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Vá em frente, Selena
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Série Selena
Vá em frente, Selena
Capítulo Um
Selena Jensen entrou na confeitaria Mother Bear. Fazia já um ano que trabalhava ali,
mas ainda não se cansara do aroma de canela nem do cheiro de pãozinho recém-assado que
pairava no ar. Mal pisava ali dentro, fazendo tinir o sininho da porta, e já o sentia. Nessa tarde
de primavera, porém, não fora ali para trabalhar. Ia se reunir com as amigas.
Deu uma espiada para a mesinha do canto, junto à janela. Percebeu que fora a primeira a
chegar. Todas as segundas-feiras, às 4:00h em ponto, ela, Vicki e Amy se encontravam ali.
Isso já vinha acontecendo havia vários meses. As três iam para a mesma mesa e ali ficavam a
contar seus segredinhos, a dar conselhos umas as outras, a resolver pequenos conflitos e, às
— Acabei de tirar uma fornada de pãezinhos, disse para Selena. Vocês vão querer o
Deu uma olhada em volta. Havia mais seis fregueses no recinto e, ao que parecia, D.
pedir, concluiu, virando-se para cumprimentar uma velhinha que entrara na loja.
Selena acomodou-se na cadeira de sempre, apreciando o facho de luz do Sol que entrava
pela janela e batia em seu cabelo louro, longo e bem encaracolado. Gostava demais daquela
sensação de que algo bom estava para acontecer. Sempre experimentava isso na primavera e,
nesse ano, esse sentimento era ainda mais intenso. Estava no último ano do ensino médio, e o
futuro lhe acenava com inúmeras possibilidades. Talvez fosse por isso que se sentisse tão
impaciente para que Amy e Vicki chegassem logo. Tinha algo para lhes contar, algo que
constituição miúda, que arrastou os óculos de sol para o alto da cabeça e ajeitou o cabelo
escuro e curto. Em seguida, olhou para um lado e para outro e se pôs a atravessar a rua
É assim que ela encara a vida também, pensou Selena, zigue-zagueando e com a cabeça
“Observação da personalidade”, era o nome que Vicki dava a esse tipo de percepção.
Fora o que ela dissera certa vez quando comentara com Selena que esta mordia o lábio
inferior, o que era sinal de ansiedade. A garota acatara o comentário da amiga com gratidão,
mas com surpresa também. Nunca percebera que tinha a mania de morder o lábio inferior.
A Amy, porém, ultimamente, não andava muito interessada nessas observações. Dois
meses atrás, ela demonstrara estar aberta a esse tipo de relacionamento. Contudo, um mês
depois, fechara-se e parecia não querer se abrir mais. Entretanto Selena já estava satisfeita de
ela vir se reunir com as amigas, apesar de não falar muito nesses encontros. Algum tempo
atrás, Selena quase perdera a amizade da colega; e não queria que isso acontecesse de novo.
Assim que a outra entrou, a garota lhe acenou sorrindo. Fazia cerca de um ano que as
duas eram amigas, e seu relacionamento tinha experimentado muitos altos e baixos. Apesar
das inúmeras diferenças que havia entre elas, porém, ambas se respeitavam muito e gostavam
— A Vicki ainda não chegou? indagou Amy, sentando-se de frente para Selena.
— Na hora do almoço, conversei com ela na escola e disse-lhe que tinha algo pra contar
para as duas. Por isso achei que ela seria a primeira a chegar.
— Então acho que vai ter de contar primeiro pra mim, disse Amy, correndo os olhos
pela roupa da amiga. Gostei dessa sua blusa. Quando foi que a comprou?
— Acredite se quiser, encontrei-a numa sacola que minha mãe ia mandar para o
Exército de Salvação. Acho que era da Tânia. Imagine só! Eu gostar de uma roupa que foi da
minha irmã!
Amy estendeu a mão para tocar a parte superior da manga que tinha uma aplicação de
tecido diferente.
— Gostei deste pano aqui. E a cor acentua bem o azul dos olhos, comentou Amy
sorrindo. Se um dia você se enjoar dela e for jogar fora, jogue pra mim, viu?
Nesse instante, D. Amélia chegou à mesa delas, trazendo uma bandeja com o lanche das
garotas. Selena pegou uma das xícaras de chá quente, e Amy, o pratinho com os pãezinhos de
canela.
— Hoje é minha vez de pagar, anunciou Amy. Depois eu levo lá no caixa, viu, D.
Amélia?
Passou rapidamente por D. Amélia e, antes mesmo de se sentar, já foi logo falando:
dinheiro. Então tive de passar no banco antes, e a fila estava enorme. Ah, vocês já pediram?
Hoje eu queria chá gelado. Vou pegar um copo cheio de gelo e jogar o chá quente nele.
Selena e Amy abanaram a cabeça dizendo que não. Vicki saiu andando depressa por
gritante entre suas duas amigas. Enquanto Amy seguia pela vida zigue-zagueando de cabeça
baixa, Vicki avançava a todo vapor, com o queixo bem erguido, o cabelo castanho, longo e
sedoso, voando ao sabor do vento. Embora inicialmente Selena tivesse interpretado esse jeito
otimista e entusiástico de Vicki como orgulho, fora essa atitude da colega que fizera com que
se aproximasse de Selena. Na época em que haviam se conhecido, Vicki era uma garota meio
namoradeira e tinha mais interesse em buscar relacionamentos com rapazes do que com
garotas.
— Será que podemos começar a comer antes de Vicki voltar? Estou morrendo de fome.
— Claro. E ela deve voltar já, concordou Selena, retirando o saquinho de chá de dentro
da xícara.
Deu uma espiada para o lado onde Vicki estava e ficou a imaginar como suas amigas
diriam que ela, Selena, encarava a vida. Achavam que ela ziguezagueava ou que andava de
queixo erguido? Reconhecia que tinha mudado muito no ano que se passara e sabia que as
amigas também haviam mudado. E como será que estariam daí a um ano? Ou daí a seis
lhes dar.
— Não deve ser nada de tão importante assim, interveio Vicki, derramando o chá
quente num copo com gelo picado. Você teria me contado na escola, sem que eu tivesse
Amy mudara de escola no meio do ano, quando seus pais haviam se divorciado. Agora
estudava numa escola estadual, e não no Colégio Royal, que era uma escola evangélica,
particular, onde as outras duas estudavam. Fora ali que as três tinham se conhecido.
— Meu irmão ligou ontem à noite e disse que vai à Califórnia na semana que vem. Ele
‘tá querendo visitar a Universidade Rancho Corona, pra fazer o mestrado lá. Tem quase
certeza – de que vai fazer nela mesmo. Mas quer ir lá pra conhecer a escola antes de tomar a
decisão final.
— Isso é que é a grande notícia? comentou Vicki, com um sorriso meio gozador. Você
— Espere aí, interveio Selena, sem perder o entusiasmo. Ele vai de carro e perguntou se
— Humm! Que ótimo pra você! exclamou Vicki. Olha, na volta traz um surfista de
— Você já não foi à Califórnia no recesso de Páscoa do ano passado? quis saber Amy.
— Fui.
— E depois, nas férias, voltou lá para o casamento daquela sua amiga, não foi?
continuou Amy, fazendo um beicinho meio brincalhão. E ainda quer que a gente fique feliz
por você ir outra vez? Você está só viajando, curtindo aventuras, e nós aqui. Não vamos pra
lugar nenhum. Na minha vida toda, nunca fui à Califórnia. A única viagem que fiz foi pra
— É, interpôs Vicki com ar alegre, dirigindo-se a Selena, espero que você se divirta
bastante.
— Nós todas! replicou Selena em tom firme. Wesley vai na van do meu pai e disse que
eu poderia convidar minhas amigas pra irem conosco. Vamos ter de pedir dois dias de licença
na escola. Acho que eles vão nos dar, já que é pra conhecer uma faculdade. Wesley disse que
pode nos levar a qualquer universidade que quisermos. Isto é, desde que entendamos que ele
— Mas que tipo de faculdade vamos ver? Perguntou Amy, demonstrando incerteza.
— Amy! interveio Vicki, dando um tapinha no braço da amiga. Você acabou de dizer
— Na quarta-feira após as aulas, explicou Selena. Eu vou com o carro até Corvallis, e
de lá até a Califórnia eu e ele vamos nos revezando na direção. Vamos levar mais ou menos
vinte horas na viagem, então pretendemos dormir no carro. Em Los Angeles, vamos ficar na
— Não sei bem. É naquela área. Minha irmã mora à uma hora de carro dessa escola,
— Vai ser legal demais! exclamou Vicki, tomando um gole de chá gelado e dando uma
— Vamos chegar no domingo à noite, bem tarde, explicou Selena. Vão ser uns dias bem
puxados, mas acho que será ótimo. Vocês vão querer ir, né?
Amy fez que sim, mas ainda não parecia muito entusiasmada.
— Vou ter de pedir licença no meu serviço e verificar com minha mãe.
— Eu também, disse Vicki. Mas creio que não vai ser problema.
— Ah, que bom que vocês me lembraram! exclamou Selena. Também tenho de
— Ela sempre deixa que você altere seu horário de trabalho quando quer tirar uma
folga, comentou Vicki. Vamos torcer para o meu patrão também concordar.
Selena riu.
O patrão da garota era seu pai. O Sr. Navarone tinha uma revendedora de automóveis
em Portland. Vicki trabalhava na empresa algumas horas por dia, fazendo serviços de
escritório.
— É, eu sei, concordou a garota. Ele vai me deixar ir. Aliás vai ficar satisfeito de saber
que estou interessada em fazer faculdade. Ele não somente vai me deixar ir, como também é
— E será que vamos poder ir? indagou. Podemos mesmo? Que tal ir ao Estúdio da
Universal? Daria pra gente ir lá? Ou pelo menos dar uma chegada em Hollywood?
— Acho que sim, respondeu Selena. Wesley disse que poderíamos fazer o programa
que quiséssemos.
E as três amigas se aproximaram mais umas das outras para pensar no que iriam fazer.
E, ali sentadas, comendo pãozinho de canela, puseram-se a imaginar uma porção de planos,
vendo os raios de Sol a iluminar o cantinho onde se encontravam. Selena sentiu uma onda de
satisfação ao pensar no que iriam fazer. Nesse momento, compreendeu que os próximos dez
— A Vicki e a Amy vão conosco, informou. Espero que você não se incomode de ficar
Wesley herdara muitos traços do pai, inclusive o de aceitar situações novas ou difíceis
— Acho que quatro é um numero ótimo, continuou ele. Vamos poder dormir no carro
sem aperto, e não é gente demais para ficar na casa dos meus amigos. Você disse pra elas que
— Disse.
— Já esqueceu que comentei sobre a escola? indagou o irmão. Por falar nisso, eles
devem ter um site na internet. Seria bom dar uma olhada nele, antes de irmos. Aliás, você
poderia consultar o site de outras faculdades também, pra ver se há algum pré-requisito
— Ótima idéia. Eu, a Vicki e a Amy já estamos com o nome de três escolas que
queremos visitar, além da Rancho Corona, é claro. Ah, Wesley, e o que você acha de
parque de diversões.
— Pra mim, ‘tá ótimo. Mas levem bastante dinheiro, viu? Esses parques são muito
caros.
interessado numa montanha-russa do que em ver artista de cinema. Mas deixo a decisão final
Depois que Selena desligou, ficou um bom tempo sentada no sofá da sala, pensando.
Dali, ouvia os ruídos que a mãe fazia na cozinha, tirando as vasilhas da lava-louças. No andar
de cima, o pai estava mandando os dois irmãos menores irem dormir. Vó May já se achava
instalada em seu quarto grande e confortável. Selena poderia continuar ali, sozinha, imersa em
seus pensamentos.
O primeiro fato de que se lembrou foi de que Wesley e Amy estariam juntos. No ano
anterior, durante as férias, a garota dera a entender que tinha um forte interesse nele. O rapaz
nunca lhe dera motivos para pensar que estivesse interessado nela. Selena, pelo menos, nunca
notara isso. Fazia já vários meses que Amy não o via, pois ele fora estudar na Universidade
Estadual do Oregon, em Corvallis. A garota não tinha meios de saber se amiga iria demonstrar
Ademais, ainda teriam de escolher a que parque de diversões iriam. Amy parecia bem
interessada em ver o Estúdio da Universal. Todavia, como era Wesley que as estava levando
de carona, ele deveria ter o direito de escolher o passeio. Vicki não faria muita questão da
escolha. Selena também não. Aí então a decisão ficaria entre Wesley e Amy. Os dois, de
novo.
Selena mordeu o lábio inferior e de repente se deu conta do que fazia, e parou.
Que bobagem! pensou. Estou ficando tensa por causa de algo tão insignificante!
Simplesmente vou ligar pra Amy e dizer-lhe que o Wesley sugeriu que fossemos ao Montanha
Mágica. E como foi escolha dele, ela vai entender. Espere aí. Mas se ela concordar, será que
não estará querendo fazer média com ele? Será que devo perguntar diretamente a ela se
ainda está interessada nele? Talvez eu deva consultar a Vicki sobre o que ela acha que devo
fazer. Não. Ia parecer que estou fofocando sobre a Amy. Se for pra falar com alguém, tem de
Afinal, decidiu que iria conversar com a Amy, mas não hoje. Era melhor dar um tempo,
e, quem sabe, aquela sensação incômoda com relação a Wesley e sua amiga desaparecesse. E
Levantou-se do sofá e foi para a cozinha. Abriu a geladeira à procura de algo para
comer.
Tinha certeza de que a mãe olhara para o relógio e vira que já passava de 8:30h. Depois
voltara a fitar a filha com certa apreensão, pelo fato de já ser tão tarde e ela ainda não ter
começado a fazer o dever. Nos últimos dois meses, Selena vinha ficando acordada até meia-
noite estudando, por causa do excessivo volume de trabalhos escolares. Se alguém lhe
dissesse que no final do terceiro ano os estudos iriam ficar mais fáceis, essa pessoa deveria
estar falando de outra escola; não do Colégio Royal. Selena se achava tão atarefada com suas
por isso mesmo que ficara tão empolgada com esse passeio à Califórnia.
— Já sei, disse a garota sem se virar para olhar a mãe, eu devia ter começado mais cedo.
Preocupa, não, mãe. Hoje não tem muito exercício, não. É que eu tive de ligar para o Wesley
folga?
— Consegui, disse a garota, abrindo o freezer e pegando uma lata de suco congelado. D.
Amélia disse que me liberaria, sem problema, mas vou ter de trabalhar nesta sexta-feira após a
aula.
Pegou um jarro e encheu de água para preparar o suco. A mãe terminou seu trabalho e
— Ótimo, disse ela. Acho que vai ser uma viagem muito proveitosa pra você e o
Wesley. Será que você também vai querer se inscrever na Rancho Corona? Será que a gente já
— Papai disse pra esperar um pouco. A taxa de inscrição é muito cara, e ele já pagou
Selena sempre conseguira manter uma média bem elevada em todas as matérias, desde
os últimos anos do ensino fundamental. Contudo isso não lhe parecia “grande coisa”.
Entendia que, simplesmente, tinha uma mente privilegiada. Coseguia fixar na memória todas
as informações que lhe chegavam aos sentidos. Alguns dias depois, quando ia fazer uma
prova, ela as “buscava” nesse banco de dados e as punha no papel. Em seguida, esquecia-se
de tudo que não lhe interessava muito. Não se considerava uma aluna superinteligente.
Apenas sabia lidar bem com o sistema de aprendizagem. Isso era uma vantagem para ela, pois
já conseguira duas bolsas de estudos e fora aceita em duas das faculdades nas quais se
inscrevera no ano anterior. A essa altura, só preciva decidir em qual delas iria estudar, pois os
Bom, todas não. Houve uma que eles rejeitaram. A Universidade de Edimburgo
A mãe se referia à poltrona predileta de Selena, que ficava na saleta onde o pai
uma velha mansão vitoriana, que o bisavô de Selena construíra em 1915. Havia mais ou
menos uns seis meses, a garota iniciara uma animada correspondência com Paul Mackenzie.
vezes que chegava uma carta dele, os pais a colocavam na cadeira, pois Selena sempre ia
Afinal, porém, Selena percebera que estava atribuindo ao relacionamento dos dois um
significado mais profundo do que Paul dava. Aí então decidiu pôr um “freio” nas cartas. Em
vez de escrever para o amigo todos os dias, como vinha fazendo, passou a fazê-lo apenas de
quinze em quinze dias. Aliás, desde o começo, ele também lhe escrevia semana sim, semana
não.
Em Janeiro, por exemplo, ele lhe enviara apenas duas correspondências: uma carta bem
pequena e um postal. E ele tinha sempre um tom muito sério e sincero. Nada de palavras
*
Nos Estados Unidos, o ingresso nas escolas de nível superior não se dá por meio de um exame vestibular,
como no Brasil. Como existem muitas escolas, os alunos que terminam o ensino médio simplesmente fazem
uma inscrição na faculdade de sua preferência, solicitando matricula. Nessa inscrição, entre outras coisas, eles
têm de apresentar seu histórico escolar. Dependendo das notas que tiverem recebido no ensino fundamental e
melosas nem de cobranças. Paul parecia mais estar “conversando” com ela. Nunca dava o
menor indício de que havia interesse sentimental de sua parte. Nunca terminava as cartas
usando a expressão “Com amor”, como era comum entre outros jovens. Entretanto, para
Selena, a amizade séria, franca e sincera que os dois tinham, na verdade, era um tipo de amor,
a melhor espécie de amor que pode haver. De certa forma, o relacionamento dos dois era mais
forte do que o que ela ou suas amigas tinham com os rapazes que conheciam.
A garota abrigava no coração uma esperança tranqüila. Era por causa dela que
continuava escrevendo para ele. Em fevereiro, enviara-lhe um cartãozinho, que ela mesma
pregara num coração vermelho. Na mensagem dizia: “Deus é amor... Nós amamos porque ele,
nos amou primeiro” (1 João 4.16,19). Era um versículo bem adequado para expressar o que
queria dizer. Era um cartão relacionado com a data, mas não significava que ela estivesse
confessando que amava o rapaz ou que desejava namorá-lo. Falava do amor de Deus e do seu
E na verdade, era assim que Selena via a amizade com Paul: envolvida dentro do grande
amor de Deus por aqueles que permanecem nele. Apesar de tudo, porém, sempre que a garota
seguida, foi para a saleta. Em sua poltrona predileta não havia nenhuma carta.
— Tudo bem! sussurrou consigo mesma, no aposento silencioso que ainda guardava o
cheiro dos livros velhos. Cuide bem dele, viu, Senhor? Sei que tens operado profundamente
na vida do Paul nesses últimos meses e te dou graças por isso. Só peço que tu o guardes e o
protejas, naquela escola lá em Edimburgo. Que ele possa decidir o que vai estudar no ano que
Selena ligou o computador do pai. Antes de começar o dever de casa, queria dar uma
passada na internet, para buscar informações sobre a Universidade Rancho Corona, como
Wesley pedira. Quando ia digitar o endereço da escola para entrar no site dela, lembrou-se de
que nunca procurara informar-se sobre a faculdade em que Paul estudava. No ano anterior,
mesmo sem ter se informado sobre essa universidade, dissera aos pais que era para lá que
desejava ir. O único fato que sabia a respeito dela era que Paul estudava lá. Contudo seus pais
haviam recusado, e afinal ela nunca procurara saber mais detalhes sobre a escola.
Nesse momento, em seu interior, travava-se uma luta. Reconhecia que devia contentar-
se com as pesquisas que iria fazer nessa viagem com Wesley. Devia decidir matricular-se
numa das faculdades em que já tinha sido aceita. Algo dentro dela, porém, não queria abrir
compartimento, cuja porta se achava fechada, mas queria ser aberta. Ela estava bem trancada
havia vários meses, depois que ela pusera de lado o sonho de estudar na mesma escola que
seu amigo. Hoje, porém, a porta desse quartinho se abrira um pouquinho. De dentro vinha um
pequeno facho de luz, que parecia acenar para ela, como que a chamá-la.
— O que você quer dizer com isso, que o Ronny disse que vai? indagou Selena para
— Liguei pra ele ontem à noite e lhe contei da viagem. Ele disse que vai, que quer ir
conosco. Falou também que vai perguntar aos outros caras da banda dele se querem ir.
Expliquei pra ele que vamos ter lugar pra dormir, mas tem de levar dinheiro pra comer.
Selena continuou parada, os olhos fitos na amiga. A sineta tocou, mas a garota nem se
moveu.
chegamos atrasadas!
— Vicki, disse a garota saindo atrás dela, quem falou que podia chamar mais gente? Por
Na verdade, ela sabia por quê. Havia meses que a colega estava interessada no rapaz,
embora ele a tratasse da mesma forma como agia com Selena e as outras garotas. Talvez a
Vicki estivesse pensando que, se passasse uns dias junto com ele, viajando dentro de uma van,
— Ah, Selena, tem muito espaço no carro, replicou Vicki. Seus pais gostam demais
— Você, Vicki!
— Eu?
A garota parou em frente à porta de entrada. No rosto, estampava um ar de inocência
— Ah, deixe pra lá, falou Selena, erguendo uma das mãos como que se rendendo e
Selena foi correndo para a sala. Assim que abriu a porta, a professora lhe fez um aceno
indicando que poderia entrar. Isso significava que ela não precisaria ir à secretaria pegar uma
permissão para entrar, apesar de estar atrasada. Essa era uma das vantagens de tirar só notas
altas e de sempre chegar à hora. Alguns alunos viviam atrasados. Por causa disso, com
aceno recusando sua entrada, e eles tinham de ir à secretaria pegar permissão para entrarem.
Naquele momento, porém, Selena não ficou muito empolgada com o fato de a
professora ter deixado que ela entrasse. Seu pensamento estava longe da sala de aula. O que
será que seu irmão iria dizer? E seus pais? Como poderia “desconvidar” o Ronny, depois que
a Vicki já o convidara? Felizmente ele era muito seu amigo, e, quando ela lhe explicasse tudo,
ele iria entender bem. Mas, por que teria de “desconvidá-lo”? Na verdade, seria muito legal se
ele pudesse ir também, desde que ele, e não a banda toda. O Warner, o baterista, por exemplo,
era tremendamente irritante para Selena. Se ele fosse, estragaria o passeio para ela.
Por que estou pensando nisso? Esse passeio é meu e de minhas amigas. Quem convida
Quando chegou a hora do almoço, ela já tinha resolvido como iria se defender. Diria
que seus pais e seu irmão é que decidiriam quem poderia ir. Se eles achassem que o Ronny
podia ir, ele iria. Então ela lhes diria que não seria bom que o Warner fosse, e assim eles não
permitiriam a ida dele. Com isso, os colegas não iriam culpá-la pela decisão que fosse
tomada.
Quando Selena entrou no refeitório, sua turma já estava à mesa em que costumavam se
sentar. Todos se voltaram para ela e começaram a falar ao mesmo tempo, antes que ela se
sentasse.
— Selena, disse Tre, um dos rapazes da banda, a Vicki disse que só vamos ter despesa
com a alimentação. Vocês não vão querer que a gente ajude na gasolina, não?
— Vocês vão é pra praia? indagou Margaret, uma garota do grupo. Eu também quero ir.
— Já verifiquei na secretaria, interveio Ronny. A gente pode perder umas aulas sem
— Pessoal, vocês precisam entender que não sou eu quem decide. É o meu irmão que
‘tá arranjando tudo. Então, ele e meus pais é que vão resolver quem pode ir e quem não pode.
— Não sou eu quem decide isso, gente. Não escutaram o que eu disse? Tenho de
que você ‘tá planejando visitar uma universidade que foi onde meus pais se conheceram. Se
eles souberem que uma das faculdades aonde vamos é a antiga escola deles, na certa vão me
deixar ir.
Selena não se sentiu irritada com aquela colega, pois ela não sabia que o convite não era
geral. Aliás, naquele momento, ela até se deu conta de que não se importaria se Margaret
fosse. Embora não tivesse tido a idéia de convidá-la, agora sentia que seria muito bom se ela
participasse do passeio. A garota entrara para o Colégio Royal nesse ano. Os pais dela tinham
sido missionários no Peru, e a moça viera de lá recentemente. Pouco a pouco, ela fora se
revelando uma colega muito legal, que estava sempre fazendo algo de positivo para a turma.
Um dia trazia biscoitos e distribuía entre todos. Em outro, colava pequenas frases de incentivo
no escaninho dos amigos. Selena entendeu que iria até se sentir mal, se não pudesse retribuir
um pouco da gentileza de Margaret para com ela. Essa viagem seria uma boa oportunidade
para isso.
A situação toda estava ficando meio complicada. Como poderia falar que Wesley “havia
dito”, se fosse o caso, que Ronny, Margaret e Tre poderiam ir, mas o Warner, não. E todos
sabiam que a van comportaria a turma toda. O fator decisivo seria o fato de que Wesley
dissera que quatro era o número ideal. Na realidade, se fossem todos, teriam de dormir
Acho que a solução mais justa e mais fácil seria eu dizer: “Sinto muito, mas vocês não
poderão ir conosco, só a Vicki e a Amy. Ah, e talvez o Ronny também. Ah, e a Margaret!”
Selena teve vontade de desabafar em Vicki a raiva que sentia naquele momento.
Contudo conteve-se e ficou calada. Tinha receio de dizer algo de que depois viesse a se
arrepender. Anteriormente, inúmeras vezes, ela havia “explodido” primeiro, para depois
pensar bem no que dissera. Nessas ocasiões, acabava sempre tendo de pedir desculpas a
alguém por sua explosão. Dessa vez, não queria começar o passeio já com alguém magoado.
Após o jantar, expôs a situação para os pais. Quando terminou de falar, o pai tinha uma
expressão tensa. Estava com a testa franzida, o semblante carregado. Parecia que a cabeça
estava começando a lhe doer. E Selena sabia exatamente como era essa sensação.
— Não fiz nada disso por querer! A Vicki é que não deveria ter falado com ninguém
— Não. Achei que se dissesse algo assim pra ela, poderia não dizer com muito jeito e
ofendê-la.
você agiu certo. Sabemos que não foi sua intenção criar toda essa confusão. Então não pense
— O que eu quis dizer, interpôs o pai, é que só você é que se mete numa situação
dessas. Parece que sempre arranja um jeito de entrar em confusões. Mas eu sei que não era
sua intenção que isso acontecesse, e nós vamos dar um jeito. O melhor agora é ligar para o
Fizeram várias tentativas de telefonar para o rapaz, até 11:00h da noite, mas as ligações
sempre caíam na secretária eletrônica. Acabaram deixando quatro mensagens para ele. Afinal
o pai sugeriu que fossem dormir e ligassem para ele no dia seguinte, bem cedo, antes de
Pois sim, mãe, pensou Selena, tente chegar na escola amanhã sem uma resposta, e verá
o que acontece!
A garota foi para seu quarto e fechou a porta. O cômodo estava todo bagunçado, o que,
dessa vez, deixou-a irritada. Geralmente aquilo não a incomodava muito. Contudo, quando
havia algo não resolvido em sua mente, parecia que tudo o mais que estivesse “desarrumado”
aumentava de intensidade. Entretanto, como era muito tarde, não tinha nem vontade nem
energias para arrumar o quarto. Isso fez com que sentisse falta de Tânia, sua irmã que tinha
mania de limpeza. Quando ela estava ali, ficava “brigando” com Selena para que esta
guardasse seus objetos que se encontravam espalhados por todo o aposento. Assim que ela
fora embora, Selena, pela primeira vez na vida, tivera condições de decidir como o quarto iria
ficar. De lá para cá, só o arrumara totalmente uma ou duas vezes, e assim mesmo, quando
que retirara na internet. Jogou-se na cama e se pôs a examinar novamente os dados. Ali havia
um mapa do campus e uma lista com o nome de todos os prédios da escola. Agora já era de
manhã na Escócia. Será que Paul estava indo para a aula? Para qual dos prédios será que ele
iria? Seria aquele que tinha um nome comprido “James Clerk Maxwell? Ou talvez fosse o
Ogston? Notou que num canto havia uma marca com a informação “Centro Estudantil”. Devia
ser ali que os alunos almoçavam. Com quem será que ele almoçaria? Será que por vezes
chegava atrasado, por causa de colegas destrambelhados que faziam planos que não
Afinal largou o papel. Não lhe adiantaria nada ficar “sonhando” com Paul. Já fizera isso
antes, e só servira para deixá-la com uma profunda ansiedade que não poderia satisfazer. Não
queria sentir isso de novo. Bem no fundo do coração, sabia que queria que seu amor se
focalizasse em Deus, o Único que poderia dar-lhe toda a satisfação que desejava. Não queria
mais viver ao sabor das emoções, em que as fantasias e a imaginação aniquilavam a realidade.
Abriu-a e tirou dela um cartão que se achava ali. Nele ela copiara o texto de 2 Coríntios 10.3-
5. Estava querendo decorá-lo, mas parecia que o trecho não queria se fixar em sua mente. Um
pastor que fizera uma palestra para os jovens da igreja lhes recomendara que memorizassem
Dando uma olhada para o quarto bagunçado, ela o leu em voz alta. “Porque, embora
andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são
carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda
altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à
obediência de Cristo”.
— “Levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo”, repetiu ela para tentar
fixá-lo na mente.
orando silenciosamente. E na verdade, tinha muito assunto para orar. Primeiro havia a viagem
de carro e a confusão criada com os colegas. Depois eram os pensamentos e a imaginação que
queriam desesperadamente se voltar para Paul. E ainda havia a escolha da faculdade onde iria
estudar. Agora que estava de posse das informações sobre a Universidade de Edimburgo,
ficara ainda mais difícil não pensar em como seria bom ir para lá. É claro que seu objetivo
nisso era estar junto do rapaz, o que não era um motivo muito justo, era?
Com tantos pensamentos rondando a mente, Selena teve dificuldade para pegar no sono.
Sem saber bem por que, recordou-se da conversa com Wesley no dia anterior, lembrando de
que ele dissera que preferia ir a uma montanha-russa. Nesse momento, seu estômago lhe dava
a impressão de que estava numa. Parecia que se encontrava num rebuliço emocional que ainda
Pegou os cobertores e se cobriu bem. Fechou os olhos com força. Finalmente conseguiu
dormir.
Capítulo Quatro
Quando Selena se encontrou com os colegas no dia seguinte, à hora do almoço, sentia o
coração batendo forte. Disse-lhes que não conseguira falar com o irmão e que, portanto, ainda
— De qualquer jeito, informou Tre, eu não consegui folga no meu trabalho. 10. Pode
me riscar da lista.
— Drake. Talvez ele possa ficar com o lugar do Tre, se ele não for mesmo.
Selena sentiu o coração bater ainda mais forte. Drake era o melhor jogador de futebol
americano da escola; e também o maior namorador. No ano anterior, ele tinha demonstrado
interesse por ela, e ela havia correspondido. Eles até chegaram a sair juntos, mas não houve
um namoro de verdade entre eles. Contudo o relacionamento dos dois deixou Selena meio
confusa com relação aos seus sentimentos. E também só serviu para causar muitos conflitos
com seus amigos, principalmente com Amy. É que essa colega também estivera interessada
conversavam. Então dava para imaginar como seria uma viagem dessas, o tempo todo dentro
do carro com Amy e Drake juntos, sem mencionar os outros. A cabeça dela até começou a
latejar, no mesmo ritmo das batidas do coração. Não dava para aguentar mais essa situação.
— Pessoal, disse ela, sentindo o nível da adrenalina subir, é, eu preciso dizer pra vocês
que esse passeio não era pra ser um convite aberto a todos. ‘Tá virando uma confusão
tremenda. Eu não sabia que a Vicki iria chamar todo mundo pra ir conosco. Se eu soubesse,
As palavras foram saindo sem que ela tivesse tempo de pensar no que dizia.
— Quer dizer que você não quer que a gente vá? perguntou Margaret.
— Você não me avisou que era um grupo restrito, soltou Vicki abruptamente. Você só
disse que o Wesley tinha falado que levaria você e algumas amigas. Pensei que o convite se
estendia a todos os amigos. Por que não me falou que era só pra mim, você e Amy?
— Então nós não precisamos ir, não, comentou Ronny prontamente, tentando acalmar a
situação que parecia estar ficando tensa. Não tem importância, não, Selena. A gente entende.
O passeio é seu. Parece que nós tomamos as rédeas dele e não deixamos que você convidasse
quem quisesse.
— Não, Ronny, disse ela. Não é que eu estivesse querendo convidar só algumas
pessoas...
— Ué, gente, ela escolheu quem ela quis, comentou Margaret. Ela convida quem ela
Selena tinha a impressão de que o mundo todo se voltara contra ela. Por que será que
seus amigos não conseguiam entender a situação? Por que era tudo culpa dela?
— Gente, principiou Margaret, pigarreando e falando um pouco mais alto, vamos fazer
como o Tre e desistir do passeio. Não vamos dificultar as coisas pra Selena.
— Dá licença. Acho bom eu ir dizer para o Drake que houve um engano e nós não
— Espere aí, interveio Selena, já imaginando como o Drake iria entender aquilo tudo.
Não é que vocês não foram convidados, não. É que eu ainda não conversei com meu irmão.
Dá pra esperar até amanhã? Aí eu trago a decisão final. Isso não era pra ser um problemão
assim, não!
— É, acho que eu fui a culpada de tudo, comentou Vicki em voz meio baixa e não mais
com o ar de inocência. Mas não foi minha intenção criar esse pesadelo todo, não!
— Eu sei, replicou Selena. Você não fez nada errado de propósito, não.
Em seguida, olhou para o Ronny, na expectativa de que ele dissesse algo para ajudar a
amenizar os sentimentos dos que estavam magoados. O rapaz enfiou na boca o último pedaço
— Se você conseguir falar com o Wesley hoje à noite, ligue pra mim depois, ‘tá?
A vontade de Selena era dizer: “Claro, pode, sim. Tenho certeza de que o Wesley vai
gostar muito se você for”. Mas o que será que o Warner e os outros iriam pensar? Então ela
respondeu apenas:
— Ligo, sim.
Na verdade, iria telefonar para o Ronny mesmo que não conseguisse falar com o irmão.
Aí poderia ter uma conversa em particular com ele sobre a situação toda.
Fiel à sua promessa, Selena ligou para o Ronny assim que chegou em casa. Contudo a
ligação caiu na secretária. Então discou o número de Wesley. Felizmente ele atendeu.
Explicou-lhe a situação e em seguida perguntou o que achava que ela deveria fazer. O
irmão fez uma pausa, e a garota ficou a imaginar se ele não faria a mesma exclamação que o
— Bom, Selena, é claro que a viagem tem de ser agradável pra você, principiou ele.
Mas acho também que é uma oportunidade pra você fazer algo de especial para os seus
— Como assim?
— Veja a situação por outro ângulo. Suponhamos que fosse o Ronny que estivesse
tendo a chance de fazer uma viagem como essa, e ele convidasse duas pessoas da turma, mas
— A questão é que nosso grupo não é assim tão unido, sabe? protestou ela. Não é
dessas turmas que sempre estão juntas. Eles estão sempre saindo uns com os outros, fazendo
programas sem me convidar. Além disso, eu chamei a Amy, que nem estuda em nossa escola
mais. Eu pensei mais num passeio de garotas. Quando tem rapazes no meio, a atmosfera muda
completamente.
— É, eu sei, mas...
A garota ficou sem argumento. O irmão tinha razão. Indo só as três, já havia a
possibilidade de a atmosfera ficar meio tensa por causa do interesse que Amy tivera por
Wesley. Talvez Selena tivesse um pouco enganada, quando pensava em como o passeio seria.
— Olhe aqui, Selena, não sei o que lhe dizer. Se você quiser, eu concordo em levar mais
alguns amigos seus, se isso for proveitoso pra eles. O objetivo principal dessa viagem é eu
conhecer a Universidade Rancho Corona e você visitar algumas faculdades. Não é pra ir à
praia, nem conhecer Hollywood, nem ir a qualquer outro lugar que eles queiram ir. Se você
deixar isso bem claro pra eles, talvez alguns mudem de idéia. Avise que nós não vamos ter
— É, eu sei, disse a garota, dando um suspiro. Você tem razão. Eu devia pensar no bem
— É, você não me ajudou nada. Primeiro diz uma coisa, depois, muda tudo.
— Não mudei, não. Escute, Selena, você deve fazer o seguinte. Faça uma programação
bem rígida, de visita às faculdades que você, a Vicki e a Amy queiram conhecer. Depois, se
houver tempo, podemos encaixar nela um divertimento qualquer, como ir a uma praia ou algo
assim. Mostre esse planejamento pra eles, e lembre-lhes de que terão de arcar com as despesas
de alimentação. Depois vamos ver quem vai querer ir. Se o Ronny quiser ir, pra mim ‘tá
ótimo.
— Mas e o Warner?
— ‘Tá bom. Então pode usar meu nome. Diga-lhe que não quero que ele vá.
— É, tem razão. Não conheço, não. Você é que o conhece. Então diga-lhe que ele não
pode ir.
Selena soltou um suspiro curto. Sentia-se muito irritada. Ao que parecia, não havia uma
pra dormir.
— A gente pode se revezar. Cada hora um dorme no banco da frente, que inclina um
pouco. Todo mundo dorme sentado no avião, não dorme? Então pode dormir na van também.
A garota mordeu o lábio inferior com tanta força que achou que iria feri-lo.
— ‘Tá bom, Wesley, disse afinal. Vou desligar agora, e não me ligue de volta, não, viu?
— O.k., replicou ele em tom calmo, não parecendo nem um pouco preocupado com a
Desligou o telefone e foi ao porão, à procura da mãe. Ela estava tirando roupas da
lavadora e colocando na secadora. Sem rodeios, Selena lhe expôs todo o problema e ficou na
expectativa de ver o que a mãe diria. Seu desejo era que ela viesse com uma solução mágica,
Isso era o que Selena mais detestava nesse período de passagem para a fase adulta: os
pais deixarem que ela tomasse a maioria das próprias decisões. Eles diziam que, arcando com
amadureceria. No entanto essa atitude a estava deixando desorientada. Parecia que seus pais
sentiam uma estranha satisfação, típica de pais, ao atribuir-lhe a responsabilidade por todos os
seus atos.
— É, parece que os outros não se irritam com ele tanto quanto eu. Ele tinha a mania de
chegar perto de mim e passar o braço no meu ombro. Ele é muito alto, e eu tinha a sensação
de que ele estava se apoiando em mim. Parecia que ele queria que os outros pensassem que
estávamos namorando.
— Não. Um tempo atrás, falei com ele que não gostava e ele parou, finalmente. Agora
ele fica me tratando mais ou menos mal. Fica dizendo frases meio ferinas e me olha com
raiva.
— Se vocês tivessem quatorze ou quinze anos, eu diria que ele tem uma paixãozinha
— Isso mesmo! concordou a garota. O que torna tudo ainda mais irritante é que não
temos mais quatorze anos. Afinal já estamos terminando o ensino médio. Por que será que ele
— É; alguns garotos demoram mais pra amadurecer. Você sabe disso, né? O que você
— ‘Tá bom, mãe. então me diga. Você acha que, numa viagem como essa, eu devo
— Sei não, replicou a mãe pensativamente. Pode ser que um passeio como esse sirva
— Ah, por que sou eu que tenho de fazer o Warner amadurecer? E por que essa questão
toda está girando em torno dele? Era pra ser um passeio agradável pra mim e o Wesley, pra
nós conhecermos faculdades. Depois eu chamei a Amy e a Vicki. Era só isso, um grupinho
— E o Ronny?
— O.k., eu, Wesley, Amy, Vicki e Ronny.
Assim que ela acabou de mencionar os nomes, percebeu que havia dois casais —
Wesley e Amy, Vicki e Ronny. Ela ficaria sobrando. A não ser que o Warner também fosse.
Mas a situação ficaria pior. E ela não havia nem se lembrado de Margaret, nessas últimas
considerações. E se ela fosse, bem como o Warner, e os dois acabassem formando um par?
— Estou começando a ficar com dor de cabeça, disse Selena. Vou para o quarto. Falei
— Dá pra você levar esta cesta de roupa e deixar na cozinha pra mim? indagou a mãe.
— Ah, espere aí, interveio a mãe. Já viu a carta que chegou pra você? Está lá na
poltrona, na saleta.
Capítulo Cinco
Só de saber que havia uma carta para ela, Selena se sentiu mais aliviada. Colocou a
cesta de roupas sobre o balcão da cozinha e correu ao seu cantinho predileto. Pegou o
envelope e olhou bem para o seu nome escrito com a letra grande de Paul. Sorriu. Sempre que
pegava uma carta do rapaz era como se uma brisa suave soprasse em seu interior. Acomodou-
se na poltrona e abriu a carta, escrita em papel bem fino. Em seguida, se pôs a ler.
Cara Selena,
Finalmente consegui tomar algumas decisões. Demorei um bocado e passei por muita
luta para discernir qual era a vontade de Deus para minha vida. Sei que você me ajudou
A garota ergueu os olhos para o alto e engoliu em seco. Sabia muito bem o que era ter
de tomar decisões, e como isso implicava muita luta, uma verdadeira tortura. Parecia-lhe
estranho que ela tivesse ajudado Paul, incentivando-o e orando por ele. No entanto, quem
poderia estar orando por ela? E por que será que ela própria não conversava com o Senhor a
respeito das lutas que estava enfrentando? Voltando a atenção e o pensamento para a carta de
Não sei se já lhe expliquei como eles dividem o ano letivo aqui. Na semana que vem,
seguida, temos um recesso de um mês, e depois inicia-se o que eles chamam de “bimestre de
verão”. Vai de meados de abril a meados de junho. Pois é. Resolvi ficar e cursar esse
Selena sentiu uma onda de satisfação e de esperança ao saber que Paul iria voltar à sua
terra. Ele estudara em Portland no ano anterior, embora sua família morasse em San Diego, na
Califórnia. O pai dele era pastor de uma igreja ali. Será que o rapaz viria para Portland ou iria
Como já disse, foi muito difícil para mim chegar a essa decisão. Quando vim para cá,
meu plano era fazer o curso todo aqui, na Universidade de Edimburgo. Eu queria isso desde
que tinha quinze anos e estava começando o ensino médio. É que eu tinha visitado a escola
nessa ocasião e a vira com o olhar de um adolescente. Além disso, queria sair de casa e vir
morar com meu avô. Como você sabe, ele morreu antes de eu vir. É que a universidade aqui
exigia que, antes de me matricular nela, eu já tivesse cursado um ano numa escola superior
nos Estados Unidos. Foi por isso que estudei aí em Portland, na Faculdade Lewis e Clark.
Bom, então vim para cá, pensando que talvez pudesse ajudar minha avó e achando que
a universidade ainda era como eu a vira aos quinze anos. Na verdade, minha avó é uma
pessoa muito auto-suficiente e não necessita de minha ajuda. Ela já deu a entender também
que minhas idas para a casa dela nos finais de semana estão sendo um peso para ela. Fiz
algumas amizades na escola, mas nenhuma delas muito profunda, já que não passo os
sábados e domingos aqui. As aulas são ótimas, e creio que esse ano que passei nesta escola
representou uma excelente experiência de vida para mim. E o ponto alto dele foi o fato de eu
ter voltado a buscar comunhão com o Senhor. Entretanto este lugar possui uma atmosfera de
solidão que é muito penosa. Mas sou grato a Deus pelo fato de que sempre que clamei a ele,
que orasse por mim com relação a isso, estava pensando em voltar para os Estados Unidos
no final de março, quando encerrasse o “bimestre de primavera”. Contudo entendi que será
proveitoso para mim fazer as disciplinas que eles vão oferecer nesse período que vai de abril
a junho. Durante o mês de recesso que teremos, pretendo viajar bastante. Quero visitar um
acampamento para velejadores, que fica no norte da Escócia. Depois vou para Stranraer,
Selena parou de ler outra vez e deixou a imaginação voar um pouco, com o que Paul
dissera. Ela tinha estado na Irlanda, em janeiro do ano anterior. Iria escrever ao rapaz
“Passarela dos Gigantes”. Ali, em eras passadas, houvera uma erupção vulcânica e a lava
escorrera para o mar e endurecera. Formara-se, então, um enorme bloco de rochas, que
lembrava os degraus de uma escada. Realmente parecia uma estrada para gigantes.
Gostaria que você orasse a Deus pedindo que ele me proteja nas viagens que vou fazer
e me oriente nas decisões que ainda tenho de tomar. Preciso resolver o que farei depois que
terminar esse curso aqui em junho. Vou parar por aqui. Hoje à tarde vai haver um jogo de
rugby, no Estádio Murrayfield. É entre Escócia e França. Talvez você já saiba que o esporte
predileto do pessoal aqui é o rugby. Parece que vai ser um jogo excelente. Vale a pena
Espero que tudo esteja indo hem aí. Mais uma vez, muito obrigado por suas orações e
palavras de incentivo. Você não faz idéia de como elas são importantes para mim.
Paul
Assim que Selena chegou ao final, voltou à primeira página e leu tudo de novo. Sempre
Quando já estava quase terminando a leitura pela segunda vez, o telefone tocou. Sua
mãe atendeu e gritou para a filha avisando que era o Ronny querendo falar com ela.
— É, parece que você está com uma disposição melhor do que estava na hora do
A garota sentiu o rosto afoguear-se. Sua impressão era de que a tinham pego num
momento de intimidade com Paul. Sentiu certo constrangimento. Era como se ela e ele
estivessem juntos, a sós, ali na saleta, os olhos fitos um no outro, e de repente, a porta se
— É, conversei com Wesley, principiou ela recuperando-se. Não sei se estou com tudo
bem definido ainda, mas ele disse que gostaria que você fosse.
— Ótimo! replicou o rapaz. Então eu vou. Arranjei uma pessoa para parar os gramados
pra mim no sábado. Aliás, meus pais querem saber que faculdades vamos visitar. E eu preciso
Selena mencionou as escolas as quais iriam e depois disse-lhe que teria de levar
dinheiro para todas as refeições. Informou ainda que só teriam alguma diversão se sobrasse
tempo.
— ‘Tá bem, concordou ele. Meus pais acham que devo ajudar na gasolina também.
— Ronny, você acha que o Warner e a Margaret quereriam ir se eu lhes dissesse que
não temos certeza se vamos à praia ou a um parque de diversões? Quero dizer, eles estão
sabendo mesmo que não se trata de um passeio, mas de uma pesquisa em faculdades?
— Não sei, mas acho que sim. O Drake queria saber se pretendem visitar alguma
universidade na região litorânea. Ele queria dar uma olhada na Faculdade Westridge, em
Santa Bárbara.
Drake! Selena sentiu o nervosismo voltar. Assim que Ronny mencionou esse nome, ela
percebeu que os restos de alegria que tivera com a carta de Paul acabaram-se totalmente.
Havia se esquecido de que ele queria ir. Ou talvez o tivesse tirado do pensamento, pelo fato de
— Ó Ronny, o problema é que vai ficar muito apertado. Quem você escolheria pra ir
conosco? Quero dizer, os já definidos são eu, Wesley, você, Vicki e Amy. Sobram apenas três
lugares na van, se a gente lembrar que vai precisar de espaço pra bagagem. Se o Drake,
Margaret e Warner forem, eu acho que vai ficar cheio demais, levando-se em conta que é uma
— Eu queria que todo mundo parasse de mandar que eu resolva! exclamou a garota
meio irritada. Você não imagina como é aborrecido a gente ter de ficar responsável por esse
lado, pra essa viagem ser um acontecimento agradável e tranqüilo. Agora parece que acabou
— Quero dizer, continuou Selena, como você se sentiria se tivesse de tomar essas
decisões?
— Sei lá. Provavelmente iria procurar pensar o que seria melhor tendo em vista a
viagem toda. E se eu tivesse de dispensar alguns, eu dispensaria. Acho que isso não
— Você entende porque já sabe que vai. Mas, e se você fosse um dos que eu teria de
dispensar?
— É, ‘tá bom. Mas você é o Ronny. Você sempre entende tudo muito bem. E os outros?
Entenderão?
— Se eles forem realmente seus amigos, sim. E sua decisão não iria mudar nada no seu
— Não sei, não, Ronny. O mais provável é que digam que se eu fosse amiga deles, não
— É, talvez.
Selena começava a sentir de novo a mesma dor de cabeça que tivera horas antes, quando
— Ronny, faz um favor pra mim? Por enquanto, não comente com ninguém que você
— ‘Tá bom, então, concordou ela, sentindo-se tão dividida quanto o amigo. O que tiver
de ser, será!
Capítulo Seis
achava-se parada na rampa de sua casa, olhando o pai que afixava o bagageiro no alto do
carro. Ronny estava no gramado atirando um pedaço de pau para o Brutus, o cão da família.
Amy fora lá dentro, para uma última corrida ao banheiro. Vicki se achava ao lado de Selena,
dizendo-lhe algo, mas nesse momento seus olhos se voltaram para Warner, que dissera que
seu lugar era no banco da frente, e já se apoderara dele. Estava sentado lá firme como uma
rocha.
— Será que o Drake desistiu porque soube que a Margaret não iria? indagou Vicki em
voz baixa. Percebi que, nestes últimos dias, os dois têm estado muito juntos.
Os pais de Margaret não haviam dado permissão à filha para ir porque ficaram sabendo
que quem iria com o grupo era o irmão de Selena, e não os pais desta. À hora do almoço, na
escola, Drake procurara a garota e lhe comunicara que mudara de idéia. Não iria, pois “tinha
Selena chegara à decisão final uma semana antes. Resolvera que todos poderiam ir, se
quisessem: Ronny, Warner, Drake e Margaret. Contudo, interiormente, começou a desejar que
Drake e Warner, principalmente este último, desistissem da viagem. Drake desistira havia
poucas horas, e a partir daí, Selena começou a desejar que Warner fizesse o mesmo. Todavia
Agora estava lá, “plantado” no banco da frente. A garota se pôs a repassar mentalmente
as recomendações que a mãe fizera com relação a ele. Dissera-lhe que ela deveria estabelecer
limites para o rapaz e aplicá-los sempre que necessário. Sharon Jensen também lhe lembrara
que esse tipo de experiência poderia ter um efeito muito positivo em Warner, contribuindo
para seu amadurecimento. Depois elogiou a filha por sua atitude madura, quando concordou
em deixar que ele fosse, embora isso não lhe agradasse muito.
Nesse momento, Selena se sentia tudo, menos madura. Não tinha nem um pouco de
vontade de dirigir o carro do pai naquele trajeto dali até Corvallis, uma distância de 160
quilômetros. Não queria pensar que a vida de Ronny, Warner, Vicki e Amy, de certa forma,
estaria nas mãos dela. Ficaria bem mais tranquila se o pai tivesse se oferecido para levá-los
até onde o irmão estava. Entretanto sabia que ele não o faria. Confiava plenamente nela.
Agora então seus amigos estavam na dependência dela. Nesse instante se dava conta de que
ser madura e responsável, numa ocasião dessas, na verdade, era um peso que a enervava.
Contudo deu um sorriso meio forçado e agradeceu ao pai que colocara as malas e
sacolas no bagageiro.
— Olha, filha, o tanque está cheio. Verifiquei o nível do óleo hoje de manhã, disse o Sr.
Jensen, entregando a chave do veículo para Selena. Lembre o Wesley de checar o óleo outra
— Vou lembrar.
— ‘Tá bom.
total, então, caso aconteça algo, o grupo todo está coberto por ele. Mas, por favor, andem
sempre dentro do limite de velocidade, obedecendo direitinho à sinalização, e todos com cinto
de segurança.
— O.k., falou a garota. Nós vamos andar direitinho. Tenho certeza de que vai sair tudo
muito bem.
Aquelas recomendações de última hora dos pais a estavam deixando ainda mais
nervosa.
— É, interveio a mãe, e nós estamos orando nesse sentido. Boa viagem pra vocês, e se
Selena deu um passo em direção ao carro para entrar nele. Antes, porém, que ela subisse
Ainda bem que ele não tentara beijá-la na frente dos amigos também. Sentiu uma ponta
de vergonha por haver ficado constrangida com os gestos afetuosos dos pais.
Amy e Vicki também entraram, ocupando o banco logo atrás do de Selena. Ronny
Ficou espantada ao perceber que não estava gostando muito de se achar ao volante e
praticamente na “chefia” do grupo. Desde pequena sempre ouvira os outros dizerem que tinha
“tendência” para ser líder. O problema ali talvez fosse o fato de que estava liderando seus
colegas. Ou poderia ser que estivesse sem jeito porque os pais se encontravam na rampa,
abraçados, olhando para eles e acenando efusivamente. Davam a impressão de que ela estava
de partida para uma perigosa viagem no mar e que talvez nunca mais a vissem. Fosse qual
fosse a razão daquela sensação incômoda, o certo é que, felizmente, assim que chegaram à
— Menta. Quer?
— Não. Só masco de bola, explicou ele. Ah, agora me lembrei de uma coisa. Esqueci de
trazer. Selena, pare aí no primeiro lugar que puder. Preciso comprar chicletes pra mim.
— Não vou parar só pra comprar chicletes, não, replicou ela em tom áspero.
Ela própria ficou surpresa com o modo como falara. Por uns instantes, todos ficaram em
— Meus pais disseram pra ir até Corvallis sem parar. Você pode esperar chegar lá pra
O rapaz ergueu as longas pernas e colocou os pés sobre o painel do carro. Mais parecia
— Warner, não estou enxergando o retrovisor da direita. Sua perna está atrapalhando
minha visão.
— ‘Tá não.
— Warner, insistiu Selena, perdendo o pouco de paciência que ainda lhe restava, abaixe
as pernas! Esse carro é do meu pai e ele não gosta que ninguém ponha os pés no painel assim!
Com gestos lentos, o rapaz abaixou as pernas e virou-se para olhar para ela.
— Você vai ser implicante assim a viagem toda, é?
— É possível, disse Selena. E você vai ser uma “mala” assim a viagem toda, vai?
— Desculpe, Warner, falou ela logo em seguida. Eu não devia ter dito isso. Vamos agir
de outra maneira. O que quero dizer é o seguinte: meus pais confiaram muito em mim, com
relação a essa viagem, e quero estar a altura da confiança deles. Será que você pode colaborar
pra isso?
— Claro, respondeu ele, dando de ombros. Você é a dona do passeio e ‘tá comandando
Selena pensou que ele não fazia idéia de como tudo aquilo estava sendo um “agito” para
suas emoções. Estava acontecendo exatamente o que ela não desejava que acontecesse.
Warner participava da viagem e, com menos de vinte minutos de estrada, ela já discutira com
ele. Lembrou-se ainda de que, assim que pegassem Wesley, eles seriam seis: três garotas e
três rapazes. Se formassem pares, seriam Vicki e Ronny, Wesley e Amy, ela e Warner. Só de
pensar nisso, sentiu o estômago “embrulhar”. Então, de agora até domingo à noite, teria de
lutar contra a forte antipatia que tinha para com esse colega.
Senhor, orou, por que é que isso é tão difícil? O que há de errado comigo? Achei que já
tinha resolvido essa questão e que decidira ser legal e cheia de amor para com todos, como o
— Quer chicletes, Selena? indagou Vicki em tom brando, estendendo-lhe uma “tirinha”
— Quero, obrigada!
Warner abriu a sacola de viagem que colocara entre seu assento e o do motorista e tirou
de dentro dela uma revista sobre skatismo. Pegou também um walkman e ajustou o fone de
ouvido. E assim ficou ele durante algum tempo: isolado em seu mundo particular, ouvindo um
Ao que parecia, ele trouxera também um bom sortimento de lanches. A todo momento,
enfiava a mão na sacola e pegava algo. Primeiro, foi uma lata de refrigerante que bebeu quase
pacote de pipoca, deixando cair migalhas por toda parte. A seguir, foi um saquinho de
chocolates M&M’s que devorou sem oferecer nada a ninguém. Assim que terminou, atirou a
embalagem do lado de Selena, pois o seu já estava cheio de lixo. Aí foi a vez de um pacotinho
de castanhas com sabor “churrasco”, que deixou o carro todo com cheiro característico.
que tinham com relação as faculdades que iriam visitar, passando umas às outras mais
informações que haviam obtido. Obviamente a conversa delas ali não era do mesmo teor das
que mantinham no Mother Bear, onde se reuniam todas as segundas-feiras. É que sabiam que
os dois rapazes estavam escutando. Selena se sentiu um pouco mais reanimada ao perceber
— Meu tio me deu alguns cupons para o Montanha Mágica, informou Amy a certa
altura. Não sei se vão adiantar muito, mas diz aqui que são válidos em todos os parques de
Califórnia. Ele traz os preços e horários de todos os parques, lojas e shoppings. Sei que não
*
Algo semelhante ao nosso Guia Quatro Rodas. (N. da T.)
estamos pensando em ir a nenhum desses lugares especificamente, mas se a gente resolver ir,
— Ótimo! exclamou Selena. Tenho certeza de que poderemos fazer algo. Mas terá de
Pouco antes de chegarem à cidade de Salem, começou a cair uma chuva fina. Selena
— Sabe de uma coisa? principiou Vicki, inclinando-se para diante para dizer algo a
Selena.
Era quase impossível ter uma conversa mais confidencial, pois Warner se achava bem
perto da motorista.
— Ah, continuou Vicki, sei que é pra gente ir direto pra Corvallis, mas estou precisando
ir ao banheiro. Não vai dar pra esperar. Será que podemos fazer uma parada?
— Ah, então vamos parar, é? Ó dona da viagem, será que posso sair do carro? Ah,
deixa, deixa!
— O Warner, por que você tem de agir assim? indagou Vicki em tom seco.
Selena olhou no retrovisor para ver qual seria a reação da amiga. A colega permaneceu
— Você está agindo como um “mala”, Warner, explicou ela. Por que não pára com
isso?
— O que será que está acontecendo com as mulheres deste carro? indagou o rapaz em
tom de zombaria.
Era a primeira vez que ele se manifestava, desde que tinham iniciado a viagem. Selena
ficou surpresa com a exclamação do colega, mas sentiu-se grata a ele pelo apoio que lhes
dava. Contudo não disse nada. Limitou-se a ligar a seta e mudar de pista para sair da estrada.
Assim que avistou um posto de gasolina, entrou nele e estacionou numa vaga lateral, próxima
— Eu também, informou Amy, deslizando para a porta e saindo logo atrás de Vicki.
— Isso é uma lei da natureza, comentou Warner em voz alta para que todos ouvissem.
— Olhe aqui, Ronny, disse Selena, entregando ao colega a chave do carro. Toma conta
aí pra nós.
As três garotas se dirigiram para o sanitário. Assim que fecharam a porta, começaram a
— Não estou suportando aquele cara! exclamou Vicki. Não imaginei que ele ia ser tão
— Bem, replicou a garota, dando uma olhada de lado para Vicki, não era essa a minha
intenção, não.
Contudo ela logo entendeu que não adiantaria ficar botando a culpa na colega. Então
resolvi estender o convite a ele também, achei que estava agindo certo.
— Isso foi ótimo pra ele, talvez, comentou Amy. Mas pra nós, que estamos tendo de
— Não vai dar, não, interpôs Vicki. Temos de ver como vamos resolver esse problema.
Ele vai “estragar” a viagem pra todo mundo. Quando ele comeu aquelas castanhas, tive a
— A gente pode tentar estabelecer uns limites pra ele, disse Selena. Foi o que minha
mãe sugeriu. Vamos dizer a ele que está nos incomodando e que pare de fazer essas coisas.
Seu cabelo estava começando a ficar arrepiado por causa da chuva. Alguns cachinhos
— Só sei que não poderemos continuar assim a viagem toda, não, comentou Vicki,
chegando à pia para lavar as mãos e também examinando sua imagem no espelho. Uh, meu
— Ih, gritou Amy de dentro do reservado, não começa a falar em cabelo, não, senão a
Selena pega o assunto, e pronto. Vamos ficar só com o problema do Warner. O que vamos
— Gritar!
Capítulo Sete
As três garotas permaneceram no banheiro, com a porta fechada, ainda mais alguns
minutos para resolver o que fariam. Decidiram que antes de recomeçarem a viagem iriam
confrontar Warner. Iriam dizer-lhe o que as estava incomodando e pedir-lhe que tentasse ser
um pouco mais atencioso com os outros. Uma lição que essas amigas já tinham aprendido era
que a maneira mais certa de se resolver um problema com alguém era procurar essa pessoa e
conversar de maneira amistosa. Esperavam que isso desse certo com o Warner também.
Quando retornaram à van, viram que o rapaz estava sentado no banco de trás com o
Ronny e que este, ao que parecia, estava lhe dando um “aconselhamento”. O “lixo” que
Warner jogara no assento da frente ainda estava lá. Assim que Selena abriu a porta do carro,
A garota olhou para o Ronny e em seguida para Amy e Vicki, que ainda se achavam
— Não sei quais eram suas expectativas com relação a esta viagem, mas sei que todos
nós aqui pretendíamos passar uns bons momentos. Entretanto, se alguém fica só se impondo,
agindo com falta de educação e sem consideração com os outros, aí vai ser difícil conseguir
um grupo, todos procuram pensar nos outros e ter consideração para com os interesses dos
outros em primeiro lugar. Se alguém diz frases sarcásticas ou agressivas, ‘tá atrapalhando o
— Mas eu estou só brincando, replicou ele. Vocês não entendem piadas, não? Por que
Selena começou a achar que a antipatia que sentia pelo rapaz “passara” aos outros.
Agora eles estavam se posicionando “do lado” dela e tentando “consertar” o Warner, para que
este não a incomodasse mais. Se ela se visse mesmo como parte integrante de um grupo,
como dissera Ronny, teria de reconhecer que fora a primeira a agir errado. Fora ela que não
tivera consideração com Warner, pois dissera que não poderiam parar antes de chegar a
Corvallis.
E olhe só, pensou, acabamos parando. Então o que eu disse ficou sem efeito.
— Espere aí, gente, disse ela, eu também não tenho agido com senso de grupo. Warner,
— O.k., concordou Selena, estendendo a mão para pegar a chave do carro com Ronny.
Vicki, que ainda estava do lado de fora, abriu a porta do banco da frente e entrou.
que havia perto do porta-luvas. E isso é seu lixo também, né? Sabe o que mais? Quem remove
o lixo tem direito de viajar no assento da frente. Aliás, falta pouco para chegar a Corvallis.
indicando o assento traseiro para a jovem. Se eu não for na frente, tenho enjôo.
Selena deu uma olhada para Amy, que arregalara os olhos. Vicki também tinha no rosto
— Quer dizer que você quer viajar no banco da frente até a Califórnia e depois na volta
— Quero, a não ser que vocês queiram que eu vomite em todo mundo aqui atrás.
Sem dizer mais nada, Vicki saiu e foi se sentar no banco do meio, ao lado de Amy.
Warner entrou no carro, com movimentos rápidos, e bateu a porta com força. Imediatamente
— Warner, alguma vez você já fez uma viagem assim, com amigos?
— Não, respondeu. Mas qual é o problema? Eu quis vir porque a turma toda vinha.
— A turma toda, não, interveio Vicki. O Tre não pode vir. O Drake e a Margaret
— Você ‘tá querendo dizer que é porque somos seus amigos? insistiu Vicki. Porque se
for isso, então, precisa nos tratar bem melhor do que tem nos tratado. Ninguém trata um
— É, ela tem razão, concordou Ronny. Você tem de melhorar um pouco nesse aspecto,
companheiro. Todos nós estamos querendo ficar do seu lado, mas vamos lá! Você também
tem de fazer sua parte. Quero dizer, procurar entrar no espírito de grupo, colega. É isso que
Warner continuava dando a impressão de não haver entendido. Selena desistiu e ligou o
carro.
— Vamos continuar a viagem, disse ela. Daqui a pouco, o Wesley vai ficar preocupado,
Interiormente, começou a desejar que seu irmão acabasse se revelando um bom “juiz”
para controlar esse grupo que parecia tão irritadiço. Talvez ele pudesse ensinar o Warner a ter
Chegaram a Corvallis sem maiores complicações. Isso se deu porque Selena resolveu se
a casa. Era um velho sobrado, como dissera o pai, na verdade uma república de estudantes.
O rapaz era muito parecido com o pai, principalmente nos olhos, de tom castanho. Ele
tinha também o mesmo tipo de cabelo do pai, castanho e bem ondulado. A única diferença era
que o filho não estava começando a ficar calvo. Wesley tinha mais de um metro e oitenta de
altura. Isso também deixou Selena mais reanimada. É que, olhando apenas por esse ângulo,
pronto.Talvez seja bom todo mundo andar um pouco pra esticar as pernas.
Selena notou que o Warner imediatamente foi ao carro. Entendeu que ele iria pegar seu
skate, que colocara embaixo do banco. Subindo a escada para o quarto do irmão, ela foi lhe
falando em voz moderada, sobre o conflito que tinham tido na vinda até ali.
— Fiz tudo que pude, explicou ela ao entrarem na saleta dele. Primeiro, tomei a atitude
de convidá-lo, o que acho que foi até legal de minha parte. Mas quando ele começou com as
grosserias, fui meio dura com ele. Depois pedi desculpas. Nós todos lhe explicamos que ele
deve agir com espírito de grupo, mas parece que não entendeu. Falou que terá de viajar o
Wesley franziu a testa. Como Selena e o irmão eram de família grande, haviam
aprendido desde pequenos que os filhos tinham de compartilhar tudo uns com os outros. Isso
significava que deveriam se revezar no banco da frente. Cada hora era um que tinha o direito
de se sentar nele.
— Quer que eu fale com ele que não quero levá-lo na viagem? indagou Wesley.
— É, mas como é que você vai dizer isso? Ele já veio até aqui.
— A gente pode levá-lo de volta a Portland. Ou então o botamos num ônibus pra lá. Ou
podemos ligar para os pais dele e dizer que não vai dar pra ele ir conosco.
Selena suspirou.
verdade, ficou pior. Eu devia tê-lo rejeitado de cara e deixado que ficasse com raiva de mim.
— Então vamos seguir pela fé daqui por diante. Temos de crer que ele ‘tá aqui por
alguma razão.
— Isso significa que ele vai conosco? indagou Selena.
— Pode ser que sim ou que não, respondeu Wesley, dando uma olhada no relógio de
pulso. Liga lá pra casa e avisa o papai e a mamãe que chegou bem até aqui. Estou com umas
— Não vou demorar muito, não, disse ele, rumando para os fundos da casa.
Selena ligou para os pais, mas disse-lhes apenas que tinham chegado bem a Corvallis e
não haviam tido nenhum problema com o carro. Preferiu omitir o conflito criado por Warner.
— Mas fizemos uma parada perto de Salem, explicou. Vicki precisou ir ao banheiro.
Acho que Wesley ‘tá terminando de arrumar a mala e depois seguiremos viagem. Amanhã
Os pais não haviam lhe pedido que telefonasse regularmente durante a viagem. Contudo
comando de tudo, por assim dizer. Ele assumiria a direção, e tudo se resolveria. E se houvesse
algum problema, ele também seria o responsável. Essa era uma posição da qual Selena abria
Quando já se virava para sair e ir lá para fora, viu Amy entrando sala a dentro a toda
pressa.
— Selena, venha cá, depressa. Houve um acidente com o Warner. Chame o Wesley!
— O que foi?
— Ele resolveu ir andar de skate, explicou Amy, quase sem fôlego, para Wesley e
Selena que corriam junto com ela rua abaixo. Aí apareceu um caminhão virando a esquina e
ele foi “pegar traseira”. Segurou no pára-choque e então o sinal fechou, e o cara freou de
repente...
— Ele ‘tá achando que quebrou o braço, informou Vicki. Um rapaz ali já chamou o
resgate.
Selena olhou para o colega, que fazia uma careta de dor, e notou que o braço direito
dele estava mesmo dobrado num ângulo estranho. Seu primeiro impulso foi partir para a
agressão, dizendo:
“Que é que você estava pensando, cara? Não imaginou que isso poderia ser perigoso?”
Contudo compreendeu que não seria legal. Nesse instante a ambulância chegou. Os
socorristas colocaram Warner numa maca e o levaram para o hospital. Selena ficou aliviada
ao lembrar-se de que Wesley estava ali. Ele se encarregou de ligar para os pais do rapaz e
explicar o acontecido. A mãe dele se informou acerca da localização do hospital para onde o
tinham levado. Em seguida, disse que eles poderiam seguir a viagem, pois mesmo que seu
filho não tivesse quebrado o braço não poderia mais ir com eles. Segundo Wesley, ela afirmou
que, como Warner estava agindo de forma irresponsável, correndo riscos daquela maneira,
não merecia o privilégio de fazer uma viagem daquelas. Ao que parecia, ela encerrou a
conversa, dizendo:
— Eu e meu marido estávamos com esperança de que nessa viagem ocorresse uma
mudança nele. Warner nunca soube desenvolver amizades nem aprendeu a assumir
responsabilidades.
Afinal os cinco seguiram para o hospital. Iam muito quietos e pensativos. Quando já
— Eu não queria que acontecesse nada de ruim com ele, não, gente.
— Não comece a se culpar pelo que houve, não, Selena, interveio Vicki prontamente.
Foi apenas um acidente. Aconteceu porque o Warner estava se arriscando, querendo se exibir.
— É, eu sei o que a Selena ‘tá sentindo, falou Amy. Eu também me sinto um pouco
culpada.
— Vamos lá, pessoal, disse Wesley, desligando o carro. O melhor que a gente pode
fazer é ir lá, ficar um pouco com ele e reanimá-lo. É só o que podemos fazer.
— Você vai lhe comunicar que a mãe dele disse que ele tem de voltar pra casa? indagou
Selena.
Eles deram uma paradinha na loja de presentes que havia no hospital e em seguida
rumaram para a ala de acidentados, onde o rapaz se encontrava, deitado num leito.
— Disseram que quebrei o braço em dois lugares, informou Warner assim que os
avistou. O médico me mostrou a chapa de raios-X. Por que será que aquele idiota teve de dar
aquela freada?
— O motorista do caminhão? falou Vicki quase gritando. Warner, você é que não
deveria estar pegando traseira nele! Que foi que passou pela sua cabeça?
— Olhe aqui, disse Selena, trouxemos uma lembrancinha pra você, um daqueles cartões
— Obrigado. É, mas com o braço engessado, vou precisar da ajuda de vocês na viagem.
— Warner, principiou Wesley, a sua mãe vai vir aqui. Ligamos para os seus pais, e ela
disse que não quer que você coninue a viagem. Ela vem buscá-lo pra levá-lo de volta pra casa.
— Não. Eu só liguei pra lá e contei o que havia acontecido. Ela falou exatamente o que
eu acabo de lhe dizer, comentou ele, dando uma olhada para o relógio. Ela deve chegar mais
ou menos dentro de uma hora e meia. Se você quiser, podemos ficar aqui lhe fazendo
companhia.
Warner tinha uma expressão de tristeza. Por uma fração de segundo, Selena quase
— Precisa não, disse ele com os olhos baixos. Vocês têm de continuar viajando. Não
quero atrasá-los.
— Sinto muito que isso tenha lhe acontecido, disse Selena, dando um sorriso leve,
porém sincero.
— Todos nós sentimos, acrescentou Amy. Espero que não doa muito.
— Vou deixar o cartão aqui, disse Selena, abrindo o envelope e colocando o cartão ao
Warner fitou-a. A expressão dele era de quem estava mais conformado. Parecia até que
O grupo voltou para o carro e reiniciou a viagem. Só depois de rodarem uns trinta
quilômetros foi que voltaram a falar de Warner. Pelo visto, durante esse trajeto, cada um
estava imerso nos próprios pensamentos, como que procurando colocar em ordem as
emoções.
— Vocês acham que Deus permite que essas coisas aconteçam pra que tiremos algum
proveito delas? indagou Vicki. Quero dizer, quem sabe, se com esse braço quebrado, o
Warner venha a se quebrantar e se tornar um pouco mais humilde? Pode ser que as lições que
ele vai aprender com o acidente sejam mais valiosas do que as que aprenderia conosco, na
viagem!
— Quer dizer, as lições que nós iríamos enfiar-lhe “goela abaixo”, comentou Selena.
Esse é o meu problema. Tenho muita facilidade pra ver os erros dos outros, perceber onde
eles precisam mudar. E como enxergo claramente essas falhas, acho que eles também deviam
— É, interveio Ronny, mas isso até que é bom, Selena. Pelo menos você demonstra que
— Bom, quando ela não enfia pela “goela abaixo”, como ela mesma disse, interpôs
Amy.
Selena olhou para a colega que agora estava sentada no banco da frente, ao lado de
Wesley. Amy não se virou para encarar Selena, mas esta sabia exatamente a que situação a
— É, eu sei, eu sei, concordou ela. Reconheço que minha quota de sabedoria pra lidar
com outros não é lá muito elevada. É, Amy, você sabe, pois já teve de aguentar minha falta de
jeito. Mas espero que eu esteja melhorando e aprendendo a ser uma boa amiga.
Selena ficou tensa. Alguns meses antes, tentara ajudar Amy tocando uma cornetinha de
brinquedo, mas acabara cometendo uma tolice. Sua amiga acabara de sair do The Beet (um
clube para jovens) em companhia de Nathan, seu antigo namorado, e Selena estava seguindo-
os. Em dado momento, o rapaz segurou a Amy pelos ombros, e Selena pensou que ele a
estava agredindo. Para socorrer a colega, tocara uma cornetinha às costas deles, para assustar
o Nathan e dar tempo a Amy para que corresse. Só que esta não estava precisando da ajuda de
ninguém; e não saiu correndo. Selena ainda não entendia como fizera uma idiotice daquelas.
— Ah, mas pelo menos você reconhece quando está errada, interveio Vicki. Só por ter
essa qualidade, já ‘tá sendo uma boa amiga. Eu não sou assim. Tenho medo de que, se
reconhecer meus erros, os outros vão ficar com raiva de mim ou não vão gostar mais de mim.
— É, pode ser que de uns meses pra cá, depois que fui ao acampamento e acertei minha
vida com Deus, isso tenha mudado. Mas antes, eu nunca admitia meus erros. Não é mesmo,
Amy?
— Mas é verdade, sim, insistiu Vicki. Bom, mas isso já é passado, e Deus me perdoou
tudo, né?
— É, replicou Selena, vendo que ninguém dissera nada.
— Nós temos e de deixar tudo pra trás e seguir em frente, continuou Vicki. Seguir com
nossa amizade e nosso relacionamento normal, agora que o Warner não ‘tá mais conosco. Não
podemos passar a viagem toda com sentimento de culpa por causa dele.
— Mas parece que ‘tá tudo diferente, né? continuou Vicki. Quero dizer, parece que
estamos numa outra viagem, diferente daquela em que ele estava conosco, e o Wesley, não.
— ‘Tá querendo dizer que a troca foi boa? indagou Wesley, olhando para a garota pelo
— Sem dúvida nenhuma, replicou Amy. Vocês vão me desculpar, gente, mas me sinto
aliviada por ele não ter vindo. Ele ia nos incomodar o tempo todo.
— Minha impressão é de que está tudo mais tranqüilo, comentou Selena. Vocês estão
— É porque o Ronny ‘tá dormindo lá atrás, explicou Wesley, dando outra espiada pelo
retrovisor.
— Não, pessoal, comentou Vicki, é que ele é assim mesmo. Fica mais calado, sempre
— É, mas com esse ronco, interpôs Wesley, não vai ter muita paz comigo, de noite, não.
— Ah, ‘tá bom! disse Selena. Você ronca mais que isso, Wesley, e tenho provas claras.
— Alguém ‘tá com fome, gente? indagou o rapaz. Tenho de abastecer, então podemos
— Não mude de assunto, não, insistiu a garota para “zoar” o irmão. É melhor você
confessar logo, já que aqui estamos todos juntos. Aliás, já, já todo mundo vai ficar sabendo
disso.
— ‘Tá bom, ‘tá bom. Eu ronco feito um serrote. Pronto. Agora todos já sabem.
— O Kevin até gravou o ronco dele no Natal, pra mostrar pra ele como ele ronca.
— Qualquer uma, respondeu Vicki, menos Burger King. Ontem à noite fui numa.
Wesley riu.
— Que turma! Cada um quer uma coisa, hein? Acho melhor a gente chegar ao posto
Antes que ele pegasse a saída, porém, no painel do carro apareceu uma luzinha
vermelha piscando.
— Não sei. Essa luzinha acendeu alguma vez quando você estava vindo pra cá?
— Ei, ei! resmungou Wesley. Segurem-se firmes, crianças, acho que vou ter de parar já.
“Como é que você pode vir com brincadeiras numa hora dessas?”
O rapaz ligou o limpador de pára-brisa e o esguicho de água, desembaçando a vidraça.
Assim pôde chegar ao acostamento. Um forte cheiro de pano mofado encheu o ambiente.
— Às vezes, sei. Quem tem um carro velho, como eu, volta e meia encara algum
problema desse tipo, explicou o rapaz, inclinando-se para a frente e tentando enxergar lá fora
através da vidraça meio opaca. Parece que ali perto do posto de gasolina tem uma loja de
— Onde? indagou Wesley ainda rodando bem devagar, enquanto os outros carros
Um homem que havia parado atrás dele buzinou com força e lançou-lhe um olhar irado
ao ultrapassá-lo.
— Ah, já vi.
Quando Wesley já ia ligar a seta para entrar no posto, ouviu-se um barulho alto de
pneus derrapando. Selena se virou para trás e viu um enorme caminhão que vinha na direção
Selena segurou na lateral do banco, já esperando a batida. Wesley acelerou e virou a van
— Foi por pouco! exclamou Vicki, fechando os olhos e pondo a mão no rosto.
— Tive a impressão de que ele não estava conseguindo parar, comentou Selena,
Ela reparou que ele acelerou para atravessar um sinal amarelo. Logo à frente, havia uma
— Pois eu até que estou gostando daqui, interpôs Wesley, desligando o carro e saindo,
uma fumaça espessa. Ali fora, o cheiro de pano mofado estava ainda mais forte.
— Você não vai abrir, não, né, Wesley? disse Amy. Parece que vai explodir tudo.
— É, Ronny, falou o rapaz, acho que você ‘tá com a razão. Provavelmente é uma
mangueira mesmo. Vamos esperar um pouco o negócio esfriar. Depois a gente olha. Garotas,
— Querendo nos mandar embora? indagou Amy em tom de gozação. Tem medo de que
com vocês.
Selena procurou ficar atenta ao que se passava entre eles, sem olhá-los diretamente.
— Eu vou comer, disse Vicki. Mais alguém quer vir? Vou guardar lugar pra nossa
turma lá.
— Vicki, principiou ela, você acha. que a Amy ‘tá interessada no Wesley? Acha que ela
— Eu não notei, não, replicou a outra, segurando a porta para a amiga entrar. Acho que
ela não ‘tá exagerando suas atenções pra ele, não. Percebe-se que ela tem admiração pelo
Wesley; sempre teve. Na minha opinião, você não precisa se preocupar, achando que ela ‘tá
mão.
— Somos cinco, replicou Selena, e, por favor, queremos uma área de não-fumantes.
— Seria bom se houvesse essa lei no Oregon, disse Vicki. Acho horrível quando a gente
‘tá comendo, e na mesa do lado tem alguém fumando. A comida fica com gosto de cinza de
cigarro.
Selena não estava escutando direito. De onde estava, espiando pela janela, avistava a
van. Eles tinham aberto o capô e a fumaça continuava saindo dele. Havia outro homem junto
com Wesley, Ronny e Amy, todos olhando para o compartimento do motor. Achou que a
amiga estava muito perto I seu irmão, fitando-o como se estivesse bebendo cada palavra dele.
— Você acha mesmo que a Amy não vai tentar conquistar o Wesley nesta viagem? Não
sei se você ‘tá lembrada, mas naquele passeio que fizemos o ano passado, ela tentou e acabou
criando uma confusão. Por causa desse interesse dela por ele, nossa amizade ficou meio
prejudicada. Eu não queria que isso se repetisse desta vez, concluiu Selena.
A garota continuava com o olhar voltado lá para fora e não via o que Vicki fazia
naquele momento.
— Será que eles têm peixe aqui? indagou Vicki, correndo os olhos pelo cardápio. Estou
A colega não ouvira nem uma palavra do que ela dissera. Ou talvez tivesse ouvido, mas
A garçonete anotou o pedido delas e colocou copos de água sobre a mesa. Selena virou-
se novamente para ver o que estava se passando lá fora. Wesley, Amy e o outro sujeito tinham
entrado na loja, e Ronny ficara no carro, remexendo em algo dentro do capô. Pensou em como
fora bom que ele tivesse vindo junto, já que tinha muita experiência com defeitos em carros.
Antes de ele dizer que o problema devia ser na mangueira, Selena tivera receio de que
— Sabe de uma coisa, principiou ela no momento em que a garçonete trazia uma salada
que Vicki pedira. Estou achando ótimo o Ronny ter vindo. Que bom que você o convidou!
— Ele também achou muito bom que você o tenha chamado, comentou a outra, pegando
uma folha de alface e removendo o tempero cremoso que fora colocado nela.
— E sabe o que mais? continuou Selena. Até agora não vi você com nenhuma atitude
— Nesta viagem, você ‘tá agindo do mesmo modo como age na escola, com outras
pessoas ou comigo e com a Amy. Quero dizer, sei que você tem interesse no Ronny e quer
que ele lhe dê uma atenção especial, mas não ‘tá fazendo nada pra... aqui Selena parou sem
— Não, mas é verdade. Agora parei com isso. Se o Ronny me quiser, terá de gostar de
— É. Do jeito que sou vinte e quatro horas por dia, sete dias s semana. Ah, e por falar
nisso, a Amy também não ‘tá “dando em cima” de seu irmão, não, se é disso que você ‘tá
querendo falar.
— Pode crer, Selena, eu entendo desse assunto. E conheço bem a Amy no que diz
respeito aos rapazes em que ela tem interesse. Ela ‘tá agindo normalmente. Acho que não ‘tá
lembrando do que ela acabara de dizer, Selena começou a pensar que estava agindo como
uma irmã enxerida e antipática; e uma péssima amiga. E não desejava absolutamente ser
assim. Fez um grande esforço para se lembrar do versículo que falava sobre “anular
sofismas”, mas só se recordou de parte dele. Contudo, isso bastou para que despertasse e
passasse a fixar a mente em outras questões. Virou-se para um quadrinho em acrílico, que
segurando seu hambúrguer com as duas mãos e apontando para a lista com o dedo mínimo.
— Puxa, Selena, replicou Vicki, você ainda nem começou a comer o sanduíche e já ‘tá
de olho na sobremesa?
Vicki riu e concordou em “rachar” com ela um brownie com sorvete. Afinal, antes que
recebessem a sobremesa, Wesley, Ronny e Amy chegaram e se sentaram à mesa com elas.
— Pois é, disse o irmão de Selena, vamos poder pegar estrada de novo, graças ao Ronny
— É... como eu disse, tenho muita experiência com minha velha caminhonete, muita
mesmo.
Na mesma hora, Wesley olhou para as dele também. Meio sem graça, os dois rapazes
— Quer saber a verdade? interveio Amy. Embora sua mão não esteja suja de graxa, nela
— Muito obrigada! replicou Selena. E você vem nos dizer isso agora, que já acabamos
de comer.
— Bom, eu comi de garfo e faca, defendeu-se Vicki, que nesse momento estava
mesa.
— Só isso? quis saber Selena.
— E uma tigela de sopa, explicou a garota. Isso é que é refeição bem balanceada, hein?
— Ah, que é isso? interpôs Vicki. Não dá pra gente se preocupar em fazer refeições
saudáveis numa viagem. Ou mesmo depois que entrarmos para a faculdade.* Minha prima
disse que, no primeiro semestre da faculdade, ela engordou quase cinco quilos. Só comia em
De repente, Selena se deu conta de que assim que fosse estudar fora, daí a alguns meses,
ela também estaria cuidando pessoalmente de sua alimentação, pelo menos quando não
— Acho que vamos ter de vigiar, disse ela, e prestar contas umas às outras. É, e o pior, é
que estou dizendo isso e ao mesmo tempo comendo essa sobremesa engordante.
dela com alegria. Contudo estava se sentindo um pouco apreensiva. Nesse momento, tinha
prazer desta viagem de carro para a Califórnia. O futuro lhe reservava muitas
— Quer dirigir um pouco, Selena? Eu queria ir para o último banco e tirar um cochilo.
*
A personagem faz referência ao fato de que, nos Estados Unidos, muitos jovens vão fazer faculdade em outra
cidade. Então moram em repúblicas e não podem ter muito controle sobre a alimentação, como têm quando
estão em casa. (N. da T.)
— Para o Sul, é claro, disse o irmão com um sorriso, entregando-lhe a chave do veículo.
Eu vou orientá-la aqui na saída, pra voltar à estrada. Depois é só continuar seguindo para o
Sul.
— Se ficar com sono, disse ele, posso pegar o volante pra você.
Wesley foi orientando a irmã sobre a saída até que chegaram à rodovia. Em seguida,
deitou-se no último banco. O tráfego não estava muito intenso. Eles iam conversando
animadamente, e volta e meia Selena dava uma espiada no painel do carro para ver se havia
— Tem um mapa por aqui? perguntou Ronny, apalpando embaixo do seu assento. Bom,
temos aqui semente de girassol, anunciou ele, exibindo um pacotinho que estava envolto por
— Não, obrigada, disse Vicki. Estou tentando reduzir os alimentos saudáveis nesta
— Temos uma lanterna de mão, continuou o rapaz, mostrando o objeto. Esta pode ser
bastante útil.
Afinal ele encontrou um mapa no exato momento em que passavam por uma placa
— Não tenho a menor idéia, replicou Selena. Ronny, dá uma olhada no mapa pra nós.
Veja aí se eu não fiz algo errado e agora nós estamos no meio de Idaho.
— Achei, disse afinal. Weed. É na Califórnia, sim. Você não fez nada errado, Selena.
A garota pensou que talvez o amigo tivesse percebido que ela estava tensa, e procurara
fazê-la rir para que relaxasse um pouco. Segurou o volante com firmeza, bem consciente de
que, mais uma vez, se achava no comando da situação e que a vida de todos dependia dela.
Contudo não estava “curtindo” nem um pouco a circunstância que vivia naquele momento:
Continuando a rodar noite adentro, Selena sentiu os ombros meio doloridos pela tensão.
Lá fora, estava se formando uma neblina, e os faróis dos carros que vinham em sentido
contrário a incomodavam.
— Pelo que diz o mapa, informou Ronny, estamos passando perto do Monte Shasta.
— É, não da pra ver nada, disse Vicki, inclinando-se para diante, tentando enxergar algo
através do pára-brisa, como Selena e Ronny. Está completamente nublado. Será que vai
chover?
— Espero que não, replicou Selena. Estou com esperança de que tenhamos céu claro e
As duas garotas ficaram aguardando que ele prosseguisse: Ronny tinha o temperamento
introspectivo de um artista. Por causa disso, passava um bom tempo calado e depois, de
repente, soltava um pensamento sábio. Parecia que ele estava sempre pensando, colhendo as
— Olhe só, disse ele afinal. Estamos no escuro, com o céu todo nublado e rodando a
toda velocidade. Lá fora tem um monte altíssimo , só que não o estamos enxergando.
— E você acha que a vontade de Deus é mais ou menos assim? indagou Vicki.
— É, porque às vezes... e aqui ele fez uma pausa para dar mais ênfase ao que dizia. Às
vezes a gente tem de seguir em frente pela fé, sem ver nada do que está lá fora.
Selena se sentia tão nervosa que teve vontade de dizer ao rapaz que ele estava era “por
— Deus não diz que a Palavra dele é uma lâmpada para nossos pés e luz para o nosso
caminho? continuou ele. Pois bem, é o que está acontecendo conosco agora. Só conseguimos
enxergar alguns metros à nossa frente, com a luz alta do carro. Não estamos conseguindo ver
aonde vamos chegar, nem mesmo algumas das placas de sinalização que estão na estrada.
Selena não achou a explicação do amigo assim tão interessante, mas também, ela não
estava “curtindo” o rapaz, como a amiga estava. Desejou que Amy não estivesse dormindo
para poder ouvir o que diziam. Ela era a que mais precisava entender esses pensamentos sobre
a vontade de Deus. De repente ouviu-se um ruído surdo de ronco, vindo do banco de trás.
— É o seu irmão? indagou Vicki. Será que o silencioso não quebrou ou algo assim?
— Pois pode ir se acostumando. Vai ouvir esse ronco muitas vezes nos próximos dias.
— Eu vejo tudo isso da seguinte maneira, continuou Ronny, sem ligar para o ronco de
Aqui ele pegou um canudinho dentro de uma lata de refrigerante vazia, que estava no
— Este canudinho, disse, representa o tempo, desde o início da criação até o fim. Nós
nos achamos inseridos nele, e por isso nossa visão é limitada. Mas Deus, continuou Ronny,
inclinando a cabeça para um lado ligeiramente e dando um sorriso para Selena, Deus não se
acha. limitado ao tempo, como nós. Ele se encontra totalmente fora dele.
— Ah, interpôs Vicki, você crê que Deus vê tudo. Então ele sabe tudo o que vai
— É; é o que creio, afirmou o rapaz. Ele se acha “fora” dos fatos e acontecimentos. Ele
não tem nenhuma restrição ou limite, como nós temos. Creio que no mesmo momento em que
Deus foi caminhar com Adão e Eva, no jardim do Éden, ele também está conosco aqui, neste
Selena sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Era assombroso imaginar que Deus
estava com eles ali agora, da mesma forma que estivera com Adão e Eva. Bem lá no fundo,
Ó Deus, pensou, tú estás mesmo aqui conosco, não estás? Tu estás no controle de tudo!
— Então, disse Vicki, você acha que, como ele vê tudo antes da hora, ele já sabia que
— Acho, afirmou o rapaz, recolocando o canudinho no lixo. Mas não creio que ele
tenha mandado um anjo pra pisar no freio e forçar o acidente, não. Nós sofremos muitos
males porque resolvemos seguir nossa vontade e não buscamos ouvir o que o Senhor quer nos
dizer.
— Sabe o que mais, Ronny? falou Vicki. Você devia compor um corinho falando tudo
— Boa idéia! Dá pra você pegar meu violão aí atrás pra mim, sem acordar o Wesley?
E nas duas horas seguintes, Ronny ficou tocando acordes no instrumento, enquanto
Selena dirigia, Amy dormia, Wesley roncava, e Vicki ia escrevendo as frases soltas que o
rapaz compunha.
Ouvindo a música suave de Ronny e aquelas palavras positivas, Selena sentiu que
começava a se acalmar. E, para surpresa sua, nos momentos que se seguiram, experimentou
uma forte sensação de paz, como havia muito tempo não sentia. E não parava de pensar em
Sacramento. Era noite alta, mas Selena não sentia mais medo.
Wesley acordou, sentindo-se descansado, e agradeceu à irmã. Não fora sua intenção
deixar que ela dirigisse tanto tempo. Quando pegaram a estrada de novo, com o rapaz ao
volante, foi a vez de Selena ir se sentar no banco de trás, que Vicki apelidara de “cantinho do
ronco”. A garota dormiu profundamente até que pararam novamente, dessa vez num
doloridos. Ergueu a cabeça e olhou para fora. Descobriu a razão por que o irmão parara ali.
Selena bocejou e procurou descolar os olhos que estavam grudados nos cantinhos.
Aquela rede de lanchonetes ainda não tinha filiais em Portland. Contudo, desde que
Wesley começara a conversar sobre a viagem, ele dissera que iria parar em todas as In and
Out Burger por que passassem. Pelo visto, aquela era a primeira. Isso significava que
finalmente se achavam no sul da Califórnia, já que era o único lugar do país onde a rede
atuava.
Pelo brilho do Sol e pelo calor que entravam pela janela, Selena se deu conta de que já
era dia alto. As nuvens que cercavam o Monte Shasta tinham ficado por lá mesmo.
mochila e saiu também. Com mais um bocejo, trancou a porta do carro e acompanhou-os.
Dentro do restaurante, a fila estava longa. Olhou o amplo cardápio estampado no alto, bem
acima da caixa registradora. Constatou que ali só serviam hambúrgueres, batatas fritas,
refrigerantes e milk-shakes.
— Sticks de peixe.
— Quê?
O rapaz abanou a cabeça. Selena não viu as amigas na fila e deduziu que deviam ter ido
ao sanitário.
— Que bom que no banheiro não tem fila, resmungou a garota, abrindo a porta.
— Estou com aparência de viajante mesmo, comentou Amy. Olhe só o meu cabelo.
Vicki, porém, não estava reclamando de nada. Em vez de perder tempo com
lamentações, ela se pôs a arrumar-se. Tirou da mochila os artigos de uso pessoal: escova de
dentes, uma toalha pequena e a bolsinha de maquiagem. Ela trouxera até uma camiseta limpa
que vestiu rapidamente, depois de haver lavado o rosto e molhado a parte da frente do cabelo.
— Ah, isso não ‘tá certo! exclamou Amy, olhando-a atentamente. Você fica
maravilhosa só com uma pia e uma ajeitada no cabelo! Eu preciso de no mínimo uma hora e
estava cheia.
A pele dela estava impecável; os olhos, claros e brilhantes. O cabelo, castanho e sedoso,
achava-se penteado para trás, bem ajeitado, preso por um passador. A garota estava até
perfumada.
— É, concordou Amy. E fala com aqueles caras que só vamos voltar daqui a uma hora.
Eu também gostaria de trocar de roupa agora. Só que minhas coisas estão todas amarradas lá
no bagageiro da van. Duvido que Wesley queira tirar tudo pra eu pegar uma camiseta.
— Tem outra aí que você pode vestir, se quiser, informou Vicki. ‘Tá no fundo. É
branca.
Ela achava que sua calça jeans estava o.k.. Mas a blusa azul-clara, que vestira no dia
anterior, pela manhã, achava-se bem amarrotada. Ademais sujara-se com chocolate, e ela não
— Vou dizer pra eles que vocês virão já, concluiu saindo.
— Não adianta, continuou Amy. Não vamos conseguir fazer essa transformação mágica
— Pra mim, comentou Selena, lavar o rosto já ‘tá bom. Será que ela tem um passador
grande aí? ‘Tá fazendo calor, né? Quero prender o cabelo e afastá-lo da nuca.
reanimar uma a outra, dizendo como a aparência delas estava melhorando. Só que o cabelo de
Amy, que era escuro e bem curto, insistia em continuar meio espetado atrás, apesar de ela
havê-lo molhado bem. E os olhos de Selena ainda estavam avermelhados, sinal de que os
Logo avistaram Wesley, Ronny e Vicki que acenaram para elas. Achavam-se no canto
esquerdo do salão, numa área reservada. À mesa, viam-se cinco bandejas com hambúrgueres
— Olhe só estes desenhos de palmeiras no meio das listras! exclamou. Que gracinha!
Os quatro levantaram cada um o seu para ver o que havia ali, procurando talvez algum
brinde.
— Oh, que legal! exclamou Ronny, o primeiro a descobrir o segredo.
— É João 3.16! disse Selena, examinando o dela bem de perto. Legal demais!
punhado delas. Tem um cara lá dentro que fica só picando as batatas numa máquina e
Depois que todos já haviam lanchado bem, concordaram que Wesley tinha razão
quando dissera que, para “curtir” bem a Califórnia, tinham de lanchar no In and Out Burger.
O único problema era que todos reclamavam de que haviam comido demais. Achavam que os
Selena acomodou-se no banco do meio, junto à janela, com Amy do seu lado. Vicki
achavam-se de volta à rodovia, com as vidraças abaixadas, sentindo a brisa quente a circular
no interior do carro.
— Posso ligar o rádio e procurar uma estação legal, gente? indagou Vicki.
— Espere um pouco, replicou Selena. Antes quero fazer uma pergunta para o meu
amado irmão aqui. Onde é que estamos? Pra onde vamos e quando chegaremos lá?
Hills. E vamos chegar lá dentro de uma hora mais ou menos, dependendo de como estiver o
trânsito em Grapevine.
— Agora sou eu que tenho uma pergunta, interveio Amy. Vai dar pra gente tomar um
— Por quê? indagou ele. Vocês estão ótimas! Será que estou com algum cheiro?
— Ah, que nada! interpôs Wesley. Você ‘tá bem. Além disso, vocês é que têm interesse
— Não, continuou o rapaz, dando uma espiada para ela pelo retrovisor, eu não disse isso
com sentido depreciativo. Quis dizer que você ‘tá ótima! Assim, do jeito como ‘tá, você ‘tá
Ouvindo aquilo, Amy deu um sorriso leve, ligeiramente significativo. Selena ficou a
pensar em como ela interpretara o comentário dele. Uma luzinha vermelha se acendeu dentro
dela.
Será que meu irmão estava dizendo galanteios pra Amy? pensou.
Capítulo Onze
— Pode, Vicki, vai, respondeu Wesley. Mas assim que começarmos a subir a Grapevine
vai ficar difícil. Você só vai achar uma estação boa depois que descermos pra baixada de Los
Angeles.
A garota notou que a estrada larga ia atravessando uma maravilhosa sucessão de serras.
E a paisagem se tornava ainda mais impressionante porque a longa rodovia naquele trecho era
plana e reta. Olhou para trás e pensou que o vale que haviam acabado de atravessar era muito
belo, mas tinha uma beleza triste. Era estranho saber que aquela região, de terrenos muito
planos, toda dividida em fazendas, era a última parte da Califórnia ainda não urbanizada.
Sabia que assim que saíssem da Grapevine, e entrassem no Vale San Fernando, veriam uma
sucessão de cidades; e só cidades. Era assim dali até a fronteira com o México.
Assim que encontrou a linha vermelha, marcada com o nome de “Rodovia 5”,
comentou:
— Não sei por que chamam isso de Grapevine. Ela é toda reta! *
— Talvez a estrada original tivesse muitas curvas, disse Wesley. Depois eles foram
*
A palavra “grapevine” significa “videira, parreira de uva”, daí o fato de Selena estranhar darem esse nome a
uma estrada reta. (N. da T.)
— Vamos passar pelo Parque Nacional de Los Padres, informou Selena ainda
examinando o mapa. À nossa esquerda fica o Monte Fraiser, que tem cerca de três mil metros
de altitude. À nossa direita, está o Sawtooth, que tem mais de dois mil metros.
Aqui ela se deu conta de que estava parecendo um guia turístico e então concluiu:
— Não, informou Wesley. Santa Bárbara fica no litoral do outro lado do planalto.
— É mesmo, concordou Amy. Então onde ficam as faculdades que vamos visitar?
Selena pegou a lista de escolas e, em seguida, ela e Amy se puseram a procurar no mapa
as cidades de cada uma. Nesse momento, estavam numa subida longa, e Vicki se pôs a
procurar uma estação no rádio do carro. De repente deu com uma, num volume muito alto.
Alguém cantava uma música em espanhol. Tentou outra, mas só encontrou estalidos e ruídos
típicos de rádio.
— Ah, desisto, disse afinal. Oh, gente, olha que lindas essas colinas!
Selena, que estivera olhando o mapa, ergueu a cabeça e ficou encantada com a
paisagem. As encostas das colinas estavam cobertas de papoulas silvestres, até onde a vista
alcançava. E as flores, com suas pétalas de cor laranja-vivo, se moviam à brisa, como que
Ronny, que estivera muito quieto, ali no “cantinho do ronco”, como que despertou ao
— Uau! disse ele. Parece que um gigante comeu um pacote inteiro de chips sabor queijo
Selena riu.
— Você inventa frases tão interessantes, Ronny! comentou.
— É, ajuntou Amy em tom de gozação, principalmente quando tem a ver com comida.
Quando haviam parado na In and Out Burger, o rapaz ficara com metade do
hambúrguer de Amy, pois ela não conseguira comê-lo todo. Além disso, ele devorara o que
Depois de dizer isso, voltou a deitar-se no banco e se pôs a cantarolar baixinho para si
mesmo.
deram uma volta pelo campus para conhecer a faculdade. Selena pensou que ele lembrava um
músico meio desligadão, tentando “encontrar” a melodia para uma canção que estava
compondo.
A certa altura, Selena deu mais uma olhada pelo lugar. Tentou imaginar-se estudando ali.
Sentia-se bem naquele ambiente. Gostara do jeito dos dormitórios. Os quartos dos alunos
eram suítes e tinham uma sala de estar em comum. Os estudantes que viram ali lhe pareceram
bastante amistosos. Dois deles haviam cumprimentado a garota e seu grupo. Outro detalhe
que ela estava apreciando muito também era o clima: quente. Teve até vontade de estar de
O de que Amy mais gostara ali fora do orientador que os guiara, na volta que deram
— Jonathan, disse ela para Selena quando as duas voltavam para o carro, caminhando à
frente dos outros. Que nome imponente! Jonathan. Passa a imagem de homem forte. Você
— Não era tatuagem, não, retrucou Selena. Era uma marca de nascença.
— Era não, insistiu Amy.
— Então era uma tatuagem muito esquisita, apenas uma mancha marrom.
Ela pegou na maçaneta da van para abrir a porta, mas estava trancada. Wesley estava
com a chave. Havia se esquecido disso. Continuou a mexer nela distraidamente, e de repente
o alarme do carro disparou. Ela deu um grito e afastou-se dele. Selena olhou para trás, para
ver se Wesley já estava chegando. Bastaria que ele apertasse uma tecla no chaveiro, mesmo à
distância, e aquela barulhada cessaria. Contudo seu irmão havia sumido. E também não se via
Nesse instante, um carro vermelho, de tamanho médio, ia passando. Nele estavam dois
estudantes. Eles pararam e olharam para Amy e Selena. No bagageiro do veículo, via-se uma
O rapaz tinha o cabelo bem louro e curto, a pele queimada de Sol e um sorriso muito
simpático. Estendeu o braço esquerdo para fora da janela. Pela musculatura forte, dava para
motorista. A chave está com o Wesley, mas ele deve chegar já.
Selena ficou admirada ao ver como a amiga era capaz de iniciar uma conversa tranquila
Selena ficou a observá-la. Será que sua amiga engraçadinha, com aquele cabelo meio
espetado atrás, iria confessar que ainda não terminara o segundo grau?
— Vocês querem uma carona até o prédio central pra procurar o Wesley? ofereceu o
rapaz.
— Acho melhor a gente ficar por aqui mesmo, interveio Selena, chegando perto do
carro.
dar uma espiada nela e sorriu para a garota. Também era outro atleta forte, com um físico de
salva-vidas.
— Tenho. Eu...
Antes que ela pudesse concluir a sentença, o estridente barulho cessou. A garota se
virou ligeiramente para o lado e viu que Wesley vinha correndo na direção deles. Ainda
Amy sorriu, acenando que sim. Selena fez o mesmo. As duas ficaram sorrindo e
acenando.
— Então a gente se vê por aí, replicou o rapaz com um aceno, engatando a primeira
E foram saindo.
— É, principiou Selena, a gente tem de reconhecer que eles são uns belos representantes
Amy fitou-a com ar sério. Selena compreendeu que a outra se perturbara porque ela
— Ei, disse explicando-se, só estou dando glória a quem temos de dar toda a glória!
— Que foi que aconteceu? indagou Vicki, que chegara correndo. Alguém tentou
— Não, replicou Selena prontamente. A Amy estava demonstrando a tática que ela
emprega pra se travar conhecimento com rapazes numa faculdade! E você precisava ver que
rapazes!
— E a minha tática parece que funcionou muito bem! comentou a outra caindo na
— Eu só sei, disse Amy, entrando no carro e sentando-se no banco da frente, que por
mim, já podemos voltar pra casa. Já sei em que faculdade vou estudar no próximo ano.
— No próximo ano? indagou. Achei que ia querer começar já nas férias. Talvez haja aí
um curso de windsurfe no verão. Você tem muito interesse nesse esporte, não tem?
partida no carro, virou-se para trás e encarou o grupo. Selena sentou-se no banco do meio,
junto à janela. Sentia-se mais tranquila, ouvindo Amy falar abertamente sobre os rapazes com
quem haviam conversado, na presença de Wesley. Ou será que isso não passava de uma tática
para demonstrar ao seu irmão que alguns rapazes tinham demonstrado “interesse em avaliá-
la”?
— Que escolha que nada, interveio Amy. Eu fico com o motorista, disse e caiu na risada
— É, principiou Vicki, acho que a falta do sono ‘tá começando a nos prejudicar. Olha
só, hein! Mais uns minutos, e a Amy vai perder o controle. Quando ela ri demais, solta um
ronco.
Ela fazia força para conter o riso, mas seus ombros tremiam ligeiramente.
— Ronca, sim, Amy, concordou Selena. E você sabe disso muito bem.
— Não se incomode, não, Amy, disse ele. Eles dizem que eu ronco também.
— E é verdade! retrucou ela. Ontem à noite, escutei você roncando, quando estava
— Ah, é? E podem me ouvir agora? Temos de tomar uma decisão, então me escutem.
— Eu disse aos meus amigos, onde vamos dormir, que só chegaríamos na casa deles
bem tarde. É que pensei que levaríamos mais tempo pra visitar essa escola. Mas vocês
grande, e nenhum deles quis aceitar a sugestão de Jonathan para que assistissem a uma das
aulas de doutrina. Além disso, haviam pegado panfletos que continham todas as informações
de que precisariam, a respeito das aulas e da matrícula. Portanto poderiam seguir em frente.
— Mas a gente pegaria um trânsito congestionado o tempo todo. E pra ser sincero,
Amy, acho que você vai ficar decepcionada com Hollywood na “vida real”. Pra falar a
verdade, de interessante, só tem o Teatro Grauman, onde há as palmas das mãos dos artistas
gravadas em cimento. O resto é só uma rua lotada de gente, com prédios velhos, umas lojas de
— Mais ou menos um ano atrás. Vim com o Ryan. Deixe-me terminar o que quero
dizer. Podemos ir a Los Angeles, como eu disse, ou seguir um pouco mais em frente e ir ao
Montanha Mágica, concluiu ele com um sorriso significativo, dando a entender que sua
— ‘Tá bom, concordou ela afinal. Vou me sentir abandonada! Mas pra me consolar,
— A saída é logo aí adiante, informou Selena. O guia diz que é pra pegar a saída que
— Sabe o que mais, pessoal? disse Vicki, olhando para os cupons da Amy. Foi ótimo
termos decidido ir lá hoje, pois esses cupons só valem para os dias da semana. Se viéssemos
no final de semana, não poderíamos usá-los. Ah, vai ser legal demais!
Selena concordou com ela. Nunca estivera nesse parque, e hoje estava com vontade de
— Eu preferiria ter tomado um bom banho, insistiu Amy. Aqui ‘tá bem mais quente do
que em Portland. Será que nenhum de vocês ‘tá assim um pouco suado, não?
— Esquenta não, interpôs Wesley. Tem uma atração nesse parque que pode deixá-la
— O que você ‘tá querendo dizer com isso? quis saber a garota.
— Agora não posso dizer nada. Mas daqui a pouco vou lhe mostrar, replicou ele,
O lugar não estava muito cheio. E Selena entendeu que era melhor mesmo terem ido
Nesse momento, sentia calor, como Amy, mas sabia que, depois que o Sol baixasse,
— É uma boa idéia, comentou Wesley. Depois que entrarmos no parque, não vou querer
— Olá, amigos! Como vão vocês? Os cinco estão juntos? indagou um rapaz vestido
Ele se achava postado logo à entrada, com outros funcionários do Parque Montanha
— Se quiserem se ajuntar mais, posso tirar uma foto do grupo, prosseguiu ele.
Imediatamente a garota fez pose, olhando para a máquina e passando um braço nos
ombros de Ronny. Selena fitou o rapaz para ver a reação dele. Apesar de o boné dele
encobrir-lhe o rosto, deu para perceber que ele só ficara surpreso, pelo fato de Vicki se apoiar
nele. Não parecia aborrecido. Selena passou o braço pelo do irmão e Amy fez o mesmo no
outro lado. Vicki aproximou-se mais de Amy e passou seu outro braço pelos ombros da
amiga.
reunidos. Aqui está o comprovante, continuou ele. Se quiserem uma cópia da foto,
apresentem isto no centro fotográfico. Depois, quando estiverem indo embora, podem vir
pegar o retrato.
Ouvindo-o dizer isso, Selena foi levada a pensar em como seu irmão estava sendo legal
nessa viagem. Era bem mais velho que o resto da turma e, no entanto, não agira como se fosse
superior a eles. Se existisse um concurso de melhor irmão mais velho do mundo, ela sem
— Qual a primeira atração a que vamos? indagou Vicki assim que acabaram de deixar o
— Que é isso? quis saber Amy, posicionando-se lado a lado com ele.
Passaram por uma imensa fonte em formato circular. E como soprava uma brisa leve,
eles sentiram os respingos dela. Selena ficou satisfeita com o contato fresco da água.
— Que tal a Tidal Wave? sugeriu Ronny. Pelo que diz o guia, parece muito bom.
— É, replicou Wesley com um sorriso significativo, agora é uma boa hora pra irmos lá.
— Ah, deixe disso! protestou Selena. Não fique assim. Você vai gostar dos brinquedos
que há aqui. Eu vou com você neles. Quem sabe? De repente pode até se sentir mais animada
A expressão dela não era de quem estava querendo ser rebelde, não. Parecia que de fato
se sentia incomodada. Dava a impressão de que a única “diversão” que queria realmente era
olheiras não eram restos de maquiagem que escorrera, não. Eram sinal de cansaço. Não havia
dúvida de que Amy era uma dessas garotas que tinham uma aparência melhor depois de um
banho e de uma ajeitada no cabelo. Não era como ela e Vicki, que ficavam bem “ao natural”.
Pra falar a verdade, a própria Selena também gostaria de ter podido vestir uma camiseta
limpa, antes de irem para o parque de diversões. Se pudesse tomar um banho também seria
ótimo, mas dava para esperar. Nesse momento, estavam ali, naquele parque de diversões, e
impressão de estar com um objetivo certo e bem definido. Os outros desistiram de dar
camisa verde.
— Vamos por aqui, pessoal, disse ele a certa altura, virando-se ligeiramente para a
brinquedos de parque.
— Depressa, gente! Vamos! falou o rapaz de novo, olhando ora para eles, ora para a
E Wesley se posicionou atrás da garota, que dava à altura do joelho dele, e colocou as
mãos uma em cada ombro dela. Selena notou que ele tinha no rosto um sorriso malicioso.
Amy se virou para olhar para ele, tendo uma expressão de admiração. Parecia satisfeita com o
fato de ele a segurar pelos ombros. Ambos apreciavam o canal do riacho, que era belamente
ornamentado.
Nesse momento, Selena se deu conta de que havia perdido um de seus brincos. Olhou
para o chão à procura dele e voltou atrás alguns passos para tentar descobrir onde ele caíra.
Havia muita gente andando por ali, e ela compreendeu que seria praticamente impossível
encontrá-lo.
De onde estava, olhou para os amigos na ponte. Viu seu irmão fazendo um aceno de
cabeça para Ronny. Este, seguindo o exemplo do outro, posicionou-se atrás de Vicki e
colocou as mãos, uma em cada ombro dela. A garota deu um sorriso que iluminou todo o
rosto. E como Amy já fizera, ela também virou e olhou para o Ronny com uma expressão
carinhosa.
Foi aí que aconteceu algo. Um barco, cheio de passageiros que berravam, veio descendo
o canal em alta velocidade. Wesley fez outro gesto para Ronny e os dois se abaixaram,
provocou um esguicho que caiu sobre Amy e Vicki. As duas ficaram ensopadas, totalmente
encharcadas. Amy estava com o cabelo todo escorrido, pingando água. Wesley e Ronny
Vicki disparou a rir. Deu uma boa gargalhada e, ao mesmo tempo, se pôs a bater no
peito de Ronny com os punhos cerrados, abanando a cabeça para espirrar água nele. Selena
também estava rindo. Desistindo de procurar o brinco, ela foi para junto dos amigos, agora
— Eu não disse que ia ficar bem fresquinha? disse Wesley, “gozando” de Amy.
A garota não reagiu do mesmo jeito que Vicki. Ficou parada pingando água, parecendo
meio atônita e com o ar de quem vai chorar. Ergueu a cabeça e olhou para Wesley, afastando
— Pois pode crer! replicou o rapaz, ainda com um sorriso brincalhão. E acho melhor
— Agora vocês é que vão sofrer, disse Vicki, pegando Amy pelo punho. Nós vamos
para o sanitário, e vocês terão de nos esperar. E não sei quanto tempo vamos demorar!
barraquinha que vende tortas. ‘Tá vendo aquela barraca ali adiante?
Vicki fez que sim, e as duas foram para o banheiro mais próximo. Selena ficou a olhar
Dezenas e dezenas de pessoas, todas parecendo muito alegres, passavam por Selena,
que permanecia parada no lugar. Teve uma sensação de tristeza, como a que sentira, certa vez,
quando estava com seis anos. A família toda fora assistir a um concerto à noite. Em dado
momento, ela se vira perdida, no meio da multidão. Os pais já haviam lhe ensinado que, se um
dia ela se perdesse, deveria ficar parada no lugar, esperando. Alguém viria buscá-la. Desta
Na outra ocasião, no concerto, ela ficara sozinha apenas alguns minutos. Seu pai logo
aparecera, com o semblante preocupado, à sua procura, e imediatamente pegara na mão dela
com firmeza. Recordava com nitidez as sensações que experimentara naquele momento.
Primeiro, fora o pavor que a dominara, por se ver perdida e sozinha. Em seguida, assim que o
pai segurou sua mão, o medo se evaporou e ela se viu envolta por um enorme sentimento de
conforto e segurança. No instante em que sentiu a mão do pai pegando a sua, ela se agarrou a
ele firmemente. Nunca mais queria passar por aquilo, por aquele temor e aquela impressão de
estar sozinha!
No entanto, ali estava ela, com dezessete anos, fazendo um passeio que quisera fazer,
com os amigos em cuja companhia desejava estar, mas tomada pelo medo. Estava dominada
por uma forte sensação de isolamento. Era como se tivesse voltado a ter seis anos de idade. Só
que, desta vez, ninguém viria pegá-la pela mão. Seu pai se encontrava a mais de mil e
Foi então que um pensamento lhe ocorreu. Era um desses pensamentos que começam no
achava a mais de mil e quinhentos quilômetros de distância. Estava bem ali, ao seu lado.
Ao compreender isso, sentiu enorme paz. O pavor e o medo gelados se dissiparam. Teve
a sensação de que Jesus, quase que imperceptivelmente, estendera sua mão ferida pelos cravos
e pegara a sua. Agora, o que ela tinha a fazer era agarrar-se a ela firmemente.
— Ó Deus, murmurou para o invisível, tú és tão real! Sei que es! E nunca vais me
Embora estivesse cercada de uma multidão agitada, Selena se sentiu envolta numa
calma intensa, que vinha da presença de Deus a seu lado. Piscou e correu os olhos à sua volta.
Teve a impressão de que as pessoas iriam ficar olhando para ela, como se seu cabelo estivesse
pegando fogo ou algo assim. É que se sentia totalmente diferente. Entretanto ninguém a
estava fitando. Evidentemente os outros não haviam tido aquela experiência de sentir a
presença de Deus, que ela tivera. Ele se manifestara apenas a ela. E, com o coração
transbordando de uma alegria intensa, encaminhou-se para o banheiro. Sentia-se outra. Não
era mais a garotinha de seis anos. Não se via mais perdida nem isolada dos amigos. Alguém a
Amy e Vicki achavam-se em frente ao espelho usando todos os produtos de beleza que
a segunda trouxera, empenhando-se ao máximo para dar uma melhorada na aparência. Amy
penteara o cabelo todo para trás e se posicionara embaixo do secador de mãos, tentando
enxugá-lo. Parecia que nenhuma delas notara que Selena não fora para ali com elas.
Afinal, elas acabaram ficando menos de dez minutos no banheiro. Amy já havia se
refeito do choque que levara ao tomar aquele “banho”. Agora assumia uma atitude
piadinhas e “gozando” uns dos outros. Alguém chegou inclusive a “amassar” um pedaço de
torta no rosto de Ronny. Selena pensou em relatar aos amigos a experiência que tivera pouco
antes, em que sentira a realidade da presença de Deus de uma forma como jamais
experimentara antes. Contudo logo percebeu que seria muito difícil ter uma conversa séria
com alguém que estava querendo mais é atirar-lhe um pedaço de torta no rosto.
chamando.
— É aquele brinquedo que faz...? continuou ela fazendo círculos no ar com o dedo.
mandam parar o brinquedo na hora e você tem de descer pela escada de emergência.
— Tem de sair assim mesmo, insistiu o rapaz. Tem uma rede embaixo, então você solta
Estavam caminhando mais depressa agora. Wesley, mais uma vez, ia à frente, e parecia
— Não da pra vocês aceitarem que algumas pessoas gostam de se arriscar e outras não?
continuou Amy falando mais alto. Quero dizer, por que tenho de sentir esse medo? Não dá pra
ver que existe gente que anda em montanha-russa e gente que não anda? Eu estou em minoria
aqui porque não gosto desse brinquedo. E daí? ‘Tá na hora de começarmos a respeitar as
Quando ela terminou seu pequeno discurso, Wesley já entrara na fila da “Cobra”.
Contudo, instantes depois, deixando Selena, Ronny e Vicki passarem à sua frente, ele saiu de
A fila estava andando rápido. Em seguida, dois rapazes entraram logo atrás dos três, e
Wesley não pôde voltar para junto deles. Quando Selena e os outros chegaram ao ponto onde
embarcavam, a garota se virou para trás. Viu que Wesley se inclinara ligeiramente e fitava a
amiga bem nos olhos. Depois ergueu o braço e passou-o em torno do ombro da garota.
Capítulo Treze
A fila para embarcar na “Cobra” estava indo tão rápida, que não deu mais para Selena
ver o que se passava entre Amy e Wesley. Será que ele estava conversando com ela, como
uma espécie de irmão mais velho? Ou quem sabe a garota começara a chorar e ele tentava
consolá-la! Ou será que Wesley expressava algum tipo de afeição pela jovem?
E por que será que isso ‘tá me incomodando tanto? Pensou. Sou totalmente a favor de
Vicki e Ronny namorarem. Então por que estou preocupada em que Wesley e Amy façam o
mesmo? Será que acho que ele é muito velho pra ela?
Logo em seguida, porém, ela se lembrou de que seu irmão não poderia estar interessado
em Amy. É que ele tinha certas exigências com relação às moças que namorava, e sua amiga
não preenchia esses requisitos. Para Wesley, o ponto principal era que a jovem fosse crente,
uma crente sincera. A própria Amy já reconhecera, por diversas vezes, que não o era. Então
por que Selena ainda se sentia meio nervosa ao ver Wesley dando atenção à garota?
“Cobra” e ouviam os gritos do pessoal que se achava nela. Vicki disse que algo a incomodava
ali. Referia-se aos estalidos que ouviam em toda a estrutura quando os carrinhos estavam
subindo a “montanha”, para chegarem à primeira descida. Selena acenou concordando, mas
não a escutava direito. Continuava a analisar seus sentimentos com relação a Wesley e Amy.
Quando afinal chegou a vez de eles pegarem o carrinho, Selena já havia entendido o que
a estava perturbando. Tinha ciúmes do irmão. Não queria que ele desse atenção a outra garota.
Ele era seu irmão mais velho e, se ficasse ligado em alguém, seu relacionamento com ela
mudaria.
Ao entender isso, em vez de ficar tranquila, a garota ficou mais tensa. Sabia que não
poderia controlar a vida de Wesley. E sua influência sobre a amiga se limitava à escolha de
roupas, quando faziam compras juntas. Portanto teria de abrir mão desse ciúme. É que tal
Senhor, orou, o que está acontecendo comigo? Tive duas revelações importantes, uma
em seguida da outra? Primeiro, tenho de me segurar firme, e depois, soltar... O que é isso?
fez sinal ao Ronny para que entrasse num banco onde havia lugar apenas para uma pessoa.
— Logo na frente! exclamou Vicki, agarrando o braço de Selena e entrando. Que foi
que eu fiz pra merecer esse castigo? Será que ainda dá pra mudar de idéia?
As duas se sentaram e o homem encaixou a barra de segurança, que dava à altura dos
comentar algo com Ronny. O rapaz se achava vários bancos atrás do delas.
Nesse momento, o carrinho deu um arranco e passou a rodar, balançando um pouco para
— Não esquenta, não, continuou ela para Vicki. Você vai gostar demais. É
simplesmente maravilhoso!
O carrinho ia subindo a rampa que levava ao alto, com os ruídos típicos de engrenagem
em movimento. Era tão íngreme que elas se achavam praticamente deitadas. Com o rosto
voltado para o céu, Selena notou que ele estava de um azul bem claro. À direita, um avião que
passava ia deixando um leve rastro de fumaça naquela imensidão. Agora já se aproximavam
do primeiro ponto alto da “Cobra”, de onde desceriam em queda. A sensação que a garota
percebia na boca do estômago era a mesma de quando alguém raspa a ponta da unha no
quadro-negro.
— Sabe o que mais? gritou para Vicki. Você tem razão. Quero dar o fora!
frente delas, só o ar, mais nada. A garota se agarrou à barra de segurança e soltou um grito
agudo, no momento em que despencavam até o ponto mais baixo da “Cobra”. O vento soprou
o cabelo delas para trás. Havia ainda a sensação de que o ar pressionava a pele do rosto,
afastando-a da boca aberta. Segundos depois, passaram por um círculo e, daí a pouco, por
Terminado o giro, saíram do carrinho roucas, tontas e meio “fora do ar”. Pararam ali e
ficaram a esperar o Ronny. Quando o rapaz saiu, vinha com seu sorriso típico, entortando a
boca. Era o único indício que ele dava de que o nível de adrenalina estava alto.
— Mas foi ótimo! exclamou Selena, em voz alta e um pouco rouca. O Wesley vai
Os três foram caminhando juntos, com os passos ainda meio incertos, esbarrando uns
nos outros, pedindo desculpas e rindo muito. Wesley e Amy se achavam a alguns passos da
saída.
— Você vai gostar demais! informou Selena para o irmão, assim que o avistou.
— Eu não, falou Vicki, dando um gemido. Pra que fui comer tanto?
— Nós achamos aqui um brinquedo que é mais do meu jeito, disse Amy para as amigas.
As três iam caminhando lentamente em direção ao brinquedo que Amy escolhera e que
— Estou bem, respondeu a outra. Gente, peço desculpas por ter causado um transtorno
pra vocês.
— Conversamos. Selena, esse seu irmão é maravilhoso! Você sabe disso, né? Claro que
sabe. Ele leva a gente a pensar direitinho, sem nos deixar com a sensação de que somos uns
Nesse momento, Selena avistou a placa que dizia “Corrida do Ouro”. Já iam quase
passando do brinquedo.
— É aqui, gente, disse. E a fila ‘tá bem pequena. Além de a fila ser pequena, pequena
também era a maioria dos componentes dela. Pareciam ter menos de dez anos, com exceção, é
— Não, creio que não, informou Amy. Acho que é uma montanha-russa mais lenta.
— Bom, interpôs Vicki, na verdade, as duas não teriam com que se preocupar.
— Não; estou querendo dizer que as duas juntas pesam quase o mesmo que eu.
— Que é isso? interveio Selena. Não chega nem perto. Por que ‘tá dizendo isso?
— E daí? ajuntou Amy. Você não ‘tá gorda nem nada. ‘Tá ótima. Você é você. E do
jeito que estiver, ‘tá sempre bem. A beleza não tem nada a ver com o tamanho da pessoa.
— É, eu sei, eu sei, concordou Vicki. Não vamos discutir sobre isso agora.
Selena se mostrou de acordo. O que ela queria naquele momento era saber por que Amy
— Então me conta, disse. O que foi que meu irmão disse que fez com que você se
sentisse melhor?
perfeitamente. Disse que não ia mais me forçar a nada. Perguntou se eu ainda estava muito
chateada por causa do “banho”. Expliquei que na hora fiquei muito aborrecida, sim. Mas
depois passou. Acho que sou assim com relação a uma porção de coisas, explicou, dando de
ombros. E foi só isso. Ele agiu comigo como um irmão mais velho, e eu gostei demais.
Nesse momento, as três subiram em um carrinho, que era pintado de dourado. Selena
ficou a se censurar interiormente por haver criticado a amiga e ter suspeitado dela. Entendeu
que deixara a imaginação “voar” demasiadamente. Compreendeu também que já que fizera
outros fatos também. E como estava meio confusa, será que se encontrava em condições de
tomar uma decisão tão importante como a escolha da faculdade? Afinal isso iria pesar muito
em sua vida.
Voltou a sentir o mesmo pânico de antes. Parecia que se esquecera de que, instantes
atrás, sentira Deus muito próximo dela, segurando sua mão. Suas emoções estavam como que
numa montanha-russa. Sua sensação, nesse momento, era de que elas giravam num daqueles
no futuro.
montanha-russa.
O brinquedo tinha o formato de uma mina de ouro, que se percorria num carrinho.
Selena também não achou que fosse grande coisa, principalmente depois de ter andado na
“Cobra”.
— Pois eu gostei, comentou Amy. Foi do meu jeito. Então parem de falar mal desse
brinquedo, viu?
Seguiram para o ponto onde iam encontrar Wesley e Ronny. Os dois já estavam lá e
“Queda Livre”. Selena e Vicki logo concordaram com o plano, mas imediatamente se
lembraram de Amy.
— Tudo bem, pessoal, disse a garota. Eu vou com vocês até lá e fico aguardando. Esses
aquela paixãozinha por seu irmão. Nesse momento, porém, não havia tempo para fazer uma
avaliação mais detalhada da situação. Os cinco logo saíram marchando para gozar as emoções
e os arrepios do “Batman”. Além disso, ela sentia que sua cabeça já estava transbordando de
— E se a gente não for estudar fora? disse ela de repente para Vicki.
— Eu estava só pensando. Quem sabe a gente fica em Portland mesmo e estuda numa
faculdade daquelas lá, ou até numa universidade? Assim poderíamos permanecer em casa.
Vicki dirigiu-lhe um olhar de espanto, como quem perguntava se ela havia ficado
maluca.
— Por que você ‘tá dizendo isso? indagou. Nesses últimos meses, você não falou de
outra coisa a não ser ir estudar fora. Selena, você é o nosso exemplo de garota aventureira,
que viaja o mundo todo. Não pode agora se acovardar e nos deixar na mão!
Selena olhou para Amy com ar pensativo. A amiga estava sentada em um banco, à
— O que quer dizer com isso? interpôs Vicki. Está falando deste brinquedo ou de
estudar fora?
Wesley passou o braço em torno dos ombros da irmã e lhe deu um leve aperto.
— É, minha sonhadora, parece que agora você ‘tá conhecendo a vida real, disse ele. E já
não é sem tempo. Eu gostaria de não ter de lhe dizer isto, mas tenho de informá-la que ignorar
o futuro não vai fazer com que ele desapareça, não. ‘Tá na hora de crescer, irmãzinha!
Selena sentiu o rosto avermelhar-se. Amy até que podia apreciar o jeito de Wesley para
dar aconselhamento, mas ela não. As palavras dele só serviram para deixá-la humilhada. Se
— Foi o melhor parque de diversões a que já fui! exclamou Selena no momento em que
banco. Dessa vez, achava-se no da frente, ao lado do irmão. Seu aborrecimento em relação a
esquecer das frustrações e incertezas e curtir as horas restantes que passariam ali.
— E este é o melhor suvenir que já peguei! disse Vicki, que se achava no segundo
Era um chaveiro, que tinha um minúsculo telescópio, ao fundo do qual estava a foto que
simples. Ó Wesley, Selena, caso ainda não tenha dito isto, muito obrigada por terem me
convidado pra vir com vocês. Estou gostando tanto que nem tenho vontade de voltar pra casa.
— Espere aí, interpôs Wesley, ainda temos mais dois dias. Pode ser que nesse tempo
— Ah, acho que não, retrucou a garota. Queria que esta viagem durasse um mês. Não,
dois meses. As férias todas. Ia ser tão legal! Passar as férias todas na estrada, na companhia de
amigos!
Selena compreendeu que todos estavam pensando que tudo seria muito diferente se
Brad e a Alissa, o casal que vai nos hospedar. Eles disseram que daqui até lá dá mais ou
— A que horas vamos ter de sair amanhã cedo? quis saber Selena.
— Cedo assim? comentou a garota dando um gemido. Você não quer ficar algumas
— É que eles vão à praia amanhã; e querem sair bem cedo, explicou o rapaz.
— Humm, praia seria uma boa! disse Amy. Será que não dá pra gente pelo menos
no “Rancho Corona”, que é às 11:30h. Depois disso podemos fazer o que quisermos. Ah, e
tenho de ligar pra Tânia, pra saber se ela ainda vai poder nos receber em sua casa amanhã. Ela
— Estou gostando cada vez mais desse sul da Califórnia, comentou Selena, erguendo os
braços acima da cabeça. Deve ser legal demais morar perto da praia, né? concluiu ela,
— Essa faculdade onde você quer estudar é perto da praia, Wesley? indagou Vicki.
— Não, replicou ele. Acho que fica a uns trinta ou quarenta quilômetros da costa, numa
“mesa”. Dizem eles que quando o céu ‘tá claro, dá pra ver o mar. E ao pôr-do-sol pode se
— É por isso que tem esse nome, disse Wesley. Parece uma mesa bem grande e plana.
Selena fechou os olhos e tentou imaginar uma escola localizada num lugar bem alto,
vendo o pôr-do-sol no Oceano Pacífico. Ao pensar nisso, sorriu. Visualizou uma fortaleza de
cores claras e brilhantes, cheia de gente que ama a Deus. Já estava gostando dessa faculdade,
embora não soubesse nada a seu respeito nem tivesse visto nenhuma foto de lá.
No dia seguinte, quando se dirigiam para lá e avistaram as colinas e a “mesa” de que seu
irmão havia falado, gostou ainda mais. Era por volta de 10:45h, quando saíram da rodovia
principal, ao sul do Lago Elsinore. Foi fácil identificar o lugar, pois era bem elevado e
perfeitamente plano. O céu, no alto, estava claro até onde a vista alcançava. Viam-se apenas
As encostas das colinas eram recobertas de flores silvestres. Sentiu uma forte expectativa.
Aquela região lembrava muito a Suíça, aonde fora no ano anterior, em companhia de sua
amiga Cris. Elas tinham feito um passeio pelas colinas verdes daquele país, vendo muitas
vacas e flores silvestres. Aqui o terreno era mais seco, em tons de marrom. E em vez de vacas
— “Universidade Rancho Corona”, leu em voz alta a placa da estrada. Virar à direita.
Wesley fez a conversão à direita e pegou a estradinha que dava para o alto da “mesa”.
Pela voz, ele parecia cansado. Aliás, todos estavam cansados e irritadiços. Haviam
dormido apenas cinco horas e meia, no chão do apartamento dos amigos dele. E Wesley viera
acordá-los bem cedo. Amy insistira em que queria tomar um banho, antes de partirem. Todos
concordaram em que seria uma ótima idéia. O apartamento possuía apenas um banheiro, e
Selena foi a última. E quando chegou sua vez, a água quente havia acabado. Teve de
contentar-se com um banho frio. Quando saiu, vinha resmungando, mas depois se arrependeu.
Reconheceu que não tinha sido uma atitude legal. Brad havia preparado um café da manhã
muito bom para eles: ovos fritos com presunto e bolinhos amanteigados. Wesley lhe dissera
que iriam tomar café na estrada, mas ele preparara a refeição assim mesmo. Agora, já
— Nós vamos ter de nos reunir com alguém da diretoria? Quis saber Amy. Quero dizer,
será que podemos apenas dar uma volta pela escola e ficar esperando-o? Ou você quer que
fizemos em Valência, com um dos alunos. Depois disso, vocês podem ficar à vontade e fazer
o que quiserem. Eu precisarei passar pelo menos umas três horas aí.
Chegaram ao ponto mais alto da estrada, que nesse instante fazia uma curva para a
esquerda. Daí a pouco, avistavam a entrada do campus, formada por duas pilastras de pedra.
Em cima, havia uma placa de madeira com as palavras: “Universidade Rancho Corona”.
Seguindo a sinalização, eles se dirigiram para a secretaria e estacionaram numa vaga que
— Não parece muito uma escola, comentou Amy. Parece mais um acampamento ou um
hotel fazenda. Gosto demais dessas telhas tipo colonial. Lembra os velhos filmes do “Zorro”.
— Esse era o estilo do início da colonização da Califórnia, explicou Wesley. Acho que
aqui antes era uma fazenda. Vamos perguntar isso à pessoa que for nos guiar na visita pela
escola. Vamos lá então? Vou deixar a chave com você, Selena, caso a gente se separe e vocês
Ronny estava no último banco, a cabeça encostada à janela, o boné cobrindo o rosto.
seguida, limpou o canto da boca com as costas da mão. Selena deu um sorriso. Ele parecia um
garotinho. Sentia falta do cabelo comprido que ele usava quando ela o conhecera. Era longo,
louro e partido ao meio. Ele vivia arrumando-o atrás das orelhas. Agora, porém, fazia meses
que o cortara. Contudo, em dados momentos, como nesse instante, a cabelo tinha a tendência
Selena estava ansiosa para conhecer a escola. O lugar era belíssimo. Ao lado do prédio
da administração havia uma buganvília, com flores vermelhas, que chegava até o telhado.
Wesley se dirigiu para a secretaria e ela o seguiu, enquanto os outros, mais demorados, iam
agradável. Na recepção, havia uma mesinha de estilo moderno, de formato oval, onde se
Assim que eles entraram, ela os olhou e imediatamente deu um sorriso amplo e
Ainda sorrindo, a jovem se levantou e deu um forte aperto de mão em cada um.
Selena deu uma olhada para o irmão. Estava achando aquela acolhida um pouco
exagerada.
— Tem uma pessoa aqui que está ansiosa para vê-los, disse ainda a moça. Vou chamá-
la.
— Eles já chegaram?
muito bem. Logo em seguida, sentiu que alguém a abraçou, apertando-a com força, e ouviu
mais risadas bem junto ao seu rosto. A única dica que tinha para identificar a recém-chegada
que a estava recepcionando com tanto entusiasmo era aquele cabelo ruivo que “dançava” em
afastava da amiga para olhá-la melhor. Ah, não acredito! O que você ‘tá fazendo por aqui?
— Eu estudo aqui, sua pateta! replicou a ruivinha agitada, explicando tudo num só
fôlego. Você não sabia disso, não, né? Na semana passada, você mandou um e-mail para a
Cris, dizendo que viria aqui, pois seu irmão queria conhecer a escola... Ei, você deve ser o
Wesley, né? Eu sou a Katie! Então pedi a Dianne aqui, que é minha colega de quarto, que
checasse a lista de visitantes e me dissesse o dia e a hora em que viriam. Agora vocês estão
aqui. Dianne, quero lhe apresentar o Wesley e a Selena. Gente, esta aqui é minha amiga,
Dianne.
— Quando ela me disse que vocês viriam hoje, eu, como gosto muito de surpreender os
outros, não a avisei porque queria que vocês tivessem essa surpresa. E tiveram! É ou não é
Selena estava rindo muito ao ver como o rosto da amiga se avermelhava quando ela
falava sem parar. Com isso, nem notou que Vicki, Amy e Ronny haviam entrado e se
Katie virou-se bruscamente, fazendo dançar o cabelo liso que lhe dava pelos ombros.
— Vou! respondeu a própria. Eu me ofereci pra levar vocês. Olá pessoal! Meu nome é
Katie. A Selena provavelmente nunca lhes falou a meu respeito. É que nós só fizemos um
pequeno passeio juntas: fomos à Inglaterra e à Irlanda, no ano passado, concluiu ela,
ironizando.
— Ah! exclamou Amy, aproximando-se dela. Você disse que seu nome é Cris?
A garota ergueu os braços e correu os olhos pelo grupo, fazendo um ligeiro movimento
de cabeça.
— ‘Tá vendo o que digo? perguntou. Não! Eu sou a outra, a Katie. Mas todo mundo só
lembra da Cris e só fala dela. Só mandam... e aqui ela deu uma olhada significativa para
Selena ...e-mails pra ela. Eu? Sou apenas a Katie. Amiga de todo mundo; namorada de
ninguém!
A essa altura, todos estavam dando risada, inclusive a Dianne, que deveria estar
— Bom, pessoal, disse Katie, é melhor sairmos logo daqui, antes que alguém venha nos
passar uma repreensão. Vamos começar nossa volta pelas dependências da escola. Este prédio
é o administrativo. Neste corredor, ficam as salas dos diretores, as secretarias, etc. Wesley,
sua entrevista com o Prof. Scofield será naquela segunda sala da direita. Mas é daqui a vinte
O rapaz parecia cativado pela espirituosidade de Katie e por seu encanto simples.
Katie saiu com eles pela porta de entrada e foi caminhando. Passaram por outros prédios
de salas e escritórios e chegaram a uma ampla área central, uma espécie de praça. No centro
dela, havia uma fonte, revestida de ladrilhos azuis. À volta dela, viam-se bancos de ferro
batido. À esquerda, havia algumas palmeiras altas, com suas folhagens elegantes sussurrando
ao vento. Aquele ruído, quase uma música, dava ao ambiente uma sensação de calma e
tranquilidade. Alguns alunos estavam sentados à beira da fonte. Descalços, eles balançavam
os pés dentro da água. Outros achavam-se sentados ou deitados nos bancos, à sombra, lendo,
Aquele prédio comprido ali, de I dois andares, é a biblioteca. O outro ao lado dele é o Edifício
Hannan. É lá que temos aulas de inglês e outras línguas. O que fica atrás dele é o bloco de
ciências, com laboratórios, etc. Aquele outro, deste lado aqui, à esquerda, é o Dishner, o
— Iremos lá. Podemos ver todos, se vocês quiserem. Mas primeiro vamos ao Centro
Estudantil.
O centro ficava atrás do Edifício Dishner, à direita. Katie os conduziu ao prédio, que
tinha dois andares, mostrando as caixas de correspondência e a sala de jogos, que ficava no
primeiro piso. Subindo ao segundo, levou-os a uma ampla sala de visitas, que dava para um
terraço aberto. Dali se avistavam a piscina, o ginásio de esportes, as pistas para corrida e um
campo de beisebol.
— O mar fica para aquele lado, explicou a garota, apontando para a direita. Hoje tem
muita poluição, mas às vezes dá pra avistá-lo claramente. Em geral, a gente só o enxerga bem
Selena ficou parada no terraço, tentando imaginar a cena que veria, se as amareladas
nuvens de poluição se afastassem, deixando o céu limpo. Algum dia, gostaria de ver essa
paisagem. Katie já estava lá embaixo, no gramado, junto com o resto do grupo, e de lá acenou
para a amiga.
— Vamos, Selena! Ainda temos mais alguns pontos pra visitar antes de o Wesley voltar
O lugar em si já era belíssimo. Tinha a sensação de estar vivendo um sonho. E o fato de estar
fazendo aquela visita guiada pela Katie aumentava ainda mais essa impressão.
O prédio que viram a seguir foi a cantina, a mais recente construção da escola.
Eu mesma não a peguei. Quando vim pra cá, havia quatro dias que tinham inaugurado essa
semestre, explicou ela, inclinando-se para a amiga. Tem só três meses que estou aqui. É por
isso que você não sabia de nada. Na realidade, acho que nem lhe contei. Eu estava brincando
— Ah, mas foi tão bom vê-la! disse. Tem de me contar tudo. Quero saber notícia de
todo mundo.
— Ah, a gente dá um jeito nisso, replicou Katie com um sorriso significativo. Bom,
agora vamos levar seu irmão para a entrevista dele e depois voltamos para a cantina, onde
— Querem marcar um lugar pra gente se encontrar depois, pessoal? indagou Wesley.
Ele parara a porta do prédio administrativo. Parecia sem vontade de se separar do resto
do grupo.
— Depois que almoçarmos, disse Katie, vou levá-los para o dormitório. Quando você
terminar a entrevista, peça a Dianne pra ligar para o meu quarto. Que tal assim?
— Ótimo, concordou ele. Então até mais!
Selena notou que o irmão estava correndo os dedos pelo cabelo, na lateral da cabeça.
O grupo se dirigiu para a cantina. Haviam ganhado tíquetes gratuitos para visitantes.
Katie fez com que todos os aproveitassem bem, experimentando todos os pratos à disposição
deles, que eram bastante variados. Selena se serviu de um sanduíche de peito de peru, uma
salada e um copo de leite. Contudo mal prestou atenção ao que comia. Estava “bebendo” cada
palavra da amiga.
Na opinião de Katie, a escola era “tremenda”, e ela pensava fazer os últimos semestres
do curso superior ali. Nela estudavam também alguns amigos de Katie e Cris, que Selena
ficara conhecendo no ano anterior, quando viera à Califórnia para assistir ao casamento de
Douglas e Trícia. Agora Selena estava toda empolgada, pensando em como seria legal
frequentar essa escola, ao lado de todos aqueles amigos. E seria muito bom mesmo, já que seu
irmão também iria concluir os estudos nesse lugar. Imersa em seus sonhos, não ouviu Amy
— ‘Tá bom pra você assim? repetiu a outra, dando-lhe um toque no braço.
— Ahn? O quê?
— Eu e a Vicki vamos dar uma volta por aí. O Ronny voltou ao balcão pra “repetir”. E
Selena percebeu um leve tom de mágoa na voz da colega. Não fora sua intenção deixar
Vicki e Amy de lado. Mas aquela ali era Katie, uma pessoa especialíssima. As outras iriam
compreender isso.
— Vocês não vão querer conhecer os dormitórios? indagou Katie ao ver Amy se
levantando da mesa.
da camiseta para enfatizar o que dizia. Quero ver se esse Sol da Califórnia me deixa com uma
corzinha melhor. Aposto que você logo percebeu que somos do Oregon, não foi?
— Não! respondeu Katie, dando um tapa no ar. Vocês pareciam gente daqui mesmo!
Nesse instante, Ronny chegou com uma bandeja cheia: um sanduíche, três copos de
— Onde foi que você pegou esse iogurte? quis saber Vicki, que estendeu a mão, passou
o dedo na pontinha do sorvete e provou-o. Humm, que delicia! Amy, vamos pegar também!
Você quer?
Se a garota queria ou não, ela não disse, mas levantou-se e acompanhou Vicki. E as
duas se dirigiram para uma máquina de auto-atendimento que ficava num canto do refeitório.
— Eu queria conhecer era o prédio dos cursos de música, replicou o rapaz, dando uma
mordida no sanduíche.
— Claro, concordou Katie. É uma questão de prioridade. E para os rapazes, pelo menos
para a maioria dos que estudam aqui, comer é a prioridade máxima. Principalmente para o
Douglas. Eu lhe contei, Selena, que ele e a Trícia vem aí toda quinta-feira à noite pra dar um
estudo bíblico?
aqui é “Amigos de Deus 2”, por causa do grupo que eles formaram em San Diego uns anos
atrás.
— Ah, deve ter sido a esse grupo que Tânia foi com Jeremy, comentou Selena.
— É, e agora me lembrei, disse Katie. Quase ia me esquecendo. Liguei pra sua irmã e
ela disse que vocês iriam pra casa dela hoje à noite. Mas se vocês quiserem, podem dormir na
escola. Alguns alunos daqui vão passar o final de semana em casa, e disseram que vocês
podem ficar no quarto deles, se quiserem. Vocês decidem. A Tânia pediu que ligassem pra
— Eu gostaria muito de ficar, concordou Selena, mas tenho de ver o que os outros
querem.
— Esses tíquetes gratuitos servem para o jantar também? quis saber Ronny.
Katie riu.
— Não, sinto muito, replicou. Mas na cidade aqui perto tem uma churrascaria que, pelo
A primeira parecia muito satisfeita com o sorvete, mas Amy dava a impressão de estar
— Gente, quero apresentar a vocês o Antonio, disse ela, sorrindo para o simpático
rapaz.
Contudo o “alto, moreno e simpático” não lhe retribuia o olhar. Estava fitando Selena.
Selena bella! exclamou ele com seu forte sotaque italiano. Há quanto tempo não a via!
rosto avermelhar-se. Vendo a expressão de espanto de sua amiga, decidiu logo dar uma
explicação.
— Como vai, Antonio? É mesmo! Não o vi mais depois do casamento de Douglas e
Trícia, no ano passado. Então você já ficou conhecendo minhas amigas Amy e Vicki, não?
Ronny, que estava com a boca cheia, fez um amistoso aceno de cabeça para o recém-
chegado.
copinho de iogurte, que estava escorrendo. Olhe só a bagunça que fiz! Não consegui fazê-la
— A Katie me contou que vocês viriam aqui, disse Antonio, sentando-se à mesa, em
frente de Selena e Ronny. Em seguida, deu uma piscadinha para Katie e indagou:
Selena logo pensou que havia um romance se iniciando entre ele e sua amiga. No ano
anterior, Katie havia deixado bem claro que tinha interesse no italiano. Aliás, eles formavam
um par muito interessante. Antonio ficava a pronunciar as palavras de forma errada, fingindo
que não sabia a língua direito, só para Katie corrigi-lo. E esta “caía” em todas. Só que, se
havia um princípio de namoro entre eles, nenhum dos dois estava agindo como tal.
— Ah, não? interpôs Selena. Agora não adianta mais. Um de vocês tem de nos contar
tudo!
Selena fez um gesto para o colega, indicando que ele estava com o canto da boca sujo
Katie pegou a própria pele entre o polegar e o indicador, como que a verificar sua
gordura. Selena não conseguia imaginar a amiga com uns quilinhos a mais. Sendo uma pessoa
— Aqui eles chamam isso de “os sete do calouro”. Todo mundo que entra aqui logo
engorda uns sete quilos. Mas acontece até com quem já entra no segundo ano, como eu.
— Minha prima disse que engordou quase cinco quilos, no primeiro ano da faculdade,
sorvete.
— Então ela deve ter estudado numa faculdade estadual, contrapôs Katie, dando um
Selena sentiu voltarem seus temores. Nunca tentara fazer regime para emagrecer. Seu
corpo, que demorara um pouco para “desenvolver”, mantivera sempre a mesma forma até uns
seis ou oito meses atrás. Agora ficou preocupada ao ouvir que todo primeiranista
normalmente engordava um pouco. Isso significava que teria mais uma área de sua vida em
— Ó gente, disse ela prontamente, querendo alterar o rumo da conversa, vocês estão
tentando mudar de assunto. Vamos voltar para aquela novidade que o Antonio mencionou.
Antes que ela pudesse continuar, porém, Selena tapou a própria boca com a mão, como
— Não! Espere aí! Disse Katie prontamente. Não é o que você ‘tá pensando, não! Eles
não ficaram noivos! Ainda não! Pelo menos, até onde sei, não! Mas, pensando bem, eu
— Já esqueceu? interpôs Amy, ainda com um tom magoado. É a amiga da Selena que a
— Na verdade, corrigiu Selena, foi a Marta, tia dela, que nos levou à Suíça. É, foi com
ela que fui lá, sim. E o Ted é o namorado dela. Eles já namoram há séculos! Só que agora Cris
‘tá estudando na Suíça e ele ‘tá aqui. Ele já deve se formar este ano, não é Katie?
— Não, disse. Ele deu uma parada. No momento, o Ted não ‘tá estudando nada. ‘Tá só
— Ele vai começar o último ano agora, quando as aulas se iniciarem, explicou Antonio.
E se você quiser saber onde ele vai encerrar os estudos, vai ser na Rancho Corona.
— E tem mais, interveio Katie, fitando o colega com um brilho de irritação nos olhos
verdes. O resto da notícia, que alguém aqui não conseguiu guardar, é que a Cris também já foi
aceita nesta universidade. Então, no próximo ano letivo, vamos estar todos juntos aqui.
— Puxa, gente! exclamou Selena, lembrando-se de como se sentia unida a essa turma.
Apesar de todos eles serem mais velhos que ela, não a menosprezavam nem a faziam se
sentir inferior.
— Pra nós? indagou Katie, fazendo um aceno na direção de Selena, Ronny, Amy e
Vicki. E que tal todos nós, incluindo vocês quatro? Ah, e Wesley também! Vocês vão ter de
— É, mas a gente precisava primeiro ver um catálogo da escola, interpôs Vicki, rindo da
ordem que Katie estava dando. Quero dizer, o campus é maravilhoso, e os alunos também.
Ninguém nega isso. Mas não é exatamente isso que meus pais vão perguntar quando eu
chegar em casa.
informações pra cada um de vocês, informou Katie. Era pra eu ter lhes dado assim que
chegaram. Desculpem a minha falha. Podemos ir pegá-los agora, antes de irem para a piscina
— Então vamos, disse Ronny, levantando-se e pegando a bandeja vazia. Onde é que eu
deixo isto?
Quando saíam da cantina, Selena notou que Amy ainda parecia um pouco melancólica.
Será que estava frustrada porque Antonio não se ofereceu para ir com ela e Vicki para a
piscina?
pacote com panfletos informativos. Quando já se separavam para irem cada um para o lugar
que desejava, Wesley apareceu no saguão. Tinha no rosto um sorriso tranquilo. Selena
compreendeu que a entrevista com o diretor financeiro da escola lhe fora favorável.
— Pensei em dar uma chegada na cantina, disse Wesley. Tenho uma entrevista com
outro diretor às 2:30h. O que vocês acham? Vamos nos encontrar de novo aqui?
Selena lhe contou que haviam sido convidados para dormir aquela noite na escola.
Poderiam fazer isso, se quisessem, em vez de ir para a casa de Tânia. O rapaz consultou os
outros, e eles se mostraram desejosos de ficar ali, com exceção de Amy. Inicialmente ela
Embora ela não estivesse “forçando a barra”, deixava claro que desejava bastante esse
passeio. E Selena até que lhe dava razão. Se nunca tivesse estado numa praia do sul da
Califórnia, com certeza iria ficar sentida de perder a oportunidade de ir a uma delas.
de ligar para Tânia. Cada um faria o que quisesse até 5:30h, quando então se reuniriam perto
da van, para irem à churrascaria que Katie recomendara. Passariam aquela noite em Rancho
Corona. No dia seguinte, sábado, começariam a viagem de regresso e tentariam visitar pelo
menos mais uma universidade. Wesley se mostrou irredutível quanto a estar de volta às aulas,
em Corvallis, na segunda-feira de manhã. Não poderia perder a primeira aula. Assim sendo,
não poderiam ficar muito tempo por ali no sábado, já que a viagem era longa. Todos
Tudo acertado, o grupo se separou. Selena foi com Katie para o dormitório. Assim que
— E aí, Katie, o que aconteceu entre você e Antonio? Achei que os dois estavam bem
interessados um no outro.
— Eu e Antonio? repetiu a outra com um brilho diferente no rosto. Ah, sim! No ano
— Nada, replicou Katie, dando uma risada. O que houve exatamente foi “nada”. Esse
Antonio é um namorador, caso você ainda não tenha percebido isso. Eu fui a última mulher da
Terra a descobrir que aqueles beijinhos no rosto e as palavrinhas melosas é jeito dele. Trata
todo mundo assim, ou pelo menos todas as garotas, continuou ela, abanando a cabeça. E eu
sou meio lerda pra perceber esses fatos, quando se trata de rapazes. Então achei que ele me via
como uma garota muito especial. Afinal, um dia acordei, bati com a cabeça na parede, e o
sonho acabou.
— Que pena! exclamou Selena, sentida pela amiga. Achei que vocês formavam um
lindo casal!
— Todo mundo achou! ajuntou Katie. Portanto, quando alguém lhe disser que você
forma um lindo par com algum rapaz, não fique muito esperançosa, não, viu? Chegamos,
O dormitório era construído no mesmo estilo colonial, como todos os outros prédios do
abriu automaticamente.
O primeiro lugar que chamou a atenção de Selena foi um pátio interno que havia no
estudantes. Era pavimentado com lajotas vermelhas e tinha um pequeno jardim com árvores
grandes. Debaixo destas, via-se uma pequena fonte, ao redor da qual havia alguns bancos.
As duas iam caminhando e passaram por várias estudantes, que cumprimentavam Katie.
— Puxa, eu não contei a historia desta escola durante o passeio pelas dependências
dela? Ah, não! Nunca mais eles vão me contratar como guia! Esqueci de lhes contar isso!
— Por volta da década de 1920 ou 30, sou péssima pra guardar datas, essa propriedade
toda pertencia a um homem chamado Miguel Perez. Ele e a esposa queriam ter uma plantação
de laranja aqui na “mesa”. Não deu certo porque houve uma seca, ou algo assim. Ele desistiu
— Como será que ele trouxe as vacas aqui pra cima? quis saber Selena.
— Sei lá, replicou. Naquela época já havia caminhões, né? Bom, o Sr. Perez havia feito
um voto a Deus dizendo que daria pra Deus metade dos lucros que obtivesse com o gado; e
cumpriu o que disse. Durante vários anos, a fazenda deu muito lucro. Ele destinava a metade
pra instituições cristãs. Uma dessas era o Instituto Bíblico Aberto, de Los Angeles!
— Acho que na época era a melhor faculdade cristã que havia. Quando Perez morreu,
ele não tinha filhos, então deixou tudo para o I.B.A. de Los Angeles. Então a Universidade
— Que presentão, hein?! exclamou Selena. Então a fazenda aqui devia se chamar
de uma cruz com uma coroa dourada em cima. É muito bonito. Antes de vocês irem embora,
O aposento não era muito grande. Havia uma escrivaninha só para as duas ocupantes
dele. No meio dela, havia uma estantezinha estreita, dividindo a mesa em dois lados, um para
cada estudante. As camas eram de bom tamanho, e cada uma se achava encostada a uma
parede. Os armários embutidos ficavam de um lado e outro da porta. Selena ficou espantada
com o aspecto simples do quarto. Os da outra faculdade, a Valencia Hills, eram suítes, e bem
mais elegantes.
Não foi difícil saber qual era o lado de Katie. Havia muito poucos enfeites. O seu
quadro de avisos estava repleto de fotografias. Muitas delas eram de conhecidos de Selena.
Aproximou-se mais a fim de examinar melhor os retratos. Para sua surpresa, havia um dela ali
também. Ela o tirara em frente ao castelo de Carnforth Hall, onde tinham se hospedado na
Inglaterra. Achava-se à porta, e bem junto ao seu rosto via-se a enorme aldrava no formato de
- Ah, eu me lembro de você batendo esta foto, disse Selena. Ainda tenho essa jaqueta.
Estava apontando para um outro retrato da garota, em que ela estava sentada sobre um
muro de pedras, junto com outros amigos. Nesta se viam as famosas botas de cowboy.
— Tenho e ainda uso, respondeu ela, apontando para outra foto. E quando foi que bateu
Katie inclinou-se para a frente para ver melhor. As duas estavam usando umas
camisetas enormes e tinham amarrado o cabelo no alto da cabeça. Seguravam no meio delas
— Acho que não foi nessa ocasião que ficamos amigas. Foi em uma outra, numa outra
— Agora, sim. Agora estamos nos dando muito bem. Mas antes não éramos, não. Quero
dizer, não éramos as três ao mesmo tempo. Faz só alguns meses que estamos mais unidas. É
por isso que acho sensacional que você e a Cris sejam amigas há tanto tempo.
— E vai ficar melhor ainda quando as aulas começarem e ela vier pra cá. Já fiz inscrição
na secretaria pra ficarmos no mesmo quarto. Vai ser tão legal, com você também e seus
— E por que não seria? indagou Katie. Quero dizer, por que vocês não iriam querer vir
estudar aqui?
que tiver notícia. E também pode se inscrever num programa de trabalho para o estudante,
como eu fiz. Assim ganha o dinheiro pra suas despesas e estuda ao mesmo tempo.
— Bom, eu vou me formar em agronomia, acredite se quiser. Sei que é meio estranho,
mas desde que estudei botânica, no ensino médio, me interessei por isso. Sinto uma vontade
enorme de saber como é que a natureza opera. Então eles me arranjaram um serviço na nossa
horta orgânica. Trabalho uma média de duas horas por dia. Ah, eu não mostrei a horta pra
vocês não, né? Ela fica ao lado da piscina e é projetada em formato de plataformas. No
sábado, há uma feira numa cidade próxima. A gente vai lá e vende muitas de nossas verduras.
tipo especial de chá aromático. Eu devia ter lhes mostrado a horta. Já plantei as mudinhas, e
bom. Você pode fazer rádio, jornalismo e, vídeo, o que quiser. No ano passado, houve um
representantes ficaram em segundo lugar. Já estou vendo Selena como uma das principais
Selena olhou para a amiga entusiasta e lhe deu um sorriso de dúvida. Katie inclinou a
— ‘Tá bom, continuou Katie. Já entendi. Como é o nome dele e onde ele está
estudando?
Selena ficou admirada com a capacidade de percepção da outra. Decidindo abrir-se, deu
um sorriso suave.
— Ele se chama Paul e está estudando na Universidade de Edimburgo. Não sei onde vai
Katie fez uma expressão de quem parece confuso. Logo em seguida, porém, deu
— Paul, hein? Ah, não é aquele que uma vez a viu andando na chuva com um buquê
nos braços?
— De lírios amarelos. De vez em quando ele ainda me chama de “princesa dos lírios”.
— Escrevemos um para o outro duas ou três vezes por mês, mas é só. Você sabe que ele
— O namorado da Tânia? indagou Katie, inclinando-se para a frente. Ah, agora a trama
‘tá se complicando, comentou com voz dramática, em tom de suspense. ‘Tá ficando cada vez
mais interessante.
— É, interveio Selena, só que não há nada de definido. Nem sei por que mencionei o
nome dele. Ele me disse que voltaria para os Estados Unidos no final de junho. Então eu
faculdade?
E tentou conter a imaginação, antes que ela começasse a voar, subindo alto como uma
pipa.
— É, mas isso pode acontecer, disse Katie, dando um sorriso significativo. Olhe o Ted e
Quando Katie falou em “montes”, ela se lembrou do momento em que passaram pelo
— Assim que chegarmos lá embaixo, Katie, você terá de me explicar o caminho, disse
— No primeiro sinal, você vira à direita. Anda mais ou menos um quilômetro e já é ali,
Katie estava no banco do meio, com Antonio e Amy. Vicki ia na frente. Selena, Tânia e
Ronny se achavam no banco de trás, no “cantinho do ronco”. Tânia tinha vindo para a
Universidade Rancho Corona para passar algumas horas com o grupo. Parecera ter ficado
Mais ou menos um ano atrás, Tânia viera morar na Califórnia para trabalhar como
modelo. Acabara vendo que a profissão não era tão maravilhosa como havia imaginado.
Contudo estava se dando bem e, ao que parecia, sentia-se feliz de estar cuidando da própria
vida.
— É ótima, replicou Selena. O que você acha? Devo vir estudar aqui?
— Tânia fez que sim. Ela havia torcido o cabelo, numa espécie de “banana”, e o
prendera no alto da cabeça. No momento em que fez o aceno, alguns fios se soltaram, caindo
ao lado do rosto. Todas as vezes que Selena a via, o cabelo dela estava com uma cor diferente.
Nesse dia, era louro caramelo, parecido com a cor do de Selena. Contudo a semelhança entre
Tânia descobrira sua mãe biológica, que se chamava Lina Rasmussen. Ficara sabendo
também que ela lecionava na Universidade de Nevada, em Reno. Escrevera-lhe uma carta,
mas a mãe não lhe respondera imediatamente. Então pensara em ir estudar nessa cidade para
tentar vê-la. Contudo, um pouco mais tarde, Lina lhe escrevera e marcara um encontro entre
as duas. Depois disso, elas já haviam se encontrado duas vezes. Além disso, telefonavam uma
— Jeremy lhe contou que o Paul vai voltar no final de junho? indagou Selena.
— Ainda não entendo por que vocês se correspondem pó carta, em vez de mandarem e-
Selena sorriu silenciosamente. Uma carta era tão mais romântica do que um e-mail E
exigia mais da pessoa. Ela precisava ter o trabalho de pegar uma caneta e elaborar um texto
bem feito, com muitas notícias, e extravasar certa dose de ternura. E, no momento, esse era o
único “presente” que ela podia mandar a Paul — seu tempo e esforço. E sabia que, quando ele
— Nada. Só estou curiosa pra saber o que o Paul vai fazer. Jeremy disse que a maioria
estava bem cheio. Na fachada, no alto, havia uma placa luminosa que dizia: Sam's
— Deve ser, replicou Selena, vendo que a turma começava a sair do carro.
— Quando Wesley ligou e disse que iríamos jantar fora, não foi isso que imaginei,
— Puxa! exclamou Katie gritando, quando entravam no restaurante. Este lugar hoje ‘tá
movimentado!
Ela teve de gritar porque o som ambiente tocava uma estridente música country. Do
lado direito do salão, via-se longas mesas rústicas, do tipo usado em áreas ao ar livre. À
— Eu tenho ouvido boas referências deste aqui, respondeu Katie, também falando aos
berros.
Sem se deixar demover pelo comentário da jovem, Katie foi à frente do grupo,
— É, acho que vamos ficar aqui mesmo, continuou Tânia. Será que servem saladas?
numero de porções. A menor constava de seis pedaços de costela, e era para crianças. Havia
outra com doze, outra com dezoito e outra, a maior, com vinte e quatro. Esta última dava
direito a repetição.
Tânia e Amy, meio duvidosas, pediram a porção menor. Contudo o garçom que as
atendeu não quis servi-las. Alegou que o prato era para menores de doze anos, e elas não se
encaixavam na categoria. Katie, percebendo o impasse, logo resolveu interferir. Com seu jeito
seis pedaços. Argumentou que as duas só iriam querer aquela porção ou então nada. E se o
restaurante quisesse agradar aos clientes, teria de desistir desse regulamento. Selena pediu o
prato médio, com doze pedaços. Pagou-o e foi seguindo a fila, atrás de Vicki, que pedira o
mesmo. As duas ficaram admiradas quando viram a quantidade de comida que havia na
bandeja. Só as costelas ocupavam toda uma travessa. Em outra travessa menor, vinham os
acompanhamentos: feijão, salada de repolho e uma espiga de milho, além de uma grossa fatia
de pão.
encaminhava para uma das mesas longas onde os outros já se acomodavam. Se fôssemos
— Acho que eu vou arriar! comentou Vicki. Não tem nem jeito de eu comer tudo isso!
— O bom foi que nós trouxemos aqui o Ronny. Qualquer coisa, ele se encarrega do
resto!
— Ótimo restaurante! exclamou Wesley, virando-se para Katie quando todos já estavam
sentados.
Ele e Ronny haviam pedido a porção maior, e ambos tinham precisado pegar duas
bandejas para levar tudo. A mesa que haviam escolhido era a mais afastada dos alto-falantes.
Ali o barulho da música não era tão forte, e dava para conversar. Wesley ofereceu-se para orar
agradecendo o alimento.
— Acho que seria mais certo pedir perdão por nossa glutonaria, comentou Katie.
Wesley riu e sugeriu que todos se dessem as mãos para orar. Selena notou que ele
estava ao lado de Katie. Assim que ele terminou, eles disseram “Amém” e, em seguida
atacaram as costelas com muita vontade. Todos, menos Tânia e Amy. As duas se puseram a
— Ah, deixem disso! brincou Katie. Vocês não precisam recortar isso aí certinho.
E para demonstrar, ela agarrou um pedaço com as duas mãos e o levou à boca. O molho
— Você ‘tá com um sujinho aqui, disse-lhe Wesley, indicando um ponto no rosto dela.
E num gesto rápido, ela estendeu o braço e passou o dedo num lado do rosto do rapaz,
manchando-o de vermelho.
Para espanto de Selena, Wesley deu uma risada. Em seguida, “retribuiu a gentileza”,
fazendo o mesmo numa das faces da jovem. Para ficar quite com ele, Katie sujou a outra face
dele. Vicki e Antonio riam às gargalhadas das brincadeiras dos dois. Selena estava rindo e se
divertindo também, contudo sentia certo aperto no estômago. Era a mesma sensação que
tivera quando pensara que Amy estava interessada em seu irmão. Agora, em vez desta, era
A garota ficou quieta e pensativa. Pegou sua espiga e se pôs a comê-la. Enquanto isso,
ia se censurando por abrigar um ciúme tão infantil com relação a Wesley. Precisava parar com
esses sentimentos de posse em relação a ele. Não poderia passar o resto da vida analisando as
Tomou um grande gole de leite e, naquele momento, decidiu afastar da cabeça essa
criancice. Tinha de resistir a essas sensações de insegurança que tinha para com Wesley. Na
fase da vida em que se achavam, precisava olhar para ele mais como um amigo, e não como
um “irmãozão” querido. Assim seria menos tentada a procurar decidir quem ele poderia ou
não namorar. O mais engraçado, porém, era que o rapaz não estava namorando ninguém. E,
até onde ela sabia, fazia um bom tempo que não arranjava uma namorada. Talvez seu receio é
que, como ele estava ficando mais velho, ao procurar uma namorada, ele já estivesse
“escolhendo” a esposa. E a questão era que ela queria dar palpite nessa “escolha”.
Nesse momento, chegou à conclusão de que não era ela quem teria de escolher. Não se
tratava da vida dela, mas da de Wesley. Sua parte era amá-lo e dar-lhe todo o seu apoio. E a
melhor maneira de fazer isso era deixando de lado suas suposições e expectativas.
Estranhamente, esse exercício mental pareceu aumentar sua fome. Então “atacou” as
— Será que lá no Texas realmente eles têm dessas costelas? indagou Antonio.
Ele se achava sentado em frente de Selena, mas dirigiu sua pergunta a Amy, que estava
ao lado dele.
— Nem eu, disse ele, pegando um guardanapo na pilha que havia no centro da mesa. Na
— Meu tio é de lá também. Não me lembro do nome da cidade, mas é dessa região. Ele
tem um restaurante italiano em Portland, continuou ela, dirigindo ao rapaz um belo sorriso.
— O que eu acho de quê? perguntou a jovem, que pegara um pedaço de pão e o estava
— Não é ruim, não. Talvez eu pudesse apreciá-la mais se não soubesse que contém
muitas calorias. Na semana que vem, devo fazer umas fotos para uma revista. Isso significa
— Você não detesta isso tudo? Esse negócio de ter de se preocupar com seu peso e de
— Ah, eu procuro não me preocupar, explicou Tânia. Pelo menos agora não me
preocupo tanto quanto antes. É um aspecto da profissão que escolhi. Se eu fosse atleta, por
exemplo, teria de treinar todos os dias pra me sair bem. Como sou modelo, tenho de cuidar da
— Não, eu não quis dizer isso, replicou Selena, lembrando-se do que tinha ouvido
acerca dos calouros que engordam no primeiro ano da faculdade. O que eu pensei foi que
deve ser penoso ter de vigiar tudo que a gente come o dia todo.
— Às vezes, é, concordou a irmã, num tom menos defensivo. É, mas acho que qualquer
atividade nesta vida pode se tornar penosa. Acredito que todo mundo tem de decidir que
— É, tem razão, concordou Selena pensativa. Isso que você disse é uma observação
bastante profunda.
A garota não estava acostumada a ouvir a irmã emitir esse tipo de comentário.
afastando de si o prato.
— Foi o Jeremy?
— Não, foi Lina. Ela explicou que foi por isso que resolveu me dar pra ser adotada.
Você sabe que ela tinha apenas quinze anos quando ficou grávida. E, a essa altura, o
namorado dela já tinha sumido. Então ela resolveu que desejava o melhor pra mim. Tinha
consciência de que não poderia me dar o melhor, como os pais adotivos poderiam. O objetivo
dela era terminar os estudos, formar-se e se tornar professora universitária. E foi o que ela fez.
— E é provável que abrir mão de você tenha sido o maior sacrifício que ela fez, né?
observou Selena. Mas pra mim foi bom ela ter feito isso, senão a gente não teria sido irmã.
Uma lágrima brotou nos olhos de Tânia e quase escorreu pelo rosto, ameaçando
— Que legal você dizer isso, Selena! exclamou ela, estendendo o braço e dando um
abraço na outra. Não sei se eu já lhe disse, mas também acho bom sermos irmãs, muito bom
mesmo.
emocionadas.
No dia seguinte, Selena acordou muito cedo, sentindo um pouco de dor no estômago.
Não sabia se fora causada pelas costelas ou pelas bobagens que tinham comido depois. Ao
sair do restaurante, haviam ido para o Centro Estudantil. Permaneceram na sala de estar até
Levantou-se, procurando não fazer barulho, e olhou para Katie. A amiga dormia
profundamente. Dianne, a colega de quarto de Katie, oferecera sua cama a Selena. Contudo a
garota achara o colchão macio demais e passara a noite se remexendo Agora, já desperta,
eram tantos os pensamentos, as idéias e os sentimentos que lhe fervilhavam na mente, que
Selena resolveu se arrumar e caminhar um pouco. Sabia muito bem que não adiantaria nada
tentar dormir de novo. Preferia ir ver o dia nascer e talvez, quem sabe, ir ao terraço do Centro
Vestiu sua calça jeans e um agasalho de moletom. Juntou o cabelo todo na nuca, e
fixou-o com um passador. Silenciosamente saiu do quarto de Katie. Pelo visto, ninguém mais
havia acordado. Os corredores e as salas estavam todos vazios. E por que um estudante iria
estar de pé àquela hora? Era sábado de manhã, e o Sol mal surgira. Abriu bem de leve a porta
Assim que se viu ao ar livre, sentiu-se melhor, mais animada, talvez por causa da
frescura do ar matutino. Ou talvez fosse o efeito do perfume de madressilvas que havia no ar.
Do outro lado do prédio, havia uma cerca recoberta dessas flores. Ou esse novo ânimo poderia
ser resultado também dos tons róseos que surgiam no céu, espantando a escuridão da noite.
Fosse o que fosse, Selena respirou fundo, enchendo os pulmões daquela sensação agradável, e
dirigiu-se para o centro com passos leves, mas firmes. Ouviu o barulho do motor de um carro
volante, estava uma jovem que lhe deu uma buzinadinha e acenou para ela, como se a
conhecesse.
Isso era um dos aspectos dessa escola que ela apreciava. Os alunos eram amistosos e
receptivos. Deu a volta em torno do Centro Estudantil e subiu a escadinha que levava ao
terraço, de dois em dois degraus. E logo viu seus esforços recompensados. O dia acabara de
amanhecer na “mesa”. O Sol, fiel ao seu horário, estava se erguendo no céu. Dali se avistava
todo o campus, cheio de belezas naturais, ocupando toda a área do planalto. Mais ao longe,
estava o vasto oceano, muito azul, encimado por nuvens finas como renda. Olhando aquele
cenário amplo, de cores vivas, Selena ficou extasiada. Sentiu um forte arrepio, causado em
Numa das extremidades do complexo universitário, meio afastada dos outros prédios,
Selena avistou uma construção menor, toda branca, com uma torrezinha alta. Deduziu que
devia ser a igrejinha que Katie havia mencionado. Ficou alguns instantes a contemplar aquela
paisagem belíssima, como que “bebendo-a” com os olhos. Era linda demais! Quase
Satisfeita, mas não totalmente “saciada”, Selena desceu e foi caminhando rapidamente
sobre o gramado até a capela. Sentia-se interiormente tão leve que tinha vontade de rir alto. A
certa altura, deu uma parada e pegou um dente-de-leão. Fechou os olhos e pensou um
pela relva, diria que ela era meio amalucada. Ou então pensaria que era tudo, menos uma
candidata a estudante universitária. Contudo era bastante improvável que alguém já estivesse
de pé, naquele campus. E se estivesse, essa pessoa, com toda certeza, tinha algo mais
importante a fazer, em vez de ficar olhando uma garota celebrando o novo dia que nascia.
E era assim que se sentia: jovem no coração e na alma, eternamente jovem. Todas as
peso no coração, nesse momento pareciam haver se desvanecido. Nos dois últimos dias,
sentira tudo de forma tão intensa que seu espírito acabara ficando perturbado. Agora, porém,
nessa manhã tão cheia de promessas, com tanta vida pela frente, sentia-se leve.
Ainda saltitando, Selena chegou ao fim da estradinha, que dava na entrada da igrejinha,
solene e silenciosa. Girou a maçaneta e viu que a porta estava destrancada. Entrou com passos
reverentes e foi até a frente. Assentou-se num dos bancos acolchoados. No centro, havia um
púlpito de madeira, belamente entalhado, sobre o qual se via uma Bíblia aberta. Atrás dele, na
parede do fundo, havia um vitral colorido, que ia se tornando cada vez mais brilhante, à
medida que a luz do dia batia nele. Com isso também, as cores e os desenhos do vidro se
A garota ficou um bom tempo a contemplar o vitral. Era exatamente como Katie
dissera. Havia o desenho de uma cruz inclinada para a direita e, em volta dos braços da cruz,
— Pai, sussurrou ela em meio ao ambiente santo que a cercava, muito obrigada.
Obrigada por teres enviado teu Filho ao mundo para morrer por mim. Dou-te graças por teres
aberto um caminho para eu chegar a ti, por meio dele. Obrigada por teres perdoado meus
pecados, no dia em que entreguei minha vida a Cristo. Obrigada pela vida eterna. Reconheço
que, se sou capaz de confiar em ti com relação a essas questões, deveria confiar também no
que diz respeito a essas idéias e sensações que me tiraram o sono ontem à noite.
Selena deu uma olhada ao redor e depois continuou. Sentia Deus bem perto dela nesse
momento. Por um instante teve a sensação de que poderia ver a sombra dele na parede.
— Acho que estou muito preocupada com o futuro, Senhor. Até hoje, eu nunca tinha me
preocupado com isso dessa forma, creio. Parece que um lado meu quer fazer faculdade fora de
casa, principalmente se for uma escola como esta. Mas outro lado prefere permanecer em
casa. É que não quero ter essa responsabilidade de cuidar de mim. Até aqui, minha vida foi
muito tranquila. Acho que gosto muito da idéia de morar em minha casa. Não sabia que
gostava tanto. Parece que ainda não estou disposta a assumir a vida de pessoa adulta.
— Tenho a impressão de que ainda não acertei alguns aspectos de minha vida, na
ocasião em que deveria ter acertado. Meu relacionamento com Tânia, por exemplo. Ontem à
noite, quando ela me abraçou, fiquei muito sentida porque não tivemos essa comunhão
quando ela estava em casa. Deixei passar todo esse tempo sem fazer nada. Por que não
éramos boas amigas naquela época? E agora é a Amy. O Senhor ouviu o que ela disse ontem?
Claro que ouviu. Antonio perguntou para ela quando fora que ela havia se tornado crente, e
ela respondeu que não era necessariamente uma cristã igual a nós. Aquilo me deixou muito
chateada. Por que ela não abre o coração para ti, Senhor? O que aconteceu?
E Selena continuou ali mais uns cinco minutos, falando a Deus sobre seus sentimentos e
pensamentos. Sentia-se desinquieta com relação a Warner. Temia também tirar notas baixas
nesses últimos meses de aula. Não sabia como iria descobrir em que faculdade Deus queria
que ela estudasse. Ou como saberia se ele desejava que ela ficasse em casa. Reconhecia que
era meio impulsiva. E as decisões que teria de tomar na atual fase de sua vida eram muito
sérias. Não poderia fazer essa escolha impulsivamente. Era seu futuro que estava em jogo.
parou de falar e se pôs a escutar em meio ao silêncio do ambiente. Aquela agitação emocional
Sentou-se de súbito, e o homem que ia entrando assustou-se ao vê-la. Ele soltou uma
— Não, não, tudo bem, replicou ela, cerrando um pouco os olhos por causa da claridade
e girando o pescoço de um lado para outro, para aliviá-lo. Eu já estava de saída. Que horas
Ele parecia ser um professor. Carregava uma Bíblia e um cadernos debaixo do braço.
chegado. Subiu a estradinha correndo, sem saber direito aonde iria primeiro. Se os outros já
tinham se levantado, deviam estar procurando-a. O melhor a fazer agora seria ir ao quarto de
Katie.
Chegando ao Sophia Hall, teve de esperar que aparecesse alguém com um cartão
magnético para abrir a porta. Assim que entrou, subiu correndo para o segundo andar. Diante
do quarto de Katie, bateu a porta e em seguida abriu-a. A amiga não estava ali. Já ia sair de
Selena, onde você está, menina? Se voltar aqui, vá até o fundo do corredor, onde há um
Selena correu ao telefone e fez o que a amiga orientara. A pessoa que atendeu logo
indagou:
— Onde você estava? Katie fez a gente procurá-la por todo o campus. Faz uma hora que
Selena retornou ao quarto e rapidamente se pôs a guardar os objetos. Esperava que seu
irmão não estivesse com raiva dela por ter deixado a todos aflitos. Ele tinha planejado partir
bem cedo. Agora, para ele, nove e meia não era exatamente bem cedo.
Instantes depois, a porta do quarto se abriu e um bando de gente entrou, todos fazendo
perguntas ao mesmo tempo. Tentou explicar que estava na capela orando e acabara
adormecendo.
— Que bom que você ‘tá bem! falou ela Wesley disse que iria trazer a van e parar na
— Acho que ‘tá bem. Ele tinha ficado é muito preocupado. Todos nós ficamos. Você
simplesmente desapareceu!
explicando ao irmão:
— Ou então um cacho do cabelo, ou uma trilha de migalhas de pão, brincou Katie, que
ainda parecia abalada pelo ocorrido. Minha ficha como guia de visitantes na faculdade não vai
ficar nada legal. Metade do pessoal aqui estava à sua procura. Acho até que é bem capaz de
um desses jornais sensacionalistas publicarem sua foto com a legenda: “Jovem Visita
aos outros. Foi aí que se criou outra tensão: era a hora das despedidas. Katie continuou com
suas piadinhas, tentando suavizar a situação. E todos se abraçaram. Antonio deu nas garotas
— Selena, disse Katie afinal, então você me manda um e-mail falando o que decidiu.
— Vou mandar pra você, replicou Selena, entrando no carro logo atrás de Vicki. Vou
“castigar” a Cris, por não haver me contado que viria estudar aqui. Tchau, tchau, e obrigada
Enquanto o carro rodava deixando o campus, Selena ia observando cada árvore e cada
prédio do lugar. Todos estavam em silêncio. Ela se indagou se os outros, como ela, também
estariam tentando guardar na memória os detalhes daquele cenário. Ou será que ainda
estavam irritados pelo fato de ela ter ido caminhar e depois inventado aquela história de que
dormira, para se justificar? Quando passaram pela entrada da escola, com sua placa e as
— Não se preocupe com isso, replicou Wesley, olhando-a pelo retrovisor. Não tem
importância. Mas temos de conversar sobre o que vamos fazer daqui pra frente. Nós já
falamos sobre isso na hora do café. Agora quero saber qual a sua posição. Ainda quer visitar
outra faculdade?
— Acho que sim. Não sei. A gente tem de pegar a estrada direto pra Portland agora? O
— Ir à praia! replicou Vicki, dando um sorriso. Wesley estudou bem o mapa e disse que
podemos visitar uma faculdade que fica no caminho. Depois seguiremos viagem. O que você
acha?
— Vou; creio que vou. Eu não tinha pensado em estudar fora. Planejava ficar lá em
Portland mesmo. Mas a Universidade Rancho Corona tem um excelente curso de música.
Sabia que eles têm até um estúdio de gravação no campus? E o equipamento deles é o melhor
que já vi.
— Ótimas, disse ele. Já tenho quase certeza de que é aqui mesmo que quero vir estudar.
A garota tentou avaliar as palavras do irmão. Será que ele ficaria chateado se sua irmã
mais nova fosse caloura nessa faculdade, enquanto ele já estaria fazendo pós-graduação?
Virou-se para Amy e Vicki e indagou o que elas pensavam de estudarem ali.
— É uma decisão muito séria, explicou Vicki. Eu gostei de lá. Agora meus pais vão
estudar o catálogo; e na certa vão querer saber o que a Rancho tem que outras universidades
de Oregon não tem. Tenho certeza de que vou ter de conseguir uma bolsa de estudos ou um
crédito educativo.
Estava apreensiva com a idéia de levar aos pais mais formulários para preencherem,
depois de já terem assinado diversos para ela. A questão é que antes ela não sabia da
Amy estava sentada atrás, bem silenciosa. Selena estendeu o braço e deu um aperto de
— E você? O que ‘tá pensando? Vai querer fazer sua inscrição aqui?
— Creio que não, replicou a outra em voz baixa.
— Ué, por que não? Se nós todos acabarmos vindo pra cá, você deveria vir também.
— Selena, disse Amy meio irritada, chega, ‘tá? Não estou interessada, o.k.? Não dá pra
— ‘Tá bom, ‘tá bom! disse a outra, ainda fitando Amy nos olhos.
— Mas será que você não pode ao menos dizer por quê?
— Não!
E foi essa a última palavra que Amy disse durante todo o trajeto até a outra faculdade.
Capítulo Dezenove
E a visita à outra faculdade acabou sendo bastante rápida. Era uma escola de pequeno
porte, localizada em uma cidade da região metropolitana de Los Angeles. Wesley foi rodando
pelo meio do campus e Ronny correu à secretaria e pegou um panfleto. Como já era por volta
de meio-dia de sábado, havia poucos alunos à vista. Além disso, fazia calor e o tempo estava
muito bom. Vicki comentou que achava que todos tinham ido para a praia, e que ótimo que
Selena já estivera na praia de Newport diversas vezes, mas nunca fora à de Huntington,
para onde Wesley os estava levando. O rapaz contou que já a conhecia, pois estivera ali com
seu amigo Ryan. Era uma praia bem comprida e larga, um lugar excelente. Assim que saíram
da van, porém, notaram que à beira-mar não estava tão quente como estivera mais para o
interior do estado. Na linha do horizonte, via-se uma leve camada de neblina, e uma brisa
— Por que será que ‘tá tão frio? indagou Amy. Eu já estava toda preparada pra vestir o
— Ainda estamos na primavera, né?! explicou Wesley. O verão mesmo ainda não
Wesley já ia fechando a porta do carro, mas Vicki interrompeu-o para pegar seu
agasalho de moletom.
— É... Você sabe muito, mesmo! disse Vicki em to irônico, dando um tapa de leve no
— Mas é verdade. Vi isso num filme. Eles corriam na praia no inverno, enfiando bem
os pés na areia. Eles estavam sorrindo e não pareciam sentir nem um pouco de frio.
— Num filme? interpôs Vicki. Você também nunca esteve numa praia da Califórnia?
— Não, replicou o rapaz em tom curto, enfiando as mãos no bolso. Estou começando a
concordar com a Amy. A gente poderia ter ido a uma das praias de Oregon, e talvez até
— Ah, vamos lá, pessoal, disse Selena. Nós temos de pelo menos andar na praia e
molhar os pés. Incrível como mais para o interior estava quente, e aqui ‘tá este frio!
Eles se achegaram bem uns aos outros e saíram andando meio duros sobre a areia fria.
— É, meus pés não esquentaram nada, reclamou Amy. Ronny, quando é que eles vão
começar a esquentar?
E antes que os outros discutissem a idéia dele, o rapaz partiu num trote leve. Selena foi
atrás dele. Havia várias outras pessoas fazendo cooper na praia. A garota se emparelhou com
o irmão. Viram alguns surfistas sentados sobre a prancha, esperando ondas mais adequadas.
No geral, havia pouca gente na praia. Por ali não se viam os costumeiros banhistas, sentados
debaixo de barracas, ouvindo rádio, fazendo um lanche ou tomando sol. Para Selena, praia era
isso, pois fora o que vira em Newport Beach. Esta aqui parecia um “outro mundo”.
acompanhar o ritmo respiratório do irmão. A mãe deles era uma entusiasta praticante de
cooper. Todos os seus filhos, cada um a seu tempo, haviam aprendido alguns dos segredos
desse esporte. Selena sabia que ela e o irmão já haviam “quebrado” uma de suas regras
A certa altura, Wesley parou e fez sinal à irmã para que retornassem. Os outros três
ainda continuavam caminhando na areia, bem juntinhos, vindo na direção dos dois. Contudo
assim que viram que Selena e Wesley tinham se virado, eles também viraram, pondo-se a
andar em direção ao carro. Selena estava começando a gostar da sensação de pisar a areia fria.
Agora o vento estava “a favor” deles. Era bem mais agradável sentir as rajadas às suas costas,
como que empurrando-os, do que batendo em seu rosto. Apesar de estar frio e nublado, a
praia transmitia uma impressão de força. As ondas chegavam à areia com seu ronco forte, do
mesmo jeito que faziam em dias ensolarados. As gaivotas piavam alto e davam “mergulhos”
em direção ao chão, embora não houvesse nada nos latões de lixo para elas. Selena gostava
daquele rugido constante do mar, que por vezes se mostrava tão instável. Assim era a praia, e
— Não vão querer nadar um pouco agora? indagou Wesley, ofegando bastante, no
A garota vestia short e estava toda arrepiada, principalmente nas pernas. Os outros
vestiam calças jeans e, por isso, não sentiam tanto frio quanto ela. Selena, porém, viu que a
barra de sua calça se molhara e estava suja de areia. Logo percebeu que isso era pior que
arrepios. Assim que entrassem no carro, ligassem o aquecimento, e Amy esfregasse as mãos
nas pernas, ela ficaria livre da sensação de frio. A barra de sua calça, porém, iria demorar um
pouco para secar e a incomodaria por um bom tempo. Depois de haverem rodado alguns
O rapaz parou na primeira lanchonete que encontraram: Uma Taco Bell *. Pediram os
sanduíches e depois viram que tinham comida em quantidade suficiente para fazer uma
festinha mexicana no carro, enquanto seguiam viagem. Dessa vez também Ronny foi o que
mais comeu. E, de novo, fez o que sempre fazia quando ia com Selena a uma Lotsa Tacos, em
Portland: “curtiu” com a cara dela por querer tomar leite, em vez de refrigerante.
— É, acho que não há dúvida de que estamos a caminho do Oregon, comentou ele. A
chuva sentiu nossa falta e veio se encontrar conosco aqui, pra nos fazer companhia.
— Ah, é por isso que estava fazendo frio lá na praia, disse Amy.
Uma pesada sensação de tristeza caiu sobre o grupo. O passeio estava chegando ao fim.
Vicki achou uma rádio que lhe agradou. Amy passou para o banco de trás e se deitou
para dormir, cobrindo-se com todos o blusões de moletom que encontrou no carro. Ronny
estava ao lado de Selena, examinando os panfletos das faculdades que haviam visitado. De
*
Taco Bell é uma rede de lanchonetes especializada em “tacos”, um tipo de sanduíche mexicano. (N. da T.)
— Sabe quanto é a anuidade desta escola aqui?
— Ah, mas é o mesmo preço da Valencia Hills, comentou ela. A Rancho ainda é mais
cara.
— Mais cara? ‘Tá brincando! exclamou ele com expressão de espanto. Será que existe
— Sei lá, replicou a garota. Talvez a gente devesse ter começado a olhar isso bem mais
cedo.
— Esse negócio de ir estudar fora pra mim ‘tá sendo meio estranho, interpôs o rapaz. Eu
— Foi o que a Katie fez, explicou Selena. Ela e a Cris fizeram o primeiro ano numa
— Selena, principiou ele, você já se sente suficientemente madura pra sair de casa e
cuidar de si mesma?
— Não, replicou ela, fitando-o atentamente. Pensei que era a única que tinha esse
sentimento.
— Você também? indagou o rapaz. Mas logo você que já deu uns “vôos” por sua conta?
Você até já foi à Europa e tudo o mais! Acho que ainda me sinto meio “novo”. A hora de
— Isso mesmo, disse Selena, olhando pela janela onde a chuva gotejava, vendo os
carros passarem por eles em alta velocidade. Mas a verdade é que me senti mais insegura
quando chegasse em casa. Seus pais estariam lá e você receberia tudo na mão. O que me
preocupa com relação ao curso superior é a questão do dinheiro. Mesmo que a gente consiga
uma bolsa pra pagar os estudos, como é que vamos nos sustentar?
— É, eu sei, concordou Selena. Vejo que estou mais mal-acostumada do que pensava.
— Eu também; nós dois. Uma lição que aprendi nesta viagem foi que preciso dizer a
meus pais o quanto sou grato a eles pelo que me proporcionam, disse o rapaz, recolocando os
papéis dentro da pasta. Bom, é claro que sou eu quem compra as cordas do meu violão e pago
a gasolina da minha caminhonete. E achava que isso já era muita responsabilidade. Não sei o
que vou fazer quando eu mesmo tiver de pagar os lanchinhos que faço no intervalo das
refeições.
Selena sorriu.
— Com certeza!
— Katie disse que podemos examinar as ofertas de trabalho que eles têm para os alunos.
Seguiram uns instantes em silêncio. Vicki ia cantando baixinho uma música popular que
estava tocando no rádio. Selena começou outra vez a sentir o pavor relacionado com as
— Sabe o que mais, Ronny? disse em voz baixa para que só o colega ouvisse. Acho que
ainda não saí da adolescência. E não estou com muita vontade de me tornar adulta, não. Como
era mesmo aquela canção que você estava compondo? Falava sobre estar apenas com a luz do
— Ah, sim, aquela sobre o Monte Shasta. Ainda não acabei, não.
— Pois é, minha sensação é de que estou caminhando na estrada da vida, em direção à
fase adulta, mas os faróis do meu carro estão meio embaçados. Não estou conseguindo
— Parece que ‘tá com a bateria fraca, comentou o rapaz. Assim que der uma carga nela,
vai melhorar.
Selena ficou a pensar se ele estava querendo dizer que ela precisava de uma carga física
ou espiritual. Ou talvez ele tenha querido dizer emocional. Muitos fatos importantes haviam
ocorrido nesses últimos dias. Ficou a olhar para fora através da vidraça molhada. Sentia a
mesma inquietação que experimentara de manhã, quando orava na igreja. Achara que iria ver
as soluções de todos os seus problemas entrando pelo vitral colorido. Todavia isso não
acontecera e ela acabara dormindo. É, talvez sua bateria estivesse mesmo precisando ser
recarregada.
Não conseguiu dormir imediatamente nesse percurso de volta para casa, debaixo de
chuva. A mente estava por demais agitada. Tinha muitas decisões a tomar. Será que deveria
inscrever-se na Rancho Corona? O que Wesley acharia de ela ir para essa escola? E será que
estava interessada em estudar ali só porque seus amigos estudavam? E será que era errado
escolher essa escola só por isso? E a questão do dinheiro? Será que conseguiria uma bolsa de
estudos? E depois que começasse o curso, será que precisaria trabalhar também?
Selena olhou para o banco de trás, onde Amy dormia sossegadamente, debaixo de uma
pilha de moletons. Sentiu que não ficaria tranquila enquanto não descobrisse por que a amiga
Por fim, seus pensamentos se voltaram para Paul. E o que aconteceria nesse aspecto da
vida dela, que ainda era uma enorme incógnita? Isso, sim, é que era rodar numa estrada com
pouquíssima iluminação.
— Toque uma música pra mim, pediu ela a Ronny. Como naquela noite em que eu
estava dirigindo. Você não faz idéia do quanto isso transmite tranquilidade pra gente!
— Ah, ‘tá querendo que eu a embale, né? É o que você ‘tá querendo?
— Não!
— Gosto demais quando você canta, Ronny, comentou ela. Toque algo pra nós!
— Então vai ser uma música que todos conhecemos. Assim podemos cantar todos
juntos.
Ele tirou o violão da capa e se pôs a dedilhar um cântico conhecido. Devia estar
pensando no que conversara com Selena algumas horas antes, pois era um hino que dizia:
Em todas as situações,
Selena começou a cantar baixinho, mas sentia-se muito hipócrita. Reconhecia que era
Mother Bear. Era segunda-feira à tarde e estava chovendo. Vicki passara numa flora e
comprara três lírios amarelos, de cabo longo, um para cada uma delas. Agora as três
“trombetinhas” estavam dentro de um copo com água. Selena já pedira e pagara três xícaras
de chá e pãezinhos de canela bem quentinhos para o grupo. Amy lia um postal que tinha nas
mãos, e Vicki e Selena a escutavam atentamente. A foto do cartão tinha em primeiro plano
uma palmeira, acima da qual, escrita em letras douradas, estava a palavra “Califórnia”.
Este cartão é só para lhe dizer que me lembrei de você, Amy bella. Penso muitas vezes
em algo que você disse, que Deus não é justo, já que as pessoas boas também sofrem. A única
resposta que posso dar é que Deus é Deus. Ele pode fazer o que quiser. E uma coisa que ele
quer fazer, ao que parece, é ter um relacionamento conosco. Então, com afeição por você,
estou orando para que o conheça e passe a ter esse relacionamento com ele.
Tchau,
Antonio
— Vocês, vocês todos, ficam só me tratando bem, interessando-se por mim. Quando
chegamos a Rancho Corona, achei que ia ter muita antipatia de Katie. É que ela é sua amiga,
Selena, e ia “roubá-la” da nossa companhia. Na minha vida toda, sempre aparece alguém para
“roubar” as pessoas que amo. Mas acabei vendo que era impossível ter raiva de Katie. Ela
dava a impressão de que gostava mesmo de todos nós, não apenas de você, Selena. Se bem
— Não era fingimento, não, Amy, interpôs Selena. As pessoas gostam de você de
verdade.
Amy piscou, para afastar uma lágrima que lhe chegou aos olhos.
Selena se lembrou do versículo que havia escrito no cartão que enviara ao Paul; e citou-
o naquele momento.
— Porque “Deus é amor... nós amamos porque ele nos amou primeiro”. Amar não é
— Espere aí, Selena, antes de você começar a me pressionar, quero dizer algo. Nesses
cinco dias que passei com vocês duas, Wesley e Ronny, e também no convívio com Katie,
Antonio e até com a Tânia, percebi que vocês têm algo de diferente. Vocês amam uns aos
outros. O jeito como trataram o Warner, por exemplo, foi muito legal. Eu não o teria tratado
daquela maneira.
Comunicação. Ele falou sobre atuação em grupo. Disse que temos de nos interessar pelos
direitos e sentimentos dos outros. Foi ótimo. Acho que a viagem a Corvallis e o acidente
Imediatamente Selena pensou que se ele tivesse podido ir com eles à Califórnia teria
sido ainda melhor para o rapaz. Contudo estava satisfeita de não terem tido de passar por essa
experiência.
— Sabe o que mais? disse Amy. Acho que tenho lidado com Deus do mesmo jeito que
o Warner estava nos tratando na viagem. Ele agia como se merecesse todas as regalias, e se
não fazíamos o que queria, ficava irritado. É duro ter de reconhecer isso, mas acho que sou
muito mimada e imatura. Eu sempre me justificava dizendo que era assim por ser a caçula da
família. Mas, gente, daqui a algumas semanas vou estar me formando no ensino médio. Até
— Todas nós queríamos, um ano atrás, afirmou Amy. Eu estava aflita pra tirar carteira,
ter meu carro e sair de casa, como minhas irmãs fizeram.* Agora tenho a impressão de que
ainda não estou preparada pra isso. Minha vida ainda não chegou nesse patamar.
— ‘Tá querendo dizer, então, indagou Selena, que quer entregar sua vida ao Senhor
Jesus?
Sabia que a amiga tinha pleno conhecimento acerca de como se tornar crente. Ela ouvira
isso muitas vezes, quando estudava no Colégio Royal. Contudo saber algo a respeito de Deus
não é o mesmo que conhecê-lo pessoalmente. Selena estava ansiosa para que ela “baixasse a
guarda” e parasse de “brigar” com Deus. E em sua opinião, este era o momento certo para
— ‘Tá bom, replicou Selena, esfriando o ânimo e dando uma “beliscadinha” na ponta
do pãozinho de canela.
Percebendo que, nesse momento, era melhor ficar calada, enfiou o pedacinho de pão na
boca.
que vocês não estão tentando dar explicações sobre Deus. Olha este cartão do Antonio, por
exemplo. Ele se mostra muito sincero. Diz o que pensa, o que crê, e é só. Não suporto quando
as pessoas começam a arranjar desculpas pra Deus ou a explicar por que ele age dessa ou
daquela maneira, como se fossem autoridade no assunto. Ontem mesmo eu estava pensando
que, se fosse fácil entender Deus ou explicar seus atos, aí eu duvidaria de que ele era poderoso
— ‘Tá, replicou Amy, dando um sorriso meio seco, mas não fiquem muito empolgadas.
Selena tomou um gole de seu chá e resolveu contar às amigas algo que ainda não lhes
havia relatado.
— Gente, eu queria lhes contar um fato que me aconteceu na viagem. Eu... é... tive um
— Um momento? repetiu Vicki com uma expressão de dúvida no olhar. Onde? Foi na
*
Nos Estados Unidos, o jovem pode tirar carteira com dezesseis anos. E muitos deles, quando completam
Nesse instante, ela viu como era estranho o fato de que Deus tivesse vindo ao seu
encontro num parque, no meio de uma multidão, e aparentemente ficara silencioso na igreja.
Fixou isso na mente, vendo-o como uma evidência de que a maneira como Deus se manifesta
— Não tenho certeza se vou conseguir explicar o que se passou, continuou ela. Estava
me sentindo sozinha, meio perdida e, de repente, foi como se Deus, invisivelmente, tivesse
— ‘Tá querendo dizer que ele conversou com você? indagou Amy, erguendo uma
sobrancelha.
— Não! Quero dizer, sim. Quero dizer... não escutei uma voz ou algo assim. Foi mais
um pensamento. Não sei explicar direito. Isso nunca aconteceu com vocês?
— Não estou querendo dizer que não acredito em você, disse Vicki. Só que nunca tive
— Bom, mas tenho certeza de que aconteceu. Eu me senti diferente. Tive a nítida
Selena sabia que não precisava se justificar. Como Amy dissera, não saberia explicar. E
— Houve uma razão pra isso acontecer, continuou ela. Mas agora não me lembro mais
de qual era.
— Enquanto você se lembra, interpôs Vicki, deixe-me fazer outra pergunta. Já mandou
— Já. E você?
dezoito anos ou terminam o ensino médio, saem de casa e alugam uma moradia, assumindo responsabilidade
pelo próprio sustento. (N. da T.)
— Mamãe mandou tudo ontem, finalmente. Ontem à noite, escutei meu pai
conversando com alguém ao telefone e dizendo que no ano que vem vou estudar na Rancho.
Até parecia que já estava tudo resolvido. Eu ainda não havia entendido que eles queriam que
eu fosse pra lá. Demoraram muito pra estudar todos os panfletos e catálogos.
Em seguida, deu outra mordida no seu pãozinho de canela e sem olhar para Amy,
indagou:
— Não, replicou a outra em voz baixa. Acho que não quero estudar numa faculdade
evangélica, não. Mas, se eu quisesse, certamente seria pra lá que eu iria. Realmente é muito
viagem à Califórnia. Havia conversado muito com os pais sobre o assunto e até ligara para o
irmão, pra saber se ele não se importava de ela estudar lá. Depois de debater bem a questão
com os pais, de aceitar a idéia de fazer faculdade fora, de orar bastante a respeito da decisão,
sentira muita paz. Compreendeu que era hora de crescer e de assumir as responsabilidades da
próxima etapa de sua vida, assim como desejava os privilégios inerentes a ela.
Tão logo decidira se inscrever, ela e os pais tinham corrido muito para preencher toda a
papelada e enviá-la para a escola. O maior problema agora era o dinheiro. E mais ainda
porque Wesley, que também estaria na Rancho, não recebera nenhuma resposta acerca das
bolsas de estudos que estava tentando obter. De certa forma, Selena estava aprendendo que
fazer a vontade de Deus implicava dar um passo à frente, sem saber o que aconteceria depois.
Tinha de confiar firmemente nele a cada passo que fosse dar. Inscrever-se na Rancho fora um
— Vocês duas vão vibrar com o que fiz, disse ela para as amigas. Na semana passada,
escrevi para o Paul e contei tudo que estou planejando para o ano que vem. E depois, meio
despistadamente, perguntei: “E você? O que tem pensado com relação ao próximo ano
letivo?”
— Bom, mas pelo menos assim vocês vão poder conversar sobre o assunto, comentou
Amy, e continuou: Não gostei nem um pouco, na semana passada, quando você disse que, se
for pra vocês dois se unirem, o Paul vai pintar em sua vida misteriosamente. Parecia que tudo
— É. Concordo com ela, Selena, interpôs Vicki. Você ‘tá sempre dizendo que a gente
tem de estar aberta a todo tipo de comunicação. E se o Paul já tiver feito planos totalmente
diversos dos seus, vai ser bom ele ver que você não ‘tá aqui parada, esperando por ele. Os
dois vão seguir em frente, fazendo o que cada um acha que é a vontade de Deus.
— ‘Tá certo, opinou Vicki. A gente tem de seguir em frente devagar, sem procurar ir
descontroladas.
comentou Amy.
— Ah, é! disse Vicki em tom irônico. Nós somos as grandes entendidas em questões
amorosas! Principalmente eu com meu interesse pelo Ronny, ainda não correspondido. Passei
cinco dias na companhia dele, e o cara continua me tratando como um dos seus colegas!
— Pois é, comentou Amy, depois desses cinco dias, eu também resolvi fazer um
“jejum” de namorado. Agora vou escolher bem os caras com quem vou sair. Depois que o
Antonio e o Wesley me trataram como uma princesa, estou achando esses rapazes daqui um
— Então, imagine só, Amy, se você resolvesse estudar na Rancho conosco, ia ter um
verdadeiro banquete.
— Ah, sim, e essa seria uma razão muito espiritual pra eu ir estudar lá! replicou a garota
em tom irônico.
— É, interpôs Vicki, talvez não seja a melhor, mas será que é assim tão errada?
como se fosse algo tão simples! Ontem à noite comecei a pensar sobre essas coisas e quase
fiquei doida. Fiquei tão nervosa com tudo isso! Não sei por quê.
— E foi só agora que você começou a ficar assim? indagou Selena. Pois eu tive essa
sensação a viagem toda. Foi por isso que fui à igreja naquele dia.
— É, acabei superando.
— Pois ontem à noite, comentou Vicki, senti o mesmo que tinha sentido no Montanha
Mágica, quando estávamos subindo ao ponto mais alto da “Cobra”. Foi a mesma sensação de
pavor que a gente tem ao ver que a engrenagem já ‘tá em movimento e não dá mais pra voltar
atrás.
— É, eu sei, concordou Selena. Esse negócio de nos tornar adultos não é nem um pouco
como eu imaginava.
— Não entendo como fiquei assim de repente, disse Vicki. A impressão é de que tive
quinze anos durante uns três anos. Depois fiz dezesseis e aí tudo começou a andar depressa.
— É... parece mentira que nós já estamos com dezessete! exclamou Selena.
— Pois eu tenho outra ainda mais incrível, interveio Amy em tom solene. Parece
Nesse momento, o grupinho sentado àquela mesa ficou em silêncio. Num gesto
No centro dele, ficaram as xícaras e as flores. Selena abriu os lábios num sorriso comedido e
As gotas de chuva continuavam a deslizar pela vidraça das janelas da Mother Bear, e as
Fim