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Série Selena 10

Vá em frente, Selena

Robin Jones Gunn

Título original: Hold On Tight


Tradução de Myrian Talitha Lins
Editora Betânia, 2002
Digitalizado por deisemat
Revisado por deisemat

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SEMEADORES DA PALAVRA e-books evangélicos

Série Selena

Vá em frente, Selena

Robin Jones Gunn

Para Cindy e Carrie, com muita gratidão,

pelas boas reuniões que tivemos

às terças-feiras pela manhã.


___________________________________________________________________________

Capítulo Um

Selena Jensen entrou na confeitaria Mother Bear. Fazia já um ano que trabalhava ali,

mas ainda não se cansara do aroma de canela nem do cheiro de pãozinho recém-assado que

pairava no ar. Mal pisava ali dentro, fazendo tinir o sininho da porta, e já o sentia. Nessa tarde

de primavera, porém, não fora ali para trabalhar. Ia se reunir com as amigas.

Deu uma espiada para a mesinha do canto, junto à janela. Percebeu que fora a primeira a

chegar. Todas as segundas-feiras, às 4:00h em ponto, ela, Vicki e Amy se encontravam ali.

Isso já vinha acontecendo havia vários meses. As três iam para a mesma mesa e ali ficavam a

contar seus segredinhos, a dar conselhos umas as outras, a resolver pequenos conflitos e, às

vezes também, a “gozar” umas das outras impiedosamente.

D. Amélia, a proprietária da lanchonete, uma mulher gorducha, de gênio alegre, achava-

se ao balcão e de lá cumprimentou a garota.

— Acabei de tirar uma fornada de pãezinhos, disse para Selena. Vocês vão querer o

mesmo de sempre, um pãozinho grande com bastante glacê?

— Com certeza! exclamou ela.

Deu uma olhada em volta. Havia mais seis fregueses no recinto e, ao que parecia, D.

Amélia estava sozinha para atender a todos.

— Quer que eu mesma vá aí pegar o nosso chá? continuou.


— Precisa, não, replicou a senhora. Eu pego. Já sei direitinho o que vocês costumam

pedir, concluiu, virando-se para cumprimentar uma velhinha que entrara na loja.

Selena acomodou-se na cadeira de sempre, apreciando o facho de luz do Sol que entrava

pela janela e batia em seu cabelo louro, longo e bem encaracolado. Gostava demais daquela

sensação de que algo bom estava para acontecer. Sempre experimentava isso na primavera e,

nesse ano, esse sentimento era ainda mais intenso. Estava no último ano do ensino médio, e o

futuro lhe acenava com inúmeras possibilidades. Talvez fosse por isso que se sentisse tão

impaciente para que Amy e Vicki chegassem logo. Tinha algo para lhes contar, algo que

poderia ser muito promissor.

Nesse momento, um velho e “maltratado” Volvo parou do outro lado da rua,

estacionando junto a um parquímetro. Era Amy. Selena ficou a observar a amiga de

constituição miúda, que arrastou os óculos de sol para o alto da cabeça e ajeitou o cabelo

escuro e curto. Em seguida, olhou para um lado e para outro e se pôs a atravessar a rua

apressadamente. Caminhava com um passo meio ziguezagueante, a cabeça baixa, parecendo

não olhar para onde ia.

É assim que ela encara a vida também, pensou Selena, zigue-zagueando e com a cabeça

abaixada. Vou comentar isso com ela.

“Observação da personalidade”, era o nome que Vicki dava a esse tipo de percepção.

Fora o que ela dissera certa vez quando comentara com Selena que esta mordia o lábio

inferior, o que era sinal de ansiedade. A garota acatara o comentário da amiga com gratidão,

mas com surpresa também. Nunca percebera que tinha a mania de morder o lábio inferior.

A Amy, porém, ultimamente, não andava muito interessada nessas observações. Dois

meses atrás, ela demonstrara estar aberta a esse tipo de relacionamento. Contudo, um mês

depois, fechara-se e parecia não querer se abrir mais. Entretanto Selena já estava satisfeita de
ela vir se reunir com as amigas, apesar de não falar muito nesses encontros. Algum tempo

atrás, Selena quase perdera a amizade da colega; e não queria que isso acontecesse de novo.

Assim que a outra entrou, a garota lhe acenou sorrindo. Fazia cerca de um ano que as

duas eram amigas, e seu relacionamento tinha experimentado muitos altos e baixos. Apesar

das inúmeras diferenças que havia entre elas, porém, ambas se respeitavam muito e gostavam

uma da outra. Era isso que sustentava sua amizade.

— A Vicki ainda não chegou? indagou Amy, sentando-se de frente para Selena.

A garota abanou a cabeça.

— Na hora do almoço, conversei com ela na escola e disse-lhe que tinha algo pra contar

para as duas. Por isso achei que ela seria a primeira a chegar.

— Então acho que vai ter de contar primeiro pra mim, disse Amy, correndo os olhos

pela roupa da amiga. Gostei dessa sua blusa. Quando foi que a comprou?

— Acredite se quiser, encontrei-a numa sacola que minha mãe ia mandar para o

Exército de Salvação. Acho que era da Tânia. Imagine só! Eu gostar de uma roupa que foi da

minha irmã!

Amy estendeu a mão para tocar a parte superior da manga que tinha uma aplicação de

tecido diferente.

— Gostei deste pano aqui. E a cor acentua bem o azul dos olhos, comentou Amy

sorrindo. Se um dia você se enjoar dela e for jogar fora, jogue pra mim, viu?

Nesse instante, D. Amélia chegou à mesa delas, trazendo uma bandeja com o lanche das

garotas. Selena pegou uma das xícaras de chá quente, e Amy, o pratinho com os pãezinhos de

canela.

— Hoje é minha vez de pagar, anunciou Amy. Depois eu levo lá no caixa, viu, D.

Amélia?

— Tem pressa, não, replicou a mulher. Podem “curtir” o lanche aí.


O sininho da porta soou. Era Vicki que chegava. Vinha apressada, o rosto afogueado.

Passou rapidamente por D. Amélia e, antes mesmo de se sentar, já foi logo falando:

— Desculpem, meninas. Minha gasolina estava quase acabando, e eu fiquei sem

dinheiro. Então tive de passar no banco antes, e a fila estava enorme. Ah, vocês já pediram?

Hoje eu queria chá gelado. Vou pegar um copo cheio de gelo e jogar o chá quente nele.

Alguém vai querer mais alguma coisa?

Selena e Amy abanaram a cabeça dizendo que não. Vicki saiu andando depressa por

entre as mesas, dirigindo-se ao balcão. Observando-a, Selena se deu conta da diferença

gritante entre suas duas amigas. Enquanto Amy seguia pela vida zigue-zagueando de cabeça

baixa, Vicki avançava a todo vapor, com o queixo bem erguido, o cabelo castanho, longo e

sedoso, voando ao sabor do vento. Embora inicialmente Selena tivesse interpretado esse jeito

otimista e entusiástico de Vicki como orgulho, fora essa atitude da colega que fizera com que

se aproximasse de Selena. Na época em que haviam se conhecido, Vicki era uma garota meio

namoradeira e tinha mais interesse em buscar relacionamentos com rapazes do que com

garotas.

Amy arrancou um pedaço na beirada do seu pãozinho.

— Será que podemos começar a comer antes de Vicki voltar? Estou morrendo de fome.

— Claro. E ela deve voltar já, concordou Selena, retirando o saquinho de chá de dentro

da xícara.

Deu uma espiada para o lado onde Vicki estava e ficou a imaginar como suas amigas

diriam que ela, Selena, encarava a vida. Achavam que ela ziguezagueava ou que andava de

queixo erguido? Reconhecia que tinha mudado muito no ano que se passara e sabia que as

amigas também haviam mudado. E como será que estariam daí a um ano? Ou daí a seis

meses, quando todas já estariam no primeiro ano faculdade?


Assim que Vicki retornou para a mesa, Selena começou a falar da notícia que tinha para

lhes dar.

— Estão prontas pra ouvir minha grande surpresa?

— Não deve ser nada de tão importante assim, interveio Vicki, derramando o chá

quente num copo com gelo picado. Você teria me contado na escola, sem que eu tivesse

esperar até agora.

— É que eu queria contar para as duas juntas.

— Muito obrigada, ajuntou Amy.

Amy mudara de escola no meio do ano, quando seus pais haviam se divorciado. Agora

estudava numa escola estadual, e não no Colégio Royal, que era uma escola evangélica,

particular, onde as outras duas estudavam. Fora ali que as três tinham se conhecido.

— E então? indagou Vicki.

— Meu irmão ligou ontem à noite e disse que vai à Califórnia na semana que vem. Ele

‘tá querendo visitar a Universidade Rancho Corona, pra fazer o mestrado lá. Tem quase

certeza – de que vai fazer nela mesmo. Mas quer ir lá pra conhecer a escola antes de tomar a

decisão final.

— Isso é que é a grande notícia? comentou Vicki, com um sorriso meio gozador. Você

poderia ter me contado na escola.

— Espere aí, interveio Selena, sem perder o entusiasmo. Ele vai de carro e perguntou se

eu queria ir com ele. E meus pais deixaram.

— Humm! Que ótimo pra você! exclamou Vicki. Olha, na volta traz um surfista de

presente pra cada uma de nós.

— Você já não foi à Califórnia no recesso de Páscoa do ano passado? quis saber Amy.

— Fui.
— E depois, nas férias, voltou lá para o casamento daquela sua amiga, não foi?

continuou Amy, fazendo um beicinho meio brincalhão. E ainda quer que a gente fique feliz

por você ir outra vez? Você está só viajando, curtindo aventuras, e nós aqui. Não vamos pra

lugar nenhum. Na minha vida toda, nunca fui à Califórnia. A única viagem que fiz foi pra

Seattle, uma vez só.

— É, interpôs Vicki com ar alegre, dirigindo-se a Selena, espero que você se divirta

bastante.

Selena deu um sorriso amplo.

— Ei, é melhor desejar que nós nos divirtamos bastante!

— Nós quer dizer você e Wesley ou nós três?

— Nós todas! replicou Selena em tom firme. Wesley vai na van do meu pai e disse que

eu poderia convidar minhas amigas pra irem conosco. Vamos ter de pedir dois dias de licença

na escola. Acho que eles vão nos dar, já que é pra conhecer uma faculdade. Wesley disse que

pode nos levar a qualquer universidade que quisermos. Isto é, desde que entendamos que ele

quer passar um dia na Rancho Corona.

— Eu aceito, concordou Vicki sem hesitação.

— Mas que tipo de faculdade vamos ver? Perguntou Amy, demonstrando incerteza.

— Amy! interveio Vicki, dando um tapinha no braço da amiga. Você acabou de dizer

que nunca foi à Califórnia. Aceite logo o convite e pronto!

A garota continuava um pouco indecisa, mas afinal disse:

— É, seria bem divertido!

— Quando é que a gente vai? indagou Vicki.

— Na quarta-feira após as aulas, explicou Selena. Eu vou com o carro até Corvallis, e

de lá até a Califórnia eu e ele vamos nos revezando na direção. Vamos levar mais ou menos
vinte horas na viagem, então pretendemos dormir no carro. Em Los Angeles, vamos ficar na

casa de um casal conhecido do Wesley.

— E onde fica essa Universidade Rancho Corona? quis saber Vicki.

— Não sei bem. É naquela área. Minha irmã mora à uma hora de carro dessa escola,

então provavelmente na outra noite vamos dormir na casa dela.

— Vai ser legal demais! exclamou Vicki, tomando um gole de chá gelado e dando uma

espiada para Amy para ver se a outra estava se empolgando também.

— E a gente volta quando? indagou Amy.

— Vamos chegar no domingo à noite, bem tarde, explicou Selena. Vão ser uns dias bem

puxados, mas acho que será ótimo. Vocês vão querer ir, né?

Amy fez que sim, mas ainda não parecia muito entusiasmada.

— Vou ter de pedir licença no meu serviço e verificar com minha mãe.

— Eu também, disse Vicki. Mas creio que não vai ser problema.

— Ah, que bom que vocês me lembraram! exclamou Selena. Também tenho de

conversar com D. Amélia e pedir dispensa.

— Ela sempre deixa que você altere seu horário de trabalho quando quer tirar uma

folga, comentou Vicki. Vamos torcer para o meu patrão também concordar.

Selena riu.

— Seu patrão? Por que ele não deixaria?

O patrão da garota era seu pai. O Sr. Navarone tinha uma revendedora de automóveis

em Portland. Vicki trabalhava na empresa algumas horas por dia, fazendo serviços de

escritório.

— É, eu sei, concordou a garota. Ele vai me deixar ir. Aliás vai ficar satisfeito de saber

que estou interessada em fazer faculdade. Ele não somente vai me deixar ir, como também é

capaz de me dar dinheiro pra irmos a um daqueles parques de diversões da Califórnia.


Amy ficou um pouco mais animada.

— E será que vamos poder ir? indagou. Podemos mesmo? Que tal ir ao Estúdio da

Universal? Daria pra gente ir lá? Ou pelo menos dar uma chegada em Hollywood?

— Acho que sim, respondeu Selena. Wesley disse que poderíamos fazer o programa

que quiséssemos.

E as três amigas se aproximaram mais umas das outras para pensar no que iriam fazer.

E, ali sentadas, comendo pãozinho de canela, puseram-se a imaginar uma porção de planos,

vendo os raios de Sol a iluminar o cantinho onde se encontravam. Selena sentiu uma onda de

satisfação ao pensar no que iriam fazer. Nesse momento, compreendeu que os próximos dez

dias iriam demorar a passar.


Capítulo Dois

Naquela mesma noite, Selena ligou para o irmão.

— A Vicki e a Amy vão conosco, informou. Espero que você não se incomode de ficar

rodando com as três de um lado para outro.

— Não, replicou o rapaz calmamente.

Wesley herdara muitos traços do pai, inclusive o de aceitar situações novas ou difíceis

apenas dando de ombros.

— Acho que quatro é um numero ótimo, continuou ele. Vamos poder dormir no carro

sem aperto, e não é gente demais para ficar na casa dos meus amigos. Você disse pra elas que

vamos rodar direto até lá?

— Disse.

— E avisou que vamos passar um dia na Universidade Rancho Corona?

— Avisei. E onde é exatamente que fica essa escola?

— É perto de Temecula, ao sul do Lago Elsinore.

Selena ficou na mesma. Os nomes lhe eram desconhecidos.

— Já esqueceu que comentei sobre a escola? indagou o irmão. Por falar nisso, eles

devem ter um site na internet. Seria bom dar uma olhada nele, antes de irmos. Aliás, você

poderia consultar o site de outras faculdades também, pra ver se há algum pré-requisito

relacionado com visitas ao campus.

— Ótima idéia. Eu, a Vicki e a Amy já estamos com o nome de três escolas que

queremos visitar, além da Rancho Corona, é claro. Ah, Wesley, e o que você acha de

aproveitarmos e fazermos algum programa interessante também?


— Programa interessante? Acho que só de vocês passarem cinco dias comigo já estarão

tendo muita diversão. O que mais poderiam querer?

— É? Engraçadinho... O que eu quis dizer foi ir ao Estúdio da Universal, ou a algum

parque de diversões.

— Pra mim, ‘tá ótimo. Mas levem bastante dinheiro, viu? Esses parques são muito

caros.

— Você teria preferência por algum? indagou Selena.

— Já que pergunta, eu escolheria o Montanha Mágica, replicou ele. Estou mais

interessado numa montanha-russa do que em ver artista de cinema. Mas deixo a decisão final

com você e suas amigas.

Depois que Selena desligou, ficou um bom tempo sentada no sofá da sala, pensando.

Dali, ouvia os ruídos que a mãe fazia na cozinha, tirando as vasilhas da lava-louças. No andar

de cima, o pai estava mandando os dois irmãos menores irem dormir. Vó May já se achava

instalada em seu quarto grande e confortável. Selena poderia continuar ali, sozinha, imersa em

seus pensamentos.

O primeiro fato de que se lembrou foi de que Wesley e Amy estariam juntos. No ano

anterior, durante as férias, a garota dera a entender que tinha um forte interesse nele. O rapaz

nunca lhe dera motivos para pensar que estivesse interessado nela. Selena, pelo menos, nunca

notara isso. Fazia já vários meses que Amy não o via, pois ele fora estudar na Universidade

Estadual do Oregon, em Corvallis. A garota não tinha meios de saber se amiga iria demonstrar

o mesmo sentimento de antes. Só saberia quando os dois se encontrassem de novo. A

possibilidade de haver um relacionamento entre eles deixava-a meio tensa.

Ademais, ainda teriam de escolher a que parque de diversões iriam. Amy parecia bem

interessada em ver o Estúdio da Universal. Todavia, como era Wesley que as estava levando

de carona, ele deveria ter o direito de escolher o passeio. Vicki não faria muita questão da
escolha. Selena também não. Aí então a decisão ficaria entre Wesley e Amy. Os dois, de

novo.

Selena mordeu o lábio inferior e de repente se deu conta do que fazia, e parou.

Que bobagem! pensou. Estou ficando tensa por causa de algo tão insignificante!

Simplesmente vou ligar pra Amy e dizer-lhe que o Wesley sugeriu que fossemos ao Montanha

Mágica. E como foi escolha dele, ela vai entender. Espere aí. Mas se ela concordar, será que

não estará querendo fazer média com ele? Será que devo perguntar diretamente a ela se

ainda está interessada nele? Talvez eu deva consultar a Vicki sobre o que ela acha que devo

fazer. Não. Ia parecer que estou fofocando sobre a Amy. Se for pra falar com alguém, tem de

ser com a Amy.

Afinal, decidiu que iria conversar com a Amy, mas não hoje. Era melhor dar um tempo,

e, quem sabe, aquela sensação incômoda com relação a Wesley e sua amiga desaparecesse. E

por que será que isso a incomodava tanto, afinal?

Levantou-se do sofá e foi para a cozinha. Abriu a geladeira à procura de algo para

comer.

— Como é que está indo o dever de casa? indagou a mãe.

— Já vou começar, replicou Selena sem se virar para ela.

Tinha certeza de que a mãe olhara para o relógio e vira que já passava de 8:30h. Depois

voltara a fitar a filha com certa apreensão, pelo fato de já ser tão tarde e ela ainda não ter

começado a fazer o dever. Nos últimos dois meses, Selena vinha ficando acordada até meia-

noite estudando, por causa do excessivo volume de trabalhos escolares. Se alguém lhe

dissesse que no final do terceiro ano os estudos iriam ficar mais fáceis, essa pessoa deveria

estar falando de outra escola; não do Colégio Royal. Selena se achava tão atarefada com suas

atividades — o trabalho, o serviço voluntário na Highland House, as reuniões da igreja e os


deveres de casa — que nem lhe sobrava tempo para encontros com os amigos. Talvez fosse

por isso mesmo que ficara tão empolgada com esse passeio à Califórnia.

— Já sei, disse a garota sem se virar para olhar a mãe, eu devia ter começado mais cedo.

Preocupa, não, mãe. Hoje não tem muito exercício, não. É que eu tive de ligar para o Wesley

pra conversar sobre a viagem. Tem suco de laranja aí?

— Só o concentrado, no freezer, replicou a mãe. E lá no Mother Bear? Conseguiu a

folga?

— Consegui, disse a garota, abrindo o freezer e pegando uma lata de suco congelado. D.

Amélia disse que me liberaria, sem problema, mas vou ter de trabalhar nesta sexta-feira após a

aula.

Pegou um jarro e encheu de água para preparar o suco. A mãe terminou seu trabalho e

fechou a lava-louças. Em seguida, se pôs a limpar o balcão com um pano úmido.

— Ótimo, disse ela. Acho que vai ser uma viagem muito proveitosa pra você e o

Wesley. Será que você também vai querer se inscrever na Rancho Corona? Será que a gente já

não deveria ir começando a preencher a papelada pra vocês levarem? *

— Papai disse pra esperar um pouco. A taxa de inscrição é muito cara, e ele já pagou

naquelas outras três faculdades, no ano passado.

Selena sempre conseguira manter uma média bem elevada em todas as matérias, desde

os últimos anos do ensino fundamental. Contudo isso não lhe parecia “grande coisa”.

Entendia que, simplesmente, tinha uma mente privilegiada. Coseguia fixar na memória todas

as informações que lhe chegavam aos sentidos. Alguns dias depois, quando ia fazer uma

prova, ela as “buscava” nesse banco de dados e as punha no papel. Em seguida, esquecia-se

de tudo que não lhe interessava muito. Não se considerava uma aluna superinteligente.
Apenas sabia lidar bem com o sistema de aprendizagem. Isso era uma vantagem para ela, pois

já conseguira duas bolsas de estudos e fora aceita em duas das faculdades nas quais se

inscrevera no ano anterior. A essa altura, só preciva decidir em qual delas iria estudar, pois os

pais já tinham aprovado todas as que ela havia selecionado.

Bom, todas não. Houve uma que eles rejeitaram. A Universidade de Edimburgo

— Chegou alguma carta pra mim hoje? indagou.

— Acho que não. Já olhou lá naquela poltrona na saleta?

A mãe se referia à poltrona predileta de Selena, que ficava na saleta onde o pai

trabalhava. Anteriormente, esse cômodo fora a biblioteca da residência. Aliás, tratava-se de

uma velha mansão vitoriana, que o bisavô de Selena construíra em 1915. Havia mais ou

menos uns seis meses, a garota iniciara uma animada correspondência com Paul Mackenzie.

Ela o conhecera, havia mais de um ano, no Aeroporto de Heathrow, na Inglaterra. Todas as

vezes que chegava uma carta dele, os pais a colocavam na cadeira, pois Selena sempre ia

sentar-se ali, para lê-la.

Selena acabara se envolvendo emocionalmente com o rapaz por meio da

correspondência. Esse envolvimento atingira o ponto alto em dezembro do ano anterior.

Afinal, porém, Selena percebera que estava atribuindo ao relacionamento dos dois um

significado mais profundo do que Paul dava. Aí então decidiu pôr um “freio” nas cartas. Em

vez de escrever para o amigo todos os dias, como vinha fazendo, passou a fazê-lo apenas de

quinze em quinze dias. Aliás, desde o começo, ele também lhe escrevia semana sim, semana

não.

Em Janeiro, por exemplo, ele lhe enviara apenas duas correspondências: uma carta bem

pequena e um postal. E ele tinha sempre um tom muito sério e sincero. Nada de palavras

*
Nos Estados Unidos, o ingresso nas escolas de nível superior não se dá por meio de um exame vestibular,
como no Brasil. Como existem muitas escolas, os alunos que terminam o ensino médio simplesmente fazem
uma inscrição na faculdade de sua preferência, solicitando matricula. Nessa inscrição, entre outras coisas, eles
têm de apresentar seu histórico escolar. Dependendo das notas que tiverem recebido no ensino fundamental e
melosas nem de cobranças. Paul parecia mais estar “conversando” com ela. Nunca dava o

menor indício de que havia interesse sentimental de sua parte. Nunca terminava as cartas

usando a expressão “Com amor”, como era comum entre outros jovens. Entretanto, para

Selena, a amizade séria, franca e sincera que os dois tinham, na verdade, era um tipo de amor,

a melhor espécie de amor que pode haver. De certa forma, o relacionamento dos dois era mais

forte do que o que ela ou suas amigas tinham com os rapazes que conheciam.

A garota abrigava no coração uma esperança tranqüila. Era por causa dela que

continuava escrevendo para ele. Em fevereiro, enviara-lhe um cartãozinho, que ela mesma

fizera, referente ao “Dia da Amizade” *. Recortara figuras e palavras de uma revista e as

pregara num coração vermelho. Na mensagem dizia: “Deus é amor... Nós amamos porque ele,

nos amou primeiro” (1 João 4.16,19). Era um versículo bem adequado para expressar o que

queria dizer. Era um cartão relacionado com a data, mas não significava que ela estivesse

confessando que amava o rapaz ou que desejava namorá-lo. Falava do amor de Deus e do seu

eterno amor por todas as pessoas, inclusive pelos dois.

E na verdade, era assim que Selena via a amizade com Paul: envolvida dentro do grande

amor de Deus por aqueles que permanecem nele. Apesar de tudo, porém, sempre que a garota

recebia uma carta do rapaz sentia emoções muito fortes.

Colocou um pouco de suco de laranja em um copo e guardou o jarro na geladeira. Em

seguida, foi para a saleta. Em sua poltrona predileta não havia nenhuma carta.

— Tudo bem! sussurrou consigo mesma, no aposento silencioso que ainda guardava o

cheiro dos livros velhos. Cuide bem dele, viu, Senhor? Sei que tens operado profundamente

na vida do Paul nesses últimos meses e te dou graças por isso. Só peço que tu o guardes e o

protejas, naquela escola lá em Edimburgo. Que ele possa decidir o que vai estudar no ano que

no médio, podem ser aceitos ou não na faculdade. (N. da T.)


*
Trata-se do “Dia de Valentine”, comemorado a 14 de fevereiro. É semelhante ao nosso “Dia dos Namorados”,
porém não abrange apenas os namorados, mas todos os tipos de relacionamentos afetuosos: de pais com filhos,
de amigos e conhecidos, etc. (N. da T.)
vem. Sei que ele tem de resolver isso nas próximas semanas, mas está sendo muito difícil para

ele. Obrigada, Senhor.

Selena ligou o computador do pai. Antes de começar o dever de casa, queria dar uma

passada na internet, para buscar informações sobre a Universidade Rancho Corona, como

Wesley pedira. Quando ia digitar o endereço da escola para entrar no site dela, lembrou-se de

que nunca procurara informar-se sobre a faculdade em que Paul estudava. No ano anterior,

mesmo sem ter se informado sobre essa universidade, dissera aos pais que era para lá que

desejava ir. O único fato que sabia a respeito dela era que Paul estudava lá. Contudo seus pais

haviam recusado, e afinal ela nunca procurara saber mais detalhes sobre a escola.

Nesse momento, em seu interior, travava-se uma luta. Reconhecia que devia contentar-

se com as pesquisas que iria fazer nessa viagem com Wesley. Devia decidir matricular-se

numa das faculdades em que já tinha sido aceita. Algo dentro dela, porém, não queria abrir

mão da idéia de ir estudar na Escócia. Era como se em seu coração houvesse um

compartimento, cuja porta se achava fechada, mas queria ser aberta. Ela estava bem trancada

havia vários meses, depois que ela pusera de lado o sonho de estudar na mesma escola que

seu amigo. Hoje, porém, a porta desse quartinho se abrira um pouquinho. De dentro vinha um

pequeno facho de luz, que parecia acenar para ela, como que a chamá-la.

Então, em vez de digitar “Universidade Rancho Corona”, Selena escreveu

“Universidade de Edimburgo. Escócia”.


Capítulo Três

— O que você quer dizer com isso, que o Ronny disse que vai? indagou Selena para

Vicki, fitando-a fixamente.

As duas se encontravam no estacionamento da escola e a sineta deveria tocar a qualquer

momento. Se não andassem depressa, iriam chegar atrasadas à primeira aula.

— Liguei pra ele ontem à noite e lhe contei da viagem. Ele disse que vai, que quer ir

conosco. Falou também que vai perguntar aos outros caras da banda dele se querem ir.

Expliquei pra ele que vamos ter lugar pra dormir, mas tem de levar dinheiro pra comer.

Selena continuou parada, os olhos fitos na amiga. A sineta tocou, mas a garota nem se

moveu.

— Vamos, Selena, interpôs Vicki, pondo-se a caminhar em direção ao prédio, senão

chegamos atrasadas!

— Vicki, disse a garota saindo atrás dela, quem falou que podia chamar mais gente? Por

que você convidou o Ronny?

Na verdade, ela sabia por quê. Havia meses que a colega estava interessada no rapaz,

embora ele a tratasse da mesma forma como agia com Selena e as outras garotas. Talvez a

Vicki estivesse pensando que, se passasse uns dias junto com ele, viajando dentro de uma van,

perto dele o tempo todo, conseguiria conquistá-lo.

— Ah, Selena, tem muito espaço no carro, replicou Vicki. Seus pais gostam demais

dele. Wesley também se dá muito bem com o Ronny. Qual é o problema?

— Você, Vicki!

— Eu?
A garota parou em frente à porta de entrada. No rosto, estampava um ar de inocência

que irritou Selena.

— Ah, deixe pra lá, falou Selena, erguendo uma das mãos como que se rendendo e

virando-se. Na hora do almoço, a gente conversa.

E entrou no prédio ainda fervendo de raiva.

Selena foi correndo para a sala. Assim que abriu a porta, a professora lhe fez um aceno

indicando que poderia entrar. Isso significava que ela não precisaria ir à secretaria pegar uma

permissão para entrar, apesar de estar atrasada. Essa era uma das vantagens de tirar só notas

altas e de sempre chegar à hora. Alguns alunos viviam atrasados. Por causa disso, com

frequência passavam pela mesma rotina. Apresentavam-se à classe, o professor fazia um

aceno recusando sua entrada, e eles tinham de ir à secretaria pegar permissão para entrarem.

Naquele momento, porém, Selena não ficou muito empolgada com o fato de a

professora ter deixado que ela entrasse. Seu pensamento estava longe da sala de aula. O que

será que seu irmão iria dizer? E seus pais? Como poderia “desconvidar” o Ronny, depois que

a Vicki já o convidara? Felizmente ele era muito seu amigo, e, quando ela lhe explicasse tudo,

ele iria entender bem. Mas, por que teria de “desconvidá-lo”? Na verdade, seria muito legal se

ele pudesse ir também, desde que ele, e não a banda toda. O Warner, o baterista, por exemplo,

era tremendamente irritante para Selena. Se ele fosse, estragaria o passeio para ela.

Por que estou pensando nisso? Esse passeio é meu e de minhas amigas. Quem convida

sou eu. Posso chamar quem eu quiser.

Quando chegou a hora do almoço, ela já tinha resolvido como iria se defender. Diria

que seus pais e seu irmão é que decidiriam quem poderia ir. Se eles achassem que o Ronny

podia ir, ele iria. Então ela lhes diria que não seria bom que o Warner fosse, e assim eles não

permitiriam a ida dele. Com isso, os colegas não iriam culpá-la pela decisão que fosse

tomada.
Quando Selena entrou no refeitório, sua turma já estava à mesa em que costumavam se

sentar. Todos se voltaram para ela e começaram a falar ao mesmo tempo, antes que ela se

sentasse.

— Selena, disse Tre, um dos rapazes da banda, a Vicki disse que só vamos ter despesa

com a alimentação. Vocês não vão querer que a gente ajude na gasolina, não?

— Vocês vão é pra praia? indagou Margaret, uma garota do grupo. Eu também quero ir.

— Já verifiquei na secretaria, interveio Ronny. A gente pode perder umas aulas sem

nenhum problema, já que vamos pesquisar faculdades.

— Beleza! exclamou Margaret. Podem contar comigo.

Vicki continuava com ar de inocência. Selena, sem se deixar envolver, dirigiu-lhe um

olhar de contrariedade e disse:

— Pessoal, vocês precisam entender que não sou eu quem decide. É o meu irmão que

‘tá arranjando tudo. Então, ele e meus pais é que vão resolver quem pode ir e quem não pode.

Na verdade, não era pra convidar todo mundo.

— Quantos cabem na van? quis saber Warner.

Selena fechou a boca trincando os dentes.

— Oito, mas essa não é a questão.

Warner fez uma contagem rápida do grupo.

— Somos quatro aqui querendo ir, disse ele.

Vicki ergueu a mão e contou nos dedos.

— Mais eu, Selena, Amy e Wesley. Oito. Perfeito.

Selena dirigiu à amiga outro olhar “atravessado”.

— Não sou eu quem decide isso, gente. Não escutaram o que eu disse? Tenho de

conversar com meus pais e meu irmão.


— Será que você pode trazer uma resposta amanhã? quis saber Margaret. Vicki disse

que você ‘tá planejando visitar uma universidade que foi onde meus pais se conheceram. Se

eles souberem que uma das faculdades aonde vamos é a antiga escola deles, na certa vão me

deixar ir.

Selena não se sentiu irritada com aquela colega, pois ela não sabia que o convite não era

geral. Aliás, naquele momento, ela até se deu conta de que não se importaria se Margaret

fosse. Embora não tivesse tido a idéia de convidá-la, agora sentia que seria muito bom se ela

participasse do passeio. A garota entrara para o Colégio Royal nesse ano. Os pais dela tinham

sido missionários no Peru, e a moça viera de lá recentemente. Pouco a pouco, ela fora se

revelando uma colega muito legal, que estava sempre fazendo algo de positivo para a turma.

Um dia trazia biscoitos e distribuía entre todos. Em outro, colava pequenas frases de incentivo

no escaninho dos amigos. Selena entendeu que iria até se sentir mal, se não pudesse retribuir

um pouco da gentileza de Margaret para com ela. Essa viagem seria uma boa oportunidade

para isso.

— Vou ver se dá pra trazer a resposta amanhã, replicou.

A situação toda estava ficando meio complicada. Como poderia falar que Wesley “havia

dito”, se fosse o caso, que Ronny, Margaret e Tre poderiam ir, mas o Warner, não. E todos

sabiam que a van comportaria a turma toda. O fator decisivo seria o fato de que Wesley

dissera que quatro era o número ideal. Na realidade, se fossem todos, teriam de dormir

sentados. Desse modo, quase não dormiriam.

Acho que a solução mais justa e mais fácil seria eu dizer: “Sinto muito, mas vocês não

poderão ir conosco, só a Vicki e a Amy. Ah, e talvez o Ronny também. Ah, e a Margaret!”

Puxa, isso ‘tá virando um pesadelo!

Selena teve vontade de desabafar em Vicki a raiva que sentia naquele momento.

Contudo conteve-se e ficou calada. Tinha receio de dizer algo de que depois viesse a se
arrepender. Anteriormente, inúmeras vezes, ela havia “explodido” primeiro, para depois

pensar bem no que dissera. Nessas ocasiões, acabava sempre tendo de pedir desculpas a

alguém por sua explosão. Dessa vez, não queria começar o passeio já com alguém magoado.

Após o jantar, expôs a situação para os pais. Quando terminou de falar, o pai tinha uma

expressão tensa. Estava com a testa franzida, o semblante carregado. Parecia que a cabeça

estava começando a lhe doer. E Selena sabia exatamente como era essa sensação.

— Bom, disse a mãe, soltando um suspiro, vamos pensar bem.

— Só mesmo você, Selena! exclamou o pai, abanando a cabeça.

A garota imediatamente caiu na defensiva.

— Não fiz nada disso por querer! A Vicki é que não deveria ter falado com ninguém

sem me consultar primeiro!

— Você explicou isso pra ela? indagou a mãe.

— Não. Achei que se dissesse algo assim pra ela, poderia não dizer com muito jeito e

ofendê-la.

— É, concordou a mãe, estendendo o braço e dando um tapinha na mão da filha, nisso

você agiu certo. Sabemos que não foi sua intenção criar toda essa confusão. Então não pense

que estamos culpando-a pelo que aconteceu.

— O que eu quis dizer, interpôs o pai, é que só você é que se mete numa situação

dessas. Parece que sempre arranja um jeito de entrar em confusões. Mas eu sei que não era

sua intenção que isso acontecesse, e nós vamos dar um jeito. O melhor agora é ligar para o

Wesley e ver o que ele acha..

Fizeram várias tentativas de telefonar para o rapaz, até 11:00h da noite, mas as ligações

sempre caíam na secretária eletrônica. Acabaram deixando quatro mensagens para ele. Afinal

o pai sugeriu que fossem dormir e ligassem para ele no dia seguinte, bem cedo, antes de

Selena sair para a escola.


— Amanhã, você simplesmente diz para os seus colegas que ainda não tem a resposta,

comentou a mãe em tom diplomático. Eles podem esperar mais um dia.

Pois sim, mãe, pensou Selena, tente chegar na escola amanhã sem uma resposta, e verá

o que acontece!

A garota foi para seu quarto e fechou a porta. O cômodo estava todo bagunçado, o que,

dessa vez, deixou-a irritada. Geralmente aquilo não a incomodava muito. Contudo, quando

havia algo não resolvido em sua mente, parecia que tudo o mais que estivesse “desarrumado”

aumentava de intensidade. Entretanto, como era muito tarde, não tinha nem vontade nem

energias para arrumar o quarto. Isso fez com que sentisse falta de Tânia, sua irmã que tinha

mania de limpeza. Quando ela estava ali, ficava “brigando” com Selena para que esta

guardasse seus objetos que se encontravam espalhados por todo o aposento. Assim que ela

fora embora, Selena, pela primeira vez na vida, tivera condições de decidir como o quarto iria

ficar. De lá para cá, só o arrumara totalmente uma ou duas vezes, e assim mesmo, quando

sabia que ia chegar visita.

Pegou o papel em que imprimira as informações sobre a Universidade de Edimburgo

que retirara na internet. Jogou-se na cama e se pôs a examinar novamente os dados. Ali havia

um mapa do campus e uma lista com o nome de todos os prédios da escola. Agora já era de

manhã na Escócia. Será que Paul estava indo para a aula? Para qual dos prédios será que ele

iria? Seria aquele que tinha um nome comprido “James Clerk Maxwell? Ou talvez fosse o

Ogston? Notou que num canto havia uma marca com a informação “Centro Estudantil”. Devia

ser ali que os alunos almoçavam. Com quem será que ele almoçaria? Será que por vezes

chegava atrasado, por causa de colegas destrambelhados que faziam planos que não

combinavam com os dele?

Afinal largou o papel. Não lhe adiantaria nada ficar “sonhando” com Paul. Já fizera isso

antes, e só servira para deixá-la com uma profunda ansiedade que não poderia satisfazer. Não
queria sentir isso de novo. Bem no fundo do coração, sabia que queria que seu amor se

focalizasse em Deus, o Único que poderia dar-lhe toda a satisfação que desejava. Não queria

mais viver ao sabor das emoções, em que as fantasias e a imaginação aniquilavam a realidade.

Dando um suspiro fundo, pegou a Bíblia que se achava sobre a mesinha-de-cabeceira.

Abriu-a e tirou dela um cartão que se achava ali. Nele ela copiara o texto de 2 Coríntios 10.3-

5. Estava querendo decorá-lo, mas parecia que o trecho não queria se fixar em sua mente. Um

pastor que fizera uma palestra para os jovens da igreja lhes recomendara que memorizassem

esses versos. Isso os ajudaria a ter controle sobre a própria imaginação.

Dando uma olhada para o quarto bagunçado, ela o leu em voz alta. “Porque, embora

andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são

carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda

altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à

obediência de Cristo”.

— “Levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo”, repetiu ela para tentar

fixá-lo na mente.

Em seguida, levantou-se para ir escovar os dentes e vestir o pijama. Enquanto isso, ia

orando silenciosamente. E na verdade, tinha muito assunto para orar. Primeiro havia a viagem

de carro e a confusão criada com os colegas. Depois eram os pensamentos e a imaginação que

queriam desesperadamente se voltar para Paul. E ainda havia a escolha da faculdade onde iria

estudar. Agora que estava de posse das informações sobre a Universidade de Edimburgo,

ficara ainda mais difícil não pensar em como seria bom ir para lá. É claro que seu objetivo

nisso era estar junto do rapaz, o que não era um motivo muito justo, era?

Com tantos pensamentos rondando a mente, Selena teve dificuldade para pegar no sono.

Sem saber bem por que, recordou-se da conversa com Wesley no dia anterior, lembrando de

que ele dissera que preferia ir a uma montanha-russa. Nesse momento, seu estômago lhe dava
a impressão de que estava numa. Parecia que se encontrava num rebuliço emocional que ainda

demoraria um bocado para se acalmar.

Pegou os cobertores e se cobriu bem. Fechou os olhos com força. Finalmente conseguiu

dormir.
Capítulo Quatro

Quando Selena se encontrou com os colegas no dia seguinte, à hora do almoço, sentia o

coração batendo forte. Disse-lhes que não conseguira falar com o irmão e que, portanto, ainda

não tinha uma decisão final.

— De qualquer jeito, informou Tre, eu não consegui folga no meu trabalho. 10. Pode

me riscar da lista.

— É, mas tem outra pessoa querendo ir, interveio Margaret.

— Quem? indagou Vicki.

— Drake. Talvez ele possa ficar com o lugar do Tre, se ele não for mesmo.

Selena sentiu o coração bater ainda mais forte. Drake era o melhor jogador de futebol

americano da escola; e também o maior namorador. No ano anterior, ele tinha demonstrado

interesse por ela, e ela havia correspondido. Eles até chegaram a sair juntos, mas não houve

um namoro de verdade entre eles. Contudo o relacionamento dos dois deixou Selena meio

confusa com relação aos seus sentimentos. E também só serviu para causar muitos conflitos

com seus amigos, principalmente com Amy. É que essa colega também estivera interessada

no rapaz, antes de ele pedir Selena para sair com ele.

No presente, ela e Drake se tratavam como simples conhecidos; e raramente

conversavam. Então dava para imaginar como seria uma viagem dessas, o tempo todo dentro

do carro com Amy e Drake juntos, sem mencionar os outros. A cabeça dela até começou a

latejar, no mesmo ritmo das batidas do coração. Não dava para aguentar mais essa situação.

— Pessoal, disse ela, sentindo o nível da adrenalina subir, é, eu preciso dizer pra vocês

que esse passeio não era pra ser um convite aberto a todos. ‘Tá virando uma confusão
tremenda. Eu não sabia que a Vicki iria chamar todo mundo pra ir conosco. Se eu soubesse,

teria avisado a ela que não era pra fazer isso.

As palavras foram saindo sem que ela tivesse tempo de pensar no que dizia.

— Quer dizer que você não quer que a gente vá? perguntou Margaret.

— Você não me avisou que era um grupo restrito, soltou Vicki abruptamente. Você só

disse que o Wesley tinha falado que levaria você e algumas amigas. Pensei que o convite se

estendia a todos os amigos. Por que não me falou que era só pra mim, você e Amy?

— Achei que você tinha entendido isso.

— É claro que não, declarou a outra cruzando os braços.

— Então nós não precisamos ir, não, comentou Ronny prontamente, tentando acalmar a

situação que parecia estar ficando tensa. Não tem importância, não, Selena. A gente entende.

O passeio é seu. Parece que nós tomamos as rédeas dele e não deixamos que você convidasse

quem quisesse.

Ouvindo isso, a garota se sentiu meio sem jeito.

— Não, Ronny, disse ela. Não é que eu estivesse querendo convidar só algumas

pessoas...

— Mas foi o que fez, interpôs Warner. Convidou Amy e Vicki.

— Ué, gente, ela escolheu quem ela quis, comentou Margaret. Ela convida quem ela

quiser. Vocês estão deixando a Selena com sentimento de culpa.

— Estamos não, defendeu-se Warner.

— Bom, disse Tre, dando de ombros, eu não posso ir mesmo.

E o rapaz se levantou e foi devolver a bandeja no balcão.

Selena tinha a impressão de que o mundo todo se voltara contra ela. Por que será que

seus amigos não conseguiam entender a situação? Por que era tudo culpa dela?
— Gente, principiou Margaret, pigarreando e falando um pouco mais alto, vamos fazer

como o Tre e desistir do passeio. Não vamos dificultar as coisas pra Selena.

Em seguida, ela se pôs de pé e concluiu:

— Dá licença. Acho bom eu ir dizer para o Drake que houve um engano e nós não

fomos convidados, não.

— Espere aí, interveio Selena, já imaginando como o Drake iria entender aquilo tudo.

Não é que vocês não foram convidados, não. É que eu ainda não conversei com meu irmão.

Dá pra esperar até amanhã? Aí eu trago a decisão final. Isso não era pra ser um problemão

assim, não!

— É, acho que eu fui a culpada de tudo, comentou Vicki em voz meio baixa e não mais

com o ar de inocência. Mas não foi minha intenção criar esse pesadelo todo, não!

— Eu sei, replicou Selena. Você não fez nada errado de propósito, não.

Em seguida, olhou para o Ronny, na expectativa de que ele dissesse algo para ajudar a

amenizar os sentimentos dos que estavam magoados. O rapaz enfiou na boca o último pedaço

do sanduíche que comia e disse:

— Se você conseguir falar com o Wesley hoje à noite, ligue pra mim depois, ‘tá?

Apesar de tudo, eu ainda quero ir com vocês, se for possível.

A vontade de Selena era dizer: “Claro, pode, sim. Tenho certeza de que o Wesley vai

gostar muito se você for”. Mas o que será que o Warner e os outros iriam pensar? Então ela

respondeu apenas:

— Ligo, sim.

Na verdade, iria telefonar para o Ronny mesmo que não conseguisse falar com o irmão.

Aí poderia ter uma conversa em particular com ele sobre a situação toda.

Fiel à sua promessa, Selena ligou para o Ronny assim que chegou em casa. Contudo a

ligação caiu na secretária. Então discou o número de Wesley. Felizmente ele atendeu.
Explicou-lhe a situação e em seguida perguntou o que achava que ela deveria fazer. O

irmão fez uma pausa, e a garota ficou a imaginar se ele não faria a mesma exclamação que o

pai fizera na noite anterior: Só você, Selena!

— Bom, Selena, é claro que a viagem tem de ser agradável pra você, principiou ele.

Mas acho também que é uma oportunidade pra você fazer algo de especial para os seus

amigos. Creio que deve pensar nesse lado dela.

— Como assim?

— Veja a situação por outro ângulo. Suponhamos que fosse o Ronny que estivesse

tendo a chance de fazer uma viagem como essa, e ele convidasse duas pessoas da turma, mas

não a chamasse. Como você se sentiria?

— A questão é que nosso grupo não é assim tão unido, sabe? protestou ela. Não é

dessas turmas que sempre estão juntas. Eles estão sempre saindo uns com os outros, fazendo

programas sem me convidar. Além disso, eu chamei a Amy, que nem estuda em nossa escola

mais. Eu pensei mais num passeio de garotas. Quando tem rapazes no meio, a atmosfera muda

completamente.

— Ei, Selena, interveio Wesley, falando devagar, eu sou rapaz.

— É, eu sei, mas...

A garota ficou sem argumento. O irmão tinha razão. Indo só as três, já havia a

possibilidade de a atmosfera ficar meio tensa por causa do interesse que Amy tivera por

Wesley. Talvez Selena tivesse um pouco enganada, quando pensava em como o passeio seria.

— Olhe aqui, Selena, não sei o que lhe dizer. Se você quiser, eu concordo em levar mais

alguns amigos seus, se isso for proveitoso pra eles. O objetivo principal dessa viagem é eu

conhecer a Universidade Rancho Corona e você visitar algumas faculdades. Não é pra ir à

praia, nem conhecer Hollywood, nem ir a qualquer outro lugar que eles queiram ir. Se você
deixar isso bem claro pra eles, talvez alguns mudem de idéia. Avise que nós não vamos ter

muito tempo pra passeios, não.

— É, eu sei, disse a garota, dando um suspiro. Você tem razão. Eu devia pensar no bem

dos meus amigos. Só que não gosto da companhia do Warner.

— Então não o convide.

— Mas você acabou de dizer que poderia convidar todos.

— Sim, mas isso é com você.

— É, você não me ajudou nada. Primeiro diz uma coisa, depois, muda tudo.

— Não mudei, não. Escute, Selena, você deve fazer o seguinte. Faça uma programação

bem rígida, de visita às faculdades que você, a Vicki e a Amy queiram conhecer. Depois, se

houver tempo, podemos encaixar nela um divertimento qualquer, como ir a uma praia ou algo

assim. Mostre esse planejamento pra eles, e lembre-lhes de que terão de arcar com as despesas

de alimentação. Depois vamos ver quem vai querer ir. Se o Ronny quiser ir, pra mim ‘tá

ótimo.

— Mas e o Warner?

— Que tem ele?

Selena ficou a remexer nervosamente os dedos dos pés, encolhendo-os e esticando-os.

Sentia o queixo tenso.

— Me ajuda aí, Wesley! Não quero que o Warner vá!

— ‘Tá bom. Então pode usar meu nome. Diga-lhe que não quero que ele vá.

— Mas você nem o conhece...

— É, tem razão. Não conheço, não. Você é que o conhece. Então diga-lhe que ele não

pode ir.

Selena soltou um suspiro curto. Sentia-se muito irritada. Ao que parecia, não havia uma

solução tranqüila para o problema.


— E a questão do dormir? disse. Com muita gente, não vai ser possível ninguém deitar

pra dormir.

— A gente pode se revezar. Cada hora um dorme no banco da frente, que inclina um

pouco. Todo mundo dorme sentado no avião, não dorme? Então pode dormir na van também.

A garota mordeu o lábio inferior com tanta força que achou que iria feri-lo.

— ‘Tá bom, Wesley, disse afinal. Vou desligar agora, e não me ligue de volta, não, viu?

Não aguento mais essas suas soluções “furadas”.

— O.k., replicou ele em tom calmo, não parecendo nem um pouco preocupado com a

irritação dela. Depois me avise o que você decidiu.

— Aviso, respondeu a garota.

Desligou o telefone e foi ao porão, à procura da mãe. Ela estava tirando roupas da

lavadora e colocando na secadora. Sem rodeios, Selena lhe expôs todo o problema e ficou na

expectativa de ver o que a mãe diria. Seu desejo era que ela viesse com uma solução mágica,

que agradasse a todos. Contudo ela se encostou na secadora e indagou:

— E aí? O que você vai fazer?

Isso era o que Selena mais detestava nesse período de passagem para a fase adulta: os

pais deixarem que ela tomasse a maioria das próprias decisões. Eles diziam que, arcando com

as consequências, boas ou ruins, de suas escolhas, ela aprenderia muitas lições e

amadureceria. No entanto essa atitude a estava deixando desorientada. Parecia que seus pais

sentiam uma estranha satisfação, típica de pais, ao atribuir-lhe a responsabilidade por todos os

seus atos.

— Ainda não sei, replicou afinal.

— Esse Warner é um cara difícil de conviver? Perguntou a mãe.

— É, parece que os outros não se irritam com ele tanto quanto eu. Ele tinha a mania de

chegar perto de mim e passar o braço no meu ombro. Ele é muito alto, e eu tinha a sensação
de que ele estava se apoiando em mim. Parecia que ele queria que os outros pensassem que

estávamos namorando.

— Ele ainda faz isso?

— Não. Um tempo atrás, falei com ele que não gostava e ele parou, finalmente. Agora

ele fica me tratando mais ou menos mal. Fica dizendo frases meio ferinas e me olha com

raiva.

A mãe deu um sorriso significativo.

— O que é? indagou Selena.

— Se vocês tivessem quatorze ou quinze anos, eu diria que ele tem uma paixãozinha

infantil por você.

— Isso mesmo! concordou a garota. O que torna tudo ainda mais irritante é que não

temos mais quatorze anos. Afinal já estamos terminando o ensino médio. Por que será que ele

não pode agir como um cara normal?

— É; alguns garotos demoram mais pra amadurecer. Você sabe disso, né? O que você

está vendo como raiva é apenas imaturidade.

— ‘Tá bom, mãe. então me diga. Você acha que, numa viagem como essa, eu devo

convidar um cara imaturo, só pra ser legal com ele?

— Sei não, replicou a mãe pensativamente. Pode ser que um passeio como esse sirva

pra ele amadurecer um pouco.

Selena ergueu as mãos num gesto de quem pede socorro.

— Ah, por que sou eu que tenho de fazer o Warner amadurecer? E por que essa questão

toda está girando em torno dele? Era pra ser um passeio agradável pra mim e o Wesley, pra

nós conhecermos faculdades. Depois eu chamei a Amy e a Vicki. Era só isso, um grupinho

compacto e fechado. Por que não pode ser assim?

— E o Ronny?
— O.k., eu, Wesley, Amy, Vicki e Ronny.

Assim que ela acabou de mencionar os nomes, percebeu que havia dois casais —

Wesley e Amy, Vicki e Ronny. Ela ficaria sobrando. A não ser que o Warner também fosse.

Mas a situação ficaria pior. E ela não havia nem se lembrado de Margaret, nessas últimas

considerações. E se ela fosse, bem como o Warner, e os dois acabassem formando um par?

Nesse caso, seriam três casais, e ela estaria sobrando.

— Estou começando a ficar com dor de cabeça, disse Selena. Vou para o quarto. Falei

com o Ronny que ligaria pra ele.

— Dá pra você levar esta cesta de roupa e deixar na cozinha pra mim? indagou a mãe.

— Claro, replicou a garota, inclinando-se para pegá-la.

— Ah, espere aí, interveio a mãe. Já viu a carta que chegou pra você? Está lá na

poltrona, na saleta.
Capítulo Cinco

Só de saber que havia uma carta para ela, Selena se sentiu mais aliviada. Colocou a

cesta de roupas sobre o balcão da cozinha e correu ao seu cantinho predileto. Pegou o

envelope e olhou bem para o seu nome escrito com a letra grande de Paul. Sorriu. Sempre que

pegava uma carta do rapaz era como se uma brisa suave soprasse em seu interior. Acomodou-

se na poltrona e abriu a carta, escrita em papel bem fino. Em seguida, se pôs a ler.

Cara Selena,

Finalmente consegui tomar algumas decisões. Demorei um bocado e passei por muita

luta para discernir qual era a vontade de Deus para minha vida. Sei que você me ajudou

muito com suas orações. Obrigado.

A garota ergueu os olhos para o alto e engoliu em seco. Sabia muito bem o que era ter

de tomar decisões, e como isso implicava muita luta, uma verdadeira tortura. Parecia-lhe

estranho que ela tivesse ajudado Paul, incentivando-o e orando por ele. No entanto, quem

poderia estar orando por ela? E por que será que ela própria não conversava com o Senhor a

respeito das lutas que estava enfrentando? Voltando a atenção e o pensamento para a carta de

Paul, continuou a ler.

Não sei se já lhe expliquei como eles dividem o ano letivo aqui. Na semana que vem,

por exemplo, encerra-se um bimestre, que eles denominam “bimestre de primavera”. Em

seguida, temos um recesso de um mês, e depois inicia-se o que eles chamam de “bimestre de
verão”. Vai de meados de abril a meados de junho. Pois é. Resolvi ficar e cursar esse

período. Depois, então, devo retornar aos Estados Unidos.

Selena sentiu uma onda de satisfação e de esperança ao saber que Paul iria voltar à sua

terra. Ele estudara em Portland no ano anterior, embora sua família morasse em San Diego, na

Califórnia. O pai dele era pastor de uma igreja ali. Será que o rapaz viria para Portland ou iria

estudar em outro lugar? Continuou lendo.

Como já disse, foi muito difícil para mim chegar a essa decisão. Quando vim para cá,

meu plano era fazer o curso todo aqui, na Universidade de Edimburgo. Eu queria isso desde

que tinha quinze anos e estava começando o ensino médio. É que eu tinha visitado a escola

nessa ocasião e a vira com o olhar de um adolescente. Além disso, queria sair de casa e vir

morar com meu avô. Como você sabe, ele morreu antes de eu vir. É que a universidade aqui

exigia que, antes de me matricular nela, eu já tivesse cursado um ano numa escola superior

nos Estados Unidos. Foi por isso que estudei aí em Portland, na Faculdade Lewis e Clark.

Bom, então vim para cá, pensando que talvez pudesse ajudar minha avó e achando que

a universidade ainda era como eu a vira aos quinze anos. Na verdade, minha avó é uma

pessoa muito auto-suficiente e não necessita de minha ajuda. Ela já deu a entender também

que minhas idas para a casa dela nos finais de semana estão sendo um peso para ela. Fiz

algumas amizades na escola, mas nenhuma delas muito profunda, já que não passo os

sábados e domingos aqui. As aulas são ótimas, e creio que esse ano que passei nesta escola

representou uma excelente experiência de vida para mim. E o ponto alto dele foi o fato de eu

ter voltado a buscar comunhão com o Senhor. Entretanto este lugar possui uma atmosfera de

solidão que é muito penosa. Mas sou grato a Deus pelo fato de que sempre que clamei a ele,

ele me acudiu e veio ao meu encontro.


Quanto aos planos para o futuro, ainda estou em fase de elaboração. Quando lhe pedi

que orasse por mim com relação a isso, estava pensando em voltar para os Estados Unidos

no final de março, quando encerrasse o “bimestre de primavera”. Contudo entendi que será

proveitoso para mim fazer as disciplinas que eles vão oferecer nesse período que vai de abril

a junho. Durante o mês de recesso que teremos, pretendo viajar bastante. Quero visitar um

acampamento para velejadores, que fica no norte da Escócia. Depois vou para Stranraer,

pegar um barco e navegar para Belfast, na Irlanda do Norte.

Selena parou de ler outra vez e deixou a imaginação voar um pouco, com o que Paul

dissera. Ela tinha estado na Irlanda, em janeiro do ano anterior. Iria escrever ao rapaz

imediatamente recomendando-lhe que visitasse um ponto turístico desse país chamado

“Passarela dos Gigantes”. Ali, em eras passadas, houvera uma erupção vulcânica e a lava

escorrera para o mar e endurecera. Formara-se, então, um enorme bloco de rochas, que

lembrava os degraus de uma escada. Realmente parecia uma estrada para gigantes.

Gostaria que você orasse a Deus pedindo que ele me proteja nas viagens que vou fazer

e me oriente nas decisões que ainda tenho de tomar. Preciso resolver o que farei depois que

terminar esse curso aqui em junho. Vou parar por aqui. Hoje à tarde vai haver um jogo de

rugby, no Estádio Murrayfield. É entre Escócia e França. Talvez você já saiba que o esporte

predileto do pessoal aqui é o rugby. Parece que vai ser um jogo excelente. Vale a pena

“matar” umas horas de estudo para assistir a ele.

Espero que tudo esteja indo hem aí. Mais uma vez, muito obrigado por suas orações e

palavras de incentivo. Você não faz idéia de como elas são importantes para mim.

Com muita gratidão,

Paul
Assim que Selena chegou ao final, voltou à primeira página e leu tudo de novo. Sempre

que recebia uma carta do rapaz fazia isso.

Quando já estava quase terminando a leitura pela segunda vez, o telefone tocou. Sua

mãe atendeu e gritou para a filha avisando que era o Ronny querendo falar com ela.

Dobrou a carta cuidadosamente e a recolocou no envelope. Em seguida, pegou o

aparelho que havia sobre a escrivaninha do pai.

— Oi! disse ela em voz alegre.

Ronny não respondeu imediatamente. Após alguns segundos, ele replicou:

— É, parece que você está com uma disposição melhor do que estava na hora do

almoço. Isso quer dizer que conversou com seu irmão?

A garota sentiu o rosto afoguear-se. Sua impressão era de que a tinham pego num

momento de intimidade com Paul. Sentiu certo constrangimento. Era como se ela e ele

estivessem juntos, a sós, ali na saleta, os olhos fitos um no outro, e de repente, a porta se

abrisse e o Ronny entrasse.

— É, conversei com Wesley, principiou ela recuperando-se. Não sei se estou com tudo

bem definido ainda, mas ele disse que gostaria que você fosse.

— Ótimo! replicou o rapaz. Então eu vou. Arranjei uma pessoa para parar os gramados

pra mim no sábado. Aliás, meus pais querem saber que faculdades vamos visitar. E eu preciso

saber quanto de dinheiro devo levar.

Selena mencionou as escolas as quais iriam e depois disse-lhe que teria de levar

dinheiro para todas as refeições. Informou ainda que só teriam alguma diversão se sobrasse

tempo.

— ‘Tá bem, concordou ele. Meus pais acham que devo ajudar na gasolina também.

Pensei em dar uns 50 dólares para o Wesley, ou você acha pouco?

— Parece até muito, respondeu Selena.


— Papai disse que sai mais barato que uma passagem de avião.

— Ronny, você acha que o Warner e a Margaret quereriam ir se eu lhes dissesse que

não temos certeza se vamos à praia ou a um parque de diversões? Quero dizer, eles estão

sabendo mesmo que não se trata de um passeio, mas de uma pesquisa em faculdades?

— Não sei, mas acho que sim. O Drake queria saber se pretendem visitar alguma

universidade na região litorânea. Ele queria dar uma olhada na Faculdade Westridge, em

Santa Bárbara.

Drake! Selena sentiu o nervosismo voltar. Assim que Ronny mencionou esse nome, ela

percebeu que os restos de alegria que tivera com a carta de Paul acabaram-se totalmente.

Havia se esquecido de que ele queria ir. Ou talvez o tivesse tirado do pensamento, pelo fato de

ter ficado tão irritada com relação a Warner.

— Ó Ronny, o problema é que vai ficar muito apertado. Quem você escolheria pra ir

conosco? Quero dizer, os já definidos são eu, Wesley, você, Vicki e Amy. Sobram apenas três

lugares na van, se a gente lembrar que vai precisar de espaço pra bagagem. Se o Drake,

Margaret e Warner forem, eu acho que vai ficar cheio demais, levando-se em conta que é uma

viagem bem longa.

— É, pode ser. Não sei. Você terá de decidir, então.

— Eu queria que todo mundo parasse de mandar que eu resolva! exclamou a garota

meio irritada. Você não imagina como é aborrecido a gente ter de ficar responsável por esse

lado, pra essa viagem ser um acontecimento agradável e tranqüilo. Agora parece que acabou

virando um concurso de popularidade, ou algo assim.

O rapaz não respondeu nada.

— Quero dizer, continuou Selena, como você se sentiria se tivesse de tomar essas

decisões?
— Sei lá. Provavelmente iria procurar pensar o que seria melhor tendo em vista a

viagem toda. E se eu tivesse de dispensar alguns, eu dispensaria. Acho que isso não

prejudicaria nossa amizade em nada. Todo mundo entende a situação, Selena.

— Você entende porque já sabe que vai. Mas, e se você fosse um dos que eu teria de

dispensar?

— Entenderia perfeitamente, replicou ele sem hesitação.

— É, ‘tá bom. Mas você é o Ronny. Você sempre entende tudo muito bem. E os outros?

Entenderão?

— Se eles forem realmente seus amigos, sim. E sua decisão não iria mudar nada no seu

relacionamento com eles.

— Não sei, não, Ronny. O mais provável é que digam que se eu fosse amiga deles, não

haveria nem discussão. Iria querer que todos fossem conosco.

— É, talvez.

Selena começava a sentir de novo a mesma dor de cabeça que tivera horas antes, quando

conversara com o irmão.

— Ronny, faz um favor pra mim? Por enquanto, não comente com ninguém que você

vai, ‘tá? Espere até amanhã, depois do almoço.

— O.k., replicou ele.

— Vou orar sobre tudo isso, e amanhã a gente resolve.

— Como queira! exclamou o rapaz.

— ‘Tá bom, então, concordou ela, sentindo-se tão dividida quanto o amigo. O que tiver

de ser, será!
Capítulo Seis

Era quarta-feira de tarde, e o grupo já ia iniciar a viagem de visita às faculdades. Selena

achava-se parada na rampa de sua casa, olhando o pai que afixava o bagageiro no alto do

carro. Ronny estava no gramado atirando um pedaço de pau para o Brutus, o cão da família.

Amy fora lá dentro, para uma última corrida ao banheiro. Vicki se achava ao lado de Selena,

dizendo-lhe algo, mas nesse momento seus olhos se voltaram para Warner, que dissera que

seu lugar era no banco da frente, e já se apoderara dele. Estava sentado lá firme como uma

rocha.

— Será que o Drake desistiu porque soube que a Margaret não iria? indagou Vicki em

voz baixa. Percebi que, nestes últimos dias, os dois têm estado muito juntos.

— Pode ser, resmungou Selena.

Os pais de Margaret não haviam dado permissão à filha para ir porque ficaram sabendo

que quem iria com o grupo era o irmão de Selena, e não os pais desta. À hora do almoço, na

escola, Drake procurara a garota e lhe comunicara que mudara de idéia. Não iria, pois “tinha

muita coisa pra fazer”.

Selena chegara à decisão final uma semana antes. Resolvera que todos poderiam ir, se

quisessem: Ronny, Warner, Drake e Margaret. Contudo, interiormente, começou a desejar que

Drake e Warner, principalmente este último, desistissem da viagem. Drake desistira havia

poucas horas, e a partir daí, Selena começou a desejar que Warner fizesse o mesmo. Todavia

ele não fizera. Iria com o grupo.

Agora estava lá, “plantado” no banco da frente. A garota se pôs a repassar mentalmente

as recomendações que a mãe fizera com relação a ele. Dissera-lhe que ela deveria estabelecer
limites para o rapaz e aplicá-los sempre que necessário. Sharon Jensen também lhe lembrara

que esse tipo de experiência poderia ter um efeito muito positivo em Warner, contribuindo

para seu amadurecimento. Depois elogiou a filha por sua atitude madura, quando concordou

em deixar que ele fosse, embora isso não lhe agradasse muito.

Nesse momento, Selena se sentia tudo, menos madura. Não tinha nem um pouco de

vontade de dirigir o carro do pai naquele trajeto dali até Corvallis, uma distância de 160

quilômetros. Não queria pensar que a vida de Ronny, Warner, Vicki e Amy, de certa forma,

estaria nas mãos dela. Ficaria bem mais tranquila se o pai tivesse se oferecido para levá-los

até onde o irmão estava. Entretanto sabia que ele não o faria. Confiava plenamente nela.

Agora então seus amigos estavam na dependência dela. Nesse instante se dava conta de que

ser madura e responsável, numa ocasião dessas, na verdade, era um peso que a enervava.

Nunca imaginara que pudesse sentir isso.

Contudo deu um sorriso meio forçado e agradeceu ao pai que colocara as malas e

sacolas no bagageiro.

— Olha, filha, o tanque está cheio. Verifiquei o nível do óleo hoje de manhã, disse o Sr.

Jensen, entregando a chave do veículo para Selena. Lembre o Wesley de checar o óleo outra

vez antes de voltarem.

— Vou lembrar.

— E assim que chegarem em Corvallis, ligue pra casa, recordou a mãe.

— ‘Tá bom.

— Verifique se todos puseram o cinto de segurança, recomendou o pai. Fiz um seguro

total, então, caso aconteça algo, o grupo todo está coberto por ele. Mas, por favor, andem

sempre dentro do limite de velocidade, obedecendo direitinho à sinalização, e todos com cinto

de segurança.
— O.k., falou a garota. Nós vamos andar direitinho. Tenho certeza de que vai sair tudo

muito bem.

Aquelas recomendações de última hora dos pais a estavam deixando ainda mais

nervosa.

— É, interveio a mãe, e nós estamos orando nesse sentido. Boa viagem pra vocês, e se

houver algum problema, telefonem.

— ‘Tá bem, mãe. A gente telefona.

Selena deu um passo em direção ao carro para entrar nele. Antes, porém, que ela subisse

ao veículo, a mãe a segurou, deu-lhe um abraço e um beijo no rosto. Aquela demonstração de

afeto deixou-a meio sem graça.

— Tchau! replicou rapidamente, correndo para a van.

— Tchau! gritou o pai.

Ainda bem que ele não tentara beijá-la na frente dos amigos também. Sentiu uma ponta

de vergonha por haver ficado constrangida com os gestos afetuosos dos pais.

Amy e Vicki também entraram, ocupando o banco logo atrás do de Selena. Ronny

sentou-se no terceiro, levando seu enorme violão.

— Ponham o cinto de segurança, pessoal! falou o Sr. Jensen.

Para alívio de Selena, todos obedeceram.

— Todos prontos? indagou a garota, ligando o carro.

Ficou espantada ao perceber que não estava gostando muito de se achar ao volante e

praticamente na “chefia” do grupo. Desde pequena sempre ouvira os outros dizerem que tinha

“tendência” para ser líder. O problema ali talvez fosse o fato de que estava liderando seus

colegas. Ou poderia ser que estivesse sem jeito porque os pais se encontravam na rampa,

abraçados, olhando para eles e acenando efusivamente. Davam a impressão de que ela estava

de partida para uma perigosa viagem no mar e que talvez nunca mais a vissem. Fosse qual
fosse a razão daquela sensação incômoda, o certo é que, felizmente, assim que chegaram à

estrada e rumaram para o Sul, começou a sentir-se melhor.

— Alguém quer chicletes? indagou Vicki.

— Que tipo que é? quis saber o Warner.

— Menta. Quer?

— Não. Só masco de bola, explicou ele. Ah, agora me lembrei de uma coisa. Esqueci de

trazer. Selena, pare aí no primeiro lugar que puder. Preciso comprar chicletes pra mim.

— Não vou parar só pra comprar chicletes, não, replicou ela em tom áspero.

Ela própria ficou surpresa com o modo como falara. Por uns instantes, todos ficaram em

silêncio. Em seguida, abrandando a voz, ela explicou:

— Meus pais disseram pra ir até Corvallis sem parar. Você pode esperar chegar lá pra

comprar, não pode?

O rapaz ergueu as longas pernas e colocou os pés sobre o painel do carro. Mais parecia

um gafanhoto todo encolhido.

— É, acho que não tenho outra escolha, disse.

— Faz o favor de colocar os pés no chão, pediu Selena.

— Você vai me obrigar?

— Warner, não estou enxergando o retrovisor da direita. Sua perna está atrapalhando

minha visão.

— ‘Tá não.

— Warner, insistiu Selena, perdendo o pouco de paciência que ainda lhe restava, abaixe

as pernas! Esse carro é do meu pai e ele não gosta que ninguém ponha os pés no painel assim!

— Seu pai não ‘tá aqui!

— Mas o carro é dele, replicou a garota. Ponha os no chão, Warner.

Com gestos lentos, o rapaz abaixou as pernas e virou-se para olhar para ela.
— Você vai ser implicante assim a viagem toda, é?

— É possível, disse Selena. E você vai ser uma “mala” assim a viagem toda, vai?

Os outros jovens se mantiveram calados.

— Desculpe, Warner, falou ela logo em seguida. Eu não devia ter dito isso. Vamos agir

de outra maneira. O que quero dizer é o seguinte: meus pais confiaram muito em mim, com

relação a essa viagem, e quero estar a altura da confiança deles. Será que você pode colaborar

pra isso?

— Claro, respondeu ele, dando de ombros. Você é a dona do passeio e ‘tá comandando

tudo. Eu só estou indo porque sei que vai ser um “agito”.

Selena pensou que ele não fazia idéia de como tudo aquilo estava sendo um “agito” para

suas emoções. Estava acontecendo exatamente o que ela não desejava que acontecesse.

Warner participava da viagem e, com menos de vinte minutos de estrada, ela já discutira com

ele. Lembrou-se ainda de que, assim que pegassem Wesley, eles seriam seis: três garotas e

três rapazes. Se formassem pares, seriam Vicki e Ronny, Wesley e Amy, ela e Warner. Só de

pensar nisso, sentiu o estômago “embrulhar”. Então, de agora até domingo à noite, teria de

lutar contra a forte antipatia que tinha para com esse colega.

Senhor, orou, por que é que isso é tão difícil? O que há de errado comigo? Achei que já

tinha resolvido essa questão e que decidira ser legal e cheia de amor para com todos, como o

Senhor quer! Sinto muito, Senhor, mas é impossível!

— Quer chicletes, Selena? indagou Vicki em tom brando, estendendo-lhe uma “tirinha”

e procurando amenizar a situação.

— Quero, obrigada!

Warner abriu a sacola de viagem que colocara entre seu assento e o do motorista e tirou

de dentro dela uma revista sobre skatismo. Pegou também um walkman e ajustou o fone de
ouvido. E assim ficou ele durante algum tempo: isolado em seu mundo particular, ouvindo um

som e batendo os dedos no painel ao ritmo da música.

Ao que parecia, ele trouxera também um bom sortimento de lanches. A todo momento,

enfiava a mão na sacola e pegava algo. Primeiro, foi uma lata de refrigerante que bebeu quase

de um só gole. Em seguida, amassou a latinha e jogou-a no chão do carro. Depois comeu um

pacote de pipoca, deixando cair migalhas por toda parte. A seguir, foi um saquinho de

chocolates M&M’s que devorou sem oferecer nada a ninguém. Assim que terminou, atirou a

embalagem do lado de Selena, pois o seu já estava cheio de lixo. Aí foi a vez de um pacotinho

de castanhas com sabor “churrasco”, que deixou o carro todo com cheiro característico.

Enquanto Warner se empanturrava, Ronny permaneceu quieto, no banco de trás,

tocando suavemente o violão. As três garotas se puseram a conversar sobre as expectativas

que tinham com relação as faculdades que iriam visitar, passando umas às outras mais

informações que haviam obtido. Obviamente a conversa delas ali não era do mesmo teor das

que mantinham no Mother Bear, onde se reuniam todas as segundas-feiras. É que sabiam que

os dois rapazes estavam escutando. Selena se sentiu um pouco mais reanimada ao perceber

que as duas colegas haviam assimilado bem o “espírito” da viagem.

— Meu tio me deu alguns cupons para o Montanha Mágica, informou Amy a certa

altura. Não sei se vão adiantar muito, mas diz aqui que são válidos em todos os parques de

diversões da rede “Six Flags”.

— Como assim? indagou Vicki. Vale uma entrada no parque?

— Não; acho que dá um desconto de seis dólares no ingresso.


*
— É, interveio Vicki, minha mãe me emprestou um guia automobilístico da

Califórnia. Ele traz os preços e horários de todos os parques, lojas e shoppings. Sei que não

*
Algo semelhante ao nosso Guia Quatro Rodas. (N. da T.)
estamos pensando em ir a nenhum desses lugares especificamente, mas se a gente resolver ir,

pelo menos já temos o que consultar.

— Ótimo! exclamou Selena. Tenho certeza de que poderemos fazer algo. Mas terá de

ser de última hora.

— Assim é que é bom, comentou Vicki.

Pouco antes de chegarem à cidade de Salem, começou a cair uma chuva fina. Selena

diminuiu a velocidade e ligou o limpador de pára-brisa. O tráfego estava aumentando, já que

eram quase 5:00h.

— Sabe de uma coisa? principiou Vicki, inclinando-se para diante para dizer algo a

Selena.

Era quase impossível ter uma conversa mais confidencial, pois Warner se achava bem

perto da motorista.

— Ah, continuou Vicki, sei que é pra gente ir direto pra Corvallis, mas estou precisando

ir ao banheiro. Não vai dar pra esperar. Será que podemos fazer uma parada?

— Claro, disse Selena.

Warner ergueu os olhos da revista e tirou o fone de ouvido.

— Ah, então vamos parar, é? Ó dona da viagem, será que posso sair do carro? Ah,

deixa, deixa!

— O Warner, por que você tem de agir assim? indagou Vicki em tom seco.

O rapaz atirou nela o saquinho de castanhas.

— Pense rápido! disse ele.

Selena olhou no retrovisor para ver qual seria a reação da amiga. A colega permaneceu

calma, ganhando pontos a seu favor.

— Você está agindo como um “mala”, Warner, explicou ela. Por que não pára com

isso?
— O que será que está acontecendo com as mulheres deste carro? indagou o rapaz em

tom de zombaria.

— Ah, deixe disso, Warner! interveio Ronny firmemente.

Era a primeira vez que ele se manifestava, desde que tinham iniciado a viagem. Selena

ficou surpresa com a exclamação do colega, mas sentiu-se grata a ele pelo apoio que lhes

dava. Contudo não disse nada. Limitou-se a ligar a seta e mudar de pista para sair da estrada.

Assim que avistou um posto de gasolina, entrou nele e estacionou numa vaga lateral, próxima

à entrada dos sanitários.

— Volto já, gente, disse Vicki.

— Eu também vou lá, anunciou Selena.

— Eu também, informou Amy, deslizando para a porta e saindo logo atrás de Vicki.

— Isso é uma lei da natureza, comentou Warner em voz alta para que todos ouvissem.

As fêmeas da espécie vão ao banheiro em bandos.

Apenas ele riu de sua piadinha.

— Olhe aqui, Ronny, disse Selena, entregando ao colega a chave do carro. Toma conta

aí pra nós.

As três garotas se dirigiram para o sanitário. Assim que fecharam a porta, começaram a

falar ao mesmo tempo.

— Não estou suportando aquele cara! exclamou Vicki. Não imaginei que ele ia ser tão

aborrecido assim! ‘Tá me deixando irritada!

— Por que você o convidou, Selena? quis saber Amy.

— Bem, replicou a garota, dando uma olhada de lado para Vicki, não era essa a minha

intenção, não.

Contudo ela logo entendeu que não adiantaria ficar botando a culpa na colega. Então

acrescentou em tom calmo:


— É meio complicado. Podem crer, meninas. Eu orei muito sobre a situação e, quando

resolvi estender o convite a ele também, achei que estava agindo certo.

— Isso foi ótimo pra ele, talvez, comentou Amy. Mas pra nós, que estamos tendo de

suportá-lo, não ‘tá nada legal.

— Não vai dar, não, interpôs Vicki. Temos de ver como vamos resolver esse problema.

Ele vai “estragar” a viagem pra todo mundo. Quando ele comeu aquelas castanhas, tive a

impressão de que eu ia desmaiar.

— Isso mesmo! ajuntou Amy.

— A gente pode tentar estabelecer uns limites pra ele, disse Selena. Foi o que minha

mãe sugeriu. Vamos dizer a ele que está nos incomodando e que pare de fazer essas coisas.

— Você acha que vai resolver? indagou Amy.

— Tudo que ele faz me irrita, informou Vicki.

— É, eu sei, concordou Selena, lavando as mãos e olhando-se no espelho.

Seu cabelo estava começando a ficar arrepiado por causa da chuva. Alguns cachinhos

estavam se formando nos lados da testa.

— Só sei que não poderemos continuar assim a viagem toda, não, comentou Vicki,

chegando à pia para lavar as mãos e também examinando sua imagem no espelho. Uh, meu

cabelo está péssimo, resmungou.

— Ih, gritou Amy de dentro do reservado, não começa a falar em cabelo, não, senão a

Selena pega o assunto, e pronto. Vamos ficar só com o problema do Warner. O que vamos

fazer com ele?

Vicki e Selena se entreolharam e disseram ao mesmo tempo:

— Gritar!
Capítulo Sete

As três garotas permaneceram no banheiro, com a porta fechada, ainda mais alguns

minutos para resolver o que fariam. Decidiram que antes de recomeçarem a viagem iriam

confrontar Warner. Iriam dizer-lhe o que as estava incomodando e pedir-lhe que tentasse ser

um pouco mais atencioso com os outros. Uma lição que essas amigas já tinham aprendido era

que a maneira mais certa de se resolver um problema com alguém era procurar essa pessoa e

conversar de maneira amistosa. Esperavam que isso desse certo com o Warner também.

Quando retornaram à van, viram que o rapaz estava sentado no banco de trás com o

Ronny e que este, ao que parecia, estava lhe dando um “aconselhamento”. O “lixo” que

Warner jogara no assento da frente ainda estava lá. Assim que Selena abriu a porta do carro,

ele se virou para ela e disse:

— O Ronny ‘tá me dizendo que estou irritando todo mundo.

A garota olhou para o Ronny e em seguida para Amy e Vicki, que ainda se achavam

paradas junto à porta. Amy entrou e fitou o rapaz.

— Não sei quais eram suas expectativas com relação a esta viagem, mas sei que todos

nós aqui pretendíamos passar uns bons momentos. Entretanto, se alguém fica só se impondo,

agindo com falta de educação e sem consideração com os outros, aí vai ser difícil conseguir

isso. Aliás, será impossível a gente se dar bem.

Warner parecia desconcertado.

— Por que é que ‘tá todo mundo contra mim? Indagou.

— Não estamos, não, disseram Ronny, Amy e Vicki juntos.

Selena fora a única a ficar calada. Ronny continuou:


— E como eu estava tentando lhe explicar, Warner. Quando a gente ‘tá participando de

um grupo, todos procuram pensar nos outros e ter consideração para com os interesses dos

outros em primeiro lugar. Se alguém diz frases sarcásticas ou agressivas, ‘tá atrapalhando o

senso de unidade do grupo.

— Mas eu estou só brincando, replicou ele. Vocês não entendem piadas, não? Por que

todo mundo ‘tá tão tenso afinal?

Selena começou a achar que a antipatia que sentia pelo rapaz “passara” aos outros.

Agora eles estavam se posicionando “do lado” dela e tentando “consertar” o Warner, para que

este não a incomodasse mais. Se ela se visse mesmo como parte integrante de um grupo,

como dissera Ronny, teria de reconhecer que fora a primeira a agir errado. Fora ela que não

tivera consideração com Warner, pois dissera que não poderiam parar antes de chegar a

Corvallis.

E olhe só, pensou, acabamos parando. Então o que eu disse ficou sem efeito.

— Espere aí, gente, disse ela, eu também não tenho agido com senso de grupo. Warner,

eu fui muito grosseira com você e peço que me desculpe.

O rapaz olhou para os colegas, um por um, e em seguida deu de ombros.

— ‘Tá bom, disse afinal. Vamos tocar em frente, então?

— O.k., concordou Selena, estendendo a mão para pegar a chave do carro com Ronny.

Vicki, que ainda estava do lado de fora, abriu a porta do banco da frente e entrou.

— Oi! disse Warner, começando a sair do banco de trás. Aí é meu lugar!

— Seu lugar? indagou a garota, pegando os saquinhos vazios e enfiando-os na lixeirinha

que havia perto do porta-luvas. E isso é seu lixo também, né? Sabe o que mais? Quem remove

o lixo tem direito de viajar no assento da frente. Aliás, falta pouco para chegar a Corvallis.

— Eu vou no banco da frente, insistiu Warner, fazendo um gesto com o polegar

indicando o assento traseiro para a jovem. Se eu não for na frente, tenho enjôo.
Selena deu uma olhada para Amy, que arregalara os olhos. Vicki também tinha no rosto

uma expressão de incredulidade.

— Quer dizer que você quer viajar no banco da frente até a Califórnia e depois na volta

também? indagou Vicki sem se mexer para sair do assento.

— Quero, a não ser que vocês queiram que eu vomite em todo mundo aqui atrás.

Sem dizer mais nada, Vicki saiu e foi se sentar no banco do meio, ao lado de Amy.

Warner entrou no carro, com movimentos rápidos, e bateu a porta com força. Imediatamente

Selena pensou que, se o pai dela estivesse ali, iria dizer:

“Não precisa bater tão forte, não. Assim estraga a porta.”

Teve vontade de dizer isso, mas ficou em silêncio. Resolveu indagar:

— Warner, por que você quis vir conosco?

— Como assim? perguntou ele.

— Como você acha que e uma viagem de pesquisa?

— Uma igual a esta. Por quê?

Vicki inclinou-se para diante e entrou na conversa.

— Warner, alguma vez você já fez uma viagem assim, com amigos?

— Já. Uns meses atrás, nossa banda foi a Longview.

— Longview? repetiu Amy. Mas Longview fica só a sessenta quilômetros de Portland.

Você nunca viajou assim com sua família ou com amigos?

O rapaz abanou a cabeça.

— Não, respondeu. Mas qual é o problema? Eu quis vir porque a turma toda vinha.

— A turma toda, não, interveio Vicki. O Tre não pode vir. O Drake e a Margaret

também decidiram não vir.

— Puxa, mas eu preciso dizer?

— Precisa, se for possível, disse Selena. Isso pode nos ajudar.


— Ué, eu vim porque ando com vocês, explicou ele, falando lentamente.

— Você ‘tá querendo dizer que é porque somos seus amigos? insistiu Vicki. Porque se

for isso, então, precisa nos tratar bem melhor do que tem nos tratado. Ninguém trata um

amigo desse jeito.

— É, ela tem razão, concordou Ronny. Você tem de melhorar um pouco nesse aspecto,

companheiro. Todos nós estamos querendo ficar do seu lado, mas vamos lá! Você também

tem de fazer sua parte. Quero dizer, procurar entrar no espírito de grupo, colega. É isso que

estamos querendo lhe mostrar.

Warner continuava dando a impressão de não haver entendido. Selena desistiu e ligou o

carro.

— Vamos continuar a viagem, disse ela. Daqui a pouco, o Wesley vai ficar preocupado,

pensando que nos aconteceu algo.

Interiormente, começou a desejar que seu irmão acabasse se revelando um bom “juiz”

para controlar esse grupo que parecia tão irritadiço. Talvez ele pudesse ensinar o Warner a ter

um pouco mais de consideração com os outros.

Chegaram a Corvallis sem maiores complicações. Isso se deu porque Selena resolveu se

“desligar” de Warner e se concentrar em procurar o endereço de Wesley. Afinal encontraram

a casa. Era um velho sobrado, como dissera o pai, na verdade uma república de estudantes.

Antes mesmo que chegassem à porta, Wesley apareceu e cumprimentou-os alegremente.

Assim que avistou o irmão mais velho, Selena se sentiu reconfortada.

O rapaz era muito parecido com o pai, principalmente nos olhos, de tom castanho. Ele

tinha também o mesmo tipo de cabelo do pai, castanho e bem ondulado. A única diferença era

que o filho não estava começando a ficar calvo. Wesley tinha mais de um metro e oitenta de

altura. Isso também deixou Selena mais reanimada. É que, olhando apenas por esse ângulo,

Warner não era mais o maior do grupo.


— Selena, entra lá e liga pra mamãe, disse o irmão. Ainda não estou com tudo

pronto.Talvez seja bom todo mundo andar um pouco pra esticar as pernas.

Selena notou que o Warner imediatamente foi ao carro. Entendeu que ele iria pegar seu

skate, que colocara embaixo do banco. Subindo a escada para o quarto do irmão, ela foi lhe

falando em voz moderada, sobre o conflito que tinham tido na vinda até ali.

— Fiz tudo que pude, explicou ela ao entrarem na saleta dele. Primeiro, tomei a atitude

de convidá-lo, o que acho que foi até legal de minha parte. Mas quando ele começou com as

grosserias, fui meio dura com ele. Depois pedi desculpas. Nós todos lhe explicamos que ele

deve agir com espírito de grupo, mas parece que não entendeu. Falou que terá de viajar o

tempo todo no banco da frente, senão vai enjoar.

Wesley franziu a testa. Como Selena e o irmão eram de família grande, haviam

aprendido desde pequenos que os filhos tinham de compartilhar tudo uns com os outros. Isso

significava que deveriam se revezar no banco da frente. Cada hora era um que tinha o direito

de se sentar nele.

— Quer que eu fale com ele que não quero levá-lo na viagem? indagou Wesley.

— É, mas como é que você vai dizer isso? Ele já veio até aqui.

— A gente pode levá-lo de volta a Portland. Ou então o botamos num ônibus pra lá. Ou

podemos ligar para os pais dele e dizer que não vai dar pra ele ir conosco.

Selena suspirou.

— Não sei. E eu que pensei que, ao convidá-lo, estaria resolvendo um problema! Na

verdade, ficou pior. Eu devia tê-lo rejeitado de cara e deixado que ficasse com raiva de mim.

— Você orou a respeito de tudo isso, não orou? Perguntou o irmão.

— Orei, e com toda sinceridade.

— Então vamos seguir pela fé daqui por diante. Temos de crer que ele ‘tá aqui por

alguma razão.
— Isso significa que ele vai conosco? indagou Selena.

— Pode ser que sim ou que não, respondeu Wesley, dando uma olhada no relógio de

pulso. Liga lá pra casa e avisa o papai e a mamãe que chegou bem até aqui. Estou com umas

roupas na secadora. Vou ver se já acabaram de secar pra eu arrumar a mala.

— Puxa, você nem arrumou a mala ainda?

— Não vou demorar muito, não, disse ele, rumando para os fundos da casa.

Selena ligou para os pais, mas disse-lhes apenas que tinham chegado bem a Corvallis e

não haviam tido nenhum problema com o carro. Preferiu omitir o conflito criado por Warner.

— Mas fizemos uma parada perto de Salem, explicou. Vicki precisou ir ao banheiro.

Acho que Wesley ‘tá terminando de arrumar a mala e depois seguiremos viagem. Amanhã

ligo de novo, assim que puder.

Os pais não haviam lhe pedido que telefonasse regularmente durante a viagem. Contudo

tinha certeza de que ficariam muito satisfeitos, se ela o fizesse.

— Ótimo! replicou a mãe. Então divirtam-se! Estamos orando por vocês!

Selena desligou sentindo-se um pouco mais reanimada. Agora o Wesley estaria no

comando de tudo, por assim dizer. Ele assumiria a direção, e tudo se resolveria. E se houvesse

algum problema, ele também seria o responsável. Essa era uma posição da qual Selena abria

mão com todo o prazer.

Quando já se virava para sair e ir lá para fora, viu Amy entrando sala a dentro a toda

pressa.

— Selena, venha cá, depressa. Houve um acidente com o Warner. Chame o Wesley!

— O que foi?

— Ele “bateu” num caminhão!


Capítulo Oito

— Ele resolveu ir andar de skate, explicou Amy, quase sem fôlego, para Wesley e

Selena que corriam junto com ela rua abaixo. Aí apareceu um caminhão virando a esquina e

ele foi “pegar traseira”. Segurou no pára-choque e então o sinal fechou, e o cara freou de

repente...

— E o Warner “trombou” em cheio nele, concluiu Selena no momento em que

chegavam ao local do acidente.

O rapaz achava-se caído no chão, cercado por dezenas de curiosos.

— Ele ‘tá achando que quebrou o braço, informou Vicki. Um rapaz ali já chamou o

resgate.

Selena olhou para o colega, que fazia uma careta de dor, e notou que o braço direito

dele estava mesmo dobrado num ângulo estranho. Seu primeiro impulso foi partir para a

agressão, dizendo:

“Que é que você estava pensando, cara? Não imaginou que isso poderia ser perigoso?”

Contudo compreendeu que não seria legal. Nesse instante a ambulância chegou. Os

socorristas colocaram Warner numa maca e o levaram para o hospital. Selena ficou aliviada

ao lembrar-se de que Wesley estava ali. Ele se encarregou de ligar para os pais do rapaz e

explicar o acontecido. A mãe dele se informou acerca da localização do hospital para onde o

tinham levado. Em seguida, disse que eles poderiam seguir a viagem, pois mesmo que seu

filho não tivesse quebrado o braço não poderia mais ir com eles. Segundo Wesley, ela afirmou

que, como Warner estava agindo de forma irresponsável, correndo riscos daquela maneira,
não merecia o privilégio de fazer uma viagem daquelas. Ao que parecia, ela encerrou a

conversa, dizendo:

— Eu e meu marido estávamos com esperança de que nessa viagem ocorresse uma

mudança nele. Warner nunca soube desenvolver amizades nem aprendeu a assumir

responsabilidades.

Afinal os cinco seguiram para o hospital. Iam muito quietos e pensativos. Quando já

entravam no estacionamento, Selena comentou:

— Eu não queria que acontecesse nada de ruim com ele, não, gente.

— Não comece a se culpar pelo que houve, não, Selena, interveio Vicki prontamente.

Foi apenas um acidente. Aconteceu porque o Warner estava se arriscando, querendo se exibir.

Não teve nada a ver conosco.

— É, eu sei o que a Selena ‘tá sentindo, falou Amy. Eu também me sinto um pouco

culpada.

— Vamos lá, pessoal, disse Wesley, desligando o carro. O melhor que a gente pode

fazer é ir lá, ficar um pouco com ele e reanimá-lo. É só o que podemos fazer.

— Você vai lhe comunicar que a mãe dele disse que ele tem de voltar pra casa? indagou

Selena.

— Vou, a não ser que você queira dizer.

— Não, obrigada, replicou a garota.

Eles deram uma paradinha na loja de presentes que havia no hospital e em seguida

rumaram para a ala de acidentados, onde o rapaz se encontrava, deitado num leito.

— Disseram que quebrei o braço em dois lugares, informou Warner assim que os

avistou. O médico me mostrou a chapa de raios-X. Por que será que aquele idiota teve de dar

aquela freada?
— O motorista do caminhão? falou Vicki quase gritando. Warner, você é que não

deveria estar pegando traseira nele! Que foi que passou pela sua cabeça?

A garota se achava afastada da cama, com as mãos nos quadris.

— Já fiz is só antes, e não aconteceu nada, replicou o rapaz.

— Olhe aqui, disse Selena, trouxemos uma lembrancinha pra você, um daqueles cartões

humorísticos. Pelo menos, você poder dar uma risada.

— Obrigado. É, mas com o braço engessado, vou precisar da ajuda de vocês na viagem.

— Warner, principiou Wesley, a sua mãe vai vir aqui. Ligamos para os seus pais, e ela

disse que não quer que você coninue a viagem. Ela vem buscá-lo pra levá-lo de volta pra casa.

— Mas por quê? indagou o rapaz, parecendo muito abalado.

— Ah, ela vai lhe explicar tudo, respondeu Wesley.

— Foi você que lhe disse pra vir me buscar?

— Não. Eu só liguei pra lá e contei o que havia acontecido. Ela falou exatamente o que

eu acabo de lhe dizer, comentou ele, dando uma olhada para o relógio. Ela deve chegar mais

ou menos dentro de uma hora e meia. Se você quiser, podemos ficar aqui lhe fazendo

companhia.

Warner tinha uma expressão de tristeza. Por uma fração de segundo, Selena quase

sentiu pena dele.

— Precisa não, disse ele com os olhos baixos. Vocês têm de continuar viajando. Não

quero atrasá-los.

— Isso é muito legal de sua parte, comentou Ronny. Muito obrigado.

— Sinto muito que isso tenha lhe acontecido, disse Selena, dando um sorriso leve,

porém sincero.

— Todos nós sentimos, acrescentou Amy. Espero que não doa muito.

— Ah, já estou bom, gente. Podem ir!


— Obrigado, Warner, disse Wesley, vamos tirar suas coisas do carro e trazer pra cá.

O rapaz fez que sim e acenou para os colegas.

— Vou deixar o cartão aqui, disse Selena, abrindo o envelope e colocando o cartão ao

lado dele, na cama. Cuide-se bem, ‘tá?

Warner fitou-a. A expressão dele era de quem estava mais conformado. Parecia até que

havia “crescido” um pouco.

O grupo voltou para o carro e reiniciou a viagem. Só depois de rodarem uns trinta

quilômetros foi que voltaram a falar de Warner. Pelo visto, durante esse trajeto, cada um

estava imerso nos próprios pensamentos, como que procurando colocar em ordem as

emoções.

— Vocês acham que Deus permite que essas coisas aconteçam pra que tiremos algum

proveito delas? indagou Vicki. Quero dizer, quem sabe, se com esse braço quebrado, o

Warner venha a se quebrantar e se tornar um pouco mais humilde? Pode ser que as lições que

ele vai aprender com o acidente sejam mais valiosas do que as que aprenderia conosco, na

viagem!

— Quer dizer, as lições que nós iríamos enfiar-lhe “goela abaixo”, comentou Selena.

Esse é o meu problema. Tenho muita facilidade pra ver os erros dos outros, perceber onde

eles precisam mudar. E como enxergo claramente essas falhas, acho que eles também deviam

enxergá-las e procurar corrigir-se imediatamente.

— É, interveio Ronny, mas isso até que é bom, Selena. Pelo menos você demonstra que

tem interesse por eles, já que quer que eles melhorem.

— Bom, quando ela não enfia pela “goela abaixo”, como ela mesma disse, interpôs

Amy.
Selena olhou para a colega que agora estava sentada no banco da frente, ao lado de

Wesley. Amy não se virou para encarar Selena, mas esta sabia exatamente a que situação a

outra estava se referindo.

— É, eu sei, eu sei, concordou ela. Reconheço que minha quota de sabedoria pra lidar

com outros não é lá muito elevada. É, Amy, você sabe, pois já teve de aguentar minha falta de

jeito. Mas espero que eu esteja melhorando e aprendendo a ser uma boa amiga.

— Está, desde que não arranje nenhuma corneta! comentou Amy.

Selena ficou tensa. Alguns meses antes, tentara ajudar Amy tocando uma cornetinha de

brinquedo, mas acabara cometendo uma tolice. Sua amiga acabara de sair do The Beet (um

clube para jovens) em companhia de Nathan, seu antigo namorado, e Selena estava seguindo-

os. Em dado momento, o rapaz segurou a Amy pelos ombros, e Selena pensou que ele a

estava agredindo. Para socorrer a colega, tocara uma cornetinha às costas deles, para assustar

o Nathan e dar tempo a Amy para que corresse. Só que esta não estava precisando da ajuda de

ninguém; e não saiu correndo. Selena ainda não entendia como fizera uma idiotice daquelas.

— Ah, mas pelo menos você reconhece quando está errada, interveio Vicki. Só por ter

essa qualidade, já ‘tá sendo uma boa amiga. Eu não sou assim. Tenho medo de que, se

reconhecer meus erros, os outros vão ficar com raiva de mim ou não vão gostar mais de mim.

Então tenho essa dificuldade.

— Nem sempre, disse Selena.

— É, pode ser que de uns meses pra cá, depois que fui ao acampamento e acertei minha

vida com Deus, isso tenha mudado. Mas antes, eu nunca admitia meus erros. Não é mesmo,

Amy?

— Sei não, replicou a outra. Me deixe fora disso.

— Mas é verdade, sim, insistiu Vicki. Bom, mas isso já é passado, e Deus me perdoou

tudo, né?
— É, replicou Selena, vendo que ninguém dissera nada.

— Nós temos e de deixar tudo pra trás e seguir em frente, continuou Vicki. Seguir com

nossa amizade e nosso relacionamento normal, agora que o Warner não ‘tá mais conosco. Não

podemos passar a viagem toda com sentimento de culpa por causa dele.

— Isso mesmo! assentiu Selena.

— Mas parece que ‘tá tudo diferente, né? continuou Vicki. Quero dizer, parece que

estamos numa outra viagem, diferente daquela em que ele estava conosco, e o Wesley, não.

— ‘Tá querendo dizer que a troca foi boa? indagou Wesley, olhando para a garota pelo

retrovisor e dando um sorriso.

— Sem dúvida nenhuma, replicou Amy. Vocês vão me desculpar, gente, mas me sinto

aliviada por ele não ter vindo. Ele ia nos incomodar o tempo todo.

— Minha impressão é de que está tudo mais tranqüilo, comentou Selena. Vocês estão

sentindo o mesmo? O ambiente parece mais calmo.

— É porque o Ronny ‘tá dormindo lá atrás, explicou Wesley, dando outra espiada pelo

retrovisor.

Nesse instante, Ronny começou a fingir que estava roncando alto.

— Não, pessoal, comentou Vicki, é que ele é assim mesmo. Fica mais calado, sempre

procurando promover a paz.

— É, mas com esse ronco, interpôs Wesley, não vai ter muita paz comigo, de noite, não.

— Ah, ‘tá bom! disse Selena. Você ronca mais que isso, Wesley, e tenho provas claras.

— Alguém ‘tá com fome, gente? indagou o rapaz. Tenho de abastecer, então podemos

aproveitar pra fazer um lanche!

— Não mude de assunto, não, insistiu a garota para “zoar” o irmão. É melhor você

confessar logo, já que aqui estamos todos juntos. Aliás, já, já todo mundo vai ficar sabendo

disso.
— ‘Tá bom, ‘tá bom. Eu ronco feito um serrote. Pronto. Agora todos já sabem.

— O Kevin até gravou o ronco dele no Natal, pra mostrar pra ele como ele ronca.

— É, mas ele aumentou o volume do gravador, defendeu rapaz, ligando a seta e

pegando a pista da direita.

— Aumentou não, replicou a garota. Você ronca daquele jeito mesmo.

— Alguém tem preferência por alguma lanchonete, pessoal?

— Qualquer uma, respondeu Vicki, menos Burger King. Ontem à noite fui numa.

— E hoje eu almocei num McDonald's, informou Amy.

— Eu gostaria de comer um sanduíche Subway, sugeriu Ronny.

Wesley riu.

— Que turma! Cada um quer uma coisa, hein? Acho melhor a gente chegar ao posto

primeiro, pra depois vermos quais as opções que temos lá.

Antes que ele pegasse a saída, porém, no painel do carro apareceu uma luzinha

vermelha piscando.

— Que estranho! exclamou o rapaz.

— Algum problema? quis saber Selena.

— Não sei. Essa luzinha acendeu alguma vez quando você estava vindo pra cá?

— Não e eu nunca vi esse alarme acender.

De repente, ouviu-se um silvo e um jato de vapor começou a escapar do motor,

formando uma nuvem no pára-brisa.

— Ei, ei! resmungou Wesley. Segurem-se firmes, crianças, acho que vou ter de parar já.

Houston, continuou ele imitando a voz de um astronauta, estamos com problemas!

Selena dirigiu ao irmão um olhar de censura como que querendo dizer:

“Como é que você pode vir com brincadeiras numa hora dessas?”
O rapaz ligou o limpador de pára-brisa e o esguicho de água, desembaçando a vidraça.

Assim pôde chegar ao acostamento. Um forte cheiro de pano mofado encheu o ambiente.

— Parece a mangueira do radiador, falou Ronny.

— Só pelo cheiro você sabe dizer qual é o problema? perguntou Vicki.

— Às vezes, sei. Quem tem um carro velho, como eu, volta e meia encara algum

problema desse tipo, explicou o rapaz, inclinando-se para a frente e tentando enxergar lá fora

através da vidraça meio opaca. Parece que ali perto do posto de gasolina tem uma loja de

autopeças, disse ele.

— Onde? indagou Wesley ainda rodando bem devagar, enquanto os outros carros

passavam por ele a toda velocidade.

Um homem que havia parado atrás dele buzinou com força e lançou-lhe um olhar irado

ao ultrapassá-lo.

— Ali, à direita daquele Denny's.

— Ah, já vi.

Quando Wesley já ia ligar a seta para entrar no posto, ouviu-se um barulho alto de

pneus derrapando. Selena se virou para trás e viu um enorme caminhão que vinha na direção

deles, em alta velocidade.


Capítulo Nove

— Vai bater em nós! gritou Amy.

Selena segurou na lateral do banco, já esperando a batida. Wesley acelerou e virou a van

para dirigir-se ao estacionamento da loja. Nesse momento, o caminhão os ultrapassou, dando

uma buzinada forte, e quase esbarrou no carro.

— Foi por pouco! exclamou Vicki, fechando os olhos e pondo a mão no rosto.

— Qual era a daquele cara? indagou Amy.

— Tive a impressão de que ele não estava conseguindo parar, comentou Selena,

acompanhando com o olhar o outro veículo.

Ela reparou que ele acelerou para atravessar um sinal amarelo. Logo à frente, havia uma

curva. O caminhão seguiu rodando até sumir de vista.

— Que motoristas mais loucos, os deste lugar! disse por fim.

— Pois eu até que estou gostando daqui, interpôs Wesley, desligando o carro e saindo,

já que tem uma loja de autopeças aberta.

Os outros o seguiram. De dentro do compartimento do motor do carro, estava saindo

uma fumaça espessa. Ali fora, o cheiro de pano mofado estava ainda mais forte.

— Você não vai abrir, não, né, Wesley? disse Amy. Parece que vai explodir tudo.

— É, Ronny, falou o rapaz, acho que você ‘tá com a razão. Provavelmente é uma

mangueira mesmo. Vamos esperar um pouco o negócio esfriar. Depois a gente olha. Garotas,

querem ir comer algo ali no Denny’s?

— Querendo nos mandar embora? indagou Amy em tom de gozação. Tem medo de que

fiquemos atrapalhando o conserto?


— Não, se quiserem, podem ficar aí, replicou o rapaz. Estava só querendo ser gentil

com vocês.

— Estou brincando, disse a moça, dando um tapinha no braço dele.

Selena procurou ficar atenta ao que se passava entre eles, sem olhá-los diretamente.

— Eu vou comer, disse Vicki. Mais alguém quer vir? Vou guardar lugar pra nossa

turma lá.

Selena resolveu ir junto, e as duas foram atravessando o estacionamento, deixando os

outros três para trás, para solucionarem o problema do carro.

— Vicki, principiou ela, você acha. que a Amy ‘tá interessada no Wesley? Acha que ela

‘tá demonstrando isso?

— Eu não notei, não, replicou a outra, segurando a porta para a amiga entrar. Acho que

ela não ‘tá exagerando suas atenções pra ele, não. Percebe-se que ela tem admiração pelo

Wesley; sempre teve. Na minha opinião, você não precisa se preocupar, achando que ela ‘tá

passando dos limites, não.

— Duas pessoas? indagou a recepcionista, cumprimentando-as com os cardápios na

mão.

— Somos cinco, replicou Selena, e, por favor, queremos uma área de não-fumantes.

— Ah, o recinto aqui é todo de não-fumantes, explicou a mulher. Na Califórnia, é

proibido fumar em todos os restaurantes.

Ela as conduziu a uma mesa ampla.

— Seria bom se houvesse essa lei no Oregon, disse Vicki. Acho horrível quando a gente

‘tá comendo, e na mesa do lado tem alguém fumando. A comida fica com gosto de cinza de

cigarro.

Selena não estava escutando direito. De onde estava, espiando pela janela, avistava a

van. Eles tinham aberto o capô e a fumaça continuava saindo dele. Havia outro homem junto
com Wesley, Ronny e Amy, todos olhando para o compartimento do motor. Achou que a

amiga estava muito perto I seu irmão, fitando-o como se estivesse bebendo cada palavra dele.

— Você acha mesmo que a Amy não vai tentar conquistar o Wesley nesta viagem? Não

sei se você ‘tá lembrada, mas naquele passeio que fizemos o ano passado, ela tentou e acabou

criando uma confusão. Por causa desse interesse dela por ele, nossa amizade ficou meio

prejudicada. Eu não queria que isso se repetisse desta vez, concluiu Selena.

A garota continuava com o olhar voltado lá para fora e não via o que Vicki fazia

naquele momento.

— Será que eles têm peixe aqui? indagou Vicki, correndo os olhos pelo cardápio. Estou

com vontade de comer sticks de peixe.

— Sticks de peixe? repetiu Selena, abanando a cabeça.

A colega não ouvira nem uma palavra do que ela dissera. Ou talvez tivesse ouvido, mas

estava evitando responder.

A garçonete anotou o pedido delas e colocou copos de água sobre a mesa. Selena virou-

se novamente para ver o que estava se passando lá fora. Wesley, Amy e o outro sujeito tinham

entrado na loja, e Ronny ficara no carro, remexendo em algo dentro do capô. Pensou em como

fora bom que ele tivesse vindo junto, já que tinha muita experiência com defeitos em carros.

Antes de ele dizer que o problema devia ser na mangueira, Selena tivera receio de que

houvesse algo de muito sério, e talvez tivesse de cancelar a viagem.

— Sabe de uma coisa, principiou ela no momento em que a garçonete trazia uma salada

que Vicki pedira. Estou achando ótimo o Ronny ter vindo. Que bom que você o convidou!

— Ele também achou muito bom que você o tenha chamado, comentou a outra, pegando

uma folha de alface e removendo o tempero cremoso que fora colocado nela.

— E sabe o que mais? continuou Selena. Até agora não vi você com nenhuma atitude

diferente com ele.


— Como assim?

— Nesta viagem, você ‘tá agindo do mesmo modo como age na escola, com outras

pessoas ou comigo e com a Amy. Quero dizer, sei que você tem interesse no Ronny e quer

que ele lhe dê uma atenção especial, mas não ‘tá fazendo nada pra... aqui Selena parou sem

saber qual seria a palavra certa.

— Ficar “dando em cima” dele? completou Vicki. Como eu fazia antes?

— Não era exatamente essa expressão que eu queria, replicou Selena.

— Não, mas é verdade. Agora parei com isso. Se o Ronny me quiser, terá de gostar de

mim do jeito que sou na base do 24 por 7.

— 24 por 7? indagou Selena.

— É. Do jeito que sou vinte e quatro horas por dia, sete dias s semana. Ah, e por falar

nisso, a Amy também não ‘tá “dando em cima” de seu irmão, não, se é disso que você ‘tá

querendo falar.

— Eu não disse que ela estava.

— Pode crer, Selena, eu entendo desse assunto. E conheço bem a Amy no que diz

respeito aos rapazes em que ela tem interesse. Ela ‘tá agindo normalmente. Acho que não ‘tá

mesmo passando dos limites, como eu já disse.

Nesse momento, a garçonete trouxe um hambúrguer que Selena pedira e o peixe de

Vicki. As duas abaixaram a cabeça e oraram silenciosamente. Vendo a amiga orar, e se

lembrando do que ela acabara de dizer, Selena começou a pensar que estava agindo como

uma irmã enxerida e antipática; e uma péssima amiga. E não desejava absolutamente ser

assim. Fez um grande esforço para se lembrar do versículo que falava sobre “anular

sofismas”, mas só se recordou de parte dele. Contudo, isso bastou para que despertasse e

passasse a fixar a mente em outras questões. Virou-se para um quadrinho em acrílico, que

estava sobre a mesa, com a lista das sobremesas.


— Vamos pedir uma sobremesa dessas e dividir entre nós duas? pediu para Vicki,

segurando seu hambúrguer com as duas mãos e apontando para a lista com o dedo mínimo.

— Puxa, Selena, replicou Vicki, você ainda nem começou a comer o sanduíche e já ‘tá

de olho na sobremesa?

Imediatamente a garota deu uma mordida no hambúrguer e engoliu.

— Pronto, já comecei. Agora vamos conversar sobre a sobremesa.

Vicki riu e concordou em “rachar” com ela um brownie com sorvete. Afinal, antes que

recebessem a sobremesa, Wesley, Ronny e Amy chegaram e se sentaram à mesa com elas.

— Pois é, disse o irmão de Selena, vamos poder pegar estrada de novo, graças ao Ronny

e ao mecânico que veio nos socorrer.

Ronny sorriu, com aquele seu jeito típico, e deu de ombros.

— É... como eu disse, tenho muita experiência com minha velha caminhonete, muita

mesmo.

Com um jeito brincalhão, Selena pegou a mão direita do rapaz e a ergueu.

— E o que a experiência diz com relação a comer coma mão suja?

Na mesma hora, Wesley olhou para as dele também. Meio sem graça, os dois rapazes

saíram da mesa e foram ao sanitário.

— Quer saber a verdade? interveio Amy. Embora sua mão não esteja suja de graxa, nela

tem a mesma quantidade de bactéria que há na deles.

— Muito obrigada! replicou Selena. E você vem nos dizer isso agora, que já acabamos

de comer.

— Bom, eu comi de garfo e faca, defendeu-se Vicki, que nesse momento estava

devorando o brownie com sorvete.

— Vou pedir um brownie também, disse Amy, fechando o cardápio e colocando-o na

mesa.
— Só isso? quis saber Selena.

— E uma tigela de sopa, explicou a garota. Isso é que é refeição bem balanceada, hein?

— Ah, que é isso? interpôs Vicki. Não dá pra gente se preocupar em fazer refeições

saudáveis numa viagem. Ou mesmo depois que entrarmos para a faculdade.* Minha prima

disse que, no primeiro semestre da faculdade, ela engordou quase cinco quilos. Só comia em

lanchonete e gastou um dinheirão.

De repente, Selena se deu conta de que assim que fosse estudar fora, daí a alguns meses,

ela também estaria cuidando pessoalmente de sua alimentação, pelo menos quando não

almoçasse na cantina da faculdade. Não lhe agradou nem um pouco a possibilidade de

engordar quase cinco quilos no primeiro semestre.

— Acho que vamos ter de vigiar, disse ela, e prestar contas umas às outras. É, e o pior, é

que estou dizendo isso e ao mesmo tempo comendo essa sobremesa engordante.

Quando Vicki e Selena estavam terminando a sobremesa, Wesley e Ronny retornaram e

fizeram o pedido à garçonete. Então a conversa se generalizou, e Selena procurou participar

dela com alegria. Contudo estava se sentindo um pouco apreensiva. Nesse momento, tinha

consciência de que a idéia de ir estudar fora a incomodava bastante, embaçando um pouco o

prazer desta viagem de carro para a Califórnia. O futuro lhe reservava muitas

responsabilidades e situações desconhecidas, das quais ela nunca tivera experiência.

Quando regressavam ao carro, Wesley indagou:

— Quer dirigir um pouco, Selena? Eu queria ir para o último banco e tirar um cochilo.

Isso a deixou um pouco mais tensa. Sentiu-se bastante nervosa.

— Tudo bem. Dirijo. Pra que lado vamos?

*
A personagem faz referência ao fato de que, nos Estados Unidos, muitos jovens vão fazer faculdade em outra
cidade. Então moram em repúblicas e não podem ter muito controle sobre a alimentação, como têm quando
estão em casa. (N. da T.)
— Para o Sul, é claro, disse o irmão com um sorriso, entregando-lhe a chave do veículo.

Eu vou orientá-la aqui na saída, pra voltar à estrada. Depois é só continuar seguindo para o

Sul.

Ronny sentou-se no banco da frente, ao lado dela.

— Se ficar com sono, disse ele, posso pegar o volante pra você.

— Obrigada, Ronny. Prefiro que você me mantenha acordada, o.k.?

Wesley foi orientando a irmã sobre a saída até que chegaram à rodovia. Em seguida,

deitou-se no último banco. O tráfego não estava muito intenso. Eles iam conversando

animadamente, e volta e meia Selena dava uma espiada no painel do carro para ver se havia

alguma luzinha vermelha.

— Alguém tem idéia de onde estamos? indagou ela a certa altura.

— Tem um mapa por aqui? perguntou Ronny, apalpando embaixo do seu assento. Bom,

temos aqui semente de girassol, anunciou ele, exibindo um pacotinho que estava envolto por

uma gominha. Alguém quer?

— Não, obrigada, disse Vicki. Estou tentando reduzir os alimentos saudáveis nesta

viagem, concluiu a garota em tom de gozação.

— Temos uma lanterna de mão, continuou o rapaz, mostrando o objeto. Esta pode ser

bastante útil.

Afinal ele encontrou um mapa no exato momento em que passavam por uma placa

indicando o nome da cidade seguinte.

— Weed, próxima saída, leu Selena.

— Weed? indagou Vicki, rindo. Como será que é essa cidade?

— Não tenho a menor idéia, replicou Selena. Ronny, dá uma olhada no mapa pra nós.

Veja aí se eu não fiz algo errado e agora nós estamos no meio de Idaho.

— Creio que em Idaho não existe cidade chamada Weed.


— Procure no mapa.

O rapaz acendeu a lanterna e se pôs a examinar o desenho.

— Achei, disse afinal. Weed. É na Califórnia, sim. Você não fez nada errado, Selena.

Ainda estamos no Estado certo, concluiu ele com um tom de riso.

A garota pensou que talvez o amigo tivesse percebido que ela estava tensa, e procurara

fazê-la rir para que relaxasse um pouco. Segurou o volante com firmeza, bem consciente de

que, mais uma vez, se achava no comando da situação e que a vida de todos dependia dela.

Contudo não estava “curtindo” nem um pouco a circunstância que vivia naquele momento:

com a responsabilidade de tudo e seguindo para um rumo desconhecido.


Capítulo Dez

Continuando a rodar noite adentro, Selena sentiu os ombros meio doloridos pela tensão.

Lá fora, estava se formando uma neblina, e os faróis dos carros que vinham em sentido

contrário a incomodavam.

— Pelo que diz o mapa, informou Ronny, estamos passando perto do Monte Shasta.

Sabia que ele tem quase cinco mil metros de altitude?

— É, não da pra ver nada, disse Vicki, inclinando-se para diante, tentando enxergar algo

através do pára-brisa, como Selena e Ronny. Está completamente nublado. Será que vai

chover?

— Espero que não, replicou Selena. Estou com esperança de que tenhamos céu claro e

muito sol nesta viagem o tempo todo.

— Sabe o que mais? principiou Ronny. Isso é igual a seguir a Deus.

As duas garotas ficaram aguardando que ele prosseguisse: Ronny tinha o temperamento

introspectivo de um artista. Por causa disso, passava um bom tempo calado e depois, de

repente, soltava um pensamento sábio. Parecia que ele estava sempre pensando, colhendo as

informações e processando-as. Afinal, aparentemente, acendia-se uma luzinha na cabeça dele,

e o rapaz expressava uma verdade importante.

— Olhe só, disse ele afinal. Estamos no escuro, com o céu todo nublado e rodando a

toda velocidade. Lá fora tem um monte altíssimo , só que não o estamos enxergando.

— E você acha que a vontade de Deus é mais ou menos assim? indagou Vicki.

— É, porque às vezes... e aqui ele fez uma pausa para dar mais ênfase ao que dizia. Às

vezes a gente tem de seguir em frente pela fé, sem ver nada do que está lá fora.
Selena se sentia tão nervosa que teve vontade de dizer ao rapaz que ele estava era “por

fora”. Contudo não disse. Guardou o pensamento rebelde só para si.

— Deus não diz que a Palavra dele é uma lâmpada para nossos pés e luz para o nosso

caminho? continuou ele. Pois bem, é o que está acontecendo conosco agora. Só conseguimos

enxergar alguns metros à nossa frente, com a luz alta do carro. Não estamos conseguindo ver

aonde vamos chegar, nem mesmo algumas das placas de sinalização que estão na estrada.

Enxergamos apenas o que se acha bem perto.

— Puxa, Ronny, isso é muito importante! exclamou Vicki.

Selena não achou a explicação do amigo assim tão interessante, mas também, ela não

estava “curtindo” o rapaz, como a amiga estava. Desejou que Amy não estivesse dormindo

para poder ouvir o que diziam. Ela era a que mais precisava entender esses pensamentos sobre

a vontade de Deus. De repente ouviu-se um ruído surdo de ronco, vindo do banco de trás.

— Que foi que eu disse? perguntou Selena.

— É o seu irmão? indagou Vicki. Será que o silencioso não quebrou ou algo assim?

Nunca vi ninguém roncar desse jeito!

— Pois pode ir se acostumando. Vai ouvir esse ronco muitas vezes nos próximos dias.

— Eu vejo tudo isso da seguinte maneira, continuou Ronny, sem ligar para o ronco de

Wesley. Quero dizer, sobre a vontade de Deus.

Aqui ele pegou um canudinho dentro de uma lata de refrigerante vazia, que estava no

lixo, e o ergueu mostrando-o às garotas.

— Este canudinho, disse, representa o tempo, desde o início da criação até o fim. Nós

nos achamos inseridos nele, e por isso nossa visão é limitada. Mas Deus, continuou Ronny,

inclinando a cabeça para um lado ligeiramente e dando um sorriso para Selena, Deus não se

acha. limitado ao tempo, como nós. Ele se encontra totalmente fora dele.
— Ah, interpôs Vicki, você crê que Deus vê tudo. Então ele sabe tudo o que vai

acontecer, antes de acontecer. É isso?

— É; é o que creio, afirmou o rapaz. Ele se acha “fora” dos fatos e acontecimentos. Ele

não tem nenhuma restrição ou limite, como nós temos. Creio que no mesmo momento em que

Deus foi caminhar com Adão e Eva, no jardim do Éden, ele também está conosco aqui, neste

segundo, num carro, na Califórnia.

Selena sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Era assombroso imaginar que Deus

estava com eles ali agora, da mesma forma que estivera com Adão e Eva. Bem lá no fundo,

sentia algo se acalmar.

Ó Deus, pensou, tú estás mesmo aqui conosco, não estás? Tu estás no controle de tudo!

— Então, disse Vicki, você acha que, como ele vê tudo antes da hora, ele já sabia que

Warner ia quebrar o braço?

— Acho, afirmou o rapaz, recolocando o canudinho no lixo. Mas não creio que ele

tenha mandado um anjo pra pisar no freio e forçar o acidente, não. Nós sofremos muitos

males porque resolvemos seguir nossa vontade e não buscamos ouvir o que o Senhor quer nos

dizer.

— Sabe o que mais, Ronny? falou Vicki. Você devia compor um corinho falando tudo

isso. Não acha, não? Daria um hino maravilhoso!

— Boa idéia! Dá pra você pegar meu violão aí atrás pra mim, sem acordar o Wesley?

— Creio que sim.

E nas duas horas seguintes, Ronny ficou tocando acordes no instrumento, enquanto

Selena dirigia, Amy dormia, Wesley roncava, e Vicki ia escrevendo as frases soltas que o

rapaz compunha.

Senhor, neste momento só tenho

A luz alta do farol do carro


Para dirigir meus passos em teus caminhos.

As trevas escondem dos meus olhos as tuas maravilhas.

Envia, Ó Deus, a luz do dia!

Será que teu rosto se acha por trás daquela nuvem?

Quero saber, preciso te ver.

Fora do tempo, dentro do meu coração,

Só quero a ti, Senhor, sempre, Senhor!

Vai ser um hino lindo! exclamou Vicki.

— Ah, isto é apenas um esboço, comentou Ronny, voltando a dedilhar o violão.

Ouvindo a música suave de Ronny e aquelas palavras positivas, Selena sentiu que

começava a se acalmar. E, para surpresa sua, nos momentos que se seguiram, experimentou

uma forte sensação de paz, como havia muito tempo não sentia. E não parava de pensar em

como Deus se achava bem ali, junto com eles.

Afinal tiveram de parar novamente para abastecer. Já estavam perto da cidade de

Sacramento. Era noite alta, mas Selena não sentia mais medo.

Wesley acordou, sentindo-se descansado, e agradeceu à irmã. Não fora sua intenção

deixar que ela dirigisse tanto tempo. Quando pegaram a estrada de novo, com o rapaz ao

volante, foi a vez de Selena ir se sentar no banco de trás, que Vicki apelidara de “cantinho do

ronco”. A garota dormiu profundamente até que pararam novamente, dessa vez num

estacionamento bastante barulhento. Aí ela despertou e abriu os olhos, sentindo os músculos

doloridos. Ergueu a cabeça e olhou para fora. Descobriu a razão por que o irmão parara ali.

— Lanchonete In and Out Burger! exclamou ele. Vamos sair, pessoal!

Selena bocejou e procurou descolar os olhos que estavam grudados nos cantinhos.

— Que horas são? indagou.


— Hora de comer um hambúrguer duplo com um milk-shake, respondeu o irmão.

Aquela rede de lanchonetes ainda não tinha filiais em Portland. Contudo, desde que

Wesley começara a conversar sobre a viagem, ele dissera que iria parar em todas as In and

Out Burger por que passassem. Pelo visto, aquela era a primeira. Isso significava que

finalmente se achavam no sul da Califórnia, já que era o único lugar do país onde a rede

atuava.

Pelo brilho do Sol e pelo calor que entravam pela janela, Selena se deu conta de que já

era dia alto. As nuvens que cercavam o Monte Shasta tinham ficado por lá mesmo.

Enquanto os outros desembarcavam, ansiosos para comer algo, a garota pegou a

mochila e saiu também. Com mais um bocejo, trancou a porta do carro e acompanhou-os.

Dentro do restaurante, a fila estava longa. Olhou o amplo cardápio estampado no alto, bem

acima da caixa registradora. Constatou que ali só serviam hambúrgueres, batatas fritas,

refrigerantes e milk-shakes.

— Quer que eu peça pra você? indagou Wesley à irmã.

— Quero. Preciso ir ao banheiro.

— O que vai querer?

Selena torceu um pouco os lábios dando um meio sorriso e disse:

— Sticks de peixe.

— Quê?

— Ah, deixa pra lá. Pede o que quiser.

O rapaz abanou a cabeça. Selena não viu as amigas na fila e deduziu que deviam ter ido

ao sanitário.

— Que bom que no banheiro não tem fila, resmungou a garota, abrindo a porta.

Avistou as duas em frente ao espelho.

— Estou com aparência de viajante mesmo, comentou Amy. Olhe só o meu cabelo.
Vicki, porém, não estava reclamando de nada. Em vez de perder tempo com

lamentações, ela se pôs a arrumar-se. Tirou da mochila os artigos de uso pessoal: escova de

dentes, uma toalha pequena e a bolsinha de maquiagem. Ela trouxera até uma camiseta limpa

que vestiu rapidamente, depois de haver lavado o rosto e molhado a parte da frente do cabelo.

Com três minutos, estava pronta e arrumada.

— Ah, isso não ‘tá certo! exclamou Amy, olhando-a atentamente. Você fica

maravilhosa só com uma pia e uma ajeitada no cabelo! Eu preciso de no mínimo uma hora e

uma boa chuveirada!

— Vocês querem algo emprestado? indagou Vicki, estendendo-lhes a mochila que

estava cheia.

A pele dela estava impecável; os olhos, claros e brilhantes. O cabelo, castanho e sedoso,

achava-se penteado para trás, bem ajeitado, preso por um passador. A garota estava até

perfumada.

— Pode nos dar tudo! respondeu Selena.

— É, concordou Amy. E fala com aqueles caras que só vamos voltar daqui a uma hora.

Eu também gostaria de trocar de roupa agora. Só que minhas coisas estão todas amarradas lá

no bagageiro da van. Duvido que Wesley queira tirar tudo pra eu pegar uma camiseta.

— Tem outra aí que você pode vestir, se quiser, informou Vicki. ‘Tá no fundo. É

branca.

— Só tem uma? indagou Selena meio desapontada.

Ela achava que sua calça jeans estava o.k.. Mas a blusa azul-clara, que vestira no dia

anterior, pela manhã, achava-se bem amarrotada. Ademais sujara-se com chocolate, e ela não

estava nem um pouco apresentável.

— Sinto muito, replicou Vicki. Só tem uma.


Ela se virou para sair e quase esbarrou em uma senhora que entrava apressadamente,

acompanhada de duas garotinhas.

— Vou dizer pra eles que vocês virão já, concluiu saindo.

— É, mas não iremos logo, logo, não, replicou Amy.

Em seguida, começou a retirar os objetos da mochila da colega e a passá-los a Selena.

— Não adianta, continuou Amy. Não vamos conseguir fazer essa transformação mágica

que Vicki consegue.

— Pra mim, comentou Selena, lavar o rosto já ‘tá bom. Será que ela tem um passador

grande aí? ‘Tá fazendo calor, né? Quero prender o cabelo e afastá-lo da nuca.

As duas garotas de fato fizeram uma tentativa de se ajeitarem um pouco. E ficaram a

reanimar uma a outra, dizendo como a aparência delas estava melhorando. Só que o cabelo de

Amy, que era escuro e bem curto, insistia em continuar meio espetado atrás, apesar de ela

havê-lo molhado bem. E os olhos de Selena ainda estavam avermelhados, sinal de que os

forçara muito durante a noite, quando estivera dirigindo.

— Desisto, disse Amy afinal.

Fechou o zíper da mochila de Vicki, colocou-a ao ombro, e as duas saíram do banheiro.

Logo avistaram Wesley, Ronny e Vicki que acenaram para elas. Achavam-se no canto

esquerdo do salão, numa área reservada. À mesa, viam-se cinco bandejas com hambúrgueres

e batatas fritas. Os refrigerantes estavam em copos descartáveis, tamanho grande, brancos

com listras vermelhas. Selena pegou um dos copos e examinou-o atentamente.

— Olhe só estes desenhos de palmeiras no meio das listras! exclamou. Que gracinha!

— Típico da Califórnia! acrescentou Amy, também admirando o copo.

— Olhe embaixo dele, disse Wesley.

Os quatro levantaram cada um o seu para ver o que havia ali, procurando talvez algum

brinde.
— Oh, que legal! exclamou Ronny, o primeiro a descobrir o segredo.

— É João 3.16! disse Selena, examinando o dela bem de perto. Legal demais!

— E vocês repararam como a batata ‘tá fresquinha? Indagou Ronny, pegando um

punhado delas. Tem um cara lá dentro que fica só picando as batatas numa máquina e

jogando-as na panela pra fritar. Comam pra vocês verem!

— Vamos comer, gente, interpôs Vicki, também se servindo de um punhado de fritas,

senão o Ronny acaba com tudo.

Depois que todos já haviam lanchado bem, concordaram que Wesley tinha razão

quando dissera que, para “curtir” bem a Califórnia, tinham de lanchar no In and Out Burger.

O único problema era que todos reclamavam de que haviam comido demais. Achavam que os

cintos de segurança nem iam caber neles.

Selena acomodou-se no banco do meio, junto à janela, com Amy do seu lado. Vicki

agora ia na frente, e Ronny, no último banco, no “cantinho do ronco”. Minutos depois,

achavam-se de volta à rodovia, com as vidraças abaixadas, sentindo a brisa quente a circular

no interior do carro.

— Posso ligar o rádio e procurar uma estação legal, gente? indagou Vicki.

— Espere um pouco, replicou Selena. Antes quero fazer uma pergunta para o meu

amado irmão aqui. Onde é que estamos? Pra onde vamos e quando chegaremos lá?

— Estamos perto de Bakersfield. Nossa primeira parada é na Escola Bíblica Valencia

Hills. E vamos chegar lá dentro de uma hora mais ou menos, dependendo de como estiver o

trânsito em Grapevine.

— Agora sou eu que tenho uma pergunta, interveio Amy. Vai dar pra gente tomar um

banho antes de chegar lá?

Wesley soltou uma risada.

— Estou falando sério, insistiu a garota.


Wesley deu uma olhada na direção de Vicki e olhou-a rapidamente.

— Por quê? indagou ele. Vocês estão ótimas! Será que estou com algum cheiro?

— Não, replicou Amy, mas acho que eu estou.

— Ah, que nada! interpôs Wesley. Você ‘tá bem. Além disso, vocês é que têm interesse

em avaliar a escola, e não eles em avaliá-las.

— Oh, muito obrigada! disse Amy em tom irônico.

— Não, continuou o rapaz, dando uma espiada para ela pelo retrovisor, eu não disse isso

com sentido depreciativo. Quis dizer que você ‘tá ótima! Assim, do jeito como ‘tá, você ‘tá

com aparência excelente!

Ouvindo aquilo, Amy deu um sorriso leve, ligeiramente significativo. Selena ficou a

pensar em como ela interpretara o comentário dele. Uma luzinha vermelha se acendeu dentro

dela.

Será que meu irmão estava dizendo galanteios pra Amy? pensou.
Capítulo Onze

— Posso procurar uma rádio agora? indagou Vicki.

— Pode, Vicki, vai, respondeu Wesley. Mas assim que começarmos a subir a Grapevine

vai ficar difícil. Você só vai achar uma estação boa depois que descermos pra baixada de Los

Angeles.

— É isso aí que é a Grapevine? indagou Selena.

A garota notou que a estrada larga ia atravessando uma maravilhosa sucessão de serras.

E a paisagem se tornava ainda mais impressionante porque a longa rodovia naquele trecho era

plana e reta. Olhou para trás e pensou que o vale que haviam acabado de atravessar era muito

belo, mas tinha uma beleza triste. Era estranho saber que aquela região, de terrenos muito

planos, toda dividida em fazendas, era a última parte da Califórnia ainda não urbanizada.

Sabia que assim que saíssem da Grapevine, e entrassem no Vale San Fernando, veriam uma

sucessão de cidades; e só cidades. Era assim dali até a fronteira com o México.

— Me dá o mapa aí, pediu. Quero ver onde estamos.

Assim que encontrou a linha vermelha, marcada com o nome de “Rodovia 5”,

comentou:

— Não sei por que chamam isso de Grapevine. Ela é toda reta! *

— Talvez a estrada original tivesse muitas curvas, disse Wesley. Depois eles foram

fazendo reformas, e ela ficou mais reta.

*
A palavra “grapevine” significa “videira, parreira de uva”, daí o fato de Selena estranhar darem esse nome a
uma estrada reta. (N. da T.)
— Vamos passar pelo Parque Nacional de Los Padres, informou Selena ainda

examinando o mapa. À nossa esquerda fica o Monte Fraiser, que tem cerca de três mil metros

de altitude. À nossa direita, está o Sawtooth, que tem mais de dois mil metros.

Aqui ela se deu conta de que estava parecendo um guia turístico e então concluiu:

— Regressando ao hotel, teremos postais à venda por preços especiais.

— Nós vamos a Santa Bárbara? quis saber Amy.

— Não, informou Wesley. Santa Bárbara fica no litoral do outro lado do planalto.

— Era o Drake que queria ir lá, lembrou Vicki.

— É mesmo, concordou Amy. Então onde ficam as faculdades que vamos visitar?

Selena pegou a lista de escolas e, em seguida, ela e Amy se puseram a procurar no mapa

as cidades de cada uma. Nesse momento, estavam numa subida longa, e Vicki se pôs a

procurar uma estação no rádio do carro. De repente deu com uma, num volume muito alto.

Alguém cantava uma música em espanhol. Tentou outra, mas só encontrou estalidos e ruídos

típicos de rádio.

— Ah, desisto, disse afinal. Oh, gente, olha que lindas essas colinas!

Selena, que estivera olhando o mapa, ergueu a cabeça e ficou encantada com a

paisagem. As encostas das colinas estavam cobertas de papoulas silvestres, até onde a vista

alcançava. E as flores, com suas pétalas de cor laranja-vivo, se moviam à brisa, como que

acenando para os viajantes.

— Que lindo! exclamou ela.

Ronny, que estivera muito quieto, ali no “cantinho do ronco”, como que despertou ao

olhar para as flores.

— Uau! disse ele. Parece que um gigante comeu um pacote inteiro de chips sabor queijo

e depois limpou as mãos aí nessas colinas.

Selena riu.
— Você inventa frases tão interessantes, Ronny! comentou.

— É, ajuntou Amy em tom de gozação, principalmente quando tem a ver com comida.

Quando haviam parado na In and Out Burger, o rapaz ficara com metade do

hambúrguer de Amy, pois ela não conseguira comê-lo todo. Além disso, ele devorara o que

sobrara das batatas fritas de quase todos eles.

— Cada um recebe inspiração num tipo de situação, replicou ele.

Depois de dizer isso, voltou a deitar-se no banco e se pôs a cantarolar baixinho para si

mesmo.

E continuava cantarolando quando eles chegaram à Escola Bíblica Valencia Hills, e

deram uma volta pelo campus para conhecer a faculdade. Selena pensou que ele lembrava um

músico meio desligadão, tentando “encontrar” a melodia para uma canção que estava

compondo.

Afinal os cinco saíram do prédio central da escola e se dirigiram para o estacionamento.

A certa altura, Selena deu mais uma olhada pelo lugar. Tentou imaginar-se estudando ali.

Sentia-se bem naquele ambiente. Gostara do jeito dos dormitórios. Os quartos dos alunos

eram suítes e tinham uma sala de estar em comum. Os estudantes que viram ali lhe pareceram

bastante amistosos. Dois deles haviam cumprimentado a garota e seu grupo. Outro detalhe

que ela estava apreciando muito também era o clima: quente. Teve até vontade de estar de

bermuda em vez de calça jeans.

O de que Amy mais gostara ali fora do orientador que os guiara, na volta que deram

pelas dependências da escola.

— Jonathan, disse ela para Selena quando as duas voltavam para o carro, caminhando à

frente dos outros. Que nome imponente! Jonathan. Passa a imagem de homem forte. Você

reparou a tatuagem que ele tinha no polegar?

— Não era tatuagem, não, retrucou Selena. Era uma marca de nascença.
— Era não, insistiu Amy.

— Então era uma tatuagem muito esquisita, apenas uma mancha marrom.

Amy abanou a cabeça.

— Era um desenho de um urso, ou algo assim, afirmou.

Ela pegou na maçaneta da van para abrir a porta, mas estava trancada. Wesley estava

com a chave. Havia se esquecido disso. Continuou a mexer nela distraidamente, e de repente

o alarme do carro disparou. Ela deu um grito e afastou-se dele. Selena olhou para trás, para

ver se Wesley já estava chegando. Bastaria que ele apertasse uma tecla no chaveiro, mesmo à

distância, e aquela barulhada cessaria. Contudo seu irmão havia sumido. E também não se via

nem sinal de Vicki e Ronny.

— Aonde será que eles foram? gritou Amy tapando os ouvidos.

— Sei lá. Eles estavam vindo atrás de nós.

Nesse instante, um carro vermelho, de tamanho médio, ia passando. Nele estavam dois

estudantes. Eles pararam e olharam para Amy e Selena. No bagageiro do veículo, via-se uma

prancha de windsurfe a vela.

— Algum problema aí? indagou o que estava ao volante.

O rapaz tinha o cabelo bem louro e curto, a pele queimada de Sol e um sorriso muito

simpático. Estendeu o braço esquerdo para fora da janela. Pela musculatura forte, dava para

perceber que usava aquele equipamento esportivo.

Imediatamente, Amy tirou as mãos dos ouvidos e aproximou-se deles.

— O alarme disparou acidentalmente, explicou ela, falando alto e inclinando-se para o

motorista. A chave está com o Wesley, mas ele deve chegar já.

Selena ficou admirada ao ver como a amiga era capaz de iniciar uma conversa tranquila

e amistosa com qualquer rapaz, em qualquer lugar.

— Ah, o Wesley Lengerfield? indagou o outro também berrando.


— Não, Wesley Jensen. Ele não estuda aqui, não.

— Ah, mas você estuda, né?

— Não, replicou a garota sorrindo.

Selena ficou a observá-la. Será que sua amiga engraçadinha, com aquele cabelo meio

espetado atrás, iria confessar que ainda não terminara o segundo grau?

— Vocês querem uma carona até o prédio central pra procurar o Wesley? ofereceu o

rapaz.

— Claro, replicou Amy.

— Acho melhor a gente ficar por aqui mesmo, interveio Selena, chegando perto do

carro.

O estudante que se encontrava no assento do passageiro inclinou-se para diante a fim de

dar uma espiada nela e sorriu para a garota. Também era outro atleta forte, com um físico de

salva-vidas.

— Tem certeza? indagou ele.

— Tenho. Eu...

Antes que ela pudesse concluir a sentença, o estridente barulho cessou. A garota se

virou ligeiramente para o lado e viu que Wesley vinha correndo na direção deles. Ainda

estava com o chaveiro apontado para o carro.

— Esse deve ser o Wesley, comentou o estudante ao volante.

Amy sorriu, acenando que sim. Selena fez o mesmo. As duas ficaram sorrindo e

acenando.

— Então a gente se vê por aí, replicou o rapaz com um aceno, engatando a primeira

marcha. Até mais!

E foram saindo.

— Ah, sua espertinha! exclamou Selena, dando um tapinha no braço da Amy.


— Eu? espertinha? replicou a garota com os olhos brilhando. Se não me engano, você

também ficou bem interessada!

E as duas deram uma risadinha.

— É, principiou Selena, a gente tem de reconhecer que eles são uns belos representantes

dessa raça criada por Deus, não são?

Amy fitou-a com ar sério. Selena compreendeu que a outra se perturbara porque ela

falara sobre Deus.

— Ei, disse explicando-se, só estou dando glória a quem temos de dar toda a glória!

— Que foi que aconteceu? indagou Vicki, que chegara correndo. Alguém tentou

arrombar a van? Aqui? Numa escola bíblica?

— Não, replicou Selena prontamente. A Amy estava demonstrando a tática que ela

emprega pra se travar conhecimento com rapazes numa faculdade! E você precisava ver que

rapazes!

— E a minha tática parece que funcionou muito bem! comentou a outra caindo na

risada, levando Selena a rir também.

— É, suspirou Vicki, parece que perdi alguma coisa.

— E como! concordou Selena.

— Eu só sei, disse Amy, entrando no carro e sentando-se no banco da frente, que por

mim, já podemos voltar pra casa. Já sei em que faculdade vou estudar no próximo ano.

Selena riu de novo.

— No próximo ano? indagou. Achei que ia querer começar já nas férias. Talvez haja aí

um curso de windsurfe no verão. Você tem muito interesse nesse esporte, não tem?

— Tenho, replicou Amy rindo mais ainda. Agora tenho.

— O que é que ‘tá se passando com essas duas? Perguntou Wesley.


Ele também entrou e fechou a porta. Contudo, em vez de enfiar a chave na ignição e dar

partida no carro, virou-se para trás e encarou o grupo. Selena sentou-se no banco do meio,

junto à janela. Sentia-se mais tranquila, ouvindo Amy falar abertamente sobre os rapazes com

quem haviam conversado, na presença de Wesley. Ou será que isso não passava de uma tática

para demonstrar ao seu irmão que alguns rapazes tinham demonstrado “interesse em avaliá-

la”?

— Nós vamos ter de fazer uma escolha agora, disse Wesley.

— Que escolha que nada, interveio Amy. Eu fico com o motorista, disse e caiu na risada

de novo, no que foi seguida por Selena.

— É, principiou Vicki, acho que a falta do sono ‘tá começando a nos prejudicar. Olha

só, hein! Mais uns minutos, e a Amy vai perder o controle. Quando ela ri demais, solta um

ronco.

— Ronco não! protestou a outra procurando ficar séria.

Ela fazia força para conter o riso, mas seus ombros tremiam ligeiramente.

— Ronca, sim, Amy, concordou Selena. E você sabe disso muito bem.

Wesley dirigiu um olhar de compreensão para a garota.

— Não se incomode, não, Amy, disse ele. Eles dizem que eu ronco também.

— E é verdade! retrucou ela. Ontem à noite, escutei você roncando, quando estava

dormindo no “cantinho do ronco”.

— Nós todos escutamos! interpôs Selena.

— Ah, é? E podem me ouvir agora? Temos de tomar uma decisão, então me escutem.

Amy reprimiu suas risadinhas.

— Eu disse aos meus amigos, onde vamos dormir, que só chegaríamos na casa deles

bem tarde. É que pensei que levaríamos mais tempo pra visitar essa escola. Mas vocês

disseram que já viram tudo que queriam.


Selena fez que sim e observou que os outros fizeram o mesmo. O campus não era muito

grande, e nenhum deles quis aceitar a sugestão de Jonathan para que assistissem a uma das

aulas de doutrina. Além disso, haviam pegado panfletos que continham todas as informações

de que precisariam, a respeito das aulas e da matrícula. Portanto poderiam seguir em frente.

Wesley consultou seu relógio.

— São 4:05h. Poderíamos fazer duas coisas. Ir à Hollywood...

— É! Vamos! exclamou Amy.

— Mas a gente pegaria um trânsito congestionado o tempo todo. E pra ser sincero,

Amy, acho que você vai ficar decepcionada com Hollywood na “vida real”. Pra falar a

verdade, de interessante, só tem o Teatro Grauman, onde há as palmas das mãos dos artistas

gravadas em cimento. O resto é só uma rua lotada de gente, com prédios velhos, umas lojas de

suvenir bem fraquinhas e muito mendigo.

— Quando foi que você esteve aqui? quis saber Selena.

— Mais ou menos um ano atrás. Vim com o Ryan. Deixe-me terminar o que quero

dizer. Podemos ir a Los Angeles, como eu disse, ou seguir um pouco mais em frente e ir ao

Montanha Mágica, concluiu ele com um sorriso significativo, dando a entender que sua

escolha seria pela ultima opção.

— Montanha Mágica! gritou Ronny de seu lugar, no banco de trás.

— E a Amy tem cupons de desconto! anunciou Vicki.

— Pra mim está ótimo, disse Selena.

Todos olharam para Amy.

— Eu não ando na montanha-russa, informou a garota. Vou ficar sozinha lá embaixo?

— Vai! replicaram todos em coro.

— ‘Tá bom, concordou ela afinal. Vou me sentir abandonada! Mas pra me consolar,

fico comendo algodão doce sentada num banquinho, esperando vocês.


— Ou então pode se animar e ir dar uma volta na montanha-russa, interpôs Ronny.

Wesley retomou a estrada, enquanto os outros quatro se agitavam procurando os cupons

ou olhando o mapa para ver que direção seguiriam.

— A saída é logo aí adiante, informou Selena. O guia diz que é pra pegar a saída que

diz “Parque Montanha Mágica”, e pouco depois a gente chega lá.

— É, disse Wesley, dá pra vê-lo da estrada.

— Sabe o que mais, pessoal? disse Vicki, olhando para os cupons da Amy. Foi ótimo

termos decidido ir lá hoje, pois esses cupons só valem para os dias da semana. Se viéssemos

no final de semana, não poderíamos usá-los. Ah, vai ser legal demais!

Selena concordou com ela. Nunca estivera nesse parque, e hoje estava com vontade de

se extravasar um pouco e se divertir a valer.

— Eu preferiria ter tomado um bom banho, insistiu Amy. Aqui ‘tá bem mais quente do

que em Portland. Será que nenhum de vocês ‘tá assim um pouco suado, não?

— Esquenta não, interpôs Wesley. Tem uma atração nesse parque que pode deixá-la

bem fresquinha, mesmo que não dê uma volta nela.

— O que você ‘tá querendo dizer com isso? quis saber a garota.

— Agora não posso dizer nada. Mas daqui a pouco vou lhe mostrar, replicou ele,

entrando em um estacionamento enorme.

O lugar não estava muito cheio. E Selena entendeu que era melhor mesmo terem ido

numa quinta-feira, do que sábado.

— Alguém vai levar agasalho? indagou ela.

Nesse momento, sentia calor, como Amy, mas sabia que, depois que o Sol baixasse,

poderia esfriar um pouco.

— É uma boa idéia, comentou Wesley. Depois que entrarmos no parque, não vou querer

voltar até aqui pra pegar um.


Afinal, todos pegaram um agasalho, o dinheiro e os cupons da Amy. E os cinco amigos

se dirigiram para o portão do parque, rindo e fazendo graça o tempo todo.


Capítulo Doze

— Olá, amigos! Como vão vocês? Os cinco estão juntos? indagou um rapaz vestido

com o uniforme do parque.

Ele se achava postado logo à entrada, com outros funcionários do Parque Montanha

Mágica Six Flaggs, prontos para fotografar todos que chegassem.

— Se quiserem se ajuntar mais, posso tirar uma foto do grupo, prosseguiu ele.

— Claro, replicou Vicki, respondendo por todos.

Imediatamente a garota fez pose, olhando para a máquina e passando um braço nos

ombros de Ronny. Selena fitou o rapaz para ver a reação dele. Apesar de o boné dele

encobrir-lhe o rosto, deu para perceber que ele só ficara surpreso, pelo fato de Vicki se apoiar

nele. Não parecia aborrecido. Selena passou o braço pelo do irmão e Amy fez o mesmo no

outro lado. Vicki aproximou-se mais de Amy e passou seu outro braço pelos ombros da

amiga.

— Excelente! disse o fotógrafo, batendo logo a chapa enquanto eles se achavam

reunidos. Aqui está o comprovante, continuou ele. Se quiserem uma cópia da foto,

apresentem isto no centro fotográfico. Depois, quando estiverem indo embora, podem vir

pegar o retrato.

— Eu vou querer uma, com certeza, afirmou Vicki.

— Também vou, disse Selena.

— E eu também, ajuntou Amy.

Em seguida as três olharam para o Ronny.

— Tudo bem! falou ele, dando de ombros.


— E eu, quando quiser relembrar o passeio, dou uma espiada no da Selena, comentou

Wesley, caminhando em direção ao centro fotográfico.

Ouvindo-o dizer isso, Selena foi levada a pensar em como seu irmão estava sendo legal

nessa viagem. Era bem mais velho que o resto da turma e, no entanto, não agira como se fosse

superior a eles. Se existisse um concurso de melhor irmão mais velho do mundo, ela sem

dúvida indicaria o nome dele.

— Qual a primeira atração a que vamos? indagou Vicki assim que acabaram de deixar o

pedido das fotos.

— Querem ir pra “Cobra”? perguntou Wesley.

— Que é isso? quis saber Amy, posicionando-se lado a lado com ele.

Passaram por uma imensa fonte em formato circular. E como soprava uma brisa leve,

eles sentiram os respingos dela. Selena ficou satisfeita com o contato fresco da água.

— Eu queria tomar alguma coisa, disse ela.

— Que tal a Tidal Wave? sugeriu Ronny. Pelo que diz o guia, parece muito bom.

— É, replicou Wesley com um sorriso significativo, agora é uma boa hora pra irmos lá.

— Eu só quero saber, interveio Amy, onde ficam as lojas de suvenir e a praça de

alimentação. Vou ficar esperando lá.

— Ah, deixe disso! protestou Selena. Não fique assim. Você vai gostar dos brinquedos

que há aqui. Eu vou com você neles. Quem sabe? De repente pode até se sentir mais animada

e andar num daqueles mais arriscados.

— Ah, não espere muito, não, retrucou a outra.

A expressão dela não era de quem estava querendo ser rebelde, não. Parecia que de fato

se sentia incomodada. Dava a impressão de que a única “diversão” que queria realmente era

tomar um bom banho e cair na cama.


Selena teve de reconhecer que o cabelo da amiga estava mesmo bem desajeitado. E as

olheiras não eram restos de maquiagem que escorrera, não. Eram sinal de cansaço. Não havia

dúvida de que Amy era uma dessas garotas que tinham uma aparência melhor depois de um

banho e de uma ajeitada no cabelo. Não era como ela e Vicki, que ficavam bem “ao natural”.

Pra falar a verdade, a própria Selena também gostaria de ter podido vestir uma camiseta

limpa, antes de irem para o parque de diversões. Se pudesse tomar um banho também seria

ótimo, mas dava para esperar. Nesse momento, estavam ali, naquele parque de diversões, e

seu objetivo era se divertir.

Wesley ia caminhando rapidamente em meio à multidão, e os outros o seguiam. Dava a

impressão de estar com um objetivo certo e bem definido. Os outros desistiram de dar

sugestões sobre outros brinquedos e se limitaram a acompanhar aquele “desbravador” de

camisa verde.

— Vamos por aqui, pessoal, disse ele a certa altura, virando-se ligeiramente para a

turma e caminhando em direção a uma pontezinha.

Pouco depois, ouviram aqueles gritos típicos de pessoas se divertindo em um desses

brinquedos de parque.

— Depressa, gente! Vamos! falou o rapaz de novo, olhando ora para eles, ora para a

água que corria embaixo da ponte. Aqui, Amy!

E Wesley se posicionou atrás da garota, que dava à altura do joelho dele, e colocou as

mãos uma em cada ombro dela. Selena notou que ele tinha no rosto um sorriso malicioso.

Amy se virou para olhar para ele, tendo uma expressão de admiração. Parecia satisfeita com o

fato de ele a segurar pelos ombros. Ambos apreciavam o canal do riacho, que era belamente

ornamentado.

Nesse momento, Selena se deu conta de que havia perdido um de seus brincos. Olhou

para o chão à procura dele e voltou atrás alguns passos para tentar descobrir onde ele caíra.
Havia muita gente andando por ali, e ela compreendeu que seria praticamente impossível

encontrá-lo.

De onde estava, olhou para os amigos na ponte. Viu seu irmão fazendo um aceno de

cabeça para Ronny. Este, seguindo o exemplo do outro, posicionou-se atrás de Vicki e

colocou as mãos, uma em cada ombro dela. A garota deu um sorriso que iluminou todo o

rosto. E como Amy já fizera, ela também virou e olhou para o Ronny com uma expressão

carinhosa.

Foi aí que aconteceu algo. Um barco, cheio de passageiros que berravam, veio descendo

o canal em alta velocidade. Wesley fez outro gesto para Ronny e os dois se abaixaram,

escondendo-se atrás das garotas, mas segurando-as firmemente. O movimento do bote

provocou um esguicho que caiu sobre Amy e Vicki. As duas ficaram ensopadas, totalmente

encharcadas. Amy estava com o cabelo todo escorrido, pingando água. Wesley e Ronny

também se molharam bastante.

Vicki disparou a rir. Deu uma boa gargalhada e, ao mesmo tempo, se pôs a bater no

peito de Ronny com os punhos cerrados, abanando a cabeça para espirrar água nele. Selena

também estava rindo. Desistindo de procurar o brinco, ela foi para junto dos amigos, agora

todos molhados. Tirou o outro da orelha e guardou-o no bolso.

— Eu não disse que ia ficar bem fresquinha? disse Wesley, “gozando” de Amy.

A garota não reagiu do mesmo jeito que Vicki. Ficou parada pingando água, parecendo

meio atônita e com o ar de quem vai chorar. Ergueu a cabeça e olhou para Wesley, afastando

da testa a franjinha molhada.

— Não consigo acreditar que você fez isso comigo! comentou.

— Pois pode crer! replicou o rapaz, ainda com um sorriso brincalhão. E acho melhor

sair dessa ponte, se não quiser levar outro “banho”!


Segundos depois, ouviam novos gritos. Era outro barco que se aproximava. A turma

toda saiu correndo.

— Agora vocês é que vão sofrer, disse Vicki, pegando Amy pelo punho. Nós vamos

para o sanitário, e vocês terão de nos esperar. E não sei quanto tempo vamos demorar!

— Não tem problema, respondeu Wesley. Eu e o Ronny vamos esperá-las em frente à

barraquinha que vende tortas. ‘Tá vendo aquela barraca ali adiante?

Vicki fez que sim, e as duas foram para o banheiro mais próximo. Selena ficou a olhar

para as amigas que entravam no sanitário. Wesley e Ronny encaminharam-se para a

barraquinha, cumprimentando-se pelo sucesso da brincadeira. E ela ficara ali, sobrando. Já

receara que isso pudesse acontecer mesmo.

Dezenas e dezenas de pessoas, todas parecendo muito alegres, passavam por Selena,

que permanecia parada no lugar. Teve uma sensação de tristeza, como a que sentira, certa vez,

quando estava com seis anos. A família toda fora assistir a um concerto à noite. Em dado

momento, ela se vira perdida, no meio da multidão. Os pais já haviam lhe ensinado que, se um

dia ela se perdesse, deveria ficar parada no lugar, esperando. Alguém viria buscá-la. Desta

vez, porém, ninguém viria procurá-la.

Na outra ocasião, no concerto, ela ficara sozinha apenas alguns minutos. Seu pai logo

aparecera, com o semblante preocupado, à sua procura, e imediatamente pegara na mão dela

com firmeza. Recordava com nitidez as sensações que experimentara naquele momento.

Primeiro, fora o pavor que a dominara, por se ver perdida e sozinha. Em seguida, assim que o

pai segurou sua mão, o medo se evaporou e ela se viu envolta por um enorme sentimento de

conforto e segurança. No instante em que sentiu a mão do pai pegando a sua, ela se agarrou a

ele firmemente. Nunca mais queria passar por aquilo, por aquele temor e aquela impressão de

estar sozinha!
No entanto, ali estava ela, com dezessete anos, fazendo um passeio que quisera fazer,

com os amigos em cuja companhia desejava estar, mas tomada pelo medo. Estava dominada

por uma forte sensação de isolamento. Era como se tivesse voltado a ter seis anos de idade. Só

que, desta vez, ninguém viria pegá-la pela mão. Seu pai se encontrava a mais de mil e

quinhentos quilômetros de distância.

Foi então que um pensamento lhe ocorreu. Era um desses pensamentos que começam no

coração e depois passam ao espírito, aquecendo-o maravilhosamente. O Pai celeste não se

achava a mais de mil e quinhentos quilômetros de distância. Estava bem ali, ao seu lado.

Aliás, ele sempre estava, pois prometera que sempre estaria.

Ao compreender isso, sentiu enorme paz. O pavor e o medo gelados se dissiparam. Teve

a sensação de que Jesus, quase que imperceptivelmente, estendera sua mão ferida pelos cravos

e pegara a sua. Agora, o que ela tinha a fazer era agarrar-se a ela firmemente.

— Ó Deus, murmurou para o invisível, tú és tão real! Sei que es! E nunca vais me

abandonar, não é mesmo?

Embora estivesse cercada de uma multidão agitada, Selena se sentiu envolta numa

calma intensa, que vinha da presença de Deus a seu lado. Piscou e correu os olhos à sua volta.

Teve a impressão de que as pessoas iriam ficar olhando para ela, como se seu cabelo estivesse

pegando fogo ou algo assim. É que se sentia totalmente diferente. Entretanto ninguém a

estava fitando. Evidentemente os outros não haviam tido aquela experiência de sentir a

presença de Deus, que ela tivera. Ele se manifestara apenas a ela. E, com o coração

transbordando de uma alegria intensa, encaminhou-se para o banheiro. Sentia-se outra. Não

era mais a garotinha de seis anos. Não se via mais perdida nem isolada dos amigos. Alguém a

amava, e ela sabia disso.

Amy e Vicki achavam-se em frente ao espelho usando todos os produtos de beleza que

a segunda trouxera, empenhando-se ao máximo para dar uma melhorada na aparência. Amy
penteara o cabelo todo para trás e se posicionara embaixo do secador de mãos, tentando

enxugá-lo. Parecia que nenhuma delas notara que Selena não fora para ali com elas.

Afinal, elas acabaram ficando menos de dez minutos no banheiro. Amy já havia se

refeito do choque que levara ao tomar aquele “banho”. Agora assumia uma atitude

brincalhona. Quando se reencontraram com os rapazes, todos estavam rindo, soltando

piadinhas e “gozando” uns dos outros. Alguém chegou inclusive a “amassar” um pedaço de

torta no rosto de Ronny. Selena pensou em relatar aos amigos a experiência que tivera pouco

antes, em que sentira a realidade da presença de Deus de uma forma como jamais

experimentara antes. Contudo logo percebeu que seria muito difícil ter uma conversa séria

com alguém que estava querendo mais é atirar-lhe um pedaço de torta no rosto.

— Mais torta, gente? indagou Ronny.

— Eu não, replicou logo Wesley, levantando-se. Acho que escutei a “Cobra” me

chamando.

— É mesmo, concordou Vicki. Também estou ouvindo.

E tentando imitar uma cobra, disse em voz sibilante:

— Wesssssley! Venha cá! Wesssssley!

— É a montanha-russa? quis saber Amy em tom hesitante.

— É, respondeu Wesley, a montanha-russa.

— É aquele brinquedo que faz...? continuou ela fazendo círculos no ar com o dedo.

— Só duas vezes, explicou o rapaz. Antes de a gente perceber, já acabou.

Amy fitou Selena com expressão de súplica.

— Você vai mesmo querer ir nesse negócio, Selena? indagou ela.

A garota fez que sim.

— Vamos lá, Amy, disse ela. Você fecha os olhos.


— De jeito nenhum, interveio Ronny. É proibido fechar os olhos. Se fechar, eles

mandam parar o brinquedo na hora e você tem de descer pela escada de emergência.

— E se eu fechar os olhos na hora em que a gente estiver de cabeça pra baixo?

— Tem de sair assim mesmo, insistiu o rapaz. Tem uma rede embaixo, então você solta

o cinto de segurança e cai lá embaixo.

— Ah, gente, que ruindade! exclamou Amy.

Estavam caminhando mais depressa agora. Wesley, mais uma vez, ia à frente, e parecia

ansioso para chegar lá.

— Não da pra vocês aceitarem que algumas pessoas gostam de se arriscar e outras não?

continuou Amy falando mais alto. Quero dizer, por que tenho de sentir esse medo? Não dá pra

ver que existe gente que anda em montanha-russa e gente que não anda? Eu estou em minoria

aqui porque não gosto desse brinquedo. E daí? ‘Tá na hora de começarmos a respeitar as

diferenças individuais, puxa!

Quando ela terminou seu pequeno discurso, Wesley já entrara na fila da “Cobra”.

Contudo, instantes depois, deixando Selena, Ronny e Vicki passarem à sua frente, ele saiu de

lá e foi ficar perto de Amy.

— Vocês podem ir, disse ele para os três.

A fila estava andando rápido. Em seguida, dois rapazes entraram logo atrás dos três, e

Wesley não pôde voltar para junto deles. Quando Selena e os outros chegaram ao ponto onde

embarcavam, a garota se virou para trás. Viu que Wesley se inclinara ligeiramente e fitava a

amiga bem nos olhos. Depois ergueu o braço e passou-o em torno do ombro da garota.
Capítulo Treze

A fila para embarcar na “Cobra” estava indo tão rápida, que não deu mais para Selena

ver o que se passava entre Amy e Wesley. Será que ele estava conversando com ela, como

uma espécie de irmão mais velho? Ou quem sabe a garota começara a chorar e ele tentava

consolá-la! Ou será que Wesley expressava algum tipo de afeição pela jovem?

E por que será que isso ‘tá me incomodando tanto? Pensou. Sou totalmente a favor de

Vicki e Ronny namorarem. Então por que estou preocupada em que Wesley e Amy façam o

mesmo? Será que acho que ele é muito velho pra ela?

Logo em seguida, porém, ela se lembrou de que seu irmão não poderia estar interessado

em Amy. É que ele tinha certas exigências com relação às moças que namorava, e sua amiga

não preenchia esses requisitos. Para Wesley, o ponto principal era que a jovem fosse crente,

uma crente sincera. A própria Amy já reconhecera, por diversas vezes, que não o era. Então

por que Selena ainda se sentia meio nervosa ao ver Wesley dando atenção à garota?

A fila ia andando. Já estavam quase chegando. Vicki e Ronny conversavam sobre a

montanha-russa. Do ponto onde se encontravam, já avistavam todas as subidas e descidas da

“Cobra” e ouviam os gritos do pessoal que se achava nela. Vicki disse que algo a incomodava

ali. Referia-se aos estalidos que ouviam em toda a estrutura quando os carrinhos estavam

subindo a “montanha”, para chegarem à primeira descida. Selena acenou concordando, mas

não a escutava direito. Continuava a analisar seus sentimentos com relação a Wesley e Amy.

Quando afinal chegou a vez de eles pegarem o carrinho, Selena já havia entendido o que

a estava perturbando. Tinha ciúmes do irmão. Não queria que ele desse atenção a outra garota.
Ele era seu irmão mais velho e, se ficasse ligado em alguém, seu relacionamento com ela

mudaria.

Ao entender isso, em vez de ficar tranquila, a garota ficou mais tensa. Sabia que não

poderia controlar a vida de Wesley. E sua influência sobre a amiga se limitava à escolha de

roupas, quando faziam compras juntas. Portanto teria de abrir mão desse ciúme. É que tal

sentimento atrapalharia seu relacionamento com o irmão e com Amy.

Senhor, orou, o que está acontecendo comigo? Tive duas revelações importantes, uma

em seguida da outra? Primeiro, tenho de me segurar firme, e depois, soltar... O que é isso?

Na plataforma onde iriam embarcar, havia um funcionário do parque, uniformizado. Ele

fez sinal ao Ronny para que entrasse num banco onde havia lugar apenas para uma pessoa.

Em seguida, conduziu as duas garotas para o banco da frente.

— Logo na frente! exclamou Vicki, agarrando o braço de Selena e entrando. Que foi

que eu fiz pra merecer esse castigo? Será que ainda dá pra mudar de idéia?

As duas se sentaram e o homem encaixou a barra de segurança, que dava à altura dos

ombros delas. Ficaram praticamente imobilizadas. Não poderiam se virar, se quisessem

comentar algo com Ronny. O rapaz se achava vários bancos atrás do delas.

— É, acho que não dá pra mudar de idéia, não, replicou Selena.

Nesse momento, o carrinho deu um arranco e passou a rodar, balançando um pouco para

um lado e para outro. Selena sentiu o estômago embrulhar.

— Não esquenta, não, continuou ela para Vicki. Você vai gostar demais. É

simplesmente maravilhoso!

— Tem certeza? indagou a outra com voz estridente, demonstrando nervosismo.

O carrinho ia subindo a rampa que levava ao alto, com os ruídos típicos de engrenagem

em movimento. Era tão íngreme que elas se achavam praticamente deitadas. Com o rosto

voltado para o céu, Selena notou que ele estava de um azul bem claro. À direita, um avião que
passava ia deixando um leve rastro de fumaça naquela imensidão. Agora já se aproximavam

do primeiro ponto alto da “Cobra”, de onde desceriam em queda. A sensação que a garota

percebia na boca do estômago era a mesma de quando alguém raspa a ponta da unha no

quadro-negro.

— Sabe o que mais? gritou para Vicki. Você tem razão. Quero dar o fora!

— Selena, respondeu a outra também berrando e encostando a perna na da amiga, como

que procurando apoio moral, você é que é a corajosa aqui!

Selena também fez pressão na perna de Vicki. Agora já se encontravam no alto. À

frente delas, só o ar, mais nada. A garota se agarrou à barra de segurança e soltou um grito

agudo, no momento em que despencavam até o ponto mais baixo da “Cobra”. O vento soprou

o cabelo delas para trás. Havia ainda a sensação de que o ar pressionava a pele do rosto,

afastando-a da boca aberta. Segundos depois, passaram por um círculo e, daí a pouco, por

outro, com fortes solavancos. As duas gritavam o tempo todo.

Terminado o giro, saíram do carrinho roucas, tontas e meio “fora do ar”. Pararam ali e

ficaram a esperar o Ronny. Quando o rapaz saiu, vinha com seu sorriso típico, entortando a

boca. Era o único indício que ele dava de que o nível de adrenalina estava alto.

— Querem ir de novo? indagou ele.

— Acho que não, replicou Vicki, firmando os braços ao lado do corpo.

— Mas foi ótimo! exclamou Selena, em voz alta e um pouco rouca. O Wesley vai

adorar esta “Cobra”! Onde será que ele está?

Os três foram caminhando juntos, com os passos ainda meio incertos, esbarrando uns

nos outros, pedindo desculpas e rindo muito. Wesley e Amy se achavam a alguns passos da

saída.

— Você vai gostar demais! informou Selena para o irmão, assim que o avistou.

— E já quero ir, respondeu ele. Quem mais se arrisca?


— Eu vou, disse Ronny.

— Eu não, falou Vicki, dando um gemido. Pra que fui comer tanto?

— Nós achamos aqui um brinquedo que é mais do meu jeito, disse Amy para as amigas.

É de criança. Alguém quer ir comigo?

— Eu quero, replicou Vicki.

Selena ficou na dúvida se ia com as duas.

— Onde vamos nos encontrar com vocês? indagou para o irmão.

Wesley apontou para um lugar onde poderiam se reunir depois. Combinaram de se

encontrar ali daí a quarenta minutos.

— Como é que você ‘tá, Amy? quis saber Vicki.

As três iam caminhando lentamente em direção ao brinquedo que Amy escolhera e que

se chamava “Corrida do Ouro”.

— Estou bem, respondeu a outra. Gente, peço desculpas por ter causado um transtorno

pra vocês.

— Não, Amy, você não causou transtorno nenhum, replicou Vicki.

— É, mas acho que o Wesley ficou preocupado.

— Vocês conversaram bastante? indagou Selena.

— Conversamos. Selena, esse seu irmão é maravilhoso! Você sabe disso, né? Claro que

sabe. Ele leva a gente a pensar direitinho, sem nos deixar com a sensação de que somos uns

idiotas. Eu queria ainda estar a fim dele.

— E não ‘tá, não? perguntou Selena.

— Não. Por quê? Dei a impressão de que estava?

— Não muito. Talvez um pouquinho só.

Nesse momento, Selena avistou a placa que dizia “Corrida do Ouro”. Já iam quase

passando do brinquedo.
— É aqui, gente, disse. E a fila ‘tá bem pequena. Além de a fila ser pequena, pequena

também era a maioria dos componentes dela. Pareciam ter menos de dez anos, com exceção, é

claro, dos adultos que estavam acompanhando os filhos.

— Será que há um limite de altura e de peso aí? indagou Vicki.

— Não, creio que não, informou Amy. Acho que é uma montanha-russa mais lenta.

— Bom, interpôs Vicki, na verdade, as duas não teriam com que se preocupar.

— ‘Tá insinuando que somos “baixinhas”? indagou Amy.

— Não; estou querendo dizer que as duas juntas pesam quase o mesmo que eu.

— Ah, é... retrucou Amy em tom irônico.

— Que é isso? interveio Selena. Não chega nem perto. Por que ‘tá dizendo isso?

— Porque eu peso, sim, mais do que vocês.

— E daí? ajuntou Amy. Você não ‘tá gorda nem nada. ‘Tá ótima. Você é você. E do

jeito que estiver, ‘tá sempre bem. A beleza não tem nada a ver com o tamanho da pessoa.

— É, eu sei, eu sei, concordou Vicki. Não vamos discutir sobre isso agora.

Selena se mostrou de acordo. O que ela queria naquele momento era saber por que Amy

não estava mais a fim de Wesley.

— Então me conta, disse. O que foi que meu irmão disse que fez com que você se

sentisse melhor?

— Conversamos sobre o meu medo de altura e de montanha-russa, e ele compreendeu

perfeitamente. Disse que não ia mais me forçar a nada. Perguntou se eu ainda estava muito

chateada por causa do “banho”. Expliquei que na hora fiquei muito aborrecida, sim. Mas

depois passou. Acho que sou assim com relação a uma porção de coisas, explicou, dando de

ombros. E foi só isso. Ele agiu comigo como um irmão mais velho, e eu gostei demais.

Nesse momento, as três subiram em um carrinho, que era pintado de dourado. Selena

ficou a se censurar interiormente por haver criticado a amiga e ter suspeitado dela. Entendeu
que deixara a imaginação “voar” demasiadamente. Compreendeu também que já que fizera

um julgamento errado a respeito de Wesley e Amy, poderia estar julgando incorretamente

outros fatos também. E como estava meio confusa, será que se encontrava em condições de

tomar uma decisão tão importante como a escolha da faculdade? Afinal isso iria pesar muito

em sua vida.

Voltou a sentir o mesmo pânico de antes. Parecia que se esquecera de que, instantes

atrás, sentira Deus muito próximo dela, segurando sua mão. Suas emoções estavam como que

numa montanha-russa. Sua sensação, nesse momento, era de que elas giravam num daqueles

círculos apavorantes. Sentia-se atordoada com as situações desconhecidas que a aguardavam

no futuro.

— É, foi muito emocionante! brincou Vicki, no momento em que saíam da pequena

montanha-russa.

O brinquedo tinha o formato de uma mina de ouro, que se percorria num carrinho.

Selena também não achou que fosse grande coisa, principalmente depois de ter andado na

“Cobra”.

— Pois eu gostei, comentou Amy. Foi do meu jeito. Então parem de falar mal desse

brinquedo, viu?

Seguiram para o ponto onde iam encontrar Wesley e Ronny. Os dois já estavam lá e

haviam combinado sobre os outros brinquedos a que iriam: “Batman”, “Super-homem” e

“Queda Livre”. Selena e Vicki logo concordaram com o plano, mas imediatamente se

lembraram de Amy.

— Tudo bem, pessoal, disse a garota. Eu vou com vocês até lá e fico aguardando. Esses

brinquedos não demoram muito. O que demora mais é a fila.

— Tem certeza de que não se incomoda de esperar? indagou Selena.

— Tenho, replicou Amy, olhando para o Wesley, com ar de satisfação.


Por alguma razão, Selena estava tendo dificuldade para crer que a amiga não nutria mais

aquela paixãozinha por seu irmão. Nesse momento, porém, não havia tempo para fazer uma

avaliação mais detalhada da situação. Os cinco logo saíram marchando para gozar as emoções

e os arrepios do “Batman”. Além disso, ela sentia que sua cabeça já estava transbordando de

avaliações — as que fazia com relação ao próprio futuro.

Enquanto estavam na fila, a “batcaverna” surgiu à frente deles — escura, misteriosa,

“prometendo-lhes” muitas sensações. O primeiro impulso de Selena foi compará-la ao seu

futuro e às decisões que teria de tomar sobre a faculdade.

— E se a gente não for estudar fora? disse ela de repente para Vicki.

— De onde tirou essa idéia?

— Eu estava só pensando. Quem sabe a gente fica em Portland mesmo e estuda numa

faculdade daquelas lá, ou até numa universidade? Assim poderíamos permanecer em casa.

Vicki dirigiu-lhe um olhar de espanto, como quem perguntava se ela havia ficado

maluca.

— Por que você ‘tá dizendo isso? indagou. Nesses últimos meses, você não falou de

outra coisa a não ser ir estudar fora. Selena, você é o nosso exemplo de garota aventureira,

que viaja o mundo todo. Não pode agora se acovardar e nos deixar na mão!

Selena olhou para Amy com ar pensativo. A amiga estava sentada em um banco, à

sombra, parecendo muito tranqüila, tomando um refrigerante.

— É, comentou Selena, seria bom se eu pudesse escapar disso.

— O que quer dizer com isso? interpôs Vicki. Está falando deste brinquedo ou de

estudar fora?

Wesley passou o braço em torno dos ombros da irmã e lhe deu um leve aperto.
— É, minha sonhadora, parece que agora você ‘tá conhecendo a vida real, disse ele. E já

não é sem tempo. Eu gostaria de não ter de lhe dizer isto, mas tenho de informá-la que ignorar

o futuro não vai fazer com que ele desapareça, não. ‘Tá na hora de crescer, irmãzinha!

Selena sentiu o rosto avermelhar-se. Amy até que podia apreciar o jeito de Wesley para

dar aconselhamento, mas ela não. As palavras dele só serviram para deixá-la humilhada. Se

não estivessem em público, ela lhe daria uns tapas.


Capítulo Quatorze

— Foi o melhor parque de diversões a que já fui! exclamou Selena no momento em que

deixavam o estacionamento do Montanha Mágica. Ela se remexeu, acomodando-se melhor no

banco. Dessa vez, achava-se no da frente, ao lado do irmão. Seu aborrecimento em relação a

Wesley se dissipou no momento em que terminaram a volta pelo “Batman”. Resolveu se

esquecer das frustrações e incertezas e curtir as horas restantes que passariam ali.

— E este é o melhor suvenir que já peguei! disse Vicki, que se achava no segundo

banco, perto de Ronny, chegando o objeto ao olho.

Era um chaveiro, que tinha um minúsculo telescópio, ao fundo do qual estava a foto que

haviam tirado à entrada do parque.

— Eu também! concordou Amy, erguendo o seu. Gostei muito deste chaveirinho

simples. Ó Wesley, Selena, caso ainda não tenha dito isto, muito obrigada por terem me

convidado pra vir com vocês. Estou gostando tanto que nem tenho vontade de voltar pra casa.

— Espere aí, interpôs Wesley, ainda temos mais dois dias. Pode ser que nesse tempo

você mude de idéia.

— Ah, acho que não, retrucou a garota. Queria que esta viagem durasse um mês. Não,

dois meses. As férias todas. Ia ser tão legal! Passar as férias todas na estrada, na companhia de

amigos!

— É, acrescentou Vicki, desde que fossem amigos mesmo!

Selena compreendeu que todos estavam pensando que tudo seria muito diferente se

Warner tivesse vindo. Entretanto ninguém disse nada.


— Enquanto vocês estavam naquele último brinquedo, principiou Wesley, liguei para o

Brad e a Alissa, o casal que vai nos hospedar. Eles disseram que daqui até lá dá mais ou

menos uma hora.

— A que horas vamos ter de sair amanhã cedo? quis saber Selena.

— Eu gostaria de sair por volta de 8:00h, respondeu Wesley.

— Cedo assim? comentou a garota dando um gemido. Você não quer ficar algumas

horas em companhia de seus amigos?

— É... concordou Amy. Deixando a gente dormir mais um pouco!

— É que eles vão à praia amanhã; e querem sair bem cedo, explicou o rapaz.

— Humm, praia seria uma boa! disse Amy. Será que não dá pra gente pelo menos

chegar perto do mar?

— Só se for amanhã à tarde, explicou Wesley. O principal agora é o meu compromisso

no “Rancho Corona”, que é às 11:30h. Depois disso podemos fazer o que quisermos. Ah, e

tenho de ligar pra Tânia, pra saber se ela ainda vai poder nos receber em sua casa amanhã. Ela

mora a mais ou menos três quilômetros da praia.

— ‘Tá brincando! exclamou Amy. Eu não sabia disso!

— Estou gostando cada vez mais desse sul da Califórnia, comentou Selena, erguendo os

braços acima da cabeça. Deve ser legal demais morar perto da praia, né? concluiu ela,

virando— se para o lado e reclinando um pouco o seu banco.

— Essa faculdade onde você quer estudar é perto da praia, Wesley? indagou Vicki.

— Não, replicou ele. Acho que fica a uns trinta ou quarenta quilômetros da costa, numa

“mesa”. Dizem eles que quando o céu ‘tá claro, dá pra ver o mar. E ao pôr-do-sol pode se

avistar a ilha Catalina.

— O que é uma “mesa”? quis saber Amy.

— É um planalto bem elevado e muito plano.


— Então é como uma “mesa” mesmo, comentou Selena.

— É por isso que tem esse nome, disse Wesley. Parece uma mesa bem grande e plana.

Selena fechou os olhos e tentou imaginar uma escola localizada num lugar bem alto,

vendo o pôr-do-sol no Oceano Pacífico. Ao pensar nisso, sorriu. Visualizou uma fortaleza de

cores claras e brilhantes, cheia de gente que ama a Deus. Já estava gostando dessa faculdade,

embora não soubesse nada a seu respeito nem tivesse visto nenhuma foto de lá.

No dia seguinte, quando se dirigiam para lá e avistaram as colinas e a “mesa” de que seu

irmão havia falado, gostou ainda mais. Era por volta de 10:45h, quando saíram da rodovia

principal, ao sul do Lago Elsinore. Foi fácil identificar o lugar, pois era bem elevado e

perfeitamente plano. O céu, no alto, estava claro até onde a vista alcançava. Viam-se apenas

alguns “chumaços” de nuvens movendo-se preguiçosamente.

Selena endireitou-se no banco e se pôs a contemplar a paisagem através do pára-brisa.

As encostas das colinas eram recobertas de flores silvestres. Sentiu uma forte expectativa.

Aquela região lembrava muito a Suíça, aonde fora no ano anterior, em companhia de sua

amiga Cris. Elas tinham feito um passeio pelas colinas verdes daquele país, vendo muitas

vacas e flores silvestres. Aqui o terreno era mais seco, em tons de marrom. E em vez de vacas

pastando ao som de cincerros, Selena imaginou coelhos do mato, atravessando a correr as

trilhas estreitas para caminhantes.

— “Universidade Rancho Corona”, leu em voz alta a placa da estrada. Virar à direita.

Wesley fez a conversão à direita e pegou a estradinha que dava para o alto da “mesa”.

— Que lugar maravilhoso! exclamou Selena com ar sonhador.

— Ainda não chegamos, informou Wesley.

Pela voz, ele parecia cansado. Aliás, todos estavam cansados e irritadiços. Haviam

dormido apenas cinco horas e meia, no chão do apartamento dos amigos dele. E Wesley viera

acordá-los bem cedo. Amy insistira em que queria tomar um banho, antes de partirem. Todos
concordaram em que seria uma ótima idéia. O apartamento possuía apenas um banheiro, e

então tiveram de fazer fila.

Selena foi a última. E quando chegou sua vez, a água quente havia acabado. Teve de

contentar-se com um banho frio. Quando saiu, vinha resmungando, mas depois se arrependeu.

Reconheceu que não tinha sido uma atitude legal. Brad havia preparado um café da manhã

muito bom para eles: ovos fritos com presunto e bolinhos amanteigados. Wesley lhe dissera

que iriam tomar café na estrada, mas ele preparara a refeição assim mesmo. Agora, já

chegando à universidade, sua irritação passara.

— Nós vamos ter de nos reunir com alguém da diretoria? Quis saber Amy. Quero dizer,

será que podemos apenas dar uma volta pela escola e ficar esperando-o? Ou você quer que

nós também tenhamos uma entrevista?

— Não, replicou o rapaz, combinei de visitarmos as dependências da escola, como

fizemos em Valência, com um dos alunos. Depois disso, vocês podem ficar à vontade e fazer

o que quiserem. Eu precisarei passar pelo menos umas três horas aí.

Chegaram ao ponto mais alto da estrada, que nesse instante fazia uma curva para a

esquerda. Daí a pouco, avistavam a entrada do campus, formada por duas pilastras de pedra.

Em cima, havia uma placa de madeira com as palavras: “Universidade Rancho Corona”.

Seguindo a sinalização, eles se dirigiram para a secretaria e estacionaram numa vaga que

trazia a inscrição “Visitantes”.

— Não parece muito uma escola, comentou Amy. Parece mais um acampamento ou um

hotel fazenda. Gosto demais dessas telhas tipo colonial. Lembra os velhos filmes do “Zorro”.

— Esse era o estilo do início da colonização da Califórnia, explicou Wesley. Acho que

aqui antes era uma fazenda. Vamos perguntar isso à pessoa que for nos guiar na visita pela

escola. Vamos lá então? Vou deixar a chave com você, Selena, caso a gente se separe e vocês

queiram vir pegar algo na van.


— Alguém tem de acordar o Ronny, alertou Vicki, ajeitando o cabelo todo para trás e

movimentando-se para sair do carro.

Ronny estava no último banco, a cabeça encostada à janela, o boné cobrindo o rosto.

Amy virou-se para trás, esticou o braço e puxou o boné dele.

— Ronny! chamou. Chegamos! Acorde!

Com a claridade, o rapaz contraiu os músculos do rosto e descruzou os braços. Em

seguida, limpou o canto da boca com as costas da mão. Selena deu um sorriso. Ele parecia um

garotinho. Sentia falta do cabelo comprido que ele usava quando ela o conhecera. Era longo,

louro e partido ao meio. Ele vivia arrumando-o atrás das orelhas. Agora, porém, fazia meses

que o cortara. Contudo, em dados momentos, como nesse instante, a cabelo tinha a tendência

de ficar espetado, dando-lhe um ar parecido com “Dennis, o pimentinha”.

Selena estava ansiosa para conhecer a escola. O lugar era belíssimo. Ao lado do prédio

da administração havia uma buganvília, com flores vermelhas, que chegava até o telhado.

Wesley se dirigiu para a secretaria e ela o seguiu, enquanto os outros, mais demorados, iam

saindo do carro. Dentro sentiu o conforto do ar-condicionado, dando-lhe uma sensação

agradável. Na recepção, havia uma mesinha de estilo moderno, de formato oval, onde se

achava a recepcionista, uma estudante universitária, que tinha um fone de ouvido.

Assim que eles entraram, ela os olhou e imediatamente deu um sorriso amplo e

amistoso. Parecia até que os reconhecia. Você é Wesley Jensen? indagou.

— Sou. Tenho uma entrevista às 11:30h.

— Já estávamos à sua espera, disse a recepcionista. E você deve ser a Selena!

Ainda sorrindo, a jovem se levantou e deu um forte aperto de mão em cada um.

— Que bom que chegaram! continuou. Bem-vindos à Rancho Corona!

Selena deu uma olhada para o irmão. Estava achando aquela acolhida um pouco

exagerada.
— Tem uma pessoa aqui que está ansiosa para vê-los, disse ainda a moça. Vou chamá-

la.

A recepcionista já ia apertar uma tecla no aparelho telefônico, quando a porta da entrada

se abriu e uma exuberante voz feminina gritou:

— Eles já chegaram?

Selena já ia se virando, quando escutou um gritinho que, como percebeu, conhecia

muito bem. Logo em seguida, sentiu que alguém a abraçou, apertando-a com força, e ouviu

mais risadas bem junto ao seu rosto. A única dica que tinha para identificar a recém-chegada

que a estava recepcionando com tanto entusiasmo era aquele cabelo ruivo que “dançava” em

seu rosto, como um leque oriental. E isso bastou.


Capítulo Quinze

— Katie! exclamou Selena, e também se pôs a soltar gritinhos de alegria, enquanto se

afastava da amiga para olhá-la melhor. Ah, não acredito! O que você ‘tá fazendo por aqui?

— Eu estudo aqui, sua pateta! replicou a ruivinha agitada, explicando tudo num só

fôlego. Você não sabia disso, não, né? Na semana passada, você mandou um e-mail para a

Cris, dizendo que viria aqui, pois seu irmão queria conhecer a escola... Ei, você deve ser o

Wesley, né? Eu sou a Katie! Então pedi a Dianne aqui, que é minha colega de quarto, que

checasse a lista de visitantes e me dissesse o dia e a hora em que viriam. Agora vocês estão

aqui. Dianne, quero lhe apresentar o Wesley e a Selena. Gente, esta aqui é minha amiga,

Dianne.

— Quando ela me disse que vocês viriam hoje, eu, como gosto muito de surpreender os

outros, não a avisei porque queria que vocês tivessem essa surpresa. E tiveram! É ou não é

mesmo uma “coisa de Deus”?

Selena estava rindo muito ao ver como o rosto da amiga se avermelhava quando ela

falava sem parar. Com isso, nem notou que Vicki, Amy e Ronny haviam entrado e se

achavam parados de lado, observando a cena.

— É ela que vai ser nosso guia? indagou Vicki.

Katie virou-se bruscamente, fazendo dançar o cabelo liso que lhe dava pelos ombros.

— Vou! respondeu a própria. Eu me ofereci pra levar vocês. Olá pessoal! Meu nome é

Katie. A Selena provavelmente nunca lhes falou a meu respeito. É que nós só fizemos um

pequeno passeio juntas: fomos à Inglaterra e à Irlanda, no ano passado, concluiu ela,

ironizando.
— Ah! exclamou Amy, aproximando-se dela. Você disse que seu nome é Cris?

A garota ergueu os braços e correu os olhos pelo grupo, fazendo um ligeiro movimento

de cabeça.

— ‘Tá vendo o que digo? perguntou. Não! Eu sou a outra, a Katie. Mas todo mundo só

lembra da Cris e só fala dela. Só mandam... e aqui ela deu uma olhada significativa para

Selena ...e-mails pra ela. Eu? Sou apenas a Katie. Amiga de todo mundo; namorada de

ninguém!

A essa altura, todos estavam dando risada, inclusive a Dianne, que deveria estar

atendendo o telefone. Afinal, quando silenciaram, Selena apresentou os amigos às duas

jovens. Agora já se refizera do espanto de haver encontrado a amiga ali.

— Bom, pessoal, disse Katie, é melhor sairmos logo daqui, antes que alguém venha nos

passar uma repreensão. Vamos começar nossa volta pelas dependências da escola. Este prédio

é o administrativo. Neste corredor, ficam as salas dos diretores, as secretarias, etc. Wesley,

sua entrevista com o Prof. Scofield será naquela segunda sala da direita. Mas é daqui a vinte

minutos. Então há tempo de sobra pra você visitar a escola conosco.

O rapaz parecia cativado pela espirituosidade de Katie e por seu encanto simples.

— Vamos então! disse ele, dando um de seus melhores sorrisos.

Katie saiu com eles pela porta de entrada e foi caminhando. Passaram por outros prédios

de salas e escritórios e chegaram a uma ampla área central, uma espécie de praça. No centro

dela, havia uma fonte, revestida de ladrilhos azuis. À volta dela, viam-se bancos de ferro

batido. À esquerda, havia algumas palmeiras altas, com suas folhagens elegantes sussurrando

ao vento. Aquele ruído, quase uma música, dava ao ambiente uma sensação de calma e

tranquilidade. Alguns alunos estavam sentados à beira da fonte. Descalços, eles balançavam

os pés dentro da água. Outros achavam-se sentados ou deitados nos bancos, à sombra, lendo,

conversando ou até cochilando.


— Aqui é a Praça da Fonte, explicou Katie. É o lugar de que mais gosto nesta escola.

Aquele prédio comprido ali, de I dois andares, é a biblioteca. O outro ao lado dele é o Edifício

Hannan. É lá que temos aulas de inglês e outras línguas. O que fica atrás dele é o bloco de

ciências, com laboratórios, etc. Aquele outro, deste lado aqui, à esquerda, é o Dishner, o

prédio dos cursos de música.

— Ah, esse eu quero visitar, disse Ronny.

— Iremos lá. Podemos ver todos, se vocês quiserem. Mas primeiro vamos ao Centro

Estudantil.

O centro ficava atrás do Edifício Dishner, à direita. Katie os conduziu ao prédio, que

tinha dois andares, mostrando as caixas de correspondência e a sala de jogos, que ficava no

primeiro piso. Subindo ao segundo, levou-os a uma ampla sala de visitas, que dava para um

terraço aberto. Dali se avistavam a piscina, o ginásio de esportes, as pistas para corrida e um

campo de beisebol.

— O mar fica para aquele lado, explicou a garota, apontando para a direita. Hoje tem

muita poluição, mas às vezes dá pra avistá-lo claramente. Em geral, a gente só o enxerga bem

cedo ou então à tardinha.

Selena ficou parada no terraço, tentando imaginar a cena que veria, se as amareladas

nuvens de poluição se afastassem, deixando o céu limpo. Algum dia, gostaria de ver essa

paisagem. Katie já estava lá embaixo, no gramado, junto com o resto do grupo, e de lá acenou

para a amiga.

— Vamos, Selena! Ainda temos mais alguns pontos pra visitar antes de o Wesley voltar

para o prédio da administração.

— Já vou! replicou a garota.


Era tanta coisa para ver, e tão depressa, que ela não estava conseguindo assimilar tudo.

O lugar em si já era belíssimo. Tinha a sensação de estar vivendo um sonho. E o fato de estar

fazendo aquela visita guiada pela Katie aumentava ainda mais essa impressão.

O prédio que viram a seguir foi a cantina, a mais recente construção da escola.

Lembrava mais a praça de alimentação de um shopping do que um refeitório escolar.

— Vocês precisavam ver a antiga cantina, comentou Katie no momento em que

regressavam ao prédio da administração. Disseram que era igual a um refeitório do exército.

Eu mesma não a peguei. Quando vim pra cá, havia quatro dias que tinham inaugurado essa

nova. E a comida aqui é excelente!

— Quando é que você veio pra cá? quis saber Selena.

— Em Janeiro. Eu estudava numa faculdade municipal e me transferi pra cá no início do

semestre, explicou ela, inclinando-se para a amiga. Tem só três meses que estou aqui. É por

isso que você não sabia de nada. Na realidade, acho que nem lhe contei. Eu estava brincando

quando a chamei de “pateta”.

Selena passou o braço pelo pescoço da amiga e deu-lhe um leve abraço.

— Ah, mas foi tão bom vê-la! disse. Tem de me contar tudo. Quero saber notícia de

todo mundo.

— Ah, a gente dá um jeito nisso, replicou Katie com um sorriso significativo. Bom,

agora vamos levar seu irmão para a entrevista dele e depois voltamos para a cantina, onde

almoçaremos. Aí poderemos conversar até cansar.

— Querem marcar um lugar pra gente se encontrar depois, pessoal? indagou Wesley.

Ele parara a porta do prédio administrativo. Parecia sem vontade de se separar do resto

do grupo.

— Depois que almoçarmos, disse Katie, vou levá-los para o dormitório. Quando você

terminar a entrevista, peça a Dianne pra ligar para o meu quarto. Que tal assim?
— Ótimo, concordou ele. Então até mais!

Selena notou que o irmão estava correndo os dedos pelo cabelo, na lateral da cabeça.

Parecia nervoso, como se fosse ter uma entrevista para um emprego.

O grupo se dirigiu para a cantina. Haviam ganhado tíquetes gratuitos para visitantes.

Katie fez com que todos os aproveitassem bem, experimentando todos os pratos à disposição

deles, que eram bastante variados. Selena se serviu de um sanduíche de peito de peru, uma

salada e um copo de leite. Contudo mal prestou atenção ao que comia. Estava “bebendo” cada

palavra da amiga.

Na opinião de Katie, a escola era “tremenda”, e ela pensava fazer os últimos semestres

do curso superior ali. Nela estudavam também alguns amigos de Katie e Cris, que Selena

ficara conhecendo no ano anterior, quando viera à Califórnia para assistir ao casamento de

Douglas e Trícia. Agora Selena estava toda empolgada, pensando em como seria legal

frequentar essa escola, ao lado de todos aqueles amigos. E seria muito bom mesmo, já que seu

irmão também iria concluir os estudos nesse lugar. Imersa em seus sonhos, não ouviu Amy

lhe dizendo algo.

— ‘Tá bom pra você assim? repetiu a outra, dando-lhe um toque no braço.

— Ahn? O quê?

— Eu e a Vicki vamos dar uma volta por aí. O Ronny voltou ao balcão pra “repetir”. E

você ‘tá mais interessada em conversar com sua amiga.

Selena percebeu um leve tom de mágoa na voz da colega. Não fora sua intenção deixar

Vicki e Amy de lado. Mas aquela ali era Katie, uma pessoa especialíssima. As outras iriam

compreender isso.

— Vocês não vão querer conhecer os dormitórios? indagou Katie ao ver Amy se

levantando da mesa.

— Talvez mais tarde, replicou ela.


— Nós vamos ficar um pouco na beira da piscina, informou Vicki, dobrando a manga

da camiseta para enfatizar o que dizia. Quero ver se esse Sol da Califórnia me deixa com uma

corzinha melhor. Aposto que você logo percebeu que somos do Oregon, não foi?

— Não! respondeu Katie, dando um tapa no ar. Vocês pareciam gente daqui mesmo!

Encaixam-se muito bem no nosso ambiente!

Nesse instante, Ronny chegou com uma bandeja cheia: um sanduíche, três copos de

refrigerante, uma porção de fritas e uma tigela de sorvete de iogurte.

— Onde foi que você pegou esse iogurte? quis saber Vicki, que estendeu a mão, passou

o dedo na pontinha do sorvete e provou-o. Humm, que delicia! Amy, vamos pegar também!

Você quer?

Se a garota queria ou não, ela não disse, mas levantou-se e acompanhou Vicki. E as

duas se dirigiram para uma máquina de auto-atendimento que ficava num canto do refeitório.

— E você, Ronny? perguntou Katie. Vai querer conhecer os dormitórios ou ficar na

piscina como as duas?

— Eu queria conhecer era o prédio dos cursos de música, replicou o rapaz, dando uma

mordida no sanduíche.

E depois de mastigar e engolir, acrescentou:

— Quero dizer, depois que acabar de comer.

— Claro, concordou Katie. É uma questão de prioridade. E para os rapazes, pelo menos

para a maioria dos que estudam aqui, comer é a prioridade máxima. Principalmente para o

Douglas. Eu lhe contei, Selena, que ele e a Trícia vem aí toda quinta-feira à noite pra dar um

estudo bíblico?

— É mesmo? disse Selena. Douglas e Trícia! E como eles estão?


— Estão ótimos! Formam o casal mais engraçadinho que já vi. O nome de nosso grupo

aqui é “Amigos de Deus 2”, por causa do grupo que eles formaram em San Diego uns anos

atrás.

— Ah, deve ter sido a esse grupo que Tânia foi com Jeremy, comentou Selena.

— É, e agora me lembrei, disse Katie. Quase ia me esquecendo. Liguei pra sua irmã e

ela disse que vocês iriam pra casa dela hoje à noite. Mas se vocês quiserem, podem dormir na

escola. Alguns alunos daqui vão passar o final de semana em casa, e disseram que vocês

podem ficar no quarto deles, se quiserem. Vocês decidem. A Tânia pediu que ligassem pra

ela. Se forem ficar aqui, ela virá vê-los.

— Eu gostaria muito de ficar, concordou Selena, mas tenho de ver o que os outros

querem.

— Esses tíquetes gratuitos servem para o jantar também? quis saber Ronny.

Katie riu.

— Não, sinto muito, replicou. Mas na cidade aqui perto tem uma churrascaria que, pelo

que dizem, é muito boa. A gente pode ir jantar lá, se quiserem.

Vicki e Amy retornaram com o sorvete de iogurte. Vinham acompanhadas de um rapaz.

A primeira parecia muito satisfeita com o sorvete, mas Amy dava a impressão de estar

empolgada com o estudante.

— Gente, quero apresentar a vocês o Antonio, disse ela, sorrindo para o simpático

rapaz.

Contudo o “alto, moreno e simpático” não lhe retribuia o olhar. Estava fitando Selena.

Selena bella! exclamou ele com seu forte sotaque italiano. Há quanto tempo não a via!

E ele se inclinou e a cumprimentou com beijos em ambas as faces. A garota sentiu o

rosto avermelhar-se. Vendo a expressão de espanto de sua amiga, decidiu logo dar uma

explicação.
— Como vai, Antonio? É mesmo! Não o vi mais depois do casamento de Douglas e

Trícia, no ano passado. Então você já ficou conhecendo minhas amigas Amy e Vicki, não?

Pois é, e este é nosso amigo Ronny, concluiu ela.

Ronny, que estava com a boca cheia, fez um amistoso aceno de cabeça para o recém-

chegado.

— O Antonio nos ajudou a operar a máquina de sorvete, explicou Vicki, erguendo o

copinho de iogurte, que estava escorrendo. Olhe só a bagunça que fiz! Não consegui fazê-la

parar, então foi só derramando!

— A Katie me contou que vocês viriam aqui, disse Antonio, sentando-se à mesa, em

frente de Selena e Ronny. Em seguida, deu uma piscadinha para Katie e indagou:

— Contou pra eles a novidade?

Selena logo pensou que havia um romance se iniciando entre ele e sua amiga. No ano

anterior, Katie havia deixado bem claro que tinha interesse no italiano. Aliás, eles formavam

um par muito interessante. Antonio ficava a pronunciar as palavras de forma errada, fingindo

que não sabia a língua direito, só para Katie corrigi-lo. E esta “caía” em todas. Só que, se

havia um princípio de namoro entre eles, nenhum dos dois estava agindo como tal.

— Muito obrigada, Antonio! exclamou Katie em tom de ironia. Eu estava querendo

fazer uma surpresa pra eles. Mas agora...

— Eu não contei nada, defendeu-se o rapaz, rindo e erguendo as mãos.

— Ah, não? interpôs Selena. Agora não adianta mais. Um de vocês tem de nos contar

tudo!

Antonio inclinou-se para a frente, aproximando-se da garota.

— Você ‘tá pensando seriamente em vir estudar aqui? perguntou.

— Bom, principiou ela, não sei. Comecei a pensar nisso hoje.


— Eu estou, interveio Ronny. Isto é, se o departamento de música for mesmo bom,

porque a comida eu já aprovei.

Selena fez um gesto para o colega, indicando que ele estava com o canto da boca sujo

de maionese. O rapaz pegou um guardanapo e limpou.

— É sempre gostoso assim? indagou.

Antonio fez que sim.

— Aqui se come muito bem, disse.

Katie pegou a própria pele entre o polegar e o indicador, como que a verificar sua

gordura. Selena não conseguia imaginar a amiga com uns quilinhos a mais. Sendo uma pessoa

muito cheia de energia, a jovem estava constantemente em movimento.

— Aqui eles chamam isso de “os sete do calouro”. Todo mundo que entra aqui logo

engorda uns sete quilos. Mas acontece até com quem já entra no segundo ano, como eu.

— Minha prima disse que engordou quase cinco quilos, no primeiro ano da faculdade,

informou Vicki, dando uma lambida na colherinha e enfiando-a em seguida no copinho de

sorvete.

— Então ela deve ter estudado numa faculdade estadual, contrapôs Katie, dando um

sorriso. Aqui, o mínimo, sem dúvida nenhuma, é sete quilos.

Selena sentiu voltarem seus temores. Nunca tentara fazer regime para emagrecer. Seu

corpo, que demorara um pouco para “desenvolver”, mantivera sempre a mesma forma até uns

seis ou oito meses atrás. Agora ficou preocupada ao ouvir que todo primeiranista

normalmente engordava um pouco. Isso significava que teria mais uma área de sua vida em

que precisaria exercitar disciplina.

— Ó gente, disse ela prontamente, querendo alterar o rumo da conversa, vocês estão

tentando mudar de assunto. Vamos voltar para aquela novidade que o Antonio mencionou.

Que segredo é esse?


Katie e Antonio se entreolharam, e o rapaz ergueu as sobrancelhas como que dando à

colega o privilégio de falar.

— É sobre a Cris e o Ted... principiou Katie.

Antes que ela pudesse continuar, porém, Selena tapou a própria boca com a mão, como

que reprimindo um grito.


Capítulo Dezesseis

— Não! Espere aí! Disse Katie prontamente. Não é o que você ‘tá pensando, não! Eles

não ficaram noivos! Ainda não! Pelo menos, até onde sei, não! Mas, pensando bem, eu

sempre sou a última a saber de tudo!

— Quem são Ted e Cris? indagou Vicki.

— Já esqueceu? interpôs Amy, ainda com um tom magoado. É a amiga da Selena que a

levou à Suíça no ano passado.

— Na verdade, corrigiu Selena, foi a Marta, tia dela, que nos levou à Suíça. É, foi com

ela que fui lá, sim. E o Ted é o namorado dela. Eles já namoram há séculos! Só que agora Cris

‘tá estudando na Suíça e ele ‘tá aqui. Ele já deve se formar este ano, não é Katie?

A garota abanou a cabeça.

— Não, disse. Ele deu uma parada. No momento, o Ted não ‘tá estudando nada. ‘Tá só

trabalhando. Tem dois empregos, porque quer ajuntar um pouco de dinheiro.

— Ele vai começar o último ano agora, quando as aulas se iniciarem, explicou Antonio.

E se você quiser saber onde ele vai encerrar os estudos, vai ser na Rancho Corona.

— E tem mais, interveio Katie, fitando o colega com um brilho de irritação nos olhos

verdes. O resto da notícia, que alguém aqui não conseguiu guardar, é que a Cris também já foi

aceita nesta universidade. Então, no próximo ano letivo, vamos estar todos juntos aqui.

— Puxa, gente! exclamou Selena, lembrando-se de como se sentia unida a essa turma.

Vai ser tão legal pra vocês!

Apesar de todos eles serem mais velhos que ela, não a menosprezavam nem a faziam se

sentir inferior.
— Pra nós? indagou Katie, fazendo um aceno na direção de Selena, Ronny, Amy e

Vicki. E que tal todos nós, incluindo vocês quatro? Ah, e Wesley também! Vocês vão ter de

vir estudar aqui. Todos vocês. Não tem mais escolha!

— É, mas a gente precisava primeiro ver um catálogo da escola, interpôs Vicki, rindo da

ordem que Katie estava dando. Quero dizer, o campus é maravilhoso, e os alunos também.

Ninguém nega isso. Mas não é exatamente isso que meus pais vão perguntar quando eu

chegar em casa.

— Ah, lá no prédio da administração há uns pacotes com panfletos contendo todas as

informações pra cada um de vocês, informou Katie. Era pra eu ter lhes dado assim que

chegaram. Desculpem a minha falha. Podemos ir pegá-los agora, antes de irem para a piscina

ou para o Edifício Dishner, como quiserem.

— Então vamos, disse Ronny, levantando-se e pegando a bandeja vazia. Onde é que eu

deixo isto?

— Aqui, respondeu Antonio. É você que quer conhecer o Dischner?

— Sim; é o prédio dos cursos de música, né?

— É. Venha, vou lhe mostrar, disse o italiano.

Quando saíam da cantina, Selena notou que Amy ainda parecia um pouco melancólica.

Será que estava frustrada porque Antonio não se ofereceu para ir com ela e Vicki para a

piscina?

Katie os conduziu de volta ao prédio da administração, onde Dianne lhes entregou um

pacote com panfletos informativos. Quando já se separavam para irem cada um para o lugar

que desejava, Wesley apareceu no saguão. Tinha no rosto um sorriso tranquilo. Selena

compreendeu que a entrevista com o diretor financeiro da escola lhe fora favorável.

A garota apresentou-lhe o Antonio e em seguida perguntou:

— Qual é seu próximo compromisso? Já almoçou?


— A comida daqui é ótima, informou Ronny.

— Pensei em dar uma chegada na cantina, disse Wesley. Tenho uma entrevista com

outro diretor às 2:30h. O que vocês acham? Vamos nos encontrar de novo aqui?

Selena lhe contou que haviam sido convidados para dormir aquela noite na escola.

Poderiam fazer isso, se quisessem, em vez de ir para a casa de Tânia. O rapaz consultou os

outros, e eles se mostraram desejosos de ficar ali, com exceção de Amy. Inicialmente ela

dissera que concordava, mas logo acrescentara:

— Quer dizer então que não vamos à praia!

Embora ela não estivesse “forçando a barra”, deixava claro que desejava bastante esse

passeio. E Selena até que lhe dava razão. Se nunca tivesse estado numa praia do sul da

Califórnia, com certeza iria ficar sentida de perder a oportunidade de ir a uma delas.

Então imediatamente se puseram a combinar o que fariam. Wesley ficaria encarregado

de ligar para Tânia. Cada um faria o que quisesse até 5:30h, quando então se reuniriam perto

da van, para irem à churrascaria que Katie recomendara. Passariam aquela noite em Rancho

Corona. No dia seguinte, sábado, começariam a viagem de regresso e tentariam visitar pelo

menos mais uma universidade. Wesley se mostrou irredutível quanto a estar de volta às aulas,

em Corvallis, na segunda-feira de manhã. Não poderia perder a primeira aula. Assim sendo,

não poderiam ficar muito tempo por ali no sábado, já que a viagem era longa. Todos

entenderam a preocupação do rapaz.

Tudo acertado, o grupo se separou. Selena foi com Katie para o dormitório. Assim que

os rapazes se distanciaram um pouco, a garota perguntou:

— E aí, Katie, o que aconteceu entre você e Antonio? Achei que os dois estavam bem

interessados um no outro.

— Eu e Antonio? repetiu a outra com um brilho diferente no rosto. Ah, sim! No ano

passado! Ah, isso já ficou pra trás!


— Mas o que houve?

— Nada, replicou Katie, dando uma risada. O que houve exatamente foi “nada”. Esse

Antonio é um namorador, caso você ainda não tenha percebido isso. Eu fui a última mulher da

Terra a descobrir que aqueles beijinhos no rosto e as palavrinhas melosas é jeito dele. Trata

todo mundo assim, ou pelo menos todas as garotas, continuou ela, abanando a cabeça. E eu

sou meio lerda pra perceber esses fatos, quando se trata de rapazes. Então achei que ele me via

como uma garota muito especial. Afinal, um dia acordei, bati com a cabeça na parede, e o

sonho acabou.

— Que pena! exclamou Selena, sentida pela amiga. Achei que vocês formavam um

lindo casal!

— Todo mundo achou! ajuntou Katie. Portanto, quando alguém lhe disser que você

forma um lindo par com algum rapaz, não fique muito esperançosa, não, viu? Chegamos,

anunciou ela, apontando um prédio de três andares.

O dormitório era construído no mesmo estilo colonial, como todos os outros prédios do

campus. À entrada, Katie passou um cartão magnético na tranca de segurança e a porta se

abriu automaticamente.

O primeiro lugar que chamou a atenção de Selena foi um pátio interno que havia no

centro do prédio retangular. Lembrava o saguão de um hotel exótico, e não um dormitório de

estudantes. Era pavimentado com lajotas vermelhas e tinha um pequeno jardim com árvores

grandes. Debaixo destas, via-se uma pequena fonte, ao redor da qual havia alguns bancos.

— Que lindo! murmurou a garota. É aqui que você mura?

— É. Chama-se Sophia Ha, em homenagem à esposa do Sr. Perez.

— E quem é esse Perez? indagou Selena.

As duas iam caminhando e passaram por várias estudantes, que cumprimentavam Katie.
— Puxa, eu não contei a historia desta escola durante o passeio pelas dependências

dela? Ah, não! Nunca mais eles vão me contratar como guia! Esqueci de lhes contar isso!

Katie parou no centra do pátio, perto da fonte, e respirou fundo.

— Por volta da década de 1920 ou 30, sou péssima pra guardar datas, essa propriedade

toda pertencia a um homem chamado Miguel Perez. Ele e a esposa queriam ter uma plantação

de laranja aqui na “mesa”. Não deu certo porque houve uma seca, ou algo assim. Ele desistiu

da agricultura e resolveu criar gado.

— Como será que ele trouxe as vacas aqui pra cima? quis saber Selena.

Katie olhou-a com um ar engraçado.

— Sei lá, replicou. Naquela época já havia caminhões, né? Bom, o Sr. Perez havia feito

um voto a Deus dizendo que daria pra Deus metade dos lucros que obtivesse com o gado; e

cumpriu o que disse. Durante vários anos, a fazenda deu muito lucro. Ele destinava a metade

pra instituições cristãs. Uma dessas era o Instituto Bíblico Aberto, de Los Angeles!

— Já ouvi falar dessa escola, informou Selena.

— Acho que na época era a melhor faculdade cristã que havia. Quando Perez morreu,

ele não tinha filhos, então deixou tudo para o I.B.A. de Los Angeles. Então a Universidade

Rancho Corona é um “braço” do instituto.

— Que presentão, hein?! exclamou Selena. Então a fazenda aqui devia se chamar

“Rancho Corona”, né?

— Na verdade, a propriedade deles se chamava “El Rancho de lá Cruz e la Corona”.

— É espanhol, né, e significa...

— Fazenda da Cruz e da Coroa. Na capela da escola, há um vitral que tem um emblema

de uma cruz com uma coroa dourada em cima. É muito bonito. Antes de vocês irem embora,

podemos dar uma chegada lá.


— E onde é seu quarto? indagou Selena, olhando para o prédio com as longas fileiras de

janelas nos três andares.

— É no segundo andar. Vamos lá.

O aposento não era muito grande. Havia uma escrivaninha só para as duas ocupantes

dele. No meio dela, havia uma estantezinha estreita, dividindo a mesa em dois lados, um para

cada estudante. As camas eram de bom tamanho, e cada uma se achava encostada a uma

parede. Os armários embutidos ficavam de um lado e outro da porta. Selena ficou espantada

com o aspecto simples do quarto. Os da outra faculdade, a Valencia Hills, eram suítes, e bem

mais elegantes.

Não foi difícil saber qual era o lado de Katie. Havia muito poucos enfeites. O seu

quadro de avisos estava repleto de fotografias. Muitas delas eram de conhecidos de Selena.

Aproximou-se mais a fim de examinar melhor os retratos. Para sua surpresa, havia um dela ali

também. Ela o tirara em frente ao castelo de Carnforth Hall, onde tinham se hospedado na

Inglaterra. Achava-se à porta, e bem junto ao seu rosto via-se a enorme aldrava no formato de

uma cabeça de leão.

- Ah, eu me lembro de você batendo esta foto, disse Selena. Ainda tenho essa jaqueta.

— E ainda tem aquelas botas de cowboy também? quis saber Katie.

Estava apontando para um outro retrato da garota, em que ela estava sentada sobre um

muro de pedras, junto com outros amigos. Nesta se viam as famosas botas de cowboy.

— Tenho e ainda uso, respondeu ela, apontando para outra foto. E quando foi que bateu

esta aqui? É você e a Cris, né? Parecem novinhas!

Katie inclinou-se para a frente para ver melhor. As duas estavam usando umas

camisetas enormes e tinham amarrado o cabelo no alto da cabeça. Seguravam no meio delas

um enorme pacote de balinhas de chocolate “M&M’s”.


— Ah, replicou ela dando uma risada, foi uma vez em que nossa turma dormiu na casa

de alguém. Tínhamos quinze anos.

Ela olhou a foto ainda mais de perto e depois continuou:

— Acho que não foi nessa ocasião que ficamos amigas. Foi em uma outra, numa outra

festa a que fomos.

— É tão legal que vocês já sejam amigas há tanto tempo, né?

— Você, a Vicki e a Amy não são?

— Agora, sim. Agora estamos nos dando muito bem. Mas antes não éramos, não. Quero

dizer, não éramos as três ao mesmo tempo. Faz só alguns meses que estamos mais unidas. É

por isso que acho sensacional que você e a Cris sejam amigas há tanto tempo.

— E vai ficar melhor ainda quando as aulas começarem e ela vier pra cá. Já fiz inscrição

na secretaria pra ficarmos no mesmo quarto. Vai ser tão legal, com você também e seus

amigos! concluiu Katie.

Selena se deixou cair sentada na cama da amiga.

— Do jeito que você fala parece tão fácil! disse.

— E por que não seria? indagou Katie. Quero dizer, por que vocês não iriam querer vir

estudar aqui?

— Sei lá. Acho que é muito caro.

— E daí? É só orar! Inscreva-se em tudo quanto é bolsa de estudo e crédito educativo de

que tiver notícia. E também pode se inscrever num programa de trabalho para o estudante,

como eu fiz. Assim ganha o dinheiro pra suas despesas e estuda ao mesmo tempo.

— Como é esse seu programa de trabalho? perguntou Selena.

— Bom, eu vou me formar em agronomia, acredite se quiser. Sei que é meio estranho,

mas desde que estudei botânica, no ensino médio, me interessei por isso. Sinto uma vontade

enorme de saber como é que a natureza opera. Então eles me arranjaram um serviço na nossa
horta orgânica. Trabalho uma média de duas horas por dia. Ah, eu não mostrei a horta pra

vocês não, né? Ela fica ao lado da piscina e é projetada em formato de plataformas. No

sábado, há uma feira numa cidade próxima. A gente vai lá e vende muitas de nossas verduras.

— Humm, parece muito legal!

— Eu gosto demais! Tenho um projeto de escola, pelo qual pretendo desenvolver um

tipo especial de chá aromático. Eu devia ter lhes mostrado a horta. Já plantei as mudinhas, e

elas estão crescendo muito bem.

Aqui Katie se jogou num enorme pufe e continuou:

— E você? Vai estudar o quê?

— Comunicação, acho. Eu tinha de escrever o nome de algum curso, no formulário,

então pus Comunicação. Pelo menos, é o que mais me interessa no momento.

— Ótimo! exclamou Katie. O curso de Comunicação da nossa universidade é muito

bom. Você pode fazer rádio, jornalismo e, vídeo, o que quiser. No ano passado, houve um

concurso de debates para os alunos de comunicação, em âmbito nacional. Nossos

representantes ficaram em segundo lugar. Já estou vendo Selena como uma das principais

debatedoras do Rancho e ganhando muitos prêmios pra nossa escola.

Selena olhou para a amiga entusiasta e lhe deu um sorriso de dúvida. Katie inclinou a

cabeça para um lado e fitou a garota fixamente.

— Ah, o problema não é nem dinheiro nem a escolha do curso, é?

Selena não respondeu, limitando-se a dar de ombros.

— ‘Tá bom, continuou Katie. Já entendi. Como é o nome dele e onde ele está

estudando?

Selena ficou admirada com a capacidade de percepção da outra. Decidindo abrir-se, deu

um sorriso suave.
— Ele se chama Paul e está estudando na Universidade de Edimburgo. Não sei onde vai

estudar no próximo ano.

Katie fez uma expressão de quem parece confuso. Logo em seguida, porém, deu

mostras de se lembrar de algo.

— Paul, hein? Ah, não é aquele que uma vez a viu andando na chuva com um buquê

nos braços?

Selena fez que sim.

— De lírios amarelos. De vez em quando ele ainda me chama de “princesa dos lírios”.

— Ainda chama, hein? Vocês estão namorando?

A garota abanou a cabeça.

— Escrevemos um para o outro duas ou três vezes por mês, mas é só. Você sabe que ele

é irmão do Jeremy, não sabe?

— O namorado da Tânia? indagou Katie, inclinando-se para a frente. Ah, agora a trama

‘tá se complicando, comentou com voz dramática, em tom de suspense. ‘Tá ficando cada vez

mais interessante.

— É, interveio Selena, só que não há nada de definido. Nem sei por que mencionei o

nome dele. Ele me disse que voltaria para os Estados Unidos no final de junho. Então eu

estava apenas... sei lá...

— Acalentando um pequeno sonho? disse Katie, concluindo o pensamento dela.

Abrigando um desejo no coração? Desejando que os dois acabem estudando na mesma

faculdade?

— É, concordou Selena. Mais ou menos isso.

E tentou conter a imaginação, antes que ela começasse a voar, subindo alto como uma

pipa.
— É, mas isso pode acontecer, disse Katie, dando um sorriso significativo. Olhe o Ted e

a Cris, por exemplo. Se Deus quiser, ele pode transportar montes.

— É, eu sei, confirmou Selena.

Quando Katie falou em “montes”, ela se lembrou do momento em que passaram pelo

Monte Shasta, que se encontrava envolto em nuvens.

— É, continuou ela, mas quando ele quer, pode escondê-los também.


Capítulo Dezessete

— Assim que chegarmos lá embaixo, Katie, você terá de me explicar o caminho, disse

Wesley falando alto por causa do barulho do carro.

— No primeiro sinal, você vira à direita. Anda mais ou menos um quilômetro e já é ali,

do lado direito. Sam's Churrascaria.

Katie estava no banco do meio, com Antonio e Amy. Vicki ia na frente. Selena, Tânia e

Ronny se achavam no banco de trás, no “cantinho do ronco”. Tânia tinha vindo para a

Universidade Rancho Corona para passar algumas horas com o grupo. Parecera ter ficado

muito alegre de ver a irmã.

— O que você achou desta escola aqui? indagou para ela.

Mais ou menos um ano atrás, Tânia viera morar na Califórnia para trabalhar como

modelo. Acabara vendo que a profissão não era tão maravilhosa como havia imaginado.

Contudo estava se dando bem e, ao que parecia, sentia-se feliz de estar cuidando da própria

vida.

— É ótima, replicou Selena. O que você acha? Devo vir estudar aqui?

— Ah, isso é com você, comentou Tânia.

— Você desistiu mesmo de ir estudar em Reno, não foi?

— Tânia fez que sim. Ela havia torcido o cabelo, numa espécie de “banana”, e o

prendera no alto da cabeça. No momento em que fez o aceno, alguns fios se soltaram, caindo

ao lado do rosto. Todas as vezes que Selena a via, o cabelo dela estava com uma cor diferente.

Nesse dia, era louro caramelo, parecido com a cor do de Selena. Contudo a semelhança entre

as duas era só essa, já que Tânia era adotiva.


— Não sei como fui inventar de ir estudar lá só pra conhecer Lina! disse a jovem.

Tânia descobrira sua mãe biológica, que se chamava Lina Rasmussen. Ficara sabendo

também que ela lecionava na Universidade de Nevada, em Reno. Escrevera-lhe uma carta,

mas a mãe não lhe respondera imediatamente. Então pensara em ir estudar nessa cidade para

tentar vê-la. Contudo, um pouco mais tarde, Lina lhe escrevera e marcara um encontro entre

as duas. Depois disso, elas já haviam se encontrado duas vezes. Além disso, telefonavam uma

para a outra de quinze em quinze dias.

— Jeremy lhe contou que o Paul vai voltar no final de junho? indagou Selena.

— Não. Quando foi que Paul lhe disse isso?

— Recebi uma carta dele na semana passada.

— Ainda não entendo por que vocês se correspondem pó carta, em vez de mandarem e-

mails. Ele ‘tá sempre enviando e-mails para o Jeremy.

Selena sorriu silenciosamente. Uma carta era tão mais romântica do que um e-mail E

exigia mais da pessoa. Ela precisava ter o trabalho de pegar uma caneta e elaborar um texto

bem feito, com muitas notícias, e extravasar certa dose de ternura. E, no momento, esse era o

único “presente” que ela podia mandar a Paul — seu tempo e esforço. E sabia que, quando ele

lhe escrevia, também tinha de empregar tempo e esforço.

— O que ele pretende fazer quando voltar? quis saber Tânia.

— Não falou. Acho que ele mesmo ainda não sabe.

— Hummm, fez Tânia.

— O quê? indagou Selena.

— Nada. Só estou curiosa pra saber o que o Paul vai fazer. Jeremy disse que a maioria

dos amigos vai se transferir pra esta universidade, no próximo ano.

— Que novidade! comentou a garota em tom irônico.

— Onde é que vamos jantar? perguntou Tânia.


Quando Selena já ia responder, Wesley virou e entrou num estacionamento que, aliás, já

estava bem cheio. Na fachada, no alto, havia uma placa luminosa que dizia: Sam's

Churrascaria – A Melhor Costela da Região — Maiores, só as do Texas.

— É aqui? indagou Tânia. É mesmo?

— Deve ser, replicou Selena, vendo que a turma começava a sair do carro.

— Quando Wesley ligou e disse que iríamos jantar fora, não foi isso que imaginei,

comentou a jovem, esticando as longas pernas para sair também.

Selena foi logo atrás dela.

— Puxa! exclamou Katie gritando, quando entravam no restaurante. Este lugar hoje ‘tá

movimentado!

Ela teve de gritar porque o som ambiente tocava uma estridente música country. Do

lado direito do salão, via-se longas mesas rústicas, do tipo usado em áreas ao ar livre. À

esquerda, ficava o balcão onde os clientes faziam o pedido.

— Na certa, existe outro restaurante nesta cidade, não? disse Tânia.

— Eu tenho ouvido boas referências deste aqui, respondeu Katie, também falando aos

berros.

Sem se deixar demover pelo comentário da jovem, Katie foi à frente do grupo,

encaminhando-se para o balcão, e em seguida fez seu pedido.

— É, acho que vamos ficar aqui mesmo, continuou Tânia. Será que servem saladas?

O cardápio só oferecia um prato: costela. Os clientes só tinham escolha quanto ao

numero de porções. A menor constava de seis pedaços de costela, e era para crianças. Havia

outra com doze, outra com dezoito e outra, a maior, com vinte e quatro. Esta última dava

direito a repetição.

Tânia e Amy, meio duvidosas, pediram a porção menor. Contudo o garçom que as

atendeu não quis servi-las. Alegou que o prato era para menores de doze anos, e elas não se
encaixavam na categoria. Katie, percebendo o impasse, logo resolveu interferir. Com seu jeito

amigável e sua capacidade de persuasão, conseguiu convencer o homem a deixá-las levar os

seis pedaços. Argumentou que as duas só iriam querer aquela porção ou então nada. E se o

restaurante quisesse agradar aos clientes, teria de desistir desse regulamento. Selena pediu o

prato médio, com doze pedaços. Pagou-o e foi seguindo a fila, atrás de Vicki, que pedira o

mesmo. As duas ficaram admiradas quando viram a quantidade de comida que havia na

bandeja. Só as costelas ocupavam toda uma travessa. Em outra travessa menor, vinham os

acompanhamentos: feijão, salada de repolho e uma espiga de milho, além de uma grossa fatia

de pão.

— Estou me sentindo o próprio “Fred Flintstone”! exclamou Selena enquanto se

encaminhava para uma das mesas longas onde os outros já se acomodavam. Se fôssemos

comer no carro, ele iria arriar!

— Acho que eu vou arriar! comentou Vicki. Não tem nem jeito de eu comer tudo isso!

— O bom foi que nós trouxemos aqui o Ronny. Qualquer coisa, ele se encarrega do

resto!

— Ótimo restaurante! exclamou Wesley, virando-se para Katie quando todos já estavam

sentados.

Ele e Ronny haviam pedido a porção maior, e ambos tinham precisado pegar duas

bandejas para levar tudo. A mesa que haviam escolhido era a mais afastada dos alto-falantes.

Ali o barulho da música não era tão forte, e dava para conversar. Wesley ofereceu-se para orar

agradecendo o alimento.

— Acho que seria mais certo pedir perdão por nossa glutonaria, comentou Katie.

Wesley riu e sugeriu que todos se dessem as mãos para orar. Selena notou que ele

estava ao lado de Katie. Assim que ele terminou, eles disseram “Amém” e, em seguida
atacaram as costelas com muita vontade. Todos, menos Tânia e Amy. As duas se puseram a

cortar a carne com as faquinhas, para removê-la do osso.

— Ah, deixem disso! brincou Katie. Vocês não precisam recortar isso aí certinho.

Avancem, meninas! Peguem com a mão mesmo!

E para demonstrar, ela agarrou um pedaço com as duas mãos e o levou à boca. O molho

da carne escorreu-lhe pelo queixo e pingou na bandeja.

— Você ‘tá com um sujinho aqui, disse-lhe Wesley, indicando um ponto no rosto dela.

— Ah é? indagou Katie, olhando as mão sujas de molho.

E num gesto rápido, ela estendeu o braço e passou o dedo num lado do rosto do rapaz,

manchando-o de vermelho.

— Você também ‘tá com um sujinho ali.

Para espanto de Selena, Wesley deu uma risada. Em seguida, “retribuiu a gentileza”,

fazendo o mesmo numa das faces da jovem. Para ficar quite com ele, Katie sujou a outra face

dele. Vicki e Antonio riam às gargalhadas das brincadeiras dos dois. Selena estava rindo e se

divertindo também, contudo sentia certo aperto no estômago. Era a mesma sensação que

tivera quando pensara que Amy estava interessada em seu irmão. Agora, em vez desta, era

Katie o alvo das atenções dele.

A garota ficou quieta e pensativa. Pegou sua espiga e se pôs a comê-la. Enquanto isso,

ia se censurando por abrigar um ciúme tão infantil com relação a Wesley. Precisava parar com

esses sentimentos de posse em relação a ele. Não poderia passar o resto da vida analisando as

motivações de toda garota que parecesse interessada em seu irmão.

Tomou um grande gole de leite e, naquele momento, decidiu afastar da cabeça essa

criancice. Tinha de resistir a essas sensações de insegurança que tinha para com Wesley. Na

fase da vida em que se achavam, precisava olhar para ele mais como um amigo, e não como

um “irmãozão” querido. Assim seria menos tentada a procurar decidir quem ele poderia ou
não namorar. O mais engraçado, porém, era que o rapaz não estava namorando ninguém. E,

até onde ela sabia, fazia um bom tempo que não arranjava uma namorada. Talvez seu receio é

que, como ele estava ficando mais velho, ao procurar uma namorada, ele já estivesse

“escolhendo” a esposa. E a questão era que ela queria dar palpite nessa “escolha”.

Nesse momento, chegou à conclusão de que não era ela quem teria de escolher. Não se

tratava da vida dela, mas da de Wesley. Sua parte era amá-lo e dar-lhe todo o seu apoio. E a

melhor maneira de fazer isso era deixando de lado suas suposições e expectativas.

Estranhamente, esse exercício mental pareceu aumentar sua fome. Então “atacou” as

costelas com grande apetite.

— Será que lá no Texas realmente eles têm dessas costelas? indagou Antonio.

Ele se achava sentado em frente de Selena, mas dirigiu sua pergunta a Amy, que estava

ao lado dele.

— Sei lá, replicou a garota. Nunca fui lá.

— Nem eu, disse ele, pegando um guardanapo na pilha que havia no centro da mesa. Na

minha cidade, lá na Itália, não tem deste tamanho, não.

— De que parte da Itália você é?

— Do Norte, informou ele. Perto do Lago Como. Já ouviu falar?

— Meu tio é de lá também. Não me lembro do nome da cidade, mas é dessa região. Ele

tem um restaurante italiano em Portland, continuou ela, dirigindo ao rapaz um belo sorriso.

Acho que você iria gostar. A comida lá é deliciosa.

Selena continuou a observá-los, vendo-os envolvidos numa animada conversa a respeito

de comida italiana. Virando-se para sua irmã, indagou:

— E aí? O que você acha disto?

— O que eu acho de quê? perguntou a jovem, que pegara um pedaço de pão e o estava

comendo sem manteiga.


— O que você acha desta comida texana? Gosta?

— Não é ruim, não. Talvez eu pudesse apreciá-la mais se não soubesse que contém

muitas calorias. Na semana que vem, devo fazer umas fotos para uma revista. Isso significa

que no resto do final de semana vou ter de fazer um regime rigoroso.

— Você não detesta isso tudo? Esse negócio de ter de se preocupar com seu peso e de

ter de fazer regime?

— Ah, eu procuro não me preocupar, explicou Tânia. Pelo menos agora não me

preocupo tanto quanto antes. É um aspecto da profissão que escolhi. Se eu fosse atleta, por

exemplo, teria de treinar todos os dias pra me sair bem. Como sou modelo, tenho de cuidar da

aparência. Mas não cuido dela o tempo todo, não.

— Não, eu não quis dizer isso, replicou Selena, lembrando-se do que tinha ouvido

acerca dos calouros que engordam no primeiro ano da faculdade. O que eu pensei foi que

deve ser penoso ter de vigiar tudo que a gente come o dia todo.

— Às vezes, é, concordou a irmã, num tom menos defensivo. É, mas acho que qualquer

atividade nesta vida pode se tornar penosa. Acredito que todo mundo tem de decidir que

sacrifícios está disposto a fazer pra atingir seus objetivos.

— É, tem razão, concordou Selena pensativa. Isso que você disse é uma observação

bastante profunda.

A garota não estava acostumada a ouvir a irmã emitir esse tipo de comentário.

— Sabe quem me disse isso? indagou Tânia, limpando os dedos delicadamente e

afastando de si o prato.

— Foi o Jeremy?

Tânia abanou a cabeça.

— Não, foi Lina. Ela explicou que foi por isso que resolveu me dar pra ser adotada.

Você sabe que ela tinha apenas quinze anos quando ficou grávida. E, a essa altura, o
namorado dela já tinha sumido. Então ela resolveu que desejava o melhor pra mim. Tinha

consciência de que não poderia me dar o melhor, como os pais adotivos poderiam. O objetivo

dela era terminar os estudos, formar-se e se tornar professora universitária. E foi o que ela fez.

— E é provável que abrir mão de você tenha sido o maior sacrifício que ela fez, né?

observou Selena. Mas pra mim foi bom ela ter feito isso, senão a gente não teria sido irmã.

Uma lágrima brotou nos olhos de Tânia e quase escorreu pelo rosto, ameaçando

atrapalhar sua maquiagem impecável.

— Que legal você dizer isso, Selena! exclamou ela, estendendo o braço e dando um

abraço na outra. Não sei se eu já lhe disse, mas também acho bom sermos irmãs, muito bom

mesmo.

— Eu também! disse a garota ao ouvido de Tânia, pois as duas estavam abraçadas e

emocionadas.

Ao fundo, a música country soava estridente, e as costelas frigiam na grelha. Realmente

era um cenário muito pouco adequado a um momento de comunhão e intimidade. Contudo

Selena sabia que era um momento do qual ela jamais se esqueceria.


Capítulo Dezoito

No dia seguinte, Selena acordou muito cedo, sentindo um pouco de dor no estômago.

Não sabia se fora causada pelas costelas ou pelas bobagens que tinham comido depois. Ao

sair do restaurante, haviam ido para o Centro Estudantil. Permaneceram na sala de estar até

quase meia-noite, conversando e comendo chips e salgadinhos.

Levantou-se, procurando não fazer barulho, e olhou para Katie. A amiga dormia

profundamente. Dianne, a colega de quarto de Katie, oferecera sua cama a Selena. Contudo a

garota achara o colchão macio demais e passara a noite se remexendo Agora, já desperta,

eram tantos os pensamentos, as idéias e os sentimentos que lhe fervilhavam na mente, que

Selena resolveu se arrumar e caminhar um pouco. Sabia muito bem que não adiantaria nada

tentar dormir de novo. Preferia ir ver o dia nascer e talvez, quem sabe, ir ao terraço do Centro

Estudantil para tentar avistar o Oceano Pacífico.

Vestiu sua calça jeans e um agasalho de moletom. Juntou o cabelo todo na nuca, e

fixou-o com um passador. Silenciosamente saiu do quarto de Katie. Pelo visto, ninguém mais

havia acordado. Os corredores e as salas estavam todos vazios. E por que um estudante iria

estar de pé àquela hora? Era sábado de manhã, e o Sol mal surgira. Abriu bem de leve a porta

dupla da entrada e saiu ao encontro daquele novo dia.

Assim que se viu ao ar livre, sentiu-se melhor, mais animada, talvez por causa da

frescura do ar matutino. Ou talvez fosse o efeito do perfume de madressilvas que havia no ar.

Do outro lado do prédio, havia uma cerca recoberta dessas flores. Ou esse novo ânimo poderia

ser resultado também dos tons róseos que surgiam no céu, espantando a escuridão da noite.

Fosse o que fosse, Selena respirou fundo, enchendo os pulmões daquela sensação agradável, e
dirigiu-se para o centro com passos leves, mas firmes. Ouviu o barulho do motor de um carro

acelerando o estacionamento. Minutos depois, o veículo passava por ela na estradinha. Ao

volante, estava uma jovem que lhe deu uma buzinadinha e acenou para ela, como se a

conhecesse.

Isso era um dos aspectos dessa escola que ela apreciava. Os alunos eram amistosos e

receptivos. Deu a volta em torno do Centro Estudantil e subiu a escadinha que levava ao

terraço, de dois em dois degraus. E logo viu seus esforços recompensados. O dia acabara de

amanhecer na “mesa”. O Sol, fiel ao seu horário, estava se erguendo no céu. Dali se avistava

todo o campus, cheio de belezas naturais, ocupando toda a área do planalto. Mais ao longe,

estava o vasto oceano, muito azul, encimado por nuvens finas como renda. Olhando aquele

cenário amplo, de cores vivas, Selena ficou extasiada. Sentiu um forte arrepio, causado em

parte pelo ar frio da manhã e em parte pela beleza estonteante do lugar.

Numa das extremidades do complexo universitário, meio afastada dos outros prédios,

Selena avistou uma construção menor, toda branca, com uma torrezinha alta. Deduziu que

devia ser a igrejinha que Katie havia mencionado. Ficou alguns instantes a contemplar aquela

paisagem belíssima, como que “bebendo-a” com os olhos. Era linda demais! Quase

inacreditável! Uma gloriosa maravilha de Deus!

Satisfeita, mas não totalmente “saciada”, Selena desceu e foi caminhando rapidamente

sobre o gramado até a capela. Sentia-se interiormente tão leve que tinha vontade de rir alto. A

certa altura, deu uma parada e pegou um dente-de-leão. Fechou os olhos e pensou um

“desejo”. Em seguida, soprou a penugem esbranquiçada da flor, pondo-se a acompanhar com

os olhos os pedacinhos que esvoaçavam, levados pela brisa matutina.

Sabia que se alguém a visse naquele instante, soprando um dente-de-leão e saltitando

pela relva, diria que ela era meio amalucada. Ou então pensaria que era tudo, menos uma

candidata a estudante universitária. Contudo era bastante improvável que alguém já estivesse
de pé, naquele campus. E se estivesse, essa pessoa, com toda certeza, tinha algo mais

importante a fazer, em vez de ficar olhando uma garota celebrando o novo dia que nascia.

E era assim que se sentia: jovem no coração e na alma, eternamente jovem. Todas as

preocupações e sensações que a haviam afligido durante a noite, produzindo-lhe um enorme

peso no coração, nesse momento pareciam haver se desvanecido. Nos dois últimos dias,

sentira tudo de forma tão intensa que seu espírito acabara ficando perturbado. Agora, porém,

nessa manhã tão cheia de promessas, com tanta vida pela frente, sentia-se leve.

Ainda saltitando, Selena chegou ao fim da estradinha, que dava na entrada da igrejinha,

solene e silenciosa. Girou a maçaneta e viu que a porta estava destrancada. Entrou com passos

reverentes e foi até a frente. Assentou-se num dos bancos acolchoados. No centro, havia um

púlpito de madeira, belamente entalhado, sobre o qual se via uma Bíblia aberta. Atrás dele, na

parede do fundo, havia um vitral colorido, que ia se tornando cada vez mais brilhante, à

medida que a luz do dia batia nele. Com isso também, as cores e os desenhos do vidro se

refletiam difusamente no assoalho, perto dos pés dela.

A garota ficou um bom tempo a contemplar o vitral. Era exatamente como Katie

dissera. Havia o desenho de uma cruz inclinada para a direita e, em volta dos braços da cruz,

uma coroa de ouro cravejada de pedras preciosas.

— Pai, sussurrou ela em meio ao ambiente santo que a cercava, muito obrigada.

Obrigada por teres enviado teu Filho ao mundo para morrer por mim. Dou-te graças por teres

aberto um caminho para eu chegar a ti, por meio dele. Obrigada por teres perdoado meus

pecados, no dia em que entreguei minha vida a Cristo. Obrigada pela vida eterna. Reconheço

que, se sou capaz de confiar em ti com relação a essas questões, deveria confiar também no

que diz respeito a essas idéias e sensações que me tiraram o sono ontem à noite.

Selena deu uma olhada ao redor e depois continuou. Sentia Deus bem perto dela nesse

momento. Por um instante teve a sensação de que poderia ver a sombra dele na parede.
— Acho que estou muito preocupada com o futuro, Senhor. Até hoje, eu nunca tinha me

preocupado com isso dessa forma, creio. Parece que um lado meu quer fazer faculdade fora de

casa, principalmente se for uma escola como esta. Mas outro lado prefere permanecer em

casa. É que não quero ter essa responsabilidade de cuidar de mim. Até aqui, minha vida foi

muito tranquila. Acho que gosto muito da idéia de morar em minha casa. Não sabia que

gostava tanto. Parece que ainda não estou disposta a assumir a vida de pessoa adulta.

Esfregou as mãos uma na outra. Estava meio frio ali.

— Tenho a impressão de que ainda não acertei alguns aspectos de minha vida, na

ocasião em que deveria ter acertado. Meu relacionamento com Tânia, por exemplo. Ontem à

noite, quando ela me abraçou, fiquei muito sentida porque não tivemos essa comunhão

quando ela estava em casa. Deixei passar todo esse tempo sem fazer nada. Por que não

éramos boas amigas naquela época? E agora é a Amy. O Senhor ouviu o que ela disse ontem?

Claro que ouviu. Antonio perguntou para ela quando fora que ela havia se tornado crente, e

ela respondeu que não era necessariamente uma cristã igual a nós. Aquilo me deixou muito

chateada. Por que ela não abre o coração para ti, Senhor? O que aconteceu?

E Selena continuou ali mais uns cinco minutos, falando a Deus sobre seus sentimentos e

pensamentos. Sentia-se desinquieta com relação a Warner. Temia também tirar notas baixas

nesses últimos meses de aula. Não sabia como iria descobrir em que faculdade Deus queria

que ela estudasse. Ou como saberia se ele desejava que ela ficasse em casa. Reconhecia que

era meio impulsiva. E as decisões que teria de tomar na atual fase de sua vida eram muito

sérias. Não poderia fazer essa escolha impulsivamente. Era seu futuro que estava em jogo.

Terminando de expor todos os seus temores, as duvidas e as preocupações a Deus,

parou de falar e se pôs a escutar em meio ao silêncio do ambiente. Aquela agitação emocional

a deixara exausta. Deitou-se no banco da igreja. Minutos depois estava dormindo.


Acordou, de repente, com o barulho da porta se abrindo e de passos rápidos no assoalho.

Sentou-se de súbito, e o homem que ia entrando assustou-se ao vê-la. Ele soltou uma

exclamação súbita e em seguida pediu desculpas por havê-la perturbado.

— Não, não, tudo bem, replicou ela, cerrando um pouco os olhos por causa da claridade

e girando o pescoço de um lado para outro, para aliviá-lo. Eu já estava de saída. Que horas

são, por favor?

— Nove e meia, informou o homem.

Ele parecia ser um professor. Carregava uma Bíblia e um cadernos debaixo do braço.

— Obrigada! disse Selena.

Levantou-se, ajeitou o blusão de moletom e saiu apressadamente, passando pelo recém-

chegado. Subiu a estradinha correndo, sem saber direito aonde iria primeiro. Se os outros já

tinham se levantado, deviam estar procurando-a. O melhor a fazer agora seria ir ao quarto de

Katie.

Chegando ao Sophia Hall, teve de esperar que aparecesse alguém com um cartão

magnético para abrir a porta. Assim que entrou, subiu correndo para o segundo andar. Diante

do quarto de Katie, bateu a porta e em seguida abriu-a. A amiga não estava ali. Já ia sair de

novo, quando viu um bilhetinho em cima da cama. Dizia:

Selena, onde você está, menina? Se voltar aqui, vá até o fundo do corredor, onde há um

telefone, e disque 240. É o número da segurança da faculdade. Diga-lhes que está no

dormitório e peça-lhes para nos chamarem pelo alto-falante, Katie.

Selena correu ao telefone e fez o que a amiga orientara. A pessoa que atendeu logo

indagou:

— Onde você estava? Katie fez a gente procurá-la por todo o campus. Faz uma hora que

estamos à sua procura.

— Desculpe. Eu estava na capela.


— Ah, disse a outra. Vou chamar Katie e avisar-lhe que você espera no quarto dela.

Selena retornou ao quarto e rapidamente se pôs a guardar os objetos. Esperava que seu

irmão não estivesse com raiva dela por ter deixado a todos aflitos. Ele tinha planejado partir

bem cedo. Agora, para ele, nove e meia não era exatamente bem cedo.

Instantes depois, a porta do quarto se abriu e um bando de gente entrou, todos fazendo

perguntas ao mesmo tempo. Tentou explicar que estava na capela orando e acabara

adormecendo.

Vicki pareceu ser a mais compreensiva.

— Que bom que você ‘tá bem! falou ela Wesley disse que iria trazer a van e parar na

porta do dormitório pra irmos embora. Você já pegou suas coisas?

— ‘Tá tudo aqui. Ele ‘tá muito irritado?

Vicki deu de ombros.

— Acho que ‘tá bem. Ele tinha ficado é muito preocupado. Todos nós ficamos. Você

simplesmente desapareceu!

Instantes depois, chegando ao carro, ela colocou a mochila no bagageiro e foi

explicando ao irmão:

— Eu não pretendia dormir. Sinto muito ter acontecido isso.

— Tudo bem, disse ele. Da próxima vez, deixe um bilhete avisando.

— Ou então um cacho do cabelo, ou uma trilha de migalhas de pão, brincou Katie, que

ainda parecia abalada pelo ocorrido. Minha ficha como guia de visitantes na faculdade não vai

ficar nada legal. Metade do pessoal aqui estava à sua procura. Acho até que é bem capaz de

um desses jornais sensacionalistas publicarem sua foto com a legenda: “Jovem Visita

Faculdade e é Raptada por Alienígenas”.

As tiradas humorísticas de Katie ajudaram a desanuviar a tensão em relação a Wesley e

aos outros. Foi aí que se criou outra tensão: era a hora das despedidas. Katie continuou com
suas piadinhas, tentando suavizar a situação. E todos se abraçaram. Antonio deu nas garotas

os dois beijinhos no rosto, que já eram sua marca registrada.

— Selena, disse Katie afinal, então você me manda um e-mail falando o que decidiu.

Ou manda pra Cris. Ela me passa sua mensagem.

— Vou mandar pra você, replicou Selena, entrando no carro logo atrás de Vicki. Vou

“castigar” a Cris, por não haver me contado que viria estudar aqui. Tchau, tchau, e obrigada

por tudo, viu?

Enquanto o carro rodava deixando o campus, Selena ia observando cada árvore e cada

prédio do lugar. Todos estavam em silêncio. Ela se indagou se os outros, como ela, também

estariam tentando guardar na memória os detalhes daquele cenário. Ou será que ainda

estavam irritados pelo fato de ela ter ido caminhar e depois inventado aquela história de que

dormira, para se justificar? Quando passaram pela entrada da escola, com sua placa e as

pilastras de pedra, novamente pediu desculpas a todos.

— Não se preocupe com isso, replicou Wesley, olhando-a pelo retrovisor. Não tem

importância. Mas temos de conversar sobre o que vamos fazer daqui pra frente. Nós já

falamos sobre isso na hora do café. Agora quero saber qual a sua posição. Ainda quer visitar

outra faculdade?

— Acho que sim. Não sei. A gente tem de pegar a estrada direto pra Portland agora? O

que o resto do pessoal quer?

— Ir à praia! replicou Vicki, dando um sorriso. Wesley estudou bem o mapa e disse que

podemos visitar uma faculdade que fica no caminho. Depois seguiremos viagem. O que você

acha?

— Sou a favor de ir à praia, informou Selena.

— Foi o que pensamos, comentou Ronny, que se achava no banco da frente.

Ele se virou para trás e, com expressão mais séria, perguntou:


— E aí, vai fazer sua inscrição na Rancho?

Selena foi pega de surpresa.

— Não sei. Você vai?

O rapaz fez que sim.

— Vou; creio que vou. Eu não tinha pensado em estudar fora. Planejava ficar lá em

Portland mesmo. Mas a Universidade Rancho Corona tem um excelente curso de música.

Sabia que eles têm até um estúdio de gravação no campus? E o equipamento deles é o melhor

que já vi.

— E você, Wesley? Como foram suas entrevistas? indagou Selena.

— Ótimas, disse ele. Já tenho quase certeza de que é aqui mesmo que quero vir estudar.

Mas nunca imaginei que você quisesse vir pra cá também.

A garota tentou avaliar as palavras do irmão. Será que ele ficaria chateado se sua irmã

mais nova fosse caloura nessa faculdade, enquanto ele já estaria fazendo pós-graduação?

Virou-se para Amy e Vicki e indagou o que elas pensavam de estudarem ali.

— É uma decisão muito séria, explicou Vicki. Eu gostei de lá. Agora meus pais vão

estudar o catálogo; e na certa vão querer saber o que a Rancho tem que outras universidades

de Oregon não tem. Tenho certeza de que vou ter de conseguir uma bolsa de estudos ou um

crédito educativo.

— Eu também teria de arranjar uma bolsa, comentou Selena.

Estava apreensiva com a idéia de levar aos pais mais formulários para preencherem,

depois de já terem assinado diversos para ela. A questão é que antes ela não sabia da

existência da Rancho Corona.

Amy estava sentada atrás, bem silenciosa. Selena estendeu o braço e deu um aperto de

leve no joelho da amiga.

— E você? O que ‘tá pensando? Vai querer fazer sua inscrição aqui?
— Creio que não, replicou a outra em voz baixa.

— Por que não? O que foi que a desagradou?

— Nada. A escola é ótima. Só que não é pra mim.

— Ué, por que não? Se nós todos acabarmos vindo pra cá, você deveria vir também.

— Selena, disse Amy meio irritada, chega, ‘tá? Não estou interessada, o.k.? Não dá pra

você parar de perguntar?

— ‘Tá bom, ‘tá bom! disse a outra, ainda fitando Amy nos olhos.

Esperou um minuto e depois repetiu:

— Mas será que você não pode ao menos dizer por quê?

— Não!

E foi essa a última palavra que Amy disse durante todo o trajeto até a outra faculdade.
Capítulo Dezenove

E a visita à outra faculdade acabou sendo bastante rápida. Era uma escola de pequeno

porte, localizada em uma cidade da região metropolitana de Los Angeles. Wesley foi rodando

pelo meio do campus e Ronny correu à secretaria e pegou um panfleto. Como já era por volta

de meio-dia de sábado, havia poucos alunos à vista. Além disso, fazia calor e o tempo estava

muito bom. Vicki comentou que achava que todos tinham ido para a praia, e que ótimo que

eles também iriam.

Selena já estivera na praia de Newport diversas vezes, mas nunca fora à de Huntington,

para onde Wesley os estava levando. O rapaz contou que já a conhecia, pois estivera ali com

seu amigo Ryan. Era uma praia bem comprida e larga, um lugar excelente. Assim que saíram

da van, porém, notaram que à beira-mar não estava tão quente como estivera mais para o

interior do estado. Na linha do horizonte, via-se uma leve camada de neblina, e uma brisa

soprava, jogando os cabelos de Selena em seu rosto.

— Por que será que ‘tá tão frio? indagou Amy. Eu já estava toda preparada pra vestir o

maiô, mas aqui ‘tá frio como as praias do Oregon.

— Ainda estamos na primavera, né?! explicou Wesley. O verão mesmo ainda não

começou. Olha ali. Aqueles surfistas já entraram na água.

— Mas é muito lindo aqui! exclamou Vicki em tom alegre.

Wesley já ia fechando a porta do carro, mas Vicki interrompeu-o para pegar seu

agasalho de moletom.

— Espere! interveio Selena. Também quero pegar o meu.

— E eu também! disse Amy. E vou calçar meia.


— Meia? perguntou Ronny admirado. Não se anda de meia na praia. Tem de andar

descalço. Assim que você pisar na areia, seus pés esquentam.

— É... Você sabe muito, mesmo! disse Vicki em to irônico, dando um tapa de leve no

braço do colega. Você vai muito à praia...

— Mas é verdade. Vi isso num filme. Eles corriam na praia no inverno, enfiando bem

os pés na areia. Eles estavam sorrindo e não pareciam sentir nem um pouco de frio.

— Num filme? interpôs Vicki. Você também nunca esteve numa praia da Califórnia?

— Não, replicou o rapaz em tom curto, enfiando as mãos no bolso. Estou começando a

concordar com a Amy. A gente poderia ter ido a uma das praias de Oregon, e talvez até

estivesse mais quente.

— Ah, vamos lá, pessoal, disse Selena. Nós temos de pelo menos andar na praia e

molhar os pés. Incrível como mais para o interior estava quente, e aqui ‘tá este frio!

Eles se achegaram bem uns aos outros e saíram andando meio duros sobre a areia fria.

— É, meus pés não esquentaram nada, reclamou Amy. Ronny, quando é que eles vão

começar a esquentar?

— Talvez seja bom a gente correr, propôs Wesley.

E antes que os outros discutissem a idéia dele, o rapaz partiu num trote leve. Selena foi

atrás dele. Havia várias outras pessoas fazendo cooper na praia. A garota se emparelhou com

o irmão. Viram alguns surfistas sentados sobre a prancha, esperando ondas mais adequadas.

No geral, havia pouca gente na praia. Por ali não se viam os costumeiros banhistas, sentados

debaixo de barracas, ouvindo rádio, fazendo um lanche ou tomando sol. Para Selena, praia era

isso, pois fora o que vira em Newport Beach. Esta aqui parecia um “outro mundo”.

Selena e Wesley prosseguiram na corrida leve, sem conversar. A garota procurou

acompanhar o ritmo respiratório do irmão. A mãe deles era uma entusiasta praticante de

cooper. Todos os seus filhos, cada um a seu tempo, haviam aprendido alguns dos segredos
desse esporte. Selena sabia que ela e o irmão já haviam “quebrado” uma de suas regras

básicas: não haviam feito aquecimento antes de correr.

A certa altura, Wesley parou e fez sinal à irmã para que retornassem. Os outros três

ainda continuavam caminhando na areia, bem juntinhos, vindo na direção dos dois. Contudo

assim que viram que Selena e Wesley tinham se virado, eles também viraram, pondo-se a

andar em direção ao carro. Selena estava começando a gostar da sensação de pisar a areia fria.

Agora o vento estava “a favor” deles. Era bem mais agradável sentir as rajadas às suas costas,

como que empurrando-os, do que batendo em seu rosto. Apesar de estar frio e nublado, a

praia transmitia uma impressão de força. As ondas chegavam à areia com seu ronco forte, do

mesmo jeito que faziam em dias ensolarados. As gaivotas piavam alto e davam “mergulhos”

em direção ao chão, embora não houvesse nada nos latões de lixo para elas. Selena gostava

daquele rugido constante do mar, que por vezes se mostrava tão instável. Assim era a praia, e

assim ela continuaria sendo sempre.

— Não vão querer nadar um pouco agora? indagou Wesley, ofegando bastante, no

momento em que todos chegavam ao carro.

— Eu tenho certeza de que não, declarou Amy. Abra a porta depressa!

A garota vestia short e estava toda arrepiada, principalmente nas pernas. Os outros

vestiam calças jeans e, por isso, não sentiam tanto frio quanto ela. Selena, porém, viu que a

barra de sua calça se molhara e estava suja de areia. Logo percebeu que isso era pior que

arrepios. Assim que entrassem no carro, ligassem o aquecimento, e Amy esfregasse as mãos

nas pernas, ela ficaria livre da sensação de frio. A barra de sua calça, porém, iria demorar um

pouco para secar e a incomodaria por um bom tempo. Depois de haverem rodado alguns

quilômetros estrada abaixo, ela comentou:

— É, apesar de tudo, eu gostei. Foi bom termos ido à praia.

— Não parece nem um pouco com os filmes, disse Ronny.


— Gente, eu estou com fome, informou Wesley. Alguém mais ‘tá?

— Eu estou, respondeu Selena. Não tomei café de manhã.

O rapaz parou na primeira lanchonete que encontraram: Uma Taco Bell *. Pediram os

sanduíches e depois viram que tinham comida em quantidade suficiente para fazer uma

festinha mexicana no carro, enquanto seguiam viagem. Dessa vez também Ronny foi o que

mais comeu. E, de novo, fez o que sempre fazia quando ia com Selena a uma Lotsa Tacos, em

Portland: “curtiu” com a cara dela por querer tomar leite, em vez de refrigerante.

— Não tem nada de errado nisso, e é uma delícia, defendeu-se a garota.

— Uma delicia, repetiu Ronny com voz aguda, imitando-a.

Parece que você ‘tá fazendo um comercial de leite na televisão.

— Prefiro fazer um comercial de leite a participar de um daqueles seus filmes, onde as

pessoas, em pleno inverno ficam fingindo que estão quentinhas.

— Isso aí é chuva? indagou Vicki, apontando para o pára-brisa.

Wesley ligou os limpadores.

— É, acho que não há dúvida de que estamos a caminho do Oregon, comentou ele. A

chuva sentiu nossa falta e veio se encontrar conosco aqui, pra nos fazer companhia.

— Ah, é por isso que estava fazendo frio lá na praia, disse Amy.

Uma pesada sensação de tristeza caiu sobre o grupo. O passeio estava chegando ao fim.

A “diversão” acabara. Agora só restavam quilômetros e quilômetros de estrada; e as inúmeras

paradas em banheiros de postos de gasolina.

Vicki achou uma rádio que lhe agradou. Amy passou para o banco de trás e se deitou

para dormir, cobrindo-se com todos o blusões de moletom que encontrou no carro. Ronny

estava ao lado de Selena, examinando os panfletos das faculdades que haviam visitado. De

repente, ele soltou um assobio.

*
Taco Bell é uma rede de lanchonetes especializada em “tacos”, um tipo de sanduíche mexicano. (N. da T.)
— Sabe quanto é a anuidade desta escola aqui?

Selena olhou para o catálogo que estava na mão dele.

— Ah, mas é o mesmo preço da Valencia Hills, comentou ela. A Rancho ainda é mais

cara.

— Mais cara? ‘Tá brincando! exclamou ele com expressão de espanto. Será que existe

mesmo um jeito de eu conseguir a bolsa de estudos antes de se encerrar a matrícula?

— Sei lá, replicou a garota. Talvez a gente devesse ter começado a olhar isso bem mais

cedo.

— Esse negócio de ir estudar fora pra mim ‘tá sendo meio estranho, interpôs o rapaz. Eu

havia pensado em ficar na Universidade Estadual de Portland mesmo. Ou talvez fazer os

primeiros anos numa escola municipal.

— Foi o que a Katie fez, explicou Selena. Ela e a Cris fizeram o primeiro ano numa

faculdade municipal, pra ficar em casa e economizar dinheiro.

Ronny se remexeu um pouco no banco.

— Selena, principiou ele, você já se sente suficientemente madura pra sair de casa e

cuidar de si mesma?

— Não, replicou ela, fitando-o atentamente. Pensei que era a única que tinha esse

sentimento.

— Você também? indagou o rapaz. Mas logo você que já deu uns “vôos” por sua conta?

Você até já foi à Europa e tudo o mais! Acho que ainda me sinto meio “novo”. A hora de

fazer essa decisão chegou mais cedo do que eu esperava.

— Isso mesmo, disse Selena, olhando pela janela onde a chuva gotejava, vendo os

carros passarem por eles em alta velocidade. Mas a verdade é que me senti mais insegura

nesta viagem do que quando fui à Europa. Não é esquisito?


— Ah, não, replicou Ronny. Nas outras viagens, você sabia direitinho o que aconteceria

quando chegasse em casa. Seus pais estariam lá e você receberia tudo na mão. O que me

preocupa com relação ao curso superior é a questão do dinheiro. Mesmo que a gente consiga

uma bolsa pra pagar os estudos, como é que vamos nos sustentar?

— É, eu sei, concordou Selena. Vejo que estou mais mal-acostumada do que pensava.

— Eu também; nós dois. Uma lição que aprendi nesta viagem foi que preciso dizer a

meus pais o quanto sou grato a eles pelo que me proporcionam, disse o rapaz, recolocando os

papéis dentro da pasta. Bom, é claro que sou eu quem compra as cordas do meu violão e pago

a gasolina da minha caminhonete. E achava que isso já era muita responsabilidade. Não sei o

que vou fazer quando eu mesmo tiver de pagar os lanchinhos que faço no intervalo das

refeições.

Selena sorriu.

— É. Vai precisar de um emprego de tempo integral, ou então um de meio expediente,

mas com um bom salário.

— Com certeza!

— Katie disse que podemos examinar as ofertas de trabalho que eles têm para os alunos.

— Mais papelada! resmungou Ronny.

Seguiram uns instantes em silêncio. Vicki ia cantando baixinho uma música popular que

estava tocando no rádio. Selena começou outra vez a sentir o pavor relacionado com as

decisões que teria de tomar. Tentou resistir a ele.

— Sabe o que mais, Ronny? disse em voz baixa para que só o colega ouvisse. Acho que

ainda não saí da adolescência. E não estou com muita vontade de me tornar adulta, não. Como

era mesmo aquela canção que você estava compondo? Falava sobre estar apenas com a luz do

farol do carro iluminando só um pequeno trecho da estrada.

— Ah, sim, aquela sobre o Monte Shasta. Ainda não acabei, não.
— Pois é, minha sensação é de que estou caminhando na estrada da vida, em direção à

fase adulta, mas os faróis do meu carro estão meio embaçados. Não estou conseguindo

enxergar o caminho direito.

— Parece que ‘tá com a bateria fraca, comentou o rapaz. Assim que der uma carga nela,

vai melhorar.

Selena ficou a pensar se ele estava querendo dizer que ela precisava de uma carga física

ou espiritual. Ou talvez ele tenha querido dizer emocional. Muitos fatos importantes haviam

ocorrido nesses últimos dias. Ficou a olhar para fora através da vidraça molhada. Sentia a

mesma inquietação que experimentara de manhã, quando orava na igreja. Achara que iria ver

as soluções de todos os seus problemas entrando pelo vitral colorido. Todavia isso não

acontecera e ela acabara dormindo. É, talvez sua bateria estivesse mesmo precisando ser

recarregada.

Não conseguiu dormir imediatamente nesse percurso de volta para casa, debaixo de

chuva. A mente estava por demais agitada. Tinha muitas decisões a tomar. Será que deveria

inscrever-se na Rancho Corona? O que Wesley acharia de ela ir para essa escola? E será que

estava interessada em estudar ali só porque seus amigos estudavam? E será que era errado

escolher essa escola só por isso? E a questão do dinheiro? Será que conseguiria uma bolsa de

estudos? E depois que começasse o curso, será que precisaria trabalhar também?

Selena olhou para o banco de trás, onde Amy dormia sossegadamente, debaixo de uma

pilha de moletons. Sentiu que não ficaria tranquila enquanto não descobrisse por que a amiga

havia demonstrado tanta aversão pela idéia de se inscrever na Rancho.

Por fim, seus pensamentos se voltaram para Paul. E o que aconteceria nesse aspecto da

vida dela, que ainda era uma enorme incógnita? Isso, sim, é que era rodar numa estrada com

pouquíssima iluminação.
— Toque uma música pra mim, pediu ela a Ronny. Como naquela noite em que eu

estava dirigindo. Você não faz idéia do quanto isso transmite tranquilidade pra gente!

— Ah, ‘tá querendo que eu a embale, né? É o que você ‘tá querendo?

— Não!

Vicki desligou o rádio e entrou na conversa, concordando.

— Gosto demais quando você canta, Ronny, comentou ela. Toque algo pra nós!

— Então vai ser uma música que todos conhecemos. Assim podemos cantar todos

juntos.

Ele tirou o violão da capa e se pôs a dedilhar um cântico conhecido. Devia estar

pensando no que conversara com Selena algumas horas antes, pois era um hino que dizia:

Confiarei em ti, Senhor,

Em todas as situações,

Firmarei em ti a minha fé...

Selena começou a cantar baixinho, mas sentia-se muito hipócrita. Reconhecia que era

fácil dizer essas palavras, sem no entanto vivê-las na prática.


Capítulo Vinte

Quinze dias depois da viagem à Califórnia, as três amigas se reuniram na confeitaria

Mother Bear. Era segunda-feira à tarde e estava chovendo. Vicki passara numa flora e

comprara três lírios amarelos, de cabo longo, um para cada uma delas. Agora as três

“trombetinhas” estavam dentro de um copo com água. Selena já pedira e pagara três xícaras

de chá e pãezinhos de canela bem quentinhos para o grupo. Amy lia um postal que tinha nas

mãos, e Vicki e Selena a escutavam atentamente. A foto do cartão tinha em primeiro plano

uma palmeira, acima da qual, escrita em letras douradas, estava a palavra “Califórnia”.

Este cartão é só para lhe dizer que me lembrei de você, Amy bella. Penso muitas vezes

em algo que você disse, que Deus não é justo, já que as pessoas boas também sofrem. A única

resposta que posso dar é que Deus é Deus. Ele pode fazer o que quiser. E uma coisa que ele

quer fazer, ao que parece, é ter um relacionamento conosco. Então, com afeição por você,

estou orando para que o conheça e passe a ter esse relacionamento com ele.

Tchau,

Antonio

Amy ergueu os olhos e fitou as duas amigas, com expressão de raiva.

— Alguma de vocês pediu a ele pra me escrever isso?

— Claro que não! replicou Selena.

Amy soltou um suspiro e deu uma olhada para sua xícara.


— Sabem de uma coisa? disse. Vendo a maneira como vocês agem, fica difícil

continuar com raiva de Deus.

Vicki e Selena não disseram nada, esperando que ela continuasse.

— Vocês, vocês todos, ficam só me tratando bem, interessando-se por mim. Quando

chegamos a Rancho Corona, achei que ia ter muita antipatia de Katie. É que ela é sua amiga,

Selena, e ia “roubá-la” da nossa companhia. Na minha vida toda, sempre aparece alguém para

“roubar” as pessoas que amo. Mas acabei vendo que era impossível ter raiva de Katie. Ela

dava a impressão de que gostava mesmo de todos nós, não apenas de você, Selena. Se bem

que poderia ser tudo fingimento.

— Não era fingimento, não, Amy, interpôs Selena. As pessoas gostam de você de

verdade.

Amy piscou, para afastar uma lágrima que lhe chegou aos olhos.

— Por quê? indagou.

Selena se lembrou do versículo que havia escrito no cartão que enviara ao Paul; e citou-

o naquele momento.

— Porque “Deus é amor... nós amamos porque ele nos amou primeiro”. Amar não é

algo que a gente faz por esforço próprio. É sobrenatural.

— Espere aí, Selena, antes de você começar a me pressionar, quero dizer algo. Nesses

cinco dias que passei com vocês duas, Wesley e Ronny, e também no convívio com Katie,

Antonio e até com a Tânia, percebi que vocês têm algo de diferente. Vocês amam uns aos

outros. O jeito como trataram o Warner, por exemplo, foi muito legal. Eu não o teria tratado

daquela maneira.

— Ah, deixe-me contar um negócio pra vocês, interveio Vicki, interrompendo as

palavras de Amy. Na semana passada, o Warner teve de apresentar um trabalho na aula de

Comunicação. Ele falou sobre atuação em grupo. Disse que temos de nos interessar pelos
direitos e sentimentos dos outros. Foi ótimo. Acho que a viagem a Corvallis e o acidente

acabaram sendo muito bons pra ele.

Imediatamente Selena pensou que se ele tivesse podido ir com eles à Califórnia teria

sido ainda melhor para o rapaz. Contudo estava satisfeita de não terem tido de passar por essa

experiência.

— Sabe o que mais? disse Amy. Acho que tenho lidado com Deus do mesmo jeito que

o Warner estava nos tratando na viagem. Ele agia como se merecesse todas as regalias, e se

não fazíamos o que queria, ficava irritado. É duro ter de reconhecer isso, mas acho que sou

muito mimada e imatura. Eu sempre me justificava dizendo que era assim por ser a caçula da

família. Mas, gente, daqui a algumas semanas vou estar me formando no ensino médio. Até

quando vou continuar sendo uma “caçulinha”?

— Eu também estava me sentindo assim quando estávamos lá na Rancho, comentou

Selena. Não queria ser adulta.

— E quem quer? interpôs Vicki.

— Todas nós queríamos, um ano atrás, afirmou Amy. Eu estava aflita pra tirar carteira,

ter meu carro e sair de casa, como minhas irmãs fizeram.* Agora tenho a impressão de que

ainda não estou preparada pra isso. Minha vida ainda não chegou nesse patamar.

— ‘Tá querendo dizer, então, indagou Selena, que quer entregar sua vida ao Senhor

Jesus?

Sabia que a amiga tinha pleno conhecimento acerca de como se tornar crente. Ela ouvira

isso muitas vezes, quando estudava no Colégio Royal. Contudo saber algo a respeito de Deus

não é o mesmo que conhecê-lo pessoalmente. Selena estava ansiosa para que ela “baixasse a

guarda” e parasse de “brigar” com Deus. E em sua opinião, este era o momento certo para

Amy finalmente entregar toda a vida ao Senhor.


— Não, replicou a garota firmemente. O que estou querendo dizer é que estou dando

um pequeno passo pra me aproximar dele. Só isso. Não me pressione.

— ‘Tá bom, replicou Selena, esfriando o ânimo e dando uma “beliscadinha” na ponta

do pãozinho de canela.

Percebendo que, nesse momento, era melhor ficar calada, enfiou o pedacinho de pão na

boca.

— O de que eu mais estou gostando, prosseguiu Amy após um instante de silêncio, é

que vocês não estão tentando dar explicações sobre Deus. Olha este cartão do Antonio, por

exemplo. Ele se mostra muito sincero. Diz o que pensa, o que crê, e é só. Não suporto quando

as pessoas começam a arranjar desculpas pra Deus ou a explicar por que ele age dessa ou

daquela maneira, como se fossem autoridade no assunto. Ontem mesmo eu estava pensando

que, se fosse fácil entender Deus ou explicar seus atos, aí eu duvidaria de que ele era poderoso

pra governar o Universo e resolver o problema de todo mundo.

Vicki e Selena se entreolharam admiradas.

— É, comentou Vicki. Isso que você disse é muito importante.

— ‘Tá, replicou Amy, dando um sorriso meio seco, mas não fiquem muito empolgadas.

Não tive nenhum outro pensamento profundo, não.

Selena tomou um gole de seu chá e resolveu contar às amigas algo que ainda não lhes

havia relatado.

— Gente, eu queria lhes contar um fato que me aconteceu na viagem. Eu... é... tive um

momento de comunhão profunda com Deus.

— Um momento? repetiu Vicki com uma expressão de dúvida no olhar. Onde? Foi na

capela, naquele dia em que desapareceu?

— Não; foi no parque de diversões, explicou.

*
Nos Estados Unidos, o jovem pode tirar carteira com dezesseis anos. E muitos deles, quando completam
Nesse instante, ela viu como era estranho o fato de que Deus tivesse vindo ao seu

encontro num parque, no meio de uma multidão, e aparentemente ficara silencioso na igreja.

Fixou isso na mente, vendo-o como uma evidência de que a maneira como Deus se manifesta

muitas vezes não é a que nós queremos.

— Não tenho certeza se vou conseguir explicar o que se passou, continuou ela. Estava

me sentindo sozinha, meio perdida e, de repente, foi como se Deus, invisivelmente, tivesse

pegado minha mão e me dito pra segurar firme na dele.

— ‘Tá querendo dizer que ele conversou com você? indagou Amy, erguendo uma

sobrancelha.

— Não! Quero dizer, sim. Quero dizer... não escutei uma voz ou algo assim. Foi mais

um pensamento. Não sei explicar direito. Isso nunca aconteceu com vocês?

Amy baixou os olhos e tomou um gole de chá. Vicki abanou a cabeça.

— Não estou querendo dizer que não acredito em você, disse Vicki. Só que nunca tive

uma experiência desse tipo.

— Bom, mas tenho certeza de que aconteceu. Eu me senti diferente. Tive a nítida

sensação de que Deus estava ali do meu lado.

Selena sabia que não precisava se justificar. Como Amy dissera, não saberia explicar. E

também não queria exagerar.

— Houve uma razão pra isso acontecer, continuou ela. Mas agora não me lembro mais

de qual era.

— Enquanto você se lembra, interpôs Vicki, deixe-me fazer outra pergunta. Já mandou

pra Rancho Corona todos os formulários, documentos e solicitação de bolsa de estudos?

— Já. E você?

dezoito anos ou terminam o ensino médio, saem de casa e alugam uma moradia, assumindo responsabilidade
pelo próprio sustento. (N. da T.)
— Mamãe mandou tudo ontem, finalmente. Ontem à noite, escutei meu pai

conversando com alguém ao telefone e dizendo que no ano que vem vou estudar na Rancho.

Até parecia que já estava tudo resolvido. Eu ainda não havia entendido que eles queriam que

eu fosse pra lá. Demoraram muito pra estudar todos os panfletos e catálogos.

Em seguida, deu outra mordida no seu pãozinho de canela e sem olhar para Amy,

indagou:

— E você, Amy, pensou melhor a respeito da Rancho, se vai se inscrever lá ou não?

— Não, replicou a outra em voz baixa. Acho que não quero estudar numa faculdade

evangélica, não. Mas, se eu quisesse, certamente seria pra lá que eu iria. Realmente é muito

boa. Vocês têm razão em querer ir pra lá.

Selena tinha resolvido se inscrever na Rancho alguns dias depois de chegarem da

viagem à Califórnia. Havia conversado muito com os pais sobre o assunto e até ligara para o

irmão, pra saber se ele não se importava de ela estudar lá. Depois de debater bem a questão

com os pais, de aceitar a idéia de fazer faculdade fora, de orar bastante a respeito da decisão,

sentira muita paz. Compreendeu que era hora de crescer e de assumir as responsabilidades da

próxima etapa de sua vida, assim como desejava os privilégios inerentes a ela.

Tão logo decidira se inscrever, ela e os pais tinham corrido muito para preencher toda a

papelada e enviá-la para a escola. O maior problema agora era o dinheiro. E mais ainda

porque Wesley, que também estaria na Rancho, não recebera nenhuma resposta acerca das

bolsas de estudos que estava tentando obter. De certa forma, Selena estava aprendendo que

fazer a vontade de Deus implicava dar um passo à frente, sem saber o que aconteceria depois.

Tinha de confiar firmemente nele a cada passo que fosse dar. Inscrever-se na Rancho fora um

passo. E já dera outro também com relação ao Paul.

— Vocês duas vão vibrar com o que fiz, disse ela para as amigas. Na semana passada,

escrevi para o Paul e contei tudo que estou planejando para o ano que vem. E depois, meio
despistadamente, perguntei: “E você? O que tem pensado com relação ao próximo ano

letivo?”

— E ele já respondeu? quis saber Amy.

— Não; ainda não.

— Bom, mas pelo menos assim vocês vão poder conversar sobre o assunto, comentou

Amy, e continuou: Não gostei nem um pouco, na semana passada, quando você disse que, se

for pra vocês dois se unirem, o Paul vai pintar em sua vida misteriosamente. Parecia que tudo

ia se resolver sem que os dois conversassem sobre isso.

— É. Concordo com ela, Selena, interpôs Vicki. Você ‘tá sempre dizendo que a gente

tem de estar aberta a todo tipo de comunicação. E se o Paul já tiver feito planos totalmente

diversos dos seus, vai ser bom ele ver que você não ‘tá aqui parada, esperando por ele. Os

dois vão seguir em frente, fazendo o que cada um acha que é a vontade de Deus.

Selena sorriu para as amigas.

— E eu estou seguindo em frente só até onde vai a “luz do farol do carro”.

— ‘Tá certo, opinou Vicki. A gente tem de seguir em frente devagar, sem procurar ir

muito depressa. Se formos avançando devagarzinho, não corremos o risco de ficar

descontroladas.

— Ou então dar uma batida e se “machucar”, como sempre acontecendo comigo,

comentou Amy.

— É; estou mesmo precisando desses conselhos sensatos! exclamou Selena, lambendo

no polegar um pouquinho da cobertura açucarada do pãozinho.

— Ah, é! disse Vicki em tom irônico. Nós somos as grandes entendidas em questões

amorosas! Principalmente eu com meu interesse pelo Ronny, ainda não correspondido. Passei

cinco dias na companhia dele, e o cara continua me tratando como um dos seus colegas!
— Pois é, comentou Amy, depois desses cinco dias, eu também resolvi fazer um

“jejum” de namorado. Agora vou escolher bem os caras com quem vou sair. Depois que o

Antonio e o Wesley me trataram como uma princesa, estou achando esses rapazes daqui um

prato de quinta categoria.

Selena deu uma risada.

— Então, imagine só, Amy, se você resolvesse estudar na Rancho conosco, ia ter um

verdadeiro banquete.

— Ah, sim, e essa seria uma razão muito espiritual pra eu ir estudar lá! replicou a garota

em tom irônico.

— É, interpôs Vicki, talvez não seja a melhor, mas será que é assim tão errada?

As três caíram na gargalhada e Vicki comentou:

— Parece incrível que estejamos aqui conversando sobre a faculdade e a formatura,

como se fosse algo tão simples! Ontem à noite comecei a pensar sobre essas coisas e quase

fiquei doida. Fiquei tão nervosa com tudo isso! Não sei por quê.

— E foi só agora que você começou a ficar assim? indagou Selena. Pois eu tive essa

sensação a viagem toda. Foi por isso que fui à igreja naquele dia.

— Mas depois você superou esse medo? quis saber Vicki.

— É, acabei superando.

— Pois ontem à noite, comentou Vicki, senti o mesmo que tinha sentido no Montanha

Mágica, quando estávamos subindo ao ponto mais alto da “Cobra”. Foi a mesma sensação de

pavor que a gente tem ao ver que a engrenagem já ‘tá em movimento e não dá mais pra voltar

atrás.

— É, eu sei, concordou Selena. Esse negócio de nos tornar adultos não é nem um pouco

como eu imaginava.
— Não entendo como fiquei assim de repente, disse Vicki. A impressão é de que tive

quinze anos durante uns três anos. Depois fiz dezesseis e aí tudo começou a andar depressa.

— É... parece mentira que nós já estamos com dezessete! exclamou Selena.

— Pois eu tenho outra ainda mais incrível, interveio Amy em tom solene. Parece

mentira que vamos nos formar daqui a dois meses.

Nesse momento, o grupinho sentado àquela mesa ficou em silêncio. Num gesto

espontâneo, elas estenderam os braços lateralmente e se deram as mãos, formando um círculo.

No centro dele, ficaram as xícaras e as flores. Selena abriu os lábios num sorriso comedido e

deu um leve aperto nas mãos das colegas.

As gotas de chuva continuavam a deslizar pela vidraça das janelas da Mother Bear, e as

três amigas permaneceram sentadas, segurando firme.

Fim

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