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Copyright © 2024 ELLIE MORGAN

EDITORA FRUTO PROIBIDO


Esta é uma obra de ficção. Quaisquer nomes, personagens, lugares e eventos são produtos da
imaginação do autor, e qualquer semelhança com eventos, lugares ou pessoas reais, vivas ou
mortas, é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. São proibidos o
armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.

REVISÃO:
Fruto Proibido
CAPA:
Bruna Silva
capistabrunasilva
DIAGRAMAÇÃO:
Larissa Chagas
lchagasdesign
Avisos e Gatilhos

Importante lembrar
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Dedico este livro a 99% das minhas leitoras, que sempre apoiam todas as obscenidades que eu
escrevo. Mas, também, àquele 1% que me manda mensagens em horários suspeitos, dizendo que
gozaram lendo.
Esse livro contém:
— Sonofilia
— Drogas, bebidas e violência
— Conteúdo sexual explícito
— Gatilhos emocionais e psicológicos
— Abuso sexual
— Kink bondage
— Dub-con
— Tortura física e emocional
— Palavras de baixo calão
— Suicídio.

Este livro não é um manual de romance, tampouco um exemplo para isso. Entenda que o
conteúdo visto aqui é dark romance. Não se baseie no casal principal para começar um
relacionamento, pois ambos são completamente problemáticos.
Separem ficção da realidade.
16 de Março | Sábado
Eu sempre me senti deslocada em meio aos amigos da minha irmã mais velha. Não
conseguia me identificar ou até mesmo elaborar uma conversa de que eles iriam se interessar.
Mas, ainda assim, continuava indo a encontros no meio do nada, na floresta mais escura de
Vespeau; minha cidade natal.
Aos sábados, todos eles se reuniam e faziam uma fogueira na parte mais afastada do centro
urbano, enquanto ouviam mais uma playlist de outra banda de metal.
Eu não era careta, mas, sinceramente, quem aguentava ouvir esses gritos o tempo inteiro?
Loren gostava de estar no meio de tudo aquilo, contudo, eu só comecei a participar do seu
ritual de saideira depois do meu aniversário de 16 anos — ordens dos nossos religiosos pais
rígidos — desde então, já fazia mais de um ano que era arrastada para lá e para cá.
Minha irmã sempre foi atenciosa e protetora. Acho que ela tinha medo de que eu não
soubesse ficar sozinha, mesmo que isso nunca tenha sido um problema para mim.
No mundo dela, querer ficar sozinha era quase o mesmo que gritar: "Eu tenho depressão e
quero cortar os meus pulsos", quando, na verdade, tudo o que eu queria era ser uma antissocial
em paz. Só que não dava para explicar isso para uma festeira de primeira igual a ela. Então eu ia
às festas, pelo bem do seu lado materno para comigo e, também, para garantir que a minha
adolescência não se resumisse a brigar na internet, mandar memes e ler livros de romance com
protagonistas perfeitos.
Os olhos da minha irmã brilhavam toda vez que ela conseguia me arrastar para fora do meu
quarto com destino a outra de suas "reuniões" de amigos. Porém, hoje em particular, me
arrependi de ter vindo antes mesmo de ter posto os pés aqui; tentar se adaptar à moda não
funcionava muito bem quando se estava presenciando uma temperatura impiedosa vestida em
uma minissaia jeans e uma regata branca tão fina que mal cobria o meu sutiã.
O céu estava tomado pela cor rubro e a brisa gelada debandava todas as partes do ambiente,
indicando uma grande tempestade. Por esta razão, tentei manter-me o mais aquecida possível e
me sentei no tronco em volta da fogueira.
Arrepios percorreram a minha pele à medida que a rajada de vento atingia as minhas costas
não cobertas pelo calor do fogo. Havia, pelo menos, umas vinte pessoas nessa festa, e nenhuma
delas parecia estar com tanto frio quanto eu. De fato, a maioria estava mais vestida se
comparados a mim, porém, ainda assim.
Não tendo muitas opções de agasalho, joguei o meu cabelo para trás, deixando que as longas
madeixas castanhas me cobrissem e encolhi os ombros. Ouvi passos bem próximos de mim e
notei um amigo de Loren se aproximando. Tentei não deixar óbvio o meu olhar de desagrado e
cravei os olhos na fogueira.
Não que eu o odiasse, apenas era difícil suportar a sua inconveniência em ser sempre
insistente.
— Quer uma cerveja, Dy? — Marcos ofereceu, encurvando o seu corpo alto em minha
direção; ele ergueu a garrafa diante dos meus olhos com uma expressão maliciosa em seus
lábios.
Me afastei discretamente, mantendo uma certa distância entre nossos rostos, para evitar um
beijo "acidental".
— Não, valeu. Não curto bebidas. — Sorri forçado, cansada de repetir esse mesmo dilema
toda vez que ele me oferecia álcool.
— Tem certeza? — insistiu, a voz mais baixa agora.
Seus olhos escuros passearam pelos meus seios e desceram pelo meu corpo até pararem
sobre as minhas coxas. Desconfortável com a situação, tentei me cobrir com as mãos e o olhei
sério, em uma advertência que foi propositalmente ignorada por ele.
Marcos continuava tentando me embebedar para que algum dia eu o enxergasse com outros
olhos. Uma linha de raciocínio não muito sábia, pois Loren arrancaria o seu saco antes mesmo
que ele tentasse qualquer coisa comigo.
Ele era moreno, corpo esguio e magro, tinha feições que o faziam parecer uns quatro anos
mais novo do que realmente era, além do mais, agia como se tivesse uns 10, apesar de ter 21.
— Tenho. Já disse que não estou a fim — garanti desinteressada e voltei a esfregar as mãos
uma na outra à procura do calor, ignorando a sua presença.
— Tudo bem então — cantarolou risonho.
Não me virei para vê-lo ir embora.
Retomei a minha atenção para o que eu estava fazendo e percebi que já fazia alguns bons
minutos que minha irmã havia saído de perto de mim e dos seus amigos para dar uns amassos em
Kaio — seu mais novo amigo colorido — e até o momento não voltou.
Precisava me aliviar logo ou iria mijar na roupa.
Eu não era de beber álcool, porém, em troca, me abarrotava em energéticos, o que, por
consequência, me faziam mijar a cada quinze minutos.
Rolei os olhos em volta da floresta, mas tudo o que encontrei foi um bando de adolescentes
bêbados sacudindo o corpo como se estivessem sendo eletrocutados ao som de Psychosocial do
Slipknot.
Continuei à procura de um rosto conhecido, até que finalmente encontrei o amigável ponto
ruivo sentada na traseira do seu adorável Opala.
Levantei-me depressa e andei até Claire; que depois de dançar horrores, por fim, decidiu
observar a festança com o seu namorado Joshua, o qual se mantinha recostado confortavelmente
entre as suas pernas.
Claire era a melhor amiga de Loren desde os seus dez anos de idade. Aonde uma ia, a outra
também. Então, se minha irmã não estava por perto, era ela quem me socorria.
Apesar de possuir um lindo e delicado rosto salpicado de sardas, não se podia deixar
enganar por sua aparência. A ruiva adorava dar uma de Dominic Toreto com carros, fumava
como se fosse uma chaminé ambulante e, por acaso, já a peguei com a boca em Joshua em um
lugar muito público.
Cena esta, que eu ainda tentava esquecer.
— Claire, tem algum banheiro químico por aqui perto? — gritei, para que minha voz se
sobressaísse à música alta e trancei as pernas em urgência.
Seus olhos azuis me olharam com uma preocupação excessiva e ela repuxou o canto dos
lábios para baixo, em desânimo.
— Poxa, Dy. Não tem nada por aqui por perto — sua doce voz estava grogue, mas,
felizmente, ela ainda mantinha-se consciente o bastante para continuar acordada.
— Se estiver muito apertada, sugiro a floresta — Joshua se pronunciou alto, em seguida
levou o seu cigarro aos lábios, deixando à vista suas tatuagens na mão.
Seu olhar era sempre duro e sério, contudo, ele era um cara atencioso e gentil, longe do que
sua aparência demonstrava.
— Floresta? — repeti desgostosa e senti um tremor percorrer todo o meu corpo; não sei se
desta vez por frio ou por medo.
Já era um pouco mais de meia-noite. Entrar na floresta agora seria um ato: ou de desespero,
ou de loucura. Ou, no meu caso, de xixi.
— Foi mal, Dytto. Realmente não há outro lugar aqui por perto — ele confirmou pesaroso e
precisei contrair as pernas novamente quando minha bexiga implorou para ser esvaziada.
Queria poder rebocar Claire dali para me fazer companhia enquanto procurava por algum
lugar, mas não queria ser inconveniente e nem a obrigar a cambalear pelo mato comigo. E, muito
provavelmente, seria eu a carregá-la por todo o caminho de ida e volta. Um trabalho duplo do
qual eu não estava muito afim.
— Pega, use a lanterna do meu celular. — Claire o estendeu para mim.
— Obrigada!
Não sabia o que havia acontecido com o meu, mas desconfiava que Loren o tivesse
escondido em seu carro para que eu não tivesse que atender as milhares de ligações de nossos
pais a cada cinco minutos para confirmar que ainda estávamos vivas. Mais tarde com certeza
estaríamos de castigo e seria, em grande parte, culpa da minha irmã. A outra parcela de culpa eu
assumiria por ter concordado em vir.
— Eu espero não me perder. — Suspirei nervosa.
Os dois riram.
— Só não vá para muito longe — Joshua alertou, esfregando os dedos em seu cabelo
desgrenhado.
Concordei num aceno e saí com passos largos. Os pelos dos meus braços e pernas se
eriçaram e meus dedos já estavam dormentes de tanto frio. De vez em quando eu parava em
algum canto, prendia o xixi e voltava a andar.
Eu não devia ter bebido tanto líquido sem antes não ter usado o banheiro quando ainda
podia. Odiava sentir vontade de fazer necessidades em lugares que claramente não eram
adaptados para isso.
Afastei-me um pouco de cada vez da multidão eufórica e barulhenta, tomando o cuidado de
não esbarrar em ninguém até finalmente estar de encontro com o mato aberto, longe de todos.
A floresta era extensa e larga. Cheia de lindas árvores robustas. No entanto, algumas
estavam mortas e com enormes galhos desordenados que arranhavam meus tornozelos e, de vez
em quando, arruinavam meu cabelo, agarrando um punhado de fios.
Parei de andar somente quando já não ouvia mais sinal de música. Apoiei o celular de Claire
em um toco qualquer, me ajeitei em um cantinho e finalmente consegui soltar o xixi que prendi
por horas.
A ideia de que alguém iria, a qualquer momento, pular do mato com um machado na mão
me obrigava a mijar mais rápido. Acho que por estar sempre evitando festas e pessoas, passei
tempo demais vendo documentários de assassinatos.
Me assustei quando um pingo ralo de chuva atingiu meu ombro.
Assim que terminei, sacudi os quadris, empenhando-me em fazer o melhor que podia para
me secar sem papel.
A garoa voltou a cair cada vez mais rápido, em um aviso furtivo para que eu me apressasse
antes de presenciar o temporal que estava por vir. Enquanto isso, as folhas de árvores
arranhavam o chão conforme o tempo se transformava e um estrondoso ruído estourou no céu,
fazendo-me estremecer de medo.
Meu coração acelerou e precisei lembrar-me de voltar ao que estava fazendo, mas minha
atenção foi roubada quando ouvi estalos atrás de mim, como se algo esmagasse os gravetos
avulsos no chão.
Ainda agachada, virei a cabeça sobre os ombros. Fui tomada pelo pânico ao ver uma figura
masculina coberta pela escuridão aproximar-se em minha direção em passos pesados e curtos,
parecendo investigar-me minuciosamente.
No mesmo instante, outro trovão estrondou, coincidindo com a tensão que acabara de se
formar. Por um segundo minha visão se turvou diante da silhueta alta e robusta parada a uma
curta distância de onde eu estava. Senti minhas pernas bambearem.
— Ai, caramba! — Soprei trêmula e desatei a levantar num pulo.
Puxei a minha saia e calcinha de uma só vez, o que acabara por deixar o tecido todo
embolado, entretanto, era melhor do que continuar seminua.
O sujeito continuou estagnado, tão surpreso quanto eu.
Meu sangue parecia ter evaporado do rosto e minhas mãos soavam frias. Ofegante, meu
peito subia e descia ligeiro, enquanto cada fibra do meu corpo gritava: "PERIGO", embora
continuasse parada, sem conseguir mover-me do lugar.
A tensão em meus músculos doía, contudo, repentinamente, ouvi-o rir, deixando-me ainda
mais confusa.
— Mas que porra — como se falasse sozinho, ele riu, o timbre rouco e forte.
Ele deu um único passo à frente e isso bastou para que eu me tremesse por inteira.
— Q-quem é você? — minha voz vacilou.
Percebi que ele trocou o peso do corpo de uma perna para a outra, nesse instante, um leve e
quase inexistente vislumbre de luz, acertou uma pequena parte do seu rosto. Eu poderia estar
apenas imaginando, mas seria capaz de jurar que em torno de seus olhos havia linhas que mais
parecem raízes escuras.
— Depende — murmurou, a entonação tão gélida que era quase possível perfurar a minha
pele.
Recuei um pouco.
— Depende? — arregalei os olhos.
O chuvisco caia continuamente, molhando de pouco em pouco o meu corpo inteiro. Meus
dentes rangeram um no outro e minha camiseta branca, se tornava cada vez mais transparente.
Eu preciso sair logo daqui.
Em um rápido movimento, peguei o celular de Claire e apontei o flash para o desconhecido.
Mas ele agiu rápido e cobriu o rosto ao ser atingido pelos feixes de luz diretamente em seus
olhos.
— Tá tentando me cegar, sua doida?
— Está drogado? — acusei, franzindo a testa.
— É claro que não — ele reclamou, irritado — Vem cá, que merda você está fazendo no
escuro?
— Não é da sua conta. — Rebato, mais rígida do que queria e me arrependo no segundo
seguinte, com medo do que ele possa fazer.
Entretanto, ele ri, contrariando toda a situação.
— Se ia mijar, poderia ter feito em algum lugar mais escondido, sabe? — provoca, aos risos.
Ele obviamente já havia percebido o que eu estava fazendo, mas nem assim me deixou ter
privacidade.
Aperto os dentes.
— Foi você quem apareceu aqui para me interromper, poderia só ter desviado e ido embora
— rebato, furiosa.
— Eu vi você balançando a sua bunda, achei que precisasse de ajuda — responde risonho.
Dou outro passo para trás, olhando indignada para a sua silhueta.
O garoto torna a rir sem controle algum e ergue as mãos.
— Qual é!? Eu não fiz nada — se defende, cínico.
— Olha só, eu não te conheço e se por algum acaso eu não voltar agora mesmo, vai ser
muito ruim para você — ameaço, fazendo disso o meu único recurso de sobrevivência.
Mesmo com o seu corpo debaixo das sombras, consigo vê-lo balançar os ombros.
— E-eu vou gritar, hein! — desafio, sentindo meu estômago se revirar de medo.
— Grita.
— Tô falando sério!
— Ué, então grita.
Tombo o rosto para o lado.
— Não estou brincando, garoto!
— Tá, tá bom. Chega disso. — Ele suspira e, me ignorando por completo, passa por mim,
em passos descontraídos, como se só passeasse pela floresta, alheio.
O FILHO DA MÃE ME ASSUSTOU SÓ PARA TIRAR UMA COM A MINHA CARA?!
Viro-me para ele em um movimento brusco e cheio de irritação.
— Quem é você? — questiono, fria.
O garoto retorna sua direção para mim e, novamente, aponto a lanterna do celular para ele,
desta vez, não diretamente nos seus olhos, o que me dá a possibilidade de vê-lo com mais
clareza.
Reparo melhor em sua aparência; os olhos são de um verde tão claro que se parecem mais
como lentes de contato. O rosto marcado, os olhos levemente puxados e os lábios cheios e bem
desenhados.
Já em seu corpo, noto que o pescoço é completamente tatuado e que está vestido em uma
camiseta branca, um enorme casaco preto com capuz e uma calça jeans escura.
As suas mãos estão postas nos bolsos, como um homem de negócios. A sua face não está
pintada como imaginei, sequer há vestígios de que estaria.
Ele não parece ser tão velho quanto pensei que seria, porém, suas expressões são tão
intensas que o fazem parecer sisudo e arrogante. Seu olhar pesa sobre o meu e sinto-me
intimidada com a violenta seriedade em que ele me encara.
Tento desviar o olhar quando noto que estou o observando demais, mas não consigo, me
sinto presa em uma hipnótica visão de seu rosto absurdamente lindo.
— Christopher — finalmente responde —, e você é...
— Dytto — sussurro nervosa —, Dytto Bell.
— Ok. Foi um prazer conhecê-la Dingo Bell. Agora eu tenho que ir. — Diferentemente de
sua aparência fria, ele está de bom-humor.
Mas não deixa de me incomodar o apelido que me deu.
— É Dytto, e não Dingo. D-Y-T-T-O.
— Legal, Dingo Bell — responde, já de costas e andando para longe.
Tendo conseguido tirar a minha escassa paciência e me feito de idiota durante todo esse
tempo em que me assustou sem necessidade, ele ganha distância em meio as árvores.
O que esse menino é? Um sem-teto? E por que diabos ele está andando a uma hora dessas
por aqui se não era para ir à festa?
No momento em que seu corpo sumiu completamente de vista, a chuva começou a cair
abruptamente e me vi correndo feito uma doida para voltar.
20 de Março | Quarta-feira
4 dias depois…
— Chegamos — aviso à minha irmã e ergo os olhos do GPS para o nosso destino final; a
antiga mansão de madeira, onde ocorre a maior festança da vez.
Minha irmã já havia desacelerado a sua SUV antes mesmo que eu tivesse terminado de falar
e procurou estacionar em uma das poucas vagas livres na entrada da casa.
A mansão está localizada em um dos lugares mais solitários da floresta de Vespeau. Sem
nenhum dono para vistoriar, o imóvel se torna a oportunidade perfeita para festas clandestinas.
Eu nunca havia vindo aqui antes, no entanto, depois de tanto Loren insistir, acabei me rendendo.
A festa está abarrotada de pessoas transitando de lá para cá, e uma estrondosa música
provém de lá de dentro. Há pelo menos três casais se beijando, ou quase transando, em um canto
mais afastado. Sinto meu estômago se revirar com a cena.
Nota mental: não tocar em nada, pois ao que parece, esse é um bordel adolescente.
Tudo aqui indica perigo de uma casa desmoronando. As paredes mal se aguentam no lugar,
e onde deveriam ter janelas, agora são apenas espaços vazios. A madeira está deteriorada e a
varanda está com as escadas quebradas, mas acho que ninguém parece realmente ligar para isso.
Me retraio no banco com todo o cenário posto à minha frente e enrugo o nariz em uma
careta.
— Tô falando sério, Loren, acho melhor você encontrar novos amigos, esses parecem querer
nos matar nos chamando para essas festas.
Ela sorri com o seu jeito provocador e joga a cabeça para o lado, deixando que os seus
cabelos castanhos — um pouco mais escuros que os meus — caiam sobre o seu ombro.
— Eles não são tão perturbados quando estão sóbrios.
Ergo uma sobrancelha, contrariada.
— Marcos tentou afogar você quando te conheceu. E ele estava sóbrio.
— É o jeitinho dele. — Ela dá de ombros.
— Você definitivamente precisa de novos amigos.
— Dy, fica tranquila. Se alguma coisa te acontecer por causa de algum deles, eles não vão
nem chegar a ver o próximo amanhecer — comenta tranquila.
— Eu estou mais preocupada com a saúde mental deles do que comigo.
Ela desliza a língua pelos lábios, tentando engolir um sorriso.
— Vamos — Loren sai na frente e me junto logo em seguida.
Caminhamos de braços dados rumo à baderna; de vez em quando, desviando de um maluco
ou outro. Eles estão mortos de bêbados e cambaleando sobre os próprios pés.
Loren não queria vir tão cedo à festa, mas a convenci de que o quanto antes voltássemos
para casa, menor seria a punição imposta pelos nossos pais desta vez. Na última, fomos
obrigadas a confessar nossos pecados ao padre e rezarmos umas dez ave-marias.
Que Deus me perdoe, mas meus pecados estão acabando com os meus joelhos.
Assim que entramos, minha irmã cumprimentou a todos por onde passávamos, eu apenas
repeti o gesto para não parecer uma total estranha.
Uma das razões pelas quais eu sempre fico acobertada por Loren, é que eu sempre me sinto
mais confortável quando me escondo. Ao contrário de mim, Lô parece totalmente à vontade com
a atenção que recebe.
Ao passarmos pela maior parte dos festeiros, chegamos no centro da casa, que outrora
deveria ter sido uma sala elegante e rústica, no entanto, agora é só mais um amontoado de poeira
e móveis quebrados.
Vistoriando tudo em volta encontramos: Marcos, Claire e Joshua sentados no velho sofá
amarelo cheio de rasgos com outros adolescentes. Estão todos obviamente bêbados, animados e
postos em um círculo no cômodo.
Há uma garrafa no meio da roda de pessoas, em cima de uma desgastada mesa de centro de
madeira. Alguém fica encarregado de rodá-la enquanto os outros ficam na expectativa de onde
ela vai parar. Um tipo de jogo que mais recorda "verdade ou desafio", porém não parece ser essa
a brincadeira.
Me sento no braço quebrado de um dos sofás, ainda insegura de tocar em qualquer coisa, já
Loren se acomoda na parte estofada, ao meu lado.
— Qual é a dessa brincadeira? — pergunto baixinho, para que apenas ela me escute.
Loren se inclina um pouco em minha direção.
— É beijo ou consequência. Ou você beija alguém, ou tem que cumprir um desafio.
— E é a pessoa que escolhe quem vai beijar? — investigo, os olhos vidrados no jogo.
— Não, quem escolhe é a garrafa. É a mesma coisa de verdade ou desafio, mas sem a
verdade.
A agitação aumenta assim que a garrafa para no lugar, o gargalo indicando um garoto com
camiseta azul de Star Wars e a outra ponta para uma garota morena com peitões.
O escolhido de óculos fundo de garrafa ligeiramente enrubesce e curva um sorriso tímido em
seu rosto. A garota troca um sorriso malicioso antes de tomar a atitude de se levantar. Os
burburinhos de comemoração aumentam à medida em que ela caminha confiante em direção ao
menino, que mais parece querer se mijar de nervosismo.
— Hum... e se a pessoa não quiser ser beijada? — indago, incomodada com a ideia de
assistir alguém ser obrigado a isso.
— Bom, então ele ou ela vai ter que cumprir um desafio, mas não acho que seja necessário.
Todo mundo sempre beija.
— Menos o Yori. — O cara do sofá ao lado que, discretamente, ouvia nossa conversa
comenta de repente.
— É. Menos ele — Loren confirma baixo, parecendo estar chateada com algo.
— “Yori”? — cochicho, intrigada.
— É só um garoto que não gosta de beijar qualquer garota, ele meio que... tem preferência
— minha irmã explica, mas em seguida dá de ombros.
— Digamos que ele é extremamente arrogante — o xereta fala, em seguida estende a sua
mão. — Eu sou o Benjamin, mas me chamam de Ben.
— Sou Dytto. Mas me chamam de Dy — o cumprimento.
Ele abre um lindo sorriso que ilumina todo o seu rosto meigo e misterioso. O garoto possui
cabelos encaracolados e veste roupas escuras e largas. Não sei em que momento ele se sentou do
nosso lado, mas, pelo visto, consegue ser tanto reservado quanto extrovertido.
— Vou chamar de Dy, então.
Sorrio tímida e volto a assistir o casal escolhido aos beijos, com a plateia de amigos
eufóricos ao redor.
— Ele é um cuzão — minha irmã solta subitamente, os olhos fixos à sua frente e os
cotovelos apoiados nas pernas.
Franzo o cenho, e bem, assim como eu, olhamos para ela curiosos.
— Do que estão falando? — Claire se aproxima, balançando os cabelos ruivos quando
desiste de observar a brincadeira.
— Do Yori — respondo.
Ela ergue as duas sobrancelhas.
— Ah, então já o conhece? — murmura.
— Não, mas acho que já não gosto dele. — Aponto o queixo discretamente para a minha
irmã, indicando a razão para não confiar nele.
Ela ri baixo e se senta ao lado de Ben.
— Bom, ele é um idiota, mas a galera até que gosta dele.
Ergo uma sobrancelha.
— Então é para gostar dele ou não? — indago, confusa.
— Apenas não goste dele, Dytto — Loren se pronuncia.
— Ok... — pronuncio bem lentamente, desconfiada.
— Ele não é tão ruim, Lô — Claire o defende.
— Não é tão ruim? — ela retruca, indignada. — Aquele cara é um sacana que faz da vida de
todo mundo um inferno.
— Você só está dizendo isso porque ele não quis te beijar — rebate.
Péssimo erro!
Agora minha irmã a está olhando como se quisesse arrancar o pescoço da melhor amiga.
— Oh-oh! — murmuro.
— Nunca mais, na sua vida, defenda aquele canalha filho de uma mãe. E não, não foi porque
ele não estava a fim de mim. Ele é um babaca e ponto final.
Ben e eu rimos, mas prendemos o riso assim que ela nos encara sanguinária.
— Eu só quis dizer que ele não é tão ruim. Ele é um ser complicado, isso é óbvio, mas
sempre defende a galera. E se não fosse por ele nós já teríamos sido presas, lembra?
Loren solta um suspiro irritado e se levanta, acabando bruscamente com a conversa.
— Eu vou pegar bebidas — pronuncia fria.
Olho confusa de uma para a outra, esperando por mais detalhes, entretanto, as duas
continuam em um silêncio mortal, mas isso se encerra assim que Loren se afasta de nós.
— Merda! — A ruiva suspira. — Não deveria ter dito nada, isso ainda a incomoda.
— Por quê? — questiono rapidamente.
— Ela o queria. Ele não a queria — esclarece.
Loren nunca me contou nada disso. E ela normalmente me conta tudo sobre os seus
relacionamentos. É bem esquisito o fato de ela nunca ter mencionado esse garoto para mim
antes. O que significa que ele foi uma decepção tão grande que nem ela própria teve coragem de
me contar. Mas isso é papo para depois.
— Vem cá, que história é essa de prisão? — troco de assunto, antes que eu esqueça de
mencionar esse grande detalhe.
Ela bufa, não muito orgulhosa das lembranças desse dia.
— Organizamos uma festa na floresta nas férias passadas e uma menina menor de idade teve
uma overdose, a ambulância e a polícia chegaram, mas o Yori deu um jeito para que não
precisássemos ir para a delegacia, ele tem conhecidos importantes por lá e livrou a barra pra
gente. Foi horrível, mas depois ela ficou bem.
Esse tipo de coisa é bem a cara dos amigos de Loren mesmo.
— Olha, eu acho que eu estava lá — Ben comenta.
— E onde eu estava? — falo.
— Provavelmente estudando — Claire responde sorrindo, já que eu furar as saideiras é algo
bem costumeiro.
Reviro os olhos.
— Eu e essa minha mania de querer um futuro.
Os dois riem, mas Claire para repentinamente e arregala os olhos.
— Ai, merda!
— O que é? — sondo preocupada ao vê-la entrar em pânico.
— O Yori está aqui. A Loren vai surtar — sussurra.
— Onde? — Estico o pescoço.
— Ali. — Aponta com o queixo e sigo com o olhar.
O garoto completamente tatuado e absurdo de tão alto se aproxima do amontoado de gente
que parece o esperar para cumprimentá-lo. Ele está totalmente à vontade, como se soubesse que
será bem recepcionado por onde quer que passe. Os olhos verdes olham para os seus amigos com
perversidade, sua boca está curvada para o canto e a sua expressão está cheia de superioridade de
tanta arrogância que exala.
Eu teria realmente ficado encantada com a sua beleza e enojada com o seu comportamento
se o garoto já não me fosse familiar.
Merda! Merda! Merda!
— Espera aí! Ele é o Yori? — me apavoro.
— O próprio — a ruiva responde tranquilamente, não notando a urgência em minha voz.
— Christopher é o Yori — balbucio sozinha.
O garoto que viu a minha bunda no meio da floresta é o Yori? "Yori, o babaca"?
Mas é claro! Christopher Yori! O filho da mãe tem nome composto.
— Oh, merda!
Tapo o meu rosto com as duas mãos, ardendo de vergonha, e me jogo onde Loren estava
sentada há poucos minutos, escorregando a bunda no estofado até estar quase deitada.
— Já o conhece? — Ben pergunta, confuso.
— Meio que sim, e não foi em uma situação muito boa — resmungo baixo.
Eu sinceramente esperava não o ver nunca mais em toda a minha vida. Mas cá estamos nós.
Os dois na mesma festa.
Me contorço de ansiedade e solto um suspiro irritado. Não é muito agradável ver o maluco
que me viu seminua e mijando na floresta há quatro dias no mesmo lugar que eu. Ainda mais
depois de descobrir que ele é uma suposta ex-paixão-não-superada da minha irmã.
Curiosa para saber o que está acontecendo, dou uma breve espiada por entre os dedos, e, por
azar, o encontro caminhando na direção do nosso círculo, onde os outros ainda brincam de
“Beijo ou consequência”.
Seus olhos parecem não terem me notaram ou, pelo menos, ainda não…

À medida que a noite ia vagarosamente se desdobrando, sentia uma necessidade absurda de


me encolher ou ser abduzida pelo sofá, apenas para não ser notada por Christopher — que se
mantinha sentado confortavelmente no círculo de jogos desde que notou que os demais estavam
brincando, há pelo menos vinte minutos.
A todo instante me mantive no mesmo lugar; enrolada em meu casaco e escondendo o rosto,
como se eu fosse uma celebridade fugindo de paparazzis. Sempre que ele fazia menção a olhar
para cá, eu abaixava a cabeça ou a virava. A essa altura, tinha medo de respirar alto demais e
acabar chamando a sua atenção.
Não fazia ideia de como seria quando ele me olhasse de novo depois de toda aquela
embaraçosa situação que passamos na floresta.
Tudo isso é uma grande merda! Por que diabos ele tinha que aparecer nessa festa? Ele
nunca antes havia aparecido em qualquer outra em que eu estivesse, e isso acontece justo dias
depois de tê-lo conhecido. É uma baita coincidência horrorosa ou uma punição?
Ele está completamente esparramado em seu assento, com os cotovelos apoiados nas laterais
da sua poltrona e as pernas compridas esticadas, ocupando grande parte do espaço à sua frente,
como se estivesse apenas curtindo uma tarde de domingo em sua sala de estar.
Esse garoto é um absurdo de tão alto, deve ter cerca de uns 2 metros de altura, ou sei lá.
Ele ria condescendente toda vez que alguma menina se animava com a possibilidade de a
garrafa parar apontando para os dois, mas a oportunidade não veio a calhar. Era inevitável a
decepção no rosto delas.
Tudo bem que ele é um cara atraente, mas não dava para essas garotas serem menos
óbvias? Estava tão claro que isso só enchia o ego desse infame narcisista.
Sentado e distraído, pude perceber que ele não era só alto pra caramba, como também
passava uma vibe caótica em meio ao fato de ter várias tatuagens espalhadas por todo o seu
corpo. Algumas no pescoço, outras nas mãos e nos braços, que, por sinal, eram cheias de veias
salientadas. Eu não sabia se havia mais por debaixo de sua larga camiseta preta, mas quase podia
ter certeza que sim.
Eu queria não tê-lo secado tanto com os olhos, porém, era algo quase impossível. Toda vez
que ele passava a língua sobre os lábios, ele o fazia bem devagarinho, e sempre curvava um
breve sorriso cínico ao terminar; de modo que tivesse a certeza de que estava sendo observado
por alguém que claramente se sentia atingido ao ver aquilo.
Christopher encarava as pessoas como se fossem livros abertos, como se ele conhecesse
cada um e suas histórias. Ninguém em questão parecia ser do interesse dele, ou talvez, eu
estivesse tão imersa observando-o que passei a imaginar uma certa apatia de sua parte.
As pessoas na festa ainda não haviam parado de dançar. Até o volume do som fora
aumentado quando a maioria já estava alucinando ao som da banda Midnight.
Ouvi falar que as festas em que minha irmã ia eram sempre pesadas e com muitas pessoas
que, assustadoramente, não tinham limites e nunca diziam não para o que quer que lhes fosse
oferecido e, por isso, sempre que chegavam ao fim da festa, estava a maioria chapada.
Claire e Joshua eram os únicos amigos de Loren que, em grande parte das vezes, tinham
mais responsabilidade. Em todas essas festas, sempre havia um grupinho mais quieto, que
preferia ficar retido da bagunça, e era desses que eu ficava perto; bem como agora.
Minha irmã se acomodou um pouco mais afastada de mim, em um banquinho, estava
bebendo e evitava olhar diretamente para Christopher. Eu sabia que ela estava desconfortável,
mas ela não iria admitir isso, tampouco tocar no assunto novamente.
Os outros permaneciam brincando, ainda na mesma empolgação de quando começaram,
mas, de repente, se fez um silêncio brutal na sala quando tudo foi tomado por um grande
suspense nos últimos giros da garrafa, antes dela parar.
— Oh, merda! — a voz de Marcos se sobressaltou animada quando Christopher finalmente
foi escolhido.
Junto dele, o objeto de vidro também apontava para uma garota de pele negra e belíssimos
olhos safiras, sentada em uma cadeira próxima do círculo.
Estavam todos estáticos e surpresos.
Enquanto isso, Chris deslizava os olhos com malícia sobre o corpo cheio de curvas da
menina. De fato, ele não parecia querer ninguém na festa, mas ela parecia tê-lo interessado. Já a
morena o olhava boquiaberta, parecia ainda não acreditar que iria o beijar.
Argh!
O grandalhão cheio de tatuagens a chamou com a mão sem qualquer cerimônia. Desajeitada
e com um sorriso tímido, ela se levantou e foi até ele. Chris a pegou pela cintura e a fez sentar
em seu colo de frente para si, ele sussurrou algo em seu ouvido e então, a puxou pelo rosto,
encaixando os lábios dos dois um ao outro.
Eu prometi a mim que só olharia o suficiente, mas falhei.
Eu o assisti agarrar os quadris dela e puxar com força para ele enquanto enfiava os dedos no
cabelo cacheado da garota para pressionar os lábios dela ainda mais nos deles. Também vi
quando ele escorregou uma de suas mãos tatuadas para debaixo do vestido dela, mas parou na
bunda e a apertou com ferocidade. Notei o empenho que ele mantinha em manter um ritmo
selvagem de sua língua dentro da boca dela, como se quisesse dominá-la por inteiro.
Aquilo definitivamente havia passado de apenas um beijo de brincadeira e havia se tornado
uma cena de pré-sexo. Eu tenho certeza.
Evitei manter os olhos na cena posta diante de mim quando comecei a me sentir nauseada,
logo virei o rosto, poupando-me do resto. Voltei a olhar apenas quando ouvi Ben ao meu lado
murmurando enojado: "finalmente acabou".
A garota estava sem fôlego e ainda o segurava pelo pescoço; parecia ofegante e atônita.
Acho que beijá-lo deve ter sido um sonho realizado, ou então, tão bom que a deixou bêbada.
— Terminamos por aqui — Chris a informa, novamente entediado.
Ela ficou em choque, parecia esperar por mais, até que se tocou que o cara à sua frente não
tinha planos de pegar o seu número, chamá-la para sair ou continuar a beijando. Foi então que
ela se levantou e voltou para onde estava, com o rosto visivelmente constrangido.
Para ele, ela era só mais um desafio. Nada mais. E isso foi um terrível balde de água gelada
para a pobre e iludida garota.
— Dytto, você está brincando? — a voz de Marcos instantaneamente me fez entrar em
pânico.
Em pé, diante do círculo, como se administrasse o jogo, ele me olhava sereno, enquanto eu
surtava internamente ao constatar que havia perdido minha camuflagem.
Meu rosto inteiro ardia de vergonha ao ter ganhado a atenção de todos ali, até mesmo a de
Christopher; que deixou um sorriso irônico despontar de seus lábios ainda inchados e
avermelhados devido ao seu recém-beijo. Seus olhos verdes deslizavam de cima a baixo sobre o
meu corpo, sem o menor pudor.
Meu estômago se revirou e precisei lembrar-me de respirar.
Apenas por tê-lo me encarando, senti como se uma avalanche tivesse recaído sobre mim de
maneira abrupta e eu não soubesse o que fazer ou como escapar.
Cruzei os dedos uns nos outros e olhei para Marcos que, por sua vez, ainda esperava uma
resposta.
— Definitivamente, não. Para todos os efeitos, me vejam apenas como um abajur de
decoração e esqueçam que eu estou aqui — disparo trêmula e todos riem, menos eu.
Marcos cruza os braços e me lança um olhar com descrença.
— Não vai mesmo brincar? — insiste.
Balanço a cabeça.
— Fora de cogitação.
— Dytto não curte essas brincadeiras — Loren reforça, com o seu modo irmã protetora
ativado, em seguida toma mais um gole de sua cerveja.
Marcos parece contrariado, mas acaba assentindo. Sabe que rebater a minha irmã é o mesmo
que pedir por uma guerra.
— Ok. E você, Ben? — Marcos aponta, tirando o foco de mim, e mentalmente o agradeço
por isso.
Os olhares se vão para o garoto ao meu lado ou, pelo menos, quase todos. Sinto minha pele
sendo fuzilada pelo olhar maciço de Christopher.
Meu coração está disparado no peito e minhas mãos soam frias. Por alguma razão ele
continua me encarando. E, por soslaio, percebo seu olhar vagando por cada mísero pedaço do
meu rosto, como se não pudesse se conter.
— Vou, eu não tenho nada melhor para fazer mesmo — Ben suspira.
— Ok, então... beijo ou consequência? — Marcos incita sorrindo.
— Espera! Você não vai girar a garrafa? — intervém, confuso.
Os dois trocam olhares. Marcos mantém um sorriso perverso no rosto, como se planejasse
algo, até que o responde:
— Que se dane a garrafa.
Ben revira os olhos.
— Beleza! Beijo, então. — Dá de ombros.
— Te desafio a beijar o Christopher — ele o provoca, aos risos.
— Ah, vá se foder! Se era o seu plano desde o início me fazer escolher consequência, era só
ter dito — Ben zomba.
Todos da roda caem na gargalhada, até mesmo Chris. O que verdadeiramente me admira, o
fato dele não querer rebater que um menino foi desafiado a beijá-lo é bem legal.
Sem masculinidade frágil então. Ótimo!
— Tudo bem, consequência, então — se rende.
— Responda, quem daqui dessa festa você gostaria de dar uns pegas?
Todos ficam apreensivos e curiosos. Até mesmo Loren se ajeita em seu banco. Exceto o som
da música e das pessoas à nossa volta, ninguém mais ousou fazer barulho.
Sorrio disso. Tão curiosos.
— Não vou mentir, eu ficaria com a Dytto — revela, curvando um breve sorriso tímido.
Ele lentamente vira o seu rosto para mim, apreensivo. E outra vez na mesma noite, sinto
minhas bochechas corarem.
Olho em volta, ainda abismada, e encontro Marcos com uma expressão irritada e os punhos
cerrados. Próximo dele, vejo Christopher não muito diferente; o olhar sério e os lábios frisados.
E há uma curta distância, a minha irmã... visivelmente intrigada.
Ao que parece, a qualquer momento Ben vai ser estrangulado pelos dois garotos.
Ainda não sei o que há de tão errado dele ter dito isso, mas parece que de alguma forma
conseguiu incomodá-los.
— Bom, não é como se eu fosse obrigar a Dytto a me beijar — prossegue, em seguida baixa
a voz, em tom mais sugestivo agora: —, mas se ela quiser...
— Caramba, Dytto. — Joshua, ao lado de Claire, brinca, todo orgulhoso.
É claro que isso iria deixar os amigos de Loren chocados. Ninguém nunca menciona o meu
nome em brincadeiras assim.
Pelo visto, estes adoram “carne nova”.
— E-eu acho melhor eu ir ao banheiro — me desespero.
Tento não surtar. Já é constrangedor demais ter que passar por isso.
— Ok, vamos parar a brincadeira por aqui — Marcos determina, com um fundo de raiva.
— Eu não vou forçar um beijo, só quero que ela saiba que eu tô aqui para caso ela tenha
interesse — Ben se defende.
— Não acho que a Dingo Bells tenha tão mal gosto assim para ficar com você —
Christopher se pronuncia, gélido.
— Que apelido é esse? — Loren se alerta.
Ah, meu Deus!
Levanto-me de supetão e ergo as mãos.
— Marcos tem razão! Já chega dessa brincadeira — intervenho, nervosa.
Achei que finalmente íamos acabar com isso, contudo, Benjamin decidiu que era um bom
momento para debater com Christopher.
— E quem ela devia beijar? Você? — provoca irônico.
Chris se levanta com determinação e todos em volta olham para o enorme garoto.
— O que ele vai fazer? — Ouço Claire murmurar.
Ele caminha confiante até a mim, sem nunca parar de me olhar. Tão depressa, o seu cheiro
me inunda; uma mistura de álcool e perfume masculino. Meu corpo estremece à medida em que
ele fica mais próximo e me arrepio quando, me surpreendendo, ele toca o meu rosto, deslizando
o seu dedo suavemente sobre a minha bochecha. Aquelas duas esmeraldas me fitam sérias. Ele se
encurva até estar com o rosto próximo do meu ouvido.
Apesar de eu ter 1,70m, isso não nos deixa em alturas mais favoráveis, ainda assim, alcanço
apenas o seu ombro.
— Vê-lo fazer cara de idiota, será quase tão mais satisfatório do que ter visto a sua bunda,
Dingo Bells.
Engulo em seco.
— Não ouse me beijar ou eu arranco as suas coisinhas — ameaço.
Ele ri baixo, achando aquilo puramente engraçado, Christopher se afasta apenas o suficiente
para ficarmos cara a cara.
–- Não se preocupe, no final dessa nossa brincadeira, você vai implorar para que eu a beije
— cochicha apenas para mim e se retém por um momento, antes de prosseguir: —, e não será
nos seus lábios que irá me pedir para eu colocar a minha boca.
Seu rosto está tomado por malícia, enquanto o meu está completamente cheio de vergonha.
Ele dá a volta e para logo atrás de mim. Meu corpo se arrepia quando ele coloca o meu cabelo
para trás, e treme mais ainda quando sinto seus lábios sugando o meu pescoço.
Ben enrubesce e vira a cara, ouço Christopher rir baixinho, satisfeito com o que causou.
— Olhe para cá e aprenda a como deixar uma mulher molhada, Ben, e só depois, a chame
para um beijo.
Oh, não! Ele não disse isso.
Automaticamente enrijeci de raiva e me virei de uma só vez para ele. Antes mesmo que meu
cérebro tivesse a chance de se conectar com o resto, minha mão já estava quente com o impacto
dela em seu rosto.
O suspiro dos que nos assistiam foi como um tipo de coral harmonioso. Quando me dei
conta do que eu havia feito, já estava arrependida e com as duas mãos cobrindo a boca.
— Aí não… — arfo.
— Seu babaca! — Loren berrou — Vem, Dy. — De alguma forma ela já estava ao meu lado
segurando o meu braço, pronta para me tirar dali.
Christopher me encarava intrigado, enquanto a marca da minha mão em seu rosto ganhava
aos poucos uma coloração mais avermelhada. Ele não parecia irritado com aquilo, apenas sorriu
maligno, em um tipo de recado que dizia que isso não acabaria assim.

Loren estava sentada na mureta do lado de fora da mansão, com as duas pernas cruzadas e o
seu pé balançando enquanto me encarava firme, com os seus olhos de águias presos aos meus.
Eu ainda estava muito constrangida e plenamente arrependida do que eu havia feito.
Eu não sou assim, não saio batendo em caras desconhecidos por aí. Estava tão surpresa
quanto qualquer um pela minha brusca atitude.
Eu sabia que ela estava esperando que eu lhe contasse o motivo de Christopher ter agido tão
intimamente comigo há pouquíssimos minutos. No entanto, o que eu poderia dizer?
“Ele está louco assim porque já me viu seminua”? ou “Nos conhecemos enquanto eu fazia
xixi”? talvez “Ele me encontrou sozinha, no meio da escuridão da floresta”?
Qual dessas opções era menos constrangedora? NENHUMA.
— Então… — ela se pronunciou lentamente, com a sua sobrancelha erguida num ar de
investigação. — “Dingo Bells”? — pontuou com curiosidade.
— Esquisito, não? — tento disfarçar, mas minha voz soa tão trêmula que mais parece um
remix.
— Muito… — Ela semicerrou os olhos. — Conhece esse garoto de onde?
Tento aparentar serenidade, contudo, meu corpo se mantém oposto à minha ideia e
inconscientemente acabo torcendo mechas do meu cabelo nos dedos sem parar.
Sei que ela só está preocupada, porém, também sei que às vezes quer agir como se devesse
me proteger de tudo, algo que não deveria ser a sua responsabilidade.
— Não o conheço. Só nos vimos uma vez.
— Onde? — instiga.
Solto um longo suspiro.
— Na nossa reunião na floresta, há 4 dias atrás. Você tinha ido beijar o Kaio e eu precisava
mijar. Meio que encontrei ele na floresta, ou bem, ele me encontrou.
Loren arregala os olhos.
— Você se encontrou com um estranho na floresta e não me disse nada, Dy?
— Se eu te contasse, você iria surtar — sussurro, agora tomada pela culpa de não tê-la
sequer avisado disso.
— É, Dytto, porque eu sou sua irmã. Não pode simplesmente me esconder coisas
importantes assim.
Ela solta o ar pelo nariz, se levanta e me puxa para um abraço.
— Não minta para mim e nem me esconda essas coisas, você não sabe o quanto eu me
preocupo com a minha caçulinha.
Rio do seu ato fraternal exagerado.
— Você é apenas um ano mais velha que eu — acuso sorrindo.
Ela estapeia a minha cabeça.
— Eu sei, miolo de cérebro, mas eu me preocupo. Você é muito inocente, poderia
facilmente ser raptada.
— Não sou criança.
— Nem muito esperta — ela acrescenta, em tom de brincadeira.
Me afasto para olhá-la nos olhos.
— Sim, senhora — ironizo, com uma teatral revirada de olhos.
— E fique longe daquela peste alta e tatuada, ele faz coisas horrendas naquela floresta.
— Que tipo de coisas? — me interesso.
— Rituais satânicos, sacrifícios ou sei lá. Algo assim... — Ela passa a mão sobre os cabelos
e evita me olhar.
Bem típico de quando está me escondendo algo.
— Já viu ele? O cara é cheio de tatuagem estranha — cochicha, encarando os seus coturnos.
— Loren, não vamos julgá-lo por ter tatuagem.
— Eu não me refiro às tatuagens em si, mas aos desenhos que elas têm. Ele tem um bode
satânico no braço e a porra do 666 no corpo.
— E onde está o “666”? — Aperto os olhos, desconfiada.
— Na lateral da barriga.
— Lô — disparo. — Você já o viu pelado! — quase grito.
— O QUÊ? — ela solta um berro fino e desesperado que chama a atenção dos que estão à
nossa volta, ao mesmo tempo em que recua um passo.
— Aí meu Deus! Você já dormiu com ele — concluo pasma, deslizando as duas mãos pelo
rosto.
— Não! De jeito nenhum! Eu o vi sem camiseta uma vez em uma festa, Dy. Ficou doida,
aquele garoto é um pé no saco — protesta.
— Não mente.
— Não estou mentindo, eu nunca dormi com ele.
— Não por falta de tentativa. — Ouço Joshua caçoar, se aproximando de nós com Claire ao
seu lado.
Loren fica vermelha e lentamente vira a cabeça para ele, como uma boneca de filme de
terror.
— Hum? — murmuro.
Ela respira bem fundo antes de finalmente voltar a me olhar.
— Eu achava que nós poderíamos ter algo? Sim. Mas aquele garoto é um escroto, então,
não, não rolou nada, e sim... — Ela novamente se vira para Joshua. — Eu já quis dormir com ele,
e ele não quis. — Logo retorna para mim. — Fim de papo!
— Sei — Claire provoca, risonha.
Loren fecha os olhos e balança a cabeça, furiosa com nossos amigos.
— Só se mantenha longe dele, Dy. Ele não presta e você é muito sensível. Christopher
provavelmente secaria o seu estoque de lágrimas com as besteiras que ele fala.
— Tem que parar de se preocupar tanto assim comigo ou vai envelhecer trinta anos em
apenas um.
— Ontem você passou a noite inteira chorando porque assistiu “Marley e Eu” e ainda pediu
para dormir comigo — acusa.
— Eu... Tô... De… TPM?
— Não está, não.
Não, eu não estou. Mas filmes que tem mortes de cachorros sempre me deixam abalada.
— Eu estou. Ok? — insisto, séria.
Loren revira os olhos, porém desiste da briga.
— Vamos, temos que buscar as nossas coisas e dar o fora daqui — ela avisa.
A sigo com Claire e Joshua ao meu lado, cheios de cochichos secretos que, imagino serem
sobre a minha irmã e Christopher.
Sei que Loren tem um passado amoroso em que nem sempre as coisas deram certo, mas ela
querer me esconder de Christopher a todo custo é bem suspeito e estranho. O que me leva a
pensar que há algo mais esquisito nessa história. Eu só ainda não sei o quê.
Nos dirigimos à sala de estar onde ainda há uma multidão eufórica dançando. A brincadeira
finalmente parece ter chegado ao seu fim, mas não a noite.
Loren saiu em busca pelo seu casaco, Claire foi atrás do banheiro e Joshua foi se despedir
dos seus amigos, enquanto isso, eu acabei sozinha no sofá da sala.
Acabo distraída em pensamentos, quando, de repente, sou desperta por uma voz me
chamando e noto um corpo parado ao meu lado.
— Ben? Pensei que já tivesse ido — comento, surpresa.
— Na verdade, eu já estou de saída, mas queria fazer algo antes. — Ele retira sua mão do
bolso do seu casaco e a estende. — Toma, me liga se estiver a fim de sair um dia — Benjamin
me entrega um pedaço de papel com o seu número de telefone rabiscado. — Sei que hoje não foi
um dos melhores dias, mas eu te garanto que posso ser um cara bem legal.
Sorrio, tímida.
— Eu irei ligar — sussurro.
Ele joga uma piscadela para mim e então vai embora.
Me encontro olhando e sorrindo para o papel algumas vezes antes de finalmente enfiá-lo em
meu casaco.
Eu nunca havia recebido o número de ninguém, e meio que gostei de conhecer a sensação,
ainda mais, vinda de um garoto que aparenta ser genuinamente interessante. Um combo bem
legal.
— Então quer dizer mesmo que tem mal gosto? — zomba, já se sentando ao meu lado sem
nem mesmo ter sido convidado.
— O que está fazendo? — solto, nervosa.
— Só puxando assunto. — Christopher suspira, totalmente despreocupado.
A forma em que ele sempre parece estar muito bem à vontade comigo me deixa
inconformada. O que o faz pensar que temos intimidade para isso?
— Pra quê?
— Não posso, querida Dingo Bells?
— Não, não pode.
— Então não podemos nem mesmo conversar? — Ele ri.
— Não é porque já viu a minha bunda que você pode simplesmente agir como quiser.
Ele repuxa os lábios convicto e meu rosto esquenta.
— Falando nisso… — insinua malicioso. — Tem sorte de ter sido eu a te achar primeiro
naquele lugar, você não estava exatamente segura, Dingo Dingo.
— Eu sou uma mulher, nenhum lugar é seguro.
Ele ergue uma sobrancelha.
— É, tem razão. Mas não era bem disso que eu estava falando.
— À proposito, o que você estava fazendo naquele lugar?
Christopher prende o seu olhar no meu e isso faz com que eu sinta frios na barriga.
A intensidade em seu olhar é tão profunda e densa que me faz quase delirar. Não há nada
parecido com isso, e eu realmente não sei o que fazer quando ele me olha. E nem mesmo entendo
por que reajo assim.
— O mesmo que você — finalmente responde, estivesse tão imersa que nem percebi que
estava o encarando tanto quanto ele a mim.
— Ok, mas estava fazendo o que antes disso?
Ele coloca o seu cotovelo no encosto do sofá e apoia o rosto em sua mão, deixando seu
corpo deliberadamente voltado para mim.
— Estava… com uma companhia.
Franzo a testa, não conseguindo compreender.
— Não acredito que seja tão inocente assim. — Ele parece decepcionado.
Me espanto, quando, por fim, entendo.
— Estava...
— Transando — completa, curto e áspero.
Engulo em seco.
— E precisava ser na floresta? — rebato abismada.
— Fetiche é fetiche.
— Você tem um fetiche muito estranho.
— Não era de mim que eu estava falando.
Junto as sobrancelhas.
— Nem todo mundo tem o seu fetiche de bater na cara, algumas preferem florestas.
— E-eu não tenho fetiche em bater em ninguém. Você é quem passou dos limites hoje —
debato, sentindo-me enrubescer.
— Ainda não passei, Dingo Bells. Mas eu prometo que vou — garante baixinho.
— Achei você. — Joshua desponta à nossa frente, alternando o seu olhar entre mim e o
garoto ao meu lado. — E pelo visto, também achei você.
— Joshua, Joshua… — Christopher cantarola misterioso.
— Está perdido? — meu amigo retruca, bravo, mas Yori rola os olhos em volta de onde
estamos, com o mais puro deboche.
— Na verdade... não. Estou onde deveria — responde cínico.
— É, e está no lugar errado… com a pessoa errada.
Christopher ri e passa a língua sobre os lábios. Então se inclina em minha direção para
sussurrar em meu ouvido:
— Nos vemos por aí, Dingo Bells.
Sendo pega de surpresa, ele beija a minha bochecha. Em sequência, se levanta do sofá e
caminha tranquilo para o meio da multidão, mas não antes de roubar a garrafa de tequila de um
cara qualquer.
— O que ele queria? — Joshua investiga.
— Conversar.
Ele parece confuso, assim como eu, mas opta por não dizer nada, apenas se mantém sério e o
encarando de longe.
Por que é que todos agem como se soubessem algo horrível sobre esse garoto?
21 de Março | Quinta-feira
— Hoje está tão quente! — Luc comenta todo sedutor.
Ele abana a sua camiseta de forma exagerada enquanto arrastamos preguiçosamente nossos
pés sobre a ponte de arco que dá acesso do refeitório às salas de aula.
Luc é extremamente bonito; do tipo que te hipnotiza com o sorriso perfeito dele, o corpo
atlético, a pele escura e os lábios carnudos, mas não é muito esperto quando o assunto é flerte. Se
ele queria que eu visse o abdômen definido dele, era só ter dito, não precisava de todo esse
drama.
Prendo um sorriso quando percebo seus olhos castanhos mirados nos meus com a mais pura
malícia.
Aos doze anos, eu caia de amores por Luc, mas, para a minha completa falta de sorte, ele era
apaixonado por Loren. Então, por dois anos seguidos, eu tive que enfrentar uma paixão
platônica, até que finalmente consegui deixar esse sentimento de lado, no entanto, como mágica,
ele passou a se interessar por mim, desde então, colou no meu pé como chiclete. Porém, já faz
um bom tempo que não o vejo mais assim.
O fato de sermos amigos nunca o impediu de tentar e, apesar de eu nunca aceitar as suas
investidas, também gosto de provocá-lo.
Meio que se tornou um lance só nosso.
— Você ficaria mais refrescado se tirasse a camiseta de uma só vez. Aposto que a sua linda
pele máscula adoraria absorver vitamina D, meu caro. Só uma sugestão. — Balanço as
sobrancelhas e ele cai na risada.
— Seria ótimo, minha cara, mas em cinco minutos eu já teria ganhado duas advertências. —
Luc revira os olhos e finjo estar decepcionada, mas a minha horrível atuação o faz gargalhar
ainda mais.
Disfarçadamente, sinto-o colocar seus braços em volta da minha cintura, puxando-me para
perto dele. Finjo não notar quando, vez ou outra, as pontas dos seus dedos escorregam rumo ao
meu quadril e voltam, em um vai e vem.
— Quer matar a aula de inglês, Dy? — sussurra, os lábios roçando a ponta da minha orelha.
Ele seria perfeito demais, se não fosse um baita galinha.
— Não. Eu quero um futuro — desconverso me afastando de seu abraço.
— O que eu tenho para lhe dar ali no cantinho será mais gostoso que uma aula chata. — Luc
me joga uma piscadela.
— Isso aí será momentâneo, meu caro. Momentâneo. Meu futuro vai durar bem mais do que
meros dois minutos.
Sorrio ao vê-lo fazer careta.
— Olhe! Elas parecem animadas hoje. — Ele aponta com o queixo para as carpas no
pequeno lago artificial debaixo de nós.
Andamos até o guarda-corpo e inclinamos o tronco sobre ele para observá-las.
Os peixes coloridos nadam com calma de um lugar para o outro, descendo na pequena
cachoeira de pedras e descendo até o fim do lago, para, então, darem a volta por um lado mais
raso e subirem novamente.
— As coitadas devem mesmo é estarem enlouquecendo depois de serem obrigadas a
conviver todo santo dia com tanto adolescente — comento.
— Pelo menos elas ficam bonitas como decoração.
— Elas não fazem parte da decoração, Luc. Elas são uma herança cultural — implico
— Tanto faz, você entendeu o que eu quis dizer. — Ele balança os ombros.
Pequenas partes dos nossos costumes, como: alguns festivais de danças, arte e
ornamentação, vieram de vestígios japoneses, já que, quem de fato descobriu a nossa ilha, foi
uma velha família da nobreza japonesa; os grandes e famosos Tanakas. A família mais vil e rica
de Nabrya.
Há tantos boatos esquisitos dessas pessoas que é até difícil ter um pouco sequer de gratidão
por essas pequenas heranças que eles nos deixaram, visto que, há um longo histórico de torturas,
rituais, intimidação e ganância em seu nome.
Hoje em dia sabemos apenas que eles existem, pois, ao passar dos anos, pouco a pouco
ganharam uma identidade mais anônima, até que se tornaram apenas fantasmas ocultos
convivendo em nossa cidade. O que só torna a história toda mais bizarra.
— Saco! — Luc resmunga.
— Que foi?
— Tenho um jantar importante hoje com os meus pais. Odeio ter que pensar em faculdade
agora.
— Já não está no quarto ano? Deveria começar a pensar nisso.
Ele torce o nariz.
— Nem sei ainda o que eu quero fazer.
— Bom, então procure algo. Nossa escola criou um ano a mais no ensino médio justamente
para isso. Só não invente de tirar um ano sabático.
— Dytto, ainda bem que você é muito linda, porque às vezes, você consegue ser irritante pra
caralho — reclama, fazendo-me rir.
Puxo o seu rosto e dou-lhe um longo beijo na bochecha.
— Você vai se descobrir, não se preocupa. — Sorrio gentil e ele faz o mesmo.
Luc lentamente aproxima o seu rosto do meu, mas desvio a tempo de ele chegar em meus
lábios.
— É a quinta vez só hoje — pontuo.
Ele ergue a cabeça ao alto.
— Deus, faça com que ela me aceite como o namorado dela um dia. Eu não aguento mais
levar fora.
Esmurro fraco o seu peito.
— Cai fora. Eu vou pra aula.
Apresso os passos para entrar em sala antes dos outros. Odeio chegar atrasada, sinto como
se todos soubessem de algo que eu não sei.
Por sorte não me atrasei tanto quanto Luc queria, sou a segunda a chegar e me sento na
sétima cadeira da terceira fileira. Meu lugar favorito.
Aos poucos, a sala vai se enchendo e um tumultuado de vozes começa a gradualmente
aumentar.
Alguns dos garotos da minha sala entram animados e chutam coisas causando o maior
barulho. Céus, eu não vejo a hora de dar o fora daqui.
Solto um suspiro baixo ao mesmo tempo em que escorrego o corpo na cadeira.
À esquerda, vejo um grupo de garotas conversando, todas parecem serem super amigas, do
tipo que você olha e acha muito brega, mas que por alguma razão adoraria fazer parte. Curvo um
pequeno sorriso quando as vejo rirem.
É uma droga não se encaixar, mesmo sendo convidada a participar. O único que ainda tenta
andar comigo é o Luc, porque tá sempre tentando me beijar. E a minha irmã, porque é a minha
irmã, mas hoje ela infelizmente faltou. Ontem extrapolou na bebida pós-festa e está com tanta
ressaca que mal consegue ouvir o som da própria voz.
Loren diz que só aproveitou mais do que deveria, porém, eu particularmente acho que o
lance com o Christopher a afetou mais do que ela deixa transparecer.
O professor entra após alguns minutos e a sala inteira se acomoda em seus lugares.
— Olá, queridos alunos e alunas — o homem baixinho anuncia animado e a sala responde
um “Olá” em uníssono.
O senhor de idade sorri, mostrando todos os seus dentes amarelados e desgastados; parece
prestes a contar uma deliciosa fofoca ou uma grande novidade, ou quem sabe, os dois.
— Hoje teremos uma participação muito agradável. Teremos um estagiário observando e
auxiliando na aula, então sejam educados — revela, enquanto articula com as mãos.
Ele aponta para a porta, e todos os olhos se vão para lá, de modo que mais parece que a
própria Beyoncé vá entrar na sala,
E antes fosse.
Sou tomada pelo choque no instante em que Christopher surge na entrada da sala com uma
bolsa de professor pendurada no ombro esquerdo. Senti o sangue fugir do rosto e meu corpo
paralisar.
Suas mãos estão enfiadas nos bolsos da calça Caqui. Os ombros relaxados, mas a expressão
fatalmente séria em seu rosto. Seus olhos vagam devagar pela sala de aula, tal como procurassem
por alguém.
Notei quando os burburinhos deram início, principalmente o das garotas.
Mas é claro que falariam dele. Por que não falariam? Céus, ele é tão lindo!
Christopher, por fim, adentrou o lugar e, sem hesitar, depositou sua bolsa sobre a mesa do
professor que, por ser extremamente humilde, não ligou para o gesto arrogante dessa torre
tatuada e prepotente.
— Meninas e meninos, esse é o Christopher. Em breve ele também estará se tornando um
professor. — O ancião apresentou-o, já que ele não parecia que o iria fazer.
Pisco algumas vezes, atordoada.
Seu olhar passeava pela sala de aula com atenção, ainda não havia me avistado ou, ao
menos, até o exato instante. Um arrepio percorreu minha coluna assim que seus olhos esmeraldas
recaíram sobre os meus, ainda mais sombrios.
Ele não os moveu, me encarou com tanta rigidez que quase implorei para que parasse com
aquilo. Eu realmente quis enfiar minha cabeça dentro da minha mochila, mas, ainda assim, ele
não iria magicamente desaparecer.
Nosso professor terminou de apresentá-lo e fomos bombardeados por burburinhos que
prontamente começaram a aumentar. Logo em seguida, deu-se início aos estudos do dia. No
decorrer da aula, Christopher tomou um tempo para lecionar. Mesmo que estivesse explicando
um assunto para mais de 35 alunos, era sempre em mim que seu olhar cravava violentamente.
Minha pele parecia queimar e meu estômago embrulhava toda vez que Christopher olhava
para mim. E ele olhava muito para mim.
Me sentia impaciente e agitada. Conferia meu relógio a cada dois minutos, mas o tempo
dava a impressão de nunca passar. Já não conseguia mais parar de balançar a perna e de suspirar,
frustrada.
Estava distraída em meio ao turbilhão de pensamentos ansiosos da minha mente, quando vi
sua mão pousar na superfície da minha mesa. Meu olhar naturalmente subiu pelo seu braço e
encontrou o seu pesando sobre mim.
— Tem alguma dúvida quanto ao assunto do seu dever, senhorita Bell? — perguntou, seco.
Por um breve instante eu não reagi, apenas fiquei o encarando como um completo idiota.
Até que, enfim, balancei a cabeça, negando, sem nem mesmo ter prestado atenção no que ele
dizia.
Christopher franziu a testa.
— Ainda não respondeu nada.
Ele aponta com o queixo para a folha em branco em cima da carteira e arregalo os olhos.
— Droga! Quando foi que isso veio parar aqui? — sussurrei, espantada.
— Desde que a sua colega de classe entregou um desses a todos.
Mordo o lábio inferior, constrangida. Christopher se distancia, mas não demora muito a
voltar com uma cadeira, sentando-se ao meu lado.
— O que está fazendo? — questiono, surpresa.
Ainda não sei como reagir perto dele, e sempre que estamos juntos, eu esqueço de como um
ser humano normal age.
— Vou ajudá-la com a lição.
Ergo uma sobrancelha. Christopher olha para o professor, que nos encara com curiosidade.
— Ela está com dificuldades em responder — explica.
— Oh, claro! — o professor sorri.
Olho para o garoto ao meu lado, irritada.
— Não estou com dificuldades, não.
Chris põe a mão discretamente sobre a minha coxa, em um lugar um tanto quanto íntimo e a
aperta.
— Agora está — decreta, gélido.
— Está mesmo entendendo o assunto, senhorita Bell? — Chris pressiona sua coxa na minha.
Engulo em seco, sentindo a vermelhidão tomar conta da minha face.
— S-sim.
Eu já estava terminando a lição, mas, ele continuava a me atormentar, como se sentisse
prazer ao me ver desconcertada ao seu lado. Sempre averiguando cada mínimo detalhe e tendo a
certeza de que iria me deixar ainda mais nervosa na sua intoxicante presença.
Cada palavra que saía de seus lábios era rígida. Sua postura era sempre imponente e
ameaçadora. Não sabia o que havia feito para ele agir assim, mas me mantive quieta enquanto ele
me explicava — obrigatoriamente — um assunto que eu já sabia.
Respiro fundo, mas o ar parece entrecortado.
Por mais que eu tenha me esforçado para me manter tranquila, fraquejei diversas vezes. E
tudo culpa da incessante pressão que Christopher fazia em meu corpo.
— Por que está tão distraída, então? — sua voz soa mais baixo desta vez.
Seu olhar parecia querer impulsionar uma resposta da minha parte, no entanto, tudo o que fiz
foi balançar a cabeça e dar continuidade ao que estava escrevendo. Estava tão estressada com a
situação que a minha letra virou um completo garrancho cheio de tremidas em toda a atividade.
— Não me convenceu — insiste.
Fingi não tê-lo escutado e, por sorte, o som estridente e contínuo do alarme assomou o lugar
no mesmo momento.
Finalmente!
Meus ombros, antes tensos, relaxam e meu corpo se inunda de alívio ao saber que, enfim,
sairia daquela aula após 35 minutos com Christopher ao meu lado, olhando-me impiedoso.
Durante todo o tempo em que a Torre Tatuada permaneceu comigo, temi que fosse aprontar
algo macabro. Eu não conseguia dizer nem mesmo uma frase inteira sem gaguejar.
Ele não se levantou para ajudar os outros com o dever. E, na única vez em que o chamaram
— mesmo que as intenções da aluna parecessem outras. — Chris a incentivou, de maneira nada
sutil, que ela se dirigisse ao professor, pois, pelo visto, ficar ao meu lado era tão necessário que
ele não estava nem aí para o restante da sala. Desde então, os alunos ficaram receosos de pedirem
o seu o auxílio novamente.
Vicente, nosso professor, nos olhou desconfiado por diversas vezes, mas não se atreveu a
nos confrontar. Acho que até o próprio tem um pouco de medo de Christopher, mas, quem não
teria?
Assim que os alunos começaram a guardar os seus materiais, Chris se aproximou do meu
ouvido e automaticamente congelei no lugar quando senti sua respiração quente no meu pescoço.
— Nos vemos em breve, Dingo Bells. Eu estou de olho em você — alerta sério e, só então,
ele se põe de pé, afastando-se rapidamente.
Sentindo meu rosto queimar de vergonha pela ideia de que alguém possa ter nos escutado,
olho em volta para dar uma conferida, todavia, ninguém parece ter prestado atenção.
De longe, vejo-o se juntar ao professor. Antes de ele cair fora, seu olhar procura o meu uma
última vez e um sorriso perverso pinta os seus lábios.
Luc me alcançou na hora da saída para me acompanhar até o meu carro como sempre fazia,
mas, assim que começamos a andar, ele parou no lugar e me olhou com cara de quem sabia que
havia algo errado comigo. Meu amigo ergueu o olhar e me analisou de cima a baixo com os
olhos semicerrados.
— Você está… estranha — decreta, franzindo a testa.
Ele agarrou o meu queixo para examinar o meu rosto, mas bati em sua mão para que me
soltasse. Pelo visto, estava literalmente estampado na minha cara que eu ainda estava balançada
com o que havia acontecido na sala.
Depois daquela aula, eu não conseguia parar de pensar em Christopher um segundo sequer.
Ele havia conseguido arranjar um jeito de grudar na minha cabeça e me consumir completamente
como se estivesse drenando as minhas energias.
Luc consegue ser muito intrometido quando está preocupado, mas não quero lhe dar
motivos para isso ou ele vai querer dar um de “macho alfa” para o meu lado, então apenas dou
de ombros.
— Não é nada.
Me esforço para fingir pouco caso e enrolo uma mecha do meu cabelo entre os dedos,
porém, sinto seu olhar desconfiado sobre mim.
— O que houve? — instiga.
Eu sou a pior pessoa do mundo mentindo, mas agora eu realmente vou precisar da minha
melhor performance ou ele vai me questionar até semana que vem sobre isso. Solto um suspiro
exagerado e repuxo o canto dos lábios para baixo.
— Sei lá, só devo estar cansada. Não gosto de ter que ficar o dia inteiro na escola quando
Loren não vem.
Luc parece mais aliviado e passa os braços ao redor dos meus ombros.
— Você tem a mim.
— É, mas você não é a minha irmã. Você é um descarado. — O afasto e ele ri.
— Você me ama que eu sei.
— Você que pensa — gracejo.
— Quando é que você vai deixar de ser tão fria e vai me convidar para sair, Dy? — Ele
cruza os braços.
— Não sou fria, eu sempre te chamo para sair.
— Você me chama para festas, e eu mereço um encontro — rebate, frustrado.
— Não.
Ele bufa, mas finjo não ouvi-lo. Ignorando a sua insistência por um encontro, seguimos para
o estacionamento, onde os amigos de Luc nos olham com sorrisinhos bobos ao passarmos por
eles, pois juram que existe algo rolando entre nós, no entanto, a realidade é bem diferente.
Ao alcançarmos o meu sedan, paramos frente a frente, o que acaba me proporcionando a
visão do seu rosto de cachorro chutado.
— Você merece um pouco de juízo, Luc.
Ele encosta o seu corpo em meu carro e curva um sorrisinho.
— Oh, Dytto. Só me dê uma chancezinha e eu vou te mostrar que eu sou o homem da sua
vida.
Rio alto disso e balanço a cabeça.
— Não mesmo.
Passo por ele e jogo as minhas coisas dentro do carro, quando volto para onde estava, o
encontrando olhando fixamente para um ponto específico.
— Tá olhando o que? — pergunto, sorrindo.
— Por que o Christopher está nos encarando?
A expressão bem-humorada evapora de meu rosto e arregalo os olhos.
— O-o quê? — indago nervosa.
— Ali, logo ao lado do carro — sussurra, baixando o olhar para os seus próprios pés, a fim
de disfarçar.
Passo os olhos pelo lugar, e o encontro do outro lado do estacionamento, o corpo apoiado
em uma ranger vermelha, uma de suas mãos no bolso e a outra segurando um cigarro nos lábios.
Christopher nos encara sem o menor pudor ou constrangimento.
Noto que os seus olhos se demoram em Luc. A forma em que ele o encara me causa
calafrios.
Uno as sobrancelhas e alterno meu olhar entre Chris e o meu amigo, ainda sem entender o
que está havendo.
— Você fez algo para ele? — investigo, séria.
— Eu não. Só o vi algumas vezes em algumas festas. Não imaginei que ele estivesse aqui
hoje.
— Eu acho melhor você ir embora. Ele está te olhando muito estranho.
Luc revira os olhos, não dando a mínima, mas se despede com um forte abraço que quase
me parte em dois.
— Está me devendo um encontro — pontua.
— Não estou, não.
— Eu vou cobrar — avisa, ao passo em que se afasta andando de costas. — Já vou antes que
eu leve uma surra.
Balanço a cabeça em concordância e me obrigo a rir para camuflar o nervosismo, o que
acaba soando mais como um motor morrendo.
Assim que Luc ganha distância o bastante, volto a olhar para Christopher que, agora, me
observa atentamente. Ao perceber que eu o encarava, ele acenou de leve com a cabeça, em um
gesto desafiador. Meu rosto esquentou e fechei os punhos diante da situação.
— Seu psicopata — sussurro e viro-me para o meu carro.
Não voltei a olhá-lo, mas senti que ele manteve seu olhar sobre mim durante todo o tempo
em que usei para ir embora.

— Como foi o seu dia? — Papai perguntou, sentado à beira da mesa com os olhos postos em
mim.
Apesar de vaidoso e consideravelmente jovem, seu cabelo já possui vários indícios de fios
grisalhos. O rosto com resquícios de juventude, agora é marcado por algumas linhas de
expressão que estão mais associadas ao estresse do que a idade chegando.
De canto, vejo Loren inspirar fundo, como se já não aguentasse mais nem um segundo
sequer sentada aqui.
Hoje é dia de jantarmos juntos; fazemos isso pelo menos uma vez na semana, pois, em
grande parte do tempo, não nos vemos. Papai é um cardiologista renomado e está sempre
transitando entre uma cirurgia e outra. Mamãe é diretora de marketing em uma grande empresa e
está sempre ocupada elaborando estratégias de vendas ou viajando a trabalho.
Ambos vivem em função de seus empregos e, nas folgas, vão para a igreja e nos obrigam a
ir juntos. Eles são bem rígidos quando se trata de religião — em razão de terem vindo de famílias
católicas super devotas —, o que os levam a pensar que devemos agir igual.
E Deus nos livre de sequer pensar em seguir outra crença, seria um absurdo sem perdão.
Eles não são lá o tipo de pessoas que estão dispostas a serem mentes abertas com os filhos e
terem uma conversa um pouco menos formal do que as do dia a dia. Então apenas seguimos a
tradição das quintas em família.
— Foi bom, o mesmo de sempre — respondo baixinho, evitando realmente pensar no meu
dia.
Encolho o corpo na cadeira e fixo os olhos no prato de comida — agora vazio —, apenas
para não ter que encarar a tensão no rosto de todos à minha volta.
— E o seu, Loren? — papai questiona, numa entonação mais severa, em seguida beberica o
seu suco de laranja.
Por alguma razão, ele sempre a trata como suspeita de um crime, até mesmo quando ela não
fez nada para isso. Loren não é exatamente o modelo de filha perfeita, mas ainda parece um
grande exagero da sua parte agir tão friamente assim.
Ela solta o ar pesadamente e cruza os braços
— Chato.
— Já está se sentindo melhor, minha Lobinha? — mamãe aborda, afagando gentilmente o
rosto de minha irmã.
— Sim. Devo ter passado mal por algo que eu comi — Loren cochicha, visivelmente
desinteressada no assunto.
Papai a olha desconfiado e ergue uma sobrancelha.
— Ou bebeu — contesta.
Theo — nosso pai — odeia o fato dela beber e nunca escondeu isso. Em geral, Loren
mantém um certo controle com o álcool, apenas para evitar discussões como esta, mas noite
passada deve ter sido uma barra e tanto para ela e, por isso, não contei nada sobre Christopher
hoje.
Apesar da minha consciência ainda me martelar a cada instante, sinto que foi o que
precisava a se fazer. Será melhor se ela não souber logo após ter se recuperado de uma ressaca da
qual eu tenho certeza que a razão foi tentar esquecê-lo.
— É. Ou bebi — ela retruca rudemente.
Massageio as têmporas, já sabendo o tornado que está por vir.
— Acha isso bonito? — Theo reclama irritado. — Você precisa dar um jeito nessa sua vida
ou vai acabar sendo inútil pra sempre. — Ele aponta para ela ao dizer, como se precisasse
enfatizar a sua raiva.
Ah, merda!
O rosto de Loren rapidamente ruboriza e lágrimas brilham no canto de seus olhos.
Isso é pesado demais para se ouvir. Papai não impõe barreiras no que diz e isto sempre
termina com Loren magoada e ele furioso, enquanto o resto de nós procura uma forma de
amenizar a briga.
— Agora vai me dizer que nunca bebeu na sua vida? Não venha agir como um santo, pai —
ela rebate, a voz instável e os lábios trêmulos.
— Você é a irmã mais velha, e ainda assim é Dytto que se contém no seu lugar. Você
deveria ser um exemplo para sua irmã. Não o contrário. — As veias saltam em seu pescoço
conforme ele berra a sua irritação sobre ela.
Enquanto isso, minha irmã o encara com amargura e a mais pura mágoa.
— Papai, isso não é algo que deveria ser tarefa para Loren — intervenho.
— FIQUE QUIETA! — esbraveja eu arregalo os olhos.
— Amor, por favor, pare! — Ever pede, testemunhando para onde estamos indo nessa
discussão fútil.
Mamãe sempre conseguiu manter um certo equilíbrio em nossos jantares de família. Ela não
gosta das conversas duras que papai geralmente direciona à Loren, porém, é submissa demais
para conseguir se impor completamente.
Theo contrai a mandíbula, ainda furioso. Ele tenta se controlar, enquanto minha irmã finge
não estar segurando o choro.
— Eu vou subir — Loren avisa, já se levantando.
Ever apertou o braço de Theo, que já estava prestes a se opor quando minha irmã saiu a
passos largos. Eu, no entanto, corri para acompanhá-la, pois sabia como ela ficava extremamente
vulnerável em momentos como esse.
Assim que já estávamos em seu quarto, ela rapidamente o trancou para evitar que algum dos
dois entrasse.
Deitei-me ao seu lado na cama e a envolvi em meus braços. Não demorou muito e ela
desabou em lágrimas, não apenas de tristeza, mas também, raiva. Disso ela está cheia.
Ela odeia quase tudo em nossos pais, mas principalmente o fato deles já terem planejado
toda uma vida para ela. Desde o cara certo, a profissão, faculdade, onde vai morar e até mesmo
quando é a hora certa de ter filhos.
Eles acham que, assim, ela será bem-sucedida e feliz, como se seguir isso fosse o segredo de
uma vida abundante. Mas isso não é Loren, ela está longe de querer uma vida estável e pacata
com um monte de filhos. E eu a entendo, também não quero, mas eles nunca cobraram isso de
mim, e talvez, essa seja uma das maiores mágoas de Loren, mas sei que ela jamais descontaria
isso em mim.
— Vai ficar tudo bem — sussurro, depositando beijos em sua cabeça.
— Por que eles sempre exigem que eu seja perfeita? Eu já faço de tudo por eles. Tenho 18
anos, estudo, trabalho e tiro boas notas. Por que o nosso pai sempre exige que eu seja quem eu
não sou, Dy? — desabafa.
Deixo que um suspiro triste escape de meus lábios.
— Eu sinto muito, Lô. Eles só não sabem dar valor ao que tem. Você é talentosa e esperta,
vai se dar bem na vida com ou sem eles.
Loren balança a cabeça, indignada.
— Eu só bebi, mas que droga!
O problema nunca foi exatamente a bebida, o fato é que, ela não abaixa a cabeça e o obedece
como ele bem queria que fosse, e isso o irrita mais do que ela sair para beber. Afinal, é mais fácil
a controlar quando ela está sobre os seus domínios do que quando ela se opõe para ser livre. Isso
o enfurece.
Mas eu não iria dizer isso a ela, de todo modo, não seria necessário. Loren já conhece a
família de que viemos.
— Logo ele esquece isso. Ele sabe que você bebe e que não é nenhuma santa puritana. Papai
só precisa aceitar isso na cabecinha de minhoca dele. E ele vai aceitar. Se acalme, está bem?
Loren soluça em meus braços e desliza suas pernas sobre as minhas.
— Eu amo você, Dy. Você é literalmente a única pessoa no mundo em quem eu confio —
confessou baixinho.
Meu peito se aperta, e a sensação de culpa se mostra ainda mais cruel e presente dentro de
mim.
Eu sei que não fiz nada de errado para me sentir assim, porém, o fato de não conseguir tirar
Christopher dos meus pensamentos também me parece traição. Porque talvez, só talvez, exista
um novo sentimento surgindo dentro de mim, e eu não sei o que fazer com isso.
— Também amo você, irmãzinha — sussurro. — Pra sempre!
22 de Março | Sexta-feira
Durante a aula de inglês, Christopher se manteve sentado à frente da classe. Seu semblante
era sempre cheio de seriedade, porém, hoje ele estava mais receptivo aos pedidos de ajuda dos
alunos.
Desta vez, ele não ousou se aproximar de mim, tampouco me olhar. Parecia que, mesmo
indiretamente e sem discussões, estávamos nos evitando, ou melhor, ele o estava fazendo.
No decorrer da aula, foi eu quem inevitavelmente o olhou por diversas vezes. Estava em
uma corda bamba, sem saber o que havia acontecido, ou o porquê de ele estar tão contrário a
forma que agiu na aula passada.
Eu não estava interessada em ser o alvo de sua arrogância novamente, mas queria ao menos
uma explicação do que de fato estava acontecendo; mesmo que eu nunca fosse questioná-lo
sobre, e que, muito provavelmente, apenas deixasse toda essa confusão morrer.
Talvez Loren tivesse passado pelo mesmo com Chris, e por isso o julga tão mal. Ela estava
apaixonada, deve ter sido complicado para ela aceitar a frieza no comportamento dele.
Christopher é sempre sério, intenso e ímpeto. Pelo pouco que vi dele, não parece ser alguém
gentil. Seu humor parece se dividir entre o ódio e a raiva. E a sua personalidade se divide entre
odiar, e odiar muito. Mas, pensando pelo lado positivo, ao menos não é necessário muito esforço
para saber que é melhor mantê-lo longe.
O alarme soou, e quase como se desse Graças a Deus, nosso professor, Vicente, levantou-se
em um pulo. Ainda estava explicando o final do nosso dever de casa, mas, cair fora do emprego
mais cedo pareceu mais tentador. Levando em conta que é sexta, eu acho sua atitude muito
sábia.
— Bom, por hoje é apenas isso. Ao fim do dia, vão para casa em paz e fiquem bem — ele
dizia enquanto enfiava com pressa as suas apostilas na bolsa.
Quase ri disso.
— Professor Christopher — uma aluna chamou, com a mão suspensa no ar.
Professor Christopher? Quando foi que ele se tornou tão íntimo da turma? Hoje é só o seu
segundo dia aqui.
Curiosamente, ele apenas ergueu uma sobrancelha ao olhá-la.
— Você vem na próxima aula? Gosto muito das suas explicações. — Notei as bochechas
dela ganharem tons rosados e as suas amigas soltarem risinhos baixos, como quem sabe que ela
não estava se referindo realmente às explicações de Christopher, apesar de ele ser muito bom
nisso.
— Venho. Por um tempo — a Torre Tatuada foi breve, mas bastou para causar agitação em,
principalmente, garotas.
Acho que os meninos não gostavam tanto da atenção que Christopher tomava para si sem
nem ao menos se esforçar para isso. Isso atingia o ego deles em cheio.
— Então quer dizer que eu estou sendo trocado — nosso professor brincou, meio
melancólico.
Mesmo que ele esteja realmente animado com a ideia de se aposentar, é possível notar o
desânimo em seu rosto. O que é bem compreensível, afinal, deve ser estranho deixar para trás o
que ele mais gostou de fazer a sua vida inteira.
Por isso, decidi animá-lo um pouquinho.
— Particularmente... — me pronunciei em voz alta. — Eu ainda prefiro o senhor —
declarei, com um sorriso gentil.
Seu rosto automaticamente ganhou vida.
— Oh! Olhe só, Christopher. Eu também tenho fãs — o professor dizia aos risos, em
divertimento.
Eu sempre mantive um respeito enorme pelos mais velhos, mas, ainda achava estranha a
forma com que eles riam com tão pouco. Por outro lado, Christopher me encarava severo.
E lá estava aquele olhar sombrio queimando em mim novamente, quase como se quisesse
me estrangular.
Meu propósito não era espetá-lo, porém, foi o que aconteceu.
Meu corpo parecia doer de tanta tensão em consequência de sua repreensão sobre mim. Por
isso, evitei encará-lo por muito mais tempo. Meu estômago se revirava com a certeza de que
Christopher havia decidido me esganar com os olhos.
A sala aos poucos se esvaziava conforme os alunos saiam. Fui uma das últimas a me
levantar, pois ainda estava terminando de guardar tudo. O fato de me sentar na última cadeira era
bom, mas geralmente atrasava a minha saída em meio ao tumulto que se formava no caminho.
Quando finalmente alcancei a porta, senti uma mão envolver o meu braço com firmeza, não
o suficiente para me machucar, porém o bastante para me assustar e acabar me deixando nervosa.
— Vou te procurar mais tarde. E nós iremos conversar — sussurrou como uma ameaça em
meu ouvido, em seguida, se afastou.
Como assim irmos conversar? O que Christopher e eu teríamos a falar um com o outro?
Continuei a encarar o seu corpo alto mesmo depois dele já estar longe. Sentia arrepios de
medo em minha pele à medida que a sua voz se repetia em minha cabeça, em um looping que só
se rompeu quando a da minha irmã entoou ao meu lado.
— Tá tudo bem, Dy? — Loren perguntou e estremeci de susto.
Virei-me para ela com a mão no peito e a respiração ofegante.
— Caramba, Loren. Você quase me matou do coração. — Arquejei, sentindo as maçãs do
meu rosto esquentarem.
— Parou no mundo da lua por quê? — investigou, curiosa.
— Nada! — Baixei o olhar para os meus pés e passei os dentes em meus lábios. Geralmente
eu acabo os machucando quando estou nervosa.
— Você tá esquisitinha — murmurou, desconfiada, mas não se demorou nisso.
Loren me puxou pelo braço. Por sorte, mudando o assunto de nossa conversa.
— O que vamos almoçar hoje? Odeio a comida dessa escola, parece que ninguém sabe que
se temperar demais uma comida, ela simplesmente para de ter gosto e vira um amontoado de
gororoba.
Me arrastando até o refeitório, Loren nem mesmo se deu conta de que Christopher havia me
dado aula, talvez, ela nem mesmo tenha notado que ele estava na escola. Pelo menos, não ainda.
Era difícil não perceber os boatos do "novo estagiário gato" circulando pelos corredores, ou seja,
seria só uma questão de tempo até ela perceber ou acabar topando com ele por aí.
Só espero não estar presente quando isso acontecer.

— Te dou 5 minutos, Dy. Eu quero ir logo para casa — Loren reclamou de braços cruzados
enquanto batia o pé, impaciente.
— Eu só preciso ir ao banheiro ou vou mijar dentro do seu carro. Você quem sabe.
Embora eu tenha o meu próprio carro, gosto de, às vezes, pegar carona com Loren para a
escola, porém, isso implica em ter que ser pontual na hora da saída ou ela vira um pé no saco.
Suspirando forte, ela finalmente assentiu.
— Vai. Só não demora ou eu te deixo plantada aqui.
Loren apoiou o corpo na sua SUV, e Luc, que estava ao seu lado o tempo todo observando a
situação, gargalhou.
Sabendo que ela podia estar realmente falando sério, e que a escola já estava quase que
completamente vazia e prestes a ser fechada, fui correndo para o banheiro e me tranquei em uma
das cabines.
Passei o dia inteiro fugindo de lugares desocupados ou distantes para que Christopher não
me achasse, e isso custou prender a minha bexiga, mas, assim que chegamos ao estacionamento e
não encontrei sua ranger vermelha, percebi que ele já havia ido embora.
Eu estava verdadeiramente assustada com a forma que ele sempre parecia estar com raiva de
mim, por isso decidi que não iria dar oportunidades a ele para conversarmos.
Após terminar, fui direto para a pia lavar as minhas mãos. À minha frente, havia um espelho
enorme revelando o meu reflexo. O rosto cansado e alguns fios desgrenhados e avulsos em
minha cabeça. Aproveitei para ajeitar o meu cabelo nas laterais do meu corpo e ajustar a minha
roupa.
Hoje vim com uma camiseta preta de Loren que me faz parecer ter seios um pouco maiores
do que realmente são. Não é como se eu tivesse muito, de todo modo, mas acabei me
acostumando com as migalhas que tenho.
Curiosa, imaginei como seria se eu tivesse nascido um pouco mais afortunada e me virei de
lado para apertá-los, fazendo com que eles saltassem e parecessem silicones. Voltei a ficar de
perfil e sorri ao ver a minha falsa imitação de peitos grandes.
— Vocês ficariam uma gracinha — cochicho, empinando-os ainda mais.
— Prefiro como são — o comentário me fez estremecer e saltar para trás.
Encostado na entrada do banheiro, Christopher encarava-me sem o menor pudor.
Senti minha pele ferver de vergonha e precisei puxar o ar com força.
— O que está fazendo aqui? Esse é o banheiro feminino!
Christopher desliza a língua sobre os seus lábios fartos bem devagarinho enquanto desce o
olhar para o meu busto.
— Ups! — sussurra irônico, curvando um sorriso de lado.
Como um caçador atrás de sua presa, ele caminhava passo atrás de passo em minha direção,
sem a menor pressa.
Sua face parecia se deliciar do medo que via em mim, já os seus olhos, sempre vagavam
ruidosamente pelo meu rosto, enquanto as batidas do meu coração se tornavam cada vez mais
frenéticas e desenfreadas.
Recuei, sentindo-me assustada. Olhando em volta, percebi que não havia outra saída, senão
a única porta que havia no banheiro, porém, Christopher estava perto demais.
Quando topei na parede atrás de mim e me vi sem saída, ele sorriu, satisfeito. Então, por fim,
me alcançou. Sua mão direita envolveu o meu pescoço e a outra agarrou os meus cabelos com
firmeza.
Ele me obrigou a encará-lo. Sua respiração se tornou mais pesada e seu corpo pressionou o
meu com indelicadeza.
— Olá, Dingo! — sussurrou, rouco. O olhar vidrado no meu.
Já não havia uma única partícula de mim que não estivesse tremendo. Eu estava, por inteiro,
aterrorizada.
— O que você quer? — perguntei, com os olhos arregalados de pavor.
Senti o nó na garganta se formar e aumentar à medida que meus olhos começaram a
lacrimejar.
Eu não o conhecia, sabia que ele poderia fazer o que quisesse comigo. Estava em total
desvantagem. E, mesmo se gritasse, dificilmente alguém estaria por perto para me ouvir.
Christopher é muito mais alto do que eu, assim como também é muito mais forte.
Ele usou o dedão da mão que segurava o meu pescoço para tocar o meu lábio inferior e
fechei os olhos com força. Chris estava tão próximo que sentia sua respiração quente tocar a
minha pele enquanto me examinava atentamente.
— Não feche esses lindos olhos verdes. Me olhe, querida Dingo Bells — pediu, cheio de
necessidade.
Meus lábios se mantinham entreabertos e ofegantes, enquanto o resto de mim permanecia
paralisada, presa entre a parede e o corpo alto de Christopher.
Devagarinho, abri os olhos.
— Não vou te machucar — ele murmurou ao notar uma lágrima solitária escapar dos meus
olhos.
— O que você quer então? — choraminguei trêmula.
— Não se preocupe. Já consegui o que eu queria.
Franzi a testa, confusa.
— Por que está me prendendo aqui? — as palavras saíram arrastadas.
Ele colocou as suas mãos no meu rosto.
— Você vai descobrir... em breve.
— Christopher, eu preciso sair. A minha irmã, ela está me esperando com o Luc lá fora. Por
favor! — pedi com urgência, já estava ficando desesperada.
— Luc? — pontuou, curioso. — Então esse é o nome do garoto que anda com você? Nossa!
— Ele riu. — Está mesmo andando com alguém que tem nome de cachorro? Você não aprende,
não é?
Balancei a cabeça.
— Do que está falando?
— Não se faça de boba, Dingo. Eu vejo como ele te olha.
— Por quê? Pra que tudo isso? Eu não entendo — supliquei, atordoada. — Você está em
todo canto. O que eu fiz pra você? É por causa do tapa? É por isso que me odeia tanto? Então me
desculpa. Eu prometo não fazer mais aquilo.
Christopher juntou as sobrancelhas e curvou um leve sorriso audacioso no canto dos lábios.
— É porque não posso permitir que seja tão pura. Não sabe como isso me enlouquece.
— Por favor... Eu preciso ir — peço num sopro.
Ele lentamente joga a cabeça para o lado.
— Você vai. Mas não vai se livrar de mim — garante.
Como ele podia ser tão mal assim? Não havia compaixão em sua fala ou em sua face.
Apenas a expressão mais sombria e maléfica que poderia existir. Christopher claramente
pretende me destruir.
— Não magoou a minha irmã o suficiente e agora vai garantir que eu seja a próxima
também? — questionei, magoada.
— A sua irmã? Não fiz nada a ela — se defende.
— Fique longe de nós — disse séria.
— Eu já estou longe dela há um bom tempo, Dingo. Mas, já de você...
— Vai o quê? Me usar para os seus rituais na floresta? — Sorri amarga.
Tudo o que eu queria era correr dali.
— Não, meu anjo. Eu vou te usar, mas de um jeito gostoso.
Minhas bochechas se acenderam e meu coração disparou mais forte.
— E eu prometo que você vai gostar de sentir o gosto do pecado. Vou te fazer implorar por
mais, minha Dingo Bells. Não há almas que se mantenham puras depois de entrarem no meu
caminho.
Repentinamente, ele se afastou de mim, deixando um espaço brusco entre nós. Precisei
segurar a bancada da pia ao meu lado para conseguir me equilibrar.
— Nos vemos por aí — avisou, partindo rapidamente para fora do banheiro.
Não demorou nem mesmo um segundo, assim que a porta bateu, Loren entrou.
— Será que poderia me explicar o que está havendo? — questionou furiosa.
Oh, não! Ela deve estar pensando que eu estava de propósito com o Christopher.
Abri e fechei a boca várias vezes sem saber ao certo o que dizer. Estava suando frio e
tentava controlar as náuseas. Eu não poderia mais esconder isso dela.
— Dytto. Pelo amor de Deus. Como você ainda está aqui? Já faz mais de 10 minutos, será
que não poderia ter sido mais rápida? Caramba!
Espera?! Como assim ela está brava por isso? Ela não ligou para o fato de Christopher ter
acabado de sair daqui?
— Loren... Eu... O que...?
— Caramba. Éramos para termos ido embora há tempos. Anda! Já estão fechando a escola,
só tem nós duas aqui dentro ainda.
— Só nós duas?
— É, Dy — respondeu, extremamente irritada.
Eu estava tão confusa que nem mesmo protestei quando ela pegou o meu braço e saiu me
puxando porta a fora.
23 de Março | Sábado
Durante o café da manhã, Dytto estava completamente imersa em seus pensamentos. Os
seus olhos se mantinham fixos à tigela de frutas diante de si, mas ela não parecia realmente vê-la.
Sua mente estava divagando num mundo só seu.
Ela permanecera completamente imóvel e apática em sua cadeira durante todo o tempo em
que esteve ali. Talvez ainda estivesse com sono, no entanto, parecia ser algo a mais que lhe
prendia a atenção.
De onde eu estava, a observava em silêncio, não fazia ideia do que se passava em sua
cabeça, mas me preocupava vê-la assim. Vez ou outra, ela expirava baixo e cansado.
Deveríamos ter saído há quinze minutos, entretanto, Dytto ainda estava em seu pijama,
alheia ao nosso compromisso obrigatório. Normalmente, era ela quem sempre pegava no meu pé
para que eu me aprontasse, mas hoje, parecia uma completa sonâmbula.
— Ei! — murmurei, porém, ela não reagiu, repeti o chamado outras duas vezes, mas nem
assim.
Começando a ficar realmente preocupada, me inclinei em sua direção e balancei o seu corpo.
Foi só então que ela finalmente despertou.
— Quê? — indagou confusa e suspirei, aliviada.
— Está tudo bem aí?
Observando-a bem, noto que seus olhos estão avermelhados, as pálpebras inchadas e as
olheiras em evidência.
Ou ela não teve uma boa noite de sono, ou então nem mesmo chegou a ter uma.
— Hum-huh — murmurou relutante, o que só me deixou ainda mais intrigada.
Ela não possui o costume de mentir ou esconder coisas. Em geral, sempre me conta todos os
seus segredos, porém, ultimamente sinto como se ela tivesse se fechado. Não quero pressioná-la
a falar, mas é impossível não ficar aflita sem saber o que posso fazer para ajudá-la.
— Está quase na hora da missa. Vá se arrumar. Eu vou te dar carona.
Ela balança a cabeça.
— Hoje eu não vou, Loren.
Me chama a atenção o fato dela não querer ir a uma missa sem nenhum bom motivo
aparente. Minha irmã não é uma religiosa rígida, porém admiro a sua devoção em ir às missas
mais vezes do que eu mesma iria por vontade própria. E mesmo que Dytto não se considere um
exemplo de cristã, comparada a mim, ela é quase uma santa.
Estreito os meus olhos.
— Mas você sempre vai — comento com estranheza.
Ela escorrega na cadeira.
— Mas hoje, não.
Tem algo errado.
Jogo um guardanapo em sua direção. Porém Dytto o apara e arremessa de volta.
— Para, Loren — cochicha irritada.
— Aconteceu alguma coisa, não é?
Seu lábio inferior treme, a denunciando, porém, ela nega com a cabeça.
Dy está mentindo!
Penso em ficar para sondar mais a fundo o que está acontecendo, mas ela não parece a fim
de me contar nada. Dytto abraça o próprio corpo e se mantém retida em sua cadeira, encarando
com os olhos sem vida o beiral da mesa.
Uma outra hora, então.
— Na próxima você vai! — declaro, já me pondo de pé. — Vou dizer aos nossos pais que
você estava se sentindo mal hoje.
Ela assente, não parecendo realmente estar prestando atenção no que digo
— E a louça do jantar é toda sua — acrescentei.

Após a missa, Claire e eu pegamos a estrada e fomos parar na floresta em que sempre
ocorriam nossas festas. Não havia muitas pessoas no lugar, apenas alguns dos nossos colegas de
farra.
Ninguém estava realmente dando uma festa, apenas bebendo, como costumávamos fazer
durante algumas tardes de sábado em que ficávamos de bobeira.
Claire estava novamente chateada por alguma outra briga com Joshua e me procurou para
encher a cara e esquecer os seus problemas junto de uns caras mal-encarados que haviam
acabado de se sentar próximo de nós, em um tronco de uma árvore caída.
Fiquei um pouco mais distante. A cabeça cheia de problemas e receios. Havia coisas sobre
mim que eu tentava camuflar, mas, não existiam maneiras de se esconder. E se afogar em
ilusões, só acabava juntando ainda mais peso na viagem.
Estava exausta, mas eu não podia desabafar com ninguém. Então me entorpecia até esquecer
todo o resto.
Estava fumando, distraída, no momento em que o garoto alto e tatuado ao qual eu já
conhecia bem tomou conta do meu campo de visão. Seus olhos miraram nos meus com
seriedade, e nos seus lábios ainda existia aquele mesmo sorriso torto e sarcástico de quando o vi
pela primeira vez. Seu cheiro forte e amadeirado me invadiu, desestabilizando-me, mas fingi
indiferença.
E, do mesmo modo, meu coração disparou. Mas, com um belo passado de sedutoras
memórias, as mágoas surgiram e nublaram todos os meus pensamentos. Por mais louco e insano
que fosse esse sentimento que ainda nutria por ele, precisava me lembrar que jamais ficaríamos
juntos.
Porém, vê-lo, sempre acabava despertando sentimentos que tentava manter adormecidos.
Sempre que eu possuía conhecimento de Christopher, ele estava em sua parte da floresta, do
outro lado. Junto de sua turma. Nunca aqui. Logo, se veio para cá, havia um bom motivo para
isso. Ou então, só estava procurando um novo alvo para atormentar.
— O seu lado da floresta não é esse — pontuei, séria.
Ele cruzou os braços em oposição.
— Cadê a sua irmã? — perguntou interessado.
Imediatamente fechei a cara para ele.
Por que inferno ele estaria perguntando sobre a Dytto? Ele nem mesmo deveria ter chegado
perto dela.
— E te interessa? — retruquei, rígida.
— Mais do que você pensa — respondeu cheio de malícia.
Christopher conseguia mesmo me enfurecer em cerca de três segundos. Apertei os dentes e
me esforcei para não avançar em cima dele com socos.
— Tire os olhos dela. Dytto não é para o seu bico — ameacei, entre os dentes.
Se havia alguém a quem eu defenderia melhor do que eu mesma, era a minha irmã. E
Christopher é, sem dúvidas, uma armadilha para o coração de Dytto.
Ele soltou um riso baixo, não me levando a sério. Os olhos brilhavam em divertimento
enquanto me desafiava.
— Que porra você acha que é? Hum? — Ele ergueu uma sobrancelha, ainda mais
autoritário.
— Veio aqui apenas para ser inconveniente ou tinha outros planos?
— Soube que havia gente aqui, pensei em dar uma olhada para saber se quem eu queria
estava. — Ele força os lábios para baixo, em uma demonstração exagerada de desapontamento.
— Infelizmente só encontrei a irmã doida dela.
— Sorte a da Dytto, então — provoquei, abrindo um sorriso desafiador a ele.
Chris passou a língua sobre os lábios e soltou um breve suspiro.
— Não precisa se preocupar. Eu sempre consigo o que eu quero, Loren. E se eu me esforçar
só um tantinho assim — ele mede, exibindo um pequeno espaço com o seu polegar e o dedão —,
vou fazer o mundo dela virar de cabeça para baixo.
— Seja lá o que você tenha em mente, é melhor parar agora. Dytto merece bem mais do que
um escroto igual a você.
Ele estalou a língua.
— Tarde demais.
Senti meu rosto pegar fogo e avancei um passo em sua direção enquanto jogava o maço de
cigarro de qualquer jeito no chão.
— Não ouse tocar nela! Não vai usá-la para satisfazer as suas vontades sujas — minha voz
se sobressaiu e notei olhares de algumas pessoas à nossa volta.
Christopher ligeiramente torceu o lábio e aproximou o rosto do meu ouvido.
— Não tente me impedir. Sabe bem o que vai acontecer se tentar qualquer coisa —
sussurrou, ameaçador.
Então se afastou.
Não consegui reagir. Meu corpo estava tomado pelo choque de suas palavras. Meu coração
parecia quase explodir no peito.
24 de Março | Domingo
Eu estava morrendo.
O meu corpo havia entrado em total colapso de um dia para o outro. Como fumaça, todas as
minhas energias evaporaram. Sentia-me desorientada e alucinando acordada. Havia duas noites
seguidas em que eu não conseguia dormir e já estava entrando em uma crise nervosa. Não fazia
ideia de como tinha chegado a este ponto tão rápido. Apenas havia caído em um completo estado
de insônia.
Uma pequena e sombria voz dentro da minha cabeça estava a me perturbar o tempo todo.
Provocando-me a cair em delírios.
Eu sempre me cuidei, mantinha uma dieta saudável e uma rotina estável, não havia motivos
para que eu adoecesse assim. Porém, não sentia como se isso afetasse somente o meu estado
físico, contudo, o meu psicológico e, de alguma forma, espiritual. Estava agonizando dentro do
meu próprio corpo e temia estar à beira da loucura.
Ninguém da minha família pareceu ter notado a condição em que eu estava, afinal, apenas
saí do quarto quando já não havia mais sinal de pessoas em casa, pois não queria assustá-los.
Minha mãe havia embarcado em uma viagem a trabalho hoje de manhã e o meu pai estava
participando de um congresso, deixando o lugar livre apenas para mim e Loren, que também
havia encontrado algo para fazer no seu tempo livre.
Cansada de estar no sofá da sala, fiz o esforço que pude para me por de pé e saí me
arrastando como uma zumbi idiota e lenta até a cozinha. Estava tão fora de mim que acabei
tropeçando em meus próprios pés.
— Merda! — Apoiei o corpo na parede ao sentir uma enorme pressão me puxar para baixo.
Alonguei os ombros, os girando para trás e estiquei o pescoço para os lados. Me recusava a
cair, porém, me sentia cada vez mais fraca ao lutar.
Meu estômago estava frágil e minhas pálpebras pesavam. Eu não conseguia dormir, mas
também não sabia como me manter desperta. Estava atordoada com um amontoado de
pensamentos desconexos na cabeça que não conseguiam se encaixar e esse sentimento me
rasgava por dentro.
As paredes pareciam estar encolhendo, deixando-me claustrofóbica e as vozes… elas
pareciam gritar.
Numa rápida decisão, impulsionada pela minha irracionalidade, tomei a chave do meu carro
em cima do balcão e saí em direção à garagem.
Em uma outra ocasião, sabia que essa era uma escolha arriscada, mas eu precisava
urgentemente sair daqui.

Minha mente adoecida me trouxe ao estacionamento do supermercado. Nem mesmo prestei


atenção ao caminho que estava seguindo, apenas "acordei" quando desliguei a chave da ignição.
Durante 10 minutos seguidos, me vi parada dentro do carro, encarando o local, sem
conseguir enxergar nada com precisão. Estava no modo automático quando saí. Não fazia a
menor ideia do que estava fazendo, parecia uma bêbada ambulante, sem o menor controle de si.
Cambaleei com a chave do meu Sedan em minha mão. Me segurava em capô por capô de
cada carro por onde passava, seguindo em direção a entrada. A sensação de desmaio me
dominava e minhas pernas fraquejavam. Eu estava tão exausta que só queria fechar os olhos.
Meus lábios estavam ressecados e minha visão embaçada parecia se dividir em várias. Ouvia
as vozes dos poucos que passavam por mim e notava brevemente a expressão preocupada no
rosto deles. Entretanto, ninguém realmente parou, mesmo que tudo em mim implorasse por
ajuda.
O estacionamento estava meio vazio, então supus que todos deveriam estar dentro do
supermercado, para onde eu tentava, dolorosamente, chegar sem nenhum motivo aparente.
Já estava delirando. Meu coração acelerou e comecei a ficar ofegante. A odiável e incômoda
sensação aumentava a todo segundo. Queria gritar por socorro e chorar.
Minha pele estava formigando e tudo em mim ardia.
Foi então que desabei de joelhos no chão, sem forças e confusa.
Pisquei várias vezes, olhando em volta. Não havia ninguém por perto e eu não sabia o que
fazer.
Eu queria tirar aquilo de mim, embora nem mesmo entendesse do que se tratava.
Desesperada, enfiei os dedos entre os cabelos, os puxando com força. Meu peito subia e descia
descontroladamente. Gemi de dor enquanto arranhava os braços com força.
— Ajuda... Ajuda... — arfava fraca.
Como uma nuvem, a angustiante aflição me cobria, tirando-me o ar. A pressão no meu peito
se agravava juntamente de tremores que surgiam inesperadamente.
O horror estava me dominando.
Ergui a cabeça, e varri o lugar com os olhos, em busca de alguém. Por coincidência, ao
longe, avistei um rosto conhecido, carregando o seu carro com sacolas. Ele não parecia ter me
notado, mas eu precisava urgentemente de alguém para me socorrer.
Engatinhando, consegui aos poucos me levantar e ficar de pé. Se eu pudesse, teria corrido
em sua direção, mas tudo o que consegui fazer foi arrastar os pés até metade do caminho.
Quando seus olhos finalmente me avistaram, quase suspirei de alívio. O garoto estava
apático perante a situação, porém, deixou suas coisas de lado para se aproximar. Ele caminhou
até a mim apressado, como se já soubesse que eu estava prestes a cair e me segurou em seu
braço.
Lágrimas escorreram depressa do meu rosto e comecei a soluçar. Estava contente com a sua
presença, ao mesmo tempo em que estava desesperada.
— Chris... Chris, me ajuda — implorei fatigada, encarando os seus olhos frios.
Sua outra mão tocou o meu rosto com gentileza e escorregou devagarinho até o meu queixo.
Ele então, curvou um meio sorriso diabólico.
— Uma péssima hora para ter me encontrado, Dingo Bells. Não acha? — murmurou
enigmático, confundindo-me.
Christopher me observava atentamente enquanto seu olhar vagueava por todo o meu rosto.
Minha pele estava cada vez mais molhada de lágrimas que rolavam sem cessar.
— Apenas relaxe, querida. Eu vou cuidar de você.
— Eu preciso que isso pare — sussurrei, fracassando ao deixar que meus olhos se
entrecerrassem.
Senti seu rosto roçar a minha bochecha e os seus lábios tocaram levemente a minha orelha.
— Vai acabar logo, logo, eu prometo.
Sua respiração quente tocou o meu pescoço e provocou ondas elétricas em todo o meu
corpo.
— O que está acontecendo comigo? — arquejei em tom baixo e quase ininteligível.
— Eu a avisei. Não há nada que se mantenha puro ao entrar no meu caminho. E a sua alma é
doce demais para não ser provada.
Não fazia ideia do que Christopher falava, tampouco conseguia ouvi-lo corretamente, e
duvidava de que estava o escutando certo.
Esgotada, deixei-me adormecer e pendi o peso sobre os seus braços.

De alguma forma eu sabia que estava em meu quarto, deitada em minha cama, mas não fazia
ideia de como havia voltado para cá. O horrível sentimento de dor, loucura e cansaço haviam —
felizmente — chegado ao seu fim. Me sentia bem novamente.
Minha mente permanecia presa a um estado semiconsciente, perdida na vasta escuridão.
Entretanto, meu corpo se mostrava indiferente, estava inquieto e ansioso, sentia-se sendo tocado
em todos os cantos.
Poderia estar apenas sonhando, mas conseguia jurar que havia sentido enormes mãos me
tocarem e deslizarem por entre minhas coxas descobertas, causando-me arrepios. Uma breve
sensação de desejo crescia em meu íntimo à medida em que os toques se intensificaram. De
repente, me vi ansiosa, desejando por mais do que quer que fosse aquilo. Esperando que
continuasse. Excitada pelo desconhecido.
Aparentava ser real demais para um sonho, mas, fantasioso o suficiente para ser de verdade.
A suposta pele era muito fria; como se tivesse sido mantida muito tempo descoberta em um
ambiente gelado, e demonstrava se deliciar de cada pedaço do meu corpo.
Um toque sutil, porém molhado, deslizou sobre minha coxa, subindo até o vão entre minhas
pernas, próximo à minha virilha, mexendo com cada célula do meu corpo. Automaticamente
minhas pernas fizeram menção a se fecharem, mas fui interrompida de o fazer. Não conseguia
abrir os olhos, mas se pudesse apostar, diria que aquilo era o toque de uma língua escorregando
em meu ponto mais íntimo.
Me revirava de um lado para o outro no colchão. A sensação não passava, parecia estar presa
naquele sonho sem fim. Em uma tortura lenta e deliciosa.
Notei quando suas mãos pousaram sobre minha cintura, e um corpo pesado se debruçou
sobre mim. A respiração quente atingiu a minha pele de maneira gentil, porém, me afetou como
um furacão.
Aquilo parecia se aproximar do meu rosto. Podia quase sentir sua pele tocar a minha. Um
toque suave e macio brincou com os meus lábios, um beijo, eu diria. Tão rápido que mal pude
entender o que desejava.
Quem sabe, o que quer que isso fosse, estava apenas curioso.
Sua mão desceu até o meu quadril e deslizou para debaixo de mim, agarrando a minha
bunda e puxando-me para fazer pressão contra seu corpo.
Sentia sua excitação por baixo do tecido áspero, tocando minha intimidade desnuda e se
aprofundando ali, com força.
Gemi baixo, molhada e desejosa.
Respirei fundo, sentindo o ar se encurtar em meus pulmões quando, beijos molhados
tocaram o meu pescoço e sugaram a minha pele. A sua língua brincava de escorregar em meu
pescoço, subindo e descendo. Chupando e ansiando ter mais.
O desejo daquilo parecia falar alto o suficiente para me cobiçar com todas as suas forças.
"Ele" estava ofegante e excitado. Estava se segurando, podia pressupor isso. Minha intimidade
latejava, pois, por alguma razão, eu vivenciava daquele mesmo desejo sujo.
Eu conseguia quase adivinhar o que aquilo sentia, parecia tão forte, e me queria da maneira
mais possessiva. Sua extrema necessidade de mim fazia com que aquilo revelasse seu mais
profundo desejo em me tomar. Mas parecia cauteloso ao se relacionar comigo daquele jeito.
— Bons sonhos, Dingo — sussurrou, e então, o peso sobre mim desapareceu, deixando
marcas de medo e espanto em minha mente ao reconhecer o dono da voz.
25 de Março | Segunda
Meus dedos escorregaram curiosos entre os velhos e escassos livros da biblioteca da cidade.
Havia explorado a sessão espiritual de cima a baixo, mas não havia encontrado nada similar à
minha experiência.
Procurava por algo que me trouxesse respostas do que havia acontecido no dia anterior.
Obviamente não haveria nada nem perto de ter o título "Descubra o porquê você teve
alucinações com o cara esquisito que sua irmã gosta" estampado na capa, porém, continuava
vasculhando tudo ali, como se, de repente, eu fosse encontrar a solução.
Tudo estava muito estranho. Eu nem mesmo tinha certeza de que havia saído de casa, e as
câmeras de segurança de dentro e fora da minha residência, simplesmente decidiram que não
iriam me mostrar nada. Todos os registros das gravações haviam sido apagados por algum "erro
no sistema".
Era quase como se ontem fosse apenas um borrão sem sentido, ou um amontoado de sonhos
aleatórios. Sentia que estava jogando o jogo de alguém que parecia bem-preparado para
manipular todas as minhas ações.
Estava um pouco paranoica hoje, olhando por entre os ombros a todo instante. Minha cabeça
ainda estava meio desnorteada. Me beliscava e rolava os olhos em volta do lugar a cada cinco
minutos, para ter a certeza de que eu realmente estava na biblioteca.
Abria livro por livro e folheava todos os capítulos, mas não havia nada que mencionasse
energia espiritual sendo sugada. Procurei sobre almas, no entanto, havia apenas algumas
passagens bíblicas que não faziam muito sentido para mim.
Tinha quase certeza de que eu havia sido possuída. Talvez a culpa fosse da minha
imaginação fértil sendo regada pelo que “alucinei” ter ouvido de Christopher.
A real era que tudo havia ficado de cabeça para baixo em minha vida desde o momento em
que ele apareceu.
No fundo, eu sinto que há algo muito, muito errado acontecendo.
— Não vai levar nada, Dy? — a voz gentil atrás de mim me assustou e estremeci.
Me virei atônica, com a mão sobre o peito, sentindo meu coração disparado. E, pela forma
que ele me encarava, provavelmente eu estava pálida.
Não era para menos. Em pouco mais de 24 horas eu havia tido sonhos lúcidos e eróticos
com Christopher e possivelmente fui parar em um supermercado de pijama. Nada ainda parecia
real ou confiável.
— Oi, Ben — consegui murmurar.
Ele consegue disfarçar a expressão intrigada em seu rosto e curva um meio sorriso. Seu
cabelo encaracolado recai sobre a testa, enquanto os seus olhos amáveis mudam de direção,
olhando em volta, desconcertados.
— Desculpe. Eu não queria te assustar — lamenta.
Adorava o jeito que Benjamin parecia um misto de rebeldia, mistério e, ao mesmo tempo,
timidez. É realmente fofo.
— Tudo bem. Eu só estava... — apontei para os livros as minhas costas e balancei a cabeça
—, sei lá, acho que procurando alguma coisa.
Ele juntou as sobrancelhas e enfiou as mãos nos bolsos do seu casaco preto.
— Para algo em particular? — Apontou com o queixo para o livro de tradições espirituais
que eu segurava em minha mão.
— Co-coisas para um trabalho escolar. — Pigarreio, nervosa
Ben me olha com desconfiança, mas resolve não rebater. Mentir não é um dos meus pontos
fortes e qualquer um com o menor nível de percepção saberia.
— Quer ajuda? — oferece, aproximando-se da prateleira e conferindo as obras ali.
Tombo a cabeça para o lado.
— Sabe algo sobre o mundo espiritual?
Ele se vira para mim.
— Para a escola? — pontua, curioso.
— Foi o que eu disse.
Ben confere seu relógio de pulso.
— São 10 horas, não deveria estar estudando?
Passo os dedos pelos lábios, sentindo minhas bochechas queimarem de vergonha.
É. Eu meio que fiz um desvio no caminho para a escola. Estava morrendo de medo de
encontrar com Christopher. Definitivamente não estava preparada para esse momento.
— Talvez...?
Benjamin solta uma risada discreta, exibindo seu lindo sorriso para mim.
— Não sabia que curtia matar aula, Dy — brinca, bem-humorado.
É, pelo visto, nem eu.
Ele se estica e alcança um livro no alto da prateleira, tirando de lá o objeto velho e
empoeirado que eu ainda não havia notado.
— Provável que seja a coisa mais próxima da realidade que vá encontrar nesse lugar. — Ele
o estende e fazemos uma troca para que Ben devolva o que eu estava em seu lugar.
— Por quê? — investiguei, espanando o livro com a mão, o que consequentemente fez o
meu nariz coçar.
— Os outros são medíocres e contam histórias que não tem o menor cabimento. Às vezes eu
penso em trocá-los de lugar para a sessão infantil, mas ele ali… — apontou para o bibliotecário
distraído no balcão, que parecia ser apenas uns cinco anos mais velho do que eu — está sempre
atento a essas merdas. Ele acha mesmo que essas histórias são reais. É um idiota, não, pior que
isso, é um ignorante que nem se dá ao trabalho de levantar a bunda do lugar e descobrir do que
merda esses livros falam.
Sorri com o seu desabafo.
— Não sei porque, mas eu sinto que você estava guardando isso há muito tempo — comento
em tom de brincadeira e denoto suas bochechas ganham uma adorável cor rosa.
— Foi mal. É que eu vim de uma família cheia de médiuns e espíritas. E eu odeio ver tanta
mentira assim.
Essa é uma informação realmente relevante.
Se por algum acaso Ben decidir me ajudar a investigar seja lá o que aconteceu comigo,
pode ser que eu chegue em algum lugar. Do contrário, terei mesmo que levar em conta a
alternativa de ser exorcizada.
— Tudo bem. Dá para entender a sua frustração. E a propósito, valeu! — agradeci,
balançando o objeto velho, com folhas que pareciam estar se decompondo. Com sorte,
conseguiria encontrar algumas páginas inteiras.
— Não encana. Quer tomar um café?
Bingo! Aí está o que eu queria ouvir. Não é como eu estivesse me aproveitando dele, de todo
modo, foi ele quem me convidou.
— Adoraria! — Sorri.

— Vem cá, que tipo de coisas você lê? — apoiei os cotovelos sobre a mesa com curiosidade,
sentindo a fumaça do café quente preencher as minhas narinas.
— Tenho um gosto muito específico para leituras.
— Gosta de leituras sobre espíritos?
— Gosto de leituras sobrenaturais e sangrentas.
Ergo as sobrancelhas.
— Nada de romance, então?
— Há um pouco de romance nisso, não acha? — Ele leva a sua xícara aos lábios, tomando
um pequeno gole do seu café.
— Acha romântico o sangue? — questiono, confusa.
— A morte — corrige.
Batuco os dedos em meu rosto, pensativa.
— Ainda prefiro os meus romances bobos — digo.
— É claro! Tem final feliz e tudo.
— E para que alguém leria livro para ficar triste? A vida real já não é monótona o bastante?
— Depende do ponto de vista. Tem gente que adora finais tristes para sentir algo.
— Gente masoquista, é o que quis dizer.
Ele sorri, achando graça. Por um breve momento, o silêncio se instala, levando-me a tomar
coragem para levar esse assunto por um caminho mais delicado.
— Ben — murmurei, apreensiva. — Tem uma coisa que eu deveria ter dito a você.
Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.
— Eu sinto muito por aquele dia na festa. Não queria que você fosse envergonhado daquele
jeito pelo…
— Christopher — concluiu.
— É — confirmei baixo.
— Não se preocupe com isso. Ele adora essas brincadeiras sádicas para constranger as
pessoas.
— É. E adora ser um escroto também.
Benjamin ri.
— Só se mantenha longe de tudo que diz respeito a ele e vai ser poupada.
— O que há de tão errado nele que todos sempre me avisam para manter distância? —
questionei, incrédula.
— Bem, você não vai querer realmente saber. Mas, resumindo, ele é um cara infernal. De
um jeito singular.
— Desculpa, Ben. Vou precisar que me conte um pouco mais do que apenas isso — insisti e
ele suspirou, apoiando as costas no estofado de seu assento.
— Dytto, é… complicado, sabe? Ele não é como as outras pessoas que você conhece.
Christopher não pertence a nós, de certo modo. Ele é deslocado, e vive no próprio mundo, um
mundo cheio de sombras e maldade. Ele não possui senso comum, é egoísta e adora destruir tudo
e todos que lhe der na teia. Tudo sempre se trata de uma tortura física e psicológica para ele.
— Se ele é tão ruim, por que vive cercado de pessoas que parecem o admirar tanto?
— As pessoas que geralmente andam com ele, parecem, ridiculamente dizendo, “adorar
ele”. — Ben faz aspas com os dedos. — De um jeito bem insano — acrescenta, desconfortável.
Aperto os olhos.
— Tipo um deus? — indago, confusa.
— Tipo o Diabo — conclui. — É por isso que todo mundo sempre alerta, não só você, mas a
qualquer um, para permanecer bem longe.
— Isso é meio complicado pra mim agora. Ele está estagiando na minha escola — cochicho.
— Ah... mas que droga! —
— Pois é. Só espero que ele não alongue a estadia. Eu já não o suporto mais — sopro
frustrada, esfregando as mãos nas mechas do meu cabelo. — Ele é tão esquisito, e me diz coisas
que não fazem o menor sentido.
Benjamin olha para baixo e cruza suas mãos uma na outra. O clima parece denso agora,
muito diferente de minutos atrás.
— Tome cuidado, Dy — sua voz soa tensa, enfatizando seu alerta. — Ele provavelmente vai
atrás de você para conseguir o que quer, e depois que conseguir, vai sumir da sua vida. Se for
esperta, vai ficar bem longe dele.
— E o que ele quer? Sexo? — questiono com ceticismo.
— Talvez não seja só sexo — sussurrou, tão baixo que precisei me esforçar para ouvi-lo.
— E o que mais poderia ser? — minha voz falhou ao dizer.
Eu não queria ter que pensar nas possibilidades e acabar descobrindo que poderia ser a
pior delas, mas estava nervosa e desesperada por uma luz.
Benjamin forçou um sorriso nos lábios, fingindo um bom ânimo que não parecia existir ali.
— Vai ver ele só quer tirar a sua paciência, Dy — desconversou, levando a sua xícara aos
lábios e se demorando mais nela desta vez, como se quisesse fugir do assunto.
— Na melhor das hipóteses, certo? — sondo, apreensiva.
Benjamin deixa que o ar escape de seus pulmões, incerto.
— Apenas seja desinteressante para ele.
— Pensei que eu já fosse desinteressante o suficiente, mas acho que foi isso que o fez se
interessar — murmuro. — Aparentemente a minha alma é muito “pura”.
Por um instante, Benjamin parecia concentrado em seus pensamentos. A testa franzida e os
olhos estagnados. Até que suas sobrancelhas saltaram e seu olhar se iluminou.
— Faça o oposto até ele perceber que você mudou.
— O quê?
— O desafie, Dytto. Faça ele ver que não há mais nada que precise ser feito. Mostre-se
impura e obscena. É no que ele quer te transformar, não é?
25 de Março | Segunda
— O que é, o que é… — Loren cantarolou, entrando de fininho em meu quarto — Que… do
nada: faltou uma missa — ela contou no dedo —, matou aula — contou com um segundo dedo
—, e está se escondendo da irmã na cara dura? — finalizou em um terceiro.
— Essa eu sei! — Ergui o braço com empolgação — Uma garota que precisa urgentemente
de férias.
— Oh, não! Errado. É uma garota que está precisando contar para a irmã uma porrada de
coisas.
Revirei os olhos.
— Ainda prefiro a minha resposta — contesto.
Loren se jogou em minha cama, interrompendo a leitura que Benjamin indicou. Eu havia
acabado de dar início, mas estava começando a considerar esquecer essa teoria estúpida e fazer
logo um teste toxicológico, porém tinha medo de que meu pai descobrisse e viesse fazer
perguntas, eu não saberia o que dizer.
Ele estava sempre dentro do hospital, e era quase impossível não o contarem sobre. E
mesmo que eu decidisse ir a algum outro, ele saberia por seus amigos.
Médicos são quase uma máfia que atuam em conjunto para dedurar filhas de outros médicos.
Acho que isso deve ter feito parte do juramento deles: Prometa sempre fuxicar quando a filha de
um médico for fazer algum exame meramente suspeito.
Eles não deviam, mas todos os médicos que eu conhecia, já haviam dedurado algo sobre
mim ou Loren para o meu pai.
— Então, pequena tigresa, o que a faz pensar que não deveria ter me avisado sobre o
“Gostoso e… alto e… tesudo…” Ahn, espera aí, aquelas garotas também tinham dito algo mais.
— Loren fingiu pensar por um segundo e continuou: — ISSO. Elas também haviam mencionado,
“…e tatuado estagiário Christopher que não parava de encarar uma senhorita chamada Dytto na
sala de aula”.
Meu rosto se acendeu e precisei escondê-lo, deixando que algumas mexas caíssem
propositalmente em minha frente para que Loren não visse a vergonha e o constrangimento
estampados em minha cara.
Merda!
— São muitos adjetivos para uma pessoa só, não acha? — tento minimamente disfarçar, mas
a minha voz vacila.
— Ah, são sim. Mas o que eu mais ouvi falarem pelos corredores foi algo como: “Ele
parecia comer ela com os olhos durantes as aulas, e só queria se sentar perto dela o tempo
inteiro”.
Arrepios percorreram do meu dedo mindinho até a raiz dos meus cabelos.
— Que mentes criativas. — Engoli em seco.
— É, talvez elas façam muito sucesso se fizerem uma fanfic no Wattpad — ironizou,
parecendo meio irritada.
Cansada desse joguinho, deixei o livro de lado e soltei um suspiro.
— O que quer eu diga, Lô? — rendo-me.
— Eu? Nada. — Ela age com indiferença, balançando os ombros.
Odeio quando é ela quem age como a irmã mais nova e birrenta.
— Ok. Eu sinto muitíssimo por não ter te contado, está bem? Deveria ter te avisado? Sim.
Mas não avisei para te proteger. Eu juro que não foi por mal.
— Não avisou o que exatamente, Dytto? — Ela semicerrou os olhos.
— Que Christopher estava na escola? — respondi incerta.
— Eu não estou nem aí para isso. Só queria que tivesse me contado que aquele filho da mãe
estava no seu pé. — Ela se senta bruscamente na cama, virada para mim. — É por isso que tem
estado distante desse jeito? Dytto, ele te machucou? Se ele te fez algo, eu juro por tudo que eu o
mato.
— Só fique calma, está bem? Está tudo certo. Ele só… se sentou próximo de mim porque eu
precisava de ajuda e, sinceramente, eu acho um grande exagero dizer que ele ficou me olhando o
tempo inteiro. — Sorri nervosamente.
Mentiras e mais mentiras.
Acho que, no fim, Christopher está mesmo me moldando para ser exatamente o que ele
queria que eu me tornasse, sem nem se esforçar. Mal o conheço e agora eu tenho uma pequena
carga de mentiras e segredos se enchendo lentamente.
— Fala sério, Dy! É claro que não é só isso. Christopher tem interesse em você. Não seja
ingênua.
Reviro os olhos e tento ignorar o pequeno frio na barriga que senti ao ouvi-la dizer isso. Um
rápido lapso de memória das mãos de Christopher tocando o meu corpo com indecência me vem
à mente e estremeço. Tento não parecer afetada e mantenho meu olhar preso ao seu.
— Para. Isso é só a “Loren preocupada” tentando agir como se fosse a minha mãe. Por
favor, volta ao normal e aí nós conversamos como duas IRMÃS civilizadas, está bem? — Levei
minha atenção ao meu celular.
Por soslaio, notei que ela me encarava como se fosse arrancar todos os meus dentes de uma
só vez, mas vendo que eu não iria dizer mais nada, decidiu me escutar. Por alguns segundos
Loren apenas inspirou e expirou, repetindo a tarefa por mais algumas vezes, até que finalmente
pareceu encontrar alguma calma dentro de si.
— Dytto — sua voz soou falsamente mais leve.
— Sim, querida? — respondi ainda mais suave.
— Ouvi dizer que tem um garoto mal-intencionado te encarando pela escola. Poderia, por
favor, me avisar se ele tentar algo contra você, apenas para que a sua… — ela aponta para si —
irmã, que já conhece o longo histórico de coisas ruins que esse garoto mal-intencionado já fez na
vida, possa ter a chance de arrebentar a cara dele. Hum? — ela finaliza jogando-me uma
piscadela.
— Loren — repeti o gesto.
— Sim, querida?
— Poderia, por favor, me contar desse longo histórico para que a sua… — apontei para mim
— irmã, saiba lidar com isso sozinha como um ser humano normal faria? — Rebati com outra
piscada.
Loren estreitou os olhos e balançou a cabeça, cética.
— Saco! — resmunga.
Sorri com cinismo.
— Uma barganha de alto nível — zombei, vendo-a ficar vermelha de raiva.
— Quer saber. Eu não estou nem aí. — Ela se levantou.
— Ei! — reclamei, mas quando um sorriso perverso surgiu nos seus lábios, percebi que ela
estava só me enrolando.
— Você está em total desvantagem, Dy.
— Estou, é?
— Está. Agora vem, nós vamos sair.
— O quê? Para onde?
— Festa. Você está enjaulada aqui dentro já faz um século.
— Não seja exagerada.
Loren me ignora e caminha até o meu closet, arrancando de lá uma variedade de roupas, em
maioria, peças roubadas do guarda-roupa dela.

— De jeito nenhum! — berrei ao constatar o meu reflexo no espelho.


— Ficou ótima — Loren discordou deitada em minha cama, distribuindo o peso do corpo
nos cotovelos.
Ela já está pronta, vestida em uma camiseta cinza, curta e uma minissaia pregada, parecida
com a minha.
— Está um frio do caramba hoje. Eu não vou com isso, essa saia não cobre nem a metade da
minha bunda — reclamei, virando para os lados enquanto puxava o tecido para baixo.
— Não vejo nada de fora.
— Ah, jura? Daqui eu consigo ver a minha vagina inteira sem nenhum esforço — rebato e
ela balança a cabeça.
— Estamos indo para uma festa, não para um convento.
— Que bom que me lembrou que estamos indo para uma festa, porque com essa roupa que
você escolheu, poderia jurar que estávamos indo nos prostituir.
— Você tem 17 anos, Dy. Essas coisas não vão ficar levantadas para sempre. Vai me
agradecer quando estiver tudo murcho e você ter tido a experiência de mostrar enquanto ainda
estava duro.
— A minha bunda não vai ficar murcha — protestei.
— Eventualmente, a de todo mundo vai.
Faço careta.
Tento me conformar com o fato de que realmente irei com essa roupa, apesar de ser
completamente desconfortável. Por outro lado, é uma boa hora para ser um pouco mais ousada,
assim como Benjamin me aconselhou.
Acho que se eu fingir bem o bastante que sei ser diferente, talvez consiga começar a agir um
pouco mais “vulgar” perto de Christopher sem que pareça algo mecânico.
Quem sabe assim, ele note que eu não sou nenhuma “Santa puritana das virgens” que me
julgar ser e finalmente me deixe em paz.
— Eu vou morrer de hipotermia e a culpa é toda sua — reclamei uma última vez antes de
sairmos.

— Vem cá, por que demoraram tanto? — Claire advertiu assim que nos recebeu na porta de
sua casa.
— Dytto não queria vir. Precisei suborná-la — Loren confessou com pressa, sem sequer me
dar a chance de tentar explicar.
Lancei-lhe um olhar acusatório, mas não surtiu o menor efeito.
— Como sempre, não é, Dy? — a ruiva brincou.
— O que posso fazer se nasci com defeito — disse e ela riu.
— Vamos, tem um montão de gente no jardim.
Caminhamos juntas em direção ao fundo da casa, onde um rock metal já tomava conta do
ambiente, explodindo em nossos ouvidos.
Dentro da enorme piscina, no centro do jardim, estava uma parte dos convidados. Na lateral
esquerda, alguns brincavam com uma grande bola colorida, enquanto outros flutuavam alheios
em cima de boias, com cigarro de maconha na mão.
O resto se mantinham espalhados. Uma porção na parte da churrascaria, e a outra deitada na
cama balinesa, visivelmente alterados.
Claire não vinha de uma família rica. Aos 11 anos, sua mãe — uma simples dona de casa —
conheceu um milionário, por quem se apaixonou e acabou casando-se, desde então, ela acabou
sendo inserida em um nível social bem mais alto, porém nunca deixou que isso lhe subisse à
cabeça, pelo contrário. Ela e o seu padrasto se dão muito bem e, algumas vezes, ele cede a sua
majestosa casa para que ela faça festas.
Marcos, como sempre, foi o primeiro a se aproximar de nós. Ele cumprimentou Loren com
um leve aceno desinteressado, mas quando me notou um pouco mais escondida e envergonhada
atrás dela, seus olhos foram tomados por um certo tipo de interesse e sua boca se abriu em
surpresa.
— Caramba! — murmurou, antes de beijar a minha bochecha e me abraçar.
Com certeza o garoto está exagerando para puxar o meu saco.
Finjo não tê-lo escutado, já que a menor brecha significaria — para ele — que estou
perdidamente apaixonada. Marcos é meio carente.
— Caramba, só tem gente feia aqui — Loren cochichou, franzindo o nariz em uma careta
enquanto vasculhava o quintal com os olhos.
— Tem eu para salvar — Marcos disse, afastando-se de nosso abraço.
— Como eu ia dizendo, só tem gente feia aqui — Loren repetiu, encarando-o. Marcos
revirou os olhos, mas não se demorou nisso, logo saiu para cumprimentar seus amigos, que
haviam acabado de chegar, com a mesma animação de antes.
— Vamos pegar bebidas. — Claire avisou, pegando a mão de Loren, no entanto, parou por
um momento e me olhou, como se apenas por educação.
— Eu vou ficando por aqui — respondi, antes mesmo de ela perguntar.
Nada surpresa com a minha resposta, a ruiva assentiu e saiu arrastando a minha irmã.

26 de Março | Terça-feira
Já passavam um pouco mais das duas da madrugada. Loren bebeu a beça e agora estava
dançando uma música eletrônica com Claire em meio à multidão. Eu não me sentia confortável
em fazer o mesmo, mesmo que tivesse planejado me soltar um pouco mais.
Depois da meia-noite, a casa lotou de pessoas que haviam acabado de chegar. O som fora
aumentado e uma grande agitação se formou.
Estava sentada entre Marcos e Joshua no deck da escada que dava acesso ao jardim. Não
havia muitas pessoas à nossa volta, o que era realmente legal, já que eu preferia lugares
reservados
Me sentia indiferente aos outros, que pareciam genuinamente estarem curtindo. Pensei em
beber, mas se eu o fizesse, não poderia dirigir, tampouco a minha irmã, que já estava em um
estado caótico de álcool. No fim das contas, eu devo mesmo agir como o tipo de garota que
Christopher me julga ser. O que só me deixa ainda mais irritada.
— Vocês dois estão com cara de quem vão morrer de tédio a qualquer momento — Joshua
comentou, levando a sua cerveja aos lábios.
— Não estou com estômago para bebidas, então estou me comportando — Marcos
respondeu, irritado.
— E você, Dytto? Não vai conquistar nenhum cara hoje? Adoraria ver outro duelo entre os
machos alfas que você atrai — Joshua zombou, segurando o riso.
— Esquece isso — murmurei envergonhada.
Não aguentava mais pensar na discussão de Benjamin e Christopher, como se eu fosse lá um
grande prêmio. Em parte, ainda sentia raiva por ter deixado a Torre Tatuada tomar grande
liberdade comigo na frente de todas aquelas pessoas.
— Bebe algo ao menos. Ninguém merece ter que ficar de babá para a irmã mais velha —
Marcos resmungou, encarando Loren dançar até o chão agarrada em um cara.
— Não posso, tenho que nos levar para casa ainda vivas — murmurei.
— Se você quiser, eu posso levar vocês — Marcos se ofereceu, a voz baixa e lenta,
carregada de malícia.
De canto de olho, vejo um sorriso maroto surgir nos lábios de Joshua, como quem sabe o
que o moreno ao meu lado está aprontando algo.
— Não precisa. Eu me viro com Loren — respondi seca.
Ele, no entanto, pareceu não perceber e colocou a sua mão em cima da minha coxa desnuda.
Odeio minissaias.
— Está bem. Mas se quiser, podemos ir para algum quarto. Aqui fora está bem frio —
sussurrou.
Eu poderia estar morrendo congelada agora mesmo, e ainda assim não iria a lugar nenhum
com ele.
Minhas bochechas estavam ardendo de vergonha e os meus olhos arregalados.
Joshua, que nos assistia em silêncio, já estava com o rosto completamente vermelho pelo
esforço que fazia para não rir, em contrapartida, Marcos me olhava como um ator pornô prestes a
fazer algo obsceno.
— Eu acho melhor se continuarmos aqui — declarei, afastando a sua mão.
— Por mim, tanto faz — cochichou baixinho.
Joshua soltou uma risada nasal e rapidamente emendou uma tosse como desculpa de ter se
engasgado.
— Cara, toma cuidado aí — Marcos o alertou, ainda sem captar o que estava rolando.
Tinha quase certeza de que ele não estava cem por cento sóbrio como afirmava. Me assustei
quando senti os seus lábios beijarem o meu ombro e rapidamente me afastei.
— O que está fazendo? — indaguei, retraída.
— Só te fazendo carinho — respondeu, para a minha incredulidade.
Abri a boca para argumentar, mas vendo a situação em que eu estava, apenas balancei a
cabeça.
— Eu vou ao banheiro — alertei, prontamente me pondo de pé.
Joshua não se aguentou e escondeu o rosto entre as mãos, abafando a sua gargalhada.
Saio dali com passos rápidos e apressados para dentro da casa. Sem nenhum destino e
apenas procurando uma rápida fuga, vou em direção à cozinha, mas ao colocar os pés na entrada,
me deparo com a última coisa que eu gostaria de ver.
Christopher
Com
Outra
Garota
Aos beijos.
A minha surpresa fora tão grande que minha visão, por um segundo, tornou-se turva.
A garota loira estava de costas para mim, apoiada no balcão no meio da cozinha, com
Christopher agarrando violentamente os seus lábios enquanto prensava o seu corpo com dureza.
Ele mantinha uma de suas mãos atrelada aos cabelos dela e a outra cobria quase toda a garganta
da garota com a sua enorme mão.
Engoli em seco, sem conseguir lembrar-me como se movia. Meus batimentos cardíacos
batiam num ritmo desenfreado e de maneira desregular. Não sabia ao certo o que fazer diante
daquilo, mas me sentia enojada.
Eu estava odiando presenciar essa situação com todas as minhas forças. Quando ele notou a
minha presença, afastou o rosto devagarinho e sorriu de canto para mim.
Tentei reagir, mas me mantive paralisada. Eu não fazia ideia se ia até a geladeira, pegava
algo e saia, ou se simplesmente ia embora. Christopher não me dava muitas escolhas, senão agir
como uma completa idiota que sempre caia na sua intimidação.
Senti arrepios percorrerem toda a minha pele e abracei o meu próprio torso.
A minha mente insistia em relembrar os seus toques íntimos em mim. Sabia da possibilidade
de ter sido tudo uma grande alucinação, mas parecera tão real que me tirava o juízo.
Ele sussurrou algo para a garota e ela prontamente se virou em minha direção.
Agora eu tinha dois pares de olhos me encarando. Que beleza!
— Eu vim buscar cerveja — expliquei, desconcertada.
Christopher me encarava desacreditado, como se eu tivesse dito que vim buscar um alien na
cozinha. A garota, no entanto, apenas se mantinha curiosa sobre a minha presença.
— Pode pegar a sua bebida, então — ele disse, a voz provocativa e baixa.
Seus olhos verdes cravaram em mim com indecência e se fixaram sem desvios. Até a sua
“amiga” notou e tentou buscar por sua atenção, mas fracassou, visto que Christopher pretendia
priorizar o seu jogo sádico comigo.
Fui com passos em falso até a geladeira que, por sinal, estava bem abastecida de álcool. Eu
não queria uma cerveja, nem mesmo gostava do sabor, porém, mesmo assim peguei a primeira
garrafa que vi.
Eu só precisava sair logo daqui, mas, ao me virar, o encontrei observando o tamanho da
minha saia com reprovação, suas sobrancelhas estavam franzidas e a expressão séria. Seu olhar
subiu bem devagar, até pousar em meu busto. Agilmente o cobri com os braços, vendo isto ele
achou graça.
— Eu vou para o jardim — a garota informou, frustrada e saiu pisando duro.
Christopher não se deu ao trabalho de se despedir ou protestar, ele nem mesmo parecia ter se
importado com isso,
— Venha aqui, eu abro para você — disse firme, apontando sutilmente para a garrafa em
minhas mãos.
Balancei a cabeça, negando. Eu não iria mover os pés dali, estava com medo agora que só
havia nós dois no mesmo cômodo.
Sentia meu rosto enrubescer e o meu estômago revirar-se de ansiedade. Minha respiração
falhou e me encolhi no lugar.
— Uma hora, não vai ter mais que se esconder de mim — provocou, como se isso fosse uma
promessa.
Franzi o cenho, olhando-o confusa.
— Você faltou à escola — comentou aborrecido.
Christopher estava irritado comigo. De modo que, faltar, teria sido um grande desrespeito a
ele.
O que é que ele queria desta vez?
— Não me sentia bem — sussurrei.
Seu olhar ganhou intensidade, estava mais sombrio agora. Ele apoiou seus braços fortes no
balcão, tensionando seus músculos e salientando-os.
Mais uma vez engoli em seco, sentindo uma pequena queimação surgir entre o meio de
minhas pernas. Perdida em um transe, me vi fascinada pelo seu corpo.
Ligeiramente, meu olhar subiu e desceu pelos seus braços cheios de veias e tatuagens. Seus
cabelos negros estavam bagunçados de um jeito selvagem, e suas roupas eram de um estilo mais
pesado, combinando com o que sua personalidade transparecia, porém menos vulgar do que ele
era, ou então estaria completamente nu.
Continuei estática no lugar. Se mexer certamente não é mais uma opção aqui, pelo menos,
não quando ele me olha assim. De forma que mandasse em mim e definisse que é ele no
comando, não eu. Me desafiando com esses olhos afiados e maldosos.
Seu foco estava inteiramente em meu rosto, sempre ardente e furioso.
— Por que faltou? — interrogou, grave.
De repente, senti-me como se estivesse levando um esporro de um chefe de trabalho.
Balancei a cabeça.
— Eu já disse que...
— Não. A verdade, Dingo. Eu quero a verdade — exigiu bruto.
Ergui uma sobrancelha. Agora era eu quem estava tomada pela raiva.
— Eu não te devo satisfação — ousei dizer, o que rapidamente o fez erguer o seu corpo.
Seu breve movimento fez meu coração pulsar mais forte no peito.
Christopher começou a andar em meu rumo e, agindo por impulso, recuei vários passos de
uma só vez. Sem calcular para onde ia, bati a cabeça na geladeira.
— Ouch! — gemi de dor, levando a mão de encontro ao local.
Christopher rodeou seu braço em minha cintura e me puxou para ele. O nervosismo tomou
conta de mim e a minha boca ficou seca. Minhas pernas agora davam a impressão de que a
qualquer momento cederiam e eu cairia no chão.
Ele segurou a minha nuca e minuciosamente analisou a minha cabeça, enfiando seus grandes
dedos entre o meu cabelo e afastando os fios ali. Tentei me mover, mas ele me apertou com força
em seu braço.
— Não cortou — concluiu baixo. — Não se afaste de mim novamente, Dingo Bells.
— Não precisa ficar atrás de mim toda hora, sabia? — Me mantive determinada, precisava
manter a voz de Benjamin presente em minha cabeça e rezei para que ele estivesse certo.
— Não, é? — sussurrou diabólico.
Ele tocou o seu corpo no meu e, devagarinho, aproximou seu rosto do meu ouvido. Sua
respiração quente reverberou em minha pele e automaticamente fechei os olhos.
— Não acha que essa saia está curta demais, Dingo? — sussurrou, sua mão escorregando
devagarinho em minha coxa, e então deliciosamente subiu por entre o meio de minhas pernas,
até topar com a minha calcinha.
— Porra… — suspirou em meu ouvido.
Eu já estava ofegando. Presa à sua sedução, ao seu toque tão presente em meu corpo, ao seu
cheiro delicioso, forte e amadeirado, aos seus dedos curiosos e possessivos. Sem pensar,
coloquei minha mão sobre o seu membro sob o jeans, senti-o duro e quase o larguei, mas o
encarei séria, como quem diz “Eu também sei fazer”.
Meu corpo estava tremendo, mas apertei com um pouco mais de força. Mesmo morrendo de
vergonha e assustada, encarei-o diretamente.
— Quer mesmo brincar disso? — ele disse sorrindo.
— Se você pode, eu também posso — minha voz fraquejou e caiu um tom ou outro, mas
fiquei feliz em ao menos tê-la terminado.
— Acho que ainda não teve tempo para se acostumar comigo, não é?
Suas pupilas estavam dilatadas e vividas. Seu dedo lentamente afastou a minha calcinha para
o lado e o senti deslizar por entre os lábios de minha boceta. Ele esfregou seu dedo ali apenas
para me provocar.
Quanto mais eu agia na defensiva, mais isso o motivava. E quanto mais indefesa eu ficava,
mais excitado ele ficava. De toda forma, tudo se tornava combustível para ele.
— Esse lugar me parece muito convidativo, ainda mais assim… tão molhado — sibilou.
Um tremor percorreu todo o meu corpo, me fazendo delirar. Um pequeno e baixo gemido
escapou de meus lábios.
Christopher encostou seus lábios no canto de minha boca, e o senti sorrir.
Ele pressionou o meu clitóris e friccionou o dedo ali. Em seguida, deslizou o seu dedo até a
minha entrada, fazendo menção de se enfiar, mas não o fez.
— Sabe a melhor parte, querida Dingo Bells? — perguntou risonho.
— O quê? — ofeguei.
— Você nunca vai conseguir me enganar. — Ele riu. — Te encontro quando estiver sozinha.
Christopher repentinamente se afastou, causando-me atordoação.
Ele deslizou seu dedo — que há poucos segundos estava em mim — nos seus lábios,
molhando-os com meu líquido. E então, saiu.
Apoiei minhas mãos em meus joelhos e precisei puxar o ar com força. Meu cérebro parecia
completamente sem oxigênio e minha cabeça rodava.
Mas que droga foi essa? Isso não deveria ter acontecido. Definitivamente não devia!
26 de Março| Terça-feira
Ele está aqui.
Desde que chegamos da festa, fiquei ociosa com o que poderia acontecer. Deveria ter sido
apenas um sonho indecente com ele, mas, conseguia sentir o seu peso atrás de mim, deitando-se
em minha cama.
Não conseguia me virar, nem mesmo se quisesse, meu corpo estava inteiramente paralisado
de medo.
O primeiro toque foi gentil e suave, seus dedos deslizaram suavemente pelo meu maxilar,
entretanto, não abri os olhos, ou só encontraria a vasta escuridão do quarto, mas sabia que ele
estava logo atrás de mim.
Sua pele, já não era mais quente como hoje cedo, agora estava fria.
Sua mão vagarosamente desceu pelo meu braço, em seguida, rumou à minha cintura, ao meu
quadril, e então, à borda do meu pijama. Ele o subiu devagarinho e meu corpo tremeu em
resposta.
Aquilo estava bom e, inconscientemente, desejei por mais. Estava sedenta por seus toques.
Mesmo que me causassem medo. Ou talvez, fosse por esta razão que me sentia tão afetada em
lugares que não deveria.
Isso é só um sonho — repetia a mim mesma mentalmente, várias e várias vezes, só assim
conseguiria conter a ansiedade crescente em meu íntimo.
Agora, com meu pijama erguido, sua mão se espalmou em minha bunda e a apertou, meu
coração imediatamente tornou-se eufórico dentro do peito.
E, como mais cedo, ele encontrou a minha calcinha. Senti meu rosto corar e minha
respiração ficar ofegante.
Seu dedo se esfregou em minha entrada, ainda por cima do tecido de algodão.
Deixei um murmúrio baixo e retido escapar de minha garganta, e isso o deixou louco, seu
toque em mim se tornou mais intenso, podia sentir sua respiração alta.
Ele estava sedento por mais.
Pouco a pouco, ele puxava a minha calcinha para baixo, deslizando-a sobre minhas pernas, e
então, se livrou por completo do tecido. Eu estava em transe, com receio de mostrar que estava
acordada, o que eu desconfiava que ele já soubesse.
Christopher, ou o que quer que estivesse ali, se acomodou atrás de mim e ergueu a minha
perna, deixando-a sobre a sua coxa atrás de mim. Eu estava completamente acessível para ele.
Apertei os dedos no lençol da cama e comecei a respirar mais rápido. Não estava mais com
medo, entretanto estava nervosa, sem saber o que poderia acontecer.
Aquilo deslizou seu dedo sobre minha intimidade; que latejava impiedosamente, esfregando-
se ali.
— Seria tão fácil entrar em você, Dingo — ele sussurrou.
Arfei, atônita e ele riu baixinho, encostando sua cabeça na minha. Sua temperatura me
atingiu, e meu corpo inteiro se arrepiou. Ele estava tão gelado agora.
— Chris… — minha voz soou arrastada e sedenta.
Ele arranhava o meu pescoço com os seus dentes, causando-me deliciosas sensações.
Sua mão pousou em minha barriga descoberta, e então desceu em direção à minha virilha,
remexi-me na cama ao notar que ele continuava movendo-a para baixo, até que alcançou toda a
minha intimidade.
Christopher cobriu toda a minha parte íntima com a sua mão e, em seguida, suponho que,
com o dedo do meio, o escorregou para dentro de mim.
Abri a boca em um gemido silencioso e enfiei meu rosto no travesseiro, sentindo-o invadir a
minha intimidade e deliciando-me com isso. Uma sensação estranha, mas prazerosa, percorreu o
meu corpo. Por instinto, fechei as pernas e me contrai, em consequência, apertando seu dedo frio
dentro de mim. Não que eu não quisesse, mas tive espasmos ao senti-lo.
Sua língua brincou com a ponta da minha orelha e desceu até o meu pescoço, ele fez
movimentos de vai e vem com seu dedo, dentro da minha boceta e apertou sua intimidade contra
a minha bunda.
— Eu disse que seria fácil, está toda melada — murmurou.
Acordei num impulso e sentei-me na cama, suada e ofegante. O coração batendo feito louco.
O sol já iluminava as frechas da janela, pintando o quarto com raios de luz. Segurei-me nos
lençóis da cama para não cair para os lados e puxei uma grande lufada de ar, como se estivesse
afogando no mar e finalmente emergisse.
Meus braços e costas doem muito, de modo que estivessem sido eletrocutados. A dor se
torna tão insuportável que começo a chorar alto, feito uma criança que acaba de se machucar.
Demora poucos segundos para que a porta do quarto se abra com mamãe e papai me
olhando preocupados. Papai acende a luz e passa os olhos por todos os lugares, mamãe corre em
minha direção para me analisar.
Tento dizer algo, mas tudo o que sinto é dor. Ambos ainda estão de pijama, creio que os dois
tenham chegado não faz muito tempo, pois aparentam cansaço em suas feições.
— Ei, estou aqui — minha mãe murmurava enquanto beijava a minha testa, abraçando-me
com força.
Papai analisa todo o quarto, embaixo da cama, dentro do closet, checa as fechaduras, e,
apenas quando determina que ninguém invadiu, é que se senta ao meu lado.
Abraço o meu torso, trêmulo e dolorido, na falha tentativa de apaziguar essa sensação
horrorosa. Minha intimidade não doía, porém todo o meu corpo parecia pesar e arder.
Loren surgiu na entrada da porta, de olhos arregalados e os cabelos arrepiados.
— O que que foi? Aconteceu alguma coisa? Dytto, você está bem? — metralhou de uma só
vez.
Quando viu que eu não conseguia responder, intercalou o seu olhar confuso entre nossos
pais. Mas eles também não sabiam o que dizer.

— Tem certeza de que já está bem? — mamãe perguntou, sentada à mesa, com todos nós
tomando o café da manhã.
— Tenho, foi só um pesadelo — murmuro baixo.
Papai e mamãe relaxam, mas Loren ainda parecia desacreditar. Ela me investigava
minuciosamente com os seus olhos, mas não perguntou nada.
— Da próxima vez, não esqueça de rezar antes de dormir — papai avisa.
— Claro — sussurro.
— Tem certeza mesmo de que está bem?
— Estou, mãe.
— Você parecia aterrorizada quando entramos no seu quarto. Com o que estava sonhando?
— papai questionou.
Balanço a cabeça.
— Eu sei lá, eu só... não me senti bem, ok?
— Vou checar as câmeras de segurança, quero ter certeza de que ninguém entrou aqui
dentro.
— Pai, eu já estou bem — reafirmo, mas ele não parece convicto.
Solto um suspiro cansado.
— Vem, eu te levo para a escola — Loren avisou.
Acenei para os nossos pais em despedida e saímos as duas em direção à garagem, mas antes
mesmo que pudéssemos entrar em seu carro, Loren me interrompeu.
— Você disse que queria saber quem é ele, não é? — pontuou, séria.
Friso as sobrancelhas.
— Do que está falando?
Seu rosto estava sem expressão quando me olhou diretamente nos olhos.
— Me pediu para contar sobre Christopher. Quer mesmo ouvir?
Engoli em seco, sem entender como ela havia chegado aquela contestação.
— Por que agora? — minha voz parecia querer prender-se a garganta.
— Me diga que não foi com ele que sonhou.
Minhas bochechas esquentaram e minha respiração tornou-se sôfrega.
— Vamos. Vou te contar uma coisa ou outra sobre ele — decidiu, vendo que não haveria
respostas da minha parte.
Loren toma mais um gole do seu café expresso.
Estamos as duas sentadas no meio fio de uma rua distinta e quieta. Um fino e ralo chuvisco
recai sobre nós sem alarde. Nuvens escuras vestem o céu e o som de folhas rasgando o asfalto se
faz presente, avisando-nos de uma bela chuva por vir. Se demorarmos muito aqui, só servirá para
nos molharmos.
Ela suspira alto, como se o que fosse me contar exigisse muito de si. Seus ombros estão
curvados e a cabeça baixa.
— Dy, eu preciso que me diga se sente algo por ele — sua voz se torna um murmúrio triste.
Uno as sobrancelhas.
— Eu não...
— Por favor, seja sincera! — pede, desta vez olhando-me diretamente nos olhos.
Balanço a cabeça.
— Eu realmente não sinto nada por ele, Lô. — Eu queria ter dito isso com tanta firmeza que
eu mesma acreditasse, mas dizer em voz alta só serviu para me afundar em dúvidas e culpa.
Havia algum sentimento de minha parte por aquele garoto imprudente? Eu não tinha
certeza. Já não tinha mais certeza de nada há um tempo.
Ela umedeceu seus lábios, não muito confiante da minha resposta, mas, a contragosto,
assentiu.
Loren corrige a sua postura e vira-se em minha direção. Meus dedos doem com a pressão
que faço entre eles, apertando-os, a fim de controlar o nervosismo.
— Como já deve ter percebido, Christopher é um garoto muito complicado. — Ela solta um
riso amargo e batuca os dedos em seu copo de café, prendendo sua atenção ao asfalto à nossa
frente.
— A família dele meio que tem... lendas.
Faço careta e ela sorri.
— É, eu sei. Mas não tem um jeito menos ridículo de dizer isso. A família dele é muito,
muito rica, mas não sabemos ao certo o quanto, só sabemos que os antepassados dele vieram do
Japão e que, de alguma forma, foram importantes no desenvolvimento da nossa ilha Nabrya,
apesar de quase ninguém da cidade saber quem são eles, e quase sempre distorcerem a história
toda.
— Oh! — murmuro ao me dar conta de algo — É por isso que ele tem os olhos meio
puxadinhos, ele tem descendência japonesa — concluo.
— É. — Loren assente.
— Então a família dele deve conhecer os Tanaka, não é? Isso se algum Tanaka ainda estiver
vivo.
— Talvez. Se todos vieram do Japão na mesma época, pode ser que eles tenham mantido
algum vínculo, mas é difícil saber. Todos eles se esconderam da cidade depois que os boatos do
que acontecia na família Tanaka começaram a surgir. Quem sabe a família do Chris tenha tido
algum envolvimento nisso também. Basicamente todos tinham o mesmo costume.
— Acha que a família do Chris também fazia a mesma coisa?
— Há chances. A família dos antepassados do Christopher sempre foi um pouco estranha.
Cheia de mistérios, sabe? Aos poucos, as pessoas que trabalhavam para a família, contaram que
havia muitas coisas bizarras e sem explicações naquela casa.
Ela muda sua atenção para mim.
— Eles eram rígidos, pareciam pessoas normais e importantes aos olhos de todos, porém,
quando estavam em casa, costumavam ir para o porão e, de repente, havia muito barulho e gritos.
Ninguém sabia ao certo o que eles faziam lá, mas desconfiavam que fossem adorações ao diabo.
— Adorações ao Diabo? — digo incrédula.
— É. Talvez tenham vendido a alma ao Diabo para continuarem sendo importantes —
comenta despretensiosamente. — Só que depois de anos, a família foi crescendo, e os
descendentes pararam de descer ao porão. Eles pareciam saber de algo e que não deviam
continuar com aquilo. Assim que o chefe da família morreu, eles a demoliram e se mudaram.
Quando Christopher nasceu, todos da família notaram coisas estranhas. Ele não era uma criança
comum, era… bizarro.
— Bizarro?
— Não fisicamente, mas no comportamento. Ele não era como as outras crianças, parecia
estar sempre conversando com pessoas que não eram para estar ali, pessoas mortas.
— Talvez fossem apenas amigos imaginários — suponho.
— Não. Christopher não é do tipo que tem amigos imaginários. Entenderia o que digo se
você o conhecesse de verdade.
— E você o conhece? Vai ver alguém só queria criar uma história de terror bizarra.
— Eu não tirei essa história do meu rabo, Dytto. A mãe de um amigo trabalhou com a
família do Christopher. E, também, não é como se precisasse de muito para acreditar. Qualquer
um que já tenha ouvido falar de Christopher sabe que ele não é “comum”.
— Ok... então, Christopher sempre foi estranho assim?
— Bom, sim. Quando andávamos juntos, ele nunca criava intimidade com ninguém, sempre
tratava a todos do mesmo modo em que você viu. Eu gostava dele porque eu era a única com
quem ele não era maldoso, não porque gostasse de mim — ela sorri triste —, mas porque eu era
tão insignificante pra ele, que Chris sequer tinha tempo para notar a minha presença.
Queria dizer algo para confortá-la, mas isso só deixaria tudo ainda pior.
— Mas aconteceu algo que a chateou, não é?
Ela deixa que o ar escape de seus lábios e abaixa a cabeça.
— Ele gostava de ir para a floresta sozinho às vezes. Um dia eu o segui, ele me viu e ficou
irritado, mas eu insisti até que ele deixasse. Não demorou muito para eu me arrepender. —
Suspira.
A olho com curiosidade.
— O que aconteceu?
— Ele tinha ido fazer um ritual.
— Ritual? O quê? — praticamente berro. — Loren, por que você ficou lá com ele?
— Eu estava doida por ele, Dy. Teria feito qualquer coisa que me pedisse.
— Mas você não é assim!
— É, mas na época, eu não era tão esperta.
Mordo a ponta do dedão e respiro fundo. Não quero ter que lhe dar lição de moral, Loren já
contrariou todos os seus princípios antes, imagino que deva ter aprendido algo com isso.
— O que aconteceu depois? — sussurro.
— Ele arrancou a cabeça de um coelho, acendeu algumas velas e disse algumas palavras que
eu não entendi muito bem, talvez fosse latim ou hebraico.
Loren estalou a língua e deixou que os ombros caíssem.
— Eu me senti vigiada o dia inteiro depois daquilo e fiquei ouvindo umas coisas estranhas.
— Ela tinha os olhos distantes agora, estava imersa em seus pensamentos enquanto me contava.
— Era uma sensação bizarra e desoladora. Eu não sei, Dy, mas parecia que tinha alguma coisa
ruim me seguindo, entende?
Arregalo os olhos.
Sinto raiva, decepção e angústia, tudo de uma só vez. E o pior, odeio saber que Loren esteve
tão envolvida no que sentia que sequer conseguiu ver o que estava bem à sua frente.
— Quando ele terminou, eu corri para um canto e comecei a vomitar. Tudo o que ele fez, foi
dizer: "Se não dá conta, era melhor não ter vindo", e então foi embora.
Solto o ar pela boca, frustrada demais.
— Como você se apaixonou por isso? — esbravejo.
— Eu… — as palavras somem de sua boca e ela simplesmente se cala.
Enfio os dedos entre os cabelos.
— Termina — peço, nauseada.
— Eu queria parecer descolada, então continuei seguindo-o até a floresta para vê-lo fazendo
rituais. Toda vez que eu sentia vontade de vomitar, prendia a respiração e começava a pensar em
você — admite decepcionada. — Era a única coisa que não me fazia sentir enjoada.
Pouso a minha mão sobre a sua, em apoio.
Loren pouco se importar consigo mesma me deixa angustiada e em um tipo de posição que
eu não queria estar. Era para ser ela a me aconselhar, não o contrário.
— Não devia deixar uma paixão te levar para o fundo, Loren. Sofrer pelo que não tem, é
melhor do viver perto de alguém na ausência de um sentimento não recíproco que você insiste
em gastar esforços.
— É fácil falar quando se está de fora da cena, Dy. Eu não sentia que merecia ser amada, eu
só queria que ele me visse — cochicha.
Loren vira a palma da mão para cima e cruza seus dedos nos meus.
— Um dia, ele deixou que eu mesma fizesse aquilo, e eu fiz. Nunca me senti tão mal na
vida. Tive pesadelos com coisas estranhas por vários dias seguidos, foi quando pedi a ajuda de
uma amiga bruxa e ela me deu alguns cristais como amuleto. Eu os deixo ao lado da minha cama
agora.
— Fez rituais, Loren? — pontuo, surpresa.
Ela suspira, cansada.
— Não vamos tocar nesse assunto.
— Minha nossa! Ok, mas, e como eram os seus... — Pigarreio. — Pesadelos?
— Eu estava dentro do inferno. Christopher também estava lá, mas ele era um demônio que
torturava almas, e sempre que ele notava a minha presença, começava a correr atrás de mim,
pronto para me matar ou torturar, sei lá. Ele manipulava tudo em volta para me amedrontar.
Passei dias e dias sem conseguir dormir.
— Oh! Os seus pesadelos… — engasgo, constrangida —, são assim? Tipo. Só. Correr?
Ela franze o cenho.
— Os seus, não?
Meu rosto imediatamente se incendeia.
— M-meio que não, e-eles são um pouco... continua.
Seu rosto demonstra confusão, mas, ao notar o meu embaraço, ela opta por não insistir no
assunto.
— Depois dos cristais, não tive mais pesadelos com ele. Ainda tentei ter algo com
Christopher, mas ele não quis nada. Um dia estávamos brincando de beijo ou consequência, e
quando o colocaram para me beijar, ele disse que não iria ficar comigo, e então, preferiu nadar
em um lago gelado do que me beijar — revela, magoada.
— Caramba! — murmuro, triste.
— Não começa. Se ficar deprimida por minha causa, eu te jogo na frente de um caminhão
— impõe, séria. Ela odeia que sintam pena dela ou até mesmo que tentem a consolar.
Loren ainda não superou o que aconteceu, isso ficou mais claro do que tudo o que eu ouvi,
mas, o que me dói, é saber, que ela ainda sente algo por ele.
Seus olhos se mantêm grudados no chão, como se fizessem todo o esforço do mundo para
não derramarem lágrimas.
Pressiono os seus dedos no meu, chamando a sua atenção e sorrio para ela quando seus
olhos me encontram.
— Podemos sair daqui? Vai chover e, se vamos matar aula, vamos fazer direito.
Ela bufa.
— Eu não devia te deixar faltar mais um dia. Vai ficar atrasada pra caramba na escola.
— É, mas eu não estou pronta para ver o Christopher ainda.
— Vai me contar o que ele fez?
Minhas bochechas esquentam.
— Não vamos falar sobre os rituais que você fez e nem sobre isso. É melhor assim.
— Mas você tem certeza de que está bem? — Ela se preocupa.
Dou-lhe um sorriso tranquilizador.
— Apenas seja o meu amuleto e durma comigo que vai ficar tudo bem.
Ela estreita os olhos.
— Tem certeza? Mamãe disse que eu ronco.
Faço careta.
— É melhor ter pesadelos com você do que com ele.
— Tudo bem. Vamos matar essa droga de aula então. Vamos para um bar.
— Eu tenho 17, Lô — protesto.
— Eu tenho identidade falsa.
— São 8 da manhã.
— E daí, você que disse que queria matar aula.
— Oh, céus! — reclamo.
26 de Março | Terça-feira
Infelizmente, Loren e eu estávamos sóbrias demais quando abrimos a porta de casa.
Nosso pai já nos esperava no hall de entrada com os braços cruzados. Seus olhos duros e
frios vagueavam entre mim e minha irmã com desaprovação; o que me fez querer estar realmente
muito bêbada para encarar a situação agora.
Até Loren, que sempre o enfrentava, se empertigou ao meu lado. Sem rastros de bom-humor
em sua face, ele conferiu as horas em seu relógio de pulso.
— 12h:32min — anunciou alto. — A que devo a honra das minhas duas filhas em casa tão
cedo quando deveriam estar na escola estudando.
Meu corpo estremeceu e olhei nervosa para Loren. Só devíamos chegar às três da tarde.
— Nos liberaram mais cedo — a voz dela soou tão baixa que nem mesmo parecia acreditar
no que dizia.
— Liberaram cedo — papai repetiu desacreditado. — Onde as duas estavam? — reverberou
sério.
— Eu vou vomitar — sussurrei sozinha, sentindo a queimação no meu estômago aumentar.
— Estudando. O que mais poderíamos estar fazendo? — Loren se pronunciou, desta vez,
mais cheia de atitude.
Papai retirou o celular do seu bolso e o ergueu.
— Recebi uma ligação hoje mais cedo de um professor reclamando das constantes faltas da
Dytto — disse, olhando-me irritado e ligeiramente se voltou para a Loren. — Ao que parece, ela
faltou acompanhada da irmã desta vez.
Merda!
Loren deixou que os ombros caíssem em sinal de derrota e então suspirou.
— Dytto não se sentia bem, estava com cólica, por isso eu insisti que não fôssemos para a
escola.
— Mas fui eu que pedi para que Loren ficasse comigo. Implorei, na verdade — intervi. Ela
não pode assumir o erro se ele foi todo meu.
— A ideia foi toda minha — ela contrariou.
— Mas Loren só fez isso para cuidar de mim — rapidamente emendei.
Theo nos olhava como se estivesse acompanhando uma partida de ping-pong conforme
tentávamos amenizar o peso das consequências das costas uma da outra.
— Não deveria estar trabalhando? — Loren desconversou.
— Como pode ver, eu não estou — respondeu num tom ríspido e balançou a cabeça. — As
duas estão de castigo, e isso quer dizer: nada de festas, nada de saideiras, nada de bebidas e nada
de faltas. E você… — apontou para mim —, nem pense em faltar mais uma única aula ou vai
ficar sem o seu carro até que complete a maioridade.
— Sim, senhor — murmurei, sentindo-me enjoada.
— Quero as duas dentro da escola amanhã bem cedo, e eu vou me certificar de que estejam
indo — mandou, sério. As sobrancelhas grisalhas se franzindo em irritação e os olhos verdes
lançando-nos um olhar duro.
Loren soltou um baixo suspiro e assentiu. Papai apenas apontou para o andar de cima e se
inclinou para o lado, dando-nos passagem.
— Tomem banho e tirem esse cheiro nojento de cerveja — ordenou.
Como duas crianças acanhadas, nós duas marchamos diretamente para o andar de cima.
— Qualquer dia desses ele vai nos transformar em freiras — ela reclamou baixo.
— Ah, para. Poderia ter sido pior — contesto. — Ficar sem ir a festas nem é um castigo de
verdade.
— Para você — protestou.
Sorri e, ao mesmo tempo, bocejei. Sinto como se não tivesse dormido nada durante a noite
toda.
— Vá descansar. Mais tarde teremos muito o que pedir perdão a Deus. E com certeza eu vou
ter pelo que pedir desculpas, porque eu quero muito quebrar o pescoço do professor que nos
dedurou.
Eu ri de seu desabafo, mas travei no segundo seguinte, como se a minha mente tivesse
sofrido um derrame.
O PROFESSOR QUE NOS DEDUROU!
— Christopher — sussurrei, encarando-a embasbacada.
— O que disse? — Loren parecia confusa.
— Christopher nos dedurou. — Sentenciei entre os dentes.
Ela fechou os punhos com força ao se dar conta disso.
— Mas que filho da p…
— Puta — terminei a sua frase, tão mais irritada que até Loren se assustou.
A noite nunca me pareceu tão longa.
As luzes de LED se mantiveram ligadas em meu quarto, juntamente das velas que deixei
acesas em cima dos móveis.
Na cabeceira da cama, havia duas lanternas. Debaixo do meu travesseiro, um crucifixo, e em
uma garrafa deixada no chão, água benta.
Em cima da escrivaninha deixei uma bíblia, e abraçado ao meu corpo, uma pequena estátua
de Jesus.
— Tenta a sorte, cretino! — provoquei-o, imaginando-o em algum canto do meu quarto à
espreita.
Quase conseguia visualizar a imagem do seu corpo derretendo ao chegar perto de mim e
sendo morto pela proteção divina, mas é claro, isso era apenas minha imaginação trabalhando.
— Fica quieta, Dy — Loren balbuciou, irritada.
— Desculpe!
Já passava da meia-noite. Minha irmã estava deitada ao meu lado, com os olhos cobertos por
uma máscara de dormir, dando-me seu apoio.
Por mais que eu não aceitasse, estava soando frio, apavorada com a ideia de acordar com
todo o meu corpo se contorcendo em dor novamente. Não sabia a razão pelo qual Christopher
desejava me punir daquela maneira ou o porquê dele me torturar todas as noites, como se
quisesse que eu implorasse por ele.
Às vezes eu sentia como se ele fosse capaz de ser verdadeiramente gentil comigo, e em
outras, sentia que eu era sua inimiga número um. Nas raras ocasiões em que me senti meramente
confortável ao seu lado, Christopher conseguiu me apunhalar com o seu verdadeiro eu, sendo
egoísta e maldoso.
A noite passada apenas confirmou o óbvio. Eu não poderia ceder aos desejos da carne. Ficar
vulnerável perto dele só lhe dava a chance de me machucar e se divertir às minhas custas.
— Só respira fundo e feche os olhos. Se algo acontecer eu estou logo aqui do seu lado —
aconselhou, sonolenta.
Meus olhos já estavam ardendo e o meu maxilar doendo de tanto bocejar, mas a sensação de
sua possível aparição me deixava em alerta.
— Só quero deixar claro e em voz alta que não tenho medo.
— Imagina se tivesse — ironizou, baixo. — Vá dormir, Dy.
— Não dá para dormir quando se tem um garoto endemoniado me assombrando.
Ela suspira.
— E então o que vai fazer?
— Contar carneirinhos. Não. Vou contar o tanto de chifre que você já levou — brinquei.
— O que eu fiz pra merecer você como irmã? — choraminga.
— Não sei. Mas não é todo mundo que tem essa sorte.
Ela afunda o rosto no travesseiro e tapa os ouvidos.
— Não dorme, Lô. Eu não vou conseguir ficar acordada se não tiver com quem conversar.
Ela põe sua mão sobre mim, mas com os olhos cobertos, acaba acidentalmente batendo em
meu seio. Reclamo de dor, porém me ignorando, ela continua tateando meu corpo até acertar
minha boca e tapá-la.
— Dormir, Dy. Dormir.
Afasto sua mão.
— Se eu morrer a culpa é toda sua.
— Deixarei o meu mérito em seu túmulo.
27 de Março | Quarta-feira
Nenhum pesadelo. Nada.
Não houve nem mesmo indícios de que Christopher esteve em meu quarto ou tentou estar.
Vasculhei todo o cômodo assim que despertei, no entanto, tudo estava como deveria.
Loren disse não ter ouvido ou visto nada suspeito. Acordei sem dores, apenas cansada pela
noite mal dormida.
Eu não sabia como agir mediante a situação. Me sentia confusa e estressada. Havia
pouquíssimas coisas que eu conhecia sobre Christopher. Era como estar presa em um labirinto
sem saídas.
Precisava encarar a situação de frente, mas ao colocar os pés na escola esta manhã, temi pelo
pior.
Caminhando em direção à sala de Inglês, meu corpo inteiro tremia em apreensão. Luc
insistiu em me acompanhar, mas eu não conseguia ouvi-lo. Sua voz estava em segundo plano em
minha cabeça. Acho que ele falava algo sobre faculdade, contudo, eu estava tão presa ao que
aconteceria assim que entrasse na sala, que nem mesmo percebi.
Ao pararmos na porta da classe, ele suspirou.
— Eu vou nessa. Se decidir matar aula de novo, ao menos me chame desta vez —
resmungou em tom de brincadeira.
— Claro. — Assenti e forcei um sorriso que exigiu esforços de cada músculo do meu rosto
tenso.
Quando Luc me deu as costas, a pressão em meu íntimo aumentou. Minha mão estava
tremendo quando toquei a maçaneta. Ao entrar, um arrepio percorreu todo o meu corpo.
Rapidamente meus olhos deslizaram pelo lugar, porém, tudo parecia em perfeita ordem.
O professor mantinha-se sentado à mesa, fazendo a chamada. Os alunos continuavam os
mesmos, sonolentos e desleixados, como em todas as outras manhãs. Estava tudo do mesmo
modo que antes, em perfeito eixo.
Procurei pelo corpo alto e tatuado do qual já estava habituada a encontrar sorrindo de
maneira sarcástica em algum ponto do ambiente, mas a sua ausência me causou uma certa
estranheza.
Vicente notou a minha figura parada na porta e sorriu, erguendo as sobrancelhas
esbranquiçadas.
— Ah, entre, Dytto. Ainda não começamos — gentilmente avisou.
Assenti envergonhada e segui rumo à minha cadeira, sempre conferindo a todos a minha
volta em sua procura. Notei alguns olhares curiosos, mas que logo perderam o interesse e
voltaram ao que estavam fazendo.
Permaneci em constante alerta, como se a qualquer momento Christopher fosse entrar. Esse
pensamento me fazia sentir frios na barriga. Mas não foi o caso.
Durante todo o tempo de aula, não tivemos o menor rastro de sua possível presença. Talvez
as aulas com ele finalmente tivessem acabado.
Seria possível eu estar com tanta sorte assim em uma Quarta-feira?

Sentada no refeitório, ouvia as palavras de Loren ecoando em minha cabeça como um


pensamento distante, apesar de sua presença falante ao meu lado ser real.
— Hoje eu vou trabalhar até às oito. Que droga! — ela resmungava enquanto eu mastigava o
canto das minhas unhas, completamente distraída. — O que você vai fazer hoje, Luc?
— Vou sair com uns caras para jogar basquetebol — ele respondeu empolgado. — Querem
vir junto?
— Não dá. Estamos de castigo. — Minha irmã bufou.
— O Sr. Bell não está para brincadeiras, não é? — Ele riu.
— Não mesmo. — Loren revirou os olhos de um jeito dramático.
Ambos continuaram o papo, mas eu não consegui prestar atenção, tampouco estava a fim de
escutar. Minha mente estava entorpecida em dúvidas e ansiedade, mal conseguia focar em
qualquer coisa ao meu redor.
— Vou para a biblioteca — avisei de repente, já me pondo de pé.
A presença deles não me era desagradável, porém, no momento, eu só queria ficar a sós com
o meu amontoado de pensamentos.
— Quer que eu vá junto? — Luc se prontificou, atencioso.
— Não, valeu. Vou colocar as matérias que eu perdi em dia.
Ele pareceu descontente com a minha falta de interesse em aceitar o seu convite, mas
nenhum dos dois protestaram. Loren fez pouco caso, sabia do porquê de eu estar tão longe e
respeitou esse momento, logo voltou a puxar assunto com Luc.
Saí dali com passos lentos e descontraídos, não estava com pressa, por isso desacelerei ao
chegar à ponte de arco sob o lago. Me sentia mais esgotada que o normal. Pensar em toda essa
situação tirava muito de mim.
Aproveitei do fundo de amontoado de vozes do intervalo para espairecer a confusão em
minha mente. Ao chegar no fim da ponte, fui surpreendida por encontrar a cena que achei ser a
mais improvável de hoje.
Sentado no parapeito com quatro garotas à sua volta, estava Christopher; vestido em uma
camiseta cinza de botões, uma calça jeans escura e apertada que realçava bem as suas coxas
grossas. Ele estava sério, encarando o rosto das meninas. As suas tatuagens no pescoço e os
olhos verde-claríssimos estavam em evidência devido ao reflexo do sol sobre parte dele. Os
braços fortes estavam cruzados e o seu olhar carregado de superioridade e arrogância.
Aparentemente estavam todos envolvidos em alguma conversa que parecia ser de interesse
apenas das meninas. Meu coração disparou e o sangue do meu rosto evaporou num segundo.
Mas antes que eu fosse capaz de ser surpreendida por seu olhar pesado sobre mim, apressei os
passos e baixei a cabeça. Estava suando frio quando passei por eles.
— Senhorita Bell — sua voz firme e rouca me freou.
Me virei bem devagarinho e o encontrei me olhando. Com um breve gesto, ele me chamou
com dois dedos. As garotas ao seu redor se calaram, e agora estavam me encarando curiosas.
Estava assustada e sentindo o meu corpo inteiro formigar.
Andei devagarinho em sua direção, rezando mentalmente para que Loren tivesse vindo atrás
de mim e me resgatasse. Christopher se levantou e veio em minha direção. Não conseguia olhá-
lo, mas sentia seus olhos em mim.
— Venha. Vamos conversar — avisou rígido, envolvendo sua mão em volta do meu
cotovelo. Prontamente, Christopher me guiou para longe dali com autoridade, não voltei a olhar
para as garotas pois temia vê-las chateadas com o gesto mal-educado dele.
— Para onde vai me levar? — perguntei nervosa
Ele não me respondeu, nem mesmo me olhou de volta, apenas continuou a me levar por
entre os corredores. Os que nos viam, olhavam curiosos, porém, ninguém ousou interromper os
planos de Chris.
Christopher me colocou dentro de uma sala vazia junto dele e trancou a porta. Minha boca
estava seca e a minha respiração ofegante. Ele, por outro lado, se mantinha passivo e calmo,
andou até a janela de vidro e sentou-se no beiral.
Eu ainda estava confusa e com medo, olhei em volta à procura de algo, mas tudo o que
encontrei foi uma pilha de papéis em cima da mesa.
— São deveres para mim? — questionei, os lábios trêmulos.
Christopher riu e levou sua mão ao bolso, tirando um cigarro de lá.
— Não, querida Dingo Bells, não são para você. Eu não te trouxe aqui para responder
nenhum dever — respondeu, os lábios vestidos de malícia e sensualidade.
Agora ele me olhava de um jeito quente e perverso. Seu olhar se manteve em mim mesmo
quando pôs os cigarros entre os lábios e o acendeu.
— Não pode fumar aqui. São contra as regras — murmurei.
— Também é contra as regras que eu foda as alunas, mas ainda assim eu te visito toda noite,
não é? Ou quase… — ele semicerrou os olhos. — Não devia se enfeitar toda para dormir.
Nenhuma cruz ou água benta vai te salvar de mim.
Ele havia acabado de admitir com todas as letras, mas ainda assim eu me mantinha perplexa.
Sem acreditar no que acabara de ouvir.
— O q-quê?
Ele sorriu.
— Não seja ingênua. Você já havia imaginado isso.
Christopher se desencostou da janela, apagou o cigarro nos papéis em cima da mesa — antes
mesmo da primeira tragada — e veio até a mim. Eu simplesmente havia paralisado no lugar.
— Sabe do que mais gosto em você, Dingo Bells? — sua voz gradualmente se tornou um
sussurro, enquanto seus olhos quentes se mantinham grudados nos meus.
Christopher levou sua mão ao meu queixo e aproximou-se do meu rosto.
— Você sempre fica excitada quando eu te toco. — Sua língua alcançou os meus lábios e
passearam entre eles, imediatamente fechei os olhos.
As batidas em meu peito estavam tão frenéticas que eu quase era capaz de ouvi-las. Minha
respiração estava descompassada e minhas mãos se fecharam com tanta força que minhas unhas
rasgavam a carne.
Ele chupou o meu lábio inferior e um leve tremor acompanhado de um arrepio invadiram o
meu corpo.
— Sua boceta fica tão molhada que se torna uma tortura não te foder.
Por acidente, deixei que um gemido escapasse de minha garganta e, de imediato, minhas
bochechas se acenderam de vergonha. Seus lábios escorregaram úmidos em minha bochecha.
Cada vez mais o ar parecia rarefeito em meus pulmões. Sentia-me como se estivesse derretendo
diante dele.
— Chris…
— Você quer que eu te foda, não quer? — Ele mordiscou o lóbulo de minha orelha, em
seguida constatei sua respiração quente descendo em meu pescoço.
Eu precisava sair daquela situação ou acabaria cometendo um grande erro. Não poderia
ceder ao desejo, ainda mais quando sabia do que ele era capaz de fazer.
Ele parou por um momento para me olhar nos olhos.
— Quer me dizer algo? — exigiu, como se já soubesse o que eu estava pensando.
— Você me machucou — denoto baixinho, empurrando-o de leve.
— Machuquei? — Suas sobrancelhas se unem em confusão.
— Doeu muito quando eu acordei — sussurro.
Ele encaixa suas mãos em meu rosto, olhando-me com mais atenção.
— Onde?
Mordo o lábio, mas Christopher é rápido e passa seu dedo sobre ele, livrando-o de meus
dentes.
— Todo o meu corpo — confesso.
Seus olhos escureceram, tornando-se sombrios e irritados.
— Não fui eu, anjo — constatou, fazendo com que o medo em mim se assomasse.
— Disse que era você me visitando. — Engasguei, assustada.
— E eu a visitei, mas não a feri. Eu tenho todo o cuidado do mundo com você, Dingo.
— Me conte o que está acontecendo. Por que isso tudo está acontecendo comigo? Seja
sincero, Chris. Eu não aguento mais — implorei chorosa e meus olhos se inundaram de lágrimas.
— Tire todas as cruzes do seu quarto, Dingo. Isso os irrita.
— “Isso os irrita”? Isso o quê? — Solucei, sentindo minhas bochechas ficarem úmidas.
Suas mãos se tornaram mais firmes em volta do meu rosto.
— Apenas me obedeça, vou cuidar para que não seja machucada novamente.
— Christopher, por favor…
— Me ouça! — mandou mais rigoroso. — Faça o que eu mando, e vai ficar tudo bem.
— O que você é? Me responda qualquer coisa. Você me colocou nesse seu jogo, me tire
dele.
Ele me olhou terno, enxugando minhas lágrimas com as costas das mãos.
— Eu ainda não terminei com você, querida. Você agora é minha.
O som estridente do alarme informando o fim do intervalo ecoou no lugar, interrompendo-
nos.
— Volte para a sua sala e fique quieta — ditou, encarando-me diretamente. — A partir de
agora, quero que saiba que se você se envolver com qualquer um, serei obrigado a intervir do
pior jeito, entendeu?
— Eu…
— Não brinco quando digo que você é minha. Não me leve como um tolo, Dingo. Se me
desobedecer ou me desafiar, te garanto que vai haver sangue.
— Me machucaria apenas para me ter como sua? — debati, irritada.
Ele curvou um sorriso diabólico.
— Mataria qualquer cara para te ter como minha, mas não te deixarei correr risco algum.
Christopher agarrou o meu queixo.
— Me espere na sua cama como sempre, querida. Doce e excitada.
Ele apontou para a porta.
— Agora saia daqui, ou eu vou te prender nesta sala e te soltar apenas depois de enterrar
meu pau em você.
Arregalei os olhos e, muito mais rápido do que imaginei que poderia mover as pernas, saí
dali.

Loren chegou bem mais tarde do que deveria e papai a olhou irritado, sabia que ela escutaria
poucas e boas vindo dele.
Fiquei jantando sozinha na mesa da cozinha enquanto os ouvia conversarem em um canto.
Acho que eles estavam lhe dando um sermão.
Deveríamos ter ido à missa hoje, em castigo pela nossa matança de aula, mas não deu.
Aposto que pisar na igreja depois de ter deixado Christopher me tocar, provavelmente faria Jesus
descer do paraíso e balançar o dedo na minha cara dizendo: “Não, não. Você já não entra mais
no céu nem se me parisse.”
Eu riria, mas depois choraria bastante e arrancaria mesmo as bolas de Christopher por estar
me levando por este caminho.
Eu não sou assim. Eu não deixo garotos me tocarem em benefício de suas próprias
diversões. Para falar a verdade, eu nunca havia deixado nenhum fazer o que ele fez.
Meu rosto esquenta toda vez que lembro de seus toques, seus beijos e suas carícias.
Negar dizendo que não gostei, seria só uma forma ingênua e desesperada de mentir para
mim. Eu quero muito parar, mas Chris está dificultando o caminho.
Poxa vida! A Loren é minha irmã e claramente não o superou. O que diabos Christopher
quer de mim? Ele por algum acaso está tentando me pregar uma peça ou só com acabar a
minha vida?
Aquele destruidorzinho de lares vai me pagar!
28 de Março | Quinta-feira
Eu sentia sua respiração pesar em meus ombros. A rajada de ar morna atingia minha pele de
maneira singular. Atrás de mim, no escuro do meu quarto, ouvi quando Christopher se acomodou
em meu colchão.
Loren havia ido dormir em seu quarto esta noite, estava chateada devido a briga com
nossos pais. Eu não me opus, mas sabia o que me esperaria assim que eu deitasse a cabeça no
travesseiro.
Meu corpo estava tomado por arrepios. A ansiedade me devorava viva como traças famintas.
Por dentro, eu vivia um tsunami agitado de emoções, por fora, eu estava paralisada diante de sua
misteriosa e assombrosa presença roçando as minhas costas.
Meu coração estava bombeando sangue muito mais rápido, sentia-o se debater desesperado
em meu peito, como se soubesse... como se ansiasse... por aqueles toques malignos.
Deus sabe bem que eu nunca chegaria tão longe sozinha. Mas, ora, quem poderia negar
aquilo? Aquela sensação de luxúria e desejo me consumindo.
Eu sentia que Christopher havia me corrompido aos desejos mais insanos e sombrios. Ainda
sem nem mesmo ter visto sua verdadeira face, já o imaginava como a pior das criaturas.
Céus, eu estava afogada em minhas misérias. Eu queria parar, mas não tinha certeza se
queria afastá-lo. Estava presa em minhas próprias contradições.
Como eu conseguia sentir pavor e, ao mesmo tempo, um desejo tão fugaz e louco por este
homem?
— Está com medo, Dingo? — murmurou, o timbre rouco e forte.
Engoli em seco.
— Não tenho medo de você — respondi trêmula.
A quem eu queria enganar? Poderia morrer neste exato momento.
Ele riu baixo.
— Sentiu saudades? — provocou risonho. Se conseguisse o ver, enxergaria em seus lábios o
sorriso mais maldito capaz de existir.
— Nem um pouco — sussurrei.
— Mentirosa.
Seus dedos ásperos e gelados foram gentis ao tocarem meu braço, porém não me movi.
— Me diga, o que você faria se eu rasgasse todas as suas roupas e chupasse cada centímetro
do seu corpo agora mesmo? — perguntou, genuinamente curioso.
Deixei um suspiro surpreso escapar. Provavelmente devia estar mais vermelha que um
tomate. Meu peito subia e descia ligeiro.
Christopher ignorou a minha reação e tocou a braguilha do meu pijama.
— E se eu colocasse meus dedos dentro de você... — Sua mão escorregou devagar para
dentro do meu short. — E te fizesse gemer tão alto que o seu papai precisaria vir até a porta só
para te conferir?
Minha pele esquentou. Sua mão passeava cheia de provocação pela beirada da minha
calcinha, ameaçando enfiar-se de uma vez.
— Me diga, Dingo, quanto eu preciso foder você até que pare de ser tão boazinha? — seu
tom de voz aos poucos tornou-se um murmúrio gélido cheio de perversão, seus lábios frios
deslizaram em meu pescoço. — Me fale o quão desgraçado terei de ser para te arruinar. — Seus
dentes agora arranhavam a minha pele.
Minha intimidade latejava implorosa à medida que meu corpo se empertigava em sua mão
malina.
— Christopher — arfei, no objetivo de lhe repreender, no entanto, soou como um pedido.
— Diga, meu bem.
Aperto os olhos, minha respiração desequilibra-se e minhas mãos tornam a suar.
— Chris...
Ele me vira de maneira ágil na cama e transfere seu peso com cuidado sobre o meu, até que
o seu corpo alto e pesado me envolva como uma coberta. Porém, sua pele está longe de ser
quente ou amável, não, lembra-me mais uma noite congelada e vil.
Sinto seus quadris se remexendo sobre minha intimidade, esfregando-se com força,
remetendo as suas reais intenções.
Ele pressionou o corpo contra o meu com mais força, deixando-me ainda mais vulnerável.
Sem pensar muito, levei minhas mãos ao seu rosto, mas me assustei com a estranha sensação
áspera de sua face e rapidamente recuei.
— O-o que é isso?
— Eu, em minha forma mais cruel, a que deseja te arrastar para o inferno comigo — admitiu
sério.
Eu não conseguia respondê-lo, não sabia como pedir que não o fizesse, ou que tivesse
piedade. Mas senti um nó se formar em minha garganta. Meus olhos se umedeceram e deixei que
lágrimas escorregassem livres pela minha bochecha. Estava acuada sob ele. Sempre à sua mercê.
Quando deixei que o primeiro soluço escapasse, seus lábios tocaram os meus em meio a
escuridão intensa do meu quarto. Não me movi, estava nervosa. Porém, seu beijo foi rápido.
— Você me intriga, Dingo. Tem algo em você que me move para que eu sempre te encontre.
Você está mexendo comigo.
Passo a língua na boca, provando dos resquícios do seu gosto frio.
— O que eu faço com você, hum? — murmurou rouco.
Sua grande mão envolveu o meu pescoço e o pressionou com um pouco mais de força, por
instinto, coloquei a minha própria sobre ela.
— Não — pedi, engasgando em choro.
— Acha que tem algum poder sobre mim, querida? — zombou, áspero.
— Não me machuque — pedi, chorosa.
Ele soltou uma risada que mais parecia um sopro e retirou sua mão de meu pescoço.
— Não quero te machucar, minha Dingo Bells. Quero te foder.
Mordi o lábio inferior com força num rápido instinto de nervosismo.
— Não, meu bem. Não machuca esses lábios — ele disse, deslizando seu dedo sobre minha
boca e livrando-a de meus dentes.
Eu não fazia ideia de como ele me enxergava em meio a falta de qualquer vestígio de luz no
ambiente.
Senti seu corpo se inclinar para mais perto de mim. Seus lábios triscaram nos meus e prendi
a respiração. Sua mão desceu por entre nós até estar de encontro com o meu short.
— O que vai fazer? — arfei, sentindo sua mão deslizando devagar para dentro de minha
calcinha.
— Enfiar alguns dedos em você.
Ele sugou o meu lábio inferior e escorregou sua língua até o meu pescoço, depositando
chupões gentis.
Quando seus dedos tocaram o meu monte pubiano, meu corpo inteiro estremeceu. Ainda não
havia me acostumado com seus toques.
— Chris... Eu não sei se... — aperto as pálpebras. — Eu não sei se posso.
— Está com medo do seu Deus te castigar, meu bem?
Engoli em seco.
— Não se preocupe. O seu paraíso é comigo, Dingo.
Seu hálito quente reverberou em minha pele, fazendo com que uma onda cheia de
eletricidade percorresse cada centímetro de mim. Seu dedo desceu devagarinho até os lábios da
minha boceta e se deslizou entre eles.
Percebi sua satisfação quando se deu conta de que eu estava molhada. Fiquei parada,
esperando por seus movimentos, quando seu dedo gentilmente me invadiu, ofeguei baixo.
Eu estava nervosa e sem saber como agir.
O que geralmente as garotas faziam quando estavam fazendo isso com garotos? Elas
gemiam? Os beijavam? Isso era tão diferente de tudo o que eu já havia lido em livros.
— Se ficar tão tensa vai ser desconfortável para você — avisou, a voz sombria.
Levei minhas mãos a cada um de seus braços e me agarrei a eles, como se fôssemos
namorados. Precisava tocá-lo intimamente para sentir que aquilo era normal, ou então, eu cairia
na realidade de que nada daquilo era comum.
Christopher beijou o meu queixou e suspirou.
— Te foder ainda vai ser um espetáculo e tanto, garotinha — sussurrou, enfiando mais de
seu dedo em mim.
Automaticamente contrai o meu corpo, pressionando seu dedo gelado dentro de mim.
— Você está tremendo — constatou.
— Eu nunca fiz isso — admiti, constrangida.
Esfreguei minhas mãos em seus braços fortes e os apertei. Todo o seu corpo possuía uma
textura diferente. Não se parecia pele, era mais dura e resistente, longe de ser macia.
Christopher começou a movimentar seu dedo em mim, em um vai e vem lento. Meu corpo
ainda estava tenso e ansioso. Aquilo me parecia desconfortável.
— Se concentre, Dingo. Somos só eu e você aqui — sussurrou chupando a minha bochecha.
Deixei que um gemido baixo ecoasse pelo quarto quando ele se afundou em mim.
Christopher acariciava minha pele com os seus beijos que foram lentamente descendo do
meu pescoço até o meu busto. Quando os senti sobre a curva de meus seios, uma pontada de
prazer surgiu em meu íntimo.
Por que eu queria tanto os lábios dele ali?
Sua outra mão agarrou o meu seio e a apertou, involuntariamente arqueei as costas.
Chris notou o que eu queria, pois foi rápido em descobrir o meu peito. Sua língua rodeou
minha auréola, sem pressa.
Seu dedo ainda mantinha um ritmo constante em minha intimidade; que ficava cada vez
mais excitada.
Senti sua boca chupar o bico do meu seio com sagacidade. Minha respiração estava
descompassada, em um ritmo acelerado. Levei minha mão aos seus cabelos e os enrosquei em
meus dedos.
Estava agonizando em prazer. Precisava me aliviar de algum modo.
No momento em que senti que Chris incitava um segundo dedo em mim, contraí as pernas e
afastei o seu ombro de cima de mim.
— Não.
Ele riu baixo.
— Será só mais um dedo. Preciso que se acostume antes. O que eu tenho para colocar em
você é bem grande.
Minha garganta secou e arregalei os olhos.
— Não vai colocar nada em mim — protestei, assustada.
Christopher escalou o meu corpo até se pôr diante do meu rosto. Sentia o ar de sua
respiração em minha pele. Agora ele estava tão próximo...
Me encolhi na cama.
— Vou te fazer me desejar tanto, Dingo, que vai querer que eu enfie cada centímetro de
mim em você.
— Não confio em você. Você me assusta.
— Deixe-me ser mais claro. Isso aqui... — seu dedo tocou a ponta do meu dedo e deslizou
em linha reta sobre todo o meu corpo até o meio de minhas pernas. — É tudo meu.
— Não posso ser sua.
— Mas você quer. Eu sinto em todo o seu corpo, querida. — Seu rosto aproximou-se de
meu ouvido e cochichou: — Se tem tanto medo, por que está sempre me desejando?
Meus lábios se abriram em choque. Mas não fui capaz de proferir uma única letra.
Christopher não esperou por uma resposta. Ele levantou-se do colchão, e rapidamente senti sua
ausência em cima de mim.
— Eu estou de olho em você — alertou de um algum ponto do lugar, como uma despedida,
e então houve silêncio completo.
28 de Março | Quinta-feira
Aquela manhã havia sido monótona.
Christopher não havia comparecido à escola e, de certa forma, isso deixou o dia como
qualquer outro. Porém, havia me dado conta do quão ingênua fui sobre a realidade mórbida que
eu vivia.
Antes dele, não havia nada de realmente interessante naquele lugar. Tudo era tão simples e
comum.
Os adolescentes possuíam o mesmo humor sem sentido. As conversas eram vazias, e sempre
se mantinham nos mesmos tópicos: relacionamentos e festas — que, na minha opinião, não
tinham a menor graça.
Os grupos de amizades da escola ainda eram os mesmos. Bom, alguns, ainda menores. As
paredes eram iguais, brancas e sem vida. Até o lago parecia mais sujo aquele dia.
Por que eu não conseguia me encaixar em nada daquilo que via à minha volta? E por que a
única coisa que parecia ter sentido em minha vida era a pessoa mais anormal do universo?
Até mesmo sentar-me ao lado de Loren, Luc e alguns de seus amigos era entediante.
De repente, eu me sentia ainda mais fora de eixo.
Luc percebeu que eu estava indiferente e tentou me animar. Loren apenas me olhou de
canto, parecia animada com a notícia de que Christopher não havia aparecido.
Ela andava preocupada com a estranha proximidade dele comigo, porém evitamos esse
assunto do mesmo modo que evitávamos os seus segredos com ele.
Quando cheguei em casa, Loren, papai e eu fomos à missa. Deveríamos ter tido o nosso
jantar em família, mas mamãe estava cansada demais para fazer qualquer coisa. O seu trabalho a
consumia por completo, não que ela não gostasse, ela era obcecada por trabalhar.
Durante a missa, notei que o padre me olhou por diversas vezes, não de um jeito
involuntário, e sim de uma maneira que me arrepiava. Sentia que ele quase podia ver o que eu
andava escondendo.
— Não me diga que está flertando com o padre. — Loren cochichou brincalhona perto do
meu ouvido.
— O quê? Eca! — murmurei, crispando o rosto em uma careta.
Ela riu baixo.
— Então por que ele está te olhando assim? — Suas sobrancelhas se uniram, e ela lançou
um olhar sério para o padre, que logo se empertigou envergonhado.
— Eu não sei.
— Será que ele está vendo a sua alma pecaminosa, Dy? — Ela sorriu arteira.
Eu sabia que ela estava apenas brincando, mas, e se por alguma razão estivesse certa? Esse
pensamento fez com que eu sentisse frios na barriga.
— Pare com isso, Lô. Ele é padre e não vidente — respondi, temendo acabar gaguejando.
Isso acontecia sempre que eu ficava nervosa.
— Não que a gente saiba. Vai saber o que ele faz nas horas vagas — provocou risonha.
Dei-lhe um tapa fraco no braço.
— Só ouve a missa, garota — resmunguei.
Ela deu de ombros, no entanto, me deixou quieta.
Alguns minutos depois, o padre estava me encarando novamente.
Ele, assim como eu, partilhávamos da mesma sensação. A sensação de que algo estava
errado.
Após chegarmos em casa, disse a Loren que estava tudo bem, e que ela não precisava dormir
comigo. Sabia que isso não teria impedido de Chris aparecer, e aposto que a situação seria bem
embaraçosa.
Mas ele não apareceu naquela noite, e nem nos 2 dias seguintes.

01 de Abril | Segunda-feira
— Você está bem? — Loren perguntou, sentada na outra ponta da mesa.
Pisquei algumas vezes antes de olhá-la, apenas para me dispersar da distância que me
encontrava em meus pensamentos.
— Huh-rum — concordei, fingindo um meio sorriso.
Ela franziu as sobrancelhas.
— Tem certeza?
Loren sempre sabia quando algo estava errado comigo, e ultimamente ela andava ainda mais
atenta.
Soltei um suspiro baixo.
— Acho melhor acabar a noite de estudo por aqui. Eu estou com muito sono — menti,
forçando um bocejo.
— Mas, já? Ainda são 9 horas da noite — investigou, confusa.
— Eu não dormi muito bem noite passada.
Eu realmente não dormi bem, não porque Christopher veio, e sim porque ele não veio. Ele
nunca mais veio. E a ansiedade de não saber o que aconteceu, estava por um fio de me matar.
Quem sabe ele já não tenha se cansado de mim e tenha encontrado outra garota para
invadir o quarto.
Essa ideia me causava infelicidade.
— Foi por causa do... — ela sussurra, como se estivesse contando um segredo, mesmo que
nossos pais ainda não estejam em casa.
Minhas sobrancelhas saltaram.
— Ãhn, não. Eu não tive mais pesadelos.
— Certeza?
— Garanto. — Sinto um aperto no peito.
Rapidamente recolhi meus cadernos e lapiseiras e subi as escadas, jogando tudo de qualquer
jeito na minha escrivaninha.
Meu corpo parece pesado demais para se manter de pé, então me lanço em cima da cama,
agarrando os lençóis nos dedos.
Desde que ele sumiu, me sinto sem muito ânimo. Ando meio distraída, e ausente de meu
próprio corpo. Já se passaram 4 dias. A sensação é de que eu fui deixada. Como se tivéssemos
rompido um namoro.
Reviro os olhos.
Pelo amor de Deus, Dytto. Vocês não estavam juntos.
Resmungo sozinha. Irritada comigo mesma por dar tanta importância a um garoto que mal
conheço.
Me enfio debaixo dos lençóis, a fim de dormir um pouco, ou, ao menos tentar.
Mais uma noite sem notícias dele.
02 de Abril | terça-feira
Despertei num rápido ato ao sentir todo o meu corpo sendo chacoalhado. De um segundo
para o outro, já estava em alerta.
— Dy, acorda — Loren sussurrou sentada ao meu lado, enquanto ainda balançava o meu
braço.
— O quê? O que está acontecendo? — perguntei atordoada, sentando-me na cama de
supetão.
Seus olhos encontraram os meus, mas foram breves, ela claramente estava com pressa.
— Vem, vamos sair — avisou, pondo-se de pé.
Pisquei várias vezes, a vista ainda embaçada e as pálpebras pesadas.
— Que horas são? Cadê os nossos pais?
— Se arrume — Loren ignorou o meu interrogatório e caminhou até o meu closet. — Papai
e mamãe não estão em casa, ligaram dizendo que vão dormir fora — avisou, tateando roupa por
roupa.
— Quê? — Esfreguei os olhos, sentindo-me zonza.
Não deveria ter me levantado de uma só vez.
Loren soltou o ar com força.
— Anda logo, Dy. Pare de fazer perguntas.
— Vá dormir, Loren. Virou sonâmbula agora? — resmunguei baixo, levantando-me do
colchão.
— Pare de reclamar e se arrume. Temos compromisso. Anda, anda... e nada de roupas
curtas. — Ela se virou em minha direção com as mãos na cintura — Nós vamos à floresta.
Preciso te mostrar uma coisa. — Havia urgência em sua voz, mas nada daquilo parecia fazer
sentido.

— Por que estamos aqui? — questionei pela milionésima vez, encolhendo-me em meu
casaco enquanto andávamos como duas ambulantes.
A brisa gelada debandava cada canto do ambiente. De onde estávamos, só conseguia
enxergar árvores e mais árvores em meio à escuridão.
Loren estava logo atrás de mim, com uma lanterna que mal iluminava o caminho por onde
passávamos. Era um pouco mais de uma da madrugada.
Me vesti em uma calça jeans escura, uma camiseta larga, com estampa de uma banda de
rock — obviamente de Loren —, um enorme casaco preto e um All-Star velho.
Deixei o cabelo solto para que cobrisse o meu pescoço. A temperatura ainda me fazia sentir
arrepios por debaixo das roupas.
— Não está me levando para uma festa, não é? — indaguei, irritada com a possibilidade de
ela ter me acordado apenas para festejar.
Eu com certeza a estrangularia se fosse o caso.
Porém, de repente, os passos de Loren cessaram bruscamente atrás de mim.
— Desculpe, Dy — a culpa em sua fala me fez virar para trás.
No entanto, Loren agiu rapidamente, segurando os meus dois braços nas costas. Ouvi um
breve barulho de "click", e só notei que meus braços estavam presos quando tentei reagir.
— Você me algemou? — disse incrédula. — O que que você tem na cabeça, Loren?
— Desculpa, irmãzinha — ela segurava o riso ao dizer. — Hoje é o dia do trote, e chegou a
sua vez de participar.
Oh, não! O maldito trote.
— Lô — soltei desanimada, a expressão em meu rosto murchando como uma flor.— Eu não
acredito nisso.
— Desculpa, desculpa, desculpa. Eu falei para eles que você não queria participar, mas eles
me forçaram.
— Botaram uma arma na sua cabeça? — rebati seca.
— Sim, com faca e tudo. Você precisava ver — disse irônica e eu revirei os olhos.
O trote era feito duas vezes ao ano. As datas eram sempre aleatórias e nunca se repetiam. Os
participantes eram sorteados. Quem quer que fosse escolhido, deveria ser "sequestrado" e levado
à floresta para cumprir com o desafio. Se ele negasse, seria obrigado e levado a fazer algo ainda
pior.
Os perdedores pagavam uma prenda, e nem sempre era uma prenda agradável. Por outro
lado, o vencedor conseguia um bom prêmio, mas não tão bom que fizesse alguém se voluntariar
para querer brincar disso.
— Que droga, Lô.
— Eu sei. Mas todo mundo tem a sua vez de participar, e hoje é a sua.
— Que honra — disse sarcástica.
Loren sorriu gentil e beijou a ponta do meu nariz. Mesmo com raiva de seu ato traíra, uma
parte de minha irritação se dissipou.
— Juro que mato qualquer um que tente pregar peças em você — garantiu, segurando a
ponta do meu queixo.
— Mesmo?
— Mesmo.
Solto um longo suspiro.
— Eu tenho escolha? — cochichei, esfregando as folhas avulsas no chão com o meu tênis.
— Nenhuma.
— Então acho que é isso, não?
— Não se preocupe. Não será tão ruim assim.
Vai ser horrível.
— Está bem! — cedi, desesperançosa.
— Agora fica quieta que eu tenho que vendar você.
Quase mordi a língua.
— Ah, não! Sério?
— Sério.

— Chegamos — Loren avisou, retirando a venda dos meus olhos.


O amontoado de vozes já era audível há vários metros, entretanto, parecia ainda maior
agora.
Quando abri os meus olhos, fui tomada pelo choque de encontrar dezenas de pessoas
espalhadas pela floresta. Automaticamente recuei um passo. O trote dos anos anteriores não era
tão lotados assim. Que droga de sorte a minha.
— Ah, não! Não, não, não. Me tira dessa, Lô. Eu juro que faço qualquer coisa por você —
implorei, nervosa.
— Relaxa, Dytto. São só pessoas.
Arregalei meus olhos, fitando-a furiosa.
— Pessoas idiotas que vão rir de mim.
— Não se preocupe. Eu vou estar por perto. Se qualquer idiota disser qualquer coi...
— Não — a interrompi. — E-eu não quero participar. Cansei. Me tira disso.
— Sabe que se não participar vai ter que pagar uma prenda ainda pior que o desafio, não é?
— pontuou ruidosamente.
Mordi o canto dos lábios com força, não demorou para que eu sentisse o gosto metálico
irromper em minha boca.
Varri o lugar com os olhos, procurando por alguém que parecesse estar prestes a se borrar,
apenas para me sentir um pouco mais confortável, todavia, não encontrei ninguém tão tenso
quanto eu. Talvez fosse eu, a pessoa que estivesse prestes a se borrar da qual os outros estariam
procurando para se sentirem melhores.
Uma fogueira estava acesa no centro da floresta. Algumas pessoas se agrupavam à sua volta,
a fim de se esquentarem, em outros pontos, havia alguns grupinhos conversando à vontade.
Ainda não haviam organizado o ponto de partida, ao que parece, ainda faltavam alguns
participantes, os que encontrei, também estavam algemados.
— Você precisa se acalmar ou vai perder a prova antes mesmo de começar.
— É, eu sei. Muito obrigada por nada — disparei, ansiosa.
— Sabe que eu te amo, né?
— Estou começando a duvidar.
Ela riu e enroscou o seu braço no meu.
— Vem, vamos procurar os nossos amigos.

— Olhe só, a escolhida. — Luc me recebeu sorridente e passou os braços sobre meus
ombros. — Você está linda de prisioneira, Dytto. — Ele beijou a minha bochecha, bem-
humorado.
— Até você, Luc. Pensei que eu pudesse confiar no meu melhor amigo. — Estreitei os
olhos.
— Sabe que eu daria a minha vida por você, não sabe?
— Que tal trocarmos de lugar, então? — ofereci, mas ele ergueu as duas mãos.
— Não mesmo.
Fiz cara de brava.
— Sinto muito, Dy — Claire murmurou gentil, beijando a minha testa.
A ruiva sempre foi muito sentimental comigo, pois sabia o quanto eu era "frágil" a todo o
resto. De todos de nosso grupo, ela parecia ser a mais comovida com a minha situação.
— Talvez um dia eu supere essa traição de vocês. — Me esforcei para sorrir, mas estava
desconfortável demais.
— Só quero deixar claro que eu não tive nada a ver com isso. — Marcos se pronunciou,
sorrindo de canto.
Sorri de volta.
— Tenho quase certeza disso — murmurei em tom de brincadeira.
Todo o grupo riu, mas Joshua ainda estava meio desnorteado, pelo visto, não foi só eu que
odiei ter sido acordada durante a madrugada.
— Ei, olha lá — Luc disse, apontando com a cabeça para algo. — Quem é aquela gata com
o Christopher?
Meu corpo inteiro estremeceu, um frio na barriga me atingiu e senti o meu estômago se
revirar.
— Uau, ela é bem gata — Marcos comentou, malicioso. Os olhos pareciam brilhar com o
que enxergavam.
Eu não consegui virar o meu rosto para lá, não mesmo.
Estávamos sentados diante da fogueira fazia cerca de meia hora. Ainda esperávamos pelo
momento em que nos chamariam para o desafio.
Nós, os prisioneiros.
Evitei olhar para qualquer rosto que não fosse o de meus amigos, e apenas o deles, já que o
grupo de Christopher estava a apenas alguns metros de nós.
Joshua e Luc não paravam de comentar sobre eles, dizendo o quão da "pesada" eram.
Claire dizia ter medo só de olhar, pois sabia que todos eles faziam rituais e outras coisas na
floresta. Loren se apoiou em mim e se manteve calada. Assim como eu, ela não queria vê-lo
abraçada à outra.
Luc soltou de repente:
— Até que eles formam um casal muito bonito.
E isso bastou para sentir minhas entranhas se revirarem.
Naquele instante, eu decidi que Christopher não faria mais parte da minha vida. Não se ele
mexia tanto assim comigo em tão pouco tempo desde que nos conhecemos.
Eu estava me corroendo de ciúmes, e isso me irritou pra caramba.
Nunca fui o tipo de garota que se rasteja aos pés de quem gostava, sempre abafava meus
sentimentos até eles simplesmente sumirem. Mas, desta vez, o que sentia por Christopher era
diferente de tudo.
Ainda não sabia ao certo o que era aquilo que eu estava vivenciando. Me parecia um
sentimento confuso e não definido. Eu sabia quando estava apaixonada, entretanto, o atual
sentimento dentro de mim me avassalou da cabeça aos pés.
Saber que, neste exato momento, ele está com outra garota, não me causou só ciúmes,
porém, uma grande angústia, um aperto no peito e um nó na garganta.
O sentimento era o mais ridículo possível: traição.
Por um segundo, fiquei grata dele ter tomado a iniciativa de se afastar. Depois de ter
destruído toda a dignidade que eu tinha, talvez Christopher tenha finalmente se cansado de mim.
— Eu quero sair daqui — avisei baixinho, para que apenas Loren me escutasse.
Ela ergueu a cabeça e me olhou preocupada.
— Está sentindo alguma coisa?
— Sim.
Não menti. Eu estou. E, pela primeira vez, faço um grande esforço para não chorar.
— Para onde quer ir? — ela perguntou.
— Eu não sei, só quero me afastar daqui.
Loren assentiu e se levantou. Em seguida me ajudou a ficar de pé.
— Para onde vão? — Marcos questionou, atento.
— Só dar uma volta. Dy quer dar uma esticadinha nas pernas antes do desafio — Loren
sorriu, para amenizar a curiosidade de todos.
— Só não vão para muito longe, os amigos de Christopher são estranhos e toda hora olham
para nós — Claire avisou, apreensiva.
— Amor, acho que você está paranoica — Joshua se pronunciou.
— Eu não estou, Josh. Eles estavam me olhando.
— Porque você estava encarando eles — Luc acrescentou.
— Vocês não entendem, eles são realmente muito bizarros — a ruiva tentou defender seu
argumento, mas ninguém parecia muito a fim de prolongar o assunto.
Claire sempre foi muito melindrosa em relação a essas coisas, imagino que se soubesse que
Loren já fez rituais com Christopher, provavelmente teria receio de andar com ela.
— Pode deixar, ninguém vai mexer conosco, Claire — Loren afirmou, convicta.
Minha irmã me guiou em outra direção, mas, naquele instante, maldito instante, meus olhos
procuraram desobedientemente o rosto dele.
Ele não estava olhando para mim, estava conversando com um garoto; que tenho de
concordar, eles são realmente todos bizarros e assustadores. Uma linda e exorbitante garota
estava em seus braços.
Alta, cabelos longos e platinados. O rosto mais lindo que eu já vi em toda a minha vida. Os
olhos azuis e os lábios carnudos. A expressão séria, mas, incrivelmente sedutora.
Ele a mantinha em sua frente, com seus braços ao redor de sua cintura, de vez em quando
beijava o seu ombro.
O corpo dela era perfeitamente definido e cheio de curvas. Ela era a garota mais bela que eu
já vi em toda a minha vida, mas também, a mais intimidadora.
Por que ela tinha que ser tão bonita?
Nunca irei me recuperar dessa cena. Nunca, nunca, nunca.
Foi fatal, e bem no peito.
Suspirei baixinho e, com muito esforço, acompanhei os passos de Loren, que sequer se deu
ao trabalho de olhar para lá.

Loren e eu andamos por uma grande parte da floresta. Ela conhecia muitas pessoas dali, o
que nos fez parar diversas vezes para cumprimentá-las.
A área em que estávamos era pouco iluminada, criando uma atmosfera carregada de
suspense e terror. Não sabia o que estava por vir, contudo, estava nervosa. Loren retirou as
algemas de meus pulsos quando anunciaram o começo do desafio. Todos nós nos juntamos em
um canto, no lugar em que havia faixas para evidenciar de onde começaríamos.
Em volta de nós, os curiosos se animavam, cheios de expectativas.
De um lado, um garoto falava em um alto-falante, de um enorme tronco caído. Do outro,
uma garota nos organizava em uma linha de partida, um ao lado do outro.
Eu trocava o peso do meu corpo de uma perna para a outra de segundo em segundo. Ficar ali
parada aguardando estava me deixando ainda mais nervosa.
O garoto com o alto-falante aumentou o tom de voz, decretando as regras do jogo:
— Seguinte. Os prisioneiros terão 15 minutos para pegar o máximo de fitas amarelas que
encontrarem na floresta. Se acabar os 15 minutos e não voltarem imediatamente, vão se foder
comigo. Coloquem as fitas dentro da cesta que vão dar a vocês. — Ele colocou a mão na boca,
como se fosse contar um segredo. — E tudo bem roubar fitas do amiguinho, desde que você não
seja pego, mas se for, é bom que saiba brigar. — Ele riu maldoso.
Eu estava para desmaiar.
— Quem achar mais, ganhará um prêmio, e aos que encontrarem de menos, pagarão a
prenda.
É, tudo bem, Loren estava certa, era um jogo fácil. Eu só precisava estar atenta a todas as
fitas amarelas. Tudo bem, eu ia conseguir.
— E aos demais... — prosseguiu —, bem... Vocês só poderão ficar aqui esperando os outros
voltarem, de qualquer jeito, a graça só vem depois que essa merda acabar — anunciou
empolgado.
Olhei desesperada para Loren, que retribui com um olhar cúmplice de minha insatisfação.
Respirei fundo. Minhas mãos estavam geladas e o meu estômago se impulsionava
continuamente para que eu vomitasse.
Passei a língua sobre os lábios e respirei fundo.
Uma garota, muito mais nova que eu, passou distribuindo uma cesta vazia a cada um de nós.
No total, éramos 9 prisioneiros, bem mais do que no último trote, onde eram apenas 3 pessoas.
Essa "brincadeira" crescia em nossa cidade cada vez mais. Antes eram só desafios bobos,
mas, agora, estava mais para um evento anual, ou melhor, dois eventos anuais.
— No três vocês iniciam. E é bom serem rápidos ou vão ficar para trás — o garoto notificou.
— Ai meu Deus — murmurei para mim mesma.
— 1 — entoou seguido da multidão —... 2...3...VALENDO, SEUS PUTOS.
Meus pés saltaram para frente e comecei a correr, assim que avistamos a segunda faixa,
sabíamos que dali em diante já deveríamos catar todas as fitas amarelas que encontrássemos.
O lugar em diante era muito escuro e cheio de árvores e galhos. Estávamos na parte mais
fechada da floresta. A multidão atrás de nós não poderia se aproximar, apenas aguardavam de
onde estavam.
15 minutos. Eu consigo!
Assim que avistei a primeira faixa amarela, joguei-me de joelhos no chão e a arranquei do
galho em que estava preso.
Os outros se dispersaram sobre a floresta, quase que com o rosto completamente enfiado no
chão, a fim de encontrarem as fitas.
Levantei e corri depressa para o próximo galho, onde tudo o que encontrei foi o mais
completo nada.
Os outros participantes iam, aos poucos, sumindo, cada para um canto. Todos eram
competitivos.
Continuei a buscar pelas malditas fitas, mas, um calafrio percorreu todo o meu corpo quando
um barulho entre os galhos me chamou a atenção.
Estava agachada, contudo, assim que o barulho ruiu ainda mais alto, prontamente fiquei de
pé, girando o rosto para todos os lados em volta de mim. Fui cercada pela sensação de estar
sendo vigiada e meu estômago se embrulhou.
Meus pés foram erguidos do chão com tamanha facilidade que eu parecia uma pena, e minha
boca foi tapada no segundo em que quis gritar. Quem me levantou, deu dois passos para trás
comigo, ainda em seus braços. Tentei fugir, mas fui pressionada com ainda mais força.
— Fica quieta, Dingo Bells — a voz de Chris ordenou séria em meu ouvido e paralisei no
lugar.
Eu não sabia o que estava acontecendo, contudo, o obedeci, sentindo seus braços me
manterem erguida.
Seu corpo estava tão próximo do meu que eu podia sentir as batidas agitadas do seu coração
em minhas costas, ele estava ofegante atrás de mim. Sua mão se manteve nos meus lábios e o seu
rosto tocava a minha nuca.
Era como se eu não recebesse o seu toque há anos, e de repente, todo o meu corpo houvesse
se recordado.
— Essa foi por pouco — disse ele, apontando para onde eu estava, onde uma cobra
venenosa se rastejava, bem onde eu havia me agachado para pegar as fitas.
Assim que ela sumiu de nosso campo de visão, Chris me colocou de pé no chão. Virei-me
para ele e, sem demora, ele franziu o cenho.
— Te machuquei?
— N-não.
Seus olhos vagavam com cautela sobre o meu rosto, e um misto de sentimentos se
ponderaram sobre mim. Não sabia dizer se estava com tanta raiva que queria bater nele, ou com
tanta saudade que queria abraçá-lo. Quando foi que eu fiquei doida assim?
— O que está fazendo aqui? — me impus friamente quando consegui voltar a órbita.
— Te ajudando.
Ergui uma sobrancelha, displicente. Chris não disse mais nada, então apenas virei-me de
costas para ele.
— Ok, já pode ir, não posso perder o jogo — debati, forçando indiferença.
Voltei para onde eu estava, mas, ainda assim, ele não saiu do lugar. O olhei sobre o ombro e
percebi que ele se manteve parado, as duas mãos no bolso de seu grande moletom preto e um
sorrisinho sacana nos lábios.
Porque ele tinha que ser sempre tão condescendente.
— O que ainda faz aí?
— Eu quero olhar para você — ele foi direto.
Meu rosto esquentou cheio de vergonha. Olhei para a frente e recolhi minha cesta do chão.
— É melhor voltar para seus amigos. Sua namorada deve estar lhe esperando — deixei
escapar, enciumada.
Foi mais forte que eu. Mordi a língua no segundo seguinte, punindo-me por tamanha
imbecilidade.
Christopher riu alto.
— Está falando da Amara?
Balancei os olhos, tentando não parecer interessada.
— Se esse é o nome dela, então, sim.
— Hum...
Certo! Então ele admite. Cretino.
Virei-me para ele, zangada.
— Está me atrapalhando — esbravejei.
Ele não conteve o riso e se aproximou. Christopher retirou do seu bolso uma dezena de fitas
amarelas e a jogou dentro da minha cesta.
— Roubei algumas para você. Precisava de um tempo a sós.
Uni as sobrancelhas.
— Por quê?
Ele deu de ombros.
— Matar a saudades.
Saudades?! Foram 5 dias sem ir me visitar, seu idiota.
Mordi a língua, para não acabar chamando-o de nomes que, Deus me livre meus pais
descobrirem que eu sei
— Acho que já deu tempo de matar a saudades, vá logo. A Tamara deve estar lhe
procurando.
Sim, eu sei. Não devia ter feito isso, não devia mesmo.
— A Amara deve estar fazendo tudo, menos me procurando, Dingo Bells — zombou. — A
minha querida irmã é egocêntrica demais para pensar tanto assim em mim — enfatizou.
— Irmã? — repeti baixo.
— A pior de todas.
O aliviou que me inundou no exato momento, e foi tão bom que quase sorri, mas segurei o
impulso assim que percebi seu rosto convencido me encarando.
— Está bem, volte para sua irmã então.
Christopher deu dois passos em minha direção e bastou para que tudo em mim colapsasse.
— Não dá — seu tom de voz gradualmente diminuiu.
— E por que não? — Eu estava tremendo.
Ele me alcançou e segurou o meu rosto com as suas duas mãos.
— Porque agora eu quero ficar com você — confessou num sussurro, com aquelas lindas
esmeraldas quentes presas aos meus olhos, levando-me a mergulhar nelas como um maldito
transe.
Ele trouxe seu rosto para mais perto do meu e eu fechei os olhos. Me vi estática perante a
sua presença e acabei por deixar que a cesta caísse no chão.
Malditas borboletas drogadas voando como idiotas em meu estômago.
Se mexa, Dytto. Por favor, se mexa!
Meu lado consciente pedia para que eu me afaste de Christopher. Em contrapartida, o meu
corpo implorava por ele. Pelo seu toque, pelo seu gosto, pelo seu cheiro.
Suas mãos desceram até a minha cintura e agarraram-na com força, me puxando
abruptamente para si. Seus lábios roçaram nos meus, devagarinho.
Eu queria mais.
Fiquei na ponta do pé e impulsionei meus lábios nos seus, beijando-o.
Christopher apalpou a minha bunda com as suas mãos e então me ergueu em seu colo.
Carregando-me até a árvore mais próxima, ele me encostou nela.
Seus beijos se tornaram mais profundos, intensos e fortes. Sua língua invadiu a minha boca e
me experimentou sem o menor pudor.
Passei meus braços ao redor de seu pescoço e me deixei ser levada.
Agora eu entendia o porquê de a Loren gostar tanto dele. Ele era intenso, safado, selvagem
e... LOREN.
Rapidamente afastei meu rosto do seu e o encarei de olhos arregalados.
— Eu não posso — ofeguei.
Christopher me ignorou e beijou o meu pescoço, descendo e subindo os lábios sobre ele.
— Chris — tentei impedi-lo, porém, quando mais eu me esforçava, menos eu queria que ele
parasse.
Ele sugou a minha pele e eu me derreti em seus braços.
— Chris... — eu já não sabia mais se estava pedindo para ele parar, ou para continuar,
apenas continuei o chamando.
Ele enfiou seus longos dedos entre os fios do meu cabelo e os puxou.
— Você já está marcada como minha, Dingo — sussurrou sombrio.
Apertei minhas pernas em sua cintura e o pressionei ainda mais contra mim.
— Você sumiu — contestei.
Senti-o rir em minha pele.
— Encontrou outra garota para infernizar? — caçoei, com receio de estar certa.
— Não, querida Dingo Bells. Só você ganha as minhas visitas românticas.
— Então por que sumiu?
— Não sou só professor, anjo. Tenho responsabilidades em particular que precisam muito de
mim.
Eu queria tanto saber do que ele falava, mas não podia ir a fundo. Não podia remexer em
sua vida se nem mesmo deveria o deixar se aproximar da minha.
— Você está mexendo com a minha sanidade, Chris. — Ofeguei.
— E você com a minha.
O alarme soou alto, tirando-nos de nosso transe.
O desafio havia acabado.
Ele me colocou de volta no chão, mas minhas pernas estavam moles demais para se
manterem de pé.
Me apoiei em sua cintura, e Chris esperou pacientemente para que eu conseguisse me
equilibrar por si só.
Notei os passos de todos os participantes indo em direção ao ponto de saída e me desesperei.
— Eu tenho que ir — disse prontamente correndo.
Christopher se encostou na árvore, com as duas mãos no bolso e me observou se afastar
dele.
— Boa sorte, querida Dingo Bells.
02 de Abril | Terça-feira
Eu havia ganhado.
Loren e os nossos amigos me espremeram em um abraço de comemoração tão apertado que
precisei berrar para que me soltassem. Eles estavam tão felizes, que mais parecia que eu havia
acabado de ganhar o prêmio Nobel.
Por outro lado, em volta de nós, os outros participantes me encaravam irritados, talvez, por
terem se esforçado a beça, e nem assim terem chegado perto de conseguir tantas fitas quanto eu.
Ao longe, deslumbrei o sorriso sarcástico de Christopher. Ele havia adorado trapacear, mas
não saberia dizer se a razão era por termos dado alguns belos e quentes amassos, ou se ele apenas
gostava de andar errado na linha. Desconfiava que a segunda opção fosse a mais provável.
Christopher estava claramente acostumado a agarrar garotas em florestas. Eu provavelmente
seria só mais uma da qual uma hora ou outra ele nem se lembraria mais do nome. Isso me
causava uma estranha sensação de desgosto e desânimo.
Sem que os outros percebessem, ele jogou-me uma piscadela e meneou com os lábios:
"Parabéns, Dingo Bells".
Bom, se é que ele realmente sabe que eu tenho um nome de verdade.
Minhas bochechas automaticamente se acenderam. Desviei meus olhos quando meu coração
comemorou aquela breve troca de olhares, e os segui para os meus amigos; que ainda pareciam
deslumbrados com a minha vitória.
Obviamente eu não teria chegado nem perto de conseguir se não fosse por Christopher.
Tanto faz... Ele não fez isso porque se importa comigo.
— Não vou dizer que não acreditava em você, mas eu bem que duvidei que fosse conseguir
tantas fitas. — Marcou revelou, receoso.
Lancei-lhe um olhar irritado e ele logo ergueu as mãos.
— Já entendi.
— Nunca duvidei de você, irmã. — Loren me olhou admirada. — Diferente de outros. — E
logo aproveitou para alfinetar Marcos.
Oh, irmã! Se você soubesse...
Meu peito se apertou em culpa. Eu não queria esconder algo assim dela. Não mesmo. Me
sentia uma traíra ordinária.
Pigarreei nervosa.
— Parem com todo esse drama meloso. Eww! — Franzi o rosto em uma careta. — Vocês
estão me deixando enjoada.
— Só estamos muito orgulhosos da nossa caçula — Claire disse, com um lindo sorriso.
— Tá bom, Claire. Já chega... — murmurei tímida, enquanto era cercada por sua gentileza.
Ela riu. Eu não consegui a encarar diretamente nos olhos. Eu não estava negando o seu afeto
porque não o queria, mas por vergonha do que eu havia feito há alguns poucos minutos.
— Aqui está. — Uma garota se aproximou de repente, estendendo um envelope dourado
para mim. — Seu prêmio — informou, gentil.
— Prêmio?
— Você ganhou 8 jantares grátis no restaurante Per Gason. Aproveite! — E assim ela saiu,
com pés de bailarina que mal tocavam o chão.
Per Gason era um dos restaurantes mais descolados de Vespeau. Em maioria, sua clientela
eram jovens adultos e adultos. De dia, aquilo era apenas mais um restaurante, durante as noites,
se tornava uma boate com atrações "exóticas".
Nunca havia ido, mas Loren já, e as histórias que ela me contava eram sempre indecentes e
perturbadoras.
— Beleza! Vamo logo. Já vai rolar o trote — Joshua disse, impaciente.
Ele estava completamente esgotado e necessitado de dormir. Parecia ser o único com senso
de horário. Estava entardecendo cada vez mais, em breve amanheceria e ainda teríamos aula.
Se papai e mamãe descobrissem que quebramos o castigo, provavelmente nos decapitariam
antes mesmo de termos a chance de pedir desculpas.
Eu não queria bancar a "irmã certinha" em todas as vezes que saíamos, mas me preocupava
com a forma que Loren nunca se preocupava com o resto.
— Eu não sei se eu quero ver isso — resmunguei.
— Essa é a melhor parte, Dy. Não vem com essa agora — Marcou rebateu e Loren
entrelaçou o seu braço no meu.
— Infelizmente tenho que concordar, Dy.
— Fala sério, Loren. Que graça vai ter em ver esses pobres coitados serem torturados? —
Deslizei os olhos em volta, observando os perdedores sendo amarrados pelos líderes do trote.
O resto dos telespectadores já estavam eufóricos com a cena, no entanto, eu me sentia com a
consciência pesada demais para me sentir uma verdadeira campeã.
— Até parece que ver alguém sofrendo é uma tortura. — Loren revirou os olhos,
desdenhando.
— Na verdade, é um pouco... — sussurrei, acudida.
No fundo, eu sempre me sensibilizava além da conta pelos demais. E, em algumas vezes, a
ponto de chorar. Loren não gostava do fato de eu ser tão sensível, mas me mantinha por perto,
como se tentasse, ao menos, amenizar a situação.
— Vamos! — um garoto loiro encapuzado ordenou firme aos prisioneiros, já enfileirados.
Toda a baderna de pessoas se juntou para os seguir, rumo ao alto da floresta de onde
estávamos. Alguns levavam lanternas ou acendiam o flash do celular. Quem estava longe de nós,
poderia enxergar a iluminação amena, os passos arrastados e murmúrios amontoados.
Claire e Joshua foram os primeiros de nosso grupo a se mexerem. Marcos se juntou logo em
seguida, e Luc me enviou um olhar gentil, para que me incentivasse, porém, foi só quando Loren
se moveu, que segui o restante.
Estava frio, mas não como as outras noites, no entanto, de um jeito amedrontador. Por mais
que estivesse acompanhada de dezenas de pessoas, sentia-me tensa e ansiosa, como se vagasse
sozinha no escuro.
A algumas pessoas à nossa frente, Christopher caminhava com irmã ao seu lado e os seus
amigos estranhos.
Não era só o estilo pesado e escuro que os fazia diferente do resto, mas havia algo na postura
e na forma com que olhavam para os outros, que os destacava de um jeito diabólico.
Chris parecia ser um tipo de líder para eles, mesmo que, para mim, fosse o menos
assustador. Entretanto, isso com certeza se dava ao fato de que eu já havia tido momentos mais
íntimos e "normais" com ele, porque, para o resto, ele ainda era o pior.
Em um dos momentos que subíamos a colina, havia o flagrado agindo de um jeito nada sutil.
Era assustador vê-lo sendo cruel, de modo que mais parecia ser algo normativo a ele ameaçar e
infringir dor.
Em um instante, estavam todos quietos, no outro, Christopher estava segurando a garganta
de um menino qualquer, lhe dizendo coisas que, mesmo sem conseguir ouvi-las, pareciam
absurdas.
Podia ver nos olhos melindrosos do pobre rapaz que Chris não estava para brincadeiras
naquela madrugada.
Loren apertou sutilmente a minha mão para que eu parasse de olhar. Os demais também
evitavam, como se quisessem evitar problemas para si.
Eu precisava mesmo conhecer melhor Christopher ou sempre o veria como uma total
incógnita que apenas os outros haviam decifrado. Quando chegamos no topo da colina,
formamos um tipo de meio círculo, observando os prisioneiros serem posicionados na ponta.
Quando notei o que pretendiam fazer, olhei em total alerta para Loren.
— Eles não vão jogá-los daqui de cima, não é? — perguntei, abismada.
— Há um riacho lá embaixo e...
— É! — a cortei rude. — Tem um rio que pode quebrar eles se pularem de mal jeito —
rebati, ainda mais incrédula.
Ela deu de ombros.
— Eles já estão acostumados a pularem ali.
— Loren, se algo acontecer, nós seremos cúmplices — alertei, meus olhos quase saltando do
rosto.
— Qual é, Dytto. Não estraga a brincadeira. Não vai acontecer nada — Marcos interveio, à
vontade.
Balancei a cabeça, irritada e sai pisando duro dali.
Entretanto, foi quando eu já estava enfiada na multidão, tentando me afastar, que senti
braços fortes me cercarem e arrematarem meu corpo contra o seu, colidindo minhas costas no
peitoral duro de alguém.
Mesmo sem conseguir ver o seu rosto, sentia seu delicioso cheiro forte e intoxicante. Meu
corpo já conhecia o seu toque autoritário e arrogante mesmo se estivesse de olhos fechados, ou
talvez, principalmente de olhos fechados.
Christopher não estava mais perto de sua irmã ou os seus amigos, o que me deixou só um
pouco mais à vontade.
Seus braços cercaram o meu corpo, acorrentando-me a ele. Seu torso estava colado em mim.
Sentia cada pedaço dele tocar cada pedaço meu. Mesmo que nossas alturas fossem bem
diferentes, sentia como se eu encaixasse em seu abraço perfeitamente.
Eu não queria sentir que o pertencia, mas Christopher me fazia se sentir tão dele.
— A vencedora tem que assistir os seus concorrentes pagando a prenda — ele sussurrou
maldoso em meu ouvido, quase como um cantarolar.
Seu timbre era grave e forte, ele queria me deixar assustada, ou então, me fazer sentir o
mesmo que ele no momento.
Senti seus lábios macios e carnudos beijarem a minha pele, que foi atingida por um tremor,
acompanhada de uma onda de arrepios delirantes.
— Eu não vou olhar — devolvi baixo e covarde.
Sua língua rodeou a ponta da minha orelha.
— E quem disse que você tem escolha? — murmurou.
Não respondi. Apenas permaneci inquieta em seus braços, tentando me afastar antes que
Loren, ou qualquer um dos nossos amigos, nos vissem assim.
Christopher não fez esforços para que eu permanecesse presa, um pouco de força que ele
fazia, bastava por si só. Eu não tinha a menor chance contra aquela muralha tatuada, mesmo que
gastasse todas as minhas energias tentando escapar.
— Agora! Olhe, querida Dingo Bells — avisou baixinho no momento em que os
prisioneiros já estavam com os pulsos livres e prontos para saltarem.
Os outros já haviam aceitado — contra a sua vontade — o seu destino. Apenas um se
manteve contrário. Ele não queria pular de jeito nenhum, mas os líderes o mantinham ali,
pressionando-o. Era visível o seu rosto pálido e as gotículas de suor se formando em sua testa.
— Dy! — a voz de Loren soou como um alerta em meus ouvidos no instante em que ela
surgiu no meu campo de visão. — Achei você — murmurou devagar, enquanto trocava o seu
olhar surpreso de mim para Chris, e em seguida para o meu rosto novamente.
Ela estava em choque. Eu estava nervosa. E Christopher estava... Indiferente? Feliz?
Orgulhoso? Eu não conseguia olhar para o seu rosto para descobrir.
— O que estão fazendo? — perguntou, ao notar que não conseguiria explicações apenas
observando essa bela tragédia diante dos seus olhos desacreditados.
Ela nos olhava como se estivesse vendo uma alucinação.
— Fica quieta, Loren. Vai começar — Chris resmungou rude atrás de mim. — Agora olhem
para essa belezinha — disse animado.
Minha irmã, mesmo com a atenção presa a nós dois, conseguiu virar o seu rosto com
bastante esforço para onde os perdedores estavam.
Eu só sabia me afogar em culpa.
O primeiro pulou após a contagem regressiva ter sido feita, e todos berraram em
comemoração. Demorou alguns instantes até ouvirmos o baque do seu corpo contra a água.
Estremeci por inteiro e Christopher me pressionou mais forte.
A cada segundo, a madrugada parecia ainda mais gélida. Aqueles jogadores iriam sofrer
com a sensação horripilante de estarem molhados nesse clima.
O segundo e terceiro foram juntos. Eram duas garotas, aparentemente próximas. A plateia
em volta vibrou ainda mais.
Eu estava odiando cada segundo daquilo. Aquelas risadas, gozações, gritos e assobios.
Tudo estava me deixando enojada.
Depois que pulavam, eu não sabia se emergiam logo em seguida ou se continuavam debaixo
d'água, mas não tive coragem o bastante para conferir. Sequer sabia se algum dos líderes iria
atrás deles após o trote.
Ninguém realmente se preocupava, apenas queria algo ou alguém de quem rirem.
Os outros pularam de um a um, porém, ao chegarem no último participante, o qual se negava
a fazer o mesmo, o clima pesou. O garoto balançou a cabeça e recuou um passo com finco.
Estava decidido que não iria de maneira alguma.
Senti o peito de Christopher vibrar, como se risse baixo de algo que só ele sabia. Mesmo
com toda a situação, minha irmã e todo o resto manteve a concentração presa ao que acontecia.
— Se você não pular, eu te jogo. — O líder que parecia mais velho ameaçou com um sorriso
de canto que dizia não estar brincando.
— E-eu não vou — o menino novamente recusou.
Sendo pego de surpresa, dois deles os seguraram pelos braços e os arrastaram à força até a
beirada.
O garoto fechou os olhos com força e apertou os punhos. Ele tentava frear com os pés
enquanto jogava a cabeça para trás.
Meu coração já estava disparado e eu suava frio.
Olhei em volta, mas ninguém estava disposto a ajudá-lo. Ao vê-lo tão desesperado e prestes
a cair, tentei dar um passo à frente por impulso em ajudar, mas Chris rapidamente me impediu.
E então aconteceu. Jogaram-no.
Meu corpo saltou como se tivesse levado um grande choque elétrico e virei-me de uma só
vez para Christopher, imediatamente enfiando o rosto em seu peito, a procura de consolo.
Lágrimas e mais lágrimas jorraram de meus olhos. Ver aquilo havia me desestabilizado
completamente. Eu estava tão aflita que não ligava de saber que havia várias pessoas ao nosso
redor testemunhando os meus soluços no corpo do garoto mais insensível de Nabrya.
Uma mão sua afagou as minhas costas, enquanto a outra fazia o mesmo em minha cabeça.
— Não se preocupe, Dingo. Ele vai sobreviver.
— Solta ela, Chris — a voz da minha irmã foi séria dessa vez.
— Não — ele retrucou.
— Eu vou levar ela daqui. Me desculpa, Dy. Eu não sabia que o trote desse ano seria assim,
ou juro que não teria te trazido. Imaginei que fossem fazer algo mais leve.
— Ah, cale a boca! — Christopher a interrompeu duramente. — Não existe trotes leves,
Loren. Se ela está bem, isso não é graças a você.
— Quer me ensinar a como cuidar da minha irmã? — Ela parecia ainda mais brava.
— Se não fosse por mim... — o tom de voz dele baixou até que se tornasse um sussurro. —
Sua irmã estaria nesse mesmo buraco que todos os outros. Talvez, na mesma situação que o
último garoto.
— Chris. — Soprei para que ele parasse.
Não havia motivos para que ele a fizesse sentir culpa disso agora. Eu não queria que ele a
deixasse mal.
— Você é só uma idiota, Loren.
— E você é um grande cretino que só quer se aproveitar da minha irmã! — Loren aumentou
o tom.
Me afastei um pouco de Chris, mas bastou para que ele me puxasse de volta para onde eu
estava.
— Não. Fique aí. Você não vai querer ver nada do que está acontecendo, Dingo Dingo. —
Ele dizia sorrindo, mas eu estava curiosa.
— Vamos logo, Dy. É melhor que não fique perto desse idiota. Ele vai se aproveitar de você
até onde puder. É o que ele sempre faz.
Christopher riu. Ergui meu rosto para ele e franzi as sobrancelhas.
— Por favor, pare.
— Qual é, Loren. Sua irmã já está grandinha para saber o que quer. E se ela me quiser, quem
sou eu para me opor — provocou-a.
— Duvido que ela ainda vá querer algo depois de conhecer a pessoa desprezível que você é.
— Inferno. Sua irmã é uma grande empata foda, Dingo. Como eu vou te pegar se ela não sai
de cima?
— Chris, é sério. Por favor, pare de falar agora — implorei baixinho.
Seu olhar indecente vagueou pelo meu rosto até que encontrou o meu e sorriu.
— Calma, anjo. Só estou conversando com a sua irmã.
— Não faça isso.
Ele se encurvou um pouco mais para mim.
— Como quiser.
Sendo pega desprevenida, ele agarrou os meus lábios com os seus e os chupou em um beijo
caloroso, no entanto, rápido demais.
Eu estava completamente constrangida quando ele terminou.
— Deve fazer apenas meia hora que fizemos isso, e eu já estava morrendo de saudades —
comentou alto.
Não consigo me mover. Não consigo sequer olhar para Loren agora.
— O gosto da sua boca é tão bom quanto o da sua boceta.
— Seu filho da puta! — Loren esbravejou e avançou para cima dele, mas assim que me virei
para trás, me deparei com a irmã de Christopher, empurrando-a.
De um segundo para o outro. Todo mundo havia parado para nos olhar, esquecendo
completamente do trote.
— E quem é essa valentona, Yori? — a garota alta e esbelta indagou provocativa. Seu olhar
ácido e sério me lembrava o dele.
— Que porra é essa? — Loren rebateu.
— Opa, ringue de irmãs. Eu aposto na Amara. E você, Dingo Bells? — Chris brincou.
Olhei para ele boquiaberta e ele balançou a cabeça.
— Tudo bem não torcer para a Loren. Se ela fosse minha irmã, eu também não torceria. E
ela não pode ficar chateada. Ela quem te trouxe aqui, lembra?
É impossível ter uma conversa séria com ele.
— Chris, pare as duas — pedi, irritada.
— Elas ainda nem arrancaram uma gota de sangue uma da outra, calma.
Eu mal podia acreditar que Christopher ia mesmo deixar que Loren e Amara continuassem a
discutir ao nosso lado e tratasse aquilo como uma aposta de cavalos.
— Ei, ei. O que tá acontecendo? — Joshua chegou, ao lado de Claire e Marcos.
— Esse filho da puta tá se aproveitando da Dytto. — Loren apontou para nós dois. — E essa
cretina acha que pode vir para cima de mim. — Quase podia ver fumaça saindo de dentro dela.
— Você não aguenta uma briga de verdade, imbecil — Amara rebateu.
— Quer apostar pra ver?
Loren foi para cima dela, mas Joshua se meteu no meio e no mesmo instante eu fiz o
mesmo.
— Vamos embora! — ditei, séria.
Agora já mal me lembrava do porquê me senti mal. Tudo estava acontecendo rápido demais.
— Você não aguenta a porra de um murro — Amara continuou.
Olhei séria para Chris, esperando por alguma ajuda da sua parte. Todavia, ele apenas se
divertia assistindo a situação, esperando que elas partissem para a ação.
— Chris, por favor, eu faço qualquer coisa. Só não deixe elas brigarem — implorei,
melindrosa.
Ele suspirou frustrado, mas parecia finalmente ter cedido.
— Deixa essa briga para um outro dia, irmã. Essa merda vai ter que ser adiada —
pronunciou, desanimado.
Amara riu baixinho.
— Tô sempre aqui — ela desafiou, olhando diretamente para Loren.
As bochechas da minha irmã coraram por um momento, mas ela disfarçou, olhando para
mim.
— Vamos! Antes que eu acabe com a vida de alguém hoje. E eu nem sei de qual irmão eu
estou falando primeiro.
Tive que engolir em seco, pois não sabia se eu estava inclusa.
Arrastando todo mundo a força, Joshua e Marcos se encarregaram de intervir na briga.
Claire ainda nos observava confusa, mas não disse nada.
Christopher continuou a me encarar, mesmo após termos nos afastado.
Maldito! Agora eu teria problemas ainda maiores assim que chegasse em casa.
02 de Abril | Terça-feira
Nem uma única palavra. Nada.
Eu via em seu rosto pálido o quão imersa em pensamentos ela estava. Seus lábios não se
moverem nem um único milímetro desde que entramos em seu carro.
Loren estava indiferente a situação. E isso era ainda pior do que se ela apenas gritasse
comigo e me chamasse de "a pior irmã do mundo".
Eu aceitaria todas as suas palavras. No entanto, isso nunca aconteceu.
Aquele silêncio rasgava os meus ouvidos como um zumbido agudo e estridente. Era muito
mais difícil saber que ela estava tão chateada, que não conseguia nem mesmo dizer algo, do que
se apenas brigasse comigo.
Seus olhos castanhos mantinham-se presos à estrada. Distantes e vazios. Ausentes do atual
momento, enquanto eu me corroía em ansiedade ao seu lado, esperando por uma reação que
parecia nunca vir.
A parte interna das minhas bochechas já estavam sangrando e os meus dedos doíam com
tamanha força que eu impunha uns aos outros. Minha respiração era silenciosa, porém
descompassada.
Não fazia a menor ideia do que se passou em sua cabeça quando Christopher me beijou. E
odeio que ele tenha feito isso na frente dela.
Se eu pudesse voltar atrás...
Ao chegarmos em casa, ela estacionou o seu carro na garagem, abriu a porta e se foi.
Simples assim.
Saí vários minutos depois.

O sol raiou tão mais rápido do que eu queria.


Os feixes de luz atravessavam as cortinas brancas e destacavam meu rosto sonolento. Meus
olhos ainda ardiam e pesavam pela noite mal dormida.
Minha cabeça latejou com mais força quando ergui o tronco para sentar-me. Sentia como se
estivesse sendo inteiramente martelada.
Eu só queria dormir, ou talvez correr para o banheiro e por tudo para fora, como uma
maldita bêbada. Mesmo que não houvesse uma única gota de álcool no meu organismo, era
como se estivesse passando pela pior ressaca da minha vida.
A madrugada passada foi um porre e tanto. Meu estômago se contorcia somente de lembrar.
Não recebi visitas de Christopher. Aposto que o que ele fez já tenha sido o suficiente —
momentaneamente — para preencher o seu ego. Logo ele procuraria por mais, e eu precisava
pará-lo de uma vez por todas. Isso estava destruindo a minha amizade com a minha irmã e me
afundando em culpa.
Quando desci para o café da manhã, o casaco do papai e a bolsa da mamãe, já estavam
avulsos pela casa. Provavelmente haviam chegado há pouco tempo.
Loren não tinha descido, de todo modo, eu não contava com a sua presença na escola hoje.
Ela ainda deveria estar dormindo.
Quando chequei o meu celular, havia algumas mensagens de Luc:
Sorri com a sua preocupação por mim.
Oh, Luc. Como eu queria gostar de caras como você. Tudo seria tão mais fácil.
Ao chegar na escola, vasculhei o lugar, procurando compulsivamente por Christopher. Eu
precisava falar com ele o mais rápido possível.
Era o momento certo para acabar com isso. Luc não estava pelos corredores, Loren não tinha
vindo e, bem, não havia mais nenhuma outra presença por perto que poderia atrapalhar a minha
conversa particular com ele.
Esquece. Havia sim uma presença que poderia nos atrapalhar.
Na porta de uma das salas, avistei Christopher papeando com uma garota um pouco mais
velha do que eu. Ele estava com as duas mãos no bolso, e a ouvia atentamente. A forma tão
atenciosa da qual ele a olhava me deixou enojada.
Foi automático. O ciúme assomou todo o meu corpo, como um calafrio, mas não me prendi
no lugar por isso.
Fingi desinteresse e caminhei até os dois. Meu coração acelerava a cada dado passo, minhas
mãos já começavam a suar frias e o estômago se embrulhou. Era como se eu estivesse destinada
a me sentir assim toda vez que o visse.
Apenas fique tranquila, Dy. Apenas fique tranquila.
— C-Chris — as palavras saltaram assim que me aproximei.
Merda! Eu não planejava gaguejar assim que abrisse a minha maldita boca.
A garota parou de falar no mesmo segundo e ambos trouxeram sua atenção para mim. De
repente, eu não queria mais ter vindo até aqui.
— Eu preciso falar com você — informei-o, tremendo.
Ele uniu as sobrancelhas, como se fizesse pouco caso.
— Agora, não — disse, indiferente.
Isso não podia estar acontecendo!
O que eu havia feito que o deixou assim tão estranho de repente?
— É muito importante — frisei.
Ele soltou o ar pela boca. O seu olhar duro me acertava como uma espada atravessando o
meu rosto e gritando "Eu não estou nem aí para você".
— Em um outro momento, senhorita Bell!
— Não dá para esperar cinco minutos, droga? — a garota cochichou quase inaudível, mas
consegui ouvi-la perfeitamente.
Eu estava tão constrangida que queria morrer ali mesmo, apenas para não ter que
continuar vendo os dois me encarando com o mais puro desprezo.
— Certo — sussurrei, sem jeito.
Ao me virar, dei apenas dois passos, para, então, ouvir a voz autoritária e bruta me chamar.
— Espere!
Voltei a olhá-lo, porém, Christopher não parecia mais estar prestes a enfiar suas garras em
mim.
Ele apontou para um canto.
— Fique ali. Eu já converso com você — exigiu.
Balancei a cabeça.
— Esquece, desculpe a intromissão — soprei.
Saí dali com passos apressados. Estava cansada demais para lidar com Christopher agora em
seu constante mau-humor.
Eu nunca sabia se ele estava só irritado, se me odiava por completo, ou se só fazia isso por
diversão.
Aconteceu em mais ou menos cinco minutos depois de eu ter saído de sua frente.
Christopher já estava logo atrás de mim, com a sua enorme mão envolvida em seu braço,
segurando-me ávido.
Sua repreensão sobre mim era nítida. Ele estava tão puto!
— Garota teimosa! — resmungou, enquanto me puxava para o lado contrário do meu trajeto.
— Não parecia nem um pouco interessado em me ouvir. Agora isso? — reclamei, irritada.
— A escola toda está de olho em nós dois, caramba. Quer ser expulsa pelo diretor?
Merda! Papai não poderia descobrir isso de jeito nenhum. Mas não estávamos sendo
exatamente discretos há um bom tempo.
Apontei com os olhos para a sua mão em meu braço.
— Quer que me expulsem?
Ele apertou o maxilar.
— Tô começando a considerar essa ideia.
Fiz cara feia, e ele sorriu.
— Vamos procurar uma sala vazia para conversarmos — avisou.

— Não vai mais me importunar e nem irritar a minha irmã — disse séria, andando de um
lado para o outro.
Christopher curvou um sorriso arteiro nos lábios e colocou as pernas sobre a carteira a frente
de onde estava sentado.
— Estou falando sério, Chris — pontuei firme e ele rapidamente assentiu, no entanto, ainda
em tom de brincadeira.
— Claro, claro. Deixa eu só anotar aqui na minha cabeça.
Ele ergueu a mão, como se segurasse uma caneta, fechou os olhos e fingiu escreveu no ar.
— "Não importunar a Dingo Bells e nem irritar a irmã chata dela". Está anotado, algo mais?
— Ele abriu as pálpebras. As íris verdes fincadas em meu rosto.
Suspirei fundo.
— Também não irá mais... não irá... — tímida, cruzei os dedos uns nos outros e os encarei,
para que assim conseguisse impulso ao tentar dizer. — Não vai mais me fazer ter sonhos
indecentes com você — minha voz estava surpreendente mais baixa e retida quando terminei.
Ele passou a língua sobre os lábios.
— Certo. — Sem tirar os olhos de mim, ele prosseguiu: —"Não ser mais tão atraente, para
deixar de ser o objeto sexual dos sonhos da Dingo." — rabiscou no ar com malícia.
— Não é isso. Você sabe do que eu estou falando — rebati, brava.
— Eu sei? — Christopher fingiu-se de desentendido, do jeito mais cínico que conseguia.
Balancei a cabeça, concordando.
— Também não irá mais me beijar — continuei.
Ele pendeu sua cabeça para o lado, olhou-me de cima baixo, demorando-se apenas em
lugares dos quais ele mais parecia interessado em tocar, em resumo, meu rosto, peitos e coxas,
em seguida se levantou de onde estava.
— Não? — pressionou.
Balancei a cabeça, negando.
Seu corpo alto veio devagar, no entanto, cheio de atitude em minha direção. Meu corpo
havia entrado em pânico. Sentia como se todas as partículas de mim estivessem em chamas.
— Também não vai mais se aproximar de mim. — Dei um passo para trás. — Não vai mais
agir como se eu fosse sua. — Recuei mais um. — Não vai mandar em mim. — E mais um. —
Não vai...
— É uma lista muito grande. — Interrompeu-me duramente. — E eu ainda nem comecei a
fazer o que eu quero com você. Isso não é justo para nós dois.
— É, para mim.
Christopher começou a dar passos mais largos quando me viu fugindo de sua proximidade.
Ele queria me alcançar a qualquer custo.
— Chris, fique longe — alertei-o, mas isso não serviu. — Por favor, apenas fique longe. —
Ofeguei.
No instante em que ele me alcançou, seu primeiro toque fora em minha bochecha. Um gesto
modesto e gentil, que se desfez tão rápido quanto se formou. Logo, sua mão estava entrelaçada
aos fios do meu cabelo, puxando-me a ele, seus lábios quentes e molhados deslizando em todo o
meu pescoço, sua outra mão deslizando para debaixo da minha saia.
Seus dedos longos e curiosos tatearam a parte interna de minhas coxas, subindo e
deliciando-se de cada centímetro de mim.
— Temos um pacto, amor — Chris sussurrou em meu ouvido, a voz impiedosamente sexy.
— Não...
— Não devia ter cruzado o meu caminho, anjo. Deveria ter se mantido longe.
— Foi você quem cruzou o meu.
Ele riu.
— Não, amor. O diabo nunca cruza o caminho de ninguém.
Seus dentes mordiscaram a minha pele. Ele incitou que eu continuasse a andar até que
estivesse com o corpo colado na parede, e quando o fiz, Christopher colocou suas mãos em
minha cintura e enfiou seu joelho entre as minhas pernas, pondo-me apoiada sobre ele.
— Se você, em momento algum, aparecesse na minha vida — sussurrou, tão próximo da
minha pele que podia sentir o sopro de ar quente vindo de seus lábios. — Eu nunca iria saber
como é estar obcecada por uma alma. Por uma garota. Pelo desejo de te fazer pecar. De querer te
fazer cometer as piores danações. Eu quero que você queime comigo.
— Me deixe em paz — murmurei.
Ele encostou a sua testa na minha e suspirou baixo.
— Sabe qual é a pior parte? — pronunciou rígido.
— Qual?
— Eu sinto tudo o que você sente. E não há uma única mínima parte de você que quer que
eu a deixe ir. Não há nada em você que queira me afastar, e isso... Inferno! É muito bom, Dingo.
Eu quero te foder aqui e no inferno sem parar.
Engoli em seco. Seus olhos finalmente avançaram até os meus. Ardentes e furiosos.
Por um segundo, esqueci como se respirava, e tudo a minha volta tornou-se nublo. No
momento, só existiam aqueles olhos sombrios, aqueles lábios sacanas, aquele rosto tão
dolorosamente lindo e o corpo que, pelos céus, era capaz de ser tão incrível.
Só ele. Apenas ele.
— Pare de mexer comigo. Eu preciso voltar a ser quem eu era — cochichei trêmula.
— Eu não quero parar.
— Eu preciso que pare.
— Me responda uma única coisa. — Ele ergueu um dedo diante dos meus olhos.
— Sim?
— Você é virgem, querida Dingo Bells?
Minhas bochechas imediatamente esquentaram.
— É isso que quer de mim, não é? — a minha voz saiu arrastada, eu não conseguia disfarçar
o quão decepcionada estava.
— Eu quero comer você. Em todas as posições. Em todos os lugares — sua voz baixou um
pouco mais. — Em todos os cantos que você quiser que eu entre. Mas há algo mais que eu quero,
e isso vai além de sexo.
Me afastei um pouco.
— Está apaixonado por mim?
Ele frisou a testa, intrigado.
— Obcecado — respondeu.
— E quando isso passar?
Ele gentilmente acariciou o meu rosto com as pontas dos seus dedos.
— Se eu não fosse o que eu sou, isso naturalmente passaria. Mas não é da minha natureza se
entediar. Vai querer que eu esteja obcecado por você, e não apaixonado. Se fosse só paixão, eu
não seria tão paciente ou gentil.
— Você não é gentil — protestei. — Você me atormenta. Me faz sentir dores. Me faz
acordar gritando. Você nunca foi gentil.
— Se eu não fosse gentil. Você estaria morta há tempos.
Minha respiração fraquejou.
— Não vou agradecer — debati, nervosa.
— Eu sei que não. Mas de todo modo, não fui eu quem te fiz gritar.
— Você, de alguma forma, está em todas as partes do meu corpo. Eu não sei o que você fez,
ou o porquê fez. E eu sinto que nunca vou entender isso ou o motivo de todos esconderem
segredos sobre você. A minha irmã tem segredos sobre você. E eu não paro de sentir culpa por
ter deixado você se aproximar tanto, ou de ter permitido que me beijasse na frente dela e dos
meus amigos.
— Pare de cavar buracos ou entrará muitos ossos — seu timbre transformou-se em algo
mais autoritário, a expressão em seu rosto tornou-se macabra. Eu sempre tinha medo quando ele
fazia isso.
Em um segundo, éramos Christopher e eu, noutro, ele era apenas mau e misterioso.
— Você quer tudo de mim. Não é justo que eu não tenha nada de você.
— Você já me tem mais do que qualquer outra pessoa já teve. Basta! — esbravejou ele.
— Não basta.
Christopher se afasta abruptamente.
— Vá para a sua sala, senhorita Bell — ordenou.
— E se eu não for?
— Eu mesmo a levo.
Assenti, contrariada. Sentia um bolo de emoções presas a minha garganta. Minha vontade
era de gritar com ele. Mas já meus olhos, denunciavam a chegada de lágrimas. Portanto, apenas
concordei. Não me prestaria a chorar para ele.
— Eu vou fazer o que eu quiser e você não tem nada a ver com isso. — Dando-lhe as
costas, marchei duramente para fora da sala.

03 de Abril | Quarta-feira
— Por que as duas estão tão quietas? — Mamãe semicerrou os olhos, inclinando-se
levemente sobre os cotovelos na mesa. — O que foi que vocês aprontaram?
De um lado da mesa estava Loren, o olhar cabisbaixo e os braços cruzados. Totalmente
afundada em silêncio. De outro, eu, olhando-a como um cachorro chutado, implorando a ela por
um olhar que fosse.
Minha irmã, em geral, não era de conversar, mas certamente, de perturbar ou negligenciar a
paz alheia. Porém, hoje, ela estava mais quieta do que o normal, e eu sabia bem a razão.
— E então? — mamãe insistiu.
Me sentia sufocada. Como se precisasse urgentemente resolver as coisas. Eu não queria ficar
assim com Loren. Ela era a minha melhor amiga, minha confidente e a pessoa que eu mais
amava.
Poderia passar anos sem me envolver com qualquer cara, mas era quase impossível suportar
passar um dia sem falar com ela.
— Podemos dormir na casa da Claire hoje? — me prontifiquei.
Loren rapidamente ergueu os olhos para mim, confusa.
— Claire? Ainda estão de castigo. — Ever cruzou os braços.
— Eu sei. E eu prometo que nós duas vamos compensar indo às missas mais vezes e
chegando em casa tão pontual quanto nunca — garanti.
— Por quê? Você odeia sair, Dytto — perguntou, desconfiada.
Balancei os ombros.
— Eu preciso me divertir mais vezes, e a Claire não é ruim. Estamos preparando uma noite
de garotas. — Olhei para Loren, indiretamente pedindo por sua cumplicidade.
Bom, não era tudo mentira. Mas eu com certeza não estava saindo para me divertir ou para
uma noite de garotas. Apenas queria encontrar uma forma de fazer as pazes com Loren.
Mamãe soltou o ar com força e assentiu.
— Estejam aqui bem cedo amanhã. — Ela apontou o dedo indicador em cima da mesa e
fincou o seu olhar mais rígido sobre nós. — Bem cedo — enfatizou. — O pai de vocês anda
muito mais irritado que o normal e eu não quero que as duas percam a confiança dele.
— Sim, senhora — sussurrei.
— Claro. — Loren concordou seca.

Enfiei mais roupas na minha bolsa do que realmente precisava. Íamos passar apenas uma
noite fora, mas eu não pretendia ir para a casa de ninguém. Tinha planos de parar em algum lugar
tranquilo, beber algumas cervejas com Loren e ver o nascer do sol juntas.
Parei de arrumar as minhas coisas quando ouvi dois toques sutis na porta do meu quarto e
me virei. Loren estava parada, com uma pequena bolsa em sua mão, quase que completamente
vazia.
— Me avise quando você for sair — murmurou baixo.
— O quê? Não vai comigo?
Seu olhar mudou de alheio para intrigado de um segundo para o outro.
— Não está indo dormir na casa dele? — Ela frisou as sobrancelhas.
— Dele? — declarei minha confusão.
— Christopher.
O que? Ela pensou que eu estava usando-a para dormir na casa do Christopher?
— Claro que não — protestei. — O que acha que estamos indo fazer?
— Pensei que estivesse querendo dar uma fuga para ver ele — respondeu, simples.
Agora conseguia entender melhor o seu jeito desinteressado.
— Eu não tenho nada com ele. Sabe bem disso.
Seu rosto contraiu levemente, como se não concordasse tanto assim comigo.
— Eu só queria passar um tempo com a minha irmã. O que deu em você? — impliquei,
olhando-a rápido de cima a baixo.
Ela encostou o corpo no batente e deixou que um longo suspiro escapasse de seus lábios.
— Você mente mal, Dytto. Muito mal.
Tombei a cabeça para o lado.
— E eu menti sobre o quê?
Ela curvou um sorriso sem vida.
— Está apaixonada por ele.
Meu corpo automaticamente sobressaltou.
— N-não!
Seus olhos examinaram o meu com exatidão.
— Eu te conheço a quanto tempo mesmo? — provocou.
— Eu não sei do que você...
— Ah, para! — disse séria. — Não vamos jogar esse jogo de "Você finge que não sente e eu
finjo que acredito". Isso já está tão óbvio que chega a ser esquisito.
Por um momento, quis encolher todo o meu corpo, até que coubesse dentro de uma caixinha,
para, então, poder me trancar lá para sempre. Só assim eu não precisaria mais passar por
situações tão constrangedoras como esta.
— Se quer vê-lo, vá em frente. Só espero que ele não seja tão idiota com você quanto foi
comigo ou qualquer outra. Você não sabe metade da história dele.
— Eu não pretendo vê-lo, Loren.
— Mas devia. Assim poderiam resolver de uma vez por todas seja lá o que está acontecendo.
— Tá bom. Agora é a sua vez de parar. Eu tô tentando resolver as coisas entre você e eu.
Também tô tentando te dizer que não tenho nada com o Chris, mas acho que você não me escuta.
— Dytto eu tô escutando as mentiras que tem contato a si mesma há dias. Eu não sou cega,
está bem? Eu vejo claramente tudo o que está acontecendo.
— Loren, por favor, pare. Eu não quero que você fique com raiva de mim ou...
— Com raiva de você? — pontuou. — Eu não estou com raiva de você, Dytto. Eu estou com
raiva dele.
Loren deixou que a sua bolsa caísse no chão e relaxou os ombros.
— Não me importo que esteja apaixonada ou que esteja ficando com alguém. O problema é
a pessoa que você escolheu ficar. — A expressão em seu rosto tornou-se melancólica. —
Christopher é um cara bonito, atraente e todas as coisas que uma garota procura quando está a
fim de viver uma paixão doida. Ele é tudo isso, Dy.
Ela balançou a cabeça.
— Só não é o cara certo para ninguém — finalizou, infeliz.
Mordi o canto dos lábios.
— Eu não o escolhi — cochichei.
— Mas está se apaixonando.
— Não por escolha.
— Eu sei. E é por isso que eu estou tão furiosa com ele. Eu tenho medo por você, Dy. Medo
do que ele pode fazer depois que você estiver totalmente apaixonada por ele.
— Não precisa agir como se precisasse me defender de tudo o tempo inteiro.
— Foda-se, Dy. O problema aqui é ele — debateu, irritada. — Christopher acha que pode
fazer o que quiser com a vida de quem ele decidir infernizar. Ele pode ter feito isso com outras
pessoas, mas você tem a mim, e eu pretendo te defender até o fim de qualquer que seja a idiotice
que ele tenha preparado para você. Eu não posso deixar ele te manipular.
— Christopher sabe disso, e é por isso que você precisa parar. Ele só quer te provocar,
Loren. É você quem ele quer infernizar.
Seus olhos estagnaram em mim, incapazes de acreditar no que ela estava ouvindo. As peças
pareciam ter se encaixado em sua cabeça. Ela estava incrédula.
— Eu sei que não é fácil lidar com ele, mas não acho que ele queira me infernizar. Eu sei
que o Chris não tem intenções boas comigo, mas ele é só um cara que quer as mesmas coisas que
os outros. Logo ele se entedia e segue em frente. Você vai ver — eu disse, tão convicta que, por
um instante, até eu acreditei em minhas palavras
Eu não sabia se estava tentando a confortar, ou apenas enganando a mim mesma de que não
havia algo mais ali. Christopher não queria só a minha virgindade ou o meu corpo. Ele desejava
a minha alma e os meus pecados. E era por isso que eu o temia tanto.
— Podemos ir agora?
Ela deslizou a língua sobre os lábios e assentiu.
— Talvez você tenha razão — sussurrou. — Christopher é incapaz de sentir algo por
qualquer pessoa ou até mesmo de se apaixonar.
Aquele frio na barriga quis me engolir, mas tão logo disfarcei.
— Claro. Ele nunca sentiria nada por mim, Lô. — Forcei um sorriso.
Ela baixou os olhos.
— Isso tudo é uma merda — refletiu sozinha.
— Posso perguntar algo? — balbuciei. — Ainda está apaixonada por ele?
Loren se empertigou envergonhada e desviou o olhar para um canto qualquer.
— Vou ligar para a Claire. Vamos fazer essa tal "Noite das meninas". — E assim, ela
rapidamente pegou sua bolsa do chão e saiu. Confirmando o que eu temia.

A noite das meninas se transformou em uma pequena reunião de amigos, e em seguida,


numa festinha particular.
Não havia muitas pessoas além do nosso grupo e mais umas outras seis pessoas. Ainda
tínhamos o controle da situação. O problema era Marcos, que quando ficava bêbado perdia as
estribeiras e logo chamava quem quer que ele visse. Por este motivo, não pude tirar os olhos
dele.
— Marcos, não pode ficar dando em cima de todas as garotas do mundo. Em algum
momento, vai topar em uma que tenha um namorado muito bravo e vai levar uma surra por isso!
— o aconselhei.
— Não se preocupe, Dytto, eu sei me cuidar. — Ele exibiu seus músculos murchos e
balançou as sobrancelhas.
Revirei os olhos pela quarta vez.
— Beba mais água e fique sóbrio de uma vez por todas — reclamei, enfiando a garrafa na
sua cara.
Ele gargalhou, mas derramou o líquido em sua boca mesmo assim.
Enquanto eu me encarregava de ser a babá de Marcos, Claire estava transando com Joshua
em seu quarto e Loren estava dançando sobre a mesa do jardim.
Ela rebolava até embaixo e subia esfregando as mãos em seu corpo conforme a batida da
música. Loren não era de dançar daquele jeito. Por mais que tivéssemos tocado no assunto do
qual estávamos evitando, isso não tornou a situação mais leve.
— Mais que droga é que ela tem? — resmunguei sozinha.
— Sei lá, ela é sua irmã, você é quem deveria saber — Marcos se intrometeu, supondo ser
com ele que eu estivesse falando.
Apenas suspirei, derrotada. Lidar com bêbados era cansativo.
— Vem cá, por que tá tão quieta hoje? — questionou.
— Não é nada.
Ele coloca sua mão sobre a minha na mesa.
— Se não fosse nada, não estaria tão distante — argumentou.
Seus olhos já estavam miúdos de tão alcoolizado, então para que se dar ao trabalho de
esconder o que eu estava sentindo se ele nem mesmo se lembraria depois?
— Só não gosto de ver a Loren agir desse jeito. Parece que ela simplesmente muda quando
está mal e acaba se entregando para o mundo de uma maneira estranha.
— Não se preocupa, Dy. Nós estamos de olho, nada vai acontecer com ela.
— Não é isso... É só que, eu vejo que ela está mal, mas ela não se abre comigo.
— Tem coisas que é melhor guardar.
— Não, não tem não. Nós só guardamos as coisas quando estamos com medo de lidar com
elas, mas isso só se acumula, e depois, sofremos as consequências.
— Vem, deixa isso para lá. — Ele se levantou e me puxou para junto dele. — Que papo
chato! Vamos dançar.
Sorri envergonhada. No entanto, antes que eu pudesse ter a chance de negar, Marcos já me
arrastava para o meio do jardim. Tecnicamente não estávamos em uma festa pra lá de grande
como sempre fazíamos, mas já era o bastante para que eu quisesse me esconder.
— Se deixa levar — disse animado.
Enquanto ele já aparentava estar totalmente à vontade, eu me prendia ao chão como uma
árvore.
— Desculpa, eu não consigo — murmurei tímida.
Ele riu. Marcos deu a volta em meu corpo e pôs suas mãos em minha cintura.
— Faz assim — guiou-me a se remexer de um lado para o outro, porém eu estava travada.
— Relaxa, Dy.
Apesar de sua ajuda, continuei dura no lugar. Marcos insistiu em meu progresso, mas logo
percebeu a péssima dançarina que eu era.
— Feche os olhos — pediu.
— O quê? — perguntei, nervosa.
— Apenas feche os olhos. Imagine que está sozinha no seu quarto. Apenas você, e dance,
Dytto.
Com um pouco de relutância, fiz o que me pediu. Tentei me fantasiar sozinha em meu
mundinho, com uma música bacana tocando. Aos poucos comecei ao que poderia ser chamado
de "dançar", ou pelo menos, tentei que se tornasse isso.
— Bem melhor. — O ouvi sussurrar risonho.
Sorri junto, mas decidi continuar com a fantasia na minha cabeça. Ainda não queria acabar
com a pouca coragem que me restava.
Marcos escorregou as suas mãos para os meus quadris e me puxou para mais perto. Assim
que senti seu corpo quente colidir ao meu, fiquei imediatamente desconfortável e parei.
— E-eu acho que já está bom. — Ergui as pálpebras e me virei para ele.
Sem pensar muito, Marcos agarrou os meus lábios em um beijo desesperado.
Eu não sabia o que fazer. Era informação demais para se processar naquele pequeno espaço
de tempo. De repente, ele estava chupando os meus lábios como se fossem uma laranja. Uma de
suas mãos estava na minha cintura e a outra em meu rosto.
Tentei dar a mesma atenção aos seus lábios, mas era difícil, estranho e incômodo.
Não estava rolando!
Não estava ruim, mas, também não estava bom.
Para falar a verdade, estava meio merda.
Céus! Quando ele ia parar?
Marcos enfiou sua língua em minha boca, praticamente atingindo a minha goela e quase
chorei de nojo. Que porra ele estava tentando fazer? Uma lavagem estomacal?
Tentei afastar o meu rosto, mas isso só o fez avançar mais.
Eca, eca, eca.
Quando ele finalmente cessou, tentei não demonstrar o pavor que eu sentia.
Sorri constrangida e Marcos beijou a minha bochecha.
— Você é linda pra caralho, gata — murmurou no meu pescoço.
— Valeu, Marcos — respondi apática, ou melhor, traumatizada.
Ele começou a dar beijos em minha pele, o que, por consequência, me fez ter arrepios, e não
de um jeito bom.
— Acho melhor a gente parar por aqui. — Segurei-o pelos ombros.
— Tem certeza? — Ele fez beiço.
— Tenho! Acho que isso não é certo. Vai acabar com a nossa amizade, entende? — Sorri
nervosamente.
— Nossa amizade é forte, vai aguentar.
Recuei um passo.
— É melhor não. Loren vai te matar se souber, e você sabe que eu não sou boa em esconder
segredos. Nossa amizade não seria mais a mesma.
Lancei um olhar rápido para a minha irmã, que sequer havia percebido qualquer coisa que
estivesse acontecendo a sua volta.
— Dytto, qual é? Foi só um beijo, nada demais. Amigos se beijam de vez quando.
— É, mas isso é um pouco estranho, foi mal.
Recuei dois passos.
— Mas foi... foi... — tentei achar a palavra mais sutil que surgisse em minha cabeça —
legal. — Mostrei-lhe o dedão em sinal de joinha e sai quase que correndo dali.
Ao chegar no quarto de hóspedes em que eu ficaria, tranquei a porta e joguei-me na cama.
Mais que imediatamente meu celular vibrou no bolso, alertando-me de uma mensagem.
O pesquei na roupa e acendi a tela. Havia uma notificação de um número não salvo. A
toquei ligeiro, com a mais pura curiosidade.
Quem estaria me mandando mensagem à meia-noite?
04 de Abril | Quinta-feira
Um toque gélido e calmo constatou a minha bochecha com delicadeza e a percorreu até o
meu maxilar. Minha pele instintivamente se arrepiou.
Ainda com os olhos fechados, sentia-o atrás de mim. Seu olhar, mesmo que não diretamente
assertivo ao meu, tomava-me a ele com abrupta força, pois sua repreensão pesava toneladas em
meus ombros.
O sangue em minhas veias congelou ao sentir a sua respiração quente e pesada colidir em
meu pescoço. O som de como inspirava e expirava, demonstrava, sem espaço para dúvidas, que
ele estava furioso.
Mordi o lábio inferior com tanta força que senti o gosto metálico e enjoativo irromper em
minha língua. E enquanto ainda mantinha a farsa de garota adormecida, Christopher desfrutava
do meu corpo seminu na cama.
Alguns momentos antes, após receber a sua mensagem, mergulhei em um longo banho
quente, a fim de retirar qualquer resquício da festa barulhenta que ainda rolava no jardim de
Claire, vesti apenas uma calcinha e me aconcheguei ao colchão.
A culpa me consumia de tal modo que eu mais parecia estar em um relacionamento com
Christopher. Os sentimentos de arrependimento e traição me arrebataram. Eu não o devia nada,
mas o meu corpo se mostrava contrário, gritando internamente para cada fragmento meu: "Sim,
sim, você deve lealdade a ele. Seu corpo é dele."
Havia partes de mim que ignoravam o senso comum da realidade. Que apenas queria viver
aquela fantasia suja e imoral. Que durante as noites implorava pelo seu toque, que se mergulhava
em êxtase e luxúria toda que vez que ele se aproximava. Eu só queria ele, ele e ele.
O simples ato de o sentir próximo, mexia com cada célula viva do meu corpo. Eu estava
doida. Tão obcecada por ele, quanto ele por mim. Maldito vício por Christopher que me tirava os
pés do chão e me levava a delirar. Isso não era certo.
Eu era uma cristã devota a cristo, mas sedenta pelo Diabo Christopher.
Sua enorme mão se enfiou debaixo do lençol pesado e se acolchoou por entre as minhas
pernas. Um de seus longos dedos esticou a minha calcinha para o lado. Meu coração bateu mais
intensamente ao denotar sua atitude cheia de convicção.
A ponta do seu dedo escorregou entre os lábios da minha boceta e brincaram com a umidade
de prazer já presente. Eu estremeci por completo.
— Diga depois de mim — ele sussurrou, o tom de voz agressivo e dominador. — Diga que
me pertence — ordenou.
Meus lábios se entreabriram lentamente, mas sem forças para emanar aquelas palavras
ditadas por ele.
Puxei com o ar com força e encolhi os ombros.
— Diga antes que eu me aborreça ainda mais com você — sibilou.
Um tremor escalou da minha espinha até o meu pescoço. Minhas mãos soavam frias e
tremiam sem parar.
— Eu per-t-tenço ao Christopher.
— Desde o mindinho do seu pé, até o último fio de cabelo, você é minha — declarou. —
Cada pedaço seu, é meu.
Seu dedo pressionou a minha entrada.
— Tudo. — Frisou, deslizando mais dele dentro de mim.
— Chris... — arquejei.
Seu movimento era devagar em minha boceta. Lento como uma tortura, mas, preciso como
uma flecha.
Seu dedo afundou mais rápido. Meu corpo se contraiu e pressionei minhas pernas uma
contra a outra.
— Isso está indo longe demais — soprei em voz baixa e fraca.
— Não, meu amor. Vai me sentir indo longe demais quando você estiver chorando e eu
colocando todo o meu pau nessa sua boceta virgem — gracejou, maldoso. — Ainda vai me
agradecer por eu estar preparando-a para o que eu vou enfiar aqui dentro.
— Você está me assustando.
— Eu vou te machucar. Mas será só um pouquinho. — Ele foi perverso ao responder. Estava
se divertindo com o meu medo, bagunçando a minha mente.
Christopher sobrepôs-se a mim. Seu corpo com mais de dois metros de altura apertou-me
contra a cama e fez pressão em meu íntimo. Sua mão já não estava mais em mim, mas seu nariz
tocava de leve a ponta do meu. Estávamos frente a frente.
— Eu vou te mostrar quem manda em você — murmurou, com seus lábios quase colados ao
meu.
Ele desceu o meu corpo, abocanhando a minha pele em um rastro que chegaria ao meu seio,
e o enfiou todo em sua boca gulosa, chupando-o com força. Seus dentes mordiscaram o bico do
meu peito e a sua língua o lambeu em círculos.
Da minha boca, emanava-se gemidos obrigatoriamente contidos. Eu não queria que o resto
da casa me ouvisse sendo feita de doce na língua maliciosa de Christopher.
Suas mãos apertaram os meus quadris com brutalidade, enquanto ele abaixava-se sobre ele,
prontamente colocando minhas duas pernas por cima de seus ombros.
Sua língua molhada e quente encharcou a minha calcinha. Ele a pressionava com a ponta de
sua língua em minha intimidade, forçando o tecido.
Eu estava desesperada, quente e suada. Tão excitada a ponto de procurar extinguir meu
desespero amassando os meus seios com rigidez.
Arqueei o corpo, deliciando-me de seus chupões em minhas coxas. Ele me lambia,
mordiscava e sugava de maneira ininterrupta.
— Faça logo, Chris. Eu imploro. — Arfei, desconsolada, pressionando meus seios com
ainda mais força entre os meus dedos.
— Você quer, meu pequeno anjo? — provocou cínico.
— Eu quero. Sim, por favor! Eu quero.
Ele soltou um riso potente e rouco.
— Que calcinha horrorosa. — Ouvi-o sussurrar quase inaudível antes de rasgar o tecido e
arremessá-lo em meio a escuridão do quarto.
Seus braços enroscaram-se por trás de meus joelhos, flexionando-os suficientemente para
que ele tivesse acesso a cada ponto meu.
Não conseguia enxergá-lo, mas o imaginava olhando a minha intimidade com um sorriso
sacana.
Seus lábios agarraram a minha boceta, num beijo de língua lento e sensual.
Naquele momento eu me sentia prestes a desmanchar-me em sua boca e pedir para que me
fizesse gozar de novo e de novo, porém, antes mesmo que eu deleitasse deste prazer, Chris
cessou seus movimentos abruptamente e tornou a gargalhar.
— Apesar de você ser a coisinha mais deliciosa que eu já experimentei, vou ter que te deixar
molhada e insaciada.
Soltei um suspiro frustrado e juntei as sobrancelhas.
— O q...
— Vamos voltar ao ponto principal desta visita, meu amor — gracejou. — Você beijou o
Marcos, que feio! — pontuou em repreensão. — Não faz ideia do quão misericordioso eu estou
sendo com o seu amiguinho desgraçado agora.
De repente, me sentia como uma garotinha indefesa levando sermão. Sentia a dureza de suas
palavras amargas ecoarem em todo o ambiente.
— Eu poderia estar nesse exato momento fazendo ele se afogar na própria merda, mas eu
estou aqui, te fazendo gemer toda manhosa.
Ele soltou o ar pela boca, irritado
— Você sempre atraiu toda a minha atenção. Até mesmo quando me enfurece pra caralho.
— Ele riu irônico. — Porra, achou mesmo que eu ia te deixar gozar depois de você foder com o
nosso acordo, Dingo? — Ele novamente riu. — Sua trapaceira de merda.
Tentei me desvencilhar de seu corpo, no entanto, seu aperto se tornou mais duro.
— Você está fodida, amor. Se antes me achava horrível, eu te garanto que nada vai chegar
perto do que eu vou fazer com a sua vida. — Chris se ergueu, avançando sobre mim.
Imediatamente, levei minhas mãos ao seu peitoral, mas me assustei ao presenciar sua pele
áspera e grossa. Parecia ainda mais assustadora do que qualquer outra vez que ele tenha me
visitado.
— O que raios você é, Chris? — choraminguei, nervosa.
— Quer mesmo saber? — incitou cruel.
Apertei meu corpo ao colchão, à medida que o sentia se aproximar.
— Sou o seu demônio sexual — reverberou arrogante. — Vai me receber em seu corpo toda
vez que eu a visitar.
Ele depositou um selinho rápido em meus lábios, mas eu estava paralisada.
— E querida, por favor, me espere sempre nua.
Chris enfiou seu rosto em meu rosto e inspirou.
Eu não sabia o que dizer ou como reagir a nada daquilo. O choque tomou conta da minha
mente. Tudo parecia tão irreal. Mas como eu poderia negar o que estava diante de meus olhos
durante todo esse tempo?
Eu agora sabia o que ele era, o que queria, e porque queria. Eu era o seu objeto sexual. E de
forma alguma conseguiria me libertar.
— Eu estou de olho em você o tempo inteiro. Se ousar me insultar novamente, eu vou
descontar a minha fúria sobre você — ameaçou.
Seus lábios roçaram de leve o meu rosto. Meu peito era atacado agressivamente pelas
batidas desenfreadas do meu coração, enquanto o resto de mim tremia de cima a baixo.
— Vou fazer com que aquele filho da puta nunca mais encoste um único dedo em você.
— Deixa ele fora disso — protestei de imediato.
Christopher brincava com a vida de todos a sua volta, apenas para satisfazê-lo, assim como
Loren disse. Não havia maneira de pará-lo, mas torci para que me escutasse.
— Você permitiu que ele se metesse no meu caminho. Isso é culpa sua.
— Ele estava bêbado, Chris. Eu prometo que não vou mais beijar ninguém
Por favor, apenas pare. Você está destruindo a minha vida.
Christopher escorregou sua língua em meu pescoço.
— Estou cuidando do que me pertence.
— Não há nada de especial em mim. Não faz sentido essa sua obsessão.
O escutei conter o riso.
— Acha mesmo que eu não tenho razões para estar obcecado por você, querida Dingo?
Ele afastou-se e suas duas mãos agarraram a minha cintura, deslizando-as num sobe e desce,
como se me apreciasse por inteira.
— Eu sinto você, meu amor. E eu te desejo. — Ele novamente debruçou em mim.
— Você me dá medo — consegui pronunciar.
— Me desobedeça, e eu vou te dar mais do que só medo.

Fiquei a noite inteira imóvel, fitando o teto do quarto, no mais completo e absoluto silêncio.
Meditei sobre cada palavra de Christopher, fazendo com que ondas de enjoo me nauseassem com
todas as teorias que formulei sobre o que ele pretendia fazer com Marcos.
Eu já não suportava mais a ansiedade corroendo os meus nervos, meus músculos doíam com
a tensão agarrada em cada fibra. Precisava me concentrar, ou logo cederia e acabaria contando
tudo para a minha irmã.
Uma péssima ideia, óbvio.
— Você está melhor? — murmurei emendando em um bocejo, não havia dormido muito, ou
melhor, eu não havia dormido nada.
Loren tirou os seus olhos verdes da estrada por um segundo e os trouxe até a mim.
— Eu bebi tanto assim? — perguntou bem-humorada.
Ok. Aquilo era estranho.
Ela acordou estranhamente feliz, como se apenas tivesse voltado a ser a mesma de antes.
Talvez a nossa conversa tenha servido de algo afinal. Mesmo que ainda assim, eu tenha recebido
uma nova visita de Christopher, e simplesmente tenha implorado para que me chupasse depois
de tê-la dito que não queria nada com ele. Minhas bochechas queimaram de vergonha com este
pensamento.
— Eu não sei. Fui para o quarto mais cedo que os outros. — Pigarreei, trocando o olhar para
a janela.
A vista lá fora era bem melhor do que as cenas da festa da noite passada sendo rebobinadas
em minha mente como um filme de terror.
Meu estômago se embrulhou ao recordar a razão. Ainda tinha a memória corporal de Marcos
tocando a minha goela com a sua língua bem vívida. Ugh!
— E quanto a você? — joguei o foco de nossa conversa para ela.
— Hum... Eu mal dormi, mas me sinto ótima. — Ela balançou os ombros, animada.
— Tem certeza? Eu posso dirigir se quiser — ofereci, implorando mentalmente para que ela
dissesse que não, pois eu odiava dirigir.
Na minha opinião, o banco do passageiro era sempre melhor e mais confortável.
Conseguia enxergar todas as lindas paisagens de Vespeau com mais detalhes. Arriscaria
dizer que era, até mesmo, a cidade mais bonita de Nabrya. Era tudo sempre tão florido, grande,
limpo e rústico. E de todo modo, ela provavelmente dormiu bem mais do que eu.
— Tenho. Eu não bebi muito.
— Por que eu tenho a impressão de que está mentindo? Ontem você dançou até o chão. —
comentei risonha.
Loren revirou os olhos.
— Porque era uma festa. Festas são feitas para dançar.
— Tudo bem, então. Eu não vou discutir. — Ergui as mãos em rendição e escorreguei no
banco. — O que vamos fazer agora?
— Vamos passar em casa, mostrar aos nossos pais que desta vez fomos responsáveis com o
horário, pegar nossas coisas e nos mandar para aquele inferno que chamamos de escola.
— Argh! Não podemos fingir que estamos doentes? — resmunguei, esfregando as mãos em
meu rosto.
— Papai nos levaria imediatamente ao hospital e colocaria todos para fazer um check-up
completo em nós duas. E, depois que percebesse que não tem nada de errado, iria nos estrangular
até a morte.
— Como é bom ter um pai médico — ironizei.
— Se ele fosse um pouco menos arrogante, estaria surfando em algum lugar por aí, pegando
todas as mulheres do planeta. Aposto que ele não transa muito, porque ele é sempre tão...
irritado.
— Que tal se não falássemos da vida sexual do nosso pai? — intervi, enojada.
— Pais transam, sabia?
— Eu prefiro não saber.
Ao chegar em casa, corri pelas escadas, pulando os degraus de dois em dois. Loren iria
apenas pegar as suas coisas e logo se mandaria, queria a sua carona, mas se demorasse muito, ela
não iria me esperar.
Maldito mau-humor. Acho que ela também não transava muito.
Eu ainda pretendia trocar de roupas. Em geral, gostava de ir de saia, mas ao que parece, não
era única que apreciava a ideia, e eu me recusava facilitar tanto assim para Christopher.
Era tão fácil para ele apenas colocar a sua enorme mão entre as minhas pernas e me tocar
como bem quisesse.
Não dessa vez, Torre Tatuada.
Me enfiei no meu closet e vasculhei todas aquelas roupas velhas que eu guardava no "fundo
do baú" e as esquecia para sempre até um dia precisar de volta. Me admirei ao encontrar uma
calça preta de quando eu tinha 15 anos.
Provavelmente ficaria apertada, mas não é como se eu tivesse engordado muita coisa desde
então. Ao menos seria difícil de Christopher enfiar a mão em minha calcinha.
Vestir aquela roupa foi mais difícil do que pensei. Talvez eu tenha engordado um pouco nas
coxas. Mas fala sério, como eu cabia nisso tão bem? Que coisa mais apertada.
A minha bunda havia ficado mais em evidência do que eu gostaria, e os meus quadris
pareciam mais largos também.
— Fala sério! — cochichei irritada.
A intenção não era parecer uma patricinha sexy dos anos 2000, no entanto, a vida nunca
colaborou comigo mesmo.
Pulei o amontoado de roupas que havia deixado espalhado pelo chão, joguei a mochila nos
ombros e corri para o andar de baixo.

Eu estava quase sendo declarada como paranoica em potencial por qualquer um que me
observasse por tempo demais.
Mesmo com a notícia dada pelo próprio professor de que Christopher não nos daria mais
aulas, — o que, de fato, fora uma grande surpresa para mim, e uma grande decepção para outros
— meus olhos deslizavam lá e cá perambulando por todos os cantos.
Culpa dele de dizer que estava sempre me vigiando. Eu não sabia de que modo ele o fazia,
se havia pessoas naquela escola que faziam o seu serviço de espionagem, ou se havia espíritos
que trabalhavam misteriosamente para Chris.
Nada mais na minha vida fazia qualquer sentido, então para que eu procuraria razões lógicas
ou científicas para tudo isso?
Me sentia um ratinho andando em círculos, perdida e confusa, sendo dominada pelo
labirinto que ele havia criado para mim.
Ele me dominava, seduzia e machucava. Tudo ao mesmo tempo. Me via assustada mais
vezes do que nunca antes.
— Fala sério! Eu não acredito que depois do Christopher, o Marcos fez a mesma merda. —
Luc reclamou, irritado.
Havia desabado com ele sobre a festa de ontem. Não contei nada que envolvesse
Christopher, pois não era este o ponto, porém, só de ouvi-lo tocar seu nome em voz alta, recuei
um passo, com medo de que acabasse sendo punido pelo ato.
— É. Tudo isso é uma droga mesmo — concordei, com a voz vacilante.
— E a Loren? Contou pra ela?
Balancei a cabeça, negando.
— Pretende?
— Do que adianta? Só iremos brigar com o Marcos e fazer com que todo mundo fique puto.
E, de todo modo, estava todo mundo meio bêbado mesmo. Eu só quero encerrar esse assunto.
— Foi, tipo, sei lá, o seu primeiro beijo de língua. Deveria pelo menos exigir um pedido de
desculpas por ele ter sido tão ruim nisso.
Imediatamente corei. Marcos não foi o meu primeiro. Chris foi.
E, novamente, ele estava em minha cabeça. Pulsando como uma alerta vermelho.
Maldito. Maldito. Maldito.
— Eu não quero mais tocar no assunto. — Fiz careta e abracei o meu próprio corpo. — Já
tenho uma cota de experiências de beijos roubados bem extensa, na minha opinião. Eu só quero
distância de qualquer garoto que tente me beijar.
Ele riu.
— Eu estou nesta lista? — perguntou risonho.
— Se tentar me beijar novamente, com certeza vai estar.
Ele abriu um sorriso encantador.
— Bom, diferente de Marcos, eu sou gentil, e diferente de Christopher, eu não fico
paquerando as minhas alunas. Pode confiar que eu poderia ser a sua melhor experiência.
— Quê? Chris dava em cima das alunas? — me alertei, ignorando todo o resto do que ele
disse.
— Ahn... Bem, eu vi algumas garotas falando sobre ele.
Estreitei os olhos.
— Mesmo?
— Qual é, Dytto? Acha mesmo que ele não ficou com ninguém? Basicamente toda garota
dessa escola se jogou no pé dele quando ele chegou aqui. — Bufou, já revirando os olhos. —
Mesmo ele sendo um completo arrogante — indignou-se.
Mas é claro que ele poderia ficar com todas as garotas que quisesse, mas eu não poderia nem
mesmo ter um amigo homem que ele já estava me enlouquecendo. Babaca!
— É. Eu vou falar com a Loren, podemos nos falar depois? — desconversei, me afastando
lentamente.
— Tá. Nos vemos depois.
— Certo. — Dei meia volta e sai com passos apressados.
Eu não estava procurando Loren.
Saquei o celular do bolso assim que entrei na primeira sala vazia.
Meus dedos voaram nas letras do teclado. Estava furiosa.
Soltei uma risada incrédula. Ciúmes? Que ridículo. Eu não estava com ciúmes. Estava
furiosa.

Mentiroso!
Enquanto ele digitava, eu mordia o canto dos dedos, ansiosa. Me imaginava repetidamente
xingando-o.
Ah, merda!

Bom... Acho que era a minha vez de visitá-lo, então.


05 de Abril | Sexta-feira
Assim que as luzes de casa se apagaram e eu tive a certeza de que todos haviam dormido,
pulei pela janela do meu quarto e corri por entre os arbustos do jardim até o portão.
Me sentia como uma espiã sexy de um filme extremamente fantasioso, mas gostava da
sensação de perigo. Qualquer passo em falso e eu seria pega.
Passaria o resto da minha vida sendo castigada pelo olhar julgador do meu pai. Teria filhos e
ele ainda espalharia a história a eles sobre como a filha certinha dele o apunhalou fugindo de
casa para se encontrar com um cara.
Eu esperava mesmo que tudo isso valesse a pena.
Eu não tirei o carro da garagem, pedi por um táxi e corri para a esquina mais longe de casa.
Estava tomando todo o cuidado do mundo para que não me ouvissem saindo. Papai não notaria
meu sumiço, a menos que checasse as câmeras no dia seguinte, mas, se eu fosse mais rápida,
conseguiria apagar as gravações.
Sentia um frio agudo se espalhar por todo o corpo, apesar de estar agasalhada da cabeça aos
pés, ele agarrava-se a mim de um jeito que me fazia fraquejar. Eu estava com medo, isto era
óbvio, nunca antes havia feito isso na minha vida. Tudo o que eu já fiz de mais louco e fora do
comum, fora feito ao lado de Loren, mas nunca sozinha.
Eu só queria voltar a ser quem eu era e acabar isso de uma vez, e era exatamente por este
motivo — e o único motivo —, de eu estar indo para a casa de Christopher.
Coloquei a mesma calça de hoje mais cedo. De agora em diante, ela se chamaria "Anti-
Christo".
Se ele não podia me tocar, não poderia me seduzir.
"Me seduzir" Céus! O que estava acontecendo? Eu estava virando um homem?
Agora era só Christopher aparecer que eu não conseguia me conter. Me condenava
internamente por sempre deixá-lo abrir as minhas pernas para ele.
Joguei a cabeça para trás e suspirei, formando uma ligeira rajada de ar congelada. Deveria
estar fazendo pelo menos uns -2°C aqui fora. A avenida, apesar de tarde, ainda mantinha uma
pouca movimentação de carros.
A rua estava iluminada por pequenos postes de ferro, com luzes amareladas e antigas,
refletindo sobre as calçadas de concreto.
Gostava de como era calmo durante as primeiras horas da madrugada. O silêncio era
confortável. O táxi chegou uns cinco minutos depois.

O lugar não era nada como eu havia imaginado.


Não havia pichações, caveiras ou cruzes invertidas na frente do imóvel. Era somente mais
uma casa como qualquer outra de alto nível.
A estrutura de madeira escura, alta e larga, possuía uma porta extensa e, em seu entorno,
janelas gigantes de vidro temperado e escurecido. Havia pequenas muretas, calçadas e passarelas
de pedras. Era realmente uma casa desejável e grande, no entanto, transparecia assustadora,
como a sensação de um calafrio carregado de pavor.
A porta se abriu assim que tomei proximidade. A visão de Christopher apenas de calça jeans
caída e o peitoral tatuado descoberto fez com que minha boca se enchesse d'água.
E minha nossa...
Loren não estava nada errada quando me contou sobre a tatuagem "666" na lateral da barriga
dele e o bode satânico. Parecia tão mais evidente aos meus olhos quanto qualquer outra. Talvez,
por serem estas a me lembrar quem de fato ele era.
Era estranho o fato de Christopher gostar de tatuagens tão óbvias.
— Venha. Não fique aí fora — mandou, dando-me as costas, também tatuada.
Franzi as sobrancelhas, atordoada com tamanha "gentileza" em sua recepção.
E pensar que eu ainda esperava um gesto amigável de sua parte. Sou tão idiota.
Fechei a porta atrás de mim com cuidado e o segui. O lugar era tão lindo por dentro, quanto
por fora. Conseguia ver toda a vizinhança pelas grandes janelas da sua sala de estar. Agora fazia
sentido ele ter me recebido tão rápido.
Christopher sentou-se em sua mesa de trabalho, ocupando-se com uma xícara de café,
suponho.
Seus olhos rígidos fixaram-se na tela do seu computador. Imaginei que, a esta hora, ele
estivesse me esperando, e não trabalhando.
Abracei o meu corpo, retida. Queria ter coragem o suficiente para enfrentá-lo agora, mas
vendo-o assim, me senti desconcertada.
Não sabia se me sentava no sofá de couro preto em formato de C à minha direita e esperava
que ele dissesse algo, ou se ficava em pé até que sua atenção fosse redirecionada a mim.
Aquilo estava começando a se tornar embaraçoso.
— Venha — sua voz rouca cortou o silêncio.
Notei que aquelas íris verdes agora me encaravam.
Um sentimento de obrigação me fez andar até ele. Christopher de imediato puxou uma
cadeira e apontou para que eu me sentasse. Quando o fiz, ele agarrou a minha perna por trás do
meu joelho e a colocou sobre a sua, assegurando que eu não saísse dali.
— Espere um pouco. Tenho que terminar algumas coisas antes — disse, em um breve aviso.
Apenas concordei num balançar de cabeça. Meu coração já estava batendo em um ritmo
desbalanceado, estava soando frio e tremendo, todavia, ele não notou, e se notou, disfarçou
muito bem.
Não conseguia me mover, não quando sua mão esquerda — uma bela mão grande e cheia de
veias — subia e descia devagarinho na minha coxa. Com a outra, ele digitava em seu
computador. O gesto, aparentemente, era inocente, mas não pude evitar que meu corpo
escorregasse na armadilha de se sentir provocado.
Eu havia me tornado uma arma engatilhada, qualquer manobra errada e uma tragédia
poderia acontecer.
Não conseguia me concentrar em nada. Vim aqui por um motivo: acabar com tudo. Porém,
agora, eu estava em um transe louco que só me fazia querer deixá-lo tocar onde quisesse.
Christopher escorregou sua mão para perto de minha virilha e eu rapidamente puxei o ar
com força.
— C-chris — alertei.
— Dingo. — Ele finalmente me olhou, sereno.
Minhas bochechas queimaram ao me sentir tão exposta.
— Eu ia conversar com você, lembra? — murmurei baixo.
Ele mordeu o lábio inferior, desceu os olhos para o meu busto e lentamente os subiu.
— Então converse — sussurrou rouco.
— Você... — pigarrei — poderia virar para frente de novo? — pedi, nervosa. Não iria
conseguir dizer se ele continuasse me encarando com aquele rosto faminto por sexo.
Ele repuxou os lábios de um jeito sacana.
— Está muito nervosa — declarou, fazendo pressão em minha perna.
— Por favor — eu estava implorando.
A farsa que eu havia criado para mim mesma havia caído por terra. Eu não era mais forte
que ele, tampouco era capaz de ser.
— Não. Vai dizer olhando para mim — sua entonação transformou-se em uma ordem.
Baixei o olhar e apertei as mãos umas as outras. Chris interviu, levando o seu dedo ao meu
queixo e o ergueu para si.
— Se não disser me olhando nos olhos, não tenho como levar você a sério nessa conversa.
Engoli em seco.
— Você tem álcool?
Ele abriu um sorriso enorme.
— Tenho, amor.
Christopher afastou minha perna com cuidado, se levantou e saiu. Quando voltou, segurava
uma garrafa de whisky e um copo com gelo. E, mesmo que ele não dissesse em voz alta, era
nítida a satisfação estampada em cada linha de expressão.
Eu não poderia fazer aquilo sóbria. Era uma conversa intensa demais, e eu era uma completa
covarde.
Ele me serviu com uma pequena dose e me entregou a bebida. Não pensei duas vezes antes
de virá-la de uma só vez na boca.
Eu me arrependi no segundo seguinte.
O líquido desceu como ácido em minha garganta. Meu estômago foi tomado por uma
queimação horrível e meus olhos lacrimejaram como duas poças. Comecei a tossir
incessantemente.
— Estava mesmo com sede — Chris denotou sarcástico.
Cobri minha boca enquanto ainda tentava me recuperar.
— Não pense que ficar bêbada vai te fazer se livrar de mim mais rápido. Apenas será mais
difícil de correr.
Ergui o rosto para o seu corpo alto parado diante de mim e suspirei.
— Quero que saia da minha vida.
Ele sorriu de um jeito que seus olhos se iluminaram.
— E eu quero te foder, agora mesmo — revelou, desinibido. — Mas não podemos ter tudo,
não é?
Engasguei novamente.
Christopher deixou a garrafa de lado em cima da sua mesa, mas fui capaz de ouvi-lo rir
baixinho de mim. Ele se agachou no chão, apoiando seus braços nos joelhos e umedeceu os
lábios.
— Eu poderia te contar como funciona essa coisa toda — começou, a voz densa e séria.
Seu olhar vagueava meu rosto por inteiro.
— Poderia desenhar um mapa gigante e te explicar passo a passo tudo o que eu sou, de onde
eu vim e como eu fui moldado. Mas prefiro ser simples, meu amor. — Ele mirou seus olhos nos
meus, como se as próximas palavras a saírem da sua boca fossem as mais absolutas. — Eu nunca
vou te deixar ir.
Balancei a cabeça.
— Vá se foder! — exclamei, furiosa.
Ele deixou que sua cabeça tombasse para a direita. As mexas negras do seu cabelo
escorregaram em sua testa, pendendo para o mesmo lugar.
— Eu não sei como lidar com esse seu jeito sem não te matar — arquejou pesaroso. —
Grande merda, não acha?
— O que você fez com Marcos? Eu liguei para ele o dia inteiro. Ninguém teve notícias dele
— esbravejei.
— Não sei do que está falando. — Christopher curvou um meio sorriso.
— Você fez algo com ele. Me conta agora.
— Por que acha que eu fiz algo? — fingiu inocência.
— Porque foi você que disse que ele estava no hospital — acusei, ríspida.
— Oh! Isso. — Ele gargalhou, em sua melhor atuação — Mas é claro, como eu pude me
esquecer? Dãã... Talvez eu tenha feito seu amigo acidentalmente quebrar o pescoço. Mas vai
sobreviver... — ele curvou um sorriso triste — infelizmente.
— Christopher! — berrei.
— Não se preocupe. Marcos vai precisar de uns meses de reabilitação, não vai poder se
mover, e tal, e tal... — Ele revirou os olhos, entediado. — Não se preocupe.
Dei-lhe um murro no ombro que surtiu o equivalente ao efeito de espancar uma plataforma
de ferro e esperar que ela sinta dor.
— Você nem gosta tanto dele assim. Pare de fingir que se importa — desdenhou, frisando
seu nariz em uma careta.
Apertei os dentes com força.
Oh, que garoto mais insensível!
— E então, o que você vai fazer agora? Eu não tenho chances de fugir, você não vai me
deixar, eu não posso beijar outros rapazes e você machuca os meus amigos. E agora, vai fazer o
que comigo? — explodi.
— Quer que eu faça algo? — ele juntou as sobrancelhas, de um jeito cínico.
— Eu odeio esse seu jogo, Christopher.
— Não. Você odeia o fato de gostar tanto dele — corrigiu. — Você odeia o jeito que fica
excitada toda vez que eu te toco. Odeia que me deseje tanto, mesmo que isso fira os seus
princípios de boa moça. Você odeia me desejar tanto, amor. Seja sincera, pelo menos uma vez
nessa sua droga de vida.
Ele tocou a minha coxa, autoritário.
— Eu não espero que aja como uma santa. Eu quero ter o seu pior lado, querida.
Balancei a cabeça.
— Eu não sei quem é você. E tudo o que eu sei e vejo, são coisas horríveis. Por que eu
deveria te mostrar o meu pior lado? Por que eu deveria confiar em você? Está me prendendo
nisso.
— Não espere que eu te conte o quão bom eu sou, Dingo Dingo. Se espera algo de positivo
vindo de mim para, só então, poder confiar, então lamento dizer que esse dia nunca vai chegar.
Eu não tenho a menor intenção de ser um cavalheiro com você.
Christopher reergueu a sua cabeça e aproximou-se um pouco mais do meu rosto.
— Eu sou horrível, querida. Repugnante, asqueroso, egoísta e trapaceiro. Tudo o que eu
quero, eu consigo, e não estou nem aí para quem se ferir no caminho. — Seus dedos tatuados
agora seguravam o meu queixo. — Não vou te prometer juras de amor, não vou te prometer o
paraíso, flores ou chocolates.
Sua face tornou-se mais sombria e séria.
— Mas eu te prometo que, se você finalmente se deixar ser minha, ninguém nunca mais vai
te desrespeitar ou ir contra você. Tudo o que quiser estará logo aos seus pés, amor. Eu tenho um
inferno inteiro para nós dois.
Meu peito parecia prestes a explodir com as batidas desenfreadas do meu coração. Minha
boca estava seca e os meus olhos arregalados.
Era certo dizer que não havia maneiras de ir contra ele. Christopher era uma força da
natureza implacável. O que existia em mim que seria capaz de rebater e lutar? Nada.
Não existia nada que me fizesse escapar das garras dele.
— Se for para queimarmos juntos, eu espero estar fazendo do jeito certo, Chris. — Então eu
fiz o que ele esperava de mim.
Pulei sobre o seu corpo, agarrando os seus lábios com os meus, chupando-os desesperada.
Meus dedos entrelaçaram-se aos seus fios de cabelo.
Eu ofegava em sua boca enquanto ele colocava-se de pé comigo em seu colo. Envolvi sua
cintura com as minhas pernas e suas mãos pousaram sobre a minha bunda.
Christopher carregou-me com pressa até ao seu quarto. Quando me dei conta, já estava
sendo colocada sobre o seu colchão.
Eu não queria parar, mesmo que soubesse o quão errado éramos.
Seus lábios se deliciaram dos meus na mesma proporção em que demonstrava-se interessado
em me tocar.
Suas mãos pareciam escorregadias em meu corpo, subiam e desciam por todas as partes
facilmente.
Consegui arrancar o meu casaco do corpo e o joguei no carpete. Meu corpo se mostrava
quente e ansioso.
— Eu quero você — ele sussurrou em meu ouvido.
Christopher enfiou seu rosto em meu pescoço e de imediato estremeci ao sentir sua
respiração eclodir em minha pele.
Ele esfregava sua parte íntima sobre a minha, me fazendo sentir o extenso volume por
debaixo de sua calça.
Minha pele queimava em êxtase. Todas as células do meu corpo haviam sido afetadas.
Minha traiçoeira intimidade se excitou e contraiu.
Respirei fundo, buscando por alívio, mas de nada adiantou. Christopher embaçava a minha
mente e me tirava a noção, me levando a desejá-lo como uma louca.
Ainda por cima de mim, ele envolveu o meu pescoço com uma de suas mãos e a minha
cintura com o seu braço. Num rápido movimento, me ergueu, virou-se no colchão e me pôs sobre
seu colo.
Soltei um gritinho surpreso.
Isso foi tão fácil para ele.
Christopher fez pressão em seu aperto no meu pescoço, puxando-me para si. Ele sugava os
meus lábios com voracidade, deixando-me sem espaço para respirar. Sua língua invadiu a minha
boca, dançando com a minha em um gesto ardente e sensual.
Gemi e busquei me segurar em seus braços.
— Chris... — arfei.
— Me deixe tocar todo o seu corpo.
Joguei a cabeça para trás, rendendo-me por completo a ele.
Christopher agarrou o colarinho de minha camiseta e o esticou para baixo, até que parte dos
meus seios estivessem à mostra. Sua doce língua se pôs sobre eles, deixando marcas de suas
deliciosas sucções.
A pele, antes branca, ganhou marcas de tons avermelhados, que logo se transformariam em
vários hematomas arroxeadas por todo o meu busto e parte dos meus seios. Mas naquele
momento eu não ligava para mais nada.
— Eu tenho que foder você, garota — sua voz estava carregada de desejo.
De maneira repentina, ele recuou.
Christopher se levantou do colchão, mas seus olhos se mantiveram nos meus, como duas
rochas inabaláveis. Reparei por soslaio quando seus dedos alcançaram o botão de sua calça, mas
continuei a encarar o seu lindo rosto.
Notei quando ele começou a se despir, porém, eu estava tímida demais para conseguir
observar cada detalhe do que ele fazia com a sua roupa, no entanto, foi impossível ignorar
quando ele abaixou a sua cueca.
Eu queria o olhar em sua estrutura mais completa.
Meus olhos quase saltaram da face ali mesmo quando viram a dimensão do que Christopher
carregava em seu corpo.
Meu coração batia tão forte que já não achava mais idiotice pensar que ele também poderia o
estar ouvindo.
Christopher não possuía apenas um membro como os outros caras que eu havia visto na
internet.
Era imenso. Gigante, para falar a verdade, e... tatuado.
Ele tinha uma tatuagem na droga do pênis dele.
— Respira, Dingo — ele falou, meio preocupado, meio risonho.
Não conseguia desviar os olhos dali. E, para piorar, estava ereto e apontando em minha
direção, como se ameaçasse me rasgar ao meio.
Minhas bochechas esquentaram e meus globos oculares lacrimejaram em razão de eu nem
mesmo ser capaz de piscar naquele momento.
— I-isso não! — proferi, incrédula.
O que eu realmente queria ter dito era que não queria me relacionar com aquele negócio,
nunca conseguiria aguentar tudo dentro de mim. Ou talvez, nem mesmo parte daquela coisa.
Era bizarro ver um membro masculino tão grande. Como aquilo era capaz de existir? Será
que todos os demônios como o Christopher também tinham pênis daquele jeito?
Mais perguntas e perguntas surgiram em minha mente. Eu estava ficando tonta.
Ele se aproximou e eu instintivamente me encolhi.
Oh, céus! Eu estava com medo de um pinto como se ele fosse capaz de me esfaquear.
— Me deixe ir devagar — pediu, calmo. — Vai ser menos doloroso se você se acostumar
com alguns dedos antes.
Balancei a cabeça, negando.
Olhei de novo para o seu pênis, mas, claramente ele não havia diminuído ou deixado de ser
extremamente assustador.
A tatuagem me parecia ser algumas correntes ao redor de seu pênis extremamente grande e
robusto.
— Isso é do tamanho do meu antebraço, Chris — sussurrei, apavorada.
Ele não se conteve e acabou gargalhando.
— É, meu amor. É bem grande, mas eu prometo que você vai se acostumar — falou, com
puro divertimento.
— Não dá para se acostumar — protestei alto.
Se Christopher fosse capaz de ver por debaixo da minha pele, veria os meus órgãos se
contorcendo em horror.
Ele se agachou até estarmos cara a cara e suspirou.
— Christopher, eu acho melhor eu ir para casa — disse arrependida.
— Fica tranquila. Não vou meter em você se não quiser. — Ele franziu a testa. — Não sou
um monstro. Só faço o que eu sei que você deseja.
— Me prometa — insisti. — Me prometa que não vai colocar essa coisa em mim quando eu
estiver dormindo.
— Essa coisa? — Ele riu e eu arqueei uma sobrancelha em repreensão, não queria que ele
mudasse de assunto agora, o meu pedido era sério. — Claro, meu bem. Eu prometo que não vou
enfiar "isso" em você a menos que me peça.
— Certo. — Meu rosto ainda estava ruborizado. Não sabia se ainda era capaz de olhá-lo
normalmente outra vez.
— Mas eu ainda quero gozar na sua barriga — completou.
Juntei as sobrancelhas.
— Confie em mim, vai ser uma sensação gostosa para você.
— Seu pervertido — cochichei baixinho, sabendo que ele ouviria.
— Apenas pensando no nosso prazer, meu amor — respondeu malicioso.
— Sem penetração — reafirmei.
— Nada de desvirginar a Dingo Bells. — Ele levantou a mão em juramento. — Vou manter
essa boceta intacta.
— Eu não vou te agradecer.
Ele sorriu.
— Agora segure-se na cama, eu vou tirar a sua calça e não serei nada gentil.
Christopher se levantou e agarrou meus tornozelos. Rapidamente enrosquei meus dedos nos
lençóis da cama.
— Um passarinho me contou que você anda querendo dificultar as coisas para mim.
O sangue congelou em minhas veias.
— Você me vigia o tempo inteiro?
— Eu, não. — Ele entortou o canto dos lábios de um jeito malina. — A minha entidade
demoníaca, sim.
Não tive tempo para processar o que Chris disse, pois, no segundo seguinte, ele já estava
arrancando a minha calça.
Precisei fincar meus dedos no colchão ou seria arremessada para fora da cama com tamanha
ferocidade que ele exercia.
Assim que me viu apenas de calcinha, ele enrugou a testa.
— Não vai me dizer que roubou essa calcinha de alguma idosa — resmungou irritado.
— Seu idi... — O som estridente a seguir me assustou. Olhei para baixo apenas para
contestar o óbvio.
Christopher rasgou a minha calcinha.
— Ainda bem que a sua boceta é bonita demais para compensar esse negócio.
Ele jogou o tecido no chão com desdém. Tentei cruzar as pernas ao notar a minha nudez,
mas ele as separou, segurando uma perna em cada mão, deixando-me bem aberta para ele.
— Não, não vai fechar.
Cobri minha intimidade com as duas mãos.
— Tenho que pedir por favor ou só me deixa tocar em você no escuro?
— Eu tenho vergonha, Chris — murmurei.
Ele lambeu os lábios, prendendo um riso safado.
— Me deixe te ver nua que eu faço essa vergonha sumir. Daqui a pouco eu vou estar entre
as suas pernas, chupando essa boceta até ela gozar, então não me venha com timidez, Dingo.
Ele olhou para baixo, entre o meio de nós dois e sorriu.
— Aposto que você já está melada.
Baixei o olhar, tomada por uma dolorosa vergonha.
— Não seja bruto — pedi.
— Você é uma coisinha frágil demais até mesmo para se pensar nisso.
Ele se levantou, debruçou sobre a cama, apoiando-se em seus braços e subiu em meu corpo.
Não olhei para baixo, entretanto, senti seu pênis roçar em minha boceta.
— Você está tocando... — engoli em seco — lá embaixo.
Ele sorriu.
— Eu sei.
Christopher beijou a minha bochecha e desceu até o meu maxilar, parou e voltou a olhar
para o meu rosto.
— Pode até não confiar em mim e me ver como um cara horrível que machucou o seu
amigo. Mas a única coisa que você tem certeza sobre mim, é que eu vou sempre te fazer gozar. É
por isso que você deseja as minhas visitas. Você adora quando eu te faço estremecer enquanto
dorme. É o seu fetiche, amor.
— Você é o demônio dos fetiches, Chris? — brinquei.
— Sou o demônio da foda. — Ele beijou o meu pescoço — Mas somente para você.
— Um incubus? — arrisquei.
Ele riu.
— Não. — Ele ergueu seu corpo, sustentando-se em seus braços musculosos. — Nunca
deseje ter um desses na sua vida. Eles são horríveis.
— Para que eu iria querer um? Aparentemente eu tenho você — provoquei.
— É. Mas eu não quero te foder na cama. Eu quero te arrastar para o inferno e comer a sua
alma.
Arregalei os olhos.
— Em tese — acrescentou —, ou não.
Christopher não me deu espaços para argumentar, ele se adiantou, arrancando a minha
camiseta. Seu jeito impaciente o fez quase rasgar o tecido enquanto puxava para fora do meu
corpo.
Seus olhos brilharam assim que meus seios despontaram à sua frente. Ele indecentemente
molhou os lábios com a sua língua, enquanto uma expressão perversa pintava o seu rosto.
Me ter completamente nua sob ele preenchia o seu ego diabólico.
Christopher, desprezível como era, adorava aquela sensação de poder e autoridade.
Ele abocanhou meu seio com sagacidade. Sua língua brincava com o bico, ao mesmo tempo
em que ele usava a sua mão para apertar o outro peito.
Levei meus dedos às suas madeixas negras e o incentivei, firmando o seu rosto em meu
corpo.
Sua mão desceu até a minha cintura e buscou o meu quadril, indo discretamente até entre as
minhas pernas. Seus dedos longos tocaram a minha boceta, esfregando-se entre os lábios. Eu
estava úmida de prazer, o que o fez tomar a liberdade de facilmente me penetrar.
Ele largou o meu seio e se assegurou em meus lábios, em um beijo voraz. Sua mão manteve
o ritmo, penetrando-me com um único dedo seu.
Eu me contorcia debaixo dele, gemendo dentro de sua boca. O sentimento de ser preenchida
por ele era o ápice do meu prazer. Era tão bom, tão único.
Podia ouvir o som da sua respiração se fundir a minha em um uníssono ofegante e cheio de
luxúria. Nossos corpos se tocavam e passeavam um ao outro, fundindo nossos cheiros.
Christopher estava em cada parte de mim, seu toque estava em cada centímetro da minha pele.
Nós nos movimentávamos em perfeita sincronia. Eu arqueava meus quadris e Christopher se
afundava ainda mais dentro de mim. Estávamos suados e quentes, mas continuamos roubando
tudo o que podíamos um do outro.
Eu já estava sem ar, mas não conseguia largar os seus lábios, não queria fugir do seu beijo.
Ele percebeu e se afastou por um momento, busquei mais rápido por ele do que por ar, mas fui
interrompida.
— Só um pouco, respire, anjo. E eu volto a te dar o que você quer.
Mostrei a ele que estava respirando. Preenchi meus pulmões com ar e expirei devagarinho,
fiz isso algumas vezes com aquelas esmeraldas presas ao meu olhar. Quando ele garantiu que eu
estava bem, sorriu orgulhoso e voltou a me beijar.
Ele retirou o seu dedo, substituindo aquela sensação por outra. Tentei fechar as pernas
quando senti o seu pênis roçar a minha entrada e me afastei.
— Você disse...
— Eu não vou empurrar — rapidamente assegurou.
Mesmo que ainda estivesse incerta, me permiti ficar parada. Christopher se afastou e desceu
até as minhas pernas. Ele segurou as minhas coxas e as afastou, deixando que a minha intimidade
estivesse inteiramente exposta a ele.
Ele me olhava no fundo dos olhos, ao passo que esfregava seu pênis devagarinho em minha
entrada úmida. Meus pelos se eriçaram. Fechei os olhos e mordi meu lábio inferior.
Aproveitei da deliciosa sensação de sentir a fricção do seu pau se esfregando em meu
clitóris. Meu corpo involuntariamente se arqueou e eu comecei a rebolar nele.
Meus gemidos tornaram-se sofregos e constantes. A respiração de Christopher estava pesada
e a forma como a sua mão apertava a minha coxa, demonstrava que ele, sem dúvidas, estava
louco para me ter. A sensação de ter conhecimento sobre o seu desejo sobre mim, fez eu me
sentir ainda mais eufórica.
Pressionei minha intimidade na sua, desejosa.
— Por favor, eu estou quase — implorei num sopro.
Christopher se encurvou entre minhas pernas e me colocou em sua boca. Fui cercada por
uma sensação gostosinha ao sentir sua língua quente me invadir.
Ele me chupou displicente e sem pressa. Deliciou-se de cada mínimo detalhe da minha
boceta até que eu me desmanchasse em sua boca.
Quando gozei, ele continuou com o seu trabalho até me ver mole em sua cama.
Eu estava sem forças quando ele me devolveu completamente ao colchão. Só então, ele se
deu prazer na minha frente.
Sua mão agarrou o seu pênis sem a menor cerimônia e começou a se masturbar. Ele não foi
carinhoso, tampouco devagar. Seu jeito foi rude e bruto, tinha medo que ele estivesse
descontando em si a forma como queria fazer dentro de mim.
Deixei que ele se tocasse olhando para o meio de minhas pernas. Seu olhar estava fixo a
minha boceta. Isso o inspirava a acelerar seus movimentos.
Não fechei as minhas pernas, mesmo que já tivesse gozado, me excitava vê-lo daquele jeito.
Quando Christopher estava prestes a gozar, ele me puxou para mais perto dele antes de
despejar o seu esperma em minha barriga, bem como disse que o faria.
Eu estava melada, e foi diferente me ver daquela maneira. Me apoiei nos cotovelos para me
ver melhor. Era estranho sentir que alguém havia me tocado tão intimamente e me pervertido
assim.
— Olhe para mim — sua voz invadiu os meus pensamentos.
Ergui os olhos para ele e o encontrei com um sorrisinho.
— Você está linda pra caralho.
Mordi o canto dos lábios e desviei o olhar. Não sabia que eu iria ficar tão sem jeito depois
que terminássemos.
— Espere um pouco, vou limpar você.
Christopher andou até o um canto do seu quarto e buscou por uma camiseta velha. Quando
voltou, ergueu sua mão para mim, ajudando-me a ficar de pé.
Fiquei parada enquanto ele limpava o que havia feito comigo, e quando terminou, nos
olhamos por um minuto que mais parecia ter durado uma eternidade.
— Está tão quieta — notou, intrigado. — Me conte o que está pensando.
— Eu acho que, é só... uma experiência diferente para mim, apenas isso.
Ele sorriu e me puxou para si, me envolvendo em um abraço.
— Muito em breve você vai se acostumar em fazermos coisas do tipo, e vai se deixar estar
livre dessa timidez, eu prometo.
Ele depositou um longo beijo no topo da minha cabeça.
— Às vezes... — comecei, baixinho — você consegue ser gentil.
Chris uniu as sobrancelhas.
— Vou levá-la para casa, está tarde — desconversou.
— Não pode aparecer na minha casa a esse horário, já deve passar das 3 da madrugada.
— E é por isso que eu vou levá-la — insistiu.
— Não. Eu vou sozinha.
— Eu juro que faço você se arrepender se fizer isso — disse sério.
É, seus momentos de gentileza duram pouquíssimos e raros segundos.
— Eu vim sem você — argumentei.
Ele riu baixo.
— É o que pensa.

04 de Abril | Quinta-feira

O asfalto estralou, indicando a chegada da Ranger vermelha em frente a nossa casa.


Eu já a esperava de pé na varanda de casa enquanto fumava um cigarro, mas não imaginei
que fosse ele a trazê-la.
Minha irmã não era exatamente discreta quando estava planejando algo. Durante todo o
nosso jantar em família ela estava tensa e distraída. Só percebi que ela tentava algo quando ouvi
a janela do seu quarto arranhar em plena meia-noite.
Nem para passar a droga de um óleo antes de tentar abrir a janela, não é, Dytto?
Não foi uma incógnita descobrir que o filha da puta do Christopher estava envolvido nisso.
Minha irmã nunca teria saído sozinha de madrugada antes de tê-lo conhecido.
Apaguei a bituca no gramado e avancei em direção a eles.
Dei de cara com Dytto passando pelo portão, e assim que ela me viu, se encolheu,
melindrosa.
Minha irmã veio em minha direção, aparentemente preocupada com o que eu poderia fazer.
Seus grandes olhos verdes e inocentes me encaravam assustados, com medo. A culpa estava
estampada ali.
— Lô, ele só veio me acompanhar — explicou trêmula.
Antes que eu pudesse dizer algo, a grande sombra de Christopher surgiu logo atrás dela.
Seus olhos estavam sérios sobre os meus e a sua postura era defensiva ao redor de minha irmã.
— Loren — chamou, atraindo a atenção de Dytto. — No meu carro — mandou sério, já
retornando para dentro do seu automóvel.
Soltei o ar com força e retornei o meu olhar para Dytto.
— Lô — ela sussurrou baixinho.
— Me espere na sala — eu disse, por fim.
Ela assentiu, nervosa. Dytto olhou para o carro de Christopher uma última vez antes de
caminhar para dentro de casa.
Andei rápido até a ranger e me sentei no banco do passageiro; onde costumava ser o meu
lugar preferido no mundo... até não ser mais.
Todos os fragmentos do meu coração se lembraram de cada momento horroroso que passei
após me declarar para ele.
Dói lembrar de cada segundo que eu implorei para que me desse uma chance.
Reviver essas memórias me preenchiam de angústias amargas. Não havia nada no mundo
que eu fizesse para que ele me desejasse, e me parte saber que eu sacrifiquei a mim mesma por
um amor não recíproco.
Christopher conseguiu ser a pessoa mais fria de todo o planeta apenas por ser. Entenderia se
ele apenas me dissesse que me odiava, mas ele me fez me odiar ainda mais. E somente de pensar
que Dytto estava indo longe demais nisso, meu estômago se embrulhava.
Ela era muito sensível, e qualquer passo em falso com ela, se tornaria uma grande catástrofe
emocional.
Dytto sempre corria para mim em todas as vezes que queria chorar. E eu não poderia
suportar vê-la sofrendo pelo mesmo garoto que destruiu cada pedaço de mim. Seria insuportável.
E tenho certeza que despertaria cada sentimento ruim que já tive por causa dele.
— Vamos dar uma volta — avisou, gélido.
Chris manobrou o carro e nos pôs na estrada.
O cheiro do carro ainda era o mesmo: menta e limão. Perfeitamente limpo e brilhante. Os
bancos de couro e os vidros fumê.
Os mesmos chaveiros de caveiras pendurados no painel do carro e a garrafa preta com álcool
no compartimento.
Christopher era o mesmo, mas, agora, ainda mais distante do que já foi.
Prendi os olhos na paisagem através da janela e respirei fundo.
Às vezes, passávamos um tempo juntos com o seu grupo que, em geral, não era muito
agradável, mas suportável. Tudo isso mudou de um segundo para o outro, e agora voltamos a ser
dois desconhecidos novamente.
Consegui sentir o perfume forte de Dytto nele e isso fez a raiva em minhas veias se
acenderem.
— O que você fez com ela? — questionei duramente.
Ele suspirou.
— Não é da sua conta o que eu faço com ela.
— Não, não é. Mas eu não confio em você.
Ele apoiou o cotovelo na porta do carro e descansou o queixo na ponta dos dedos tatuados.
— Dytto sabe como eu sou, e se ela não me quisesse, eu saberia.
— Ela não sabe como você é, Christopher. Dytto não te conhece, ela acha que você é esse
cara, mas nós dois sabemos a verdade.
Ele umedeceu os lábios.
— Me poupe desse rancor.
— Não se trata de rancor, já tive experiências o suficiente perto de você para saber que, de
um segundo para o outro, você pode simplesmente mostrar as suas garras nojentas para ela.
— Pobre Loren! — cantarolou. — Não se preocupe com a minha garota, eu estou cuidando
dela.
Apertei os dentes.
— Está envenenando ela. Não pode continuar assustando-a com pesadelos. Isso é cruel,
Christopher.
— Pesadelos? — gracejou, rindo. — É isso o que ela disse? — perguntou, com um
sorrisinho irônico nos lábios.
Franzi as sobrancelhas.
— O quem tem feito a ela?
Seus olhos vibraram em maldade.
— Ensinei a ela como chegar no paraíso. — Ele ergueu o dedo do meio, como se estivesse
orgulhoso. — Esta noite, foi com esse dedo daqui. — Sorriu perverso.
Meu estômago se revirou.
— Você não...
— É. Eu fiz — respondeu, simples.
Um misto de dor, raiva e mágoa se apoderaram de mim de maneira devastadora.
Um nó doloroso se formou em minha garganta. Meus olhos ardiam com as insistentes
lágrimas que inconvenientemente sugiram.
Senti o olhar dele sobre mim, contudo, não me virei para poder vê-lo. Abaixei o rosto para o
meu colo.
Isso foi fundo demais para suportar.
— Não magoe ela — sussurrei, tão baixo que quase se tornou inaudível. — É tudo o que eu
peço.
Me virei para olhá-lo.
— Eu a amo mais que a mim mesma. Não a quebre, Christopher.
Ele não era bom para ela, mas se ainda assim Dytto escolheu ficar com ele, eu tinha o dever
de garantir que ela ficaria bem.
— Dytto é religiosa, e mesmo que não entenda a fé dela ou que não goste do jeito dela ver as
coisas, não a faça se desprezar por isso. Ela é assim, não tire a essência dela.
— É claro, Loren — Christopher murmurou, sem tirar os olhos da estrada.
— Se quebrar o coração da minha irmã por egoísmo, eu farei de tudo para que pague.
Christopher me olhou por um momento. Ele entendia o que eu queria dizer, afinal, ele
também tinha irmãos que defenderia com unhas e dente.
Um silêncio se formou entre nós dois e me afundei naquele breve momento de ilusão, onde
ainda éramos apenas nós dois, antes de voltarmos para a nossa nova realidade.
Deixei que a dor engolisse cada parte de mim e que minha alma sangrasse até a última gota.
Essa era a última vez que eu me permitia sentir aquilo de novo.
05 de Abril | Sexta-feira
Acordei com o estrondo da porta do meu quarto sendo esmurrada. Estava tão atordoada que
levantei-me num pulo.
Meu corpo começou a tremer e a suar frio. Eu estava confusa e desnorteada. Havia entrado
em total alerta. Arregalei os olhos quando minha vista escureceu. Precisei me segurar ao colchão
para não cair com a força em que fui puxada para baixo.
Minha pressão definitivamente havia despencado.
— Loren? — perguntei, confusa.
Já era manhã.
Agora, a luz do sol atravessava as cortinas e pincelava o chão do quarto, resplandecendo
tons amarelados por todas as paredes.
Deveria ter sido um bom dia, mas o clima parecia pesado.
— Levante agora e desça — era a voz do papai do outro lado. Aparentemente, furioso.
Engoli em seco.
Sentei-me na cama sentindo o meu cérebro latejar forte e pisquei. Passei os dedos entre
meus cabelos emaranhados e resmunguei de dor quando os fios se entrançaram.
Eu ainda não estava 100% acordada. Ainda sentia como se noite passada tivesse sido apenas
um sonho.
Enquanto Loren estava com Christopher, decidi tomar um banho e tentar um cochilo ou
acabaria entrando em colapso, mas acabei pegando no sono e sequer vi quando ela chegou.
Christopher não apareceu em meu quarto, acho que o que tivemos deva ter satisfeito uma
parte dele.
Contudo, um frio na espinha me incomodou ao ponderar o que ele queria com a minha irmã.
Christopher não me parecia ser do tipo que sairia com alguém para se resolver ou pedir
desculpas, e tenho receio do que ele possa ter falado para ela.
— Agora, Dytto! — papai berrou impaciente e rapidamente voltei a minha realidade.
— Já estou indo.
O que diabos aconteceu?
Levantei-me da cama e corri para fora do quarto. Não medi meus passos ao descer às
escadas. Sai pulando de dois em dois degraus.
Se papai estava nesse estado, era melhor não lhe dar mais motivos para incrementar a sua
fúria.
Ao chegar no andar de baixo, encontrei Loren, com o rosto sonolento, apenas de babydoll,
sentada no sofá, tão atordoada quanto eu.
Mamãe estava sentada em uma poltrona, as pernas cruzadas e o olhar sério. Papai estava no
outro sofá, as mãos cruzadas entre as suas longas pernas arreganhadas, os cotovelos apoiados nas
coxas e o semblante tenebroso.
Papai e mamãe eram o tipo de casal de revistas. Sempre bem-vestidos, arrumados e
elegantes. Até mesmo quando apresentavam o aspecto de quem estavam prestes a assassinar as
suas duas filhas.
— Dytto, se sente ao lado de sua irmã — mamãe pediu, bem mais calma do que realmente
parecia estar, o que de certa forma, se tornou assustador.
Caminhei meio que sem jeito até ela e me sentei ao seu lado, mas, pelo visto, Loren não
fazia tanta questão por mim hoje. Ela virou o rosto e encarou os lustres da casa, deixando-me
completamente no vazio.
— As duas estão de castigo! — papai cuspiu.
Arregalei os olhos.
— O quê? — Loren e eu falamos em uníssono.
— Que porra estavam fazendo passeando às 3 da madrugada com um garoto? — papai
trovejou.
Olhei para Loren e ela para mim. É, havíamos sido pegas.
Eu me lembro bem de ter esvaziado as câmeras. Como é que papai conseguiu nos descobrir?
— Temos as gravações das câmeras em nossos celulares, não nos tratem como se fôssemos
idiotas — papai reclamou. — Já tivemos a idade de vocês.
— Vocês são duas adolescentes, não podem simplesmente fazerem o que quiserem e no
horário que quiserem. Poderiam estar mortas nesse exato momento! — desta vez, foi nossa mãe
a dar o sermão.
— Mamãe, nós sabemos nos cuidar — Loren retrucou.
— Vocês são duas irresponsáveis — papai novamente atacou.
Ele se levantou do sofá e caminhou até estar diante de nós. As suas mãos se mantiveram na
cintura, num gesto autoritário, e o seu rosto, impávido.
Minha barriga gelou de pavor.
Odiava quando a briga de nossos pais se estendiam a mim. Me incomodava a sensação de
tê-los magoado. Era o meu dever dar orgulho aos dois, e agora eu estava debaixo dos seus olhos
levando esporro.
— Aonde vocês foram ontem? — questionou, como se quisesse a nossa garganta.
— Saímos com uns amigos — Lô falou completamente despreocupada, o meu total oposto.
Eu, por outro lado, me tremia do mindinho a cabeça. Um pouco de pressão e eu acabaria
soltando o que não devia. Maldita boca!
— Não fizemos nada de errado papai, Loren sequer bebeu — afirmei, nervosa.
— Você! — mamãe pontuou séria, os olhos voltados para mim. — Quem era aquele garoto
que estava com você? E para onde você foi sozinha?
— E-eu... — meus olhos correram de um lado para o outro, sem saber se paravam na mamãe
ou no papai. — É só um amigo.
— Amigo? — papai frisou.
— É, um a-amigo.
Loren suspirou baixo.
— Não podemos mais ter amigos também? — ela murmurou, irritada.
— Também vimos que você entrou no carro dele — papai apontou para Lô. — O que estão
pensando que são? Agora saem por aí de madrugada com um garoto?
— Já parou para pensar que estamos crescendo? — Loren reclamou alto. — Não somos
mais crianças, pai.
Ele arregalou os olhos.
— Enquanto viverem sobre o nosso teto, vão ter que nos obedecer — exigiu, furioso.
Eu quase podia ver Loren revirando os olhos sem nem mesmo ter acesso ao seu rosto.
Como eu queria ter toda essa coragem e uma vez na vida não abaixar a cabeça.
— Tudo bem, então. Eu vou embora de casa, o que acham? — desafiou.
— Filha, pelo amor de Deus, não me faça isso ou eu vou ter um ataque do coração —
mamãe se pronunciou levando a mão ao peito.
— Céus! — Loren sussurrou enojada.
— Damos de tudo para vocês, o mínimo que pedimos é respeito! — papai falou.
Me encolhi no sofá e prendi meus olhos ao chão.
Queria não ter essa necessidade de estar sempre agradando a eles, me reservando para que
eles nunca se decepcionassem comigo, como uma maldita obrigação que não posso nem mesmo
sonhar em descumprir.
Só de imaginar meus pais decepcionados, todo o meu corpo se retraia.
— Queremos conhecer o garoto — mamãe exigiu.
— O quê? — um grito fino escapou de minha garganta.
— Traga ele, amanhã!
— Você nunca quis conhecer nenhum dos nossos amigos, qual o interesse agora? — minha
irmã rebateu.
— Dytto disse que são só amigos, então não vejo nenhum problema em conhecê-lo —
mamãe comentou, relaxada.
— Ah, claro! Então o problema não é nós duas termos saído de madrugada, o problema é a
princesa dos olhos de vocês ter chegado com um menino — Loren disse, claramente chateada.
— Lô — a chamei apreensiva, mas ela sequer deu atenção.
— Nós estamos preocupados com vocês duas.
— É, eu estou vendo! — ela rebate irônica.
Loren se levantou e saiu da sala, ignorando os berros de papai e mamãe para que ela
voltasse.
Soltei um suspiro derrotado.
Odeio que Loren se sinta assim. Odeio que nosso país a façam se sentir assim. Odeio que eu
tenha causado tudo isso. Odeio tudo.
— Dytto — mamãe solicitou. — Traga-o amanhã — deu o ultimato.
Apenas assenti, triste.
— Posso ir para o meu quarto?
— Vai.
Levantei-me, sentindo o corpo meio bambo e sai, como um cachorrinho demonstrando
remorso.
Ao sair do campo de visão deles, corri para as escadas e fui até a porta do quarto de Loren
que, obviamente já estava trancado.
Dei algumas batidinhas, mas ela não respondeu.
— Você quer conversar sobre isso? — cochichei.
Silêncio. O mais completo silêncio.
Tudo bem, eu merecia essa punição. Não tenho sido a melhor irmã do mundo no momento e,
imagino, que não tenho sido a melhor filha também.
Me desencostei da porta e me arrastei até o meu quarto, sentindo os olhos arderem.
Loren deveria estar odiando todos os seres humanos da face da Terra nesse momento, mas,
principalmente nossos pais, eu e o Christopher.
Christopher.
Como vou trazer Christopher para conhecer os meus pais? Que merda!
Isso é loucura. Muita loucura.
Esse era o pedido mais insano que minha mãe já me fez.
Como iríamos nos juntar e fingir que noite passada não aconteceu?
Peguei o celular da cabeceira da cama e desconectei o carregador. Receosa, procurei pelo
contato de Chris e, ao encontrá-lo, meu dedo estagnou no ar.
Como se chama um demônio para jantar na casa de seus pais religiosos?
Essa era uma daquelas perguntas esquisitas que não se encontrava a resposta no Google, e
que seria bem estranho de se encontrar no histórico dele.
Deitei-me na cama, joguei o celular ao meu lado e descansei as mãos sobre a barriga.
Tentei levar meus pensamentos para longe, mas eles insistiam em vagarem para a
madrugada passada. Para os beijos de Christopher, para os seus toques íntimos, para a sua língua
na minha...
Droga!
O meu corpo inteiro se incendiou.
Peguei o celular novamente e toquei em seu nome. Encostei o aparelho no ouvido e esperei
chamar.
Desta vez, ele chamou várias vezes antes de eu finalmente ser respondida.
— Estou ouvindo — atendeu, rouco.
— Chris... — sussurrei.
— Diga, meu bem.
Meu coração disparou.
— Preciso de um favor — minha voz soava como um suspiro.
— O que você quiser.
Mordi os lábios e prendi os olhos nas pontas dos meus dedos, sentindo meu rosto corar e um
sorrisinho bobo preencher meus lábios.
— Jantaria comigo e a minha família amanhã?
Ouvi um riso baixo do outro lado.
— Está claro que tem algo acontecendo. Me conte.
Fechei os olhos.
— Mamãe e papai viram você nas câmeras, eles querem saber quem é o garoto que estava
comigo e com a Loren às 3 da madrugada.
— Huh! Isso é bem ruim — respondeu, zombeteiro.
— Eu sei... Mas se você não puder vir, eu digo a eles que você estava ocupado.
— Não se adiante ainda. Eu vou, mas preciso de algo em troca.
Apertei as sobrancelhas.
— O que? — indaguei, melindrosa.
— Use um vestido.
— Por quê?
— Posso aumentar o pedido se estiver achando ruim.
— Não, não. Um vestido. Já entendi.
— Nos vemos amanhã às...
— 20h:00min.
— Às 20h:00min então.
— Chris...
— Sim?
— Não diga a eles que nós já...
O escutei rir sacana.
— Manterei a língua dentro da boca ou, pelo menos, até a hora em que você for dormir.
— Chris — o repreendi, sentindo minhas bochechas arderem de vergonha.
— Me diga, Dingo. Você quer mais?
Sentei-me na cama.
— Não é hora para isso, Chris.
— Dingo...
— Pare!
— Adoro a sua boceta molhada na minha cara.
— Chris, já chega — disse, exasperada.
Levantei-me e tranquei a porta, garantindo que ninguém entraria aqui.
— Porra! Eu quero muito...
Encerrei a ligação antes mesmo que ele terminasse. Tudo o que me vinha a mente era um
Christopher sacana gargalhando de sua casa, sabendo que conseguiu mexer comigo da maneira
que ele queria.
Minha nossa!
Meu corpo inteiro parecia estar em chamas.
Não, não, não.
Isso não podia estar acontecendo. Definitivamente não!

05 de Abril | Sexta-feira
O cheiro do pecado é um irresistível convite que atrai o ego e a alma.
Aos olhos de um mero pecador suscetível a ser corrompido, o pecado tem um gosto viciante
e o cheiro ainda mais deliciosamente atrativo. E por que negar? É da sua natureza ser frágil. E
em seu todo, existem falhas humanas que apenas o espírito seria capaz de curar, ou desvanecer
em sua tentativa.
Tudo o que eu via ou sentia era diferente. Eu sabia, apenas por olhar uma alma, o quão
imerso em pecados aquele alguém estava. Sabia o quanto já havia provado, quanto queria ou
reprimia dele. Apesar disso, alguns ainda lutavam, sabiam da verdade, mas fraquejavam ao
desejo ensurdecedor da carne.
O que nos separava eram as diferenças entre um ser de carne e osso, e um ser como eu,
forjado nas profundezas do inferno. O pecado eu já conhecia bem. Ele, no entanto, não tinha um
aroma agradável ou uma face encantadora.
De onde eu vinha, o pecado era banhado em enxofre. As pessoas emanavam o cheiro de
podridão. Suas almas sangrentas exalavam o fedor da decomposição eterna. Aquilo as havia
corroído durante os anos vividos, e tudo o que se foi doce, havia apodrecido.
Os pecados sempre exigiam o seu preço, e aquelas almas se arrastariam como miseráveis até
que o seu deus tivesse misericórdia.
Eu via sem dificuldade alguma a condenação nos olhos daqueles malditos pecadores que
viviam à minha volta. Todos teriam o rosto do pecado a qual tanto deliciarem-se em suas vidas
medíocres e explicitamente curtas.
Era fácil ver a condenação em cada um, mas, ainda que todos fossem iguais, uma entre todos
eles tinha o gosto mais espetacular. Ela era o meu doce pecado favorito.
Dytto continha tudo o que eu queria. Seus traços e gestos me atraiam sem querer. E era
naqueles olhos verdes que eu queria mergulhar.
Sua alma, como todas as outras, era corrompível, mas ingenuamente limpa. Ela não era mais
inocente do que qualquer outro, entretanto, havia um certo pudor em seus limites. Ela se guiava,
em parte por sua fé, e em parte por sua crença na família.
Ela era jovem, teria tempo para cometer os seus erros e se perder em pecados, mas eu a
desejei com tanta intensidade que a roubei para mim.
Tomei sua alma para que fosse absolutamente minha. Apenas para que o que tivéssemos
durasse a eternidade. Dytto morreria e ainda seria a mim que ela iria pertencer. Eu a levaria para
o inferno e a deixaria sempre comigo. Os seus pecados não transpareceriam como os outros, pois
todos seriam meus.
Este era o meu modo de dizer: "Para sempre".
A cada dia, eu a levava um pouco mais a se render ao proibido e sujo desejo que tínhamos.
Ela era apenas uma adorável jovem católica quando nos conhecemos, mas, agora, ela era a mais
atraente pecadora a sucumbir aos encantos de um demônio.
A porta se abriu assim que toquei a campainha, como se alguém já me esperasse do outro
lado.
Fora ela quem atendeu.
Assim que vi o seu rosto, deslizei os olhos por todo o seu corpo, e me maravilhei ao ter
aquela visão espetacular.
Ela estava simplesmente linda. Usava um vestido branco, justo até a cintura, e soltinho na
saia. Ele alcançava o meio de sua coxa e a deixava com um ar de inocência e pureza.
Precisei de um segundo para digerir aquela imagem antes de sorrir.
Suas bochechas atingiram o tom rubi e seus olhos brilharam ao me ver.
Minha garota adora quando eu a olho.
— Você chegou — sussurrou, ainda tímida.
Uma sensação ruim me atingiu no instante em que ela terminou de falar.
É claro! Seu pai estava se aproximando. Esse filho da puta!
— Você pediu, aqui estou eu — tentei ser educado, Dytto não gostava de garotos como eu.
Então, fingir ser bom era o que eu me permitia perto dela, ou pelo menos, me esforçava.
O homem alto, forte e grisalho surgiu logo em seguida. Seu olhar era sério e expressivo.
Havia semelhanças entre ele e suas duas filhas, como a cor dos olhos e um pouco dos lábios.
Bem que ele queria me intimidar, mas, ao constatar a minha altura e as tatuagens, notei a sua
surpresa. Seu olhar vacilou por um momento, mas rapidamente endureceu-se novamente, como
duas espadas afiadas sobre mim.
Ele não queria perder a pose de durão. Que perda de tempo! Eu já o via como um frouxo
desde que senti o seu cheiro asqueroso.
— Então você que é o amigo das minhas filhas? — havia escárnio em suas palavras.
Não. Eu sou a piranha da tua esposa, o que acha?
Embora eu tentasse, era difícil não ver a sua alma suja.
— Christopher — me apresentei em tom frígido.
Não ousei estender a mão e acabar sendo ignorado. Deixaria a oportunidade dele tentar me
humilhar na frente da filha passar.
Quem sabe apenas um pouquinho depois, apenas para não fazer ele se sentir tão merda?
Sentia o nervosismo de Dytto se estender a quilômetros de distância. Quando ela me
encontrou a olhando, sorriu para mim.
Não faz isso, amor. Me faz ter vontade de roubá-la só para mim.
Passei a língua sobre os lábios, impaciente com a demora que esse cara tinha em olhar para
alguém.
— O meu nome é Theo, pai da Dytto e da Loren. — Ele parou de falar por um momento e
ergueu o rosto — As garotas que você tomou a liberdade de levá-las por aí — enfatizou rígido.
— Eu sei. — Voltei os olhos para Dytto, ruborizada. — Minha memória é excelente —
frisei.
Ela arregalou os olhos e baixou a cabeça. Era bom que ela soubesse que eu ainda me
lembrava de cada segundo da madrugada anterior. E que ainda tinha lembranças vividas do seu
delicioso gosto.
Theo soltou o ar com força. Aposto que ele queria ter uma arma em mão naquele exato
segundo.
— Vem, vamos entrar — Dytto nos apressou num sussurro e quase a beijei por isso.
Não aguentava mais ficar na porta.
Loren se aproximou de nós, — mal-humorada como sempre — me olhou de cima a baixo
com desdém e fingiu um enorme sorriso.
— Christopher! Como vai? — encenou uma animação que não seria capaz de
verdadeiramente expressar nem se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Falta pouco para ela conseguir ser mais perturbada do que eu.
— Tão bem quanto você! — devolvi o falso entusiasmo. Não queria deixá-la atuando
sozinha.
Ela quase, quase revirou os olhos.
Toquei a cintura de Dytto e escorreguei a mão para o seu quadril. Loren percebeu e seu rosto
se preencheu de ódio. Prendi um sorrisinho.
Dytto estremeceu no mesmo instante e me olhou apavorada, como se dissesse: Não está
vendo o meu pai na sua frente?
Eu adorava o jeito que ela reagia com cada toque meu. Dytto se excitava muito fácil, assim
como era extremamente sensível em lugares que só eu tinha acesso.
— Você está incrível! — eu disse, olhando-a no fundo dos olhos e em alto e bom som para
que todos ouvissem.
Theo pigarreou, a fim de destacar a sua desnecessária presença no mundo.
— Eu já estava morrendo de saudades, Dingo — acrescentei.
O velho pigarreou novamente.
— Está doente? — perguntei, dando-lhe a atenção do qual parecia me implorar.
Mas ele não gostou nem um pouco. Que pena!
— Eu o quê? — Theo ergueu o tom de voz, mas Loren se intrometeu.
— Que tal se nós nos sentarmos? — convidou, prontamente enroscando o seu braço no do
seu pai. Loren foi proativa e o puxou para longe.
Ela era útil, quando não estava me irritando com os seus sentimentos.
Loren não sabia conter os seus desejos sombrios. Estava sempre procurando alguém para
fazer de vítima. Uma pessoa para suprir o seu ego ou deixá-la menos carente.
Se a pobre Dytto soubesse o que a irmãzinha tem feito com a própria melhor amiga, não a
admiraria tanto assim.
A única coisa pura em Loren, era o seu sentimento de amor e proteção pela irmã, do
contrário, ela era horrível com todos.
Apertei o quadril de Dytto e deslizei a minha mão para a sua bunda. Ela logo ficou tensa.
Minha mão desceu um pouco mais e ela saltitou para frente, livrando-se do meu toque.
Sorri satisfeito.
Às vezes Dytto era tão ingênua que mal percebia a maldade das coisas. Estava sempre
procurando o melhor de todo mundo e tentava agradar às pessoas ao seu redor. Ela tinha medo
demais de viver e, por isso, vivia se escondendo nas sombras de qualquer um.
Desde que a encontrei, sabia que ela seria minha. Só precisava cuidar dela.
Descobri um certo fascínio por ela e por tudo o que fazia. Mas se ela ao menos pudesse ser
um pouquinho cruel, eu ficaria extremamente grato.
Eu tinha que estar sempre atento a ela, pois os espíritos ruins adoravam a sua aura. Sempre
que eu aparecia em seu quarto, acabava atraindo a sujeira. E a sujeira adorava se agarrar a ela.
Os espíritos adoravam uma coisa boa para machucar, e eu odiava que eles tocassem nela. Na
última vez que a deixei sem a minha proteção, Dytto sofreu as consequências e acordou sentindo
dores.
Era o meu trabalho não deixar que isso se repetisse.
Assim que entramos na sala de estar, uma mulher alta, por volta dos seus 35 anos, com
longos cabelos pretos surgiu à nossa frente.
Ela usava um vestido tubinho, exibindo as suas curvas. Seu corpo ostentava joias caras e o
anel de casamento de diamante em seu dedo anelar.
Essa mulher não tinha nada a ver com as filhas, parecia de um mundo completamente só
dela e de mamães ricas e exibidas. Que gracinha!
— Olá, Christopher. Sou Ever, mãe dessas duas lindas garotinhas.
Ela estendeu a mão para mim, e assim que a cumprimentei, senti seu corpo ser afetado da
cabeça aos pés.
Dytto, você está em uma péssima família.
— É um prazer, sou o namorado de Dytto.
— Na-namorado? — Ela engasgou, ao mesmo tempo em que arregalou os olhos
— Me disse que ele era apenas um amigo — Theo retrucou do outro lado do cômodo.
Olhei para Dytto ao meu lado, tomada pelo desespero. Sua expressão era a de mais puro
pavor.
— Acho que ela preferiu guardar para o momento certo — interferi, olhando-a preocupado.
Me senti um pouco mal agora, ela aparentava estar prestes a chorar.
Que ela não faça isso. Dytto era a única que conseguia me fazer sentir culpado por fazer
uma brincadeira.
— Oh! Eu não sabia que eram assim tão sérios — Ever arfou, ainda surpresa.
— Ela e eu somos muito sérios — afirmei.
A puxei para mais perto e envolvi meu braço em volta de seus ombros. Acentuando o nosso
envolvimento, que até poucos minutos atrás, não passava de uma suposta "amizade".
Que se foda. Eu quem não deixaria a oportunidade escapar.
Mudei minha atenção para Loren, encostada em um canto, e a encontrei indiferente. Não era
um grande choque para ela. A avisei desde o início que sua irmã seria minha.
— Dytto, me explica isso! — seu pai exigiu, dando passos largos até nós.
Ever tocou o braço do marido, na tentativa de conter um escândalo.
— E-eu... — Dingo gaguejou, sem saber esclarecer algo que também era novidade para ela.
— Não precisa se explicar, Dy — sua irmã se intrometeu. — Já está grandinha, nossos pais
não podem proibi-la de namorar.
Elas se olharam por um instante. Eu sabia como Dytto se sentia culpada pelos sentimentos
que havia nutrido por mim, mas naquele segundo, uma parte dela havia se sentido aliviada ao ter
a aprovação da irmã.
As coisas não eram bem assim. Loren odiava a ideia de eu estar com a sua irmã. Em parte,
porque conhecia a sua irmã. Em parte, porque também me conhecia. Ela sabia que éramos
opostos, mas eu não tinha intenções de rejeitar Dytto como fazia a Loren. Eram situações
diferentes e distintas.
Loren sabia das chances que existiam de alguém ser machucada ao se envolver comigo,
porque havia tido o pior de minha rejeição. Entretanto, havia outras divergências entre nós dois
maiores do que somente o bem-estar de Dytto.
— Esse namoro não vai ser tão liberal assim. Dytto não é como as outras garotas, rapaz! —
Theo protestou e a sua esposa tentou consertar a situação explicando de um outro jeito.
— Nós sabemos que você é um rapaz que é... — Ever apontou para mim com a mão —
muito experiente, e é claro, gosta muito das coisas do mundo. Tem tatuagens e tudo mais... —
ela estava desconcertada. — Nossa menina não é assim.
Sorri com o seu julgamento cauteloso.
— Não se preocupem. Não vou levar a filha de vocês para nenhum lugar que ela não queira
ir.
Theo colocou as mãos na cintura, enquanto me olhava furioso.
— Não vão namorar de qualquer jeito. E também não vão ficar saindo de madrugada —
esbravejou.
Acredite nisso se quiser, babaca!
— Sim, senhor — concordei, evidentemente irônico.
Todos estavam balançados com a nossa discussão imediata. Geralmente isso só deveria
acontecer durante o jantar, mas acho que os meus sogros gostavam de montar o barraco bem
antes.
— Vamos jantar — Ever determinou rápido e lançou um olhar sério para o marido, evitando
mais protestos e gritos.
Ele apenas concordou, a contragosto. Era mesmo melhor não brigar com a esposa.
Começamos a finalmente nos organizar na mesa e fiz questão que Dytto se sentasse ao meu
lado.
Loren se sentou na ponta e os pais dela se sentaram à nossa frente.
Dytto ainda parecia meio abismada e estática. Toquei seu joelho e ela estremeceu de susto.
Seus olhos assustados me encontraram e eu juntei as sobrancelhas.
— Você está bem?
Ela apenas assentiu, ainda estava digerindo toda a situação. Eu não queria que ela se
preocupasse com nada disso. Se algo acontecesse, eu mesmo me encarregaria de cuidar.
Descansei a minha mão em sua coxa e sorri.
— Será um bom jantar.
— Huh-hum — murmurou atônita.
Ela parecia prestes a vomitar na mesa. Estava com medo até de se mexer. Dingo Bells
levava bem a sério a opinião de seus pais.
Subi minha mão um pouco mais, passando-a por debaixo de seu vestido e ela respirou
fundo. Sua pele tornou-se, aos poucos, avermelhada.
Estiquei os dedos para tocar a sua virilha e ela endureceu no lugar feito pedra. Meu pau
reagiu no mesmo segundo.
Porra!
— Christopher, o que você faz da vida? — Theo investigou.
— Trabalho, estudo. Essas coisas. — Dei de ombros.
Que papo chato!
Ele ergueu a sobrancelha grisalha e cruzou os braços.
— Quantos anos você tem mesmo?
— Faço 20 daqui alguns meses.
Dytto me olhou surpresa, mas não disse nada.
— E igreja? Frequenta alguma?
— Não.
— Alguma religião? — Ever averiguou e eu sorri de canto.
— Conhecem o Satanismo?
Ambos arregalaram os olhos e furtivamente vi Loren sufocar o riso.
Dytto pôs a sua mão sobre a minha, quase que implorando para que eu parasse de falar.
— Estou brincando — emendei, sorrindo.
— Não está apto a namorar a nossa filha — Theo reclamou.
— Não? — pressionei em tom sério.
Theo sentiu-se intimidado, o que acabou o deixando frustrado. Não era esse recado que ele
queria passar.
— Dytto é uma garota séria, não tem que ficar mexendo com essas coisas e nem andando
com esse... com esse, tipo.
É trágico ver que ele pense assim. Como ele sequer poderia cogitar que Dytto mexeria com
algo assim?
— Garanto a você que ela não mexe com essas coisas e nem mesmo anda com meu tipo de
gente.
Ele uniu as sobrancelhas.
— É bom mesmo! — intimidou, diretamente olhando-a.
Imbecil.
Apertei a coxa de Dytto e subi a mão devagarinho até a borda da sua calcinha. Seus pelos se
arrepiaram e ela fez esforço para não reagir.
Enfiei o mindinho dentro do tecido e ela tentou discretamente afastar a minha mão, mas não
permiti.
Sua respiração acelerou e ela se ocupou com o copo à sua frente, dando um grande gole na
água.
— Você não acha que esse tipo de religião seja perigoso, digo, o satanismo? — Ever quis
saber.
— Só para quem não saber mexer.
Olhei propositalmente para Loren, o que a fez revirar os olhos.
Enfiei um pouco mais do meu dedo na calcinha de Dytto e ela tentou apertar as pernas.
Enrosquei meu pé em seu tornozelo e puxei sua perna, obrigando-a a separar as suas coxas.
— Certo! — ela concordou, constrangida.
— Acho melhor começarmos a comer — Theo sussurrou cabisbaixo, triste com a escolha da
filha.
— Eu vou buscar os pratos. Me ajude com isso. — Ever pediu ao marido.
Ambos se levantaram e saíram juntos. Provavelmente irão julgar até o meu último fio de
cabelo.
Aproveitei para colocar minha mão mais a fundo em sua calcinha, até que senti a boceta dela
sobre meus dedos. Molhadinha.
Mordi o lábio inferior. Meu pau já estava doendo dentro da calça.
Eu precisaria de um tempo antes de levantar ou todo mundo saberia que eu estava de pau
duro.
Dytto estava muito próxima de mim, o que facilitou todo o meu trabalho. Enfiei um dedo
dentro de sua boceta e ela engoliu um soluço.
— Para de dedar a minha irmã, Christopher seu merda — Loren sussurrou irritada e eu sorri.
Ela já havia percebido há um bom tempo.
Dytto rapidamente afastou a minha mão, completamente constrangida.
Enfiei o dedo na boca e o chupei.
— Você tem uma delícia de irmã, Loren — provoquei e ela deu-me o dedo do meio.

O silêncio durante o jantar teria sido quase ensurdecedor, se não fosse pelo batucar de dedos
do Theo. Ele encarava-me como um mafioso. Não que ele fosse um, mas havia tantos segredos
debaixo daquela fachada de homem honrado, que o faziam ainda pior.
Se descobrissem quem, de fato, ele era, Dytto não o olharia mais do mesmo jeito, Loren
finalmente despejaria todas as merdas que sempre quis dizer, e Ever... Bem, ela não era uma
santa, amava o marido, ao seu jeito, mas priorizava os status de riqueza. Fidelidade não era o seu
forte, tampouco um obstáculo para conseguir o que queria. Do contrário, ela não teria espremido
as pernas durante todas as vezes que me olhou.
A família Bell era estranhamente comum, pois como em todas as outras, era hipócrita com a
sua própria crença.
Olhei Dytto ao meu lado, que estava estranhamente quieta. Ela não encarava o rosto de
ninguém, mantinha-se recolhida para si. Toquei sua mão por cima de sua coxa e cruzei nossos
dedos uns aos outros. Senti seus dedos pressionarem nos meus em um aperto, sua urgência por
mim me deixava aflito.
Todos já havíamos terminado de jantar, no entanto, eles ainda pareciam não saber como me
expulsar da sua enorme casa. E se não forem os dois a tomarem a atitude de quebrar a zona de
desconforto que se formou, eu muito menos.
Era divertido vê-los sufocar em seu próprio constrangimento.
Tivemos apenas um curto diálogo durante o jantar. Theo me perguntou quais eram as
minhas intenções com a sua filha, achei que seria demais da conta responder que queria fodê-la
com força e carregar a sua alma para o inferno. Então fui sensato ao respondê-lo:
— Tudo o que um homem quer com uma garota — todavia, acho que ele não gostou da
minha resposta. Seu rosto inteiro se tingiu de vermelho e suas sobrancelhas se franziram.
E pensar que eu não poderia desagradá-lo ainda mais.
Em resposta, sorri internamente e terminei meu copo d'água. Dali em diante, meus sogros
perceberam que não havia muito em mim que os fizessem feliz. Pelo menos, não como genro.
Ever adoraria se eu a comesse. Uma situação completamente impossível, claro.
Dytto era tudo o que eu queria, e a única razão de eu me manter comportado naquele
momento.
— Deseja algo mais, Chris? — Ever instigou por educação.
— Tem whisky?
Suas sobrancelhas se ergueram e ela riu desconcertada.
— Ora, nós não guardamos bebidas nesta casa. Raramente bebemos, na verdade. Sinto
muito!
— Tudo bem, acho que já estou satisfeito.
Olhei para Theo com divertimento. Sua expressão era a mais desgostosa possível. Era
inevitável não me preencher de êxtase ao vê-lo tão inseguro e vulnerável.
— Vou para o meu escritório — ele avisou, rude. Os olhos fincados nos meus.
— Foi um prazer conhecê-lo, sogro.
Theo apertou os dentes, furioso, e saiu da mesa com passadas largas. Tão logo sumindo de
nossas vistas.
— Ele está cansado. Vai viajar ainda hoje e só volta na segunda-feira. — Ever informou. Era
degradante ver essa mulher se explicar por cada atitude do marido.
Assenti, pouco me fodendo.
Dytto parecia meio perdida em seus pensamentos, embora ainda estivesse prestando atenção
na conversa.
Ela mordeu o canto dos lábios e ergueu aqueles lindos olhos para mim.
Puta merda de garota bonita!
— Podemos conversar lá fora um segundo? — sugeri.
Ela olhou para a mãe, como se pedisse permissão. Ever suspirou e deu um leve aceno de
cabeça.
— Não demorem — acrescentou.
Por cortesia, joguei uma piscadela para ela e isso mexeu com partes suas que não deveriam
— eticamente — serem afetadas. Quanto falta de respeito pelo namorado da sua filha, minha
senhora!
Dytto e eu caminhamos de mãos dadas pelo jardim. Longe de sua família, ela ficava mais à
vontade. A tensão em seus ombros se dissipou, suas mãos pararam de suar, e num segundo, eu
tinha a Dingo Bells de volta.
Paramos diante de uma mureta de pedra. Se os arbustos não fossem tão altos, as câmeras
flagrariam tudo o que desejo fazer com ela. Estávamos com sorte.
Os seus cabelos castanhos voavam ao vento e dançavam sobre os seus ombros. Sua pele se
arrepiou com a brisa gelada e seu rosto ganhou um leve tom rosado.
Ela encostou seu corpo na construção e deixou que eu me aproximasse. Dytto não protestou
quando me curvei para beijá-la. Seus braços envolveram o meu pescoço. Ela tecnicamente não
era uma garota baixa, mas em comparação a mim, eu tinha sempre que me inclinar um pouco
mais.
Beijei-a com calma, degustando de seus lábios. Ergui parte do seu vestido e procurei pelo
elástico de sua calcinha. Eu queria arrancar as roupas dela o mais rápido que podia.
— Chris... Meu pai. Ele vai nos ver — ela murmurou em minha boca.
— Eu saberei se ele estiver perto. Não se preocupe, querida.
Ergui uma de suas pernas, apoiando sua coxa em minha cintura. Imprensei seu corpo e
coloquei sua calcinha de lado para penetrá-la com o meu dedo.
Ela se afastou por um segundo com um sorrisinho bobo nos lábios.
— Por que disse que era meu namorado?
— Algum problema nisso?
— Um pouco. — Ela franziu a testa, mas parecia contente.
— Não gostou desse título, Dingo? — brinquei, enfiando meu dedo dentro de sua boceta.
Ela abriu a boca para gemer, mas afundou seu rosto em minha camiseta, abafando seus
barulhos. Não queríamos fazer alarde.
Eu queria vê-la cavalgar em meu pau, mas ela ainda não estava pronta. E o fato dela ainda
ser virgem, dificultava que tivesse uma primeira experiência menos dolorosa.
Me aproximei do seu rosto e inspirei fundo, sentindo seu cheiro doce, quente e leve, me
invadir.
Eu tinha desejo pelo seu corpo, mas, também, pela sua alma. A minha parte doente, suja e
demoníaca ansiava em levá-la para mim, trancá-la, foder o seu corpo inteiro e me embebedar
dela. Dia e noite, sem parar.
Uma alma tão limpa assim, merecia ser infectada pelos meus mais sórdidos desejos.
No entanto, uma parte humana minha, queria apenas tê-la. Passar um tempo a sós e assistir o
seu corpo se envolver no meu. De um jeito melodramático e romântico, queria apenas passar
mais tempo em sua presença. Abraçá-la e aproveitar o momento. Era estranho sentir que uma
parte de mim estava verdadeiramente vivo.
Deslizei a língua em seu pescoço, Dytto ofegou e lentamente tocou os seus lábios nos meus.
Ela os chupou com força e mordiscou.
Passei a movimentar meu dedo com mais força dentro dela. Dytto gemia baixinho e os seus
olhos se reviraram de prazer. Ela jogou os quadris para frente, impulsionando-me a levar meu
dedo mais a fundo.
Vê-la daquele jeito estava me matando.
Surpreendendo-me, ela enfiou suas mãos por debaixo da minha camiseta, deslizando seus
dedos curiosos por todo o meu abdômen. Fez isso repetidamente, tateando a minha pele enquanto
eu a masturbava.
Ela ofegou baixinho, o peito subindo e descendo ligeiro, e quando gozou, seu corpo se
entregou a mim.
Enrolei-a em meus braços, afagando as suas costas. Dytto fechou seus olhos e permitiu
desfrutar do meu carinho.
Pela primeira vez havia algo além do prazer. Eu queria que ela permanecesse nos meus
braços, apenas porque me queria tanto quanto eu a desejava.
A ergui e a coloquei em meu colo. Sabia que logo, logo sua mãe apareceria atrás de nós
dois, todavia, pouco me importei.
Em meus braços, ela mais se parecia um pequeno anjo adormecido e satisfeito. Eu gostava
de fazê-la se sentir assim.
Rocei a ponta do meu nariz no dela, sua pele estava gelada. A beijei mesmo assim.
— Você vem me visitar hoje, Chris? — indagou num sussurro, ainda de olhos fechados.
Curvei um meio sorriso.
— Você quer?
— Gostaria que dormisse comigo. — Notei que ela estava envergonhada ao me pedir isso.
Dei um último beijo em sua testa.
— Eu venho, minha Dingo Bells.
Ela sorriu.
— Obrigada.

— Aquele garoto é bem alto, não é? — mamãe observou, recolhendo os talheres e copos da
mesa.
Eu estava a auxiliando no serviço, e fazendo todo o esforço possível para me esquivar das
suas perguntas invasivas. Mas, afinal, ela era a minha mãe, não havia muito o que eu pudesse
fazer.
— Huh-rum.
Não achava que entrar nesse assunto seria uma boa ideia no momento, então apenas torci
para que ela se distraísse e esquecesse disso por ora.
— E... bem tatuado também — dessa vez havia um fundo de julgamento em seu comentário.
Optei por não discutir. Sei que ela e o papai odiavam tatuagens, e era o que ele mais tinha.
Havia até mesmo no seu... Oh, caramba!
Um arrepio percorreu todo o meu corpo ao lembrar-me de seu enorme pênis com desenhos
de correntes. Minha boca estranhamente se encheu d'água.
— É. Já terminei aqui. Tô indo — avisei.
— Nós ainda temos que conversar, Dytto — ela me freou.
— Podemos fazer isso em uma outra hora? — pedi, descontente.
Ela tombou a cabeça para o lado e pôs as mãos em sua finíssima cintura.
Eu esperava mesmo chegar em sua idade com o corpo tão bonito assim.
— Está tendo relações sexuais com aquele garoto?
Meu rosto inteiro ardeu de vergonha.
— Mãe! — adverti, constrangida.
Ela respirou fundo.
— Eu sou mulher, minha querida! Então nunca esconda essas coisas da sua mãe. Está ou
não?
Balancei a cabeça em negação.
Bem, não estávamos exatamente fazendo sexo. Existiam alguns amassos e dedos? Sim. Mas
não tínhamos feito penetração com o P e a V. Então eu meio que era "virgem", ou uma "falsa
virgem". Não importa, apenas não tínhamos transado.
— Só... use camisinha. Eu já tive a sua idade, então por favor, nada de sexo desprotegido,
Dytto.
Mordi o canto da bochecha.
— Eu já entendi — falei tímida.
— Não é só bucho que você pega se não se prevenir...
— Mamãe, eu já entendi — a cortei, nervosa, antes mesmo que ela começasse a dar uma
grande e extensa lista de doenças sexuais que eu poderia pegar.
— Camisinha sempre, Dytto. Oral, vaginal, anal. Sempre.
Arregalei os olhos com tanta rapidez que acreditei mesmo que meus globos oculares fossem
saltar do rosto.
Meu Deus! Eu ainda não acreditava que estávamos tendo essa conversa.
Ela soltou o ar pela boca.
— Só... não estrague tudo por causa de um garoto. Você é esperta, não precisa se prender a
ele, está bem?
Balancei a cabeça em concordância.
Mamãe me puxou pelos ombros e passou os braços ao redor do meu corpo, deixando um
beijo casto em minha nuca.
— Eu ainda não acredito que você e Loren já estejam tão grandes. Parece que foi ontem que
eu me rasguei toda para ter vocês.
Recuei rapidamente de seu abraço.
— Tô indo dormir — alertei e ela riu.
Apressei os passos pela casa, subindo as escadas de dois em dois degraus.
Minha nossa! Quando mamãe tirava tempo para falar sobre coisas constrangedoras ela não
parava mais.
06 de Abril | Sábado
Era quase 9 da manhã de sábado.
Loren e eu estávamos sentadas na calçada do estacionamento do hospital. Ela com o seu
cigarro na mão, e eu com o meu caderno de desenhos.
Eu havia deliberadamente a avisado sobre o "acidente" de Marcos. Claro que sem
especificar o meio pelo qual descobri. Minha fonte não era muito confiável; e também, era a
razão pela qual o seu amigo estava naquelas condições.
Não era dia de visita, mas papai tinha grande influência sobre os seus colegas de trabalho.
Ele só precisou fazer uns telefonemas, o que, por conseguinte, nos permitiu visitar Marcos.
6 minutos. Foi apenas isso que nos cederam, no entanto, ainda não havíamos entrado.
Entediada, esfreguei o tênis no chão, arranhando pequenas pedrinhas no asfalto.
Christopher tinha um ponto, talvez eu não me importasse com Marcos tanto quanto
imaginava. Mas, afinal, era difícil ter afeto por alguém que apenas me sufocava e tentava me
embebedar.
— Por que ainda estamos aqui no estacionamento? — bocejei.
— Claire está vindo — Loren avisou e deu mais uma tragada. Em seguida, deu batidinhas na
bituca, deixando que as cinzas se espalhassem no ar. — O que está desenhando? — investigou,
com os olhos semicerrados em curiosidade.
Ergui o caderno de minhas coxas e lhe mostrei a página velha, cheia de manchas de café e
rabiscos.
Por alguma razão, adorava desenhar em folhas manchadas, complementavam as minhas
ideias, tornando-as mais atraentes.
— Isso é um cachorro? — ela indagou, confusa.
— É um pato, Loren — corrigi, ofendida.
— Oh! Desculpa. Quando você terminar acho que vou entender melhor o que você estava
querendo fazer.
— Lô, eu já terminei.
Ela arregalou os olhos.
— Ah...
Loren virou o rosto, constrangida.
— Está tão ruim assim? — murmurei, encarando o que eu havia feito.
Eu sabia que não era lá a melhor desenhista, nem mesmo estava na média, mas confundir o
meu pato com um cachorro era demais da conta.
— Deve ser a caneta, Dy.
Franzi as sobrancelhas, encarando o objeto.
— Ela está normal.
— Não deve ser própria para desenhos — explicou.
— Mas foi o Luc que disse que ela era boa para desenhos.
Ela encheu as bochechas de ar, prendendo um murmúrio esganiçado em sua garganta.
— Deve ter vindo com defeito — soltou, atordoada, sem mais desculpas em mente.
— Loren, eu não sou mais criança. Pode falar que está feio.
— Então tá bom. Está feio.
— Mas não era para você falar.
Ela ergueu as mãos no ar, incrédula.
— Dyttoo — berrou.
Ri alto de sua cara ranzinza.
— Eu ainda vou aprender a desenhar — sussurrei.
— É.
— Tô falando sério.
— Eu acredito em você.
Joguei a cabeça para o lado e sorri para ela. Loren tentou esconder, mas sabia que ela
também quis sorrir, ela só não gostava de ser melosa demais.
— O que acha da gente acampar? — perguntou.
— Ainda estamos de castigo, lembra?
Pela quinquagésima vez esse ano...
— Claire vai tentar convencer os nossos pais.
— Ah, Lô... Eu não sei, não. Não gosto de acampar. Nem de mato. Florestas. Bichos.
Insetos. Pessoas...
Ela bufou.
— Eu não consigo entender como você consegue gostar tanto de ficar sozinha — confessou,
intrigada.
— Não é ruim como você faz parecer. Você apenas pre... — me calei abruptamente ao
avistar o Mustang prata que havia despontado no início do estacionamento em alta velocidade,
roubando a atenção de nós duas.
O motor roncou alto. O motorista acelerou até certo ponto, de repente, os pneus cantaram no
asfalto quando o automóvel deslizou lateralmente em uma manobra perfeita. O carro estacionou
do jeito mais espetacular na vaga livre há poucos metros de nós.
— Claire mudou de carro? — perguntei e ela balançou a cabeça, tão confusa quanto eu.
Claire adorava dirigir em alta velocidade, mas, desta vez, tinha dúvidas que fosse ela dentro
do automóvel. Ela odiava ficar se exibindo em público.
Não demorou para que a porta se abrisse e o rosto de Joshua surgisse em nosso campo de
visão.
É claro! Tinha que ser obra do namorado da ruiva. Ele ficava um tanto eufórico quando
entrava em um carro.
Claire emergiu seguidamente no lado do passageiro. Ela parecia furiosa com Joshua, mas a
sua irritação logo se dissipou ao nos ver.
— Olá, meninas — ele cumprimentou aprontando os seus passos, divagando o olhar entre
nós duas.
— Oi — dissemos em uníssono.
— Garotas — Claire murmurou. — O que fazem aqui fora? Não deveriam esperar lá dentro?
— Loren e eu estávamos esperando vocês — expliquei.
— Então é bom nós nos apressarmos. — A ruiva tentou parecer natural, mas percebi sua
ansiedade.
Diferente de nós, ela se preocupava bastante com o bem de Marcos. Quer dizer, ela se
preocupava com o bem de todos. Era a mãe do grupo, eu diria.
Joshua continuou parado à nossa frente. As duas mãos nos bolsos e a expressão apática. Foi
quando percebi que ele estava encarando o caderno em meu colo.
— É um cavalo?
— É um sapo, Josh — Claire o criticou.
— É UM PATO — os corrigi.
A ruiva jogou o rosto para o lado, desnorteada. Joshua, entretanto, ficou boquiaberto.
— Aaah... — foi tudo o que ele disse.
Balancei a cabeça, desacreditada.
— Como vocês não conseguem ver um pato nisso?
— É que está um pouco... diferente — Joshua falou, tomando todo o cuidado.
— Se está feio, é só falar, não precisa me tratar igual uma criança.
— Bom... está esquisito, Dytto — confessou devagar, enrugando o nariz.
— Não era para você ter falado — Loren se pronunciou.
Fechei os olhos e inspirei fundo.
— É a droga de um pato. Pato. Pato. Pato — resmunguei sozinha.
— Sua irmã está bem? — Claire questionou.
— Não muito. Ela está namorando o Christopher — revelou, despreocupada.
Meu sangue congelou nas veias e eu quis enfiar aquele Pato-cachorro-cavalo-sapo na goela
dela.
— Quê? Tá brincando, não é? — Claire explodiu uma risada, o seu rosto cheio de sardas se
preencheu do tom vermelho.
Ela me olhou cética. Mal podendo acreditar na notícia que havia recebido.
Decerto que o histórico daquele homem não era um dos melhores, mas ela estava
exagerando. Não, é? Ela estava exagerando, né?
— Você... Tá... — ela apontou para mim e para o nada e depois para mim, como se não
soubesse o que dizer.
Namorados não era bem o termo que eu usaria se perguntassem sobre mim e ele. Foi o que
ele definiu que éramos para os meus pais, mas o Christopher era o Christopher, ele poderia ter
dito aquilo apenas para irritá-los.
Aposto que ele nem devia mais se lembrar disso de tão tosco que pode ter sido para ele.
Meu peito deu uma pontada em desapontamento.
Pare de bobagem, Dytto. Ele só estava brincando.
— Não é bem assim — cochichei.
— Minha cabeça até rodou. — Ouvi Joshua sussurrar.
— Eu e Christopher, nós não estamos namorando — me defendi.
— Ah, estão, sim. — Loren soltou um riso tenso.
— Loren, eu e ele não estamos namorando.
Ela repuxou o canto dos lábios.
— Não na cabeça dele, Dy. Esse é o preço que se paga por estar com o Christopher. Ou você
o acompanha ou ele te arrasta mesmo assim.
Discordei com a cabeça.
— Não, ele não é meu namorado. Nós ainda estamos nos conhecendo.
— E o quanto já se conheceram? — Joshua provocou.
— Ah, eu sei lá, uns... 45%? — que mentira. — 50%, talvez... — outra grande mentira.
— Qual o nome dele completo? — Claire perguntou.
Ah, deve ser algo como... Christopher... Christopher Yori? Espera, deve ter algum outro
nome...
Antes que eu pudesse terminar o meu raciocínio, Josh foi mais rápido em me bombardear.
— Quantos anos ele tem?
— Quantos anos ele tem?
— Essa eu sei. — Bati as mãos, confiante. — Ele tem 19, vai fazer 20 daqui uns meses.
— Ele não tem 19, Dy. — Loren riu. — Ele tem 18, faz 19 no final do ano. — O quê?
Eu não sabia nada sobre Christopher. Todos os 50% pularam para 0,1%. Afinal, o que nós
havíamos feitos esse tempo todo, senão corrermos atrás um do outro como cão e gato e nos
aventurarmos no escuro do meu quarto ou no claro da sua casa?
— Eu acho melhor você procurar saber mais sobre quem é o Christopher, Dy. — Claire
aconselhou. — Você não sabe nem metade do que ele realmente é. Sugiro que comece
procurando saber pela floresta, é lá que aquele monstrinho faz as coisas sujas dele.
Suspirei, derrotada.
Eu não fazia ideia de quem ele era.
— É melhor entrarmos — Loren disse.
Os outros concordaram, mas eu ainda estava com a cabeça abarrotada de pensamentos.
— Só um segundo, tenho que fazer uma coisa — avisei. — Podem ir, encontro vocês num
minuto.
Os três tomaram a frente. Em contrapartida, peguei o meu celular do bolso e procurei pelo
seu contato.
Como alguém conseguia ser capaz de ser tão irritante?
Oh, céus!
Eu devia mesmo estar preocupada em estar tão à vontade perto de alguém que não tinha
escrúpulos.

Marcos havia acabado de acordar quando chegamos à porta do seu quarto. Através da
pequena janela de vidro, vimos uma jovem enfermeira ao seu lado, conferindo o seu colar
cervical. Apesar de que ele parecia realmente com dor, era óbvio que ele só a tinha chamado para
paquerá-la.
Ele continuava o mesmíssimo Marcos de sempre.
— Lembrem-se, apenas 6 minutos — o médico barbado relembrou ao nosso lado.
— Eu posso fazer uma pergunta? — me prontifiquei. — É grave? Quer dizer, é óbvio que é
ruim, mas, ele vai ficar bem?
Ele sorriu gentil para mim.
— Felizmente, a fratura não afetou a coluna vertebral ou nervos importantes do seu amigo.
É uma fratura estável e não há desalinhamento significativo nas vértebras. Mas, mesmo que
tenha sido uma fratura leve, ainda requer atenção medida e tratamento adequado para garantir a
cicatrização correta e evitar complicações. Marcos ficará bem, mas terá que ficar na observação
por mais uns dias, apenas por garantia. Ok?
— Certo. Obrigada. — Sorri, aliviada.
Loren abriu a porta e os olhares lá dentro se voltaram para nós.
— Olha só. Os filhos da puta apareceram aqui. — Marcos gargalhou, todavia, parou quando
sentiu dor e engelhou o rosto. — Merda, eu estou tão fodido.
— Eu vou indo nessa. Se precisar... — a enfermeira dizia quando foi interrompida por
Marcos.
— Sei, sei... Aviso, sim, gatinha. — Ele jogou uma piscadela para a moça, que saiu
completamente envergonhada da sala.
— Nem fodido você deixa de ser um merda — Loren declarou, enojada.
Marcos parecia feliz com o título, então pouco de importou.
Josh foi até o seu amigo e sentou-se na beirada da cama.
— Que nojo, você está parecendo um tarado — comentou, brincalhão.
Marcos riu e os dois começaram a conversar. Tínhamos apenas 6 minutos ali dentro e eu já
queria ir embora.
Loren e Claire também se aproximaram eu, por outro lado, me mantive mais distante.
Certa parte de mim se sentia culpada por ele estar daquele jeito. No entanto, eu não
conseguia ter compaixão o suficiente para me sentir arrependida. Afinal, culpa e
arrependimento não eram sinônimos.
— Que merda você fez dessa vez? — Joshua questionou, olhando-o de cima a baixo.
Meus ouvidos se aguçaram e minhas mãos suaram frias. Temia o que ele poderia dizer.
Quão ruim seria se descobrissem que isso foi causado por Christopher? E pior, que
Christopher fez isso por minha causa?
— Acho que desmaiei e caí da escada, ou algo assim. Não consigo me lembrar bem o que
houve — respondeu, confuso.
Acho que ele nem mesmo teve tempo de processar o que aconteceu no dia do seu acidente.
Ou então fingia muito bem.
Os outros voltaram a falar, e prontamente mudaram de assunto, logo já estavam bolando
planos e festas para quando Marcos estivesse em casa.
Quando nosso tempo finalmente se esgotou, me aproximei apenas para dar um leve aperto
de mão e lhe desejar melhoras. Todavia, percebi que ele não parecia exatamente querer aquilo.
Marcos não me olhou diretamente nos olhos, sequer firmou nossas mãos quando o toquei.
Procurou discretamente me evitar.
Isso era estranho. Em geral, ele estava sempre aproveitando toda oportunidade para estar
próximo de mim.
Acho que me equivoquei ao pensar que ele não lembrava o que aconteceu.

Ao voltarmos ao estacionamento, Loren estava mais distraída. Joshua e Claire conversavam


entre si, e eu estava mergulhada em pensamentos.
Foi somente quando Claire falou comigo que eu percebi que havia me desligado
completamente.
— Desculpa, o que disse? — indaguei, desatenta.
— Perguntei se aquele não é o seu namorado — replicou sorrindo. Ela inclinou levemente a
cabeça para a direita e me virei na direção.
Ao longe, Christopher estava sentado no capô da sua Ranger Vermelha. Seus braços
estavam cruzados enquanto ele me encarava como uma águia. Não aparentava sinais de
contentamento, mas também não desmontava interesse em vir aqui me buscar pelo braço.
Seu cabelo estava emaranhado de um jeito selvagem. Suas roupas eram casuais, mas nele
tinham um aspecto atraente. Existia uma brutalidade no rosto de Christopher que o deixava
sempre mais sensual, principalmente quando tinha a expressão de quem queria matar alguém.
Esperava não ser eu a vítima.
— Mas que porra... — Joshua sibilou. — Ele parece a droga de um narcotraficante.
— Do que que você tá falando? — Loren disse incrédula.
— Ele anda vendo filmes demais ultimamente — Claire justificou.
— Eu acho melhor eu ir até lá.
— E o que ele quer? — Loren se atentou.
— Quer me levar para sair. Talvez um encontro, eu sei lá. É o Christopher.
— Você vai?
— Ficou maluca? Papai vai matar me matar.
— Eu digo que você foi para o meu emprego comigo. — Deu de ombros.
— O quê? Pensei que estivesse de férias.
— E estou. Mas se eu dissesse ao papai, ele não me deixaria sair no meu tempo livre.
Oh, que danadinha. Então quer dizer que esse tempo todo ela tinha uma carta na manga
para ir aonde quisesse sem dar satisfação. Eu bem que queria ser mais como ela.
— Não chegue em casa tarde, Dy — avisou, séria.
06 de Abril | Sábado
— Eu pensei que não seria capaz de chegar a pelo menos 100 metros de distância dele,
desde que você e eu conversamos outro dia — ele incitou frio.
Não conversamos exatamente. Em poucos segundos sua língua estava na minha boca, e em
seguida, estávamos nus em sua cama, então não conta.
Christopher continuava sentado no capô do seu carro, e na altura em que estava, tornava-se
infinitamente mais intimidador. Seus olhos navegaram bem lentamente por cada fração do meu
rosto. Sua face estava sombria e enigmática.
Continuava sendo estranho vê-lo tão sério.
— Bom dia? — Tentei descontrair com um sorriso, mas não funcionou.
Christopher saltou do seu carro.
— Vamos ter outra conversa — ordenou, dando a volta no automóvel.
Crispei as sobrancelhas.
— Por que está assim? — perguntei ofendida.
Sua mão tocou a maçaneta, no entanto, ele cessou seus movimentos, olhou para mim e
curvou o canto dos lábios, maldoso.
— Porque eu nunca passei tanta vontade em toda a minha vida, querida. Isso é o que
acontece quando você tira de um demônio tudo o que ele mais quer — provocou malicioso.
Curvei um pequeno sorriso tímido, que durou apenas um piscar de olhos.
Eu ainda não podia me permitir criar esperanças. Existia a possibilidade de ele estar
apenas me enganando para conseguir o que queria.
— Eu não acho que esteja passando necessidade — examinei.
— Não? — interrogou, curioso.
Deixei que meu olhar recaísse para os seus pés.
— Eu não sou a única garota que você fica, não é?
Ele se afastou do carro, aproximando-se devagar de onde eu estava.
— Está me perguntando por que quer saber ou por que quer ser a única?
Mordi os lábios.
— Os dois... — soltei sem pensar.
O constrangimento tomou conta de todo o meu rosto. Sentia-o queimar de vergonha.
— Tudo bem eu não ser a única — procurei corrigir o meu erro, mas isso apenas pareceu
servir de munição para um Christopher com o olhar endiabrado.
— Jura? — caçoou.
— Não é como se eu fosse ter só você na minha vida, também.
Eu devia estar ficando doida.
— Bom, existe algumas outras garotas além de você — refletiu, olhando-me nos olhos.
Não era isso o que eu desejava ouvir. Meus lábios tremularam em resposta e meu coração
murchou como um balão dentro do peito.
Eu deveria ter mantido a minha boca bem fechada.
— É, eu sei. Ouvi falar das alunas que você paquerava — fingi indiferença.
— Elas eram bonitinhas. — Deu de ombros.
— Huh-rum. — precisei de um segundo antes de dizer qualquer coisa que não fosse um
murmúrio choroso. Aquele nó na garganta estava me sufocando. — Tenho que ir... — virei o
rosto para trás, onde Loren ainda conversava com seus amigos que, de vez em quando, nos
observavam "disfarçadamente". — Minha irmã está me esperando. Não posso ir com você.
— Ainda não terminamos de conversar — ele pontuou.
— Nós já conversamos. Somos solteiros. E cada um deveria fazer o que bem entende —
esclareci rápido.
Ele passou a língua sobre os lábios, não contendo um sorriso perverso.
— Então não liga se eu trepar com outras? Sabe que eu não vou deixar você fazer o mesmo,
não sabe?
— Não pode me controlar. Se quiser ficar com outras garotas, tudo bem. Mas não pode mais
exigir isso de mim. Fique com quem sentir vontade, eu não ligo. — Não mantive contato visual
ao dizer. Estava segurando lágrimas que nem mesmo deveriam existir ali.
— Nem mesmo se eu estiver com outras, sei lá... cinco ou seis garotas diferentes?
Meu estômago de revirou. Isso doeu.
— Não é da minha conta a sua vida.
Ele riu baixo.
— Eu sabia que você iria entender. — Christopher sutilmente tocou o meu queixo. — Adoro
como você é tão compressível, amor.
Apenas balbuciei algo ininteligível que deveria ter sido uma afirmação.
— Formamos uma ótima dupla — continuou, empolgado.
— Claro — concordei, fervendo de irritação. — Eu vou ter a chance de perder a minha
virgindade com alguém que tenha o tamanho do pau normal e você continuará realizando as
fantasias das garotas que são obcecadas por você — decidi.
Queria que ele ao menos sentisse um pouco das horríveis sensações que eu estava
presenciando.
Não havia nada que provocasse mais os homens, do que desmerecer o pênis deles. Obrigada
pelo sábio conselho, Loren, o mérito é todo seu.
— Tem ficado com mais alguém além de mim, Dingo Bells? — formentou, rígido.
— Você saberia. Sempre sabe todos os meus passos, imagino — retorqui com tristeza.
— Tem outro cara na jogada ou não? — repetiu mais sério.
— Você sabe que não — sussurrei. — Eu tenho que ir.
Girei os calcanhares dali, mas antes que eu pudesse dar o primeiro passo, ele agarrou o meu
pescoço.
Senti seus lábios roçarem a ponta da minha orelha e estremeci.
— Sabe que é a única, não sabe? — constatou rouco.
— Sou? — duvidei.
Ele beijou o canto do meu rosto e senti seus lábios sorrirem em minha pele.
— Não há mais ninguém além de você, Dingo Dingo.
— Algumas alunas pareciam bem interessadas — pontuei, enciumada.
— Algumas alunas não são você. Não dei oportunidade a nenhuma. Gosto do que temos. —
Seu braço entornou a minha cintura com um aperto mais intensificado. — É muito melhor me
enfiar no seu pijama para tocar a sua boceta, do que uma trepada entediante com qualquer outra.
Me virei para ele.
— Até que eu pare de ser a sua diversão, certo? — salientei, encarando seus olhos
esmeralda.
— Minha Dingo Bells tem tão pouca fé em mim.
Olhei para trás, avistando o enorme Hospital.
— Estou aqui porque trouxe alguém que eu beijei para a UTI. — Virei-me para ele. — Você
tem toda a liberdade de fazer o que quiser. Mas me impede de fazer o mesmo.
Christopher se irritou.
— Quer beijar outros caras?
— Se eu sentir vontade, sim.
— Acho melhor nós sairmos daqui. — Se apressou.
— Por quê?
— Porque agora eu vou matar o Marcos.
Arregalei os olhos e o segurei pelos ombros.
— Achei que já tivesse feito o bastante — ralhei.
Ele me olhou desgostoso.
— Tô vendo que não.
— Então tudo bem se você beijar outras pessoas e eu não? — disse incrédula.
— Porra, Dingo. Eu não beijei ninguém. Por que está tão incomodada com isso agora?
Me calei.
Naquele instante, sabia que qualquer coisa que eu dissesse poderia acabar sendo o meu
enterro. Odiaria saber que o meu atestado de óbito diria: Morreu de vergonha.
Ele sorriu, provocador.
— Está apaixonada por mim — observou.
— Não, não estou — elevei o tom, enrubescida.
— Oh, querida! Está tão apaixonada por mim que já não sabe mais disfarçar — zombou.
Rolei os olhos e tentei me esquivar de seu corpo.
— Você que pensa.
Christopher segurou a minha mão e rodopiou o meu corpo, puxando-me de volta a ele. Presa
em seus braços, fui forçada a encarar aquele rosto maléfico, cheio de perversão.
— Você é minha — reforçou, aproximando os lábios dos meus. — E não vai desejar ser de
mais ninguém.
Ele me deu um rápido beijo, se afastou, e olhando sobre a minha cabeça, sorriu.
— Seus amigos finalmente foram embora. — comentou. — Agora somos só eu e você.
— E isso quer dizer que...
— Quer dizer que agora eu posso fazer isso sem que você me odeie. — Ele me girou e
apoiou o meu torso na lataria do seu carro. Sua mão esquerda prendeu os meus pulsos e a direita
acertou a minha bunda com força.
Soltei um pequeno grito e o encarei aturdida.
— Se disser que quer beijar alguém outra vez, arranco a sua língua.
Ele me soltou e foi em direção a lateral do passageiro, abriu a porta e esperou ao lado.
— Não sou um cavalheiro, amor. Sou quem manda em você. — Com a mão, ele apontou
para o banco. — Agora entra no carro.
Fui rápida ao obedecê-lo. Ele não estava para brincadeiras ou outras provocações de minha
parte. E, por mais que já não parecesse mais, eu ainda me importava com a minha vida.

Christopher estava sentado à minha frente, em uma poltrona, apenas de calça jeans, me
encarando sério.
As suas pernas estavam arreganhadas, enquanto o corpo inteiro mantinha-se relaxado.
Ele levou o cigarro aos lábios e deu mais uma tragada, passeando os olhos por todo o meu
corpo.
Eu estava estática, sentada sobre as minhas pernas, em um canto do sofá de sua sala. Ele me
trouxe para cá sem mais nem menos, apenas por trazer.
Pelo visto, ele não sabia o conceito de se conhecer, pois a mensagem que ele transmitia era
que deveríamos ficar nos encarando até que chegássemos à beira da insanidade ou algo assim.
— Quer... assistir a um filme? — perguntei baixo, a voz ameaçando sumir ao terminar a
frase.
Ele negou em um balançar de cabeça.
Encarei as minhas mãos sobre as coxas e inspirei fundo.
— Acho que tem um filme legal para assistirmos. Eu acho que é sobre um casal que vai para
uma ilha e...
— Está com fome? — Chris me interrompeu.
Ergui os olhos para ele.
— Ahn. Não. Eu acho que não.
Christopher apagou o seu cigarro no cinzeiro sobre o móvel ao seu lado e se levantou de sua
poltrona, caminhando em minha direção.
O garoto alto, tatuado e forte ofereceu a mão para mim.
— Venha.
Mordi o lábio inferior e, sem pressa, levei a minha mão até a sua.
Ele me puxou para ficar de pé e me equilibrou, até que eu pudesse estar firmada no chão.
Christopher abaixou o seu rosto, até estar próximo ao meu. Senti o cheiro forte de nicotina e
fumaça entranhada a ele e prendi a respiração. Esse cheiro me deixava enjoada.
Ele aproximou seus lábios dos meus e os tocou pela primeira vez desde que chegamos.
Christopher envolveu seus braços ao redor da minha cintura.
Lentamente seu beijo progrediu para algo mais intenso, porém, durou pouco. Assim que eu
tentei alcançar ainda mais dele, Christopher se afastou.
— Suas coisas estão no balcão. Tem alguma roupa? — ele quis saber.
— Não. Só levo uma escova de dentes e uma calcinha de emergência para todos os cantos,
mas só tenho essa roupa — apontei para o meu corpo.
— É melhor não usar calcinha.
— Elas são confortáveis.
— A minha língua é mais — provocou, cínico.
Arregalei os olhos. No entanto, sem dar-me tempo para uma reação maior, ele saiu em
direção a cozinha.
O segui, mantendo alguns passos de distância. Christopher ainda me dava medo, e eu ainda
tinha certo receio de suas próximas ações, então sempre tentava manter um pouco de distância,
apenas para o caso dele virar um lobo ou algo mais estranho. Afinal, ele entrou pelo meu quarto
sendo um demônio, sabe se lá o que mais ele poderia virar se quisesse.
Tomei minha bolsa do balcão e a puxei sem gentileza, ela deslizou no mármore caiu. Tudo
dentro dela surfou para fora.
Droga de zíper quebrado.
Christopher pôs suas mãos na cintura e balançou a cabeça.
— Só vou te ajudar porque você é gatinha, mas caso contrário, eu só me sentaria aqui e
ficaria rindo de você.
Tentei não rir, mas fracassei. Agaixei-me no chão e comecei a pegar todos os meus lápis
deixados de fora da lapiseira que, agora, estavam espalhados por toda a cozinha de Christopher.
— O que é isso? — ele perguntou, erguendo o meu caderno de desenhos do chão, bem na
página onde a minha última pintura fora deixada.
O pato, barra cachorro, barra cavalo, barra sapo.
— Não é nada.
— Isso é um pato?
— Ééé — berrei como um cabrito, tão contente por alguém finalmente ter acertado.
Sorri orgulhosa e ergui os braços para o alto.
— Tá vendo, nem todos são tapados — murmurei sozinha.
Christopher fez uma expressão estranha, porém, pelo jeito que me encarava, aposto que não
queria nem mesmo descobrir do que eu estava falando.
— Dingo Bells, Dingo Bells... — cantarolou, risonho.
— Eu não sou doida — intervi.
Ele sorriu, terminando de recolher tudo.
Christopher se levantou do chão e enfiou tudo dentro da minha mochila, ergui os meus
joelhos do chão e fiz o mesmo seguidamente.
Ele abriu os outros zíperes da bolsa, bisbilhotando cada um deles, até parar em um em
específico e enfiar a mão.
De lá, ele retirou a minha calcinha reserva e a enfiou no seu bolso.
— Chris, não. É a minha calcinha de emergência. — A peguei, mas ele fora mais rápido e a
roubou de volta, apenas para enfiar dentro de sua cueca.
O olhei em choque.
— Christopher — repreendi o gesto.
— Pegue — desafiou, brincalhão.
Semicerrei os olhos.
— Eu vou pegar — ameacei.
— Oras, então pegue.
— Chris...
— Dingo...
Apertei os olhos uma última vez antes de tomar partido e enfiar a mão dentro de sua calça.
Christopher sorriu sacana ao sentir minha mão se esbarrar em seu membro.
— Isso, amor, vai fundo — gemeu rouco, em tom de divertimento. — Vai, garota.
Ele segurou o meu braço, não deixando que eu o movesse para fora de sua roupa, ainda
encenando gemidos que se tornavam cada vez mais altos.
— Isso, Dingo.
— Christopher, pare — pedi, rindo.
Ele revirou os olhos, sorrindo, e soltou o meu braço; o tirei de lá segurando — agora — a
minha calcinha desonrada.
— Vou adorar saber que estará vestida em uma calcinha feia em que eu esfreguei no meu
pau.
Ele jogou uma piscadela para mim e deu-me as costas.
— Para onde vai? — investiguei.
— Banho. — Ele andou até a porta do seu quarto e virou-se. — Quer vir junto, querida?
— Prefiro banhos sozinha.
Ele umedeceu os lábios e deixou que o seu rosto caísse para o lado.
— É uma pena. Pensei que quisesse me conhecer melhor.
— Não lembro de nenhum ditado que diga que banhar juntos nos faça termos uma relação
melhor.
— "Banho tomado, saúde dobrada".
— Vá logo, Christopher. Ainda temos muito o que conversar. — Ignorei-o e voltei para a
sala.

Pela primeira vez — sem razões obscenas, nos deitamos em sua cama, lado a lado.
Christopher estava apenas de bermuda e sua pele ainda estava úmida em razão de seu banho
recém-tomado.
Levei a mão ao seu abdômen rígido e deslizei a ponta dos dedos devagarinho, sentindo com
atenção cada detalhe e textura do seu corpo. Contornando todas as suas belas tatuagens escuras
espalhadas em sua pele.
Estagnei ao aproximar-me do seu "666", por alguma razão, tinha receio em tocá-lo, como se,
de algum modo, fosse me ferir.
Me ajeitei de barriga para baixo e o encarei diretamente enquanto ainda o tocava.
— Nos meus "sonhos", sua pele é gelada. Por quê?
Ele juntou as sobrancelhas, sério.
Christopher não parecia ter muito interesse em tocar neste assunto em particular. Isso
parecia afetá-lo a ponto de sentir seus músculos ficarem rígidos sob meus dedos.
— Isso é culpa do meu outro eu.
— Isso é ruim? Digo, estar no seu outro eu? Você tem controle dele ou...
— Eu sou sempre eu, mas com desejos inimagináveis sobre você em minha outra... Camada.
Deslizei os olhos pelo seu corpo, ruminando suas palavras em minha mente, para enfim,
perguntar o que mais perturbou durante todo esse tempo.
— Chris... Por que você é assim?
Seus dedos deslizaram calmamente sobre as minhas bochechas até alcançarem meu maxilar,
e então, alcançar o meu pescoço.
— Sou metade humano. Metade demônio. Entende?
— Seus pais, eles...
— Não importa — cortou.
— Não vai me dizer?
— Dingo... — ele soltou o ar pela boca, incomodado. — Apenas esqueça essa parte de mim.
— Você está em cada parte do meu corpo, todos os dias, todo o tempo. Quando nós estamos
pertos, eu me sinto presa a você.
Curvei um sorriso triste.
— Meus pensamentos em relação ao que temos me domina. Eu me sinto cada vez mais
obcecada pela sua presença. Não acha que mereço uma explicação? Você e eu sabemos que isso
não é normal.
Christopher fechou os olhos.
— Eu só preciso entender — insisti.
— E o que precisa entender? — sua voz era densa e pesada, ao passo que me olhava sem
paciência.
— O que te fez ir me visitar? Por que todos me dizem para ter medo de você?
— Eu já disse todas as minhas razões a você.
— Mas isso não me diz nada sobre você — protestei. — Quero saber quem é você!
— Por que só dá importância a isso quando se trata dos outros? Até pouco tempo estava
satisfeita em ter meus dedos em você.
— Porque você me tira a razão, Chris. É por isso que eu sempre me perco perto de você. Eu
não devia, e você sabe disso.
— Pare de se deixar levar pela opinião das outras pessoas. Somos eu e você. E isso é o
suficiente.
— Não para mim.
Christopher se ergue sobre os cotovelos e se senta na cama.
— É difícil lidar com a sua teimosia em saber algo que não lhe diz respeito. Não faço parte
do seu mundo e não precisa saber mais que isso.
— Está me mandando calar a boca e me contentar com o que tenho sobre você? — me
irritei.
— Está caçando meios para o seu próprio fim.
Me ajoelhei no colchão.
— Vai me matar se eu investigar você?
— Sabe por que ninguém sabe nada sobre a minha vida, Dingo? — ele baixou o tom de voz.
— Porque se soubessem, estariam perdidos ao perceberem que não vivem no mundo em que
pensam.
Ele segurou a minha mão.
— Não sou apenas um demônio. Eu tenho um propósito maior que não cabe a você meter o
nariz.
Puxei meu braço e abracei o meu corpo.
— Se não cabe a mim, não deveria ter me metido nisso — rosnei, e pulei para fora da cama.
Saí com passos pesados do seu quarto. Ouvi-o me seguir, mas não parei para lhe dar
satisfação do que fazia.
Se ele não podia me dizer quem era, eu não devia respostas a ele.
Era um jogo injusto, onde ele jogava com todas as peças e eu apenas o via brincar com a
minha vida e com os que viviam a minha volta. Para ele, eu não passava de um fantoche.
— O que está fazendo? — Chris exigia uma resposta.
— Não importa.
Ele soltou um riso áspero e curto.
— Quer ver o que tanto escondo, então? — intimidou. — Então me olhe, querida — ditou
ameaçador.
Virei o corpo para trás e imediatamente me arrependi de tê-lo feito.
Suas pupilas estavam dilatadas e enormes, vestindo todo o verde de seus olhos. Sua pele era
acinzentada e marcada por linhas negras, como veias demarcando todo o seu rosto. Debaixo dos
seus olhos, sua cor pintava-se de tons arroxeados, dando profundidade aquela máscara
demoníaca a qual eu via.
Em seu peitoral, havia marcas vermelhas, que mais se pareciam como rachaduras sangrentas
em um vaso. Seu corpo era traçado por estranhas texturas. Tudo nele era grosseiro e irregular.
Meu corpo se impulsionou para trás em resposta. Arregalei os olhos, assustada.
— Eu vou sempre te proteger. Mas não ouse me provocar demais. Tem coisas que vão além
da sua capacidade de entender, me ouviu? — sua voz era carregada e soturna.
Não me parecia o Christopher de sempre. Agora ele era assustador e me causava calafrios.
Abracei o meu corpo, eu estava oscilante e zonza. Prestes a desmaiar com a imagem mais
horripilante que já vira em toda a minha vida.
Ao notar isso, ele ergueu as sobrancelhas e naturalmente seu rosto voltou ao normal,
dispersando as partes estranhas.
Solucei baixo quando ele se aproximou e fechei os olhos.
— Me desculpe — murmurou arrependido.
Tentei me afastar, mas Christopher fora mais rápido e me segurou em seus braços, me
enrolando em um abraço apertado.
— Eu sinto muito.
08 de Abril | Segunda-feira
Dytto está quieta. Quieta demais.
Hoje minha tarefa era levá-la para a escola. Surpreendentemente, com a permissão de sua
mãe. Precisei apenas insistir um pouco mais do que um ser humano comum normalmente
pediria, e ela cedeu — por pura vontade minha.
Dytto estava com a cabeça apoiada no vidro do carro, abraçando o próprio corpo. Os olhos
distantes e pensativos mantiveram-se presos ao asfalto, como se viajassem para outras
dimensões. Parecia existir tantos pensamentos difusos em sua mente que a curiosidade me
corroía em descobri-los.
No entanto, permaneci concentrado em dirigir.
Claramente não me incomodaria em passar o dia inteiro preso a ela, e me fode a cabeça
saber que ela passaria o resto do dia na escola, cercada de garotos que não perderiam a chance de
cobiçá-la, principalmente o Luc.
Tentei não pensar nisso. Despertar meus demônios justo quando estava com Dytto, não
terminaria bem. Esse mal dentro de mim a consumiria por completo, causando-lhe a sua morte.
E era por este motivo, que ela ainda se mostrava tão tensa. Ontem lhe mostrei o pior de mim,
e vi o horror gritando em seus olhos. Não poderia cometê-lo novamente.
Pouco tempo depois, notei que ela havia adormecido e toquei de leve a sua perna. Dytto
imediatamente despertou, olhando-me sobressaltada.
— Te assustei?
Ela lambeu os lábios, parecendo atordoada. As pálpebras inchadas e os olhos avermelhados
denunciavam a noite pouco dormida.
— Desculpe! Só estou com... — ela suspirou baixo e diminui gradualmente o seu tom de
voz — sono.
— Não dormiu bem?
— Bom, dormi, no pouco tempo em que você deixou.
Sorri em razão das lembranças da noite passada invadindo a minha mente maligna.
Eu sabia que pedir desculpas não resolveria o problema, então a fiz esquecer usando uma
técnica um tanto quanto corrupta.

Meus olhos brilhavam ao vagarem por todo o seu corpo nu. O rosto ligeiramente
adormecido se expunha entre as madeixas castanhas espalhadas pelo colchão.
Eu já havia arrancado as suas roupas. Estava desesperado por ela.
Ela vagava entre um meio termo de estar consciente e inconsciente, mas a sentia implorar
para que eu lhe desse um fim àquele agonizante desejo desesperador em seu ponto mais íntimo.
Minha garota queria que eu a tocasse de todas as formas. Seu subconsciente implorava por
mim.
Toquei a sua barriga e explorei cada parte de sua pele macia, descendo até às coxas e
subindo pelas laterais. Ela estremeceu e apertou as suas pernas, fazendo pressão em sua
intimidade. Fiz questão de enfiar a mão entre elas para tocar a sua virilha.
Seu corpo vibrou em excitação.
Separei as suas coxas, encaixando-me perfeitamente entre elas. Meu corpo debruçou sobre
o seu e a entreguei beijos apaixonados por cada centímetro do seu corpo, adorando-a por
completo.
Naquele momento, parte dela já havia despertado completamente.
Suguei os seus lindos seios e ela gemeu baixo, os enfiei completamente em minha boca e os
deixei se envolver em minha língua. Seus dedos apertaram o meu braço e ela deixou escapar um
suspiro dolorosamente sensual.
Ergui os olhos para ela, sem conter um sorriso malicioso. Ela não podia me enxergar, mas
eu a via claramente, e a expressão de prazer em seu rosto, ora... Foi a coisa mais perfeita.
O doce som de sua voz gemendo manhosa, deixava-me louco por ela.
— Seu corpo sabe a quem pertence, por isso, eu só preciso te tocar para você ser minha. —
Ao me ouvir, seus lábios se entreabriram e sua respiração tornou-se ofegante.
Um arrepio atravessou o seu corpo quando deslizei a minha língua sobre a sua barriga,
descendo até o meio de suas pernas, alçando o seu clitóris.
Levantei as suas pernas sobre meus ombros e agarrei os seus quadris, impulsionando sua
intimidade em meu rosto. Coloquei o seu pequeno ponto de prazer na língua e o saboreei como
se nada mais no universo importasse.
A chupei com força, devagar, rápido e lento. Aproveitei de sua boceta a noite inteira, de
todas as formas. Ela já estava encharcada, mas ainda gemia gostoso pra mim.
Deliciei do seu gosto incrível na minha boca. Aquele, afinal, era o meu paraíso.
Ela agonizava em prazer na sua cama, arqueando as costas e enfiando as unhas nos
lençóis, e às vezes arranhava o meu pescoço, puxava o meu cabelo e se esfregava mais no meu
rosto.
Eu adorava quando ela rebolava na minha cara.
— Chris... Chris... — gemia sem parar.
Oh, querida. Continue. É tão extraordinário ouvi-la gemer o meu nome.

— Da próxima vez, me lembre que não posso passar a noite inteira chupando você.
Suas bochechas coraram e ela sorriu tímida.
— Não o lembrarei.
Desta vez, fui eu quem sorriu.
— Então teremos que guardar um momento do dia para que durma, não quero que adoeça.
Ela mordeu os lábios e encarou as mãos sobre as pernas.
— Meu corpo está cheio de chupões seus — sussurrou.
— Vai ter do que se lembrar quando se olhar nua novamente — comentei, despreocupado.
Seu rosto inteiro enrubesceu.
— Na verdade, eu não estava tão acordada assim. Em algum momento eu apaguei —
confessou, envergonhada.
— Eu sei — a respondi. — Mas continuou gemendo mesmo assim.
Ela abriu um sorriso nostálgico.
— Será trágico se alguém tiver escutado.
— Você infelizmente é muito discreta. Bem que eu queria ter acordado a casa inteira com a
sua boceta na minha cara.
Seu rosto tingiu-se de vermelho, mas ela fez um grande esforço para fingir-se indiferente.
Percebi que ela não gostava de parecer tão tímida com esses assuntos, mesmo que fosse tão
inexperiente.
Ela queria mostrar-se diferente e ousada para mim, mas gostava de vê-la sendo tão
vulnerável e ingênua daquele jeito.
De certo modo, sua pureza era algo intrigante. Talvez, por eu ter vivido tempo demais em
meio à sujeira. Estava claro que Dytto havia começado a sua vida sexual comigo. E, bem, eu
pretendia a desvirtuar de todos os jeitos, em todos os seus orifícios, e em todos os planos astrais
que eu a pudesse levar.
Ela cruzou as pernas e jogou o corpo para trás, aconchegando-se confortavelmente ao banco.
— "Meu ficante é um demônio sexual". Eu poderia facilmente encontrar um filme assim na
internet — refletiu.
— Não sou seu ficante. — Ela me olhou curiosa — Eu sou seu namorado — protestei.
Ela riu baixinho.
— Namorado então — concordou retida, escondendo a exorbitante animação que crescia no
eu interior.
Era excitante vê-la feliz quando eu a tratava como minha namorada.
— E outra... — acrescentei.
Inclinei o tronco um pouco mais em sua direção, de modo que fosse contar-lhe um segredo.
— Não sou um demônio sexual, Dingo.
— Você me disse...
— Para você eu sou um demônio sexual, e apenas para você, porque te dou prazeres sexuais.
Para outros, eu sou só um meio humano, meio demônio. Uma aberração. Fruto de relações entre
uma mulher e uma criatura do inferno. É isso o que sou.
Senti seu olhar surpreso sobre mim, mas não o devolvi. Provável que será ainda pior encará-
la após essa drástica revelação.
Um pé em falso e Dingo surta de vez.
O pouco que lhe mostrei sobre a minha aparência demoníaca já havia a feito chorar, o que,
por consequência, precisou levar uma manhã inteira para lhe acalmar em meus braços até que ela
se sentisse bem comigo novamente.
Com ela, eu estava sempre por um fio que, se por acaso arrebentasse, poderia a sucumbir à
loucura. Era por esta razão que eu a escondia tantos segredos.
Se eu lhe contasse apenas duas coisas de ruins que já fiz, ela provavelmente choraria até o
fim de sua vida.
— Você já viu... o seu pai? — indagou apreensiva.
Ergui o olhar sobre ela.
— É claro.
Era uma pergunta meio óbvia para mim.
Ela juntou as pernas em cima do banco e envolveu os seus braços ao redor delas.
— Tem raiva da sua mãe por isso? — murmurou, insegura.
Soltei o ar com força e batuquei o volante com as pontas dos dedos.
Não gostava quando a conversa começava a andar por esse rumo. Preferia que ela
perguntasse qual era a minha banda favorita ou sei lá, mesmo que eu odiasse todas elas.
— Teria raiva se fosse você? — devolvi a pergunta, desta vez, olhando-a no fundo dos
olhos.
Ela estremeceu com a obscuridade em meu olhar, o que me fez lembrar que tinha de ser
mais gentil com ela.
Desviei minha atenção para frente.
— Eu acho... Acho que eu teria um pouco de raiva, sim — revelou baixo.
Soltei uma risada ríspida.
— Então obviamente não pensamos igual.
De soslaio, percebi que ela se inclinou um pouco mais para frente.
— Gosta de ter nascido assim?
— Você pergunta demais, Dingo Bells — resmunguei e a escutei rir.
Assim que chegamos no estacionamento de sua escola, desci do carro e dei a volta para abrir
a porta para ela.
Ela saiu meio desajeitada, arrumando a alça da mochila sobre o ombro.
— Obrigada pela carona.
Seus olhos se prenderam aos meus, de um jeito que me tiraram o fôlego e o juízo. A
magnitude a qual eles me pretendiam era imensurável e sem limites. Eu estava louco por aquela
menina.
Porra...
Sem me conter, envolvi minhas mãos em seus cabelos e agarrei os seus lábios com
desespero. Não sabia o que está fazendo, apenas agi.
Envolvi sua cintura com o meu braço e a puxei para mim. Ergui os seus pés do chão e a
segurei como se dependesse disso para respirar.
Dytto gemeu e descansou suas mãos em meu pescoço.
Enfiei minha língua em sua boca, experimentando tudo o que ela podia me oferecer.
Me envolvi tão profundamente a ela que esqueci o tempo passar a nossa volta.
Me sentia cada vez mais insaciado por ela. Sempre precisava de mais e mais...
Quando me afastei, seu rosto estava vermelho e os lábios inchados.
Ela ofegou suave e sorriu para mim, meu coração disparou forte no peito.
Levei minha mão ao seu rosto e o contorno gentilmente.
Ela era tudo o que eu mais precisava, mas também, tudo o que eu mais tinha receio em
quebrar. Tão frágil e doce.
Pela primeira vez na vida, eu senti medo de destruir alguém. Pela primeira vez, eu havia
sentido medo. Aquilo era assustador.
— Te vejo depois — avisei, a devolvendo para o chão.
Todos em volta nos olhavam curiosas. Sentia o despeito de várias garotas quanto a Dingo
Bells. Por um segundo, desejei quebrar o pescoço de todas elas, mas eram corpos demais, e eu
não queria chamar a atenção.
Dytto se pôs na ponta dos pés e depositou um beijo suave em minha bochecha.
— Você está cheio de arranhões — notou, fazendo-me rir.
A culpa era toda dessa mocinha selvagem.
Dytto baixou acidentalmente o olhar para a braguilha da minha calça e corou até o último fio
de cabelo. Ela tentou disfarçar olhando para os lados e mexendo no cabelo, todavia, isso só me
fez ter vontade de gargalhar.
— Não fique constrangida, meu pau está duro assim por sua causa.
Ela me encarou com os olhos arregalados.
— Assim que eu te foder pela primeira vez, você não vai mais precisar me ver passando
vontade em um estacionamento de escola. Vamos fazer isso o tempo todo, e vai ser uma puta de
uma visão deliciosa te ver gozando em cima do meu pau, senhorita Bell.
Ela respirou fundo e sua respiração soou entrecortada.
— Acho que ainda vou ter mais uns bons dias sentindo você duro até finalmente deixar você
satisfeito, senhor meio demônio.
Joguei a cabeça para o lado.
Que danada!
— Você está mexendo com coisas perigosas, Dingo.
Ela engoliu em seco.
— Perigoso mesmo é você colocar esse seu... — ela franziu o cenho, procurando por um
termo apropriado — poste, dentro de mim.
Ri alto disso e deitei a cabeça em seu ombro, enfiando-me em seu pescoço.
— É, querida. Mas você aguenta.
— Talvez uma parte — ela sussurrou.
Afastei o meu rosto para olhá-la nos olhos.
— Acha que vai me satisfazer deixando só uma parte entrar em você? — Fiz careta. — Eu
quero meter nessa sua boceta todinha.
Seu rosto estava tão vermelho que tinha medo de que ela estivesse realmente passando mal.
Deslizei os dedos sobre seus lábios e suspirei.
— Na sua primeira vez, eu deixo você escolher até onde quiser ir. Mas, depois, você vai ter
que aguentar, meu amor.
Ela balançou a cabeça e tirou o meu dedo de seus lábios.
— Prefiro morrer virgem.
Dytto me deu as costas, marchando com passos rápidos para dentro da escola.
Ri de sua reação e me encostei no carro, mantendo os olhos presos a ela, balançando a sua
bundinha arrebitada de um jeito sexy e descontraído.
Puta merda de garota gostosa.
Me mexi apenas quando ela sumiu de vista. Tendo a certeza de que ela já estava segura
dentro dos muros do colégio.
Loren assumiria a responsabilidade daqui em diante. Pelo menos nisso eu confiava nela.
Para manter Dytto longe de garotos e brigas, a maluca se meteria em porradaria.
Agora é hora de resolver alguns assuntos pendentes.

Ao adentrar a mansão da real família Tanaka, revestida em pedras, mortes e segredos,


Demétrius, o meu segundo irmão a nascer, surgiu em minha frente, segurando um livro de Kama
Sutra.
Ele era o que podemos chamar de galinha. Não estava nem aí para ninguém e vivia trocando
de parceiros sexuais. Um dia estava com uma mulher, no outro com um cara, e no dia seguinte
estava com um cara e uma mulher.
— Cadê ele? — interroguei, evitando olhar para a sua roupa pintada de respingos de sangue
e me questionando que porra ele anda fazendo.
— Bom te ver, irmão — ironizou. — Está com a Samantha. Marcelia deixou ele aqui mais
cedo, disse que vai viajar com urgência.
— Por que merda ela não me avisa nada antes?
Ele balançou os ombros.
Demétrius nunca estava nem aí para nada. A vida era somente uma longa e entediante
diversão para ele.
O seu corpo era marcado por tantas tatuagens que mal era possível ver sua pele, algo que
tínhamos em comum.
Seu rosto possuía traços asiáticos ainda mais presentes que os meus. Ele era o irmão que
tinha o mais próximo do sangue de nossos antepassados. O resto de nós éramos mestiços de
linhagens completamente diferentes. A minha, por exemplo, vinha diretamente do inferno.
Cinco filhos, cinco pais diferentes. Mamãe era uma mulher excêntrica que gostava de foder
com caras ainda mais excêntricos.
Demétrius e eu tínhamos quase a mesma altura, mas, ainda assim, eu conseguia ser o mais
alto de todos os meus quatro irmãos, possuindo 2 metros e 8 centímetros.
O meu tamanho fora motivo de vários olhares estranhos durante toda a minha vida. No
entanto, com o tempo, acabei me acostumando. A parte boa, era que nenhum fodido tinha
coragem o bastante para me enfrentar ou fazer brincadeiras.
— Já tem um tempo que você não tem vindo. Ainda andando com a sua turminha satânica?
— comentou, num tom grave e gélido.
Revirei os olhos e desviei dele.
Ele era sempre assim. Desconfiado e intrometido.
Segui o som baixo de conversas entre os longos corredores escuros e largos da casa, até
alcançar a sala de músicas, onde Leví, o penúltimo irmão a nascer, estava sentado em frente ao
seu piano, jogando conversa fora com Amara, a mais velha de todos nós.
Em uma ordem mais simples de se entender, a Amara foi a primeira a nascer, filha de um
romance proibido com um empresário casado.
Demétrius, o segundo filho a nascer, fruto de uma noite de sexo entre nossa querida e
ordinária mãe, com um turista coreano.
Logo depois, vem Samantha, nascida de um namorico qualquer com um músico.
Mais adiante, vem o Leví, o filho prodígio da família. Filho de um bilionário indiano metido
a besta, contudo, ao menos, o filho nasceu com a noção que o seu pai não tem.
E, por último, vem a mim, fruto de uma obsessão de mamãe por um demônio, o qual, a
própria o invocou. Sou o mais horripilante de todos eles, meros humanos mortais, idiotas e
irritantes irmãos.
Nossa mãe, Naomi, vem de uma longa linhagem de honrados e nobres ricos da sociedade,
ou, adiantando a árvore genealógica, viemos da família Tanaka, a tão famosa família que
descobriu Nabrya, a ilha em que vivemos, o que nos deixou um grande legado a prosseguir.
Imbecis.
— Cadê ele? — fui curto e breve ao chegar diante da entrada, tinha mais o que fazer, e o dia
de visitar toda a família aconteceu no ano passado.
Os dois pararam de conversar e se voltaram para mim.
— Olá, irmão — Leví cumprimentou, gentil.
Levei minha atenção para Amara, a qual melhor aturo.
— Quarto de Samantha — respondeu entediada.
Custava tanto assim alguém me responder?
Saí dali em passos largos, a caminho do quarto da princesa da casa.
Samantha desde pequena foi mimada por todos que a visitavam. Todos se encantavam pela
doce voz, os lindos olhos cor de mel, os cabelos longos e cheios de onda, como se acabassem de
sair do mar, a pele chocolate e os lábios carnudos.
Ao menos, com os olhos de todos postos sobre ela, o resto de nós conseguia ter uma vida um
pouco mais normal, mas, depois de um tempo, passamos a ser invisíveis, tentando a todo custo se
esconder das mídias e dos boatos espalhados em nome de nossa família.
Hoje em dia, poucos sabem que somos todos irmãos, alguns sequer sabem da existência de
nós, outros apenas desconfiam.
É melhor assim.
Abri a porta do quarto, sem dar-me ao trabalho de bater. Tão logo avistei Samantha sentada
em sua cama com o pequeno rapaz em seu colo.
Ela cantava uma suave música de ninar que me dava enjoos, enquanto ele a encarava como
se quisesse degolar a sua garganta.
Esse é o meu garoto.
E então, por último, terminando a nossa geração, existe o pequeno Asafe.
O meu filho.
Da entrada do cômodo, frisei as sobrancelhas e cruzei os braços no peito.
— Para onde a porra da Marcelia foi? — questionei, rígido.
Samantha suspirou alto e deslizou o seu corpo alto e magro da cama.
Asafe, que antes estava em seu colo, sentou-se no colchão assim que ouviu a minha voz. Os
enormes olhos verdes rapidamente passearam pelo quarto em minha busca. Ao me encontrarem,
ele se abriu num enorme sorriso, animado.
As madeixas negras estavam bagunçadas para todos os lados. Ele odiava que mexessem em
seu cabelo. Para falar a verdade, ele odiava muita coisa e muita gente.
Asafe parecia cada vez maior em todas as vezes em que nos víamos. Apesar de ter apenas
dois anos, já poderia facilmente ser confundido com uma criança de quatro ou cinco. Era
genético sermos tão altos.
— Papai! — comemorou e ergueu os dois bracinhos para o alto, exigindo o meu colo.
Parte da minha carranca se desfez no instante em que vi os seus olhos brilharem para mim.
Caminhei até ele onde estava e o tomei em meus braços. O seu cheiro infantil me inundou.
As não era como as outras crianças, possuía um aroma único. Mesmo que tão inocente, havia a
essência do que era ser o meu filho. Um misto de terror e ingenuidade.
Asafe deitou a cabeça em meu ombro e dei-lhe um beijo demorado na nuca.
Sentia falta quando não o via, apesar de termos uma grande frequência de visitas. As únicas
vezes em que eu não conseguia o visitar, era por motivos de viagens ou imprevistos ainda
maiores. Fora isso, a todo momento eu lhe observava e procurava saber dele.
Ele suspirou baixinho, parecia com sono, mas se recusava a dormir com qualquer pessoa que
não fosse comigo ou com a sua tia Marcelia; mesmo que também não gostasse muito dela.
— Ela não avisou, mas acho que foi algum imprevisto no emprego dela — Samantha
esclareceu.
— E ela não poderia ter me mandado mensagem um pouco antes? Porra, concordamos em
cuidar dele juntos, e não quando ela tem vontade. Já é a terceira vez que ela não me avisa essa
semana. Ela não pode simplesmente trazer ele para cá sem mais nem menos. Ele é minha
responsabilidade — retruquei, rude.
— Eu não sei, Chris. Talvez não tenha dado tempo. Por que está sempre tão irritado com
todo mundo?
Balancei a cabeça, incrédulo.
Como é que ela poderia fazer uma pergunta dessas a esta hora? Tudo isso já não era
motivo o suficiente?
Asafe colocou a sua mãozinha em meu queixo, acariciando-o. Ele discretamente pediu pela
minha atenção enquanto eu gritava aos quatro cantos.
Sabia que ele estava com saudades. então afaguei as suas costas e o apertei em meus braços,
para que ele soubesse que eu ainda estava ali com ele.
— Ele sente falta de morar com você — Samantha comentou, com os olhos cor-de-mel
presos em nós dois.
Beijei a nuca do meu filho e inspirei fundo.
Eu também sentia falta de tê-lo todos os dias comigo.
— Estou perto de levá-lo para morar comigo, mas agora não, ainda não. Tenho muita coisa
para resolver.
Ela sorriu, triste.
Ainda precisava resolver parte da minha vida, e em maioria, negócios inacabados. As exigia
uma demanda de atenção muito maior do que eu poderia lhe dar naquele momento.
Asafe tinha sorte em me ter como pai, porque o meu, abusava da minha inexistente
paciência com os meus deveres e cargos.
— Amara contou que você tem andado mais distante que o normal ultimamente.
Revirei os olhos.
— Que bela merda! — zombei.
Amara era a porta-voz da família. Era por ela que eles sempre sabiam notícias sobre mim.
Garota enxerida.
Sam fez cara feia. Ela reprovava todas as minhas atitudes.
Digamos que ela era a certinha da família, apesar de não ser lá uma santa. Afinal, ninguém
da nossa família era.
Todos nós tínhamos as mãos sujas de sangue e uma significativa parcela de culpa em muita
das coisas que acontecia em nossa ilha Nabrya.
Nossa fortuna certamente não surgia do nada em nossas contas.
— Já estou indo. E mande a filha da puta da Marcelia me ligar. Ela não me atende mais.
— Tem certeza? Não quer ficar um pouco? — sugeriu, simpática.
Ela era tão hospitaleira e gentil que me revirava os órgãos.
Não me dei o trabalho de responder. Eu só tinha um pau grande, mas não saco para as
coisas.
Peguei a mochila de Asafe em cima do armário e saí com passadas largas.
Desci as escadas devagar para não deixá-lo agitado em meu colo. Devia ser uma merda ser
sacudido desse jeito.
Asafe não se contentou em apenas tocar o meu rosto, ele também tentava me machucar
apertando as minhas bochechas com as unhas.
Normalmente, ele era carinhoso, mas só até certo ponto. Existia uma fomentação que crescia
e o atentava até que ele agisse como sua natureza exigia.
— Você é mesmo uma pestinha, não é? — sussurrei, afastando suas unhas cravadas na
minha pele.
Achando aquilo divertido, ele soltou uma gargalhada engraçada de criança.
Asafe não possuía senso sobre o que era certo e o que era errado. Havia partes demoníacas
dentro dele que não entendiam os limites humanos. Por isso, eu tomava todo o cuidado ao lidar
com as suas ações. Ele iria aprender a se comportar, mas ainda não entendia a razão disso tudo.
Tudo em seu cérebro de demônio era muito confuso.
Meu filho era como qualquer outra criança, pois havia nascido de uma mulher humana. Ele
detinha as mesmas características, formas e estrutura de um garoto de sua época de vida. No
entanto, assim como eu, As também se transformava. E isso ainda lhe era fora de controle.
Ele ergueu a cabeça de meu ombro e me olhou curioso, analisando cada parte da minha face.
O rostinho angelical não passava de uma doce ilusão de criança delicada, quando, na verdade, ele
era o completo oposto.
Ainda tinha que receber ligações de sua tia Marcelia, aos prantos, com medo do próprio
sobrinho e das coisas esquisitas que ele fazia.
Esse garoto me enche de orgulho.
Asafe abriu um largo sorriso, revelando todos os seus novos dentinhos. As bochechas
coradas e os olhinhos alegres.
Ao menos, de mim, ele gosta.
— Por que você tem cara de quem está doido para me atazanar, hum?
Ele sorriu ainda mais.
— Sovete — pediu, manhoso.
— Sorvete, As? Sério? — fiz careta.
Ele balançou a cabeça, concordando, e eu repuxei os cantos dos lábios.
— Tudo bem, sorvete, então.
No pé da escada, Amara já me esperava com as duas mãos na cintura e o olhar afiado. Eu
quase podia ouvir o seu discurso notoriamente preparado em sua cabecinha de geleca.
— O que é, Elsa? — falei, desinteressado.
Ela odiava o apelido que dei a ela, mas fazia jus a quem ela era. Fria, cabelos brancos,
solitária e lésbica.
No início, apenas eu a chamava assim, mas agora todos os nossos irmãos encrencavam com
ela.
— Já está indo? — brigou.
— Eu só vim buscar a minha criança, não tenho tempo para duas. Então sai da minha frente.
Ela mostrou-me o dedo do meio e Asafe repetiu o gesto. Num rápido movimento ela cobrou
a mão dele e semicerrou os olhos.
— Nunca mais faça isso, garoto — mandou, toda cheia de robustez.
Meu bebê ficou zangado e enfiou o seu rostinho no meu pescoço.
É, Asafe, eu também não gosto tanto assim da sua tia.
Tentei me desviar de Amara, mas ela me barrou.
— Nós vamos conversar! — determinou, séria.
— Nem foden...
Antes mesmo que eu tivesse a chance de recusar, ela arrancou a chave do meu carro de meu
bolso e partiu para fora da casa.
Soltei o ar com força.
— Sua tia deveria ter sido abortada — disse, frustrado.
Asafe jogou a cabeça para trás. Os olhos curiosos presos aos meus, como quem não entendia
o que eu queria dizer.

Em meio ao trânsito, e com as mãos no volante, Amara virou a sua cabeça para mim como
uma boneca endemoniado e investigou:
— Quem é a garota?
Enruguei a testa e olhei para trás, apenas para conferir se Asafe estava bem preso ao cinto de
segurança. Desconfiava que Amara tivesse batido a cabeça quando criança, pois dirigia como
uma delinquente.
As ergueu os olhos para mim, mas logo em seguida voltou a sua atenção para a janela. Foi
tranquilizador saber que ele não estava verde e nem prestes a vomitar.
— Garota? — fingi desentendimento.
Ela me olhou brava.
— A do trote, Chris.
Por que porra ela queria saber da Dytto?
— E o que você tem a ver com isso? — rebati.
— Contou para ela sobre o que você é?
Repuxei os lábios para o canto. Quase rindo da sua incômoda intromissão repentina.
Quando foi que ela tomou essa liberdade toda?
— E te interessa, Amara?
Ela se emburreceu.
— A garota chorou porque viu a consequência do nosso trote. Ela chorou, Christopher. Não
vá me dizer que está se envolvendo com ela sem pensar nas consequências.
Oh, claro! O trote. Éramos nós que os fazíamos todas as vezes. Desta última, fora ideia de
Amara que todos pulassem do penhasco.
Em geral, era Demétrius que gostava de escolher quem iria participar. Pedi a ele que
escolhesse Dytto, pois queria vê-la novamente. Eu obviamente nunca deixaria que nada
acontecesse a ela, por isso roubei um saco de fitas antes do jogo começar.
Minha Dingo Bells ficou nervosa atoa.
— Você parece uma velha insuportável — resmunguei, rolando os olhos.
Asafe riu atrás de nós. Éramos comparsas quando o assunto era falar mal de alguém.
— Já temos boatos demais na nossa família. Não queremos uma igreja inteira evangelizando
na porta da nossa casa porque uma garota emocionalmente instável contou a todos que você é a
droga de um demônio. Isso não se trata só de você. Todos nós sempre sofremos as consequências
— esbravejou alto.
Mesmo que vivêssemos como nômades, nos lugares mais afastados da nossa cidade e
escondidos na floresta, parte da igreja católica nos conhecia e sempre nos investigavam. Os
padres nos odiavam severamente, mas era bem engraçado vê-los constantemente rezando em
volta de nossos terrenos.
— Porra, como você é chata!
Ela me olhou ardendo em fúria.
— Para de ser assim, Christopher! Presta atenção!
— Se parar de me dizer merda, quem sabe eu não te ouça um pouco.
Ela apertou os dedos no volante.
— Prometa que ela vai nos deixar fora disso e eu te deixo em paz. Não quero policiais na
nossa casa e você sabe bem o motivo.
Revirei os olhos.
— Ela não vai contar nada.
— Como tem tanta certeza?
Arregalei os olhos e levantei as mãos para o alto, irritado.
— Vai me questionar sobre tudo agora? O que aconteceu com aquilo de cuidar da própria
vida?
Ela rosnou baixinho e vagamente a ouvi me mandar tomar no meio do cu. Gostaria de ter
dito que o sentimento era recíproco, mas ela me parou mencionando um assunto ainda mais
deliciado.
— Ao menos me responda então. Ela sabe sobre Asafe? Sobre a mãe dele? Sobre como ela
morreu?
A olhei sério. Se pudesse, a esganaria agora mesmo.
Que porra Amara estava perguntando? Por que diabos Dytto teria que descobrir tudo isso?
Este assunto não cabia a ela ou a ninguém.
— Ela não precisa saber de tudo.
— Nem mesmo sobre Asafe?
— No momento certo eu conto. Fica fora de toda essa porra, Amara. Não quero te machucar.
— Eu não ligo para a sua vida, Chris. Não me venha com babaquice. Quero mais que você
se foda, contanto que não deixe isso nos atingir. E, aliás, tenho um assunto pendente com a irmã
da garota.
— Se vai brigar com a cretina da Loren, então vai ter que aguentar a irmã chorando.
Ela me lançou um olhar julgador.
— Por que está com ela se ela é tão sensível?
Sorri cínico.
— Porque ela é toda minha — respondi, orgulhoso.
— Que merda você fez, Christopher? — Ela semicerrou os olhos, soando desconfiada.
— A marquei.
— Isso quer dizer que... — instigou, confusa.
— A alma dela é minha. Quando ela morrer, eu ainda a terei só para mim.
Ela enrugou o nariz em uma careta.
— Isso é doentio.
Dei de ombros e escorreguei um pouco mais no banco.
— Já se sentiu tão obcecado por alguém a ponto de só enxergar essa pessoa? De a querer o
tempo todo só para si, e odiar que qualquer um a toque ou tente roubá-la de você?
— Não acha que ela tem o direito de escolher? — aconselhou.
Provavelmente.
— Sim, ela tem. E quando chegar a hora dela escolher, vou fazer com que ela escolha a
mim. Sempre a mim. Você não tem ideia, Amara. Não tem a menor ideia do quanto eu quero
aquela garota. Isso vai além de tudo o que eu conhecia sobre mim.
— Sabe que isso é perigoso a ela, não sabe?
— Eu jamais a machucaria.
— Não de propósito — rebateu, firme.
— Não se preocupe. Prefiro cortar os meus próprios braços antes de fazer mal a ela.
Amara juntou as sobrancelhas.
— Christopher... — seu tom de voz tornou-se estranho.
— O que?
— Você não está obcecado por ela. Está apaixonado — concluiu.
— Apaixonado não é o termo correto. Não chega nem aos pés do que sinto.
Ela sorriu.
— O filho da puta do meu irmão tá apaixonado — murmurou incrédula.
Sorri com ela.
— As? — o chamei.
— Oi.
— Em breve eu vou te apresentar uma pessoa importante pra mim.
— Quem é, papai? — ele se empolgou.
Eu ri.
— Sua madrasta.
08 de Abril | Segunda-feira
Seus olhos eram rígidos, frios e duros.
Não tinha meia hora que eu e minha irmã havíamos chegado da escola, e papai prontamente
tinha decretado a minha morte. Ele havia retornado de viagem fazia pouquíssimo tempo, mas já
estava uma fera indomável.
As suas mãos na cintura determinavam a postura repreensiva de quando queria nos dar
sermão.
Os olhos afiados vagueavam pelo meu rosto, com nítido desgosto.
Eu supus, de início, que aquele assunto não iria para um bom lado, todavia, não sabia que
seria tão ruim até ele começar a falar.
— Não queremos que você namore aquele garoto — disse sério, de pé à frente da mesa.
Sentada no banco próximo a ele, me sobressaltei.
— O quê? Pensei que estivesse tudo bem — indaguei, confusa.
Seu rosto congelou em uma máscara raivosa. Ele cerrou os dentes e apertou os punhos sobre
a pobre mesa.
— Achou que estivesse tudo bem? — cuspiu, incrédulo. — Depois do nosso jantar, como
pôde pensar isso, Dytto? Aquele moleque não é para você.
Arregalei os olhos e busquei pelo olhar da minha mãe do outro lado da sala de jantar, em
busca de acolhimento. No entanto, ela parecia de acordo com o papai.
Ever sequer deve ter argumentado nessa decisão. Tudo o que ela fazia era acreditar que meu
pai sabia todas as respostas e que deveria se manter calada e obediente.
Infelizmente, minha mãe era submissa às ordens do seu marido.
Balancei a cabeça freneticamente.
Eu não queria acreditar que ele estivesse mesmo falando sério. Nunca havíamos discutido
sobre a minha vida pessoal desta maneira antes. Ou melhor, ele nunca havia imposto sua vontade
sobre a minha.
— E-eu não acho que você possa escolher quem é ou não para mim — argumentei com
confiança.
Ele apoiou os dois braços sobre a móvel de madeira e ergueu o corpo. Furioso.
— Eu te conheço melhor que todo mundo. Eu sei o que é melhor para você. E não é aquele
garoto imbecil. Você vai me obedecer.
Meu rosto inteiro esquentou e estremeci no lugar.
Senti meus olhos umedecerem e um grande nó se formar em minha garganta, mas não
derramaria uma única lágrima sequer em sua frente. Se eu quisesse que ele me ouvisse, eu teria
de enfrentar os meus próprios sentimentos e agir com seriedade.
Preenchi os pulmões de ar, determinada, e ergui o queixo para ele.
— E eu escolho com quem eu vou ficar.
Ele franziu o cenho, tão surpreso quanto eu ou mamãe pela minha atitude tão inesperada.
Afinal, não era de se esperar que a caçula boba e ingênua fosse, um dia, contrariar as suas
ordens.
— Você não pode decidir com quem eu vou namorar. Não assim. Não desse jeito. Você não
pode simplesmente decretar e pronto. Você nem ao menos me perguntou se eu me sinto feliz
com ele — comentei, tristonha. — Por que não confia em mim?
— Aquele garoto... — papai gesticulou com as mãos. — Não gosta de você.
Ele fumegava de ódio ao ditar palavra por palavra, pouco se importando em como me
afetariam.
— Ele só quer o que todos os outros homens querem como uma garota ingênua como você.
Digo isso para o seu bem. E ele claramente não te faria feliz, porque ele é tudo o que você nunca
quis em alguém.
Papai tinha razão. Algumas semanas atrás, eu nunca teria aceitado a ideia de me
relacionar com alguém como Christopher. Mas, bem, as coisas mudaram.
Eu já não era mais a mesma de ontem, e nem a de hoje mais cedo. Estou em constante
mudança e, se isso quer dizer sair da minha zona de conforto, eu aceitava. Mas não permitia que
papai se prendesse à ideia de que eu devia me manter para sempre em uma caixinha, fantasiando
apenas o melhor da vida.
Eu ainda não me conheço. E se eu continuar acreditando que tenho que me limitar a ideia
de outros, então eu nunca vou crescer.
— Eu nunca teria deixado Christopher entrar na minha vida se não fosse pela constante
insistência dele. Acredite, papai, eu não queria nada disso — comecei, sabendo que não iria parar
até que meu coração se sentisse liberto de tudo o que eu queria jogar para fora.
Os dois ouviam ainda mais atentos. Eu estava com medo, mas precisava daquilo.
— No fundo eu sempre soube que ele não era o que eu esperava, mas, ainda assim, eu me
senti atraída por ele desde o minuto em que eu o vi pela primeira vez. Eu sei que eu não costumo
magoar vocês, e eu lamento em decepcioná-los, mas não lamento por não desistir dele.
Engoli as lágrimas, e prossegui:
— E, sim, papai, o Christopher me faz feliz, porque apesar de ele não ser absolutamente
nada do que um dia eu sonhei, ele é tudo o que eu precisava.
Ele balançou a cabeça, horrorizado.
— Meu santo Deus! Está se escutando, Dytto? Você, que sempre priorizou os seus ideais,
está se deixando levar por um garoto. E a custo de quê?
Papai despenteou os seus cabelos, esfregando-os com rigidez em sua cabeça.
— Você não está vendo com clareza o que nós vemos, porque está cega, mas saberia que
esse... — ele mordeu a língua, engolindo palavras cruéis demais para serem ditas — esse rapaz,
está brincando com você. Com os seus sentimentos. Ele é um erro.
— Se ele for mesmo um erro. Então não se preocupe, papai. Eu lido com os meus erros
sozinha a partir daqui.
— Querida... — mamãe interviu, calma e serena —, tem certeza que esse garoto é bom para
você?
Deslizei a língua sobre os lábios e assenti.
— Sei bem o que estou fazendo, mamãe.
Não completamente, é claro. Mas estava óbvio que eu não deixaria que a minha indecisão
fizesse os meus pais interferirem no que nós tínhamos.
Era a minha vida em jogo, não a deles.
— Não! — papai se intrometeu. — Não vou deixar aquele garoto fazer isso.
— Theo — mamãe o chamou, apaziguadora.
Ela ainda tentava nos proteger, mesmo que papai sempre desse a palavra final.
— Não! — berrou ele novamente. — Dytto não verá mais esse garoto, não falará mais com
ele e não vai mais ter o carro até que termine com ele — determinou, rígido.
Ele ergueu a postura e abotoou o paletó.
— Agora eu tenho que ir para o hospital. Irei realizar uma cirurgia daqui 30 minutos. E não
me venham com esse assunto de novo! — berrou, furioso.
Sem mais paciência para esta conversa, papai saiu com passos pesados e longos. Confiado
de que aquilo havia sido um ponto final.
Mordi os lábios com força, sentindo-os tremularem e os olhos arderem.
Mamãe me olhou complacente, mas apenas sorri triste.
— Talvez seu pai tenha razão, Dy...
Não fiquei para a ouvir. Saí dali apressada, rumo ao meu quarto.

A porta grunhiu ao ser aberta, mas não ousei me mover.


— Você está bem? — ouvi a voz Loren perguntar.
Já passava um pouco mais de uma da madrugada. Não consegui dormir, tampouco comer.
Sentia que parte de mim se rasgaria se eu tentasse fazer qualquer movimento.
Christopher não veio me visitar, também não me avisou a razão. Mas eu desejei que ele
viesse. Queria-o comigo para que parte dessa angústia se desfizesse. Queria poder desabar em
seus braços e pedir que me fizesse companhia.
Pensei em mandar mensagem, mas não queria parecer desesperada por ele.
Eu sabia viver sem as suas visitas noturnas, e precisava me conter sem isso. Não queria
tornar-me dependente daquela Torre Tatuada tão excepcionalmente atraente. Sem mais
alternativas, apenas afundei debaixo do meu cobertor. Vivenciando um dos meus sentimentos
ensurdecedores.
Suspirei cansada.
— Só estou um pouco... triste — respondi, num sussurro infeliz.
A porta se fechou e senti os lençóis serem chacoalhados, seguidamente do colchão
afundando ao meu lado. Loren envolveu seu braço ao redor de minha cintura e beijou o meu
ombro.
— Daqui alguns meses, eu vou montar a minha própria empresa e, em média, uns 5 anos
depois, vou começar a faturar um bom dinheiro. E eu prometo, gatinha, nós duas nunca mais
vamos precisar saber dos nossos pais, do dinheiro deles, ou dessas loucuras fantasiosas que eles
têm sobre nós duas. Vamos morar em uma casa em frente ao mar, beber tequila e rir a beça
lembrando desses dias.
Sorri.
— Vou ter o meu próprio banheiro? — murmurei.
— Vai, sim.
Meu sorriso cresceu, contudo, seguidamente murchou como uma flor em seu devaneio.
Virei-me para ela devagar.
— Eu me defendi hoje. Do papai. Foi estranho, mas foi muito bom — confessei, contente.
Ela sorriu e beijou a minha testa.
— Meu bebê está crescendo — disse orgulhosa.
— Talvez.
Loren apertou a minha bochecha.
— Mentiu para os nossos pais, fugiu de casa, se posicionou hoje. O que mais devo esperar
de você?
Sorri contido.
— Bom, provavelmente, muito em breve, talvez eu consiga ser um pouco mais rebelde e
pinte uma mecha do meu cabelo de rosa. Papai e mamãe ficarão loucos.
Loren gargalhou.
— Céus! Eles vão te mandar rezar e provavelmente me culpar por isso.
— Ah, tem mais chances deles culparem o Chris, ele é bem pior do que você.
O sorriso de Loren morreu ao ouvir o nome dele. Ela tentou disfarçar, mexendo em algumas
mechas de seu cabelo, mas, ainda assim, era nítido o seu desconforto.
Ela ainda não estava nada bem com isso.
Queria que as coisas fossem diferentes para nós duas.
— Lô, você ainda não me disse o que pensa sobre mim e ele.
Ela balançou a cabeça.
— Eu não tenho que pensar nada, Dytto. Se você está feliz, eu também estou, é assim que
somos.
Balancei a cabeça.
— Você é a minha irmã. É claro que você tem que pensar algo.
A ouvi suspirar, tristonha.
— Não me faça dizer em voz alta o que eu penso, porque nós duas sabemos bem como eu
me sinto. E eu não quero que isso te magoe, porque sinceramente, se fosse para ele e eu ficarmos
juntos, ele nunca teria feito nada do que ele fez, mas se ele é o total oposto com você, então quer
dizer que ele sente algo, e claramente não é para mim. Então que se dane o que eu sinto agora,
ele não vai deixar de ser o Christopher malvado que eu conheço de todo o modo.
Mordi o canto dos lábios.
— Eu sinto que eu te devo desculpas.
— Para falar a verdade, você me deve explicações e não desculpas. O que é que está rolando
entre vocês dois?
Mordisquei o canto do dedo, nervosa.
— Eu sei lá, eu só... Acho que só aceitei que agora nós somos algo.
— Namorados.
Bom, era isso que Christopher disse que somos. Deve significar alguma coisa, então.
— É, talvez, eu não sei. Eu não sei mesmo, Lô. Ele é todo cheio de si, e eu sou
completamente medrosa. Apenas me deixo ser levada para onde ele quer que eu vá, porque eu
também sinto algo por ele, mas, é tão forte e tão profundo que me faz ficar doida por ele. E eu
odeio me perder assim, e ficar completamente fora de si. Mas é esse choque que o Chistopher
causa no meu corpo.
Seu rosto assumiu uma expressão curiosa. Loren se ajeitou na cama, apoiando o corpo nos
cotovelos e o rosto nas suas mãos.
— Dy, vocês dois já...
Arregalei os olhos e senti minha pele ser incendiada de vergonha.
Era pessoal demais conversar sobre isso com a minha irmã.
Para ela era mais fácil. Loren era mais experiente com essa coisa de sexo. Eu, por outro
lado, havia sido tocada apenas há pouco tempo. Nenhum garoto havia sequer passado dos limites
comigo. Até o Christopher chegar, e então Marcos.
— Nós fizemos coisas, mas não chegamos até o fim — confessei, vergonhosa.
Baixei o olhar para os meus dedos, enquanto os enrolava nos fios soltos do meu pijama. Era
difícil manter contato visual falando sobre minha vida íntima com Christopher.
— E isso é bom ou ruim? — Loren quis saber.
— Ele está esperando que eu me sinta pronta.
— Ok. É muito bom saber que eu não terei que arrancar as bolas dele.
— Para falar a verdade, ele é um pouco alucinado. E me deixa com medo saber que ele tem
bastante experiência, e eu nenhuma. Tudo o que eu vivi foi com ele — admiti, sincera.
Era vergonhoso não saber o que fazer quando ele estava comigo. Como eu poderia dar
prazer a ele se mal conhecia a mim mesma?
— Não precisa ter pressa. Não é como se o mundo fosse acabar se você decidisse esperar
por mais alguns anos para fazer sexo com ele — aconselhou. — Christopher provavelmente
sofreria, mas, se você é o que ele realmente quer, então não tem o porquê ele te deixar.
— Eu sei, é só que... Nem é só o fato de esperar, é que, por mais que eu espere 1 ou 10 anos,
aquilo não vai mudar... — Engoli em seco, evitando levar os meus pensamentos para aquela cena
novamente.
Oh, merda! Por que Christopher tinha que ter sido feito completamente fora dos padrões de
um homem normal?
— Não vai mudar o que? — Loren instigou, curiosa.
Soltei o ar pela boca.
Era terrível o que eu ia dizer, mas eu precisava mesmo contar isso para alguém ou iria
explodir.
— Não ri, tá bom?
Ela enrugou a testa.
— Eu não prometo que não vou rir, mas agora vai ter que me contar ou eu vou morrer de
curiosidade.
Mordi os lábios e a encarei incerta.
— Me empresta o seu braço — pedi. Ela virou-se de barriga para cima e fez o que eu pedi.
O estiquei para o alto e delimitei com os dedos a dobra dele.
— Isso aqui. — Apontei para o seu antebraço. — Esse é o tamanho da coisa que ele guarda
nas calças.
Ela arregalou os olhos e pulou da cama, sentando-se num rápido impulso.
— Você tem certeza? — indagou, abismada.
Seus olhos pareciam tão chocadas que imaginei que ela estivesse vendo fantasmas. Olhei em
volta, mas só havia nós duas ali.
— É, eu tenho — confirmei.
Ela trocou o olhar diversas vezes entre o seu antebraço e a mim. Completamente tomada
pelo choque.
— Dytto... — se pronunciou, aterrorizada.
— É, eu sei. — Assenti, apática.
Eu já havia passado pela fase da negação. Agora estava em um algum tipo de trauma-pós-
Christopher.
— E... tem tatuagens — acrescentei, sem jeito.
— O QUÊ? — gritou, exasperada.
— Shhh! — Enfiei o dedo em sua boca. — A mamãe vai acordar assim.
Ela tapou o rosto, olhando-me com os globos oculares quase que saltando para fora do seu
rosto.
— Isso é bizarro, Dytto — cochichou, perplexa.
Balancei os ombros, como quem diz: "É uma merda, mas é a vida."
— Se ajeita — ordenou, arrancando os lençóis do meu corpo.
— O que vai fazer, Lô?
Ela me puxou com tanta facilidade que me assustei.
— Vou medir.
— O quê? — tentei me levantar, mas ela me empurrou de volta.
— Fica quieta.
Esperei paciente, enquanto ela deitava seu antebraço na vertical, do início da minha virilha
até o meio de minha barriga. Ela estava realmente levando aquela metragem a sério.
— Isso vai te arrebentar inteiro, garota — determinou.
Sua cabeça parecia estar prestes a explodir com a sua fértil imaginação trabalhando.
— É, tô sabendo.
Ela se jogou ao meu lado.
— Dytto, não pode deixar ele enfiar isso em você assim.
Acabei rindo.
— E o que dá para fazer?
— Sei lá, tenta com um vibrador antes, ou...
— Ou? — juntei as sobrancelhas.
— Ou pede para ele cortar metade.
— O quê?
— O que é? Ainda vai ter a outra metade.
— Loren — a repreendi.
— Tudo bem, você que sabe, mas no seu lugar, eu pediria.
Balancei a cabeça.
— Isso nem mesmo é uma ideia que deveria ser considerada.
— Tá legal, mas foi você que me mostrou isso, e agora eu vou ter pesadelos com essa coisa.
— Vamos logo dormir que está tarde.
09 de Abril | Terça-feira
Estava com o torso encostado no guarda-corpo da ponte de minha escola — observando as
carpas nadarem alheias pelo lago —, quando senti alguém cutucar de leve as minhas costas.
— Para você — Luc disse atrás de mim e virei-me para ele.
Em suas mãos, encontrei um buquê de flores, com lindas tulipas rosa e perfumadas. Meus
olhos brilharam ao denotarem seu gesto gentil.
Ele sorriu ao me entregar e minhas bochechas coraram.
Eu nunca havia recebido um buquê antes.
— Minha nossa! Obrigada, Luc. — Sorri animada e ele beijou a minha testa, aquecendo o
meu coração.
— Estava passando na rua quando vi um senhor vendendo. Achei a sua cara. — comentou,
cavalheiro.
Mordi os lábios, prendendo um sorriso tímido.
— Valeu... Eu achei, realmente, muito fofo!
As abracei com cuidado enquanto as admirava. Luc sorriu, contente, e colocou suas mãos
nos bolsos da calça.
— Que nada! Você merece muito mais do que flores, Dytto.
Seus olhos castanhos me observavam amáveis. A pele bronzeada parecia ainda mais corada
e o sorriso formava covinhas atraentes em suas bochechas.
Luc era tão lindo quanto encantador. Mas meu coração já tinha outro dono.
— Vai me dar uma cantada a uma hora dessas? Ainda não são nem 8 horas — desconversei
e ele riu.
Não queria tomar um caminho romântico após receber flores, então apelei para as minhas
piadas.
Luc e eu éramos apenas amigos, portanto, devíamos agir como tal.
— Nunca é cedo demais para te enaltecer, mulher.
Ri em diversão e joguei a cabeça para o lado.
— Onde você se meteu esses dias? — perguntou, descontraído.
— Ando um pouco ocupada... estudando — pigarreei.
Eu não queria mentir para ele, entretanto, era bem melhor do que soltar a bomba. Ainda
mais, logo após receber seu presente. Que tipo de pessoa eu seria se fizesse uma coisa dessas?
Enfiei meu rosto nas flores, respirando seu aroma, antes mesmo que meu rosto me
denunciasse, transparecendo o meu nervosismo.
Girei os tornozelos, e Luc me acompanhou. Estávamos indo em direção às salas.
— Quer sair comigo hoje à noite, mademoiselle? — convidou, simpático e sorridente.
Meu rosto automaticamente se crispou.
— Sinto muito! Estou de castigo.
Ele revirou os olhos.
— Droga, eu havia esquecido! — murmurou.
— Não faz mal. Podemos fazer isso um outro dia.
— Jura?
— Sim. Eu, você, Loren e...
— Não, não. Espera aí! Não tem como levar todo mundo para um encontro — observou,
magoado.
— Não será um encontro, Luc.
Ele fez beicinho.
— Você não cansa de quebrar todos os pequenos cacos do meu coração, não é? — brincou.
— Sou um lobo solitário, não tente me acompanhar.
Ele assumiu uma expressão neutra.
— Tudo bem. Não precisa se preocupar, eu dou conta. Mais vinte sessões de terapia e eu te
esqueço.
Ri alto e ele seguiu o ritmo.
— Eu vou para a aula, Luc. Valeu pelas flores — agradeci, ainda sorrindo.
Ele acena despretensioso com as sobrancelhas e eu me despedi com a mão.

O tempo estava correndo depressa.


Apenas entrei no modo automático assim que pisei em sala de aula.
Algo costumeiro, como em qualquer outro dia. Contudo, algo incomum virou o meu dia do
avesso.
Eu não era de ligar para conversas alheias, não mesmo, a menos que fosse uma grande
fofoca, daquelas que fazem estragos e, só então, meus ouvidos se aguçavam, mas é claro, eu não
espalhava, apenas dividia as informações com Loren que, consequentemente, surtava e me pedia
por mais.
No entanto, não foi uma fofoca que me despertou de meus devaneios, mas, um nome.
Um nome que estava mexendo com a minha cabeça há dias.
— O Christopher é tão lindo, não é? — comentou a loira, sentada à minha frente.
A garota ao seu lado sorriu maliciosa quando sua amiga lhe mostrou a tela do celular. De
onde eu estava, via com clareza a foto do homem tatuado, de lindos olhos verdes resplandecendo
na tela.
Meu estômago se contorceu no mesmo instante. Não que eu discordasse, porém, porque eu
me comparei no segundo em que vi as lindas garotas o elogiarem.
E se, por algum acaso, Christopher caísse em si e percebesse que poderia ter qualquer garota
aos seus pés e que estava perdendo seu tempo comigo?
Eu odiava aquele pensamento, entretanto, ele implorava com todas as suas forças para se
manter ali, me maltratando.
Nunca fui o tipo de garota que estava pronta para competir pelo garoto do qual gostava.
Eu não. Eu não fazia isso. Sem chances!
Se havia a menor chance de existir uma competição, eu corria para o lado oposto. Não
gostava de saber que seria sufocada pela toxidade que algumas garotas conseguiam liberar.
Fugir de brigas sempre me pareceu o caminho certo. Afinal, para que me colocar diante
situações que eu sabia que me deixariam para baixo?
Apesar de tudo, ainda assim, eu me mantive atenta ao que diziam. Elas o elogiaram por
tantas e tantas vezes que comecei a me sentir nauseada.
Mas o que eu poderia fazer? Gritar: "Ei, não o elogiem. Ele me garantiu que estávamos
namorando, então por favor, fiquem caladas”?
Não seria certo.
— Eu mandei mensagem para ele ontem à noite — cochichou a loira.
A sua amiga arregalou os olhos e as duas sorriram.
Meu peito doeu no mesmo segundo. Foi certeiro e fatal.
Seria por isso que ele não fora me visitar? A ansiedade estava me matando.
— Ficou doida? O que ele respondeu? Anda, me conta.
Meus dentes travaram.
Oh não!
— Ah, bem... — ela fez um leve suspense e, pela primeira vez na vida, eu quis socar o rosto
de alguém. — Nada.
O sorriso sumiu de seu rosto. Poderia até mesmo dizer que eu o arranquei de lá e o coloquei
em minha face, mas não poderia saber, no minuto em que ela respondeu, um sorriso aliviado
surgiu em meus lábios, já nos seus, eles se desmancharam.
— Bom, espera mais um pouco, talvez ele só não tenha tido tempo para olhar as conversas
— a amiga incentivou.
— Na verdade, ele viu.
Dytto 2 × 0 Garota da minha sala
Mas que droga! Eu estava tão feliz por isso e já estava me sentindo uma grande vitoriosa.
Quando foi que eu decidi que as outras garotas eram as minhas rivais?
Maldita toxicidade feminina!
— Que droga, amiga! — lamentou baixo, afagando as costas de sua colega. — Acho melhor
deixar isso para lá. Seria bem vergonhoso insistir — aconselhou, com um sorriso triste em seus
lábios.
A loira suspirou baixo e assentiu.
Sábio conselho. Deixe o meu Chris quieto.

Loren e eu nos entretemos em uma conversa, enquanto caminhávamos pelo estacionamento


em direção ao seu carro já que, o meu, foi confiscado.
Eu carregava as flores em meus braços, recebendo vários olhares curiosos. Loren elogiou o
gesto de Luc uma centena de vezes. Ela não era romântica, e nem melosa, mas apreciava gestos
como este.
Luc não pôde nos acompanhar, estava em um tipo de prova nacional.
Gostava do jeito de como ele sempre se empenhava em se sair bem em tudo o que fazia.
— Você vai sair hoje? — perguntei, distraída.
— Provável. Mamãe e papai ainda não descobriram das minhas férias de mentirinha, ou
seja, eu ainda tenho meu escape de fuga.
Sorri.
— Queria poder levá-la, mas, você sabe, papai está com tanta raiva que te caçaria.
— É, eu sei. Ele está mesmo furioso, mas não vou deixar que ele se impregne nos meus
pensamentos. Não quero que ele tome decisões por mim.
— Você está mesmo bem? Digo, em relação ao Chris? Está mesmo feliz? — investigou,
preocupada.
Assenti.
— É. Eu estou.
— Não tenho nada para me preocupar, então?
— Não, não tem.
Ela sorriu, despreocupada.
— Tudo bem! Me avise se ele fizer algo estranho.
Juntei as sobrancelhas.
— Estranho como?
— Você sabe, Dy. Christopher já deve ter te mostrado uma coisa ou outra sobre ele.
Inspirei fundo.
— É, eu sei. Mas estamos lidando com isso.
Seus olhos sem querer vagaram sobre a minha cabeça, mas algo que ela viu a fez parar em
uma direção fixamente. Seus olhos semicerraram e seus lábios se entortaram para o canto.
— Falando no diabo.
Crispei a testa e me voltei para onde ela olhava. Encontrei o carro de Christopher
estacionando a alguns metros de nós.
Não demorou muito para ele descesse, cercando-se olhares de todos em volta.
Ele estava todo vestido de preto, com um enorme casaco de lã bege. Seus olhos maciços,
domavam uma selvageria que enlouqueceria a qualquer um.
Chris deslizou a língua sobre os lábios, de maneira hipnótica.
E que visão...
Ele caminhava cheio de postura e seriedade em nossa direção. Foi impossível não notar os
olhares que ele recebeu durante o percurso que fez.
— Dingo Bells — cantarolou, assim que se pôs diante de mim.
Meu coração ligeiramente disparou no peito.
Sentia como se não nos víssemos há séculos.
Seus olhos desceram pelo meu rosto até o buquê que eu segurava em meus braços e
tornaram-se sérios. Uma de suas sobrancelhas se arqueou, e uma onda de fúria tomou conta de
sua face. Ele parecia prestes a colocar fogo nas flores, e em seguida, em que as me deu.
— Flores? — instigou.
Precisei de um segundo para me recuperar, antes de respondê-lo.
— O Luc me deu — expliquei, mas não pareceu diminuir a raiva que encontrei em seus
olhos.
Ele soltou o ar com força e olhou para Loren, que... Puta merda! Não parava de encarar as
calças dele.
— Perdeu alguma coisa? — Chris a alfinetou e ela imediatamente arregalou os olhos ao ser
flagrada.
Senti que tanto eu como ela estávamos vermelhas.
Nem para Loren ser um tantinho mais discreta.
— Hum, não! Eu... — Ela me olhou, nervosa. — Ainda vai precisar da minha carona, Dy?
— sua voz soou trêmula e desconcertante.
— Ah, vou. Não quero que meu castigo aumente por mais 10 anos pelo simples fato do
papai me ver chegando com o Chris.
— Pode ir, Loren. Eu cuido dela — ele interveio.
Fiz careta e balancei a cabeça.
— Por favor, não! Papai me deixou suspendeu meu carro por causa do nosso... Ahn,
namoro.
Ele deu de ombros.
— Eu me resolvo com ele depois.
— Chris — sussurrei.
— Não se preocupa, Dingo.
Era difícil discutir com Christopher se ele nunca deixava ninguém ter razão.
— E o que vai fazer? — perguntei, preocupada.
— Conversar.
Ergui uma sobrancelha, desconfiada.
Ele revirou os olhos e voltou sua atenção para a minha irmã.
— Que inferno, Loren. Para de olhar para a minha calça.
Mordi o lábio inferior com força e olhei para baixo.
Eu quero muito morrer.
— Eu não estava... — ela tentou consertar a situação, mas vendo no que havia se
transformado, logo desistiu.
Christopher suspirou forte e levou sua atenção para mim. Ele ergueu o meu rosto com o
dedo indicador, e encarou-me com severa apreensão.
— O que você aprontou? — investigou, a voz rouca e autoritária.
Olhei para ele constrangida.
— N-nada.
Seu rosto se endureceu.
— Conta.
Engoli em seco.
— Eu conto tudo para Loren, não sei o porquê de estar tão surpreso.
Ele retornou o olhar para ela, em seguida para mim, e então para ela novamente.
Achando graça, sorriu.
— Bom, pelo menos agora ela pode fantasiar com mais clareza — caçoou.
— Seu cretino!
— Christopher — ralhei.
Ele me olhou sorridente.
— Foi só uma brincadeira, meu bem.
— Não faz mais isso.
Ele ergueu as mãos em rendição.
— Eu já vou — Loren avisa. — E me faça o favor de não matar a minha irmã, Slenderman
pirocudo.
Mordi os lábios, fazendo um grande esforço em conter o riso. Christopher fez uma
expressão enojada, e a fitou com tanto desdém que me fez querer gargalhar.
Loren mostrou-lhe o dedo do meio e entrou em seu carro. Pouco se importando com a
bomba que deixou cair aqui.
Chris pôs seu olhar sobre meu corpo, descendo-o de cima a baixo.
— Se eu não me preocupasse tanto com você, já teria te feito pagar por isso.
— Desculpa — murmurei, entre um riso e outro.
Enfiei meu rosto em sua camiseta e ele me abraçou forte. Christopher arrancou o buquê de
minha mão e resmungou desgostoso.
— Que péssimo gosto, Dingo Bells. Péssimo gosto!
— O Luc é um cara legal — o defendi e ergui a cabeça para a Torre Tatuada.
Chris abaixou o seu rosto, até que, gentilmente, seu nariz estivesse tocando a ponta do meu.
— Você ainda não entendeu, não é? Ninguém mexe com o que é meu.
Fechei os olhos.
— Não pode prender todo cara que fala comigo em uma gaiola.
Ele soltou um riso curto.
— Oh, como posso! Não faz ideia de como eu posso.
Fiz cara feia para ele.
— Não se meta nisso. Ele é meu amigo, e ele me deu flores.
Seu corpo ficou tenso entorno de mim, mas não retrucou. Chris apenas beijou a minha testa
e recuou um passo.
— Acho melhor nós irmos. Quero te levar para sair.
— Papai vai me deixar de castigo para todo o sempre — brinquei, sabendo que ele
realmente poderia fazer isso.
— Não tenha medo, amor. Você está comigo.
Sorri, empolgada.
— E para onde vamos?
— Quero te apresentar a alguém.
09 de Abril | Terça-feira
Não era como se eu quisesse assustá-la, mas ver o choque em seu rosto, tornou isso uma
tarefa interessante.
Assim que Samantha abriu a porta de minha casa com Asafe em seu colo, Dytto estagnou.
Por longos dois minutos, imaginei que ela estivesse tendo um derrame, contudo, assim que
ela se moveu, soube que estava apenas confusa.
Asafe se agitou no colo de minha irmã no momento em que seus olhos se depararam com os
meus, ignorando por completo a presença de Dytto ao meu lado na varanda.
A criatura não sabia ser receptora com ninguém.
Minha irmã sorriu, cheia de ternura. Os olhos alternando entre mim e Dytto várias vezes.
Esperando por uma apresentação mais adequada.
Obviamente ela não esperava que eu fosse levar alguém para a minha casa, ainda mais com
Asafe sob minha responsabilidade. Éramos discretos demais para apresentar nossa família a
outros.
Dytto também parecia esperar para conhecer a garota parada à sua frente. Era algo
engraçado ver as duas aguardando que eu me pronunciasse. Então eu o fiz.
— Samantha, essa é a minha namorada, Dingo Bells...
— Dytto Bell — ela rapidamente corrigiu, nervosa.
Às vezes eu me esquecia seu verdadeiro nome. Que tipo de mãe colocava um nome desses
em uma filha?
O rosto da minha irmã imediatamente se preencheu de uma genuína surpresa, ao mesmo
tempo em que parecia tão contente a ponto de quase soltar fogos.
Era a primeira vez que eu apresentava uma namorada, afinal, nunca havia entrado em um
compromisso sério antes.
Dytto, no entanto, parecia animada em estar sendo apresentada para alguém. Suas bochechas
estavam vermelhas e suas mãos trêmulas. Ela não esperava de maneira alguma que fosse
conhecer uma pessoa.
No máximo, com a sua pequena imaginação, ousou pensar que eu fosse lhe apresentar um
cachorro.
— Dingo, essa é a Samantha, infelizmente, minha irmã.
Sam fez cara feia para mim. Em seguida, se aproximou da garota que, ao seu lado, se
tornava pequena.
Dytto era maior que a média de muitas mulheres, algo que eu verdadeiramente apreciava,
mas, com certeza, não era vista como grande perto de minhas irmãs.
Samantha tinha 1,76, enquanto Amara tinha 1,82. Nossa mãe tinha 1,80 e, além do mais, se
envolveu com caras ainda mais altos, resultando em uma família de gigantes.
Ela era uma grande filha da puta com sonhos e metas esquisitas.
Sam, fez um enorme esforço para manter Asafe quieto em seus braços, mas ele se contorcia
por inteiro, como se a desafiasse.
Meu filho estava ansioso saltar para o meu colo.
— É um prazer te conhecer! — Samantha falou com dificuldade. O pequeno tornado em seu
colo tornava tudo mais engraçado.
Dytto retribuiu com um sorriso gentil. Seus olhos então vagaram para o pequeno
homenzinho no colo de Sam com curiosidade.
Ela apontou para ele.
— Seu filho? — questionou, inocente.
Samantha me olhou atordoada, em busca de uma ajudinha. Estava claro que eles ainda não
haviam se conhecido.
Discretamente balancei a cabeça para ela, em um aviso furtivo que não dissesse nada.
— Ãhn... bem, não — respondeu, desconcertada.
— Ah, desculpe! — Dytto se apressou, constrangida.
Samantha veio até a mim, colocando Asafe — que a todo momento tentou se jogar de seus
braços — em meu colo
— Eu já vou. Meu ato de bondade aqui já foi feito. Tenho que ir trabalhar — avisou,
alongando o corpo na ponta dos pés para dar-me um rápido beijo de despedida na bochecha.
Imitei uma careta e ela me lançou um olhar descrente e irritado, mas que logo se desfez.
Sam já conhecia o meu humor, e o odiava.
Ela se virou para Dytto e ergueu sua mão.
— Foi bom te conhecer, Dytto. Fico feliz em saber que agora somos cunhadas.
Minha garota a cumprimentou e sorriu.
— Idem.
No mesmo instante, Asafe grudou os dentes em meu queixo, mordendo-o sem a menor
delicadeza. Fingi não notar, mas provavelmente aquilo deixaria marcas.
Samantha foi embora, mas deu seu último aceno antes de partir. Ela era educada demais para
não se despedir pelo menos umas vinte vezes.
A linda garota diante de mim lambeu os lábios e cruzou as pernas, ainda tímida e
resguardada.
Ela nos olhava sem jeito, com as mãos nas costas e o rostinho concentrado. Notei uma certa
curiosidade em sua face, ela ainda estava tentando entender o que estava acontecendo aqui.
— Samantha é muito bonita — comentou, bem-humorada.
— É, pois é — concordei, a contragosto.
Samantha tinha uma beleza única, mas não era algo que eu quisesse prestar atenção.
— Você tem mais irmãos do que eu pensava. — Ela apontou com o queixo para Asafe, que
ainda não a havia olhado em momento algum. — Seu irmãozinho se parece muito com você.
"Irmãozinho". Ela não sabia mesmo onde havia se enfiado.
— Bem que eu desconfiei que ele fosse a segunda pessoa mais bonita da família — gracejei,
o que a fez rir descontraída.
Ela mordeu os lábios.
— Você é tão convencido.
Asafe se afastou, apenas para me olhar cara a cara. Parecia pasmo quando finalmente a
sentiu. Ele ficou intrigou com a presença de mais alguém aqui. Ainda lhe era estranho sentir as
pessoas, mais ainda quando ele não as conhecia.
Bem, estava na hora do meu anjinho conhecer o meu diabinho.
Penteei o cabelo de Asafe com as pontas dos dedos, deixando-o um pouco mais
apresentável. Não que isso fosse mudar alguma coisa, de todo modo. Mas Dytto não precisava
saber como Asafe era uma criança peculiar e atentada, pelo menos, não por agora.
Ele se incomodou com aquilo, mas não recuou. Mesmo que sempre estivesse descontente
com as minhas ordens, ele as obedecia.
Era algo que nós demônios tínhamos em comum, o respeito por um ser maior e mais
poderoso. Não todos, é claro, os deuses eram a nossa exceção.
Virei o meu diabinho com cuidado, para que ficasse de frente para ela.
Ela o olhou simpática, no entanto, estava com medo. Não era habituada com crianças, e
claramente estava insegura.
As arregalou os dois grandes olhos verdes quando a viu. Estava perplexo com a minha
garota. Ele parou de respirar, pois estava tão admirado que mal se mexia em meus braços.
— Dytto, esse é o Asafe — o apresentei sem pressa, ela sorriu sem saber o que viria a
seguir. — Meu filho.
Seu olhar retornou ao meu, demorando-se nele. Dytto empalideceu num milésimo de
segundo. Seus olhos se arregalaram de uma maneira excessiva, enquanto o choque tomava conta
de cada pedacinho do seu corpo.
Ambos estavam com os olhos exageradamente abertos, como se fossem duas criaturas de
outro planeta se conhecendo.
Sendo um pouco mais fantasioso, eu quase poderia imaginar Dytto erguendo a mão e se
apresentando como habitante de Marte, e As dizendo ser de Júpiter.
— Você tem um filho? — ela soprou, aturdida, as palavras quase inaudíveis se perdendo ao
vento.
— É, eu...
Fui abruptamente interrompido quando Asafe abriu os braços para ela e impulsionou o seu
corpinho para frente.
Juntei as sobrancelhas e o segurei com mais firmeza.
— Fique quieto, As — alertei-o, mas ele não se importou.
Asafe se atirou para frente de maneira frenética. Assustada, Dytto correu para pegá-lo.
Embora eu tivesse certeza de que nunca o deixaria cair, permiti que ela o segurasse mesmo
assim. Talvez fosse mais fácil para eles se conhecerem.
Quando Dytto o aparou em seu colo, ela parou por um segundo, meio confusa com o que
fazer a seguir. Ela o encarava como se ele tivesse duas cabeças, e ele a olhava como se ela fosse
seu mais novo brinquedo predileto.
Asafe sorriu e grudou seus lábios nos de Dytto. Ela me olhou com espanto, completamente
estática.
Agilmente enrosquei o meu braço no corpo de Asafe e o tirei dela.
— Está tentando me passar a perna, garoto?
Ele resmungou, não querendo permanecer em meu colo.
Dytto estava inteiramente vermelha, e não era por menos. Ela havia acabado de receber um
baita beijão de um demônio de 2 anos de idade.
— Desculpe. Ele geralmente não gosta de ir para o colo de ninguém que não seja o meu.
Achei que ele fosse ter bons modos com você.
Ela sorriu nervosamente.
— T-tudo bem.
Asafe soltou um berro, que chamou a atenção de nós dois.
Dytto quis rir e balançou a cabeça.
— Tá tudo bem, eu posso ficar com ele — concordou, aproximando-se de nós.
Enruguei a testa e o afastei.
— Não precisa ceder as manhas dele — intercedi.
Dytto novamente sorriu.
— Tá tudo bem, sério.
Ainda desconfiado, mantive As em meus braços. Não sabia o que mais ele poderia aprontar.
Por outro lado, Dytto tomava coragem, aproximando-se lentamente de nós
Quando ela já estava próxima o suficiente, Asafe se jogou em seu colo novamente.
Ele a agarrou com força. Parecia não querer se soltar mais dela e isso me deixou cheio de
agonia. Dingo Bells, entretanto, me encarava surpresa, com tamanha facilidade em que As havia
se apegado a ela.
Dytto, definitivamente, era um imã para demônios.
Toquei o braço dela de leve e apontei com o queixo para a porta.
— Vamos entrar — avisei, encarando os dois.
Dytto foi na frente, com Asafe agarrado ao seu corpo, como um bote salva-vidas. As duas
perninhas entrelaçadas em sua cintura e os braços em volta de seu pescoço. Ele deitou a cabeça
no seu ombro e se aconchegou, manhoso.
Que canalha! Mal a conhece e já está roubando-a de mim.
— Acho melhor ele ficar comigo — sugeri.
Dytto se virou para mim, mas Asafe fez pouca questão em se mover.
— Ele vai me machucar? — ela questionou, vacilante.
— Aparentemente, não. Mas também não parece que vai desgrudar de você tão cedo.
Ela riu, afagando as costas dele.
— Não tem problema.
Fiz careta.
Ah, claro que não tem problema. Já está toda agarrada nele mesmo.
Dytto sentou-se no sofá, e eu logo me acomodei ao lado dos dois. Ela estava desajeitada com
ele em seu colo. Aparentava estar com medo de machucá-lo, por isso, se movimentava devagar.
Ela estava acanhada. Seu rosto mantinha-se inteiramente corado e o corpo melindroso.
— Por que nunca disse nada? — indagou baixo.
Apoiei os braços sobre os joelhos e suspirei. Não eram muitas as pessoas que sabiam da
existência do meu filho. Ele não era alguém que eu quisesse compartilhar com o mundo. Queria
o deixar longe de olhares maldosos, e garantir que ele se mantivesse protegido.
Durante toda a minha existência, minha família fora perseguida pelo poder político, religioso
e pelos cidadãos da ilha. Éramos alvo de tudo e todos.
E quando As nasceu, era apenas um bolinho pequeno e recém-nascido nos meus braços. Eu
só tinha 16 anos e havia me tornado pai, mas não havia nada naquele mundo que não fizesse por
ele.
Desde o minuto em que veio a este mundo, ele já corria perigos por conta de pessoas que
deveriam tê-lo amado e cuidado. Eu não iria permitir que ninguém o tocasse ou ousasse
machucá-lo novamente.
Arrancaria cabeças antes que isso acontecesse.
— Não era algo que eu pretendia sair contando — respondi.
Ela entortou os lábios.
— Nem para mim? — sussurrou, triste.
Acariciei o seu rosto com o polegar.
— Eu estava esperando o momento certo, Dingo.
Ela baixou o olhar, pensativa.
Dytto estava envolta em pensamentos, e eu não sabia como decifrá-los. No momento, ela
sentia muitas coisas diferentes ao mesmo tempo. Suas ideias se entrelaçaram e desconectaram-se
em segundos.
Sua opinião ainda estava sendo formada, por isto, não queria forçar a barra e a fazer
acreditar que deveria simplesmente aceitar a situação.
— Está chateada? — examinei, ruidoso.
Dytto inspirou fundo e balançou a cabeça.
— Em choque. Ainda não acredito que você tenha mesmo um filho. Eu quero conversar
sobre isso, só que não quero fazer isso na frente dele.
Assenti.
Asafe se afastou um pouco, apenas para olhá-la. Ele abriu um enorme sorriso para ela. Dytto
não se conteve e sorriu de volta.
Isso me fazia sentir coisas diferentes, e boas.
Dytto virou a cabeça para mim e Asafe colou o seu rosto no dela.
— Ele gosta de você — declarei, contente.
— Ele me parece ser um carinha gente boa.
Eu quase ri.
— Oh, ele não é! — garanti.
— Não?
— Ele é o meu filho, ou já esqueceu?
— Não é porque o pai dele é um descarado que o filho também seja um — argumentou.
Asafe gargalhou, mostrando todos pequenos dentinhos.
— Por que está defendendo essa criatura?
Ela o abraçou com mais força.
— Porque eu gosto da criatura.
— Mais do que de mim? — me ofendi.
Ela balançou a cabeça, confirmando e eu revirei os olhos.
— Não devia ter apresentado vocês dois.
— Sim, você devia.
Aproximei o meu rosto do dela e beijei sua testa. Asafe não ficou nada feliz e tentou me
afastar.
Engelhei as sobrancelhas numa carranca.
— Vá atrás de uma namorada e deixe a minha em paz — avisei, mas ele continuava me
olhando sério.
— Está mesmo discutindo com ele por minha causa? — Dytto se meteu.
— É claro. Não vê que ele é uma armadilha?
— Ele é um bebê, Christopher.
— Já é velho o suficiente para saber roubar a garota de outro cara.
Ela riu.
— Ele tem o que, 5 anos? Fala sério!
— 2 anos.
Ela enrugou a testa e se afastou para olhá-lo por inteiro.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Minha nossa! — surpreendeu-se.
Puxei As de seu colo e o joguei em meu ombro.
— Vem, vamos comer, garotinho.
Levantei-me do sofá com ele de cabeça para baixo e Dytto veio logo atrás.
— Dingooo — Asafe gritou, pedindo por ela, mas o ignorei.
09 de Abril | Terça-feira
Asafe finalmente adormeceu, após meia hora me encarando.
Deitado entre mim e Christopher na cama, com os seus dedinhos enrolados em meus
cabelos, ele suspirava baixinho pelos lábios entreabertos.
Eu sorri, sentindo meu coração bobo se desmanchar por aquele pequeno/grande ser
demoníaco.
Seus traços eram idênticos ao de Chris. Poderia vê-lo naquela criança em cada detalhe. Os
olhos verdes-claro, os lábios carnudos, as sobrancelhas grossas — que se franziam quando estava
sério —, o mau-humor e a possessividade.
Asafe era tão parecido com Christopher que mal poderia imaginar o que ele teria puxado de
sua mãe.
Chris se levantou do colchão devagar e deu a volta no quarto, afastando as mãozinhas de seu
filho de mim com cuidado.
Antes mesmo que eu pudesse me sentar, seu braço entornou minha cintura e ele me ergueu,
carregando-me como se eu fosse apenas uma maleta de trabalho ao lado de seu corpo.
Tapei os lábios, abafando um gritinho de susto que ameaçou escapar.
Christopher fechou a porta do seu quarto ao sairmos e, comigo ainda em seu braço, ele me
levou para a sala.
— Chris! — gargalhei.
Ele me olhou sorrindo, mas balançou a cabeça, negando ao meu pedido para me colocar no
chão.
Christopher virou o meu corpo, agarrando minhas pernas e se acomodou no sofá, comigo em
seu colo.
— Ei!
Ele riu.
— Te machuquei?
Neguei num balançar de cabeça e olhei para a porta do quarto.
— Seu filho se parece com um anjo.
— É. Lúcifer.
Revirei os olhos.
— Pare de graça. Ele realmente se parece um.
Chris suspirou e jogou a cabeça para trás.
— Sabe que horas são? Preciso ir para casa — avisei.
— Fica mais um pouco. Te levo quando eu terminar.
— Terminar o quê? — questionei, confusa.
Ele sorriu, malicioso.
— De te pegar.
Arregalei os olhos, sentindo minhas bochechas arderem.
— Chris, temos uma criança em casa — cochichei, como se contasse um segredo.
— Você? — provocou.
Dei-lhe um tapa fraco no peito e ergui o corpo, virando-me de barriga para baixo.
— O Asafe, Chris, Asafe.
Ele bufou, alheio.
— Asafe é mais adulto do que você.
— Ele tem 2 anos — pontuei, semicerrando os olhos.
Ele sorriu, sarcástico.
— E ainda assim é mais adulto.
Balancei a cabeça, descrente.
— Que tipo de pai você é? — reclamei.
— Um pai legal, diferente do seu.
Desta vez, fui eu a rir.
— Meu pai é um pouco bruto, mas ele é mais responsável do que você.
— Ah, é? — duvidou, olhando-me cheio de malícia.
Christopher gostava de provocar.
— Aposto que você deixaria o Asafe esfaquear uma criança se ele quisesse.
Ele sorriu, parecendo nostálgico.
— Ele nem o machucou tanto.
— O quê? — quase berrei.
— O garoto era um pé no saco — se defendeu, fazendo-me arregalar os olhos.
— Christopher, o Asafe já...
— Esfaqueou alguém? — completou.
— É... — minha voz soou esganiçada.
Eu estava assustada demais em até mesmo cogitar essa ideia.
— Com um lápis conta? — refletiu.
— Eu não acredito — murmurei, zonza.
Chris parecia se divertir às minhas custas, enquanto eu o encarava incrédula.
— Foi só uma vez. Duas. Três... — ele começou a contar nos dedos. — Umas 6 vezes.
Minha cabeça rodou.
— Ele... — pisquei várias vezes — ele...
Christopher se ajeitou no sofá e subiu meu corpo em seu colo.
— Não vai desmaiar, né — preocupou-se.
— Parece que vou?
— Parece mais é que você está tendo uma convulsão — admitiu, sincero.
— Não pode ensinar essas coisas para ele — briguei.
— Por quê?
Soltei um esguicho de minha garganta, agoniada por ele perguntar o óbvio.
Balancei as mãos freneticamente e me segurei para não chacoalhar a sua cabeça até que ele
começasse a funcionar como um ser humano normal.
— A mãe dele concorda com isso? — perguntei, brava.
Ele umedeceu os lábios e afundou o corpo no estofado do sofá. Parecia incomodado com a
minha pergunta.
— Ela está morta — disse, seco.
De um segundo para o outro, a conversa tornou-se fúnebre e pesada. Sentia-o tenso debaixo
de mim.
— Ai meu Deus! Desculpe, eu não fazia ideia.
— Não fale esse nome na minha casa — pediu, irritado.
Não rebati, pelo menos, não por ora. Sabia que ele não era religioso, mas contestar que eu
dissesse o nome de quem eu servia, era demais da conta, e não cabia a ele me censurar daquela
maneira.
— Asafe sente muito a falta dela? — desconversei.
— Nem um pouco.
— Oh! — me espantei, em completa surpresa.
Era estranho saber que uma criança não sentia saudades da própria mãe. Em geral, havia um
sentimento de perda ou falta, mas Asafe não era um garoto comum, e isso ficava mais óbvio a
cada segundo.
— Não se preocupe. As não sente falta de ninguém.
— É uma pena — lamentei.
Ele deu de ombros.
— Se incomoda se eu perguntar como ela morreu? — eu não queria parecer indelicada, no
entanto, gostaria de saber o que havia conhecido, e torci para que ele estivesse de acordo.
— Sim, me incomodo — foi tudo o que disse, antes de desviar o olhar.
Uni as sobrancelhas, desconfiada.
Ele não parecia interessado em dar continuidade ao assunto, para falar a verdade, ele
transparecia sentir-se completamente apático sobre o caso.
— E você está bem com tudo isso? — insisti.
Ele fungou e revirou os olhos.
— Eu não quero mais falar sobre isso. Podemos apenas focar em nós dois, anjo? — sua voz
possuía resquícios de irritação.
Existia algo muito estranho naquela história e eu estava me corroendo para descobrir.
Coloquei minhas mãos em seu peitoral e ergui uma sobrancelha.
— Lembra que íamos nos conhecer um pouco mais? — tentei ser sutil, mas isso só parecia
tê-lo aborrecido.
— Tudo bem. Mas há outras maneiras de nos conhecermos. — Ele me puxou para mais
perto.
— Ou poderíamos falar sobre a...
Num gesto ágil, ele enrolou sua mão em meus cabelos e enfiou sua boca na minha, calando-
me de um jeito nada gentil.
Chris beijou-me com tanto desespero e veemência que mal consegui tomar fôlego.
Sua língua me invadiu e incitou-me a dançar com ela. Tentei afastar o meu rosto, em busca
de ar, mas ele segurava o meu maxilar, paralisando-me de maneira obrigatória.
Me debati sobre ele, contudo, Chris afundou o seu rosto no meu e mordiscou a minha boca.
Murmurei baixo e tentei me esquivar, mas ele me impediu.
— Me deixe te beijar, amor — implorou, desesperado e rouco.
— Eu preciso respirar — sussurrei, as palavras entrecortadas.
Ele encostou sua testa na minha e apertou suas pálpebras. Demonstrava estar fazendo um
enorme esforço para se conter.
— Porra, Dingo. A cada dia que passa eu quero você ainda mais — confessou.
— Não pode fazer o que quiser, eu ainda preciso do meu espaço — ruminei, ofegante.
Ele balançou a cabeça.
— Não posso te deixar. Nem por um mísero segundo. Eu quero você toda hora.
Tentei me sentar, mas Christopher apertou o meu pescoço.
— Não! — rugiu e imediatamente estremeci.
Que droga estava acontecendo com ele?
Ele abriu os olhos, encarando-me diretamente. Notei pequenas partes de sua parte
demoníaca revelando-se lentamente em seu rosto. Tão logo me assustei e tentei me afastar.
— Me solta, Chris! — gritei, apavorada.
Ele travou o maxilar, entretanto, retirou sua mão de mim. Rapidamente sai de seu colo e me
pus de pé.
— O que foi isso? — esbravejei.
Ele expeliu o ar com força e esfregou o rosto. Christopher exibia estar decepcionado consigo
mesmo.
— Meu outro eu se expandindo.
Engelhei o rosto.
— Guarda ele ou tranca. Eu sei lá. — Gesticulei, estressada. — Só não faça com que ele
estrague tudo entre nós.
Ele me encarou, sério. O rosto havia voltado ao seu estado humano.
Um nó se formou em minha garganta, fazendo-a arder e rasgar. Fiz um grande esforço para
não fraquejar em sua frente e inspirei fundo.
— Não vou estragar isso.
— Não me encurrala assim de novo — pedi, assustada.
Ele assentiu.
— Tudo bem — soprou, deixando o olhar recair sobre o carpete.
— Você não está conseguindo controlar, não é?
Chris estreitou o olhar para mim.
— Sei me controlar — rebateu, frio.
— Não é o que parece.
Ele sacudiu a cabeça, bravo.
— Eu sinto muito, Dingo.
Fechei os olhos por um segundo, andando de um lado para o outro à sua frente.
— Tenta não deixar ele vir à tona, está bem? Preciso de você aqui, não ele.
— Você tem despertado todos os lados sombrios dentro de mim. Não me peça para deixá-
los de lado. Todos eles fazem parte de mim.
Engoli em seco.
— E isso me assusta.
Ele riu com escárnio.
— Deveria se assustar com as pessoas que estão a sua volta, não a mim. Eu sou a última
pessoa que deveria ter medo.
— E ainda assim, é a pessoa que mais me apavora.
Christopher se colocou de pé.
— Pode não ver, mas eu te protejo. De todos eles.
Soltei um riso sem rastros de bom-humor.
— Não preciso que me proteja deles, preciso que você não seja um perigo para mim.
— Eu só preciso que seja minha. — Suspirou.
— Sinto que você quer mais do que isso. Tem algo de estranho toda vez que me toca —
abordei, receosa. — Eu sinto em cada fibra do meu corpo que você quer mais. Você sempre
parece mais sedento, mas nunca satisfeito.
Christopher se aproximou de mim e curvou-se, até estarmos com os rostos na mesma altura.
— Você já me satisfaz, mas é difícil me conter quando todos em volta parecem querer tirá-la
de mim.
Toquei o seu queixo com a ponta dos dedos.
— Preciso que entenda que ninguém vai me afastar de você. Por favor, Chris, não me faça
ter medo de você — supliquei, vacilante.
Ele escorregou os dentes pelos lábios e, a contragosto, assentiu.
— Está bem, meu amor. — Ele depositou um beijo casto em minha testa e me abraçou.
Apertei seu corpo e afundei o meu rosto em sua camiseta.
— Confie em mim — murmurei.
Ergui o meu rosto para ele e Chris beijou a minha testa.
— Existe outro quarto na casa além do seu... longe do Asafe? — questionei-o.
Minha pergunta parecia ter despertado o seu interesse. Ele olhou-me curioso, com uma
expressão investigativa.
— O que quer fazer?
— Apenas não quero mais ficar aqui — menti.
Ele ergueu uma sobrancelha, desconfiado.
— Tenho dois quartos de hóspedes no fim do corredor.
Mordi o canto dos lábios e sorri, perversa.

Olhando-o com firmeza, apontei para o colchão da cama.


Não precisei de muito para que me obedecesse, ele apenas o fez, com o sorriso mais traquina
em seu rosto.
Estava curiosa para saber até onde eu seria capaz de ir com tudo isso, mas excitada com as
várias possibilidades que existiam a minha frente. Afinal, Christopher era inteiramente meu.
— Vou te mostrar que sou sua sem que precise se mostrar todo possessivo.
Seu sorriso aumentou.
— Mas não fique todo convencido... — Chris revirou os olhos. — E não empurra a minha
cabeça — acrescentei.
Chris me olhava desacreditado, como se essas palavras não tivessem realmente saído da
minha boca.
Eu até o entendia. Não era como se eu acreditasse em mim também, mas, de certa forma,
sentia que precisava mostrar para ele e assegurá-lo de que poderia confiar em mim tanto quanto
eu confiava nele.
Me ajoelhei entre suas pernas e levei a minha atenção para a braguilha de sua calça. Meu
corpo estava gelado e trêmulo. Minhas mãos mal conseguiam desabotoar sua calça sem
vacilarem. Precisei de um segundo antes de retirar seu pau de dentro da roupa.
— Vá com calma — avisou, preocupado.
Meu corpo demorou um pouco a reagir antes de finalmente tomar coragem e enfiar a mão
em sua cueca.
O seu pênis já estava ereto quando o retirei da sua roupa. Conseguia sentir o nervosismo
tomar conta de cada pedaço de mim.
Passei a língua sobre os lábios antes de me aproximar daquilo.
— Eu consigo — cochichei sozinha.
Chris deslizou os dedos em meu maxilar e sorriu.
— Sem empurrar, certo? — relembrou.
— Também não quero sua mão em mim. Quero fazer isso sozinha.
— Como quiser.
O segurei com firmeza em minha mão e o abaixei em minha direção.
Isso definitivamente não iria dar certo.
— Chris...
— Já mudou de ideia? — brincou.
— Isso cabe mesmo em mim? — perguntei, incerta.
— Só há um jeito de descobrir, princesa.
Eu não era capaz de parar de encarar para o seu grande membro em minha mão. Parte de
mim já havia desistido daquela ideia, e a outra estava morrendo de medo.
Era a minha primeira vez fazendo um... Boquete. E, caramba! Era difícil até mesmo em
pensar nisso.
— Chupa meu pau e você ganha um desejo — sussurrou.
Sua condição roubou meu interesse. Rapidamente ergui o olhar para ele.
— Qual desejo?
— O que você quiser.
Era uma proposta realmente tentadora. E poderia dizer que fora até mesmo um grande
incentivador para que eu então, começasse.
Me ergui sobre os joelhos e aproximei os lábios diante do seu pau. Todo o seu corpo
estremeceu quando o beijei.
Chris puxou o ar com força e apertou o lençol da cama.
— Me deixa foder essa boca, Dingo.
Sorri manhosa para ele.
— Sou eu quem vou te foder, Chris.
Seu rosto mergulhou em uma expressão sacana. Apenas para provocar, deslizei a língua
sobre toda a extremidade.
Christopher tornou a respirar ofegante e mordeu os lábios com força.
— Puta merda!
Olhando-o nos olhos, coloquei a cabeça de seu pau em minha boca e o chupei cheia de
vontade. Seu rosto pintou-se inteiramente de vermelho.
— Caralho, Dingo. Caralho.
Enfiei um pouco mais dele em mim, mas parei quando comecei a engasgar.
Aquilo era muito grande e volumoso para mim, contudo, não joguei a toalha. Continuei a
chupar o seu pau até onde consegui.
Minhas bochechas doíam, mas o suguei com vontade e fechei os olhos. Sentindo todo o seu
corpo rijo. Gemi baixinho e gostoso para deixá-lo ainda mais cheio de tesão.
Senti um gosto estranho em minha boca, porém, tinha certeza de que ele ainda não estava
gozando, apenas excitado demais.
Parei por um momento e abri o zíper de minha calça. Enfiei a mão dentro da minha calcinha,
molhando os dedos em minha boceta, em seguida, esfregando minha excitação no seu pau.
Christopher engoliu em seco, um gemido baixo escapou de seus lábios e ele endureceu a
feição. Contornei seu pau com a minha mão e fiz movimentos de sobe e desce.
— Precisa que eu te deixe mais molhado, amor? Eu ainda estou encharcada — provoquei, e
ele se enfureceu.
— Não faz isso, garota — sussurrou, desejoso e sombrio.
— Então não posso te contar que minha boceta está molhada? Desculpe.
Ele apertou os dentes.
— Puta que pariu, sua filha da puta.
Abri um largo sorriso e coloquei a língua para fora, esfregando todo o seu pau nela.
— Não reclame, Chris. Foi você quem apareceu no meu quarto todas as noites. Não era isso
que você queria? Estou te dando o que você tanto provocou.
Ele balançou a cabeça.
— Não pedi para ser torturado.
Chupei a glande de seu membro, fechei os olhos e suspirei de prazer.
— Desculpe, o que disse? — fiz-me de desentendida.
Ele pegou o meu pescoço e o segurou com firmeza, Chris foi ágil ao se levantar, me
erguendo junto a ele do chão.
Ele me empurrou contra a parede, erguendo meus dois braços com a sua mão. Com a outra,
ele apertou o meu seio.
Sua boca chupou os meus lábios e desceram para o meu pescoço.
— Chegas de provocações — determinou.
Chris se agachou e puxou a minha calça para baixo juntamente de minha calcinha, jogando-a
para bem longe de mim.
Ele beijou o monte pubiano de minha intimidade e deslizou a língua de lá até a minha
barriga.
Chris me vira de costas para ele e puxou os meus quadris, deixando um tapa estralado em
minha bunda, fazendo-me gemer.
Ele esfregou seu pau melecado entre minhas nádegas e aproxima seus lábios de meu ouvido.
— Eu quero te foder, aqui e agora!
Meu coração disparou ainda mais e o encaro sobre os ombros, de olhos arregalados.
— Eu ainda não estou pronta para isso — declarei assustada.
Ele mordeu os lábios com força.
Chris me virou-se novamente e ajoelhou.
— Segura na cômoda — mandou.
Num rápido impulso, ele levantou a minha perna e a jogou sobre o seu ombro. A tempo dele
fazer o mesmo com a outra, apoiei a mão no móvel ao meu lado.
Chris enfiou a sua cabeça entre minhas pernas e chupou a minha boceta.
Abri a boca para gemer, mas Christopher me interrompeu.
— Geme baixo, amor. Não quer acordar um pequeno demônio, não é?
Sem demora tapei a boca.
— Boa garota — sorriu perverso e voltou ao trabalho.
Chris brincou com o meu clitóris e chupou toda a minha intimidade. Me fazendo delirar de
prazer.
Arqueei as costas e enfiei meus dedos entre seus fios de cabelos, enfiando-o ainda mais em
mim.
— Isso, Chris... — arfei.
Joguei a cabeça para trás e mordi os lábios.
Christopher não parava e nem media esforços. Ele me chupava cada vez mais intensamente.
Minhas pernas tremiam e fraquejavam sobre seus ombros.
Ele mordeu a parte interna de minhas coxas e as chupou.
Senti sua língua quente em minha virilha e estremeci.
Quando fui atingida por um grande espasmo, enrosquei minhas pernas sobre sua cabeça e o
impulsionei para ir mais a fundo em mim.
Ele não reclamou, tampouco fez menção em se afastar. Pelo contrário, ele puxou meus
quadris para frente.
Chris me beijou, me chupou, mordeu e arranhou a minha pele com os dentes. Sentia-me
instável toda vez em que ele acelerava seus movimentos, perturbando o meu juízo e me levando
a loucura.
Fui levada pelo longo e doloroso prazer que Christopher me proporcionava. Joguei o meu
corpo para ele quando, por fim, cheguei ao ápice, gozando em sua boca.
Respirei ofegante, a garganta seca e os lábios machucados de tanto os morder. Christopher
me segurou pela cintura e me levou até a cama, colocando-me nela com cuidado.
Ele sorriu para mim e beijou o meu joelho.
— Quer mais, amor?
Sorri nervosamente.
— Eu preciso de alguns minutos — ofeguei, mole e frágil no colchão.
— Me avise quando quiser de novo.
Ele se jogou ao meu lado.
— Meu pau ainda está duro.
Olho para baixo, encontrando seu membro erguido e suspirei.
— Você não me deixou terminar — destaquei e ele riu.
— É claro que não. Achou mesmo que poderia me maltratar assim?
— Disse que estaria ao meu dispor.
— Para fins sexuais, não para ser machucado.
Ri e me virei para ele. Chris jogou minha coxa sobre sua barriga e a acariciou.
— Está bem? — perguntou, o olhar penetrando o meu.
— Acabei de ter um orgasmo, estou mais do que bem.
— Então quer dizer que já aguenta mais uma rodada?
Me sentei na cama.
— Eu ainda não estou pronta.
— O que falta?
Sorri.
— Você não para, não é?
— Só quando você decide que não quer mais.
Me deitei sobre ele e Chris acomodou seu pau no espaço entre as minhas pernas, roçando a
extensão sobre a minha boceta.
— Um ótimo lugar para colocá-lo, não? — caçoei, mas ele discordou.
— Eu prefiro dentro.
Beijei os seus lábios.
— Eu preciso de um pouco mais de tempo.
O garoto tatuado enroscou seus dedos em meus cabelos e puxou o meu rosto, beijando a
minha testa.
— Minha — declarou.
Deitei a cabeça em seu ombro e fechei os olhos.
— Completamente sua — concordei.
Christopher levantou a minha camiseta, até que estivesse completando fora do meu corpo, e
afagou as minhas costas.
— Preciso colocar você para dormir em um outro lugar.
— Por quê?
— Preciso bater uma.
Franzi a testa e ergui o rosto para ele.
— Sério?
— Como acha que eu vou me aliviar se não vai deixar eu meter?
Me sentei em cima de sua barriga.
Ele olhou para baixo e eu me cobri com as mãos.
— Não se cobre, Dingo.
— Já não olhou o bastante?
— Nunca é o bastante.
Balancei a cabeça e deslizei pelo seu corpo, até estar em cima de suas pernas, abaixo do seu
quadril.
— Agora pode bater a sua punheta.
— Com você sentada aí? — se opôs. — Vou ter que bater umas 10 punhetas, Dingo. Não há
como me masturbar se vai continuar com a sua boceta se esfregando em mim.
Mordi os lábios.
— Vou fazer isso no banho — informou.
Joguei a cabeça para o lado, me divertindo com aquilo.
— Você me faz se sentir a garota mais sexy do planeta Terra.
Ele se sentou.
— E você é.
Beijei a pontinha do seu nariz e me joguei ao seu lado.
— Tenha um bom banho — fiz movimentos com a mão, imitando uma punheta e Chris
mostrou-me o seu dedo do meio.
10 de Abril | Quarta-feira
Seu rosto inicialmente se ratificou em uma surpresa singular. As duas sobrancelhas se
engelharam e os lábios escancararam.
O seu corpo inteiro paralisou no lugar e as mãos se mantiveram erguidas no ar; bem como
um filme pausado. Contudo, essa reação logo se dissipou. Theo endureceu a face e mirou seu
olhar sobre mim, enojado.
O susto já havia se sucedido, agora, só lhe restou a mais pura indignação ao me ver em sua
frente.
Fazia apenas 8 minutos que atravessei a porta de entrada do hospital à sua procura.
Foi rápido. Eu sabia onde encontrá-lo.
O ardor de vermes era sempre inconfundível.
— Era só o que me faltava — resmungou baixo, visivelmente irritado.
— Olá, sogro. — Sorri cínico e presenciei seu rosto encher-se de uma fúria ampla.
Ele balançou a cabeça, cheio de incredulidade.
— Não! Não! — indignou-se. — Ontem você levou a minha filha para casa à meia-noite.
Mesmo depois de eu ter deixado claro que vocês dois não deveriam ficar juntos. — Ele apontou
para mim enquanto ditava, a boca espumando ódio.
— Pelo menos a levei de volta. Deveria me agradecer — zombei, cínico.
Ele enrugou a testa.
O corredor era composto por apenas nós dois, longe de todo o resto. O hospital permanecia
sereno durante a madrugada. O horário entre às duas e três da manhã eram sempre os melhores
para visitas. Seja ela qual for.
— Já chega! Não vai mais ver a minha filha. Ouviu bem? — decretou.
— Ouvi muito bem. — Sorri.
— Ótimo! Agora saia daqui. — Abanou a mão em direção a saída.
Olhei para trás, pelo caminho a qual apontava, e então, lentamente retornei minha atenção
para o coroa.
— Ouvir não é o mesmo que obedecer, Theo — entoei perverso.
O homem alto e com indícios de fios grisalhos apertou os seus dentes branquíssimos e
marchou até mim.
Ele apontou o seu dedo nojento em meu rosto, a fim de mostrar autoridade. Seu rosto
vermelho, assemelhava-se a um rubi, já os lábios, se enrugavam em uma ira descontrolada.
Theo balançou a cabeça com descrença.
— Fique longe da minha filha — bostejou, irritado. — Sei bem o que garotos como você
querem. Dytto não vai namorar você. Ela tem mais é que ficar longe da sua família. Bando de
hereges nojentos.
Passei a língua sobre os lábios, segurando um riso vil e debochado.
Então, quer dizer que o velhote puxou a minha ficha e de toda a minha família? Ora, ora...
— Quer dizer que a sua princesa não pode namorar alguém que não seja cristão, não é?
Patético — cuspi com desprezo.
— Vocês são todos uns satanistas. Merecem todos irem para o inferno e nunca mais saírem
de lá — praguejou alto.
— É, e nós vamos — concordei, relaxado. — E você vem logo atrás. Se esconder atrás de
uma cruz e uma bíblia não vai te livrar dos seus pecados, seu maldito.
Theo impulsionou seus braços em meu peitoral, visando me empurrar. Mas, se eu movi um
milímetro, foi exagero de minha parte.
— Theo, Theo. Não brinque comigo — cantarolei, numa entonação cruel.
— Não brinca você comigo. Você não me conhece seu moleque. Não sabe o que sou capaz
de fazer — protestou, irado.
— Está falando dos seus contatos? Corruptos, ladrões e contrabandistas? — lembrei-o. —
Tenha um pouco de senso, Theo. Nenhum deles vai te salvar se eu decidir que sua vida acabou.
Nenhum.
Ele me olhou em um misto de pavor e nojo.
— Você é um cara rico, bem-sucedido e um bom pai. — Ri, sentindo cócegas em pronunciar
tantas mentiras em uma só frase. — Não quer que descubram os seus segredinhos, não é? Afinal,
ninguém quer contratar um cara com o histórico de contrabandear medicamentos, corrupção,
lavagem e desvio de dinheiro de verbas que deveriam estar indo para as crianças com câncer. —
Abri a boca em uma falsa expressão de choque.
Ele arregalou os olhos, soterrado em um ódio mortal por mim.
— Que feio, seu danadinho — caçoei, segurando seu nariz com força entre dois dedos meus
para chacoalhar a sua cabeça em uma irônica advertência.
Ele acertou a minha mão com um tapa e recuou um passo, enfurecido.
Precisei segurar o riso.
— Você é um desgr...
— Seu genro. — O interrompi. — Eu sou o seu genro! — exclamei firme, sem espaço para
argumentações. — E a partir de agora, se eu pedir para você chupar as minhas bolas, você vai.
Ele respirava rápido e pesado. Os seus punhos se abriram e fecharam várias e várias vezes.
— Sua filha é a minha namorada, e vai continuar sendo — anunciei bem lentamente. — Se
você se meter. Se ousar questionar. Se magoá-la ou se pisar em falso. — Balancei a cabeça em
desaprovação. — Eu arranco a sua pele com você vivo.
Theo empinou o queixo, embora internamente não estivesse tão confiante assim. Subsistia
medo e raiva enfeitando a sua face, no entanto, ele sabia que tinha muito mais a perder se me
questionasse.
— Ninguém vai ficar sabendo disso? — certificou-se.
— Isso depende de você.
Theo cerrou os dentes uns nos outros.
— Meu genro, então? — repetiu, de modo que as palavras aparentavam amargar em sua
língua.
— O genro que você mais ama em todo o universo. A pessoa certa para sua filha, e... —
rindo, enfatizei a última parte — seu grande amigo.
Ele bufou e revirou os olhos.
— Seu desgraçado de merda — rosnou, baixinho
— Epa, epa. Mais respeito pelo cara que satisfaz a sua filha até ela virar os olhinhos —
afrontei sua confiança.
Se, humanamente, fosse possível, ele teria explodido de raiva, entretanto, ele apenas socou a
parede ao seu lado, afundando a placa de gesso.
Eu ri baixo e provocativo.
— Espero que não tenha me imaginado no lugar da pobre parede.
Seus olhos — vermelhos como se queimassem em chamas — pousaram rudes sobre os
meus. A sua pele estava avermelhada de raiva, e as veias pulsavam à vista.
— Não conte nada a elas e Dytto ainda terá permissão para ver você. Mas tenho condições
para esse namoro. E eu exijo que respeite a minha filha.
— Sou eu quem faço as regras, amigo. Mas não se preocupe, sua filha será tratada como
uma rainha.
Ele assentiu.
— Então que assim seja — concordou, de má vontade.
Ergui minha mão para ele. Theo a encarou por longos segundos, até que finalmente cedeu e
a tocou.
O erro foi completamente dele em achar que eu queria cumprimentá-lo. No mesmo segundo
o puxei e o apunhalei entre as pernas com o joelho.
Ele imediatamente se encolheu, cheio de dor.
Aproximei meu rosto de seu ouvido.
— Isso é por ter brigado com a minha garota — sussurrei.
Girei sua mão para trás, ouvindo-a torcer e Theo se esvair em lamúrias.
— E isso... é por achar que é melhor que eu.
O pai de Dytto se derramou sobre os joelhos. Os olhos lacrimosos e os lábios abertos em um
grito silencioso.
Finalizei a minha visita, golpeei o seu rosto com um chute, deixando-o desacordado no chão.
— Tenha bons sonhos, babaca do caralho. — Virei-me e saí dali apressado.
Quando já estava fora do hospital, meu celular estalou no bolso, notificando uma nova
mensagem. Ele emitia sons apenas quando eram mensagens de Dytto.
Me preocupei em saber o que ela queria a esta hora.
"Queria fazer uma coisa" — Sorri sozinho.
O que você está aprontando, meu amor?

10 de Abril | Quarta-feira

O relógio marcava três e trinta e cinco da madrugada.


Ainda que Christopher não tivesse vindo durante a noite, eu o esperava em minha cama. O
pensamento de que a qualquer momento ele surgiria nas sombras do meu quarto, causava-se
ansiedade e excitação.
Um combo de sentimentos que se expandiram por cada fragmento do meu corpo,
consumindo-me por inteira. Christopher despertava sensações tão intensas dentro de mim que me
tiravam o fôlego e me levavam a fundo em sua escuridão.
Eu queria ser esperta e saber nadar, mas toda vez que o "oceano Christopher" alcançava os
meus pés, eu queria mergulhar nele e me deixar afogar.
Cada vez querendo-o mais, pensando em tê-lo todo para mim. Sempre só para mim, o tempo
inteiro. Minhas mãos deslizaram por entre minhas coxas, minha respiração tornou-se ofegante.
Desta vez, meus dedos exploraram o meu corpo, apertando as minhas coxas e todas aquelas
partes em que ele adorava tocar.
Tudo se tornava mais sexy, porque ele o fez assim.
Não consegui me controlar à sua espera. Enfiei minha mão dentro da minha calcinha e
comecei a me tocar. Massageei o meu clitóris já dolorido em movimentos circulares e deslizei o
dedo pela minha boceta, inteiramente molhada.
Gemi quando adicionei um dedo, fantasiando ser Chris, e o escorreguei para dentro de mim.
Mas não era a mesma sensação, e isto me deixou frustrada.
Os dedos dele me preenchiam por completo, do contrário, os meus, se pareciam sem sentido
aqui. Não se encaixavam.
Enfiei um segundo dedo. Consegui sentir-me um pouco mais saciada, entretanto, almejava
por mais.
Acelerei-os dentro de mim. Tudo o que eu conseguia ouvir era o som de meus dedos
entrando em minha boceta encharcada.
Mordi os lábios com força quando senti espasmos de prazer. O imaginava chupando os meus
seios e descendo até entre o meio de minhas pernas para me lamber. Queria suas enormes mãos
apertando a minha cintura e me puxando para ele.
— Chris... — suspirei, contorcendo-me em prazer.
Com a mão livre, apliquei pressão em meu seio.
Enfiei meus dedos mais a fundo em mim e diminui a intensidade em que os remetia.
Enterrei o rosto no travesseiro, quando percebi que não conseguiria mais reprimir os meus
barulhos.
Precisava de mais. Precisava dele. Precisava de Chris para gozar.
O lençol fora bruscamente jogado para longe do meu corpo e um toque firme e apertado em
minha coxa me fez estremecer de susto e saltar sentada na cama.
Arregalei os olhos, apavorada com ideia de ter sido alguém da minha família a bisbilhotar.
Apenas cessei a tensão em meu corpo quando ouvi o riso baixo e conhecido ressoar
próximo.
— Você me assustou — cochichei.
— Já começou sem mim, Dingo? — sua voz era carregada de tesão.
Christopher se ajoelhou entre as minhas pernas e arrancou a minha calcinha do corpo,
empurrando-me com força de volta ao colchão.
— Quer foder com os dedos, princesa? — provocou, curvando-se para mordiscar a minha
coxa.
Sorri no escuro do quarto e todo o meu corpo se arrepiou.
Meu coração disparou no peito. Estava receosa de que ele tivesse assistido tudo, ao mesmo
tempo em que desejava que ele o tivesse feito, e que houvesse gostado tanto quanto eu.
Christopher se ergueu sobre o meu corpo e aproximou-se.
— Continua — proferiu baixo — Mas eu quero que você continue com os meus dedos —
pediu.
Ele apoiou sua mão grande e pesada sobre a minha barriga, como se a entregasse em minha
responsabilidade.
— Faça!
Engoli em seco.
Uma nova experiência.
Abri as minhas pernas, deixando-as bem afastadas. Tomei a mão de Christopher nas minhas
e a levei onde o meu desejo pulsava mais forte.
Posicionei o seu dedo do meio em minha entrada e lentamente o enfiei dentro de mim. Um
gemido tortuoso escapou de meus lábios e precisei respirar fundo para conseguir absorver aquela
sensação.
Comecei a movimentá-lo e ergui os quadris, flexionando meu corpo para frente.
Deixei seu dedo parado em minha frente enquanto remexia a cintura para frente e para trás,
rebolando em seu dedo, sentindo-o me penetrar com dureza.
Christopher deitou a cabeça em meu ombro e apertou seu rosto em meu pescoço. Sentia sua
respiração quente e descompassada em minha pele. Ele parecia tão mais excitado que eu.
Apertei firme o seu braço, ofegando em seu ouvido.
Christopher não se limitou e deu-me um beijo abrasador. Ele, aos poucos, adicionou mais
um dedo, este, se tornou doído.
Murmurei desconfortável, mas ele apertou ainda mais os seus lábios contra os meus,
sufocando os meus gemidos.
Apertei minhas pernas ao redor de sua cintura quando ele forçou a entrada de seus dois
dedos em mim. Consegui escapar de seus lábios e soltei um grito baixo.
— Aguenta — mandou, firme.
Fiz o que me pediu e permiti que me fodesse daquele jeito. Talvez, fosse o único jeito de
aguentá-lo se um dia eu realmente conseguisse ir até o fim com ele.
Christopher disse que se eu me acostumasse com os seus dedos, seria mais fácil quando ele
fosse me penetrar, mas aquilo doía.
Era prazeroso saber que era ele ali, me tocando, entretanto, não deixava de machucar ao me
invadir.
Mordi os meus dedos e enfiei o rosto em seu pescoço.
— Chris, isso dói — confessei, chorosa, espremendo as pernas entre o seu corpo.
Ele automaticamente interrompeu o que fazia e suspirou agoniado. Preocupava-se em me
ver daquela maneira. Christopher deu curtos beijos em toda a minha bochecha.
— Eu não sei se isso vai dar certo — admiti.
— Quer que eu te deixe mais molhada?
— Não é isso. Só que eu acho que o seu negócio não vai caber.
Ele soltou uma risada baixa.
— Me deixe terminar isso aqui — sussurrou — E não me peça para parar até não aguentar
mais. Entendido?
Balancei a cabeça em concordância.
— Entendido.
Seus dedos voltaram a se mexer em um entra e sai lento. Chris usava o seu dedão em meu
clitóris para me estimular, ao mesmo tempo que beijava o meu rosto.
Era notável o seu desejo em tornar aquilo menos difícil.
Passei os braços ao redor dele e o puxei para mim, colando o seu rosto no meu.
— Não se afaste — pedi.
— Tudo o que quiser, princesa.
Segurei o seu lindo rosto entre as minhas mãos e o beijei. Minha língua adentrou a sua boca,
em um desejo envolvente de dançar com a sua. Christopher me pegou desprevenida, enfiando os
seus dedos por completo de uma só vez.
Um gemido esganiçado escapou de minha garganta, mas nosso beijo o abafou.
— Ouvir você gemendo gostoso me dá um puta tesão do caralho, garota.
Ele deslizou a língua por todo o meu pescoço, deliciando-se de cada pedaço meu. Abracei o
seu corpo com força e apertei os joelhos em sua cintura.
Christopher intensificou suas estocadas de um jeito delicioso.
Pressionei seus dedos dentro de mim, sentindo meu corpo enrijecer com o desejo crescente
em meu íntimo.
Minha nossa! Eu estava delirando em seu toque.
Enfiei minhas unhas em seu pescoço, não ligando se eu estava o machucando ou não. Eu só
queria-o mais forte, mais próximo, mais dentro.
Eu estava quase...
Christopher me masturbou naquela noite até que eu gozasse. Apenas quando me viu se
desmanchar em seus dedos, agarrando-me a ele, ao sentir ondas de um orgasmo delicioso me
envolver, que me deixou.
Em seguida, Christopher me enrolou no cobertor e deitou-me sobre ele até que eu finalmente
adormecesse.
Não lembro de quando ele foi embora, contudo, apreciei cada segundo depois de ter sido
satisfeita.
10 de Abril | Quarta-feira
Loren e eu nos encontramos no topo da escada quando saímos de nossos quartos pela
manhã.
No entanto, estávamos igualmente exaustas e sonolentas para nos falarmos.
Nós duas ainda permanecíamos em um transe profundo de sono enquanto descíamos às
escadas. Eu não dormi muito, por motivos indecentes. Ela, por outro lado, deveria ter fugido
durante a noite para aprontar alguma.
Minha irmã não era uma santa, isso era óbvio. Por isso, já não a questionava mais sobre os
seus compromissos repentinos.
De todo modo, eu deveria ser a última pessoa no mundo a julgá-la por qualquer coisa que
fosse. Afinal, minha relação com o Christopher já era um bom motivo para isentá-la de qualquer
má atitude que ela tivesse.
Foi somente quando vimos o que nos esperava na cozinha, que despertamos completamente.
Papai estava sentado à mesa. Sua mão direita engessada, e a esquerda segurava uma bolsa de
gelo em seu rosto.
Arregalei os olhos diante daquela situação.
— O que houve? — me alarmei, apressando os passos.
Seus olhos rapidamente se prontificaram a olhar em nossa direção.
— Garotas — cumprimentou baixo, forçando um sorriso que parecia lhe causar dor. — Bom
dia!
— Que droga foi isso? — Loren questionou-o indelicadamente.
Toquei o rosto do papai com cuidado e o ergui para mim. O grande hematoma arroxeado na
lateral de sua face foi exposto quando ele retirou o gelo.
— Meu Deus! — sussurrei horrorizada.
Papai era muito vaidoso, e vê-lo daquela maneira me fez ficar tensa.
O que o teria acontecido para que ficasse assim? Será que ele teria se metido em uma
briga? Não poderia ser possível.
Seu temperamento nunca foi um dos melhores, mas papai nunca foi agressivo. Ele sequer,
em sua vida toda, levantou a mão uma única vez para qualquer uma de nós ou outra pessoa.
— Bem, eu sofri um assalto assim que saí do hospital ontem. — Suspirou. — Não queria
que soubessem assim, e desculpe assustá-las. — Ele tocou a minha cintura e curvou um sorriso
triste.
— E você está bem? Se machucou muito? — disparei aflita, procurando olhá-lo por inteiro.
— Eu estou bem, querida! — garantiu.
— O que foi isso no seu rosto? — investiguei, arrastando os olhos por toda a sua face.
— O idiota me deu um chute para me desacordar e levar o meu relógio. — Ele ergueu o
braço, expondo a ausência do objeto.
— Já registrou a queixa? Não pode deixar impune quem fez isso — me enraiveci.
— Já tomei todas as medidas cabíveis. Não se preocupe.
Loren se aproximou atentamente, embora não estivesse procurando esforços para consolar o
nosso pai.
— Ainda estamos de castigo? — questionou, alheia.
Lancei-lhe um olhar de advertência, mas que não surtiu o menor efeito.
Decidi não brigar, isso somente a faria revirar os olhos. Loren tinha um mau hábito de ser
extremamente rude com os nossos pais em qualquer ocasião. Eu não a culpava totalmente,
porém, ainda assim, eles eram nossos pais.
— Não, Loren. Não estão mais de castigo — papai respondeu, com resquícios de raiva em
sua voz.
— Ótimo! — ela se animou, enfiando uma torrada na boca. — Vamos a uma festa hoje à
noite, Dy — avisou.
Arregalei os olhos.
— O quê? Eu... — Encarei papai com incerteza.
Ela não deveria estar falando sério. Só podia estar brincando.
Papai jamais nos deixaria sair do castigo assim. Ainda mais, depois de eu tê-lo desafiado ao
quebrar suas regras quanto ao meu namoro.
— Tudo bem, podem ir — confirmou, respondendo à confusão agarrada ao meu rosto.
Crispei a testa, atordoada.
— O senhor está mesmo bem? — semicerrei os olhos.
O que diabos aconteceu nessa cabeça de vento dele?
— Acho melhor fazer uma tomografia. Esse ladrão parece ter lhe acertado com muita força
— argumentei, irritada.
— Está tudo bem, Dytto. Não se preocupe. Não dá para trabalhar com a minha mão assim.
— Ele a balançou de leve. — Vou ficar em casa por um tempo e não preciso de vocês duas me
entediando.
Balancei a cabeça, assustada, e olhei para Loren que, misteriosamente, sorria como se aquele
fosse o melhor dia da sua vida.
O que ela tinha hoje? E o que o meu pai tinha? Afinal, o que estava acontecendo com todo
mundo aqui?
Quase me belisquei, a fim de descobrir se ainda estava dormindo.
— Eu não vou. Vou ficar aqui rezando 30 ave Maria — testei.
— Não enche, Dytto — Theo reclamou.
— Tá vendo? — falei para Loren, apontando para ele com incredulidade. — Papai não está
normal! Se eu tivesse dito ontem que ficaria em casa rezando, ele teria me incentivado e jogado
isso na sua cara.
— Vai reclamar pelo papai ter criado um pouco de juízo? — Loren caçoou e ele a olhou
furioso.
— Não está preocupada de ele ter tido um AVC? Ele pode estar delirando.
— Não é todos os dias que ele está de bom-humor, Dy. — Ela chacoalhou os meus ombros,
empolgada, como se papai não estivesse bem à nossa frente. — Vamos curtir.
— Eu ainda acho que ele bateu a cabeça com força.
— Já chega — Theo declarou, se levantando. — Vão se arrumar para a escola. — Nos
expulsou com a mão boa, farto daquele bate-papo.
— Posso pegar o meu carro, então? — questionei-o.
— Vai.
De soslaio, verifiquei a minha irmã, porém ela parecia indiferente com tudo aquilo.
Ou eu estava ficando maluca, ou o mundo é que estava.

Ao saímos de casa, Loren parou no meio da garagem, respirou fundo e sorriu para mim.
— Eu já falei o quanto gosto do seu namoro com o Chris? — comentou, alegre.
Não?! Porque você definitivamente odeia ele. Que droga ela tem?
— O quê? — fiz careta.
— Deveria chamá-lo para a festa de hoje — sugeriu, de um jeito simpático e bizarramente
suspeito.
Seria mais provável que ela estivesse planejando o assassinato dele do que tentando ser
amigável.
— O que é que você tem hoje? Não voltou a beber acetona, né? Pensei que tivesse superado
essa fase aos 8 anos de idade.
Ela alargou o sorriso e beijou a minha bochecha.
— Aposto que esse é só o início da nossa liberdade — cantarolou.
E assim, saiu dançando até o seu carro.
— Maluca — cochichei.
Luc tinha sua concentração completamente entregue ao que estava fazendo quando eu me
aproximei. Ele estava tão mergulhado no livro que lia, que mal se deu conta de quando me sentei
ao seu lado no refeitório.
Era fofo ver os seus olhos correndo sobre a página, devorando palavra por palavra em
questão de segundos, imerso à história.
— Uau! Temos um leitor assíduo aqui? — brinquei, chamando a sua atenção. — O que está
lendo?
— Dytto — ele sorriu. — Ah, estou lendo um livro chamado Love in the Dark.
— Uuh! Tem um título interessante — comentei, com entusiasmo.
— É, ele é. Tem umas paradas bem maneiras — se animou. — Me trouxe novidades,
garota?
Sorri para ele.
— Meu castigo finalmente acabou — comemorei.
Ele ergueu sua mão ao alto, segurando uma taça imaginária.
— Um brinde a esse dia! — celebrou e eu ri.
— Não faça charme. Conhecendo o meu pai, pode ter sido apenas um momento de surto
psicótico. Assim que ele voltar à lucidez, o castigo irá me receber de braços abertos novamente.
Luc fez uma expressão insatisfeita.
— Então, vamos aproveitar enquanto podemos — propôs. — O que temos para amanhã?
— Humm... — meditei, repassando todos os vários nadas que tenho agendado — Bom,
nenhum compromisso importante.
— Perfeito! Vamos ter o nosso primeiro encontro.
Oh-oh! Isso não era uma boa ideia. E Marcos era a prova — quase não viva — disso.
Mordi o canto dos lábios.
— É... Então, sobre isso. — Frisei os lábios em uma linha torta. — Eu meio que estou... na-
mo-ran-do — minha voz se tornou um esguicho ao finalizar.
Fiz uma careta, esperando por sua reação, mas Luc parecia tão chocado que mal conseguiu
esboçar uma.
— Ah — sibilou, estático.
Baixei o olhar para a ponta das minhas unhas.
— Eu queria te contar, só não sabia como.
Ele batucou os dedos em cima da mesa.
— Tá tudo bem. Uma hora ia acontecer, não é? E você... Quando.. quem... Quero dizer, com
quem está? Quem é o cara? Ele é daqui? Do colégio?
— Christopher — confessei. — Eu estou namorando o Christopher.
Suas sobrancelhas saltaram.
— Christopher — repetiu, atordoado.
— É.
— Ein? Ok. Isso é bem louco.
Mordi o lábio, insegura.
— Ele não te machuca, né? — Luc perguntou desconfortável.
Balancei a cabeça, negando.
— E nem te força a nada, né?
— Não se preocupe, Luc. Estamos bem. Christopher respeita os meus limites. — Bom,
quase todos.
Ele mexeu um ombro.
— Só queria ter certeza — sussurrou, tristonho.
— Loren e eu vamos a uma festa hoje. Quem sabe você não possa conhec...
— Eu estou ocupado, Dy. — Me interrompeu. — Isso aí são prazeres momentâneos. O meu
futuro não será. — Ele forçou sorriso brincalhão, mas que não me transparecia a menor verdade.
Tentei sorrir ao ouvi-lo dizer palavras que, em um outro momento, saíram de mim.
Agora tudo me parecia tão inverso e estranho.
— Está bem. Tem razão.
Ele sorriu.
— Mas tô feliz por você, sabe? — ele se esforçou, mas eu vi que isso o magoou
profundamente. — É bom saber que está feliz.
— Obrigada, Luc — balbuciei, penosa.
Ele assentiu e retornou a sua leitura.
Curvei um meio sorriso triste, levantei-me dali e fui em direção ao banheiro. Era horrível a
sensação de que o sentimento de outra pessoa estava em minhas mãos. Me parecia como um
peso me sufocando.
Sabia que todas as decisões que eu tomasse, poderiam ter um grande efeito nele, e isso era
assustador.
Apoiei o corpo na pia e soltei o ar pela boca. Estava me sentindo tensa e incerta. Eu sabia
que não poderia dar a ele motivos para achar que teríamos uma chance, mas me partia o coração
vê-lo assim.
Fechei os olhos por um breve momento e balancei a cabeça.
Não. Não. Não. Não. Chega!
Eu não vou me punir por isso. Não posso deixar que os pensamentos intrusivos me façam
sentir culpa por não ter sentimentos recíprocos por Luc.
Eu o amo, mas somos apenas amigos. Eu preciso me recompor e não me torturar.
Tudo bem. Hora de pensar em outra coisa. Remoer esse assunto não vai me levar a lugar
nenhum que não seja o horroroso vale da culpa.
Retirei o celular do bolso e procurei pelo contato de Christopher.
A resposta, como sempre, veio imediatamente. Sorri, abobalhada.

Bom, então estava marcado!


Hoje iríamos a uma festa. Juntos. Em público. Pela primeira vez. Como um casal.
Que frio na barriga!
10 de Abril | Quarta-feira
O reflexo no espelho me deixava instigada a descobrir qual seria a reação de Christopher
assim que me visse.
O vestido branco mal alcançava a metade das minhas coxas. Havia uma pequena fenda na
lateral esquerda da roupa, dando-lhe um ar mais ousado, e possuía alças tão finas que temia
quebrarem com qualquer movimento brusco.
O tecido marcava todas as minhas curvas, ressaltando ainda mais a minha cintura e quadris.
Até mesmo os meus — quase inexistentes — seios, conseguiram ganhar um pouco mais de
notoriedade com o enchimento.
Gostava de como a roupa me fazia sentir uma mulher sexy, porém, ao mesmo tempo, séria.
Era sensual, mas não vulgar. Deixava apenas o suficiente à mostra.
Tentei fugir destes pensamentos, contudo, a única coisa a qual eu mais queria eram os olhos
de Chris postos sobre mim, olhando-me cheio de desejo.
Não era costumeiro que eu usasse roupas assim, mas não era um evento impossível de
acontecer. Eu só não estava muito a fim de estar sempre procurando por ficar sensual.
Me incomodava receber olhares de quem não contribuiria no menor parâmetro da minha
vida. No entanto, agora eu tinha um bom motivo pelo qual usar roupas as quais eu fosse me
sentir desejada.
Não que eu quisesse me tornar um objeto sexual para ele, mas me afundava em prazer
quando Christopher me olhava cheio de malícia. Adorava sentir que tudo nele era sobre mim. E
que éramos completamente pertencentes um do outro.
— Estou bonita? — perguntei para Loren, dando uma voltinha no quarto.
Ela estava vestida em uma calça jeans preta e um moletom bege. O cabelo estava preso em
um rabo de cavalo, com alguns fios rebeldes soltos.
Loren adorava festas, mas não curtia moda tanto assim. No entanto, ela era muito bonita e
não precisava de esforços para chamar a atenção.
— Você está incrível, Dy. Mas por que essa roupa? — analisou, descendo o olhar pelo meu
corpo.
Sorri.
— Quis ousar um pouco.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Espero que isso seja sobre você, e não influência de outros — aconselhou.
Quase ri disso. A rainha influenciável querendo me dar palestra.
— Se influência de "outros" está querendo dizer "Chris", então não. Ele não escolhe as
minhas roupas, eu escolho. E não me importo de me vestir um pouco mais ousada para
impressioná-lo. Mas eu também gosto de me surpreender às vezes. Então, no fim, todo mundo
ganha. — Dei de ombros.
Ela me ignorou completamente e jogou-se no colchão. Aposto que parou de me ouvir na
terceira palavra que eu disse.
— Vai demorar muito? — resmungou.
— Eu só quero me conferir antes — avisei.
Ela bufou alto, estava cansada de esperar que eu me aprontasse, embora fôssemos em carros
separados, ela queria esperar para partirmos juntas de casa.
Preparei a minha bolsa com suprimentos básicos de sobrevivência: Celular, carregador,
absorvente e um pirulito para ajudar a cortar o efeito do álcool.
Me peguei pensando se colocar uma camisinha seria estranho.
De onde tirou isso, Dytto? Pensamento idiota!
Eu não ia perder a minha virgindade em uma festa qualquer. Me recusava a isso.
— Eu estou pronta! — informei, nervosa.

Christopher e eu iríamos juntos para a festa. Estava empolgada com a ideia e satisfeita por
isso.
Eu seria a sua "motoristinha" de hoje.
Estacionei o meu carro perante a sua casa, em sua espera. Precisei apenas do tempo para
desfivelar o cinto de segurança, antes da porta do imóvel se abrir, revelando um Chris muito
sexy, vestido em uma camiseta azul-escuro, um grande casaco preto, uma calça jeans e um
coturno.
Meu queixo caiu.
— Caramba! — arfei. Inconscientemente, espremendo as coxas.
Ok! Talvez eu devesse ter comprado uma camisinha.
Engoli em seco ao vê-lo caminhar posturado, o rosto cheio de seriedade e os olhos firmes.
Seus passos eram duros e largos em direção ao meu carro. Ele era tão convicto e se esvaia em
uma coragem que causava inveja a qualquer um.
O cabelo negro estava incrível, bem penteado para trás, num estilo elegante e chique. À
medida em que se aproximava, notei que seus dedos tatuados estavam decorados por anéis de
prata.
Ele estava tão lindo que doía.
Christopher deveria ser considerado um crime pela lei constitucional:
Lei de n°666/69: Tocar nesse meio humano, meio demônio, é um crime sem direito a
perdão; visto que, essa criatura, é de tal modo, tão perfeita, que deveria permanecer em
exibição em um museu, com aquiescência de ser apenas admirado e cultuado.
Eu seria presa, sem dúvidas.
No momento em que Christopher entrou em meu carro, não deixei nem mesmo que me
olhasse antes de pular em seu colo para agarrá-lo aos beijos.
Senti-o sorrir com os lábios colados aos meus e enlaçar a minha cintura com o seu braço,
pressionando meu corpo no dele.
O beijei como se não nos víssemos há tempos, pois naquele momento, eu queria-o somente
para mim.
Aquele homem! Meu Deus! Aquele homem era meu. Eu mal podia acreditar nisso. E saber
que ele era completamente obcecado por mim. Minha nossa! Eu era verdadeiramente uma puta
de uma garota de sorte.
Cada vez que eu pensava nisso, tinha ainda mais vontade de me agarrar a ele nesse carro
durante horas.
O tesão me consumia pouco a pouco, e nosso beijo tornava-se cada vez mais quente, mais
malicioso e sensual. Suas mãos tocavam partes das minhas coxas não cobertas pelo vestido e
subiam até a minha bunda.
Agarrei o seu rosto com as minhas mãos e o puxei para mim. Seu cheiro adentrou minha
narina, intoxicando os meus sentidos apenas para me fazer querê-lo.
Segurei-o comigo para que permanecesse completamente colado a mim.
Nosso beijo durou vários e deliciosos minutos. Estive tão absorta em meus desejos que mal
notei que ambos já estávamos sem fôlego.
Foi só então que afastei-me dos seus lábios. Eu estava ofegante e quente. Meu corpo fora
afetado em cada mínimo detalhe.
Meu momento irracional me fez agir como uma maluca, mas Christopher adorava quando eu
fazia isso.
— Você está bem? — ele perguntou, respirando com dificuldade.
Um sorrisinho cafajeste pintava os seus lábios, ao passo que ele me olhava de cima a baixo.
— Desculpe. Acho que estou no período fértil — admiti, penteando com os dedos os fios de
cabelos selvagens em minha cabeça.
Ele riu e deu um breve beijo em meu queixo.
— Acho que tenho que agradecer ao seu corpo por isso — brincou.
Christopher parecia curioso em descobrir o que eu estava vestindo e afastou o meu corpo do
seu até que eu estivesse com as costas apoiadas no painel do carro.
Ele sorriu ao observar o que eu usava e passou os dedos sobre os lábios, como se degustasse
do que via.
— Você está gostosa pra caralho, Dingo — murmurou, rouco.
Brinquei com a beirada do seu casaco e sorri.
— Digo o mesmo.
— Estou gostosa também, princesa? — Ele riu.
— Sim, você está uma gostosa do caralho, Christopher.
Ele escorregou as costas das mãos em meu rosto e apertou as minhas bochechas, obrigando
meus lábios a formarem um bico.
— E pensar que eu achei que você fosse inocente. — Ele jogou-me uma piscadela.
Revirei os olhos e afastei a sua mão.
— Não tenho culpa se você mentiu para si mesmo — provoquei.
Ele abriu um largo sorriso.
— É que eu me enganei feio. — Chris deu um tapinha na minha coxa. — Ainda bem, ou não
teria ganhado um boquete dos infernos.
Meu rosto esquentou.
— Esqueça isso — cochichei.
— Nem ferrando.
Encarei minhas mãos em seu colo.
— Você gostou? — sussurrei.
— E existe algo em você que eu não goste?
Ergui o meu olhar para o dele.
— A minha crença em Deus e a minha teimosia em saber sobre o seu passado, talvez?
— Podemos dar um jeito nisso.
Seus lindos olhos brilhavam e todo o seu rosto parecia sorrir. Meu peito se aqueceu e todas
aquelas borboletas drogadas cercaram o meu estômago.
A sensação me deixava meio bêbada e lerda. Meus lábios deixavam que sorrisos bobos
escapassem.
Oh, merda! Ele estava me fazendo querer dar para ele ali mesmo.
— Acho melhor nós irmos — avisei, pulando ligeiro para o banco do motorista.
Christopher gargalhou, mas não disse nada. Parecia ter entendido bem a situação.

Ao adentrarmos o lugar, notei que Christopher permanecera calado e sério. Seus olhos
desconfiados encaravam a todos com uma insistente suspeita.
Conforme nós nos enfiávamos em meio ao tumulto no hall de entrada, sentia-o ainda mais
tenso e irritado.
Não gostei da sua reação e me encolhi atrás dele, segurando-o apenas pelo seu dedo
indicador.
Alguns dos convidados, entretanto, se distraíram conosco ao passarmos. De certa forma,
chamávamos a atenção. Christopher não era alguém comum, tampouco possuía resquícios de
gentileza em sua face.
Eu não conhecia ninguém ali, mas pela forma que olhavam o homem extremamente alto e
tatuado ao meu lado, aposto que sabiam quem ele era.
Christopher formava um escudo de proteção à minha frente, guiando-me com cuidado em
meio aquelas pessoas. Eu queria enxergar o caminho, mas ele continuava a se meter em meu
campo de visão, enfiando-me propositalmente atrás dele.
A casa era grande e espaçosa, mas uma grande parte dos festeiros se amontoavam no meio
da sala ao som de uma música eletrônica irritante que parecia nunca sair do refrão.
As paredes pálidas eram decoradas por quadros com cores vividas e brilhantes. Os móveis
eram, em parte, quase todos amarelos ou cinza. No geral, até que era uma boa mistura.
As divisórias entre os cômodos davam-se por paredes com aberturas largas em formatos de
arcos, passando a sensação de um lugar amplo e aberto.
Próximo da cozinha, havia uma escada mesclada a parede, dando acesso, ao que eu imagino,
serem os quartos.
Loren tinha amigos bem afortunados, logo, sempre estávamos pulando de mansão em
mansão para mais festas.
— Sua irmã — ele avisou, parando no lugar.
Dei um passo para frente, enxergando Loren aproximando-se rapidamente. Ela já estava com
uma garrafa de cerveja em uma mão e um cigarro na outra.
— Por favor, não briguem — pedi a ele num sussurro.
— Como quiser.
Loren nos alcançou assim que ele terminou de falar.
— Ei, vocês! — cumprimentou.
— Ei, você! — Chris a imitou com voz de garotinha.
Minha irmã revirou os olhos e mostrou-lhe o dedo. Chris repetiu o gesto, mas quando ergui
o pescoço para olhá-lo, ele o trocou pelo dedão.
— Apenas paz e amor reinam aqui — garantiu, sorrindo forçado para mim.
— Se vocês dois brigarem hoje, eu vou trancar vocês em um quarto, obrigá-los a pedirem
desculpas um ao outro, se abraçarem e darem beijinhos na bochecha — ameacei.
Os dois simultaneamente fizeram careta.
— Ah, para né! Adoro a sua irmã. Eu sou o maior fã dessa garota. — Chris vibrou animado,
passando o braço em volta do pescoço de Loren, enforcando-a.
— Que Lúcifer tenha piedade de mim — Loren lamentou sufocando.
Christopher riu.
— Não vai, não.
— Não precisam ser amigos, apenas não querem que se matem — avisei e Chris a soltou,
suspirando aliviado.
— Por que não avisou antes?
— Dytto, eu tentei ser educada, mas não dá. Por que não pega essa coisa grande e esquisita e
leva pra dar uma volta bem longe daqui? — Loren sugeriu, encarando-o séria.
Christopher sorriu provocador e balançou as sobrancelhas.
— Tá com medo, Loren?
— Chris! — chamei sua atenção. — Que tal se formos beber, hein?
— Isso. Vão lá e sejam felizes. — Loren deu-nos as costas e apressou os passos para bem
longe.
Christopher comemorou discretamente e beijou a minha bochecha.
— Vamos.
A mesa de bebidas era composta por tantas opções, que me fez ficar estática encarando-a
por, ao menos, uns 2 minutos.
As variedades eram compostas por garrafas de diferentes cores e formas, preenchendo a
grande mesa redonda por inteira.
Quem morava ali, era, no mínimo, um alcoólatra inato ou dono de um bar.
— Já escolheu? — Chris perguntou, de pé atrás de mim.
Devidamente, estava cansado de me encarar, olhando todas aquelas bebidas sem dizer
absolutamente nada.
Virei-me para ele.
— Quer saber? Eu não vou beber. — Suspirei.
— Não?
— Loren vai beber e eu vou ter que ficar de olho nela mesmo. Não daria certo.
— Ela consegue ficar de olho nela mesma.
Balancei a cabeça.
— Não posso.
Christopher aproximou-se, beijou a minha testa e segurou o meu rosto com firmeza entre as
suas mãos.
— Se não beber por causa da sua irmã, eu vou quebrar as duas pernas dela para não precisar
mais se preocupar com ela bêbada.
Arregalei os olhos.
— Você não faria is...
— Faria — garantiu, olhando-me no fundo dos olhos.
— Não, não faria.
Ele sorriu e deu dois passos para trás, afastando-se devagar. Quando notei a sua intenção,
estremeci completamente.
— Christopher! — berrei e corri atrás dele, segurando os seus dois braços. — Tá bom,
caramba, eu bebo! — me irritei.
Ele ergueu meus pés do chão e carregou meu corpo de volta para a mesa de bebidas.
— Te dou 3 segundos para escolher antes de ir atrás da Loren — sussurrou com os lábios
roçando a ponta da minha orelha.
— Calma, eu preciso pensar.
— 3... — iniciou a sua contagem.
— Chris!
— 2...
— O VINHO — berrei desesperada, apontando para a garrafa enfiada no balde de gelo.
Alguns dos que estavam à nossa volta, nos olhou com uma expressão engraçada.
— Vinho — Christopher repetiu. — Uma excelente escolha.
Ele arrancou a garrafa de lá, a abriu, deu um grande gole e, por fim, me entregou.
— Está aprovada. Boas festas, Dingo Dingo.
Olhei insegura para o objeto em minhas mãos.
— E se eu ficar muito bêbada?
— Eu cuido de você.
— E se eu vomitar em você? — supus.
— Eu tomo banho.
— E se eu ficar muito, muito, bêbada e começar a tirar as roupas? — aquela era uma
hipótese difícil de acontecer, mas quis garantir que ele daria conta.
— Arranco os olhos de quem te olhar.
Existia uma porcentagem significativa daquilo que ele estava dizendo ser verdade.
— São muitas pessoas — argumentei.
— Eu sou rápido.
— E se eu...
— Eu dou um jeito. Beba!
Ergui as sobrancelhas.
— Sim, senhor. — Revirei os olhos, levando o gargalo da garrafa aos lábios.
Derramei o primeiro gole de vinho com cuidado, pois queria beber devagar.
Chris assistiu orgulhoso e me estendeu a sua mão.
— Vem. Vamos procurar um lugar para você beber em paz.

Estávamos os dois, longe de todos os outros, em um canto no chão, debaixo das escadas.
Christopher me observava atento, vendo-me beber cada gota de álcool daquela garrafa. Ele
franziu as sobrancelhas quando meu corpo ameaçou tombar para os lados, e isso, de alguma
forma, me fez rir alto.
Eu já estava muito alterada, e mesmo sentada, tinha a sensação de que iria cair. Ria sem
motivos e apertava os braços de Christopher diversas vezes, apenas para me aproveitar daquele
corpo musculoso.
— Nós dois... — apontei para mim e para ele — não combinamos para festas. Olhe só —
girei o dedo no ar — viemos para o canto mais afastado, porque somos antissociais. —
Gargalhei, a voz soando esquisita.
Ele me olhou estranho e balançou a cabeça, como se eu fosse uma criança dizendo que
acreditava em unicórnios. Deixando-me falar sozinha, ele retirou de seu bolso um cigarro e o
acendeu.
Eu não era um grande fã de cigarros, mas fiquei fascinada com a forma que aquilo soou
sexy.
— Eu pos-posso fumar?
Seus olhos se ergueram para os meus. Christopher ruminou por um momento antes de
decidir.
— Abre a boca — mandou, e prontamente a escancarei. — Desse jeito não, Dingo —
interviu. — Assim você abre para eu enfiar outra coisa.
De imediato a fechei.
— Apenas a desprenda — orientou.
Christopher levou o cigarro aos meus lábios e os posicionou entre eles.
— Puxa.
Obedeci, tragando aquela fumaça amarga na boca, mas imediatamente a soltei, tossindo.
Afastei a bituca do meu rosto e fiz careta.
Era horrível!
Christopher riu e afastou os fios de cabelos soltos que estavam no meu rosto para abaná-lo.
— Ainda quer fumar, Dingo? — provocou, zombeteiro.
— Por que me deixou fazer isso? — choraminguei.
— Foi você quem quis. — Ele riu.
— Não pode me deixar fazer essas coisas.
Ele beijou os meus lábios e sorriu.
— O que quer fazer agora?
— Eu quero dançar — sussurrei.
— Agora?
— Agora.
Ele passou os olhos em volta, sério demais.
— Não sei, não, Dingo. Tem caras demais ali.
— Está com ciúmes? — aticei.
— Não.
— Ah, é mesmo?
Ele se afastou.
— Não estou com ciúmes, Dingo. Só preocupado.
— Então quer dizer que não sente ciúmes? — brinquei, já me levantando.
— O que vai fazer? — questionou, rígido.
— Dançar.
— Sozinha?
— Oh, não! Com uns amigos. Sei que ficará bem aí. Sem ciúmes, é claro. — Joguei uma
piscadinha para ele.
Christopher apertou os olhos, furioso, e me aproveitei do seu descuido para andar rápido até
pista de dança, antes mesmo que ele fizesse menção a se levantar.
Me escondi entre as pessoas quando notei que ele vinha em direção ao amontoado de gente
na sala, à minha procura.
Ri de sua carranca e corri para o centro da sala.
Chamei o primeiro garoto que encontrei para dançar. O rapaz logo se empolgou, a fim de
colar o corpo no meu, mas o afastei, deixando um espaço de dois palmos entre nós dois.
Fingi saber o que fazia, mas ele riu ao me ver entrar em ação.
Estiquei o corpo para tentar achar Christopher, porém não tive nem sinal de sua presença. A
sensação de que ele estava vindo atrás de mim, me provocava frios na barriga, causando-me
cócegas.
O garoto que dançava comigo se deu a liberdade de tocar a minha cintura e aproximar-se um
pouco mais. Ele se remexia no ritmo da música, entrando na onda, assim como eu.
Joguei os braços para o alto e me soltei. Sentindo-me leve.
Era meio bom estar bêbada, na verdade.
Nada mais parecia importar tanto e eu sentia que era capaz de fazer qualquer coisa que me
desse na teia.
Em momentos como este — sóbria —, eu estaria parada feito uma idiota, olhando todos se
divertirem. Mas, agora, eu não estava nem aí se dançava bem ou mal. Eu só queria mexer todo o
meu corpo e cantar alto.
Abri os olhos ao perceber que o garoto tocava o meu rosto e recuei um passo, percebendo
que ele já se aproximava para me beijar.
— Eu tenho namorado — avisei e ele sorriu.
— Bom, mas ele não está aqui, né? — insinuou, sedutor.
Engoli em seco.
Droga! Eu já havia visto isso acontecer antes e não terminou nada bem.
— Eu não faço esse tipo de coisa — recusei, apavorada.
— Não se preocupe, gata. Ele não vai precisar saber.
Um rápido reflexo eclodiu à sua frente, fazendo-me estremecer. De repente, a enorme mão
de Chris agarrava o pescoço do garoto com força.
O moreno arregalou os olhos e abriu a boca, buscando por ar desesperadamente. Christopher
não o soltou, apenas aproximou seu rosto do dele.
— Se tocar nela de novo, eu vou quebrar cada osso do seu corpo — ameaçou, frígido. A voz
tão mórbida e bizarra a ponto de causar calafrios na espinha.
Agonizando, o garoto desesperadamente deu batidinhas na mão de Chris, mostrando-o que
entendeu.
Eu observava a cena abismada, sem conseguir mexer um único músculo do corpo. O sangue
sumiu da face do moreno. Ele parecia prestes a desmaiar. Christopher, por fim, soltou o rapaz e
lhe deu um tapinha nas costas.
— Agora pode dançar com o seu amigo — informou a mim, afastando-se de nós.
Assim que o garoto conseguiu inspirar a primeira lufada de ar, passou rápido por mim e
correu para longe.
Eu estava tremendo e assustada. Christopher de repente já não estava mais ali. Tão logo
olhei em volta e o avistei sentado no sofá, com as pernas cruzadas. Observando-me de longe.
Ele sorriu amável, como se nunca tivesse saído dali. Afinal, Christopher não precisou
mover-se do lugar para ameaçar o rapaz.
Ele sequer precisou mover um único dedo.
A ficha finalmente caiu.
Não foi Christopher quem o ameaçou, mas a sua segunda camada.
15 de Abril | Segunda-feira
Embora já estivesse quase dormindo, sentia sua presença sobre o meu corpo.
Seus longos dedos gelados contornavam a minha face devagarinho. Sentia frio, mas não me
incomodei. Gostava quando ele me tocava.
Não me lembro exatamente quando foi que chegamos em minha casa, ou como Christopher
me carregou até o meu quarto sem que meu pai quisesse arrancar o seu pescoço.
Mas, sabia, que em algum momento ele havia retirado as minhas roupas sujas, me dado um
banho, me vestido em um pijama e me colocado para dormir. Contudo, a sua visita sempre me
deixava muito ansiosa, impedindo-me de adormecer, gostava de aproveitar cada segundo com
ele.
— Vai dormir aqui? — sussurrei, rouca.
Meus olhos pesavam e a minha boca estava seca. Mesmo deitada, sentia minha cabeça girar
como um maldito brinquedo Twister. Eu estava passando pelo efeito da ressaca.
Após minha bebedeira, Christopher havia se mantido ao meu lado durante todo o tempo,
segurando o meu cabelo e hidratando-me com água, enquanto eu vomitada tudo o que havia no
meu estômago.
Aquele foi o meu primeiro porre da vida.
Ele não me respondeu de imediato. Beijou meus lábios, bochechas e queixo. Permaneci
parada, sentindo sua respiração colidir em minha pele, sorrindo feito uma boba.
— Foi uma festa e tanto — brinquei, ainda de olhos fechados.
Sua língua passeou em meu pescoço, subindo e descendo, causando-me excitação.
— Mas poderíamos ter aproveitado mais — continuei, desta vez, maliciosa.
Lembrei-me do quão majestoso estava e suspirei apaixonada.
— Cuidado — soprou ele, quase inaudível, as palavras sumindo no ar.
— Como? — questiono-o, confusa.
Christopher calou-se, e de repente, um clarão invadiu os meus olhos sob as pálpebras.
Franzi a testa.
— Chris, você acendeu a lu... — fui interrompida, quando sua grande mão envolveu o meu
pescoço com rigidez.
Imediatamente abri os olhos e encontrei-o no claro do meu quarto em sua pior forma.
Os olhos verdes estavam completamente transformados em dois poços negros. Linhas
escuras como raios tomavam todo o seu rosto. A pele antes branca, tornou-se cinza e macabra.
O que ele estava fazendo?
Tentei me mover, mas ele não deixou. Por um momento, achei que estivesse me
provocando, no entanto, Christopher não estava para brincadeiras. Ele fez pressão em seu aperto
no meu pescoço. Arregalei os olhos, o ar faltando nos pulmões.
— Pa-pare — tentei dizer, mas suas fortes mãos pressionaram o meu pescoço com ainda
mais força.
Meu coração batia feito louco no peito, assustado com aquela brusca atitude. Enfiei minhas
unhas em seus braços, lutando contra ele, mas isso não o afetou de maneira alguma. Quanto mais
eu resistia, mais força ele impunha sobre mim.
Minhas pernas se debatiam na cama, mas o seu peso sobre mim impedia que eu pudesse me
mover.
Minha visão tornou-se turva, meu rosto formigava e meus olhos ardiam. Eu estava
desesperada. Meu corpo estava desistindo.
A morte. Era tudo o que me vinha a mente naquele instante.
Tudo em mim doía.
Como de repente o amor da minha vida havia se tornado o monstro que estava tentando me
matar? O que mudou? Fora tudo uma grande mentira?
Enquanto o olhava nos olhos em meus últimos suspiros, lágrimas desciam em meu rosto. Já
no seu, não existia o menor remorso.
Christopher não se importava com aquilo, era proposital e planejado. Eu via que aquele era o
seu desejo, que aquilo que lhe causava prazer.
— Por favor, Chris — chorei sufocando, mas não adiantou. — Chris...
Meu amor estava me matando.
Sorri ao ler a sua mensagem.
Esta era, somente, uma das quinhentas mensagens que ele havia me mandado desde que
viajou em razão de uma emergência de trabalho, há cinco dias, logo após a nossa festa.

Gargalhei com isso. Eww! Christopher não sabia ter limites.


Garoto tarado.
Merda! Isso era um problema.
Eu ainda não havia lhe contado sobre o pesadelo que havia tido com ele me sufocando, e
nem pretendia.
Mas se ele me olhasse nos olhos, saberia imediatamente que eu estava lhe escondendo algo.
Depois da nossa festa, Christopher, de fato, me levou para casa, cuidou de mim e me deixou
dormir, contudo, recebeu uma ligação urgente, e precisou deixar-me sozinha. Mas tudo depois
pareceu tão real que fiquei verdadeiramente grata por não ter que vê-lo no dia seguinte.
Eu estava tão apavorada que tinha medo apenas da ideia de ele me visitar novamente.
Sabia que Christopher não seria capaz de me machucar daquela maneira, ou ao menos,
tentava me convencer disso, visto que esse medo só se concretizou após o meu pesadelo.
Antes disso, eu confiava nele.
— Vai se mexer ou vai morar aí na fila? — o balconista se pronunciou, com ignorância.
Oh, Merda! A fila.
A biblioteca da cidade resolveu me ligar para devolver um certo livro, o qual peguei há duas
semanas, pouco tempo depois que conheci Christopher.
Agora já estávamos oficialmente com 1 mês de conhecidos e eu ainda não tinha certeza do
que ele era.
Eu simplesmente havia esquecido o livro debaixo do meu closet, entretanto, isso tudo
parecia tão sem sentido agora.
Ben tinha razão, toda aquela história não passava de contos de fada. Nada ali me ajudou a
descobrir o que Christopher era.
— Vai ter que pagar multa — o rapaz rabugento, avisou.
— O quê? Ele está em perfeito estado — protestei.
— Você atrasou 7 dias depois do dia da entrega.
Fiz careta.
— E quem iria querer ler essa coisa além de mim? — argumentei e ele estreitou os olhos.
— Talvez alguém o quisesse ler, se ele estivesse na devida prateleira.
— As pessoas desta cidade só vêm na biblioteca para namorarem escondido. Já viu alguém
aqui realmente lendo algo que não fosse por obrigação da escola? Devem existir, no máximo,
dois leitores em Vespeau.
O garoto soltou o ar pela boca, em rendição.
— Sai logo daqui.
Sorri contente e girei os calcanhares. Meu sorriso aumentou quando avistei Benjamin
acabando de chegar logo atrás de mim.
— Você — cantarolei, animada.
Ele abriu um meio sorriso, tímido.
— Dytto. Quanto tempo!
— É. Uma grande coincidência te encontrar aqui de novo.
— Na verdade, eu venho aqui quase todos os dias.
— Shhh! — pus o dedo na sua boca e o fiz recuar. — Acabei de dizer para o balconista que
ninguém dessa cidade lê. Não destrua meu único argumento para não pagar a multa de atraso —
sussurrei.
Ele riu e passou os dedos nos lábios, zipando-os.
— E então, qual a leitura atual? Romeu e Julieta da dark web? — brinquei, apontando com o
queixo para o livro em suas mãos.
Ele balançou a cabeça, sorrindo, e ergueu em sua mão exibindo "Carrie, A Estranha".
— Um baita livrão — comentei.
— Um clássico da adolescência atual.
— Só se for da adolescência da minha avó.
— Um clássico nunca envelhece.
Assenti, rindo.
—Tem novidades? — questionei-o.
— Ah, tenho! Tenho uma muito boa. — Ele sorriu.
— Me conte.
— Um passarinho contou para um outro passarinho, que esse outro passarinho me contou
que... Você e o Christopher, o garoto que você tinha repulsa, estão namorando.
Meu rosto ardeu de vergonha.
— Ãhn... Que tal falarmos sobre a Carrie? — sugeri, constrangida. — Tem todo aquele
lance de sangue, não é?
Ele deixou sua cabeça tombasse para o lado.
— O que aconteceu?
Mordi o lábio inferior.
— Acho que Christopher e eu temos mais em comum do que imaginávamos — sussurrei.
Ele crispou a testa e sorriu.
— Eu já disse o quanto você mente mal?
— Eu gosto dele.
— Gosta mesmo? — incitou, curioso.
— Pare com isso, Ben. Eu gosto mesmo dele. E eu não estaria com ele se eu não quisesse. —
Cruzei os braços.
— Não é o que parece. Christopher sabe exatamente como manipular alguém, Dy. Estou
falando sério. Toma cuidado. Ele não é o seu príncipe encantado — aconselhou.
— Talvez eu não queira um príncipe encantado — cochichei.
Benjamin repuxou o canto dos lábios.
— Ele é capaz de qualquer coisa para conseguir o que quer.
Dei de ombros.
— Por que isso agora, Ben?
Ele soltou um riso curto.
— Eu não tenho certeza se ele sabe que eu tenho conhecimento disso, mas, descobri que ele
tem me vigiado.
Juntei as sobrancelhas.
— Vigiado?
— Ele é um pouco possessivo quando o assunto é você.
Meu coração disparou.
— Acha que ele tem te vigiado por minha causa? — eu disse, incrédula.
— Não acho. Tenho certeza.
Ben afastou-se um pouco e apontou para o balconista atrás de nós dois.
— Eu tenho que ir. Mas tenha cuidado com a sua alma, Dy. Ele a quer muito — informou,
antes de se afastar.
Saí da biblioteca atordoada. Presa em pensamentos horrorosos. De repente, minha mente
combinou meu pesadelo ao que havíamos acabado de conversar.
Se Benjamin dizia com tanta naturalidade que Christopher queria a minha alma, então ele
sabia bem mais do que transpareceria.
O quanto Benjamin conhecia Christopher?
Meu celular vibrou no bolso. Tomei-o nas mãos e a tela se acendeu.
Christopher.
17 de Abril | Quarta-feira
Um beijo suave e gentil provocou a minha bochecha.
Adormecida, minhas pálpebras instintivamente reagiram num estímulo trêmulo.
Meu corpo fora cercado por algo grande e espaçoso atrás de mim no colchão. Encaixando-se
perfeitamente em cada pedaço meu, como duas peças de quebra-cabeça.
A grande massa quente e pesada aconchegou-se sem pressa. Toques delicados deslizaram
em minha pele em um calmo vaivém.
Ouvi o cantar dos passarinhos, como um fundo sonoro. Feixes de luz atravessaram as
minhas pálpebras, esvaindo-se num clarão sobre meus olhos.
— Feliz aniversário, minha Dingo Bells — sua voz sussurrou macia em meu ouvido.
Sorri de olhos fechados.
— Você voltou de viagem — murmurei, feliz.
Sua enorme mão cobriu a minha barriga, puxando-me para ele.
— Sentiu saudades? — provocou, deslizando devagarinho sua mão em direção ao short do
meu pijama.
Minha pele se arrepiou. Aquele era o Christopher que eu bem conhecia.
— Eu senti muita saudades. — Ofeguei.
Havia se passado uma semana inteira desde que Christopher viajou repentinamente. Foi o
maior tempo que passamos longe um do outro desde que nos conhecemos.
Embora fôssemos um recém-casal, a ausência de suas visitas noturnas provocara-me, em
parte, alívio, e em parte, abstinência.
Eu ainda tinha medo de que se eu abrisse os olhos, poderia voltar àquele episódio horrível de
tê-lo me enforcando até a morte, mas, no exato momento, sua presença era real. E eu sentia isso
da cabeça aos pés.
— Senti saudades disso aqui. — Christopher deslizou seus dedos entre os lábios de minha
boceta, esfregando-os bem lentamente em meu clitóris.
— Somente disso? — cochichei, excitada.
Ele beijou o meu ombro, deslizando os lábios até o meu pescoço.
— Senti falta de você inteirinha, meu amor.
Coloquei minha mão em seu braço e o incentivei a continuar.
Definitivamente acordar com Christopher me masturbando era, sem dúvidas, o melhor jeito
de começar o dia.
Mas, um barulho no andar de baixo me fez lembrar que meus pais já estavam de pé, e que
minha irmã deveria estar andando de um lado para o outro, organizando a minha festa de
aniversário; a qual ela tanto insistiu em planejar.
A qualquer momento alguém entraria, e de forma alguma poderiam nos ver assim. Seria um
absurdo sem fim.
— Chris... espere, espere — pedi, afastando a sua mão.
Afastei o lençol do meu corpo e sentei-me no colchão, virando-me para ele.
Eu provavelmente deveria estar toda descabelada, com o rosto inchado e enormes olheiras,
por outro lado, Christopher se parecia um deus grego em minha cama.
Ele estava vestido em uma camiseta branca e uma calça jeans escura. Seus olhos claros
evidenciam-se ainda mais com a luz do sol mirando em seu lindo rosto.
Pela primeira vez, Christopher se parecia mais como um anjo, e não como um demônio que
era. Meu coração disparou mais forte.
— Você é tão lindo — soltei, sem perceber.
Ele crispou a testa.
— E você só diz isso agora?
Minhas bochechas esquentaram.
— Eu estava tentando ser difícil — tentei descontrair e ele balançou a cabeça, fingindo
desapontamento.
— Não me sinto valorizado nessa relação.
— Bom, então deveria estar namorando outra garota.
Ele agarrou o meu braço e brutalmente me puxou para ele, rolando com o seu corpo para
cima do meu.
Debaixo dele, comecei a rir, mas tive que tampar a boca, contendo o barulho para que os
outros não me ouvissem.
E, de todo modo, eu também ainda não havia escovado os dentes, Christopher não precisava
de toda essa intimidade ainda, mesmo que eu desconfiasse que ele já soubesse demais sobre
mim.
— Não vou ter outra namorada além de você.
— Está me pedindo em casamento, então? — incitei.
— Casamento? — ele riu. — Demônios não se casam.
— E o que vocês fazem?
— Trancamos a garota que gostamos dentro de uma jaula, e só as visitamos quando
queremos foder.
Dei-lhe um murro no peito com a mão desocupada. Eu não sabia se ele estava sendo irônico
ou se realmente estava sendo sincero.
— Não sou uma escrava sexual — reclamei e ele gargalhou, beijando a minha testa.
— Não gosta da minha proposta, Dingo Dingo?
Tentei o empurrar, no entanto, seu corpo não se moveu do lugar.
— Sai de cima, diabão. Eu preciso usar o banheiro, e quero que vá embora de fininho antes
que meu pai te veja e arranque a sua cabeça.
— Quando eu subi pelas escadas ele não reclamou.
— O quê? — estremeci.
— Ele não te contou? Nós conversamos e ele decidiu liberar a filha dele pra mim.
Arregalei os olhos.
— Não está falando sério.
— Quer descer para falar com ele sobre isso? — Ele ergueu o dedão sobre o seu ombro,
apontando para a porta.
— Chris, meu pai nunca iria deixar eu namorar alguém como você. O que você fez?
— Correção, seu pai me adora.
— O inferno congelou e eu não estou sabendo? — Uni as sobrancelhas, desconfiada.
— De onde eu venho, ele congelou, sim.
— Quê? — intriguei-me.
— Ãm? — disfarçou ele.
— O quê?
— O que, o quê?
— Que que você disse?
— Eu não disse nada — respondeu, cínico.
Soltei o ar pelo nariz e me remexi.
— Sai logo. Eu preciso me arrumar.
Ele jogou o corpo para o lado e eu rapidamente me levantei, a caminho do banheiro.
— Quer outro banho, Dingo Bells? — estimulou, malicioso, fazendo-me girar os
calcanhares em sua direção.
— Aquela vez não conta. Eu estava bêbada e vomitando.
— Mas me deixou tocar em tudinho. — Ele sorriu de canto e meu rosto tornou-se vermelho
como brasa.
— Eu realmente preciso me lembrar o que aconteceu — confessei, vergonhosa.
— Você me pediu para eu te chupar, eu disse que chuparia quando estivesse sóbria. E depois
chorou porque queria me chupar e eu não deixei.
Fechei os olhos e escondi o rosto entre as mãos, morrendo de vergonha.
— Ai, não! — sussurrei.
— Você fez tanta coisa... — continuou, nostálgico.
— Eu não sei se preciso saber do resto.
Ele riu.
— Na verdade, não sei se você aguentaria saber.
Apertei os olhos.
— Agora eu acho que devo saber — murmurei, curiosa.
— Tem certeza?
Engoli em seco.
— Talvez só um pouco mais — falei, retida.
— Na banheira, você sentou no meu colo e esfregou os peitos na minha cara. — Ele parecia
contente ao revelar aqueles detalhes sórdidos. — E ainda disse que...
— Chega! — berrei, correndo para o banheiro.
Eu nunca mais iria beber vinho depois disso.

Christopher estava deitado, com as duas mãos debaixo da cabeça quando sai do meu banho,
enrolada apenas em uma toalha.
Ele fitava o teto, dedicando a sua total atenção aos pensamentos que passavam-se em sua
cabeça.
Fui diretamente para o closet, procurar por algo para vestir. Enquanto vasculhava, encontrei
uma roupa ou outra que meramente me fazia parecer ter 18 anos.
Meu rosto era ligeiramente infantil e delicado, e não era essa a imagem que eu queria passar
hoje.
Busquei por algo mais formal na última gaveta e, quando o achei, levantei-me rápido. Ao
virar, fui surpreendida com Christopher atrás de mim, com o susto, a toalha escorregou do meu
corpo e caiu no chão.
Ele desceu o olhar pelo meu corpo e sorriu de um jeito ferino. Chris se aproximou de mim, e
com uma mão, puxou-me pela cintura, com outra agarrou o meu pescoço. Fui tomada pelo
choque das lembranças, e travei, ofegante.
Chris estava a meio passo de me beijar, mas parou quando percebeu que havia algo de
errado.
— Me solta — pedi, com a voz embargada.
Confuso, ele o fez. Rapidamente fugi para o fundo do closet, respirando com dificuldade.
Passei as mãos sobre os cabelos e desci para o meu pescoço, cobrindo-o em uma atitude
defensiva.
Christopher semicerrou os olhos, encarando-me com estranheza. Havia desconfiança
naquele olhar.
— Venha aqui, Dingo — pediu, a voz carregada e séria.
Abracei o meu torso com força.
— Por quê? — perguntei, nervosa.
— Venha! — ordenou.
Meu corpo inteiro tremeu.
Melindrosa, caminhei até ele e parei um pouco mais afastada.
— O que foi? — sussurrei e minha voz vacilou.
Estava óbvio que havia algo de errado comigo, mas eu não fazia ideia do que iria acontecer
se contasse. E, pela maneira cheia de raiva que ele me olhava, tinha medo de como poderia
reagir.
Chris me olhou de cima a baixo, como se averiguasse todo o meu corpo. Ele inspirou fundo
e se aproximou de mim novamente. Como se me testasse, ele envolveu sua mão em meu
pescoço. Fiquei inteiramente tensa e fechei os olhos.
— Conta — exigiu.
— Não há nada para contar — hesitei por um segundo.
— Conta de uma vez.
Devagar, mirei meu olhar no seu, sentindo um grande peso neles apenas por me olharem.
— Não tem nada, Chris.
Ele aproximou seu rosto e torci para que não me fizesse nada. Sua respiração quente se
chocou em minha pele, pressionando-me a falar.
— Agora — proferiu lentamente, de um jeito perturbador e autoritário.
Apertei as pálpebras, tremendo.
— Você — soprei.
Christopher ergueu meu queixo para ele, me obrigando a olhá-lo.
— Preciso que seja mais clara comigo — insistiu.
— Tive um pesadelo com você — expliquei, choramingando.
Christopher enfureceu-se.
— Quando? — disse entre os dentes.
— Na noite da festa, depois que foi embora da minha casa.
— Isso já faz uma semana, caramba! Por que não me contou? — brigou.
— Eu fiquei com medo. — Não pude conter as lágrimas que se derramaram a seguir.
Chris voltou a andar, fazendo-me recuar até que estivesse encurralada na parede.
— Sempre me conte tudo, Dingo. Sempre!
— Nã-não sabia como te contar isso.
Christopher tombou a cabeça para trás, apertando os dentes. Seu maxilar tornou-se rígido, e
a respiração pesada.
— Puta merda — rosnou baixo.
Ele novamente me encarou. Christopher estava extremamente irritado, e certamente por
razão da minha escolha em esconder dele algo assim.
Não sabia o que fazer, logo, permaneci estática, sentindo meu corpo ser ameaçado.
Às vezes eu esquecia como era tão fácil sentir medo dele.
— Eu nunca vou te machucar — garantiu. — Nunca.
Seu corpo relaxou, e seu olhar lentamente voltou a transbordar cuidado.
Christopher segurou o meu rosto e beijou a minha testa de maneira terna e carinhosa. Em
seguida, se afastou, dando-me espaço. Talvez estivesse com medo de estar me sufocando.
— Não posso ficar para o seu aniversário, estou completamente fodido hoje. Vou ter que
trabalhar até tarde da noite — avisou, exausto. — Mas, se precisar de algo, me ligue.
Baixei o olhar.
— Chris — enunciei baixinho. — Obrigada por vir.
Ele assentiu.
— Sempre que precisar, amor. — Ele sorriu de leve. — Seu presente chegará hoje mais
tarde, assim que chegar da escola. — Ele beijou a minha boca e em seguida tocou o meu queixo.
— Não tenha medo de mim, amor.
— Tenho certeza de que jamais me machucaria... você jamais faria isso — afirmei, olhando-
o nos olhos.
Chris segurou o meu rosto entre as suas duas grandes mãos.
— Jamais, Dingo — arfou.
Apenas quando cheguei da escola, que vi um modesto pacote pardo na sala, endereçado a
mim, com o remente Christopher escrito no cartão de aniversário.
Quando o rasguei, encontrei uma caixa azul marinho, oval e com uma textura aveludada.
Nela, o nome "Stekra" estava em evidência, bordado na cor prata. Aquela era a maior
joalheria que existia em Nabrya, tão famosa aqui, quanto em qualquer outro continente.
Já havia visto vários famosos adquirirem joias daquele lugar, até mesmo mamãe queria usar
algo dali, mas os valores de tudo e qualquer coisa eram tão extraordinariamente altos que papai a
limitava de comprar ali.
Meus olhos cintilaram e meu queixou foi ao chão ao abrir a caixa. Christopher havia me
mandado um colar com milhares de diamantes cravados na peça.
Em um pequeno envelope, havia um bilhete seu, escrito à mão:

O mínimo que ele poderia me dar? Aquilo devia valer mais do que tudo o que meus pais
possuíam em toda a sua vida. Imediatamente fechei a caixa e a guardei no fundo do meu closet.
Tinha medo até de olhar para algo tão caro assim.
Durante toda a tarde, tentei manter a mente ocupada, no entanto, meus dedos coçaram até
que eu finalmente pesquisasse o valor do seu presente.
Dizem que: "Cavalo dado não se olha os dentes", mas foi impossível não querer descobrir.
Afinal, os dentes eram de diamantes, então, sim, eu ia olhar e fazer o check-up inteiro daquele
cavalo.
Ao acessar a internet e pesquisar pela joia, encontrei os números mais absurdos de toda a
minha vida.
CHRISTOPHER HAVIA ME MANDADO UM PRESENTE NO VALOR DE
CINQUENTA E SETE MILHÕES DE REAIS.
Como caramba ele tinha tanto dinheiro assim?
A minha cabeça estava rodando com aquela informação.
Eu tentei diversas vezes mandar mensagem para ele, mas meus dedos sempre apagavam
tudo o que eu havia escrito.
Tudo o que eu conseguia digitar eram coisas como: "VOCÊ PIROU DE VEZ", "VOCÊ É
LOUCO?" ou "VOCÊ NÃO ASSALTOU A DROGA DE UM BANCO, NÃO É?"
Por fim, apenas deixei que isso se tornasse uma conversa para uma outra hora. Debater sobre
isso com ele no momento, seria completamente em vão, visto que ele deveria estar trabalhando
feito um louco.

Durante o fim da tarde, Loren já havia enfeitado todo o nosso quintal para a minha festa de
aniversário.
Ela colocou vários pisca-piscas envoltos nas plantas, mesa e paredes. Encheu alguns lugares
com pequenos balões fofos e recheou uma mesa inteira com guloseimas.
Ela havia abarrotado de bebidas alcoólicas uma caixa térmica com a desculpa de que agora
eu poderia ficar bêbada com a sua benção.
Graças aos céus, papai e mamãe saíram para que fizéssemos uma festa sem eles. Dando-nos
um pouco de privacidade.
Após os parabéns, nos reunimos em um pequeno grupo no jardim. Loren sabia que eu
odiava multidões de pessoas em um mesmo lugar, então convidou apenas os mais íntimos para
nós.
Em um círculo estávamos apenas: eu, Loren, Joshua, Claire, Luc e outras três amigas de
minha irmã.
A mais nova estava contando alguma história de quando era criança, e Loren parecia
partilhar algumas de suas aventuras também, enquanto isso, eu tentava manter um bate-papo com
Luc, que ainda parecia meio distante de mim.
— E então, me trouxe boas notícias? — perguntei, sorrindo.
— Na verdade, te trouxe um caderno de desenhos de presente, dei para Loren guardar —
comentou, tímido.
— Ah, isso vai ser bom. Preciso praticar mais os meus talentos — brinquei.
Nós dois sorrimos um para o outro, no entanto, esse bom astral logo morreu e um silêncio
estranho se formou.
Aquela conversa era tão mecânica que sequer parecia ter algum sentido para mim ou para
ele.
Eu não queria que ficássemos daquele jeito, antes havia tanto assunto entre nós dois, e agora
era desconfortável me manter perto dele nessa névoa esquisita.
— E o livro que estava lendo. Está interessante? — tentei quebrar o gelo.
— Ah, Love in the Dark? Bom, na verdade, estou em uma parte bem triste.
— Caramba. — Fiz careta. — Espero que isso não estrague a experiência.
— Na verdade, eu pulei algumas páginas para espiar, e você nem imagina a reviravolta que
tudo isso vai ter. — Ele sorriu, empolgado.
— Adoro reviravoltas emocionantes.
— Eu te empresto o livro quando eu terminar, se quiser. Também já olhei todo o final da
história — confessou.
Luc era muito ansioso e não sabia se conter, até mesmo quando víamos filmes juntos, ele
procurava o final na internet antes dele terminar.
— E o livro termina feliz? — tive vontade de saber.
Ele abriu a boca para responder, porém, fomos interrompidos:
— Ei, vocês! — Claire chamou alto, ganhando a atenção de todos nós. — Que tal verdade
ou desafio? — propôs.
Ela adorava essas brincadeiras, mas imaginei que não fosse querer brincar disso hoje. Estava
tão quieta a noite toda que pensei estar triste. Talvez eu estivesse errada.
Todos em volta concordaram. Eu que já estava meio bêbada apenas balancei a cabeça.
— Loren, verdade ou desafio? — a ruiva deu início.
Minha irmã pensou por um momento.
— Vou começar com verdade.
— Aposto que a Claire vai se vingar na próxima vez que você escolher desafio — comentei,
sorrindo.
— Nem invente em fazer isso — minha irmã brincou.
— Eu estou doido para fazer uns desafios loucos, então andem logo com a vez de vocês —
Luc apressou.
— Você com certeza não consegue ser tão criativo assim, cara — Joshua interveio e nós
rimos.
— Está bem — Claire se pronunciou, extremamente calma. — Loren...
— Ai minha nossa! — Loren cochichou, ansiosa e tomou mais um gole de sua cerveja.
Todos estavam apreensivos, pois Claire, melhor do que ninguém, conhecia tudo sobre
Loren.
— É verdade que gosta de mandar fotos peladas para o meu namorado? — Claire perguntou,
nos deixando confusos.
— Essa foi boa! — Luc riu, sem entender e me juntei a ele.
Era uma perspectiva estranha de se olhar, e tão complicada que se tornava — de um jeito
bizarro —, engraçado. Mas, meu sorriso se desmanchou quando encontrei o rosto de minha irmã
inteiramente vermelho e sem graça.
— Claire, eu não... — a voz de Loren gradualmente baixou, até se tornar um completo nada.
Espera aí! Isso estava estranho.
— O que está rolando aqui? — questionei, atordoada.
Olhei para Joshua, que permanecia quieto e calado, com o olhar baixo de cachorro
arrependido.
— Lô — a chamei, nervosa. — O que é isso? Estão brincando, não é? — me apavorei.
Ela levou sua atenção para mim, seus olhos imersos em lágrimas.
— Me desculpe por isso, Dytto.
Pisquei repetidamente, em choque. Retornei meu olhar para Claire, que chorava em silêncio.
— Parem de brincar com isso. É sério! Isso não tem graça. — gritei.
— Não é brincadeira, Dy — a ruiva sussurrou.
— O quê? — Balancei a cabeça.
— Hoje mais cedo, peguei o celular de Joshua atrás de algumas fotos nossas para fazer um
vídeo para você. Mas a sua irmã — Claire apontou para ela — decidiu que queria fazer uma
surpresa muito maior, mandando fotos da porra da boceta para Joshua, que... — ela se virou para
o seu namorado — inclusive, adorou — sua voz era carregada de ódio, mágoa e traição.
— Claire, amor... Pelo amor de Deus, me perdoa — ele sussurrou, choroso.
Eu respirava ofegante, o coração batendo rápido no peito. Todos em volta estavam tão
abismados quanto eu.
— Eu nunca vou conseguir perdoar nenhum de vocês dois — Claire soltou, amarga e infeliz.
Levantei-me de onde estava e saí apressada, marchando para dentro de casa.
— Dy — Loren chamou em tom de desespero, mas a ignorei.
Minha irmã me seguiu até a sala.
— Dytto, por favor, me desculpe, eu não queria, eu... Eu só tava perdida.
Parei no lugar e virei-me para ela.
— Não é a mim que deveria estar pedindo desculpas agora, Loren — cuspi, incrédula.
— Eu sei, eu sei. — Ela esfregava o rosto repetidamente, completamente transtornada.
— QUE PORRA ESTAVA PENSANDO? ELA É A NOSSA AMIGA, LOREN — berrei,
sentindo a fúria tomar conta de mim. — A SUA MELHOR AMIGA.
— Eu, eu... Christopher havia me rejeitado, eu estava mal, e o Joshua, bem, ele estava
passando por maus bocados. Nós só buscamos apoio um no outro, e... rolou. Eu juro que não
queria que isso tivesse acontecido. Eu juro por tudo, Dytto.
Soltei o ar pela boca com força. Estava queimando de raiva.
— NÃO! Não vai culpar o Christopher por isso. Não está certo, Loren — protestei.
— O que eu posso fazer, Dy? Você me culpa, mas se apaixonou justamente pelo cara que eu
amava. ME DIZ O QUE EU POSSO FAZER!
As lágrimas desciam incessantemente de nossos rostos. Senti o meu coração se despedaçar
em milhares de pedacinhos.
— Você me apoiou nisso — murmurei, com a voz trêmula de choro.
— Eu nunca disse que tinha sido fácil pra mim.
Assenti, engolindo em seco.
— Acho que nós duas somos péssimas pessoas com quem amamos então — declarei,
sentindo um nó na garganta.
Ela franziu o cenho.
— Eu não quis dizer isso, Dy — ela se apavorou ao ouvir as minhas palavras.
Balancei a cabeça e busquei pelas chaves do meu carro, correndo para fora de casa.

Sentia que não iria aguentar nem mais um minuto esperando.


Desesperada, esmurrei a porta de sua casa com força. Minha mão estava vermelha com a
força que eu a golpeava.
Estava muito frio, e eu havia vindo sem nenhum agasalho. Uma leve garoa derramava-se do
céu, cobrindo-me de pouco a pouco. Ventava forte, e o céu estava nublado. Meu corpo inteiro
estava dormente e a ponta do meu nariz e dedos pareciam estar prestes a congelar.
A porta finalmente se abriu, revelando um Christopher confuso e cansado. Seus olhos
estavam fundos e avermelhados devido a horas de trabalho.
Ele rapidamente me agarrou pelo braço, me puxando para dentro. Assim que fechou a porta,
dedicou-se totalmente a mim, esfregando as mãos em meus cabelos. O aquecedor estava ligado,
e a temperatura ali dentro me trouxe alívio.
— O que que aconteceu? Você está bem? Se machucou? — disparou, preocupado.
— Christopher... eu estou pronta — avisei-o, séria.
Ele uniu as sobrancelhas, em uma confusão explícita.
— Pronta? — repetiu, aturdida.
— Eu quero que faça sexo comigo — esclareci.
17 de Abril | Quarta-feira
Dytto me encarava ansiosa. Os lindos olhos grandes e verdes cheios de lágrimas. O rosto
inteiramente tingido de rubro.
Sua respiração era descompassada e a sua pele estava gelada. Seus lábios mantinham-se
entreabertos e o seu corpo parecia tenso entre os meus braços.
Entrei em estado de alerta. Perturbado com hipóteses do que quer que tivesse acontecido.
— Do que está falando, Dingo? — exprimi, confuso.
Minha garota nunca tomaria uma decisão tão importante para si de um momento para o
outro. Ainda mais assim, tão desesperada e aflita.
Sexo com penetração ainda lhe era uma ideia muito dolorosa para que ela aceitasse assim,
tão de repente, sem nenhum motivo aparente.
Ela não parecia excitada, tampouco perto de estar.
— Eu quero fazer sexo com você, Christopher — repetiu, num sussurro quase inaudível.
Franzi o cenho, preocupado.
Tinha algo a mais nessa história. Podia sentir a sua mágoa e todo o sofrimento estampado
em sua aura.
Ela não veio à procura de sexo. Ela veio atrás de algo para livrá-la do tormento que sentia.
Toquei o seu rosto com delicadeza e deslizei os dedos por toda a sua bochecha, agora, úmida de
lágrimas.
— O que está acontecendo? Alguém te feriu? — Ela negou. — Brigaram com você? — Ela
sacodiu a cabeça. — Tentaram alguma coisa?
— Não foi nada com que deva se preocupar — respondeu.
— Se algo te atinge, isso se torna um problema meu.
Ela suspirou baixinho e deitou a sua cabeça em meu peito.
— Deu tudo errado hoje — murmurou chorosa e eu me agarrei a ela com destreza.
— Amor, me conta o que que está acontecendo.
— Christopher, eu não quero te chatear com isso, por favor, não me faça contar — pediu,
soluçando.
Inspirei fundo. Eu não sabia até que ponto deveria insistir antes que ela desmoronasse ou
saísse correndo.
Peguei-a pela cintura e a ergui em meu colo num gesto rápido. Ela deitou a cabeça em meu
ombro e fechou os olhos. Seus cabelos castanhos se derramaram em meus braços.
Levei-a para o meu quarto, onde a deitei com cuidado no colchão. Ela se encolheu e abraçou
as pernas. Aconcheguei-me logo atrás.
— O que aconteceu? — investiguei, novamente, abraçando o seu corpo magro.
— Eu não vou te contar. Você vai ficar bravo.
Imediatamente senti a raiva me dominar. Se ela estava com medo de que eu fosse ficar
irritado, então alguém havia lhe feito algo.
— Me conta o que fizeram com você — irritei-me.
Era difícil manter a paciência quando tudo o que eu queria era que ela se mantivesse sã e
salva. No entanto, Dytto não era do tipo que adorava me avisar que porra andava acontecendo
com ela quando eu ficava longe.
— Por favor! É melhor não.
— Eu já te disse para não esconder nada. Pare de ser teimosa! — esbravejei.
Ela virou o seu corpo em minha direção.
— Transe comigo — pediu.
Não tive tempo de a responder. Dytto pulou em meu corpo, sentando-se sobre mim. Ela
agarrou o meu rosto e enfiou seus lábios nos meus com afobação. Seus quadris se
movimentavam, rebolando em cima do meu pau. Ela estava me provocando e sabia disso.
Porra! Dytto me deixava tão louco, excitado e bravo.
Joguei-a no colchão novamente e montei em cima dela, aprisionando seus dois braços com
uma mão.
— Não vou fazer transar com você se não vai me dizer a verdade.
Com a mão livre, segurei o seu queixo.
— Então é melhor começar a falar — ditei, sério.
Ela tentou se afastar, mas meu peso a impedia de se movimentar.
— Não vai sair enquanto não me contar — ameacei.
Dytto encarou os meus olhos, apática. Sem a menor intenção de revelar nada. Aquilo me
enfureceu.
Assenti, rude.
— Tudo bem. Eu vou até a sua casa descobrir sozinho o que aconteceu. — Fiz menção em
me afastar, e prontamente ela reagiu.
— Não! — protestou.
Levantei-me de cima dela e sai da cama. Dytto saltou do colchão e rapidamente se pôs à
minha frente.
Ela colocou as suas duas mãos em meu peitoral e se esforçou para me empurrar, notando o
seu empenho em me fazer retornar, deixei que ela levasse meu corpo de volta para o colchão.
— Não vá até a minha casa — pediu, desesperada.
— Se me disser o que aconteceu, posso considerar o seu pedido — propus.
— Merda — cochichou.
Dytto deixou que a sua cabeça tombasse para o lado e encaixou o seu corpo entre o meio de
minhas pernas. Ela descansou as suas mãos em meus ombros, e eu pousei minhas mãos em seus
quadris.
— Loren estava tendo um caso com Joshua, namorado de Claire — deu início, visivelmente
magoada.
Bom, não era como se isso fosse uma grande novidade para mim, eu já sabia há um bom
tempo.
— E, bem, a Claire achou que minha festa de aniversário seria o momento perfeito para
contar isso. — Ela curvou um sorriso triste. — Loren basicamente disse que a culpa de ter
começado isso, era a sua rejeição por ela. E depois me disse que eu não poderia culpá-la, porque
eu me apaixonei por você. E, agora, eu sou a pior irmã do mundo, e ela, a pior amiga.
Eu vou matar aquela filha da puta.
Os olhos de Dytto se encheram de lágrimas.
— Eu me sinto péssima com tudo isso, Chris.
— Não chore, amor.
Ela esfregou os dedos em seu rosto, enxugando as gotículas de lágrimas que se derramavam
sobre as maçãs de sua face.
— Eu só quero esquecer isso — arfou. — Amor, me faça esquecer esse dia — choramingou.
Ela se sentou de frente para mim em meu colo e passou seus braços em volta dos meus
ombros.
— Eu não quero que a única lembrança do meu aniversário seja o que aconteceu. Eu quero
algo bom para eu me lembrar. Christopher, por favor, eu preciso de você.
Era difícil ser o que ela precisava agora, visto que ela estava fazendo isso por emoções
descontroladas. Ela não estava em si. E eu odiaria saber que poderia se arrepender disso mais
tarde.
— E eu estou aqui por você — declarei.
— Não, não assim. Eu quero que faça amor comigo.
— Sua primeira vez merece ser menos horrível do que isso. — Coloquei uma mecha de seu
cabelo atrás da orelha. — Vamos esperar para fazer isso quando estiver pronta.
Ela balançou a cabeça.
— Eu quero que seja assim — afirmou com seriedade.
— Não está pensando direi...
— Você me disse que estaria à minha disposição. Cumpra com a sua palavra!
Mordi a bochecha com força.
— Eu não quero te foder só porque está mal. Por que você não entende isso? — vociferei,
grosseiro.
Precisava despertá-la de uma realidade que não existia. Sexo definitivamente não a deixaria
melhor, apenas mais culpada.
— Porque sou eu quem decido quando vai ser a minha primeira vez — berrou. — E se não
vai fazer isso por mim, então não se importa comigo tanto quanto me prometeu.
Ela não estava jogando limpo.
— Quer que eu te coma? É isso o quer, Dingo? Me diga! Porque isso não vai ter mais volta
depois que acontecer — soltei, entre os dentes.
Ela ergueu o seu rosto.
— É o que eu quero, Chris.
Balancei a cabeça, incrédulo com o seu desespero.
— Então eu vou te foder até que esqueça de toda essa merda — rosnei.
Seu rosto se enrubesceu.
— Faça isso — determinou nervosa, ela estava tremendo.
Esfreguei os dentes com rudeza em meu lábio inferior.
— Levante — ordenei, e ela o fez.
Coloquei-me de pé, andando de um lado para o outro no quarto. Pensando em como faria
isso dar certo.
Dytto permaneceu no lugar, sem jeito, acompanhando-me com os olhos, curiosos e tímidos.
— Tire a sua roupa.
Seus olhos se prenderam aos meus por um longo tempo, até que ela finalmente começou.
Dytto retirou o seu vestido e o deixou cair sobre o carpete. Em seguida, ela logo abriu o
sutiã, deixando seus lindos e delicados seios à mostra. Por último, ela tocou a borda de sua
calcinha horrorosa e a livrou de seu corpo.
Dytto saiu de cima de sua pequena pilha de roupas e as chutou para um canto.
Sua nudez era tão linda que me atordoava. Cada detalhe seu me impressionava. Suas belas
curvas e marcas eram de tirar o fôlego.
Dytto era uma garota magra, de cintura fina, seios pequenos e quadris largos. Possuía uma
belíssima e deliciosa bunda arrebitada.
Porra! Eu me odiava por querer comê-la nessa situação, e estava puto com ela por deixar que
isso acontecesse.
— Já — avisou, como se eu não tivesse acompanhado cada mínimo movimento seu.
— Deita. — Apontei para o colchão.
Dytto caminhou até a beirada da cama e, com cuidado, deitou-se.
Era cruel ver toda aquela cena; minha garota toda nua na minha cama, pedindo para que eu a
fodesse. Me entregando a sua virgindade como se não fosse mais nada para ela, apenas para que
eu a fizesse sentir algo.
— Agora abra bem as suas pernas.
Ela virou o seu rosto para mim, os olhos meio arregalados e as bochechas vermelhas.
— Você não vai...
— Abre.As.Pernas — eu disse, dessa vez, mais sério.
Ela puxou o ar com força. A respiração estava bem acelerada e entrecortada. Sua barriga
subia e descia rapidamente. Seus dedos apertavam o lençol da cama em busca de calma e ela
mordia os lábios sem gentileza.
Bem devagarinho ela afastou as suas coxas, deixando-as bem abertas para mim. Dytto
ergueu sua cabeça para o alto, encarando o teto, como se não fosse capaz de nem mesmo
conseguir ver aquilo.
— Isso vai doer — avisei.
— Eu sei — arfou.
— Muito — acrescentei.
Dytto não respondeu, estava apavorada. Parecia estar imaginando que eu apenas iria tirar o
pau para fora e enfiar de qualquer jeito.
Sorri de canto.
— Eu vou te preparar antes, Dingo. Não sou um monstro — informei, notando a tensão em
cada centímetro do seu corpo. — Não vou meter até que esteja pronta.
Percebi o alívio que tomou o seu rosto. Dytto me olhou nos olhos e curvou um pequeno
sorriso.
— Certo. — Suspirou.
— Se não suportar, eu paro. Mas se sentir que aguenta, não me peça para parar. Ouviu?
Ela concordou.
Caminhei até estar diante dela e toquei os seus joelhos. Vagueei o olhar pelos seus seios,
desci para a sua barriga e os levei até o meio de suas pernas.
Sua boceta estava depilada e incrivelmente atraente. Sentia o meu pau se contorcer na calça.
Até pouco tempo atrás, eu estava esgotado com tantas obrigações pendentes, mas apenas de
vê-la assim, meu corpo inteiro se energizava. Meu pau já estava duro feito pedra e doía.
Coloquei minha mão em sua virilha e brinquei com os dedos ali, provocando ao redor de sua
intimidade. Seu corpo estremeceu.
— Tente não gritar muito. Não quero os vizinhos chamando a polícia — avisei com um
sorriso torto e ela me olhou assustada.
Dytto tentou fechar as penas, mas as segurei.
— Feche as pernas e você apanha até sangrar.
Ela assentiu, aterrorizada com a ideia.
Me ajoelhei no chão e agarrei a parte detrás de seus joelhos, puxando-a para mais perto de
mim.
Com a ponta da língua, tracei um caminho da parte interna de sua coxa até a sua virilha.
Chupei todo a sua pele durante o trajeto, deixando pequenas marcas avermelhadas, que logo se
tornariam lindos chupões.
Dytto se moveu, excitada, e eu sorri.
Levei minha boca até o seu pequeno clitóris e passei a língua de leve naquele ponto de
prazer. Ouvi-a suspirar e repeti o gesto.
Ela me desejava loucamente ali, estava ansiosa e queria mais.
Suguei o seu clitóris com delicadeza e escorreguei a língua entre os lábios de sua boceta,
deliciando-me de seu gosto.
Dytto soltou um delicioso gemido que quase me fez colocá-la de quatro para fodê-la.
Circulei novamente o seu clitóris e fiz mais pressão com a língua, em pequenos círculos. Ela
jogou os quadris para frente, como se implorasse por mais.
Beijei-a naquele ponto íntimo como um beijo de língua lento e quente. Ela adorava quando
eu a chupava devagarinho, estimulando cada terminação nervosa de sua intimidade.
Dytto gemia baixinho e gostoso. Meu pau era atormentado dentro das calças, dolorido. Eu
queria muito meter nela.
Soprei uma rajada de ar quente em sua boceta e ela se empertigou e mordeu os lábios.
Dytto tentou erguer o corpo para olhar o que eu fazia. Parecia curiosa.
— Quer assistir eu te fazendo um oral, princesa? — provoquei, com um sorriso perverso
mascarando os lábios.
Suas bochechas ruborizaram.
Voltei a minha atenção para o que eu fazia e beijei o seu clitóris, fiz isso mais uma vez, em
seguida, deslizei a ponta do nariz em toda a sua abertura.
Lentamente inseri a língua em sua entrada. Enfiei nela o máximo que consegui. Dytto
agarrou os lençóis e os apertou com força.
— Chris... — Como eu amava Dytto gemendo o meu nome.
Afastei o rosto por um instante, apenas para olhá-la se contorcendo de prazer.
— Eu ainda nem fiz nada, anjo — aticei.
Ela não respondeu. Seus olhos mantinham-se fechados e os lábios entreabertos, ofegando.
Aumentei a sucção de minhas chupadas e ela agarrou o meu cabelo com força, pressionando
meu rosto entre as suas pernas. Puta que pariu, eu adorava quando essa garota implorava por
mim.
Sentir o gosto de Dytto em minha língua era uma delícia. Toda aquela boceta melada
deslizando em minha língua, mexendo com o meu pau de uma maneira insana. Caralho!
Quanto mais eu a chupava, mais a minha garota gemia. Joguei suas pernas sobre os meus
ombros e a puxei, afogando a sua intimidade na minha língua. Eu a fodi com a minha boca até
que suas pernas começaram a tremer, desejosa. Ela estava tão perto de gozar.
Enfiei o dedo do meio dentro dela e acelerei os meus movimentos. Fui preciso e rápido.
Queria comer ela com força.
Ouvir os sons molhados que sua boceta fazia quando eu socava o dedo dentro dela me
deixava louco.
Dytto estava tão encharcada que acabou molhando a cama. Precisei me conter para que o
pior de mim não viesse à tona e a fodesse feito um louco.
Quando ela gozou, soltou um gemido manhoso e calmo. Definitivamente aquele havia
acabado de se tornar o meu som favorito de todos os tempos. Conseguiria ouvi-lo pelo resto da
vida sem nunca me cansar.
Retirei suas pernas de meus ombros e as coloquei com cuidado no colchão.
Beijei a testa da sua boceta e ergui os olhos para ela.
— Está pronta, meu amor?
Seu corpo estava quente, suado e cheio de marcas vermelhas. Ela respirava com dificuldade
e a voz falhava ao tentar se comunicar.
Ela assentiu.
— Sim, estou — conseguiu dizer.
Levantei-me de onde estava e fui até a cama sentar-me ao seu lado. Ela se ajeitou ao meu
lado e sorriu.
— Isso foi incrível, Chris. Você é sempre incrível — admirou-se.
Toquei o seu corpo suado e acariciei sua pele nua.
— Tem certeza de que quer perder a sua virgindade hoje? — eu precisava conferir.
— Eu tenho, Chris. — Ela pôs sua mão sobre a minha. — Não há nada que eu queria mais
além de você.
Levei minha mão ao seu queixo e puxei seu rosto para mim, depositando um beijo calmo em
seus lábios.
— Eu vou sempre me importar com você — soprei, sincero.
Ela sorriu e passou os braços em volta dos meus ombros, me beijando ainda mais
intensamente.
Quando me afastei, Dytto, que estava meio sentada, lentamente escorregou na cama,
deitando-se completamente. Aproveitei do momento para arrancar a camiseta do corpo, tão logo
puxei a minha calça e a cueca de uma só vez.
Meu pau ganhou vida quando me livrei das peças de roupas, já ereto.
Apressadamente, retirei uma camisinha da cômoda ao lado e a passei em volta do meu pau.
Dytto encarava-me como da primeira vez, completamente chocada.
Essa reação sempre seria cômica para mim. Dytto foi a primeira garota a qual precisei
implorar tanto. Mas valeu a pena cada segundo.
— Vai doer muito, não vai? — perguntou, insegura.
— Vai sim, Dingo Bells.
Ela engoliu em seco.
— Daremos um jeito — murmurou.
Sorri com a sua autoconfiança.
Deitei-me sobre ela e afastei as suas pernas, posicionando-me bem entre elas. Dytto,
nervosa, enfincou sua unha no meu braço e fechou os olhos com força.
— Sem pressão, amor — brinquei, rindo de sua reação.
Encostei a ponta do meu nariz no seu e ela ergueu as pálpebras. Seus olhos miravam-se nos
meus, melindrosos e assustados.
— Não precisa ficar assim. Juro que vai dar tudo certo — assegurei-a.
— Preciso que me beije — pediu, apavorada.
Me ergui sobre ela e toquei os seus lábios com os meus. Beijei-a com veemência, até que ela
se perdesse o suficiente para se distrair.
Quando Dytto já estava mais calma e com os pensamentos longe, posicionei meu pau na sua
entrada.
Por um instante, ela se assustou e estremeceu, mas continuei a beijá-la. Esfreguei meu pênis
em sua boceta, estimulando-a, até que se permitisse se acalmar.
Quando Dytto relaxou os músculos, movi meu pênis para dentro dela, enfiei apenas um
pouco antes dela abrir a boca e apertar seus dedos em meu braço.
Fiz pressão, conseguindo colocar um pouco mais de mim nela.
Dytto soltou um suspiro rasgado e doloroso quando me sentiu penetrando-a. Meu pau era
grosso, isso definitivamente não tinha como não doer.
Mordisquei seus lábios e beijei o seu pescoço. Levei o meu dedo ao seu clitóris e o estimulei
até que a densidade de seu medo se diluísse.
Me mexi um pouco mais quando ela se soltou. Soquei um pouco do meu pau em sua boceta,
e ela soltou um gritinho.
— Dói — murmurou chorosa, os olhos tornando-se vermelhos.
Puta merda! Odiava vê-la sentindo dor.
Encostei meu rosto em seu seio e o coloquei em minha boca, esfregando a língua em sua
aréola.
Dytto ainda estava incomodada com a dor, mas pareceu esquecer um pouco dela, dando-me
tempo para enfiar mais, desta vez, fui mais a fundo, enfiando bem mais de mim de uma só vez.
Quase metade do meu pau estava dentro. Às vezes era uma maldição ser tão abençoada neste
lugar.
Ela sufocou um grito com a mão e fechou os seus olhos com força. Uma lágrima solitária
escorreu de seus olhos.
— Amor — murmurei, afastando mechas de cabelo do seu rosto. — Você quer parar?
Ela me encarou, os olhos inundados em lágrimas, e o rosto inteiramente avermelhado. Dytto
estava ofegante.
— E-eu quero tentar mais um pouquinho — sussurrou, trêmula.
Assenti.
Meti mais, chegando na metade do meu pau. Ela tentou encolher as pernas e esconder o
rosto nas mãos, encobrindo as lágrimas que agora desciam sem freio.
Dytto chorou baixinho, sufocando o barulho com as palmas.
Remexi os quadris, fazendo movimentos lentos de entra e sai. Ela não se mexeu, mas
percebi que fazia um grande esforço para isso.
Me senti ainda mais duro sentindo a sua boceta me apertando gostoso. Arfei baixo sentindo
uma longa onda de prazer.
Apertei a coxa de Dytto e mordi os lábios. Cada vez mais, querendo a foder com força,
entretanto, contendo cada pensamento sujo que surgia em minha cabeça.
O tesão aumentava gradualmente a medida em que me movia.
Dytto soluçou alto, mas prendeu o choro no mesmo instante.
Continuei a meter nela. Pouco a pouco aumentando meus movimentos. Suas pernas
tremiam. Rebolei devagar dentro dela. Dytto estava toda vermelha e inquieta na cama. Tudo o
que eu fazia parecia empertigá-la ainda mais.
Remexi meu pau mais devagar, mantendo o cuidado de não ser bruto. Ela respirou fundo e
afundou o rosto no travesseiro ao seu lado.
Após um tempo no mesmo ritmo, aumentei as estocadas e forcei mais de mim dentro dela.
Ela recuou o quadril, expulsando-me.
O seu rosto estava franzido em uma expressão dolorosa. Porém, segurei suas pernas, para
que não se afastasse.
— Christopher — choramingou. — Tá doendo muito — arfou, as lágrimas descendo em seu
rosto.
Parei de me mexer e beijei a ponta de seu nariz.
— Quer parar? — sugeri.
Ela balançou a cabeça, concordando.
— Está bem, meu amor. Vamos parar por aqui — afirmei.
Segurei meu pau e devagarinho o tirei de dentro dela. Notei o sangue envolto na camisinha,
mas não o mencionei para que ela não ficasse constrangida.
Dytto fechou as suas pernas no mesmo instante e esticou os pés.
— Eu não consigo mais continuar. Eu realmente tentei não parar, me desculpa — lamentou,
em meio ao choro.
— Ei, não se desculpe. — Beijei a sua bochecha, molhada pelas lágrimas salgadas.
A puxei para os meus braços e abracei-a com força.
— Está tudo bem, Dingo Bells. Está tudo bem. Não esperava que fosse ir até o fim na sua
primeira vez. Não se preocupe. — Tentei a acalmar enquanto a acalentava em meus braços.
Beijei a sua nuca. Seu corpo inteiro tremia quando ela soluçou.
— Anjo, está tudo bem — repeti, baixinho.
— Eu realmente tentei — ela arfou.
— Eu sei, querida. Eu estou orgulhoso de você — garanti.
Ela se enfiou ainda mais em meu abraço, encolhendo o seu corpo.
Por um longo tempo, ela permaneceu parada e sensível. Afaguei as suas costas, sempre
beijando o seu ombro e testa até que ela se acalmasse por completo.
Quando Dytto finalmente me olhou nos olhos, ela aparentava estar mais relaxada, porém,
ainda sentida. Toquei o seu rosto para enxugar as suas lágrimas enquanto ela me encarava.
— Está se sentindo bem? — investiguei.
Ela umedeceu os lábios. Suas pálpebras estavam inchadas e vermelhas.
— Me sinto dolorida — confessou.
Eu me sentia tão culpado por aquilo. Não devia ter deixado isso acontecer.
— Quer algo, Dingo?
— Apenas que você me abrace.
Me rendi ao seu pedido. O que acabou se prolongando pela noite inteira com nós dois
abraçados.
18 de Abril | Quinta-feira
— Não brinque com a comida, As — murmurei, retirando de sua mão o pequeno bolinho de
panqueca que ele havia amassado.
Ele fez beiço e Dytto caiu na risada. Ela estava adorando a companhia dele. Sentia-se
confortável agora que o conhecia um pouco melhor.
Sua tia, Marcelia, havia o entregado para mim esta manhã. Estava exausta e estressada, mas
aliviada por ser a última vez que teria ele em sua responsabilidade. Agora, Asafe seria só meu... e
da Dingo "dele". Bufei com esse pensamento.
Assim que abri a porta mais cedo para pegá-lo, os seus grandes olhos se arregalaram,
tingindo-se de um brilho único, não por me verem, mas por encontrarem a linda garota de
cabelos castanhos logo atrás de mim.
Dytto não estava acordada há muito tempo, e se assustou com a visita do pequeno/grande
rapaz de última hora, mas não hesitou ao pegá-lo no colo.
Meu filho não desgrudou dela nem por um único minuto. Ela, por outro lado, não se
incomodava em receber tanta atenção.
Mas eu me incomodo, As. Eu me incomodo em dividi-la.
— Eu vou buscar água para ele — ela avisou, sorrindo, e deixou de lado o pano de fralda
que usava para limpar a sujeira no rosto do diabinho.
Olhei para Asafe, que mantinha os olhos centrados na teLevísão à sua frente. Ele não era
uma criança que gostava de assistir desenhos infantis, parecia se interessar mais por noticiários
de mortes, roubos e tragédias. Isso o entretia o suficiente para não ter sequer notado que a minha
namorada havia saído do seu lado.
— Asafe, não fuja daí, não mate ninguém e nem coloque nenhum objeto estranho na boca
— avisei-o antes de me levantar, mas ele tampouco se importou para o que eu dizia.
Fui atrás de Dytto, que estava apoiada no balcão, servindo uma mamadeira com água. Era
engraçado vê-la bancar a madrasta.
Bom, era meio sexy também.
Encostei-me atrás de seu corpo e beijei o seu ombro. Ainda não havíamos tido tempo para
conversarmos sobre noite passada, mas a sentia diferente hoje.
Fui o primeiro a acordar, e vê-la lindamente nua, abraçada ao meu lençol, foi de tirar o
fôlego. Pouco tempo depois, Dytto acordou, atordoada. Ela procurou pelo seu celular, para avisar
aos seus pais sobre o seu sumiço, mas eu já havia conversado com o seu pai, Theo, e a cretina da
Loren.
Foi bom ver Dytto aliviada ao perceber que seu pai estava "bem" em saber que sua filha
estava na minha casa, mas ela logo percebeu a minha presença, sentado na poltrona do quarto,
com uma xícara na mão, e ficou tímida.
Dytto ficou trancada no banheiro por pelo menos meia hora antes de conseguir alguma
coragem para me ver novamente.
Somente quando meu filho chegou, que ela pareceu mais à vontade com a minha presença.
Estava envergonhada por não ter conseguido terminar o que havia começado ontem. Eu não a
culpava por nada, mas Dytto, sim.
— Chris... — ela sussurrou, num aviso furtivo para que eu não passasse dos limites.
— Como está a sua boceta hoje, amor? — perguntei e ela me olhou estarrecida.
— Não pode ser um pouco mais... discreto? — disse sarcástica.
A expressão em seu rosto me fez ter vontade de gargalhar. Algumas semanas juntos e ela
ainda não havia se acostumado comigo.
Sorri para ela.
— Como está a sua florzinha? — zombei, rasgando um sorriso torto nos lábios.
— Credo. — Ela riu e escondeu seu rosto no meu peitoral. — Estou... sensível —
cochichou.
Apertei-a em meus braços e beijei o topo de sua cabeça.
— Vai demorar um pouco até que se acostume comigo, mas podemos continuar tentando até
se sentir confortável — sugeri, descendo as mãos para a sua cintura.
— Eu gostei do que nós fizemos, só não acho que somos assim tão compatíveis, quando se
trata do seu... — ela pigarreou e olhou para o meio de nós.
— Pau?
Dytto arregalou os olhos e olhou sobre os ombros, apenas quando não encontrou nenhum
sinal de Asafe hipoteticamente nos flagrando, que ela voltou seu olhar para mim.
— Não fale essas coisas com As em casa. Ele é um bebê.
— Amor, ele não está nos ouvindo.
— Como sabe disso? — ergueu uma sobrancelha.
— Eu sinto quando há outros demônios por perto. E As está bem quietinho... bom, quietinho
não, porque agora eu sinto ele agitado, deve estar vendo alguma coisa animada.
E, com "coisa animada", poderia ser um desastre nuclear, alguém destroçado ou um canal
gospel. A última era a menos provável, eu havia bloqueado todos os canais de pastores que a
rede de teLevísão fornecia.
— Sente mesmo as pessoas? — ela quis saber, curiosa.
— Sim, eu já havia lhe dito isso.
— É, mas, eu não pensei que fosse de verdade. Imaginei que estivesse falando de um jeito
romântico.
— Acha que eu minto para você, garota? — brinquei.
Ela mordeu os lábios.
— Talvez.
Encostei minha testa na sua.
— Você é a única pessoa que conhece a minha verdade.
— Omitir também é mentira.
— Não, não é.
— É, sim.
— Eu não vou discutir isso. — Suspirei, afastando o rosto.
— Está bem. Mas, se você sente as pessoas, deve sentir tudo o que eu sinto, não é?
— Absolutamente tudo.
Ela engoliu em seco.
— Até quando eu estou excitada? — sussurrou.
— Por que acha que eu a visito em seu quarto?
— Por que você é um maluco?
Uni as sobrancelhas.
— Te visito porque você me quis desde quando me viu na floresta — esclareci.
Ela abriu a boca, surpresa. Não imaginava que eu sabia exatamente o que ela havia sentido
quanto a mim.
— Ah! — suas bochechas ruborizaram. — Então por que parecia que não queria falar
comigo aquele dia?
— Eu estava atrás de outra coisa.
— Humm... uma outra possível ficante? — chutou, enciumada.
— Um demônio, Dy. Estava atrás de você.
Ela arregalou os olhos.
— Tinha mais alguém lá? — entrou em alerta.
— Você é um como uma peça rara, Dingo Dingo. Atrai eles naturalmente.
Ela esfregou os dedos nos lábios, estava tremendo.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que, se não fosse eu a te encontrar naquela floresta, seria outro.
— Quem?
— Não importa, já foi para o inferno. Mandei de volta bem rapidinho. — Estalei os dedos.
— Chris, você está me deixando com medo — murmurou, a voz trêmula.
Coloquei minhas duas mãos em sua face.
— Você me tem para te proteger, querida. Ninguém toca em você se não passar por mim
antes.
Ela fechou os olhos e respirou fundo.
— Eu não gosto de nada disso.
— E não precisa. Pode viver a sua vida normalmente. Eu vou estar sempre aqui para cuidar
de você.
— O que ele teria feito comigo se você não tivesse aparecido naquela floresta, Chris?
Beijei a ponta do seu nariz.
— As ainda está esperando a água dele — lembrei-a.
Ela suspirou.
— Não vai me contar? — sussurrou.
— Não, amor. Eu não vou.
Ela assentiu.
— Deve ser algo bem ruim então — concluiu.
Beijei os seus lábios, desviando-me de sua curiosidade.
— Tudo bem, então. Eu já vi que não posso mais lutar contra nada disso — cedeu.
— É. Não pode.
— E também, que você não mais me largar — provocou.
— Nunca.
— E que também não vai me deixar conhecer outros caras.
— Vão morrer antes de terminarem o primeiro cumprimento.
— E se eu quiser te deixar? — incitou, maliciosa.
— Arranco a sua cabeça fora.
Ela assentiu.
— Bom saber, diabão.
Virando-se, ela pegou a mamadeira de As e voltou para a sala de jantar. Me juntei a ela logo
em seguida.
Asafe estava mastigando o controle da teLevísão quando voltamos. Dytto prontamente
retirou dos pequenos dentes dele e o entregou a mamadeira.
— Você não pode colocar isso na boca, está bem? — ela gentilmente pediu a ele,
mostrando-lhe o objeto.
— Não pode? — ele insistiu.
— Não, não pode. Você pode se machucar — ela dizia, acariciando as bochechas dele. —
Pode ser?
— Pode, Dingo — As concordou rápido.
Então era só ter um rostinho bonitinho para ele finalmente obedecer?
Ela olhou para mim, culpando-me pelo apelido dado. Apenas dei de ombros e sentei-me à
mesa.
— As, conte para a Dingo o que você fez de presente para ela.
Ele abriu os lábios, em um sorriso gigantesco.
— Bolinho — gritou, animado.
— Me fez um bolinho? — ela disse, alegre.
Pobre inocente.
— Um bolinho de cérebro — expliquei.
Ela enrugou a testa.
— Como se faz um bolinho de cérebro? — ela sorriu.
— Com cérebro. De rato — contextualizei.
Suas sobrancelhas saltaram.
— Rato? — ela olhou para mim, depois para o As, depois para mim novamente, chocada. —
Rato — repetiu, quase inaudível.
Quis rir, mas me contive.
— É por isso que ele não para de amassar a panqueca. Está viciado em fazer "bolinho" —
comentei.
Dytto soltou uma risada nervosa.
— É... bolinhos de cérebro. Bolinhos. — Ela frisou os lábios em uma linha.
Asafe a encarava intrigado. Não sabia a razão dela não ter aprovado a sua atitude.
— Bem-vinda a família. — Joguei-lhe uma piscadela.
— E pensar que eu achei que um colar de cinquenta e sete milhões fosse a coisa mais
intrigante que eu fosse ganhar — ela soltou, atordoada.
— Fazer o que se As e eu gostamos de surpreender a nossa garota.

Dytto já estava na porta, prestes a ir embora. As estava em meu quarto, trancado e chorando.
Não queria que ela fosse embora, por isso precisei aprisioná-lo.
Os olhos de Dingo Bells se embargaram em lágrimas ao ver Asafe chorando. Eu não estou
conseguindo lidar com tanta emoção ao meu redor. Quase a tranquei junto dele para que
terminassem aquilo logo.
Ela soluçou e respirou fundo, engolindo o choro.
— Diga pra ele que eu vou voltar — pediu.
— Hum-huh.
— Diz também que eu não queria que você tivesse trancado ele. — Seus lábios tremulavam
ao dizer.
— Hum-huh.
— Avise a ele que eu gosto muito dele, por favor.
— Hum-huh.
— E que também...
— Minha nossa! Vocês vão se ver já, já — resmunguei.
Ela assentiu, mordendo o canto dos lábios. Fazia um grande esforço para conter mais
lágrimas que insistiam em surgir.
— Acho que já vou, então — avisou, chorosa.
Suspirei. Era uma tarefa árdua lidar com alguém tão sentimental. Dytto se preocupava ao
extremo com as pessoas. E As chorar em sua frente pedindo para que ficasse, não ajudou muito.
Precisei buscar pelo meu lado mais sentimental e amoroso, por ela.
— Tudo bem. — A puxei pela cintura. — Não se preocupe com ele.
Ela novamente assentiu.
Puxei seu rosto para mim e curvei-me para beijar os seus lábios. Me demorei neles o
máximo que pude, também não queria que ela fosse embora.
Chupei os seus lábios e adentrei a sua boca com a minha língua, queria mergulhar em seu
beijo e permanecer. Agarrei o seu quadril com uma mão, com a outra, enfiei entre seus cabelos e
os assegurei com força.
Ela já estava sem fôlego, eu ofegante. Ambos desejosos, mas contendo-se ao máximo que
podíamos.
Quando me afastei, ela já havia parado de chorar.
— Você é incrível, Dingo Dingo — cochichei, os meus lábios roçando os seus. — Queria
arrancar todas as suas roupas agora mesmo.
Ela sorriu.
— Só tem um problema — ela ofegou. — Eu não achei a minha calcinha.
Ri baixinho.
— Oh. Será que foi a que eu queimei antes de você acordar.
Ela fez careta.
— Chris, não pode queimar todas as minhas calcinhas.
— Elas são horrorosas.
— São confortáveis.
— Feias.
Dytto desistiu de discutir, deu de ombros e saiu.
Esperei até que já estivesse dentro do seu carro, e somente quando ela deu a partida, que
fechei a porta e fui atrás de As.
Quando destranquei o quarto, ele estava sentado no canto da cama, seu rosto ainda estava
vermelho e molhado de lágrimas.
Estava sentado com as pernas esticadas e as mãos sobre elas. Um beiço choroso se destacava
em seu rostinho. Suas bochechas e a ponta do seu nariz estavam avermelhadas. As suas
pálpebras visivelmente inchadas.
— Prometo que ela vai voltar — avisei-o.
Ele fungou, e todo o seu corpo estremeceu. Dei passos em sua direção e sentei-me na cama.
O puxei para o meu colo, envolvendo-o em meus braços.
As me olhava tristemente, de modo que me fazia sentir dó. Eu não queria vê-lo tão triste
assim.
Penteei seus cabelos negros para trás, enquanto o observava atentamente. Não havia nada
que eu amasse mais do que ele, porém, eu não podia protegê-lo de seus sentimentos.
Beijei sua testa e ele fechou os olhos.
— Não fique chateado. É normal sentir saudades, mas ela também tem outras coisas para
fazer. Você vai ver ela um outro dia.
— Mas eu queria ela, papai — choramingou, a voz manhosa e sem ânimo.
— Você terá ela por toda a eternidade, As. Mas não agora.
Ergui-o nos braços e levantei-me com ele.
Asafe ainda chorava em silêncio no meu ombro, embora já não estivesse mais tão triste,
apenas não sabia como administrar a sua vontade por ela.
Para ele, saudades, ciúmes e possessividade eram sentimentos correlativos. Todos eles o
fazia agir de maneira irracional, e mesmo que ainda fosse apenas uma criança, sua entidade
demoníaca falava sempre mais alto em decorrência do descontrole emocional devido a sua pouca
idade.
— Sam quer te ver — informei-o.
— Não — respondeu seco.
Minha irmã Samantha não desistia, mesmo com o desprezo de As por toda a sua gentileza.
Ela o via como uma criança fofa, e ele a via como uma tia chata. Era uma relação
complicada, mas ambos se amavam.
Eu estava limpando a mesa, com a mão desocupada, quando um frio na espinha me atingiu.
As sentiu o mesmo, pois ficou inquieto em meu colo, esticando o pescoço em um ato instintivo.
Minha pele doía, num misto de fúria e gelo. Sua presença me era tão sufocante que exalava
em cada cômodo da casa.
Seu terrível cheiro emanava a sujeira em sua podre e perversa aura.
Num rápido ato, virei-me para trás.
Porra!
O homem da mesma altura que eu estava parado, com as duas mãos entrelaçadas perante ao
corpo. Os olhos castanhos miravam sobre mim, impiedosos. Seus longos cabelos negros estavam
soltos sobre os ombros. As características asiáticas eram expressivas em sua face.
Sua pele bronzeada era marcada por enormes tatuagens, enquanto que, em seus braços, havia
várias cicatrizes de guerras.
— Não deveria estar em Nefarious? — rosnei, rude.
Ele umedeceu os lábios e devagarinho virou o seu rosto para o lado.
— Este é o seu filho? — analisou, encarando As com curiosidade.
Sua postura era elegante, mas afiada. Um passo em falso com ele e suas garras eram atiradas
para fora.
Meu filho se empertigava em meu colo, com medo. Da mesma maneira que eu, denotava
com nítida clareza a intenção daquele monstro em matar.
— Meu pai o mandou? — investiguei.
O Samurai sorriu.
— Seu pai? — havia incredulidade e rispidez em sua voz. — Não recebo ordens,
Christopher. Eu sou um rei, não um soldado... como você — rebateu, perverso.
Cerrei os dentes.
— Não é bem-vindo aqui.
— E nem você — rapidamente devolveu.
— Volte para o inferno — declarei, furioso.
— Voltarei. Um dia. — Ele curvou um sorriso maligno. — Mas gostaria de passar um
tempo, é claro.
— Não deveria estar aqui, Nabrya.
Ele sorriu, abrindo os braços com graça e leveza.
— A ilha é minha, Christopher. Eu faço o que eu quiser — Nabrya disse sereno, virou-se de
costas para nós e deu dois passos antes de parar. — E eu preciso de você como aliado. — Ele
olhou sobre os ombros, com uma expressão maldosa. — Eu quero destruir o seu pai, e você quer
a sua liberdade. Me ajude a queimar o inferno.
18 de Abril | Quinta-feira
Bastou que eu estacionasse o carro na garagem de casa, para que uma Loren extremamente
preocupada me abordasse.
— Meu Deus, Dytto! Quer me matar do coração? — trovejou ela, gesticulando com as duas
mãos.
Eu estava sem o menor ânimo para começarmos um assunto que nos levaria a uma briga.
Era suficientemente exaustivo ter que vê-la após tudo o que aconteceu. Ainda sentia ânsia ao
pensar em toda a situação.
— Por que não me telefonou? Achei que estivesse morta — continuou. — Eu passei a noite
inteira te procurando. Sabe o quão insuportável foi pensar que você poderia estar machucada?
Você nem me disse para onde ia. Você não pode simplesmente sumir assim.
Passei por ela, com a sua voz explodindo em meus ouvidos.
As suas palavras me enchiam de pouco a pouco, fazendo com que todo o meu corpo se
preenchesse de uma grande dose de raiva.
Inspirei fundo, mas o ar me invadia entrecortado e quente.
Mordi a parte interna de minha bochecha com força. Não demorou para que o gosto metálico
e enjoativo de sangue irrompesse em minha língua.
— Porra, Dytto! Não é porque fez dezoito que pode simplesmente sumir no mundo —
esbravejou alto, seguindo cada passo que eu dava.
Meu rosto ferveu de uma fúria inexplicável.
— Eu precisei saber de você pela droga do Christopher, porque você não se deu ao trabalho
de dizer que estava viva. Isso é o mínimo que se faz quando se quer sumir, Dytto.
— JÁ CHEGA! — gritei, girando os calcanhares em sua direção. — Eu não ligo, Loren.
Não ligo se passou a noite me procurando, se estava preocupada, ou não. VÁ SE FERRAR! Eu
não liguei porque não quis. Não disse onde estava porque não queria que soubesse. Porra, não
nascemos grudadas. Me deixe em paz!
A esta hora, seus olhos estavam arregalados e cheios de arrependimento. A expressão
abismada mascarava toda a sua face, enquanto seus olhos mantinham-se bem abertos.
— Não vê que tudo isso é culpa sua? O que mais quer de mim, hein? Quer que eu te peça
desculpas e beije a droga dos seus pés? Foi você quem fodeu com o namorado da nossa amiga,
não eu. Então se puder me poupar disso, eu agradeço pra caralho. — Virei-me e saí pisando
fundo.
Há vários limites em que você pode se colocar, mas não há limites no mundo que nos
impeça de explodir quando atingimos o ápice da fúria.
Talvez, mas, só talvez, eu me arrependa das minhas duras palavras mais tarde.

Papai e mamãe haviam chegado animados do trabalho hoje. Aparentemente, a ideia de que
as férias de ambos estavam cada vez mais próximas os deixava felizes.
Mamãe queria dar uma grande festa. Papai queria viajar para Seoul. Loren não se deu ao
trabalho de opinar.
E quanto a mim, eu apenas queria me trancar em meu quarto. No entanto, fugir das quintas
em família não era uma opção.
Minha irmã estava de cara fechada, seus dois braços cruzados diante do peito, e os olhos
perdidos sobre o prato à mesa.
Eu odiava a ideia de brigarmos, éramos sempre tão próximas que me era estranho quando
não estávamos nos falando. Mas havia uma pontada no fim do meu estômago, lembrando-me em
um looping eterno sobre a sua covarde traição. Minha mente mastigava as lembranças de
maneira ríspida, e em todas as vezes que eu sentia-me minimamente prestes a desculpá-la, a raiva
me atingia como a ponta de uma lâmina.
Minha atenção só fora resgatada no momento em que a voz de papai se voltou para mim.
— Eu conversei com o garoto — ele falou, olhando em meus olhos. — E eu concordei que
namorassem — admitiu.
Christopher ter dito isso foi uma grande surpresa, mas ouvir da boca do meu pai foi ainda
mais chocante. Era quase o mesmo de ele ter dito que eu poderia explodir a casa com dinamite.
— Só espero que entenda que não é porque deixei, que quero que passe a ser como ele —
pediu.
— Como ele? — interroguei, curiosa.
— Você sabe, Dytto. Tatuagens, piercings, drogas e satanismo — explicou, desgostoso.
— Ah... — murmurei, constrangida.
Tatuagens, piercings, drogas e satanismo não eram a minha praia, somente Christopher era.
— Tenho uma condição para isso, Dytto — mamãe comentou, erguendo o rosto. — Quero
que o leve para a igreja todos os sábados. Inclusive neste próximo.
Arregalei os olhos e Loren se engasgou com o seu copo de água.
— Igreja? — as palavras saíram cuidadosamente de minha boca, como se ditas por um
médico que acabara de dar um terrível diagnóstico ao seu paciente.
— Não é necessário, amor — papai intercedeu.
— É claro que é. Eu sou a mãe da Dytto, e preciso ter algum motivo pelo qual apoiar esse
namoro. Não pode simplesmente aceitar isso assim, do nada. — Ela ergueu as mãos, incrédula.
Eu também estava chocada com a tamanha facilidade do papai em ter aceito isto. Mas
também não imaginava que logo a minha mãe se intrometeria.
— Mãe, Christopher não é religioso, e eu não quero ter que forçá-lo a ir em um lugar em que
ele não se sente à vontade.
Confortável, ela batucou as suas unhas curtas e delicadas na mesa.
— Com o tempo ele se acostuma, querida. Espero que entenda que eu só quero o seu bem.
Percorri meu olhar em busca do auxílio de Theo, que parecia sem argumento contra isso.
Uh oh!
— Então tenho que chamá-lo para ir à igreja, certo? — evidenciei, nervosa.
— Apenas — concordou ela.
Sentia minha pele em brasa.
Como era que se convencia um demônio a ir para a igreja?
Eu definitivamente iria para o inferno sem direito a julgamento.

— Preciso que faça uma coisa por mim — sussurrei, no segundo em que senti Chris deitar-
se em minha cama.
Ele se empertigou.
— Deveria estar dormindo. — Ouvi sua voz em meio a escuridão, parecia irritada.
Tudo bem que já era um pouco mais das três da madrugada, mas eu precisava falar com ele.
E isso só daria certo se fosse pessoalmente.
— Por favor, me ouça.
Christopher tocou a minha cintura e aproximou seu corpo do meu.
— Ouvindo.
— Preciso que você vá para a igreja comigo no sábado — soltei, receosa.
Ele riu baixo, mas com tanta graça que senti como se eu tivesse acabado de lhe contar a
melhor piada de todo o universo. Era meio irônico, na verdade.
— É sério, Chris. Essa é a condição dos meus pais para que a gente namore — implorei,
virando-me para ele.
Ele ainda estava rindo quando enfiou seu rosto na dobra do meu pescoço.
— Igreja? Fala sério, Dingo! — gargalhou.
Se eu pudesse vê-lo com clareza, teria a total comprovação de que ele estava revirando os
seus olhos.
— Chris, por favor! — insisti, manhosa. — Eu não quero ficar longe de você. E meus pais
não irão me deixar te ver se não concordar.
— Eu sinto muito, amor. Mas isso é um plano fora de cogitação — murmurou entre um riso
e outro.
— Christopher. — Passei o braço em volta do seu corpo e joguei a perna em cima dele,
esfregando a ponta dos pés em sua perna. — Christopher, por favor.
Tentar um jogo de sedução era um tanto quanto apelativo, no entanto, era isto, ou não
poderia mais visitá-lo ou sair com ele.
— Gatinha, não dá. — Ele alisou o meu rosto.
Suspirei fundo.
— Lembra daquele desejo que me prometeu se eu chupasse você? — pontuei.
Senti sua respiração ficar pesada.
— Disse que poderia escolher qualquer coisa que eu quisesse — lembrei-o.
— Merda... — ele cochichou, mais para si do que para mim.
— Eu quero que você vá para a igreja comigo, todos os sábados.
— Todos? — alarmou-se. — Calma aí, não era só um? — Ele ergueu o corpo, apoiando o
torso em seu cotovelo.
— Esse é o meu pedido, diabão. Você quem disse que eu poderia escolher qualquer coisa
que eu quisesse.
— Isso não estava nos planos — protestou, aborrecido.
— Não me lembro de você ter dito nenhuma regra para mim. A única coisa que me disse foi
que eu poderia escolher qualquer coisa, oh "Gênio do boquete".
Christopher enfiou seu rosto entre os meus seios e soltou um grito abafado. Ri disso e
abracei-o.
— Eu espero que você se comporte, Christopher.
— Você me odeia.
Sorri e beijei a sua testa.
Não o odiava. Eu, na verdade, o amava. Mas essas palavras ainda não deveriam ser ditas, era
cedo demais para isso.
— Preciso da sua ajuda, amor.
Ele suspirou alto.
— Espero que, com isso, você entenda que está desafiando a fúria de quem você serve —
comentou.
Um calafrio percorreu o meu corpo inteiro.
— Eu já o desafio todos os dias somente por querer você.
Christopher subiu seu corpo sobre o meu e beijou o meu queixo.
— Sem dúvida alguma.
Revirei os olhos.
— Há pouco tempo, eu ia às missas e rezava para que Deus me livrasse de todos os males.
Agora eu deito em minha cama e espero que um demônio venha enfiar a mão dentro do meu
pijama. — Bufei. — Eu achei mesmo que poderia fugir de você.
— Você não foge. Você apenas se rende.
— É. Eu percebi — respondi, seca.
— Não fique brava. — Ele acariciou o meu rosto. — Comigo, você será eternamente livre.
— A que preço? — discordei.
— Não será mais nada além de minha. Irei me alimentar da sua alma pelo resto dos tempos.
— Isso satisfaz o seu ego?
— Satisfaz os meus desejos.
Enfiei meus dedos entre as mechas do seu cabelo.
— Isso vai doer, Chris?
— Não, amor. Apenas não tente escapar de mim e nunca conhecerá a minha fúria.
— Irá comer a minha alma?
— Oh, eu com certeza eu vou. — respondeu malicioso.
— Chris, não era disso que eu estava falando — repreendi-o.
— Mas pode apostar que eu vou.
Fechei os olhos.
— Sua florzinha está melhor? — ele perguntou baixinho.
— Não a chame assim — resmunguei.
— Você só reclama.
— É que esse nome é ruim.
Ele riu.
— Poderia, por gentileza, responder se sua parte íntima está em bom estado, madame? —
caçoou.
— Ah, é claro que está. Você nem é tudo isso — o provoquei, segurando o riso.
— Devo lembrar que era você chorando enquanto eu metia?
— Eu só estava encenando para você não ficar constrangido, bobinho.
— Que ótima atriz eu tenho, não? — Ele mordeu o meu queixo.
— Tente ser melhor na próxima — incitei, sorrindo.
— Pode deixar que eu vou me esforçar.
20 de Abril | Sábado
— Fique quieto e nada de fazer bagunça — alertei-o, séria, e ele revirou os olhos pela
décima quinta vez.
Segurando a sua mão, caminhávamos em direção à minha família; que aparentava exaustão
de tanto nos aguardar em frente à igreja, mas, ao nos ver, forçaram um sorriso mesmo assim,
menos Loren, é claro.
Hoje, busquei Christopher em sua casa, para ter certeza de que ele realmente viria. Porém, o
demônio atentado demorou cerca de uma hora e miseráveis dez minutos no banho,
propositalmente.
Por sorte, havia ido uma hora e meia mais cedo do que o usual. Eu gostava de ser uma
pessoa pontual, então adiantei os passos, temendo um imprevisto ou um pé atrás, no entanto, eu
não estava preparada para todas as peripécias que Christopher armaria no caminho para que nos
atrasássemos.
Em um dos semáforos, ele gritou para um motorista, chamando-o de "Corno cego", e desceu
do carro, com a esfarrapada desculpa que o outro é quem havia começado. Precisei buscá-lo de
volta pela gola da camiseta, garantindo que o moço do outro carro sequer havia lhe dito algo,
pois era mudo.
E, em um outro momento, ele inventou que Asafe havia lhe pedido um carrinho, e nos fez
parar em uma loja de brinquedos. Ele parecia muito seletivo para escolher o presente do seu
filho, até que magicamente lembrou que Asafe, na verdade, não gostava de carrinhos.
Somente quando ameacei jogar o carro de uma ponte, que ele finalmente me deu um minuto
de paz.
— Christopher — mamãe o recebeu, com um largo sorriso no rosto e estendeu a sua mão.
Ele, por outro lado, manteve-se retido ao cumprimentá-la, como se fizesse apenas por
obrigação, mas Ever fingiu não notar.
— Chris — Theo acenou, seco.
Christopher fez questão de dar-lhe um forte aperto e sorrir para ele.
Por meros segundos imaginei ter visto papai arregalar os olhos, mas fora tão rápido que
poderia ter sido apenas coisa da minha cabeça.
— Vamos entrar — Loren nos apressou, sem nem ao menos nos olhar.
Minha irmã abriu caminho e a seguimos. A igreja estava cheia de cristãos e visitantes. Um
belo e agradável coral preenchia as enormes paredes revestidas de pinturas simbólicas, ecoando
por todos os lados.
Olhares curiosos se voltaram para Christopher no minuto em que adentrarmos o local.
Certamente, não era comum ver homens como ele frequentar aquele lugar, ou pelo menos, não
havia mais ninguém com um bode satânico tatuado no braço.
Embora ele não ligasse para atenção que recebia, me senti tímida ao seu lado. Era estranho
ver todos aqueles que já me conheciam, me encontrarem de mãos dadas com o pior, e
provavelmente o maior, habitante de Vespeau.
Em apoio, ele segurou minha mão com mais força.
Christopher decidiu vir completamente de preto, de tal modo que parecesse estar de luto. E
talvez estivesse, pela sua dignidade.
Sorri ao pensar nisso.
— Não zombe de mim ainda, Dingo. Isso vai ter volta — ameaçou num sussurro.
— Você fica lindinho na igreja. Parece até um bom moço. — Sacudi o seu braço,
provocando-o. — Poderia até mesmo te confundir com um padre.
Seu olhar recaiu sobre o meu, tomado de fúria. Seus lábios estavam franzidos em raiva e o
seu maxilar tornou-se rígido. Bravo, ele soltou a minha mão e adiantou os seus passos.
— Cai fora, Dingo Bells. Eu vou ficar sozinho — reclamou, rabugento.
— Nem pensar! — rapidamente enrosquei o meu braço no seu.
Deus me livre deixar Christopher à solta em uma igreja. Sabe se lá o que ele poderia
aprontar.
Ele suspirou forte.
— Relaxa, Christopher. Não precisa ficar tão nervoso. Deixe o espírito santo trabalhar em
você, meu caro — caçoei.
Vê-lo mal-humorado tornava o meu dia bem mais agradável.
— Puta merda.
— Olha a boca. Papai do céu não gosta. — Fiz cara feia em repreensão e, pela décima sexta
vez, ele revirou os olhos.
Tentei arrastá-lo para o banco da frente, para sentarmos junto da minha família, mas ele me
agarrou à força pela cintura, e me carregou para a penúltima fileira.
Ele se acomodou preguiçosamente no banco, como se estivesse apenas no sofá de casa em
um domingo à tarde, sozinho e despreocupado. Os que estavam ao nosso lado, se afastaram para
o fim do banco, notando a ignorância da Torre Tatuada.
Christopher arreganhou as suas grandes pernas, apoiou os cotovelos nos joelhos e baixou a
cabeça entre elas.
Ele ficou em silêncio por tantos minutos que me senti incomodada. Não sabia se era possível
estar passando mal ou se só queria ignorar tudo à sua volta.
— Está rezando? — investiguei baixinho, mas ele se manteve parado, o que me preocupou.
— Está sentindo algo? Dor de barriga? Dor de cabeça? Azia? Enjoo?
— Fique. Quieta.
— Já está sentindo a sua alma mais limpa? — zombei e ele ergueu o seu rosto, encarando-
me cheio de raiva.
Juntei o polegar e o indicador, e os escorreguei em meus lábios, zipando-os.
Ele balançou a cabeça, incrédulo.
Christopher estava pouco à vontade dentro da igreja. Em grande parte do tempo apenas
suspirava alto, incomodando aos que sentaram ao nosso lado e a nossa frente.
— Pare de fungar, Chris. Está atrapalhando a todos — reclamei.
— Eles nem ligam, Dingo. Aposto que vão sair daqui sem nem mesmo lembrarem de uma
única palavra — rebateu, seco.
— Se os deixarem ouvir o padre, talvez eles possam ouvir algo que possam se lembrar.
Ele virou os olhos e se espreguiçou.
— Saco, saco, saco... A minha bunda já está doendo.
Apertei o seu braço e arregalei os olhos.
— Shhh... Está atrapalhando.
Ele fez cara feia e se reencostou no banco, entediado.
Voltei a minha atenção para o padre, que proferia lindas palavras sobre o amor de Cristo.
Mas o Christo ao meu lado decidiu me interromper, alisando o meu cabelo e brincando de os
enrolar em seu dedo.
— Preste atenção, Chris — pedi.
Ele sorriu e aproximou o seu rosto do meu.
— Quer pegar o dinheiro que eles guardam naquela salinha ali? — Ele apontou com o
queixo e arregalei os olhos.
— Christopher, nós estamos em uma igreja. Não podemos sair roubando.
— Depois que saímos nós podemos, então? — sugeriu.
— Não. Cale a boca!
Ele resmungou e deitou a sua cabeça em meu ombro.
— Eu estou exausto, Dingo Bells. Vamos embora — implorou.
— Não.
— Que inferno!
Christopher se remexeu de um lado para o outro no banco. Até que, por um milagre, decidiu
parar. Ou era o que eu pensava, até vê-lo dando língua para uma criança à nossa frente.
O garoto parecia assustado, enquanto Christopher fazia as piores caretas que conseguia. O
menino começou a franzir o rosto, até que desatou a chorar. A mãe da criança lançou um olhar
aborrecido para o homem tatuado ao meu lado e tentou acalentar o filho, sacudindo-o no colo.
— Você é pai, Christopher. Como pode ficar fazendo isso com uma criança? — briguei.
— Asafe teria rido — se defendeu.
Juntei as sobrancelhas.
— Ou teria me dado o dedo do meio — ruminou, pensativo.
— Por Deus, fique quieto!
— Eu não faço nada por ele, amor.
— Por mim então. Por Asafe. Por Amara, Samantha ou qualquer ser no mundo que você
minimamente goste.
Ele fez careta.
Suspirei e escorreguei o corpo no banco, cansada de bancar a mãe. Ele sorriu e escorregou
junto, até estarmos na mesma altura.
— Quer brincar de jogar papel nas pessoas? — sugeriu, malicioso.
Olhei para ele, extremamente séria, mas ele não pareceu captar a notícia.
— Quer ou não? — insistiu.
— Não, Chris. Não. Não. Não. Você consegue ser ainda mais inquieto que uma criança —
surtei.
Ele mordeu o meu ombro em diversão e se ajeitou no banco.
— Eu preciso ir ao banheiro — reclamou.
— Se você se levantar desse banco, eu arranco o seu pinto com um motosserra! — ameacei.
Ele esbugalhou os olhos.
— O que isso, garota? Estamos na igreja. Mais respeito! — falou, alto o bastante para que,
quem quer que estivesse ao nosso redor, escutasse.
Olhos curiosos rapidamente me procuraram, de tal maneira que pareciam estar todos me
repreendendo.
Meu rosto rapidamente ferveu de vergonha e me senti tentada a correr dali para enfiar a
cabeça em um bueiro.
Enquanto quase o matava com o olhar, Christopher permanecia atuando no seu papel de
falso cristão ofendido.
— Eu vou matar você — proferi, silenciosamente.
Ele levou a mão ao peito e balançou a cabeça.
— Como pode?! Na casa do senhor falar tantos absurdos.
— Deus, por favor, me tira daqui — clamei, escondendo o rosto entre as mãos, sentia minha
pele esquentar com mais e mais pessoas encarando-me.

Finalmente havia terminado a missa —, que ao lado do Christopher, pareceu durar centenas
de horas.
Mamãe nos obrigou a conversarmos com o padre, pois, para ela, deveríamos apresentar o
nosso namoro para alguém que poderia nos abençoar.
Mas as coisas inevitavelmente saíram do meu controle.
Assim que chegamos à frente da igreja, me entreti em uma conversa, com uma simpática
moça que me parabenizava pelo namoro.
Foram apenas alguns poucos minutos sem Christopher sob meu campo de visão para que ele
aprontasse uma.
Assim que voltei minha atenção a ele, o encontrei em uma guerra fria com o padre, onde os
dois lutavam pela posição a qual o crucifixo ficaria em cima do púlpito.
O padre a arrumava para que ficasse da maneira correta, já Chris, insistia em virá-la de
cabeça para baixo.
O padre novamente a ajeitou, irritado. Mas Chris, pirracento como era, a virou de cabeça
para baixo, encarando-o sério.
O homem careca ajeitou a cruz e semicerrou os olhos, todavia, o garoto tatuado a virou de
novo.
O padre, por fim, pegou o crucifixo e o enfiou debaixo do braço.
Pigarreei alto, chamando a atenção dos dois.
— Podemos ir? — pontuei, rígida.
— Não vejo a hora de sair daqui. — Chris suspirou, aliviado.
Mordi a língua e me virei para o homem ao nosso lado, que olhava para o meu namorado
com o mais puro desgosto.
— Foi uma ótima missa! — eu disse, por educação.
Não tinha ouvido metade dela por culpa do meu namorado hiperativo.
— Eu odiei — Chris protestou sincero, fazendo-me soltar uma risada nervosa.
— Ele está brincando! — Ri mais alto, mas isso não fez com que o padre ficasse menos
irritado.
Rapidamente peguei Christopher dali, arrastando-o para fora, antes que ele mudasse de ideia
e tacasse fogo nas pessoas.
Definitivamente ele nunca mais viria à igreja.
01 de Junho | Sábado
As coisas estavam indo bem.
Os dias passavam-se como páginas de livros, os quais mal notávamos que se despediam de
nós.
Partiram-se mais de um mês num piscar de olhos, mas, com as férias cada vez mais
próximas, acabávamos tão mergulhados em provas, trabalhos e projetos que não notamos o
tempo passar
Havíamos acabado de entrar no mês de junho. Era uma época gelada em minha cidade.
Os bancos da praça central estavam sempre molhados, as ruas de pedras tornavam-se
escorregadias à medida que o lodo se agarrava a elas.
As árvores não mais floriam e o céu era sempre cinzento e coberto por nuvens pesadas e
escuras. As ruas estavam sempre mais calmas durante o entardecer, e mais gélidas ao anoitecer.
Quando chegávamos próximos ao início do inverno, grande parte dos jovens procuravam
por um par, para se manterem aquecidos e aproveitarem as noites de conchinhas. No verão,
esqueciam a razão pelo qual gostavam tanto do seu "companheiro de coberta".
Eu, ao invés disso, adorava usar meias e fazer chocolate quente. Mas, agora, existia um
alguém que me mantinha bem mais aconchegada.
Christopher ainda me visitava durante às noites. Sentia minha pele formigar todas as vezes
que seus dedos deslizavam em minha derme.
Não havíamos tentado o sexo outra vez, sequer falamos sobre. Ele parecia interessado em
respeitar os meus limites, mesmo que eu não o tivesse pedido. Continuamos apenas em carícias
íntimas, algumas mãos bobas e beijos, muitos beijos.
Adorávamos nos beijar, pois parecia a linha mais tênue que existia para que nós dois nos
sentíssemos unidos um ao outro.
Do primeiro toque até o atual, sempre desejei por cada carícia sua. Desde a mais inocente,
até a mais maliciosa.
Ansiava para que ele me quisesse tanto quanto eu o desejava. E todas as vezes, mesmo que
inconscientemente, eu esperava por ele.
Christopher, porém, parecia ter criado termos em nossa relação. Termos estes, que ditava
que só ficaríamos de novo quando eu me sentisse verdadeiramente pronta, sem mais
desequilíbrios emocionais.
Contudo, o que ele não possuía conhecimento, era que havia criado uma serpente. E eu
adorava o provocar de todas as maneiras que conseguia.
Eu não estava preparada para tentar de novo, afinal, acho que nunca estaria, mas adorava
atentar a ele até que enlouquecesse.
— Olá, moça. Posso ajudar? — a atendente gentil perguntou, alargando os lábios em um
sorriso que deixava todos os seus lindos dentes à mostra.
A loira parecia muito contente com a minha presença ali. De modo que, poderia jurar, que se
eu pedisse uma capa do Batman com o meu rosto estampado nela, ela o costuraria à mão, apenas
para não perder a clientela.
A comissão aqui deveria ser tudo o que eles ganhavam.
Meu coração batia descompassado no peito. Sentia-me como uma criança encurralada, mas
forçava-me a agir como uma adulta.
A situação era comum na vida de qualquer pessoa, mas não na minha. Eu era tímida demais
para essas raras ocasiões em que saia para fazer comprar íntimas.
— Pode me mostrar calcinhas? — pedi, a voz ligeiramente falhando.
Não que eu ligasse para as pessoas saberem que eu usava calcinha, mas ainda achava
vergonhoso elas saberem qual eu provavelmente estaria usando uns dias após ter feito a compra.
Para mim, era quase o mesmo de ter o poder de ver as pessoas nuas. Tentei explicar isso a
Loren uma vez, mas ela simplesmente me chamou de "Débi".
Senti uma pontada no peito ao pensar nela.
Ainda estávamos "brigadas", de um jeito estranho. Depois do meu aniversário, ela
naturalmente se afastou e se fechou para todos. Parecia presa a um sofrimento somente dela, e se
punia, mantendo-se afastada de tudo que mais gostava de fazer.
Ela entrava por uma porta e eu saía por outra. Ela se sentava em uma ponta da mesa, e eu
noutra.
Não queria ter que viver dessa maneira com a minha própria irmã, mas nem ela própria fazia
questão de uma possível rendição.
Loren vivia em seus próprios pensamentos, e a culpa era a sua nova maquiagem. Tudo o que
ela fazia, era manter-se trancada em seu quarto, ou sair para fumar no jardim durante as
madrugadas.
Em determinados momentos, tentei me aproximar, porém, ela se mostrou alheia às minhas
investidas. E durante algumas noites, eu a ouvia chorar. Meu coração se partia todas as vezes que
via a tristeza a tomar.
Sabia que o que ela havia feito tinha sido uma grande covardia, mas acima de tudo, eu a
amava e me preocupava com o seu bem-estar.
— Por aqui — a vendedora orientou, arrancando-me de meus devaneios.
A segui pela loja até o mostruário de calcinhas, que exibia peças fio-dental e rendadas que
mal cobriam qualquer parte das minhas nádegas.
Realmente muito bonitas. Mas pareciam incômodas quando eu pensava em vesti-las.
Pensativa, passei a língua sobre os lábios.
Eu não queria estar aqui comprando calcinhas, mas, "misteriosamente", elas estavam
sumindo de três em três, e não porque as usava de maneira descontrolada, porém, porque
Christopher andava com seus grandes dedos envolvidos em seus desaparecimentos.
Olhando em volta, encontrei apenas as mais sexys lingeries. De fato, eram sensuais e
poderosas, mas eu não queria me sentir assim. Eu só queria a droga de uma calcinha que
cobrisse a minha bunda inteira.
Por que Christopher não poderia apenas aceitar me ver "bem coberta" em lugares que não
deveriam ter tanta exposição se as peças que eu usava ele mesmo fazia questão de rasgar?
Frustrada, soltei o ar pela boca.
Que se dane todos esses minúsculos pedaços de panos! Eu não me rendi ainda.
— Pode me mostrar a sessão de calcinhas para vovós grandes? — pedi, atrevida, bordando
um sorriso perverso nos lábios.
A mulher fingiu normalidade, mas o tique em seu rosto a denunciou. Evidentemente, não era
só eu quem estava frustrada com as expectativas alheias.
— Ah, claro! — meio desanimada, ela forçou os lábios a sorrirem.
Demos a volta na loja até encontrarmos as benditas calcinhas mais horrorosas que eu já vi
em toda a minha existência.
Acho que por serem tão assustadoras, as deixaram longe de todo o resto, excluídas da
sociedade de calcinhas. Se Christopher achava mesmo que poderia me ganhar, ele estava tão,
mais tão errado.
— Aqui estão — informou, sem graça, como se eu já não tivesse visto aquelas coisas
horrendas bem diante dos meus olhos.
— Obrigada!
A moça se pôs ao meu lado, mostrando-se à disposição, enquanto discretamente me
observava escolher a dedo as mais esquisitas.
De soslaio, via seus lábios se franzirem em uma meia careta toda vez que eu escolhia uma
outra peça.
Notei seu incômodo em me ver ali, parecia que havia um bicho mordendo as suas pernas, a
implicando a me investigar. Em determinados momentos, quase pude imaginá-la arrancando as
peças da minha mão e expulsando-me da loja.
— É presente? — ela não conseguiu mais conter a curiosidade.
— É, sim — menti.
Ela pareceu aliviada, como se um elefante desmontasse de suas costas e sorriu.
— Bem, acho que sua vó gostará dessas então. São bem confortáveis. — Ela ergueu o pano
em suas mãos, exibindo a calçola mais terrível da minha cesta.
Balancei a cabeça em concordância.
— Perfeito! Era disto que ela precisava. Vou levar ao menos umas 20.
— Dingo, Dingo. O que aconteceu? — Christopher me recebeu em sua porta com um
sorriso confuso ao me ver ali; sem aviso prévio ou razões óbvias.
Ele estava vestido em apenas uma bermuda moletom, cinza. O incrível peitoral de fora,
exibindo as suas várias tatuagens.
Embora ali fora estivesse congelando, a sua casa estava sempre bem aquecida, porém, ele
também não parecia ligar muito para o clima ambiente, sua face demoníaca era sempre gelada,
de todo modo. Talvez ele fosse parente de Jack Frost, eu já não duvidava de mais nada.
Seus cabelos negros estavam despenteados e, em suas mãos, havia uma flanela, que ele
parecia usar para limpar-se do que quer que estivesse fazendo.
Era tão sexy vê-lo todo autoritário e casual em minha frente. Acho que "Papai dono de casa"
estava começando a se tornar meu tipo de homem preferido, não que ele me desse escolha para
eu ter outro tipo além dele próprio, mas né...
— Não posso mais visitar o meu namorado? — brinquei e ele sorriu sacana.
— Entra, gata — convidou, dando-me espaço.
Não consegui disfarçar a empolgação que me preenchia quando adentrei. Eu estava doida
para que ele visse as compras que eu havia feito mais cedo.
Já havia lavado e secado a minha mais nova coleção de calcinhas de vovós, portanto, usava a
mais horrorosa.
Eu mordia os lábios e apertava os dedos atrás das costas como uma criança impaciente.
Sempre fui péssima em atuar. Não era atoa que fui expulsa do clube de teatro da escola duas
vezes.
Digamos apenas que eu apenas não nasci para a arte da enganação.
Retirei meu casaco e luvas, pondo-os sobre as costas do sofá. Christopher ainda estava de
pé, olhando para mim. Sorri para ele.
— E então... — comecei, notando-o se aproximar, com os olhos curiosos vagueando sobre
mim. — O que anda fazendo? — indaguei, animada.
Ele curvou os lábios de canto, de um jeito que parecia esconder algo mais.
— Quer dar uma olhada? — convidou, misterioso.
Juntei as sobrancelhas com desconfiança, mas assenti.
— Quero, sim. Agora você me deixou curiosa.
Christopher apontou com os dois dedos para o corredor, impelindo-me a seguir ele. Fomos
em direção a entrada do seu quarto, onde ele parou diante do cômodo e escorou o corpo no
batente da porta.
— Isso aqui — explicou.
Me aproximei para enxergar com mais clareza do que se tratava, mas estanquei os passos ao
avistar a terrível cena diante dos meus olhos.
Apavorada, recuei um passo.
— O que aconteceu aqui? — minha voz se transformou em um fio agudo e estridente.
Prendi a respiração, evitando sentir aquele aroma nojento, que fazia meus órgãos se
revirarem dentro de mim.
— Debaixo da cama — informou ele, tranquilo.
Meus olhos deslizaram pela parede — antes, cinza —, lambuzada do líquido vermelho e
espeço, até encontrarem a pequena coisinha deitada de bruços debaixo da cama de Christopher,
como se apenas cochilasse sereno.
— Este é o Asafe? — me apavorei.
— Em carne, osso e maldade — respondeu, risonho.
Ergui as duas sobrancelhas.
— Ele me parece...
— Diferente? — concluiu. — Ele está na forma demoníaca dele. É bem mais difícil cuidar
de uma criança meio demônio, do que de um adulto.
Engoli em seco, sentindo meu estômago contrair.
— O que é isso na parede, Chris? — eu já sabia perfeitamente a resposta, mas torcia para
estar errada.
— Sangue. Ele decidiu que o mais novo hobbie é matar animais.
Arregalei os olhos.
— E o q-que ele matou? — eu tremia sem parar.
Christopher suspirou ao meu lado.
— Não deu para descobrir, As esmagou tudo.
Olhei para Christopher e o encontrei com um sorriso todo orgulhoso no rosto.
— Está feliz? — sobressaltei.
— O garoto é um prodígio — protestou.
— Ele matou um animal e esfregou o sangue nas paredes — lentamente incitei, horrorizada.
— Ele é um demônio. O que esperava? Rabiscos de giz na parede?
— Ele é uma criança!
— Ele é um demônio — irritou-se.
Senti meu sangue sumir do corpo e minha pressão despencar num salto.
— Eu vou esperar na sala — murmurei.
— Você tá bem? — Christopher se preocupou, erguendo os braços em volta de mim, para
me aparar.
— O cheiro do sangue está me deixando enjoada — expliquei.
— Me espere na sala, será melhor mesmo — concordou, mais calmo.
— Está bem!
Antes que eu desse o primeiro passo para longe, a voz infantil, mas assustadoramente
sombria se manifestou, ecoando em nossa direção.
— Dingo — Asafe sussurrou debaixo da cama, emendando em um bocejo.
Seus olhos estavam inteiramente pretos, as veias negras saltavam em sua pele, os lábios
estavam roxos, sangue salpicava todo o seu pequeno rosto. Sua pele não parecia mais a mesma,
marcada por linhas, como raios em todo o seu corpo.
Era exatamente como Christopher em sua outra entidade.
— Dingo — ele novamente chamou, despertando aos poucos.
Assustada, toquei o braço de Christopher, mas notei seu incômodo ao me ver reagir daquela
maneira.
— Deixa ele comigo. Vá para casa — orientou, afastando-me devagar.
— É melhor eu ir — cochichei, assustada.
— Nãoo! — o rapazinho gritou, arrastando-se debaixo da cama, até sair e conseguir ficar de
pé.
Ele correu em minha direção, e por instinto, me afastei.
Confuso, As parou no meio do quarto, olhando-me sem entender o que havia feito de errado.
Seu olhar alternou de mim para o seu pai, como se perguntasse a ele o que estava acontecendo.
Meu coração murchou dentro do peito, eu não queria chateá-lo, mas não sabia lidar com o
medo enraizado dentro de mim.
— Titia... — chamou, imploroso, a voz mais doce que uma criança poderia ter — colo, titia
— pediu manhoso, abrindo os braços, ainda sem sair do lugar.
Era como se ele pedisse que eu fosse até ele, pois tinha medo de se aproximar novamente.
Christopher observava a situação enraivecido, mas não voltou a sua atenção para mim. Ele
caminhou até Asafe e o tomou nos braços.
Eu não podia fazer nada a respeito, não estava habituada a situação, mas não queria rejeitá-
lo, nunca foi a minha intenção.
As não tinha culpa de nada, ele mal entendia o que estava acontecendo, para ele, aquilo tudo
era normal, mas para mim, era um mundo totalmente averso ao meu.
— Ela precisa ir, filho. Outro dia — informou-o, afagando as costas do seu bebê.
De repente, me senti aturdida e estranha. Eu estava completamente deslocada àquela
situação.
— Vá logo — Christopher mandou, sério. Ele era ainda mais protetor quando se tratava do
pequeno As.
Balancei a cabeça, nervosa. Estava segurando as lágrimas presas nos olhos.
— Não sei lidar com isso, Chris — cochichei, chorosa, encolhendo-me num canto.
Eu esperava por, pelo menos, um pouco de sua compreensão, mas ele me repreendia
veemente com aquele olhar fugaz e sombrio.
— Então vá embora daqui — rugiu.
Neguei num balançar de cabeça.
— Me dê um tempo, por favor!
Asafe abriu os bracinhos para mim de novo e tentou se jogar em minha direção, mas
Christopher novamente se mostrou na defensiva e segurou-o mais forte.
Virei-me de costas, e de olhos fechados, inspirei o máximo de ar que conseguia,
preenchendo os meus pulmões.
Por que aquilo tinha que ser tão doloroso?
— Saia logo daqui. Você vai passar mal — Christopher ergueu a voz.
Seu desespero em me manter longe, ia além de sua preocupação comigo. Existia algo mais.
Ele parecia querer proteger Asafe de presenciar aquele momento. Ele não queria que o seu filho
se sentisse rejeitado por ser quem era.
E tudo bem, eu o entendia. Foi por isso que exigi ao meu máximo para lidar com os meus
próprios temores.
Virei-me de volta e fui em direção aos dois.
— Venha! — chamei-o firme e ergui as mãos em direção a Asafe, que logo se jogou para o
meu colo.
Por consequência, melando a mim com sangue fresco e fedorento.
— Cuide disso! — avisei Chris, apontando para as paredes. — Eu vou banhar ele.
Ele franziu as sobrancelhas, intrigado.
— O que está fazendo? — investigou, meticuloso.
— Eu sou madrasta de um demônio agora. Não posso fugir da minha responsabilidade —
falei séria, antes de sair dali.
Asafe inocentemente me abraçou, sem nem mesmo perceber a gravidade da situação ou de
suas ações.
Ele beijou o meu rosto e se abriu em um lindo sorriso.
Quando eu sorri de volta, as marcas em seu rosto lentamente afinaram-se. A expressão
assustadora se dissipou, voltando ao seu habitual rosto de bebê.
A caminho do banheiro, Asafe agarrou o meu rosto com as duas mãozinhas sujas e apertou
as minhas bochechas. Ele as apertou tanto que passou a feri-las.
— Au! — reclamei e ele arregalou os olhos, rapidamente afastando-se.
Era gentil a forma que ele me olhava tão preocupado, como se de fato, se importasse ao me
ver machucada.
— Dói? — sussurrou, arrependido.
Sorri para ele e acariciei as suas bochechas com as ponta dos dedos, apenas deslizando os
dedos de leve em sua pele.
— Faça assim, está bem? — ensinei-o.
Ele balançou a cabeça, concordando, e repetiu o gesto. Seus dedinhos mal tocavam a minha
pele, mas ele não deixava de acariciá-la.
Ao adentrarmos no banheiro, o coloquei no chão e fui preparar a banheira.
Quando voltei minha atenção para Asafe, ele estava parado, as duas mãozinhas cruzadas e os
pezinhos balançando, empolgados. Ele observava cada movimento que eu fazia, simplesmente
admirado.
Os cabelos negros rebeldes em sua cabeça continham sangue seco formando uma grossa
camada envolta dos fios. Os olhos verdes como os de Christopher me olhavam sem nunca
desviarem.
Me ajoelhei diante dele e toquei os seus braços.
— Posso tirar suas roupas e banhar você, mocinho? — pedi.
Ele concordou, sacudindo a cabeça.
— Está bem! Levante os braços. — Ele prontamente obedeceu.
Com cuidado, tirei a sua camiseta e em seguida seu short, ambos inteiramente melados de
sangue.
Optei por não retirar a sua cueca, pois, se eu fosse uma criança, com certeza não iria querer
ficar pelada para um estranho.
Christopher saberia resolver essa situação depois.
Evitei olhar as manchas de sangue em todo o seu corpo e fingi ser apenas tinta guache.
Era mais fácil assim.
Esperamos juntos até que a banheira estivesse cheia o bastante para colocá-lo ali.
Aproveitei para colocar espuma e óleos essenciais — da preferência de As —, para que o
cheiro de sangue não permanecesse.
Asafe sentou-se no meio dela, meio desajeitado e ergueu os olhos para mim, esperando que
eu o dissesse o próximo passo.
Me sentei no chão ao seu lado e peguei a esponja. Devagarinho, comecei a esfregar em sua
pele, ele não reclamou, permaneceu sereno. Os seus olhos brilhavam e os lábios ofereciam
sorrisos.
Coloquei shampoo em seus cabelos e o massageei. Ele jogou a cabeça para trás e permitiu
que eu massageasse o seu coro cabeludo.
A espuma avermelhada escorria pelas suas costas, tingindo toda a água da banheira. O
cheiro misturou-se às essências e ao shampoo de bebê, dando uma certa apaziguada nas
reviravoltas que meu estômago dava.
— Você gosta de visitar o seu papai? — murmurei, ao notá-lo quieto demais.
— Gosto — ele foi rápido.
— Você brinca muito aqui? — sorri.
Ele concordou.
— Já fez muitos amiguinhos, As? Posso chamar você assim?
— Aham. E eu não tenho nenhum amigo, não.
— E por que não? Não gosta das crianças da sua idade? — investiguei com curiosidade.
— Não. — Ele curvou os lábios para baixo.
Juntei as sobrancelhas.
— Eles são ruins para você?
— Elas não são legais de sentir
— Sentir? Vocês também os sente?
— Sim.
— Asafe e eu somos iguais. — Ouvi a voz de Christopher na porta e o olhei surpresa.
— A quanto tempo está aí?
— Há um bom tempo. — Suspirou.
— Papai, a Dingo me deixou escolher os negócios de banhar — informou-o, como se aquilo
fosse um grande feito para si.
— Ah, que ótima notícia! — Chris sorriu para o filho, aproximando-se de nós.
Ele sentou na beirada da banheira, agora, olhando para mim.
— Eu posso banhar ele — avisou.
Parei de esfregar as costas de As por um momento.
— Prefere que eu não o banhe? — perguntei, incerta.
— Pelo As está tudo bem. E quanto a você?
— Eu gosto do As! — admiti, olhando para o pequeno, que sorria confiantemente para mim.
Christopher ainda me parecia meio desconfortável. A situação ainda era tão nova para ele,
quanto para mim.
Toquei o seu joelho de Chris, chamando a sua atenção.
— Você quer que eu pare?
Ele franziu a testa e baixou o olhar.
— Tenho medo de que vá fugir.
— Chris, eu não vou. Por que pensa assim?
Ele apoiou os braços sobre os joelhos.
— Seria mais fácil para você — confessou, tristemente.
— Não sou tão covarde assim — debati.
Sua atenção se voltou para mim. Ele tocou a minha bochecha e curvou um meio sorriso
desanimado.
— Não desista de nós, amor — pediu.
A forma como ele me olhava, mostrava-me que havia algo mais acontecendo por trás
daqueles olhos. Algo perigoso e sério que me causava calafrios.
O que Christopher não estava me contando?
01 de Junho | Sábado
Asafe finalmente adormeceu após Christopher terminar o seu banho e colocá-lo para dormir.
Já eu, tentava limpar as manchas de sangue seco da minha camiseta, na área de serviço.
Porém, quanto mais eu esfregava, menos progresso tinha.
Eu já estava cansada de lavar toda aquela sujeira dos meus braços e roupa. Christopher havia
terminado de limpar o quarto, mas os rastros de sangue ainda mantinham-se nas paredes,
perdurando-se desde as cortinas até o carpete.
— Amanhã terei que pintar e trocar tudo — suspirou, cansado, jogando os panos sujos em
um balde qualquer. Ele encostou o corpo na bancada e voltou sua atenção para mim. — Esqueça
a camiseta, eu compro uma nova para você.
Deixei que meus ombros caíssem em derrota, havia sido uma longa tarde.
— Talvez se eu deixar de molho, fique mais fácil de limpar.
Ele balançou a cabeça.
— Não se dê ao trabalho.
Curvei um sorrisinho de canto nos lábios.
— Ah, desculpe, senhor! Eu me esqueci o quão rico é — incitei.
Ele revirou os olhos.
— Você esquece bem rápido.
— Vai me dar outro colar milionário para que eu possa me lembrar com mais frequência? —
sugeri, jogando-lhe uma piscadela.
— Prefiro te dar algo mais duradouro.
— E o que seria?
— Tire tudo. Vamos tomar um banho.
— O que te faz pensar que pode simplesmente mandar em mim assim? — provoquei-o,
sabendo que isso serviria somente para atiçar o seu lado perverso.
Christopher não perdeu por esperar. Ele agarrou a minha cintura desnuda com as duas fortes
mãos e puxou-me, levando o meu corpo a colidir com o seu.
— E o que te faz pensar que eu não poderia? — devolveu.
Passei a língua sobre os lábios, enquanto encarava os seus lindos olhos verdes postos sobre
mim com uma indomável arrogância.
— Você é muito mandão quando quer — murmurei.
Ele soltou um riso seco e curvou o corpo, pegando-me pelas pernas e jogando-me sobre o
seu ombro.
Soltei um gritinho, surpresa, mas logo tapei a boca. Asafe poderia acordar a qualquer
momento.
Meu cabelo saltou para frente e cobriu o meu rosto como uma cascata. Joguei-os para trás e
tentei me equilibrar ao passo que ele me carregava em direção ao seu banheiro.
Senti sua mão acertar a minha bunda com força e enfiei minhas unhas em suas costas.
— Oh, Dingo Dingo... — arfou. — Me arranhe de novo e eu vou espancar a sua boceta.
Mordi o canto dos lábios, tentada a repetir o gesto, mas com medo de sua brutalidade.
De cabeça para baixo, aproveitei para apreciar aquele belo traseiro sendo exibido bem diante
dos meus olhos.
Estiquei minhas mãos e os apertei, Christopher se empertigou e me sacudiu em seu ombro.
Ri alto de sua reação.
— Glúteos fortes. Que sexy, Chris! — caçoei, gargalhando.
— Sua pervertida.
Já dentro do banheiro, ouvi-o passar a tranca na porta. Ele devolveu o meu corpo ao chão e
apontou para as minhas roupas.
— Tire tudo.
— Tire você primeiro — rebati.
Ele me encarou sério, mas respondi sua teimosia à altura, cruzando os braços, com a mais
convicta decisão de que não iria ceder.
Christopher olhou-me de cima a baixo, com um rápido escorregar de olhos, no entanto,
desistiu de relutar.
Ele removeu a camiseta, exibindo detalhes de seu corpo que somente eu poderia aproveitar.
Chris tocou o botão de sua calça, o que rapidamente chamou a minha atenção. Acompanhei-
o desabotoando a sua calça, abaixá-la até os tornozelos e terminar de tirá-la com os pés.
Ao tocar a borda da sua cueca, seus olhos prenderam-se aos meus. Sentia-me ansiosa e
excitada, mas sempre demonstrava calma e postura.
Christopher deslizou o tecido pelo seu quadril e deixou que escorregasse por conta própria
em suas pernas, até que estivesse no chão.
Meus olhos desceram do seu rosto para o seu corpo, apreciando todas as suas tatuagens, os
seus músculos e belas curvas. Seu excepcional membro atraiu o meu olhar como um ímã. Ele era
tão largo, grande, cheio de veias, tatuado e curiosamente único.
Eu nunca havia visto nada como aquilo em lugar nenhum. Era óbvio que eu havia
encontrado uma coisa ou outra na internet quando mais nova e curiosa, mas não como aquilo, era
tão descomunal e imenso.
Não conseguia imaginar como ele escondia aquilo tão bem dentro das calças.
Talvez ter um pênis daquele tamanho fizesse parte do pacote de ser um demônio.
— Sua vez — lembrou-me.
Com os olhos presos aos seus, para mostrar a ele que não me sentia mais intimidada, levei
minhas mãos ao fecho do meu sutiã e o abri, deixando que ele raspasse em meus braços até que
se soltasse por completo do meu corpo.
Não poderia me dar ao mérito de dizer que tinha grandes seios, ou, até mesmo médios, já
que eles eram apenas meros limãozinhos. Entretanto, Christopher os olhava como se fossem do
tamanho perfeito.
Talvez, para ele, tudo em mim fosse do tamanho certo, ou era o que poderia concluir pela
maneira a qual me admirava.
Abri a minha calça, e a deslizei para fora do meu corpo. Seu nariz instintivamente se franziu
em uma careta ao se deparar com a minha bela calcinha de vovó, na cor bege.
Ri de sua expressão.
Bom, quase tudo em mim o agradava exceto, as minhas calcinhas.
Ele a encarava com o mais puro desgosto. Sequer fazia o menor esforço para disfarçar a sua
aversão.
— Gostou da minha calcinha nova, diabão? — sorri e ele fechou os olhos.
— Tire isso logo, Dingo.
— Comprei pensando em você.
Christopher ergueu a cabeça para o teto e pôs as mãos na cintura.
— Eu percebi — resmungou.
— Não quer olhar mais um pouco? — sugeri, maliciosa.
Era tão divertido vê-lo afetado pelas minhas terríveis escolhas de calcinhas.
— Tire!
Prendi os lábios entre os dentes, segurando um sorriso.
— Tenta olhar de novo, talvez você goste — insisti, entre um riso e outro.
Ele mirou os seus olhos nos meus e ergueu uma sobrancelha.
— Tire ou eu vou rasgá-la — ameaçou, frio.
— Credo, que mau-humor — reclamei, prontamente, tirando-a.
Ainda era muito cedo para ele se desfazer dela, pretendia mantê-la a salva por mais um
tempinho.
Ele esfregou o rosto e suspirou.
— O que eu preciso fazer para você abdicar dessas coisas horrendas? — resmungou.
Rindo, me aproximei, dando-lhe um beijo no queixo.
— O que eu preciso fazer para você entender que não vai conseguir?
Ele se curvou, deitando sua testa na minha
— Que merda! — murmurou.
Coloquei minhas mãos em seu rosto e beijei a sua bochecha.
— No fundo eu sei que gosta delas.
Christopher não respondeu, mas seu corpo inteiro se mostrou contrário ao meu comentário.
— Obrigada por ficar — sussurrou, desconversando.
Havia muito mais do que apenas sinceridade, podia enxergar a sua gratidão bem nítida ali.
— Não vai mais escapar de mim, Chris.
— Eu espero mesmo que não.
Ele se afastou e estendeu a sua mão, peguei-a de bom grado e o segui até o chuveiro, onde
ficamos os dois abraçados debaixo da água. Apenas balançando o corpo para lá e para cá numa
dança lenta.
Meus braços estavam envoltos em sua cintura. Suas mãos afagavam as minhas costas e seus
lábios vez ou outra beijavam o topo da minha cabeça.
Aquela era a melhor sensação existente. Tê-lo ali comigo tornava tudo único. Nada mais
importava quando eu estava nos braços do meu homem. O mundo ao redor simplesmente
nublou-se, e tudo o que eu conseguia ver éramos nós dois.
Por um tempo, tudo o que eu mais queria, era tê-lo o mais distante possível. Porém, se me
dissessem agora sobre um futuro no qual nós dois não estivéssemos juntos, eu optaria por não
mais existir.
Naturalmente, havia me tornado dependente de Christopher; emocionalmente,
psicologicamente e fisicamente. Tudo em mim era sobre ele. Eu o respirava e o vivia.
Sentia minha alma desvanecer-se somente em pensar na possibilidade de não tê-lo comigo.
Christopher me pressionou em seus braços e suspirou.
— Dingo Dingo...
— Sim? — Ergui o rosto para ele.
— Eu te amo.
O ar sumiu de meus pulmões. Por um milésimo de segundo, eu vi aquela cena se pausar
como num filme. Meu coração disparou e os meus olhos se arregalaram.
Eu mal podia conter as emoções dentro de mim. Era tão perfeito ouvi-lo dizer.
— Diga de novo — pedi, os olhos inundando-se em lágrimas.
Christopher acariciava o meu rosto com ternura, não poupando-me de olhares apaixonados e
doces.
Como podia ser tão perfeito? Como podia ser tão meu?
— Eu te amo, minha Dingo Bells.
Um soluço escapou de meus lábios, misturando-se a um sorriso emocionado.
— Chris... — arfei.
Eu não imaginei que ficaria tão emotiva por tê-lo escutado dizer essas três palavras. Embora
houvesse fantasiado com isso, jamais imaginei que este momento se concretizaria.
Afinal, demônios não amavam, mas o meu Christopher me amava.
— Eu também te amo. Amo tanto — admiti, chorosa.
Ele sorriu, aproximando seu rosto até que nossos lábios se encaixassem em um beijo.
Eu o amava. E esperava que apenas o amar bastasse.

Minha blusa foi para o lixo. E, sem outra alternativa, peguei uma de Chris, que chegava até a
metade das minhas pernas. Precisei fazer um nó, para que ficasse, minimamente, boa em meu
corpo. Todavia, eu ainda aparentava ter vestido um saco.
Eu já estava de saída quando decidi parar na porta de Asafe. O pequeno despertou há pelo
menos meia hora. Christopher havia o conferido, em seguida, foi preparar uma mamadeira para
ele.
As ainda estava muito cansado, pois, pelo que eu soube, o outro lado dele, de certa forma,
tomava muito de sua energia.
A porta estava entreaberta, coloquei apenas uma parte do rosto na frecha.
Existiam coisas na vida que meu cérebro conseguia entender bem rápido, menos o fato de
que Asafe não era como as outras crianças. Eu ainda me sentia surpresa por não tê-lo flagrado
brincando com os seus brinquedos, mas, sim, falando sozinho.
O pequeno/grande rapaz, estava sentado diante da parede, olhando-a como se mais alguém
estivesse ali com ele.
— Não — Asafe dizia baixinho, como se contasse um segredo.
Engelhei as sobrancelhas, intrigada.
— Ele não contou para ela — sussurrou, olhando para as suas mãozinhas. — Papai não quer
que a Dingo saiba. — Estreitei os olhos, sentindo o coração palpitar mais forte.
Do que é que Asafe estava falando?
— Ela não sabe o que ele fez com você — murmurou.
A porta de repente se fechou, não pelo vento ou um fator sobrenatural. Apenas me dei conta
do que havia acontecido quando notei a mão de Christopher sobre ela.
Sentia-o atrás de mim, com o corpo roçando o meu. Sua respiração pesada atingia o meu
pescoço, causando-me calafrios.
Assustada, imediatamente virei-me para ele.
— O que está fazendo? — questionou ele.
Sua face estava petrificada em uma expressão rígida e enraivecida.
— Eu vim me despedir do Asafe. — Tremi ao dizer.
— Ele vai chorar se ver que você vai embora. — respondeu com rudeza.
— Ah — foi tudo o que eu consegui sibilar.
Tentei aparentar normalidade, no entanto, sentia meu rosto vermelho como um tomate.
Por que Christopher ficou tão estranho de repente? E o que ele fez? Por que fez?
— Aconteceu algo? — investigou, olhando-me minuciosamente.
Balancei a cabeça, negando.
Christopher não parecia convencido e deu um passo em minha direção, mas foi o bastante
para me deixar em pânico.
— Eu já vou — avisei.
Ele segurou o meu queixo e o ergueu para si.
— Tome cuidado — alertou.
Sua voz trazia consigo um fundo de duplo sentido, e eu não sabia o que fazer com aquilo.
— Claro — concordei baixo, deixando a entender que minha interpretação fora rasa, mas era
difícil enganar a ele.
Dei-lhe um rápido beijo nos lábios e fiz menção em me afastar, mas Christopher segurou o
meu braço.
— Você faz parte da minha vida agora. Tente ser compreensível com tudo o que vê.
— Hum-huh. — Assenti, nervosa, mas algo lhe chamou a atenção.
Christopher olhou sobre a minha cabeça, atento. Seus olhos vagavam ao redor da casa, como
se algo estivesse errado. Seus olhos escureceram e aquele olhar demoníaco se fez presente em
seu rosto.
— Fica aqui. — Ele me puxou para trás de si e pôs-se à frente, caminhando com passos
largos para a sala.
Estranhei o seu comportamento, mas me mantive parada.
A porta do quarto ao lado se abriu e Asafe correu para fora. Ao me ver, parou ao meu lado e
segurou a minha mão.
— Dingo, tô com medo — admitiu.
Todo o seu pequeno corpinho estava trêmulo. Sua mão suava frio e os seus olhos estavam
arregalados.
— Não se preocupe, ok? Papai vai cuidar de nós dois. — Abaixei-me ao seu lado e o puxei
para os meus braços, envolvendo-o em um abraço apertado.
Sentia seu coraçãozinho disparado no peito. Ele estava tão amedrontado que me partia vê-lo
naquele estado.
— Venha. — Peguei-o no colo quando ele começou a fungar, o choro ameaçando a desatar
de seus olhos. — Está tudo bem, bebê. — Beijei a sua testa e deitei a sua cabeça em meu colo.
As estava desesperado e eu não sabia a razão.
Havia perdido Christopher de vista, e não tinha a menor suspeita do que estava rolando.
Até que, de repente, um ruído alto reverberou pelo corredor, como se algo se partisse ao
meio. Nervosa, recuei um passo. Asafe estava chorando em meu ombro e agarrava os meus
cabelos como se dependesse de mim naquele momento.
— As, você sabe quem está aqui? — perguntei num sussurro.
O pequeno afastou o corpo para conseguir olhar-me nos olhos.
— É o bicho papão — respondeu, choroso.
Eu não sabia quem era o bicho papão para ele, mas certamente não era coisa boa.
— Christopher vai expulsá-lo — garanti.
— Papai não pode expulsar ele. — As balançou a cabeça.
— Não pode? — Enruguei a testa.
Ouvi vozes da sala de estar, entretanto, não conseguia distinguir o que diziam, era como
murmúrios estranhos e indecifráveis.
Devagarinho, dei passos, um atrás do outro, e a medida que eu me movia, As pressionava o
rosto com força em meu ombro.
Eu estava com medo, porém, não queria deixar As sozinho, temia que algo pudesse lhe
ocorrer se não houvesse ninguém por perto.
As vozes pararam no momento em que cheguei ao fim do corredor. Quando dei meu último
movimento antes de me por diante da situação, tudo se silenciou por completo.
No centro do cômodo, Chris estava de pé, olhando para o homem tão alto quanto ele. Ambos
se encararam friamente perante a mesa de centro, destruída. Os estilhaços de madeira haviam se
partido e espalharam-se por todo o chão.
O homem diante dele, possuía diversas tatuagens e cicatrizes medonhas espalhadas em seus
braços. Mesmo possuindo uma beleza louvável e uma postura significativamente elegante, eu
tinha uma sensação de desconfiança quanto a ele.
Ao mesmo tempo em que me parecia um homem fino, também transpassava a ideia de que,
a qualquer momento, se viraria contra nós.
Seu cabelo negro caia sobre os seus ombros com magnitude Os seus olhos escuros miraram
sobre os meus no instante em que notaram a minha presença.
Eu estagnei no lugar.
— Um belo motivo, suponho — comentou, enigmático. Ele parecia dar continuidade ao que
conversavam há alguns poucos minutos.
O timbre da sua voz se parecia como um cantar dos anjos. Era hipnótico e sedutor.
Christopher virou o seu rosto para mim, furioso.
— Me entregue o As e vá para a sua casa — aquilo era uma ordem, sem espaço para
protestos.
— Está tudo bem? — arfei, a voz quase sumindo.
Christopher não se conteve e avançou em minha direção, arrancando seu filho de meus
braços.
— SAIA!
Abri os olhos ao máximo e me empertiguei.
Estremecida, me afastei dele. Meu olhar, por um segundo, alternou para o outro homem, que
se aproximava devagarinho de nós, como uma cobra prestes a dar o bote, mas se mantinha em
silêncio. Parecia que se chegasse próximo demais, poderia nos matar.
Existia algo de ameaçador naquele homem. Tudo nele parecia um convite a morte.
Corri dali para fora da casa, sem olhar para trás. Não tinha ideia do que havia acontecido,
mas tremia tanto que mal conseguia enfiar a chave na ignição do carro.
Quando cheguei em casa, tranquei-me no quarto e tornei a chorar até que meus olhos
estivessem inchados demais.
Eu não liguei para Christopher aquela noite, tampouco ele o fez.
Meus ossos doíam com tanta tensão. E minha pele gritava, alertando-me que algo de muito
ruim havia acontecido.
03 de Junho | Segunda
Christopher sumiu durante todo o fim de semana. Minhas chamadas caiam diretamente na
caixa postal, minhas mensagens não eram visualizadas e o seu perfil nas redes sociais estava
sempre inativo.
Eu estava à beira de um colapso.
Já havia dado voltas no quarteirão de sua casa uma centena de vezes, mas nem mesmo o seu
carro estava na garagem.
Eu estava ficando louca. Queria ter o contato de suas irmãs ou saber onde elas moravam,
mas eu não sabia nada sobre Christopher. E isto estava começando a me incomodar além da
conta.
Eu confiava cegamente em suas escolhas, porque adorava tê-lo no comando de todo o meu
corpo. Mas não podia deixar que ele continuasse a interferir em minha vida daquele jeito.
Meus olhos estavam presos à carteira quando notei a presença de alguém agachando ao meu
lado.
Luc me olhava com um sorriso triste nos lábios, estava atordoado por me ver daquela
maneira, mas queria me dar apoio moral, mesmo que não soubesse a razão da minha infelicidade.
— Você geralmente é quieta, mas hoje parece que pisou em merda — comentou.
Forcei um sorriso.
— Acho que eu não só pisei, como me banhei nela. — Suspirei triste, deitando a cabeça em
cima da pequena mesa.
Era intervalo, mas eu não estava a fim de ir para o refeitório. Optei por manter-me sentada
na sala de aula.
Não queria ver ninguém, falar com ninguém, ou dar explicações a ninguém. Eu só queria me
encolher até sumir.
— Está com fome? Eu trouxe barras de cereais. — Ele as ergueu diante dos meus olhos,
num gesto gentil.
Resmunguei algo que deveria ter sido um "não", mas soou como um grunhido esquisito.
— Certo! — Ele assentiu, puxando uma cadeira.
Ele sentou-se ao meu lado e colocou a bolsa no chão.
— Eu não gosto de bancar o psicólogo, mas também não gosto de ver a minha melhor amiga
parecendo uma ameba em decomposição. Caramba, Dy, tem moscas voando em cima de você.
— Ele balançou a mão sobre a minha cabeça, fingindo afastar os insetos imaginários.
— Eu tô bem — murmurei.
— Se isso é estar bem, tenho medo do que você pode fazer quando estiver mal. — Ele
juntou as sobrancelhas. — Por favor, não se mate. Mas se fizer, me chame antes.
— Vai me impedir? — impliquei.
— Nah! É só para fazermos isso juntos.
Sorri.
— Suicídio duplo? — pensei.
— Bom, eu conheço mais gente que adoraria participar.
— Todos eles têm depressão?
— Não, eles estão terminando o ensino médio.
— Faz sentido.
— É, faz sim.
Conversar com o Luc era bom, embora não apaziguasse aquele misto de inconformidade e
medo dentro de mim.
Não saber de nada me matava por dentro. Era como se eu estivesse em uma caixa, sendo
lentamente espremida pelas minhas próprias angústias e aflições. Eu estava sendo engolida pelo
desespero e ansiedade.
O meu corpo inteiro estava preso em um estado caótico de pavor. Tudo dentro de mim
estava a mil, no entanto, me mantive estática por fora, sem forças para conseguir mexer um único
dedo.
— Me conte algo de bom ou eu vou morrer aqui mesmo — implorei, chorosa.
— Eu terminei o meu livro. — Ele sorriu.
— Isso é bom. E como foi?
— Eu não vou contar, seria um grande spoiler.
Revirei os olhos.
— Você não está ajudando.
— Que tal se eu te obrigar a ir para o refeitório para comer algo? Você está com cara de
quem nem mesmo jantou.
Entortei o canto dos lábios.
Ele não estava errado. Não consegui comer nada. Minha garganta doía até mesmo quando
bebia água e parecia queimar ainda mais quando prendia o choro.
Deixar Christopher fazer o que quisesse comigo me trouxe consequências, e agora eu mais
parecia um zumbi do que um humano. Tudo isso apenas porque não tive notícias suas.
— Eu não quero sair daqui. Eu só preciso... ficar parada — sussurrei.
Estava mentalmente esgotada. Não conseguia lidar com mais nada no momento.
— Quer me contar o que está havendo? — investigou, preocupado.
— Apenas nunca se entregue cem por cento para ninguém, Luc. Nunca ame ninguém mais
do que a si mesmo. Nunca.
— Christopher fez algo?
— Não, ele não fez. Esse é o problema. — Fechei os olhos, sentindo-os embaçarem em
razão das lágrimas. — Eu não faço ideia de nada. Eu estou completamente fora da vida dele.

Era hora da saída.


As salas já estavam vazias e os alunos marchavam para fora da escola. O céu estava escuro,
ameaçando cair uma grande tempestade. Os trovões estrondavam no céu entre um intervalo e
outro, após brilharem.
Eu estava encolhida em meu casaco, a caminho do estacionamento. Cobria as minhas mãos
com luvas macias e usava botas.
Eu só queria entrar no meu carro o mais rápido possível, ligar o aquecedor, colocar uma
música alta e partir para casa.
Mas os planos da vida, me reservavam outras coisas.
Christopher estava sentado no capô do meu carro, os olhos presos ao meu rosto, alheios.
Ele parecia absurdamente despreocupado e calmo, como se nada nunca tivesse acontecido.
Meu coração batia forte no peito e minha pele agora fervilhava sob as roupas grossas.
Naquele instante, a preocupação transformou-se em raiva. No fundo, talvez eu quisesse
encontrá-lo todo machucado, apenas para ter uma razão para compreender o motivo do seu
sumiço. Mas vê-lo tão bem e inteiro me causava a ligeira vontade de gritar com ele por toda a
angústia que me causou.
Engoli o nó em minha garganta. Meu peito doía e os olhos ardiam. Mas caminhei
firmemente até o meu carro. Não lhe dirigi a palavra, tampouco o olhei novamente, desviei o
caminho e passei direto em sua frente, marchando para a porta do motorista.
Ouvi os seus pés pisarem fundo no chão até onde eu estava. Ao abrir a porta do carro, Chris
segurou o meu braço.
— Amor — chamou.
Fechei os olhos e enchi os pulmões.
Senti uma lágrima teimosa escorrer em minha bochecha.
Não era justo. Não era justo ele ter feito aquilo.
— Ei. — Senti-o se aproximar, envolvendo meu corpo em seus braços. — Me desculpe.
— Eu não... — Mordi o canto dos lábios, trêmula, e suspirei. — Por que, Chris? Por quê?
Ele segurou o meu rosto entre as suas enormes mãos e beijou os meus lábios.
— Terá que confiar em mim, amor.
— Você me tira todas as razões possíveis para confiar em você — debati, irritada.
Seus olhos encaravam minuciosamente o meu rosto.
— Isso vai além de nós dois.
— Não, Chris. Não vai. — Dei um passo para trás. — Eu não quero viver no escuro. Não dá
para amar alguém assim.
— Se eu te contar, nunca mais me verá do mesmo jeito.
— Se precisa me esconder, eu não deveria mesmo estar com você.
Ele automaticamente crispou a testa, transformando seu rosto em uma expressão dura e
rígida. Notei a sua irritação com as minhas palavras, mas já era tarde, e eu não iria voltar atrás.
— É a minha vida em risco — continuei.
— Faço qualquer coisa antes de você ser machucada — rebateu ligeiro.
— Não, não faz. Porque nesse exato momento eu estou machucada, mas você não vê isso —
solucei.
Atordoada, esfreguei os dedos em meu cabelo, enfiando-os com força na raiz.
— Eu passei o fim de semana inteiro me mordendo de medo. Assustada e perdida, porque
não fazia ideia do que tinha acontecido — minha voz gradualmente se sobressaiu.
Tanto faz, eu já não estava nem aí se alguém estivesse nos ouvindo.
— Você não tem ideia, Chris. Não tem ideia de quantos cenários horrorosos eu criei na
minha cabeça. Tudo porque você... — apontei para ele — não se deu o trabalho de falar comigo.
Abracei o meu próprio corpo, alterada. Precisava de alívio.
— Você simplesmente me abandonou no momento mais assustador da minha vida. —
Naquele momento, eu já chorava tanto que minha voz enrolava.
Christopher apertou os dentes com força. Seu maxilar estava rijo e o rosto, pouco a pouco,
ganhava tons de vermelho.
Ele inspirou com força e virou-se de costas para mim por um momento. A fúria tomava
conta de seus pensamentos enquanto ele se obrigava a detê-la. Quando finalmente voltou sua
atenção para mim, ele parecia se esforçar ao máximo para não gritar.
— Precisei ficar longe, não por mim, mas por você, Dytto! Eu não posso ficar sempre do seu
lado, porque isso pode não ser seguro para você ou para a sua família — esbravejou.
— E como é que eu vou saber se não me conta nada! — devolvi, tão irritada quanto ele.
Ele segurou firmemente o meu rosto com as duas mãos.
— Eu estou sempre, sempre te protegendo. E eu me esforço pra caralho para que você não
precise saber do quê.
— Me fala, Chris. Me fala o que está acontecendo com você. Quem era aquele homem? Por
que As estava com medo? Por que me expulsou? Eu só consigo ter dúvidas e mais dúvidas. E
isso está aqui... — apontei para a minha garganta — entalado aqui, me sufocando.
— Que porra a mais você quer saber de mim? Eu já não faço tudo por você?
Balancei a cabeça, incrédula com a sua indiferença. Para ele, apenas me proteger deveria
bastar. Mas esconder segredos não me protegia de absolutamente nada.
— Me solta — pedi, numa entonação mais baixa agora.
— Dingo...
— Eu quero ir para a minha casa. — soprei, infeliz.
— Não. — Ele balançou a cabeça. — Não... — Chris me puxou para mais perto dele,
abraçando o meu corpo e beijando o topo da minha cabeça. — Tá tudo bem, querida. Vai ficar
tudo bem. Me desculpa, está bem? Eu vou te contar tudo o que precisa, eu prometo.
Seu cheiro me inundou, trazendo calma para a minha aflição. Embora ainda estivesse com
raiva, eu estive com tanta saudades que apenas queria tê-lo comigo.
— Eu tô exausta, Chris. Não consegui dormir, comer ou me mover. Eu não quero nunca
mais sentir isso. Eu não posso. Amar você está me matando aos pouquinhos.
Christopher curvou o corpo até estar quase na minha altura, e então, beijou os meus lábios.
— Eu vou dar um jeito em tudo isso — garantiu, em meio ao nosso beijo.
— Preciso dos seus segredos.
Ele suspirou forte.
— Por hoje, eu quero que saiba apenas o suficiente. Eu realmente não quero te afastar de
mim, amor. Por favor, eu imploro, me deixa te contar apenas o suficiente. Você nunca me
perdoaria se soubesse o monstro que eu sou.
— Por quê? Nunca se importou de me fazer ter medo de você antes.
— A situação é diferente agora.
Encolhi-me e afastei o corpo do seu.
— Eu decido até onde quero saber.
— Ir contra mim é um caso perdido. Sabe que eu não vou desistir, mesmo que peça.
— Pode não desistir, mas não vai suportar ter a minha aversão a você.
— Vou lutar cada segundo para que não tenha.
— Se fizer isto, só estará garantindo um meio para que eu te odeie, Chris.
Ele sorriu e colocou seus dedos em minha bochecha, acariciando-a de leve.
— Impossível, amor. — Seus dedos escorregaram até estarem acima do meu coração. —
Isso aqui é meu.
— Não disse que deixaria de ser, apenas que o amor pode se transformar em ódio em um
único segundo, se preciso.
— Não vou deixar que me odeie, mas se fizer, por mim tudo bem. Eu não fujo de você, e
nem você de mim. E isso é um acordo selado.
— Não há acordo se não é uma decisão unânime.
— Às vezes você esquece com quem namora. Não preciso da sua autorização para nada,
Dingo. Peço às vezes em respeito a você.
Fiz cara feia, mas não adiantou.
— Entre no carro, mas do lado do passageiro. Vou te levar para outro lugar, precisamos de
privacidade.
— Eu não vou! — Bati o pé. — Eu passei pelo inferno, e agora você simplesmente vem e
age como quer.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Que coincidência, querida. Voltei de lá não tem muito tempo.
Ele apontou para o outro lado do automóvel.
— Entre, Dytto — ordenou, autoritário. — Ou eu te faço entrar mesmo assim.
— Você começou com o pé certo para quem quer se redimir, não é? — fui irônica.
— Comece a andar com o pé certo e eu não terei que acorrentar nenhum dos dois —
ameaçou.
Deixei que meus ombros desmoronassem em desânimo.
— Vá se foder, Christopher Yori. Sem brincadeira.
Ele umedeceu os lábios, prendendo um sorrisinho.
— Eu vou foder, sim — garantiu, me olhando de um jeito sacana. — Entra logo, vida. Eu
preciso me resolver com a minha mulher, e ela não está cooperando.
Mostrei-lhe o dedo do meio e ele devolveu o gesto.
— O meu é bem maior — se gabou.
— Ótimo! Enfie no seu rabo. — Marchei em direção ao banco do passageiro e me enfiei de
qualquer jeito no carro.
Quando Christopher entrou, tentou uma certa aproximação, tocando a minha coxa, mas
afastei a sua mão e encostei o corpo na porta.
— Vamos ficar sem nos falar, então? — incitou.
— Ao que parece, é assim que a nossa relação funciona agora — disse entredentes.
Ele soltou o ar com força e deixou que parte do seu corpo deslizasse sobre o banco.
— Não fui justo com você.
— É, não foi — murmurei, irritada.
— Mas eu quero que saiba, que se eu não tivesse feito o que fiz, teria encarado a fúria de
alguém que está muito interessado em me atingir.
Instigada, olhei para ele.
— O homem na sala?
— Sim. Digamos que ele é um antigo... colega de trabalho.
— Trabalho? — Juntei as sobrancelhas. — Que tipo de trabalho, Christopher?
— Ele veio diretamente do inferno para me visitar, amor. E agora que ele sabe de você, me
tem na palma das mãos — confessou, incrédulo. — Quanto mais perto você estiver dele, mais
próxima de morrer estará.
Engoli em seco.
— O que ele quer? — sussurrei.
— Poder. Vingança. Soberania.
Balancei a cabeça.
— Por que me meteu nisso tudo, se sabia que a minha vida seria sempre assim?
— Porque demônios não sabem conter o vício. E você é o meu vício, Dytto. É impossível a
minha parte demoníaca te deixar ir.
— Se você fosse apenas um humano, ainda estaria comigo?
— Se eu fosse um humano, eu seria apenas um idiota apaixonado.
Olhei para frente, enquanto brincava com os dedos uns nos outros.
— Pode ser apenas um idiota apaixonado hoje? — cochichei.
— Está com medo de mim?
Concordei, balançando a cabeça.
— Certo. Apenas um idiota apaixonado hoje — concordou.
— Preciso que esse idiota apaixonado esteja disposto a ser sincero. — Baixei os olhos para
as minhas mãos sobre o meu colo.
— Não.
Olhei-o nos olhos.
— Você nunca será verdadeiro comigo, não é? — lamentei, decepcionada.
— Não se esqueça de que é apenas uma humana. Não saberá lidar com nada do que eu te
disser. E eu te conheço o bastante para saber que imploraria para eu parar com tudo o que estou
fazendo.
— Eu namoro você, e te conheço menos do que qualquer pessoa. — Sorri, magoada. — Me
sinto olhando para uma porta trancada toda vez que te olho.
— Ainda vai me agradecer por eu não deixar você entrar.
Revirei os olhos, mirando-os para a paisagem lá fora. O estacionamento agora estava quase
vazio. Algumas finas gotículas de água caiam no chão, misturando-se à forte ventania. Logo,
logo a chuva daria início.
— Por favor, não odeie essa relação — pediu, roçando de leve o meu braço. — Eu amo
você, Dytto. Eu nunca me apaixonei, e a minha parte idiota está tentando não te decepcionar. Eu
te deixaria ir se eu conseguisse, mas não há formas de isso acontecer, então me deixe te
compensar.
Olhei em sua direção.
— Eu sinto que estamos sempre caminhando para um fim.
Ele baixou o olhar. A seriedade emergindo em seu rosto.
— Isso não vai terminar. Nunca — pontuou, rígido.
Christopher se ajeitou no banco e pôs as mãos sobre o volante.
— Eu sou tolerante, querida. — Ele virou a chave na ignição e o carro ganhou vida. — Mas
continuo sendo um demônio.
03 de Junho | Segunda
Meus olhos se abriram em um rápido ato.
A breve imagem de um ambiente com uma iluminação rarefeita bordou minha vista. Eu não
fazia ideia de onde eu estava e nem como havia chegado ali.
Ergui o corpo nos cotovelos, aos poucos sentando-me no que parecia ser uma enorme cama
coberta por um lençol de seda vermelho, em meio ao cômodo escuro.
Atordoada, pisquei várias vezes, obrigando-me a identificar a situação. Estava sozinha em
um local completamente desconhecido. Eu não me lembrava de muita coisa, além da sucinta
lembrança de um Christopher dirigindo o meu carro em uma estrada longe da cidade.
O quarto mais parecia ser de uma época distinta e macabra. As paredes eram revestidas em
uma cor escura e pareciam brincar com a medíocre iluminação amarelada que as lâmpadas do
canto das paredes resplandeciam.
O lugar era muito mais espaçoso do que um quarto comum. Havia espaço para uma família
inteira abrigar-se ali. As enormes cortinas na cor preta pendiam até o chão de madeira escura.
Tudo naquele ambiente era mórbido, desde a arquitetura até os móveis. Existia um imenso lustre
no centro, ornamentado por cristais, que mais parecia derramar-se como uma cachoeira. Não
queria nem mesmo pensar no valor de tudo aquilo. Era grã-fino demais.
A porta abriu-se de repente, anunciando um Christopher todo paternal, com Asafe
adormecido em seus braços. A cena me intrigou, mas deixou o meu coração inteiramente
aquecido.
A Torre Tatuada sorriu ao me ver desperta. Ambos estavam tão lindos naquele instante, o
que me derreteu todos os neurônios existentes.
Por um momento, o imaginei em dias habituais cuidando de Asafe. Era interessante vê-lo
como pai solo em minha imaginação, tornava-o, de certo modo, mais humano.
Christopher caminhava com cuidado, certificando-se de que o filho ainda dormia. Ao se
aproximar, apoiou o joelho do colchão e passou o rapazinho para o meu colo.
— Estávamos esperando você acordar. As estava ansioso para ter ver, mas ele também
estava exausto — comentou, enquanto sentava.
Sorri, encantada, e depositei um rápido beijo na bochecha do bebê.
Ele estava tão bem aconchegado em meus braços.
— Asafe é a coisinha mais preciosa do mundo — sussurrei, a voz rouca, subsequente a
minha dormida.
Christopher curvou um sorriso.
— As tem lá os seus momentos fofos — brincou, acariciando de leve o rosto do filho.
Ele me olhou nos olhos, de um jeito terno e macio. Nossos momentos tornavam-se mais
aconchegante quando não estávamos brigando.
— Eu não faço ideia de quando eu caí no sono — murmurei.
— Um pouco depois de dez minutos de viagem — explicou.
— Onde é que eu tô? — Puxei o lençol para cobrir o pequeno em meus braços.
Não estava exatamente frio, mas achei que seria mais confortável deixá-lo embrulhado.
— Na casa da minha família. No meu antigo quarto, mais especificamente.
Dei uma rápida varrida com os olhos no lugar.
— Eles estão aqui? — perguntei, assombrada.
Ele não se conteve e acabou rindo.
— Eles não são como eu, Dingo. São seres humanos.
— Ah! — soprei, envergonhada.
Asafe se movimentou em meus braços, fiquei apreensiva, mas ele continuou dormindo.
— Amor — Christopher chamou num sussurro e levei meus olhos em sua direção. —
Venha, temos que preparar algo para você comer.
— E o As?
— Ficará no quarto dele, o traremos de volta quando acordar. Mas, como o meu diabinho
dormiu tem pouco tempo, vai ficar desacordado por horas. — Christopher deu de ombros. — Ele
adora dormir.
— Certo! Eu só vou... — Tentei afastar a coberta com cuidado, para erguê-lo no colo, mas
Christopher foi mais rápido.
— Deixa comigo — informou, pegando-o de volta.
Ele tomou a frente e o segui ao seu lado. Eu ainda estava meio zonza quando saí do quarto.
Meus olhos estavam pesados e minha boca seca. Havia dormido bastante.
Estávamos no corredor do segundo andar da casa. Eu devia ter apagado bem feio para não
ter o sentido me subir pelos degraus quando chegamos.
O lugar era enorme, ainda maior do que eu poderia sequer imaginar. Parecia mais um castelo
assombrado. Por um curto período fútil de pensamentos, imaginei seus irmãos como uma família
de vampiros.
Era óbvio que eles não eram vampiros, mas era o que o ambiente transmitia. As paredes
pareciam gritar em horror, e o eco que emanava-se entre os cômodos se assemelhavam a
sussurros. Ou talvez eu apenas estivesse delirando.
Voltei minha atenção para os dois homens ao meu lado. Sorri em alguns momentos, vendo
Christopher beijar a testa do seu filho e cheirá-lo. Meu peito se enchia de carinho assistindo
aquela cena.
Mesmo com toda a sua insistente indiferença, existia uma parte dentro de si que era
sentimental e amava genuinamente. E era por este Chris que eu era louca de amor. Não o Chris
egoísta, arrogante, que mentia, escondia segredos e sumia por dias.
Meu coração murchou com este pensamento. Ele imediatamente percebeu, pois me olhou
com uma expressão curiosa.
— O que foi? — questionou baixo.
— Um idiota apaixonado não saberia o que eu sinto — recordei o nosso acordo.
— Não posso ser observador?
— Não. E eu estava sorrindo. Então você não tinha como ter ideia do que se passa dentro de
mim — determinei.
Seus olhos subiram e desceram pelo meu corpo. Ele negava-se a aceitar aquilo. Era notável
o seu descontentamento e a visível preocupação, mas manteve-se calado.
Imaginei que aquilo não iria durar por muito tempo.
Quando Christopher devolveu As ao seu quarto — que, por sinal, era completamente
diferente do resto de toda a casa, pois apenas nele existia uma bela prévia do que deveria ser um
quarto infantil, se não fosse as pequenas caveiras penduradas sobre o berço e algumas figuras
satânicas nas paredes, quebrando as boas expectativas.
Ao descermos às enormes e largas escadas juntos, Christopher disfarçadamente cruzou seus
dedos no meu, embora eu tivesse notado as suas intenções de se desculpar, não o interrompi.
Estava faminta, e pouco interessada em dar continuidade a nossa discussão. Teríamos tempo para
isso.
Me sentia dentro de um castelo em meio a todo aquele espaço da sua casa.
Como eu nunca ouvi falar deste lugar antes? Seria impossível alguém nunca tê-lo visto.
— Não tem ninguém na casa? — interroguei-o ao chegarmos no cômodo.
— Amara está em uma viagem, Sam está na casa do namorado, Leví está no trabalho e
Demétrius... Bem, deve estar fodendo. — Ele sorriu, dando de ombros.
— Leví? Demétrius? — Uni as sobrancelhas. — Quem são?
— Oh, droga! — ele mordeu os lábios. — Esqueci de avisar — apontou para mim,
despretensioso — Tenho mais outros dois irmãos humanos.
— Humanos?
— Meu pai era um promíscuo. Devo ter outras centenas de irmãos no inferno e em outros
paralelos.
— Não são todos filhos do mesmo pai?
Ele soltou uma gargalhada exagerada.
— Cada um tem um pai diferente. — Ele lambeu os lábios. — Nossa mãe gostava de... —
Ele deu de ombros. — Enfim.
Ele arrastou o banco encostado diante do balcão para que eu me sentasse e deu a volta,
procurando por alguma coisa nas gavetas.
— Gosta de sanduíche?
— Vai me fazer um sanduíche? — Ergui a sobrancelha.
— Eu vou ficar te devendo um almoço. Mas, por enquanto, precisamos de uma comida feita
rápida. Você tá pálida. — Observou.
Assenti.
— Tudo bem. — Minha barriga roncou alto no mesmo instante.
Christopher desceu seu olhar sobre mim e a cobri com os braços.
— Não me olha assim, é constrangedor.
Ele sorriu e voltou sua atenção ao que fazia.
— Sim, senhora.
Enquanto Chris preparava o seu "Mister Monster sanduíche", parei para observá-lo. Era
satisfatório vê-lo na cozinha, abrindo e fechando gavetas, mexendo em tudo e misturando
molhos.
Eu estava curiosa e não aguentava mais segurar as perguntas. Ele obviamente notou, mas
decidiu fingir que não.
Pigarreei, quando finalmente tomei coragem.
— Sua mãe... — comecei, esperando uma reação de sua parte, quando vi que ele fez pouco
caso, prossegui: — Como ela é?
— Atualmente?
— E tem diferença?
— Sim. Viva ela era uma coisa, morta ela é outra.
Minhas sobrancelhas saltaram. Eu ainda me esquecia que ele via os mortos.
— Não sabia que ela tinha morrido, sinto muito!
— Guarde seus sentimentos a quem não consegue visitar os seus parentes mortos, Dingo.
Cocei a nuca, constrangida.
— Então... Me conta, ela era uma mãe legal?
Ele terminava de cortar uma fatia de tomate quando parou a faca para me olhar.
— Ela era excêntrica. O tipo de mulher que prioriza os seus próprios interesses antes dos
filhos. Isso responde a sua pergunta?
Meus pensamentos só conseguiam a nomeá-la como irresponsável, no entanto, se nem
mesmo Christopher era capaz de ofendê-la, decidi manter os meus pensamentos para mim.
— Com certeza.
Ele não deu continuidade ou fez menção a nenhuma história sobre a sua mãe, portanto,
preferi não comentar mais nada a respeito. Não fazia ideia do seu sentimento quanto a ela, e não
gostaria de machucá-lo com isso.
Em média, vinte minutos depois, eu tinha perante os meus olhos um sanduíche tão grande
que duvidei ser capaz de aguentar comer por inteiro.
— Devore tudo, amor. Sem desperdícios — disse, lavando as louças.
— Gula é um pecado — notei, encarando a montanha à minha frente.
— Nesta casa, todos os pecados são bem-vindos.
Revirei os olhos, mas avancei como uma desesperada no meu lanche.
Christopher era exagerado em qualquer coisa que fizesse. Não havia nada pequeno quando o
assunto se remetia a ele. Bom, naquele momento, era uma vantagem, em outros momentos, não.
Quando terminei, Christopher me encarava admirado. Me ver entupida até o talo de comida
o deixava impressionado. Ele sorria encarando-me confiante.
— Pare com isso — pedi, envergonhada.
Ninguém gostaria de ser observada lamber os dedos.
Christopher veio em minha direção, pousando suas mãos em minha barriga.
— Bem melhor vê-la cheinha — brincou, beijando a minha testa.
Coloquei as minhas mãos sobre as suas.
— Gostou da minha barriga de gravidinha — brinquei, mas do contrário que havia
imaginado, Chris fechou a cara e se afastou.
— Prefiro que não fique grávida... nunca.
— De comida, bobinho — tentei descontrair, entretanto, isso tinha mexido com ele.
— Que seja. — Ele me agarrou pela cintura, arrancando-me da cadeira. — Vamos para o
quarto.
— Ei! espera! — berrei.

— Não vai me manter trancada aqui — briguei, sentada num canto da cama.
Christopher havia tentado suas técnicas de sedução, mas o recusei e me transferi para o outro
lado de onde ele estava.
— Eu sou uma moça de família, preciso estar em casa antes das 16h.
Ele revirou os olhos.
— Seu pai disse que está tudo bem. Por que está tão ansiosa para ir embora? — reclamou.
— Não finja que a nossa brigou não existiu.
— Não estou.
— Ah, é? Por que parece que estamos evitando o assunto enquanto você está aí, agindo
como se eu simplesmente tivesse esquecido?
Christopher suspirou, ajeitando-se na cama.
— Me diga o que eu posso fazer para que me perdoe.
Olhei para o teto, pensativa.
— Me conte tudo.
Ele tombou o corpo no colchão e fechou os olhos.
— O que quer saber?
— Onde estava? — disparei.
Ele umedeceu os lábios.
— Nefarious.
— Isso é o quê? Uma boate?
Ele franziu a testa.
— Que tipo de homem sem honra você acha que eu sou? — ofendeu-se.
— Não sei, Chris. Não o conheço o suficiente. Talvez estivesse com outras garotas, como
posso saber?
Ele logo se virou em minha direção, arrastando o corpo até que estivesse totalmente sobre
mim.
— É um tapa na cara saber que pensa isso de mim.
— O que é Nefarious, Chris? — incitei.
Ele despencou o corpo sobre o meu e gritei com o seu peso.
— Chris, sai, você é pesado — reclamei, esforçando-me para empurrá-lo, no entanto, foram
tentativas em vão.
Apenas quando ele decidiu erguer-se nos cotovelos que pude respirar novamente.
Inspirei fundo, agarrando-me a cada milímetro de oxigênio possível.
Christopher mais parecia uma parede gigante de aço.
— Nefarious é o inferno em que fui forjado, Dy.
— Pensei que o inferno se chamasse inferno — denotei.
— Se engana ao pensar que só existe um inferno.
— Pensei que...
— Não foi só um anjo que se rebelou, amor.
— Bom, eu sei, mas imaginei que todos estivessem no mesmo inferno.
Ele sorriu de canto.
— Há uma grande lacuna entre uma história e outra.
Ele posicionou-se de lado e suspirou.
— Milhares de séculos depois que Lúcifer caiu, Christopher, um anjo ganancioso e
perverso, deitou-se com um outro anjo. Deus não gostou.
— Você se deitou com um anjo? — quase gritei.
— Oh, amor. — Ele fez carinho no meu rosto — Não eu. Christopher I, meu pai.
— Seu pai é gay? — Arregalei os olhos.
— Foi só isso que te chamou na história toda? — notou, curioso.
— Não, espera, não! Quer dizer, ele é?
Christopher deu de ombros.
— Ele dorme com quem ele quiser. Não é sobre o sexo. É sobre a perversão em corromper
tudo que há de puro.
— Igualzinho a você — comentei, distraída.
— Eu nunca dormi com um homem — pontuou, intrigado.
— Não era dessa parte que eu estava falando.
Ele sorriu.
— Então... Deus o expulsou do paraíso?
— Sim. Mas não por isso. — Ele naturalmente desceu o olhar para o meu busto. —
Christopher continuava a desafiar a bondade de Deus. Deleitava-se de tudo que era bom e puro,
inventava mentiras, mas somente quando disse ser a salvação do mundo, que então foi... Banido.
— Como Lúcifer?
— Não. Lúcifer está preso no seu próprio inferno. Christopher caiu em Nefarious, um lugar
onde milhares de demônios residiam.
— Mas...
— Christopher era esperto, conseguiu fazer com que todos aqueles demônios tornassem seu
exército. Mas ele não imaginou que havia seres tão horrendos quanto ele.
— Quem?
Ele balançou a cabeça.
— Apenas entenda que nada se criou do nada. E nada vai se destruir do nada. — Ele beijou
o meu queixo. — Está tudo conectado.
Ele escorregou a mão para o colarinho da minha blusa.
— E tudo o que acontece agora, é para definir o que seremos no futuro. — Seus dedos
brincaram com o meu busto. — E se quiser ir contra isso, esteja pronta para lidar com as
consequências do universo.
Seus lábios beijaram a parte descoberta dos meus seios.
— Somos o que somos, amor — murmurou.
Christopher suspirou em meu ouvido.
— E você foi feita para ser minha desde o dia em que nasceu.
Suas mãos deslizaram até o meu quadril.
— Agora me permita foder o que você tem entre as pernas. Seja obediente e as abra.
O empurrei.
— Eu quero ouvir a história, Chris.
Ele revirou os olhos e agarrou a parte detrás dos meus joelhos, puxando-me num rápido
movimento para si.
— Podemos fazer os dois ao mesmo tempo — sugeriu.
Ele não me deu tempo de reagir, já estava com as mãos na braguilha da minha calça,
deslizando o zíper.
— Não quer matar a saudade, amor? — perguntou, malicioso.
Fechei os olhos.
— Só se me contar mais uma coisa.
— Diga.
— Com quem As estava conversando no quarto?
Seus movimentos cessaram.
— Por favor, Chris... — arfei.
Ouvi-o soprar com o ar com força.
— Zoe. Asafe estava conversando com a mãe dele.
Arregalei os olhos, mas contive um suspiro surpreso. Me ajeitei no colchão, apoiando o
corpo nos cotovelos.
— Eu não queria que isso te incomodasse, por isso não contei.
— Eles se veem muito? — questionei-o, atônita.
— Não. As não devia nem mesmo tê-la visto. Eu a tranquei no inferno, mas o meu pai a
soltou para que se metesse no meu caminho.
— Por quê?
— Trabalho para ele. Sou o responsável pelo caos. Mas eu não tenho feito um bom trabalho.
— Ele curvou um sorriso triste. — Se rebelar é algo que temos em comum.
— Isso não me parece bom — comentei, tentando ignorar o incômodo que se formava
dentro de mim.
— Não, não é. Mas eu sou melhor do que ele jamais será. Eu sou o único que pode destruí-
lo, e é por isso que eu preciso manter você segura, porque eu não sei o que eu faria se ele a
tocasse. Isso vai além de nós dois, Dytto. Se algo ou alguém te tocar, eu posso destruir o mundo
inteiro em segundos, entende?
Suas palavras me atingiam como grandes ondas das quais eu não era capaz de me recuperar.
O fôlego havia sido extinto de meus pulmões e minha cabeça rodava.
Era demais. Mas eu precisava ouvir a verdade, agora mais do que nunca.
— E o que acontece depois? — minha voz ressoava trêmula.
— Eu te levaria para o meu paraíso de gelo. Te transformaria em minha rainha. E
comandaríamos uma nova geração.
Christopher aproximou os lábios dos meus.
— No início eu achei que o que tínhamos era apenas obsessão, e depois pensei ser apenas
amor. No fim, eu entendi que você seria minha independentemente de qualquer coisa. A nossa
história é inevitável. Somos um meio para o fim.
— C-chris...
Ele se afastou, ruidoso.
— E é por você estar tão pálida agora, que eu não te conto muitas coisas — continuou,
acariciando o meu rosto. — Agora você entende?
— Isso é assustador — sussurrei.
— É mais simples do que pensa.
— Mas e todo o resto? O que seriam das pessoas? O que seria de tudo? A... A minha
família?
— Todos terão o seu destino final. Isso não cabe a nós dois.
Christopher se aconchegou sobre mim e beijou os meus lábios.
— Me deixe tirar essa sua preocupação. Eu quero foder você.
Seus dedos acariciavam a minha cintura, bem lentamente.
— Por que você tinha que ser um demônio? — murmurei e senti seus lábios sorrirem em
meu pescoço.
— Quero te fazer gemer. — Ele deslizou a mão para a borda do meu jeans. — Quero me
enfiar em você hoje, amor. Eu quero te sentir.
Seus lábios passeavam em minha pele, causando-me uma longa sensação de arrepios.
— Quero você em volta do meu pau — sussurrou. — Sabendo que é só minha.
Eu não o respondi, estava sem fôlego. Minha intimidade já estava úmida, eu não consegui
me conter, Christopher sabia o que fazia quando tocava o meu corpo.
Era natural que eu o obedecesse, mesmo que sem perceber.
Ele se posicionou para retirar as minhas vestes. Suas enormes mãos puxaram a minha calça e
a minha calcinha de uma só vez. Talvez estivesse evitando se decepcionar com a minha coleção
de calcinhas, ou talvez, apenas estivesse com pressa.
Quando ele retornou para onde estava antes, retirou meu moletom e abriu o meu sutiã. Em
poucos minutos eu estava completamente despida para ele.
Christopher subia e descia os olhos por todo o meu corpo nu. Meu corpo parecia o encantar,
pois seu rosto preencheu-se de satisfação.
Ele arrancou a camiseta do seu corpo e desabotoou as calças.
— Vai doer como da primeira vez, Chris? — o interrompi, incerta.
Ele me lançou um olhar terno e gentil.
— Farei o meu melhor para que não doa tanto — garantiu, voltando ao que fazia.
Quando Christopher já estava sem roupas, retirou de uma das gavetas uma camisinha. Ele a
colocou sem pressa em seu membro ereto. Sua tatuagem no pênis agora me era algo
extremamente erótico, toda vez que o imaginava nu, gostava de focar nela, havia se tornado a
minha melhor fantasia.
Eu estava ansiosa, mas temia que a experiência passada se repetisse. Queria que aquilo fosse
menos doloroso.
Christopher deitou-se ao meu lado, ele não pediu que eu fizesse nada, apenas abriu as
minhas pernas para me tocar enquanto beijava os meus lábios.
Seus dedos maliciosos estimularam o meu clitóris em um gesto contínuo. Eu arfava em seus
lábios, gemendo com o prazer que ele me entregava.
Com ele ao meu lado e com minha perna sobre o seu corpo, eu estava completamente
exposta, sem nada para me cobrir. Já não tinha mais vergonha. Christopher sempre me fazia
sentir confortável com a minha nudez.
Sua boca chupou os meus seios, um por um, dando a devida atenção. Seu dedo me
preencheu e eu estremeci. Já tinha desacostumado com a sensação após tanto tempo sem tê-lo me
tocando.
Ele me encarava, sem nunca tirar os olhos dos meus, ao mesmo tempo em que me penetrava
com os dedos em um vai e vem delicioso.
Toquei o seu rosto, deslizando os dedos entre seus lábios macios e carnudos. Eu adorava a
sua boca.
Christopher pôs sobre mim. Senti seu membro roçar a minha intimidade e suspirei, ansiosa.
Ele curvou um breve sorriso nos lábios e aproximou-se. Chris me beijou devagar, suave e
contido. Sua língua se misturou à minha em um beijo que, gradualmente, se tornou mais
impetuoso, desesperado e quente.
Sua mão passeava pela lateral do meu corpo e desceu até estar pousada em meu quadril.
Prendi minhas pernas em sua cintura e me impulsionei em sua direção, esfregando a parte de
mim que doía de tanto desespero por ele. Com a sua mão livre, ele deslizou o indicador em meu
queixo e mordiscou o meu lábio inferior.
Um gemido baixo escapou de meus lábios quando senti seu dedo tocar o meu clitóris e me
provocar ali, fazendo movimentos precisos, os quais me faziam delirar.
Mordi os lábios com força e fechei os olhos, apreciando o seu toque. Chris passou a língua
entre os meus seios, colocou um deles na boca e o chupou sem pausas, conforme me masturbava.
Enfiei meus dedos entre seus cabelos e os puxei quando a pressão entre o meio de minhas
pernas se tornou deliciosamente agonizante.
Christopher lambia o meu peito sem pressa, dando a ele quase toda a sua atenção, se não
fosse, é claro, por seu dedo me invadindo repetidamente.
Um gemido alto fugiu de minha garganta, rapidamente Christopher o conteve com a sua
boca na minha.
— Desculpe — arfei, baixinho.
— Não quero que goze ainda — avisou.
Chris recostou sua testa na minha e inspirou fundo. Sua mão pressionou a minha cintura
com mais autoridade.
— Preciso que me diga que quer isso — pediu, num sussurro rouco.
Levei meus dedos ao seu peitoral tatuado e os deslizei naquele local, apreciando a sensação
de sua pele quente e macia sob meu toque. Sorri boba. Ele se tornava ainda mais atraente toda
vez que se revelava preocupado.
— Eu sempre quero você, Christopher. Sempre.
Seus olhos se fixaram nos meus e ele sorriu.
— Também sempre quero você, garota.
Passei os braços em volta dos seus ombros.
Christopher posicionou seu membro em minha entrada e me olhou nos olhos ao empurrá-lo.
A intensidade de seu olhar me fez perder todo o raciocínio e fixou-me a atenção naquelas íris
verdes.
O puxei para um beijo quando presenciei a dor me invadir de uma vez. Apertei meus lábios
nos seus com força, esperando que a sensação se dissipasse.
Christopher fez movimentos de entra e sai devagarinho, porém, sempre mantendo o ritmo.
Sentia meu corpo inteiro entrar em chamas, de modo que estivesse febril. Meu coração
estava disparado.
Apertei-o ainda mais forte em meu abraço ao sentir o incômodo sentimento de tê-lo em
mim, manter-se.
Enfiei minha língua em sua boca, almejando pelo mais louco beijo que ele pudesse me dar.
Eu só precisava de algo para me distrair enquanto ele me penetrava, ou pensar na dor me faria
desistir.
Christopher agarrou os meus lábios com veemência e autoridade. Senti-o impulsionar o seu
pênis ainda mais.
— Merda — murmurei, a voz dolorosa.
— Me diga o que quer, Dingo.
— Coloca mais — pedi, contrariando toda a situação.
Ele franziu o cenho, sério, aparentemente, se negando a fazê-lo.
— Por favor, Chris!
— Não vou te forçar a isso.
— Eu tô pedindo. Eu juro que eu quero.
— Te fazer sentir de uma vez, não vai diminuir a dor, amor.
Impaciente, enrosquei minhas pernas em seus quadris, forçando-o para mim, Christopher
resistiu, mas continuei a puxá-lo.
— Porra, Dingo... — arfou, furioso.
— Mais — insisti.
Ele apertou os dentes, seu maxilar ficou rijo. Seus olhos estavam cheios de fúria.
Christopher, a contragosto, colocou mais de si em mim e continuou a enfiar-se.
Tapei a boca quando senti uma forte pontada em meu útero me tomar.
— Não dá de colocar você inteiro em mim — murmurei, suada e ofegante.
— Isso já estava claro desde o início, amor — respondeu, com um sorriso arteiro nos lábios.
Constatei a sensação de tê-lo penetrando o máximo que conseguíamos.
E doeu, como doeu.
Respirei devagar e mordi os lábios, na árdua tentativa de me acostumar com aquilo.
Christopher beijava o meu pescoço e tomava todo o cuidado ao movimentar-se. Senti receio
em sua pele. Ele estava com medo de me ferir, mas havia decisões que Chris não poderia tomar
por mim.
Pressionei o seu braço, a fim de buscar por alívio. Agoniada, enfiei meu rosto no travesseiro
ao nosso lado. Meu rosto estava quente, meu corpo estava molhado e minha intimidade estava
dolorida.
Tentei olhar para o meio de nós, mas não consegui visualizar nada com clareza.
— Você está muito vermelha — informou, afastando as mechas de cabelo do meu pescoço.
— Me avise se...
— Eu sei — interrompi-o. — Eu aviso.
Christopher me olhou curioso, mas não se opôs. Seus olhos sempre postos sobre os meus,
atentos e sérios.
Ele prosseguiu em seu ritmo calmo e preciso. Estávamos indo bem, muito bem. De repente,
a dor já não era mais um grande incomodo, certamente não havia cessado, mas agora existia uma
pequena pontinha prazerosa em seus atos.
Gemi, mas isso o fez parar.
— Está bem? — alarmou-se
— Continue, está ficando bom — pedi, sôfrega.
Ele se afastou um pouco, apenas para enfiar sua mão entre nós. Christopher colocou um
dedo em meu clitóris e me estimulou, ao passo que continuou a meter.
De pouco em pouco, tornei a desfrutar de um prazer que tornou a se intensificar. Ainda me
sentia incomodada, mas podia superar isso.
Christopher remexia os quadris numa sequência gostosa. Aquilo provocava ondas vigorosas
de prazer, consequentemente me fazendo gemer.
A cada minuto, a dor deixava de ser um problema, e tudo o que Christopher fazia me
deixava mais instigada a continuar.
Quando a sensação boa se tornou mais forte, não me contive e comecei a gemer alto, Chris
riu baixo e tapou a minha boca com a sua enorme mão tatuada.
— Eu bem que queria te ouvir gemendo alto, amor. Mas... — ele não finalizou a frase,
porém, não era como se fosse preciso.
Sorri em meio aos meus gemidos sufocados.
Repentinamente, ele se retirou de dentro de mim e ajoelhou-se na cama.
Estava confusa, mas esperei.
Apenas entendi sua intenção quando ele agarrou o meu corpo, virando-o de lado, em
seguida, deitando-se logo atrás de mim. Chris suspendeu uma de minhas pernas sobre a sua coxa
e me penetrou novamente, desta vez, em uma nova posição
Sua mão agarrou o meu seio com tanta força que supus que logo ficaria cheio de marcas, no
entanto, ele a desceu para a minha barriga e em seguida envolveu minha cintura sem braço,
pressionando-me para baixo em seu pau.
Christopher acelerou suas estocadas. Apertei os lábios no travesseiro quando ele me acertou
violentamente com um tapa em minha bunda.
Ele mordeu o meu ombro e agarrou o meu seio com violência, mantendo a dominância ao se
enfiar em mim com mais destreza.
Senti minhas pernas tremerem quando já estava prestes a gozar. Ele enrolou sua mão em
meu cabelo, puxando-o cheio de hostilidade.
Chris me inundou em seu pau quando, assim como eu, ele se sentia mais próximo do fim.
Não consegui aguentar e desatei a gozar, gemendo manhosa entre os lençóis da cama.
Christopher ainda se manteve ritmado por mais um tempo, até que por fim, se juntou ao êxtase
comigo. Ambos suados, ofegantes e satisfeitos.
Sentia meu coração descompassado no peito e o corpo inteiro em puro frenesi. A adrenalina
ainda corria em minhas veias, mesmo após terminar.
Christopher tocou o meu rosto e me virou para ele, tocando os meus lábios com puro desejo.
Senti um sorriso largo em sua boca quando nos beijamos.
— Você é incrível! — sussurrou.
Virei-me completamente para ele. Chris entornou o meu corpo e me manteve ali, presa em
seus braços.
Ele gentilmente tocou a ponta do seu nariz no meu e nos permitimos ficar assim por um
longo tempo.
2 anos atrás
— Qual é o problema? — perguntei, desinteressado.
Zoe deu de ombros e virou-se de costas. Ela levou os dedos aos seus longos fios loiros e
desgrenhados em sua cabeça, e os prendeu em um coque alto.
Hoje ela parecia ainda mais cansada do que normalmente estava.
Eu sentia em todas as fibras do meu corpo que ela me escondia algo. Estava com medo de
me contar. Talvez, com receio de que eu fosse brigar ou dizer algo ruim.
— Anda, Zoe — insisti, irritado. Odiava quando ela fazia isso, quase parecia proposital para
que eu perdesse a droga da paciência.
O pequeno Asafe se remexeu em meu colo. Seus grandes olhos lentamente emergiram ao
abrirem as pálpebras sonolentas. Ao me encontrarem, ele curvou um breve sorriso que se
emendou em um bocejo longo e preguiçoso.
Embora ele estivesse no mundo dos vivos há apenas 6 semanas, parecia conhecer-me há
uma vida inteira. Toda vez que me olhava, parecia saber mais de mim do que um bebê deveria.
Era quase como se já nos conhecêssemos desde sempre. Provavelmente, fosse por esta
ligação entre mim e ele, que nosso elo era tão forte.
Sabia que não eu estava nem um pouco capacitado para ser pai aos 16 anos de idade, no
entanto, jamais teria permitido que Zoe o tirasse de mim.
Nunca permitiria tal coisa.
— Ele só não dormiu muito bem à noite — as palavras saíram lentas e arrastadas de sua
boca.
Ela dobrava algumas fraldas de pano sobre a mesa, no centro da sala.
Seu corpo magro e pequeno estava lerdo e os ombros baixos. Seus olhos mal pareciam se
aguentarem abertos e os globos estavam avermelhados.
Entornando os seus olhos, marcas de cansaço arroxeadas marcavam sua face, evidências de
várias noites mal dormidas. Seu cabelo estava cheio de frizz, oleoso e bagunçado. Tinha tantos
nós que agora ela mal o penteava. Para uma garota, antes vaidosa, isso era terrível de se assistir.
Seu declínio diário era cada vez mais evidente, ela tinha desistido de si mesma, ainda que eu
sempre me oferecesse para auxiliar e ficar com As, Zoe não se arrumava mais, às vezes nem
mesmo banhava. Estava afundada em infelicidade.
— Vá descansar, eu cuido dele — indiquei.
Seus grandes olhos castanhos me olharam cheios de gratidão.
— Sabe como dar a mamadeira? — investigou.
— Sei.
Ela sorriu.
— Obrigada, Chris!
— Ele é o meu filho.
Ela assentiu.
Não conseguia ser minimamente gentil. Odiava o fato dela sempre alimentar a menor das
expectativas em sua fantasia, onde éramos uma família perfeita e normal. Estávamos bem longe
de qualquer relacionamento ou intimidade.
Zoe era loucamente apaixonada e fez questão de se declarar para mim por meses, mesmo
que eu nunca correspondesse aos seus sentimentos.
Porra! Nem de longe eu iria me casar com essa garota. Não com ela ou nenhuma outra.
Eu sempre gostei do seu estilo, as músicas que ouvia e as roupas que usava. Mas não foi por
isso que me aproximei, gostava do jeito que ela dançava e me provocava, entretanto, deixei
claro, desde o início, que as minhas intenções eram apenas fodas. Eu não precisava de uma
namorada ou uma amizade colorida. Sempre me dei bem sozinho.
Também não saia muito com garotas, estava focado em viver em um mundo só meu. Tinha
planos e objetivos, vivia à mercê de meu pai e precisava cumprir com a minha função no mundo.
Eu queria mais do que nunca a minha liberdade, e sabia que não a conseguiria trabalhando o
resto da vida para ele.
Beijei a testa de Asafe e inspirei fundo. Ao menos, esse rapazinho me trazia sossego.
Deslizei o dedo sobre sua bochecha e ele o agarrou com sua mãozinha, mesmo com a pouca
idade, tinha bastante força.
Já tinha um tempo que eu não me sentia tão vivo e bem assim. Era estranho passar tanto
tempo me sentindo sozinho e único no mundo, e então, de repente, havia outro ser igualzinho a
mim.
— Por favor, não esquece de trocar a fralda dele daqui uma hora. E passe a pomada, não
quero que ele se asse. Se esquecer de algo, há um bloco de notas preso à geladeira — avisou,
sonolenta.
Olhei para ela e a encontrei parada no meio da cozinha. O corpo corcunda, o pijama em uma
mistura de suor, leite e seja lá o que quer que fosse aquela coisa amarela ali.
— Pode deixar, Zoe. Eu assumo daqui. — Entortei os lábios em uma careta.
Ela assentiu e saiu esfregando os pés no chão, como uma morta-viva pela casa. Eu me
ofereceria para cuidar dela — pelo As —, se isto, é claro, não a enchesse de esperanças.
— Caramba. O que você está fazendo com a sua mãe, garoto? — brinquei.
Seus olhos me encaravam curiosos. Mesmo que ele tivesse entendido o que eu disse, apenas
teria ignorado. Digamos que ele era um carinha desapegado.
Crianças geralmente gostavam de ficar no colo. Asafe, não. Ele gostava de ficar no meu,
apenas.
Por mais que ainda fosse tão jovem, toda vez que notava algum estranho tentando cuidar
dele, fazia um show de rock e tanto, soltando berros tão agudos, que fazia a cabeça de qualquer
um doer.
Zoe ainda não havia se acostumado com nada disso. Ela ainda odiava o fato de ter virado
mãe aos 15 anos. Talvez, se ela tivesse sido mais esperta, teria concluído que engravidar,
propositalmente, de mim, não me tornaria o seu namorado dos sonhos, ou me faria se apaixonar
magicamente por ela.
Tudo o que ela conseguiu foi tirar o resto de paciência que me restava. Quando ela me
contou sobre a gravidez, quis explodir a sua cabeça, todavia, sabia que isso levaria a morte do
feto que ela já carregava no ventre.
Eu não era alguém superprotetor, mas uma parte de mim mudou naquele instante,
declinando-me a ser solícito à situação.
Deitei-me no sofá de Zoe, ou melhor, no sofá de sua irmã. Já havia um tempo em que ela
estava morando naquele lugar. Sua mãe tinha a expulsado de casa após descobrir sua gravidez,
desde então, sua irmã a abrigou, embora a relação das duas não fosse das melhores.
Coloquei As sobre o meu peito. Ele fechou os olhos enquanto tentava fazê-lo dormir. Uma
das tarefas mais difíceis do mundo inteiro, visto que o garoto adorava estar sempre acordado.
Passei um bom tempo batendo em suas costas até que finalmente me vi entediado e parei de
o fazer. Não se passou 2 segundos para que Asafe começasse a resmungar.
Nunca na vida eu tinha sido tão submisso a alguém como eu era para aquele ser minúsculo
nos meus braços.
Suspirei fundo.
— Garoto, eu até posso parecer legal, mas eu não sou. Vá logo dormir.
Ele ameaçou berrar e me vi forçado a obedecê-lo.
— Puta merda...
Se eu pudesse vê-lo de onde estou agora, poderia imaginá-lo com um sorriso vitorioso no
rosto.

— Eu volto amanhã bem cedo. Mas só vou poder ficar até o almoço, tenho algumas aulas na
faculdade que não quero perder. Tudo bem para você? — informei-a.
Zoe assentiu e curvou um curto sorriso nos lábios.
— Pode ser. Vou usar a manhã para procurar algum emprego, preciso de uma renda para me
manter.
— Não precisa trabalhar enquanto As for pequeno. Já disse que posso sustentar vocês dois
numa boa. Deixa isso para quando ele estiver com 5 ou 6 anos. Vá terminar seus estudos ou sei
lá, eu cuido dele por meio período.
Ela balançou a cabeça.
— Eu não quero voltar para aquela escola estúpida. E também não quero ficar parada o dia
inteiro em casa sendo mãe — ela quase cuspiu a última palavra, como se fosse uma ofensa.
— Faz o que quiser, Zoe. Só não esquece do As.
— Pensei em contratar uma babá. Eu poderia trabalhar pela manhã, uma parte da tarde e
voltaria para casa de noite para ficar com ele.
Fiz careta.
— Prefere passar o dia inteira socada até o cu de trabalho do que ficar com o seu filho? —
soltei, ríspido e incrédulo.
Ela abraçou o próprio corpo e repuxou um canto dos lábios.
— Você diz como se eu não gostasse do nosso filho — murmurou, baixo.
— E você não gosta. Para falar a verdade, eu nem mesmo sei como consegue suportar ele.
— Apertei o punho, enraivecido. — Eu já a avisei antes, e torno a repetir. Qualquer coisa que
acontecer com As, vai cair na sua conta.
Seu rosto perdeu a cor.
— Não fale besteiras — Zoe tentou amenizar a situação, para que se reduzisse a uma
ameaça vazia, apenas para aliviar o desespero em sua alma.
— É melhor você ficar na linha, eu sempre sei um jeito de te pegar.
Ela se encolheu e deixou que o olhar recaísse sobre o carpete.
— Cuide do As, eu tenho um compromisso em família hoje à noite. Nos falamos amanhã.
Estava prestes a me virar, quando ela agarrou o meu braço.
— Chris, espere!
Olhei-a furioso. Não estava a fim de ouvir mais de suas desculpas esfarrapadas apenas para
ficar longe de Asafe.
Sabia como ele podia dar trabalho, mas não era este o caso. Eu estava sempre a disposição e
pronto para pegá-lo, entretanto, Zoe queria sempre correr de qualquer responsabilidade que
envolvesse o nosso bebê.
— Tem algo de errado com o As — sussurrou, como se aquilo fosse um segredo. Seus olhos
desconfiados ruidosamente deslizaram em volta antes de ela prosseguir. — Eu posso sentir, toda
vez que o toco. É como se fosse maligno e quisesse me destruir — confessou, desesperada.
Lágrimas preencheram o seu rosto. Os lábios tremiam em uma agonizante ansiedade.
— Ele é um bebê, Zoe — declarei, rude.
— Eu sei. Eu sei...
Ela esfregou os dedos no rosto, enxugando-o.
— E entendo que o que eu estou falando pode ser estranho e idiota. Mas eu juro, Chris. Tem
algo de errado com ele. Eu prometo que não estou mentindo. Eu tenho tido pesadelo a dias desde
que o tive. E são sempre pesadelos demoníacos e estranhos — as palavras escorriam apressadas
de sua boca. Parecia tanta informação que nem ela mesma conseguia assimilar.
Zoe se aproximou ainda mais, os olhos fincados no meu, em um gesto imploroso.
— Lembra quando eu estava grávida e sentia calafrios em todo o meu corpo? E sempre que
As se mexia eu me sentia desconfortável? — recordou, pousando as mãos sobre a barriga. — É
assim que eu ainda me sinto, mesmo depois de ter tido ele.
Com certeza Asafe não era como nenhuma outra criança que já nasceu. Mas ele era o que
era, e não se podia mudar a natureza de alguém só porque estava assustado.
Toquei o seu rosto, gentil. Eu não me importava. Tudo aquilo era responsabilidade dela. Ela
causou destruição a si própria no momento em que se permitiu gerar um fruto meu.
Eu a avisei, no entanto, seus sentimentos cegaram a razão.
— Tome um banho e faça um chá — aconselhei brevemente.
Ela balançou a cabeça, mais lágrimas surgindo em seus olhos.
— Por favor, Chris. Acredite em mim.
— Eu acredito, Zoe — respondi, sereno. — Mas o que posso dizer? Você teve um filho
meu. Essas são as consequências.
Atormentada, a loira agarrou em meus braços.
— Mas eu não sinto o mesmo com você. Isso é diferente, Chris. Por favor...
— É diferente apenas porque eu sei ter controle de mim. — Apontei para a porta do quarto
que ela dívida com As. — Volte lá para dentro, e faça o que tem que fazer.
Eu não deveria ter dito essas palavras, não mesmo!

Já era noite. Eu estava de pé, no canto mais escuro do quarto, diante do berço de As, quando
Zoe entrou com um travesseiro abraçado ao seu corpo.
Pressenti imediatamente que existia algo de errado ali. Ela estava suando, nervosa e
decidida. Mas para o quê? Que porra ela pretendia fazer?
Marcelia, sua irmã, ainda estava em uma viagem à trabalho. Só estávamos em três. Porém,
ela não sabia que eu vinha visitar os dois todas as noites. Zoe nunca soube de muita coisa. Para
ela, eu era apenas um garoto rebelde e descolado em que ela queria estar montada.
Sempre soube que havia algo de diferente em mim, mas não foi esperta o bastante para
perceber que eu não pertencia àquele mundo.
— As, ainda acordado? — murmurou, trêmula.
Asafe se remexeu no berço, ingenuamente pensando que seria alimentado.
Ela fez um barulho com a boca e isso o fez rir. Enquanto o meu bebê estava se divertindo,
sentimentos de ódio atravessavam o corpo de Zoe.
A garota magra e pequena posicionou o travesseiro sobre o corpo de Asafe. Ela lentamente o
baixou até que estivesse o cobrindo, e de supetão, o pressionou-o com força em seu rosto,
sufocando.
Foi num rápido impulso que cheguei a ela. Segurava a sua garganta com tanta força que temi
quebrar. Seus olhos se arregalaram ao me encontrarem ao seu lado em minha forma demoníaca.
Eu sabia que era horrendo, mas adorava saber o medo que causava a ela.
— Eu te avisei para não tocar no meu filho, Zoe.
Ela não pôde responder, já estava roxa devido a falta de ar.
Aquela foi a última vez em que ela esteve viva. Assim que seus olhos perderam a vida e o
seu corpo amoleceu, eu sabia o que deveria fazer.
Atravessei todas as camadas para chegar ao inferno, e a tranquei no fundo dele. O lugar
perfeitamente reservado para os piores condenados.
Eu a vi queimar. Gritar por socorro. Implorar por perdão. Mas nada daquilo me fez recuar.
Eu queria que ela ardesse por toda a eternidade. Afinal, ela merecia.
Na manhã seguinte, apareci em sua casa como se nada demais houvesse acontecido. Peguei
As, suas coisas, e o levei para a mansão da minha família.
Marcelia apareceu dias depois em minha porta, à procura de sua irmã, mas tudo o que eu
pude dizer era que ela havia desistido da responsabilidade de ser mãe.
Ela juntou as peças, e de maneira errônea, concluiu que eu havia dito que Zoe tinha se
mandado e deixado Asafe para mim. Ela conhecia sua irmã, sabia o quão problemática ela podia
ser.
Ninguém nunca a procurou. Não houve telefonemas, mensagens, cartas ou cartazes de
desaparecida. No fim das contas, ela não importava para ninguém.
Uma completa estranha.
Queimando para todo o sempre.
Ou era o que eu pensava...
04 de Junho | Terça-feira
O dia amanheceu chuvoso. As nuvens escuras e pesadas vestiam todo o céu de Vespeau. As
pancadas de água colidiam ao chão com rispidez e volumosidade.
A brisa gelada corria pelo meu corpo, causando arrepios, mesmo estando bem agasalhada
por debaixo de uma coberta grossa e quentinha.
Com o rosto no travesseiro, ouvia aos montes os berros estraçalhados de minha família no
andar de baixo.
No início, pensei que o fato de eu ter acordado às 6 em ponto da manhã, mesmo sem aula,
devia ter sido apenas um evento rotineiro na vida de uma estudante, até notar que a razão pelo
qual havia despertado tão rápido, fosse um belo e rasgado palavrão jogado ao vento pelo meu
pai.
Ele gritava algo como: NÃO VAI, NÃO, PORRA!
E às vezes, ouvia frases recortadas entoadas pela voz da minha irmã, dizendo: A escolha é
minha!
Independentemente do que estivessem conversando, a única coisa que "Não iria, não", era o
meu sono, que não seria nada aproveitado no único feriado do mês.
Suspirei mais uma vez. Eu só queria passar o dia inteiro na cama.
Era feriado dos Santos em minha cidade. Eu odiava este dia, simplesmente por ser
barulhento e chato.
Estava frio, poxa! Não fazia sentido as pessoas fazerem desfiles no meio da rua, com roupas
bregas, músicas bregas, e discursos bregas.
Mas era o que faziam.
O dia não tinha nada a ver com santos, tampouco com religião, mas gostavam de comemorar
mesmo assim. O dia dos Santos simbolizava o que devia ser a chegada do chefe da família
Tanaka em Nabrya, já que até o dia exato era uma incógnita.
De alguma forma, se sentiam gratos por toda aquela bizarrice. A história da ilha Nabrya
nunca foi realmente explicada, existiam lacunas que os habitantes apenas ignoraram. Os mais
curiosos, por outro lado, inventaram, para que parte de si, se saciassem.
Mentiam tão bem, que acreditavam... eu acho.
De todo modo, a família Tanaka ainda era um enigma. Quem eram? Onde estavam? De fato
existiram? Ninguém sabia de nada, ninguém viu nada, e ninguém tinha rastros de nada. Era
quase como se tivessem o poder de invisibilidade.
Estavam diante dos nossos olhos o tempo inteiro, mas era impossível os ver.
O brasão da família se estendia pelo museu da cidade e em alguns restaurantes e praças, no
entanto, ninguém tinha muita certeza de quando exatamente foram parar ali. Apenas tornou-se
um símbolo para nos lembrarmos de nossa história.
Uma história incompleta e assustadora.
Mais tarde, quando desci as escadas, mamãe sondava as compras na cozinha. Cheguei de
mansinho, e quando me notou de pé diante dela, seu corpo estremeceu de susto.
— Droga! — cuspiu, rígida, algo que com certeza não era do seu habitual. — Dy, preciso
que vá ao supermercado com a sua irmã. Precisamos de vinho, cheddar e carne para hambúrguer.
Esfreguei os olhos, meio sonolenta.
— Por que não pede comida pelo aplicativo?
— Porque eu preciso cozinhar com as minhas mãos. — Ela rangeu os dentes, juntando o
polegar e o indicador, gesticulando-os.
Uni as sobrancelhas, notando a sua ansiedade.
— Está tudo bem? — questionei, preocupada.
Ela inspirou fundo e repousou as suas mãos na cintura, incrédula. Se ela fosse um rojão,
teria explodido agora mesmo.
— Acabei de perder o emprego dos meus sonhos. Então não, não está nada bem —
desabafou, num grito impulsivo que ela parecia ter tentado conter.
Senti meus olhos se arregalarem.
— Droga… — murmurei mais retida.
— É! Droga! — sua voz estourou pelo ambiente.
Mordi o canto dos lábios, escondendo as mãos atrás das costas. Eu é quem não daria minha
opinião e correr o risco de perder o pescoço.
— Não quer vir junto ao supermercado? — sugeri, coçando o pescoço, sem jeito. Nunca a
tinha visto tão irritada assim.
Ela balançou a cabeça.
— Eu preciso ficar bêbada e de um bom banho — confessou, infeliz.
Assenti.
— Está bem!
Ela olhou em volta, e então suspirou, deixando os ombros caírem em desânimo. Seus olhos
estavam avermelhados, parecia ter chorado hoje mais cedo. Seus lábios se franziam toda vez que
ela balançava a cabeça, de maneira que ainda não parecia acreditar que aquilo estava mesmo
acontecendo com ela.
— Leve Loren com você — pediu, de repente.
— Eu acho que ela está ocupada, mãe — debati, pensativa.
Ever não fazia ideia do que havia acontecido entre mim e Loren, de todo modo, nossos pais
nunca percebiam nada do que acontecia dentro de casa. Eram presentes-ausentes em nossas
vidas. Tínhamos estabilidade financeira, uma vida cheia de luxos, mas vazia de sentimentos.
— Ela sabe quais são os vinhos bons. Então, por favor, leve ela.
A contragosto, concordei.
Não estávamos em um bom momento como irmãs, e embora não nos odiássemos, era
estranho sairmos juntas. Eu mal me lembrava quando tinha sido a última vez que nos falamos
como duas pessoas normais. Era sempre algo como: "E aí" ou "Beleza?". Nada mais.
Ela me descartou completamente.
— Loren — gritei, da ponta da escada.
Não demorou muito para que ela surgisse, olhando-me séria, com um cigarro entre os lábios
— Supermercado ou mamãe vai deserdar você.
— Supermercado — decidiu, revirando os olhos.
— Eu não falei que tinha escolha.
Ela franziu o cenho.
— Mamãe perdeu o emprego — expliquei.
— Puta merda!
É. Puta merda!
Esse emprego estava em número 1 na lista das melhores coisas que já aconteceram na vida
de nossa mãe, ultrapassando até mesmo a minha existência ou a da Loren.
Isso significa que, perdê-lo, devia estar sendo o pior dia da sua vida inteirinha.

— Por que será que ela perdeu o emprego? — perguntei a Loren, que empurrava o carrinho
de compras irritada.
— Não sei. Talvez o chefe dela a tenha trocado por uma bunda mais nova — respondeu
desinteressada.
— Não, ele não faria isso — intervi. — Talvez contratasse uma bunda mais nova para se
tornar a faxineira, mas não para substituir a mamãe.
Loren balançou os ombros.
— Talvez ela só não chupe pau tão bem assim.
Fiz cara feia.
— Dá um desconto. Ela lutou muito por aquele emprego. Nem tudo se trata sobre sexo —
argumentei.
— Até parece. — Ela revirou os olhos.
— Vem cá, foi porque nasceu de sete meses que se tornou ranzinza assim ou você só bateu a
cabeça quando criança? — provoquei, enraivecida.
Ela não me respondeu, tão menos demorou-se nisso. Logo voltou ao estado habitual do qual
eu já havia me acostumado, o seu completo e tortuoso silêncio.
Eu não sabia se ela fazia aquilo para me punir ou a si mesma. Era fato que ainda existiam
problemas não resolvidos entre nós duas, entretanto, a situação por inteiro me angustiava.
— Prefiro quando está brigando comigo do que calada assim — sussurrei, propositalmente
baixo, porém torcendo para que me ouvisse.
Não parei de andar, apenas apressei os passos para que não a acompanhasse lado a lado, no
entanto, a sua voz me surpreendeu, obrigando-me a parar no lugar.
— Senti falta de falar com você — murmurou, tristonha.
Olhei para trás.
Seus lábios sorriam desanimados, e seus olhos possuíam um vazio imenso que nos
distanciava a milhas de quilômetros. Esvaziei os pulmões e cruzei os braços.
Era uma situação complicada para nós duas.
— Não parece. — Balancei levemente a cabeça. — Tem andado tão distante — admiti,
sincera.
Seu sorriso triste morreu.
— Eu sei.
Voltamos a andar.
— Já conversou com a Claire? — indaguei, receosa.
— Não.
— Loren — a repreendi. — Caramba ela é sua melhor amiga.
— Podemos voltar a ficar caladas?
— Loren — parei de andar. — O que aconteceu? Por que ficou logo com o Joshua? —
Tombei a cabeça para o lado. — Sabe, você é cheia de caras ao seu redor. Por que justamente o
namorado da sua melhor amiga?
Ela balançou os ombros.
— E por que não ele? Ele estava lá nos meus piores momentos desde sempre. Ele foi gentil e
doce. Ele estava sofrendo, eu também. As peças só encaixaram — respondeu, apática.
— Está mentindo. — Apontei. — Está mentindo e sabe disso.
Ela baixou o olhar.
— Eu não sou você, Dytto. Não sou boazinha como quer que eu seja. Eu sou assim. Um
monstro nojento e egoísta.
— Não, não é. Mas mesmo que eu insista, você nunca me dirá a verdade. — Deixei escapar
o ar dos pulmões. — Então para quê insistir, não é?
— Existem coisas que você não deveria saber.
— E por quê? — Soltei um riso amarga. — A essa altura eu já lidei com coisas demais.
— Porque te quebraria por inteira. E eu estou te poupando de muito a bastante tempo.
Em uma súbita urgência, me aproximei ainda mais dela.
— Uma hora vai ter que me contar.
Loren repuxou o canto dos lábios para baixo.
— Deixa que eu cuido da minha dor sozinha. Não preciso ter você chorando nos meus
braços a noite inteira, ok?
— Eu choro porque eu te amo, Loren. Não porque preciso que me acolha.
— Aguentei a dor todos esses anos, posso aguentar mais alguns dias nesse inferno.
Cruzei os braços e me apertei entre eles.
Queria poder dizer a ela todos os bons momentos em que passamos juntas. Todos os dias
em que apenas o apoio dela foi o suficiente para que eu permanecesse firme, mas, ao invés
disso, os guardei em segredo, porque precisava que apenas a amar bastasse, mesmo que ela
parecesse tão fria agora. Estávamos sempre juntas, todavia, distantes. E eu sabia que, em
partes, a culpa era toda minha, porque eu sempre permitia que os outros se afastassem por
medo de os perder.
— Espero que um dia confie tanto em mim que não hesite em me contar a verdade.
— Não se trata de confiança, Dy.
Loren retomou o trabalho de empurrar aquele maldito carrinho barulhento.
Três corredores depois, seu celular repentinamente tocou, tomando toda a sua atenção. E
pela cara que ela fazia, parecia ser de extrema importância. Quando finalizou a sua chamada, seu
rosto despencou em preocupação.
— Tenho que ir — sussurrou. — Pode terminar as compras sem mim?
— Claro. Aconteceu alguma coisa?
— Papai — explicou. — Ele está em todos os cantos, tentando furar os meus planos.
Bom, isso deveria ser uma pista da gritaria toda pela manhã. Papai era um homem sério,
carrancudo e autoritário. Para ele, as filhas deveriam seguir o caminho que ele decidisse, pois só
assim estariam certas. No entanto, Loren era uma rebelde. E se curvar certamente não estava em
seus planos.
— No que ele está se metendo desta vez? — investiguei, crispando as sobrancelhas.
— Estou escolhendo uma faculdade, nos Estados Unidos, para ser mais exata. E papai odiou
a ideia.
Me engasguei ao mesmo tempo em que meus olhos saltaram em surpresa.
Tudo bem que eu disse a ela que sempre a apoiaria em todos os seus planos, mas eu quase
podia sentir uma faca sendo cravada em minhas costas com essa recém-notícia.
Ela não havia me contado sobre isso. Sequer fez comentários sobre, e agora, soltou como se
não fosse nada. Eu até poderia fingir que não fiquei magoada, mas no fundo, ela era a minha
melhor amiga e a minha irmã. Doía saber que ela tinha planos para tão longe de mim.
Forcei um sorriso.
— Oba! Que bom está tomando as rédeas da sua vida — fingi comemorar. As lágrimas
embargaram a minha voz, entretanto, ela não pareceu notar, estava irritada demais.
— É, pois é. Mas talvez isso nem mesmo chegue a acontecer. Nosso querido pai é um filho
da...
— Loren — supliquei. — Eu sei que vocês dois brigam muito, mas por favor, não... —
Balancei a cabeça.
— Nada de xingar o coroa na sua frente, entendido. — Ela levou os dois dedos à testa, como
um soldado. — Pode deixar, gata. Eu vou fazer o meu melhor para não dizer as palavras mais
chulas, baixas e horrendas do meu vocabulário.
Sorri.
— Obrigada — cochichei, agradecida.
Apesar de tudo, eu não conseguia apelidar nossos pais de nomes ruins. Me sentia péssima.
Ela deu um pulinho para trás e girou os calcanhares.
— Vou indo, porque, pelo visto, papai está conversando agora mesmo com o reitor da
faculdade dos meus sonhos, prestes a me tirar da lista de espera.
— Lista de espera? — eu disse, exasperada. — Peraí, já se candidatou? Ainda estamos em
junho!
— Nos encontramos depois, e aí falamos sobre isso — sua voz já me era distante. Ela estava
há uns dez passos na frente, quase correndo.
Esfreguei o rosto em minhas mãos, em um misto de irritação e angústia.
— Claro. Vai lá correr atrás da sua faculdadezinha dos sonhos — sussurrei sozinha. —
Aposto que vai ser bem mais feliz sem mim e logo, logo vai encontrar uma irmã melhor que eu
— resmunguei, enquanto jogava doces no carrinho, distraída. Iria me entupir deles assim que
chegasse em casa. Mamãe não seria a única a se afogar em lamentações.
Eu não queria Loren longe de mim. Queria perto. Bem perto.
Ela não era gentil, e nem a pessoa mais correta do mundo, mas era uma das pessoas mais
importantes na minha vida. Eu precisava dela, porque sem ela, eu era só a Dytto. E eu precisava
da Loren.
— Expectativas não correspondidas são mesmo uma droga — a longínqua voz já permeada
em meu cérebro outrora, comentou atrás de mim.
Seu timbre impecavelmente atrativo fez com que meu corpo estremecesse em um frio
insuportável. Meus pelos eriçaram-se em ondas de choques causadas pelo medo.
Engoli em seco, sentindo os lábios ressecados.
Bem devagarinho, quase parando no lugar, virei-me em sua direção.
Seu corpo alto estava tão perto que poderia ser muito fácil tocá-lo apenas por uma sutil
aproximação.
Meus olhos se ergueram para os seus, escalando seu sublime porte com a mais fina cautela.
Encontrei suas íris negras como a escuridão da noite, e sombrias como contos de terror,
encarando-me árduo.
Não ouvi quando os seus passos se aproximaram, ou quando a sua presença se tornou tão
vívida, mas era capaz de presenciar de maneira abrupta o calor de sua companhia, ainda que
indesejada.
— P-posso ajudar?
Se eu podia, eu não sei. Mas eu só queria chorar ou sair correndo. Ou sair correndo enquanto
chorava.
Havia uma energia estranha, emanada por cada poro seu. Aquele homem era demoníaco,
diabólico, satânico, e tudo de infernal que me viesse à mente naquele instante.
— Dytto, não? — chutou, por educação, imagino. Ele já parecia me conhecer mais do que
apenas uma breve aparição revelaria.
— É — consegui entoar, mas fui preenchida pela sensação de ter rasgado a garganta em
virtude do esforço que fazia para que algo fugisse à minha boca.
Seus dedos longos e maltratados, com variadas cicatrizes evidentes, tocaram o meu queixo
com delicadeza, porém, fui levada a sentimentos absurdos de tristeza. Todo e qualquer ato
daquele homem causava-me angústia, como se projetado para causar o mal. Eu não estava
gostando daquilo.
— Não me disse o seu nome ainda — funguei, involuntariamente chorosa.
Eu nem sabia a razão de querer chorar, porém, ele me fazia sentir aquilo. Ele controlava
aquilo, não eu.
— Nabrya — respondeu, sucinto.
— Foi batizado como a ilha — notei, entre um soluço e outro.
Uma lágrima se desfez em meu rosto, e ele prontamente a aparou, arrastando em minha
bochecha até que sumisse.
— Não, Dytto — ele era perverso em suas palavras, havia uma obscuridade no tom de sua
voz que o fazia sempre parecer um vilão de desenho animado. — A ilha é quem foi batizada em
meu nome. — Ele sorriu.
Tentei me afastar, no entanto, minhas pernas não se moviam. E então, me vi presa em um
daqueles pesadelos estranhos de terror em que eu não conseguia me mexer.
Tudo em mim gritava para fugir, mas eu não me lembrava como se fazia isto, embora meu
cérebro soubesse bem como me alertar do perigo.
— Você é linda — observou, atento. Seus olhos desceram e subiram sobre o meu rosto. —
Me lembra uma moça que conheci há centenas de anos atrás. Valente e ousada. — Ele sorriu. —
As semelhanças vão além da aparência.
— Eu não te conheço bem, mas acho que não é uma boa ideia ficar aqui — sussurrei.
Meu coração batia feito louco no peito.
Nabrya aproximou-se devagar do meu rosto. Ele era encantador mesmo quando parecia
prestes a me golpear. Seus olhos eram ágeis, de um jeito que demonstravam perigo. Sua
elegância trazia-me desconforto, tamanho era a sofisticação de seus toques e gestos.
Ele era como uma espada: bela, afiada, e perigosa. Trazia poder, mas também causava
mortes. Eram tantas conclusões que eu poderia tirar de Nabrya, que não conseguia pensar direito.
Quando seu rosto já estava próximo a ponto de eu sentir sua respiração quente em minha
pele, seus movimentos cessaram.
— O lugar de garotas como você, não é debaixo de um demônio, Dytto — murmurou, em
um tom enigmático. — Ele vai ruir, não fique para assistir. Você não deveria desvanecer em vão
por um homem que roubou a sua alma de você. — Seu olhar vagueou pelo meu, de um jeito
hipnótico.
Seu corpo ergueu-se novamente, tomando espaço entre nós dois. Soltei o ar que nem mesmo
notei que prendia.
— Te achei, Dytto! — uma outra voz masculina nos interrompeu, firme e segura.
Levei meus olhos em busca do dono e o encontrei me encarando, com um doce sorriso
bordando os lábios amigáveis e gentis.
— Benjamin — notei, surpresa.
Ele passeou os olhos de mim para Nabrya, em seguida, refez o caminho de volta.
— Desculpa interromper, mas estamos com pressa, lembra? — pressionou sutilmente.
Ben não estava comigo, mas parecia que estava no supermercado há... bom, talvez tenha
chegado antes de mim e Loren. De todo modo, segurava apenas um saco de açúcar na mão, e um
olhar terno no rosto, buscando me ajudar, mesmo que eu não aparentasse ser uma donzela em
perigo, ao menos, aos olhos de quem não conhecia Nabrya.
Exceto, se Ben já o conhecesse...
— Ah, claro. Claro! Desculpa te fazer esperar — pigarreei, nervosa.
Virei-me para Nabrya e sorri desconcertada. Ele encarava Benjamin com um sorrisinho
irônico de como quem sabia que aquilo não passava de uma farsa mal contada, porém, me
mantive firme naquela atuação exagerada.
— Eu tenho que ir, mas foi ótimo te ver — foram as palavras mais ridículas ditas a alguém
que claramente não era pró-vida-da-Dytto.
Firmei as mãos no carrinho e apertei os pés no chão.
— Vamos, Ben! — chamei-o com um falso entusiasmo.
A situação era tão desconcertante quanto vergonhosa. Mas eu gostaria de não pensar naquilo
no momento.
Se eu pudesse, apenas teria abandonado o carrinho e corrido para a minha casa. Ligaria para
Christopher aos prantos e pediria socorro, porém, eu ainda tinha que sobreviver antes de fazer
qualquer coisa. Logo, apenas segui Benjamin para longe dali.
04 de Junho | Terça-feira
Benjamin sentou-se ao meu lado, no banco do passageiro do meu carro. Em um gesto
descontraído, arrumou a gola do seu enorme casaco preto, como se estivéssemos apenas saindo à
passeio.
Concordei em lhe dar uma carona, mas não trocamos muitas palavras desde que passamos as
compras no caixa. Com medo, eu olhava para todos os lados e checava o retrovisor de um em um
minuto. A sensação de estar sendo seguida engolia os meus sentidos, tornando rarefeito o ato de
respirar.
Por outro lado, Ben sustentava uma expressão plácida e imperturbável. Gostaria de acreditar
que ele estava fingindo, porém, ninguém agia assim em momentos desesperadores como o
presenciado há uns 15 minutos atrás.
Minha agonia era depositada na estrada à nossa frente. Me esforçava para que o foco no
trânsito desfizesse o meu medo, mas a curiosidade me venceu.
— Quem era aquele homem? — soltei, para a sua surpresa.
Suas sobrancelhas grossas se engelharam, como se estivesse prestes a mentir, mas de um
segundo para o outro, ele pareceu ter desistido da ideia, como se entendesse que o mais prudente
agora seria ser sincero.
Ben era o mais próximo que eu conseguiria chegar da verdade. E, por mais que eu amasse
Christopher, havia uma nebulosa curiosidade dentro de mim que me tirava do ar.
Mesmo que no fundo sentisse como se traísse a sua confiança, uma outra parte de mim
implorava para saber. Ela, por muito tempo, manteve-se reprimida em razão dos meus
sentimentos, mas agora, precisava ser libertada.
Christopher me avisou que se eu cavasse buracos, encontraria ossos. No entanto, sentia-me
como se, em breve, eu é quem faria parte daquela pilha.
Eu sabia que era necessário compreendê-lo para entender que ele não era como alguém
qualquer e que, por isso, mantinha segredos de mim, mas não existia mínimas razões meramente
relevantes que me fizessem sentir assim. Ainda mais quando outras criaturas iguais a ele
começavam a entrar na minha vida desta maneira.
Passei a manhã toda o ignorando, porque no fundo sentia receio em responder as suas
notificações. Estávamos, de alguma forma, em meio a um tornado, embora fingíssemos que não
enquanto nos distraíamos com sexo.
Evitei pelo menos seis mensagens de textos, porque eu não sabia como me sentir. Gostava
de sua companhia quando estava tudo bem, mas quando o tempo se fechava, Christopher sumia e
tornava-se o seu próprio inferno. E, bem, na atual situação, pode ser que exista um ou outro
motivo para ele surtar.
Ele era um demônio, mas eu ainda era uma humana, e sentia coisas confusas, tinha medo e
existia a raiva. Como se não pudesse piorar, sentia tudo ao mesmo tempo, e isso acabava comigo.
Por muito tempo, permiti que ele me escondesse coisas. Nosso relacionamento começou
errado, permaneceu errado, mas não deveria ser assim. Eu devia saber para quem estava olhando
quando encontrava aquelas esmeraldas sobre mim.
Não, eu não me contentaria com partes da história. Eu estava ambiciosa, e queria mais.
— Não sei se é algo que está ao meu alcance, Dytto. Não tenho permissão nem mesmo para
estar aqui com você. — Ele balançou a cabeça, incrédulo. — Chris odeia quando estou próximo
da garota dele.
Balancei os ombros.
— Então por que está aqui?
Ele sorriu de um jeito cínico.
— Porque ninguém manda em mim — implicou, atrevido. Eu quase sorri, se não fosse pelo
fato de os músculos do meu rosto estarem tão tensos.
Quase podia sentir a respiração quente de Nabrya bem perto do meu pescoço, fungando no
meu ouvido. De modo que mais parecia uma ordem.
Os resquícios dos sentimentos ruins causados por ele deixaram-me, de certo modo, emotiva.
Um peso estranho no peito, causando-me angústias.
— Eu preciso que seja mais específico, Ben. Preciso que me conte tudo o que sabe, porque
eu sei que você conhece bem mais do que parece — gradualmente baixei o tom de voz, aquilo
era perigoso e definitivamente um segredo. — Você não é uma pessoa comum, você está enfiado
nisso, de um jeito ou de outro. Eu só não sei como.
Ele entortou o canto dos lábios, meio sorrindo.
— Vai ficar me devendo uma.
— E o que quer em troca?
Ele riu e se ajeitou no banco.
— Não é assim que uma negociação funciona, Dytto. Eu estou te fazendo um favor e, no
futuro, quando eu precisar, você me devolve. Simples assim.
— Simples assim? — desconfiei.
Ele revirou os olhos.
— Acordo feito, ou não?
— Se prometer que vai contar tudo — propus.
— Eu prometo. — Ergueu a palma da mão.
Aquilo não me fez ficar aliviada ou dar gritinhos de alegria, porque sabia que o que viria a
seguir não poderia ser nem um pouco bom. Afinal, era de Christopher que estávamos falando.
— Acordo feito — concordei.
De soslaio, notei que ele assentiu.
— Para você meramente entender quem era aquele homem, vai ter que escutar uma
historinha primeiro. Ah, e não, não é nada inventado por mim, eu juro — declarou, sincero.
— Tudo bem.
— Existe um livro chamado Pergaminho de Christto. Deve ter pelo menos uns 500 anos,
mais ou menos. O livro contém histórias antigas de demônios que vieram para este mundo
extenso que vivemos antes mesmo do primeiro anoitecer na Terra.
Meus dedos apertaram o volante com mais força. Meu coração acelerou fortemente. Ainda
não havia nada de especial, porém, meus sentimentos estavam à flor da pele.
— Esse livro conta a história de um inferno, não o que conhecemos, mas um inferno nunca
visto antes. Comandado por um demônio chamado Christopher.
Por instinto, franzi o cenho e ele sorriu.
Lembrei-me do que Chris havia me contado sobre o outro inferno, Nefarious. Mas ainda não
entendia muito bem como isso chegaria ao homem na sala do meu namorado, ou agora, nas
minhas costas no supermercado. Parecia um caçador cada vez mais próximo da caça.
— Não se preocupe, não é o seu Christopher — informou.
Não me dei ao trabalho de responder. Obviamente não poderia ser o meu Christopher a
comandar o inferno Nefarious. Não tinha como. Impossível.
— Bom, neste inferno, existem pelo menos 5 pilares da criação. O rei de todos eles era
Christopher, ele comandava o maior exército de demônios já existente. Dizem que, neste inferno,
existem mais demônios do que no inferno bíblico. É uma nação inteira deles. O inferno bíblico é
fichinha perto daquilo.
— E como exatamente funciona? As pessoas também serão mandadas para lá depois do
julgamento e de suas mortes?
Ele negou num balançar de cabeça.
— Havia apenas demônios naquele inferno, mas, há pessoas que foram mandadas para lá,
porque fizeram um pacto com os demônios de lá, ou… de alguma forma foram parar no caminho
deles aqui na Terra. Desde então, as almas pertencem aos donos dos pilares.
Benjamin apanhou um bloco de notas esquecido no painel do carro. Com uma caneta,
começou a pincelar a folha amarela, desenhando algo como um grande pilar dividido em cinco
partes. Bem como uma montanha.
Não conseguia enxergar bem, estava concentrada na estrada. E ainda que estivesse longe do
centro da cidade, as ruas estavam cheias e movimentadas. Por sorte, o céu se abriu um pouco
mais, e um escasso raio de luz atravessara as nuvens carregadas e escuras.
— Christopher comanda todo o altar de demônios — deu início a sua explicação. — Otos,
comanda o segundo pilar, Nabrya comanda o terceiro, Anya e Dlaver, os gêmeos, comandam os
outros dois últimos. Esses dois últimos são nojentos.
— Nabrya? — pontuei, instigada.
— É. Como o nome de nossa ilha.
Meu sangue congelou nas veias.
— Então quer dizer que nossa ilha é uma homenagem a um demônio que estava atrás de
mim alguns minutos atrás? — berrei, incrédula.
Ben ergueu uma sobrancelha, alheio. Provável que aquilo já não o afetasse nem um pouco, e
isso me deixava bem mais assustada.
— Basicamente.
— Ah, meu Deus! — clamei, sôfrega.
— Chris não te contou?
Bufei, furiosa.
— Christopher acha que pode me enfiar nisso e me contar apenas o superficial. Ele acha que
eu vou quebrar ou alguma merda assim — esbravejei, ao passo que dava pequenos socos
contínuos no volante.
— Para com isso, Dy. — Ele pôs sua mão sobre a minha, acariciando-a de leve. — É isso
que Nabrya quer, ele adora provocar, sacanear e manipular a mente das pessoas. Vai te fazer
sentir ódio, mágoa e tristeza. Vai entrar na sua mente e te perturbar. Foco, Dytto.
Preenchi os pulmões ao máximo.
— Me diz como evitar, Ben — pedi, exasperada.
Voltei meu olhar para ele por um segundo, o nó preso à garganta me fazia sufocar.
— Precisa ser forte, Dy. Não tem como parar Nabrya. Ele só para quando o estrago já está
feito e consegue levar tudo o que pode.
Pus meu olhar sobre a estrada. Queria gritar com Benjamin por ele estar tão calmo, dizendo
coisas tão idiotas.
— Só... continua! — resmunguei. — Continua a merda dessa história.
Benjamin se ajeitou no banco e esfregou suas mãos sobre os jeans.
— Quando Ken, o primeiro homem da família Tanaka, pisou em Nabrya, antes mesmo dela
ser colonizada, já havia rumores sobre esse segundo inferno se espalhando por todo o continente
asiático. Isso motivou a elite do Japão, eles eram ambiciosos e gananciosos, queriam tudo.
Assim, quando o casal Ken e Ayumi Tanaka chegaram aqui, decidiram que fariam um pacto com
Nabrya para que tivessem poder suficiente para comandarem tudo e serem ricos a ponto de
nadarem em ouro. E, em troca, lhes dariam uma cidade inteira de almas para aquele inferno.
Engoli em seco. Minhas bochechas estavam ardendo.
— Então, como pode ver, nossa história começou, nasceram mais pessoas, vieram
estrangeiros de outros continentes, a maioria sul-americanos. Morreram centenas de pessoas
misteriosamente. Aconteceram eventos inexplicáveis, surgiram boatos, lendas, teorias. Mas
ninguém nunca entendeu exatamente o que acontecia em Nabrya, na verdade, ainda não
percebem.
Ele balançou a cabeça, desapontado.
— Bom, desde então, algumas pessoas passaram a ser devotas ao demônio Nabrya. Já a
família Tanaka comandou por séculos a nossa ilha, até que nasceu o tataravô do seu Christopher.
Ele viu o que estava na família dele há anos, e decidiu acabar com aquilo.
Ele mordeu o canto dos lábios, como se a continuação disto o decepcionasse, não notando
que acabara de revelar o maior dos maiores segredos de todos para mim.
Eu estava em choque enquanto o ouvia prosseguir:
— Mas, é claro que a obsessão por poder continuou, só precisou pular duas ou três gerações,
e então, nasceu a mãe de Christopher, e ela retomou os negócios, fazendo um acordo com o
demônio Christopher. Ela queria um filho dele, e em troca, daria o que ele quisesse.
— Eu acho que eu vou desmaiar — sussurrei, sentindo-me pálida. Meus lábios formigavam
e o meu rosto e mãos estavam frios.
Benjamin me encarou, alerta.
— Qual parte te deixou branca assim? — preocupou-se.
— Chris faz parte da família Tanaka? — repeti, desorientada.
— Oh! — ele ergueu as sobrancelhas, exclamativo. — É... bem, sim.
— Tanaka. Então a família dele toda é da família Tanaka — eu soava como uma asmática
em crise. — Todo esse tempo, e eu nunca parei para pensar. Como eu sou burra!
— Também não é para tanto, Dytto. Não é como se você investigasse a família dele.
— Benjamin, olhe em volta. — Apontei para os carros de famílias estacionados no meio fio,
enquanto cidadãos caminhavam alheios, com o brasão da família Tanaka; duas coroas
entrelaçadas sobre um escudo dourado, estampadas em pequenas bandeiras. — Estão fazendo
uma comemoração para a família do meu namorado. Eu devia ter percebido.
— Tudo bem. Processe isso com calma.
— Por que a cada minuto que se passa eu sinto cada vez mais que Christopher quer me
manter dentro de uma caixinha?
— Porque em uma caixinha, ele te mantém longe do que te faria o odiar.
Semicerrei os olhos.
— E o que seria?
— A verdade, Dytto. A verdade sobre o passado da família dele, de onde ele veio e o que ele
é.
Mordi o canto dos lábios.
— Me conta, Ben.
— Eu bem que gostaria de ter uma resposta para tudo o que ele é, Dytto, mas isso é muito
mais do que apenas uma simples resposta. Christopher não foi só gerado para satisfazer a sede de
poder da mãe dele. Chris tem algum tipo de propósito neste mundo, muito maior do que apenas
ser o seu namorado ou um garoto arrogante.
— Por que a mãe do Christopher ia querer que o filho fosse um demônio? Se ela queria
poder, poderia ter pedido outra coisa, não é? — ruminei.
— Tudo para os Tanaka se resume em título, mas o pai de Christopher jamais concederia um
bebê como ele por razões egoístas e humanas. Entende agora como tudo isso parece um plano
sádico do seu sogro? É um jogo.
A palavra sogro me fez sentir espasmos, no entanto, apenas suspirei. Esta conversa me
deixava cada vez mais agoniada.
— Me conta mais sobre a mãe do Christopher.
— Eu só sei que ela se chamava Naomi e que era excepcionalmente linda.
— E o que aconteceu a ela? Digo, depois de ter transad... depois de ter o filho dela, o...
Christopher. — Pigarreei, desconcertada.
— Bom, até os nove anos do Christopher, ela ainda era presente na sociedade, mas um dia,
simplesmente desapareceu do mapa. Assim... — Ele estalou os dedos.
— E o que o Christopher-pai pediu da Naomi? Quer dizer, ele deve ter pedido algo em troca
para que ela tivesse um filho dele, não?
— Talvez tenha pedido para que ela se mudasse para o inferno com ele, eu sei lá.
— Acha que o Christopher-pai amava a Naomi?
— Christopher-filho e Christopher-pai não são as mesmas pessoas, Dy. — Ele sorriu. —
Não se preocupe com isso, o seu Chris tem sentimentos genuínos por você, mas não pense que
isso é boa notícia, ele continua sendo filho de um maluco.
Balancei a cabeça, negando.
— Mas eu nunca invoquei o Christopher-filho, ele veio até mim, e me obrigou a ficar.
Benjamin sorriu.
— O Christopher-filho é um pouco mais radical do que o pai — brincou, mas não consegui
sorrir.
— E o que mais? — insisti. — O que mais sabe sobre ele?
— Bom, Christopher sempre foi muito reservado, mas gostava de aparecer na floresta
algumas vezes. Ele teve um caso com uma amiga minha, ela era muito apaixonada por ele.
— Que amiga? — eu quis saber.
— Zoe. Eu não sei bem o que aconteceu, mas nunca mais a vi.
Esse nome me fazia sentir frios na barriga.
Zoe, a mãe de Asafe. Christopher havia me contado que tinha a trancado no inferno, porém
não me deu detalhes de quase nada.
— P-por quê? Ela foi embora?
— Ela estava grávida do Christopher. Suponho que tenha fugido, ou ele tenha encontrado
um jeito de mandar ela embora. Eu não sei, Dytto. Mas eu tenho uma sensação ruim quanto a
tudo isso. Acho que ela não teve o bebê e isso aborreceu o Chris, ou então teve o bebê e fugiu.
Apertei a ponta da língua entre os dentes.
— Também tenho coisas que gostaria de descobrir. Zoe contava apenas comigo, e um dia,
simplesmente passou a andar estranha, distante e assustada. Isso durou um tempo, até que eu não
a vi mais — lembrou, nostálgico. — Isso acontece muito com quem anda com os Tanakas, eles
tendem a sumir — lamentou.
Benjamin, apesar de possuir um belo e gentil rosto, sabia que a vida não eram flores. Ele
sabia que as pessoas não sumiam simplesmente, podia ver isso em seu olhar pesaroso.
— E Nabrya? — desviei o foco.
— Nabrya deve ter vindo com algum tipo de missão. Talvez tenha vindo em ocorrência de
algum chamado. Às vezes um grupo de pessoas invocam demônios poderosos. — Ele virou-se
para mim — Como o conheceu?
— Na casa do Christopher. Eu o encontrei, na sala dele. — Umedeci os lábios.
— Tudo bem, pode encostar aqui — pediu, apontando para uma pequena lanchonete. — Eu
tenho que trabalhar, nos falamos depois?
Assenti, curvando um sorriso triste.
— Obrigada por ter me contado.
Ele sorriu de volta.
— Não me agradeça, Christopher vai querer a minha cabeça.
— Não se ele não descobrir — protestei.
Ele soltou uma risada baixa.
— Ainda não conhece tão bem o seu namorado, não é? — ele abriu a porta e saltou para
fora, voltou-se para mim uma última vez e acenou. — Tenha cuidado, Dy. Está entrando em um
lugar perigoso.
— Não se preocupe, vou dar um jeito.
Benjamin não parecia convicto, no entanto, assentiu amigavelmente antes de se afastar. Não
fazia mal ter esperanças.
Mais que imediatamente, a tela do meu celular ganhou vida no porta-copos, era uma
notificação de mensagem.
Ele não facilitava, tampouco me dava alternativas entre responder ou me dar espaço.
Que mentira! Mentira! Mentira!
Isso estava me enchendo.

Quase o respondi: "Obrigada, amor. Me sinto tão segura sendo ameaçada assim."
Atirei o celular no banco de trás e dei partida.
04 de Junho | Terça-feira
O percurso de volta para casa foi demasiadamente longo. Fiz questão de ir devagar para
ganhar tempo e conseguir digerir tudo aquilo que Benjamin havia me contado.
As suas palavras pareciam ter repulsa de se juntarem para, enfim, ganharem sentido em
minha cabeça.
Eu estava vivendo um pesadelo de olhos bem abertos.
Na hipótese de Ben estar certo, o que garante que Christopher não fará comigo o mesmo que
fez com as outras pessoas que sumiram durante o decorrer de sua vida? Não dá para confiar que
serei sua exceção se nem ao menos o conheço direito. E se não for ele a razão de alguma coisa
ruim acontecer, talvez será Nabrya, senão outro ou outro.
Meu corpo inteiro tremia. Um calafrio percorria minha coluna e seguia para todo o resto.
Que sensação desgraçada!
Estacionei o carro na garagem de casa. No caminho para a porta andei meio lerda,
esfregando meus pés no chão, sentindo todo o meu corpo pesado e tenso. Já dentro dela, com as
sacolas de compras em volta dos meus braços, encontrei o que já temia.
Mamãe estava chorando em razão do luto pelo seu emprego, deitada no colo de papai, que
demonstrava o cansaço em cada nova ruga que ameaçava surgir em sua pele esteticamente
mudada. O seu pulso havia finalmente se curado após a torção e agora ele já estava bem melhor.
Loren estava na mesa de jantar, sozinha e relaxada. Batucando os dedos sem rumo pela tela
de seu celular. Assim que notou a minha presença, seu olhar se ergueu para o meu, surpresa.
— Está tudo bem? Você demorou — notou, atenta.
— Eu estou bem, só quis dar uma olhada na passeata da cidade — informei-a, colocando as
compras sobre a mesa.
Ela repuxou o canto dos lábios, mas logo o devolveu ao lugar, de modo que mais parecia um
piscar de olhos. Uma expressão penosa abrangeu sua face, como se estivesse prestes a contar-me
uma péssima notícia. De modo que não aguentasse mais suportar dentro de si, suspirou.
— Eu recebi notícias do Marcos — ela avisou, triste.
Tinha um bom tempo que não o visitávamos. Na última vez, ele parecia irritado em termos
ido, então não fomos mais, no entanto, parecia melhor da fratura em seu pescoço.
Sabia que Christopher nunca iria pedir perdão por tê-lo empurrado das escadas em sua crise
de ciúmes, porém, aquilo não mais parecia ter sentido, até agora.
— Marcos foi internado hoje de manhã. Aparentemente, está tendo alucinações, indícios de
desidratação e uma micose estranha nos pés.
Enruguei a testa.
— Falou com ele? — investiguei, aflita.
— Nãmm — ela deu de ombros. — Ele está louco da cabeça.
— Sabe a razão de tudo isso?
— Não. Mas disseram que apareceu do nada e que foi piorando cada vez mais.
Fechei os olhos por um momento, atingida por uma forte vertigem. Eu ainda me esforçava
para mentir para mim mesma. Me dava ao trabalho de criar razões para os comportamentos de
Christopher, porém, existiam limites para as suas crueldades.
Marcos cometeu o erro de me beijar há várias semanas, e ainda pagava o preço por isso.
— Dy, está tudo bem?
— Sim — afirmei, exausta. — Eu vou tomar um banho.
Saí dali com pressa em direção ao meu quarto. Assim que tranquei a porta, arranquei sem
cuidado algum cada peça de roupa do meu corpo, e as joguei de qualquer jeito no chão.
Corri para debaixo do chuveiro e permiti que a água me embalasse da cabeça aos pés. Fechei
os olhos e abracei o meu corpo com força, sentindo minha respiração desordenada e meu coração
impaciente.
Sentia-me completamente destruída, e mesmo que saber sobre a família do Christopher
tivesse tido grande impacto sobre mim, desconfiava ainda estar sob influência dos poderes de
Nabrya.
Mergulhei no contato fino e constante das gotículas de água em minha pele, absorvendo a
sensação. Tentei relaxar ao som da água desabando no chão. Joguei a cabeça para trás,
inspirando fundo e suspirando devagar.
Mas, um toque suave, porém, sombrio, atingiu as minhas costas e estremeci de susto,
entretanto, não ousei me virar.
Abaixei o rosto, assustada. Lentamente o toque se expandiu e escorregou para a minha
barriga. Devagar, desci o meu olhar, avistando a mão cinzenta e tatuada de Christopher sobre
mim.
Engoli em seco, sem conseguir mover-me. Ele enroscou seu braço em minha cintura e me
puxou para trás, colando meu corpo nu ao seu.
O sentimento de medo me cercou, trazendo consigo o receio de que algo ruim me
aconteceria. Travei os olhos no azulejo do banheiro diante de mim, sentindo sua respiração,
gradativamente, se aproximar de meu ombro.
— Você desapareceu o dia inteiro — sua voz sussurrou, mórbida e rouca.
O pânico me tomou, contudo, esforcei-me para não deixar transparecer.
— Estive ocupada — arfei, apertando os olhos.
— O que andou fazendo, Dingo? — instigou.
— Nada de tão interessante.
Sua respiração pesada transformou-se em uma tonelada de repreensão em minhas costas.
— Você não me respondeu — cantarolou devagar.
— Eu preciso tomar banho, Chris — sussurrei.
Seu aperto em volta de mim ganhou intensidade.
— O que você fez hoje? — insistiu.
Sua mão tocou o meu braço e Christopher me virou para ele, mas não permiti que meus
olhos se mantivessem abertos. Não queria vê-lo em sua segunda camada.
— Olhe. Para. Mim — ordenou, devagar e frio.
Neguei.
Seus dedos gelados tocaram o meu queixo e se moveram até a minha têmpora, a qual ele
massageou sugestivo, para que eu abrisse os olhos.
— Me olhe, amor. Veja o que você tanto tem medo — provocou, cruel.
Novamente neguei.
Senti seu corpo se inclinar em direção ao meu e endureci no lugar. Seus lábios, no entanto,
passearam sobre os meus, e então, seus dentes os mordiscaram de leve.
Sua língua tocou a minha pele e caminhou até o lóbulo de minha orelha.
— Me olhe! — ordenou, desta vez, mais sério e intenso, dando ênfase ao seu comando.
— Por favor, Chris... Eu não quero — solucei.
— Mas vai ter que me olhar. Como vai acreditar nas historinhas do Ben se nem ao menos
me olha nos olhos para contestar o quão monstruoso eu sou? — Sentia ódio e amargura em suas
palavras. — Você queria saber sobre mim, insistiu até onde deu, e continuou forçando a barra
mesmo depois de eu dizer para você parar. Quer saber sobre mim? Então me olhe, amor.
Prendi a respiração.
— Eu não queria...
— Sim, você queria, Dingo. Você queria saber da história do começo ao fim.
— Por que está fazendo isso? — me engasguei em meio ao choro e enfiei meu rosto em seu
peitoral, sem coragem para vê-lo, sem forças para correr.
Christopher beijou o meu ombro e abraçou o meu corpo.
— Não seja covarde agora, minha Dingo Bells. Não era isso o que queria? — falou, com um
fundo de irritação em sua voz. — Se queria saber a verdade, deve ser porque aguenta, não?
— Eu não quero isso. Por favor, pare! — eu disse, aos prantos.
— É claro que quer ou não teria me desobedecido. Eu avisei, mas você não me deu ouvidos.
Quer a verdade? Você é minha. Sua alma já é minha. A porra dessa cidade é minha. — Ele
respirava mais rápido agora. — Eu pedi que parasse, amor. Eu pedi com zelo. Mas você
continuou me desobedecendo.
Devagar, tomei distância de Chris, finalmente encarando-o.
A sua segunda camada.
Ele era medonho e horripilante. Meu corpo inteiro reagiu em pavor.
Seus olhos tornaram-se dois poços negros e vazios, envoltos de linhas em formato de
escuras raízes em todo ele. Os lábios roxos e a pele eram de um tom cinzento, com uma textura
áspera e dura. As olheiras eram fundas e tingidas de tons roxos.
Seu peitoral era cheio de cicatrizes vermelhas, de tal modo que pareciam rachaduras. O
cenário por completo era horripilante e assustador. Por alguma razão, esperei que o meu medo
fosse menor, mas eu me enganei fajutamente.
Não havia conforto algum em já tê-lo visto assim.
— Gosta do que vê, amor? — perguntou, sarcástico.
Levei minhas mãos ao meu rosto e tentei sufocar o pavor e as lágrimas sob elas sem alarde.
A última coisa que eu desejava era que papai colocasse a porta do meu quarto abaixo por ouvir
sua filha gritar histericamente dentro do banheiro. Não sabia mais pelo que chorava, apenas
odiava tudo aquilo.
— Não é incrível que há pouco tempo disse que me amava e agora eu sou o monstro
debaixo da sua cama? — zombou, ácido.
Continuei fungando baixinho.
— Não tem o direito de me culpar. — Apontei para ele. — Você roubou a minha alma —
pontuei, infeliz.
— Não, eu não roubei. Eu a marquei.
— Dá no mesmo, não é? No fim, você vai me arrastar para o inferno, e aposto que vai fazer
questão de me torturar por toda a eternidade — ralhei, irritada.
— Torturar você? Que porra você pensa de mim? — brigou entre dentes. — Te marquei
para ser minha, não para te condenar ao sofrimento, mas para ficar comigo.
— Serei obrigada a ficar trancada no inferno. Isso te parece amor? — rebati.
Ele soltou um riso amargo.
— Assim que você morresse, já estava fadada ao inferno.
— Eu poderia ter a chance de conseguir a graça eterna. Você me roubou isso — esbravejei.
Ele uniu as sobrancelhas.
— Prefere uma eternidade de ilusões a viver comigo?
— Christopher, você nem ao menos me perguntou o que eu queria. Você tomou a decisão
por mim. Você tirou a escolha que eu tinha sobre mim. Não venha dar um de santo ou de
romântico. Você é só um mentiroso!
Ele curvou o canto dos lábios.
— Acha mesmo que ainda iria para o céu depois de se deitar com um demônio, Dingo? —
gracejou em diversão. — Sua alma está manchada desde o dia em que se sentiu atraída por mim
pela primeira vez. Você não iria para o céu nem se virasse a porra de uma freira. Você se despiu
para um demônio e abriu as suas pernas para ele. Que tipo de salvação você estava esperando
quando me pediu para te foder? A santa graça divina dos infernos ou a benção da minha porra?
Me encolhi num canto.
Christopher se aproximou, colocando meu rosto entre as suas mãos gigantes.
— Te marcar era a única forma de você não passar pelo sofrimento eterno. Você será feliz.
E eu vou te amar pelo resto de toda a eternidade.
Abaixei o olhar.
— E quanto ao resto? Marcos, Zoe, Nabrya... Não pode me livrar do sofrimento, porque é
você a causa ele.
Esperei pelo momento em que ele iria surtar, mas este não chegou. Ele se manteve
complacente e calmo.
— Marcos está passando pelo seu castigo, Zoe teve o que mereceu, quanto ao Nabrya, isso é
problema meu.
— Não é problema seu se ele está atrás de mim — retruquei. — Hoje ele esteve a
centímetros de mim, Christopher. Que droga é essa?
— Deveria ter me procurado, a mim, Dytto! A mim. E não ao Ben.
— Por quê? Por que é que tem tanto medo que eu descubra sobre você?
— Eu estou mandando, Dytto. Não me desobedeça de novo — decretou, intimidador.
— Por quê? Vai me castigar como faz com o Marcos? Ou como fez com a Zoe? Não pode
condená-los assim, e nem a mim — me impus, aproximando-me ainda mais dele. — Você mente
e manipula.
Ele semicerrou os olhos, fúria ardia em todo o seu rosto.
— Zoe tentou matar o meu filho e Marcos te estupraria no primeiro momento em que tivesse
a chance. — Ele apertou o meu pescoço com sua mão, porém não o machucava. — Estrangulei
Zoe até o último suspiro, e depois, me livrei do corpo. E agora cuido para que Marcos apodreça
de dentro para fora.
Puxei o ar com força e me abracei em busca de conforto.
— Eu jamais te machucarei, amor. Você não é como eles. Você me ama, e eu vejo como
ama o meu filho. Apenas não quebre a minha confiança, e eu te prometo que nunca terá o meu
desprezo.
Mordi os meus lábios trêmulos.
— Se os visse como os vejo. Se os sentisse como eu os sinto. Saberia quem são. E se me
ouvisse, saberia que tudo o que eu quero é te manter a salvo do mal que eu causo a todos.
Christopher se afastou.
— Eu te amo, não se esqueça disso. Mas quando eu mando, você obedece. Eu tenho muita
paciência quando o assunto é você, Dytto. Mas se você não consegue compreender isso, então
vai ter o pior de mim. E eu prometo ser pior com você do que eu jamais serei com qualquer
outro.
Antes que eu pudesse me mexer, seu corpo evaporou num milésimo de segundo, sumindo
como o ar fugia.
09 de Junho | Domingo
— Shhh! — Loren soprava, com o indicador grudado no biquinho que fazia com a boca. —
Quieta — sussurrou, seguido de uma gargalhada exagerada e cambaleou para a esquerda.
Eu não queria rir, mas, de repente, tudo era tão engraçado. As minhas pernas estavam leves
como penas e os meus lábios se abriam em risadas sem esforço.
— Cala a boca você! — devolvi, entre um riso e outro.
Ela agauchou-se no chão enquanto fazia o que podia para não rir. Sua mão estava apoiada na
barriga enquanto os olhos mergulhavam-se em lágrimas devido ao riso contido.
— Fica observando. Se alguém vir, você me avisa — dizia, olhando-me de um jeito
maligno.
— Eu quero fazer xixi — reclamei, manhosa, apertando uma perna na outra.
— Para com essa bexiga frouxa.
— Uhhh!! — resmunguei, virando-me, dando início ao que deveria ser uma vigilância
centrada.
Estava escuro e os outros festeiros estavam espalhados pela floresta. Estávamos entre os
carros estacionados mais longe da bagunça.
Conseguíamos ouvir apenas um breve ecoar da música que tocava. O chão tremia devido aos
graves sonoros que emitia-se das caixas de música.
Minha visão estava distorcida e as árvores pareciam ter se duplicado, não... triplicaram. Ou
será que sempre existiu tantas árvores juntinhas assim?
Apertei os olhos, mas um barulho estridente me fez virar de costas.
— Loren? Por que está rasgando esse carro? — perguntei, curiosa.
Eu nem mesmo sabia o porquê de ela ter me arrastado para cá.
Em um minuto, estávamos em uma festa porque queríamos fazer as pazes, e no segundo
seguinte, eu estava bêbada e a ajudando a vandalizar um carro de Deus-sabe-quem.
Ela parou com o estilete na mão e lançou-me um olhar incrédulo.
— Parou de vigiar por quê? — Seus olhos se arregalaram, como sempre faziam quando
estava falando sério.
Dei com a mão, como quem não se importa e voltei a ficar de guarda. Eu não sabia
exatamente o que eu deveria olhar.
Quem mesmo eu deveria estar vigiando? Quer saber? Eu não estou nem aí, eu só quero
mijar.
— Loren... — juntei as pernas, saltitando sobre elas como uma mola. — Eu quero fazer
xixiiiiii.
— Espere... — o ruído prosseguiu-se, agudo e metálico na lataria, mudando um tom ou
outro conforme ela manuseava o estilete. Durou um tempo, até que finalmente cessou.
Meus ouvidos agradeceram o fim daquele zumbido estridente.
— Terminei — informou. — O que achou? — apontou com as duas mãos, como se exibisse
uma baita obra-prima.
Onde antes era um carro limpo e polido, agora existia rasgos de um enorme pênis e "VADIA
LOIRA" cravado de um jeito bem torto.
As palavras não seguiam em uma linha reta, e o "i" de vadia estava quase que
completamente escondido pela letra "D".
— Faltou a cabeça dessa piroca aí — lembrei-a.
Ela olhou para o seu desenho e crispou a testa de um jeito que parecia concordar.
— Hum, é mesmo. — Finalizou o desenho com uma cabeça e algumas gotas de porra
saltando.
Fiz um OK com a mão.
Pelo menos agora ela parecia contente e havia desistido de usar MD, tentei convencê-la de
todas as maneiras a não usar drogas, mas somente quando surgiu a brilhante ideia em sua cabeça
de vento de que deveríamos correr para o estacionamento, que ela se desligou da ideia.
— Tá perfeito! Mas de quem é o carro? — instiguei, curiosa.
— Da vadia loira aqui — a voz feminina e autoritária chamou-nos a atenção.
Olhei para a garota alta atrás de mim, com o seu lindo rosto preso a uma carranca furiosa. As
sobrancelhas loiras franzidas e as mãos agarradas à cintura. Seus cabelos branquíssimos estavam
presos a um coque alto no topo de sua cabeça, enquanto os lábios estavam pintados em um
batom vermelho-sangue.
Oh, merda! Nós destruímos o carro da Amara. A irmã do Christopher.
— Merda! — murmurei.
— Corre, Dytto! — Loren saltou do chão, mas Amara me golpeou com um chute no meu pé
assim que dei o primeiro passo, fazendo-me tropeçar e cair de cara em um amontoado de
folhagem.
Mesmo bêbada, soube que isso imediatamente fez com que o sangue subisse aos olhos de
minha irmã. Ela odiava quando alguém me machucava e prontamente avançou na loira.
— Sua filha da puta! — berrou Loren, impulsionando os braços em sua direção.
Amara não levou nem três segundos e já estava sobre minha irmã no chão, imobilizando-a.
Loren tentou se remexer, contudo, a sua oponente era ainda mais forte. E mesmo que eu
odiasse que ela estivesse em desvantagem, não poderia não dizer que aquilo me impressionou.
Amara parecia uma lutadora profissional.
Eu quero ser igual a ela quando crescer.
— Ei! — gritei, a voz embolada.
Fiz um grande esforço para me pôr de pé. Meu corpo estava cheio de galhos e o meu cabelo
parecia um amontoado de palha. E apesar de não ter sido lá uma grande queda, sentia-me
dolorida.
Destemida, dei dois passos na direção das duas, pronta para salvar a minha irmã, no entanto,
a minha natureza humana falou mais alto e rapidamente voltei atrás.
— Merda, merda, merda — reclamava, pulando na ponta dos pés para trás do carro.
— DYTTO — Loren gritou, acuada sob o corpo da magérrima Amara.
Ela era tão linda que mais parecia uma boneca de plástico, tipo a Barbie. Embora sua
aparência fosse divina, lutava como uma pirata valente. Era meio sexy, para falar a verdade.
Não pude conter e me agachei atrás do carro da loira. Arrastei o short jeans e a calcinha para
baixo, me livrando do líquido que meu corpo implorava para expulsar. Oh... como era bom!
Fechei os olhos, meio lerda e busquei me equilibrar. O álcool ainda queimava em minhas
veias. Loren poderia esperar um pouquinho, ou então, teria que lidar comigo mijando na sua
adversária enquanto tentava ajudar.
Quando retornei ao que havia se tornado um ringue, Amara brincava de dar pequenos
tapinhas no rosto de minha irmã, provocando-a
Loren estava vermelha dos pés à cabeça, furiosa. Ela relutava — em vão — debaixo da
Barbie gótica.
— DYTTO CARAMBA! — minha irmã berrou, lembrando-me de que eu ainda estava
parada.
— Ow!
Avancei em direção às duas, mas dois braços fortes agarraram meu corpo com força.
Tirando-me do chão num piscar de olhos.
— SOLTA. SOLTA. SOLTA — ameacei, debatendo-me.
Amara nos olhou com os lábios pintando sorrisinhos.
— Segura essa daí, Dem — pediu, divertindo-se com a situação.
— Já está no papo — a voz forte e maliciosa concordou.
Virei o pescoço para o lado e forcei-me a enxergar quem era o enxerido que me impedia de
ajudar a minha irmã.
O rapaz — ao que parecia, coreano — mantinha a pose robusta e firme diante da situação.
As várias tatuagens no pescoço se estendiam até onde a sua blusa me deixava enxergar. Na
orelha, existiam alguns pequenos brincos, e os seus lábios se curvaram de um jeito zombeteiro.
Um homem muito bonito, admito, mas que não parecia muito a fim de me soltar.
— Quem é você? — perguntei, meio embasbacada.
Ele me deixava um pouquinho tímida, na real. Bem como Christopher.
— Por que quer saber? — rebateu, desconfiado.
— Porque sim.
— Me solta, porra! — Loren esbravejou. A situação ainda era tensa do nosso lado.
— Isso não é resposta — discordou.
— Tecnicamente, é sim.
Ele semicerrou os pequenos olhos, o que só os fez quase sumirem.
— Quem é essa daqui, Amara? — investigou, enquanto ainda me encarava.
— A namorada do Christopher.
Ele rapidamente abriu um largo sorriso.
— Oh, olhe só. Conheci a escolhida — celebrou, sorridente.
Franzi o nariz em uma careta.
— Quem é esse daqui, Amara? — foi a minha vez de dizer.
— Irmão do Christopher.
O homem tatuado fechou a cara.
— Eu sou mais do que só o "irmão do Christopher", irmã do Christopher. — Ele jogou uma
piscadela para a loira. — Sou gostoso, e sou charmoso.
— E egocêntrico — complementei num sussurro que o fez erguer uma sobrancelha.
Rapidamente voltei a atenção para as duas garotas estiradas no chão. Minha irmã já havia
cansado de se debater, então só aceitava a derrota em silêncio. Amara, por outro lado, ainda
chacoalhava os quadris sobre a minha irmã, atiçando a sua raiva.
— Tudo bem, irmão do Christopher. Agora ligue para ele. Temos que dar um jeito nessas
duas — a Barbie gótica informava, com o olhar vidrado em minha irmã.
Arregalei os olhos.
Ligar para o Chris? Ah, não! Isso não era coisa boa. E eu certamente estava encrencada.
Havia dito a ele que estaria dormindo às 10 em ponto, pois amanhã planejava acordar bem
cedo para estudar para uma prova, por isso, pedi que não fosse me visitar.
De fato, era verdade, até Loren entrar chorosa no meu quarto, dizendo estar com saudades e
mandando um longo discurso que mexeu comigo. Nossos pais estavam dando um tempo longe
de casa para nossa mãe não surtar de vez, isso facilitou tudo, minha irmã havia dado um jeito de
hackear as câmeras, então tínhamos o passe livre.
Eu deveria ter pelo menos o avisado que os meus planos mudaram, mas, agora, saber que ele
iria descobrir pelos próprios irmãos que eu não só não disse a verdade, mas também estava em
uma floresta às duas da manhã, como também ajudei a vandalizar o carro da sua irmã, era um
pesadelo. Eu ia morrer. Cem por cento.
— Não, não liga, por favorzinho — pedi, fazendo beiço.
O "irmão do Christopher" encarou-me cético.
— E por quê? — indagou, curioso.
— É que... — pigarreei. — Ele me disse hoje que não gostaria de ser incomodado... — Sorri
nervosamente. — Acho que pegaria mal se vocês irritassem ele, não é?
— Está chamando — a voz de Amara me alertou e me deparei com a loira segundo o celular
no ouvido.
— Não! — protestei.
— Temos um problema — ela respondeu ao celular, quando, aparentemente, a ligação fora
atendida.
Tentei me soltar, mas o homem atrás de mim era muito mais forte.
— Bom, tem a ver com a sua namorada e a filha da puta da irmã — conversava, enquanto eu
me esvaia em pedidos de ajuda.
Bom, devo admitir que nenhum dos meus esforços funcionaram, porque de onde eu estava,
ouvia os berros de Christopher ao telefone enquanto eu assistia horrorizada sua linda e fofoqueira
irmã me dedurando.
Ainda preferia que fosse meus pais na ligação.
Seus olhos eram duros e repreensivos quando me alcançaram. Ele pisava fundo com as suas
botas pretas na grama úmida. As mãos balançavam com rispidez no ar.
Quando estava perto o bastante, levou sua atenção para a sua irmã, em uma posição que
estava começando a parecer erótica demais. E então, retornou-a para mim.
Os olhos verdes transformavam-se em uma cor mais escura quando estava furioso.
— Vai amenizar a situação se eu disser que você está lindo assim... todo de preto? — sorri.
"Dem", "Demétrius", "irmão do Christopher", ou seja lá qual outro apelido ele tivesse,
mantinha-se paciente, ainda me segurando. As duas mãos agarradas aos meus braços como
algemas. Porém, mesmo que me perturbasse a ideia de estar assim, foi ele quem cortou o clima
tenso.
— Fala sério, o cara está parecendo um adolescente emo.
Christopher inclinou-se a olhar para o irmão, lançando-lhe um olhar repreensivo.
— Não tem nada melhor para fazer? — a Torre Tatuada provocou, irado.
— Bom, já que essa já está comprometida... — Senti-o se endireitar para a direita, atrás de
mim, como se quisesse ver além do meu corpo, mesmo que fosse muito mais alto que eu. —
Imagino que aquela ali deva estar disponível, não?
— Está dando em cima da minha irmã? — entrei em alerta.
Em raras ocasiões eu agia como a irmã ciumenta, isso era papel para Loren, não para mim.
Entretanto, eu sabia que se ela se envolvesse com Dem, isso poderia acabar muito mal.
— Ela é uma gatinha — estimulou, malicioso.
De onde estava, vi Loren rir sugestiva e Amara emburrecer-se. A loira acertou a minha irmã
com um outro tapa na cara, mas desta vez, parecia sério.
— Desgraçada — Loren rosnou baixo.
Tenho plena certeza de que Lô se segurava para não fazer coisa pior, como enfiar a cabeça
de Amara em um buraco cheio de formigas quando se soltasse.
— CHRIS — reclamei. — A sua irmã está batendo na minha irmã, e o seu irmão está me
segurando. Faz alguma coisa!
— A minha irmã não estaria batendo na sua irmã se ela não merecesse. E o meu irmão não
estaria segurando você, se estivesse em casa. E os meus irmãos não teriam me ligado, se vocês
não tivessem arranhado a porra do carro da minha irmã. — Me encolhi, conforme o ouvia me dar
sermões.
— Mas eu sou a sua namorada, não conta? — Abri um sorriso forçado.
Christopher suspirou e fez um gesto com a mão para Demétrius.
— Pode soltar — pediu.
Dem me soltou e imediatamente me inclinei a ir para o rumo da minha irmã, porém, foi a
vez do Christopher me impedir, agarrando-me pela cintura.
— Está cheirando a cerveja. — comentou.
— A sua irmã ainda está batendo na minha, olhe. — Apontei para Amara batucando com as
mãos nos seios da minha irmã.
— Eu tenho certeza de que Loren não se importa. — Christopher respondeu.
— EU ME IMPORTO SIM, SEU IDIOTA.
— Ah, é? — ele brincou com a sobrancelha e sorriu. — Não parece. — Balançou a cabeça.
Ouvi Demétrius rir atrás de nós dois.
— Amor — segurei o seu rosto. — Pode, por favor, pedir para a sua irmã deixar a minha?
— choraminguei.
Tentei ser convincente, mas fazer cara de manhosa enquanto se está bêbada só te faz parecer
uma demente. Sei disso porque Christopher estava me encarando como se eu fosse uma.
— Mal resolvemos um problema e você já arranjou outro — murmurou.
— Nós nunca resolvemos nossos problemas, Chris. Nós brigamos e seguimos para o
próximo.
Ele revirou os olhos.
— Amara — chamou. — Qual o veredito?
Juntei as sobrancelhas, confusa.
— Eu pesquei esse peixe, e vou levar para casa. Ela vai ficar comigo até que eu a faça me
pagar tudo o que destruiu no meu carro e toda a raiva que me fez passar.
— Vai sequestrar a minha irmã? — quase gritei.
— Não. Não. Não. Eu não vou. — Loren tentou se mexer, mas os seus braços estavam
presos pelos joelhos de Amara.
— Acho que você não entendeu, Loren. — A loira sorriu. — Você é minha até eu disser que
não é mais.
— Tenho quase certeza de que Loren também me fez passar raiva. — Dem se pronunciou,
safado.
— Vá atrás do seu, Dem. Eu não divido.
— Eu não sou a porra de um brinquedo — Loren esbravejou.
— Agora é — Christopher discordou.
— Temos que ir para casa, Chris — reclamei.
— Não, senhora. E você... — Apontou para o meu rosto. — Vai vir comigo. Vamos todos
para a mansão.
09 de Junho | Domingo
Meus braços e tornozelos ardiam e coçavam presos às cordas envolvendo-os com um forte
nó. Debatia-me sobre o colchão duro em meio ao enorme cômodo pouco iluminado, mesmo que
já soubesse não ter saída daquela situação em que eu mesma me coloquei.
As paredes negras contrastavam perfeitamente com a macabra decoração do ambiente.
Sentia-me na sala do diabo. As caveiras penduradas nas paredes pareciam sorrir, embora não
pudessem.
Eu só queria nunca ter feito o que fiz com o carro dessa psicopata, assim, poderia estar bem
bêbada e dançante no meio da festa, e não sequestrada, dopada, e então amarrada em sua cama.
Não tinha a menor ideia de como eu havia chegado ali, e de onde estava exatamente.
— Que porra você quer, Amara? — soltei rígida, encarando-a irritada.
Mesmo que fosse eu — inicialmente — a errada da situação, negava-me a lhe dar a razão
dos fatos.
Eu era teimosa, gostava de um bom jogo, sabia lidar com pessoas difíceis e nunca baixava a
cabeça para ninguém. No entanto, havia entrado em um ninho de ratos perversos e esquisitos.
Imaginei que Amara fosse só mais uma idiota, mas olhando a situação agora, sabia que estava
enganada para caralho.
Não poderia dizer que estava cento por cento certa do que ela poderia fazer esta noite, mas a
vaga ideia de que poderíamos transar me deixava um tanto quanto excitada, lado este, escondido
e sufocado por anos de minha parte.
Eu não poderia sentir nada por alguém que claramente era tão ferrada da cabeça quanto eu.
Perversamente, a garota curvou os lábios em um sorriso maligno.
A loira maluca estava à minha frente, o corpo magro e alto apoiado no móvel de carvalho
escuro.
Sob a luz das lâmpadas amareladas, um lado vil se revelara em sua face mais obscura. Seus
olhos claríssimos sondaram o meu corpo amarrado em sua cama.
Os meus dois braços presos na cabeceira, e os tornozelos presos às pontas da cama.
— Estamos adiando uma coisinha há um bom tempo, não acha, Loren? — Amara provocou,
esfregando a unha esmaltada de preto sobre os acentuados lábios vermelhos.
Revirei os olhos em rebeldia.
Estávamos adiando uma briga desde o desafio no penhasco, mas não era como se tivéssemos
uma obrigação pendente. Obviamente não nos dávamos bem, no entanto, era bem rude da sua
parte me por em desvantagem para obter sucesso e então se vangloriar disso.
Não era uma vitória se havia trapaça.
— Podemos sair no soco depois que me soltar. O que acha? — debati, exonerando a fúria
que ardia em meu íntimo.
Ela riu.
— Não estou falando de socos, querida. Um pouco de agressão? Com certeza. Mas odiaria
acabar com o seu lindo rosto. — Ela mordeu o canto da unha, deixando que os olhos lentamente
escorregassem para entre as minhas pernas arreganhadas. — E também, não acho que seria
convidativo você sentar na minha cara me vendo de olho roxo, não acha?
Minhas bochechas imediatamente foram atingidas por uma forte colisão de ardor, o sangue
preso à cabeça pincelando minhas bochechas em um rubro intenso. Me retrai, empurrando os pés
no colchão, a fim de ganhar espaço.
Nunca havia conhecido alguém tão direto, ainda mais, tão intimidador e... porra, tão gostosa.
Forcei-me a sentir indiferença, embora meu tolo e frágil corpo estivesse sedento, minha
boceta molhada e os meus seios endurecidos.
— Até parece que eu iria querer sentar na sua cara, Amara — minha voz tremulou e
engasgou ao fim da frase.
Merda!
Ela sorriu, expondo o seu maldito ego nas alturas e o cinismo reverberando-se como um
grito urgente em toda a sua face.
Filha de uma puta!
— Ah, é claro. Você nunca iria querer que eu chupasse a sua boceta inteira por horas, não é?
— ironizou, sorrateira.
Era difícil admitir até mesmo para mim, mas ninguém nunca teve tanto poder sobre mim
antes como essa garota. Tentei desviar-me dos seus jogos sacanas, mas era impossível quando
ela sabia que eu sempre caia em suas armadilhas.
Amara sabia como me imobilizar, e não só em brigas físicas.
Seus olhos me encaravam como uma águia, esperando apenas um vacilo para poder me
atacar.
— Eu não vou com a sua cara, Amara. Então faça o favor de me deixar em paz — rebati
entredentes.
Condescendente, a vadia loira soltou um riso baixo. Deixou que os braços caíssem ao lado
do seu corpo e caminhou, um passo atrás do outro com a mais pura elegância.
Sem demora, ela aproximou-se do colchão, flexionou os joelhos sobre a cama, um de cada
lado do meu corpo. Levou uma de suas mãos bem aberta à frente do seu rosto, deitou os dedos
permitindo que apenas o indicador e o dedo do meio permanecessem em pé, e com a mais pura
cara de sacana, esfregou-os na língua, umedecendo-os em sua própria saliva. Sem mais nem
menos, esfregou-os entre o meio de minha calça, sobre o jeans, bem onde a minha intimidade
mais latejava.
A sensação de ser acariciada bem onde meu desesperado desejo implorava ser satisfeito, me
fez gemer.
— Você pode ficar aí reclamando, ou então, podemos fazer algo a respeito. — Ela me
encarava ao dizer. — Não se preocupe, não vou fazer nada sem sua permissão. Mas eu vou fazer
com que você permita cada ação minha, Loren. Oh, se vou! Vai implorar para que eu te chupe,
sua vadia.
— Você é louca! — acusei, remexendo-se em um miserável e falho ato de fingir não querer.
— E você vai adorar isso — acrescentou. — Não sabe o quanto eu estou excitada em te ver
assim, querida — sussurrou, maliciosa.
Minha respiração já estava acelerada, meu peito batia feito um louco e minha pele se
arrepiava sem intervalos.
Eu odiava perder o controle, e Amara conseguia me desarmar por completo.
Ela agachou, bem devagarinho, mantendo permanentemente o contato visual, abriu a
braguilha da minha calcinha e deslizou parte da minha calça em minhas pernas.
Quando minha calcinha fio-dental já lhe era parcialmente visível, aproximou seu rosto de
minha intimidade, onde ela faz questão de soprar uma rajada de vento quente.
Todo o meu corpo se empertigou e precisei me esforçar como nunca para mostrar-me firme.
Meu corpo covarde já havia cedido, entretanto, a minha mente insistia em continuar atuando
até o último minuto.
Ela levou a ponta do seu dedo até a minha calcinha, e de modo quase que imperceptível,
esfregou seu dedo ali, de modo delicado e lento. Uma tortura deliciosa, que quase me fez pedir
para que ela introduzisse mais pressão em seu toque.
Prendi a respiração, supondo que, talvez assim, se tornasse mais fácil.
Ela continuou a esfregar seu dedo ali, enquanto baixava de pouco em pouco a minha roupa,
quando me teve mais exposta para si, depositou um beijo molhado na parte interna da minha
coxa, tão próximo à virilha, esfregando sua língua para cima e para baixo nela.
Um gemido baixo escapou de minha garganta. Me remexi no mesmo instante, a fim de
disfarçar.
— Isso é perda de tempo — tentei contestar, porém, ela pouco se importou.
Fui surpreendida por sua língua quente passeando sobre a minha calcinha, neste instante,
não fui mais capaz de fingir.
Automaticamente minhas pernas se abriram ainda mais, meus quadris se ergueram e meu
corpo tentou se pressionar nela.
Amara se afastou, sorrindo vitoriosa.
— Me peça para tirar a sua calcinha, Loren — sussurrou, rouca e impassível.
— Não! — teimei.
— Peça!
Ergui os olhos para o teto escuro, evitando-a. Instantaneamente, senti sua língua novamente
ser pressionada em minha calcinha, mas, agora, com mais destreza, chupando-a e causando-me
ondas de prazer
— Porra — arfei, estremecida.
— Peça, Loren! — ordenou.
Mordi a língua, furiosa.
— Tire a merda da minha calcinha, Amara! — esbravejei, impaciente.
Amara parecia satisfeita. Desfez os nós em meus tornozelos e arrancou minhas roupas,
deixando-me nua da cintura para baixo.
Revirei os olhos quando a vi exibir a minha calcinha em sua mão, se gabando de seu mérito.
— Vamos ver até onde você consegue fingir que não me quer — provocou.
Ela abriu as minhas pernas, mas, ainda irritada, relutei, tentando fechá-las, entretanto, Amara
distribuiu um forte tapa em minha boceta que me fez se empertigar.
— Se fechar, eu vou te machucar — ameaçou, séria.
Cerrei os dentes.
Amara deliberadamente curvou seu corpo entre as minhas pernas. Ela jogou as madeixas
brancas do seu cabelo para trás e lambeu os lábios, como se estivesse cheia de fome e eu fosse o
seu lanchinho.
Ela prosseguiu, tocando a minha intimidade com a pontinha de sua língua, circulando-o tão
devagar que mal parecia se mexer. Amara mal me tocava, era apenas para me tirar do sério. Ela
queria que eu implorasse, que eu me rebaixasse e me humilhasse completamente.
Apertei os lábios um contra o outro, sufocando meus gemidos desesperados. Tentei forçar
meu corpo a tocar o seu, mas ela se afastou.
— Só chupo se pedir — insinuou.
— Vá se foder! — eu disse incrédula.
— Peça, Loren! Peça para eu te chupar. — Ela sorria, como uma maldita diaba.
— Sua filha da puta!
— Eu não tenho tanta paciência assim. Me peça com jeitinho, e eu vou te dar a melhor
chupada de toda a sua vida. — Ela fingiu saborear dedo por dedo.
Respirei fundo, ardendo em fúria e excitação.
Eu sabia que o caminho mais fácil seria me render, porém, uma parte insistente e orgulhosa,
me fez permanecer calada.
Ela riu ao notar minha resistência. E, como se previsse isso, caminhou até um móvel em seu
quarto, e da gaveta, retirou um pênis de borracha preto, de tamanho médio, e um produto, que eu
não conseguia ver o que era.
Amara caminhou cheia de si até onde eu estava e parou. Ela abriu a tampa do produto e
derramou o líquido espesso e transparente sobre todo o pênis de borracha. Em seguida, o fechou
e o jogou de qualquer jeito ao meu lado.
Ela tomou proximidade, apertou o botão de ligar, e logo o objeto ganhou vida em sua mão.
O som do zumbido suave ganhou intensidade à medida que ela aumentava a frequência de sua
vibração.
Ela o aproximou de mim, sem desviar os seus olhos dos meus. Senti quando o brinquedo
sexual pulsou vibrante em minha entrada e se firmou em meu clitóris, provocando-me sensações
terrivelmente maravilhosas. Um mar de prazer me engoliu e arqueei minhas costas.
— Ah, caramba — arfei, mordendo os lábios. Involuntariamente remexendo os quadris.
Ela continuou esfregando o objeto melecado em toda a minha boceta. Uma sensação
refrescante tornou a surgir e senti deliciosos arrepios.
Isso era tão gostoso!
— Me chupa, porra — soltei rudemente.
— Com jeitinho, Loren. Não seja mal-educada — brincou.
— Amara, por tudo que é mais sagrado, me chupa logo, porra — implorei, odiando ter que
pedir tanto.
Ela me enfiou o objeto de borracha de modo lento, quase que parando, até que aquilo me
preenchesse por inteira. Seguidamente, se ajoelhou no chão, afastando os lábios da minha boceta
para si. Enquanto o objeto me torturava, penetrado em minha vagina, ela tornou a me chupar.
Não consegui manter-me parada na cama, quando tudo o que eu queria era gritar de prazer.
Havia tantas sensações correndo em minhas veias que sentia que mal poderia aguentar.
Ela foi precisa, brincava de escorregar a sua língua em mim, os olhos safados permaneceram
grudados aos meus, as suas mãos acariciavam a minha bunda, apertando-a com força.
Ela beijou toda a minha barriga, subindo a minha camiseta até que meu sutiã se revelasse
diante a si. Ela quebrou o fecho e deixou que meus seios saltassem em sua frente. Amara não
recuou, se propôs a chupar um por um. Primeiro, ela deslizou a língua em círculos em meus
bicos, e quando terminou, enfiou um deles na boca, sugando-o com força, com o outro, manteve
a sua mão pressionando-o.
Eu mordia os lábios, encarando-a cheia de tesão. Eu queria agarrar os seus cabelos e enfiar
aquele lindo rosto entre minhas pernas, fazê-la se afogar em mim e sufocá-la ali, mas eu ainda
me mantinha amarrada, e quanto mais eu puxava os braços, mais a corda arranhava os meus
pulsos.
Depois que se deu como satisfeita, ela subiu, beijando o meu pescoço, mordendo o lóbulo da
minha orelha e arranhando os seus dentes em minha pele.
Amara segurou o meu queixo e me olhou uma última vez antes de agarrar os meus lábios
nos seus. Meu peito fora comprimido, e então, disparou tão forte que quase pude imaginá-lo
rasgando o meu peito.
Sua língua adentrou a minha boca, envolvendo-me em um beijo lento e sensual. Ela
dançando com a minha língua, esfregando seus dedos em meu clitóris. O brinquedo ainda
mantinha-se funcionando dentro de mim, mas agora ela o movimentava em um entra e sai.
De supetão, um barulho nos roubou o momento, direcionando nossa atenção para a porta
agora aberta. E parado diante dela estava Demétrius, seu irmão, encarando-nos interessado.
— Por que eu não fui convidado? — fingiu estar magoado.
— CAI. FORA — Amara entoou alto. Estava furiosa com a sua interrupção.
Sorri, vendo-a incomodada daquela maneira.
— Ah, deixe ele. Não faria mal um a mais — aticei, maldosa.
Ela voltou sua atenção para mim, os olhos semicerrados e tomados de ódio. Suas
sobrancelhas se franziram em uma expressão mortal. Naquele instante, ela enfiou o brinquedo
mais a fundo em mim, abri a boca em um gemido silencioso e virei os olhos.
— Porra, isso está deixando meu pau duro pra caralho — Dem comentou, a sua voz
demonstrava o quão desejoso estava e como isto havia o afetado.
— Se não sair daqui agora, eu juro, Dem, eu vou matar você — a loira ameaçou no que mais
parecia um rosnado.
Demétrius ergueu as duas mãos em rendição e saiu, fechando a porta, mas não permaneci o
olhando por muito tempo, estava quase gozando. Meu corpo inteiro tremia e suava. Eu estava tão
próxima que qualquer ação poderia me levar a desvanecer em um orgasmo.
Amara agarrou o meu pescoço com a sua mão, fazendo-me a encarar.
— Você está adorando fazer isso comigo, não é? — existia raiva em sua entonação.
Não lhe respondi.
Ela se levantou de cima de mim, pôs se pé e retirou o brinquedo da minha boceta. Quis
xingá-la por isso, até perceber que ela estava retirando sua roupa.
Primeiro, Amara ergueu sua camiseta, revelando os lindos seios sem qualquer sutiã os
cobrindo. As auréolas rosadas estavam rijas. Ela parecia bem confortável consigo mesma. E
conforme foi retirando a sua calça e a calcinha, minha fora boca enchendo d'água.
Ela era simplesmente linda nua. Todas as suas curvas e formas pareciam simuladas para
serem atrativas para qualquer um. Sua cintura finíssima evidenciava os quadris e a bunda
arrebitada.
Quando me dei conta, eu estava ofegante, meus olhos fixos no corpo dela. Eu não sabia
como não a olhar.
Amara amassou os seus seios em um gesto sexy, ela me olhava ao passo em que mordia os
lábios e deixava baixos sons de gemidos escaparem de sua boca.
Ela lentamente desceu uma de suas mãos em sua barriga. Eu estava ansiosa por aquele
momento, e assim que a garota enfiou a própria mão entre o meio de suas pernas, sabia que eu
estava arruinada.
Amara acariciou a sua boceta molhada bem na minha frente, diferentemente do que fazia
comigo, ela era mais bruta consigo mesma, fazia movimentos rápidos. Com a outra mão, aperta o
seio com rigidez. Seu corpo começou a tornar-se frenético à medida em que ela se masturbava,
cada vez mais excitada.
Eu estava molhada, sentia o líquido escorrer entre minhas pernas. Nunca antes presenciei
nada assim, e doía. O prazer pendente doía.
Para aliviar a pressão, pressionei minhas coxas uma na outra, eu precisava dela me tocando,
estava louca para chupar a boceta dela. Queria comer ela e fazê-la gozar. Porra!
Amara introduziu seus dedos dentro de si enquanto chupava outros dois de sua mão livre.
Ela gemia tão deliciosamente que me sentia à beira da loucura.
Gemidos entoavam-se por todas as partes, éramos nós duas. Ela gemia porque se tocava, e
eu gemia porque eu queria fodê-la. Já não mais me importava com os meus pulsos machucados,
os puxava sem pena, não porque soubesse que aquilo resolveria, mas porque eu estava sedenta.
Amara gozou deliberadamente diante de mim, e por um segundo, fechei os olhos, ofegando,
como se fosse comigo.
— Foi uma delícia me tocar para você, querida. — Suspirou, satisfeita.
Amara caminhou em minha direção, enfiou as mãos entre as pernas, exibiu os dedos
molhados e os usou para me masturbar. Não que ela precisasse, eu estava molhada pra caralho.
Mas não poderia mentir, eu adorei aquilo.
A loira enfiou seu dedo em minha boceta e sorriu quando me ouviu soltar sons de prazer.
Ela colocou mais outro e tornou-os a se movimentarem num ritmo lento, e então, mais
rápido e rápido.
Abri as minhas pernas o máximo que pude enquanto jogava o meu corpo para frente. Ela
beijava as minhas coxas internas e as lambia enquanto me penetrava com os seus dedos.
— Isso, Loren. Geme pra mim — ela dizia ofegante.
Amara mantinha um ritmo veloz e certeiro. Os olhos congelados em minha face. Meu corpo
inteiro estava quente como se estivesse febril. Minha pele estava suada e em êxtase.
Revirei os olhos e travei os dentes nos lábios com força o bastante para os fazerem sangrar
quando gozei em seus dedos.
Naquela noite. Eu fui dela e deixei que Amara repetisse o seu trabalho horas mais tarde. Em
nenhum momento fui solta, ela não permitiu. Ela disse que me faria pagar, e eu paguei. Gozei
todas as vezes que ela disse que eu deveria gozar.
Quando acordei no dia seguinte, ela já estava de pé, ou, bem, não exatamente. Ela, na
verdade, estava entre as minhas pernas.
Abri os olhos, meio atordoada, mas já presenciava uma sensação gostosinha. E foi quando
olhei para baixo, que a encontrei nua, chupando o meu clitóris como se me beijasse
sensualmente.
Ela sorriu manhosa e disse:
— Volte a dormir, querida. Eu estou cuidando de você.
09 de Junho | Domingo
— Eu não estou tão bêbada assim — protestei, com o meu corpo apoiado em seu peitoral nu
e molhado.
Christopher não quis saber, estava ocupado demais ensaboando partes do meu corpo que já
haviam sido lavadas por mim antes, no entanto, que ele quis dar uma "atenção extra".
Provocativo, seus longos dedos escorregavam pelos lábios da minha boceta, mesclando-se à
espuma, que se avolumava à medida que ele continuava a friccionar ali, e somente ali.
Christopher estava tão centrado em seus movimentos, que mal notava as minhas insistentes
argumentações em provar para ele que eu não estava bêbada, quando, obviamente, eu estava um
caco.
— Eu já estou até sóbria. Quer que eu fique de quatro para você? — Ri assim que deixei as
palavras saírem. — Fazer o quatro. — Corrigi entre risos. — Eu quis dizer, fazer o quatro.
Em partes, era o álcool falando e, em partes, era o fato do meu namorado estar pelado atrás
de mim, exibindo o corpo mais gostoso que eu já vi na vida.
— Estou vendo — ironizou, beijando o meu pescoço, subindo e descendo os lábios num vai
e vem excitante.
— Humm — gemi de olhos fechados. A sensação era deliciosa demais para que eu pudesse
me mover.
Minha cabeça ainda rodava, por isto, me mantive bem perto dele, evitando cair.
— Não durma — pediu, mordiscando o lóbulo da minha orelha.
— Não vou.
— Bom mesmo!
— Isso é uma ameaça? — brinquei.
— Mentiu para mim esta semana. Foi para uma festa sem me avisar. Ajudou a sua irmã a
vandalizar o carro da minha. Está merecendo uma grande punição, Dingo Bells.
Lambi os lábios, maliciosa, e levei minha mão para o que estava grudado em minhas costas
desde que ele tirou nossas roupas. Ao esbarrar os dedos em seu membro ereto, acariciei a ponta,
estava melado, podia sentir a sua inegável excitação naquele momento.
— Uma punição bem grande. — Sorri, manhosa e levei dois dedos aos lábios, molhando-os
com o seu gosto.
— Uma não. Duas — corrigiu, misterioso, sua grande mão envolveu todo o meu pescoço,
agarrando-o com firmeza.
Franzi a testa, intrigada.
— Está me chamando para um ménage? — havia uma certa incredulidade em minha voz,
embora eu ainda estivesse incerta se aquilo era uma brincadeira ou não.
Christopher, jamais, em sã consciência, permitiria que outro homem me tocasse.
Ou ele havia enlouquecido e cedido a um relacionamento aberto, ou então, possuía um
vibrador escondido em seu antigo quarto, nesta enorme mansão assustadora em que eu e minha
irmã fomos arrastadas, em castigo.
— Sim — sua voz fora séria e determinada, ele definitivamente não estava blefando.
Imediatamente virei-me em sua direção.
— Um ménage? — soltei, ríspida. — Vai deixar alguém me tocar? — Aquilo me chateou.
Por mais que não aprovasse o seu ciúme doentio, gostava menos ainda da ideia de ele
permitir que um outro homem fizesse sexo comigo.
Christopher me prometeu que eu era dele, que droga mudou?
Balancei a cabeça, mas Christopher me puxou, impedindo que eu abrisse o boxe de banho,
apertando-me em seus braços.
— Você não vai escapar dessa vez, amor.
— Eu posso estar bêbada, mas ainda estou consciente o suficiente para negar essa
atrocidade. — Em uma falha tentativa, esforcei-me para escapar dali. — Agora me solta! —
berrei, irritada.
Ele sorriu, de um jeito provocador.
— Me solta! — Eu rangia os dentes de raiva.
Eu queria tanto socar a cara dele agora.
Por que ele estava fazendo aquilo comigo? Por que estava me cedendo a outro alguém?
Será que já não gostava mais tanto assim de mim?
Ele riu perversamente e então me puxou para mais perto.
À medida que eu me mexia, ele pressionava seus braços com ainda mais força em volta do
meu torso.
Sentia cada celular do meu corpo se torcer sabendo que ele se deliciava em me ver relutar.
— Se não me soltar, eu vou gritar. E você sabe que o As está dormindo há alguns quartos de
distância daqui. Eu vou acordar ele em instantes.
— Ótimo — disse ele, ironicamente, ao mesmo tempo em que desligava o registro d'água.
Por um único segundo, tive esperança de que me soltaria e diria que tudo aquilo não passava
de uma brincadeira. No entanto, ele abafou o meu rosto com a sua enorme mão e, com o braço
livre, envolveu-o em minha cintura, erguendo-me do chão.
— Agora nós vamos foder — avisou, ao passo que me levava para fora do banheiro.
Me debati em seus braços para que me soltasse. Eu estava tão furiosa, irritada, chateada e...
Caramba! A minha cabeça rodava sem parar.
Quando me pôs de volta sobre o carpete, estávamos diante da sua enorme cama king size.
Eu não iria dormir ali. Estava pouquíssimo a fim de ficar perto dele agora, e se Chris me
obrigasse a qualquer coisa, eu faria questão de socar aquele rostinho bonitinho que, no momento,
me tirava o sério.
Seus olhos possuíam um brilho malicioso que combinava perfeitamente com o sorriso
estampado em seus lábios rosados. Ele deslizava a língua pela boca, sacana, mas não se movia,
apenas me encarava, como se aprontasse algo.
— Já teve vontade de fazer um ménage, amor? — provocou.
— O quê? — quase rosnei, recuando um passo simultaneamente.
Meu corpo mais que imediatamente fora atingido por alguma coisa parada logo atrás de
mim. Foi quando percebi que não estávamos mais sozinhos no quarto.
Meus olhos se arregalaram. Eu não era capaz de me mover naquele instante, pois estava nua
e vulnerável.
Meu coração disparou. De repente, me vi acuada pela pessoa que eu acreditava ser capaz de
confiar em um momento tão íntimo como aquele. Não podia acreditar no que Christopher havia
feito. Ele tinha armado para que outra pessoa viesse para cá quando me trouxe.
Isso fez meu rosto esquentar de mágoa e vergonha.
Por outro lado, a Torre Tatuada encarava-me cada vez mais quente e intenso. Seu olhar
vagueava pelo meu corpo nu com um descaramento insaciável.
A pessoa atrás de mim tocou a minha cintura e isso me fez estremecer, saltando para frente.
— Me solta! — berrei, girando os calcanhares em um gesto instintivo.
O que vi me deixou... embasbacada.
Não.
Não.
Não era real.
— Querida... — Christopher sussurrou às minhas costas, beijando o meu pescoço, afagando
os meus ombros. — Conheça o nosso terceiro participante de sexo hoje — apresentou,
apontando para a coisa parada a nossa frente, ou melhor, apontando para sua entidade demoníaca
diante de nós.
Meu coração batia em um descompasso exasperado. Minhas mãos soavam frias e minhas
pernas tremiam.
— C-como? — consegui enunciar.
— Como o quê, Dingo Dingo? — Chris murmurou, descendo os seus lábios bem
devagarinho em minha pele.
— Como existe dois de você nesse quarto? — arfei, a voz quase sumindo.
Seu outro lado, em sua camada demoníaca, deu um passo à frente e automaticamente eu quis
me afastar.
— Não tenha medo, amor. Somos a mesma pessoa — Christopher, em sua matéria humana,
informou.
Minha cabeça agora parecia dentro de um carrossel, girando em sua velocidade máxima. Era
muita informação para ser analisada.
— Meu corpo consegue se desvincular da minha forma imortal, meu bem. É por isso que
consegue ver dois de mim. — Ele me abraçou, notando o visível tormento que se passava em
meu rosto.
Permaneci estagnada, em choque. Foi somente quando a sua forma demoníaca se mexeu que
eu descongelei do lugar, ainda sentia o ato involuntário de querer fugir, mas Chris me manteve
presa até que o seu outro eu estivesse tão próximo que sentia o frio de sua pele emanando na
minha.
— Consigo estar em dois lugares ao mesmo tempo — informou em meu ouvido.
— E agora posso te comer de duas maneiras diferentes — a voz sombria e macabra
acrescentou.
Embora fossem a mesma pessoa, eu os via como diferentes.
Meu Christopher humano não possuía aqueles traços sinistros em sua pele, não possuía um
vazio nos olhos, nem era completamente assustador.
Christopher agachou-se atrás de mim, tomando a parte de trás de meu joelho para erguer a
minha perna no ar à minha frente, abrindo-me para sua entidade assustadora.
Aquilo era tão confuso, louco e... excitante. Mas que merda. Christopher havia ferrado com
a minha cabeça e agora eu me sentia excitada pelo seu lado demoníaco.
— Vou comer você até que não aguente mais — o monstro comentou.
— Mais uma coisa... — Chris entoou. — Minha outra face não possui humanidade, então
espero que entenda que essa vai ser uma foda violenta. — Ele riu.
Prendi o ar nos pulmões e virei meu rosto para ele, assustada. Foi o tempo exato que levou
para o monstro se abaixar, levando seus lábios à minha intimidade. Seu ato certeiro pegou-me
desprevenida e suspirei. Embora eu tentasse me mover, Christopher ainda prendia minha perna
em volta do seu braço, deixando-me arreganhada para ele próprio.
— Quietinha, Dingo — informou, roçando seu nariz em minha bochecha. — Tudo o que
meu eu demoníaco sentir, eu também sinto. Terei o prazer de gozar mais forte hoje.
A língua do monstro entornou a minha boceta, descendo e subindo em minha entrada,
provocando o meu clitóris, para então, enfiar-se dentro de mim. A sensação de sua língua gelada
me fez virar os olhos e arrepiar-me. Um longo gemido escapou de meus lábios e joguei a cabeça
para trás.
Christopher apertou o meu seio com a mão livre e agarrou os meus lábios com os seus,
beijando-me com urgência.
Enquanto o monstro fodia a minha boceta com a sua língua, Christopher fodia a minha boca.
Ambas as mãos passeavam em meu corpo, agarrando-se a todas as partes. Uma explosão de
sentimentos arrebatara a minha mente. A experiência era nova e desafiadora, mas incrível. Eu
estava delirando com os dois.
Quando o monstro se ergueu, foi a vez de Christopher me virar para si. O braço aterrorizante
do demônio agarrou a minha cintura, já a sua mão entornou o meu pescoço com garra e pressão.
Christopher posicionou seu dedo em mim, mas não o enfiou, parecia apenas querer conferir
algo antes de remover a mão dali. Franzi as sobrancelhas, a ansiedade tomava conta. Minha
respiração descompassada acelerava cada vez mais.
— Está bem lubrificada — Chris explicou ao denotar minha confusão.
Ele me olhou nos olhos, agarrando firmemente o seu pênis em sua mão, masturbando-o,
ainda que já estivesse duro.
— Eu vou foder você, e eu quero que aguente — comandou, encarando-me sério.
Não pude assentir, o monstro mantinha minha cabeça presa em sua mão.
— Se você se esquivar, eu vou te enforcar — o demônio ameaçou, frígido.
Busquei Christopher, de olhos bem abertos, mas de nada adiantou, afinal, eu estava
buscando apoio dele próprio. Assistindo a minha reação, ele sorriu. Divertia-se em me ver
daquela maneira.
— Ganhará castigos toda vez que ousar me desobedecer de agora em diante.
— Eu não vou dar conta de você dois, Chris... — arfei, nervosa.
— Eu sei que não, amor. — Ele suspirou. — Mas consegue fazer isso com um de cada vez.
— Jogou uma piscadela cínica e tomou aproximação.
— Mas... — tentei me mover, porém, fui esmagada pela pressão em meu pescoço.
O monstro tinha razão quando disse que apertaria, porém, imaginei que não seria tão
perverso como estava sendo. A criatura parecia ansiosa para me enforcar ainda mais. Era sádico.
O demônio envolveu os braços cinzentos por trás de meus joelhos, para então deixar-me
completamente acessível para Christopher.
Sua parte humana logo se aproximou, beijando os meus lábios violentamente. Notei que
queria tirar o foco dos meus pensamentos quando, inesperadamente, senti seu pênis pouco a
pouco introduzindo-se em mim.
Abri a boca, em um gemido abafado.
— Ah, minha nossa! — exclamei, sensível.
Ele sorriu, sacana, enfiando mais de si até onde conseguia. Inicialmente, foi doloroso, até eu
me acostumar com ele penetrando-me, mas logo, uma breve sensação prazerosa assumiu.
Suas mãos agarraram com força as minhas coxas, ele não media esforços ao espremê-las, o
que provavelmente resultaria em hematomas roxos mais tarde.
Com cuidado, ele se movimentou em um vai e vem que logo progrediu para atos mais
rápidos e persistentes enquanto o monstro deixava-me de pernas bem abertas para ele. Mordi os
lábios assim que suas estocadas tornaram-se mais rápidas e extremas.
Ele me fodia com força, ao mesmo tempo em que sua segunda camada mordiscava a minha
orelha. Em certo momento, seu aperto em meu pescoço tornou-se tão acirrado que me faltou o ar,
porém, quanto mais eu me mexia, mais ele forçava, então parei.
O oxigênio em meus pulmões consequentemente diminuiu, porém, com a falta de ar, os
toques em meu corpo se aguçaram, sentia ainda mais intensamente Christopher estocando com
força.
Eu estava tão excitada que sentia-o escorregar facilmente dentro de mim. Um prazer louco e
fodido me arrematava ao ser tão preenchida.
Meus lábios começaram a formigar, minha cabeça queimava e minha testa latejava. Eu
estava sufocando, mas, de algum jeito, isso me deixara ainda mais excitada.
O sentimento imoral possuía uma certa sensualidade. Christopher mordia os lábios, sua
respiração estava ofegante. Seus olhos possuíam um resplendor maléfico, preenchido de prazer.
Ele deliciava-me com o seu olhar quente, satisfeito em ver-me daquela maneira.
Naquele momento eu sentia que ele era tão meu. Todo meu.
Meu olhar vagueava pelo seu corpo suado me fodendo. O peitoral coberto pelas suas
enormes tatuagens. As veias em seu pescoço saltavam e a pele tornou-se avermelhada. Sua
respiração era rápida e descompassada e o seu olhar era rígido e possessivo sobre o meu.
Vê-lo daquela maneira era exorbitantemente provocador.
A pressão em meus ouvidos tornou-se um zunido, minha visão turvou, sentia como se
estivesse prestes a desmaiar quando tudo começou a escurecer, porém, o monstro libertou o meu
pescoço, e mais que imediatamente busquei por ar.
— Porra... — Christopher gemeu, investindo em suas estocadas.
Sorri, atingida.
Sem aviso prévio, fui novamente posta no chão, contudo, me segurava nos braços do
demônio, minhas pernas não se aguentavam em pé por si só, meu corpo estava mole e vacilante.
Sentia-me como se fosse ceder ao chão a qualquer instante. Preocupado, Christopher me
buscou em seus braços e sentou-me na cama, garantindo que eu não caísse.
Agora, parados diante de mim, estavam os dois homens quase que idênticos, se não fossem
as características sobrenaturais que os distinguiam.
O monstro sorriu e se aproximou. Engoli em seco, estava nervosa e um tanto quanto
desnorteada.
— Ajoelhe, meu amor — a entidade demoníaca ordenou.
Intercalei o meu olhar entre um e o outro, como se isso fizesse alguma diferença, até que o
meu Christopher humano sorriu.
— Não nos olhe como se eu não fosse ele. Sinto tudo o que minha camada demoníaca sente,
Dingo Bells. — Christopher se agachou perante a mim. — A diferença entre eu e... bem, eu
demônio, — ele sorriu achando graça — é que em mim — apontou para si —, há um lado
humano e sensibilizado, mas já a minha outra metade apenas quer te foder e te machucar.
— Precisa adestrar o seu outro lado — brinquei, mas o seu outro eu não possuía um senso de
humor tão bom assim. Seus longos dedos macabros seguraram o meu queixo com força e me
obrigaram a encarar a negritude do vazio em seus olhos.
— Ajoelha! — desta vez, não havia espaços para paciência em sua voz maligna.
Fiz o que me pedia, mas, diferentemente do que imaginei, não era ao monstro que eu iria
chupar, o meu Christopher humano se pôs a minha frente, seu lado obscuro sentou-se na cama às
minhas costas. Suas mãos brutas puxaram os meus cabelos para trás, enrolando-o em um rabo de
cavalo entre seus dedos.
— Abra a boca, amor — Christopher pediu, sua mão já segurava o seu pênis sob a vista dos
meus olhos.
Deixei que meus lábios se separassem, abrindo a boca com certo receio. Eu estava ansiosa e
excitada, mas ainda tinha resquícios de preocupação.
— Não se preocupe, anjo. Eu sou todo seu — Chris comentou, em um misto de gentileza e
perversão.
— Mesmo?
Ele assentiu, com um sorriso de canto. Devolvi na mesma intensidade e agarrei o seu
membro tatuado em minha mão.
Chupei Christopher bem lentamente, deslizando toda a minha língua em volta da cabeça do
seu pau. Gemendo baixinho apenas para o provocar
Ele mordeu os lábios. Seu rosto suado atingiu o tom rubro mais que imediatamente,
imaginava ser uma fantasia sua me ver tão submissa a ele.
As veias em seu pescoço e braço se acentuaram, tornando-se bem visíveis.
O monstro guiou os meus movimentos, estava disposto a me fazer engolir muito daquilo
pela maneira em que era autoritário ao enfiar a minha boca mais a fundo.
Obedeci ao seu desejo, levando o meu corpo a suportar ao máximo. Precisei conter um
grande soluço quando o coloquei no fundo de minha garganta e senti refluxos.
O tirei por um segundo. Meus olhos lacrimejavam e minhas bochechas ardiam. Eu não
possuía muita experiência com aquilo, precisava de um pouco mais de tempo.
Ergui o olhar e encontrei-o com os seus olhos cheios de um fogo que poderiam me queimar
apenas por me olharem tempo demais. Christopher me encarava como se quisesse me foder
loucamente.
Com um sorrisinho inocente, porém, malicioso, esfreguei a cabeça do seu pau em minha
língua bem lentamente.
Ele umedeceu os lábios, enquanto seus dedos acariciam de leve a minha bochecha.
Meu corpo inteiro tremeu ao sentir um toque gelado e pesado envolver o meu pescoço. Ouvi
o chacoalhar metálico e busquei entender o que estava acontecendo, levando minhas mãos ao
que parecia enrolar-se em minha garganta.
Quando notei a textura inigualável do ferro da corrente fria, arregalei os olhos.
— Chris...
— Vai me chupar com uma corrente no pescoço — o monstro anunciou num sussurro rouco.
— Não estou nem aí se engasgar, só vou parar se vomitar.
Tentei agarrar com as duas mãos o ferro que me prendia, no entanto, a entidade impediu.
— Entendeu, Dingo? — a voz mórbida pressionou.
Assenti num balançar rápido de cabeça.
— Quer isso, querida? — Christopher instigou, olhando-me atentamente.
Mordi o canto dos lábios, estava nervosa, mas disposta a tentar.
— Eu quero... — murmurei em um sonoro e baixo ruído.
— Mais alto, meu amor. Quero te ouvir dizer que quer que eu foda a sua boca assim.
Mordi o canto dos lábios.
— Eu quero, Chris — me esforcei para que a minha voz se sobressaísse ao medo.
Era óbvio que eu nunca havia feito nada de tão radical, mas eu estava empolgada com a
ideia. Queria testar os meus limites e fazer com que Christopher se sentisse satisfeito, porque
isso, oras, me deixava tão excitada quanto ele.
Ele sorriu. Em seguida, colocou o seu pênis em meus lábios, esfregando-o sugestivo. Abri a
minha boca e deixei que ele me penetrasse a fundo. Fechei os meus olhos quando os senti arder,
mas Christopher queria me ver daquela maneira e fez com que eu novamente os abrisse. Ele
segurava o meu queixo com rispidez, erguendo-o para si.
Sua entidade pressionou as correntes em volta do meu pescoço. Não me fazia sufocar, mas
era suficientemente precisa para me fazerem sentir a pressão e a temperatura fria. Meu corpo se
arrepiava sem parar.
Aos poucos, fui tomando um ritmo impassível e rápido, Christopher me acertou com um
tapa no rosto e, no momento seguinte, o demônio pressionou as correntes com mais força.
Senti minha intimidade latejar, queria Christopher me fodendo ali, com força. Eu estava
afogada em prazer e luxúria. Adorava a forma como meu namorado me encarava, me fazia sentir
livre para fazer o que quisesse.
Retirei seu pênis de minha boca e lambi, desde a base até a ponta. Christopher esfregou-o
em meu rosto de um jeito safado.
— Você está uma puta de uma gostosa, amor — murmurou, a voz carregada de rouquidão.
Abri um sorriso contente e lambi os lábios, encarando-o diretamente nos olhos. Aqueles
olhos tão quentes e perversos. A imoralidade pairava sobre cada linha de expressão em sua face.
Naquele momento, senti-me como se nunca antes houvesse sido pura. Me sentia como uma
puta para aquele homem e, de algum modo, eu amava a sensação.
A submissão trazia consigo alguns prazeres que nenhum outro esquema poderia fornecer. A
devoção era um prazer perigoso, eu confiava a ele tudo de mim.
— Você adora o pecado, Dingo Dingo — declarou, sério. — E é por isso que você me quer
tanto na sua boceta agora.
Ele tocou o meu queixo de leve.
— Agora eu vou te foder.
A sua entidade me agarrou pela cintura no segundo seguinte para erguer-me do chão.
As correntes em meu pescoço tilintaram ao se debaterem uma à outra. Imediatamente, elas
alongaram-se como mágica. Ele não perdeu tempo, aproveitou das voltas que havia dado em meu
pescoço e puxou as correntes para as minhas costas, descendo para o restante do meu corpo,
aprisionando os meus braços e pernas.
Assim que o monstro terminou de me acorrentar, jogou-me de barriga para baixo no colchão
macio, em meio aos lençóis vermelhos, puxando meus quadris para que eu ficasse de quatro. O
movimento fora tão rápido que tive a sensação de ter Levítado.
Eu não conseguia apoiar os braços no colchão para me equilibrar devido as correntes, mas
sentia a minha bunda arrebitada para o alto.
O demônio não buscou por me dar tempo para respirar. Ele logo me penetrou, me fodendo
cheio de raiva e ignorância. Eu gemia alto e me contorcia inteira ao sentir uma forte onda de
prazer, cobrindo-me dos pés a cabeça.
Minhas pernas tremiam. Precisei morder os lençóis para conseguir me segurar e não sair do
lugar com a força em que o monstro investia em mim.
Meus gemidos saiam em um coro contínuo, assomando todo as quatro paredes do quarto.
Aquela posição doía tanto quanto era prazerosa. Mas eu estava gostando de senti-lo, mesmo
sabendo que as consequências viriam logo que ele terminasse.
Senti um tapa ardido queimar em minha bunda e soltei um grito.
O olhei sobre os ombros e o encontrei sorrindo como um garoto travesso. Ele estava
adorando aquilo. Ou melhor, a sua forma demoníaca completamente assumida estava gostando
daquilo.
Os olhos negros e as raízes escuras espalhadas por todo o seu corpo nu e cheio de músculos
evidenciava o que já era óbvio desde que ele começou isso, ele estava sedento.
Continuei a observá-lo, presa como uma hipnose a cada detalhe de seu lado sombrio. E não
foi nada mal. Sendo sincera, vê-lo assim só me fez gozar ainda mais rápido.
Me desmanchei em seu pau gemendo e arfando. Ele meteu mais algumas vezes antes de
gozar em cima da minha bunda.
Quando parou, me olhou firme nos olhos. Eu estava suada, cansada e ofegante. Sentia-me
como se tivesse corrido uma maratona.
Busquei procurar pelo "outro Chris" e o avistei tragando um cigarro em uma poltrona do
quarto enquanto masturbava-se diante daquela cena.
Sorri para ele.
— Eu te amo — sussurrei com dificuldades.
Ele jogou-me uma piscadela e apontou com o olhar para o seu pênis melado por sua porra.
Christopher também havia gozado.
Naturalmente joguei-me para o lado na cama. As correntes entorno do meu corpo
dissiparam-se. Sua entidade demoníaca havia sumido. Agora éramos somente nos dois
novamente.
Meus olhos pesavam tanto que eu mal conseguia mantê-los abertos.
— Durma, meu anjo. Eu cuido de você. — Ouvi sua voz longínqua em minha cabeça, mas a
escuridão já tomava conta.
10 de Junho | Segunda
— Você parece desconfortável — notei, num rápido lance de olhar.
Seu corpo se esquivava de sentar-se completamente no banco do passageiro, estava
ligeiramente virada, debandando todo o seu peso para o seu quadril.
Suas pernas estavam cruzadas de maneira proposital para que suas partes intimas não
tocassem o assento.
Suas bochechas rapidamente ganharam o tom rubro, que logo se espalhou pelo resto de sua
face. Seu nervosismo evidente deixava-me aflito, e sua ansiedade era desconfortável para
qualquer um de nós dois.
Ela pigarreou, desconcertada, e mordeu o canto do dedo.
— Quero ficar assim — explicou, baixinho.
Prendi um sorrisinho nos lábios. Minha garota ainda não havia tido tempo para se acostumar
com o meu pau, tampouco, com dois dele.
Quando os pneus passaram sobre parte da superfície íngreme em meio à estrada, todo o
carro se mexeu, percebi que isso a fez apertar os olhos com força, ela estava sentindo dor.
Toquei a sua coxa, afagando-a devagar.
— Precisa de alguma coisa?
Ela balançou a cabeça, antes de pousar sua mão sobre a minha.
— Estou bem — garantiu, embora, tudo nela demonstrasse sinais de incomodo.
— Posso ver que não está bem. Sabe disso — pontuei mais sério.
— Então deve saber que eu só quero chegar em casa logo. — debateu, meio irritada.
Intrigado, juntei as sobrancelhas, vagando o olhar sobre o seu rosto.
— Desculpe. Eu só estou me sentindo estranha. E isso dói e arde. — Ela balançou a cabeça.
— Não podia ter um pênis um pouco mais fino e menor? — cochichou.
Quase ri disso, no entanto, as circunstâncias mais me deixaram agoniado do que lisonjeado.
— Não se preocupe, nas próximas vezes serei mais cauteloso.
— Acho que não vai ter próxima vez — resmungou, com uma expressão dolorosa.
Semicerrei os olhos, desta vez, mais sério.
— Com certeza terá.
— Minha vagina, minha escolha — ela ainda cochichava, de modo que, se dissesse alto
demais, traria aborrecimento para si mesma.
Eu não iria discutir sobre a quem seu corpo pertencia agora, apenas para não deixá-la ainda
mais brava. No entanto, Dytto parecia ter dificuldades em aceitar a realidade em que vivia
comigo. Nada do seu corpo era somente seu.
Acho que eu chamá-la de "minha" já deveria ter surtido algum efeito, porém, ela pensava ser
apenas um gesto romântico ou sexy, quando, na verdade, se tratava de posse.
Subi e desci a mão em sua coxa, mas ela se afastou, como se isso a machucasse.
— As minhas pernas estão doendo, roxas e marcadas. — explicou.
Afastei a mão.
— Te tocar hoje será ainda mais difícil — comentei em tom baixo e calmo.
— Está reclamando? — ela ergueu o tom de voz.
Dytto estava em um estado extremo de sensibilidade. A dor em geral tende a ativar um lado
defensivo e rude das pessoas, logo, evitei colocar tudo o que eu desejava em palavras. Teria o
mínimo de consciência hoje para amenizar o seu sofrimento, embora ela estivesse assim por
merecer. Garota desobediente!
— Me deixa irritado ficar tão longe de você.
— Estamos só há alguns centímetros de distância — protestou.
— Preciso estar há zero centímetros de distância, e isso significa estar enterrado em você.
— Acho que já fez isso a noite toda, de duas maneiras diferentes — pontuou.
Assenti, com um meio sorriso de canto.
— Está me pedindo para ficar longe de você, sininho de Natal? — provoquei-a.
— Sim, estou, torre pirocuda — ela foi firme em sua decisão.
— Vou te dar espaço, então. Não reclame.
Ela franziu a testa. Estava curiosa para descobrir o que eu planejava, mas uma parte
orgulhosa dentro de si relutava para que não fizesse isso. Eu não planejava nada demais além de
atormentá-la em sua própria curiosidade.
— Então fique bem longe. Preciso de um tempo de você — à contragosto, concordou.
Não era o que ela queria, e sentia como se começasse a se arrepender disto, porém, Dytto
não voltaria atrás, estava furiosa comigo.
— Certo — fui curto, evitando dar-lhe pistas do eu hipoteticamente iria fazer.
Eu sabia exatamente como atingi-la e usaria isto ao meu favor. Dytto me fazia parecer uma
garota carente, e eu não era assim, a maldita me transformou nisso.
— Pode ir mais rápido, por favor? Preciso ter certeza de que a Barbie gótica deixou a minha
irmã em casa em segurança.
Voltei meu olhar para ela, cerrando o maxilar. Pelo visto, Dingo Dingo estava mesmo a fim
de entrar nesse jogo.
— Claro, sininho — fui sarcástico e ela revirou os olhos.
Troquei de marcha e afundei o pé no acelerador. Ela fingiu pouco caso, mas apertou os
dedos no cinto de segurança.
Tirei uma mão do volante para procurar um cigarro no porta-luvas, isso a fez imediatamente
entrar em alerta.
— Chega, Chris — ela avisou entre dentes.
— Hum? — Olhei para os lados do carro, fingindo não a ver. — Será que tem mais alguém
aqui comigo? — Provoquei.
Ela deu um soco fraco em meu ombro, enquanto me encarava com uma expressão mortal.
Os olhos carregados de fúria se fincaram nos meus em uma advertência.
Sorri para ela.
— Olha, você aqui — fingi perceber a sua presença.
— Caramba, Chris! — berrou, esfregando suas mãos no rosto.
Era engraçado ver aquela coisinha magra tão brava ao meu lado.
Recuei o pé no acelerador, o ronco do motor aos poucos perdeu vida, a velocidade fora
reduzida e ela suspirou.
Dytto prendeu o olhar para a paisagem lá fora, pouco interessada em mim.
Puxei a cartela para o meu colo e retirei um maço de cigarro, colocando-o entre os lábios,
porém, ela foi rápida em arrancá-lo de mim.
— Não vai fumar aqui — determinou.
Ergui uma sobrancelha.
— Tenho uma cartela inteira para nós dois brigarmos.
Dingo olhou em volta, como se procurasse algo, então estancou o olhar sobre o painel.
Ela pulou sobre o isqueiro como se sua vida dependesse disto e o jogou para dentro do sutiã.
— RÁ! Mas não tem um isqueiro para acender — gritou.
Passei com a língua sobre os lábios e assenti.
— Pense bem se é isso o que quer fazer — ameacei devagar.
Eu também não planejava fazer nada contra aquilo, mas ela era adorável quando estava com
raiva.
Seu sorriso vitorioso diminuiu e Dytto cruzou os braços.
— Espero que enfie todos os cigarros no seu rabo e fume de lá.
Ri disso.
— Ter dois paus dentro de você te deixou um porre.
Seu rosto enrubesceu e ela virou o rosto.
— Não fale comigo — decretou.
Ô inferno. A minha mulher estava me matando.
Percorremos nosso caminho em silêncio, ambos sem trocar uma única palavra. Ela não iria
se render, e eu sabia que era exatamente o que queria que eu fizesse, no entanto, a conhecia o
bastante para saber que mesmo que eu pedisse desculpa, ela ainda ficaria chateada.
Era uma lógica feminina intrigante. Ela não iria me perdoar, mas precisava me ouvir pedir
desculpas, porque isso, em sua cabeça, era o que deveria ser feito.
Dytto só voltou a me olhar quando estacionei diante da farmácia. Seus olhos saltaram para
os meus num instante, como se não soubessem o porquê de não termos ido diretamente para a
sua casa.
— Não vamos correr o risco — avisei enquanto abria a porta do carro.
Ela não se importou de sair ainda mais rápido do outro lado. Continuávamos não nos
falando.
Eu não ia pedir que descesse do carro, resolveria isso sozinho, entretanto, também não ia
pedir que agora ela voltasse. Minha mulher estava uma leoa.
Dytto caminhava na frente, irritada, porém, de um jeito esquisito. Parecia um frango assado
tentando andar. Sua boceta deveria estar em seus piores dias.
Prendi um sorrisinho entre os dentes, mas fui flagrado por ela olhando a sua bunda.
Dytto fez a maior cara horrorizada que conseguiu, logo, me deu as costas e andou o mais
rápido que podia no momento, o que não era muito.
Ela foi a primeira a chegar ao balcão. O atendente era um rapaz, estatura baixa, algumas
tatuagens e um piercing na sobrancelha. Ele a olhou de um jeito que eu quis arrancar os seus
olhos, mas eu sabia que não devia quando seus olhos vieram sobre os meus e ganharam um
brilho ainda maior.
É, ao que parece, eu fazia bem mais o seu tipo.
Dytto percebeu e não gostou nada. De repente, estávamos em uma competição silenciosa.
Ela pigarreou, chamando a atenção do farmacêutico. Ele obrigou a voltar o seu foco para ela.
Aproximei-me do balcão e me apoiei sobre ele, deixando que meu corpo recaísse bem próximo
do moreno, isso o deixou eletrizado.
— Quero comprar a pílula do dia seguinte e... — Dytto torceu o nariz, sem saber como
prosseguir. — Pomadas vaginais para machucados — soltou rapidamente, como se fosse o
próprio Eminem.
Seu rosto estava inteiramente marcado pela sua timidez.
Tentei conter o riso, mas acabei soltando-o um pouco mais alto do que pretendia.
Dytto me encarou irada.
— Também quero remédios contra DST's — continuou, sem deixar de me olhar. — Acho
que o meu parceiro não era muito saudável — comentou, condescendente.
Meu riso imediatamente cessou. Lhe olhei carrancudo e ergui uma sobrancelha.
Filha da puta.
O vendedor prontamente registrava todos os seus pedidos no computador.
— Bom, já eu... — comecei. — Quero uma pomada. A minha parceira tinha todos os tipos
de fungos mais estranhos na boceta. Eu tô bem, na verdade, mas já ela... — Fiz careta enquanto
balançava a cabeça.
— Imbecil. — Dingo Bells sussurrou.
O farmacêutico arregalou os olhos, suas sobrancelhas saltaram enquanto ele me encarava
desacreditado. Quando se deu conta de sua reação, disfarçou, virando-se de costas.
— Disse que queria uma pomada vaginal para machucado e remédio do dia seguinte, certo?
— conferiu, erguendo os braços nas prateleiras, a fim de esconder sua atitude anterior. — Já
tomou a pílula antes? Tem alergia a algum medicamento que eu deveria saber?
— Não e não — ela respondeu, ignorando-me completamente.
Dytto foi atendida primeiro, acho que o atendente pensou que eu deveria receber um pouco
mais de privacidade em minha compra depois. Ele deve ter imaginado as coisas mais nojentas
que já viu em sua vida.
Perambulei por toda a farmácia, olhando produtos que eu não estava nem aí.
Voltei para o meu atendimento apenas quando o de Dytto fora encerrado. Passei o cartão
para ela e peguei as sacolas no balcão.
— Ainda quer a sua pomada? — o farmacêutico indagou, de um jeito provocativo. Ao
mesmo tempo em que parecia querer flertar, se continha em razão da garota ao meu lado.
Havia certa dúvida em sua mente. Ele ainda parecia ter esperança de que ela fosse apenas
uma amiga.
Dytto revirou os olhos.
— Não, ele não quer — ela respondeu secamente por mim.
— Não? — instiguei, semicerrando os olhos. — Claro que quero. Não posso confiar na
minha parceira.
Voltei minha atenção ao rapaz interessado e me encostei na bancada. Deixei que meus olhos
recaíssem propositalmente para os seus lábios e curvei os meus para o canto.
— Bom, acho que se você desse uma olhada no meu pau, poderia saber se ela não passou
nada para mim. Só para ter certeza, sabe? — deixei que minha voz gradualmente baixasse, de um
jeito mais paquerador.
— Não precisa. Já estamos de saída. — Dingo Bells se envolveu, bruta, e segurou o meu
braço.
— Pode ser que descubra qual é o melhor tratamento que você pode me oferecer —
provoquei, ignorando a interrupção de Dytto.
O rapaz ficou vermelho, completamente desconcertado. Seu olhar vagueava entre mim e
Dytto. Ele não sabia o que fazer. Seus lábios se entreabriram, mas ele nada dizia.
— Meu pau é bem grande, pode ser que demore você olhar tudo — insinuei, lambendo os
lábios.
Ele abriu os olhos de um jeito que quase os fez saltarem da face.
— E-eu posso olhar se quiser. Eu... — o garoto engoliu em seco, perplexo.
— 32 centímetros — informei, como um sussurro íntimo.
Naturalmente, ele deixou que a curiosidade o vencesse e desceu seu olhar em mim, embora
eu estivesse encostado sobre a bancada de vidro e não pudesse ver nada com clareza, ele se
esforçou.
— C-cara, eu acho que...
— CHEGA! — Dytto berrou, agarrando o meu queixo, obrigando-me a olhá-la. — Vamos!
A-GORA — ordenou, bem devagar.
Sorri, apenas para deixá-la mais irritada.
— Sim, sininho de Natal. Vamos embora.
Ela se afastou, mas não saiu até que eu me movesse.
— Um prazer te conhecer, cara — eu disse, antes de dar um passo para trás.
Ele acenou, retido, e não fez mais nada. Estava estático e apavorado.
Saí de mansinho, fingindo pouco caso. Dytto veio logo atrás, empurrando-me pelas costas,
ou tentando empurrar, eu não sentia a menor pressão com a força que ela exercia sobre mim, mas
deixei que ela acreditasse estar no comando.
— Cretino. Desgraçado. Filho de uma mãe — ela rosnava a medida em que nos
aproximamos da Ranger vermelha.
Quando já estávamos suficientemente pertos, girei meu corpo, deixando que ela ficasse à
frente, para imprensá-la na lataria.
Ela tentou fugir, mas a segurei pela cintura enquanto gargalhava alto com o rosto enfincado
em seu pescoço.
— EU ODEIO TANTO VOCÊ — ela esbravejava, dando-me socos no braço.
— Own, meu amorzinho está brava? — caçoei dela, fazendo bico.
Eu bem que queria não a irritar, mas era tão bom.
— Espero que você tenha mesmo uma infecção e que seu pau caia — proclamou.
Segurei seu rosto entre as minhas mãos, eu ainda tentava parar de rir, já estava sentindo a
barriga doer.
Enfiei meus lábios nos seus e prendi seu rosto para que não se afastasse. Se eu não a iria
deixar menos irritada por bem, seria por "mal". Somente a larguei quando ela já se debatia
pedindo por ar.
Ela estava ofegante e com os grandes olhos verdes bem abertos.
— Desgraç-
Enfiei minha boca na sua novamente e continuaria fazendo até que ela desistisse de me
odiar. Quando me afastei pelo mesmo motivo de antes, ela apenas abriu a boca para respirar,
deixou que todos os seus xingamentos fossem engolidos.
Ou era isso, ou eu a mataria asfixiada em beijos.
— Melhorou, amor? — perguntei.
— Não tenho escolha.
Sorri, e depositei um rápido beijo em sua bochecha, que ela fez questão de limpar.
— Agora, minha querida. — Abri a porta do carro para ela. — Entre.
Dytto deixou que os ombros caíssem e se rendeu ao meu pedido.
Mais tarde, quando a deixei em casa, sabia que ela não teria tempo e nem condições físicas
para ir à escola, então liguei para o seu diretor e pedi, ao meu modo, que ele não a prejudicasse
ou deixasse que aquilo marcasse a sua linda e contínua presença escolar.
Ele, obviamente, concordou após as minhas belíssimas ameaças amigáveis.
Eu tentava ser bom por ela. Mas eu, felizmente, não era um homem bom.
Liguei para Loren naquela manhã, e de um jeito ainda bem menos amigável, lhe fiz
prometer que levaria Dytto a um ginecologista o mais rápido que desse. Eu já sabia que Dingo
Bells não iria comigo de forma alguma, então pensei que seria mais confortável se sua irmã a
levasse.
Eu jamais a deixaria ir em um médico qualquer, fiz questão de eu mesmo marcar a consulta
com uma médica de confiança, indicada pelas minhas irmãs. Eu não a deixaria nas mãos de um
homem desconhecido.
Somente depois de ter resolvido tudo, fui atrás da pulga em minha orelha. A tarefa pendente
que eu mais evitava cumprir.
Parado dentro do carro no estacionamento vazio, esperava pela sua presença. Não devia
demorar, ele nunca perdia qualquer encontro.
O céu estava escuro, ameaçava chover como na maioria dos dias em Vespeau, mas eu não
ligava, já estava habituado ao frio desde sempre.
Cinco minutos depois, a porta fora aberta. Nabrya entrou em um lance rápido e ágil.
Sentia a sua aura pesada há quilômetros, não era difícil não percebê-lo, no entanto, era
horrível suportá-lo.
— Há uma certa singularidade no que diz respeito a você — comentou ele, num tom mais
baixo e calmo. — Imagino que goste de deveres cumpridos, deveres estes que satisfazem o seu
infeliz ego insaciável — criticou.
Eu não absorvia as suas provocações. Nabrya adorava jogos suicidas e possuía manias de
controle mental.
Eu me alimentava de almas, Nabrya se alimentava de mentes. Ele adorava manipular e
desmembrar as suas vítimas em partes.
Dificilmente ficava sem um alvo fixo. Brincava com os desejos, segredos e medos das
pessoas. Influenciava sentimentos com as suas habilidades psíquicas, e então, prendia o
indivíduo em aflições que poderiam durar semanas, meses, anos ou uma vida inteira. A
quantidade dependia da habilidade do seu jogador em saber se livrar de seus comandos.
Em maioria, ele se deleitava em virtude quando ouvia as pobres almas pecadoras se
perguntarem: "Por que me sinto tão mal em momentos tão bons da minha vida?", ou algo assim.
Poderia até mesmo culpá-lo por tantas pessoas se converterem ao cristianismo, eu odiava
Nabrya. Ele jogava sujo e às vezes era hipócrita. Quando pessoas infelizes se dão conta de que
estão na pior, procuram por seu milagroso Deus. Algumas até realmente creem, outras, no
entanto, se perdem no que fingem ser.
Eu realmente odeio esse cara.
— Sabe, eu adoro a juventude, mas odeio a arrogância que ela traz consigo — comentou.
— Ah, é? — falei desinteressado e prendi um bocejo.
Sempre fui desrespeitoso e mal caráter. Mas perto de Nabrya, eu sabia que deveria conter
esses instintos.
— Eu sempre abri mão de muito em toda a minha existência, não porque não fizessem
sentido ou porque eu não as quisesse, mas porque eu tinha ambições que iam além do que a
mediocridade do desejo tinha a me oferecer.
— A resposta é não — fui rude ao entender onde chegaríamos.
— Só acho que você seria bem mais eficaz sem ela na sua vida. Eu a vejo, sei que ela possui
beleza, juventude e uma aura deliciosa. Mas também é mortal e fútil. Irá envelhecer e morrer
como qualquer um. Sempre vai existir um outro amor, e outro, e outro...
— Não se sinta responsável por quem eu amo, ou irei amar. Se seus sentimentos são vazios
e limitados, isso não é problema meu. Então não se ofenda quando eu digo que nada do que faço
é pensando em você. Não o idolatro, não sou seu servo e nem seu aluno.
— Não se limite ao pensamento do ‘eu te amo’, Christopher. Isso é falho e passageiro. —
Nabrya virou-se bem devagar para mim. — E isso vai acabar, de um jeito ou de outro. Senão por
mim, talvez pelo seu pai. Sabe bem que ele não está nada contente por você ter a garota.
— Meu trabalho aqui ainda está sendo feito. Não olhem com quem eu estou e não vão ter
motivos para se preocuparem. Sou muito bom no que faço.
— Eu não diria que não deveríamos nos preocupar. Quando você se concentra nela, esquece
tudo o que devia estar fazendo. Quer fazer mais devagar para ter mais tempo ao lado dela. Quer
dar tempo de vida a ela nessa Terra. Mas sabe que isso não é possível, Christopher.
Apertei os punhos e ergui uma sobrancelha a ele.
— A porra do mundo não vai acabar amanhã. Terei tempo suficiente com ela viva ou morta.
— Mas prefere se agarrar a vida inútil e mundana com ela. — Ele sorriu. — Sua vida mortal
é descartável. Se eu te matasse neste exato momento, teria apenas o casco odioso de sua forma
demoníaca trabalhando mais rápido.
Ele tocou a maçaneta.
— Pense nisso, Christopher. Estou te dando a oportunidade de estar com o coração batendo
e trabalhando para mim.
Respirei fundo, o ar parecia cortar as minhas entranhas e arder em meio a fúria crescente em
mim.
Eu queria rasgá-lo em pedaços naquele momento.
— Seu pai espera que você trabalhe para ele pelo resto da vida. E eu espero que você me
ajude a destruí-lo para que fique livre e eu no comando. Mas você está estragando tudo com essa
sua piedade pela humana.
— Nunca mais chegue perto dela — murmurei entredentes.
— Nunca mais desobedeça aos meus comandos. — Ele abriu um sorriso maléfico. — Vá
para o Brasil, você sabe o que te espera lá.
— A doença vai se espalhar de qualquer jeito, não preciso levá-la a lugar nenhum.
Ele deixou que a sua cabeça tombasse para o lado.
— Não se trata mais de uma única doença, Demônio.
Nabrya fechou a porta e deu as costas para mim.
O caos.
Eu era responsável pelo caos.
Então teríamos o caos.
E eu não serviria mais a ninguém.
11 de Junho | Terça
— Fissuras — informei, olhando-o nos olhos.
Sua testa se franziu em uma nítida confusão, ele havia acabado de chegar em meu quarto.
Desta vez, em sua forma humana. Chris tinha até mesmo passado pela porta como alguém
normal fazia, e isso me rendeu uma ligação de papai, que ainda estava em viagem e tinha o visto
pelas câmeras.
Meus pais chegariam apenas depois de amanhã, por isso, precisei tranquilizá-lo dizendo ser
só uma rápida visita, porém ele só pareceu convencido quando Christopher pegou meu telefone e
trocou algumas palavras com ele do lado de fora do meu quarto.
Eu tinha uma vaga sensação de que o meu namorado não era tão amigo assim do meu pai
quanto demonstrava ser, mas acho que meu pai me contaria se tivesse algo errado. Bom, isto era
o que eu me esforçava para acreditar, e às vezes funcionava.
— No meu útero — esclareci.
Suas sobrancelhas saltaram ao captar a notícia com mais clareza. Ele se mostrou
preocupado, entretanto, notei que segurava um sorriso malicioso nos lábios.
Estávamos os dois esparramados em meio aos lençóis brancos e amarrotados da minha
cama.
Sua cabeça estava deitada no alto da minha barriga, e seus braços envoltos às minhas coxas
descobertas pelo pequeno pijama que eu já usava, embora o sol ainda estivesse se pondo.
Queria apenas estar vestida com uma roupa confortável, e como não contava com a presença
do meu namorado aqui hoje — mesmo que ele não se afastasse de mim por muito tempo nem
com reza braba —, optei pelo básico e adorável pijama curto.
Meu corpo estava repleto de hematoma esverdeados, minhas pernas estavam marcadas nas
laterais, bem onde Christopher me segurou forte ao me penetrar.
Meu pescoço ainda tinha algumas pequenas manchas arroxeadas das mãos de seu lado
demoníaco me enforcando, me custaria um bom tempo até que desaparecessem. Eu estava
colocando gelo de hora em hora e o massageando. Teria que usar roupas de gola alta e cachecol
até sumirem completamente.
Ainda bem que estávamos num clima frio, apenas seria difícil explicar para os meus pais o
porquê de eu estar sempre coberta por roupas longas dentro de casa, mesmo com os aquecedores
ligados e deixando o ambiente quentinho.
— Fissuras — pontuou ele. Uma expressão orgulhosa assomava o seu rosto malino, estava
tão satisfeito com o próprio trabalho sexual que os olhos verdes brilhavam.
Eu sabia que o que tínhamos feito ultrapassava o meu limite assim que terminamos e me vi
um pouco ensanguentada. Não era costumeiro que eu sangrasse depois de termos uma relação,
pelo menos, não desde que perdi a virgindade.
— A ginecologista me passou uma pomada e algumas broncas. Vamos ter que ficar algumas
semanas sem nada, Diabão — avisei-o, suspirando.
Sua expressão imediatamente caiu. Christopher logo ficou mal-humorado. Ergueu-se nos
cotovelos e me olhou fixamente com aquelas duas esmeraldas sérias.
Seus lábios se franziram e seu rosto transformou-se em uma carranca engraçada. Era fofo o
jeito que ele ficava irritado por saber que não poderia me tocar por um bom tempo até que eu
estivesse bem para isso novamente.
— Sério? — reclamou, insatisfeito. — Mas que porra...
Quase ri de seu mau-humor, mas me segurei. Certamente isso só o faria resmungar ainda
mais como um velho rabugento, e eu sabia bem que teria que lidar com as suas reclamações
constantemente daqui em diante.
— Pois é. É isso o que acontece quando você decide usar a sua outra camada para fazer sexo
comigo — eu disse, reprimindo um sorriso.
— Culpa sua. Eu avisei para não me desobedecer — murmurou malicioso.
Mordi os lábios. Lembrar de como nós fizemos sexo ainda mexia muito comigo. Eu jamais
esqueceria a visão de tê-lo me penetrando em sua segunda camada. O lindo rosto transformado
em uma máscara demoníaca, mergulhado em puro êxtase de prazer enquanto puxava os meus
quadris para ele, me afundando em seu pau até onde pôde.
Aquela visão foi a coisa mais sexy e perigosa que eu já vi. Seria difícil superar isso da
próxima vez que pudéssemos fazer sexo de novo, e ainda que eu estivesse com muita dor, estava
meio ansiosa para isso.
— Tô vendo que seu autocontrole é a única coisa pequena em você — incitei.
Ele curvou um sorriso safado nos lábios, o ego completamente inflado, mas logo a sua face
foi tomada por preocupação.
— Como foi a sua consulta? Se sentiu bem?
— Sim. Loren ficou do meu lado o tempo todo.
Minha irmã percebeu a selvageria da situação no momento em que me viu chegando em
casa cheia de marcas e mancando. Loren apenas me olhou de cima a baixo de um jeito
acusatório, mas guardou sua opinião para si.
Ela, por outro lado, parecia muito bem. Nenhum olho roxo, osso fraturado ou cabelo
raspado. Acho que no fim das contas ela e Amara resolveram as suas indiferenças. Minha irmã
não foi muito esclarecedora quando disse que tinha dado tudo certo, o que me deixou espaço
aberto para a imaginação.
— Está com dor?
— Muita cólica, mas nada que o álcool não resolva. Eu só quero curtir alguns bons
momentos com você antes de você viajar. — Sorri, mas Christopher não estava na mesma
sintonia que eu, seu rosto se enrijeceu e ele trocou o seu olhar do meu rosto para o colchão.
— Eu vou voltar o mais rápido possível. Você vai ver.
Encolhi os ombros.
— Eu sei, você disse isso no segundo seguinte que me contou que iria viajar para um lugar
secreto, e depois repetiu outras três vezes.
— Eu não disse que era um lugar secreto — ponderou, ríspido.
— Mas também não me disse para onde ia.
Christopher suspirou, mas assentiu.
Ele mantinha uma postura tensa e o olhar vazio, tinha algo mais que não me contava.
Eu queria fazer perguntas, mas isso nos levaria ao mesmo beco sem saída de sempre, então
contive o impulso na ponta da língua.
Eu ainda estava me acostumando com o fato do nosso relacionamento não ser claro e sem
segredos, e por mais que me doesse, teria que ceder um pouco mais de mim...
Chris aproximou os lábios dos meus até quase estarem colados, tirando-me de meus
devaneios e sorriu.
— Desculpa ter machucado a sua boceta. Vou tomar mais cuidado da próxima vez que a
gente foder — garantiu rouco, a voz cheia de malícia.
Sorri com ele, achando graça da forma que me pedia desculpas, de modo que mais parecia se
gabar do que lamentar.
— É bom mesmo, ou eu nunca mais deixo você fazer sexo comigo.
Christopher aconchegou o seu rosto na curva do meu pescoço e riu.
— Eu duvido. Você agora está tão excitada que mal consegue disfarçar.
Era uma droga namorar alguém que poderia saber exatamente o que eu estava sentindo a
cada minuto do dia. Ficava difícil disfarçar o quanto Christopher me deixava doida por ele.
Bufei e tentei empurrá-lo de cima de mim, entretanto, ele parecia mais uma rocha do que um
corpo, o que não resultou em nada. Ele não se mexeu um único centímetro.
— Chris, sai — reclamei, já sem forças.
Ele ergueu o seu lindo rosto para me olhar nos olhos, zangado.
— Por que já está me expulsando?
— Você está me esmagando, cara. Sai logo.
Ele levantou o seu corpo, mas não saiu até me virar para o lado e estapear a minha bunda
com força. Gemi de dor, ainda sentia cólica, mas havia tomado alguns remédios que logo
surtiriam efeito e amenizariam aquela sensação.
Virei-me na cama e fechei os olhos. Estava sonolenta, Chris não me deixou dormir muito
noite passada.
Notei que ele não se afastou. A Torre Tatuada continuava negando o meu espaço pessoal,
mas não me importei, sentiria sua falta enquanto estivesse viajando.
Naturalmente ele se aconchegou atrás de mim, envolvendo-me em uma conchinha e
descansou o corpo.
Internamente, eu sorri com o quanto éramos bons nisso.
Mais tarde, quando acordamos, Christopher me levou até a sua casa para supostamente
passarmos um tempo juntos como namorados normais faziam. No entanto, não demorou muito
mais que 10 minutos para Samantha chegar com o pequeno. As estava com a sua mochilinha nas
costas, parecendo uma tartaruga ninja.
Ele estava irritado, odiava passar um tempo com a tia enquanto Christopher me visitava, mas
isso só durou até o momento em que nos avistou parados na entrada da porta. Um sorriso pintou
os seus lábios e ele disparou em uma corrida.
Christopher o pegou no colo, enquanto As trançava as suas pernas na cintura dele. O
rapazinho agora estava todo cheio de sorrisos.
Samantha apenas balançou a cabeça, sorriu e foi embora. Ela era reservada e mantinha-se
mais isolada dos outros irmãos.
A vi pouquíssimas vezes, e tudo que sabia sobre ela era que gostava a beça do sobrinho, um
amor que não era tão recíproco assim, As era um tanto quanto crítico sobre quem ele gostava.
Eu tinha uma certa curiosidade sobre Samanta, parecia ser modesta e inteligente, e embora
possuísse um rosto angelical e meigo, sabia que ela cultivava os seus próprios segredos
mórbidos. Nenhum Tanaka tinha um histórico limpo.
Entramos os três na casa e nos sentamos na sala. Asafe tagarelava sem parar sobre o seu dia
e o quanto Demétrius brincou com ele. Não sei bem do que brincaram, mas para o pequeno
demônio ter gostado, com certeza não foi nada saudável ou apropriado para uma criança de dois
anos — quase três, de acordo com o próprio.
A insanidade estava no sangue de todos da família.
— Está bem, vamos banhar, filho — Chris avisou, encerrando as longas histórias de
dinossauro de Asafe, tomando-o no colo enquanto se colocava de pé.
Eu não as entendia bem. Ele gostava de falar rápido e às vezes criava palavras, afinal, o que
era "dracudo" e "pislama"? E como de repente surgiram formigas na história de dinossauro que
ele contava?
Asafe percebia a minha confusão, porém, quanto mais ele tentava esclarecer, mais difícil e
complexo ficava. Eu me sentia um pouco burra por isso, mas acho que Christopher também não
entendia tudo, o que me deixava um pouco mais relaxada.
— Papai — Asafe chamou.
Christopher o respondeu, olhando-o nos olhos, mas pelo visto, o garotinho só queria olhar
para o rosto dele. Eu achava muito fofo quando ele fazia isso. De certa maneira, era como
matava a sua saudade. Chris beijou a testa do filho e virou-se para mim.
— Amor, pode ligar a banheira para o As enquanto eu guardo as coisas dele? — pediu.
— Claro — levantei-me do sofá.
— ESPERA — afoito, o demoninho gritou para mim, ainda que eu nem mesmo tivesse
chegado a me mover.
Asafe desceu do colo do pai, lhe entregou a sua mochila, correu até onde eu estava e
enroscou a sua mão na minha, olhando-me como se esperasse que eu o levasse junto. Em geral,
eu não gostava de crianças, mas Asafe conseguia derreter o meu coração todinho. Sorri para ele.
Seguimos em direção ao banheiro. As parou em um canto, de pé.
— Você prefere a água quente ou fria, As? — questionei, observando-o balançar o corpinho
ansioso para um lado e para o outro, com as duas mãos nas costas.
— Fia. Não. Quente. — Ele franziu a testa, congelando no lugar. — Não, não. Fia.
Asafe parecia prestes a entrar em um colapso de nervos com a indecisão e me segurei para
não rir.
— Temos todo o tempo do mundo — brinquei.
Ele estava realmente avaliando a sua escolha, como um jogador de xadrez escolhendo a sua
próxima jogada. Era tão divertido ver o seu rostinho sério daquele jeito.
— Eu não sei, titia Dingo — respondeu tristonho quando se deu conta de que não sabia o
que preferir.
— Seu papai costuma te banhar com aquela água fria que te dá arrepios no corpo quando
você sai ou aquela água mais quentinha, que parece que você está todo embrulhado? — sugeri
opções, talvez o ajudasse.
Porém, Asafe não conseguia se identificar com nenhuma das duas opções. Talvez o seu pai
optasse por banhá-lo em água morna, fazia mais sentido.
No mesmo instante Christopher entrou no banheiro.
— O mais gelada possível, por favor. Asafe não consegue distinguir bem a diferença de
temperatura ainda. Para ele ainda é muito confuso — explicou.
— Por causa do outro lado dele? — investiguei e ele assentiu.
— Está bem. — Antes de ligar a água, me virei para Christopher. — A água gelada não o
incomoda? — estranhei.
— Não se preocupe, Dingo Bells. Ele adora o frio, e antes que pergunte, não o machuca.
— Certo. — Uni as sobrancelhas, intrigada.
Havia muitas coisas as quais eu nunca entenderia em Chris e em seu filho, mas ficar o
enchendo de perguntas não era algo que eu quisesse, afinal, explicar como é ser um demônio não
deve ser lá uma conversa muito agradável para ele.
Sem mais delongas, fiz o que me pediu.
Asafe remexia o corpinho, os olhos vidrados na água enchendo a banheira. Adicionei um
pouco de espuma e alguns brinquedos dos quais ele parecia gostar.
Sentei-me na borda da banheira e Christopher sentou-se logo atrás de mim.
— Ele ama tomar banho quando estamos com ele — sussurrou no meu ouvido e eu sorri.
— Ele ama mesmo é molhar a gente — rebati, achando graça.
— Fazer danação faz parte da natureza demoníaca dele. As não pode evitar.
Rindo, virei-me para ele.
— Acho que isso não é coisa de demônios. Isso é a genética de suas características humanas.
Você é um péssimo exemplo de um bom cidadão, meu querido Chris.
— Meu lado humano é bem quieto, juro. — Christopher sorria, já que nem ele mesmo
acreditava no que dizia.
— Ah, é? E por que nunca me apresentou esse lado desde que nos conhecemos —
provoquei-o.
— Estou mostrando agora.
Christopher colou seus lábios nos meus em um selinho prolongado. Não demorou muito
para ouvirmos um ruído de vômito.
— Ewww! — Asafe fazia careta e fingia vomitar enquanto apertava a barriga e curvava o
corpinho.
— Cara, faz o favor e dá licença — Chris reclamou em tom de brincadeira
As fez careta e correu até nós, puxando o cós da minha calça em um gesto possessivo.
— Garoto ciumento — Chris sussurrou e o pegou nos braços.
Arregalei os olhos quando o vi colocá-lo de cabeça para baixo. As estava morrendo de
gargalhar. O rosto inteiramente vermelho enquanto seu pai o sacudia.
— Você vai machucar o garoto assim, Chris — eu disse, preocupada.
— Se ele morrer, só vou precisar buscá-lo no inferno de volta. — Deu de ombros.
Tentei argumentar contra, mas, com o quê? Tecnicamente era isso que iria acontecer, não?
Apenas quando As já estava tonto foi que Christopher decidiu desvirá-lo. A criança estava
bêbada e deitou a cabeça no ombro de Chris enquanto ainda ria alto, seu pai fazia o mesmo e eu
só observava com o coração na mão.
Céus! Esses momentos em família ainda iam me matar.
14 de Junho | Sexta
— Eu odeio isso — reclamou ela com as duas mãos no volante e os olhos azuis fixados na
estrada. Seu semblante transparecia toda a sua aflição em meio a raiva. Existia uma dualidade
batalhando dentro de si, entre fazer ou não o que gostaria.
— Se quer ver ela de novo por que porra fica dando voltas nisso? — resmunguei, alheio.
— Eu não vou ceder. Se ela quiser, é ela que tem que me procurar.
— Ela não vai te procurar, mesmo querendo — a interrompi, alto o suficiente para que isso
se esclarecesse em sua mente.
Amara revirou os olhos.
— Eu não vou atrás das minhas fodas, são elas que me ligam no dia seguinte, e já faz cinco
dias e nada. Eu sou ótima na cama, Chris. Não. Eu sou excelente. Se ela não vir atrás, o
problema é todo dela. — A loira deu de ombros, no entanto, isso não amenizou nada. Sentia-se
com o ego ferido, e estava tomada de incredulidade por não conseguir deixar esse assunto de
lado.
— Ah, com certeza você é — provoquei-a, com uma pitada de ironia.
— Eu sou, sim. Pergunte a qualquer uma que já teve o prazer de ficar comigo.
Soltei um riso curto e seco. Eu não estava nem um pouco a fim de entrevistar as trepadas de
Amara, mas sabia que Loren havia gostado do que tiveram no segundo que a vi saindo do quarto
de minha irmã na mansão na manhã seguinte. Dytto não juntou as peças, acreditava fielmente na
heterossexualidade que sua irmã esbanjava pra lá e pra cá.
— Amara, vá chupar uma boceta e me poupe. — Suspirei. — E acelere a droga do carro,
Asafe vai sair da creche daqui cinco minutos, e você sabe como ele odeia esperar.
— Não é como se fossem jogar ele pra fora, ele vai continuar brincando.
— As odeia as crianças e as professoras. Daqui cinco minutos acaba a tolerância dele em
socializar com os pivetes da idade dele, e aí ele sai da creche sozinho porque não aguenta ficar
por muito mais tempo.
Ela franziu a testa.
— Caramba, se ele não fosse seu filho eu pediria um teste de DNA — brincou, ao passo que
afundava o pé no acelerador.
Ninguém gostava de quando Asafe se irritava, então era bom deixá-lo sempre feliz e
sossegado, logo, estávamos sempre à mercê dele.
O toque singular e marcado especificamente para mensagens de uma pessoa em específico,
ressoou do meu celular. Ligeiro, retirei-o do bolso. Amara me olhou de soslaio de maneira
julgosa, mas se reteve. Ela odiava o jeito que eu era quando o assunto era Dytto, porém, fingia
respeitar.

O que Dytto estava aprontando logo tão cedo? Ela não deveria estar focada nas aulas?
Mas o quê?
Ergui as sobrancelhas, coçando a nuca.
— Está tudo bem aí? — Amara investigou, enquanto buscava por uma vaga em frente à
creche.
— Dytto está usando drogas.
Ela sorriu.
— Tô começando a gostar mais dela.

A cada mensagem eu sentia todo o meu corpo se contorcer em agonia pura. Como eu deixei
isso acontecer?
— Me lembra o porquê de eu ter entrado em um relacionamento com uma humana
adolescente — supliquei, afagando o rosto com ambas as mãos.
— Eu diria tesão, mas você faz umas coisas absurdas demais para quem deveria ser só um
rabo de saia, então deve ser amor.
— Amor — repeti a mim mesmo. — Que doença mais estranha. — Fiz careta.
O celular notificou mais outra mensagem em meu colo.
Estávamos chegando a uma negociação interessante.
Foi um bom preço, mas eu provavelmente me arrependeria mais tarde.
O carro parou na vaga, e não tão longe, vi Asafe correr ligeiro para fora da creche, uma
professora que estava logo atrás, tentava contê-lo, visto que era o seu trabalho tomar conta das
crianças, mas ele pouco se importou e disparou em direção ao carro. Sua mochila saltitava em
suas costas à medida em que ele corria. Um largo sorriso enfeitava o seu rosto, mal podia conter
a alegria de se ver livre de uma vida mundana e normal com as outras crianças.
Eu tentava ensiná-lo a não deixar o seu lado demoníaco vir à tona em momentos rotineiros
com outros seres humanos, e ele respeitava isso, apesar de odiar cruelmente. Eu sentia quando
ele parecia prestes a explodir, contendo-se perto de outras criancinhas chatas e choronas, eu
também fazia o mesmo.
Abri a porta do carro e me coloquei para fora, As ergueu os dois braços em minha direção,
peguei-o no colo a tempo da sua professora nos alcançar. Ela estava vermelha, suada e ofegante.
A veia em sua testa pulsava mais forte. Qualquer dia desses teria uma taquicardia.
— Desculpe, senhor Christopher — arfava em meio ao turbulento ato de tentar respirar.
Ela se apoiou nos joelhos. Não deveria ter mais de trinta e cinco anos, mas estava sedentária
demais para quem cuidava de tantas crianças enérgicas.
— Pelo o quê? Deixar o meu filho solto? — impliquei, rude. — Posso te listar inúmeras
coisas que poderiam ter acontecido se eu não tivesse chegado a tempo.
— Sinto muito. Sempre deixamos os portões trancados, mas eu não sei como ele sempre
consegue abrir. Não temos mais chaves reservas e ninguém deixa ele sem as travas fixas. Eu juro
que sempre conferimos ao fechar.
Internamente sorri. Garoto esperto.
Não era culpa dela, mas que mal faria desmerecer o seu trabalho? Eu não estava nem aí
mesmo.
— Estou vendo — ironizei. — Se algum dia uma dessas crianças fugir for atropelada, isso
será culpa sua. — Dei-lhe as costas, sabendo que isso a deixaria mal por um tempo, talvez a
tirasse o sono e a deixasse meio paranoica.
Pelo menos a deixaria mais esperta.
Coloquei As no banco de trás, e enquanto o afivelava na cadeira infantil, joguei uma
piscadela ao meu comparsa.
— Dia difícil? — perguntei-o e ele assentiu como se tivesse tido um dia cheio e trabalhoso,
e não que tivesse apenas brincado sozinho e evitado abraços de todas as tias da creche cheias de
ocitocina. — É, posso imaginar.
Ele não estava para conversas, então deixei que adormecesse.
Partimos em direção a mansão, onde Asafe ficaria com as tias até que eu voltasse de viagem.
Minha rota deveria me levar ao Brasil, mas, por conta própria, a modifiquei.
Eu precisava ir para casa resolver assuntos pendentes bem antes de qualquer outra
prioridade.
E isso não seria nada bom.

O inferno ardia impiedosamente, não pelo fogo, não pela lava ou pelo calor. Porém, pelo
maldito frio incessante que fazia os ossos dos condenados doerem e a carne tremer. A mim
pouco importava. O gelo não penetrava em minha pele dura e áspera. Nada trespassava sobre
mim. A menos que eu permitisse.
Em meu outro eu, em meu verdadeiro paradeiro, eu não era apenas alto, mas gigante,
potente e sólido. Não tinha apenas dois metros, contudo, seis.
Dytto teve apenas o deslumbre do que ela tanto horrorizava. Ela com certeza não saberia
lidar comigo agora, afinal, nem eu próprio tinha tanto controle assim quando estava fora do meu
corpo mortal.
No inferno, eu me modificava completamente, deixando para trás todas as partes ainda
humanas em mim.
Se antes eu aparentava ser um monstro, agora era o pior pesadelo já visto.
A pele completamente cinza. As rachaduras em meu corpo — no momento — não só eram
vermelhas, como transbordavam o sangue de cada condenado. Poderia estancar se quisesse, mas
adorava me deleitar sobre ele. Banhar no sangue dos pecadores me parecia uma linda tragédia.
O rosto, antes com traços negros, agora possuíam cortes mais escuros e profundos. O vazio
era presente onde deveria ter globos oculares em minha medonha face.
A cada passo dado sobre o chão alvo, a neve se afundava, deixando apenas os meus rastros
para trás enquanto caminhava para dentro do inferno Nefarious.
Uma enorme nevasca de flocos de gelo atormentava o lugar, tal como uma praga. A friagem
insensível nunca chegava ao fim. O céu sempre nublado, coberto por uma ventania violenta que
ensurdecia a quem quer que passasse ali pelo chiado grave e pesado que se arrastava.
As árvores secas e mortas estralavam à medida em que eram atingidas pelas rajadas de
vento. Ameaçavam ceder a qualquer instante, mas nunca o faziam. Em um eterno suspense sem
fim.
O caminho era tortuoso e confuso. Qualquer um que não o conhecesse, facilmente se
perderia, indo parar na toca de um demônio faminto pelo medo e desejo de castigar.
O cheiro dos cadáveres podres e em decomposição eram sentidos de longe, porém, mesmo
que mortos, ainda se mexiam, choravam e sentiam dor.
Os miseráveis se arrastavam na neve pedindo para que o frio impiedoso cessasse; estes não
haviam cometido muitos atos profanos, logo eram os que menos sofriam, e por isso eram
deixados avulsos pelo caminho até a fortaleza de demônios.
As montanhas circundavam o buraco no centro deste inferno. Ainda que longe, era possível
ouvir os urros dos errantes que ali, nos montes, eram punidos.
Eles me conheciam, cada um deles. Eu fazia questão de olhá-los enquanto sentiam dor. Era a
melhor sensação que se poderia existir.
Por outro lado, havia uma semente do bem que existia em meu peito, cultivada pela linda
garota que possuía o meu coração. Ela era a única que conseguia me tirar a atenção do dever que
nasci para cumprir, e talvez fosse por esta razão que o meu desgraçado pai a odiava tanto.
À medida em que a muralha de aço e pedras se tornava mais inteiramente visível, constatava
que estava mais perto da entrada de ossos. E, ao finalmente chegar, os portões se abriram
completamente.
Dei passos rápidos, não queria perder meu tempo naquele labirinto.
O lugar era escuro, mórbido e construído em seu interior por enormes blocos de pedra. A
cada passo dado, via um diferente trajeto constituído por ossos, dando acesso à cela de cada
condenado. Segui o meu curso, não me permitindo parar, meus passos foram firmes, não
estanquei, mesmo que estivesse bem interessado em conhecer o motivo de cada grito alucinado e
plangente daquele lugar.
As almas eram ensurdecedoras, barulhentas e implorosas. Choravam por misericórdia para
um Deus a qual abandonaram em vida para que pudessem viver uma vida baseada em prazer
carnal.
A neve, por algum motivo, caia aqui dentro, apesar do lugar ser como uma caixa tampada.
Um exército de demônios agarrava-se às paredes de sangue, esperando pelo momento em
que buscariam a alma pelo qual exigiria a sua atenção pela eternidade. Assim que me viram
entrar, reverenciaram-me em demonstração de respeito.
Passei pelo corredor que dava acesso a outras rotas de sofrimento e caminhei o mais rápido
possível para o altar de meu pai. O primeiro pilar de todos eles.
O pilar onde Christopher I habitava.
Ao pisar em seu santuário de mortes, fui contemplado pelos olhos completamente negros de
minha mãe. Ela não costumava ser assim quando ainda era viva.
Naomi era linda, charmosa e má. Seus enormes cabelos escuros e lisos escorriam pelo seu
corpo, alcançando a sua cintura. Seus traços asiáticos lhe tornavam a mais bela dentre todas as
mulheres da mais alta sociedade de Nabrya. Porém, desde a sua transformação de vida para um
cadáver, sua aparência se tornou sórdida, não tão obscura quanto a minha, mas já não era ela
própria.
Ignorei a sua existência como sempre o fazia. Ela já não existia há muito tempo, de todo
modo. Tudo o que meu pai fazia era alimentar-se do que sobrou de sua alma penada. Ela ainda se
mexia, porém, não proferia mais uma única palavra. Meu pai não permitia. E quando ela não o
obedecia, ele a punia.
Naomi, minha mãe, acreditava que, ao convocar um demônio, poderia negociar. Mas meu
pai nunca foi um demônio qualquer. Ele queria um servo e uma alma para sugar. E conseguiu os
dois, ou quase.
Bem que ele queria que eu fosse tão maleável quanto a minha mãe foi. Contudo, eu sempre
o desafiava.
— Ora, ora. Eis aqui a criatura mais desesperada que já conheci — sua voz reverberou em
seu covil conforme ele se aproximava.
Seu corpo se destacou no momento em que ele despontou das sombras. Sua face não era
como a de nenhum outro demônio.
Seu rosto era jovem, quase que ainda mais que o meu. Sua beleza não possuía data de
validade e era invejável aos homens que almejavam a perfeição.
Seus olhos eram verdes como esmeraldas. O corpo ímpio, torneado e forte. Ele era alto, não
tanto quanto eu em minha forma demoníaca, mas quanto a mim em minha forma humana.
Tínhamos uma certa semelhança, porém, ele conseguia ser ainda mais gracioso e naturalmente
sedutor. Era assim que conseguia atrair a atenção dos que o procuravam.
Meu pai era esperto. Eu sabia que ao negociar com ele, teria que lhe dar algo em troca.
Porém, estava disposto a tentar.
Seus olhos rudes e perversos buscaram os meu e travaram uma guerra silenciosa. Ele estava
sempre em busca de uma boa briga.
— Qual é o motivo de sua presença neste local, criança? Optou por cessar suas
discordâncias com o seu pai?
Dei um passo em sua direção.
— Esqueça a garota que está comigo e a deixe em paz — exigi, num tom de voz mais sério.
Seus lábios curvarem-se num tom rude de maldade.
— E por que eu faria isso? — retrucou, curioso.
— Me diga, fodido pai. Que planos tem reservado para mim? Tenho cumprido com as suas
ordens e realizado cada tarefa que me mandou executar.
— Retorne às suas responsabilidades profissionais, que são inerentes ao seu papel. Evite
distrações com a jovem, ela tem o potencial de comprometer sua concentração.
— Nunca parei com o meu trabalho — rebati.
— Você diminuiu sua produtividade. Deixou de trazer um número significativo de almas.
Não celebrou mais acordos. Você não tem mais cumprido seu papel filial de forma adequada —
seu tom de voz gradativamente se intensificou. — Eu desejo que você cause desordem e se
mantenha nela. Não tenha a intenção de entrar em um lugar de culto novamente, a menos que sua
intenção seja perturbar o espírito daqueles que o frequentam.
— Você pode controlar todo um reino, mas não a mim. Eu faço o meu próprio caminho, e eu
escolho onde pisar. — Dei outro passo em sua direção, mais pesado desta vez, o atrito ao chão
fez com que o barulho ecoasse, se estendesse por todo o ambiente.
— Não crie a sua própria desgraça, Christopher. Te fiz para que fosse o meu melhor
soldado, mas agora age como um tolo. — Ele balançou a cabeça, incrédulo. — Tudo por uma
garota. Ela é impura e suja. Fez coisas horríveis. Você sabe porque está atraído por ela, e não é
porque está apaixonado. Você sabe bem porque a seguiu na floresta. Essa sua fixação por ela,
não passa de um desejo obscuro de tomar o que ela ganhou. Não terá perdão das coisas que fez
como ela ganhou.
Franzi o cenho.
— Acha que estou atrás do perdão angelical? — Uni as sobrancelhas. — Estou pouco me
fodendo para a redenção que ela teve. Ela fez o que fez porque era uma criança e agora sequer
lembra. Eu faço tudo o que eu faço porque eu quero.
Ele riu amargo.
— Seu plano sempre foi desafiar os anjos, e agora você conseguiu. Provou a eles que Dytto
não tem salvação. Livre-se dela ou eu mesmo faço isso.
Ergui o rosto.
— Se o fizer, acabo com qualquer passagem ou rito que ainda o ligue a eles. Eu sou o
caminho entre você e aqueles pecadores fodidos. Sempre que ousar ir contra mim, eu me volto
contra você. E sempre que me prejudicar, eu acabo com a sua diversão — ameacei, mantendo a
postura.
Ele, por sua vez, semicerrou os olhos, ardendo em fúria.
Meu pai sabia que eu poderia destruir o que ele construiu. Eu era o fruto de seu corpo, e o
único que conseguiria o derrotar.
Ele me queria para ser a sua máquina, mas eu era o seu único inimigo realmente a altura.
Estávamos sempre em um impasse. Como a porra de um jogo. Ele mexia as suas peças, e eu, as
minhas.
— Traga-me o maior número de almas. Espalhe mais aflição pelo mundo. E mesmo que
você tente resistir a mim, Dytto já estará sob meu amparo. Eu duvido que qualquer tentativa de
vingança possa compensar a angústia de saber que a responsabilidade pelo sofrimento dela
repousará unicamente sobre seus ombros.
— A alma dela pertence a mim.
— No entanto, ela a ofereceria a mim em troca da segurança de sua família. E estou certo de
que você faria qualquer coisa por aquela jovem — afirmou com convicção. — Cause sofrimento,
Christopher. Inflija dor ao mundo, e então permitirei que ela seja sua — exigiu.
— Está fazendo isso da maneira errada.
Ele deslizou os olhos bem lentamente sobre o meu rosto, de um jeito ameaçador.
— Apesar de tudo, Christopher, sou eu quem te mantenho vivo e são. Poderia te matar no
minuto que em descobri a sua traição. — Ele ergueu uma sobrancelha. — Se livre do Nabrya,
mate-o, enfraqueça-o, e traga ele para mim. Você e eu trabalhamos juntos. Se houver qualquer
outra proximidade entre vocês dois, isso custará um preço alto a você, filho. E eu não te pouparei
do pior.
18 de Junho | Terça
Já havia alguns dias que eu podia sentir a inquietude dentro do seu corpo. Ela não estava
exatamente cansada, como sempre dizia para todos; ela estava angustiada. Absorta em dores que
ninguém além dela mesma poderia ser capaz de entender.
Eu sabia que algo ruim tinha acontecido a ela desde o momento em que a vi pela primeira
vez.
Era feio, obscuro e monstruoso.
Loren passou anos de sua vida liberando parte de sua amarga raiva nas pessoas que
conviviam ao seu redor. Entretanto, aquilo continuava ali, dia após dia, e não importava o
intervalo de tempo que tínhamos entre todas as vezes que nos encontrávamos, eu sempre sentia a
mesma dor reverberando dentro dela.
A dor da perda, do roubo, da humilhação e do medo.
Ela tinha o inferno inteiro dentro de si.
Aquela habitual sensação ruim me atingiu no minuto em que cheguei em frente à casa da
família Bell, todavia, aquilo me arrebatou de uma maneira ainda mais fatal.
Loren situava-se ainda pior que nos outros dias. Ela estava sentada na calçada, em frente aos
portões de sua casa. As pernas inclinadas para a esquerda, as mãos sobre os joelhos e os olhos
vermelhos.
Sua respiração era ofegante e descompassada. As bochechas pintavam-se de um tom rubro,
enquanto a pele estava úmida de suor, embora o sol tivesse decidido nos aquecer hoje, o clima
ainda era frio.
Em uma de suas mãos trêmulas, um cigarro enfeitava os seus dedos, ao passo que a mão
livre beliscava o próprio pulso.
Eu sabia que era outra crise acontecendo, mas ela sempre saía de casa para não assustar
ninguém. Ela queria esconder suas dores de todos eles, até mesmo de Dytto... principalmente de
Dytto.
Loren havia criado uma maneira própria de camuflar suas aflições aos olhos de sua família,
e a executava com perfeição. Fez isso como forma de mecanismo de defesa, e pode-se dizer que
deu certo.
Seus pais eram ocupados demais para darem o devido afeto e a atenção que a filha
precisava. Sua irmã, no entanto, parecia certa de que Loren lhe contaria se algo a ocorresse,
então acreditava fielmente que o seu jeito desnaturado era apenas uma rebeldia da idade.
Estacionei o carro ao seu lado, mas nem mesmo o som do motor ou os faróis acesos sobre
ela a fizeram acordar daquele pesadelo. Inerte, ela sequer notava qualquer coisa em seu entorno.
Presa em seu sofrimento, os olhos assustados estagnaram-se na paisagem alheia.
Minha natural reação teria sido recuar e voltar em um outro momento, quando não estivesse
mais aqui. Eu provavelmente chegaria atrasado ao compromisso marcado com Dytto, porém, não
teria que passar por Loren e fingir que ela não estava se torturando.
Suspirei, girando a chave na ignição.
Eu tinha que fazer aquilo.
No instante que desci do automóvel, fui agraciado pelos berros estraçalhados providos de
sua casa. Ao que parece, papai e mamãe Bell haviam chegado, no entanto, a farsa do casamento
perfeito tinha se encerrado.
Ambos gritavam um com o outro como dois animais atrás daquelas paredes chiques nas
quais escondiam seus fracassos.
Evitei deslocar a minha atenção para eles e caminhei em sua direção. Somente quando eu já
estava perante os seus olhos que ela despertou.
Franzi as sobrancelhas e apontei com o queixo para o cigarro que ela segurava, desviando os
olhos do seu pulso rasgado por suas unhas.
— Preciso de uma tragada se vou ser obrigado a esperar a sua linda irmãzinha ao seu lado,
com esse teatro de " O Corno e a Vadia" como fundo sonoro.
Seu rosto travou, como se precisasse de um segundo antes de conseguir retomar às suas
funções. Ela arregalou os olhos, e então piscou repetidas vezes, de modo que parecia acordar de
um sonho, observou em volta e então retornou o olhar para mim.
— O quê? — indagou, confusa.
Em resposta, bufei impaciente.
Sentei-me ao seu lado na calçada. Não dei-lhe tempo para conversas. Arranquei o cigarro
pouco tragado de sua mão e o levei a boca.
— Quanto tempo até a Dytto sair? — perguntei.
Ela pigarreou, esfregando suas mãos no rosto.
— Talvez dez ou quinze minutos... Eu sei lá — sua voz estava rouca. Ela balançou cabeça,
frustrada. — Devolve o meu cigarro — implicou, irritada, pegando-o de volta.
— Porra... — murmurei, inquieto.
— Se a minha presença é tão desconfortável a você, espera na droga do carro, Christopher.
Dytto não vai te amar mais se você fingir que me tolera — retrucou, indignada.
— Eu sei que não. Mas ela gosta dos mocinhos, então tô me comportando. — Balancei os
ombros.
— Não vai receber um troféu de honra por estar aqui.
Sorri de canto.
— Vem cá, não devia estar fazendo nada de mais interessante não?
— Tipo o quê? Ficar lá dentro ouvindo aqueles dois idiotas gritarem um com o outro? Não,
valeu — debateu, com um expressão desgostosa.
— O que é, não tem mais amigos? — provoquei.
— Eu tenho amigos, Chris. Eu só não tô a fim de sair.
— Sei.
— Eu tenho amigos, sim. O que te faz pensar que não? — irritou-se.
— O fato de você ter transado com o namorado da sua melhor amiga meio que contribui um
pouco pra ninguém querer ficar perto — roubei o seu cigarro de volta.
Seu semblante caiu por terra. Notei quando um nó sufocou sua garganta e as lágrimas
contidas preencheram os seus olhos. Loren tomou o cigarro de mim e o levou aos lábios, dando
uma longa tragada para sufocar o choro. Ela virou o seu rosto, deixando que o cabelo o cobrisse.
Ok. Talvez eu tenha pegado um pouco pesado.
Suspirei irritado, querendo socar a mim mesmo. Não por tê-la magoado, mas por saber que
teria que a consolar. Eu normalmente nunca faria isso, porém, sua irmã era a minha namorada, e
eu precisava que Dytto tivesse algo pelo qual acreditar em mim.
— Merda, Loren — cochichei, pesaroso — Me conta o que está acontecendo.
— Não há nada acontecendo — ela se esforçava ao dizer para que não caísse no choro
enquanto o fazia.
— Você não costuma ser tão sensível assim.
— Não finja que se importa, Christopher. Eu te conheço. Não faz isso. Não precisamos
disso.
— É por causa do que eles fizeram com você? — questionei, direto.
Sua cabeça se moveu bem lentamente em minha direção. Suas sobrancelhas estavam
franzidas e os olhos carregados em surpresa. Os lábios entreabertos denunciavam o seu choque.
— Você sabe? — arfou, atônita. Parecia querer morrer naquele instante.
— Sim, eu sei. Desde um pouco depois do ocorrido — admiti.
— Q-quem contou? — sua voz tremeu chorosa enquanto uma lágrima solitária desabava em
sua bochecha.
— Os ouvi conversando na floresta. Estavam se gabando pelo vídeo que fizeram.
Sua respiração trepidou. Rapidamente Loren sufocou os lábios, mudando a direção de seu
olhar sem um rumo definido. Estava perdida.
— Você sabia o tempo todo — murmurou para si, em assombro.
Toquei o seu ombro, em uma genuína tentativa de consolo. Eu não era muito bom com isso,
mas me esforcei.
— Todo esse tempo, achei que ninguém soubesse — lamentou, sôfrega.
— Acredito que só eu, além deles quatro, saiba.
— Foi por isso que nunca me quis — afirmou com convicção. — Tinha nojo de mim? —
sussurrou receosa, à espera de minha resposta, pois ela sabia que seria sincera.
Frisei a testa. Eu não achei que esta seria a conclusão ao saber que eu tinha conhecimento de
seu segredo ao qual ela lutava tanto para esconder.
— Nunca te quis, porque nunca senti atração por você — esclareci — Isso não tem nada a
ver com o que te fizeram.
Ela me olhou, o rosto banhado em lágrimas.
— Como não? — discordou. — Você assistiu o que eles fizeram comigo. Viu a forma que
eles se aproveitaram do fato de eu estar bêbada. — Ela soluçava ao dizer. — Deve ter me achado
suja e deplorável.
— Eu nunca vi o vídeo. — Ergui a sobrancelha. — E eu nunca te vi dessa maneira. —
Respirei fundo. — Não sou piedoso, Loren. Não sou empático e nem sentimentalista, mas não
etiqueto ninguém.
— Sente pena de mim?
Balancei a cabeça.
— Não. Não sinto nada em relação a você — fui franco. Seus ombros relaxaram.
Ela assentiu.
— Ótimo! — declarou, mais fria desta vez.
Ela soltou o cigarro no chão e o esmagou com a bota.
— Mas não acho justo o que aconteceu — acrescentei. — Não sou bom, e nem espero coisas
boas de ninguém. Só que... eu fui atrás.
Ela uniu as sobrancelhas, intrigada.
— Queimei a câmera com o vídeo e os fiz machucarem um ao outro por diversão. —
Intensifiquei o meu aperto em seu ombro. — Eles se mutilaram para sobreviver. — Levei meus
dedos para o seu queixo e ergui o seu rosto, para que ela se sentisse acima da situação e melhor
do que qualquer um deles. — Aprecio que você tenha se tornado tão má com tudo isso, Loren.
Gosto de como se tornou. Agora pare. Pare de se torturar por causa deles.
— Se livrou do vídeo? — Seus olhos se arregalaram quando se deram conta e inundaram-se
em gratidão.
— Sim.
Ela mordeu o lábio trêmulo.
— Obrigada — murmurou, aliviada. Parte da pressão em seu peito se desfez, como se um
elefante desmontasse de cima dela. Loren parecia finalmente respirar novamente após anos.
Por educação, sorri bem brevemente e a livrei de meu toque.
Ela tentava limpar as lágrimas correntes em seu rosto, mas pareciam minar a cada segundo
mais. A emoção de estar livre a abraçava com maravilha.
— Eu achei... Por todo esse tempo, eu achei que poderia acabar encontrando esse vídeo em
algum site a qualquer momento. — Ela sorria ao desabafar. — Mas ele não existe mais. — Loren
ergueu sua cabeça ao céu. — Ele não existe mais. — Chorava feliz.
Eu, do contrário, me sentia estranho em estar exposto a uma situação adversa as que eu
geralmente causava. Eu não era o mocinho, não fazia ninguém feliz. Não sentia picos de
felicidade ao vê-la assim, tampouco sentia-me melhor ou grato. Era só... desconfortável. Não
havia nascido para tornar o mundo das pessoas melhor.
— Certo. Espero que isso te faça ser menos rabugenta — tentei descontrair.
Preferia quando estávamos brigando.
— Disse que fez com que eles se mutilassem para sobreviver. — Ela me olhou, confusa. —
O que aconteceu depois?
Agora eu senti picos de alegria. Felicidade real. Euforia corria em minhas veias.
— Nunca mais ninguém os viu, não é? — comentei de forma alusiva.
Loren manteve-se concentrada no que eu dizia. Sabíamos o que eu havia cometido, mas não
dissemos mais nada.
Ela voltou a olhar para a rua, pensativa.
— Eu faria qualquer coisa para ter visto isso — soltou, baixinho.
Meu celular vibrou no bolso da calça e rapidamente o peguei, já sabendo de quem se tratava.
— Dytto está vindo — alertei-a.
— Merda. — Ela saltou do chão. — Eu vou indo antes que ela me veja assim — disse,
enxugando o rosto inchado de choro.
— Beleza. Cai fora.
Ela sorriu. Os olhos brilhavam.
— Até mais, Slenderaman pirocudo.
Revirei os olhos. Porra de apelido.
— Só mais uma coisa — pontuei, chamando a sua atenção. — Sei que você e a Amara
curtem colar velcro, mas me faça o favor de visitar ela logo. Eu não aguento mais aquela folgada
me falando do quanto foi bom foder você.
Seu rosto inteiro enrubesceu.
— Diga a ela que aquilo foi um erro.
— Diz você, eu não sou papagaio — retruquei, rude.
— Seus momentos de tolerância duram bem pouco, não é, cara?
Umedeci os lábios e balancei os ombros. Loren me deu as costas e saiu com passos
apressados.
Um segundo depois e Dytto passou pelo portão de sua casa.
— O que estavam fazendo? — estranhou, mudando seu olhar entre mim e Loren na calçada
do outro lado da rua, indo embora bem rapidamente.
— Brigando. Sua irmã é insuportável.
Ela balançou a cabeça.
— Vocês dois são como cão e gato.
Eu sorri.
— Por você, eu deixo que ela saía ilesa de todas as nossas brigas.
— Não está sendo honesto, você deixa a sua irmã bater na minha — argumentou, bem-
humorada.
Levantei-me da calçada, caminhando em direção a linda garota a minha frente. Vestida em
um vestido azul-claro com um casaco marrom felpudo sobre ele.
— Não é a mesma coisa — rebati, descendo os olhos por toda ela com satisfação.
Tão linda. Tão minha.
— Você indiretamente a fere.
Suspirei.
— Vem logo aqui. Eu preciso que você me recompense antes de eu fazer o que estamos
prestes a fazer.
Ela riu.
— Eu vou. Assim que a minha ginecologista deixar. Mas por enquanto, somente beijos e
abraços.
Fiz careta.
— Ew.
— Eu sinto tanta falta quanto você, Diabão. Mas você esqueceu que eu sou uma humana, e
agora eu preciso de remendo em um lugar bem particular e a culpa é sua.
Puxei-a pela cintura e a beijei. Deixei que todos os meus receios e preocupações diante ao
nosso destino junto se destilassem por um momento e me afoguei nela.
Eu a queria e me esforçaria para tê-la em segurança. Isso deveria bastar, ou então, eu
enlouqueceria.
— Eu amo você — sussurrei, os lábios colados nos seus.
— Eu também te amo. — Senti-a sorrir.
Fechei os olhos e a apertei em meus braços.
Isso estava me matando. Ver para onde caminhávamos, estava me matando.
— Queria poder te guardar somente para mim — cochichei em seu ouvido.
— Imagino que este seja o seu plano desde sempre — brincou, rindo.
Tentei sorrir, mas soou forçado.
— É. É o meu plano, Dingo Bells.
Ela ergueu o seu rosto para mim.
— Está pronto para ser maquiado por mim? — ela reluzia felicidade.
— Nem um pouco.
Dytto se colocou na ponta dos pés e beijou o meu queixo.
— Pois devia. Vou te deixar uma gatinha.
— Vamos logo.
Enquanto eu a levava para o carro, Dytto pulava na ponta dos pés como uma criança arteira.
O que eu não fazia por ela?
18 de Junho | Terça
Seus olhos lacrimejavam toda vez que eu — acidentalmente — os furava com o pincel de
maquiagem.
Christopher não reclamava, mas era nítido o seu desconforto toda vez que acontecia, porque
apertava as pálpebras e respirava fundo. Ele mantinha-se parado, mesmo que soubesse que eu
acabaria fazendo novamente.
Repetindo: POR ACIDENTE.
A missão mais difícil naquele momento foi conter a gargalhada presa em minha garganta.
Eu sentia vontade de berrar aos risos, mas Christopher estava tão concentrado em apenas ser
o meu modelo, que me esforcei para terminar o que eu fazia.
Estávamos na sala de teatro da escola. Cada participante do concurso havia ganhado uma
mesa de maquiagem. Alguns professores se dispersaram no ambiente para supervisionarem.
Poucas pessoas permaneciam na sala, já que havia outros campeonatos bem mais interessantes
no ginásio.
A mínima plateia, no entanto, mantinha os olhos vidrados naquele grande homem sendo
pintado por uma garota como se fosse uma boneca.
Todos os outros participantes eram mulheres, apenas Christopher, o único homem, se dispôs
a fazer parte do time, não por escolha própria, óbvio, mas acho que ele queria muito me ver em
uma calcinha bonita. Apesar de que seria apenas isso ao que teria direito, por um tempo, até que
pudéssemos fazer sexo novamente.
Seus olhos já estavam finalizados. Pintei-os de um tom azul, e esfumei o côncavo com tons
mais escuros da paleta. No início dos olhos, adicionei um brilho discreto, que se mesclou ao azul
do meio para o final de sua pálpebra. Passei lápis preto nas bordas do seu olho, misturando-o em
tons médios de azul, abaixo de sua linha d'água. Fiz delineados quase parecidos em cada lado.
Em todo o processo, devo ter enfiado o pincel umas cinco ou seis vezes dentro do seu globo
ocular, e mais outras três vezes com o pincel do rímel.
Christopher já havia desistido de não ser alfinetado, então apenas me permitia massacrá-lo
naquela cadeira. Por um momento, senti pena, até me lembrar de que meu útero estava bem mais
destruído do que seu olho.
Preparei a pele com tons mais frios e finalizei passando um gloss em seus lábios.
Eu era mesmo muito boa nisso. Só não tinha a menor coordenação motora.
— Estou bonito, Dingo Bells? — perguntou, de olhos fechados. Por precaução, imagino.
Acho que ele ainda esperava o momento em que eu o cegaria.
— Está linda, Christina. — Sorri, satisfeita.
Ele tocou a minha coxa, mas imediatamente o afastei.
— Não pode apalpar a maquiadora — adverti, varrendo o lugar para ter certeza de que
nenhum professor nos viu.
Ainda éramos falados por aqui. A maioria dos alunos possuíam consciência de que
formávamos um casal. Existia um boato ou outro que nosso relacionamento começou quando ele
ainda era o estagiário. Bom, não era exatamente um boato, mas ninguém poderia provar que se
iniciou ali.
Eu nem sei exatamente quando viramos um casal, já que para Christopher, aparentemente,
eu sempre pertenci a ele.
A Torre Tatuada fez careta.
— Você é a minha namorada — protestou.
— No momento eu sou só a sua maquiadora. Agora fique quieto, irei passar o iluminador.
Ele suspirou, cansado.
— Tenho que ir rápido, o tempo está acabando — avisei, encarando o cronômetro. —
Droga, não vou ter tempo para os cílios postiços.
— Ah, que ótimo! Assim não vai poder grudar os meus olhos também.
— Se continuar reclamando, irei grudar a sua boca — cochichei, séria.
— Grossa! — cochichou de volta.
— Shiii. Eu vou fazer você comer pó, hein.
Christopher abriu um dos olhos.
— Me lembre de nunca deixar você se tornar maquiadora.
— Não me irrita. Eu não sei trabalhar sob pressão.
Ele sorriu, mas se manteve quieto.
Quando o alerta foi dado e o júri decretou o fim do concurso, não pude mais tocar no meu
modelo gostoso e tatuado. Larguei as maquiagens na mesa e recuei um passo.
Dois avaliadores passavam em cada dupla de um por um, verificando cada maquiagem feita,
ao todo, éramos cinco concorrentes.
Eu me sentia em um daqueles programas de TV. Minha barriga doía de ansiedade, mas acho
que não os impressionei tanto quanto desejava, pois mantiveram a expressão imparcial todo o
tempo em que passaram encarando o meu namorado.
Christopher tentou roubar, jogando uma piscadela para a avaliadora, eu teria o criticado, se
eu não estivesse tão doida pelo prêmio.
Sobre o prêmio, eu menti para ele quando disse que valeria nota. O prêmio era, na verdade,
uma camiseta autografada pelo Zayn Malik e trezentas pratas.
Eu tinha uma queda por ele desde muito tempo, mas acho que meu namorado não ficaria tão
satisfeito assim se soubesse que eu o maquiei apenas para ganhar algo de outro homem.
— Acho que não temos chance. — Fiz beiço, observando os avaliadores unirem-se.
— Se você quiser, eu posso...
— Não! — o interrompi. — Quero vencer de maneira limpa.
— Bobagem. — Ele revirou os olhos.
Por mais decorado que Christopher estivesse, ainda mantinha aquele olhar potente em seu
rosto másculo. Eu poderia dizer que estava ainda mais apaixonada ao vê-lo assim.
— Você todo maquiado assim, é uma gracinha — comentei, abobalhada.
— Eu preciso me ver — pediu.
Busquei pelo espelho de mão sobre a mesa e lhe entreguei. Christopher avaliou a si próprio
minuciosamente. Fiquei meio tensa quando notei que ele realmente analisava detalhe por detalhe.
— Não gostou? — perguntei, desanimada. Ele estava se encarando a tempo demais.
Christopher sorriu para mim.
— Desculpe, amor. Eu estava tentando enxergar, meus olhos ainda estão cheios de
maquiagem. — Ele balançou as sobrancelhas. — Você é fera! — disse, admirado.
Minhas bochechas esquentaram. Juntei as mãos e encolhi os ombros.
— É, eu sei. — Sorri, convencida.
Bom, foi um momento legal. Mas em resumo, nós não vencemos o concurso.
Christopher fez menção em roubar o prêmio, mas o adverti, dizendo estar tudo bem. Ele
ainda insistiu, mas quando lhe contei o que era, pareceu convencido com a minha derrota.
Depois de todo o meu trabalho, fotografei-o ao máximo que pude. Gostaria de ter
lembranças da minha maquiagem antes dele lavar tudo aquilo.
Passamos pelo menos meia hora para Christopher se livrar da maquiagem. Seus olhos ainda
possuíam resquícios de lápis de olho quando terminamos, mas ele já não tinha mais paciência
para remover.
Eu ainda não queria voltar para casa. A manhã inteira havia sido regada de brigas pelos
meus pais. Estavam infelizes, por isso haviam viajado anteriormente, mas desde que retornaram,
pareciam ainda pior.
Queria me distrair antes de voltar para aquele tornado sem fim. Qualquer mínima coisa era
motivo para eles dois iniciarem outra discussão que só terminaria horas depois.
Christopher e eu andamos por toda a escola, acompanhando campeonato por campeonato.
Foi estranho ter tantos olhares curiosos sobre nós dois, mas era inegável que estávamos juntos,
então não vi motivo para nos escondermos.
Meu coração murchou um pouco quando um único olhar nos encontrou.
Luc.
Ele acenou de longe e gentilmente sorriu, embora seu rosto demonstrasse aflição ao nos ver
juntos. Christopher pouco se importou, não curtia drama adolescente, então apenas seguiu
caminho. Sempre indiferente a tudo.
Eu o respondi com um outro aceno, porém durou pouco antes de sua atenção ser roubada por
uma garota que o cumprimentava. Esperava verdadeiramente que estivesse feliz e que se
apaixonasse por alguém o mais rápido possível.
Odiava isso tudo. Éramos grandes amigos, porém, agora, parecíamos apenas estranhos que
se cumprimentavam de longe.
Busquei olhar para Christopher. Não ia deixar que meus sentimentos estragassem o dia.
Foi somente quando a escola já estava fechando que Christopher e eu saímos em busca de
um outro caminho. Ele sabia como eu me sentia em relação aos meus pais, então não tocou no
assunto.
Não pegamos o carro, decidimos dar uma caminhada pela cidade.
Sua mão quente aquecia a minha. Ele a segurava firmemente, mantendo-me sempre perto do
seu majestoso corpo. Ambos mergulhados num completo silêncio conforme andávamos com
passadas alheias nas ruas de pedra de Vespeau, no entanto, sentia-me absolutamente confortável.
Desfrutávamos da companhia um do outro como se estivéssemos em um primeiro encontro.
Nossos corpos às vezes colidiam sem querer, e às vezes, eu fazia de propósito, apenas para o
sentir mais perto. Sentia-me como uma boba apaixonada ao seu lado, estava alegre com o nosso
dia juntos.
A noite estava gélida, carregando consigo uma brisa que me fazia encolher no casaco. O céu
fora tingido por um vermelho vivo. O barulho dos trovões estrondava entre as nuvens carregadas.
A ponta dos meus dedos e nariz haviam adormecido com o frio. Supus que voltaríamos para
casa antes do anoitecer e desconsiderei meia calça ao sair. Agora, meus pelos se eriçavam e meus
dentes rangiam um no outro.
Meus lábios estavam letárgicos. Eu usava o meu cabelo como um tipo de cachecol ao redor
do pescoço, era o máximo que havia conseguido para me esquentar.
Passávamos por um beco — que dava acesso a outra rua —, quando Christopher sorriu e me
apanhou pela cintura, segurando-a com a sua enorme mão. Seus olhos traquinas e brincalhões
prenderam-me de um jeito que me fez sorrir.
Ele deu passos em minha direção, guiando-me a andar para trás até que estivesse
encurralada entre ele e a parede de roxas.
— Está tão linda — murmurou, aproximando o seu rosto do meu.
— Estou, é? — Alarguei o sorriso.
— Quis te dizer isso o dia inteiro — confessou, tocando os lábios nos meus.
Christopher depositou um beijo apaixonado, lento e modesto. Sua língua adentrou a minha
boca para envolver-se com a minha. A intensidade do seu beijo fez com que meu coração
disparasse e meu corpo aquecesse.
Envolvi os braços em seu pescoço e ele cuidadosamente envolveu os seus envolta do meu
corpo, erguendo-me do chão.
Sua urgente necessidade por mim fez com que nossos lábios passassem longos minutos
saboreando um ao outro, como uma exigência.
Meus dedos enroscaram-se em seu cabelo negro. Fiz questão de pressionar seu rosto contra
o meu. Estava sedenta pelo seu amor. Buscava fôlego em seu beijo e abrigo no seu abraço.
Embora eu ainda o quisesse por muito mais tempo, suas ações finalizaram-se cedo demais.
Ele se afastou de repente, possuía um olhar completamente diferente do meu, que era, portanto,
apaixonado e desejoso, enquanto no seu, residia desconfiança e incredulidade.
Suas sobrancelhas grossas estavam frisadas e os olhos verdes possuíam descrença. Via o
ódio consumindo cada traço seu, roubando todo o bom humor que existia em sua face há
segundos.
Num rápido gesto, Christopher devolveu-me ao chão e girou os calcanhares. Notei que sua
próxima ação seria partir para cima de quem quer que tivesse o tirado do sério, por isso, segurei
o seu braço com o máximo de força, até que eu tivesse o panorama completo da situação.
No segundo em que tive o vislumbre da razão de seu descontrole, intervi como pude, e
agarrei-me à sua cintura.
— CHRISTOPHER, NÃO! — o grito rasgou desesperado de minha garganta.
Ele estagnou os passos, tentava me arrancar dele, mas isso só me fazia o apertá-lo ainda
mais.
A risada do seu adversário estourou no beco em que nós nos situávamos. Sabia que ele
estava ali apenas para provocar um conflito, e isso não acabaria bem.
— Chris, por favor, não. Eu tô pedindo — supliquei, abraçada a ele.
— Dytto, me solta — sussurrou entredentes.
— Por favor, Chris. — Tentei tocar o seu rosto, mas ele se esquivou. — É isso o que ele
quer. Você sabe que é isso o que ele quer.
— Eu quero? — Nabrya questionou, irônico.
— Se não é o que quer, então por que droga está aqui? — esbravejei.
Ele curvou o canto dos lábios. Seu corpo estava deliberadamente repousado no canto da
parede de pedras.
Suas mãos mantinham-se nos bolsos de seu jeans. A blusa branca e larga balançava ao
vento, no entanto, parecia indiferente ao frio, bem como Christopher.
— Seu namorado e eu temos assuntos pendentes. Negócios — esclareceu, com certo
atrevimento.
— Em um outro lug... — Christopher dizia.
— Que tipo de negócios? — me envolvi.
Nabrya intrigou-se e Christopher me lançou um olhar furioso.
— Seu namorado não te conta muitas coisas, não é?
Soltei a cintura de Christopher.
— Mas você sabe de muita coisa, não sabe? — afrontei-o.
— Dytto! — a voz de Christopher soava como um alerta agressivo.
Se isso o incomodava, quer dizer que eu estava a um passo da verdade.
Nabrya nos entreolhava, curioso.
— Seu namorado é um grande trapaceiro, querida. Ele acha que pode jogar o jogo de dois
reis sem ser eliminado do tabuleiro. Mas esquece que é descartável para ambos.
— Adoraria se não fosse tão enigmático. — A pressão no meu braço me fez sobressaltar em
um susto.
Christopher pressionava sua mão em mim. Os olhos fincados nos meus ardendo em raiva.
— O que te assusta mais, Christopher? — Nabrya murmurou, maldoso. — Ela saber a
verdade sobre você... Ou sobre ela?
Franzi o cenho.
— Christopher, me solta — pedi, tentando escapar, mas já era tarde.
Ele não iria me deixar ouvir, tampouco me soltaria. Sentia que este, talvez, fosse o momento
sobre o qual ele tanto me ameaçava. Christopher não queria que eu descobrisse nada sobre ele, e
fazia questão de me prometer o pior sempre que eu estava perto.
— Vamos para casa — pedi. — Podemos resolver isso de outro jeito.
— Você é muito bom é coagi-la — Nabrya comentou, risonho. — Mantê-la na coleira é o
único jeito dela te amar. — Ele riu. — Tão sujo.
— Desgraçado — Chris rosnou.
— Devia ter me obedecido — o samurai sussurrou, ameaçador. — Pelo que eu soube, sua
viagem não foi muito bem-sucedida.
Recuei um passo, mas Christopher novamente me puxou para mais perto.
— Vamos, Chris. Por favor. Eu estou com frio — implorei.
— Não tenha medo, Dytto. Christopher não vai te matar — Nabrya disse encarando-o. —
Ele jamais seria capaz disso, mesmo que a odiasse com todas as forças. Mesmo que precisasse
muito fazer isso.
— Não — Christopher concordou — Eu jamais a mataria. Mas você... — Ele sorriu,
apontando para o demônio à sua frente. — Terei o prazer de arrancar a sua cabeça.
— Por um segundo... — Nabrya gesticulou um pequeno espaço entre o dedão e o indicador.
— Eu pensei mesmo que seria capaz de ir contra o seu pai. — Ele balançou a cabeça,
decepcionado. — Mas ainda está aqui, querendo me matar a mando dele.
Christopher soltou uma risada incrédula.
— Acha que eu vou te matar por causa dele? — Riu outra vez. — Você acha mesmo que eu
preciso de você ou do meu pai? — Ele curvou o canto dos lábios. — Sou melhor do que vocês
dois. Sou pior do que vocês dois. A única coisa que me impede de destruir tudo... — Ele parou
por um segundo, suspirando firme. E então, seus olhos vieram para os meus. — Vocês dois
sabem que é ela, e é por isso que estão tão desesperados.
Meus olhos naturalmente se arregalaram diante de sua confissão.
Eu era o que impedia Christopher? Eu?
— Se a ama tanto assim, por que nunca contou o que o seu pai está tramando contra ela? —
Nabrya soltou em revolta. — Ou, até mesmo, contra a família inteira dela?
Juntei as sobrancelhas.
— Christopher — chamei-o em desespero. — O que seu pai está fazendo?
Ele fechou os olhos com força.
— E não me diga que isso não é da minha conta — apressei-me em dizer. — Eu juro,
Christopher... — Apertei os dentes um contra o outro, sem conseguir terminar.
— O seu adorável sogro quer te destruir, Dytto. É isso que o seu covarde namorado não quer
contar — Nabrya novamente se intrometeu. — Ele está brincando com a sua família. Um por
um. E se vocês não terminarem o que tem, não vai demorar muito a ter um túmulo da família
Bell por aqui.
Meu coração batia como um louco no peito. Minha garganta secou e minhas pernas
tremularam.
— N-não.
Christopher não se movia, mantinha-se completamente imóvel, sem nunca soltar-me dele,
como se eu fosse fugir a qualquer instante.
Eu não sabia o que sentir. Doía. Tudo doía.
Todo esse tempo existia uma chance real de algo ruim acontecer a minha família, mas, por
egoísmo, Christopher nunca me contou. Nunca me deixou ir embora.
Por puro egoísmo.
— Você nunca ia me contar, não é? — a mágoa era evidente em minha voz.
Nabrya aproximou-se um pouco mais, prestes a jogar mais segredos sobre nós dois.
— Além do mais... — continuou, entretanto, ele não finalizou o que dizia, pois foi
abruptamente interrompido pelo ruído sonoro de um suave e agudo violino tocando em meio a
escuridão. Isso fez com que o Samurai risse alto. — Bem na hora! — alegrou-se.
— O violinista. — Christopher se deu conta de alguém que parecia conhecer. — Que porra é
essa, Nabrya? — rugiu.
Ambos pareciam saber exatamente do que aquilo se tratava, enquanto eu, permanecia no
vazio, atolada em dúvidas e confusões.
— O que está acontecendo? — Meus olhos buscavam o local de onde aquele melancólico
som provinha, mas parecia vir de todos os lados e lugar nenhum.
— Ah, este? — Nabrya pontuou. — É só um dos filhos de Christopher.
Franzi a testa
— Quantos irmãos a mais você tem? — rechacei.
— Não, não. — O homem alto e perverso novamente se meteu. — Não Christopher o pai
dele. Mas o seu Christopher.
Me espantei.
— Dytto, não é assim que você está pensando — meu namorado se pôs a tentar explicar,
mas Nabrya continuava a me bombardear.
— Bom, esse não é o único filho. E veio diretamente do inferno para fazer uma visitinha a
vocês dois.
— Do inferno? — apavorei-me.
— Dytto. — Christopher segurou o meu rosto com ambas as mãos. — Se acalma, está bem?
— Quantos filhos mais você tem? — berrei.
— Uns 17 — Nabrya respondeu sorrindo.
— 17? — explodi.
— Dytto, eu... — Chris ainda tentava dizer algo, mas o seu arqui-inimigo não lhe dava
tempo.
— Milhões — o Samurai acrescentou.
— Cala a porra da boca, Nabrya — Christopher se enfureceu, partindo para cima do
demônio ao seu lado.
No mesmo instante, um barulho agudo e desafinado estilhaçou em meus ouvidos, fazendo-
me gritar.
O ruído parecia urrar dentro da minha cabeça. Cobri os meus ouvidos e joguei-me de joelhos
no chão, desorientada. O estrondo feria os meus ouvidos. Tive a sensação de que meu cérebro
explodiria. Porém, durou pouco e, de repente, o zumbido cessou.
Christopher já estava de joelhos à minha frente. Os olhos agitados em preocupação.
— Ei. Está tudo bem? — Ele tocava o meu rosto. Afastou a minha mão e checou os meus
ouvidos.
Minha cabeça rodopiava, enquanto um eco preenchia os meus tímpanos. Sua voz me era
distante e minha visão estava embaçada.
— Porra! — Ele encarava a sua mão ensanguentada.
— O-o quê? — Eu o olhava confusa.
— Nabrya — explicou. — Ele olhou sobre os ombros, mas já estávamos sozinhos.
A melodia do violino sumira também. Não havia mais ninguém ali.
— Chris... — Respirei fundo, estava assustada e perdida.
Ele encaixou o seu dedo em meu queixo.
— Vamos resolver isso. Agora se levante, temos que ir.
— Quem era... Quem era?
— O quê? — Ele balançou a cabeça, apressado. — Vamos, Dytto — chamou, impaciente.
— O som. O que era aquela coisa? O som na minha cabeça. Você também ouviu?
Ele suspirou.
— Dytto, Nabrya está colocando meus filhos contra você.
— Filhos? — a palavra ainda era irreal em minha cabeça.
— Eu tenho proles em todo o Nefarious, amor. Nós demônios não nos reproduzimos como
os humanos. A minha presença no inferno basta para que um novo demônio seja criado. — Ele
afagava o meu rosto ao me explicar. — Agora eles são vários, e me querem no comando.
Precisam de mim, por isso querem te afastar.
— Ele tentou me matar?
— Não, amor. Ele mandou um aviso. Nenhum deles tem permissão para tocar em você.
Christopher beijou o meu rosto.
— Vamos. Nabrya está nos rondando sem parar. — Ele ergueu-me do chão.
Eu não sei o que aconteceu depois. Minha mente fora tomada pela escuridão. Desmaiei no
segundo em que fui colocada de pé.
18 de Junho | Terça
Pouco a pouco, eu recobrava a consciência. Minha cabeça latejava impiedosamente e um
zunido baixo incomodava os meus ouvidos.
Christopher me tinha em seu colo, no banco do motorista do seu carro. O aquecedor estava
ligado, mantendo o ambiente agradável. Sua mão gentilmente afagava a minha face, seus olhos
me observavam, carregados de preocupação. Assim que notou que eu despertara, respirou fundo,
aparentemente aliviado.
— Você está bem? — questionou, num volume mais suave.
Pisquei algumas vezes, sentia a garganta seca.
— Eu não sei — cochichei, ainda com dificuldade em manter os olhos abertos.
Tentei esticar o corpo, mas eu estava enrolada por cobertores. Não sabia como Christopher
tinha os arranjado, mas busquei não pensar nisso.
Fiz um grande esforço para me sentar, ele me ajudou, atento.
— Você quer algo? — Ele afastava mechas do meu cabelo para trás.
Balancei a cabeça.
— Que horas são? — indaguei, aturdida. Estava escuro lá fora.
Já não estávamos mais estacionados no estacionamento da escola. Porém, diante dos portões
da minha casa.
— São um pouco mais de 9 horas. Ficou desacordada por um tempinho — explicou. — Te
trouxe para cá, mas não queria te levar para dentro nessas condições. Sua irmã acha que estamos
apenas namorando aqui na frente.
Enquanto ele falava, minha mente insistia em resgatar as minhas memórias mais recentes.
Tudo ainda parecia meio irreal e estranho. Os rápidos lapsos avançavam em flashs. As vozes se
misturavam em meio às recordações.
Franzi as sobrancelhas.
— Seus pais ainda não se deram conta de que estamos aqu...
— Você tem dezessete milhões de filhos ou eu estou delirando? — disparei, de repente.
Christopher calou-se, seu rosto inteiro ficou sério.
— Não são filhos, exatamente. — Ele suspirou. — São frutos do mal. São... aberrações. —
Balançou a cabeça. — Eles se formaram com a minha presença em Nefarious, não foram gerados
por mulheres, está bem? Isso não é culpa minha.
— Está me dizendo que o inferno é o quê? Um útero? — me intriguei
Ele balançou os ombros.
Me senti desconfiada, pois nunca antes ele havia tocado no assunto. Mas, para falar a
verdade, ele nunca antes tocou em muitos assuntos.
— É um modo de se ver. Talvez. — Ergueu a sobrancelha. — Para de me olhar assim. Eu
não transei com nenhuma mulher.
Semicerrei os olhos.
— Eles simplesmente brotam? Assim... do chão? — suspeitei.
— Dingo, eu sou um demônio. A minha alma cultiva sementes em Nefarious. Demônios
surgem. Não são flores, não brotam do chão. A minha aura os cria.
— Se os cria, então são seus filhos — argumentei. — Você tem dezessete milhões de
crianças para cuidar? É isso? — disse, incrédula.
— Pelo amor de Christto. Não são crianças — protestou, indignado. — São demônios. Estão
espalhados por todas as partes, eu não cuido de ninguém. Asafe sim é o meu filho. Minha
responsabilidade. Minha criança. Aqueles demônios, não. Eles são meus servos. São devotos a
mim, porque eu os criei e reconhecem isso.
— Então o que era aquela coisa no beco? — irritei-me.
Ele passeou o olhar pelo carro, suspirando firmemente.
— O violinista. Você foi um dano colateral. Não devia ter acontecido aquilo.
— Ah, claro. Amanhã vou dar de cara com quem? O flautista, o pianista, ou o bailarino? —
esbravejei. — Com sorte, talvez eu só encontre o Nabrya.
— Não. Claro que não! — ele aumentou o tom de voz. — Eles não estão aqui para te matar,
estão aqui por minha causa. Isso não tem nada a ver com você.
Me mexi entre os lençóis e arrastei-me até o banco do passageiro.
Estava furiosa.
Christopher havia escondido coisas demais. Importantes. Que deviam ser ditas. Mas ainda
assim, ele não planejava me contar nada.
— Nabrya quer nos atingir. Eu não cumpri com o nosso acordo e agora ele está tentando
atacar — explicava apressado. — O violinista, Melodius, não tinha planos para atacar você.
Nabrya entrou na mente dele, e assim que ele se deu conta do que havia feito com você, foi
embora.
Balancei a cabeça, incrédula.
— Vem cá, quantos demônios mais vão vir atrás de mim e da minha família? — vociferei.
— Quantas mais vezes eu vou ter que lidar com isso até você perceber que essa situação é culpa
da sua arrogância. — Ergui o queixo. — Tudo isso é culpa sua.
Ele me encarava cético. Os olhos não se moviam, haviam paralisado sobre mim numa fúria
descomunal. Embora seu corpo inteiro parecesse estar sob ataque, ele não reagiu.
— Está me prendendo a este relacionamento porque está obcecado por mim, e não porque
me ama. Porque se me amasse, me deixaria livre de tudo isso. As pessoas que eu amo correm
perigo, e você não me disse nada a respeito. — Meus olhos encheram-se de lágrimas, não sabia
dizer se de ódio ou de mágoa.
Christopher poderia me enfiar em um quarto branco sem soluções se essa situação afetasse
somente a mim, isso nós dois já sabíamos que iria acontecer. Porém, era cruel de sua parte deixar
que isso acontecesse com outros da minha família bem diante dos meus olhos sem me dar a
chance de intervir.
— Quer um fim? — sua voz era densa, mesmo baixa. — Quer terminar comigo?
Me encolhi no canto. Recolhi as minhas pernas e as abracei. Completamente em silêncio.
Mesmo que eu me esforçasse, as palavras se agarravam para retornarem à garganta. Não
queriam ser expelidas. Não queriam vir à tona.
— Diga, querida — pediu, aflito. — Me fale, olhando nos meus olhos, que quer que isso
termine.
— Eu só quero viver a minha vida, Chris. — Suspirei. — Só quero uma vida com você sem
estar sob ameaça de morte a cada minuto. Sem que isso não se torne uma guerra. — Olhei em
seus olhos, tristonha. — Eu te amo, mas estou farta de viver no escuro.
Ele repeliu as minhas palavras, irritado. Sua expressão contraiu em desgosto.
— "Viver no escuro"? — observou desgostoso. — Deixe-me ver, quando foi a última vez
que eu te disse algo que não te fizesse querer correr para longe, Dytto? — Ele soltou o ar pela
boca, com força. — Sempre que eu te mostro a verdade, você se esconde, porque é covarde
demais para me amar.
Bufei, atônita.
— Isso é injusto pra caramba — me opus. — Mas se é assim que quer jogar, tudo bem —
me enraiveci.
Congelei a face em uma expressão séria. Não deixaria que ele determinasse isso por mim.
Isso tudo já havia me enchido.
— Me deixe pensar em uma única vez que você me deixou viver sem toda essa sua
escuridão ou loucura por controle. O que acha, Chris? — rebati, ríspida. — Nem se eu passasse
horas do meu dia, conseguiria pensar em um único momento que me deixou aceitar essa minha
nova realidade sem que me fizesse sentir culpa por temer a única coisa que eu fui ensinada a
repudiar a minha vida inteira — minha voz gradualmente aumentava, alimentada pela raiva.
Sorri amarga. Sentia minhas veias em chamas. Meu corpo inteiro reagiu, tomado pela
vontade de defender-se de tudo aquilo que não fui capaz de dizer antes.
— Mas você não entende, não é? É fácil para você, porque nasceu no inferno. Mas eu cresci
ouvindo que deveria fugir dele. — Tombei a cabeça para o lado. — E você chegou, roubou a
minha alma e o meu destino. Tudo o que era meu, se tornou seu, sem mas.
Mordi o canto dos lábios.
— Eu tentei aceitar tudo isso. Me esforcei para entender como de repente eu estava
namorando um demônio. E eu tive que aceitar, já que não havia espaço para as minhas escolhas,
porque você já tinha decidido tudo. Eu não precisei pensar em nada porque você já tinha feito
isso por mim também.
Encarei a rua à frente, por um momento, retomando o fôlego
— E ainda assim, eu sou uma péssima namorada porque sou "covarde demais para te amar".
— Soltei uma risada ressentida. — E eu nem posso sentir medo disso porque todas as minhas
emoções humanas estão sendo manipuladas para me encaixar na sua vida.
Olhei-o cheia de mágoa.
— Está me pedindo para eu fechar os olhos e acreditar que está tudo bem eu deixar você
continuar mentindo para mim, porque está cuidando de tudo. — Apontei para mim. — Eu quero
não me sentir sua marionete para variar.
Christopher observava-me ruidosamente, mas não parecia prestes a ceder ou mudar de
opinião. Sua ideia mantinha-se fixa, podia enxergar isso através dos seus olhos frios.
— Então não podemos nos amar — decretou.
Christopher ajeitou-se no banco, inclinando o corpo para frente, deixando que seus
cotovelos fossem apoiados em suas coxas.
— Você quer o amor humano. O amor que te deixa à mercê do perigo da vida real. — Ele
me encarou, magoado. — Mentiria a você se eu dissesse que tenho como mudar o nosso
relacionamento. Esse sou eu. Um amor demoníaco e doentio é tudo o que eu tenho a oferecer.
Chris virou o seu corpo em minha direção.
— Não vou mais te obrigar a ficar se não é o que quer. Então vai ter que escolher agora,
Dytto.
Minha respiração trepidou por um segundo.
Estava mesmo acontecendo.
— Está me pedindo para escolher entre a minha liberdade ou o seu amor? — brandei.
— Estou te dando a chance de escolher como quer viver — contestou. — Disse que eu não
amo você, mas eu amo. Sou louco por você.
Ele aproximou sua mão do meu rosto, mas não o tocou. Logo a devolveu ao seu lugar.
— Decida se vai permanecer comigo nisso ou não — reiterou.
Balancei a cabeça. O nó em minha garganta me sufocava e as lágrimas quentes desciam do
meu rosto sem controle algum, solucei entre elas.
— Eu amo você — declarei, chorosa.
Christopher assentiu.
— Eu sei, amor. — Ele sorriu, complacente, mesmo que soubesse perfeitamente o que
estava por vir.
— Mas não posso te amar assim — chorei, destruída. — Não quando há pessoas na minha
vida que correm perigo.
Sentia meu coração ser destroçado em milhões de pedacinho naquele momento.
Dizer aquelas palavras em voz alta estava me matando.
— Tudo bem — concordou. — Mas não espere que eu te deseje tudo bom. Quero que seja
infeliz até o seu último dia — anunciou, amargo.
Forcei um sorriso que me custou todas as minhas forças.
— Não esperaria menos de você.
Ele passou a língua sobre os lábios e posturou o corpo para a frente.
— Vá para casa, Dingo Bells — era uma ordem áspera e dura. Sem sentimento.
Eu queria ter a chance de tocá-lo novamente, de beijar ele uma última vez, mas meu corpo
me deteve. Ele não era mais o meu Christopher naquele momento, e deixava de ser confiável.
Ele tinha razão quando dizia que era um demônio e não havia nada de bom nele. E eu sabia
que, se me aproximasse demais, poderia ser fatal.
Via em seus olhos o quanto se continha para não deixar que o seu pior viesse à tona, então
fui embora.
Quando eu saí do seu carro e corri para dentro do meu quarto, já não chorava mais. As
lágrimas haviam cessado ali.
Não chorei, pois estava entorpecida demais para sentir.
Algo havia se partido dentro de mim. Meu coração. Ele havia se quebrado. E aposto que o
de Christopher também.
Mas eu nunca descobriria.

Quando deitei a cabeça no travesseiro aquela noite, meu corpo inteiro fora abraçado pelo
frio do medo imaginário.
Sentia como se estivesse em constante ameaça, no entanto, não sabia a razão. Talvez estar
tão ligada a vida de Christopher tenha me deixado traumatizada com tudo o que tive que passar.
Meus olhos fixaram-se na parede pálida do meu quarto, sem reflexos de iluminação
artificial, apenas a luz do luar que trespassava as cortinas brancas a destacava em meio a
escuridão.
Desejei que Christopher viesse ao meu quarto. Quis que ainda existisse uma parte tão doente
e sádica de si, que abdicasse do que me disse em seu carro.
Poucas horas após nosso término, meu corpo já estava com abstinência do seu. Meu peito
parecia vazio, com saudades de ser preenchido por sua presença.
Eu era dependente de seu amor. De sua obsessão.
Eu era tão doente quanto ele.
Entretanto, existiam pessoas que não tinham culpa disso. Eu não poderia deixar que a fúria
do seu pai, ou a revolta do seu rival destruíssem a minha família.
Amor poderia virar ódio em segundos. Christopher sabia disso. E por isso me deixou ir.
Sabia que eu jamais poderia conviver com a culpa.
Mas, se eu estava fazendo o que era certo, por que a dor era tão insuportável?
Fechei os olhos.
Abri os olhos.
Fechei os olhos.
Abri os olhos.
Eu não conseguia dormir. Queria gritar.
Fechei os olhos e abracei a escuridão. Permaneceria assim durante a noite toda, mesmo que
o sono nunca viesse.
Em algum momento desse pensamento, minha mente adormeceu, mas não sonhei com
Christopher e nem tive pesadelos. No entanto, uma visão.
A garota estava longe, no escuro do abismo, chorando em um canto, abraçada ao seu próprio
corpo. As roupas surradas vestiam seu corpo magro e ossudo. E os fios loiros derramavam-se
sobre os seus ombros, cobrindo todo o seu rosto.
Estava tão aninhada que parecia mal existir naquele lugar. Seu choro era repleto de dor.
Uma angústia que me provocava profunda tristeza.
Não havia nada ao redor, somente ela vivendo em sua própria angústia.
— Está tudo bem? — quis ajudar. Minha voz ecoou em meio ao vácuo.
Seus gemidos dolorosos cessaram por um segundo. Ela havia me escutado.
Sua cabeça moveu-se bem devagarinho em minha direção, pouco a pouco revelando a pele
clara deteriorada e cheias de feridas abertas. Não havia sangue, mas sua carne podre estava
exposta. Seu rosto emergiu em meio a cortina loira de seus cabelos maltratados, mas já não havia
uma face ali. Metade de sua pele havia sumido, ossos se revelaram diante do que antes era uma
jovem face. No fundo, ainda existia alguém debaixo de todo aquele horror.
Meus olhos arregalaram-se em pavor. Meu coração batia tão alto que eu era capaz de escutá-
lo ecoando em toda a dimensão.
— Ele vai destruir você como fez comigo — a sua doce voz entoou com um canto de terror.
Levou um segundo para que eu entendesse.
— Zoe — afirmei.
A garota morta se jogou para a frente, obrigando o seu cadáver a se arrastar em minha
direção, mas algo a detinha. Quanto mais ela forçava, menos tinha progresso. Um tilintar
estranho surgia todas as vezes que ela retomava a ação. Até que percebi a corrente em seu pé. O
ferro estendia-se pela escuridão até que em certo ponto, sumia completamente.
Tudo começava fazer sentido de pouco em pouco.
Eu estava no inferno de Zoe.
Estava em sua jaula.
Estava onde Christopher a prendeu.
Olhei em volta, mas não havia mais nada senão o vazio.
Mas o que eu fazia aqui?
Franzi as sobrancelhas.
Foi então que eu me dei conta. Nabrya estava jogando com a minha mente. Colocando-me
contra Christopher. Perturbando o meu espírito e apavorando-me.
Ele era perverso.
— Aparece filho da puta — berrei. — Nabrya — repeti, mais escandalosa.
Num piscar de olhos, a visão se foi.
Acordei no meu quarto. Já era manhã.
Ele esteve aqui.
Istambul, Turquia
21 de Junho | Sexta
A luz vermelha refletia sobre as ousadas garotas seminuas dançando na barra de pole dance.
Vestiam apenas lingeries sensuais — que mal cobriam qualquer parte de seus corpos — e
saltos altos enormes. Por um segundo, tive o sentimento nostálgico de calcinhas grandes e
horrorosas que pareciam mais interessantes do que isso.
Elas esfregavam seu corpo umas às outras e sorriam maliciosas para qualquer homem que as
olhassem, seduzindo-os ao som erótico que eclodia por toda a boate. Apenas fazendo o seu
trabalho, mesmo que desgostassem dos clientes. Afinal, o propósito era outro.
Observá-las não me causava nada além de indiferença. Não havia uma única parte de mim
que as desejasse sexualmente. Mas, saber que suas almas pertenciam a mim, me preenchia de
uma enorme satisfação obscura. Eu também só estava fazendo o meu trabalho.
Almas pecadoras. Era tudo o que via. Sedentas pela riqueza e vaidade.
Naquela noite em Istambul, ninguém sabia quem, de fato, estava por trás da pintura de
caveira. Não era uma festa a fantasia, nem mesmo Halloween, mas eu queria estar assim.
Coberto pelas tintas enigmáticas em meu rosto, escondendo-me em meio aos outros. Vivendo
num certo anonimato. Fugindo do que eu havia deixado para trás. Seguindo com as escolhas que
eu adiava impiedosamente por causa dela. Cumprindo com o meu destino.
Sentado na área vip, afastado de todos os outros, tinha a ampla visão do ambiente carregado
de pessoas. Estava barulhento e agitado. Os corpos suados se entregavam às batidas da música.
Homens endinheirados lançavam notas altas sobre o palco de dança. Era uma noite que parecia
não ter fim, por isso agiam como se não mais fossem existir.
A diversão os deixava cegos, excitados e irracionais. Era um barco cheio de devedores do
diabo.
— Foi muito difícil encontrar você. — O homem loiro e barbudo sentado ao meu lado,
comentou: — Precisei mover céus e Terra para conseguir esse encontro. — Ele riu, limpando a
ponta do nariz repleto da cocaína que acabara de aspirar.
Era nítido o seu nervosismo. Suas mãos tremiam a beça, enquanto mantinha-se agitado ao
meu lado. Estava ansioso e não conseguia manter o olhar fixo no meu. Embora parte de sua
euforia fosse consequências das drogas, seus nervos já se contorciam antes do primeiro uso.
Ele queria algo de mim, mas temia tudo o que eu era, e tudo o que eu poderia lhe ofertar.
Porém, adorava tudo o que eu poderia lhe oferecer. Para os homens, eu era só o seu "gênio da
lâmpada". Para mim, eles eram apenas um meio para o caos.
— E-eu sou o Max. Tenho trabalhado há anos para o Leonel, mas nunca foi o bastante —
confessou, repentinamente.
Leonel era, para muitos, um poderoso homem da máfia. Para outros, apenas uma ameaça da
qual ninguém ainda teve coragem de se livrar. Nunca havíamos nos topado, mas sabia sobre o
seu desejo de me conhecer.
Ele era alvo das máfias rivais. Era dono dos melhores portos de drogas e o rei de todas as
cabeças que trabalhavam para ele.
Leonel era um homem astuto e frio, matava homens, mulheres e crianças com o mesmo
ímpeto. Odiava cada um que entrasse em seu caminho. Destruía cidades e vilas, desafiando a lei
e a moral. Ditava as regras de um todo, e exercia sua força por entre os governantes do país,
decretando suas próprias vontades conforme lhe dessem vantagem.
Imbatível aos olhos que o temiam. Invencível aos que iam contra ele.
Imoral ao julgo dos moralistas
Incrível aos meus planos.
Seu desejo por reinar o tornava o homem mais perigoso da máfia. Seu único medo não era
dos que perdiam a luta, mas sim daqueles que não desistiam, pois ele sabia que estes eram os
únicos inimigos à altura. Mas ninguém antes ia tão longe. Ou era morto. Ou torturado, e então,
morto também.
— Eu quero mais, Christopher. Eu quero poder. Quero ser melhor que os outros homens —
admitia sedento, cheio de uma arrogância maior que o seu próprio corpo, desejando por algo que
ia além do que suas próprias pernas seriam capazes de alcançar.
Era um caminho de fracassos.
Ele queria o sucesso sem conquistar. Queria o poder, não para liderar, mas para preencher o
seu ego frágil e a sua alma vazia. Um tolo fútil.
A Terra estava farta deles. E era por isso que eu sabia que não precisava de muito esforço
para levá-los aos montes para o inferno. Eram almas que estavam condenadas antes mesmo que
eu as marcasse.
— Preciso desse acordo — admitiu, numa necessidade insana.
Cruzei as pernas, inclinando minimamente o meu corpo em sua direção. Tomei mais um
gole do meu conhaque. Olhava-o fixamente nos olhos, isso o deixava intimidado.
Ele engoliu em seco. A testa suando. O coração disparado. O medo o corroía de dentro para
fora, entretanto, confiava em mim, depositando todas as suas esperanças em minha pessoa.
— Quer um tratado então? — me pronunciei.
Ele balançou a cabeça de um jeito frenético.
— Quero.
— Um tratado. Certo! — concordei. — Quer poder, Max? É tudo o que quer? — instiguei,
deixando-o desconcertado.
Suas bochechas atingiram um tom vermelho com a forma em que lhe desafiei. Seu corpo
acovardado tremia incessantemente. Porém, embora medroso, sua insana vontade de ser melhor,
tirava-lhe a razão.
— Sim — respondeu, nervoso.
— Tudo bem. Me diga, Max. Quer mulheres também? Filhos? Dinheiro? — Apontei com o
copo para as strippers. — Deseja aquilo?
Seus olhos azuis se foram para a pista e deslizaram sobre tudo ali com um certo encanto. A
mera possibilidade de obter toda aquela luxúria para si o deixava hipnotizado a ponto de sequer
piscar.
Sua ganância nublava todo o seu bom senso, deixando-o ser levado pelo brilho do momento.
Fazendo dele apenas um humano como qualquer outro.
— Sim. — Ele engoliu em seco.
Seus olhos ainda postos nas dançarinas, presos ao que seria a sua recompensa.
Eu era capaz de sentir toda a sua excitação e desejo. A sua vontade suja e depravada. Não
havia mais o menor pudor em seu corpo. Todo ele estava preenchido de devassidão.
— Está bem. É tudo seu — declarei simplesmente.
Ele rapidamente me olhou, curioso, franzindo as sobrancelhas. Os lábios entreabertos.
— Fácil assim? — sua voz soou esganiçada quando saiu de sua boca, mas, ao finalizar,
parecia mais uma comemoração.
— É o que quer, não é? — Ergui sutilmente o copo em minha mão, em um falso brinde de
comemoração.
Ele agitou a cabeça, concordando.
— Vou precisar apenas de um pequeno favor em troca. — Sorri, forçando uma falsa
gentileza.
Max estreitou os olhos, atento à nossa conversa.
— Quero que durma com o máximo de mulheres que conseguir em toda a sua vida. Nunca
repita a mulher. Deite-se com homens também, sei que você gosta. Foda com todos. E sempre
despeje sua porra neles.
O homem se encolheu mediante aos meus pedidos.
Era óbvio que ele não acharia ruim. Ele nem mesmo entendia o que eu estava lhe pedindo.
— De preferência, durma com prostitutas. Faça isso com mulheres de várias nações
diferentes. Não use proteção, Max. Suje todos.
— Por que é que está me pedindo isso? — desconfiou, frustrado. Pensou que eu o escolheria
para uma missão sangrenta.
— Para colher os seus frutos, terá que plantá-los. Não se preocupe. — Balancei a cabeça. —
Darei tudo o que quiser. Mas primeiro, mostre que você está à altura do trabalho.
— Eu não entend...
— Não precisa — interrompi-o, sorrindo amigavelmente. — Apenas siga as minhas
instruções.
Max se calou, ponderando acerca do assunto.
Dentro dele existia uma deliciosa confusão de se sentir. Sabia que não seria um grande
sacrifício fazer isso, mas tinha medo de que isso, de certa forma, o atingisse.
O candidato perfeito para o trabalho. Egoísta o bastante para fazer tudo pelo que quer. E
idiota o suficiente para fazer sem questionar.
Para ele, seria como um mar de diversão. Dinheiro, poder, drogas e filhos. Apenas fazendo
sexo por isso.
Trabalhando pelo Diabo sem nem mesmo perceber. Agindo como se estivesse apenas
curtindo sua vida da melhor maneira que podia, com a desculpa de estar apenas vivendo como se
fosse seu último dia.
Sempre foi tão fácil manipular a eles que nem mesmo se deram conta disso. Eles ainda
pareciam não ver.
Dizem que o Diabo irá na sua casa, irá te oferecer tudo o que você quer e pedirá um grande
sacrifício em troca. Bobagem! Todos condenam a sua alma por si só se preenchendo de prazeres
carnais, eles só não querem se culpar por isso, e foi assim que criaram alguém para culpar por
seus próprios pecados. Alguém em quem depositariam suas irresponsabilidades.
"O satanás fez isso", "o Satanás fez aquilo". Não! Eles mesmos fizeram isso. Só são
covardes demais para assumirem que são mais fracos que a carne.
Ele não seria único. Todos já estavam fazendo o mesmo. Mas o diferencial era o poder que
Max tinha em suas mãos para começar uma coisa ainda maior. Espalhar uma doença que
acarretaria graves danos, espalhando-se para outras milhares de pessoas. Inicialmente,
transmitidas através do ato sexual, no entanto, que se modificaria tão depressa, que logo seria
passada por transmissão aérea, fluídos corporais e, então, o toque humano.
Um vírus quase que invisível. Novo. Um enigma.
O indivíduo infectado sentiria dores insuportáveis, teria os membros do corpo atrofiados,
apodrecidos, procurariam por todo tipo de antibiótico, respostas médicas e esperançosas curas,
mas, antes de tudo isso, o pior já teria acontecido.
O terror se instalaria. O caos. O medo.
— Tudo bem. Eu aceito! — respondeu finalmente.
Era fácil demais. Acordos não podiam ser desfeitos. Cuidado ao apertar a mão do Diabo.
Estendi-lhe a mão e o cumprimentei sorrindo.
— Foi muito bom fazer um acordo com você, Max — entoei sério e ele estremeceu.

Quando passei o cartão na porta do hotel em que estava hospedado, Asafe estava sentado no
chão, diante à porta. Parecia que ele me esperava ali há um tempinho.
Seus grandes olhos verdes brilharam emotivos e seus lábios se avantajaram em um sorriso
enorme ao me verem.
— Papai — animou-se, levantando.
— As. O que faz aí? — Peguei-o nos braços, com cuidado.
Ele agarrou-se com as suas mãozinhas nos botões da camiseta preta que eu usava. Sua
ansiedade em me ter por perto era tanta que deixava-o afoito.
Asafe não sabia bem como suportar a saudade. Sua alegria era tanta que parecia não se
conter. No espaço de tempo em que ficávamos longe, seus pensamentos disparavam bem
rapidamente, lembrando-o de que devia estar perto de mim.
Era algo que nós demônios possuíamos em comum. A incessante necessidade de estar
próximo a quem possuíamos grande vínculo.
— Tinha uma balata ali, oh. — Apontou para o chão.
Se o As fosse uma criança normal, teria deixado uma babá de olho, no entanto,
possivelmente a encontraria sem vida assim que passasse pela porta, e eu não estava muito a fim
de me livrar de nenhum cadáver hoje. Portanto, deixei-o como ele se sentia melhor.
— E o que você fez? — Encostei a porta, carregando-o nos braços até o banheiro.
— Amassei. — Ele mostrou a palma da mão suja.
Engelhei as sobrancelhas.
— Não passa isso em mim.
Ele sorriu, perverso e aproximou a sua mão do meu rosto.
— Eu vou passar — brincou, sorridente.
— As, não! — disse mais sério e ele recuou.
— Brincadeeeeira — mentiu, como se seu propósito esse tempo todo fosse só me assustar.
Certamente não era. Asafe seria capaz de enfiar uma barata inteira na minha boca pela
própria diversão.
O sentei na bancada da pia e liguei a torneira. Aproximei suas mãos da água corrente e
espirrei sabão em ambas. Fiz com que ele se lavasse até todos os resquícios da barata morta
terem sumido.
Retirei a camiseta, livrando-me da última prova que tínhamos do falecido inseto: as digitais
de Asafe contaminadas nos botões.
As começou a me contar sobre tudo o que viu durante o seu dia, embora eu já soubesse,
posto que estávamos junto em todas as ocasiões citadas por ele próprio.
No entanto, ele não ligava para o fato de eu estar ciente disso. Apenas queria ter assunto
para conversar. Então deixei que ele me contasse detalhe por detalhe enquanto lavava a pintura
do meu rosto.
O pequeno historiador dizia suas vivências tão rápido que fora necessário parar por um
segundo, apenas para respirar, e então, retornou ao assunto.
Porém, foi somente quando um nome familiar saltou de sua boca que os meus ouvidos
prontamente se aguçaram:
— E hoje, eu vi uma garota muito bonita. Parecida com a mamãe Dytto... — contava
alegremente. — Ela tinha o...
— As — o interrompi. — Não está com sono? — perguntei, olhando-o diretamente.
Ele juntou as sobrancelhas enquanto negava num balançar de cabeça.
— Está um pouco tarde. Melhor ir dormir — sugeri, acariciando as suas bochechas.
— Papai, eu...
— Ei. — Segurei o seu pequeno rostinho entre as minhas mãos. — Me conta mais amanhã,
está bem? Prometo ouvir tudinho, mas agora é hora de dormir.
Sua expressão animada murchou. Seus lábios curvaram-se para baixo, refletindo a sua
infelicidade.
Eu sabia que ele não estava com tanto sono devido ao fuso horário. A diferença entre a
Turquia e Nabrya eram de pelo menos 12 horas, mas ouvi-lo falar dela doía.
— Vai. Eu vou depois — pedi, colocando-o de volta no chão.
Asafe saiu arrastando os pés de má vontade. Em sua última tentativa, estacionou no batente
da porta, olhou-me com o rostinho de cachorro pidão e suspirou.
— Eu só quelia conversar — murmurou, arrasado. Os lábios contraídos em um beiço.
— Isso não funciona comigo, aberração.
Ele sorriu, arteiro, e disparou sorridente em uma corrida até o quarto.
Nossa suíte possuía muitos cômodos. Era espaçoso o suficiente para nós dois, no entanto, As
gostava de dormir comigo, bem próximo. Muito próximo. As vezes tão próximo que eu acordava
com metade do seu corpo posto sobre a minha cabeça.
Ele também não era muito a favor do espaço pessoal.
Terminei de lavar o rosto, esfreguei-o na toalha e tranquei a porta; caso Asafe decidisse
voltar engatinhando, chorando falsamente, ainda em sua atuação desesperada.
Arranquei as minhas roupas e andei até o chuveiro. Ali, permiti que a dor se mostrasse. A
cruel e impiedosa dor.
Constantemente, eu me esforçava para deixá-la livre de meus pensamentos, no entanto, ela
não morava somente nele. Dytto estava em cada parte do meu corpo, residindo em cada mísero
espaço. Atormentando o meu casco mortal, e fodendo com a minha entidade imortal.
Fechei os olhos, tomado pela angústia avassaladora presa à garganta e tudo o que me veio à
mente foram os malditos flashes de seu rosto, seus olhos, seus lábios, seus cabelos e todo o seu
corpo.
Entrei no modo automático e toquei o meu pau, já duro. Quando me dei conta, já esfregava a
mão por toda a extensão, imaginando a sua boca em mim, me chupando. Seus olhos doces me
olhando cheios de segundas intenções.
Fantasiei com ela sentando em cima de mim, esfregando toda a sua boceta molhada no meu
pau, facilmente escorregando encharcada em todo o seu comprimento. Quase podia ouvir os seus
gemidos deliciosos. Seus toques ainda eram tão vívidos em minha mente quanto os sons que
fazia quando eu a fodia.
Seus suspiros pareciam próximos, assim como todas as vezes que eu a tocava em seu quarto.
Poderia ser capaz de presenciar seus toques em mim como sendo reais demais.
Aumentei a velocidade da minha punheta, imaginando ser ela. Imaginando estar dentro dela.
Comendo ela com força. Ouvindo ela gritar o meu nome. Pedindo por mim. Exigindo por mim.
— Caralho! — gemi, ardendo em excitação.
Mais forte. Mais rápido.
Eu queria desesperadamente aquela desgraçada. Queria a foder como nunca fiz antes. A
queria inteiramente em mim.
Soltei um gemido alto e joguei a cabeça para trás quando meu pau libertou o gozo,
espirrando porra na parede de azulejo à minha frente.
— Dytto — gemi baixo. — Dytto. Dytto. Dytto. Sua filha da puta!
A raiva novamente me preencheu.
Filha da puta!
Eu precisava dela de volta.
26 de Junho | Quarta
Definitivamente Christopher havia secado o meu estoque de lágrimas.
Meus olhos queimavam devido ao choro incessante. Meu peito doía tanto que me fazia
suspirar a cada 5 minutos, na falha tentativa de amenizar o peso que estava sentindo.
Nesses últimos oito dias desde o término, forcei-me a sorrir apenas uma vez; quando Loren
comemorou sua aceitação na faculdade de UA (Universidade do Arizona)
Nossos pais se enfureceram pela distância que isso tomaria. Eu, pela primeira vez, me impus
a ficar do lado dela. Queria, acima de tudo, que Loren fosse feliz, mesmo que isso significasse
que teríamos que suportar a saudade uma da outra.
Porém, enquanto eu lutava pela sua felicidade, outro lado meu, sangrava de pouco em
pouco.
A dor estava me matando.
Sentia falta do Asafe. Saber que provavelmente não o veria mais, partia-me em milhões de
fragmentos.
De toda esta situação, ao menos, eu tinha a certeza de que não havia errado. Não podia
perdoar o fato de que Christopher tinha me escondido que seu pai não nos queria juntos, e que
isso colocava a minha família em perigo. Também não poderia fingir que estava tudo bem depois
da nossa briga.
Sabia desde o início que não seria fácil tê-lo, porém, esperava uma compreensão de sua
parte, afinal, somos dois: Chris e seu lado sombrio, e Dytto com seu lado humano. Deveria ser
um acordo, e não um contrato de tortura onde eu deveria ser obrigada a aceitar tudo o que viesse
dele.
Christopher era obsessivo e louco, porém, havia uma parte dele que lutava por nós, que
queria que isso desse certo. O suficiente para termos tido meses maravilhosos juntos, até não
termos mais.
Eu estava cansada de tanto chorar, e chorei por isso também.
Não fazia ideia de que amar seria assim, e se soubesse, não teria ido a nenhuma festa na
fogueira, dormiria com uma calcinha de aço e beberia água benta todos os dias para mantê-lo
sempre distante.
Eu queria muito ter feito isso. E nesse momento, desejei tê-lo cometido com ainda mais
forças.
Desci às escadas de casa correndo, não queria ter a pausa obrigatória que Loren me forçava
a ter todos os dias para conferir se eu estava bem. Mas ela já havia notado que eu estava a
evitando, então, agiu mais rápido dessa vez.
— PARADA AÍ! — abordou, saltando em meu campo de visão, apontando uma pistola de
dedos na minha cara. — Mãos para o alto e me segue devagarinho — exigiu, encarando-me
séria, bem como uma policial de verdade.
— Loren, eu...
— Calada, malandrinha! — alterou o seu tom de voz, encurralando-me. — Anda, anda,
anda.
Levei minhas mãos ao alto e fui bem lentamente para a cozinha. Ela fazia questão de sair
empurrando minhas costas para mostrar uma falsa autoridade.
— Ok, não precisa entrar tanto assim no personagem — resmunguei.
— Shiii... — silenciou-me num rápido chiado. — Sente-se aí e tome o seu café da manhã!
A contragosto, me arrastei até a cadeira diante do balcão e me acomodei.
Loren arrastou o prato, já ocupado por torradas amanteigadas e frutas vermelhas, até mim e
apontou para ele.
— Não se levante até ter terminado — ordenou, num tom de voz mais sério.
Balancei a cabeça, cedendo aos seus cuidados maternais.
— Loren, não precisa ficar de olho em mim. Está tudo bem, sério.
— Você precisa se alimentar, ou eu serei obrigada a recolher seu cadáver seco dentro do seu
quarto qualquer dia desses — provocou. — E você sabe que nenhuma maquiagem no mundo vai
te deixar bonita dentro do caixão se não tiver nada além de ossos para maquiar.
— Não seja dramática — critiquei, ao passo que mastigava a minha torrada.
— Não sou. Você não tem comido, bebido e nem dormido. Se não vai me contar o que está
rolando, então ao menos me deixe cuidar de você.
— Eu já falei o que aconteceu.
— Nenhum "término pacífico" é capaz de tanto estrago assim, Dytto. Vocês dois estavam
felizes juntos e então "BOOM"... terminam? — desconfiou.
Dei de ombros e abaixei a cabeça.
Não entrei em detalhes quando lhe avisei sobre o término, afinal, o que eu poderia lhe dizer?
Loren não fazia ideia do que Christopher era. Seria como jogar uma bomba em cima dela e
esperar que ela a aparasse sem lhe causar dano algum. Ela ia pirar.
Minha irmã veio até as minhas costas e abraçou os meus ombros.
— Eu amo você, minha garotinha. Vai ficar tudo bem — murmurou, beijando a minha
bochecha.
Engoli em seco e constatei o, agora habitual, nó se formar em minha garganta. Já estava me
acostumando a essa insuportável situação desde que terminamos. Enchi a boca de suco para
dissolver esse sentimento, senti o líquido descer queimando.
— Me conta. Está animada para a faculdade. Para ficar longe de mim? — desconversei.
— Céus! Ainda não sei como vou sobreviver sem você — choramingou, sua cabeça apoiada
em meu ombro.
Sorri.
— Vamos sempre fazer ligações. Eu prometo!
— Não se esqueça, sempre faça ligações longe do papai e da mamãe para não ser deserdada.
Agora eu sou a ovelha-mega-hiper-negra da família por querer fazer uma faculdade em outro
país.
Apertei os seus braços em volta do meu corpo.
— Eu estou com você, não se preocupe. Vou te dar todo o meu apoio para que você possa
estudar onde quiser.
Ela jogou a sua cabeça para o lado e sorriu.
— Obrigada.
Soltei-a e me afastei.
— Chega de melosidade! — eu disse.
Ela riu, assentindo.
— Vou terminar as minhas malas. Tenha um bom dia na escola, Dy. — Se afastou,
deixando-me sozinha na cozinha.
Loren não teria mais que se preocupar com a escola. Sua aceitação fez com que ela apenas
precisasse buscar os papéis de sua conclusão de ensino médio. Agora, eu não a veria mais todos
os dias pelos corredores. Não teria mais com quem dividir os meus intervalos e, em breve, nem
mesmo teria com quem contar ao chegar em casa.
Me sentia angustiada dos pés à cabeça. Em partes, estava feliz por ela ter conseguido entrar
na faculdade que queria, mas, também, extremamente triste por saber que não a teria mais por
perto.
Saco!

Estávamos há alguns dias das férias. Os corredores da escola se encontravam quase que
totalmente vazios. Os alunos que ainda vinham, pareciam zumbis, loucos pelo último dia de aula.
Ainda teríamos um semestre inteiro pela frente, mas ninguém realmente se lembrava disso.
Estavam tão ansiosos por folga que mal eram capazes de abrirem o caderno durante as aulas.
Em determinado momento, os professores ainda chamavam a atenção daqueles que
deixavam explícito o desinteresse pelas explicações longas e chatas que ninguém mais dava a
mínima, porém, de nada adiantava.
Ninguém queria mais a escola. Ninguém queria mais ter que ver os professores. Ninguém
queria lições chatas. No entanto, eu, sim.
Não que eu quisesse estudar, mas sabia que ficar em casa pensando em Christopher seria
muito pior.
Precisava de questões dificílimas de matemática rondando a minha cabeça. Fórmulas de
química atormentando os meus sonhos. E aulas de educação física arrancando as minhas
energias.
Precisava ser sugada pela escola, ou então, o vazio da solidão me chamaria de volta. E
absolutamente todos os meus pensamentos se voltavam para ele.
Sozinha, caminhava alheia por entre as salas na hora do intervalo.
Eu não tinha mais nenhum amigo. Não tinha mais a minha irmã por perto. Não tinha mais
um namorado. Não tinha mais um enteado. Alma. Integridade. Felicidade.
Gostaria de saber como eu me meti no fundo do poço na velocidade da luz, entretanto, já
tinha conhecimento da resposta.
Eu havia me desacostumado a não ter um namorado. Era estranho saber que estava solteira.
Me sentia meio perdida.
O que os solteirões fazem quando terminam um relacionamento? Ah, claro, vão às festas.
Talvez não fosse má ideia ir em uma. Eu já não tinha mais nada a perder mesmo. Até a
minha sanidade tinha ido para o ralo.
Loren não parecia empenhada a sair de casa nesses últimos dias, mas se eu insistisse um
pouco, poderia ceder à ideia.
Luc era a única pessoa que eu conhecia que sempre sabia onde e quando cada festa
acontecia. Ultimamente andávamos distantes um do outro, porém, não custaria muito ir até ele
pedir por uma única informação.
Foi pensando nisso que busquei encontrá-lo. Sabia que quando não estava no refeitório, Luc
se escondia na sala de reuniões do conselho de turma. Era o lugar perfeito para quem buscava
silêncio e privacidade. Ninguém quase nunca ia lá se não fosse por obrigação.
Apressei os passos, precisava saber onde eu me meteria desta vez. Iria bem arrumada, é
claro. Ficar bêbada e dançar até o chão era o único plano que me vinha à mente.
Um péssimo plano, admito. Horrível. Horroroso. Chato. Mas foi a única coisa que eu pensei.
Se eu precisasse definir a palavra choque, mostraria uma fotografia do que vi no exato
momento em que girei a maçaneta da sala de reuniões de classe, às 11h:36min da manhã, do dia
26 de junho.
Meus olhos se arregalaram de um jeito que quase precisei os repor no lugar.
O que deveria ter sido apenas um sútil encontro, tornou-se um flagra quente e bizarro.
A professora de geografia do quarto ano estava sobre uma das mesas, no centro da sala, com
a saia erguida até a cintura. Suas longas pernas estavam arreganhadas e suas mãos enfiadas nos
cabelos negros do meu amigo Luc que, despretensiosamente, chupava a sua boceta.
Eu queria tacar fogo nos meus olhos, se possível, mas não era o lugar para isso. Então,
discretamente — com aqueles dois pares de olhos sobre mim, tão chocados quanto eu por terem
sido vistos —, me afastei com passos para trás e fechei a porta.
Talvez pudesse ter sido pior. Poderia ser ela chupando-o. Na verdade, eu não sei como isso
seria pior. Acabei de ver uma cena e tanto.
Acho que nada mais me chocaria depois daquilo.
Girei os calcanhares, com a mente presa naquele momento. Teria corrido, se sua voz rouca e
desesperada não tivesse surgido às minhas costas.
— Dytto — Luc chamou.
— Oh, Deus. Me ajude — sussurrei, quase inaudível, apenas para mim... e para Deus.
Virei meu corpo em sua direção. Meu rosto tenso sorria nervosamente enquanto tentava
encará-lo com alguma seriedade. Se é que existia alguma dentro de mim naquele instante.
— Luc — seu nome era tudo o que fui capaz de dizer.
— Olha, eu... — Ele apontou com a mão para a sala, como se precisasse se explicar, mas
balancei ambas as mãos, intervindo.
— Não. Não. Eu só estava de passagem. Eu nem sei o que eu vi aí — me apressei em dizer.
Estava claro que isso era desconfortável para nós dois.
— Me desculpa, Dy. Eu não devia. Sei que não devia.
— Luc. — O interrompi. — Eu não tenho nada a ver com isso. Não tem que explicar nada
pra mim.
Ele suspirou, constrangido e balançou a cabeça.
— Sério. Eu não sei o que deu em mim. Tínhamos conversado. Íamos parar com esses
encontros. É só que... — Ele repuxou o canto do lábio para baixo. — Não era o que eu planejava.
— Tá. Eu vou para o refeitório.
— Podemos conversar? — pediu. — Por favor.
— Tudo bem. Mas ainda assim eu tô indo para o refeitório. Não seria ideal a gente conversar
aqui. — Fiz careta.
Ele assentiu, voltando para a sala em que estava poucos segundos antes.
Sai dali o mais rápido que consegui.
Eu sabia que Luc era um galinha, só não imaginei que pegaria uma professora.
Logo a de geografia.
Ninguém gosta de geografia. Mas, pelo visto, alguém gostava da professora. Talvez ele
tenha gostado tanto das aulas sobre os montes geográficos que decidiu conhecer o monte pubiano
dela.
Sorri sozinha com a minha própria piada.
Eu estava ficando louca.

— Não pense mal de mim, tá bom — Luc murmurou, envergonhado.


Sentados de frente para o outro, notei seu rosto enrubescer. Apesar da pele escura, era nítida
a vermelhidão pulsando de maneira alarmante em suas bochechas.
Era tão engraçado quanto desconcertante.
— Pelo menos me deixou menos entediada — tentei descontrair.
Ele sorriu, nervoso.
— Sei.
— Não precisa ficar assim. Somos amigos há um bom tempo. Acho que em algum momento
teríamos que passar por uma situação esquisita.
— Não imaginei que a situação esquisita seria assim — argumentou, os olhos castanhos
postos sobre os meus. — Me desculpa ter feito você ver... Bem, aquilo. — Suspirou,
decepcionado consigo.
— Tá tudo bem — confortei-o. — Não precisamos ficar tocando nessa tecla.
Ele desviou os olhos para o jardim, onde alguns alunos conversavam tranquilamente.
— Preferia que fosse o diretor da escola a ter visto nós dois daquele jeito do que você —
confessou, baixo.
Franzi as sobrancelhas.
— Não fale besteira. Ele teria demitido ela e expulsado você.
— E eu teria me importado menos.
Balancei a cabeça.
— Luc, qual é? Eu não estou te julgando por isso.
Ele voltou sua atenção inteiramente para mim.
— Você sabe as minhas pretensões por você. Conhece o que eu sinto — admitiu. — Não
queria que tivesse aquela cena sobre mim na sua cabeça. Isso não é o que eu quero que saiba.
Quero ser melhor para você.
Meu coração se comprimiu no peito.
Isso era pior do que se só estivéssemos estranhos perto um do outro.
— Eu pensei que gostasse dela — comentei.
— É só sexo, Dytto. — Ele deslizou suas mãos sobre a mesa, até tocarem as minhas. — Não
tenho sentimentos por ninguém além de você.
— Pensei que tivesse deixado isso para trás — cochichei.
Ele curvou um sorriso triste.
— Eu sei que está com ele. E sei que isso não vai mudar, mas, eu ainda sinto tudo aqui
dentro. E me dói pensar que nunca vai existir nós dois. — Ele deixou que o olhar recaísse sobre
nossas mãos próximas. — Nunca vou ser capaz de competir contra isso.
Eu quis chorar naquele momento.
Eu não estava mais com ele.
Não existia mais nós dois.
Me forcei a prender o choro e afastei minhas mãos, escondendo-as sobre o meu colo debaixo
da mesa.
— Loren vai embora para os Estados Unidos nas férias. Entrou em uma ótima faculdade no
Arizona — mencionei, para que o foco fosse desviado. — Acho que seria legal uma festa de
despedida hoje.
Ele pigarreou, abraçando os seus sentimentos de volta. Sendo levado a mudar de assunto tão
drasticamente para me acompanhar.
— Sei de uma hoje.
Sorri, mais animada.
— Perfeito. Me passa o endereço e vamos nos encontrar lá. Vai ser ótimo.
Ele assentiu.
— Fico feliz que ela esteja se dando bem. Muito em breve serei eu. — Ele procurou sorrir,
mas os lábios pareciam não querer.
— É. Vai, sim — incentivei, embora isso não mudasse o clima pesado.
Era muito mais fácil quando apenas guardávamos nossos pensamentos.
Revelar um profundo sentimento resultava em problemas demais. No fundo, eu culpava Luc
por admitir em voz alta algo que eu não era capaz de retribuir.
No fundo, era melhor não sentir nada por ninguém.
Nunca.
26 de Junho | Quarta
O som alto fazia convite aos loucos e bêbados jovens da cidade naquela noite.
A humilde casa no fim da esquina iluminava a rua Marti com sua decoração néon. E, embora
fosse um lugar pequeno, já abrigava pelo menos uma dúzia de adolescentes dispersos em seu
jardim.
O som estourava dentro do carro de Loren, fazendo com que os vidros se agitassem em uma
vibração sonora. Os olhos da minha irmã ganharam vida ao notar a rua cheia. Estávamos há um
tempo procurando vagas, até que, por sorte, uma foi desocupada a tempo de passarmos por ela.
Meu coração batia freneticamente em meio a animação provinda do lugar. Gritos eufóricos
soaram do fundo da casa ao mesmo tempo em que um estouro de água surgiu. Definitivamente
havia uma piscina no quintal.
Minha irmã estava ansiosa para se enfiar naquela bagunça. Saltou do automóvel assim que
estacionamos.
Do momento em que descemos do carro até o que atravessamos a porta de entrada, não
soltei a mão de Loren nem por um segundo.
Loren era bizarramente conhecida pela cidade e, conforme nos enfiávamos em meio à
multidão amontoada no pequeno espaço da sala, éramos barradas de um em um instante por
algum conhecido seu. Ela cumprimentou meio mundo em um curto espaço de tempo.
Ao chegarmos finalmente no jardim, inspirei o máximo de ar que pude.
Eu estava confusa. Meu corpo inteiro estava eletrizado em meio ao ambiente caótico, no
entanto, minha mente buscava por algum alívio. Eu não estava habituada a lugares tão cheios ou
barulhentos assim.
O grave da música na caixa de som fazia o chão debaixo dos meus pés tremerem.
A gritaria cacofônica repercutia em todo o ambiente. Em breves intervalos entre a letra da
música pop e os berros, consegui me aproximar do ouvido de minha irmã.
— Acho melhor procurarmos um lugar mais afastado. Tô me sentindo claustrofóbica —
berrei, obrigando minha voz a se sobressair ao barulho.
Ela assentiu, sabendo que seria desnecessário tentar dizer algo.
Segui Loren até o outro lado do jardim, que possuía o triplo do tamanho da casa. Tive medo
ao passarmos pela piscina carregada de pessoas e acabar sendo empurrada ou escorregar. Eu
estava usando um vestido preto, bem curto. Odiaria me molhar naquela vestimenta que se
desajustava em meu corpo a cada passo dado.
Por cada um que passei, notei que seguravam uma lata de cerveja ou um copo na mão.
Certamente não sairia ninguém sóbrio daqui esta noite.
E, bem, parece que eu não seria a exceção. Loren me passou um copo, que tomou de outro
alguém. Ninguém sabia mais o que bebia, o álcool era apenas repassado de mão em mão.
— Bebe — ela disse, olhando-me nos olhos.
Em meus dias mais sãos, eu o teria negado. Afinal, quem bebe no copo de um
desconhecido?
Mas eu não estava sã por aqueles dias.
Enquanto tentava o fazer, sentia meu corpo sendo esbarrado pelas pessoas que andavam às
minhas costas. Ouvia os breves pedidos de desculpas em meio a correria, mas que não pareciam
realmente sinceros. O quintal estava lotado. E a bagunça de pessoas servia apenas para que meus
olhos pulassem de rosto em rosto, sem conseguir reconhecer ninguém.
Eu definitivamente não gostava de lugares cheios.
Virei o copo de plástico de uma só vez na boca, sentindo o líquido queimar a minha
garganta. Desceu quente. Aquela fervilhação em meu estômago parecia atraente para muitas
outras doses, mas me controlaria um pouco antes de ficar completamente bêbada.
Eu não ligava de me embebedar aquela noite. Só queria que a minha mente se desligasse.
Precisava me dopar com algo.
— Vem, vamos dançar — Loren falou, tomando uma grande dose de uma garrafa de tequila

Uma hora depois, minhas panturrilhas e pés estavam me matando.


Depois do quarto copo ninguém mais se lembrava de contar. Eu, pelo menos, não.
Loren pulava animadamente. Seus passos destoavam das batidas da música, porém, ela não
se importava. Eu já estava alterada, apenas seguia seu ritmo louco e bagunçado. De vez em
quando a perdia de vista em meio a muvuca. Em determinado momento, encontrava fragmentos
do seu corpo saltando. Ficamos nesse impasse entre nos encontramos e desencontramos à medida
que as músicas eram trocadas.
Eu jogava os meus braços para o alto e gritava junto da galera. A playlist era meio clichê e
sem graça, com músicas insalubres da atualidade. Entretanto, quando se tem álcool no
organismo, até as piores melodias tornam-se dançantes.
Em algum momento da minha dança, duas mãos sutilmente tocaram a minha cintura, virei-
me imediatamente, encontrando o amigável rosto de Luc saudando-me.
Ele estava cheirando muito bem, um perfume forte e amadeirado exalava de todo o seu
corpo. Havia um corte mais elegante em seu cabelo e ele vestia uma roupa que o deixava ainda
mais bonito do que era.
Empolgada, sorri com a sua presença ilustre. Não imaginava que ele realmente fosse vir,
visto que andava focado nos estudos. E na professora de geografia.
Céus! Nunca imaginei ela se envolvendo com um aluno, porém, poderia estar vivenciando a
crise dos trinta ou coisa assim.
O que me confortava era o fato de ele não ter escolhido uma professora com os seus setenta
e poucos anos, apesar de achar que Luc fosse mais criterioso com idades.
— Você — cumprimentei-o, alto o suficiente até mesmo para a curta distância entre nós
dois.
Ele riu, achando graça.
— Acho que alguém já está muito bêbada, não é? — pontuou, abrindo aquele seu lindo
sorriso charmoso para mim.
Balancei os ombros, em diversão. Estava com o corpo suado, meu coração estava disparado
e minha pele meio gelada, não por culpa da temperatura. Embora estivéssemos no inverno, o
clima estava ameno, dando uma folga de seus tortuosos dias gelados. Gostava do fato de não ter
vindo com um casaco pra lá de grande esta noite. Estava totalmente a fim de me exibir.
Aproximei meu corpo do seu, rodeando o seu pescoço com os braços.
— Você não me disse que vinha — percebi, gritando sem muita necessidade. O som não
estava mais tão elevado e eu com toda certeza estaria sem voz no dia seguinte.
— Você não me perguntou se eu vinha, só me perguntou da festa — rebateu.
Joguei a cabeça de um lado para o outro como quem concordava.
— Tô surpreso em te ver aqui. — Me aproximei ainda mais, sentindo seu corpo quente colar
ao meu. Não me importava com aquela proximidade. Luc era o único garoto que não me deixava
desconfortável em me manter tão perto.
Suas mãos pousaram delicadamente em minha cintura, num gesto respeitoso.
— Por quê? Não acha que eu sou capaz de andar em festas? — brinquei, escandalosa.
— Não é isso. Tenho certeza que existe uma Dytto festeira dentro de você. O que me
preocupa é a quantidade de meses de castigo que isso vai te custar. — Luc encostou seu rosto em
meu ombro e embalou comigo junto à dança.
Estava tocando uma música eletrônica sem letra alguma. Isso me dava nos nervos. Preferia
gritar letras sentidos a ouvir batidas desconexas que diminuíam sua intensidade em seu clímax.
Era frustrante!
— Meus pais estão há um passo do divórcio — eu disse e ele se afastou, apenas o suficiente
para me olhar cara a cara. — A única coisa que eles sabem no momento é só gritar um com o
outro e evitar as filhas — desabafei, tristonha. — Sem castigos desta vez. Eles sequer se
lembram de nós duas agora. — Dei de ombros.
Este era um outro motivo pelo qual eu gostaria de me entorpecer.
A relação de Ever e Théo já havia chegado ao seu fim há muito tempo. Somente ainda não
tinham aceitado a situação. Consequentemente, todos nós presenciávamos o rancor de duas
pessoas que não se amavam mais, porém, que viviam uma ilusão por puro capricho.
Eu não sabia se ainda esperavam por um milagre em seu relacionamento ou se apenas eram
egoístas demais para dividirem os bens.
No fim das contas, apenas seria melhor se isso acabasse de uma vez. Essa relação desgastava
a todos nós mentalmente. Era horrível ter que se trancar em meu quarto para chorar pelo meu
amor não vivido, enquanto no andar de baixo, ouvia berros de um amor que morreu.
Nunca fomos uma família amorosa ou unida. Mas também não éramos tão destruídos assim.
Eu nunca saberia o que é ter pais amorosos e acolhedores, porém, seria feliz se soubessem que
ambos conseguiram se libertar dessa relação tortuosa.
— Sinto muito, Dy. Eu não fazia ideia — disse, enxugando lágrimas do meu rosto que nem
eu mesma havia notado.
Balancei a cabeça e sorri para tranquilizá-lo.
— Tá tudo bem. Eu quero beber e me divertir esta noite. — Forcei-me a não ligar. — Pode
dançar comigo e evitar que caras nojentos se esfreguem na minha bunda, por favor?
Ele assentiu.
— Pode deixar, garota. Essa noite é uma criança.
— Então chega de papo triste — comemorei.
Ele concordou, mas de repente, suas sobrancelhas se franziram.
— Seu namorado não vai vir aqui dar um de macho alfa não, né? — quis saber, preocupado.
Eu devia estar ciente de que em algum momento perguntas assim iriam surgir, mas isso não
atenuava o impacto.
Engoli em seco, obrigando-me a esconder todas as lágrimas que insistiam em se derramar no
meu rosto.
— N-não — murmurei, não olhando diretamente para o seu rosto.
Virei-me de costas a tempo de um soluço repercutir e agarrei suas mãos, repousando-as
sobre a minha barriga.
— Dançar, Luc. Vamos dançar — repeti, cortando o fluxo de nossa conversa.
Ouvi-o rir atrás de mim, mas prosseguimos com o nosso ritmo arranhado e torto.

Loren veio até nós depois de duas músicas. Ficamos nós três, juntos por um tempo, até que
meu corpo não suportou mais tanto tempo dançando.
Eu precisava de um lugar para me apoiar ou cederia aqui mesmo. Minha garganta estava
seca. Luc gentilmente se ofereceu para buscar uma garrafa de água para mim. Quando me
entregou, senti vontade de abraçá-lo em gratidão.
Ao fim da música lenta que tocava, perdi Loren completamente de vista. Ela já deveria estar
com a língua dentro da boca de algum cara. De todo modo, era sempre assim.
Luc não tinha bebido nada, e parecia pouquíssimo a fim. Decidi que permanecíamos perto
um do outro. Entrelacei os meus dedos nos seus e seguimos em direção a sala.
Como grande parte dos festeiros estavam no quintal, a casa acabou ficando mais livre e
espaçosa. Embora os mais introvertidos ainda se escondessem por ali. Não os culpava. Também
gostava de me isolar.
Desabei no sofá duro e Luc fez o mesmo no espaço ao meu lado. Deixei que minha cabeça
tombasse em seu ombro e suspirei cansada.
— Eu estou morta — grunhi.
Ele riu.
— Está mesmo fora de forma — gracejou.
Luc dizia que eu deveria entrar para o time de futebol feminino da escola, mas isso
definitivamente não estava nos meus planos. Dytto Bell e esportes eram quase antônimos em
algum dicionário da vida.
— Só um pouco.
— Deveria correr de vez em quando. Só para... sabe como é, seu sangue não coagular no
corpo. — Ele riu de sua própria piada.
— Eu corro, sim — me defendi.
— Ah, claro. — Ele gargalhou.
— Tá. Tá. Tá. Você perdeu o direito de me julgar hoje mais cedo.
— Pensei que tivesse dito que não me julgaria por aquilo.
Ergui o corpo, ajustando-me para ficar de frente a ele. Sentei sobre minhas pernas e olhei-o
nos olhos.
— Mas não estou. Só que ela é... — Cobri a boca, abafando um sorriso — A professora de
geografia — entoei devagar, ainda desacreditada.
Ele cobriu o seu rosto, envergonhado.
— Esqueça isso, pelo amor de Deus — pediu, sorrindo.
— Bom, isso vai ser meio difícil. — Eu ri. Luc sabia bem a razão. Isso estaria marcado em
nossa amizade pelo resto de nossas vidas.
Ele desviou o olhar. Tinha uma tendência em tornar-se tímido para certas circunstâncias. Em
geral, ele era muito extrovertido, porém, para alguns assuntos, voltava a agir como uma criança
desconcertada.
— Me diga pelo menos que ela bancava você — caçoei.
Suas bochechas coraram.
— Não foi assim.
— Então me conta. Adoro uma história quente de professora e aluno — provoquei, irônica.
Ele umedeceu os lábios e deixou que o olhar recaísse para o carpete, nostálgico.
— Ela me viu por acidente no vestuário da escola, nu. Disse que tinha entrado lá para buscar
umas coisas e... — Ele suspirou. — Eu me cobri com uma toalha, mas ela continuou encarando o
meu corpo, estava muito... — seu tom de voz abaixou abruptamente — excitada. — Ele se
contorceu, como se falar aquilo em voz alta fosse demais.
Meu rosto ardia de vergonha, mas eu estava interessada em descobrir tudo.
— Ela veio para perto de mim e começamos a conversar. Eu me ofereci para ajudar a
procurar a droga de uma caixa com boias. Eu nem sei pra que ela queria aquilo. Ela não é nem
supervisora do grupo de natação, sabe? — Ele coçou a nuca. — E aconteceu a coisa mais idiota
do mundo. A minha toalha caiu justamente quando eu ergui a caixa. — Ele riu, como se fosse
muito estranho.
— Então decidiram recriar um filme pornô? — Ri.
Ele balançou a cabeça, timidamente.
— Eu sei lá. Ela só, desceu lá embaixo e... — Seus olhos ainda eram fixos no carpete, sem
coragem para me encararem. — Fez.
Mordi os lábios, prendendo a risada que queria explodir de minha boca.
— E caramba... Ela era muito boa. — Luc sorriu. — No dia seguinte, ela ficou me
encarando na sala a aula inteira, e quando o sinal tocou, ela me pediu para que eu ficasse. Foi
quando ela disse que aquilo não se repetiria, e que foi um erro. — Ele franziu as sobrancelhas. —
Mas aí no dia seguinte, ela estava lá no vestiário, no mesmo horário. Me esperando.
— Há quanto tempo isso vem rolando?
— Sei lá, já tem um tempo. Três semanas, acho.
Não dei minha opinião. Não poderia julgá-lo. Também me envolvi com quem não deveria.
— Hoje mais cedo, não deveria ter acontecido. Eu estava me escondendo porque sabia que
essa relação é um total fracasso. Mas ela me procurou para conversamos. Disse que entendia.
Mas sabe como é né, Dytto? Eu estava envolvido demais. Vulnerável demais. Começamos a nos
beijar e aconteceu. E, de repente, a porta se abriu e lá estava você.
Ele retornou o seu olhar para o meu.
— Eu achei que estava verdadeiramente encrencado. — Ele suspirou. — Depois daquilo,
acabou, de vez. Eu não vou mais voltar a ficar com ela. Eu não quero ser assim. Sinto que tudo
isso está errado. É como se ela estivesse brincando comigo, me manipulando a querer. Eu sei lá.
Não é como eu a culpasse. Ninguém botou uma arma na minha cabeça, mas eu me sinto um
pouco... levado a fazer o que ela quer. Entende?
— Luc, se você está desconfortável. É melhor parar.
— Esse é o problema, Dytto. Eu não me sinto desconfortável. — Ele jogou a cabeça para
trás, apoiando-a na cabeceira do sofá. — Na primeira vez eu me senti horrível. Mas depois, a
culpa foi embora. Só que, eu me sentia estranho. Uma sensação de que eu devia querer parar.
Mas ela me faz querer continuar. E eu não sei como sair dessa relação doentia.
Afaguei o seu ombro.
Esse sentimento eu conhecia bem. De estar no erro e não saber como fugir sem ceder. De
sentir o desejo ardente crescendo cada vez mais e mais, sabendo que é errado.
— Pode começar a evitando. Vamos entrar de férias muito em breve. Terá tempo para deixar
isso longe da sua mente. Será só mais um semestre antes de você ir embora da escola de vez —
aconselhei.
Ele me olhou com um meio sorriso nos lábios.
— É, pode ser — concordou sem muito animo. Seu olhar se foi para o centro da sala. — Ah,
fala sério! — resmungou, triste.
— Que que foi?
— Nossa festa acabou de furar. — Ele entortou o canto dos lábios, entreolhando algo. —
Seu namorado chegou — avisou.
Meu coração parou. Senti minhas bochechas esquentarem e minha respiração tornar-se
sôfrega.
Segui bem lentamente o seu olhar, com medo demais de descobrir o que encontraria.
Não muito longe de nós, Christopher cumprimentava alguns caras em uma rodinha, de pé ao
lado da porta. Não era muito longe de onde estávamos.
Ele parecia exausto. Com olheiras fundas que circundavam seus olhos. As visíveis
expressões de cansaço evidenciavam-se em seu rosto. Suas pálpebras se mostravam sonolentas e
baixas. Residia em seus olhos uma nítida tristeza.
Não saberia dizer se eu estava pior ou igualmente destruída, visto que comecei a evitar me
olhar no espelho desde que constatei meu rosto inchado mais vezes do que conseguia contar nos
dedos.
Estava claro que nós dois passamos pelo mais amargo sofrimento que duas pessoas que se
amam eram capazes de atravessar.
Eu quis me enfiar debaixo daquele sofá. Me acovardei no minuto em que o vi.
Todas aquelas emoções de desespero e angústia entalaram-se dentro de mim. Eram
sentimentos demais. Eu estava mergulhada em aflição.
— Vou voltar para a pista de dança — Luc se pronunciou. — Te vejo depois, Dy. — Se
levantou, afastando-se rápido demais.
Eu queria ter segurado o seu braço com todas as minhas forças e implorado para que ele
ficasse ao meu lado. Mas eu não fui capaz. Estava paralisada dos pés à cabeça. Presa ao rosto de
Christopher.
Senti meus olhos embargarem em lágrimas. Tudo o que tentei esconder nos últimos dias,
veio à tona como uma chuva tempestuosa.
Notei que ele parou por um momento, rolou os olhos pela sala, mas os estagnou antes que
chegassem em mim. Ele sabia que eu estava aqui, mas se deteve para não me ver.
Será que ele sentia o mesmo que eu?
Era injusto que ele soubesse exatamente como eu estava, mas que eu nunca poderia ser
capaz de dizer se meus sentimentos eram mútuos.
Esperei, e torci para que viesse até mim. Implorei mentalmente para que me buscasse nesse
sofá. Que estivesse me desejando feito um louco. Meu coração estava sangrando naquele
momento. A dor assolava o meu peito.
Eu solucei, e a primeira lágrima veio. Elas não parariam. Eu sabia que não iam parar.
Eu não tinha forças contra aquilo.
Christopher despediu-se de seu grupo de amigos. Girou os calcanhares e marchou para o
quintal da casa, não olhando para mim nem por um milésimo de segundo sequer.
Ele simplesmente seguiu o seu caminho, como se eu nunca tivesse existido em sua vida.
Como se nós dois simplesmente nunca tivéssemos nos amado.
Eu queria morrer ali.

Eu já estava naquele sofá há tempo demais. 20, 30 minutos, talvez. Não chorava. Apenas
permanecia em estado de choque. Voltando em memórias do passado. Revivendo os beijos e as
carícias.
Estava desmoronando em meus próprios pensamentos. Minha mente ia e vinha do passado
ao presente. Pendendo entre o amor e a dor.
Eu era tão dependente dele que não sabia ser capaz de me aproximar daquele jardim
novamente. Não conseguiria olhar para ele e permanecer no mesmo local, fingindo que nada
aconteceu.
O término foi a decisão mais difícil que eu precisei tomar. E agora lidava com as
consequências. Sentindo todo o peso da culpa e da saudade me corroendo noite e dia.
Se eu pudesse. Se eu conseguisse. Teria corrido para bem longe.
Meus olhos trancaram-se à saída, encarando-a por entre as pessoas que permaneciam em
meu campo de visão.
Eu estava entorpecida em meus devaneios. O álcool fora capaz apenas de roubar o meu
equilíbrio, mas Christopher tomou o meu fôlego e a razão.
Encarei as minhas próprias mãos sobre as minhas coxas. Queria usá-las para algo, não
lembro. Acho que eu queria me levantar. Estava atordoada. Sentia-me pesada e desconexa da
minha realidade.
Forcei-me a erguer o meu corpo sentado sobre as minhas pernas no sofá e me desvirei.
Apoiei-me nos móveis e nas pessoas à minha frente. Alguém me auxiliou a levantar, não vi
quem.
Arrastei os pés e apressei os passos em direção a saída da casa. Estava cambaleando, mas
comemorava mentalmente cada passo bem-sucedido sem cair no chão.
Precisava de ar. Sentia minhas vias respiratórias fechando. Estava taquicardia e trêmula. O
choro embolou-se em minha garganta e fugi para onde o carro de Loren estava estacionado.
Encostei o corpo na lataria e desatei a chorar, sem fôlego.
O amor não deveria deixar alguém tão frágil assim. Então culpei o álcool por se sentir uma
estúpida.
Estava claro. Christopher não ligava. Era eu quem estava me escondendo. Agachei-me e
tentei criar um ritmo de respiração constante. Era difícil, todavia, necessário.
Ninguém me veria chorando de onde eu estava e fiquei aliviada por isso. Toda a
movimentação concentrava-se apenas em frente à casa.
Levantei-me novamente e apoiei os braços no carro, encostando a testa neles. Persistindo em
ficar bem. Lutando contra aquela enxurrada de sentimentos ruins.
Apertei as unhas na palma da mão e as pressionei em minha carne. Um pouco de dor física
talvez abafasse a agoniante sensação que me matava por dentro.
Porém, meu corpo inteiro estremeceu no segundo em que algo pontiagudo tocou com
firmeza a minha costela.
— O celular, agora! — a voz era exigente e rude.
Tremi, virando-me em sua direção. O seu rosto estava completamente escancarado, sem
máscara ou venda para o cobrir, isso significava que ele não tinha medo de que eu soubesse
quem era, ou então, que acabaria comigo assim que finalizasse o seu roubo.
O homem parecia jovem, porém, a pele era marcada por manchas escuras, os olhos débeis e
vermelhos encaravam-se de modo assustador, denunciando o seu vício por drogas.
Parecia nervoso, irritadiço e tremia muito. A boca estava seca e maltratada. A barba por
fazer estava suja e o seu corpo fedia. Aparentava estar passando pela abstinência.
— Passa, porra! — repetiu, mais cruel.
— E-eu não. Não tá aqui — disse, nervosa.
O medo de morrer tomou conta. Eu estava sozinha, poderia acontecer qualquer coisa.
Meu celular estava no carro e não havia nada de valor que eu pudesse lhe entregar. Me
empertiguei, afastando-me um pouco mais para trás, apenas para aliviar a pressão que ele fazia
com a faca sobre o meu vestido.
— Não mente pra mim, caralho. Passa o celular ou eu... — Seu rosto atingiu a lataria do
carro de uma maneira tão brusca que me fez saltar para trás.
As mãos, autoras do ato, permaneceram lançando a cabeça do ladrão repetidamente contra a
lataria do carro, esmagando os ossos do nariz do indivíduo. Seu rosto agora ensanguentado
arquejava de dor.
A faca rolou no chão e rapidamente a peguei, apontando para os dois. Meu olhar lançou-se
em direção de quem o segurava. Christopher estava ali, em sua forma mais possessa. Não era um
demônio, mas agia como um em sua forma humana.
Engoli em seco, vendo a sua face revestida em fúria.
Ele largou o homem no chão. Chutando a sua costela uma. Duas. Três vezes.
Eu estava tremendo, ainda apontando a faca na direção dos dois, assustada.
O ladrão gemia de dor, engasgando-se em seu próprio sangue. Christopher agauchou-se sem
dizer nem uma única palavra e agarrou o seu cabelo. Assim, saiu arrastando-o no asfalto cru,
rasgando as pernas expostas pela maltrapilha que mal cobria qualquer parte do seu corpo. Os
tecidos de roupa completamente desgastados fizeram com que ele ficasse exposto, deixando
rastros de sangue de suas coxas no chão.
Enquanto relutava para que fosse solto, gritando aos quatro ventos, pedindo socorro,
Christopher o feria sem piedade. Cruel e frio.
Um pequeno amontoado de curiosos se formou próximo de mim. Queriam entender o que
estava acontecendo. O burburinho do pequeno grupo começou, todos apavorados com a cena.
Demorou até que Christopher retornasse, somente quando o jogou em um bueiro na esquina
da rua, que se conteve. Ele voltou a passos largos. As pessoas que o assistiam abismados logo
saíram de perto. Todos estavam com medo do que ele poderia fazer.
Christopher marchou em minha direção e arrancou a faca de lá, arremessando-a para bem
longe.
Ele puxou a manga de seu casaco para baixo. Com uma mão, segurou o meu queixo, e com a
outra, limpou o meu rosto de algo. Chris me conferiu de cima baixo. Os olhos sérios e franzidos
continuavam procurando por algo mesmo após já tê-lo feito.
— Ele te machucou? — perguntou, sério.
Balancei a cabeça.
Não sabia como me sentir.
Ele alisou o meu cabelo com as suas grandes mãos e me puxou para mais perto. Seu cheiro
automaticamente me atingiu. Eu queria mergulhar nele ali mesmo.
Christopher me abraçou, apertando-me nele. Eu não resisti, fiz o mesmo.
No seu abraço, me sentia em casa.
Sua evidente preocupação aqueceu-me por dentro. Passei a mão pelo meu rosto, enxugando
os vestígios de lágrimas, embora já tivessem sido vistas.
— Tem mesmo certeza de que ele não te machucou? — insistiu, afastando-se apenas um
pouco.
Sacudi a cabeça, confirmando.
Ele segurou o meu rosto entre as suas mãos e, com o dedão, acariciou a minha bochecha.
Christopher me olhava cheio de ternura.
Antes tão frio, agora tão caloroso. Eu não sabia lidar com isso.
— Aquele merda vai ficar preso naquele bueiro por um tempo até conseguir se levantar de
novo — avisou.
Assenti. Era o melhor a se fazer.
— Inferno. Você está tão magra — notou, preocupado. Havia aflição em sua voz.
— Eu estou bem — cochichei.
— Preciso que se cuide, amor — pediu, novamente abraçando-me — Você precisa se
cuidar. — Beijou o meu pescoço.
— Chris...
— Não se preocupe. Vai dar tudo certo. Mas, por favor, fique viva e saudável. — Ele me
olhou no rosto. — Merda, Dingo — reclamou, irritado.
— Eu estou tentando. Juro que estou.
Christopher balançou a cabeça e aproximou-se. Seus lábios me roubaram um beijo ardente.
Eu não me opus. Não podia. Precisava tanto dele.
— Me prometa, Dytto. Que não vá desistir — arfou em meio ao nosso beijo. — Me
prometa! — exigiu.
— Eu prometo.
Ele apertou os dentes.
— Você é muito descuidada. É desobediente — reclamou. — Não faça isso consigo. Que
merda!
Ele beijou a minha testa.
— Eu odeio quando age assim, Dingo Dingo. Isso me mata, caramba. Te ver triste me mata.
Te ver chorando me destrói. Isso já é difícil o suficiente — brigou. Estava com tanta raiva que
não sabia se conter.
Ele inclinou meu rosto para cima. Seu dedo acariciando uma de minhas sobrancelhas.
— Eu nunca mais quero ver você assim, novamente. Nunca mais.
Fechei os olhos.
— Disse que queria me ver infeliz pelo resto da vida — memorei.
— Eu prefiro sofrer no inferno a isso — disse.
— Sinto sua falta — sussurrei triste, e abri os olhos.
Ele curvou um meio sorriso.
— Eu sei... Também sentimos a sua.
Asafe. Eu também morria de saudades dele.
Lambi os lábios.
— Me leva com você hoje — pedi. — Só mais uma vez, Chris.
Ele fechou os olhos, em uma luta interna consigo mesmo.
Me aproximei, beijando o seu peitoral.
— Só mais essa vez — implorei.
— Só mais essa vez — concordou.
27 de Junho | Quarta
Um zunido baixo perturbava os meus deliciosos sonhos.
Minha mente tentava, a todo custo, desligar-se para, então, mergulhar na maravilhosa
sensação de estar inconsciente. Por outro lado, meu celular continuava tentando, de maneira
persistente, destruir isso.
Eu odiava a determinação do responsável em continuar me ligando, mesmo após ter sido
obviamente ignorado. Eu devia ter atendido no que parecia ter sido a primeira ligação, mas acho
que voltei a dormir sem querer. Só que aquela maldita vibração não parava.
Irritada, bufei alto, tateando a mão sobre o móvel ao lado da minha cama. Não me dei o
trabalho de abrir os olhos. Arrastei o dedo sobre a tela e torci para ter recusado a chamada por
acidente. No entanto, ao colocar o aparelho contra o ouvido, alguém já falava no outro lado da
linha.
— Loren, caramba! — trovejou rude.
Pisquei várias vezes, frisando as sobrancelhas com estranheza. Aquela voz me parecia
familiar.
— Quem é? — perguntei, arrastada e sonolenta.
— Acorda agora!
— Amara? — reconheci. — Porra. — Virei-me de barriga para cima no colchão.
Já havia um bom tempo desde que nos falamos pela última vez. Dali em diante, passei a
ignorá-la, pois sabia que isso me lembraria de um lado meu que eu não poderia assumir. Ele
deveria se manter sufocado.
— Que droga você quer? Tá com saudades? — eu provoquei-a.
Um breve silêncio se fez presente. Foram apenas cinco segundos, mas que pareceram uma
eternidade.
— É a sua irmã — avisou, tensa. — Precisa vir imediatamente — parecia abalada.
Em um rápido movimento sentei-me no colchão.
— O que aconteceu? Cadê ela? Ela se machucou? — disparei, afoita.
Pulei da cama, alarmada e corri para o closet, procurando pela primeira peça de roupa que
surgisse.
— Ela está muito mal, Loren. Precisava vir para a casa do Christopher — explicou, baixo.
— Casa do Christopher? — berrei. — Que porra esse imbecil fez com a minha irmã? Eu
vou arrebentar ele — esbravejei, desejando tê-la impedido de ir com ele na noite passada.
Sabia que foi um erro ter permitido que fossem embora juntos quando Dytto me procurou,
mas ela parecia tão triste que, por um segundo, imaginei que pudessem resolver suas indiferenças
e voltarem a namorar.
Agora percebo que foi um grande erro.
— Loren, apenas vem. Ela precisa de você. Ela... — Amara suspirou. — Traga roupas
limpas. Ela está toda suja.
— Suja? O que aconteceu, Amara? Que merda! Fala alguma coisa — surtei.
Tudo o que me vinha a mente eram cenas horrorosas de Christopher batendo em Dytto ou
coisa pior. Todas as minhas paranoias se tornaram grandes monstros em minha mente, sendo
alimentados por todas as teorias loucas do que poderia ter acontecido.
Eu estava tremendo.
— Não fale para ninguém que você está vindo. Vou passar o endereço — disse ela, mais
calma. — Venha sem ninguém saber — reforçou.
De repente, a chamada ficou muda.
Ela havia desligado.
Achei que naquele dia, eu encontraria o pior de minhas hipóteses quando saí de casa. Mas o
que encontrei, superou tudo o que eu tinha imaginado.
A cena permaneceria perpetuada pelo resto da minha vida em minha memória.

27 de Junho | Quarta

Horas antes...
Sentia frios na barriga como da primeira vez que o vi.
De soslaio, o observava dirigir. As grandes mãos seguravam o volante com força. O rosto
estava sério e ímpio. Os braços largos e fortes evidenciavam as suas várias tatuagens.
Tinha sentido tanta falta de olhá-lo que mal conseguia conter a vontade que tinha em beijá-
lo. Existia uma conexão entre nós dois que tempo nenhum poderia apagar.
Eu o amava tanto que doía. Doía ainda mais, porque eu sabia que, depois de hoje, não
poderia tê-lo.
— Sinto tudo o que está sentindo — comentou, atento à estrada.
— Então deve saber o que pretendo passar a noite inteira fazendo — devolvi, sorrindo.
Ele lambeu os lábios, contendo um sorriso malicioso.
— É, eu sei.
Baixei os olhos para as minhas coxas.
— Sinto falta disso — murmurei. — De nós dois. Das brincadeiras. Do sexo. De tudo. —
Suspirei. — Sinto falta de você. Eu não devia, não é? — ruminei. — Quer dizer, isso tudo não é
certo.
Seu rosto transformou-se em uma máscara séria. Era complicado para nós dois. Queríamos
algo que não poderíamos ter.
Era como desejar a mágoa inevitável.
— Ainda dá tempo de voltar atrás. Se não se sente mais confortável — sugeriu, parecendo
não querer ter dito nada disso. — A festa não acabará cedo, então...
— Eu sei. Mas não vou voltar atrás. — Balancei a cabeça. — Preciso de você, Chris.
O carro diminuiu a velocidade, estacionando em frente ao jardim de sua casa.
— Quero você — continuei.
Ele girou a chave na ignição e recostou-se no banco. Com os dedos ansiosos, tamborilava o
volante. Sentia como se quisesse me dizer algo.
— Isso é perigoso, Dingo. Para nós dois. — Ele levou seu olhar para o meu. — Ficarmos
juntos hoje... Sabe que isso só vai acender a vontade que temos todos os dias. Vai doer muito
quando não estivermos mais juntos. Quando eu disser que acabou. Quando você for embora e...
Retirei o cinto de segurança e pulei em seu rosto, agarrando-o aos beijos. Não queria ouvir
mais nenhuma palavra de sua boca.
Eu já sabia.
Sabia tudo o que aconteceria quando isso acabasse. Mas não era no fim que eu estava
pensando. Era no agora. E somente ele importava. O agora. Nós dois. Nada mais.
Sutilmente passei uma perna para o seu banco, em seguida, passei a outra, até que estivesse
completamente em seu colo.
Enfiei meus dedos em seu cabelo, beijando-o com todo o meu alvoroço. Agradecendo aos
céus e infernos por tê-lo feito tão perfeito.
Queria ficar ali, estendendo o tempo para que nunca passasse. Para que eu pudesse lhe
ofertar todo o meu amor e sentimentos que guardei.
Ele era o meu ar. Precisava dele, nem que fosse apenas mais um pouco. Minha alma exigia
dele. Talvez estivéssemos conectados por uma razão sobrenatural, ou então, éramos apenas dois
viciados.
Suas mãos agarraram a minha cintura e exploraram o meu corpo, descendo avidamente para
as minhas coxas, subindo a borda do meu vestido, e então acariciando minha bunda. Seus dedos
atrevidos desceram pela borda da minha calcinha, seguiram caminho para entre o meio de
minhas pernas. Sorri enquanto ainda o beijava.
Ele massageou minha intimidade por cima do tecido, provocando-me discretamente. Seu
longo dedo se infiltrou em minha calcinha, esfregando-se em minha boceta. Arquejei, excitada.
Estava melada, ansiosa e pronta.
Embora partes de mim ainda estivessem em recuperação, poderíamos apenas pegar mais
leve. Tudo bem. Ia dar certo.
Ele friccionava o meu clitóris, masturbando-o bem devagarinho. Ele parou de me beijar,
descendo sua língua do meu maxilar até o meu pescoço, chupando a minha pele. Deixando
mordiscadas gostosas. Gemi baixo, estava uma delícia.
De olhos fechados, mergulhada em puro êxtase, procurei pelo seu cinto e o desfivelei. Em
seguida desabotoei sua calça e a abri.
Ergui o meu quadril para que pudesse afastar a sua calça. Seu dedo continuou me
provocando, aproveitei-me da posição em que estávamos para rebolar nele.
Christopher beijou o meu busto, deixando rastros até o colar do meu vestido, o qual ele
baixou com a mão livre, colocando meu seio em sua boca. Eu ainda tentava livrar o seu pênis de
sua roupa, mas estava difícil manter a concentração. Sabia que ele estava duro, então por cima de
todo aquele tecido, apalpei-o, me aproveitando de todo ele.
Christopher enfiou o dedo em mim.
— Cavalga — ordenou, olhando-me diretamente nos olhos.
Prendi o canto dos lábios com os dentes e fiz com o que me pediu.
Devagar, subi e desci em seu dedo, até que conseguisse manter um ritmo constante.
Christopher deliciava-se com os olhos. Me observava de cima a baixo, a sua face brilhava de
satisfação.
Rebolei em seu dedo. Chris começou a movimentá-lo em um entra e sai. Peguei o seu rosto
entre minhas mãos e o enfiei em meus seios, levando-a me chupar. Sua língua entornou os bicos,
seus olhos malignos olhavam-me de baixo, enquanto eu gemia.
Seu rosto estava grudado ao meu corpo, sua boca insaciável sugava o meu peito.
Beijei a sua testa, ao passo que forçava seu rosto em meus seios. Seu dedo nunca cessou os
movimentos, continuava a me penetrar forte. Meus quadris se remexiam mais rápidos agora.
Chris adicionou um outro dedo. Eu gemi alto.
— Espera. Espera — pedi, ofegante.
Ajeitei-me em seu colo, retirando seu pênis apressadamente de sua cueca. Não ia esperar até
que entrássemos dentro da sua casa.
Foda-se os vizinhos de Christopher. Não me importava em dar um show no meio da rua
escura hoje. Eu queria foder.
Seu pênis ereto saltou de sua roupa, a deliciosa visão das veias saltando no seu membro
grosso me fez lamber os lábios.
— Posso chupar? Quer dizer, você quer? Ou nós... — eu dizia apressada.
Christopher puxou-me para mais perto dele pelo tecido da calcinha. Ele a arrastou para o
lado e me posicionou em cima dele, mas parou bruscamente com os movimentos.
— Amor, eu estou sem camisinhas aqui — lembrou.
— Merda. — Suspirei.
— É — concordou.
— E se nós passássemos em uma farmácia? — perguntei, ansiosa.
— Não vendem camisinhas para o meu pênis em farmácias, Dingo Bells. — Ele riu ao
responder. — Eu as peço na internet e só tenho delas dentro de casa.
— Não sai com camisinhas por aí, é? — tentei descontrair, para camuflar a minha aflição em
não poder terminar o que começamos.
Eu estava com muita vontade, mas tentava ser racional. Um bebê era a última coisa que eu
queria no momento. Eu nem sabia como ser uma mãe, e estava pouco a fim de descobrir gerando
uma criança.
— Sem necessidade. A única pessoa com quem eu transo andou com feridas no útero, não
precisei andar com nada.
Internamente, eu me gabei por isso. Não pelas feridas, é claro. Mas por ser a única.
— Então, nada de sexo no carro? — desanimei.
— Poderíamos ir para o banco de trás para eu te chupar, mas seria bem desconfortável pra
mim. Sou muito alto pra transar em carros.
— Me surpreende o fato de que você caiba em um. — Ri.
Ele tocou o teto.
— Por que acha que eu comprei um carro tão alto?
— Espero que não para transar com garotas. Eu também quero ser a única a ter feito isso
aqui.
Ele brincou com uma sobrancelha.
— Não era essa ideia no início, mas agora... — Ele acariciou as minhas coxas. — Agora,
seria muito bom transar com você aqui.
Toquei o seu peitoral, apalpando seus músculos sob a camiseta.
— E se... — Joguei a cabeça para o lado. — Você for bem rapidinho lá dentro e pegar uma
camisinha?
— Transar no carro é o seu mais novo fetiche, Dingo Dingo? — Ele mordeu os lábios.
Havia uma obscenidade sexy em seu rosto.
— Talvez. — Deslizei em seu corpo, descendo por entre as suas pernas, até estar agachada
no chão. Era apertado aqui. — Vamos começar neste lugar primeiro. — Sorri, segurando o seu
pau próximo a minha boca. — E então... — depositei um selinho na glande, isso o fez se
empertigar — podemos continuar com outras coisas.
Prendi o meu olhar no seu, ele acariciou a minha face com os dedos.
— Parece um plano incrível — animou-se.
Chupei apenas a ponta do pênis. Deslizei a língua sobre ele, provocativa. Christopher puxou
o ar com força, agarrou o meu cabelo com brutalidade e apertou o maxilar.
— Não seja tão má — implorou.
— Não sou. Mas preciso ter cuidado. São trinta e dois centímetros aqui — caçoei.
Christopher sorriu.
— Eu exagerei um pouco.
— Exagerou quanto? — quis saber.
— 2 centímetros — respondeu, orgulhoso.
Revirei os olhos. Quanta diferença! De 32 para 30 é quase nada.
— Certo. Então me deixe cuidar dos seus trinta centímetros, amor. — Joguei-lhe uma
piscadela.
— Me chupa, anjo. — Ele acariciou a minha bochecha. — Eu quero que faça isso me
olhando com essa cara de danada.
— Eu vou. — Mordi os lábios. — Mas quero que, enquanto isso, me conte o porquê das
tatuagens no pau.
Lambi a extensão de seu pênis bem devagarinho e o senti pulsar em minha mão, excitado.
— Eu estava chapado — começou, a voz sôfrega. — E eu achei que seria leg... — Coloquei-
o na boca, fazendo sucção, Chris grunhiu — ... L-legal — conseguiu terminar.
Seu aperto em meu cabelo ganhou intensidade.
— Porra, e... — Se deteve quando coloquei mais dele em minha boca, seu corpo estava
implorando por mim. — Eu não me lembro muito bem de muita coisa. Tinha usado drogas pra
caralho. — Ele gemeu.
Tirei seu pau de minha boca e coloquei um de seus testículos nela.
Ele sorriu, ofegante. E desceu sua mão para o meu pescoço.
— Eu tô com uma puta vontade de te encher de tapa — confessou, provocativo.
Em resposta, afastei o meu rosto de seu pênis, dando-lhe liberdade para que o fizesse.
Fui atingida no rosto. A ardência queimava em minha bochecha e na lateral dos meus lábios.
Com os olhos fixos nos seus, coloquei seu pênis em minha boca, afundando-me nele até
onde pude.
Fiz pressão com a língua, mantendo contato visual. A grossura do seu membro fazia minhas
bochechas doerem, mas valia a pena.
Deslizei-o em minha boca, mantendo um ritmo lento. Tirei-o algumas vezes para lamber e
chupar a ponta. Gemia baixinho e manhosa enquanto o fazia. Gostava de ver o rosto vermelho de
Christopher. As veias em seu pescoço acentuaram-se conforme eu o chupava tão dedicada. Fazia
movimentos com a língua. Com uma mão, massageei o testículo, isso o atiçou.
Christopher pressionou apenas um pouco da minha cabeça em seu pau, guiando-me a ser um
pouca mais rápida.
— Isso! — gemeu. — Porra!
Ele mordeu os lábios rudemente. Seu peito subia e descia, a respiração era ofegante e rápida.
Eu estava adorando aquilo.
Enfiei-me mais a fundo, mas parei quando me engasguei. Me aventurar em um pênis tão
grande não me traria benefícios, e eu já sabia bem.
Continuei o chupando, provocando e lambendo-o. Fiz o que pude, como pude, deliciando-
me com a sua majestosa visão sensual.
Seus olhos possuíam uma expressão selvagem, encarando-me em chamas. A sua face
transmitia o prazer que estava sentindo. Meu homem estava excitado, duro feito pedra em minha
boca. Ele semiabriu a boca, respirando acelerado.
Em determinado momento, contraiu-se. Ele estava prestes a gozar.
Fui mais ágil, ele estava alucinando em prazer. Seus músculos tensionaram-se de repente,
antes de relaxarem.
Foi no exato momento que senti a sua porra deliberadamente preencher a minha língua com
aquele estranho gosto amargo e sutilmente salgado. Ele arfou, segurando o meu rosto com as
suas mãos.
Engoli tudo aquilo. Meu rosto franziu-se em uma careta. Odiava o sabor. Christopher sorriu
de lado, achando graça.
— Você é incrível — sussurrou, satisfeito.
Ele fechou os olhos, sorrindo. Isso fez meu coração errar uma batida. Ele estava tão lindo.
Afastei-me limpando a boca.
— Quero que vá buscar a camisinha — pedi, prontamente voltando ao seu colo. Posicionei-
me com uma perna em cada lado do seu corpo, observando-o guardar o seu pênis na calça.
— Sim, minha senhora. Eu volto num instante. — Ele beijou o meu queixo.
Passei para o banco do carona e confortavelmente joguei as pernas para cima do painel.
— Estarei esperando — brinquei.
Christopher tocou a maçaneta do carro, fez menção em abrir, mas algo o deteve. Ele franziu
as sobrancelhas, olhando para o nada, ergueu o rosto e encarou a entrada da sua casa.
Não havia nada e nem ninguém ali, entretanto, alguma coisa estava o incomodando.
— Tá tudo bem? — investiguei, baixinho.
Ele continuou olhando fixamente para o mesmo ponto na entrada de sua casa, como se
estivesse esperando alguma coisa acontecer. Fiz o mesmo que ele, mas tudo continuava igual.
— Qual o problema? Asafe está em casa?
— Dytto — sua voz era séria e pesada ao meu lado. Quando o olhei novamente, seu rosto
parecia completamente transformado. Estava em alerta. As veias negras de sua face demoníaca
ameaçavam surgir. — Me escuta! — exigiu, pressionado sua mão em meu queixo. — Fique
nesse carro e não saia por nada nesse mundo. Dirija para bem longe daqui e não entre dentro da
casa. Me ouviu? — ordenou.
— Sim. Claro — concordei, confusa.
Sua exigência me era tão desesperada que não tive tempo para perguntas.
Christopher abriu a porta e colocou um pé no solo antes de inclinar-se para trás, em minha
direção.
— Eu confio em você.
Balancei a cabeça.
— Por que está tão estranho? — indaguei, nervosa.
Meu estômago agora se revirava em ansiedade. Meu coração disparou em preocupação.
Para que aquilo tudo? Que droga estava havendo?
— Vai ficar tudo bem — garantiu, pousando sua mão sobre a minha. — Minha linda garota,
vá para longe dessa casa. Por favor.
Ele segurou o meu braço, obrigando-me a ocupar o banco do motorista enquanto se colocava
para fora do carro.
Christopher ligou a chave na ignição e olhou-me outra vez.
— Pise fundo — mandou, fechando a porta.
Minhas mãos tremiam quando dei partida. Eu não queria sair dali. Eu queria chorar e não
sabia a razão. Ou talvez, no fundo, soubesse. Algo muito ruim iria acontecer naquela casa e por
isso Christopher me obrigava a ir embora.
Olhei através do retrovisor. Ele já não estava mais na rua. Em rápidos passos, havia chegado
à porta de sua casa.
Todo o meu corpo queria voltar ali. Descobrir a razão do que estava acontecendo.
O enjoo crescente em meu íntimo dificultava a minha atenção no que acontecia na estrada.
Tentava manter o meu foco em duas coisas, mas acabei descontrolando-me.
Eu estava muito enjoada naquele instante.

Tinha dado tantas voltas naquele quarteirão que já conhecia de cor cada casa, cada lixeira,
cada portão.
Eu me recusava a ir embora. Estava ali dando voltas e voltas, pois sabia que não iria
conseguir voltar para a minha casa, não sem uma resposta.
Meus dedos apertavam o volante com força. Eu estava suando frio. Meu coração estava
eletrizado como um louco no peito. A ansiedade de não saber o que estava havendo me destruía.
Milhares de pensamentos estranhos atormentaram a minha cabeça. Ao mesmo tempo que eu
me forçava a engolir o nó na minha garganta.
Eu estava aterrorizada, mas não sabia fugir. Precisava encarar.
Tínhamos que dar um jeito no que quer que estivesse acontecendo.
Por Deus, eu não podia deixar Christopher. Não podia deixá-lo. Não podia.
— Por favor, que você esteja bem. Que você esteja bem. Por favor, Deus, por favor o
proteja. Por mim. Por favor — orava baixinho. Sentindo lágrimas quentes escorrerem de meus
olhos.
Poderia estar apenas dizendo palavras em vão, afinal, Christopher era um demônio, que tipo
de deus me ajudaria a salvá-lo? Mas, em momentos de desespero, não há limites que nos impeça
de fazer o impensável. E Christopher era o amor da minha vida. Eu precisava que ele estivesse
seguro.
A angústia avassaladora teimava em me fazer sofrer.
Meu pé freou o carro — parando diante do jardim em que ele me pedira para ir embora
momentos antes — e encarei a casa, aparentemente, serena e tranquila.
Sentia meus órgãos se rebolarem dentro de mim. Eu estava uma bagunça, mental e
psicologicamente.
Inspirei fundo e olhei em volta nos bancos do carro à procura de algo, no entanto, não existia
nada ali que me fosse útil. Desci do automóvel às pressas e corri para o porta-malas. Peguei o pé
de cabra que, por sorte, encontrei e fechei o compartimento.
Segurando o ferro gelado em minha mão, caminhei com passos vacilantes e apressados em
direção a casa. Não bati na porta, era um desperdício de tempo.
Avancei no local, adentrando de supetão.
Arregalei os olhos diante da zona de guerra que estava em seu interior. Ainda na entrada,
existia pedaços de móveis espalhados por todos os cantos. Fragmentos de madeiras dispersos no
carpete e cacos de vidros salpicando o chão. Uma parte da mobília estava destruída, e a outra
estava revirada no chão.
Meus olhos vaguearam pelo lugar, em busca de Christopher. Continuei andando, em passos
silenciosos, porém ágeis. Não queria permanecer ali por muito mais tempo. Sentia-me numa cena
de crime, com o suspeito a solto, aterrorizando o ambiente.
O suspense e a tensão ainda pairavam no ar, como se as paredes tivessem absorvido o horror
presenciado aqui. O silêncio parecia ensurdecedor, causando-me tensão. Meus nervos estavam à
flor da pele.
Quando me pus na sala de estar, meu mundo ruiu num piscar de olhos. O pé de cabra
escorregou de meus dedos, senti-me fraca. Minha visão turvou e meus lábios tremularam.
— Não — arfei, chorosa. — Não. Não. Não.
Aproximei-me devagar do corpo no chão, deitado na poça de seu próprio sangue. A camiseta
rasgada dava-me o desprazer de ter a visão de suas costelas arrancadas, exibindo os órgãos
falecidos.
As pálpebras abertas demonstravam o horror no vazio do que deveriam ter olhos — pois
tinham sido arrancados.
Sua pele, antes branca, pintava-se agora do líquido vermelho, repleta de ferimentos abertos
que deixavam claro que aquilo tinha sido brutal.
Seu pescoço degolado, exibia o enorme e profundo corte. Os lábios agora eram cinzentos. O
rosto antes perfeito, tornou-se macabro em decorrência dos rasgos, deixando-o quase
irreconhecível.
Minhas pernas cederam. Desmoronei ao seu lado em um grito silencioso de dor.
Sentia como se minhas costelas tivessem sido arrancadas também. Não conseguia respirar.
Isso não poderia estar acontecendo.
Um oceano de lágrimas apoderou-se do meu rosto.
— CHRIS, NÃO! — Toquei o seu rosto pálido e sem vida. — NÃO! — meu grito saiu num
rasgo desesperado.
Tinha que ter um jeito para aquilo. Por que ele não voltou? Por que o meu amor havia
morrido? Não podia.
Ele não poderia morrer. Ele era um demônio. Como aquilo era capaz?
Quem fez aquilo? E por quê?
Eu não sabia. Não sabia de nada. Eu estava dilacerada. Minha alma gritava aos prantos de
dor.
Eu o queria de volta.
Por que ele não se mexia?
Deitei-me no chão ao seu lado e o abracei.
Tudo era dor.
— Eu vou te esperar aqui — sussurrei entre soluços.
Iria ficar ali até o momento em que Christopher voltasse.
Ele tinha que voltar.
Ele deveria voltar.
Ele ia voltar..., não é?
27 de Junho | Quarta
— Não me chame de covarde — reclamei, semicerrando os olhos sobre Samantha que,
confortavelmente, lambuzava os lábios fartos com gloss.
Ela balançou os ombros e aconchegou-se ainda mais ao banco do carona, jogando o
cosmético dentro de sua bolsa rosa e aveludada. Odiava a forma como ela mudava
completamente sua personalidade a cada semana.
Até quatro dias atrás, ela só vestia roupas pretas e cardigans. Agora ela estava com essa
mania de agir como uma garota metida que só usa rosa. Não tinha como definir Samantha em
uma só coisa. Ou talvez tivesse: esquizofrênica.
O sol refletia sobre os seus longos cabelos cacheados, era uma bela tarde. O clima
ensolarado fez com que o tortuoso clima úmido se dissipasse, ou pelo menos, em partes. Mas era
bom não ter que espirrar a cada cinco minutos.
— Só estou dizendo a verdade. Você não tem coragem de assumir o que está acontecendo e
agora fica nessa. — Sorriu de um jeito provocador. Ela sabia como isso ia atiçar a minha raiva,
no entanto, não se deu ao trabalho de se importar.
— Porra. Claro que não, Sam — discuti, irritada.
Estava sem paciência com a sua constante insistência em me julgar. Ela adorava pontuar
cada atitude minha como se fossem pautas importantes para serem abrangidas em cada conversa
que tínhamos.
Ela me perseguia e me massacrava sem o menor pudor. Eu não tinha uma irmã, tinha uma
hater obcecada.
— Não xinga — ela esbravejou, apontando com os seus olhos cor de mel para o banco de
trás.
Através do retrovisor interno, observei As distraído com o seu pequeno dinossauro. Ele
encarava o objeto, intrigado, analisando-o por inteiro. Tínhamos acabado de buscá-lo na creche,
estava ansioso para voltar para casa do seu pai. Duvido que sequer tenha prestado atenção em
qualquer coisa que tenhamos dito. Ele só sabia falar quando o assunto o convinha.
— Ele sabe coisas bem piores do que nós duas juntas — argumentei, despreocupada.
Ela suspirou.
— Não é porque você e o Christopher são dois imprudentes que eu deva ser. Asafe ainda é
um bebê — reclamou, cruzando os braços.
Samantha não tinha anseio maternal de gerar uma criança, porém, adorava o papel de tia
boazinha, embora por trás da máscara ingênua, existisse uma víbora, sedenta pelo mal. Ela
bancava o ser humano de luz para encobrir a sua má índole. Mas acho que só eu via isso. Para o
nosso irmão, Leví, ela era doce e ingênua.
Asafe não estava nem aí para ela, porém ela se esforçava. Tinha esperanças de que um dia
isso fosse mudar e morria de inveja de Dytto, que conseguiu a paixão de Asafe apenas por
existir. Ela não a odiava, na verdade, gostava bastante da escolha de nosso irmão, mas não
gostava do esforço que precisava fazer, enquanto sua cunhada simplesmente tinha o coração
trevoso do seu sobrinho.
— Ah, cala a boca, Sam. Tô cansada da sua voz. Mais um pio e eu te jogo do carro —
ameacei, revirando os olhos.
— É por causa do jeito que você resolve as coisas, que Loren já deve estar em outra
enquanto você chora atrás do rabo de saia dela igual uma i-d-i-o-t-a.
Grunhi, irritada. Minhas bochechas ardiam de raiva.
Lancei-lhe um olhar repreensivo que não surtiu o efeito que eu gostaria.
— Idiota — a voz infantil chamou-nos a atenção. — Idiota. — Asafe sorria.
As sobrancelhas de Sam saltaram do lugar. Eu, no entanto, não pude conter a risada.
Eu amo esse garoto.
— Não. Não foi isso o que eu disse — Sam interferiu, buscando amenizar o que havia feito.
— Idiota. — Asafe repetiu, mais orgulhoso de si desta vez.
Ela soltou o ar com força e tapou o rosto com ambas as mãos.
— Eu não acredito que o Christopher o ensinou a soletrar só pra me fazer passar essa raiva
— disse entredentes. — Eu vou matar ele.
— Bom, se matem depois. — Desacelerei o carro, estacionando em frente a casa do nosso
não tão amado irmão rabugento. — Agora temos que fazer a nossa entrega e esfregar na cara
dele que eu não deixei o Asafe fugir da mansão dessa vez. Adoro ganhar apostas do Christopher
— me animei.
— Christopher sabe que eu sou uma melhor tutora do que você, é por isso que ele sempre
deixa o filho comigo.
— E eu sou uma tia melhor, por isso que o Asafe corre pra mim quando quer ficar longe de
você. — Sorri convencida.
Samantha suspirou, outra vez.
— Ele só não gosta quando eu toco no cabelo dele, está bem? Esse garoto me ama. — Ela
inclinou seu corpo para trás. — Não é, As?
— Já posso descer? — desconversou ele.
Lambi os lábios, sentindo-me uma grande vitoriosa.
Provavelmente Samantha daria um jeito de colocar um explosivo no meu carro assim que eu
dormisse. Ela também tinha um lado vingativo muito cruel.
— Deixe só eu soltar você da cadeirinha, docinho — provoquei Sam, saindo do carro.
Ela me ignorou. Fazia isso quando estava chateada. Era a irmã mais mimada da família. E
mesmo que não fosse culpa minha ser a tia preferida, teria que dar um jeito de me desculpar com
ela depois.
Fui em direção ao As, que esperava impaciente para ser solto.
Christopher o havia deixado em nossa responsabilidade na manhã do dia anterior, estava
distante e estranho. Ele não costumava deixar Asafe conosco assim tão de repente, ainda mais
sem nenhum motivo aparente.
Mas era o Christopher. Ele era esquisito até em seus melhores dias.
Marchamos em direção a casa, eu não tinha pressa, mas precisei acelerar os passos, ou Asafe
iria enfiar as presas em meu ombro.
Samantha foi quem tocou a campainha primeiro. O som repercutiu no ambiente lá dentro,
mas não houve reações. A falta de respostas a fez tocar novamente. E então, de novo, e de novo,
e de novo, e de novo.
— Será que ele saiu? — Sam questionou.
— O carro dele está estacionado aqui na frente. — Virei-me para trás, avistando a ranger
vermelha parada diante o jardim.
— Será que ele e a Dytto estão... — ela pigarreou, exibindo em sua expressão o que não
podia dizer em palavras.
— Ah, eu sei lá. Mas é bom que ele abra logo — resmunguei.
— Por que está triste, As? — Sam notou, encarando-o.
Olhei para o pequeno em meu colo. Os seus olhos estavam mergulhados em lágrimas. Seus
lábios tremiam e uma expressão chorosa gradualmente aumentava em sua face.
— Dingo está triste — explicou, baixinho.
— Dingo? A Dingo está aqui? — Sam indagou, tocando a campainha mais uma vez.
Percebendo que algo estava errado, ela tornou a esmurrar a porta.
— Tenta ver se está aberta, Sam! — me pronunciei, com raiva.
Ela girou a maçaneta e a porta se abriu.
— Sua burra — critiquei-a.
— Cala a boca, Amara — disse, prontamente entrando.

27 de Junho | Quarta
— Dytto. — Senti meu corpo sendo balançado, mas minha mente estava exausta. — Dytto,
acorda.
Meus olhos recusavam-se a se abrirem como se pesassem toneladas. Meu peito doía tanto
que aparentava estar rasgado em milhões de pequenos fragmentos.
— Dytto, acorde — a voz insistiu.
Alguém tocou o meu rosto, checou o meu pescoço e suspirou.
— Ela está viva — concluiu. — Não sei por que não está acordando.
— Veja se ela machucou a cabeça — outro alguém pediu.
As vozes ecoavam em minha mente, como se distantes. Imersas no vazio. Mãos tocaram o
meu cabelo, viraram o meu rosto de um lado para o outro, checaram a minha cabeça, até que
pareceram chegar a um veredito.
— Não, ela não está machucada.
— Vamos tentar levantá-la — aconselhou.
— Dingo — a voz infantil e chorosa suplicou.
Meu coração imediatamente acelerou. Lutei para alcançá-lo. Lutei para achar Asafe. Forcei
meus olhos a se abrirem. Eu precisava acordar.
Minhas pálpebras tremeram em uma constante insistência de minha parte em erguê-las.
— Espere. Ela está acordando — a voz autoritária disse, cheia de esperanças.
A luminosidade preencheu meu campo de visão. Já era dia, mas eu ainda não conseguia
enxergar nada além da pequena brecha aberta pelos meus olhos.
Me sentia acordando de um coma. Estática e confusa. O resto de mim despertava aos
poucos, devolvendo-me o poder de suas funções. Abri e fechei a mão, parecia quase uma
novidade para mim. Sentei-me devagar, com ajuda de mãos que me puxaram pelo braço.
Quando enfim voltei a minha realidade, desejei nunca ter aberto os olhos.
O cheiro asqueroso de sangue irrompeu em meu nariz. A visão de Amara agachada à minha
frente me fez perceber que eu não estava acordando de um coma, mas, sim, de um pesadelo, um
pesadelo real.
Virei a cabeça para o lado. Ele ainda estava lá. Sem vida. Sem mexer-se. Sem nada.
— Ele voltou? — tentei dizer, mas minha voz havia sumido. Após passar uma noite inteira
chorando e implorando para que ele retornasse, em algum momento não saía mais nada de mim.
— Me diz que ele voltou. — Pressionei minhas cordas vocais a dizerem, mas as palavras soaram
como ruídos baixos e incompletos.
— Eu sinto muito, Dytto. Christopher não está mais entre nós — Samantha lamentou. —
Quem fez isso destruiu seu corpo humano e mortal para garantir que não existisse mais vida nele.
— Mas ele tem que voltar, não é? Ele tem que voltar — as palavras ressoavam arranhadas.
— Ei, ele vai. Ele vai voltar. — Amara segurou o meu rosto. — Precisamos dar um tempo a
ele. Christopher está em sua forma demoníaca, vagando em algum lugar do inferno, ele vai dar
um jeito de voltar.
Balancei a cabeça, freneticamente e me soltei dela.
— EU NÃO VOU. EU NÃO VOU SAIR ATÉ QUE ELE VOLTE — gritei, poucas palavras
saíram completas. Minha voz era falha.
— Precisamos enterrar o corpo, Dytto. Não podemos deixar ninguém vê-lo. Entendeu? Em
algumas horas esse odor... — Amara balançou a cabeça, enojada. — O corpo está entrando em
decomposição, com feridas abertas. O cheiro vai se exalar muito rápido se não tirarmos ele
daqui.
Ela suspirou.
— Eu sei que está doendo, Dytto. Ele é o meu irmão, e eu também sinto isso. — Ela tocou o
meu rosto. — Mas temos que fazer isso por ele enquanto Chris não volta.
Neguei, num balançar de cabeça.
— Ninguém vai tirar ele de mim — decretei, rouca.
Deitei-me novamente na poça vermelha e abracei o seu corpo morto. Não iria sair dali. Não
iria me mover. Ficaria ali até que o meu Christopher voltasse.
De um jeito ou de outro.
— Dingo — a voz suave e macia me chamou, tão triste e desolada que o meu peito se
apertou.
Ele aproximou-se devagarinho do corpo de seu pai. Ele tremia, o rosto estava banhado em
lágrimas. Seus dedinhos se seguravam um ao outro. Os ombros estavam encolhidos e os seus
olhos avermelhados me encaravam tristes.
Merda. Eu não podia deixá-lo aqui. Não poderia deixá-lo encarar o seu pai assim.
— Eu tô com medo, mamãe — chorou.
Minha respiração trepidou. Meus lábios se entreabriram, mas nada saía.
— Mamãe — chamou, assustado. — Eu quelo o papai de volta.
Meus olhos se arregalaram. Eu não sabia como reagir. Partilhávamos todos de uma dor
única. A perda. E agora, ele me via como sua figura materna.
Sentei-me novamente e abri os braços para ele. Asafe veio o mais rápido que pôde,
desviando-se de Chris. Ele agarrou o meu pescoço com os bracinhos e me apertou como se
precisasse de mim.
Ele precisava de mim.
As desatou a chorar forte. Seu corpo inteiro tremia, amedrontado. Envolvi-o em meus braços
e o deitei em meu colo, chorando junto a ele.
Eu também precisava do seu apoio.
Amara limpou algumas lágrimas que deixou escapar e se levantou.
— Me empreste o seu celular, Dytto. Vou precisar de ajuda — pediu.
— Deve estar no carro do Chris — sussurrei.
Ela assentiu, saindo o mais rápido que conseguia de dentro da casa. Samantha encarava o
corpo do seu irmão. Sua mente estava distante e imersa em uma notória confusão. Porém, ela
parecia saber de algo mais. Sequer se surpreendera com a morte de Christopher.
Havia algo da qual eu não possuía conhecimento.
— Quem fez isso com ele? — murmurei. — Samantha. Me diz a verdade — implorei.
Seu olhar lentamente veio para mim, pesaroso.
Sua face expressava o sentimento de aflição que a cercava.
— Christopher está morto porque desafiou o próprio pai para estar com você, Dytto.
Prendi a respiração. Minha cabeça rodopiou e o sangue pareceu estagnar em minhas veias.
— Isso é minha culpa — declarei.
— Ninguém tem culpa além do pai do Christopher — discordou. — Isso aconteceria de
qualquer jeito. O pai dele só estava à espera de uma desculpa para transformar o filho no soldado
que nasceu para ser.
Ela soltou o ar pela boca, chateada.
— O Christopher que conhecemos se foi, Dytto. Se foi para sempre.
— Ele vai voltar — retruquei.
— Sim, ele vai. — Ele arranhou os lábios com os dentes. — Mas não em sua forma humana
— completou. — Ele vai voltar em sua forma cruel e destrutiva. — Ela balançou a cabeça. — Eu
sinto muito. Vocês tiveram uma história de amor muito bonita. Não merecia acabar assim —
entristeceu-se.
Foi como perder o fôlego.
Ouvir as suas palavras tirou-me algo. Senti as esperanças sendo arrancadas a força de mim.
Como se, de repente, minha mente se clareasse.
Christopher sempre me disse que sua parte demoníaca não possuía sentimentos humanos,
mas que se continha por me amar.
Porém, agora, o que seria de um Christopher demoníaco que não sentia nada por mim?
Desprezo. Eu teria apenas o seu mais puro desprezo.
Apertei Asafe em meus braços. Seus olhos estavam fechados, mas as lágrimas
deliberadamente derramavam-se em seu rostinho.
— Tem que ter outro jeito — eu quis gritar, no entanto, não conseguia.
Ela andou um pouco mais para perto, sentou-se em uma poltrona e apoiou os cotovelos nas
coxas, aturdida.
— Não há muito que poderemos fazer, Dytto. Não sabemos o que ele está passando agora.
— Ela engelhou as sobrancelhas. — Meu irmão pode não ser mais ele quando voltar. Estará
ocupado demais fazendo o que nasceu para ser.
— E o que ele nasceu para ser? — eu disse entredentes.
Ela parecia pensativa.
— Ele nunca te contou — percebeu.
Samantha se ajeitou na poltrona e abriu um sorriso sem vida para mim.
— Todo demônio tem uma função, Dytto. Meu irmão nasceu para destruir o mundo em que
vivemos.
Ela ergueu os olhos para o teto.
— Christopher veio para trazer o caos e destruição. Por causa dele, muitas pessoas irão
morrer. Haverá fome. Haverá guerras. Meu irmão está infiltrado em muitas situações diferentes.
— E de que forma ele seria responsável por isso? — questionei.
— Indiretamente ele controla homens poderosos. Pessoas do mundo todo o procuram para
fazer negócios. Christopher pode não ser um presidente ou um rei, mas tem controle do caos. Ele
sabe onde atingir para que uma onda de eventos se inicie.
— A teoria do caos — sussurrei.
— Ele só dá as dicas. Os peões é quem fazem o resto.
Joguei a cabeça para trás, rindo.
— Todo esse tempo... — gargalhei. — Todo esse tempo ele me escondeu que estava
destruindo um mundo fadado ao fim dos tempos. — Minha risada aumentou.
Olhei para ela, que me observava intrigada.
— No fim das contas, eu teria ficado com ele mesmo assim. — Sorri para ela. — Sabe de
uma coisa, Samantha? Eu não estou nem aí para o mundo. Agora eu só quero que tudo queime.
Baixei os olhos para a criança em meu colo, afaguei o seu cabelo com carinho.
— Eu tô cansada. E eu só sei que o quero de volta — declarei, simplesmente.
Loren estava parada no sofá há pelo menos meia hora. Não se moveu desde que nos
encontrou. Amara tinha lhe ligado, e agora envolvia o corpo do irmão em um carpete, enquanto
procurava uma forma de despachá-lo sem que a vizinhança nos visse.
Seus olhos presos ao chão, acentuavam a sua reação horrorizada. Sequer movia um único
músculo. O choque a arrebatou, levando-a a um estado de inércia.
Eu havia tomado um banho e trocado minhas roupas pelas que minha irmã trouxe. Foi difícil
entrar no quarto de Christopher e encarar tudo como se as memórias não tivessem vindo à tona
como uma enxurrada na minha cabeça no segundo em que senti seu cheiro impregnado em cada
canto.
Chorei mais uma vez enquanto banhava, mas recuperei o fôlego quando terminei de me
vestir.
Precisava ser forte pelo Asafe.
Ele estava deitado em meu colo, brincando com o fio do meu moletom. Os olhos estavam
inchados e o nariz avermelhado. Sua expressão triste e vazia me deixava angustiada.
Eu teria que saber lidar com aquilo, querendo ou não. Asafe esperava que eu soubesse cuidar
dele, porque precisava de uma mãe.
Christopher disse que confiava em mim poucos minutos antes de entrar em sua casa, acho
que, no fundo, ele sabia que não era sobre aquele momento que estávamos falando, mas o depois,
portanto, o agora.
— Um demônio — Loren arfou, atônita.
Eu tinha lhe resumido partes do que sabia sobre a vida do Christopher. A parte que ele não
contava a ninguém. E a parte que lhe escondi durante todo esse tempo.
— É.
Ela franziu as sobrancelhas.
— Que porra é essa, Dytto? — sussurrou, assustada. — Por que merda isso tá acontecendo?
Balancei a cabeça e soltei o ar pela boca.
Eu não poderia me permitir sentir nada. Então precisei ser paciente para tentar lidar com o
baque que estava sendo para Loren descobrir toda a verdade.
— Eu sempre soube que tinha algo há mais com ele. Mas não desse jeito. Não nessa
magnitude. — Ela ergueu os braços para quantificar o exagero que era a situação. — Que porra!
— repetiu.
Ela me olhou, desceu os olhos para Asafe, e os retornou para mim.
— Vai cuidar dele? — perguntou, curiosa. — Quer dizer, você vai ficar com ele na nossa
casa enquanto o... — Ela não terminou.
— Tenho que cuidar, Lô. — Toquei o rosto de As com cuidado. — Ele é minha
responsabilidade agora.
Loren assentiu.
— Não precisa ser, Dytto — Amara se pronunciou, aproximando-se. — Podemos ficar com
ele na mansão da família, não teremos problema algum em cuidar dele. Você ainda tem escola e
uma vida. Não precisa fazer isso.
— Eu não posso ficar longe do As — discordei.
— Não precisa. Pode visitar ele todos os dias se quiser. Será sempre bem-vinda na nossa
casa — disse, gentil. — Sua família não aceitará bem a situação. É melhor deixarmos isso o mais
escondido possível. Não era o desejo de Chris que o filho fosse exposto ao mundo.
Asafe me olhou, como se implorasse para ficar comigo. Ele não deveria ter que suportar
mais nenhuma perda, mas Amara tinha razão. Ele precisava ser protegido.
— Eu amo você — cochichei, olhando-o. — Vou te ver todos os dias. E passar as tardes
com você, está bem? — Beijei a sua testa. — Podemos fazer isso, Asafe. Podemos esperar por
ele juntos. — Apertei sua mão. — Nós dois seremos fortes juntos.
— Também te amo, Dingo — murmurou.
Sorri para ele.
— Vamos sobreviver a isso.
3 dias após a morte de Christopher
30 de junho | domingo
Era eu quem estava de luto, mas era mamãe quem estava mal.
Sentada na mesa do seu escritório, seus olhos perscrutavam o nada. Sua mente lhe era
distante do mundo real. Ela ainda estava péssima pela perda do emprego há meses, não havia
jogado fora as papeladas do antigo trabalho ou sequer se desfez de seus antigos hábitos de sentar-
se à frente do computador para escrever documentos que, agora, já não tinham mais serventia
alguma.
Ela emagreceu a beça e estava visivelmente deprimida. Tons arroxeados rodeavam os seus
olhos fundos. O rosto magro e ossudo tinha o semblante de uma mulher muito mais velha do que
ela era. Os seus cabelos longos, conhecidos pelo brilho e saúde, encontravam-se ressecados e
ralos. Sua vaidade esvaiu-se completamente. Passava grande parte dos dias vestida em trapos
velhos e sujos.
Ever aparentava ter desenvolvido uma depressão que, somado ao péssimo casamento que ela
estava vivendo, deteriorava o seu estado mental com muito mais rapidez.
Eu me preocupava com a forma que tudo isso vinha se desenrolando, Loren, por outro lado,
tinha outras aflições como prioridade, por exemplo: a sua faculdade e a mim. Papai passava a
maior parte do tempo fora, pegava todos os plantões que podia e, às vezes, não voltava durante
as noites para casa, dormia em quarto de hotéis ou no hospital.
Diferentemente de sua esposa, ele não parecia abatido, tampouco parecia importar-se mais,
havia abdicado de sua responsabilidade conjugal e raramente exercia a paternal. Até mesmo os
sermões desapareceram.
Cogitei por diversas vezes a ideia de que ele já estava amando outra mulher, e que mamãe
sabia, somente não aceitava. Eu gostaria de provar que, de alguma forma, eu estava errada, mas
ao que tudo indicava, era questão de tempo até isso vir à tona sobre todos nós.
Minha mente atravessava um inferno inteiro, porém, naquele momento, sabia que precisaria
guardar minhas dores para depois. Existiam pessoas que necessitavam de mim, enquanto eu
ainda aguardava dia e noite por Christopher. Só que, às vezes, tinha sonhos tão lúcidos com ele
me tocando durante às noites, que parecia ser real. Todo o meu corpo preenchia-se de uma
esperança poderosa que, por sua vez, era extinta assim que eu abria os olhos e todas as memórias
do seu falecido corpo rebobinavam-se em minha mente.
Portanto, ainda sem ter como ajudar Christopher, me envolvi em cuidar de quem se
mantinha aqui. Perto.
Dei dois toques suaves na porta, despertando-lhe a atenção, ela, contudo, parecia insatisfeita
com a minha presença ali, tinha adquirido um certo hábito de se isolar.
— Precisa de algo? — perguntei, mesmo sabendo que seria em vão.
Ela nunca respondeu que "sim".
— Não — disse secamente, voltando sua concentração a tela vazia do computador. — E
feche a porta quando sair — avisou, formalmente.
Acho que no fim, eu só queria ter um motivo para abraçá-la, um motivo egoísta, apenas para
chorar no colo de alguém tudo aquilo que eu estava sentindo. Mas eu não poderia fazer isso.
Todos estavam cuidando de suas próprias vidas.
— Está bem, mãe — murmurei. — Se precisar, eu est...
— Já entendi — cortou-me, secamente.
— Certo. — Assenti, fechando a porta.

7 dias após a morte de Christopher


04 de julho | Quinta
— Mas que porra, Théo! — Ever esbravejou furiosa da cozinha, seguido de um estilhaço.
Um breve momento de silêncio fez-se presente, antes de recomeçar:
— Como pôde? Seu desgraçado! Como... Como pôde?
Meu pai rapidamente levantou-se do sofá à minha frente, lia um jornal em seu iPad antes da
gritaria repentina ganhar início.
Eu não estava realmente prestando atenção neles dois, ambos tinham começado a brigar
novamente nos dois dias em que papai ficou de folga em casa. Eu fingia encarar o caderno em
minhas coxas, tentando enganar a mim mesma que estava estudando para os exames finais. Eu
não estava nem aí para os exames finais. Na verdade, mantinha todo o meu foco no celular que
eu segurava com todas as minhas forças, aguardando — pelo sétimo dia consecutivo — por uma
ligação que nunca veio. Esperando que alguém de sua família dissesse que ele voltou, mas este
momento nunca chegou.
Embora eu não quisesse ouvir os ruídos sonoros da minha casa, era quase impossível não me
assustar com os berros. Pareciam mais ferozes desta vez.
— Ever, pare de gritar — Théo devolveu no mesmo tom irritado.
— Que merda é essa aqui? — ela rosnou.
— E-eu... — papai tentou se explicar, mas parecia ser grave demais.
Suspirei, obrigando-me a não prestar atenção.
— Vai me deixar? Por ela? — Mamãe questionou, em um misto de fúria e mágoa.
Ok... talvez eu devesse prestar atenção nessa conversa em particular.
— Será que eles não se cansam? — Loren sussurrou ao meu lado. Também aguardava
comigo pela ligação.
Ultimamente dormíamos e acordávamos juntas. Ela havia se tornado o meu alicerce. Íamos
para todos os cantos grudadas, inclusive, visitar Asafe.
Pobre Asafe, mal comia ou dormia. Chorava pelos cantos da mansão Tanaka, tão ansioso
pela volta do seu pai quanto eu.
Estávamos todos enlouquecendo com a demora.
— Eu não sabia como contar — papai comentou, mais baixo.
Precisei me esforçar para conseguir ouvi-los.
— Aposta quanto que mamãe acabou de descobrir a amante do papai? — Loren provocou,
sorrindo de canto.
Ela estava insatisfeita com a relação deles dois, então apenas torcia logo para o fim.
Ninguém suportava mais a situação.
— Eu não sei, mas tem algo errado — disse, pondo-me de pé.
Fui em passos rápidos para a cozinha. Mamãe estava de pé diante da cadeira em que papai
estava. Ela chorava enquanto checava o celular de Théo.
— Você vai me deixar por ela — concluiu. — SEU MALDITO!
Ela atirou o celular contra a parede. O aparelho caiu no chão já estraçalhado.
— MADILTO! — gritou.
Seu rosto inteiro estava vermelho como um tomate. Os olhos pulsavam horrorizados. As
veias saltavam em sua testa e pescoço, completamente furiosa.
Nunca tinha lhe visto desta maneira antes.
Papai tentou segurá-la, mas os gritos dela o fizeram recuar.
— Eu não acredito. Não acredito — repetia atordoada, puxando os fios de cabelo de
maneira descontrolada.
Loren apareceu na entrada da cozinha, confusa e assustada. Os olhos varreram o lugar em
busca de uma resposta, mas nada ali parecia certo. Papai mantinha-se calado e retido. A culpa
maquiava o seu rosto maduro.
— Mãe, se acalme — pedi, aproximando-me devagar. — Tá tudo bem. Vamos sair daqui e
conversar. Tá tudo bem — tentei lhe acalmar.
Ever estava histérica, não parava no lugar, andando de um lado para o outro, repetindo
palavras inteligíveis para si.
Sua respiração era ofegante e audível. Seus olhos estavam imersos em um abismo interior. O
choque do que quer que ela tenha visto a esfaqueava repetidas vezes.
— Mãe — repeti, mais baixo. — Vem comigo — pedi, estendendo a mão.
Ela parou de andar, olhou-me nos olhos e balançou a cabeça.
— Eu perdi os dois — sussurrou.
E então saiu, quase correndo.
Ouvi o barulho de suas passadas na escada, estava indo para o segundo andar. Loren se
prontificou a ir atrás, mas a segurei.
— Deixa comigo. — Tomei a frente, indo atrás dela.
Subi o segundo andar bem rapidamente. Pulei de três em três degraus para conseguir
alcançá-la, no entanto, ela já estava em seu quarto quando a encontrei. Estava de costas para
mim, encarando o jardim através da janela de vidro. O corpo mal parecia conseguir equilibrar-se
em suas próprias pernas.
— Eu perdi os dois. — Ela chorava.
— Mãe, conversa comigo. — Andei em sua direção, mas parei no lugar quando ouvi um
clique metálico muito incomum, porém, que parecia importante. Sabia da existência de uma
arma na casa, porém, nunca tive conhecimento de onde eles a guardavam. Tinha medo do que o
estado mental de mamãe poderia levá-la a fazer.
— Primeiro ele. Ele me trocou pela secretária mais jovem — lamentou num desabafo. —
Ele me descartou da empresa que eu o ajudei a construir. — Chorava ao dizer.
— Mãe, isso não faz sentido — minha voz tremia.
Ela estava muito fragilizada.
— Mãe, por favor, me escuta...
— E agora... — me interrompeu. — O seu pai está me trocando por outra. — Ela estava
sofrendo. A dor em suas palavras eram de cortar o coração. — Os dois homens que eu amei me
deixaram, Dytto.
Ela virou-se bem devagar em minha direção, segurava uma arma, apontando-a para debaixo
do seu queixo. Arregalei os olhos, andando rapidamente em sua direção.
— Não, mãe. Não, mãe. Não, mãe.
— Esse é o preço que se paga por fazer tudo por eles. — E então ela atirou.
— NÃO, MÃE! — tentei interromper, mas já era tarde.
Seu sangue salpicava o meu rosto e roupas. Seu corpo despencou no chão. A arma tocou o
piso de madeira e escorregou para longe.
— Ah, não! — a voz angustiada de Loren atrás de mim me fez virar em sua direção. — Meu
Deus! — Seus olhos estavam tão arregalados quanto os meus.

8 dias após a morte de Christopher


1 dias após a morte de Ever
05 de julho | Sexta
Eu não havia ficado para ver Amara e os seus irmãos enterrarem o corpo de Christopher.
Sabia o local exato em que a terra o engoliu para sempre, mas não tive coragem de me despedir.
Não poderia vê-lo uma última vez sabendo que seria assim por um bom tempo.
Não tinha ideia de como ele voltaria. Em que situação a sua aparência estaria, ou como a sua
personalidade agiria, então me comprometi a guardar apenas as lembranças do seu lindo sorriso
em minha mente, faria o mesmo pela minha mãe. Ter a ideia de ver a sua cabeça aberta em
minha mente não me traria conforto.
A família estava junto ao redor de sua cova, o caixão já deitava no fundo do solo. A caixa
fechada e sem vidro indicava o quão tamanha fora a fatalidade.
Loren não ficou para ver, estava sentada em um dos túmulos mais distante, fumando um
cigarro sozinha.
Papai enxugava lágrimas invisíveis de seu rosto, embora culpado por grande parte do
sofrimento de Ever, agia como se fosse uma grande surpresa para ele o ocorrido. Como se ele
não tivesse prestado atenção em como sua mulher se desvanecia na mais pura infelicidade
debaixo dos seus próprios olhos. Como se ele nunca tivesse se negado a estender a mão para lhe
ajudar ou dizer uma única palavra de conforto.
Fingia tão bem que todos os familiares pareciam acreditar no pobre viúvo.
Eu sentia raiva. A raiva fervilhava o meu íntimo e grudava-se a parede do meu estômago,
subindo para a cabeça e esmagando as minhas têmporas. Era avassaladora e corrompia todo o
meu corpo. Estava em todas as partes. Prendi a dor em uma caixinha para que não desmoronasse.
Não chorei em nenhum momento. Não precisei engolir lágrimas, não existia mais dor, apenas
raiva, eu estava consumida por ela.
— Oh, minha querida! — Vovó Irina, mãe do meu pai, aproximou-se, afagando o meu
braço. — Sinto tanto pela sua perda. — Os lábios enrugados davam as suas condolências sem
muita veracidade. — Isso tudo deve ter sido horrível. Bem na sua frente. Como ela foi capaz de
fazer isso com você? — julgou.
Respirei fundo, obrigando-me a não discutir. Não agora.
— Ever era muito brilhante, quando foi que esse desequilíbrio a tomou? — opinava,
consciente ou inconscientemente rude.
— É, horrível — concordei, desinteressada.
— Mãe... — Theo se aproximou, tocando os ombros da velha chata. Ela sorriu lamentosa
para ele.
— Meu querido, eu estava conversando com a minha neta sobre como isso aconteceu —
pontuou, ainda curiosa. — Deve ter sido péssimo. Não tenho ideia de que tudo isso estava
acontecendo.
— Ah, claro! — Ele suspirou. — Foi horrível. Ever estava mal por conta da demissão, e
então, Loren de repente quis ir embora para outro país, a senhora sabe... Ela ficou péssima depois
disso. Tentamos ajudar como podíamos, mas ela andava muito resguardada — contava,
magoado.
Como é que é? ele realmente quer se fazer de bom moço e jogar culpa na Loren? —
estreitei os olhos, virando-me furiosa para os dois.
Apertei os dentes uns contra os outros, sem paciência.
— Não tão difícil quanto descobrir que você estava trepando com outra mulher, não é, pai?
— rebati, encarando-o séria.
Seus olhos miraram-se sobre os meus com tanta fúria que jurei que ele me acertaria com um
tapa ali mesmo
— E se vamos ser honestos aqui. — Sorri amarga. — Mamãe estava muito feliz com a
entrada da Loren na faculdade, só andava meio deprimida por conta do marido de merda. — E
do amante de merda, mas não adicionei essa parte. Virei-me para a minha vó, que observava a
situação chocada. — E não, minha mãe não era uma desequilibrada, na verdade, ela era muito
equilibrada, a prova disso é ter suportado essa merda de família por anos. — Dei-lhes as costas,
marchando duramente em direção a Loren.
Longe de todas aquelas pessoas que realmente não se importavam com a minha mãe, sentei-
me ao lado da minha irmã.
— Eu quero um cigarro — pedi.
— Você não fuma — pontuou.
— Agora eu fumo. Me dá logo. — Estendi a palma da mão.
Ela deu de ombros, tateou os bolsos e tirou um cigarro da cartela. Coloquei-o na boca e ela o
acendeu para mim.
Dei a primeira tragada. Foi horrível. O gosto era amargo demais e deixava a boca com gosto
de fuligem, mas não desisti, continuei fumando-o como se estivesse habituada. Eu não queria
estar fumando, porém, também não queria ficar parada.
Eu estava elétrica, furiosa e infeliz.
— Sabe a nova? Espalhei para a vovó sobre a amante do papai — confessei.
Loren segurava o cigarro entre os dedos, próximo à boca, quando me olhou intrigada,
franzindo as duas sobrancelhas.
— Como é que é? — Ela riu.
— É, pois é.
Ela tornou a gargalhar descontroladamente.
— Isso é demais, Dy. Demais — se divertia.
Mordi os lábios.
— É, e foi sensacional fazer isso. — Balancei a cabeça. — Mas não contei a ela sobre o
amante da mamãe. Acha que eu fiz certo?
— Ah, sei lá. Papai sempre foi um marido horrível, ele mereceu os chifres que levava.
Suspirei.
— Eu não entendo. — Repuxei o canto dos lábios. — Por que duas pessoas se acorrentam a
um relacionamento horrível pra acabar assim?
— Eu não sei, Dy — respondeu, distraída.
— Ela amava os dois — sussurrei. — Antes de se matar. Ela me disse que amava os dois.
— Bom pra ela que sentava em duas picas.
Virei-me para Loren.
— Me disse também que os dois a deixaram. Ela estava sofrendo muito.
— Ui! — Fez careta.
— Ela amava todo mundo, menos as próprias filhas — cochichei. — Ela não passava
nenhum tempo com nós duas. Nunca foi nossa amiga, nunca procurou saber se precisamos dos
conselhos dela. — Juntei as sobrancelhas. — Acho que já tinha homens demais no coração dela,
então não sobrou espaço para nós. Ela nem notou que eu estava de luto pelo Christopher.
Soltei a fumaça no ar.
— Ela não percebeu nada, Loren. Papai também não — comentei, absorta em pensamentos.
— Acho que nós duas viramos órfãs muito antes dela morrer.
Minha irmã passou o braço em volta dos meus braços.
— Contanto que fiquemos juntas, nada mais importa, Dy. — Ela deitou a cabeça em meu
ombro e me encostei na dela. — Nós nunca pertencemos a essa família.

13 dias após a morte de Christopher


5 dias após a morte de Ever
9 de julho | Terça
— Não, você não vai sair — papai cuspia ordens atrás de mim.
Seus passos apressados tentavam alcançar os meus. Estávamos em uma dança de caça ao
rato, onde ele tentava me apanhar a caminho do meu carro.
— Ah, e por que não? — o desafiei, agressiva.
— Você tem matado aulas. Não tem ficado em casa e sequer tem atendido as ligações —
esbravejou alto.
— Olha só, acho que eu estou me tornando você antes da mamãe se matar — brinquei,
ácida.
— O que disse? — se ofendeu.
Estagnei os meus passos e virei-me para ele.
— Por que nunca parou para falar com ela? — perguntei, irritada. — Por que nunca se
preocupou com a porra da sua própria esposa? — Apontei para a casa atrás de nós. — Porque
você só liga para isso, pai. STATUS.
Ele balançou a cabeça, vermelho de fúria.
— VOCÊ NÃO VAI SAIR DESSA CASA, E ESTÁ DE CASTIGO — berrou, como
sempre fazia quando fugia de uma conversa séria.
— Ah, estou? — Ri.
— Tem agido como uma adolescente delinquente e irresponsável. Eu não te criei assim.
Essa sua má educação veio das suas amizades e das amizades de Loren — criticou, enojado.
— Minha má educação se chama LUTO.
— Não, Dytto. Está agindo como uma imbecil. Tem passado o dia fora, com sabe-se lá
quem, fazendo sabe-se lá o quê. Deveria estar aqui para apoiar a família. Você costumava ser
doce e boazinha, agora eu nem te reconheço mais. Pensei que fosse a irmã madura, mas está
agindo como criança.
Sorri decepcionada e balancei a cabeça. Por mais que estivesse acostumada a ouvir isso dele
sobre Loren, achei que essa frase nunca mais me surpreenderia.
— Ah, pai, sabe como é a adolescência. Tenho passado o dia fora fodendo com caras que eu
nem conheço e cheirando cocaína pra bancar a rebelde. — Balancei os ombros. — Sabe como é,
né?
Ele apontou para mim.
— Vai voltar agora lá pra dentro! Vai pedir desculpas aos seus familiares e vai se redimir
comigo — ele ergueu o tom de voz. — Não vou tolerar esse comportamento na minha casa. Não
criei minha filha pra ser uma puta.
— Puta? — disse, incrédula. — Ah, bem, eu não sou uma puta pai, mas odeio que falem
mentiras de mim. — Agachei-me no chão, apanhei uma pedra enorme e a atirei contra a janela
do seu carro estacionado na garagem.
O vidro explodiu, estilhaçando-se em milhares de cacos pelo chão.
— Que porra está fazendo? — brigou, alto o suficiente para chamar a atenção de Loren, que
já caminhava apressada em nossa direção.
— Te dando verdadeiras razões para me chamar de delinquente, antes disso era só raiva,
mas agora, vou te dar motivos reais para deixar de ser um mentiroso.
Dei-lhe as costas e sai apressada rumo ao meu carro. Loren veio correndo para o banco do
carona, ela ria em diversão quando se jogou para dentro do automóvel em movimento.
Eu já estava acelerando quando o portão se abriu, por pouco não arranhamos a lataria.
Pelo espelho, vi papai correndo atrás de nós, mas freou os passos quando chegou ao portão.
— ISSO FOI DO CARALHO — ela gritou, empolgada.
— E lá vamos nós mais uma vez. — Sorri.
— Eu até que gosto da mansão Tanaka. Lá eles têm sala de cinema, sabia?
— Minha nossa, Loren. — Ri, revirando os olhos.

17 dias após a morte de Christopher


9 dias após a morte de Ever
13 de julho | Sábado
— Você está muito quieto. — Beijei a sua testa, ele me olhou nos olhos e sorriu. Adorava
quando eu o fazia carinho.
— Você também, mamãe — comentou.
Estávamos sentados no jardim da mansão Tanaka, em frente ao túmulo de Christopher.
Asafe e eu costumávamos nos sentar ali para contar nossas novidades para ele. Embora
soubéssemos que ele não estaria nos ouvindo, se tornou algo simbólico para nós dois, para
sempre mantermos as esperanças de que ainda estávamos o esperando.
— Só estou preocupada com você. — Afaguei suas costas.
— Ainda está triste pela sua mamãe, né?
Curvei um breve sorriso para ele.
— É, ainda estou, sim.
Ele ergueu a cabeça, segurou o meu rosto com as suas mãozinhas e me puxou para ele,
dando-me um longo beijinho na testa.
— Pra salar — murmurou. Era o que eu dizia a ele quando o notava triste demais.
Puxei-o para o meu colo e o abracei. Ele ainda era tão jovem, mas já parecia ter que segurar
um mundo inteiro nas costas. Eu não queria que ele passasse por aquilo.
— O papai vai demorar a voltar? — questionou, pensativo.
Inspirei fundo. A dor cortante rasgava o meu coração ao ouvi-lo tão cheio de esperanças.
Eu não fazia ideia de quanto tempo mais levaria para Christopher voltar. Estava me
obrigando a ter paciência, mas a cada segundo que se passava, menos controle eu tinha.
— Talvez, As. Vai ver ele está matando a saudades de casa — tentei descontrair, mas isso
não o fez rir.
— Papai não gosta da casa dele — murmurou. — Ele não quer ficar lá.
— Consegue senti-lo?
— Não. — Asafe virou-se para mim. — Quelia ele aqui. — E então encostou sua testa em
mim.
Eu não precisava de dons sobrenaturais para perceber que aos poucos Asafe também estava
perdendo a paciência.
— Um passarinho me contou que você gosta de sorvete.
— Titia Amara não é um passalinho — pontuou, intrigado.
— É uma expressão, As. — Ri dele.
Ele me olhou interrogativo, mas não disse nada.
— Eu trouxe sorvete — comentei, sorrindo.
Os lábios se curvaram em um grande sorriso, salientando as suas bochechas fofas.
— Me dá um poquinho? — pediu, animado.
— Venha. Vamos comer um montão de sorvete.

21 dias após a morte de Christopher


13 dias após a morte de Ever
17 de julho| Quarta
— O que vamos fazer nessas férias? — Loren perguntou, alheia.
Estávamos deitadas em um mesmo sofá na mansão Tanaka. Para falar a verdade, mal
saíamos daqui. Os irmãos Tanaka não residiam fixamente neste lugar, então ficávamos a maior
parte do tempo a sós. Apenas Samantha era presente e passava dia e noite na casa, se
responsabilizando por Asafe quando eu não podia.
Demétrius e Amara sumiram do mapa após a morte de Christopher. E, ao que parece, havia
mais um irmão, Leví, mas nunca vi nem mesmo o seu rastro.
Todos eles pareciam ter os seus próprios compromissos secretos, Sam garantiu que em breve
todos estariam de volta, e que apenas finalizavam alguns "negócios" de família. Suspeitava que
eram ilegalidades, no entanto, eu é que não iria querer saber.
Ela dizia não se importar de ficarmos aqui, e até gostava de nossa presença, apesar dela
própria parecer um fantasma no ambiente. Era estranho como eles eram estritamente reservados
e misteriosos, andavam como se mal existissem nesse mundo. Sempre tão discretos que me
assustavam.
Eu odiava cada segundo que passava dentro da minha própria casa, por isso a evitava tanto.
E se tornava ainda pior quando papai estava presente. Ele queria que nós jantássemos juntos
todas as noites, coisa que não rolava. Loren e eu sempre conseguíamos fugir dessa situação.
Agora ele queria falar de família.
Era quase irônico se ele realmente não estivesse falando sério.
Théo não parecia de luto. Ele parecia um verdadeiro homem solteiro e desimpedido. Se
algum dia foi casado, agora ele mal parecia lembrar-se disso.
Havia desenvolvido um certo hábito por álcool, deixou de ir às missas e agora frequentava
bares chiques e boates — de acordo com o seu extrato do cartão de crédito.
Ou ele estava muito feliz ou muito infeliz. Eu não saberia dizer.
Loren não se importava, eu, no entanto, supria raiva de tudo aquilo, mas me mantinha longe,
para o bem de todos.
— O mesmo que fazemos agora — respondi.
— Pensei que quisesse fazer algo mais nas suas férias além de...
— De o quê? Visitar o túmulo do meu namorado morto e cuidar do meu filho? É,
poderíamos variar de vez em quando e visitar o túmulo da mamãe também.
Ela riu.
— Chamou a peste de filho — evidenciou, risonha.
— Não chamei, não — intriguei-me.
— Sim, você chamou. — Ela se sentou. — Minha irmãzinha virou mãe. Ownnt! — Loren
fez cara de orgulhosa, repousando as duas mãos sobre o coração.
— Não faz essa cara. E não o chame de peste novamente. — Escondi o rosto com as mãos.
Me sentia um pouco envergonhada. A sensação era estranha, mas boa. Eu realmente tinha
uma responsabilidade real e materna aos dezoito anos de idade.
E pensar que eu abolia fielmente a ideia de ser mãe na adolescência.
Foi somente em falar o seu nome, que o pequeno/grande rapaz surgiu na entrada da sala.
— Lúcifer fugiu — avisou, desconcertado.
Suas bochechas vermelhas e o comportamento retido demonstrava que, de alguma forma,
isso era culpa sua.
— Lúcifer? — Loren se assustou. — Isso não parece nada bom. — Me encarou de olhos
arregalados.
Apoiei-me nos cotovelos, incrivelmente calma com a situação.
— Quem é lúcifer? — quis saber.
— O cabito — respondeu, timidamente.
— Temos um cabrito chamado Lúcifer aqui?
— Ah, é um cabrito. — Loren suspirou aliviada.
Asafe concordou num balançar de cabeça.
Isso não era muito convencional, mas para uma família como aquela, estranho seria se
tivessem um cachorro.
— Ok... — Assenti, olhando em volta. —Vamos atrás do lúcifer então. — Coloquei-me de
pé.

— Tem certeza de que ele está por aqui? — perguntei para Asafe.
Ele segurava os meus dedos com força ao passo que caminhávamos pela floresta ao redor da
mansão.
— Sim. Ele vem pa cá quando foge.
— Por que é que vocês têm um cabrito? — indaga.
— Papai me deu.
Eu quase ri. Era óbvio que Christopher daria um cabrito para o filho, isso era tão a cara dele.
— Faz sentido — murmurei.
— É.
— Olhe... — Apontei para o chão. — Cocô de cabrito, devemos estar perto.
— Não, isso foi eu — admitiu.
Olhei para ele, instigada.
— Por que faz cocô aqui fora? E o que mesmo estava fazendo aqui, As?
Ele deu de ombros.
— Tava bincando com o Lúcifer.
Deslizei a língua sobre os lábios.
— Oh. Certo. Conversamos sobre isso depois. E a propósito, você faz cocô como um
cabritinho.
Ele soltou uma risadinha engraçada.
Ficamos pelo menos mais de dez minutos dando voltas e voltas na floresta antes de um
pequeno cabrito preto surgir por entre os arbustos altos.
— Lúuucifer — as cantarolou, animado.
— Achamos o cabrito — comemorei baixo.
Asafe correu em direção ao animal, e como se fossem melhores amigos, Lúcifer se animou
entre o abraço do seu pequeno amiguinho.
É, a função de ser mãe de um pequeno demônio tinha lá as suas emoções.

29 dias após a morte de Christopher


21 dias após a morte de Ever
25 de julho | Quinta
Sob a luz amarelada do ilustre de vidro, seu rosto indiferente era apresentado por frações da
rara iluminação que o banhava, pondo em evidência os seus olhos, que possuíam um brilho
singular, mas que pareciam gritar o total oposto de felicidade.
Ao fundo da imagem triste diante de mim, ouvia distante o baixo monólogo de papai ao
nosso lado, reclamando da refeição que ele próprio havia pedido ao chefe do restaurante. No fim
das contas, todas as suas frustrações eram resultadas de suas próprias escolhas ruins. Não dei-lhe
atenção, observava minuciosamente a falta de ânimo de minha irmã.
Na maior parte do tempo, eu podia lidar com o seu constante e usual humor entediado,
porém, quando suas expressões transformavam-se em infelicidade, sabia que ela estava
agonizando por dentro sem ter a menor pretensão de me contar o porquê.
Uma pequena gotícula de lágrima escorregou teimosa, mas contida e devagar em sua face,
ela a desfez, disfarçadamente coçando a bochecha. Loren era sútil ao fingir.
Quis perguntar o que estava acontecendo, mas não a denunciaria desta forma para o nosso
pai, isso apenas serviria para alimentar a tensão existente em nossa família. Ele não teria a
delicadeza de entendê-la, mas teria a indecência de importuná-la e puni-la como se tivesse a
razão e o poder de o fazer.
— Sabe, eu nem sei por que essa droga está tão salgada, isso deveria ser quase um prato
doce. Ninguém aqui sabe fazer a porcaria de uma comida boa? — felizmente, ele finalizou a sua
reclamação.
— Pensei que quando disse que iríamos sair para jantar, iríamos apenas ser obrigadas a
comer e fingir que nos suportamos. Deveria ter avisado que teríamos que aguentar você falando
sem parar — pontuei, frígida.
Não me esforçava mais para recobrir meus sentimentos com o comportamento de boa moça.
Meu desejo de agradar havia chegado ao seu declínio, e o meu interesse em permanecer nessa
família também.
Minha pele parecia entrar em chamas quando atravessava a porta de casa. Me contorcia de
dentro para fora todas as vezes.
Théo suspirou. Uma parte dele cansou de debater ou ir contra mim. No fim, seria tudo em
vão, de todo modo.
— Ok. Eu estou tentando. Tô aqui. Tô tentando — defendeu-se, a voz baixa e controlada. —
Eu não sei mais o que fazer, Dytto. Você passa mais tempo me odiando do que tentando entender
que eu estou sofrendo. Nós estamos machucados, mas precisamos nos apoiar.
Cruzei os braços, recostando-me na cadeira.
— Faz menos de um mês que a mamãe morreu e você já conheceu todas as boates dessa
cidade. — Franzi a testa. — Se é desse tipo de apoio que precisa, então deveria ter ido para um
cabaré, e não nos trazer para jantar como se fingisse que se importa. Só está tentando tirar a
culpa dos ombros, pai, nada além. Não está ajudando ninguém aqui.
Ele balançou a cabeça, suspirando.
— Eu só... só preciso fazer algo para não enlouquecer. A sua mãe, ela também tinha outros
relacionamentos, sabia? Ela nunca foi uma mulher fiel, nunca — disse, desconcertado.
— É, mas também nunca o tratou como lixo — argumentei. — Quanto aos termos de
exclusividade no relacionamento de vocês, isso era problema de vocês, não meu, mas a mamãe
sempre te endeusou, pai. Você é que nunca a tratou bem — soltei, despretensiosamente. — E
agora está nos forçando a te aceitar. Não somos obrigadas a isso. Você nunca fez por merecer.
Ele esfregou ambas as mãos em seu rosto.
— Tudo bem. Eu desisto. — Ele jogou o guardanapo sobre a mesa e levantou-se. — Não
sou um pai de honra, fui um marido de merda. O que mais eu sou, hein, Dytto? Tem sido ótima
em me rotular como bem quis esses dias. Sinceramente, preferia que fosse você no lugar de Ever
naquele dia. Pelo menos teria me poupado de tanto desgosto em te ver assim. — E saiu.
Engoli em seco, digerindo as suas palavras bem devagarinho, deixando que elas
trespassassem sobre minha pele, carne e ossos. Exalando em minha mente como um veneno.
Fechei os olhos por longos segundos, deslizando a língua sobre os lábios — quase pude
sentir o amargor da minha fúria —, apenas para dar-me um tempo ante a situação. Precisava de
um momento para lembrar-me de controlar todos os sentimentos que eu enjaulei, pois eram feios,
monstros horrendos que se alimentavam do meu ódio, e cresciam, todos os dias, a medida que eu
tentava lidar com o mundo.
Estava começando a me sentir fora do controle, de pouco em pouco, os monstros me
afastavam do comando, e quando, por fim, assumissem o meu lugar, nada de bom poderia
acontecer.
Eu nem mesma conhecia essa parte de mim até ela ser desencadeada por uma sequência de
eventos traumáticos, mas estava ali, e sentia como se em outrora, tivesse sido repreendida,
encolhida e guardada. Mas agora, se preparava para retornar como nunca antes.
Me sentia intrigada dentro de mim, presa ao meu próprio enigma. O quão horrível eu
poderia ser?
— Era menos pior quando ele só falava merdas pra mim — Loren comentou, divagando.
— Ei. — Repousei minha mão sobre a sua. — Está tão triste. O que aconteceu? — indaguei,
preocupada, afastando os pensamentos ruins.
Ela deixou que o olhar recaísse triste sobre nossas mãos, mas se forçou a sorrir mesmo
assim.
— Tenho uma boa notícia. Ainda nos veremos na escola no próximo semestre — fingiu
comemorar.
— Espera. Pensei que já tivesse tudo pronto para você embarcar no mês que vem. O que
houve?
— Nada. É só que eles mudaram de ideia. Não me querem mais no Arizona, devem ter
descoberto que sou má caráter e uma péssima filha — tentou descontrair, rindo.
— O quê?! — arregalei os olhos. — Não acredito que perdeu a sua vaga? O que eles
disseram?
— Bom, na verdade, apenas disseram que lamentavam muito, mas que eu não poderia mais
usufruir da minha vaga, uma merda assim. — Ela tomou um gole de água, parecia segurar as
lágrimas.
— Não quer ligar ou enviar um e-mail? Pode ter sido um engano, Loren. Você não fez nada
de errado — insisti.
— Não foi, Dy — murmurou. — Estamos vivendo o inferno, ainda não percebeu? — Ela
entortou o canto dos lábios, insatisfeita. — Não vai adiantar de nada.
— Mas... — O barulho que irrompeu ao longe, chamou-nos a atenção antes que eu pudesse
ser capaz de terminar.
— Que droga é essa?! — papai berrou. — ME SOLTE!
Levantei-me junto de Loren, buscando entender o motivo da euforia que havia tomado conta
do restaurante.
Percebemos a razão assim que vimos papai com o torso deitado sobre a mesa vazia. Um
policial alto e forte o segurava enquanto o outro, mais baixo e sisudo, o algemava.
— Théo, você está sendo preso, acusado de: fraude, corrupção, desvio de verbas do hospital
em que trabalha e contrabando de medicamentos. Você tem o direito a um advogado. Se você
não puder pagar um advogado, um será fornecido para você — sentenciou. — Você entendeu o
que eu disse? — perguntou, mais firme.
Abismada, olhei para Loren, que encarava a situação sem sequer piscar.
Minha irmã buscou pela minha mão, e cruzou os seus dedos nos meus, sem nunca desviar o
foco do que encarava.
— O quê? O quê? — rosnava incrédulo. — Isso é mentira! — Ele passeou os olhos pelo
restaurante, até nos achar. — Dytto. Loren. Liguem para um advogado. Avisem o que está
acontecendo. Há um número na gaveta do meu escritório — informava, ao passo que era
remanejado contra a sua vontade para fora do restaurante.
O observamos se afastar, tão logo sumindo de nossas vistas. A multidão ainda permanecia
balançada com o ocorrido, porém, aos poucos, retornavam sua atenção aos seus pratos.
Respirei fundo e virei-me para a minha irmã.
— Por favor, não se mate e nem cometa nenhum crime — pedi. — Nossa família acabou de
ser reduzida novamente.
— Digo o mesmo — concordou, lamentosa.

30 dias após a morte de Christopher


22 dias após a morte de Ever
26 de julho | Sexta
— Você me disse que ele ia voltar, Amara — eu dizia, bem devagarinho, para não gritar.
Asafe estava na cozinha, e eu não queria causar alarde da sala. — Hoje completa um mês e ele
ainda não voltou! — Apertei os dentes.
Ela me observava, fria e indiferente. Havia chegado hoje cedo, seus outros irmãos Leví e
Demetrius, chegariam mais cedo. Mas não era pela presença deles que eu estava ansiosa.
Loren ficou em casa para conversar com o advogado sobre a questão burocrática para
tirarmos o papai da cadeia. Todo o nosso dinheiro tinha sido bloqueado. Todas as contas. Todos
os cartões. Era uma situação complicado e que, agora, cabia a nós resolver.
— Eu disse que ele ia voltar — afirmou. — Mas também disse que poderia demorar horas,
dias, semanas, meses, anos — acrescentou, suspirando. — O tempo passa diferente em
Nefarious, Dytto. Não há como saber de nada. Ele morreu. Tudo é diferente para Christopher
agora.
Mordi a língua, andando de um lado para o outro com ambas as mãos na cintura.
— Ah, ótimo! — esbravejei. — Então vamos ficar todos sentados aqui na droga dessa casa,
olhando para as paredes, sem fazer absolutamente nada. Que ótimo plano, Amara. Ótimo, plano
— escarneci.
Girei os calcanhares, apontando para as paredes.
— Eu já conheço de cor todos os detalhes da merda daquela parede. — Virei-me. — Da
merda daquele tapete. — Virei novamente. — Daquele abajur, daquele móvel, daquele e
daquele.
Olhei para Amara, que pacientemente me observava pirar.
— Eu não vou ficar aqui esperando Christopher voltar. Não vou. Isso aqui é o meu limite.
30 dias já se passaram.
— Eu sei que é difícil ter paciência, Dytto...
— Não! — interrompi-a. — Eu não terminei.
Cruzei os braços, e endireitei a postura.
— Eu vou fazer um ritual para invocar ele — declarei, firme.
— Acho que cheguei na hora certa — a voz masculina preencheu o ambiente. Era gentil,
mas potente e segura.
Um homem alto, de cor moreno claro, e olhos castanhos surgiu. Ele sorria de um jeito
faceiro, mas amigável. Possuía traços indianos e um olhar acolhedor. A beleza era um outro traço
seu que deixava exposto que fazia parte daquela família.
Ele deixou sua mala no canto da porta de entrada do jardim e aproximou-se de mim.
Ele era realmente muito alto, não tanto quanto Christopher, mas significativamente. Porém,
todos eles eram enormes ali, eu nem sabia mais o motivo da surpresa.
— Sou Leví. — Estendeu a mão. — Sou irmão da Amara, Christopher, Samantha e
Demétrius. Acho que já deve ter ouvido falar de mim.
Apertei sua mão.
— Dytto — apresentei-me.
— Se não me engano, escutei que está pensando em fazer um ritual. — Ele sorriu, lançando
um olhar confuso para a irmã.
— Ela quer invocar o Christopher — a Barbie gótica explicou.
— Entendo — disse calmamente. Ele tocou o meu ombro, guiando-me para o sofá de um
jeito pacífico e relaxado, parecia ser tão paciente que conseguia transmitir isso sem nem mesmo
se esforçar. — É uma ideia. Mas é complicado, Dytto. Isso envolve trazer seres de um outro
mundo desconexo e distinto do nosso. Christopher era o que nos ligava ao outro inferno, sem ele,
podemos acabar invocando um ser de outra dimensão, de um outro inferno.
— Christopher me disse que a mãe de vocês que invocou o pai dele. E se usarmos o mesmo
ritual? — indaguei, ansiosa.
Ele franziu as sobrancelhas de um jeito intrigante e se acomodou no sofá.
— Podemos. É claro que podemos. Mas, isso só funcionou porque Christopher era um rei. O
filho dele, nosso irmão, é um soldado, não há como fazer essa ligação. Nosso irmão era a ponte
para Nefarious, sem ele, não resta muitas opções.
— Leví, você aqui. — Samantha adentrou a sala.
— Sam. Quanto tempo! — Leví sorriu.
— O que está acontecendo? — perguntou, olhando-nos curiosa.
— Dytto quer invocar o Christopher usando o ritual que Naomi usou — a Loira novamente
se dispôs a explicar, parecia meio irritada.
Talvez eu estivesse a pressionando demais, mas eu me negava a ficar mais um único
segundo parada.
— Ah, caramba! Isso vai ser emocionante — Sam comemorou.
— Vai ser? — Juntei as sobrancelhas e encarei Leví de um jeito acusatório. — Acabou de
dizer que não dava.
— E não dá — reiterou.
— Como não? — Sam discordou. — Podemos fazer. Temos o As para criarmos a ligação.
— O quê? — sobressaltei o tom de voz. — Não vamos usar o As, ele é uma criança — me
opus.
— Ele não será machucado no processo, Dytto. Ele ficará bem — Sam interferiu.
— Não, não podemos. — Levantei-me de supetão. — Eu não concordo com isso.
— É, eu também não. — Leví se juntou. — Christopher não queria que o filho tivesse
ligações com Nefarious, ele sabia que o pai dele poderia usar a criança contra ele. Sabe que se
fizermos isso será com a fúria do nosso irmão que teremos que lidar quando ele voltar. E nesse
momento, ele seria capaz de nos dar o pior sem nenhum remorso.
— Por que ficam repetindo isso? — me irritei. — Christopher talvez ainda mantenha um
lado sentimental na camada demoníaca. Ele ainda lembra de nós. De todos nós — argumentei,
sentindo a fúria fervilhar em minha pele.
Um silêncio desconfortável se fez presente. Ninguém estava realmente a fim de discutir
aquele assunto comigo, por mais que seus rostos os denunciasse, revelando que discordavam
veemente de mim.
— Podemos pensar em algo — desconversei. — Para o ritual.
— É perigoso, Dytto — Leví comentou.
— Eu sei. Mas tudo é perigoso. Há um tempo eu fui perseguida pelo Nabrya, ameaçada pelo
pai de Christopher, tive pesadelos com a Zoe — confessei. — Eu sei que estamos nos metendo
em uma ruína, mas não vou permitir que Christopher se mantenha em Nefarious.
— Disse que foi perseguida pelo Nabrya? — Sam acentuou.
— E que foi ameaçada pelo pai de Christopher? — Leví fez o mesmo.
— E que teve pesadelos com a Zoe. É, ela disse — Amara confirmou, sem paciência.
— Nabrya está na cidade? — Sam mencionou baixinho, atordoada.
Amara revirou os olhos e bateu no ombro da irmã.
— Ai, supera, gata! — aconselhou. — Você já sabe o quão imbecil ele consegue ser. Não
deixa ele te ferir de novo.
— Eu já superei. Ele é passado — fez-se de indiferente. — Não sinto mais nada.
— Teve um relacionamento com o Nabrya? — questionei, surpresa.
— Faz um tempo. Esquece isso. Me conta mais o porquê dele ter te perseguido — mudou de
assunto.
— Na verdade, a razão era o irmão de vocês. Da última vez que vimos Nabrya, ele estava
com raiva dele. Parece que o Chris tinha quebrado algum acordo, sei lá. E então, Melodius
apareceu, e de repente, Nabrya sumiu.
— Melodius? — Amara quis saber.
— Aparentemente, é um dos dezessete milhões de filhos demônios que Christopher criou —
revelei.
— Oh!
— Falaram sobre esse acordo? — Leví perguntou, interessado. — Que tipo de acordo?
— Eu não sei. Tudo o que eu fui capaz de entender era que Christopher estava jogando dois
jogos. O de Nabrya e o do seu pai. — Suspirei. — Ele pretendia matar Nabrya. Estavam furiosos
um com o outro.
— Por que Christopher iria jogar com Nabrya? Ele não o suporta — Sam comentou,
pensativa.
— Tudo o que sabemos é que Nabrya sempre quis ter todo o poder de Nefarious — Leví
adicionou à conversa.
— E que Christopher sempre quis sair do controle do pai. Talvez fosse isso — Amara
elucidou, como se acabasse de entender o que estava acontecendo. — Talvez, no início, Chris
pensou em trabalhar com Nabrya para acabar o pai, e então mudou de ideia quando percebeu que
o pai dele poderia matar a Dytto e roubar a alma dela para si. — Ela deu um passo à frente. —
Christopher foi para Nefarious conversar com o pai sobre a Dytto, disse que ia lutar pela sua
segurança.
Ela deixou que os ombros caíssem em desanimação.
— E foi aí que tudo desandou.
— Espere aí. Ele pode fazer isso? — eu intervi. — Christopher me disse que minha alma
pertencia a ele, não ao seu pai.
— Christopher é subordinado ao pai, poderia ser obrigado a entregar a sua alma — Amara
esclareceu.
— Isso faz todo sentido. Christopher disse que Nabrya e o seu pai não gostavam de mim
porque eu o detinha de destruir o mundo — memorei.
— Meus parabéns, conseguiu irritar o seu sogro antes de conhecê-lo — Amara brincou.
— E espero não o conhecer nunca — me esquivei, agoniada.
Abracei o meu próprio corpo. Apenas o breve pensamento de ter que conhecer Christopher I
fazia com que meus órgãos se revirassem.
— Seria possível que Christopher estivesse todo esse tempo negociando com o próprio pai?
— Leví pensou.
— Não teria muito o que Christopher pudesse fazer. No mínimo, ele deve estar em guerra.
— Amara relutou.
— Como? O pai dele não é muito mais forte? — questionei.
— Não exatamente — Sam disse. — Christopher só era mais frágil em seu corpo humano.
Agora que está em sua completa versão demoníaca, se torna o demônio mais forte de Nefarious,
talvez até mais que o próprio pai. Ele foi criado para isso.
— E se Christopher tiver morrido de propósito? — o moreno disse, sua cabeça parecia a mil.
— Ele poderia, não é? Assim poderia ter uma chance de matar o seu pai e deter Nabrya.
— Sozinho? — a loira duvidou.
— Não, sozinho. Ele tem um exército de filhos — pensei em voz alta. — Christopher estava
muito estranho no dia que morreu. Senti como se estivesse se despedindo de mim o tempo todo.
— É, sabemos. Ele deixou Asafe com a gente, estava todo estranho também — Samantha
comunicou.
— Ah, minha nossa! — Esfreguei os dedos entre os fios de cabelo. — Christopher já sabia
que ia morrer. Ele queria morrer.
Recuei vários passos para sentar-me no sofá.
— Que merda! — murmurei.
— Se ele queria morrer, então sabia que sua volta iria demorar. Por que ele não falou nada?
— Sam estava revoltada.
— Porque Nabrya estava o vigiando, poderia descobrir o seu plano. E estava me vigiando,
entrando na minha mente. E o pai de Chris estava na cola da minha família e... — parei de falar.
— E...? — a Barbie gótica incitou.
— O pai do Christopher ameaçou a minha família se eu permanecesse com Chris, mas eu
terminei com ele para evitar isso. E agora, agora está tudo destruído. — Ergui os olhos para
todos eles, que me encaravam sem entender — O pai do Christopher sabe que o filho o desafiou
e por isso está descontando em mim, para que doa em seu filho. Ele é o responsável por todas as
coisas ruins que está acontecendo na minha família porque está punindo Christopher.
— Ou Nabrya é o responsável — Leví discordou. — Não podemos afirmar quem está se
vingando de Chris em você. Todos os dois tinham motivos para querer ferir aqueles que o
Christopher ama, e esse alguém é você.
Suspirei, derrotada.
— Eu não acho que tenha sido Nabrya. Foi ele quem me contou a verdade sobre o pai do
Chris. Tudo o que ele queria era me por contra o Christopher. E funcionou.
— Não sabemos como está a situação em Nefarious. Pode ser que o cenário todo tenha
mudado. Christopher pode ter passado para o lado do pai e isso deve ter irritado Nabrya —
Amara disse.
Meu celular tocou no bolso, quebrando a linha de conversa em que nos situávamos. Em
outro caso, apenas teria encerrado a chamada, mas era Loren.
— Alô — atendi.
— Temos um pequeno problema — disparou, sem paciência.
Escorreguei no sofá, tensa e exausta.
— Problema não tem sido novidade para nós.
— É, bem, esse meio que é. — Ouvi-a solta o ar pela boca. — Querem nos tomar a casa.
— O quê?
— Podemos ficar sem casa, Dy. Alegaram que foi comprada com o dinheiro que papai
desviou.
— Ser duas sem-teto era só o que nos faltava mesmo. O que mais eles vão nos tirar, as
roupas também?
— Talvez.
— Fala sério! — Revirei os olhos.
— Bom, tenho que ir. Estou indo buscar o papai na delegacia. Ficará em casa até a situação
mudar — avisou.
— Certo. Conversamos depois.
A ligação fora encerrada.
— Problema? — Leví se interessou.
— Nosso pai está sendo preso e a nossa casa está prestes a ser tomada. Mais uma vez a
minha família me surpreendeu — lamentei. — Achei que minha mãe se matar porque os amores
da vida dela a deixaram seria o pior a nos acontecer, mas ver que o meu pai é um demônio em
pessoa, torna a situação extremamente nojenta.
— Christopher-pai não está para brincadeira — Sam observou.
— E por que não se mudam para cá? — convidou Amara.
— Para cá?
— É. Você disse que queria ficar mais perto do As, e sei que não vai se afastar até ter
Christopher de volta. Facilitaria a vida de todos vocês.
Dei uma rápida vasculhada em volta, procurando pelo menor sinal de insatisfação dos
presentes, no entanto, tudo o que encontrei foram pessoas bem à vontade com o convite
oferecido.
Embora não parecesse uma boa ideia, era menos pior do que ficar na casa dos nossos
familiares.
— Ficar aqui? — pensei.
— O quarto de Christopher está livre se quiser passar mais tempo lá. E há quartos de
hóspedes, de todo modo — Sam reforçou.
Balancei o pé no chão, avaliando.
Asafe emergiu na entrada da sala, estava enrolado em um enorme lençol. Os olhos cansados
demonstravam dificuldade em dormir.
— E um bônus, ele prefere quando você o põe para dormir do que a mim — Samantha
revelou, entristecida.
Se esforçava bastante para ser aceita por As, mas ainda não obteve bons resultados.
— Certo. Vamos nos mudar — declarei.
Asafe fora, sem dúvidas, o estopim para a minha decisão final.
36 dias após a morte de Christopher
28 dias após a morte de Ever
01 de agosto | Quinta
— Leví, por favor! — insisti, copiando cada passo que lhe era dado em torno da grande
cozinha. — Eu sei que não foi feito para a mesma pessoa, mas talvez nós...
— Não. — Embora calmo, virou-se imediatamente para mim, segurava uma xícara preta na
mão. — Nós não vamos fazer o ritual.
Cruzei os braços.
— Sim, nós vamos — discordei.
Ele ergueu uma sobrancelha.
Apesar de muito mais forte e alto que eu, não me parecia perigoso, na verdade, ele era um
doce. O ser humano mais amoroso e gentil que tive o prazer de conhecer. Por um momento até
desconfiei que ele fosse de fato da família, até tê-lo visto acidentalmente nu no banheiro e
confirmar pelo expressivo membro que era, sim, um Tanaka.
Eu definitivamente morreria com aquela imagem, e ela se perpetuaria em minha mente para
todo o sempre apenas por pura desobediência em tentar esquecê-la. Foi tão inocente, eu apenas
abri a porta e "tcharam" Leví com seu pênis grandão diante o enorme espelho. Mas quem diria
que ele usava o banheiro social ao invés do seu pessoal? Eu não poderia adivinhar, o que, de
certa forma, amenizava a culpa por não ter batido antes.
Ele, na verdade, não pareceu se importar. Eu, por outro lado, quis morrer de vergonha.
— Por favor, Leví. Eu tô sentindo abstinência de Christopher na veia. Sabe o que sentir
abstinência de uma pessoa, Leví? Sabe? — pressionei. — Eu sinto que a qualquer momento eu
vou sair apontando uma faca para as pessoas. Isso é insano — dramatizei, arregalando os olhos.
Ele pôs sua xícara sobre o balcão de mármore, pegou a garrafa de café e a despejou
cuidadosamente.
Nós dois assistimos o líquido preto, com o seu delicioso e forte aroma, ser despejado até a
borda da xícara, e então, ele novamente pôs a garrafa sobre o balcão, pegou a xícara, me olhou
diretamente nos olhos e bem suavemente declarou:
— Não. — E assim, girou os calcanhares, levando o seu corpo elegante e gracioso para bem
longe de mim.
Entretanto, eu não lhe dava espaço. Ele era o único que possuía conhecimento acerca do
ritual completo utilizado por Naomi. Eu queria aquela receita mais do que tudo. Estava a um
passo de pular em sua cabeça gritando "Me dá, me dá, me dá." Mas acho que nem assim ele o
faria.
— Fala sério, Leví! — reclamei.
Bem tranquilamente, ele sentou-se no banco diante do piano. Deixando sua xícara sobre a
tampa, ele esticou os braços e dedos, girou os ombros para trás e para frente, esticou os pescoços
para os lados e sorriu antes de dedilhar as teclas freneticamente, transformando as batidas de
sons em puro suco de música clássica.
— Ah, não! — berrei mais alto. — EU PRECISO DA DROGA DO RITUAL.
Ele ignorou todos os meus pedidos incessantes e perturbados.
Furiosa, saí pisando duro para fora da sala de música. Estava exausta de tanto implorar.
Fazia seis dias desde a nossa mudança, para falar a falar verdade, nos mudamos no mesmo
dia em que recebemos o convite. Quando cheguei em casa naquele dia, papai tinha voltado da
delegacia e brigado com Loren, que, por sua vez, já arrumava as suas malas, pronta para ir
embora para qualquer buraco.
Foi apenas o tempo de eu lhe avisar que havia arranjado um lugar para nós duas e correr
para o meu quarto, pescando algumas roupas, sapatos, escova de dentes, utensílios pessoais e o
presente milionário de Christopher.
Aquele presente mais do que nunca fora bem-vindo em minha vida, ele era a minha garantia
para não morrermos pobres. Quer dizer, ao menos eu e Loren. Em contrapartida, papai teria que
se virar, sozinho, sem dinheiro, sem esposa e com um problema enorme na justiça que lhe
custaria vários bons advogados. Talvez a amante viesse a calhar agora com alguma ajudinha.
Eu sei lá. Apenas sei que o estamos ignorando desde então. Não atendemos as suas ligações,
mensagens. Até brincamos com a possibilidade de ele divulgar um cartaz com nossas fotos
exibindo uma legenda bem grande com as seguintes palavras: "DESAPARECIDAS. NÃO HÁ
RECOMPENSA, POIS ROUBEI DINHEIRO DE CRIANCINHAS DOENTES E AGORA
ESTOU POBRE."
Loren parecia bem na mansão Tanaka. No início, ela detestou a ideia, porém acabou
cedendo, ainda estava desconfortável e retida, mas bem. Ao menos tínhamos um teto, mesmo
que temporário. Em grande parte do seu tempo, ela se mantinha dentro do quarto, quer dizer, o
quarto que nós duas dividíamos, eu ainda não estava pronta para morar no antigo quarto de
Christopher. Ter suas lembranças impregnadas em minha mente, dificultava manter-me próxima
de suas coisas.
A situação estava difícil. Eu corria para todos os lados da casa, buscando por uma solução.
Loren mal saía do quarto, e quando saía, não falava muito com ninguém. Eu tinha a breve
sensação de que ela se escondia dos irmãos Tanaka, Amara era quem ainda tentava se aproximar,
mas sempre era dispensada e jogada para escanteio. Não gostava da forma rude que minha irmã a
tratava, mas não me intrometi, ainda não sabia o que fazer para melhorar o humor de Loren.
Joguei-me no sofá da sala ao lado de Asafe. Ele estava entretido com uma aranha que se
arrastava bem lentamente pelo carpete quando me notou.
— Mamãe, posso matar a alanha?
Asafe agora possuía o hábito de me pedir permissão quanto aos animais que podia ou não
matar, apesar da minha resposta ser sempre não para qualquer sugestão que me era oferecida.
Também falamos sobre o fato de que fazer necessidades na floresta não era uma coisa boa;
experiência própria.
Lúcifer mantinha-se livre no jardim para caminhar à vontade, mas às vezes o encontrava
passeando alheio pela casa. As gostava de deixá-lo entrar. Eu evitava sua presença aqui, mas o
pequeno cabrito era teimoso.
— Não, As. Não pode matar a aranha. Esmagar animais com a mão é uma coisa não muito
legal de se fazer, está bem?
— Ãrram. — Balançou a cabeça. Ele parou por um momento, pensativo, e continuou: — E
com o pé?
— Não.
Ele coçou a nuca, intrigado.
— Podemos soltar na natureza, o que acha? — sugeri.
Eu não soltava aranhas em jardins. Tacava tudo o que me viesse a frente sobre elas, porém,
eu precisava educar Asafe de um jeito diferente, senão, ele poderia começar a achar muito
normal o ato de esmagar coisas por aí, e eu não era Christopher, não poderia contê-lo. As por
mais fofo que fosse, ainda era um demônio, com instintos de um.
— Por quê? — questionou, confuso.
A ação de deixar seres vivos livres e vivos era algo muito difícil para ele aceitar.
— Para ela voltar para os filhos aranha dela, para voltar para o marido, para a mamãe e o
papai dela — respondi.
Ele franziu a sobrancelha.
— E se a gente matasse todos? — propôs, entusiasmado.
Oh, céus!
— Não é assim que funciona, As. Tem que deixar os bichinhos vivos.
Ele coçou o cabelo, entristecido.
— Mas eu, mas eu...
— Peste. — Minha irmã entrou em cena, segurando um único sapato incendiado. — Da
próxima vez que tacar fogo em uma das minhas coisas, vou tacar fogo em você — ameaçou,
encarando-o.
— Loren! — adverti.
— Que é? Ele não é um filhote de demônio? — argumentou, instigada.
— É uma criança! — Olhei-o a tempo de pegá-lo no pulo dando a língua para ela.
— As, você não pode fazer isso com a... — Flagrei Loren fazendo o mesmo que ele. —
Minha nossa! Será possível que eu vou ter que dar educação a duas crianças?
— Eu posso, sou mais velha, portanto, tenho direitos que a peste não tem.
— Sua cocô — Asafe a criticou.
— Pelo menos eu tenho todos os dentes, olhe só. — Ela abriu um larguíssimo sorriso, bem
próxima a ele para exibir-se.
Ele fez careta.
— Feia — disse, chateado.
— Restinho de aborto.
— Sua... Sua... — As olhou em volta, os olhos ansiosos pesquisando uma rápida ofensa. —
Sua cabeça de cabito.
— Esse é o melhor que sabe fazer? — Loren o provocou, divertindo-se.
Asafe começou a gritar como um alarme de sirene com defeito. Loren revirou os olhos. Eu
suspirei.
— Desisto. — Levantei-me.
— Não. Palei. Palei. — Asafe se adiantou, saltando do sofá para correr até mim. — Palei,
mamãezinha.
— Você é um espertinho, não? — brinquei.
— Nada de queimar as minhas coisas de novo, Asafe. Eu sei onde você guarda os seus
brinquedos — Loren ameaçou, tomando distância de nós.

38 dias após a morte de Christopher


30 dias após a morte de Ever
03 de agosto | Sábado
— Eu acho que a gente ainda só não se conhece bem. Sinto falta de confiança da sua parte,
Leví — dizia, encarando-o jantar.
— Dá logo o ritual para a garota, Leví. — Demétrius riu.
— Essa foi a coisa mais sensata que você disse — comentei.
Ele franziu a testa. Estava sentado ao lado de Leví e diante da enorme mesa carregada de
comida. Ele gostava de banquetes bem recheados, pois todos eles se reuniam durante o jantar.
A enorme mesa ocupava o grande salão de jantar. Estava cheia de comida de ponta a ponta,
como se morássemos em um castelo, na verdade, era bem assim que eu me sentia.
O lustre absurdamente exagerado banhava as nossas cabeças com as suas luzes amareladas.
Ao fundo, uma ópera tocava baixinho, preenchendo o vazio daquela casa assustadora.
Eu ainda não havia me acostumado com a atmosfera bizarra que aquele lugar emanava.
Trazia consigo a esmagadora sensação de estar sempre sendo observada. Às vezes, durante a
madrugada, ouvia sons distantes que pareciam delírios de minha cabeça, ressoavam como gritos
desesperados e ecoavam por todos os lados.
Loren dizia ouvir também, mas evitava falar qualquer coisa em voz alta sobre isso. Tinha
medo de que pudesse irritar algo ou alguém que ia além de nós.
A mansão era enorme e muito, muito espaçosa, no entanto, parecia tão oca de móveis, mais
cheia de pavor e histórias.
Ainda sentia calafrios quando passava por determinados corredores.
— Eu sou o rei da sensatez.
— Não, não é. Ou então saberia que é uma péssima ideia dar a ela o ritual — Leví interferiu.
— Se ela quer fazer um ritual, então deixa ela. Há sempre uma primeira vez pra tudo —
Dem defendeu, um sorriso sarcástico brilhava nos lábios.
— Eu acho um ato muito nobre ela querer correr o risco — Samantha se pronunciou,
levando a taça de vinho aos lábios.
Ela estava em um vestido ousado. Era de um dourado claro e brilhante. O longo decote entre
os seus seios dava-lhe um ar de sensualidade puramente calculado. O tecido colava-se
perfeitamente a sua cintura, revelando as belas curvas. Seus acessórios de ouro mesclavam-se
bem ao conjunto todo. Possuía um bracelete na parte superior do braço, brincos que se
derramavam em fitas sobre os seus ombros e uma gargantilha semelhante aos que deuses gregos
usavam em suas cabeças.
Ela estava sempre deslumbrante em qualquer e todo jantar que tínhamos.
— Ah, muito obrigada, Sam — agradeci.
— Não há de quê. Precisando de uma confusão, é só me chamar.
— O que você acha, Amara? — Leví interrogou. — É a mais velha, decide você, então.
A loira parecia ocupada demais atazanando a minha irmã ao seu lado para se preocupar com
o que qualquer um de nós dizia.
Loren evitava seus toques e continuava a se desviar das provocações da Barbie gótica, mas
ela era um poço sem fim de insistência.
— Fala sério. Não põe essa responsabilidade em mim. Se Dytto quer invocar demônios,
então que os invoque. — Deu de ombros, voltando a cutucar o cabelo da minha irmã que,
prontamente a ignorava.
— Eu não quero fazer um baile de demônios, eu só quero invocar o Christopher. O meu
Christopher.
— Dá logo a droga desse ritual pra ela, Levízinho — Demétrius se divertia.
Ele era o único que parecia muito bem à vontade com tudo ali, não importa qual ideia eu
tivesse, Dem sempre apoiava.
— Está bem. — Suspirou. — Mas não diga que eu não avisei.
Arregalei os olhos.
— Vai mesmo me dar o ritual? — falei, desacreditada.
— Claro. — Ele sorriu, mas tudo ainda parecia não ser de confiança.
— Estou ouvindo. — Me atentei, curiosa.
Ele olhou em volta da mesa, surpreso por eu já querer saber, no entanto, eu não queria mais
perder um único segundo sequer.
— Ok. Três homens. Três mulheres — listou. — Vai precisar disso.
— Três homens e três mulheres? — me intriguei. — Bom, já temos as três mulheres. —
Apontei para mim, Sam e Amara. Loren não parecia querer fazer parte disso, então a deixei de
fora. — E já temos dois homens, falta somente um.
Ele sorriu, cruzando os braços.
— Três homens mortos e três mulheres mortas para o ritual, Dytto — explicou, fazendo com
que meu coração parasse de bombear sangue por um milésimo de segundo. — E eu nem preciso
dizer que terá que ser você a matar.
— Merda! — Suspirei, nervosa.
Isso era algo impossível.
De repente, o sonho de chamar Christopher tornou-se ainda mais distante e irreal.
— Eu ficaria honrado se me chamasse para ajudar. — Demétrius se voluntariou.
— Dy — Loren me chamou. — Não precisa fazer isso. Podemos fazer de outro jeito, está
bem? Você não conseguiria conviver com a culpa.
— Todos nós podemos conviver com a culpa de alguma coisa, Loren — a loira ao seu lado
interveio. — Basta ela se lembrar do porquê fez e verá que valeu a pena.
Abracei o meu próprio corpo. Sentia ondas de náuseas me atropelando.
— E o que mais, Leví? — Baixei o olhar, esperando que me dissesse o resto.
— Te conto depois que me trouxer os corpos. Enquanto isso, pense mais sobre isso. — Ele
se levantou, bebeu o último gole do seu whisky e repousou o copo sobre a mesa. — Preciso
descansar. Devia fazer o mesmo, Dy. Não dorme há dias.
— Não tem como dormir, a casa faz barulho demais — reclamei, baixo.
Ele sorriu.
— Fique com o quarto de Chris, o barulho nunca chega perto de nada dele.
O olhei interrogativa, mas Leví já estava se afastando.
— Bom, eu também já vou. — Dem se levantou. — Me avise quando decidir, Dytto. — Me
olhou, antes de mudar sua atenção para a minha irmã. — E você, me avise se precisar fugir dos
barulhos... ou se quiser causar um pouco de barulho. — Sorriu malicioso.
— Cai fora, Dem. — Amara brigou.
— Vocês por acaso estão namorando? — ele provocou.
— O-o quê? N-não. Não! — O rosto extremamente vermelho de minha irmã a denunciou.
Juntei as sobrancelhas.
Oh, caramba!
Oh, caramba!
Oh, caramba!
Meus olhos se arregalaram a cada exclamação que minha mente ruminava.
— E-eu não tenho nada com Amara, tá?
A loira sorriu disfarçadamente. Eu mudei de olhar, fingindo olhar para qualquer coisa que
não fosse o constrangimento de minha irmã ou da sua namorada secreta.
— Eu sou hétero, caramba. — Loren se pôs de pé e saiu marchando duramente.
— Uau! Você consegue tirar a paz de todo mundo, Dem. — Sam sorriu, erguendo a mão
para um high-five.

— Você está inquieta — Loren pontuou, deitada ao meu lado.


Umedeci os lábios. Estava de barriga para cima, encarando o teto.
— Preciso dormir, mas não consigo — sussurrei.
Ela pôs sua mão sobre a minha.
— Não quer tentar dormir no quarto dele? — sugeriu.
— Não. — Balancei a cabeça. — Ainda não sei se estou pronta.
— Ou talvez só esteja com medo de que não vá encontrar ele.
Fechei os olhos, sentindo uma lágrima solitária escapar.
— Eu preciso dele, Loren.
Ela suspirou, aconchegando-se mais a mim em um abraço.
— Eu sei, Dy.
Ficamos em silêncio por um longo instante. Eu precisava digerir o nó em minha garganta.
Não queria deixar os meus sentimentos me afogarem, não poderia. Eu tinha de ser forte e não
ceder a emoções.
Inspirei fundo e soltei.
Virei o rosto para a minha irmã, ela ainda estava acordada, pensativa.
— Então... Amara, hum? — Sorri.
Ela imediatamente ficou envergonhada e escondeu o rosto.
— Nunca me disse que gostava dela — comentei, afagando o seu braço. — Ela é do estilo
bruta e tudo mais, mas parece se importar com você.
— Não é isso. Não, não é assim. Não temos nada — Loren se apressou, virando-se de costas
para mim.
Juntei as sobrancelhas.
— Ei. Por que está assim? — Toquei suas costas.
— Pare de dizer coisas que não faz sentido, era só uma brincadeira idiota do Dem, Dytto.
Que saco!
Ela ficou imóvel. Não disse mais nada depois disso.
Dei-lhe um pouco de tempo para se acalmar antes de eu prosseguir.
— Eu não sou os nossos pais, Lô. Se está apaixonada por uma garota, não precisa esconder
isso de mim. Eu nunca te julgaria por isso. Nunca. — Me aproximei dela. — Se você gosta dela,
pode me contar. Se gosta de outra garota, pode me contar também. Eu vou sempre te amar, não
importa de quem você goste. Eu não sou o papai. E nem sou a mamãe. Eu sou a sua Dy.
Ela ergueu o rosto cheio de lágrimas para mim.
— Eu estou assustada, Dy.
Beijei a sua têmpora.
— Faz sentido, mas vai passar. — A abracei. — Você vai ficar bem.
— É que com o Chris foi diferente. Eu sentia algo, algo de verdade. Mas isso. — Ela
balançou a cabeça. — Eu nunca senti isso por ninguém, Dy. E eu tenho medo.
— Vocês duas já conversaram?
— Não, não. Claro que não. Ela não entenderia. A Amara não é muito monogâmica, ela vive
com uma garota e outra o tempo todo. Ela nunca entenderia o que é se apaixonar por alguém.
Loren se virou de barriga para cima.
— Eu só preciso de um tempo. Isso vai passar.
Prendi um sorriso entre os lábios.
— Se quer saber, eu acho que ela sabe sim o que é estar apaixonada. Ela não sai do seu pé
desde que chegamos.
Loren revirou os olhos.
— Ela só quer sexo — debateu.
— Pensei que você gostasse de sexo — brinquei.
— Sim, mas com pessoas que eu não vou me importar se não me mandarem mensagem no
dia seguinte ou se eu vir com outra pessoa logo em seguida — desabafou, sôfrega.
Virei-me na cama, apoiando os cotovelos no colchão.
— Tudo bem, mas você não precisa tirar conclusões de tudo agora.
— Todos eles são assim, Dytto. Todos os Tanaka. Nenhum gosta de relacionamento ou de
ser puramente fiel a uma única pessoa.
— Ei! — reclamei.
— Oh, quer dizer, menos o Christopher — corrigiu.
— Bom, no seu lugar eu estaria pelo menos me divertindo. Eu não posso nem pensar em
sexo porque eu não tenho mais um namorado para fazer o que eu queria — lamentei. — Ao
menos a Amara está o tempo todo disponível.
— Quando foi que você se tornou isso? — Ela riu.
— Desde que eu não tenho mais um cara de mais de dois metros de altura entrando todas as
noites no meu quarto pra me comer.
— Ahhh, então era isso. Pensei que aqueles gemidos de madrugada era você siriricando.
— O quê!? Dava pra ouvir?
— É claro que dava. Você não é tão discreta assim, sabia?
— Ah, não! Será que os nossos pais ouviam? — murmurei, desconcertada.
— Eu duvido, eles dois tinham sono de aço.
Cobri o rosto.
— Que merda!
Loren virou-se.
— Vá dormir — decretou, bocejando.

Eu tentei, fielmente, seguir o seu conselho, mas ao notar o celular exibindo 3h:37min da
madrugada, percebi que já havia falhado.
Na ponta do pé, caminhei cuidadosamente até o quarto de Christopher.
Ao adentrar o ambiente pouco iluminado e de aparência assombrosa, fui recebida pelo seu
cheiro. Ele estava impregnado em cada parede. Como se ele ainda estivesse vivo e presente ali.
Por um segundo, me permiti idealizar Christopher naquele ambiente. Sentado em sua
poltrona, observando-me. Deixei que minha mente fluísse, trazendo as nossas poucas memórias
intensas nesse lugar.
Deitei-me em sua cama, me enrolando nas cobertas macias, aspirando a sua essência. Aquilo
me trouxe saudades, mas também, conforto.
Senti-me tão à vontade que nem percebi quando adormeci.
Acordei apenas quando um pequeno estrondo irrompeu na porta.
Percebi algo do outro lado no chão, ocupando a iluminação que raspava a brecha da porta.
Talvez fosse Lúcifer dormindo, mas tive curiosidade em descobrir.
Levantei-me cuidadosamente, caminhando com cuidado para não assustar o que quer que
estivesse parado naquele canto.
Ao abrir a porta, me deparei com um pequeno corpinho deitado no carpete, enrolado em seu
cobertor de dinossauro. Ele dormia calmo e sereno.
Mas o que ele fazia ali? Pensei que estivesse em seu quarto.
Me peguei imaginando quantas vezes ele não deve ter dormido no chão diante a porta do
quarto do seu pai apenas para matar a saudades. Isso fez meu coração encolher-se no peito.
Apanhei As em meu colo, tomando todo o cuidado para não despertá-lo, no entanto, assim
que o deitei no colchão, seus olhos se abriram, confusos.
— Mamãe — cochichou, sonolento.
— Oi, bebê — sussurrei. — Você estava no chão.
Suas pálpebras estavam inchadas e os olhos avermelhados indicavam que ele havia chorado.
— Eu estou aqui, está bem? Tudo bem se dormimos juntos? — perguntei e ele assentiu. —
Está bem.
Aconcheguei meu corpo ao seu, embrulhando nós dois entre as cobertas. As se virou para
mim e sorriu, em seguida envolveu meu pescoço em seu mini abraço.
No início, quase fui asfixiada uma três vezes, porém, finalmente consegui adormecer e
realmente dormir. As também.
Pela primeira vez em muito tempo, nós dois dormimos de verdade. Juntos e no quarto do
Christopher.
39 dias após a morte de Christopher
31 dias após a morte de Ever
04 de agosto | Domingo
A casa estava vazia.
Meu coração estava disparado e minhas mãos suavam frias. Meus olhos estavam bem
abertos diante do cômodo desocupado.
Meu peito apertou, como se um alfinete trespassasse a minha carne. Sentia como se estivesse
perdendo as boas memórias vividas ali, escapando como água entre os meus dedos.
Embora eu tenha esperado tempo demais para dar atenção às dezenas de ligações perdidas
de meu pai, imaginei que, ao menos, ele poderia ter sido capaz de enviar uma mensagem de texto
avisando que iria se mudar, ou melhor, sumir.
Os móveis desapareceram. Os retratos. Os vasos. Não existia mais nada além do piso de
madeira polido e as paredes pálidas sem decoração.
Corri para o meu antigo quarto, entretanto, somente o eco do vazio ocupava espaço. Um nó
imediatamente se formou em minha garganta.
Fui novamente preenchia pelo sentimento de luto.
Olhei pela janela do meu antigo quarto. O jardim estava vazio. A garagem estava sem
carros. Apenas a ranger vermelha de Christopher — que peguei emprestada — estacionada na
frente da casa indicava a presença de alguém aqui.
Não havia placa de "Vende-se" fincada no gramado, isso quer dizer que papai não teve
escolhe a não ser ceder a casa para a justiça, porém, se recusou a deixar os móveis, o que
provavelmente o tornava um novo tipo de ladrão.
Fechei os olhos, deixando o ar escapar pela minha boca. Não existia conforto em ver toda a
minha antiga vida se dispersar.
Outra vez eu me despedia de algo importante.
— Ele acha que você está morando com o Christopher — o timbre rouco, mas suave,
reverberou atrás de mim como um soco em minhas costelas.
Meu corpo instantaneamente foi tomado por ondas de arrepios.
Virei-me de solavanco.
— Nabrya — decretei entre dentes.
Ele abriu um sorriso maroto, olhando-me fixamente nos olhos.
— Agora tem nos vigiado, por acaso? — retruquei, rude.
Nabrya ergueu o rosto, numa postura inabalável.
— Tenho cumprido com a minha promessa.
— Que promessa? — Franzi as sobrancelhas.
Ele sorriu de lado. Deu dois passos em minha direção antes de parar, olhar em volta e
balançar a cabeça.
— Foram momentos intensos nesse quarto. Aposto que sente muito a falta do seu namorado
— memorou, como se pudesse enxergar todas as memórias existentes daquele cômodo.
Seus olhos reflexivos deslizavam bem lentamente. Onde deveria se localizar a minha antiga
cômoda, ele sorriu, continuou com a sua investigação, indo em direção ao closet, agora vazio,
ficou intrigado, mas logo tomou rumo para onde ficara o vazio de onde costumava estar a minha
cama.
— Está vendo o quê? — indaguei.
— Memórias — admitiu. — De vocês dois. — Ele virou-se de costas para mim. —
Christopher adorava entrar aqui quando você não estava para roubar as suas calcinhas. Algumas
que você nem mesmo notou a ausência. — Ele riu. — Christopher te vigiava todas as
madrugadas antes de lidar com a própria vida. Queria garantir que estava viva e que nenhum
monstro seria capaz de tocar em você, mas quando ele sumiu, sua casa foi tomada por demônios.
Nabrya virou-se novamente para mim.
— Isso explica a minha promessa.
— Ainda não me disse que promessa — argumentei.
— Christopher me pediu para ficar de olho em você. Ele queria garantir que você
continuasse bem.
— Então ele te contou que iria morrer. — Sorri amarga.
— Não. Eu o matei — confessou simplesmente.
Senti meu rosto transformar-se em uma lava de fogo. Minha pele queimava de fúria. Embora
soubesse agora que isso era o que Christopher queria, repugnava com todas as minhas forças o
fato de que alguém tinha o machucado.
— Você... — avancei um passo, querendo gritar, mas Nabrya me interrompeu.
— Ele me pediu por isso. Ele me colocou de prontidão para matá-lo — entoou firme.
Meu corpo estagnou em uma postura defensiva, tensa e sólida.
— Christopher e eu demoramos até finalmente chegarmos a um acordo. Tive que garantir
que ele não me trairia no último minuto, mas ele não o fez. Então, agora estou aqui, vigiando a
moça dos olhos dele. — Nabrya sorriu. — Tem sido um trabalho inquietante. Ver você o tempo
todo triste é... incrivelmente satisfatório.
— Aposto que sim — eu disse, friamente. — Não me surpreenderia se você admitisse ser o
culpado do que vem acontecendo a minha família também. A morte, a destruição e mandado de
prisão.
Ele caminhou até estar ao meu lado perante a janela, sentou-se no beiral e suspirou.
— Infelizmente o mérito não é meu.
— Então admite estar fazendo um péssimo trabalho cuidando da sua promessa? Não
protegeu a minha mãe.
— Não. Minha promessa foi que eu cuidaria de você, não da sua família. — Ele brincou
com uma sobrancelha.
Senti vontade de machucá-lo. De pular em seu rosto enfiando as minhas unhas em sua pele.
Mas, muito provavelmente, o maior dano colateral seria causado em mim, então, abri mão da
ideia a contragosto.
Cruzei os braços.
— Depois de todo esse tempo você finalmente decidiu dar as caras. O que está acontecendo?
— intriguei-me. — Sabe por que ele ainda não voltou?
Nabrya umedeceu os lábios.
— Como tem sido a sua hospedagem na mansão da família Tanaka? Se divertindo? —
desconversou.
— Não sei, me diz você.
— Não, não posso. Não tenho permissão para te vigiar de lá, mas sei que está segura.
— O quê, tem medo da família Tanaka? — zombei.
— Não, não tenho. Mas os filhos de Christopher fazem o trabalho dentro da casa. Eles
protegem a mansão, então não há motivos para existir perigos lá dentro.
Agora fazia sentido todas aquelas vozes ressoando pela madrugada. No fim, a casa era
mesmo assombrada, porém pelos filhos do meu namorado. Acho que isso se intitularia como
"Mansão bem-assombrada".
— Eu não gosto de você — admiti, irritada.
— Eu sei que não. Dá para ver desde que eu lhe disse que matei o seu namorado. — Ele
sorriu. — Se quer saber, foi emocionante.
Engelhei o nariz em uma careta.
— Você é nojento. — Dei-lhe as costas. — Se não vai ser útil aqui, então deveria ter
continuado nas sombras.
Caminhei em direção à porta, mas parei quando fui chamada.
— Eu vim aqui por uma razão — disse. — Quero te mostrar uma coisa.
O olhei de soslaio.
— O que seria tão interessante a ponto de me procurar, Nabrya? Espero que não seja para
contar como matou o meu namorado.
Ele se levantou de onde estava.
Sua expressão era mais sombria agora. Os olhos carregavam segredos que pareciam muito
próximos de vir à tona.
— Por muito tempo você culpou Christopher por ter roubado a sua alma, e estava certa. Ele
roubou. — O Demônio pressionou os olhos nos meus. — Mas sua alma nunca pertenceu aos
céus, Dytto. Sua alma não foi roubada de Deus, mas, sim, do pai de Christopher.
Meu estômago se contorceu com esta informação.
— O seu bichinho de estimação se apaixonou por você por causa do que o pai dele fez. E
não por quem você foi persuadida a se tornar.
— Que raios você está falando? — questionei, confusa.
A cada palavra que saía de sua boca, mais perturbada eu me sentia.
— Quero te mostrar as memórias que você perdeu, Dytto. Está pronta?
— Eu deveria saber do que você está falando?
— Não. Você não faz ideia do que houve, mas agora precisa, porque você é uma peça
essencial para tudo o que está havendo. — Ele caminhou até estar quase colado a mim. —
Deixe-me mostrar quem é você nesse jogo. — Suas mãos tocaram a minha têmpora antes mesmo
que eu pudesse recuar.

10 anos atrás...
O vento gelado soprava o meu cabelo, emaranhando os fios soltos sobre as minhas costas.
Sentada na grama úmida daquela colina, eu agarrava com força a boneca de pano contra o
meu peito — como se a minha vida dependesse disso —, encarando os olhos azuis que
ameaçavam chorar diante de mim.
Havia ganhado a boneca em meu recém-aniversário de oito anos, foi Loren quem me deu.
Ela economizou a sua mesada por meses para que pudesse me presentear desde que a vimos
outro dia em uma lojinha. Papai disse um curto e simples "não" quando perguntei a ele se
poderia a comprar para mim, pois afirmou com todas as letras que o lugar era comum demais e
que os brinquedos cheiravam a mofo.
Eu não achava isso. O vendedor era um homem simpático que parecia muito com o meu
avô. As sobrancelhas grossas e grisalhas eram gentis, a careca brilhava e a pele estava muito
envelhecida. Embora ele também tivesse escutado o que meu pai disse, não pareceu ofendido.
A partir daí, comecei a considerar a boneca como minha pequena filhinha. A trocava com
fraldas todas as noites, e sempre precisava grampear as laterais, pois em todas as vezes ficavam
frouxas. Eu a perfumava e a colocava para dormir ao meu lado todas as noites e, em todas as
refeições, eu a colocava ao meu lado. Mamãe dizia que eu não poderia colocar comida para ela,
pois seria desperdício, então apenas curtia a sua companhia.
— Me dá ela — a garota loira exigia, dando um passo em minha direção.
— Ela é minha — defendi enciumada e olhei para trás, procurando por Loren, mas ela
estava ocupada demais jogando futebol com os garotos para perceber o conflito ali. Nela eu
confiava para dar umas porradas nas crianças chatas que me irritavam. É claro, eu até poderia
fazer isso sozinha, mas nossos pais iriam me ver como a filha má, e eu precisava de bons
créditos se quisesse ganhar tudo o que desejava.
Nossos pais estavam distraídos montando uma fogueira em meio ao campo livre daquela
colina. Estávamos alojados na casa há uns metros dali, em meio a floresta.
Eu sabia que Lily era uma garota mimada, por isso, sempre que meus pais diziam que
iríamos passar os seus dias de folga na casa de férias dos pais dela, eu me trancava no meu
quarto e gritava por uns 30 segundos com a cabeça enterrada no travesseiro.
Ela era simplesmente a pessoa mais irritante que eu conhecia e exigia de mim uma
paciência e graça que eu não possuía.
— Me dá! — gritou, lágrimas já brilhavam em suas bochechas.
— SAI. — Levantei-me bem rapidamente.
Mamãe não demorou a surgir às minhas costas.
— Ei, ei, ei. — Interrompeu. — O que está havendo aqui?
Ela tocou o meu ombro, alterando seu olhar em mim e a garota chorona.
— Ela quer pegar a Rose de mim, mãe — reclamei.
— Certo! — Mamãe assentiu. — Faremos assim. Dytto brinca com a Rose um pouquinho, e
depois você troca com a Lily. Está bem?
— NÃO! — protestei, alto o suficiente para chamar a atenção dos nossos pais.
— Dytto, meu amor, você tem que aprender a compartilhar os seus brinquedos. — Ever
dizia, afagando as minhas costas. — Só um pouco não fará mal.
Balancei a cabeça freneticamente.
Eu não ia emprestar a minha filhinha para Lily brincar. Se ela quisesse, arrumava uma
boneca para brincar. A minha não!
— Que escândalo é esse aqui, Dytto? — papai brigou, aproximando-se rapidamente.
— A Lily quer pegar a Rose. Ela fica igual uma mula atrás de mim — me irritei.
— Dê logo a boneca para ela e pare de gritaria. — Papai arrancou a boneca dos meus
braços e a ofertou para Lily, que prontamente a pegou. — Compramos outra depois, Dytto.
Agora fique quieta e se comporte.
Meus olhos se arregalaram e meu coração disparou. Senti como se todo o meu corpo
queimasse de irritação. Um sentimento ruim tomou posse e eu quis machucar papai com o
cachecol vermelho que ele possuía no pescoço.
— NÃO! NÃO! NÃO! — gritei escandalosa, batendo os pés no chão.
— JÁ CHEGA! — Théo me arrastou pelo braço à força para longe dali enquanto eu me
jogava no chão e esperneava.
— EU ODEIO A LILY. ODEIO ELA. ODEIO ELA — eu berrava alto.
Papai desistiu de me fazer andar e me colocou em seu colo. Tentei me desvencilhar e me
jogar, mas ele era mais forte.

Durante o jantar, eu não comi nada. Sequer tirei os olhos de Lily abraçando a MINHA
Rose.
Loren não pareceu ligar muito quando soube o que aconteceu, estava distraída demais com
os irmãos mais velhos de Lily. Ela adorava brincadeiras de meninos, roupas de meninos e até
mesmo se comportar como um menino. Mamãe tentava a deixar mais feminina, mas Loren
apenas balançava os ombros e fazia cara feia quando era corrigida. Minha irmã quase parecia
querer ser um garoto.
Todos eram uns imbecis.
Eu estava tão chateada que sequer abri a boca. Tentei parar de respirar em protesto, mas
não aguentei muito mais do que 1 minuto e 46 segundos — cronometrados —, porque meus
ouvidos começaram a zumbir e meu corpo inteiro a se debater, então apelei para o silêncio
mortal.
Prometi a mim mesma que nunca mais falaria com os meus pais ou com mais ninguém em
toda a minha vida, e meu pai ficaria tão arrependido que me pediria perdão para sempre ou eu
daria um jeito dele querer ter me pedido desculpas.
Mais tarde, quando já estavam todos deitados. Me levantei na ponta do pé e caminhei até o
quarto de Lily. Ela não estava exatamente dormindo, porque no momento em que tentei arrancar
Rose de seus braços, ela acordou. Pensei em sufocá-la com o travesseiro, mas ela faria muito
barulho.
— Não — sussurrou, odiosa.
Mordi a língua para evitar morder a sua cara estúpida.
— Eu vim te acordar bobona. Eu vi uma coisa — murmurei.
Ela franziu a testa. Os olhos azuis miúdos me encararam confusos.
— O que? O que você viu? — questionou, interessada.
Ela era tão irritante quanto burra. Seria fácil enganá-la.
— Na... Colina. Lá embaixo no riacho. Eu vi um mago, Lily. — Arregalei os olhos, atuando
entusiasmo. — Ele disse que ia me conceder um desejo. Você quer um também?
— Um desejo? — se animou. — Espere. Eu quero. — Ela pulou da cama, calçando as
pantufas rosas e felpudas. — Me espere, Dytto — pediu, agoniada. — Espera, espera.
Suspirei, irritada.
— Eu tô parada bem na sua frente, ô bocó.
— Tá, vamos. — Ela agarrou a MINHA Rose no braço dela e esperou que eu tomasse a
frente.
Eu não sabia bem o que ia fazer ainda, mas poderia acabar inventando uma história como:
"O mago me pediu para você devolver a minha filhinha ou ele vai estrangular você."
Ela não era muito racional, então com certeza iria me devolver.

— Cadê? Cadê ele? — Ela esticava o pescoço, vasculhando o riacho abaixo de nós. — Você
disse que o mago estava ali, mas eu não estou vendo nada, Dytto. E eu estou com medo.
Suspirei, incrédula. Que garota estúpida!
— Olhe melhor — mandei, entediada, ao passo que encarava minha boneca. Estava
avaliando mentalmente a melhor forma para arrancar Rose de seus braços magrelos.
Estava escuro e frio. A colina estava tomada pela nebulosidade. Era apenas eu e ela na
beira de um precipício alto o bastante a qual já fui avisada por minha mãe para nunca chegar
perto demais da ponta. Lily, por outro lado, sequer tinha permissão para andar livremente, que
dirá estar onde estávamos.
Era divertido levá-la a fazer coisas estúpidas, porque era fato que ela sempre acabava
acreditando em qualquer bobagem.
— Ainda não vejo nada — resmungou, completamente distraída.
Nesse instante, quase fui capaz de ver um sinal verde brilhando sobre a sua cabeça,
expondo um sinal positivo para avançar com a minha missão. Aquele era o momento.
Dei um passo em sua direção e agarrei Rose com todas as minhas forças, mas a loira
imediatamente tentou puxá-la de volta.
— Não! Agora ela é minha. — Lily lutou, segurando um dos braços da boneca, ao passo
que eu firmava minhas mãos no outro.
— ME DÁ ELA AGORA — protestei agressiva.
Estávamos em um embate onde eu sabia que nenhuma de nós cederia, portanto, não me
importei em continuar forçando, afinal, a boneca era minha e eu não desistiria dela somente
porque uma garotinha mimada a queria roubar de mim. Entretanto, Lily puxou com mais força,
e o som do tecido do corpo de Rose estalando fora audível o suficiente para tomar a atenção de
nós duas, deixando-nos abismadas demais para, enfim, cessarmos.
Rose havia sido desmembrada. Um de seus braços rasgou e parte de seu enchimento vazou
para fora, sendo carregado pela forte rajada de vento que nos atingiu naquele exato momento.
Ambas estávamos em choque e de olhos bem arregalados, encarando o objeto de pano
danificado diante de nós.
Em um primeiro momento, senti-me triste, eu adorava Rose, e vê-la daquela maneira fez
com que meu coração murchasse no peito. Em geral, eu não era sentimental, mas possuía um
carinho incomum por aquele brinquedo, porém, essa sensação se deteve no minuto seguinte
quando fui abraçada por uma fúria destruidora que me cegou num estalar de dedos. A
discrepância de meu humor fora tão rápida que fez Lily engolir em seco com a expressão furiosa
que despontou em minha face.
— Oh, não! — lamentou ela, arrependida.
— Olhe só o que você fez — culpei-a, enraivecida.
Larguei o corpo rasgado de Rose no chão e avancei em seu pescoço com as duas mãos. Os
olhos de Lily se arregalaram de medo e ela tentou se afastar, mas estava próxima demais da
beirada e escorregou.
Tudo o que eu ouvi antes de seu corpo desvanecer no escuro, fora um breve e singelo
suspiro surpreso. Ouvi-a gritar por cerca de cinco segundos após cair, até que se calou
permanentemente. O ambiente fora preenchido pelo som das ondas do riacho colidindo contra
as rochas e o farfalhar das árvores próximas dali dançando em meio a forte ventania.
Meu coração estava disparado no peito e todo o meu corpo tomado por adrenalina.
Paralisei com os braços dispersos no ar, encarando a ausência da garota loira diante de
mim. Minha respiração estava ofegante e meu peito subia e descia descontroladamente. Meu
cérebro levou um minuto inteiro para assimilar a situação.
— Não — murmurei me afastando da cena.
Não olhei para o riacho. Não queria ver Lily, pois não sabia em que condição a
encontraria.
Olhei para os lados, não havia ninguém. Com medo, tomei Rose e os seus pedaços nos
braços e corri para dentro da casa.

— Não, não pode ser — disse, abismada.


— Sim, você fez — Nabrya cantalorou, com um sorrisinho perverso nos lábios.
— Eu não... não... Foi um acidente. — Eu respirava com dificuldade, buscando me segurar
nas paredes do quarto.
— É o que você acha? — instigou, sorrateiro.
— Não foi a minha intenção. Eu não queria machucar ela, eu só queria a minha boneca de
volta. Como eu me esqueci disso? — Levei minhas mãos ao rosto.
Meu cérebro latejava com as recentes informações de um passado cujo eu nem mesma
lembrava da existência. A memória do corpo pálido e sem vida de Lily sendo encontrada
chocou-se em minha mente como um flash. Lapsos do ocorrido surgiam em velocidade máxima
dentro da minha mente, como luzes estourando, sons agudos e estridentes ressoavam
incessantemente.
— Eu não queria ter feito aquilo eu... — sussurrava atordoada, caminhando perdida pelo
quarto. Dando voltas e voltas.
Nabrya continuava no mesmo lugar, observando-me atentamente, avaliando o meu estado
psicológico e julgando-me como bem queria. No entanto, eu estava atordoada demais para brigar
com ele.
— Mas que droga! — minha voz falhou. — Eu não queria...
— Não? — duvidou.
Parei no lugar, mirando os olhos nele, incrédula.
— NÃO! EU NÃO QUERIA TER MATADO AQUELA GAROTA.
Ele sorriu, como se esperasse que eu dissesse exatamente aquilo.
E foi esse sorriso que me apavorou.
— Ela não morreu naquele dia, Dytto. Ela, por alguma razão, sobreviveu. — Suas mãos
estavam postas despojadamente em seus bolsos, a postura estreita carregando um ar de dureza.
— Lily não morreu naquele momento, mas o impacto machucou uma de suas pernas e quebrou
alguns ossos, por isso ela não conseguiu nadar, então foi levada pela correnteza até a margem de
uma pedreira, Lily ainda acordou, mas sentia tanta dor que o corpo se desligou.
Nabrya se aproximava lentamente de mim.
— Ela passou horas desacordada no frio, enquanto você fingia que nada havia acontecido.
Disse a todos da casa que não sabia onde ela estava quando acordou na manhã seguinte. Sem
culpa, sem remorso, sem arrependimento.
Eu estava tremendo, ouvindo as suas palavras serem despejadas rudemente sobre mim. A
vergonha e o horror tomaram conta. Estava aterrorizada com as minhas atitudes.
Ele tinha razão, não houve arrependimento algum quando fiz aquilo. E agora, eu me
lembrava com tanta nitidez que era como se eu nunca tivesse esquecido.
— Você simplesmente seguiu com o seu dia... — continuou, amargo — deixou que os pais
procurassem por ela na floresta ao invés de onde, de fato, ela tinha caído, porque sabia que Lily
não tinha permissão para ir para perto do precipício. Você foi esperta, Dytto. Apontou para eles a
direção entre as árvores e sugeriu que ela tivesse se perdido. Você... — ele mirou o dedo para
mim — tinha oito anos, mas seu coração era impuro e maldoso. Não ligou se ela iria sobreviver
ou não, apenas rezou para que nunca a encontrassem. Você estava ocupada demais tentando
costurar a sua boneca que sequer percebeu a aflição daquela família.
— Para... — sussurrei, sôfrega — por favor, para. — Cobri o rosto. Não conseguia respirar
direito, faltava-me fôlego.
— Ela morreu por sua causa. Porque você a matou — acusou.
— FOI UM ACIDENTE — insisti.
— Inicialmente, talvez tenha sido um acidente. Mas e depois, Dytto? — Ele juntou as
sobrancelhas.
— Depois? — questionei, confusa.
— A casa era longe demais da cidade e os pais de Lily saíram atrás de ajuda enquanto os
seus pais e os outros buscavam por ela na floresta.
Ele frisou a testa, mas não parecia descontente com a minha atitude, pelo contrário, eu
conseguia enxergar um brilho maléfico em seus olhos, evidenciando que se orgulhava do meu
feito.
— Você disse que queria ficar na casa com um dos irmãos mais velhos de Lily para caso ela
voltasse. — Ele jogou a cabeça para o lado. — Você disse isso com um sorriso todo bonzinho no
rosto. Fez todos acreditarem que você ligava, mas tudo o que você queria era brincar sozinha
pelo lugar com a sua boneca. Você saiu para fora da casa e caminhou por aquela colina, e isso te
levou exatamente para onde Lily estava. Em uma das margens. O corpo dela foi levado pelo
riacho até uma pedreira.
Nabrya segurou o meu rosto entre as suas enormes mãos.
— Você a viu. Machucada, chorando e com medo. Ela estava tão frágil, tão vulnerável. Ela
se arrastou por aquelas pedras até as árvores porque estava determinada a viver, mas nada disso
te impediu. — Ele acariciou a minha bochecha. — Você sabe o que você fez, doce Dytto.
Lembre-se.

Deitada no chão, com as costas parcialmente repousadas no tronco de uma árvore


qualquer, estava ela. Gemendo de dor e tremendo enquanto o corpo molhado era arrebatado
pelo frio.
Eu não conseguia acreditar no que estava vendo.
Como ela havia conseguido sobreviver?
— Lily? — eu disse, intrigada. Estava parada há pouquíssimos passos de distância. Não
tinha certeza se era ela quando avistei um pequeno ponto recostado. Foi somente quando
percebi o cabelo dourado que notei que Lily estava mesmo ali.
Quando ela virou o pescoço e notou a minha presença, arregalou os olhos, amedrontada.
Percebi que tentou se arrastar para longe, estava com tanto medo de mim que não conseguia
sequer falar.
— Você está viva — murmurei, decepcionada. — O que você... como? — intriguei-me.
— N-não — seus lábios arroxeados de frio tremularam.
— Tá tudo bem. Eu vou te ajudar — comentei, calma. — Estão procurando por você.
Lily desatou a chorar silenciosamente, enquanto os seus braços se esforçavam no árduo
trabalho de levar o seu corpo para longe de mim.
— Pare com isso. Eu já disse que vou te ajudar — me irritei.
— Eu quero a minha mamãe — soluçou, a voz quase sumindo.
— É, eu sei. Eu posso chamar ela. Quer que eu te leve até ela? — sugeri, camuflando
minhas reais intenções.
Lily assentiu num rápido balançar de cabeça.
— Tudo bem, mas me prometa que não vai contar o que aconteceu. Jura pra mim que nunca
vai dizer que eu tenho algo a ver com isso — exigi.
Lily hesitou. Ela SIMPLESMENTE HESITOU.
— Você não vai contar, não é? — pressionei, dando passadas curtas e lentas em sua
direção. — Você. Não. Vai. Contar. Não é? — disse pausadamente.
Seus olhos se arregalaram. Apavorada, ela rapidamente deslizou os olhos pelo lugar, como
se buscasse desesperadamente por ajuda.
— Você fez todo um esforço para sair da água e agora não quer ser ajudada? — pontuei,
enojada.
— M-me desculpa.
— Não, eu não desculpo. Isso tudo é culpa sua.
Lily virou o corpo de barriga para baixo e tentou engatinhar, mas seus joelhos deslizavam
na grama úmida. Ela gemeu de dor e seu corpo cedeu completamente no chão.
— Como você saiu do riacho? — investiguei, ao passo que ainda caminhava em sua
direção. Ela não iria muito longe, e muito provavelmente não sobreviveria.
Papai dizia que pessoas em situações como ela, morriam de hipotermia. Os órgãos
começariam a falhar e aos poucos paravam.
Era um milagre ela ainda estar viva... Quer dizer, não tão viva. Lily estava frágil demais.
— Não vai me falar? — Agachei-me ao seu lado.
Um ruído baixo e ininteligível soou de seus lábios.
— E se eu te jogasse de volta no riacho, será que você sobreviveria de novo, Lily? —
brinquei, genuinamente tentada. — A minha Rose está machucada por sua causa, você deveria
sofrer o mesmo — sussurrei.
Meus olhos vagaram pelo seu corpo pálido e doente. Seus olhos estavam murchos e a pele
acinzentada.
Ela começava a respirar com muita dificuldade, a respiração parecia um ronco.
— Vamos lá, então. — Me levantei e peguei um de seus pés.
Eu ainda estava tão irritada com a situação. Eu não queria saber se ela iria ficar bem ou
não. Ela era chata, e eu estava cansada de tê-la em minha vida. Todos pareciam querer
defender ela o tempo todo.
Mamãe dizia que era porque Lily havia descoberto que estava doente, por isso todos faziam
de tudo para agradar essa garota mimada. Estava com alguma coisa chamada Lumia...
Locemia... LEUCEMIA. Isso! Mamãe dizia que Lily tinha Leucemia, e isso fazia com que todos
ficassem sempre de olhos nela.
— Você é pesada — resmunguei, arrastando o corpo dela pelo chão.
Lily murmurou de dor, acho que sua perna estava ferida, estava meio ensanguentada e
estranha.
Arrastei o seu corpo até as pedreiras e parei para respirar um pouco.
— Olha, isso vai doer, mas falta só um pouquinho para chegarmos na água. Acho que
ninguém gosta de ser arrastada em pedras. — Sorri, ofegante.
Virei-me para trás. A corrente de água estava muito forte, a única forma de Lily ter
conseguido parar aqui, foi se ela engatou em algum galho ou ficou presa em alguma pedra. Era
impossível nadar contra a correnteza.
— Tá bom. Você está chegando, Lilizinha. — Agarrei seus tornozelos e voltei a puxá-la.
Ela, no entanto, já não respondia mais.
Conforme eu a puxava por entre as pedras, notava os rastros de sangue que sua pele
deixava no chão.
Quando finalmente a coloquei na água, observei seu corpo se despedir de maneira rápida,
flutuando para longe sobre a água. No fundo, de alguma forma eu me sentia contente por
aquilo. Estava animada. Era quase como se um peso saísse de meus ombros.
Lavei as mãos no riacho, estava muito frio e me fez bater os dentes. Eu tinha que voltar e
fingir que nunca saí da casa.
Provavelmente, se os irmãos de Lily soubessem o que eu fiz, até me agradeceriam por ter se
livrado dela.
Estava pronta para voltar, entretanto, quando me virei de costas, notei um homem entre as
árvores me encarando.
Ele era alto, olhos verdes e a pele branca como a neve. Seu cabelo era negro e seu olhar
era intenso, como se pudesse ser capaz de dominar o que quisesse.
Senti-me intimidade, mas não desviei os olhos. Talvez fosse um bom momento para dizer
que eu não sabia de nada, mas esperei que ele falasse algo primeiro. Ele poderia não ter visto o
que eu fiz, e acabaria que eu me entregaria de bandeja. Não seria esperto da minha parte. Eu
ficaria muito encrencada. Mamãe dizia que as pessoas que faziam coisas ruins, iam parar em
lugares horríveis no inferno.
Mas, tecnicamente, eu fiz algo bom. Provavelmente nem Lily deveria gostar dela mesma.
— Quem é você? — perguntei, curiosa, quando notei que ele não iria falar nada.
— Christopher. E você? — devolveu, caminhando para fora das árvores.
Seu longo corpo emergiu, ele não estava exatamente vestido, tudo o que usava era um
pedaço de pano em volta de sua cintura, exibindo o restante de sua pele. Seu rosto era tão lindo
que se tornava hipnotizante olhar para ele.
Meu coração acelerou, isso costumava acontecer quando via garotos bonitos também.
— Eu sou a Dytto. Minha irmã me chama de Dy.
Ele sorriu.
— Olá, Dy. — Acenou gentil.
Eu não me sentia à vontade perto de estranhos, porém, particularmente com ele, era como
se eu fosse preenchida por uma sensação esquisita de conforto e confiança, quase familiar.
— Não gostava daquela garota? — indagou, olhando para o riacho atrás de mim.
— Eu não sei de nada. — Dei de ombros.
— Sabe, sim — discordou. — Eu vi o que você fez.
Droga...
— Não conta pra ninguém, por fav...
— Eu não vou. — Me interrompeu.
Encarei-o cética.
— Não?
— Só estou de passagem. Não vim para dedurar garotas espertas como você. — O homem
agachou no chão, analisando o rastro de sangue que se seguia até as pedreiras. — Para sua
sorte, parece que vai chover. Não ficará um único rastro de sangue. — E então me jogou uma
piscadela cúmplice.
Eu gostei dele.
— Onde você mora, Christopher?
— No céu — respondeu, mas logo em seguida balançou a cabeça. — Morava, aliás. Eu não
moro mais lá agora.
— Você é um anjo? — Arregalei os olhos.
— Bom, eu costumava ser um. Mas ousei contra Deus. — Ele sorriu de um jeito que os
olhos se iluminaram.
— Fez algo errado, né? Igual Lúcifer — ponderei, lembrando os versículos bíblicos que
papai nos obrigava a ler.
— Defina errado, Dytto — pediu.
— Mamãe diz que é quando fazemos algo que não agrada a Deus.
— E só porque não o agrada que é errado? — fomentou.
— Eu sei lá. — Balancei os ombros.
Ele assentiu, parecia achar aquilo engraçado.
— Dytto, eu posso pedir a sua ajuda? — gentilmente solicitou.
— Eu acho que sim.
Ele olhou em volta e suspirou.
— Deus está muito zangado comigo, Dytto. Muito zangado. Tenho andado entre a Terra e
Nefarious há séculos, mas soube que ele quer me banir da Terra, e eu não sei como continuar
minha missão preso em um lugar horrível como aquele. — Ele deixou que o olhar recaísse para
o gramado. — Preciso da ajuda de alguém para que eu possa transformar esse mundo em um
lugar melhor. — Christopher me olhou nos olhos. — Será que pode me ajudar?
— Por que Deus quer banir você da Terra? — a curiosidade me venceu.
— Ele diz que eu não sou justo com os humanos. — Christopher apontou para mim. — Mas
todos vocês têm livre arbítrio. São vocês que escolhem como querem viver. Isso faz parte da
escolha de cada um de vocês. Eu não enganei ninguém, apenas lhes ofereci opções.
Dei alguns passos em sua direção, meio retida, e então parei.
— O que isso quer dizer?
Ele curvou o canto dos lábios, era um homem incrivelmente bonito, ainda mais do que os
que eu via em filmes e novelas, quase como se fosse irreal.
— Eu tenho um fruto na Terra, um ano mais velho que você. Preciso que o atraia para você
e inconscientemente o faça cometer algo que ele acredite que será o certo a se fazer naquele
momento. — Christopher franziu as sobrancelhas. — Você é o meu diamante da sorte, Dytto.
Vai levar o meu filho exatamente para onde ele tem que ir.
— E o que eu tenho que fazer para isso? — Juntei as sobrancelhas.
Christopher curvou os lábios para cima.
— Nada, pois eu o farei. — O homem se pôs de pé. — Dytto, eu te abençoo com muita
bondade em seu coração. Será uma garota amável e terá compaixão pelos outros. Sentirá medo
pelo mal, e amor pelo bem. Será obediente e compreensiva. Fará o que puder pelo bem daqueles
que você ama. Eu te dou o perdão angelical. Está absorvida de seus pecados. — Ele veio em
minha direção. — Você será o oposto da garota que você é hoje. Não irá mais sentir prazer em
tirar vidas ou machucá-las. Não será uma filha malcriada e nem uma irmã ausente. Isso fará o
meu fruto querer te corromper até o último fragmento do seu corpo. E não há nada mais
perigoso do que uma mulher, minha querida.
Eu não o respondi. Meus lábios pareciam dormentes e minha mente era como um barco
balançando em meio ao oceano. Meus olhos começaram a pesar.
— Tenho que ir, Dytto. Estou sendo banido a partir de agora deste mundo. Irei para o meu
mundo para governar... — Ele fez uma pequena pausa. — Mas eu voltarei.
Depois daquilo, tudo tornou-se escuridão.
Acordei no dia seguinte deitada em um dos sofás da sala da casa de Lily. Mamãe estava
comigo no colo, disse que eu havia pegado no sono. Eu ainda me sentia como se estivesse dentro
de um sonho, não me lembrava de muito. Apenas de saber que Lily sumiu em uma noite, e no dia
seguinte, que estavam a sua procura.
Dois dias mais tarde, quando mamãe contou que Lily tinha sido achada morta, eu chorei.
Me senti tão triste por aquela garotinha. Ela era só uma criança, não deveria ter morrido.
A polícia decretou que havia sido um acidente.
Trágico.
Eu gostava dela, éramos grandes amigas. Sentiria a sua falta.

— Não éramos amigas — sussurrei.


— Não, não eram. Mas Christopher fez com que você pensasse que sim. Ele não queria que
você se lembrasse da conversa que tiveram naquele dia. Ele te usou direitinho para que você
fosse o peão dele. — Nabrya riu. — Ele ainda ousou dizer que não fez nada de errado. Disse que
apenas te abençoou com coisas boas. — Suspirou. — Ele sabia exatamente o que fazer sem
parecer errado.
— Foi tudo um jogo para Christopher — murmurei, em choque.
Estava sentada no chão, encarando o carpete.
Minha mente não estava cem por cento sã. Me sentia como se fosse um cômodo revirado.
Todas as memórias apagadas daquele dia voltaram.
Eu não sabia mais quem eu era, mas conseguia compreender o que estava sentindo há dias.
As peças pareciam se encaixar de pouco em pouco.
— Ele é o responsável por você ter encontrado o filho dele. De ter feito vocês chegarem até
o momento em que o Christopher filho decidiu morrer. Ele estava à frente de todos nós o tempo
todo, porque já sabia cada passo que seria necessário para isso acontecer.
— E o que vem em seguida?
— O seu namorado plantou doenças em cada continente nesses últimos meses, Dytto. Ele
arquitetou guerras, destruições e bombardeios em cada cantinho do mundo. Todos os anos de
vida dele se resumiram em criar formas para a extinção humana de modo que os próprios
humanos fizessem o trabalho sozinho. Apenas com um toque de ajuda dele.
— Para que ele quer destruir esse mundo? — Arquejei.
— Para construir um novo. Christopher-pai quer fazer disso tudo o novo Nefarious. Ele
quer ser mais poderoso. Quer se autointitular Deus para criar novas vidas. Novos mundos.
— E onde está o meu Chris? — Olhei-os nos olhos, séria.
— Está preso, Dytto. Ele está sendo forjado para se tornar um demônio servo. O pai dele
quer torná-lo o general de seu exército. Quer destruir tudo com a ajuda do filho, mas ele não
contava com o amor que Christopher sente por você.
Franzi o cenho.
— Christopher está há quase um milênio em Nefarious desde que morreu, o tempo lá passa
diferente. Há cada 16 horas na Terra, se passam 17 anos em Nefarious. Chris já está há uns 980
anos lá, e mesmo assim, ele nunca cedeu a sua honra para o pai, porque ele te ama e quer
governar este mundo com você.
Eu paralisei. Não sabia reagir aquela informação. Senti meu mundo desabar debaixo de
mim.
980 anos... Christopher estava há 980 anos preso em Nefarious.
— Christopher e eu fizemos um acordo de que destruiríamos o pai dele juntos, mas
Christopher-pai já sabia que o filho iria morrer, só não sabíamos o motivo ainda. Até eu
descobrir que tudo isso foi por sua causa.
— Por que ele me escolheu para esse serviço imundo? Me fez de peão esse tempo todo —
sussurrei, atordoada.
— Você estava no lugar errado, na hora certa. Christopher estava fugindo dos anjos que o
buscavam para levá-lo a Nefarious quando te viu. Você se tornou o plano dele a partir daquele
momento.
Olhei-o nos olhos, atônita.
— E o que te fez me contar tudo agora?
— Só a verdade liberta. E essa é a verdade, Dytto. Agora você sabe quem você é de verdade.
Não precisará mais ser quem Christopher te abençoou para ser, ou melhor... — ele fez careta —
amaldiçoou.
Assenti.
— Eu preciso buscar Christopher — determinei.

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