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Decretos Estaduais n.º 9.843/66 e n.º 16.719/74 e Parecer CEE/MG n.º 99/93
UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE DE TRÊS CORAÇÕES
Decreto Estadual n.º 40.229, de 29/12/1998
Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão
Três Corações
2008
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VERA LÚCIA BOECHAT FARIA
Orientadora
Profª Dra. Aparecida Maria Nunes
Três Corações
2008
2
FICHA CATALOGRÁFICA
3
Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações
CREDENCIAMENTO: Decreto Estadual nº 40.229 de 29 de Dezembro de 1998.
Secretaria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão.
4
Ao meu querido filho, Jaques,
DEDICO.
5
AGRADECIMENTOS
6
Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé.
(Paulo de Tarso)
7
SUMÁRIO
Página
RESUMO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
ABSTRACT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1. O CRISTIANISMO
1.1 O Cristianismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2 O Judaísmo e o Cristianismo no início da era Cristã . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3 A Pax Romana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.4 A Bíblia e seus registros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.5 Os livros da Bíblia e suas versões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.6 O Novo Testamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.6.1 Pseudepigrafia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
4. A RETÓRICA
8
4.3.1.1 As provas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.3.1.2 O entimema e a verossimilhança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.3.2 A disposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.3.2.1 O exórdio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.3.3 A locução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4.3.4 A memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.3.5 A pronunciação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.4 As figuras de linguagem na retórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.5 A retórica e a ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.5.1 Perelman e sua discussão sobre a retórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.5.2 A deontologia dos quatro critérios da persuasão, segundo Bellenger . . . . 58
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
.
ANEXOS
Anexo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Anexo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
9
RESUMO
FARIA, Vera Lúcia Boechat. Combati o bom combate: retórica nos discursos de Paulo. 2008.
84 p. (Dissertação – Mestrado em Letras). Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR –
Três Corações-MG. *
____________________________
* Orientadora: Profª Drª Aparecida Maria Nunes – UNINCOR.
10
ABSTRACT
FARIA, Vera Lúcia Boechat. . I have fougt a good fight: Rethoric at Paulo´s speeches. 2008.
84 p. ( Dissertation/ Máster Degree in Arts). Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR -
Três Corações- MG*
The purpose of this study is to access rhetoric throught the time – since the past going to
middle age until the present time – with the biblical reference from New Testment mentions.
The article is based on Paulo de Tarso’s letters and speeches, analysing the rhetorical ethic of
it. The methods and means of persuation aims transformation and social improvement and its
relation with the ordinary apostle, facing Paulo’s speeches in Atenas and to the King Agripa.
All registered in biblical christianity’s history, that was signed to its evangelistic
mission.Paulo’s rhetoric ethic is structured and shown in his speeches, and that is what this
study aimed to rescue.
___________________________
*Guidance: Profª Dra Aparecida Maria Nunes – UNINCOR.
11
INTRODUÇÃO
É necessário morrer para que nasça a nova criatura adulta. Nessa perspectiva, anunciar
a “Boa Nova” que dá significado ao Cristianismo - a ressurreição de Jesus - se tornou o
objetivo e a missão de um homem que foi considerado, durante parte de sua vida, um
perseguidor implacável dos cristãos. Esse homem singular, que viveu dois grandes momentos
em sua vida, antes e após sua conversão, e que ficou conhecido pelo epíteto de “Apóstolo dos
Gentios”, é Paulo de Tarso, cuja trajetória redimensionou a crença cristã da humanidade. O
estudo de sua vida apostólica, de sua influência no Cristianismo até os dias atuais e,
sobretudo, de suas cartas e discursos registrados na Bíblia Sagrada é o meu objetivo principal
nos capítulos a seguir.
Paulo de Tarso é considerado, pela história e pela teologia, um dos mais importantes
apóstolos responsáveis pela expansão e organização da igreja cristã após a morte e a
ressurreição de Jesus. Suas palavras, registradas em cartas e discursos emblemáticos,
estabelecem uma interpretação fidedigna dos preceitos do Velho e do Novo Testamento da
Bíblia Sagrada e descrevem detalhadamente, de forma didática e evangelística, os
acontecimentos de época importante e turbulenta na história da cristandade. Paulo de Tarso
professa um evangelho teocêntrico. Sua teologia fundamenta-se no Cristianismo, conforme
descrito na Bíblia Sagrada resumido na crença naquele que vem “do alto, onde Cristo vive,
assentado à direita de Deus”. (Colossenses 3.1)
A história da vida de Jesus entre os homens, mulheres e crianças de todos os níveis
sociais foi consolidada pelos seus seguidores, apóstolos, amanuenses e escritores. Apesar das
perseguições ardorosas, o Cristianismo se propagou.
No início do século I d.C., a disseminação do Cristianismo se deve também a Paulo de
Tarso, que foi fariseu, um homem letrado e rico. Após a conversão de Paulo, ocorreu sua
transformação pessoal, moral e intelectual, culminando com uma vida de peregrinação
corajosa e destemida em busca de um único objetivo: a anunciação da esperança de uma vida
nova e com propósitos, possibilitada pela ressurreição de Jesus Cristo.
Para o escritor cristão Charles Swindoll, autor do livro sobre Paulo que integra a série
Heróis da fé, “o favor imerecido de Deus, sua graça superabundante, alcançou-o em seu zelo
farisaico, esmagou seu orgulho, colocou-o de joelhos, abrandou seu coração e transformou
esse antes violento agressor em um poderoso porta-voz de Cristo” (2003, p.11).
12
Paulo é o teólogo que sistematizou o Cristianismo e sua prática o fez modelo do
ministério pastoral e missionário. Para chegar a ser considerado o “apóstolo dos gentios”,
Paulo passou por dois grandes momentos de intensa atividade em sua vida. Nesses dois
momentos, ele teve posturas sociais e religiosas radicalmente diferentes, que resultaram no
marco definitivo do evangelista que atravessou o tempo, tornando-se referência essencial na
educação ministerial, exemplo da missão evangelística e da prática diuturna para a formação
da teologia da primeira Igreja Cristã, e conseqüentemente para todas as futuras gerações.
O presente texto pretende analisar a trajetória de Paulo como representante e
propagador do Cristianismo, enfatizando a utilização de métodos doutrinários e didáticos em
seus discursos e epístolas. Buscando melhor entendimento do conjunto de sua obra, a análise
se concentrará nos discursos que ele proferiu em sua passagem por Atenas enquanto esperava
seus companheiros de viagem para Corinto e na presença do Rei Agripa, em Cesárea, quando
foi preso por causa da sua pregação sobre a existência de Deus, o propósito da vinda de seu
filho Jesus e a ressurreição. Estará em foco nesses textos, o estilo de discurso, a prática da
exposição detalhada dos acontecimentos de sua vida e de sua conversão e sua intenção
política de propagação do evangelho segundo a fé cristã. A utilização da retórica clássica será
objeto de atenção, especialmente no que diz respeito aos aspectos éticos da linguagem
persuasiva.
Como referência teórica central, portanto, serão utilizados os ensinamentos da retórica,
uma vez que Paulo foi homem privilegiado e culto, com formação nas disciplinas das culturas
grega, hebraica, aramaica e romana, além do domínio integral das suas respectivas línguas.
Essa abordagem retórica, no entanto, não se limitará às obras clássicas da disciplina. Serão
utilizados também alguns autores e textos contemporâneos que falam sobre o discurso
persuasivo. Mais do que identificar o uso das técnicas de persuasão, a dissertação buscará
também discutir o aspecto ético dessa questão, mostrando que Paulo não se valia de seus
conhecimentos de retórica como uma simples estratégia de manipulação, mas para provocar
em seus leitores e ouvintes um assentimento pleno, consciente e livre. Daí, em grande parte,
sua importância na história do Cristianismo e a permanência de suas cartas e discursos como
instrumentos de pregação e propagação da fé cristã.
A seguir apresento resumidamente a divisão do presente estudo em quatro capítulos.
O primeiro capítulo, O Cristianismo focaliza essencialmente a expansão do
cristianismo após a morte e ressurreição de Jesus Cristo, observando o contexto ao qual Paulo
de Tarso viveu seguido pelos livros da Bíblia e suas versões, sobretudo os livros judaicos.
13
O segundo capítulo, sobre a pessoa de Paulo, sua vida e sua trajetória, mostra sob
forma histórica o homem Saulo e posteriormente Paulo, a sua conversão, decisão,
transformação e envolvimento apostólico do cristianismo.
No terceiro capítulo, as cartas e os discursos de Paulo, são delineadas as formas
persuasivas de propagação do cristianismo lideradas por Paulo e que constituem a maior parte
dos livros que compõem o Novo Testamento da Bíblia Sagrada. Nesse capítulo são analisados
os estilos de suas cartas com caracteres bem acentuados de persuasão, ensinamentos e
doutrinas.
No quarto capítulo, a retórica, é esboçada a trajetória da retórica desde a antiguidade
até os dias atuais, os principais propagadores, discussões e a ética da retórica fazendo
referência aos discursos que marcaram definitivamente a história, a teologia e o cristianismo
propriamente dito.
O capítulo quinto, os intelectuais de Atenas, são os principais objetivos deste estudo,
onde são focalizados os dois dos vários discursos de Paulo: em Atenas e para o Rei Agripa,
em Cesaréia. Neste capítulo são discorridos os vários momentos da retórica utilizada por
Paulo, bem como os critérios adotados por ele na condução dos seus discursos.
Na conclusão, está a utilização da boa retórica para a utilização pessoal e amostragem
do caminho novo, ao qual pretendia Paulo. E a perpetuação dessa boa retórica até os dias
atuais, sinônimo do cristianismo ensinado por aqueles que um dia tiveram a oportunidade de
conferir de perto a primeira vinda de Jesus Cristo ao mundo, e que trouxe os ensinamentos
para reflexão e propagação da referida doutrina.
O estudo desta dissertação não se esgota, mas particularmente é pretensão minha
demonstrar claramente como um homem pode ser transformado por opção e a favor do amor
incondicional daquele que ressuscitou e que hoje está à direita do Deus Pai todo poderoso, em
quem eu acredito.
14
1 O CRISTIANISMO
1.1 O Cristianismo
Ensinou aos escolhidos a maneira pela qual deviam falar e testemunhar o novo tempo
e a nova perspectiva da vida com fé no Senhor Deus, além de provar que o Messias já estava
entre eles, aspecto esse que contrastava com a crença judaica que continuava aguardando a
vinda do Messias, não reconhecendo em Jesus esse mensageiro.
O ambiente da época em Jerusalém e Cesaréia era repleto de embates. Havia judeus,
romanos, gregos e helenos. Cada povo com crenças, rituais e tradições distintos.
Assim também era em Tiberíades e Séforis. A localidade era habitada em grande parte
por judeus – que respeitavam suas tradições – e por outros cidadãos que professavam crenças
fundamentadas na política do helenismo romano. Os essênios moravam em Qymra, às
margens do mar Morto. Eram independentes e não seguiam nenhuma norma imposta pelas
tradições da época, principalmente a romana. Nesse cenário, havia ainda os cristãos
convertidos.
Israel exercia o predomínio religioso sob os povos, a fim de preservar ritos históricos e
preceitos herdados pelos antepassados de Abraão, Moisés, Davi e Salomão.
Jesus veio ao mundo, nascendo em um local simples de Belém, a 10 quilômetros de
Jerusalém, atualmente uma cidade palestina (sob regime israelense) da Cisjordânia, para
1
Julgamento com tortura e morte na Cruz, para remissão dos pecados do mundo.
15
justificar e romper, ao mesmo tempo, com os dogmas dos antepassados e implantar a
mensagem da “boa nova” entre os povos. No dizer do Prof. Augustus Nicodemus (2004)2:
No início da era cristã, a Palestina tinha aproximadamente 700 mil habitantes e estava
sob o domínio do império romano.
No século I, Jerusalém se transformou no centro da disseminação dos seguidores de
Jesus, que não temeram o domínio de reis como Herodes e de seus filhos: Arquelau, Felipe e
Herodes Antipas. Todos se caracterizaram como reis astutos, mercenários, sanguinários e
bajuladores do império romano.
Os saduceus, os escribas, os fariseus e os zelotas eram judeus ricos que representavam
a elite e a nobreza na região. Tinham privilégios no reino, com influência e participação nas
decisões políticas e religiosas de Jerusalém.
É importante salientar que, nessa ocasião, não havia uma religião de cristãos, mas
somente seguidores das idéias que formariam a cristandade. A sociedade da época
considerava o movimento cristão como uma seita diabólica. E foi justamente o apóstolo
Paulo quem também dimensionou o chamado movimento cristão ou a considerada “seita
diabólica”, ao estruturar e solidificar os grupos em igrejas. Em suma:
Paulo foi o “primeiro” no sentido de ser preeminente entre os teólogos cristãos. Ele
pertenceu àquela geração que foi mais criativa e mais definitiva para a formação e a
2
Ministro Presbiteriano, mestre em Novo Testamento e doutor em Hermenêutica e Estudos Bíblicos. Atualmente é professor
visitante do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, pastor assistente da Igreja Presbiteriana de Santo
Amaro, em São Paulo, e chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
16
teologia do cristianismo do que qualquer outra desde então. E nessa geração ele
mais do que qualquer outra pessoa contribuiu para que o novo movimento
originário de Jesus se tornasse religião realmente internacional e intelectualmente
coerente (DUNN, 2003, p. 26).
A expressão latina significa “Paz Romana”, tempo que ocorreu no período de 207
anos, entre o ano 29 a.C e 180 d.C., tendo sido iniciado por Augusto César (63 a.C. - 14 d.C.),
nascido em Roma. Seu nome completo era Caio Júlio César Otaviano, filho de Átia, sobrinha
de César e adotado como herdeiro de Júlio César. Foi o primeiro imperador romano. Astuto e
diligente fundou a guarda denominada Coorte Pretorian para vigilância, fiscalização e
repressão. Foi época de grande prosperidade, com desenvolvimento do comércio e da
abertura e ampliação das vias de comunicação entre as fronteiras.
Augusto César dividiu o seu governo em três províncias: Senatoriais eram aquelas
conduzidas pelos pró-consulares, com autoridade delegada entre os povos (civil);
Imperatoriais, pelos pró-pretores que representavam o imperador como autoridade civil e
militar; e Independentes as que estavam sob os cuidados de seus reis, porém, com submissão
ao imperador. E, com aproximadamente 300.000 soldados fortemente armados, enviados pelo
imperador Augusto para as principais fronteiras, objetivava-se manter a paz da política do
império romano e fazer frente na defesa de qualquer ameaça.
É importante ressaltar, aqui, que Paulo não somente viveu este período, mas foi
julgado várias vezes por algumas dessas autoridades, privilegiando, neste estudo, mais
adiante, o discurso de defesa proferido pelo apóstolo para o considerado pró-pretor, o Rei
Agripa II, em Cesaréia.
Nesse período, é bom ressaltar que a língua falada entre os soldados era o latim, que
posteriormente passou a ser conhecida entre os povos do império, chegando a ser adotada
como língua oficial. O exército romano construiu pontes, estradas e cidades. E exigia, ainda, a
adoração do imperador Augusto, como Salvador e deus, em todos os lugares por onde
passasse. A relevância da civilização romana, no que se refere às articulações políticas e
ideológicas, e que nos auxiliam a entender os percalços pelos quais passou Paulo, transparece
com nitidez nos apontamentos de Green. Vejamos:
17
importantes. A razão para isto é bastante óbvia. Além de possibilitar rápidos
deslocamentos de tropas em atividade policial ou operações militares, as estradas
facilitavam a transmissão urgente de informações pelo correio público, o cursus
publicus, que Augusto instituiu [...] Nas páginas de Atos transparece que os cristãos
usavam ao máximo o sistema viário romano, que inconscientemente direcionava
sua evangelização. (GREEN, 2000, p.14)
18
(língua popular helenística), aproximadamente no século III a.C pelos setenta sábios
denominados “Septuaginta”. O Novo Testamento, vale notar, foi redigido em menos de um
século, após o nascimento de Jesus, em dialeto próximo ao grego, língua popular na região e
nas províncias romanas.
Os acervos arqueológicos que guardam os antigos textos bíblicos são constituídos por
coleções de livros antigos, redigidos ou cunhados em placas de metal, madeira, argila, cascas
de árvores e folhas. O papiro e o pergaminho, que eram feitos respectivamente com o caule da
planta chamada papiro e com a pele de animais, foram também utilizados para o registro das
mensagens bíblicas, principalmente após a morte e a ressurreição de Jesus.
No século V, Jerônimo (419-420) escreveu a chamada Vulgata, palavra que vem da
expressão versio vulgata, que em latim, língua oficializada pela Igreja Católica na Idade
Média, significa versão popular.
No contexto da Reforma Protestante ocorrida no século XVI, na Europa, liderada por
Martinho Lutero (1483-1546), uma tradução da Bíblia foi viabilizada para o acesso popular,
com as primeiras impressões de exemplares feitas por Gutenberg. A versão intitulada King
James Version foi a primeira encomenda, publicada em 1611 para o Rei James da Inglaterra.
Atualmente, as igrejas cristãs utilizam a Bíblia em diferentes versões nos seus cultos
religiosos. Geralmente o texto bíblico é lido em voz alta e a maioria das igrejas ou grupos
religiosos utiliza formas ritmadas para melhor memorização dos membros. Os textos bíblicos
contêm capítulos e estão separados em versículos, com uma numeração que serve para o
controle e a organização das passagens nos estudos coletivos e durante os cultos religiosos.
19
Testamento da Bíblia protestante, que contém 39 livros, e a católica apostólica romana, que
soma 46 livros, estes acrescidos dos seguintes livros: Tobias, Judite, Sabedoria e Eclesiástico
e Macabeus (1º e 2º) e Baruque. São os chamados livros deuterocanônicos, que incluem
trechos a mais em alguns dos outros livros do Antigo Testamento.
Na versão hebraica, a Bíblia não contempla o Novo Testamento (pois os judeus não
crêem que Jesus é o Messias e, portanto, aguardam ainda a sua vinda triunfal), estando
dividida em: Torá (A lei); Nevim (os profetas) e Ketuvim (os escritos). Contudo, segundo
Koester (2000, 5b, p.2),
20
1.6.1 Pseudepigrafia
21
2 SOBRE A PESSOA DE PAULO, SUA VIDA E SUA
TRAJETÓRIA
Segundo os registros do livro de Atos, em seu capítulo 22, versículo 3, Paulo nasceu
em Tarso, antiga capital da província da Cilícia (atualmente pertencente à Turquia), situada
junto ao rio Cidno e a 16 quilômetros do mar Mediterrâneo.
A cidade helenizada era um centro da cultura grega estóica, com aproximadamente
quinhentos mil habitantes. Situava-se na fronteira entre o Oriente e o Ocidente, funcionando
como local de encontro comercial e cultural entre as duas regiões. O movimento da cidade era
intenso devido à facilidade de acesso pelo mar e pelas rotas terrestres que cruzavam as
fronteiras da região, com a comercialização de madeira, uvas, cereais e, principalmente, linho
para indústria de tecido branco. Nos escritos de Paulo, são lembrados os reflexos da vida
cotidiana dos habitantes de Tarso, sua cidade natal, em contraste com os exemplos rurais
normalmente utilizados por Jesus em seus discursos. Os filósofos de Tarso eram quase todos
estóicos. Entre eles, a história registra Atenodoro de Tarso, aclamado como herói e morto no
ano 07 d.C., quando Saulo ainda era criança.
Tarso constituía a quarta cidade culturalmente mais importante do Império Romano. A
primeira era Roma; a segunda, Alexandria e a terceira, Atenas. A cidade também foi citada
nos discursos do bárbaro Díon Crisóstomo. E era também chamada de a “Cidade Livre”.
22
Mas, segundo Muphy-O’Connor (2000, pp.56-58), os judeus da diáspora tinham
muitas vezes dois nomes, um judaico e outro grego/romano. O que se sabe é que Saulo, ao ser
enviado a Damasco, abandona suas convicções na tradição judaica e passa a adotar a crença
dos cristãos que perseguia. Ao mudar seu posicionamento de vida, Saulo também fez
corresponder uma mudança no nome. Preferiu não ser mais identificado como Saulo e passa a
adotar o nome de Paulo.
Paulo é nome grego/romano, dado aos romanos de nascimento. É ainda título
concedido às famílias ricas e de prestígio na cidade.
Agostinho de Hipona, na descrição dessa etimologia, registra que Paulo vem do
adjetivo paullus, que significa “pequeno”. Daí Paulo se considerar, na Bíblia, o epíteto de “o
menor dos apóstolos”. (1 Coríntios 15.9)
Paulo, como cidadão de Roma, tinha um nome romano tripartido, formado de
praenomen (prenome, ou nome próprio de cada indivíduo), nomen a gens, (indicando o
fundador do tronco da família romana) e cognomen (o nome de família). Paulus seria a forma
grega e o latim seria Paul(l)us conforme descrito por O’ Connor:
Paulos é a forma grega do latim Paul(l)us atestada para o tempo de Paulo como
praenomen, por exemplo Paullus Fabius Maximus e Paullus Aemilius Lepidus, e
também como cognomen, por exemplo L. Sergius Paullus (At 13,7; “Sérgio
Paulo”). O primeiro é tão raro quando o segundo é comum e, no mundo romano, o
cognomen era o nome usado com mais freqüência, porque era o mais específico. A
função dessas observações é propor que Paullus era o cognomen de Paulo. (2004, p.
56).
A escola da sinagoga ajudava os pais judeus a ensinar o judaísmo aos seus filhos.
Paulo começou a ler as Escrituras com apenas cinco anos. Aos dez, já estava estudando
Mishna, livro de formação religiosa do judaísmo. A cultura e o vocabulário passam então a
ser fortemente marcados pela linguagem da Septuaginta, a chamada bíblia dos judeus
helenistas, escrita na língua grega e que mais tarde passa a ser citada várias vezes como
referência e inspiração nas cartas registradas como epístolas no Novo Testamento da Bíblia
Sagrada.
A educação de Paulo foi profundamente influenciada pela tradição judaica da família e
da comunidade onde residia. Paulo aprendeu o grego, o hebraico, o aramaico e o romano.
Entre nove e treze anos, estudou em escola secundária grega e, em seguida, seu pai o levou de
23
volta a Tarso, para, nos próximos dois anos, fazer o curso superior com Eutidemo, mestre da
Fenícia. Paulo estudou também a cultura grega nas obras de Homero, Eurípides, Meneandro e
Demóstenes. A interpretação e a elaboração de textos literários faziam parte dos exercícios
para desenvolver “as quatro qualidades básicas de brevidade, clareza, verossimilhança e
correção gramatical, integrando ao mesmo tempo agente, ação, tempo, lugar, modo e causa”
(MARROU, I. H. apud O’CONNOR, 2001, p. 68). Faziam parte também do currículo das
escolas de Tarso, os estudos de retórica e da arte da eloqüência, que incluía habilidades em
teoria, técnicas e produção de textos para discursos3. Aprendeu também o ofício de fazer
tendas, conforme descrito na Bíblia, em Atos 18.3, profissão essa que viria a ser sua
sustentação após a conversão e a evangelização.
Ainda jovem, entre quinze e vinte anos, Paulo foi estudar em Jerusalém com o rabino
Gamaliel, neto de Hilel, respeitado mestre e profeta daquela época. Estudou no estilo
denominado Diatribe que é caracterizado pela análise de textos hebraicos e suas variações
interpretativas por meio de debates do discípulo com seu mestre. Gamaliel utilizava recursos
pedagógicos da escola de retórica no estudo de temas e situações fictícias, a fim de provocar o
debate para o aprimoramento de conhecimentos, a memorização da Torá e sua aplicabilidade
na prática cotidiana. Por ser fariseu, Paulo foi preparado para ser membro do Sinédrio, o
tribunal supremo dos judeus. O Sinédrio era formado por setenta homens devidamente
aparelhados para decidirem sobre os problemas político-administrativos da cidade.
A família de Paulo era rica, respeitada e fiel cumpridora das tradições do judaísmo. O
pai, fariseu austero nas tradições, por ser muito rico, tinha também o privilégio de gozar da
cidadania romana. Paulo, conseqüentemente, desfrutava de uma vida de abundância, cujo
patrimônio acabou auxiliando-o, sobretudo, após a conversão à fé cristã. Sabe-se que Paulo
contratava pessoas para trabalharem nos registros de seus discursos. Mas, tal atitude, naquela
época, só poderia ser adotada por homens privilegiados e ricos, capazes de custear o trabalho
do registro de textos, memórias e cartas, executado pelos amanuenses e escribas.
Por volta dos anos 34 e 35, o Sinédrio sentenciou à morte um homem chamado
Estevão, apóstolo cristão que pregava a “Boa Nova do Salvador”, em locais
predominantemente judaicos.
3
Após sua conversão, Paulo irá negar as técnicas persuasivas que estudara na escola secundária, situação esta
que será abordada nos próximos capítulos deste trabalho.
24
Sob as ordens do Sinédrio, é importante frisar, os judeus prenderam, torturaram e
mataram muitos seguidores da doutrina de Jesus Cristo. Por isso, na tentativa de deter a
proliferação da fé cristã, mulheres, homens e famílias inteiras foram dizimados.
E, como fiel praticante das tradições judaicas, Paulo não poderia agir de forma
diferente de seus contemporâneos: perseguiu de forma implacável os cristãos, em
cumprimento às decisões do Sinédrio, com o intuito de preservar a hegemonia dos preceitos
do judaísmo.
Segundo os relatos bíblicos,4 Paulo esteve presente no episódio de condenação de
Estevão, a fim de acompanhar o desfecho da sentença que condenaria Estevão, cristão
confesso, à morte por apedrejamento. Paulo, ainda com o nome de Saulo, durante esse
acontecimento, ficou impressionado com a fé daquele homem, que parecia não dar
importância alguma às pedras, à dor e à exaustão. Estevão, mesmo com as roupas arrancadas
para que as pedras o machucassem com maior profundidade, continuava cantando e
glorificando o nome de Jesus. Essa cena impressiona Paulo, notadamente pelo fato de não
perceber tristeza no rosto do homem vitimado. Ao contrário, ao invés de exteriorizar o
sofrimento da dor, Estevão pedia compaixão a todos os que estavam naquele lugar e aos
outros que viriam a saber daqueles acontecimentos. “[...] Senhor, não lhes imputes este
pecado![...]” (Atos 7.60). E Saulo, com as vestes de Estevão aos pés, acompanhando a cena,
não conseguia entender o sentimento de fervor, amor e compaixão na morte daquele homem.
De Green (2000, p. 289), a fim de elucidar esse episódio, destacamos que:
4
Todo o relato aqui, da trajetória de Paulo é feito com base nos textos bíblicos traduzidos para a língua
portuguesa por João Ferreira de Almeida, nascido em 1628, perto de Lisboa, edição revista e atualizada no Brasil
pela Editora Sociedade Bíblica do Brasil, tomados aqui como referência, a despeito de seu caráter religioso e das
muitas pesquisas e discussões que podem ser feitas sobre sua veracidade histórica.
25
entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (Atos 8.3).
Por essa razão, sendo perseguidos, muitos cristãos acabaram-se por se dispersar.
2.5 A conversão
A conversão de Saulo ocorreu provavelmente entre os anos 35 e 37, quando ele foi
credenciado para viajar até Damasco, a fim de cumprir decisões que haviam sido tomadas
pelo Sinédrio, em continuidade ao processo de extinção total dos seguidores de Cristo. No
caminho de Damasco, o então Saulo foi acometido por um mal súbito, caindo de seu cavalo.
Prostrado ao chão, ele teria visto grande e ofuscante “Luz Triunfal”. Conforme seu relato,
uma voz saiu daquela luz e lhe disse: “[...] Saulo, Saulo, por que me persegues?” (Atos 9.4).
Naquele exato momento, ele ficou totalmente cego, a ponto de necessitar a ajuda dos
companheiros de viagem para seguir o caminho até Damasco. Cego por três dias, Saulo ficou
sem comer nem beber, prostrado simplesmente numa cama de estalagem, cujo proprietário se
chamava Judas. Após três dias, o discípulo cristão Ananias tocou as mãos em seus olhos e
Saulo voltou a enxergar. Dali em diante, com o nome de Paulo, Saulo abraçou a fé cristã,
passando posteriormente para a história como o “apóstolo dos gentios”, conforme descreve a
Bíblia Sagrada (1969):
Convertido, Paulo passa a ser o mensageiro da “Boa Nova”. Mas, devido à atuação de
perseguidor dos cristãos antes da conversão, a trajetória desse apóstolo foi bastante
26
conturbada. Sua transformação gerou os mais variados tipos de comentário, principalmente
comentários sobre a desconfiança e a dúvida dos próprios cristãos, que achavam que ele
estaria planejando alguma estratégia para a disseminação total dos líderes e dos grupos
cristãos que se reuniam secretamente. Paulo, contudo, foi também alvo de atenção e
questionamento para os que acreditaram em sua conversão. As autoridades religiosas do
judaísmo, os políticos de Roma, os soldados comandados por ele e aqueles que ouviram as
suas primeiras manifestações, os testemunhos pessoais, as pregações e os discursos como
cristão recentemente convertido, enfim, todos estavam perplexos com a súbita mudança de
um dos mais poderosos homens de sua época.
O contraste entre a vida velha e nova fazia parte da instrução batismal primitiva.
“Despir” a vida velha com seus hábitos e desejos pagãos era complemento de
“vestir” Cristo e o tipo de vida que ele levou. [..] e os escritores cristãos estavam
cientes de como a santidade de vida era crucial para o avanço da missão, e
destacam repetidamente sua importância. (GREEN, 2000, p.224)
27
disseminação do Cristianismo entre os povos. Conforme instrução de Jesus, a divulgação da
palavra de Deus e a evangelização ocorreriam sempre com a presença de dois apóstolos ou
mais.
Paulo viajou em ocasiões diferentes, em companhia de homens como Barnabé, João
Marcos, Silas e Lucas. Foram quatro as grandes viagens missionárias que Paulo empreendeu,
sendo a última para Roma. Paulo parava em lugares estratégicos para ministrar a palavra de
Deus, ensinar os preceitos do Cristianismo e promover o fortalecimento das igrejas que
fundara durante o seu percurso.
Sobre a trajetória do apóstolo Paulo de Tarso, como o “plantador de Igrejas”, o
professor Augustus Nicodemus comenta:
Merecidamente, Paulo passou para a história não somente como o maior teólogo do
Cristianismo, mas também como o seu maior missionário. Como sabemos, o
Cristianismo nasceu judeu. O seu fundador era judeu, o Cristianismo nasceu em
uma cidade judia, a capital do Judaísmo, seus primeiros apóstolos eram todos
judeus e sua mensagem era proclamada em referência aos escritos dos judeus.
Poucos anos após a morte do apóstolo Paulo, o Império Romano reconhecia o
Cristianismo como um fenômeno gentílico. Para que tenhamos uma idéia do labor
do apóstolo Paulo como fundador de igrejas, em menos de dez anos, entre os anos
47 e 57, ele plantou igrejas em quatro províncias do Império Romano: Galácia,
Macedônia, Acaia e Ásia Proconsular. Depois de dez anos plantando igrejas, ele
escreve aos romanos que já não tem campo de atividade naquelas regiões (Rm.
15.32). Paulo passa para a história, então, como uma combinação de teólogo
profundo e missionário fervoroso. (NICODEMUS, 1997, p.7).
28
Macedônia e Filipos. Embarcou, em seguida, para a Palestina, passando por várias cidades da
Cesaréia. Na sua quarta e última viagem (59-64), Paulo é preso e conduzido de barco para
Roma, passando por naufrágio. Refugia-se em Malta. E segue viagem até Roma, onde foi
julgado e morto no ano 64.
A atividade evangelística de Paulo entre os judeus era conduzida na língua dos gregos
e nas sinagogas optava pela língua Koinh ou Koiné, conforme estudo apontado por Jaeger
(s/d, p.19). Paulo foi o homem que pregou, arrazoou e estruturou o evangelho de Jesus em
aproximadamente 16 anos.
29
3 AS CARTAS E OS DISCURSOS DE PAULO
Entre os 27 livros que compõem o Novo Testamento da Bíblia traduzia por João
Ferreira de Almeida, encontram-se as epístolas atribuídas a Paulo, Tiago, Pedro e João, além
da epístola aos Hebreus, cujo autor não se sabe.
No primeiro capítulo desta dissertação, foi visto que certos acontecimentos resultaram
em mudanças profundas na vida de Paulo, após a sua conversão. O arrependimento e a
transformação interior se deram por completo, em processo denominado metanoia, termo
grego que vem do verbo metanoeo e que significa literalmente “mudar de idéia”
(SWINDOLL, 2003, p.43). E a vontade de mostrar essa transformação está explícita nas
cartas e viagens missionárias que empreendeu.
Por ser homem culto e inteligente, conhecendo bem os lugares, as pessoas e a política
da região, Paulo, a fim de dar cumprimento a sua atuação missionária, optou por uma
estratégia de formação e organização de pequenos grupos de fiéis exemplares, que
consolidariam a implantação de núcleos. Dentre os membros dessas equipes, distinguiam-se
os secretários e os amanuenses, a quem era destinada a tarefa de redigir as cartas e os textos
paulinos, escritos esses que serviriam como importante registro histórico da Antiguidade
Cristã. Paulo também escrevia pessoalmente algumas das cartas que endereçava aos
missionários e líderes cristãos, para fortalecimento da fé em Jesus Cristo e a instrução para a
formação e a implantação de novas igrejas.
Um dos métodos de evangelização utilizados por Paulo era o discurso, constituído de
ensinamentos ministrados a líderes e membros leais do Cristianismo, que retransmitiam aos
grupos, nas evangelizações, ou a outras pessoas a quem o apóstolo buscava converter. Paulo
ainda fazia o acompanhamento e o controle desses líderes missionários por meio de cartas em
formato de discurso argumentativo e retórico. Tais cartas eram recheadas de orientações,
palavras de conforto e, principalmente, evangelização e propagação da “palavra de Deus”. A
epistolografia (prática de escrita e envio de cartas) e a arte retórica eram práticas comuns na
Antiguidade greco-romana. As cartas, portanto, acabaram por se constituir em instrumento
valoroso de transmissão de orientações e procedimentos para a propagação do evangelho de
Jesus Cristo.
30
O próprio Paulo escreveu a primeira carta aos tessalonicenses, após ter recebido o
relatório otimista de Timóteo sobre os resultados da ação evangelizadora da Igreja
Tessalônica. Mesmo assim, fez questão de estar presente em Tessalônica, pregando e
arrazoando nas sinagogas por três sábados sucessivos, a fim de confirmar a missão da
propagação da fé cristã.
A vocação missionária de Paulo e os conhecimentos que adquiriu nas escolas em
Tarso e em Jerusalém se manifestavam na exposição, na demonstração, na argumentação e na
persuasão aos judeus e gentios, com vistas à conversão destes ao Cristianismo. Conforme os
textos bíblicos descritos no Novo Testamento, especialmente no livro de Atos, a sua
habilidade no discurso persuasivo conclamava pessoas a trabalhar na organização de
diferentes comunidades para adoção e prática dos preceitos cristãos. O apóstolo discursava e
ensinava para grandes ou pequenas platéias, nas sinagogas, nas ruas, nas praças e até mesmo
nas residências. Em Éfeso, por exemplo, Paulo pregou e visitou famílias, percorrendo as casas
todos os dias, durante aproximadamente dois anos.
3.2. A epistolografia
5
Introdução às Epistolas da Bíblia de Estudos de Genebra com comentários e explicações históricas e teológicas
sobre cada texto, antes dos capítulos das epístolas.
31
A palavra “epístola” vem do grego pistolhv, que significa ordem ou mensagem
transmitida por um mensageiro. No latim, episóla, ae significa carta, mensagem escrita que é
assinada e transmitida oralmente por um mensageiro. As leituras, nesse tempo, tinham a
particularidade de serem feitas em voz alta, para uma ou mais pessoas. Não havia leitura
silenciosa, porque uma das finalidades das cartas era a de justamente ser lida em voz alta.
Grande parte do povo era analfabeta, razão de sempre haver uma pessoa que retransmitisse a
mensagem por via oral à platéia de interessados. Na Antiguidade, escolas de diferentes
sociedades ensinavam a arte epistolar aos estudantes, que se exercitavam copiando cartas com
exemplos de diferentes estilos e recursos retóricos.
Paulo, assim sendo, optou por se valer desse meio de comunicação tradicional para
propagação do evangelho, em função das grandes distâncias entre os lugares em que atuava e
da necessidade de comunicação com seus seguidores, com vistas à unificação do
Cristianismo.
Paulo era homem rico e podia pagar amanuenses e escribas para registrar os
acontecimentos de sua vida e escrever as cartas que endereçava aos líderes evangelizadores.
Os amanuenses eram profissionais imbuídos na tarefa de redigir cartas, sob as
orientações e determinações do apóstolo Paulo. Essas cartas geralmente eram escritas em
papiro e de algumas delas eram feitas cópias em grego.
Paulo sempre teve o cuidado na elaboração do texto das missivas, buscando clareza de
entendimento, com o propósito de ser bem compreendido por seus interlocutores. Havia
cuidado muito especial com o estilo retórico das cartas, com o objetivo de melhor ensinar e
controlar a unidade da fé cristã. Nos registros bíblicos e nas traduções, há fortes evidências de
que Paulo escrevia com conhecimento literário e sabedoria, direcionadas ao entendimento dos
líderes de cada grupo específico, demonstrando preocupação com as possíveis interpretações
dos seus destinatários.
Por muitas vezes, conforme relatos de bibliógrafos, exegetas e através das descrições
da própria tradução na Bíblia, Paulo também ditava para os amanuenses suas epístolas, além
de fazer a revisão minuciosa dos escritos. Mesmo assim, há uma interpretação teológica de
que muitas frases longas ou muito curtas dos seus textos são conseqüência da falta de
32
concentração ou acompanhamento, pelo secretário, dos raciocínios que Paulo fazia enquanto
ditava.
Paulo tinha condições de manter escribas e amanuenses reconhecidos e respeitados nas
mais diversas localidades. Sua preocupação em ter pessoas que pudessem registrar em forma
documental os preceitos do Cristianismo foi comprovada pela contratação de Tércio, o melhor
amanuense daquela época, na região, a quem Paulo faz menção na Bíblia, ao agradecer os
textos por ele compilados e registrados.
Os escribas eram profissionais que tinham a função de registrar com exatidão os textos
sagrados, que mais tarde vieram a compor a Bíblia. Eles também acompanharam Paulo e
registraram a maior parte de sua trajetória.
33
conversão. Assim, o seu conteúdo deveria apresentar-se em termos de inovação.
(CARDOSO, 2001, v. 7, nº1, p. 31)
Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum,
mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos, e todos os
irmãos meus companheiros, às igrejas da Galácia, graça a vós outros e paz da parte
de Deus nosso Pai, e do [nosso] Senhor Jesus Cristo, o qual se entregou a si mesmo
pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a
vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja a glória pelos séculos dos séculos.Amém!
34
evangelístico. Isso pode ser visto, por exemplo, em Gálatas, capítulo 5, verso 13: “Porque vós,
irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne;
sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor” .
Através de suas cartas e discursos, Paulo atuou intensamente na missão de convencer
as pessoas a modificarem e abandonarem os seus antigos hábitos e crenças. Esse trabalho de
evangelização era feito através da palavra, da busca por uma persuasão de que aquele era o
melhor caminho a ser seguido. A articulação, a fala, a intelectualidade e a crença se
misturavam nesse esforço de Paulo para a propagação do Cristianismo.
Em alguns momentos, contudo, podem ser encontradas as saudações finais, nas quais
Paulo faz menção e reconhecimento às atitudes de cada pessoa e dirige a sua benção aos seus
interlocutores. Chama a atenção um desses momentos, em que Paulo escreveu a sua saudação
final, no capítulo 4, versículo 18, da epístola aos Colossenses: “A saudação é de próprio
punho: Paulo. Lembrai-vos das minhas algemas. A graça seja convosco”.
Dono de profundo conhecimento de retórica, obtido nas escolas de Tarso e Jerusalém,
como já foi visto, e familiarizado com a cultura helenística, Paulo demonstrava grande
habilidade no uso das metáforas, antíteses, ironias, prosopopéias, anáforas etc. Tinha, enfim,
notáveis conhecimentos das técnicas retóricas e os utilizava em particular na oratória de
evangelização ou de autodefesa diante de autoridades religiosas, dos reis e acusadores. Para
melhor compreensão desses textos, portanto, faz-se necessário conhecer um pouco mais a
retórica, disciplina que tem longa e rica história desde a Grécia antiga e que será objeto de
estudo no próximo capítulo desta dissertação.
35
4 A RETÓRICA
36
Sócrates também foi acusado por inimigos de corromper a juventude. Recusando a
defender-se, foi condenado a ingerir sicuta, veneno mortal.
Não consta na história que Sócrates tenha registrado ou escrito alguma obra. Mas, a
sua trajetória pode ser confirmada através de seus intérpretes nas obras de Aristófanes, de
Xenofonte e de Platão. O filósofo concebe a moral, os bons costumes, o conhecimento e a
ética como virtudes e admite a “[...] vontade divina promulgada pela voz interna da
consciência” (FRANÇA, 1973, p.53). Platão e Aristóteles deram continuidade às suas idéias e
filosofia.
Górgias de Leontium (485-480 a.C.), natural de Sicília, tornou-se filósofo da Grécia,
sofista e professor de retórica na Sicília e em Atenas. Seu estilo era caracterizado pela
eloqüência dos famosos discursos em que afirmava que a persuasão produz o efeito desejado
sobre as pessoas. Seus argumentos se convertiam em formas psíquicas de persuasão, tomando
o cuidado de colocar nos discursos palavras de cunho poético e ritmo. A eloqüência, segundo
ele, é parte integrante do conjunto da retórica. No seu conjunto de reflexões sobre a retórica,
Górgias afirmava que a palavra pode ser comparada ao efeito do tratamento alopático das
doenças, que provoca diferentes estados de ânimo ao corpo humano, tal como o discurso pode
induzir a diferentes interpretações e reações na multidão.
Pode-se considerar que Górgias foi o precursor que redimensionou os discursos
formais, em que predominava a forma de versos, para o estilo da prosa, não descartando o
ritmo poético da eloqüência. Ou seja, ele promoveu a passagem do verso para a prosa,
desfazendo a métrica e o ritmo melodioso próprio da evocação dos poemas da época. As
palavras no discurso foram reorganizadas para dar lugar à simetria das frases, antíteses,
metáforas e aliterações em prosa.
Górgias é também um personagem de Os diálogos socráticos, obra escrita por Platão,
que está dividida em três partes: Górgias, Pólo, Sócrates. O personagem ateniense Cálicles
convida Querofonte e Sócrates para assistir, em sua casa, a uma palestra de Górgias sobre
retórica. Nesse discurso, Górgias define retórica como uma forma de poder no uso das
palavras: “com este poder farás teus escravos o médico, o professor de ginástica, e até o
grande financeiro chegará à conclusão de que arranjou dinheiro não para ele, mas para ti, que
sabes falar e que persuades a multidão”6. Escritos por Platão, os temas desses diálogos são
voltados para a retórica como arte e instrumento político. No capítulo final desse diálogo, vale
6
Górgias, de autoria de Platão, obra disponível no portal de domínio público.
37
salientar, é narrado o mito sobre a alma e o seu julgamento. O personagem Górgias discute
com Sócrates (personagem principal) sobre a arte dos discursos e os efeitos da retórica.
Platão (427-347 a.C.), descendente de Sólon, por parte de sua mãe, grande legislador,
viveu em Atenas na fase áurea da democracia e da cultura helênicas. Sob influência de
Sócrates, as 36 obras de Platão estão escritas em forma de diálogo. O tema sobre retórica está
presente em todos os diálogos, notadamente nos Diálogos Górgias e Fedro. Essa obra tem
como personagem principal, Górgias e classifica dois tipos de retórica, a psicografia e a
psicagogia,
Para Platão, a verdade é o objeto da boa retórica, que ele denomina “psicografia”
(formação das almas pela palavra). A retórica dos sofistas mostra a linguagem que seduz a
platéia. A persuasão constitui-se de técnica sedutora de palco. Não se deve valorizar a retórica
como forma de condução principal dos ouvintes. Para ele, essa retórica não tinha nada de
filosófico ou de profundidade suficiente para que houvesse verdadeira mudança de postura da
platéia. Ele reforça que “a retórica é um simulacro de política” que se reduz somente ao que
convém saber. A contaminação do discurso pela retórica é proveniente do chamado
conhecimento superficial, sem profundidade e comprovações. A base do discurso retórico é
somente realizada pela verossimilhança, articulada com o único objetivo de alcançar
resultados práticos. Platão contesta Górgias, e busca na filosofia, a resposta sobre o sentido da
retórica através do diálogo entre mestre e discípulo, a adhominatio, valendo-se da inspiração
do pensar em comum, ou seja, concluir com bom senso, após ampla discussão dialogada. O
diálogo de Platão propicia o consenso entre as partes. Platão preconiza, assim, nos diálogos, a
boa utilização da retórica denominada psicagogia que, mais tarde, Cícero e Quintiliano
chamariam de topos.
Isócrates (436-338 a.C) nasceu em Atenas e foi contemporâneo de Platão e dos
socráticos. Aluno dos sofistas Górgias e Pródico, acompanhava ainda Sócrates pelos ginásios
e praças de sua cidade. Foi logógrafo e trabalhou como redator de discursos jurídicos (o
chamado jurisconsulto) até abrir a sua própria escola de Oratória em Atenas, por volta de
393 a.C. Platão, por sua vez, também resolve fundar a sua Academia, em 387 a.C., atitude
essa que acabou por gerar a concorrência entre as duas primeiras escolas formais e, desse
modo, resultar no distanciamento de ambos.
A Escola de Retórica, de Isócrates, fundada pelo ano 380, era muito concorrida.
Ministrava um tipo de educação superior, com um programa de estudos de três
anos. A técnica oratória, motivo e coroamento do ensino, abrangia três partes. A
inicial tratava, por classes, os objetivos do discurso, demonstrando como se podia
reunir material adequado para cada um deles. A segunda ditava regras para
38
confecção dos diversos elementos e da forma como se apresentavam em todo
discurso. Esses elementos formais eram, entre outros, o entimema, o exemplo
(paradeigma), a sentença (gnome), a refutação das possíveis objeções do auditor
(protacalepsis, a ironia (ironeia). A última formulava preceitos sobre a estruturação
das diversas partes em que se dividia todo discurso, começando com o proêmio e
continuando com a exposição dos fatos, a intensificação etc. (DILTHEY, 1942, p.
35 e segs.)7
39
investigativa, estudo e análise científica dos temas e assuntos para elaborar o discurso
retórico. Considerado o homem enciclopédico sem a matemática, escreveu o primeiro tratado
de psicologia científica. É de sua autoria, ainda, a primeira teoria da argumentação dialética
em Arte Retórica (nos tópicos e na Retórica). A Poética e A Retórica de Aristóteles são obras
que atestam a dimensão artística do discurso e da narrativa, com a definição de que “A
retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a
persuasão” (s.d., p.33).
E em seus dois tratados do discurso, fez a distinção entre Technè rhetorikè (técnica e
retórica) que se baseia na arte, da comunicação comum e do discurso em público, de idéias, e
Technê poietikê (técnica e poética) que é a arte da evocação poética do pensamento
imaginativo, da imagem. A incorporação da retórica e da poética veio a acontecer na idade
média, originando uma forma literária de expressões bem elaboradas na escrita.
Aristóteles fundamenta o discurso, a oratio, emissor e transmissor da mensagem, em
seu livro I da Retórica. Na abordagem sobre a oratória, ele divide as formas de argumentação,
observando as suas características em três gêneros: judicial, deliberativo e epidítico. No livro
II, a atenção se volta para as reações emotivas dos receptores na apresentação dos
argumentos. E, no Livro III, Aristóteles se dedica à Lexis ou elocutio, a táxis ou dispositio
(organização, partes e desenvolvimento) do discurso.
Vale ressaltar que Roland Barthes (2001, p.10) considera a retórica de Aristóteles
“uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo aproximativo (entimema): é uma lógica
voluntariamente degradada, adaptada ao nível do ‘público’, isto é, do senso comum, da
opinião corrente”.
Cícero (196-43 a.C), Marco Túlio Cícero, natural de Lácio (Roma), é educado pelo
senador e jurista Múcio Cévola, filósofo, orador, também chamado de tratadista de Oratória.
Ele foi autor de aproximadamente mil cartas, orações, tratados filosóficos e de
retórica, a conhecida Catilinárias, que compõem o conjunto de quatro discursos proferidos
em 63 a.C., dirigidos ao senado de Roma e ao povo, com o objetivo de denunciar
explicitamente Lucius Sergius Catilina, acusado de tentar derrubar o governo republicano da
época e obter poder e riquezas. Ele foi autor também de diversas obras voltadas para a
filosofia do direito, da moral, da dignidade humana e dos bons costumes.
Cícero, estudioso profundo de retórica, atesta que, para ser um homem eloqüente,
antes de mais nada, o orador deve conhecer densamente o tema ao qual pretende discorrer e
saber identificar o tipo de público-alvo. Na obra A Retórica a Herêncio (Rethorica ad
Herennium), escrita no século I, antes de Cristo, cuja autoria é dividida com um autor
40
desconhecido, Cícero substitui a importância da teoria do entimema de Aristóteles para a
divisão por meio de questões com características específicas e classifica a retórica em três
estilos: simples, sublime e médio. Valores como a virtude, a justiça, o bem, a honestidade, a
retidão, a prudência e a verdade formam a base de sustentação da boa retórica defendida nesta
obra.
De oratore, integralmente da autoria de Cícero, contém diálogos que se utilizam de
seus personagens – Crasso, Antônio, Múcio Scaevola, Rufus, Cotta – para chamar a atenção
através de críticas contra o ensino ministrado nas escolas que não se importavam com os
valores e a dignidade pessoais para quaisquer apresentações em público. Cícero enfatiza que a
oratória do homem digno é contra qualquer tipo de ingerência que venha denegrir a verdade.
Nessa mesma obra, Cícero retoma as partes da Retórica (Inventio, Dispositio e Elocutio), e
escreve outras com forte apelo à dignidade em: Brutus, que conta a história da arte oratória
em Roma e Orator, que mostra, pela sua ótica, o perfil do orador. Todas as obras de retórica,
é importante observar, se baseiam na verdade dos fatos, nas provas reais, mediante a atenção
para a linguagem adequada que se deve atentar para proferir o discurso. A elocutio da retórica
de Cícero, não obstante, é fortemente expressa e essencial para a formação da opinião do
ouvinte.
Cícero, por outro lado, aponta três gêneros do discurso: o sutil que é a narração com a
demonstração de provas; o florido que intercede pela compaixão do ouvinte no atendimento
das necessidades específicas e o resgate da autoconfiança e o grandioso que remete ao vigor e
à imponência do discurso.
Quintiliano (35-96), Marcus Fabius Quintilianus, nasceu em Calahorra, na Espanha.
Advogado, filólogo e crítico literário, transferiu-se definitivamente para Roma em 68. Abriu
uma escola particular de retórica que, depois de algum tempo, por determinação do Imperador
Vespaziano, passou a ser escola pública e o manteve como primeiro professor oficial
remunerado no citado estabelecimento de ensino.
Quintiliano lecionou por cerca de 20 anos. E retomou os conhecimentos de retórica
estudados pelos autores que o precederam, com fortes evidências na linha de pensamento de
Cícero, estabelecendo ainda a pedagogia da retórica de Aristóteles na arte de falar bem, ou na
“arte do bem dizer”. Chegou a produzir um manual com instruções detalhadas da tradição
grega, com diversos pontos desenvolvidos por Aristóteles, em uma única obra, intitulada De
instituicione oratória, que registra, em 12 livros, o ensino pedagógico de oratória para os
alunos, desde a mais tenra idade. No livro I, refere-se à educação gramatical e retórica
dividida em fases desde a infância. Do livro II até o VII, estão os conceitos, as definições e o
41
desenvolvimento da retórica, do Inventio e da Dispositio. Dos números VIII a X, constam às
explicações detalhadas da Elocutio. O livro X explica formas de redação, criando, segundo
Barthes, a primeira teoria do “escrever”. O XI contém as formas de execução do discurso
retórico e a memória. E finalmente, o livro XII encerra com forte apelo à responsabilidade
moral do orador na dignidade e na ética pessoais, como pré-requisito de vida expressos na
seguinte definição: “é um homem bom a falar bem”.
Sobre a natureza da retórica, Quintiliano definiu quatro convenções contidas em sua
obra: a primeira é a retórica como obreira da persuasão nos exemplos de Córax, Tísias,
Górgias e Platão; na segunda, na linha de Aristóteles, a retórica é a descoberta dos meios de
persuasão; na terceira, é a capacidade de falar bem, tendo o exemplo de Hermágoras; na
quarta e última, a retórica é vista como ciência e arte de falar bem, tendo como base o próprio
exemplo do orador, para essa definição.
O orador, segundo Quintiliano, à semelhança do pensamento retórico de Cícero, deve
ser como os gregos chamavam de “um homem probo, hábil no falar”, ou seja, detentor de
conhecimentos, correspondentes à prática da própria vida tanto no pensamento, como na fala
e, principalmente, nas atitudes.
Segundo Bellenger, Quintiliano redefiniu a forma de persuasão, afirmando o seguinte:
42
A neo-retórica adotada por Agostinho abrangia a retórica sofística, a sintagmática e a
paradigmática. Em síntese, pode-se considerar que a retórica sintagmática é aquela que se
baseia na declamação de temas com improvisações e jogos de palavra, com enxertos
justapostos (declamatio, meletè). A retórica paradigmática é o estilo com ornamentos de
arcaísmos, metáforas e antítese no discurso. E a retórica sofística, já mencionada em
Aristóteles e Platão, preconiza a arte da eloqüência.
Com o desenvolvimento da racionalidade e da ciência na Idade Moderna, a Retórica
foi perdendo o seu espaço como disciplina central da formação intelectual dos homens de
letras. O conhecimento da retórica e seu campo de estudo, no entanto, continuaram a ter
importância, tornando-se objeto de estudo de diversos autores dedicados às questões da
linguagem, das teorias do símbolo, do signo, nas disciplinas jurídicas, na comunicação
jornalística, na propaganda, no marketing, enfim, em outras áreas do conhecimento.
A etimologia da palavra retórica vem do vocábulo grego retoriké que significa orador
e retoreia que, por sua vez, significa discurso público ou eloqüência.
A retórica na antigüidade foi definida também com o nome de “oratória”, notadamente
no século V a.C., em Siracusa, localizada, atualmente, na região da Itália pelo primeiro
tratado de retórica escrito, defendido por Tísias e Córax, dois grandes oradores defensores do
povo em Siracusa, em 465 a.C.
A retórica de Corax era sintagmática, ou seja, um conjunto de elementos sob um
mesmo tema e continha as “cinco grandes partes da oratio que, séculos depois, passou a ser o
plano do discurso oratório: exórdio; narração ou ação; argumentação ou prova; digressão e
epílogo” (BARTHES, 2001, p.10).
A retórica, na Grécia da antigüidade, fazia parte das sete disciplinas obrigatórias nos
currículos das artes liberais e era composta de: Trivium (gramática retórica e dialética) e
quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música).
Nos registros da história da antigüidade, consta que Górgias esteve em Atenas, no ano
427 a.C., instalando-se na cidade como o primeiro mestre e professor de retórica. Foi ele que
sistematizou a técnica da retórica, inserindo as figuras de linguagem, tendo, como objetivo
principal, a persuasão de conhecimentos discursivos da oratória. O seu nome mais tarde é
também reconhecido por Górgias de Leontinos, devido à técnica persuasiva que adotava ser
aplicada nos seus discursos em defesa daquele povo em 427 a.C., na Assembléia do Povo, em
43
Atenas, obtendo, inclusive, grande sucesso por causa da sua eloqüência. Como prova de
gratidão, os leontinos renderam-lhe homenagem, erguendo uma estátua em ouro maciço do
grande orador, em Olímpia.
Entre as suas obras, destacam-se: A arte oratória e O Onosmático, com as técnicas de
retórica. Nessas obras, Górgias incentiva a eloqüência ritmada, como apelo para a alma e o
pensamento interior. Segundo ele, a musicalidade, o ritmo, a entonação, devem fazer parte do
discurso retórico como forma de persuasão poética.
Górgias era sofista e substituiu a poesia pela prosa em código retórico. O discurso e as
formas de persuasão passaram a ter, assim, uma linguagem literária em nome da estética da
palavra bem colocada com elegância. Confima-se que, como já mencionado no capítulo
anterior, nesse período, Górgias preconiza a retórica como arte e estética do discurso.
Com a implantação da democracia em Atenas, a retórica passou a ser o principal
instrumento utilizado nas assembléias populares, nas discussões de diversos assuntos, dentre
os quais se destacam a votação de impostos, os discursos sobre organização social, as
decisões sobre as guerras, os gastos públicos, as condenações, a política e outros.
O valor da retórica foi enaltecido por Isócrates, em seu texto Panegírico, registrando o
privilégio da eloqüência dos gregos em “que os discursos belos e artísticos não são apanágio
das pessoas inferiores, mas obra de uma lama que pensa bem: que os sábios e os que parecem
ignorantes diferem uns dos outros, sobretudo nisto [...]” (PEREIRA, 1982, pp. 302-303).
O diplomata e professor Gustavo de Brito Freire Pacheco, analisando o estudo sobre
“a tradição grega e a teoria da argumentação de Chaim Perelman, afirma que: “O exercício da
função política dependia, portanto, da habilidade em raciocinar, falar e argumentar
corretamente, e era natural que houvesse uma demanda de professores que proporcionassem a
necessária educação política. Esses professores eram os sofistas ”. ( PACHECO, 1997, pp.27-
47)
Os sofistas ensinavam à arte da política e da retórica com o ensino das técnicas de
persuasão. Eram considerados os melhores mestres na arte de falar e persuadir. Os professores
sofistas ensinavam “Ciências e Artes, com finalidades práticas, particularmente, a eloqüência,
em troca de uma elevada retribuição pecuniária [...]” (LARROYO, 1982, p.159), percorrendo
as cidades e fazendo um trabalho particular e coletivo, conforme a demanda. A educação
sofista era integralmente voltada para o ensino da persuasão do discurso e o convencimento
popular.
Alguns dos primeiros e principais sofistas conhecidos foram Protágoras (481-420
a.C.), Górgias (483-376 a.C.), e Isócrates (436-338 a.C.). A liberdade de expressão na época
44
ganha espaço. Os sofistas considerados livres demonstram tal atitude na discussão, no
diálogo, na abertura da apresentação do livre pensamento e nos argumentos. Os jovens da
época abraçaram esta causa e, eufóricos, passaram a exigir ensinamentos dos seus mestres,
com base nas idéias dos sofistas.
A retórica era a técnica de, pelo pensamento e pela palavra, tanto pôr em causa e
derrubar o estabelecido, como de erguer novos ideais e novos valores, que, no
entanto, se mantinham sempre sujeitos à crítica. Criticar, refutar, derrubar era uma
face da actividade de cariz negativo, há uma de cariz positivo, a de construir pela
argumentação e por critérios racionais o que se julgava estabelecido desde todo o
sempre, apenas possível de adquirir por tradição. (FIDALGO,10, on-line)
Espanta verificar todo o trabalho que esta democracia exigia dos homens. Era
governo muito trabalhoso. Vejamos em que se passa a vida de qualquer
ateniense. Determinado dia, o ateniense é chamado à assembléia do seu demo e
tem de deliberar sobre os interesses religiosos ou financeiros dessa pequena
associação. Um outro dia, este mesmo ateniense está convocado para a
assembléia de sua tribo; trata-se de regular uma festa religiosa, ou de examinar as
despesas, ou de fazer decretos, ou ainda de nomear chefes e juízes. Exatamente
três vezes por mês torna-se preciso que assista à assembléia geral do povo, e não
tem o direito de faltar. Mas a sessão é longa, porque o ateniense não vai à
assembléia somente para votar. Chegando pela manhã, exige-se que o ateniense
ali permaneça até hora avançada do dia a ouvir os oradores. Não pode votar
senão tendo estado presente desde a abertura da assembléia somente, e tendo
ouvido todos os discursos. (...) O dever do cidadão não se limitava a votar.
Quando chegava a sua vez, também devia ser magistrado no seu demo ou na sua
tribo. Em média, ano sim, ano não, era heliasta, isto é, juiz, passava todo esse ano
nos tribunais, ocupado a ouvir os litigantes e a aplicar as leis. (COULANGES,
1988, pp.402-410)
46
basicamente como exemplo os autores Herêncio e Cícero e outros que, segundo ele, seriam
agente em defesa da retórica antes da citada primeira crise.
Lionel Bellenger (sd.-1987), outro autor contemporâneo que utiliza a persuasão sadia
visando à qualidade da comunicação, a divide em quatro critérios. O primeiro se refere à
credibilidade. A própria palavra a define como “aceitação de uma idéia”, relacionada com
fatos, evidências ou provas suficientes para a adoção da confiança: “ os testemunhos e os
fatos asseguram, portanto, ao persuasor um rótulo de credibilidade” (1987. p.80). O segundo
critério é o da coerência entre discurso e exemplo pessoal de comportamento diante da vida e
acrescenta que: “a clareza obrigará à maior coerência” (1987, p.83). O terceiro é a
consistência da evidência clara da prova onde o “persuasor” argumenta com lógica e
confiança “quando há uma continuidade no seu propósito, quando aquilo que ele diz hoje não
se opõe ao que dizia ontem” (1987, p.83). E finalmente a congruência de “tudo o que torna
pertinente e adequada a comunicação persuasiva” (1987, p.85) em sua influência no
indivíduo, a situação atingida pela influência e a ação como conseqüência da mesma. O efeito
desejado é a resposta digna e honesta que Bellenger recomenda em relação à transparência do
discurso produzido, conforme afirmação a seguir:
Jacques Derridá (1930-2004) foi um homem que impressionava pela sua atitude
espirituosa de excelente humor. Judeu, quando pequeno, vivendo em El Biar, na Argélia, teve
a vida marcada pelo sofrimento da repressão anti-semita. Estudou na sua terra natal, na França
e na Bélgica. Foi professor, diretor de pesquisa e fundador da associação Jan Hus, de auxílio a
dissidentes intelectuais da Tchecoslováquia. A sua notoriedade se deve a utilização da
desconstrução de um texto, tendo como objetivo essencial a ampliação de novas significações
com a proposição de novos caminhos e interpretações dos textos e dos discursos. Essa
desconstrução, segundo ele, não pode perder o sentido nem destruir a originalidade textual ou
a premissa anterior. A conseqüência dessa forma de ampliação textual é que o sentido da
verdade filosófica passa a ter liberdade de inúmeras significações e interpretações. Segundo
ele, o discurso e o conhecimento devem ser construídos em caminhos diferenciados entre si.
47
As idéias são dispostas no texto; é o reflexo puro do pensamento. O dogmatismo e o
relativismo são fortemente criticados por ele como princípio que cega e paralisa a razão. Seus
escritos foram inspirados na fenomenologia de Husserl e estão intimamente ligados ao pós-
estruturalismo e pós-modernismo.
Chaim Perelman (1912–1984) foi filósofo do Direito e atualmente é considerado um
dos mais importantes estudiosos sobre a retórica, do século XX. Publicou, em 1958, o
Tratado da Argumentação – a Nova Retórica, escrito juntamente com Lucie Olbrechts-
Tyteca9. Nesse tratado, Perelman fez um estudo sobre a lógica do juízo de valores na retórica,
percorrendo os principais momentos históricos da eloqüência e da persuasão, concluíndo que
não há nenhum padrão de valores concebíveis, mas que, havendo discordância de opiniões,
recorre-se às técnicas de persuasão desses valores. Perelman (1996, p.6-16) analisa a
importância da retórica dos clássicos da antigüidade, propondo: “retomar e ao mesmo tempo
renovar a retórica dos gregos e dos romanos, concebida como a arte de bem falar, ou seja, a
arte de falar de modo a persuadir e a convencer, e retomar a dialética e a tópica, artes do
diálogo e da controvérsia”. Perelman faz uma longa e detalhada exposição sobre a relação
entre o conhecimento, os anseios e as expectativas do auditório e o orador. E retoma a retórica
desde a antigüidade, apresentando os modos de argumentação eficaz, conforme explica a profª
Clarice Costa Sohngen10:
9
As poucas informações sobre Lucie apontam que se trata de estudante de orientação do Escritor.
10
Doutora/PUCRS, Professora e pesquisadora .
48
pretende proferir; a enunciação, com a persuasão sob medida, conclamando o auditório a
atenção devida sob o tema; a prova, ou melhor, a disponibilização correta dos recursos
utilizados para os propósitos do assunto em pauta e o epílogo ou desfecho bem elaborado,
baseado na revisão e dinamização da fixação dos pontos essenciais do discurso proferido pelo
orador.
No estudo da retórica, Aristóteles dividiu as provas em três tipos de situação, que são:
ethos que está diretamente ligado à credibilidade do orador; pathos que é a reação que o
orador pretende que o auditório atinja durante e após o discurso proferido e logos que é a
argumentação lógica para atingir o pleno convencimento da platéia. Aristóteles destaca que a
lógica na filosofia se refere ao provável e na teologia alude ao verossímil.
À dedução que Aristóteles chama de Entimema, ou o chamado silogismo, ele dedica
um estudo específico que envolve a probabilidade através das provas com exemplos ou
testemunhos dos discursos proferidos e o cuidado com a diversidade de interpretações
possíveis pela verossimilhança de algum fato ou argumento.
Perelman resgata a importância da retórica e destaca que o “gênero epidítico é central
na retórica” e acrescenta que o “combate travado pelo orador epidítico é um combate contra
objeções futuras; é um esforço para manter o lugar de certos juízos de valor na hierarquia ou,
eventualmente, conferir-lhe um estatuto superior”. (PERELMAN, 1999, p. 133)
Aristóteles organiza os estudos dos seus predecessores e faz uma releitura com a
seguinte classificação dos discursos retóricos: invenção (inventio); disposição (dispositio);
locução (elocutio); memória (memórica); pronunciação (pronunciatio).
Antes, do detalhamento, vale mencionar o posicionamento de Barthes sobre a
classificação de Aristóteles dos discursos retóricos:
As cinco partes dessa Retórica, segundo Aristóteles, são caracterizados pelo detalhe e
pela precisão, com definições bem elaboradas e explicativas para obtenção de boa persuasão.
49
Para Aristóteles, a retórica se baseia em: Invenção; disposição, locução, memória e
pronunciação.
4.3.1 A Invenção
4.3.1.1 As provas
50
Já as provas dentro-da-técnica pertencem exclusivamente à oratória e à persuasão, que,
conseqüentemente, se utilizam do exemplo (indução retórica) para o argumento e do
entimema (dedução) para o silogismo.
Esse é o maior desafio que o orador enfrenta: discernir o que dizer e o modo de
fazer, pois é aí que ele reúne o material e escolhe as técnicas que mais bem se
ajustam à defesa de sua tese. Uma vez que o processo de invenção se entendia mais
como modo de encontrar ou descobrir os argumentos certos do que como o modo
de inventar ou criar novas idéias, os manuais clássicos continham listas ou
catálogos de figuras e tópicos argumentativos que facilitavam a pesquisa dos
argumentos: estratégias paradigmáticas, modelos básicos de argumentação, figuras
convencionais do discurso, citações literárias célebres, catálogos de imagens e
exemplos. Os elementos destas listas eram chamados tópicos ou lugares, de sorte
que a invenção pouco mais era do que a busca do lugar certo assumido como tópico
de argumentação para um fim retórico particular.(ALEXANDRE, 2003, p.5)
As provas entechnoi podem ser divididas em dois estilos: a primeira são as provas
psicológicas que são aquelas que despertam o lado humano do auditório e a segunda são as
provas lógicas que se subdividem em exemplum, como a própria palavra já diz e a entimema
que corresponde aos argumentos que justificam os motivos das provas.
Na Idade Média estabeleceu-se o chamado local (topoi ou loci) para designar
compartimentos na memória para os diversos conhecimentos, para ser respondido durante o
momento da invenção: quem?, o quê?, onde?, com quê?, por quê?, como?, quando?
4.3.2 A disposição
4.3.2.1 O exórdio
52
Ao preâmbulo do tema proposto, o orador deve recorrer às técnicas que conduzam o
auditório ao objetivo indicado pelo tema do discurso.
Após o preâmbulo, o discurso é dividido em subtemas, para em seguida ser realizado o
desenvolvimento e a explanação detalhada com argumentos de persuasão sob medida no
transcorrer do discurso.
A narratio é a exposição de argumentos divididos em dois tipos: os fatos e as
descrições. Os fatos podem ser de ordem real ou pela verossimilhança. As descrições
funcionam como comprovações e provas reais para composição do discurso.
A confirmatio é a exposição das provas.
A disposition se aplica sobre as emoções (movere), sobre as situações calmas
(delectare) ou nas exposições didáticas (docere). É importante frisar que o orador deve ter
claro o seu método, o seu auditório e o objetivo do seu discurso.
O epílogo é o fechamento necessário a que Aristóteles dá o nome de período. O
epílogo pode ser adornado de truques eloqüentes de persuasão ou um fechamento simples e
conclusivo.
4.3.3 A locução
Locução é o mesmo que elocutio, que corresponde ao grego lexis, com o seu
significado de utilização adequada da gramática do texto do discurso. A forma correta das
palavras, as figuras de gênero de retórica, estética e clareza. A colocação intencional da
palavra na formação do raciocínio de quem ouve o discurso é a retórica persuasiva mais clara
e transparente. Aristóteles, Platão e Isócrates insistiam na formulação textual do discurso. O
prazer em discursar de forma a preencher as lacunas da incerteza ou da dúvida. As idéias
expressas são denominadas de elocução, que é a parte da retórica que trata da teoria do estilo,
da descrição dos tropos e das figuras.
A dicção, a locução, a pronúncia e a entonação da voz fazem parte da Elocutio. Vale
pincelar, aqui, as substituições dos termos significantes (electio), que caracterizam os tropos.
Os termos usados na antiguidade são “ornamentos” e “cores”. São muitas as classificações em
forma de duplas dos ornamentos. Dentre as quais está: Gramática/Retórica, onde Barthes
(2001, p.81) tece a explicação de que “os tropos de gramática são conversões de sentido que
passaram a integrar o uso corrente, a ponto de não se ‘sentir’ mais o ornamento... ao passo que
os tropos da retórica são ainda percebidos como um uso fora do comum”.
53
4.3.4 A memória
Memória, como a própria palavra indica, é uma técnica indispensável para acolher a
atenção do ouvinte, no encadeamento do tema, que poderia ser realizada no mesmo instante,
ou posteriormente. É uma forma de controle de persuasão utilizada principalmente na revisão
e no resumo dos discursos anteriores como configuração para garantir a atenção do ouvinte e
aguçar a curiosidade nas próximas etapas dos temas que seriam abordados. Nesse contexto, a
revisão proferida pelo orador tem a finalidade de averiguar a assimilação e provavelmente
completar eventuais lacunas não entendidas ou interpretadas.
Na antiguidade clássica, o orador retórico tinha a obrigação de armazenar os seus
discursos e os dos adversários também. Aristóteles registra duas importantes situações da
memória: a memorização (armazenamento) e a recordação (recordar-se). E destaca a
importância fisiológica da mente no que concerne à “fantasia, razão e memória”, que,
segundo ele, fazem parte dos “sentidos internos”.
4.3.5 A pronunciação
54
sintaxe, que são as construções de frases em elipse, zeugma, assíndeto ou anáfora,
polissíndeto, ou até mesmo em hipérbato e anástrofe, ou seja, as suas variadas formas na
composição e estrutura das frases no discurso; e as figuras de pensamento, que são
encontradas na semântica da língua e que expressam exatamente as ideologias, os conceitos, o
ensino de filosofias e as produções de pensamento sociologicamente corretas, dos quais se
destacam a alegoria, a hipérbole, a ironia, a perífrase, a metáfora e a metonímia.
55
a manipulação de técnicas de argumento ou de jogo de palavras que se destoam e que fogem
da verdade.
Górgias preconizava que a retórica é uma produtora de persuasão sem critérios. O
único objetivo do discurso é o convencer. Para tanto, não poderia haver inquietação
propriamente dita com a veracidade dos fatos e comprovações para formulação do discurso,
mas, sim, com as técnicas persuasivas.
Nessa mesma época, havia uma linha de pensamento liderada por Platão, que
examinava o fato de a retórica ignorar a verdade universal e absoluta. Os discursos
enunciados nas praças, no Ágora, em Atenas, seriam levianos e despreocupados com a
verdade, conforme Aristóteles afirmava, sem, contudo, fundamentar-se na “verdade das
coisas”.
A oratória com todos os seus elementos persuasivos estariam sendo evocados de forma
a persuadir a platéia e, conseqüentemente, a aprovação pela sua repercussão. Platão, temia o
aplauso dos discursos eloqüentes que poderiam resultar na formação do senso comum. Por
causa desse temor, o filósofo reagia fortemente em suas obras e diálogos, contra esses
discursos, e, principalmente, contra os sofistas. Incansável batalhador, Platão chegou a fundar
e implantar uma academia, com a missão de formar o cidadão com ampla concepção ética da
retórica, tanto para o discurso quanto para a oratória.
A eloqüência persuasiva dos discursos dos sofistas, os interesses pessoais, a bajulação
ao povo eram comuns. A injustiça no julgamento também se fazia presente, tendo em vista
que a retórica visava à persuasão e não à busca da justiça e da verdade dos fatos.
Mesmo com os discursos inflamados que proliferavam e persuadiam os atenienses,
Platão proclamava mostrando as diferenças persuasivas, e as verdades que deveriam
fundamentar os discursos mostrando, inclusive, a distinção entre a dialética e a retórica como
formas opostas de persuasão, deixando transparecer sua preferência pela primeira, porque a
concebia como um diálogo, uma troca sucessiva de idéias em busca da verdade, ao passo que
a segunda, ele, entendia como prática descompromissada com a verdade, de diversão e agrado
ao povo ouvinte.
Platão ainda escreve sobre a Retórica, no diálogo de Fedro, personagem criado por ele
e que representava o seu mestre Sócrates. Os diálogos demonstravam a concepção de retórica
subordinada às ciências da alma, da política, da psicologia. Platão escreve criando
personagens e diálogos didáticos para reforçar a permanência do debate, da dialética, do
discurso retórico pela argumentação e do discurso analítico pela demonstração.
56
Aristóteles também acrescentou em seus escritos a habilidade e o discernimento que o
orador deve ter em cada questão para persuadir o público. Trata-se, pois, de um
posicionamento que rompe com a concepção platônica de filosofia, que desaconselha a arte
como instrumento da Paidéia, com a afirmação, segundo Aristóteles, de que essa forma de
linguagem e de produção humana exalta a paixão dos súditos e os desvia do caminho da
contemplação das verdades eternas.
Arte Poética e Arte Retórica, de Aristóteles, são obras que atestam à dimensão
artística do discurso e da narrativa. De todos os pontos salientados, vale reforçar que
Aristóteles reconhece que a retórica pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal.
Segundo Chaim Perelman, a retórica está voltada para o que ele chama de “princípio
filosófico com base na justiça” (TORDESILLAS, 1991, p.127). Assim, divide a retórica em
introdução, acordo, auditório, dado e interpretação. Perelman apresenta também as técnicas de
argumento de ligação, agrupadas em três classes: os argumentos quase lógicos, os argumentos
já fundados na estrutura do real e aqueles que fundamentam a estrutura do real. E acrescenta:
“Aquele que argumenta não se dirige ao que consideramos como faculdades, como a razão, as
emoções, a vontade. O orador dirige-se ao homem todo [...]” (PERELMAN, 1993, p.32).
Em sua teoria, são propostas as técnicas de argumentação com base em pontos
referenciais, como o acordo, que, segundo ele, decorre do assentimento verdadeiro. Perelman
justifica essa necessidade quando afirma que "faltam ou são insuficientes os meios de prova e,
sobretudo, quando o objeto do debate não é a verdade de uma proposição, mas sim o valor de
uma decisão, de uma opção ou de uma ação, consideradas como justas, eqüitativas, razoáveis,
honrosas ou conforme o direito" (1980, p.137).
O acordo é também visto por ele como forma de entendimento prévio e bem articulado
com o auditório. Nessa instância, o orador basear-se-á nos acordos feitos previamente com o
auditório, para posteriormente utilizar-se das técnicas de argumento, a fim de obter o êxito de
sua oratória na aceitação plena de seu discurso.
Perelman evidencia que os acordos prévios devem primeiramente ser articulados
mediante o conhecimento das especificidades e características do respectivo auditório e, em
seguida, buscar o engajamento do orador. Perelman enfatiza que o orador que conhece bem o
seu auditório saberá persuadir com técnicas de argumentação apropriadas e bem
fundamentadas, tendo assim os resultados esperados.
57
Nessas técnicas argumentativas, Perelman mostra dois aspectos sobre a reação do
auditório; que são:
58
fundamentada precedida da argumentação sem contradições; terceiro, a consistência,
subdividida em sincrônica (coesão) e diacrônica (constância); e quarto, a congruência que está
diretamente ligada ao persuasor, ou seja, o discurso identificado com a atitude do orador.
59
5 OS INTELECTUAIS DE ATENAS E O REINO DE
CESARÉIA
Como dissemos nos primeiros capítulos, o apóstolo Paulo tinha formação em retórica,
conhecimentos esses que adquiriu quando jovem ainda, em escola regular. Ele era homem
inteligente que versava diversas línguas. Culto, utilizou os conhecimentos assimilados para
transmitir a mensagem de Jesus, através de discursos e cartas confirmadas na seguinte
afirmativa do Teólogo e Escritor James Dunn11:
Paulo foi o “primeiro” no sentido de ser preeminente entre os teólogos cristãos. Ele
pertenceu àquela geração que foi mais criativa e mais definitiva para a formação e a
teologia do cristianismo do que qualquer outra desde então. E nessa geração ele
mais do que qualquer outra pessoa contribuiu para que o novo movimento
originário de Jesus se tornasse religião realmente internacional e intelectualmente
coerente. (DUNN, 2003, p, 26)
Os estudos sobre a trajetória de Paulo bem como seus registros na Bíblia não se
esgotam. A infinidade de temas está enxertada em cada frase ou versículo dos seus capítulos,
na busca, da compreensão do homem e o cristianismo provado em toda a sua trajetória
arqueológica, histórica e teológica.
Estudar o apóstolo Paulo é mergulhar no propósito da sua fé cristã na difusão de uma
proposta definida de evangelização da esperança, visando propiciar não somente a melhoria
da qualidade de vida, mas ainda nova forma de viver para todas as gerações. A tarefa
empreendida pelo apóstolo, portanto, o levaria a se ver diante de leis, tradições, ritos,
costumes, de diferentes culturas do mundo helenístico, enfim, como mostra Moisés (p.18),
fato esse que exigia de Paulo, na evangelização da Boa Nova, habilidades de orador, que não
seriam fáceis, caso não fosse dotado de formação intelectual sólida. Para se ter uma idéia do
mundo a ser percorrido pelos cristãos, na divulgação da fé que professavam, basta atentar para
as palavras dos teólogos Irvin e Sunquist (2004, p. 73), quando comentam:
Os cristãos entraram num mundo habitado por uma multidão de outras religiões e
de deuses. Um autor do século II chamado Máximo de Tiro calculava que apenas
em torno do Mediterrâneo havia umas trinta mil divindades que eram adoradas. Era
60
também um mundo de grande diversidade cultural. Línguas, costumes e práticas
variavam de uma região para outra e mesmo de uma rua para outra nas cidades. Os
que ouviram primeiro a mensagem dos apóstolos não eram páginas brancas nas
quais o evangelho pudesse ser escrito. As pessoas levavam consigo suas próprias
idéias sobre a vida, a religião e a salvação quando ingressavam no novo
movimento.
Desse modo, para compreender as histórias das igrejas cristãs primitivas, advertem
Irvin e Sunquist, é preciso levar em conta “a diversidade dos ambientes sociais e culturais em
que o movimento se espalhou” (2004, p. 73). Aspecto esse que foi observado com rigor pelo
apóstolo Paulo. E, para isso, a dialética que utilizou foi fundamental para o alcance dos
objetivos a que se propunha. Tanto que James Dunn (2003, p. 35) comenta que uma teologia
distante do cotidiano das pessoas para quem pregava não seria uma teologia de Paulo. E
ainda:
Pelo exposto, pode-se dimensionar que a elaboração dos Evangelhos e das Cartas
constituiu o meio de comunicação mais eficaz na época, entre os cristãos, levando-se em
conta, em muitas circunstâncias, a ausência daquele que testemunhou os acontecimentos que
passaram a ser narrados e divulgados para os que tinham interesse. Mas, não só, como lembra
Kümmel (1982, p.633), ao ponderar que:
Sobre o corpus paulinum, Kümmel (1982, p. 633) considera que até o final do século I
já se deveria ter uma coleção dessas epístolas, pois, no início do século II, as epístolas
paulinas já eram bem conhecidas e respeitadas.
Como o objetivo deste capítulo é o de analisar os discursos de Paulo, com a intenção de
identificar a presença da boa utilização dos mecanismos e recursos retóricos, mediante os
conhecimentos que adotou para o registro da história do Cristianismo, a presente dissertação
apontará, aqui, dois momentos importantes da vida Paulo, em face da sua peregrinação: os
61
discursos no Areópago (Atenas) e para o Rei da Palestina Setentrional, Herodes Agripa II
(Cesaréia).
62
Questionado pelo grupo e pelo convite, ele decide ir até a arena dos retóricos. Com essa
atitude, Paulo demonstra obedecer também a um dos princípios da retórica, que Perelman
comenta em seus estudos. O orador, explica, não pode desconsiderar a constituição do
auditório a quem fala e deve se adaptar a ele, pois a adesão dos interlocutores é um dos
objetivos a alcançar. Sobre essa natureza, Perelman ainda adverte:
Conforme registro de Atos, capítulo 17, dos versículos 15 a 18, ressalta-se que a fala
de Paulo não conquistou de imediato os presentes:
Ora, alguns filósofos epicureus e estóicos disputavam com ele. Uns diziam: Que
quer dizer este paroleiro? E outros: Parece ser pregador de deuses estranhos; pois
anunciava a boa nova de Jesus e a ressurreição.
63
Inicialmente, o discurso proferido por Paulo em Atenas pertence ao gênero epidítico. E
nessa fala, os argumentos apresentados não necessitavam de provas concretas, mas de
conclusões direcionadas para (dispositio e movere) as idéias e os pensamentos. É um discurso
de reflexão.
Paulo conhecia bem as características e peculiaridades do povo ateniense, porque
havia estado entre eles, freqüentado a sinagoga e perambulado diariamente pela praça.
Conversou com atenienses, que ficaram perplexos diante das coisas estranhas contadas pelo
apóstolo.
Do ponto de vista da argumentação socrática, Paulo optou por uma exposição clara,
com o desenvolvimento de argumentos de fácil assimilação, chegando até ser sistemático,
para permitir aos ouvintes o acompanhamento de seu raciocínio e a livre escolha de crenças,
alicerçadas pelos deuses daquele lugar ou pela de um Deus único. Paulo não impõe de
imediato seu pensamento, considerado “estranho”, antes, gradativamente, na ordem crescente,
apresenta seus argumentos, para que a platéia não dispersasse.
Ainda com base no conceito de exórdio de Aristóteles, o apóstolo, embora estivesse
perplexo com o culto a diversos deuses, procura cativar a platéia, de imediato, enaltecendo
uma qualidade de seus interlocutores, logo após o vocativo, qual seja, o aspecto da
religiosidade dos atenienses. E a partir dessa característica, encontra um denominador
comum, o Deus Desconhecido, para apresentá-lo sob outro prisma, e, assim, fisgar a linha do
pensamento dos que ali estavam e se fazer crédulo. Eis a passagem bíblica:
O auditório fica, então, preparado para dar crédito ao orador e para receber a
mensagem de Deus sob a ótica de outra perspectiva ideológica.
As crenças evocadas, mediante as peças de esculturas de deuses gregos pelas ruas de
Atenas, citadas no discurso, vão, como já foi dito, primeiramente embasar as premissas que
Paulo posteriormente contestará no Areópago. Mas, ao invés de criar animosidade no público,
procura preparar seus ouvintes, sem, aparentemente, se atritar com aqueles que professavam
uma fé diversa da dele.
O corpo do discurso (disposition) começa a aparecer neste instante, mediante a
proposta de rompimento da crença em deuses politeístas para um deus monoteísta.
64
Assim, no decorrer do discurso, ele desintegra lentamente as premissas que aludiam às
crenças atenienses, substituindo-as pela apresentação de novo caminho, sob outra
configuração, mas que já fazia parte de cada um que ali estava. Paulo diz:
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra,
não habita em templos feitos por mãos de homens;
nem tampouco é servido por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa;
pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas;
e de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra,
determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação;
para que buscassem a Deus, se porventura, tateando, o pudessem achar, o qual,
todavia, não está longe de cada um de nós;
porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos
vossos poetas disseram: Pois dele também somos geração. ( Atos 17. 16- 31)
Nesse momento, percebendo que não haveria tempo de discorrer a mensagem, Paulo
corajosamente rompe com o desejo do auditório de ouvir um discurso sofista ou conforme
Perelman classifica de técnica de dissociação, ou seja, apresenta o argumento que rescinde
com a solidariedade presumida do auditório e deixa a palavra contestatória e enigmática antes
da dispersão da platéia.
Apesar de Paulo ter se utilizado de recursos retóricos no discurso que fez no
Areópago, aparentemente tem-se a impressão que a mensagem tenha sido infrutífera e de
persuasão frágil.
Paulo, no entanto, apresentou argumentos dedutivos, tendo o cuidado para não cair na
analogia. Talvez, por não querer abrir espaço para o questionamento sugestivo da relação
entre o seu Deus e o deus grego. Se criasse confronto de idéias de imediato e diante daquele
convite cordial para falar aos atenienses e estrangeiros, Paulo não teria outra oportunidade
para continuar a expor o seu pensamento, pois teria já conquistado a antipatia de seus
interlocutores.
Retomando o discurso, outros pontos precisam ainda ser observados. Quando se volta
para a religiosidade dos varões atenienses, Paulo, na saudação, chama a atenção da platéia
para o tema que irá discorrer. Nesse momento, o exórdio está bem construído,como já foi dito,
ao evocar o contexto e o cotidiano dos ouvintes, que, também servirá de base para a sua
argumentação, ao confrontar a religiosidade dos atenienses. Em seguida, ainda no exórdio,
Paulo justifica o preâmbulo:
65
Nessa introdução, Paulo ganha reputação ao demonstrar naturalidade na sua fala por
construir um exórdio a partir das circunstâncias do momento e não por um discurso cuidadoso
e estudado de antemão. E, ainda mais, já consegue estabelecer os três objetos do seu discurso:
o despertamento, ou o chamamento para a sua causa, o propósito da evangelização e a
empatia.
Paulo direciona o discurso no inventio já na menção do vocativo “Povo Ateniense”, e,
em seguida, na enunciação do tema, chamando a atenção dos ouvintes para os costumes e os
acontecimentos religiosos daquela cidade. Demonstra estar atualizado, ao mesmo tempo em
que enaltece o lugar de onde fala, quando alude aos grandes oradores e filósofos que passaram
pelo Areópago. Desse modo, tenta conquistar a platéia, sendo simpático e desarmando-a para
uma possível manifestação de hostilidade.
Esse é o exórdio na forma de apelo ao público, evocando uma situação daquele
contexto para estabelecer sintonia e despertar o interesse dos que ali estavam. É também,
nesse ponto, que se dá a apresentação do tema do discurso, conforme já explicado no capítulo
teórico que trata das duas partes do exórdio.
A primeira, nesse caso, vai até “AO DEUS DESCONHECIDO” e a segunda e última
parte é o tema que ele propõe que é o anúncio do Deus “verdadeiro”, em contraposição à
religiosidade dos ouvintes, baseada na idolatria.
Paulo sabia que estava diante de uma civilização com cultura própria e detentora de
filosofia e hábitos elitizados. Por isso, no verso 28, faz alusão a um poema familiar de um
filósofo estóico, Aratus de Soli, do terceiro século a.C.:
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra,
não habita em templos feitos por mãos de homens;
nem tampouco é servido por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa;
pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas;
e de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra,
determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação;
para que buscassem a Deus, se porventura, tateando, o pudessem achar, o qual,
todavia, não está longe de cada um de nós;
porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos
vossos poetas disseram: Pois dele também somos geração. (Atos 17 24-28)
Nesse trecho, Paulo faz a narratio, com uma exposição que visa preparar os
argumentos para a conclusão final, ou seja, a apresentação das premissas do raciocínio. Ao
proferir: “Deus verdadeiro”, Paulo direciona Deus fazendo um paralelo de suas qualidades em
oposição às qualidades das divindades gregas. Esse ato foi tremendamente corajoso. Paulo
66
persuade, de acordo com a explicitação dos critérios de persuasão de Bellenger , aos ouvintes
com o anúncio da “Boa Nova” que os gregos temiam ouvir.
E continua dizendo que esse mesmo Deus fez o mundo e se utiliza do sinônimo do
vocábulo grego Kósmus para mostrar o seu conhecimento e aproximar-se assim mais ainda do
auditório dos filósofos, pagãos e politeístas.
A sua técnica persuade os não-cristãos presentes ali, numa exposição comparativa à
cultura de mitos e deuses daquele lugar: “[...] não habita em santuários feitos por mãos
humanas[...]” (Atos 17. 24)
Nesse momento percebe-se nitidamente o corpo da prova, servindo-se da entimema
ou do silogismo retórico para justificar o Deus que ele anuncia: “[...] se Deus é o criador dos
homens, não pode ser servido por mãos humanas.” (Atos 17.24). O entimema de sua
exposição está subtendido, então, na demonstração evidenciada do caráter de Deus em relação
a qualquer outro tipo de deus criado pelo homem.
Ele utiliza também uma figura de linguagem: “tateando” (Atos 17.27), metaforizando
a busca do homem por algo mais profundo, indizível e não-humano.12 Na exposição de Paulo,
fica evidente, ele parte da convicção de que o seu Deus é o verdadeiro e único criador, sem,
contudo, apresentar provas.
E continua discorrendo no seu segundo tópico sobre o homem como criação exclusiva
de Deus e suas qualidades nos versos 26 a 28, citando o primeiro capítulo do Gênesis da
Bíblia sobre o princípio de tudo e, assim, coloca em confronto as idéias cristãs sobre a origem
do homem e dos povos com as crenças da mitologia grega:
Sendo nós, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade seja
semelhante ao ouro, ou à prata, ou à pedra esculpida pela arte e imaginação do
homem.( Atos 17. 29)
Aqui é a confirmatio, ou seja, a exposição das provas e dos argumentos que justificam
o ponto de vista sobre o tema (a refutação da idolatria mediante o conceito de divindade). A
partir das bases ou premissas levantadas na narratio (a idéia de Deus como único criador), ele
opta por continuar a desenvolver, no entimema, o questionamento da idolatria pagã dos
gregos: Se nós somos “geração de Deus”, não podemos achar que Deus seja um ícone a ser
idolatrado.
12
Não sabemos ao certo se esta palavra foi de fato pronunciada nesse discurso. Por isso, é importante
frisar que existem várias versões para a língua portuguesa da Bíblia Sagrada, sem contar as bíblias cristãs nas
mais diversas religiões do país. O texto foi retirado da Bíblia Sagrada, traduzida na versão corrigida e atualizada,
adotadas por diversas denominações evangélicas. E, não foi preocupação minha, realizar uma pesquisa com
profundidade teológica e sintática nos textos originais da Bíblia, que poderia ser uma tarefa para outro trabalho.
67
Mas Deus, não levando em conta os tempos da ignorância, manda agora que todos
os homens em todo lugar se arrependam;
porquanto determinou um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio
do varão que para isso ordenou; e disso tem dado certeza a todos, ressuscitando-o
dentre os mortos. (Atos 17 30,31)
68
O discurso termina com uma mensagem forte e contundente, inserindo na reflexão o
processo de ressurreição dos mortos. A platéia se dispersa. Mas Paulo, tomado pela peroração,
finaliza seu discurso com uma proposta de esperança, a “ressurreição dentre os mortos”. A
metáfora de vida. Ou seja, o compromisso da evangelização expresso no nascer de novo,
como resposta descrita em seu verso 27, “para buscarem a Deus se, porventura, tateando o
possam achar, bem que não está longe de cada um de nós.”
O discurso proferido em Atenas, no Areópago, marca, assim, a história do
Cristianismo. Nessa fala, Paulo expõe claramente não apenas os conhecimentos adquiridos de
oratória, obtidos nas escolas de retórica de sua terra natal, enquanto membro do Sinédrio, mas
ainda as lições de sabedoria ensinadas pelo seu professor, o grande profeta Gamaliel.
Paulo, preso em Cesaréia, fora conduzido pelos soldados da realeza romana para
Antipátride. Quando Festo assumiu o governo da província de Cesaréia, recebeu a visita de
cordialidade do rei Agripa e Berenice.
E foi, nesse momento, que o governador entregou o julgamento de Paulo ao rei
Agripa, porque, conforme as leis de Roma, não podia “condenar quem quer que seja, sem que
o acusado” tivesse “presentes os seus acusadores”, podendo defender-se da acusação” (Atos
25.16b)
Os discursos persuasivos têm por finalidade abrir possibilidade de novo propósito para
o ouvinte. Nessa intenção, o orador deve apresentar argumentos melhores aos já
estabelecidos. E expressar-se de modo a levar o ouvinte a entender claramente o objetivo e a
tomar decisões a partir da mensagem transmitida.
Quando Paulo foi preso em Cesaréia, o ambiente era hostil e controverso; e, em meio a
crenças e dogmas, juntavam-se judeus e estrangeiros, além de soldados fortemente armados,
vigilantes do rei de Roma. Não havia nada a favor de Paulo, tampouco do cristianismo.
Mesmo assim, o apóstolo insistiu em pregar a mensagem da Boa Nova, apesar de todas as
vicissitudes do momento. Essa atitude acabou por conduzi-lo ao açoite e à prisão. Algemado,
Paulo foi levado à presença do rei para que apresentasse sua defesa. Paulo conhecia bem a
situação, pois, anteriormente, já tinha sido preso pelos romanos e acusado pela guarda de
provocar tumulto por conta da divulgação de dogmas, com pregações que atestavam um
reinado indivisível e incontestável, colocando em xeque o governo da época.
69
Agripa era o rei da Palestina Setentrional, judeu com educação romana, fiscal do
tesouro que, de passagem por Cesaréia, em companhia de sua irmã Berenice, para uma visita
de cortesia ao novo governador, Festo, resolve ouvir a defesa de Paulo, em virtude do
julgamento que estava sendo impetrado.
Estavam presentes, no momento em que Paulo é introduzido acorrentado à sala de
audiências, local esse denominado de Herodeion, o rei e o governador, Berenice e os oficiais
da guarnição militar, além dos próceres das autoridades civis e do conselho jurídico.
Paulo, conhecedor dos reinados da época, tinha se preparado para fazer a sua defesa,
utilizando-se, mais uma vez, das técnicas de retórica do gênero judiciário de defesa, recheadas
de metáforas para uma platéia de autoridades locais.
Ele sabia que teria de causar alguma reação para, futuramente, levar aquela platéia a
cogitar uma possível mudança individual e admitir uma vida espiritual melhor. Por isso, o
discurso foi gradativo, até chegar ao ponto de fazer com que o rei refletisse em voz alta sobre
o que acabara de ouvir.
Esse discurso foi pronunciado em dia atípico e, ao mesmo tempo, especial, por
coincidir com a posse do proconsul, Festo, que, gentil e politicamente, convida o rei para
julgar Paulo. Festo apresenta esse julgamento ao rei Agripa como um evento festivo e como
demonstração de submissão administrativa.
A platéia era composta de autoridades com paixões de poder e de inquisição. A
humilhação e o desagravo ao apóstolo eram visíveis em seu corpo, que tinha sido
violentamente surrado. Algemado e acorrentado como um animal selvagem, Paulo,
subjugado, é assim apresentado para julgamento.
Ciente de seus direitos legais, Paulo prefere fazer a própria defesa, sem apresentação
de testemunhas, conforme as determinações legais de Roma. Para tanto, se vale de todo o
conhecimento e experiência vivida anteriormente à sua conversão, marcados pelo
relacionamento com as principais autoridades do rabinato e pelo convívio com sábios e
articuladores políticos da época, além, é claro, da prática de evangelização. Todos ali sabiam
da importância do réu.
E o rei Agripa, então, lhe concede o direito de defesa.
Paulo não discursa em prol de si mesmo. Antes, prefere elevar o evangelho de Cristo
como tema referencial de persuasão. Percebe-se que o gênero judicial de Aristóteles é
demonstrado em seus argumentos, com intenção ideológica, subjetiva e temporal.
Outro aspecto a ser salientado no discurso proferido está no ato de Paulo ter movido,
de antemão, a confiança do rei. Aristóteles reforça nos ensinamento de retórica a importância
70
de saber inspirar a confiança do juiz (o mesmo que ouvinte, nesse caso). O orador, então,
imbuído de prudência, apela para a competência daquele que lhe ouve, a quem manifesta
simpatia e confiança, conforme o trecho destacado a seguir:
Tenho-me por feliz, ó rei Agripa, pelo privilégio de, hoje na tua presença, poder
produzir a minha defesa de todas as acusações feitas contra mim pelos judeus;
mormente porque és versado em todos os costumes e questões que há entre os
judeus; por isso eu te peço que me ouças com paciência. (Atos 26. 2,3)
Quanto à minha vida, desde a mocidade, como decorreu desde o princípio entre o
meu povo e em Jerusalém, todos os judeus a conhecem;
pois na verdade eu era conhecido deles desde o princípio, se assim o quiserem
testemunhar, porque vivi fariseu conforme a seita mais severa da nossa religião.
E agora estou sendo julgado por causa da esperança da promessa que por Deus foi
feita a nossos pais,
a qual as nossas doze tribos, servindo a Deus fervorosamente de noite e de dia,
almejam alcançar; é no tocante a esta esperança, ó rei, que eu sou acusado pelos
judeus.
Por que se julga incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos? (Atos 25.4 -7)
71
Ainda no exórdio, ou seja, na preparação para fazer a apresentação do tema do
discurso, Paulo resgata a Tora, para deixar claro que não há ruptura com as escrituras do
Antigo Testamento, mas a seqüência do discurso insere a idéia do nascimento e da
ressurreição daquele que havia sido prometido por Deus, o Yavé do judaísmo.
A subdivisão do discurso, como se pode perceber, é enunciada em seguida, com a
explanação do motivo da sua defesa que é o anúncio entre os povos sobre a ressurreição de
Cristo.
A ousadia do discurso está alicerçada na argumentação de sua religiosidade anterior,
ao ser fervoroso praticante das tradições judaicas (“a mim me parecia que muitas cousas devia
eu praticar contra o nome de Jesus, o Nazareno”), e, depois, pela sua conversão, chamando a
atenção de seus interlocutores para a importância dessa mudança (“dando testemunho, tanto a
pequeno como a grande, nada dizendo senão o que os profetas e Moisés disseram haver de
acontecer”). Temos, na seqüência da sua fala, portanto, a memórica dos fatos ocorridos que
justificariam o motivo dessa inversão de valores, narrando (narratio) com precisão a sua
conturbada trajetória:
Na verdade, a mim me parecia que muitas cousas devia eu praticar contra o nome
de Jesus, o Nazareno;
e assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais
sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e, contra estes dava o meu voto,
quando os matavam.
Muitas vezes os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E,
demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas o perseguia.
Com estes intuitos parti para Damasco, levando autorização dos principais
sacerdotes e por eles comissionado.
Ao meio-dia, ó rei, indo eu caminho fora, vi uma luz no céu, mais resplandecente
que o sol, que brilho ao redor de mim e dos que iam comigo.
E, caindo todos nós por terra ouvi uma voz que me falava em língua hebraica:
Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura cousa é recalcitrares contra os aguilhões.
72
Mas, alcançando socorro de Deus, permaneço até ao dia de hoje, dando
testemunho, tanto a pequeno como a grande, nada dizendo senão o que os profetas
e Moisés disseram haver de acontecer.
Isto é, que o Cristo devia padecer, e, sendo o primeiro da ressurreição dos mortos,
anunciaria a luz ao povo e aos gentios. (Atos 25 9 – 23)
E, caindo todos nós por terra ouvi uma voz que me falava em língua hebraica:
Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura cousa é recalcitrares contra os aguilhões.
(Atos 25. 14)
É digna de nota a metáfora “aguilhões”. Material já conhecido pelo povo daquele lugar
e de todo oriente, principalmente nos campos, os aguilhões eram peças finas de madeira, com
ponta pontiaguda de ferro, utilizadas para instigar e endireitar o caminho do gado.
A metáfora dos aguilhões, muito bem empregada, simboliza a conversão deste homem
obstinado, perseguidor implacável dos cristãos, e o seu forçado “endireitamento” à luz de
Jesus. E, nessa fala, serve também de instrumento para espicaçar o orgulho e a falta de
entendimento dos presentes. Mais ainda: exprime a idéia de que até um fariseu, cidadão
romano, preferia ser duramente fincado pelo “aguilhão” a entender a mensagem da Boa Nova.
A força da expressividade do testemunho pessoal e a eloqüência do discurso
persuasivo levaram Festo a interromper a narrativa paulina, como podemos acompanhar a
seguir:
dizendo ele estas cousas em sua defesa, Festo o interrompeu em alta voz: Estás
louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar.
Paulo, porém, respondeu: Não estou louco, ó excelentíssimo Festo; pelo contrário,
digo palavras de verdade e de bom senso. (Atos 25. 24,25)
73
Segundo Platão, o diálogo é a melhor forma de persuasão. E, desse modo, é o que
acaba acontecendo na defesa de Paulo. A reação de Festo é previsível, tendo em vista a
presença de um rei setentrional influente e os preparativos de sua posse. A indignação política
e intencional de Festo, todavia, conduz o discurso de Paulo a um silogismo dialético.
Nessa perspectiva, Paulo apresenta a sua argumentação, adotando o critério da
verossimilhança, principalmente nos questionamentos posteriores ao rei:
Porque tudo isto é do conhecimento do rei, a quem me dirijo com franqueza, pois
estou persuadido de que nenhuma destas cousas lhe é oculta; porquanto nada se
passou aí, nalgum recanto.
Acreditas, ó rei Agripa, nos profetas? Bem sei que acreditas. ( Atos 25. 26,27)
A partir dos fatos apresentados em sua narrativa, com a descrição da própria vida, o
milagre da revelação e a relação dessa revelação com a tradição judaica, ou seja, com as
previsões dos profetas, a confirmatio se estabelece quando ele conclui a favor da ressurreição
de Cristo, testemunhando, conforme anunciado no Velho Testamento. Motivo pelo qual
estava sendo julgado.
Os fatos apresentados na narratio funcionam como premissas para esta conclusão:
Então Agripa se dirigiu a Paulo e disse: Por pouco me persuades a me fazer cristão.
Paulo respondeu: Assim Deus permitisse que, por pouco ou por muito, não apenas
tu, ó rei, porém todos os que hoje me ouvem se tornassem tais qual eu sou, exceto
estas cadeias. (Atos 26. 28,29)
Paulo encerra, então, o seu discurso, ensejando que suas palavras fossem capazes de
persuadir seus ouvintes a abraçar a fé cristã e conclama afirmando que os presentes poderiam
ser como ele, na evocação do efeito persuasivo do exemplo.
O trecho abaixo não faz parte do discurso. Mas demonstra os efeitos imediatos do
discurso aos ouvintes. Paulo, talvez não tenha convencido o rei, o governador e sua irmã a
crerem na ressurreição de Cristo, mas, com certeza, os persuadiu ao anúncio da Boa Nova,
além de levá-los a concluir que a crença que professava e a razão de suas ações não mereciam
a punição de condenação à morte ou à prisão.
74
5.5 Os discursos e a retórica
75
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A palavra comunicada por Paulo concordava irrestritamente com seu modo de agir.
Cada palavra proferida estava intimamente ligada a sua vida. Não era possível
separar os conceitos da práxis: a teologia e a vida caminhavam juntas. (REGA,
2004, p.253)13
13
Trecho extraído de autoria de Jilton Moraes. Pastor, professor e escritor. Doutor em Teologia.
76
E sob essa nova nomenclatura, os argumentos são redimensionados com base nos fatos
e na realidade, tendo em vista a atenção a todas as tendências da comunicação, sem cair nas
armadilhas do proselitismo e da demagogia, conforme nossos antigos pensadores gregos
(Aristóteles e Platão) alertavam.
A retórica abre o espaço para o diálogo, a discussão e o debate entre o orador e
ouvinte. Através desse diálogo, é possível estruturar um “juízo de valor” sobre o discurso
proferido.
Paulo ousou persistir e ultrapassar os seus próprios limites, fazendo as suas viagens
missionárias, participando ativamente do cotidiano das pessoas e pregando a esperança da
ressurreição de Cristo.
O início da história da implantação da igreja cristã foi deliberadamente penoso. E
Paulo, um dos apóstolos, seguiu, servindo a Jesus Cristo até o fim, levando experiência e
exemplo de vida. Esses são os componentes da boa retórica.
É importante registrar que os discursos estudados estão na Bíblia Sagrada, traduzidas
dos originais para a língua universal e posteriormente para a língua portuguesa por João
Ferreira de Almeida, utilizada como tradução oficial internacional.
77
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SÓCRATES - Sócrates 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987, 223p. (Os Pensadores)
SOHNGEN, Clarice Costa. Nova retórica e argumentação: a razão prática para uma
racionalidade argumentativa de Perelman. Porto Alegre: 40 p. sd
80
ANEXOS
Anexo 1: O texto bíblico que registra a Passagem de Paulo por Atenas e o seu discurso no
Areópago:
81
porque, passando eu e observando os objetos do vosso culto, encontrei também um altar em
que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais sem o
conhecer, é o que vos anuncio.
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita
em templos feitos por mãos de homens;
nem tampouco é servido por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa; pois ele
mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas;
e de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra,
determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação;
para que buscassem a Deus, se porventura, tateando, o pudessem achar, o qual, todavia, não
está longe de cada um de nós;
porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas
disseram: Pois dele também somos geração. ( Atos 17. 16- 31)
Sendo nós, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade seja semelhante ao
ouro, ou à prata, ou à pedra esculpida pela arte e imaginação do homem.
Mas Deus, não levando em conta os tempos da ignorância, manda agora que todos os homens
em todo lugar se arrependam;
porquanto determinou um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do varão
que para isso ordenou; e disso tem dado certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos.
Uns zombam, outros crêem
Mas quando ouviram falar em ressurreição de mortos, uns escarneciam, e outros diziam:
Acerca disso te ouviremos ainda outra vez.
Assim Paulo saiu do meio deles.
Todavia, alguns homens aderiram a ele, e creram, entre os quais Dionísio, o areopagita, e uma
mulher por nome Dâmaris, e com eles outros.” Atos 17. 16-34.
“Tenho-me por feliz, ó rei Agripa, pelo privilégio de, hoje na tua presença, poder produzir a
minha defesa de todas as acusações feitas contra mim pelos judeus;
mormente porque és versado em todos os costumes e questões que há entre os judeus; por isso
eu te peço que me ouças com paciência.
82
Quanto à minha vida, desde a mocidade, como decorreu desde o princípio entre o meu povo e
em Jerusalém, todos os judeus a conhecem;
pois na verdade eu era conhecido deles desde o princípio, se assim o quiserem testemunhar,
porque vivi fariseu conforme a seita mais severa da nossa religião.
E agora estou sendo julgado por causa da esperança da promessa que por Deus foi feita a
nossos pais,
a qual as nossas doze tribos, servindo a Deus fervorosamente de noite e de dia, almejam
alcançar; é no tocante a esta esperança, ó rei, que eu sou acusado pelos judeus.
Por que se julga incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?
Na verdade, a mim me parecia que muitas cousas devia eu praticar contra o nome de Jesus, o
Nazareno; e assim procedi em Jerusalém.
Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas
prisões; e, contra estes dava o meu voto, quando os matavam.
Muitas vezes os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E,
demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas o perseguia.
Com estes intuitos parti para Damasco, levando autorização dos principais sacerdotes e por
eles comissionado.
Ao meio-dia, ó rei, indo eu caminho fora, vi uma luz no céu, mais resplandecente que o sol,
que brilho ao redor de mim e dos que iam comigo.
E, caindo todos nós por terra ouvi uma voz que me falava em língua hebraica: Saulo, Saulo,
por que me persegues? Dura cousa é recalcitrares contra os aguilhões.
Então eu perguntei: Quem és tu, Senhor? Ao que o Senhor respondeu: Eu sou Jesus, a quem
tu persegues.
Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés, porque por isto te apareci para de constituir ministro
e testemunha, tanto das cousas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei
ainda;livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio,
para lhes abrir os olhos e converte-los das trevas para a luz e da potestade de Satanás para
Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados
pela fé em mim.
Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial.
mas anunciei primeiramente aos de Damasco e em Jerusalém, por toda a região da Judéia, e
aos gentios, que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando obras dignas de
arrependimento.
Por causa disto alguns judeus me prenderam, estando eu no templo, e tentaram matar-me.
83
Mas, alcançando socorro de Deus, permaneço até ao dia de hoje, dando testemunho, tanto a
pequeno como a grande, nada dizendo senão o que os profetas e Moisés disseram haver de
acontecer.
isto é, que o Cristo devia padecer, e, sendo o primeiro da ressurreição dos mortos, anunciaria
a luz ao povo e aos gentios.
Paulo é interrompido por Festo
dizendo ele estas cousas em sua defesa, Festo o interrompeu em alta voz: Estás louco, Paulo;
as muitas letras te fazem delirar.
Paulo, porém, respondeu: Não estou louco, ó excelentíssimo Festo; pelo contrário, digo
palavras de verdade e de bom senso.
Porque tudo isto é do conhecimento do rei, a quem me dirijo com franqueza, pois estou
persuadido de que nenhuma destas cousas lhe é oculta; porquanto nada se passou aí, nalgum
recanto.
Acreditas, ó rei Agripa, nos profetas? Bem sei que acreditas. Então Agripa se dirigiu a Paulo e
disse: Por pouco me persuades a me fazer cristão.
Paulo respondeu: Assim Deus permitisse que, por pouco ou por muito, não apenas tu, ó rei,
porém todos os que hoje me ouvem se tornassem tais qual eu sou, exceto estas cadeias.”( Atos
26: 1-29)
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