por exemplo, a
oniomania (compulsão para comprar tudo que vê) e a cibomania
(compulsão para o jogo), se forem capazes de comprometer todos os
haveres do paciente, podem dar margem à interdição civil (Gomes,
2003, p. 524).

7.5. Transtornos relacionados a substâncias — embriaguez e


toxicomanias
A embriaguez, no direito penal brasileiro, somente poderá levar
à inimputabilidade se completa e proveniente de caso fortuito ou for­
ça maior. Nas demais hipóteses, ou será agravante ou irrelevante penal.
Para o direito civil, os ébrios e toxicômanos são relativamente
incapazes (art. 42, II), podendo, ainda, constituir injúria grave de modo
a dar margem à separação judicial.
Os temas já foram analisados no Capítulo 8.

8. FATORES PSIQUIÁTRICOS
Dentro do capítulo dos fatores psiquiátricos como modificadores
da capacidade civil e imputabilidade penal, estudam-se as chamadas
doenças mentais, “termo inadequado, utilizado para compreender
todas as alterações mórbidas da saúde mental, qualquer que seja a
sua origem” (Vargas, 1990, p. 195).
Como bem salienta Genival França (1998, p. 355), a expressão
doença mental “não se ajusta bem ao que se quer atingir, porque se
entende como sinônimo de enfermidade da mente. Não sendo a men­
te algo material, tecnicamente não admite uma doença. A mente não
é local do corpo, mas uma atividade, uma função. Ademais, doença
mental não pode ser igual a doença do cérebro. Enfermidade do cére­
bro é, a saber, um tumor, uma esclerose múltipla, uma neurossífilis.

313
E, na hora em que as enfermidades denominadas mentais demons­
tram doença, os pacientes começam a ser transferidos da psiquiatria
para outros setores. O retardo mental para a Pedagogia; a neurossífilis,
para a Neurologia; o delírio das doenças infecciosas, para a Medicina
Interna”.
Assim, embora na literatura jurídica ainda seja de uso corrente,
a tendência atual é sua substituição pela expressão “transtorno men­
tal” (vide Lei n. 10.216, de 6-4-2001).
Dentre os fatores psiquiátricos de interesse médico-legal, se­
gundo a classificação do DSM — IV podemos citar:
• estados demenciais;
• retardos mentais (oligofrenias);
• esquizofrenias e outros transtornos psicóticos;
• transtornos diversos (neuroses).

8.1. Estados demenciais


Segundo a Organização Mundial de Saúde, “a demência é uma
síndrome devida a uma doença cerebral, usualmente de natureza crô­
nica ou progressiva, na qual há comprometimento de numerosas fun­
ções corticais superiores, tais como a memória, o pensamento, a ori­
entação, a compreensão, o cálculo, a capacidade de aprendizagem, a
linguagem e o julgam ento” . Pode ser observada na doença de
Alzheimer, em doenças cerebrovasculares e em outras afecções que
atingem primária ou secundariamente o cérebro.

8.2. Retardos mentais (oligofrenias)


Retardo mental é a “parada do desenvolvimento ou desenvolvi­
mento incompleto do funcionamento intelectual, caracterizados es­
sencialmente por um comprometimento, durante o período de desen­
volvimento, das faculdades que determinam o nível global de inteli­
gência, isto é, das funções cognitivas, de linguagem, da motricidade
e do comportamento social. O retardo mental pode acompanhar um
outro transtorno mental ou físico, ou ocorrer de modo independente”
(CID — 10, p. 361). Admite quatro graus: leve, moderado, severo e
profundo (DSM — IV, p. 40).
O vocábulo oligofrenia, atualmente em desuso, mas ainda cita­
do por vários livros de medicina legal como indicativo do retardo
mental de qualquer origem, é um termo genérico, que significa “pou­
co espírito”.
As oligofrenias admitiam três graduações, conforme a gravi­
dade:

Quociente Idade mental Descrição


intelectual
Idiotia Inferior a 25 Inferior a 3 anos Os idiotas profundos (retar­
do mental profundo) não
falam, têm vida psíquica
inferior aos animais supe­
riores e não conseguem cui­
dar de si.
Imbecilidade Entre 25 e 50 Entre 3 e 7 anos Conseguem falar e apren­
der algumas tarefas, poden­
do prover sua própria sub­
sistência. Tem sexualidade
precoce e por vezes prati­
cam certos atos de pequena
delinqüência.
Debilidade Entre 50 e 90 Entre 7 e 12 anos Podem prover a própria
mental subsistência, embora não
tenham condição de com­
petir com pessoas normais.
Alguns conseguem atingir
até o nível superior, mas ja­
mais serão profissionais de
renome. Quanto à crimi­
nalidade, são facilmente ir­
ritáveis, podendo chegar a
cometer delitos de lesão
corporal ou homicídio.

Os portadores de retardos mentais severos e profundos (idiotas


e imbecis) são penalmente inimputáveis por serem inteiramente in­
capazes de entender o caráter ilícito de eventual ato criminoso prati­
cado ou de determinarem-se de acordo com esse entendimento. Da

315
mesma forma, devem ser tidos como absolutamente incapazes para
os atos da vida civil.
Os portadores de retardos mentais leves e moderados (débeis
mentais) podem, com certas limitações, exercer atos da vida civil,
sendo considerados relativamente incapazes. Na esfera penal, devem
ser rotulados como semi-imputáveis, por não serem inteiramente ca­
pazes de entender o caráter ilícito dos atos praticados ou de determi­
narem-se de acordo com esse entendimento.

8.3. Esquizofrenias e outros transtornos psicóticos


A esquizofrenia 6 um transtorno mental decorrente de fatores
orgânicos não perfeitamente esclarecidos, que aparece de forma
episódica, eventual ou progressiva, e que apresenta uma variada gama
de manifestações associadas à perda da afetividade, desinteresse pe­
los fatos normais da vida e associação extravagante de idéias, como
comportamentos contraditórios, chegando a pessoa a ouvir vozes e à
deterioração progressiva da inteligência.
Surge geralmente na adolescência, entre os 15 e os 25 anos,
tendo prognóstico bastante sombrio, já que apenas 30% dos pacien­
tes evoluem favoravelmente.
São descritas cinco formas clínicas fundamentais (DSM—IV,
p. 268):

indiferenciada (simples)
desorganizada (hebefrênica)
Esquizofrenia catatônica
paranóíde
residual

Na forma indiferenciada ou simples há um enfraquecimento


progressivo do psiquismo que pode conduzir até a demência. Não
costuma apresentar outras espécies de. manifestações mais severas
senão o desinteresse geral por tudo e todos e perda gradual da inteli­
gência. E xistem sintom as que satisfazem o diagnóstico de
esquizofrenia, mas não preenchem os critérios gerais para os demais
subtipos.

316
Na forma desorganizada ou hebefrênica, além da debilidade do
psiquismo, surgem outras manifestações, como idéias absurdas, alte­
rações de ânimo violentas que vão desde a apatia ou o sentimentalis-
mo até a ira extrema. Freqüentemente assumem posições de salvado­
res do mundo ou enviados dos céus.
Na forma catatônica os esquizofrênicos costumam permanecer
por tempo prolongado parados na mesma posição. Raramente apre­
sentam delírios, mas são bastante impulsivos, podendo chegar ao
homicídio ou até à autolesão.
Na forma paranóide, o esquizofrênico sente-se arrebatado, do­
minado por forças externas que não consegue explicar. Predominam
as alucinações e os delírios. Normalmente desconfiam de tudo e to­
dos, apresentando acusações generalizadas e infundadas, como se o
mundo conspirasse contra eles.
Na forma residual há registro de pelo menos um episódio de
esquizofrenia, mas o quadro clínico por ocasião do exame não apon­
ta sintomas positivos próprios, como alucinações, delírios, discurso
ou comportamento desorganizado. Existem apenas evidências carac­
terizadas pela presença de sintomas negativos, como afeto embota­
do, discurso pobre e vontade diminuída.
Genival França (1998, p. 356) lembra que a “esquizofreniapode
levar a uma variedade muito grande de delitos, exóticos e incompre­
ensíveis pela sua inutilidade. Os mais graves sãó decorrentes da for­
ma paranóide. Em regra, o crime desses pacientes é repentino, ines­
perado e sem motivos”.

8.3.1. Psicoses — transtornos bipolares


O termo psicose é utilizado, de uma maneira geral, para apontar
qualquer transtorno mental diverso dos estados demenciais, retardos
mentais (oligofrenias) e transtornos diversos (neuroses), incluindo o
que se entende pelos obsoletos insanidade e loucura.
Dentre as psicoses, destacam-se os transtornos bipolares (anti­
ga psicose maníaco-depressiva).
Os transtornos bipolares são caracterizados “por dois ou mais
episódios nos quais o humor e o nível de atividade do sujeito estão
profundamente perturbados, sendo que este distúrbio consiste em al­
gumas ocasiões de uma elevação do humor e aumento da energia e da
atividade (hipomania ou mania) e, em outras, de um rebaixamento do
humor e de redução da energia e da atividade (depressão)” (CID—■
10, p. 325).
França (1998, p. 356) esclarece que “a fase de hipomania é
mais perigosa, estado em que os sentimentos de poder, euforia,
autoconfiança e otimismo estão mais exaltados, levando o paciente
a irrefletidas atitudes, negócios fantásticos, compras astronômicas,
criações de empresas e iniciativas esdrúxulas e inconseqüentes”.
Na fase depressiva, podem chegar ao suicídio. “São sempre sui­
cídios bem planejados, friamente concebidos, cuja execução é rigo­
rosamente revestida de precaução, inclusive com a preocupação de
deixar a família numa situação melhor. Podem ainda matar a esposa e
os filhos, antes de tirar a própria vida, como forma de evitar o sofri­
mento e a desonra dos seus” (França, 1998, p. 356).

8.3.2. Transtornos da personalidade (personalidades psicopáticas)


Os transtornos da personalidade, antigamente chamados de
personalidades psicopáticas, englobam:
• personalidade paranóica ou paranóide;
• personalidade esquizóide;
• personalidade esquizotípica;
• personalidade anti-social (dissociai);
• transtorno de personalidade com instabilidade emocional;
• personalidade histriônica;
• personalidade narcisista;
• personalidade esquiva (ansiosa);
• personalidade dependente;
• personalidade obsessivo-compulsiva (anancástica).

8.3.3. Personalidade paranóica ou paranóide


“Transtorno da personalidade caracterizado por uma sensibili­
dade excessiva face às contrariedades, recusa de perdoar os insultos,

318
caráter desconfiado, tendência a distorcer os fatos interpretando as
ações imparciais ou amigáveis dos outros como hostis ou de despre­
zo; suspeitas recidivantes, injustificadas, a respeito da fidelidade se­
xual do esposo ou do parceiro sexual; e um sentimento combativo e
obstinado de seus próprios direitos. Pode existir uma superavaliação
de sua auto-importância, havendo freqüentemente auto-referência
excessiva” (CID — 10, p. 351). Também chamada de personalidade
expansiva, fanática ou querelante.

8.3.4. Personalidade esquizóide


‘Transtorno da personalidade caracterizado por um retraimento
dos contatos sociais, afetivos ou outros, preferência pela fantasia, ativi­
dades solitárias e a reserva introspectiva, e uma incapacidade de ex­
pressar seus sentimentos e a experimentar prazer'’ (CID — 10, p. 352).

8.3.5. Personalidade esquizotípica


‘Transtorno caracterizado por um comportamento excêntrico e
por anomalias do pensamento e do afeto que se assemelham àquelas
da esquizofrenia, mas não há em nenhum momento da evolução qual­
quer anom alia esquizofrênica m anifesta ou característica. A
sintomatologia pode comportar um afeto frio ou inapropriado,
anedonia (NA — incapacidade de ter prazer ou divertir-se); um com­
portamento estranho ou excêntrico; uma tendência ao retraimento
social; idéias paranóides ou bizarras sem que se apresentem idéias
delirantes autênticas; ruminações obsessivas; transtornos do curso
do pensamento e perturbações das percepções; períodos transitórios
ocasionais quase psicóticos com ilusões intensas, alucinações auditi­
vas ou outras e idéias pseudodelirantes, ocorrendo em geral sem fa­
tor desencadeante exterior. O início do transtorno é difícil de deter­
minar, e sua evolução corresponde em geral àquela de um transtorno
da personalidade” (CID — 10, p. 320).

8.3.6. Personalidade anti-social ou dissociai (sociopatas)


‘Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das
obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um des­

319
vio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabe­
lecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experi­
ências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerân­
cia à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, in­
clusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a
fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento
que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade” (CID — 10,
p. 352). Também chamada de personalidade amoral, associai ou
sociopática.

8.3.7. Transtorno de personalidade com instabilidade emocional


(borderline e impulsivo)
“Transtorno de personalidade caracterizado por tendência nítida
a agir de modo imprevisível sem consideração pelas conseqüências;
humor imprevisível e caprichoso; tendência a acessos de cólera e uma
incapacidade de controlar os comportamentos impulsivos; tendência a
adotar um comportamento briguento e a entrar em conflito com os
outros, particularmente quando os atos impulsivos são contrariados ou
censurados. Dois tipos podem ser distintos: o tipo impulsivo, caracteri­
zado principalmente por uma instabilidade emocional e falta de con­
trole dos impulsos; e o tipo ‘borderline’, caracterizado, além disto, por
perturbações da auto-imagem, do estabelecimento de projetos e das
preferências pessoais, por uma sensação crônica de vacuidade, por re­
lações interpessoais intensas e instáveis e por uma tendência a adotar
um comportamento autodestrutivo, compreendendo tentativas de sui­
cídio e gestos suicidas” (CID — 10, p. 353).

8.3.8. Personalidade narcisista


A característica essencial da personalidade narcisista consiste
na emotividade excessiva e busca de atenção, que se inicia na idade
adulta e está presente em vários contextos.
Os indivíduos com esse transtorno de personalidade sentem des­
conforto quando não são d centro das atenções; apresentam compor­
tamento geralmente inadequado, sexualmente provocante ou sedu­
tor, utilizando constantemente a aparência física para chamar a aten­

320
ção sobre si; têm tendência à dramatização e consideram os relacio­
namentos mais íntimos do que realmente são (conceito adaptado do
DSM — IV, p. 620).

8.3.9. Personalidade histriônica


‘Transtorno da personalidade caracterizado por uma afetividade
superficial e lábil, dramatização, teatralidade, expressão exagerada
das emoções, sugestibilidade, egocentrismo, autocomplacência, falta
de consideração para com o outro, desejo permanente de ser aprecia­
do e de constituir-se no objeto de atenção e tendência a se sentir facil­
mente ferido” (CID — 10, p. 353).

8.3.10. Personalidade obsessivo-compulsiva (anancástica)


‘Transtorno da personalidade caracterizado por um sentimento
de dúvida, perfeccionismo, escrupulosidade, verificações, e preocu­
pação com pormenores, obstinação, prudência e rigidez excessivas.
O transtorno pode se acompanhar de pensamentos ou de impulsos
repetitivos e intrusivos não atingindo a gravidade de um transtorno
obsessivo-compulsivo” (CID — 10, p. 353).

8.3.11. Personalidade ansiosa (esquiva)


‘Transtorno da personalidade caracterizado por sentimento de
tensão e de apreensão, insegurança e inferioridade. Existe um desejo
permanente de ser amado e aceito, hipersensibilidade à crítica e a
rejeição, reticência a se relacionar pessoalmente, e tendência a evitar
certas atividades que saem da rotina com um exagero dos perigos ou
dos riscos potenciais em situações banais” (CID — 10, p. 353).

8.3.12. Personalidade dependente (astênica)


‘Transtorno da personalidade caracterizado por: tendência sis­
temática a deixar a outrem a tomada de decisões, importantes ou
menores; medo de ser abandonado; percepção de si como fraco e
incompetente; submissão passiva à vontade do outro (por exemplo,
de pessoas mais idosas) e uma dificuldade de fazer face às exigências
da vida cotidiana; falta de energia que se traduz por alteração das

321
funções intelectuais ou perturbação das emoções; tendência freqüen­
te a transferir a responsabilidade para outros” (CID — 10, p. 354).

Nota necessária
Como salientamos no item 4, foram implementadas profundas
modificações na nomenclatura e classificação dos transtornos men­
tais. As personalidades patológicas, mencionadas no item anterior,
refletem a posição atual da Organização Mundial de Saúde (CID —
10) e da Associação Psiquiátrica Americana (DSM — IV) a respeito
do tema.
Como a quase-totalidade dos livros de medicina legal mantém a
classificação antiga e considerando que boa parte dos laudos psi­
quiátricos ainda faz uso da nomenclatura tradicional, apresentamos,
a seguir, um breve resumo do que a doutrina entende por personali­
dades psicopáticas.

8.3.13. Personalidades psicopáticas


Os portadores de personalidades psicopáticas são indivíduos
que, embora não apresentem transtornos da inteligência, registram
severas alterações da afetividade, dos instintos, do temperamento e
do caráter.
Vários são os termos utilizados para indicar a personalidade
psicopática, por exemplo: “oligofrênicos morais” (Bleuler), “dege­
nerados” (Magnari), “estupidez moral” (Baer), “semiloucos” (Grassei)
ou, segundo o conceito de Székely, todo “aquele que apresenta uma
instabilidade mental patológica, sem perda de suas funções inte­
lectuais” (Croce, 1998, p. 560). '
Genival França (1998, p. 358) assevera que na verdade não são
personalidades doentes ou patológicas, mas sim anormais, cujo tra­
ço característico é o distúrbio da afetividade ou do caráter, com a
manutenção da inteligência.
Os portadores de persohàlidade psicopática precisam de trata-,
mento especializado e quando cometem delitos devem ser tidos como
semi-imputáveis.

322
Há várias classificações, como as de KraepeUn e Kurt Schneider.
Segundo Kraepelin as personalidades psicopáticas classificam
se em irritáveis, instáveis, instintivas, tocadas, mentirosas e
fraudadoras anti-sociais e disputadoras (Croce, 1998, p, 560),
Para Kurt Schneider, as personalidades psicopáticas divi­
dem-se em:

psicopatas Mpertímicos
psicopatas depressivos
psicopatas sem sentimentos, amorais ou perversos
psicopatas anancásticos ou inseguros de si mesmos
Classificação das psicopatas fanáticos
personalidades psicopáticas . psicopatas necessitados de valorização ou carentes
segundo Kurt Schneider de afeto
psicopatas lábeis de estado de ânimo
psicopatas explosivos, irritáveis ou epileptóides
psicopatas abúlicos ou de instintividade débil
psicopatas astênicos

Psicopatas Mpertímicos — têm grande tendência às disputas,


escândalos e desajustes familiares. Seu estado de ânimo oscila entre
a tranqüilidade e a fúria extrema e desproporcional (atual personali­
dade histriônica).
Psicopatas depressivos — freqüentemente chegam ao suicídio
e raramente à criminalidade. Seu estado de ânimo é caracterizado
pela depressão constante e pelo pessimismo (atual transtorno de per­
sonalidade esquizóide).
Psicopatas sem sentimentos, amorais ou perversos — Genival
França (1998, p. 358) os define como sendo aqueles cuja “principal
característica é a impossibilidade de experimentarem sentimentos de
afeto, simpatia ou valoração das demais pessoas. Não conhecem a
bondade, a piedade, a vergonha, a misericórdia e a honra. Desde a
infância demonstram anormalidades pelas manifestações de cruelda­
de, mitomania, precocidade sexual e delinqüência. Seus crimes são
desumanos, frios, impulsivos, bestiais. Não admitem ser fiscaliza­
dos. Realizam atos movidos pelas suas paixões, pelo domínio dos
componentes instintivos de sua personalidade. Praticam o mal por
necessidade. Sentem sua falta, como o faminto o alimento, e só assim
se acham equilibrados e serenos, recebendo tranqüilos e eufóricos a
conseqüência dos seus feitos” (atual personalidade anti-social ou
dissociai).
Psicopatas anancâsticos ou inseguros de si mesmos — são pes­
soas inseguras, com complexo de inferioridade e dominadas por idéias
recorrentes surgidas sem explicação aparente e que podem levar a
intenso sofrimento (atual personalidade obsessivo-compulsiva ou
anancástica).
Psicopatas fanáticos — são dominados por idéias filosóficas,
religiosas e políticas. Quando assumem a liderança de algum grupo
humano, apresentam geralmente atitudes extremadas, podendo levar
à guerra ou aos massacres (atualpersonalidade paranóica).
Psicopatas necessitados de valorização ou carentes de afeto —
sua principal característica é desejar parecer mais do que efetivamen­
te são. Normalmente tomam-se mentirosos e fanfarrões (atual trans­
torno de personalidade narcisista).
Psicopatas lábeis de estado de ânimo — têm reações despro­
porcionais, com crises de irritação e depressão, sendo perigosos nos
momentos de impulso (atual transtorno de personalidade com insta­
bilidade emocional).
Psicopatas explosivos, irritáveis ou epileptóides — são extre­
mamente irritáveis, reagindo violentamente aos menores estímulos
externos. São dos mais perigosos, pois podem chegar ao homicídio,
às lesões corporais e a crimes passionais. Com certa freqüência não
conseguem recordar-se do que fizeram quando em estado de exaltação.
Psicopatas abúlicos ou de instintividade débil '■
— não têm von­
tade própria, sendo facilmente sugestionáveis (atual transtorno de
personalidade ansiosa-esquiva).
Psicopatas astênicos — sentem-Se muito cansados, fatigados,
dominados pelos sentimentos de incapacidade e inferioridade. Têm
tendência às drogas e comumente chegam ao suicídio (também po­
dem ser classificados no atual transtorno de personalidade depen­
dente).

324
8.3.14. Síndromes psicopáticas
Alguns autores, ao largo das classificações tradicionais, prefe­
rem falar em síndromes psicopáticas, com sintomas comuns, mais
relacionados com o transtorno de personalidade anti-social ou
dissociai (psicopatas sem sentimentos, amorais ou perversos). São
exemplos os roteiros de H. Cleckley, Gray e Hutchison e W. MacCord
e J. MacCord (in Maranhão, 2003, p. 86):

Síndromes psicopáticas
H. Cleckley Gray e Hutchison MacCord e MacCord
Encanto superficial e boa inteli­ É emocionalmente ima­
gência. turo.
Ausência de delírios ou outros
sinais de pensamento ilógico.
Ausência de manifestações psi-
coneuróticas.
Inconstância.
Infidelidade e insinceridade.
Falta de remorso ou vergonha. É incapaz de sentir cul­ Sente escassos sentimentos
pa. de culpa.
Falta-lhe senso moral.
Conduta anü-social inadequada­ Falta-lhe controle sobre É altamente impulsivo.
mente motivada. os impulsos. As ações dos psicopatas ca­
recem de planejamento.
Falta de ponderação e fracasso Não aprende pela expe­ Movido por desejos incon-
em aprender pela experiência. riência. trolados.
Egocentrismo patológico e inca­ É egocêntrico. Desviada capacidade de
pacidade de amar. amar.
Pobreza geral nas relações afe­ E incapaz de estabelecer É associai.
tivas. relações significativas.
Falta específica de esclarecimen­ A punição não lhe alte­
to interior (insight). ra o comportamento.
Irresponsabilidade nas relações Falta-lhe senso de res­
interpessoais. ponsabilidade.
Tendência a conduta fantástica É agressivo.
com ou sem uso de álcool.
Raramente suicidas.
Vida sexual impessoal, trivial e
pobremente integrada.
Incapacidade de seguir um pla­ É crônica ou periodica­ Cada momento é uma fração
no de vida. mente anti-social. de tempo desvinculada das
demais.

325"
É claro que qualquer dos dados, considerado isoladamente e sem
continuidade no tempo, não pode levar a um diagnóstico. Apenas quando
analisados em conjunto e persistentes é que podem caracterizar uma
eventual síndrome psicopática (Maranhão, 2003, p. 138).

8.4. Transtornos diversos — neuroses


Sob o nome genérico de neuroses, a doutrina pretende incluir
uma gama de transtornos mentais atualmente designados como trans­
tornos de ansiedade, transtornos somatoformes, transtornos do hu­
mor, transtornos dissociativos ou transtornos factícios.
A neurose representa um conflito interno, de personalidade, entre
os princípios éticos, morais e religiosos e os impulsos instintivos e as
exigências do mundo exterior, gerando alto grau de ansiedade.
O neurótico, ao contrário do psicótico, não tem alterado o seu
senso de realidade. “Vive e reconhece perfeitamente a realidade que
o circunda, é inconformado com ela, sofre, angustia-se, procura me­
canismos de defesa, conscientes e inconscientes, que desencadeiam
um sistema de segurança contra os conflitos internos, tentando esta­
belecer o equilíbrio para tomar a vida suportável. Nem sempre con­
segue, o sofrimento aumenta, a neurose se agrava.” (Palomba, Lou­
cura e crime, 1996, p. 131).
Entre os principais transtornos de fundo neurótico podemos citar:
• transtornos de ansiedade:
— transtornos de pânico com ou sem agarofobia (medo de ficar
só em locais públicos);
— fobia simples;
— fobia social;
— transtorno obsessivo compulsivo;
— transtorno de estresse pós-traumático;
— transtorno de ansiedade generalizada;
• transtornos somatoformes:
— transtorno de somatização;
— transtorno conversivo;
— transtorno doloroso;

326
— hipocondria,-
• transtornos dissociativos:
— amnésia dissociativa;
— fuga dissociativa;
— transtorno dissociativo de identidade;
— transtorno de despersonalização;
• transtornos do humor:
— transtornos depressivos;
• transtornos factícios:
Não obstante apresentarem-se sob as mais variadas formas, se­
gundo Porot (in Maranhão, 2003, p. 64), as neuroses têm sintomas
relativamente comuns que se caracterizam por:
a) perturbação afetiva, mais ou menos consciente, que se ex­
pressa por uma hiperemotividade parasita;
b) comportamento de inadaptação à realidade e ao meio social,
por impossibilidade de desviar o interesse de si mesmo e usar a ativi­
dade para objetivo da vida prática;
c) sensação de insuficiência afetiva e sexual (em sentido amplo),
por incapacidade de sobrepujar os conflitos da via moral íntima;
d) uma insatisfação vital que se traduz por:
I — desordens neurovegetativas;
I I — fuga dos objetos simbolicamente relacionados ao conflito;
TTT— atos mágicos de anulação do conflito;
IV — conversão da tensão emocional em expressões corporais.
Juridicamente, é bastante discutível se esses quadros (neuroses)
deveriam ser incluídos entre os modificadores da imputabilidade pe­
nal e capacidade civil.
Raramente os neuróticos se tomam criminosos, e quando isso
acontece em poucas ocasiões é possível ligar o comportamento cri­
minoso ao transtorno mental.
Heber Vargas (1990, p. 199) apresenta um quadro comparativo
entre os transtornos classificados como neuróticos e psicóticos:

327
Neurose Psicose
Comportamento geral Leve grau de descom ­ Elevado grau de d es­
pensação da personalida­ compensação da perso­
de, não sendo atingidos nalidade; o contato com
o contato com a realida­ a realidade é muito atin­
de e a situação social. gido. O psicótico fica
impossibilitado de atua­
ção social.
Natureza dos sintomas ' Grande amplitude de sin­ Grande amplitude de sin­
tom as p sic o ló g ic o s e tomas psicológicos, com
somáticos. Não há, po­ d elírios, alu cin ações,
rém, alucinações ou ou­ embotamento emocional
tros desvios extremos no e outros comportamentos
pensamento, sentimento anormais.
ou ação.
Orientação Raramente perde a orien­ Geralmente perde a ori­
tação ambiental. entação ambiental.
Autoconhecimento Tem geralmente certa Raramente tem compre­
compreensão da natureza ensão da natureza de seu
de seu estado psíquico. estado psíquico.
Aspectos sociais Raramente o seu com ­ Freqüentemente o seu
portamento social é pre­ comportamento é preju­
judicial ou perigoso para dicial ou perigoso para si
si e para a sociedade. . e pata a sociedade.
Tratamento médico Raramente necessita de Geralmente precisa de
internação hospitalar. internação hospitalar.
Tratamento j uiídico Salvo em situações espe- Em geral é penalmente
cialíssimas, é imputável inimputável e incapaz ci-
e capaz. vilmente.

9. FATORES M ESOLÓGICOS
9.1. Civilização — silvícolas
“índio ou silvícola é todo indivíduo de origem e ascendência
pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a
um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da so­
ciedade nacional” (art. 3a da Lei n. 6.001/73).
Quanto ao grau de integração, os índios podem ser considera­
dos isolados, em vias de integração ou integrados (art. 4a da Lei n.

328
6.001/73). Os não integrados ficam sujeitos a um regime tutelar pre­
visto na Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do índio).
O Código Penal não faz referência expressa aos silvícolas. En­
tretanto, os índios não aculturados ou inadaptados podem ser consi­
derados semi-imputáveis, porque o choque de culturas muitas vezes
não permite por parte do silvícola a intelecção do caráter ilícito do
ato praticado, fazendo jus a uma atenuação da pena (art. 56 da Lei n.
6.001/73). Os índios aculturados ou adaptados, por outro lado, têm
desenvolvimento mental suficiente para compreender o caráter ilíci­
to do ato praticado e, portanto, devem ser tidos como imputáveis.

9.2. Psicologia das multidões


Não é preciso dizer que indivíduos absolutamente normais e
sem qualquer tendência à violência, quando influenciados por multi­
dões em tumulto, agem de forma totalmente irracional. Os exemplos
são bastante comuns, como saques durante manifestações públicas
ou mesmo violência nos estádios de futebol.
Sob influência da m ultidão parece haver diminuição da
racionalidade, fazendo brotar no indivíduo uma disposição instintiva
para a violência, que pode chegar à prática do homicídio.
Os chamados crimes multitudinários, para o nosso Código Pe­
nal, constituem apenas uma atenuante genérica (art. 65, m , e), não
afastando a imputabilidade penal.

10. FATORES LEGAIS — REINCIDÊNCIA PENAL


A reincidência opera no direito penal como agravante genérica
e pode ser definida como a prática de um novo crime depois de o
agente ter sido condenado por um delito anterior.

CP
Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem
ou qualificam o crime:
I — a reincidência;

Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condena­
do por crime anterior. ______________________________________________

329----
11. TEM PERAM ENTO
Entende-se por temperamento “a tendência constitucional do
indivíduo para reagir de certo modo ao meio ambiente” (Campbell,
Dicionário de psiquiatria, 1986, p. 600). De acordo com os estí­
mulos externos, algumas pessoas são mais tranqüilas, outras mais
vigorosas, algumas mais recatadas, outras mais impulsivas etc.
Essas tendências pessoais podem ser reconhecidas desde a infân­
cia e não se confundem com o caráter, que é um conceito mais amplo.
A maior parte dos autores considera o temperamento como fa­
tor irrelevante em termos de modificação da imputabilidade penal e
da capacidade civil. Genival França (1998, p. 347), ao contrário, en­
tende que o temperamento deve ser considerado, pois não é possível
colocar em uma mesma balança delitos cometidos por pessoas com
temperamentos impulsivos, que agem de inopino, e os praticados por
pessoas com temperamentos tranqüilos, que perpetram o crime de
modo estudado, planejado, com precisão e frieza.
As classificações mais comuns, em medicina legal, relaciona­
das com o temperamento são as de Emest Kretschmer e de W. Sheldon,
que procuram estabelecer uma relação entre a constituição física do
indivíduo e a sua personalidade.
O primeiro imaginou quatro tipos básicos de indivíduos:
a) picnico, caracterizado por um corpo de contornos arredon­
dados, com amplas cavidades corporais, ao qual se associa uma
tendência à personalidade ciclotímica, alternando estados de eufo­
ria e hiperatividade com outros de depressão, tristeza e inatividade;
b) leptossômico, portador de um corpo delgado ao qual se asso­
cia uma tendência à personalidade esquizotímica, ou seja, que tende
à esquizofrenia, que mostra reações desproporcionais às situações
vividas;
c) atlético, possuidor de um Corpo bem desenvolvido ao qual
corresponde tendência a uma personalidade viscosa, maçante; e
d) displástico, caracterizado por um corpo que não se enquadra
em nenhum dos três tipos anteriores e que demonstraria também uma
tendência à personalidade ciclotímica (a maioria dos autores ignora
esse quarto tipo, incluindo suas características no picnico).

330
Classificação de Kretschmer
Tipo Variáveis
Tipo
morfológico Sensibilidade Ritmo psíquico Psicomotilidade temperamental

Pícnico Varia na díatesia Móbil X parado Estímulável Ciclotfmico

Salta entre dois


Varia na modos de Inerte e rígido
Leptossômico Esquizotímico
psicoestesia pensar e sentir

Explosivo Estimulável,
Atlético X Mantém mas lento Viscoso
fleugmático

Displástico Varia na díatesia Móbil X parado Estimulável Ciclotímico

(Quadro baseado em similar proposto por Maranhão, 2002, p. 343.)

Sheldon estudou cerca de 4.000 estudantes do sexo masculino,


e depois estendeu suas observações para o sexo feminino, concluin­
do que, em 80% dos casos, há uma relação entre o somatotipo e o
temperamento.
Sheldon estabeleceu o seguinte quadro:

Tipologia de Sheldon
Constituição Temperamento
Endomorfismo Visccrotonia
Mesomorfismo Somatotonia
Ectomorfismo Cerebrotonia

(Quadro baseado em similar proposto por Maranhão, 2002, p. 344.)

Os endomorfos e viscerotônicos seriam indivíduos com excesso


de peso e com tendência à redução das tensões e interesse geral por
conforto, glutonaria, cordialidade e sociabilidade.
Os mesomorfos e somatotônicos seriam pessoas de compleição
física normal e personalidade em que predominam a atividade mus­
cular e a necessidade da afirmação pelo uso do corpo.

331
Finalmente os ectomorfos e cerebrotônicos seriam aqueles de
frágil com pleição física e cuja personalidade é m arcada pela
introversão e predomínio da atividade mental sobre a física.

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