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Histórias de Má Marche
Obrigada pelo apoio incondicional.
Se.du.ção. Sf (lat seductione) 1 Ato de seduzir ou ser seduzido 2 Atrativo que é
difícil ou impossível resistir 3 Aquilo que provoca encanto, atração, fascínio 4
Dom que induz a corrupção de postura ou ações do outro.
– Ei! Sam! – Chamou alto na porta da sua pacata casa amarela.
– Ah, oi, Bianca. – Cumprimentou, o garoto, em tom neutro. – Eu tenho
que... – Andava de costas em direção à bicicleta vermelha que o levava para
todos os lados que precisasse, indicando estar de saída.
– Minha nossa, que saudades de você! Me diz: Você sentiu minha falta? –
Cortou, afobada, carente, e ainda falando alto demais.
– Eu, bem... Claro. Escuta, eu tenho mesmo que ir. – Repuxou os lábios
apontando com o polegar para trás.
– Mas já? Não nos vemos há semanas! – Fez um bico infantil antes de um
pensamento cruzar sua mente. – Ah... Vai sair com a Milena de novo?
– Sim! – O sorriso do garoto quase não cabia na face. Sua alegria era
perceptível de longe. A miserabilidade da garota, também. – Que bom que você
entende, Biba. Então eu vou indo nessa. Digo a ela que você mandou um beijo.
Tchau!
Bianca Caproni era uma garota comum como qualquer outra. Com seus
dezesseis anos, ia todos os dias à escola, sonhava com personagens fictícios e já
teve um crush ou outro em bandas adolescentes. Talvez o que a diferenciava fosse
sua personalidade excessivamente certinha, com notas impecáveis e vida social
negativa, do tipo que nunca faz algo minimamente fora da curva.
Bianca tinha um único amigo: Samuel Luscenti.
Sam era loiro, tinha cativantes olhos castanhos, um sorriso largo e quente,
era bondoso com todos, gentil e simpático na medida certa. Ele e a garota eram
amigos desde pequenos por fruto da amizade entre seus pais. Estavam sempre
juntos, sentavam-se juntos na sala de aula, comiam na mesma mesa do refeitório,
moravam na mesma rua. Bianca não sentia que precisava de mais do que aquela
singela companhia em seus dias.
Mas Sam não concordava muito. Justamente por ser tão simpático, ele
fazia amizades com facilidade, era bastante convidado a ir a festas e acabava
envolvido em rodinhas de conversa nos corredores. Ele era bem na dele, é
verdade, mas não se comparava com Bianca, que tinha praticamente um casulo a
sua volta, protegendo-a dos outros mortais.
Mesmo assim, com suas diferenças, a amizade dos dois não sofreu abalos
durante muito tempo, e a cada dia a garota descobria nele uma nova qualidade
para admirar, mais alguma característica que ela própria não possuía, mas achava
encantador que ele tivesse.
Chegou um ponto em que, sendo a única pessoa que ela tinha realmente
deixado aproximar-se, cada mínimo detalhe dele lhe era sabido, desde o contorno
de seu sorriso, até os diversos tons que sua voz adquiria conforme mudavam seus
sentimentos. A companhia agradável e o riso fácil do garoto a cativando a cada
nova hora passada lado a lado com o loiro.
E ela bem que quis, mas não pode evitar se apaixonar por ele.
Foram tantos momentos especiais, tantas coisas inéditas que vivenciou ao
lado dele, que lhe atribuir mais um primeiro lugar – no caso, em seu coração –
parecia simplesmente certo. Certo demais para que sua racionalidade sempre tão
reclusa se pusesse contra.
Levava bem essa paixão secreta até o segundo colegial, quando Sam
arrumou uma namorada. Milena, também conhecida como a loira-perfeita-
gostosa-vadia-e-burra que todos os caras do colégio queriam ter na cama uma vez
na vida pelo menos.
É passageiro, ela pensou. Ele logo se cansa dela e pronto, eu sequer vou
precisar sofrer por isso. Então, um dia, ele vai saber que eu sou a pessoa perfeita
para ele. Ele vai reparar em mim, e vai ficar tudo bem.
Exceto que não ficou. O namoro dos dois progrediu por meses a fio, e a
cada novo passo que davam, Bianca sentia seu coração morrer um pouquinho
mais. Alianças de compromisso, viagens em família, apelidos fofos, etc. etc. A
garota cada vez perdia mais a esperança ao passo que sua amizade com Sam
ficava também cada dia mais desgastada. Ele só tinha olhos para a namorada
agora, e perder tempo com a amiga nerd chata não estava em seus planos. Ainda
mais considerando o fato de que ela estaria sempre ali, na espreita, esperando que
ele retornasse. Sua linda namorada não tinha a mesma disponibilidade e entrega,
disputada como era, e por isso era essencial que concentrasse seu tempo e
esforços em estar com ela.
A garota estava cansada de disputar a atenção do amigo. Ela devia ser o
bastante, e ele devia saber disso, devia ser a pessoa que via suas qualidades
escondidas e que abraçava seus defeitos. Mas Sam não era aquela pessoa, e isso
a esgotava; Esperar que ele fosse essa pessoa, torcer, iludir-se disso era
cansativo.
Theo já tinha vagado por quase o shopping inteiro, comido qualquer coisa
e comprado um relógio novo, antes de ir resgatar a garota no salão.
Esperou nos sofás confortáveis da entrada até ela aparecer, rodeada por
pelo menos cinco pessoas e completamente melhorada. Ele abriu um sorriso
confiante, parabenizando o trabalho da equipe, e estendeu a mão para a menina,
que a segurou apressada, louca para dar o fora daquele lugar.
- Aprendeu bastante? - Ele perguntou, ao que se dirigiam para o próximo
andar, onde haviam centenas de lojas de roupas femininas.
- Ah... Sim. Não entendi metade das palavras que eles falavam, mas acho
que uma coisa ou outra deu pra guardar. - Ele riu da simplicidade dela, e
continuou caminhando em silêncio, observando as pessoas ao redor. - Você... Não
vai me dizer o que achou? - Ela perguntou, novamente insegura. Ele a mirou nos
olhos, provocando-a a dizer as palavras certas, explicitamente o que queria saber.
- Quero dizer... Estou bonita? - Indagou mais baixo, tendo dificuldade de aguentar
qualquer resposta. Theo sorriu em aprovação, e cessou os passos que ambos
davam, segurando-a pelos ombros e aproximando suas faces.
- Você é bonita, Bianca. Nada disso teria surtido efeito se você não fosse.
Mas você está sempre se escondendo e pouco se cuida, então fica difícil para os
meros mortais notarem isso. Pedi para valorizarem seus olhos porque eles são
muito expressivos, para cortar seu cabelo a partir da boca porque seu sorriso é
encantador, e para deixá-lo comprido porque ele te dá sensualidade, assim como
as unhas escuras. Você entende? - Ela acenou devagar, ainda com dificuldades de
acreditar nas palavras do mentor. - Olhe em volta, anjo. Noventa por cento do
Shopping está te olhando nesse momento. Você sabe por que? – Levantou as
sobrancelhas, compadecido com sua falta de amor próprio.
- Porque eu estou com você? – Indagou, confusa.
- Não, Bianca. Porque você é bonita e chama atenção por si própria. –
Disse, paciente. Ela o olhou em desconfiança. - E porque está comigo. - Ele
completou, revirando os olhos. - Vamos ter que dar um jeito nessa sua
autoestima... - Resmungou para si mesmo, voltando a andar e já entrando em uma
grande loja de departamento que havia no final do corredor, sendo seguido de
perto pela mais nova.
- Aqui. - Theo disse ao entregar nas pequenas mãos de Bianca uma pilha
de roupas de todos os tipos e cores e já a empurrando para entrar no provador.
Ela bem que tentou protestar, mas ele estava irredutível, então logo ela saía de
trás das cortinas azuladas com combinações aleatórias, as quais ele julgava com
atenção, sendo preciso para isso que ela desse algumas voltinhas, que a matavam
de vergonha. - Essa vai com certeza, mas você vai precisar usar sem sutiã, anjo. -
Exemplificou puxando a alça do modelo sem graça que atrapalhava o decote mais
cavado da blusa.
- O que? Mas, Theo, olha pra isso, dá pra praticamente ver os meus
órgãos nessa coisa! Eu não quero ser vulgar para conquistar ninguém. – Rebateu,
nervosa com toda a pele a mostra. Não estava nem de longe acostumada a usar
aquele tipo de vestimenta. Theo revirou os olhos, sem ver sentido na reclamação.
- Me escuta, Bianca. Isso não é vulgar, é sensual. E você não sabe a
diferença porque esteve muito ocupada a vida inteira escondida embaixo de
camisetas e cardigãs dois números maiores que você. O decote dessa blusa é
provocador, não mostra demais e nem esconde uma parte... Especialmente
tentadora do seu corpo, e a transparência nos lugares certos deixa seu contorno
mais "violão". - Ela tentou fortemente controlar as bochechas coradas e a vontade
de tapar o corpo inteiro para que ele não a analisasse daquela forma tão carnal.
Mas sabia que levaria uma bronca, seguida de um "o que eu disse sobre não me
questionar?" – já estava até mesmo abusando da quebra daquela regra -, então
optou por desviar a atenção dele com uma pergunta.
- Como você sabe tudo isso? Quero dizer, você é homem, não devia estar
insistindo que eu saísse de roupa íntima por aí?
- Justamente por ser homem eu sei o que eu valorizo em uma mulher, e por
isso sei como eu quero te ver dentro de cada roupa. E, além disso, quem mostra
demais costuma ter pouco a oferecer em outros aspectos. Não é sempre assim,
porque algumas mulheres só se sentem bem dessa forma e é o direito delas. Mas,
infelizmente, nossa sociedade ainda é machista e julga esse tipo de escolha com
maus olhares. Mas não fique ansiosa sobre roupas íntimas, anjo, pois será a nossa
próxima parada depois daqui de qualquer maneira. – Piscou, apoiando o
tornozelo no joelho de maneira displicente, sentado em uma poltrona em frente ao
provador.
- Nós vamos juntos comprar calcinhas? - Indagou horrorizada de
vergonha.
- Sim, pequena. Não te adianta de nada conquistar o cara se na hora que
ele estiver se animando tiver um vislumbre do seu sutiã bege de avó. - Ele
levantou uma sobrancelha desafiando-a a retrucar, o que obviamente não
aconteceu. - Mas não precisa ficar molhada agora, nas lojas de lingerie eles não
permitem homens e mulheres dentro do mesmo vestiário, então é uma vendedora
que vai ter que fazer o serviço por mim e ver como você fica em cada peça que eu
escolher. Uma pena. – Suspirou, pegando gosto por deixá-la sem graça. - Agora
vamos. Troque-se de volta, pegue todas as roupas para as quais eu disse sim e me
encontre no caixa.
A comida estava pronta e a mesa estava posta, e Theo tinha feito tudo
sozinho porque Bianca e Whisky haviam sumido há mais de quarenta minutos, e
ele não fazia ideia de onde tinham se metido. Foi procurá-los pelos poucos
cômodos da casa, e, assim que se deparou com todos vazios, também pelo quintal.
Encontrou Bianca com um sorriso aberto, descabelada, de roupas amassadas, e
com Whisky em cima dela, quase a derrubando na piscina.
- Para, Whisky! Seu grandalhão fofo, você tá me babando toda! - Ela
gritava entre risadas espontâneas. - Ok, ok. Eu prometo não roubar mais sua bola!
Whisky deu dois passos para trás, livrando-a de suas enormes patas. Ela
colocou a mão para trás do corpo revelando a bola laranja favorita do cachorro e
então jogando-a longe para que ele fosse em uma corrida desenfreada buscar.
Theo riu com a cena.
- Anjo, o almoço está pronto. - Chamou.
- Ai, Theo, me desculpa! Eu sequer te ajudei, me distrai aqui brincando
com o seu cachorro.
- Não faz mal. Só venha comer antes que esfrie.
Foram para dentro novamente, com Whisky de volta após recuperar a
bolinha, trançando as pernas de Bianca pedindo para brincar mais. Theo precisou
trancar o cão no quintal novamente para que ele deixasse a visita em paz.
- Parece que você gosta muito de cachorros. - Comentou no almoço. -
Você não é assim espontânea com as pessoas.
- Cachorros te aceitam como você é, e se te machucam, é realmente sem
querer. Eles não guardam rancor, não te culpam por nada, nem exigem de você
mais do que você pode dar. Só querem brincar e lamber seu rosto, se possível. -
Ela explicou, dando de ombros, e Theo imediatamente entendeu que havia um
passado turbulento ali, que explicava o fato de Bianca ser tão retraída com as
pessoas.
- Quem foi? – Perguntou subitamente, olhando-a com interesse.
- Quem foi o quê? – Não entendeu.
- Que te estragou, que te fez ter tanto receio da humanidade. – Ele clareou,
o rosto contorcido como se tentasse ler seus pensamentos.
- Ah... Eu não gosto muito de falar sobre isso, Theo. – Bianca baixou a
cabeça, mexendo na comida sem propósito.
- Eu só quero te entender. - Pediu, a voz morna. Ela suspirou, não tendo
como negar.
- Vamos fazer assim: Você me conta algo da sua vida e eu conto algo da
minha. Assim ficamos quites e eu não preciso sair daqui para me esconder de
vergonha debaixo das minhas cobertas. - Bianca sugeriu, tentando quebrar o clima
pesado.
- Parece justo. – Ponderou. - Eu começo então. - Respirou fundo. - Meu
pais se separaram há alguns anos. Meu pai sumiu e minha mãe se casou com outro
cara. Eu resolvi ir morar com o meu avô. Ele era demais, o tipo de figura que
todo mundo deveria ter na família, mas já estava velho e debilitado, e com isso eu
tive que aprender a me virar. Aprendi a cozinhar, lavar, passar, limpar e lidar com
dinheiro por causa dele. Ele me ensinou tudo o que eu sei.
- O que aconteceu? - Perguntou, observando os pontos vermelhos que
tomavam o rosto do garoto com a memória da pessoa que mais amou no mundo.
- Ele faleceu. E eu fui obrigado por lei a voltar a morar com a minha mãe.
Mas eu não aguento o clima daquela casa e principalmente não aguento meu
padrasto, então arrumei um jeito de reformar isso aqui para que eu pudesse ter ao
menos um pouco de paz. - Terminou, dando de ombros.
- Você fala com tanta assertividade. É forte e independente. - Bianca
elogiou, encantada com as qualidades e história de vida do rapaz.
- Obrigado, meu anjo. - Agradeceu com um sorriso leve. - Sua vez.
- Meus pais também se separaram há algum tempo. A diferença é que eu
não tive pra onde correr, e tive que enfrentar as acusações da minha mãe sobre ter
sido minha culpa. - Suspirou entre uma garfada e outra com a lembrança
desagradável. - Meu pai estava depressivo e tinha essa aura negra
acompanhando-o o tempo todo. Eu era pequena, só queria ver meu pai feliz.
Então, eu sugeri que ele fosse arrumar novos amigos para brincar, porque era isso
que eu fazia para me animar. E, bem... Digamos que ele achou uma amiguinha
bastante especial disposta a brincar com ele.
- Ele deixou a sua mãe por outra? - Indagou, as sobrancelhas levantadas
em choque.
- Sim. E ela me responsabiliza por isso. Pelo fim do casamento deles.
Porque eu estava feliz pelo meu pai ter encontrado alguém que o fizesse feliz. Eu
não tinha a menor noção do que traição era, sequer que meu pai, meu ídolo,
pudesse estar fazendo isso. Enfim... É por isso que eu prefiro os cachorros. As
pessoas não são confiáveis.
Eles ainda ficaram horas praticando diversos tipos de situação para que
ela pegasse o jeito da coisa, mas o trabalho valeu a pena quando o teste final, que
seria um diálogo livre e não hipotético, teve vez. Bianca se saiu bem e seguiu de
perto a cartilha, e o resultado na vida real haveria de ter sido positivo.
Resolveram parar novamente a lição enquanto comiam sorvete direto do pote e
assistiam qualquer série que passava na televisão.
Era um episódio que Theo já tinha visto, então teve a chance de repassar
as dificuldades do dia para saber onde poderia ajudá-la em seguida.
Todos os tropeços da menina no quesito sedução acabavam apontando
para um mesmo problema, o da baixa autoestima. Bianca não se amava, não se
achava sexy e não estava confortável com o próprio corpo, e por isso tinha tanta
dificuldade em passar isso para as pessoas: para ela, era equivalente a contar
uma mentira.
Ele sabia como podia contornar isso, mas tinha quase certeza que Bianca
teria algumas pedras na mão e uma grande barreira para aceitar a próxima aula.
Teria que preparar bem o terreno, porque aquilo não podia ser adiado.
Olhou para o lado onde a garota estava sentada com a postura perfeita
apesar da áurea que ela emanava deixando claro que preferia estar abraçando as
pernas em cima do sofá. Suspirou desgostoso, novamente lhe incomodando o fato
de ela querer tanto se moldar para atender às expectativas de alguém que não
seria bom para ela.
Passou um braço ao redor de seus ombros e a puxou para recostar em seu
peito, o que ela fez de bom grado, já conseguindo encarar melhor a presença dele
com a intimidade que estavam criando. Ele sentia uma vontade irracional de
acolhê-la em seus braços, para protegê-la do mundo preto e branco que existia ao
seu redor. Ela podia beirar os dezessete, mas ainda era uma menina ingênua e
muito machucada pela vida que não merecia a discriminação que sofria. "O que
eu faço com você, anjo?", pensou. Ela estava trazendo luz para sua vida,
animação e esperança, e o que ele trazia para a dela eram regras e imposições de
uma sociedade quadrada.
Não queria que tivesse que ser assim.
Naquela segunda-feira à tarde, depois do período de aulas, Theo e Bianca
foram embora juntos direto para a casa do mais velho. Ele disse a ela que a
terceira aula teria que ser naquele dia, pois não podiam mais adiar lidar com
aquele obstáculo.
Ela, como sempre, acatou, embora não fizesse ideia do que ele estava
falando.
Mas o jeito como Theo estava, tão agitado e nervoso, a fez ficar
assustada. Ele não parava de repuxar os lábios e os cabelos já normalmente
bagunçados, estavam caóticos de tantas vezes que ele passava as mãos tensas por
eles.
- Por que você parece tão nervoso hoje? Aconteceu alguma coisa? Eu fiz
algo errado? - Perguntou, já não aguentando mais o estado do garoto sem saber o
motivo daquilo.
- Não, nada disso. Eu só sei que você não vai gostar nada do que eu tenho
preparado pra hoje.
- E o que é que você tem? - Bianca estava curiosa, e se não fosse a
confiança que havia desenvolvido nele, naquele momento estaria tencionando sair
dali correndo.
- Bom... Sabe como o seu maior problema é de autoestima, certo? -
Gesticulou com as sobrancelhas levantadas.
- É, você está sempre falando isso. Que eu preciso me amar antes das
outras pessoas poderem. Mas, você sabe, não é tão fácil quanto falar.
- Eu sei. Mas talvez a gente precise ser mais... Literal nessa coisa de se
amar.
- Como assim?
- Nas nossas primeiras aulas, eu podia ver a vergonha que você tinha de si
mesma. A falta de confiança na sua aparência e o desmerecimento quando falava
sobre você. Era como se você estivesse fazendo tudo isso, todo esse esforço...
mas achasse que estava aprendendo a enganar os homens e não a deixá-los ver o
melhor de você. Isso é porque você não acredita no seu potencial, nas suas
qualidades, não se ama. E então eu acho que você precisa conhecer melhor você
mesma, conhecer melhor o seu corpo. Explorá-lo, acariciá-lo, amá-lo. - Ela ainda
parecia confusa. - Tudo bem, o que eu to dizendo é que eu acho que você precisa
fazer amor consigo mesma para que os outros queiram fazer amor com você. - Os
olhos dela imediatamente se arregalaram, talvez estivesse enfim entendendo
aonde Theo queria chegar.
- Nesse nível de literalidade?
- É, nesse nível. Bianca... - Suspirou. Ia precisar falar as palavras. - Eu to
falando de masturbação.
- Ai, meu deus, eu não to ouvindo isso. - Ela se levantou começando um
caminhar nervoso em círculos pela sala.
- Você disse que ia fazer tudo que eu mandasse. - Lembrou.
- Você não pode estar sinceramente mandando eu me tocar! - Queria
parecer ultrajada, mas a falha na voz entregou que ela estava apenas muito
nervosa.
- Bom, pois eu estou. - Ele bateu o pé, sabendo que seria complicado
convencê-la. Depois, percebeu que falar grosso com a garota nem sempre
funcionava, e preferiu tirar a máscara de carrasco. - Anjo... - Começou,
levantando-se e pegando as mãos dela entre as suas. - Eu sei que é estranho.
Ainda mais por ter um cara falando isso pra você. Mas eu realmente acho que
esse é o melhor caminho. Porque não importa o trabalho que façamos pra você se
aceitar, vai ser tudo superficial, se chegar na hora H e você estiver sem roupa eu
tenho certeza que a timidez e a vergonha de si mesma vão voltar com força total.
Você precisa estar confortável consigo mesma desde debaixo da pele, confortável
com o seu prazer egoísta, com o que quer, com o que precisa. Aí sim vai poder se
concentrar em pedir isso aos outros e dar a eles também. Você entende?
- M-mas... Por mais que eu entenda o que você tá falando... Theo, eu não
faço nem ideia de como fazer isso. Por onde começar. - Ele engoliu em seco.
Tinha alguma noção da inexperiência da garota no quesito sexualidade, mas
achava que ao menos nesse aspecto tão íntimo ela soubesse se orientar.
- Não se preocupa... eu te ajudo.
- A-ajuda?
- É. Eu vou te dizendo o que fazer. Como em uma aula normal. – Garantiu,
tentando apaziguar seu nervosismo.
- Não tem nada de normal nisso. – Ela resmungou, ainda insegura.
- Eu sei. Eu sei, mas é o que temos para o momento. - Ele deu de ombros,
mas os olhos estavam analíticos em cima dela como se ainda esperasse algumas
objeções.
- O que? É pra começar agora? – Ela perguntou ao se sentir analisada.
- Vamos fazer assim: A gente vai pro meu quarto, senta na minha cama,
confortáveis, e eu te explico melhor tudo que puder. Daí a gente vê como fazer de
lá. Tá bem? - Ele podia dizer que ela estava tensa e desconfortável com toda a
perspectiva dos próximos minutos, mas tinha esperança de que dar um passo de
cada vez fosse ajudá-la a relaxar.
Theo foi até o aparelho de som da sala e mexeu ali alguns minutos até que
uma música envolvente e sensual dos Arctic Monkeys saísse dos amplificadores.
Bianca levantou uma sobrancelha, indagando-se o que aquilo significava, mas não
pôde fazer a pergunta em voz alta antes que o garoto a puxasse pela mão e
chocasse seus corpos. A outra mão de Theo pousou em sua cintura e ela, sem
saber o que fazer com o braço livre, o descansou no ombro forte do mentor.
- Eu vou te ensinar a dançar. - Ele explicou, mais próximo do que o
recomendável do rosto dela para que ambos não perdessem os sentidos.
- Dançar? - Bianca confirmou, feliz por não ter gaguejado.
- Sim. É importante que você saiba se mover com graciosidade e
sensualidade, sem passos ensaiados. É uma etapa importante da conquista se ela
envolver uma festa ou balada. - Theo continuava dizendo tudo com serenidade e
perto demais da face da menor, que apenas engoliu em seco e gesticulou que tinha
entendido. Ele colou seus troncos e aproximou a boca de seu ouvido. - Siga o
movimento do meu corpo. Se deixe conduzir, se deixe levar. Vai perceber que
isso é mais fácil do que parece.
Sem pensar no teor das palavras do mais velho, Bianca fechou os olhos e
deixou que todas as partes do seu corpo que escoravam a superfície rígida que
era o dele se entregassem. Eles tinham as bochechas coladas e balançavam-se
sutilmente ao ritmo da música, o quadril dele incitando o movimento do dela. Até
que com um impulso um pouco maior, eles começaram a dar passos modestos e
requebradas mais acentuadas. Para frente e para trás, para um lado e para o outro,
dançaram por todo o tapete com graciosidade e informalidade.
Todos os gestos que Theo incitava com seus ombros ou pernas, faziam
Bianca completar o movimento, de forma que ao final da música ela já quase
conseguia prever o próximo passo dele e agir de acordo.
- Muito bem. Dançar em dupla você aprendeu bem, mas essa não é a
modalidade mais comum nas festas pra gente da nossa idade. Então agora vamos
ver como você se vira sozinha. Aqui. - Disse, indo para trás de Bianca e
novamente apoiando as mãos em sua cintura, como haviam feito na segunda aula,
a da postura. Ele a ajudou a começar a rebolar, e logo ela assumiu o controle. A
forçou a dar pequenas abaixadas curvando os joelhos, para que a dança ficasse
mais sensual. E, assim como no quarto, segurou as mãos dela, mostrando o que
fazer com as mesmas.
Fez ela passeá-las pelos cabelos, traçarem a curva do pescoço e da
cintura, e desenharem desenhos abstratos nas coxas. Tudo devagar, com calma e
sensualidade. - Você pode deixar os lábios entreabertos e olhar por cima do
ombro. - Ensinou, e ela reproduziu imediatamente, de forma que o nariz e a boca
do rapaz encostavam-se à sua bochecha na virada, perto do ouvido. - Isso.
Continue assim. - Pediu, a voz rouca e baixa acabou por incentivá-la a
movimentar mais o quadril encaixado no dele. Theo suspirou pelo contato,
fechando os olhos apertados, e optou por se afastar para sentar-se no sofá de
frente a ela. - Vamos ver se você aprendeu. Dança pra mim, Bianca.
A garota parou o que fazia estática no centro da sala. Tinha um par de
olhos sobre si e a ordem do professor ecoava nos confins de sua mente, como uma
daquelas fórmulas que você precisa muito decodificar em uma prova importante,
mas nada no mundo te ajuda a fazê-lo. Ele abriu as pernas e apoiou os antebraços
nas coxas, fazendo um gesto com a mão para que ela começasse. Só assim ela saiu
do transe, forçando os pés a saírem do lugar sem destino certo, e, embora em seus
olhos ainda transparecessem o receio e a vergonha, tentou manter o corpo se
movendo ao ritmo mais devagar da nova música ao fundo, lembrando-se de como
era mais fácil com Theo ao seu redor.
Ouviu-se um barulho de estalar de dedos no cômodo e foi então que ela
levantou os olhos de seus pés e encontrou o olhar do mais velho. E alguma
conexão estranha se estabeleceu, de forma que todos os flashes de elogios e dicas
que ele havia lhe dado até ali a atingiram em um piscar de olhos. E ela entendeu
que ele não era qualquer um. Era Theo naquele sofá, e eles já tinham estabelecido
vínculo suficiente para que ela pudesse se dignar a ao menos... Tentar com
propriedade.
Fechou os olhos apertados e soltou o pescoço, deixando o corpo livre
para acompanhar as batidas. O quadril foi o primeiro a sair da inércia, quebrando
de um lado para o outro, enquanto os ombros ainda continuavam duros. Sentiu um
calor tocar-lhe a coxa esquerda e abriu os olhos vendo a mão de Theo ali. Ele a
estava puxando mais para frente, quase para o meio de suas pernas. Ela foi com
os lábios entre os dentes, dessa vez arriscando passear as mãos pelo pescoço e
cintura, como ele tinha instruído.
Theo se recostou no sofá, deixando que ela se habituasse à situação.
Ainda lhe parecia pouco confortável, mas a cada descida que os olhos dele
davam pelo seu corpo, um novo passo parecia ser dado para que a dança ficasse
mais natural. Ele tocou dois dedos no joelho, indicando-a para dobrá-los, e jogou
a cabeça de um lado para o outro, como se a avisasse para brincar com os
cabelos também. E dessa forma, o conjunto de movimentos foi ganhando jeito, e
desinibição.
- Vire-se. - Ordenou mais uma vez, fazendo-a ficar de costas para o sofá.
Bianca continuou a dançar, agora recobrando traços de timidez com a suspeita de
ter a bunda observada, ao passo que Theo molhava os lábios e puxava o tecido da
calça jeans, desconfortável com a visão tentadoramente mais apurada. Ele subiu
uma mão pela lateral do quadril dela, em uma tortura silenciosa do local que
queria realmente tocar, e a alcançou nos cabelos sedosos caídos pelas costas até
podê-los puxar levemente, para que ela voltasse a relaxar o pescoço. - Curve-se e
olhe pra mim por cima do ombro. - Inesperadamente, apesar da posição sugestiva,
o ar de inocência que Bianca exalava apenas era um afrodisíaco a mais em todo o
showzinho particular. Como se quanto mais inexperiente ela soasse, mais traria o
gosto de corrupção e sensual inevitabilidade. - Agora venha aqui.
Estando novamente cara-a-cara com Theo, ela tinha uma interrogação nos
olhos perante a nova ordem, que só agravou quando ele deu dois tapinhas no
jeans, e a ajudou a sentar-se em seu colo de frente, as pernas abertas onde
encaixava-se o quadril dele, e o traseiro firme e posicionado no início das coxas
musculosas sobre si.
- Apoie-se nos joelhos e ondule o seu corpo. Brinque com o cabelo.
Entenda que eu sou quem você quer conquistar e não um mero professor. - Ela
seguiu, frase-a-frase, cada uma das orientações dele, aproveitando para enlaçar
os braços ao redor de seu pescoço e encostar suas testas de forma que tivesse
mais apoio e em busca do pouco de coragem que a intimidade deles sempre a
incitava. O corpo dela inclinou-se para frente e para trás, unindo virilhas,
barrigas e peitos, sempre chocando a maciez e suavidade dela com a rigidez dele.
Aprovado o movimento, Theo apertou-lhe a cintura indicando que ela estava indo
bem. O incentivo a fez ir além, voltando a dançar no colo dele, o rebolado em
pequenos círculos atiçando-o aos poucos. - Isso... Muito bem, anjo. - elogiou
subindo o rosto do ponto em que se encontravam para novamente olhá-la nos
olhos, e assim diminuindo o ângulo de contato das faces, aproximando suas bocas.
Tão perto, que Bianca diminuiu a intensidade do movimento, com medo de
esbarrar seus lábios nos dele acidentalmente.
Ela tinha a respiração dele batendo no rosto, o hálito provocando como
seria seu sabor e o calor sempre presente a envolvendo. Theo não sabia onde
pousar os olhos, que ficavam vagando entre os lábios vermelhos entreabertos de
Bianca e os olhos transparentes e vidrados.
Bem, o que se seguiria àquele momento, normalmente, seria um beijo.
E ele queria.
Pensava que aquela não era uma vontade momentânea; Estava crescendo
em seu ser já há algum tempo. Mas ainda não tinha decidido se era a curiosidade,
o acesso fácil ou a simples beleza discreta dela chamando.
O que sabia, era que não devia fazê-lo.
Aquela garota precisava dele, gostava de outro, e era frágil demais para
servir-lhe como cardápio do dia. Até mesmo merecia mais do que ter a cabeça
confusa sem propósito. Ele sabia melhor do que se meter com ela. Então engoliu o
gosto doce do quase beijo em seco e afastou a cabeça tentando pensar com
clareza.
- Está ficando tarde e você deve estar cansada. Por que não continuamos
essa aula amanhã? - Sugeriu, precisando criar força para aguentar a feição
decepcionada que inevitavelmente cruzaria a face da menor. Ele acariciou sua
cintura em um consolo mudo. Sabia que ela também queria, embora não tivesse
consciência disso. E aquela vontade demoraria a passar, - como se tivesse fome,
mas não houvesse comida disponível por um longo tempo - até que,
eventualmente, se acalmaria e conseguiria levar as aulas normalmente. Ou assim
acreditava que seria. E quanto a Bianca... Bom, o encantamento também passaria.
Ela se habituaria a ele, à sua experiência e charme, e conseguiria focar
exclusivamente no amado melhor amigo, ainda que esse também não merecesse.
Quase uma hora havia se passado, e apesar dos dedos enrugados, a dupla
não dava sinais de que sairia dali tão cedo. Naquele momento, Theo apoiava a
cabeça e o alto das pernas da garota, que boiava tranquilamente enquanto era
conduzida de um lado ao outro do imenso retângulo de água. O silêncio havia
recaído entre os dois naquele instante de calmaria, mas daquela forma não
permaneceria muito tempo.
- Você já se inscreveu pra faculdade que seu padrasto quer? - Ela
começou, ainda flutuando de olhos fechados.
- Ainda não, mas vou ter que. Contra vontade, mas sim. Ou então, ele vai
fazer por mim.
- E na que você quer?
- Ah... Não também. Não sei se deveria. Depois se eu passar não vou
saber dizer não e vou precisar enfrentar mais um quebra-pau aqui em casa onde
eu vou sair perdendo no final.
- Meu tio é advogado.
- Bem...?
- Ele é especializado nessas coisas de família. Não sei bem o nome.
Divórcio, herança, emancipação de menor, ele cuida dessas coisas.
- Você está sugerindo o que eu acho?
- Eu podia ligar pra ele. A gente sentava pra tomar um sorvete e contava
sua situação. Ouvir o que ele tem a dizer... Não pode fazer mal, certo? - Bianca
enfim abriu os olhos e estudou o rosto do garoto. Ele parecia brilhar em
admiração e a fez afundar até estar em pé a sua frente. Segurou seu rosto entre as
palmas das mãos e puxou para si, deixando um beijo estalado e molhado na testa
dela.
- Desse jeito vai me fazer louco por você. - Ele disse com um sorriso, e a
abraçou novamente. Estavam dando muitos abraços ultimamente, mas ali,
molhados e com pouquíssimo pano entre eles, a intimidade e conexão que agora
tinham parecia gritar aos sete ventos.
Gritava que eles não sabiam mais viver sem o outro.
- Acho que a minha cozinha nunca ficou tão bem servida. - Ele brincava,
trazendo as últimas peças de louça para colocar dentro da pia enquanto Bianca,
ainda de biquíni, já estava ensaboando prato a prato.
- Para, seu bobo. - Reclamou, tentando se concentrar em não quebrar nada,
desastrada que era.
- Mas eu mal comecei! - Theo foi para trás da garota, usando as mãos para
liberar um dos lados de seu pescoço dos cabelos ainda úmidos, e ali depositou
um beijo simplório, que a fez rir levemente. Passou então os braços ao redor da
cintura dela, e ficou ali, a abraçando apertado com a cabeça pousando em seu
ombro, até que ela se acostumasse com a presença e o calor dele e continuasse os
movimentos da esponja sem espirrar mais água que o necessário.
- A aula três acabou? – Perguntou.
- Eu só vou te ensinar a jogar cartas quando acabar aqui, e finito. – Ele
respondeu, murmurando ao pé do ouvido dela. Truco e poker eram jogos bastante
comuns entre os jovens da cidade, que sempre acabavam de uma fora ou de outra
com alguém bêbado e se pegando. Por isso, ele achava interessante ensiná-la a se
dar bem com as cartas também, a ficar confortável consigo mesma mesmo em um
ambiente de provação competitiva como aquele.
- Essa foi longa. – Comentou, como quem não quer nada, mas não havia
sequer um tom de reclamação contido na fala.
- Bem, a primeira parte dela era a mais necessária. O restante foi para te
habituar com a confiança no seu corpo em situações diversas.
- Sabe, eu gostei dessa mais do que das outras.
- Você é uma safada, só não sabe disso ainda.
- Theo! - Reclamou, alarmada. Ele ria.
- Eu tô brincando, calma. Mas olha, você pode reproduzir todas as coisas
que treinamos mais vezes, viu? Pra pegar o jeito e tudo mais.
- Você quer dizer me tocar de novo?
- Também, sempre que possível. Não tem nada melhor pro corpo do que
um orgasmo, e a mudança que essa única vez causou em você foi muito positiva. -
Ela virou brevemente o rosto em direção ao ombro onde o dele estava com um
sorriso envergonhado. Recebeu um beijo na bochecha e um tapinha na bunda e se
virou apenas a tempo de ver Theo voltando para a sala caçando um baralho, e de
sentir a parte de trás formigar no local onde antes havia um corpo másculo e
tentador encostado.
Depois de uma semana puxada de trabalhos e relatórios na escola, Theo e
Bianca não puderam dar continuidade às aulas. Os poucos momentos em que se
viam eram nos intervalos e saída, onde trocavam abraços saudosos e desculpas
por mais um dia atarefado.
Não havia sido até aquela sexta-feira que conseguiram marcar mais uma
reunião em seu QG. Logo, Theo a esperava apoiado no carro que dirigia apesar
de menor de idade. Aquilo era comum por ali, os pais daqueles adolescentes
abastados preferiam lidar com a possibilidade remota de receberem multas do
que perder o conforto de eles terem sua própria forma de locomoção e a
possibilidade de se expor dando carros de luxo aos filhos. No máximo,
contratavam motoristas, o que não era o caso dos Versolati, já que Theo sempre
fora adepto demais de sua independência para ter um funcionário ao seu dispor.
Bianca não se atrasou daquela vez, agora estava mais à vontade de falar
com o garoto em público, apesar dos olhares que sempre os seguiam quando isso
acontecia. Entretanto, um olhar em específico pareceu subitamente interessado
demais nos passos e vida social da garota miúda: Sam.
Ele, claro, não havia largado a namorada ainda nem um segundo, mas
havia algum tempo que vigiava a proximidade da melhor amiga com o gostosão
do colégio. Ele estranhava muito aquela amizade, a achava improvável e tentava
não ouvir os rumores que diziam que estavam juntos.
Theo não ficaria com alguém como Bianca... Ficaria?
Quer dizer, com tantas garotas lindas como Milena se jogando aos pés
dele, não era possível que ele tivesse escolhido justo aquela. Não que ela fosse
feia, apenas não se encaixava no padrão, não se destacava, não era festeira e
atirada como as garotas com as quais ele era visto normalmente. Ainda que,
depois de ela ter aparecido bastante mudada na escola, essa distância tivesse
diminuído significativamente. Mas ele a conhecia bem, e sabia que por mais que
por fora ela tentasse se arrumar como as garotas normais, nunca passaria de uma
criança assustada e carente que precisa só de colo de vez em quando, e não de um
namorado.
Bem, aquilo não era da sua conta. Mas mesmo assim, por algum motivo,
não conseguia deixar de encará-los e indagar os motivos daquela união.
Theo, por outro lado, havia, aos poucos, parado de avisar Bianca sobre os
olhares de Sam. Não que eles tivessem ficado menos frequentes - pelo contrário -,
mas cada vez que via a menor interromper sua tagarelice e se retesar inteira por
conta daquilo, ressentia ter mencionado qualquer coisa. Ela estava fazendo
grandes avanços, mas parecia que a pessoa que desencadeou a mudança não ia
colher os frutos dela tão cedo.
Além disso, aquela história de ela ter escolhido fazer tudo aquilo por
aquele imbecil ainda não lhe descia. Theo entendia que ela se dizia apaixonada e,
portanto, disposta ao que fosse necessário, mas ele preferia não se lembrar disso,
porque o loiro simplesmente não a merecia. Quer dizer, eles podiam ser melhores
amigos, mas quem estava com Bianca todos os dias nas últimas duas semanas?
Quem havia cozinhado para ela, conversado sobre seus medos, ambições e sobre
sua família? Quem a havia feito rir? Quem tinha despertado seu lado sensual? A
resposta para todas aquelas perguntas não continha sequer uma vez o nome do
amiguinho precioso. Então, é, por mais que ele estivesse lhe dando aulas para
conquistar supostamente Sam, ele optava por deixar essa informação de lado em
sua cabeça, e, preferencialmente, da dela também.
Optou por não mencionar a discussão que tivera com a senhora Versolati
para o garoto. Sabia que aquilo o deixaria agitado, sem ação e que o lembraria da
sua impotência sobre o assunto que estava tentando esquecer. Então, Bianca
simplesmente entrou na casinha de madeira, e, sem jeito, cumprimentou o amigo
com um abraço infinitamente mais íntimo e longo do que deveria ter sido, e logo
foram se sentar para estudar.
Havia um grande problema, no entanto.
Não havia fórmula algébrica no mundo que lhes tirasse da cabeça o
maldito beijo.
A dupla havia subestimado o que o breve contato trocado no abraço
despertaria. O encostar a princípio suave das bocas e então o encontro fervoroso
de gostos e saliva era mais distrativo do que qualquer livro didático que tivessem
ao alcance. Principalmente, se o coprotagonista dessas memórias estivesse
sentado ao seu lado, há míseros centímetros de distância, sendo tão tentador a
cada nova mordida que dava nos próprios lábios.
Era tortura para os dois.
Focar em números e fórmulas parecia uma tarefa muito aquém do
permitido pelas mentes ocupadas demais naquele tipo de pensamento pecaminoso
e incerto.
Mas eles se esforçaram mesmo assim, obrigando-se a fazer exercício após
exercício, a conversar e trocar olhares de duração passável, independente do
quanto queriam prolongá-los.
Bianca sentia-se um ratinho assustado. Achava-se patética por estar tão
encantada, embora sentisse que o trabalho do mentor não estivesse sendo em vão,
pois a pouca autoestima que tinha ganho a impedia de ter crises de insegurança
sobre o beijo da aula anterior. Ela se lembrava dos parabéns dele, de como disse
estar orgulhoso dela, e do carinho e intimidade que trocaram momentos depois, e
sentia-se bem, como se aquilo fosse certo e ela não tivesse motivos para se sentir
acuada. Mais do que isso, permitia-se até mesmo fantasiar que ele tivesse gostado
do seu beijo, que ele também quisesse outro.
Mas então lembrava-se de Sam, de seu objetivo inicial, e da fama do
professor, e a confusão a dominava, incerteza e curiosidade disputando lugar com
suas vontades momentâneas. Era certo aquilo? Querer beijá-lo novamente? Quer
dizer... Tinha sido apenas uma aula, certo? Então não havia o que questionar. E
não era novidade a excelência do garoto no quesito sedução, então admitir ter
vontade de beijá-lo novamente era até mesmo esperado.
Como a inexperiência jogava a seu lado, preferia deixar as decisões por
conta dele. Se fosse para se beijarem novamente, ele diria assim. E pronto.
Quanto aos exercícios matemáticos... Esses não se fariam sozinhos.
Para Theo, a situação desenvolvia-se de forma diferente. Ele estava, antes
de mais nada, intrigado. Queria entender como uma garota simples e pequena
como Bianca conseguia dominar seus pensamentos daquela forma. Claro, toda a
situação de submissão em que ela se encontrava com relação a ele era tentadora
por si só, mas havia mais. A intimidade também não ajudava, saber que ela era a
única pessoa que ficara ao seu lado na busca de um sonho bastante inalcançável.
Por fim, a ingenuidade e doçura contidos no beijo da menina, faziam seu estômago
contorcer-se desconfortável até agora, aquela sendo uma novidade que ele não
havia provado até então, mas que muito tinha gostado.
Embora distraídos pelo mesmo motivo, havia uma diferença crucial nos
pensamentos de cada. Enquanto Bianca encontrava-se em um estado mais
contemplativo e esperançoso, Theo tinha certezas e tomava decisões. Ficar
naquela tortura silenciosa não fazia seu feitio. Precisava de distração melhor.
- Qual a sua cor favorita? - Perguntou, interrompendo o raciocínio
matemático da menina.
- Laranja, por que?
- Porque eu quero saber. - Ele deu de ombros. - A gente tem passado tanto
tempo juntos, quero saber mais sobre você, anjo. - Em um suspiro aliviado,
Bianca largou a lapiseira sobre a mesa e virou-se completamente na direção dele,
agradecida pela chance de mudar o rumo de seus pensamentos de forma mais
efetiva.
- É laranja. – Repetiu. - É a cor de pôr do sol, e eu adoro pôr do sol.
- Que romântica. - Ele provocou, recebendo a língua da menor.
- Vai, seu insensível, vai dizer que pôr do sol não é lindo?
- É, mas eu prefiro o depois, quando já está de noite e toda a claridade
depende das estrelas.
- Quem é romântico agora? - Ela rebateu, recebendo cócegas vingativas
por alguns segundos. - Deixa eu adivinhar, sua cor favorita é preto? - Tentou, em
uma careta.
- Não. Azul escuro.
- Ah, Theo, você é muito menininho.
- Menina! Olha como fala comigo. – Reclamou, beliscando de leve sua
cintura.
- Tá, tá. – Fez pouco caso, como uma criança levada.
- Vai, sua vez de perguntar alguma coisa.
- Isso é um jogo por acaso?
- Agora é. – Deu de ombros.
- Tudo bem, vamos ver... – Bateu um dedo no queixo, pensativa - Você tem
um hobbie preferido?
- Transar. - Ela revirou os olhos para a piadinha.
- Um esporte preferido então.
- Transar. - Ele disse, novamente, embora carregasse um sorriso de canto
provocador.
- Theo, assim não vale! A pergunta é séria. - Ralhou.
- Ué, mas a resposta também é. Você quer que eu seja honesto, ou o quê? -
Ela rosnou qualquer xingamento, e recebeu um sorriso maroto de volta. - Tá bem,
meu hobbie favorito é te ensinar a ser sedutora, e meu esporte favorito é futebol.
Emburradinha. - Brincou, apertando as bochechas de Bianca em provocação. -
Minha vez. Você já sabe o que quer fazer de faculdade?
- Ainda não. Penso em ou veterinária ou jornalismo, mas não é nada certo.
- Qualquer coisa pra fugir de contato humano, huh? Ou se esconde atrás de
letras em um computador, ou atrás de animais.
- Você já pode parar de me analisar, obrigada. - Reclamou, incomodada,
embora não tivesse sucesso em esconder o riso por muito tempo. - E séries, você
assiste?
- Já dei uma chance pra maioria dessas famosinhas, mas só consigo me
prender em uma ou outra. Dexter, House, Game of Thrones. E você?
- Eu gosto quando tem algum romance. - Ela deu de ombros, fazendo
pouco caso. - Você sabe, a maioria das pessoas assiste séries porque se identifica
com um ou outro personagem. Acontece mais ou menos o mesmo processo de
quando lemos um livro de ficção. – Não pôde deixar de comentar, em
contemplação a seu jeito nerd.
- É? E quem eu seria nessas suas séries água com açúcar? O galã? - Ele
alfinetou, rindo.
- Você podia ser sem dúvidas o Mark Sloan de Grey's Anatomy ou o
Capitão Gancho de Once Upon a Time. - Bianca respondeu, rindo também. - Os
dois são teimosos e convencidos. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
- Você tá a cada dia mais saidinha, dona Caproni.
- A culpa é sua. Vem com essas ideias malucas de me dar confiança e
intimidade. Dá nisso! – Disse gargalhando.
- Tudo bem, essa culpa eu assumo com gosto. - Olhou para ela com
carinho, sentindo-a tão menos retraída do que era no primeiro dia que pisou
naquela mesma casa. - Acho que é a minha vez de novo. - Ele constatou, apesar
de ninguém estar prestando atenção à ordem das perguntas. Pensou um instante e
resolveu tirar da frente algo que tinha muita curiosidade de saber. - Por que você
gosta do loiro? – Bianca mordeu o lábio e olhou para baixo, pesando a melhor
maneira de explicar.
- Sam é... Especial. Ele é gentil, simpático, me quis quando ninguém mais
me queria, ficou do meu lado quando tudo que eu queria era sumir, e me fez
companhia quando eu não tinha ninguém. Além de ser lindo.
- Mas seguindo esses motivos é por mim que você devia estar apaixonada!
- Theo brincou, um gosto amargo na boca incomodando. Então era realmente
carência. A garota não gostava realmente do amiguinho, ele acreditava, apenas
achava que devia se sentir assim pela pessoa que a tirou da solidão. Era o que o
universo ensinava para garotas ingênuas como Bianca: o príncipe encantado da
modernidade disfarçava-se de melhor amigo atencioso. E isso bastava para que
elas não olhassem mais ao redor e consequentemente não vissem toda a
destruição que os defeitos egoístas desses mesmos caras causavam nelas.
Bianca sorriu sem graça, deixando um tapa fraco na perna dele. Fez mais
uma pergunta, e o jogo teve continuidade por mais alguns minutos, em que eles se
permitiram conhecer-se melhor. Então, precisaram voltar aos estudos, para que
aquela tarde escolar não tivesse sido em vão, e mergulharam no livro chato e
confuso de matemática, mesmo aquela sendo a última vontade que tinham.
- Olha, cara, já deu pra sacar que você não gosta de falar nisso. Por isso
eu juro que é a última vez que eu comento algo a respeito. - Derek tinha ficado
para trás quando o grupo de garotos começou a se mover para o refeitório,
especificamente para conseguir falar com Theo, que fechava seu armário antes de
acompanhá-los. Era o mais próximo do moreno dali, e se deu a liberdade de
voltar ao assunto Bianca apesar de todos os avisos para não fazê-lo. - Mas se
vocês estão ficando, velho, você não tem porque se envergonhar. A menina é
bonitinha, até, ou pelo menos ela está agora. Não me lembro como ela era antes,
mas se nunca a notei não devia ser grandes coisas. - Ele balançou a cabeça
freneticamente, percebendo que havia se perdido no discurso. - O que eu quero
dizer é que a gente não se importa se você tiver com ela. Você sempre tomou suas
decisões sem ligar pro que achamos de qualquer forma. Mas se esse é o caso,
Theo, se você tá pegando a novinha, talvez seja uma boa você mostrar isso pro
resto do colégio. Porque boatos e suposições não vão impedir que as líderes de
torcida deem mole pra você e nem vão impedir aquele cara de dar em cima dela.
Por enquanto, vocês são território neutro, sacou? - Theo estreitou os olhos pro
amigo, claramente não gostando de ter que falar sobre isso novamente, e menos
ainda do teor do assunto em questão. Infelizmente, ele tinha acabado de acender
uma luz em sua mente, e ele seria obrigado a colocar em prática aquilo. Antes, no
entanto, precisava se livrar de Derek.
- Você tem razão, cara. - Disse, dando tapinhas mais fortes do que o
aconselhável nas costas do mais baixo. - Eu não ligo pro que vocês acham. -
Então, em um sorriso irônico e deixando um leve beliscão na bochecha do outro
em provocação, ele posicionou melhor a mochila no ombro e marchou para onde
Bianca estava, do outro lado do corredor. Sam já se despedia com um aceno
comedido e ia como um pato atrás do rabo de saia que era sua namorada aguada.
Theo não gostava de falar daquela forma com quem quer que fosse,
mesmo que já tivesse deixado cristalino que não queria tocar mais no tema "ele e
Bianca". Mas, quando Derek soubesse que ele fizera exatamente o que
aconselhou, ele perdoaria a grosseria momentânea e tudo ficaria bem de novo,
então não havia porque se preocupar.
Chegou perto da menina sem ela perceber, não dando assim o tempo que
ela gostaria para se preparar melhor para aquela conversa. Não que qualquer
preparação pudesse ajudá-la para o que viria a seguir.
O mais velho a encurralou na parede, um braço dobrado ao redor de sua
cabeça e o outro estendido, por onde se apoiava com a mão. Ele aproximou seus
rostos tanto quanto podia sem que seus narizes se encostassem, e ficou quieto,
apenas mirando-a no fundo dos olhos transparentes com intensidade.
- O-Oi? - Ela gaguejou, nervosa com a energia que emanava dele. Theo
mordeu os lábios e expirou com força, então tirando uma das mãos da parede para
enlaçá-la pela cintura.
- Nossa próxima aula é hoje depois do último período. Eu vou querer
saber o que o loiro queria com você e vou te punir por ter se escondido hoje a
manhã inteira. - Disse assertivo, fazendo-a concordar depressa.
- T-Tudo bem. – Ela estava nervosa, por ter que encará-lo depois da tarde
anterior, e por tê-lo a enlaçando na frente de todo mundo. Mas não podia negar
que por mais fora de sua zona de conforto que aquilo fosse... Era estranhamente
animador.
- Mais uma coisa, Bianca. A partir de agora, e para todos os efeitos até
nossas aulas acabarem, nós estamos juntos.
- Juntos? Como em um... Relacionamento?
- Isso. Namorando, transando casualmente, ou só ficando. Você quem sabe.
- Deu de ombros. - Mas estamos juntos. - Reafirmou.
- Eu... - Bianca tentou questionar.
- Não, anjo. Não é uma opção. Mais tarde eu te explico o motivo disso,
mas saiba que tem a ver com você laçar seu precioso amiguinho. Ciúmes pode ser
a melhor forma de ele te notar. - Piscou, sem deixar margem para novos “mas”.
Então, roçou seus lábios com voracidade, o que a fez trancar a respiração, e
partiu, finalmente, para o refeitório, puxando-a atrás de si pela mão.
Depois de pegar uma água para Bianca, que aos poucos voltava ao estado
normal com a premissa da aula ser tão menos pior do que ela imaginava, Theo se
sentou novamente ao seu lado no sofá. Ele estava ainda levemente embasbacado
de ter descoberto que toda a paixão que Bianca clamava sentir pelo melhor amigo
tinha raízes mais profundas. A expressão "amor de pica" que tantas vezes ouviu
no colégio quando estava para completar dezesseis anos, por algum motivo, fazia
sentido agora. Diziam-se apaixonadas as garotas da sua sala da época por aqueles
que lhes tiravam a virgindade, por aquela ser a primeira grande expressão de
intimidade que elas tinham, e isso as deslumbrava a esse ponto. Bianca podia
estar sofrendo dessa doença terminal. Mas independentemente do que justificava
o amor errado que ela dizia bater em seu peito, o que mais o impressionava era a
confiança que ela parecia depositar nele próprio. Theo quase se via como um
leão de peito inflado e orgulhoso quando percebia a sua capacidade de acalmar a
pequena garota com qualquer simples combinação de palavras. Era um dos
melhores elogios que lhe podia fazer.
- Como a gente vai fazer isso? – Ela perguntou, deixando o copo de água
de lado. - Você vai ditar orientações como naquela vez no seu quarto,
ou...Vamos... Direto... Ao ponto?
- Eu não sei se tem como ensinar isso sem ser na prática, pequena. Mas a
gente começa devagar. Tudo bem? Você claramente não tem experiência e eu não
quero que se assuste. – Assegurou, tranquilo.
- Devagar... Quanto? – Espremeu os olhos, como se tentasse avançar o
relógio para ter as respostas de seu futuro próximo.
- Paramos quando você deixar de se sentir confortável e só vamos
continuar outra hora, quando você estiver calma novamente.
- Tudo bem... Acho que eu posso fazer isso. - Theo sorriu, sentindo a
curiosidade perpassar a voz da garota, e sua sempre notável ansiedade
transparecer a cada vez que ela insistia em molhar os lábios.
Se inclinou devagar para ela, apoiando-se no encosto do sofá e usando
uma mão para afastar os cabelos pesados de seu colo. Observou Bianca fechar os
olhos apertados ao depositar um selinho simples em sua bochecha, os lábios em
seguida escorregando para o maxilar e então o pescoço alvo. Sua respiração
tocou a pele sensível, causando arrepio imediato.
A primeira mordida veio, e com ela foi-se o resto de autocontrole dos
dois. Bianca agarrou o tecido da blusa de Theo, puxando-o para si, para sentir seu
calor a envolvendo. Ao mesmo tempo, ele envolvia sua cintura, o braço forte
quase dando a volta inteira. Não sabia se era o sabor de sua pele ou o perfume de
seus cabelos que o deixava tão sem ar tão depressa.
Bianca afastou-se o suficiente para que o rosto do professor focalizasse
em sua visão novamente, e logo tinha seus olhos fortemente fechados enquanto
chocava seus lábios. Não houve espaço para justificativa antes que eles se
abrissem, e línguas se massageassem como velhas conhecidas com saudades.
Um beijo tão gostoso, de encaixe tão certo, que sentiam como se tivessem
feito aquilo a vida inteira. O virar dos rostos, o puxar dos lábios inferior e então
superior, as sugadas e os suspiros quase sincronizados. Era quase como se álcool
estivesse embebido na saliva trocada, no gosto de cada um, que deixava o outro
severamente embriagado.
E com o porre, vinha também a luxúria.
A mão grande de Theo percorreu cada vértebra singular do corpo da
menor, deixando choques e espasmos por onde passava, até alcançar o quadril e
então encher os dedos na bunda. Apertou e massageou como desejava fazer desde
sua segunda aula, quando teve ela se esfregando inocentemente contra ele ao que
lhe ensinava a postura correta de como andar. Bianca não ficou atrás, cravava as
unhas médias nas omoplatas repletas de músculos das costas dele, e sem saber
porque, insistia em empurrar o joelho contra a perna do rapaz.
Mas Theo sabia ler o corpo de uma garota. E por isso, não demorou a
puxá-la para si até que estivesse ajeitada no sofá, deitada de costas com ele por
cima, a um passo de encaixar-se no meio de suas pernas.
Deixou a língua no lábio inferior, desconcentrado, ao acompanhar o
movimento que suas mãos faziam novamente pelo corpo miúdo. Ainda levemente
sentado sobre o próprio calcanhar esquerdo, tinha a visão perfeita do contorno
sinuoso do quadril, e então da cintura fina e brevemente exposta pelo levantar
sutil da camiseta, e por fim o colo avermelhado e arfante, por onde a respiração
entrecortada dela se manifestava.
Hipnotizado, Theo estava a um passo de enfim deitar-se para desfrutar de
tudo que seus olhos acompanhavam, se não tivesse caído nas graças de procurar
os transparentes de Bianca e não os encontrar.
Ela os tinha fechados com força, e não da forma como se espera. Não
estavam fechados para que ela se concentrasse melhor nas sensações ou ainda por
estar imaginando outras coisas, e sim por receio e medo.
Era como se estivesse dizendo para si mesma que se não visse o que
estava prestes a acontecer, poderia fingir que não era real.
E aquilo era tudo que ele precisava para entender que não ia acontecer.
- Bianca, abra os olhos. - Sussurrou, contido. A dor no seu tom de voz era
genuína e ela logo o obedeceu. - Eu estou te machucando? - Ela mordeu os lábios,
os olhos cristalinos preocupados de ver o garoto daquela maneira, e negou
fortemente com a cabeça.
- Não. - Theo respirou fundo, a testa vincada, e acariciou com suavidade o
contorno do rosto dela.
- Você confia em mim?
- Sim. - Respondeu, resoluta. Não precisava pensar sequer para ter
certeza.
- Então confia que eu não vá te machucar?
Silêncio.
As marcas do passado falavam mais alto que suas resoluções. Não
importava que fosse Theo, por mais que ela gostasse de pensar assim. Continuava
sendo algo que suas memórias gritavam como ruim.
- Eu vou parar agora. - Explicou devagar. - E seu corpo vai formigar
pedindo por mais. - Acariciou com leveza os braços arrepiados dela, como se
para demonstrar um ponto. - E eu não vou te dar mais até amanhã. E então, se
você continuar sem uma resposta afirmativa pra essa pergunta, eu vou parar de
novo. E vamos continuar nessa dança até você conseguir se acalmar e confiar em
mim o suficiente pra irmos até o fim. - Ela tinha os olhos presos nele, uma
conexão forte, praticamente inquebrável, que aguardava o fim daquela sequência
que descrevia. - E aí... Algo me diz que você não vai querer parar nunca mais.
- Bem, e o que o seu amiguinho queria ontem? - Theo perguntou enquanto
ele e Bianca perambulavam pelos corredores vazios depois de um acidente no
laboratório de química ter coincidentemente liberado os dois de suas salas até o
próximo período.
- Eu não entendi muito bem. Ele veio me perguntar sobre você e dizer que
se preocupa, que estaria cuidando de mim caso alguma coisa acontecesse ou algo
do tipo.
- Ele já estava com ciúmes, então. Mesmo antes de assumirmos um
relacionamento. – Constatou, pensativo.
- É... Pode ser. – Murmurou, distraída pelo som do celular do garoto
avisando o recebimento de uma nova mensagem. Curiosa, ela se inclinou para ler
junto com ele, que o permitiu; não haviam motivos para esconder o que fosse de
seu anjo.
"A escola ligou para avisar que você foi dispensado da aula. Mas nem
pense em matar o restante do dia! Pelo seu horário, hoje tem as matérias que você
tem tido piores notas e não queremos ter que adiar a faculdade que tanto
sonhamos."
Theo estalou os lábios, já devia estar conformado com a atitude ditatorial
do padrasto, mas aquilo não deixava de irritá-lo. Entrou em uma sala qualquer,
vazia pelo horário e de luzes apagadas. Bianca foi atrás, preocupada, embora
soubesse que ele precisava de distração e não de conversar sobre o assunto.
Encostado em uma mesa no escuro, o mais velho tinha os olhos cravados
no chão e o rosto tensionado, que não combinava com ele. A garota se aproximou,
segurando suas mãos grandes com força, mostrando que estava ali com ele, que
apoiava sua causa e entendia como ele se sentia.
- Ele é um babaca que não te conhece como eu conheço. Ignora, Theo,
deixa isso pra lá. - Ela disse, em conforto, sem perceber que ele abria então um
pequeno sorriso repuxando o canto dos lábios. - O que foi? - Bianca não estava
entendendo a mudança de feição.
- É engraçado te ouvir xingar alguém; nada demais. - Ela revirou os olhos.
- Bobo. Eu aqui tentando te consolar e...
- Sabe o que me consolaria? - Ele interrompeu, esperto. Bianca incentivou
com os olhos que ele terminasse o raciocínio, e em resposta o mentor deu dois
toques na própria boca, indicando o que queria. Ela revirou os olhos, tentando
parecer indignada, mas o sorriso mal contido entregava que aquela
espontaneidade dele a agradava e muito.
Passou os braços em torno do moreno, que a abraçou firme pela cintura.
Era um sentimento estranho. Ao mesmo tempo que sentiam que já houvessem feito
aquilo por toda as suas vidas, tamanha a familiaridade, era como se não fossem
vezes suficientes. Não importava a frequência, cansar-se do gosto do outro era
uma opção inimaginável.
O beijo que começaram tinha ritmo próprio. Ele ia de calmo e sensual a
forte e ofegante em segundos e de volta sem que fosse preciso mais do que um
puxar de cabelos ou suspiro. Theo sentia a respiração doce da garota em seu
rosto, e dedilhava suas costas por cima da blusa e por baixo dela, sempre sutil o
bastante para que ela não se alarmasse. E Bianca deliciava-se com o aperto do
mais velho, com a maneira com que ele parecia capaz de branquear seus
pensamentos e calar os sons ao redor.
Alguns minutos embebidos na entrega do momento, Theo desencostou-se
da mesa em que se apoiava e trocou as posições, puxando-a para que se sentasse
ali e permitisse a passagem do corpo forte dele entre suas pernas. Bianca se
deixou manusear, aprovando o fato de terem as alturas equiparadas e um lugar
para apertar suas coxas, que pareciam ansiar por aquilo irracionalmente. Com
uma panturrilha em cada lado do traseiro do garoto, ela puxou-o para si, ao passo
que ele desistia de brincar com a barra de sua camiseta erguida até o umbigo para
apertar com entusiasmo as coxas parcialmente descobertas pela saia.
Bagunçou completamente os cabelos curtos dele e suspirava
constantemente, quando ele decidiu desgrudar suas bocas dormentes e investir nos
beijos contra o pescoço alvo e maxilar dela. O hálito quente dele soprando ali se
provava uma das fraquezas de Bianca, que estremecia e mordia a língua tentando
segurar as reações exageradas para si.
Theo passou os braços pelo quadril dela, puxando-o para a beirada da
mesa e encaixando o seu próprio ali com mais propriedade, e seus beijos
desceram para o limite da blusa de gola em "V", que mostrava o princípio do
formato arredondado de seus seios arrebitados. Cobriu toda a região com seus
lábios, as mãos posicionadas sem receio na bunda da garota, e antes de dar o
próximo passo, levantou os olhos para ela que o olhava por detrás das pálpebras
pesadas, a boca entreaberta e inchada de tantas mordidas. Ele sorriu malicioso e
com cuidado puxou o tecido para o lado, revelando um sutiã desconhecido cinza
com uma renda branca inocente e sexy.
- Esse eu comprei por conta própria. - Ela explicou, sem ar e
envergonhada com o olhar dele.
- Vou te dizer que foi uma ótima surpresa. - Ele congratulou, orgulhoso,
antes de lamber a nova área exposta e engolir em chupões generosos a pele
perfumada. Bianca fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, empurrando-se na
direção do professor e pensando que, de fato, não conseguia imaginar que aquilo
pudesse ser tão... Bom. Gostoso. Excitante. Se amassar com Theo em uma sala
escura em pleno horário de aulas era surpreendentemente ideal. E por falar
naquilo...
O sinal tocou, indicando que o novo período de aulas tomaria frente nos
próximos dois minutos. E, consequentemente, que haviam grandes chances
daquela mesma sala ser utilizada.
O garoto bufou, dando-se conta daquele fato lastimável, e encostou a testa
brevemente na clavícula dela, tentando recuperar a respiração alterada. Um
momento depois, afastou-se e gesticulou com as duas mãos apontando a porta que
ela tinha a passagem para sair primeiro. Com um sorriso conformado e um
carinho singelo no ombro do menino, ela se levantou, ajeitou as roupas, e desfilou
para fora da sala, precisamente da maneira que ele tinha lhe ensinado, com
quadris para um lado e para o outro, em um rebolado impossível, e ombros para
trás, confiante.
Theo sorriu genuinamente e balançou a cabeça, chacoalhando os cabelos,
antes de segui-la, soberbo.
- E hoje? Não tem aula? - Ela perguntou depois que o assunto diluiu e eles
combinaram de levar a Operação Pai com calma.
- Não. As lições podem esperar um pouco para que eu curta a minha
menina que teve alguns dias ruins. - Ele sorriu saudoso, fazendo um carinho
singelo na nuca de Bianca.
- Achei que você fazia o tipo ditador que não perde tempo. - Ralhou,
mordendo os lábios para não sorrir.
- Te mimar e passar tempo com você nunca é perda de tempo. - Piscou
levantando-se e colocando a carteira no bolso da calça. - Vamos, vou te pagar um
sorvete e depois vamos fazer o que você tiver vontade.
- Pelo resto da tarde? - Ela perguntou, e recebeu um aceno positivo de
resposta. - E eu escolho? - Novamente, Theo sibilou um "sim". - Você tá ferrado.
Vou te enfiar em todos os programas nerds que me der na telha e você vai fazê-los
com um sorriso no rosto. - Ela brincou rindo para o garoto.
- Se você estiver sorrindo, com certeza vai valer a pena. - Ele disse
passando um braço ao seu redor e recebendo um selinho tímido e doce em
retorno.
Se fosse ser sincera consigo mesma, Bianca teria que dizer que não tinha a
menor vontade de tomar chá de cadeira - ou arquibancada, no caso - por uma hora
só por um mísero sorvete depois e mais um interrogatório sobre o seu namoro.
Ela preferia muito mais ir com Theo para casa e passar o final de tarde assistindo
algum filme deitada no colo dele e fazendo carinho em Whisky. Mas algo dentro
dela a obrigava a não levantar a bunda dali, a passar por aquele dia, minuto após
minuto, e aproveitar toda a súbita atenção que Sam a estava oferecendo. Sentia
que devia isso à Bianca de alguns meses atrás, com todo seu amor infundado e
choros incontroláveis nos reservados dos banheiros da escola, de pelo menos ir
tomar um maldito sorvete com o cara por quem era apaixonada.
Mesmo que agora achasse ele chato e infantil. Mesmo que seu coração não
agisse com o mesmo desespero enlouquecedor quando ele estava por perto.
Mesmo que estivesse louca para segurar Theo pela gola da camiseta e perguntar o
que, afinal de contas, os dois tinham. Ela só estava em um dia ruim, com coisas
demais na cabeça devido ao fim do ano letivo, e confusa quanto às suas
prioridades.
Afinal, quem em sã consciência negaria um encontro informal com o
jogador alto e atlético do time de basquete, tão fofo em sua regata gigante do
uniforme, correndo de um lado para outro na quadra, fazendo seus cabelos loiros
pularem? Só uma garota idiota. Ela, certamente, não queria esse título.
- Biba! - Sam gritou ao vê-la caminhar para fora da sala apressada. Tinha
escutado um grupinho de meninas fofocando sobre o Theo ter sido visto matando
aula com a Miss Vietnã, e aquilo tinha incomodado. Não porque eles estavam
juntos, afinal eram amigos, e sim porque ele não podia perder aulas para passar
no vestibular...
Ok, era porque eles estavam juntos.
Ah, qual é, alguém poderia culpá-la? A menina era maravilhosa, super
despojada e simpática. Como ela poderia competir com aquilo? Seu namoro já
não estava mais em terras firmes, o burburinho de que talvez tivesses terminado já
estava percorrendo os corredores. E ela precisava de Theo para fazer ciúmes no
Sam.
Não precisava?
- Oi, Sam. - Respondeu apática, preocupada e ansiosa para puxar Theo
pelas orelhas e jogá-lo em alguma sala escura para que voltasse a focar nela.
- Você chegou a receber minha mensagem? Eu não recebi resposta... - Ele
disse com carinha de cachorro que caiu da mudança. Bianca não se lembrava de
ter lido nada com o ID do garoto.
- Não, desculpe. O que dizia?
- Ah, nada de mais... Só que eu gostei da nossa saída. A gente podia
repetir, né? - Os olhos do loiro brilhavam no decote modesto da menina, mas ela
não percebia, ainda distraída demais com onde quer que Theo estivesse.
- É...
- Quando você tá livre? - Só então Bianca percebeu que Sam a estava
chamando para sair novamente. O encontro na sorveteria não havia sido o mais
divertido do mundo, mas a companhia do amigo não era de todo ruim, quando ele
a deixava falar. Mas entre organizar seus estudos e as aulas de Theo, as próximas
duas semanas seriam uma loucura e ela sabia.
- Agora eu entro em vestibular, que eu vou prestar de treineiro, e ainda
tenho um ou outro trabalho pra entregar... Tá bem complicado. Até a formatura eu
acho que não vou ter muito tempo livre, Sam. - Respondeu com tom apologético, e
o loiro repuxou os lábios em desgosto.
- Bom, se não vamos poder nos ver direito até a formatura, acho que eu
vou precisar fazer isso agora. - Motivado pela cena que viu mais cedo do suposto
namorado de Bianca fazendo cócegas em outra garota, puxou a mão dela entre as
suas e mirou fundo em seus olhos transparentes. - Bianca Caproni, você aceita ser
meu par na festa de formatura? - Bianca ficou pálida. Seu ser se dividiu entre a
mais absoluta animação por ter enfim, comprovadamente, captado a atenção do
amigo por quem se disse apaixonada, e murcha pela incerteza sobre se Theo
gostaria de levá-la ou não.
Era relativamente cedo para decidir quem acompanharia - mesmo nunca
tendo imaginado que aquela seria uma preocupação, pois achava que não teria
nem sequer uma opção, quanto mais duas -, mas o loiro estava a sua frente
esperando uma resposta e ela não poderia dizer que precisava "ver com o
namorado" primeiro. Ele certamente só estava convidando porque tinha ouvido os
boatos do término.
Ainda assim, não se sentia nem remotamente tentada a aceitar. Sam era
legal e tudo mais... Mas ele parecia melhor quando era inalcançável, quando ela o
idealizava e não tinha parâmetros de comparação com outros caras. Agora,
conhecendo Theo e sabendo tudo que o amigo tinha feito já de errado com ela... O
sonho tinha se perdido.
Mas... Se Theo já tivesse planos para a festa, ela não gostaria de ir
sozinha, observar ele com outra se divertindo a noite toda. Só que ele não faria
isso, faria? Ainda mais cedo assim, ele não podia já ter compromisso com a
Sophia, por exemplo. Dava tempo ainda de sondá-lo a respeito e garantir uma
noite muito melhor do que a que teria com o loiro. Abriu a boca para dar uma
desculpa qualquer, quando uma voz grossa e conhecida respondeu por ela.
- Ela aceita. - Bianca e Sam se viraram imediatamente para observar um
Theo melancólico com olhos fundos, parado ali perto. Obviamente, tinha escutado
uma parte da conversa, e vendo a relutância da menina em responder, o que ele
rapidamente julgou ser por vergonha ou timidez, resolveu interceder e dar a
resposta que ele tinha certeza que sairia eventualmente dos lábios dela.
Bianca ficou paralisada olhando para ele, sem acreditar que tivesse
tomado essa decisão por ela, e, mais do que isso, sem acreditar que tinha
simplesmente a entregado de bandeja quando ela tinha considerado tanto ele para
optar pelo sim ou pelo não.
Seria possível que ele estivesse tão desesperado para se livrar dela como
possível acompanhante que teria a embrulhado em papel de presente e jogado nos
braços do amigo?
Sophia apareceu atrás do moreno, e colocou uma mão em seu ombro como
apoio. Ele se virou para ela e trocaram um olhar acalorado, cheio de significados.
Ela sabia o quanto tinha doído para ele fazer aquilo, o quão altruísta sua ação era,
e se compadecia com sua dor, oferecendo abrigo.
Bianca observou em silêncio toda a comprovação de seus pensamentos até
então paranoicos. Ele estava mesmo a dispensando pela vietnamita, por ela, mais
uma vez, não ser boa o suficiente.
Voltando a olhar para o casal a sua frente, Theo resolveu tirar o band-aid
de uma vez e resolver a situação como um homem.
- Bianca, sei que terminou comigo hoje cedo, mas eu continuo querendo
seu bem e acho que se divertir com o Sam pode ser uma forma de fazê-lo. Você
quebrou meu coração, mas tudo que eu quero é que seja feliz. Aproveitem a noite
de vocês. - O teatro crucial para taxar Bianca como disponível, mas poderosa,
era tudo que o loiro precisava para abrir um sorriso de orelha a orelha e alugar
ela para falar sobre detalhes fúteis como a cor do vestido dela para que ele
pudesse combinar o lenço do terno, e que horas deveriam chegar a festa. Theo e
Bianca continuavam se olhando, um mais machucado que o outro, até terem o
contato quebrado por uma série de alunos que passaram no meio, a caminho da
próxima aula que já estava para começar.
E eles fizeram o mesmo, cada um seguindo seu rumo, cada vez mais
distante do do outro.
Procurando se distrair dos pensamentos conflituosos que ocupavam sua
mente desde a intervenção de Theo no dia anterior, Bianca foi mais que grata ao
telefonema do pai. O mais velho se ofereceu para levá-la a comprar artigos de
decoração para seu quarto novo em sua casa, e ela prontamente aceitou, mesmo
um pouco apreensiva ao saber que toda a família também iria, aquela sendo a
primeira vez que os conheceria de verdade.
Contrariando seus medos, todos a receberam muito bem. Bernardo
inclusive não desgrudou da irmã desde o momento em que ela ganhou sua
confiança, ao cantar com o rádio a mais nova música da Galinha Pintadinha. Foi
um divisor de águas para o pequeno, que estava relutante em aceitá-la no início, e
depois não ousou soltar sua mão no passeio pelo shopping.
Bethani, a madrasta, era um amor. Elogiava seus cabelos e suas roupas,
ria de suas piadas sem graças, e não se cansava de narrar como seria tê-la em sua
moradia pelos próximos dois meses. Ela fez questão de convencer o marido a
comprar cada um dos enfeites nos quais Bianca se demorava mais de um minuto
olhando, sumindo na hora de pagarem para voltar com um pacote de luzinhas de
natal nas mãos, alegando ter visto no Tumblr que adolescentes gostavam daquilo.
Bianca, que sempre sonhou em ter um quarto personalizado daquela forma, mas
que nunca teve coragem o suficiente, estava realizada e ansiosa para ver o
resultado final.
Quando ficou sabendo da festa de formatura, Bethani fez questão de
arrastar a família para uma loja de vestidos de gala para que a menor escolhesse
o seu. Depois, se sentiu culpada e fez todo um discurso sobre não querer comprar
seu afeto, mas estar animada com a presença da filha postiça. Bianca ficou
emocionada com todo o carinho, e acabou dando um abraço caloroso na madrasta,
que puxou os filhos e o marido para acompanhar, em um gesto brega, mas muito
lindo, de amor.
Abraços grupais a parte, Bianca acabou escolhendo um branco lindo, com
aplicações de pedras nos lugares certos e que realçava suas curvas como nada
mais no mundo. Se sentiu poderosa no modelito e entregou para a vendedora
cobrar com um sorriso no rosto.
Sorriso esse que não durou muito, ao que ela lembrou de todo o drama
relacionado ao seu par.
Subitamente cabisbaixa, ela deu qualquer desculpa para esperar do lado
de fora enquanto seu pai escolhia um terno para um evento de final de ano no
escritório. Sentou-se em um banquinho de madeira e ficou ali, remoendo suas
infelicidades, até perceber pela visão periférica, alguém juntar-se a ela.
Era Sarah, a filha mais velha do casamento passado de Bethani. Ela tinha
alguns anos a mais que Bianca - já estava terminando a faculdade de Relações
Internacionais -, e era bonita de uma forma muito minimalista. Tinha sido a mais
retraída da família até então, não sendo intensa e espalhafatosa como a mãe, nem
apegada como o irmão, mas nem por isso tinha sido rude com Bianca. Ela só era
mais na dela, e Bianca não a julgaria por isso.
- Eu consigo ver que você tá morta de vontade de chorar. - Constatou
apoiando os cotovelos nos joelhos e assistindo Bernardo correndo de um lado
para o outro dentro da loja através da vitrine. - Quer conversar?
- Imagina... Não precisa, Sarah. Mas obrigada. - Bianca disfarçou, sem
querer incomodar.
- Cara, se a gente vai ser irmã, eu quero poder te ajudar. Não precisa
sofrer em silêncio. - Garantiu, solícita. Sempre foi o sonho de Bianca ter uma
irmã mais velha, e ela realmente precisava desabafar, então o pequeno discurso
de Sarah foi o suficiente para convencê-la a colocar o que estava incomodando
para fora.
Então ela contou tudo. Desde o primeiro momento em que achava ser
apaixonada por Sam, até o pedido de ajuda a Theo, as aulas, o namoro falso, o
súbito interesse do loiro e sobre Theo ter aceitado o convite da formatura por ela.
Disse como se sentiu em cada momento, como estava se sentindo agora, e qual era
o seu horizonte de emoções caso tudo continuasse daquela forma.
Sarah ouviu tudo pacientemente, fazendo interjeições engraçadas por
vezes, e perguntas quando não entendia alguma coisa. E só o fato de Bianca ter
falado com alguém sobre tudo aquilo já a fez imensamente bem. Ela já se sentia
mais leve, mesmo não tendo chegado a uma conclusão do que fazer ainda. E
mesmo que esse não fosse o caso, a conexão que conseguiu ter com filha da
madrasta valeria a pena o relato doloroso.
- Olha, Biba, eu não sou a melhor pessoa do mundo com conselhos
amorosos... Mas me parece que você precisa conversar com o Theo. Pelo menos
isso, sabe? Perguntar porque ele fez o que fez ao invés de tentar adivinhar. - Deu
de ombros, tendo noção que a sugestão não ia mudar montanhas, mas que talvez
ajudasse um pouco. Não conhecia as pessoas da história, então não se sentia
muito segura para dizer o que a irmã mais nova devia fazer.
- Eu acho que você tá certa. Vou falar com ele amanhã.
- Boa, vai fazer bem pra você. Me conta como foi por mensagem depois. -
Bem no momento que o assunto acabou, Bethani apareceu com um adormecido
Bernardo no colo, cansado depois de brincar no pula-pula que ficava ao lado da
praça de alimentação onde todos jantaram. Augusto deixou a filha em casa antes
de ir para a sua própria, prometendo ir buscá-la novamente com as malas no final
daquela semana.
"Bianca,
Foi um longo caminho para chegarmos até aqui.
Enfrentamos demônios e superamos dificuldades, objetivando uma vida
mais fácil, que, quem sabe, nos proporcionasse felicidade. Fizemos isso juntos,
com a sensação de que nunca fôssemos chegar lá. A cada novo passo, nos
deparávamos com mais uma pedra, mais um desafio a ser perpassado. E, se por
ventura chegássemos onde queríamos, saberíamos que o mérito era de nossa
impremeditada e peculiar convivência.
Acho seguro dizer que, embora eu fosse a pessoa dando as aulas, aprendi
muito com você. Uma nova lição todo dia, sendo ensinada pela sua
espontaneidade, seu coração enorme e sua bondade infinita. Aprendi a perseguir
os meus sonhos, a não julgar um livro pela capa, a abraçar as diferenças e o
inesperado, e aprendi o que é ser feliz. E, por isso, eu te sou muito grato.
Garanto que não tinha conhecimento de que a minha vida estava tão
nebulosa até você aparecer, com seu jeito único e seu carinho incomparável. Me
empurrando na direção de um futuro promissor e jogando um pano quente no
passado doloroso. Explorando as minhas habilidades e perdoando meus defeitos.
Com suas asas de anjo, me levando mais próximo do paraíso a que eu não me
achava merecedor.
Fez por mim muito mais do que eu me propus a fazer por você. Sendo tão
naturalmente cativante, sempre esteve próxima demais do seu objetivo, apenas
mirando equivocadamente. Apesar dos meus esforços, o alvo permaneceu o
mesmo, e eu precisei me adaptar para te ajudar a alcançar o seu círculo de cem
pontos. Naquela altura da jornada, faria o que precisasse para selar suas feridas e
colocar um sorriso no seu rosto, não importasse os meios ou o que eu achasse. E,
no fim das contas, você precisou de bem menos instrução do que o esperado.
Durante nossa caminhada, demos muitas risadas e passamos por momentos
do mais absoluto prazer e entrega. Passamos por situações inimagináveis,
conversas profundas e animadas, e roubamos confissões e suspiros. Construímos
uma intimidade avassaladora, e criamos cumplicidade e confiança um no outro.
Encontramos um no outro um porto seguro, um ponto de apoio, um cúmplice
valioso, um aliado essencial, um par inexorável.
Tudo isso contribuiu para esse momento. O momento em que eu te diria:
Parabéns, você se formou.
Não na escola, não no vestibular, mas na arte da sedução. Você agora tem
o dom de fazer os homens se ajoelharem aos seus pés, de enlouquecer quem bem
entender, de se fazer indispensável e irrecusável. Tem o poder de mudar emoções
e manipular cabeças usando apenas da sua fala e do seu corpo. Tem o dever de
escolher a dedo quem será digno o suficiente para se manter por perto, e o
trabalho de dispensar aqueles cuja companhia não te interessa. Tem o direito de
dizer "sim" e a opção de dizer "não".
E, justamente por ter a aluna tão habilmente superado o professor, eu não
posso mais ficar no seu caminho para exercer todo esse potencial.
Por isso, eu te escrevo agora a sua última aula, e então você estará livre
para bater suas asas e voar para onde a brisa te levar.
Aula 10:
Seguir todas as regras pode te fazer conquistar qualquer um.
Ser você mesmo pode te fazer conquistar a pessoa certa.
Fim
Queria agradecer, novamente e incansavelmente, a quem esse livro é
dedicado, aos meus leitores maravilhosos do grupo Histórias de Má Marche, aos
fiéis acompanhadores das postagens do Wattpad, às minhas meninas falantes dos
grupos de Whatsapp, e a todo mundo que já leu algo que eu escrevi e teve a
presença de espírito de me deixar um recado ou vir compartilhar seus
pensamentos a respeito. Muito, muito obrigada. Vocês me possibilitaram estar
seguindo esse sonho e eu devo muito a vocês.
Também queria dizer um imenso obrigado às minhas amigas eternas do
UP, todas as autoras geniais e maravilhosas, de corações enormes e tão criativas
com quem eu partilhei a administração do site. Bru, Ray, Gi, Nat, Lola, Jess, Ana,
Bia, Lyli, Soph, Laís, Andie, Ju, Andy, Cris e Lan, vocês arrasam e eu tenho muito
orgulho de ter podido trabalhar lado a lado com cada uma.
Meu muito obrigada à Luiza Kok, minha melhor amiga, a todo o pessoal
do Bonde, a todo o pessoal do Pio XII, e a toda a galera do DNCEG, por terem
sempre me motivado a escrever, por terem sido meu pilar de ficção na vida real,
e por serem os melhores parceiros que eu poderia ter nessa jornada. Vocês me
ensinaram a abraçar quem eu sou e a ter orgulho do meu hobbie tão fora do
comum. Mil vezes obrigada!
Agradeço à minha família, minha mãe Dulce e minha tia Solange, por
terem sempre me dado a liberdade de escrever sobre o que eu quisesse e me dado
amparo para perseguir esse objetivo. Eu amo muito vocês, com todo o meu
coração.
Obrigada a você, leitor, por acreditar no meu trabalho e dar uma chance à
minha escrita. Espero de verdade que tenha se divertido, se emocionado, se
excitado, e que essas páginas tenham feito do seu tempo livre algo mais
prazeroso.
Até uma próxima,
Má.