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Porque sem ele, este livro seria mais uma obra inacabada.
E para Larissa,
Porque sem ela, eu não teria acreditado.
SINOPSE
AUTOPRESERVAÇÃO
Hellen Rosa
CAPÍTULO 1 – A DEMISSÃO
— Não acho que você tenha idade suficiente para se considerar fracassada
em nada — foi a resposta de Maria ao comentário autodepreciativo de Olívia. — E
você vai comer sua porção de batatas fritas ou vai só deixá-las esfriar? —
Perguntou, estendendo a mão sobre a mesa e apanhando um tanto de batatas fritas
frias e murchas que eram contempladas pelo olhar bêbado e melancólico da amiga.
A noite estava fresca e se estendia para além das 22h. O Bar Tropical,
situado na área nobre da cidade de São Paulo, e rodeado por outros bares e
restaurantes igualmente sofisticados, oferecia a Maria e a Olívia conforto e consolo
necessários para lamentarem a recém-demissão da segunda com bebidas de
qualidade e jazz ao vivo.
Maria não podia negar o fato de que estava estar se divertindo com a
situação. Não que ela estivesse fazendo pouco caso da demissão da Olívia, mas
poucas coisas no mundo a divertiam mais do que observar a amiga bêbada. Olívia
costumava dominar suas emoções com facilidade e se orgulhava disso, mas
bastava exagerar no álcool para se comportar como uma adolescente na
puberdade, totalmente fora do controle. E por mais trágica que fosse a situação,
parecia completamente cômica vista por essa perspectiva.
— Acho que seus pais foram mais audaciosos e sonharam com uma filha de
quase 30, bêbada e flertando com um desconhecido no bar. — Disse apontando
com a cabeça para o homem do outro lado do bar que encarava Olívia numa
tentativa descarada de flerte do outro lado do bar .
— Talvez devesse.
— Vou viajar.
— Vai para casa dos seus pais? Tem certeza que vai sair do estado agora e
nessas condições? Digo... você nunca volta bem de lá.
— O que você quer que eu faça para me levar a sério? Se quiser eu posso ir
caminhando até aquele cara sem cair. — Ironizou, enquanto fuzilava Maria com os
olhos.
— Quero que pense duas vezes antes de gastar suas economias com uma
viagem. Não sei se já posso lembrar que você está desempregada sem te fazer
chorar, então seria bom você lembrar por conta própria.
Sem dar a chance de Olívia responder, Maria chamou o garçom. Sentia-se
derrotada naquele diálogo. Ir para a Romênia era um projeto de Olívia desde o
tempo do ensino médio, e não seria fácil tirar essa ideia da cabeça dela. Quando
era mais jovem, e algo realmente a aborrecia, Olívia costumava viajar e sumia por
dias quando algo realmente a aborrecia . E embora tivesse se fixado na cidade
durante os anos em que trabalhou na editora, Maria deu-se conta de que agora
nada mais a prendia a amiga ali.
Antes de dormir, Olívia decidiu ler as mensagens que tinha recebido em seu
celular. Eram de três remetentes. A primeira mensagem era de sua mãe: mensagem
rotineira, na qual perguntava como a filha ela estava e reclamava da
própria
saudade. O Seu relacionamento de Olívia com seus pais era complexo. Não
se
faziam bem uns para os outros quando estavam perto e sentiam saudade quando
estavam longe. E já fazia muito tempo que Olívia estava longe. Com os nervos em
frangalhos pela notícia ruim do dia e o estado de embriaguez, chorou enquanto
respondia prometendo uma visita ainda naquela semana.
A segunda mensagem era de Maria. Uma foto do cara do bar, uma playlist de
músicas reconfortantes começando com What a Wonderful World, na voz de Abby
Ward, e uma mensagem final:
Fugir não vai fazer os problemas desaparecerem, sabe disso. Repense a viagem, não suma
novamente. Eu te amo.
Oli, eu consegui aquela promoção! Iasmin quer fazer uma festa entre amigos para
comemorar. Te espero amanhã à noite para o jantar. Comprei seu vinho favorito.
Olívia nunca assumira para ninguém, mas gostava de saber que era razão de
ciúme para Iasmin. Sabia que era um sentimento egoísta, mas gostava de ser
considerada um perigo, mesmo que nunca tivesse acontecido nada entre ela e
Augusto desde o começo do namoro dele com Iasmin . Olívia e ele Então eles viviam
como melhores amigos. Ela Olívia nunca achou que seriam mais que isso, pois se
Augusto não viu nada nela capaz de lhe despertar paixão depois de todos esses
anos sendo melhores amigos e confidentes, não havia nada que ela pudesse fazer
para despertar nele algo mais que amizade sincera e um desejo arrebatador. Sim,
desejo. Ele estava lá em algum lugar, Olívia sabia. Na memória muscular dos
membros que já se pertenceram, mesmo que ambos fingissem não sentir.
— Sobre a atual falta dele, você quis dizer. — O trabalho de Olívia era seu
orgulho; ela amava o que fazia, e Maria temia que a demissão repentina pudesse tê-
la afetado mais do que deixava transparecer. — Ainda não. Não quero estragar sua
comemoração.
— Entendo.
Mais tarde, naquele dia, Maria, Olívia e Mauro chegaram juntos à casa do
Augusto depois de decidirem ir em um só carro. O trânsito era sempre horrível. A
casa de Augusto era grande, decorada de forma elegante e com cores frias, com
um jardim que se estendia até a garagem, e cercada por um muro de pedras. No
andar de cima havia apenas o quarto dele, um banheiro e seu amplo escritório,
sendo assim o jantar seria no primeiro piso.
Iasmin provou ser uma ótima anfitriã. Apesar de não ser a dona da casa
nem de morar lá
ou morar na mesma , cuidou de todos os detalhes da comemoração.
Desde a decoração da sala de jantar até a trilha sonora e o menu — que contava
com entrada, prato principal e sobremesa — haviam sido organizados por ela. A
dupla de amigas suspeitava que ela também havia escolhido um aromatizante
especial para a ocasião.
Quando a entrada foi servida, Maria pôde observar como Augusto e Iasmin
formavam um belo casal. Ele era alto e tinha um porte atlético. Tinha um ar
imponente, cabelos negros e olhos quase tão negros quanto. Era indiscutivelmente
bonito. Ela era baixa e loira, com a pele ainda mais clara que a dele. Seu corpo era
levemente roliço, tornando-a incrivelmente agradável ao toque. Seus olhos verdes e
lábios pequenos reforçavam a imagem de donzela em perigo, como se ao menor
sopro do vento ela pudesse desmanchar. Era delicada e bonita, mas ainda assim
Augusto estava mostrando seu sorriso largo à Olívia. Mais alta e mais magra que
Iasmin, Olívia tinha uma aparência sofisticada, com sua pele levemente dourada e
cabelos descendo pelas costas em cascatas escuras que contrastavam com o tom
amendoado dos seus olhos. Parecia uma força da natureza, como já ouvira Augusto
dizer uma vez.
O homem demorou alguns segundos para responder, fitando-a até que ela
engolisse em seco.
— Seus votos de felicidade significam muito para mim, e eu gostaria de sua
opinião para algo muito importante, mas vejo que há algo te perturbando.
— Não é nada.
— Bonequinha de quê?
— Sei que está mentindo e seu nariz vai crescer — disse tocando a ponta do
nariz dela.
Sabendo que ele não desistiria até ela falar o que a aborrecia,
Olívia
desabafou:
— Ah, Oli, me desculpe! Eu não sabia, não imaginava! Como isso foi
acontecer? Você está bem?
— O que acha de mais um pouco de vinho? Vamos adiar essa conversa para
outra hora.
— Deixe-me ver como fica no dedo — ele pediu, animado. Segurou a mão de
Olívia e, com uma delicadeza que a fez arfar, pôs o arco dourado em seu dedo
anelar.
Olhando para sua mão direita ornada com aquela preciosa joia, Olívia
perdeu-se em pensamentos. Poderia ter ficado com o braço estendido
a mão estendida
por horas, não fosse a pequena pressão da mão de Augusto em seus
dedos, fazendo-a recolher a mão e encará-lo. Seu coração estava acelerado, a
ânsia de vômito a fazia se sentir doente e o olhar negro e enigmático de Augusto a
cobria como uma névoa paralisante. Ela sabia que deveria falar algo, fazer algo,
mas o quê? Deveria sorrir? Como é mesmo que se faz para sorrir?
Ela não sabia o que a expressão de Augusto indicava. Ele estava tão pálido
quanto ela. Talvez tivesse acabado de se dar conta do quão impensada foi sua
atitude de pôr o anel no dedo dela. O olhar dele a queimava à medida que a impedia
de realizar qualquer movimento. Sentiu-se desmascarada. Sabia que ali, naquele
momento, ele havia descoberto seu segredo. Agora ele sabia que ela ainda o
queria.
Quando Augusto estava pronto para dizer algo, um dos convidados cruzou a
sala, projetando sombras e barulho de passos no corredor, chamando sua atenção.
Liberta do olhar de Augusto, Olívia retirou o anel do dedo e pôs novamente na
caixa, depositando-a nas mãos dele que ainda estavam suspensas no ar, da mesma
maneira em que estavam quando segurou sua mão. Quando Augusto voltou seus
olhos para Olívia, ela já estava de costas, caminhando depressa em direção à sala
de jantar.
Olívia acordou assustada com o som do celular tocando. Eram 11h20 e o sol
de quase meio-dia escorregava pela brecha da janela e se derramava sobre a sua
cama. Não sabia como conseguira dormir por tanto tempo suando daquele jeito.
— Você saiu ontem do jantar correndo, disse que estava se sentindo mal.
Confesso que achei engraçada sua cara de desespero. Tentei te ligar mais cedo,
mas você não atendeu.
— Um pouco? Eu nem lembro a última vez que você acordou tão tarde, e
nem pense em negar porque sua voz te condena. Pensei em algo para melhorar o
seu astral. Pode me encontrar no shopping em duas horas?
— Eu nem almocei ainda. — Olívia esperou uma resposta da amiga, mas não
houve nenhuma. Por sua experiência, sabia que Maria estava com o canto
esquerdo dos lábios erguido numa expressão que queria dizer “não estou pedindo”.
— Tudo bem, tudo bem, vou só trocar de roupa.
— Te encontro lá.
— O casaco que estou querendo desde seu lançamento! Vou levar! — Maria
seguia tocando as peças de roupa nas araras com os olhos brilhando, e ver essa
cena arrancou de Olívia um pequeno risinho divertido.
— Não finja que não tem a mesma doença que eu. Vamos, escolha logo algo
para levar.
Olívia sabia que não devia gastar suas economias já que viajaria para fora do
país e seu futuro, no geral, estava totalmente incerto. Além disso, de que uma
coceirinha dentro dela a incomodava por ela ainda não ter dito ainda seus planos a
Maria. Precisava da aprovação da amiga ou apenas escutar de uma vez suas
objeções. Mas ela estava no shopping, e uma parte sua queria se sentir bem de
novo. Olhou de um lado para o outro, lentamente, acompanhando o movimento dos
clientes apressados e as cores vibrantes das roupas, bolsas e acessórios que eram
carregados de um lado para o outro por mãos ágeis. Acabou pousando a vista em
uma mala de viagens. Era marrom escura com pequenos detalhes em um tom de
marrom mais claro.
— Quero a mala.
— Aquela? Mesmo na promoção deve ser muito cara. E você já tem uma, por
que vai comprar outra?
— Por favor me diz que você vai para a casa dos seus pais.
— Eu estarei mentindo.
— Você não pode estar falando sério! — Maria deixou cair no chão a sacola
com suas futuras compras e arrastou Olívia pelo braço até o lado de fora da loja.
— Você está maluca? Alguém acabou de pegar sua sacola! — Olívia disse,
apontando para dentro.
— Não me importo com a sacola. Me importo com você! Olívia, eu sabia que
você estava se sentindo pior do que queria que eu pensasse, mas não posso sentar
e cruzar os braços enquanto você toma uma atitude totalmente impensada como
esta! Eu sei que você sonhou com esse emprego por anos e que ele significa muito
, mas não pode simplesmente ir para outro país agora que está
desempregada.
Olívia não sabia por onde começar. Era coisa demais acontecendo, ela mal
havia conseguido entender o que de fato estava sentindo e por quê. Estava
Ela estava
esquiando no topo de uma belíssima montanha de neve e, com um passo
em falso, desabou em direção ao mar de pinheiros altos. Sua carreira tinha sofrido
um grande impacto com a demissão. Olívia era a melhor no que fazia, mas e agora?
E, para somar a isso, tinha Augusto... Não conseguia sequer pensar no que havia
acontecido entre eles sem ter vontade de vomitar ou chorar. Ou os dois.
— Ele quem?
Augusto namorava Iasmin há seis anos. Para Maria era claro que se
casariam logo, mas sabia que para a amiga era complicado aceitar isso.
— Ontem, no jantar.
— Por isso você saiu daquele jeito? E por que ele foi te falar que pediria
Iasmin em casamento?
— Amiga, eu... — Maria não sabia como continuar. Sabia que para Olívia o
relacionamento era muito mais que amizade, mesmo que a amiga tenha atuado por
doze anos, fingindo estar satisfeita com isso. Era complexo, sua cabeça latejou.
Maria Ela sempre achou que um dia Augusto se casaria com Iasmin, e Olívia
conheceria outra pessoa, mas sabia que mesmo assim haveria uma conexão entre
eles, um assunto inacabado que os levaria ao limite. Esse era o limite? — O que
você quer fazer?
— E depois?
— Depois eu quero que você passe a noite lá em casa, como nos velhos
tempos. Filmes, pipoca, vinho e brigadeiro de panela. O que acha?
— Eu não acredito que vou concordar com isso, mas se vai te fazer bem, eu
topo.
Maria continuava achando uma péssima ideia Olívia viajar agora. A amiga
era uma profissional habilidosa e muito reconhecida. Até ser demitida, tinha Tinha
um bom emprego com um bom salário, mas não possuía muito controle sobre o
próprio dinheiro. Maria sabia Sabia que Olívia não tinha muitas economias, não para
se manter muito tempo desempregada e muito menos para se sustentar em uma
viagem para fora do país a longo prazo. Mas Maria também a entendia. Não poderia
exigir da amiga que se mantivesse sensata nesse momento em que sabia que o
chão sob seus pés havia desmoronado. Então, o que deveria fazer? Quando se fez
essa pergunta a si mesma, soube que já havia tomado a decisão de apoiá-la na
viagem, de apoiá-la em qualquer escolha que tomasse.
As amigas passaram o resto da tarde visitando lojas. De alguma forma, ter a
aprovação de Maria fez Olívia se sentir melhor. Na volta, passaram na casa de
Maria para pegar seu pijama e informar pessoalmente a Mauro sobre o plano da
noite.
— Eu prometo que vou cuidar dela, está bem? — Disse Olívia, fazendo
biquinho.
— Eu não posso acreditar que você vai mesmo viajar assim, do nada.
— Não é do nada.
— Só porque você foi demitida, digo — corrigiu ele . — Quero dizer, você é
ótima, Olívia! Já checou os seus e-mails? Porque com certeza sua caixa de entrada
estará lotada de ofertas de emprego quando as outras editoras souberem que você
saiu da Arco e Flecha. Tem certeza que é uma boa ideia estar fora do país quando
isso acontecer?
— Ela sabe que não é uma boa ideia. — Interviu Maria. — Mas quer fazer
mesmo assim, você conhece a cabeça dura.
— E por que você não surtou e quis fugir do país quando eu me casei? — As
duas se olharam sérias por alguns segundos antes de caírem na gargalhada.
— Então, é isso. Se esse tutorial do YouTube sobre o que levar em uma
viagem estiver certo, você tem tudo o que precisa dentro dessa mala enorme. O que
falta fazermos? — Perguntou Maria enquanto colocava o peso de seu corpo em
cima da mala recém-comprada de Olívia para conseguir fechá-la.
— Também, mas eu estou falando desse queijo brie com geleia de pimenta,
prova — disse enfiando uma fatia de queijo com geleia na boca de Maria.
— Hum, acho que devemos começar logo essa pesquisa por hotel e tradutor.
Você já viaja amanhã, pressinto que esses serviços de última hora sairão caros.
— Sim.
— Ele não é uma beldade, é verdade. Mas você não estava planejando pagar
o tradutor com beijos, mesmo.
— Estamos animados com a sua visita! Seu pai e eu alugamos uma casa de
praia, na Península de Maraú, para que você possa aproveitar bastante sua visita à
Bahia.
— Eu esqueci de avisar para vocês, mas terei que fazer uma viagem
amanhã — coçou sua cabeça.
Dona Laura demorou um pouco mais do que Olívia esperava para responder.
— Você o quê?
— Eu fui demitida.
— Quando?
— Anteontem.
— Eu sinto muito, mãe, mas estava com a cabeça cheia demais esses dias.
— Puxa vida, Olívia, você é muito irresponsável. Deveria ter nos avisado
antes que não poderia vir e que foi demitida, agora o que iremos fazer? Contávamos
com você, também! E se não é por conta do trabalho, por que vai viajar?
— Você precisa? E nós não precisamos de você, não é? Você não pensa em
como isso é egoísta?
Ao perceber que a conversa não estava indo bem, Maria devolveu para a
panela uma colher cheia de brigadeiro que estava prestes a comer
ao perceber que a conversa não estava indo bem
.
Olívia não respondeu, apenas arregalou os olhos, e Maria soube que a coisa
estava ficando feia.
— Bem que seu pai falou que não dá para confiar em você, Olívia.
— E ainda quer desligar na minha cara! Olívia, você não liga mais para a
família? Não Você não se importa mais conosco?
Maria olhou para Olívia por alguns segundos sem dizer palavra, esperando a
iniciativa da amiga. Quando Olívia ia dizer algo, o celular dela tocou novamente, e
Maria pôde ler o nome “MÃE”. Olívia recusou a chamada e em seguida desligou o
telefone.
— O mesmo de sempre.
— Ah, Oli…
Olívia voltou para o tapete da sala, sentindo seus ombros mais pesados que
o normal.
Olívia deu um generoso gole no de vinho e jogou a cabeça para trás. Maria
sentiu a necessidade de quebrar o silêncio e, sem pensar muito bem no que dizia,
soltou:
— É engraçado, não é?
— O quê?
— Nossos pais nos conhecem há mais tempo que todo mundo, mas às vezes
parece que eles não nos conhecem.
— Nós não os conhecemos também. — Olívia completou antes de virar a
taça de vinho de uma vez só.
Olívia demorou para responder por tempo suficiente para Maria quase
desistir de receber uma resposta.
— Não.
CAPÍTULO 3 – A VIAGEM
— Anda, Olívia, levanta! — Maria tentava acordar Olívia com sacudidas nos
ombros.
— Você está brincando? Seu voo é hoje à noite! — Vendo que Olívia não
respondia, Maria começou a puxar seus pés, fazendo-a escorregar pela cama.
Eram nove horas da manhã. Maria mal conseguiu dormir , e acordou muito
cedo e deixou . Deixou a amiga dormir enquanto preparava o café da manhã. Sabia
que pelo tanto de vinho que fora consumido na noite anterior, Olívia precisaria de
um coquetel antirressaca. A receita era muito bem conhecida por elas: água de
coco, gengibre e hortelã. Era refrescante e curava as dores de cabeça em poucas
horas.
Meio a contragosto, Olívia levantou. Maria não trabalhava mais no ramo, mas
já fora confeiteira e adorava cozinhar, então dedicou-se a preparar um café da
manhã reforçado. Sobre a mesa quadrada de quatro lugares havia frutas
descascadas, croissant, geleias, tarteletes e o coquetel.
— Então temos cerca de doze horas para organizar toda a sua estadia em
outro país.
— Você tem sorte de ter uma amiga incrível, leal, inteligente, talentosa,
bondosa, versátil… — E continuou por um tempo se autopromovendo para provocar
Olívia — …como eu, sabia? Aquele rapaz respondeu. O Andrew. Ele aceitou
trabalhar como seu tradutor por uma quantia que, para o que eu estava esperando,
é bem pequena. E você ficará hospedada em Moroeni a uma hora de distância
de Târgovisţe, a capital de Dâmboviţa.
— Provavelmente — riu.
Maria mostrou para Olívia a conversa que teve com Andrew, onde já era
perceptível o domínio dele com a língua portuguesa.
— Deixa disso. Pesquisei sobre a pousada que ele disse estar trabalhando, e
é uma cabana, tem vários relatos de visitantes falando bem do lugar. No geral, você
vai precisar de um número de emergência e de algumas frases coringas, veja. —
Maria estendeu para Olívia uma lista de frases e suas traduções. Havia frases como
“sou estrangeira e estou perdida” e “estou correndo perigo e não sei falar romeno”.
Isso deveria deixar Olívia mais tranquila, mas a deixou apavorada.
— Tenho que concordar, Maria, Mauro tem toda razão quando te chama de
anjo.
Tudo estava pronto, por fim, e quando se deram conta, já havia passado e
muito do horário do almoço. Decidiram ir uma última vez ao shopping, almoçar num
restaurante que costumavam frequentar ir quando faziam compras.
Depois do almoço Maria e Olívia passaram um tempo ocioso até irem para o
aeroporto. Chegando lá, Maria deu de presente a Olívia uma caixinha vermelha
envolta em um laço de veludo da mesma cor.
— O último presente.
— Isso é para que, onde quer que esteja, nunca se perca do seu caminho.
Olívia sabia que Maria ela estava citando um de seus livros favoritos e ficou
encantada com o presente. A despedida das duas foi rápida e emocionante, pois
nenhuma delas queria demorar e correr o risco de explodir em lágrimas. Então com
um passo definitivo para dentro da área de embarque do avião , Olívia selou seu
destino.
Depois de cerca de duas horas e vinte minutos de viagem, chegou à Cabana Doina, em Moroeni. O
motorista a deixou em frente à estalagem, mas por alguns segundos ninguém apareceu.
Olívia sentiu um frio na espinha ao lembrar de todos os filmes de terror que costumav
Olívia Porque deparou-se com uma cabana cercada por altas
árvores e uma quase completa escuridão, não fosse pela luminária na porta de
entrada e algumas luzes semelhantes aos pisca-piscas de Natal que clareavam um
gazebo. Seria uma bela visão se não fosse completamente assustadora.
Olívia sentiu um frio na espinha ao lembrar de todos os filmes de terror que c
— Senhorita Saramago?
Foi desperta de seus pensamentos tenebrosos pela voz firme de um homem
que surgiu de algum lugar sem que ela percebesse.
— Desculpe-me por tê-la assustado, sou eu, Andrew. Deixe-me ajudar com
as malas — disse cumprimentando-a com um aperto de mãos.
Ele tinha a pele bem clara e cabelos loiros, não longos demais para
parecerem desleixados, não curtos demais para esconder seu formato
ondulado
natural , que era ondulado . O rapaz tinha um maxilar bem marcado, olhos cinza-
azulados e lábios rosados. Ele também tinha ombros largos e era alto
e tinha ombros largos
. Não fosse por ter trocado palavras em português com ela, Olívia
nunca pensaria que esse homem era a mesma massa alaranjada da foto de perfil
do fórum.
— Não precisa agradecer — respondeu ele . Sua voz era concisa, muito mais
profissional que gentil. Andrew pronunciava muito bem as palavras em português,
mesmo que de maneira mais lenta. — Deixe-me apresentá-la ao dono da
estalagem.
Andrew pôs as malas dela em um dos quartos e a guiou por um corredor que
levava à cozinha do lugar. Lá encontrou , um homem baixo e forte de meia idade
que claramente se esforçara
, Tinha com
cabelos negros e ralos e
, que claramente se esforçara muito para permanecer acordado àquela hora, a
cumprimentou Olívia com uma espécie de reverência.
— Este é o Ioan , o dono da Cabana Doina — disse Andrew Disse
indicando
apontando para o homem com um movimento de cabeça e em seguida
falando
disse algo em romeno para ele enquanto apontava , apontando para ela.
O romeno é uma língua latina, então Olívia achou a pronúncia das palavras
familiar, embora só tenha entendido o próprio nome.
— Ele só... arrisca. — Andrew interviu com o mesmo tom profissional, mas
que parecia um pouco com um pedido de desculpas. — Esta é a nossa cozinha, de
livre uso para os hóspedes. Também são de uso comum a recepção, o gazebo e o
terraço. Mas esses você terá de esperar até amanhã para ver.
Andrew a encarou com curiosidade, mas voltou à sua expressão austera . ao completar
— Não se assuste se acordar à noite no meio de uma tempestade, chove muito nessa época do ano
— acrescentou ele.
Olívia apenas concordou com a cabeça e o rapaz se retirou.
O quarto era grande. Tinha uma cama de casal muito bem equipada com
travesseiros e cobertores, uma escrivaninha, um guarda-roupa, um espelho oval
grande e duas mesas de cabeceira com abajures. O chão era de madeira e sobre
ele havia um grande tapete azul.
Abriu sua mala sobre a cama e aos poucos foi preenchendo o espaço vazio
no guarda-roupa. Por fim, sentindo-se já cansada e com muito sono, ligou para
Maria.
— Não tenho muito o que contar sobre a viagem, já que viagens de avião são
sempre o mesmo tédio. Mas no táxi de Bucareste à Moroeni pude observar um
pouco do que me espera nos próximos dias.
Cheguei à Cabana Doina há pouco tempo e já era bem tarde, então
Quando cheguei à Cabana Doina já era muito tarde. Então
, para ser sincera, foi bem assustador.
— Sim, é mesmo. Mas pode ser que seja bonito à luz do dia. O dono da
estalagem foi muito educado, embora eu não tenha entendido uma palavra do que
ele disse . Pode e ele pode muito bem ter amaldiçoado a minha família.
— Estou falando sério. Ele é alto, forte e tem um rosto muito bonito, não faço
ideia de como a fotografia ficou tão ruim.
— Ainda acho difícil de acreditar, mas espero que seja verdade. Assim você
terá muito mais que a vista das montanhas para admirar.
Olívia nunca fora uma santa e tampouco passou esses anos sem ninguém.
Ela conheceu muitas pessoas e descobriu qualidades em todas elas. Divertiu-se ao
máximo e entregou-se aos prazeres que eles eram capazes de lhe oferecer, mas
ainda assim, no final de tudo, era Augusto que importava. Era ele, sempre foi.
Suspirou.
Em frente à pia havia uma enorme janela de vidro. Exatamente como nos
filmes de terror. Olhar para aquela imensidão escura a fez arrepiar-se inteira.
Terminou de beber a água e inspirou profundamente, decidida a não mais pensar
mais em Augusto naquela noite e virou-se para voltar ao seu quarto.
— Tudo bem — disse entre os dentes — algumas noites são mais difíceis
que outras. — E entrou na cozinha, deixando-a plantada no corredor.
Olívia não esperou para entender o que havia acontecido e voltou depressa
para o seu quarto, com o coração acelerado. Ao som da tempestade, dormiu
tranquilamente.
CAPÍTULO 4 – RAJADA DE VENTO
Poderia facilmente voltar para a cama e dormir por mais algumas horas, mas
decidiu não fazê-lo. Teria trabalho para se acostumar com o fuso-horário e por ora
precisaria fazer o que fosse preciso para sentir sono na hora certa. Levantou e foi
recebida por Andrew e por Ioan que se apressou em servir-lhe algo para comer.
— Eu não terei tempo tão cedo — respondeu friamente, ao que Olívia deu-
lhe um sorriso triste que de alguma maneira o fez ceder. — Mas posso levá-la para
conhecer as redondezas da cabana agora. Ainda está claro.
— Sério? Seria incrível!
Olívia voltou mais que depressa para o quarto para se vestir adequadamente
para uma caminhada entre a paisagem montanhosa. Quando estava prestes a sair
do quarto, tão feliz quanto uma criança em uma excursão do colégio, seu telefone
tocou.
— Eu estou bem. Quem não está é a sua mãe, você já falou com ela?
— Não.
— Sua mãe está tão magoada, Olívia. Devia falar com ela e pedir desculpas.
— Pai, eu sinto muito por não ter avisado com antecedência da minha
viagem, mas foi uma decisão de última hora e eu não teria feito isso se não fosse
importante. — Tentou explicar, mesmo sabendo que não adiantaria.
— Acho que ela está muito mais magoada pela maneira como você a tratou.
— E isso não deveria ser desculpa para ela poder dizer o que quer sobre
mim sem que eu tenha sequer o direito de ficar chateada.
— Sua mãe só acha que você coloca outras coisas na frente da sua família.
— Não estou fazendo essa viagem por um capricho, estou fazendo por mim.
Estou pensando em mim, é importante.
Olívia respirou fundo. Sabia que não adiantava discutir, que seria vista dessa
maneira independentemente do que fizesse. Sentiu-se esgotada, como sempre se
sentia em situações como essa. Não seria a primeira nem a última vez que
discutiriam por razões parecidas e nem a última .
O pai não respondeu. Ela esperou, mesmo sabendo que ele não falaria nada.
Sabia que ela tinha acabado de fazer o que ele queria, que ele tinha conseguido seu
objetivo ao ligar para ela: fazê-la assumir a culpa, render-se, mostrar-se como o ser
humano mesquinho que acreditavam que ela era. De repente, se assustou com as
lágrimas quentes escorrendo por seu rosto. Estava emotiva demais nos últimos
dias, mal se reconhecia.
A paisagem era encantadora. Árvores altas cobriam o solo até onde a vista
alcançava. Ao fundo, podiam ser vistas algumas montanhas cobertas de grama e
rochas cinzentas. O dia estava quente e úmido, e o sol se derramava sobre eles
como uma bênção.
— Essa vista é a mais bonita que já vi em toda a minha vida — disse Olívia,
ao chegarem a um pequeno riacho pedregoso que cortava as árvores, totalmente
estupefata.
— E agora você está rindo? — Parecia realmente confuso, o que a fez rir
mais.
Andrew, como qualquer pessoa sensata, sabia que aquele lugar era belo.
Mais que belo, era glorioso. Mas trabalhara ali por tanto tempo que, de fato,
esquecera-se disso. Olhou ao redor de si: o riacho cristalino, as árvores banhadas
pelo sol, a grama, as montanhas; e enquanto olhava de um lado para o outro, teve a
mesma sensação estranha que teve ao pisar ali pela primeira vez. Um ímpeto
selvagem que lhe fazia ter vontade de tocar aquele solo com os pés descalços e
unir-se à natureza. No meio de seu frenesi, pousou os olhos sobre Olívia. A moça
parecia estar sentindo o mesmo que ele, pois tinha alcançado o topo da rocha e,
com os braços estendidos em cruz e os olhos fechados, deixava o vento tocar-lhe a
pele.
— Bem no meio da cidade. Acho que não ouço o cantar dos pássaros há
anos.
Ambos ficaram parados por um tempo, sentindo o vento e ouvindo os sons
da natureza, até que uma forte rajada de vento surpreendeu ambos, fazendo-os se
esforçar para manter o equilíbrio.
Olívia se sentia tão livre, tão viva. Naquele momento, estava no topo do
mundo. Não havia carreira perdida, não havia pais incompreensíveis, Augusto
nem
e corações partidos. Não havia a sensação de ter perdido o rumo da própria vida.
Fechou os olhos.
— O que há com você? Está com medo da chuva? — Olívia não queria que
aquele momento mágico acabasse tão rápido. — Andrew, espera! — gritou ao
perceber que o homem a estava deixando para trás no meio da floresta.
Tão rápido quanto surgira na noite em que Olívia chegou à Cabana, Andrew
voltou para ajudá-la. Seu rosto permanecia severo. Estava com raiva, o que deixou
Olívia confusa.
— Não temos tempo para isso. — Andrew agachou e com uma força
surpreendente segurou Olívia nos braços.
— Te levando de volta.
— Ele está pedindo para verificar o estado de seu tornozelo — disse Andrew,
sem olhar diretamente para ela.
— Ele disse que foi apenas um entorse leve machucado , que ficará bem se
mantiver repouso. Foi buscar uma bolsa de gelo. Eu a levarei para o seu quarto e
você deve descansar até seu tornozelo melhorar. — Disse fazendo menção de
pegá-la nos braços carregá-la novamente.
E saiu saltitando com apenas uma perna. Sentia-se humilhada por sair
pulando pela casa. Não entendia por que Andrew a estava tratando de maneira tão
fria e grosseira, e não queria sentir que dependia dele para se locomover
daria a ele a chance de carregá-la novamente
.
— Pode entrar.
Era Ioan, com uma bolsa de gelo. Andrew não o estava acompanhando,
então ela só pôde tentar adivinhar o que o homem dizia através de suas
expressões. Tentou demonstrar gratidão se fazer ser entendida como grata pelo
gesto dele, mas não teve certeza de que foi interpretada corretamente. O homem
parecia gentil como sempre, sem sinal da raiva demonstrada ao vê-la chegando
encharcada e mancando manca .
Depois de comer, Olívia tentou se manter distraída até a hora de dormir, pois
precisava adormecer na hora certa. Tentou ligar para Maria, mas ela não atendeu.
Começou a ler um livro que havia levado, mas percebeu que estava ficando com
sono. Então pegou novamente seu celular e ficou vasculhando posts em suas redes
sociais sem procurar nada em especial.
Ficou nervosa com o que tinha acabado de acontecer e para se acalmar foi
mancando até para a janela de seu quarto, na expectativa de que a vista noturna da
floresta voltasse a lembrá-la de contos aterrorizantes e a fizesse esquecer Augusto.
Não devia ter desejado isso, pois quase gritou de susto ao perceber uma
movimentação por entre as árvores. A lua estava cheia e permitia que um pouco de
luz iluminasse a floresta. Mas era Andrew, notou aliviada. Ficou curiosa para saber
o que o homem estava fazendo do lado de fora da Cabana no começo da noite. Ele
andava de um lugar para o outro como se não soubesse para onde ir, como se
quisesse apenas andar e respirar ar fresco. A chuva tinha cessado.
Olívia ficou o observando por mais tempo do que gostaria de admitir. Não
saberia dizer se por tédio ou curiosidade. O homem ficou no gazebo por um bom
tempo, bebendo o que parecia ser vinho e fumando um cigarro. Quando Andrew
finalmente saiu do gazebo para voltar para a Cabana, Olívia sentiu uma onda de
descarga elétrica adrenalina que a fez lembrar do tornozelo ferido, pois voltou a
doer. Olhou para baixo e percebeu o pé inchado. Quando voltou a olhar para o lado
de fora, não viu Andrew em lugar nenhum. Então finalmente cedeu ao cansaço e foi
dormir.
Acordou cedo e foi tomar café da manhã com todos. Conversou com um dos
hóspedes que falava inglês. Depois do café todos se retiraram e Olívia não soube
muito bem o que fazer, então permaneceu na cozinha, numa espécie de conversa
silenciosa com Ioan que, ora lhe mostrava alguma coisa, ora arriscava frases em
inglês.
Ioan continuou apontando para ela e falando com Andrew, até que bateu o pé
no chão e saiu da cozinha, resoluto.
— Ele acha que você ficará entediada sem ter ninguém que a entenda por
aqui, já que os outros hóspedes sairão e só voltarão depois do jantar.
E Ioan tinha razão, concordou ela em pensamento. –Bom, ele tem razão.–
Só de pensar em ficar sozinha com o cozinheiro Ioan o dia inteiro, Olívia ficou
desesperada. Tentar se comunicar com ele por duas horas tinha sido divertido, mas
ficar o dia inteiro sem uma viva alma que a entendesse?! Não podia nem cogitar
essa possibilidade. Já estava se sentindo solitária o suficiente , imagine isto .
— Mas não se preocupe, eu falei que você não poderá ir por causa do tornozelo
— acrescentou Andrew, impassível.
— Mas eu quero ir! — Seu tornozelo já estava melhor. Ainda doía ao andar,
mas ela conseguia ficar em pé sem muitas dificuldades. E tinha se animado com a
ideia de conhecer mais da Romênia além daquele sagrado lugarzinho no meio do
nada.
Andrew cerrou os dentes. Havia Sabia que havia deixado claro que não a
queria Olívia como acompanhante, mas o sorriso sarcástico da moça de Olívia lhe
dizia que ela não cederia.
Olívia vestiu-se o mais rápido que conseguiu :. Estava com um vestido branco
que cobria seus ombros e ia até pouco acima de seus pés . Deixou os , cabelos
soltos e calçou um par de salto s baixo s. Queria poder tirar fotos pela cidade se
tivesse a oportunidade. Em menos de quinze minutos, Olívia estava pronta e entrou
no carro com Andrew, ignorando completamente sua cara de má digestão.
— Você consegue ser rápida quando quer — alfinetou Disse ele. Olívia
respondeu apenas com um sorriso fingido.
Aquele dia começara rápido demais para Augusto. Estava sentado na sala de
reunião enquanto seu chefe e colegas de trabalho debatiam sobre um importante
empreendimento. Algo que teria prendido sua atenção por horas, não fosse sua total
incapacidade de pensar racionalmente desde seu último encontro com Olívia.
— O que você acha, Augusto? — Foi chamado a atenção pela voz do seu
chefe que, claro, queria a sua opinião. Augusto havia Havia sido promovido e sabia
que agora cabia a ele boa parte do poder de decisão nas grandes questões da
empresa.
— Sim, claro. Quero dizer, estou certo da minha pesquisa, mas tinha certeza
de que escolheria a opção mais segura.
— Tanto faz — disse voltando a caminhar pelo corredor que o levaria para o
auditório e depois para o seu escritório.
— Não quis dizer isso. Eu realmente achei que sua ideia foi brilhante.
Augusto fez menção de responder, mas não o fez. Tampouco fez questão de
esconder que estava sem respostas.
Augusto sabia que Pedro estava certo. Estivera dando o seu melhor, sendo o
primeiro a chegar e o último a sair do escritório por quatro anos. Perdera a conta de
quantas vezes perdeu o sono para solucionar algum problema urgente, e agora que
finalmente havia sido recompensado, não conseguia sequer participar ativamente
de uma reunião.
O amigo concordou.
Há quatro dias inteiros não conseguia se concentrar em nada que não fosse
Olívia.
Desde o jantar, estivera sufocado por uma angustiante sensação que não
conseguia nomear, mas tudo piorou naquela manhã, porque sonhara com
Olívia
ela. Em seu sonho, a noite do jantar se repetia. Mas ao invés de levá-la até o
corredor, a tinha levado ao seu escritório, onde, depois de mostrar-lhe o anel,
brigavam calorosamente. O tipo de briga que tiveram tantas vezes antes: vozes
altas, corações acelerados, corpos exaltados próximos demais para
evitarem um ao outro
se evitar .
Foi assim que acordou, tentando tirar de sua cabeça a cena que se negava a
ir embora. Estava enlouquecendo, só podia estar enlouquecendo. As horas
passaram sem que ele percebesse e de repente já havia acabado seu expediente.
— Estou até com medo de perguntar que diabos está acontecendo com você
.
— Pretendia?
Augusto afundou a cabeça nas mãos e criou coragem para soltar de vez:
— E quando foi que essa história saiu dos trilhos? — Pedro virou Virou o
copo de uísque de uma só vez. Apesar de trágica, a história estava divertindo -o
.
— Mas o lance entre vocês não tinha acabado antes de virem para São
Paulo?
— E aí ela surge tendo sentimentos por você do nada, depois de todo esse
tempo?
— O problema maior é que isso não sai da minha cabeça e... e eu também
sinto algo. — Suas palavras saíram como um peso de seu peito. Tinha pronunciado
em voz alta pela primeira vez o que mais o assombrava. Não tinha mais como voltar
atrás, precisava resolver aquilo.
Pedro não tinha um único conselho para oferecer, mas conversar com o
amigo fez Augusto se sentir melhor. Voltou para casa bêbado algumas horas
depois. Esperava não encontrar ninguém em casa, mas Iasmin estava lá.
— Bebendo com o Pedro. Por que não me avisou que viria? Eu teria vindo
direto do trabalho.
Iasmin ainda morava com os pais, a dois bairros de distância, mas tinha a
chave da casa de Augusto e frequentemente ia passar a noite com ele.
— Queria te fazer uma surpresa — disse timidamente, o que fez o coração
de Augusto apertar. Diante de tudo o que estava acontecendo, não sabia como
reagir diante da em frente à namorada.
— Desculpe.
— Não, eu preciso.
— Meu Deus, Augusto. Você não devia beber como um adolescente. Tome
um banho, está fedendo a uísque.
Deixou a água gelada do chuveiro limpar seus pensamentos. Poderia ficar ali
por horas, focado apenas na sensação das gotas de água massageando suas
costas, mas não conseguiu ficar absorto por muito tempo. Estava sendo impossível
não pensar em Olívia.
Ele era feliz com Iasmin. Tinham um relacionamento estável com perspectiva
de futuro. Ele a admirava, a apreciava e a queria como sua mulher até dias atrás.
Como pôde entrar em contradição com suas próprias certezas tão rápido? Mais que
rápido, como pôde se perder do seu caminho por tão pouco? Ele não havia se
apaixonado por outra mulher, ou se deitado com outra mulher, muito pelo contrário.
Augusto foi fiel a Iasmin em todos esses anos de relacionamento e mesmo que
teoricamente ainda fosse, não se sentia mais assim. Algo havia acontecido com
Olívia, nas entrelinhas, e bastou isso para ele perder o rumo de seus planos.
Isso tudo era loucura, ele não podia ser tão influenciável. Um único olhar de
Olívia não deveria ser capaz de despertar nele desejos tão avassaladores. Saiu do
banho e jogou-se na cama, na expectativa de cair no sono rapidamente.
No entanto, no tempo em que
Enquanto Augusto esteve no banho, Iasmin guardou seus
pertences, praguejando por Augusto sempre deixar suas coisas no sofá. Talvez por
intuição ou por curiosidade, a moça encontrou a caixinha de veludo na pasta do
namorado. Abriu e viu o lindo anel de brilhante. Estivera há seis anos esperando por
isso e imediatamente encheu-se de alegria. Suas bochechas ficaram coradas, e
com risinhos abafados, ela colocou o anel de volta onde estava. Nada podia ter
alegrado mais a tanto sua noite.
— Minha mãe nos convidou para passar esse final de semana com a família
na casa de campo — disse Iasmin, se deitando ao lado do namorado e o
abraçando, cobrindo-o de beijos.
— Não acho uma boa ideia — respondeu ele, depois de pensar um pouco.
— Isso não é verdade. — Augusto sentou-se na cama para dizer isso, mas
imediatamente se arrependeu pois sua cabeça girou com o efeito do álcool.
— É verdade, sim. Mês passado ela nos convidou para o teatro e você
recusou.
— Mas gosta da casa de campo — Iasmin não queria chateá-lo, mas sentia
que o tão esperado pedido pudesse acontecer na casa de campo, já que era o lugar
favorito dos dois.
— Eu preciso de um tempo.
— O quê?
— Mas do que você está falando? É sobre o trabalho? O cargo novo está te
sobrecarregando?
— Você não precisa se sentir pressionado quanto a nós, também. Não estou
com pressa de nos casarmos — Iasmin tentava ser compreensiva, ainda com
dificuldade de entender a gravidade do que estava acontecendo.
— Eu acabei de ver na sua pasta bolsa — confessou ela Iasmin , com a voz
tão baixa que era quase um sussurro. — Me desculpe.
— Não precisa se desculpar. Sinto muito por você ter visto, não era para ser
assim.
— Me diz o porquê.
— É ela, não é?
— Iasmin!
Quando ela se virou para encará-lo, ele viu uma lágrima solitária cair de seu
olho esquerdo.
— Eu preciso.
— Espera!
Ele a alcançou e segurou-a pelos ombros, tentando fazê-la olhar para ele.
Iasmin tentou se desvencilhar, mas Augusto a segurou com uma delicada firmeza.
Ela esperou ele dizer algo, mas Augusto emudeceu. Ela se soltou dos braços
dele. Dessa vez ele não a impediu.
— Você a ama?
— Como?
— Você ama Olívia, Augusto? — Sua voz saiu era esganiçada. — Era para
ela o anel?
— Não! Como pode pensar isso? O anel era para você, Iasmin!
Não adiantou insistir. Augusto não queria que ela saísse tão tarde sozinha,
mas entendia o quão magoada ela estava quanto ela estava magoada . Conhecia
Iasmin, sabia que quem precisaria de tempo agora era ela.
O Seu coração dele quase parou de bater quando Iasmin fechou o portão de
casa depois de Iasmin sair com o carro. Voltou para o quarto, totalmente
perturbado. Estava enfurecido com a situação e consigo mesmo. Não conseguia
acreditar no que tinha acabado de acontecer. Pensou em um milhão de coisas que
poderia dizer para a mulher com quem dividiu os últimos anos da sua vida e quis
ligar, mandar mensagem, quis bater no portão da casa dela pedindo desculpas. Só
que ele sabia que fazer isso não tiraria a impostora da sua cabeça, não o faria parar
de pensar em Olívia com um furor muito maior do que era capaz de controlar.
Ainda assim, pegou o celular para mandar uma mensagem a Iasmin, mesmo
que não soubesse o que dizer. Mas ao invés disso abriu a galeria de fotos, onde
não foi difícil encontrar uma foto de Olívia.
— Aqui não é muito diferente das feiras que tem no interior da Bahia —
observou ela.
Andrew parou num stand que vendia suco de uva. Havia barris com sucos já
prontos, cestos de uvas frescas e um enorme moedor. A dona do espaço
cumprimentou Olívia e tentou trocar algumas palavras com ela ., ao que Andrew
explicou que ela era estrangeira e cumpriu o papel de tradutor no pequeno diálogo
que se seguiu:
— Uma moça bonita como essa merece uma lembrança do que é a
Romênia — Andrew corou um pouco ao dizer isso. Olívia segurou a vontade de rir
ao perceber o quão envergonhado ele estava. — Ela vai fazer um suco fresco para
você — acrescentou ele.
— Terá muito suco de uva gelado para beber na cabana, experimente esse
enquanto está fresco.
Olívia abriu a garrafa e bebeu um pequeno gole do suco. O sabor era forte e
delicioso.
Foi um movimento delicado que a fez corar. Num reflexo contra o toque
inesperado, ergueu os olhos e encontrou os dele a fitando e passeando sem pressa
pelo seu rosto. Olívia sentiu Sentiu um calor espalhar-se de seus lábios para o resto
do corpo. Ela sabia o que era aquilo, não era nenhuma moça; mas assustou-se com
a reação instintiva do próprio corpo . Pigarreando, afastou-se delicadamente,
, então apenas
agradeceu e continuou andando. Que diabos tinha sido aquilo?
— Para a Cabana.
— Não estamos, não. — Olívia podia não conhecer aquele lugar, mas sabia
que estavam indo na direção oposta.
— Tem razão, não estamos. Temos só mais uma parada e logo voltaremos,
não se preocupe.
Olívia ouviu ele abrindo o porta-malas e depois fechando. Sem ter tido a
chance de renegociar, contentou-se em ficar do lado de dentro do carro
acompanhando com os olhos o caminho de Andrew. O rapaz parou numa grande
loja de produtos artesanais. Havia cestos, pequenas estatuetas de jardim, roupas e
tapetes com cores típicas romenas.
Forçou a vista para conseguir enxergar o que Andrew tinha entregado nas
mãos do vendedor, identificando que se tratava de um jarro de cerâmica colorido.
Podia ver que seu fundo era branco e tinha padrões romenos, onde a cor azul
prevalecia sobre outras. Tinha aproximadamente trinta centímetros. Mas Olívia não
fazia ideia do por que ele estava entregando o jarro para o vendedor. Estreitou mais
os olhos. Parecia que Andrew tentava vender o jarro para o homem, mesmo que
isso não fizesse o menor sentido. Será que Ioan fazia esses jarros e pedia para
Andrew vendê-los no centro? O vendedor olhava para Andrew com certo descaso, e
foi quando a expressão de desapontamento tomou conta do rosto de Andrew que
Olívia teve um vislumbre do que estava acontecendo.
— Não me canso das belezas deste lugar. Olhe para isto! Não encontramos
artesanato de tão boa qualidade facilmente fora daqui. Eu gostaria de três jarros
desses.
A compra foi feita enquanto Andrew não pronunciava uma única palavra.
Depois, sem saber muito bem como voltar para o carro sem que o vendedor
entendesse todo seu jogo, Olívia cumprimentou os dois homens com uma leve
reverência e um sorriso. Quando Mas quando cumprimentou Andrew, tentou
sinalizar com os olhos qual rua seguiria.
Olívia se afastou e seguiu caminhando por uma rua à esquerda da loja, sem
deixar de encenar por um único minuto. Caminhou lentamente e ao perceber que o
vendedor não a estava mais observando, viu também que Andrew já estava em
movimento com o carro. Ele deu a volta e a encontrou no final da rua.
— O que foi aquilo? — Ele perguntou. Nem com raiva, nem feliz. Parecia
apenas surpreso.
— Você queria vender o jarro, não queria? A propósito, ele é muito bonito.
Não sabia que o Ioan também era artesão. Ele está sempre tão ocupado cuidando
da Cabana — disse enquanto admirava o jarro, segurando-o como se fosse a coisa
mais valiosa e frágil que já teve nas mãos.
Andrew não respondeu e não parou de olhar para frente. Olívia virou-se para
frente também , desejando e desejou ardentemente estar na Cabana. Achava que
tinha ajudado, mas talvez tivesse feito uma grande bobagem.
Olívia voltou a olhar o jarro. A pintura era tão delicada e precisa que a deixou
emocionada. Lembrou de um romance antigo que ajudou a editar para a publicação,
um romance de época em que objetos como aquele eram descritos decorando os
salões da realeza.
Se Andrew ia responder algo, não tinha como saber, pois o telefone dele
tocou. Ele respondia em romeno, então ela não fez o menor esforço para entender.
Já estava satisfeita com o alívio de não ter estragado as coisas.
— Acho que tem uma coisa que posso fazer para agradecer a você
— Andrew anunciou assim que finalizou a ligação.
— Mas…
— Uns amigos meus irão para um bar esta noite. Acho que pode ser do seu
interesse conhecer o povo romeno em um momento de descontração. — A última
parte foi dita quase como uma zombaria.
— Eu adoraria.
Andrew perguntou se poderia fazer o pedido por ela e ela aceitou. Ele
Então ele
voltou alguns minutos depois com dois pães recheados que pareciam muito com
o enroladinho brasileiro, não fosse pelo peculiar formato peniano.
— Uma das coisas que mais gosto aqui na Romênia é a textura das massas.
— Foi só isso?
Olívia hesitou. Podia insistir dizendo que sua demissão foi a única razão que
a fez viajar — em parte até gostaria que isso fosse verdade —, mas não sentiu a
menor vontade de mentir.
— Tudo bem, entendido. Isso me faz lembrar de uma coisa que você adoraria
ver.
— Não pode ser! Eu não acredito no que meus olhos estão vendo!
— Eu a vi tantas vezes por fotos na internet, não posso acreditar que estou
vendo presencialmente.
Camélia era uma mulher baixinha, muito branca e com cabelos castanhos na
altura do ombro. Ileana era a mais alta de todas, tinha cabelos mais claros que os
de Camélia e mais longos, um nariz adunco e dentes levemente tortos, fazendo-a
parecer estranhamente doce. Narcisa tinha estatura mediana, muito próximo do
tamanho de Olívia. Era loira e tinha uma postura ereta, calculadamente elegante. De
cara, soube que seria a mais complicada de se aproximar, pois fez questão de
manter uma frieza nos cumprimentos.
Os homens não pareciam nem um pouco com Andrew. Dorin era gordinho e
alto — era o mais enérgico e sorridente de todos. Olívia gostou dele imediatamente.
Sandu era só um pouco mais baixo que Andrew, mas era bem mais magro também.
Tinha uma postura mais envergonhada e retraída, mas também foi muito educado.
— Você está fazendo bem a ele, Olívia, já faz meses que Andrew não passa
uma noite como essa conosco.
— Uma noite perfeitamente igual a essa não é raro de acontecer por lá. Nos
reunimos para beber em bares, ou às vezes compramos bebidas e bebemos em
casa. Cerveja, vinho, vodka, uísque, tequila... Qualquer coisa que contenha álcool.
Antes que ele se aproximasse o suficiente para tentar impedi-la, Olívia virou-
se para Dorin e aceitou o desafio. Viraram o copo de cerveja na mesma hora ,
350ml, garganta abaixo na mesma hora .
— Terminei!
— Estou, estou. Mas eu acho melhor parar por agora porque eu posso beber
mais rápido, mas ainda não consigo beber muito. — Respondeu a última parte
voltando-se para Dorin, que respondeu sorrindo:
— Você foi espetacular!
Andrew estava lá. Ela o reconheceu pelas mãos. Estava sentado na beira da
cama, sua posição no quarto era exatamente de frente para ela, mas ele não podia
vê-la porque estava aos beijos com Narcisa. Narcisa estava sentada sobre ele,
movendo seu quadril em movimentos de ir e vir. As mãos de Andrew percorriam as
costas dela, a apalpando e apertando, pressionando-a ainda mais contra seu colo
enquanto levantava sua blusa.
— O que disse?
— Vamos.
— As cenouras e os repolhos.
— Pois é.
Ioan os recebeu com cara de poucos amigos. Estava tão irritado que quase
não dirigiu palavra aos dois. Quando Andrew retirou do carro as verduras fedidas e
moles, Ioan as segurou por um tempo e olhou fixamente para Andrew antes de
deixá-las cair no chão.
— Tem razão. Bom, eu vou entrar e ajudar o Ioan a fazer o café. Talvez ele
nos perdoe se eu fizer um bom trabalho.
Olívia foi para a cozinha e tentou ajudar Ioan como pôde. Ele foi paciente,
apesar de tudo, e dentro de algumas horas estava tão satisfeito com a ajuda que
mal parecia se lembrar do que a dupla de jovens fizera. Olívia se esforçou para ser
agradável. Tomou café com Ioan e quando finalmente saciou sua fome, deu-se
conta de que não via Andrew desde que entrou para ajudar na cozinha.
Cansada e ainda com ressaca, foi para seu quarto e ligou para Maria.
— No começo?
— Eita Uou — a voz de Maria ficou eufórica. — Isso quer dizer que vocês...?
— Não!
— Não?
— Bom, já que eles não viram, está tudo bem. É só fingir que nada
aconteceu.
— É, tem razão.
Mas Olívia não queria fingir. Algo havia acontecido e sua reação àquilo foi, no
mínimo, ambígua. Desde que acordara e entrara no carro com Andrew, a cena de
Narcisa esfregando-se nele não saía da sua cabeça, e as sensações que tinha ao
lembrar iam de excitação a desapontamento muito rápido.
Mal se lembrava de como sua vida era antes dele, de como ela era. Parecia
que ele sempre estivera lá, com as garras de lobo afundadas em suas entranhas.
Olívia Ela estava presa e ensanguentada, mas a dor era gostosa. Seu sentimento
era tão real que tinha a impressão de poder segurá-lo com as mãos se fizesse um
pouco de esforço. Ele estava ali, pressionando seu pequeno coração e impedindo
que ele bombeasse sangue para todo o corpo. E, ainda assim, ela se agarrava
àquele sentimento como se precisasse dele, como se fosse ele.
Olívia Ela podia viajar para longe o suficiente, podia parar de trocar
mensagens e evitar pronunciar o nome dele em voz alta, mas ele ainda regia cada
um de seus pensamentos. Ele ainda tinha controle sobre ela. Não importava o que
estivesse fazendo ou a maneira que ela tivesse escolhido para fugir, era ele a quem
ela queria. Era por ele que sua pele ardia, era por seu rosto, seu toque, seu beijo
que ela ansiava.
Seus sentimentos estavam confusos e à flor da pele. Mais de uma vez, no dia
anterior, sentiu desejo por Andrew. Em algum momento pensou que ele sentiu o
mesmo, mas estava errada. E ficou desapontada com isso, ao deparar-se com os
desejos dele voltados para outra mulher. Sabia que era ilógico, que tinha
praticamente acabado de conhecê-lo e que ainda não havia se desprendido de
Augusto, mas ela sentiu e isso não podia ser ignorado. Ou será que deveria?
Olívia sentiu fome, mas não voltou para a Cabana. Ao invés disso, decidiu
seguir o riacho para descobrir até onde ele iria. Deparou-se com um lago cristalino e
rodeado de grandes pedras. Aquele lugar não cansava de surpreendê-la. Mas ao
passo que admirava sua pequena descoberta, percebeu que estava escurecendo e
decidiu voltar.
— Quem é? — Olívia estava com o coração palpitando tão alto que podia
ouvi-lo martelando sua cabeça. Assustada, não conseguiu ver ninguém.
Andrew gargalhou surgindo enquanto surgia por detrás de uma das árvores.
— O que está fazendo aqui? — Rebateu ela, já que não tinha resposta para a
pergunta dele.
— Estava procurando por você.
Sem dar espaço para uma possível recusa, Andrew adentrou a floresta
novamente, mas seguindo um caminho diferente do que Olívia estava acostumada.
— É uma surpresa.
— Tarde demais para isso, você me fez ficar com medo. — Olívia apressou o
passo para se aproximar dele. Não estava com medo de estar na floresta depois de
escurecer enquanto tinha os pensamentos em outro lugar, mas o comentário de
Andrew a fez perceber o quão sombrio era estar ali à noite.
Olívia ficou tão encantada que mal ouviu o que ele disse. Haviam chegado a
uma clareira e centenas — não, milhares — de vagalumes voavam de um lado a
outro espalhando pontos luminosos pela imensidão da noite.
— Não sei o porquê, mas eles sempre ficam nesse lado da floresta. —
Andrew sentou-se de pernas cruzadas no chão e bateu com uma das mãos ao seu
lado, convidando Olívia a sentar também.
Olívia não sabia dizer se foi o tom de voz dele, ou a maneira como ele a
estava olhando, mas teve a impressão de que ele não estava falando da paisagem.
— Concordo.
— Sobre ele ter potencial? Não. Sobre ser uma boa ideia desafiar meu chefe,
sim.
— Seria uma história engraçada se não fosse sobre sua ruína profissional.
— Foi a que me contatou para ser seu tradutor? Ela parece ser divertida.
— Foi, sim. Maria é incrível, você iria adorar conhecê-la. Falando nisso,
obrigada por me levar para conhecer seus amigos. Eu adorei a experiência.
— Gostaram de você.
— Todos eles?
— Mas é claro.
Olívia tentou não contestar. Tinha dúvidas quanto a isso ser verdade.
— Bom, então eu fico muito feliz. Mas e você, como veio parar na Romênia?
— Eu quero. Só não sei se quero estragar a noite que você escolheu para
viver para sempre. — Soltou um risinho.
— Disponha.
Estava usando a mesma calça de minutos atrás, mas sem botas e sem
camisa. Olívia teve de fazer um esforço considerável para disfarçar que havia
cuspido um pouco do suco. Andrew parecia super descontraído, enquanto ela
tentava não olhar fixamente para os músculos do abdômen e do peito dele.
— Boa noite, Olívia — desejou ele e E voltou para o quarto, sem cerimônia.
Olívia ficou ali, plantada por um tempo. Estava fazendo um esforço hercúleo
para não se imaginar tocando a barriga definida de Andrew. Sem mais, voltou para
seu quarto e dormiu.
CAPÍTULO 8 – SURPRESAS NA MONTANHA
Olívia acordou mais animada que o normal naquela manhã. Ainda cedo,
levantou-se e comeu na companhia de Ioan e dois dos hóspedes. Eles estavam se
preparando para ir embora naquela tarde, então a Cabana Doina só seria habitada
pelo dono, seu funcionário extremamente atraente e Olívia. Ela não se lamentou por
isso.
Ficar sozinha com Ioan na Cabana era uma tarefa um tanto árdua. O homem
tinha suas qualidades, ela precisava admitir. Era cuidadoso, educado e tinha uma
força vital que ela admirava muito; uma força que o fazia não esconder o que sentia,
mesmo que esse sentimento fosse raiva ou desapontamento. Ela gostaria de poder
conversar abertamente com ele, mas já havia desistido de tentar sem a ajuda de
Andrew.
Como não queria ficar o dia inteiro conversando por gestos de mímica, foi
para o quarto. Vasculhou alguns livros que desistiu de ler ainda no começo, tirou e
colocou novamente suas roupas no guarda-roupa. Mexendo na mala, encontrou
uma antiga foto sua e de Augusto. Por uma razão que não saberia especificar,
colocou a foto em cima da mesa de cabeceira.
— Não hoje.
— Não hoje? Ligar para ele voltar para casa. — Olívia teria achado essa
tentativa de conversa engraçada se não estivesse queimando de raiva em pensar
que Andrew passaria a noite fora. Será que passaria com Narcisa ela?
A contragosto, Olívia voltou para seu quarto tentando enquanto tentava não
dar asas à sua imaginação. O problema é que ela não conseguia ter esse
autocontrole quando estava dormindo. E, em seu sono perturbado, sonhou com as
mãos dele a tocando. Sonhou com os lábios rosados dele pertos demais do seu
rosto, com seu hálito de suco de uva instigando-a a beijá-lo. Acordou com alguns
vestígios físicos do sonho erótico que teve. Aquela situação estava deixando-a
nervosa.
Esperou durante a manhã, tarde e noite pela volta de Andrew, mas este não
voltou. Ioan tentava lhe dizer algo que ela não conseguia entender e decidiu parar
de perguntar quando Andrew voltaria. Enquanto trocava mensagens sobre
amenidades com Maria, seu telefone tocou.
— Alô.
— Oi, mãe.
Olívia sabia o que estava acontecendo. Era assim que ela se resolvia com
sua mãe, sempre. Enquanto o pai só encontrava a paz se Olívia assumisse estar
errada e ser culpada por praticamente qualquer coisa que ele decidisse acusá-la de
ser, sua mãe esperava dias até a raiva passar e a saudade prevalecer. Quando isso
acontecia, ela simplesmente voltava a falar normalmente como se nunca tivessem
brigado.
— É, sim — surpreendeu-se com o quão feliz ficou por sua mãe se lembrar
disso.
— Que bom, minha filha. Estou com saudade de você. E preocupada.
— Quero que saiba que quando decidir voltar para casa, estaremos te
esperando.
De alguma forma conversar com a mãe estava lhe fazendo bem. Deu
continuidade à conversa e despediu-se depois de alguns minutos.
— Ioan está dizendo que não sabe como eu posso aguentar ficar perto de
você, porque você fala demais, mesmo quando não está sendo compreendida.
Andrew disse algo para o velho que soltou uma gargalhada fazendo um sinal
para entrarem na Cabana. Logo, Andrew trancou-se em seu quarto. Olívia imaginou
que ele estaria descansando, ou talvez reorganizando seus pertences. Algo nela a
fazia ter vontade de encontrá-lo, de estar na presença dele. Mas preferia mil vezes
não estar vendo-o e saber que ele estava ali a não fazer ideia de onde estava e o
que estava fazendo — e com quem!
— Andrew.
— Vejo que conseguiu sobreviver sem mim na Cabana por esses dias.
— Aposto que não. Ioan gosta de você e não tenho dúvidas de que você
encontraria alguém para conversar ainda que estivesse sozinha.
— Vou começar a achar que você me prefere silenciosa, Sr. Andrew — disse
franzindo o cenho.
— Ah, por favor, não me interprete mal — disse rindo. — Gosto de quando
você fala demais.
— Boa noite.
Ela girou nos calcanhares para se afastar, mas parou assim que ele chamou sua atenção novamente.
— Se eu soubesse que seria assim, teria fingido uma dor de barriga quando
me convidou ontem à noite.
— Receio que esteja certo — admitiu Disse arfando. — Pelo menos vou me
lembrar desta vista. E quando eu voltar para casa, poderei dizer a todos os meus
amigos que caminhei até o topo de uma montanha, na Romênia. Descreverei com
tantos detalhes que todos ficarão encantados e…
— Shh!
Olívia se calou imediatamente, o que durou apenas um instante, e quando voltou a falar, foi num suss
— Escutou isso?
— Fala baixo.
Olívia não sabia dizer se Andrew estava lhe pregando uma peça, ou se suas
vidas de fato estavam correndo perigo. Tentou
buscar, nas suas leituras e pesquisas da época de
se lembrar dos animais
selvagens que viviam na Romênia e em quais regiões viviam, mas não conseguia
se lembrar. Olhou em volta e não viu nada além de rochas e árvores altas. Tentou
identificar algum movimento nos arbustos ou som estranho, mas não conseguia
ouvir nada além de um zumbido que aumentava gradativamente. A sensação de
que algum animal selvagem os estava espreitando a deixou apavorada e antes
que se desse conta não conseguia mais respirar.
A respiração de Olívia estava curta e rápida, seu olhar não conseguia focar
em nada e seu coração estava disparado enquanto a sensação de perigo a
inundava como um peso em seu peito. No meio da floresta e numa situação de
possível encontro com um animal selvagem, Olívia estava tendo um ataque de
pânico.
Mas ela não olhava. Seu corpo só estava de pé porque Andrew a estava
apoiando, e mesmo que Andrew não fizesse ideia do que estava acontecendo, fez
a única coisa que lhe passou pela cabeça e a abraçou.
Foi um abraço firme. Não a estava machucando, mas também não deixava
espaço para ela sair dos braços dele, se quisesse. Com seu peito ele podia sentir
a respiração dela e também um leve tremor por todo o corpo. Enquanto tentava
acalmá-la, também estava ciente do perigo. Para que não ficassem
estivessem
expostos, Andrew adentrou ainda mais a cavidade rochosa, pressionando Olívia
sobre a pedra e seu peito. De onde estavam não podiam ser vistos facilmente por
um animal ou pessoa, mas também não conseguia observar nada. O silêncio era
sua única arma.
Ela temeu estar sentindo tudo aquilo sozinha, mas então Andrew se mexeu.
Foi um movimento curto, realizado com lentidão e precisão. Olívia nem saberia
dizer ao certo como ele fez aquilo o que ele fez , mas agora o rosto de Andrew
dele
estava mais perto do seu, deixando que o hálito de sua boca bem delineada
dele
alcançasse o seu pescoço dela , e uma das coxas dele estava ligeiramente
encaixada no meio das de suas pernas da moça .
Como se toda essa aproximação não fosse suficiente
Enquanto isso , Andrew
também não tinha afrouxado afrouxou o abraço nem parado parou com a carícia
em suas costas. Olívia sabia, ou apenas sentia, que bastava ela levantar um
pouco o rosto para encontrar os lábios dele. O pensamento a fez arder ainda mais.
E ele estava tão perto. Tão perto que ela podia sentir a protuberância rígida entre
as pernas dele, tocando-a pouco acima da virilha.
Olívia pensou em perguntar o que ele não podia, mas por algum milagre
divino se manteve calada.
— Me desculpe, eu… me desculpe — foi a primeira vez que olhou para ela
depois da súbita separação.
— Não precisa se desculpar. — Olívia sentiu-se realmente ofendida com as
desculpas. De todas as reações que podia esperar dele, essa definitivamente era a
menos agradável.
— Não é isso — disse tão baixo que chegou a duvidar se ele a tinha ouvido.
Andrew não respondeu, mas sua expressão era de compreensão. Ele ainda
estava respirando fundo, e Olívia percebeu o esforço que ele fazia para se livrar de
sua ereção e de qualquer outro sinal de excitação. Ela não soube o que dizer, ou o
que fazer. Queria perguntar sobre Narcisa, se o que eles tinham era algo sério e
por isso ele estava pedindo desculpas. Mas não conseguia proferir as palavras
certas. Tinha a sensação de estar revivendo um pesadelo. Era isso. Isso tudo só
podia ser um pesadelo.
— Precisamos voltar.
— E o lince ou urso?
— Não sei se vou conseguir fazer todo o percurso de volta. Estou exausta.
— Tudo bem.
Quando viraram-se para voltar, Olívia viu Andrew soltar um grunhido baixo e
cambalear para trás como se tivesse pisado em um espinho, o que não fazia
sentido, já que ambos estavam calçados, mas foi a primeira impressão dela.
Essa ideia logo caiu por terra, quando,
Até que ao olhar rapidamente no chão à procura
do que teria furado o pé de Andrew, ela se deparou com uma víbora.
A noite não foi fácil. Andrew dormia um sono inquieto, com a respiração
extremamente fraca, o que forçava Olívia a ficar atenta. Mesmo sonolenta, lutava
bravamente contra o impulso de apoiar a cabeça na poltrona e adormecer. Tinha
medo de que Andrew parasse de respirar sem que ela se desse conta.
Passeando por entre os móveis do quarto, Olívia percebeu que, para além
dos jarros artesanais, Andrew também apreciava outros tipos de arte. Suas
prateleiras estavam preenchidas por livros clássicos , e de autores brasileiros,
americanos e romenos , além de e pequenas obras de arte em forma de escultura
ou quadros pintados a óleo em miniatura.
— Calma, vai ficar tudo bem. — Olívia começou a dizer. — Eu estou aqui
com você – Olívia começou a dizer .
Não tinha certeza se ele podia ouvi-la, mas pensou que se um delírio de
febre fosse como um sonho, talvez ele pudesse ouvir e incorporar o som ao que
imaginava. Por conta disso ou não, Andrew começou a se acalmar. As suas
sobrancelhas aos poucos suavizaram, e ele parecia dormir tranquilamente.
Mais tarde, naquele dia, Andrew ainda não tinha melhorado. Pela tarde
acordou e comeu um pouco, mas agia como se estivesse sob efeito de um forte
calmante. Quando Olívia entrou no quarto dele, com um travesseiro debaixo do
braço para ficar mais confortável, deparou-se com Ioan que novamente pediu para
que ela voltasse. A contragosto, Olívia voltou para seu quarto. Mas havia dormido
boa parte do dia e não conseguiu cair imediatamente no sono, o que em parte foi
um alívio já que, algumas horas depois, Ioan bateu à sua porta de seu quarto .
O dono da Cabana Doina
Ioan há muito já havia desistido de conseguir se comunicar
verbalmente com Olívia, então apenas a chamou com um movimento de mão e ela
o seguiu.
— Mas o que está acontecendo? — Ela olhou para Ioan. Perguntou a Ioan.
— Não.
— Já chega, ele tem que acordar! — Fez menção em sacudi-lo, mas foi
impedida por Ioan.
— Não pode.
— Calma, Andrew. Eu estou aqui. Eu estou aqui. Vai ficar tudo bem.
Demorou para que ele se acalmasse, mas aconteceu. Quando Andrew parou
de chamar por Olívia e de se contorcer na cama, Ioan refez o curativo de seu
tornozelo. Seu pé tinha desinchado, mas os buracos na pele causados pelas presas
da víbora estavam fundos e enegrecidos. Pequeno ponto de necrose. Ioan aplicou
uma pasta verde com cheiro de cigarro de corda na ferida e voltou a enfaixar.
Durante aquela noite inteira, Ioan e Olívia não deixaram o quarto. Um de cada lado
da cama, não deixaram Andrew fora de vista nem por um instante.
Andrew acordou no fim do dia seguinte e deparou-se com Ioan. Era a vez do cozinheiro acompanhá-l
Andrew acordou no fim do dia seguinte, enquanto
— Acho que vocês passaram por maus bocados esses dias por minha causa.
Sinto muito.
— Você não tem que sentir. Eu estou tão aliviada que, ah! Eu pensei, eu tive
tanto medo! Mas você está aqui, agora. Você está bem!
— Eu?
— Olívia — ele a fez voltar a encará-lo —, muito obrigado. Não sei o que
seria de mim se não tivesse me ajudado.
— Se não fosse por mim provavelmente você nem teria subido aquela
montanha.
Olívia, que também estava rindo, o fitou por um segundo. Ele continuou:
— A vista é linda, e você ainda vai poder contar para os seus amigos que
subiu numa montanha na Romênia.
— Posso contar que fomos atacados por um urso? Ficaria mais emocionante.
— Isso o quê?
— Não quer que eu volte para a montanha? — Ele Andrew esperou uma
resposta esportiva da moça, mas ela estava mais séria que Ioan quando Andrew
ele
não lhe trazia tomates frescos. — Você ficou com medo? Escuta, não precisamos
voltar lá para cima. Nada de ursos, linces ou víboras. Nada do que aconteceu se
repetirá. — Ele disse Disse essa última parte de um modo mais sugestivo, deixando
Olívia pensar no que, exatamente, não se repetiria. — Mas não precisa se
preocupar comigo, isso é bem comum por aqui. Pessoas são picadas o tempo
inteiro quando se aventuram nas montanhas.
— Descanse, também.
— Você o quê?! Olívia, se sua mãe descobre isso, ela vai te buscar aí, no
meio dessa floresta.
— Nada. — Por alguma razão, Olívia não falou sobre o ataque de pânico, o
abraço, a excitação. Como poderia dizer para a amiga que quase se envolveu com
alguém comprometido de novo? Só podia ser carma. — Mas e como estão as
coisas por aí?
— Mauro adotou um gato, assim, do nada. Agora a casa está cheia de pelos
e fedendo a xixi, e eu não consigo convencê-lo a devolver o bicho .
— Você não quis ser mãe — respondeu gargalhando —, agora Mauro está te
obrigando a ser mãe de pet.
— Pode dizer.
— Eu me perguntei se deveria te contar, pois sinto que você está superando.
Mas não sei se você ficaria chateada por não saber.
Olívia pensou em responder. Depois ela pensou que já tinha respondido, mas
nem sequer estava respirando.
— Oli?
— Oi.
— Você está bem? Fiz bem em contar? Eu imaginei que pudesse querer
voltar depois de saber disso.
— Não quero.
— Mas já?
A sensação de que ela podia fazer qualquer coisa e ir para qualquer lugar e,
ainda assim, ser completamente suscetível a qualquer informação sobre Augusto a
deixava atordoada. Se ela pudesse arrancar com as mãos esse sentimento de seu
peito, faria. Se ela pudesse esquecer de tê-lo conhecido, também o faria, ainda que
tivesse que aceitar aceitando o preço de ser uma pessoa que ela desconhece. Mas
ela não podia fazer nenhuma dessas coisas.
— Está se recuperando — Olívia disse . — Até onde sei, não está mais
vomitando e está conseguindo se alimentar. Mas não o vejo há alguns dias, acho
que ele está me evitando.
— Sim.
— Puxa vida, Oli. Isso foi de 100 a 0 muito rápido. Como está se sentindo?
— Não sei. Quer dizer, parece que estou repetindo o mesmo erro, entende?
E me incomoda de verdade que ele esteja tão distante.
— Dê tempo ao tempo, Oli. Não pense assim. Aproveite sua viagem, lembre-
se que você desejou estar aí por muito tempo. E quando quiser é só voltar.
Não muito tempo depois Ioan a chamou para jantar. Pela primeira vez desde
o incidente da montanha — isto é, seis dias antes atrás — Andrew se juntou a eles.
Definitivamente havia algo de errado ali. Andrew evitou contato visual com
ela durante toda a refeição. Aquilo a irritou profundamente. Olívia podia
compreender que ele estivesse lidando com dilemas pessoais, mas não gostava de
sentir aquela parede entre eles. Decidiu agir como se nada tivesse acontecido.
Talvez fosse melhor para todos.
Sem se importar com a cara fechada de Andrew, ela
riu das gracinhas de Ioan, que tentava falar inglês enquanto comia
, sem se importar com a cara fechada de Andrew
. Apenas uma vez quando ela fez uma
pausa para beber um pouco do licor que Ioan os tinha servido para eles, que Olívia
flagrou Andrew ele a olhando para ela ; mas desta vez foi Olívia ela quem desviou
o olhar
, voltando sua atenção para Ioan.
Olívia não achou nada daquilo engraçado. Não queria ter derrubado o licor
em Andrew e muito menos ter agido como uma boboca tentando secar sua blusa
com as mãos. Não queria, sobretudo, sentir novamente aquele choque elétrico que
o calor da pele dele despertava nela quando ele a tocava. Mas ver Ioan rindo
daquele jeito a contagiou, e quando se deu conta estava gargalhando também.
Ioan foi até um móvel da recepção que continha um aparelho antigo de tocar
música antigo e, depois de apertar alguns botões, uma canção música dançante
preencheu o ambiente começou a ser ouvida . Ioan aproximou-se dela e lhe
estendeu a mão, como um verdadeiro cavalheiro. Olívia Ela aceitou com um sorriso,
e logo começaram a dançar.
O velho a conduzia com gentileza por toda a área da recepção. Fosse culpa
do álcool ou não, Olívia estava achando aquilo incrível. Não se lembrava da última
vez que dançou com alguém sem a intenção de levá-lo para sua cama. A música
era bastante melodiosa e podia ver pela expressão de Ioan que ele gostava muito
dela.
Quando a música acabou, Ioan lhe fez uma reverência e afastou-se, fazendo
entender que ficou cansado. Olívia estava radiante, divertira-se tanto que até
conseguiu esquecer, por alguns segundos, a vergonha que acabara de passar. De
repente outra música começou a tocar, também melodiosa, e apesar de não
entender o que ela dizia, Olívia podia apostar que era uma música de amor.
Nessa hora, Andrew saiu de seu quarto. Estava com outra camisa e
aparentemente só voltou para buscar o casaco que esqueceu em cima da cadeira
em que estava sentado. Ioan, ao vê-lo, disse algo em romeno que o fez arregalar os
olhos e empalidecer.
Mas Ioan insistia, e Olívia só percebeu o que ele estava dizendo quando
segurou a mão de Andrew e o levou até ela. A música estava calma, e quando
Olívia olhou para Andrew, pensando que iria encontrar a mesma cara fechada de
minutos antes atrás , surpreendeu-se ao ser recebida com encontrou um olhar
intenso da parte dele direcionado a ela . Tão profundo que seus olhos pareciam
mais escuros.
— Não precisa fazer isso — ela disse, quando Ioan encostou a mão dele na
dela e aumentou o volume da música.
Andrew olhou para Ioan uma última vez e, vendo que ele os observava,
estendeu a mão convidando-a para dançar, o mesmo movimento que Ioan fizera
antes. Olívia aceitou.
Quando Andrew a tomou em seus braços, Olívia sentiu todo seu corpo ficar
em alerta. Ele era delicado e a movia com tanta gentileza que ela podia até fechar
os olhos e imaginar-se dançando nas nuvens. Uma das mãos de Andrew estava em
sua cintura e a outra segurava sua mão, próximo do ombro dela. Olívia usou sua
mão livre para apoiá-la no pescoço dele. A mão de Andrew emanava um calor que
ia da base da cintura de Olívia até sua nuca. E o rosto dele manteve-se firme ao
lado do dela. Ela conseguia sentir a respiração e a pele da bochecha dele tocando a
dela enquanto quando se moviam.
Olívia não notou em que momento notou quando, mas Ioan havia se retirado.
Ao perceber que estava dançando sozinha com Andrew, fechou os olhos e deixou
que ele continuasse a guiando. Queria se lembrar daquela sensação depois.
Primeiro ele quase a beija e, logo em seguida, a rejeita. Depois passa a evitá-
la, então dança com ela e a deixa plantada no cômodo, com todas as terminações
nervosas de seu corpo em chamas. Pisando forte, Olívia voltou para seu quarto.
Não conseguiria dormir tão cedo. Todas aquelas sensações a faziam pensar em
coisas demais ao mesmo tempo.
Mas ela sentia aquilo. Não podia negar para si mesma, Andrew mexia com
ela. E mais: arriscava-se a dizer que ele também sentia o mesmo.
Olívia demorou para sair da cama naquela manhã. Perdeu o café e não foi
verificar como Andrew estava, embora tivesse ouvido a voz dele conversando com
Ioan algumas vezes. Quando finalmente decidiu levantar, já era começo de tarde, e
o fez principalmente porque queria comer. O humor de Ioan estava radiante. Via-se
que ele estava em êxtase pela recuperação de Andrew, e ela mesma sentia um
misto de felicidade genuína e alívio quando pensava nisso. No entanto, seus
pensamentos estavam em outro lugar, mais precisamente na cidade de São Paulo,
e nas possibilidades que teria se voltasse para casa.
Mas o que mais a perturbava, de fato, era que estava tão confusa que mal
conseguia se entender. Sentia-se uma adolescente. Se achasse uma lâmpada
mágica, e um gênio lhe concedesse um desejo, ela não saberia o que pedir. Então,
ao sair do quarto, decidiu que faria o que tivesse vontade. E que se o peso era lidar
com as consequências, faria isso depois.
Imediatamente todos viraram para ela, e Dorin abriu um largo sorriso antes
de dizer:
— Agora sim a visita valeu a pena! — Virou-se para Andrew. — Porque, você
sabe, não viemos aqui ver você. — Disse essa última parte num sussurro fingido,
alto o suficiente para que todos ouvissem.
— Conte-nos sobre essa história maluca! Quer dizer que você salvou a vida
desse grandalhão aqui? — Começou Dorin, apoiando a mão no ombro de Andrew.
— Uma história de fato fantástica para Olívia contar aos seus amigos quando
voltar. Falando nisso, você tem alguma previsão de volta, Olívia? — Perguntou
Narcisa, com um ar duvidosamente doce.
— Não pode ser! Você não pode nos deixar — dramatizou Dorin.
Enquanto Ilena dava ideias de uma festa para os outros e era respondida
com mais ideias de lugares, bebidas e comidas, Olívia se distraiu. Quando se deu
conta, Andrew havia sentado ao seu lado.
— Acha que eu não tenho nenhuma afeição por você? Você bateu a cabeça?
— Acho que nunca mais pisarei os pés em uma — disse um tanto quanto
sarcástica. — Se me der licença, preciso ir ao banheiro.
Andrew assustou-se com o linguajar pouco usado por ela na frente dele.
— Não quero que tenha medo. Vou chamar o Ioan. — E fez menção de sair.
— Fique aí onde está — a voz de Olívia saiu alta e esganiçada. — Por que
eu estaria com medo? Por que eu estaria com raiva? — Disse enquanto caminhava
até a porta e a fechava. — Por que eu iria querer que você saísse? Não estou
entendendo nada do que você diz, Andrew!
— Eu não tenho medo de você — começou ela. — E eu não sei se você tem
alguém, o que eu imagino que tenha pelo que pude perceber entre você e Narcisa,
e sei que você pode considerar o que aconteceu um erro, mas eu gostaria muito
que você , pelo amor de todos os deuses, parasse de se desculpar como se fosse a
coisa mais humilhante que já te aconteceu. — Falou sem pausas enquanto olhava
para baixo, desviando do olhar dele.
— Então me explique!
— Acha que estou me desculpando porque foi um erro? Acha que tenho
alguém?
O peso daquilo caiu nos ombros de Olívia de uma vez. Ele achava que tinha
se aproveitado dela?
— Eu achei que tivesse ficado com raiva, e com razão. Tentei me manter
afastado, Deus sabe que tentei. Mas quando eu vejo você... E toda vez que você
me toca…
— Não sabe o quanto fico aliviado de ouvir isso, porque não consigo parar de
pensar em você, Olívia. — Sua respiração quente e pesada tocava a pele dela. —
Desde o dia em que você chegou mostrando que a vida é bonita demais para não
pararmos para admirar. Desde o momento em que você subiu naquela pedra e o
vento me fez sentir esse cheiro de amêndoas. — Ele se aproximou ainda mais e
percorreu com a ponta do nariz a extensão do pescoço dela, parando com a boca
no seu ouvido. — Eu desejo você, Olívia. Com tanta força que não consigo me
conter — sussurrou.
Ele a beijou com urgência, sem pena. Beijou os lábios carnudos de Olívia
como se estivesse sem ar e ela fosse oxigênio. Invadiu sua boca com a língua
sedenta, provando cada espaço. Suas mãos estavam em todo lugar. Enquanto com
a esquerda segurava-lhe pelo pescoço, com a outra aproximou o corpo esguio de
Olívia do seu, mostrando para ela o quanto ele a desejava. Olívia soltou um
pequeno gemido ao ser pressionada contra o membro ereto de Andrew, e isso o fez
soltar seus lábios e começar a beijar seu pescoço, enquanto a conduzia até a
parede.
Olívia deixou sua mão escorrer do pescoço dele até seu peito musculoso,
cedendo a impulsos contidos desde a primeira vez que ela o viu sem camisa.
Continuou percorrendo a barriga dele com a ponta dos dedos, sentindo o relevo e a
rigidez de seu abdômen. Andrew continuava beijando-a com voracidade, até que a
mão de Olívia alcançou o cós da sua calça. Ela percorreu a distância até o botão,
fazendo-o parar o beijo para gemer baixo.
— Andrew!
Andrew a olhou com desejo uma última vez antes de se virar de costas,
respirar fundo, colocar as mãos nos bolsos da frente da calça e sair.
— Bom, acho que é hora de irmos — disse Dorin, depois de terminar uma
long neck numa golada só.
— Ou poderíamos ficar aqui, já que anoiteceu. Vocês não estão mais com
hóspedes, não é? — Perguntou Narcisa.
— Que é isso, você tem que descansar. — Dorin disse. Algo na voz dele fez
Olívia pensar que ele sabia, ou pelo menos desconfiava, do que estava
acontecendo no quarto quando ele interrompeu, e não queria interromper
novamente.
— Mas eu estou tão cansada! — Narcisa insistiu. — Voltamos amanhã de
manhã, não custa nada.
Aparentemente passar a noite na Cabana Doina não era uma novidade para
o grupo de amigos. Embora Todos concordaram, embora Dorin tenha relutado mais
um pouco , todos acabaram concordando e entraram, pois a noite já havia caído. .
— Vou dormir com a Camélia — disse Ileana, aos risinhos com a amiga.
Dorin lançou um olhar de quem pergunta “o que eu falo agora?” para Andrew.
Narcisa fitou Andrew por um tempo considerável antes de aceitar. Olívia não
sabia dizer se, de fato, aquilo fora proposital. Embora Andrew tivesse lhe dito que o
que aconteceu entre ele e Narcisa não fora nada sério, não conseguia deixar de
pensar que talvez para ela significasse algo, e tudo isso a deixava
Olívia
desconfortável.
— Claro.
CAPÍTULO 12 – AMAR NOVAMENTE
Olívia não se lembrava da última vez que xingou tanto uma única pessoa. Foi
baixo e quase internamente, mas o suficiente para assustar a si mesma.
A entrada da cozinha dava vista para o quarto de Andrew. Ela sabia que ele
ainda estava acordado porque a luz transpassava as brechas da porta. Pensou em
ir até lá, abrir a porta e finalmente entregar-se ao homem que tão rapidamente
despertou seus desejos. Encheu um copo de água, olhou uma última vez para o
quarto dele e suspirou profundamente antes de voltar para o seu quarto.
— É, pai, e o senhor dizia que era burrice dormir com o inimigo — resmungou
lembrando das lições de moral que o pai costumava lhe dar na infância, quando o
relacionamento deles era muito mais simples.
— Puxa vida, achamos por um momento que teríamos que ir sem você —
disse Camélia, ao vê-la se juntar ao grupo no saguão da Cabana.
Olívia sabia que era mentira. Tivera um sono muito inquieto e despertou
várias vezes durante a noite. Ela teria acordado facilmente se alguém tivesse lhe
chamado.
A viagem de Moroeni a Târgoviște não demorou mais que uma hora, mas
cada segundo foi sofrível para Olívia que não parava de pensar no que poderia
estar fazendo na Cabana na companhia do loiro alto mais sensual daquele país.
— São tão bonitos — comentou Narcisa quando Andrew voltou para o carro.
— São mesmo — concordou Olívia, ao passo que Andrew lhe retribuiu com
um sorriso contido no espelho retrovisor.
— Oh, querido
— disse Olívia em tom de verdadeiro agradecimento, comovida ao ver os olhos do
, não precisa de
tanto. — Os olhos do rapaz brilhavam de excitação.
— Que assim seja, então. Mas por favor não se esforcem tanto.
A visita que era para ser curta durou quase o dia inteiro porque
misteriosamente o carro de Andrew recusou-se a ligar.
— Tem certeza?
— Sim.
— Eu não mudei.
— Ah, qual é, Andrew. Se não quiser falar sobre isso, tudo bem. Mas que
aconteceu alguma coisa, ah, isso aconteceu!
— Eu estou sendo teimosa? Você consegue se ouvir? E por que está indo
tão rápido? — Já estavam na estrada há uns quinze minutos e, conforme a chuva
aumentava, Andrew pisava mais fundo no acelerador. — O que você está
fazendo? — Perguntou esganiçada ao perceber que Andrew definitivamente não ia
responder nenhuma de suas perguntas.
— Você não vai dirigir nessa chuva — sua voz era uma súplica.
Andrew não respondeu, mas jogou o banco para trás e, num movimento
rápido, se sentou no banco traseiro do carro fundo do carro . Assustada, Olívia
sentou-se no banco do motorista e, com movimentos lentos, retomou o caminho,
dirigindo devagar. Não demorou até chegarem a Puciosa, onde Olívia estacionou
em frente ao primeiro hotel que viu, o Hotel Ceres.
Assim que entraram no quarto — que continha uma cama de casal e uma de
solteiro, duas mesinhas de cabeceira com abajures, aquecedor, guarda-roupa e um
banheiro com água aquecida —, Andrew trancou-se no banheiro murmurando:
Quem dera que ela pudesse entender o que estava acontecendo, mas podia
ter uma ideia. Claramente Andrew tinha pavor da chuva, e agora que estava
pensando sobre isso, descobriu que fazia muito sentido. Lembrou-se de pelo menos
duas vezes em que a mudança de humor de Andrew estava ligada à chuva, mas ela
não tinha notado ainda . No entanto, ele também estivera agindo de maneira
estranha antes de começar a chover. Antes de ele quase nos matar, pensou.
Não soube ao certo quanto tempo demorou para Andrew sair do banho, mas
quando o fez, abalou todas as estruturas de Olívia, que não conseguiu evitar olhá-lo
boquiaberta de cima a baixo. Olívia era uma mulher muito bonita e já saíra com
muitos homens bonitos também, mas nada tinha lhe preparado para aquele homem
de quase dois metros de altura, musculoso e sexy, coberto apenas por uma toalha
na cintura que ficava pequena demais nele e salientava seu pênis.
— Minhas roupas estão encharcadas — disse ele, quase como uma criança
explicando que não fez a tarefa de casa porque o cachorro comeu.
— Ah, é... E agora? — Perguntou enquanto tentava desviar o olhar das gotas
de água que escorriam de seu abdômen até a minúscula toalha branca.
— Ah, claro — Olívia precisaria das roupas secas pela manhã, mas não
estava confortável em dividir o quarto com Andrew versão recém-saído do chuveiro
enquanto usava só um roupão ou pior, outra toalha. — Eu também vou tomar um
banho, me avise quando o roupão chegar.
Pensou que Andrew pegaria imediatamente, pois sabia que ele estava logo
ao lado da porta, mas ele demorou tempo o suficiente para ela fazer menção de
puxar o braço. Então Andrew segurou seu braço e com delicadeza pegou suas
roupas.
Olívia aproveitou o banho para colocar sua cabeça no lugar. Precisava saber
que diabos tinha acontecido com Andrew e se controlar para não beijá-lo até ficar
com os lábios dormentes. Tempo depois, Andrew bateu na porta novamente e
entregou-lhe o roupão. Surpreendentemente o roupão não era exatamente um
roupão de banho, e sim um penhoar de seda azul-marinho que ia até seus pés, com
mangas compridas e detalhes em renda na cintura. Era belíssimo. Ao olhar-se no
espelho, com os cabelos soltos e levemente desgrenhados — por ela ter tentado
secá-los com a toalha — e aquele penhoar, até ela tinha que assumir que estava
muito atraente.
— Quando você disse roupão, eu não esperava por isso — disse ao sair do
banheiro.
— Descobri que vendem esses aqui. Achei que seria mais confortável dormir
com um deles do que com um roupão.
— Precisamos... conversar.
— Eu sei.
Olívia sentou-se na cama de solteiro, que era a mais próxima do banheiro, e
ele sentou-se na outra, quase de frente para ela um para o outro .
— Você queria nos matar? — Ela havia pensado em trinta frases melhores
que essa, no banho, mas ainda assim conseguiu esquecer todas elas.
— Olívia…
— Quer dizer, desculpa. Eu estou em choque com tudo isso e juro que estou
pensando na melhor maneira de perguntar isso, mas eu achei que você ia nos
matar e ainda estou sob o efeito da adrenalina porque eu pensei que você tinha
surtado e não ia parar de acelerar até batermos em outro carro, ou em uma árvore,
ou…
— Oli — interrompeu Andrew, estendendo seu braço pelo vão entre eles e
tocando seu joelho. — Calma.
— Ok — ela olhou fixamente para ele, que tirou a mão de cima dela.
de sobre ela
— O que aconteceu?
— Primeiro eu quero me desculpar. Por ter colocado sua vida em risco, por
ter colocado minha vida em risco e por ter perdido o controle na sua frente. Você me
perguntou um tempo atrás como eu vim parar aqui na Romênia , um tempo atrás .
Você sabe, mãe brasileira, pai americano e eu vivendo aqui. Pois bem. Meus pais
se conheceram na faculdade. Vivemos minha infância no Brasil, até meu avô
morrer. Minha mãe ficou praticamente sem família depois disso, e então decidiram
vir para a Romênia para que meu pai concluísse o doutorado dele. Ele era professor
de literatura e estava estudando sobre literatura clássica de terror. Seu doutorado
seria sobre Drácula. Então ficamos aqui dos meus dez aos quatorze anos. Ficamos
hospedados em muitos lugares, mas passamos um tempo considerável na Cabana
Doina. Até o dia em que estávamos viajando da Transilvânia para Valáquia, e caiu
uma chuva dessa. Parecia que Deus estava chorando. Sofremos um acidente, e
meus pais morreram. Meu pai morreu imediatamente e minha mãe morreu no
caminho para o hospital.
Olívia estava tão quieta que parecia não respirar. Andrew continuou:
Andrew fez uma longa pausa, então Olívia teve coragem de falar:
— Tudo bem, já faz muito tempo. Acontece que eu não gosto nada de chuva
e muito menos de dirigir na chuva, então me desculpe por tudo isso.
— Ioan sabe?
— Sabe. Ele não gosta que eu dirija se houver a menor chance de chover.
— Claro.
— Aconteceu.
— O que foi?
— O quê?
— Eu o amei por todos esses anos e não fiz nada nem falei ou falei nada
porque prezava nossa amizade. Bom, pelo menos era o que eu dizia a mim mesma.
Acho que no fundo eu não disse nada por medo de ser rejeitada. Nós éramos tão
próximos, ele me conhecia tão intimamente que eu sentia que se ele não fosse
capaz de me amar, ninguém mais seria.
— E o que aconteceu?
— Vou. Não agora, mas sim. Eu preciso. Não posso abrir mão da minha
carreira, da minha família, das coisas que construí no Brasil.
— E ele?
— Então vai voltar para ele — Andrew levantou-se e caminhou até o outro
lado do quarto, fitando a parede.
— Não. Não, Andrew. Se eu quisesse voltar para ele, eu já teria ido. Mas
eu… eu não posso. Não por causa dele ou por sua causa. Mas eu preciso me dar
uma chance, eu preciso me escolher e com isso quero dizer escolher estar livre,
fora do domínio de um homem que nunca me amará.
— Não te querer mais? — Ele voltou-se para ela. — Você acha mesmo que
algum dia, enquanto eu continuar lúcido, deixarei de querer você, Olívia?
— Você vai voltar para o seu mundo — ele acrescentou — e para perto
desse desgraçado que cometeu a blasfêmia de se satisfazer com outra pessoa
enquanto você existia no mundo dele! E eu ficarei aqui corroendo meus ossos
porque eu juro para você, Olívia. — Aproximou-se dela, segurando seus ombros. —
Eu não sei parar de te querer. —
Sussurrou, fazendo o corpo dela arrepiar por inteiro.
Ela arrepiou-se — E eu tento me conter porque sei que você vai embora e
isso tudo é só uma viagem para você, mas eu não consigo! Passo os minutos
pensando em você e quando durmo, você invade meus sonhos! Seus cabelos
negros, seu cheiro de amêndoas…
Andrew não se lembrava de ter chegado tão perto dela, mas lá estava ele,
com uma mão em sua cintura e o nariz em seu pescoço, sentindo o cheiro dela.
Andrew sabia que não devia. Estaria assinando sua sina e sua desgraça,
mas ainda que houvesse como parar, ele não o fez. Segurou Olívia pela nuca e
beijou-a com todo o ardor que sentia. Quando ela retribuiu, beijando-o de volta, um
arrepio percorreu seu corpo e ele soube que já estava perdido. Beijou os lábios
carnudos dela e explorou toda sua boca com sua língua. Ele queria conhecê-la,
queria estar nela. Conduziu-a até a parede porque precisava de algo para ajudá-lo a
pressionar o corpo dela contra o seu. Estava tão excitado que quase doía. Ela
envolveu seu pescoço com seus braços e também o beijava. E enquanto ele
percorria com a boca o pescoço e colo de Olívia, um pensamento atrevido lhe
ocorreu. Voltando seus beijos sedentos para o pescoço dela, tateou em seu
penhoar a fitinha que o abriria. Achou-a e antes de
desamarrá-la com um leve puxão
puxá-la, desamarrando , afastou-se um pouco para olhar para Olívia ela. Ele
temia que ainda não fosse a hora, que ela ficasse envergonhada, mas não
conseguiu parar. Puxou a fita de seda, afrouxando o penhoar e o fez escorrer por
seus ombros, caindo no chão.
O corpo de Olívia era magro, e sua cintura era fina. Sua pele era dourada e
Andrew mal pôde esperar para admirar tudo. Seu pescoço era comprido e elegante,
mas isso ele já tinha visto. Seus seios eram pequenos, mas gloriosos. Seus
mamilos levemente amarronzados estavam entumescidos, arrebitados e implorando
para serem sugados. Sua barriga era tão sedutora que ele desejou lambê-la de fora
a fora e abaixo do seu umbigo estava seu sexo, com um tufo de pelos em formato
de V perfeitamente delimitados. Aquilo era demais para ele aguentar. Sem pensar
duas vezes, abocanhou um de seus seios, mordendo e chupando levemente,
enquanto ela arfava de prazer. Suas mãos percorriam seu corpo com a necessidade
de conhecê-lo, provocando arrepios em sua pele. Sua cintura, seios, bunda e
quadris eram despertados pelo toque sedutor dele.
As coisas estavam acontecendo tão rápido que Olívia mal conseguia pensar.
Em um momento pensou que ia morrer, em outro pensou que Andrew não iria
querer mais nada com ela, e agora estava nua com aquele homem majestosamente
belo chupando seu seio esquerdo. Ela o desejava tanto que seu corpo ardia,
queimava. Quando ele passou para o outro peito e carregou-a para a cama — sem
soltar seu mamilo — ela gemeu alto. Queria que ele continuasse, que a possuísse.
Ela queria ser dele.
Andrew beijou toda a barriga dela enquanto descia, parando em seu umbigo
para beijá-lo com mais atenção e desceu ainda mais, segurando-a firmemente pelo
quadril. Beijou e lambeu o interior das coxas de Olívia enquanto mal conseguia se
controlar ao vê-la se contorcer de prazer. Provocou até não aguentar mais e
finalmente beijou-a no centro de seu desejo.
Olívia sabia aonde ele ia chegar quando começou a descer por sua barriga,
mas não esperava sentir tanto prazer quando a boca dele finalmente alcançasse
sua vulva. Ele lambia e chupava com tanta voracidade que não demorou para que o
corpo excitado dela chegasse ao orgasmo.
— Andrew, ah! — Ela tentou avisar, mas ele não parou, então seu corpo ficou
rijo e suas costas arquearam. Ela explodiu em prazer na boca dele.
Andrew dedicou-se e foi cauteloso, teve paciência nas horas certas, até a
respiração dela ficar muito curta, então pôde ver a expressão dela gozando
enquanto seus dedos sentiam os espasmos musculares.
Ela era a coisa mais bonita que ele já vira em toda sua vida.
“Caralho” foi tudo o que Olívia conseguiu pensar. Não tinha como aquele
homem ser mais bonito, mais atraente, mais viril. Seus ombros largos e peito e
abdômen musculosos abriram espaço para a visão de seu pênis que, caso ela não
estivesse tão excitada, teria medo de sentir dificuldade para recebê-lo inteiramente.
Mas ela estava pronta, mais que pronta. Ele havia brincado com ela, rendido ela,
feito ela gozar de duas maneiras diferentes, mas ela queria mais. Ela queria aquilo.
— Se você não me comer agora eu não sei o que serei capaz de fazer.
— Você é tão gostosa! — E ela era. A pele, o cheiro, o gosto dela eram
simplesmente irresistíveis para ele.
De repente, quando ele subia para mais uma investida, ela virou-se debaixo
dele, ficando por cima.
— O que você…
Olívia começou a se mover sobre ele, apoiando-se em seu peito forte. Ele
conseguira vê-la gozar e agora ela precisava fazer o mesmo. Ela queria ver a
reação dele ao gozar sob seu galope.
Andrew deu trabalho para Olívia, mas quanto mais rápida ficava a respiração
dele, mas ela acelerava. Até que ele espalmou sua bunda com as duas mãos e num
gemido rouco, gozou. Ao fim de tudo, Olívia se jogou exausta ao lado dele na cama.
Ambos recuperando o fôlego da maneira que conseguiam.
— Você trapaceou, eu queria que você também chegasse lá — disse ele,
minutos depois, quando os dois já conseguiam falar uma frase inteira sem ter que
parar para respirar.
— Sim?
— Você não pode continuar assim, cara, levanta. Hoje você deveria ter ido
trabalhar. Me meti numa encrenca ao inventar uma desculpa para você.
— Não precisava.
— Claro que precisava. Você é meu amigo. Mas, sério, não tem como
sustentar essa situação por mais tempo, então é bom você levantar essa bunda
branquela da cama e tomar um banho, limpar essa casa e voltar ao trabalho.
— Claro que sabe. Você tem que acordar, cara. Esperou Você esperou por
esse cargo por anos e aqui está você, jogando no lixo todo o esforço que fez para
conseguir. O que está pensando em fazer? Pretende passar todas as noites
bebendo, fumando e comendo mulheres desconhecidas até perder o emprego?
— Pois alguém estava, e aposto que se pendurou nessa boca a noite inteira.
— Augusto, eu entendo pelo que você tá passando, sério. Mas você não é o
único homem que já ficou balançado pela mulher errada. — Enquanto tentava ser
compreensivo, Pedro caminhava pelo quarto colocando alguns objetos de
decoração no lugar e juntando o lixo.
— Neste final de semana não vai rolar. — Augusto saiu do banheiro com uma
toalha na cintura e outra secando o cabelo.
— Engraçadinho você.
— Nós vamos, neste final de semana, e ponto final. Pode desmarcar com
suas amantes.
Esperou por uma resposta de Augusto, mas ele entrou no closet e saiu de lá
vestido como se ninguém esperasse por explicações.
— Augusto, se você fizer isso, sabe que estará acabando com todas as
chances de reatar seu relacionamento com Iasmin, não sabe? Pelo amor de Deus,
Augusto, é só uma mulher e você está noivo! — Vociferou enquanto jogava a
passagem aérea na direção de Augusto.
— O que foi?
— Pedro provocou, sem se deixar abalar pela expressão carrancuda do amigo. —
Eu também tenho olhos. Mas você ama Iasmin, você vai
se casar!
— Você poderia, por favor, parar de falar sobre ela como se fosse uma… —
ele moveu as mãos ao redor da cabeça, como se estivesse tentando capturar a
palavra certa — uma coisa irreal?
Pedro já estava cansado de toda aquela história. Ele amava Augusto, é claro,
e os deuses eram testemunhas de que havia se esforçado para entender toda
aquela situação. Quando conheceu Augusto, ele já namorava Iasmin, mas claro que
não demorou muito para Pedro conhecer Olívia também. Lembrava-se exatamente
do dia em que vira Olívia pela primeira vez, porque ficara tanto tempo fitando os
lábios dela que quando se deu conta, ela o estava encarando de volta. Sentiu-se um
assediador e depois tinha rido desse ocorrido com Augusto.
— Eu não entendo — confessou Pedro — parece irreal para mim. Acho que
parece irreal para qualquer pessoa que analise essa situação de fora.
— Ela esteve comigo por doze anos. Doze anos. Eu mal lembro de quem eu
era antes de conhecê-la. Tudo o que me aconteceu depois disso e tudo o que me
tornei tem traços dela, tem o cheiro dela. Mas eu me convenci de que não podia ser
nada além do que já era, então segui a minha vida, ainda assim, completamente
incapaz de abrir mão da presença dela.
— Você não amava Iasmin? — Perguntou, baixando o tom de voz. Para
alguém como o Pedro, que é perdidamente apaixonado pela própria esposa, era
difícil entender.
— Claro que amava. Por isso não pude ser desleal a ela. Eu achei que não
sentia mais nada por Olívia, mas eu estava errado. E no momento em que percebi
isso, resolvi as coisas com Iasmin.
— Eu sei.
— Eu preciso.
****
— Ela pode estar sem sinal, Maria — disse Mauro tentou acalmá-la ,
massageando suas costas.
— Mas você não disse que ela sempre foi apaixonada por Augusto? Pensei
que ela iria gostar de ter uma visita dele. Não seria algo a se considerar romântico?
— Sim, ele. Estava acontecendo algo, eu pude sentir pelo que ela me
contava. Talvez fosse a chance de ela deixar para trás qualquer esperança no
Augusto.
— Você acha que ele terminou o noivado com Iasmin por causa dela?
— Onde ela está? — Ele perguntou no momento em que Maria pisou os pés
para fora de casa.
— Eu não sei — riu nervosamente. — Por que não manda uma mensagem
para ela perguntando?
Ela sabia que Olívia tinha seus motivos para não ter deixado claro em suas
redes sociais onde ela havia se hospedado. Desde a viagem de Olívia,
era a primeira vez que Maria via
fora a primeira vez que viu Augusto e surpreendeu-se
com a aparência lastimável do amigo que costumava estar sempre muito
apresentável.
Tentaram ligar para Olívia, mas ela não atendia, então decidiram voltar a
dormir e tentar ligar novamente pela manhã.
CAPÍTULO 14 – IOAN
Definitivamente fazia anos que Olívia tivera uma noite de sono tão agradável.
Seu sono tranquilo foi capaz de descansar-lhe a alma. Quando despertou, sem
fazer ideia de que horas eram, foi coberta pelo braço forte de Andrew que a trouxe
mais para perto de si, adormecendo novamente.
— Para o jantar a janta , você quis dizer — respondeu ao pegar seu celular de
cima da mesa de cabeceira e ver que já eram 14h40. — Oh, meu Deus! — Sentou-
se rapidamente.
— O que houve?
Mais que depressa, Olívia ligou para Maria e surpreendeu-se ao ser atendida
quase que instantaneamente.
— Ah, Oli, eu nem sei por onde começar. Por que não me atendeu antes?
— Bem — ela conferiu rapidamente o horário das ligações de Maria —, eu
estava dormindo.
Olívia não sabia exatamente qual reação esperava da amiga, mas não era o
silêncio mortal que se seguiu.
— Maria?
— Oi. Oli, que maravilha! Fico tão feliz por você, amiga! Como está se
sentindo?
— Maria, que horror! Tem certeza que está tudo bem? Sinto muito por não ter
atendido.
Depois disso, Maria lhe fez mais perguntas sobre a primeira noite deles e
sobre Andrew no geral. Olívia respondeu tudo com ar de adolescente apaixonada.
Depois de fazer uma higiene rápida, Olívia saiu. Temia que aquele momento
fosse embaraçoso, mas não foi. Andrew lhe disparou um sorriso largo, carregado de
emoção. Seus olhos pareciam brilhar, e Olívia sentiu borboletas no estômago
quando ele se aproximou para beijá-la suavemente.
A viagem não poderia ser mais encantadora. Andrew estava com seu melhor
humor, e quando Olívia pensou que ficar a sós com ele sem estar se contorcendo
sob seu corpo suado fosse ser constrangedor, surpreendeu-se com o quão fácil foi
rir. Não aqueles sorrisos de nervoso ou o de preencher vazios, mas um riso de
genuína diversão. Absolutamente qualquer coisa que um dissesse poderia fazer o
outro se desarmar em uma gargalhada.
A culpa de terem passado a noite no hotel não foi de Olívia, mas ela sentia-
se parcialmente responsável. Talvez por, apesar de não ter feito isso acontecer, ter
desejado.
Mas não demorou muito até que uma dorzinha já muito conhecida a
encontrasse e, de repente, já não se sentia tão bem. Aquela sensação sufocante
sufocante sensação de que estava errado se sentir bem, afinal de contas ela esteve
muito tempo acostumada com o contrário.
— Olívia — era Andrew. — Ioan nos quer na cozinha, tudo bem para você?
Antes de sair do quarto, viu a foto que tinha deixado sobre a mesa de
cabeceira. Ela e Augusto. Sem parar para pensar por muito tempo, pegou-a e enfiou
dentro da mala, longe de sua vista. Por fim, Andrew já havia contornado a situação
com Ioan, e o velho só queria se certificar de que ambos se alimentassem, para a
sorte de Olívia, que ainda estava faminta. Era engraçada a forma como Ioan tratava
Andrew, e agora que Olívia sabia de toda a história dos dois, enxergava ainda mais
beleza nesse relacionamento.
A mesa estava farta, como sempre. É uma verdade absoluta que Ioan é um
cozinheiro de mão cheia e, ou ele é exagerado por natureza, ou quer ver Andrew e
Olívia com alguns quilos a mais. Depois de terminarem de comer, Olívia ofereceu-se
para ajudar Ioan com os preparativos para o jantar a janta . Conseguiam se
comunicar cada vez com mais facilidade.
Ioan aceitou sua ajuda e logo ocupou-se de outras tarefas nos quartos vazios da Cabana.
Antes que Olívia tivesse a chance de lavar a primeira travessa, Andrew
fingiu pôr um prato na pia apenas para abraçá-la pelas costas. A intimidade do
toque dele fez ela se arrepiar.
— O quê? Não!
Andrew retirou sua roupa com uma facilidade absurda e, antes de abrir seu
sutiã, tomou-a ainda mais firme em seus braços.
— Só desta vez vamos fingir que você ficará aqui para sempre, Oli — sua
voz era baixa e rouca. — Vamos fingir que você é minha.
Olívia subiu a mão por sua nuca e segurou-lhe pelos cabelos loiros, fitando
seus olhos em chamas.
— Eu sou.
Sem nenhum pudor, Olívia colocou em prática todas as fantasias que havia
nutrido por Andrew. Ela queria sentir o gosto dele, e sentiu. Queria fazê-lo perder
todo o controle, queria que fosse dela.
— Desse jeito você me obriga a não ter pena — disse erguendo o rosto
dela. — Eu vou comer você e dessa vez estarei dentro quando você gozar.
Andrew não conseguia parar de pensar que ela era perfeita. Sua pele, seu
cabelo, seus olhos, seu rosto, seu corpo, seu cheiro. E tê-la em seus braços,
derretendo de prazer, o fazia se sentir o homem mais sortudo do mundo.
Olívia era selvagem. Mas não do tipo que exagera ou machuca, ela se
entregava ao momento de uma maneira tão libertadora, que era sagrada. A
promessa de Andrew foi perfeitamente finalizada quando, minutos depois, Olívia
chegou ao orgasmo, seguida dele.
— Não vamos conseguir esconder do Ioan por muito tempo, desse jeito.
— Não sei. Faz parte do nosso acordo eu me manter longe dos hóspedes.
Os olhos de Andrew tocaram seu rosto como uma carícia, fazendo-a perder o
riso e congelar. Ela não sabia se ele responderia, mas seus olhos derramavam
ternura sobre ela. Ele deslizou a ponta de seus dedos sobre as costas dela e, com
uma delicadeza que a fez arfar, beijou-a novamente. Não foi um beijo ardente, mas
apaixonado. Foi um beijo de devoção.
— Está sozinho, hein? Seu mentiroso, picareta! Por acaso não se lembra que
não pode se envolver com os hóspedes? Ou vai me dizer que estava apenas
fazendo-lhe uma massagem? Mentiroso, mentiroso! E debaixo do meu teto!
— Ele está perguntando se você quer ficar no meu quarto — revelou Andrew.
Ioan novamente o apressou. — Disse que gosta de você e que fica feliz por nós,
que você pode morar aqui até... — Ele parecia procurar as palavras certas, e pela
terceira vez Ioan o apressou, dessa vez com um tapa nas costas. — Até casarmos.
— Eu sabia que era um povo muito católico, mas todas as festas, o álcool e
até mesmo você se agarrando à Narcisa me fez pensar que não era tanto assim.
— Então foi isso o que viu aquele dia? Narcisa e eu?
— Olha, não é hora de falar sobre ela. O que vamos fazer com Ioan?
— Santo Deus!
*****
— Ele não está em casa nem no trabalho, onde mais podemos procurar? —
Mauro estava cansado da noite maldormida e da manhã alvoroçada, mas
permanecia paciente.
— No bar?
— Querida — ele estacionou o carro —, o que mais tem nessa cidade é bar.
Por que você não a avisa, logo? Olívia não vai ficar com raiva de você, ela nunca
fica.
— Eu torcia.
— E o que mudou?
Mauro entendia muito menos que Maria toda a situação. Era amigo de Olívia,
mas não trocavam confidências como aquela. Sabia que Olívia tinha sentimentos
por Augusto. Desconfiava que Augusto tivesse desejo por ela. Tivera certeza por
muito tempo que sua esposa desejava a união dos dois. Mas agora lá estavam eles,
rodando São Paulo na esperança de encontrar Augusto e impedi-lo de ir atrás de
Olívia.
— Não, claro que não. Mas não é como se fôssemos dois hóspedes,
eu moro aqui.
— De maneira nenhuma!
O que ela não parava de pensar, na verdade, era que ela não queria sair da
Cabana. Além de ter se afeiçoado à rusticidade do lugar, não conseguia imaginar
prazer em estar naquela cidade longe de Andrew. E entre estar longe e voltar para
casa, talvez fosse hora de voltar para o Brasil. Planejara ficar apenas algumas
semanas e esse plano já havia se estendido por tempo demais, então qual era o
problema?
— Velho rabugento!
— Claro.
Ficou satisfeita pela pequena dose de esperança que aquilo lhe trouxe.
Assim conseguia parar de pensar por alguns minutos em voltar para o Brasil e se
permitir fantasiar com o que os dois podiam fazer naquela paisagem divina.
Ao acordar, evitou sair do quarto até o final do dia, saindo apenas de noite
para buscar comida na cozinha, num horário em que sabia que Ioan já estaria
dormindo. Pensou em ligar para Maria, ouvir seus conselhos, mas sabia que só ela
, Olívia,
poderia tomar aquela decisão. Na verdade, nem sabia ao certo quais eram
suas opções: ir embora já ou ficar mais algumas semanas? Ir embora ou não ir
embora? Tinha muito o que ponderar.
A maneira como Ioan cuidava da Cabana era encantadora. Era quase como se a Cabana fosse
Eles não fizeram nenhuma menção a Andrew durante todo o dia. Próximo ao
horário de encontrá-lo na floresta, Olívia recolheu-se para se banhar e trocar as
roupas que havia sujado com as tapeçarias empoeiradas. Em sua bolsa, colocou
um lençol bem dobrado. Pela manhã estava fazendo muito calor, e o dia estava
ensolarado, mas depois do almoço, ela sentiu um pouco de frio e pensou que
poderiam precisar de algo para se cobrir. E logo estava Estava pronta. Botas, bolsa
com comida e proteção para o frio, calças e uma blusa de mangas compridas. Antes
de sair, fez-se entender que daria um passeio pela floresta, e Ioan não lhe impôs
nenhuma objeção.
Seu coração estava acelerado, suas mãos suavam estavam suando e ela
não conseguia esconder o sorriso no rosto. Não fazia ideia do que faria e do que
seria daquela relação fadada ao fracasso em alguns dias, mas por ora precisava
apenas encontrá-lo no lago e deixar que o desejo e a natureza ditassem o ritmo do
encontro.
— Pela estrada afora eu vou bem tão sozinha — enquanto saía da Cabana,
lhe veio à mente uma canção antiga e sem perceber, estava cantando em voz
alta —, levar esses doces para a vovozinha. A estrada é longa e o caminho é
deserto…
— Você não está imaginando, Oli — disse outra vez a conhecida voz.
Olívia, que já havia se virado para penetrar a floresta, deu meia-volta para
encarar Augusto em toda sua glória. O homem estava há poucos metros de
distância, com um olhar de predador.
— Te encontrando.
— Você não veio me pedir mais tempo, veio? O que tem para dizer, diga
logo. — Olívia sentia um turbilhão de emoções. Estava tão surpresa em ver Augusto
que não conseguia sentir mais nada.
Augusto passeou os olhos sobre ela, pausando na bolsa que ela carregava.
— Estava.
Aquilo tudo era demais para Olívia. Ela estava tão nervosa que não
conseguia deixar as mãos paradas. Que diabos está acontecendo? Por que está
acontecendo? E por que está acontecendo justo agora?!
Antes que Olívia se desse conta do que Augusto estava fazendo, foi coberta
por seu abraço apertado. Inicialmente, ela não reagiu. Sentia como se estivesse
carregando todas aquelas informações, mas sem sucesso. Augusto a segurou firme,
exalando saudade e afundando seu rosto no pescoço dela.
O coração de Olívia martelava tão alto que ela pensou poder ouvi-lo. Sua
mente estava confusa, mas seu corpo reconheceu aquele toque. O jeito que ele a
encaixava em seus braços, o cheiro do perfume amadeirado, a suavidade da pele
dele encontrando a sua. Tudo era familiar demais para ser ignorado.
Ao dizer estas palavras, Augusto moveu a cabeça na direção dos lábios dela.
Olívia conseguiu escapar do beijo dele por um centímetro e, com as mãos trêmulas,
pediu explicações.
— Não preciso dizer que tudo mudou naquele jantar, não é? Eu vi, Oli, em
seus olhos. Vi que para você nossa história não tinha acabado e, de alguma
maneira, isso me fez questionar tudo o que eu fiz depois de ter conhecido você. Me
fez questionar nossa separação, meu relacionamento com Iasmin, meus
sentimentos por você.
Olívia sentiu uma onda de adrenalina pelo corpo ao ouvir aquelas palavras.
Não era só emocionante, era doloroso. As lágrimas começaram a rolar quentes pelo
rosto dela. Estava incrédula com tudo aquilo. Havia esperado mais de uma década
por esse exato momento, então por que estava doendo?
Augusto não respondeu. Não havia como responder àquilo e isso deu apenas
mais raiva em Olívia que, sem perceber, estava gritando:
— Você não me deixa ficar, você não me deixa ir embora! Que tipo de amor é
esse?
— Desculpe, Oli. De verdade. Eu não vou dizer que não sentia algo, que não
tentei controlar o impulso que tinha a cada vez que te via. Mas agora eu sei que não
quero mais controlar nada, eu não quero ficar longe de você e eu quero poder gritar
para o mundo que sou apaixonado por você, Oli. Que eu te amo.
Amar Augusto nunca foi algo fácil para Olívia. Era árduo, cansativo.
Ela perdeu
Perdera a conta de quantas vezes fora dormir chorando. Havia se
acostumado à sensação de solidão. Amar alguém e não ser amado de volta era
como estar num lugar muito grande e muito vazio. Não havia paredes, janelas,
nenhum lugar por onde escapar. Apenas a certeza de que não conseguiria sair dali
e que também não teria um único conforto enquanto ficasse. E, ainda assim, ela
continuou o amando durante todos aqueles anos. Augusto era como um vício. Não
conseguia se manter afastada por muito tempo, mesmo sabendo o mal que lhe
causava.
— Não, Aug. Eu te dei uma vida de chances. Agora eu preciso dar uma a
mim mesma. — E virou-se em direção à floresta, correndo. Parou antes de penetrar
as primeiras árvores e olhou para trás. Augusto estava parado no mesmo lugar,
fitando-a, a chuva caindo densa sobre ele. Era uma despedida.
— Adeus, Oli.
Olívia correu tão depressa que quase tropeçou diversas vezes. Quanto mais
corria, mais a chuva aumentava. Em alguns momentos era forçada a diminuir o
ritmo, pois as pedras no caminho estavam cobertas de musgo escorregadio. Ela
passou pela pedra-ponte e continuou seguindo o riacho, quebrando os galhos de
árvore que se estendiam por sobre o caminho. Queria poder cruzar o limite da
velocidade humana e chegar ao lago naquele exato instante, mas não conseguia
ser mais rápida. Não conseguia sequer imaginar como Andrew devia estar se
sentindo. Ele precisava dela.
— Eu não vou embora, não vou. Estou aqui agora. Estou aqui.
A voz desesperada dela partiria o coração dele, se ele não estivesse nervoso
demais para notar. Olívia percebeu que Andrew ainda estava em pânico. Sua
respiração estava curta e rápida, o coração dele estava disparado, seus olhos não
conseguiam se fixar nela. Então, sem pensar duas vezes, Olívia o beijou. Um beijo
de resgate, era o que ela diria para si mesma depois.
A ideia dela funcionou. Segundos depois sentiu nos lábios a retribuição dele
que, aos poucos, começou a beijá-la também. Então ele apertou o abraço. E seu
beijo delicado foi tornando-se cada vez mais intenso. Olívia não percebeu quando a
respiração ofegante de Andrew deixou de ser puro pavor e tornou-se desejo.
Lembrou-se de como costumava morder o próprio dedo quando era pequena e se
machucava, para que uma dor amenizasse a outra. Parecia que ele estava fazendo
algo parecido. Concentrando-se nela para esquecer a chuva.
Andrew a beijava com ardor, com raiva. Soltou seus lábios apenas para se
despir, permitindo-se sentir as grossas gotas de chuva nas costas. Ele não tirou os
olhos de Olívia por um único momento. Olívia entregou-se ao toque desesperado
dele, que tentava tocá-la em todos os lugares ao mesmo tempo.
Andrew não queria parar, e não o fez. A chuva massageava suas costas
enquanto escorria do seu corpo para o corpo de Olívia, que beijava-o
apaixonadamente. Ele ouvia os gemidos dela entre os beijos e não parou até soltar
um rugido de êxtase. Depois do que possivelmente foi o orgasmo mais intenso que
teve na vida, permaneceu sobre Olívia, protegendo-a com o próprio corpo da chuva
torrencial, mas ela fez questão de deixar a chuva cair sobre seu rosto. Nenhum dos
dois disse palavra alguma, mas permaneceram ali por muitos minutos.
CAPÍTULO 16 – UMA CHANCE
— Recomeçando.
— De você? Nunca.
— Não sei.
— E seu trabalho?
— Sua família?
— Por Deus, te disse o que eu quero, não o que vou fazer. Não sei nem por
onde começar a organizar a bagunça que minha vida se tornou.
— Bagunça?
— Isso não parece uma bagunça para você? — Disse apontando para um
dos panos de chão que usaram para secar a meleira que fizeram, rindo. — Eu gosto
disso. — Apontou para seu próprio peito e para Andrew ele algumas vezes. — E
quero isso. Quero nos dar uma chance. Mas não é tão simples.
— Tem o tempo que precisar para pensar — Andrew foi até ela, beijando-lhe
a testa. — E pode ficar o tempo que quiser na Cabana, eu me viro com Ioan.
— Eu não sei por onde começar, então me faça parar se não entender
alguma coisa. Não vai acreditar no que aconteceu, Augusto esteve aqui.
— Maria! Você nunca me guardou segredos, por que isso agora? Há quanto
tempo sabia?
— Eu ia te contar, eu juro. Ele esteve aqui em casa, bêbado como um
gambá, perguntando de você. Eu não disse onde você estava hospedada, mas ele
jogou uma armadilha, e Mauro caiu como um patinho. Ele sabia em que cidade você
estava por causa das suas publicações no Instagram, então depois de saber que
você estava numa cabana, foi embora. Imagino que não demorou muito para achar
a sua.
— Sim.
— Por que não me contou? — Olívia não estava com raiva, como Mauro
previu. Não conseguia sentir raiva de Maria, mas queria entender a situação.
Olívia ficou alguns segundos absorvendo todas aquelas informações. Por fim,
despejou tudo o que sentia para a amiga:
— Ele veio aqui. Disse que me amava. Mas eu não pude, Maria, não
consegui. Não sei o que sinto por Andrew, mas definitivamente sei o que não sinto
mais por Augusto. Eu ainda o amo. Mas não estou mais apaixonada por ele. Sabe,
ele nunca será uma pessoa comum para mim, mas não quero que tenhamos mais
nada. Não o quero.
— Isso é mais que música para os meus ouvidos. Oli, você merece alguém
que te queira, que te escolha.
— O tradutor?
— Sim, o Andrew O nome dele é Andrew . Preciso te contar tudo o que
aconteceu nesses últimos dias para que você não queira me matar quando eu falar
que não quero voltar para o Brasil tão cedo.
— Não.
— Então acho que você já é grandinha, Oli. Não serei eu ou nenhuma outra
pessoa a te dizer qual caminho tomar. Você, e só você, sabe o que é melhor. Então
escolha o seu caminho, amiga. E eu estarei aqui para você, independentemente da
decisão que tomar.
— Podemos encontrar algum trabalho para você aqui até decidir o que quer
fazer — palpitou Andrew.
— Pelo que vi, você está ficando boa nisso — brincou o rapaz.
— Só aprendi aquelas palavras porque, enquanto você esteve fora, Ioan
ele
me fez ajudar com toda a tapeçaria.
— Na Cabana?
— Sim. Ioan costumava dar conta de tudo sozinho, mas está ficando velho e
aposto que não negará uma ajuda.
— Seria ótimo.
— Posso te ensinar.
Olívia falou para Andrew sobre a visita de Augusto. Não queria guardar
segredos e também temia que Ioan tivesse visto ele e contasse para Andrew
depois.
— Quem?
— Surpresa.
Olívia e Andrew dormiram juntos no quarto dele sem que Ioan interferisse.
Olívia ficou pensando no que Andrew deveria ter dito a ele para deixá-lo tão à
vontade com isso, mas não perguntou.
No dia seguinte, Olívia vestiu seu mais bonito vestido — era azul com flores
brancas —, penteou os longos cabelos negros e entrou no carro de Andrew, em
direção à Târgoviște. Chegaram depois de pouco mais de uma hora. Olívia
rapidamente reconheceu o caminho que estavam seguindo, já que fora o mais
visitado desde sua chegada: a casa de Dorin. Assim que entrou foi surpreendida por
gritinhos alvoroçados e confetes. Estavam todos lá, e enquanto todos gritavam seu
nome, Dorin se aproximou.
— Pensamos que teríamos que fazer uma festa de despedida, mas ficamos
ainda mais felizes que não seja esse o caso.
Ela logo entenderia que Andrew contou a todos que ela decidiu ficar por mais
algum tempo na Romênia e como eles já haviam planejado uma festa de despedida,
decidiram festejar a permanência dela. Estava tudo muito bonito. Havia fitas
coloridas nas paredes, bebidas — incluindo as groselhas mágicas de Ileana —,
comidas e até alguns docinhos. Lembrava muito uma festa de aniversário brasileira.
— Sua festa seria em outro lugar, mas tivemos que improvisar quando
Andrew nos falou sobre sua permanência — comunicou Camélia.
— Ficamos muito felizes de ter você conosco por mais tempo, Olívia — disse
Sandu, bem menos tímido do que na primeira noite em que haviam se conhecido.
— Bom, não. Eu fui demitida dias antes de vir para cá — confessou Olívia.
— É. Mas tudo bem, eu darei um jeito. Não há nada com o que se preocupar.
Olívia gostaria de ter mais tempo para pensar em uma resposta apropriada,
pois tudo o que conseguiu fazer foi encontrar os olhos de Andrew. Quando
percebeu que ainda esperavam por uma resposta, disse:
Olívia Ela não teria dito nada na frente dos outros por respeito aos
sentimentos de Narcisa, já que ainda não sabia ao certo o que havia acontecido
entre eles. Mas ver Andrew assumir perante seus amigos o que eles tinham a fez ter
uma sensação que nunca tivera antes. E era muito boa.
— Não, não é — disse sorrindo, ao passo que Dorin a abraçou mais uma
vez, fazendo-a derrubar um pouco da bebida.
Olívia Ela havia procurado a loira ela no meio dos outros, pois era a única
coisa que não a fazia se sentir não completamente feliz naquele momento. Mas
Narcisa estava lá, com um copo de groselha levantado na altura do ombro e um
rosto passivo. Em contrapartida, quando Quando seus os olhos
de Olívia
encontraram os de Andrew, eles estavam iluminados como os de uma criança num
parque de diversões.
Eles beberam e comeram durante todo o dia. Havia música e eles dançaram
muito, também. Olívia pôde conhecer algumas das músicas romenas mais famosas
e também descobriu que algumas músicas brasileiras eram conhecidas por eles. Ela
teve que improvisar algumas bebidas também, pois, ainda pela manhã, parou de
beber as alcoólicas.
Olívia queria muito um momento a sós com Narcisa, embora não tivesse
certeza que a outra a receberia muito bem, mas só teve uma oportunidade no fim da
tarde quando foi até o banheiro e a encontrou lá. Estava apertada para usar o
banheiro, então demorou a perceber que a pessoa que estava ocupando o lavabo
estava chorando.
— Narcisa, espera — Olívia sentiu que não haveria outro momento como
aquele, e que o que ela dissesse ou deixasse de dizer poderia mudar tudo. —
Preciso falar com você.
— Você sabia?
— Não me leve a mal. Eu vi vocês na primeira noite em que estive aqui. Bem
ali, naquele quarto — apontou para a porta do quarto em que bisbilhotou os dois.
— Então, por quê? — Narcisa mostrou-se chorosa outra vez. Olívia nunca a
tinha visto tão vulnerável antes.
— Está apaixonada? — Olívia sequer tinha notado o que disse até Narcisa
chamar-lhe a atenção.
— Não era, mesmo. — Ela fungou e jogou as mãos para cima. — Mas nos
conhecemos há anos e eu sempre achei que chegaria nosso momento. Eu sabia
que ele não tinha sentimentos por mim, mas pensei que com o tempo isso mudaria.
— Narcisa, não chora. — E num impulso abraçou a loira, que se deixou ser
abraçada.
— E eu fiz coisas! Tentei evitar que ele se aproximasse de você, tive ciúmes!
Hoje eu vejo que, não importa o que eu faça, ele nunca vai me ver desse jeito.
— E o que aconteceu?
Olívia temia que a menção do nome dele causasse mais dor em Narcisa, e
percebeu que ela fez um esforço para não chorar novamente.
— Não sei se vai te machucar dizer isso, mas você viu o que Andrew fez lá
fora? Assumir publicamente que está comigo. Eu esperei mais de uma década por
algo assim desse outro homem, Narcisa. Digo com tranquilidade que em nenhum
momento foi fácil. E nós éramos melhores amigos. Eu costumava pensar que se ele
não conseguia me amar, ninguém conseguiria. Mas eu estava errada.
Narcisa olhou-a de um jeito tão profundo que Olívia sentiu uma forte ligação
com ela. Ela era só uma mulher ferida, como a própria Olívia ela também já foi.
— Tudo bem, podemos não gostar uma da outra, então — Olívia respondeu,
brincando.
Narcisa secou os olhos, ergueu a cabeça e ajeitou o cabelo. Respirou fundo
e saiu em direção à festa do lado de fora. Mas parou ao chegar à porta e, voltando-
se para Olívia, disse:
— Obrigada.
CAPÍTULO 17 – LAR DOCE LAR
— Amanhã.
Olívia já havia visto Ioan preparar diversos pratos romenos e até mesmo o
ajudou a fazer alguns. Tão rápido quanto conseguiu, fritou linguiças de porco e
batatas, preparou polenta e repolhos cozidos. Quando percebeu que lhe sobraria
um tempo antes da chegada dos hóspedes, arriscou preparar papanași, mas para
essa receita precisou consultar Ioan algumas vezes.
— Mãe?
— Eu ficarei por mais algum tempo — decidiu puxar de vez puxou o Band-
Aid.
— Mais tempo, Olívia? Sinceramente, filha, você não tem nem um pingo de
juízo. Você tem que procurar um novo emprego logo, ou pensa que pode viver como
uma hippie? E eu sei que você não tem dinheiro guardado porque você é uma
irresponsável.
— Serão apenas alguns meses. Não se preocupe com meu dinheiro — disse
firmemente, mas não de maneira grosseira.
Mas ela era uma redatora. Essa era sua carreira, sua profissão dos sonhos,
era o que ela amava. Não que odiasse ajudar na manutenção da Cabana ou até
cozinhar, mas não queria passar o resto dos dias fazendo isso. Resto dos dias. Ela
riu do próprio pensamento. No que estava pensando? Em seguir os ideais
tradicionais de Ioan e se casar com um homem que conhecia há algumas semanas,
apenas porque dormiu com ele?
— Eu vou ficar alguns meses e não vou pensar na Editora até precisar sair
da Europa — disse baixo para si mesma, na tentativa de se acalmar. — Esse é o
plano.
— Não é nada.
— Eu sei que gosta de falar muito, Oli, mas não pensei que gostasse de falar
sozinha — zombou.
— Não precisa responder, só quero que você saiba — ele colocou uma
mecha do cabelo negro de Olívia atrás da orelha.
Quando Olívia tentou responder, percebeu que sua garganta estava fechada
de emoção e seus olhos estavam marejados. Mas sem se importar com isso, sorriu
e disse:
— Relaxa. Foi só para ele não nos expulsar. Se você quiser ir embora, eu só
vou precisar fingir ter sido enganado pela brasileira mais linda que esse país já viu e
que só queria se aproveitar de mim — forçou uma expressão inocente.
— Antes de mim?
Andrew a abraçou lateralmente e beijou o topo de sua cabeça.
— Acho que todas as flores se abriram só porque você veio visitá-las — falou
com os lábios ainda nos cabelos dela.
— Na água.
Andrew mergulhou no lago com Olívia nos braços. A água cristalina estava
morna e eles nadaram tranquilamente por horas.
Olívia sorriu.
— Mais? Não sei se aguento mais — sua voz era pouco mais que um
suspiro.
Andrew tentou virá-la para ficar sobre ela, mas calculou errado o movimento
e acabou indo para muito perto da beirada da cama. Caiu esbarrando-se na mesa
de cabeceira e espalhando algumas das folhas que Olívia havia escrito no chão. O
móvel fez um barulho estrondoso ao cair no chão de madeira. Os dois ficaram em
silêncio por dois segundos antes de caírem na gargalhada.
— Ioan vai nos ouvir! — Advertiu Olívia, mas incapaz de parar de rir.
— Bom, já que não faz mais diferença — disse Olívia, assim que
conseguiram se acalmar —, o que acha de fazermos um pouco mais de barulho? —
Ela levantou da cama e calmamente sentou sobre Andrew, que ainda estava no
chão.
E recomeçaram de onde haviam parado, pois para eles não havia dificuldade
capaz de frear seus desejos.
CAPÍTULO 18 – SORTE NO JOGO
Olívia nem percebeu que já havia se passado um mês, mas enfim chegou o
aniversário de Ileana e com ele o tão esperado acampamento. Ela não sabia
exatamente onde fariam isso e nem mesmo o que precisava levar para sobreviver,
restando-lhe apenas confiar em Andrew.
Olívia estava empolgada como nunca. Havia ficado tão ansiosa com essa
festa que até Maria estava esperando pelo dia por ela , de tanto que Olívia já havia
conversado sobre o evento . Olívia Ela escolheu as roupas apropriadas para a
ocasião e foi encontrar Andrew na entrada da Cabana.
— Estou tão animada! — Soltou Narcisa, com um humor muito mais leve do
que da última vez que Olívia a havia encontrado. — Animada, Olívia? Não precisa
sentir medo, será incrível! — Disse voltando-se para Olívia, com um sorriso gentil.
— Estou tão animada que não me sobra espaço para sentir medo —
respondeu Olívia, rindo. — Só tem uma coisa que me assusta — confessou.
— O quê?
— Aranhas.
— Pode deixar, nós manteremos elas longe de você — disse Sandu, que
ouviu parte da conversa das duas enquanto passava carregando duas barracas
desarmadas. Olívia fingiu ficar tranquila com o que ele disse, mas na verdade esse
era um ponto realmente sensível para ela.
Narcisa riu de sua resposta. Era estranho para Olívia se sentir agradável
conversando com Narcisa, mas era bom.
Assim que todas as barracas haviam sido armadas — seis no total —, Ileana
chegou. Com ela vieram mais nove pessoas. Destas, apenas duas falavam inglês,
então Olívia não conversou com todos.
— Fico tão feliz por estar aqui! — Respondeu a loira, de sorriso largo.
Olívia estava animada para ver onde isso ia dar. Alguém colocou música para
tocar em grandes caixas de som e, de fato, aquilo começou a parecer uma festa.
O jogo era muito simples: a pessoa ficava atrás da linha delimitada por Dorin
e jogava um arco de madeira na direção das cinco estacas fincadas alguns metros à
frente. Se acertasse a segunda ou quarta estaca, ganhava a rodada e não precisava
beber. Se acertasse a do meio ou a do canto direito, bebia um shot; e se acertasse
a do canto esquerdo, jogava outra vez. O excêntrico do jogo estava na possibilidade
de não acertar nenhuma das estacas. Caso isso acontecesse você era submetido a
ser girado dez vezes. Ganhava o jogo o último que permanecesse de pé.
— Eu não vou participar disso, sem chance — anunciou Olívia, quando Dorin
a chamou.
— Faz bem em não fazê-lo — Andrew concordou. — Todo mundo passa mal
e Dorin sempre ganha.
— Isso não é verdade — disse Sandu. — Eu já ganhei uma vez. Vou lembrar
disso para sempre!
Olívia pensou bem sobre o assunto e decidiu entrar no jogo. Disse para si
mesma que não passaria de três shots e que não teria vergonha de desistir quando
chegasse a hora. Aquela era uma noite para se divertir, não para beber até cair.
Quando ela começou, duas pessoas já tinham desistido.
— Pensei que todos tivessem que começar juntos — disse para Dorin.
— Não tem regras quanto a isso — retrucou ele Respondeu , piscando um
olho para ela.
Mesmo que Olívia tivesse sido alertada sobre a competitividade de Dorin, seu
comentário a fez ter ainda mais vontade de jogar. Queria mostrar que não era sorte.
E assim arriscou-se mais algumas partidas. Na segunda rodada, ela acertou a
estaca do meio e teve que beber um shot. Mas sabia exatamente onde tinha errado
e queria continuar tentando. Na terceira rodada, acertou na segunda estaca e
comemorou vitoriosa de novo.
Conseguiu não beber por três rodadas seguidas, acertando duas vezes a
segunda estaca e uma vez a quarta. Mas logo acertou a do meio de novo e teve que
beber. Algumas rodadas depois para frente , as três pessoas que ainda estavam
competindo com ela e Dorin desistiram, deixando apenas os dois na disputa pela
honra.
Nem ela nem Dorin estavam sóbrios. Então, para serem justos, decidiram
que quem bebesse o próximo shot ou jogasse o arco no chão perderia o jogo, assim
não precisariam esperar um deles vomitar.
— Vamos, Oli, você consegue! — Pôde ouvir a voz de Andrew gritando mais
alto que o grupo.
Dorin parecia muito mais confiante e preparado, mas Olívia sabia que ele
também devia estar enxergando com dificuldade. Ele arremessou, o arco tocou a
ponta da segunda estaca, mas caiu no chão. Todos gritaram e comemoraram,
mesmo os que estavam torcendo por Dorin.
Andrew foi até Olívia e deu-lhe um beijo apaixonado, tomando-a nos braços.
— Não acredito! — Dorin gritou, mas estava rindo. — Como fez isso?
Ganhou o jogo na primeira vez que tentou!
— Olívia, pela última vez, ISSO É AZUL! — Gritou Maria, que estava à beira
de um ataque de nervos.
— Você acha que os brincos podem ser considerados algo velho? Não são
tão velhos assim.
— Está falando dos brincos que sua mãe herdou da sua avó e que sua avó
herdou da sua bisa? — Perguntou Maria levantando uma das sobrancelhas.
— Você está perfeita, não precisa ficar nervosa — acalmou Narcisa. — Você
parece o sol nascendo num campo de girassóis e isso é tão emocionante.
— Ah, não, Olívia — disse Maria tirando as mãos da amiga do que seria a
destruição de suas unhas.
— Isso não vai dar certo, meus pais não vão chegar. — Olívia era, naquele
momento, a personificação da ansiedade. Andava de um lado para o outro
resmungando baixo e mastigando os próprios lábios.
— E algo azul. — Maria tocou na fita azul que prendia o cabelo de Olívia em
um penteado que deixava suas ondas em evidência. — Algo que definitivamente
não é verde.
Olívia estava deslumbrante, parecia uma fada. Uma visão capaz de fazer até
o mais insensível suspirar. Além disso, estava usando o colar que Maria lhe deu e
uma coroa de flores coloridas no topo da cabeça.
— Olívia.
Era seu pai. Ele abriu a boca para se desculpar pelo atraso, mas Olívia
levantou uma mão em objeção antes que ele começasse. Ela sorriu gentilmente,
beijou-o na bochecha e ergueu o braço para que ele a sustentasse.
— Eu te amo, pai.
Numa rápida olhada, Olívia conseguiu ver a todos: sua mãe, seus amigos,
Ioan e os parceiros daqueles que, assim como ela, haviam deixado a solteirice para
trás.
Olívia caminhou até o altar, ouviu as bênçãos do padre e disse “sim” para
Andrew, sob o sol do verão romeno e com a floresta e os Montes Cárpatos ao
fundo. Quando uma forte rajada de vento atingiu os noivos — fazendo os cabelos de
Olívia dançarem no ar — souberam que os deuses os estavam abençoando.
Assim que seu livro ficou pronto, Olívia precisou voltar para o Brasil e Andrew
foi com ela. Foi quando ele conheceu sua família e seus amigos.
Quando estavam no Brasil, Olívia enviou o livro para algumas editoras até
uma aceitar publicá-lo, o que além de lhe trazer oportunidades em novos ramos do
mundo da literatura, ainda lhe rendeu um novo contrato trabalhista: ela conseguiu
um emprego à distância — porque, não muito tempo depois disso, voltaram para a
Romênia — para exercer a mesma função que tinha antes, em outra editora. Mas
Olívia também não parou de escrever.
Ioan e Olívia se davam cada vez melhor. Olívia aprendeu com facilidade o
básico da língua romena e depois disso não perdeu uma oportunidade de tagarelar
com Ioan, que explodia de orgulho ao ver Andrew tão feliz e com alguém de quem
ele gostava.
Andrew disse que amava Olívia primeiro. Foi numa noite comum, quando os
dois estavam conversando na cama. Olívia retribuiu e beijou-o ardentemente,
recomeçando o ritual que nós já conhecemos.
FIM