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DO
po CAMPO
PARA A CIDADE
para a cidade
estudo sociolinguístico de
migração e redes sociais
Tradução:
Stella Maris Bortoni-Ricardo
Maria do Rosário Rocha Caxangá
Título original:
The Urbanization of Rural Dialect Speakers: A Sociolinguistic Study in Brazil
© Cambridge University Press 1985
ISBN: 0-521-30404-0
Esta tradução revista, ampliada e atualizada é publicada com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal — FAP/DF
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ISBN: 978-85-7934-033-8
Juntamente com o livro O falar candango (2010), organizado pela autora e ainda por
Ana Maria Vellasco e Vera Aparecida de Lucas Freitas, este livro corresponde à certidão
de nascimento linguístico de Brasília e de seu entorno. Pouquíssimas capitais dispõem
da documentação e da análise de seus primeiros momentos linguísticos. O trabalho é,
ademais, uma lança que sua autora atirou em direção ao nosso futuro linguístico.
centes (por metátese, como em estauta, ou por redução, como em paciença), regras de
concordância verbal na 1a e na 3a pessoas do plural.
O pressuposto da teoria das redes sociais assenta em duas possibilidades: a tessitura miúda
e a tessitura larga. Temos uma tessitura miúda quando muitas pessoas que uma pessoa co-
nhece interagem entre si; nesse caso, os participantes da rede tendem a “alcançar consen-
so em relação a normas, exercendo pressão informal uns nos outros para se conformarem
a essas normas”. Temos uma tessitura larga quando a maioria das pessoas que uma pessoa
conhece não interage entre si; nesse caso, há uma tendência ao desenvolvimento de uma
variação maior de normas na rede. Integrantes das redes de tessitura miúda tendem a
preservar a linguagem minoritária não padrão, ao passo que os integrantes das redes de tes-
situra larga optam pela linguagem culturalmente dominante ou suprarregional. A autora
chama a atenção para o fato de que indivíduos podem transitar de uma rede para outra. Se
a nova rede for mais integrada, mais difuso tenderá a ser o dialeto rural desses indivíduos.
A identificação das redes sociais é fundamental, portanto, para o estudo da difusão diale-
tal. Além disso, verifica-se que a caracterização individualizada dos falantes a que as pes-
quisas sociolinguísticas nos acostumaram (sexo, idade, nível sociocultural etc.) é insufi-
ciente para a obtenção de um retrato mais dinâmico de uma dada situação linguística.
Assistida por uma rigorosa quantificação dos dados, a pesquisa comprovou que à época
o processo de difusão dialetal estava mais adiantado entre os homens do que entre as
mulheres. De um modo geral, abandona-se progressivamente a vocalização da palatal
[], há uma tendência à manutenção do ditongo crescente, tanto quanto um maior
controle das regras de concordância. Esses resultados apontam para a disposição dos
dialetos num continuum que tem numa ponta os vernáculos rurais isolados, e noutra
o padrão urbano das classes mais escolarizadas. Stella Maris conclui sugerindo uma
investigação sobre as consequências do letramento na mudança linguística.
Pode-se calcular que a metodologia aqui testada provocará novos estudos sobre o por-
tuguês brasileiro, em que a complexidade e a dinamicidade da língua receberão um
tratamento mais acurado por parte de nossos linguistas.
1
Introdução
1
Esses fenômenos são comumente denominados de “camponização (peasanti-
zation) das cidades” e “urbanização das vilas rurais” (urbanization of villages) (Hal-
pern, 1967).
Introdução 13
2
Para uma discussão exaustiva dessa hipótese, cf. Guy (1981).
14 Do Campo para a cidade — Estudo sociolinguístico de migração e redes sociais
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A classe camponesa e os migrantes rurais — o segmento populacional em mais
rápido crescimento na América Latina — são considerados por alguns cientistas so-
ciais como uma população marginal pelo fato de que lhes falta articulação formal
ou inserção no processo industrial urbano de produção. Para diferentes análises dessa
questão, cf. Lomnitz (1977), Berlinck (1977), Schüly (1981), Oliven (1982).
Introdução 15
4
O conceito está sendo definido de forma superficial neste capítulo, mas rece-
berá tratamento mais adequado nos capítulos seguintes.
16 Do Campo para a cidade — Estudo sociolinguístico de migração e redes sociais
Uma análise das redes pessoais dos migrantes foi, portanto, usa-
da como o meio de aferir a variabilidade no comportamento
linguístico individual na comunidade. Ela forneceu os critérios
para a distinção básica entre redes insuladas e redes integradas.
As primeiras representam um estágio preliminar na transição do
rural para o urbano e tendem a se restringir à família extensa do
migrante, a seus conhecidos na fase pré-migratória e a seus vizi-
nhos. As últimas, redes integradas, em contraste, são mais hetero-
gêneas no que respeita ao padrão no recrutamento dos vínculos
interindividuais. Em uma rede integrada, os vínculos são ativa-
dos em contextos sociais mais variados. A hipótese de trabalho
relacionada a esses conceitos é a de que quanto mais avançado
o migrante estiver em seu processo de transição para uma rede
integrada, mais exposto estará à cultura e à língua urbanas he-
gemônicas e também mais comprometido com um esforço de
assimilação de formas prestigiosas de falar. Isso representa um
distanciamento de seu falar rural. Dois índices de rede, o índice
de integração e o índice de urbanização, foram usados como ins-
trumentos de mensuração e nos forneceram dados quantitativos.
Passo a fornecer uma rápida descrição de cada capítulo. O ca- O termo 'caipira' está
pítulo 2 é a descrição da situação sociolinguística do Brasil. O usado no sentido técnico,
conforme empregado em
capítulo 3 ocupa-se das características fonológicas do dialeto ru- estudo sociológico por
ral dos migrantes, o dialeto caipira. O capítulo 4 fornece uma A. Cândido, em seu Os
revisão das diferentes tradições na aplicação de análise de redes, parceiros do Rio Bonito
(1964) e em estudo
com ênfase nos estudos sociolinguísticos. No capítulo 5, o pro- dialetológico por A. Amaral
cesso de migração do rural para o urbano e as consequências em 1920 (1976).
linguísticas são examinados com mais detalhe. O capítulo 6 en-
foca estratégias de trabalho de campo e inclui informações etno-
gráficas e sociodemográficas da comunidade dos migrantes. No
capítulo 7, os diferentes métodos quantitativos empregados na
análise são discutidos minuciosamente. O capítulo 8 consiste na
análise quantitativa das quatro variáveis linguísticas estudadas.
O capítulo 9 se detém na descrição e discussão dos problemas e
dificuldades de comunicação entre os colaboradores e os pesqui-
sadores. E, finalmente, no capítulo 10, encontram-se as conclu-
sões e sugestões para estudos futuros.
A sociolinguística brasileira se enriquece com este trabalho de Stella Maris
Bortoni-Ricardo, assinalado por duas características: a documentação e análise de
um dialeto urbano em seu nascimento e a adoção de uma nova perspectiva para os
estudos variacionistas do português brasileiro.
Este livro foi publicado com o auxílio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal [FAP-DF]