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Para meu amor e melhor amigo,

Porque sem ele, este livro seria mais uma obra inacabada.
E para Larissa,
Porque sem ela, eu não teria acreditado.
SINOPSE

No auge dos seus 27 anos, Olívia tem sua vida transformada


da água para o vinho
do vinho para a água . Acabou de ser demitida do emprego dos seus sonhos
e o amor da sua vida está prestes a pedir outra mulher em casamento. Acostumada
a ter controle sobre sua rotina, decide viajar para a Romênia atrás de novos ares.
Lá, hospedada numa cabana no meio da floresta montanhosa, ela acabará
encontrando muito mais do que procura. Para o bem ou para o mal, a vida de Olívia
nunca mais será a mesma desde o momento em que ela pisar em solo estrangeiro.
POEMA INTRODUTÓRIO

AUTOPRESERVAÇÃO

Quando vesti meu corpo que estava quebrado,


e seus pedaços não se ajeitaram direito dentro da roupa,
e as pontas afiadas furaram o tecido do meu vestido,
e o que vive dentro de mim ameaçou sair pelas brechas,
percebi o quão cruel fui comigo mesma.

Você tocou meu corpo como bem quis,


o possuiu por dentro como um vírus se espalhando por cada célula,
marcou-o até que eu não me reconhecesse no espelho
e o apertou com tanta força com medo de perdê-lo
que ele estilhaçou feito vidro em suas mãos.

Mas a culpa não foi sua por fazer tudo isso.

Foi minha por deixar.

Hellen Rosa
CAPÍTULO 1 – A DEMISSÃO

— Sou uma pessoa fracassada.

— Não acho que você tenha idade suficiente para se considerar fracassada
em nada — foi a resposta de Maria ao comentário autodepreciativo de Olívia. — E
você vai comer sua porção de batatas fritas ou vai só deixá-las esfriar? —
Perguntou, estendendo a mão sobre a mesa e apanhando um tanto de batatas fritas
frias e murchas que eram contempladas pelo olhar bêbado e melancólico da amiga.

A noite estava fresca e se estendia para além das 22h. O Bar Tropical,
situado na área nobre da cidade de São Paulo, e rodeado por outros bares e
restaurantes igualmente sofisticados, oferecia a Maria e a Olívia conforto e consolo
necessários para lamentarem a recém-demissão da segunda com bebidas de
qualidade e jazz ao vivo.

— Como vou contar para minha mãe? — Perguntou Olívia, depois de um


generoso gole do Explosão de Carmim, o especial da casa. Apesar do tom da
pergunta ter soado retórico e o os olhos embargados na direção da amiga não
mostrarem sinais de que ela sequer lembrava do que tinha perguntado, Maria
respondeu:

— Poderia começar com “mãe, fui demitida”. um mãe, fui demitida .

— Uma filha solteirona e desempregada de quase trinta anos, tudo o que os


pais sonham ao dar à luz uma criança.

Maria não podia negar o fato de que estava estar se divertindo com a
situação. Não que ela estivesse fazendo pouco caso da demissão da Olívia, mas
poucas coisas no mundo a divertiam mais do que observar a amiga bêbada. Olívia
costumava dominar suas emoções com facilidade e se orgulhava disso, mas
bastava exagerar no álcool para se comportar como uma adolescente na
puberdade, totalmente fora do controle. E por mais trágica que fosse a situação,
parecia completamente cômica vista por essa perspectiva.

As duas haviam se conhecido no ensino médio, treze anos antes atrás .


Assim que se conheceram, se odiaram fervorosamente. Mas, em algum momento,
esse ódio juvenil evoluiu para uma amizade sincera e estável. Depois de terminarem
o colégio, mantiveram contato durante a faculdade, e quando Olívia se mudou para
São Paulo para trabalhar numa grande editora, Maria foi visitá-la visitar . Em uma
das visitas conheceu o Mauro, com quem viria a se casar quatro anos depois, se
estabelecendo na mesma cidade que a amiga.

— Acho que seus pais foram mais audaciosos e sonharam com uma filha de
quase 30, bêbada e flertando com um desconhecido no bar. — Disse apontando
com a cabeça para o homem do outro lado do bar que encarava Olívia numa
tentativa descarada de flerte do outro lado do bar .

— Não estou flertando com ninguém.

— Talvez devesse.

Olívia se empertigou na cadeira e pôs a taça na mesa, repentinamente


parecendo mais sóbria que nunca.

— Vou viajar.

— Vai para casa dos seus pais? Tem certeza que vai sair do estado agora e
nessas condições? Digo... você nunca volta bem de lá.

— Não vou sair do estado. Vou sair do país.

— Como é que é? — Riu.

— Eu vou para a Romênia.

— Você está mesmo muito bêbada.

— Estou falando sério!

— O martíni está falando sério, não você.

— O que você quer que eu faça para me levar a sério? Se quiser eu posso ir
caminhando até aquele cara sem cair. — Ironizou, enquanto fuzilava Maria com os
olhos.

— Quero que pense duas vezes antes de gastar suas economias com uma
viagem. Não sei se já posso lembrar que você está desempregada sem te fazer
chorar, então seria bom você lembrar por conta própria.
Sem dar a chance de Olívia responder, Maria chamou o garçom. Sentia-se
derrotada naquele diálogo. Ir para a Romênia era um projeto de Olívia desde o
tempo do ensino médio, e não seria fácil tirar essa ideia da cabeça dela. Quando
era mais jovem, e algo realmente a aborrecia, Olívia costumava viajar e sumia por
dias quando algo realmente a aborrecia . E embora tivesse se fixado na cidade
durante os anos em que trabalhou na editora, Maria deu-se conta de que agora
nada mais a prendia a amiga ali.

Olívia não insistiu em conversar Enquanto enquanto Maria pagou a conta ,


Olívia não insistiu em conversar e também e não resistiu à carona da amiga até seu
apartamento. O imóvel era pequeno, mas bem mobiliado. Decorado de bege e
marrom, com livros velhos e novos em pilhas pelos cantos, pois não cabiam mais
nas prateleiras. Apesar disso, ela tentava manter uma aparência de ordem. Tomou
um banho frio e um chocolate quente que Maria preparou e insistiu que bebesse
antes de ir embora.

Antes de dormir, Olívia decidiu ler as mensagens que tinha recebido em seu
celular. Eram de três remetentes. A primeira mensagem era de sua mãe: mensagem
rotineira, na qual perguntava como a filha ela estava e reclamava da
própria
saudade. O Seu relacionamento de Olívia com seus pais era complexo. Não
se
faziam bem uns para os outros quando estavam perto e sentiam saudade quando
estavam longe. E já fazia muito tempo que Olívia estava longe. Com os nervos em
frangalhos pela notícia ruim do dia e o estado de embriaguez, chorou enquanto
respondia prometendo uma visita ainda naquela semana.

A segunda mensagem era de Maria. Uma foto do cara do bar, uma playlist de
músicas reconfortantes começando com What a Wonderful World, na voz de Abby
Ward, e uma mensagem final:

Fugir não vai fazer os problemas desaparecerem, sabe disso. Repense a viagem, não suma
novamente. Eu te amo.

E Olívia ela repensou. Pensou e ponderou sobre a possibilidade de viajar até


adormecer, decidida a permanecer na cidade e arrumar um outro emprego antes
que toda a sua reserva de emergência fosse destinada a pagar despesas básicas.
Acordou Olívia acordou no meio da noite, alarmada por de um sonho
perturbador perturbado . Sabia que havia tido um pesadelo, mas não se lembrava
muito bem. O álcool sempre lhe trazia esse benefício. Numa olhada furtiva ao
celular para conferir as horas — eram 03h22 —, percebeu que tinha adormecido
antes de ler a última mensagem. Era de Augusto:

Oli, eu consegui aquela promoção! Iasmin quer fazer uma festa entre amigos para
comemorar. Te espero amanhã à noite para o jantar. Comprei seu vinho favorito.

Augusto era, como Maria costumava dizer, o príncipe desencantado da vida


de Olívia. Os dois se conheceram um ano depois de Olívia ter conhecido Maria.
Tiveram um pequeno e intenso envolvimento naquela época. Olívia se apaixonou,
Augusto não. Brigaram tanto ao ponto de não se lembrarem mais quantas vezes ou
o porquê das discussões, mas nunca desistiram um do outro. Reataram a amizade
e, nos anos que se seguiram, desenvolveram um relacionamento afetuoso e
plácido. No entanto, qualquer pessoa observadora poderia sentir a ligação entre
eles quando estavam no mesmo cômodo. Eram como amigos inseparáveis, uma
mesma alma ocupando corpos diferentes. Isso perdurou até Augusto dar início a um
relacionamento com Iasmin, uma loira gentil que nunca se esforçou muito para
esconder o ciúme que sentia de Olívia. Elas nunca se tornaram amigas, mas se
respeitavam, cada uma à sua maneira.

Olívia nunca assumira para ninguém, mas gostava de saber que era razão de
ciúme para Iasmin. Sabia que era um sentimento egoísta, mas gostava de ser
considerada um perigo, mesmo que nunca tivesse acontecido nada entre ela e
Augusto desde o começo do namoro dele com Iasmin . Olívia e ele Então eles viviam
como melhores amigos. Ela Olívia nunca achou que seriam mais que isso, pois se
Augusto não viu nada nela capaz de lhe despertar paixão depois de todos esses
anos sendo melhores amigos e confidentes, não havia nada que ela pudesse fazer
para despertar nele algo mais que amizade sincera e um desejo arrebatador. Sim,
desejo. Ele estava lá em algum lugar, Olívia sabia. Na memória muscular dos
membros que já se pertenceram, mesmo que ambos fingissem não sentir.

Ir a qualquer lugar onde Augusto estivesse com Iasmin — isso incluía os


frequentes passeios em grupo — não era uma tarefa agradável para Olívia ela . Mas
ela realmente amava o amigo, um sentimento que sempre pesava mais na balança
e a forçava a agradá-lo. Foi dormir novamente sabendo que iria àquele jantar
simplesmente por saber que ele se alegraria com sua presença. E, no fundo do seu
coração, sabia que ele faria o mesmo por ela.

Acordou com uma dor de cabeça dos diabos. Passou preguiçosamente a


manhã entre livros e outras recordações do seu antigo trabalho até encontrar Maria
num restaurante italiano para o almoço.

— Então, o que haverá nesse jantar?


— perguntou Maria, colocando a bolsa nas costas da cadei

— Até onde sei, vinho.

— Augusto já sabe sobre o seu trabalho?

— Sobre a atual falta dele, você quis dizer. — O trabalho de Olívia era seu
orgulho; ela amava o que fazia, e Maria temia que a demissão repentina pudesse tê-
la afetado mais do que deixava transparecer. — Ainda não. Não quero estragar sua
comemoração.

— Entendo.

Mais tarde, naquele dia, Maria, Olívia e Mauro chegaram juntos à casa do
Augusto depois de decidirem ir em um só carro. O trânsito era sempre horrível. A
casa de Augusto era grande, decorada de forma elegante e com cores frias, com
um jardim que se estendia até a garagem, e cercada por um muro de pedras. No
andar de cima havia apenas o quarto dele, um banheiro e seu amplo escritório,
sendo assim o jantar seria no primeiro piso.

Iasmin provou ser uma ótima anfitriã. Apesar de não ser a dona da casa
nem de morar lá
ou morar na mesma , cuidou de todos os detalhes da comemoração.
Desde a decoração da sala de jantar até a trilha sonora e o menu — que contava
com entrada, prato principal e sobremesa — haviam sido organizados por ela. A
dupla de amigas suspeitava que ela também havia escolhido um aromatizante
especial para a ocasião.

Na sala de estar, sob o lustre, se expunha majestosamente uma mesa preta


espelhada com toda sorte de pratos, taças e talheres distribuídos diante das
cadeiras de estofado de veludo cinza.
Antes de chegarem à sala, o casal e Olívia foram recebidos na entrada da
casa por uma Iasmin visivelmente empolgada e um Augusto sorridente, porém
contido. Não houve estranheza nas saudações nos cumprimentos quando Augusto
cumprimentou Olívia com um abraço ligeiramente mais demorado que o habitual;
ninguém se importou. Mas quando, antes de guiá-los para a sala, Augusto disse em
tom baixo para Olívia procurá-lo depois do jantar, ela a mesma não pôde evitar ficar
nervosa.

Ao todo, oito pessoas estavam presentes, incluindo Pedro, amigo de


Augusto, e as duas irmãs mais novas de Iasmin.

Quando a entrada foi servida, Maria pôde observar como Augusto e Iasmin
formavam um belo casal. Ele era alto e tinha um porte atlético. Tinha um ar
imponente, cabelos negros e olhos quase tão negros quanto. Era indiscutivelmente
bonito. Ela era baixa e loira, com a pele ainda mais clara que a dele. Seu corpo era
levemente roliço, tornando-a incrivelmente agradável ao toque. Seus olhos verdes e
lábios pequenos reforçavam a imagem de donzela em perigo, como se ao menor
sopro do vento ela pudesse desmanchar. Era delicada e bonita, mas ainda assim
Augusto estava mostrando seu sorriso largo à Olívia. Mais alta e mais magra que
Iasmin, Olívia tinha uma aparência sofisticada, com sua pele levemente dourada e
cabelos descendo pelas costas em cascatas escuras que contrastavam com o tom
amendoado dos seus olhos. Parecia uma força da natureza, como já ouvira Augusto
dizer uma vez.

O jantar prosseguiu agradavelmente enquanto os convidados riam alto e


bebiam os vinhos que foram servidos depois da sobremesa. O vinho favorito de
Olívia , um Very Old Single Harvest Port, 1968, da Taylor’s, realmente lhe foi servido
, era um Very Old Single Harvest Port, 1968, d
. Foi o O primeiro vinho caro
que experimentara em uma de suas viagens. Depois de beber um pouco, foi ao
encontro de Augusto que lhe chamara com um aceno de cabeça para um corredor
da casa.

— Não tive o prazer de te parabenizar em particular. — Começou ela, para


aliviar o próprio nervosismo. — Parabéns! Estou tão orgulhosa de você, Aug.

O homem demorou alguns segundos para responder, fitando-a até que ela
engolisse em seco.
— Seus votos de felicidade significam muito para mim, e eu gostaria de sua
opinião para algo muito importante, mas vejo que há algo te perturbando.

— Não é nada.

— Continue, bonequinha de madeira.

— Bonequinha de quê?

— Sei que está mentindo e seu nariz vai crescer — disse tocando a ponta do
nariz dela.

Sabendo que ele não desistiria até ela falar o que a aborrecia,
Olívia
desabafou:

— Fui demitida ontem.

— Ah, Oli, me desculpe! Eu não sabia, não imaginava! Como isso foi
acontecer? Você está bem?

— Tudo bem, eu não queria estragar sua comemoração, pretendia contar


amanhã ou depois, e também…

Antes que pudesse encontrar a melhor maneira de terminar a frase, foi


surpreendida pelo abraço de Augusto. Despreparada para tal contato físico, sentiu
uma explosão de adrenalina e uma onda de calor que queimou suas bochechas
antes de sua garganta fechar e o choro se formar amargamente sob o peito
dolorido. Estar ao lado dele a fazia se sentir vulnerável, incapaz de continuar
fingindo estar bem. E ela não estava. Seu trabalho foi a coisa mais importante da
sua vida nos últimos anos e agora se sentia incapaz, desamparada, insuficiente.

— Está tudo bem. — Forçou-se a se afastar do abraço quente antes que se


desmanchasse em lágrimas. — Não quero conversar sobre isso esta noite.
Você disse
Disse que queria minha opinião para algo. Eu ficaria Ficaria feliz em ajudar.

— O que acha de mais um pouco de vinho? Vamos adiar essa conversa para
outra hora.

— Não. — Agarrou-o pelo antebraço. — Por favor, diga.

Encurralado, Augusto não escondeu a hesitação. Lambeu os lábios e


pestanejou antes de, enfim, pegar algo em seu bolso e, como se ainda não
estivesse certo se deveria mostrar, entregou nas mãos lânguidas de Olívia. Era uma
caixinha de veludo cor-de-rosa bem claro. Olívia olhou rapidamente para Augusto
antes de abri-la. Seu cérebro precisou de alguns segundos para entender que
aquele ponto luminoso do tamanho de uma ervilha era um diamante e que o aro que
o prendia era um anel, e precisou de mais alguns segundos para entender que era
um anel de noivado.

— Amanhã Iasmin e eu comemoramos seis anos de namoro. Com o cargo


novo na empresa, achei que era o momento perfeito para pedi-la em casamento. O
que acha? É bonito? Ficará bom nela?

Augusto parecia realmente empolgado, mas suas palavras giravam


desconexas pela cabeça de Olívia . Ela que tentava desesperadamente se recuperar
de uma náusea violenta que a atingiu feito um soco no estômago enquanto
expressava alguns elogios ao anel sem ao menos se dar conta do que dizia.

— Deixe-me ver como fica no dedo — ele pediu, animado. Segurou a mão de
Olívia e, com uma delicadeza que a fez arfar, pôs o arco dourado em seu dedo
anelar.

Olhando para sua mão direita ornada com aquela preciosa joia, Olívia
perdeu-se em pensamentos. Poderia ter ficado com o braço estendido
a mão estendida
por horas, não fosse a pequena pressão da mão de Augusto em seus
dedos, fazendo-a recolher a mão e encará-lo. Seu coração estava acelerado, a
ânsia de vômito a fazia se sentir doente e o olhar negro e enigmático de Augusto a
cobria como uma névoa paralisante. Ela sabia que deveria falar algo, fazer algo,
mas o quê? Deveria sorrir? Como é mesmo que se faz para sorrir?

Ela não sabia o que a expressão de Augusto indicava. Ele estava tão pálido
quanto ela. Talvez tivesse acabado de se dar conta do quão impensada foi sua
atitude de pôr o anel no dedo dela. O olhar dele a queimava à medida que a impedia
de realizar qualquer movimento. Sentiu-se desmascarada. Sabia que ali, naquele
momento, ele havia descoberto seu segredo. Agora ele sabia que ela ainda o
queria.

Quando Augusto estava pronto para dizer algo, um dos convidados cruzou a
sala, projetando sombras e barulho de passos no corredor, chamando sua atenção.
Liberta do olhar de Augusto, Olívia retirou o anel do dedo e pôs novamente na
caixa, depositando-a nas mãos dele que ainda estavam suspensas no ar, da mesma
maneira em que estavam quando segurou sua mão. Quando Augusto voltou seus
olhos para Olívia, ela já estava de costas, caminhando depressa em direção à sala
de jantar.

O resto da noite passou como um sopro para Olívia . Não se lembrava do


que tinha dito a Maria, não lembrava se tinha visto Augusto de novo antes de ir
embora, não lembrava como havia parado despida em sua cama. Tudo o que
sabia era que havia comprado uma passagem só de ida para a Romênia e partiria
em dois dias.
CAPÍTULO 2 – NOITE DAS MENINAS

Olívia acordou assustada com o som do celular tocando. Eram 11h20 e o sol
de quase meio-dia escorregava pela brecha da janela e se derramava sobre a sua
cama. Não sabia como conseguira dormir por tanto tempo suando daquele jeito.

— Você está melhor da barriga? — Perguntou a voz de Maria


do outro lado da linha, assim que Olívia atendeu
.

— O que tem minha barriga? — Ainda sonolenta, Olívia levantou o pijama


apenas para perceber que não havia nada de errado ali.

— Você saiu ontem do jantar correndo, disse que estava se sentindo mal.
Confesso que achei engraçada sua cara de desespero. Tentei te ligar mais cedo,
mas você não atendeu.

Flashes invadiram a mente de Olívia. Ela havia dado a desculpa de estar se


sentindo mal para voltar para casa antes dos convidados começarem a se retirar.
Voltou para casa com um motorista de aplicativo, sem se despedir de ninguém,
apenas sinalizando a Maria e a Mauro que estava saindo. Chegou em casa, tomou
um banho quente, ligou seu computador e vasculhou sites de companhias aéreas
à procura de
um voo para a Romênia. Depois dormiu pesadamente até aquela hora.

— Ah, sim, eu estou bem. Dormir um pouco me fez melhorar.

— Um pouco? Eu nem lembro a última vez que você acordou tão tarde, e
nem pense em negar porque sua voz te condena. Pensei em algo para melhorar o
seu astral. Pode me encontrar no shopping em duas horas?

— Eu nem almocei ainda. — Olívia esperou uma resposta da amiga, mas não
houve nenhuma. Por sua experiência, sabia que Maria estava com o canto
esquerdo dos lábios erguido numa expressão que queria dizer “não estou pedindo”.
— Tudo bem, tudo bem, vou só trocar de roupa.

— Te encontro lá.

Olívia estava, acima de tudo, faminta. Vasculhou na geladeira em busca de


qualquer comida coisa que pudesse ser ingerida comida rapidamente e encontrou
um sanduíche de procedência duvidosa. Acabou optando por comprar algo no
caminho para o shopping, já que não queria que sua desculpa esfarrapada da noite
anterior se tornasse realidade. Depois de cumprir sua rotina de higiene, foi escolher
uma roupa apropriada. Ela conhecia a amiga, sabia que Maria visitaria muitas lojas
e não voltaria cedo para casa, então decidiu vestir algo confortável e desceu
apressadamente.

Em dias normais, ir ao shopping alegraria Olívia. Ela gostava de gastar


dinheiro comprando coisas desnecessárias e depois reclamar de ter gastado
dinheiro com bobagens — era quase uma terapia. Mas aquele não era um dia
normal. Gostaria de conseguir ordenar os próprios pensamentos e entender o que
estava sentindo, mas não conseguia. Os sentimentos se misturavam dentro do peito
como um milkshake, e naquele momento estava tão misturado que ela não sabia
dizer nada além de constatar que seu gosto era amargo.

São Paulo é uma cidade agitada. Era quase impossível se perder em


pensamentos no trânsito, mas de alguma maneira Olívia conseguiu. Parou numa
lanchonete que ficava no caminho para o shopping e para a qual costumava ir
quando queria comer fast food. Já estivera naquele lugar um milhão de vezes antes
e tudo era como sempre foi, exceto que daquela vez ela tinha a desconfortável
sensação de que não pertencia mais àquele lugar. Como se fosse uma forasteira.
Talvez fosse por causa da viagem, pensou. Caramba, a viagem! Não havia falado
nada sobre isso para Maria e nem para os pais, e tinha prometido a eles uma visita
naquela semana. Pelo que conhecia da própria família, aquela já seria uma
belíssima razão para brigas e discussões. E essa seria a menor de suas
preocupações visto que não tinha absolutamente nada planejado e partiria no dia
seguinte ao anoitecer.

— Você demorou uma eternidade! —


Reclamou Maria, assim que avistou Olívia indo em sua direção.

— Desculpe, eu parei pra comer na Lemonade.

— Mas por quê? Poderíamos comer aqui.

— Eu estava com muita fome. — Quis ser breve. — Maria, eu preciso te


contar uma coisa, é que…

— Vai contando no caminho, precisamos correr para aproveitar a liquidação


de inverno da Lara.
Havia três coisas no mundo que Maria amava: Olívia, o marido e liquidações.
Sentia que poderia alegrar a amiga fazendo algumas compras já que esse era o
passeio preferido das duas. Mas, de fato, estava desesperada para conseguir
comprar as peças que tanto almejava por um preço mais em conta, portanto os
problemas de Olívia teriam que esperar.

— O casaco que estou querendo desde seu lançamento! Vou levar! — Maria
seguia tocando as peças de roupa nas araras com os olhos brilhando, e ver essa
cena arrancou de Olívia um pequeno risinho divertido.

— Você precisa se tratar, sabia? — Zombou.

— Não finja que não tem a mesma doença que eu. Vamos, escolha logo algo
para levar.

Olívia sabia que não devia gastar suas economias já que viajaria para fora do
país e seu futuro, no geral, estava totalmente incerto. Além disso, de que uma
coceirinha dentro dela a incomodava por ela ainda não ter dito ainda seus planos a
Maria. Precisava da aprovação da amiga ou apenas escutar de uma vez suas
objeções. Mas ela estava no shopping, e uma parte sua queria se sentir bem de
novo. Olhou de um lado para o outro, lentamente, acompanhando o movimento dos
clientes apressados e as cores vibrantes das roupas, bolsas e acessórios que eram
carregados de um lado para o outro por mãos ágeis. Acabou pousando a vista em
uma mala de viagens. Era marrom escura com pequenos detalhes em um tom de
marrom mais claro.

— Quero a mala.

— Aquela? Mesmo na promoção deve ser muito cara. E você já tem uma, por
que vai comprar outra?

— Vou precisar de uma maior.

Maria encarou a amiga por alguns segundos antes de entender o rumo da


conversa.

— Por favor me diz que você vai para a casa dos seus pais.

— Eu estarei mentindo.

— Você vai mesmo para a Romênia? Quando?


— Meu voo é amanhã à noite.

— Você não pode estar falando sério! — Maria deixou cair no chão a sacola
com suas futuras compras e arrastou Olívia pelo braço até o lado de fora da loja.

— Você está maluca? Alguém acabou de pegar sua sacola! — Olívia disse,
apontando para dentro.

— Não me importo com a sacola. Me importo com você! Olívia, eu sabia que
você estava se sentindo pior do que queria que eu pensasse, mas não posso sentar
e cruzar os braços enquanto você toma uma atitude totalmente impensada como
esta! Eu sei que você sonhou com esse emprego por anos e que ele significa muito
, mas não pode simplesmente ir para outro país agora que está
desempregada.

— Tarde demais, já comprei a passagem as passagens .

Maria abriu a boca para falar e interrompeu-se duas vezes antes de


prosseguir com a voz calculadamente mais calma:

— Olívia, o que está acontecendo?

Olívia não sabia por onde começar. Era coisa demais acontecendo, ela mal
havia conseguido entender o que de fato estava sentindo e por quê. Estava
Ela estava
esquiando no topo de uma belíssima montanha de neve e, com um passo
em falso, desabou em direção ao mar de pinheiros altos. Sua carreira tinha sofrido
um grande impacto com a demissão. Olívia era a melhor no que fazia, mas e agora?
E, para somar a isso, tinha Augusto... Não conseguia sequer pensar no que havia
acontecido entre eles sem ter vontade de vomitar ou chorar. Ou os dois.

— Ele a pedirá em casamento.

— Ele quem?

Olívia não respondeu. Maria entendeu o silêncio.

— Puta merda. Como você descobriu?

Augusto namorava Iasmin há seis anos. Para Maria era claro que se
casariam logo, mas sabia que para a amiga era complicado aceitar isso.

— Ontem, no jantar.
— Por isso você saiu daquele jeito? E por que ele foi te falar que pediria
Iasmin em casamento?

— Ele queria minha opinião sobre o anel.

— Ele te mostrou o anel?!

— Sim. Queria a opinião de sua melhor amiga. — De todas as vezes em que


Olívia referiu-se a si mesma como amiga de Augusto, essa foi a mais dolorida.

— Amiga, eu... — Maria não sabia como continuar. Sabia que para Olívia o
relacionamento era muito mais que amizade, mesmo que a amiga tenha atuado por
doze anos, fingindo estar satisfeita com isso. Era complexo, sua cabeça latejou.
Maria Ela sempre achou que um dia Augusto se casaria com Iasmin, e Olívia
conheceria outra pessoa, mas sabia que mesmo assim haveria uma conexão entre
eles, um assunto inacabado que os levaria ao limite. Esse era o limite? — O que
você quer fazer?

— Eu quero comprar aquela mala.

— E depois?

— Depois eu quero que você passe a noite lá em casa, como nos velhos
tempos. Filmes, pipoca, vinho e brigadeiro de panela. O que acha?

— Eu não acredito que vou concordar com isso, mas se vai te fazer bem, eu
topo.

Maria continuava achando uma péssima ideia Olívia viajar agora. A amiga
era uma profissional habilidosa e muito reconhecida. Até ser demitida, tinha Tinha
um bom emprego com um bom salário, mas não possuía muito controle sobre o
próprio dinheiro. Maria sabia Sabia que Olívia não tinha muitas economias, não para
se manter muito tempo desempregada e muito menos para se sustentar em uma
viagem para fora do país a longo prazo. Mas Maria também a entendia. Não poderia
exigir da amiga que se mantivesse sensata nesse momento em que sabia que o
chão sob seus pés havia desmoronado. Então, o que deveria fazer? Quando se fez
essa pergunta a si mesma, soube que já havia tomado a decisão de apoiá-la na
viagem, de apoiá-la em qualquer escolha que tomasse.
As amigas passaram o resto da tarde visitando lojas. De alguma forma, ter a
aprovação de Maria fez Olívia se sentir melhor. Na volta, passaram na casa de
Maria para pegar seu pijama e informar pessoalmente a Mauro sobre o plano da
noite.

— Eu prometo que vou cuidar dela, está bem? — Disse Olívia, fazendo
biquinho.

— Eu não confio em você nem para cuidar de si mesma, Olívia — rebateu


Mauro.

— Nossa, essa magoou — fingiu ressentimento. — Será minha última noite


antes de viajar, preciso dela!

Mauro balançou a cabeça, com as mãos firmemente apoiadas na cintura.

— Eu não posso acreditar que você vai mesmo viajar assim, do nada.

— Não é do nada.

— Só porque você foi demitida, digo — corrigiu ele . — Quero dizer, você é
ótima, Olívia! Já checou os seus e-mails? Porque com certeza sua caixa de entrada
estará lotada de ofertas de emprego quando as outras editoras souberem que você
saiu da Arco e Flecha. Tem certeza que é uma boa ideia estar fora do país quando
isso acontecer?

— Ela sabe que não é uma boa ideia. — Interviu Maria. — Mas quer fazer
mesmo assim, você conhece a cabeça dura.

Mauro riu concordando enquanto concordava . Depois de se provocarem por


cerca de uma hora e meia, as meninas seguiram para o apartamento de Olívia,
passando antes no mercado para comprarem e compraram todas as guloseimas
que acharam no caminho entre a padaria e o caixa.

— Eu não acredito que estou te ajudando a fazer as malas para a viagem


que eu nem queria que você fizesse.

— Isso é porque você é minha melhor amiga.

— E por que você não surtou e quis fugir do país quando eu me casei? — As
duas se olharam sérias por alguns segundos antes de caírem na gargalhada.
— Então, é isso. Se esse tutorial do YouTube sobre o que levar em uma
viagem estiver certo, você tem tudo o que precisa dentro dessa mala enorme. O que
falta fazermos? — Perguntou Maria enquanto colocava o peso de seu corpo em
cima da mala recém-comprada de Olívia para conseguir fechá-la.

— Preciso de um lugar para me hospedar e de um tradutor.

— Que língua eles falam na Romênia?

— Romeno — respondeu com cara de “não é óbvio?”.

Maria pesquisou algumas palavras em romeno no celular.

— Por que tem uma cedilha no “t”?

— Eu não faço a menor ideia — respondeu rindo. — Por isso preciso de um


tradutor. Mas como ir para a Romênia não é um desejo recente, eu tenho uma ideia
de por onde começar a pesquisar.

Olívia e Maria seguiram começaram a noite seguindo a liturgia de toda noite


das meninas: tomaram banho, vestiram seus pijamas, fizeram pipoca, chocolate e
espalharam toda comida sobre travessas no tapete da sala, em frente à TV.

— Isso é simplesmente maravilhoso! — Soltou Olívia com um gemido de


prazer.

— Passar uma noite adorável ao lado da sua amiga?

— Também, mas eu estou falando desse queijo brie com geleia de pimenta,
prova — disse enfiando uma fatia de queijo com geleia na boca de Maria.

— Hum, acho que devemos começar logo essa pesquisa por hotel e tradutor.
Você já viaja amanhã, pressinto que esses serviços de última hora sairão caros.

As amigas passaram um tempo pesquisando e mandando mensagens para


hotéis, pousadas , além de entrarem e entrando em fóruns de imigrantes vivendo na
Romênia e sites de empresas de turismo. Alguns deles sabiam falar inglês, então
seria ótimo se algum deles aceitasse que aceitassem o trabalho de servir como
tradutor para Olívia enquanto ela estivesse lá, já que ela também falava a língua.

— Olha esse, Oli, ele fala português!


Olívia quase não pôde acreditar no que ouviu. Era bom demais para ser verdade
. Maria continuou:

— Se chama Andrew e trabalha numa pousada, você poderia se hospedar lá


se for agradável.

— Deixe-me ver — disse Olívia, quase tomando para si o notebook que


estava no colo de Maria. — Parece perfeito, estranhamente perfeito, na verdade. E
a pousada é uma graça! Fica em Dâmboviţa, Valáquia.

— É a província que você queria conhecer desde o ensino médio?

— Sim.

— Manda uma mensagem para o rapaz, então. — Maria tomou de volta o


notebook das mãos de Olívia. — Deixa que eu falo com ele, vou convencê-lo a ser
seu tradutor com todo meu charme.

Maria clicou em algumas abas até encontrar o contato do morador


de Dâmboviţa que se encaixava perfeitamente no perfil do que elas precisavam em
um tradutor. Mas havia dois problemas: ele não era um tradutor em tempo integral,
e seu perfil no fórum parecia muito antigo. Era provável que ele não usasse mais
aquela conta.

— Esse é o Andrew? — Perguntou Olívia, com uma careta de confusão


. Forçava
e forçando a vista, como uma míope sem óculos. — Essa é a orelha dele
ou a sombra do seu cabelo?

— Ele não é uma beldade, é verdade. Mas você não estava planejando pagar
o tradutor com beijos, mesmo.

As duas mandaram mensagens explicando a situação delas e fazendo uma


proposta pelos serviços de tradução dele, se ele estivesse disponível. E ficaram por
mais algum tempo analisando a foto de perfil de Andrew. A foto tinha uma péssima
qualidade e parecia enquadrar seu pior ângulo.

— Só um minuto, alguém me ligou. — Olívia se levantou do tapete, mas não


antes de enfiar mais uma generosa fatia de queijo e geleia na boca, e foi atrás do
celular que estava no balcão da cozinha.

— Quem é? — Maria gritou da sala.


— Essa, não. É minha mãe.

— Olá, querida — começou Dona Laura, do outro lado da ligação. — , Como


você está? – Começou a Dona Laura, do outro lado da ligação.

— Estou bem, mãe, e a senhora?

— Estamos animados com a sua visita! Seu pai e eu alugamos uma casa de
praia, na Península de Maraú, para que você possa aproveitar bastante sua visita à
Bahia.

— Ah, mãe, então, eu não poderei ir.

— Não poderá vir? Por quê?

— Eu esqueci de avisar para vocês, mas terei que fazer uma viagem
amanhã — coçou sua cabeça.

— Mais uma viagem a trabalho? Eles não te dão uma folga!

— Ah, sobre isso... Eu fui demitida.

Dona Laura demorou um pouco mais do que Olívia esperava para responder.

— Você o quê?

— Eu fui demitida.

— Quando?

— Anteontem.

— E você só nos avisa agora? Já tínhamos planejado tudo, Olívia!

— Eu sinto muito, mãe, mas estava com a cabeça cheia demais esses dias.

— Puxa vida, Olívia, você é muito irresponsável. Deveria ter nos avisado
antes que não poderia vir e que foi demitida, agora o que iremos fazer? Contávamos
com você, também! E se não é por conta do trabalho, por que vai viajar?

— Porque eu… — Olívia não sabia soube exatamente o que responder.


Estava cansada da maneira como seu relacionamento com a família era passivo-
agressivo. Ficara chateada por sua mãe estar mais preocupada com os planos
frustrados do que preocupada em saber se Olívia estava com ela estar bem ou não
depois da demissão . Olívia estava chateada, , mas não surpresa. E essa pergunta!
Como deveria responder? Sabia que deveria ter avisado que não poderia visitá-los
essa semana como prometera, mas até que ponto era culpada por estar tentando
retomar seu equilíbrio emocional? — … Preciso — completou . — Porque eu
preciso.

— Você precisa? E nós não precisamos de você, não é? Você não pensa em
como isso é egoísta?

— Egoísta? Como isso poderia ser egoísta?

Ao perceber que a conversa não estava indo bem, Maria devolveu para a
panela uma colher cheia de brigadeiro que estava prestes a comer
ao perceber que a conversa não estava indo bem
.

— O que está rolando? — Perguntou movendo a boca dramaticamente, mas


sem emitir som, apenas permitindo que Olívia lesse seus lábios.

Olívia não respondeu, apenas arregalou os olhos, e Maria soube que a coisa
estava ficando feia.

— Bem que seu pai falou que não dá para confiar em você, Olívia.

— Mãe, só para, por favor. Eu vou desligar.

— E ainda quer desligar na minha cara! Olívia, você não liga mais para a
família? Não Você não se importa mais conosco?

Olívia respirou pesadamente antes de responder.

— Boa noite, mãe. — E desligou o celular.

Maria olhou para Olívia por alguns segundos sem dizer palavra, esperando a
iniciativa da amiga. Quando Olívia ia dizer algo, o celular dela tocou novamente, e
Maria pôde ler o nome “MÃE”. Olívia recusou a chamada e em seguida desligou o
telefone.

— O que foi dessa vez? — Perguntou Maria, por fim.

— O mesmo de sempre.

— Como ela reagiu à sua demissão?


— Ela não reagiu. Me chamou de egoísta por não ir visitá-la, como prometi.

— Ah, Oli…

Olívia voltou para o tapete da sala, sentindo seus ombros mais pesados que
o normal.

— Você sente saudade dos seus pais? — Olívia perguntou, de maneira


reflexiva.

— Às vezes — confessou Maria.

Os pais de Maria também moravam na Bahia e, desde que ela se mudou


para São Paulo, via-os muito pouco. Maria Mas sabia que a relação de Olívia com
os pais era no mínimo delicada : ela . Ela amava muito os pais, mas se sentia
incompreendida. Diversas vezes , Maria pôde vivenciar junto com a amiga a maneira
distorcida como os pais de Olívia dela enxergavam as coisas. No fundo, era tudo
sobre eles. Como agora, pensou. Não importava que Olívia tivesse sido demitida,
não importava que seu coração estivesse moído feito pó, não importava que a filha
deles estivesse fazendo uma viagem rumo ao desconhecido porque não estava
conseguindo lidar com a realidade da própria vida. Importava apenas que os planos
da semana deles haviam sido frustrados. Mas o pior, ela lembrou, era como eles
sempre conseguiam fazer Olívia se sentir culpada por tudo. Diziam que era porque
a amavam demais, sentiam saudade demais ou qualquer coisa do tipo, então Olívia
se convencia de que era uma péssima filha. Maria sentiu Sentiu pena da amiga. Ela
sabia que nada poderia dar à Olívia mais consolo do que o colo dos pais, mas
que
isso não aconteceria.

Olívia deu um generoso gole no de vinho e jogou a cabeça para trás. Maria
sentiu a necessidade de quebrar o silêncio e, sem pensar muito bem no que dizia,
soltou:

— É engraçado, não é?

— O quê?

— Nossos pais nos conhecem há mais tempo que todo mundo, mas às vezes
parece que eles não nos conhecem.
— Nós não os conhecemos também. — Olívia completou antes de virar a
taça de vinho de uma vez só.

— O amor é sobre isso?

Olívia demorou para responder por tempo suficiente para Maria quase
desistir de receber uma resposta.

— Não.
CAPÍTULO 3 – A VIAGEM

— Anda, Olívia, levanta! — Maria tentava acordar Olívia com sacudidas nos
ombros.

— Só mais cinco minutos — pediu Olívia, virando-se de lado na cama.

— Você está brincando? Seu voo é hoje à noite! — Vendo que Olívia não
respondia, Maria começou a puxar seus pés, fazendo-a escorregar pela cama.

— Tá, tá bom. Eu levanto.

Eram nove horas da manhã. Maria mal conseguiu dormir , e acordou muito
cedo e deixou . Deixou a amiga dormir enquanto preparava o café da manhã. Sabia
que pelo tanto de vinho que fora consumido na noite anterior, Olívia precisaria de
um coquetel antirressaca. A receita era muito bem conhecida por elas: água de
coco, gengibre e hortelã. Era refrescante e curava as dores de cabeça em poucas
horas.

Meio a contragosto, Olívia levantou. Maria não trabalhava mais no ramo, mas
já fora confeiteira e adorava cozinhar, então dedicou-se a preparar um café da
manhã reforçado. Sobre a mesa quadrada de quatro lugares havia frutas
descascadas, croissant, geleias, tarteletes e o coquetel.

— Caramba, você pensou em tudo! — Soltou Olívia, surpresa. — Deve ser


incrível viver na mesma casa que você.

— Não se acostume, esse é um dos meus presentes de despedida. Comece


pela bebida, vai te ajudar com essa cara de poucos amigos.

— Um dos presentes? — Perguntou Olívia, com a boca cheia já que


propositalmente ignorou o conselho da amiga e começou a refeição por uma fatia de
manga. — Tem mais?

— Se você merecer. — E aproximou da amiga o copo com o coquetel.

Olívia cedeu, e juntas comeram e beberam de tudo um pouco. A manhã


estava esplêndida. Olívia raramente tomava o café da manhã em casa, nem mesmo
nos finais de semana. Geralmente comprava o café da manhã no caminho para o
trabalho e o comia rapidamente entre uma reunião e outra. Nos finais de semana
costumava trabalhar, como a maioria dos profissionais de São Paulo. Ela ia para
alguma cafeteria pouco movimentada e comia enquanto adiantava o trabalho da
próxima semana seguinte . E lá estava ela, tomando um café da manhã em casa, na
companhia da melhor amiga, às nove da manhã de uma quinta-feira. Sentiu pela
primeira vez que sua vida nunca mais voltaria a ser como antes.

— Que horas, exatamente, é o seu voo?

— Sai de Guarulhos às 22h40.

— Então temos cerca de doze horas para organizar toda a sua estadia em
outro país.

Ao ouvir essas palavras da amiga, Olívia sentiu medo. Estava relativamente


empolgada com a viagem, já que pensar nela era a única coisa que a impedia de
pensar em seu emprego e em Augusto. Mas Maria estava certa, ela tinha até o meio
daquele dia para encontrar um lugar para ficar e um tradutor. Agira completamente
por impulso, sabia disso, e agora estava indo para um país sem sequer saber pedir
socorro em sua língua oficial.

— Você tem sorte de ter uma amiga incrível, leal, inteligente, talentosa,
bondosa, versátil… — E continuou por um tempo se autopromovendo para provocar
Olívia — …como eu, sabia? Aquele rapaz respondeu. O Andrew. Ele aceitou
trabalhar como seu tradutor por uma quantia que, para o que eu estava esperando,
é bem pequena. E você ficará hospedada em Moroeni a uma hora de distância
de Târgovisţe, a capital de Dâmboviţa.

— Obrigada, Maria. Não sei o que eu faria sem você.

— Provavelmente morreria em um país desconhecido.

— Provavelmente — riu.

Maria mostrou para Olívia a conversa que teve com Andrew, onde já era
perceptível o domínio dele com a língua portuguesa.

— Ele não é brasileiro — Olívia pensou alto. — Andrew não é um nome


original daqui, qual será a desse cara?
— Pensei a mesma coisa — concordou Maria. — Mas não perguntei sobre
isso.

— Eu vou morrer em um país desconhecido — disse Olívia se jogando na


cadeira, repentinamente exausta. — E se esse homem for um charlatão?

— Deixa disso. Pesquisei sobre a pousada que ele disse estar trabalhando, e
é uma cabana, tem vários relatos de visitantes falando bem do lugar. No geral, você
vai precisar de um número de emergência e de algumas frases coringas, veja. —
Maria estendeu para Olívia uma lista de frases e suas traduções. Havia frases como
“sou estrangeira e estou perdida” e “estou correndo perigo e não sei falar romeno”.
Isso deveria deixar Olívia mais tranquila, mas a deixou apavorada.

— Tenho que concordar, Maria, Mauro tem toda razão quando te chama de
anjo.

— Eu não conseguiria simplesmente não fazer nada. Você é minha melhor


amiga, Oli — disse estendendo a mão sobre a mesa e segurando a mão de
Olívia. — Eu não me perdoaria se algo te acontecesse.

Olívia sentiu-se emocionada e para evitar um choro desnecessário, apenas


apertou forte a mão da amiga.

A manhã correu rapidamente com Maria passando para Olívia todas as


instruções que conseguiu com as horas de pesquisa noturna. Olívia anotava em
uma caderneta e salvava em seu celular tudo o que ela dizia. Fizeram um checklist
nas malas de Olívia, conferiram se todos os documentos necessários para a viagem
estavam com ela e verificaram as maneiras de ela conseguir converter a moeda de
real para o leu romeno.

Tudo estava pronto, por fim, e quando se deram conta, já havia passado e
muito do horário do almoço. Decidiram ir uma última vez ao shopping, almoçar num
restaurante que costumavam frequentar ir quando faziam compras.

— O que você está esperando? — Perguntou Maria ao notar observar que


Olívia olhava várias vezes para o próprio celular, como se esperasse por algo.

— É a primeira vez que passamos dias sem conversar


— desabafou referindo-se a Augusto.
— Desde o jantar?

— Sim — respondeu com um desânimo triste que comoveu Maria. — Acho


que depois da minha reação, não voltaremos mais a ser amigos que fingem estar
satisfeitos com isso. Quer dizer, ele realmente devia estar satisfeito, mas agora
sabe que eu não. Vou perder para sempre o amor da minha vida, Maria. — Seus
olhos estavam marejados e ela roía a unha enquanto falava, tentando conter o
nervosismo de estar despindo seus sentimentos mais profundos perante a única
pessoa no mundo com a qual se sentia à vontade em fazê-lo. — Mas isso vai me
custar um amigo, também.

Maria sabia exatamente do que a amiga estava falando, embora não


conseguisse imaginar o quanto doía. Olívia viveu por anos escondendo seus
sentimentos por Augusto como forma de preservar a amizade entre eles, e agora
perderia tudo de uma vez só. Sabia que a amiga, além de estar com o coração
partido, sentia falta dele. Eles conversavam todos os dias, sabiam tudo um sobre o
outro — ou quase — e agora tudo isso escorria das mãos de Olívia feito areia.

— Deve ser difícil para ele também.

— Eu sei. Mas ele vai seguir a vida dele.

— E você, a sua — tentou alegrar a amiga.

Depois do almoço Maria e Olívia passaram um tempo ocioso até irem para o
aeroporto. Chegando lá, Maria deu de presente a Olívia uma caixinha vermelha
envolta em um laço de veludo da mesma cor.

— O último presente.

— Amiga... — Emocionada, abriu. Era um belíssimo cordão prateado com um


pingente circular, marcado com uma rosa dos ventos em baixo-relevo. — Que
lindo! — E já não conseguia mais segurar as lágrimas.

— Isso é para que, onde quer que esteja, nunca se perca do seu caminho.

Olívia sabia que Maria ela estava citando um de seus livros favoritos e ficou
encantada com o presente. A despedida das duas foi rápida e emocionante, pois
nenhuma delas queria demorar e correr o risco de explodir em lágrimas. Então com
um passo definitivo para dentro da área de embarque do avião , Olívia selou seu
destino.

Chegaria à Romênia em 18 horas, com uma parada até desembarcar


em Bucareste. No avião, Olívia comeu todos os lanches que foram oferecidos pela
companhia aérea, mas evitou beber café, com medo de que atrapalhasse sua
adaptação ao fuso horário da Romênia. Pretendia passar a viagem inteira acordada
já que chegaria de madrugada ao seu destino final. Durante os voos ela estudou a
lista de frases de emergência entregues por Maria, na esperança de conseguir
pronunciar algumas palavras. Por fim, Olívia desembarcou, às 21h20 do dia
seguinte, no horário da Romênia. Estava cansada, sonolenta e faminta — apesar de
ter comido a viagem inteira, tentando não dormir.

O aeroporto não era muito diferente de todos os outros em que esteve na


vida. Recolheu sua mala e, com a ajuda de alguns funcionários do aeroporto,
conseguiu pedir um táxi de Bucareste até Moroeni. Aproveitou a viagem acordada
por questões de segurança e também para observar a Romênia pela janela. Era
quase como se estivesse assistindo a um filme, já que não podia tocar em nada.
Observava as pessoas, a arquitetura e, sobretudo, a paisagem, sob a luz da lua
cheia. Pôde perceber as planícies se tornando colinas e as colinas abrindo espaço
para as montanhas rochosas dos Cárpatos Meridionais. Era como se aprofundar na
alma de alguém, pensou. Olhando por fora parecia plano e calmo, mas
as paisagens mais bonitas
as mais bonitas paisagens estavam entre as tortuosas
montanhas.

Depois de cerca de duas horas e vinte minutos de viagem, chegou à Cabana Doina, em Moroeni. O
motorista a deixou em frente à estalagem, mas por alguns segundos ninguém apareceu.
Olívia sentiu um frio na espinha ao lembrar de todos os filmes de terror que costumav
Olívia Porque deparou-se com uma cabana cercada por altas
árvores e uma quase completa escuridão, não fosse pela luminária na porta de
entrada e algumas luzes semelhantes aos pisca-piscas de Natal que clareavam um
gazebo. Seria uma bela visão se não fosse completamente assustadora.
Olívia sentiu um frio na espinha ao lembrar de todos os filmes de terror que c

— Senhorita Saramago?
Foi desperta de seus pensamentos tenebrosos pela voz firme de um homem
que surgiu de algum lugar sem que ela percebesse.

— Ah! Meu Deus! — Assustou-se.

— Desculpe-me por tê-la assustado, sou eu, Andrew. Deixe-me ajudar com
as malas — disse cumprimentando-a com um aperto de mãos.

Andrew segurou as malas com braços de tronco de árvore e a guiou para


dentro do chalé. Ela percebeu Percebeu o quanto estava sentindo frio quando foi
abraçada pelo acolhedor calor da cabana. Do lado de dentro era muito menos
assustador. Sentia-se dentro de um dos tantos romances que editara para que
fossem publicados. Estava leve, como se não carregasse nenhuma história nas
costas, como se tivesse acabado de nascer. Sentiu-se a personagem de um livro
em seus primeiros capítulos, com uma infinidade de possibilidades pela frente.

— Nossa, aqui é lindo! — Disse olhando enquanto olhava de cima a baixo


cada pedaço do cômodo. — Muito obrigada pelas malas. — Quando virou-se para
agradecer, pôde enxergar melhor o tradutor.

Ele tinha a pele bem clara e cabelos loiros, não longos demais para
parecerem desleixados, não curtos demais para esconder seu formato
ondulado
natural , que era ondulado . O rapaz tinha um maxilar bem marcado, olhos cinza-
azulados e lábios rosados. Ele também tinha ombros largos e era alto
e tinha ombros largos
. Não fosse por ter trocado palavras em português com ela, Olívia
nunca pensaria que esse homem era a mesma massa alaranjada da foto de perfil
do fórum.

— Não precisa agradecer — respondeu ele . Sua voz era concisa, muito mais
profissional que gentil. Andrew pronunciava muito bem as palavras em português,
mesmo que de maneira mais lenta. — Deixe-me apresentá-la ao dono da
estalagem.

Andrew pôs as malas dela em um dos quartos e a guiou por um corredor que
levava à cozinha do lugar. Lá encontrou , um homem baixo e forte de meia idade
que claramente se esforçara
, Tinha com
cabelos negros e ralos e
, que claramente se esforçara muito para permanecer acordado àquela hora, a
cumprimentou Olívia com uma espécie de reverência.
— Este é o Ioan , o dono da Cabana Doina — disse Andrew Disse
indicando
apontando para o homem com um movimento de cabeça e em seguida
falando
disse algo em romeno para ele enquanto apontava , apontando para ela.

O romeno é uma língua latina, então Olívia achou a pronúncia das palavras
familiar, embora só tenha entendido o próprio nome.

— Ioan está feliz em recebê-la —


informou Andrew, traduzindo o que o homem havia dito
. — Ele fala principalmente romeno, mas também arrisca um
pouco de inglês.

— Ótimo, podemos nos comunicar em inglês, então. — Tentou um


cumprimento, mas teve como resposta uma mistura de inglês com romeno ainda
mais difícil de compreender que as primeiras palavras dele.

— Ele só... arrisca. — Andrew interviu com o mesmo tom profissional, mas
que parecia um pouco com um pedido de desculpas. — Esta é a nossa cozinha, de
livre uso para os hóspedes. Também são de uso comum a recepção, o gazebo e o
terraço. Mas esses você terá de esperar até amanhã para ver.

Depois de alguns cumprimentos embaraçosos, foi guiada ao seu quarto por


Andrew. O rapaz lhe explicou que a Cabana tinha oito quartos e que , além do dela,
três estavam ocupados , além do dela, com um grupo de cinco visitantes do norte da
Romênia. Disse que não era difícil encontrar profissionais ou viajantes que falassem
inglês — bem melhor que o do Ioan, salientou —, mas que não encontraria tão
facilmente falantes de português.

Olívia pensou em perguntar se ele era brasileiro. E se não fosse, como


aprendeu a falar português e como conseguiu praticar a língua se mais ninguém ali
falava. Mas não sentiu abertura para fazer perguntas pessoais, apesar de estar
curiosa.

— Se a senhorita quiser, poderá se juntar aos outros hóspedes a um passeio


pelas redondezas, pela manhã.

— Por favor, me chame de Olívia.

Andrew a encarou com curiosidade, mas voltou à sua expressão austera . ao completar

— Não se assuste se acordar à noite no meio de uma tempestade, chove muito nessa época do ano
— acrescentou ele.
Olívia apenas concordou com a cabeça e o rapaz se retirou.

O quarto era grande. Tinha uma cama de casal muito bem equipada com
travesseiros e cobertores, uma escrivaninha, um guarda-roupa, um espelho oval
grande e duas mesas de cabeceira com abajures. O chão era de madeira e sobre
ele havia um grande tapete azul.

Abriu sua mala sobre a cama e aos poucos foi preenchendo o espaço vazio
no guarda-roupa. Por fim, sentindo-se já cansada e com muito sono, ligou para
Maria.

— Graças aos deuses você chegou bem! Então, me conta tudo!

— Não tenho muito o que contar sobre a viagem, já que viagens de avião são
sempre o mesmo tédio. Mas no táxi de Bucareste à Moroeni pude observar um
pouco do que me espera nos próximos dias.
Cheguei à Cabana Doina há pouco tempo e já era bem tarde, então
Quando cheguei à Cabana Doina já era muito tarde. Então
, para ser sincera, foi bem assustador.

— Pelo que eu vi na internet é um lugar bem isolado.

— Sim, é mesmo. Mas pode ser que seja bonito à luz do dia. O dono da
estalagem foi muito educado, embora eu não tenha entendido uma palavra do que
ele disse . Pode e ele pode muito bem ter amaldiçoado a minha família.

— Eu queria muito ter visto isso — respondeu Maria, às gargalhadas. — E o


tradutor?

— Ele fala português muito bem. Fiquei com vontade de perguntar


sobre
como aprendeu e se é brasileiro, mas não quis parecer invasiva.
Principalmente porque
Além de que ele me pareceu bem frio.

— Quem trabalha nesse tipo de lugar deve estar acostumado a pessoas


muito mais invasivas, mas fez bem em ir com calma. É importante você começar
com o pé direito já que vai ficar aí por um tempo. Mas então, aquela mancha laranja
na foto era a sombra do cabelo dele ou a orelha?

— Eu não saberia dizer. — Lembrou-se da foto, ainda não conseguindo


acreditar que o homem que a recebera e o da foto eram a mesma pessoa. — Mas
ele definitivamente é mais bonito do que pensei.
— Sério? Impossível.

— Estou falando sério. Ele é alto, forte e tem um rosto muito bonito, não faço
ideia de como a fotografia ficou tão ruim.

— Ainda acho difícil de acreditar, mas espero que seja verdade. Assim você
terá muito mais que a vista das montanhas para admirar.

Depois de conversar mais algumas amenidades, as amigas se despediram.


Maria estava animada, já que no Brasil ainda eram dez horas da noite, mas na
Romênia eram três da manhã, e Olívia não dormia há mais de vinte e quatro horas.
Olívia ficou por um tempo deitada na cama brincando com o pingente em seu colar.
Conversar com Maria restaurara suas forças, mas agora que não estava mais
ansiosa com a viagem , uma vez que já tinha chegado ao novo país
porque ela já aconteceu
, flagrou-se pensando em Augusto.

Lembrou-se do primeiro beijo dos dois, da sensação dos lábios quentes e


sedentos dele colados aos dela. Lembrou-se de seu toque atrevido, de como ele
costumava brincar com cada terminação nervosa de seu corpo antes de satisfazê-
la. Lembrou-se de como era ser dele. Seu corpo ardia com as lembranças, mas seu
peito a maltratava. Sabia que estava se prendendo a lembranças de anos atrás
porque há muito tempo isso havia mudado. Ele não era mais dela, era de outra. Mas
ela algum dia deixara de pertencer a ele? Seus pensamentos fluíam rapidamente
com o som da chuva que começou a cair, assim como fora previsto.

Foram tantos momentos juntos. Mesmo quando Augusto já namorava e eles


eram apenas amigos — se é que algum dia foram só amigos. Era doloroso lembrar
de todas as vezes em que ele esteve ao lado dela, de tudo o que compartilharam, o
que aprenderam e viveram juntos. Tudo o que eles foram se perderia em memórias
amargas? Eles algum dia voltariam a se encontrar? Ela conseguiria superá-lo? Não
sabia nenhuma dessas respostas, tudo o que verdadeiramente sabia era que sentia
sua falta. Sentia muito.

E então lembrou do último encontro. A empolgação dele ao dizer que pediria


Iasmin em casamento. O brilho familiar nos olhos profundos dele , a sensação dele
colocando o anel em seu dedo e os milhares de pensamentos que a invadiram
naquele momento. Fechou os olhos e foi surpreendida por uma lágrima quente
rolando em seu rosto. A chuva aumentou e tornou-se uma tempestade, assim como
os sentimentos dela.

Olívia nunca fora uma santa e tampouco passou esses anos sem ninguém.
Ela conheceu muitas pessoas e descobriu qualidades em todas elas. Divertiu-se ao
máximo e entregou-se aos prazeres que eles eram capazes de lhe oferecer, mas
ainda assim, no final de tudo, era Augusto que importava. Era ele, sempre foi.
Suspirou.

Seus olhos estavam ardendo quando decidiu levantar e buscar um pouco de


água para se acalmar. A cabana estava silenciosa e sentiu-se da mesma maneira
de quando era criança e andava de noite pela rua que separava a casa dela e a
casa dos avós. Com a rua silenciosa e despovoada, sua imaginação a
fazia pensar
levava a imaginar que a rua era sua, o bairro, a cidade, que o mundo era seu. E
depois pensou nas vezes em que fugira de casa à noite para se encontrar com
Augusto e tinha a mesma sensação, de que o mundo pertencia a eles.

Em frente à pia havia uma enorme janela de vidro. Exatamente como nos
filmes de terror. Olhar para aquela imensidão escura a fez arrepiar-se inteira.
Terminou de beber a água e inspirou profundamente, decidida a não mais pensar
mais em Augusto naquela noite e virou-se para voltar ao seu quarto.

— Senhorita! — Soltou Andrew, surpreso ao esbarrar nela, na entrada da


cozinha, paralisando-a de medo.

Olívia demorou a se recuperar do susto já que tinha acabado de lembrar das


cenas mais aterrorizantes dos filmes que já assistira.

— Eu — hesitou — só vim beber água. Não estava conseguindo dormir.

Andrew continuou encarando-a como se esperasse que ela terminasse de


falar. O rapaz estava usando uma camisa branca muito fina que marcava levemente
as ondas definidas a definição dos seus músculos. Um clarão invadiu a cozinha
seguido por um trovão forte o suficiente para fazer um ateu rezar uma prece. Olívia
percebeu que Andrew mantivera os olhos fechados e expressão severa desde o
aparecimento do raio. Parecia estar com raiva.

— Tudo bem — disse entre os dentes — algumas noites são mais difíceis
que outras. — E entrou na cozinha, deixando-a plantada no corredor.
Olívia não esperou para entender o que havia acontecido e voltou depressa
para o seu quarto, com o coração acelerado. Ao som da tempestade, dormiu
tranquilamente.
CAPÍTULO 4 – RAJADA DE VENTO

Os planos de Olívia para o primeiro dia na Romênia eram acordar cedo e


aproveitar ao máximo, mas isso ia contra seu estado de exaustão. De qualquer
maneira, acordou no começo da tarde num susto repentino de quem sente que não
ouviu o despertador.

Poderia facilmente voltar para a cama e dormir por mais algumas horas, mas
decidiu não fazê-lo. Teria trabalho para se acostumar com o fuso-horário e por ora
precisaria fazer o que fosse preciso para sentir sono na hora certa. Levantou e foi
recebida por Andrew e por Ioan que se apressou em servir-lhe algo para comer.

Seu primeiro contato com a gastronomia romena foi um prato de charutos de


repolho recheados com carne de porco e polenta. O cheiro era divino e fez o
estômago de Olívia roncar alto. A comida estava simplesmente deliciosa. Estava
tudo muito bem temperado e parecia ter sido preparado com paciência ao ponto de
todos os ingredientes desmancharem em sua boca a cada garfada. Se todas as
suas refeições ali fossem como aquela, estaria no paraíso.

— Temos sobremesa também —


anunciou Andrew, reproduzindo o que Ioan tinha acabado de dizer
disse Andrew, traduzindo o que Ioan acabara de lhe dizer em romeno
.

A sobremesa se chamava Papanași, explicou Andrew. Uma receita típica


feita de massa frita, semelhante a bolinho de chuva, acompanhada de iogurte
natural e geleia de frutas vermelhas. Uma apetitosa mistura de sabores.

Alguns dos hóspedes se juntaram a Olívia para uma refeição da tarde.


Mesmo não conseguindo entender o que diziam, notou que eles mostravam um
para o outro fotos em seus celulares da paisagem local.

— Perdi o passeio matinal, pelo visto — disse, desanimada


, e virou-se para Andrew.
— Você fará outro em breve? – Perguntou para Andrew.

— Eu não terei tempo tão cedo — respondeu friamente, ao que Olívia deu-
lhe um sorriso triste que de alguma maneira o fez ceder. — Mas posso levá-la para
conhecer as redondezas da cabana agora. Ainda está claro.
— Sério? Seria incrível!

— Você tem alguma bota? Vai precisar.

Olívia voltou mais que depressa para o quarto para se vestir adequadamente
para uma caminhada entre a paisagem montanhosa. Quando estava prestes a sair
do quarto, tão feliz quanto uma criança em uma excursão do colégio, seu telefone
tocou.

— Como você está, Olívia?

— Estou bem, pai. E o senhor?

— Eu estou bem. Quem não está é a sua mãe, você já falou com ela?

Olívia respirou fundo antes de responder:

— Não.

— Sua mãe está tão magoada, Olívia. Devia falar com ela e pedir desculpas.

— Pai, eu sinto muito por não ter avisado com antecedência da minha
viagem, mas foi uma decisão de última hora e eu não teria feito isso se não fosse
importante. — Tentou explicar, mesmo sabendo que não adiantaria.

— Acho que ela está muito mais magoada pela maneira como você a tratou.

— Pela maneira como eu a tratei? E a maneira como fui tratada?

— Olívia, ela é sua mãe!

— E isso não deveria ser desculpa para ela poder dizer o que quer sobre
mim sem que eu tenha sequer o direito de ficar chateada.

— Sua mãe só acha que você coloca outras coisas na frente da sua família.

— Não estou fazendo essa viagem por um capricho, estou fazendo por mim.
Estou pensando em mim, é importante.

— E isso não te parece egoísta?

Olívia respirou fundo. Sabia que não adiantava discutir, que seria vista dessa
maneira independentemente do que fizesse. Sentiu-se esgotada, como sempre se
sentia em situações como essa. Não seria a primeira nem a última vez que
discutiriam por razões parecidas e nem a última .

— Sim, parece. O senhor tem razão, eu sou muito egoísta.

O pai não respondeu. Ela esperou, mesmo sabendo que ele não falaria nada.
Sabia que ela tinha acabado de fazer o que ele queria, que ele tinha conseguido seu
objetivo ao ligar para ela: fazê-la assumir a culpa, render-se, mostrar-se como o ser
humano mesquinho que acreditavam que ela era. De repente, se assustou com as
lágrimas quentes escorrendo por seu rosto. Estava emotiva demais nos últimos
dias, mal se reconhecia.

— Preciso desligar. — E o fez.

Quando voltou para a recepção, deparou-se com um Andrew claramente


impaciente. Ele a guiou para fora da Cabana e ela o seguiu floresta adentro.

A paisagem era encantadora. Árvores altas cobriam o solo até onde a vista
alcançava. Ao fundo, podiam ser vistas algumas montanhas cobertas de grama e
rochas cinzentas. O dia estava quente e úmido, e o sol se derramava sobre eles
como uma bênção.

— Essa vista é a mais bonita que já vi em toda a minha vida — disse Olívia,
ao chegarem a um pequeno riacho pedregoso que cortava as árvores, totalmente
estupefata.

— Você está chorando? — Perguntou Andrew que, ao se virar para olhá-la


deslumbrada, deparou-se com uma maquiagem levemente borrada e um nariz
vermelho.

A sua entonação foi pessoal, demonstrando curiosidade e um pouco de


preocupação. Nos poucos diálogos que tiveram até ali, Andrew mantivera uma
comunicação estritamente profissional, quase como se seguisse um roteiro, e Olívia
riu ao percebê-lo tão à vontade.

— E agora você está rindo? — Parecia realmente confuso, o que a fez rir
mais.

— Não se preocupe, eu estou maravilhada. — Olhou em volta para


demonstrar sobre o que estava falando e notou uma rocha grande que se estendia
sobre o riacho, num projeto de miniponte. Sentiu a necessidade de subir e admirar
aquele novo mundo do alto.

— Cuidado! — Andrew alarmou-se. — Pode estar escorregadio aí!

— Deixe de ser covarde — ousou brincar, aproveitando do bom humor de


Andrew , e escalou enquanto escalava a rocha. — Diga-me, Andrew, você se
acostumou com isso? Essa paisagem deixou de te despertar arrepios de
admiração?

Andrew, como qualquer pessoa sensata, sabia que aquele lugar era belo.
Mais que belo, era glorioso. Mas trabalhara ali por tanto tempo que, de fato,
esquecera-se disso. Olhou ao redor de si: o riacho cristalino, as árvores banhadas
pelo sol, a grama, as montanhas; e enquanto olhava de um lado para o outro, teve a
mesma sensação estranha que teve ao pisar ali pela primeira vez. Um ímpeto
selvagem que lhe fazia ter vontade de tocar aquele solo com os pés descalços e
unir-se à natureza. No meio de seu frenesi, pousou os olhos sobre Olívia. A moça
parecia estar sentindo o mesmo que ele, pois tinha alcançado o topo da rocha e,
com os braços estendidos em cruz e os olhos fechados, deixava o vento tocar-lhe a
pele.

— Ainda me causa — respondeu num sussurro, mais para si mesmo do que


para Olívia. O vento moldava as roupas de Olívia rentes ao corpo esguio e esbelto
da moça. Seus cabelos negros dançavam ao redor do rosto delicado como um
milhão de dedos, e sua feição era de genuína felicidade. Teve vontade de tocá-la,
de unir-se a ela no topo da rocha. E antes mesmo de pensar sobre isso, já estava a
alcançando.

— Eu sempre sonhei em conhecer um lugar assim — começou ela, ao


perceber a presença do tradutor. — Um lugar que fizesse os prédios cinzas das
grandes cidades parecerem cena de filme de ficção científica.

— Você mora morava na cidade?

— Bem no meio da cidade. Acho que não ouço o cantar dos pássaros há
anos.
Ambos ficaram parados por um tempo, sentindo o vento e ouvindo os sons
da natureza, até que uma forte rajada de vento surpreendeu ambos, fazendo-os se
esforçar para manter o equilíbrio.

— Os romenos acreditam que uma rajada de vento é um mau presságio —


disse Andrew.

— Você acredita nisso?

Andrew já havia se acostumado com as superstições romenas e sabia que


eles fugiam de rajadas de vento como o diabo foge da cruz. Olhou ao seu redor e
para Olívia.

— Hoje não vejo motivos para acreditar.

Olívia se sentia tão livre, tão viva. Naquele momento, estava no topo do
mundo. Não havia carreira perdida, não havia pais incompreensíveis, Augusto
nem
e corações partidos. Não havia a sensação de ter perdido o rumo da própria vida.
Fechou os olhos.

Talvez estivesse presa demais em seus pensamentos ou a chuva tenha


surgido muito caiu repentinamente, pois quando se deu conta tinha pesadas gotas
de chuva caindo sobre ela.

— Precisamos voltar — Andrew disse, segurando-a pelo cotovelo. Seu rosto


perdera todo o brilho de minutos atrás. Suas sobrancelhas estavam tensionadas e
seu maxilar dizia que ele estava apertando os dentes com força. Seus olhos cinza-
azulados estavam frios como pedra.

— Eu posso descer sozinha — Olívia puxou Respondeu puxando o braço,


soltando-o das mãos de Andrew.

— Como quiser, mas seja rápida.

— O que há com você? Está com medo da chuva? — Olívia não queria que
aquele momento mágico acabasse tão rápido. — Andrew, espera! — gritou ao
perceber que o homem a estava deixando para trás no meio da floresta.

Numa tentativa de descer rapidamente da rocha, Olívia saltou em direção ao


riacho, tropeçando em alguma pedra coberta de musgo.
— Ai!

Seu tornozelo estava latejando e ela tentou se levantar, falhando


miseravelmente. Estava com as roupas úmidas do joelho pra baixo, e a chuva ficava
cada vez mais forte.

Tão rápido quanto surgira na noite em que Olívia chegou à Cabana, Andrew
voltou para ajudá-la. Seu rosto permanecia severo. Estava com raiva, o que deixou
Olívia confusa.

— Você não toma nenhum cuidado!

— Eu só tentei descer rápido porque você estava sumindo de vista e eu não


sei voltar à Cabana sozinha!

— Devia ter me acompanhado quando eu disse para voltarmos.

— Por que ficou tão arrogante? Eu não te fiz nada.

— Consegue andar? — Andrew emendou, ignorando a pergunta de Olívia.

— Acho que consigo levantar, mas andarei devagar.

— Não temos tempo para isso. — Andrew agachou e com uma força
surpreendente segurou Olívia nos braços.

— O que está fazendo?

— Te levando de volta.

— Eu posso andar sozinha, só preciso de um tempo.

— Claramente você não pode, por que está insistindo?

Enquanto discutiam, Andrew caminhava rapidamente por entre as árvores,


seguindo o caminho de volta. Olívia estava com raiva por ele tê-la tratado de
maneira arrogante sem nenhum motivo aparente, mas acabou desistindo de brigar
quando seu tornozelo voltou a doer.

Na recepção, Andrew colocou Olívia sentada em uma poltrona na recepção .


Ioan apareceu imediatamente e, pela sua entonação, Olívia imaginou que ele
também estava com raiva, pois olhava para as roupas encharcadas dos dois e a
cara de dor da Olívia com severidade. Parecia estar repreendendo Andrew.
Olívia não falou nada, até Ioan se aproximar dela e gentilmente fazer um
gesto como se pedisse para tirar a bota dela.

— Ele está pedindo para verificar o estado de seu tornozelo — disse Andrew,
sem olhar diretamente para ela.

Ela respondeu a Ioan com um aceno de cabeça.

Ioan tirou seu calçado e ,


com expressão preocupada, ao invés de raivosa,
olhou atentamente para o pé e para o tornozelo de Olívia
, com expressão preocupada, ao invés de raivosa
. Começou a mexer o pé dela delicadamente.

— Diga quando doer — Andrew traduziu novamente.

Olívia concordou e fez um sinal em todos os movimentos que a faziam sentir


dor. Por fim, Ioan devolveu-lhe a bota e disse algo para Andrew, cumprimentou
Olívia e foi em direção à cozinha.

— Ele disse que foi apenas um entorse leve machucado , que ficará bem se
mantiver repouso. Foi buscar uma bolsa de gelo. Eu a levarei para o seu quarto e
você deve descansar até seu tornozelo melhorar. — Disse fazendo menção de
pegá-la nos braços carregá-la novamente.

— Não precisa me carregar — Olívia respondeu no mesmo tom frio. — Eu


consigo ir até o quarto.

E saiu saltitando com apenas uma perna. Sentia-se humilhada por sair
pulando pela casa. Não entendia por que Andrew a estava tratando de maneira tão
fria e grosseira, e não queria sentir que dependia dele para se locomover
daria a ele a chance de carregá-la novamente
.

Com um pouco de dificuldade, chegou ao quarto. Foi direto para a suíte,


onde pôde trocar as roupas molhadas. Pouco tempo depois de sair do banho e
deitar-se na cama, ouviu uma batida na porta.

— Pode entrar.

Era Ioan, com uma bolsa de gelo. Andrew não o estava acompanhando,
então ela só pôde tentar adivinhar o que o homem dizia através de suas
expressões. Tentou demonstrar gratidão se fazer ser entendida como grata pelo
gesto dele, mas não teve certeza de que foi interpretada corretamente. O homem
parecia gentil como sempre, sem sinal da raiva demonstrada ao vê-la chegando
encharcada e mancando manca .

O homem também trouxe uma tigela de sopa, que Olívia atacou


imediatamente após ele se despedir. Estava entediada, frustrada e com dor.
Fazia muito tempo que
Olívia não se sentia tão bem quanto se sentira quando
subiu
estava no topo daquela rocha há muito tempo . Estava feliz por estar naquele lugar e
percebeu que desejava ter uma feliz pelo avanço em sua relação
mais amistosa
com Andrew. Percebeu que não queria ser tratada como apenas uma hóspede por
todo o tempo que passaria ali ou se sentiria ainda mais solitária do que estava em
São Paulo. Queria ser tratada como uma amiga, se possível. E sentiu que isso era
possível, antes da chuva cair. Não entendia a reação de Andrew e como ele mudara
de comportamento em questão de segundos.

Depois de comer, Olívia tentou se manter distraída até a hora de dormir, pois
precisava adormecer na hora certa. Tentou ligar para Maria, mas ela não atendeu.
Começou a ler um livro que havia levado, mas percebeu que estava ficando com
sono. Então pegou novamente seu celular e ficou vasculhando posts em suas redes
sociais sem procurar nada em especial.

Em meio a fotos e vídeos dos seus seguidores , Olívia parou em um post de


Iasmin. Era uma foto dela com Augusto em cima de e uma legenda romântica. Ficou
olhando a foto por vários minutos, depois leu o comentário dele na postagem.
na foto
Quando se deu conta, e por fim estava no bate-papo dele.

Nada nunca dá tanta liberdade e sinceridade a uma pessoa do que escrever


uma mensagem sabendo que não a enviará. Olívia destilou toda a mágoa contida
dentro de si nas palavras endereçadas a Augusto. Quando terminou de escrever o
que parecia um capítulo inteiro de um livro, percebeu que ele estava online. Seu
coração gelou ao pensar que ele poderia estar vendo o “digitando” em sua conversa
e apagou a mensagem, jogando o celular de lado logo em seguida.

Ficou nervosa com o que tinha acabado de acontecer e para se acalmar foi
mancando até para a janela de seu quarto, na expectativa de que a vista noturna da
floresta voltasse a lembrá-la de contos aterrorizantes e a fizesse esquecer Augusto.
Não devia ter desejado isso, pois quase gritou de susto ao perceber uma
movimentação por entre as árvores. A lua estava cheia e permitia que um pouco de
luz iluminasse a floresta. Mas era Andrew, notou aliviada. Ficou curiosa para saber
o que o homem estava fazendo do lado de fora da Cabana no começo da noite. Ele
andava de um lugar para o outro como se não soubesse para onde ir, como se
quisesse apenas andar e respirar ar fresco. A chuva tinha cessado.

Olívia ficou o observando por mais tempo do que gostaria de admitir. Não
saberia dizer se por tédio ou curiosidade. O homem ficou no gazebo por um bom
tempo, bebendo o que parecia ser vinho e fumando um cigarro. Quando Andrew
finalmente saiu do gazebo para voltar para a Cabana, Olívia sentiu uma onda de
descarga elétrica adrenalina que a fez lembrar do tornozelo ferido, pois voltou a
doer. Olhou para baixo e percebeu o pé inchado. Quando voltou a olhar para o lado
de fora, não viu Andrew em lugar nenhum. Então finalmente cedeu ao cansaço e foi
dormir.

Acordou cedo e foi tomar café da manhã com todos. Conversou com um dos
hóspedes que falava inglês. Depois do café todos se retiraram e Olívia não soube
muito bem o que fazer, então permaneceu na cozinha, numa espécie de conversa
silenciosa com Ioan que, ora lhe mostrava alguma coisa, ora arriscava frases em
inglês.

Ioan saía da cozinha algumas vezes e voltava com hortaliças frescas. Em


umas dessas saídas, voltou com Andrew, ambos absortos no que parecia ser uma
discussão. Ela pensou em perguntar o que estava acontecendo, mas percebeu que
seria muita falta de educação, então apenas fingiu estar distraída fazendo nada
enquanto tentava entender o algo do que se passava. No meio das frases
exclamativas de Ioan, ele apontou para ela. Andrew pareceu surpreso e negou com
a cabeça enquanto o respondia . O gesto e isso a deixou curiosa demais para
continuar em silêncio.

— Algum problema? — Indagou Disse com voz ingênua.

— Não, não é nada — Andrew estava menos severo que


no dia anterior
ontem , mas também não tão à vontade quanto
na ocasião breve em que compartilharam aquele m
quando estavam sobre a rocha
na floresta.

Ioan continuou apontando para ela e falando com Andrew, até que bateu o pé
no chão e saiu da cozinha, resoluto.

— O que está acontecendo?


— Ioan quer que você me acompanhe à Târgoviște.

— Mas por quê?

— Ele acha que você ficará entediada sem ter ninguém que a entenda por
aqui, já que os outros hóspedes sairão e só voltarão depois do jantar.

E Ioan tinha razão, concordou ela em pensamento. –Bom, ele tem razão.–
Só de pensar em ficar sozinha com o cozinheiro Ioan o dia inteiro, Olívia ficou
desesperada. Tentar se comunicar com ele por duas horas tinha sido divertido, mas
ficar o dia inteiro sem uma viva alma que a entendesse?! Não podia nem cogitar
essa possibilidade. Já estava se sentindo solitária o suficiente , imagine isto .

— Mas não se preocupe, eu falei que você não poderá ir por causa do tornozelo
— acrescentou Andrew, impassível.

— Mas eu quero ir! — Seu tornozelo já estava melhor. Ainda doía ao andar,
mas ela conseguia ficar em pé sem muitas dificuldades. E tinha se animado com a
ideia de conhecer mais da Romênia além daquele sagrado lugarzinho no meio do
nada.

— Não precisa — retrucou ele. Seu tom de voz insinuava que


E o tom dele dizia a Olívia que
ele não queria que ela fosse, mas Olívia entendeu como um
desafio.

— Não é nenhum sacrifício. Eu vou.

— Você mal consegue andar.

— Já estou bem melhor, graças aos cuidados do Ioan.

Andrew cerrou os dentes. Havia Sabia que havia deixado claro que não a
queria Olívia como acompanhante, mas o sorriso sarcástico da moça de Olívia lhe
dizia que ela não cederia.

— Pois bem, vista-se. Partimos em vinte minutos.

Olívia vestiu-se o mais rápido que conseguiu :. Estava com um vestido branco
que cobria seus ombros e ia até pouco acima de seus pés . Deixou os , cabelos
soltos e calçou um par de salto s baixo s. Queria poder tirar fotos pela cidade se
tivesse a oportunidade. Em menos de quinze minutos, Olívia estava pronta e entrou
no carro com Andrew, ignorando completamente sua cara de má digestão.

— Você consegue ser rápida quando quer — alfinetou Disse ele. Olívia
respondeu apenas com um sorriso fingido.

Partiram, deixando para trás a paisagem exclusivamente vegetal e


penetrando um cenário recheado uma recheada de construções civis.
CAPÍTULO 5 – UM TEMPO

Aquele dia começara rápido demais para Augusto. Estava sentado na sala de
reunião enquanto seu chefe e colegas de trabalho debatiam sobre um importante
empreendimento. Algo que teria prendido sua atenção por horas, não fosse sua total
incapacidade de pensar racionalmente desde seu último encontro com Olívia.

— Fazendo dessa maneira, voltaremos a ter uma boa relação com os


investidores do sul.

— Mas pode ser mal visto pelos clientes mais tradicionais.

A conversa fluía e as vozes começaram a se exaltar, uma se sobrepondo à


outra. Augusto não prestava atenção a uma única palavra proferida pelos
envolvidos.

— O que você acha, Augusto? — Foi chamado a atenção pela voz do seu
chefe que, claro, queria a sua opinião. Augusto havia Havia sido promovido e sabia
que agora cabia a ele boa parte do poder de decisão nas grandes questões da
empresa.

Se sua vida dependesse de dar uma resposta realmente assertiva e


construtiva de sua parte naquele momento , estaria perdido. Desviou dos olhos
de Santiago, seu
do chefe — um homem de meia idade com energia de dois jovens
chamados Santiago — para olhar para os seus colegas. Numa análise rápida,
percebeu que pela expressão corporal do seu amigo Pedro, ele estava defendendo
um dos pontos de vista.

— Acho que Pedro está certo.

Todos ficaram em silêncio por alguns segundos antes de voltarem a se


atropelar com seus argumentos e previsões.

— O que está acontecendo com você? — Perguntou Pedro, correndo atrás


do amigo assim que a reunião acabou.

— Do que você está falando?

— Você defendeu a minha ideia.


Augusto parou de caminhar abruptamente, quase fazendo Pedro
colidir com ele
se esbarrar nele .

— E eu não devia ter defendido?

— Sim, claro. Quero dizer, estou certo da minha pesquisa, mas tinha certeza
de que escolheria a opção mais segura.

— Tanto faz — disse voltando a caminhar pelo corredor que o levaria para o
auditório e depois para o seu escritório.

— “Tanto faz?” Você está maluco, Augusto? — Pedro


apressou o passo
caminhou mais rápido que Augusto e parou na em sua frente do amigo , forçando-o
a prestar atenção.

— Não quis dizer isso. Eu realmente achei que sua ideia foi brilhante.

Pedro arqueou uma sobrancelha e franziu a testa, confuso.

— Ah, é mesmo? E qual foi a minha ideia?

Augusto fez menção de responder, mas não o fez. Tampouco fez questão de
esconder que estava sem respostas.

— Você não prestou atenção na reunião! O que está acontecendo? Pensei


que estivesse louco por esse cargo , mas e agora que o conseguiu você está agindo
como se não fosse importante.

Augusto sabia que Pedro estava certo. Estivera dando o seu melhor, sendo o
primeiro a chegar e o último a sair do escritório por quatro anos. Perdera a conta de
quantas vezes perdeu o sono para solucionar algum problema urgente, e agora que
finalmente havia sido recompensado, não conseguia sequer participar ativamente
de uma reunião.

— Você tem razão. Pode me encontrar no Le Point Bar no fim do


expediente?

O amigo concordou.

Assim que entrou em seu escritório, Augusto sentou pesadamente em sua


cadeira. Nunca havia se sentido tão mal. Estava inquieto e angustiado, sem
conseguir pôr os pensamentos em ordem. Abriu uma gaveta, pegou Pegou a
caixinha de veludo cor-de-rosa com o anel de noivado de Iasmin
de dentro da gaveta
e começou a brincar com ela, passando de uma mão para outra, abrindo e
fechando.

Há quatro dias inteiros não conseguia se concentrar em nada que não fosse
Olívia.

— Ela — repetiu os próprios pensamentos em voz alta. — Mas que


diabos! — E fechou a caixinha com força.

Desde o jantar, estivera sufocado por uma angustiante sensação que não
conseguia nomear, mas tudo piorou naquela manhã, porque sonhara com
Olívia
ela. Em seu sonho, a noite do jantar se repetia. Mas ao invés de levá-la até o
corredor, a tinha levado ao seu escritório, onde, depois de mostrar-lhe o anel,
brigavam calorosamente. O tipo de briga que tiveram tantas vezes antes: vozes
altas, corações acelerados, corpos exaltados próximos demais para
evitarem um ao outro
se evitar .

Podia se lembrar claramente de como o rosto dela estava rosado no sonho,


de como os lábios carnudos dela se tocavam enquanto ela falava, do arrepio quente
que o percorreu quando seus olhos se cruzaram. Quando ela abriu a boca para
continuar discutindo, ele rompeu a distância entre eles, pressionando seu corpo
contra o dela, e seu dedo indicador sobre seus lábios. Sussurrou em seu ouvido
“Não diga nem mais uma palavra”. Não lembrava sobre o que estavam discutindo,
mas queria estava querendo que ela parasse de falar. Olívia Ela virou o rosto,
deixando sua respiração quente tocar a face dele, e sussurrou ofegantemente seu
nome. Com esse convite, ele a beijou com toda a necessidade que sentia
estava sentindo
, sem deixar os lábios dela escaparem. Seus corpos estavam tão perto, a
respiração acelerada dela tornava seu desejo ainda mais urgente. Ele a agarrou
pela cintura e a sentou em sua mesa, abrindo espaço entre suas pernas e
pressionando o próprio corpo contra a fonte do calor dela.

Foi assim que acordou, tentando tirar de sua cabeça a cena que se negava a
ir embora. Estava enlouquecendo, só podia estar enlouquecendo. As horas
passaram sem que ele percebesse e de repente já havia acabado seu expediente.

Guardou a caixinha do anel de noivado na pasta e foi para o bar.


— Eu não sei o que fazer — soltou ele Augusto , depois de um gole generoso
do seu Jack Daniel's Single Barrel.

— Estou até com medo de perguntar que diabos está acontecendo com você
.

Augusto e Pedro se tornaram amigos assim que Pedro foi admitido na


empresa, três anos antes atrás . Pedro fazia parte da rotina de Augusto dentro e fora
do trabalho, já que levaram essa amizade para a vida pessoal também. Em toda
São Paulo, Pedro era a única pessoa com a qual Augusto teria coragem de dividir
seu dilema.

— Eu pretendia pedir Iasmin em casamento — começou.

— Pretendia?

— Eu estava ansioso para isso. Estava decidido.

— Estava? Ih... Essa história vai acabar mal, não vai?

Augusto afundou a cabeça nas mãos e criou coragem para soltar de vez:

— Não consigo parar de pensar na Olívia.

— Na Olívia? — Pedro quase gritou falou alto demais , completamente


chocado.

— Fala baixo! — Augusto olhou em volta para se certificar de que ninguém


ouviu. — No jantar eu tive a péssima ideia de mostrar o anel para Olívia, não sei no
que eu estava pensando. Mas quando percebi, já estava no meio daquela situação.

— Que situação, cara? Eu não estou conseguindo acompanhar. Você


mostrou a aliança para Olívia? Por quê?

— Eu não sei! — respirou fundo. — Eu não sei, tá legal? É só que somos


amigos há tanto tempo que eu quis compartilhar aquilo com ela.

— E quando foi que essa história saiu dos trilhos? — Pedro virou Virou o
copo de uísque de uma só vez. Apesar de trágica, a história estava divertindo -o
.

Augusto lembrou rapidamente de cada pedaço da interação estranha


entre Olívia e ele
dos dois naquela noite. Onde as coisas mudaram? Qual foi o momento
preciso em que ela revirou sua cabeça? Teria sido no momento em que viu o anel
de noivado na mão dela? Ou teria sido ao ver sua reação embaraçosa? Não sabia
exatamente o momento, mas algo fez seu corpo lembrar de como era tocar a pele
dela, de como era estar nela.

— Eu não sei — admitiu, se sentindo quase desamparado . — Acho que


alguma coisa que ela fez ou disse me fez entender que ela ainda sente alguma
coisa. Foi embaraçoso.

— Mas o lance entre vocês não tinha acabado antes de virem para São
Paulo?

— Sim, sim. Faz anos…

— E aí ela surge tendo sentimentos por você do nada, depois de todo esse
tempo?

— Não foi do nada — balançou a cabeça em negação . — As coisas não


acabaram bem entre a gente. Continuamos amigos mas, de certa maneira, sempre
houve uma espécie de assunto inacabado entre nós. E esse não é o maior
problema.

— Estou curioso — instigou o amigo a continuar.

— O problema maior é que isso não sai da minha cabeça e... e eu também
sinto algo. — Suas palavras saíram como um peso de seu peito. Tinha pronunciado
em voz alta pela primeira vez o que mais o assombrava. Não tinha mais como voltar
atrás, precisava resolver aquilo.

Pedro não tinha um único conselho para oferecer, mas conversar com o
amigo fez Augusto se sentir melhor. Voltou para casa bêbado algumas horas
depois. Esperava não encontrar ninguém em casa, mas Iasmin estava lá.

— Augusto! Onde estava até essa hora?

— Bebendo com o Pedro. Por que não me avisou que viria? Eu teria vindo
direto do trabalho.

Iasmin ainda morava com os pais, a dois bairros de distância, mas tinha a
chave da casa de Augusto e frequentemente ia passar a noite com ele.
— Queria te fazer uma surpresa — disse timidamente, o que fez o coração
de Augusto apertar. Diante de tudo o que estava acontecendo, não sabia como
reagir diante da em frente à namorada.

— Desculpe.

— Não precisa se desculpar, querido.

— Não, eu preciso.

— Mas você não fez nada de errado.

— Eu vou fazer. — Nesse ponto, o uísque estava falando por ele.

Iasmin começou a pensar que Augusto estava mais bêbado do que


transparecia.

— O que você vai fazer?

Augusto se empertigou, olhando profundamente nos olhos dela.

— Vou fazer você me odiar.

A resposta dele a pegou de surpresa. Não conseguia pensar em um contexto


em que o que ele dizia fizesse sentido. Estava acostumada a ouvi-lo falar coisas
desconexas depois de exagerar no álcool, então não tentou dar significado às
palavras dele.

— Meu Deus, Augusto. Você não devia beber como um adolescente. Tome
um banho, está fedendo a uísque.

Augusto caminhou até o banheiro, sentindo-se o mais desonrado homem que


já pisou nesta terra. Conhecia Iasmin há seis anos, uma semana atrás tinha certeza
de que queria se casar com ela, e agora sentia que havia convidado um monstro
para entrar na vida deles. Ou talvez tivesse se tornado um.

Deixou a água gelada do chuveiro limpar seus pensamentos. Poderia ficar ali
por horas, focado apenas na sensação das gotas de água massageando suas
costas, mas não conseguiu ficar absorto por muito tempo. Estava sendo impossível
não pensar em Olívia.

Ele era feliz com Iasmin. Tinham um relacionamento estável com perspectiva
de futuro. Ele a admirava, a apreciava e a queria como sua mulher até dias atrás.
Como pôde entrar em contradição com suas próprias certezas tão rápido? Mais que
rápido, como pôde se perder do seu caminho por tão pouco? Ele não havia se
apaixonado por outra mulher, ou se deitado com outra mulher, muito pelo contrário.
Augusto foi fiel a Iasmin em todos esses anos de relacionamento e mesmo que
teoricamente ainda fosse, não se sentia mais assim. Algo havia acontecido com
Olívia, nas entrelinhas, e bastou isso para ele perder o rumo de seus planos.

Isso tudo era loucura, ele não podia ser tão influenciável. Um único olhar de
Olívia não deveria ser capaz de despertar nele desejos tão avassaladores. Saiu do
banho e jogou-se na cama, na expectativa de cair no sono rapidamente.
No entanto, no tempo em que
Enquanto Augusto esteve no banho, Iasmin guardou seus
pertences, praguejando por Augusto sempre deixar suas coisas no sofá. Talvez por
intuição ou por curiosidade, a moça encontrou a caixinha de veludo na pasta do
namorado. Abriu e viu o lindo anel de brilhante. Estivera há seis anos esperando por
isso e imediatamente encheu-se de alegria. Suas bochechas ficaram coradas, e
com risinhos abafados, ela colocou o anel de volta onde estava. Nada podia ter
alegrado mais a tanto sua noite.

— Minha mãe nos convidou para passar esse final de semana com a família
na casa de campo — disse Iasmin, se deitando ao lado do namorado e o
abraçando, cobrindo-o de beijos.

— Não acho uma boa ideia — respondeu ele, depois de pensar um pouco.

— Por que não? Você nunca aceita os convites dela.

— Isso não é verdade. — Augusto sentou-se na cama para dizer isso, mas
imediatamente se arrependeu pois sua cabeça girou com o efeito do álcool.

— É verdade, sim. Mês passado ela nos convidou para o teatro e você
recusou.

— Você sabe que não gosto de teatros.

— Mas gosta da casa de campo — Iasmin não queria chateá-lo, mas sentia
que o tão esperado pedido pudesse acontecer na casa de campo, já que era o lugar
favorito dos dois.

— Iasmin — a voz de Augusto era suave. — Não se trata da casa de


campo.
— Do que se trata, então? E se trata do quê?

Augusto segurou a mão dela com delicadeza.

— Lembra de quando concordamos em ser sinceros, independentemente do


assunto? – Segurou a mão dela com delicadeza.

— Claro — um lampejo de preocupação passou pelo rosto dela. Aquilo não


parecia nada romântico , muito menos ou com uma conversa que terminaria em um
pedido de casamento. Na verdade, Augusto parecia frio, e o seu coração dela gelou
também.

— Eu preciso de um tempo.

Iasmin o encarou, totalmente sem reação.

— O quê?

— Eu sinto muito, Iasmin. Tem um milhão de coisas acontecendo e não seria


justo te arrastar nisso comigo.

— Mas do que você está falando? É sobre o trabalho? O cargo novo está te
sobrecarregando?

— Não. Não é sobre o trabalho.

— Você não precisa se sentir pressionado quanto a nós, também. Não estou
com pressa de nos casarmos — Iasmin tentava ser compreensiva, ainda com
dificuldade de entender a gravidade do que estava acontecendo.

— Pressa de casar? Não, não é sobre isso. Espera, você sabe? —


Perguntou, repentinamente ansioso.

— Eu acabei de ver na sua pasta bolsa — confessou ela Iasmin , com a voz
tão baixa que era quase um sussurro. — Me desculpe.

— Não precisa se desculpar. Sinto muito por você ter visto, não era para ser
assim.

Iasmin precisou de um tempo para acalmar a própria respiração e, num tom


de súplica, perguntou:

— Está falando sério quanto a querer um tempo?


— Estou, amor.

Iasmin aproximou-se dele.

— Me diz o porquê.

— Eu não posso. — Augusto sentiu-se, acima de tudo, covarde.

— É ela, não é?

Augusto abriu a boca para responder em negativa, mas não conseguiu.

Iasmin seguiu o encarando sem expressar emoção. Parecia que tinha


congelado no tempo. Finalmente Até que levantou-se da cama, calçou suas
pantufas e saiu do quarto sem olhar para trás.

— Iasmin!

Ela não respondeu, continuou descendo as escadas. Augusto a seguiu.

— Não precisa ir embora agora no meio da noite.

Quando ela se virou para encará-lo, ele viu uma lágrima solitária cair de seu
olho esquerdo.

— Eu preciso.

— Espera!

Ele a alcançou e segurou-a pelos ombros, tentando fazê-la olhar para ele.
Iasmin tentou se desvencilhar, mas Augusto a segurou com uma delicada firmeza.

— Como tem coragem? — Ela gritou.

— Isso não é fácil para mim também, por favor, entenda.

— Entender? Entender o quê? — Ela finalmente Finalmente ela fixou o olhar


nele. Um olhar de dor e raiva. — Estamos Nós estamos juntos há seis anos! Pensei
que estávamos a um passo do casamento, e você me pede um tempo? E por causa
dela! Há quanto tempo isso está acontecendo?

— Iasmin, não é isso...

Ela esperou ele dizer algo, mas Augusto emudeceu. Ela se soltou dos braços
dele. Dessa vez ele não a impediu.
— Você a ama?

— Como?

— Você ama Olívia, Augusto? — Sua voz saiu era esganiçada. — Era para
ela o anel?

— Não! Como pode pensar isso? O anel era para você, Iasmin!

Iasmin deixou as lágrimas rolarem livremente.

— Então o que aconteceu? – Iasmin deixou as lágrimas rolarem livremente.

— Eu não sei — mentiu.

— Eu vou para casa.

Iasmin estava decidida. Aquele pedido inusitado a revirara do avesso. Estava


tão feliz e de repente tão devastada. Não sabia o que pensar e muito menos o que
fazer , mas sabia que não poderia ficar ali nem mais um minuto .

Não adiantou insistir. Augusto não queria que ela saísse tão tarde sozinha,
mas entendia o quão magoada ela estava quanto ela estava magoada . Conhecia
Iasmin, sabia que quem precisaria de tempo agora era ela.

O Seu coração dele quase parou de bater quando Iasmin fechou o portão de
casa depois de Iasmin sair com o carro. Voltou para o quarto, totalmente
perturbado. Estava enfurecido com a situação e consigo mesmo. Não conseguia
acreditar no que tinha acabado de acontecer. Pensou em um milhão de coisas que
poderia dizer para a mulher com quem dividiu os últimos anos da sua vida e quis
ligar, mandar mensagem, quis bater no portão da casa dela pedindo desculpas. Só
que ele sabia que fazer isso não tiraria a impostora da sua cabeça, não o faria parar
de pensar em Olívia com um furor muito maior do que era capaz de controlar.

Ainda assim, pegou o celular para mandar uma mensagem a Iasmin, mesmo
que não soubesse o que dizer. Mas ao invés disso abriu a galeria de fotos, onde
não foi difícil encontrar uma foto de Olívia.

— Porra, Olívia. Você vai desgraçar a minha vida.


CAPÍTULO 6 – MOSHU PUB

A viagem demorou cerca de uma hora e durante o percurso não trocaram


palavra alguma. Olívia não se incomodou com o silêncio, na verdade lhe pareceu
bastante apropriado. Estava focada em observar a paisagem e as pessoas que
cruzavam pelo caminho enquanto Andrew parecia nem se lembrar da sua presença,
pois não desviou os olhos da estrada.

Quando chegaram a Târgoviște, Andrew estacionou o carro perto do que


parecia ser um mercado a céu aberto e direcionou a Olívia as primeiras palavras
desde que saíram da Cabana:

— Nossa primeira parada é aqui. Precisamos comprar alguns suprimentos


para a Cabana.

— Aqui não é muito diferente das feiras que tem no interior da Bahia —
observou ela.

— Existem mais semelhanças que diferenças — Andrew disse, enquanto


fechava a porta do carro e dirigia-se à feira.

Olívia estava impressionada como, de fato, parecia com as feiras que


frequentara quando ainda morava na Bahia. Era familiar demais. Havia inúmeros
legumes e frutas frescas dispostas em balaios de palha, tecidos dobrados em
pilhas, roupas em araras, carnes defumadas presas em varais e, para sua total
surpresa, em alguma barraca próxima estava tocando música brasileira. Ficou
admirada com tudo aquilo.

Andrew adentrou a feira com muita agilidade, cumprimentando alguns


comerciantes no caminho, deixando claro que já estivera ali diversas vezes. Olívia o
seguia, tendo que se esforçar para manter o foco e não ficar para trás enquanto
admirava alguma fruta peculiar ou um nativo se comunicar.

Andrew parou num stand que vendia suco de uva. Havia barris com sucos já
prontos, cestos de uvas frescas e um enorme moedor. A dona do espaço
cumprimentou Olívia e tentou trocar algumas palavras com ela ., ao que Andrew
explicou que ela era estrangeira e cumpriu o papel de tradutor no pequeno diálogo
que se seguiu:
— Uma moça bonita como essa merece uma lembrança do que é a
Romênia — Andrew corou um pouco ao dizer isso. Olívia segurou a vontade de rir
ao perceber o quão envergonhado ele estava. — Ela vai fazer um suco fresco para
você — acrescentou ele.

— Diga que estou muito grata.

A dona do stand era uma mulher corpulenta de pele dourada, cabelos


escuros e sorriso largo. Estava usando um vestido branco que ia até pouco abaixo
dos joelhos e um avental multicolorido. Pelo que Olívia sabia sobre a região, ela
devia ser cigana. Ficou encantada com a alegria e disposição da mulher. Ela
mostrou a Olívia todo o processo de moer as uvas e engarrafou o suco fresco.
Andrew pegou mais algumas garrafas, mas as encheu de um dos barris. Olívia
pediu para tirar uma foto do stand e da mulher, e ela permitiu. Mais do que animada,
despediu-se da comerciante. Mais tarde ela atualizaria seu perfil nas redes sociais
com as fotos desse dia.

— Devia experimentar — disse Andrew depois de caminharem juntos por


mais alguns minutos feira adentro.

— Agora? Pensei que fosse costume beber resfriado.

— Terá muito suco de uva gelado para beber na cabana, experimente esse
enquanto está fresco.

Olívia abriu a garrafa e bebeu um pequeno gole do suco. O sabor era forte e
delicioso.

— Uau! Isso é... uau! — E bebeu mais alguns goles.

Andrew riu da expressão de prazer de Olívia.

— Eu disse. Espera, tá sujo aqui — Andrew limpou uma manchinha de suco


de uva no canto dos lábios de Olívia com o polegar.

Foi um movimento delicado que a fez corar. Num reflexo contra o toque
inesperado, ergueu os olhos e encontrou os dele a fitando e passeando sem pressa
pelo seu rosto. Olívia sentiu Sentiu um calor espalhar-se de seus lábios para o resto
do corpo. Ela sabia o que era aquilo, não era nenhuma moça; mas assustou-se com
a reação instintiva do próprio corpo . Pigarreando, afastou-se delicadamente,
, então apenas
agradeceu e continuou andando. Que diabos tinha sido aquilo?

Caminharam por mais alguns minutos até chegarem a um stand de ovos.


Esse era diferente de como Olívia costumava ver no Brasil. A barraca imitava uma
casinha, com ovos dispostos à vista dos clientes. Andrew comprou alguns ovos e
depois algumas cenouras, repolhos e temperos na barraca ao lado.

— Você vem sempre aqui? — Olívia perguntou.

— Quase sempre. É uma das minhas funções na Cabana.

— O povo romeno é muito alegre. É contagiante. Principalmente num lugar


como esse.

Andrew, que estava caminhando ao lado de Olívia, a olhou de canto de olho


e sorriu, sem parar de andar.

— Você está realmente encantada. Fico feliz.

Voltaram para o carro.

— Para onde estamos indo?


— Perguntou ela alguns minutos depois de Andrew ter colocado o

— Para a Cabana.

— Não estamos, não. — Olívia podia não conhecer aquele lugar, mas sabia
que estavam indo na direção oposta.

— Tem razão, não estamos. Temos só mais uma parada e logo voltaremos,
não se preocupe.

— Vai demorar muito?

Andrew não respondeu.

— Não estou apressando ou reclamando, é só que estou com fome —

Andrew desviou os olhos da estrada para fitá-la enquanto dizia:

— Vamos parar para comer em um instante.


Depois de mais dez minutos, estacionaram. Andrew virou-se para ela antes
de descer do carro:

— Não precisa descer, será rápido. — E saiu.

Olívia ouviu ele abrindo o porta-malas e depois fechando. Sem ter tido a
chance de renegociar, contentou-se em ficar do lado de dentro do carro
acompanhando com os olhos o caminho de Andrew. O rapaz parou numa grande
loja de produtos artesanais. Havia cestos, pequenas estatuetas de jardim, roupas e
tapetes com cores típicas romenas.

Forçou a vista para conseguir enxergar o que Andrew tinha entregado nas
mãos do vendedor, identificando que se tratava de um jarro de cerâmica colorido.
Podia ver que seu fundo era branco e tinha padrões romenos, onde a cor azul
prevalecia sobre outras. Tinha aproximadamente trinta centímetros. Mas Olívia não
fazia ideia do por que ele estava entregando o jarro para o vendedor. Estreitou mais
os olhos. Parecia que Andrew tentava vender o jarro para o homem, mesmo que
isso não fizesse o menor sentido. Será que Ioan fazia esses jarros e pedia para
Andrew vendê-los no centro? O vendedor olhava para Andrew com certo descaso, e
foi quando a expressão de desapontamento tomou conta do rosto de Andrew que
Olívia teve um vislumbre do que estava acontecendo.

A maneira como Andrew havia estacionado o carro deixava a porta do


passageiro voltada diretamente na direção da loja, então ela passou para o lado do
motorista, saiu do carro agachada e deu a volta por trás de algumas pessoas que
passavam na rua, para que o vendedor não percebesse que ela saiu do carro de
Andrew. Caminhou Olívia caminhou até a loja de artesanato com toda a pinta de
estrangeira que conseguiu reunir . Pegou o celular e fez questão de parecer tirar
várias fotos e selfies e, ao passar pela frente da loja, colocou para jogo todas as
suas habilidades de encenação. Falando em inglês com o vendedor, demonstrou
interesse em comprar o jarro.

— Não me canso das belezas deste lugar. Olhe para isto! Não encontramos
artesanato de tão boa qualidade facilmente fora daqui. Eu gostaria de três jarros
desses.

— Desculpe-me, senhorita, nós não…


— Esse era o último? — Interrompeu, com cara de cachorro pidão. — Que
pena! Se eu tivesse chegado alguns segundos antes... Agora terei que procurar em
outro lugar.

Ao virar-se de costas com a expressão calculadamente deprimida, viu pelo


canto dos olhos o vendedor tomar o jarro das mãos de Andrew antes de chamá-la
atenção.

— Na verdade esse ainda está à venda.

Olívia precisou de um segundo para esconder o sorriso malicioso que se


formou em seu rosto e virar-se com ingenuidade.

— Jura? Perfeito! Vou querer.

A compra foi feita enquanto Andrew não pronunciava uma única palavra.
Depois, sem saber muito bem como voltar para o carro sem que o vendedor
entendesse todo seu jogo, Olívia cumprimentou os dois homens com uma leve
reverência e um sorriso. Quando Mas quando cumprimentou Andrew, tentou
sinalizar com os olhos qual rua seguiria.

Olívia se afastou e seguiu caminhando por uma rua à esquerda da loja, sem
deixar de encenar por um único minuto. Caminhou lentamente e ao perceber que o
vendedor não a estava mais observando, viu também que Andrew já estava em
movimento com o carro. Ele deu a volta e a encontrou no final da rua.

— O que foi aquilo? — Ele perguntou. Nem com raiva, nem feliz. Parecia
apenas surpreso.

— Você queria vender o jarro, não queria? A propósito, ele é muito bonito.
Não sabia que o Ioan também era artesão. Ele está sempre tão ocupado cuidando
da Cabana — disse enquanto admirava o jarro, segurando-o como se fosse a coisa
mais valiosa e frágil que já teve nas mãos.

Andrew a olhou fixamente por um tempo. Tempo o suficiente para fazê-la se


encolher no banco do carro, pensando ter feito uma tolice.

— Ele não é — revelou ele.

— O quê? — Estivera tão perdida nos próprios pensamentos sobre o quão


errada podia ter sido sua artimanha que esquecera do que havia dito antes.
— O Ioan não é artesão. Eu sou.

Andrew desviou os olhos e voltou a dirigir em silêncio.

Quando o silêncio dentro do veículo começou a incomodar Olívia como uma


comichão, ela não se segurou.

— Você está chateado?

Andrew não respondeu e não parou de olhar para frente. Olívia virou-se para
frente também , desejando e desejou ardentemente estar na Cabana. Achava que
tinha ajudado, mas talvez tivesse feito uma grande bobagem.

— Não. — A resposta dele a despertou de seus pensamentos negativos. —


Na verdade eu tenho que te agradecer. — Sua voz era calma e arrastada. — Essa é
uma loja importante para a cidade quando se trata de produtos artesanais. O que
vende aqui é rapidamente copiado por outras. Por isso é importante para mim
conseguir que essa loja venda meus jarros.

Olívia balançou a cabeça positivamente, sem ousar interrompê-lo com


qualquer som.

— Mas há um tempo me envolvi em problemas com o filho do dono da loja.


— Acrescentou ele. —
Por isso ele estava reticente.

Olívia voltou a olhar o jarro. A pintura era tão delicada e precisa que a deixou
emocionada. Lembrou de um romance antigo que ajudou a editar para a publicação,
um romance de época em que objetos como aquele eram descritos decorando os
salões da realeza.

— É muito bonito mesmo.

Se Andrew ia responder algo, não tinha como saber, pois o telefone dele
tocou. Ele respondia em romeno, então ela não fez o menor esforço para entender.
Já estava satisfeita com o alívio de não ter estragado as coisas.

— Acho que tem uma coisa que posso fazer para agradecer a você
— Andrew anunciou assim que finalizou a ligação.

— Não precisa fazer nada.

— Mas eu quero — sorriu. — Além de, claro, devolver o seu dinheiro.


— O quê? De maneira alguma. Eu o comprei e agora ele é meu. — Recusou,
abraçando o jarro.

Andrew riu baixo antes de responder:

— Claro que é seu, é um presente.

— Mas…

— Ficarei seriamente ofendido se não aceitá-lo como um presente.

— Você não vai desistir, não é?

Andrew balançou a cabeça negativamente.

— Então tudo bem — concordou ela.

Dando o assunto por encerrado, Andrew anunciou:

— Uns amigos meus irão para um bar esta noite. Acho que pode ser do seu
interesse conhecer o povo romeno em um momento de descontração. — A última
parte foi dita quase como uma zombaria.

— Eu adoraria.

Andrew mudou a direção em que estava seguindo e estacionou próximo


ao Parcul Mitropoliei, um lindo parque rodeado de árvores altas com galhos
retorcidos.

— Esse é o Luca, uma rede de padarias famosa aqui na Romênia — disse


apontando para uma pequena padaria com uma fila de quatro clientes na frente.

Andrew perguntou se poderia fazer o pedido por ela e ela aceitou. Ele
Então ele
voltou alguns minutos depois com dois pães recheados que pareciam muito com
o enroladinho brasileiro, não fosse pelo peculiar formato peniano.

— Esse é o Luca Haiducese. Tem recheio de presunto, queijo cremoso e


cebola. Acho que vai gostar.

Honestamente, parecia saboroso. O cheiro instigava as papilas gustativas de


Olívia, fazendo-as produzir mais saliva, e ao sentir a textura fofa do pão, seu
estômago roncou. Deu uma grande mordida, permitindo-se revirar os olhos. Deu uma grande mordida, arregala
Mas não pôde evitar de morder cobrindo

— Hum! — Gemeu, cobrindo a boca cheia com o papel da embalagem. — É


mesmo muito bom!

— Uma das coisas que mais gosto aqui na Romênia é a textura das massas.

— De onde você é? E como aprendeu a falar português? — Olívia falou tão


depressa que se engasgou com o Luca.

— Estava me perguntando quanto tempo você conseguiria ficar sem


fazer essa pergunta
perguntar .

— Aguentei o máximo que pude, eu juro.

— Tudo bem — Andrew riu. — Minha mãe é brasileira e meu pai é


americano. — Fez uma pausa proposital para observar as interrogações surgindo
no rosto de Olívia. — É por conta da minha mãe que sei falar português. Moramos
no Brasil uma parte da minha infância, embora eu tenha nascido nos Estados
Unidos. E se quer saber como eu vim parar aqui, bem, aí já é uma outra história.
Mas eu contarei qualquer dia desses, se quiser saber.

— Serei toda ouvidos.

— Mas e você, o que veio fazer aqui?

— Eu sonho em vir para cá desde o ensino médio. Fiz um trabalho escolar


sobre literatura clássica de terror e claro que o Drácula, de Bram Stoker, era um dos
romances estudados. Fiquei Eu fiquei fascinada, na época, não pela história em si,
mas pela Romênia. Me parecia um lugar quase mágico, sabe? Misterioso, sombrio,
selvagem.

— E o que está achando da Romênia real?

— Ainda mais encantadora. — Riu, comendo mais um pedaço do seu


almoço.

— O que te fez vir para cá agora e não naquela época?

— Então — quase engasgou novamente —, eu fui demitida. Achei que


precisava esfriar a cabeça, e decidi pôr em prática os meus planos do passado.
Andrew a encarou por um tempo antes de perguntar:

— Foi só isso?

Olívia hesitou. Podia insistir dizendo que sua demissão foi a única razão que
a fez viajar — em parte até gostaria que isso fosse verdade —, mas não sentiu a
menor vontade de mentir.

— Não. Tem mais uma coisa. Mas aí já é uma outra história —


respondeu, imitando-o
O imitou.

— Tudo bem, entendido. Isso me faz lembrar de uma coisa que você adoraria
ver.

Terminaram de comer, e Andrew levou Olívia até o conjunto de


monumentos Curtea Domnească, para ver a Torre Chindia. Foram caminhando, já
que era bem próximo de onde estavam.

— Não pode ser! Eu não acredito no que meus olhos estão vendo!

— É linda, não é? Vlad Țepeș a mandou construir no século XV. Inicialmente,


com o propósito de estratégia militar, mas ao longo dos anos, ela teve diversas
funções. Hoje é considerada símbolo da cidade.

— Eu a vi tantas vezes por fotos na internet, não posso acreditar que estou
vendo presencialmente.

Os dois passaram algumas horas conversando sobre a história do Drácula e


sobre os futuros pontos turísticos que podiam visitar. Conheceram a Torre, os
documentos e armas da época do Vlad III, o Empalador, que eram expostos no
local. Olívia estava deslumbrada.

Ao saírem de lá, se surpreenderam com o pôr do sol.

— Melhor irmos direto para o bar, podemos esperar o pessoal chegar.

Chegaram muito rápido. Olívia estava confusa com a sensação de que


como
tudo parecia muito perto. Sentia que estava explorando um bairro e não
necessariamente uma cidade. Ficou satisfeita com isso.

Quando chegaram, já havia anoitecido. Era cedo demais e os amigos de


Andrew não tinham chegado, então começaram a beber sozinhos.
Estavam no Moshu Pub, um bar com decoração náutica que oferecia música
de qualidade e vários tipos de bebidas. Começaram com cerveja, e quando os
amigos de Andrew chegaram, Olívia já estava a meio caminho de perder todos os
seus filtros.

— Essas são Camélia, Ileana e Narcisa. — Andrew apresentou. — Esses são


Dorin, e Sandu. Moças e rapazes, essa é a Olívia

Olívia podia entendê-los, todos falavam inglês.

— Prazer — disse ao cumprimentar cada um deles.

Camélia era uma mulher baixinha, muito branca e com cabelos castanhos na
altura do ombro. Ileana era a mais alta de todas, tinha cabelos mais claros que os
de Camélia e mais longos, um nariz adunco e dentes levemente tortos, fazendo-a
parecer estranhamente doce. Narcisa tinha estatura mediana, muito próximo do
tamanho de Olívia. Era loira e tinha uma postura ereta, calculadamente elegante. De
cara, soube que seria a mais complicada de se aproximar, pois fez questão de
manter uma frieza nos cumprimentos.

Os homens não pareciam nem um pouco com Andrew. Dorin era gordinho e
alto — era o mais enérgico e sorridente de todos. Olívia gostou dele imediatamente.
Sandu era só um pouco mais baixo que Andrew, mas era bem mais magro também.
Tinha uma postura mais envergonhada e retraída, mas também foi muito educado.

— Vamos brindar, então! — Propôs Dorin.

— Noroc! — Brindaram em romeno.

Beberam muita cerveja, drinks e até licores tradicionais. Quando os donos do


estabelecimento descobriram que tinham uma estrangeira no grupo de amigos,
ofereceram todo tipo de bebida regional, e quando o bar fechou à meia-noite,
dirigiram-se à casa de Dorin para continuar festejando.

— Você está fazendo bem a ele, Olívia, já faz meses que Andrew não passa
uma noite como essa conosco.

— Porque ele é um homem ocupado — interrompeu Narcisa.


— Fico feliz se fiz algo
— respondeu Olívia, antes de dar mais um gole de cerveja —
, mesmo não sabendo o quê .
– Respondeu Olívia, antes de mais um gole de cerveja.

— O que vocês costumam beber no Brasil? — Perguntou Ileana, realmente


curiosa.

— Uma noite perfeitamente igual a essa não é raro de acontecer por lá. Nos
reunimos para beber em bares, ou às vezes compramos bebidas e bebemos em
casa. Cerveja, vinho, vodka, uísque, tequila... Qualquer coisa que contenha álcool.

— Ela é das minhas! — Disse Dorin, rindo.

— Cuidado, Dorin, ninguém aguenta beber como você — advertiu Andrew.

— Isso é um desafio? — Perguntou Olívia, erguendo o copo de cerveja


recém-preenchido.

— Isso eu quero ver. — Sandu se aproximou de onde Olívia estava, com um


sorriso tímido.

— Não, Olívia, melhor não — Andrew levantou do banquinho de madeira em


que estava sentado, aproximando-se dela.

Antes que ele se aproximasse o suficiente para tentar impedi-la, Olívia virou-
se para Dorin e aceitou o desafio. Viraram o copo de cerveja na mesma hora ,
350ml, garganta abaixo na mesma hora .

Olívia terminou primeiro, batendo o copo na mesa de madeira.

— Terminei!

— Nós temos uma nova vencedora? — Comemorou Camélia. — Esse é um


momento épico!

Andrew, que tinha parado de andar quando Dorin e Olívia começaram a


beber, continuou olhando para Olívia.

— Você está bem?

— Estou, estou. Mas eu acho melhor parar por agora porque eu posso beber
mais rápido, mas ainda não consigo beber muito. — Respondeu a última parte
voltando-se para Dorin, que respondeu sorrindo:
— Você foi espetacular!

— Vamos ver se ela estará igualmente espetacular quando acordar


amanhã. — Comentou Narcisa, que já tinha parado de beber há uma hora. Olívia
não tinha certeza, mas sentiu um toque de maldade na fala dela.

A noite seguiu agradavelmente. Olívia estava se sentindo muito bem por


encontrar pessoas tão agradáveis e conseguir se comunicar com elas sem precisar
de Andrew como tradutor a cada palavra. Ficou boa parte da noite escutando Dorin,
que contava várias histórias de bebedeiras. Ela, Ileana e Sandu o ouviam com muita
atenção. Todos gargalhavam até ficarem sem ar, e Olívia não lembrava de quando
tinha se divertido tanto. Mas com tantas risadas e tanto álcool na corrente
sanguínea, não pôde segurar muito tempo sem precisar ir ao banheiro.

Dorin explicou o caminho, e com um pedido de licença, ela se retirou da roda.


Foi seguindo o corredor da casa repetindo mentalmente as instruções de Dorin até
passar em pela frente a de uma porta e escutar alguma coisa. Estava bêbada, com
a visão levemente embaçada embargada e pensou que poderia ter ouvido coisas,
mas movida pela curiosidade, aproximou-se da porta semiaberta e olhou pela
brecha.

Andrew estava lá. Ela o reconheceu pelas mãos. Estava sentado na beira da
cama, sua posição no quarto era exatamente de frente para ela, mas ele não podia
vê-la porque estava aos beijos com Narcisa. Narcisa estava sentada sobre ele,
movendo seu quadril em movimentos de ir e vir. As mãos de Andrew percorriam as
costas dela, a apalpando e apertando, pressionando-a ainda mais contra seu colo
enquanto levantava sua blusa.

Olívia ficou ali por um tempo indeterminado, incapaz de desgrudar os olhos


das mãos de Andrew que agora estavam espalmadas no quadril de Narcisa. Podia
ouvir os gemidos abafados da loira e a respiração pesada de Andrew. Hipnotizada
pelos movimentos enérgicos dos amantes, mergulhou em pensamentos que a
levaram a imaginar aquelas mãos sobre ela, explorando cada centímetro de sua
pele em chamas. Tudo isso, de alguma maneira, estava deixando-a excitada.
Assustou-se quando Narcisa jogou a cabeça para o lado direito, abrindo espaço
para que Andrew beijasse e lambesse seu pescoço. Assim que a cabeça de Narcisa
deixou de ser um obstáculo entre o rosto de Andrew e o dela, Olívia recuou.
Possivelmente fez algum barulho com isso porque pôde ouvi-los falar algo em
romeno. Com toda sobriedade que conseguiu juntar, foi rapidamente para o
banheiro. Felizmente, não teve trabalho em encontrá-lo.

Trancou-se no banheiro e se forçou a fazer silêncio. Depois de usar o


sanitário, sentiu-se duas vezes menos bêbada. Certificou-se de que não tinha
ninguém do lado de fora e saiu. Mas ao invés de voltar para a varanda, onde os
outros ainda estavam reunidos e rindo — podia ouvi-los —, ela se sentou no sofá da
sala. Estava apenas recuperando um pouco da sobriedade antes de voltar, mas
acabou adormecendo.

Dorin e os outros não demoraram a entrar também. Como todos estavam


bêbados e estava muito tarde, acabaram ficando para dormir. Dorin deitou Olívia no
sofá e a cobriu com um cobertor.

— Olívia! — Andrew tentou acordá-la com sacudidas nos ombros. — Porra,


Olívia, levanta! Ioan vai nos matar! — Andrew estava descalço, com o casaco e o
cinto sobre o próprio braço e tentando ajeitar o próprio cabelo com os dedos.

— O quê? — Olívia acordou e tomou um susto ao se deparar com o rosto de


Andrew perto do seu assim que abriu os olhos. — Ah! Meu Deus! Que susto.

— Vamos, recolha seus pertences. Precisamos ir.

— O que está acontecendo? — Perguntou Olívia, levantando-se e dobrando


o lençol que a estava cobrindo.

— Nós deveríamos ter voltado ontem. Com as compras! Como pude me


esquecer?!

— Talvez estivesse com a cabeça em outro lugar. — Olívia estava com a


cabeça doendo e a garganta seca.

— O que disse?

— Nada. Quis dizer que nós todos estávamos dispersos ontem.

Andrew a olhou de cima a baixo com uma sobrancelha arqueada


de cima a baixo
.

— Vamos.

— Mas onde estão os outros? Quero agradecer e me despedir.


— Não dá tempo.

— Posso pelo menos beber água?

— Tem água no carro.

Sem mais, entraram no carro e dirigiram-se à Cabana Doina. Olívia secou a


garrafa de água de uma só vez.

— Que cheiro é esse? — Um odor cheiro repugnante, ainda que fraco,


invadiu as narinas de Olívia. Sentia-o de relance. Pensou que pudesse ser algo na
estrada, mas quando percebeu que o cheiro os acompanhava, decidiu perguntar.

— As cenouras e os repolhos.

— Droga! — Praguejou, lembrando-se que Ioan esperava os legumes frescos


e agora eles estavam murchos e fedidos.

— Pois é.

Olívia abriu a janela do carro, quase colocando a cabeça para fora, e


continuou assim até chegarem à Cabana.
CAPÍTULO 7 – VAGALUMES

Entre todas as possíveis reações do Ioan imaginadas por Olívia, nenhuma se


aproximou da realidade.

Ioan os recebeu com cara de poucos amigos. Estava tão irritado que quase
não dirigiu palavra aos dois. Quando Andrew retirou do carro as verduras fedidas e
moles, Ioan as segurou por um tempo e olhou fixamente para Andrew antes de
deixá-las cair no chão.

— Eu preciso saber, tem alguma chance de ele me expulsar daqui? —


Perguntou Olívia, enquanto olhava Andrew recolher as verduras do chão, de braços
cruzados.

— Tem chances de ele me expulsar.

— Falando nisso, como começou a trabalhar para ele?

Andrew jogou as verduras no lixo e voltou respondendo:

— Não é uma boa hora para histórias, Olívia.

— Tem razão. Bom, eu vou entrar e ajudar o Ioan a fazer o café. Talvez ele
nos perdoe se eu fizer um bom trabalho.

Olívia foi para a cozinha e tentou ajudar Ioan como pôde. Ele foi paciente,
apesar de tudo, e dentro de algumas horas estava tão satisfeito com a ajuda que
mal parecia se lembrar do que a dupla de jovens fizera. Olívia se esforçou para ser
agradável. Tomou café com Ioan e quando finalmente saciou sua fome, deu-se
conta de que não via Andrew desde que entrou para ajudar na cozinha.

Cansada e ainda com ressaca, foi para seu quarto e ligou para Maria.

— Se você não estivesse postando fotos lindíssimas na sua conta do


Instagram eu pensaria que você foi mesmo assassinada.

— Desculpe — riu. — Não consegui manter contato nesses últimos dias. Se


eu vim para cá com a intenção de espairecer, tomei a decisão certa. Mal tive tempo
para pensar em tudo o que aconteceu.
— Eu gostaria de perguntar o que andou fazendo, mas honestamente estou
com medo da resposta.

— Eu fui à capital ontem — disse animada. — Conheci amigos do Andrew.


Bebi até demais. Foi divertido no começo.

— No começo?

— Acabamos nos esquecendo de voltar para a Cabana — fingiu um riso.

— Eita Uou — a voz de Maria ficou eufórica. — Isso quer dizer que vocês...?

— Não!

— Não?

— Bom, ele sim.

Maria demorou alguns segundos para responder, confusa:

— O que quis dizer com isso?

— Eu o flagrei com uma das garotas ontem.

— Você os interrompeu no meio do sexo? — A voz de Maria era de quem


estava adorando a fofoca.

— Tecnicamente, não. Eles não me viram. E não estavam transando, só


quase.

— Isso é meio esquisito.

— Eu sei, não imaginei que ele tivesse alguém.

— Estou falando de você dar uma de voyeur.

— Ah, isso. Não foi de propósito.

— Bom, já que eles não viram, está tudo bem. É só fingir que nada
aconteceu.

— É, tem razão.

Mas Olívia não queria fingir. Algo havia acontecido e sua reação àquilo foi, no
mínimo, ambígua. Desde que acordara e entrara no carro com Andrew, a cena de
Narcisa esfregando-se nele não saía da sua cabeça, e as sensações que tinha ao
lembrar iam de excitação a desapontamento muito rápido.

Despediu-se de Maria e calçou suas botas. Sem pensar direito, caminhou


floresta adentro no que pensava ser o caminho para o riacho. Felizmente não
estava enganada. Em poucos minutos estava no topo da pedra que se projetava
sobre o riacho, a mesma em que ao tentar pular, Olívia ela machucou o tornozelo.
Sentada, deixou o pensamento vaguear até Augusto. Se perguntou como chegaram
àquela situação. Poderia ter sido tão simples, tão bonito. Foram orgulhosos e
teimosos até se perderem e isso não era amor, ela sabia. Mas então por que seu
coração doía tanto ao pensar nele? Tinha a sensação de ter quebrado algo que não
dava para ser reparado e a ideia do irreversível a assustava mais que qualquer
coisa.

Mal se lembrava de como sua vida era antes dele, de como ela era. Parecia
que ele sempre estivera lá, com as garras de lobo afundadas em suas entranhas.
Olívia Ela estava presa e ensanguentada, mas a dor era gostosa. Seu sentimento
era tão real que tinha a impressão de poder segurá-lo com as mãos se fizesse um
pouco de esforço. Ele estava ali, pressionando seu pequeno coração e impedindo
que ele bombeasse sangue para todo o corpo. E, ainda assim, ela se agarrava
àquele sentimento como se precisasse dele, como se fosse ele.

Olívia Ela podia viajar para longe o suficiente, podia parar de trocar
mensagens e evitar pronunciar o nome dele em voz alta, mas ele ainda regia cada
um de seus pensamentos. Ele ainda tinha controle sobre ela. Não importava o que
estivesse fazendo ou a maneira que ela tivesse escolhido para fugir, era ele a quem
ela queria. Era por ele que sua pele ardia, era por seu rosto, seu toque, seu beijo
que ela ansiava.

Mas sua pele permanecia fria. E permaneceria para sempre enquanto


estivesse esperando por ele. Estava tão verdadeiramente solitária que o sol do
verão romeno não conseguia esquentá-la. Era estranho saber que havia alguém no
mundo que a conhecia tão bem, que a tinha na palma das mãos e, ainda assim, não
estava ali com ela. Ainda assim, não a amava. Era fácil pensar que se ele não pôde,
como alguém poderia? Mas não podia se torturar assim.

Ainda sentia-se extremamente solitária, mas desde que chegara à Romênia,


desde que pisara os pés naquele solo e imergira em suas belezas misteriosas,
sentiu que poderia ser outra pessoa. Talvez, só talvez, houvesse algo que ela
pudesse fazer por si ela mesma. Lembrou-se de como se sentiu quando entrou na
Cabana pela primeira vez. Ela era um livro em branco, um personagem novo. E
para esse personagem ainda havia esperança.

Seus sentimentos estavam confusos e à flor da pele. Mais de uma vez, no dia
anterior, sentiu desejo por Andrew. Em algum momento pensou que ele sentiu o
mesmo, mas estava errada. E ficou desapontada com isso, ao deparar-se com os
desejos dele voltados para outra mulher. Sabia que era ilógico, que tinha
praticamente acabado de conhecê-lo e que ainda não havia se desprendido de
Augusto, mas ela sentiu e isso não podia ser ignorado. Ou será que deveria?

Olívia sentiu fome, mas não voltou para a Cabana. Ao invés disso, decidiu
seguir o riacho para descobrir até onde ele iria. Deparou-se com um lago cristalino e
rodeado de grandes pedras. Aquele lugar não cansava de surpreendê-la. Mas ao
passo que admirava sua pequena descoberta, percebeu que estava escurecendo e
decidiu voltar.

No caminho de volta, a lembrança das mãos de Andrew voltaram a invadir


sua mente e a irritá-la profundamente. Por que ela tinha que ficar tão incomodada
com aquilo?

— Mas que inferno!

— Praguejar na floresta no meio da noite atrai maus espíritos, senhorita.

— Quem é? — Olívia estava com o coração palpitando tão alto que podia
ouvi-lo martelando sua cabeça. Assustada, não conseguiu ver ninguém.

Andrew gargalhou surgindo enquanto surgia por detrás de uma das árvores.

— Você é uma medrosa.

— Não sou. — Aliviada, tentou restabelecer seu controle.

— O que te irritou? — Andrew estava leve e alegre, bem diferente de quando


chegaram pela manhã. O humor dele era um mistério para Olívia.

— O que está fazendo aqui? — Rebateu ela, já que não tinha resposta para a
pergunta dele.
— Estava procurando por você.

— Por mim? Por quê?

— Quero te mostrar uma coisa, venha.

Sem dar espaço para uma possível recusa, Andrew adentrou a floresta
novamente, mas seguindo um caminho diferente do que Olívia estava acostumada.

— Para onde estamos indo?

— É uma surpresa.

— Tarde demais para isso, você me fez ficar com medo. — Olívia apressou o
passo para se aproximar dele. Não estava com medo de estar na floresta depois de
escurecer enquanto tinha os pensamentos em outro lugar, mas o comentário de
Andrew a fez perceber o quão sombrio era estar ali à noite.

— Falta pouco. Cuidado com esse tronco.

Seguiram por mais alguns minutos.

— Aqui está — disse Andrew. — Lembra quando me perguntou se eu já


havia me acostumado com a beleza daqui? Eu nunca me acostumo com isso.

Olívia ficou tão encantada que mal ouviu o que ele disse. Haviam chegado a
uma clareira e centenas — não, milhares — de vagalumes voavam de um lado a
outro espalhando pontos luminosos pela imensidão da noite.

— Ficou sem palavras? Consegui o impossível.

— Parece que nenhum elogio é bom o bastante — Olívia olhava de um


lado
lugar para o outro boquiaberta.

— Sabia que ia gostar.

— Eu não os vi do outro lado.

— Não sei o porquê, mas eles sempre ficam nesse lado da floresta. —
Andrew sentou-se de pernas cruzadas no chão e bateu com uma das mãos ao seu
lado, convidando Olívia a sentar também.

— Eu quero morar nesta noite para sempre — disse ela


aceitando o convite e tomando seu lugar ao lado dele
enquanto sentava .
Andrew gargalhou novamente.

— Você me perguntou se a paisagem daqui não me despertava arrepios de


admiração. — Andrew virou-se para ela. — Me desperta.

Olívia não sabia dizer se foi o tom de voz dele, ou a maneira como ele a
estava olhando, mas teve a impressão de que ele não estava falando da paisagem.

— Algumas coisas não podem ser ignoradas — disse Olívia e virou-se


novamente para a frente, livrando-se do olhar dele.

— Concordo.

Andrew deitou-se no chão, seguido de Olívia que tentou proteger os cabelos


mas acabou desistindo.

— Olívia — disse depois de um longo silêncio. — O que você veio fazer


aqui?

— Eu fui demitida, como falei — começou. — Eu trabalhava numa grande


editora. Acabei fazendo a empresa investir muito em um projeto que não deu certo.
Era um jovem escritor. Meu chefe não queria aceitar publicá-lo, mas eu vi muito
potencial. Trabalhei com ele por meses, mas não tivemos retorno. No fim, ele ficou
com uma dívida com a editora e eu fui demitida.

— Você acha que se enganou?

— Sobre ele ter potencial? Não. Sobre ser uma boa ideia desafiar meu chefe,
sim.

— Seria uma história engraçada se não fosse sobre sua ruína profissional.

Olívia sentou-se, olhando para ele.

— Minha amiga diz a mesma coisa!

— Foi a que me contatou para ser seu tradutor? Ela parece ser divertida.

— Foi, sim. Maria é incrível, você iria adorar conhecê-la. Falando nisso,
obrigada por me levar para conhecer seus amigos. Eu adorei a experiência.

— Gostaram de você.

— Todos eles?
— Mas é claro.

Olívia tentou não contestar. Tinha dúvidas quanto a isso ser verdade.

— Bom, então eu fico muito feliz. Mas e você, como veio parar na Romênia?

Andrew demorou para responder. Parecia estar revivendo a história antes de


contar. Estava olhando para cima, onde podiam ver o céu estrelado e alguns
vagalumes que voavam sobre eles.

— Tudo bem se não quiser contar


— Olívia disse baixinho, preenchendo o longo silêncio.

— Eu quero. Só não sei se quero estragar a noite que você escolheu para
viver para sempre. — Soltou um risinho.

— Qualquer hora dessas você vai me matar de curiosidade.

— Espero que esteja enganada sobre isso também.

— Ei Hey! — Fingiu estar ofendida.

— Estou brincando — disse levantando-se e estendeu a mão para Olívia .—


Precisamos voltar. — Estendeu a mão para Olívia.

Olívia aceitou e se levantou, mas acabou calculando mal a força e esbarrou


no muro que era o peito de Andrew. Constrangida, afastou-se, apalpando as roupas
para retirar os gravetos.

Voltaram em silêncio, Andrew guiando o caminho.

— Andrew — Olívia chamou disse antes de entrar em seu quarto. — Mais


uma vez, obrigada.

— Disponha.

Olívia entrou no quarto se sentindo infinitamente melhor do que estava se


sentindo à tarde. Antes de cair no sono, ouviu o estômago roncar,
um lembrete barulhento
lembrando de que ela não comia nada desde a manhã. Foi para a
cozinha e improvisou um sanduíche de queijo e tomate
que comeu acompanhado de
e bebeu com suco de uva.
— Pode me passar o suco de uva ? — Andrew apareceu repentinamente na
cozinha.

Estava usando a mesma calça de minutos atrás, mas sem botas e sem
camisa. Olívia teve de fazer um esforço considerável para disfarçar que havia
cuspido um pouco do suco. Andrew parecia super descontraído, enquanto ela
tentava não olhar fixamente para os músculos do abdômen e do peito dele.

— Claro — ela estendeu-lhe a garrafa.

— Boa noite, Olívia — desejou ele e E voltou para o quarto, sem cerimônia.

Olívia ficou ali, plantada por um tempo. Estava fazendo um esforço hercúleo
para não se imaginar tocando a barriga definida de Andrew. Sem mais, voltou para
seu quarto e dormiu.
CAPÍTULO 8 – SURPRESAS NA MONTANHA

Olívia acordou mais animada que o normal naquela manhã. Ainda cedo,
levantou-se e comeu na companhia de Ioan e dois dos hóspedes. Eles estavam se
preparando para ir embora naquela tarde, então a Cabana Doina só seria habitada
pelo dono, seu funcionário extremamente atraente e Olívia. Ela não se lamentou por
isso.

Viu Andrew apenas quando ele surgiu repentinamente ajudando os hóspedes


a colocarem as malas no carro. Era engraçado como às vezes ele sumia, dava até a
impressão de ter algum lugar para ir no meio daquele nada. Ele foi gentil, mas nada
além disso. Despediu-se dela e do Ioan com um aceno quando entrou no carro que
levaria os hóspedes para o aeroporto.

A despedida entre Olívia e os outros tinha sido engraçada. Não entendera


uma única palavra, mas de alguma forma sentia que podia ser entendida.

Ficar sozinha com Ioan na Cabana era uma tarefa um tanto árdua. O homem
tinha suas qualidades, ela precisava admitir. Era cuidadoso, educado e tinha uma
força vital que ela admirava muito; uma força que o fazia não esconder o que sentia,
mesmo que esse sentimento fosse raiva ou desapontamento. Ela gostaria de poder
conversar abertamente com ele, mas já havia desistido de tentar sem a ajuda de
Andrew.

Como não queria ficar o dia inteiro conversando por gestos de mímica, foi
para o quarto. Vasculhou alguns livros que desistiu de ler ainda no começo, tirou e
colocou novamente suas roupas no guarda-roupa. Mexendo na mala, encontrou
uma antiga foto sua e de Augusto. Por uma razão que não saberia especificar,
colocou a foto em cima da mesa de cabeceira.

As horas passaram rápido, e quando a noite caiu, preocupou-se em saber


quando Andrew voltaria.

— Horas, horas — disse ela em inglês, gesticulando para Ioan. — Andrew,


voltar para casa. Quando?

— Não hoje.
— Não hoje? Ligar para ele voltar para casa. — Olívia teria achado essa
tentativa de conversa engraçada se não estivesse queimando de raiva em pensar
que Andrew passaria a noite fora. Será que passaria com Narcisa ela?

— Não hoje — Ioan repetiu.

A contragosto, Olívia voltou para seu quarto tentando enquanto tentava não
dar asas à sua imaginação. O problema é que ela não conseguia ter esse
autocontrole quando estava dormindo. E, em seu sono perturbado, sonhou com as
mãos dele a tocando. Sonhou com os lábios rosados dele pertos demais do seu
rosto, com seu hálito de suco de uva instigando-a a beijá-lo. Acordou com alguns
vestígios físicos do sonho erótico que teve. Aquela situação estava deixando-a
nervosa.

Esperou durante a manhã, tarde e noite pela volta de Andrew, mas este não
voltou. Ioan tentava lhe dizer algo que ela não conseguia entender e decidiu parar
de perguntar quando Andrew voltaria. Enquanto trocava mensagens sobre
amenidades com Maria, seu telefone tocou.

— Alô.

— Olívia, sou eu — disse Laura, esperando que a filha reconhecesse sua


voz.

— Oi, mãe.

— Eu vi suas fotos. Como está sendo a viagem?

Olívia sabia o que estava acontecendo. Era assim que ela se resolvia com
sua mãe, sempre. Enquanto o pai só encontrava a paz se Olívia assumisse estar
errada e ser culpada por praticamente qualquer coisa que ele decidisse acusá-la de
ser, sua mãe esperava dias até a raiva passar e a saudade prevalecer. Quando isso
acontecia, ela simplesmente voltava a falar normalmente como se nunca tivessem
brigado.

— Está sendo agradável. Aqui é bem bonito.

— É aquele lugar onde você queria ir quando terminou o colégio?

— É, sim — surpreendeu-se com o quão feliz ficou por sua mãe se lembrar
disso.
— Que bom, minha filha. Estou com saudade de você. E preocupada.

— Também sinto saudade, mãe. E estou bem, pode ficar tranquila.

— Quero que saiba que quando decidir voltar para casa, estaremos te
esperando.

De alguma forma conversar com a mãe estava lhe fazendo bem. Deu
continuidade à conversa e despediu-se depois de alguns minutos.

Andrew só voltou para a Cabana na tarde seguinte. Conversou por um bom


tempo com Ioan sem parecer tê-la notado, mas quando o fez, dirigiu a ela um
sorriso contido.

— Ioan está dizendo que não sabe como eu posso aguentar ficar perto de
você, porque você fala demais, mesmo quando não está sendo compreendida.

— Diga a ele que também foi um prazer partilhar da sua companhia.

Andrew disse algo para o velho que soltou uma gargalhada fazendo um sinal
para entrarem na Cabana. Logo, Andrew trancou-se em seu quarto. Olívia imaginou
que ele estaria descansando, ou talvez reorganizando seus pertences. Algo nela a
fazia ter vontade de encontrá-lo, de estar na presença dele. Mas preferia mil vezes
não estar vendo-o e saber que ele estava ali a não fazer ideia de onde estava e o
que estava fazendo — e com quem!

Anoiteceu, e quando Olívia se retirou para dormir, ouviu passos atrás de si no


corredor.

— Olívia — Andrew Ele a chamou.

Ela se virou e acenou com a cabeça.

— Andrew.

— Vejo que conseguiu sobreviver sem mim na Cabana por esses dias.

— Bom, não foi tão difícil.

— Aposto que não. Ioan gosta de você e não tenho dúvidas de que você
encontraria alguém para conversar ainda que estivesse sozinha.
— Vou começar a achar que você me prefere silenciosa, Sr. Andrew — disse
franzindo o cenho.

— Ah, por favor, não me interprete mal — disse rindo. — Gosto de quando
você fala demais.

Andrew fez uma pausa, prendendo a atenção dela com o olhar.

— Senti sua falta — diante da falta de reação de Olívia, Andrew continuou: —


Acho que teria se divertido. Estive em alguns pontos turísticos.

— Aposto que sim — ela sorriu —, se não se importa, vou me deitar.

— Claro, boa noite.

— Boa noite.

Ela girou nos calcanhares para se afastar, mas parou assim que ele chamou sua atenção novamente.

— Ah, Olívia, o que acha de escalar uma montanha amanhã?

— Sei escalar tanto quanto sei ficar quieta.

— Vamos subir por uma trilha, não terá grandes obstáculos.

— Tudo bem, então. — E foi para o seu quarto.

Na manhã seguinte, Olívia e Andrew partiram em direção ao topo da


montanha mais baixa a noroeste da Cabana. A caminhada foi árdua, e o sol quente
não os serviu de aliado. Apesar da paisagem exuberante, Olívia estava sem fôlego
ao chegar no topo.

— Se eu soubesse que seria assim, teria fingido uma dor de barriga quando
me convidou ontem à noite.

— Não acredito nisso — respondeu ele Andrew, depois de observá-la por um


tempo. — Você não perderia uma aventura.

— Receio que esteja certo — admitiu Disse arfando. — Pelo menos vou me
lembrar desta vista. E quando eu voltar para casa, poderei dizer a todos os meus
amigos que caminhei até o topo de uma montanha, na Romênia. Descreverei com
tantos detalhes que todos ficarão encantados e…
— Shh!

Olívia se calou imediatamente, o que durou apenas um instante, e quando voltou a falar, foi num suss

— Estou falando demais? — quis saber.

— Escutou isso?

— Isso o quê? — Indagou ela em tom de voz normal.

— Tem algum animal aqui — anunciou ele, baixinho — , venha.

Olívia não teve tempo de entender o que estava acontecendo. Andrew a


segurou pelo braço e a levou em direção a uma área com onde tinha grandes
pedras.

— O que está acontecendo? — Olívia perguntou assustada.

— Acho que é um lince. Mas pode ser um urso.

Andrew estava olhando por detrás da pedra , ao mesmo tempo que


enquanto
estendia um dos braços para evitar evitando que Olívia caísse saísse da proteção
rochosa que os cercava como grossas paredes.

— Aqui tem ursos? E linces?! Andrew você está brincando, não é?

— Fala baixo.

Olívia não sabia dizer se Andrew estava lhe pregando uma peça, ou se suas
vidas de fato estavam correndo perigo. Tentou
buscar, nas suas leituras e pesquisas da época de
se lembrar dos animais
selvagens que viviam na Romênia e em quais regiões viviam, mas não conseguia
se lembrar. Olhou em volta e não viu nada além de rochas e árvores altas. Tentou
identificar algum movimento nos arbustos ou som estranho, mas não conseguia
ouvir nada além de um zumbido que aumentava gradativamente. A sensação de
que algum animal selvagem os estava espreitando a deixou apavorada e antes
que se desse conta não conseguia mais respirar.

— Andrew — foi tudo o que teve forças para dizer.


O homem que ainda olhava por trás da rocha para o outro lado da montanha,
virou-se para ela bem a tempo de perceber que ela estava para desmaiar e a
amparou com um movimento rápido.

A respiração de Olívia estava curta e rápida, seu olhar não conseguia focar
em nada e seu coração estava disparado enquanto a sensação de perigo a
inundava como um peso em seu peito. No meio da floresta e numa situação de
possível encontro com um animal selvagem, Olívia estava tendo um ataque de
pânico.

— Olívia? — Andrew chamou, alarmado. — Olívia, olha para mim.

Mas ela não olhava. Seu corpo só estava de pé porque Andrew a estava
apoiando, e mesmo que Andrew não fizesse ideia do que estava acontecendo, fez
a única coisa que lhe passou pela cabeça e a abraçou.

Foi um abraço firme. Não a estava machucando, mas também não deixava
espaço para ela sair dos braços dele, se quisesse. Com seu peito ele podia sentir
a respiração dela e também um leve tremor por todo o corpo. Enquanto tentava
acalmá-la, também estava ciente do perigo. Para que não ficassem
estivessem
expostos, Andrew adentrou ainda mais a cavidade rochosa, pressionando Olívia
sobre a pedra e seu peito. De onde estavam não podiam ser vistos facilmente por
um animal ou pessoa, mas também não conseguia observar nada. O silêncio era
sua única arma.

Permaneceram ali por muitos minutos, até Andrew sentir a respiração de


Olívia se acalmar, e ela retomar suas forças. A moça estava com o rosto apoiado
no tórax de Andrew, de onde podia ouvir seu coração bater
. Aquele som constante e rítmico
e esse som a ajudou a recuperar a calma. Assim que o completo pavor
deixou seu corpo, e ela voltou a ter consciência de onde estava e em que situação
se encontrava, apertou levemente os braços ao redor de Andrew. Não estava mais
em pânico, mas ainda sentia medo, e apenas o toque dele a estava impedindo de
sucumbir novamente.

Surpreendeu-se quando, segundos depois, ele também a abraçou mais forte


e com os polegares começou a acariciar levemente suas costas. Esse pequeno
movimento foi capaz de disparar em Olívia uma onda de adrenalina, e seu corpo
inteiro começou a formigar. De repente o ar estava quente demais, denso demais.
Conforme ela tomava consciência de quão perto estavam, seu coração voltou a
disparar, e sua respiração a ficar mais ofegante. Mas dessa vez não era de medo.

Olívia sentia as pernas de Andrew tocando as suas, o abdômen dele tocando


sua barriga e seios, os músculos do peitoral dele se expandindo em frente ao
seu
rosto dela . E o corpo dele era quente, assim como seu toque. Era possivelmente o
toque mais quente que sua pele já sentira, pois todo seu corpo estava em chamas.

Ela temeu estar sentindo tudo aquilo sozinha, mas então Andrew se mexeu.
Foi um movimento curto, realizado com lentidão e precisão. Olívia nem saberia
dizer ao certo como ele fez aquilo o que ele fez , mas agora o rosto de Andrew
dele
estava mais perto do seu, deixando que o hálito de sua boca bem delineada
dele
alcançasse o seu pescoço dela , e uma das coxas dele estava ligeiramente
encaixada no meio das de suas pernas da moça .
Como se toda essa aproximação não fosse suficiente
Enquanto isso , Andrew
também não tinha afrouxado afrouxou o abraço nem parado parou com a carícia
em suas costas. Olívia sabia, ou apenas sentia, que bastava ela levantar um
pouco o rosto para encontrar os lábios dele. O pensamento a fez arder ainda mais.
E ele estava tão perto. Tão perto que ela podia sentir a protuberância rígida entre
as pernas dele, tocando-a pouco acima da virilha.

De repente, tão rápido quanto a luz nocauteia nossos olhos depois de um


longo período no escuro, Andrew se afastou, soltando-a por completo.

— É, eu, não posso — revelou Disse meio atordoado.

Olívia pensou em perguntar o que ele não podia, mas por algum milagre
divino se manteve calada.

Andrew estava desconcertado. Olhou para cima e respirou fundo algumas


vezes. Parecia estar tentando recuperar seu autocontrole na marra. Evitando
contato visual com Olívia, ele se manteve longe o suficiente dela para que ela não
pudesse alcançá-lo com um braço estendido.

— Me desculpe, eu… me desculpe — foi a primeira vez que olhou para ela
depois da súbita separação.
— Não precisa se desculpar. — Olívia sentiu-se realmente ofendida com as
desculpas. De todas as reações que podia esperar dele, essa definitivamente era a
menos agradável.

— Não, eu preciso. Você está bem?

— Como eu poderia estar bem? — Perguntou envergonhada.

— Ainda se sente mal?

— Não é isso — disse tão baixo que chegou a duvidar se ele a tinha ouvido.

Andrew não respondeu, mas sua expressão era de compreensão. Ele ainda
estava respirando fundo, e Olívia percebeu o esforço que ele fazia para se livrar de
sua ereção e de qualquer outro sinal de excitação. Ela não soube o que dizer, ou o
que fazer. Queria perguntar sobre Narcisa, se o que eles tinham era algo sério e
por isso ele estava pedindo desculpas. Mas não conseguia proferir as palavras
certas. Tinha a sensação de estar revivendo um pesadelo. Era isso. Isso tudo só
podia ser um pesadelo.

— Precisamos voltar.

— E o lince ou urso?

— A essa altura já teriam nos atacado se ainda estivessem aqui.


Provavelmente o que quer que tenha passado por aqui seguiu seu caminho.

— Não sei se vou conseguir fazer todo o percurso de volta. Estou exausta.

— Precisamos, Oli. — O uso do apelido desavisado a acertou como uma


flecha. Como podia ser bom e doer ao mesmo tempo?

— Tudo bem.

Quando viraram-se para voltar, Olívia viu Andrew soltar um grunhido baixo e
cambalear para trás como se tivesse pisado em um espinho, o que não fazia
sentido, já que ambos estavam calçados, mas foi a primeira impressão dela.
Essa ideia logo caiu por terra, quando,
Até que ao olhar rapidamente no chão à procura
do que teria furado o pé de Andrew, ela se deparou com uma víbora.

— Se afasta! — Andrew grunhiu disse entre dentes.


Ignorando a ordem, Olívia avançou na direção dele. Ajudou-o
foi até ele, o ajudando
a se manter de pé e a se afastar da cobra. Quando estavam longe
Ao se afastarem
o suficiente, Andrew deixou-se cair no chão, quase levando Olívia
consigo. Sua expressão era de dor lancinante, e Olívia ficou desesperada, sem
saber o que fazer.

— Precisamos voltar! — Ele repetia com a voz prejudicada pela dor.

— Mas você está ferido!

— Na Cabana tem antídoto. Precisamos voltar já!

Olívia não esperou. Ajudou Andrew a se levantar e, posicionando-se debaixo


do ombro dele, o ajudou em todo o percurso de volta. Eles tinham demorado três
horas para subir a montanha e precisaram de quase cinco para voltar. Apesar de
ser mais fácil descer, estavam muito mais devagar, ainda que Andrew estivesse
dando seu máximo.

Cerca de três horas depois de começarem a descer, Andrew já estava com


dificuldade de visão e dores horríveis. Quando finalmente chegaram à entrada da
Cabana, Andrew caiu no chão e Olívia gritou por ajuda. O que aconteceu
em seguida
depois disso é um borrão na memória de Olívia. Lembra-se de ter visto
Ioan correndo para verificar o que tinha acontecido. O pé de Andrew estava tão
inchado que foi difícil retirar sua bota. Ela ajudou Ioan a levá-lo para dentro, e pela
primeira vez entrou no quarto de Andrew. Não se lembrava de nenhum detalhe
específico, apenas que os lençóis da cama eram brancos, pois sentiu-se nauseada
ao ver o contraste com o sangue que escorria da picada.

Ioan parecia saber o que fazer, e embora não conseguissem se entender em


nenhuma língua, conseguiram estabilizar o quadro de Andrew. Com gestos e
frases mal elaboradas em inglês, Ioan disse a ela que picadas de cobras eram
comuns naquela região e que Andrew ficaria bem, mas que iria dormir por muito
tempo. Ela perguntou se podia passar a noite ali, e Ioan concordou.

Antes de sair do quarto, deixando-a sentada numa poltrona ao lado da cama,


Ioan disse em romeno o que Olívia entendeu ser um “obrigado”. Depois, em inglês,
ele completou:

— Trazer menino de volta.


CAPÍTULO 9 – RECUPERAÇÃO

A noite não foi fácil. Andrew dormia um sono inquieto, com a respiração
extremamente fraca, o que forçava Olívia a ficar atenta. Mesmo sonolenta, lutava
bravamente contra o impulso de apoiar a cabeça na poltrona e adormecer. Tinha
medo de que Andrew parasse de respirar sem que ela se desse conta.

Para manter-se acordada, já no meio da noite, decidiu levantar e explorar o


quarto dele. Era um cômodo maior que o quarto em que ela estava hospedada e
muito mais mobiliado. A impressão que ela tinha era que o quarto do rapaz era uma
pequena casa. Além da cama de casal de tamanho incomum, havia um guarda-
roupa, um cabideiro, uma estante preenchida por livros e estatuetas, um baú grande
o suficiente para caber duas pessoas sentadas lado a lado e cerca de seis jarros
prontos e decorados. Alguns maiores que o que ele havia dado a ela.

Passeando por entre os móveis do quarto, Olívia percebeu que, para além
dos jarros artesanais, Andrew também apreciava outros tipos de arte. Suas
prateleiras estavam preenchidas por livros clássicos , e de autores brasileiros,
americanos e romenos , além de e pequenas obras de arte em forma de escultura
ou quadros pintados a óleo em miniatura.

Na porta do seu guarda-roupa, havia várias fotografias coladas com fita


adesiva. Algumas o exibiam eram dele posando para a foto no meio de cenários
naturais, outras eram só de das paisagens e ainda havia algumas fotos
nas quais ele se encontrava acompanhado
dele acompanhado . Em uma das fotos, ele estava
com todos os amigos que Olívia tinha conhecido na noite em que foram para o bar;
em outra estava com o Ioan dentro de um barco e segurando uma carpa do
tamanho de uma mesa de seis lugares; ao lado dessa, e
outra fotografia o registrava
uma em que ele estava bebendo um barril de chope de cabeça para
baixo. Não muito distante das outras, mas em uma posição de destaque, também
havia uma foto amarelada pelo tempo . Nela havia de um casal e uma criança loira
que na hora Olívia imediatamente reconheceu ser Andrew. O homem tinha cabelos
castanhos e olhos esverdeados enquanto a mulher era tão loira ou mais que
Andrew, e tinha os mesmos olhos azul-acinzentados do filho.
Sorriam ao lado de malas de viagens dispostas no chão.
Estavam sorrindo para a câmera na frente de um carro v
Decidida a explorar o covil de Andrew, Olívia continuou varrendo com os
olhos todas as superfícies à sua volta. Não teve coragem de abrir o baú, pois sentiu-
se extremamente invasiva, mas ficou curiosa. Com isso, se flagrou fantasiando e
lembrando de contos antigos sobre vampiros transportados em caixotes de
madeiras que foram narrados naquele país, quando ouviu Andrew murmurar algo.
No começo parecia apenas murmúrios sem sentido. Assustada, Olívia voltou para o
seu lado na cama e percebeu que ele estava com febre. Sua pele estava quente e
úmida como a de um moribundo e no milésimo de segundo em que
tentava decidir
ela decidia se acordaria o Ioan ou se tentaria abaixar a febre de Andrew por conta
própria, conseguiu distinguir algo nos em seus murmúrios roucos :

— Ela está no carro. Mamãe está no carro.

Andrew gemia e contorcia o rosto no devaneio de sua febre. Olívia correu


para a cozinha e voltou com uma bacia de água fria e algumas toalhas. Tirou o
excesso de cobertas que cobriam o homem e começou a esfriar sua pele com as
toalhas umedecidas. Andrew estava claramente perturbado. Parecia estar no meio
de um pesadelo.

— Calma, vai ficar tudo bem. — Olívia começou a dizer. — Eu estou aqui
com você – Olívia começou a dizer .

Não tinha certeza se ele podia ouvi-la, mas pensou que se um delírio de
febre fosse como um sonho, talvez ele pudesse ouvir e incorporar o som ao que
imaginava. Por conta disso ou não, Andrew começou a se acalmar. As suas
sobrancelhas aos poucos suavizaram, e ele parecia dormir tranquilamente.

O dia amanheceu, e antes que o sol tivesse cruzado totalmente a linha do


horizonte, Ioan foi ao encontro de Olívia, e com gestos pediu que ela fosse dormir.
Ela não recusou. Estava exausta e sabia que Andrew estaria em boas mãos.

Mais tarde, naquele dia, Andrew ainda não tinha melhorado. Pela tarde
acordou e comeu um pouco, mas agia como se estivesse sob efeito de um forte
calmante. Quando Olívia entrou no quarto dele, com um travesseiro debaixo do
braço para ficar mais confortável, deparou-se com Ioan que novamente pediu para
que ela voltasse. A contragosto, Olívia voltou para seu quarto. Mas havia dormido
boa parte do dia e não conseguiu cair imediatamente no sono, o que em parte foi
um alívio já que, algumas horas depois, Ioan bateu à sua porta de seu quarto .
O dono da Cabana Doina
Ioan há muito já havia desistido de conseguir se comunicar
verbalmente com Olívia, então apenas a chamou com um movimento de mão e ela
o seguiu.

Chegando ao quarto, Olívia percebeu que Andrew


não se encontrava muito melhor do que na noite anterior. Na verdade, seu estado havia
estava da mesma maneira que estava na noite anterior, só que
muito pior. Apesar da piora, E dessa vez o que ele dizia era ainda mais entendível,
e ele estava dizendo o nome dela.

Andrew virava a cabeça de um lado para o outro e estava com as mãos


agarradas ao cobertor que Ioan descera até a altura do seu quadril, deixando o peito
nu exposto para ser resfriado com mais toalhas molhadas.

— Olívia — sua voz era um chamado, uma súplica, um pedido.

— Mas o que está acontecendo? — Ela olhou para Ioan. Perguntou a Ioan.

— Ontem estava assim? — Indagou ele Perguntou de volta , mostrando tê-la


entendido.

— Não.

— Olívia, não! — Andrew parecia estar no ápice de um pesadelo, o que


assustou muitíssimo os outros dois.

— Já chega, ele tem que acordar! — Fez menção em sacudi-lo, mas foi
impedida por Ioan.

— Não pode.

— Saia daí, saia daí! — Andrew continuava.

Sem saber o que fazer ou que diabos estava acontecendo na cabeça de


Andrew, sentou-se na beirada da cama, segurou uma de suas mãos suadas e
tentou acalmá-lo como tinha feito antes.

— Calma, Andrew. Eu estou aqui. Eu estou aqui. Vai ficar tudo bem.
Demorou para que ele se acalmasse, mas aconteceu. Quando Andrew parou
de chamar por Olívia e de se contorcer na cama, Ioan refez o curativo de seu
tornozelo. Seu pé tinha desinchado, mas os buracos na pele causados pelas presas
da víbora estavam fundos e enegrecidos. Pequeno ponto de necrose. Ioan aplicou
uma pasta verde com cheiro de cigarro de corda na ferida e voltou a enfaixar.
Durante aquela noite inteira, Ioan e Olívia não deixaram o quarto. Um de cada lado
da cama, não deixaram Andrew fora de vista nem por um instante.

Andrew acordou no fim do dia seguinte e deparou-se com Ioan. Era a vez do cozinheiro acompanhá-l
Andrew acordou no fim do dia seguinte, enquanto

Quando Olívia despertou, foi até o quarto de Andrew e o encontrou acordado.

— Dormiu bem? — Perguntou Andrew que estava sentado na cama


assim que Olívia entrou em seu quarto
.

— Você… — ela não Não terminou a frase, apenas olhou assustada de


Andrew para Ioan até que Ioan sorriu e acenou positivamente com a cabeça. — Ah,
graças a Deus! — Disse pendurando-se enquanto pendurava-se no pescoço de
Andrew.

— Acho que vocês passaram por maus bocados esses dias por minha causa.
Sinto muito.

— Você não tem que sentir. Eu estou tão aliviada que, ah! Eu pensei, eu tive
tanto medo! Mas você está aqui, agora. Você está bem!

Ioan ria da reação exacerbada de Olívia e, depois . Depois de dizer algo em


romeno , levantou-se e saiu do quarto, deixando os dois a sós.

— Você se machucou? — Perguntou Andrew, vestindo uma camisa que Ioan


deixou sobre a cama antes de sair.

— Eu?

— Sim, na descida. Eu não lembro de coisa alguma.

— Não lembra de nada?


— Não lembro do caminho de volta — disse com certa lentidão, o que fez
Olívia ruborizar e desviar o olhar.

— Não me machuquei, mas também não sei como conseguimos chegar.

— Olívia — ele a fez voltar a encará-lo —, muito obrigado. Não sei o que
seria de mim se não tivesse me ajudado.

— Se não fosse por mim provavelmente você nem teria subido aquela
montanha.

— Pensando por esse lado — soltou um riso fraco. — Mas não me


arrependo.

Olívia, que também estava rindo, o fitou por um segundo. Ele continuou:

— A vista é linda, e você ainda vai poder contar para os seus amigos que
subiu numa montanha na Romênia.

— Posso contar que fomos atacados por um urso? Ficaria mais emocionante.

— Uma víbora não é emocionante o suficiente? — Andrew riu, mas Olívia


não. Ela empalideceu, pensando nas consequências que o encontro com
aquele animal peçonhento
a víbora poderia ter acarretado.

— Nunca mais faça isso de novo.

— Isso o quê?

— Ser picado por uma cobra.

— Não é como se eu tivesse ido lá e colocado meu tornozelo nas presas


na boca
dela.

— Não sei o que você fez, mas não faça de novo.

— Não quer que eu volte para a montanha? — Ele Andrew esperou uma
resposta esportiva da moça, mas ela estava mais séria que Ioan quando Andrew
ele
não lhe trazia tomates frescos. — Você ficou com medo? Escuta, não precisamos
voltar lá para cima. Nada de ursos, linces ou víboras. Nada do que aconteceu se
repetirá. — Ele disse Disse essa última parte de um modo mais sugestivo, deixando
Olívia pensar no que, exatamente, não se repetiria. — Mas não precisa se
preocupar comigo, isso é bem comum por aqui. Pessoas são picadas o tempo
inteiro quando se aventuram nas montanhas.

— E você continua fazendo mesmo assim?

Andrew jogou as mãos para cima e, depois . Depois de um longo tempo de


silêncio, Andrew disse:

— Deveria descansar. Os últimos dias foram difíceis para todos nós.

Percebendo o convite para se retirar, Olívia levantou-se e se despediu.

— Descanse, também.

Algumas horas depois, Olívia estava em uma ligação com Maria.

— Você o quê?! Olívia, se sua mãe descobre isso, ela vai te buscar aí, no
meio dessa floresta.

— Nada aconteceu comigo, eu estou bem.

— Mas poderia ter acontecido.

— Tanta coisa poderia ter acontecido.

— Do que está falando?

— Nada. — Por alguma razão, Olívia não falou sobre o ataque de pânico, o
abraço, a excitação. Como poderia dizer para a amiga que quase se envolveu com
alguém comprometido de novo? Só podia ser carma. — Mas e como estão as
coisas por aí?

— Mauro adotou um gato, assim, do nada. Agora a casa está cheia de pelos
e fedendo a xixi, e eu não consigo convencê-lo a devolver o bicho .

— Você não quis ser mãe — respondeu gargalhando —, agora Mauro está te
obrigando a ser mãe de pet.

— É cada ideia absurda. O pior é que eu estou me afeiçoando ao felino


mijão.
— Ela parou de repente e quando voltou a falar sua voz saiu mais calma e cuidadosa: —
Oli , preciso te dizer uma
coisa.

— Pode dizer.
— Eu me perguntei se deveria te contar, pois sinto que você está superando.
Mas não sei se você ficaria chateada por não saber.

— Anda, Maria, está me deixando ansiosa.

— Soube por fontes confiáveis que Augusto e Iasmin se separaram.

Olívia pensou em responder. Depois ela pensou que já tinha respondido, mas
nem sequer estava respirando.

— Oli?

— Oi.

— Você está bem? Fiz bem em contar? Eu imaginei que pudesse querer
voltar depois de saber disso.

— Não quero.

— Não? Isso é um avanço.

— Amiga, preciso desligar.

— Mas já?

— Ioan está me chamando — mentiu.

Os pensamentos de Olívia dançavam como uma arte abstrata. Passara doze


anos da sua vida amando o mesmo homem a mesma pessoa .
Se sujeitou a testemunhar
Viu esse homem essa pessoa amar outra por medo de perdê-lo de
vez, e agora que ele estava livre, ela não sabia o que fazer.

Deveria voltar para o Brasil e apostar todas as suas fichas em Augusto? E


mesmo que fizesse isso, que garantia ela tinha de ser correspondida? Mas e se ela
não voltasse, teria que lidar com o sentimento de que perdeu a
oportunidade? Conforme seus pensamentos fluíam, enchendo-a de perguntas, ela
sentia que havia algo de errado nisso. O destino dela não deveria depender do
Augusto. Era engraçado como ela pôde passar os últimos dois dias sem pensar nele
por mais de dez segundos, e agora que o fez, continuava igualmente dependente.

A sensação de que ela podia fazer qualquer coisa e ir para qualquer lugar e,
ainda assim, ser completamente suscetível a qualquer informação sobre Augusto a
deixava atordoada. Se ela pudesse arrancar com as mãos esse sentimento de seu
peito, faria. Se ela pudesse esquecer de tê-lo conhecido, também o faria, ainda que
tivesse que aceitar aceitando o preço de ser uma pessoa que ela desconhece. Mas
ela não podia fazer nenhuma dessas coisas.

Pegou a fotografia dela com Augusto que estava ao lado da cama e a


encarou até adormecer.
CAPÍTULO 10 – A DANÇA

Apesar de ter despertado, Andrew se recuperava lentamente. Seu curativo


era trocado três vezes ao dia e ele ainda sentia muitas dores no pé, além de tontura
e dificuldade para enxergar, o que o impossibilitou de realizar suas funções na
Cabana. Ioan mal saía do quarto dele, estava o tempo inteiro alerta a qualquer sinal
de piora e pronto para socorrê-lo. Com pena do velho, Olívia passou a cuidar ela
mesma de algumas tarefas como cuidar da horta e da limpeza dos cômodos de
acesso público. Não era um incômodo para ela, na verdade era um alívio poder
ocupar sua mente inquieta. Era isso ou afundar em pensamentos obsessivos por
Augusto. Ou, pior, relembrar diversas vezes do quase beijo dela e de Andrew na
montanha. Ioan ficava no quarto de Andrew a maior parte do tempo, mas ele
também precisava descansar, e Olívia estava sempre disponível para ajudá-lo. A
cada dia via menos o enfermo, e passou a ter certeza de que ele a estava evitando.
Tudo isso era confuso demais.

— Então, como Andrew está? — Perguntou Maria


em uma das ligações regulares entre as amigas
.

— Está se recuperando — Olívia disse . — Até onde sei, não está mais
vomitando e está conseguindo se alimentar. Mas não o vejo há alguns dias, acho
que ele está me evitando.

— Te evitando? Por que ele faria isso?

— Bem — Olívia havia evitado falar sobre o incidente da montanha. Apesar


de saber que a amiga jamais a condenaria por isso, tinha vergonha de contar. Por
fim, decidiu revelar seu segredo. — Nós quase nos beijamos. E tenho motivos para
acreditar que ele tem algo sério com a Narcisa.

— Você está falando sério?

— Sim.

— Puxa vida, Oli. Isso foi de 100 a 0 muito rápido. Como está se sentindo?

— Não sei. Quer dizer, parece que estou repetindo o mesmo erro, entende?
E me incomoda de verdade que ele esteja tão distante.
— Dê tempo ao tempo, Oli. Não pense assim. Aproveite sua viagem, lembre-
se que você desejou estar aí por muito tempo. E quando quiser é só voltar.

Olívia estava ansiosa com aquela situação. Preocupava-se com a saúde de


Andrew, mas também não conseguia deixar de se sentir incomodada com a
distância dele. Ela sabia que algo estava errado e rezava para que esse algo não
fosse ela.

Não muito tempo depois Ioan a chamou para jantar. Pela primeira vez desde
o incidente da montanha — isto é, seis dias antes atrás — Andrew se juntou a eles.

— Fico feliz por já estar se sentindo melhor — Olívia disse


enquanto ele se sentava à mesa
a Andrew .

— Graças a você, estou — ele respondeu, desviando o olhar rapidamente. —


Obrigado por ter me ajudado.

Ela sorriu em resposta.

— Não precisa agradecer — disse Sorriu.

Definitivamente havia algo de errado ali. Andrew evitou contato visual com
ela durante toda a refeição. Aquilo a irritou profundamente. Olívia podia
compreender que ele estivesse lidando com dilemas pessoais, mas não gostava de
sentir aquela parede entre eles. Decidiu agir como se nada tivesse acontecido.
Talvez fosse melhor para todos.
Sem se importar com a cara fechada de Andrew, ela
riu das gracinhas de Ioan, que tentava falar inglês enquanto comia
, sem se importar com a cara fechada de Andrew
. Apenas uma vez quando ela fez uma
pausa para beber um pouco do licor que Ioan os tinha servido para eles, que Olívia
flagrou Andrew ele a olhando para ela ; mas desta vez foi Olívia ela quem desviou
o olhar
, voltando sua atenção para Ioan.

Em determinado momento, Olívia havia bebido e rido tanto que esquecera


que estava evitando demonstrar qualquer interesse pela presença de Andrew. Ao
mover-se rápido, derrubou a garrafa de licor na mesa, na direção do rapaz
deus loiro
. Andrew levantou-se rapidamente, com o susto. Olívia também levantou-se,
extremamente arrependida pedindo desculpas e tateando a roupa dele.

— Ah, meu Deus, me desculpe! Deixa, eu limpo. — Olívia passava a mão


sobre a camisa de Andrew tentando limpar, nervosa.
Andrew não fez nada por um tempo, seja por ter gostado da proximidade dela
ou por ter ficado em choque. Mas então ele segurou a mão de Olívia, fazendo-a
parar de espalhar o licor pelo resto da camisa que ainda estava limpo. Apesar de
Andrew ter segurado sua mão de uma maneira que a impossibilitava de movê-la,
Olívia sentiu uma certa delicadeza. Aquilo também a pegou de surpresa e ela deu
dois passos para trás, recolhendo a mão.

— Não precisa se preocupar. Vou limpar e já volto, me deem um minuto.

Andrew se retirou e entrou em seu quarto, mancando levemente. Ioan, que


estava observando toda a cena, caiu na gargalhada assim que Andrew saiu da
presença deles. Riu tanto que precisou se apoiar na mesa, pois estava sem fôlego.

Olívia não achou nada daquilo engraçado. Não queria ter derrubado o licor
em Andrew e muito menos ter agido como uma boboca tentando secar sua blusa
com as mãos. Não queria, sobretudo, sentir novamente aquele choque elétrico que
o calor da pele dele despertava nela quando ele a tocava. Mas ver Ioan rindo
daquele jeito a contagiou, e quando se deu conta estava gargalhando também.

Ioan foi até um móvel da recepção que continha um aparelho antigo de tocar
música antigo e, depois de apertar alguns botões, uma canção música dançante
preencheu o ambiente começou a ser ouvida . Ioan aproximou-se dela e lhe
estendeu a mão, como um verdadeiro cavalheiro. Olívia Ela aceitou com um sorriso,
e logo começaram a dançar.

O velho a conduzia com gentileza por toda a área da recepção. Fosse culpa
do álcool ou não, Olívia estava achando aquilo incrível. Não se lembrava da última
vez que dançou com alguém sem a intenção de levá-lo para sua cama. A música
era bastante melodiosa e podia ver pela expressão de Ioan que ele gostava muito
dela.

Quando a música acabou, Ioan lhe fez uma reverência e afastou-se, fazendo
entender que ficou cansado. Olívia estava radiante, divertira-se tanto que até
conseguiu esquecer, por alguns segundos, a vergonha que acabara de passar. De
repente outra música começou a tocar, também melodiosa, e apesar de não
entender o que ela dizia, Olívia podia apostar que era uma música de amor.

Nessa hora, Andrew saiu de seu quarto. Estava com outra camisa e
aparentemente só voltou para buscar o casaco que esqueceu em cima da cadeira
em que estava sentado. Ioan, ao vê-lo, disse algo em romeno que o fez arregalar os
olhos e empalidecer.

— Não, não — balançou a cabeça com veemência Tentou negar .

Mas Ioan insistia, e Olívia só percebeu o que ele estava dizendo quando
segurou a mão de Andrew e o levou até ela. A música estava calma, e quando
Olívia olhou para Andrew, pensando que iria encontrar a mesma cara fechada de
minutos antes atrás , surpreendeu-se ao ser recebida com encontrou um olhar
intenso da parte dele direcionado a ela . Tão profundo que seus olhos pareciam
mais escuros.

— Não precisa fazer isso — ela disse, quando Ioan encostou a mão dele na
dela e aumentou o volume da música.

Andrew olhou para Ioan uma última vez e, vendo que ele os observava,
estendeu a mão convidando-a para dançar, o mesmo movimento que Ioan fizera
antes. Olívia aceitou.

Quando Andrew a tomou em seus braços, Olívia sentiu todo seu corpo ficar
em alerta. Ele era delicado e a movia com tanta gentileza que ela podia até fechar
os olhos e imaginar-se dançando nas nuvens. Uma das mãos de Andrew estava em
sua cintura e a outra segurava sua mão, próximo do ombro dela. Olívia usou sua
mão livre para apoiá-la no pescoço dele. A mão de Andrew emanava um calor que
ia da base da cintura de Olívia até sua nuca. E o rosto dele manteve-se firme ao
lado do dela. Ela conseguia sentir a respiração e a pele da bochecha dele tocando a
dela enquanto quando se moviam.

Olívia não notou em que momento notou quando, mas Ioan havia se retirado.
Ao perceber que estava dançando sozinha com Andrew, fechou os olhos e deixou
que ele continuasse a guiando. Queria se lembrar daquela sensação depois.

Despertou de seus devaneios quando sentiu a mão dele pressionar a sua


levemente. Não era exatamente um carinho, mas fez ela se arrepiar. Olívia queria
tanto se aproximar ainda mais, deixar seus dedos percorrerem os braços dele. Ela
queria, sobretudo, beijá-lo. Enquanto tentava processar todos esses sentimentos,
Andrew também pressionou um pouco mais a mão que segurava sua cintura,
trazendo-a mais para perto. Quando Olívia pensou que não aguentaria permanecer
ali sem que algo acontecesse, a música acabou.
Eles pararam de se mover lentamente e mais lentamente ainda tiraram as
mãos um do outro. Olívia queria dizer algo. Agradecer pela dança, talvez; rir ou
fazer algum comentário que tornasse aquele momento menos tenso, mas não
conseguiu pensar em nada. Não soube se o mesmo aconteceu com Andrew, mas
ele também não disse palavra. Apenas acenou com a cabeça, num movimento que
podia muito bem ser tanto um cumprimento tanto quanto podia se r uma despedida,
e retirou-se.

Olívia não pôde acreditar.

Primeiro ele quase a beija e, logo em seguida, a rejeita. Depois passa a evitá-
la, então dança com ela e a deixa plantada no cômodo, com todas as terminações
nervosas de seu corpo em chamas. Pisando forte, Olívia voltou para seu quarto.
Não conseguiria dormir tão cedo. Todas aquelas sensações a faziam pensar em
coisas demais ao mesmo tempo.

Que diabos estava acontecendo?

Naquele momento ela só queria cruzar a Cabana até chegar ao quarto de


Andrew, entrar e perguntar por que ele estava agindo daquela maneira. O pior é que
ela sabia que se importar tanto com isso não era um bom sinal. Ela não podia
desejar uma pessoa que já tinha alguém. Não podia fazer isso consigo
mesma
mais uma vez. Já bastava ter que assistir Augusto amar outra diante de seus olhos
por seis anos.

Mas ela sentia aquilo. Não podia negar para si mesma, Andrew mexia com
ela. E mais: arriscava-se a dizer que ele também sentia o mesmo.

— Droga! — praguejou. — Mas que inferno!

Andou de um lado a outro do quarto enquanto repetia para si mesma que a


partir do dia seguinte ia se manter afastada dele tanto quanto conseguisse. Não
podia e não queria que aquela situação continuasse. Na verdade, queria. Queria
que ele a beijasse tão forte a ponto de deixá-la sem ar. Mas não queria desejar um
homem que fosse de outra mulher. Outra vez não.

Sentiu-se sufocada com todos aqueles sentimentos e abriu a janela para


respirar ar fresco. Qual não foi sua surpresa ao ver Andrew do lado de fora,
fumando um cigarro e chutando pedrinhas no chão. Ali na frente, sozinho e no meio
da noite, ele parecia misterioso e até um pouco perigoso. Olívia não conseguiu
resistir a ficar olhando para ele.

Quando terminou o cigarro, ele cruzou as mãos na nuca e jogou a cabeça


para trás, olhando para o céu. Mas num dado momento avistou a janela do quarto
de Olívia. Olívia sentiu uma onda de adrenalina quando percebeu que fora vista,
mas continuou ali. Ele também permaneceu a encarando. Ficaram assim por um
tempo, numa espécie de diálogo silencioso, até Olívia fechar a janela e apagar a luz
do quarto.

Andrew não saía da sua cabeça. A situação se tornava insustentável. Passou


a noite pensando naquele loiro sedutor e em como seria voltar para o Brasil; em
como as coisas mudariam agora que tinha uma chance com Augusto.
CAPÍTULO 11 – PRIMEIRO BEIJO

Olívia demorou para sair da cama naquela manhã. Perdeu o café e não foi
verificar como Andrew estava, embora tivesse ouvido a voz dele conversando com
Ioan algumas vezes. Quando finalmente decidiu levantar, já era começo de tarde, e
o fez principalmente porque queria comer. O humor de Ioan estava radiante. Via-se
que ele estava em êxtase pela recuperação de Andrew, e ela mesma sentia um
misto de felicidade genuína e alívio quando pensava nisso. No entanto, seus
pensamentos estavam em outro lugar, mais precisamente na cidade de São Paulo,
e nas possibilidades que teria se voltasse para casa.

Desde que fora embora do jantar de comemoração de Augusto, depois de ter


a aliança de noivado de Iasmin colocada em seu dedo, não se falaram uma única
vez. Isso já dizia a ela muitas coisas, por exemplo: ele havia percebido que algo
mudou naquela noite e , e ele não fez fizera nada para remediar.

Nunca haviam passado tanto tempo sem se comunicarem desde que


pararam com as brigas juvenis. Havia algo de definitivo nessa distância que
a
assombrava Olívia. No entanto, por mais que pensar em Augusto mexesse com ela
e lhe trouxesse uma sensação de familiaridade, gostava de estar na Romênia.
Gostava de explorar estar explorando essa terra selvagem e de conhecer novas
pessoas. Gostava principalmente de quem ela era ali. Ali, em Moroeni, ela não
precisava viver à sombra do amor de alguém.

Mas o que mais a perturbava, de fato, era que estava tão confusa que mal
conseguia se entender. Sentia-se uma adolescente. Se achasse uma lâmpada
mágica, e um gênio lhe concedesse um desejo, ela não saberia o que pedir. Então,
ao sair do quarto, decidiu que faria o que tivesse vontade. E que se o peso era lidar
com as consequências, faria isso depois.

Viu Ioan e cumprimentou-o ao ir para a cozinha. Ele imediatamente tirou um


prato feito do forno e a entregou. Olívia ficou comovida com a atenção dele.
Era pleşcoi com polenta e mostarda
— cujo conteúdo nada mais era do que uma linguiça fina de carnei
com polenta e mostarda e uma
minitorta de framboesa.
Oplecoié uma linguiça fina de carneiro e alho que é servida frita.
Comeu apressadamente.
— Onde está o Andrew? — Olívia perguntou Perguntou a Ioan, em inglês,
depois de agradecer pela comida. Imaginou Olívia imaginou que ele estivesse no
quarto, mas ficou na dúvida ao perceber percebeu que a porta estava semiaberta e
com a luz apagada , ficando na dúvida .

— Chioşc — respondeu em romeno, e Olívia sentiu uma onda de alegria ao


perceber que o havia entendido. Ioan, percebendo isso, sorriu amigavelmente.

Olívia pensou muito se deveria ir atrás dele. Ao sair da Cabana para ir em


direção ao gazebo, Olívia surpreendeu-se com uma pequena algazarra. Estavam
com Andrew todos os amigos que eles haviam encontrado no Moshu Pub.

— Olívia! — Ileana foi a primeira a percebê-la.

Imediatamente todos viraram para ela, e Dorin abriu um largo sorriso antes
de dizer:

— Agora sim a visita valeu a pena! — Virou-se para Andrew. — Porque, você
sabe, não viemos aqui ver você. — Disse essa última parte num sussurro fingido,
alto o suficiente para que todos ouvissem.

Olívia se aproximou do grupo animadamente. Todos a cumprimentaram,


inclusive Narcisa que estava sendo muito mais simpática que no último encontro
delas.

— Conte-nos sobre essa história maluca! Quer dizer que você salvou a vida
desse grandalhão aqui? — Começou Dorin, apoiando a mão no ombro de Andrew.

— Fala como se eu fosse uma heroína, e eu não fui. — Sentou-se em um


banquinho. — Andrew foi forte o suficiente para conseguir descer a montanha
depois da picada.

— Mas você que o trouxe? — Perguntou Camélia, realmente interessada.

— Eu não conseguiria sequer levantá-lo do chão sozinha.

— De qualquer maneira, não teria conseguido sem você — respondeu


Andrew olhando profundamente em seus olhos quando as gargalhadas
amenizaram ., olhando profundamente em seus olhos — E sou muito grato por isso.
O grupo logo voltou a conversar alto e gargalhar. Era inebriante a energia
deles, era quase como se cada um ocupasse um espaço próprio e necessário para
as engrenagens de algo funcionar. E como funcionava bem!

— Uma história de fato fantástica para Olívia contar aos seus amigos quando
voltar. Falando nisso, você tem alguma previsão de volta, Olívia? — Perguntou
Narcisa, com um ar duvidosamente doce.

— Eu não sei, exatamente. Mas logo.

— Já? — Andrew franziu o cenho. — Logo quando?

— Daqui a uma ou duas semanas — informou ela respondeu olhando para


Andrew que em resposta lhe devolveu uma expressão séria.

— Não pode ser! Você não pode nos deixar — dramatizou Dorin.

Sandu sorriu timidamente.

— Vamos fazer uma festa de despedida para você e será a melhor de


todas .

— Ah, que é isso. Não será necessário.

— Não é uma opção — intrometeu-se Ilena. — E eu sei o lugar perfeito! Mas


não direi porque é uma surpresa — desatou a falar, empolgada.

Enquanto Ilena dava ideias de uma festa para os outros e era respondida
com mais ideias de lugares, bebidas e comidas, Olívia se distraiu. Quando se deu
conta, Andrew havia sentado ao seu lado.

— Quando ia me falar que já pretende ir embora? — Perguntou em voz


baixa, para que só ela ouvisse.

— Eu tenho que voltar em algum momento.

Andrew ficou um bom tempo em silêncio, então continuou:

— É por conta do que aconteceu na montanha? Olívia, eu nem sei como me


desculpar, mas se em você existe ao menos um pouco de afeição por mim, peço
que me perdoe. — E ao dizer isso virou o rosto para olhá-la, forçando-a a fazer o
mesmo. Sua expressão era de súplica e medo, talvez um pouco de vergonha.
— Mas do que você está falando?

— Você sabe do que estou falando.

— Acha que eu não tenho nenhuma afeição por você? Você bateu a cabeça?

— Eu achei que estivesse com raiva e que só cuidou de mim porque eu


estava à beira da morte.

— Raiva? — Nesse momento nada mais fazia sentido na cabeça de


Olívia. — Por que eu estaria…

— Então, Olívia — interrompeu Narcisa, sentando-se de frente para eles — ,


depois dessa aposto que não vai querer mais se aventurar na floresta
.

Olívia precisou de alguns segundos para responder.

— Acho que nunca mais pisarei os pés em uma — disse um tanto quanto
sarcástica. — Se me der licença, preciso ir ao banheiro.

Sem esperar resposta, levantou-se e entrou na cabana o mais rápido que


conseguiu. Entrou em seu quarto e, inquieta, caminhou de um lado para o outro
enquanto tentava entender que tipo de diálogo acabara de ter. Andrew achava que
ela estava com raiva por ter sido rejeitada? A cada minuto que gastava pensando
nisso ficava mais envergonhada e inquieta.

Ela só percebeu que Andrew havia entrado no quarto quando


o ouviu pigarrear atrás dela, anunciando sua presença
o mesmo pigarreou .

— Você está passando mal de novo? — perguntou ele.

Ela apenas o encarou, sem fazer ideia do que responder.


Percebendo que ela não ia dizer nada, Andrew acrescentou:

— Posso chamar o Ioan para te ajudar, se preferir que eu saia.

— Mas que porra você está falando?

Andrew assustou-se com o linguajar pouco usado por ela na frente dele.

— Não quero que tenha medo. Vou chamar o Ioan. — E fez menção de sair.
— Fique aí onde está — a voz de Olívia saiu alta e esganiçada. — Por que
eu estaria com medo? Por que eu estaria com raiva? — Disse enquanto caminhava
até a porta e a fechava. — Por que eu iria querer que você saísse? Não estou
entendendo nada do que você diz, Andrew!

— Por estar sozinha comigo — disse pausadamente, a voz carregada de


culpa —, e por eu ter perdido a cabeça na montanha.

Olívia continuava confusa, e de repente sentiu-se triste. Estava a um passo


de acreditar que o que viveu com Andrew foi uma completa vergonha para ele, ao
ponto de ele não conseguir parar de se desculpar.

— Eu não tenho medo de você — começou ela. — E eu não sei se você tem
alguém, o que eu imagino que tenha pelo que pude perceber entre você e Narcisa,
e sei que você pode considerar o que aconteceu um erro, mas eu gostaria muito
que você , pelo amor de todos os deuses, parasse de se desculpar como se fosse a
coisa mais humilhante que já te aconteceu. — Falou sem pausas enquanto olhava
para baixo, desviando do olhar dele.

— Humilhante? Você acha que eu achei aquilo humilhante?

— Eu não sei mais o que pensar! — Vociferou ela.

— Ah, meu Deus, Olívia. Agora eu entendi.

— Então me explique!

— Acha que estou me desculpando porque foi um erro? Acha que tenho
alguém?

— Sim — respondeu depois de pensar um pouco.

— Agora todas as peças se encaixaram na minha cabeça e, meu Deus!


Parece tão engraçado. — Ele estava rindo. Um riso de alívio.

— E agora você ri!

— Olívia — ele disse se aproximando dela. Parecia ainda temeroso de que


ela se assustasse, mas também cedia ao impulso de se aproximar e tocá-la
tocar nela
como se estivesse ansiando por isso há muito tempo. — Eu não tenho
ninguém. Não sei o que você pode ter visto ou percebido na noite do bar, já que
citou a Narcisa. Mas não é algo sério, não significou nada.

Ele deu mais alguns passos na direção dela em direção à ela .

— E se eu posso descrever o que aconteceu na montanha como um erro,


seria pelo fato de você não estar se sentindo bem e eu não ter conseguido me
controlar. — Nessa parte ele estava tão perto que Olívia podia sentir o calor
emanando de seu corpo. — Por isso eu peço desculpas. Por um momento eu achei
que você queria. Mas você estava com medo e eu não tinha o direito, eu não tinha.

O peso daquilo caiu nos ombros de Olívia de uma vez. Ele achava que tinha
se aproveitado dela?

— Eu achei que tivesse ficado com raiva, e com razão. Tentei me manter
afastado, Deus sabe que tentei. Mas quando eu vejo você... E toda vez que você
me toca…

— Quando aconteceu eu já estava bem, Andrew, e por sua causa. Eu te


abracei mais forte primeiro. Eu queria — a voz saiu quase um sussurro no final.

Andrew a observou por um tempo, passeando o olhar por seus olhos e


lábios. Olívia sentiu todo o corpo arrepiar.

— Não sabe o quanto fico aliviado de ouvir isso, porque não consigo parar de
pensar em você, Olívia. — Sua respiração quente e pesada tocava a pele dela. —
Desde o dia em que você chegou mostrando que a vida é bonita demais para não
pararmos para admirar. Desde o momento em que você subiu naquela pedra e o
vento me fez sentir esse cheiro de amêndoas. — Ele se aproximou ainda mais e
percorreu com a ponta do nariz a extensão do pescoço dela, parando com a boca
no seu ouvido. — Eu desejo você, Olívia. Com tanta força que não consigo me
conter — sussurrou.

O corpo de Olívia fervia e borbulhava por dentro. Os lábios de Andrew


tocando sua orelha suavemente acenderam um incêndio em suas entranhas. Ele
também a queria. Também a desejava e, naquele momento, precisava dela tanto
quanto ela dele.

— Eu quero você, Olívia.


— Andrew — arfou em resposta, girando seu rosto. Então a boca de Andrew,
que estava diante de sua orelha, tocou levemente toda a pele do rosto dela até
chegar aos lábios.

Ele a beijou com urgência, sem pena. Beijou os lábios carnudos de Olívia
como se estivesse sem ar e ela fosse oxigênio. Invadiu sua boca com a língua
sedenta, provando cada espaço. Suas mãos estavam em todo lugar. Enquanto com
a esquerda segurava-lhe pelo pescoço, com a outra aproximou o corpo esguio de
Olívia do seu, mostrando para ela o quanto ele a desejava. Olívia soltou um
pequeno gemido ao ser pressionada contra o membro ereto de Andrew, e isso o fez
soltar seus lábios e começar a beijar seu pescoço, enquanto a conduzia até a
parede.

Olívia derretia-se em desejo. A sensação de Andrew devorando seu pescoço


a fez pensar que ele tinha fome dela. E ela iria se deliciar em ser sua refeição.
Andrew retornou aos seus lábios lentamente, parando para olhá-la antes de
continuar. Ele a olhava como se quisesse ter certeza de que aquilo estava mesmo
acontecendo. Ela tocou o rosto dele delicadamente com a ponta do dedo indicador.
A pele dele era lisa e branca como leite. Seus olhos azul-acinzentados eram
profundos como um oceano. E ela queria mergulhar neles , e queria esquecer de
nadar.

Andrew tocou seu nariz no dela, numa doce tortura.

— Você reduziu todo meu autocontrole a pó, Olívia, e eu preciso de você


agora. — Beijou-a com intensidade, segurando-a pela cintura, reduzindo a zero a
distância entre eles.

Olívia deixou sua mão escorrer do pescoço dele até seu peito musculoso,
cedendo a impulsos contidos desde a primeira vez que ela o viu sem camisa.
Continuou percorrendo a barriga dele com a ponta dos dedos, sentindo o relevo e a
rigidez de seu abdômen. Andrew continuava beijando-a com voracidade, até que a
mão de Olívia alcançou o cós da sua calça. Ela percorreu a distância até o botão,
fazendo-o parar o beijo para gemer baixo.

Antes que ela pudesse continuar, ouviram alguém chamando-o. Olívia se


assustou, retirando a mão dele, mas Andrew a segurou, não deixando ela se
afastar. Fez um sinal negativo com a cabeça e delicadamente colocou a mão dela
em seu abdômen por baixo da camisa, voltando a beijá-la.

— Andrew!

Dessa vez ele se forçou a soltar os lábios dela.

— Andrew, onde você está? — Era a voz de Dorin.

Andrew deu um passo para trás.

— Ele não vai parar até que eu vá.

— Tudo bem, vai lá — disse ela, Respondeu ofegante, consertando o vestido


que tinha amassado com o contato dos dois.

Andrew a olhou com desejo uma última vez antes de se virar de costas,
respirar fundo, colocar as mãos nos bolsos da frente da calça e sair.

Olívia ficou paralisada por um tempo, com a respiração ofegante. Tentou se


acalmar e ajeitar a roupa e o penteado antes de sair também, esperando um tempo
proposital para que não percebessem que saíram do mesmo quarto. Foi para a
cozinha e colocou em uma bandeja alguns sucos que encontrou na geladeira, numa
tentativa de parecer ter estado ocupada com aquilo. Quando voltou para o grupo, já
estavam entretidos em uma conversa, então não foi notada. Beberam e se
divertiram até que anoiteceu. E durante esse tempo, toda vez que Andrew a olhava,
ela tinha que morder o lábio para não sorrir como uma boba.

— Bom, acho que é hora de irmos — disse Dorin, depois de terminar uma
long neck numa golada só.

— Ou poderíamos ficar aqui, já que anoiteceu. Vocês não estão mais com
hóspedes, não é? — Perguntou Narcisa.

— Ah, é — respondeu Andrew, de maneira reticente. — Vocês podem ficar.

— Que é isso, você tem que descansar. — Dorin disse. Algo na voz dele fez
Olívia pensar que ele sabia, ou pelo menos desconfiava, do que estava
acontecendo no quarto quando ele interrompeu, e não queria interromper
novamente.
— Mas eu estou tão cansada! — Narcisa insistiu. — Voltamos amanhã de
manhã, não custa nada.

Aparentemente passar a noite na Cabana Doina não era uma novidade para
o grupo de amigos. Embora Todos concordaram, embora Dorin tenha relutado mais
um pouco , todos acabaram concordando e entraram, pois a noite já havia caído. .

Todos entraram, pois a noite já havia caído.

— Vocês podem escolher qualquer quarto livre — Andrew disse para os


amigos.

— Eu vou ficar no de sempre — respondeu Dorin.

— Eu também — completou Sandu.

— Vou dormir com a Camélia — disse Ileana, aos risinhos com a amiga.

— Não quero dormir sozinha — soltou Narcisa, olhando disfarçadamente


para Andrew.

— Você pode dormir com a gente — disse Camélia.

— Não será confortável dividir a cama com duas.

Dorin lançou um olhar de quem pergunta “o que eu falo agora?” para Andrew.

— Você pode dormir comigo — sugeriu Olívia, extremamente a contragosto


. Sentiu
, porque sentiu que se esperasse mais um segundo, a outra se convidaria
para dormir com Andrew.

Narcisa fitou Andrew por um tempo considerável antes de aceitar. Olívia não
sabia dizer se, de fato, aquilo fora proposital. Embora Andrew tivesse lhe dito que o
que aconteceu entre ele e Narcisa não fora nada sério, não conseguia deixar de
pensar que talvez para ela significasse algo, e tudo isso a deixava
Olívia
desconfortável.

Dormir não foi fácil. Narcisa foi extremamente gentil e aconchegou-se em um


canto de sua cama sem nenhum problema, mas uma comichão não a deixava
Olívia
pegar no sono e a fazia girar de um lado para o outro repetidas vezes. Não
conseguia parar de pensar que Andrew estava a alguns passos de distância
esperando por ela, em seu quarto. As emoções do dia ainda estavam frescas, e ela
precisava terminar o que tinham começado, precisava das mãos dele sobre ela e do
beijo desesperado dele a possuindo. Ela precisava ser dele e precisava que fosse
naquela noite.

Levantou-se de fininho da cama quando julgou que a companheira de


quarto
cama tinha adormecido.

— Você também não consegue dormir? — Perguntou Narcisa quando


Olívia
ela alcançou a porta.

— É, isso. Acabei ficando com sede.

— Pode trazer um copo de água para mim também?

— Claro.
CAPÍTULO 12 – AMAR NOVAMENTE

Olívia não se lembrava da última vez que xingou tanto uma única pessoa. Foi
baixo e quase internamente, mas o suficiente para assustar a si mesma.

A entrada da cozinha dava vista para o quarto de Andrew. Ela sabia que ele
ainda estava acordado porque a luz transpassava as brechas da porta. Pensou em
ir até lá, abrir a porta e finalmente entregar-se ao homem que tão rapidamente
despertou seus desejos. Encheu um copo de água, olhou uma última vez para o
quarto dele e suspirou profundamente antes de voltar para o seu quarto.

Depois de se forçar a ficar deitada e fingir dormir, acabou realmente


adormecendo. Acordou assustada por volta das sete horas da manhã, depois de um
sonho confuso. Teria voltado a dormir, não fosse ter percebido a ausência de
Narcisa em sua cama. Instintivamente quis saber onde ela estava e o que estava
fazendo, então levantou e vestiu-se.

— É, pai, e o senhor dizia que era burrice dormir com o inimigo — resmungou
lembrando das lições de moral que o pai costumava lhe dar na infância, quando o
relacionamento deles era muito mais simples.

— Puxa vida, achamos por um momento que teríamos que ir sem você —
disse Camélia, ao vê-la se juntar ao grupo no saguão da Cabana.

— Vocês já estão indo? São sete da manhã.

— Aqui costumamos acordar muito cedo, Olívia — emendou Narcisa. —


Tentei acordar você, mas estava em um sono pesado como pedra.

Olívia sabia que era mentira. Tivera um sono muito inquieto e despertou
várias vezes durante a noite. Ela teria acordado facilmente se alguém tivesse lhe
chamado.

— Bom, aqui estou eu — limitou-se a dizer.

Os jovens estavam prontos para entrar no carro e ir para a cidade, e para a


surpresa de Olívia, Andrew também estava dirigindo-se a um dos carros.
— Você também vai? — Perguntou ao se aproximar dele. — Não deveria
estar repousando? – Perguntou ao se aproximar dele.

— Tenho negócios para resolver na cidade — disse enquanto fechava o


porta-malas do carro, de onde Olívia conseguiu ver alguns dos seus jarros. — Além
do mais, eu não repousaria se ficássemos aqui — acrescentou baixinho
disse isso baixo
, enquanto dava a volta por ela para chamar os outros, fazendo-a corar.

Mais rápido que a velocidade da luz, Narcisa se meteu no banco do


passageiro do carro de Andrew. Os outros quatro já estavam prontos para descer a
estrada no carro de Dorin, então só restou para Olívia sentar no banco traseiro
dos fundos
e viajar assistindo Narcisa se atirar para Andrew de uma maneira cada vez
menos velada.

A viagem de Moroeni a Târgoviște não demorou mais que uma hora, mas
cada segundo foi sofrível para Olívia que não parava de pensar no que poderia
estar fazendo na Cabana na companhia do loiro alto mais sensual daquele país.

Passaram primeiro na loja de artesanato nativo onde juntos conseguiram


vender o primeiro jarro. Dessa vez Andrew entregou-lhe seis. O sorriso de
satisfação em seu rosto sua cara não negava o quão feliz estava com o sucesso
dos seus jarros.

— São tão bonitos — comentou Narcisa quando Andrew voltou para o carro.

— São mesmo — concordou Olívia, ao passo que Andrew lhe retribuiu com
um sorriso contido no espelho retrovisor.

Não muito tempo depois disso, chegaram à casa de Dorin. No caminho


passaram em frente à Torre Chindia. Narcisa perguntou por que estavam passando
por ali, já que era fora da rota, mas Andrew não respondeu. Olívia, no entanto, sabia
que ele a estava lembrando do passeio dos dois.

Apesar de preferir estar na Cabana Doina com Andrew — pendurando suas


pernas ao redor do corpo sarado dele, talvez — e não ter aproveitado um minuto da
viagem, Olívia sentia o conforto de estar na presença dele. “Metade do prazer das
coisas está em esperar por elas”, lembrou-se da citação de Anne de Green Gables.

— Enfim, chegamos! — Anunciou Dorin ao abrir a porta de sua casa.


— Aproveitaram a viagem? Nós tivemos tempo de sobra para planejar a festa
de despedida de Olívia — atalhou Sandu.

— Oh, querido
— disse Olívia em tom de verdadeiro agradecimento, comovida ao ver os olhos do
, não precisa de
tanto. — Os olhos do rapaz brilhavam de excitação.

— Claro que precisa.


— Soltou Narcisa, sua voz rastejando como uma serpente. —
Será uma festa e tanto .
– Soltou Narcisa, sua voz rastejando como serpente.

— Que assim seja, então. Mas por favor não se esforcem tanto.

A visita que era para ser curta durou quase o dia inteiro porque
misteriosamente o carro de Andrew recusou-se a ligar.

— O que houve aí? — Perguntou Sandu, mostrando-se um bom entendedor


de mecânica.

— Eu não sei, há uns dois meses deu o mesmo problema e, infelizmente, eu


não tinha o especialista ao meu lado — disse Andrew, dando tapinhas nas costas
de Sandu.

Aparentemente o problema era simples, mas precisavam de uma peça


específica para que o carro voltasse a funcionar, e depois de ir a três lugares
diferentes atrás dela sem sucesso, decidiram almoçar todos juntos num restaurante.
Depois da pausa para o almoço, os homens voltaram a procurar pela cidade a tal
peça faltante do carro enquanto as mulheres ficaram na casa de Dorin bebendo as
groselhas mágicas da Ileana. As tão famosas groselhas eram uma bebida de cor
roxo-avermelhada e gosto azedo, muito atraente para Olívia que sempre preferiu
esse sabor ao doce. Foi muito agradável passar a tarde com as meninas. Elas lhe
contaram sobre a infância e a adolescência naquele lugar, sobre a escola, as festas,
os garotos, a faculdade e como os seis se conheceram.

— Foi desse jeito — concluiu Camélia, rindo timidamente —, o Sandu e o


Dorin já se conheciam porque são amigos de infância. Ileana era muito amiga de
Narcisa quando eu as conheci, porque estudaram juntas antes da faculdade. Mas só
nos juntamos todos com o programa de intercâmbio. Nós seis fomos para a mesma
cidade americana e desde então não nos desgrudamos. Isso já faz muito tempo.
— Éramos jovens e aventureiros, não perdíamos uma oportunidade de fazer
besteira — completou Narcisa, com ar saudoso. Durante toda a tarde, ela foi gentil
com Olívia, parecia ser inconveniente apenas quando Andrew estava por perto.

— Uma vez tentamos acampar nos fundos do Castelo de Peles


— acrescentou Ileana às gargalhadas —
, tivemos que ir embora correndo
para fugir
fugindo dos guardas . – acrescentou Ileana às gargalhadas.

O tempo correu rápido, pois quando os rapazes chegaram, e Sandu


consertou o carro — com a ajuda de Dorin e Andrew —, já estava anoitecendo. O
grupo de amigos conversou por mais algum tempo antes de Andrew chamar Olívia
para voltarem à Cabana.

Já dentro do carro e esperando por Andrew, no banco do passageiro, Olívia


se deu conta de que a demora dele se devia ao fato de Narcisa ter lhe puxado pelo
braço para uma conversa à parte. Gostaria de saber o que eles conversavam, mas
não teria maneira de fazer isso sem ser uma intrometida, então limitou-se a
observar os dois.

Narcisa era quem mais estava falando, enquanto gesticulava de maneira


exagerada e tocava nos braços de Andrew em toda oportunidade que tinha. Andrew
parecia sério, porém desconfortável. Estava com os braços cruzados e
sobrancelhas unindo-se em uma expressão desconfiada, mas acenava com a
cabeça toda vez que Narcisa terminava uma frase, fazendo-a continuar. Cerca de
oito minutos depois, ele retornou e começou a dirigir pelo caminho de volta.

Para a frustração de Olívia, o humor de Andrew havia mudado da água para


o vinho de novo. O homem que antes estava em clima de flerte, trocando olhares
furtivos e provocações com Olívia, de repente estava sério e apático, agindo como
se ela nem estivesse no mesmo veículo que ele, a poucos centímetros de distância.
Ela teria ficado muito brava, como sempre ficava quando ele alterava seu estado de
humor sem motivo aparente, mas dessa vez havia um motivo. Narcisa. Estava certa
de que tudo o que Narcisa fez para se meter entre os dois em qualquer conversa
que tentassem ter ou para manter os dois afastados foi, sim, proposital, e ela devia
ter dito algo a ele contra Olívia ela. Olívia só Só não sabia como fazê-lo lhe contar.

— Aconteceu alguma coisa? — Tentou.


— O quê? — Ele pareceu ter sido despertado de um pensamento. — Não,
nada.

— Tem certeza?

— Sim.

— E você mudou de humor por motivo nenhum?

— Eu não mudei.

— Ah, qual é, Andrew. Se não quiser falar sobre isso, tudo bem. Mas que
aconteceu alguma coisa, ah, isso aconteceu!

Olívia, que estivera olhando para Andrew, virou-se teimosamente para a


janela, onde pôde perceber pequenas gotas de chuva chocando-se contra o vidro.
Como já presenciou mais chuvas do que gostaria em Dâmbovița, sabia que não
demoraria para estarem sob uma chuva torrencial.

— Não seja teimosa.

— Eu estou sendo teimosa? Você consegue se ouvir? E por que está indo
tão rápido? — Já estavam na estrada há uns quinze minutos e, conforme a chuva
aumentava, Andrew pisava mais fundo no acelerador. — O que você está
fazendo? — Perguntou esganiçada ao perceber que Andrew definitivamente não ia
responder nenhuma de suas perguntas.

Estavam na metade do caminho entre Doicești e Fieni quando a alta


velocidade do carro despertou todos os alertas vermelhos de Olívia.

— Pare esse carro! Pare agora mesmo!

Mas Andrew não respondia, apenas continuava focado na estrada.

— Não precisa ter medo, estamos chegando.

— Chegando aonde? Nos túmulos com nossos nomes?

Nessa hora Andrew jogou o carro para o acostamento e freiou bruscamente.


A chuva já estava caindo sobre eles como uma tempestade, e Andrew respirava
ofegantemente.
— Me desculpa, me desculpa. Droga! — E socou o volante. — Essa chuva,
essa maldita chuva!

— Mas que porra está acontecendo com você, droga?!

Andrew, que estava com a cabeça jogada sobre as mãos e apoiada no


volante, virou-se para olhá-la, revelando um par de olhos cinza-azulados marejados,
prontos para derramarem lágrimas.

— O que está acontecendo, Andrew? — Olívia perguntou novamente, mais


calma, na tentativa de acalmá-lo também.

— A chuva, a chuva é o problema. Eu tentei fugir, mas não dá! — E enquanto


ele falava, o som das grossas gotas de chuva batendo na carroceria do carro
tornava tudo mais perturbador. A noite já havia caído, e a cada movimento do
limpador de para-brisa, os faróis dos carros que vinham na direção contrária os
cegavam por milésimos de segundos.

— Vem para cá, Andrew. Eu levo a gente de volta para casa.

— Você não vai dirigir nessa chuva — sua voz era uma súplica.

— Deixa pelo menos eu levar a gente para um lugar seguro.

Andrew não respondeu, mas jogou o banco para trás e, num movimento
rápido, se sentou no banco traseiro do carro fundo do carro . Assustada, Olívia
sentou-se no banco do motorista e, com movimentos lentos, retomou o caminho,
dirigindo devagar. Não demorou até chegarem a Puciosa, onde Olívia estacionou
em frente ao primeiro hotel que viu, o Hotel Ceres.

O lugar era grande e bastante tradicional, com tapeçarias típicas e móveis e


ornamentos em madeira de lei. Por um momento, Olívia pensou que Andrew não
seria capaz sequer de descer do carro, mas ele desceu. Graças aos deuses, a
balconista falava inglês, assim ela conseguiu solicitar um quarto com facilidade.

Assim que entraram no quarto — que continha uma cama de casal e uma de
solteiro, duas mesinhas de cabeceira com abajures, aquecedor, guarda-roupa e um
banheiro com água aquecida —, Andrew trancou-se no banheiro murmurando:

— Preciso tirar ela de mim.


Olívia sentou em uma cadeira que ficava em frente a uma mesinha
emendada na parede, a qual não tinha percebido estar ali quando entrou. Tirou seu
suéter e os tênis molhados. Inspirou e expirou profundamente.

Quem dera que ela pudesse entender o que estava acontecendo, mas podia
ter uma ideia. Claramente Andrew tinha pavor da chuva, e agora que estava
pensando sobre isso, descobriu que fazia muito sentido. Lembrou-se de pelo menos
duas vezes em que a mudança de humor de Andrew estava ligada à chuva, mas ela
não tinha notado ainda . No entanto, ele também estivera agindo de maneira
estranha antes de começar a chover. Antes de ele quase nos matar, pensou.

Não soube ao certo quanto tempo demorou para Andrew sair do banho, mas
quando o fez, abalou todas as estruturas de Olívia, que não conseguiu evitar olhá-lo
boquiaberta de cima a baixo. Olívia era uma mulher muito bonita e já saíra com
muitos homens bonitos também, mas nada tinha lhe preparado para aquele homem
de quase dois metros de altura, musculoso e sexy, coberto apenas por uma toalha
na cintura que ficava pequena demais nele e salientava seu pênis.

— Minhas roupas estão encharcadas — disse ele, quase como uma criança
explicando que não fez a tarefa de casa porque o cachorro comeu.

— Ah, é... E agora? — Perguntou enquanto tentava desviar o olhar das gotas
de água que escorriam de seu abdômen até a minúscula toalha branca.

— Eles oferecem um roupão. Vai servir para passar a noite. É só mandarmos


nossas roupas para a lavanderia, eles devolvem secas em algumas horas.

— Ah, claro — Olívia precisaria das roupas secas pela manhã, mas não
estava confortável em dividir o quarto com Andrew versão recém-saído do chuveiro
enquanto usava só um roupão ou pior, outra toalha. — Eu também vou tomar um
banho, me avise quando o roupão chegar.

Entrou no banheiro e fechou a porta atrás de si, se amparando naquela


barreira física para não agarrar Andrew. Ela estava confusa, irritada e precisava de
muitas respostas, mas sentia que não seria capaz de nada disso com ele daquela
maneira. Não quando ela só precisaria de mais um beijo como aquele e quando
alcançasse a cintura dele não haveria botões ou zíper para abrir, bastaria puxar a
toalha e…
— Suas calças — Andrew gritou depois de bater na porta do banheiro. —
Achei seu suéter e suas meias, falta sua calça.

— Um instante. — Tirou as calças, a camiseta e o sutiã às pressas. Olhou


para a própria calcinha antes de jurar para si mesma que jamais entregaria
a peça íntima
sua calcinha para Andrew ou poderia morrer de vergonha. — Aqui — passou
as roupas pela porta semiaberta.

Pensou que Andrew pegaria imediatamente, pois sabia que ele estava logo
ao lado da porta, mas ele demorou tempo o suficiente para ela fazer menção de
puxar o braço. Então Andrew segurou seu braço e com delicadeza pegou suas
roupas.

Olívia aproveitou o banho para colocar sua cabeça no lugar. Precisava saber
que diabos tinha acontecido com Andrew e se controlar para não beijá-lo até ficar
com os lábios dormentes. Tempo depois, Andrew bateu na porta novamente e
entregou-lhe o roupão. Surpreendentemente o roupão não era exatamente um
roupão de banho, e sim um penhoar de seda azul-marinho que ia até seus pés, com
mangas compridas e detalhes em renda na cintura. Era belíssimo. Ao olhar-se no
espelho, com os cabelos soltos e levemente desgrenhados — por ela ter tentado
secá-los com a toalha — e aquele penhoar, até ela tinha que assumir que estava
muito atraente.

— Quando você disse roupão, eu não esperava por isso — disse ao sair do
banheiro.

Andrew demorou bons segundos para responder:

— Descobri que vendem esses aqui. Achei que seria mais confortável dormir
com um deles do que com um roupão.

— Obrigada — disse sorrindo. Mas então suspirou e ergueu os olhos para


ele. Ele estava usando a calça de um pijama também azul escuro, porém de uma
tonalidade mais clara que seu penhoar. Estava sem camisa.

— Precisamos... conversar.

— Eu sei.
Olívia sentou-se na cama de solteiro, que era a mais próxima do banheiro, e
ele sentou-se na outra, quase de frente para ela um para o outro .

— Você queria nos matar? — Ela havia pensado em trinta frases melhores
que essa, no banho, mas ainda assim conseguiu esquecer todas elas.

— Olívia…

— Quer dizer, desculpa. Eu estou em choque com tudo isso e juro que estou
pensando na melhor maneira de perguntar isso, mas eu achei que você ia nos
matar e ainda estou sob o efeito da adrenalina porque eu pensei que você tinha
surtado e não ia parar de acelerar até batermos em outro carro, ou em uma árvore,
ou…

— Oli — interrompeu Andrew, estendendo seu braço pelo vão entre eles e
tocando seu joelho. — Calma.

— Ok — ela olhou fixamente para ele, que tirou a mão de cima dela.
de sobre ela
— O que aconteceu?

— Primeiro eu quero me desculpar. Por ter colocado sua vida em risco, por
ter colocado minha vida em risco e por ter perdido o controle na sua frente. Você me
perguntou um tempo atrás como eu vim parar aqui na Romênia , um tempo atrás .
Você sabe, mãe brasileira, pai americano e eu vivendo aqui. Pois bem. Meus pais
se conheceram na faculdade. Vivemos minha infância no Brasil, até meu avô
morrer. Minha mãe ficou praticamente sem família depois disso, e então decidiram
vir para a Romênia para que meu pai concluísse o doutorado dele. Ele era professor
de literatura e estava estudando sobre literatura clássica de terror. Seu doutorado
seria sobre Drácula. Então ficamos aqui dos meus dez aos quatorze anos. Ficamos
hospedados em muitos lugares, mas passamos um tempo considerável na Cabana
Doina. Até o dia em que estávamos viajando da Transilvânia para Valáquia, e caiu
uma chuva dessa. Parecia que Deus estava chorando. Sofremos um acidente, e
meus pais morreram. Meu pai morreu imediatamente e minha mãe morreu no
caminho para o hospital.

Olívia estava tão quieta que parecia não respirar. Andrew continuou:

— Eu saí praticamente ileso, apenas com um corte nas costas que me


rendeu uma cicatriz. Tive que voltar para os Estados Unidos para ficar com a família
do meu pai, meus avós. Mas nós nunca fomos tão próximos, então eu só esperei
terminar o ensino médio e vim fazer faculdade aqui na Romênia. Voltei para a
Cabana. Voltei para o Ioan. Não sei te dizer exatamente o porquê, mas eu sentia
que estava mais perto dos meus pais deles aqui.

Andrew fez uma longa pausa, então Olívia teve coragem de falar:

— Sinto muito, Andrew.

— Tudo bem, já faz muito tempo. Acontece que eu não gosto nada de chuva
e muito menos de dirigir na chuva, então me desculpe por tudo isso.

— Eu não sei o que dizer.

— Não precisa dizer nada. Obrigado por ter me ajudado.

— Ioan sabe?

— Sabe. Ele não gosta que eu dirija se houver a menor chance de chover.

— Isto é, quase sempre.

— Quase isso — Andrew riu meio sem jeito.

— Posso te perguntar uma coisa?

— Claro.

— Você estava chateado antes da chuva, não estava?


Aconteceu alguma coisa
O que aconteceu ?

Andrew fechou a cara instantaneamente,


instantaneamente ficou sério. Depois
trincou os dentes. Depois fez um esforço perceptível para responder
docemente:

— Aconteceu.

— O que foi?

— Lembra quando me perguntou se havia algo entre mim e Narcisa?

— Sim. — Mil e uma borboletas, ou mariposas, ou talvez abelhas voaram no


estômago de Olívia enquanto seu cérebro repetia “é agora que ele vai dizer que foi
tudo um erro e que ele a ama”.
— Por que não me disse que você tinha alguém?
— Perguntou ele com expressão ferida no rosto.

— O quê?

— Não precisa mentir, eu já sei.

— Mas eu não tenho ninguém!

— E o homem da foto na sua cabeceira?

Olívia emitiu alguns sons ininteligíveis antes de entender tudo. Andrew só


entrara no seu quarto depois de sua chegada uma vez e ele definitivamente não
notou foto alguma, pois estava com a cara afundada em seu pescoço. Por outro
lado, a Narcisa…

— Ele não é meu namorado, se é o que está pensando.

— Eu não sei o que pensar.

— Augusto. Augusto é o nome dele — ela falou. De alguma maneira, sentia


que devia isso a Andrew. — Nos conhecemos há mais de uma década. Ele era meu
melhor amigo, por assim dizer. Nos envolvemos na adolescência, mas ele namora
uma moça há seis anos, então não tínhamos nada.

— Então ele é só seu amigo?

— Não... — Não conseguiu mentir. — Eu o amava. E mesmo que ele não


me amasse, acho que sentia uma certa atração por mim.

Andrew não respondeu, mas acenou para que ela continuasse.

— Eu o amei por todos esses anos e não fiz nada nem falei ou falei nada
porque prezava nossa amizade. Bom, pelo menos era o que eu dizia a mim mesma.
Acho que no fundo eu não disse nada por medo de ser rejeitada. Nós éramos tão
próximos, ele me conhecia tão intimamente que eu sentia que se ele não fosse
capaz de me amar, ninguém mais seria.

— E o que aconteceu?

— Na noite em que eu fui demitida, ele me mandou um convite para jantar


em sua casa no dia seguinte para comemorar sua promoção no trabalho. Irônico, eu
sei. Acontece que ele estava planejando pedir a então namorada, Iasmin, em
casamento. Não tinha falado nada para ninguém. Então ele me chamou para contar
a novidade e me mostrou o anel de noivado que daria para ela. Não bastasse
mostrar ele , cometeu o ultraje de colocar no meu dedo para ver como ficaria.
Acredito que tenha sido só uma atitude impensada, mas aquilo me desarmou, sabe.
Eu me senti completamente nua porque parecia que, naquele exato momento, eu
me tornei incapaz de esconder o que sentia. Eu fiquei arrasada. Comprei a
passagem para cá e vim.

— Então veio para esquecê-lo.

— Sim. Quer dizer, não!

— E por que, então?

— Eu passei anos tendo que me esconder e me podar. Passei tempo demais


vivendo em função de um sentimento que só existia na minha cabeça. De algo que
não era real. Eu vim para me libertar disso, sim, mas acabei encontrando mais.

— Olívia, por favor não diga que…

— Eu! Eu me encontrei, Andrew. Eu lembrei de como é fazer as coisas que


eu tenho vontade sem ter que pensar em manter o personagem. Como é poder
subir montanhas e fugir de linces — riu. — Como é conhecer pessoas e lugares
novos. Eu não me lembro de ter me sentido tão livre como me senti durante
quanto
o tempo que passei aqui.

— Mas agora vai voltar.

— Vou. Não agora, mas sim. Eu preciso. Não posso abrir mão da minha
carreira, da minha família, das coisas que construí no Brasil.

— E ele?

— Ele terminou o noivado, acho — desatou a falar, porque simplesmente não


conseguia mentir ou esconder nada daqueles olhos de pedra —, minha amiga me
falou.

— Então vai voltar para ele — Andrew levantou-se e caminhou até o outro
lado do quarto, fitando a parede.
— Não. Não, Andrew. Se eu quisesse voltar para ele, eu já teria ido. Mas
eu… eu não posso. Não por causa dele ou por sua causa. Mas eu preciso me dar
uma chance, eu preciso me escolher e com isso quero dizer escolher estar livre,
fora do domínio de um homem que nunca me amará.

Andrew fez um movimento de esmurrar a parede, mas conteve-se com a mão


aberta.

— Isso é demais para mim — desabou.

Olívia levantou-se também, mas se manteve à distância.

— Eu sinto muito. Eu sei que é confuso e complicado. Entendo se não me


quiser mais.

— Não te querer mais? — Ele voltou-se para ela. — Você acha mesmo que
algum dia, enquanto eu continuar lúcido, deixarei de querer você, Olívia?

Olívia, que não esperava por isso, não disse nada.

— Você vai voltar para o seu mundo — ele acrescentou — e para perto
desse desgraçado que cometeu a blasfêmia de se satisfazer com outra pessoa
enquanto você existia no mundo dele! E eu ficarei aqui corroendo meus ossos
porque eu juro para você, Olívia. — Aproximou-se dela, segurando seus ombros. —
Eu não sei parar de te querer. —
Sussurrou, fazendo o corpo dela arrepiar por inteiro.
Ela arrepiou-se — E eu tento me conter porque sei que você vai embora e
isso tudo é só uma viagem para você, mas eu não consigo! Passo os minutos
pensando em você e quando durmo, você invade meus sonhos! Seus cabelos
negros, seu cheiro de amêndoas…

Andrew não se lembrava de ter chegado tão perto dela, mas lá estava ele,
com uma mão em sua cintura e o nariz em seu pescoço, sentindo o cheiro dela.

— Eu quero você, Andrew. — Ela sussurrou. — Eu quero muito.

Andrew sabia que não devia. Estaria assinando sua sina e sua desgraça,
mas ainda que houvesse como parar, ele não o fez. Segurou Olívia pela nuca e
beijou-a com todo o ardor que sentia. Quando ela retribuiu, beijando-o de volta, um
arrepio percorreu seu corpo e ele soube que já estava perdido. Beijou os lábios
carnudos dela e explorou toda sua boca com sua língua. Ele queria conhecê-la,
queria estar nela. Conduziu-a até a parede porque precisava de algo para ajudá-lo a
pressionar o corpo dela contra o seu. Estava tão excitado que quase doía. Ela
envolveu seu pescoço com seus braços e também o beijava. E enquanto ele
percorria com a boca o pescoço e colo de Olívia, um pensamento atrevido lhe
ocorreu. Voltando seus beijos sedentos para o pescoço dela, tateou em seu
penhoar a fitinha que o abriria. Achou-a e antes de
desamarrá-la com um leve puxão
puxá-la, desamarrando , afastou-se um pouco para olhar para Olívia ela. Ele
temia que ainda não fosse a hora, que ela ficasse envergonhada, mas não
conseguiu parar. Puxou a fita de seda, afrouxando o penhoar e o fez escorrer por
seus ombros, caindo no chão.

O corpo de Olívia era magro, e sua cintura era fina. Sua pele era dourada e
Andrew mal pôde esperar para admirar tudo. Seu pescoço era comprido e elegante,
mas isso ele já tinha visto. Seus seios eram pequenos, mas gloriosos. Seus
mamilos levemente amarronzados estavam entumescidos, arrebitados e implorando
para serem sugados. Sua barriga era tão sedutora que ele desejou lambê-la de fora
a fora e abaixo do seu umbigo estava seu sexo, com um tufo de pelos em formato
de V perfeitamente delimitados. Aquilo era demais para ele aguentar. Sem pensar
duas vezes, abocanhou um de seus seios, mordendo e chupando levemente,
enquanto ela arfava de prazer. Suas mãos percorriam seu corpo com a necessidade
de conhecê-lo, provocando arrepios em sua pele. Sua cintura, seios, bunda e
quadris eram despertados pelo toque sedutor dele.

As coisas estavam acontecendo tão rápido que Olívia mal conseguia pensar.
Em um momento pensou que ia morrer, em outro pensou que Andrew não iria
querer mais nada com ela, e agora estava nua com aquele homem majestosamente
belo chupando seu seio esquerdo. Ela o desejava tanto que seu corpo ardia,
queimava. Quando ele passou para o outro peito e carregou-a para a cama — sem
soltar seu mamilo — ela gemeu alto. Queria que ele continuasse, que a possuísse.
Ela queria ser dele.

Andrew beijou toda a barriga dela enquanto descia, parando em seu umbigo
para beijá-lo com mais atenção e desceu ainda mais, segurando-a firmemente pelo
quadril. Beijou e lambeu o interior das coxas de Olívia enquanto mal conseguia se
controlar ao vê-la se contorcer de prazer. Provocou até não aguentar mais e
finalmente beijou-a no centro de seu desejo.
Olívia sabia aonde ele ia chegar quando começou a descer por sua barriga,
mas não esperava sentir tanto prazer quando a boca dele finalmente alcançasse
sua vulva. Ele lambia e chupava com tanta voracidade que não demorou para que o
corpo excitado dela chegasse ao orgasmo.

— Andrew, ah! — Ela tentou avisar, mas ele não parou, então seu corpo ficou
rijo e suas costas arquearam. Ela explodiu em prazer na boca dele.

— Eu quero fazer isso de tantas maneiras — sussurrou Andrew ao subir na


cama e ficar à altura de seu rosto —, de todas as maneiras — acrescentou Disse ao
penetrar dois dedos dentro dela.

— Ah! Meu Deus!

Ele continuou penetrando-a, enquanto massageava seu clitóris com o


polegar. Ele queria vê-la chegar ao orgasmo de novo. Queria vê-la se contorcer,
queria vê-la se dobrar, se curvar, queria sobretudo possuí-la de todas as formas.

Andrew dedicou-se e foi cauteloso, teve paciência nas horas certas, até a
respiração dela ficar muito curta, então pôde ver a expressão dela gozando
enquanto seus dedos sentiam os espasmos musculares.

Ela era a coisa mais bonita que ele já vira em toda sua vida.

— Ah, Andrew! Eu não sei se aguento mais — arfou.

— Só mais um pouquinho — pediu, enquanto arrancava a própria calça de


seda, mostrando seu exuberante membro ereto.

“Caralho” foi tudo o que Olívia conseguiu pensar. Não tinha como aquele
homem ser mais bonito, mais atraente, mais viril. Seus ombros largos e peito e
abdômen musculosos abriram espaço para a visão de seu pênis que, caso ela não
estivesse tão excitada, teria medo de sentir dificuldade para recebê-lo inteiramente.
Mas ela estava pronta, mais que pronta. Ele havia brincado com ela, rendido ela,
feito ela gozar de duas maneiras diferentes, mas ela queria mais. Ela queria aquilo.

— Se você não me comer agora eu não sei o que serei capaz de fazer.

Ele sorriu maliciosamente.

— Você já vai me ter.


Andrew agarrou sua boca novamente e a beijou enquanto se encaixava no
meio das pernas dela. Ela era pequena e frágil perto dele, mas ele teria cuidado.
Quando finalmente encontrou-se na entrada de seu sexo, pensou em brincar um
pouco mais, em deslizar sobre ela, provocá-la por mais tempo, mas não aguentou.
Seu corpo latejava por ela e ele precisava estar dentro.

Tateou pela escrivaninha atrás de uma camisinha e fez questão de observar


seu rosto enquanto a penetrava. Ela era tão quente, estava tão pronta para ele que
foi difícil ter calma. Ela gemeu e se agarrou às costas dele enquanto o sentia
possuí-la. Os olhos cinza-azulados dele a inundaram por alguns segundos antes de
ele começar a se mover. A cada vez que ele subia empurrando seu membro para
dentro dela, ela perdia o controle.

— Eu quero ter calma, Oli. Mas eu não consigo parar.

Andrew gemia e arfava enquanto a penetrava, fazendo questão de se sentir


inteiramente dentro dela. Quanto mais ele gemia, mais Olívia o apertava e
arranhava. Andrew sentia que estava à beira do orgasmo, mas queria prolongar o
máximo que pudesse aquele encontro. Queria que durasse horas!

— Você é tão gostosa! — E ela era. A pele, o cheiro, o gosto dela eram
simplesmente irresistíveis para ele.

De repente, quando ele subia para mais uma investida, ela virou-se debaixo
dele, ficando por cima.

— O que você…

— Shh! — Cortou ela, colocando o indicador sobre seus lábios.

Olívia começou a se mover sobre ele, apoiando-se em seu peito forte. Ele
conseguira vê-la gozar e agora ela precisava fazer o mesmo. Ela queria ver a
reação dele ao gozar sob seu galope.

— Olívia, eu... — Ela se deliciava ao vê-lo perder o controle debaixo dela.

Andrew deu trabalho para Olívia, mas quanto mais rápida ficava a respiração
dele, mas ela acelerava. Até que ele espalmou sua bunda com as duas mãos e num
gemido rouco, gozou. Ao fim de tudo, Olívia se jogou exausta ao lado dele na cama.
Ambos recuperando o fôlego da maneira que conseguiam.
— Você trapaceou, eu queria que você também chegasse lá — disse ele,
minutos depois, quando os dois já conseguiam falar uma frase inteira sem ter que
parar para respirar.

— Eu ainda estou ganhando — disse rindo —, e eu precisava ver você.

— Oli — ele disse depois de mais alguns minutos.

— Sim?

— Eu quero morar nessa noite para sempre.


CAPÍTULO 13 – ESCOLHAS

— Meu Deus, Augusto, o que diabos aconteceu aqui? — Perguntou Pedro ao


passar por cima de algumas garrafas de cerveja jogadas à frente da porta do quarto
de Augusto.

— O que veio fazer aqui? — Augusto resmungou.

— Eu vim tentar evitar que você se enterre no meio de garrafas de bebida,


cigarros e — olhou em volta antes de continuar — aquilo é uma calcinha?

— Vá embora — respondeu secamente, virando-se para a parede, sem


demonstrar a menor intenção de levantar da cama.

— Você não pode continuar assim, cara, levanta. Hoje você deveria ter ido
trabalhar. Me meti numa encrenca ao inventar uma desculpa para você.

— Não precisava.

— Claro que precisava. Você é meu amigo. Mas, sério, não tem como
sustentar essa situação por mais tempo, então é bom você levantar essa bunda
branquela da cama e tomar um banho, limpar essa casa e voltar ao trabalho.

Augusto, que tinha se esquecido completamente da sua nudez, empertigou-


se e se sentou na cama, cobrindo-se com o cobertor cinza manchado de vinho.

— Eu não sei o que fazer — soltou, coçando os olhos.

— Claro que sabe. Você tem que acordar, cara. Esperou Você esperou por
esse cargo por anos e aqui está você, jogando no lixo todo o esforço que fez para
conseguir. O que está pensando em fazer? Pretende passar todas as noites
bebendo, fumando e comendo mulheres desconhecidas até perder o emprego?

— Eu não estava fumando — respondeu evasivamente.

— Pois alguém estava, e aposto que se pendurou nessa boca a noite inteira.

— Ah, Pedro! Cala a boca!


Augusto parecia envergonhado com as enumerações de Pedro. Ele sabia
que estava se afundando em maus comportamentos, mas pela primeira vez
entendeu o que as pessoas queriam dizer com “afogar as mágoas”.

— Augusto, eu entendo pelo que você tá passando, sério. Mas você não é o
único homem que já ficou balançado pela mulher errada. — Enquanto tentava ser
compreensivo, Pedro caminhava pelo quarto colocando alguns objetos de
decoração no lugar e juntando o lixo.

Augusto não respondeu. Levantou-se, ainda enrolado no cobertor e dirigiu-se


à suíte. Segundos depois, Pedro ouviu o som do chuveiro ligando e sentiu-se menos
exausto. Estava sendo extremamente cansativo cuidar de Augusto nos últimos dias.
Sua própria esposa estava preocupada com o tempo que ele estava gastando com
o amigo dentro e fora do trabalho. Mas Pedro não podia reclamar. Augusto foi o
único amigo que permaneceu ao seu lado no último grande momento difícil de sua
vida, quando a esposa sofreu um aborto espontâneo e desenvolveu uma depressão
profunda. Foi uma fase muito difícil na vida de ambos, e Augusto estivera lá por ele.
O mínimo que poderia fazer era tentar erguer Augusto do buraco em que havia se
metido.

— Escuta, eu pensei em uma coisa — disse em voz alta. — Poderíamos


jogar vôlei neste final de semana. Você disse que costumava jogar antes de vir para
São Paulo. Além do mais, de que definitivamente você não precisa de mais álcool.

Augusto permanecia em silêncio e Pedro não se incomodou. Pedro sabia que


o silêncio do amigo era melhor do que suas lamentações sem fim. Passou muitas
horas pensando no que poderia fazer para ajudar o amigo e não conseguiu pensar
em muito além de afastá-lo de bebidas e das funcionárias que se atiraram aos
montes sobre ele quando a notícia do fim do seu noivado se espalhou.

— Neste final de semana não vai rolar. — Augusto saiu do banheiro com uma
toalha na cintura e outra secando o cabelo.

— Por quê? Por acaso a Luíza, do departamento comercial, já marcou um


encontro com você? Ou talvez a Estéfane, do financeiro? Oh, não, já sei — fingiu ter
lembrado subitamente de alguém —, com certeza foi a Mônica, do R.H.

— Engraçadinho você.
— Nós vamos, neste final de semana, e ponto final. Pode desmarcar com
suas amantes.

— Eu não tenho amante — pareceu ressentido. — E eu não tenho como


desmarcar isso — arrematou disse-lhe ao jogar um envelope na mão do amigo.

Pedro abriu com pressa, analisando cuidadosamente o documento antes de


se voltar incrédulo para Augusto.

— Não, você está de brincadeira!

Esperou por uma resposta de Augusto, mas ele entrou no closet e saiu de lá
vestido como se ninguém esperasse por explicações.

— Augusto, se você fizer isso, sabe que estará acabando com todas as
chances de reatar seu relacionamento com Iasmin, não sabe? Pelo amor de Deus,
Augusto, é só uma mulher e você está noivo! — Vociferou enquanto jogava a
passagem aérea na direção de Augusto.

— Eu não estou noivo. Não mais. E não é só uma mulher.

— Claro que não — Pedro revirou os olhos — , é a mulher com o par de


pernas mais bonito, o rosto mais angelical e a boca mais estupidamente atraente
que eu já vi.

Augusto dirigiu-lhe um olhar severo.

— O que foi?
— Pedro provocou, sem se deixar abalar pela expressão carrancuda do amigo. —
Eu também tenho olhos. Mas você ama Iasmin, você vai
se casar!

— Não é tão simples.

— Isso não deixa as coisas simples! — Pedro tomou a passagem da mão de


Augusto. — Que diabos você pensa que vai fazer? Vai abandonar o trabalho, sua
vida, sua noiva para ir atrás de Olívia?

— Você poderia, por favor, parar de falar sobre ela como se fosse uma… —
ele moveu as mãos ao redor da cabeça, como se estivesse tentando capturar a
palavra certa — uma coisa irreal?
Pedro já estava cansado de toda aquela história. Ele amava Augusto, é claro,
e os deuses eram testemunhas de que havia se esforçado para entender toda
aquela situação. Quando conheceu Augusto, ele já namorava Iasmin, mas claro que
não demorou muito para Pedro conhecer Olívia também. Lembrava-se exatamente
do dia em que vira Olívia pela primeira vez, porque ficara tanto tempo fitando os
lábios dela que quando se deu conta, ela o estava encarando de volta. Sentiu-se um
assediador e depois tinha rido desse ocorrido com Augusto.

Recordou Lembrou-se também de ter perguntado perguntar várias vezes


para Augusto sobre sua relação com Olívia, e chegar a pensar que o amigo tinha
um caso amoroso com ela, tão palpável era a tensão sexual entre os dois. Na
verdade, era mais que uma tensão sexual. Não parecia apenas que um desejava o
outro, parecia que um estava ligado ao outro, que eram um casal. Mas,
aparentemente, Pedro ele estava enganado, e Augusto era apaixonado por Iasmin,
sendo apenas amigo de Olívia. Isso era o que pensava até algumas semanas atrás.
No entanto, não podia deixar de sentir que o que o amigo tinha com Iasmin era
muito mais concreto, e que estava abrindo mão disso por uma espécie de sonho
inalcançável. Quase como se um homem abandonasse sua esposa por uma
tentativa ridícula de se relacionar com uma atriz que vira em um filme da sessão da
tarde.

— Eu não entendo — confessou Pedro — parece irreal para mim. Acho que
parece irreal para qualquer pessoa que analise essa situação de fora.

— Mas não é — Augusto rebateu disse absoluto. — Já teve a sensação de


ter algo por muito tempo e só perceber a importância quando essa coisa quebra e
você fica sem?

— Já — mentiu, pois não conseguia se lembrar de nada em específico, mas


pensou que conseguia imaginar a sensação.

— Ela esteve comigo por doze anos. Doze anos. Eu mal lembro de quem eu
era antes de conhecê-la. Tudo o que me aconteceu depois disso e tudo o que me
tornei tem traços dela, tem o cheiro dela. Mas eu me convenci de que não podia ser
nada além do que já era, então segui a minha vida, ainda assim, completamente
incapaz de abrir mão da presença dela.
— Você não amava Iasmin? — Perguntou, baixando o tom de voz. Para
alguém como o Pedro, que é perdidamente apaixonado pela própria esposa, era
difícil entender.

— Claro que amava. Por isso não pude ser desleal a ela. Eu achei que não
sentia mais nada por Olívia, mas eu estava errado. E no momento em que percebi
isso, resolvi as coisas com Iasmin.

— Isso é confuso demais para mim.

— Eu sei.

— Você tem certeza que quer fazer essa viagem?

— Eu preciso.

— Então que Deus me perdoe, mas vamos fazer isso direito.

****

Não muito longe dali, Maria tentava ligar para Olívia.

— Não consigo completar a ligação — suspirou desesperada.

Mauro tentou acalmá-la.

— Ela pode estar sem sinal, Maria — disse Mauro tentou acalmá-la ,
massageando suas costas.

— Mas eu preciso avisá-la! Como fomos ingênuos!

— Mas você não disse que ela sempre foi apaixonada por Augusto? Pensei
que ela iria gostar de ter uma visita dele. Não seria algo a se considerar romântico?

— É, mas ela conheceu alguém lá. Alguém melhor.

— O tradutor? — Ele a interrompeu.

— Sim, ele. Estava acontecendo algo, eu pude sentir pelo que ela me
contava. Talvez fosse a chance de ela deixar para trás qualquer esperança no
Augusto.

— Você acha que ele terminou o noivado com Iasmin por causa dela?

— Eu tinha minhas dúvidas, mas agora tenho certeza.


— O que vamos fazer agora? — Perguntou retoricamente.

— Ah, Mauro, estragamos tudo!

Na noite anterior, Augusto os acordou no meio da noite, completamente


bêbado. Mauro e ela ficaram assustados, mas ao perceberem quem era, foram
atender. Foi a interação mais estranha que Mauro já teve com Augusto ele, mas não
estranha o suficiente para Maria, que o conhecia há mais tempo.

— Onde ela está? — Ele perguntou no momento em que Maria pisou os pés
para fora de casa.

— Ela quem? — Maria estava sonolenta, ainda conseguia se lembrar do


sonho que estava tendo.

— Olívia. Onde exatamente ela está?

Foi aí que todos os sentidos de Maria despertaram, e seu coração disparou.

— Ela decidiu viajar para espairecer um pouco depois da demissão, você


sabe como ela é. Ela não te falou nada? — Perguntou com a voz mais mansa que
conseguiu.

— Ela está na Romênia, eu sei. Em Moroeni. Mas como posso encontrá-la


lá?

— Eu não sei — riu nervosamente. — Por que não manda uma mensagem
para ela perguntando?

Ela sabia que Olívia tinha seus motivos para não ter deixado claro em suas
redes sociais onde ela havia se hospedado. Desde a viagem de Olívia,
era a primeira vez que Maria via
fora a primeira vez que viu Augusto e surpreendeu-se
com a aparência lastimável do amigo que costumava estar sempre muito
apresentável.

Na fração de segundo em que Maria pensava em como poderia escapar do


interrogatório de Augusto, Mauro surgiu ao seu lado.

— O que está havendo? Precisa de algo, Augusto?

— Vim falar sobre o incêndio — disse fingindo enquanto atuava estar


horrorizado.
— Que incêndio? — Perguntou Mauro e Maria ao mesmo tempo, Maria mais
confusa que antes.

— O incêndio no hotel em que Olívia está hospedada.

— A Cabana pegou fogo? — Mauro soltou, surpreso. — Como ela está?

Enquanto o pobre Mauro estava em choque, Maria entendeu o jogo sádico de


Augusto e respondeu ela mesma:

— Ela está bem, amor — procurou tranquilizar o marido enquanto olhava


fixamente para Augusto que lhe retribuiu com um sorriso sarcástico.

— Se me dão licença, boa noite — desejou Augusto, Pediu e retornou ao


carro que só então Maria percebeu estar com uma mulher dentro. E não era
Iasmin.

— O que houve? — Mauro ainda estava assustado.

— Caímos no jogo dele — e depois contou-lhe exatamente o que havia


acontecido.

Tentaram ligar para Olívia, mas ela não atendia, então decidiram voltar a
dormir e tentar ligar novamente pela manhã.
CAPÍTULO 14 – IOAN

Definitivamente fazia anos que Olívia tivera uma noite de sono tão agradável.
Seu sono tranquilo foi capaz de descansar-lhe a alma. Quando despertou, sem
fazer ideia de que horas eram, foi coberta pelo braço forte de Andrew que a trouxe
mais para perto de si, adormecendo novamente.

Alguns minutos — ou horas — depois, acordaram.

— Você está aqui — sussurrou Andrew, a abraçando forte e beijando atrás


de sua orelha.

Olívia não pretendia responder, mas seu estômago estragou o silêncio


aconchegante, roncando alto.

— Vamos descer para tomar café? — Sugeriu Andrew.

— Para o jantar a janta , você quis dizer — respondeu ao pegar seu celular de
cima da mesa de cabeceira e ver que já eram 14h40. — Oh, meu Deus! — Sentou-
se rapidamente.

— O que houve?

— Dezessete chamadas perdidas de Maria! Preciso de um momento,


licença. — Correu Disse enquanto corria para o banheiro, presenteando Andrew
com a adorável visão de seu corpo nu de costas.

— Vou buscar nossas roupas — avisou


ele enquanto ela fechava a porta do banheiro atrás de si
.

Mais que depressa, Olívia ligou para Maria e surpreendeu-se ao ser atendida
quase que instantaneamente.

— Maria? Você está bem?

— Graças aos deuses, você atendeu! Já estava pensando em ligar para a


polícia, sabia?

— Mas o que aconteceu?

— Ah, Oli, eu nem sei por onde começar. Por que não me atendeu antes?
— Bem — ela conferiu rapidamente o horário das ligações de Maria —, eu
estava dormindo.

— Todo esse tempo?

— Não me julgue, tive a melhor noite de sono da minha vida!

— Noite, manhã e tarde!

— É — ela ponderou um pouco. — Preciso te dizer uma coisa — irrompeu,


animada. — Andrew e eu dormimos juntos.

Olívia não sabia exatamente qual reação esperava da amiga, mas não era o
silêncio mortal que se seguiu.

— Maria?

— Oi. Oli, que maravilha! Fico tão feliz por você, amiga! Como está se
sentindo?

— Não me lembro de ter estado tão bem! — E flagrou-se sorrindo sozinha ao


lembrar da noite anterior. passada — Mas por que me ligou tantas vezes?

— Eu briguei com Mauro — Maria esperou um tempo, na expectativa de


saber se sua mentira estava convencendo a amiga. — Mas já está tudo bem, me
desculpe pelo excesso de ligações. É que, ao não ser atendida nas primeiras vezes,
acabei ficando preocupada com você.

— Maria, que horror! Tem certeza que está tudo bem? Sinto muito por não ter
atendido.

— Tenho, sim, está tudo bem agora.

Depois disso, Maria lhe fez mais perguntas sobre a primeira noite deles e
sobre Andrew no geral. Olívia respondeu tudo com ar de adolescente apaixonada.

— Oli? — Andrew bateu suavemente na porta do banheiro.

— Já estou saindo — gritou para ele e despediu-se da amiga.

Depois de fazer uma higiene rápida, Olívia saiu. Temia que aquele momento
fosse embaraçoso, mas não foi. Andrew lhe disparou um sorriso largo, carregado de
emoção. Seus olhos pareciam brilhar, e Olívia sentiu borboletas no estômago
quando ele se aproximou para beijá-la suavemente.

— Precisamos ir, Ioan está preocupado. — E entregou as roupas secas e


dobradas dela, juntamente com um sanduíche para que fizesse o desjejum.

A viagem não poderia ser mais encantadora. Andrew estava com seu melhor
humor, e quando Olívia pensou que ficar a sós com ele sem estar se contorcendo
sob seu corpo suado fosse ser constrangedor, surpreendeu-se com o quão fácil foi
rir. Não aqueles sorrisos de nervoso ou o de preencher vazios, mas um riso de
genuína diversão. Absolutamente qualquer coisa que um dissesse poderia fazer o
outro se desarmar em uma gargalhada.

Contrariando a tempestade da noite anterior, o tempo estava fresco e


ensolarado. Chegaram rapidamente à Cabana e antes de descer do carro puderam
ouvir os resmungos de Ioan.

— Mincinos, mincinos! — Ele praguejava e sacudia as mãos na direção de


Andrew.

— O que ele está dizendo? — Perguntou Olívia, com medo da resposta.

— Está me chamando de mentiroso. Porque prometi voltar antes do anoitecer


de ontem.

A culpa de terem passado a noite no hotel não foi de Olívia, mas ela sentia-
se parcialmente responsável. Talvez por, apesar de não ter feito isso acontecer, ter
desejado.

Andrew falou em romeno com Ioan, e Olívia aproveitou que estavam


ocupados insultando um ao outro para entrar e entrou sorrateiramente na Cabana,
trancando-se em seu quarto. Ela Olívia se jogou de costas na cama, completamente
extasiada. Podia sentir no próprio corpo resquícios da noite anterior passada . Sua
pele estava sensível onde foi tocada e apertada, alguns de seus músculos pareciam
estar constantemente dizendo “estamos aqui e trabalhamos duro ontem”. Ela
começou a sorrir e a morder o lábio, lembrando-se de cada detalhe. Não sabia que
nome dar ao que sentia, mas era bom. Era inebriante.

Mas não demorou muito até que uma dorzinha já muito conhecida a
encontrasse e, de repente, já não se sentia tão bem. Aquela sensação sufocante
sufocante sensação de que estava errado se sentir bem, afinal de contas ela esteve
muito tempo acostumada com o contrário.

— Olívia — era Andrew. — Ioan nos quer na cozinha, tudo bem para você?

— Claro, já estou indo.

Antes de sair do quarto, viu a foto que tinha deixado sobre a mesa de
cabeceira. Ela e Augusto. Sem parar para pensar por muito tempo, pegou-a e enfiou
dentro da mala, longe de sua vista. Por fim, Andrew já havia contornado a situação
com Ioan, e o velho só queria se certificar de que ambos se alimentassem, para a
sorte de Olívia, que ainda estava faminta. Era engraçada a forma como Ioan tratava
Andrew, e agora que Olívia sabia de toda a história dos dois, enxergava ainda mais
beleza nesse relacionamento.

A mesa estava farta, como sempre. É uma verdade absoluta que Ioan é um
cozinheiro de mão cheia e, ou ele é exagerado por natureza, ou quer ver Andrew e
Olívia com alguns quilos a mais. Depois de terminarem de comer, Olívia ofereceu-se
para ajudar Ioan com os preparativos para o jantar a janta . Conseguiam se
comunicar cada vez com mais facilidade.

Ao terminar de preparar uma sobremesa, da qual não fazia ideia do nome,


mas conseguiu fazer com perfeição — ou ao menos imaginava que sim —, Olívia
ofereceu-se também para lavar a louça.
Ioan aceitou sua ajuda e logo ocupou-se de outras tarefas nos qu
Com a experiência de morar na
Cabana por semanas, Olívia sabia exatamente o que devia fazer para agradar o
anfitrião. E ainda que ela não tivesse nenhuma obrigação para com as emoções do
dono da estalagem onde estava hospedada, sentia-se bem fazendo isso. Até
mesmo sentia que ele a tratava de maneira diferente de como tratava os outros
hóspedes.

Ioan aceitou sua ajuda e logo ocupou-se de outras tarefas nos quartos vazios da Cabana.
Antes que Olívia tivesse a chance de lavar a primeira travessa, Andrew
fingiu pôr um prato na pia apenas para abraçá-la pelas costas. A intimidade do
toque dele fez ela se arrepiar.

— Andrew, assim Ioan nos verá — advertiu.


— Não verá, pois vamos para o meu quarto — anunciou ao pé de seu ouvido,
enquanto segurava-a firmemente pela cintura.

— O quê? Não!

— Para o seu, então?

— Andrew, já deixamos Ioan chateado o suficiente. Eu lhe disse que lavaria a


louça.

— Ele pode esperar — seus olhos cinza-azulados a prendiam com sua


intensidade.

— E você não pode?

— De jeito nenhum — sussurrou, abraçando-a mais forte e mostrando que


estava pronto para ela.

— Andrew! — Olívia corou ao lembrar que estavam na cozinha e que


poderiam ser flagrados a qualquer momento. — Eu preciso terminar aqui.

— Daqui a pouco eu lavo a louça, limpo todos os quartos e troco cada


pedaço de madeira desta Cabana, mas agora você vem comigo.

Olívia não podia negar estar se divertindo com a urgência da necessidade


dele. Também não podia negar que até mesmo naquela situação o desejava, então
se deixou ser levada para o quarto mais próximo — o dele.

Andrew foi carinhoso e paciente, apesar de intenso. Suas mãos estavam


atrevidas, e sua boca sedenta, fazendo com que Olívia se esquecesse
completamente de Augusto, do Brasil, da Romênia, dos pratos sujos, do barulho
que estavam fazendo. O jeito que Andrew a beijava não deixava espaço vazio em
sua mente. Na noite anterior o sexo deles foi uma validação. Tornou real os desejos
que ambos sentiam, abriu a porta para os sentimentos que Olívia achava arriscado
demais sequer pensar. Mas ali, sentada sobre o baú imenso com aquele homem
esculpido em mármore entre suas pernas, ela ousou.

Andrew retirou sua roupa com uma facilidade absurda e, antes de abrir seu
sutiã, tomou-a ainda mais firme em seus braços.
— Só desta vez vamos fingir que você ficará aqui para sempre, Oli — sua
voz era baixa e rouca. — Vamos fingir que você é minha.

Olívia subiu a mão por sua nuca e segurou-lhe pelos cabelos loiros, fitando
seus olhos em chamas.

— Eu sou.

Quando Andrew ajoelhou-se à sua frente e começou o seu trabalho oral,


Olívia não sabia mais dizer se havia apenas entrado no jogo ou se, de fato, estava
entregando mais do que desejo para Andrew. Amá-lo pela segunda vez foi como
uma viagem causada por uma droga alucinógena de origem duvidosa, em uma festa
com som alto e refletores. De uma maneira estúpida, pareceu mais real que
qualquer coisa que habitasse fora daquele quarto. Era como se não houvesse nada
no mundo além dos dois.

Sem nenhum pudor, Olívia colocou em prática todas as fantasias que havia
nutrido por Andrew. Ela queria sentir o gosto dele, e sentiu. Queria fazê-lo perder
todo o controle, queria que fosse dela.

— Oh, Deus, Olívia! — Blasfemou enquanto Olívia deslizava seus lábios


quentes por sua barriga até encontrar seu membro excitado.

A boca carnuda dela despertava nele prazeres inimagináveis, e a cada vez


que ela o olhava seu corpo estremecia.

— Desse jeito você me obriga a não ter pena — disse erguendo o rosto
dela. — Eu vou comer você e dessa vez estarei dentro quando você gozar.

Andrew deitou-a na cama, sentindo cada pedaço de sua pele ao se encaixar


entre suas pernas e penetrá-la de uma vez.

— Ah! — Ela gemeu alto.

Andrew não conseguia parar de pensar que ela era perfeita. Sua pele, seu
cabelo, seus olhos, seu rosto, seu corpo, seu cheiro. E tê-la em seus braços,
derretendo de prazer, o fazia se sentir o homem mais sortudo do mundo.

Olívia era selvagem. Mas não do tipo que exagera ou machuca, ela se
entregava ao momento de uma maneira tão libertadora, que era sagrada. A
promessa de Andrew foi perfeitamente finalizada quando, minutos depois, Olívia
chegou ao orgasmo, seguida dele.

Andrew jogou-se exausto ao seu lado e, em meio à sua respiração rápida,


tocou gentilmente o pé dela com o seu, o que se tornou um tímido carinho ao ser
retribuído por Olívia.

— Não vamos conseguir esconder do Ioan por muito tempo, desse jeito.

Andrew apenas soltou um riso curto.

— O que acontece se ele descobrir? — Ela perguntou, curiosa.

— Não sei. Faz parte do nosso acordo eu me manter longe dos hóspedes.

— E você cumpria esse acordo?

— Até ontem, sim.

Olívia virou-se, deitando parcialmente sobre ele e elevando a cabeça para


olhá-lo.

— Então eu sou especial? — Perguntou rindo.

Os olhos de Andrew tocaram seu rosto como uma carícia, fazendo-a perder o
riso e congelar. Ela não sabia se ele responderia, mas seus olhos derramavam
ternura sobre ela. Ele deslizou a ponta de seus dedos sobre as costas dela e, com
uma delicadeza que a fez arfar, beijou-a novamente. Não foi um beijo ardente, mas
apaixonado. Foi um beijo de devoção.

Mais tarde, ambos acordaram com as batidas frenéticas de Ioan na porta do


quarto.

— Quem é? — Perguntou Olívia, assustada e ainda sonolenta.

— Só tem uma pessoa aqui além de nós — respondeu.

Andrew levantou-se, vestiu as calças rapidamente e abriu a porta. Olívia


escutou a voz zangada do velho rebatendo a voz calma de Andrew. A única coisa
que conseguiu fazer foi se cobrir com os lençóis e encolher-se na cama, na
esperança de que Andrew conseguisse fazer parecer estar sozinho. Sabia que Ioan
não entraria no quarto dela para conferir se ela estava lá. Mas o que ela não
imaginava era que ele entraria no quarto de Andrew.
Ioan começou a esbravejar com Andrew, e como ela não conseguia entender
nada, tentou imaginar:

— Está sozinho, hein? Seu mentiroso, picareta! Por acaso não se lembra que
não pode se envolver com os hóspedes? Ou vai me dizer que estava apenas
fazendo-lhe uma massagem? Mentiroso, mentiroso! E debaixo do meu teto!

Teve sua imaginação interrompida por um silêncio repentino. Estavam os


dois olhando para ela.

— O que foi? — Perguntou, realmente temerosa. — Ele está me expulsando?

Andrew permaneceu calado e, diante disso, Ioan resmungou e fez um gesto


com as mãos para que o rapaz se apressasse.

— Ele está perguntando se você quer ficar no meu quarto — revelou Andrew.
Ioan novamente o apressou. — Disse que gosta de você e que fica feliz por nós,
que você pode morar aqui até... — Ele parecia procurar as palavras certas, e pela
terceira vez Ioan o apressou, dessa vez com um tapa nas costas. — Até casarmos.

— O quê? — Olívia engasgou-se com a própria saliva e tossiu algumas


vezes antes de continuar. — Nós não vamos nos casar! Fala para ele que é um mal-
entendido, que não estamos juntos!

— Eu já falei, mas ele não me ouve! — Disse rispidamente em direção ao


velho, que respondeu com algum xingamento romeno.

— E por que ele está falando essas coisas?

— Tem coisas sobre o povo romeno, Oli, que é difícil explicar.

Andrew resmungou algo para Ioan que, claramente a contragosto, pareceu


concordar e saiu do quarto. Mas não sem antes lançar um olhar desconfiado para
os dois.

— Que história é essa de casamento? — A voz de Olívia estava esganiçada.

— Eles são conservadores — ele disse, como se explicasse absolutamente


tudo. — E ele ainda é um tanto quanto liberal, para os padrões daqui.

— Eu sabia que era um povo muito católico, mas todas as festas, o álcool e
até mesmo você se agarrando à Narcisa me fez pensar que não era tanto assim.
— Então foi isso o que viu aquele dia? Narcisa e eu?

— Olha, não é hora de falar sobre ela. O que vamos fazer com Ioan?

— Ele está irredutível. Há tempos vive dizendo que eu deveria encontrar


alguém para casar, por isso não fez um verdadeiro escândalo.

— Isso não foi um escândalo?

— Para um romeno? Definitivamente não.

— Santo Deus!

— Acontece que chegamos num impasse. — Andrew deu um sorriso falso. —


Se ele não pensar que estamos tendo algo sério, pedirá que um de nós saia da
Cabana.

*****

No continente vizinho, algumas horas antes atrás , Maria tomava a segunda


aspirina do dia , sentada no banco do passageiro do carro do marido .

— Temos que encontrar ele em algum lugar, Mauro.

— Ele não está em casa nem no trabalho, onde mais podemos procurar? —
Mauro estava cansado da noite maldormida e da manhã alvoroçada, mas
permanecia paciente.

— No bar?

— Querida — ele estacionou o carro —, o que mais tem nessa cidade é bar.
Por que você não a avisa, logo? Olívia não vai ficar com raiva de você, ela nunca
fica.

— Não posso, Mauro! Essa é a chance dela de conhecer alguém que


realmente valha a pena, e saber que Augusto está atrás dela só atrapalharia tudo.

— Pensei que você torcesse pelos dois. Por Augusto e Olívia.

— Eu torcia.

— E o que mudou?

Maria segurou firme o colar com pingente de rosa dos ventos.


— Não sei. Eu sei que há algo entre eles, sempre houve. E ela pensou por
tanto tempo que ele era tudo para ela, que eu acreditei. Mas e se houver mais?

Mauro entendia muito menos que Maria toda a situação. Era amigo de Olívia,
mas não trocavam confidências como aquela. Sabia que Olívia tinha sentimentos
por Augusto. Desconfiava que Augusto tivesse desejo por ela. Tivera certeza por
muito tempo que sua esposa desejava a união dos dois. Mas agora lá estavam eles,
rodando São Paulo na esperança de encontrar Augusto e impedi-lo de ir atrás de
Olívia.

— O que vamos fazer quando encontrá-lo? — Mauro perguntou, por fim.

— Qualquer coisa que o impeça.

— Não podemos prender um homem adulto contra sua vontade.

— Nós o amarraremos num poste, se for necessário.


CAPÍTULO 15 – FANTASMAS DO PASSADO

— Eu não entendo, ele se certifica de que todos os casais que se hospedam


aqui sejam casados? — Perguntou Olívia, ainda incrédula com a situação em que
se encontrava.

— Não, claro que não. Mas não é como se fôssemos dois hóspedes,
eu moro aqui.

— Está me dizendo que é como se um filho trouxesse uma amante para a


casa do pai?

— Você escolheu as piores palavras, mas sim. — Andrew segurou a mão de


Olívia para chamar-lhe a atenção. — Você não precisa ir para lugar nenhum, eu
posso ficar na cidade até as coisas se ajeitarem.

— De maneira nenhuma!

— Por que não?

— Bem, você acabou de dizer. Você mora aqui, Andrew.

— É uma situação incomum, mas não teria problema para mim.

— Essa não é a questão. — Ela levantou, apanhando as peças de roupas


que estavam jogadas pelo chão do quarto. — É só que isso pode ser um lembrete.
Talvez seja hora de voltar.

Andrew não a surpreendeu ao ficar calado.

— Preciso de um tempo para pensar no que fazer — retomou ela. — Até lá


acho por bem mantermos uma certa distância, ou Ioan jogará minhas roupas no rio.

— Ele não faria isso — a sua voz de Andrew era ressentida.

— Eu sei. Quer dizer, eu acho.

Olívia foi para o quarto e, por precaução ou nervosismo, juntou alguns


pertences que estavam espalhados sobre os móveis.

Era estranho pensar no começo, na noite em que chegou à Cabana. Parecia


assustadora. E Andrew parecia tão distante e frio. Pensou em como teria sido dar as
costas naquele instante, antes de ouvir sua voz profunda cumprimentá-la com um
“Senhorita Saramago”. Arrepiou-se ao lembrar do exato momento e de como havia
se assustado. E se ela tivesse ouvido as vozes da sabedoria e não tivesse ido à
Romênia? Talvez estivesse empregada agora — lembrar da sua carreira
profissional temporariamente arruinada a fez suspirar profundamente —, talvez
tivesse conseguido assistir o homem que amou por uma vida se casar com outra e,
talvez, conseguisse encontrar alguma paz numa rotina de trabalho exaustiva.
Poderia até se acostumar com as cobranças dos pais a ponto de não se importar
mais.

O que ela não parava de pensar, na verdade, era que ela não queria sair da
Cabana. Além de ter se afeiçoado à rusticidade do lugar, não conseguia imaginar
prazer em estar naquela cidade longe de Andrew. E entre estar longe e voltar para
casa, talvez fosse hora de voltar para o Brasil. Planejara ficar apenas algumas
semanas e esse plano já havia se estendido por tempo demais, então qual era o
problema?

— O problema é que eu não quero voltar — disse para si mesma.

Algumas horas depois, Andrew bateu à sua porta.

— Não era para nos mantermos afastados?

— Sim, e Ioan se certificou disso. — Andrew respondeu ironicamente. — Ele


me mandou resolver algumas coisas na cidade, não devo voltar até depois de
amanhã.

— Velho rabugento!

Andrew riu diante dos resmungos de Olívia e disse:

— Pode fazer um favor para mim?

— Claro.

— Siga essas instruções antes de tomar qualquer decisão —


entregou-lhe
Disse entregando-lhe uma folha de papel cuidadosamente dobrada. — E, Oli, não
vá embora até nos reencontrarmos.
Olívia percebeu o quão real era o quanto seu medo de Andrew de ela ir
embora durante sua ausência era real . E ela era uma pessoa ansiosa, entendia
como era horrível ter uma questão tão importante fora do seu controle.

— Contanto que volte logo, prometo.

Andrew deu-lhe um sorriso doce e triste antes de beijá-la na testa e sair,


deixando-a com uma confusa sensação de estar se despedindo. Ela voltou para a
cama e conferiu o papel que ele Andrew lhe deu. Era um mapa aproximado
de Moroeni. Estava marcado com um ponto vermelho na Cabana Doina, com um X
também vermelho num ponto da floresta e “16h, terça-feira” escrito ao lado.

Inicialmente, achou um tanto quanto audacioso da parte de Andrew achar


que ela conseguiria chegar a qualquer lugar específico na floresta usando apenas
aquele pedaço de papel. Mas, ao observar com atenção, percebeu que não só o
mapa não só marcava um local que ela já tinha ido antes, mas que como sabia
exatamente como chegar lá. Era o lago em que o pequeno riacho deságua, o
mesmo que havia encontrado na noite em que Andrew lhe mostrara os vagalumes
na clareira.

Ficou satisfeita pela pequena dose de esperança que aquilo lhe trouxe.
Assim conseguia parar de pensar por alguns minutos em voltar para o Brasil e se
permitir fantasiar com o que os dois podiam fazer naquela paisagem divina.

Ao acordar, evitou sair do quarto até o final do dia, saindo apenas de noite
para buscar comida na cozinha, num horário em que sabia que Ioan já estaria
dormindo. Pensou em ligar para Maria, ouvir seus conselhos, mas sabia que só ela
, Olívia,
poderia tomar aquela decisão. Na verdade, nem sabia ao certo quais eram
suas opções: ir embora já ou ficar mais algumas semanas? Ir embora ou não ir
embora? Tinha muito o que ponderar.

No dia seguinte, tentou ficar trancada em seu quarto, novamente. Mas


acabou desistindo por perceber que era tolice. Não podia ficar sem comer por muito
tempo e, além do mais, Ioan não a faria mal. No máximo diria coisas desagradáveis,
mas ela não entenderia nada mesmo. Assim, saiu do quarto e surpreendeu-se com
um Ioan atencioso e gentil. Perfeito, pensou, ele está sendo mais gentil que o
normal porque acha que eu casarei com Andrew . Ao , pensou, ao menos não terei
que passar um dia desagradável até encontrar Andrew na floresta.
Sua interação com Ioan era semelhante à de duas crianças. Não se
entendiam por palavras, mas se faziam entender por gestos e expressões faciais.
Isso foi muito útil durante o período de recuperação de Andrew, quando os dois
precisaram trabalhar juntos para que a saúde do rapaz se restabelecesse.

Juntos, tomaram café e , cuidaram da horta


. Pelo que Olívia havia entendido, em breve chegaria
e trocaram
algumas peças de tapeçaria da Cabana.
A maneira como Ioan cuidava da Cabana era encantadora. Era
Pelo que Olívia havia entendido, em bre

A maneira como Ioan cuidava da Cabana era encantadora. Era quase como se a Cabana fosse

Eles não fizeram nenhuma menção a Andrew durante todo o dia. Próximo ao
horário de encontrá-lo na floresta, Olívia recolheu-se para se banhar e trocar as
roupas que havia sujado com as tapeçarias empoeiradas. Em sua bolsa, colocou
um lençol bem dobrado. Pela manhã estava fazendo muito calor, e o dia estava
ensolarado, mas depois do almoço, ela sentiu um pouco de frio e pensou que
poderiam precisar de algo para se cobrir. E logo estava Estava pronta. Botas, bolsa
com comida e proteção para o frio, calças e uma blusa de mangas compridas. Antes
de sair, fez-se entender que daria um passeio pela floresta, e Ioan não lhe impôs
nenhuma objeção.

Seu coração estava acelerado, suas mãos suavam estavam suando e ela
não conseguia esconder o sorriso no rosto. Não fazia ideia do que faria e do que
seria daquela relação fadada ao fracasso em alguns dias, mas por ora precisava
apenas encontrá-lo no lago e deixar que o desejo e a natureza ditassem o ritmo do
encontro.

— Pela estrada afora eu vou bem tão sozinha — enquanto saía da Cabana,
lhe veio à mente uma canção antiga e sem perceber, estava cantando em voz
alta —, levar esses doces para a vovozinha. A estrada é longa e o caminho é
deserto…

— E o lobo mal passeia aqui por perto.


Olívia continuou caminhando por uma fração de segundo até gelar da cabeça
aos pés. Antes que seu cérebro se lembrasse de que ninguém que estava ali
poderia saber a música, ela já havia reconhecido a voz de quem cantava.

— Você não está imaginando, Oli — disse outra vez a conhecida voz.

Olívia, que já havia se virado para penetrar a floresta, deu meia-volta para
encarar Augusto em toda sua glória. O homem estava há poucos metros de
distância, com um olhar de predador.

— O que está fazendo aqui? — Ela conseguiu perguntar.

— Te encontrando.

— Mas… — Olívia estava completamente confusa. Cabeça e coração


estavam incrédulos. — Como sabia onde me encontrar? E, principalmente, por que
veio?

— É uma longa história. Terei prazer em te contar tudo, só preciso de um


minuto do seu tempo.

— Você não veio me pedir mais tempo, veio? O que tem para dizer, diga
logo. — Olívia sentia um turbilhão de emoções. Estava tão surpresa em ver Augusto
que não conseguia sentir mais nada.

Augusto passeou os olhos sobre ela, pausando na bolsa que ela carregava.

— Estava indo a algum lugar?

— Estava.

— Oli, por favor, eu preciso que me deixe explicar algumas coisas. — E


caminhou em sua direção enquanto falava. — Eu vim até aqui para que você me
ouça.

Aquilo tudo era demais para Olívia. Ela estava tão nervosa que não
conseguia deixar as mãos paradas. Que diabos está acontecendo? Por que está
acontecendo? E por que está acontecendo justo agora?!

Antes que Olívia se desse conta do que Augusto estava fazendo, foi coberta
por seu abraço apertado. Inicialmente, ela não reagiu. Sentia como se estivesse
carregando todas aquelas informações, mas sem sucesso. Augusto a segurou firme,
exalando saudade e afundando seu rosto no pescoço dela.

— Eu senti tanta saudade — ele sussurrou.

O coração de Olívia martelava tão alto que ela pensou poder ouvi-lo. Sua
mente estava confusa, mas seu corpo reconheceu aquele toque. O jeito que ele a
encaixava em seus braços, o cheiro do perfume amadeirado, a suavidade da pele
dele encontrando a sua. Tudo era familiar demais para ser ignorado.

— Augusto, eu… — Ela começou a dizer, mas suas palavras ficariam


suspensas no ar, pois um nó em sua garganta a forçou a parar.

— Eu voltei para você — ele dizia, a abraçando.

Ao dizer estas palavras, Augusto moveu a cabeça na direção dos lábios dela.
Olívia conseguiu escapar do beijo dele por um centímetro e, com as mãos trêmulas,
pediu explicações.

— Não preciso dizer que tudo mudou naquele jantar, não é? Eu vi, Oli, em
seus olhos. Vi que para você nossa história não tinha acabado e, de alguma
maneira, isso me fez questionar tudo o que eu fiz depois de ter conhecido você. Me
fez questionar nossa separação, meu relacionamento com Iasmin, meus
sentimentos por você.

— E? — Perguntou mais para ganhar tempo, enquanto tentava digerir o que


estava acontecendo.

— E eu amo você, Olívia.

Olívia sentiu uma onda de adrenalina pelo corpo ao ouvir aquelas palavras.
Não era só emocionante, era doloroso. As lágrimas começaram a rolar quentes pelo
rosto dela. Estava incrédula com tudo aquilo. Havia esperado mais de uma década
por esse exato momento, então por que estava doendo?

— Durante todos esses anos — ela disse com dificuldade


, pisando em ovos para não cair no choro
—, eu estava lá. Eu estive lá por você e dei a você o que não
dei a mais ninguém, Augusto! Ninguém me conhecia como você. E ainda assim não
foi suficiente.

— Não era isso, Oli — ele a interrompeu.


— E o que era?

— Eu… — ele recuou. — Eu não sei. Me convenci de que éramos só amigos.


Achei que era o suficiente, mas não é.

— Eu vi você amar outra mulher por seis anos, Augusto. Vi Eu vi você


construir uma vida ao lado de outra pessoa enquanto passava os meus dias
tentando convencer a mim mesma de que não estava sendo destruída a cada
interação nossa, a cada vez em que eu precisava sorrir e parecer tão satisfeita com
o que tínhamos. Eu tive que lidar sozinha com todas as noites em que parecia
insuportável — seu tom de voz ia aumentando a cada palavra — e eu suportei.
Sozinha!

Augusto não respondeu. Não havia como responder àquilo e isso deu apenas
mais raiva em Olívia que, sem perceber, estava gritando:

— Você não me deixa ficar, você não me deixa ir embora! Que tipo de amor é
esse?

— Desculpe, Oli. De verdade. Eu não vou dizer que não sentia algo, que não
tentei controlar o impulso que tinha a cada vez que te via. Mas agora eu sei que não
quero mais controlar nada, eu não quero ficar longe de você e eu quero poder gritar
para o mundo que sou apaixonado por você, Oli. Que eu te amo.

Amar Augusto nunca foi algo fácil para Olívia. Era árduo, cansativo.
Ela perdeu
Perdera a conta de quantas vezes fora dormir chorando. Havia se
acostumado à sensação de solidão. Amar alguém e não ser amado de volta era
como estar num lugar muito grande e muito vazio. Não havia paredes, janelas,
nenhum lugar por onde escapar. Apenas a certeza de que não conseguiria sair dali
e que também não teria um único conforto enquanto ficasse. E, ainda assim, ela
continuou o amando durante todos aqueles anos. Augusto era como um vício. Não
conseguia se manter afastada por muito tempo, mesmo sabendo o mal que lhe
causava.

E, embora tenha sido doloroso suportar tudo isso sozinha, nada se


comparava à dor que sentia agora. Era visceral. Suas lágrimas escorriam
freneticamente enquanto percebia que sua vida havia mudado. Que ela havia
mudado. Que as palavras de Augusto tinham um peso diferente do que teriam
algumas semanas atrás. Que era tarde demais para eles.
— Eu só preciso de uma chance, Oli. Eu sei que não mereço. Mas por favor,
uma única chance.

Olívia demorou para perceber que estava começando a chover. As gotas de


água estavam quentes e se misturavam com suas lágrimas. O cabelo de Augusto
escorreu pelo rosto, salientando os olhos negros e profundos. Os olhos pelos quais
ela foi apaixonada por tanto tempo. Ele permanecia imóvel, esperando qualquer
reação dela.

Foi quando Olívia lembrou então , de repente, que Andrew a estava


esperando no lago. Seu coração bateu ainda mais forte ao pensar que ele estava
sozinho em meio à chuva, e soube que precisava tomar uma decisão. E precisava
tomar já.

— Não, Aug. Eu te dei uma vida de chances. Agora eu preciso dar uma a
mim mesma. — E virou-se em direção à floresta, correndo. Parou antes de penetrar
as primeiras árvores e olhou para trás. Augusto estava parado no mesmo lugar,
fitando-a, a chuva caindo densa sobre ele. Era uma despedida.

— Adeus, Oli.

Ela o fitou por mais um instante antes de se virar novamente, deixando-o


atrás de si.

Olívia correu tão depressa que quase tropeçou diversas vezes. Quanto mais
corria, mais a chuva aumentava. Em alguns momentos era forçada a diminuir o
ritmo, pois as pedras no caminho estavam cobertas de musgo escorregadio. Ela
passou pela pedra-ponte e continuou seguindo o riacho, quebrando os galhos de
árvore que se estendiam por sobre o caminho. Queria poder cruzar o limite da
velocidade humana e chegar ao lago naquele exato instante, mas não conseguia
ser mais rápida. Não conseguia sequer imaginar como Andrew devia estar se
sentindo. Ele precisava dela.

Quando finalmente chegou na região do lago, viu Andrew em pé ao lado da


margem e correu em sua direção, jogando a bolsa no chão enquanto corria . Ela o
abraçou tão forte que ele precisou dar uns passos para trás para se equilibrar. Ela
quem estivera correndo, mas era ele quem estava respirando com dificuldade. Ela o
apertou forte.
— Me desculpe, estou aqui. Estou aqui agora.

Andrew devolveu o abraço, permitindo-se ser acalmado por ela.

— Eu não vou embora, não vou. Estou aqui agora. Estou aqui.

A voz desesperada dela partiria o coração dele, se ele não estivesse nervoso
demais para notar. Olívia percebeu que Andrew ainda estava em pânico. Sua
respiração estava curta e rápida, o coração dele estava disparado, seus olhos não
conseguiam se fixar nela. Então, sem pensar duas vezes, Olívia o beijou. Um beijo
de resgate, era o que ela diria para si mesma depois.

A ideia dela funcionou. Segundos depois sentiu nos lábios a retribuição dele
que, aos poucos, começou a beijá-la também. Então ele apertou o abraço. E seu
beijo delicado foi tornando-se cada vez mais intenso. Olívia não percebeu quando a
respiração ofegante de Andrew deixou de ser puro pavor e tornou-se desejo.
Lembrou-se de como costumava morder o próprio dedo quando era pequena e se
machucava, para que uma dor amenizasse a outra. Parecia que ele estava fazendo
algo parecido. Concentrando-se nela para esquecer a chuva.

Andrew a beijava com ardor, com raiva. Soltou seus lábios apenas para se
despir, permitindo-se sentir as grossas gotas de chuva nas costas. Ele não tirou os
olhos de Olívia por um único momento. Olívia entregou-se ao toque desesperado
dele, que tentava tocá-la em todos os lugares ao mesmo tempo.

Andrew retirou a roupa de Olívia com pressa. A chuva banhava os corpos


completamente nus dos dois quando ele a deitou sobre a rocha plana da margem
do rio e a possuiu. Não parou de beijá-la, deixando-a sem ar em muitos momentos.
Seu amor foi impulsivo, primitivo. Ela amenizava a dor dele.

Andrew não queria parar, e não o fez. A chuva massageava suas costas
enquanto escorria do seu corpo para o corpo de Olívia, que beijava-o
apaixonadamente. Ele ouvia os gemidos dela entre os beijos e não parou até soltar
um rugido de êxtase. Depois do que possivelmente foi o orgasmo mais intenso que
teve na vida, permaneceu sobre Olívia, protegendo-a com o próprio corpo da chuva
torrencial, mas ela fez questão de deixar a chuva cair sobre seu rosto. Nenhum dos
dois disse palavra alguma, mas permaneceram ali por muitos minutos.
CAPÍTULO 16 – UMA CHANCE

Aquele foi um daqueles momentos que serão lembrados para sempre. A


água da chuva lavou feridas que Olívia nem sabia que existiam. Andrew havia lhe
ajudado a se libertar e ela retribuíra o favor.

Quando se é acostumado a ter um sentimento por muito tempo, é estranho


mudar. Olívia soube que não era mais a mesma Olívia do Brasil e gostou disso. E
ela queria não somente conhecer sua nova versão como também dar espaço para
que ela florescesse.

As chuvas de verão da Romênia se vão tão rápido quando chegam. Aos


poucos as gotas ficaram mais finas e logo estavam debaixo de um fraco chuvisco.
Andrew ergueu-se e a encarou por um tempo, fazendo-a pensar que iam se levantar
para ir embora, mas ele voltou a beijá-la.

— O que está fazendo? — Ela riu.

— Recomeçando.

— Você não se cansa?

— De você? Nunca.

Na floresta podiam se amar como se fossem de lugar nenhum. Sem


obrigações, sem famílias e sem passado. Eram apenas os dois, a chuva e a
floresta. Eles demoraram bastante, mas tiveram que retornar. A noite já havia caído
quando entraram encharcados pela porta da Cabana.

Ioan os fulminou com os olhos e por fim resmungou algo.

— Ele disse para secarmos o tapete?

— Como você sabe? — Andrew a olhou, chocado.

Olívia apenas riu. Eles entraram, trocaram de roupa e secaram a bagunça


que fizeram.

— Preciso conversar com Ioan e acalmá-lo. Deve estar se sentindo ofendido


por nossa infração. — A entonação de Andrew era divertida.
— E o que dirá a ele?

— Não sei.

— Eu quero ficar — Olívia soltou.

Andrew abriu um sorriso largo vagarosamente. Em instantes suas bochechas


estavam rosadas rosas e seus olhos estavam brilhando. Até que subitamente
pareceu lembrar de algo.

— E seu trabalho?

— Não sei — confessou ela.

— Sua família?

— Por Deus, te disse o que eu quero, não o que vou fazer. Não sei nem por
onde começar a organizar a bagunça que minha vida se tornou.

— Bagunça?

— Isso não parece uma bagunça para você? — Disse apontando para um
dos panos de chão que usaram para secar a meleira que fizeram, rindo. — Eu gosto
disso. — Apontou para seu próprio peito e para Andrew ele algumas vezes. — E
quero isso. Quero nos dar uma chance. Mas não é tão simples.

— Tem o tempo que precisar para pensar — Andrew foi até ela, beijando-lhe
a testa. — E pode ficar o tempo que quiser na Cabana, eu me viro com Ioan.

Mais tarde, Olívia ligou para Maria.

— Eu não sei por onde começar, então me faça parar se não entender
alguma coisa. Não vai acreditar no que aconteceu, Augusto esteve aqui.

— O quê? Então ele já esteve aí?

— Você sabia que ele vinha?

— Bom, mais ou menos.

— Maria! Você nunca me guardou segredos, por que isso agora? Há quanto
tempo sabia?
— Eu ia te contar, eu juro. Ele esteve aqui em casa, bêbado como um
gambá, perguntando de você. Eu não disse onde você estava hospedada, mas ele
jogou uma armadilha, e Mauro caiu como um patinho. Ele sabia em que cidade você
estava por causa das suas publicações no Instagram, então depois de saber que
você estava numa cabana, foi embora. Imagino que não demorou muito para achar
a sua.

— Quando isso aconteceu?

— Há poucos dias. Tentei te avisar quando percebi o que ele estava


tramando, mas você não atendeu, e quando o fez, me soltou a notícia de que
dormiu com o tradutor.

— Oh, foi naquele dia?

— Sim.

— Por que não me contou? — Olívia não estava com raiva, como Mauro
previu. Não conseguia sentir raiva de Maria, mas queria entender a situação.

— Você me fala sobre esse tradutor há um tempo, Oli. Eu pensei que


estivesse tendo sentimentos por ele. Fosse essa uma situação normal eu odiaria
isso, pois não iria querer seu coração partido quando precisasse voltar, mas eu não
consegui parar de pensar que talvez ele conseguisse te fazer esquecer Augusto.

Olívia ficou alguns segundos absorvendo todas aquelas informações. Por fim,
despejou tudo o que sentia para a amiga:

— Ele veio aqui. Disse que me amava. Mas eu não pude, Maria, não
consegui. Não sei o que sinto por Andrew, mas definitivamente sei o que não sinto
mais por Augusto. Eu ainda o amo. Mas não estou mais apaixonada por ele. Sabe,
ele nunca será uma pessoa comum para mim, mas não quero que tenhamos mais
nada. Não o quero.

— Isso é mais que música para os meus ouvidos. Oli, você merece alguém
que te queira, que te escolha.

— Eu acho que encontrei essa pessoa.

— O tradutor?
— Sim, o Andrew O nome dele é Andrew . Preciso te contar tudo o que
aconteceu nesses últimos dias para que você não queira me matar quando eu falar
que não quero voltar para o Brasil tão cedo.

— Você está de brincadeira?

— Não.

— Santo Deus, Olívia! Você não dá um minuto de paz para o meu


coração. — As duas riram. — Está usando o pingente que te dei? — Maria
perguntou.

— Claro. Não pretendo tirá-lo nunca.

— Então acho que você já é grandinha, Oli. Não serei eu ou nenhuma outra
pessoa a te dizer qual caminho tomar. Você, e só você, sabe o que é melhor. Então
escolha o seu caminho, amiga. E eu estarei aqui para você, independentemente da
decisão que tomar.

— Eu te amo tanto — disse Olívia, emocionada.

— Eu sei. Eu também te amo, sua boba.

Depois disso, as amigas ainda passaram horas penduradas no telefone.


Olívia contou detalhes de suas aventuras, sobre a situação de permanecer ou não
morando na Cabana e todas as amenidades de que se lembrava. Ao fim da ligação
sentia-se mais tranquila. Tinha muitas decisões a tomar, mas sentia que tudo ficaria
bem. Sentia-se feliz.

— Quanto tempo você pode permanecer sem trabalhar? — Perguntou


Andrew quando sentaram para conversar.

— Honestamente, minha reserva está acabando.

— Podemos encontrar algum trabalho para você aqui até decidir o que quer
fazer — palpitou Andrew.

— Mas onde eu conseguiria trabalhar? Além de estrangeira, eu não sei falar


romeno.

— Pelo que vi, você está ficando boa nisso — brincou o rapaz.
— Só aprendi aquelas palavras porque, enquanto você esteve fora, Ioan
ele
me fez ajudar com toda a tapeçaria.

Andrew gargalhou alto.

— Ele gosta de você.

— Quando ele estava me expulsando, não parecia.

— Ele já se acalmou. Conversei com ele. Aquilo foi só o tradicionalismo dele


falando. Ah, falando nele, você poderia trabalhar aqui.

— Na Cabana?

— Sim. Ioan costumava dar conta de tudo sozinho, mas está ficando velho e
aposto que não negará uma ajuda.

— Seria ótimo.

— Conversarei com ele depois.

— E se eu for ficar por mais tempo, devo aprender a falar romeno.

— Posso te ensinar.

— Acha que consegue fazer isso?

— Bem, eu aprendi e acho que posso ensinar. Pelo menos o básico.

Olívia falou para Andrew sobre a visita de Augusto. Não queria guardar
segredos e também temia que Ioan tivesse visto ele e contasse para Andrew
depois.

— Obrigado por me contar.

— Não precisa agradecer.

— Mudando de assunto — e fez uma careta de nojo. — Sei de alguém que


vai amar a notícia de que ficará por mais tempo.

— Quem?

Andrew pensou um pouco, decidindo fazer um pouco de mistério.

— O que acha de um passeio?


— Tipo um encontro? — Olívia arqueou Arqueou a sobrancelha.

— Não exatamente. Arrume-se para ir à cidade amanhã pela manhã.

— Para onde vamos?

— Surpresa.

Olívia e Andrew dormiram juntos no quarto dele sem que Ioan interferisse.
Olívia ficou pensando no que Andrew deveria ter dito a ele para deixá-lo tão à
vontade com isso, mas não perguntou.

No dia seguinte, Olívia vestiu seu mais bonito vestido — era azul com flores
brancas —, penteou os longos cabelos negros e entrou no carro de Andrew, em
direção à Târgoviște. Chegaram depois de pouco mais de uma hora. Olívia
rapidamente reconheceu o caminho que estavam seguindo, já que fora o mais
visitado desde sua chegada: a casa de Dorin. Assim que entrou foi surpreendida por
gritinhos alvoroçados e confetes. Estavam todos lá, e enquanto todos gritavam seu
nome, Dorin se aproximou.

— Pensamos que teríamos que fazer uma festa de despedida, mas ficamos
ainda mais felizes que não seja esse o caso.

Olívia ficou emocionada e o abraçou.

Ela logo entenderia que Andrew contou a todos que ela decidiu ficar por mais
algum tempo na Romênia e como eles já haviam planejado uma festa de despedida,
decidiram festejar a permanência dela. Estava tudo muito bonito. Havia fitas
coloridas nas paredes, bebidas — incluindo as groselhas mágicas de Ileana —,
comidas e até alguns docinhos. Lembrava muito uma festa de aniversário brasileira.

— Sua festa seria em outro lugar, mas tivemos que improvisar quando
Andrew nos falou sobre sua permanência — comunicou Camélia.

Todos estavam muito animados e cumprimentavam Olívia calorosamente,


com exceção de Narcisa, o que fez Olívia lembrar que ainda havia assuntos para
resolver.

— Vamos, Olívia, beba! É uma comemoração — insistiu Dorin depois de


passarem alguns minutos sem que Olívia bebesse.
— Não pense nem por um minuto que eu consigo resistir à essas
belezinhas — respondeu, erguendo um copo com as groselhas.

— Ficamos muito felizes de ter você conosco por mais tempo, Olívia — disse
Sandu, bem menos tímido do que na primeira noite em que haviam se conhecido.

— Eu fico muito feliz, também.

— Precisamos te levar a todos os shoppings daqui — disse Camélia. — Você


não vai querer ir embora nunca mais.

— E mês que vem é meu aniversário — disse Ileana. — Estamos planejando


acampar como fazíamos nos tempos da faculdade. Seria Será ótimo se
você se juntasse
se juntar a nós.

— Eu nunca acampei antes, mas sempre tive vontade — admitiu.

— Perfeito, então — completou Sandu.

— Você não tem um trabalho no Brasil? — Perguntou Narcisa, pronunciando-


se pela primeira vez.

— Bom, não. Eu fui demitida dias antes de vir para cá — confessou Olívia.

— Poxa, que pena — disse Ileana.

— É. Mas tudo bem, eu darei um jeito. Não há nada com o que se preocupar.

— E o que te fez decidir ficar mais tempo aqui? — Perguntou Dorin.

Olívia gostaria de ter mais tempo para pensar em uma resposta apropriada,
pois tudo o que conseguiu fazer foi encontrar os olhos de Andrew. Quando
percebeu que ainda esperavam por uma resposta, disse:

— Eu estou dando uma chance para algo novo.

— Um tanto quanto misteriosa, você — disse Ileana, com uma expressão


sugestiva.

— Eu tenho um palpite, mas, tudo no seu tempo — disse Dorin, sorrindo


abertamente. Era difícil saber se sua falta de filtros era causada pelo álcool ou não.
Mas Olívia gostava do jeito dele.
— Nós estamos juntos — disse Andrew, silenciando as gargalhadas de
todos.

Olívia arregalou os olhos, corando instantaneamente e devolvendo para o


copo o gole de groselha que estava para beber.

— Não é um segredo, é? — Ele perguntou, voltando-se para ela.

Olívia Ela não teria dito nada na frente dos outros por respeito aos
sentimentos de Narcisa, já que ainda não sabia ao certo o que havia acontecido
entre eles. Mas ver Andrew assumir perante seus amigos o que eles tinham a fez ter
uma sensação que nunca tivera antes. E era muito boa.

— Não, não é — disse sorrindo, ao passo que Dorin a abraçou mais uma
vez, fazendo-a derrubar um pouco da bebida.

— Um brinde a isso! — Gritou Dorin, e Olívia viu todos levantarem suas


taças, inclusive Narcisa.

Olívia Ela havia procurado a loira ela no meio dos outros, pois era a única
coisa que não a fazia se sentir não completamente feliz naquele momento. Mas
Narcisa estava lá, com um copo de groselha levantado na altura do ombro e um
rosto passivo. Em contrapartida, quando Quando seus os olhos
de Olívia
encontraram os de Andrew, eles estavam iluminados como os de uma criança num
parque de diversões.

Eles beberam e comeram durante todo o dia. Havia música e eles dançaram
muito, também. Olívia pôde conhecer algumas das músicas romenas mais famosas
e também descobriu que algumas músicas brasileiras eram conhecidas por eles. Ela
teve que improvisar algumas bebidas também, pois, ainda pela manhã, parou de
beber as alcoólicas.

Olívia queria muito um momento a sós com Narcisa, embora não tivesse
certeza que a outra a receberia muito bem, mas só teve uma oportunidade no fim da
tarde quando foi até o banheiro e a encontrou lá. Estava apertada para usar o
banheiro, então demorou a perceber que a pessoa que estava ocupando o lavabo
estava chorando.

A porta só estava encostada, então Olívia abriu, deparando-se com Narcisa


secando as lágrimas em frente ao espelho.
— Me desculpe, eu já estou saindo — disse Narcisa.

— Está tudo bem?

— Sim. Por que não estaria? — E virou-se para sair.

— Narcisa, espera — Olívia sentiu que não haveria outro momento como
aquele, e que o que ela dissesse ou deixasse de dizer poderia mudar tudo. —
Preciso falar com você.

Narcisa fungou uma última vez e assentiu com a cabeça.

— Eu sei sobre você e Andrew — ao ouvir isso, Narcisa ficou boquiaberta.

— Você sabia?

— Não me leve a mal. Eu vi vocês na primeira noite em que estive aqui. Bem
ali, naquele quarto — apontou para a porta do quarto em que bisbilhotou os dois.

— Então, por quê? — Narcisa mostrou-se chorosa outra vez. Olívia nunca a
tinha visto tão vulnerável antes.

— Eu não escolhi me apaixonar por ele.

— Está apaixonada? — Olívia sequer tinha notado o que disse até Narcisa
chamar-lhe a atenção.

— Estou — assumiu. — Eu não planejei. E só deixei as coisas acontecerem


porque ele me disse que o que tinham não era nada sério.

— Não era, mesmo. — Ela fungou e jogou as mãos para cima. — Mas nos
conhecemos há anos e eu sempre achei que chegaria nosso momento. Eu sabia
que ele não tinha sentimentos por mim, mas pensei que com o tempo isso mudaria.

— Narcisa, não chora. — E num impulso abraçou a loira, que se deixou ser
abraçada.

— E eu fiz coisas! Tentei evitar que ele se aproximasse de você, tive ciúmes!
Hoje eu vejo que, não importa o que eu faça, ele nunca vai me ver desse jeito.

Olívia surpreendeu-se com as próprias lágrimas. Não tinha como não se


enxergar na pele de Narcisa, que sacudia os ombros chorando baixo dentro do
abraço dela.
— Eu amei um homem por doze anos — confessou-lhe, num impulso. Ao
perceber que Narcisa silenciou-se para ouvi-la, continuou: — Eu o amava tanto que
parecia que não podia viver sem ele. Então, como ele não me queria, eu aceitava
qualquer migalha. — Com isso, Narcisa soltou-se dos braços de Olívia e a encarou,
atenciosa. — Eu dizia a mim mesma que fazia isso pela nossa amizade, que não
abriria mão dela. Mas não sei até onde isso era verdade. Eu só queria poder estar
perto dele, tocar nele, ouvir sua voz. Queria que ele tivesse qualquer gesto de
intimidade comigo que me fizesse sentir importante, mesmo que sua namorada
estivesse ao lado. E isso me consumia dia após dia.

— E o que aconteceu?

— Um dia ele me disse que ia pedir a namorada em casamento. E isso me


destruiu. Foi assim que eu vim parar aqui, longe de casa. — Narcisa assentia com a
cabeça para que ela continuasse, então ela o fez: — Eu pensei que não suportaria
nada disso, mas a distância me fez bem. E, aos poucos, fui tendo cada vez menos
tempo para sentir aquela dor. Porque eu estava conhecendo pessoas e lugares
novos. E estava me aproximando de Andrew.

Olívia temia que a menção do nome dele causasse mais dor em Narcisa, e
percebeu que ela fez um esforço para não chorar novamente.

— Por favor, continue.

— Não sei se vai te machucar dizer isso, mas você viu o que Andrew fez lá
fora? Assumir publicamente que está comigo. Eu esperei mais de uma década por
algo assim desse outro homem, Narcisa. Digo com tranquilidade que em nenhum
momento foi fácil. E nós éramos melhores amigos. Eu costumava pensar que se ele
não conseguia me amar, ninguém conseguiria. Mas eu estava errada.

Narcisa olhou-a de um jeito tão profundo que Olívia sentiu uma forte ligação
com ela. Ela era só uma mulher ferida, como a própria Olívia ela também já foi.

— Eu não quero gostar de você — disse Narcisa, soltando um riso em meio


às lágrimas.

— Tudo bem, podemos não gostar uma da outra, então — Olívia respondeu,
brincando.
Narcisa secou os olhos, ergueu a cabeça e ajeitou o cabelo. Respirou fundo
e saiu em direção à festa do lado de fora. Mas parou ao chegar à porta e, voltando-
se para Olívia, disse:

— Obrigada.
CAPÍTULO 17 – LAR DOCE LAR

A festa de não despedida de Olívia estendeu-se por várias horas, noite


adentro. Acabaram adormecendo na casa de Dorin e, só pela manhã, Olívia e
Andrew voltaram para a Cabana.

Ao chegar, depararam-se com Ioan passando de um lado a outro com pilhas


de lençóis e almofadas.

— Os hóspedes chegarão um dia antes do previsto — disse Andrew depois


de entender a situação.

— E quando eles pretendiam chegar?

— Amanhã.

Ioan entrou em um dos quartos, demorou alguns minutos e saiu de lá


correndo em direção à cozinha. Havia esquecido um bolo no forno. O velho, que
quase sempre tinha um ânimo de adolescente, parecia cansado e nervoso.

— Deixe-me preparar o jantar a janta — pediu Olívia. Andrew traduziu seu


pedido e em seguida respondeu:

— Tudo bem, vou ajudá-lo com os quartos.

Olívia já havia visto Ioan preparar diversos pratos romenos e até mesmo o
ajudou a fazer alguns. Tão rápido quanto conseguiu, fritou linguiças de porco e
batatas, preparou polenta e repolhos cozidos. Quando percebeu que lhe sobraria
um tempo antes da chegada dos hóspedes, arriscou preparar papanași, mas para
essa receita precisou consultar Ioan algumas vezes.

Duas horas depois, a comida estava pronta, os quartos estavam arrumados e


Andrew até tinha lustrado as maçanetas das portas, pois segundo ele, eram as
únicas coisas não brilhantes no interior da Cabana.

Quando os hóspedes chegaram, Olívia serviu a mesa enquanto Andrew


ajudava-os com as malas. Quando se sentaram para comer, fizeram questão da
presença de todos. Explicaram que vieram de Bistriţa para conhecer alguns pontos
turístico de Dâmbovița. Eram duas mulheres e três homens na casa dos trinta anos.
Se apresentaram como Anastasia, Ekatherina, Andrei, Sorin e Ciprian. Apesar de
Olívia não entender nada do que diziam diretamente, Andrew fez um ótimo papel
traduzindo-os, e ela Olívia conseguiu ter uma noite muito agradável. Eles beberam
vinho e depois do jantar, da janta Ioan serviu queijo.

Olívia ficava radiante a cada palavra solta que conseguia traduzir e


internamente sentia-se orgulhosa de si mesma. Mas logo teve que se retirar da
mesa.

— Licença, preciso atender — disse para Andrew, mostrando o celular


vibrando.

— À vontade — respondeu ele enquanto abria espaço para ela passar.

— Mãe?

— Se eu não ligar, você não manda uma mensagem, não é?

— Os últimos dias foram um tanto quanto intensos para mim.

— Ficar tanto tempo longe de casa está te fazendo mal, querida.

Olívia não concordava com isso e, pensando em como mudar de assunto,


olhou para a mesa de jantar. Andrew e Ioan gargalhavam ao ouvirem Ekatherina
contar-lhes alguma história. Aquela Cabana não era seu lar, claro, mas sentia-se
mais em casa ali, do que na casa dos pais.

— Como o papai está?

— Saudoso. Está reclamando que você não cumpre suas promessas.

— Está reclamando com a senhora ao invés de falar diretamente comigo?

Sua mãe se calou, suspirou e prosseguiu:

— Estamos te esperando. Dê-nos notícias.

— Eu ficarei por mais algum tempo — decidiu puxar de vez puxou o Band-
Aid.

— Mais tempo, Olívia? Sinceramente, filha, você não tem nem um pingo de
juízo. Você tem que procurar um novo emprego logo, ou pensa que pode viver como
uma hippie? E eu sei que você não tem dinheiro guardado porque você é uma
irresponsável.

— Serão apenas alguns meses. Não se preocupe com meu dinheiro — disse
firmemente, mas não de maneira grosseira.

— Ah, não, Olívia!

Antes que a mãe começasse a insultá-la, Olívia concluiu:

— A decisão já está tomada, mãe. Isso é só um aviso. Manda um beijo para


o pai, preciso desligar.

Olívia suspirou pesadamente. Odiava o modo como os pais invalidavam


qualquer decisão que ela tomasse, qualquer desejo que ela demonstrasse; mas no
fundo sabia que sua mãe estava certa. Ela queria ficar. Queria ver onde o seu
relacionamento com Andrew podia chegar. A cada momento que passavam juntos,
ela sentia ainda mais afeição, além de não ter se sentido tão bem na companhia de
alguém há muito tempo.

Mas ela era uma redatora. Essa era sua carreira, sua profissão dos sonhos,
era o que ela amava. Não que odiasse ajudar na manutenção da Cabana ou até
cozinhar, mas não queria passar o resto dos dias fazendo isso. Resto dos dias. Ela
riu do próprio pensamento. No que estava pensando? Em seguir os ideais
tradicionais de Ioan e se casar com um homem que conhecia há algumas semanas,
apenas porque dormiu com ele?

— Eu vou ficar alguns meses e não vou pensar na Editora até precisar sair
da Europa — disse baixo para si mesma, na tentativa de se acalmar. — Esse é o
plano.

— Que plano? — Perguntou Andrew, fazendo-a tomar um susto.

— Não é nada.

— Eu sei que gosta de falar muito, Oli, mas não pensei que gostasse de falar
sozinha — zombou.

Olívia revirou os olhos dramaticamente como resposta.


— Falando em planos, Senhorita Saramago — Andrew continuou —, Ioan
achou uma ótima ideia te contratar. E pediu desculpas por invadir o quarto daquela
maneira.

— Pediu desculpas? — Olívia bufou. — Você não está falando sério.

— Claro que estou. Eu só precisei dizer que estamos juntos — Andrew


aproximou-se dela e a segurou pela cintura —, e que estou apaixonado.

Olívia o encarou, sem reação. Os olhos de Andrew eram doces, e ele


mantinha um sorriso delicado no rosto.

— Não precisa responder, só quero que você saiba — ele colocou uma
mecha do cabelo negro de Olívia atrás da orelha.

Quando Olívia tentou responder, percebeu que sua garganta estava fechada
de emoção e seus olhos estavam marejados. Mas sem se importar com isso, sorriu
e disse:

— Eu também estou apaixonada por você.

Andrew beijou-a enquanto ela sorria e ambos riram no meio do beijo.

— Eu também disse que vamos nos casar.

— O quê? Você não está indo rápido demais?

Andrew gargalhou da sua reação.

— Relaxa. Foi só para ele não nos expulsar. Se você quiser ir embora, eu só
vou precisar fingir ter sido enganado pela brasileira mais linda que esse país já viu e
que só queria se aproveitar de mim — forçou uma expressão inocente.

Naquela noite, Olívia e Andrew conversaram até o sol nascer e não se


sentiram cansados quando tiveram que acordar cedo para as atividades rotineiras
da Cabana. Depois de passarem a manhã inteira limpando, plantando e cozinhando,
foram passar a tarde no lago.

— É lindo aqui — disse Olívia, sentada na margem do lago.

— Eu não costumava vir aqui antes.

— Antes de mim?
Andrew a abraçou lateralmente e beijou o topo de sua cabeça.

— Acho que todas as flores se abriram só porque você veio visitá-las — falou
com os lábios ainda nos cabelos dela.

Olívia sorriu suavemente.

— Adoraria ver a beleza desse lugar escrita em um romance — disse ela. —


Desde o momento em que estive aqui pensei nisso.

— Você poderia escrever.

— Eu não escrevo, só leio. Era o que eu fazia na Editora.

— Você pode escrever e depois analisar a própria escrita — disse ele


levantando-se e tirando a camisa. — Pense nisso como um trabalho, e se você
aprovar, eu adoraria ler também.

— O que está fazendo?

— Te chamando para dançar — ele estava em pé na frente dela com uma


mão estendida, toda a exuberância de seu corpo glorioso iluminado pelo sol.

Olívia concedeu-lhe a mão, e Andrew a ergueu completando:

— Na água.

Andrew mergulhou no lago com Olívia nos braços. A água cristalina estava
morna e eles nadaram tranquilamente por horas.

Naquela noite, Andrew precisou confeccionar mais alguns de seus jarros,


pois a demanda aumentava a cada vez que ele fazia uma nova venda. Olívia ficou
deitada na cama dele, observando-o trabalhar. Era curioso observar aquele homem
tão grande pintar jarros tão pequenos e com tanta delicadeza.

Inspirada por aquela visão, Olívia decidiu aceitar o conselho de Andrew e


começou a escrever uns rabiscos sobre sua experiência naquela terra mágica.
Descreveu as paisagens e todo tipo de beleza que presenciou estando ali. Escreveu
também sobre Andrew, e sobre como ele conseguia despertar nela as mais belas
sensações. Escreveu sobre Augusto, sobre como as coisas haviam mudado desde
que ela viajou. E, de alguma forma milagrosa, as palavras a ajudaram a se libertar
de todo o rancor que sentia.
Foi gostoso se lembrar de como era trabalhar na editora, mas também
desafiador. Porque ela não tinha à sua frente uma obra para corrigir, tinha algo a ser
criado. Mas a Romênia a inspirava, tornava aquilo menos difícil. Era tanta coisa para
escrever que quando se deu conta já havia páginas e páginas em sua mão.

— Estava inspirada, hein? — Disse Andrew, despertando sua atenção.

Olívia sorriu.

— O que Que posso dizer? Esse lugar mexe comigo.

— Só o lugar? —- Andrew subiu na cama, deslizando subindo a mão por


suas pernas. Ele havia acabado de sair do banho, pois precisou se limpar da tinta.
Estava sem camisa e com o corpo ainda úmido.

— De onde eu venho isso se chama golpe baixo — Olívia disse, jogando os


papéis que estava escrevendo em cima da mesinha de cabeceira.

— Isso o quê? — Perguntou, provocando-a com os lábios perto demais dos


dela.

— Isso. — Olívia respondeu, passando a ponta dos dedos pelo abdômen


dele.

— Sabe o que eu chamo de golpe baixo? — Andrew revidou, encaixando-se


nas pernas dela e segurando firme sua bunda arredondada. — Isso aqui. —
Escorregou a mão pela cintura de Olívia. — E isso. — Continuou subindo até
alcançar seu seio e preencheu sua mão com a curvatura do corpo dela. — E isso
também.

Andrew era completamente incapaz de resistir à Olívia, e gostava de fazê-la


sentir o mesmo.

— Eu gostaria, senhorita — Andrew sussurrou no ouvido dela —, de te dar


mais motivos para se inspirar.

Olívia já estava completamente rendida.

— Mais? Não sei se aguento mais — sua voz era pouco mais que um
suspiro.
Andrew tentou virá-la para ficar sobre ela, mas calculou errado o movimento
e acabou indo para muito perto da beirada da cama. Caiu esbarrando-se na mesa
de cabeceira e espalhando algumas das folhas que Olívia havia escrito no chão. O
móvel fez um barulho estrondoso ao cair no chão de madeira. Os dois ficaram em
silêncio por dois segundos antes de caírem na gargalhada.

— Ioan vai nos ouvir! — Advertiu Olívia, mas incapaz de parar de rir.

— Tarde demais para sermos silenciosos — Andrew também estava rindo,


sentado no chão.

— Bom, já que não faz mais diferença — disse Olívia, assim que
conseguiram se acalmar —, o que acha de fazermos um pouco mais de barulho? —
Ela levantou da cama e calmamente sentou sobre Andrew, que ainda estava no
chão.

— Eu seria um tolo se dissesse não.

E recomeçaram de onde haviam parado, pois para eles não havia dificuldade
capaz de frear seus desejos.
CAPÍTULO 18 – SORTE NO JOGO

Olívia e Andrew não demoraram para se acostumar à nova rotina. Os dois


realizavam suas funções na Cabana durante o dia — algumas vezes Andrew
também precisava ir à cidade e ficava fora por muitas horas — e durante a noite,
depois do jantar, iam para o quarto. Andrew trabalhava com os jarros e Olívia
escrevia seu romance. Às vezes, quando conseguiam ser rápidos nos afazeres,
sobrava tempo para passearem na floresta. Iam para o riacho, para o lago e às
vezes iam ver os vagalumes.

Olívia encontrou paz no dia a dia da Cabana. E conforme Andrew lhe


ensinava a falar romeno, conseguia cada vez mais entender algumas falas de Ioan,
o que dispensava a necessidade de Andrew em algumas conversas que tinham,
mesmo que curtas. O velho era gentil e engraçado, apesar de explosivo. Olívia se
afeiçoava cada vez mais a ele, e ele parou de implicar com a união de Andrew e
Olívia. Mas Olívia sabia que a única razão para isso era ele pensar que estavam
para se casar.

Olívia nem percebeu que já havia se passado um mês, mas enfim chegou o
aniversário de Ileana e com ele o tão esperado acampamento. Ela não sabia
exatamente onde fariam isso e nem mesmo o que precisava levar para sobreviver,
restando-lhe apenas confiar em Andrew.

— Você vai precisar de calça, bota, casaco e repelente de insetos. O resto


levarei comigo, não se preocupe. — Andrew a tranquilizou.

Olívia estava empolgada como nunca. Havia ficado tão ansiosa com essa
festa que até Maria estava esperando pelo dia por ela , de tanto que Olívia já havia
conversado sobre o evento . Olívia Ela escolheu as roupas apropriadas para a
ocasião e foi encontrar Andrew na entrada da Cabana.

Andrew estava organizando as coisas que precisariam para passar a noite


acampando no carro e abriu um largo sorriso quando a viu.

— Estamos prontos? — Perguntou ele.

— Mal posso esperar!


Andrew riu.

— Fico feliz por estar animada. Tomei todas as providências necessárias


para que sua primeira experiência acampando seja agradável.

Rapidamente chegaram à Târgoviște, e lá encontraram os outros quatro.


Faltava Ileana.

— Podemos ir? — Perguntou Camélia, colocando a cabeça para fora da


janela do carro de Dorin, ao ver o carro de Andrew se aproximar.

Andrew buzinou em resposta, e logo os dois carros seguiram viagem por um


caminho que Olívia não conhecia. Dirigiram Andaram por cerca de quarenta minutos
pela rodovia, até entrarem em uma estrada de terra. Seguiram essa estrada por
quase uma hora até chegar no ponto em que os carros ficariam estacionados.

— Ah, que saudade disso! — Soltou Dorin, ao descer do carro, enquanto


olhava para a floresta à sua frente com as mãos apoiadas na cintura.

— Estou tão animada! — Soltou Narcisa, com um humor muito mais leve do
que da última vez que Olívia a havia encontrado. — Animada, Olívia? Não precisa
sentir medo, será incrível! — Disse voltando-se para Olívia, com um sorriso gentil.

— Estou tão animada que não me sobra espaço para sentir medo —
respondeu Olívia, rindo. — Só tem uma coisa que me assusta — confessou.

— O quê?

— Aranhas.

— Pode deixar, nós manteremos elas longe de você — disse Sandu, que
ouviu parte da conversa das duas enquanto passava carregando duas barracas
desarmadas. Olívia fingiu ficar tranquila com o que ele disse, mas na verdade esse
era um ponto realmente sensível para ela.

Todos ajudaram a levar as coisas floresta adentro. Andrew explicou que


muitas pessoas costumavam acampar ali e que não era incomum esbarrar com
outros grupos acampando, mas felizmente estavam só eles naquela noite. Ileana
não viera com os outros porque chegaria um pouco mais tarde, acompanhada de
mais alguns amigos — foi o que disseram — e com mais bebidas.
Andrew, Dorin e Camélia armaram as barracas. Eles eram muito habilidosos
e demonstravam domínio no que estavam fazendo. Sandu juntou alguns galhos e
troncos para fazerem a fogueira, e restou à Olívia e Narcisa observarem todos e
conversarem entre si.

— Quantas vezes já fizeram isso? — Perguntou Olívia. Estava curiosa, mas


queria mesmo era quebrar o gelo.

— Muitas! Não saberia dizer exatamente quantas. Mas costumávamos vir


aqui no tempo da faculdade, já faz um tempo desde a última vez.

— E o que vocês fazem, exatamente?

— Tanta coisa — ela respondeu com ar saudoso. — Bebemos, dançamos,


contamos histórias de terror. Mas hoje também participaremos de um jogo. Você vai
gostar, eu acho. Mas quem perder tem que beber. — Avisou.

— Só espero não deixar minha dignidade perdida aqui nessa floresta.

Narcisa riu de sua resposta. Era estranho para Olívia se sentir agradável
conversando com Narcisa, mas era bom.

Assim que todas as barracas haviam sido armadas — seis no total —, Ileana
chegou. Com ela vieram mais nove pessoas. Destas, apenas duas falavam inglês,
então Olívia não conversou com todos.

— Feliz aniversário! — Olívia parabenizou Ileana.

— Fico tão feliz por estar aqui! — Respondeu a loira, de sorriso largo.

De fato, a noite mostrou-se tão movimentada quanto Narcisa havia descrito.


Primeiro todos se juntaram ao redor da fogueira e comeram churrasco,
acompanhado de cerveja e outras bebidas. Algumas pessoas também assaram
marshmallows e outros tipos de guloseimas que Olívia não soube identificar.

Logo em seguida algumas pessoas arriscaram contar histórias de terror.


Olívia não saberia dizer se eram histórias boas, pois todas foram contadas em
romeno e ela não entendeu uma sequer. Enquanto todos se inclinavam para ouvir,
ela se satisfez em encostar a cabeça no ombro largo de Andrew e se deixar ser
acariciada por ele.
Quando ela pensou que a noite estava acabando e que todos estavam
preparados para dormir, Dorin fincou algumas estacas no chão e marcou uns traços
para delimitar a distância até elas.

— Que comecem os jogos! — Anunciou.

— Ele sempre espera todos beberem bastante antes de começar. — Explicou


Andrew. — Vai perceber logo, Oli, que Dorin não brinca quando o assunto é
os assuntos são
cerveja e jogos.

Olívia estava animada para ver onde isso ia dar. Alguém colocou música para
tocar em grandes caixas de som e, de fato, aquilo começou a parecer uma festa.

O jogo era muito simples: a pessoa ficava atrás da linha delimitada por Dorin
e jogava um arco de madeira na direção das cinco estacas fincadas alguns metros à
frente. Se acertasse a segunda ou quarta estaca, ganhava a rodada e não precisava
beber. Se acertasse a do meio ou a do canto direito, bebia um shot; e se acertasse
a do canto esquerdo, jogava outra vez. O excêntrico do jogo estava na possibilidade
de não acertar nenhuma das estacas. Caso isso acontecesse você era submetido a
ser girado dez vezes. Ganhava o jogo o último que permanecesse de pé.

— Eu não vou participar disso, sem chance — anunciou Olívia, quando Dorin
a chamou.

— Faz bem em não fazê-lo — Andrew concordou. — Todo mundo passa mal
e Dorin sempre ganha.

— Isso não é verdade — disse Sandu. — Eu já ganhei uma vez. Vou lembrar
disso para sempre!

— Não precisa participar, se não quiser — disse Narcisa, aproximando-se de


Olívia. — Mas faz parte da tradição jogar pelo menos uma rodada. E quando quiser
parar, é só desistir. Ninguém vai te julgar, quase todos desistem.

Olívia pensou bem sobre o assunto e decidiu entrar no jogo. Disse para si
mesma que não passaria de três shots e que não teria vergonha de desistir quando
chegasse a hora. Aquela era uma noite para se divertir, não para beber até cair.
Quando ela começou, duas pessoas já tinham desistido.

— Pensei que todos tivessem que começar juntos — disse para Dorin.
— Não tem regras quanto a isso — retrucou ele Respondeu , piscando um
olho para ela.

Olívia segurou o arco e moveu-o um pouco, sentindo seu peso, e


arremessou. O arco ficou preso na segunda estaca, ao passo que quem estava
acompanhando o jogo comemorou sua vitória junto com ela.

— Olha só — Dorin comentou, quando ela voltou lhe devolvendo o arco. —


Mas não me convenci. Pode ser sorte de principiante.

Mesmo que Olívia tivesse sido alertada sobre a competitividade de Dorin, seu
comentário a fez ter ainda mais vontade de jogar. Queria mostrar que não era sorte.
E assim arriscou-se mais algumas partidas. Na segunda rodada, ela acertou a
estaca do meio e teve que beber um shot. Mas sabia exatamente onde tinha errado
e queria continuar tentando. Na terceira rodada, acertou na segunda estaca e
comemorou vitoriosa de novo.

Mas o jogo estava só começando.

Na quarta rodada acabou acertando a primeira estaca e teve que jogar de


novo. Ao jogar de novo, não acertou em nenhuma e foi girada pelos outros dez
vezes. Depois de ser girada, ela se sentiu mais bêbada, a ponto de vomitar, mas
queria continuar. Queria ganhar.

Conseguiu não beber por três rodadas seguidas, acertando duas vezes a
segunda estaca e uma vez a quarta. Mas logo acertou a do meio de novo e teve que
beber. Algumas rodadas depois para frente , as três pessoas que ainda estavam
competindo com ela e Dorin desistiram, deixando apenas os dois na disputa pela
honra.

A essa altura, as pessoas já estavam agrupadas em um círculo ao redor


deles; a maior parte torcia por Dorin, mas muitos também torciam por Olívia —
incluindo Andrew, Sandu e Narcisa.

Nem ela nem Dorin estavam sóbrios. Então, para serem justos, decidiram
que quem bebesse o próximo shot ou jogasse o arco no chão perderia o jogo, assim
não precisariam esperar um deles vomitar.

— Acho justo. Eu desistiria depois dessa, de qualquer maneira — completou


Olívia.
— Não vou fingir que não cheguei ao meu limite também — admitiu Dorin.

Era a vez de Olívia. Ela tentou se concentrar, mas estava enxergando as


estacas se movendo. Segurou o arco firmemente e lançou. Acertou a primeira
estaca.

— Vamos, Oli, você consegue! — Pôde ouvir a voz de Andrew gritando mais
alto que o grupo.

Ela respirou fundo algumas vezes e lançou novamente o arco, acertando a


segunda estaca.

— Ufa! — Soltou, aliviada.

Dorin parecia muito mais confiante e preparado, mas Olívia sabia que ele
também devia estar enxergando com dificuldade. Ele arremessou, o arco tocou a
ponta da segunda estaca, mas caiu no chão. Todos gritaram e comemoraram,
mesmo os que estavam torcendo por Dorin.

Andrew foi até Olívia e deu-lhe um beijo apaixonado, tomando-a nos braços.

— Você não se cansa de me surpreender — brincou.

— Não acredito! — Dorin gritou, mas estava rindo. — Como fez isso?
Ganhou o jogo na primeira vez que tentou!

Olívia olhou ao seu redor de si : Andrew, que ainda a estava abraçando,


Narcisa que sorria para ela, a floresta à sua volta e o céu estrelado acima de sua
cabeça.

— Sou uma pessoa de sorte.


EPÍLOGO

Três anos depois, Romênia.

— Olívia, pela última vez, ISSO É AZUL! — Gritou Maria, que estava à beira
de um ataque de nervos.

— Se não for, e tudo der errado, a culpa é sua — avisou Olívia.

— Você está tão linda — disse Narcisa, enquanto secava as próprias


lágrimas com um lencinho. — Ah, Ileana chegou com as flores.

— Você acha que os brincos podem ser considerados algo velho? Não são
tão velhos assim.

— Está falando dos brincos que sua mãe herdou da sua avó e que sua avó
herdou da sua bisa? — Perguntou Maria levantando uma das sobrancelhas.

— Você está perfeita, não precisa ficar nervosa — acalmou Narcisa. — Você
parece o sol nascendo num campo de girassóis e isso é tão emocionante.

— Isso, escuta ela, você está perfeita!

Olívia começou a roer as próprias unhas, tamanha era sua agitação.

— Ah, não, Olívia — disse Maria tirando as mãos da amiga do que seria a
destruição de suas unhas.

— Isso não vai dar certo, meus pais não vão chegar. — Olívia era, naquele
momento, a personificação da ansiedade. Andava de um lado para o outro
resmungando baixo e mastigando os próprios lábios.

— Amiga — Maria segurou seus braços, forçando-a a parar de andar —, nós


estamos aqui. Você está linda, Andrew está te esperando e não importa o que
aconteça, esse é seu momento.

— Estou com medo — confessou.


— Eu sei que está, mas me escute, tudo dará certo. Os convidados estão lá
fora esperando, ansiosos para verem a reação de Andrew quando você der um pé
na bunda dele.

Olívia riu pela primeira vez nas últimas horas.

— Eu nunca faria isso. Eu o amo.

— Eu sei. E ele também te ama. — Maria segurou as mãos de Olívia com


força. — Por isso que você vai dizer sim para ele naquele altar, e vocês serão
felizes para sempre.

— Oli, bebe isso. — Narcisa, que havia se retirado do quarto enquanto as


outras duas conversavam, voltou com uma taça da groselha mágica da Ileana. —
Vai fazer você se acalmar.

Olívia agradeceu e bebeu a taça de uma vez.

— Você está pronta? — Perguntou Maria.

Olívia se empertigou, olhando-se uma última vez no espelho.

— Algo novo — disse Narcisa, tocando seu vestido branco.

— Algo velho — continuou Maria, segurando os brincos de Olívia.

— Algo emprestado — disse Narcisa, passando os dedos na cintura de


Olívia, onde estava um cinto de seda branco que a loira a mesma a havia
emprestado.

— E algo azul. — Maria tocou na fita azul que prendia o cabelo de Olívia em
um penteado que deixava suas ondas em evidência. — Algo que definitivamente
não é verde.

Olívia estava deslumbrante, parecia uma fada. Uma visão capaz de fazer até
o mais insensível suspirar. Além disso, estava usando o colar que Maria lhe deu e
uma coroa de flores coloridas no topo da cabeça.

— Obrigada — agradeceu, emocionada.

— Vamos anunciar sua chegada.


Olívia esperou alguns poucos minutos até sair do quarto e, seguindo o roteiro
traçado anteriormente, deu uma volta pela Cabana para dar de frente à entrada do
gazebo. Antes de aparecer à vista de todos, ouviu alguém a chamando.

— Olívia.

Era seu pai. Ele abriu a boca para se desculpar pelo atraso, mas Olívia
levantou uma mão em objeção antes que ele começasse. Ela sorriu gentilmente,
beijou-o na bochecha e ergueu o braço para que ele a sustentasse.

— Você está linda, filha — disse galantemente.

— Eu te amo, pai.

Numa rápida olhada, Olívia conseguiu ver a todos: sua mãe, seus amigos,
Ioan e os parceiros daqueles que, assim como ela, haviam deixado a solteirice para
trás.

Olívia caminhou até o altar, ouviu as bênçãos do padre e disse “sim” para
Andrew, sob o sol do verão romeno e com a floresta e os Montes Cárpatos ao
fundo. Quando uma forte rajada de vento atingiu os noivos — fazendo os cabelos de
Olívia dançarem no ar — souberam que os deuses os estavam abençoando.

Apesar de ter ficado extremamente nervosa no começo, conseguiu ficar


muito mais tranquila depois da cerimônia. Ao lado do seu então marido, Olívia
dançou entre as árvores e festejou o amor e os recomeços.

Permitam-me dizer, caro leitor, que é um tanto quanto injusto pular os


acontecimentos destes três anos que poderiam até mesmo resultar em outro livro.
Então, farei um breve resumo sobre o que nossos pombinhos viveram.

Durante os primeiros meses, os dois não fizeram muito além de sexo.


Estavam sempre juntos, não importava o que fossem fazer. Estavam sempre se
reunindo com os amigos e esgotando a paciência de Ioan. Olívia deu continuidade
ao seu romance e Andrew se ocupou cada vez mais com os jarros que passaram a
ser muito prestigiados nas feiras de artesanato.

Assim que seu livro ficou pronto, Olívia precisou voltar para o Brasil e Andrew
foi com ela. Foi quando ele conheceu sua família e seus amigos.
Quando estavam no Brasil, Olívia enviou o livro para algumas editoras até
uma aceitar publicá-lo, o que além de lhe trazer oportunidades em novos ramos do
mundo da literatura, ainda lhe rendeu um novo contrato trabalhista: ela conseguiu
um emprego à distância — porque, não muito tempo depois disso, voltaram para a
Romênia — para exercer a mesma função que tinha antes, em outra editora. Mas
Olívia também não parou de escrever.

Andrew, com o incentivo de Olívia, abriu a própria empresa de turismo. Como


contava com uma bagagem de já ter conhecido muitos países e de falar muitas
línguas, rapidamente conseguiu se destacar entre outras empresas similares
em Dâmbovița. Mas também não deixou de fabricar seus jarros, que passaram a ser
vendidos em uma loja de artigos de luxo depois de seu sucesso. Ele até foi capa de
uma revista sobre artistas em ascensão duas vezes.

Ioan e Olívia se davam cada vez melhor. Olívia aprendeu com facilidade o
básico da língua romena e depois disso não perdeu uma oportunidade de tagarelar
com Ioan, que explodia de orgulho ao ver Andrew tão feliz e com alguém de quem
ele gostava.

Passaram os anos viajando entre o Brasil e a Romênia, escrevendo livros e


fazendo jarros, fazendo carinho e fazendo amor. Eles foram felizes, até mesmo nas
poucas vezes em que brigaram. Olívia sentia que tinha ganhado na loteria o prêmio
maior, e Andrew dedicava seus dias à mulher que amava.

Mas, o amadurecimento do relacionamento dos dois e a progressão da vida


profissional de ambos não foi a única coisa que mudou com os anos. O
relacionamento de Olívia e Narcisa deixou de ser uma rivalidade feminina para uma
amizade genuína de uma maneira tão orgânica que nem eu, caro leitor, saberia
explicar com exatidão. Primeiro deixaram de se incomodar uma com a presença da
outra e logo estavam preferindo suas companhias. Perceber que eram amigas foi
motivo de grande felicidade para Olívia que, com o tempo, passou a nutrir grande
admiração por Narcisa. E Olívia foi a primeira a saber quando Narcisa se apaixonou
pelo executivo de uma empresa de sustentabilidade. Elas saíram juntas diversas
vezes e passaram a colecionar fotografias de todas as suas aventuras. Maria — que
já é mãe de quatro gatos — se juntava a elas todas as vezes que visitava Olívia, e
ficou feliz por Olívia ter uma amiga com quem contar quando estivesse longe dela.
Os pais de Olívia não deixaram para trás os comportamentos que a
desagradavam, mas ela aprendeu a lidar melhor com eles. E, contrariando o que
Olívia estava esperando, demonstraram felicidade ao saber do relacionamento
da filha deles com
de Olívia e Andrew.

Andrew disse que amava Olívia primeiro. Foi numa noite comum, quando os
dois estavam conversando na cama. Olívia retribuiu e beijou-o ardentemente,
recomeçando o ritual que nós já conhecemos.

Olívia vira Augusto apenas uma vez depois da despedida de ambos em


frente à Cabana. Ela estava em uma de suas visitas ao Brasil, saindo de uma
padaria, na qual costumava comprar todo tipo de guloseimas, quando o viu andando
do outro lado da rua. Ele estava andando de mãos dadas com uma morena alta de
sorriso encantador. Ele também a viu. A sensação que Olívia teve nesse momento
foi única em toda sua vida; jamais voltaria a se repetir. Se encararam por longos
cinco segundos e ele seguiu seu caminho. Apesar de nunca mais vê-lo, Olívia
soube algumas notícias sobre ele. Como o fato de ele não ter reatado com Iasmin e
ter tido várias amantes. Também soube que agora ele era vice-presidente da
empresa em que trabalhava. Não teve notícias de Iasmin.

Andrew pediu Olívia em casamento em frente ao Castelo de Bran, e foram


até ovacionados pelos visitantes do Castelo , isto é, . Isso até os seguranças
pedirem para que todos se acalmassem. Casaram um ano depois do pedido, mas
sobre o casamento vocês já sabem. O que posso dizer além disso é que Olívia e
Andrew estão juntos e felizes, cuidando dos dois rebentos que não dão um minuto
de paz ao o vô Ioan.

FIM

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