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Copyrigh© 2021 JAQUELINE MOTTA

Revisão : Luciana Fauber


Diagramação : Luís Bandeira
Capa: Antônio Cardeck
Leitura crítica : Luciana Fauber
Antônio Cardeck

Proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico,
mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem
permissão de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra de ficção, nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor, qualquer semelhança com
acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor
desde 1º de janeiro de 2009.
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1 – ANNA
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6 - MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8 – MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 9 – MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12 – MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15 - JESSEBELLE BACCHI
CAPÍTULO 16 – JESSEBELLE BACCHI
CAPÍTULO 17 – MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20 – MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22 - MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24 - MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26 - MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 27 - LAURA GUERRIERI
CAPÍTULO 28 - MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30 - MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 31 – RICCARDO GUERRIERI
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33 - MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35 – MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37 – FABRIZIO GUERRIERI
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40 – MATTEO GUERRIERI
CAPÍTULO 41 – ALGUNS MESES DEPOIS... ANNA
CAPÍTULO 42 – MATTEO GUERRIERI
EPÍLOGO – MATTEO GUERRIERI
Matteo Guerrieri sempre levou a vida de forma descontraída, um
conquistador nato que nunca se apega a nada ou a ninguém. Mas tudo
desanda quando uma bela jovem cruza seu caminho e vira sua vida pelo
avesso. Porém, por ser o Capo e viver sob as leis da Máfia, Matteo deixa
sua paixão escondida para se casar com a sua prometida, Anna, a quem ele
jura vingança por ter entrado em seu caminho.
Após a morte de seu cruel marido, Anna tenta libertar-se dos traumas
passados. Ela achou que finalmente poderia ser feliz ao lado de Matteo, mas
se decepciona ao descobrir que ele não é diferente dos outros homens da
máfia. E ele até poderia ser o pior, caso ela não mexesse tanto com os
sentimentos dele, bons ou ruins.
O tiro sairá pela culatra. O alvo da vez será o coração do belo rapaz.

Um coração quebrado precisa de amor. Ambos precisam encontrar


seus caminhos “de volta para casa”.

“Por trás de um olhar frio e calculista, uma mente brilhante e
atitudes impactantes, existe um sofredor.”
Matusalém
O maldito dia havia chegado, e eu estava com os pés congelados no
chão, trajando um terno impecável. Eu havia dito que não iria me casar com
Anna, mas, como sempre, esmagaram meus sentimentos e me forçaram a
vestir um terno e andar até o altar sem olhar para trás.
Onde é que ficavam meus sentimentos? Por que não poderia ser
Jessebelle ali?
Era justamente pela Famiglia que eu estava ali: renunciaria à minha
vida de solteiro para usar aquele bambolê de otário no dedo. Mostraria para
todos que o Capo da Máfia Italiana finalmente estava casado. Mas aí que
eles se enganavam ao pensar que eu facilitaria as coisas.
Anna que me perdoasse, mas eu nunca seria um marido perfeito.

Depois de vestir meu terno impecável, segui para o lugar onde iria
acontecer a recepção. Eu não queria festa, mas até nisso fui ignorado e
fizeram uma festa para duzentos convidados.
Entrei no carro e dirigi em alta velocidade pelas ruas de Sicília,
pensando em como iria me livrar de ficar amarrado a uma pessoa que não
amava. Anna havia sido casada com Antônio, isso fazia sua reputação não
ser uma das melhores. E logo eu tamparia o buraco, apenas porque ela era a
irmã da Laura. Caberia a mim salvar o nome da Família Bassi?
Isso não fazia o menor sentido.
Entrei no bar e bebi tanto quanto podia, não demorou muito para o
meu celular tocar dentro do bolso.
— Fala, Riccardo.
— Onde você está?
— Isso importa? — bufei. — Em alguns minutos estarei aí. Estou
tomando coragem para não dizer “não” quando me perguntarem se é de
livre e espontânea vontade que estou me casando.
Meu irmão ficou em silêncio. Ele sabia que eu merecia escolher com
quem eu me casaria, mas em vez disso ele optou por unir o útil ao
agradável. Seríamos todos da mesma família, afinal de contas.
— Sei que pode parecer ruim agora, Matteo. Mas você irá se
acostumar com o tempo, Anna é uma boa moça.
— Não comece, Riccardo. Não tente justificar. Eu amo Jessebelle.
— Você não a ama. Acredite em mim. Conheça Anna melhor e vai
perceber que ela é a mulher ideal.
Bufei já de saco cheio daquela conversa.
— Não vou abrir mão da mulher que amo — falei firme.
— Não estou dando escolhas.
— Se é assim, não vou dar herdeiros para a máfia. Não é porque Laura
é perfeita que significa que a irmã dela também seja. Anna é fria, se veste
como freira, e nossa, ela mal se arruma. É isso que você quer para a minha
vida?
— Você é a porra de um moleque mimado. Quanto às roupas, acho que
você pode cuidar disso. — Ele respirou fundo. — Tenho que desligar, vejo
você daqui a pouco. É bom que não se atrase.

Quando cheguei ao local do casamento, peguei outra dose de Uísque e


virei de uma só vez. Tomei coragem e subi as escadas, abri a porta de um
dos quartos e encontrei Anna de costas, se olhando no espelho. Por um
momento titubei quando a vi de costas nuas, era a primeira vez que a via
com poucas roupas.
Limpei meus pensamentos e adentrei o quarto. Já havia avisado antes
em uma ligação que eu não queria me casar.
— Está feliz? Você conseguiu um bom casamento.
Ela virou de repente, assustada enquanto tentava proteger os seios dos
meus olhos.
— Tentei dizer a eles que eu não queria me casar. — Ela arregalou os
olhos enquanto eu dava um passo em sua direção, porém hesitei.
— Parece que não foi suficiente, ainda estamos amarrados. — Virei às
costas e, antes de sair pela porta, olhei por cima do ombro. — Espero que
saiba que não sou gentil com todos, apenas com quem eu gosto. E eu não
gosto de você.
— Nunca te fiz nada.
— Ah. — Virei-me completamente para ela. — Não seja cínica, esse
casamento é conveniente para sua reputação. Mas saiba que não irei
facilitar as coisas para você. Se acha que comigo vai estar protegida, você
se enganou feio. Posso ser pior ou igual a Antônio.
Ouvi o som de sua garganta engolindo a saliva, e antes que dissesse
alguma coisa, dei-lhe as costas e segui para a festa. 
Sicília...
— Sua maldita! Não adianta se esconder.
Dentro do closet, pus a mão sobre a boca tentando evitar que o soluço
saísse.
Os passos de Antônio ecoavam no piso de madeira, rangendo a cada
movimento de suas botas sujas de sangue... Do meu sangue! As lágrimas
grosseiras misturavam-se com o sangue da minha testa, após ser batida
contra o vidro do bar na sala. A porta do closet foi aberta bruscamente,
apertei os olhos com força na tentativa de não ver aquele rosto sombrio. Eu
o repugnava!
— Abra os olhos, vadia!
Abri devagar. Meu corpo tremia de medo, e minha respiração
acelerada mostrava o pavor.
Antônio sorriu com escárnio.
— Todos esses anos e você ainda não aprendeu que se esconder é pior?
— Por favor... — tentei ao menos implorar, embora soubesse que
aquilo não valesse de nada. Mas aquilo piorou!
Antes que eu pudesse terminar a frase, Antônio puxou-me pelos
cabelos, me arrastou pelo cômodo e me jogou sobre a cama. As lágrimas, o
suor e o sangue escorriam pelo meu rosto, meus lábios estavam estourados
e o cheiro metálico me causava náuseas.
Jesus... Até quando eu suportaria tamanha humilhação?
Por alguns instantes vaguei para minha imagem correndo junto dos
meus irmãos, brincando, enquanto vovó Pierina sorria na cadeira de
balanço. Naquele tempo minha única preocupação era não sujar os vestidos
de lama, pois mamma dava duro para costurá-los.
Voltei dos pensamentos quando escutei o farfalhar do cinto de
Antônio, logo a dor terrível que eu já conhecia me pegou. Gritei quando ele
acertou meu rosto duas vezes com aquele couro duro; depois acertou
minhas pernas, braços e barriga. Eu já não tinha mais forças, e Antônio só
parou porque também havia perdido o fôlego.
Tudo em mim doía, e não era somente a dor física. Eu estava destruída
física e emocionalmente, Antônio havia tirado minha vontade de viver e de
ser feliz. Anna Bassi nunca mais seria a mesma.
Estava quase desfalecida sobre a cama, mas pude ouvi-lo jogar o cinto
no chão e tirar suas roupas. Senti quando ele se acomodou sobre meu corpo
e direcionou o membro grosso na minha vagina, empurrando sem
lubrificante e me estocando fundo. Virei o rosto e segurei a ânsia de vômito,
sabendo que se fizesse novamente seria mil vezes pior.... Como da última
vez.
Antônio grunhia como um porco no meu ouvido enquanto metia
aquele membro asqueroso em mim.
— O que eu faço com você?
Meu corpo estava fraco, então apenas fechei os olhos e rezei baixinho
para que o meu sofrimento acabasse e que Antônio, em uma de suas surras,
me matasse. Era sempre a mesma coisa depois dos espancamentos, ele me
estuprava até não aguentar mais. Daquela vez não foi diferente.
Antônio me violou por minutos... Que pareceram horas.
Reclamei baixinho ao sentir a mesma ardência absurda na intimidade e
acabei implorando para que parasse, aumentando a ira dele. Antônio
começou a golpear mais forte dentro de mim, deixando rastros de sangue
pelas minhas pernas e lençóis... Perdi os sentidos.
Corri até o vaso e vomitei até não aguentar mais. Todas as noites eu
sonhava com aquele maldito, que insistia em sair do inferno para me
atormentar. Andei com dificuldade até a pia, escovei os dentes e lavei o
rosto.
Mais uma vez vi o dia amanhecer. Desci as escadas e cumprimentei os
empregados, minhas companhias naquela casa fria e enorme.
Desde que nos casamos, Matteo nunca dormiu em casa. Ele parecia ter
nojo de mim, e eu podia entendê-lo afinal, como capo, Matteo deveria casar
com uma mulher virgem da Famiglia e não com a viúva de um traidor, que
viveu sendo estuprada e agredida.
— Bom dia. — Coloquei meu melhor sorriso e desci as escadarias,
cumprimentando os empregados.
— Bom dia, senhora Guerrieri.
Senhora Guerrieri.
Nunca na vida imaginei ser chamada assim. Papai, se estivesse vivo,
ficaria orgulhoso, porque a única coisa que importava era que fôssemos
casadas com alguém de prestígio. Meu pai sempre foi um homem
mesquinho e agressivo, mas quando soube de sua morte, fiquei chocada
pela forma grotesca do homicídio. Apesar de viver na máfia, sempre odiei a
forma cruel de toda aquela violência, no entanto fui criada para aceitar e
ainda sorrir, mesmo que por dentro chorasse lágrimas de sangue.
Novamente iniciei o café da manhã sozinha, numa mesa enorme de
vidro escuro. Matteo não deixava faltar nada. Eu tinha uma casa confortável
e grande o suficiente, a comida era boa e o fato de não apanhar era o
paraíso. Porém, não se pode ter tudo na vida, então eu não podia me dar o
luxo de exigir a companhia dele em casa.
Fazia pouco tempo que em uma reunião da Famiglia uma fofoqueira
deixara "escapar" que Matteo e Jessebelle eram amantes. Aquilo havia me
deixado sem chão, porque todos sabiam que ela era virgem. A bomba veio
logo depois, explodindo minha cabeça, quando eu soube que ele havia
assumido oficialmente Jessebelle como sua amante e comprado uma casa
para ela, mantendo-a protegida e longe da língua do povo. Soube que o pai
da moça não havia aceitado de bom grado a ideia, mas Matteo era a
autoridade.
Matteo era um homem bonito e muitas mulheres se jogavam aos seus
pés. Fiquei feliz de verdade quando soube que iríamos nos casar, mas
murchei e tirei meu cavalinho da chuva ao perceber que era apenas pela
Famiglia. Na minha cabeça, achei que poderia domar o coração aventureiro
de Matteo, assim como Laura havia feito com o chefe, mas tudo foi por
água abaixo quando Jessebelle chegou em Sicília: Matteo se apaixonou
perdidamente e nosso casamento se tornou um empecilho para eles ficarem
juntos.
Matteo havia me pedido para eu desistir do casamento por vontade
própria, do contrário transformaria minha vida num inferno. Cogitei
desistir, mas não havia alternativa para mim.
Terminei de tomar meu café e fui para o estacionamento da mansão,
pediria novamente ao soldado chefe me levar para ver mamma, que andava
muito doente.

— Bom dia, senhora.


— Bom dia. Me leve no mesmo lugar de sempre — pedi e entrei no
carro.
O soldado chefe continuou olhando-me com intensidade. Sempre era
assim, parecia ficar hipnotizado ao me ver. Saindo do estupor, ele entrou no
carro e ajeitou o espelho interno, deixando-o na minha direção, o que fez
minhas bochechas queimarem de vergonha. No caminho até a casa de
mamãe, percebi que olhava para mim. Fiquei feliz em saber que eu não era
de se jogar fora, afinal o soldado era lindo.
Matteo ficaria com ciúmes de mim?

Assim que o carro parou na frente da casa de mamma, deslizei para


fora do carro e apressei os passos. Os olhos do segurança ainda queimavam
minha pele como brasa.
Eu devia estar ficando louca! A máfia não perdoava mulheres acusadas
de traição. Não haveria refúgio. Depois de torturadas, eram mandadas ao
paredão para o fuzilamento. Minha situação por si só era ruim, agora
imagine se eu for acusada de traição? Matteo não hesitaria em me matar, e
então ele e Jessebelle poderiam desfrutar do amor e ter lindos filhos
correndo pela casa, enquanto eu estaria a sete palmos do chão. Não vale a
pena!
— Querida, seja bem-vinda!
Só então, após ouvir a voz da minha mãe, percebi que estava parada
em frente à porta, com a mão no interfone.
— Como... a senhora soube que eu estava aqui? — Enruguei a testa.
Mamma, com a aparência cansada, sorriu.
— Querida, de longe sinto o cheiro dos meus filhos. Venha, entre!
Acabei de fazer um café fresquinho.
Assim que coloquei meus pés naquele tapete felpudo, as lembranças
vieram como uma enxurrada.
Vovó Pierina ensinando Laura a tocar piano. Mamãe sentada
costurando. Giovanni e eu disputando quem colhia mais uvas. Mas agora
estava tudo vazio e quieto, a solidão do lugar tirava-me o ar. Meus irmãos
estavam longe, vivendo suas vidas, fui a única a se prontificar a ficar e
cuidar de mamma.
Eu não tinha um marido, não de verdade. Sendo assim, seria mais fácil
dar atenção para minha mãe, que se afundava na melancolia da casa. Tudo
na vida tem um porquê, ter ficado para titia talvez fosse o meu destino.
— Aqui, querida! — Ela voltou, entregando-me a xícara de café.
Quando levo à boca, quase engasguei ao perceber que de novo ela havia se
confundido e colocado sal em vez de açúcar.
Cuspi com delicadeza dentro da xícara, meus olhos ardiam e as
lágrimas desciam. Salgado! Muito salgado.
— Querida, não me diga que... Oh, Santo Dio! — Ela levou as mãos à
boca, aterrorizada. — Perdão, eu vou já buscar outro café!
Eu ri. Queria muito que ela fosse morar comigo, mas precisava
conversar com meu marido antes de decidir qualquer coisa. Mamãe estava
entrando em depressão, falar com meus irmãos apenas por telefone não
estava sendo suficiente. Por outro lado, eu sabia que cada um tinha sua
vida. Giovanni principalmente, que depois de se casar com Mia, foi morar
na Calábria. As coisas não estavam sendo fácies para ele após as
responsabilidades da Máfia calabresa caírem sobre suas costas.
— Agora eu coloquei açúcar — mamãe assegurou, entregando-me
outra xícara de café.
— Hum, está delicioso. — Sorri para ela.
Ela sorriu também, mas vi muita tristeza em seus olhos. Sinceramente,
eu não sabia mais o que fazer, mas nunca a deixaria sozinha. Ficaria ao seu
lado até o último suspiro.
Depois do café, caminhamos pelo jardim. Mamãe, como sempre,
lembrando de quando éramos crianças, da melhor época de nossas vidas. Se
soubéssemos que crescer seria tão ruim, nós teríamos aproveitado mais.
Voltamos para casa à noite, após passar longas horas na beira do rio
conversando, comendo e aproveitando a companhia uma da outra. Mamãe
tomou um banho, ingeriu seus remédios para insônia e dormiu, logo chegou
a moça que cuidava dela e pude voltar mais tranquila para casa. No
caminho, o mesmo soldado continuava me olhando através do espelho,
aquilo de certa forma estava mexendo comigo. O olhar dele era sedutor, e
em seus lábios havia um sorriso discreto. Será que ele não entendia o quão
ridículo e perigoso aquilo era?
Jesus! Preciso acabar com isso de uma vez por todas.
— O senhor... tem notícias do meu marido?
O soldado enrugou a testa, voltando seu olhar para mim. Ele demorou
para responder, e por pouco pensei que não o faria.
— Ele me ligou furioso perguntando onde a senhora estava. Acho que
tem uma festa da Famiglia hoje.
Meu coração acelerou de medo e nervoso. Raramente Matteo me
levava a algum evento da Famiglia, mas sabendo como ele era, àquela hora
deveria estar furioso. Respirei fundo contando até dez, e quanto tirei meu
celular da bolsa, quase morri ao ver o tanto de ligações perdidas de Matteo.
Realmente, ele deveria estar uma fera.
Eu morria de medo de Matteo, sendo assim acatava suas ordens sem
questionar. Matteo, além de ser o Capo, ainda havia deixado claro que, se
ele quisesse, poderia ser mil vezes pior do que Antônio caso eu o tirasse do
sério.
O carro mal estacionou e eu já estava abrindo a porta para sair. Levei a
mão à maçaneta da porta da mansão e girei. A cada passo, o barulho dos
meus sapatos ecoava a sala. Minha respiração estava desregulada de medo e
angústia. Levei as mãos trêmulas até o botão acendendo as luzes, que, num
flash, iluminaram todos os cômodos. Foi então que meus olhos caíram
sobre ele, sentado no sofá, com um copo de uísque na mão.
Meus pés congelaram, minha garganta fechou e minha voz não saiu,
fiquei muda, parada de frente para ele. Apenas abaixei minha cabeça,
fitando meus pés sujos de barro. Eu deveria ter ao menos ter lavado!
Matteo estava de mau humor nos últimos dias, eu sabia que a relação
dele com Jessebelle estava um pouco abalada por causa de mim. Querendo
ou não, eu era a esposa legítima.
— Onde você estava? — Sua voz forte ecoou no cômodo.
Engoli em seco e levantei a cabeça para fitá-lo. Matteo era lindo, seus
olhos verdes eram como águas cristalinas, mas tão frios que me causavam
pavor.
— Na casa de mamma.
— Pelo seu estado, acho que estava no chiqueiro. — Desceu os olhos
para os meus pés.
Sempre me humilhando. Eu sabia que ele fazia aquilo para me punir,
mostrar que eu era um peso em sua vida.
— Nós... — parei de falar quando ele levantou a mão, indicando o
silêncio. Ele me tratava como uma cachorrinha.
— Vá tomar um banho... Anna — rosnou com raiva. — Entre na
máquina de levar se for possível, mas você precisa estar bem-vestida esta
noite. Tem um vestido em cima da cama que mandei comprar e uma
maquiadora está lá em cima esperando por você.
Meu Deus! Eu não gostava de atrair atenção para mim.
Apertei os lábios segurando um soluço, tentando manter as lágrimas
presas. Balancei a cabeça concordando e saí apressada para o quarto.

Olhei com curiosidade minha imagem no espelho, a mulher refletida


ali estava bonita. Cabelos castanho-claros caindo como cascatas no meio
das costas, os cílios grandes e naturais estavam volumosos. Bochechas
levemente rosadas e um batom vermelho nos lábios. O vestido vermelho
abraçava suas curvas com devoção, os seios volumosos e também naturais
eram acolhidos por um bojo, que os deixava quase à mostra. É, ela é sexy e
em nada se parece comigo. A mulher refletida naquele espelho estava do
jeito que a sociedade gostava de ver, mas por dentro estava feia e suja.
Somente eu podia enxergá-la através disso tudo.
Engoli o choro e saí dali antes que eu desmoronasse.
Quando cheguei ao estacionamento, Matteo estava de costas falando
ao telefone, por isso continuei parada esperando-o finalizar a ligação. E
quando pôs o celular no bolso e se virou para frente, seus olhos se
arregalaram. Não sabia se eu estava do jeito que ele queria.
Matteo piscou diversas vezes e, sem falar nada, abriu a porta do carro
para eu entrar.
No caminho até a casa do presidente, nada foi dito, sentia apenas o
olhar dele sobre mim. Se eu não o conhecesse, diria que estava me achando
bonita.
Em poucos minutos estávamos na entrada principal. Havia inúmeros
fotógrafos no tapete vermelho e a casa do presidente parecia um castelo.
Os olhares se voltaram para nós. Homens olhavam para mim como se
quisessem me devorar viva.
— Preciso dizer como deve se comportar? — sua voz rouca quebrou o
silêncio. — Não haverá somente pessoas da máfia aqui. Cuidado com o que
fala!
Desejei sair correndo.
Balancei a cabeça em negativa. Naquela noite, eu me faria de surda e
muda.
— Sim. Prometo me comportar se você não me tratar feito saco de
merda.
Porra, estava cansada de apanhar da vida e não dizer nada. Laura tinha
razão em dizer que eu era parada.
— Vamos! — Matteo saiu primeiro e estendeu a mão para me ajudar a
descer. Quando a toquei, senti um arrepio dominar meu corpo. Ele me olhou
intensamente, parecia ter sentido o mesmo que eu.
Matteo estava lindo no terno grafite, os cabelos molhados em um corte
baixo. Os sapatos italianos brilhavam de tão pretos. E seus olhos... estavam
em um tom verde-escuro, incrível como eles mudavam conforme a
claridade.
A chuva de flashes caiu sobre nós, Matteo segurou em minha cintura e
me conduziu à entrada da casa. Os fotógrafos faziam perguntas, porém
Matteo não respondeu nenhuma delas. Ali, Matteo Guerrieri era apenas um
empresário importante, dono de transportadoras de vinhos e restaurantes
famosos, mas na Famiglia, tudo aquilo era apenas uma fachada para as
lavagens de dinheiro. Ao lado dele pude ver que a Máfia era mais poderosa
do que se podia imaginar. Antônio era apenas a ponta do iceberg.
Fiquei mais admirada quando atravessarmos o lobby. O salão estava
repleto de jornalistas, políticos e outros famosos. Muitos deles vieram nos
cumprimentar. Vesti minha máscara de esposa feliz e aceitei todos os
elogios e cumprimentos com um "belo" sorriso.
O sorriso morreu ao ver Jessebelle sentada numa mesa distante,
olhando para mim e Matteo. Aquilo me magoou profundamente, não me
agradava estar no mesmo ambiente que a amante dele, odiava respirar o
mesmo ar que ela. Eu a odiava! Dei passo para trás e ameacei voltar, mas
Matteo, mesmo conversando com alguns políticos, percebeu e me puxou
pela cintura, levando-me para mais perto do seu corpo. O cheiro do seu
perfume me deixou inebriada, então aproveitei para abraçá-lo também.
Quando desviei o olhar para Jessebelle, percebi que ela vinha em nossa
direção.

Meu corpo tremeu de ódio quando ela se aproximou de nós. Engoli em


seco ao vê-la tão deslumbrante e confinante... Tão cheia de si, como se
fosse a esposa do Capo. Odiei admitir o quão linda ela estava naquela noite.
Em seu vestido vinho colado ao corpo, que moldava suas curvas volumosas,
chamando atenção por onde passasse. Os cabelos loiros volumosos. Mas
quando o seu perfume invadiu minhas narinas, me enojou. Por que Matteo
não se casava com ela?
Os olhos de Matteo rapidamente caíram sobre ela, pude ver o brilho de
orgulho refletir em suas pupilas dilatadas. O verde de seus olhos estava
escuro, mostrando a luxúria em ver Jessebelle tão deslumbrante... Aquilo
me magoou. Ver meu marido hipnotizado por sua amante acabou comigo.
Ele olhava para ela de um jeito que nunca havia olhado para mim.
Jessebelle, notando o comportamento de Matteo ao vê-la, abriu um
sorriso triunfante. Ele se afastou de mim, como se eu fosse portadora de
alguma doença contagiosa. Tentei não demonstrar o quão abalada havia
ficado.
— Nós podemos conversar? — Ela se dirigiu a ele, como se eu fosse
invisível.
Segurei a vontade de sair correndo. Eu queria correr para longe e
nunca mais voltar. Estava farta de ser a esposa modelo da máfia, farta
daqueles homens que nos tratavam como propriedade.
Para minha surpresa, o olhar de Matteo escureceu de raiva.
— Agora não.
A amante apertou os lábios, fazendo uma cena em público.
— Essa situação já é humilhante para mim, Matteo — soluçou. —
Todos aqui sabem que sou a outra. A amante coitada que nunca terá um
futuro ao lado do homem que ama.
Ele respirou fundo, como se estivesse em uma batalha interna.
— Me espere no banheiro feminino. — Matteo respondeu seco e me
puxou pela cintura, levando-me para cumprimentar as pessoas. Mas eu só
conseguia imaginar a nojeira que eles iam fazer trancados no banheiro.
Desde que nos casamos via a minha vida passar através das janelas,
trancada em meu quarto. Só tinha permissão de ir visitar minha mãe, fora
isso eu vivia como prisioneira. Vivia dia após dia para que Deus me
chamasse para viver ao seu lado.
Matteo realmente não era diferente de Antônio. Não existia homem
bom na máfia. Existiam homens esforçados, que tratavam suas esposas
bem, apenas isso. Mas seus instintos primitivos haviam de ser cruéis, com
qualquer um que ousasse cruzar seus caminhos. E eu havia entrado no
caminho de Matteo. Por minha causa ele não podia estar com ela como
gostaria. Eles não podiam ter filhos enquanto eu estivesse viva.

Depois de muitos cumprimentos e sorrisos falsos, Matteo me puxou


para um canto.
— Não saia daqui. Quero vê-la no mesmo lugar quando eu voltar —
ele rosnou entre os dentes, irritado.
— Posso pelo menos me sentar? Estou com muito calor e vontade de
arrancar esse vestido — falei sem pensar. E pela segunda vez naquela noite,
Matteo me olhou da cabeça aos pés, concentrando-se nos meus seios.
— Está bem. — Ajeitou o terno impecável no corpo.
Assenti. Matteo se retirou, indo ao banheiro encontrar Jessebelle.
Desabei na cadeira e passei o resto da noite sozinha. As pessoas riam,
bebiam, dançavam, e eu continuei encolhida num canto qualquer, tentando
não ser o alvo das atenções.
Minha garganta estava seca. Acabei aceitando uma taça de champanhe
que um garçom gentilmente colocou sobre minha mesa. Virei o líquido
espumante convidativo, sem autorização de Matteo. O garçom voltou e
sorriu para mim, substituindo a taça vazia por outra cheia.
Não contei quantas taças de champanhe eu havia ingerido, mas foram
suficientes para minha cabeça começar a latejar. O garçom sorridente
voltou, e eu balancei a cabeça, recusando outra taça.
Os meus olhos estavam embaçados. A imagem das pessoas era como
um borrão na minha frente. Não estava acostumada a beber e nem gostava
muito, mas descobri que a bebida fez a dor pungente no peito se dissipar um
pouco. A música tornou-se animada, e de repente fui conduzida para uma
dança. Tentei dizer não. Mas o homem foi me arrastando, mesmo sob meus
protestos.
Eu não sabia com quem estava dançando, mas ele se tornou gentil e
sorriu amigável para mim. Ele me girou para longe e depois me puxou de
volta para si. A sensação foi completamente nova para mim. Pela primeira
vez, eu estava me divertindo. Pela primeira vez dancei alegremente, como
um passarinho cantando longe da gaiola.
Fechei os olhos me imaginando na chuva, dançando.
— Anna... Esse é o seu nome, não é?
Abri os olhos e encarei aquele rosto desconhecido. Concordei,
sorrindo. Naquele momento nada parecia errado perante os meus olhos. Se
os homens podiam se divertir, por que nós mulheres não podíamos fazer o
mesmo? Na máfia existiam muitas regras sem cabimento.
— Como você se chama? — perguntei-lhe. Eu mal conseguia ouvir
minha própria voz, não somente pela música alta; mas porque minha voz
estava completamente arrastada.
— Lincoln. — Ele me girou pelo salão, comigo grudada ao seu corpo.

Vejo muitas notícias sobre os Guerrieri. Vocês são muito influentes na
Itália. Soube que estão expandindo os negócios na Colômbia.
Meu sorriso morreu. Meu corpo ficou rígido e eu já não acompanhava
mais os seus passos.
— Eu... Não sei muita coisa sobre isso. Mas os Guerrieri são... —
Mordi os lábios, percebendo que falaria mais do que devia. Jesus! O que
estou fazendo?
Ele levou a mão em meu rosto, acariciando-me com ternura. Ou foi
apenas um fingimento para ganhar minha confiança?
— Calma, Anna! Estou apenas de passagem em Sicília. Na verdade,
vim apenas porque fui convidado. Gostaria de fazer uma entrevista com
alguém importante, cujo sobrenome é lendário. É interessante a árvore
genealógica da família de vocês.
— Todos nós estamos aqui de passagem, Lincoln. — Tentei forçar um
sorriso, fingindo normalidade diante de suas perguntas. — Você está
fazendo perguntas à pessoa errada. Não sei nada sobre os Guerrieri, apesar
de estar casada com um, eu não sei de nada. — Tentei não demonstrar meu
nervosismo, mas Lincoln parecia ser esperto demais.
Logo percebi uma estranha sensação de estar caindo numa armadilha.
Alguém queria que eu falasse demais, por isso os champanhes!
Lincoln parou de dançar, olhando-me raivoso, mas logo retomou a
dança. Tratei de achar uma justificativa para todo aquele comportamento,
acabei colocando a culpa na bebida. Com certeza minha mente estava
entorpecida pelo álcool, e eu estava vendo problemas onde não existiam.
— Não precisa se intimidar. Também sou desse meio —murmurou.
Olhei para ele amedrontada. Percebi que fiz uma burrada por ter bebido. —
Eu sei que as mulheres são obrigadas ao matrimônio ainda jovens. Tudo
isso porque vivemos dentro de uma organização criminosa, que criam leis
rígidas. Eu sei de tudo.
Foi o estopim para eu acordar de vez. Tentei me desvencilhar dele, mas
o aperto de Lincoln me impossibilitou.
— Por favor... me solta — pedi, alterando a voz.
Lincoln não me soltou. Senti alguém segurar no meu ombro e me
puxar para trás. Perdi o equilíbrio e caí sentada no chão. Meus olhos
focaram em Matteo acertando um soco em Lincoln, fazendo-o cair no chão
com a boca ensanguentada.
Não fiquei para continuar vendo aquilo, levantei do chão e corri em
direção ao banheiro, que para minha sorte estava vazio. Lavei o rosto com
tranquilidade e respirei fundo, encostando-me na pia.
O que aquele homem queria comigo?
Eu sempre soube de um código que os homens usam, chamado Òmerta
— um código de silêncio da Máfia. Papai e Antônio sempre falavam disso,
mas nunca imaginei que um dia estaria tão perto de quebrá-lo. O código não
se aplicava a nós mulheres, pois devíamos nos manter longe de outros
homens que não fossem nossos maridos. Eu não havia respeitado isso, não
naquele dia.
Depois de me recompor, voltei para o salão apreensiva. Respirei
aliviada ao ver que o tal Lincoln não estava mais ali, mas congelei ao ver
Matteo parado olhando em minha direção. Senti o sangue ser drenado do
meu corpo. O vento gélido bateu contra minhas costas nuas, causando-me
arrepios.
Matteo veio até mim. Recuei na intenção de voltar para o banheiro,
mas meu braço foi puxado.
— Vamos embora.
Praticamente fui arrastada para os fundos da mansão e colocada dentro
do carro. Matteo sentou no banco da frente e deu ordens ao motorista para
dirigir. Aquele silêncio indicava que algo não estava certo. Eu estava com
medo.
De repente, Matteo avançou em cima de mim e enfiou a língua na
minha boca. Fiquei estática sem saber como agir, enquanto uma mão dele
estava entranhada no meu cabelo, a outra estava segurando minha cintura.
— Não. — E o empurrei.
Ele pareceu sair do transe e voltou para o lugar enquanto ajeitava o
terno.
— Mais uma regra quebrada, Anna — ele riu. Mas não foi um sorriso
amigável, e sim um perverso. — Dançando com outro homem na festa.
Matteo podia ser cordial com o resto das pessoas, mas não comigo.
Olhei para ele com medo. Seus olhos estavam escuros e raivosos sobre
mim. Como pude um dia cogitar ser feliz ao seu lado? Como pude deixar
me levar pelo seu encanto e beleza?
— Chegamos — o soldado anunciou.
Matteo não disse nada. Abriu a porta do carro e saiu, vindo em minha
direção. Novamente fui arrancada de dentro do carro e arrastada até uma
casa, no meio do nada.
A casa não era assustadora apenas por ser antiga e estar praticamente
caindo aos pedaços, mas por haver inúmeros quadros de crianças chorando.
Tudo ali era tomado pelo pó e teias de aranhas. Matteo continuou me
arrastando, a cada passo brusco o chão de madeira estalava.
— Me solta — movida pelo pavor, gritei, desprendendo-me das mãos
dele. — Que merda deu em você?
Ele me puxou com mais força e continuou me arrastando.
— A culpa não é minha se você me deixou sozinha para foder com a
vagabunda da sua amante. Não é minha culpa se vocês não podem ficar
legalmente juntos. — Minha voz estava tensa, mas ainda assim saía firme.
— Escute o que vou dizer, Matteo: não me importa seu relacionamento com
ela. Eu também não queria me casar, e não é minha culpa se vocês dois não
podem ficar juntos oficialmente.
No momento que despejei aquilo, eu me arrependi. Matteo parou de
andar, virou-se lentamente para mim.
— Matteo...
— Não me obrigue a fazer coisas piores com você, Anna — alertou-
me. — Você quase fodeu com tudo essa noite. Se fosse Antônio no meu
lugar, ele teria matado você.
Ele tinha razão.
Matteo me arrastou até um quarto. A porta rugiu alto no momento que
ele abriu, e sem que eu pudesse pestanejar, ele me jogou lá dentro. O
impacto do meu corpo no chão casou-me dor na cintura pela forma que caí.
Quase morri quando Jesebelle apareceu ao lado de Matteo, mostrando
que estava se divertindo ao me ver ali.
— Está com medo, Anna? — ela perguntou enquanto enrolava o dedo
nos cabelos.
Sua pergunta me pegou desprevenida. Tentei levantar rapidamente,
mas a dor me fez ir devagar. Andei de gatinho até a porta, mas antes que eu
pudesse alcançá-la, Jessebelle puxou Matteo para fora e a fechou,
gargalhando de mim.
Senti a falta de ar me dominar e um frio percorrer minha espinha.
Procurei um lugar seguro e me encolhi. Passei a madrugada com os olhos
bem abertos, repetindo para mim mesma que assombrações não existiam.
Porém, um barulho alto vindo de dentro do que parecia ser um closet me fez
gritar de pavor.
Abracei meus joelhos e enterrei meu rosto entre as mãos. Eu só
precisava ser forte. Eu só precisava ser forte!
Seja forte!
Não foi somente por eu ter dançando com aquele homem, ou por ter
quase falado sobre a Cosa Nostra, Matteo me odiava pelo simples fato de eu
existir para atrapalhar sua vida. Aquilo tudo poderia ser apenas ciúme
incubado? Não. Não podia ser!
Sempre ouvi dizer que quando um homem está apaixonado, ele é
capaz de fazer loucuras em nome desse amor. E ele está apaixonado por
Jessebelle.
Matteo faria tudo por ela, até me tirar do caminho.
Sou mais forte que isso.
— O que foi? — Ele se aproximou. — Por que está olhando para
mim? Está debochando de mim?
— Não — me apressei em falar. — Jamais iria debochar de você,
Antônio. Vim apenas beber água. O bebê não para de chutar...
Arrependi-me por ter falado aquilo. Antônio desceu o olhar,
concentrando-se em minha barriga volumosa. Um frio percorreu minha
espinha. Abracei meu corpo tentando protegê-la. Naquele momento temi
pela vida do meu filho.
O ódio de Antônio por mim refletia em seu olhar. Engoli em seco
quando ele levou a mão no meu pescoço e começou a me sufocar. Meu
corpo foi suspenso e meus pés saíram do chão. As lágrimas grosseiras
deslizavam em minhas bochechas.
— Há tantas mulheres nessa maldita máfia e o maldito Riccardo teve
que me unir justamente a você.
Tudo à minha frente embaçou quando ele acertou um soco no meu
rosto. A dor do meu corpo caindo no chão não se comparava à dor que me
corroía por dentro. Senti uma cólica terrível, excruciante, que me
impossibilitava de me mexer. O sangue que escorria pelas minhas pernas se
formou ao meu lado, em uma poça. Escutei choro de bebê... Minha vista foi
escurecendo. Me entreguei ao choro e à escuridão.
Acordei assustada, obrigando meus olhos a permaneceram abertos,
embora estivessem cansados e pesados. Minha respiração estava ofegante e
minha testa, molhada de suor.
Passei os olhos pelo local e respirei com tristeza ao reconhecer o local
deplorável que me encontrava. A luz solar adentrava pelas brechas das
madeiras, indicando um novo dia.
O lugar sujo e as marcas pretas no chão já não me apavoravam mais.
Nem os barulhos vindos do closet. Nem os passos pesados vindos do andar
de cima na calada da noite. Nada daquilo me assustava mais.
O pior era saber que ninguém iria me buscar. Eu podia ver através
daquelas brechas que os dias estavam passando, e eu definhando sem
comida ou água.
A porta de madeira se abriu. Meu coração se encheu de esperança ao
saber que o pesadelo poderia finalmente acabar. Mas a tristeza aumentou e
as lágrimas deslizaram pelas minhas bochechas quando Jessebelle adentrou
o quarto, olhando tudo com nojo e desprezo. Pela primeira vez senti o local
ficar cheiroso, com o seu perfume.
Ela se aproximou com um sorriso grande. Em sua mão havia um
enorme copo com água, alegrei-me por saber que havia humanidade nela.
— Está com sede, mendiga?
Mendiga...
Foi como uma faca sendo cravada no meu peito. É. Eu deveria mesmo
estar parecendo uma mendiga.
Apenas balancei a cabeça positivamente.
— Eu quero ouvir de sua boca.
— Esse é o máximo que você consegue fazer? — ri.
Ela estreitou os olhos.
— Matteo me ama. E você está sendo uma pedra no nosso sapato.
— Pode ficar com ele para você. Vá até o chefe e o convença. — Dei
de ombros.
— Uma pena que não é tão fácil quanto parece. — Ela pegou uma
mecha do meu cabelo. — Você quer essa água?
Assenti ingênua.
— Estou com sede — balbuciei
Jessebelle então se abaixou, ficando da minha altura. Estendeu o copo
na minha direção e, quando fui pegar, rapidamente o afastou, gargalhando.
— Não tão rápido. — Parou de sorrir e me encarou séria. Em seus
olhos havia perversidade. Ela me odiava sem eu ter feito nada. — Diga-me,
o que você é?
Olhei para ela confusa. Minha cabeça doía muito e eu mal conseguia
enxergá-la. O que ela queria que eu dissesse?
Ela se levantou e caminhou pelo cômodo. O barulho do seu salto em
atrito com o piso de madeira aumentou minha dor de cabeça.
— Eu sou Anna Guerrieri, embora você não concorde. Ninguém além
de Deus e Riccardo pode mudar esse fato.
Jessebelle ficou com raiva. Mesmo Matteo me deixando presa a pedido
dela, parecia pouco. A mulher queria me atormentar sem eu ter feito nada.
Eles não poderiam simplesmente viver esse romance e me deixar em paz?
— Você é uma pobre coitada que foi espancada pelo falecido marido e
que agora está sendo mantida em cárcere privado pela amante do atual
marido. Eu pedi uma prova de amor ao Matteo, e ele me deixou ficar aqui
de olho em você.
Eu não tinha palavras para descrever a dor que vi em seu olhar. Não
era culpa minha ela estar passando por momentos ruins ou por ter se
sujeitado ao papel de amante mesmo sabendo que não iria além disso, a
menos que eu morresse.
— Fui educada para ser mais do que amante, Anna. Sinto muito, mas
não posso continuar sendo apontada como a concubina do Capo.
— Vai me matar? Eu nunca te fiz nada. Nunca me importei com o
relacionamento de vocês.
Eu até podia entender um pouco da dor dela, afinal a máfia não nos
dava escolha de vida melhor. No entanto, o que aprendi era que eu era uma
vencedora por ter chegado até ali. Nunca segui as regras por querer, e sim
porque fui obrigada como qualquer mulher.
Ser mulher na máfia era muito diferente do que filmes, revistas e
jornais pintavam. A cada dia nós morríamos um pouco. Maridos
alcoólatras, mulherengos, agressivos, machistas e inúmeros defeitos, que
sugavam nossas energias. Eles eram como um câncer, corroendo aos poucos
e tomando cada parte de nós. Mas eles também eram movidos por um
sistema rigoroso, e, no fim, nenhum de nós tinha escolha, já que ninguém
sai vivo da máfia.
Jessebelle recuperou a pose e sorriu satisfeita. Era isso: ela queria ver a
esposa do Capo derrotada diante dela. Há pessoas que para se sentirem
superiores tendem a diminuir as outras. Lamentável.
Ela me estendeu o copo, e eu peguei rapidamente, com as mãos
trêmulas. Virei o líquido de uma só vez e ele desceu queimando minha
garganta. Na verdade, era vinagre com sal e não água.
Minha boca começou a salivar e eu vomitei no chão. Jessebelle
começou a rir da minha decadência e burrice.
— Vamos ver até onde dura essa sua pose de boa moça.
Mesmo depois de tudo, como ainda pude confiar nela? Mas a resposta
me confortava. Eu estava cega de sede.
Ela caminhou até a porta, e antes de sair olhou para mim:
— Voltarei aqui apenas para buscar seu cadáver.
Com isso, ela se foi, deixando um gosto horrível na minha boca.
Deixando também uma sensação horrível de desespero. Encolhi-me no chão
e deixei as lágrimas caírem. Eu estava tão fraca, tão perdida.

Estava quase dormindo de novo quando a porta de madeira foi aberta


bruscamente, batendo com violência contra a parede. O som estava longe e
meus olhos estavam pesados, mas pude ver com dificuldade a figura de um
homem alto se aproximando de mim.
— Anna...
Alguém me sacudiu, mas não consegui manter meus olhos abertos.
— Sua vagabunda... Olha o que fez no chão!
Olhei para a sujeira no chão. Eu não aguentei fazer sexo oral em
Antônio e acabei vomitando no tapete do quarto. Tentei pedir perdão, mas
ele me agarrou pelos cabelos e esfregou minha cara no vômito, me
mandando engolir tudo de volta. Depois bateu com minha cabeça na ponta
da cama.
Todos os dias era o mesmo inferno...
— Vem me chupar de novo... Mas se vomitar dessa vez, vou enfiar
bem gostoso no seu cu. — Ele puxou meus cabelos.
Comecei a me debater para tentar sair dos braços dele, mas seu aperto
estava firme nos meus braços, me imobilizando e me apertando contra algo
macio.
— Anna... Abra a porra dos olhos!
Eu abri. Meus olhos estavam embaçados devido às lágrimas. Foquei
no teto branco e no rosto de... Riccardo.
Riccardo?
Pisquei os olhos absortos, achando ser miragem da minha cabeça.
Riccardo estava diante de mim com uma expressão indecifrável.
— Riccardo? Onde estou?
— Você desmaiou quando entrei naquele quarto. Então eu a trouxe
para o hospital.
— Eles... Eles... Estão tentando me matar — sussurrei segurando firme
na mão dele.
— Me larga, porra! Está me arranhando. — Ele puxou o braço
bruscamente, e eu caí no chão. Aproveitei para arrancar a agulha que estava
no braço e corri até ele. Ainda de joelhos e com a visão embaçada pelas
lágrimas, segurei em suas pernas e implorei... Era minha última esperança.
— Por favor... Eu não quero continuar casada com o Matteo. Ele e
Jessebelle vão me matar. Ajude-me, por favor... Se quiser pode me mandar
para a casa de prostituição, não me importo. — Abracei suas pernas.
Ele me tirou do chão e me sacudiu várias vezes até eu me acalmar e
focar em seu rosto.
— Anna — gritou. — Acalme-se.
Concordei rapidamente, balançando a cabeça várias vezes. As lágrimas
grossas continuavam escorrendo e molhando toda minha face.
Respirei fundo e o soltei.
— Anna, eu já avisei ao Matteo sobre o que Jessebelle estava fazendo
com você. As coisas saíram do controle e meu irmão está muito
envergonhado.
Engoli em seco.
— Preciso sair agora para resolver alguns assuntos, espero que esteja
mais calma quando eu voltar. — Ele ajeitou o terno e caminhou até a porta.
Quando saiu, o pânico me dominou. Matteo viria até mim... Eu era a mulher
dele! E ele viria me buscar.
O choro alto rompeu minha garganta. Abracei meus joelhos.
Algumas enfermeiras entraram no quarto e me arrastaram para a cama.
Colocaram outra agulha no braço. Não protestei, apenas deixei que elas
fizessem seu trabalho. Abaixei a cabeça e me preparei para o meu destino.
Riccardo nunca iria perder seu tempo comigo.
— Durma, senhora... O chefe colocou soldados do lado de fora para
fazer sua segurança — uma das enfermeiras falou enquanto acariciava
minha cabeça. — Ninguém tem permissão de entrar.
Fechei os olhos e solucei novamente. Seria Deus me ajudando?
Estava cansada de sofrer. Cansada de comer o pão que o diabo
amassou. Estava cansada de viver atormentada pelos meus fantasmas do
passado. Há muito tempo não sabia o que era uma boa e tranquila noite de
sonho, sem ter Antônio me perturbando com as lembranças de suas
maldades.
Até quando, meu Deus?
Aos poucos a sonolência foi tomando conta de mim.

Ao abrir os olhos novamente, pisquei diversas vezes tentando me


acostumar com a claridade do quarto branco. Minha cabeça latejava forte
lembrando do inferno que vivi nos últimos dias.
— Senhora Guerrieri, fico feliz que tenha acordado. — Vi a enfermeira
simpática se aproximar da cama.
Forcei um sorriso, mas logo as lágrimas desceram pelas minhas
bochechas, mostrando o quão infeliz eu estava. Por que diabos ninguém se
preocupava comigo? Eu não queria jogar a toalha e me entregar de vez à
depressão. Porém minhas forças estavam se esvaindo a cada dia.
Assustei-me. Enxuguei as lágrimas rapidamente e me recompus ao ver
Riccardo no quarto, sentado numa das poltronas, olhando para alguns
papéis em suas mãos. Sei que foi muito atrevimento da minha parte agir
daquela forma com ele... O chefe. Não havia outro jeito de pedir ajuda,
embora soubesse que não me resultaria em nada. Riccardo nunca deixaria
de ficar ao lado de seus irmãos. O maior exemplo foi quando negou o
divórcio para Alessandra e Fabrizio, a coitada teve que partir dessa vida
para viver em paz.
Com o divórcio, muitas coisas seriam evitadas, como o número de
mulheres mortas na máfia, que crescia absurdamente. Havia uma lei parcial
nos protegendo, mas que não se aplicava em muitos casos.
— Bom dia. — Engoli em seco ao me dar conta de que precisava
puxar assunto, saber da minha atual situação. Saber se haveria chance de
Matteo e eu nos divorciamos.
Sendo como era, ele não iria me responder. E foi exatamente o que
aconteceu. Riccardo continuou analisando aqueles papéis, ignorando minha
presença no mundo. Porra, aquilo me doeu! Além de ser irmã da mulher
dele, também carregava seu sobrenome.
— Cadê... minha irmã? — balbuciei achando estranho Laura não ter
vindo me ver. Certamente já deveria estar deitada junto comigo na cama,
contando suas piadas. Como sentia sua falta! Falta dos seus sorrisos, de
suas piadas fora de hora. Sentia muita falta.
Riccardo se levantou da poltrona e minha mente entrou em curto-
circuito. A fama cruel de Riccardo tomava os solos da Itália, diziam que
ninguém conseguia prever suas ações. Os Guerrieri carregavam a fama de
impiedosos. Eles não eram confiáveis.
— Bom dia... Anna. — Ele se aproximou. Seus olhos sem emoção me
avaliaram com atenção.
Dei um leve aceno com a cabeça.
— Você quer se divorciar de Matteo? — Colocou as mãos no bolso da
calça. — Por quê?
Ele quem me tirou daquele lugar deplorável... então deveria entender
meus motivos.
— Matteo ama outra mulher. Tentou me matar para ficar com ela. Ele
quer ser feliz ao lado dela.
— Entendi — Fez uma pausa. — Primeiro: ele não tentou matar você.
Por ciúmes ou sei lá que merda deu na cabeça dele, ele quis te punir quando
te trancou naquele quarto. Mas as coisas saíram de controle quando a
amante dele pediu para se envolver. Segundo: Matteo não a ama, está
apenas confuso como sempre. Meu irmão precisa crescer, e eu sei que vai
ser uma caminhada longa até lá. Tenho certeza que ele gosta de você, mas
ainda está de birra. A culpa é minha.
— Como pode ter tanta certeza? Jessebelle disse que queria me ver
morta. Foi uma prova de amor que pediu ao Matteo... E ele concedeu. Por
Deus, precisa me divorciar dele antes que aconteça algo pior.
Riccardo respirou fundo, passando a mão pelo rosto.
— Tenho certeza, eu o criei. Conheço os passos de cada um deles. Não
existe divórcio na Máfia, Anna. Devo lembrá-la disso.
— Existe... Se o chefe quiser — Engoli em seco. — Quem em sã
consciência iria contra, se o senhor o fizer? — murmurei. — Já se divorciou
uma vez, não?
Sim... Eu havia enlouquecido.
Para o meu alívio, Riccardo não se sentira desconfortável com o meu
questionamento.
— Apesar de ter me divorciado de Catarina, não o concedi a mais
ninguém. Naquela época me vi em uma situação complicada, não podia
estar casado com duas mulheres.
Engoli em seco. Abaixei a cabeça e lamentei baixinho. As razões dele
eram óbvias. Na época que Catarina apareceu, Laura estava grávida de
gêmeos.
— Por favor... — supliquei-lhe. Eu já não tinha mais argumentos.
Sofrimento no casamento, para a máfia, não é motivo de divórcio. —
Matteo me odeia.
Ele me avaliou por um tempo. O silêncio, que pareceu durar horas, se
apoderou do quarto. Minhas mãos suavam só de imaginar que eu poderia,
finalmente, estar livre daquele pesadelo. Livre de Matteo e fora do seu
caminho.
Riccardo andou até a mesa. Pude reparar na pilha de papéis que se
encontrava ali. Ele voltou a se sentar na cadeira, dessa vez abrindo uma
pasta e olhando alguns papéis. Novamente o silêncio se fez presente. Meu
coração batia em demasia e minha respiração estava ofegante.
O que ele estava lendo? Teria um dossiê sobre mim em suas mãos?
Rapidamente lembrei-me do que fiz e senti meus ossos congelarem. Foi
como se tivessem drenado todo sangue do meu corpo.
— Tem algo sobre você que me deixou curioso. — Ele deixou a pasta
de lado e apoiou os braços sobre os joelhos. — Você é formada em
Contabilidade. Como conseguiu, Anna? Como conseguiu se especializar
sem Antônio saber? Ou ele sabia? Qual foi o seu propósito? Por que passou
anos estudando em uma faculdade à distância sem ninguém saber?
Arregalei os olhos, apavorada. Não havia mais como guardar esse
segredo. As mulheres nunca poderiam esconder isso de seus maridos. Ainda
mais uma mulher da máfia, se especializando em controles financeiros.
— Sempre foi meu sonho... Me apeguei a isso para não cometer uma
loucura. Antônio nunca parava em casa. Não me formei para prejudicar
ninguém.
Ele se encostou na cadeira e me avaliou, esperando que eu continuasse
explicando.
— Sempre tive muita responsabilidade e ética. Nunca gostei de me
enfiar em shoppings e gastar o quanto podia. Sempre tive afinidades com
números, desde pequena. Foi um sonho que cresceu dentro de mim. Eu
sempre fui diferente da maioria das mulheres, embora ninguém tenha
enxergado. Eu só corri atrás do meu sonho mesmo sabendo que nunca
poderia colocá-lo em prática. Claro, antes de eu ver a conta bancária de
Antônio chegando no vermelho...
— Nunca é uma palavra muito forte. — Respirou fundo. — Antônio
começou a me roubar. E você sabia.
— Sim. Tentei conversar com ele sobre os gastos. Mas... Acabei sendo
espancada e fiquei dois dias desacordada. Sinto muito pelo roubo, mas eu
não poderia falar nada. Ele iria me matar.
— Mortos não fazem mal a ninguém, Anna. Antônio não teria chances
de fazer nada contra você. Mas eu entendi você.
— Também tinha meu pai. Ele sempre se orgulhou de mim por ser a
esposa perfeita. Papai gostava de mulheres vazias, por isso sempre odiou
Laura. Minha irmã nunca negou sua vontade de ser pianista. Mas eu tive
que ficar pelas sombras reprimindo meus sonhos.
Riccardo me olhou profundamente.
— Toda vez que me lembro do mal que Giacomo fez à sua irmã, tenho
vontade de ressuscitá-lo somente para mandá-lo de novo ao inferno.
Engoli em seco.
— Eu sempre protegia Laura, escondendo-a dentro do guarda-roupas.
Papai chegava em casa bêbado querendo bater nela...
— Não quero ouvir mais. — Levantou a mão. — Saber que eu também
fiz mal a ela, não me deixa orgulhoso.
Assenti. Era ruim lembrar do quanto Laura sofreu nas mãos do papai.
Pelo que parece, Riccardo se arrependia amargamente pelo que havia feito
com Laura.
Riccardo me entregou um livro grosso. O olhei confusa.
— Acha que está apta para fazer uma avaliação que pode comprovar
desvio ou má utilização de recursos financeiros?
Concordei abrindo o livro e dando de cara com alguns erros.
Provavelmente irei encontrar muitos deles após uma avaliação completa.
Porém, o mais estranho era o fato de Riccardo me pedir isso. Com que
propósito? Bem, não cabia a mim questionar nada. Certamente faria um
bom trabalho e não iria decepcioná-lo.
— Consigo ver erros na primeira página.
Ele riu, convencido.
— Eu sei. Identifiquei alguns erros, mas não consigo lidar com tudo
sozinho. Se eu colocar esse livro em ordem meu tempo ficará escasso.
Fabrizio virou um alcoólatra, Matteo está em outro mundo. Não quero
envolver ninguém nisso.
— Posso resolver — falei.
— Espero que sim. O livro é do seu irmão, Giovanni. E se for
confirmado que está roubando a Máfia, colocarei uma bala na cabeça dele.
Sem hesitar.
Abri a boca perplexa. Meus olhos começaram a marejar. Eu não
acreditava que Giovanni tinha feito uma burrada daquela. Laura ficaria
arrasada.
— Mas... — minha voz não saiu.
— Entende quando digo que ninguém deve saber? Será vergonhoso ter
um cunhado traidor. Então, Anna, espero que dê o seu melhor e me
surpreenda. — Ele se levantou da cadeira. — Nenhuma outra mulher teve
essa oportunidade, e você está tendo. Espero que não seja burra em
desperdiçar.
Um soluço rompeu minha garganta. As imagens de Giovanni sorrindo
preencheram meus pensamentos. De qualquer forma, meu irmão seria
abatido como gado. Mas eu tinha que pensar em mim. Todos fizeram suas
escolhas, ninguém rouba a máfia e sai ileso. Com Giovanni não seria
diferente. Iria doer? Sim, e muito. Mas não havia alternativa.
— Tudo bem — balbuciei. — Mas e quanto ao divórcio?
— Não é troca de favores, dei uma ordem a você e exijo que cumpra.
— Por favor — supliquei.
Ele colocou as mãos no bolso da calça enquanto estreitava os olhos
para mim, como se buscasse algum ponto fraco. Riccardo apesar de ser um
homem cruel, esbanjava elegância em um terno caro feito sob medidas.
— O casamento foi consumado?
Senti minhas bochechas queimarem de vergonha. Balancei a cabeça
em negativa.
— Não.
— Entendi. — Coçou a cabeça. — Matteo sempre evitou qualquer
espécie de contato físico ou sexual com você? Sei que é constrangedor, mas
preciso que seja objetiva.
— Sim — respondi, ainda mais envergonhada. — Matteo nunca tocou
em mim para...
— Certo. Nesse caso poderei fazer a anulação desse casamento. No
entanto, devo ressaltar que você retornará à casa de sua mãe e, sob hipótese
alguma, poderá se envolver em confusão.
Pela primeira vez eu sorri de felicidade.
— Obrigada.
— Resolva o que pedi. Entrarei em contato com você para saber o
andamento. Conto com sua descrição?
— Sim.
— Ótimo.
— Posso ao menos contar a Laura?
Ele arregalou os olhos.
— De jeito nenhum. Se esse assunto chegar no ouvido dela... —
trincou o maxilar — Corto sua língua e depois, mato você.
Concordei rápido. Ele ajeitou o terno e antes que ele saísse do quarto,
eu o chamei. Riccardo se voltou para mim, sério e impaciente. Certamente
já havia perdido muito tempo comigo.
— Posso retornar hoje à casa de minha mãe?
Queria ter perguntado muitas coisas sobre Laura, mas certamente ele
não iria responder.
— Pode.
Cheguei à mansão. Os Soldados de Riccardo entraram comigo para
pegar minhas coisas e levar para casa da minha mãe. Eu estava de
mudança! Aquilo parecia um sonho. Minha vida iria mudar a partir dali. Os
meus sonhos seriam colocados em prática.
Peguei minha foto sobre a escrivaninha. Lá estava eu, Laura e mamma,
no dia do meu casamento com Matteo. Nós três sorrindo com alegria.
Coloquei o retrato com cuidado na bolsa. Fui até o closet e joguei
minhas roupas dentro de algumas malas. Os soldados levaram para o carro.
Finalmente estava me livrando da vida miserável? A sensação de liberdade
atravessou meu peito, sorri como criança.
A vida é difícil. Para conquistarmos alguma coisa temos que abrir
mãos de outras. Mamma e Laura com certeza ficariam tristes quando
soubessem da sentença de Giovanni. O pior é ter que esconder delas, mas
eu não tinha opção.
— Senhora Guerrieri... Está tudo no carro. O chefe nos informou pelo
rádio que o senhor Matteo está vindo para casa. É melhor sairmos daqui
antes que ele chegue e crie confusão.
Saí do estado de estupor. Peguei o restante das minhas coisas e segui
os soldados até o carro. Eu estava finalmente saindo de casa e da vida de
Matteo.
Jessebelle e Matteo finalmente poderiam ser felizes.
Só não entendia por que isso me doía tanto.
Talvez fosse o fato de invejar um amor verdadeiro, aqueles dos filmes.
Podia não parecer, mas era frustrante saber que, sob hipótese alguma,
experimentaria essa sensação. Nunca saberia como é ser amada por um
homem de verdade.
Será que eu nunca teria a oportunidade de saber como é sentir prazer?
Entrei no carro e fechei os olhos, sentindo o cheiro de liberdade. A
minha liberdade.
Você merece, Anna.
Estacionei em frente ao apartamento de Jessebelle e endireitei o terno
antes de tocar o interfone. Seus olhos expressivos me avaliaram curiosos,
sem saber o que eu estava fazendo ali àquela hora do dia.
— Não esperava você. — Ela sorriu abrindo passagem.
— Não vim para ficar. Vim apenas deixar claro que essa sua guerra
descabida com minha esposa tem que acabar — bufei. — Eu sou o capo,
Jessebelle. Tenho obrigações a cumprir.
Ela estreitou os olhos, estranhando a maneira bruta que falei. Talvez eu
já não me importasse tanto assim com ela. Jessebelle sempre me pareceu
inalcançável, e agora que a tinha a hora que quisesse, não me parecia tão
especial quanto eu pensava.
— O que mudou? — Cruzou os braços. — Você nunca se importou
com ela.
Esse era o grande problema. Nem eu estava conseguindo me entender
mais. Algo dentro de mim estava mudando em relação a Anna. Talvez a
obrigação de fazer meu casamento dar certo estivesse me fazendo rever
meus conceitos. Talvez ter investido tanto no meu relacionamento com
Jessebelle não tivesse sido produtivo, uma vez que ela conseguia me
manipular com os seus joguinhos.
— Só vim pedir que deixe Anna em paz. Ela não é e nunca foi um
problema.
— Não acredito que veio até aqui somente para me dizer isso —
chorou. — Não acha que a humilhação de ser sua amante é pouco?
— A da minha esposa também é. Ou você acha pouco o fato de eu não
poder tocá-la diante de um juramento besta que fiz a você?
Ela abriu a boca em choque. E antes que ela começasse a chorar mais,
dei-lhe as costas, sem mais nem menos. Um dos meus soldados abriu à
porta do carro para que eu entrasse, mas fiz sinal para ele esperar quando
meu celular tocou dentro do meu bolso. Era novamente Riccardo, meu
tormento. Era difícil eu tentar andar com minhas próprias pernas quando o
tinha colado nas minhas costas, parecendo aquelas mães histéricas.
Fechei olhos quando atendi a ligação e esperei que ele começasse a
reclamar.
Quando mamma abriu a porta de casa, me joguei em seus braços aos
prantos. Por alguns instantes ignorei seu semblante confuso e permiti-me
sentir o seu calor acolhedor. Ela me puxou para dentro e nos sentamos no
sofá. Apoiei minha cabeça no seu colo e deixei as lágrimas escorrerem
molhando meu rosto, levando embora um pouco da tristeza que assolava
meu coração.
A dor excruciante esmagava meu peito, sufocando-me. Uma luz no
fim do túnel acendeu para mim, iluminando meu caminho escuro. Ansiava
nunca mais passar pelo que passei.
Os soldados entraram depositando as malas na sala, saindo em seguida
sem dizer uma única palavra. Mesmo estando com os olhos fechados,
deduzi que mamma olhava para eles alarmada e assustada.
Suspirei calmamente e limpei as lágrimas.
— Vim novamente morar com a senhora.
Ela me olhou surpresa e seu corpo enrijeceu.
— O que aconteceu?
— Matteo ama outra e vamos nos divorciar.
Subitamente, mamma se levantou do sofá.
— O chefe concordou— fui rápida para tentar acalmá-la.
— Anna, querida, não há divórcio na máfia. Estão enganando você. —
Ela se aproximou de mim e tocou-me os cabelos, afagando-os
cuidadosamente. — Caso seja verdade... Acha que sairá livre como um
passarinho? Minha querida, um homem feito da máfia não deve ser
divorciado. Seria vergonhoso. Matteo Guerrieri não iria permitir tal afronta.
Fazia sentido. Porém havia coisas por trás disso e que mamma não
fazia ideia: o trato que fiz com o chefe poderia causar a morte de Giovanni
caso fosse confirmado o roubo. E, estando casada com Matteo,
praticamente seria impossível colocar o livro de contabilidade em ordem.
Nesse caso, o divorcio seria viável para eu poder trabalhar em paz.
— Não vamos pensar nisso por agora. — Sorriu abertamente tomando
o controle de suas emoções. — Tome um banho quente e venha tomar uma
sopa deliciosa que estou preparando. Ao menos, ficarei feliz de não estar
mais sozinha.
Concordei.
— Vou comer a panela toda.
Nós duas gargalhamos.
— Oh... Então faça isso já.

O banho foi gostoso e revigorante. Meu quarto estava com cheiro de


mofo, mas tudo estava do jeito que deixei: os pôsteres de bandas de rock
favoritas — agora deterioradas pelo tempo — ainda enfeitavam a parede.
Os discos de vinil ainda organizados com esmero. O primeiro da pilha era o
último álbum do John Lennon, lançado três semanas após ele ser morto por
um fã.
Tudo estava exatamente no mesmo lugar.
A solidão que dominava o lugar era tão sufocante. Cada canto da casa
trazia nostalgia. Como estaria o quarto de Giovanni, então?
— Querida. — Mamãe abriu a porta e olhou tudo com atenção. Seus
olhos emotivos brilharam. — Não me sinto bem... Preciso deitar-me um
pouco.
Olhei para suas mãos ao ver um objeto brilhoso, era o celular. O
celular que ficava grudado a ela esperando uma única ligação dos outros
filhos. Mas ninguém ligava. Ninguém se importava com ela, e isso estava
me irritando.
Ajudei mamma a se deitar na cama, cobri seu corpo com o cobertor
grosso e fechei as cortinas. Ela sorriu e fechou os olhos. Apaguei as luzes e
retirei-me do quarto, fechando cuidadosamente a porta.
O vento gélido arrepiou os pelos do meu corpo. A noite foi caindo e o
sol se escondendo atrás das montanhas vastas. E eu continuei sentada de
frente para a janela, colocando o livro de contabilidade em ordem. Cada
erro fazia meu coração se despedaçar... Não era possível que Giovanni fosse
tão ingênuo ao ponto de cometer erros grotescos de cálculos. Demasiados
desvios de verbas. Havia borrões e rasuras sem ressalvas relativas ao erro.
Não havia datas ou assinaturas.
Mas por que roubar se sabia que um dia seria descoberto? Não fazia
sentindo. Fechei o livro e pressionei as têmporas com os dedos, minha
mente estava exausta. O sono atingiu-me em cheio. Guardei o livro na
gaveta da escrivaninha e deitei na cama. Fiquei por um tempo observando
a paisagem até ser dominada pelo sono.

Acordei assustada com o barulho do vento. A janela de madeira batia


forte contra a parede, causando um barulho alto. O quarto estava
completamente escuro.... Tive a sensação de não estar sozinha, até que
meus olhos desviaram para uma sombra sentada na cadeira.
O frio congelante percorreu minha espinha. Esfreguei os olhos
imaginando ser miragem, minha cabeça pregando alguma peça.
Mas não, não era!
O vulto se mexeu na cadeira colocando algo no chão. A silhueta se
levantou e começou a caminhar em minha direção. Meu corpo congelou e
meu coração disparou.
Parecia o formato de um homem.
— Socorro — reuni todas as forças para tentar gritar, mas a sombra foi
mais rápida em se aproximar e, rapidamente, tampou minha boca. O grito
ficou abafado. As lágrimas deslizaram por minha face.
— Cale a boca — a voz grossa rosnou.
Mesmo com a mente confusa, pude reconhecer que era a voz de
Matteo. Seu cheiro amadeirado típico de perfume masculino o denunciava.
Ele me soltou de repente.
— Matteo? O que faz aqui? — perguntei-lhe ainda atordoada.
— Como assim? È claro que sou eu. Por caso há outro homem
frequentando seu quarto?
Ouvi seus passos pelo quarto e logo a luz foi acesa, assim sendo, pude
vê-lo com nitidez.
— O que está fazendo aqui? — reforcei a pergunta.
— Desde quando preciso dar satisfação para entrar no quarto da minha
mulher? — Ele fechou os olhos. — Primeiro você dança com outro homem
na minha frente, agora isso?
— Não me venha com essa, eu não sou sua mulher. Não dancei com
outro na sua frente, já que você estava no banheiro com aquela...
— Sim, você é minha esposa. Há uma porra de documento
confirmando isso. Não me importa a quem tenha recorrido... A decisão é
minha. Arrume suas coisas, iremos retornar para casa.
— Vejo que a notícia correu rápido até você.
O que ele pretendia? Manter-me ao seu lado para me humilhar ainda
mais? Chega! Não vou ser mais o tapete de ninguém.
— Não somos mais casados. Não devo mais nada a você. Faça o que
quiser com sua vida, você está livre agora.
Seus olhos se arregalaram.
— Anna... — Aproximou-se.
— Acabou, Matteo. Riccardo anulará nosso casamento.
— O que disse a ele? — falou baixo.
— A verdade — engoli em seco. — Que nosso casamento nunca foi
consumado... Você está livre para viver com Jessebelle. Não era isso que
você queria?
Matteo arregalou os olhos novamente enquanto passava a mão pelos
cabelos.
— Então esse sempre foi o problema? A consumação do casamento?
— Ele começou a arrancar o terno. Virei o rosto temendo o plano diabólico
que passava pela mente dele. — Realmente fui burro quanto a isso. Eu não
quis transar com você para não lhe dar esperanças, mas vejo que fui burro.
Você sempre quis meu pau dentro de você, assim como eu sempre quis
sentir o calor da sua bocetinha em mim.
— É muito tarde para voltar atrás.
— Não é, não. Sinto muito pelo que Jessebelle fez a você. Ela não vai
mais incomodar. Prometo.
— Não finja que se importa. Você nunca tocou em mim, Matteo. Posso
não ser atraente para você, mas vejo como os olhos de seus soldados ardem
quando olham para mim.
Em questão de segundos o corpo grande dele estava sobre o meu.
Matteo enfiou a língua na minha boca. Tentei me desvencilhar, porém ele
segurou meu rosto, impossibilitando qualquer ação minha. Suas mãos
desceram para minhas pernas, afastando-as.
— Não é, hein? Você me atrai.
— Me solta! — gritei. — Você teve tempo para tentar me conquistar
— debochei. — Sua amante não te satisfaz mais?
Ele segurou meu rosto entre as mãos, olhando-me profundamente.
— Você não deveria ter falado da nossa intimidade para o meu irmão.
Não se envergonha disso?
Matteo não deixou espaço para questionamentos. Sua boca avançou
novamente sobre a minha, a língua faminta circulando meus lábios. Senti
meu corpo tenso, minha visão, turva.
— Eu não quero te machucar, Anna — ele sussurrou no meu ouvido.
— Deixe-me prová-la pela primeira e última vez, saciar esse desejo que
vem crescendo desde quando a vi sem roupas no banheiro. Desde então,
você não saiu dos meus pensamentos. Agora sabendo que vamos nos
divorciar, estou louco. Deixei tudo e vim correndo para cá.
Meus pulsos estavam presos em suas mãos, meu corpo afundava no
colchão devido ao peso de seu corpo sobre mim. Meus pensamentos
estavam confusos. Ele queria brincar? Queria saber qual seria meu gosto?
Pois eu também queria prová-lo. Saber como tê-lo para mim, queria deixar
marcas nele para que Jessebelle pudesse vê-las.
Não me intimidei. Se fosse para ser uma única transa decente que eu
teria na minha vida, então que fosse do meu jeito. Eu teria Matteo Guerrieri
na minha cama.
Tirei minha calcinha e abri minhas pernas para ele, mostrando que eu
estava no comando. Que eu era tão fogosa quanto outras mulheres eram.
Ele arregalou os olhos quando viu minha intimidade completamente
exposta.
— Meu Deus — ele murmurou rouco. — Você é mais linda do que
pensei.
— Sem sentimentalismo, Matteo. Vamos! Apenas uma transa e nada
mais. Ninguém pode saber sobre isso. Temos um acordo?
— Feito.
O pênis dele foi entrando lentamente dentro da minha vagina, ficando
um tempo parado... Senti arrepios quando sua barba roçou em meu pescoço
e sua boca sugou a pele exposta.
Matteo começou o vai e vem, devagar. Seu pênis estava todo fora de
mim quando ele começou a meter forte e fundo... tocando meu útero.
— Caralho... Você é gostosa, Anna.
E porra! Mesmo eu estando com raiva, minha vagina começou a latejar
e umedecer. Em questão de segundos eu estava gemendo alto, sentindo
Matteo metendo seu membro forte em mim. O corpo dele chocava-se contra
o meu.
Não passei vontade e ergui os quadris, rebolando. Apertei os lábios e
segurei o tesão que inflamava minhas veias... Pela primeira vez, eu não
estava sendo violada.
Quando a mão de Matteo liberou meus pulsos, peguei o abajur do lado
da cama e tentei atingi-lo em cheio na cabeça. Mas, Matteo segurou minha
mão, mantendo o objeto no ar. Suas estocadas tornaram-se mais firmes e
fortes... raivosas. Meu corpo balançava devido à força do seu corpo contra o
meu, a cama rangia e meus seios balançavam.
A única coisa que restou foi entregar-me à onda de prazer... que veio
alucinógena; estremecendo meu corpo em espasmos loucos. Matteo gemeu
alto caindo sobre mim. Nossos corpos se encaixavam como um elo.
Nós não transamos apenas uma vez naquela noite, transamos mais de
uma vez nos entregando como dois adolescentes descobrindo o sexo pela
primeira vez.
O que fizemos foi real?
Meus olhos pensaram, e então me entreguei ao sono; tendo a sensação
do seu corpo quente sobre o meu.
Antes de apagar completamente, pude ouvir a voz de Matteo distante.
— Eu sabia que poderia me viciar caso eu tomasse você para mim.
Ele afagou meus cabelos.

Tomei mais um gole de uísque pensando na merda que minha vida


havia se tornado nos últimos anos. Sempre fui feliz em ser mulherengo,
dormir com inúmeras mulheres sem dar satisfação a ninguém. Minha vida
era perfeita. Frequentar baladas e beber até o dia amanhecer era um ofício
para mim.
No entanto, agora me encontrava sentado no bar sozinho enchendo a
cara, vendo olhares curiosos direcionados a mim.
Filhos da puta!
Todos sabiam que eu havia quebrado um dos mandamentos da Máfia
ao manter minha mulher em cárcere privado depois de um descuido meu ao
deixá-la sozinha naquela festa para atender ao pedido da minha amante. Eu
falhei como marido ao deixar outro homem se aproximar dela.
Sempre repudiei violência contra mulheres. Crescer num ambiente
hostil me fez odiar esses comportamentos agressivos. Nunca quis ser igual à
maioria dos homens da Famiglia, que não hesitariam em tirar a vida de suas
esposas inventando um monte de merdas e jogando a culpa nelas. Mas...
estive por um triz de fazer o mesmo com Anna, vê-la com outro ativou meu
ciúme.
Tudo isso por quê? Por causa de uma boceta manipuladora. Boceta de
amante que nunca deveria vir em primeiro lugar. Meus irmãos me
alertaram, dizendo que Jessebelle iria me afundar.
Riccardo seguia meus passos e sabia perfeitamente as merdas que eu
estava fazendo. Ele jogou na minha cara que eu não servia para nada, nem
mesmo para consumar meu casamento e dar herdeiros à máfia. Por isso, ele
estava abrindo uma exceção ao me divorciar de Anna.
Eu não havia consumado o casamento. Nem mesmo me lembrava que
isso dava merda na máfia, não importava a diferença entre o casal, mas o
casamento sempre deveria ser consumado.
O pior foi ter chegado em casa e perceber que Anna já havia ido
embora para a casa de sua mãe. Haviam soldados por toda parte fazendo a
segurança dela a pedido de Riccardo.
Estava certo que eu fui um merda como marido, casei com Anna
tomado por raiva e achei que, de alguma forma, ela deveria pagar pelas
minhas frustrações. Só que anos mais tarde percebi que era eu quem estava
pagando. Estava levando adiante um relacionamento proibido apenas
porque desonrei Jessebelle. Ela estava envergonhada perante a máfia, e eu
estava ao seu lado porque não queria que ela se sentisse mal. Ela usava esse
meio para me manipular...
Talvez soubesse que Anna estaria em casa sempre que eu precisasse.
Era como ter uma propriedade em meu nome. Uma zona de conforto
quando algo desse errado e tivesse onde me refugiar.
Agora não tinha mais nada. Nem mesmo a mais doce das mulheres. A
esposa perfeita aos olhos de muitos. A verdadeira esposa modelo da máfia.
O verdadeiro troféu.
Lembrei-me da época que alguns homens da Famiglia estavam loucos
para casar com ela. Anna era radiante com sua beleza estonteante. Estava na
flor da idade. Giacomo tinha orgulho dela, dizia que pela maneira como
fora criada, nunca iria interferir nas merdas da máfia, nem dar dores de
cabeça.
Ele tinha razão.
Anna nunca me questionou sobre esses meses que estive fora. Nunca
reclamou das humilhações que a fiz passar na frente de Jessebelle. Nem me
respondeu antes do casamento quando a ameacei para desistir de tudo.
Merda!
O vento estava soprando contra mim, trazendo nuvens escuras sobre
minha cabeça desde o momento em que comecei a reparar na minha esposa.
Comecei a desejá-la quando a vi tomando banho. Foi a primeira vez
que a vi completamente despida sem aquelas roupas comportadas de freira.
Eu havia acabado de chegar de uma missão e estava com uma tremenda dor
de barriga. Entrei rapidamente no banheiro. A porta estava aberta e Anna
estava de costas lavando a intimidade, depois começou a massageá-la.
Fiquei louco.
Meus olhos desceram em sua bunda redondinha. Por ser magra, nunca
imaginei que seu corpo fosse tão curvilíneo e detalhado. A bunda
perfeitamente desenhada e bem empinada.
Aquela visão de seu corpo nu... deixou-me atordoado. Pensei em
invadir seu banho e saciar minha vontade de provar o corpo dela. Mas,
como um belo covarde, dei as costas e corri como o diabo corre da cruz.
Agora não era somente questão de honra, eu tinha mesmo que prová-
la.
Sentindo o ódio inflamar minhas veias, tirei o celular do bolso e tentei
ligar para Riccardo, pela milésima vez.
Estava quase desistindo quando a voz do maldito bastardo soou do
outro lado, com a respiração ofegante.
Estava fodendo enquanto eu estou na merda?
— O que você quer, Matteo?
— O que eu quero? Você só pode estar de brincadeira comigo. Minha
relação com Anna não interessa a você. Qual é a porra do seu problema?
Você não pode dar essa notícia e desligar como se não se importasse.
Minha cabeça estava dando voltas. Minha voz saiu alterada e
completamente arrastada.
Riccardo respirou fundo, tentando se controlar.
Foda-se! Bastardo de merda!
— Quando a irresponsabilidade com sua esposa começa a afetar a
Famiglia, o problema passa a ser meu. Eu realmente não me importo que se
enfie no meio das pernas de outras mulheres, mas saiba se comportar como
homem honrado, porra. Deixar Anna sozinha naquela maldita festa rodeada
de inimigos só porque sua amante mandou?
Onde eu estava quando deixei tudo aquilo acontecer? Enterrado na
boceta de Jessebelle.
— Caralho, Riccardo...
— Você não fode com sua mulher? Tá de sacanagem comigo? — ele
gritou. — Essa é a questão. Você está envergonhando a Famiglia e o nosso
sobrenome. Então ainda quer saber qual é a porra do meu problema?
— Quando você se casou com Laura, eu não me lembro de ter
perguntado se você consumou seu casamento. Então não vejo motivo para
você se envolver nisso. Se fodo ou não minha mulher, o problema é meu.
— Cala essa boca. Consumei meu casamento assim que cheguei em
casa. O sangue dela no meu lençol foi a prova viva de que honrei minha
função como marido. Você quer mais detalhe? Caí de boca nela na primeira
noite e pude sentir o gosto delicioso do deleite dela escorrendo na minha
língua. E quanto a você? Suponho que nem sabe o gosto que sua mulher
tem.
Ele riu, sabendo que tinha razão. Eu nunca tinha sentindo o gosto de
Anna, nem nunca a vi gozar.
Pressionei as têmporas com os dedos, minha cabeça já estava latejando
forte. Eu estava cansado de toda aquela merda.
— Eu nunca quis casar com Anna, você me obrigou. Tudo isso em
nome da máfia. Tudo pela máfia. Isso já está me cansando, Riccardo.
— O seu assunto com Anna já está resolvido. Ela não é mais um
problema seu. Então siga seu caminho, porra!
Passei a mão pelos cabelos.
Maldição.
— Você queria se casar com Jessebelle, não? Então tenho boas
notícias. Você já pode honrar o que acha que tirou dela e se casar como
queria. Vocês têm três dias para preparar o casamento.
— O quê? — gritei confuso. — Três dias... casamento...?
— Três dias — insistiu. — Antes que a barriga comece a parecer.
— Barriga?
— Ué, ela não está grávida? Presumo que você seja o pai dessa
criança. Eu esperava poder ouvir de você, mas em vez disso foi ela quem
procurou para dizer que está esperando um filho seu.
Segurei-me na cadeira para não cair. Não, isso não devia estar
acontecendo... Um filho? Não!
Por que Jessebelle não me disse?
Fiquei em silêncio. Eu não tinha mais argumentos. Estava
envergonhado de ser o último a saber.
Então era assim: eu fazia tudo pela maldita, e na sua primeira
oportunidade ela me apunhalava pelas costas?
— Vá para casa curar essa bebedeira e não me atrapalhe mais. Estou
com minha esposa e não tenho tempo para mais ninguém, muito menos para
suas merdas.
Ele desligou. Desabei no banco, afundando-me em mais bebidas. Eu
deveria ser o primeiro a saber da gravidez. Mas não.
Eu disse-lhe que o fato de ser pai me aterrorizava, mas ela passou por
cima disso. Assim como passou por cima da nossa cumplicidade. Se era
assim, eu também passaria por cima de toda merda que prometia a ela.
Joguei o dinheiro sobre a mesa e cambaleei até a saída.
— Quer ajuda, Capo?
Um homem com um meio sorriso me encarava. Certamente não queria
me ajudar, e sim me ridicularizar, visto que as fofocas na máfia corriam
rápido. A imagem de Anna dançando com aquele homem invadiu meus
pensamentos.
— Quero. — Tirei a arma da cintura e apontei para a cabeça dele. O
homem parou de sorrir e engoliu em seco. — Segura essa bala para mim.
Apertei o gatilho. O tiro saiu certeiro, encontrando a testa do homem,
que caiu de cara no chão, sofrendo espasmos devido ao dano cerebral. Logo
o sangue começou a escorrer, formando uma poça ao redor de sua cabeça.
Ótimo! A visão do paraíso.
Ordenei a um soldado para limpar a sujeira.
— Mais alguém quer me ajudar?
Todos rapidamente voltaram para suas respectivas rotinas. Ótimo! É
assim que eu gosto.
Trôpego, adentrei o carro com ajuda de alguns seguranças e ordenei
que me levassem à casa da mãe de Anna. Mal consegui raciocinar. As
imagens na minha frente apareciam como um borrão. Provavelmente no dia
seguinte não me lembraria de nada.
O ódio crescendo em minhas veias me deixava inquieto. A ansiedade
de confrontar Anna me fazia praguejar a viagem longa. Aquela maldita
falou da nossa intimidade para Riccardo. Certeza!
— Capo, deseja parar em algum lugar para tomar café? — o soldado
sugeriu.
Café era tudo que eu menos queria naquele momento.
— Pare naquele bar e compre outra garrafa de uísque — ordenei.
O soldado saiu imediatamente e foi até o estabelecimento. Voltou
rápido, trazendo uma garrafa de Jhonnie Walker.
— Era o que tinha, senhor.
Abri a garrafa e virei o líquido âmbar. Tossi. Minha garganta queimou.
O corpo voltou a ficar entorpecido e calmo.
Eu precisava de algo que me desse o sabor da doce vingança... Eu iria
transar com Anna. Consumaria nosso casamento e mostraria para quem
quisesse ver que comigo não se brinca. Também daria ao meu corpo a
sensação de tê-la debaixo de mim pela primeira vez, saciaria a vontade
crescente de tê-la.
Saltei para fora quando o carro estacionou. Havia três soldados de
Riccardo na frente da casa, que tentaram me impedir assim que me
aproximei. Mas coloquei a mão na cintura mostrando o porte de arma. Eles
hesitaram.
Meus soldados tomaram a frente.
— Onde fica o quarto da minha esposa? — rosnei para um dos cães de
guarda do Riccardo.
Ele hesitou. Puxei a arma da cintura e apontei em sua direção. Estavam
ali por Riccardo, mas eu sabia que ninguém tinha ordem para atirar.
Amanhã com toda certeza assumiria as consequências impensáveis.
Riccardo comeria meu fígado... Mas que se foda!
Nós homens temos nossas artimanhas.
— Naquela janela aberta.
Olhei para o alto, vendo a janela de madeira. O quarto estava escuro e
isso iria facilitar minha entrada. Seria mais fácil entrar pela porta, mas eu
sabia que estaria trancada, e forçar chamaria atenção dos vizinhos.
Queria pegar Anna desprevenida.
Os meus soldados trouxeram uma escada pequena, mas que encaixou
perfeitamente na árvore que havia ali.
— Capo, não é melhor deixar a garrafa de Uísque conosco?
Não. Coloquei-a debaixo de um braço e com a outra fui segurando a
escada para subir.
— O vento está forte.
— Segurem a escada — mandei.
Estava quase no topo. Podia ver de perto a janela do quarto.
Coloquei a garrafa no parapeito, usei as duas mãos fazendo o possível
para alcançar a superfície. Comecei empurrando-me com as pernas e
prossegui, puxando-me para cima com os braços. Nesse processo pude
ouvir minha calça rasgando na bunda. Os risos dos soldados soaram alto lá
embaixo.
Logo joguei meu corpo para frente, caindo dentro do quarto, sobre a
cadeira, levando a garrafa de Uísque comigo.
O barulho alto fez Anna pular da cama. Completamente assustada.
Percebendo que iria gritar, corri o mais rápido que pude e cobri sua boca
com a mão.
Mesmo com a penumbra, pude ver seus olhos arregalados e
direcionados a mim. Algo dentro de mim acendeu com aquela cena. Mas
tratei de afastar qualquer merda. Estava ali por vingança e para limpar
minha honra com os meus irmãos.
— Cala a boca — rosnei com raiva.
Seu corpo foi suavizando em alívio. Mas a expressão em seu rosto
ainda aparentava surpresa. O olhar dela me queimava feito brasa...
Porra, tinha que parar de pensar naquelas merdas e tentar ser o mais
frio possível, senão o tiro sairia pela culatra.
Afastei-me dela.
— Matteo... O que faz aqui?
Eu ri internamente. Desde quando tinha que dar satisfação? Realmente
ela deveria estar se achando agora que tinha a proteção de Riccardo.
Não, eu não podia colocar ideias absurdas na mente.
— O que está fazendo aqui? — alterou a voz, como nunca havia feito
antes. Realmente estava se achando. Mas logo acabaria com sua pose.
— Desde quando preciso dar satisfação para entrar no quarto da minha
mulher?
Anna olhou diretamente nos meus olhos e, com um brilho triunfante,
falou:
— Eu não sou sua mulher.
Nesse momento tive vontade de agarrar seus cabelos e arrastá-la até
meu carro. Meus pensamentos estavam desordenados. Havia algo estranho
dentro de mim. Uma vontade louca de tê-la em casa novamente... Na nossa
casa.
Eu não sabia que sentimento esquisito era aquele apertando meu peito.
Mas Anna se recusou a ir comigo. Ali percebi que era mais grave do
que tinha pensando. A Anna submissa já não estava mais diante dos meus
olhos. Aquela mulher era confiante e cheia de si, desafiava-me com o olhar.
— O que disse a ele? — O efeito da bebida estava me deixando fora de
mim. As palavras saíam da minha boca sem o meu consentimento. — Que
porra disse a ele, Anna?
Eu sabia o que ela tinha dito a Riccardo. Pois foi exatamente isso que o
fez tomar a decisão para nos divorciar.
Na máfia não existe divórcio para casamentos legais. Mas o meu, pelo
fato de nunca ter sido consumado, não haveria possibilidade de gerar
herdeiros legítimos para dar continuar ao meu legado na Cosa Nostra.
Para alguém ser membro da Cosa Nostra, é preciso nascer dentro da
organização. Ninguém de fora entra para ocupar algum cargo.
— A verdade. O nosso casamento nunca foi consumado. Você está
livre para viver seu amor com...
Eu estava bêbado e mal conseguia processar as palavras dela. Apenas
sentia e dava voz ao desejo crescendo dentro de mim.
Apertei os passos e me aproximei dela. Havia muito rancor em seu
olhar e em sua voz. Eu podia entendê-la, afinal. Não pensei muito quando
resolvi tranca-la naquele quarto.
Você é um idiota que nunca comeu a esposa. Minha mente continuava
me atormentando.
Me desfiz rapidamente do meu terno, fique completamente nu.
Empurrei Anna sobre a cama e montei em cima. Naquele momento eu
estava desejando-a de verdade. A imagem do seu corpo nu dominou meus
pensamentos, tirando-me o pouco de sanidade que restava.
Comecei a beijá-la. Minha língua entrou firme em sua boca macia,
gemi de satisfação ao sentir seu gosto e sua entrega. Meu pau ganhou vida.
Comecei a sussurrar palavras desconexas e a trilhar seu corpo com minhas
mãos. A pele de Anna era sedosa, cheirosa. O perfume de seus cabelos
inebriou-me.
Porra, ela era muito melhor do que eu pensava.
Movido pelo desejo e despeito, levei a mão por debaixo do seu
vestido. Rosnei quando meus dedos tocaram sua intimidade úmida.
Mergulhei dois dedos e iniciei o vai e vem.
Ela tentou protestar, mas não deixei. Eu não queria mais conversa, só
me enfiar nela e saciar aquele desejo louco. Desci minha boca em seus
lábios vaginais e saboreei seu gosto delicioso. Divinamente delicioso.
Anna falava algo, e eu respondia no automático enquanto minha mente
se concentrava apenas no sexo com ela. Finalmente, quando empurrei fundo
meu pau em sua boceta, meu cérebro entrou em curto e gemi em êxtase...
Sentindo a maciez de sua vagina apertada. Peguei impulso e comecei a
fodê-la feito louco.
Quanto mais fundo ia, mais meu pau crescia e ansiava por mais.
O suor escorria por nossos rostos, meus olhos estavam fixados nela e
em sua expressão travessa. Nossos corpos estavam colados em sincronia
perfeita. Fiquei alucinado. No momento em que Anna tentou me acertar o
abajur, o tesão subiu, explodindo minha cabeça. Meti mais fundo... Mais
fundo e rápido! Mostrando-lhe quem tinha o controle da situação. Havia
raiva no olhar dela, mas também paixão e rancor, coisas que jamais seriam
ditas.
Suas pernas em torno da minha cintura me impossibilitaram de mexer
com precisão. Fechei as mãos em punhos e acelerei o ritmo, forçando sua
carne macia. A sensação do meu pau batendo em algo dentro dela me fez
explodir em um gozo alucinado, era algo que nunca tinha experimentado na
vida. Mas nossa noite estava apenas começando...
Caralho! Por que diabos não descobri isso antes?

Quando abri os olhos, minha cabeça latejou. Olhei confuso para os


lados tentando reconhecer o ambiente.
Tudo se encaixou quando Anna saiu do banheiro embrulhada num
roupão de banho branco e com os cabelos molhados. Logo me dei conta de
estar pelado e enrolado no lençol.
O que eu tinha feito? Até onde fui para limpar minha honra e calar a
língua do povo?
Algumas notícias vieram bombardeando minha cabeça... Jessebelle
estava grávida! Anna era uma deusa na cama. O sexo que fizemos mexeu
comigo.
— Vista-se e saia da minha cama, do meu quarto e da minha vida —
Anna ordenou enquanto colocava as mãos na cintura fina. Em nada se
parecia com a Anna assustada que conheci, ela estava mais confiante e
emanava sexualidade.
Levantei subitamente e catei minhas roupas do chão.
— Isso aqui foi um erro — falei, olhando para ela. Tive que manter a
pose e o orgulho. Ela iria implorar para voltar para mim e viver sob minhas
condições. — Você sabe, eu estava bêbado e por isso não lembro um terço
do que falei.
— Fique tranquilo que não vou dizer a ninguém. Volte para sua...
Jessebelle e esqueça o que aconteceu aqui.
Ela passou por mim, deixando-me estarrecido no lugar. Ainda
atordoado, passei a mão pelo cabelo, perdido, sem saber como agir.
— Anna...
Ela parou de pentear os cabelos e virou-se para me olhar e do nada
começou a gritar comigo.
— Dá para sair da porra do meu quarto? Não vai me dizer que se
apaixonou pela minha boceta? Não seja ridículo.
Arregalei os olhos e fiquei muito assustado com o vocabulário sujo.
Que porra deu nessa mulher?
— Onde foram parar os seus modos? — Estreitei os olhos.
— Sinceramente, não sei qual foi o seu propósito de vir até aqui e me
levar para à cama. Mas, aquela Anna idiota morreu naquele dia que você a
deixou trancada no poder de sua amante. Sinceramente, Matteo. Achei que
você seria melhor do que isso. Um homem feito da Famiglia que se deixar
levar por uma amante barata e de quinta categoria?
Ela gargalhou.
— Eu não mandei Jessebelle ir até você.
— Então parece que ela não te obedece, não é mesmo? Não vou ficar
aqui relatando o que aquela cadela fez contra mim porque você certamente
deve conhecer muito bem a biscate. Nunca mais volte a se aproximar de
mim, ou eu me encarrego de avisá-la que você veio atrás de sexo. E ainda
disse no meu ouvido que estava apaixonado.
Terminei de vestir meu terno. E antes de me virar para sair por
completo do quarto, vi que ela estava contendo um sorriso enquanto olhava
para o rasgo na minha calça.
Eu poderia ir até Riccardo e informar a consumação do casamento,
mas primeiro teria que conversar com Jessebelle e saber a respeito desse
filho. A máfia não perdoa bastardos. E temia pela vida dessa suposta
criança.
— Matteo.
Estaquei no lugar quando Anna me chamou. Algo dentro de mim ficou
agitado em saber que ela voltaria atrás e me pediria para ficar.
Virei-me para ela, esperançoso. Devo confessar que seria um recomeço
e tanto.
— Leve seu uísque.
Saí do estado de estupor quando vi a garrafa voando em minha
direção. Num piscar de olhos peguei, a garrafa ainda no ar, próximo do meu
rosto.
Não, ela não queria voltar.
Abri a porta e saí dali respirando fundo. Agora havia chegado a vez de
confrontar Jessebelle. Algo dentro de mim havia mudado em relação a ela.
Apoiei a cabeça no encosto do carro e fechei os olhos.
O tiro saiu pela culatra.
Parabéns, Matteozão. Você se fodeu.

Entrei debaixo do chuveiro. Gemi quando a água quente bateu em


minha cabeça e foi escorrendo pelo meu corpo. A fumaça indicava o quão
quente estava, mas não senti nada, talvez por estar entorpecido pela raiva.
Havia tentado esquecer tantas merdas ao longo daqueles anos que
acabei me perdendo dentro de mim mesmo. Era praticamente um corpo
vazio ostentando uma máscara de teatro. Todos conheciam o Matteo
engraçado, o filho da puta mulherengo, mas ninguém entendia o porquê de
certas atitudes impensáveis. Eu sorria, mas no fundo gostaria de chorar,
porém, homens não choram, não é mesmo?
Passando a mão no espelho tirei o embaçado causado pelo vapor e me
vi refletido ali. Encarei-me até me perder na imensidão dos meus olhos
verdes. No mais profundo dos meus pensamentos.
Mamãe estava gritando...
Eu sabia que papai estava, novamente, batendo nela. Mas daquela vez
tive um pressentimento de que algo diferente iria acontecer...
Olhei para Fabrizio, compenetrado no jogo. Ele sorriu para mim e
disse que tudo ficaria bem. Mas não, nada ficou bem. Principalmente
quando sua imagem tranquila se quebrou.
A porta do nosso quarto se abriu com violência. Riccardo entrou
transtornado, murmurando palavras inaudíveis, parecendo estar sob o
controle de um ser maligno. Havia mudanças drásticas em sua voz e em seu
rosto.
Me agarrei a Fabrizio. Fechei os olhos desejando que fosse um
pesadelo. Mas, não, não era pesadelo. Nunca era!
Fabrizio cobriu minha boca com a mão quando Riccardo pegou uma
arma de dentro do guarda-roupas. Pude ver nitidamente seu rosto
ensanguentado e coberto de hematomas ao passar por nós e sumir pela
porta.
Logo ouvi barulhos estrondosos, ensurdecedores. Fabrizio correu na
frente, fui atrás. Os gritos de mamma cessaram. Os barulhos dos tiros
também pararam... Tudo na minha frente estava distorcido. Meu corpo
estava trêmulo. Enxuguei minhas lágrimas com a barra da camisa.
Fiquei atrás de Fabrizio por medidas de segurança. Ele abriu a porta do
quarto dos nossos pais com cautela. O frio percorreu minha espinha quando
percebi que havia algo de muito errado ali.
Fabrizio ficou estático na minha frente, depois deu alguns passos para
trás. E num súbito, seu corpo caiu no chão, desmaiado ou morto...
Tomando coragem, me aproximei da porta e olhei para dentro do
quarto. Foi a pior coisa que fiz. Quase morri ao ver aquela cena.
Minha mãe estava morta, com um lençol branco cobrindo seu corpo.
Riccardo estava esquartejando meu pai e o jogando numa mala.
Só percebi que dava passos para trás quando minhas costas bateram na
parede. Minha respiração estava irregular, as lágrimas continuavam
escorrendo e se misturando à secreção que saía do meu nariz.
Então... gritei. Gritei para que os vizinhos me ouvissem.
Riccardo parou de arrancar os pedaços do corpo do meu pai e olhou
diretamente para mim. Parecia aqueles filmes de terror que costumávamos
assistir...
Mas não era um filme! Aquela cena nunca sairia dos meus
pensamentos
Meu coração acelerou muito, tanto que achei que fosse sair pela boca.
Trôpego, corri pelo corredor... Mas fui alcançado antes de cruzar a
porta de saída. Senti quando minha cabeça foi de encontro à parede e uma
dor aguda me atingiu. Algo quente escorreu pela minha testa.
Meus olhos escureceram.
Quando acordei percebi que estava em um local sinistro e fedorento,
onde permaneci por meses.
Fabrizio estava do mesmo jeito que eu: magro e sujo.
— Eu não aguento mais — sussurrei, sentindo meu corpo pesado de
exaustão e meus braços dormentes. Estávamos presos numa corrente que
pendia do teto. Os pés não tocavam o chão. Estávamos há dias sem comer
ou beber água.
O barulho de passos ecoando o piso de madeira me casou pavor. Tentei
alcançar Fabrizio e me agarrar a ele, porém, não foi possível.
— Calma, irmão. Precisamos ser fortes...
Assim que Riccardo se aproximou de nós, fechei os olhos, sentindo o
frio percorrer minha espinha; temendo mais surras e torturas. O sangue seco
da minha testa repuxava minha pele.
Minhas costas ardiam devido ao ferro quente, que havia marcado
minha pele como se fosse gado. Gado da Cosa Nostra. Uma seita.
Fabrizio balançou o corpo para o lado, tocando seu pé na minha
barriga, mostrando que eu não deveria ter medo.
Mas como não teria medo, se eu era uma criança medrosa?
Abri os olhos bruscamente, tentando me esquecer daquele pesadelo.
Agora entendia que tudo aquilo fora necessário, mas ainda assim, não havia
deixado de ser traumático.
Virei minha cabeça em direção à porta e a vi. Jessebelle entrou
desfilando, usando uma lingerie sensual. Ela sempre usava algo desse tipo,
principalmente quando queria algo.
— Ontem você não veio para casa. — Beijou meu pescoço, descendo a
mão no meu pau, massageando. Em outra época já estaria mais do que duro
só de vê-la daquele jeito. Mas não dessa vez. Meu membro nem dava sinal
de vida.
Tirei seus braços do meu pescoço e me afastei. Ela me olhou
desconcertada.
— Quando iria me contar da gravidez? — Olhei para sua barriga
plana, que não dava sinais de gravidez. — Se for meu mesmo.
Ela arregalou os olhos.
— O que está insinuando?
— O que acha que estou insinuando? — gritei dando um soco na
parede, bem em cima da cabeça. — Tem ideia da merda que fez ao procurar
meu irmão? Gravidez fora do casamento é contra as regras.
— Você acha que não sei disso? Tive medo que me pedisse para
abortar, por isso o procurei. É nosso bebê, não podia arriscar, só porque
você queria manter a fachada de um casamento feliz ao lado de uma
imprestável. Eu tomei uma atitude, já que você não o fazia...
Perdi a sanidade e dei uma bofetada no rosto dela. Jessebelle tinha
acabado com tudo, principalmente com minha reputação. Sempre fui
específico em dizer que teria tudo de mim, menos um casamento simbólico.
Ela não deveria mexer nisso. Não deveria se meter na minha relação com
Anna, uma vez que dei provas suficientes para mostrar quem eu amava,
embora nem eu mesmo soubesse dos meus reais sentimentos.
— Prepare-se, nosso casamento está marcado para daqui a três dias. —
Segurei seu queixo. — Saberá como é carregar o peso do meu sobrenome e
todas as maldições. Se pisar em falso... É morte! Conhecerá o verdadeiro
Matteo Guerrieri.
Saí do banheiro e a deixei sozinha.

Andei em passos apressados para chegar à reunião, que seria na sede


da máfia. Estava atrasado. A máfia era minha família, e eu dava meu
sangue pela organização, independente das minhas falhas pessoais. Então
não haveria problemas chegar atrasado uma vez ou outra.
Assim que abri a porta, todos me olharam. A reunião não havia
começado sem mim. Sentei-me em umas das cadeiras principais e esperei
começar.
Riccardo se levantou da cadeira principal ajustando o terno no corpo e
iniciou o ritual. Antes de iniciar qualquer assunto referente à máfia,
deveríamos jurar fidelidade.
Fizemos o juramento solenemente: acendemos velas pretas e charutos.
Bebemos goles de cachaça, depois cuspimos nas fotos dos inimigos, que
seriam os próximos a ir ao inferno. Depois de todo ritual, sairíamos para
cometer chacinas.
Homenageamos os homens honrados da Famiglia, que morriam em
combate, servindo nossa organização. Uma das organizações mais
inteligentes do mundo.
Era preciso sabedoria para liderar os negócios ilícitos. A Itália era o
berço. A Cosa Nostra era a referência.
— Caro amico Trajano. — Riccardo foi até o homem de idade
avançada e segurou no ombro dele. — Tem algo a nos dizer?
O homem ficou pálido. Quando o chefe fazia essas perguntas...
— Eu traí a Cosa Nostra — ele disse, mantendo a dignidade. Sendo
assim, iria morrer como homem honrado, que assumiu o que havia feito.
Assumiu o erro. — Mate-me, não mereço mais estar neste mundo. Eu
entreguei a organização em troca da vida da minha filha. Eles iriam matá-la.
— Vá em paz, Trajano, foi muito importante na organização. —
Riccardo tirou a arma da cintura e puxou o gatilho.
O som do tiro reverberou no escritório. Trajano caiu com um tiro de
Beretta 92 na testa.
Porra, na testa? Isso foi muita humilhação.
Fiquei mantendo contato visual com Riccardo, mostrando todo meu
descontentamento em suas decisões.
— Precisamos conversar — falei.
— Vá para a missão.
Infelizmente, tive que sair para resolver meus assuntos e a nossa
conversa teria que ficar para outra hora.

Depositei um buquê de flores brancas no túmulo do meu filho amado.


Era triste admitir que nunca pude me despedir dele. Antônio havia sido
cruel até nisso quando me privou de ir ao enterro do meu bebê já formado
no meu ventre, pronto para vir ao mundo. Mas foi cruelmente assinado pelo
próprio pai.
Sentia-me vazia, oca. Uma parte de mim havia ido embora junto com o
bebê. Era um sentimento inenarrável. Uma dor inexplicável, eu só queria
poder exorcizar os demônios e encontrar meu caminho de volta, encontrar a
explicação para minha existência. Eu não aguentava mais viver por viver,
sem ter um planejamento para o futuro.
Lágrimas desciam por meu rosto. O coração estava dilacerado. Passei
as mãos trêmulas na lápide e por pouco não caí sentada ali devido à emoção
forte.
— Está tudo bem?
Foquei meus olhos no homem alto que estranhamente me segurava
pela cintura. Era um dos seguranças do Matteo, aquele que sempre me
olhava de um jeito esquisito.
Olhei para as mãos dele repousadas em cada lado da minha cintura,
mãos que haviam me impedido de cair.
— Estou... Obrigada! — Desfiz o contato e me afastei. — O que faz
aqui?
— A senhora não deve andar por aí sozinha. O Capo me mandou fazer
sua segurança.
O que Matteo pretendia com aquilo? Eu havia dispensado os outros
soldados porque queria ficar sozinha naquele momento.
— Não preciso de soldados.
— Precisa... A Cosa Nostra tem muitos inimigos. A senhora está sendo
um alvo fácil. Acredite em mim...
A chuva começou a cair forte em Sicília. O cenário do cemitério ficou
ainda mais sombrio e triste. Eu não tinha nada além de um passado
conturbado e uma ferida no coração. Não tinha mais o que perder. Saber
que alguém ainda se preocupava comigo além da minha mãe trouxe um
pouco de conforto para minha mente deturpada e meu coração vazio. Eu
estava carente de amor, afeto.
O soldado estava ali por mim.
— Tudo bem.
O soldado me guiou até o carro. Mesmo eu estando com os olhos
fechados e concentrada no barulho da chuva, ainda assim podia sentir que
os olhos dele estavam sobre mim.
Por impulso do momento, quis perguntar muitas coisas sobre ele... Mas
me contive para não me envolver em problemas.

Quando o carro estacionou em frente à minha casa, o soldado saiu e


estendeu a mão para me ajudar a descer.
— Está em casa agora. — Ele sorriu.
— Obrigada. — Sorri. Quando tentei passar, ele puxou meu braço e
me levou para ele. Meu corpo bateu contra o seu peito.
Olhei para ele sem entender. Ficamos mantendo contato visual até ele
capturar minha boca com um beijo avassalador. Continuei estática ao sentir
a língua dele penetrar minha boca com avidez, com loucura. Sim, era
loucura beijar outro homem em público, principalmente depois do Riccardo
ter me dito para ficar longe de confusão.
Tentei afastá-lo, porém o soldado segurou minha nuca e suspendeu
mais, para aprofundar o beijo.
O soldado se afastou de repente cambaleando para trás, e eu fiquei
ainda mais perplexa sem entender que merda estava acontecendo.
— Que porra é essa?
A voz de Matteo reverberou alto o suficiente para me fazer saltar de
susto.
Matteo avançou para cima do soldado e acertou socos em seu rosto. O
homem caiu e Matteo aproveitou para chutá-lo várias vezes na barriga. Em
questão de segundos os dois estavam rolando pelo chão trocando socos e
chutes.
— Solte-o! — gritei, agarrando Matteo pelo terno. Mas ele nem sequer
saiu do lugar.
Os seguranças que estavam por ali resolveram tirar Matteo de cima do
homem. Aquilo foi um vexame. Os seguranças e alguns vizinhos que eram
membros da Famiglia olhavam para mim com nojo.
Para eles, o erro havia sido meu. Uma mulher da máfia jamais deveria
beijar outro homem que não fosse seu prometido. Minha honra fora
machada e não havia escapatória.
Infelizmente, eu não podia me envolver com mais ninguém, deveria
ficar em casa até que o chefe decidir meu futuro. Mas eu podia sentir que as
coisas estavam mudando na máfia, e eu rezava para que nosso mundo fosse
igual ao mundo normal lá fora. Era como se vivêssemos dentro de uma
bolha, vivendo nossa própria cultura.
— Me larga, porra! — Matteo transtornado se desprendeu dos homens.
Os soldados se afastaram, Matteo ajeitou o terno no corpo mantendo
os olhos de puro ódio no soldado caído no chão.
— Tirem esse lixo daqui — ordenou, apontando para o homem
ensanguentado no chão.
De forma lenta e aterradora, Matteo girou a cabeça em minha direção.
Meu corpo congelou quando ele deu passos longos até chegar a mim e me
segurou pelo pescoço. Seus olhos estavam fixos em mim, avaliando cada
expressão.
— Você não tem mais diretos sobre mim — falei sentindo as lágrimas
quentes molharem meu rosto.
— Pare de dizer isso — rosnou.
— Você estragou a admiração que eu tinha por você.
Ele me soltou e, atônito, deu um passo para trás. As pessoas olhavam
para mim como se eu fosse um bicho de sete cabeças.
Tudo bem, eu entendia que na máfia uma mulher aguentar a traição do
marido não era mérito e sim dever, mas eu já estava cansada de seguir essas
ordens. Vivíamos regras do século passado.
— Achei que tivesse seguido com sua vida ao lado da mulher que ama.
Você nunca se importou comigo. Meu comportamento não deveria te
incomodar.
— Você deveria estar trabalhando em um dos clubes da Famiglia se
não fosse por mim. Nosso casamento foi bom para você, mesmo eu não
sendo bom marido.
— Qualquer coisa é melhor do que estar ao seu lado, Matteo.
As feições de Matteo ruborizaram. Ele me puxou para mais perto de
seu corpo.
— Nunca mais diga isso, Anna! — gritou. — Me ouviu bem?
Seu rosto estava próximo ao meu, podia sentir seu hálito quente bater
em meu rosto. Nossos olhos estavam conectados e um misto de sentimentos
me atormentou. Estremeci quando, de repente, os lábios dele bateram contra
o meu, quebrando toda tensão. A língua dele invadiu minha boca sem pedir
permissão, encontrando com a minha. Matteo afundou a mão em minha
nuca e me puxou para mais perto para aprofundar nosso beijo. Ele sabia o
que estava fazendo, sabia perfeitamente como enlouquecer uma mulher.
Minhas pernas ficaram bambas.
Matteo pegou minha língua em sua boca e começou a chupá-la,
alternando mordidas em meus lábios. Meu coração estava acelerado e
minha respiração, ofegante. Logo me dei conta da situação e o empurrei
para longe de mim.
— Não...
Matteo não se afastou totalmente, encostou sua testa na minha e ficou
em silêncio por alguns segundos. Sua respiração estava ofegante assim
como a minha.
— Sei que fui injusto com você. Mesmo não a amando, eu deveria
protegê-la. Entenda que para mim era vergonhoso estar casado com a
esposa de um traidor, nosso casamento não deveria ter acontecido nessas
condições, Anna.
O pior de tudo era que eu o entendia. Matteo e eu éramos diferentes
em muitos aspectos.
Ele deslizou a mão pela minha cintura dando leves apertos.
— Esse divórcio repentino me deixou atônito... Não estava certo em
não demonstrar afeto a você. Era minha obrigação fazer papel de marido.
— É tarde para voltar atrás.
Ele me avaliou antes de se afastar bruscamente. Seus olhos verdes
estavam intensos e neles refletia algo que eu não conseguia captar. O olhar
dele estava fixo em mim, causando um calafrio estranho, como se estivesse
planejando algo.
Matteo quebrou nosso contato ao se virar para entrar no carro e antes
de entrar completamente, ele se virou de novo para mim.
— Jessebelle está grávida
Ouvir aquilo foi como se um tiro tivesse sido disparado no meu peito,
fazendo-o sangrar. Ao que parecia, Jessebelle havia conseguido o que
queria. Embora aquilo tivesse me magoado profundamente, eu não poderia
dar a Matteo o gostinho de me ver derrotada.
— Sempre ouvi Laura dizer coisas boas a seu respeito, mas na
realidade você não é diferente de nenhum homem dessa organização.
Ele fechou os olhos.
— Anna... eu...
— Desejo felicidades.
Me surpreendi pela segurança que consegui transmitir, mesmo estando
em pedaços por dentro. No fundo eu sabia que a culpa também era minha,
por idealizar coisas que nunca iam acontecer. Pintei Matteo Guerrieri como
o herói que iria me tirar da escuridão.
Ele entrou no carro, e eu corri para dentro de casa aos prantos. Quando
cheguei ao meu quarto, me joguei na cama e fechei os olhos. Minha vida
retornara ao caos e eu já não sabia o que esperar do futuro.
Eu nem havia me dado conta que tinha cochilado na metade dos meus
pensamentos quando o meu celular tocou alto, me pegando desprevenida.
— Alô.
— Olá, Anna. Estou ligando para saber sobre o livro de contabilidade
que deixei com você.
Era Riccardo.
Pulei da cama e fui até a escrivaninha para dar uma olhada no livro. Eu
não podia perder o foco do livro.
— Acho que em três semanas termino
— Acha?
Pude ouvir vozes de crianças, e Riccardo acabou perdendo o foco do
assunto. Certamente meus sobrinhos estavam fazendo bagunça e ele estava
perdido.
— Você terá que ir na cerimônia. Devo anunciar o seu divórcio para
depois anunciar o casamento de Matteo com... Jessebelle.
Meu coração parou no peito e por pouco não perdi o ar.
— Eu não poderia ficar em casa verificando o livro?
— Não deixa de ser um evento da Famiglia, e pelo que eu sei você
ainda faz parte dela. Portanto, é natural que você esteja lá.
— Não comprei vestido... — Mordi os lábios.
— Porra, aí já não é problema meu... — Ele parou por um instante. —
Mas vou tentar dar um jeito nisso.
— Eu... — tentei argumentar, mas ele já havia desligado.

Meus cabelos estavam arrumados num coque frouxo. Fiz uma


maquiagem básica apenas para dar um aspecto de saúde à minha aparência,
não quis nada dramático para aquela noite.
Pouco tempo depois, mamma entrou trazendo uma caixa azul. Ela
avaliou meu rosto e sorriu largamente. Gostaria muito que me
acompanhasse, mas ela não gostava de comparecer em eventos da Famiglia
e, felizmente, o chefe nunca implicou com isso.
— Está linda. Trouxeram isso pra você.
Um lindo vestido vermelho foi revelado assim que abrimos a caixa. A
costura era fina e elegante, estilo tomara que caia e havia uma fenda enorme
na perna, eu nunca tinha usado nada parecido com aquilo, mas confesso que
amei e estava louca para usá-lo. Olhei para mamma, de boca aberta do
mesmo jeito que eu. Sabíamos que um vestido como aquele não era barato,
mas o que poderíamos esperar do poderoso Riccardo Guerrieri?
Tirei o roupão e com a ajuda de mamma coloquei o vestido. Foi
preciso fazer alguns pequenos ajustes, mas rapidamente mamãe deu um
jeito. Ela pegou linha, agulha e foi costurando em lugares específicos, até o
belo vestido se ajustar perfeitamente em meu corpo.
No final fiquei emocionada ao me ver no grande espelho, e sim, eu
estava linda.
Estremeci quando adentrei o grande salão da Famiglia. A nostalgia
dominou meus pensamentos ao entrar ali sem minha família.
Olhei ao redor e vi Giovanni e Mia. Tomada pela culpa, meus olhos
começaram a arder de emoção. Certamente Giovanni era um fantoche na
mão da esposa e iria morrer inocente, mas talvez ainda pudesse ajudá-lo.
Assim que me aproximei da mesa, Giovanni me abraçou apertado.
Enfim fechei os olhos e deixei as lágrimas caírem. Era um misto de culpa e
saudades.
— Que saudade estou de vocês. — Ele se afastou para me olhar dos
pés à cabeça e enrugou a testa. — Os anos te fizeram bem, está linda, Anna.
— Obrigada. — Sorri.
— Cadê mamma? Tem notícias de Laura?
Expliquei-lhe tudo que havia acontecido em sua ausência, ignorando
descaradamente a presença de Mia. Eu não entendia o que Giovanni tinha
visto nela, a mulher era cínica e arrastava asas para Riccardo.
— Estou trabalhando tanto — ele se queixou depois de um tempo em
silêncio. — Fui afastado do cargo de Conselheiro, agora já nem sei mais
qual é minha função na máfia.
Minha atenção foi desviada para a quantidade de soldados. Meu
coração acelerou quando meus sobrinhos adentraram o salão. Sorri ao ver
como eles estavam lindos e crescidos, olhando tudo com atenção. Atrás
vinha Laura e Riccardo de mãos dadas, eles formavam o casal perfeito da
máfia. Laura cresceu muito e Riccardo deixava claro o quanto a amava.
Todos ficaram de pé mostrando respeito ao chefe e sua família. Eles
sentaram a uma mesa distante e os soldados fortemente armados se
posicionaram perto deles.
Laura acenou para mim sorrindo, fiz o mesmo e sorri também. Eu
estava morrendo de saudades. Eu queria abraçá-la e dizer o quanto a amava,
embora ao mesmo tempo eu tinha que me afastar um pouco para não me
sentir culpada por estar escondendo algo.
Tentei ignorar as lágrimas. Era triste ver minha irmãzinha tão distante
de mim.
— Eu vou ao banheiro. — Giovanni, tão emocionado quanto eu, saiu
do salão. Era incrível ver como nossa irmã estava crescida e agora
carregava um enorme poder nas mãos. Ela havia conquistado muitas coisas
ao longo daqueles anos, nem mesmo nosso pai poderia com ela caso
estivesse vivo.
— Não vai cumprimentar sua irmã? — Mia sussurrou. — Ela tem um
olhar perverso, como se fosse matar o marido e tomar o lugar dele na máfia.
— A vida da minha irmã com o marido dela não é da sua conta. Ela
não precisa matar o pai dos filhos dela para estar no poder.
— Ouvi dizer que ela sofreu muito ao lado dele. — Enrolou alguns
fios de cabelo nos dedos. — O que você sabe? Como irmã você deve saber.
Estreitei os olhos, tentando entender por que diabos a vida minha irmã
interessava a ela. Não foi somente Laura que sofreu, todas nós sofremos em
nome de uma organização na qual nascemos, crescemos e fomos educadas
para servir.
— Sim. Ela está mais forte agora — murmurei.
Naquele momento a banda iniciou uma música tradicional da máfia e
todos ficaram de pé. Quando Riccardo caminhou até o altar, Mia suspirou
ao meu lado.
— Esse homem é absurdamente lindo e charmoso, apesar de ser
arrogante. Adoro o jeito bruto dele.
— Minha irmã não fica atrás. Em matéria de beleza, eles combinam
perfeitamente.
Ela se calou quando Giovanni retornou à mesa. Fiquei tensa de ver
meu amado irmão sendo passado para trás.
Quando Matteo adentrou o salão ao lado de Jessebelle, percebi que
Giovanni não era o único tolo ali. Matteo também era tolo, estava se
casando com uma mulher que se via de longe que era interesseira.
Ela usava um vestido branco e uma coroa de flores na cabeça. Eles
caminhavam lentamente pelo salão, Jessebelle ostentava um sorriso
Duchenne enquanto Matteo se mantinha sério e reservado.
Abaixei a cabeça disfarçadamente quando passaram por mim, e logo
fui tomada pelas lembranças do dia do meu casamento e todas as
humilhações que passei.
Quando voltei minha atenção para frente, peguei Matteo parado no
meio do salão olhando diretamente para mim. Notei que Jessebelle o
forçava a continuar rumo ao altar, no entanto, ele continuava parado no
mesmo lugar, indeciso.
Nossos olhares estavam conectados naquele momento. Meu coração
bateu descompassado quando os olhos de Matteo desceram para o meu
corpo e avaliaram cada pedacinho de mim, era como se estivesse me
queimando. Como se não bastassem nossas trocas de olhares, ele deu um
passo em minha direção enquanto chamava meu nome. Olhei em volta e vi
que as pessoas estavam de boca aberta presenciado a cena.
Recuei imediatamente, dando passos para trás, afim de manter
distância entre nós. Matteo havia feito a escolha dele e não tinha mais como
voltar atrás.
— Anna — ele me chamou outra vez.
Eu saí correndo do salão, sentindo lágrimas deslizarem em minhas
bochechas. Ignorei os cochichos dos soldados e passei apressada pelo
portão tentando fugir. Meu corpo bateu contra algo duro e quase pedi o
equilíbrio no meio do caminho.
— Por favor... Deixe-me sair — solucei com os olhos fechados de
medo.
— Ei, se acalme.
Abri os olhos e me deparei com o mesmo soldado que me beijou. Seus
olhos curiosos avaliavam meu rosto. Eu não entendia o porquê de ele
colocar não somente o cargo dele em risco para flertar comigo, mas também
sua vida. Matteo podia matá-lo facilmente.
Ele enxugou minhas lágrimas com o polegar.
— Venha comigo. — Segurou minha mão e me levou para dentro do
carro. — Precisa relaxar um pouco.
— Não — tentei protestar, mas ele ligou o carro e saiu cantando pneus.
Pelo vidro traseiro pude ver minha irmã apavorada com a mão sobre o
peito. A merda estava feita, e eu não podia voltar atrás, nem mesmo se eu
quisesse. Faz tempo que eu queria fugir em meio ao caos.
— Como você se chama? — perguntei-lhe, tentando me distrair.
— Josué.
Encostei a cabeça no banco e fechei os olhos. Estava exausta para
prolongar a conversa. Eu precisava espairecer a mente antes de voltar para
aquele inferno.
A imagem dela beijando um dos meus soldados foi como um soco no
estômago. Josué era o desgraçado que estava de olho nela, e eu nunca
percebi por estar ocupado demais com a pessoa errada.
Como ela pôde beijar outro?
Há quanto tempo isso vinha acontecendo?
Por que diabos aquele filho da puta se achou no direito de beijar a
esposa de um capo? Nada fazia sentido, mas eu não tinha dúvidas de que
Josué morreria após longas horas de tortura. Ele era apenas um soldado
comum em meio aos outros, por isso nunca fiz questão de ficar ligado nele.
Não tinha por que eu ficar, uma vez que eu nunca imaginei que ele seria
capaz de colocar os olhos na mulher do chefe dele.
Estacionei em frente ao armazém onde Josué deveria estar preso e
dando o último adeus aos seus dias de glória. O lugar antigo fora palco de
muitas torturas da máfia e era justamente ali que eu iria matar o traidor. Mas
minhas expectativas caíram por terra quando um soldado se aproximou com
o semblante preocupado.
Saí do veículo. Dei o último trago no cigarro e joguei no chão,
esmagando-o com o sapato.
— Onde está o desgraçado?
— Os soldados do chefe vieram e o levaram.
Por que diabos Riccardo estava o protegendo?
— Por que vocês permitiriam? — gritei, agarrando o soldado pelo
colarinho. Eu estava puto, embora soubesse que eles não poderiam fazer
nada para impedir.
— Sinto muito. Mas estamos falando do chefe Riccardo, Capo.
Então naquele momento percebi que estávamos numa peça de teatro e
Riccardo controlava todos nós, como se fôssemos verdadeiras marionetes.
Ele gostava disso, gostava de nos manipular e mostrar que era ele quem
tinha o controle de tudo. Na maioria das vezes isso me irritava para caralho.
Sabe quando você se perde na vida e vira fantoche das suas próprias
escolhas? Era exatamente assim que eu estava me sentindo. Num dado
momento estava feliz e acomodado num relacionamento extraconjugal, e de
repente tudo mudou do dia para a noite. Agora eu iria casar com Jessebelle,
como eu sempre quis, ou achei que queria.
Ficar num relacionamento proibido com Jessebelle era extremamente
excitante, mas casar não estava mais sendo animador. Proibido é sempre
mais gostoso. Ter o que não se pode se torna mil vezes desafiador e
excitante.

— Está atrasado. — Fabrizio entrou, pela primeira vez estava sóbrio, o


que era bom. O maldito vivia bêbado e tropeçando nas próprias pernas.
— Tem notícias do soldado traíra? — falei enquanto ajeitava minha
gravata, em breve iria me casar com Jessebelle. Eu estava com sangue nos
olhos e enlouqueceria se não me vingasse do maldito.
— Não. Não é função minha correr atrás dos seus soldados. Aliás,
Anna não é mais nada sua. Esqueça isso, Matteo.
— Se não fosse por Riccardo, o maldito já estaria morto.
— Talvez essa seja a questão, querer matá-lo sem saber o que ele tem a
dizer. — Fabrizio tocou meu ombro. — Riccardo nunca faria nada para
prejudicar você.
Parei de me ajeitar e olhei para ele. Eu não iria permitir que um dos
meus soldados colocasse os olhos na minha esposa, certamente era o que
ele fazia quando Anna ainda estava casada comigo. Era incrível como me
mantive cego durante todos aqueles anos.
— Agora vamos.

Assim que estacionei em frente ao local onde acontecia as festas da


Famiglia, saí do carro e ajeitei meu terno. Jessebelle prostrou-se do meu
lado e entrelaçou o braço no meu. Não ousei olhar para ela, visto que todo o
encanto havia acabado. No final das contas, eu precisava mesmo de um
choque de realidade para enxergar o que estava diante dos meus olhos.
Engravidar sem me consultar foi golpe baixo, embora eu soubesse que a
culpa não havia sido somente dela. Mas também havia a porra do
anticoncepcional que ela dizia tomar, e eu confiei. Erro meu.
Assim que começamos a caminhar pelo tapete vermelho e sob olhares
curiosos, eis que me deparei com Anna usando um vestido deslumbrante.
Meu coração errou na batida ao vê-la esplêndida num vestido
vermelho... Mas não era somente sua aparência que me chamou atenção, e
sim sua coragem e determinação. Mesmo depois de tudo, ela estava ali
confiante e mostrando para todos que o meu casamento não importava, que
eu não mexia com ela. Não foi o fato de saber que eu havia perdido uma
mulher incrível que me fez querer mudar o rumo dos meus passos naquela
noite, e sim o fato de nunca ter pedido perdão a Anna por todo mal que
causei.
O perdão seria de suma importância para que pudéssemos seguir em
frente. Mas ao tentar me aproximar dela, provoquei um comportamento
completamente inesperado: Anna virou as costas e saiu correndo do local...
E eu fui atrás, não me importando com os chamados de Jessebelle. Fui
contido apenas por Fabrizio, que estava na porta. Ele espalmou a mão sobre
meu peito tentando me acalmar. Nada mais fazia sentido para mim naquela
noite, a não ser o perdão de Anna.
— Não cometa outro erro. Deixe Anna em paz e vá ser feliz com
Jessebelle, como você sempre quis.
Eu sabia que ele tinha razão. Mas eu não queria falar com Anna para
machucá-la ainda mais, eu precisava ser liberto de toda culpa que sentia
desde que resolvi prendê-la naquela casa velha.
— Jessebelle está grávida, isso pode fazer mal ao seu filho.
— Eu quero passar — alertei, e ele saiu da frente.
Quando cheguei ao lado de fora, já encontrei Laura chorando, dizendo
que a irmã havia entrado no carro de um homem. Os soldados disseram que
se tratava de Josué, o maldito estava sendo escoltado por soldados de
Riccardo. Então ali não tive mais dúvidas de que tudo era um plano do meu
irmão. Mas com que propósito?
— Amor. — Laura saiu correndo e se atirou nos abraços de Riccardo.
— Não deixe nada acontecer a Anna.
E ele a abraçou também, mas ainda mantinha um olhar debochado
sobre nós. Só Deus ou... O Diabo sabia o que se passava em sua mente
insana e do que ele era capaz.
E naquele momento eu quis matar aquele infeliz, mesmo sem saber
qual seria o seu jogo.
— Qual é o seu plano? Jogar Anna nos braços de outro? — gritei,
perdendo a sanidade.
— O que você quer dizer com isso? — Laura deu um passo em minha
direção, mas Riccardo segurou o braço dela e a impediu de continuar.
— Volte para o salão e me aguarde junto das crianças — ordenou.
Laura não questionou, apenas deu as costas e, feito robô, seguiu os
comandos. Assim seria melhor para ela.
Depois que ela sumiu do nosso campo de visão, Riccardo andou até o
carro e um soldado que estava ali de prontidão rapidamente abriu a porta
para ele entrar. Pouco tempo depois, dois soldados apareceram segurando
Jessebelle pelos braços e a jogaram dentro de um carro preto que estava
mais à frente. Eu quis impedir que fizessem algum mal a ela, no entanto
meus pés estavam grudados no chão. Eu sabia que algo de muito ruim
estava acontecendo, sendo assim, eu não iria me pronunciar sobre nada e
muito menos questionar.
O semblante debochado de Riccardo transformou-se em uma carranca
bizarra.
Saí do estado de estupor quando os carros saíram cantando pneus.
Entrei no meu carro e fui seguindo eles. As ruas de Sicília estavam
silenciosas, meu coração batia de modo descompassado e frenético, não por
medo, e sim por curiosidade.
Josué parou num estacionamento de um prédio com vidros fumês.
Havia muitos soldados fortemente armados fazendo nossa escolta, o que era
estranho.
— Eu quero voltar — falei novamente, e ele me ignorou pela milésima
vez. Eu já estava entrando em desespero por ter caído na besteira de ter
saído com ele.
Josué segurou no meu braço e foi me arrastando para dentro do prédio,
na companhia dos soldados. Naquele momento comecei a me debater em
desespero. Minhas mãos tremiam de nervoso e medo.
Passamos por um longo corredor. Um dos soldados abriu uma porta de
metal e ordenou que entrássemos. Não hesitei e tampouco fiz gesto que me
prejudicasse. Assim que dei um passo à frente para adentrar a sala
metalizada, um soldado me empurrou, depois fizeram o mesmo com Josué e
nos trancaram.
Aquele mistério todo estava acabando comigo. Olhei para Josué, que
mantinha os olhos fixos em mim. E o meu pavor por ter fugido daquela
festa na companhia de outro homem me deixava pior, pois certamente
estava em punição por minha desobediência. Nunca fui uma mulher
impulsiva, mas ultimamente meus nervos andavam à flor da pele.
— O que está acontecendo?
— Não me faça perguntas, na hora certa você vai saber. — Ele deu de
ombros.
— Você sempre está no lugar certo e na hora certa — falei me dando
conta das vezes que ele apareceu para me salvar de algo ruim. Das suas
investidas quando eu ia visitar minha mãe. Dos seus olhares penetrantes. Do
beijo...
Depois de alguns minutos em silêncio, sentindo falta de ar devido à
péssima ventilação do local, Josué decidiu quebrar o silêncio:
— Sinto muito... Por tudo. Era meu trabalho atrai-la...
Naquele momento a porta se abriu. Meu coração acelerou quando
Jessebelle entrou seguida de Matteo, o desespero tomou conta de mim ao
imaginar que caí em uma cilada. Certamente Josué foi colocado de
propósito para me atrair. Mas tudo ficou distorcido quando Riccardo
também entrou pela porta e a fechou atrás de si. Ele nos olhou com puro
ódio enquanto tirava a arma da cintura.
Ele vai matar todos nós.
Estranhei quando o carro de Riccardo estacionou na sede da máfia. Ele
saiu do carro e acenou para eu acompanhá-los, fiz tudo no modo
automático. Naquele momento a ficha não havia caído de que algo de ruim
estava acontecendo. Saí do carro e segui atrás deles. Jessebelle seguia na
frente chorando, e eu atrás, preso nos meus próprios pensamentos.
Riccardo abriu a porta e deu passagem para eu e Jessebelle entrarmos,
fiquei atônito quando vi Anna e Josué sentados no chão.
Riccardo tirou a arma da cintura, colocando-a sobre a mesa grande de
metal — uma das mesas que, de vez em quando, usávamos para torturas,
sempre quando algo dava errado nas reuniões e descobríamos traidores
dentro da organização.
— Eu não tenho mais tempo para essa merda de novela mexicana,
vamos acabar com isso, porra — a voz impaciente de Riccardo soou como
trovão naquela sala, fazendo todos se assustarem. — Vamos começar por
você, Jessebelle.
— Eu... — gaguejou.
— Estou ciente de todos os seus passos. Acha mesmo que algo passa
despercebido por mim...? A menos quando o assunto não é do meu
interesse. — Ele debruçou na mesa. — Só que nesse caso, Anna é do meu
interesse.
Olhei assustado para ele, então o maldito estava de olho na minha
mulher e por isso colocou outro homem na história?
— Você está interessado em Anna? Está comendo ela? — gritei e
avancei para cima dele. Só que Riccardo sempre foi o mais rápido e astuto,
acertou um chute forte na minha perna, que me fez perder o equilíbrio e
cair.
— Perdeu a noção do perigo, moleque? — Ele me agarrou pela gola
do terno e me arrancou do chão. — Modere seu tom comigo, já se esqueceu
do que sou capaz?
Ele me empurrou para longe. O choro de Jessebelle se intensificou, eu
sabia que tudo aquilo era por culpa dela, então segurei minha onda e me
afastei para o fundo da sala. A quentura do ódio inflamando minhas veias
fazia o sangue borbulhar.
— O otário do meu irmão se manteve cego durante todos esses anos.
Então ele precisa saber o que você aprontou, Jessebelle. Vai dizer por bem
ou vai querer um incentivo?
Ajeitei minha mala e sentei-me na cama, aguardando papai vir me
buscar. Minhas mãos suavam de nervoso e meu coração batia
descompassado só de imaginar que logo estaria com minha família.
A porta do meu quarto finalmente foi aberta, mas quando a
governadora entrou e ordenou que eu pegasse minhas coisas, fiquei
decepcionada. Não tive alternativas e nem espaço para questionamentos,
peguei minha mala e atravessei o longo corredor. Cheguei desanimada até o
carro, e para enterrar de vez minhas esperanças, papai não estava ali, e sim
um dos seus inúmeros soldados. Papai não se importava comigo, ninguém
se importava. Ser mulher da máfia era terrível, para ser notada e ter o
devido respeito era preciso se casar com alguém importante da organização,
fora isso não éramos nada.
Passei anos trancafiada num colégio interno da máfia, sendo educada
atender aos padrões da Cosa Nostra. O colégio também ensinava a ser uma
boa esposa — a submissa perfeita. Muitos pais que não tinham paciência
para educar suas filhas as condenavam a uma vida inteira presa naquele
lugar cheio de regras, e eu fui uma delas.
Olhei a paisagem de Sicília através do vidro escuro do carro. Sicília
era uma ilha linda e mágica, fiquei feliz por voltar depois de quinze anos
morando longe. Quando atravessamos os grandes portões de ferro da minha
casa, lágrimas de emoção desceram pelas minhas bochechas. Naquele
momento decidi que iria fazer de tudo para permanecer ali.
— Senhorita Bacchi, seu pai está esperando no escritório — um dos
soldados disse assim que passei pela porta.
Assenti e caminhei até o escritório. Eu não estava acreditando que era
lá que ele iria me receber... depois de ter passado tantos anos longe, era
assim que seria tratada?
Dei algumas batidas na porta e entrei. Meu pai estava como sempre,
concentrado em seus papéis.
— Papai...
— Não vou prolongar o assunto. Mandei trazê-la de volta porque
quero que se case. Você sabe, a maioria das moças da sua idade já estão
casadas e possuem filhos. Chegou a sua hora, portanto, irá se casar.
Engoli em seco.
— Com quem?
— Não havia pretende até o momento. Pois naquele colégio ninguém
lembrava de sua existência, mas Vicente Costello me procurou
pessoalmente e pediu para conhecê-la melhor. Por isso, se arrume bem
bonita para hoje à noite, nós iremos a um evento da Famiglia e, se tudo der
certo, sairá de lá comprometida.
— Achei que havia me tirado daquele lugar porque estava com
saudades.
— Não seja ridícula. Eu não tive um filho, então espero que me dê
netos machos. Vicente é viúvo e possui três filhos homens. Então vimos que
o problema não é dele.
Olhei-o horrorizada.
— Qual é a idade desse tal Vicente?
Papai acendeu um charuto e tragou.
— 62. — Deu de ombros.
Senti repulsa. Naquele momento tive vontade de gritar em protesto e
depois sumir sem rumo. Eu queria questionar, porém sabia que em nada
adiantaria. Tudo que tinha que fazer era abaixar a cabeça e aceitar de bom
grado o que me fora resignado.
— Papai... eu só tenho 27.
— Só...? Para um casamento, está velha, e os rapazes querem mulheres
mais jovens que você. Costello tem um ótimo cargo dentro da organização,
está velho e você logo ficará viúva. Só precisa tratá-lo bem.

Quase morri quando fui oficialmente apresentada a Vincent Costello.


O homem baixinho, careca e barrigudo usava óculos fundo de garrafa.
Apesar de gentil, sua idade e sua aparência não me agradavam. Após
dançarmos por toda noite, encarecidamente pedi para descansar. Foi uma
maneira de me manter longe, sentia nojo dele.
Sentei afastada, logo uma moça que estava na mesma situação que a
minha — solitária —, juntou-se a mim e nós conversamos por toda a noite,
até desviarmos a atenção para a quantidade de soldados adentrando o salão.
Fiquei encantada quando vi um homem alto andando elegantemente pelo
salão, sua presença era ameaçadora e poderosa.
— Quem é ele? — perguntei para Lídia, a moça que me fazia
companhia.
Ela riu, dando um gole de sua bebida. Todos três eram lindos, mas o
mais alto chamou minha atenção.
— O chefe. Atrás dele está o Capo, e ao seu lado o Subchefe. Eles são
os irmãos Guerrieri, os donos da máfia.
Sempre havia ouvido falar do chefe, mas nunca pensei que fosse tão
bonito, e por ser um homem maduro, realçava seu charme e deixava muita
coisa para a imaginação.
— Ele é muito bonito — murmurei. — Uma pena que é... casado?
— Sim, e ela está aqui.
— Qual a vantagem de ser amante de um homem desses? Suponho que
suas amantes tenham benefícios, não?
Ela soltou uma gargalhada.
— O benefício é ter a sorte de ser amante de um homem desses... —
Ela pôs a mão na boca, se reprovando. — Jesus, olha o que você me fez
falar. Mantenha sua paixão platônica apenas para você, para o seu próprio
bem.
— Está certo. Me fale dos outros, eles também são belos.
— Apenas o Capo é noivo, mas ouvi dizer que não está satisfeito,
talvez por ser mulherengo e correr atrás de qualquer rabo de saia. A maioria
dessas mulheres já passaram pela cama dele. Talvez você tenha sorte com
ele. — Deu um gole em sua bebida.
Quando meus olhos encontram com os olhos do Capo, um arrepio
percorreu minha espinha. Ele também havia notado minha presença ali,
obviamente. Naquele momento, decidi que ele seria meu, de um jeito ou de
outro.
Depois de tanto observá-lo e ser correspondida, levantei-me da
cadeira, ajeitei meu vestido e caminhei em direção à saída, tendo em mente
que teria que passar por eles, sendo assim, arrumaria um pretexto para
puxar assunto com o Capo. Foi quando então, já perto dele, simulei um
esbarrão, que derrubou toda sua bebida no meu vestido. Aquele gesto não
passou despercebido, pois também consegui atrair a atenção do chefe, só
que diferente do capo, ele me olhou de soslaio... um jeito bem esquisito,
parecia desconfiado.
O que tinha nesse homem que, mesmo sendo bonito, causava terror só
de olhar para ele?
— Perdão — balbuciei nervosa, pois já tinha me arrependido da
idiotice.
— Não... que isso! Eu que tenho um péssimo hábito de falar e fazer
gestos ao mesmo tempo. A culpa também foi minha — o capo se
desculpou, para o meu alívio.
— Tão clichê — o Subchefe ironizou. Aquilo deixou-me ainda mais
nervosa. Até onde sei, eles eram as autoridades e eu estava mentindo
descaradamente. Senti-me estúpida por tentar arrumar algo com algum dos
Guerrieri, certamente eles não iriam facilitar.
Não aguentei ficar ali sendo observada daquela maneira e nem poderia,
caso contrário eles iriam investigar sobre minha vida e saber do meu
compromisso com Costello, eu deveria chamar menos atenção.
Me apressei em dizer:
— Eu vou me limpar. Peço perdão aos senhores, mais uma vez.
Meu coração acelerou quando o Chefe virou-se de frente para mim e
fixou o olhar, descendo para o meu corpo, dando goles de sua bebida cor
âmbar. Seu olhar parecia um detector. Ótimo. Consegui atrair sua atenção,
mas não me senti segura com aquilo, pelo contrário.
Cheguei trêmula ao banheiro. Peguei o papel e fui inutilmente tentando
secar meu vestido. Estava quase me arrependendo de ter feito aquela
idiotice, foi quando olhei através do espelho a porta se abrindo e uma
mulher elegante caminhar em minha direção. Ela era muito bonita e
elegante, seu rosto era angelical e seus cabelos eram lindos, compridos e
claros, mas seus olhos estavam estreitos, pareciam zangados.
— Boa noite, forcei um sorriso.
— Boa noite. — Ela sorriu, tirou um batom da bolsa e passou
cuidadosamente nos lábios.
— Gostei do batom — falei, olhando para ela através do espelho.
Ela não disse nada, continuou contornando os lábios, dando mais
volume. A presença dela estava me intimidando.
— Eu vi o que você fez — ela disse ao terminar, depois virou-se para
mim com um olhar ameaçador. — Aquele homem alto e bonito é o meu
marido. Ele é o chefe, e eu sou a esposa dele. Ouviu bem?
— Sim...
— Fique longe dele. É um conselho.
— Calma. — Estendi as mãos me rendendo, fiquei apavorada.
— Estou calma, querida, do contrário você já estaria morta. Estou farta
de ver vagabundas se jogando para cima de homens comprometidos,
principalmente quando um desses homem é o meu. Muitas vendem suas
almas somente para estar na cama dele.
— Eu não estava me jogando para cima do seu marido. Se passei essa
impressão, peço desculpas. Aquilo foi um acidente.
— Nenhum deles ali é para o seu bico de galinha. Todos são
comprometidos, respeite o relacionamento dos outros.
— Me desculpe. — Fiquei com ódio dela, mas me contive e abaixei a
cabeça, se batesse de frente, daria merda para mim.
— Não seja sonsa, você não me engana. Espero que esse acidente não
se repita. — Ela ajeitou o vestido e saiu, com a mesma sutileza que entrou.
Respirei fundo. Contei de 1 a 10 para não surtar e quebrar tudo à
minha frente. Ninguém mais iria me humilhar. Ajeitei meus cabelos e, ao
abrir a porta, fui puxada para um canto. Demorei para processar que era o
capo na minha frente, olhando-me com compaixão. Ele estava me
encurralando na parede, seus olhos verdes concentrados em mim. Ele era
lindo, mas sua posição e seu dinheiro me atraíam mais do que a própria
beleza.
Sempre fui ambiciosa e nunca aceitaria menos, mas casar com um
velho seria humilhante.
— O que Laura disse a você?
— Quem...?
— A mulher que saiu desse banheiro... veio atrás de você, não? O que
ela fez?
Rapidamente lembrei da mulher elegante, que disse ser a mulher do
chefe.
— Sim, achou que eu estava interessada no marido dela e teve um
ataque de ciúmes, mas meu interesse é em outro homem. Fiquei encantada
quando o vi e meus olhos são apenas dele — murmurei. — Desculpe-me o
atrevimento, mas fiquei encantada pelo senhor. Seria pedir muito que meu
primeiro beijo fosse com você?
As feições do rosto dele mostravam traços de surpresa.
— Você não sabe o que está dizendo, nem nos conhecemos. Volte para
a festa antes que eu faça algo indevido...
Tomei a liberdade e uni nossos lábios. Era meu primeiro beijo, e ele
percebeu naquele instante, mas não se importou e tampouco questionou,
segurou-me pela cintura, aprofundando nosso beijo. Foi mágico e me tirou
de órbita.
— Sou Jessebelle Bacchi.
— Eu sei quem é você. Sei também que já tem um pretendente.
Ele deu as costas, e antes que sumisse do meu campo de visão, eu
gritei:
— Prefiro um homem de verdade, não um velho que está prestes a
morrer. Há tesão subindo pelas minhas veias, e aquele velho não dará conta
de mim.
Senti quando seus músculos ficaram tensos. Depois de alguns minutos,
um soldado se aproximou de mim e se apresentou como Josué, me entregou
o cartão com um número de telefone, quase perdi o ar quando notei que era
o número do Capo e que o próprio havia mandando me entregar.

Os dias passaram normalmente, mas eu não conseguia tirar o Capo dos


meus pensamentos, descobri que se chamava Matteo e morava numa
mansão sozinho. Sempre que a gente se encontrava em algum evento, a
troca de olhares era mútua, corríamos para nosso esconderijo e nos
beijávamos por horas. Ele me desejava.
Sempre me ligava nas horas vagas.
Até que não deu mais para resistir e nos entregamos. Em um dos
eventos, enviei um recado discreto para Matteo, dizendo que esperava por
ele no jardim próximo do lago. A noite estava linda e estrelada, perfeita
para entregar minha virgindade e conseguir o posto de esposa do Capo. Pelo
menos era isso que eu tinha em mente: achei que transar com Matteo
Guerrieri me traria algum benefício.
— Boa noite — ouvi sua voz rouca, e um arrepio atravessou meu
corpo.
Virei-me para ele e fiquei deslumbrada com a beleza perfeita dele.
Matteo Guerrieri usava um terno cinza, seus cabelos estavam molhados e
perfeitamente alinhados.
— Oi. — Sorri, dando um passo em sua direção. Toquei seus cabelos e
senti seu corpo ficar tenso. Era frustrante ver como ele ainda se esquivava.
— Obrigada por vir.
Eu tinha tudo em mente para tentar seduzi-lo, depois de assistir a
vídeos pornôs, sabia que estava pronta para iniciar minha vida sexual. A
química entre mim e Matteo era perfeita, tudo isso contribuía. Então fiquei
feliz quando ele me chamou para sentarmos na beira do lago. Ficamos por
alguns minutos conversando, até eu dar o primeiro passo. Fiquei louca
quando começamos a nos beijar e as mãos deles percorreram meu corpo. Eu
me abaixei e desci o zíper da calça dele, comecei a chupar o seu pau, que
era enorme. Imaginei como minha boceta ficaria arrombada dando para ele,
era isso que tinha me deixado mais excitada. Matteo ficou louco, a
adrenalina por sermos pegos por alguém a qualquer momento nos
consumiu.
Matteo tomou o controle da situação e subiu em cima de mim, abriu
minhas pernas e se acomodou no meio delas. Eu estava completamente
molhada e não poderíamos perder tempo. Um grito rompeu minha garganta
quando o pau dele entrou na minha boceta, Matteo parou um pouco e voltou
a me beijar.
Cada vez que saía e entrava, eu sentia aquele pau me arrombar. Matteo
não aguentou muito e começou a socar com força, nos entregamos ao prazer
e à luxúria enquanto a máfia estava em festa.
Matteo urrou alto tirando o pênis de dentro de mim e gozando na
minha barriga, foi quando percebemos o sangue da minha virgindade. Para
mim, apesar de tentar tirar vantagem, foi especial.
Depois que a respiração voltou ao normal, Matteo subiu a calça e
ajeitou o pau dentro dela. Mas o homem parecia desconcertado depois do
que fizemos, não parecia satisfeito.
— Você não vai me deixar, vai? — perguntei, temendo a reposta.
Ele parou de se ajeitar e olhou para mim.
— Vai ser minha amante, não vou abrir mão de você depois de ter
tirado sua virgindade. Me sinto responsável agora.
— Não vamos nos casar?
— Eu já tenho um casamento marcado com uma mulher que não me
atrai. Mas sou o Capo e vivo sob as leis da máfia, portanto não posso abrir
mão desse casamento. Meu irmão foi irredutível.
Caí por terra após ouvir aquilo, eu tinha que mudar o rumo da minha
vida. Papai iria me matar.
Eu não poderia simplesmente aceitar um cargo de amante.
Não estava nos meus planos ser amante do capo, mas tive que
convencer a mim mesma de que era preciso começar por baixo para chegar
ao topo. Infelizmente, apesar de não me orgulhar da minha indecisão, eu
precisava construir minha felicidade em cima da infelicidade de outras... No
caso, Anna.
Os dias foram passando e minha ansiedade crescia junto com o medo
de Matteo não me assumir como sua mulher, nessas alturas as fofocas
corriam soltas pela Famiglia. Foi doloroso e humilhante ver que na Máfia
ninguém me respeitava, e ouvir os cochichos debochados em relação a mim
apenas aumentava minha sede de chegar ao topo. Foi então numa tarde
monótona de domingo que papai me confrontou, por fim: decidiu que
mandaria uma médica da Famiglia vir até a nossa casa para verificar minha
virgindade. Liguei desesperada para Matteo pedindo um posicionamento,
pois certamente papai iria saber da verdade e me mandaria para um dos
clubes.
Por mais que eu soubesse que, no fundo, Matteo sentia-se responsável
por mim de alguma forma, eu não poderia arriscar deixá-lo acostumado
com a situação de me ter a hora que quisesse. Nosso sexo tinha que ser
maravilhoso, e eu usaria como um meio para tê-lo aos meus pés. E tem
sido assim desde então.
Naquela mesma tarde de domingo Matteo foi na minha casa falar com
o meu pai. Eles se trancaram no escritório, e depois de alguns minutos pude
ouvir gritos irritados de papai, todavia tive fé em Matteo, porque era ele o
Capo. Em cada família havia um Capo, que era responsável por manter a
família sob as leis da máfia e não deixar ninguém se desviar do caminho.
Papai era o capo da nossa família e sua obrigação era cuidar da nossa
educação e nos manter seguras e puras até o dia do casamento. Mas Matteo
estava acima dele. Era o capo de todos os capos.
— Eu não estou pedindo permissão, estou comunicando que levarei
sua filha para morar comigo. — Estremeci quando ouvi a voz rude de
Matteo.
Minhas pernas tremiam de medo, mas continuei firme atrás da porta
ouvindo a conversa acalorada.
— Você está desonrando minha filha! Eu não a trouxe de volta para ser
amante do Capo. Além do mais...
— Não precisa se preocupar. Irei assumir minhas responsabilidades
com sua filha. O assunto está encerrado.
— O senhor veio até a casa de um homem honrado para humilhá-lo.
Como membro do conselho, não deixarei barato: minha casa é meu
santuário e o senhor não deve me ofender aqui.
Corri para sentar-me no sofá quando a porta do escritório foi aberta.
Matteo saiu com sua pose mostrando quem era a autoridade, papai surgiu
atrás com o semblante derrotado.
Meu coração quase ficou apertado ao vê-lo daquele jeito se não fosse
pelos anos que me deixou trancafiada naquele colégio interno, e ainda
querer tirar o restante da minha juventude para me casar com o velho.
Sempre fui dona de uma beleza estonteante, e desde que cheguei a
Sicília percebo o modo que os homens olham para mim, sei que muitos
deles dariam suas vidas para estar comigo. Adepta de esportes, meu corpo
era perfeitamente moldado e não havia nada fora do lugar, sendo assim, não
era justo ter tanto cuidado com minha beleza para no final ser entregue nas
mãos de um velho caquético, não me importava se o barrigudo iria morrer
logo... porque eu tinha nojo.
— Venha até o escritório.
Papai seguiu na frente e eu segui atrás. Podia sentir a áurea pesada que
se instaurou no local. Quando adentrei o escritório, papai ordenou que eu
fechasse a porta. Ao virar-me de frente para ele, fui surpreendida por uma
bofetada no rosto.
— O que você pretende com a safadeza na qual se enfiou? Amante?
— Ele vai se casar comigo. Dou minha palavra ao senhor — respondi
confiante.
Papai estava de costas, derramando no copo um de seus uísques caros,
no entanto parou abruptamente e virou-se de frente para mim, soltando uma
gargalhada.
— Matteo Guerrieri é um moleque mulherengo, sempre tirou sarro de
coisas sérias. Ele não tem culhão de desafiar as regras da máfia para se
casar com você. — Ele virou um gole da bebida. — Sua ambição vai te
levar à morte.
Naquele momento percebi que iria me esforçar ao máximo, porque eu
precisava provar que papai estava errado.
— Como fui burro... Agora entendo o porquê da máfia falar de você
pelas costas! — gritou. — Não adianta ser um homem honrado, nem
mesmo ser o Capo de uma das famílias importantes da máfia, nem valeu a
pena ter esforçado para manter-se no topo, pois uma vez que sua única filha
o desmoraliza perante a sociedade, todos os seus esforços tornam-se nulos.
Abaixei a cabeça. Ouvir palavras duras ditas pela boca do meu pai era
constrangedor.
— Pode ir viver sua aventura e jamais pense em voltar, porque o seu
destino estará reservado em um dos clubes da Famiglia, servindo homens
piores do que Costello.

Os dias passaram e o me arrependimento veio à tona, porque eu não


estava vendo progresso no meu relacionamento com Matteo. Embora eu
tivesse sua fortuna à minha disposição e um sexo maravilhoso, não era
suficiente diante de tudo que eu havia perdido, minha reputação estava
completamente danificada perante os olhos da Famiglia, e as mulheres me
olhavam com nojo, muitas não falavam comigo porque eram proibidas por
seus maridos.
Foi duro admitir que papai tinha razão quando disse que Matteo nunca
iria me assumir porque não tinha maturidade para lidar com essas questões.
Enquanto minha imagem ia se degradando, Anna tornava-se imaculada.
Então... foi em uma dessas festas da Famiglia que decidi meu destino.
Todos estavam alegres bebendo e comemorando um atentado numa das
cidades da Rússia.
Peguei uma garrafa de vinho e me sentei de frente para o lago,
completamente pensativa, levei a garrafa de vinho à boca dando goles
generosos, eu queria penas beber para esquecer a merda que se tornara
minha vida, porque ser mulher na máfia nunca foi fácil.
Até que tudo na minha frente foi ficando distorcido com o efeito do
vinho, no entanto ainda foi possível sentir a presença de alguém atrás de
mim.
— Senhora, precisa de ajuda?
Mesmo sob efeito do vinho e a música alta nos fundos, foi possível
reconhecer a voz grossa de Josué. Ele era um dos soldados de confiança do
Matteo, embora seu grande cargo fosse digno de gratidão, Josué não se
restringia quando olhava para o meu corpo sem disfarçar.
Mas o que eu poderia esperar se era assim que todos os homens me
enxergavam desde que eu me rebaixara ao papel de amante?
Cansada daquele joguinho, coloquei-me de pé.
— Preciso que mate a esposa do Capo. Pode fazer isso? — Ri com
desgosto, virando-me de costas para ele, e contemplei a noite estrelada. —
Por favor, deixe-me sozinha, ninguém pode me ajudar.
Senti suas mãos grandes e firmes tocando minha cintura. Josué
encostou os lábios no meu ouvido e sussurrou:
— Eu posso ajudar.
Desfiz-me de seu contato, gargalhando. Ele queria me enlouquecer,
mas não iria conseguir.
— Você... me ajudar?. Não pense que vou cair nessa. Acha que fui
ingênua me entregando para o capo na intenção de ser a esposa?
Josué deu de ombros, tirando um cigarro do bolso acompanhado de um
isqueiro de prata.
— Por isso sou contra os colégios internos, muitas de vocês ficam anos
trancadas lá e não sabem um terço das regras. São ingênuas para o mar de
monstros que nadam nas profundezas da máfia, o que você está vendo é só
a ponta do iceberg — Josué deu uma pausa para tragar o cigarro. — Eu
tenho carta branca para entrar nas casas do Capo... Sou um dos soldados de
confiança, posso te ajudar.
Fiquei desconfiada. Por que diabos ele iria me ajudar?
— Por que quer me ajudar? Que jogo é esse?
Josué se aproximou do lago, dando tragos no cigarro de odor fétido.
— Trabalho há anos na Famiglia e nunca fui favorecido em nada.
Estou cansado desse lugar e tenho planos de me refugiar. Na Cosa Nostra os
soldados são tratados como cachorros. — Tragou novamente o cigarro. —
Apenas comemos restos deixados pelos donos.
— Pensa em ser tornar um traidor... ?
— Eu já sou. Passo as localizações dos esquemas da Cosa Nostra para
outras organizações menos favorecidas, cujos membros são agricultores. —
Josué tocou meu rosto. — Eu posso ajudar você a conquistar o lugar que
tanto almeja, não acho justo que uma moça bonita ocupe uma posição
desfavorecida.
— Em troca de quê?
Mal consegui raciocinar quando sua língua invadiu minha boca, suas
mãos brutas levaram-me para mais perto de seu corpo robusto. Eu não sei
se era o efeito do álcool que não me deixava raciocinar, mas segurei em sua
nuca e aprofundei os beijos. Beijos de desejo, paixão e loucura. Josué era
um homem lindo até mais do que o próprio Matteo, mas era apenas um
soldado.
— Você já tem sua reposta, Bella?
— Como posso saber se o que diz é verdade?
— Eu não iria revelar que sou um traidor da Cosa Nostra, iria? —
Tocou meus cabelos com adoração. — Você quer se casar com o Capo, e
em troca quero passar um tempo com você.
— Eu amo o Matteo.
— Seja fria e calculista, quem faz parte da máfia não tem vida longa.
Além do mais, o Capo vive bêbado e acredito que muitos inimigos estão de
olho nele. Seja esperta e chegue ao topo antes de tudo acontecer, do
contrário ficará na miséria e com a reputação suja.
Meu coração se apertou. Eu não queria perder Matteo, porém seria
Anna a beneficiada caso isso acontecesse. Infelizmente, Matteo era um
mafioso e sendo assim não teria uma vida longa.
— Eu... preciso pensar — murmurei com dificuldade. Josué voltou a
me beijar, e estranhamente retribuí, sentindo-me atraída por ele. Talvez
fosse a solidão em meu peito.
Josué saiu, deixando-me sozinha naquele lugar escuro, longe de toda
aquela algazarra da máfia.
Eu estava virando a última dose do vinho quando escutei folhas secas
sendo pisoteadas, quando olhei para trás alarmada, Costello estava sorrindo
mostrando seus dentes amarelados. Meu coração acelerou em demasia,
achei que iria sofrer um infarto.
— Sua beleza impressiona, Jessebelle. — Ele se aproximou com as
mãos no bolso. — Não há um homem nessa maldita máfia que não queira
comer você, mas achei que gostava de senhores com cargos altos e não de
um simples soldado traidor —gargalhou. — O bastardo ainda é um traidor?
— Não sei do que está falando. Eu não concordei com nada do que ele
disse, estou indo avisar ao Matteo. — Tentei passar, mas o velho segurou no
meu braço.
— Não se faça de sonsa, menina. Você deveria ter dito não, deveria ter
ido até o Capo e contado sobre os planos do seu novo amante.
— Ele não é meu amante...
— Você correspondeu aos beijos e às expectativas dele. — Costello
olhou-me com nojo — Grazie a Dio não me casei com você, mas quero me
enfiar entre suas pernas antes de vê-la pagar por sua ambição.
Costello avançou sobre mim, rasgou meu vestido com violência e
começou a me beijar. Apesar de ser velho, o homem tinha forças, o que me
impossibilitou de me mexer.
— Pode gritar se quiser, assim o circo estará montado e eu aproveito
para mostrar as fotos que tirei de você se agarrando com o soldado.
E num piscar de olhos, minha vida virou uma bola de neve. Tudo por
ambição.
Senti a dor do impacto quando meu corpo caiu no chão, a garrafa fugiu
da minha mão e rolou para longe. Costello subiu sobre mim, levantou meu
vestido e acomodou-se entre minhas pernas.
— Você acha que Matteo Guerrieri se importa com você? — ele riu. —
Aquele garoto não se importa nem com ele mesmo. Ele trata as mulheres
como um simples objeto.
Tudo aconteceu rapidamente. Quando o velho barrigudo visivelmente
alterado pelo álcool se afastou para descer as calças, eu escapei pelo lado,
mas caí de bruços quando meus pés foram puxados, Costello subiu em mim
novamente e rasgou minha calcinha deixando minha bunda à mostra.
Chorei baixinho esticando a mão até a garrafa de vinho, pegando-a para
acertar a cabeça do velho. O homem barrigudo caiu para o lado, sua cabeça
estava ensanguentada. Entrei em estado de choque e apaguei.
Acordei sentindo a maciez do colchão. Matteo aproximou-se da cama
e tocou meus cabelos. Eu queria dizer-lhe tantas coisas, mas fui fraca e me
calei.
— Bom dia.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Você bebeu demais na festa, Josué te encontrou caída perto do lago
e a trouxe para casa.
Novamente as lembranças dos acontecimentos vieram como bomba
explodindo minha cabeça. Fiz tudo por amor a Matteo e no fundo não tive
seu reconhecimento, será que ele não percebia que eu o amava mais do que
tudo nessa vida?
Ele havia me deixado sozinho mais uma vez para servir a maldita
Famiglia. Foi quando levantei da cama furiosa, fora de razão, e gritei:
— Onde você estava quando isso aconteceu?
— Jessebelle...
— Uma porra, Matteo! — gritei histericamente, deixando as lágrimas
molharem minhas bochechas. — Todos falam de mim nessa maldita
Famiglia e você nunca está por perto para me defender.
Matteo respirou fundo.
— Pare de se preocupar com o que as pessoas pensam sobre você.
— Ou você passa a me dar o devido valor, ou esqueça que existo. Há
homens que me desejam e muitos deles são solteiros.
Matteo avançou sobre mim, encurralando-me na parede.
— O que quer dizer com isso? — Puxou meus cabelos. — Tenho
problemas demais para ficar me preocupando com os seus chiliques. A
Cosa Nostra está sob minha responsabilidade agora, preciso da sua
compreensão.
— Eu não aguento mais... — Enterrei a cabeça em seu peito. — Não
aguento ser uma simples amante. Eu larguei tudo por você, Matteo, engoli
cada humilhação por amor. Acha que foi fácil vê-lo se casando com outra?
— Eu sei que não — ele sussurrou no meu ouvido, dando leves beijos
em meu pescoço.
Eu não sabia o que mais Matteo sentia por mim além de tesão, porque
o medo de nunca chegar ao seu coração me apavorava, e eu precisava agir.
Matteo era movido por um bom sexo e isso era o que eu tinha por enquanto,
mas e quando o desejo acabasse?
— Precisos de provas para saber o quão desejada sou por você.
E foi através de sexo e chantagens que comecei a manipulá-lo.

Me senti vingada quando finalmente fiz Anna ser humilhada por


Matteo, vê-la presa naquele lugar horrível elevou minha autoestima e
confiança de que tudo poderia dar certo para mim.
Josué reforçou seu plano de tentar seduzir Anna, já que ela estava
completamente fragilizada e sozinha, porque Matteo me prometeu que
ficaria longe dela e de outras mulheres.
Eu mal podia esperar para que ela fosse acusada de adultério, Matteo
estaria livre e Anna, morta.
Só que nada vinha de graça para mim...
Em troca dos favores de Josué, eu o agradava com sexo e dinheiro.
Sendo um soldado de confiança, ele tinha passe livre para entrar em casa
mesmo quando Matteo não estava. O soldado tinha a missão de proteger as
propriedades e alertar o que havia de errado.
Nós fazíamos sexo na ausência de Matteo, depois ficávamos abraçados
arquitetando planos e rindo quando me dizia que Anna estava cada vez mais
envolvida com suas investidas, logo a convidaria para tomar algo forte e
seguiria com a última etapa do plano louco e descabido.
Josué sugeriu que eu colocasse drogas nas bebidas de Matteo para
mantê-lo sob minha vigilância enquanto ele agia com os negócios fora da
Cosa Nostra, entendi perfeitamente que Josué teria que se refugiar em
algum lugar quando a bomba estourasse e Anna fosse encontrada em sua
cama, então fiz tudo que ele disse. Matteo apagava depois de ingerir álcool
e Josué agia sorrateiramente.
Os dias passavam e nossos planos seguiam.
Anna logo cairia na armadilha. Combinamos que ela teria que estar
sob efeito de bebidas alcoólicas para que não percebessem que havia sido
estuprada e que o sexo com Josué tinha sido consensual, assim seria
provada sua infidelidade e Matteo finalmente seria meu.
Mas, estranhamente, Josué não voltou a me procurar.
Os dias foram passando e o soldado não deu mais notícias, meu
coração estava apertando e com receio de que o plano tivesse dado errado.
Mas ainda havia uma esperança me corroendo por dentro, eu poderia estar
carregando um filho do Matteo, porque nunca me descuidei quando transei
com Josué.
A cada dia sem notícias eu me convencia mais de que algo de errado
havia acontecido com Josué, então com medo pelo suposto filho em meu
ventre, pedi a um dos soldados que me levassem até o famigerado Chefe
responsável por todos nós. Era loucura da minha parte ir até lá, porque se
ele estivesse sabendo do meu caso com Josué, provavelmente minha cabeça
rolaria por aquele chão, mas não adiantaria me esconder.
Após esperar por cincos horas para ser atendida, sendo castigada pelo
frio do ar-condicionado, finalmente me guiaram por um longo corredor. Os
soldados posicionaram-se atrás de mim e a enorme porta de madeira com
um puxador generoso foi aberta. O chefe estava sentado atrás de uma
enorme mesa de carvalho enquanto rabiscava algo no papel, parou assim
que notou minha presença e indicou uma cadeira à sua frente.
— Chefe, estou grávida. — Engoli em seco, tentando tomar uma
lufada de ar. Eu não sabia se estava realmente grávida, mas se tudo viesse
por água abaixo eles precisavam saber da possibilidade de haver um
Guerrieri dentro do meu ventre.
— Tenho certeza que não é meu . — Ele voltou a rabiscar algo sem dar
a devida importância para minha presença.
— O pai ainda não sabe — balbuciei, vendo-o parar novamente e
levantar a cabeça.
— Não sabe? — Ergueu uma sobrancelha.
— Temo pela vida dessa criança, pois ter filhos fora do casamento é
contra as regras, então eu pensei que...
— E mesmo assim engravidou... — Ajeitou-se na cadeira. — Tomarei
as devidas providências, agora some daqui.
Eu já não tinha mais o que fazer, era só aguardar meu destino...
Minha ficha finalmente havia caído no dia do meu casamento com
Matteo, no dia mais feliz da minha eu percebi que tudo não passava de um
jogo onde eu era a peça principal.
Olhei para todos os presentes naquela sala, em especial para Matteo,
que mantinha um olhar aterrador sobre mim. Por menor que tenha sido meu
erro, eu sabia que não havia perdão para nada daquilo.
— Não tiro minha culpa, mas Josué começou com tudo — gritei sob
olhares curiosos sobre mim. Ele também era culpado e todos precisavam
saber que ele tinha me envolvido nesses truques.
Matteo pôs se de pé, caminhou em minha direção e parou perto do
meu rosto, fechei os olhos quando ele levantou a mão e acertou um tapa
forte na minha bochecha.
— Maldita! — ele gritou, avançando sobre mim, meu rosto bateu
contra a mesa grande e por pouco não vi tudo escurecer.
Matteo, não satisfeito, atirou-me contra o chão e quando tentou se
aproximar novamente, foi contido pelo chefe.
Meus olhos caíram em Josué. Como ele pôde fazer aquilo comigo?
Como se estivesse lendo meus sinais de desapontamento, Josué
murmurou.
— Eu sinto muito, Bella.
Matteo olhou para mim e para Josué, eu sabia que ele estava desolado,
meu coração doía ao vê-lo tão vulnerável, mas era preciso arriscar para
estar de vez ao seu lado, ter seu amor de vez somente para mim.
O Chefe manteve sua superioridade diante de nós, olhando-nos como
se fôssemos meros fantoches em suas mãos, e éramos mesmo.
— Tem algo a acrescentar antes de morrer, Josué? Você não tem mais
serventia. — Fechei os olhos ao ouvir a voz do chefe novamente, naquele
momento temi pela vida do meu suposto filho.
— Foi exatamente como ela disse, chefe. Eu me arrependo da metade
das coisas que fiz, estava apenas cobiçando o que não era meu.
O chefe Riccardo passou a mão pelo rosto e respirou fundo, ignorando
as palavras de Josué.
— Espero, Matteo, que a partir de hoje você amadureça e aprenda a ser
sagaz, não seja idiota de colocar uma boceta à frente de suas obrigações. —
Ele se virou. — Anna, espero que a partir de hoje você também aprenda que
ninguém será capaz de curar suas cicatrizes amorosas, aprenda a lidar com
isso sozinha.
Matteo sentou no chão. E mesmo que as lágrimas caíssem em meu
rosto, eu não tinha mais como voltar atrás.
Num piscar de olhos, alguns soldados adentram a sala e o pavor tomou
conta de mim quando eles caminharam em minha direção e me arrastaram
para fora. Vi também o momento que fizeram o mesmo com Josué.
Gritei histericamente e me debati, mas foi em vão. Eles continuam me
arrastando por um longo corredor escuro, eu tropeçava nas minhas próprias
pernas, mas ninguém se importava, e logo me colocaram sentada na
cadeira, amarrando forte meus pulsos e pés.
— Não. — Debatia-me, mas recebi um forte tapa no rosto de um deles.
Poucos segundos depois, chegaram outros soldados carregando Josué
desacordado e os homens prenderam os pulsos dele em correntes que
pendiam do teto.
Eu não sabia quanto minutos haviam se passado, mas o aperto nas
minhas mãos e pés estava cada vez mais insuportável. O desespero tomava
cada veia do meu corpo, e então me arrependi de tudo.
— Eu sinto muito. — A voz de Josué saiu fraca. — Estávamos sendo
monitorados esse tempo todo. O chefe descobriu e colocou soldados para
me torturar, depois me ofereceu liberdade como recompensa, acabei me
sentindo obrigado a fazer o que me foi ordenado... enganar você não estava
nos meus planos.
Chorei alto, sentindo-me estúpida por ter cedido ao jogo insano de
Josué.
— Você é um desgraçado. Como podíamos cogitar enganar a Cosa
Nostra?
— Mas houve um tempo em que eu fiquei ao seu lado. Fui seu
cúmplice naquela noite e sumi com o corpo de Costello naquele lago. Eu
cuidei de você naquela noite. Estávamos próximos de conquistar tudo, mas
na máfia infelizmente as coisas são assim... o plano podia ter dado certo, e
nós arriscamos. Eu amo você, Jessebelle, amei desde a primeira vez que te
vi... E quando um homem ama uma mulher, ele faz loucuras por ela.
— Eu não deveria ter caído nessa loucura — solucei.
Paramos de falar quando a porta foi aberta e uma mulher vestida de
branco adentrou o cômodo, olhei alarmada vendo a mulher se aproximar de
mim mesmo com minha visão embaçada pelas lágrimas.
— Vim colher um pouco do seu sangue.
Eles iriam confirmar minha gravidez antes de me matar...
Depois de ouvir tudo aquilo, eu quis quebrar o pescoço de Jessebelle, e
se não fosse por Riccardo, eu a teria matado com minhas próprias mãos.
Infelizmente, eu tinha de esperar o maldito resultado do exame, para ver se
a vagabunda carregava um filho meu.
Já não me aguentava de ansiedade, andava de um lado para o outro
tentando me acalmar. Riccardo me entregou um copo de uísque, o gosto
amargo da bebida desceu queimando minha garganta e me fez cair sentado
na cadeira.
Confiei em Josué, eu o tinha como um amigo. Diferente de muitos,
sempre tratei os soldados com educação e nunca fui de exigir muito deles.
O maldito traidor era o único que tinha liberdade de entrar na minha casa.
Confiei em Jessebelle, caí no seu poder de sedução e me deixei
enganar. Acabei permitindo que tudo isso acontecesse, não havia outro
culpado além de mim.
No entanto, precisei disso para acordar. Depois de todas aquelas
confissões, percebi que precisava recomeçar, ser o mafioso que meu irmão
sempre quis que eu fosse: honrar a Cosa Nostra como nunca fiz.
Estava na minha hora de amadurecer para assumir as
responsabilidades.
Um soldado bateu na porta e entrou, arrancando-me dos meus
pensamentos. Minha atenção foi desviada para ele, o observei caminhar até
Riccardo para entregar um envelope, que presumi ser o exame de gravidez.
Meu coração acelerou de nervoso, tanto que acabei virando mais doses de
uísque.
Com toda paciência do mundo, meu irmão abriu aquele maldito
envelope e permaneceu calado. Os minutos tornaram-se angustiantes, e,
naquele momento, percebi que não estava preparado para ser pai. Sob
hipótese alguma queria um filho me amarrando a Jessebelle.
— E então...?
— Para sua sorte, a puta não está grávida. Entretanto, estava tentando
dar o golpe da barriga, e qualquer sintoma diferente era uma possibilidade
para ela. — Ele sentou na cadeira. Mesmo com toda aquela indiferença,
pude ver que ele também ficou aliviado.
Foi como se um peso saísse das minhas costas, eu jamais iria cometer
esse erro novamente. Jamais iria me envolver com outra mulher sem
proteção, a menos que essa mulher fosse Anna.
Seria difícil reconquistar seu amor? Porra, nunca tive seu amor! Nunca
me esforcei para despertar isso nela.
— Quero sua permissão para torturar e matar os dois — falei entre
dentes, sentindo o ódio inflamar minhas veias.
Riccardo assentiu. Levantei da cadeira, ajeitei meu terno e caminhei
até a porta. Finalmente havia chegado a hora de limpar minha honra,
colocaria em prática os ensinamentos do meu irmão.

O pavor tomou conta do rosto de Jessebelle assim que entrei na sala de


tortura.
Caminhei até os objetos que decoravam o lugar sombrio. Minha mente
insana precisava de algo que causasse muita dor... foi quando avistei uma
cadeira de ferro antiga, revestida de pregos pontiagudos e enferrujados. Os
pregos cobriam as costas, braços, o assento, pernas e os pés da cadeira.
Voltei-me para Jessebelle, desamarrei seus pulsos e pernas, puxei-a
pelos cabelos e a arrastei até a cadeira.
— Por favor, Matteo... você não tem que fazer isso. Me perdoe.
— Você também não tinha motivos para ter me traído. — Forcei-a a
sentar na cadeira, e quando os pregos perfuraram seu corpo, um grito
estrangulado rompeu o silêncio do lugar. — Você não está grávida, e caso
estivesse, duvido muito que fosse meu.
Josué, que até então estava dormindo, acabou despertando como os
gritos ensurdecedores.
Forcei os pulsos dela em cima dos pregos e os prendi firmemente, o
sangue já escorrendo sujava a cadeira e o chão. Na medida que Jessebelle ia
tentando se soltar, seus pulsos iam se dilacerando, e a pele dela grudava nos
pregos. Ótimo!
— Não faça isso com ela. — A voz cansada de Josué chamou minha
atenção.
Deixei Jessebelle agonizando com os pregos perfurando suas costas,
nádegas, boceta, coxas, pulsos e pés. Peguei o tíner e o maçarico, caminhei
até Josué, que tinha os olhos arregalados.
Agora sim ele iria saber como um Guerrieri age quando é enganado.
Arranquei suas calças, joguei tíner em todo seu corpo e acendi o
maçarico, o grito dele foi como música para os meus ouvidos, eu podia ver
o tom da sua pele mudando de cor toda vez que o fogo entrava em contato.
Josué tremia e se debatia, gritava como mulherzinha...
Joguei mais tíner no pau dele e concentrei a chama na região, os gritos
ficaram ainda mais altos.
— Pare de gritar, não sou tão bom torturador quanto meu irmão é, ele
tem o dom de tirar informações até das pedras.
Deixando o maçarico de lado, liguei a serra elétrica e fui decepando os
dedos dos pés, depois cortei os pés e, por último, as pernas.
Josué, depois de tanto gritar e se debater em espasmos, acabou
perdendo a consciência. Ele iria morrer lentamente, o sangue escorria com
força do seu corpo e eu o deixaria lá até não restar uma só gota.
Voltei minha atenção para Jessebelle, que também não estava longe de
perder a consciência, ela murmurava coisas sem sentido, e, sem delongas,
passei um facão bem amolado em seu pescoço... a cabeça saiu rolando pelo
chão.
Fiquei um tempo olhando para aquela cena... teria sido diferente se
eles não fossem gananciosos. Talvez, se eu tivesse me conformado com o
meu destino ao lado de Anna, tudo aquilo também seria evitado; porém, se
não houvesse um choque de realidade, eu não enxergaria a mulher linda que
eu tinha ao meu lado. Era disso que eu precisava para ver a vida de outro
ângulo. Nós, mafiosos, não tínhamos muitas opções de vida, e ter uma
mulher fútil ao lado não era animador.
Ordenei que limpassem a bagunça e me retirei do local.

Depois de tomar um banho e retirar todo vestígio de sangue do meu


corpo, troquei de terno e fui para a sala de Riccardo. Eu estava disposto a
honrar meu cargo de Capo e viver sob as leis da máfia, iria pedir que me
deixasse viajar em seu lugar. Mas quando cheguei à sala dele, congelei na
porta quando ouvi a voz de Anna dizendo que seria bem competente e que
entregaria para ele no dia combinado, ainda agradeceu pelo vestido.
Entregaria o quê? Eles estavam marcando um encontro? Riccardo deu
um vestido para Anna?
Riccardo nunca se importou com ninguém, então por que diabos estava
protegendo Anna?
Todas as informações vinham sobrecarregando minha cabeça,
principalmente o divórcio.
— Matteo?
Uma voz suave me tirou dos devaneios, logo me dei conta de que
estava apertando as mãos em punhos sem perceber.
Laura se aproximou de mim e tocou meu ombro.
— Está tudo bem?
Vi em Laura o único jeito para me vingar de Riccardo e Anna, não era
certo o que eu iria fazer, mas meu coração também estava despedaçado.
Primeiro: eu não tive uma infância normal como qualquer criança e
ainda cresci achando que meu irmão mais velho havia matado meus pais.
Depois foi o fato de terem me tirado Laura.
Lembrei-me de quando Fabrizio havia dito que eu estava noivo dela,
no início não gostei muito. Conforme eu ia recebendo fotos dela enviadas
pelo próprio pai, me vi obrigado a ir todos os dias naquele colégio interno
somente para vigiá-la. A cada dia a menina ficava mais linda, e eu tinha
medo que se perdesse, então acabei me apaixonando perdidamente. Depois
tive que lidar com o fato de que não iríamos nos casar, e o pior, que
seríamos da mesma família.
Eu não a via mais com malícia, mais sim como uma irmã, a mãe dos
meus sobrinhos, e eu os amava mais do que tudo.
— O que faz aqui? — perguntei.
— Vim ver o seu irmão, estou muito preocupada com Anna.
Eu ri com desgosto.
— Não se preocupe, meu irmão não fará nenhum mal a ela, pelo
contrário.
Ela enrugou a testa, naturalmente ficou confusa.
— O seu marido e a sua irmã estão tendo um caso.
Laura arregalou os olhos.
— Você ficou louco, Matteo?
— Quem me dera... mas se não acredita, pergunte à sua irmã quem deu
aquele vestido de presente. Depois me diga o que descobriu.
Depois de plantar a semente da desconfiança na cabeça de Laura, fui
embora, sentindo-me sufocado. Estava precisando matar, torturar para me
esquecer das decepções, daquela vez eu não iria me enfiar no meio das
pernas das prostitutas.
A fama de Riccardo nunca foi uma das melhores, e Laura era
ciumenta. Se estivesse mesmo rolando algo entre eles, Laura saberia
identificar.
Continuei absorta, tentando entender o que era aquilo que havia
acabado de ouvir da boca de Jessebelle. E por mais que eu soubesse que ela
era uma pessoa ruim, não conseguia acreditar no que eles estavam
planejando. Aquilo era desumano.
Respirei fundo, impedindo que as lágrimas brotassem. Não adiantaria
nada ficar chorando pelos cantos, mas saber que não se podia confiar nem
na minha própria sombra, me aterrorizava.
Fui ingênua em achar que Josué estava mesmo interessado em mim,
aquilo de certa forma elevou meu ego, minha autoestima. Eu fui quebrada
incontáveis vezes pela vida, e só queria ser amada de verdade.
— Senhora Anna, o chefe está esperando no escritório — o soldado
anunciou, dando as costas e sumindo pelo enorme corredor.
Levantei-me do sofá e saí da sala, acompanhando os passos dos
soldados. Tinha chegado minha vez de me explicar, e só esperava que
aquilo não fosse o suficiente para ser afastada da missão que eu havia
recebido.
Eu tinha quebrado uma promessa de não me envolver em confusão,
acabei fazendo o contrário.
— Entre — o soldado mandou assim que paramos de frente para o
escritório. E em passos vacilantes, entrei.
Meu corpo estremeceu quando a porta foi fechada atrás de mim, e
pude observar Riccardo com os braços cruzados esperando lá dentro. Eu
sabia que deveria dizer algo para tentar me explicar, só que minha voz não
saía. E a vergonha de ter sido enganada queimava meu rosto.
— Chefe... — tentei começar, gaguejando.
— Cale-se, Anna — ele disse, brando.
Cresci ouvindo que mulheres deviam obedecer aos homens e nunca
questionar nada. Então eu baixei a cabeça e acatei suas ordens.
Lembrar da forma rigorosa com a qual eu havia sido criada pelo meu
pai me causava um frio na espinha. Papai sempre dizia que devíamos
abaixar a cabeça para os homens da Famiglia e nunca questionar suas
ordens, foi exatamente por esse motivo que me tornei o chão de Antônio,
porque ele pisava como queria.
Sempre segui à risca tudo que me foi ensinado, nunca questionei
ordens de Antônio mesmo quando estava errado.
— Se te procurei, Anna, foi porque achei que era competente. Eu
seleciono os melhores... Espero não estar enganado em relação a você.
— Eu sinto muito por tudo...
Ele me avaliou, e eu realmente esperava que ele não me tirasse o livro
de contabilidade. E por mais que fosse a cabeça de Giovanni na guilhotina,
eu precisava ser profissional, colocando tudo o que aprendi em prática.
— Você tem três dias.
Engoli sem seco.
— Eu não vou decepcionar, serei competente e entregarei no dia
combinado. Eu também gostaria te agradecer pelo vestido.
— Eu não me importo com você. Dei-lhe uma missão, e não quero que
nada interrompa.
Só então me dei conta da grande mancada... porque eu deveria estar
concentrada no livro, tentando resolver assuntos das notas frias, para que
Riccardo confiasse em mim o suficiente e pensasse na possibilidade de me
dar um cargo.
Mas acabei me desviando do foco.
Ele se calou quando a porta do escritório foi aberta e Laura adentrou o
cômodo apressada, parecia nervosa e agitada.
A respiração dela estava acelerada, fazendo o peito subir e descer
rapidamente. Meu coração se apertou... O que tinha acontecido?
— O que está fazendo aqui, Laura? — a voz de Riccardo foi
autoritária, fazendo minha irmã o olhar assustada.
Ela ficou um tempo olhando para mim, depois fez o mesmo com ele. O
que estava acontecendo?
— Fiquei preocupada... O que vocês estão fazendo aqui sozinhos? —
Olhei-a, tentando saber o que estava acontecendo. Mas Laura balançou a
cabeça, como se quisesse formular a pergunta correta. — Não aguentei
esperar e vim ver o que estava acontecendo.
Vi o momento que Riccardo ajeitou o terno no corpo e se aproximou
da minha irmã em passos calmos. Fechei os olhos, temendo que ele fizesse
alguma coisa contra ela.
Ele a tocou no rosto.
— Sempre se envolvendo em assuntos que não são da sua conta... Me
espere no carro, preciso falar com os soldados. — Ela assentiu hipnotizada
e ele saiu pela porta.
Então consegui chegar à conclusão de que Riccardo havia coagido
minha irmã, e ela não tinha outra alternativa.
Assim que ele sumiu pela porta, corri até minha irmã para abraçá-la.
Eu estava morrendo de saudades. E quando Laura retribuiu calorosamente,
chorei como criança.
— O que está acontecendo, Anna?
Eu queria sentar com ela no enorme sofá e contar tudo o que estava
acontecendo, mas infelizmente eu não podia, minha missão era sigilosa.
— Anna... O que está acontecendo?
Percebendo que eu não iria dizer, ela se afastou de mim e permaneceu
calada. Pelo seu comportamento, pude perceber que estava preocupada.
Ficamos um tempo em silêncio, e mesmo que minha irmã estivesse do
meu lado, eu sentia que ela estava longe.
— Acho que Riccardo está me traindo novamente. — Ela suspirou,
depois de um tempo em silêncio. Nunca foi novidade que um homem
possuísse mais de uma mulher, e por mais que eu tentasse inúmeras vezes
convencer minha irmã sobre isso, ela nunca me deu ouvidos. Era mais fácil
aceitar a realidade do que se iludir com a mentira. — Ele comprou um
vestido para ela, vi na fatura do cartão de crédito dele.
Se essa era a única razão para ela desconfiar do marido... então não se
tratava de uma amante.
Por alguns instantes pensei em dizer que o vestido tinha sido para
mim, e que era justamente ele que eu estava usando. Entretanto, que
explicação daria para dizer que havia ganhado um vestido do marido dela?
— Laura. — Toquei seus cabelos e senti seu corpo enrijecer. — Talvez
você esteja tirando conclusões precipitadas. Ainda que fosse uma amante,
você sabe que é normal para os homens tê-las.
Dizer aquilo foi como jogar gasolina em um incêndio. Minha irmã
pulou do sofá, fora de si.
— Tenho certeza que não. Se o vestido fosse para mim, ele já teria me
entregado. Faz tempo que o bonitão não me dá nada. E você sabe, eu não
aceito dividir meu marido com outra.
Não era uma opção para ela, infelizmente. Se ele quisesse ter outras,
Laura teria que aceitar.
Eu não concordava com o fato de Riccardo querer esconder os fatos de
Laura, ao mesmo tempo também entendia suas razões para fazê-lo. Minha
irmã sempre foi impulsiva e se colocaria na frente de uma bala para salvar a
vida de Giovanni... Até mesmo a minha, se necessário.
— Vamos embora, não tumultue sua cabecinha com coisas
insignificantes.
Caminhamos em silêncio pelo longo corredor, mas no decorrer do
caminho senti minha irmã esquiva e distante de mim. Havia uma enorme
barreira entre nós, e nem eu mesma sabia como aquilo tinha ido parar no
meio de nós.
Sempre fomos unidas.
Quando chegamos ao lado de fora, Laura me deu um abraço
silencioso, e aquilo partiu de vez meu coração. Eu queria dizer muitas
coisas, mas preferi respeitar o seu espaço.
Passei a madrugada acordada revisando o livro de contabilidade, e
bebendo café para me manter firme... Porque não era somente o sono que
estava me deixando inquieta, mas a quantidade de erros no livro.
Eu tive a madrugada toda para procurar o erro de cada equívoco, e
encontrei muitos deles: além de haver notas fiscais frias, também
misturaram finanças dos negócios com finanças pessoais: como vestidos,
sapatos... joias.
Sim, Giovanni estava em maus lençóis, e Riccardo já sabia disso, tanto
que não duvido que estivesse apenas me testando para saber o nível da
minha honestidade. E eu seria honesta, porque Giovanni teve oportunidade
de crescer na Calábria, um erro grotesco como aquele não deveria ter
passado despercebido.
Mas, naquele momento, eu só precisava descansar para colocar os
pensamentos em ordem. Se tinha alguém tentando incriminar meu irmão, eu
também iria descobrir.
Tinha acabado de fechar o livro quando a porta do meu quarto foi
aberta. Virei-me em direção a ela, sorrindo, imaginando ser mamma,
mandando eu dormir.
Mas meu sorriso se desfez quando me deparei com Matteo parado na
porta.
— O que está fazendo aqui? Como entrou?
Ele caminhou até meu closet e foi tirando minhas roupas de lá e
jogando dentro da mala.
Corri, tentando impedi-lo. O que esse louco pretendia?
— Você vai para casa comigo.
— Não, eu não vou — falei alto, para que ele pudesse ouvir bem. —
Não sou mais nada sua. Siga sua vida.
Ele trincou a mandíbula, passando a mão pelos cabelos.
— Não estou pedindo, estou ordenando. Não teste minha paciência.
Continuei incrédula.
— Acha que pode se livrar da fama de corno tentando recuperar nosso
casamento? — Eu ri e mal tive tempo de raciocinar quando ele me esmagou
na parede. Matteo era muito maior, e mesmo que a nossa diferença de idade
fosse apenas de dois anos, ele parecia muitos anos mais velho do que eu.
— Fale isso de novo, e eu dou jeito de juntá-la a Jessebelle. — Calei-
me, sabendo que tinha verdade em cada palavra. — Eu não vou mais
permitir, Anna, que me envergonhe.
— Eu não sou mais nada sua...
— Isso é o que nós vamos ver. — Afastou-se, dando-me espaço. —
Arrume suas coisas, estarei esperando no carro.
Quando ele se virou para sair pela porta, rosnei firme:
— Eu não vou.
Ele estacou no lugar, e foi virando lentamente para mim. Tentei não
me abalar com aquele semblante sombrio, Matteo estava diferente.
Assim como um piscar de olhos, ele voou sobre mim, novamente me
encurralando na parede. Conseguia sentir sua respiração pesada batendo
contra meus cabelos.
Eu fechei os olhos...
— Sendo amante de Riccardo, deve estar muito confiante mesmo... —
Ele segurou meu queixo, suspendendo-o. — Mas eu também sou dono da
máfia, também sou herdeiro, e, exijo que você venha comigo...
Amante de Riccardo...
Ouvir aquilo fez meu sangue borbulhar, e a imagem da minha irmã
sofrendo preencheu minha mente.
Como alguém podia ser tão ruim a esse ponto?
— Você encheu a cabeça de Laura com essas idiotices?!
— Falei a verdade... ela merecia saber. Nunca escondi nada dela, não
vai ser agora que irei fazê-lo.
Minha respiração estava acelerada e o ódio se fazia presente em cada
veia do meu corpo...
Movida pelo ódio, eu não pensei duas vezes e acertei um tapa no rosto
de Matteo. O tapa foi forte. E com a força do impacto, o rosto dele virou
para o lado. Mas nem mesmo aquilo foi suficiente para aliviar o ódio dentro
de mim, porque ele queria me magoar. Me fazer sofrer....
Avancei sobre ele, dando socos em seu peito... Matteo não deixou por
menos e me devolveu o tapa, acertando o lado esquerdo da minha
bochecha.
Nossas respirações estavam tensas. Ele olhava para mim como se
quisesse me matar, certamente meu olhar também não estava diferente do
dele. Eu queria matá-lo... Cortar o seu pênis e dar para os cachorros
comerem. E, ele nunca mais iria enfiar aquilo em ninguém.
— Eu quero você fora da minha casa, Matteo. Longe da minha vida —
cuspi com desprezo as palavras. — Minha mãe está doente e você está
fazendo escândalos fora de hora.
— Vou por causa da sua mãe e porque tenho uma missão importante.
Mas, saiba que vou cancelar o divórcio, Anna. E da próxima vez que eu
vier, sairei daqui com você.
Eu quis esganá-lo... Torturá-lo de todas as formas possíveis.
Eu não entendia o comportamento de Matteo... Ouvi muitos rumores
sobre ele. Uns diziam que ele era engraçado, espontâneo. Outros diziam que
ele era infantil e levava tudo na brincadeira. Porém, desconfiava que havia
mais coisas por trás desses comportamentos estranhos. Ele queria chamar a
atenção?
Então me dei conta de que Matteo era problemático, como qualquer
homem da máfia. Todos são assim, de alguma forma.
E quando Matteo saiu pela porta, batendo-a violentamente, eu caí
sentada na cama. A primeira coisa que eu tinha que fazer era procurar
Riccardo para contar sobre o rolo que estávamos envolvidos.
Andei apressada pelo enorme corredor. O local estava pouco
iluminado e mal dava para enxergar o que tinha na minha frente.
Toquei a fechadura da porta e forcei para abri-la, revelando o local
silencioso que me fazia estremecer, onde estivera mais cedo.
Tanto que ainda conseguia me lembrar das súplicas de Josué e
Jessebelle.
Eu ainda não entendia o porquê de estar ali àquela hora, tentando
resolver um assunto que eu podia esperar até o amanhecer. Mas minha irmã
era minha prioridade, eu não queria que nada a magoasse novamente.
Tive medo de ela ir confrontar o marido de forma errada e, novamente,
acabar em uma cama de hospital.
Olhando através da escuridão, pude ver que Riccardo ainda estava lá
dentro. Respirei aliviada por saber que ele ainda estava ali, resolvendo
assuntos da máfia.
— O que faz aqui, Anna?
Sua voz me fez recuar um pouco, e eu tentei manter-me firme, porque
o assunto também era do interesse dele.
— Preciso conversar com você. É sobre Laura.
— Então não fique feito idiota parada na porta.
Eu entrei, apertei o roupão no corpo e caminhei pelo local amplo. Só
depois de estar ali dentro, sendo alvo de um olhar intimidador, percebi estar
vestida inapropriadamente na frente do marido da minha irmã.
Papai, se estivesse vivo, iria me matar. Antônio também.
— Me desculpe pela roupa.
Ele me avaliou, da cabeça aos pés. Encheu um copo de uísque e
caminhou para sentar-se no sofá.
— Estou ouvindo.
Procurando a mesa como apoio, fiquei de frente para ele.
— Matteo contou a Laura que somos amantes.
Eu queria falar mais coisas, só que as palavras não saíam.
Estranhamente, tudo parecia nebuloso e meus movimentos estavam em
câmera lenta.
Era estranho.
Riccardo riu, levantou-se do sofá e caminhou em minha direção.
Prendi a respiração e cravei as unhas na mesa quando ele chegou muito
perto de mim.
Riccardo estava tão próximo que pude sentir o hálito da bebida bater
contra meu rosto.
— E o que você acha disso?
Olhei para ele, confusa, sem saber o que dizer.
— Temos que desmentir — respondi, atônita.
— É isso que você quer? — Segurou meu rosto, e só então percebi o
quão grande sua mão era. — Está aqui a essa hora e vestida desse jeito... A
gente pode tentar.
Riccardo entrelaçou a mão no cabelo da minha nuca e me puxou para
um beijo de língua, um beijo feroz e cheio de promessas. Fiquei paralisada
por alguns segundos, e aos poucos fui cedendo aos beijos, aos gemidos...
Ele me retirou do chão, colocando-me sobre a mesa fria, abriu minhas
pernas e colocou minha calcinha para o lado. Se afastou para retirar as
calças, eu não conseguia enxergar o volume do membro dele, só me dei
conta que era grande quando entrou com dificuldades na minha vagina e eu
gritei, cravando minhas unhas nele...
Riccardo começou a meter com força... E eu me perdi em espasmos. E
antes de gozar, ele parou para sussurrar no meu ouvido:
— Sabe quem sou eu... ? — Beijou meu pescoço. — Diz meu nome...
— pediu com sofreguidão.
Tombei a cabeça para trás, deixando meu pescoço livre para ele.
— Riccardo Guerrieri, o marido da minha irmã.
De repente, ele parou. Senti um impacto ardido no lado esquerdo do
meu rosto, que me fez abrir os olhos.
Acordei num sobressalto... dando-me conta de que tudo não passara de
um sonho.
Não demorou muito para eu ouvir passos pesados pelo quarto, e
quando a porta foi fechada violentamente, gritei de medo, pulando para fora
da cama e correndo para acender a luz.
Não tinha mais ninguém, apenas o perfume característico que eu já
conhecia, e minha intimidade latejando forte, algo escorria dela.
Eu ainda estava perdida, petrificada, sem saber que merda tinha
acontecido.
Ajeitei minha roupa, abri a porta e caminhei pelo pequeno corredor,
tentando não fazer mais barulhos, porém mamãe já estava de pé, em alerta
também.
— Matteo Guerrieri saiu daqui bravo, por quê? — ela perguntou,
preocupada.
Fechei os olhos, sem saber o que tinha acontecido dessa vez.
Lembrava-me de tê-lo mandando embora, e logo depois apaguei de
exaustão. E em meio à preocupação com as acusações sem fundamento de
Matteo, acabei tendo um sonho erótico com Riccardo, e pelo que percebi,
Matteo estava transando comigo enquanto eu dormia.
Acabei chamando o nome do homem que, mesmo sendo bonito, era
estritamente proibido para mim.
Ele era marido da minha irmã, pai dos meus sobrinhos. Nunca
colocaria meus olhos nele. Mas como eu iria explicar isso para Matteo?
Eu deveria mesmo era estar chateada por ter sido violada enquanto
dormia, e não por ter chamado nome de outro.
— Não foi nada. — Beijei a testa dela. — Volte a dormir.
Ela sorriu.
— Eu vou, porque eu estava sonhando com Laura e meus netos. E ela
disse que vem trazê-los para mim. Se eu dormir muito, as horas passam
rápido.
Eu ri também, mesmo sem saber se era verdade sobre Laura vir visitá-
la. Talvez fosse apenas mais um dos seus sonhos.

O dia estava amanhecendo quando consegui dar um pequeno cochilo, e


acordei com a claridade do sol adentrando a janela do meu quarto.
Minha cabeça estava a ponto de explodir de dor.
Depois de tomar um banho e me arrumar, segui para a cozinha,
encontrando minha mãe animada fazendo o café da manhã.
Era bom vê-la animada.
— Bom dia, querida. — Beijou minha testa. — Sente-se que já vou
servir o café, ou vai querer esperar Laura e os meninos?
— Mamma, Laura não... — fui interrompida pelo barulho da
campainha. Mamãe sorriu animada e correu para atender a porta.
Logo ouvi a voz de Laura e das crianças. Meu coração também se
encheu de alegria.
Vincenzo foi o primeiro a correr para sentar-se à mesa. Mas
percebendo meu olhar entristecido, ele se levantou envergonhado e me
abraçou forte.
— Bom dia, tia Anna. Eu estava com saudades.
Eu ri, abraçando-o mais forte ainda.
— Bom dia, meu amor. Você está cada vez mais lindo. Sinto sua falta.
Lembrei-me de quando Laura e Riccardo permitiram que Vincenzo
passasse três dias na minha casa. Eu estava doente e sozinha, enquanto
Matteo se divertia com Jessebelle.
E agora, Matteo se achava no direito de invadir meu quarto na calada
da noite somente para desfrutar do meu corpo.
Sorri abertamente para Vincenzo, tentando me desfazer daqueles
pensamentos desprezíveis.
Vincenzo era amoroso, inteligente, e me dizia para não chorar, porque
o tio Matteo era um banana.
Minha atenção desviou-se para Laura, entrando com Lorenzo. O
menino olhou tudo sem emoção. Decidido, ele se sentou distante do irmão e
de mim.
— Lorenzo, por um acaso sua tia Anna está invisível? — Laura rosnou
para ele.
Ele olhou para mim:
— Bom dia, tia Anna. Cadê o tio Matteo?
Sorri, tossindo.
— Trabalhando, com o seu pai.
Ele olhou além de mim.
— Mentira, meu pai está aqui. Ele veio fazer a segurança da minha
mãe.
Respirei fundo, lidar com Lorenzo era muito difícil. Em reunião de
família, Matteo segurava as pontas quando se tratava de Lorenzo. Ele tinha
jeito com crianças.
— Vamos tomar café? — Mamãe sorriu, nervosa. Seus passos estavam
robóticos, porque Riccardo estava presente. Ele nunca vinha, e se agora
estava presente, não era para menos.
Minha irmã veio em minha direção e me abraçou do seu jeito doce e
encantador. Não pude deixar de me sentir mal pelo que Matteo havia dito a
ela. Porque mesmo que estivesse com o coração partido por mentiras, Laura
não deixou transparecer.
Conversamos sobre tudo. Vincenzo estava distraído comendo o bolo
de laranja que Mamma sabia preparar com maestria. Era o bolo dos deuses,
e ele parecia estar com saudades.
Mas o semblante de mamma estava me preocupando, porque ela não
conseguia relaxar, mesmo Riccardo não estando no mesmo ambiente nós.
E pelo fato de ele estar se isolando da nossa companhia, seria difícil
falar com ele hoje sobre Matteo.
Laura parecia estar entorpecida pelas lembranças e levantou-se
sorrindo. Ela estava feliz e emocionada, e então me dei conta de que ela não
estava sumida porque queria, mas por ter um título importante que a
sobrecarregava.
— Vou ver se meu marido quer conhecer meu antigo quarto.
Mamãe levantou-se também, sorrindo.
— Oh, faça isso! É a primeira vez que o recebo e estou muito nervosa.
Por favor, filha, mantenha-o distraído enquanto Anna e eu cuidamos do
almoço.
Laura balançou a cabeça negativamente. Sorrindo, a abraçou:
— Não se esforce tanto, mamãe.
Mamãe e eu estávamos sozinhas na cozinha. As crianças saíram para
conhecer o local, e eu estava ajudando a recolher as coisas do café da
manhã. E ao me virar para guardar as coisas no armário, levei um baita
susto com Matteo na cozinha.
Os cabelos estavam desgrenhados, parecia que ele tinha passado a mão
várias vezes para bagunçá-los, ou alguma puta tinha feito aquilo.
Cruzei os braços, esperando que ele dissesse algo.
Mamãe, percebendo a tensão, saiu em passos apressados. Coitada!
— O que você quer aqui, Matteo? Espero que tome cuidado com o que
fala. Minha irmã está aqui, no quarto com o seu irmão. E as crianças estão
por aí.
Ele deu um passo em minha direção e tocou meu rosto.
— Como eu faço para recuperar o tempo perdido, Anna? — balbuciou.
— Como Faço para me tornar uma pessoa melhor? Eu não sei como
funciona esse negócio de casamento.
Ele me puxou para seus braços e me manteve ali por alguns segundos.
— Você precisa se encontrar, Matteo, saber o que quer da vida. Do
contrário, ninguém vai poder te ajudar.
Ele se afastou, passando a mão pelo cabelo.
— Você acabou comigo hoje, Anna, quando me chamou de Riccardo.
— Ele abaixou a cabeça. — Eu fui até ele confrontá-lo, e nós brigamos feio.
Riccardo me mandou embora de Sicília, tirou meus bens. Estou afastado
dos assuntos da Cosa Nostra. Estou indo para a Calábria, resolver os
assuntos de lá agora.
Foi apenas um sonho, e nele a gente não controla nada.
— Você procurou isso. Não me deixou explicar, e acredito que tenha
feito o mesmo com Riccardo. Não somos amantes.
Ele me olhou intensamente.
— É, eu sei, e me sinto um lixo por isso. Em todos esses anos, você
esteve à minha disposição, e eu só tinha que fazer dar certo. Fabrizio
conversou comigo, e eu não quero que você acabe como Alessandra. Eu
não quero te perder para sempre para dar valor.
Quando eu soube que iria me casar com Matteo, fiquei feliz por saber
que além de ser bonito, ele iria me proporcionar coisas boas.
Sempre ouvi Antônio dizer que Matteo Guerrieri era mulherengo e que
não conseguia segurar o pau dentro das calças. Por uma mulher, ele fazia
coisas absurdas. Achei que era inveja por Matteo ser um dos chefes, e
muitas vezes o ouvi por telefone dando broncas em Antônio.
Mas agora via que era verdade.
— Eu nunca fui sua. Passei anos tentando fazer você me enxergar.
Agora não tenho nem o direito de dormir com a porta do meu quarto aberta.
— Bem, eu vim aqui dizer que você pode se mudar com sua mãe para
aquela casa. Ela é minha por direito, foi um presente de casamento de um
amigo meu.
— Agradeço, mas duvido que minha mãe queira sair dessa casa.
Ele respirou fundo e assentiu.
— Tudo bem. — Caminhou até a porta, e eu segui atrás, para saber se
ele iria mesmo embora. Porque se tratando de Matteo Guerrieri, tudo era
possível.
— Nunca mais ouse tocar em mim sem minha permissão. Aturei muito
de Antônio e não vou mais aceitar.
Ele concordou, e antes que eu pudesse racionar, ele se aproximou de
mim segurando meu rosto. O gesto delicado me pegou desprevenida,
porque eu já estava acostumada a lidar com dor, brutalidade e todo tipo de
violência.
— Achei que estivesse acordada, Anna. Você estava gostando e
retribuindo... Mas quando chamou o nome de Riccardo...
— Eu estava sonhando. E mesmo achando ser Riccardo, eu nunca teria
nada com ele. Meu cérebro confundiu as coisas...
Eu fechei os olhos, sentindo-me envergonhada quando Laura desceu as
escadas e caminhou em nossa direção.
Puta merda!
Eu não estava creditando que Anna tinha me colocado para fora do
quarto mais uma vez. Nenhuma mulher havia me desprezado antes, e isso
estava mexendo com meu psicológico. Querer ter o que não pode.
Tomei outra dose de uísque na intenção de criar coragem para voltar
lá. Eu não estava sabendo lidar com a rejeição.
E pelas tantas da madruga, resolvi entrar em sua casa, usando uma
chave mestra. Nós, mafiosos, temos nossos meios de entrar em qualquer
lugar sem sermos vistos. Mas nesse caso, eu não tinha intenção de esconder
que estava indo para o quarto da minha esposa.
Ao abrir a porta do quarto, vi Anna deitada sobre a cama. Foi
impossível não reparar no roupão de banho, que mal cobria o seu corpo.
Percebi que ela estava inquieta e me aproximei mais. Peguei algumas
mechas do seu cabelo e cheirei.
Era engraçado como acabei me tornando como a maioria dos homens
da máfia. Por causa de outra mulher, acabei não enxergando o que tinha em
casa.
Eu havia aceitado me casar com Anna, mas Jessebelle apareceu e
minha vida virou de pernas para o ar.
Desci minha mão pelo seu corpo, e para minha surpresa ela foi
reagindo aos meus toques. Comecei com leves beijos em seu pescoço e fui
notando o quanto ela estava gostando daquilo...
Anna me queria, tanto quanto eu a queria. E esperava que através disso
brotasse a possibilidade para recomeçarmos. Iria me apegar a qualquer fio
de esperança para tê-la do meu lado de novo.
Toquei em seus seios, e automaticamente meu pau endureceu. E não
estava duro apenas porque deveria estar, era mais do que um simples
tesão... Não era apenas vontade de me aliviar, mas de saborear cada
orgasmo de Anna. Saborear cada pedacinho do seu corpo.
Fui mais além, toquei sua intimidade. Grunhi quando ela se contorceu
em cima da cama gemendo manhosa. Foi meu fim!
Fui beijando cada parte do seu corpo.
Apesar de o quarto estar pouco iluminado, notei quando Anna abriu as
pernas para mim, me convidando para o banquete do seu corpo.
Não aguentei mais e enfiei meu pau na boceta dela. A sensação
maravilhosa fez um gemido rouco sair da minha garganta. Fui me
movimentando devagar, até que a boceta dela se adaptasse.
Acelerei o ritmo, comecei a meter com força. Por estar sem sexo,
como já era esperado, acabei gozando rápido de primeira. Mas meu tesão
ainda estava no ápice e longe de acabar. Ignorei a sensibilidade no pau e
continuei socando nela.
Anna cravou as unhas nas minhas costas, fazendo-me enlouquecer de
vez.
— Sabe quem sou? Diz meu nome... — sussurrei em seu ouvido,
esperançoso que ela dissesse que eu ainda era seu marido. Queria ter a
certeza de que apenas eu tomava seus pensamentos.
Não fazia sentindo Riccardo e ela serem amantes.
— Riccardo Guerrieri...
Meu corpo travou. E então todas as certezas caíram sobre mim. Meu
coração parou de bater por alguns instantes.
Ainda desnorteado, acertei o rosto dela. Levantei o mais rápido que
pude e saí do quarto tentando vestir as peças do meu terno.
Entrei em meu carro e acelerei tanto quanto podia. Os pneus cantavam
pelas ruas desertas de Sicília; ultrapassei todos os sinais vermelhos e, em
questão de alguns minutos, estacionei em frente à casa de Riccardo.
Já na entrada, os soldados tentaram me parar, mas eles sabiam que não
podiam. Era briga de família.
Bati o portão com força e os cachorros começaram a latir raivosos,
forçando suas coleiras para virem em minha direção.
— Vão se foder, seus putos — gritei para eles, mostrando meu dedo do
meio.
Não demorou muito para eu ver um vulto na janela do segundo andar.
O filho da puta já estava ciente da minha presença.
A chuva começou a cair forte sobre minha cabeça. Andei até a porta
principal e bati nela várias vezes, dei socos e chutes, até ouvir o som dela
ser destrancada.
Quando Riccardo apareceu diante dos meus olhos, o ódio subiu pelo
meu corpo. Não era somente pelo fato de estar comendo Anna, mas por
todas as merdas havia feito comigo e Fabrizio quando ainda éramos
crianças.
— Disgraziato... Vou matar você. — Avancei para cima dele, dando
socos.
Saímos na porrada no meio da sala, derrubamos praticamente tudo que
estava ali. Riccardo me segurou pelo pescoço e me jogou sobre o bar da
sala, quebrando garrafas e copos. Encurralou-me no canto e pressionou o
caco de vidro no meu pescoço. Senti o caco pontiagudo perfurar minha
garganta.
O sangue começou a escorrer.
— Me mata logo, porra! Você acabou com minha vida há muito tempo.
Destruiu qualquer possibilidade de eu me tornar uma pessoa melhor.
Riccardo fechou a mão para acertar meu rosto quando Laura pulou em
cima dele e o abraçou.
— Parem com isso. Vocês são irmãos e não inimigos. — Ela começou
a chorar no ouvido dele.
Riccardo pensou por alguns instantes e se afastou, como se as palavras
de Laura o afetassem e trouxessem o seu lado humano de volta.
Laura era linda e doce, que Riccardo a amava eu sabia. Mas por que
então estava tendo um caso com Anna?
Peças nesse quebra-cabeça não se encaixavam.
Porra!
Eu ia enlouquecer.
— Por quê? — Olhei para ele. — Não bastava apenas destruir minha
vida na infância, agora tem a cara de pau de comer minha mulher? —
Rosnei, fechando as mãos em punhos. — Ela chamou seu nome enquanto
estava transando comigo.
Laura abriu a boca apavorada e colocou a mão sobre o peito.
Completamente assustada com meu vocabulário chulo.
— Não acredito nisso — ela resmungou, se sentou no sofá e abaixou a
cabeça.
Riccardo olhou para mim, naquele momento eu soube que tinha
mexido no ponto fraco dele. Laura Guerrieri.
Mas eu não estava satisfeito com aquilo.
— Você quer todas as mulheres que são minhas... — Eu ri com
desgosto. — Não bastava Laura...
Riccardo me pegou pela gola do terno, àquela altura eu sabia que não
tinha forças para enfrentar o "Demônio da Máfia".
— Laura nunca foi sua, seu moleque idiota. — Ele riu com escárnio.
— Está putinho por quê? A fralda está mijada?
A frauda está mijada...
Ele me jogou sentado no chão, e todo aquele terror psicológico veio
explodindo minha cabeça.
Balancei a cabeça tentando afastar aqueles pensamentos, eu não era
mais aquele garotinho.
Riccardo se aproximou de mim e me arrancou do chão, segurando meu
pescoço.
— Acha que sou irresponsável de trair minha mulher com a irmã dela?
— Acho, porque quem te conhece sabe do que você é capaz. Você não
se preocupa com ninguém além de si mesmo.
Ele ordenou que Laura fosse para o quarto. Ela logo sumiu do nosso
campo de visão.
— Você vai embora de Sicília, ainda hoje. Eu sou a autoridade aqui. —
Ele apontou o dedo para o meu rosto. — Seus bens estarão bloqueados.
Você vai trabalhar como soldado, vai aprender a dar valor ao dinheiro e à
Famiglia.
Travei o mandíbula.
— Você não pode fazer isso...
— Não? — Ergueu a sobrancelha. — Já está feito! Ninguém vai além
de mim ou contra mim. Eu não sou do jeito que sou apenas porque gosto,
mas por ter passado por coisas que nem você e nem ninguém faz ideia ou
aguentaria passar. Fui treinado para ser do jeito que sou e nunca tive sequer
um irmão mais velho que se colocasse na frente de um projétil para me
defender.
— Sinto muito pelo que você passou, irmão, e agradeço a você. Mas
desta vez não vou acatar suas ordens.
Ele olhou no fundo dos meus olhos, como se algo nele houvesse
quebrado. Mas era Riccardo, né, então não demorou muito para a
arrogância tomar conta dele.
— Então estou lidando com um traidor, certo? — Ergueu a
sobrancelha. — Você sabe bem como os traidores terminam.
Ele ordenou aos soldados que me colocassem para fora. Eu iria embora
de Sicília, mas antes iria me despedir de Anna.
Laura desceu as escadas e se colocou entre mim e Matteo. Agora eu
tinha certeza que ela tinha ouvido tudo de nossa conversa, portanto não
consegui encará-la, abaixei a cabeça e engoli em seco.
— Você foi até minha casa acusar meu marido de estar dormindo com
minha irmã se baseando em um sonho ridículo? — Olhei para ela sem
entender. Aquilo foi uma surpresa para mim, mas também senti orgulho e
alívio. Laura estava confrontando Matteo por mim, e ele parecia muito
envergonhado.
Matteo respirou fundo, passando a mão nos cabelos.
— Sei que errei, Laura. Fiquei cego e atormentado pelo ciúme.
— Seu irmão quase te matou! — ela elevou o tom de voz,
visivelmente nervosa, mas não demorou muito para sua face dura dar lugar
ao semblante sereno e meigo de sempre. — Matteo, ninguém tem controle
sobre o que vai sonhar, por Dio! Em noites consecutivas sonhei que
mamma tinha morrido. Você acha mesmo que eu gostaria que isso
acontecesse?
— Claro que não! — Matteo passou a mão no cabelo da minha irmã, e
eu pude ver através daquilo o carinho que ele sentia por ela. — Foi um erro,
Laura. Riccardo ama você, fui estúpido de achar que ele colocaria os olhos
em outra mulher, quando na verdade você tem tudo que um homem precisa.
Ela sorriu e os dois se abraçaram para se despedir.
“Você tem tudo que um homem precisa”
Sorri de tristeza, tentando demonstrar que estava bem, porque mesmo
sabendo que Matteo e Laura eram amigos, no fundo eu queria que ele
sentisse o mesmo carinho por mim. Queria que me abraçasse da mesma
forma e dissesse que tudo ficaria bem, assim como dizia para ela e também
para Jessebelle. No entanto, Matteo me enxergava como um pedaço de
carne, apenas para saciar a fome e nada mais.
Quando voltei minha atenção em direção à porta, Matteo estava
olhando para mim, seus olhos pareciam ainda mais claros e intensos. Laura
também olhava para mim, só que de forma rígida. Não demorou muito para
eu entender a vontade da minha irmã: ela queria que tudo ficasse em paz,
queria que eu fosse até Matteo para perdoá-lo e me despedir. No entanto,
mesmo que minha história torta com ele tivesse chegado ao fim, as feridas
ainda estavam recentes, e eu não tinha forças para driblá-las e tampouco
colocar uma pedra no passado. Meu coração estava despedaçado, minha
alma, vazia, e não havia restado nada de bom em mim.
Ainda sob o olhar questionador da minha irmã, e ignorando Matteo
parado na porta, dei-lhes as costas e me retirei da sala, tão rápido quanto
podia. Subi as escadas sentindo lágrimas molhando meu rosto e meu
coração cada vez mais apertado.
Entrei no meu quarto e bati a porta com força, como se estivesse
fechando a porta do meu coração. Não demorou para Laura vir atrás.
Droga!
— Por Dio, Anna. O que deu em você?
Coloquei as mãos sobre o ouvido, tentando abafar o som das risadas de
Antônio, de sua voz dizendo o quão estúpida eu havia sido. Minha cabeça
estava confusa, meu coração, completamente despedaçado.
Matteo era a única esperança para me erguer daquela vida miserável na
qual Antônio me afundara... Mas me equivoquei. Apostei todas as fichas e
perdi, perdi feio.
Senti o corpo quente da minha irmã me abraçar.
Era engraçado o fato de sermos muito parecidas fisicamente e, ao
mesmo tempo, completamente diferentes. Laura era forte e destemida,
enfrentava o mundo para defender seus conceitos. Enfrentou papai diversas
vezes, salvou Giovanni e, também, graças a ela, Antônio foi morto. Já eu
nunca havia feito nada para me orgulhar, e para me afundar de vez, ainda
tinha o maldito livro de contabilidade que iria acabar com a vida do meu
irmão. Ninguém me perdoaria.
Continuamos por alguns minutos abraçadas e em silêncio até o
momento em que senti a quietude me sufocar.
— Como você consegue? — perguntei-lhe, tentando entender como
ela conseguia ser forte o tempo todo. — Eu não consigo, Laura.
— Todos nós temos uma cruz para carregar, Anna. Depois de me casar
com o temido, percebi que não ser forte não era uma opção.
Fechei os olhos me lembrando do dia do casamento deles e de quando
Riccardo tentou matá-la.
— Matteo é o menos complicado, Anna. — disse, como se estivesse
lendo meus pensamentos. — Você pode tentar ajuda...
— Não... — Fechei os olhos — Não quero mais criar ilusões. Não
bastou o inferno que vivi ao lado de Antônio e agora terei que viver o
mesmo ao lado de Matteo? Não, Laura!
Ela respirou fundo.
— Eu não entendo... Não existe divórcio na máfia, não entendo o
porquê de Riccardo ter concedido a vocês. Não estou dizendo que o seu
sofrimento foi pouco, Anna. Mas você sabe, há coisas terríveis dentro da
Famiglia que meu marido faz vista grossa.
Meu coração errou na batida e o sangue pareceu congelar no meu
corpo. As batidas na porta soaram altas, me tirando do transe. Laura correu
para atender e, quando Riccardo apareceu em frente à porta, pela primeira
vez nada vida fiquei aliviada, porque certamente não conseguiria mentir
para ela, e eu estaria muito ferrada.
— Preciso sair para resolver alguns assuntos, mais tarde volto para
buscar vocês, não se envolva em problemas. — Riccardo beijou a testa dela,
saindo em seguida sem dar espaço para questionamentos.
Minha irmã ficou estática na porta, como se não acreditasse no que o
marido fizera. Afinal, ela esperava mesmo que Riccardo Guerrieri
participasse de um almoço em família, mas eu já sabia que isso seria
impossível de acontecer.
Depois do almoço passamos o restinho da tarde no jardim,
relembrando boa parte da infância. Mamma estava na cozinha preparando
mais guloseimas, e como tinha dispensado nossa ajuda, estávamos jogando
conversa fora, foi quando ouvimos um grito longe de criança. Laura correu
deixando um celular preto cair no chão, peguei o objeto e corri atrás dela.
Pude alcançá-la já próxima do rio perigoso que ficava distante da nossa
casa.
Vincenzo tentava inutilmente segurar no tronco de árvore, tentando
não ser levado pela correnteza que começara a ficar mais forte, devido às
gotas finas de chuva.
— Mãe... — ele gritou desesperado.
— Meu Deus... meu filho! — Ela pegou um pedaço de galho e se
jogou na água, segurou em outro tronco de árvore e estendeu a mão que
estava com o galho na direção de Vincenzo. Agora, ambos lutavam para
não serem levados pela correnteza. Lágrimas rolavam pelo meu rosto e o
pavor tomava conta de mim, meu corpo tremia em ver o menino se
afogando e Laura desesperada, tentando salvá-lo.
Saí do estupor e gritei, desgrudei meus pés do chão e saí correndo até a
entrada da casa, chamando a atenção dos soldados, que prontamente
obedeceram ao meu chamado e foram correndo, e pelo caminho, foram
jogando suas armas pelo chão e tirando suas roupas para pular no rio.
Rapidamente fizeram uma corrente para tirá-los de lá, e na missão
suicida, um dos saldados acabou sendo levado pela correnteza.
Laura e Vincenzo foram retirados do rio e eu caí de joelhos
agradecendo a Deus e aos soldados. Foi tudo muito rápido e num piscar de
olhos, eles poderiam ter morrido.
Corri até eles para abraçá-los forte, e os ajudei a entrar em casa. Laura
estava muito abalada e Vincenzo, assustado.

Riccardo parecia aflito, andando de um lado para o outro na sala,


enquanto esperava minha irmã terminar de trocar a roupa molhada. E assim
que me viu, ele parou. Terminei de descer as escadas.
— Laura pediu para dizer que está terminando de trocar a roupa de
Vincenzo — falei, sentando-me no sofá, e no processo pude sentir o celular
de Laura no meu bolso de trás. Foi tanto desespero que havia esquecido de
entregar.
Ele respirou fundo, passando a mão pelo cabelo.
Tirei o aparelho do bolso e reparei o quão antigo era, nem mesmo dava
para acessar a internet, não entendi como minha irmã conseguia mexer
naquilo.
— Ela deixou cair — falei percebendo o olhar acusador de Riccardo
antes que ele resolvesse perguntar.
Enrugou a testa e trincou a mandíbula, pude reparar nas veias alteradas
em seu pescoço, e como se estivesse com raiva, tomou o aparelho da minha
mão, guardando-o em seu bolso, para em seguida olhar em direção à
escada, por onde Laura vinha descendo com as crianças.
Alguma coisa estava errada, e Riccardo tinha o olhar ameaçador em
direção à minha irmã.
— Obrigada por tudo, irmã. — Ela me abraçou. Depois fez o mesmo
com Mamma, que estava tão assustada quando eu.
Despedi-me dela e dos meus sobrinhos com um aperto no coração. Foi
incrível ter passado o dia com eles, mas uma pena o acidente ter
atrapalhado nossos planos.
E assim que eles foram embora, a melancolia da casa voltou a pesar e
o semblante triste de mamma retornou, ela correu para o quarto e se trancou
lá.

Eu estava quase dormindo quando meu celular tocou sobre a mesinha


de cabeceira. Caminhei preguiçosamente até ele e senti meu coração bater
forte quando vi o nome de Matteo brilhando na tela. Pensei em não atender,
mas a vontade de saber o que ele queria era mais forte.
— Por que está me ligando? — Tentei ser rude. A ligação continuou
muda, pensei que talvez tivesse desistido.
— Precisava ouvir sua voz...
Eu ri de forma debochada.
— Desde quando precisa ouvir minha voz? — bufei. — Chega desse
joguinho, Matteo. Você nunca se importou comigo, nunca fez questão de
me dar boa noite... e olha que morávamos na mesma casa! Agora está
ligando pra ouvir minha voz?
Ele respirou fundo, parecia cansado.
— Eu sei que fodi com tudo, mas vou recuperar sua confiança, Anna.
— E por que está me dizendo isso agora?
— Porque agora tenho noção do mal que te fiz — esbravejou. — Não
quero mais viver em Sicília, e futuramente você se juntará a mim...
formaremos uma bela família com filhos lindos correndo pela casa.
Tirei o celular do ouvido e respirei fundo, porque eu sempre quis ter
uma família feliz, filhos correndo pela casa. Enxuguei as lágrimas que
escorriam pelo meu rosto e fechei meu coração.
Matteo não brincaria com os meus sonhos... eu não iria me iludir outra
vez.
— É fácil querer ter uma família modelo depois de ser traído pela
amante. Sei bem como deve estar se sentindo, porque você e Antônio
fizeram o mesmo comigo. Antônio era casado comigo, mas sempre foi
apaixonado por Catarina enquanto ela amava outro...
— Esqueça o passado... — interrompeu-me. — Lembra quando te tirei
para dançar pela primeira vez? — Pela sua voz, ele pareceu sorrir, e meu
coração afundou no peito ao me lembrar daquele dia.
Por um instante permiti que as lembranças daquele dia tomassem
minha mente e me afundei na imagem de quando dancei pela primeira vez
com Matteo Guerrieri. Pela primeira vez pude contemplar sua beleza de
perto. Ele foi muito educado e acabei me iludindo, achando que por meio
dele eu poderia me reerguer.
Mas eu estava completamente enganada. Respirei fundo e me
concentrei na ligação.
— Não me ligue mais, Matteo. Acabou, você está livre para ficar com
quem quiser.
Desliguei e me deixei cair na cadeira. Precisava focar no meu trabalho
caso eu quisesse causar boa impressão e alcançar um patamar mais elevado
na máfia.
Era noite. Meus olhos estavam pesados de sono, mas eu precisava
terminar de revisar as últimas páginas do livro de contabilidade. Foi quando
me assustei com a porta do meu quarto sendo aberta e Laura entrando como
um furacão.
Minha irmã parceria transtornada procurando por algo que eu não fazia
ideia.
— O que está procurando? — Levantei da cadeira e caminhei até ela,
segurando seu ombro, tentando fazê-la parar.
— Meu celular está com você? Só me dei conta ainda pouco quando
fui colocar as crianças para dormir.
— Mais cedo quando você saiu correndo para salvar Vincenzo, deixou
cair no chão. Eu entreguei ao seu marido.
Laura ficou pálida. Se não estivesse apoiada na porta, certamente teria
caído dura no chão.
Ela caminhou trôpega e se sentou na cama, me puxando para sentar
junto com ela.
— Então chegou o fim do meu tormento... Finalmente chegou! Ele já
sabe de tudo, Anna.
Eu não sabia o que estava acontecendo, mas se tratando de Laura, não
duvidei que estivesse enfiada em alguma confusão. Ela sempre se enrolava
para tentar ajudar as pessoas, mesmo que isso lhe custasse caro.
— Qualquer coisa que tenha feito, estarei junto com você nessa. Só
precisa me contar o que está acontecendo.
Eu ficaria ao lado da minha irmã, sempre que precisasse. Como ela
sempre fizera comigo. Através dela eu tomei coragem para desfiar Matteo e
tentar impor minhas vontades, ou ele iria continuar me fazendo de tapete
para desfilar ao lado de suas amantes.
A culpa não demorou para me atormentar por esconder de Laura o
livro de contabilidade da fazenda onde Giovanni estava trabalhando.
Doía-me o fato de Giovanni ser supostamente um traidor. Mas nesse
quesito eu não podia fazer nada e muito menos tinha o direito de questionar
sobre aquilo. Eu havia sido criada no meio de regras rígidas, ouvindo as
pessoas dizerem que ninguém podia com a máfia. Ela sempre viria em
primeiro lugar, e esse ensinamentos iríamos levar para o túmulo. Seríamos
sempre devotos à Famiglia e morreremos em nome da organização.
— Diga-me, o que você fez? — respirei fundo e perguntei. Ela me
olhou apreensiva achando que eu iria reprová-la em qualquer merda que
estivesse fazendo. A organização não era um jogo e sim nossa realidade,
mas eu morreria por ela assim como ela morreria por mim.
— Alessandra está viva e eu escondi isso de todos. Aquele telefone eu
usava para me comunicar com ela. Não tinha rastreador e ninguém sabia
com quem eu conversava.
Fiquei paralisada, sem saber o que dizer.
— Quem mais sabe disso? — Franzi a testa, tentando imaginar por que
diabos ela havia feito aquilo, embora soubesse que tinha suas razões. As
pessoas sempre iam até ela quando queriam algo, e Laura acabava sendo
uma vítima no meio disso tudo. — Como vocês conseguiram um celular
desses?
— Palermo... Ele quem ajudou Alessandra na fuga. Eu não sabia que
ele era tio dela.
Mário Palermo era um membro importantíssimo na máfia. E foi por
isso que as coisas foram perfeitamente arquitetadas, porque Alessandra não
conseguiria sozinha sem alguém importante acobertando.
De repente, me vi paralisada no meio de toda aquela situação, sem
saber como agir para ajudar minha irmã. E a única pessoa que surgiu no
meu pensamento foi Matteo. Ele sempre arranjava um jeito de ajudar Laura,
e não importava o tamanho do problema.
— Acho que você foi longe demais dessa vez. Matteo não está mais
aqui para te defender. O que tem na cabeça? O que deu em você?
— Anna, eu não me envolvi diretamente na fuga dela. Só fiquei
responsável por passar informações sobre o filho dela. Fabrizio só a via
como uma barriga de aluguel... Para gerar um herdeiro da Cosa Nostra. O
que ela fez não foi problema meu.
— Você pode ter mudado algumas regras, mas não se esqueça de que
ainda é o homem quem decide quando quer ter filhos.
— Que pensamento ridículo, Anna.
Agora eu consigo entender o porquê de Laura ter se aproximado dos
filhos de Fabrizio, logo depois que Alessandra morreu.
Era muita informação para minha cabeça, e eu só temia pelo que podia
acontecer à minha irmã quando Fabrizio descobrisse.
— Sei que errei, Anna. Vou assumir as responsabilidades.
Eu a abracei forte. Minhas mãos estavam trêmulas e as lágrimas
começaram a rolar pelas minhas bochechas.
— Não é para mim que você deve explicações, Laura. Você poderia
esconder qualquer coisa de qualquer um de nós, menos do seu marido.
— Eu sei — balançou a cabeça.
— É hora de tentar consertar isso, contando tudo. Ele é o chefe e pode
te ajudar antes que outros membros importes saibam do seu deslize e
resolvam pedir sua punição. Alessandra é esposa de Fabrizio.
Ela concordou.
Eu a abracei mais forte.
— Foi difícil guardar esse segredo, será um peso a menos nas minhas
costas.
— Então vamos lá dizer isso a ele. Todos nós sabemos que você tem
um bom coração e vive para ajudar as pessoas. Riccardo mais do que
ninguém sabe disso. Eu não vou deixar você sozinha nessa.
— Não pensei muito quando concordei na época. Obviamente que se
fosse nos dias de hoje, eu não faria nada.
— Se Riccardo te perdoar, ninguém vai se intrometer, nem mesmo
Fabrizio. — Tentei sorrir, tranquilizando-a.
Eu nunca fui muito próxima de Alessandra, só trocamos algumas
palavras no casamento de Laura, quando eu e as outras mulheres da máfia
nos reunimos para decidir a decoração. Alessandra era simpática e sempre
deixou claro do quanto amava o marido, não entendia o porquê de ter
deixado o filho para trás.
Lembrava-me de ver Fabrizio desolado no dia do enterro. Ninguém
tinha ideia do que tinha acontecido no dia do parto, os médicos disseram
que houve uma complicação e precisaram salvar a vida da criança.
— Ela acabou se tornando pior do que Fabrizio quando decidiu
abandonar o filho. Que tipo de mulher faz uma coisa dessas?
— Não a condene, Anna. Alessandra estava psicologicamente abalada.
Sofreu com a doença da irmã, e depois, com a traição. Cada um reage de
uma forma. Eu também não deixaria meus filhos, mas cada um conhece seu
milite. Não vamos julgar as pessoas.
Concordei. E quando ela saiu do meu quarto, peguei o celular e liguei
para Matteo.
Estava de noite, e eu alheio dirigindo os últimos quilômetros que
restavam para eu sair da vida de todos. Sair da cidade de onde cresci... onde
tentei aprender a me virar sozinho. Fazendo uma retrospectiva dos erros que
cometi por pura infantilidade.
Por mais que me intitulassem um homem feito e honrado, eu não era
um. Não honrava de acordo como deveria. Agia quando tinha que agir, ou
quando meus irmãos não podiam. Fora isso, eu vivia na sombra deles,
vivendo em função deles... Sem saber direito qual era meu lugar na
organização.
Eu precisava me encontrar... Saber de fato quem era.
Olhei para o meu celular tocando insistentemente sobre o banco do
carona e apertei mais o volante, com raiva, me lembrando das palavras de
Riccardo. Mas quando desviei atenção da estrada e fitei o celular, vi o rosto
de Anna tomando a tela do meu celular.
Parei o carro no acostamento e peguei o aparelho.
— Matteo, onde você está?
— Chegando na Calábria. — Respirei fundo. — Acho que te falei
sobre isso.
— Você precisa voltar. Precisa ajudar Laura.
Fechei os olhos e encostei a cabeça no banco. Minha esperança de que
ela estava ligando por sentir saudades de mim esvaiu-se completamente.
— Anna, não posso fazer nada. Não sou mais o chefe dos Capo. Não
mando em mais nada.
Eu era o chefe dos Capo e comandava e fiscalizava todos os Capo da
Famiglia. Acima de mim estava Fabrizio, Subchefe. Ele era o substituto do
chefe, seu braço direito. Ele mandava em todos nós, dava ordens e passava
as informações necessárias para o chefe. No topo estava o Chefe, Riccardo.
Ele mandava em todos.
— Alessandra está viva. Laura escondeu isso de todos. Já imaginou o
que Fabrizio fará com ela quando descobrir tudo?
— Porra! — esbravejei, sem acreditar. Fabrizio tinha ido ao inferno
depois da morte de Alessandra. Recusou-se a casar de novo, todos nós
respeitamos sua decisão. E agora, acabou de saber que a mulher está viva.
— Sinto muito, mas não posso voltar.
— Vai se acovardar outra vez? Estou precisando de você aqui. Mostre-
me uma única vez que se importa comigo. É a sua chance de tentar fazer a
coisa certa.
Aquilo doeu. Foi como um soco acertando meu saco. Mas eu não
podia passar por cima de uma ordem, ainda mais sabendo que o erro era
meu. Eu tinha que sumir — nem que fosse por um tempo —, mas eu tinha
que esperar a poeira abaixar.
— É por isso que Riccardo e Fabrizio não confiam em você. — Ela me
interrompeu. — Fabrizio e Riccardo passaram pela mesma coisa que você.
Todos nós temos histórias perturbadoras, mas ainda assim aprendemos com
elas. Ficar se escondendo atrás do seu irmão mais velho e viver enfiando
seu pau em qualquer boceta não te faz homem. Você e Antônio são iguais.
Soquei o volante, vendo tudo ficar preto na minha frente.
— Você deveria voltar e mostrar a seu irmão que você é mais do que
isso. Mostre que é mais do que ele pensa.
Ela tinha razão. Eu não poderia ir embora como um perdedor.
— Tudo... — Senti uma pancada forte na cabeça e algo quente escorrer
pelo meu rosto. Fiquei tonto e perdido.
Rapidamente o meu carro foi tomado por homens de balaclava e
fortemente armados. Fui puxado para fora do carro e arrastado de qualquer
jeito. Outros homens aproveitavam para me chutar na barriga.
Eu estava confuso e mal conseguia entender o que eles falavam em
seus idiomas, muito menos conseguia ver seus rostos. Mas sabia que eu
estava completamente fodido e morto.
Me arrastaram para trás do carro, acertaram uma coronhada na minha
cabeça e me jogaram dentro do porta-malas.
Tonto e perdido, vi um deles arrancar a balaclava e se aproximar mais,
sorrindo.
Pelas tatuagens espalhadas e números, pude perceber que se tratava da
Mara Salvatrucha. Eu realmente esperava estar errado, porque com eles não
tínhamos nenhum tipo de acordo, pelo contrário.
— Até que enfim colocamos a mão em uma das bonecas da Cosa
Nostra — disse, arranhado, mas o suficiente para eu entender. — Eu disse
que quando esse dia chegasse iríamos comê-los no jantar, tomando uma boa
dose de cachaça.
— Figlio di puttana. Virão atrás de mim e vocês estarão fodidos. — Ri
debochado. Levei outra coronhada.
— Estou ansioso para isso. Fechem o porta-malas.
Jamais me renderia a eles. Eu morreria em nome da organização, sem
ser um traidor. Um dedo-duro.
Havia chegado a hora.
Laura se mexia incomodada no banco, ela estava tensa e eu podia
ouvir o som da sua respiração pesada. No entanto, não era somente isso que
me deixou preocupada... mas também o jeito que Matteo desligou o
telefone, os falatórios e gritos.
Logo estaríamos na sede da Máfia e eu poderia contar tudo a Riccardo.
Respirei fundo quando o carro estacionou em frente ao arranha-céu de
vidros escuros. Laura saiu do carro e eu segui logo atrás, tentando alcançar
minha irmã. Entramos no elevador e seguimos em silêncio.
— Estou com calor. — Ela tirou o blazer branco, pendurando-o no
braço.
— Então você pode me emprestar? — Estendi a mão — Estou
morrendo de frio. O ar-condicionado parece estar ligado no máximo.
Laura me deu a roupa. No processo, percebi o quanto ela estava
trêmula e gelada quando nossos dedos se tocaram.
— É claro. Pode ficar com ele. É um presente. Vai ficar melhor em
você — murmurou. — Esta ansiedade está me matando.
— Laura, isso é motivo de pânico? — perguntei desconfiada. — Você
sempre foi tão destemida! O que está havendo?
Ela se virou de frente para mim e nesse momento senti um frio na
espinha.
— Anna... Há tempos Riccardo mal olha na minha cara. Não vamos
entrar lá achando que ele vai passar a mão na minha cabeça e dizer que está
tudo bem. Isso não vai rolar. As coisas estão diferentes agora. Talvez isso
pode causar o fim do meu casamento.
— Como? — me surpreendi e acabei levantando a voz. — Como
assim ele mal olha na sua cara? Você sempre dizia que ele não se afastava
de sua cama... Vocês não estão mais fazendo sexo?
— Sim, ele cumpre o papel de marido. Mas some depois que acaba.
Droga! Ela estava fingindo que estava bem com sorrisos... enquanto o
marido carregava a mesma carranca de sempre sem fazer questão de
disfarçar. Maldito Riccardo, até onde vai com essa arrogância?
— Ele estava lá em casa, vocês pareciam bem. Você estava feliz!
— Anna... — Balançou a cabeça negativamente. — As aparências
enganam. Ele mal me ouve, mal tem tempo para mim. Quase não me olha
mais... Aquele olhar que me tirava o fôlego não existe mais. Nossas
viagens, os momentos bons...
— Pelo menos vocês ainda estão se entendendo na cama. Sinal de que
ainda existe atração física. — Passei a mão pelo cabelo, tentando me
recompor. — O que aconteceu entre vocês?
— Para mim ele sempre soube de tudo. Estava sempre com olhares
desconfiados e acusadores. Talvez esteja apenas querendo minha confissão
para depois cuspir lições de moral na minha cara. Riccardo Guerrieri é o
tipo de homem que nunca erra. Eu sinceramente queria que ele errasse uma
única vez, queria presenciar isso. Vê-lo pedir perdão por ter se enganado.
Queria ver a pirâmide dele desmoronando.
— Você está louca? Se ele cair, todos nós caímos. Tem ideia do
estrago?
Eu não iria saber lidar com a separação deles. Minha irmã havia
conseguido um casamento esplêndido e estava no topo por causa dele... Nós
estávamos! Não queria que ela perdesse esse título. Nossa mãe não iria
suportar. Éramos respeitadas apenas porque Laura era casada com o chefe...
isso era o que nos mantinha firme na Famiglia ocupando uma boa
reputação. Pela lógica, mamãe e eu deveríamos estar no bordel da Famiglia
servindo bebidas aos bêbedos.
— Ele te ama, Laura. Todo casamento tem suas fases. Não existe
divórcio na Máfia. Dê tempo para ele. Certamente está sobrecarregado com
assuntos que caem sempre sobre ele.
— Você tem razão.
— Claro que tenho razão. — Puxei-a para um abraço apertado,
mostrando que, independente de qualquer coisa, ela poderia contar comigo.
— Vocês já brigaram antes e ele nunca se divorciou.
Saímos do elevador e seguimos para a sala de Riccardo. Como
previsto, ficamos alguns minutos esperando antes de um soldado abrir a
porta e autorizar nossa entrada.
— Viu? — Pisquei para ela — Fomos rapidamente atendidas somente
porque você está aqui. Não tem motivo para inseguranças.
Quando entramos na sala, Riccardo estava com as mãos apoiadas sobre
a mesa, completamente atento e irritado. As câmeras de segurança estavam
ligadas e alguns soldados estavam de frente para elas enquanto outros
falavam no telefone.
— Você ainda está confiante? — Laura sussurrou no meu ouvido. —
Há algo acontecendo aqui... e é grave!
Nos aproximamos dele. Eu me sentei na cadeira, mas Laura
permaneceu de pé. Eu esperava que ele não começasse a gritar com ela.
— Preciso conversar com você... — ela tentou começar, mas foi
interrompida.
— Seja rápida. Não estou com tempo. Sem paciência e humor. —
Olhou para mim e depois para ela, mantendo o olhar nela.
— É sobre a morte de Alessandra. — Quando Laura revelou o motivo
de estarmos ali, Riccardo respirou fundo e passou a mão pelo rosto. — Mas
acho que você já sabe.
Ele não disse nada. Apenas tirou de dentro da gaveta um celular e
jogou sobre a mesa. O celular que Laura usava.
— Rick...
— Sim, eu sei. Mas ainda tive esperança de que você me dissesse. —
Ele pressionou os olhos. — Estou muito decepcionado. Mas não vamos
falar disso agora.
— Não participei de nada. Querido, isso não tem nada a ver com a
gente. Jamais faria algo para te prejudicar. Riccardo, eu não ajudei em nada.
Só passava informações sobre o Alessandro. Ela queria ver o filhinho
crescer. Sei que fiz besteira, mas não pensei na época. Ela estava
emocionalmente abalada... eu também estava. Você se lembra quando foi
embora da Itália?
Ele virou o rosto e respirou fundo.
— Isso não é uma desculpa. Que ela pedisse ajuda ao Fabrizio. Todo
mundo aqui tem problemas, só que diferente dela, enfrentamos da maneira
correta.
— Eu sabia que não ia entender, você é muito rígido — ela murmurou.
— Isso não tem nada a ver com a gente. Não é motivo para você ficar me
evitando. Sou sua mulher.
— Quando você quer que os negócios continuem dando certo, ser
rígido é uma virtude. E só para constar, você que se afastou de mim. Apenas
respeitei seu espaço e dei corda. Te deixei pensar que eu não sabia de nada.
— Eu sinto muito. — Ela abaixou a cabeça. — Eu deveria ter te
contado. Você deveria decidir.
— No mínimo.
— Por favor, não seja grosseiro. Não haja como um babaca.
Ele torceu o rosto e apertou a mesa com força, os dedos ficaram
brancos.
— Não estou agindo como babaca. Estou agindo como seu chefe. E
vou continuar agindo enquanto você fizer parte da minha Máfia.
— Riccardo — o chamei, e sua atenção reprovadora caiu em mim. —
Tem notícias do Matteo? Ele estava voltando para cá depois que eu contei
sobre Alessandra estar viva.
— Matteo está nas mãos dos inimigos. Estou tentando montar um
plano para tirá-lo de lá... — Fechou os olhos.
Laura tentou tocar a mão dele, mas ele a afastou.
— Você é o motivo de Matteo estar lá — rosnou de modo acusatório.
Minha irmã titubeou e quase caiu por cima da mesa, o rosto ficou
pálido, e quando pensei em ir abraçá-la, ela fez sinal para que eu
continuasse no lugar.
— Está tudo bem, Anna. Estou um pouco enjoada, preciso sair para
tomar um ar. — Ela caminhou até a porta e, antes de sair, disse para
Riccardo: — Diga aos seus soldados que eu quero espaço. Preciso ficar
sozinha. Por favor...
— Faça como achar melhor. — Ele deu de ombros e se acomodou na
cadeira, dando atenção para as pilhas de papéis sobre a mesa e o notebook.
Não dando importância para minha irmã saindo pela porta, transtornada e
querendo ficar sozinha.
Fiquei perdida sem saber o que fazer ou falar.
— Não acha perigoso deixa-la sair sozinha?
— Se quiser pode ir com ela — ele murmurou sem olhar para mim. —
Você terminou o livro de contabilidade?
— Está em casa. Não achei seguro trazer. Falta a última página.
— Certo. Um soldado irá te acompanhar até sua casa e você vai
entregar o livro para ele. Os negócios da fazenda na Calábria não estão
trazendo lucros, pelo contrário. Estou cansado de enrolação.
Respirei fundo. Eu sabia que ele estava sendo roubado. O dinheiro
estava sendo desviado. Alguém se beneficiava com isso e tinha certeza que
não era meu irmão Giovanni. Ele não seria estúpido de gastar quinhentos
mil em remédios para combater as pragas das plantações.
Eu tinha que falar ou minha cabeça iria rolar quando ele decidisse dar
mais atenção a esse caso.
— As notas são irregulares, notas frias. Riccardo, você está com um
enorme prejuízo financeiro nos negócios da Calábria — afirmei. — Mas
não acho que Giovanni seja o responsável. Eu posso te chamar de Riccardo,
não é?
— Uma vez que o denominei como meu Consigliere, Giovanni passou
a ser responsável pelos meus negócios. A culpa é dele se algo não vai bem.
E pode acreditar, vou matar aquele bastardo quando colocar as mãos nele.
— Por que ele iria querer tanto dinheiro? Não faz sentido...
— E as merdas que Antônio se envolvia... fazia algum sentido para
você?
— Também não... claro que não!
— Ainda assim ele fazia. Achava que nunca ia ser descoberto.
Giovanni não é diferente dele.
Eu não entendia a linha de raciocínio de Riccardo. Tentar montar o
quebra-cabeça dele me deixava com dor de cabeça. Era impossível
compreendê-lo.
Assenti triste e me levantei.
— Sabe como está o Matteo? Ele estava falando comigo na hora que...
— engoli em seco ao sentir meu coração acelerar de medo. — Laura não
teve culpa, eu que pedi...
— O assunto já acabou, retire-se da minha sala. — Ele apontou em
direção à porta e eu saí apressada.

Passei horas tentando saber notícias de Laura. Eu estava entrando no


desespero. Os soldados disseram que ela tinha ido em direção ao porto
desativado, que por sinal era deserto à noite. Ela queria ficar sozinha e eles
resolveram manter distância.
— Não deveriam ter deixado minha irmã sozinha! — gritei. — Se algo
acontecer com ela, vocês serão os culpados.
— A senhora Guerrieri não quis ser seguida. O chefe disse que
deveríamos fazer o que ela dissesse.
Ótimo. Riccardo nunca descuidou da segurança dela. Realmente ele
deveria estar agindo sob efeito de estresse para deixar algo assim acontecer.
— Vocês já avisaram que a mulher dele sumiu? E que provavelmente
pode estar nas mãos dos nossos inimigos, assim como o Matteo?
— A senhora está certa.
A ficha deles pareceu cair. Os soldados se olharam entre si e um deles
tirou o celular do bolso e ligou para Riccardo.

Não sei ao certo quanto se passou quando um soldado moreno e bonito


apontou para frente, mostrando Laura surgir através da escuridão, sendo
escoltada pelo soldado que saiu para procurá-la. O moreno rapidamente
tirou o celular do bolso.
— Está tudo bem, chefe. Nós acabamos de encontrar a senhora
Guerrieri. Ela está bem.
Laura vinha caminhando desengonçada e de cabeça baixa. Eu não
soube explicar a felicidade em vê-la, mas a sensação era estranha ao mesmo
tempo.
A chuva começou a cair repentinamente. A tempestade estava se
formando, e eu agradeci a Deus por minha irmã estar bem.
Laura ainda estava distante de nós, eu só queria correr para abraça-la.
Meu coração estava apertado e as lágrimas querendo se libertar.
— Senhora Guerrieri, está tudo bem? — um soldado gritou, correndo
em sua direção carregando um guarda-chuva.
Os soldados a levaram para o carro. Corri em sua direção e, quando ela
se preparava para entrar no carro, segurei no seu braço. Eu queria saber o
que tinha acontecido com ela e o porquê de ter sumido por tanto tempo.
— Laura.
Ela me olhou confusa, piscando os olhos várias vezes. Minha atenção
desviou para a mancha de sangue em sua blusa. Jesus, alguém tinha
machucado minha irmã.
— Você se manchou? — perguntei enquanto procurava por algum
machucado no corpo dela.
— Não... Estou bem — falou com a voz rouca. Eu estranhei.
— Você está estranha...
— Estou com dor de cabeça. — forçou um sorriso. — Preciso
descansar. Eu... Caí e bati a cabeça, deve ser por isso que estou com sangue
na blusa.
— Mas você disse que não tinha se machucado. Então deixe-me ver se
foi grave. —Inclinei-me sobre ela e afastei seus cabelos para ver o
machucado, mas ela me empurrou.
— Me solta! — gritou e eu congelei. — Me desculpe. Estou um pouco
confusa. Acho que dormir vai me fazer bem.
— Está tudo bem. Eu vou com você. — Me enfiei no carro. Laura não
queria que eu fosse, mas ela não parecia estar bem e eu não iria deixá-la
sozinha.
Ela fez a viagem em silêncio. E quando o carro adentrou os portões
enormes da mansão, ela olhou tudo com atenção como se estivesse
impressionada, mas certamente estava preocupada com alguma coisa. Ela
não estaria impressionada com a própria casa em que morava por anos.
Deixa de ser neurótica, Anna. Sua irmã está bem.
— Estou muito preocupada com o Matteo. Eu sei que ele foi um
tremendo filho da puta, mas não gosto de saber que está sendo maltratado
pelos nossos inimigos — falei sentindo um aperto no coração enquanto saía
do carro.
— Ele vai ficar bem. — Laura acariciou meu braço, passando
tranquilidade.
Cuspi sangue quando levei mais um soco no rosto. Eu estava amarrado
na cadeira e mal conseguia enxergar as imagens na minha frente. Meu
estômago estava dolorido, meu corpo começava a dar sinais de exaustão.
O filho da puta balançou novamente o meu celular, esperando que eu
dissesse a senha do aplicativo de mensagens. O plano deles era atrair
Riccardo para então matá-lo e tomar os esquemas da Cosa Nostra.
Mas já haviam se passado horas e eles não tiveram êxito.
Eles queriam saber sobre nossos esquemas de lucros máximos, e eu
continuava com a boca fechada. Eles queriam um meio de atrair meu irmão,
mas eu não ia permitir.
Eles estavam desesperados e eu não duvidava de que eles iriam me
matar, de qualquer maneira. Estavam loucos tentando se vingar da chacina
que fizemos anos atrás na organização deles.
— Mandamos um informante dizer que nós estamos com você. Seu
irmão já sabe que está aqui. — O chefe deles se sentou na cadeira.
— Então por que diabos querem minha senha? Eu não sei mais sobre
as rotas dos caminhões. Fui afastado. Meu irmão está pouco se fodendo
para mim. Quantas vezes terei que repetir?
Levei outro soco no rosto.
— Acho melhor você contribuir. Onde está o filho da puta do Riccardo
Guerrieri?
— Não faço negócios com porcos — cuspi. — Podem me matar, mas
da minha boca nada sai.
Ele me desamarrou. Depois me levou para um tanque cheio de sangue
e mergulhou minha cabeça. Eu não conseguia respirar, estava quase
perdendo a consciência por falta de oxigênio.
Eu não me importava de morrer em nome da organização. Eu não iria
quebrar o Omertà, muito menos colocar a vida dos meus irmãos em risco.
Os dias passavam, mal tive ânimo de levantar da cama e tudo que eu
comia acabava dentro do vaso sanitário. Nada ficava no meu estômago,
apenas o cheiro do café acabava com meu dia.
Eu estava há dias mal. Olhares desconfiados de mamma me fizeram
cair na realidade de que não era apenas meu estado emocional que estava
abalado. Não era somente pelo fato de Matteo estar há dias sendo torturado
pelos inimigos e sim porque talvez uma possível gravidez estivesse
modificando tudo em mim.
Ainda não sabia o que pensar sobre a possibilidade de ser mãe.
Conhecia bem meu corpo e podia notar as diferenças nele: meus seios
estavam doloridos e minha menstruação completamente atrasada. Poderia
certamente jogar todos esses sintomas na conta da famosa
Tensão Pré-Menstrual... se eu não estivesse atrasada e vomitando feito
"porca". Eu não tinha argumentos para enganar a mim mesma.
— Esse vestido vai ficar lindo em você. — Desviei minha atenção para
mamãe sorrindo em minha direção enquanto carregava um vestido azul.
— Muito lindo. — Sorri — Vai ficar ainda mais lindo junto do blazer
branco que Laura me deu de presente.
Eu havia sido convidada para um jantar especial na casa de Laura,
onde Riccardo iria formalizar uma aliança com o presidente da Itália e
torná-lo seu aliado. Todos os chefes de Máfias vizinhas também estariam
presentes para apoiar meu cunhado nessa guerra. Em algumas horas a Mara
Salvatrucha estaria completamente encurralada em nosso território e no
próprio território deles.
Não se falava em outra coisa nas ruas da Itália.
— Você tem que conversar com o chefe a respeito dessa gravidez. —
Mamãe acariciou meu rosto.
— Por quê? — Olhei confusa. — Não sabemos se estou grávida. —
Entrei no chuveiro e deixei a água quente embalar meu corpo.
— Deve dizer mesmo assim. Acha que esse povo esqueceu do
escândalo que causou quando se envolveu com aquele soldado? Matteo não
estava aqui quando você engravidou, isso é o que eles vão dizer quando sua
barriga começar a crescer.
Ela tinha razão. Ninguém acreditaria quando eu dissesse que Matteo
invadia meu quarto de noite, sem ele por perto não tinha como confirmar.
— Sua gravidez deve estar bem no começo, caso esteja realmente
grávida. Que Deus o livre... mas se Matteo Guerrieri morrer, pelo menos
você e seu filho não ficarão desamparados.
— A senhora tem razão. Mas conhece o marido da Laura.
— Então fale com o substituto. Você não deve envergonhar sua irmã.
Somente por ela que ainda temos uma casa. — Mamãe abaixou a cabeça. —
E... Você sabe como foi minha vida ao lado de seu pai. Estou velha e não
tenho mais utilidade para nada, não me encaixo mais na máfia.
— Eu não vou. — Toquei o rosto dela. — Pode ficar tranquila,
mamma. Esta noite irei falar com ele.
Ela deu um tapinha nas minhas costas e saiu do banheiro.
Tomei um banho demorado enquanto pensava sobre minha situação.
Meu casamento não poderia ser anulado se eu estivesse grávida.
Balancei a cabeça antes de me enrolar na toalha e sair do banheiro, não
ficaria remoendo possíveis situações.
Quando voltei para o quarto, mamãe estava na frente do espelho
acariciando o rosto, provavelmente observando as linhas de expressão que
adquirira nos anos ao lado do meu pai. A vida dela sempre fora injusta.
— Você, Giovanni, Laura e meus netos são tudo que eu tenho nessa
vida. — Ela virou, tentando disfarçar uma lágrima.
— Tem notícias de Giovanni?
— Não. Essa ausência dele está me preocupando.
O que estava acontecendo com Laura e Giovanni?
Mordi os lábios ao me lembrar da noite que Laura sumiu e depois
apareceu agindo como se fosse outra pessoa. Ainda naquela noite, eu a
coloquei na cama e fiquei velando seu sono inquieto, até Riccardo aparecer
para ficar com ela.
Eu pude ver nitidamente a expressão de cansaço e preocupação no
rosto dele. Foi naquele momento que me dei conta do quanto Riccardo
ainda amava minha irmã, mesmo depois das besteiras que ela havia feito.
Ele sempre iria protegê-la.
Diferente de Giovanni, que estava com a pescoço na guilhotina, por
mais que ele não tivesse culpa dos roubos, deveria ser mais responsável
com o dinheiro dos outros e se preocupar em dar uma explicação aceitável.
Giovanni havia assumido a responsabilidade dos negócios na Calábria e
deveria honrar a oportunidade de não ser somente mais um soldado com
salário miserável. Giovanni havia se tornado um conselheiro e deveria agir
de acordo com o cargo.
A máfia era um mundo sem volta e não tinha perdão para o que se
fazia. Às vezes eu também me perguntava como era viver em um mundo
comum, em que as pessoas são donas das próprias atitudes.
Minha vida era sempre a mesma rotina.
Olhei para minha mãe, triste e de pé no centro do meu quarto. Ela
estava tão perdida quanto eu. No fim, somente eu fiquei responsável por
ela. Seria assim até o fim.
Depois daquele dia, Laura se afastou completamente de mim e da
nossa mãe.
Fiquei feliz e esperançosa quando um soldado veio falar sobre a
reunião na casa do chefe e sobre as pessoas importantes que estariam lá.
Achei que minha irmã estaria tentando se aproximar de mim novamente e
por isso estava me convidando, mas caí por terra quando o soldado afirmou
que quem havia solicitado minha presença não havia sido ninguém menos
do que Riccardo Guerrieri, o chefe. Ele estava solicitando minha presença
apenas por eu ainda ser esposa do Matteo.
Então finalmente caiu minha ficha: minha irmã não estava tentando
aproximação, e pelo que parecia, eu ainda era oficialmente a esposa do
Matteo Guerrieri, o Capo da Cosa Nostra.

— Você está linda. — Mamãe sorriu. Sim, tive que concordar com ela.
Eu estava mesmo linda.
— Tem certeza de que não quer ir junto? Posso tentar falar com Laura.
Ela balançou a cabeça negando.
— Tenho.
— Ficar aqui sozinha vai ser...
Ela me interrompeu:
— Anna, você é a esposa do Capo, e Laura, do Chefe. Não tem lugar
para mim lá.
Murchei derrotada e permanecemos em silêncio enquanto
caminhávamos para o lado de fora da nossa casa, onde soldados me
esperavam.
Mamma me deu um beijo demorado na bochecha e eu senti meu
coração apertar com a tristeza que ela estava sentindo. Queria poder
arrancar a tristeza do coração dela, queria poder fazer meus irmãos
enxergarem o quanto ela sentia falta deles... porém infelizmente não tinha
poder para isso. Cada um tinha sua vida e eu devia respeitá-los.
— Eu te amo — sussurrei antes do carro dar partida e deixar mamma
na calçada da nossa casa.

A mansão estava completamente iluminada e do lado de fora havia


carros luxuosos estacionados. Certamente a recepção era grandiosa, de
suma importância. Não era comum ver algo assim.
Laura estava na porta recepcionando os convidados. Quando seu olhar
cruzou o meu, parou de sorrir. O cabelo dela estava mais escuro do que de
costume e o corte estava acima do ombro. Definitivamente ela não parecia
minha irmã... Mas quando seu sorriso se alargou para mim, todas as minhas
dúvidas foram sanadas.
— Você está linda! — Ela me abraçou firme.
— Você ficou diferente com esse cabelo, mas continua linda. — Ri
enquanto reparava no vestido vermelho sangue que estava usando,
realçando suas curvas e seios. — Seu vestido é lindo.
— Anna. — Balançou a cabeça — Como sempre tentando ser gentil.
Seu vestido também é, esse blazer é um charme de lindo. Só acho que não
está apropriado para usar nessa ocasião.
Meu sorriso morreu quando outras mulheres riram de mim. Forcei um
sorriso e dei um passo à frente.
— Não vai me convidar para entrar?
— Oh, sim, é claro! Entre e fique à vontade. Já vai ser servido o jantar.
— Ela voltou sua atenção para outras mulheres.
Eu estava me sentindo um peixe fora d'água. Não tinha ninguém
conhecido ali além da minha irmã, mas que nem dava bola para mim. Passei
parte da noite me escondendo entre as pessoas enquanto o jantar não era
servido. Consegui ouvir um grupinho de mulheres fofocando sobre a casa
luxuosa que minha irmã vivia e também comentavam sobre o casamento
dela estar desmoronando... Riccardo estava voltando a frequentar os clubes
da Famiglia porque minha irmã não o agradava mais.
Isso não era bom.
Quando o jantar foi servido, todos comeram em silêncio. Riccardo e
Laura pareciam dois estranhos... E o que mais me chocou foi a cena de uma
mulher jovem e bonita flertando com ele ali, na frente de todo mundo.
Que diabos estava acontecendo?
Quando o jantar finalmente terminou, trouxeram a sobremesa. Meu
estômago embrulhou de ver a cena em que minha irmã se tornava um
enfeite.
— Como foi sua viagem? — A bela jovem sorriu enquanto pegava a
mão de Riccardo sobre a mesa.
A vaca nem se importou com a aliança grossa de ouro brilhando no
dedo dele. Riccardo não respondeu e continuou de cabeça baixa, se
dedicando à sobremesa.
— Soube que ficou uns dias fora. — Ela sorriu agora olhando para
Laura. — Senhora Guerrieri, não fica com ciúmes de deixar seu marido
ficar tanto tempo fora de casa? Não sente saudades dele?
Laura deu de ombros enquanto tomava um gole de champanhe.
— Foi tão rápido que nem tive tempo de pensar. — Ela riu, como se
aquilo fosse uma das melhores piadas que todos iam compartilhar naquela
mesa, que todos fossem rir e dizer o quanto ela era engraçada. Mas ninguém
fez isso, o silêncio que se instalou ali foi como um balde de água fria. Ela
rapidamente se retratou. — Ele é meu e ninguém tira.
Riccardo parou de comer, levantou a cabeça e olhou para Laura, vi um
brilho de decepção e raiva passar pelo rosto dele enquanto afastava o prato
para longe.
Talvez Laura tivesse apenas bebido demais... pelo menos era isso que
eu esperava que fosse.
— Quando pensa em atacar a máfia rival? — o presidente quebrou o
clima. — Estou com você nessa. Você me ajudou quando eu mais precisei
então estarei aqui para quando você precisar. A polícia vai ficar fora disso,
mas se quiser posso enviar forças especiais para te ajudar.
Riccardo respirou fundo enquanto se encostava na cadeira.
— O problema não é esse.
— Eles querem sua cabeça, Guerrieri. — o presidente continuou. —
Querem você morto.
Riccardo olhou em volta buscando algum rosto, como se estivesse
mirando um alvo.
— Não pense que fiz essa recepção na intenção de me divertir. — Ele
deu uma pausa para beber o uísque. — Alguém está me traindo. Alguém
muito próximo de mim está me traindo e passando informações para eles.
Então não posso dar um passo em falso e colocar a vida do meu irmão em
risco.
Um alvoroço se instalou no local e todos ficaram apavorados.
— Pelo amor de Deus, Guerrieri. — O presidente ajeitou a gravata. —
Eu não faria algo assim. Jamais viria para casa de um homem perigoso se
estivesse devendo, ainda mais trazendo minha família comigo.
— Sinto muito se a carapuça serviu, mas não lembro de ter citado
nome.
Um soldado se aproximou da mesa e sussurrou algo no ouvido de
Riccardo, ele levantou da cadeira, ajeitou o terno e antes de sair da sala
olhou para mim e Laura.
— Quero falar com vocês duas. Venham comigo.
Deixei meu guardanapo sobre a mesa e me levantei, ainda tentando
entender que merda estava acontecendo. Sob olhares curiosos, deixamos a
sala e seguimos pelo corredor.
Riccardo ia na frente enquanto Laura e eu seguíamos atrás. Ele abriu a
porta do escritório e deu passagem para entrarmos.
— Algum problema? — Laura gaguejou.
— Sim. A mãe de vocês está no hospital...
Não consegui ouvir o restante quando uma tontura me atingiu em
cheio e eu vi tudo girar.
— Vou pedir aos soldados que levem vocês ao hospital. — Riccardo se
preparava para deixar o escritório quando Laura o segurou pela mão.
— É grave?
— Não sei — ele respondeu confuso enquanto olhava as mãos deles
entrelaçadas, mas Riccardo desfez o contato e se afastou da minha irmã. Ele
parecia ter nojo dela. Como era possível?
Escondi a mão entre o rosto e chorei, chorei tanto que parecia que
minha alma estava abandonando meu corpo. Eu queria fazer tanta coisa por
minha mãe, mas não conseguia, não conseguia porque o motivo da tristeza
dela não era por minha causa.
Quando levantei o olhar, era somente Laura que estava presente.
— Será que vamos ter que passar a noite lá? — falei enquanto tentava
enxugar as lágrimas. — Pode ir comigo até em casa buscar roupas? Quero
ir preparada.
— Os soldados vão acompanhar você.
Olhei incrédula para minha irmã sem querer fazer pré-julgamentos.
— Você não vai? — Engoli em seco. — É isso?
— Como? — Ela abriu os braços. — Estou no meio de uma recepção,
não posso deixar meu marido sozinho.
— Que marido? — Me levantei irritada. — Esse que todo mundo está
comentando que anda frequentando os bordéis? O mesmo que estava
deixando a filha do presidente flertar com ele na sua frente... na frente de
todo mundo?
— Todos os homens frequentam bordéis. — Olhou as unhas.
— Não o seu marido! — gritei. — Quando foi que deixou isso
acontecer?
— Sou a esposa, é isso que importa.
Ergui uma sobrancelha.
— Esposa... até ele se cansar de você e arrumar outra mais bonita.
Acho que não vai demorar muito, julgando como ele deixou aquela mulher
tocar nele.
— Sou mais bonita do que qualquer outra.
— Ela é sua mãe, Laura! — gritei. — Que porra tá acontecendo com
você?
— Fale baixo, Anna — ela rosnou.
— Sim. Ela é sua mãe. — Aumentei o tom da voz. — Você foi
substituí...
Não consegui terminar a frase porque Laura havia acabado de me dar
um tapa no rosto. No momento eu não soube decifrar o que estava sentindo.
Lágrimas deslizarem pelo meu rosto, e eu solucei escondendo o rosto entre
as mãos.
— O que é isso? — Riccardo perguntou assim que entrou no
escritório. — Lá de fora ouço gritos.
— Nada. — Laura caminhou até ele e o abraçou. — Anna vai ficar
com nossa mãe enquanto fico aqui te ajudando a recepcionar os convidados.
Riccardo olhou para mim esperando que eu dissesse algo, mas fui
covarde e desviei o olhar para a porta do escritório. Eu não saberia o que
dizer e nem mesmo tinha certeza se ele iria se importar.
Fabrizio estava de pé na soleira da porta. Fiquei surpresa em vê-lo
depois de tanto tempo. Ele estava ainda mais bonito. Todos os irmãos
Guerrieri eram bonitos e cada um tinha seu charme.
— Fabrizio vai acompanhar vocês. — Fabrizio olhou para mim e
Laura.
— Mas eu disse que vou ficar — Laura retrucou, mas logo abaixou a
cabeça depois de receber um olhar reprovador do marido. — Se você
quiser... é claro.
— Não. Você pode ir. — Riccardo colocou as mãos no bolso da calça
— Qualquer coisa me liga, Fabrizio.
Fabrizio assentiu e nós o acompanhamos até o carro.
O caminho até o hospital foi longo e torturador. Quando finalmente
chegamos, eu corri até a recepção e me informei sobre o caso da minha
mãe. A médica disse que ela tinha tentando tirar a própria vida ingerido
remédios. Eu sabia que ela estava doente e se sentindo sozinha, mas nunca
cogitei que ela chegaria a tanto. Eu amava minha mãe e sem ela eu ficaria
sem rumo. Como pôde fazer isso comigo? Ela era minha vida!
Entrei no quarto e ela abriu os olhos. Caminhei trôpega até ela e
peguei sua mão para depositar um beijo demorado, enquanto isso lágrimas
molhavam meu rosto. Meu coração estava despedaçado. Meu mundo
desmoronou completamente.
— Laura está aqui. — sussurrei enquanto acariciava o cabelo dela. O
rosto de mamma ganhou luz quando Laura se aproximou da cama.
— Conversa com ela. — Puxei minha irmã para mais perto da cama.
Mamma arregalou os olhos e ficou agitada quando Laura tocou sua
mão onde havia a agulha do soro.
— Nã-o. — Balançou a cabeça e puxou a mão, com dificuldades.
Desfazendo o contanto com Laura.
— Fique calma, estou aqui. — Laura sorriu.
Quando mamma tentou levantar da cama, Fabrizio e eu corremos para
segurá-la.
— O que fizeram... O que fizeram... Com minha filha?
Fabrizio enrugou a testa e me olhou desconfiado.
— Eu sou sua filha. — Laura riu e se aproximou mais. Mamãe fez
sinal para ela ficar onde estava.
— Tirem... ela daqui!
— Só mudei de visual, mas continuo a mesma. — Passou a mão pelo
cabelo de nossa mãe.
— Não... Não... me toca!
Laura se virou para mim.
— Acho melhor eu dar um tempo lá fora, depois quando ela estiver
melhor eu volto.
Concordei triste.
Mamãe ganhou alta depois de uma semana. Ela não quis falar sobre o
assunto dos remédios. Continuava dizendo que Laura não era sua filha e os
médicos disseram que ela tinha batido a cabeça ao cair. Eu ficava num
impasse quando minha irmã tentava se aproximar da nossa mãe e era
rejeitada.
— Está preparada? — uma médica da Famiglia sorriu enquanto me
entregava o exame de gravidez. Reuni forças e voltei no médico para fazer
o teste de gravidez. Meu nervosismo era tanto, mas aguardei os dias
necessários e fui diretamente no laboratório.
Balancei a cabeça sorrindo, mas por dentro eu estava uma pilha de
nervos.
— Então abra...
Meu sorriso se alargou no momento que abri o exame e li "positivo".
Minha vida mudou rapidamente e eu me vi fazendo planos.
Minha respiração estava fraca e naquelas alturas eu já começava a
duvidar se iria mesmo sobreviver depois de tantas torturas, tantos golpes e
cortes, que até duvidei se algum outro ser humano seria capaz de
sobreviver.
Eu sabia que Riccardo estava montando um plano para me tirar do
inferno, mas alguém estava vazando informações e os inimigos conseguiam
me mudar de lugar. Eles queriam que Riccardo se entregasse, queriam que
meu irmão ficasse no meu lugar.
Eu preferia morrer.
Minha cabeça tombou para baixo. Eu havia desistido de tentar viver,
acabei fechando os olhos e estava quase me rendendo à escuridão quando
senti uma mão leve passar pelo meu cabelo e levantar meu rosto.
— Matteo.
A voz suave adentrou meus ouvidos e quando abri os olhos, fiquei sem
saber se tinha morrido, se era sonho ou realidade. Mas jurava estar vendo
Laura de pé na minha frente, ela estava descalça e carregava consigo uma
faca, a qual usou para me desamarrar.
Chorei de alegria, tristeza, ou sei lá mais o quê.
— Laura... É você?
— Shh! Fale baixo. A gente precisa sair daqui antes que eles voltem.
Gritei quando ela me ajudou a levantar da cadeira. Parecia que todos
os ossos do meu corpo estavam quebrados.
— Matteo.
Foi a última coisa que ouvi antes de apagar.

Abri os olhos novamente quando senti meu corpo ser balançado. Laura
ainda estava na minha frente me olhando com preocupação. Não sabia se
era alucinação ou se ela realmente estava ali, no entanto, meu coração se
encheu de alegria, esperança.
— Preciso da sua ajuda, Matteo. Precisamos nos esconder antes que
eles voltem. Não consigo dar conta de todos eles.
Tossi forte enquanto obrigava meu corpo a sair do chão. Laura estava
me ajudando, e quando fiquei de pé, ela conseguiu caminhar comigo me
apoiando nela e nós conseguimos sair daquele lugar.
O lugar parecia uma caverna próximo às montanhas. Os matos e as
árvores cobriam nossa visão.
O ar puro fez com que eu fechasse os olhos e respirasse fundo,
sentindo as gotas grossas de chuva caírem sobre minha cabeça.
Meus ossos doíam muito a cada passo que eu dava.
Estávamos descendo uma ribanceira para tentar achar uma rodovia, e,
num determinado momento, perdi as forças nas pernas e caí sobre Laura,
perdemos o equilíbrio e rolamos morro abaixo. Os capins cortavam nossa
pele à medida que rolávamos sobre eles.
Rolamos até bater no tronco de uma árvore que estava no caminho.
Estava escurecendo, e a ideia de passar a noite no meio daquela
floresta não era animadora, mas não tinha outra alternativa que não fosse
procurar um lugar seguro para tentar se aquecer do frio.
— Laura... — Procurei por ela e a vi caída do meu lado.
— Estou bem. — Ela levantou, e quando tentei fazer o mesmo, fui
tomado por uma dor aguda na perna esquerda, um pedaço fino de madeira
tinha entrado nela.
— Acho melhor você ir procurar ajuda —sugeri, sabendo que eu não
iria mais conseguir andar. Eu não queria que Laura corresse risco.
— Não vou deixar você. — Ela andou em volta da floresta, afastando
capins e plantas. Laura havia sumido do meu campo de visão.
Nunca imaginei passar por situação parecida.
Fechei os olhos sentindo muita dor. Acordei em seguida quando mãos
suaves passaram por minha cabeça.
— Não pode fechar os olhos, Matteo.
— Não vou conseguir, Laura. Você sabe que sou um peso morto. Vá se
esconder, eu vou ficar e distrair eles.
— Não diga bobagens. Achei um esconderijo e nós iremos permanecer
lá até o amanhecer.
Laura foi me arrastando pelos braços enquanto eu ia apertando os
lábios para reprimir os gritos de dor.
Ela caía de bunda no chão quando tropeçava em algum galho, contudo
não desistia. Em nenhum momento Laura desistiu, continuava me
arrastando pelo meio da floresta escura e molhada.
Uma lágrima involuntária rolou pelo meu rosto quando fui arrastado
para um túnel pequeno e apertado, o lugar era escuro e muito pequeno.
Estávamos seguros do frio e chuva, embora o lugar fosse pouco úmido.
— Onde estamos?
Ela rolou por cima de mim e vedou o lugar com uma grade de ferro
jogada por ali, nos deixando isolados dos perigos da floresta. Não éramos
presas fáceis somente para nossos inimigos, mas para qualquer animal que
saísse para caçar.
— No bueiro. Aqui não vamos passar tanto frio. Também não vão nos
encontrar facilmente.
Exausto, fechei os olhos e dormi.

Acordei com o barulho das trovoadas. A chuva caía forte.


Procurei por Laura e a vi encolhida tentando se aquecer do frio.
Estava completamente escuro.
— Ei, Laura. Você está bem?
— Estou com medo. — Vi a silhueta dela abraçando o próprio corpo.
— Tomara que o Riccardo venha logo nos resgatar. Estou com saudades
dele e dos nossos filhos.
— Pode ter certeza que ele está achando um jeito de vir, sem colocar
nossas vidas em perigo.
— Será que ele está vivo? — soluçou.
— É claro que está. — Alcancei o rosto dela e o acariciei. — Riccardo
é osso duro de roer. — Ficamos em silêncio antes de perguntar. — Como
você veio parar aqui?
Laura balançou o corpo.
— Eles me sequestraram e colocaram uma mulher idêntica a mim na
minha casa. Ela está lá com a missão de se aproximar do Riccardo. Ganhar
a confiança dele para depois matá-lo.
Olhei para ela confuso. Que merda ela estava falando? Será que estava
com febre e alucinando?
— Do que você está falando? Explica melhor.
Laura respirou fundo e começou a contar como tudo havia acontecido.
— Você é o motivo de Matteo estar lá.
Saí do prédio desnorteada com as palavras do meu marido martelando
minha cabeça. Ele tinha razão.
— Senhora Guerrieri. — Um soldado se aproximou de mim, mas eu
fiz sinal para que ele permanecesse onde estava.
Precisava ficar sozinha para digerir a besteira que tinha feito.
— Quero ficar sozinha. — Atravessei a rua e fugi em direção a
qualquer lugar que fosse deserto, para que eu pudesse repensar as coisas
que fiz.
Eu mesma sabotei meu casamento quando me afastei do meu marido
por medo que descobrisse sobre Alessandra. Que merda eu estava pensando
para fazer tal coisa? Nosso casamento evoluiu tanto durante esses anos...
Nós dois evoluímos.
Não dei em importância para os soldados chamando por mim e entrei
no meio do matagal, onde havia um porto desativado. Entrei no barco velho
e fitei o céu nublado. O lugar era ótimo para apreciar a vista e pensar sobre
a vida sem que ninguém interferisse.
Riccardo nunca havia deixado eu me afastar tanto dele, mas presumi
que realmente estivesse chateado para permitir tal coisa.
Fiquei um tempo olhando as águas, podia sentir a tranquilidade tomar
meu coração.
Independente de qualquer coisa, eu tinha que me desculpar.
Tirei o celular do bolso e disquei o número do meu marido. Mal tinha
completado o segundo toque quando ele me atendeu.
Sua voz rouca era como música para os meus ouvidos.
— Laura...
— Estou pronta — interrompi. — Eu não deveria ter escondido coisas
de você, muito menos deveria ter me afastado. Então se quiser me punir,
estou à sua disposição. Sei que Fabrizio vai querer isso. Saiba que nunca
deixei de te amar e nunca seria capaz de concordar com algo que o
colocasse em perigo.
Ele ficou por alguns segundos em silêncio.
— Pode repetir isso? — sussurrou.
— O quê?
— Que nunca deixou de me amar. O resto não me interessa.
Sorri me levantando do barco e voltando a fitar o céu.
— Nunca deixei de te amar. Eu te amo muito, meu amor. Adoro seu
jeito, adoro quando faz amor comigo. Adoro seu olhar em mim, suas mãos,
amo seus beijos.
O silêncio que se formou foi tão confortável que aqueceu meu coração
e tirou um peso dos meus olhos.
— Me perdoa?
— Já fiz isso, querida. Pode ter certeza que sim.
— É lógico que sim, afinal, ainda estou respirando.
Ele riu baixo, uma risada rouca e gostosa que tanto amava ouvir.
— Você não tem nada a ver com o sequestro do Matteo. Estava com a
cabeça cheia.
— Obrigada por me dizer isso. Te vejo em casa?
— Certo. Saia logo daí, estou começando a me arrepender por ter te
deixado sair sozinha. Certamente não estava raciocinando quando
concordei.
— Nada vai acontecer. Estou bem. Aqui é tão lindo e tranquilo.
— Anda! — rosnou.
Joguei a mão para o alto e, derrotada, saí do barco velho. Guardei o
celular quando saí da mata, sentindo os pingos de chuva. Felizmente a culpa
não me atormentava mais, já não havia mais segredos.
Corri sorrindo até a rua principal enquanto dançava na chuva. Fazia
tempo que não fazia essas loucuras desde a época do colégio. No entanto,
meu sorriso se desfez quando um carro preto parou na minha frente e um
grupo de pessoas saiu apontando armas para mim.
— Se gritar, vou estourar sua cabeça. — O homem gordo me puxou
pelo braço e me empurrou para dentro do carro. Cortei os lábios quando
bati a boca na lataria enferrujada.
— Tire a roupa. — O homem continuou apontando a arma para minha
cabeça. Hesitei por alguns segundos.
O homem perdeu a paciência e bateu com minha cabeça no vidro do
carro. A dor foi terrível e o grito de dor rompeu minha garganta.
Tirei a roupa e fiquei de calcinha e sutiã, tremendo de medo, pavor e
rezando para que não me acontecesse nada ruim.
Não.
Não podia surtar justamente no momento que precisava ser forte.
O homem saiu do carro carregando minhas roupas e as entregou para
uma mulher, que estava de costas. Quando ela virou de frente para mim,
fiquei apavorada ao ver que se parecia muito comigo.
A mulher também pareceu ter ficado espantada.... Quem não ficaria?
Ela era idêntica a mim.
Fiquei em choque, mas ainda assim mantive a calma. Eles me fizeram
milhares de perguntas sobre como era meu relacionamento com minha
família. A mulher prestava atenção em tudo que eu dizia. Eles sabiam sobre
Anna, Giovanni, minha mãe e todas as pessoas ao meu redor.
O golpe pior foi saber que a esposa de Giovanni estava envolvida e
passou o dossiê completo da minha vida. Quis morrer e ao mesmo tempo
quis matar a desgraçada por ter se infiltrado na minha família, se passando
por esposa do meu irmão.
O plano deles era matar Riccardo e usaram meios baixos para
conseguir tal façanha. Meu marido estava encurralado e somente um
milagre seria capaz de salvá-lo.
Eu só não conseguia entender o que a Mia iria ganhar com a morte do
meu marido.
Eu não poderia permitir.
A mulher olhou para mim novamente antes de colocar a roupa e
caminhar para onde eu estava indo.
— Se tiver alguma dúvida, pergunte — o homem disse para a mulher.
— O plano é perfeito e não pode dar errado. Quero o chefe deles morto.
Ela se aproximou do carro e se abaixou, ficando na altura do meu
rosto.
— Como devo tratar o seu marido? Você costuma chamá-lo pelo
nome? Ainda não ficou claro para mim. Fale-mais sobre o relacionamento
de vocês. Sei que não posso dar um passo em falso com ele.
Olhei para ela séria, sentindo o ódio correr em minhas veias. O homem
gordo puxou meu cabelo com força.
— Seu marido vai morrer, de um jeito ou de outro. Mas posso ter um
pouco de compaixão pelos seus filhos. Posso deixar um deles vivo.
— Meus filhos não, por favor. Eles são inocentes — chorei. — Por que
estão fazendo isso? — murmurei.
— Há alguns anos seu marido planejou um massacre na minha família,
matou meu irmão e outros membros importantes da minha organização. Eu
disse que quando fosse me vingar, seria com estilo e não importava quantos
anos se passassem. O bom da Máfia de vocês é o fato de haver muitos
traidores que facilitam a ação dos inimigos. Mas sei que não posso
subestimar o Guerrieri, qualquer passo em falso e estaremos mortos. No
entanto, isso não vai acontecer, Fransuá está aqui para se passar por você
para quando o Guerrieri abaixar a guarda, nossa garota dar um tiro bem no
meio da testa dele.
Engoli seco enquanto me encolhia no banco.
— Agora responda as perguntas dela e prometo que mantenho minha
promessa de deixar seus filhos de fora. — Ele se afastou.
— Meu marido não gosta de apelidos.
— Foi o que eu pensei — a mulher respondeu.
— Ele não gosta de carinho. Nós tivemos uma briga recentemente
somente porque escondi a morte da cunhada dele.
— Por que você escondeu a morte da cunhada dele? Seja mais
específica.
— Na verdade ela está viva, mas após a traição do marido, ela me
contou que iria forjar a morte e que ninguém podia saber. Alessandra estava
abalada e precisava sair da Máfia.
— Ela vai voltar? — a mulher perguntou interessada.
— Não sei. Não conversamos sobre isso. Meu marido descobriu a
verdade e ficou furioso comigo. Ele se sentiu traído.
— Uau — o gordo gargalhou. — Que história. — E o que a Fransuá
vai fazer para mudar a situação com o seu marido? Ela precisa se aproximar
dele. — Quando pensei em me rebelar, ele apontou a arma para minha
cabeça. — Lembre-se dos seus filhos.
Mordi os lábios tentando pensar em algo que chamasse a atenção de
Riccardo, algo que eu jamais faria, de jeito nenhum. Mas eu não tinha nada
para impedi-los. Riccardo estava distraído com o fato de Matteo ter sido
sequestrado.
Eles tiraram tudo de mim, até mesmo meu celular, lógico.
Riccardo estava vulnerável.
Quando abri a boca para falar, o homem gordo agarrou no meu cabelo
e, novamente, bateu contra o vidro do carro.
— Nós ouvimos você falando com ele no telefone. Acha que somos
idiotas?
— Eu- eu estava pensando em fazer uma surpresa, tentando me
desculpar — tossi.
— Continua. — Ele puxou meu cabelo com mais força. — O que você
iria fazer para reverter a situação?
— No meu closet tem uma foto dos pais dele, que eu ia mandar
imprimir. Minha intenção era presenteá-lo em um jantar especial. — Fechei
os olhos esperando um tapa, eu claramente estava mentindo, mas para
minha surpresa ou desespero, o gordo ficou em silêncio.
Eu não sabia se eles tinham comprado a ideia, mas se desse certo, seria
uma mensagem minha para Riccardo.
— Uma foto? — A mulher colocou o cabelo atrás da orelha. — Onde
encontro essa foto? Preciso que me dê a senha dos seus cartões de crédito.
— Calma, Fransuá. Vou deixar um outro telefone com você, onde
iremos nos comunicar quando você tiver dúvidas em relação a algo. Laura
vai passar todos as informações, não é, Laura?
Assenti, trêmula.
— A foto está na minha gaveta, dentro da minha caixinha de música.
A foto foi tirada no dia do casamento dos meus sogros. Esse momento é
importante para o meu marido.
Sim. Foi uma ideia estúpida, mas não estava conseguindo pensar em
nada melhor no momento.
O gordo cruzou os braços.
— Sei lá... Não comprei essa ideia de fotos de casamento....
Meu celular começou a tocar e eles se assustaram. Certamente estavam
procurando por mim.
Fransuá foi rumo ao seu destino, e eu fui levada para longe.
Fiquei chocado quando Laura terminou de me contar o plano da Mara
Salvatrucha. Não podia negar que foram inteligentes. Mas como
conseguiram achar alguém tão idêntica a Laura?
Eu tinha que ver com meus próprios olhos.
A mulher de Giovanni merecia ser queimada vida após várias sessões
de tortura.
— Como soube que eu estava aqui? Como conseguiu se livrar?
Quando ela respirou fundo, pude ter certeza que estava chorando.
Dadas as circunstâncias, até eu tinha dúvidas se Ricardo ainda estava vivo.
O plano dos inimigos era perfeito.
— Sempre depois que eu passava instruções para Fransuá por telefone,
um dos homens me drogava. Ele também me disse que você estava aqui,
sendo torturado até a morte. Eles queriam encurralar seu irmão por todos os
lados. Numa dessas vezes, depois de ser drogada, forcei o vômito e fingi
estar passando mal. Eles me queriam viva para o que plano seguisse
tranquilo e ficaram desorientados para me socorrer. Tenho certeza de que
foi Deus quem me ajudou a pegar aquela faca do bolso do homem que
estava me carregando, dei várias facadas nele e corri para me esconder.
— Você é corajosa...
— Eles são poucos aqui na Itália, para não levantar suspeitas. Mas
parece que vai chegar reforço para tomar a Cosa Nostra assim que Riccardo
morrer.
— Jesus. — Tentei ficar firme, mas o mundo parecia estar
desmoronando.
— Os outros dois homens que matei estavam dormindo. Eles vão nos
achar aqui, Matteo. Pode ter certeza de que iremos morrer.
De repente, ouvimos um estrondo e tudo a nossa volta estremeceu.
Laura deu grito quando barulhos de tiros cortaram o barulho da chuva. O
tiroteio durou cerca de horas até o silêncio reinar novamente.
Meu coração estava acelerado e o medo de não ver Anna novamente
fez lágrimas deslizarem por meu rosto. Eu queria poder me desculpar por
ser um imbecil, que não soube apreciar uma mulher de verdade. Mas jurei a
mim mesmo que faria valer a pena cada segundo se houvesse uma segunda
oportunidade.
Eu estava apaixonado por Anna.
Minha visão foi ficando turva de novo e o cansaço estava tomando
meu corpo.
— Laura... — alguém gritou de longe.
— Riccardo! — Laura gritou de volta, e, quando se preparou para sair
do esgoto, a segurei firme pelo braço, com a pouca força que ainda me
restava.
— E se não for ele?
— É ele, Matteo. Meu coração diz que é ele. Consigo identificar
aquela voz a quilômetros de distância.
Ela gritou por Riccardo, gritou até ficar rouca. E quando uma luz
apontou em nossa direção e meu irmão surgiu através dela, respirei
aliviado.
Laura correu para os braços dele
— Tudo bem, estou aqui meu amor. Você está segura agora —
Riccardo falou enquanto a segurava firme e a pressionava contra ele. — Eu
prometo que nunca mais vou deixar nada acontecer com você. Eu te amo,
Laura.
Mais atrás pude ver Fabrizio caminhar em minha direção e jogar um
cobertor sobre mim.
Andamos pela floresta. Fabrizio e outros soldados me ajudaram a
chegar até o carro que nos aguardava. O pesadelo finalmente tinha
terminado, e eu havia ganhado uma segunda chance de fazer a coisa certa.
Pediria perdão a Anna, de joelhos se fosse preciso. Finalmente poderia
ver seu rosto angelical novamente.

Quando acordei, novamente notei que estava no hospital e que Anna


estava do meu lado segurando minha mão. Esperava que não fosse um
maldito sonho.
— Anna. — forcei a voz e a vi levantar a cabeça.
— Você acordou. — Levantou da cadeira. Meu mundo desmoronou
quando ela se moveu para sair do quarto.
— Fique aqui comigo — pedi. — Precisamos conversar.
Ela olhou para mim, e eu fiquei encantado com o brilho que vinha
dela.
Anna estava mais linda ainda.
— Não se esforce tanto. Vou chamar o médico.
Ela saiu e voltou minutos depois acompanhada do médico. Ouvi todas
as recomendações em silêncio enquanto observava Anna usando um lindo
vestido verde. Como não reparei nessa mulher antes? Ela era linda, meiga e
de sorriso encantador.
Depois que o médico saiu do quarto, ignorei a dor e alcancei a mão
dela e levei aos lábios, depositando um beijo.
Fiquei mantendo contato visual até cair no sono.
Depois de molhar o rosto, olhei meu reflexo abatido no espelho.
Olheiras deixavam meu olhar triste e cansado. Estava abatida, as tonturas
vinham forte e ainda tinha que me fazer de forte para cuidar da minha mãe,
passar tranquilidade e mostrar que estava ali por ela.
O médico informou que nesse momento mamãe iria precisar de amor,
carinho e muita atenção dos filhos. Tomei a decisão de ligar para Giovanni
e informar sobre a situação da nossa mãe. Giovanni ficou completamente
abalado e garantiu que dentro de algumas horas estaria em Sicília para dar
suporte a nossa mãe.
Eu não entendia o motivo da minha relação com meus irmãos estar
abalada.
Giovanni ficou distante e praticamente incomunicável depois que se
casou. Quanto a Laura, não tinha palavras para denominar nossa relação nos
últimos dias. Ela estava fria.
Respirei fundo antes de retornar para o quarto. Seria forte mesmo
quando o mundo parecesse desmoronar sobre mim, entraria naquele quarto
e mostraria que eu estava bem e feliz.
No entanto, todo meu autocontrole caiu por terra. Rapidamente entrei
em alerta quando vi soldados armados correrem pelo hospital, mandando as
pessoas saírem do local.
Estava um verdadeiro caos.
Entrei no quarto da minha mãe e quase caí dura quando encontrei a
cama vazia. Segurei na porta para não cair e mal enxerguei quando um dos
homens me segurou firme.
— Senhora Anna, não é seguro aqui. Temos que sair.
Minha visão aos poucos foi voltando ao normal e consegui identificar
o homem que segurava meu braço. Mumú, um dos soldados de confiança
do Riccardo. Eles também eram amigos.
— Onde está minha mãe e minha irmã?
— Sua mãe está sendo levada para um dos esconderijos subterrâneos.
Vamos. — Conduziu-me pelo corredor e pude reparar no desespero das
pessoas.
— O que está acontecendo?
— Está acontecendo uma guerra. Estamos varrendo a Mara
Salvatrucha do nosso território. Encontramos pelo menos 2 infiltrados no
nosso sistema.
Meu coração acelerou e meu corpo começou a tremer de medo, pavor.
Ele me colocou no carro. E o cenário nas ruas de Sicília me perturbou:
pessoas que não tinham nada a ver com a máfia também fechavam seus
estabelecimentos e tratavam de se esconder. Policiais estavam somente ali
de encenação, mas na verdade todos eram coniventes com o crime.
— Minha irmã também está no esconderijo? Ela estava no hospital
comigo. Saiu apenas para tomar café.
Mumú sorriu de um jeito macabro.
— Ela não saiu para tomar café. Aquela mulher não é sua irmã,
senhora Anna. É alguém perturbadoramente parecida. É uma vadia que os
inimigos conseguiriam persuadir, ela estava aqui para matar o chefe e
passar informações dos negócios.
Coloquei a mão na boca completamente apavorada e quase não
consegui segurar o vômito.
— Como assim?
— Parece que colocaram a foto da sua irmã em algum programa que
buscam pessoas parecidas. Ainda não tenho muita informação.
— Isso é um pesadelo, não é? Como não percebi isso? Vocês estão
cometendo um erro, ela é a minha irmã.
— Talvez seja sua irmã. O chefe já mandou coletar amostras dela e de
sua mãe, para fazer exame de DNA.
O mundo girou e eu vi tudo escurecer.
Não sabia quantas horas tinham se passado, contudo já me sentia
muito melhor depois do sono. Levantei da cama com dificuldade e vesti
uma roupa limpa que estava ali.
Quando Anna abriu a porta e me viu de pé, largou a comida e correu
na minha direção. Não pude deixar de sorrir por sua preocupação. Anna
fora criada à risca para ser uma boa esposa modelo da Máfia, foi assim com
Antônio e estava sendo comigo também.
— O que está fazendo? Você ficou dois dias desacordado.
Quê?
— Dois dias? Não posso mais ficar aqui. Tenho que ajudar meu irmão
a resolver os assuntos.
Ela sorriu, mas era nítido que estava debochando de mim.
— Foi minha verdadeira irmã quem te salvou. Acha mesmo que podia
lidar com nossos inimigos? A guerra já acabou.
— Verdadeira irmã? Então havia mesmo uma falsa?
— Se passou perfeitamente pela Laura. Estava tão distraída com meus
problemas que não me dei conta. Não parei para observar as diferenças.
Como eu iria adivinhar que iriam sequestrar minha irmã e colocar outra em
seu lugar? Estávamos preocupados com você. Culpa sua, Matteo.
— Vou ajudar. Como Laura está?
— Você está surdo? Você não está em condições. — Ficou em silêncio
por um tempo — Ainda não me deixaram ver minha irmã, mas os soldados
me garantiram que ela está bem. Disseram que há possibilidade daquela
mulher também ser minha irmã — soluçou. — Será que é verdade? Será
que meu pai foi tão monstruoso ao ponto de ter feito algo com ela?
— Não sofra antecipadamente. — Acariciei seus cabelos e lutei contra
a vontade de beijá-la. — Estou aqui caso queira conversar.
— Ando tão sensível ultimamente.
— Lembro que Laura ficou assim quando engravidou dos gêmeos.
Será que é de família? — debochei.
Anna arregalou os olhos.
— Faz sentido. — Meu coração quase saltou pela boca quando ela
disse. A dor de barriga me atacou em cheio, tive vontade de cagar.
— O que faz sentido? — minhas bochechas queimaram.
Ela me olhou intensamente.
— A única explicação para essa mulher ser idêntica a Laura... são
gêmeas? Isso justifica Laura também ter tido gêmeos.
— Ah — gargalhei nervoso. — Realmente faz sentido.
Ainda nem tinha visto a substituta e já estava morrendo de curiosidade.
— Mas sua mãe saberia se estivesse grávida de gêmeos.
— Depende. — Colocou a mão na cintura. — Eu por exemplo não sei
se vou... Você não iria resolver os assuntos da Máfia? Ou já desistiu?
Tá certo que não estava totalmente recuperado, havia alguns ossos
quebrados que doíam quando eu me esforçava muito, mas Anna não
precisava ser tão rude jogando na minha cara que eu não servia para nada.
— Obrigado por cuidar de mim. — Beijei a testa dela.
— Ainda é minha obrigação. — Abaixou a cabeça, olhando os
próprios pés.
Mordi os lábios e me amaldiçoei ao ver que ainda havia muita mágoa
nela, trabalharia muito nisso para arrancar cada traço de rancor. Anna era
valiosa.
— Vou te reconquistar, Anna — falei convicto. — Não te culpo por me
odiar. Estou disposto a passar o resto da minha vida me redimindo.
Jessebelle foi um erro.
— Pode verificar se Giovanni chegou bem aqui em Sicília? — Olhou-
me com medo. — Ele ainda não veio ver mamma. — Também quero saber
como Laura está. Por favor, quero saber tudo que está acontecendo.
— Tudo bem, vou verificar o que aconteceu. Vou ver se meu irmão
conseguiu dar conta e se precisa da minha ajuda. — Terminei de vestir o
colete. — Me empresta seu celular?
Quando ela me entregou o aparelho, digitei o número de Riccardo e
aguardei até ele me atender. Certamente estava muito ocupado, e dessa vez
eu não iria ficar apenas olhando a situação. Era hora de assumir minhas
responsabilidades e honrar meu cargo.
Honrar meus antepassados.
— Alô.
— É o Matteo. Onde você está?
— No inferno.
Tínhamos uma casa de torturas chamada "inferno". As coisas eram
muito pesadas por lá.
— Vou até aí. Ainda estou perdido sobre tudo que aconteceu.
— Certo.
Quando ele desligou, segui para pegar as muletas. Meu corpo ainda
doía muito e uma perna estava engessada.
Completamente fodido.
Fiquei até com medo de ver meu reflexo no espelho e me deparar com
olhos roxos e dentes quebrados. Eu teria que cuidar dessa parte se quisesse
conquistar o amor de Anna.

O lugar de torturas parecia um filme de horror. Eu estava acostumado


com aquele tipo de coisa por ali, eu também torturava e matava em nome da
Máfia, só que havia algo mais naqueles corpos pendurados; alguns estavam
sem as peles dos corpos, outros sem os olhos, sem línguas, orelhas, nariz.
Eram no total de 20 homens mortos que Riccardo estava esquartejando. Era
nítido o ódio do meu irmão em cada mutilação nos corpos dos inimigos. Era
sua maneira de deixar sua marca para servir de exemplo.
Fabrizio também fazia o mesmo: cortava membros dos homens e
jogava dentro da caldeira. Não sobrava nada... Não sobrou ninguém.
Ignorei o cheiro o horrível e caminhei até eles.
— Estão precisando da minha ajuda? Estou bem para começar a
trabalhar.
Fabrizio parou de esquartejar os corpos sem vida e olhou para mim.
— Andamos de ternos e gravatas caras, mas somos verdadeiros
torturadores. Não se julga um livro pela capa. Eles achavam que podia nos
passar a perna? — Fabrizio piscou para mim.
Lembrei-me de Laura e toda confusão que até agora não conseguia
assimilar.
— Onde está Laura?
Pela primeira vez Riccardo olhou para mim desde que cheguei. E
novamente tive a impressão de ver o demônio refletido em seus olhos, não
era mais ele ali, tinha certeza disso.
Ele se aproximou de mim enquanto olhava dentro dos meus olhos.
— É por ela que estou aqui. Ela é muito corajosa. Se não fosse por
ela... Sinto muito — lamentei. Laura podia ter morrido.
— Espero que você fique mais esperto dessa vez, ainda mais depois de
tudo que aconteceu.
— Laura foi muito corajosa.
— Isso não te faz mais homem, pelo contrário — falou entre dentes.
Entendi a raiva dele.
Assenti.
— Pode me explicar o que aconteceu? — perguntei. — Laura me
contou parte do que aconteceu, mas minha mente ainda está confusa. Me
lembro de estar voltando para Sicília quando me pegaram. Fui torturado
pelos inimigos, eles queriam que você trocasse de lugar comigo. Pegaram
meu celular e vasculharam nossa vida, pelo menos parte dela. Eles queriam
os esquemas da nossa máfia, mas eu não disse nada. Eles queriam matar
você, Riccardo. Minha mente ficou confusa quando Laura chegou para me
resgatar, ela..
— Laura já me contou tudo. — Riccardo se sentou atrás da mesa e
acendeu um cigarro. — Já tenho informações suficientes e já dei ordens
para matar qualquer coisa que se mexa na família deles. Quero todos da
Mara Salvatrucha mortos.
Concordei. Apesar de tudo, a voz de Riccardo estava pacífica.
— Quero fazer algo para amenizar a confusão que enfiei vocês. —
Ofereci-me para destruir a máfia rival.
— Você não é o único culpado. — Fabrizio se aproximou. — Sabia
que nossa querida cunhada escondeu minha mulher de mim? Laura sabia
que Alessandra estava viva e escondeu de todos nós. Anna disse que você
estava voltando para tentar amenizar a situação, caso Riccardo resolvesse
dar umas porradas nela, você ficou preocupado com Laura e por isso se
distraiu.
Enruguei a testa sem saber onde Fabrizio queria chegar.
— Não foi por isso — falei enquanto observava o olhar vazio de
Riccardo cravado em Fabrizio. — Laura me ajudou a sair daquele lugar.
Vocês estão pensando em punir a menina?
Riccardo balançou a cabeça negativamente.
— Acontece que Riccardo deveria se casar com a filha do presidente
somente para tomar o cargo dele. A mulher está apaixonada por ele e o pai
está animado para se tornar sogro do nosso irmão. Essa aliança vai nos
beneficiar.
— Isso não vai acontecer.
— Isso é ridículo, Fabrizio — falei.
— O que Laura pode oferecer ao nosso irmão? — Fabrizio se alterou e
Riccardo o olhou de forma rígida. Ele abaixou a bola. — A família Bassi é
um lixo. Todos são ladrões.
Riccardo levantou da cadeira e avançou em cima de Fabrizio,
agarrando-o pelo colarinho.
— Até agora dei corda para que você dissesse suas merdas, mas não
vou permitir que ofenda minha esposa. Alessandra é a traíra aqui, não
Laura. Seja corno, mas não seja idiota achando que vou cair na sua. Duvido
muito que vá honrar as calças dando o castigo que sua mulher merece,
então pare de querer causar discórdia ou tentar dar lição de moral no meu
casamento. Você é um idiota que não consegue domar a própria mulher.
Fabrizio trincou os dentes e engoliu em seco.
— Não precisa ser um casamento de verdade, Riccardo. O presidente
me procurou pessoalmente. Você nem quis me ouvir.
— Pode ir para casa, Fabrizio. Está dispensado. A partir daqui Matteo
vai assumir comigo. — Riccardo alterou a voz enquanto ajeitava o terno.
Quando Fabrizio se calou, ele voltou a atenção para mim. — Matteo, venha
comigo.
Nós seguimos pelo corredor que dava acesso às outras salas de
torturas. Dobramos o corredor e entramos em outra sala onde havia uma
mulher de cabeça baixa, do lado dela havia um homem gordo e careca, ele
estava todo ensanguentado. Ambos estavam desacordados.
Riccardo se aproximou deles. Agarrou os cabelos da mulher e
suspendeu sua cabeça. Quando o rosto da mulher foi revelado, fiquei
boquiaberto de como ela parecia com a Laura.
— Laura...?
Riccardo negou.
— Não.
Mas era idêntica... somente a cor dos cabelos era diferente. Eu não
sabia onde procurar por alguma diferença além do cabelo.
— Você descobriu pela cor do cabelo?
Ele negou enquanto tragava o cigarro.
Aos poucos a mulher foi retomando a consciência. Quando nos viu ali,
arregalou os olhos e começou a chorar, implorando pela vida.
Ela gritava e chorava.
— Deixe-me ir embora — implorou. — Fui obrigada a me passar por
sua esposa. Minha família estava sendo ameaçada.
Ela continuou...
— Eu disse que não era sua esposa. No início tive a oportunidade de
matá-lo e não o matei, quando você nem sabia da verdade. Por favor...
A mulher continuava falando sem parar enquanto Riccardo arrumava
algo na mesa de tortura.
Meu irmão ergueu as sobrancelhas se dando conta do que a mulher
acabara de falar.
— Engano seu. Desde o início... assim que coloquei os pés em casa,
notei que tinha algo muito errado.
— Eu podia ter matado você e não matei. — rosnou. — Eu tenho uma
filha.
Não tinha argumentos, Riccardo não iria considerar nada.
— Eu sei que você tem família. Enfim, enviaram você para uma
missão suicida na minha casa, você seria morta de qualquer jeito mesmo se
conseguisse me matar.
Ele pegou o alicate e começou a arrancar as unhas dela... uma por uma.
Os gritos da mulher ficaram altos e insuportáveis, acordando o homem que
estava do seu lado.
— Eu... colaborei... Disse onde sua esposa e seu irmão estavam... Pelo
menos... deixe minha família ir embora.
— É claro que você disse. — Riccardo se abaixou na altura do rosto da
mulher. — Você não tinha mais opção.
O sangue escorria pelo chão e quando todas as unhas foram
arrancadas, Riccardo foi amputando os dedos da mulher. Ela engasgou com
a saliva, ficou agonizando até perder a consciência.
O acompanhei para fora da sala e o observei lavar as mãos. A pia
branca logo tomou uma cor avermelhada devido ao sangue da mulher.
— Está com a família dela aqui? — murmurei. — Como você
conseguiu acabar com os esquemas deles?
Mais uma vez Riccardo havia mostrado porque era o chefe.
— Laura e ela são irmãs?
Então o olhar dele ficou distante, vi raiva estampada em seu rosto.
Meu olhar estava aflito nas ruas deserta de Sicília enquanto me
amaldiçoava por ter deixado minha mulher sozinha. Nunca consegui esfriar
a cabeça quando se tratava de Laura e eu sempre acabava tomando as piores
decisões, erradas é claro. No final das contas, era eu quem acabava sofrendo
com medo de perdê-la.
O arrependimento vinha como granadas explodindo meu coração,
deixando-o despedaçado. Eu a amava demais, tanto que meu coração
chegava a doer.
Algo dentro de mim dizia que as coisas podiam se complicar dali em
diante. Minha esposa poderia nunca mais voltar.
Eu nunca estaria preparado para deixar de ver seu sorriso, de ouvir
suas malcriações, de sentir seus beijos... carinhos. Mesmo depois de todo o
mal que causei, Laura me amava, e eu nunca me cansaria de lhe pedir
perdão.
Mal conseguia ficar de pé e por isso não foi viável ajudar nas buscas.
Com isso os minutos se passavam e eu já começava a arquitetar planos de
vingança. Moveria o inferno, o céu e a terra até encontrar Laura.
Eu iria atrás dela.... Iria até o fim do mundo.
Olhei para o notebook onde fotos e esquemas dos membros
importantes da Máfia rival... máfia que sequestrou meu irmão e que
provavelmente também sequestrou minha esposa tomavam a tela.
Todos os membros e aliados da Cosa Nostra trabalhavam arduamente.
A polícia de Sicília também estava ciente. Os "ratos" estariam encurralados
em questão de dias. Eu não podia errar, não podia ser negligente colocando
a vida do meu irmão em risco. Tinha que ser paciente mesmo que minha
vontade fosse de viajar até o território deles e tomar seus negócios, visto
que eu tinha culhão para isso.
— Chefe. — Vi por cima do ombro o soldado se aproximar. Me afastei
da mesa e olhei curioso para Vicentino. — Encontramos sua esposa.
Olhei para ele confuso, lutando contra o cansaço, dores forte no peito e
suor excessivo.
— Sua senhora disse que foi pegar um ar. Mas que agora está... bem!
— Ele parecia confuso, perdido.
— Tem algo incomodando você? — Cerrei os olhos e ele engoliu seco.
Ele apoiou a arma sobre a mesa, verificando as munições.
— Chefe, sua saúde não está...
— Não veio aqui falar da minha saúde, certo? — Ele se endireitou.
— Pelo tempo que ela ficou sozinha, me admira muito que não tenha
sido sequestrada, uma vez que a Mara Salvatrucha anda de olho em todos
nós. Eles estão infiltrados, e com raiva da chacina que o senhor fez na
organização deles anos atrás.
Respirei fundo, ignorando a dor forte no peito e enjoos. Por frações de
segundos tonteei, e antes de cair procurei por equilíbrio me amparando na
mesa. O soldado correu para me ajudar.
Há dias que a dor estava se tornando quase insuportável.
— Segundo o médico da Famiglia, esse sintoma é de quem está prestes
a enfartar. Vá ao hospital, chefe. Iremos cuidar de tudo.
Eu iria enfartar mesmo caso não conseguisse encontrasse minha
pequena grande mulher. Por isso eu sempre ficava na cola dela, por medo
de que algo assim acontecesse. Bastou um único descuido meu para o pior
acontecer.
Fui até as câmeras de seguranças e verifiquei se havia alguma
movimentação suspeita pelas ruas.
— Segundo os médicos, eu deveria me internar. Está fora de
cogitação! — tentei tomar um gole de uísque e, pela primeira vez, não
desceu legal. Rejeitei.
— Chefe...
— Meus filhos estão crescendo. Estou tranquilo quanto a isso —
retruquei.
— O senhor precisa descansar.
Nesse momento Fabrizio entrou no escritório, ainda transtornado. Eu
havia contado que Alessandra estava viva, e ele ainda não se decidiu se
ficava feliz ou puto.
— Soube que a Laura desapareceu. — Ele caminhou em minha
direção. — Se ela não aparecer, teremos que arranjar outra esposa para
você. A filha do presidente...
Bufei já de saco cheio daquele assunto.
— Então fique com ela. Alessandra manchou sua imagem, espero que
você faça o que deve ser feito. Não lhe arranjei outra esposa antes porque
respeitei o seu tempo, mas chegou sua hora.
Ele engoliu em seco e se aproximou das câmaras de segurança.
— Alguma informação sobre Matteo? — mudou de assunto.
— Tenho várias, mas precisamos elaborar um jeito seguro de chegar
lá.
Ajeitei meu terno e caminhei até a porta.
— Vou para casa. Quero que me avisem se houver notícias.

Enquanto subia as escadas, aproveitava para me livrar da gravata e


abrir alguns botões da camisa. Fui em direção ao quarto dos meus filhos
para ver se estavam bem e depois segui para o meu.
Assim que abri a porta, um vulto saltou de algum lugar, para cima de
mim. Aquilo acabou me assustando, e por instinto tirei a arma da cintura e
apontei. Estava quase apertando o gatilho quando Anna se identificou,
colocando as mãos para o alto.
— Tá maluca? — Levei a mão no interruptor para acender a luz.
Meu dedo estava pressionado no gatilho, pronto para atirar nela.
— Me desculpe. Acabei cochilando e acordei assustada com o barulho
da porta.
— Nunca mais entre na minha casa sem me avisar. Nunca mais faça
gestos brutos perto de mim.
— Achei que Laura tivesse avisado que eu estaria aqui cuidando dela.
Minha irmã está estranha, acho que bateu com a cabeça. Mas não vi sinal de
ferimento além da blusa dela suja de sangue.
Estranha? Por algum motivo essa palavra martelou na minha cabeça.
— Estranha como?
— Não sei. Parece outra pessoa.
Outra pessoa! Aquelas palavras mexeram comigo. No mundo do crime
qualquer coisa é possível, não poderia descartar nenhuma possibilidade
ainda que fosse impossível.
— Ela não me avisou. — Caminhei até o closet, mas antes olhei
desconfiado para a cama, estranhando o fato de Laura não ter acordado com
o barulho. Ela tinha sono leve e acordava facilmente.
Outro fato que achei estranho foi Laura estar ocupando meu lugar da
cama que tinha a visão do corredor e que dava acesso ao closet. Ela tinha
medo do escuro e dizia que via vultos ali, com isso resolveu dormir do
outro lado da cama.
Laura havia decorado a mesinha que ficava do seu lado, com
aromatizador e flores. Dizia que o cheiro das flores misturado ao cheiro do
aromatizador ajudava a relaxar.
Paranoias tomavam minha mente, fazendo-me questionar sobre a
mulher que estava deitada na minha cama. Por ser um homem muito
observador e frio, eu conseguia olhar as coisas por outro ângulo sem
sentimentalismo.
Quando Anna se despediu e saiu do quarto, o barulho da sua voz e da
porta se fechando fez com que eu voltasse à realidade: ainda estava de pé
olhando Laura dormir, então reparei que ela piscava os olhos várias vezes
fingindo dormir.
Por qual motivo?
Era preciso ser muito sagaz para notar que ela estava fingindo. Sua
respiração acelerada e a forma que sua garganta se movia quando engolia a
saliva, deixou explícito como estava nervosa.
Fiquei neurótico com aquilo.
Por que ela estava nervosa?
— Laura — chamei. No entanto, ela não respondeu.
Achei melhor não forçar e segui para o banheiro, tendo em mente que
eu precisava testar minha esposa. Testar sua lealdade.
Estava quase terminando de tomar banho quando meu celular tocou,
coloquei no viva -voz. Era um dos soldados informando sobre a localização
do Matteo e o esquema que eles haviam montado para resgatar meu irmão.
Queriam apenas minha ordem para invadir.
Quando saí do banheiro, Laura estava virada para o outro lado. Me
debrucei sobre ela para beijar seu pescoço e... travei quando senti um cheiro
diferente, estranho. Eu conhecia todos os perfumes da minha esposa, mas
podia jurar que aquele eu nunca tinha sentido antes. Ela sempre me
informava quando comprava algo novo.
Algo estava errado.
Me afastei atordoado. Meu sexto sentido alertava que tinha algo muito
errado.

Passei horas trancado no meu escritório, pensativo olhando as câmeras


de segurança e repetindo a imagem de Laura e Anna adentrando a casa, era
curioso como os cachorros estavam inquietos para sair do canil e avançar
sobre elas.
Laura amava os cachorros, e eles, apesar de bravos, gostavam dela.
Até roupinhas ela tinha colocado nos meus cachorros, acabando com a
aparência durona.
De repente, alguém bateu à porta informando que o jantar estava
servido.
Quando cheguei à sala de jantar, vi que somente as crianças estavam
presentes. Laura nunca perdia uma refeição em família.
Fui juntando cada detalhe. Eu conhecia minha esposa como a palma da
minha mão, mas eu ainda não podia concluir nada. Talvez ela estivesse com
algum problema.
Mas fiquei esperto.
— Onde está minha esposa? — Olhei para a governanta.
— Ela não quis descer. Disse que não está com fome.
— Vá buscá-la, traga arrastada se for necessário. Foi ela quem
estipulou os jantares em família. Não aceito sua ausência nesta mesa.
A governanta assentiu e correu para o andar de cima.
— Pai, por que a mamãe não foi no quarto me avisar que o jantar
estava pronto? — Vincenzo chamou minha atenção.
— É isso que quero descobrir. — Sorri para ele.
Alguns minutos mais tarde, Laura chegou à sala de jantar. Ela forçou
um sorriso e se sentou longe de mim e das crianças. Em nada se parecia
com a Laura alegre, fogosa que eu conhecia. Ela costumava se sentar no
meu colo e mesmo que ultimamente tivesse se afastado por conta de
Alessandra, a gente sempre transava. Eu ia atrás e ela nunca recusava.
Mas a mulher que estava na minha frente não tinha nada a ver comigo.
Não havia química, provocações. Até as maçãs do seu rosto estavam mais
magras.
Observei suas mãos trêmulas quando foi se servir. O prato escorregou
da mão dela e caiu no tapete branco, que ela tanto amava. Laura
prontamente pediu à governanta que limpasse tudo.
Aquilo para mim foi o divisor de águas. Em outras ocasiões, ela iria
limpar mesmo eu dizendo que era obrigação dos empregados.
Ela tampouco me olhou, continuou de cabeça baixa concentrada em
outro prato que havia colocado na mesa. Em certos momentos, eu podia
sentir o olhar dela queimar sobre mim, quando eu fingia estar distraído.
Será que Anna estava certa?
Por que meu coração estava inquieto?
Por que eu estava reparando tanto nela?
O que eu estava procurando exatamente?
— Ela está estranha — Lorenzo sussurrou no meu ouvido. E todo
aquele comportamento estranho fez sentido.
O jantar finalmente acabou, e quando Laura ameaçou subir as escadas,
eu a segurei pelo braço.
Milhões de possibilidades rondavam minha mente, mas eu não poderia
cometer erros. Eu estava doente e confuso.
— Algum problema? — perguntou.
— Quero que toque piano para mim.
Ela arregalou os olhos e a respiração ficou acelerada.
— Eu... Hum... É... — Mordeu os lábios. — Estou com dores de
cabeça. — Abriu um sorriso. — Amanhã vou fazer um jantar especial para
você. Vou preparar uma surpresa.
Ela nunca se recusaria a tocar piano para mim.
Eu estava parado na sala, olhando diretamente nos olhos dela quando
fui surpreendido por um beijo de língua. Ela me beijou, mas não consegui
retribuir. O beijo não se encaixava, era algo forçado e eu conseguia sentir o
nervosismo dela através do seu coração acelerado.
Quando viu que eu não iria retribuir, ela se afastou e subiu correndo as
escadas, sem dar espaço para questionamentos.
Por medidas de segurança, pedi à governanta que arrumasse as coisas
dos meus filhos. Arrumei tudo dentro carro e os levei para a casa de
Fabrizio. Antes de sair com o carro, observei uma movimentação estranha
na cortina do meu quarto. A mulher estava escondida na janela olhando
para mim enquanto eu acomodava as crianças no carro. Se ela realmente
fosse a mãe deles, jamais iria permitir que eu os afastasse dela. Laura teria
vindo até mim e teria arrumado confusão.

Horas depois eu estava no sofá de Fabrizio, ainda atordoado


considerando todas as possibilidades que a máfia rival poderia usar contra
mim. Eles me queriam morto, mas não iriam conseguir facilmente. Eu era
bem treinado, bom de pontaria e pronto para entrar em uma guerra.
— Você está paranoico. É normal, afinal estamos sendo atacados. —
Fabrizio me deu uma xícara de café e eu recusei. — Acho que você está
estranhado porque não a ama mais. Laura foi importante para você, mas já
passou. Ela fez muitas coisas erradas.
Claro que ele tinha que falar isso. Afinal ninguém acreditava que eu
tinha apenas uma mulher na minha vida.
— Não fale besteiras.
— Você está achando que a mulher que está na sua casa é idêntica a
Laura... — Mordeu os lábios enquanto negava — Você está completamente
maluco. Você sempre foi perturbado por espíritos, demônios. Talvez seja
hora de tirar umas férias.
— Não tire sarro de coisas que você desconhece. — Respirei fundo,
exausto.
— Tire umas férias.
—Tirar férias? — Ergui uma sobrancelha. — Tirar férias? — gargalhei
dele. — Seria perfeito se eu tivesse com quem deixar meus negócios.
— Você está mal de saúde, é por isso que você está tendo alucinações.
Todos nós estamos preocupados com você.
— Não estou alucinando, Caralho! Presta atenção no que digo.
Conheço Laura como a palma da minha mão.
Ele levantou as mãos para o alto. Me afastei dele antes que eu
resolvesse perder o controle e o enchesse de porrada.
— Eu não seria um chefe se não tivesse uma visão ampliada das
coisas, Fabrizio. Não estaria no patamar que estou se pensasse como você.
Qualquer um pode te enganar.
— Não precisa me ofender, só estou preocupado com sua saúde.
Somos irmãos, Riccardo. Você cuidou de mim e sou grato por isso.
— Não estou te ofendendo.
Ajeitei meu terno e caminhei em direção à porta, sem paciência.
— Onde você vai? — Ele correu até mim. — O médico disse que você
tem que se internar para fazer todos os exames. O que você vai fazer?
Parei de caminhar e me virei para ele.
— Me internar é o caralho. Vou resolver a porra da situação sozinho,
como sempre fiz.
Ele abaixou a cabeça e eu me segurei para não dar umas porradas nele,
eu não podia me exaltar tanto se quisesse chegar ao final da missão.
— Estou com você, Riccardo. Só me diz o que é preciso fazer.
Olhei para ele pela última vez antes de abrir a porta.
— Deixar de ser um fanfarrão de merda, um otário. — Apontei o dedo
para o rosto dele. — Esse é o primeiro passo. Está comigo nessa ou não?
— Estou dentro. Óbvio! Não vai dormir aqui? — ele gritou quando eu
atravessei a porta.
— Vou dormir em um dos bordéis, ninguém pode desconfiar de nada.
Só ia para dormir mesmo, assim ninguém iria desconfiar que eu estava
suspeitando de algo. Daria liberdade para a mulher fazer o que quisesse. Eu
iria descobrir se quem estava na minha casa era mesmo outra pessoa ou se
estava mesmo ficando maluco.
Para minha sorte, havia microfones e micro câmeras espalhados na
minha casa. Achei seguro colocar depois que a amiga da Laura foi passar
uns dias na nossa casa, com a missão de descobrir sobre minha vida. Foi
através dos pequenos objetos que também descobri sobre a mentira de
Alessandra.
Então se a mulher ficasse sozinha em casa, ela estaria à vontade para
falar ao telefone, e depois eu ouviria as gravações.
Meus inimigos também eram espertos e, em contrapartida, sempre fui
um cara preparado para qualquer coisa que viesse. Sempre procurei visar o
impossível.
O mundo do crime na maioria das vezes não compensa, porque você
tem que viver com um "olho no padre e outro na missa". Confiar
desconfiando.
Mas... Se fosse coisa da minha cabeça, eu mesmo iria me internar.

Na manhã seguinte, passei o dia trabalhando e lutando contra a dor no


peito, visão turva e enjoos. Saí mais tarde da sede da Máfia e cheguei em
casa quando estava anoitecendo devido ao trânsito.
Eu estava exausto, sentindo que ia desabar a qualquer momento, mas
não podia. Não podia falhar, havia pessoas dependendo da minha proteção,
dependendo de mim.
Quando coloquei os pés na sala da minha casa, congelei quando me
deparei com as fotos do casamento dos meus pais espalhadas pela sala.
Estavam deterioradas pelo tempo, mas ainda assim foi possível ver o rosto
sarcástico do meu pai e o pavor no rosto angelical da minha mãe.
Fechei as mãos em punhos, lutando contra o ódio e as lembranças
malditas.
A mesa estava arrumada com velas e uma música tradicional da Máfia
tocava. Parecia um ritual de iniciação e não um jantar romântico.
— Onde estão os meninos? — a voz dela me fez abrir os olhos. E
quando ela apareceu no meu campo de visão, foi que minha ficha caiu. Não
era minha esposa.
Ela deu um passo para trás com a mão sobre a boca.
A máfia rival havia armado para mim e colocado outra mulher no
lugar da minha esposa. Foi um truque de mestre, devo confessar. Mas não
existe crime perfeito, eu conhecia Laura como a palma da minha mão. Ela
jamais faria exposição do meu passado.
A mulher havia escurecido e cortado o cabelo, talvez para ocultar
algumas diferenças. Mas fisicamente era idêntica, até mesmo na voz. Como
era possível?
De repente meu celular tocou, a mensagem de Mumú preencheu a tela
alertando que eu deveria sair de casa, que a mulher na minha frente não era
Laura, e sim Fransuá.
Touché! Eu não estava louco.
Fransuá. Que diabos de mulher é essa?
Me vi duelando contra a vontade de bater a cabeça dela contra a mesa
e parar somente quando a massa encefálica escorresse pelo chão. Mas eu
não podia fazê-lo, infelizmente precisava da puta viva.
Mandei mensagem para um dos meus melhores detetives e mandei
investigar sobre a vida da mulher. O cara me devia dinheiro e por isso
respondeu rapidamente dizendo que iria fazer o serviço.
Enquanto isso fui encenando, até ter algo que pudesse usar contra ela.
Esperava que minha Laura estivesse bem, do contrário...

Não demorou muitos dias para o dossiê da vida da Fransuá Esposito


chegar nas minhas mãos. Ela nasceu em Áquila. Filha de Margaret
Esposito. Fransuá tem uma filha de dois anos, fruto de um casamento com
Andrei Martins.
Mandei que trouxessem a família dela à Sicília.
Entrei na sala de torturas para começar a interrogar a mãe dela.
Margaret estava assustada e pedia pela vida da filha e da neta. Mas o que
ela desconhecia era que não havia um pingo de piedade em mim.
Tirei meu celular do bolso e mostrei a foto da minha esposa sorrindo.
A mulher arregalou os olhos, e eu disse que seria bom ela colaborar.
— Você está lidando com a Máfia. E essa mulher aqui — apontei para
o celular — é minha esposa, ela está desaparecida. E sua filha foi até minha
casa se passar por ela.
— Não sei nada sobre isso — chorou. — Fransuá andava estranha
ultimamente, chegava em casa muito tarde.
— Mas você não concorda que elas são estranhamente muito
parecidas?
A mulher engoliu seco e permaneceu em silêncio.
— Você conheceu Giacomo e Marta Bassi?
Quando ela negou, eu perdi a paciência! Peguei uma faca pequena e
me aproximei para cortar a orelha dela. Eu tive que fazer!
— Ah, meu Deus! — chorou.
Gritou e o sangue escorreu. Eu faria qualquer coisa para ter minha
esposa de volta. Meus filhos estavam sofrendo sem a mãe deles por perto.
Eu também estava sofrendo sem minha esposa e tendo que dormir no bordel
para não levantar suspeitas.
Através do vidro que separava as salas de torturas, Fransuá estava
amarrada assistindo ao desespero de sua mãe.
Ela havia me entregado o celular que usava para se comunicar com a
máfia rival. Ela ficou animada quando a chamei para um passeio romântico,
mas na realidade o destino era minha casa de torturas.
Quando viu a família sob o meu poder, Fransuá não teve outra
alternativa que não fosse me entregar o esquema sem fazer alarde, porque
se algo acontecesse com minha esposa e irmão, ela iria assistir de camarote
sua família morrer.
Estava me preparando para cortar a outra orelha quando Margaret
decidiu falar:
— Fui enfermeira do hospital em que as meninas nasceram — ela
chorou.
— Seja mais específica.
— Conheci os Bassi. Marta estava grávida de gêmeos. Não tive muito
contato com ela e não conhecia sua vida em particular. O marido a agredia e
estuprava, um dia ela chegou no hospital desacordada, machucada e com
sangramentos. Tivemos que fazer uma cesariana de emergência e
descobrimos que eram duas meninas, idênticas.
— É mesmo? — perguntei interessado.
Ela assentiu.
— O marido dela ficou furioso e disse que não queria mais uma
menina porque já tinha uma em casa e não iria alimentar mais três. A
mulher estava desacordada enquanto ele fazia planos para se livrar de uma.
O monstro disse que iria jogá-la no lixo e que se eu estivesse com pena,
então que ficasse com uma delas.
— Marta soube que eram duas?
— Como ela ia saber? O Monstro não a deixava ir ao médico.
Aguentar a gravidez até o final foi um milagre de Deus. A mulher era
praticamente pele e osso. Ele a espancava e estuprava. Depois que acordou,
Marta me contou sobre as atrocidades que o marido cometia contra ela.
Tentei pedir ajuda, mas logo percebi que o homem era uma pessoa
influente.
Passei a mão pelo rosto tentando assimilar as informações.
— Eu peguei uma bebê para mim antes que ele cumprisse a palavra de
jogar no lixo, depois pedi transferência do hospital. Eu ia contar à Marta
sobre a outra bebê, mas quando vi a Laura ser enforcada pelo pai minutos
depois ter acabado de nascer, mudei de ideia. Marta só havia escolhido um
nome mesmo, então achei melhor não piorar o juízo dela contando sobre a
outra filha. Fui egoísta? Sim. Mas preferi salvar uma vida inocente.
Giacomo com certeza teria matado a menina, não havia sido egoísmo
totalmente.
Deixei a sala de Margaret e segui para onde estava Fransuá, para
colher mais informações.
Quando me viu entrar na sala, ela ficou apavorada. Agora eu entendia
o porquê de serem tão parecidas.
Logo os soldados entraram trazendo um dos líderes da Mara
Salvatrucha.
Meu sangue ferveu. Quando dei por mim, estava esmurrando a cara
dele. O malandro não estava preso e, ainda assim, não reagiu.
— Bem que eles disseram para tomar cuidado. — Desviei minha
atenção para Fransuá. — O poder que emana de você faz a gente tremer de
medo.
— E mesmo assim você se enfiou na minha casa se passando por
minha mulher? — Puxei uma cadeira. — Acho que não sou tão terrível
assim.
— Como você descobriu? — O cara chamou minha atenção, cuspindo
sangue.
Então eu olhei no fundo dos olhos dele.
— O Demônio dentro de mim é fissurado na mulher que vocês
sequestraram. — Eu ri, e eles arregalaram os olhos. — Foi um bom plano,
confesso que fiquei balançado e talvez teria caído se não fosse por alguns
detalhes.
— Ela é idêntica à sua esposa.
— Idêntica sim, mas não é minha esposa. — Prendi os braços dele
com arames farpados. — Como vocês encontram Fransuá? Ela faz parte da
Máfia de vocês?
— Não vou falar nada, Guerrieri. Se quiser me matar... vá em frente!
Assenti indo até a mesa que continha objetos de torturas e peguei uma
makita. Pressionei os dois botões para ligar a máquina e me aproximei do
pé dele, somente a ponta do disco foi capaz de cerrar o osso e fazer um
buraco fundo, o sangue esguichou na minha mão.
Ele se debateu, mas o arame que estava amarrado em seus pulsos e
braços, rasgou sua pele.
— Se mexer... vai ser pior — alertei.
— Coloquei a foto da sua esposa num aplicativo que acham sósias
perdidas pelo mundo, pessoas idênticas. Foi então que encontramos
Fransuá. Ela parecia a própria Laura, chegamos a pensar que talvez fosse
erro de sistema. Só que não! Fomos atrás... passamos anos buscando por
Fransuá até que conseguimos achar o endereço dela.
— Eles ameaçaram minha família — Fransuá chorou. — Não tive
escolha.
— Teria dado certo se você não fosse burra — o homem rosnou de
volta.
— Há traidores na sua máfia — Fransuá falou, e o homem gritou para
ela calar a boca.
Tirei um lenço do bolso e enfiei na boca dele.
— Fale somente quando for sua vez. — Voltei minha atenção para
Fransuá.
— Mia. Esse é o nome da mulher que foi atrás da Mara Salvatrucha.
Ela queria que matassem sua mulher. Ela envia dinheiro para eles
comprarem armas. Por favor, já pode me soltar.
— Por que Mia faria isso?
— Não sei os motivos dela.
— Você sabia que minha mulher é sua irmã? E que sua verdadeira mãe
não sabe da sua existência? — Caminhei ao redor dela.
Ela arregalou os olhos e balançou a cabeça várias vezes, negando.
O som do meu celular tirou minha concentração, mas fiquei animado
com a mensagem informando que já tínhamos a localização de Laura e
Matteo. Agora eu podia agir com segurança, sem colocar a vida deles em
risco.
Pelo que parecia, minha esposa havia "bancando a malandra" e
conseguiu enganar os caras do cativeiro. Não pude deixar de sentir orgulho
dela, eu sabia que tirar parte do meu tempo para treiná-la não seria em vão.
Laura tinha força de vontade, era uma boa aprendiz.
Eu lhe ensinei defesa pessoal. Se algum malandro tentasse se
aproveitar dela, ele levaria a pior. Ela era pequena no tamanho, mas tinha
força física e muita vontade de vencer.
Estava ansioso para abraçá-la novamente, sentir seu cheiro e seu corpo
contra o meu. Somente depois disso eu poderia morrer em paz.
Era muita informação para digerir. O ódio cresceu dentro de mim e o
choro de dor veio ao descobrir a desgraça que meu pai havia causado em
nossa família. Realmente ele era um maldito bastardo que não tinha
consideração por ninguém, nem mesmo pela própria filha. Ele não pensou
em ninguém além de si mesmo.
Como alguém podia ser tão monstruoso ao ponto de renegar seu
próprio sangue? Fransuá era apenas uma bebê.
Eu também iria ser mãe, e só de pensar que alguém poderia tirar meu
filho de mim sem nenhuma piedade fez um soluço alto escapar. O soluço
atraiu a atenção da minha irmã.
Estávamos sentadas na sala de espera em silêncio após sermos
informadas sobre o resultado de exame de DNA que fizeram em Fransuá.
Também informaram que Giovanni estava preso em Sicília.
— Como ele pôde? — solucei, escondendo o rosto entre as mãos.
Laura suspirou fundo enquanto acariciava minhas costas. — Fransuá é
nossa irmã, Laura. Não podemos deixa-la lá para morrer. Tudo que está
acontecendo é culpa do nosso pai.
— Eu sei. — Ela olhou para o alto, tentando controlar as lágrimas. —
Pela primeira vez na vida estou sem palavras e muito envergonhada de
tentar salvar alguém da minha família. Olha onde Giovanni se envolveu...
Porra!
— É nosso irmão, Laura.
— Fui ao inferno uma vez para salvar Giovanni. Enfrentei Riccardo e
comi o pão que ele amassou. Nunca foi fácil para mim e sempre lutei com
as poucas armas que tinha. Está na hora de Giovanni assumir as
consequências.
— Você enlouqueceu? — Arregalei os olhos.
— Já não tenho mais cara para pedir favor ao meu marido. É muito
difícil para ele ir contra as regras da Máfia; eu também tenho que entender
o lado dele.
Abaixei a cabeça. Giovanni e Mia foram trazidos à Sicília escoltados
por soldados. Quando meu irmão foi interrogado por um dos membros da
Cosa Nostra, ele assumiu toda culpa dizendo que ele havia desviado o
dinheiro. Giovanni achou que assumindo a culpa livraria Mia de ser morta.
Eu entendia que meu irmão estava cumprindo seu papel de marido em
protegê-la, ele a amava cegamente e confiava na esposa. No entanto, todos
da Máfia estavam sabendo que havia sido Mia quem tinha armado o
esquema para ajudar os inimigos a entrarem no nosso território.
Ela havia feito aquilo por inveja, despeito e raiva. A vagabunda queria
destruir a vida do meu irmão e conseguiu. Conseguiu fazer Giovanni ser
ridicularizado perante a Máfia. Ele foi condenado à morte, junto de Mia.
Não havia limites no ser humano quando se tratava de poder, riqueza.
Giovanni morreria inocente apenas porque amou demasiadamente uma
mulher mesquinha e sem escrúpulos. Uma mulher que nunca mereceu um
pingo de respeito e consideração.
Para piorar, ainda tinha a saúde da nossa mãe, que ia de mal à pior.
Mamãe não podia saber sobre a outra filha que nascera no mesmo dia que
Laura — com certeza iria piorar quando soubesse que eram gêmeas!
Também não podia saber sobre Giovanni, devido ao grau elevado de sua
depressão.
— Eu não podia contar que Riccardo havia me deixado responsável
pelo livro de contabilidade. Só estava cumprindo ordens. Você entende
isso? — chorei ao me sentir culpada. — Meu irmão vai morrer por culpa
minha?
— Não é culpa sua. — Ela balançou as mãos. — Nossa imagem está
sendo manchada por conta de outras pessoas.
— Tente pela última vez... falar com o seu marido. Eles são nossos
irmãos. Fransuá foi obrigada a entrar nessa missão. Ela é mãe da nossa
sobrinha e está sendo torturada.
Tinha consciência que talvez estivesse sendo egoísta com minha irmã,
só que eu não sabia mais para quem recorrer se não a ela. Laura tinha poder
sobre Riccardo. Ele a amava e deixava isso explícito. Riccardo ficava cada
vez mais poderoso e a levava junto.
— Vou tentar — decidiu, e eu a abracei forte. — Você ainda vai ser a
causadora da minha morte.
— Ele não vive sem você. — Ri. — Se nosso pai estivesse vivo,
estaria boquiaberto em saber que o chefe turrão se apaixonou por sua
rebelde caçulinha.
— Papai não me faz falta. Já contou ao Matteo sobre sua gravidez?
— Ainda nem tive tempo de contar.
— Faço logo isso, Anna. Diga ao Matteo que vai ter um filho dele
quanto antes. Antes que comecem a especular sobre a paternidade desse
bebê.
Ela tinha razão, eu estava adiando a notícia apenas pelo fato de não
saber como Matteo iria reagir, mas havia chegado a hora.
— Vou procurá-lo para contar a novidade. — Levantei do sofá. —
Você vai ficar bem? Não quer ir junto comigo?
Ela concordou.
— Quero ele morto! — rosnou Riccardo. — Quebrem ele no meio e
depois arrumem um jeito de encaixá-lo na caixa de esgoto.
Fiquei imaginando o trabalho que os soldados teriam de quebrar o
gordo no meio e depois encaixá-lo em alguma tubulação. Um crime
hediondo, certamente, meu irmão estava mesmo com ódio. Havia acabado
de ouvir Fransuá dizer que o cara que estava sentado na cadeira de torturas
bem na nossa frente havia batido em Laura antes de sequestrá-la.
Riccardo estava exausto e lutando para ficar de pé. Mesmo chegando
ao limite, ele permanecia firme a fim de acabar com a bagunça que estava
na Cosa Nostra. Meu irmão parecia estar planejando algo.
— Eu já disse tudo que você queria ouvir — ele tentou argumentar.
— Você não deveria ter tocado na minha mulher. A questão aqui é
essa. — Riccardo apontou o dedo para o rosto dele. — Vou matar sua
família, mas antes vou fazer com sua mulher a mesma coisa que você fez
com a minha, e vai ser bem aqui na sua frente.
Peguei Fransuá pelo braço e levei para outra sala, depois me juntei
novamente com meu irmão. Monitorei as câmeras de segurança e depois me
inteirei sobre a missão dos soldados em trazer a família do "gordo" — o
cabeça da Mara Salvatrucha e que estava sendo torturado — até Sicília.
— Vocês vão me matar? — Fransuá segurou no meu braço. E quando
pensei em lhe responder, um soldado apareceu na sala me chamando para
sair.
— A senhora Laura e sua irmã estão lá fora querendo falar com o
chefe e com o senhor.
— Eu não tenho irmã. — Virei as costas e segui novamente para a sala
de tortura. Ele correu atrás de mim.
— Irmã da Laura, não sua. Ué, eu sei que o senhor não tem irmã.
Ri. Às vezes agia no impulso e nem pensava antes de responder.
— Diga para esperar. Logo iremos atendê-las. — Bati no ombro dele.

"A limpeza" foi feita. Todos os envolvidos com a máfia rival foram
mortos, expulsos do nosso território.
Faltava resolver apenas a situação de Giovanni, Mia e Fransuá.
Riccardo achou melhor esperar, porque sabia que Laura, em algum
momento, iria intervir.
Riccardo e eu estávamos sentados no sofá, bebendo uísque e jogando
conversa fora quando o soldado retornou, perguntando se poderíamos
receber nossas esposas.
Sim, meu irmão acabara de confessar que Anna e eu não estávamos
divorciados, disse que inventou a história apenas para eu tomar atitude.
Fiquei imensamente agradecido, embora não mudasse o fato de Anna me
odiar por tudo de ruim que a fiz passar.
Ele havia dito também que nomearia Anna como a nova contadora da
fazenda da Calábria, onde Giovanni administrava. Aquilo certamente iria
desbancar muitos marmanjos, e eu estava mais do que embasbacado com a
notícia. É até foi engraçado admitir que por anos fiquei distraído
procurando em outra mulher o que eu tinha em casa. Estava tão distraído
que acabei não vendo a pessoa inteligente do meu lado. Anna sempre esteve
lá.
Minha atenção desviou para a porta quando ela entrou envergonhada,
um pouco sem jeito. Colocando as mãos à frente do corpo e se escondendo
em um canto qualquer para não chamar muita atenção. Porém, mal sabia ela
que meu olhar estava cravado nela.
Minha mulher estava mais linda do que nunca, e eu cheguei à
conclusão que tudo que eu sentia era apenas um preconceito bobo, somente
pelo fato de Anna não ser mais virgem. Isso não tinha relevância alguma...
Que bobeira minha!
— Matteo — Riccardo estalou o dedo na minha frente, eu despenquei
na realidade desviando minha atenção para ele e Laura, agarrada no
pescoço dele. — Tá surdo, porra?
— Não. Só estava olhando uma coisa bonita quando você me chamou.
Aliás, ainda bem que as Guerrieri são lindas, porque os homens são
horrorosos.
Ele ergueu os ombros e riu:
— Ainda bem que você tem espelho em casa.
Laura e Anna colocaram a mão na boca para reprimir o riso.
— Não entendi.
— Vou para casa com minha mulher, vamos tomar um banho e trocar
de roupa.
— Vão sair? Anna e eu podemos ir com vocês?
— Não — Riccardo interferiu. — Não hoje.
— Matteo. — A voz de Anna saiu abafada do fundo da sala.
Riccardo olhou para Laura, inquieta.
— Nós vamos sair pra beber — respondeu envergonhada. — Vamos
amanhecer o dia... — Mordeu os lábios se dando conta do que ia falar. —
Anna precisa conversar com você.
— E...? — Anna encorajou a irmã, brincando com seu jeito
envergonhado. Parecia que elas estavam nervosas com algo.
— Porque a putaria vai rolar à vontade — Riccardo interrompeu. — É
isso. Entenderam ou querem que eu desenhe uma rola na testa de vocês?
Laura arregalou os olhos e ficou vermelha.
— Dio, Riccardo!
— Não é necessário — respondi.
— Ótimo. Anna precisa conversar com você, não é Anna? — Ela
piscou para a irmã enquanto puxava Riccardo pela mão e os dois saíram.
da sala.
Agora Anna e eu estávamos sozinhos.
Ela se aproximou de mim. Notei que estava muito nervosa.
— Eu queria que você me levasse para jantar. Eu preciso muito
conversar com você, Matteo.
Assenti. O soldado entrou no carro para dirigir e Anna me ajudou a
caminhar. Minha perna doía muito devido à esforços físicos.
A noite estava agradável: a brisa fresca e o céu repleto de estrelas
deixava o clima romântico.
— Vou te levar para jantar.
— Não vai tomar banho? — Mordeu os lábios enquanto reprimia o
riso.
— Engraçadinha!
— Seu irmão foi tomar banho. — Tamborilou os dedos no banco do
carro enquanto me olhava de soslaio.
— Não nasci colado com ele. Além do mais, não estou fedendo, estou?
— Puxei seu corpo para perto de mim e a fiz me cheirar.
— Ai, credo — gargalhou. — Parece um gambá em decomposição.
Nós dois rimos. Com ela ali do meu lado eu me sentia completo. Não
havia outro lugar onde eu queria estar que não fosse ao lado de Anna.
Ficamos um tempo nos encarando enquanto o sorriso morria aos
poucos dos nossos lábios.
— Você é linda, Anna.
Ela abaixou a cabeça.
— Pensei em esperar até chegarmos em um lugar tranquilo para
conversarmos, mas acho que aqui nesse carro é o lugar ideal. E se depois do
que eu disser você ainda quiser me levar para comer, vou ficar imensamente
agradecida e feliz.
Eu ri fraco enquanto acariciava seu rosto e seus cabelos.
— Nada me fará mudar de ideia. Quero você, Anna. Me deixe
consertar a besteira que fiz? Por favor, estou implorando por essa
oportunidade.
— Estou grávida.
— Assim tão rápido? — foi a única coisa que consegui dizer e me
amaldiçoei por isso.
— Jura que vou ter que responder essa pergunta?
Fiquei estático e foi possível ouvir o som do meu coração batendo
freneticamente dentro do peito. Eu não sabia nada sobre ser pai, não fazia
ideia de como era trocar uma fralda. Sabia apenas que bebês eram irritantes
na maioria do tempo. Mas ouvir Anna dizer que ia ser mamãe não me
pareceu tão desesperador. Não parecia bicho de sete cabeças... tive vontade
de enfrentar, de seguir em frente com ela.
— Estou com você. — Beijei sua testa e a puxei para deitar no meu
ombro.
— Você não precisa fazer isso se não quiser.
— Mas eu quero. — Toquei seu queixo. — Anna, me deixe cuidar de
você e dessa criança. Sei que errei muito, estou disposto a melhorar e ser o
homem que você merece.
— Podemos ir devagar? Ainda estou muito magoada.
— Te dou todo o tempo do mundo.
Ela sorriu fraco e se aconchegou em mim.
— Vamos alimentar você e o bebê — sugeri depois de alguns minutos
em silêncio curtindo apenas o som da noite...
Ela concordou sorrindo e eu ordenei ao soldado para ligar o carro e o
rádio em uma música romântica. Seguimos até o restaurante que ela disse
gostar.
O jantar foi incrível. A noite foi incrível. Pela primeira vez em anos
tive o privilégio de sentir como é ser amada. Como é ser uma mulher amada
por um homem.
Matteo foi um perfeito cavalheiro e me proporcionou momentos
incríveis, em apenas uma noite. Ele estava disposto a mudar, na verdade,
Matteo parecia outro homem depois de ser torturado pela máfia rival.
— Onde estamos indo? — Sorri ao sentir a brisa fresca entrando em
contato com minha pele.
Matteo apenas sorriu e continuou me guiando pelo deck onde no final
havia um iate aguardando.
Matteo embarcou primeiro antes de majestosamente oferecer sua mão
para que eu embarcasse junto. Eu ri antes de aceitar sua ajuda e pulei
desajeitada, caindo por cima dele.
— Calma gatinha, os soldados estão olhando para nós.
Nós rimos. Em nada ele se parecia com o homem indiferente que um
dia conheci. Eu sabia que as coisas na máfia nem sempre foram fácies e elas
nunca seriam para nenhum de nós. O mundo em que vivíamos era diferente
do habitual de muitas pessoas. Aceitando coisas que outras pessoas jamais
aceitariam apenas porque não tínhamos outro estilo de vida a seguir. Isso
que nos foi ensinado.
A máfia não dava escolha e só havia uma forma de se livrar dela:
através da morte. Morrer seria a única solução para ser livre, porém, para
nenhum de nós essa escolha seria viável. Principalmente para mim que
amava viver, presenciar o esplendor do sol nas manhãs.
Vivíamos em um mundo onde os casamentos eram escolhidos a dedo.
Muitas crianças ainda eram prometidas no ventre de suas mães. No fundo,
eu sempre soube como Matteo se sentia em relação a mim. Sabia que não
estava apta para ser esposa de um Capo, mas, ainda assim, eu fui. Tornei-
me esposa de Matteo apenas por ser irmã de uma pessoa importante da
Máfia.
Embora Antônio tivesse cavado meu sepultamento junto ao dele
quando resolveu trair a organização, consegui escapar casando com alguém
muito mais importante do que ele. Certamente um benefício que nenhuma
outra pessoa teria, para mim o casamento foi um bálsamo, no entanto não
podia dizer o mesmo de Matteo Guerrieri, o conquistador irresponsável, que
vivia na espreita seduzindo mulheres comprometidas, ou até mesmo
solteiras. Ser casado comigo não era sinal de orgulho.
— Anna. — Desviei minha atenção para Matteo com a testa levemente
franzida. — O que há de errado? Droga, não dou uma dentro. Já estou
fazendo você chorar novamente.
— Não. — Enxuguei as lágrimas. — Apenas lembranças ruins.
— Esqueça apenas por esta noite. — Tocou meu rosto.
Concordei e seguimos para dentro do iate, mas parei abruptamente
quando me deparei com a cama arrumada e decorada com pétalas de rosas.
Era até engraçado dizer que tudo ali estava decorado como se fossemos
curtir a lua de mel que não tivemos.
— Você planejou tudo isso?
— Planejei. — Matteo coçou a cabeça antes de pegar um controle e
ligar o rádio numa música ambiente e clássica.
— Não conhecia esse seu lado romântico.
— Nem eu. — Ele riu. — Gostava de ser o bobo da corte a quem
ninguém levava a sério. Mas chega um momento que é preciso mudar. Não
é somente vocês mulheres que precisam amadurecer. Não é somente vocês
que têm medo, nós homens também temos. Nós temos nossos passados
conturbados que nos transformam no que somos hoje.
Matteo pegou minha mão e me guiou até o centro do quarto. Aos
poucos fui me deixando levar pela música e quando dei por mim, dançava
lentamente com ele.
— Gostaria de saber mais sobre você, Anna.
— Minha vida sempre foi uma droga. Me casei muito nova com
Antônio. Me submeti a maus-tratos somente pela responsabilidade de
alimentar minha família enquanto meu pai esbanjava seu dinheiro com
mulheres e jogos.
Matteo respirou fundo antes de capitar meus olhos emocionados.
— É verdade. Papai tinha muitas amantes. Mas a verdade que ninguém
sabe é que nem o colégio de Laura ele pagava. É claro que ele gostava de
dizer que sim, que ele era o provedor da casa, mas, na realidade, era o
Antônio quem ajudava em todas as despesas. Antônio me pedia para
escolher entre mim e minha família, então eu passava fome para alimentá-
los. Foi exatamente por isso que papai não hesitou em mandar Laura para
bem longe quando Antônio tentou violentá-la, ele queria evitar problemas
com o meu marido.
Antônio acobertava as sujeiras do meu pai, assim como papai fazia
com Antônio.
— Antônio sempre foi mentiroso, Anna. Quem garante que ele não
mentiu para deixá-la ainda mais humilhada, somente para fazê-la lamber o
chão por onde ele passava?
— Talvez você tenha razão.
Matteo respirou fundo enquanto acariciava meu cabelo.
— Antônio sempre foi transparente sobre o que ele fazia com você.
Em todas as reuniões ele deixava claro o quanto te maltratava. Teve uma
época que cheguei a sentir pena de você.
— Lembro-me da época em que você foi amável comigo em algumas
ocasiões.
— Sim. Gostava de você como pessoa, Anna. Como irmã da Laura.
Nunca imaginei que iria vê-la como um obstáculo. E foi assim que passei a
te enxergar quando Jessebelle entrou na minha vida.
Meu coração se apertou quando o ouvi falar o nome dela.
— Matteo...
— Deixe-me falar, Anna. Vamos falar sobre esse assunto antes de
esquecermos de vez. — Ele parou para me olhar, esperando meu
consentimento.
— Tudo bem. — Caminhei até a cama e me sentei.
— Nunca fui apaixonado por Jessebelle. Sempre me senti atraído por
ela, querendo aquilo que não poderia ter. Até que um dia descobri que ela
estava apenas me manipulando. Foi isso que me fez abrir os olhos e
enxergar você. Você sempre esteve ao meu lado sem querer nada em troca.
Não tenho vergonha de admitir que fui burro. Eu não deveria mais assimilar
você com a imagem de Antônio. Ele se foi e você está comigo agora.
— Eu fui tão magoada por Antônio que achei que mais nada nessa
vida me surpreenderia. Você também foi horrível comigo, usou meios
baixos para satisfazer o ego daquela mulher.
Matteo se ajoelhou e abriu um caixinha de veludo.
— Estou lhe pedindo perdão, Anna. E se não for muito para sua
cabeça, quero que se case comigo novamente. Quero um casamento bonito
dessa vez, sem pressão.
Finalmente teria a chance de viver feliz depois de tudo que passei?
Matteo seria capaz de me fazer esquecer as coisas ruins que passei?
Eu não tinha resposta para nenhuma das perguntas, contudo, tinha
opção de deixar que a vida se encarregasse de respondê-las, mas apenas
seria possível se eu desse uma segunda chance a Matteo, para ele mostrar
que mudou.
— Você tem meu perdão. Mas ainda não muda o fato de eu querer ir
devagar. Vamos começar aos poucos, como um casal de namorados. Se
estiver tudo bem para você.
Na minha cabeça eu não tinha o direito de impor muitas regras a ele,
sendo que nunca o fiz com Antônio, que era mil vezes pior. Antônio me
usou do jeito que queria e não se importava com meus sentimentos.
Mas foi por meio de Matteo que encontrei meu verdadeiro eu. Sabia
que por meio dele poderia chegar a lugares inimagináveis. Através dele eu
poderia viver uma vida nova, esquecer o passado e conhecer o lado bom da
vida, já que eu nunca planejei um futuro antes. Por anos vivi dia após dia
esperando o momento em que Antônio fosse acabar com minha vida. Ele
morreu, e eu estou mais viva do que nunca esperando um lindo bebê.
— Está ótimo. — Ele sorriu levemente. — Leve o tempo que precisar.
E se você achar que está demais, iremos mais devagar do seu jeito. Só
quero ser o marido que você merece.
Concordei. Matteo olhou no fundo dos meus olhos e pude ver um olhar
carregado de promessas sinceras.
— Posso te beijar?
A pergunta me pegou desprevenida, mas depois concordei, sorrindo
discretamente. Ele sorriu e se inclinou, tocando meus lábios delicadamente
e abrindo espaço antes de enfiar a língua e aprofundar o beijo. De repente,
Matteo se inclinou sobre meu corpo, fazendo minhas costas encontrarem o
colchão macio, as mãos deles viajaram até minha coxa, separando-as.
O ar esquentou de repente, minha respiração ficou acelerada.
— Posso fazer amor com você, Anna? Só quero se estiver tudo bem
para você.
Concordei timidamente. Matteo beijou meu pescoço, depois desceu
para o ombro até alcançar meus seios sensíveis. A língua entra com avidez
na minha boca, explorando, enquanto minhas unhas arranhavam suas
costas.
Ele tirou minha roupa e me fez cair na cama de novo, mantendo
minhas pernas abertas enquanto beijava entre elas.
— Matteo — gemi arqueando o corpo quando a língua dele encontrou
meu clitóris sensível. O lençol macio estava entre meus dedos enquanto
Matteo me lambia, mordia e chupava. Ele sabia perfeitamente como levar
uma mulher à loucura na hora do sexo, e comigo não estava sendo
diferente.
— Goze para mim, meu amor.
Foi como se meu corpo estivesse apenas esperando um incentivo para
começar a se libertar. Meus músculos ficaram rígidos e meu corpo
estremeceu quando a tensão tomou conta, ansiando sair. Agarrei os lençóis
ainda com mais força enquanto arquejava com os espasmos, tremendo sobre
a cama. Minha mente ficou em branco e meus sentidos sumiram por alguns
instantes.
— Isso — Matteo continuou, acabando com minha sanidade.
Minha respiração estava irregular e meu corpo explodia em milhões de
pedaços dentro do meu peito. Gozei como nunca tinha gozado na vida,
gemendo alto e chamando o nome de Matteo, do homem que foi minha
ruína.
Antes que pudesse me recuperar do orgasmo, Matteo se debruçou
sobre meu corpo e pressionou o membro na minha entrada. Podia senti-lo
crescendo cada vez mais, e latejando contra minha carne úmida.
— Vou entrar agora... Tudo bem? — Beijou minha testa.
— Sim.
Ele empurrou fundo. A sensação era poderosa quando ele se movia
devagar e depois, rapidamente. Sentia o peso dele sobre mim enquanto ele
metia fundo e acertava em cheio algo dentro de mim, algo sensível que me
deixava louca toda vez que ele tocava lá. A pressão no meu ventre estava
me enlouquecendo.
— Está gostando?
Não conseguia responder, apenas continuei me contorcendo embaixo
dele enquanto o seu pênis mergulhava em mim. A língua de Matteo
encontrava novamente minha boca depois de chupar meu pescoço.
— Ah! — Mordi os lábios.
— Isso... Se solta, Anna.
Matteo aumentou o ritmo e as bolas dele batiam firme em mim. Nossas
respirações estavam tão aceleradas que mal conseguia ouvir as coisas que
ele dizia. Ele golpeou forte enquanto eu gozava pela segunda vez, e o ouvi
gemer alto, indicando que viria logo depois de mim.
Ele caiu sobre mim, nossas respirações aos poucos foram voltando ao
normal. Nossos corpos permaneceram colados e suados.
— Está tudo bem?
— Está. — Sorri, aconchegando-me no peito macio dele.
— Durma um pouco.
— Obrigada — agradeci, e ele beijou minha cabeça enquanto me
mantinha em seus braços. — Não podemos demorar muito aqui, minha mãe
está sozinha.
— Ela não está sozinha. Sua mãe está sendo bem cuidada pelos
melhores profissionais. É hora de você descansar e cuidar do nosso bebê.
— Ela precisa de mim.
Ele sorriu e acariciou meu cabelo.
— Eu sei que sim. Por isso que vamos levá-la conosco quando nos
mudarmos para a Calábria.
— Vamos? — Arregalei os olhos.
— Temos uma fazenda enorme. Lá o ar é puro, e vai fazer bem não
somente à sua mãe, mas também ao nosso bebê. Tem espaço para ele correr,
jogar bola... Enfim... Fazer suas travessuras de criança.
Eu ri. Seria perfeito.
— Mas a máfia exige que todos morem perto.
— Eu vou dar um jeito. Só acho que o ar em Sicília não me favorece
mais. Quero uma vida nova, e longe daqui.
— Eu adoraria morar em uma fazenda. Tomar leite fresco, comer
comidas saudáveis.
— Temos de tudo lá. De lá saem os melhores vinhos. Nós temos
negócio legais, Anna.
Fiquei louca para conhecer, minha mente já começava a projetar
imagens da fazenda, dos animais e da paisagem verde.
Puxei as cobertas e fechei os olhos pesados de sono depois do sexo. O
bebê estava me deixando cansada e sonolenta. Finalmente eu teria uma boa
noite de sono antes de ir ficar com minha mãe. Pelo menos dessa vez eu
teria energias positivas para transmitir.
Não tinha palavras para descrever a sensação de paz que sentia no
peito. Pela primeira vez na vida eu estava fazendo o certo, assumindo
minhas responsabilidades e dando um novo rumo à minha vida.
Estava terminando de colocar as malas na caminhonete quando
Fabrizio se juntou a mim para ajudar, colando o restante das coisas no carro.
— Tem certeza que está fazendo a coisa certa? — ele murmurou.
Eu sabia que meus sentimentos ainda estavam confusos e que minha
vida estava bagunçada, estava tudo de pernas para o ar. Havia anos que me
sentia assim, desde que meus pais foram mortos pelo meu irmão. Eu os vi
sem vida e não foi uma coisa legal, muito menos para uma criança.
Mas a partir daqui estava decidido: eu faria tratamento psicológico,
talvez encontrasse a razão de minha existência... estar consciente quando
meu filho viesse ao mundo.
— Quero mudar de vida, Fabrizio.
Ele assentiu, colocando as mãos de volta no bolso.
Fabrizio ainda não havia falado nada a respeito de Alessandra, isso
ainda era uma incógnita. Eu respeitei seu espaço e não fiz questionamentos.
Mas sabia que ele tinha ido atrás dela e a trazido de volta para Sicília.
— É um bom começo. Só posso desejar sorte. — Bateu no meu
ombro. — Riccardo sabe que está indo?
— Esse é o grande problema. Queria estar lá quando ele descobrisse.
Fabrizio ergueu a sobrancelha. Ele e Riccardo eram parecidos quando
se tratava da máfia, enquanto eu era a ovelha negra. "O cachorrinho que
caiu da mudança."
Sempre gostei de levar a vida de forma descontraída, porque não
queria pensar na vida que levávamos. O mundo do crime era perigoso, e
não tinha como saber se voltaríamos vivos.
— Pretende sair assim?
— Pretendo. — Desviei minha atenção para Anna, carregando
algumas caixas rosas. — Se eu for pedir permissão, ele não vai permitir,
vai?
— Talvez. Você já tentou?
Corri ao encontro de Anna e tomei as caixas de suas mãos.
— O que eu disse sobre esforços?
— Ai, Matteo. Estão leves.
— Só quis ajudar. — Virei-me para Fabrizio novamente: — Não posso
correr o risco.
— Então não seja exagerado. — Anna se afastou para pegar mais
alguma coisa dentro de casa.
Fabrizio tossiu, disfarçando um sorriso.
— Mulheres — bufei. — Eu só quis ajudar.
— Nunca pensei que você seria responsável algum dia — ele riu. —
Você vai ser papai e não está surtando com isso. Dessa vez não teremos que
intervir.
— Já fiz muita merda, eu sei. Eu cansei, Fabrizio. Cansei de ser o
canalha, moleque sem juízo. Já deu para mim, isso está incomodando.
Ele assobiou.
— Muito bem. Está amadurecendo.
— Se quiser levar as crianças para ficar uns dias comigo e Anna, fique
à vontade. É bom que vou treinando.
— Vou aceitar o seu convite. — Ele abaixou a cabeça e chutou uma
pedra para longe.
— Como você está... Agora que ela voltou? — Toquei o ombro dele.
Fabrizio desviou o olhar vazio para algo que somente ele conseguia
enxergar.
— É complicado, Matteo. Muito complicado.
— Estou aqui ouvindo.
— Pensei que não queria que Riccardo soubesse que você está indo
embora de Sicília, sem o consentimento dele — respondeu áspero,
desviando o foco. — É isso que vai acontecer se você não colocar a bunda
no carro e pegar logo a estrada.
Balancei a cabeça negando, mostrando para ele que fugir do assunto
não era a solução. A hora sempre chegava e nós tínhamos que resolver.
— Só não a machuque. Não faça com ela o mesmo que fiz com Anna.
Ele riu.
— Você ainda não ama sua esposa. Está com ela apenas porque vive
numa lei que não permite divórcio ou casamento com alguém fora do nosso
mundo. Então sem falso moralismo.
— Fabrizio...
— Você irá amá-la com o passar dos dias, com o tempo de
convivência. Está no caminho certo, Matteo. Mas a culpa de ter feito o que
fez com sua esposa vai vir ainda mais forte quando você estiver realmente
apaixonado. E lhe digo: a dor da culpa é terrível, ela dilacera você vivo e
queima sua alma, depois te lança nas profundezas da solidão. É assim que
me sinto quando olho para minha esposa. — Ele enxugou a lágrima. —
Faça uma boa viagem. — Bateu no meu ombro e se afastou.
— Obrigado. Dou notícias quando chegar lá.
— Estarei aguardando.
— E sobre Riccardo...
— Eu resolvo com ele, Matteo. Vá se feliz com sua família. Aproveite
esse momento porque eles são raros.
Assenti.

Enquanto Anna corria entre o milharal da fazenda, eu fiquei quieto e


distante, pensando no que Fabrizio havia me dito. Os pingos da chuva
começavam a cair enquanto minha esposa sorria entre as folhas,
transbordando alegria por finalmente estar livre dos tormentos. Eu daria a
ela a chance de ser feliz, um novo recomeço.
Mais tarde os soldados iriam buscar minha sogra para viver conosco na
fazenda. Marta continuaria com os tratamentos, para tentar se livrar dos
fantasmas do passado. No fundo, a máfia era isto: todos nós vivíamos
machucados lutando por uma entidade que nos engolia vivos.
— Eu amei esse lugar. — Anna veio ofegante ao meu encontro. —
Vou adorar criar nosso filho aqui.
— Você disse a Laura que estávamos vindo para cá?
Ela enrugou a testa e se abaixou para pegar uma galinha.
— É claro que disse — ela riu, como se aquilo fosse óbvio.
Ela agarrou a galinha e caminhamos para dentro da casa. O almoço já
seria servido.
— Acha que dessa vez Laura conseguirá convencer seu irmão a deixar
Giovanni e Fransuá vivos?
Eu olhei para ela, sabendo que aquilo seria impossível de acontecer.
Embora não tivesse culpa, Fransuá estava envolvida com a máfia rival, e
isso não tinha perdão.
— Óbvio que não. Acho loucura ela pedir isso a Riccardo depois de
tudo que passamos.
Anna engasgou.
— Eu pedi para ela fazer isso. Eu não deveria, não é? Confiei no amor
que ele sente por ela.
— Nem Riccardo confia nele, e justo você vai confiar? Qual é, Anna!
— Afastei o garfo e afastei a cadeira.
Ela abaixou a cabeça.
— Eles são nossos irmãos.
— E ela é sua irmã. Você conhece Riccardo, ele é completamente
temperamental. Deixe sua irmã e meu irmão viverem a vida deles, e vamos
viver a nossa. Foi para isso que viemos para cá. Giovanni cavou a própria
cova quando decidiu defender a esposa, mesmo sabendo que ela estava
errada. Ele sabia que ela roubava e mesmo assim a defendeu. Você acha
mesmo que Riccardo vai perdoar?
— É difícil aceitar isso, Matteo. Minha mãe vai definhar quando
descobrir tudo.
— É só você não dizer. Deixe sua mãe em paz. — Segurei o rosto dela.
— Anna, chega de pensar nos outros e pense apenas no nosso filho.
— Não sou tão egoísta quanto você pensa — ela riu com desgosto
enquanto balançava as mãos.
— Então é melhor ser. Caso Riccardo descubra que você está
persuadindo Laura... — Fechei os olhos. — Não sobrará nada de você.
— Achei que sendo sua esposa, eu teria direitos.
— E você tem — falei sério. — Ele te deu um cargo na máfia. Algo
que você ama fazer.
Ela arregalou os olhos.
— Como assim?
— Você é a nova contadora dessa fazenda. Vai lidar com as finanças,
Anna. Tem noção? Você é a primeira mulher a se envolver em assuntos da
máfia.
— Eu vou ficar no lugar de Giovanni? Vou administrar essa fazenda?
Riccardo disse isso?
Tomei um gole de suco.
— É... Ele não disse tecnicamente essa fazenda. Mas como estamos
aqui, acredito que você ficará responsável por ela agora. Riccardo confiou
em você.
— Jesus, Matteo. — Foi a vez dela de beber suco. — Você me mete
em cada furada.

Estávamos deitados no celeiro, observando pela janela as nuvens


negras se dissiparem no céu. Anna estava com a cabeça apoiada no peito
enquanto eu acariciava seus cabelos macios. O silêncio estava confortável
entre nós, estávamos nos conhecendo aos poucos.
— Nunca imaginei que um dia estaria aqui com você, tentando refazer
nossa vida — ela quebrou o silêncio.
— Eu também não.
— Você parecia inalcançável, Matteo, quando seu olhar pertencia a
Jessebelle. Quando fiquei presa naquele lugar...
Puxei seu queixo para mim, obrigando os olhos dela a encontrarem os
meus. Queria que Anna visse o quanto eu estava arrependido, estava muito
envergonhado de ter feito o que fiz.
— Eu vou respeitar seu espaço, Anna.
— Eu te agradeço. — Ela sorriu. — Quero focar na minha carreira, no
meu filho e na vida nova que me espera. Eu quero viver esse momento,
sabe? Sem ter que me dedicar a casamento, marido. Fiz isso em toda minha
vida.
Meu coração sangrou, mas eu entendia. Talvez ela quisesse aproveitar
a carreira antes do nosso filho nascer. Sim, eu iria ajudá-la.
— Será que um dia você ainda vai me perdoar... de coração?
— Há muita mágoa. Mas acredito que o tempo é o remédio para
nossas feridas. Sei que não adianta viver com mágoas, porque a vida é
muito curta para não perdoar.
— Perdoar é um dom que poucos têm.
— É. Mas quando o caixão se fecha, acaba tudo. Eu passei a enxergar
isso quando Antônio morreu. Ele era um homem cheio de pose, egoísta,
rancoroso. E no final, o que ele ganhou sendo desse jeito? Eu acredito em
Deus e acho que ele é justo com os seus.
— Você é brilhante. Tenho muito que aprender com você, pesar de
você ser mais nova.
— Experiência não está na idade, Matteo. Nós vamos aprender juntos.
— O que quer dizer? — Coloquei seu cabelo atrás da orelha.
— Seremos apenas amigos, por enquanto. Vamos deixar o tempo
decidir. Mas vamos deixar isso apenas entre nós?
Concordei enquanto respirava fundo.
— Eu fiz escolhas erradas, é justo pagar por isso. — Beijei a cabeça
dela.
Apensar de meu coração estar apertado, respeitaria a decisão de Anna.
Focaria no nosso filho, em ser um pai presente, um pai que meu filho
precisava. Queria que ele tivesse orgulho de mim, que me visse como o
herói, e não como o vilão.
Vilão igual meu pai foi para mim e meus irmãos. Vito Guerrieri
destruiu nossa vida e nos modificou. Sem mencionar na quantidade de
irmãos que perdemos, filhos que ele mesmo fez questão de matar. Não, eu
jamais seguiria os passos dele.
Éramos pessoas quebradas e modificadas com passados obscuros. Mas
isso acabou! Se Riccardo e Fabrizio conseguiram superar, eu conseguiria
também. Apoiaria Anna em qualquer decisão que ela tomasse.
Estava sendo maravilhoso morar na fazenda. Eu estava feliz curtindo
minha gravidez, ao lado da minha mãe. Matteo estava sendo paciente e
cuidadoso comigo, mimava minha barriga e conversa com nosso filho.
Não tinha palavras para agradecer.
Matteo havia se tornado meu melhor amigo, estávamos aprendendo
muito um com o outro.
O cargo de contadora era um balsamo, eu me sentia útil e feliz por
estar ajudando a máfia. Me distraía e eu sentia que finalmente havia
encontrado meu lugar.
A saúde da minha mãe estava melhorando, por isso resolvi não
mencionar mais o nome de Giovanni em casa. Meu irmão estava preso,
prestes a ser julgado. Mia foi a primeira ser julgada e depois, morta.
Eu não conseguia entender como as pessoas nasciam no meio de uma
máfia e depois acabavam se virando contra ela.
Fechei um dos livros contábeis assim que terminei de trabalhar neles, e
os guardei dentro do cofre. Matteo lançou-me um sorriso e continuou
concentrado no notebook.
— Tão responsável — comentou enquanto digitava algo. — Agora
entendo a razão pela qual Riccardo confiou esse cargo a você. Meu irmão
sabe bem o que faz.
Eu ri, agradecendo.
Matteo e eu trabalhávamos juntos na mesma sala e compartilhávamos
ideias. Nos tornamos uma boa equipe, algo que pensei não ser possível.
— A propósito, ele já sabe que estamos aqui? As fofocas já estão a
todo vapor.
Matteo assentiu.
— É claro que sabe, Anna.
— E o que ele disse? Ficou chateado? — Aproximei-me dele. — Não
quero confusão para o meu lado. Estou muito grata pelo trabalho que
recebi. Seria terrível perdê-lo.
Ele se endireitou na cadeira e me puxou pela cintura, mas eu continuei
firme. Era óbvio que Matteo queria dar um passo à frente na nossa relação,
mas eu ainda estava tentando ir devagar.
— Soube que essa fazenda é dele. Ele comprou para os gêmeos terem
onde brincar.
— Agora é nossa.
— Por que você não me disse? Se vamos tentar funcionar como um
casal, é melhor que você não me esconda nada.
— Não sabia que você ia ficar tão chateada com isso.
— Eu só deveria ser consultada antes.
— Anna. — Tocou meu rosto. — Você não vai perder o seu trabalho,
não se o fizer da maneira correta... como sei que faz. Riccardo sabe que
estamos aqui. Já conversei com ele, está tudo tranquilo. Não tem com o que
se preocupar. A fazenda é nossa agora. E ele sabe que vai poder continuar
vindo aqui sempre que quiser.
Respirei fundo. Eu tinha medo de dar um passo em falso e acabar
perdendo o que conquistei. Esse era o preço que teria que pagar: viver com
medo de que tudo desse errado, de uma hora para outra.
— Só estou um pouco preocupada. Talvez seja até besteira da minha
cabeça. Mas estou grávida, Matteo. Tenho medo de que as coisas saiam do
eixo.
— Você é minha mulher, Anna. É natural você ir para onde eu for. —
Matteo virou o notebook para mim. — Olha... Estou adiantando meu
trabalho porque quero acampar com você num lago que fica na outra
cidade. Você topa?
Olhei a imagem do lago no notebook e fiquei encantada com a
quantidade de verde que abraçava o lugar.
— Mais à frente tem uma cachoeira. Então... o que você me diz?
— Vai mais alguém com a gente? Ou vou saber quando tiver chegado
lá?
Matteo revirou os olhos.
— Estou pensando em levar as crianças. O que você acha? Mas se
achar melhor pode ser só nos dois.
— Três... Né? — Alisei a barriga.
— Ele ainda não conta, Anna. Estou falando de criança grande, igual
nossos sobrinhos. É deles que estou falando.
— Você sabia que o bebê pode ouvir tudo que você está falando?
— Falei algo que magoou ele? — Matteo enrugou a testa, preocupado.
Não aguentei e caí na gargalhada.
— Fique tranquilo. — Passei a mão pelo cabelo dele e senti a maciez
dos fios escuros. Matteo era bonito, não tinha como negar.
— E então. — Piscou enquanto se deleitava do meu carinho. — Vamos
passear e distrair a mente? — Ele colocou meu cabelo atrás da orelha. —
Quero poder fazer isso com você.
— Tudo bem. Só me diz o que tenho que levar para o acampamento.
Nunca fiz isso antes.
Ele sorriu.
— Você vai precisar de biquíni para tomar banho no rio de manhã e
roupas de frio durante a noite.
Sorri de alegria. Era a primeira vez faria algo assim. Estava me
sentindo uma criança.
— Quando vamos?
— Amanhã de manhã.
— Vamos ficar quantos dias?
— Vai depender de você. — Ele beijou meu rosto.
Estávamos deitados na cama, depois de fazer amor pela terceira vez.
Alessandra tinha a cabeça repousada no meu peito enquanto eu acariciava-
lhe os cabelos.
— Eu te amo, Fabrizio.
— Eu também te amo. — Sorri. Meu mundo parava quando ela dizia
que me amava, ficava me sentindo o homem mais feliz do mundo por ter
encontrado a mulher da minha vida em um casamento arranjado pela máfia.
Alessandra tinha tudo que sonhei em uma mulher...
Saí do estupor e coloquei mais uma carreira de cocaína sobre a mesa.
Puxei o ar com vigor, com toda minha alma. A substância me levava para
um lugar menos doloroso. Fazia a angústia esvair do meu sistema.
Todo mundo estava feliz, menos eu. Preso em um
quarto sem poder sair. Preso nos meus próprios pensamentos sem conseguir
me libertar. Preso na minha angustia e na dor latente que assolava meu
coração.
Virei mais uma dose de conhaque enquanto olhava para as fotos do
meu casamento. Perdido sem saber onde foi que tudo começou a dar
errado. Eu sabia que tinha chegado ao fundo do poço, porém não tinha a
menor intenção de sair. Lá eu vivia no meu mundo, idealizando algo que
nunca iria acontecer.
Eu tinha que matar Alessandra e honrar a máfia, honrar meu
sobrenome. Mas como seria estar diante dela depois de tantos anos?
Gemi quando coloquei os pés na água do lago. O lugar realmente era
incrível, só se ouvia sons de pássaros — um bálsamo para o estresse do
caos que a cidade causava. Estar longe de tudo e abraçada pela natureza era
revigorante.
A velha Anna estava deixando meu corpo e uma nova acabava de
renascer.
— É incrível. — Sorri.
Matteo mesmo com a perna machucada, cortou lenha para fazer
fogueira e assar peixes pescados por ele mesmo no lago. Não tinha lugar
melhor que estar do lado dele. Eu ainda não sabia o que seria do nosso
futuro, porém, a opinião que eu tinha sobre Matteo se desfez quando nos
tornamos amigos e eu pude conhecê-lo melhor.
Estávamos dando um passo de cada vez. A mudança era pequena, mas
significativa. Estávamos focando no nosso bebê, em trazê-lo para esse
mundo complicado.
Matteo não me cobrava nada e deixava as coisas para eu decidir. Eu
nunca vivi nada parecido com isso, sempre fui criada de forma rígida para
servir. Papai havia me ensinado a não olhar nos olhos dos homens a menos
que nos fosse permitido. E o fato de eu ser obediente fez Antônio
esmigalhar minha autoestima. Ele havia me reduzido e humilhado
completamente.
— No que está pensando?
Pulei de susto quando a mão gelada de Matteo tocou meu ombro.
Minha atenção desviou para ele e assim pude reparar em seus ombros largos
e no quadril estreitos. Cabelos molhados, barba por fazer e aqueles olhos
verdes intensos, que mudavam de cor.
Me senti culpada por ele ter tirado o gesso da perna, precocemente. Ele
queria estar completo para mim, mesmo que isso lhe custasse muito
esforço físico.
— Anna?
— Você é muito lindo. — Toquei o rosto dele e aproximei minha boca
da dele. Num piscar de olhos, nossas línguas estavam envolvidas em uma
sintonia frenética. Meus gemidos misturavam-se aos gemidos de Matteo.
O corpo dele pesou sobre o meu e eu me deitei na toalha macia que me
protegia da areia. Tudo naquele lugar tinha sido projetado para me receber.
Os beijos de Matteo desceram para o meu pescoço. Ele mordia minha
pele sensível, arrastando levemente os dentes. Arfei, deleitando-me em seu
toque que me queimava por onde passava.
De repente, ele se afastou para olhar no fundo dos meus olhos. Nossas
respirações estavam intensas e meu coração batia como um louco. Meus
olhos ardiam de emoção e meu corpo tremia de nervosismo.
— Tem certeza? — Acariciou meus cabelos. — Não quero te
pressionar, Anna. Eu disse que iria respeitar o seu tempo e vou.
— Faça amor comigo, Teo. Vamos esquecer o passado, pelo menos por
esta noite.
Ele se curvou e beijou meus lábios. Sua mão se embrenhou em meu
cabelo enquanto a outra agarrava minha cintura. Entrelacei minhas pernas
ao redor de sua cintura e ergui meu quadril. Matteo rosnou entre o beijo
enquanto enfiava a mão no meio das minhas coxas para tocar minha
calcinha.
— Já está molhada, Anna. Pronta para mim. — Beijou meus seios por
cima do tecido e mordeu levemente meus mamilos. — Mas antes, quero
que você goze na minha boca. Quero que grite meu nome enquanto estiver
se desfazendo em mim.
O ar faltou nos pulmões quando ele arrancou minha calcinha e caiu de
boca entre minhas pernas, enfiando a língua na minha carne sensível. Meu
corpo tremia e meu cérebro estava travado. Matteo gemia enquanto me
tomava em sua boca experiente, mordendo levemente meu clitóris. A língua
dele afundava no meu ânus e depois voltava em minha vagina. Eu podia
sentir meu corpo cada vez mais quente, minhas unhas afundavam na areia
enquanto eu quase desfalecia. O orgasmo me atingiu quando esfreguei meu
quadril contra a boca dele, atingindo pontos em mim que eu nem sabia
existir.
— Teo. — Afundei meus dedos em seu cabelo e gozei, tremendo
enquanto Matteo diminuía o ritmo.
Meus olhos ainda estavam turvos de cansaço e pela emoção do desejo,
mas ainda pude me deslumbrar quando Matteo tirou a sunga e se acomodou
sobre meu corpo. Novamente sua boca bateu contra a minha e nossas
línguas se conectaram em uma dança sensual. Ele entrou em mim aos
poucos, gemendo muito enquanto se acomodava por completo em mim.
— Mais rápido, Teo. Quero que vá mais fundo em mim.
Matteo empurrou mais forte o quadril contra mim e eu pude senti-lo ir
mais fundo, me enlouquecendo. Gemi alto enquanto Matteo me fodia de um
jeito cru, impiedoso. Podia sentir o seu pênis latejar toda vez que ele tirava
e voltava a empurrar para dentro de mim.
— Caralho, Anna.
Mudei de posição e montei sobre ele. Espalmei o seu peito enquanto
rebolava meu quadril contra o pênis dele, levando-o mais fundo para dentro
de mim.
Matteo estava enlouquecido enquanto eu cavalgava em seu pau,
quicando sobre ele.
— Anna... Se você continuar assim... — Mordeu os lábios e fechou os
olhos enquanto o seu corpo tremia. Ele rosnava coisas sem sentindo.
— O quê? — Mordi o lóbulo da orelha dele. — Vai gozar? Vai?
Aumentei o ritmo e ele me agarrou pelo pescoço, fazendo eu me deitar
sobre seu corpo enquanto retomava o controle da situação. Mas eu também
estava insaciável e continuei a me mover de encontro aos movimentos dele.
Matteo empurrou fundo antes de gozar dentro de mim, gemendo alto e com
a respiração ofegante.
— Caralho...
Ficamos abraçados esperando nossas forças retornarem. Os dedos de
Matteo passeavam nas minhas costas e cabelo. Eu sentia a respiração dele
pesada, como se algo o estivesse preocupando.
— Tem algo errado? — Me movi para olhar para ele.
Teo passou a mão pelo rosto antes de olhar para mim.
— Esquece — Ele balançou a cabeça.
— Não. — Segurei a mão dele. — Se tem algo te incomodando,
preciso saber. Nada de segredos se vamos fazer dar certo. Lembra?
Respirou fundo.
— Você transava dessa forma com Antônio?
— Ciúmes? — Ergui a sobrancelha. — E o plano de esquecermos o
passado, onde fica?
— Não. Você está certíssima! Eu... Nem deveria ter pensado nisso.
Que merda! — Ele se levantou. — Vou colocar mais lenha na fogueira. A
noite está chegando e o fogo vai manter os animais longe da nossa cabana.
Concordei enquanto vestia minha roupa. E antes que Matteo se
afastasse completamente, o chamei e ele se virou para mim.
— Estou curtindo estar aqui com você.
— Eu também, Anna. Me desculpe pelo comentário estúpido. Seu
passado não é da minha conta.
— Nunca transei com Antônio por vontade própria.
Ele se aproximou de mim e ficou de joelhos.
— Antônio se foi e você está aqui comigo agora. — Levantou meu
queixo.
— Por que perguntou aquilo?
— Se você transava dessa forma com Antônio? — Passou a mão pelos
cabelos.
— Sim.
— Besteira minha.
— Não é. Quero que me responda.
Ele beijou minha testa.
— Você é boa nisso, Anna. Muito boa. Fiquei com ciúmes de outro
homem provando você da forma que provei.
— Você foi o único para quem eu me entreguei. Da forma que me
entreguei hoje você foi o único, Teo.
Ele encostou a testa na minha.
— Vou continuar sendo único. Te prometo que vou melhoras cada vez
mais.

Acordei assustada com o barulho dos trovões e da chuva forte caindo


sobre a barraca. Matteo não estava ao meu lado e o desespero tomou conta
de mim.
Levantei rápido, enrolei o lençol no corpo e saí para procurar meu
marido. Pela primeira vez na vida entrei em pânico com a sensação de não
tê-lo mais do meu lado.
Gemi quando meus pés quentes afundaram na poça de lama. Chovia
muito e eu mal conseguia enxergar.
— Matteo — gritei. — Matteo.
Alguns segundos depois ele apareceu na minha frente, estava
encharcado e sujo de lama. Meu coração acelerou e eu corri para abraçá-lo.
— Anna.
— O que você está fazendo aqui fora? Levei um susto quando acordei
e não o encontrei.
— Estou tentando salvar nossa comida e manter a fogueira acessa.
— Você vai ficar resfriado. Vamos passar a noite na barraca e quando
amanhecer vamos embora.
Ele resmungou pegando a mochila e a lanterna.
— Porra, essa chuva sacaneou a gente. — Sentou no chão,
completamente chateado. Alisou a perna machucada e gemeu de dor.
Eu gargalhei enquanto abria a mochila e tirava de lá uma toalha para
ele.
Matteo me olhou ofendido antes de aceitar a toalha.
— Não é engraçado, Anna. Eu queria que fosse perfeito.
— Claro que é. — Sorri ainda mais e me aconcheguei a ele. — Eu me
diverti, de todo modo. Não é culpa sua se está chovendo. Me diverti muito.
Antes que ele pudesse responder, o som do celular atraiu nossa
atenção. Matteo gemeu derrotado antes de pegar o aparelho.
— Droga, é o Fabrizio. — Apertou o viva-voz. — Oi, irmão. Está tudo
bem?
— Faço a mesma pergunta. Parece que sua cunhada viu na televisão
que está chovendo muito onde vocês estão.
— Ah. Está sim. Espero que pare logo. Está tudo bem?
— E você tem algum outro plano caso não pare?
Matteo riu.
— Está tudo sob controle. Minha mulher e meu filho estão seguros.
— Isso é bom.
— Diga à Laura que Anna está bem. Estou cuidando bem dela e do
bebê.
— Perfetto. Até logo.
Matteo e eu nos abraços enquanto observava a chuva cair forte, nossas
línguas entrelaçavam uma na outra e a mão dele entrou no meio das minhas
pernas se concentrando num ponto específico. Eu gemi.
— Quero fazer amor com você, Anna, enquanto a chuva cai.
Concordei. Deitei-me no chão e abri minhas pernas para ele,
mostrando o quão excitada eu estava. Sim, eu estava parecendo uma
adolescente que acabara de descobrir o sexo, o prazer que ele
proporcionava. Estava viciada, querendo descobrir coisas nunca sentidas
antes.
Matteo lambeu minha vagina e eu vi estrelas naquele céu nublado,
chuvoso. O barulho da chuva foi ficando distante e somente o som do meu
gemido se fez presente.
Naquela mesma noite, ganhei mais um orgasmo, alcancei a plenitude
do prazer.
Estava de frente ao espelho analisando meu vestido que destacava o
volume da minha barriga. Eu não queria saber o sexo do bebê, queria que
fosse uma surpresa e muito amado.
Fabrizio sempre pressionava Matteo para sabermos o sexo, mas era
óbvio que meu marido concordava com qualquer decisão minha.
Como mandava a tradição, Riccardo seria o padrinho do bebê.
— Vamos? — Matteo colocou a cabeça pela brecha da porta e ficou
surpreso ao me ver.
Sim. Eu estava deslumbrante no vestido dourado que ele havia me
dado de presente junto com as joias.
Em nada me parecia com aquela mulher maltrapilha da máfia — como
as pessoas gostavam de dizer.
Eu não podia culpá-las por me chamarem assim, eu me arrumava mal e
minha alimentação também era precária. Mas agora... Eu podia escolher a
roupa que quisesse, podia me vestir da maneira que quisesse,
principalmente porque eu não era apenas a esposa do Capo e sim alguém
tão importante ao ponto de mexer nas finanças da máfia, sem roubar nada.
— Sim. — Olhei para ele sorrindo e caminhei até a cama para pegar
minha bolsa. Havíamos sido convidados para uma recepção na casa nova de
Riccardo e Laura.
Tudo parecia estar se encaixando nas nossas vidas, era uma pena
Giovanni não ter sabido aproveitar a oportunidade dada.
Meu irmão estava preso esperando o momento de morrer. E quanto a
Fransuá, nunca mais tive notícias.
— Você está muito linda, Anna. — Ele me pegou pela cintura. — Qual
a possibilidade de ficarmos nesse quarto?
— Contanto que você repita tudo que fez comigo nesta manhã, eu
topo.
Ele riu e nos beijamos. Nossas línguas dançavam sensualmente,
deslizando uma na outra. As mãos de Matteo agarravam minha bunda
enquanto ele pressionava a ereção em mim. Em pouco minutos estávamos
deitados na cama fazendo amor. Ele beijava meu pescoço enquanto me
comia gentilmente por trás.
— Amo estar dentro de você, Anna. — Chupou meu pescoço. —
Nunca vou me cansar disso. — Matteo empurrou mais fundo e arqueei o
corpo em reposta. Minha maquiagem foi desfeita assim como meu
penteado.
Ele segurava minha barriga com cuidado para pegar impulso para ir
um pouco mais fundo... sempre tomando cuidando com nosso bebê. Nós
gozamos juntos, e depois ficamos em silêncio curtindo a companhia um do
outro. Matteo fazia carinho em mim enquanto me mantinha segura em seus
braços.

Olhei deslumbrada para aquela mansão que mais parecia um castelo.


Era "ridículo" a decoração do jardim e mais as dezenas de carros luxuosos
estacionados ali. Soldados andavam sempre atentos a qualquer coisa que
fosse dar errado naquela noite.
— Essa casa é enorme — comentei embasbacada.
Matteo segurou minha mão e nós caminhamos pelo jardim para
subirmos os degraus. Matteo tocou o interfone e o som reverberou alto. Por
alguns instantes me perguntei se algum empregado abriria a porta para nos
receber, mas em vez disso foi a própria dona da casa que nos recebeu.
Laura estava linda diante da porta.
— Anna. — Ela correu para me abraçar, e eu retribuí sorrindo. Se
afastou para me olhar e ficou emocionada com o tamanho da minha barriga.
— Você está linda, Anna. A grávida mais linda que já vi na vida.
— Você também está linda. — Toquei a bochecha dela.
— Obrigada — Ela arregalou os olhos. — Mas eu não estou grávida.
— Ela desviou para Matteo e o abraçou forte.
Ele a abraçou também.
— Linda casa.
— Entrem, por favor. Bem-vindos à minha humilde residência.
— Muito humilde. — Matteo riu enquanto me guiava para dentro.
Ela riu.
— Seu irmão insiste que sou eu quem quer todo esse espaço.
Matteo agarrou minha cintura e beijou minha bochecha com ternura
antes de seguirmos Laura. Caminhamos sob lindas luzes e passamos por
lindos adornos de parede. Logo chegamos ao salão onde estavam os
convidados.
Era uma festa da alta sociedade, deslumbrante.
— Fiquem à vontade. — Ela sorriu. — Vou pedir que sirvam bebidas
para vocês.
— Obrigado. — Matteo sorriu enquanto me abraçava. — Onde está
Riccardo?
— Está em uma reunião no escritório.
— Sua casa é muito bonita, minha irmã — elogiei.
Ela sorriu de volta enquanto segurava minha mão. E, de longe, pude
ver a filha do presidente se movendo entre as pessoas.
— O que ela está fazendo aqui? — Apontei para a mulher elegante.
— Veio acompanhada de Fabrizio — respondeu com desgosto. — Ele
está tentando acabar com o meu casamento, e eu estou com tanta raiva que
está difícil ser simpática esta noite.
Matteo soltou um suspiro antes de me soltar.
— Fabrizio está passando dos limites.
Fiquei com raiva de ouvir o quanto minha irmã estava chateada.
Fabrizio faria de tudo para destruir Laura, mas, eu não iria permitir. Dessa
vez eu tinha poder de me intrometer na situação.
— Eu vou achar Fabrizio. — Matteo me puxou pelo braço. — Vai ficar
bem sem mim?
— Sim.
Ele me beijou nos lábios antes de se afastar. Quando desviei minha
atenção para Laura, ela estava segurando uma risada.
— O que foi? — Ri sem graça.
— Você e Matteo parecem dois pombinhos apaixonados.
Nós duas rimos e fomos para o sofá.
— Realmente, você parece estar chateada. Se fosse em outros tempos,
essa mulher estaria fora de sua casa há muito tempo. Estou errada?
— E estou. Não quero criar problemas. Estou apenas me comportando
bem para que meu marido solte Giovanni.
Estava sobrecarregada e a culpa era minha.
— Olha. — Segurei o rosto dela. — Eu sei que pedi a você que
interferisse por Giovanni, mas agora estou pedindo que deixe o seu marido
fazer o trabalho dele.
— Não é assim que as coisas funcionam, Anna. Eu sei que Giovanni
vacilou, mas não posso simplesmente virar as costas. Família não é igual a
roupa, que a gente descarta quando não dá certo.
— Laura. Por Deus! Não está vendo que você está estragando sua vida
por nossa culpa? Giovanni escolheu o caminho dele, assim como Fransuá.
Não podemos fazer nada.
Eu a abracei forte e o bebê se agitou na minha barriga.
— Está vendo? Seu sobrinho concorda comigo. Por falar em
sobrinhos... Onde estão os meus?
Ela me ajudou em levantar do sofá e nós caminhamos para a área de
lazer.
— Eles estão ali.
Os gêmeos estavam brincando com outras crianças. Meu coração se
agitou quando imaginei que logo meu filho estaria ali no meio deles
brincando. Eu sorri emocionada acariciando minha barriga.
— Meninos, venham dar um beijo na tia de vocês.
Eles nem mesmo olharam para Laura. Continuavam pulando na
piscina de bolinhas enquanto outras crianças fingiam atirar com armas de
espumas.
— EI! — ela gritou, e atenção das crianças foi para ela.
Eu caí na gargalhada ao ver que minha irmã já não era tão paciente
quanto antes. Eu podia entendê-la, eles estavam cada vez maiores, e
teimosos também.
— Lorenzo e Vincenzo. Venham aqui falar com a tia de vocês.
Eles saíram da piscina resmungando enquanto tropeçavam um no outro
para me abraçar. Os dois me abraçaram forte e eu me desmanchei nos
meninos. Eles estavam cheirosos.
Vincenzo olhou confuso para minha barriga, mas não disse nada.
— Eles estão lindos, Laura.
— E teimosos. Idênticos ao pai.
— Gosto de parecer com o meu pai — Lorenzo falou sério.
— Eu também. — Vincenzo olhou para a mãe, como se estivesse
pedindo desculpas. Mas ele gostava de ser como o pai dele. — Posso voltar,
mãe? — perguntou enquanto encarava minha barriga.
O que será que ele estava pensando?
Será que ele sabia que havia um bebê?
— É seu priminho ou priminha que está aqui, Vince. — Sorri. — Quer
passar a mão?
Ele olhou para mãe dele, confuso. Crianças eram realmente uma
incógnita.
Nessas alturas Lorenzo já estava distante da gente enquanto o irmão
continuava encarando minha barriga.
Eu me abaixei um pouco para ficar na altura do rosto dele.
— Querido, como um homem e uma mulher se amam...
— Eles fazem sexo...? — ele me interrompeu enquanto me olhava nos
olhos. Laura tossiu meio sem jeito. E eu senti meu rosto queimar. Agora eu
tinha a missão de dizer algo a uma criança que estava muito curiosa me
olhando, esperando que eu respondesse.
— Sim... Mas...
— Eu já sabia.
Laura abriu a boca e arregalou os olhos.
— Sabia como? Onde aprendeu sobre isso?
Ele revirou os olhos e voltou a me encarar.
— Oh, certo. — Acariciei o cabelo dele. — Como está a escola?
— Está bem. Acabou de se recuperar de um resfriado.
— Vincenzo — minha irmã o advertiu. — Onde está sua educação?
Ele arregalou os olhos, surpreso.
— Estou apenas brincando, mãe. — Mordeu os lábios. — Acho
melhor eu voltar.
— Sim, querido. — Eu o abracei e ele retribuiu. — Eu te amo.
— Também te amo, tia.
Ele voltou correndo para brincar com as crianças.

A festa estava tranquila. Laura tentava dar atenção aos convidados.


Como meus pés estavam inchados, decidi passar a noite sentada no sofá. E
foi assim que passei a noite: observando as pessoas.
Reparei também que a filha do presidente se atirou em Riccardo
quando ele saiu do escritório. Ele se afastou imediatamente e olhou para os
lados, preocupado se alguém tinha visto aquilo.
Meu estômago embrulhou de ver aquela a cena. Por alguns instantes
me lembrei de Jessebelle nos braços de Matteo.
Caminhei até o banheiro e respirei fundo. Joguei água no rosto e fiquei
parada de frente ao espelho até o enjoo passar. Mas o vômito veio forte,
forçando minha garganta.
Segundos depois, Laura veio preocupada ao meu encontro.
— Está tudo bem, Anna? — Acariciou minhas costas. — Desviei os
olhos de você por uns segundos e quando voltei, você já tinha sumido.
— Esses enjoos estão me matando.
Ela riu enquanto, delicadamente, secava meu rosto com uma toalha de
papel.
— Sei bem como é isso.
— Você viu a filha do presidente agarrando o seu marido?
Ela concordou enquanto retocava minha maquiagem.
— Ele veio se explicar, antes que as fofocas chegassem ao meu
ouvido.
Eu ri.
— Percebe isso? — Pisquei os olhos. Laura me olhou sem entender. —
Ele pode ter quantas amantes quiser, ainda assim ele continua apenas com
você. E ainda se preocupa com o fato de você pensar que ele tem outra.
— Eu já disse que não aceito dividi-lo com outra.
Concordei.
— Se ele quisesse, poderia ter outras mulheres, e ainda obrigar você a
ficar com ele. Muitos fazem isso.
— Eu sei disso. — Ela respirou fundo. — Ainda nem superei Irina.
Eu gargalhei e Laura fez o mesmo.
— Estou me segurando para não surtar. Ela quer mesmo que eu surte.
Mas não vou dar esse gostinho.
— Você e o Riccardo estão de boa?
— Ainda temos nosso quinhão de drama. — ela riu enquanto passava
um brilho labial em mim. — Mas estamos bem, melhor do que nunca. Ele
mudou muito comigo.
— Isso é muito bom. Matteo e eu estamos tentando aos poucos.
— Vocês vão conseguir. — Ela apertou minha mão. — Nada é fácil,
ainda mais nessa vida que vivemos.
— Se você pudesse escolher, onde você estaria agora?
Ela parou para pensar.
— Sinceramente?
— Claro.
— Numa praia paradisíaca. Bebendo muito enquanto olho o mar. Bem
longe de tudo. E você?
— Me especializando profissionalmente. Se eu tivesse uma vida
comum, eu não iria me casar. Iria me dedicar à minha profissão.
Ela concordou.
— Boa escolha. — Ela riu e virou meu corpo para o espelho. — Veja
como ficou.
Minhas bochechas estavam coradas e meus cílios, avantajados. Meus
lábios estavam levemente rosados, eu estava parecendo uma boneca.
— Nem parece que acabei de vomitar horrores. — gargalhei. —
Nossa, você leva jeito. Quem sabe em outra vida você nasce comum e
realizada profissionalmente, como uma verdadeira maquiadora.
— Para! — Ela abriu a boca sorrindo — enquanto guardava a
maquiagem. — Eu gostaria de ser médica...
Nosso momento foi interrompido quando a porta se abriu e a filha do
presidente entrou. O ar pareceu pesar de repente. A presença dela era
esquisita, intimidadora. Talvez por ser filha de alguém importante que
causava essa impressão.
Laura continuou guardando os acessórios.
Ela se moveu para o espelho e parou do nosso lado. Ajeitou o cabelo e
alisou o vestido no corpo.
— É menina ou menino? — Apontou para minha barriga.
— Vou saber quando nascer.
Ela me olhou confusa.
— Por quê?
— Porque é um desejo meu e do pai da criança.
Ela balançou a cabeça enquanto fazia sons com os lábios.
— Há tanta coisa aqui que precisam mudar — riu com desgosto. —
Não é de se admirar o porquê do chefe estar sobrecarregado. A esposa
prefere ficar do lado de traidores...
— Qual é a sua? — Laura apertou os lábios. — Não vou tolerar mais
desaforos seus. Você veio na minha casa dar em cima do meu marido. Estou
sendo paciente, porém cheguei ao meu limite. Quero que vá embora da
minha casa.
— Não vou. — Ela fechou os olhos antes apontar o dedo para o rosto
da minha irmã — Você não merece estar onde está. Por tudo que ouvi sobre
sou marido, me admira muito que ele não tenha te devolvido.
— Há muitas coisas no meu relacionamento que você não sabe. Meu
marido é problema meu.
— O quê, por exemplo? — Ela enrugou a testa. — Você teve um pai
merda... Tem um irmão ladrão, uma irmã que tentou matar o pai dos seus
filhos. E por último, uma mãe problemática que tentou suicídio.
Fechei os olhos ao sentir a força daquelas palavras. O bebê se agitou
dentro de mim. Eu deveria dizer algo para defender minha família, mas
sabia que se eu abrisse a boca minha voz iria vacilar.
Abri os olhos imediatamente quando escutei um barulho estranho. A
garota estava caída no chão com a mão no rosto. Ela começou a gritar
quando viu que saía sangue do nariz, o sangue esguichava no vestido e no
chão.
A porta se abriu novamente e algumas pessoas entram. Matteo veio
correndo em minha direção, olhando meu corpo e verificando se estava
tudo bem.
— Papai!!
A garota continuava chorando tentando parar o sangramento do nariz
quando seu pai entrou apavorado e a pegou no colo e se retirou do banheiro.
Fabrizio foi o último a entrar.
— O que você fez?
— Dei um soco nela. — Laura passou a mão pelo cabelo, tentando se
controlar. — Ninguém fala mal da minha família. Errados ou não, eles são
minha família.
Fabrizio a analisou com desgosto.
— Você passou dos limites dessa vez, Laura. Gabriela é filha do
presidente, e ele não vai deixar isso barato.
— Ela podia ser filha do papa. Ninguém vai me humilhar, ainda mais
dentro da minha própria casa. E você, em vez de tentar acabar com o meu
casamento, deveria estar tentando salvar o seu.
Fabrizio ameaçou dar um tapa no rosto de Laura, mas Matteo avançou
em cima de Fabrizio e o encurralou na parede.
— Se tocar nela, você será homem morto.
— O quê? — Fabrizio gritou. — Será que vocês estão cegos? Essa
mulher só trouxe desgraças para a nossa família.
— Estou tentando te salvar, Fabrizio! — Matteo gritou. — Se eu não
tivesse chegado, que merda você teria feito?
— Ele ia mesmo me bater?
Abracei minha irmã. Ela estava tremendo muito.
— Calma. — Beijei a cabeça dela. Me virei com raiva para Fabrizio,
que estava contra a parede. — Nunca mais pense em encostar na minha
irmã. Está me ouvindo? Filho da puta! Você não é nada dela, então não tem
direto de tocar nela.
Ele franziu a testa. Certamente estava espantado pela minha ousadia.
Meu coração acelerou bruscamente e minhas mãos começaram a suar de
nervoso.
— Você quer ir para outro lugar? — Toquei o rosto da minha irmã. —
Eu vou te proteger.
Ela fechou os olhos e me abraçou forte.
— Obrigada, Anna. Mas não precisa se preocupar.
— Então pelo menos vamos pegar um ar fresco.
Caminhei com ela para fora da prosperidade sob os olhares curiosos
dos soldados. Abri a porta do carro e a ajudei entrar. Laura se jogou no
banco e desviou a atenção para a janela do carro, olhando a movimentação
dos convidados na mansão.
— Está tudo bem, Anna. — Ela colocou meu cabelo de lado. — Tenho
que voltar.
— Sei que você é durona, Laura. Mas ainda acho melhor você ficar
aqui, Laura. Fabrizio está descontrolado.
— Calma. Riccardo está lá dentro, Fabrizio não vai encostar em mim.
— Como pode confiar tanto? — Segurei a mão dela. Gemi levemente
sentindo um pouco de cólica.
— Anna...
— Estou bem. — Forcei um sorriso. — Só preciso me acalmar um
pouco.
Ela assentiu.
— Vou ficar aqui com você.
A abracei forte.
Depois que Anna retirou Laura da propriedade, arrastei Fabrizio até o
escritório de Riccardo. O presidente e sua filha já estavam lá, pedindo que
algo fosse feito, pedindo justiça.
Riccardo desviou a atenção para mim quando entrei com Fabrizio e o
sentei na cadeira. Fabrizio sabia que tinha errado e por isso não reagiu. Ele
também sabia que estaria muito fodido caso Laura resolvesse entrar por
aquela porta chorando e fazendo inúmeras acusações.
Ninguém disse nada até Fabrizio quebrar o silêncio.
— Sua esposa passou dos limites hoje.
Riccardo enrugou a testa, jogou a caneta sobre a mesa e se levantou.
Ele caminhou até Fabrizio e o agarrou pela camisa, puxando-o para perto.
Fabrizio tentou se soltar, mas Riccardo era claramente mais forte que ele.
— Melhor ficar fora disso.
— Entendido.
— Boa. — Riccardo se afastou depois de dar alguns tapas no peito
dele. — Tenho coisa importante para resolver do que ficar me envolvendo
em briga de mulheres. Que porra deu em vocês? Querem colocar saia
também e se misturar no meio delas?
— Minha filha quebrou o nariz — o presidente insistiu. — Sua esposa
o quebrou. Venho em sua casa lhe prestigiar e sou desprestigiado?
Riccardo cerrou os olhos antes de colocar as mãos no bolso da calça.
— Laura não costuma ser agressiva com ninguém a menos que se sinta
ameaçada. Eu a ensinei como se defender. Sua filha praticamente tem a
mesma idade da minha esposa. Não vejo motivos para interferir.
— Sua esposa deve ser punida. O comportamento dela é lastimável.
Não é digna de um homem como o senhor.
— É melhor rever seu conceito. Não é você quem decide.
— Guerrieri... Não quis chegar nesse nível. Podemos resolver de
forma amigável. Converse com sua esposa. Ela ficou com ciúmes da minha
filha.
— Minha mulher não tem por que ter ciúmes. Ela sabe dos meus
sentimentos por ela. Não vou tolerar mais insultos.
O clima ficou tenso no escritório.
Riccardo tirou o celular do bolso e fez uma ligação para que um dos
médicos da Famiglia viesse à mansão.
— Um médico está chegando para examinar sua filha. Aguarde na sala
e na companhia dos meus soldados. — Ele apontou para a porta e o
presidente saiu carregando sua filha. Ela continuava chorando sem parar.
Um dos soldados bateu na porta e entrou.
— Chefe.
— Onde está minha mulher?
— A senhora sua esposa está no carro com a senhora Anna.
Nossa atenção desviou para a pessoa que surgiu atrás do soldado.
Laura entrou, caminhou até o centro do escritório e parou diante da gente.
— Riccardo, eu vim falar com você. Mas pelo visto o circo já está
lotado.
— A culpa é toda sua — Fabrizio rosnou.
— Minha não. — Ela apontou o dedo para ele. — Por que em vez de
tentar mandar meu marido para a cama de outra, você não tenta provar que
sua esposa fugiu da máfia porque não estava em condições de raciocinar?
Histórico de loucura na família ela já tem.
— Laura — Riccardo a interrompeu enquanto esfregava os olhos. —
Por favor...
Olhei para Fabrizio nesse momento, esperando que ele mesmo dissesse
a merda que tinha feito. Riccardo entendeu o recado quando olhou para nós
dois, esperando que alguém dissesse alguma coisa.
— Você não vai se safar, Laura — Fabrizio balançou a cabeça. —
Tenho pena dos meus sobrinhos. Os chefes da Cosa Nostra sendo criados
por você.
A briga parecia estar longe de acabar. Laura pegou algo na mesa de
Riccardo e jogou em Fabrizio, o objeto o acertou em cheio na cabeça.
— Não fale dos meus filhos. É muito baixo de sua parte usar esses
artifícios para me tirar da vida do seu irmão. Realmente eu fiz um favor a
Alessandra.
Riccardo entrou na frente.
— Certo, vocês dois. É melhor abaixar a temperatura. — gritou. —
Que porra é essa? — Ele olhou para os dois, confuso. Depois olhou para
mim.
Fiquei dividido sem saber se deveria dizer sobre o que Fabrizio ia
fazer. Meus pensamentos estavam em Anna, nervosa. Se eu ficasse em
silêncio, Anna não me perdoaria. Mas Laura estava ali e eu podia confirmar
tudo que ela dissesse.
— Ele quase me deu um tapa na cara, Riccardo — Laura desabou. —
Ele falou da minha vida para aquela vagabunda. Eu fui desrespeitada dentro
da minha própria casa. Sim, eu dei um soco na cara dela. E ela fica dando
em cima de você. Como você ainda permiti isso? Por acaso está afim dela?
— Vou resolver isso — Riccardo enrugou a testa.
— É verdade — confirmei. — Fabrizio teria batido na sua esposa se eu
não tivesse impedido a tempo — joguei a bomba e Fabrizio pulou da
cadeira.
— Laura passou dos limites. Bateu na filha do presidente e ainda foi
desrespeitosa comigo. Porra, Riccardo! O que está acontecendo com você?
Se fosse antigamente, você já teria tomado aquela garota para você.
— Tá maluco? Quem foi que disse que minha mulher deve algum
respeito a você?
O silêncio ficou incômodo. Nada passava por aquela sala, nem mesmo
uma corrente de ar. Mas eu tinha feito meu papel, tinha feito o certo em ter
dito a verdade sobre o que havia acontecido. Não deixaria Fabrizio se safar.
Meu irmão estava perdido pelo que acontecera com Alessandra, estava
desesperado e por isso descontava em quem não tinha culpa.
— Ela mentiu pra todo mundo — Fabrizio continuou. — Sabia que
Alessandra estava viva e não nos disse nada. Ainda quer que Giovanni seja
livre mesmo depois do roubo. Ela sempre escolhe ficar do lado errado. E
quanto a Fransuá? Ela tentou matar você, Riccardo. E mesmo assim Laura
quer que você...
Fabrizio levou um soco no rosto. Depois levou outro e outro. Riccardo
olhava para ele como se quisesse matá-lo. Eu não concordava com aquilo,
mas eu sabia que seria capaz de fazer o mesmo caso alguém mexesse com
Anna.
— Caralho... Você se tornou um pé no saco, Fabrizio.
— É melhor me matar — Fabrizio debochou.
— Se você diz... — Riccardo deu-lhe as costas, pegou o canivete sobre
a mesa e voltou para perto de Fabrizio. Puxou a cabeça dele para trás e
posicionou a lâmina ali. Ele iria cortar o pescoço do nosso irmão.
— Riccardo! — Laura e eu gritamos juntos.
Apesar de tudo, aquilo não podia acontecer.
— Deixe-o preso — sugeri. — Lá ele vai esfriar a cabeça e colocar as
ideias no lugar. Não o mate, Riccardo. Não faça isso.
— Sim, meu amor. Apesar de tudo ele é seu irmão. Pense nas crianças.
Riccardo parou para considerar a ideia.
— Eu a escolhi para você — Fabrizio tentou falar.
— Cala essa boca, Fabrizio — rosnei. — Que Caralho!!
Ele abafou o grito quando Riccardo deu outro soco, acertando agora no
estômago.
Aquela cena me fez reviver alguns anos atrás quando estávamos sendo
iniciados por Riccardo.
De repente, fiquei tonto e vi o local ficar escuro.
— Eu não teria me casado se eu não quisesse. — Deu mais socos no
rosto de Fabrizio, que já estava inchado.
— Lógico que eu não ia bater nela. Foi coisa de momento.
— Sorte sua. Porque eu ia quebrar todos os dedos da sua mão. —
Riccardo se afastou. — Não se envolva em assuntos que não pertencem a
você. É a última vez que aviso. Meu casamento, minha mulher e a criação
dos meus filhos, são do meu interesse.
— Sinto muito por estragar tudo.
— Você vai para o alojamento subterrâneo e ficará por dias lá, até
esfriar a mente. Agradeça a eles... porque se fosse da minha vontade, eu
teria metido uma bala na sua cabeça. Você não terá mais serventia para
mim, não enquanto continuar sendo um fracassado.
Fabrizio assentiu, resignado com o seu novo destino.
— Leve-o, Matteo. Você ficará responsável por ele.
Concordei e fui fazer o que me foi ordenado. Fabrizio não se moveu
quando o puxei para fora da sala. Era como se ele estivesse em transe.
Caminhamos nós três pelos fundos, fora dos olhares curiosos dos
convidados.
Quando chegamos ao estacionamento, foi Riccardo quem abriu a porta
do carro e fez com que Fabrizio caísse na poltrona. Assim que entrei, ele
fechou a porta e ordenou aos soldados que nos levasse para o alojamento.
Fabrizio fez a viagem em silêncio, de cabeça baixa, refletindo. Ele
estava com raiva da Laura, embora soubesse que, na realidade, ela não era a
culpada.

— E então... Quanto tempo será que ficarei aqui?


— Eu não sei — respondi enquanto o ajudava a se sentar. — Sorte sua
que está tendo a oportunidade de estar aqui e não debaixo do chão. Ia bater
em Laura, é sério isso?
Ele passou a mão pelos cabelos, como se estivesse caindo na realidade.
Ele arregalou os olhos.
— Eu não ia...
— Sei que está se sentindo perdido. Eu também estava assim. Mas
Fabrizio, esse não é o caminho. Você tem que achar uma saída para tirar sua
vida da areia movediça. E daí se Alessandra quis te deixar? Viva sua vida
conforme a máfia manda. Você pode escolher outra esposa. Porra!
Fabrizio fechou os olhos.
— Eu realmente cheguei no fundo do poço. Meu irmão mais novo me
dando conselhos, deveria ser o contrário. — Olhou-me envergonhado.
— Estou te dizendo a verdade. Mesmo que Laura tivesse ajudado
Alessandra na fuga, não foi ela quem fugiu. Ela cuidou dos seus filhos, ela
ficou aqui servindo a máfia.
— Eu sei disso.
— Ela se dedicou a eles enquanto você chorava pela morte de alguém
que estava viva. Você já parou para conversar com Laura sobre o estado de
saúde mental de Alessandra quando ela resolveu forjar a morte?
— Não. — Respirou fundo. — Quem está colocando essas coisas na
sua cabeça? Anna?
— Talvez.
— Diga a Riccardo que sinto muito. Mas realmente é melhor eu ficar
aqui sozinho. Eu mereço. Preciso de tempo, preciso colocar as ideias no
lugar. Estou perdido.
— Eu direi. Tenho certeza que quando as coisas se acalmarem, ele virá
te ver.
Ele concordou. E antes de eu sair, virei-me para ele.
— As mulheres não têm só o poder de mexer com as nossas cabeças
de baixo, Fabrizio. Elas mexem com todo nosso psicológico. Entenda isso.
Depois de toda a confusão, Matteo foi me buscar na sala e nos
reunimos na cozinha. Laura estava de pé na ilha tomando vinho enquanto
olhava o nada. Mas virou-se para me olhar assim que cheguei à cozinha. E
lá estava o sorriso que tanto amava.
— Está tudo bem? — Aproximei-me dela enquanto Matteo pegava
uma taça para fazer companhia no vinho.
— Está. Não tem com o que se preocupar, Anna. Essas coisas sempre
acontecem. Prepare-se para quando tiver eventos na sua casa.
— Espero que não tenha nenhuma sonsa querendo dar em cima do
meu marido.
Matteo se aproximou, pegou a garrafa e encheu a taça.
— Confesso que já estou precavido. Que porrada foi aquela?
Nós rimos.
— Não me orgulho de ter feito aquilo. Eu não queria brigar, mas ela
me provocou.
— Irmã, também não sou a favor da violência. Mas ela bem que
mereceu. — Ela assentiu, abaixando a cabeça.
— Foi tanto sangue que saiu. — Ela sacudiu a taça, como se buscasse
algum conforto ali.
A abracei forte.
— Por que você não vem passar o fim de semana com a gente? —
sugeri animada. — Tem uma cachoeira linda. A gente pode fazer
piquenique. É bom para distrair um pouco.
Nossa atenção desviou para Riccardo entrando na cozinha. Estava com
o rosto duro como pedra, mas suavizou um pouco quando viu que todos nós
estávamos o observando.
— Se junte a nós, irmão. Vamos tomar um vinho e relaxar. — Matteo,
que mais parecia o dono da casa, escolheu uma taça e serviu vinho para o
verdadeiro dono.
— Os convidados foram embora? — perguntei.
— Sim, todos. Chega por hoje. — Ele respirou fundo enquanto
colocava cuidadosamente o cabelo de Laura atrás da orelha.
— E a tal filha do presidente? Como ela está? — Matteo perguntou.
— Ela quebrou o nariz. — Ele segurou o queixo de Laura.
— Parece que temos uma boxeadora aqui. Cuidado, Riccardo —
Matteo debochou.
Riccardo levantou as mãos como se estivesse se rendendo.
— Estou comportado.
Laura riu e deu um tapa nele.
— Bem. — Teo olhou o relógio. — A conversa está boa, mas temos
que seguir viagem.
— Você também vai, Laura? — Segurei o braço dela.
— Para onde? — Riccardo ergueu a sobrancelha. — Perdi alguma
coisa?
— Anna me chamou para passar o final de semana na casa dela.
— Ah, isso não. — Cerrou os olhos.
Antes que minha irmã pudesse protestar, Riccardo a pegou em seu colo
e a acomodou sobre a ilha. Ela soltou um gritinho de surpresa.
— Dio, Riccardo. É só um final de semana.
Ele balançou a cabeça. Para ele, parecia que só existia ela na cozinha.
Eu cutuquei Matteo, alheio a tudo.
Eu queria que minha irmã fosse comigo.
— Ela vai estar segura comigo — Matteo tentou negociar, mas o irmão
estava irredutível.
— Eu já disse que não.
Ele enterrou o rosto no pescoço de Laura e ela começou a rir.
— Desculpe por isso, mas o macho primitivo ainda habita em mim.
Ela cerrou os olhos.
— Aham. Antigamente você me mandava embora toda hora... se
lembra disso, Matteo? Hoje em dia não posso nem passar o final de semana
na casa da minha irmã.
Riccardo olhou para cima, parecendo implorar aos céus por paciência.
Matteo soltou uma gargalhada e dando razão a Laura.
— Lá vem você falar do passado — bufou e a prendeu mais em seus
braços. — Não gosto quando você fala assim.
— Sei. — Ela cruzou os braços e desviou o olhar. De longe se via a
tensão sexual entre eles.
Matteo riu enquanto me contava alguns episódios do casamento de
Laura e Riccardo.
Laura estava longe de dar uma trégua ao marido:
— Uma vez nós fomos a um evento. Fiquei bêbada e resolvi tirar os
sapatos, fui andar pelo jardim. Riccardo correu atrás de mim gritando que
era para eu pôr os sapatos de volta porque eu poderia pisar em algum caco
de vidro. Eu não quis colocar, mas ele se abaixou e os colocou em mim. Em
vez de cinderela, fiquei parecendo uma girafa recém-nascida tentando me
equilibrar no salto.
Matteo engasgou com o vinho enquanto gargalhava. Eu não sabia se
ria dele ou do Riccardo, que olhava para nós sem nenhuma expressão.
— Como eu queria ter visto essa cena. — Matteo debruçou no balcão
enquanto ria da situação.
Ele bebeu um gole do vinho sem tirar os olhos dela.
— Eu não consigo te entender, Riccardo. — Ela colocou as mãos na
cintura dele. — Quando eu quero tirar os sapatos, você não deixa. E quando
eu não quero tirá-los, você manda que eu os tire.
— Se você não fosse tão teimosa, não teria virado os saltos da última
vez e nem teria batido com a cabeça no meio-fio. Você podia ter morrido,
Laura. Isso não é engraçado.
Eu abri a boca tentando segurar o riso, mas quando ele frisou a palavra
“morrido”, fiquei preocupada.
— Você bateu com a cabeça? — Ela assentiu rindo.
— O salto ficou torto depois que afundou na terra. Me desequilibrei e
caí — gargalhou. — Mesmo assim o mantive no pé.
Coloquei as mãos sobre a boca. Riccardo olhou para mim pela
primeira vez, descontraído.
— Ela tem síndrome de Estocolmo com esses tipos de sapatos. —
Riccardo bateu a taça sobre a bancada e se preparou para sair da cozinha.
— Talvez eu goste de coisas perigosas, querido marido.
Riccardo a olhou lentamente por cima do ombro e piscou.
— Matteo, venha comigo até o escritório. — Ele saiu, e meu marido
foi trás.
Por fim, decidimos passar a noite na casa de Laura e Riccardo, pois
estava ficando tarde. Quando Matteo saiu para ir ao escritório conversar
com Riccardo, Laura e eu ficamos na sala para assistirmos televisão e
conversar sobre amenidades.

Horas mais tarde, minha irmã me levou ao quarto de hóspedes. Meus


olhos estavam fechando sozinhos e meus pés estavam muito inchados.
Entrei na banheira para relaxar, até Matteo se juntar a mim.
Ele me afastou cuidadosamente para entrar, depois me fez encostar em
seu peito largo. Ficamos trocando carícias e beijos. Soltei um gemido
quando ele se moveu na banheira, pegou meus pés e os massageou com
delicadeza, em movimentos circulares.
— Quero fazer amor com você nessa banheira. — Lançou-me um
olhar pervertido.
— Devo lembrá-lo que não estamos em casa, senhor.
— Quem manda aqui sou eu.
Ele me puxou pela cintura e eu ri. Nos beijamos forte, Matteo
começou a fazer círculos preguiçosos no meu clitóris e eu me inclinei para
ele, curtindo a sensação dos seus dedos em mim. Gemi quando ele enfiou
dois dentro de mim e os girou, me proporcionando um prazer intenso que
fazia meu ventre gelar.
Meu corpo entrou em êxtase. Ondas de excitação tomaram minha
mente e meu corpo, podia sentir o orgasmo se aproximar como um
terremoto.
— Mais rápido, Teo. Mais rápido... Estou quase lá.
— Seu desejo é uma ordem. —Ele tirou os dedos de dentro de mim e
os levou à boca. Abri meus olhos frustrada. — No entanto, quero você
gozando no meu pau, Bella.
Matteo se endireitou entre minhas pernas e empurrou o pênis para
dentro de mim. Engasguei com o gemido. Ele começou a se mover rápido
enquanto circulava meu clitóris com os dedos, me levando à
irracionalidade.
— Matteo. — Ergui a cintura para encontrá-lo. Arranhei suas costas
enquanto gozava loucamente nele.
Matteo veio logo depois de mim e nós dois ficamos saciados.
Terminamos de tomar banho, nos enrolamos no roupão felpudo e
caímos na cama. Na posição que estava, era possível ouvir o som do
coração dele batendo em meu ouvido.
Era como se estivéssemos mais conectados do que nunca. E estávamos
mesmo.
Ficamos em um silêncio confortante, desfrutando dos beijos e carícias.
— Riccardo vai embora de Sicília — Matteo murmurou depois de um
tempo. — A Máfia vai ficar na minha responsabilidade agora.
Levantei a cabeça para olhá-lo. Nossos olhares ficaram conectados por
um tempo.
— Por quê?
— Ele vai focar nos negócios da Colômbia. Riccardo precisa
descansar.
— E quanto a Laura e as crianças?
— Eles vão junto, óbvio. — Matteo beijou minha cabeça. — Laura iria
conversar com você, mas achei melhor dar essa notícia.
Meus olhos encheram de lágrimas, meu coração parecia querer
explodir de tristeza. Mas eu estava feliz também, por saber que ela ficaria
bem.
— Quando você soube?
— Agora pouco... quando ele me chamou para conversar. Tivemos
uma conversa séria. Jurei pelo meu filho que eu não iria decepcioná-lo. E eu
não vou, Anna.
— E quanto a Giovanni e Fransuá?
Matteo beijou o topo da minha cabeça enquanto me puxava para mais
perto de si.
— Fransuá ficará sob o sistema de vigilância e proteção da Cosa
Nostra. Até sua filha completar maior idade. Ela não terá contato com
nenhum de nós. Sinto muito por você não poder conhecer sua sobrinha, mas
é melhor assim se você quiser que ela tenha uma vida tranquila longe da
máfia.
Meus olhos arderam de emoção. Eu tinha uma sobrinha, e embora eu
quisesse muito conhecê-la, sabia que era melhor mantê-la afastada de tudo
isso.
— Sim, eu quero ela longe da máfia.
Matteo segurou meu rosto entre as mãos.
— Depois veremos o destino dela.
— E quanto a Giovanni?
— Giovanni será rebaixado ao cargo de soldado. Ele errou feio quando
decidiu defender a mulher em vez de entregá-la. Riccardo ainda está furioso
com ele.
— Riccardo os deixou vivos?
— Não. — Ele beijou minha boca. — Eu decidi que seria assim.
Riccardo não concordou muito. Ele espera que eu saiba o que estou
fazendo. — Ele me olhou intensamente. — Fiz isso por você, Anna. Usei
meu primeiro poder como chefe substituto para livrar seu irmão, irmã e
sobrinha. Quero te mostrar que você não se equivocou quando decidiu me
dar mais uma chance. Estou apenas retribuindo.
Meus olhos encheram de lágrimas.
— Teo...
— Você quer se casar comigo, Anna? Agora sou eu que estou pedindo.
— Segurou meu rosto. — Quer ser minha esposa?
O abracei forte enquanto beijava seus lábios carnudos.
— Eu quero.
Ele riu.
— Então temos um casamento para preparar antes do bebê nascer.
Faltaram palavras para eu expressar a emoção que tomava meu corpo.
Era uma sensação de alívio e felicidade.
Olhei-me no espelho enorme à minha frente e fiquei deslumbrada
quando finalmente pude me ver no vestido de noiva.
— Você está linda, Anna. — Mamãe me abraçou e Giovanni também.
Lágrimas de emoção desceram em minhas bochechas.
Giovanni finalmente havia voltado para casa e assumindo o cargo de
soldado. Meu irmão estava envergonhado depois das provas que Matteo
mostrou a ele sobre Mia. Meu irmão era uma boa pessoa, mas havia se
apaixonado pela pessoa errada.
— É uma das noivas mais lindas que já vi. — Olhou-me triste. —
Obrigado por tudo, Anna. Obrigado por me fazer enxergar que não foi culpa
minha. Eu só me sinto...
Segurei suas mãos calejadas. Giovanni era lindo, doce e carinhoso. Em
seus olhos ainda havia resquícios de sofrimento. Eu sabia bem como era
sofrer.
— Nossa mãe precisa de você, Giovanni. Nós precisamos. Mia não era
digna de seu amor.
Ele assentiu enquanto caminhava até a porta.
— Você merece toda felicidade do mundo, Anna.
Sorri para ele.
Minha família estava unida novamente. Eu não tinha palavras para
agradecer a Matteo por esse presente.
Havíamos deixado a casa na Calábria e nos mudamos novamente para
Sicília, para a casa que era da minha irmã. E era justamente ali que iríamos
celebrar nossa união.
Não iríamos apenas no casar, também celebraríamos algo que havia
crescido entre nós, e que conforme os dias fossem passando, iríamos
descobrir mais um do outro.
Respirei fundo antes de caminhar para o lado de fora. Toda a máfia
estava reunida para prestigiar nosso matrimônio. Dessa vez eu não estava
com medo.
As pessoas olhavam para mim com deslumbre, embora eu soubesse
que ninguém ali entendia o porquê de estarmos nos casando pela segunda
vez. Matteo e eu sabíamos perfeitamente que a parti dali não haveria mais
erros. Nossas atitudes passadas haviam morrido.
— Está pronta? — Giovanni me ofereceu o braço, e eu sorri enquanto
o segurava.
Caminhei sobre o longo tapete vermelho enquanto a orquestra tocava a
marcha nupcial. Senti quando os pelos do meu corpo se arrepiaram diante
de todo aquele esplendor. Eu sempre havia sonhado com um casamento dos
sonhos no qual eu pudesse escolher cada detalhe... E foi exatamente assim
que tudo correu. Eu escolhi cada detalhe dos arranjos, sonhei com cada
detalhe da decoração. Finalmente teria o casamento dos meus sonhos.
Matteo estava lindo usando um terno azul-marinho. Apesar de
sobrecarregado com a Máfia, ele conseguiu fazer nosso casamento
acontecer o mais breve possível.
Quando cheguei perto, Matteo segurou minha cintura e me aproximou
dele.
— Você está linda, Anna.
Sorri para ele e o fotógrafo aproveitou para registrar o momento.
Aquela foto com certeza entraria na minha galeria de memórias.
O celebrante fez um discurso breve e depois Matteo colocou uma nova
aliança no meu dedo. Eu não sabia se era o calor do momento, mas achei a
atual muito mais bonita. Ela brilhava muito e era elegante.

A festa iria varar a madrugada. Porém, Matteo e eu decidimos ir


embora antes de meia-noite. Minha gravidez estava muito avançada e o
bebê poderia nascer a qualquer momento.
Eu estava morta de cansaço, sentia meu corpo pesado. Foi Matteo
quem me levou para o quarto e me ajudou a ir ao banheiro.
— Estou no quarto se precisar de algo. — Beijou minha testa.
Enchi a banheira com ervas aromáticas e entrei para relaxar. Estava
quase fechando os olhos quando senti a primeira contração. Levei a mão
embaixo e gemi baixinho. Fechei os olhos e respirei fundo tentando manter
a calma, estava chegando a hora do nosso bebê vir ao mundo.
A segunda contração senti um pouco mais forte do que a primeira. Me
mexi desajeitada na banheira e tentei achar uma posição mais confortável...
embora eu estivesse longe de estar confortável.
Na terceira contração parecia que eu ia morrer. A banheira ficou um
pouco avermelhada de sangue e o desespero tomou conta de mim.
Saí da banheira, mas não consegui ir muito longe quando outra
contração me atingiu. Debrucei-me sobre a pia do banheiro e chorei
baixinho chamando por Matteo.
No mesmo instante a porta do banheiro foi aberta. Matteo correu para
me ajudar.
— O bebê vai nascer.
— Certo. — Ele saiu do banheiro e voltou segundos depois com um
vestido. — Vou te vestir. Tudo bem? Consegue ficar em pé?
Mantive meu corpo ereto enquanto ele deslizava o vestido pelo meu
corpo.
— Eu vou sem calcinha. — Apertei os lábios enquanto sentia mais
dores. Lágrimas misturavam-se ao suor.
Matteo mesmo nervoso tentava me acalmar, enchendo-me de carinho.
Pegou a bolsa já arrumada com as roupas do bebê e me ajudou a sair do
quarto.
Minutos depois estávamos dentro do carro. Matteo segurava minha
mão e beijava minha cabeça enquanto eu sofria com as dores. A chuva caía
forte em Sicília, e naquele momento fiquei com medo que algum imprevisto
acontecesse.
Segurei a mão do meu marido e apertei forte.
— Está doendo muito...
— Eu sei, meu amor. Vai ficar tudo bem.
O soldado que dirigia era bem experiente e evitou ir por caminhos
longos. Mesmo a chuva estando forte, não nos impediu de chegar no
hospital.
A equipe médica já estava me esperando quando cheguei. Matteo foi
comigo segurando minha mão enquanto sussurrava palavras carinhosas para
mim, me incentivando a todo momento.
— Se for uma menina, tenho certeza que vai ser linda como você.
E foi com essas palavras ecoando em minha mente que cheguei à sala
de parto. Médicas cuidavam de mim enquanto eu forçava o corpo para
frente, empurrando meu bebê.
— Isso, senhora Guerrieri. — A médica sorriu enquanto apoiava
minha perna. — Continue assim e seu filho chegará bem rápido até você.
— Estou aqui com você. — Matteo apertou minha mão enquanto eu
colocava minhas forças para empurrar.
Eu estava exausta. Como podia doer tanto?
— Matteo — chamei pelo meu marido e ele olhou para mim. — Não
consigo mais.
Ele arregalou os olhos e vi um brilho de sofrimento através deles.
— Não diga isso. Eu sei que você consegue.
A médica parecia estar aflita, e eu estava a ponto de dormir quando
senti outra dor forte tomar meu corpo, como se ossos do meu corpo
estivessem sendo quebrados.
— É nessa contração, senhora Guerrieri. Vamos trazer o bebê nessa
contração. A senhora me ouviu? Coloque toda sua força e empurre o bebê.
Meu Deus. Eu gritei alto enquanto empurrava, Matteo murmurava
coisas que eu não conseguia entender. Até que o quarto ficou em silêncio e
um chorinho fez meus olhos arderem de emoção.
— Parabéns, é um lindo menino.
Matteo começou a chorar enquanto me enchia de beijos. Eu estava
exausta, porém estava mais do que feliz por ter trazido meu filho ao mundo.
Era um sentimento inenarrável.
A enfermeira voltou com meu filho e o acomodou nos meus braços.
Meu mundo parou ali naquele momento, eternizando a imagem dele. Olhos
lindos e a boquinha perfeita, parecia um bonequinho.
— Diga oi para a mamãe. — A enfermeira sorriu. — O filho de vocês
é lindo.
— Oi, meu amor. — Sorri para o meu bebê enquanto passava o dedo
levemente em suas bochechas gordinhas. Você é muito lindo.
A enfermeira me ajudou a colocá-lo no meu seio. Olhei para Matteo,
ele parecia estar em estado de choque.
— O que foi? — Acariciei o belo rosto do meu marido.
— Ainda estou no modo avião. — Ele sorriu, saindo do transe. — Vou
ligar para Riccardo e avisar que nosso filho nasceu.
— Quero que ele se chame Ottavio. O que você acha?
Matteo murmurou o nome pensando na possibilidade.
Depois de alguns segundos pensando, meu marido sorriu.
— Se você gostou, eu também gostei. — Matteo beijou minha testa
antes de sair da sala.
Era dia do batizado do meu filho. Porra, eu não sabia explicar a
sensação maravilhosa de ser pai. Eu não tinha noção que uma pessoa tão
pequena modificaria não somente minha vida, mas todos os meus
sentimentos. Ottavio veio para alegrar nossas vidas e mostrar que tudo
estava bem.
Desviei a atenção para Anna descendo as escadas. Nossa, eu não tinha
mais dúvidas do quanto amava aquela mulher.
— Isso tudo é para mim? — Olhei para o corpo dela.
— Não. — Ela pegou meu filho do meu colo e o ajeitou em seus
braços. — Isso tudo aqui é para mim mesma. — Piscou e saiu na frente.
Anna havia se tornado uma mulher incrível, confiante. Ela sabia do seu
potencial.
Segurei a cintura dela e caminhamos juntos até o carro. O soldado deu
partida e eu fixei o olhar na minha esposa e no meu filho imaginando estar
no lugar certo. Anna se tornou meu refúgio e também minha melhor amiga.
— Por que está me olhando desse jeito?
Me aproximei mais dela e a abracei forte. Depositei beijos em seu
pescoço.
— Estou aqui admirando você. E ciente do quanto eu te amo.
Ela riu e me beijou. Eu sabia que ela não estava totalmente preparada
para dizer que me amava, e sinceramente eu não me importava com meras
palavras. Eu sabia que tinha amor só de ver os pequenos detalhes.
— Eu também amo você, Teo. Obrigada por me dar esse bebê lindo.
Obrigada por me permitir ser mãe.
Toquei o rosto dela novamente e senti que meu mundo estava na minha
mão. Anna e Ottavio eram meu mundo e eu os amava mais do que a mim
mesmo.
Tudo que passamos foi apenas um aprendizado. Estávamos mais
maduros e cientes do que queríamos. Agora sim estávamos caminhando na
mesma direção rumo ao futuro... rumo a uma vida juntos. E se Deus
quisesse iríamos envelhecer juntos, dar muitas risadas sobre as coisas que
passamos e de como eu fui um idiota.

Ottavio foi apresentado à Máfia. Riccardo o batizou como futuro Capo


da Cosa Nostra. Eu não poderia estar mais do que feliz.
Anna estava emocionada ao lado de Laura.
Riccardo se aproximou de mim para entregar meu filho.
— Parabéns. O moleque é bonito e saudável.
— Fiz um bom trabalho. — Sorri.
Ele colocou as mãos dentro do bolso enquanto observava as pessoas.
De repente, nossa atenção foi desviada para o celular dele tocando. Meu
irmão fez sinal para mim e se afastou para atender. A música alta
impossibilitava de ouvir do que se tratava a ligação.
Segundos depois Riccardo retornou em passos largos e rodeado de
soldados. Ele fez sinal para que eu o seguisse. Assim eu fiz.
Alguma merda grande tinha acontecido, e quando cheguei ao lado de
fora e vi Riccardo apoiado no carro, pude ter certeza. Corri até ele e o
segurei.
Quando ele me olhou, eu me assustei ao ver como o seu rosto estava
pálido e abatido.
— Riccardo...
— Não se preocupe comigo. — Ele pôs a mão no meu ombro. —
Fabrizio precisa de você. Aquele bastardo tentou tirar a própria vida.
— O quê? — Pisquei incrédulo enquanto dava passos para trás.
— É melhor você ir ao hospital.
Assenti. Mas antes de ir, me voltei para ele novamente.
— Você precisa ir também. Você não parece bem.
Ele negou enquanto enxugava o suor do rosto.
— Preocupe-se apenas com o Fabrizio. Ele ainda é nosso irmão e está
desorientado. É com ele que você deve se preocupar.
— Riccardo...
— Estou bem. — Ele bateu no meu ombro.
— Você não está — Continuei firme.
— Estou sim. Vou voltar para à Colômbia, mando notícias de lá. E
você me mantém informado sobre o estado de Fabrizio. Agora vá.
A atenção dele desviou para Laura vindo em nossa direção. Riccardo
rapidamente assumiu uma postura firme, como se eu não tivesse o
encontrado passando mal minutos atrás. Era certo que ele não queria que ela
soubesse.
— Vai — ele rosnou.
Concordei hesitante e entrei no carro. Não sabia se aquilo era uma
despedida, mas senti meu coração quebrar com aquelas palavras. Era como
se o mundo tivesse parado naquele momento. Riccardo não podia me deixar
sozinho.
Não, ele não ia fazer isso. Infelizmente eu não conseguiria ter uma
conversa com Laura antes que eles voltassem para a Colômbia.
Olhei uma última vez para meu irmão mais velho, meu exemplo, antes
do carro ganhar velocidade.
E assim segui para mais uma tarefa, sendo o chefe da Cosa Nostra, até
as coisas voltarem ao normal.
— Ai. Isso, Teo — Anna gemeu enquanto eu metia fundo nela. —
Mais fundo, querido.
Meu pau deslizava com facilidade para fora e para dentro dela. Sua
boceta era macia e delicada, se moldava completamente para me receber
por inteiro.
Não tinha nada melhor do que fodê-la depois de um dia inteiro de
trabalho exaustivo. Anna era meu remédio, minha cura.
— Como eu gosto de meter gostoso nessa bocetinha. — Meti mais
fundo e ela gritou enquanto abria mais as pernas para mim.
Eu estava enlouquecido, fascinado.
Eu metia forte e ela sempre queria mais. Anna gritava enquanto
arranhava minhas costas.
O sexo estava delicioso. Minhas bolas batiam contra sua bunda, estava
a ponto de explodir dentro dela quando a porta do quarto se abriu.
Meu sangue gelou.
Aconteceu tudo muito rápido: um cachorro pulou na cama e depois
meu filho entrou engatinhando no quarto. Anna me tirou de cima dela e
deslizou para debaixo das cobertas.
Meu coração acelerou. O rosto da minha mulher estava pálido de
horror. E eu tive até medo de me olhar no espelho.
— Oi, garotão. — Forcei uma voz forte. Era difícil depois de ter
gemido horrores no ouvido da minha mulher.
Meu pau murchou na hora. Me ajeitei na coberta e fiquei lá embaixo
sem saber o que dizer, numa posição desconfortável. Mais uma vez
esquecemos de trancar a porta e Ottavio invadiu nosso quarto no meio da
noite.
— Mamma. — Ele levantou as mãozinhas. Ottavio estava ficando
cada vez mais esperto.
Anna se vestiu rapidamente e correu até ele, pegando-o em seu colo.
Hulk lambeu meu rosto.
Hulk era um Welsh corgi pembroke. Nós adotamos o cachorro depois
que Ottavio começou a engatinhar. Nosso filho estava crescendo muito
rápido e eu começava a sentir falta de quando ele era apenas um recém-
nascido. Eu topei ter outro filho, mas Anna tem trabalhado muito e não quis
encaixar mais um bebê na nossa família. Claro que eu respeitei a decisão
dela, embora quisesse fazer muitos filhos na minha esposa.
Anna saiu do quarto carregando Ottavio de volta para seu quarto e
ficou lá até fazê-lo dormir.
Coloquei minha cueca e fechei os olhos. Não demorou muito para o
sono vir. Era essa minha vida de casado, mas eu não abriria mão de nada.
Descobri com Anna o significado do amor verdadeiro. Aprendi a assumir
minhas responsabilidades, a correr atrás para manter minha família segura e
unida. Anna e eu estávamos unidos como um elo. A lei da Máfia nos uniu,
mas é o amor que nos mantém fortes até o fim.
OBRIGADA PELA LEITURA!!!!

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