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É proibida a cópia ou retransmissão parcial ou total desta obra por qualquer meio sem a

autorização da autora (Lei 9.610/98)

Capa: Darkeditorial
Revisão: Low Poet, Taís Teodoro
Diagramação: Brunah Gonçalves
Leitura beta: Taís Teodoro e Liris Alessandra

Aviso de gatilho

Esse livro trás cenas de violência física e verbal, além de outros possíveis gatilhos como
transtornos mentais. Se você tem dificuldade em ler conteúdo sensível, não leia! Preze por sua
saúde mental sempre
Dedicatória
Para Liris, Taís e todos os meus leitores. Sem vocês, eu não seria metade do que sou e não faria
metade do que faço.
Eu vi minha sorte
e
meu azar
brigarem
quando você passou por aquela porta
Katherine balança o vestido na minha frente com tanta animação que é impossível não me sentir um
pouco contagiada. O tecido desfilando em suas mãos como se um manequim invisível o vestisse.

— Vai ser legal — ela diz pela milésima vez desde que entrou no quarto.

— Eu não sei... — Eu realmente não era fã de festas e não parecia certo ir a uma nesse momento.

Katherine suspira e me olha com pena. Eu odeio isso. Os olhos dela brilham como se eu fosse um
cachorro perdido no centro da cidade que não pode levar para casa. Como se ela fosse chorar caso
me assistisse naquele estado por mais um ou dois minutos.

— Kiara, já fazem semanas — sua voz ecoa como uma melodia triste.

Fecho os olhos.

Só de pensar em nossa última discussão minha garganta fecha e meus olhos ardem. A vontade de
chorar é inevitável. Eu sei que mulher alguma deveria chorar por homens idiotas, mas eu não consigo
imaginar uma vida sem ele. É quase doentio. Como se cada célula minha soubesse a quem eu
pertenço.

— Eu sou sua melhor amiga. Meu trabalho é te proibir de ficar sozinha em casa pensando em
suicídio. — Katherine toca meu braço. As suas palavras me fazem despertar. É assim que eu pareço
estar? Uma garota pensando em diversas maneiras de morrer?

Eu estava triste, porém era algo mais voltado para a nostalgia e não para o suicídio.

Festas de fraternidades não são legais em geral, mas há um lado positivo: o álcool. Como nos
desenhos animados, uma luz pareceu se iluminar sobre minha cabeça. Beber é tudo que eu preciso
agora. Talvez eu até me sinta melhor e aproveite a festa depois.

— Tudo bem, eu vou — digo e Kat me dá seu melhor sorriso de "você não vai se arrepender".
Depois volta a tirar todas as roupas do meu armário. As mãos rápidas enquanto ela joga diversas
coisas na minha cama. Vejo uma blusa se perder no percurso e cair no chão.

— Esse! — O pequeno gritinho dela foi muito similar ao de alguém que acaba de achar cem
dólares no chão. Ela me mostra um vestido azul marinho com saia plissada.

Eu lembro desse vestido. Já não o uso há muito tempo. Ele é bonito e muito rico em detalhes, mas
infelizmente é curto demais. Ele não me deixaria usar algo assim. Ele nunca deixou.

— É muito curto — dispenso, podendo quase sentir o sorriso de aprovação que ele me daria caso
estivesse aqui agora.

— Você está brincando, certo?! — Os cabelos loiros de Katherine caem em seus ombros e seus
olhos verdes combinam muito com o vestido que ela está usando. Kat sempre foi linda. É fácil para
ela usar algo daquele tamanho. — Você é jovem, bonita e solteira. Não há motivos para não usá-lo.

Em certo ponto Kat tinha razão. Eu não devia ficar me prendendo a alguém que já não me
pertence mais. E talvez esse seja o problema: ele nunca foi meu de verdade.

Aceito o vestido, decidida. Talvez depois de alguns bons copos de cerveja eu ganhe toda a
coragem que está me faltando.

(...)

Entramos na casa lotada. O som alto pode ser ouvido a dois quarteirões daqui e as pessoas estão
tão aglomeradas que foi assustador dar meu primeiro passo para dentro da propriedade.

Katherine segura meu braço assim que meus pés ganham estabilidade no mar de pessoas e me
arrasta até a cozinha, onde várias garrafas de diversas bebidas se encontram na pia. Dane-se a
cerveja. Me sirvo de vodca, e ela faz o mesmo. Uma vez me disseram que não há problema suficiente
que não se possa resolver com uma boa quantidade de vodca.

Talvez a pessoa que disse isso não tenha problemas de verdade.

Dou um gole e sinto o líquido queimar minha garganta. As pessoas aqui parecem tão felizes e tão
vivas. Faz muito tempo que eu não me sinto assim, viva e feliz. Dou outro longo gole.

— Viu, Ki? — Kat me chama pelo apelido ridículo criado por minha mãe, um dos milhares
apelidos que ganhei durante a vida. — Não está sendo tão ruim.

Tento argumentar que chegamos a pouco tempo para tirar conclusões, mas ela está certa.

— Vai ficar se você me chamar de Ki de novo. — Sorrio. Eu perdi muitos amigos desde que
conheci ele, mas Kat não. Ela ficou. Ela sabia dos riscos que era estar com alguém tão problemática,
e mesmo assim ela ficou. Sou grata por isso.

Andamos até o quintal, onde o som era mais intenso. Ali, notei existir um número muito maior de
pessoas do que quando cheguei. Algumas se divertem jogando vôlei na piscina, outras já estavam
bêbadas demais para fazer qualquer coisa. A loucura é tão grande que um garoto extremamente fora
de si passa por nós e joga a pior cantada que alguém pode imaginar, e quando eu ouço o som da
minha própria risada, percebo há quanto tempo eu já não a ouvia.

Muito tempo.

Em uma pequena pista de dança improvisada, algumas pessoas dançam no ritmo da música. É
engraçado assistir os diferentes tipos de danças desenvolvidas diante o ritmo agitado e do álcool na
corrente sanguínea.

Katherine encontra alguns amigos do seu curso de jornalismo. Eu deveria ter amigos no meu
curso também, mas eu nunca estive interessada. Eu tinha ele. E por um tempo, ter ele era o suficiente.
Era como ter tudo.

Ele.

Ele.

Ele.

O problema é sempre ele.

Enquanto Kat abraça alguns amigos e conhecidos, eu sinto uma leve alteração na festa. As
pessoas começaram a olhar para a entrada e imediatamente eu soube o motivo.

Sempre foi assim. Ele chega e todos olham. Até hoje me pergunto o que fez alguém como ele ficar
com alguém como eu. Olho para a entrada, assim como metade da festa. E lá está. Envolto de falsos
amigos, vestido em sua jaqueta jeans e chamando toda a atenção para si, como sempre faz.

Lá está Logan Aiken, a pessoa que me matou e me deu vida infinitas vezes. Seus cabelos
castanhos estão maiores desde a última vez que o vi e seus olhos igualmente escuros estão
avermelhados. Todo mundo tem um vício. O dele é o cigarro e o meu provavelmente é ele.

É exatamente assim que eu me sinto, uma viciada em recuperação. Eu posso estar limpa, mas o
vício ainda está aqui. Vê-lo assim tão perto é quase como pôr a droga nas mãos.

Infelizmente, seu olhar alcança o meu. E posso dizer pelo seu maxilar trincado e punhos fechados
que ele não está contente em me ver.

Ele nunca gostou de me ver em qualquer lugar onde homens demais possam se aproximar. E acho
que ele não gosta do vestido azul marinho.

Katherine finalmente nota a presença de Logan e olha para mim desconfiada.

— Está tudo bem? — ela pergunta. Katherine sabe que não está nada bem, entretanto eu nunca
admitiria isso em voz alta. É uma pergunta teste. Ela quer saber quanto tempo será preciso até que eu
corra para Logan. Me arrependo instantaneamente de ter vindo.

Eu deveria saber que ele estaria aqui.

Ele sempre está em toda droga de lugar.

Agora, eu o observo imóvel como uma ovelha que já aceitou o fato de que o lobo irá destroçar
cada parte sua.

Eu conheço o processo: Logan fica bravo, acaba comigo e depois pede desculpas. E eu sempre
aceito.

Nesse momento, eu estou apenas esperando ele acabar comigo. Eu tenho ciência de cada gesto
seu e eu sei que quando ele começa a andar em minha direção não é para me desejar uma boa noite.

É para arruinar ela.


"Em algum lugar entre o certo e o errado, existe um jardim. Encontrarei você lá." — Diana
Para dependentes químicos existe a terapia de doze passos, mas eu não sou uma dependente
comum. Talvez meu vício seja pior que qualquer droga. Meu vício tem nome e sobrenome. Um metro
e oitenta e covinhas nas bochechas.

Logan Aiken.

Ele anda em passos rápidos e confiantes. Tudo nele grita imponência e superioridade. Seu corpo
magro, ainda que musculoso, fica muito bem em jaquetas jeans. Até hoje não encontrei algo que o
deixasse feio, na verdade. Além da sua personalidade difícil, é claro.

— Hildegard, que surpresa agradável — ele diz. Sua voz é muito mais bonita do que eu
lembrava. Só se passaram semanas, que tinham a aparência de anos, mas de qualquer maneira
semanas. Alguns pares de dias e eu já o imaginava de outra forma. Sentia que um estranho estava em
minha frente, um estranho que eu conheço tão bem.

Olho ao redor procurando Katherine, só que ela já havia saído de perto de nós há muito tempo.
Não porque ela é uma péssima amiga e me abandonou com o predador, e sim porque ela sabe que eu
realmente preciso encará-lo de uma vez por todas e deixar de me tornar a presa. De qualquer modo,
sinto que ela ainda está de olho em nós, preparada para intervir caso algo dê errado.
Caso o jogo de Logan funcione.

Logan sabe como jogar. Ele havia me deixado dependente e queria que eu chorasse aos seus pés
toda vez que fizesse algo errado. E por um tempo as coisas realmente funcionaram assim. Então, na
nossa última briga, eu decidi que não iria me perder na teia que ele teceu, mesmo que talvez valesse
a pena ser presa no universo de Logan.

— Aiken, que surpresa desprezível. — Mentira. Aiken pode ser qualquer coisa menos
desprezível.

Seus malditos olhos castanhos avaliam cada parte do meu corpo, quase como se quisesse me
decorar. E lá no fundo eu sei que ele realmente quer. Ele pode me pintar em uma tela com os olhos
fechados agora, eu tenho certeza.

— Você não deveria usar vestidos como esse — ele aponta. A voz mansa como a de um anjo, mas
eu sei que suas intenções são tão brutais quanto as de um demônio.

— Eu não me importo. — Oh Deus! Como eu me importava! Só a ideia de que isso o desagrada


me deixa triste. Eu queria fazer tudo que estivesse ao meu alcance para vê-lo sorrir. Sei que ele
ficaria satisfeito se eu dissesse que sinto muito.

Logan me encara cético. Deve ser muito difícil ver que seu brinquedo preferido ganhou vida
própria e não quer mais brincar com você.

— Você acha que pode me desafiar desse jeito, Bebê? — ele fala, com a voz tão baixa quanto um
sussurro. Fecho os olhos quando ouço o apelido. Era assim que ele me chamava antes, antes das
brigas. — Você sabe que eu sou melhor nisso do que você.

Ele está certo.

Logan é muito melhor do que eu nesse jogo. Mas sei que, na verdade, Aiken é só um menino
malvado e egoísta. Ele não divide o manual do jogo. Monopoliza o tabuleiro e é por isso que vence.

— Então jogue sozinho — rosno. Eu estou orgulhosa de mim mesma. Enfrentar Logan Aiken não
era para qualquer um. E eu não estou no histórico.

Não costumo desafiá-lo.

Ele chega perto de mim, perto demais, e deposita um beijo em minha bochecha. Fico quieta,
vendo ele se afastar e andar de volta em direção aos seus amigos.

Céus, ele ainda sabe me desestruturar como ninguém.

Esse é um dos problemas de Logan, ele simplesmente sabe.

Procuro Katherine e a encontro conversando com alguns amigos. Ela me vê e corre até mim em
passos atrapalhados.
— E aí? Você chutou ele naquele lugar que eu te ensinei? — perguntou ela. Um sorrisinho
brincando no canto da boca.

— Claro que eu não chutei ele. — Se eu seguisse todos os planos dela provavelmente estaria
presa agora.

Sua expressão murcha. Os lábios pintados de vermelho vivo tentando esconder a careta de
decepção.

— Você não vai deixar ele destruir você de novo, não é? — outra pergunta, dessa vez séria e
claramente preocupada.

— Não, eu não vou. — Nem eu consigo acreditar nas minhas próprias palavras. Aiken sempre
vence.

De repente, o clima fica pesado. Há um silêncio desconfortável entre nós. Vai ver ela também
sabe que no final eu não resistiria a ele.

Talvez ela visse o futuro.

— Bem, eu acho que a gente precisa de mais bebida — Katherine diz, cortando o clima ruim e
apontando para o copo vazio em minhas mãos.

Aceno com a cabeça e nós vamos em direção à cozinha. Me sirvo com mais uma dose de vodca e
viro rapidamente todo o líquido garganta abaixo. A queimação do álcool vale pelo prazer do
esquecimento. Katherine balança a cabeça em sinal de negação, em seguida faz o mesmo.

Encho novamente meu copo, só que dessa vez com a cerveja barata que está disponível em cima
do balcão. Conheço os riscos de misturar as bebidas, mas não acho que me importo o suficiente para
evitar.

Katherine começa os passos em direção ao quintal, onde a festa acontece em maiores proporções.
Quando nota que eu não a sigo, para.

— Você não vem, Ki?

— Não, acho que vou ficar aqui com todas essas bebidas e essa quase solidão preciosa —
ressalto o quase, porque duas outras pessoas estão no âmbito agora.

Katherine concorda e volta para o lugar onde a música agitada está mais alta, não que ela não
seja audível aqui. Kat jamais me deixaria sozinha assim, mas ela já está bêbada o suficiente para não
perceber o quão abalada eu estou. Ou então eu sou uma ótima atriz em não transparecer isso.

Aqui a música é mais abafada por causa das portas fechadas e a cozinha parece aconchegante. Eu
tenho muitas bebidas para experimentar e esquecer os meus problemas. Parece perfeito. Dou outro
gole na cerveja e observo as duas garotas conversando no balcão. Acho que as incomodei porque
elas se entreolham e saem.
Antes que eu possa comemorar o fato de estar sozinha, um barulho vindo da sala chama minha
atenção. Um grunhido acompanhado de uma risada. Caminho até lá ainda com o copo em mãos.

Meu pés travam abruptamente.

A cena me atinge como um míssil.

Aí está ele: o melhor jogador que eu já havia conhecido.

Logan está sentado despojadamente no sofá, com uma bela ruiva em seu colo. Eles trocam o beijo
mais meloso da história. Seus olhos encontram os meus e ele simplesmente sorri.

Sorri sedutor como o inferno.

Cínico como uma metáfora que odeio.

Vou até eles. Não penso muito quando derramo todo o conteúdo do meu copo na garota. Ela
levanta completamente assustada. Aiken continua sorrindo e olhando para mim. Ele está adorando.
Sequer se importa com a garota suja de cerveja.

— Você está louca?! — a ruiva pergunta, enquanto avalia o estado do vestido encharcado.

Eu queria pedir desculpas, afinal não é culpa dela. Mas eu mal consigo desviar do olhar de
Logan que brilha em admiração.

— Não me desafie de novo, Aiken.

Ele vai me desafiar de novo.

Eu sei disso.

Saio, deixando ele cuidar da garota molhada. Começo uma busca desesperada por Katherine. Ela
é minha carona, e eu não posso voltar para casa sem ela.
"Oh, eu sabia que você era problema quando apareceu.
Bem feito para mim, agora.

Me levou a lugares que nunca tinha visitado.

Agora estou deitada no chão duro e frio" — Trouble, Taylor Swift.

Eu lembro exatamente do dia em que eu conheci Logan Aiken.

Difícil de esquecer.

Essa é mais uma das observações que posso fazer sobre ele: Aiken é inesquecível. Ele sabe
como se fazer marcante na memória de alguém.

Eu era caloura na faculdade e meus quatro meses ali não foram suficientes para me adaptar
completamente à movimentação no campus. Quando eu era menor, eu sempre me imaginava em uma
universidade. Sempre foi meu sonho.

Até Logan aparecer.

Na verdade, no começo isso realmente parecia um sonho. Mas depois eu vi que estava presa em
um pesadelo terrível.

Sua beleza, seu charme, seus flertes. Tudo isso é uma camuflagem.

Logan, na verdade, é um pesadelo.

Não do tipo que te faz acordar e gritar no meio da madrugada. Ele é do tipo que te prende e te faz
querer saber o que vai acontecer no final, mesmo quando você sente que o final é muito ruim. Ele te
faz se debater até que o suor surja. O tipo de coisa que você só recorda no dia seguinte, sem motivo
aparente.

Katherine havia entrado na mesma universidade que eu, e como comemoração decidimos ir a um
bar que ficava bem próximo ao meu novo apartamento.

Mal sabia eu que aquele seria o lugar responsável por toda a nossa merda de relacionamento.

Porque foi lá que eu conheci Logan.

O nome do bar era "Taberna's" e o lugar realmente se esforçava para parecer como uma. Havia
toda uma decoração inspirada em tabernas medievais e tinha aquele charme rústico que eu costumo
gostar.

Katherine e eu pegamos lugares em um balcão perto das mesas de sinuca. Kat sempre diz que na
mesa de sinuca o cheiro da testosterona é quase palpável. Ela tem razão, homens são competitivos.

Mas Logan não precisava dessa merda pra exalar seu próprio ar de masculinidade. É ridículo.

— Posso anotar seus pedidos? — perguntou um dos garçons disponíveis. Ele não vestia nenhuma
farda, mas a bandeja em sua mão e o bloco de notas o entregavam.

— Eu quero um martini e o seu número de telefone — Kat disse. Ela não era boa em jogar
cantadas, mas acho que sua beleza era suficiente.

O moço sorriu e em seguida olhou para mim, esperando meu pedido.

— Eu vou querer uma cerveja — disse apenas.

Toda tarde de sexta-feira meu avô e eu costumávamos sentar na sacada da nossa casa para
conversar. Ele sempre estava acompanhado de uma garrafa de cerveja. Quando eu fiz dezesseis, ele
me deixou beber. Então eu passe a beber com ele durante esses dias. Era nosso pequeno segredo
sujo.

O garçom anotou algo em seu bloquinho. De início, eu achei que fosse o nosso pedido, porém,
quando ele destacou a folha e a deu para Katherine, eu soube que ali estava seu número de telefone.
Katherine sorriu e guardou o papel, enquanto o garoto ia em direção a cozinha, minutos depois
voltando apenas para entregar nossas bebidas.
— E aí, não vai pedir o telefone de ninguém? — ela perguntou, enquanto dava seu primeiro gole
no martini.

Kat sabia que eu não estava atrás de relacionamentos.

Até Aiken aparecer e mudar todos os meus conceitos sobre isso.

— Claro que não — respondi e voltei a observar o jogo de sinuca que estava acontecendo atrás
de nós.

Ouvi quando a porta do bar foi aberta. Uma corrente fria de vento entrou, arrepiando minha pele.
Levei meus olhos para lá imediatamente, como um reflexo, uma pequena fração de segundos em que
meus olhos sentiram a necessidade cruel de olhar em direção a porta.

Lá estava Logan.

Rodeado por amigos, cabelo castanho caindo sobre a sobrancelha e quente como o inferno. Os
passos firmes até uma das mesas mostravam que ele sabia exatamente o que queria. Não houve
nenhum tipo de hesitação no caminho.

Ele vestia um jeans preto e uma camisa com os dizeres:

"Eu sempre vou amar Marlboro"

E eu ri com a semelhança, porque ele definitivamente parecia ter saído de uma propaganda de
cigarros.

Meus olhos ficaram presos aos de Logan, até o momento em que os seus encontraram os meus. E
quando isso aconteceu eu posso jurar que senti a combustão de mil incêndios.

Então ele sorriu para mim.

É, talvez Aiken seja mau, mas quando ele sorri eu só consigo ver o bem nele.

Fiquei feliz por saber que um cara como ele havia entrado em um bar lotado, com várias
mulheres mais interessantes que eu, e ainda assim, ele sorriu para mim.

Pra mim.

Eu achei que fosse só um sorriso casual, mas não era. Absolutamente nada em Logan Aiken era
casual. Tudo que ele faz tem um motivo complexo.

Mas eu só soube disso depois.

Quebrei nosso contato visual e voltei a focar em Katherine, na minha frente. Entretanto, eu ainda
podia sentir os olhos dele sobre mim. E foi assim durante toda a maldita noite.
Foi ali que eu vi Aiken pela primeira vez.

Nós não nos falamos naquela noite.

Dias depois, eu estava andando pelo extenso gramado do campus quando fui parada por Logan.
Alguns dos seus amigos, os mesmos do bar, estavam sentados ali perto.

— Ei, eu vi você no Taberna's outro dia — ele falou.

— E daí? — Continuei andando. Eu não queria ser grossa com ele, mas eu sabia exatamente o
que Logan queria.

Ele queria ferrar comigo.

O problema é que ele era insistente e continuou me seguindo pelo gramado lotado de estudantes.

Eu estava terrivelmente atrasada naquele dia, mas Aiken me fez esquecer isso por alguns
segundos quando falou:

— Eu cometi um erro naquele dia e queria corrigi-lo. — Havia um sorrisinho no canto de seus
lábios.

— E que erro foi esse? — Eu estava intrinsecamente curiosa.

— Não pedi seu número de telefone.

Deixei uma risada escapar.

Caramba, era melhor que noventa por cento de todos os garotos com quem já saí antes.

— E o que te faz pensar que eu darei meu número a você? — Eu já não estava mais irritada.
Estava me divertindo.

Como eu deixei que nosso relacionamento terminasse assim? Nós costumamos ser tão bons
juntos.

— O fato de que você está incrivelmente interessada em mim. — Era verdade. Eu estava.

E foi aí que eu dei meu número pra ele.

Foi aí que toda a nossa merda aconteceu.

Se me perguntassem se eu mudaria algo naquele dia, provavelmente eu diria que sim.

Eu não daria meu telefone pra Aiken.

E muito menos meu coração.


Eu mudaria tudo isso.

Ele é um erro pela qual vou me arrepender eternamente.

Garotos como Logan Aiken deveriam ter um aviso de "cuidado". E garotas como eu deveriam vir
com um carimbo "frágil, não pise!"

Mas Logan pisou, e pisou muito forte.

Também me lembro de que antes de dormir naquela noite, meus pensamentos foram levados até a
maldita frase em sua camiseta:

"Eu sempre vou amar Marlboro".

E por mais doloroso que seja

Eu sempre vou amar Logan Aiken.


"Desisti de você umas 21 vezes.
Senti aqueles lábios me contarem 21 mentiras.

Você vai ser a minha morte.

Sábio conselho.

Amar você poderia fazer Jesus chorar." — Make me cry, Noah Cyrus.

Eu não queria amar Aiken.

Longe de mim.

Na verdade, quando o conheci eu não queria ninguém. Nenhum tipo de relacionamento amoroso.
Porque eu sabia que essas coisas machucavam.

Agora eu sei que estava certa.

No início do nosso estranho relacionamento, eu reparei o quão envolvida estava. Eu deveria ter
fugido assim que percebi isso, mas sempre que eu tentava me afastar ele aparecia e estragava tudo.
Logan é o pior tipo de carcereiro que existe.

Ele me deixa ter o gostinho de uma fuga, apenas para me agarrar quando eu estiver chegando no
portão.

Eu não conseguia ir embora.

E aqui estou eu de novo.

Tentando fugir e me machucando um pouco mais a cada passo dado.

(...)

— Aí não! Eu já disse que Led Zeppelin fica daquele lado! — diz Amanda.

Diferente do pai, ela é uma droga de ser humano.

Trabalhar no Carrick's não seria tão ruim, se não fosse por Amanda. Ela faz de tudo para que meu
emprego aqui seja o pior possível. Essa é uma das maiores lojas de departamento da região. O
salário é gordo o suficiente para me ajudar no aluguel e pagar minhas despesas dentro do campus,
por isso não posso nem pensar em pedir demissão.

Led Zeppelin que me perdoe, mas um dia eu vou enfiar esse CD goela abaixo em Amanda.

— Mas aquela é a seção de pop. — Ergo as sobrancelhas e aponto para a capa de algum álbum
do Bruno Mars.

Amanda alterna os olhares entre mim os CDs à nossa volta, até que por fim suspira e sai pisando
duro em direção ao escritório do pai, onde ela fica a maior parte do tempo.

Depois de organizar a seção de músicas, vou até a copa em busca de café ou qualquer coisa que
me faça acordar. Sinceramente, eu estou dormindo em pé.

Só se passaram dois dias desde a festa e mesmo assim a insônia vem me visitar todas as noites.

Não é a primeira vez que eu fico sem dormir por causa de Logan.

Eu ainda me pergunto porque não consigo superar Aiken.

Talvez seja porque ele ferrou comigo.

Ou talvez porque eu ainda o amo demais, e o odeio demais.

Me sirvo com uma pequena quantidade do líquido preto fumegante e bebo de uma vez dois longos
goles. O calor invade meu corpo no meio do frio do ar condicionado.

Volto para a loja, desta vez indo até a seção de livros e afins.
Eu não sou lá a leitora mais fiel desse mundo, mas eu gosto de folhear e ler pequenas partes. As
melhores páginas que li pertenciam a Stephen King, as mais emocionantes a Emilly Brontë, e as mais
divertidas a Charles Bukowski.

Estava distraída lendo uma pequena parte de "Carta de amor aos mortos", quando senti um toque
suave em meu ombro. Levei um susto grande o suficiente para me fazer saltar.

Me viro, esperando ver Amanda reclamando sobre minha pequena leitura, entretanto quem está
aqui é um garoto. Um garoto que agora ri do meu susto.

Seu cabelo é claro o suficiente para parecer refletir a luz em cima das nossas cabeças e seus
olhos verdes zombavam de mim por cima da lente de seus óculos de grau.

— Desculpa, eu não quis assustar você — ele diz sério, mesmo que eu ainda consiga ver um
rastro de humor em seu semblante.

— Sem problemas. — Sorrio. — Posso ajudar em algo?

— Eu preciso de uma ajuda específica com livros. E de todas as atendentes, você pareceu a mais
qualificada. — Ele aponta para o livro em minhas mãos.

Ele é mais simpático do que a maioria dos clientes que eu recebo aqui.

— Claro, que tipo de livro você está procurando? — A verdade é que eu sei muito pouco sobre
literatura, mas sei muito sobre fazer uma venda.

— Não é pra mim, é pra minha namorada. — Algo em mim se apagou.

— E que tipo de livros ela costuma ler? — pergunto.

— É aí que entra o problema. — Ele dá uma verdadeira risada. — Eu não faço a menor ideia.

Que tipo de namorado é esse?

Aliás, o que eu posso falar? Eu namorei Aiken.

Automaticamente lembrei de um livro que eu havia lido alguns dias atrás. E com lido eu me refiro
a algumas páginas do prólogo e algumas páginas do epílogo.

— Bem, nesse caso eu vou indicar um livro que deve agradar a todos os gostos. — Depois de
alguns minutos procurando, finalmente encontro um exemplar de "O apanhador no campo de centeio",
de J. D. Salinger.

— Eu vou levar. — Por alguns segundos, a sua postura decidida me faz lembrar um certo rapaz
de olhos terrivelmente castanhos.

E alguns de seus gestos também me lembravam Logan. Mas Aiken parece ainda mais gracioso.
Eu odeio cada maldito segundo disso.

Não importa o que eu faça, ainda existirão pessoas que me lembrarão dele.

E isso machuca.

Machuca saber que ele está por toda parte.

— Não quer olhar outros, ou...

— Não. Se você diz que esse é bom, então ele provavelmente é. — Sorriu simpático. Percebo
agora que nossa conversa girou em torno de sorrisos gentis.

Mal sabe ele que eu tenho os piores gostos da face da terra.

Eu sempre tomo as piores decisões possíveis.

E uma delas não quer sair da minha cabeça, nesse exato momento.

Eu observava as costas largas do rapaz indo embora, quando ele subitamente se virou e me pegou
encarando. Senti meu rosto corar violentamente.

Ele voltou e disse:

— A propósito, meu nome é Kian, Kian Nighy. — Ele esperou por alguns segundos até que eu
dissesse o meu.

— Kiara Hildegard.

— É um bonito nome, Kiara. — Outro sorriso e então um gesto com a cabeça. Em seguida, ele
voltou para a direção do caixa, na entrada da loja.

Voltei para minha leitura, mas de repente "Carta de amor aos mortos" não era mais tão
interessante assim.

Kian não tinha absolutamente nada a ver com Aiken.

Mas eu o via em todos os cantos.

Maldito seja Logan Aiken.

Ele me fez sentir algo especial, e depois destruiu isso.

Ele me fez ver partes dele em pessoas desconhecidas.

Ele está me levando à loucura.

E mesmo quando eu conheço alguém legal, eu ainda só consigo pensar nele.


Fecho o livro e o coloco de volta no lugar.

Eu estou disposta a ir atrás de Logan quando sair do trabalho.

Eu vou dizer o quanto o odeio.

Vou pedir para que ele fique longe de mim.

Porque, na verdade, nós nunca tivemos um fim.

E eu devo isso a mim.

Eu vou pôr um fim nisso.


"Você escolheu dançar com o diabo e você o ama agora." — Swim, Chase Atlantic
Estaciono o ferrugem em frente a casa de Aiken e faço uma pequena lista mental das coisas que
eu devo falar.

Ferrugem é o apelido carinhoso que Katherine deu para o meu carro. Não é como se ele
realmente estivesse enferrujado, mas ele é um clássico antigo, portanto Katherine o associou a algo
cheio de ferrugens. Meu pai havia me dado ele quando eu recebi minha carteira de motorista. Tem um
valor emocional forte demais para ser vendido ou trocado.

Desço do carro e começo a andar em direção a grande casa de dois andares à minha frente. Logan
escolheu morar afastado do campus, e eu entendo perfeitamente. Deve ser bom não ouvir as músicas
das festas de fraternidades que duram a madrugada inteira ou não precisar se preocupar com os
adolescentes barulhentos de um prédio.

Bato na porta.

Cada célula do meu corpo cai em arrependimento. O que diabos eu tenho na cabeça? De repente,
o ar fica pesado demais e o nervosismo começa a causar frio na minha barriga.

Começo a revisar minha atitude de vir até aqui apenas para dar um final digno ao nosso
relacionamento. Não faz o menor sentido.
Afinal, ambos já havíamos entendido que nossa última briga foi um término.

Mas de algum modo eu ainda me sinto terrivelmente presa a ele. Como se tudo e todos fossem um
lembrete de que ele existe. Eu não gosto da sensação, mas ainda me pego abraçando o travesseiro e
imaginando que ele está ali.

Giro sobre meus calcanhares e volto a andar em direção ao carro. Ainda dá tempo de desfazer o
erro que foi vir até aqui. A lua ilumina a grama impecavelmente verde do jardim de Aiken. Por
alguns segundos desejei que ele cuidasse de mim como cuida de seu jardim.

— Hildegard, sempre fugindo... — Paralisei. Sua voz grave e bonita agindo como correntes em
meus pés.

Suas palavras estão banhadas em mel e escárnio. A única coisa que rompe o silêncio da noite é o
som da minha respiração e alguns insetos escondidos pelos arbustos.

Me volto novamente para a casa.

A meia luz consigo identificar sua figura alta e magra escorada no batente da porta. Vestido
apenas em uma jeans escura, exibindo seu peitoral bem definido e suas tatuagens sem significado pra
mim. Incrivelmente bonito. Seu cabelo está escondido por um boné surrado com uma mancha de tinta
na ponta da aba. Me pergunto o que ele pintou enquanto usava o boné.

— Eu não estava fugindo — digo, soando irritada e acima de tudo mentirosa.

Minha fuga está muito óbvia nessa situação.

— Não? — Ele fica mais próximo, muito próximo. Posso sentir o cheiro característico de seu
perfume misturado ao cigarro e menta. Ele sempre cheira assim.

E é meu cheiro preferido no mundo.

— Não — afirmei. A verdade é que eu sou uma idiota sem controle das próprias ações.

Uma fracassada em todas as possíveis maneiras.

— O que você quer, Kiara? — Ele muda o assunto e seu tom de voz abruptamente.

Você.

Nosso relacionamento foi desastroso, mas cada parte do meu corpo ama nosso desastre. Acho
que tenho um ímã para confusão grudado no âmago do meu ser.

— Eu só... — Minha voz falha umas três vezes antes de eu ter fôlego o suficiente e soltar as
palavras presas em minha garganta. — Eu sinto que nós nunca tivemos um fim, Logan. Eu realmente
achei que vir aqui, olhar para você, te enfrentar… seria um novo recomeço para mim.
Logan faz um pequeno gesto com a cabeça e eu coro diante a sua beleza.

Ele não é o tipo de garoto que se esforça para ser bonito. Tudo nele é naturalmente chamativo.
Violentamente atraente.

Mas quando olha-se para alguém como ele, deve-se ler as entrelinhas.

E as de Logan gritam: cuidado.

— E está dando certo? — ele pergunta. A voz malditamente lenta e rouca era como uma tortura.

— Na verdade, não — confesso.

O plano era vir aqui, falar as coisas que deveria falar e depois me sentir livre o suficiente para
voltar para casa pensando em qualquer coisa que não seja Aiken.

Mas não está funcionando.

— E o que quer que eu faça? — ele pergunta, cínico. Ele chega mais perto e instintivamente
recuo.

— Quero que me liberte.

A verdade é que desde o dia em que o conheci, liberdade tem sido o último dos meus prazeres.

Eu não sei mais o que significa.

— O que? — Ele solta uma risada e olha para os lados, como se eu tivesse contado a melhor
piada que ele já ouvira antes. Como se eu fosse engraçada pra caralho. — Eu não estou prendendo
você, Kiara.

— Sim, você está.

— Não, não estou. E se eu estivesse, não ia querer libertar você. — Sua expressão é séria agora.

— Aiken, eu amo você e isso está me matando. — Eu luto fortemente contra a onda de emoção
que está avançando sobre nós. Sobre mim.

— Às vezes vale a pena morrer por algo que amamos, Bebê. — Ele dá mais alguns passos, dessa
vez não recuo.

E eu quero recuar, só que sou fraca demais pra isso.

Eu sou fraca.

Inutilmente fraca.

Então ele me beija.


E maldito seja Logan Aiken por beijar tão bem.

Eu senti falta dessa sensação, mas aos poucos recobro consciência e o empurro.

Corro até meu carro e o ligo o mais rápido possível.

Eu não posso continuar sofrendo por um filho da puta como Logan.

Eu estou sã e devo correr dele.

— Hildegard, sempre fugindo! — Ouço ele gritar, antes de pisar no acelerador e ir embora.

Como se o tempo compartilhasse do mesmo humor que eu, pequenas gotas de chuva começam a
se formar e molhar os vidros de meu carro.

Sorrio com ironia.


"O amor é minha religião.
Mas ele era minha fé.

Algo tão sagrado.

Tão difícil de substituir.

Me apaixonar por ele foi como sair da graça.

(...)

Ele era tantos pecados.

Faria qualquer coisa.

Tudo por ele.

(...)

Eles dizem: Todos os garotos bons vão para o céu.

Mas os garotos maus trazem o céu até você.


(...)

Você não percebe o poder que eles tem.

Até eles te deixarem e você querer eles de volta.

Nada no mundo te prepara para isso." — Heaven, Julia Michaels.

Eu havia prometido para mim mesma que não deixaria Logan me afetar.

Eu fiz essa mesma promessa tantas vezes.

Mas aqui estou eu. Acelerando cada vez mais na pista vazia e molhada.

Sessenta quilômetros por hora.

Setenta, oitenta, noventa...

Aiken me julga por fugir, mas ele sabe que nada sairia bem se eu ficasse. Eu pedi pela minha
liberdade e agora me sinto muito mais presa a ele do que quando cheguei naquela maldita casa. Com
seu gosto em meus lábios.

Deus, eu quero tanto esquecê-lo.

A chuva cai devagar do lado de fora do carro, mas nem me importo em fechar os vidros. O vento
gelado dança com meu cabelo e me trás a melhor sensação de liberdade que eu poderia ter hoje, por
menor que seja.

Logan não havia me dado a liberdade que eu pedi, e como ele poderia? Aiken tinha razão, eu não
estou presa.

A adrenalina invade minhas veias com uma rapidez admirável. Correr na estrada molhada não é
nada. Eu quero mais. Muito mais.

Sempre mandei Aiken ir para o inferno, mas na verdade eu não queria vê-lo lá.

E agora eu quero.

Automaticamente meus pensamentos — talvez alterados pela raiva e adrenalina em meu sangue
— foram para alguns meses atrás, quando Logan e eu tivemos mais uma das nossas infinitas brigas.

Eu estava tão estressada que lembro de ter comentado sobre como eu queria quebrar algo.

"Eu conheço um lugar legal pra nós dois não precisarmos quebrar um ao outro."

Ele sempre conhecia um lugar.

Nesse dia nós descontamos toda a raiva do nosso relacionamento e no final estávamos rindo
como nunca fizemos antes.

E é exatamente pra lá que eu vou.

Vou descontar minha raiva de Logan Aiken.

(...)

Estaciono o ferrugem em frente a enorme e deteriorada construção.

"Tudo que você puder quebrar por vinte dólares" é o que diz a placa amarela brilhante em cima
da porta de vidro do local.

" — Era um depósito abandonado há alguns anos atrás, mas aí Joe teve a ideia de transformar
isso em lugar para destruir coisas. — Logan explicava enquanto olhávamos para a entrada.

— Destruir?

— Sim. Você paga vinte dólares, ganha um taco de baseball e pode quebrar todos esses objetos
que eles pegam em lixões e coisas do tipo. — Eu amo o jeito como Aiken me explica as coisas. Ele
sempre é cauteloso, como se estivesse falando com uma criança.

Entramos...".

Quando vim aqui com Logan, não havia essa placa e muito menos a quantidade enorme de
pessoas que vejo quando entro no âmbito.

Caramba, o negócio cresceu.

Vou até o balcão feito de materiais recicláveis, assim como tudo aqui dentro. Pago vinte dólares
para entrar e quebrar todas essas coisas, quando na verdade eu queria mesmo era quebrar a cara de
Aiken. O homem da recepção me entrega um taco de baseball e óculos para proteção.

Me dirigi até os fundos do lugar, onde haviam televisores quebrados, móveis velhos e até mesmo
carros. A intenção do lugar é distrair as pessoas do estresse, e sinceramente, acho que está
funcionando. Algumas pessoas sorriem, filmam e dão verdadeiras gargalhadas enquanto quebram os
objetos já quebrados.

Procuro algo à altura de Aiken para quebrar, até que meus olhos param em um Ford Del Rey azul,
abandonado em em um lugar afastado. Meu pai tinha um parecido quando eu era criança, antes dele
nos trocar por uma mulher mais nova.

Minha raiva é dupla agora.

Ando até lá e não hesito em acertar a lataria velha e enferrujada.

Eu nunca pensei que diria isso, mas a partir de hoje eu realmente amo tacos de baseball.
Eu só estava cansada das mentiras, da maldita insistência que eu tinha em gostar das pessoas que
me fazem mal, das brigas, de toda essa merda dentro de mim e das mulheres mais novas.

Quebro um farol.

Depois outro, e depois as duas lanternas de milha, os retrovisores, amasso uma boa parte da
lataria. Tenho que admitir, entretanto, que uma boa parte do carro já estava acabada antes de eu
chegar.

Minhas mãos estão cheias de calos. A dor que eu achei que iria embora, não foi. Simplesmente
não foi.

— Uou! Você fez isso com o carro? — Escuto alguém perguntar. Viro e me deparo com um garoto
segurando um taco rosa e com um sorrisinho ridiculamente contagiante. Ele é como uma nuvem limpa
e tranquila. Não parece estressado de maneira alguma.

Não digo nada.

— Tudo bem, eu vou fingir que você tem língua e respondeu que sim. — Ele possui uma estatura
mediana, cabelos castanhos que vão até os ombros e é aparentemente e inconfundivelmente gay. Não
por causa da sua aparência ou do taco colorido. Katherine uma vez disse que tenho um radar muito
bom pra essas coisas e agora ele está apitando.

A esse ponto eu só me pergunto onde ele havia conseguido o taco cor de rosa.

Saio de lá em busca de qualquer outra coisa para quebrar, mas a verdade é que a raiva tinha sido
substituída por uma pequena tristeza. Daquelas que te faz querer sentar e chorar ao invés de quebrar
coisas.

O garoto me segue e continua tagarelando.

— Meu nome é Andrew. Você pode me chamar de Drew se quiser. — Ele é terrivelmente
insistente.

Um silêncio desconfortável se estende e não posso evitar olhá-lo assustada. Ele não havia parado
de falar durante um segundo, então quando ele cala a boca meu primeiro instinto é me assustar.

— Estou esperando você falar seu nome — ele explica e começa a olhar as próprias unhas como
se estivesse realmente entediado.

— Kiara.

— Vou te chamar de Kiki — ele diz como se tivéssemos intimidade há dois séculos. O olho com
minha melhor cara de "sai daqui", mas não surte efeito nenhum.

— Eu não estou em um dia bom, então por fa... — Eu juro que vou quebrar ele com esse maldito
taco.
— Namorado, não é? — Ele me interrompe.

Congelo no lugar. Como ele sabe disso?

— Como você...? — pergunto, ligeiramente confusa.

— Simples, você estava quebrando um carro. — Ele começa a ajustar o cabelo perto dos olhos.

— E daí? — A explicação dele foi vaga demais para que eu entendesse.

— Minha mãe sempre diz que é o que namoradas desesperadas fazem. — Ele revira os ombros
dentro da sua jaqueta jeans.

Eu deixo um sorriso escapar.

Uma vez minha mãe me disse algo parecido.

Logan não é mais meu namorado, mas ele não precisa saber disso.

E além do mais, acho que eu estou muito além de desesperada.

— Eu estou com alguns amigos meus e nós estamos indo para um bar aqui perto. Você quer vir?
— ele pergunta. Sua voz não é delicada nem nada do tipo, mas tudo nele grita o quão sensível ele é.
Parece uma boa pessoa. Parece ver minha alma como se eu fosse feita de tecido transparente.

Se quebrar coisas não amenizou minha dor, uma boa bebida iria.

— Claro.

(...)

Os amigos de Andrew são tão legais quanto ele. O resto da noite se resumiu a um número extenso
de bebidas e risadas coagidas pelo álcool.

No final das contas a dor foi embora, mas eu sei que ela voltará mais forte amanhã quando a
sobriedade chegar.

Afinal, ela sempre, sempre volta.

Sempre.
"Você parece com algo que eu desenhei com minha mão esquerda." — Desconhecido.
Minha cabeça dói e silenciosamente peço desculpas ao meu corpo pela bebedeira de ontem. Eu
estava andando pelas arquibancadas do campus como um zumbi e pela primeira vez em meses
cheguei atrasada em aulas importantes.

Eu sequer lembro o que aconteceu ontem.

— Vamos! Vamos! Vamos! — Katherine dá pequenos pulinhos enquanto puxa meu braço. É uma
cena bizarra para quem nos observa de longe.

— Não é uma boa ideia. Eu tenho que ir para o Carrick's hoje e eu também tenho que passar no
mercado pra… — Antes que eu possa falar, ela tapa minha boca com a mão.

Qual o problema com Katherine?

— Tenho certeza de que se você pedir com carinho, o seu chefe deixa você sair meia hora antes.
E que merda você vai fazer no mercado hoje que não possa ser feito amanhã? — Ela agora me encara
de braços cruzados. Seu cabelo loiro está preso em um rabo de cavalo bem no topo da cabeça. Sua
imagem é mais fofa do que amedrontadora. Seguro a risada.

Estamos no meio das arquibancadas do campus há mais de vinte minutos em uma discussão sobre
eu não querer acompanhar Katherine em um bar hoje.

O primeiro motivo pelo qual eu não quero ir é que Katherine havia marcado de se encontrar com
um garoto lá, e eu não quero em hipótese alguma segurar vela essa noite. O segundo motivo é que eu
ainda estou me recuperando da ressaca de ontem. E o terceiro e primordial motivo é que esse idiota
chamado destino daria um jeito de pôr Aiken no maldito bar.

Exatamente.

O destino andava me sacaneando demais e eu não quero ter que encontrar Logan em algum lugar e
lembrar a vergonha que passei ontem.

Suspiro fundo e olho para Katherine, que a essa altura já me encara com suas lágrimas de criança
que faz teatro e olhinhos de cachorro pidão.

— Kat, eu realmente quero dar uma força pra você com esse encontro, mas eu não estou afim de
segurar vela por você. — Amenizo meu tom de voz e finjo por alguns segundos que realmente estou
falando com uma criança. — Sem falar que se Logan aparecer lá eu vou sair como uma idiota.

— Ah, então isso tudo é sobre Logan. — Katherine me fita com fúria saltando de seus olhos
verdes. Os olhinhos de cachorro pidão foram subitamente substituídos por cólera. — Você acha
mesmo que Aiken vai aparecer em um bar do outro lado da cidade?

Acho.

— Eu não duvido de mais nada — digo e finalmente sento em um dos bancos da arquibancada.
Kat continua em pé.

Eu não havia contado a ela sobre a última noite ainda, e talvez ela não entenda porque estou tão
insegura em encontrar Aiken. Não posso culpá-la por forçar a barra. Ela realmente pensa que a
última vez em que o vi foi na festa alguns dias atrás.

— Esqueça aquele babaca! Kiara, você não pode parar a sua vida por um imbecil ao quadrado
como Aiken. — Eu quero contar a ela sobre ontem e sobre o beijo, mas sinto que se o fizer ela me
jogará arquibancada abaixo.

E a queda parece bastante feia.

— Bom, minha vida não está parada. Eu só estou me poupando de ter que esbarrar com Logan. É
simples, eu não quero ir — digo e virei o rosto em direção ao campo de futebol. Tem alguns garotos
jogando. Entre eles eu posso reconhecer a esbelta silhueta de Devon Ross.

O cara é um idiota, mas ele não era idiota estilo Logan Aiken. Isso bastava para fazê-lo mais
bonito aos meus olhos.

Me assusto quando o pequeno grito fino e agudo de Katherine ecoa pelo ambiente. Ela agora tem
um sorrisinho que eu conheço muito bem.
— Vamos em um encontro duplo! — ela não pergunta, ela afirma. Olho para ela assustada e quase
me engasgo com minha própria saliva.

Sério, qual é o problema de Katherine?

— Que babaquice é essa, Katherine? Você sabe que Aiken e eu terminamos. Essa foi sua idéia
mais idiota em meses. Sério, nem quando você me fez roubar aquela moto foi ruim assim. — Eu
levanto do banco e as palavras saiam automaticamente da minha boca.

A história da moto é engraçada.

Katherine queria se vingar do ex namorado motociclista e me fez roubar a moto preferida do


cara. Eu era a única que dirigia, por isso fiz o trabalho sujo. Claro que depois devolvemos a moto,
com alguns arranhões e pintada de rosa.

Eu gostaria de fazer algo assim com Logan, mas ele não tinha apegos materiais. Eu era
provavelmente a única coisa a qual ele era apegado.

— Quem falou em Logan? Credo. — Kat agora encara o gramado no campo enquanto fala. — Eu
estava falando de Devon.

Eu rio.

Não tinha mais o que fazer, apenas rir.

— Qual é, Kiara. Vamos sair como amigos para se divertir como adultos fazem. — Kat continua.
Não parece tão ruim assim quando ela fala. — Olha o modo como você estava olhando Ross. Temos
que concordar, o cara é um gato. E nós sabemos que ele tem uma queda por você.

Por que não?

O bar é do outro lado da cidade, provavelmente Logan não vai aparecer lá. E eu não precisaria
segurar vela se alguém fosse comigo.

Por alguns minutos tudo pareceu fácil.

Dou de ombros e desço as arquibancadas até chegar no campo onde os jogadores estão. Chamo
Devon e espero enquanto o garoto de cabelos pretos e pele bronzeada corre até mim.

Nós havíamos feito algumas aulas juntos e ele me conhecia através de amigos que tínhamos em
comum.

Enquanto fazia a ele o convite pensei em como eu finalmente parecia estar me livrando de Logan.
Eu estava começando a esquecê-lo. Eu já não me importo se Logan não me quer com outros garotos,
ou se não gostava de Ross. Eu não me importo.

Deus, eu nunca me senti tão bem com o simples pensamento de esquecer Aiken.
— Claro. — Devon tem um sorriso gentil no rosto. — Eu te encontro lá.

Retribuo o sorriso e ele volta para o jogo, onde é recebido pelos amigos com tapinhas nas costas
e elogios ridículos.

Homens.

Volto para o lugar onde o projeto de Barbie com rabo de cavalo me espera e digo confiante:

— Eu vou.

Essas palavras significam muito para mim. Significam que Aiken não me impediria de sair com
outro garoto hoje. Significam minha liberdade e, melhor ainda, significam a diversão que eu esperava
ter ao lado de amigos.

Não haveria Aiken hoje.

Eu fui livre por todos esses minutos em que convidava Devon e conversava com Katherine.

Eu ainda não superei Aiken, sinto que eu e ele fomos intensos demais para que eu possa esquecer
em algumas semanas. Mas eu vou tentar.

Estou disposta a esquecê-lo.


"Eu queria gritar porque estava doendo mais do que eu podia aguentar, mas se eu gritasse, eu
gritaria seu nome.

[E eu queria te esquecer] " — Derrotista.

Observo meu reflexo através do espelho de corpo inteiro, isolado em uma parede qualquer no
grande quarto de Katherine.

É a quinquagésima vez que faço isso.

Não que eu esteja extravagante demais, nem bonita demais, muito menos feia demais. Não é
minha roupa que eu encaro fixamente do outro lado. Eu estou apenas procurando a antiga Kiara, e
pedindo a ela para que, pelo menos por essa noite, ela tome conta do meu corpo.

Eu costumava ser alegre, entusiasmada, gostava de sair e também de ler.

Mas depois de Logan a alegria se esvaiu de mim e de repente todos os livros pareciam ser sobre
ele. Havia uma parte de Logan em cada página que eu lia e isso era torturante. Algum trecho que me
fazia pensar no garoto de olhos escuros ou algum trecho que me fazia pensar em quem Logan nunca
seria.

Suspiro alto quando a porta do quarto abre e Katherine aparece radiante como sempre.
Às vezes eu penso que quero ser mais como Kat. Ela é alegre, engraçada, bonita. E o principal:
ela tem amor próprio para dar e vender.

Eu acho que já fui assim um dia.

Mas, sinceramente, não lembro com detalhes.

— O que acha desse? — ela pergunta, enquanto dá uma voltinha e me deixa analisar o vestido
que está vestindo.

— Você sabe que fica bem até vestida em um saco de lixo. — É verdade, acredite, nós já
havíamos feito esse teste antes.

Katherine sorri.

— De fato. — Dito isso ela passa mais uma camada do batom vermelho vivo e balança o cabelo
loiro e volumoso.

Eu sou bonita e tenho consciência disso. Mas ficar perto de alguém como Katherine me faz
parecer no mínimo sem graça.

Depois de alguns minutos assistindo Katherine se olhar no espelho, fazer caras e bocas na frente
do celular e ficar se questionando infinitas vezes se sua roupa realmente estava boa, entramos no
maldito carro.

Kat não quis ir no ferrugem, e sinceramente, acho que nem eu estava afim de dirigir hoje.
Portanto, apenas entrei no seu carro e deixei que ela me conduzisse ao bar.

Decisão bastante infeliz.

A loira ao meu lado é boa em muitas coisas, mas pilotar definitivamente não é uma delas. Durante
todo o percurso, vi quando ela passou em três sinais vermelhos, atingiu o limite de velocidade e
quase atropelou uma senhora que estava atravessando fora da faixa de pedestres.

Eu me vi muito perto de inaugurar o airbag do carro.

Solto todo o ar que eu nem sabia estar prendendo quando ela finalmente estaciona.

O bar é pequeno. Há mesas espalhadas por toda a área aberta e do lado de dentro bancos
descansam perto do enorme balcão. Também não deixo passar em branco o pequeno palco com
música ao vivo na área externa.

Pude de imediato reconhecer os acordes no violão como alguma música famosa do Ed Sheeran.

Havíamos marcado de encontrar com os meninos aqui, mas como chegamos primeiro escolhemos
uma mesa na área externa, bem próxima ao palco.
Eu gosto de música, sempre gostei. A voz do garoto que canta é maravilhosa.

— Então, não vai me contar mais sobre Troye? — pergunto.

Troye é o garoto com quem ela havia marcado aqui. Eu o conhecia dos corredores da
universidade, apenas.

— Não há o que contar, nós nunca saímos antes. Não sei muito sobre ele — ela responde, quase
gritando devido ao som alto, ainda que suave.

Assinto e volto minha atenção para o palco. Agora o garoto, que antes estava de cabeça baixa,
possui o olhar fixo no seu público, que a propósito é muito grande já que o bar está quase lotado.
Não demora muito até que seu olhar encontre o meu.

Eu já havia o visto antes, provavelmente algum aluno do campus que tocava em bares no tempo
livre atrás de algum trocado.

Meus pensamentos são interrompidos quando um garoto de pele negra e cabelo castanho nos
cumprimenta. Troye é bonito e acima de tudo, gentil. Katherine tem sorte com garotos. Já eu, nem
tanto...

Conversamos por alguns minutos até que meu acompanhante chega. Devon é alto e muito bonito,
porém confesso que nunca havia o achado tão atraente como agora. Normalmente ele apenas desfila
pelo campus com roupas esportivas, então vê-lo com uma camisa de botão e cabelo penteado é uma
experiência extremamente nova para mim.

Sorrio e continuo com minha difícil missão: ser a antiga Kiara.

Agora estávamos os quatro na mesa.

— E então, qual é o seu curso? — pergunto para Troye, tentando de algum modo puxar uma
conversa. Ele faz medicina, e eu já sei disso porque sempre o via vestindo jaleco e ele só andava
com a turma dos futuros médicos. Eu realmente sou uma mentirosa tentando fazer com que nós todos
entrássemos em uma conversa agradável.

— Medicina. — Faço minha melhor cara de surpresa.

— E que área dentro da medicina você pretende seguir? — Katherine pergunta dessa vez.

Troye sorri mostrando os dentes brancos e alinhados.

— Provavelmente pediatria. — O brilho em seus olhos mostra que o amor pela profissão é real.
— Eu sou louco por crianças.

Vejo o sorriso de Katherine murchar e quase me engasgo na tentativa falha de segurar o riso. Kat
odeia crianças. Sim, é uma relação de ódio. Mas por algum motivo ela atrai crianças ao seu redor
como formigas correm para o mel. Todas as crianças amam Katherine.
— Cara, se eu fosse você escolheria examinar mulheres adultas. — Lembram quando eu disse
que Devon é um idiota?!

Se fez um momento de silêncio enquanto todos nós olhávamos para o garoto sentado ao meu lado.
Ross não é lá a pessoa mais inteligente do campus. Acho que não entende que não gostamos do
comentário. Tento dizer a Kat com apenas um olhar o quanto aquela tinha sido uma ideia ruim.

— Quem vai querer mais cerveja? — Katherine praticamente grita enquanto chama um garçom
com a mão erguida. O clima ruim que havia se instalado no local começa a se dissipar.
"Meu pai sempre me avisou para ser uma boa garota e não me deixar levar pela maldade do
mundo.

Meus planos estavam dando certo.

Até o dia em que eu conheci a maldade em carne e osso.

Porque, Deus, você é mau.

Sim garoto, você é mau.

Eu provei cada gota de veneno em seus lábios e agora estou corrompida. Eu já não era mais uma
boa garota.

Eles dizem que boas garotas vão para o céu, mas você me ensinou que garotas más vão para onde
quiserem.

Eu já nem lembrava as palavras de meu pai.

Você me corrompeu e me rasgou de dentro para fora, garoto. Você sabe dos danos que causou,
não sabe? Eu acho que você sabe.
Nós somos bons juntos, e somos melhores ainda separados.

Porque você é mau.

Droga, você é mau.

E me faz ser má também.

Os cigarros, as bebidas, as festas, as brigas, os problemas. Você faz tudo isso valer a pena.

Até que você foi embora. Talvez, sua maldade o impedisse de ficar comigo, ou talvez, uma
pequena parte de bondade em você disse que o certo seria se afastar de mim.

Mas droga, garoto, você é mau.

E me faz ser má também.

Você sussurrou palavras no meu ouvido. Jogou whisky pela minha garganta e me transformou nas
cinzas do seu cigarro.

Aí você partiu.

Porque, Deus, você é mau." — Soffocato, LowPoet.

A música ecoa pelo lugar enquanto nós conversamos sobre amenidades estudantis.

Eu havia conseguido trazer uma parte da antiga Kiara.

E eu sentia falta dela.

Troye é muito legal e, ao contrário do que pensei, eu não precisei segurar vela. Devon estava
conseguindo manter um assunto entre nós quatro e Katherine e eu estávamos incluídas em todas as
conversas. Éramos apenas quatro pessoas em um bar.

— Quando eu me formar quero que todo o time me faça uma homenagem — comentou Devon,
enquanto enfiava uma batata frita na boca. Idiota. Um idiota tremendamente gato, porém um idiota.

— Eu não preciso de homenagens. Um diploma já está mais que suficiente — diz Katherine.

— Ei! Não vai querer ouvir o discurso que preparei para você? — Finjo estar ofendida e jogo
uma das batatas de Devon nela.

Sorrio.

É divertido como costumava ser há um tempo atrás.

A música agora é mais lenta do que quando chegamos. O cantor deve estar desanimado depois de
tanto tempo cantando.
— Não acha aquela pista de dança vazia um desperdício? A propósito eu sou um ótimo dançarino
e não me importo se pisarem no meu pé — Devon fala, baixo o suficiente para que só eu ouça.

Eu sabia que ele tinha uma queda por mim. Na verdade, ele já havia tentado fazer contato antes,
mas eu o alertei sobre como eu só estava procurando amizades. Isso deve ter sido há uns três ou
quatro meses atrás.

— Que pista de dança? — pergunto, realmente confusa já que aqui não tem nenhuma.

Devon aponta para um canto vazio próximo ao palco. Em seguida me estende a mão enquanto faz
uma reverência exagerada.

— Eu não vou dançar com você ali. — Antes que eu possa sequer piscar, já estava sendo
arrastada por Ross que ria compulsivamente do meu pequeno susto.

— Qual é, Kiara? Vamos! — Devon é o tipo de cara que consegue conquistar qualquer uma com
aquelas covinhas e olhar brilhante.

Reviro os olhos e concordo, sentindo o toque tímido porém decidido de Ross em minha cintura.

Isso é ridículo.

Dançar no meio do nada com um babaca enquanto tem metade de um bar olhando?! O que deu em
você, Kiara Hildegard?

Eu não faço idéia.

Ross e eu giravámos no ritmo da música. É até divertido se eu tentar esquecer que também é um
tanto quanto vergonhoso.

— Suas bochechas estão mais vermelhas que a bolsa da Katherine — ele comenta.

— Tem umas dez pessoas olhando pra gente e achando que somos um casal apaixonado. —
explico, apenas para me arrepender segundos depois.

Me sinto na missão de completar:

— Mas nós não somos.

Devon apenas anui com a cabeça.

Eu odeio magoar as pessoas, mas ele merece saber que é apenas uma maldita dança.

— Sabe, você deveria dar mais uma chance as pessoas — ele diz, olhando para algo atrás de
mim.
Nós continuávamos em uma espécie de valsa lenta.

— Eu deveria?

— Você nunca deixa ninguém se aproximar. Nunca.

— Não é verdade — Era? Sinceramente, nunca notei.

— Sim. Eu tentei falar com você duas vezes essa semana e fui completamente ignorado — Ele
olha agora em meus olhos, e eu posso ver no fundo dos seus o quão chateado está com isso.

— Desculpa, eu não vi você falar comigo.

— Eu sei, parecia que você estava drogada. — Agora sua voz está carregada de escárnio e a
pequena risadinha que ele solta depois me confirma o seu deboche.

— Foram dias ruins e...

Rápido como o bater de asas de um beija-flor, a expressão dele muda. A tensão se instalando
entre nós como fumaça.

— Foi o desgraçado do Aiken, não foi?

Aquele nome.

Todas as células do meu corpo entram em alerta.

— Não tem absolutamente nada a ver com ele — minto.

— O pessoal estava falando sobre como ele te trata e eu sinceramente não sei o porquê de você
continuar com esse cara. Ele te faz mal, Kiara.

É o que todos dizem.

Como em uma poesia trágica, Devon e eu ainda dançávamos enquanto trocamos farpas violentas.

Mas eu canso.

Me solto de Ross, vou até a mesa e despejo uma nota de vinte dólares que cobre minha parte na
conta. Pego minha bolsa, saio do bar e peço um táxi.

— Kiara! — Devon grita atrás de mim, enquanto eu entro no carro. Posso ver perto dele uma
Katherine exasperada.

Pode parecer covardia ou simples birra infantil, e de fato é. Eu não queria ter tratado Devon
assim, mas sou uma maldita garota impulsiva, apaixonada por um maldito garoto mau. Ouvir aquelas
palavras foi como acordar de um sonho e voltar ao pesadelo da vida real.
Eu estava me divertindo sem a menção daquele nome.

E, Deus, eu já estava tão cansada disso.

Eu teria que explicar tudo isso pra Kat amanhã. Só que eu não queria contar sobre como isso
ainda é uma ferida aberta para mim.

E sobre como Devon Ross jogou álcool nela.

Eu só quero ir pra casa.

Eu sei que Aiken é o pior pra mim, eu desesperadamente sei.

Mas ainda arde.


"Talvez sejam 6:45 da manhã.
Talvez eu mal esteja vivo.

Talvez você tenha suportado minhas merdas pela última vez, sim.

Talvez eu saiba que estou bêbado.

Talvez eu saiba que você é a garota certa.

Talvez você esteja pensando que é melhor você dirigir." — Girls like you, Maroon 5.

Abro a porta do maldito apartamento e jogo minha bolsa no chão, me livrando do peso quase nulo
de meus documentos, maquiagens e afins.

Devon Ross é um canalha! Um canalha que me fez lembrar do rei de toda essa canalhice. Se
existe um reino ou alguma pirâmide hierárquica entre os idiotas, Logan está no topo.

Ross está abaixo dele, é claro.

Passo direto pela sala e entro no caos do meu quarto. Aiken havia deixado algumas coisas aqui e
eu sabia exatamente do que eu precisava. Abro e fecho gavetas, tiro roupas e mais roupas, até que
finalmente acho a caixa de Malboro amassada.

Eu não fumo, juro que não, mas já ouvi infinitas vezes sobre como isso relaxa. Minhas mãos
tremem — talvez pela raiva recente ou pelo nervosismo de nunca ter fumado — enquanto abro a
caixa e pego de lá o único cigarro restante.

Vou até a cozinha, acendo um fósforo e ponho o rolinho de papel já aceso entre os lábios. Dou a
primeira tragada e ao invés do prazer que me diziam, só veio fumaça, tosse e medo. Largo o cigarro
no chão em meu próprio desespero. Será que nem pra fumar eu sirvo?

Havia algo sobre essa nova experiência que eu precisava admitir: Logan tem o mesmo gosto que
a nicotina nesse cigarro, e eu sou uma maldita viciada. Uma viciada que sequer fuma.

Sento no chão frio e xadrez da cozinha americana.

Aiken e eu éramos uma bagunça ambulante. Eu nunca pensei que me separaria dele por tanto
tempo algum dia. E sinceramente, acho que é isso que todo casal apaixonado pensa: que nada pode
separá-los.

Mas acredite, uma hora acaba.

Sorrio irônica enquanto volto meus pensamentos para o dia em que tudo acabou entre nós. O dia
em que eu decidi que não daríamos certo.

Eu havia passado o dia inteiro no shopping com alguns amigos e então tive a brilhante ideia de
fazer uma visita surpresa a Aiken na volta. Pedi para que Josh, minha carona e antigo amigo, me
deixasse na casa de Logan e assim ele fez.

— Tem certeza que não quer que eu fique aqui esperando você? Você pode falar com ele e depois
eu te deixo em casa. — Josh ofereceu, me olhando de dentro do carro.

— Eu pretendo ficar. — Meu rosto corou enquanto eu falava isso e acho que ele entendeu o
recado, porque apenas sorriu e foi embora.

Atravessei o gramado bem cuidado e tirei do bolso a chave reserva que Logan me deu quando
fizemos cinco meses de namoro. Lembro de como fiquei feliz quando ele me deu aquela chave, afinal
era um voto de confiança muito precoce.

Abri a porta, mas não precisei andar muito para saber que meus planos de ficar não iriam
adiante. De repente todo o mundo pareceu parar e eu podia jurar que senti o chão desabar sob meus
pés.

Lá estava Aiken, se doando de corpo e língua para uma garota terrivelmente sortuda. Bem ali no
sofá. O mesmo sofá na qual nós já estivemos. A garota de cabelos curtos e escuros estava deitada,
enquanto Logan se posicionava em cima dela em uma visão infernal.

Minha reação não podia ser pior: meus músculos travaram e meus olhos me obrigaram a assistir
cada cena daquilo até minha presença ser notada. E quando Logan olhou para mim eu vi fúria, medo e
arrependimento. Tudo de uma única vez.

— Bebê, eu… eu. — Foi a primeira maldita vez que ouvi Logan gaguejar. O apelidinho
carinhoso saía de sua boca com uma entonação de desculpa.

Sua voz soou como um sopro de realidade, me fazendo acordar subitamente e correr porta afora.
Para a minha sorte a rua estava vazia, caso o contrário, eu poderia facilmente ter sido atropelada
pelo modo como a atravessei.

— Kiara! — O cabelo volumoso e castanho de Aiken balançava pela força do vento conforme
ele me seguia.

Eu não lembro de ter chorado. Acho que a sensação de choque era maior que a de choro naquele
momento. Eu só parei de correr quando senti sua mão grande puxar meu pulso. Eu nunca senti tanto
nojo do seu toque.

— Me solta. — Foi o pedido mais idiota da minha vida. Eu deveria ter lembrado que quando ele
me soltava eu realmente não queria ir a lugar algum.

— Bebê, eu posso explicar. Eu prometo que posso. — Ele me encarou com os olhos castanhos
suplicantes. Aiken e suas promessas ludibriantes.

— Você pode? Me explica, Logan! Porque eu sinceramente não quero acreditar que vi meu
namorado com outra garota. — Parei de tentar me soltar e esperei uma explicação.

Porque, Deus, eu queria uma.

Eu precisava de uma.

— Você estava muito afastada esses últimos dias e você sabe que homens têm… necessidades,
certo? — Ele realmente parecia achar que seus motivos eram bons o suficiente. — Me desculpa, eu
não sei o que estava pensando.

Não sabia o que estava pensando?!

Nós já havíamos brigado feio antes, mas eu estava cansada.

Foi ali que pensei pela primeira vez que minha mãe poderia estar certa quando disse que Aiken
era tóxico.

Mesmo que inconscientemente eu já soubesse.

— Você está brincando, não está?! — Usei minha última força de vontade para tentar atingir seu
rosto com um tapa, mas ele ainda prendia meus pulsos. — Seu imbecil arrogante! Você se acha o
máximo, não é? Acha que todos amam você e que vai ter tudo isso pra sempre. Deixe-me explicar
algo Logan... As coisas não são assim.
— Bebê, você sabe que eu sinto muito. — Aiken tinha um olhar de cachorro pidão e a voz de tão
suplicante quanto a de uma criança.

— Acabou.

Eu não pensei exatamente no impacto dessas palavras quando eu as disse. Eu só queria assustá-lo
e fazê-lo se arrepender de verdade.

— O quê? — Seu semblante de falso arrependimento virou pura confusão interna.

— Nós dois acabamos aqui.

Mal sabia eu que nós estávamos muito longe de acabar.

— Não fale isso nem por brincadeira. — Aiken agora tinha o maxilar trincado e olhos
arregalados.

— Me solta — pedi impaciente.

Eu só queria ir embora dali.

— Eu não vou deixar você ir. — Provavelmente quem viu a cena de longe deve ter pensado que
eu era a errada naquela situação. Logan fazia as coisas parecerem ser minha culpa.

— Me solta! — gritei e puxei minhas mãos com força, me livrando de seu abraço apertado.

— Você sabe que vai voltar.

Não foi uma pergunta. Logan afirmou aquilo antes de eu virar as costas e seguir rua abaixo.

— Você sempre volta.

E foi naquele dia em que eu e Aiken nos afastamos. Nós já havíamos brigado centenas de vezes,
mas sempre tem uma vez em que seus olhos são finalmente abertos.

Acho que essa foi a minha.

Eu deixei Aiken ali, parado no meio da calçada, me observando ir embora. Mas eu também havia
deixado uma parte minha com ele.

E eu lamento tanto por isso.

Agora no chão gelado da minha cozinha, posso perceber o quanto aquele garoto é problemático.
Ele me levou a um estágio de loucura que nenhum garoto havia me levado antes.

Eu estava acabada.

E eu não sabia nem como fumar um cigarro.


"Meu maior erro não foi me apaixonar por você, foi pensar que você tinha se apaixonado por mim"
— Desconhecido.

Maldita seja Katherine por ser tão insistente.

Sabe, eu gosto de pessoas insistentes. Elas não desistem fácil das coisas que querem e isso faz
com que elas alcancem o objetivo com mais satisfação que os outros.

Mas Katherine possuía o tipo ruim de insistência.

O tipo irritantemente idiota e sem noção. Do tipo que obriga sua melhor amiga a passar no
campus em um sábado apenas para pedir desculpas a outro imbecil com quem ela teve uma briga na
noite passada.

Exatamente, Kat me obrigou a vir pedir desculpas a Devon. Não é como se ela tivesse colocado
uma arma na minha cabeça e me ameaçado, ela apenas fez um discurso comovente sobre como Ross
estava de coração partido e no final falou sobre crianças famintas na África.

Eu não sei qual desses temas me comoveu o bastante para vir aqui, mas eu espero sinceramente
que tenha sido as crianças africanas. Eu não gostaria de ter o mínimo de afeto possível que fosse por
Devon Ross.
Eu não tinha aula em dias de sábado, esses eram meus sagrados dias de descanso. Mas no
momento eu me encontro no meio do vestuário masculino procurando pelo poste idiota de cabelos
escuros.

Deus, é difícil me concentrar tendo que desviar de tantos caras de toalha.

— Devon! Devon! — chamo, quando finalmente o encontro escorado em um dos armários,


conversando com outro garoto. Olho ao redor mais uma vez.

São garotos demais pra um só cenário.

Ross para a conversa com seja lá quem fosse e caminha até mim com a pior cara de cachorro
pidão dessa terra.

Lembra o que você veio fazer aqui, Kiara?

Crianças na África...

Crianças na África...

Devon está de coração parti...

Eu não posso ter pena desse idiota agora.

— Kiara, eu sinto muito. Eu realmente não queria magoar você ontem a noite. Só achei que... —
Ross fala tão rápido que eu demoro um pouco pra entender seu pedido de desculpas.

— Será que a gente pode sair daqui por um minutinho? — interrompo, no segundo em que meus
olhos desgrudam do abdômen de algum garoto atrás de Devon.

Concentração é tudo que eu não tenho agora.

— Claro. Eu só vou me vestir. — E então reparo que Devon, assim como os outros garotos ali,
está apenas de toalha.

Coro violentamente diante da visão.

Crianças na África...

Crianças na África...

(...)

Abraço meu corpo com o casaco de lã que a vó de Katherine fez para mim no natal. O outono está
dando suas boas vindas e eu sinceramente não sou fã dessa época do ano.

Encaro o garoto tímido ao meu lado. Ross e eu andávamos sem rumo pelo campo de futebol
vazio.

Pelo menos a minha distração aqui era única e exclusivamente Devon.

— Desculpa, Kiara. — Ele começa. — Você sabe que eu não teria dito nada daquilo se eu
soubesse o quão triste você ficaria, não sabe?

— Eu sei, Ross. Por isso eu vim pedir desculpas também. — Sorrio fraco. A verdade é que eu
sabia que Devon não faria nada pra me machucar. — Eu fui muito infantil ontem.

As desculpas acabaram e o silêncio nos acolheu, totalmente desconfortável. Geralmente Devon


não é tímido, mas excepcionalmente hoje ele está quase mudo.

— Eu estava me perguntando se você por um acaso se finge de cega ou apenas não vê. — Eu
posso sentir o olhar quente de Ross em meu pescoço.

— Por favor, não vamos falar sobre Aiken. — Eu realmente estou cansada demais pra falar sobre
isso agora.

— Eu não estava falando dele, estava falando de mim. — Ross exibe um sorriso fraco, daqueles
tão falsos que nem chegam aos olhos. — Sabe, eu venho correndo atrás do seu telefone por semanas
e sinceramente eu não sei como não notou ainda.

Eu notei.

É difícil não notar um cara como Devon tentando chamar sua atenção. Mas para evitar algum tipo
de problema com Logan, achei melhor ignorar todos os seus papos sem sentido.

— Você pode ter meu telefone agora.

— É difícil conquistar uma garota quando ela ainda tem uma queda pelo ex imbecil, Kiara. —
Sorri, verdadeiramente sorri. É estranho o modo como ele gosta de pôr meu nome em todas as suas
falas.

Como se meu nome importasse ou fizesse diferença na sentença.

— Você pode tentar — eu digo. Meu eu interior deu cambalhotas e me senti tão travessa quanto
se possa imaginar.

Sou péssima em flertes.

— Eu estava pensando em não me machucar emocionalmente essa temporada, mas acho que estou
disposto a fazer isso por você. — Há um divertimento no modo como Devon fala aquilo.

— Enfim, eu só vim pedir desculpas. Preciso voltar para casa agora. — Me despeço e volto a
fazer meu rumo de volta para casa, ciente do olhar perfurante de Ross em minhas costas.
Basta alguns passos para fora do campus e eu sinto meu celular vibrar dentro do bolso traseiro
do jeans.

— Alô?

— Kiki? — As únicas pessoas que me chamavam assim são minha mãe e Katherine, e aquela voz
masculina definitivamente não pertencia a nenhuma delas. — É o Andrew! Lembra de mim?! Eu vi
você quebrando um carro azul.

Automaticamente meus pensamentos se direcionaram para algumas noites atrás, o garoto de taco
rosa que me levou para uma noitada com desconhecidos.

— Ah, Drew! Como vai?

— Muito mais do que bem. — Ele parece tão agitado no telefone que cogito que talvez ele esteja
sob efeito de drogas. — Então, quando nós vamos nos ver de novo? Eu preciso te arranjar um
namorado novo, lembra?!

Eu definitivamente não lembrava disso.

— Eu estou livre durante a semana que vem já que pedi uma folga no trabalho — explico.

Eu realmente estou ansiosa para encontrar Drew de novo. Ele é o tipo de pessoa que te faz rir
mesmo que você esteja pisoteado em uma vala qualquer, e eu amo esse tipo de pessoa. Foi com ele
que me diverti e esqueci Logan por uma noite inteira.

— Tudo bem, eu vou voltar a te ligar então é bom salvar meu número. — Dito isso ele desliga a
chamada.

Guardo o celular no bolso e continuo o trajeto para o meu apartamento.

Talvez eu deva agradecer a Katherine e as crianças africanas, porque depois que me desculpei
com Ross, tirei um peso enorme das costas.

Talvez eu saia mesmo com o Drew para algum lugar e me divirta com Devon Ross.

São muitos talvez, mas eu não quero saber as respostas definitivas agora.

Não agora.
"Ninguém sai ileso de ninguém." — Charles Bukowski.
A tão temida segunda-feira chegou e junto com ela todas as minhas responsabilidades.

Pra começar, tive uma prova surpresa durante a aula, provavelmente tirei uma nota ridícula.
Depois minha mãe ligou avisando que estaria fora por algumas semanas e precisaria que eu cuidasse
do cachorro. Eu não sou a melhor pessoa para fazer isso, então neguei e passei a missão para a
vizinha dela. Foi uma luta fazê-la desistir de me entregar o cachorro. Agora eu estou no Carrick's
empilhando pratos de vidro em uma prateleira.

Trabalhar aqui pode ser bem relaxante, afinal Carrick, o dono do lugar, me adora e me trata como
uma filha. O problema está mais uma vez em sua filha de verdade, Amanda.

Enquanto eu empilho os pratos de vidro que haviam chegado na loja recentemente, Amanda
organizava copos do outro lado do corredor. Seu telefone no viva voz enquanto ela conversava com
outra garota.

Amanda não sabe o significado real da palavra trabalho, e duvido muito que um dia ela descubra.
Sua mãe se divorciou de Carrick quando ela tinha apenas cinco anos e desde então Amanda vem
fazendo de tudo para chamar a atenção dos pais de qualquer modo.

Mas eles não notam.


Seu cabelo recentemente pintado de verde neon nas pontas parecia um pedido claro de socorro
no meio daquela situação. Suas roupas exageradas. Seu jeito revoltadíssimo de ser… tudo uma
camuflagem para que pelo menos um de seus guardiões legais a perceba no meio do caos de suas
próprias vidas.

Quando eu comecei a trabalhar aqui, ela tentou ser legal. Dava pra notar isso. Mas aí seu pai fez
a pior coisa que poderia ter feito, ele me notou. Ele fez comigo o que Amanda gostaria que ele
tivesse feito com ela, e desde então sou a pessoa mais azucrinada da face da terra.

— Sabe, Claire, essa semana eu saí com um cara muito gostoso — Amanda diz no telefone com
alguma amiga, obviamente, chamada Claire.

Na droga do viva voz.

— Sério?! Você não me disse nada, sua idiota! Como foi? — A voz abafada e histérica era
emitida através do telefone.

Amanda é três anos mais nova que eu, havia terminado o colegial agora e ainda estava tentando
entrar na faculdade.

Ela, definitivamente, não deveria sair com… caras gostosos?!

— Ele me pegou em casa no seu carro maravilhoso, me levou para uma festa no Topdallas e
depois nós fomos para a casa dele — ela narra a feliz sequência de fatos da sua pequena aventura.

Tinha como essa segunda-feira ser mais irritante?

— Eu preciso de mais detalhes que isso, Mandy. — A tal Claire fala com a voz quase robótica.

E eu continuo empilhando os pratos que parecem não acabar nunca.

Carrick havia ido em um depósito fora da cidade buscar novas encomendas e eu desejava mais
do que tudo que ele não demorasse, porque eu sei que no momento em que ele passar por aquela
porta, Amanda irá desligar o telefone.

— Bom, você quer que tipos de detalhes? — Amanda tem agora um sorriso malicioso no rosto. E
até isso impede que com seu cabelo loiro esverdeado e olhos grandes, ela seja vista como uma vadia
manipuladora. A verdade é que Amanda parece com um anjo.

— Sobre o cara. — A garota do outro lado da linha tem a voz tão fina e irritante que desejo
momentaneamente conhecê-la só para quebrar um desses pratos em sua cabeça.

— Bom, eu conheci ele aqui na loja. Ele estava atrás de uma pessoa, mas não a encontrou.

Há cerca de trinta corredores com inúmeras prateleiras, também existem cinco funcionários e
coincidentemente quem está organizando copos na prateleira atrás de mim é ninguém mais ninguém
menos que Amanda com sua amiga irritante na merda do viva voz.
Recapitulando mentalmente minha segunda-feira posso constatar que a lei de Murphy é real.

Eu sou a prova viva disso.

— Eu preciso de características físicas e nome para procurar nas redes sociais. — Quão irritante
a amiga de Amanda pode ser?

— Ele é alto, tem cabelos escuros, o rosto de um deus grego, tatuado. Não tem como detalhar
mais que isso. Só posso te dizer que Logan é gato, muito gato! Mas não se preocupe, você não vai
encontrar ele nas redes sociais. — Amanda não detalha muito, mas o nome e as características que
ela dá já são suficientes para fazer meu coração disparar.

O prato que está em minha mão pronto para ser colocado junto com as outras pilhas de pratos, cai
no chão em um baque audível de vidro quebrando e meu olhar subitamente voa em direção a garota
atrás de mim.

E aí eu entendi.

Amanda exibe um sorriso infernal nos lábios carnudos e olha explicitamente em minha direção.

Porque ela sabe.

Ela malditamente sabia que Logan e eu tivemos algo importante. Ela também sabia que precisava
pôr aquela chamada em viva voz na prateleira mais próxima de mim, porque ela sabia que teria um
impacto sobre mim.

Ela sabia.

Deixo os pratos de lado e tento me recompor mentalmente. Eu estou com mais pena de Amanda
do que raiva, porque tenho consciência de como Aiken pode destruir uma garota. Ela estava jogando
uma birra infantil e só o que posso fazer é xingá-la internamente por estar sempre procurando
atenção.

Logan não é o tipo de cara que sai com alguém porque achou a pessoa legal ou divertida. Ele é o
tipo de cara que sai com alguém porque a acha atraente. Ele provavelmente teve uma boa noite de
prazer com Amanda, mas isso é tudo. Ele não ligaria mais.

Aiken é expertise em acabar com o psicólogo de garotas inocentes. Ao contrário do que Amanda
pensa, ela é só mais uma.

Vou até a copa disponível para os funcionários, ciente do olhar vitorioso que perfura minhas
costas. Pego uma pá para recolher o vidro quebrado, mas antes que eu possa sequer sair da copa, um
nome me vem à cabeça com total intensidade. Andrew.

Pesco meu celular no bolso do moletom e procuro seu número que já está, por sorte, salvo no
aparelho.
Drew já me salvou uma vez e tenho certeza que ele poderia me animar hoje também.

— Alô? — A voz masculina atende.

— Aquele convite ainda está de pé? — pergunto antes de qualquer outra coisa.
"Eu conheci ele na igreja, mas ele poderia ser o próprio diabo." — Ferrari, The neighbourhood
(Adaptado)

Levo mais um dos minúsculos copos até minha boca e entorno o líquido transparente, que desce
rasgando pela minha garganta.

Ah, a boa e velha tequila!

Por que copos tão pequenos para doses tão encorajadoras e viciantes?

— Vai com calma aí, garota. — A voz atrás de mim adverte. Giro sobre o banco alto do bar e me
deparo com Andrew, vestido em um moletom azul marinho e jeans escuras. Vendo por esse ângulo
ele é realmente bonito.

Nós havíamos marcado aqui há quarenta minutos e eu sinceramente já havia até desistido de
esperar. Só não fui embora porque não se pode desprezar as bebidas que o garçom oferece, seria uma
falta de respeito.

— Achei que você não vinha mais — eu digo, ainda me recuperando da dose que havia tomado.

— Me desculpa, eu me enrolei no trabalho hoje. — Ele tem um olhar suplicante enquanto se senta
em um dos bancos vazios ao meu lado e apoia os braços dramaticamente sobre o balcão. Ele parece
realmente cansado, posso ver isso pelas olheiras arroxeadas em torno dos seus olhos e pela maneira
como seu cabelo parece nunca ter visto um pente.

Levanto o braço e sinalizo para o barman que precisávamos de um reforço aqui.

— Dia difícil? — pergunto.

— E põe difícil nisso.

Eu não sei muitas coisas sobre Drew, na verdade eu não sei nada, mas por algum motivo eu me
sinto bem com a sua energia, seja por telefone ou ao vivo. Nesse momento, no entanto, há um peso no
ar.

— Eu também não tive o melhor dia de todos. Acredita que a garota de quem eu tenho um ódio
mortal está saindo com meu ex? — digo. O garçom chega com nossos copos e antes que eu possa ao
menos brindar a infelicidade com Andrew, ele já tinha bebido todo o conteúdo de uma só vez.

Faço o mesmo.

— Acredita que meu chefe não é gay? — Eu não posso fazer nada mais do que rir.

Problemas amorosos são um saco.

— Cada um com seus problemas — murmuro. Olho para o bar quase vazio a nossa volta. É bem
raro esse lugar estar vago, mas visto que hoje é segunda-feira, o ambiente está bem mais calmo.
Agradeço por isso.

— Eu não sei muito sobre você, Kiara. — Drew possuí a mão no queixo e um vinco entre as
sobrancelhas. — Vamos fazer assim, pedimos três doses para cada e um de nós faz perguntas ao
outro. Se não quiser responder, você bebe.

Eu concordo, fingindo que entendi alguma coisa. Na mais perfeita verdade, eu estou com o
pensamento voando entre uma Amanda de cabelo verde e um Logan de olhos terrivelmente escuros.

(…)

Dois minutos depois já estávamos com seis copos, três para mim e três para Andrew.

— Eu pergunto primeiro porque sou o inventor da brincadeira e porque sou bonito demais para
esperar. — Drew fala enquanto empurra três pequenos copos de tequila em minha direção.

Era esse tipo de divertimento que eu precisava. Bebidas e um cara extremamente engraçado.

— Tudo bem.

— Eu sei que você frequenta a universidade, o que cursa?


— Eu curso administração.

— Não tem nada a ver com a sua cara. — Uau, ele é direto. Dou de ombros. A verdade é que
nunca encontrei o famoso curso dos sonhos. Faço administração porque não sei o que mais poderia
fazer.

— Minha vez! — digo e ele se retorce ansioso na cadeira. — Por que você parece tão chateado
pelo seu chefe não ser gay?

— Não é óbvio?! O cara é um gato e tem me dado umas cantadas muito boas. Quando fui
questionar ele se fez de desentendido. Eu ainda vou fazer aquele homem sair da porra do armário.

— Uau.

— Qual o problema com o seu ex namorado? O que aconteceu? — Sua pergunta vem tão
repentina quanto uma chuva em pleno outono.

Eu gostaria de falar sobre isso um dia, mas por agora eu realmente acho que isso só pertence a
mim. Meus problemas com Logan não devem importar para ninguém mais.

Pego um dos copos e viro o líquido garganta abaixo.

— Você não sabe brincar, Kiki. — Drew parece no mínimo desapontado.

— Como você se vê em cinco anos? — pergunto.

— Feliz. — Uma resposta simples, sútil e mais do que suficiente. — E você?

Eu sinceramente não esperava por isso. É uma pergunta pequena que envolve tantas coisas e eu
não tenho uma resposta.

Eu malditamente não sei onde estarei ou como estarei daqui a cinco anos.

— Eu não sei, provavelmente vou estar em alguma praia com Katherine e seus namorados. —
Sorrio com o pensamento.

Isso não é tão ruim, é?

— Quem é Katherine? — ele pergunta.

— Uma amiga, acho que a melhor que eu tenho.

— Gostaria de conhecê-la qualquer dia — ele diz.

— Vocês se dariam muito bem — digo e por impulso viro outra dose.

— Ei! Você está destruindo as peças do nosso jogo!


(…)

Drew havia se mostrado um bom colega hoje. Mesmo quando a maioria das pessoas daria uma
desculpa para não ir, até porque hoje é segunda, ele não o fez.

Andrew havia ido me ver.

Agora nós nos encontrávamos caminhando aos tropeços até meu apartamento. A rua está vazia e
escura, nos dando assim a liberdade para fazermos qualquer tipo de palhaçada pelo meio do
caminho.

Deus, Drew deve ter sido um comediante em outra vida.

Ao chegar na portaria do meu prédio, me despeço de Andrew com um abraço. Entro na recepção,
que me recebe com o ar quentinho do aquecedor. A sensação de estar em casa me envolve como uma
manta protetora no inverno.

Desejo uma noite agradável ao porteiro que me olha desconfiado, o hálito de álcool deve ter
entregado o quanto a minha noite havia sido boa.

Chamo o elevador e aperto o botão correspondente ao meu andar.

Seis.

Acho que esse deve ser meu número da sorte ou algo assim, porque me causa estranha simpatia.

Nada nessa vida me preparou pra cena que vi quando as portas da caixa de metal se abriram no
corredor do meu andar.

Nada.

Acho que já é um costume meu estar despreparada para esse tipo de coisa.

Eu estive despreparada para Logan durante tanto tempo. Talvez porque nunca fui realmente
avisada sobre como um garoto de sorriso bonito e cheiro de cigarro pode partir seu coração ao meio.

Eu sempre fui despreparada.

E nesse momento a silhueta masculina está jogada no chão, ao lado de minha porta. Uma garrafa
de uísque nas mãos.

Nesse momento.

Nesse maldito momento.

Eu sinto todo e qualquer resquício de álcool no meu sangue evaporar.


Porque Logan Aiken está aqui.

Bêbado na porta do meu apartamento.


"Cruel! Suas veias estão cheias de água gelada e as minhas estão fervendo." — O morro dos ventos
uivantes, Emily Brontë.

Logan está aqui.

E de repente todo o lugar exala sua presença. É como se tudo aqui estivesse acompanhando o
possível humor dele. O ambiente que geralmente é iluminado, está mais escuro. O cheiro de cigarro
suave, mas ainda perceptível. E sua simples permanência no local faz o clima ficar pesado.

Eu não sei se amo Logan ou se amo a sensação que está presente sempre que ele está por perto.

Porque apesar de pesada, a atmosfera ao seu lado é familiar.

E agora eu o encaro estática porque ele ainda não havia me percebido aqui. Eu quero aproveitar
cada segundo disso. Cada maldito segundo em que ele está vulnerável.

Seus olhos estão abertos encarando a parede vazia a sua frente, enquanto seus cílios grandes
fecham-se e abrem-se em um ritmo hipnotizante. Seu peito balança calmo, influenciado por sua
própria respiração. E nesse momento Aiken é calmaria.

Não vai demorar muito para que ele vire caos, eu sei disso.
Mas aqui e agora ele é calmaria.

Quando nós nos separamos, eu me perguntei por muito tempo:

Por que eu amo Aiken? Por que alguém com um futuro brilhante amaria alguém que destrói tudo a
sua volta? Por que eu, Kiara Hildegard, amo Logan Aiken como se ele fosse o ar que eu respiro?

E agora a resposta parece vir clara, rápida e perfurante como um tiro.

Eu amo Logan porque eu sei quem ele realmente é. Eu amo Logan porque ele me destrói todo dia,
mas no final de cada um ele me traz de volta à vida. É doloroso, mas ainda assim é amor. Ele me faz
mal, mas não posso evitar lembrar o porquê dos meus sentimentos. Aiken não é a figura bêbada
sentada no chão do meu apartamento, Logan é o garoto que me levou para o cinema e me beijou em
cada cena de música. Logan é o garoto que teve muitos sonhos destruídos, Logan é mais uma vítima
do mundo egoísta em que vivemos.

E eu sei quem ele é de verdade.

Mas ainda assim não posso aceitá-lo, porque ele me machucaria.

E eu não quero me machucar mais.

— Boa noite, Kiara. — Sua voz interrompe o silêncio no corredor e arrepia cada pelo do meu
corpo. Fria como o próprio Ártico e tão macia quanto qualquer veludo.

Ele finalmente me notou, encolhida no final do corredor, enquanto as portas do elevador se


fecham atrás de mim.

— O que você está fazendo aqui? — pergunto em vão, porque na verdade o motivo não importa.
Logan está aqui e isso é o suficiente.

— Eu senti sua falta. — E aqui está meu coração acelerado e as famosas borboletas no estômago.

O diferencial é que minhas borboletas não estão felizes, estão em pânico.

Fico calada esperando sua próxima fala, quando todo meu ser gostaria de gritar sobre como
também sentiu saudades.

Porque eu senti.

— Eu queria te ver Kiara. — Ele continua. — Você não me procurou e eu fiquei muito
preocupado.

— Eu não te procuraria nem em um milhão de anos — eu digo, ignorando o fato de que durante os
primeiros dias Katherine precisou me segurar com toda a força para que eu não aparecesse grudada
na campainha de Logan.
— Eu sei isso agora. — Aiken tem uma pequena ruga na testa, ela está lá sempre que ele faz sua
habitual feição de preocupação. Seus olhos me analisam com cuidado enquanto ele finalmente se
levantava do chão e caminha devagar em minha direção. — Bebê, me perdoa. Você sabe que eu sou
um idiota e eu prometo que dessa vez vai ser diferente.

— Você já disse isso outras vezes.

— Dessa vez… — Não o deixo concluir sua frase, provavelmente dotada de mais uma promessa
vazia.

— Vai embora.

— Nós dois sabemos que você não quer que eu vá embora. — Ele se aproxima mais, e nesse
ponto eu já sou fraca novamente. Aiken encosta sua testa na minha antes de sussurrar. — Nós dois
sabemos que você quer que eu fique.

Aiken desce a cabeça para o meu pescoço, depositando pequenos beijinhos molhados. É difícil
se conter assim.

— Você quer que eu fique, Kiara? — ele sussurra novamente, com a cabeça ainda enterrada em
meu pescoço.

Eu odeio o fato de que cada célula do meu corpo reaja a ele como se ele fosse vital para mim.

Mas ele não é.

— O que você está fazendo? — pergunto e com dificuldade me afasto dele. Não consigo ir para
longe, mas não o deixo continuar com seu pequeno jogo. — Você é perigoso para mim, Logan. Eu te
quero longe. Malditamente longe!

— Eu acho que é tarde demais pra isso, Bebê. — Agora seu belo rosto está enfeitado com um
sorriso cínico, porém maravilhoso.

Eu nunca fui muito religiosa, mas ver Aiken com os cabelos escuros assanhados e um sorriso
cínico brincando nos lábios macios, me faz acreditar em algum deus capaz de esculpir tal obra de
arte.

Porque Logan Aiken é uma trágica, poética e angustiante obra de arte.

— Não, não é — eu digo — Tenho plena certeza de que eu não vou te amar para sempre Logan, e
aí você vai ser só mais uma memória perdida. Todos têm alguma lembrança ruim que tentam
esquecer, e você vai ser a minha.

Minhas palavras afetam Aiken. Eu vejo o brilho demoníaco em seus olhos se tornar pura fúria e
no momento seguinte eu estou presa entre ele e a parede. Seus braços apoiados um em cada lado da
minha cabeça e seu corpo alto na minha frente.
— Você não pode me esquecer — Logan diz. Encarando meus olhos como ele está agora, eu
tenho quase certeza de que ele pode ler meus pensamentos mais sujos. — É impossível! Está me
entendendo?!

Intimidação.

Ele gosta de usar essa arma, mas ela não funciona mais comigo.

Eu inutilmente sei que Logan é uma criança mimada e solitária, por dentro. Aiken está sempre
cercado de amigos, mas por dentro, bem lá dentro, ele sabe que precisa de alguém para preencher
esse vazio, alguém que esteja com ele nos momentos bons e ruins.

E eu de certo modo fui essa pessoa.

— Vai embora, Logan.

— Eu vou te provar, Bebê. — Se os olhos são as janelas da alma, olhar as de Logan me davam a
visão perfeita do inferno. — Kiara Hildegard, eu vou te fazer se arrepender de cada palavra. Eu vou
te provar o quão inesquecível eu posso ser.

E com essa promessa ele deu um beijo no canto dos meus lábios, saiu de perto de mim, pediu o
elevador e foi embora.

Logan Aiken passou tão rápido e devastador quanto um furacão de categoria seis.

E agora quem está no chão ao lado da garrafa de uísque sou eu.

Logan tem medo de que algum dia ele seja esquecido, por mais inevitável que isso seja.

E eu sei que ele vai me fazer lembrá-lo eternamente.

Suas promessas costumam ser pura mentira, mas algo me diz que essa não é como as outras.
"Eles dizem que levam vinte e nove dias para que algo vire um hábito. Eu deveria ter te deixado no
vinte e oito." — A.P

Meu pai costumava dizer para mim que a vida é feita de escolhas e que as decisões que você faz
hoje, irão definir o seu amanhã.

Aí ele escolheu trair minha mãe e casar com uma mulher mais nova. Eu tenho alguns problemas
familiares, mas isso ainda não tira a verdade da sua frase.

Eu sabia que Logan era encrenca quando ele passou pelas portas daquele bar, eu sabia que ele me
destruiria se eu desse meu telefone, eu sabia que aceitar seus convites era burrice.

Mas ainda assim, eu escolhi Logan.

Ele foi minha pior escolha, meu pequeno ato de rebeldia, minha pequena vingança interna.

E graças a ele o meu amanhã está traçado.

(…)

— O que ele faz aqui no Campus? — Katherine pergunta enquanto aponta nada discretamente
para uma mesa atrás de nós.
Giro ainda sentada na cadeira e avisto Aiken em uma das mesas. Cercado de amigos sorridentes,
cabelo perfeitamente penteado para trás, camisa azul marinho por baixo da jaqueta jeans e um
belíssimo exemplar de loira massageando seu ombro. Tento ignorar completamente a cena e volto a
me concentrar em Kat, que se encontra sentada à minha frente enquanto come seu sanduíche
terrivelmente gorduroso.

— Ele estuda aqui — respondo simplesmente.

Nós estávamos no refeitório do campus, onde os alunos se encontravam durante as aulas vagas e
intervalo para conversar e comer. Existem muitas mesas por aqui, mas é óbvio que Aiken escolheria
a mais próxima possível de mim.

— Qual é, Kiara? O cara é quase um turista. Ele nunca vem a nenhuma aula e só aparece quando
precisa que os amigos idiotas inflem seu ego. — Katherine gosta de observar as pessoas. Ela diz que
não há diversão melhor do que leitura corporal, e ela está se mostrando boa nesse trabalho de
observação com Logan.

— Ele só está tentando mostrar o quão inesquecível ele pode ser — confesso e dou de ombros.

— O quê? — A loira à minha frente quase se engasga com o suco que estava bebendo.

— No nosso último encontro ele disse que me provaria o quão inesquecível ele pode ser —
explico.

As risadas vindas de algumas mesas atrás de nós são quase como uma música para mim, porque
no meio de tantas a dele se sobressai e eu definitivamente amo esse som.

— Meu Deus, Kiara! Eu não acredito que você foi procurar esse idiota. — Kat coloca as duas
mãos na cabeça, como se ela fosse uma artista e tivesse acabado de perder sua melhor obra. Quase
uma releitura do quadro "O grito".

— Eu juro que não! Ele me procurou e eu o mandei ir embora — digo quase exasperada. Ela não
precisava saber que eu havia o procurado antes. — Ele que brotou no chão do meu prédio.

Katherine me olha desconfiada, mas ainda posso ver seu sorrisinho orgulhoso no canto da boca.
Em questão de segundos analisando seu rosto, eu vejo suas grandes esferas verdes aumentarem de
tamanho, seu sorriso ficar muito maior e suas sobrancelhas ganharem um ar sugestivo.

Durante a infância, todos temos um grupo de amizades e dentro desse grupo sempre tem o cabeça,
o mandante das travessuras, o líder dos nossos pequenos delitos. Katherine é essa pessoa. Olhando
para ela agora eu posso ter certeza de que sua mente criativa está a cem por hora em uma pista de
cinquenta.

Porque Katherine Evans desconhece o significado da palavra limites.

— Katherine, eu conheço você há tempo suficiente para saber o que essa sua expressão facial
significa — digo e dou um gole em seu suco sem sua autorização.
— Eu só estava pensando em como seria divertido se você… não! Você jamais faria isso. — A
loira à minha frente faz uma atuação nada sútil e volta a comer o sanduíche cheio de queijo.

— Fala logo.

Nós nos conhecíamos há um bom tempo e isso me permite saber que Kat está tentando ganhar
minha atenção para seja lá qual plano ela bolou naquela cabeça cheia de imaginação.

— Olha para ele, Kiara. Ele está se exibindo e tentando te provocar — Kat diz e aponta de um
modo nada discreto na direção de Logan. De novo.

— Acredite, eu sei. — Aiken já tinha feito isso antes.

— Não haveria nada mais justo do que devolver isso na mesma moeda — minha amiga diz e em
seguida apoia as duas mãos na mesa, em um gesto claro de curiosidade sobre o que eu havia achado
do assunto. Ela torce o nariz como se pudesse sentir o cheiro do meu cérebro funcionando.

— Como assim? — pergunto, ainda confusa.

— Às vezes eu me questiono se você é realmente idiota. — Katherine suspira e volta a se


encostar na cadeira. — Você deveria fazer com ele o mesmo que ele faz com você.

Uma ideia infantil, tremendamente impensada e irresponsável, mas que me atinge positivamente
no calor do momento. Seria como me rebaixar ao nível de Logan, mas talvez aceitar calada fosse uma
atitude mais baixa ainda.

— Eu não sei se sou tão boa nisso quanto ele — É um fato.

— Talvez você seja certinha demais para isso, mas com a minha ajuda você se sairia ótima em
um plano de vingança — Eu não sei se devo ficar ofendida ou agradecida com o seu comentário.

— Não sei se é uma boa ideia.

— Kiara, olhe para trás por um momento. — Faço e me arrependo instantaneamente. Aiken agora
segura a cintura da garota, seus dedos dando pequenas massagens circulares no mesmo local em que
a agarrava. Entretanto é em mim que seu olhar está cravado, perfurante como uma faca. Cortando
fundo, muito fundo. — Logan é um imbecil e merece cada centavo da mesma dor que está causando
em você.

Meu pai havia me ensinado sobre escolhas e nesse momento eu estou fazendo uma. Ela pode
afetar meu futuro de modo positivo ou negativo. Eu só vou saber se tentar.

Aiken pode ser um imbecil egoísta, mas eu também posso.

— Tudo bem, vamos fazer do seu jeito então. — O sorriso de Katherine se alarga ao ouvir minha
aceitação a sua proposta. — O que você tem em mente?
Minha decisão hoje vai definir o meu amanhã.

E nesse momento eu só gostaria de um amanhã onde Logan se retorce de dor, assim como eu me
retorci.
"Você quer algo que seja mais profundo porque você está cansado das genéricas.
Você está fodendo com aquelas básicas quando você realmente quer a melhor.

Então venha, querido, pegue, porque perder isso seria trágico.

Você diz que quer uma vadia má, querido, agora você tem uma.

Agora você tem uma vadia má, me mostre que você pode lidar com isso.

Agora você tem a melhor, me mostre que você pode lidar com isso." — Bad Bitch, Bebe Rexha
Ft Ty dolla $ing

O termo coagir é um verbo transitivo direto que significa: obrigar alguém a fazer ou não algo,
constranger, forçar…

Exemplo: Katherine coagiu Kiara a convidar Devon Ross para uma festa quando, na verdade,
nem ela havia sido convidada.

Viu, é bem simples de aplicar essa frase na minha vida.

Dois dias após a nossa brilhante ideia de provar para Logan que se ele pode ser inesquecível eu
também posso, fomos informadas de uma festa que seria dada na casa de um dos garotos do time.

Aiken definitivamente não faz parte do time de futebol, afinal é um jogo para pessoas com
espírito coletivo e o espírito de Logan é completamente egoísta. Só que Logan é a atração de
qualquer festa, portanto nós temos quase certeza de que ele estará lá.

Katherine pensou nisso como uma oportunidade perfeita para fazer Aiken perder a cabeça, e para
isso eu só precisaria dar um jeito de ser convidada para a festa.

E eu tenho o passaporte de entrada perfeito para isso.

Devon Ross.

Então aqui estou, mais uma vez atrapalhando o treino de Devon.

Os integrantes do time de futebol americano correm de um lado para o outro no campo, parece
uma competição para ver quem fica mais engraçado correndo com essas roupas que fazem seu
peitoral parecer enorme e as pernas finas.

Me aproximo da grade de proteção e espero que esse exercício do treino, em específico, acabe
para que eu pudesse enfim chamar Ross.

Meus olhos varrem o campo procurando pelo nome Ross na camiseta de um dos rapazes e eu
encontro. O nome fica acima do número dezesseis na camisa vermelha com detalhes em branco.

Eu não entendo muito de futebol americano, mas eu posso dizer com certeza que ele é bom nisso.
Devon corre mais rápido do que a maioria dos garotos e há uma certa habilidade na maneira em
como ele desvia dos jogadores que se posicionam em sua frente com a intenção de tomar a bola de
suas mãos.

Devon é muito bom.

Entre uma passada e outra, o olhar de Devon descobre o meu. O vejo me lançar um sorriso
sacana através da tela do capacete que ele usa. Em seguida ele começa a correr um pouco mais
rápido e conquista o touchdown¹, encerrando assim a partida e vindo em minha direção.

Antes de se aproximar ele tira o capacete e balança os cabelos molhados de suor.

Um pequeno gesto que me faz agradecer imensamente por ter sido coagida por Katherine.

— Eu achei que você não fosse me procurar nunca — ele diz, se aproximando da grade, que
agora é a única coisa que nos separa.

— E quem disse que eu vim procurar você? — Brinco, lutando contra todas as minhas forças
para não ir embora correndo. — Você é muito convencido, Devon.

— Desculpa. — De repente o seu rosto brincalhão se torna pura preocupação. Meu Deus, ele não
entende sarcasmo.

— Eu estava brincando. — consigo dizer entre uma risada e outra.

Katherine havia escrito todo um roteiro para mim e eu não estava me saindo bem na missão de
cumpri-lo.

— Então a madame veio mesmo falar comigo? — Devon pergunta, mas dessa vez há um sorriso
em seu suado, porém belíssimo rosto.

— Madame?

— É, madame — Ele me dá uma piscadela, como se nós fôssemos cúmplices de um crime, e de


fato aquela piscadinha foi de matar.

— Eu vim perguntar se você vai estar ocupado no sábado — Começo a seguir o roteiro que Kat
havia feito com muito estudo e empenho.

— Depende. — Ele sorri e balança de leve a cabeça para tirar uma pequena parte da franja que
caí sobre seu olho.

Droga! Não estava preparada pra essa resposta.

"— Pergunte se ele vai estar ocupado no sábado e ele com certeza vai te chamar pra ir na festa
com ele."

Kat havia assistido um número de filmes demasiado grande para que sua cabeça realmente
achasse que isso ia funcionar.

— Eu só estava entediada e queria saber se você não gostaria de ir comigo em alguma…


sorveteria. — Decido agir no improviso, mas isso está cada vez pior. Sorveteria?! Sério, Kiara? —
Quer saber, eu só estava precisando de uma desculpa para sair com você no sábado e pode ser pra
qualquer lugar. Não precisa ser uma sorveteria, porque eu nem gosto muito de...

Eu sou mestre em me enrolar com as palavras. Devon está rindo como uma criança de dois anos
ao ver uma queda. Que lindo, digo, imaturo. Que imaturo.

— Kiara, eu entendi — ele me interrompe. E dou graças por isso, porque nunca se sabe a
besteira que vai sair da boca de uma garota nervosa e desesperada. — Você só quer sair comigo pra
algum lugar. É, eu entendi.

Se Ross ainda não havia percebido que eu precisava desesperadamente que ele me chamasse
para ir na festa, ele só pode ser muito ingênuo.

— Pode ser para qualquer lugar — ressalto.

Se ele não me chamar agora, eu vou ter que me auto convidar.


— Troy vai dar uma festa no sábado à noite. Se você quiser, passo na sua casa às sete.

Graças a Deus!

— Perfeito. — Nem me envergonho em demonstrar o quão feliz estou por finalmente ter minha
chance de ouro para ver Logan se remoendo em raiva e quem sabe até tristeza.

Como se estivesse de olho na nossa conversa e soubesse que ela já havia se encerrado, o
treinador apita e chama os jogadores para o meio do campo.

Devon balança a cabeça em sinal negativo e começa a correr de volta ao campo, mas para no
meio do caminho e exclama na frente de todo o time:

— Te vejo no sábado, madame.

Aceno positivamente e saio de lá sentindo meu rosto corar violentamente diante de toda a
situação dos últimos três minutos.

Qual o problema comigo? Algumas pessoas conseguem fazer esse tipo de flerte sem grandes
dificuldades, mas eu já estou arrependida pelo modo como chamei Ross para a droga de uma
sorveteria.

Eu vou matar Katherine por ser uma péssima roteirista.

Bom, agora é só torcer para que Logan dê as caras na maldita festa. Eu não sei exatamente o que
farei para irritar Aiken, mas ultimamente seu humor tem sido tão maleável que me parece fácil irritá-
lo.

E que venha o temido, porém esperado, sábado à noite.

______________
1 - Touchdown: forma de pontuação do futebol americano. Acontece quando o jogador cruza a
linha de gol sem ser obstruído.
"Eu estive dançando com o diabo. Eu amo o modo como ele finge se importar." — Forget, Marina
and the diamonds.

Às vezes me pego pensando se eu teria coragem de morrer por amor.

É, morrer por amor. Morrer no sentido de envolver-se por completo. Doar cada pedaço da sua
alma.

Me pergunto se Logan é o amor envolvente, que queima como brasa e que te transborda, do qual
todos falam. O amor que te faz sorrir e nunca querer ir embora.

E, de fato, Logan queima como brasa, mas seu fogo machuca, fere, arde. Ele não me transborda,
ele me faz afundar dentro do meu próprio caos. Estar com ele é como dirigir em alta velocidade
numa estrada molhada, um momento de distração é fatal.

Mas ainda que ele não seja esse amor eu cogitei morrer por ele durante alguns segundos depois
que ele cruzou as portas do apartamento de Troy.

Porque Logan Aiken é tentador como o inferno e bonito como o paraíso.

Seu sorriso envolto de prepotência é um tiro de revólver no coração das garotas que cochicham e
apontam discretamente em sua direção. Sua jaqueta surrada por cima da camisa branca ressalta o
abdômen definido e eu posso ver seus olhos escuros passeando pelo corpo de todas as garotas ali.

Até que finalmente encontram o meu.

Logan Aiken está definitivamente andando pelo lugar como um assassino. Arrancando suspiros e
orgasmos de todas as mulheres que passam pelo seu caminho e sentem seu cheiro de menta, cigarro e
algum perfume caro.

Ele está matando cada uma de nós e o estopim para a causa das mortes é provavelmente a
sensação que ele emana, luxúria.

Seus olhos demonstram surpresa ao me ver aqui, mas apenas por uma pequena fração de
segundos. Aiken lança uma piscada e um sorriso antes de ir para a sacada do apartamento, onde está
o DJ e a maior parte dos convidados.

E nesse momento eu temo profundamente.

Edgar Allan Poe disse uma vez que quando um louco parecer completamente lúcido, esse é o
momento de colocar-lhe a camisa de força.

Logan está lúcido.

Eu entenderia que tudo está bem se ele viesse até mim e me lançasse uma das suas alfinetadas,
mas ele não o fez. Logan me viu em uma festa, ao lado de Devon, e não fez nada.

— Está tudo bem? — Ross, do meu lado, pergunta ao me ver encarando fixamente a porta por
onde Logan saiu.

— Sim — eu respondo e volto a olhar para o garoto de olhos brilhantes.

Ross está muito bem vestido em uma calça escura e camisa vermelha. Mas ainda assim não posso
evitar compará-lo com Aiken, o que é quase um pecado, pois Aiken poderia deixar todos os homens
dessa festa envergonhados diante de tanta beleza.

— Sério, se você não estiver gostando de ficar aqui, nós podemos ir até a sorveteria que você
falou. — Instantaneamente sinto meu rosto esquentar. Deus, me lembre de nunca mais improvisar ou
fugir de um roteiro, por pior que ele seja.

— Não tem sorveteria, Ross. — Durante o meu "convite" percebi que Devon poderia ser meio
lerdo, portanto todas as minhas falas serão muito mais diretas daqui pra frente.

O apartamento de Troy é muito bonito. A decoração é toda em tons luxuosos de branco e preto.
Há uma cozinha americana que tem vista para a sala e do lado esquerdo um corredor leva aos quartos
e banheiros. Uma porta à nossa frente tem como direção a grande sacada onde um DJ toca músicas
animadas para um número impressionante de pessoas.

Agora, estamos na sala, muito mais calma e menos movimentada do que o resto do apartamento.
— Tudo bem. — Devon se joga dramaticamente no encosto do sofá. — Então, o que quer fazer?

Se Katherine estivesse aqui ela iria provavelmente me matar de raiva e constrangimento, ela é
mestre nisso. Começo a pensar no que Katherine faria se estivesse em meu lugar.

— Eu quero dançar.

— O quê? — Ross questiona, incrédulo, já que depois da nossa última dança tivemos uma briga
nada agradável.

— Eu quero dançar — repito e levanto do sofá, puxando Devon pelo braço. Ele apenas sorri e
assente enquanto me guia até a área onde a música ecoa mais alta.

As pessoas dançam em uma área aberta, a sacada. Seus corpos balançam sob as luzes coloridas e
a fumaça espessa, que é imposta vez ou outra por uma pequena máquina ao lado do DJ.

Aos poucos, deixo que meu corpo entre no ritmo da música, sentindo o olhar orgulhoso de Devon
sobre mim. Eu estou pulando e me divertindo como a maioria das pessoas e por alguns minutos isso é
tudo o que eu queria realmente fazer. Eu já nem ligo mais para o garoto que me observa e muito
menos para as pessoas suadas ao meu redor. Somos somente eu e a música.

Depois Ross aparece com as bebidas. Foram um, dois, três copos e o álcool na minha corrente
sanguínea já está bombeando adrenalina para todo o meu corpo. De repente, o lugar ficou quente
demais e eu estou me sentindo amarrada dentro de tantas roupas. Tiro com cuidado a minha blusa
xadrez de mangas, ficando apenas com uma camiseta branca que exibe parte do sutiã vermelho
rendado.

Bem melhor.

— Acho que já chega de bebidas para você hoje, Kiara. — Devon grita por cima da música alta.

Demonstro meu descontentamento em uma careta que envio em sua direção.

Volto a dançar ao som de alguma música eletrônica famosa. As pessoas e o clima aqui são tão
empolgantes que me permito esquecer do que realmente deveria estar fazendo. Mas pensando bem,
tem modo melhor de provar para Logan que ele não é tão inesquecível, do que me divertindo?

Entre um pulo e outro acabo me desequilibrando, mas a tão esperada queda não vem. Ross havia
me abraçado antes que eu caísse no chão, e como em uma cena de filme meus braços repousaram ao
redor dos seus ombros assim que ele me colocou de pé novamente.

Não demora para que nossos lábios estejam em total sintonia e intensidade. Devon Ross está me
beijando com todo o seu ser e eu estou retribuindo fervorosamente. Nenhuma memória me fez pensar
em como isso é errado, então apenas continuo.

— Você quer sair daqui? — Devon pergunta, entre um beijo e outro. Ele fica incrivelmente bem
com os lábios vermelhos e o cabelo da nuca preso em meus dedos.
Apenas assenti. Ross agarrou minhas mãos como um tesouro e me levou para dentro do
apartamento novamente. Aqui a música ainda é alta, mas não o suficiente para que não pudéssemos
escutar nossas respirações alteradas. Devon continua me guiando até o corredor, onde adentramos um
dos quartos. Antes que pudéssemos sequer fechar a porta, Devon volta a me beijar. Eu sou
gentilmente empurrada para trás até sentir a maciez da cama em minhas costas.

Ross sorri vitorioso, afinal ele vai finalmente transar comigo.

Ou pensou que sim.

Mas antes que ele pudesse se posicionar em cima de mim, algo o puxou para o chão.

Eu não vi o momento em que Logan apareceu aqui.

Eu juro que não.

Mas agora ele está desferindo socos em Devon como se isso fosse a missão de sua vida. Ross
tenta se defender, mas não é uma luta justa.

É como ver o próprio demônio lutando contra um simples humano.

Aiken está pintando o belíssimo rosto de Devon de vermelho. Estou apavorada.

— Logan, pare com isso. — Tento fazer com que minha voz se sobressaia ao som de socos e
arfos de dor.

— Nunca mais, em toda a sua vida, toque nela. — Aiken está furioso, mas o sorriso orgulhoso de
Ross diz que isso está longe de acabar.

— Aiken, pare. — Tento puxá-lo, é quase como mover um carro sozinha.

— Você está me ouvindo?! Não chegue perto dela novamente.

Eu não sou um objeto, e me sinto como um. Eu sou um maldito brinquedo sendo disputado por
duas crianças mimadas.

— Quer dizer que você se incomoda de eu pegar seus restos? — Devon consegue dizer entre um
soco e outro.

Isso é o fim.

Eu não sei dizer se Devon é suicida ou incrivelmente idiota.

Logan intensifica a briga.

Muito.
Eu já estou sem opções, então reúno toda a minha coragem para me jogar entre o próximo soco
que Aiken iria dar em Ross. Seu punho fechado trava no ar instantaneamente e eu posso sentir toda a
atmosfera de caos se dissipar.

Logan levanta, me lança um olhar mortal e diz com a voz baixa e rouca:

— Vamos embora.

Eu não quero ir com ele, mas eu não tenho escolha. O olhar que ele envia em minha direção é
profundo e cortante, então apenas aceno que sim com a cabeça e o sigo.

Antes de ir, olho para trás algumas vezes, quase que para conferir se Devon não está morto.

"Quer dizer que você se incomoda de eu pegar seus restos?"

É isso que eu sou? Restos?

Malditos restos que Logan despedaçou e jogou no ar?

Eu odeio cada parte de mim mesma. A parte que ainda tem sentimentos pelo garoto com costas
largas que anda na minha frente. A parte que quer entrar no seu jogo infantil. A parte que fez Devon
sair ferido. Mas principalmente a parte que quer me fazer chorar e mostrar o quão fraca eu sou.

Então eu dou ouvidos a essa parte e deixo que as lágrimas escorram pelo meu rosto.
"Garota, eu sei que você me ama.
Apesar que seus pais não confiam em mim, porra.

Mas eles devem estar certos.

(…)

Não respondo todas suas mensagens, garota eu te deixo fria.

(…)

Como se estivesse morrendo de vontade de dirigir, mas não consegue achar as chaves, agora.

Procurando por Deus, mas você está de joelhos.

Eu sou tudo que você quer, mas não o que você precisa garota, por quê?

(…)

Me diz, por que você ainda me ama?

Por que você me ama?


Você sabe que não deveria me amar.

Sim, você ainda me ama.

(…)

Todos os seus amigos dizem que me odeiam.

Deus, eu sou sombrio para caralho.

(…)

Sei que você faz essas merdas esperando que eu responda de volta." — Why, Bazzi

Sigo Logan pela garagem do prédio até encontrarmos seu carro.

As malditas lágrimas ainda enfeitam meu rosto, mas Aiken está andando na frente, ocupado
demais para se importar. Depois de toda essa merda ele nem sequer perguntou como eu estava.

Logan retira a chave do bolso traseiro do jeans e eu posso ver pela primeira vez o estrago em seu
punho.

— Me deixa ver sua mão, Logan — peço.

Aiken olha para trás rapidamente e balança a cabeça. Ele continua andando em direção ao seu
carro.

— Logan, deixa eu ver a porra da sua mão — grito e paro de acompanhá-lo.

Como uma maldita criança teimosa, ele faz uma careta antes de estender a mão ensanguentada em
minha direção. Hesito em pegá-la e avaliar o estrago.

Ter sua mão sobre as minhas é uma das melhores sensações que já experimentei. Sua pele sempre
morna é o chocolate quente que desejamos em dias de chuva, é como acender uma lareira em um
inverno rigoroso.

Eu sou inverno nesses últimos dias.

Logan me observa atentamente enquanto meus dedos varrem cada centímetro de pele. Seu olhar
cortante está direcionado ao meu rosto e um belíssimo sorriso de canto enfeita sua face. É como um
felino prestes a atacar uma presa.

— Você consegue dirigir? — pergunto, ainda com a sua mão entre as minhas.

— Bebê, você sabe que eu poderia dirigir até de olhos vendados. — Ele sorri e encara fixamente
meus olhos por alguns segundos, que mais se parecem dias ou anos.
Aiken encerra o contato entre nossas mãos e é como se estivesse arrancando uma parte de mim.

Eu gostaria de saber o que há com Logan. Gostaria de saber o motivo por trás de quem ele é.
Gostaria de entender o porquê de não poder amá-lo e ser retribuída. Mas eu sei que é uma batalha
perdida. Não importa pelo que ele passou, ou ainda vai passar. Aiken está programado para me
destruir.

Ele abre a porta pra mim e depois dá a volta no carro para entrar no banco do motorista.

Eu me lembro de como gostava de observá-lo dirigir. É incrível o modo como suas veias ficam
saltadas sobre o braço musculoso que segura o volante. Também me fascina quando vejo o pequeno
vinco que se forma entre suas sobrancelhas quando ele está atento ao trânsito.

Logan liga o carro e dá partida.

— Você sabe que não precisava ter feito aquilo — eu digo, olhando para a janela como se a
paisagem lá fora fosse mais interessante que seus olhos incriminadores.

— Ter feito o quê? Impedido minha garota de transar com um idiota? — Ele ironiza.

Eu não ouso olhar para o seu rosto, mas pela sua voz eu sei o quão bravo ele ainda está.

— Eu não sou sua garota, Aiken — falo, baixo dessa vez, voltando minha atenção para o homem
que dirige do modo mais sensual que eu já havia visto.

Quando dirigir se tornou algo sensual?!

— Você sabe que é. — Ele continua sério, observando o caminho à sua frente. — Não importa se
estamos juntos ou não, você é minha garota, Kiara.

Eu gostaria de bater sua cabeça naquele painel e gritar sobre como eu não pertenço a ninguém, ao
invés disso eu deixo com que as lágrimas venham novamente.

— Eu não sou sua, droga! — digo, entre um soluço e outro.

Aiken me olha pela primeira vez desde que saímos do estacionamento. Vejo sua pupila expandir
um pouco no meio da imensidão castanha. Ele fica bem na luz fraca dos postes. Ele fica bem nessa
jaqueta. Ele fica bem com esse pequeno vinco na testa. E acima de tudo isso, ele fica bem quando
quer foder comigo.

— O quê? Não chora, Kiara. — Ele afasta a mão machucada do volante e coloca sobre minha
perna. — Eu não sei o fazer quando você chora, porra.

— Por que você está fazendo isso, Logan? Por que você entra e sai da minha vida como se isso
não significasse nada? Por que você continua fazendo isso? Eu estou cansada. Você sabe como eu
gosto de você, e mesmo assim você continua me machucando e machucando as pessoas ao meu redor.
Por quê? — Os soluços não me impedem de gritar e jogar para fora tudo que estava preso em minha
garganta.

— Eu estava te protegendo de um idiota que só queria sua calcinha! E Deus sabe que se ele
tivesse avançado um pouco mais estaria morto. — Aiken não responde diretamente à minha pergunta.

Ele. Nunca. Responde.

Ele é sempre a porcaria de uma incógnita.

— E qual é o problema? Você também é um idiota, e isso não me impediu de dormir com você.
— Quando percebo o peso das minhas palavras já é tarde demais. Logan já tem um sorriso maligno
desenhado nos lábios e um olhar brincalhão direcionado a mim.

— Bebê, nós fizemos tudo, menos dormir — ele diz, com o sorriso ainda sustentado em seu
rosto.

É uma visão maravilhosamente infernal.

Alguns minutos depois, Logan finalmente estaciona em frente ao meu prédio.

Desço do seu esportivo preto e bato a porta com toda a minha força. Logan gosta de carros e
nesse momento eu estou totalmente inclinada a acabar com pelo menos uma das coisas que fazem
Aiken sorrir.

Quando já estou me afastando do veículo, ouço sua voz rouca me chamar. Viro ciente de que
qualquer coisa que ele faça, ou fale, ainda não é suficiente para me fazer esquecer essa noite.

— Respondendo a sua pergunta. — Ele olha para cima, mais especificamente para o teto do
carro. — Eu faço porque eu gosto.

— O quê?

— Você perguntou o porquê de eu machucar as pessoas, e eu estou respondendo. Eu faço porque


eu gosto.

Sou atingida em cheio pelo impacto das suas palavras e antes que eu possa responder qualquer
coisa, seu carro está longe.
"O adeus é a parte mais difícil.
Quando nos encontramos de volta ao começo.

Mas eu não sou tão corajoso, e eu não sou tão inteligente, não.

Estou te fazendo um favor, te fazendo um favor.

(...)

Desprezível.

Eu sou apenas um alimentador de fundo (uh huh)


Desprezível.

Eu nunca fui um guardião (oh não)


Desprezível.

(...)

E se eu fosse você, não me amaria.


Eu não me amaria." — Despicable, Grandson

LOGAN

Quando eu tinha dez anos de idade vi meu pai trair minha mãe com a moça responsável por
cuidar de mim.

Eu iria contar à mamãe.

Eu juro que iria.

Mas eu não consegui.

Eu fui fraco e apenas deixei com que tudo aquilo continuasse. Era um segredo que eu não
compartilharia com ninguém. Era um segredo grande demais para uma criança de dez anos. Era o meu
primeiro segredo.

Eu aprendi a guardar muitos desde então.

Quando completei quatorze anos, minha mãe me deu um cachorrinho de presente, e meu pai uma
espingarda calibre vinte.

Era um bonito filhote de Basset e eu depositei muito tempo em cuidar dele. Eu o alimentei; eu o
ensinei poucos, mas bons truques; eu dei banho nele; eu o dei um nome.

A porra de um nome.

Dar um nome a algo simboliza seu poder sobre aquilo, te dá o título de dono. Eu gostava de dar
nome às coisas que eu amava, e quando elas já tinham eu as presenteava com apelidos. Eu gostava de
ter esse controle sobre as coisas.

E eu amei aquele cachorrinho ao ponto de pôr seu nome de Sherlock.

Eu amava a droga do cachorro.

Um dia meu pai disse que me ensinaria a usar a espingarda de caça que ele havia me dado. Nós
fomos a um bosque fechado e eu lembro da insistência do meu pai em levar Sherlock.

"Um bom cachorro acompanha o dono até no inferno."

Haviam muitos pássaros e meu pai prometeu que só iria atirar em um. Pegou a arma entre suas
mãos, prendeu a respiração, mirou no topo de uma árvore, puxou o gatilho, e sorriu quando um
pássaro caiu morto ao nosso lado.

Depois ele me ensinou tudo que eu deveria saber para atirar tão bem quanto ele.

Portanto na minha vez de atirar, ao invés de um pássaro, papai pegou Sherlock e o amarrou em
uma árvore um pouco afastada de nós

— Atire no cachorro. — Instantaneamente senti o peso daquela arma.

— Não. — Meus olhos marejaram.

— Você tem que atirar no maldito cachorro, Logan.

— Eu não vou.

— Você sabe que vai. Você sabe que precisa. — Desta vez ele sussurrou em meu ouvido.

Era a própria serpente do jardim do Éden. E se até Eva cedeu a suas investidas, quem era eu para
não ceder?

Com os olhos embaçados perante as lágrimas que não cessavam, eu puxei o gatilho.

O som do disparo e os grunhidos de Sherlock, foram os únicos sons que romperam o silêncio.

A partir disso eu estava corrompido.

Caí no chão em prantos desesperados e me senti como o que eu realmente era: um assassino.

Gritei, chorei e implorei a Deus para voltar no tempo, porém não fui escutado. Talvez Deus não
desse ouvidos aos pecadores, pensei.

— Você me fez matá-lo! — Acusei o homem cuja todos os genes eu havia copiado.

— Está errado. Você fez porque quis. A arma estava nas suas mãos e o controle também — papai
disse enquanto apontava para a espingarda agora jogada na grama. — Logan, o amor nos torna fraco.
Quando amar algo tanto quanto amava esse cachorro, puxe o gatilho.

Ao chegarmos em casa nesse mesmo dia, minha mãe me perguntou onde o Sherlock estava e eu
disse que ele havia fugido bosque adentro, e que mesmo depois de horas procurando, não o
encontramos em parte alguma.

Esse era o meu segundo segredo.

Dias depois minha mãe, com pena, me deu outro cachorro.

Nesse eu não coloquei nome, eu não alimentei, não dei banho, não dei sequer atenção.

Mas eu o amei.

Amei em segredo, assim como amava muitas outras coisas.

Depois que deixei Kiara em casa, me pus a pensar nos porquês de ser quem eu sou hoje.
E esses pensamentos estão me matando.

Pego um cigarro e coloco entre os lábios. É impossível não fazê-lo sem lembrar do dia em que
me ensinaram a tragar um desses.

Eu havia me envolvido com alguns garotos, que de acordo com minha mãe eram más influências,
mas eu insistia em dizer que companhias ruins não afetam cabeças boas.

Ou era mentira, ou minha cabeça não era tão boa quanto pensei.

Porque eu me deixei envolver.

— Você acende, inspira a fumaça, segura e solta devagar. É simples — disse Brandon, me
estendendo um de seus cigarros baratos.

Eu testei e agora sou um usuário assíduo.

Eu passei a fumar escondido de madrugada e meu acúmulo de segredos estava crescendo.

Aos dezesseis anos eu tive minha primeira namorada, minha primeira transa, meu primeiro
cigarro, minha primeira briga na escola, meus primeiros descontroles emocionais.

— Ele não tocou em mim, eu juro! — Liris gritava enquanto tentava, inutilmente, me segurar.

— Seu desgraçado! Eu vou te matar — eu disse, antes de fechar o punho e o bater contra o rosto
de um dos garotos que estavam no mesmo restaurante que Liris e eu.

Foi a primeira vez que eu senti o sangue de outra pessoa sobre minhas mãos.

Eu não gostava da sensação, juro que não.

Mas eu passei a gostar do poder e do respeito que ela me dava.

Porque depois disso nenhum outro garoto na cidade chegou perto de Liris.

Quando completei dezoito eu sabia que precisava ir embora se quisesse frequentar a faculdade e
ser alguém no futuro.

Minha mãe chorou como eu nunca havia visto antes. Ela se recusava a acreditar que o menininho
que ela tanto amava estava crescendo e iria embora. Ver ela chorando daquele jeito me fez pensar no
quanto ela sofreria se eu decidisse contar alguns dos meus segredos para ela.

Eram muitos.

Era um número feio de segredos sujos.

Então enterrei eles mais fundo para que ela não descobrisse nenhum deles.
Dois meses depois minha mãe faleceu e eu senti o peso do mundo desabar sobre mim.

O peso das minhas mentiras.

O peso do arrependimento.

Não olhei para trás quando peguei minhas coisas e fui embora.

"Um bom cachorro segue o dono até no inferno"

Meus problemas me seguiam como um cão fiel.

Eu gostaria de ter conhecido Kiara em uma realidade paralela onde eu sou um cara de boa
família sem toda essa merda no histórico.

Gostaria de ter a possibilidade de amá-la.

Por isso, na minha próxima vida eu irei procurá-la o mais cedo que eu puder.

Em uma próxima vida, esse é o único lugar onde posso realmente retribuir os seus sentimentos.

Eu me apaixonei por Kiara, e apertei o gatilho quando percebi isso. Mas eu errei o tiro e acabei
me apaixonando ainda mais.

Agora eu estava tentando desesperadamente apertar o gatilho novamente, mas ele parecia ter
emperrado duro entre meus dedos.

Eu fui um fraco em obedecer meu pai, fui fraco em errar com as pessoas que me amam, fui fraco
em cair nos vícios mais mundanos, e vou continuar sendo fraco.

De repente a fraqueza não estava só no amor, estava em qualquer um que fosse humano.
"Nosso destino mente nas mãos das coisas que amamos, e às vezes as coisas que nós amamos são
as coisas que nos levam a nossa própria destruição." — R. M. Drake.

Eu não sei o ponto exato em que Logan e eu começamos a desandar.

Sabe aquela analogia clichê de que amar é como estar em uma montanha russa? Ela é muito mais
do que real nesse caso. Aiken e eu estávamos no topo e de repente caímos com tudo.

A queda não foi bonita.

Foi dolorosa, angustiante e me fez gritar horrores.

No começo do nosso relacionamento as coisas fluíam bem. Malditamente bem. Mas em algum
ponto a gente se perdeu e tudo ficou conturbado. Foi como acordar de um sonho bom. Logan começou
a mostrar quem ele realmente é, e doeu.

Ele se mostrou alguém diferente.

Uma vez eu li em algum lugar que todos nós temos duas faces. Uma que mostramos a todos e faz
parte do nosso cotidiano. E outra que só aparece em medidas de desespero, em meio ao caos, em
meio a confusão, e que nós não mostramos a ninguém. Escondemos a nossa segunda face porque ela é
feia demais para se mostrar a alguém.
Logan tinha duas faces.

E eu conhecia as duas.

Por muito tempo me perguntei os motivos que o tornaram quem ele é hoje. Portanto eu não iria
aceitar aquela resposta.

Eu não aceitaria saber que ele machuca as pessoas porque gosta.

Eu sei que não é verdade.

Eu sei que no fundo ele não gosta de machucar as pessoas, e talvez ele até se importe.

Eu ainda estava subindo e descendo na maldita montanha russa.

E não havia previsão para parada.

(…)

Na segunda-feira, eu esperei que Devon fosse ao campus. Eu queria pedir desculpas pelo
comportamento estúpido de Aiken.

Aliás, eu estava acostumada a limpar a bagunça de Logan.

Mas Ross não compareceu às aulas e nem ao treino. Provavelmente ele está muito dolorido, ou na
melhor das hipóteses ele só está com vergonha de aparecer aqui todo ferido.

— Você vai continuar com o plano, não vai? — Kat pergunta, quando me encontra na biblioteca.

Ela com certeza já sabe do ocorrido da noite anterior, mas mesmo assim sua insensibilidade
gritante vai me infernizar para continuar com isso.

— Você não soube o quão machucado Devon ficou? Logan está completamente louco e pode
acabar ferindo outras pessoas.

— Qual é, Kiara! Será que eu vou ter que te bater até você acordar pra vida? — Katherine
suspirou e apoiou a cabeça em uma estante de livros que ironicamente são sobre concursos para a
polícia.

Deus, eu estou apenas aguardando o dia em que Katherine será presa por algum delito fruto de
seus planos mirabolantes.

— Você não entende a gravidade disso. Você não viu a fúria nos olhos de Aiken. Se eu não
tivesse me jogado entre eles, Logan teria matado Devon. — Tento de alguma forma fazer com que a
loira na minha frente entenda o quão sério isso é.

— Vamos fazer assim, se Logan continuar com as provocações, você continua também. — Ela dá
de ombros, como se estivesse sugerindo algo simples e normal.

É inútil tentar discordar, então apenas assenti e suspirei em silêncio.

— Afinal, o que diabos você está fazendo na biblioteca? — pergunto, depois de finalmente notar
o fator incomum desse momento.

Katherine Evans é bonita, inteligente, tem senso de humor, sorriso fácil e cursa jornalismo. Mas
apesar disso ela detesta uma coisa: livros físicos. Kat não gosta da textura do papel, nem do cheiro, e
muito menos da devoção que algumas pessoas têm por seus livros. Ela é um tanto quanto… peculiar.
Ela preferia mil vezes ler algo online ou em PDF do que ter que passar folhas e usar marcadores.

— Não é óbvio?! Estou procurando um livro. — Suas bochechas ficam vermelhas quando ela
pega de modo desajeitado qualquer um dos livros na fileira à sua frente e finge estar lendo a sinopse.

— Além de péssima mentirosa, é uma péssima atriz. — Constato em voz alta, o que lhe provoca
um olhar quase enfurecido.

— Você por acaso já viu o novo cara que trabalha aqui? Eu vi ele organizando a seção de
romances outro dia. Ele estava segurando um exemplar de Cinquenta Tons Mais Escuros e foi a cena
mais sensual que eu já vi. — Ela confessa e começa a olhar ao redor, talvez procurando o tal cara.

Eu só consigo me questionar sobre os exemplares que eles estão disponibilizando em uma


biblioteca estudantil.

Depois de ser arrastada por alguns corredores e ter derrubado muitos livros no percurso,
Katherine e eu finalmente chegamos ao que parece a seção de ficção científica. Ela sorri estonteante
e aponta discretamente para um garoto sentado com uma pilha de livros.

— Ele não é bonito? — pergunta, com seus olhos ainda presos no cara de cabelos claros e olhos
atentos aos livros.

Ele não é feio, não mesmo.

— Sim, ele é. Por que você não vai falar com ele? — Kat é a pessoa que mais flerta em todo o
campus, perdendo apenas para Logan, é claro.

Na verdade, Katherine e Aiken têm muitas coisas em comum. Eles não fazem ideia disso, mas são
como irmãos gêmeos separados na maternidade. Flertes, beleza, charme, piscadas de olho,
sensualidade e relacionamentos de um dia.

Terrivelmente parecidos.

Nesse momento é estranho ver Katherine tão envergonhada. Em um dia comum ela já teria o
número de telefone daquele cara, porque não é difícil para ela. Kat só precisa piscar e pedir.

Comigo sempre foi diferente. Eu não sou feia, sei que não. Mas ter Katherine como minha melhor
amiga é simplesmente ofuscante. Ela é como uma deusa, e eu uma simples estudante universitária
com o coração quebrado. O brilho de Kat é maior que o meu e ele vem me ofuscando há anos.

— Falar sobre o quê? Sobre os milhares de livros que eu nunca li?! — ela pergunta, cercada de
ironia.

Apenas balanço a cabeça em negativo e a puxo para fora dali. O cheiro da biblioteca deve estar
afetando os seus neurônios.

— Você acha que eu devia ir na casa do Devon? Sei lá, me desculpar ou… — pergunto, voltando
ao nosso assunto inicial.

— Não, talvez o Devon esteja com raiva de você, e isso não acabaria bem. Ele tem treinos
importantes antes do campeonato. Tenho certeza que amanhã ou depois ele vai aparecer por aqui. —
Ela me lança um sorriso tranquilizante e me acompanha até a saída da universidade.

— Sabe, eu queria te apresentar para um amigo. — Lembro. — Que tal sairmos hoje ou amanhã?
Eu vou ligar pra ele e ver quando ele está disponível.

— Ele é gato? — Seus olhos verdes brilham em interesse.

— É, mas acho que ele não joga no seu time. — Sorrio.

Eu queria esquecer Logan e Devon por pelo menos uma noite, e da última vez que eu tentei
Andrew ajudou bastante.

— Tudo bem. — Ela concorda.

Eu estou ciente de toda essa droga entre mim e Logan, mas estou feliz por ter amigos com quem
eu posso contar.
"Eu não sei se deveríamos ficar juntos sozinhos.
Eu ainda tenho uma queda, isso é óbvio.

Se não tem ninguém em volta, o que está nos impedindo?

Onde quer que eu vá, você aparece, tanto faz.

Eu não me importo em compartilhar oxigênio.

Eu só quero ficar perdido em seus pulmões.

(…)

Eu não acho que devemos estar perto do outro.

Quando você está na sala, você tem meus olhos.

Você abre sua boca, eu estou hipnotizado.


Eu posso fazer você rir até você chorar.

Você sabe que tem toda a minha atenção.

Você sabe que tem tudo meu." — Single, the neighbourhood

— Isso é vermelho tentação ou rubi? — Andrew pergunta, enquanto segura a mão delicada de
Katherine entre as suas mãos igualmente bem cuidadas.

— É carmesim — ela responde sorrindo largamente.

Bato minha cabeça na mesa desistindo definitivamente de participar do assunto. Quem se importa
com a droga do esmalte que Katherine está usando?!

Hoje é quarta-feira, e eu havia finalmente apresentado Drew a Katherine.

Deus, como eu estou arrependida!

Nós estamos aqui há cerca de meia hora e eles parecem melhores amigos se reencontrando
depois de anos separados. O tema das conversas já foram de gostos musicais até roupas e acessórios.
Eu não poderia estar mais excluída da situação do que agora; sentada no banco de um bar qualquer
com a testa apoiada na mesa e pensamentos voando longe.

Minha imaginação criativa está presa entre matar Andrew e Katherine rápido e não precisar
ouvir mais toda aquela merda, ou matá-los devagar e aproveitar cada minuto da tortura.

Eu achei que apresentá-los seria como unir dois grandes amigos, mas não imaginei que essa união
me deixaria totalmente excluída.

E eu odeio ser excluída.

Acho que é algum tipo de configuração humana. Não gostamos de ser abandonados, porém por
muitas vezes acabamos abandonando pessoas também.

— Não olhem agora, mas tem um cara muito gato vindo em nossa direção — Drew fala com
entusiasmo quase palpável.

Eu quero levantar a cabeça e observar sua expressão ou a pessoa que está vindo até nós,
entretanto acho que é muito promissor ficar com o rosto escondido para sempre. Irá me poupar de
possíveis constrangimentos.

— Droga! Kiara, levanta daí agora. — Sinto Katherine tentar me chutar por debaixo da mesa,
mas seu pé não chega até mim.

Levanto e volto a olhar a feição dos traidores sentados na minha frente.

Katherine tem uma expressão assustada e seus olhos focaram em algo atrás de mim. Já Andrew
tem um sorriso maldoso e olhos brilhantes.

Eu sei que tipo de pessoa provoca essa reação.

— Posso sentar aqui? — Logan pede, apontando para a cadeira ao meu lado.

— Nã…

— Sim — Andrew praticamente grita, antes mesmo que eu possa terminar meu discurso de
expulsão.

Eu não posso culpá-lo. Andrew não faz ideia de quem Logan é e é difícil não aceitar a companhia
de alguém tão bonito. A beleza de Logan é óbvia, o que não é evidente são as mentiras que saem de
seus lábios em forma de promessas.

Aiken sempre dominou a arte da mentira.

Ele é bom nisso.

Logan senta ao meu lado e sorri cínico.

— Você está me seguindo? — pergunto. Essa foi a vez de Katherine apoiar a testa na mesa,
voltando para a posição na qual eu me encontrava segundos antes. Andrew nos encara confuso, mas
ainda lança um sorriso malicioso na direção de Logan.

— Não, eu só estava passando quando vi vocês aqui e decidi entrar para dar um oi. — Ele sorri,
e eu posso ver labaredas de fogo dançando em suas íris negras.

Hipnose

— Então vocês se conhecerem? — Drew especula, levando toda a atenção da mesa até ele.

— Logan é um amigo de longa data — eu afirmo.

Logan solta uma risada suave e tão gostosa quanto uma música ouvida à distância.

Ele deveria ser preso por perturbar a paz.

Tenho certeza que meu rosto está mais vermelho do que o esmalte de Kat.

— Sei... — Andrew chama o garçom. — Eu quero três cervejas e para o cavalheiro ali um…

— Uísque — Aiken completa.

Isso está errado em tantos níveis. Logan em uma mesa com meus amigos, pedindo uma bebida
como se nunca tivesse partido meu coração em dois.

É uma ambivalência sem limites.


Eu quero Logan, porque eu o amo. E não posso aceitá-lo porque me machucaria.

Eu quero ser cada cigarro que ele põe nos lábios. Assim como também, sombriamente, desejo
que isso o mate.

Katherine levanta a cabeça minutos depois apenas para nos lançar um olhar sanguinário e beber
sua cerveja. Eu imagino o quão ruim deve ser ver alguém que você ama se machucar por conta das
próprias escolhas, mas nesse momento não há muito que eu possa fazer.

Porque eu não quero fazer nada.

Eu o quero aqui essa noite.

É errado, e eu desesperadamente quero.

— Eu sou Andrew, amigo da Kiara. — Drew deve ser muito lerdo se ainda não percebeu que
Aiken é o namorado problemático do qual eu já havia falado antes. A tensão na mesa e o desconforto
são evidências nítidas de que ele não é bem-vindo.

Talvez a beleza cegante estivesse interrompendo todo o sistema sensorial de Andrew.

— Onde vocês se conheceram? — Aiken pergunta, em seguida dá um gole na bebida amarelada e


de cheiro forte.

Ele sempre preferiu uísque.

Ele gosta de coisas fortes.

E eu não sou uma dessas coisas, porque perto dele eu sou tão frágil quanto vidro.

— Ela estava quebrando um carro com um taco de baseball em uma loja de "quebre o que
precisar". — Ele faz aspas com os dedos. Outra coisa que tenho que anotar na minha lista de
observações sobre Drew: ele não sabe contar uma história. — Vocês deveriam ter visto o que ela fez
com o carro.

— Sério?! Eu já devo ter levado ela em um lugar parecido. — Ele sorri me olhando. E ainda me
olhando, dá outro gole na bebida que um dia acabará com seu fígado.

Logan está brincando com a situação, está cruzando todos os limites e dando uma aula de
cinismo.

É um show impressionante.

— Você já acabou com o teatrinho, Logan? — Katherine pergunta, e pela sua expressão eu posso
dizer que há muito rancor ali.
Andrew a olha prestes a questionar a situação, mas é interrompido.

— Não, Katherine. — Ele apoia as costas no encosto do banco e senta de forma mais relaxada.
— Eu ainda nem comecei, na verdade.

— Vamos embora. — Kat bate a palma da mão na mesa e se levanta tão bruscamente que quase
derruba as garrafas de cerveja quase cheias.

— O quê? Por quê? Eu estou gostando de ficar aqui… — Drew junta as sobrancelhas em uma
expressão clara de confusão interna.

— Vamos para um lugar onde ele não esteja — ela diz.

Katherine está certa de sua decisão, não seria eu a pessoa a convencê-la de respirar o mesmo ar
que Logan.

Apesar de eu acreditar que de alguma forma o ar ficava mais caótico ao seu lado, eu gostaria de
ficar.

Mas não vou.

Levanto da mesa e lanço um olhar para Drew que explica o quão importante é ir embora agora.
Acho que ele entende meu recado, porque se levanta também, voltando apenas para cumprimentar
Logan.

— Não querem uma carona? Eu estou de carro — Logan grita quando estamos passando pela
porta.

— Enfia no seu… — Kat não completa a frase porque Andrew tampa sua boca, provavelmente
nos poupando de uma grande vergonha.

Eu ainda posso ouvir a risada de Aiken quando deixamos o bar.

Deus, eu amo esse som.


"A melhor maneira de começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela,
também." — Oscar Wilde.

Enquanto nos afastamos do bar, eu encaro as costas de Katherine, que anda rápido na minha
frente.

Se eu estou brava com Logan, ela está furiosa.

Andrew caminha ao meu lado, ainda sem entender o que havia acabado de acontecer. Decido que
será mais fácil se eu o contar que ele deixou o diabo sentar em nossa mesa e beber conosco.

— Logan é meu ex namorado — eu explico baixinho.

Drew levanta a cabeça e me encara com os olhos cinzas bem abertos e assustados. Eu quis rir de
seu espanto.

— Me desculpa, Kiki. Se eu soubesse eu jamais teria deixado ele nos fazer companhia. — Drew
parece sincero.

— Tudo bem, afinal se você tivesse dito que não, ele teria sentado lá do mesmo jeito. — Dou de
ombros enquanto olho as órbitas cinzas brilhantes de Andrew.
— Uau, você ficou com aquele deus grego? É informação demais para mim. — Drew finge estar
se abanando com as mãos e eu rio.

Sua reação é a mesma da maioria das pessoas.

No campus eu não sou Kiara, a estudante de administração.

Eu sou Kiara, a garota que transava com Logan Aiken.

As pessoas costumavam me chamar de sortuda e algumas até me parabenizaram pelo mérito.


Ficar com Logan me causou muitos prejuízos e posso dizer que minha reputação é um deles.

Porque eu não tinha uma reputação antes de Logan aparecer.

E agora eu tenho.

— Isso até ele me trair com um número sujo de pessoas — eu deixo escapar.

A rua está vazia e fria, as estrelas são visíveis mesmo que haja um pouco de neblina nos
circulando.

— Sinto muito por isso.

— Não sinta, ela está melhor sem ele. — Katherine se pronuncia pela primeira vez desde que
saímos do bar.

Kat deve ser cega se não consegue perceber a falta que ele me faz.

— Eu achei ele bem simpático — Drew comenta.

— Tudo faz parte do joguinho de manipulação dele. — Katherine tem ódio se esvaindo em forma
de palavras. — Ele não iria descansar enquanto não tivesse afetado a Kiara.

— E quem disse para você que eu me deixaria ser afetada? — pergunto.

Eu sinto que Katherine não confia em mim. Ela não acredita que eu ficaria longe de Aiken e muito
menos que eu seria forte diante das suas investidas.

Mas não posso culpá-la, eu também não confio em mim.

— Nós sabemos que na primeira oportunidade você voltaria correndo para os braços dele — Kat
diz e em seguida me olha com uma cara de "isso é mais do que óbvio".

Dói pra caramba.

— Isso não é verdade. Fui eu quem terminei com ele. Eu não voltaria assim tão fácil. — Eu minto
para ela, mas admito para mim mesma que talvez minha fala fosse duvidosa.
— Sério?! Não pareceu quando você o permitiu sentar com a gente. — O vento balança os fios
loiros de Katherine, mas ainda não é suficiente para cobrir o verde furioso de seus olhos.

— O que você queria que eu fizesse? O expulsasse de um bar público? — pergunto.

Eu não poderia simplesmente ter o obrigado a deixar o bar só porque nós estávamos lá.

— Agora veja, ele está no bar em que nós deveríamos estar. — Kat bate as mãos na calça em
sinal claro de raiva.

Ela parece até mesmo frustrada.

— Foi você quem quis ir embora, Katherine — eu argumento.

Andrew passeava seus olhos entre nós e apenas acenava vez ou outra com a cabeça.

— Eu fui embora porque seu namoradinho estava acabando com minha noite! — ela aumenta o
tom de voz.

Não faz o menor sentido. Logan sequer havia dado atenção à ela antes que ela o chamasse para
uma discussão.

— Não seja exagerada, Kat. Logan mal olhou em sua direção antes de você o chamar.

Katherine ergue as sobrancelhas claras e eu vejo a sombra de um sorriso em seus lábios.

— Está vendo! Você o defende até quando ele não está por perto para lhe agradecer.

— Eu não estou defendendo Logan, estou me defendendo — explico, inutilmente.

— Você é uma ingrata, Kiara.

— Gente eu acho que já… — Andrew tenta, provavelmente, nos fazer parar com essa discussão
ridícula. Mas é impedido pelas palavras que saem da minha boca.

— Ingrata? Eu?

— Sabe, quando todos os seus amigos te abandonaram eu pensei em como eles eram uns idiotas,
mas agora eu os entendo. Você vai ser sempre uma garota carente implorando pelo amor de um cara
que obviamente não quer nada além de transar com você. Seus amigos deixaram você, porque é
tolice tentar ajudar alguém que não quer ser ajudado.

Dói.

Dói muito.

Talvez esteja doendo mais do que eu posso aguentar.


— Então vá em frente, Katherine. Acho que essa é sua vez de ir embora.

— Não me procure quando perceber que ele está acabando com você de novo — ela diz, antes de
acenar para Andrew, se virar e ir embora.

Katherine continua seu caminho para casa.

Ela foi embora.

Kat diz que meus amigos me deixaram, porque é tolice tentar me ajudar.

Eu digo que eles me deixaram, porque é muito mais fácil.

Ir embora é fácil.

As pessoas costumavam ir embora, porque a intensidade assusta. Acompanhar o ritmo é difícil.

E agora Katherine tinha desistido.

— Você está bem? — Drew pergunta, enquanto sustenta seu olhar no meu.

— Eu acho que sim.

— Quer que eu te acompanhe até em casa? — Sua voz é cuidadosa e até um tanto constrangida.

Eu não quero companhia.

Eu quero ficar sozinha.

Mas eu estou com medo. Medo de ficar só e Drew ir embora também.

— Quero.

Enquanto fazíamos o caminho para minha casa, as palavras de Katherine martelavam em minha
cabeça. Era uma visão assustadora de mim mesma. Era a visão que ela tinha de mim.

Uma garota carente e desesperada pela atenção de um idiota.


"Não se pode ir longe na amizade sem se estar disposto a perdoar os pequenos defeitos um ao
outro." — Jean de la Bruyère

Eu andava pelo extenso gramado do campus quando meus olhos avistaram ao longe Katherine.

Já faz dois dias que nós não nos falamos e isso é agonizante. Eu gostaria de contar a ela sobre
como foi minha última prova, ou conversar sobre como o uniforme das líderes de torcida pareciam
ter sido rasgados propositalmente. Eu queria conversar sobre amenidades e talvez até perguntar onde
estava aquele cara com quem ela estava saindo.

Mas eu não queria entregar o jogo agora. Katherine havia sido dura comigo e eu esperava que ela
se tocasse disso.

Dois tímidos toques em meu ombro me despertam para a realidade e eu me viro.

Eu esperava algum amigo do curso, um professor ou até mesmo Logan. Em momento algum eu
imaginei ver Devon Ross com uma rosa na mão, me encarando como um cachorro que caiu da
mudança.

Eu procurei Ross para me desculpar por muito tempo, mas agora isso não parecia tão certo,
afinal ele havia descaradamente me chamado de "restos".

Seu supercílio apresenta uma cicatriz e ainda há alguns roxos em suas bochechas delineadas.

Ele está pedindo pra morrer, porque é o que vai acontecer se Logan vê-lo aqui.

— Nós podemos conversar, madame? — ele pergunta, e usa o apelido que havia me dado dias
atrás.

Eu não tenho muitos assuntos com Ross, mas se ele continuasse aqui alguém contaria a Logan e aí
sim eles teriam um assunto para resolver. Por isso apenas concordo e o puxo em direção a sala de
música mais próxima.

Quando entramos na sala, fecho a porta atrás de mim e cruzo os braços encarando-o.

Seja lá o que ele tenha para falar, não é muito do meu interesse no momento.

— Olha, Kiara, eu sinto muito por sábado. — Ele começa. — Eu não queria ter apressado tanto
as coisas entre nós e muito menos ter conseguido uma briga com Aiken.

— Esse não é o problema, Ross. Eu não o culpo por ter apressado as coisas e muito menos por
ter se envolvido em uma luta com Logan. Eu o culpo por ter dito em alto e bom tom que eu não
passava dos restos dele — digo, realmente frustrada por ter que voltar para esse pensamento.

Assisto o mar verde e agitado dentro das íris de Devon se moverem pela sala. Se ele não
lembrava das palavras que disse, lembrou agora.

— Madame, eu disse isso da boca pra fora. — Ele parece, no mínimo, arrependido. — Eu nunca
diria isso se eu não estivesse em uma situação tão…

Devon procura as palavras.

Mas eu já sei quais eram.

— Masculina. Se não estivesse em uma situação onde seus hormônios pensam mais que a sua
cabeça — completei e o vejo assentir timidamente.

— Me desculpa, Kiara. — Ele se aproxima um pouco mais e com os dedos hesitantes segura meu
queixo já inerte. — Me desculpa por te envolvido em algo que era somente entre mim e Logan.

Eu vejo sinceridade em sua expressão.

— Eu perdoo você.

Devon abre um enorme sorriso e se aproxima ainda mais.

Muito mais.
— Então, nós podemos voltar de onde paramos? — Ele me entrega a rosa que eu já havia
esquecido que estava em sua mão.

Aceito a rosa e em seguida me desvencilho de seus dedos.

Eu não estou pronta para terminar o que comecei no sábado.

— Eu acho que, por agora, minha amizade é suficiente. — Minha voz é firme assim como minha
postura.

Ando até um cesto de lixo e deposito lá a rosa vermelha cheia de espinhos que ele provavelmente
havia pego em algum jardim no caminho.

— Kiara, eu já me desculpei. — Ele é quase suplicante.

— E eu já o perdoei.

— Então qual o problema? — ele pergunta, curvando suas grossas sobrancelhas escuras em um
arco de dúvida.

— Eu o perdoei, mas isso não quer dizer que eu vá cometer o mesmo erro duas vezes. Não vacile
comigo de novo, Devon. Ou terá menos do que minha amizade. — Eu lhe lanço um sorriso e sem
pensar duas vezes deixo a sala.

É fácil.

Ser dura com Devon era fácil.

Eu queria ter metade desse pulso firme com Logan, mas até Deus sabe que quando eu me
aproximo dele minha pulsação cai em todos os sentidos.

É ridículo, constrangedor e me faz parecer impotente.

Mas eu devo admitir minha impotência diante dele.

Eu sou um maldito fantoche na peça teatral que é Aiken.

Parte de mim está uma confusão e a outra parte está orgulhosa de si mesma pelo trabalho com
Devon. Eu me parabenizo internamente e ao mesmo tempo me condeno.

Você fez isso para se proteger de uma possível mágoa com Ross.

Mas ele não merecia que você tivesse sido tão dura.

Existe um anjo e um demônio, cada um em um lado do meu ombro. Eles sussurram orações e
maldições em meus ouvidos. E eles quase caem quando em meio a toda essa confusão, eu escorrego e
esbarro com alguém muito apressado.
— Desculpa… — Eu ia começar meu discurso sobre como eu estava com a cabeça em outro
lugar e sobre como eu sentia muito por ter escorregado.

— Kiara?! — Sou interrompida.

— Eu te conheço? — pergunto ao garoto de cabelo loiro e óculos de grau.

— Você trabalha no Carrick's, certo? — Eu assinto e continuo vasculhando meus arquivos


mentais em busca de alguém parecido com o garoto a minha frente. — Meu nome é Kian, eu te pedi
ajuda com uns livros.

Automaticamente me lembro do garoto simpático que havia ido ao Carrick's em busca de um


livro para sua namorada.

Eu lhe indiquei o Apanhador no Campo de Centeio.

— Ah, Kian Nighy! — eu exclamo, finalmente.

— Isso. — Ele sorri. — Eu sou o mais novo ajudante da biblioteca e estava levando esses livros
para a doação.

Noto pela primeira vez a grande caixa de papelão em suas mãos. Eu devo estar muito drogada se
não havia a notado ali antes. Minha mente voa até o dia em que Katherine me apresentou de modo
clandestino o novo empilhador de livros de ficção. Eu não reconheci Kian.

E o que alguém que não entende nada de livros faz trabalhando em uma biblioteca?

— Eu acho que devo ter te visto por lá — comento e depois volto minha atenção para a caixa
recheada de livros. — Eu não fazia ideia que eles doavam livros aqui.

— São todos os livros com mais de quatro exemplares no estoque. Alguns rasgados e outros
ilegíveis em algumas páginas devido a última chuva que alagou uma parte da biblioteca — ele
explica. — Eles são deixados em uma outra instituição aqui perto, gostaria de me acompanhar?

Eu não tenho muito o que fazer sem Katherine. Minhas aulas já acabaram por hoje e meu trabalho
só começa daqui algumas horas, então concordo.

— Claro.

(…)

Kian é muito divertido e eu agradeço muito a sua companhia. A coincidência de nosso encontro
havia me salvado nessa tarde.

A instituição da qual ele havia falado é uma instituição infantil. Nós conseguimos assistir o
sorriso das muitas crianças que pegavam os livros e tinham o prazer de finalmente chamá-los de
seus.
— É incrível, não é?

— O quê? — eu pergunto.

— O sorriso delas ao segurar um livro ou ler a primeira página. — Os olhos de Kian brilham e é
realmente uma cena linda.

Depois que saímos de lá aproveitamos para almoçar ali perto e agradeço por a cidade ser
pequena, caso o contrário precisaríamos andar léguas.

— Como vai sua namorada? — pergunto enquanto levo meu copo de suco aos lábios.

— O nome dela é Samantha, ela está bem. — Ele sorri a princípio, mas em seguida dá uma longa
gargalhada.

— O quê? O que há de tão engraçado? — Passo a mão na boca checando se não estou suja de
comida ou algo assim.

— Eu te conheci hoje, praticamente, e nós já estamos almoçando juntos e falando da minha


namorada. — Finalmente posso compartilhar de sua risada.

É impressionante como pessoas como Kian e Drew passam uma energia confortável. Eu posso
conversar com eles por apenas dois minutos e sei que seremos bons amigos em breve.

— Ao início de uma nova amizade. — Eu levanto o copo e proponho um brinde que é aceito com
sucesso.

— Ao início de uma nova amizade.


"Eu passo mais noites em casa me apaixonando pela ideia de você." — Michael Faudet
— Com o movimento de hoje é capaz de que o mundo tenha acabado lá fora — resmunga Carrick
antes de voltar para seu escritório e bater um pouco dramaticamente a porta.

Eu entendo o que ele falou.

Hoje é quarta-feira e por algum motivo esse é o dia em que fazemos mais vendas, mas hoje em
específico a loja está tão vazia que tudo vira motivo de atenção. Qualquer pequeno barulho toma a
atenção de todos os vendedores. Já esteve em uma situação onde tudo é tão tedioso que ficar olhando
uma parede estampada se torna um trabalho muito interessante? Quero morrer ao encontrar uma falha
de continuidade na estampa.

Amanda masca um chiclete terrivelmente barulhento. Eu estou sentada apenas olhando para o
papel de parede. Olhando, olhando e olhando. Tom está contando o número de CDs do Elvis Presley
e Emily revira os olhos a cada número dito em voz alta.

Somos uma equipe de vendedores entediados.

Mas nossa atenção é tomada quando escutamos o sininho em cima da porta tocar, anunciando a
entrada de alguém.
Me arrependo de ter olhado para a porta.

Seu cabelo espesso e escuro está parcialmente embaraçado e seus olhos vermelhos de cigarro
são um forte indício de seu vício. Ele parece ter acabado de acordar e ainda assim parece incrível.
Não só aos meus olhos, mas aos de Amanda também. Eu posso vê-la exibindo o decote e sorrindo um
pouco mais largo do que o habitual.

Ele caminha pelo caixa e não direciona sequer um olhar para Amanda ou para a borda do seu
sutiã preto. Os olhos azulados da garota se contorcem em uma expressão triste e eu sinto pena dela
por ter sido mais uma vítima do efeito Logan sobre as mulheres.

Ele vem direto até mim e ao chegar perto o suficiente abre um grande sorriso e me encara.

Apenas isso.

Sorri, me encara e espera em silêncio.

— Você está muito chapado ou só está esperando que eu te expulse daqui? — pergunto, voltando
minha atenção para o papel de parede florido.

— Nada disso, Bebê. — Ele olha ao redor. — Eu estou esperando ser atendido.

— Ótimo, eu vou chamar o Tom. — Eu estava prestes a gritar pelo homem entediado contando os
CDs quando Logan revira os olhos e se manifesta.

— Eu não quero que ele me atenda, eu quero que você me atenda. — Logan une as sobrancelhas
em uma expressão de obviedade e me observa com o peso de seus olhos escuros.

É minha vez de revirar os olhos.

— Eu amo quando você faz isso com os olhos. — Ele pisca e se aproxima o suficiente para
sussurrar em meu ouvido. — Principalmente quando você faz isso na cama.

Ignoro seu comentário e reúno todas as minhas forças para continuar.

— No que eu posso ser útil? — perguntei e faço uma nota mental para nunca mais contar onde
trabalho para nenhum garoto com quem eu namore daqui pra frente.

Mas esse é outro problema.

Logan não é só um simples ex namorado. Ele é mais que isso.

Muito mais que isso.

— Em muitas coisas, Bebê. — Ele sorri, cínico como de praxe. — Mas nesse exato momento eu
preciso de novas luvas de boxe.
— Você está brincando com a minha cara, não está? Você não precisa de uma luva de boxe,
Aiken.

Logan tem dinheiro. Ele não precisava vir no Carrick's para comprar luvas de boxe. Aiken pode
fazer isso em uma loja de esportes ou qualquer coisa do tipo.

— Bom, na verdade, sim. — Ele dá de ombros. — A minha rasgou ontem, e eu acho que por sua
culpa, então eu aproveitei que estava com saudade de você e vim aqui matar dois coelhos com uma
só cajadada.

— Minha culpa?

— Eu estava pensando no que faria com o rosto do próximo garoto que chegasse perto de você de
novo. Acho que peguei tão pesado que ela rasgou. — Seu bom humor não combina em nada com as
palavras que ele diz.

Esse é o perigo.

O sarcasmo.

Suspiro e começo a andar até a seção de esportes, ciente de que ele me seguiria.

Afinal, ele sempre me segue.

Tenho a sensação de que se eu morresse ele cruzaria o paraíso inteiro apenas para me infernizar.

Mas também tenho a sensação de que depois de tudo, não restaria nenhum paraíso para mim.

Aponto para a estante repleta de luvas e o deixo escolher uma.

Aiken pega um par de luvas vermelhas e as observa com fascínio. Ele não gosta de muitas coisas,
mas das poucas que gosta tem fascínio.

Fascínio.

Também é o modo como eu o encaro agora.

— Vou levar essas. — Ele mexe no cabelo escuro que acaba cobrindo seus olhos. É terrivelmente
tentador.

Eu assinto.

— Mais alguma coisa? — Eu preciso seguir meu roteiro de vendedora, mas uma boa parte de
mim só está com esperanças de que ele fale o que eu quero ouvir.

Que ele fale de propósito.


Que ele deixe escapar sem querer.

Ou que ele simplesmente grite as palavras que eu quero ouvir.

— Acho que dessa vez só, Bebê. — Sua voz rouca está mais calma do que quando ele chegou e
eu agradeço por isso.

Eu gosto da sua voz e detesto que ele nunca tenha a usado para dizer as coisas certas.

Eu faço que tudo bem com a cabeça e ele vira para ir até o caixa, mas como se minhas cordas
vocais tivessem vida própria eu o chamo.

— Logan.

Ele se volta novamente até mim, disposto a ouvir seja lá o que eu pensei em dizer.

— Não é nada, esquece.

Ele me observa por alguns segundos antes de voltar sua caminhada até o caixa.

Ele sequer havia ficado curioso.

O vejo ir até o caixa e elogiar Amanda. O vejo olhar para o decote dela. O vejo sorrir
descaradamente. O vejo olhar para trás mais uma vez e o vejo ir embora.

Mais um dos motivos pela qual que não posso sequer pensar em perdoar Logan:

Ele nunca disse eu te amo.

Ele nunca olhou em meus olhos e disse que me amava.

Algumas vezes sob pressão, mas nunca verdadeiramente.

Às vezes penso que ele vai ligar e falar que me ama, porque ele sabe que só precisaria de três
palavras e eu seria dele de novo. Penso que um dia ele vai se arrepender de tudo que fez e vai
realmente me amar.

De repente todo o tédio que eu estava sentindo havia se esgotado. Eu estou cansada como se
tivesse corrido uma maratona e eu quero muito desabafar com alguém.

Esse alguém deveria ser Katherine, mas ela ainda não havia me pedido perdão. Eu começo a
pensar que talvez eu não mereça um.

Ela estava certa em cada palavra.


"Engolimos de um sorvo a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga."
— Denis Diderot

Eu conheço Katherine a minha vida inteira. Ela já havia me salvado de tantas confusões que eu
nem posso contar nos dedos. Quando Kat me alertou sobre Logan, ela só estava tentando me livrar de
mais uma.

Uma confusão linda e vestida em jaqueta de couro.

Há algo incrível no amor. Ele te anestesia ao ponto de fazer o mundo lá fora explodir sem que
você sinta dor. E foi exatamente o que aconteceu. O mundo estava acabando e eu não senti nada. Só
que há um preço em não sentir a dor do mundo lá fora: você perde coisas que estão lá e nem sabe.

Eu havia perdido tantos amigos.

Tantos momentos.

Tantas oportunidades.

E agora eu também perdi Katherine.

Mas eu posso dar um jeito nisso. Eu posso esquecer esse amor impossível e sentir o peso do
mundo lá fora. Eu posso mentir e transformar a mentira em uma verdade. Eu posso me soltar de todas
as correntes que atualmente me amarram como um animal.

Eu estou me sentindo presa em tantas coisas que é difícil pensar em uma saída fácil.

Pego a chave do ferrugem em cima da mesa e a giro entre os dedos. Me encontro em um dilema.
Ir até Katherine ou esperar que ela venha até mim algum dia.

Mas a vida é tão curta que não me permito pensar na segunda opção por muito tempo.

(…)

Bato pela quinta vez na porta branca e bem pintada do apartamento de Kat. Eu sei que ela já
havia me visto pelo olho mágico, afinal ela não é nada silenciosa.

— Katherine, eu sei que você está aí! Abra a maldita porta — peço alto o suficiente para que ela
ouça do outro lado.

O silêncio se estabeleceu doloroso como o inferno.

Eu já tinha ligado para ela umas quinhentas vezes e estava sendo completamente ignorada. Kat
estava certa em muitas coisas, mas também havia sido muito dura comigo. Pensei em ir embora, mas
meu orgulho não deixaria.

Esmurrei a porta tantas vezes que até uns vizinhos apareceram. Eu não sei se a minha coragem
vem da saudade que eu estou sentindo de Katherine, ou se veio das doses de tequila que eu havia
entornado antes de chegar aqui.

Provavelmente foi a tequila.

— Kat, se você não abrir a porta os seus vizinhos vão ligar para a polícia. — Bato mais uma vez.

Parece que eu estou discutindo sozinha como uma louca, mas eu sei que ela estava lá. Eu escuto
Katherine resmungar algumas coisas e também ouço o pequeno som da portinhola do olho mágico do
lado de dentro.

Tento pensar em coisas que possam convencer ela a abrir a porta.

— Lembra daquela vez que a gente pintou a moto do seu ex namorado? E aquela outra em que
você escorregou na praia e quebrou o braço? Na sexta série você furou os pneus do carro da Srta.
Green. E na oitava eu e você ficamos brigadas por quinze dias por causa de um sorvete. — Começo a
listar nossos melhores momentos. É uma lista grande e no final eu estou rindo.

Se Katherine não abrir a porta logo, eu tenho medo de que nossa próxima memória seja em uma
delegacia.

Mas mesmo com medo dos vizinhos furiosos de Kat, eu continuo batendo na maldita porta.
A encorajante tequila.

— Você lembra da vez em que eu te pedi um conselho sobre o garoto da minha classe de espanhol
que tinha me descartado e você disse que nenhum garoto merecia minhas lágrimas? E daquela vez em
que Logan e eu brigamos tão feio que eu quis morrer por alguns segundos, mas você me levou em um
shopping center para visitarmos um pet shop? Você lembra do que disse para o vendedor? "Eu
preciso de um tigre para matar um idiota.". Você lembra de como eu ri? Katherine, me desculpa por
nunca ter aceitado seus conselhos. — Listo mais momentos, mas dessa eu estou chorando. — Kat, se
você está ouvindo, abra a porta.

Katherine sempre me fazia rir em momentos ruins, mesmo que isso custasse uma ida a um
shopping center. Kat é o tipo de amiga que eu não mereço.

Ela é o melhor tipo.

Ouço a porta ser destravada e revelar uma Katherine igualmente chorosa.

— Kiara, você lembra daquela vez em que Logan te proibiu de sair comigo para uma festa? E
daquela em que ele te levou embora da faculdade a força porque uns garotos estavam dando em cima
de você? E daquela briga de vocês em que ele disse que te odiava? E de todas as vezes em que você
apareceu nessa porta chorando? Kiara, você é minha melhor amiga. Eu não posso simplesmente ver
você com ele e concordar de cabeça baixa. Mas eu sei que errei também. Eu sei que você ama ele
por mais difícil que seja admitir, e eu sinto muito por isso. Me perdoe por ter sido uma idiota com
você naquele dia. A única pessoa que merece meus xingamentos é Logan, não você — Kat diz tudo
de uma vez e tão rápido que mal tenho tempo de processar antes de ser envolvida pelo seu abraço
apertado.

— Eu prometo que vou evitar Logan ao máximo — sussurro ainda contra seu abraço de urso.

Eu não sei o tamanho da minha mentira agora.

"Evitar Logan ao máximo."

Parece uma mentira gigante, mas eu posso transformar essa mentira em verdade, certo?

Eu poderia esquecer a pessoa que eu amo e sentir o peso do mundo pela primeira vez em tanto
tempo.

Eu podia mentir para Katherine, mas estava sendo difícil empurrar essa mentira para mim mesma.

— Você não precisa fazer isso, Kiki — ela responde, mas eu consigo ver a negação em seus
olhos. Ela fala da boca pra fora.

— Sim, eu preciso. Eu vou tirar Aiken definitivamente da minha vida.

Minto pela última vez essa noite.


"Porque pessoas machucadas só machucam pessoas." — Hurt People, Two Feet feat. Madison Love
Olho para trás mais uma vez e confirmo que Logan está me encarando a alguns metros de
distância.

— Quando ele vai parar com isso? — pergunto a Katherine. Em seguida aponto discretamente
com a cabeça para o garoto apoiado na parede. Ele tem a audácia de sorrir.

Além de bonito, manipulador e sexy. Aiken também é onipresente agora.

Durante as últimas duas semanas ele tem tornado sua presença cada vez mais frequente. Como
por exemplo quando eu fui ao supermercado e o encontrei lá conversando com a caixa. Ou quando eu
estava passeando nos corredores do campus e ele dava um jeito de esbarrar em mim propositalmente.
Aiken até teve a coragem de pedir desculpas por esbarrar em mim.

Quando eu acho que ele não pode se superar ele vai lá e prova o contrário.

— Eu sei lá. — Ela dá de ombros e me puxa em direção ao bloco B, me tirando do campo de


visão de Logan.

Kat e eu havíamos voltado ao normal depois daquele pedido de desculpas de ambas as partes. Eu
fico feliz por saber que mesmo depois das brigas, nosso relacionamento continua o melhor possível.
Os corredores do bloco B são completamente arborizados e cheios de verde por todos os lados,
provavelmente deve ser por causa dos alunos de botânica que têm aulas nesse bloco em específico.
Eu nunca preciso passar por aqui, mas como é Katherine quem está me guiando, sinto a obrigação de
apenas admirar as flores tão bem cultivadas que crescem em pequenos vasos decorados por toda a
extensão do corredor.

Depois de cruzar o bloco inteiro, finalmente chegamos à cantina principal. A maioria dos alunos
ficam aqui e é por isso que Kat sentiu a necessidade de lanchar neste lugar em específico. Ela gosta
de viver em sociedade e de observar as pessoas, ainda mais se essas pessoas forem do sexo oposto.

Ela é exatamente o meu contrário. Eu prefiro mil vezes comer em um lugar mais reservado e
focar toda a minha atenção em um livro ou em um bom café.

Sentamos em uma das mesas vagas e eu assisto enquanto Kat detona um enorme pedaço de bolo.
Como ela come tanto e continua com esse físico?

— Sabe, eu acho que Logan está tentando chamar sua atenção — ela consegue dizer entre uma
colherada e outra. Os olhos duplicados em tamanho como se ela tivesse acabado de descobrir a
solução para a fome no mundo.

— Você acha?! — ironizo.

É totalmente involuntário quando começo a olhar para os lados procurando pelo garoto de olhos
castanhos acusadores.

É engraçado. Não importa o que eu esteja fazendo, sempre que vejo o olhar de Logan sobre mim
tenho certeza de que ele está secretamente me acusando de algo.

Sou surpreendida quando um par de olhos esverdeados se colocam no meio do meu campo de
visão. Nada de castanho, só verde constante.

— Olá, madame. — Ross senta ao lado de Katherine e de frente pra mim. — Olá, Katherine.

Kat apenas acena com a cabeça e volta a comer o seu bolo.

— Eu já te pedi para parar de me chamar assim.

Devon abre um sorriso genuíno e inclina a cabeça um pouco mais para o lado.

— Assim como, madame?

Apenas levanto as mãos para o alto e desisto de fazê-lo parar.

— Bom, eu vim te convidar para assistir o jogo de quarta — Devon diz, os dedos das mãos
brincando entre si. Ele parece nervoso.

Quarta-feira teremos um jogo importante. O time da nossa universidade contra um time


profissional. Eles são muito bons e essa é a chance do nosso pequeno time local provar que consegue
ser tão bom quanto. Haverão olheiros em todas as fileiras, apenas esperando um jogador se
sobressair para fazer uma proposta irrecusável. É, eu já tinha ouvido falar do jogo de quarta feira.

— Eu não sou muito fã de futebol, Devon — começo a preparar a justificativa do meu não.

— Por favor, Kiara. — Ele junta as mãos como se estivesse fazendo uma prece. — Eu preciso de
alguém lá para quem eu possa dedicar todos os meus pontos.

Não consigo evitar e sorrio da sua desculpa esfarrapada, mas parte do meu coração derrete junto
com esse pedido.

— Tudo bem.

— Quantos pontos você quer que eu faça? — ele pergunta, sério. Em seguida olha para Katherine
que ainda parece alheia ao nosso assunto.

— O quê? — Não sei se ouvi direito.

— Quantos pontos você quer que eu faça no jogo para que nós possamos recomeçar do modo
correto? Diga, Kiara — ele insiste, dessa vez com metade do corpo inclinado sobre a mesa.

— Eu não mando no jogo, Devon.

— Você manda. É só me dizer quantos pontos eu tenho que fazer — ele replica como se fosse
óbvio.

Eu não consigo decidir se Devon é muito insistente ou muito confiante.

— Seis — falo o primeiro número que me veio à cabeça. — Eu quero seis pontos.

Isso significa um maldito touchdown.

— Vejo você na quarta-feira, madame. — Ross levanta e vai embora.

Katherine me olha cautelosa enquanto faz um pequeno "uau" inaudível.

— Ele é bom — diz, se referindo a jogada de Devon em me homenagear no grande jogo de


quarta. — Mas eu acho bom ele estar certo quanto aos seis pontos, porque se o nosso time não ganhar
eu vou ficar bem puta com você.

— Cala a boca. — Eu rio e jogo um guardanapo amassado em sua direção.

Depois disso cada uma se dirigiu para a sua respectiva sala. Eu tenho aula de gestão
administrativa agora e finalmente vão divulgar as notas.

Grande decepção.
Fiquei extremamente nervosa quando a Srta. Martins pegou a grade de notas para ler em voz alta.
E fiquei mais nervosa ainda ao saber que minha nota havia ficado abaixo da média, o que significa
que eu vou ter que fazer alguma tarefa extracurricular para preencher o enorme vazio em meu
boletim.

Entre as opções estavam: ler dois livros, ajudar na biblioteca, trabalhos de pesquisa, ajuda em
eventos e limpeza do teatro.

Quem em sã consciência limparia aquele teatro enorme sozinha?

Sem resquícios de dúvidas marquei a opção de ajuda com eventos, afinal eu gosto bastante desse
tipo de trabalho em conjunto e o evento em questão é justamente o jogo de quarta.

Infeliz coincidência.

Fico surpresa ao saber que pelo menos um terço da faculdade está na mesma situação que eu.
Péssimas notas e sendo obrigadas a fazerem atividades extracurriculares.

Pelo menos eu viria ao campus terça à tarde e além de ajudar a organizar o evento, eu poderia
ficar e assistir um pouco do treino de Ross.

Vai ver nem é uma coincidência tão ruim assim.


"Não se comete o mesmo erro duas vezes. Da segunda vez não é um erro, é uma escolha." —
Desconhecido

A terça-feira chegou tão rápido que mal pude me concentrar nas aulas de hoje. Estou ansiosa pela
tarde. Quero saber se Devon apareceria para o treino ou se ele estaria em casa descansando para o
jogo de amanhã. Não posso evitar a pequena decepção com a segunda opção. Eu estava pensando
muito sobre Ross naqueles últimos dias. Ele parece gentil, agradável e faz de tudo para ter minha
aprovação.

É no mínimo fofo.

Liguei para Carrick's ontem apenas para confirmar que não poderia comparecer ao trabalho hoje.
Eu realmente precisava ajudar em algo caso quisesse ter uma nota no final do semestre. Atencioso
como sempre, ele garantiu em tom de brincadeira que na quinta pegaria pesado comigo.

— Você bem que poderia fingir estar ajudando e depois dar uma escapada até minha casa. Eu
faço bolo e a gente pode assistir uns filmes — Katherine propõe.

Eu sei que esse não é seu comportamento padrão. Se há algo para ser feito, Katherine apenas o
faz de uma vez por todas. Não é do seu feitio propor algo tão irresponsável. Estreito os olhos como
se isso fosse me ajudar a captar alguma expressão escondida em seu rosto.

— Por que eu faria isso? As pessoas esperam pela minha ajuda e eu realmente preciso da nota —
justifico.

— É que… bem, Logan não tem as melhores notas do mundo. Ouvi de alguém que ele estaria aí.
— Ela abre a boca para completar a frase, mas nada sai. Foi como se ela quisesse adicionar algo em
sua sentença e não tivesse forças.

— Não se preocupe, minha promessa ainda está de pé. — Lanço um sorriso confortante em sua
direção.

Katherine me olha fixamente por mais alguns segundos e acena com a cabeça timidamente antes
de ir embora. Algo em suas ações revelaram o quanto ela duvida das minhas palavras.

Suspiro e vou até a área próxima do campo de futebol. Várias pessoas começaram o serviço lá
hoje pela manhã e posso dizer que estavam fazendo um ótimo trabalho. Há cartazes de apoio aos
jogadores em todos os lados perto da arquibancada e não posso evitar sorrir ao ver um com o
número dezesseis pintado nas cores do time.

Eu conheço aquele número.

É o mesmo que borda a parte traseira da blusa vermelha de Devon.

Do outro lado algumas pessoas montam barraquinhas com sombras onde provavelmente vão
vender comidas. No campo, pessoas uniformizadas aparam a grama verde.

Fico perdida sobre o que fazer, então ando até um grupo de pessoas que eu conheço. Não são
amigos, apenas conhecidos. Duas garotas cortam bandeirinhas enquanto um garoto cola elas em uma
grande linha de nylon. Entendi que eles eram os responsáveis pelas bandeirinhas que iam de ponta a
ponta nas paredes próximas às arquibancadas.

Pergunto em que posso ajudar e com um sorriso amigável o garoto diz que eu posso me juntar a
ele e colar no nylon os pedacinhos de papéis vermelhos e brancos, as cores do time.

— Uau. — Ouço o suspiro de uma das meninas que corta as bandeiras. Se ela continuar com os
olhos tão distantes vai acabar por se cortar com a própria tesoura.

Viro para ver o que poderia ser tão importante ao ponto de fazer a garota abrir mão dos próprios
dedos.

Um pouco afastado de nós, levantando um dos bancos da arquibancada como se fosse uma tarefa
fácil, Logan se encontra sem camisa e chamando o maior número de atenção que pode. O vento leva
seus cabelos sempre para trás e talvez por isso seus fios negros parecem mais comportados. Sua
rebeldia está acesa entre os lábios e faz um contraste incrível com o abdômen bem definido. É uma
cena bonita demais para que eu ouse desviar. Outros garotos surgem para ajudar, mas neste momento
eles não importam. Aiken rouba a atenção toda para si. Ele não gosta de dividir coisas.
Não demora muito para que seus olhos encontrem os meus e eu sinta pequenos arrepios vindos
das partes mais sensíveis do meu corpo. Quando sua tempestade negra encontra meus olhos eu sei,
não há paz para mim, pelo menos não hoje. Aiken sorri ainda com o cigarro nos lábios, o que causa
uma pequena fumaça acinzentada cobrindo parcialmente seu rosto.

É lindo.

Lindo demais e perigoso demais.

Volto a me concentrar nas bandeirinhas e quando termino posso sorrir feliz com o meu trabalho.
Em menos de uma hora toda a região está coberta com triângulos e retângulos coloridos no alto.

Eu estou gostando tanto do clima de parceria entre as pessoas, que não me importo quando me
pedem para fazer coisas um pouco mais pesadas como, por exemplo, pregar uma placa que havia se
soltado há um tempo atrás.

Pego o martelo, os pregos e com ajuda de um dos garotos, subo na escada até o alto da parede.
São precisos três grandes pregos para prender com precisão a placa com um aviso de cuidado sobre
as arquibancadas. Eu não me importo em fazer isso. Aprendi com meu avô a pôr pregos no lugar e até
achava divertido na infância.

Prendo com sucesso o primeiro prego.

Depois o segundo…

E estou prestes a martelar o terceiro quando ouço a voz que menos queria ouvir hoje.

— Você colocou ela para subir ali? — Logan pergunta ao garoto que pacientemente segura a
escada para eu não caia. Ele parece bravo e tenho certeza de que se o garoto não estivesse segurando
a escada, estaria no chão agora.

Logan Aiken tem terríveis problemas temperamentais.

Rio sozinha imaginando como aquela placa de cuidado ficaria bonita amarrada no pescoço de
Logan.

— Ela quem se ofereceu — ele explica.

A história não havia sido bem assim, mas entendi que o medo o obrigou a inventar algo, portanto
não o desmenti.

— Desça daí agora, Kiara! — Logan grita alto como se eu não pudesse o ouvir daqui.

E eu infelizmente posso.

— Eu vou descer… quando terminar — digo, com um tom de ironia na voz que eu quase nunca
uso.
— Desça agora — ele insiste.

Aiken tira os olhos dos meus uma vez, para olhar a minha bunda. Percebo que está bem visível
nesse momento. Sinto meu rosto corar violentamente.

— Não.

Logan fica quieto por alguns segundos e imagino que esse seja o momento perfeito para prender o
prego que falta. Afasto o martelo o suficiente para bater no prego que eu seguro com a outra mão.
Talvez pelo nervosismo de ter Logan me esperando lá embaixo, ou por talvez ele estar encarando
minha bunda… talvez seja o ar que começou a ficar pesado ou a ansiedade em descer dali e encarar
suas íris escuras, mas o martelo acertou parte do prego em meu dedo e sinto uma dor absurda.

Não posso evitar gritar e deixo o martelo cair junto com a caixa de pregos e o dito cujo que furou
meu dedo. Olho para meu dedo machucado apenas para conferir que não havia sido nada muito
grave, apesar de estar doendo muito.

Levo um baita susto ao sentir minha cintura ser puxada para baixo. Aiken tinha subido um degrau
para me alcançar e agora me tem em seus braços.

Ao ter meus pés totalmente firmados no chão, ele me solta e depois agarra meu dedo machucado.
Aiken o encara como se fosse uma fratura exposta. Seus olhos ficaram escancarados, assim como os
lábios. Um pouquinho de sangue pinga no chão, mas do modo como Logan o vê parece que está
sangrando litros.

— Deus, eu disse pra você descer — Logan resmunga enquanto tira a camisa amarrada no cós da
calça e usa para pressionar o ferimento.

Dói pra caralho, mas eu não vou me fazer de fraca. Não na sua frente.

— Está tudo bem. — Como se quisesse testar minha frase, Logan pressiona ainda mais o
ferimento. — Ai!

— Vou te levar na enfermaria. — Aiken começa a andar na esperança de que eu o siga, mas para
ao perceber que eu não moveria um músculo.

— Eu não preciso ir até lá. Foi só um arranhão. — Sinto meu dedo latejar e maldita seja a hora
em que não deixei aquele martelo atingir a cabeça de Logan.

Logan Aiken pode ser o cara mais teimoso do universo, mas eu posso me orgulhar de ser a garota
mais teimosa do universo.

Se ele insistisse em ir, eu insistiria em ficar.

— Kiara, você viu esses pregos? — Ele aponta para as pecinhas espalhadas no chão. — Eu não
sei quantas décadas eles têm de tão enferrujados. Você vem comigo sim.
— Não, eu não vou. — Bato o pé no chão e com dificuldade cruzo os braços. — Estou cansada
de você me dando ordens.

Logan ri como se tivessem acabado de contar a melhor piada que ele já ouviu.

— Eu não acho que você tenha escolha, Bebê — ele sussurra em meu ouvido antes de me pegar
no colo, para minha surpresa e surpresa das pessoas que nos assistiam.

Eu me debato o máximo que podia e sinceramente é inútil. Desisto no meio do caminho e apenas
deixo que ele me leve até a maldita enfermaria.

Ao chegarmos lá, a melhor surpresa de todas: as luzes estão apagadas e não há ninguém.

— Droga, nunca tem ninguém aqui quando eu preciso — ele xinga baixinho enquanto aperta o
interruptor.

Eu quero rir por todo o trabalho de Logan ter sido em vão, mas então ele me obriga a sentar em
uma das macas e começa a revirar todos os armários.

O que ele está fazendo?

Observo em silêncio todos os seus movimentos. Logan de costas e sem camisa é a visão mais
linda que eu poderia ter hoje. Os músculos de seus ombros e antebraços se movem conforme o
trabalho que suas mãos ágeis fazem em busca de algo dentro dos inúmeros armários da enfermaria.

Alguns minutos se passam até que ele encontre as coisas que estava procurando. Logan volta até
onde eu estou sentada e com cuidado retira sua blusa que estancava o sangue do meu dedo.

Deus, isso dói muito.

Aiken pede pra que eu levante e em seguida me conduz até a pia no canto da sala.

A essa altura eu apenas consinto tudo que ele pede.

Aiken lava com água corrente o ferimento em meu dedo. Arde como o inferno, mas não me
permito gritar nenhuma vez. Em seguida, ele seca com uma toalha limpa que encontrou dobrada de
baixo da pia. Logan pega um frasco e derrama um pouco do líquido transparente em um algodão.

— Talvez isso doa um pouquinho, Bebê. — Ele me prepara, olhando em meus olhos como se a
hipnose aliviasse a dor. Eu poderia ter parado para pensar no que seus olhos extremamente
expressivos significam, ou em como ele fica bem com os cabelos jogados para trás e as tatuagens à
mostra. Mas não tenho tempo. Uma fração de segundos depois, ele está pressionando o algodão
contra minha pele cortada.

Dessa vez não evito o gemido de dor que rompe em minha garganta. Maldito prego, maldito
martelo, maldito Logan.
— É água oxigenada — ele explica.

Depois de ter limpado o local, Logan fez um curativo com esparadrapos e gases. O resultado
havia ficado simplesmente hilário. O curativo está todo torto e parece mais uma gambiarra feita por
uma criança de dez anos. Mas nada me impede de ficar um pouco emocionada com a inocência disso.

Logan havia se preocupado o suficiente para tratar com toda sua dedicação o meu ferimento.

— Obrigada — agradeço, enquanto o assisto guardar todas as coisas em seus devidos lugares. —
Onde aprendeu a fazer tudo isso?

— Eu sempre fui um problema, Kiara. Estou acostumado a tratar meus próprios machucados —
diz e depois volta para perto de mim. — E falta algo.

Logan agarra minha mão mais uma vez e, antes que eu possa impedir, ele deposita um beijo
demorado por cima do curativo recém feito.

— Pra curar mais rápido. — Sorri, soltando minha mão.

Fico por alguns minutos pensando no que falar. Aiken me encara em silêncio e é como se isso não
bastasse pra ele. Meu dedo ainda lateja de dor, mas ignoro esse detalhe quando ele se aproxima o
suficiente para encostar o nariz no meu.

Eu realmente acreditei que ele iria avançar mais que isso, mas por algum motivo ele não o fez.
Logan se afasta tão rápido quanto havia se aproximado.

Quem ele pensa que é?

— Não volte a fazer essas coisas, fiquei preocupado — ele fala, se referindo a eu ter subido na
escada tentando pregar uma maldita placa sozinha.

Quem ele é pra quase me beijar e depois se afastar assim?

Quem ele é pra dizer que está preocupado comigo?

— Você é um idiota. — Me afasto e ameaço ir embora, e eu realmente faria isso se Logan não
tivesse me segurado pela cintura e me puxado novamente para perto.

É engraçado o modo como meu corpo reage a ele.

Porque imediatamente meu dedo para de doer.

Poucos segundos se passam até sua boca estar junto à minha.

Aiken me beija tão lentamente e demoradamente que penso que poderíamos ficar assim para
sempre. É terrivelmente bom e eu estou totalmente entregue.
Eu acho que sempre estive.

— O que você está fazendo? — pergunto, quando nossos rostos se afastam.

— Eu estou desistindo de puxar o gatilho, Bebê. — Logan possui a voz calma e tão baixa que eu
não teria escutado se estivesse um pouco mais afastada.

Gatilho? Do que ele está falando?

— O quê?

Como se o mundo tivesse voltado a girar e trouxesse consigo toda a realidade, Aiken balança a
cabeça e vai embora.

Logan vai embora.

Logan cuidou do meu ferimento, me beijou, me falou palavras sem sentido e depois foi embora.

Ele uma vez falou que eu vivia fugindo, mas de uns tempos pra cá não sou só eu quem vai embora
correndo.

Ele também foge.

Logan parece um ser criado para me deixar eternamente confusa.

Logan está destinado a acabar comigo.

E mais cedo ou mais tarde eu sei que isso vai acontecer.

Saí da enfermaria ainda sem entender o que se passou nos últimos trinta minutos. O tempo tinha
passado tão rápido que nem lembrei que tinha prometido a mim mesma que iria assistir uma parte do
treino de Devon.

Promessas.

Isso também me lembra a promessa que eu havia feito a Katherine algumas semanas atrás. Mas
nada disso importa. Eu sabia desde o começo que aquela promessa era uma mentira e que eu não
conseguiria evitar.

Me surpreendo ao voltar para perto do campo. Está tudo muito bem decorado e os outros
estudantes parecem ter feito mágica enquanto eu estive na enfermaria. A grande maioria se prepara
para ir embora, mas um ou outro decide ficar para assistir ao último treino antes do jogo de amanhã.
Me junto a esse pequeno grupo e sento no topo da arquibancada, observando de longe enquanto os
jogadores entram no campo.

Infelizmente, minha cabeça está em outro lugar e eu nem consigo apreciar o desempenho de Ross.
Eu estou ocupada pensando no homem que fez um curativo terrivelmente infantil em meu dedo.
"É o diabo tão ruim se ele chora
durante o sono?

Onde a Terra queima.

Ela chora, porque ela não é nada como você.

Ela é como você?

O que você quer de um diabo como eu?

Eu sou como você?"— Devil Like me, Rainbow Kitten Surprise

Suspiro pela oitava vez desde que saí do campus. Eu faço o caminho para a casa de Katherine e
penso se algum dia posso pedir a ela que me soque na cara por ser tão idiota.

As palavras de Logan ainda estão marcadas com tinta fresca em minha memória, portanto me
ponho a pensar em todos os contextos que aquela simples frase poderia englobar.

"Eu estou desistindo de puxar o gatilho."

Bem, ele pode estar desistindo de um suicídio. Assim como também pode estar desistindo de um
assassinato. Eu posso ter escutado errado ou ele pode ter dito algo sem sentido só para me ver
suspirando em decepção por aí. São tantos pensamentos de uma só vez que me sinto mal por
finalmente perceber o ponto em que cheguei.

Eu acabei de beijar meu ex namorado super possessivo e canalha, mesmo depois de prometer
total afastamento.

Eu sou uma pessoa horrível.

Soco o volante frustrada e sem querer acabo por acionar a buzina escandalosa do ferrugem. Se eu
mesma não tivesse me assustado com o som, iria rir do motorista parado ao meu lado no sinal. A sua
cara é hilária e tudo nele parece querer me bater e vender meu carro para um armazém.

Depois de alguns minutos entediantes, finalmente estaciono o carro próximo ao prédio de


Katherine.

Kat não é uma pessoa muito reservada e deixa isso transparecer na sua decoração moderna e
colorida. Há uma escultura de um homem nú em tons de azul e verde em cima do balcão da cozinha.
Ao lado da televisão, uma foto mostra Katherine e seu nada amigável dedo do meio. As paredes são
de tons alegres e quadros com frases otimistas. Entrar na casa de Katherine é quase como entrar em
um mundo encantado.

Sorrio satisfeita depois de jogar um pano de prato em cima da escultura masculina, próxima à
cesta de frutas. Acho que o moço nú fica bem melhor coberto.

— Não faz isso com o Robin! — Minha amiga repreende e depois volta a comer seus
salgadinhos.

Eu sonhava por um organismo como o de Katherine. Ela tem um paladar infantil e o corpo de uma
modelo. Enquanto eu ganho peso até vivendo de saladas.

É um mundo injusto.

— E então, o que vamos fazer? — pergunto, enquanto me sento ao seu lado no sofá.

Kat havia me convidado para a sua casa. Em parte porque ela gosta muito da minha companhia.
Mas também porque assistiu um filme de terror essa tarde. Ela alegou no telefone que havia um
assassino atrás da geladeira.

— Pensei em assistirmos uma comédia para tirar todos aqueles assassinatos da minha cabeça —
ela diz, amassando o pacote que um dia conteve salgadinhos.

Kat é muito persistente e por mais que morresse de medo dos suspenses e terrores, continuava
acreditando que um dia seu medo sumiria.

Katherine é uma sonhadora, tanto quanto eu.


— Tudo bem. — Sorrio e pego meu telefone com a intenção de pedir uma pizza. — Você quer de
atum ou calabresa?

Minha pergunta é bem inocente, mas a garota loira ao meu lado faz uma cara de vômito tão
realista que realmente acredito que ela possa colocar o almoço para fora.

— Eu já enjoei de pizza. — Ela abraça dramaticamente uma almofada.

Suspiro.

Pela nona vez hoje.

E então lembro de Logan. Apesar de todo o seu jeito irresponsável, Aiken é o melhor cozinheiro
que eu conheço. Ele nunca me permitiu jantar pizza se ele estivesse lá para cozinhar. Sorrio com a
memória do primeiro jantar feito por ele.

Estávamos saindo há quase um mês e eu ainda não tinha conhecido sua casa. Tivemos uma
pequena discussão e então ele fez um jantar como pedido de desculpas. Foi muito mais do que
perfeito. Eu parecia uma criança, tão empolgada.

— Vê se tem algo doce na geladeira — Katherine pede, me acordando do pequeno, e delicioso,


transe.

Levanto e caminho até a geladeira irritantemente decorada com imãs coloridos, anotações, fotos
e… desenhos?

Depois de anos procurando entre tantos potes e embalagens, encontro algo semelhante a um
mousse. Dividi tudo em dois potinhos menores, levo um para Katherine e fico com o outro.

Tomo o controle remoto da sua mão com a intenção de pôr um filme realmente engraçado, já que
o significado da palavra comédia tem outros sentidos para Katherine. Como se ela tivesse finalmente
acordado de algum transe hipnótico, Kat escancara os olhos verdes na direção do meu machucado.

Incrível que mesmo sendo observadora e detalhista, ela não tenha notado o grande esparadrapo
em meu dedo.

— O que foi isso, Kiki? — Ela não precisa apontar para o meu dedo para que eu entenda do que
está falando.

Meu dedo está roxo e inchado. É perceptível mesmo por debaixo do curativo improvisado que
Logan fez.

Suspiro de novo.

Décima vez.

— Martelei meu próprio dedo sem querer — confesso.


Eu achei que Katherine fosse ficar preocupada e do seu modo exagerado até chamar uma
ambulância para conferir meu dedo. Mas Katherine Evans me mostra mais uma vez que eu estou
errada a seu respeito. Sua gargalhada pode ser ouvida do lado de fora do corredor, e eu sei disso
porque posso jurar que ouvi alguns resmungos de vizinhos. Eu já estou ficando envergonhada quando
ela finalmente para de rir e respira fundo para se controlar. Mas aí ela olha para o meu dedo mais
uma vez e cai na gargalhada de novo.

Quero sumir por alguns instantes.

— Você martelou seu próprio dedo? — ela diz.entre uma gargalhada e outra.

Katherine está bêbada? Qual é o problema com ela?

— O que há de tão engraçado nisso? — Cruzo os braços e espero ansiosa por uma resposta.

— Além do óbvio? Eu lembrei das suas palavras antes de eu vir para casa. Quais eram
mesmo…? — Ela coloca a mão no queixo como se estivesse pensando. — Ah! "As pessoas esperam
pela minha ajuda".

O projeto de Barbie continua rindo por mais alguns minutos.

— Saiba que doeu muito, Kat. — Tento fazê-la se sentir culpada. — Sangrou horrores e se não
fosse por…

Eu agradeço silenciosamente por ter conseguido frear minhas palavras antes de confessar a ajuda
de Logan.

Apesar de que eu quero gritar isso para o mundo.

Logan Aiken foi gentil e extremamente carinhoso comigo essa tarde.

Eu quero espalhar para todas as garotas que o assistiram sem camisa hoje. Quero dizer que ele é
meu. Quero dizer que ele é apenas, somente e unicamente meu.

Mas ele não é.

— Se não fosse o…? — Kat tem uma expressão desconfiada no rosto.

— O analgésico que a enfermeira me deu — exclamo, plenamente aliviada.

Katherine não parece notar algo errado em minha voz.

— Coloca logo o filme — pede subitamente impaciente, enquanto come o mousse estranho que
achei na geladeira.

Coloco um filme qualquer e me sento ao seu lado.


Não presto atenção em nada.

Nem mesmo no título.

Eu menti para Katherine. Eu menti para uma das únicas pessoas que realmente se importa comigo
no momento.

Começo a pensar que talvez eu não seja tão diferente de Logan.

Nos últimos dias tudo o que eu mais fiz foi mentir e manipular as pessoas ao meu redor. Tenho
dado falsas esperanças a Devon e tenho sido mais egoísta do que o normal.

Eu gostei do beijo de Aiken hoje e talvez isso me torne pior que ele.

Ele é a droga. Começo a pensar que existem outros erros terríveis em ser uma viciada consciente:
você sabe que faz mal, mas você gosta. Você conhece os riscos, mas ainda pretende jogar o jogo.

Então, querido, vamos apenas continuar jogando esse jogo. Será um prazer perder para você.

Sorrio.

Se Logan é um jogador, eu também serei.

Eu serei pior que ele.

Eu já tentei inúmeras vezes esquecê-lo por definitivo, mas nenhum dos meus planos teve sucesso.
Então eu não fugiria mais. Eu aceitaria que Logan me mataria e continuaria indo em direção a
armadilha.
"Mas eu tenho minha opinião formada dessa vez.
Porque há uma ameaça em minha cama.

Você pode ver a silhueta dele?

Você pode ver a silhueta dele?

Você pode ver a silhueta dele?

E eu tenho minha opinião formada dessa vez.

Vá em frente e acenda um cigarro.

Comece um incêndio na minha cabeça.

Comece um incêndio em minha cabeça hoje à noite." — Trouble, Halsey

Katherine me fez prometer que eu dormiria aqui. Aparentemente o medo de monstros ainda é
intenso e fresco em sua cabeça. Eu disse que ficaria e que amanhã cedo iria com ela para o jogo.
Pego alguns lençóis limpos e me aconchego no sofá cama verde.

Deus, tem como isso ser mais desconfortável?

Rolo de um lado para o outro. Tentei assistir filmes entediantes com a intenção de pegar no sono.
Troco mensagens com Andrew — que praticamente se auto convida para assistir o jogo com a gente
amanhã. Até tento fechar os olhos e contar carneirinhos. Mas nenhuma dessas coisas me faz pregar os
olhos.

É uma maldita insônia.

Penso em como Ross deve estar ansioso por amanhã, e em como seria bom se um dos olheiros o
visse lá. Penso nos seis pontos que ele me prometeu. Penso na decoração que fizeram hoje, nos
cartazes com o nome dele. Penso em como fui burra em me ferir hoje e em como poderia ter sido bem
pior. Penso no curativo em meu dedo e também penso em Logan.

Penso muito.

Uma verdadeira tempestade se formando na minha cabeça. Eu não consigo dormir.

Logan havia sido tão cuidadoso hoje. Eu conseguia ver o brilho nos olhos dele enquanto ele
levava minha mão aos lábios. Era pura admiração. Eu me senti a pessoa mais amada do mundo por
um milésimo de segundo.

Mas foi o suficiente.

Devon tinha essa admiração no olhar durante todo o tempo em que estávamos juntos, mas ainda
assim eu não consigo sentir por ele o que eu sinto por Aiken. Com Logan tudo é mais… intenso.

E eu que sempre gostei da calmaria comecei a amar a intensidade do caos, porque ela está viva e
presente em cada olhar de Aiken.

São duas e quarenta e cinco da manhã quando eu levanto decidida a pôr meu "plano" em prática.
Pego a chave do ferrugem e em silêncio vou até a porta.

A rua está fria e extremamente escura. Me certifico de não fazer nenhum barulho enquanto ando
até o carro — até porque eu não quero que nenhum maníaco estuprador me encontre sozinha na rua
agora, não é? Quase choro de emoção quando ligo o aquecedor ao entrar no carro.

(…)

Bato mais uma vez na porta de Logan.

Deus, o que eu estou fazendo? São três horas da madrugada! Aiken pode estar com outra garota,
pode estar dormindo, pode nem estar aí.

Mas mesmo com todas essas possibilidades, eu continuo a bater na porta. Torcendo mentalmente
para que Logan esteja em casa, e também para que ele se importe comigo o suficiente para não me
deixar aqui fora.

A porta é aberta e a figura esbelta de Aiken aparece, extremamente confuso. Ele provavelmente
acredita estar delirando, pois coça os olhos duas vezes antes de finalmente me fazer um sinal para
entrar. Entro relutante em sua casa, faz muito tempo desde a última vez em que estive aqui. Paro ao
lado da porta, agora fechada, e observo o homem de braços cruzados na minha frente.

Logan veste apenas uma calça moletom e uma camiseta branca colada ao corpo. Seu cabelo está
assanhado como sempre e os olhos parecem menores do que de costume. Eu com certeza o havia
acordado.

— Desculpa por ter te acordado — é a primeira coisa que eu digo.

Eu tinha planejado as coisas que diria quando chegasse aqui, mas agora não parece mais fazer
sentido. Logan Aiken está aqui comigo e o resto do mundo pode explodir.

— Você sabe que eu não me importo nem um pouco. — Ele sorri sem mostrar os dentes e curva
um pouco mais a cabeça para o lado, como faz sempre que está em dúvida sobre algo.

É lindo.

As íris escuras de Aiken estão observando tão fundo nas minhas, que imagino que ele possa ler
todos os meus pensamentos e saiba até os meus segredos mais sujos.

Talvez ele realmente saiba.

— Está tudo bem? — sua voz é cautelosa e sua fala lenta e arrastada. É como se ele quisesse ler
cada expressão minha enquanto eu penso em uma resposta.

Concordo e penso em vários dos motivos pelos quais eu estou aqui.

— Vim agradecer por hoje mais cedo — explico e levanto o dedo preso em esparadrapos
brancos.

Eu sou uma péssima mentirosa, mas para minha sorte — ou azar — Logan sabe.

— Está muito tarde, Bebê. Tem certeza que veio aqui por isso? — Ele ergue as sobrancelhas
sugestivamente e sua postura é quase encorajadora.

Me aproximo dele até ouvir com clareza sua respiração em meio ao silêncio da sala. Logan não
precisa dar nenhum passo para encostar a sua testa na minha. Estamos nos apoiando um no outro e de
alguma forma ambos parecemos machucados, mesmo que eu não lembre de ter magoado Logan
alguma vez.

— Eu só queria ver você com meus próprios olhos — admito em voz baixa, ciente de que ele
está próximo o suficiente para escutar.
— Você já me viu, pode ir embora agora. — É uma sugestão, não uma ordem.

— Posso. — Minha voz é igualmente sugestiva.

São nossas falas indo contra nossas ações. Apesar de praticamente me dizer para ir embora,
Logan continua com a testa apoiada na minha. E apesar de ter concordado, eu não movi um músculo
para ir. É como quando você é criança e seus pais te mandavam sair da chuva; você queria aproveitar
cada momento em que estava se molhando, por isso enrolava ao máximo para encontrar um abrigo.

Logan deixa que os seus lábios escorreguem até a ponta do meu nariz, onde ele deposita um
beijo. Depois desce até meus lábios, onde se demora por algum tempo. Aiken me abraça pela cintura
e começa a trilhar beijos por toda a extensão do meu pescoço. Instintivamente, levanto a cabeça
deixando meu colo totalmente exposto.

— Eu senti sua falta — ele sussurra no meu ouvido e sorri quando percebe todos os arrepios que
causou.

Ele sabe o efeito que causa em mim.

E ele adora.

Permito que meus braços se apoiem ao redor de sua nuca e uma das minhas mãos desliza até a
ponta dos seus cabelos. Logan intercala o olhar entre meus olhos, meu corpo e meus lábios.

— Eu odeio você, Logan — deixo cada palavra soar o mais verdadeira possível e no final fico
surpresa com o resultado.

— Eu sei — ele diz e logo volta a encostar os lábios nos meus. Seu toque é urgente, mas ainda
assim suave. Aiken está se controlando ao máximo para não aumentar a intensidade.

Mas hoje eu estou jogando.

Hoje eu quero intensidade.

Preciso dela.

Minha mão escorrega por debaixo da sua camisa e meu quadril encosta no dele.

Somos um incêndio e eu estou disposta a jogar mais gasolina.

Em pouco tempo Logan me suspende do chão e apoia minhas costas na parede. Eu estou entre a
parede e ele, e diferente da outra vez, eu não poderia estar mais de acordo com esse posicionamento.
Cruzo minhas pernas ao redor de River e sorrio satisfeita ao sentir o quanto ele quer isso.

Me sinto poderosa.

Eu tenho um poder sobre ele, e posso acabar com tudo agora se quiser.
Logan volta a mordiscar perto da minha jugular e em seguida no lóbulo da minha orelha. Alguns
segundos depois minha jaqueta está no chão, ao lado da camiseta de Logan.

— Você tem certeza disso, Bebê? Eu posso parar agora se você achar que é errado — ele
pergunta.

Aiken procura qualquer traço de dúvida em meu rosto, mas não encontra nenhum.

— Eu quero cometer todos os erros a que tenho direito essa noite.


"Oh, você sabe o quanto machuca.
Toda vez que você diz que me odeia.

Mas quando estamos fazendo amor, você faz valer a pena.

Mal posso acreditar nos lugares que você me leva.

(…)

Não adianta.

Fomos feitos para dar errado.

Eu sei a verdade.

E é meio tarde demais." — Perfectly wrong, Shawn Mendes.

LOGAN

O cabelo de Kiara forma uma obra de arte em minha cama. O contraste dos fios castanhos contra
o branco dos lençóis. Ela está dormindo há menos de dez minutos e eu estive a observando durante
todo esse tempo. Sua pele clara, os cabelos e sobrancelhas escuras, o pequeno sorriso que sempre
está lá quando ela dorme.

É um maldito anjo.

Um maldito anjo entre meus lençóis.

Rio com a ironia disso tudo.

Era uma vez um anjo e um demônio. Eles dormiram juntos e o mundo nunca mais foi o mesmo.

No seu ombro eu vejo vários pequenos pontinhos pretos. Sardas que parecem uma constelação de
estrelas. Sua respiração é lenta, calma e poderia ser alguma espécie de música. Eu não me importo
em ficar olhando ela para sempre.

Não me importo mesmo.

Nem um pouco.

Eu estou enfeitiçado pelo modo como ela ressona baixinho, pelas lembranças das últimas horas e
pelo modo como tudo nela grita paz e tranquilidade. Sinto um aperto no peito.

Isso não vai durar para sempre.

A realidade chega forte como um soco no estômago. É só questão de tempo para eu estragar tudo
e as coisa voltarem a ser como eram antes.

"Eu odeio você, Logan."

Ela já me disse isso outras vezes, mas eu sempre conseguia ver a hesitação em seus olhos. Hoje
não. Hoje ela disse que me odiava e eu só pude ver certeza naquelas íris cor de mel.

Eu estou perdendo no meu próprio jogo.

Eu estava disposto a não puxar a droga do gatilho. Eu estava disposto a amar Kiara do modo que
ela realmente merece. E eu queria isso. Mas aí ela provou que me odiava, e isso muda tudo.

Eu vi dor nos olhos que eu tanto amo e por alguns instantes eles pareceram o reflexo da minha
própria dor.

Eu faço mal a ela.

Eu deveria ir para longe, mas isso me mataria também.

Levanto com cuidado para não acordá-la, visto minha calça e desço até a cozinha. Cumprimento a
solidão do andar de baixo e me sirvo com uma dose de uísque.
Uísque é minha bebida preferida porque tem a cor dos olhos dela. E eu nem consigo mais olhar
um carro velho na rua sem lembrar dela puxando a marcha do carro que era de seu pai. Acho que
Kiara nem sabe o quanto mudou minha vida.

Ela sequer sabe que eu chamo seu nome quando estou com outras mulheres?

Ela sabe que quando estou com meus amigos, solto seu nome no meio da conversa esperando que
alguém tenha pelo menos uma notícia a seu respeito?

Ela sabe que eu a amo?

Sento no sofá e me permito lembrar de alguns dos nossos melhores momentos. Lembro da vez em
que ela escorregou no meio do shopping e eu ri descaradamente. Quando fui ajudá-la a levantar, ela
me puxou e eu caí também. Foi a vez dela rir.

E aquela risada. Ah, aquela risada! Parece que o mundo é um lugar melhor quando ela está rindo.

E eu só me dei conta agora.

Lembro da nossa primeira vez juntos e de como ela estava insegura. Kiara é sem dúvida a pessoa
mais bonita que eu conheço. Ela é linda por dentro e por fora. Mas ainda assim, ela é insegura.

Ela tem problemas com autoestima e com o modo como o mundo a enxerga. Mas no final das
contas o mundo é quem se preocupa com a opinião dela.

Suspiro e bebo o líquido do copo de vidro em minha mão.

Eu quero ir até lá em cima e dizer tudo isso pra ela, mas eu não posso. Se eu contar, estarei
expondo minhas fraquezas. Ficar em silêncio é melhor, afinal de contas eu só deixaria tudo mais
confuso entre nós.

Acendo um cigarro e me dirijo até a área externa da casa. No meio do escuro quase total, as
únicas coisas que se pode avistar são o cigarro aceso, a lua e as milhares de estrelas que brilham
acima de mim.

Eu gosto de ficar aqui observando as estrelas. É um espetáculo único. É lindo, é raro, é livre para
todos. Todo mundo pode guardar um momento para assistir esse show incrível no céu, mesmo que
poucos o façam.

Lembro da primeira vez que trouxe Kiara aqui.

" — É lindo — ela falou, ainda sem tirar os olhos do céu.

Eu a encarava enquanto ela observava o céu. Mas Kiara não parecia surpresa. Parecia encantada,
mas não surpresa. E então a lua se tornou mais visível e eu entendi: ela lançava olhares de
cumplicidade para a lua, e se o astro fosse uma pessoa estaria tão apaixonado quanto eu.
— Que bom que você gostou, porque da última vez que eu trouxe uma garota aqui ela me bateu —
eu disse, provocando uma pequena risada de sua parte.

Eu me aproximei e a abracei por trás. Ficamos assistindo as estrelas por horas, mas no final da
noite foram elas quem nos assistiram.

Naquela noite o espetáculo foi nosso."

Nós tivemos momentos tão bons que no final parecia que os momentos ruins nem importavam.
Sopro a fumaça para fora e a vejo se dissipar completamente.

Penso em Kiara dormindo há poucos metros de mim e me controlo ao máximo para não ir lá e
abraçá-la apertado como eu realmente quero fazer.

Eu gostaria de declamar ódio ao amor. De gritar para o mundo sobre como esse sentimento é
terrível e avassalador. Queria julgar e condenar todos que o sentirem. Desejava saber o que havia de
tão importante com esse sentimento e depois tomar toda essa importância.

Mas no final eu não pude fazer nada disso.

Porque eu também amo.


"Às vezes quem te ama é quem te machuca mais." — É assim que acaba, Colleen Hoover
Sinto o peso do seu corpo sobre o meu e em seguida o cheiro forte de cigarro. Logan desce beijos
até meu pescoço enquanto eu me movo confortavelmente entre os lençóis.

Acordar desse jeito é muito mais do que bom.

É monumental.

Meus olhos continuam fechados e mesmo que eu só tenha dormido algumas horas, eu parecia
muito bem despertada. É como se eu tivesse dormido um dia inteiro.

— Bom dia, Bebê — ele diz, enquanto os dentes brincam com o lóbulo da minha orelha.

Eu não quero abrir os olhos e ser obrigada a voltar para a realidade. A realidade onde Logan é
um babaca e eu preciso ficar longe. Mas eu preciso encará-la de uma vez por todas. Como se tira um
Band aid.

Abro os olhos.

Céus, como Aiken pode parecer tão bem?


Seu cabelo assanhado, e recentemente longo, encosta em minha testa. Ele está inclinado, me
encarando. As íris escuras me olham tão atentamente que tenho certeza que ele já havia decorado
cada detalhe do meu rosto.

Observo seu rosto também. Sua expressão é séria e ele possui as sobrancelhas arqueadas, como
se estivesse em dúvida sobre algo. Observá-lo assim é viciante como uma droga, mas aí ele sorri e
eu tenho certeza que aquela era a porra de uma overdose.

Eu havia ingerido demais.

Desvio o olhar do seu e procuro pelo relógio que geralmente fica ao lado da cama. Bem, ele está
lá com os fios cortados e o painel apagado. Logan provavelmente estava em um humor terrível
quando o pobre despertador tocou.

— Que horas são? — pergunto enquanto ele sai de cima de mim e se aninha ao meu lado. Logan
me puxa mais para perto e ficamos nessa posição, em silêncio até que ele finalmente responde:

— Algo perto das oito da manhã — sua voz estava vacilante. Aiken realmente não gosta do
tempo quando ele não está trabalhando a seu favor.

Concordo e volto a pensar no dia de ontem e em todas as coisas que me fizeram vir até aqui.

As organizações, o ferimento em meu dedo, o jogo, Katherine e seu medo de filmes de terror…

Meu Deus.

— O jogo! — grito, levantando da cama em um solavanco. — O jogo é hoje, Logan.

Logan estreita os olhos e une as sobrancelhas. A confusão é quase palpável em seu rosto.

— Desde quando você gosta de futebol, Kiara? — Aiken pergunta, engatinhando na cama até se
aproximar de mim. Aiken abraça minha cintura, coberta por uma de suas camisetas, e me puxa para
seu colo, no colchão.

Desde que Devon me prometeu seis pontos, penso em responder.

— Eu marquei lá com Andrew e Katherine. Acho que vai ser legal. — Tento soar convincente o
bastante para que ele não me faça mais perguntas.

Logan assente e em seguida me puxa ainda mais para perto, as mãos segurando minhas coxas
como se eu fosse feita de ouro. Enlaço meus braços em volta de seu pescoço e permito que uma das
minhas mãos faça carícias em seu cabelo. Eu sempre adorei o modo como seus cabelos são espessos
e macios o suficiente para que minha mão afunde.

Ele sorri e inclina a cabeça.

— Vou com você — diz.


— Não.

— Por que não? — Ele parece confuso de novo.

— Porque ninguém pode nos ver juntos — explico e aponto diversas vezes para mim e para ele.
— Ninguém.

— Bebê, nós namoramos. Por que ninguém pode ver a gente? — Ele me olha como se eu
estivesse sendo ingênua.

Acho que dessa vez ele é quem está sendo ingênuo.

Sorrio.

— Não reatei com você, Logan — Deixo minhas palavras dançarem no ar e o clima entre nós
parece quase mórbido.

— Como não? Bebê, você dormiu aqui comigo…

— Isso não significa nada.

— Isso significa tudo.

— Você precisa de mais que orgasmos para me fazer confiar em você de novo — falo, me
desvencilhando de seus braços e levantando da cama.

Aiken bufa frustrado e se joga dramaticamente nos lençóis. Suas mãos cobrindo o rosto.

— Isso não é justo, Bebê.

Procuro por minha calça na bagunça de roupas que se formou no chão do quarto. Encontro o
tecido de lavagem azul e o visto. Continuo usando a blusa de Logan, que tem a logomarca de alguma
marca famosa.

Nem ferrando que eu vou devolver essa obra prima.

— Eu já vou — aviso e ouço ele resmungar alguma coisa. Espero alguma reação da sua parte,
mas Logan continua com as mãos no rosto, resmungando coisas inaudíveis.

Parece uma maldição.

Suspiro e me preparo para sair do quarto. Antes que eu possa chegar até a porta, sou imprensada
contra a parede. Logan prende ambos os meus braços acima da minha cabeça e seus lábios
experientes já estão contra os meus.

— Eu ia adorar ouvir você chamando meu nome — ele diz contra minha boca. — De novo.
— Eu realmente tenho que ir.

— Ou eu posso te jogar naquela cama agora e te foder até você entender que eu realmente gosto
de você pra caralho. — É uma proposta tentadora, mas eu não vou me render.

Nego com a cabeça e sinto sua mão soltar meus pulsos gradativamente. Quando já estou
finalmente livre, corro até a porta.

Corro porque se ficasse mais um segundo ali iria ceder a suas investidas.

Desço as escadas, pego minha jaqueta jogada ao pé da porta e vou embora. Ando até o carro e ao
chegar encosto minha cabeça no volante.

Eu posso resumir essa noite como incrível.

(…)

Chego ao campus bem em cima da hora e quase choro de alegria ao constatar que o jogo ainda
não havia começado.

Ao meu redor várias pessoas estão usando blusas do time, apitos e todos aqueles apetrechos que
as pessoas usam em torcidas de futebol. Há vários cartazes e o barulho é infernal.

Mas hoje eu estou de bom humor.

O barulho talvez nem seja tão ruim assim.

No caminho até aqui mandei uma mensagem para Katherine e Andrew, que já haviam se
encontrado e guardado um lugar para mim nas arquibancadas. Katherine alegou que estava muito
chateada com minha saída repentina e que gostaria muito de uma explicação. Já Andrew falou que
estava animado para me ver e precisava me contar alguma coisa.

Eu definitivamente não quero dar explicações a Kat, e com toda a certeza quero ouvir as fofocas
de Andrew.

Começo a andar em direção às arquibancadas, porém uma das barraquinhas me chama atenção.
Uma barraca improvisada que vende camisetas de ambos os times que jogarão hoje. Me aproximo e
procuro por uma em específico. Compro a camiseta vermelha com o número dezesseis atrás. Bem
acima do número o nome "Ross" está bordado em letras grandes e chamativas.

Gosto dela.

Dou uma passada no banheiro para trocar de camiseta e guardo a de Logan dentro da bolsa. Não
tive tempo para passar em casa, então vim direto pra cá. Volto a andar em direção às arquibancadas e
dessa vez nada prende minha atenção.

Demoro uns oito minutos para encontrar Katherine e Andrew. Eles acenam para mim
compulsivamente e por alguns segundos cogito fingir que não os conheço. Peço licença a várias
pessoas antes de finalmente conseguir alcançá-los.

— Onde você se meteu? — pergunta Kat.

Dou de ombros e não respondo.

— Kiki, eu não vejo você há tanto tempo que mal lembrava do seu rosto. — Drew pode ser muito
dramático às vezes.

Reviro os olhos, sorrindo.

Não respondo porque uma voz soa nas caixas de som espalhadas pelo campo.

Eu não ouço direito o que ela diz.

Meus olhos estão presos em alguém sentado do outro lado da arquibancada. Mesmo com tantas
pessoas eu ainda consigo avistar Logan do outro lado.

Sua expressão é de raiva enquanto ele olha para minha camiseta.

Droga.

Eu disse pra ele não aparecer aqui.

Eu deveria saber que ele viria.

Ele sempre vem.


"Eu sou um museu cheio de arte, mas você tinha os olhos fechados." — Milk and honey, Rupi Kaur.
Logan mantém o olhar fixo em minha camiseta e seus olhos podem facilmente ser comparados à
escuridão da noite. Por alguns segundos penso que ele vai cruzar o campo que nos separa e me levar
embora. Por alguns segundos penso que vai me metralhar com aqueles olhos envoltos de hostilidade.

Por alguns segundos.

Porque Aiken logo abaixa a cabeça, como se quisesse declarar calma a si mesmo, e quando torna
a levantá-la possui de volta nas feições a calma de uma tarde de setembro. Ele assente positivamente
para mim e depois de sorrir, pisca o olho como se estivéssemos compartilhando um segredo.

E estamos.

Um segredo sujo e voraz que um dia tomaria posse da minha alma e me destruiria de dentro para
fora.

Eu já ouvi histórias assim.

Garotas corrompidas, amores fracassados e garotos com mentiras manchadas de cigarros.

Ao meu lado, Katherine e Andrew discutem sobre um dos jogadores.


— Eu tenho certeza que ele me chamaria para sair — diz Andrew, confiante como de praxe.

Katherine escancara os olhos verdes e começa a balançar as pernas com nervosismo. Para ela
parece óbvio que o jogador em questão não é gay.

— Ele chamaria a mim — rebate, insistente.

Tento esquecer Logan por algum tempo e entro no assunto com meus amigos. Afinal, se eu não o
fizesse, seria logo julgada de estranha, e aí meu segredo da noite passada viria à tona mais cedo do
que eu esperava.

— De quem estão falando? — pergunto.

— Olhe só, ela fala — Drew exclama, fingindo falsa surpresa.

Katherine então aponta para o campo, onde os jogadores começavam a entrar e seu dedo para no
camisa onze do time adversário. Posso reconhecer a pessoa para qual ela apontara, porque ele está
isolado em uma das pontas do gramado.

Não dou de fato atenção ao jogador.

Meus olhos me traem e vão até o outro lado da arquibancada.

— E então? O que acha?

Tiro os olhos de Logan tão rápido que quase dói.

— Super gay — respondo. Assisto Andrew encher os olhos com esperanças e em seguida lançar
um olhar desafiador a Kat.

Katherine olha para mim e em seguida revira os olhos,como se fosse uma espécie de tique
nervoso. Ela vinha fazendo isso com uma frequência assustadora.

Alguns minutos depois o jogo começa e eu, que não entendo nada, apenas recosto no banco e
observo o campo com cara de poucos amigos. Eu via os jogadores se movimentando e percebia pelo
humor dos torcedores quem estava ganhando ou perdendo.

O poste que mantém o placar está marcando dez pontos para meu time e sete para o time
adversário, quando eu levantei do banco para ir em busca de um refrigerante ou qualquer coisa que
acabasse com a secura em minha garganta, por mais que eu acreditasse que ela se dava por uma
preocupação excessiva com a presença de Logan.

Fui até a cantina mais próxima, que estava vaga demais para o momento, e me debrucei pelo
balcão enquanto pedia por uma coca cola diet.

Meus olhos varriam todos os lugares ao meu redor em busca de Logan. A sensação que se
apossava de meu corpo era que alguém estava me seguindo, mas eu não via ninguém quando olhava
para trás.

Devo estar maluca ou levemente inclinada em direção à loucura total.

Recebi a latinha gelada e paguei pela bebida. Depois me pus novamente em caminho as
arquibancadas. Antes que eu pudesse sequer chegar ao meu lugar, Katherine me puxa pelo braço e
grita cheia de euforia:

— Ele vai fazer os seis pontos agora!

Demoro alguns segundos para entender o que ela está falando, mas então lembro da promessa que
Devon havia me feito dias antes.

Ele me faria um maldito touchdown.

Olho para o campo e avisto Devon percorrendo as jardas com uma habilidade quase corriqueira.
Em sua mão, uma bola oval e a firmeza com a qual ele a segura faz os nós dos seus dedos ficarem
esbranquiçados. Sequer me dou o trabalho de sentar. Sei que ele fará os pontos que me prometeu e eu
sei também que devo estar de pé para comemorá-los.

Devon lança a bola para um dos outros jogadores, mas não para de correr. Depois que cruza a
end zone ele espera que o colega lance a bola de volta, e assim ele faz.

Touchdown.

Seis pontos.

A torcida vai à loucura e eu não posso me conter. Grito e pulo em comemoração, assim como os
outros torcedores.

Ele havia feito uma promessa.

E cumprido ela.

Katherine grita comigo, e Drew mesmo sem entender, faz o mesmo. O placar muda: dezesseis
para o nosso time.

Dezesseis, o número da minha camiseta.

E ainda faltam trinta minutos para o fim da partida.

(...)

O jogo acaba e, como era de se esperar, nosso time foi campeão.

Foram vinte e dois contra quinze.


Foi fácil demais.

E parte disso parecia ter vindo da promessa feita a mim.

Agora estamos no mesmo bar de sempre, acompanhados por dezenas de torcedores com apitos e
vuvuzelas que comemoravam o resultado de hoje.

Não vejo Logan desde o final do jogo e por mim tudo bem. Eu realmente não o quero aqui e estou
muito bem com meus amigos.

Dou mais um gole na cerveja.

Logo o som de aplausos e assobios inunda o lugar. Nove jogadores entram pela porta da frente, e
eu posso facilmente reconhecer Devon entre eles. Os olhos verdes pousam sobre os meus e ele
começa uma caminhada até mim.

— Gostei da camiseta — diz, enquanto observa com olhos brilhantes a camiseta com seu nome.

— Ah, obrigada! Ouvi dizer que ele é um bom jogador — brinco.

— Gostou do touchdown? — ele pergunta, sentando em uma cadeira vaga ao meu lado.

— Foi um jogo bonito — respondo, deixando de fora a parte em que eu não entendi setenta por
cento do que estava acontecendo no campo.

— Só o jogo? — Ele faz uma espécie de biquinho e pisca sugestivamente os cílios.

— Não, o camisa onze do time adversário também fez sucesso — digo e em seguida rio. Pela
expressão de Devon ele provavelmente achou que eu ia elogiá-lo.

Vejo seu maxilar trincar levemente e os olhos ganharem um quê a mais de preocupação.

— Madame, eu fiz essa promessa boba dos pontos em troca da sua permissão para um recomeço,
lembra? Eu fui um babaca naquele dia com Logan, e mal posso esperar para me redimir com você. —
As palavras saem da sua boca com rapidez e sua mão dá batidinhas na mesa como se estivesse
ansioso.

Muito ansioso.

Assinto e encaro seus olhos verdes em busca de qualquer coisa que me faça desistir de dá-lo essa
chance. Mas não há nada de errado com Devon. Ele parece sincero e eu consigo quase tocar a
verdade em suas feições e gestos.

— Prazer, Kiara Hildegard. — Estendo a mão para ele, que me encara por alguns instantes antes
de sorrir.

Ross estende sua mão também.


— Devon Ross — se apresenta.

Isso é um recomeço.

Eu já havia dito que perdoei Ross pelas coisas que ele disse antes, mas talvez eu nunca tenha
realmente o feito. Agora sinto como se um peso, que eu nem me dera conta que estava aqui, estivesse
saindo das minhas costas.

Retribuo seu sorriso e levanto meu copo com a cerveja já quente.

— Ao início de uma nova amizade! — Brindo.

Devon sorri e levanta as mãos como se estivesse brindando com um copo imaginário. Mas, pelo
canto do olho, eu posso observar que seu sorriso não chega aos olhos.

Eu sei que Devon quer mais que uma amizade, mas não posso dar a ele mais do que isso.
Simplesmente não posso. Uma parte de mim ainda está machucada demais pra pensar que isso daria
certo, e a outra parte está pensando em ir até Logan e fazer o mesmo que na noite passada.

A amizade de Devon é mais que suficiente agora.


"Ela costumava me encontrar no Lado Leste.
Na cidade onde o sol não se põe.

E todo dia você sabe que nós passeávamos pelas ruas em um Corvette azul.

Baby, você sabe que eu só quero sair hoje à noite.

Nós podemos ir a qualquer lugar que quisermos.

Dirija até a costa, pule no assento.

Apenas pegue minha mão e venha comigo." — Eastside, Benny Blanco, Halsey & Khalid

Já haviam se passado algumas horas desde que Devon e eu brindamos o recomeço da nossa
amizade. Eu não faço ideia de quantos copos de cerveja eu bebi, mas eles definitivamente já estão
fazendo algum efeito. O bar está menos lotado, mas isso não significa que está menos animado.
Andrew está se certificando disso.

Quando chegamos aqui, estavam tocando belíssimos exemplares de rock dos anos setenta, mas
agora ouvimos Lady Gaga em um volume exageradamente alto. Eu posso acusar Katherine da
mudança, porque nesse momento ela está em pé em cima da cadeira e cantando como se fosse a
própria compositora de Born this way. Algumas pessoas estão ao seu redor cantando junto, filmando
e aplaudindo.

Enquanto todos apreciam o show ambulante que é Kat, eu me afasto um pouco. Estou no fundo do
bar, com os braços jogados em cima do balcão de madeira e sou a única sentada em uma fileira de
bancos altos.

Aparentemente o fundo do bar é o melhor lugar para fugir das pessoas, do som alto e ainda tem os
bartenders mais atenciosos. Sei disso porque converso com o bartender por quase quinze minutos.

O tema da conversa é: problemas amorosos e outras drogas.

Devon precisou ir embora mais cedo, porque tinha que encontrar com o treinador e com um dos
olheiros que assistiu ao jogo de hoje e gostou do seu posicionamento em campo. Desde então eu
estou aqui, sentada de costas para a bagunça atrás de mim e olhando fixamente para o bartender, que
agora está mais focado em seu celular do que em qualquer outra coisa. Não posso culpá-lo, a única
cliente aqui sou eu e no momento não tenho nenhum pedido a fazer.

Eu juro que durante os nossos quinze minutos de conversa, ele foi super gentil e atencioso.

— Que horas são? — pergunto, tentando fazer a conversa fluir novamente entre nós.

— Você tem um relógio — ele diz e aponta para o meu pulso, onde um relógio prata com detalhes
em dourado enfeita meu pulso.

Eu tenho certeza que meu rosto está mais expressivo que deveria. Eu estou chocada. Alguns
minutos no celular e eu tinha perdido meu amigo de quinze minutos.

Fico o encarando embasbacada pelo que parece anos e até penso que talvez eu ouça um pedido
de desculpas, mas o cara deve ser muito tapado e não me lança sequer um olhar.

Esses quinze minutos provavelmente não significaram nada pra ele.

— Um uísque — pede uma voz atrás de mim.

Uma voz que eu já conheço terrivelmente bem. A mesma voz que me deu bom dia hoje e a única
voz que consegue me causar um arrepio da cabeça aos pés.

Logan está usando um moletom azul marinho com um capuz que permite que ele passe
despercebido pela maioria das pessoas ali. Uma pequena parte de seu cabelo está escapando e
caindo na sua testa, é a sua rebeldia revelada em pequenos gestos.

O bartender sem coração guarda o celular no bolso e pega um copo de vidro na grande estante
atrás de si, depois o coloca na frente de Logan e começa a despejar lá dentro o líquido amarelado de
cheiro forte.

O preferido de Aiken.
— Gostou do jogo de hoje? — Logan pergunta para mim.

Olho para trás e procuro por Katherine e Andrew. Ambos ainda estão ocupados com o show da
Lady Gaga.

— Sim.

— Eu vi você comemorando os pontos que Ross marcou. — Me preparo para qualquer bronca
idiota que ele possa me dar, mas ela não vem. — Foi um touchdown bonito. Mereceu toda aquela
comoção.

Quem é você e o que fez com Logan?

Observo ele por mais um tempo antes de dizer qualquer coisa. Seus olhos escuros estão fixos na
borda do copo, onde seu dedo indicador dá voltas e voltas. Sua cabeça pende para baixo, como se
realmente não quisesse ser reconhecido. Ele sabe que eu estou o observando, por isso sorri.

Não é um daqueles sorriso cínicos ou maliciosos que ele lança sempre que me vê. É um sorriso
genuíno e natural que mostra os dentes brancos alinhados e abre pequenas rugas embaixo dos seus
olhos.

— Logan, eu... — começo o que seria uma breve explicação da noite anterior.

— Me encontre no estacionamento em vinte minutos. — Sou interrompida.

Depois Logan tira alguns dólares do bolso e joga no balcão, acena para o bartender indicando
que está pagando a minha conta também. Em seguida, vira de uma só vez o uísque, levanta do banco e
sai.

O sigo com o olhar e o vejo deixar o lugar pela porta dos fundos.

Eu não disse a ele que iria, mas não precisava. Aiken simplesmente sabe que eu vou aparecer por
lá. E ele está certo, porque vinte minutos depois eu estou passeando pelo estacionamento à sua
procura.

Eu fiquei tanto tempo no bar que pensei que já era noite, no entanto o céu ainda está colorido em
tons habituais de lilás, laranja e azul. O final da tarde é meu horário preferido do dia. É o único
horário em que você pode olhar para o céu e ver uma pintura nova e diferente todos os dias.

Parece uma aquarela.

A cena fica ainda mais bonita quando avisto Aiken. Encostado no capô de seu esportivo preto,
com ambas as mãos nos bolsos e um sorriso estonteante. Atrás dele, o céu se desfaz e explode em
cores. Agora está sem capuz e seu cabelo negro dá um contraste incrível na situação.

Quero bater uma foto.


Quero ter essa imagem para sempre.

Quero desesperadamente.

Mas não o faço.

Apenas ando em sua direção e espero que ele comece a falar qualquer coisa. Observo o
estacionamento vazio ao nosso redor e penso em mil coisas que poderíamos fazer sem dar uma
palavrinha sequer.

Quando eu já estou a alguns passos de distância, Aiken me puxa pelo passador do cinto de minha
calça jeans e me prende com ambos os braços em volta da minha cintura.

— Eu estava com saudades — explica. — Uma noite não é suficiente para mim, Kiara.

Sua boca está muito próxima da minha e eu posso sentir seu hálito quente em meu rosto.

— Eu sinto muito, mas não posso simplesmente te perdoar e esquecer as coisas que você fez,
Aiken. — Minha voz é quase vacilante, mas ainda há certa firmeza. — Não posso.

Logan assente e me puxa mais para perto. Ele me abraça e apoia o queixo em minha cabeça.

— Quero te levar em um lugar.

— Onde? — pergunto, curiosa.

— Surpresa. — Ele se afasta para examinar meu rosto.

Seus olhos passeiam em meu rosto e ele espera alguma confirmação. Ele não disse, mas sua
postura é óbvia: ele quer muito que eu entre no maldito carro. Então eu me solto de seu abraço
apertado e vou até a porta do carona. Espero que Logan destrave o carro e ele sorri enquanto aperta
o botão no chaveiro responsável por essa função.

Entramos e Aiken me lança mais um sorriso antes de ligar o carro.


"Tudo é cinza.
Seu cabelo, sua fumaça, seus sonhos.

E agora ele está tão desprovido de cor.

Ele não sabe o que isso significa.

E ele é triste.

(…)

Você está gotejando como um nascer do sol saturado.

Você está derramando como uma pia transbordando.

Você está rasgado em cada extremidade mas você é uma obra-prima.

E eu estou rasgando as páginas e a tinta." — Colors, Halsey

O aroma no carro de Logan é uma mistura suave de cigarros, menta e algum perfume masculino.
O banco de couro é quase como um armazenador de cheiros, e inconscientemente eu desejo que meu
cheiro também fique preso aqui. Aiken segura o volante com apenas uma mão, enquanto a outra
repousa estrategicamente em cima da minha perna. Logan adquiriu essa mania no começo do nosso
namoro. Ele gostava de dirigir com uma das mãos em cima das minhas pernas, dos meus ombros, de
mim. No começo eu ficava irritada, mas agora isso parece tão natural que eu nem me dou o trabalho
de mandá-lo recolher sua mão.

O rádio está ligado em um volume mínimo e eu posso ouvir o início dos acordes de alguma
música calma o bastante para me fazer dormir.

— Nós já estamos nesse carro há uns vinte minutos. Vai me dizer onde está me levando? —
pergunto, a irritação notável em minha voz e talvez em meus braços duramente cruzados.

— Não posso estragar a surpresa, Bebê — responde enquanto os dedos começam a fazer
movimentos circulares na altura do meu joelho.

Bufo frustrada e encosto o rosto na janela do carro. Queria ser melhor com ofertas, porque eu
definitivamente não sei barganhar coisas.

Eu poderia tê-lo ameaçado até ele dar com a língua nos dentes e falar para onde vamos, mas
ainda que eu fizesse não seria suficiente. Aiken é difícil de se persuadir e talvez isso até seja uma
qualidade... Pra ele.

O cenário ao nosso redor vai mudando conforme nós chegamos mais perto do destino. Os prédios
vão ficando cada vez mais distantes uns dos outros, até que tudo é substituído por um vazio. Estamos
bem no meio do nada.

— É agora que você tira uma faca do porta luvas e me mata? — brinco, mesmo que uma pequena
parte de mim realmente esteja com um pouco de medo. Logan não seria capaz de me machucar
fisicamente, isso é quase certo.

Quase.

Porque, na verdade, eu não posso afirmar isso. Aiken e eu estivemos juntos por tempo o
suficiente para que eu o conhecesse, mas a cada dia que se passa eu percebo que na realidade eu mal
sei quem Logan Aiken é.

— Não fale uma coisa dessas nem por brincadeira, Kiara. — Seu tom de voz é rígido, mas há
certa doçura refletida na profundidade dos seus olhos castanhos.

Logan desliga o carro e apoia as costas no banco, em seguida solta um longo e demorado suspiro.
É como se ele estivesse carregando um peso enorme e agora pudesse finalmente descansar. Atrás
dele, na janela, eu assisto o sol nos abandonar por completo e a lua tomar seu lugar no quesito
iluminação. Logan fecha os olhos e parece estar fazendo uma anotação mental de coisas a serem
feitas ou serem ditas. Eu já estou começando a ficar realmente assustada quando ele volta a me
encarar.
Suas orbes castanhas parecem estar em um dilema entre sair do carro ou encarar meu rosto
eternamente. Logan investiga cada centímetro meu, e eu deixo. Sua mão volta ao meu joelho e vai
subindo um pouco mais, até o meio da minha coxa.

Parecemos um espelho. Eu o observo como se fosse meu próprio reflexo e ele faz o mesmo.
Somos como narcisistas admirando nossa própria imagem.

São muitas mágoas e eu estou vendo cada uma delas dentro dos olhos de Logan. Eu consigo ver
todas as minhas malditas dores.

Como se alguém tivesse dado um grande soco e nosso espelho estivesse começando a se desfazer
em cacos, Aiken vira o olhar de volta para a frente, encarando o painel do carro como se aquilo
fosse mil vezes mais interessante que eu.

Um minuto se passa até que Logan abra a porta e desça do carro. Faço o mesmo, porém com
menos rapidez e habilidade. Quando meu pé toca o chão e eu me permito olhar ao redor, fico
imediatamente mal por ter feito aquela piada em relação ao meu suposto assassinato. Logan nos
trouxe até a praia, mas não uma praia famosa e movimentada. Aiken nos trouxe até uma praia deserta
onde eu apenas preciso levantar a cabeça para olhar o verdadeiro milagre diante de mim.

As estrelas são tão mais visíveis e bonitas aqui. O som natural das ondas me faz relaxar. A tensão
que eu estava sentindo antes pareceu ir embora por definitivo. A lua brilha em toda sua glória e
ilumina os fios escuros de Aiken de modo que luzes azuis são refletidas deles.

É simplesmente de tirar o fôlego.

O mar está a alguns metros de nós, visto que o carro não poderia avançar mais que aquilo, e eu
instantaneamente desejei molhar meus pés lá. Sorrio para Logan, que me observa sério e possui uma
expressão tímida no rosto.

— Descobri esse lugar há algumas semanas.

— É lindo, Logan — exclamo, ainda embasbacada com essa vista.

Se esse lugar não é o paraíso, chegou bem perto.

Logan curva o canto dos lábios em um sorriso e inclina a cabeça como de praxe. Seu moletom
azul escuro faz.com que ele se camufle no meio de todos aqueles tons azuis. Seu rosto está
parcialmente iluminado pela lua e por alguns segundos me pergunto se ele realmente não pertence a
esse lugar em um nível fora do comum.

Logan suspira profundamente e então enterra uma das mãos no bolso da calça jeans. Abre a boca
para falar algo, mas em seguida a fecha com a mesma velocidade.

— Por que me trouxe aqui? — pergunto. Minha voz soa mais dura do que gostaria e talvez até
com um toque de censura.
— Eu precisava de um lugar calmo, porque já tem gritaria demais dentro da minha cabeça. —
fala como se aquilo realmente servisse de explicação. Ameaço falar algo, mas sou interrompida com
uma risada forçada de sua parte. É uma risada quase sádica. — É incrível o modo como meus
demônios gostam de você, Kiara. Parece que quando você está por perto eles se acalmam, mas
quando você vai embora eles gritam no meu ouvido até eu não aguentar mais.

Fico estática ouvindo suas palavras.

— Dói pra caramba e machuca muito. Eles ficam pedindo por você o tempo todo, Bebê.
implorando, implorando, implorando. Eu não sei mais o que fazer. Eu estou desesperado. — Suas
mãos vão até sua cabeça enquanto ele dá pequenas voltas circulares próximo ao capô do carro. —
Me desculpa, Kiara. Me desculpa, me desculpa, me desculpa…

Aiken parece louco.

Extremamente louco.

— Não é fácil assim, Logan. — As palavras escorregam pelos meus lábios como veneno. — Eu
vi você com outra garota, e esse nem foi seu único erro! Você sequer lembra das coisas que me disse
naquele dia?

Logan para de caminhar e tira as mãos da cabeça. Seu cabelo está desgrenhado como o inferno e
eu posso jurar que há um brilho avermelhado saindo de seus olhos escuros. Ele tenta se aproximar e
eu imediatamente me afasto.

— Eu não queria ter dito nada daquilo, Bebê. Eu só tava chapado pra caralho, porra. — Sua voz
está começando a se exaltar e seus olhos buscam em mim qualquer tipo de redenção. — Eu sei que
deveria tratar você melhor. Eu juro que sei! Mas não faço a menor ideia de como fazer isso.

É rápido, avassalador e assustador. Logan cai de joelhos à minha frente e as mãos juntas como
uma prece silenciosa.

— Por favor, Kiara. — Sua feição me enche de angústia e minha visão começa a embaçar. — Eu
só preciso de mais uma chance. Eu vou descobrir como te tratar do jeitinho que você merece e eu vou
fazer tudo direito. Se você quiser eu até paro de fumar. Só não deixe que eles sussurrem na minha
cabeça de novo.

Os olhos de Logan estão tão vermelhos quanto eu imagino que o inferno seja. Seu cabelo escuro
ainda iluminado pela lua e essa é a personificação da loucura.

Deixo que minha mão vá até sua cabeça e faça carinho em seu cabelo. Eu preciso de algum modo
mostrar que ele não está sozinho. Aiken levemente levanta a cabeça e me observa atentamente por
baixo dos cílios.

Seus olhos fazem uma inspeção minuciosa em mim, e enquanto ele faz isso eu me sinto como uma
deusa. Logan me observa como se eu fosse o milagre que esperou a vida inteira, mas não posso
evitar vê-lo como uma maldição.

Uma maldição que custaria cada centavo da minha alma.

— O que eles dizem, Logan? — pergunto com cuidado. Eu não faço ideia de quem "eles" são,
mas eu estou realmente preocupada com o psicólogo de Aiken. Trataria de convencê-lo a ir num
médico assim que possível.

Continuo as carícias em seu cabelo e ele se encolhe como um cachorro assustado. Logan abraça
minhas pernas e fica assim por um tempo longo demais. Ele sussurra palavras inaudíveis e parece
totalmente fora de sí.

Eu não sei o que ele tem, mas seja lá o que esse surto for, eu tenho certeza que não é por causa da
nossa separação.

— Eles dizem que… que… — Logan gagueja. Em seguida um grito rasga a noite como um tiro
ouvido à distância. Aiken leva as mãos até os ouvidos e começa a pressionar ali como se estivesse
tentando se livrar de uma música ruim. Seu corpo balança em soluços e eu estou desesperada.

Retiro meu celular do bolso da calça jeans e ligo para a emergência. Desligo o telefone assim
que confirmam que uma ambulância está a caminho.

Me abaixo até ficar na altura de Logan e o abraço.

O abraço como provavelmente eu nunca fiz antes.

— Meus demônios gostam de você, Bebê. Mas tem um em especial que está me mandando puxar
o gatilho — diz com os olhos brilhantes por causa das lágrimas.

O abraço mais forte.

— Eu já pedi ajuda. Eles estão vindo. — Eu tento, inútilmente, acalmá-lo.

Logan concorda com a cabeça e me aperta tão forte que sinto o ar quase se esvair de mim.

E é aí que eu entendo.

Por trás dos cigarros, das bebidas, das mulheres e dos sorrisos maliciosos há uma pessoa
quebrada.

Uma pessoa com demônios internos.

Uma pessoa atormentada.

Uma pessoa triste.


"Eu ainda quero você, mas não pelo seu lado ruim.
Não pela sua vida assombrada.

Só por você.

Então me diga por que eu lido com seu lado ruim.

Eu lido com a sua mente perigosa.

Mas nunca com você.

Quem vai te salvar agora?

Quem vai te salvar?

(…)

Eu não posso mentir, mas eu sinto falta daqueles tempos.

Estávamos no alto.

Eu pensei que nunca iria acabar.


Mas você e eu viemos da mesma linha.

Boas crianças com um lado ruim


Só indo por aí novamente." — Devil side, Foxes.

O hospital no qual estamos me causa arrepios, não somente pelo fato de estar fazendo quase dez
graus hoje, mas também pelo nervosismo que varre minhas veias com uma rapidez assustadora.
Logan havia voltado ao seu juízo normal há cerca de uns quarenta minutos, e agora nós esperamos o
médico e o resultado dos exames que ele fez.

Há algo terrível sobre corredores de hospitais, eles me lembram a morte e cheiram a lágrimas.
Ao nosso redor algumas pessoas choram e outras apenas estão de cabeças baixas. A energia aqui é
tão negativa que por alguns segundos até penso em ir embora e deixar Logan e os malditos exames
para trás.

— Está com frio? — Logan pergunta, inclinando levemente a cabeça enquanto espera minha
resposta. Só então percebo que inconscientemente os meus dentes tremem e eu abraço meu corpo com
meus próprios braços.

— Não.

Aiken começa a tirar o moletom azul escuro e em seguida o estende em minha direção, ficando
apenas com uma camisa preta fina. Imagino o frio que ele sentiria se não usasse o moletom.

— Não, obrigada — nego, balançando a cabeça para dar ênfase a minha vontade. — Você vai
ficar com frio.

— Acho que temos um dilema aqui, duas pessoas com frio e apenas um moletom… — Ele finge
estar pensando seriamente em uma solução. — Vista o casaco, Kiara.

Sua voz é rígida e eu não encontro nenhuma doçura dentro das suas íris escuras. Engulo em seco e
visto o casaco, quase chorando de alegria ao sentir o calor do tecido cobrindo meus braços. Me
aconchego em Logan e espero até que ele me envolva com um abraço igualmente apertado.

Ficamos assim pelo que parecem horas. A angústia tomando conta do meu coração. Logan parece
bem agora, mas não sei se um dia eu serei capaz de tirar as cenas de horas atrás da minha cabeça.
Seus olhos vermelhos demonstravam uma dor tão real e era a segunda vez que eu o ouvia falar sobre
esse tal gatilho. E se Logan realmente estivesse ficando louco? E se ele sempre foi e eu nunca
percebi?

Médicos passeiam de um lado para o outro nos corredores. Alguns com expressões neutras no
rosto, enquanto outros parecem frustrados com alguma coisa. Noto que a grande maioria possui
olheiras enormes embaixo dos olhos cansados. O som de passos e burburinhos ao longe são as únicas
coisas audíveis aqui.

— Logan Aiken? — pergunta um homem de jaleco, suas mãos segurando algumas pastas e
prontuários. Ele deve ter cerca de um e setenta de altura, embora ande curvado e aparente ter muito
menos. Seus cabelos grisalhos estão perfeitamente penteados para trás e sua barba por fazer. Estreito
os olhos para ler o nome bordado em seu jaleco, Thomas Carson. Logan, que está sentado ao meu
lado, assente com a cabeça e estende o braço para apertar a mão do médico. — Me acompanhe, por
favor.

Aiken levanta da cadeira e eu faço o mesmo. Começo a segui-los pelo corredor, mas quando
chego perto o suficiente o tal Thomas estende a mão em minha direção em um sinal claro de "pare".

— Sinto muito, mas ele só pode ser acompanhado por alguém da família — diz.

Logan olha para o chão e fica o encarando de modo constrangido. Nós nunca havíamos
conversado sobre sua família, e eu sequer sei se ele realmente tem uma, mas neste momento eu faria
qualquer coisa para acompanhá-los.

— Sou a namorada dele — falo, observando Logan, que ainda tem os olhos presos no chão,
entretanto agora ele está sorrindo. — Sou a única família que ele tem. Por favor, me deixe ir com ele.

Carson olha de mim para Logan umas dez vezes antes de finalmente assentir com a cabeça e
voltar a andar. Assisto o jaleco branco balançando na minha frente conforme andamos pelos
corredores. Evito um grito quando sinto o braço de Logan passar pela minha cintura. Ele anda ao meu
lado e agora com um brilho infantil nos olhos.

Chegamos em uma sala cuja uma plaquinha na porta diz "Thomas Carson, psiquiatra". Sinto o
corpo de Logan enrijecer ao lê-la. Carson abre a porta e nos deixa entrar primeiro. Sua sala é muito
bem decorada. Há livros espalhados por todos os lados, a maioria têm psicologia como tema
principal. Há também um divã confortável no canto da sala e as paredes são pintadas em tons claros
de azul. Mas ainda com todo o charme, a falta de personalidade me faz sentir um grande arrepio ao
entrar aqui. Eu estou preocupada com Logan, e consequentemente comigo mesma.

— Sentem-se, por favor. — Ele indica as cadeiras na frente de sua mesa. Depois que sentamos
ele faz o mesmo, porém na cadeira giratória atrás da mesa.

Carson joga os exames e o prontuário em cima da mesa e depois abre uma gaveta, tirando de lá
um óculos de grau. Coloca os óculos e deixa que esse escorregue até a ponta do nariz, enquanto lê
algo em um dos papéis em cima da mesa.

— Como você se sente, Logan? — pergunta,


depois de alguns segundos em silêncio.

— Ótimo — Logan responde enquanto seus olhos passam de relance por mim. — Qual o
diagnóstico?

Me assusto com a pergunta direta de Logan. Eu devia esperar isso dele. Aiken não gosta muito de
enrolações.
— Bem, de acordo com os exames, o que você teve foi um caso isolado de surto psicótico. —
Carson, provavelmente, também não é fã de enrolação. As palavras saíram da sua boca com tanta
rapidez que quase me perco. — Quer dizer que você viu a realidade alterada por alguns minutos.
Delírios, alucinações, comportamento desordenado…

— Quais as causas? — Ouço minha voz pela primeira vez. Como se só agora tivesse lembrado
da minha presença, o médico inclina-se em minha direção e cruza as mãos em cima da mesa.

— Consumo excessivo de álcool e drogas, depressão, fortes impactos emocionais, transtornos


bipolares e até esquizofrenia. — A frieza em sua voz me faz pensar em para quantas pessoas ele
precisou dizer essas mesmas palavras. — A última opção foi descartada, não encontramos nada nos
exames.

Meu suspiro de alívio foi tão alto que Aiken me encarou preocupado. Deus, eu não posso estar
mais grata.

— Logan, eu realmente espero que você não chegue em uma overdose antes dos trinta — Carson
comenta e Logan revira os olhos. — Seu caso pode ter sido causado pelo uso de substâncias, mas
não vamos descartar depressões e alguns transtornos.

— Eu não sou louco — Logan fala. Seus olhos demonstram tantas coisas que acaba por difícil a
missão de desvendá-los.

— Eu não disse que você é. — Quero aplaudir o médico por não se deixar abalar pela rebeldia
explícita de Logan. — Pegue leve, Logan. Vou agendar uma sessão pra você na próxima semana e por
enquanto acho que um antipsicótico com efeito sedativo irá ajudar.

Dito isso ele começou a receitar algumas coisas para Logan e a tomar anotações. Depois de uns
quinze minutos conseguimos finalmente sair da sala. O alívio em meu rosto é quase como uma
comprovação de que tudo vai ficar bem.

— Viu só, Bebê? Eu não sou louco. — Ele sorri e me guia para fora do hospital. Eu não sei se
essa frase é totalmente verdade, mas também não quero deixar meus pensamentos à mostra, então
apenas compartilho do seu sorriso.

Pedimos um táxi para que pudéssemos voltar até o lugar onde deixamos o carro de Logan.

Deus, havia sido uma semana longa demais.


"O coração é sempre o último a abandonar a luta." — Jay Long
Katherine tem uma expressão de horror formada em seu rosto. Os olhos estão muito maiores que
o normal e dentro da imensidão verde eu posso encontrar um misto de raiva, pena e surpresa. Depois
que Logan me deixou no meu apartamento, eu liguei para Katherine e pedi para que ela viesse aqui.
Eu não podia mais esconder tantas coisas assim, não quando Logan pode estar enlouquecendo e me
levando a loucura também. Eu preciso de uma âncora para não afundar com ele. Conto pra ela sobre
a tarde em que feri meu dedo, sobre a noite de terça e sobre hoje mais cedo.

Se Katherine pudesse ser a personificação de algo agora, ela seria a personificação da pena.

— Oh, Kiki. — Ela me abraça e eu levo meu rosto até a curva de seu pescoço. Isso era
exatamente o que eu precisava: um abraço sem julgamentos. — Eu sinto muito por Logan.

A menção de seu nome é como um maldito lembrete para todas as coisas que aconteceram nos
últimos dias. É como um lembrete de que o inferno existe e o paraíso também. É um lembrete
doloroso demais para que eu evite as lágrimas, que já começam a escorrer do meu rosto e molhar a
camiseta de Kat. Meu corpo se desfaz em soluços e eu já estou terrivelmente cansada de lutar contra
isso.
— Eu o amo tanto, Katherine — digo em um choramingo. Seus braços me envolvem como se eu
fosse algo precioso demais para se deixar livre. — Eu o amo tanto que dói.

Eu não estou chorando somente por amar um homem quebrado, que consequentemente, vai me
quebrar também. Eu estou chorando por um homem que está tão perdido quanto eu jamais estive. Eu
estou chorando por um homem que não recebe de ninguém o mesmo amor que Katherine me
transpassa agora. Logan é incapaz de se abrir para alguém, e isso o está deixando louco.

Nem em mil anos eu iria engolir aquela história que o médico falou sobre ser um caso isolado.
Algo na expressão de Aiken me mostrava que ele já havia lutado com aqueles demônios antes. Eu só
gostaria de acolhê-lo do mesmo modo que se acolhem rosas, mas eu insisto em lembrar que as rosas
têm espinhos e que, assim como elas, ele me faria gotejar sangue.

Sinto meu choro se intensificar e todos os nossos melhores momentos passam pela minha cabeça
como um furacão.

É uma maldita tempestade sobrevoando minha cabeça.

Katherine dá tapinhas nas minhas costas e eu posso ouvir seu suspiro de pesar. Ela sente pena de
mim, e deveria. Eu realmente sou digna desse sentimento.

— Você precisa se afastar dele o quanto antes, Kiara. Talvez isso te parta o coração, mas é
melhor ter um coração partido do que não ter um no final de tudo.

Eu entendo do que ela está falando. Katherine sabe o final da história e ela precisa que eu corra
na direção contrária. Eu posso ir embora agora e suportar meu coração partido até o dia em que ele
finalmente cicatrizar. Ou eu posso ficar e ver meu coração indo embora pouco a pouco até não sobrar
mais amor pra ser semeado em mim. Mas mesmo que isso custe a porra do meu coração, eu não
posso abandoná-lo. Não posso abandonar Logan, porque algo em mim diz que ele já foi abandonado
muitas vezes antes, e talvez deixá-lo significasse o ápice para sua insanidade.

— Não, não me peça isso. — Saí do abraço de Kat e foquei meus olhos castanhos na imensidão
verde dela. — Eu já tentei inúmeras vezes antes e você sabe que não fui bem sucedida em nenhuma
delas. Eu simplesmente não posso. Amo o Logan como nunca amei ninguém na vida, e eu tenho
certeza que podemos fazer isso dar certo. Você precisava ver, Katherine. Ele jurou que iria mudar e
até parar de fumar.

O entusiasmo no final da minha fala faz com que ela pareça quase crível.

Quase.

Minha amiga sorri triste e assente com a cabeça. Ela está desistindo. Katherine então pega minhas
mãos na sua e me abraça novamente.

As lágrimas ainda escorrem pelo meu rosto e eu quero desesperadamente que elas parem. Eu
estou escolhendo Logan, eu estou escolhendo o amor. Por que eu estou triste? Dou uma risada forçada
para provar a mim mesma que ainda sou capaz de rir.

— Quer que eu fique com você aqui pelo resto da noite? — Kat pergunta.

Eu quero.

Gostaria que Katherine ficasse aqui comigo e dissesse que tudo ia ficar bem. Gostaria que ela me
contasse uma piada e me fizesse gargalhar. Gostaria de comer sorvete e assistir alguns filmes. Mas
não quero incomodá-la.

— Tenho uma aula importante amanhã e depois vou para o Carrick's. Preciso dormir, o dia foi
longo. — Tento fazê-la acreditar que eu realmente estou bem e confirmo isso com um sorriso em sua
direção.

— Tem certeza?

O som que eu faço soa como um "aham", mas é nesse pequeno gesto que eu, secretamente, espero
que ela perceba que tudo está errado. Katherine pega suas coisas, se despede e sai porta afora.

Vou ao banheiro e demoro séculos até finalmente ter tirado todas as peças de roupas que eu
vestia, inclusive o moletom de Logan. Entro debaixo do chuveiro e finjo que a água que escorre em
meu corpo é capaz de tirar toda a tensão que vinha se acumulando em mim na última semana. Penso
em coisas positivas e até cogito a possibilidade de fazer um café revigorante, entretanto sou vencida
pela idéia de apenas me jogar na cama e esperar o dia seguinte.

Me aconchego entre os lençóis macios e abraço um travesseiro qualquer. Só percebo que havia
pego no sono quando acordo assustada no meio da madrugada.

Eu tive um pesadelo.

Um pesadelo onde eu estava presa em um corredor com Logan, e o corredor não tinha saída.

Não tinha a droga de uma saída.


"Eu sei que tudo que ele toca morre
e ainda assim

deixei que ele me tocasse." — Soffocato, Low Poet

A biblioteca do campus cheira a livros novos e uma mistura química de lavanda e baunilha. Os
vários cartazes espalhados no local pedem silêncio, portanto o único som que se pode ouvir é o
estalar característico do ar condicionado e das impressoras.

Eu estou aqui há cerca de uma hora, fazendo um trabalho importante para a aula de segunda-feira.
Digamos que eu não aproveitei muito as aulas de computação que eles ofereciam no colegial, por
isso está sendo um trabalho bem árduo. Os números e gráficos na minha frente, parecem um desafio
surreal. Eu começo a pensar que talvez não gostasse de fazer esse tipo de trabalho. Começo a pensar
que talvez eu gostasse de algo mais simples, como por exemplo cuidar de uma biblioteca.

Ouso olhar para a bibliotecária, que lê tranquilamente seu jornal atrás do balcão. Marta é uma
mulher bonita, entretanto deveria sorrir mais. Ela está sempre brigando com alguém ou com raiva de
algo, mas ao vê-la tão vulnerável lendo o jornal, não posso evitar pensar em como essa carranca toda
é apenas uma camuflagem para a mulher lendo as tirinhas engraçadas do jornal de quinta-feira. Kian
não está trabalhando hoje, e a biblioteca estaria vazia se não fosse por mim e por outros poucos
alunos que lêem em silêncio.
Tento me concentrar no meu projeto, e trinta e cinco minutos depois sorrio satisfeita com o
resultado. Mando uma cópia para a impressora mais próxima e desligo o computador. Levanto da
cadeira giratória e vou até o final da sala, onde uma impressora cospe meu trabalho impresso em
preto e branco. Enquanto observo os papéis serem liberados, sinto duas mãos fortes se entrelaçarem
na minha cintura.

Eu conheço essas mãos.

Conheço bem demais.

Logan desce beijos em meu pescoço e em minha orelha, até que encerra com um beijo casto na
minha bochecha. Viro de frente para ele, pronta para reprimi-lo, mas sou cativada com a expressão
em seu rosto. Logan tem os cabelos bagunçados e o canto dos seus lábios esticados em um sorriso
genuíno. Um verdadeiro antônimo do Logan de ontem.

— O que você…? — Sou interrompida quando ele leva o dedo indicador aos lábios, me
lembrando de fazer silêncio, e depois aponta para a bibliotecária. Descanso o peso do meu corpo no
outro pé e bufo frustrada, o que faz o sorriso dele aumentar.

Aiken me puxa pela mão até o canto mais escondido, atrás de algumas estantes bagunçadas, e
então toma meus lábios em uma voracidade surpreendente. Penso em afastá-lo para longe, mas
flashes da noite de ontem vieram até minha cabeça. Respondo a cada toque seu.

Quando finalmente nos separamos, olho em seus olhos como se quisesse confirmar que esse ainda
é o Aiken em sã consciência. Apoio meus braços em seus ombros, e essa pequena demonstração de
carinho é suficiente para lhe abrir um sorriso vasto que revela os dentes alinhados.

— Eu queria me desculpar por ontem. Minha intenção não era pirar na sua frente e te deixar
nervosa. Sinto muito pelo modo como as coisas aconteceram — diz, ao passo que suas mãos
acariciam minha cintura. — Eu realmente sinto, Bebê.

Quero dizer a ele que sentir muito não basta. Quero explicar, através de desenhos se possível,
que a noite de ontem abalou não só o seu psicológico como o meu também. Logan é uma pessoa
quebrada quebrando todos os outros em volta.

Ele não suporta ser quebrado sozinho.

— Tudo bem — respondo. — Você está melhor?

Minha pergunta parece afetá-lo em vários níveis que eu desconheço. Ele olha para algo atrás de
mim enquanto seus lábios se movem em um pequeno gemido que soa como um "sim".

— Eu tenho que terminar esse trabalho, então será que você poderia…— Mesmo que meu projeto
já estivesse terminado, eu preciso de um tempo sozinha com meus pensamentos desgastantes, e isso
não será possível se Logan estiver me encarando como se eu fosse algum tipo de pedra preciosa a ser
lapidada.
— Ir embora? — ele completa, e, embora seu tom seja descontraído, eu posso notar certo rancor
em suas expressões.

— É — confirmo, olhando para seus coturnos, que obviamente são mais reconfortantes que as
sobrancelhas curvadas de Logan.

Seu dedo vai até meu queixo e o levanta com facilidade, obrigando-me a encará-lo nos olhos
escuros e levemente avermelhados.

— Tudo bem, bebê. — Ele sorri. Um sorriso caloroso que derrete todas as barreiras que eu lutei
para erguer. — Te pego às sete.

Paraliso na última parte. Eu não lembro de ter marcado um compromisso com ele, e muito menos
de deixá-lo me buscar. Antes que eu possa questioná-lo, Logan me dá um selinho e sai correndo pela
biblioteca.

Mas que porra foi essa?

Volto até a impressora e recolho todos os papéis que havia deixado lá, guardo na mochila e me
preparo para finalmente ir embora.

(…)

Logan abre a porta da sua casa e me dá espaço para ir na frente. Lembro da última vez que estive
aqui e imediatamente sinto meu rosto corar. Aiken tranca a porta atrás de si e então me encara em
expectativa. Deus, ele fica ótimo nessa camisa de botões azul-escura.

— E então? — pergunto olhando ao redor, procurando por qualquer pista do motivo pelo qual eu
estou aqui.

— Eu gostaria de conversar com você sobre nós, e achei que aqui seria o lugar perfeito —
explica e aponta para a sala bem decorada.

Quero rir. Por que diabos esse seria o melhor lugar? Eu realmente não me sinto à vontade em
conversar com Logan num lugar onde ele leva todas as suas conquistas e amores passageiros.

— Quer dizer, olhando para o sofá onde eu assisti seu espetáculo com aquela garota? Ou você
prefere que eu olhe para a escada onde nós brigamos feio, você perdeu a cabeça e me empurrou até a
rua? Logan, você acharia mais confortável se eu olhasse para a parede da cozinha onde você quebrou
alguns copos em momentos de raiva? — Minha voz está afogada em sarcasmo e eu espero afundar
Aiken comigo.

— Não, Bebê. Eu só quero um lugar tranquilo e confortável para falar com você em particular. —
Ele bufa e dá dois passos em minha direção. — Preciso saber onde nosso relacionamento está.

— Eu diria que ele está no fundo de um poço que você cavou com suas próprias mãos — digo,
ainda mantendo minha postura defensiva.
— Posso trazer ele de volta? — pergunta brincalhão, mas em seguida ganha uma expressão séria
e rígida. — Me diga, Kiara. Se eu puder ter você de volta, me diga.

Olho para o chão fixamente. Eu não tenho uma resposta para isso, e nem poderia. Logan entende
meu olhar como uma incerteza, porque em seguida assente e se vira na direção da cozinha.

— Quer que eu cozinhe alguma coisa? — ele pergunta e passa para o outro lado do balcão da
cozinha americana. Me sento em um dos bancos disponíveis e jogo meus braços sobre a bancada
como uma freguesa ansiosa. — Estou a sua disposição.

Dou um sorriso tímido e penso em qual das maravilhas culinárias de Logan poderia me satisfazer
agora.

— Espaguete — exclamo e observo o sorriso orgulhoso de Aiken.

— É pra já! — Ele abre e fecha armários até ter todos os materiais reunidos no balcão à nossa
frente. Fico olhando curiosa enquanto ele tira a carne moída do congelador e deixa para descongelar
na pia. Logan começa a cortar alguns temperos, e ele faz isso com perfeição. Sou pega em flagrante
com meus olhos em seus braços quando ele me encara repentinamente. Sorri aceitando o fato de que
não há como disfarçar.

— Venha cá. Vou ensiná-la a fazer espaguete. — Ele estende o braço e me lança um sorriso
sacana.

— Eu sei fazer espaguete. — Me finjo de ofendida e enceno uma mão no peito.

— Não como o meu. — Seus olhos brilham, convencido. Eu não tenho argumentos pra isso.
Levanto do banco e ando em sua direção. Espero pacientemente suas instruções: — Pegue aqueles
tomates ali pra mim.

Ameaço dar alguns passos, mas antes que meu caminho fosse completo Logan me pega pela
cintura e subitamente eu estou em cima do balcão. Minha cabeça está na mesma altura da sua. Ele
começa com um beijo lento em meus lábios e depois pela minha bochecha, descendo até meu
pescoço e clavícula.

— Você disse que ia me ensinar a cozinhar. — Tento voltar sua atenção ao que estava fazendo
antes, porém parece impossível desfocar sua atenção de mim agora. Logan desliza a mão pela minha
cintura até chegar em minha bunda, me puxando mais pra perto. Sua outra mão está invadindo minha
camiseta e me acariciando. Mil sensações passam pelo meu corpo, como em uma corrente elétrica.

— Eu meio que tenho outras coisas pra te ensinar — fala por cima dos meus lábios. Suas mãos
agora chegando no fecho do meu sutiã. — Eu posso te ensinar tantas coisas, Bebê. Basta me dar uma
segunda chance.

É um golpe baixo.

Um golpe muito baixo.


Passo meus braços pelo seu pescoço e deixo que ele se aproxime mais. Deixo que Logan se
aproxime até que não tenha mais nenhum centímetro entre nós.
"Ela era especial. Uma mistura de anjo com uma pitada de diabo." — Desconhecido

LOGAN

Josh está falando sobre a sua experiência com Natalie Gray na noite passada e eu mal posso
acreditar em todas as coisas que ouço. Natalie é conhecida pelos "favores" que faz à espécie
masculina. Ela é o tipo de problema com a qual a maioria dos homens da faculdade já se
envolveram. Ela é fácil. Natalie não tem um pingo de amor próprio, ou então se ama muito mais que
o necessário. Os outros caras ouvem a história de Josh e pensam nas coisas incríveis que uma garota
pode fazer em troca de algum dinheiro e reconhecimento. Mas eu não. Eu acho patético. Garotas
como Natalie são fáceis, são usadas, sujas e patéticas.

Completamente fúteis.

— E como andam as coisas entre você e Kiara? — Adam pergunta, me acordando do transe que
eu havia recentemente entrado.

Oh, Kiara.

A simples menção do nome dela faz com que eu me sinta mais sortudo que qualquer um desses
cinco idiotas sentados comigo em um bar qualquer. Kiara é única, especial. Ela não é fácil como as
outras garotas. Oh, Deus! Ela é difícil pra caralho. Eu tenho certeza quase que absoluta que fui o
único cara do campus a estar dentro dela. Isso me enche de orgulho.

Kiara não é fácil.

Kiara não é como Natalie Gray.

— Estamos bem — respondo sem estender o assunto.

Não quero que os caras comentem sobre Kiara. Não quero o nome dela saindo pela boca imunda
deles.

— Porra, ela fez de tudo! — Josh continuou falando de Natalie. Aproveito a distração dos outros
caras pra escapar e ir até o estacionamento. Pego meu telefone e disco o número que já está gravado
na minha cabeça.

— Alô? — Ela atende no segundo toque.

É uma das coisas que eu amo nela. Kiara sempre está lá pra mim. Em todos os sentidos da
palavra, Kiara sempre está pronta pra mim.

— Fiquei esperando você me ligar o dia todo, Bebê — confesso. — Você não ligou, porra.

Dois segundos de silêncio antes de ela finalmente dar um suspiro e falar:

— Estive ocupada.

Quero saber o que poderia ser mais importante que eu. O que poderia ocupar Kiara ao ponto de
ela sequer me ligar? Isso me soa como uma mentira. Mas eu estou me controlando e não vou
questionar agora.

— Bom, está ocupada agora? — pergunto. Minha voz talvez tenha saído ríspida demais, ou
grosseira demais então decido reformular a pergunta: — Está ocupada agora, Bebê?

— Não. — Sua voz sai como num sussurro.

— Mas que porra está acontecendo, Kiara? — Não posso evitar socar o capô do meu próprio
carro enquanto minha mente cria teorias idiotas para a frieza de Kiara.

Ela pode estar dormindo com outro cara. Ela pode estar enfiada nele agora mesmo. Kiara pode
estar mentindo pra mim. Ou ela simplesmente não me ama mais. Kiara pode ser como Natalie.

— Nada está acontecendo, Logan! Você pode vir me ver agora se quiser — ela grita e desliga o
telefone na minha cara.

Ela desligou o telefone na minha cara.


Fecho meu punho e soco mais uma vez o capô do carro. Entro no mesmo e nem me importo em
colocar o cinto de segurança. Dirijo o mais rápido que posso sem dar a mínima para as multas. Meu
carro pode capotar agora, eu não ligo.

Eu não ligo para a minha vida se Kiara estiver com outro cara.

Eu não ligo.

Estaciono o carro perto do prédio dela e corro até a portaria. O porteiro me reconhece e sequer
se dá o trabalho de ligar no interfone dela para avisar sobre minha visita. Entro no elevador e sinto
minha mão tremer ao clicar no botão que me levaria ao sexto andar. Quando finalmente chego até a
porta do apartamento trezentos e dois, começo a bater repetidas vezes na porta. Bato na porta até
sentir um pouco de dor nos nós dos meus dedos.

Maldita seja Kiara por mexer tanto com a minha cabeça.

Ela abre a porta segundos depois e se esquiva quando eu invado, sem educação alguma, seu
apartamento. Eu não sei exatamente o que estou procurando quando saio em uma busca minuciosa
pelo seu apartamento.

— Não tem ninguém aqui, Logan — ela fala. Seus braços cruzados na altura dos seios e seu
pijama branco me fazem lembrar:

Não poderia ter ninguém aqui, porque Kiara é um anjo.

Anjos não mentem.

Kiara é a porra de um anjo, portanto ela não pode estar escondendo alguém.

Corro em sua direção e seguro seu rosto com ambas as mãos. Avalio cada centímetro de seu rosto
e vejo a verdade estampada em suas orbes castanhas. Ela não tem ninguém.

Ninguém além de mim.

— Você me ama, Kiara?

Ela não responde de imediato. Por que ela não responde de uma vez? Ela precisa pensar para
responder isso? Inferno! Ela está demorando demais para responder. Apoio minha testa na dela e
sinto seu corpo tenso sendo abraçado pelo meu.

— Você me ama, Kiara? — repito a pergunta.

Ela diz que sim com a cabeça e seus olhos me avaliaram com cautela.

— Então diga — peço.

— Eu te amo.
Sinto toda a angústia se esvair de mim. Eu sou um idiota! É claro que Kiara me ama.

— Desculpe por isso, Bebê.

Ela olha para o chão e assente timidamente.

— Está tudo bem? — pergunto.

— Você acabou de surtar como naquele dia na praia — diz.

— Não, eu não surtei — afirmo. — Está tudo bem, ok? Eu lhe confessaria se tivesse surtado
como naquela vez.

Ela concorda e apontou para o sofá, me convidando para sentar com ela. Kiara senta primeiro e
em seguida eu me deito, apoiando a cabeça em suas pernas como se fossem um travesseiro. Sinto
suas mãos acariciando meu cabelo e o leve roçar de suas unhas no meu couro cabeludo. Abro os
olhos que sequer lembrava de ter fechado. Ela me encara com os olhos brilhantes.

Brilhantes demais.

Ela é minha âncora.

— Você não é como Natalie Gray, Bebê. — As palavras saltam da minha boca antes que eu possa
evitar.

Minhas pálpebras pesam e eu durmo.

Durmo no colo de um anjo.


"A maior tragédia do mundo é quando duas pessoas que se amam muito
Simplesmente não conseguem fazer isso funcionar" — A tragédia de perder você, T. R. Weiss

Abro os olhos relutante. A luz que escapa da janela vem até mim, causando um incômodo terrível.
Viro para o outro lado e abraço com mais força a almofada do sofá... Do sofá?!

Flashes da noite anterior invadem minha mente com rapidez. Logan havia dormido aqui comigo,
depois de ter surtado e invadido meu apartamento como um louco.

"— Você me ama, Kiara? — repete irritado. Seus olhos escuros estão passeando por todo o meu
rosto. Avaliando cada traço meu.

Assinto com a cabeça. Estou assustada demais para formular qualquer palavra.

— Então diga — pede.

— Eu te amo."

Quando Logan entrou aqui na noite anterior, eu pude jurar que iria assistir outro surto psicótico
como o da praia. Mas agora começo a pensar que talvez Logan seja apenas um idiota e que sua
doença não tenha nada a ver com isso.
Logan nunca foi muito bom da cabeça.

Levanto devagar quando um cheiro adentra minhas narinas e me guia até a cozinha. Meu coração
erra algumas batidas ao se deparar com Logan. Ele está sem camisa, cozinhando algo e com as
sobrancelhas unidas em concentração.

Olhando daqui ele parece só mais um garoto. Um garoto sem confusões na cabeça. Um garoto
com grandes expectativas para o futuro. Apenas um garoto.

Eu odeio garotos.

Me apoio no batente da porta e fico assistindo enquanto ele manuseia a frigideira no fogão e sorri
quando consegue virar corretamente aquilo que eu imagino ser uma panqueca.

Ele parece inocente, angelical e talvez até infantil.

Ele parece uma obra de arte.

Um quadro com o impressionismo de Claude Monet, a loucura de Van Gogh e a delicadeza de


Michelangelo.

— Você vai passar o dia aí me assistindo? — ele pergunta, ainda com o olhar focado no que está
fazendo. Aiken tem um sorriso no rosto e só então eu me dou conta de que tenho um igual.

Eu também estou sorrindo como uma idiota.

Aliás, eu realmente sou uma.

Ando até o balcão e me sento em um dos bancos. Fico encarando meu colo até que a situação se
torne menos constrangedora, o que, é claro, não acontece.

O relógio do microondas avisa que já passaram das oito horas da manhã. Será que Logan não tem
nada mais interessante pra fazer do que preparar o café da manhã? O que diabos ele ainda está
fazendo aqui? Talvez ele tenha esquecido do quão idiota foi na noite passada, mas para o seu azar eu
não esqueceria tão cedo.

— Panquecas? — oferece, enquanto coloca um prato cheio em cima do balcão de mármore.

Olho para o prato e depois volto meu olhar para o homem de cabelos bagunçados na minha
frente.

— Não quero panquecas, Logan. Eu perco a fome pensando nos motivos pelos quais você
desconfia de mim. — Me refiro a noite anterior, e pela sua feição eu posso dizer que ele entendeu
exatamente minha referência.

Logan solta a respiração que parece estar prendendo desde o momento em que eu comecei a falar.
— Poxa, tem certeza que não quer comer? — Ele vira de costas, fugindo totalmente do assunto.

— Logan! Eu realmente quero saber porque você invadiu minha casa como um louco ontem —
aumento o tom de voz e tento de algum modo expressar meu descontentamento.

Aiken suspira mais uma vez e vira-se de frente para mim.

— Bebê, eu estou aqui fazendo nosso café da manhã e me perguntando a mesma coisa. A verdade
é que você nunca me deu motivos para desconfiar. Eu não sei porque agi daquele jeito. Será que você
pode ignorar isso e aceitar as panquecas? — Seus olhos estão focados nos meus, mas por vez ou
outra vacilam e vão de encontro ao balcão. Sua fala é desesperada e até confusa.

Aiken é orgulhoso demais para simplesmente pedir desculpas ou confessar que não estava em sã
consciência ontem. Essa panqueca é sua oferta de paz. Um gesto singelo que ele espera que eu aceite
como um perdão.

Respiro fundo e ergo os braços em redenção. Coloco um pedaço da comida na boca e evito um
gemido de satisfação. Porra, ele cozinha muito bem.

Logan se debruça no balcão e sorri me observando comer. Se eu não o conhecesse diria que sua
cabeça está em um estado nostálgico, como se estivesse lembrando coisas boas do passado. Seu
rosto está levemente inclinado, mas seus olhos estão no além atrás de meus ombros.

— Está bom? — pergunta.

— Na verdade, você é horrível na cozinha — brinco.

— Conheço garotas que discordam de você — resmunga.

Meu queixo vai ao chão. Como ele pode dizer isso pra mim quando o nosso relacionamento já
está tão sensível? Deixo o garfo cair sobre o prato e até penso em me levantar, porém ele é mais
rápido e dá a volta no balcão de mármore, parando do meu lado em seguida.

— Eu sou um idiota. — Ele segura minhas mãos. — Me desculpa por isso, Bebê.

— Sim, você é um grande idiota. — Eu concordo, soltando minhas mãos.

Volto a comer e Logan volta a me observar. O silêncio entre nós é um tipo de inferno particular.
Às vezes eu tenho a impressão de que havia uma tempestade privada rondando nossas cabeças e
arruinando cada bom momento entre nós.

— Nós estamos bem? — Sua pergunta me pega desprevenida.

Logan sempre faz isso. Ele é intenso demais para entrar em um assunto aos poucos. Quando
Aiken quer saber algo, ele simplesmente pergunta. E isso pode ser assustador se olhado de fora.

Eu não tenho uma resposta para essa pergunta, porque eu sequer havia pensado nisso. Aiken e eu
estamos bem? Eu sinceramente não sei.

— Sim, nós estamos bem — respondo.

Se estar bem quer dizer que nós estamos completamente instáveis e que nosso relacionamento
pode ir de flores a fogo em segundos, acho que estamos ótimos.

Logan sorri e me dá um beijo rápido.

— Obrigado por isso, Bebê.


"Te amar foi idiota, obscuro e sem valor
Te amar ainda me machuca

Pois te amar foi luz do sol, mas então caiu uma tempestade

E perdi muito mais que meus sentidos

Porque te amar teve consequências" — Consequences, Camila Cabello

— Droga! Droga! Droga! — As palavras saem baixinho da minha boca enquanto eu sinto o
ferrugem parar de corresponder ao meu pé no acelerador.

Kat havia me convidado para almoçar com seus pais hoje, do outro lado da cidade. Eu estava no
meio do caminho quando o carro começou a falhar. Eu deveria saber que um carro como o ferrugem
merecia uma manutenção.

Afinal o apelido do carro é ferrugem!

Droga, Kiara.
Desço do carro e faço questão de bater a porta com força. A estrada completamente silenciosa
faz meu coração quase parar. Ambos os lados são cercados por florestas de árvores altas e copas
quase invisíveis. Um filme de terror poderia ser gravado aqui e nem precisaria de efeitos para
parecer mais assustador. O asfalto aqui é novo e não parece um lugar muito movimentado.

Volto para dentro do carro e tranco todas as portas. Tento mais uma vez ligar o carro, mas é
apenas um ronco de motor passageiro. O carro não aguenta vinte segundos ligado.

Procuro em todos os cantos o número de um reboque, mas não acho o maldito número de
telefone. Penso em ligar para Katherine, mas não quero interromper o seu almoço em família. Penso
até em ligar pra Andrew, mas ele não tem carro.

Suspiro e apoio minha cabeça no volante.

Está começando a ficar frio e o aquecedor sequer funciona.

"Ainda há uma pessoa para quem você pode ligar"

Meu subconsciente grita.

Ligar para Logan seria como destruir minha independência e provar que eu preciso dele pra
muitas coisas, e eu não quero fazer isso. Mas se eu tivesse que escolher entre engolir meu orgulho ou
ser morta em uma estrada abandonada, eu não hesitaria em colocar o orgulho pra dentro.

Disco o número.

— Alô? — Sua voz soa do outro lado da linha.

Eu não sei explicar a calma que se estabelece em mim quando ouço sua voz. É como um sopro de
serenidade em minha direção.

— Logan, você está ocupado? — pergunto. Cada célula minha quer desligar o telefone e
consertar o carro sozinha.

— Eu nunca estou ocupado quando o assunto é você, Kiara. — Não posso conter meu sorriso.

(...)

Avisto o esportivo preto estacionar ao lado do meu. Logan desce do carro com um misto de
preocupação e divertimento estampado em seu rosto.

— Você está bem?

— Sim, mas o ferrugem tá mal pra caralho. — Aponto triste em direção ao carro.

Logan me pede a chave e entra no carro. Vira na ignição várias vezes, mas a cada partida o carro
parece mais próximo de uma explosão.
— Para com isso, Logan! O carro vai pegar fogo — grito para que ele possa me ouvir entre o
ronco terrível do motor.

— A única coisa que pode fazer esse carro pegar fogo é você entrar aqui e deixar eu te fuder no
banco de trás. Caso o contrário, estamos seguros, Bebê — ele grita de volta.

Meu rosto esquenta em um nível que eu posso jurar estar da cor de um tomate.

— Sem gracinhas, Aiken — peço

— A única gracinha aqui é você — rebate debochado.

Logan sai do carro e o encara por mais alguns segundos antes de dar a notícia que acaba com meu
coração:

— Eu tenho certeza que o motor está fundido. Vou ligar para o reboque. — E com isso ele pega o
próprio telefone e disca o número.

Enquanto Logan se afasta para falar com o pessoal do reboque, eu fico me despedindo
silenciosamente do meu carrinho.

Foram tantas aventuras nele...

Espero que tenha conserto.

— Eles estão vindo — Aiken avisa, enquanto se aproxima e guarda o telefone no bolso da frente
da jaqueta.

— Ótimo, vamos esperar — falo e continuo na mesma posição.

— Que tal esperar no meu carro com o aquecedor ligado? — sugere.

Dou de ombros e ando até o carro preto, brilhante de tão limpo. Aiken abre a porta pra mim, mas
antes que eu entre, ele me para e me dá um beijo tão demorado que penso que seja uma despedida.

Ele dá a volta e senta no banco do motorista.

Eu não estou com tanto frio, mas finjo esfregar as mãos para me aquecer, somente com a desculpa
de fazer Logan me puxar para os seus braços.

E nós esperamos o reboque.


"O amor fez com que o perigo em você parecesse seguro" — Outros jeitos de usar a boca, Rupi
Kaur

— Quer uma carona?

Meu carro havia quebrado há exatos quatro dias, então eu não tinha opção a não ser entrar no
carro de Logan e deixar que ele me levasse até à lanchonete onde eu havia marcado de encontrar
Andrew e Kat.

Eu simplesmente odeio pegar caronas, seja lá com quem for. Me sinto constrangida e até
impotente. Tem sido difícil, e caro, pegar um táxi toda tarde para o trabalho. Eu odeio. Sempre gostei
de dirigir e sentir os pedais ao meu dispor. Agora, tenho que conter um xingamento toda vez que
Logan atravessa um sinal fechado.

O carro para em frente ao Jane's Diner e eu praticamente saltaria do carro se Logan não tivesse
um dos braços atravessando meu corpo e me impedindo de levantar.

— Não acha que está esquecendo algo? — pergunta.

Sabe,
Minha mãe costuma dizer que Logan é tóxico.

Ela me disse isso tantas vezes, que nem posso contar nos dedos.

Mas eu realmente queria que ela o visse agora.

Com os cabelos ainda úmidos, um sorriso de canto de boca e aquele ar superior. Ele faria garotas
chorarem de emoção, agora mesmo, se abrisse o sorriso um pouco mais.

— O quê?

Aiken se aproxima um pouco mais e sussurra no meu ouvido:

— Esqueceu de agradecer ao motorista.

— Hum... Obrigada.

Logan volta a encostar as costas no banco e ri, ajeitando as mechas de cabelo que insistem em
cair no seu olho. Olha para mim mais uma vez e acena positivamente, como uma permissão para que
eu possa sair do carro.

E assim eu faço. Desço do carro e caminho timidamente até a entrada da lanchonete. Como era de
se esperar em um sábado, o lugar está lotado e eu consigo ver apenas uma ou duas mesas vazias.
Felizmente, não precisei me preocupar com isso. Drew e Katherine já me esperam em uma das mesas
dos fundos.

— Então você e o bonitão voltaram? — Andrew pergunta assim que me sento, apontando para o
lado de fora, onde Logan ia embora em seu esportivo preto.

A simples menção de Logan faz com que meu rosto core e um verdadeiro incêndio se alastra pelo
meu corpo. É engraçado. Aiken causa reações em mim das quais nem faz ideia.

Katherine, que até então não tinha se manifestado, me lança um sorrisinho de apoio. Eu tenho
sorte em tê-la como amiga. Muita sorte.

Kat nunca apoiou meu relacionamento com Logan, e mesmo assim está se esforçando para não ser
chata ou incompreensiva.

— Me conta, ele é bom de cama ou é só mais um rostinho bonito sem habilidades? — Andrew
pergunta e acena para um dos garçons do outro lado do lugar.

— Digamos que ele sabe como fazer uma garota feliz — respondo.

Drew dá um sorrisinho e move os lábios sem emitir som, em direção à Katherine: "sortuda".

— E você, Kat? Está saindo com alguém? — É minha vez de fazer as perguntas. Tento tirar Logan
do centro da conversa.
Katherine arregala os grandes olhos verdes antes de sussurrar algo parecido com um "não". Kat é
uma exímia mentirosa e parte das suas mentiras são relacionadas à relacionamentos.

— Aposto que é algum formando de medicina desse ano. Meu Deus, caras de jaleco são uma
visão do paraíso.

— Eu sei! — ela exclama.

Quando o garçom chega, minutos depois, e vê que o tema da nossa conversa é homens, ele parece
ter tanto a acrescentar que quase o convido para sentar com a gente.

O tempo passa rápido e logo eu preciso telefonar para Logan vir me buscar.

É ruim depender dele pra voltar pra casa, mas ao mesmo tempo, fez eu me sentir segura.

Logan Aiken sempre foi uma linha tênue entre perigo e segurança.

E eu sinceramente já havia desistido de entender isso.

Queria balançar o futuro pelos ombros e obrigá-lo a me dizer o que está por vir. Queria acabar
com tudo. Adoraria ver o mundo em chamas enquanto eu sou a vela causadora do incêndio.

Eu assistiria o caos se instalando como mágica.

E no final, Logan me atiraria ao fogo ou me protegeria dele.

Eu nunca saberia.
"Querida, você não pode ver?
Eu sou um homem quebrado

Com tendências viciantes

E eu acho que eu te amo

Mas eu não acho que posso

Algum dia aprender a amar do jeito certo

Então fuja de mim

Fuja tanto quanto

Seus olhos marrons escuros podem ver

(...)

Oh, e todos os jeitos aos quais você não cederá

São todos os jeitos pelos quais vivo minha vida" — Tribulation, Matt Maeson
Minha cabeça está apoiada no ombro de Logan. Um dos seus braços está em volta de mim e o
outro segura uma garrafa de cerveja. É sábado à noite e nós estamos na minha casa. A televisão está
ligada em um canal de filmes.

O celular de Logan vibra no seu bolso e ele tira o braço que está ao meu redor para pegar o
aparelho. Não posso evitar me inclinar um pouco sobre seu colo para tentar ler a mensagem, mas
infelizmente não enxergo as letrinhas pequenas. Aiken percebe o que eu estou fazendo, porque ele me
entrega o celular e deixa que eu leia a mensagem.

— Josh está dando uma festa — Aiken diz, levando a garrafa até os lábios e dando mais um gole.

Ultimamente ele tem se comportado. Logan não tem sido grosseiro comigo ou com meus amigos.
Ele não fuma há duas semanas. Está indo ao médico nos dias certos e, acredite, não anda indo à
festas.

Mas a questão é que quando uma pessoa muda os seus hábitos, ela também muda seu humor.
Aiken está irritado por todas essas semanas e eu consigo ver uma nuvem negra sobrevoando sua
cabeça, mesmo quando ele finge um sorriso.

— Você deveria ir — digo, me esticando no sofá até estar no seu colo.

Aiken passa os braços pela minha cintura e inspira no meu pescoço, sentindo o perfume que eu
usei especificamente pra ele.

— Eu prefiro ficar aqui com você. — Sua voz está rouca enquanto ele faz uma trilha de beijos
pelo meu pescoço, colo e ombros.

Não, Logan. Você não prefere. Você finge que sim. Mas você adoraria ir para a festa com seus
amigos. Essa é basicamente a sua essência.

— Eu posso ir com você — sugiro, enquanto uma das minhas mãos desce pelo seu peito e para na
metade da sua barriga perfeitamente esculpida.

Eu não quero ser o tipo de garota que impede o namorado de ir em festas. Não quero ser o tipo de
garota que diz não pra tudo. Eu quero ser a mulher que vai pra festa também. Quero aparecer nas
fotos do dia seguinte. Quero dançar com ele, beber com ele e me divertir com Logan.

Eu não gosto de festas. Mas se Aiken estiver comigo, eu amo.

Logan olha para mim com admiração. Seus olhos escuros brilham como uma lâmina afiada e sua
mão, agora parada em minha cintura, está firme como o inferno. Aiken coloca a garrafa de cerveja no
balcão atrás de si. Com as duas mãos livres, demora menos de um segundo para eu estar deitada no
sofá, com Logan apoiado em seus próprios braços, me protegendo do seu peso.

Sua boca hábil vasculha a minha com uma maestria impressionante. Beijar Logan é como música.
Uma música feita só para nós. E Logan sabe a letra decorada.
— Tem certeza disso? — pergunta.

Deus, se ele está feliz assim pela simples suposição de que eu iria em uma festa com ele, imagine
se nós realmente fôssemos.

Aceno que sim com a cabeça e Logan sorri.

(...)

Meu corpo balança no ritmo da música e as luzes coloridas refletidas por todo o âmbito são o
suficiente para causar confusão em meus olhos. Minhas mãos estão levantadas e eu estou cantando.

Eu estou cantando uma música que nunca ouvi antes.

O efeito do álcool sobre as pessoas é engraçado. Logan e eu chegamos aqui há cerca de quarenta
minutos e eu já me sinto confortável para dançar e cantar à vontade.

Decido sair da pista de dança, lotada de desconhecidos, e buscar alguma bebida. Vou até uma
mesa improvisada perto da piscina e sorrio quando avisto Logan do outro lado, conversando com
alguns amigos. Ele me vê e sorri de volta. Deus, ele está tão bonito em seus jeans e camiseta branca.
Às vezes eu acho que Logan sorri para deixar os outros garotos para baixo.

Porque é o que acontece. Ele sorri e o resto do mundo perde a graça.

Aiken diz algo para os amigos que não posso ouvir e em seguida ele começa a caminhar em
minha direção. Pego um copo disponível na mesa e o preencho com vodka e suco de laranja.

— Eu me odeio por ter deixado você sair de casa com essa roupa — ele diz, se aproximando e
tomando o copo da minha mão. Logan dá um longo gole e me devolve o copo.

— Achei que estivesse se divertindo.

— Eu estou passando a maior parte do tempo me preocupando com as pessoas que assistem você
dançar. Está longe de ser divertido, Kiara — comenta.

Balanço minha cabeça e me afasto de Logan, de volta para a pista de dança. Eu devo estar um
pouco bêbada para deixar meu namorado sozinho em uma festa lotada de garotas atiradas, mas uma
pequena parte de mim está usando isso como teste. Ele não me trairia de novo, trairia?

Me posiciono em um lugar da pista onde eu posso dançar ao passo que consigo observar quase
todo o resto da festa. Isso soa ridículo, mas eu quero observar Logan.

Ele ainda está onde eu o deixei, mas agora ele está se servindo com vodka. Logan vira tudo e
antes que ele precise, alguns caras o procuram. Sempre foi assim. Logan não precisa ir atrás de
pessoas para conversar, as pessoas é que vão até ele. Eles conversam e um dos caras ri de algo que
Logan fala.
Volto minha atenção para a dança patética que se apossou do meu corpo. Dou mais um gole na
minha bebida, e pulo de acordo com a batida da música. Algumas pessoas estão olhando para mim e
se divertindo, outros caras imaginam o tipo de loucura que eu faria agora.

Eu me sentiria livre, se uma parte de mim não continuasse olhando para Aiken a cada maldito
segundo. De um certo modo, sinto como se estivesse dançando para ele.

— Kiara? — Uma voz conhecida me chama.

Viro e encontro Kian atrás de mim. Kian trabalha na biblioteca do campus e é um colega a quem
eu faço algumas vendas no Carrick's. É tão bom ver um rosto conhecido no meio da bagunça em que
me meti. Kian veste uma camiseta de botões e uma calça jeans escura. Ele é bonito.

— Uau, a biblioteca te fez bem — eu brinco e avanço para lhe dar um abraço apertado.

Kian ri do que eu disse, mas no segundo seguinte ele está no chão. Logan está por cima, dando
socos como se não significasse nada. Todos estão assistindo a cena, mas ninguém faz nada para tirar
Logan de cima de Kian.

— Para com isso, Logan. — Um flashback do que aconteceu com Devon passa pela minha
cabeça.

Milagrosamente, Logan para.

Logan para e me encara furioso.

— Chega de festa por hoje, Kiara. — Ele me puxa pelo braço. Seu aperto é forte e parece quase
rasgar minha pele.

Logan me arrasta até o lugar onde o carro está estacionado. Por todo o caminho, as pessoas
olham para nós. Mas ninguém faz nada. Ninguém ousaria discutir com Logan Aiken. Não. Esse
trabalho é meu.

Logan me solta e pede para que eu entre no carro, mas eu recuso. Logan me bate contra o carro e
me beija. Logan se afasta e seus olhos estão vermelhos. Logan está chapado. Ele tenta me beijar de
novo, mas eu mordo seu lábio. Logan gosta.

Eu odeio.

Eu odeio cada maldito segundo.

Ele me manda entrar no carro mais uma vez.

Eu entro.
"Quando eu estou com você, eu penso em todas as grandes coisas que eu poderia ser se eu
estivesse sem você." — Confess, Colleen Hoover

Logan abre a porta da sua casa e passa rápido por ela, deixando-a aberta para que eu entre logo
em seguida. Ele anda em passos rápidos até o balcão da cozinha e joga a chave do carro. Logan vai
até a garrafa de uísque e se serve.

Faço meu caminho até o sofá, ciente de sua atenção sobre mim. Os olhos de Logan estão me
estudando com tanta maestria, que me sinto nua. Sinto como se estivesse sem roupas em uma redoma
de vidro. Meu corpo em exibição e a atenção do público.

Sento no sofá. O mesmo sofá em que Logan fodeu outras garotas, agora está limpo e cheira a
algum sabão caro. Começo a tirar os saltos, mas Logan intervém.

— Eu faço isso — ele diz.

Aiken dá a volta no balcão de mármore e anda até mim, passos silenciosos como os de um gato
de rua. O problema dos gatos de rua é que eles nunca são pegos. Eles comem seu lixo, fazem bagunça
no seu telhado, mas nunca são pegos. E eles são bonitos, fazem você pensar em criá-los, mesmo
sabendo da sujeira.

Nesse momento eu estou assustada com Logan. Ele me jogou contra o carro, com violência. Ele
socou um cara, que só me abraçou. E ele tem os olhos vermelhos como fogo voltados para mim, me
queimando.

Aiken se agacha na minha frente e pega um de meus pés nas mãos pesadas. Ele começa a
desafivelar o salto do meu pé. Ele o tira e deixa cair no chão. Logan beija meu tornozelo e em
seguida começa a subir seus beijos. Minha panturrilha. Meu joelho. Minha coxa. Até que ele chega
no lugar esperado. Aiken me beija como um maldito profissional, e depois se afasta.

Eu estou mais relaxada agora, ainda que levemente assustada por suas ações. Não posso evitar
estar excitada com isso. Não posso evitar os grunhidos que saem dos meus lábios. Lentamente, Logan
retira o outro sapato. Ele faz a mesma coisa, mas dessa vez seus olhos não deixam os meus nem por
um segundo, nem mesmo quando ele tem que subir a saia do meu vestido.

Para minha frustração, Logan não dá continuidade a isso. Ele para, levanta e se serve com mais
uísque.

— Então, nós vamos falar sobre o cara que eu soquei? — pergunta, se virando pra mim e
sorrindo ao me ver no sofá, na mesma posição em que ele me deixou.

Meus lábios ainda estão entreabertos e eu ainda estou nas nuvens, mas sua pergunta vai se
instalando aos poucos até que eu feche minha boca e pise em terra firme.

— Você está disposto a falar sobre o quão ridícula foi a sua atitude? — As palavras deixam
minha boca pela primeira vez desde que saímos da festa.

— Tudo bem. Vamos voltar ao início de tudo, onde eu tive motivos claros como água para bater
nele, Kiara. — Logan ainda tem a voz calma. Seus cabelos estão mais bagunçados do que no início
da noite, e sua blusa está amassada depois da briga com Kian. — Você não acha que é dada demais?!
Você está comigo. Não pode abraçar qualquer um que vê pela frente, porra! Eu não sou obrigado a
aturar essa merda.

Suas palavras me atingem com força. Uma vez eu ouvi alguém dizer que palavras ferem mais que
espadas, e nesse momento eu entendo. Logan acabou de cravar uma na minha garganta,
impossibilitando a saída de tudo que eu gostaria de falar.

— Primeiro aquele jogador idiota apareceu. Ele te levou para um quarto e tentou transar com
você, Kiara. Sabe o que é pior? Você não estava fazendo nada para impedir. Eu tive que ir lá e fazer
o trabalho pesado. — Logan continua.

Levanto do sofá.

— Eu não impedi Devon, porque eu queria aquilo. Talvez eu ainda queira. — Não posso evitar a
provocação. Aiken merece toda ela.

Ele dá um passo à frente e sorri.

Sorri como um demônio.


Ou como qualquer outra coisa que te faça arrepiar.

— Não, você não queria Devon. E sabe por quê? Porque ele não te faz gemer como eu faço.
Devon não arranca um suspiro seu só com um toque. Devon não te faz tremer com um apelido, Bebê.
Ele não sabe os lugares onde você quer ser beijada, mas eu sei, e eu te provei isso nesse sofá. —
Cada palavra sua é um soco no estômago. — E posso provar isso de novo.

Seus olhos avermelhados piscam uma ou três vezes antes que Logan dê outro gole na bebida. Eu
continuo sem falar nada. Não tenho palavras pra ele agora, e nem poderia ter.

Ele está sugando tudo de mim.

— O quê? Não vai falar nada? Falou tanto com aquele filho da puta que está cansada demais pra
discutir? — Aiken continua falando.

Meu olhar ainda está firme sobre ele.

— Eu não vou discutir com você sob efeito de drogas, Logan — digo.

Começo a andar até as escadas e a subir os grandes degraus luxuosos.

— Você é uma vadia. — A frase me faz parar no lugar. Logan acabou de me chamar de vadia e eu
não sei se quero o matar ou o torturar lentamente. Eu estava evitando uma maldita briga, mas agora eu
só enxergo vermelho. — Você diz pra todo mundo que eu machuco você emocionalmente, mas as
portas estão abertas, Kiara. Você não vai embora, porque você não quer. Eu acabei de te chamar de
vadia e você ainda está aí.

Desço os três degraus que faltam e ando até que eu esteja cara a cara com Aiken. Arranco o copo
de uísque da sua mão e jogo no chão com força. O vidro se espalha em mil pedaços, mas Logan ainda
está olhando nos meus olhos e eu ainda estou olhando nos dele.

Ele me chamou de vadia. E eu não posso evitar correr até a cozinha e pegar uma pilha de pratos.
Ele me envergonhou e me jogou no carro. Estou jogando pratos em sua direção como balas. Ele me
tocou no sofá onde já tocou outras garotas. Estou abrindo as gavetas e atirando facas.

Talvez eu esteja enlouquecendo.

Talvez eu goste da sensação.

Abro todas as gavetas. Quebro todas as garrafas. Logan está tentando desviar de todos os copos
arremessados. Pego seu uísque favorito, da estante cheia de uísques de todos os lugares. Eu abro e
bebo um ou três goles de uma só vez.

Logan acabou comigo. Ele merece ter a cozinha destruída.

Quem é a vadia agora?


Os objetos acabaram. Corro em sua direção, pronta para bater nele por todas as vezes em que ele
me humilhou assim. Mas Logan é forte e eu não calculei os danos. Aiken agarrou minha mão com
força e em seguida me empurrou. Cai no chão, mas meu pescoço arranhou na ponta da mesinha de
centro, abrindo um ferimento que vai por quase toda a extensão do meu pescoço.

Está doendo. Está sangrando. Está me partindo ao meio. Eu quero gritar e voltar a bater em
Logan, mas estou quebrada. Enfraqueci de novo.

Aiken está me encarando com um tipo de expressão que não posso decifrar, não agora com o
pânico em minha cabeça. Engatinho até conseguir ficar de pé e correr. Subo as escadas e entro no
banheiro. Tranco a porta.

A garota no espelho não é a Kiara que se esforçou para entrar na faculdade. A Kiara no espelho
não é alegre como a Kiara que viveu em mim há algum tempo. A Kiara no espelho é cinza, com um
risco vermelho no pescoço. A Kiara no espelho acabou de ser empurrada na mesinha de centro.

A Kiara no espelho é uma vadia.

Eu não consigo acreditar que ele me empurrou. Aiken nunca foi a pessoa mais carinhosa do
mundo, e admito que nossas brigas são feias, mas eu não esperava isso. Não esperava que ele fosse
me machucar fisicamente. Não esperava que ele me chamasse de vadia. Eu não estava esperando
nada disso.

Logan nunca disse um "eu te amo", mas ele não precisava. Eu sempre soube que, de algum modo,
o que ele sentia por mim era amor. E agora o amor dele está marcado em mim, em um tom vivo de
vermelho.

Vermelho sangue.
"Todos os seus amigos dizem que eu sou uma idiota.
Não posso explicar isso, é complicado.

Eu queria que você estivesse morto, até você me levar para a cama.

Você é tão bom, tão bom.

Você lidera, meu amor.

Oh, com esses olhos castanhos e esse corpo.

Eu vou ter a minha vingança, vou levar a minha chave da sua Mercedes Benz." — F.U., Little Mix

— Bebê...— A voz de Logan é suave do outro lado da porta. — Eu sinto tanto...

O apelido, que deveria ser carinhoso, soa como uma maldição de anos. Abraço com mais força
meus joelhos e tento não tremer com o fato de que a única coisa que separa Logan de mim é uma
porta. Uma porta de madeira fácil de se forçar e abrir.

Eu sei como é ser uma garota. Sei como é andar sozinha em uma rua e temer pela minha
segurança. Sei como é ser olhada de forma suja pelos garotos que julgam minhas roupas curtas. Sei
como é ter medo de caras que podem me invadir a força. É doloroso. Mas de algum modo eu sentia
que podia fazer tudo isso se Logan estivesse por perto. Eu me sentia protegida. Sentia que nenhum
cara chegaria perto com intenções ruins se Logan estivesse há pelo menos dez metros de mim. Havia
um alívio toda vez que ele chegava. Mas agora eu sinto como se ele fosse o cara de quem eu deveria
ter medo. Como se ele fosse a pessoa a me invadir à força.

Eu tenho medo dele.

Tenho medo dos seus braços que me empurraram com facilidade há quarenta minutos atrás.

Mas eu não tenho medo só dele, porque me assusto toda vez que levanto e olho a garota no
espelho. Ela está com o rímel borrado e o rosto vermelho de quem acabou de entrar em uma crise de
choro. Eu tenho medo dessa garota, porque por algum tempo parece que ela simplesmente não tem
medo de nada. É como se entre cada recordação dos últimos minutos, ela sentisse que talvez valesse
a pena abrir a porta e não ter medo de nada.

E sentir esse vazio me assusta.

Nem tão vazio afinal...

— Vá embora — reúno tudo que tenho para dizer isso.

Se o corte em meu pescoço tivesse sido mais profundo, eu teria morrido?

— Kiara, por favor me deixe ver se você está bem — pede, falando meu nome como se eu
tivesse lhe dado permissão para falar algo tão sagrado.

— Vá embora — vá embora.

Ouço o som de algo se arrastando na porta e em seguida um suspiro.

— Por favor...

Sua voz me deixa levemente enojada. E brava.

— Você acabou com o rosto de um cara, depois você me chamou de vadia e aí acabou com o meu
rosto! Eu quero você longe, Logan — grito, e mesmo com a fúria, não consigo evitar as lágrimas.

Aqui está quente demais e eu quero ir embora. A questão é que além de estar sem carro, Aiken
está bem depois dessa porta.

— Eu entendo que você fique zangada comigo. Eu sou um idiota, e não deveria ter empurrado
você. Me desculpa, eu nunca quis machucar você — ele está falando rápido. Não posso ver seu
rosto, mas aposto que está neutro.

Levanto do chão, na qual eu estava sentada há muito tempo, e encaro a porta. Eu preciso sair
daqui.
— Quem garante que você não vai me matar se eu sair daqui? — Essa é uma pergunta que eu
nunca me imaginei fazendo.

— Deus, Kiara! Não! — Ouço seus passos do lado de fora, como se estivesse andando em
círculos.

De todo meu coração, eu não quero sair daqui. Não quero encarar a profundeza dos seus olhos e
muito menos a bagunça de seus uísques escoceses derramados na cozinha. Mas não posso morar em
um banheiro até que Logan envelheça e morra. Eu vou abrir essa porta para a liberdade ou para a
morte.

Giro a chave e a maçaneta. Suspiro e empurro a porta devagar.

Logan está apoiado na parede de frente e seu olhar desce até meu pescoço. Ele balança a cabeça
e murmura "sinto muito". Passo direto por ele e vou em direção às escadas.

Não quero descê-las com ele atrás de mim, então paro. Aiken entende isso, porque ele vai na
frente e quando chega lá embaixo me espera descer.

— Nós podemos conversar? — Ele aponta para o sofá. Eu vejo em seus olhos o quanto ele quer
que eu fique.

— Não — digo e continuo meu caminho.

Logan se aproxima e, instintivamente, dou um pequeno salto onde estou.

— Eu gosto muito de você, Bebê. Queria que entendesse todos os motivos pelo qual eu realmente
preciso de você aqui essa noite. Se você for embora assim, eu vou surtar. — Seus olhos não estão
mais avermelhados, mas ainda posso ver algo obscuro dentro deles.

— Se eu ficar, eu surto. — Modifico sua frase a meu favor.

Ele está com o maxilar trincado e anui com a cabeça sem tirar os olhos dos meus.

Passo pela cozinha e vejo a bagunça que fiz. Há pratos quebrados, copos jogados, bebidas de
cores diferentes esparramados pelo chão. Pego meu celular em cima do balcão.

Eu poderia ter ido embora no momento em que ele me chamou de vadia. Eu poderia ter deixado
Logan pensando na besteira que falou. Ele teria me procurado mais tarde e me pediria desculpas.
Tudo isso poderia ser evitado. Mas a questão não é poderia, é deveria.

Ando devagar até a porta. Estou ciente de Logan atrás de mim, e estou tremendo. Abro a porta e
olho para trás uma última vez. Logan está há alguns metros de distância, as mãos nos bolsos e os
cabelos jogados para o alto. Ele tem um pedido silencioso impresso nos olhos.

Olho ao seu redor.


Logan Aiken e Kiara Hildegard são como peças de uma bomba. Eles são neutros sozinhos,
apenas duas peças sem truques. Mas quando estão juntos, ganham um grau de importância. O
problema é que esse grau de importância explode.

É violento, é doentio, mas também é envolvente, perigoso.

Logan enlouqueceu, e eu enlouqueci com ele. Surtamos juntos, como mecanismos, trabalhando
juntos para uma explosão. Posso ver isso agora. Há menos de duas horas, ele estava me beijando
naquele sofá. Em menos de duas horas ele me chamou de vadia.

Somos altos e baixos brincando num gráfico de computador. Estamos sempre baixos demais ou
altos demais. Levamos tudo ao extremo.

E isso acabou comigo hoje.

Ele me empurrou e eu fui tão alto que saí da porra do gráfico.

— Tem certeza de que não prefere ficar e conversar comigo sobre isso? — ele pergunta.

— Eu não quero ficar nem mais um segundo, Aiken. — Caminho mais rápido em direção à saída.

— Hildegard, sempre fugindo... — Essa é uma frase clássica sua que eu gostaria de responder,
mas não vou.

Fecho a porta atrás de mim e sinto alívio.

Alívio por novamente ter uma porta entre mim e Logan.


"Whoah, você me estressa, você me mata.
Você me derruba, você me ferra.

Estamos no chão, estamos gritando.

Eu não sei como fazer isso parar.

Eu amo, eu odeio e não consigo aceitar"— Back to you, Louis Tomlinson ft Bebe Rexha.

Logan Aiken é um garoto americano com cabelo castanho e sorriso bonito. Ele tem olhos escuros,
mas não tão escuros quanto a sua alma. Há uma pesquisa em algum lugar sobre caras como ele. A
cada dez caras como Logan Aiken, onze são idiotas.

Quando cheguei em casa na noite anterior, corri para o chuveiro. Queria me livrar de toda a
sujeira que ele jogou em mim. Queria me sentir limpa. Logan beijou minhas pernas, minha boca, meu
pescoço, a droga de todo o meu corpo e eu precisava limpá-lo. Mas Logan já esteve dentro de mim.
Em todos os sentidos. Na minha cabeça, na minha alma, no vão entre minhas coxas e no espaço que
guardei no meu coração para as pessoas que eu amo. Por isso, mesmo depois do banho, ainda me
sinto suja.

Imunda.
Não consegui dormir, porque tudo que vejo quando fecho os olhos é Logan me empurrando. O seu
tom de voz quando me chamou de vadia e o modo como ele me encarou enquanto eu estava no chão.
Eu não pude desvendar aquele olhar ontem à noite, estava atordoada demais. Mas agora eu entendo a
sua expressão quando me viu no chão. Desprezo. Era puro desprezo esculpido em seus olhos.

Me pergunto se em algum momento Logan pensou em mudar por mim. Se em algum momento ele
olhou nos meus olhos e pensou que me amava. Se em algum momento ele se odiou por me causar
tanto mal. Mas eu tenho quase certeza de que não. Aiken não me ama. Aiken é incapaz de amar. Um
cara como ele não gosta nem de cachorros.

Canalha.

Estou prestes a entrar na minha terceira aula quando Katherine me alcança no meio do corredor.
Ela está sorrindo e carrega várias pastas coloridas em seu braço. Eu não contei pra ela nada sobre o
que aconteceu há duas noites atrás. Kat pensa que estou dando um gelo em Logan porque ele bateu em
Kian.

Está fazendo um calor absurdo, mas mesmo assim estou usando blusas de gola alta nesses últimos
dias. Não quero ter que inventar mentiras sobre o ocorrido, então escondi o ferimento no meu
pescoço. Melhor omitir do que mentir, certo?

— Você toparia matar essa aula comigo? — Kat pergunta enquanto estende uma mão e finge algo
como um pedido de casamento.

É uma aula importante. Em outras ocasiões eu diria que não. Mas essa não é uma ocasião comum.
Essa é a ocasião em que Logan é um babaca e eu preciso me distrair dele.

— Eu adoraria.

Passamos pelos corredores e chegamos até a cantina. Esse deve ser o lugar favorito da Kat
porque ela sempre está aqui. Há alguns alunos aqui também, provavelmente alunos com aulas vagas.
Pegamos a fila e Kat compra dois pedaços de bolo.

— Eu não quero — digo quando ela me empurra o prato com bolo de chocolate.

Katherine me olha de cima a baixo como se eu tivesse acabado de destruir seu coração. Dou de
ombros e pego o maldito bolo.

— Você tem falado com Andrew ultimamente? — Pergunto, a fim de criar um assunto entre nós.

— Sim. Você não? — Suas sobrancelhas estão curvadas, como se fosse algo anormal o fato de
que não tenho conversado com Drew.

Na verdade, eu não tenho falado com muitas pessoas.

O assunto acaba quando eu não respondo a sua pergunta. O silêncio entre nós sempre foi
confortável, mas hoje ele é sufocante. Pode ser fruto da minha imaginação, mas Katherine olha para
mim como se soubesse de algo. Seus olhos verdes passeando entre a gola de minha camisa e suas
mãos segurando o garfo que corta o bolo. A postura de Katherine está gritando no meio do nosso
silêncio e ela diz "eu sei que você tem segredos".

Forço um sorriso e como meu bolo.

— Eu vou visitar meus avós neste fim de semana — ela comenta.

Os avós de Katherine são a coisa mais fofa desse mundo. Eles moram longe, mas ela os visita nos
fins de semana livres. Kat diz que sua avó sempre faz tortas e que eles jogam jogos de tabuleiro
embaixo da lareira. Instantaneamente sorrio. Deve ser legal ter alguém com quem viver esse tipo de
coisa. Meus pais moram longe e não são do tipo carinhosos.

— Isso é ótimo, Kat! Mande um abraço meu para eles — digo entre uma garfada e outra.

— Eu estava pensando que talvez você pudesse dar a eles pessoalmente.

Eu abro meu sorriso um pouco mais. Percebo que é meu primeiro sorriso em três dias. Dou um
gritinho de satisfação.

— Claro.

Acabo de comer e me despeço de Katherine. Matar aula com ela é sempre bom, mas eu realmente
preciso assistir a essa próxima. Minhas notas não têm sido as melhores e acho que elas vão piorar
muito se eu não me concentrar nas próximas aulas.

As portas estão abrindo e os alunos estão sendo liberados para trocar de sala. Isso faz o corredor
estar cada vez mais lotado na medida em que eu ando. Estou passando por uma dessas portas, quando
alguém sai de cabeça baixa e esbarra em mim. Minha mochila cai e eu me abaixo pra pegar. Quando
estou levantando meus olhos focam em uma pessoa do outro lado do corredor.

Logan está me observando de longe. Seus olhos escuros estão avermelhados e seu cabelo está
uma bagunça. Ele está vestindo uma calça escura, tênis branco e uma blusa azul marinho. Eu adoro
essa blusa. Logan pisca pra mim e eu instantaneamente relembro do momento em que ele me
empurrou. Levo a mão até meu pescoço e sinto um ardor forte na garganta.

Eu não vou chorar aqui.

Não aqui.

Não na sua frente.

Ele balança a cabeça pra mim em uma expressão triste e seus lábios murmuram um "sinto muito".

Ajeito minha mochila no ombro e vou atrás de Katherine. Foda-se a próxima aula. Foda-se Logan
Aiken.
Eu sinto que fui machucada demais esse ano e todos esses machucados estão ligados à Logan.

Murmuro um "sinto muito" para mim mesma.

Porque.

Eu.

Realmente.

Sinto.
"Mas eu quero que você siga em frente.
Então eu já fui.

Olhando para você torna isso mais difícil.

Mas eu sei que você encontrará outro.

Que nem sempre a faça querer chorar.

Começou com o beijo perfeito, então.

Podíamos sentir o veneno se instalar.

A perfeição não pôde manter este amor vivo." — Already Gone, Sleeping at last.

Acordo no meio da noite com o som insistente da campainha. Olho o relógio e são quatro horas
da manhã. A minha janela está aberta e a cortina está balançando, enquanto respingos de chuva são
trazidos pelo vento. Há uma tempestade lá fora e eu posso ouvir o som da chuva e dos trovões. A
campainha toca mais uma vez e um arrepio toma conta da minha espinha.

Levanto e me arrependo assim que meus pés encostam no chão gelado. Ando devagar até a sala e
a campainha toca mais duas vezes. Meu coração dá um salto quando um trovão rompe o silêncio que
eu estou lutando para fazer.

Vou até o olho mágico e pisco três vezes para ter certeza de que não é um sonho ou um pesadelo.
Logan está vestido em sua jaqueta de couro, a minha favorita. Sua camisa branca debaixo da jaqueta
está ensopada e transparente. Olhando melhor, Logan está completamente encharcado. Eu não deveria
abrir a porta, mas não quero que ele pegue uma pneumonia, então abro.

Logan Aiken está com os braços apoiados em ambos os lados da entrada. Tem água pingando do
seu cabelo, cílios e nariz. Ele está ofegante, como se tivesse corrido até aqui.

— Por favor, não diga nada. — Sua voz está rouca e embargada.

Em uma situação normal eu estaria com raiva porque ele invadiu meu prédio, me acordou de
madrugada e praticamente me mandou calar a boca, antes mesmo de eu falar. Mas essa não é uma
situação normal, porque a água escorrendo dos olhos dele não tem nada a ver com a chuva. Logan
está chorando, eu não posso me defender disso. Ver alguém que você ama sofrendo é sofrer duas
vezes.

Aiken coloca as mãos geladas no meu rosto, cada uma em um lado da minha cabeça. Ele coloca
um pé para dentro do apartamento, e depois o outro. Aiken bate a porta com o pé. Seus olhos não
deixam os meus nem por um segundo.

E eu não digo nada.

Nem mesmo quando ele deixa que as mãos desçam até minha cintura. Logan me beija, tão
intensamente que meu corpo se curva levemente para trás. Ele me leva até o sofá e está por cima de
mim agora. Mas Logan não está fazendo mais nada. Aiken só está me encarando e chorando. Até que
ele deixa que o corpo caia por cima de mim e sua cabeça se enterra no meu pescoço. Eu escuto seus
soluços, mas não digo nada.

Eu não digo nada.

— Eu nunca mais vou encostar um dedo em você, Kiara. Eu prometo que você nunca mais vai ter
que usar blusas de gola alta. — Ele está chorando como uma maldita criança.

— Eu estou indo embora essa semana. Pedi transferência para outra universidade. — Ele
continua.

E eu não posso ficar quieta.

Não consigo ficar quieta.

— Você não pode ir embora assim, Logan — digo.

— Se eu não for, eu vou te aterrorizar para sempre, Kiara. Se eu não for embora, eu vou te fazer
ficar, e se você ficar vai sair sem vida disso. Kiara, eu não posso drenar a vida de você. — Ele
levanta a cabeça apenas o suficiente para me encarar.

Tem dor nos seus olhos, mas essa é a primeira vez em que eles não parecem negros para mim. Os
olhos de Logan são cor de mel, cor de uísque.

Como os meus.

— Então não me aterrorize. Fique e não me aterrorize, Logan. — Há um tom de obviedade em


minha voz, mas parece ridículo do jeito que ele me olha.

— Eu não consigo. Eu te disse, meus demônios te adoram. Kiara, eu não estou me afastando de
você, eu estou afastando meus demônios. Por favor, acredite quando digo que foram eles que te
empurraram naquele dia. Não eu. — Uma de suas mãos começa a passear pelo meu rosto, desce pelo
meu pescoço e descansa na minha cicatriz.

— Você não pode ir.

— Eu gosto de fazer coisas que não posso.

O silêncio toma conta de nós.

A realidade é dura. Ela te deixa ter alguns devaneios, mas depois ela te acorda, geralmente de
maneira dolorosa. Eu não sei se ela faz isso por mal, ou se ela simplesmente não sabe que não é bem
vinda.

O final de semana na casa dos avós de Katherine foi incrível. A avó dela fez a melhor torta que
eu já comi e o avô dela aqueceu a lareira para ficarmos aquecidas enquanto jogávamos jogos de
tabuleiro. Eu voltei a infância que nunca tive. Me senti uma criança, uma criança que nunca fui.

Esse foi meu momento de devaneio.

Ter Logan, ensopado, em cima de mim, com as mãos passeando pela cicatriz que ele mesmo
causou. Sentir o coração querer sair do peito e se jogar pela janela.

Essa é a realidade.

Logan não deixa os olhos longe dos meus quando tira a jaqueta e a joga ao pé do sofá. Ele
também tira a camiseta branca. Os sapatos. Aiken me beija de novo, com uma calma excruciante. Eu
retribuo com muito mais intensidade.

Logan e eu não fazemos amor.

Nós jogamos.

A última partida.

Mas quando terminamos e seu corpo descansa ao meu lado, não sentimos que há um ganhador.
— Eu amo você, Bebê. Muito mais do que já amei qualquer coisa, mas tenho que puxar o gatilho.
— Sua frase me paralisa. Eu me sinto tão líquida quanto a chuva que cai lá fora. Logan poderia fazer
qualquer coisa comigo agora, eu não ia me importar. — Ver você chorando, com o pescoço
sangrando e a dor estampada no rosto, esse pesadelo vai me seguir pra sempre. Eu não sei até onde
nós iríamos e eu não estou pronto para descobrir.

Eu estou com raiva agora.

Logan não pode se despedir e dois minutos depois estar dentro de mim. Eu não sou uma
lembrança da terra natal que ele quer levar para sua nova casa. Eu não posso ouvir ele dizer que me
ama, se em um ou dois dias ele não vai estar aqui. Levanto e jogo sua jaqueta no seu colo.

Logan se veste, rindo.

Por que diabos ele está rindo?

Logan Aiken levanta, anda até mim e me lança uma piscadinha.

Ele vai até a porta e dá uma gargalhada.

Eu estou realmente confusa.

— Olha quem está fugindo agora. — Ele aponta para si mesmo.

Eu não posso evitar e sorrio.

Porque essa é a primeira vez em que a realidade se parece com um devaneio.

Estamos confusos e Logan está indo embora.

— Eu te odeio — digo.

Logan assente e sorri mais uma vez antes de ir embora e fechar a porta.
Logan Aiken,
Faz um ano que eu não te vejo. Um ano desde que você veio até meu apartamento e disse adeus.
São aproximadamente doze meses, trezentos e sessenta e cinco dias, oito mil setecentos e sessenta
horas e quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos. E Logan, meu coração ainda bate. Você
foi embora, e ele ainda bate.

Eu não ouvi notícias suas. Não sei onde você está e muito menos se vai receber esse e-mail. Mas,
Logan, eu acordei essa manhã com vontade de terminar coisas inacabadas. Essa é a segunda vez que
sinto que nós dois precisamos de um final, mas essa é a primeira em que vou encerrar de fato. E
apesar disso, essa não é uma carta de adeus, é uma carta de agradecimento.

Eu quero ser honesta com você. Quero ser honesta sobre cada pequeno pedaço da nossa história.
Então vou começar pelo dia em que minha vida ganhou um ritmo diferente. É, eu posso te descrever
assim. Você foi um ritmo violento com pequenos intervalos de calma perturbadora. Eu te conheci no
meio de uma das melhores fases da minha vida. Havia acabado de entrar na universidade, saído da
casa dos meus pais e estava prestes a ser dona do meu próprio dinheiro. Estava tudo perfeito, Logan.
Mas você entrou naquele bar, e foi aí que nossa dança começou. Eu vi minha sorte e meu azar
brigarem quando você passou por aquela porta. E ver você foi como se alguém tivesse jogado um
colírio nos meus olhos. Foi como se eu fosse cega e finalmente tivesse voltado a enxergar. Logan, ver
você foi esclarecedor.
Quando você pediu o número do meu telefone, eu achei que morreria ali mesmo. Na verdade,
você sempre me fez sentir isso. Andar ao seu lado era como caminhar na borda de um precipício.
Quando eu me dei conta você já estava me apresentando para as pessoas como sua namorada. Você
fez isso parecer único, mesmo que eu já tivesse passado por isso antes. Uma vez você disse que
gostava de mim o suficiente pra não ir embora. E eu não entendi o contexto, porque você estava
chapado demais ou bêbado demais. Logan, você estava sempre chapado demais.

Nossa primeira discussão aconteceu na frente dos meus amigos. Você não gostava da saia que eu
estava usando. Disse que mostrava demais e que ficaria feliz se eu trocasse por algo maior. Logan,
você quase me jogou do precipício nesse dia. Nossa segunda briga foi por algo tão bobo que me fez
rir. Nossa terceira foi intensa e me fez chorar. Nós tivemos a quarta, a quinta, a sexta... Nós tivemos
um número grande.

Eu sempre gostei do seu sorriso. Você tem um charme com os dentes caninos. Eu amava as rugas
que se formavam nos seus olhos quando você gargalhava. Era o melhor som do mundo, inclusive.
Então eu decidi te fazer uma surpresa e apareci na sua casa sem avisar. Logan, eu fiz isso porque
queria te ver sorrir. Mas você estava enterrado no corpo de outra garota e eu é quem fui
surpreendida. Sua surpresa me fez chorar.

Eu me afastei de pessoas importantes. Eu me tornei alguém de quem não gostava. Eu estava ferida
e acabei ferindo as pessoas ao meu redor. E, sinceramente, não sei se foi sua culpa por ter me
machucado ou se foi culpa minha por me permitir ser machucada.

Logan, nossa história poderia ter acabado aí, mas ela não acabou. Nós vivemos para o drama e
queríamos algo trágico, então continuamos. Você trouxe as peças e eu levei o tabuleiro. Começamos
um jogo sujo.

Um jogo do jeito que queríamos.

Trágico.

Mas Logan, eu não culpo você por gostar de tragédias. Eu não culpo você por viver no limite. Eu
culpo as pessoas que vieram antes de mim. Você é uma pessoa quebrada. Eu sempre te julguei uma
obra de arte, mas esqueci de avaliar seus pintores. Alguém te fez pra ser bonito, mas as pessoas que
passaram pela sua vida deixaram suas marcas de tinta. É uma tinta escura e difícil de remover. Então
quando você apareceu na minha vida, você era uma tela preta.

Eu gostaria que você soubesse que eu não tenho uma religião, mas rezo por você todas as noites.
Eu não sei quem ou o que te destruiu, mas peço aos céus para que você os supere.

Durante nosso relacionamento, foram muitas as vezes em que você demonstrou alguns sinais de
distúrbios psicológicos. Eu sentia que precisava cuidar de você. Que você precisava de ajuda. E
você precisa, mas não a minha. Não a minha, Logan. Porque você estava se destruindo e eu estava
sendo arrastada junto. Eu quero você bem, mas eu percebi que também me quero bem também.

Me parte o coração que nossa história tenha acabado assim, mas também me alegra a alma que
isso tenha terminado.

Você foi a única pessoa a estar dentro de mim, não fisicamente, mas espiritualmente. Você esteve
em mim por tanto tempo, Logan. Você não foi o primeiro e com certeza não será o último, mas você
vai ser o principal.

Você sempre vai ser o principal.

Por mais que machuque. Por mais que arda. Por mais que me devore.

Você.

Sempre.

Irrevogavelmente.

Absolutamente.

E completamente.

Será.

O.

Principal.

E por mais que nós não tenhamos dado certo, eu queria te agradecer por ir embora. Porque
somente quando você se foi, eu consegui dar valor ao que sempre esteve aqui e o que sempre vai
ficar aqui: eu mesma. Logan, quando você chegou na minha vida, você me deu a capacidade de amar
ao próximo. E quando você se foi, você me deu a capacidade de amar a mim mesma.

Eu chorei por muito tempo depois da sua partida. Mas um dia eu acordei de manhã e você não foi
meu primeiro pensamento. Um dia eu acordei de manhã e não tinha nada seu aqui.

Você se foi.

E eu tinha que te superar.

Aiken, você foi tóxico desde o começo e eu estava aprendendo a me livrar das toxinas.

Eu não posso dizer que te esqueci.

Nunca vou.

E não pretendo.

Mas eu posso dizer que te superei.


E se um dia você voltar, eu quero te ver. Quero tomar um café com você e conversar como se
fôssemos bons amigos. Mas não quero que volte e pense que pode me ter de novo, porque você não
pode.

Se algum homem algum dia ousar fazer dez por cento do que você fez comigo, esse homem não
vai conhecer o caminho até o botão da minha calça. Esse homem vai conhecer o caminho até fora da
minha vida.

Obrigada por ir embora e me permitir conhecer o amor mais lindo do mundo, o próprio. Aquele
que aquece meu peito e me deixa completa.

Eu te perdoo por tudo que fez e espero que você também me perdoe por coisas que fiz. Nunca
fui santa, e não espero ser a mocinha. Nós dois sabemos que nossa história é formada por vilões.

Quando eu apertar a tecla e te enviar esse email, eu vou fechar o computador, vou sorrir e te
desejar tudo de melhor. Mas eu não vou esperar sua resposta e agradeceria se você não respondesse.
Eu não preciso de uma, e nunca precisei.

Logan Aiken, eu te amei intensamente e espero que um dia você ame alguém do mesmo jeito. Não
se culpe, não se julgue, não se exclua. Limpe sua tela e pinte seu próprio quadro.

Assinado, sua.
A população inteira do equador tem dezesseis milhões de pessoas. Esse foi o número de mulheres
que sofreram algum tipo de violência no Brasil em 2018. (Datafolha/FBSP 2019)

45% dos feminicídios acontecem por inconformismo dos homens com a separação. 30% são
causados por causa de ciúmes/posse/machismo. (MPSP, 2018)

Quinhentas e trinta e seis mulheres foram agredidas enquanto você estava almoçando. Por hora,
essa quantidade de mulheres levaram socos, chutes ou empurrões em 2018 no Brasil.
(Datafolha/FBSP 2019)

Em 8 anos, o mercado de games no Brasil, o maior da América latina, cresceu 600%. Só em


2017 o assédio virtual no Brasil cresceu 26,000%. (Instituto Avon/Folks Netnográfica 2018 e IBGE)

Em 2016, um estupro coletivo aconteceu a cada duas horas e meia no Brasil. (Ministério da
Saúde/Sinan)

Se você leu todos esses dados e ainda acha que Logan Aiken e Kiara Hildegard deveriam ter
ficado juntos, peço que você releia os dados e se coloque no lugar de cada mulher dentro desses
números.

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