Você está na página 1de 360

Copyright ©2021 Jéssica Macedo

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento


ou a reprodução de qualquer parte desta obra - física ou
eletrônica -, sem autorização prévia do autor. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.

Projeto Gráfico de Capa e Miolo


Jéssica Macedo
Preparação de Texto
Aline Damaceno
Revisão
Ana Roen

Esta é uma obra de ficção. Nomes de pessoas,


acontecimentos, e locais que existam ou que tenham
verdadeiramente existido em algum período da história foram
usados para ambientar o enredo. Qualquer semelhança com a
realidade terá sido mera coincidência.
Sumário
Sumário
Sinopse
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito
Capítulo trinta e nove
Capítulo quarenta
Capítulo quarenta e um
Capítulo quarenta e dois
Capítulo quarenta e três
Capítulo quarenta e quatro
Capítulo quarenta e cinco
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Sinopse

Theo, consigliere da máfia italiana, é o braço direito do chefe e


conhecido como o mais implacável dos três irmãos Bellucci. Apaixonado
por adrenalina, ele geralmente vai ao limite para fazer seu sangue fluir mais
rápido. Após o assassinato do seu pai, tinha um compromisso acima de
todos, encontrar o responsável pela emboscada e fazê-lo pagar.
Sangue deveria ser pago com sangue, mas mortos sempre acabavam
deixando corações despedaçados. O mundo de Tatiane desabou quando
recebeu a notícia do homicídio do seu irmão, aquele que cuidou dela e a
protegeu desde que era menina. Não se conformava em saber que ninguém
faria nada contra os todos poderosos da Itália, os Bellucci.
Para piorar seu sofrimento, uma disputa de poder se iniciou em
Palermo na ausência do seu irmão. Para selar um acordo e garantir que a sua
cunhada pudesse gerir a máfia na cidade até que o seu sobrinho complete a
maior idade, Tatiane foi ofertada aos Bellucci e obrigada a se casar com
Theo, o assassino do seu irmão.
Não será nada fácil para os dois construir uma relação em meio ao
ódio, rancor e medo, sem saberem que o verdadeiro perigo ainda está à
espreita.
ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para menores de
dezoito anos. Contém gatilhos, palavras de baixo calão e conduta inadequada
de personagens.
A opinião política e religiosa da autora não se expressa nesse livro.
A autora não apoia nem concorda com o comportamento duvidoso
dos personagens.
Essa é uma obra de ficção e não retrata a realidade da máfia italiana.
Apesar de ter a máfia como plano de fundo, esse não é um romance
dark, se você espera cenas de abuso sexual, esse livro não corresponderá às
suas expectativas.
Para minha leitora Tatiane, do grupo do WhatsApp “Leitores da Jéssica”,
e para a minha querida Rosimeire, mãezinha do coração e mãe dos meus
mafiosos.
Recomendo que leia antes

Virgem Prometida (Máfia Bellucci Livro 1)

link => https://amzn.to/2OiuaRR

Sinopse:

Marco Bellucci é o grande chefe da máfia italiana. Antes de assumir seu


posto, ele foi criado com regras rígidas de sangue e honra. Ele era um líder
que governava com pulso de ferro e sabia que não existia nada mais
importante do que a família. Sua vida sempre foi em função da máfia e ele
sabia que cada decisão tinha que ser feita pensando nos seus, inclusive o
matrimônio.
Em pleno século 21, casamentos ainda eram contratos, mulheres não tinham
voz e eram tratadas como peça de barganha que favoreciam homens da
máfia. Laís tinha apenas onze anos quando ficou noiva em um acordo que
traria proteção à sua família em Portugal e beneficiaria os italianos. Era
apenas uma menina quando se tornou posse do chefe. Levada à Itália, foi
colocada em um convento até que completasse vinte e um anos e pudesse se
casar com um homem quinze anos mais velho e líder de uma das maiores
organizações criminosas do mundo.
A virgem prometida só conhecia o que falavam do seu futuro marido, a pior
face do cruel criminoso e, a caminho do casamento, ela tomou a arriscada
decisão de fugir, para descobrir que a vida fora do convento não era nada do
que ela imaginava.
Ao ser deixado no altar por uma jovem ingênua que não tinha ideia do que
está fazendo, Marco tinha duas escolhas: continuar a aliança e encontrá-la ou
começar uma guerra.
Prólogo
Meu coração estava acelerado! Conseguia sentir o sangue fluir pelas
minhas veias com a mesma velocidade em que as rodas do carro giravam
contra o asfalto. Toquei meu bolso verificando se as balas estavam ali para
que eu recarregasse a minha arma, caso fosse necessário.
Estava naquela busca há dez anos e finalmente havia encontrado o
verdadeiro culpado pela morte do meu pai. Uma sequência de pistas falsas e
muitas pessoas com medo só podiam significar alguém poderoso.
Depoimentos, extorsões e torturas me levaram até a Sicília, ilha
italiana que era o berço da máfia no país e possuía famílias muito influentes.
O som dos pneus cantando despertou-me dos meus pensamentos, me
fazendo perceber que havíamos chegado ao meu destino, um bairro pobre em
um dos distritos no norte da cidade de Palermo.
— Senhor? — O homem sentado no banco do carona, Romulo, um
dos meus soldados mais fiéis, virou-se para mim a espera das minhas
ordens.
Tirei a minha arma do coldre e a destravei, apontando-a para cima.
— Cerquem o prédio. — Abri a porta de trás do carro e no mesmo
momento outros homens saíram da vã que me escoltava.
Fiz um gesto com a mão e eles se moveram, formando um meio
círculo até envolver possíveis entradas e saídas do prédio.
Seja cauteloso, Theo. Quase podia ouvir a voz da minha mãe na
minha mente. Tinha esperado muito tempo por aquele momento e não podia
perder a oportunidade.
Dois dos meus soldados seguiram na minha frente e meteram o pé na
porta de entrada. Quando a madeira cedeu diante do impacto, meu coração
acelerou ainda mais. A adrenalina corria no máximo e podia sentir o sangue
nos meus olhos pela expectativa de cumprir a missão que havia me dado no
enterro do meu pai: vingança.
O prédio parecia um hotel abandonado. Há muito tempo deveria ser
usado como centro de operações da máfia local. Havia umas mulheres na
entrada, que saíram correndo quando nos viram, e os homens com elas foram
imobilizados pelos meus antes que tivessem tempo de pensar numa resposta.
Aproximei-me daquele que estava no balcão e apontei a arma para
sua cabeça, cerrando os dentes.
— Onde ele está?
O sujeito engoliu em seco e ficou pálido.
— Não me faça perguntar de novo. — Aproximei a pistola da sua
têmpora e o ar ficou mais pesado.
Eu não costumava ser como os americanos, atirar primeiro e
perguntar depois, porém tudo poderia sair do controle rapidamente se
tratando de um assunto tão delicado quanto aquele era para mim.
— Lá em cima, no laboratório.
Dei uma coronhada no meio da testa dele deixando-o desacordado
sobre uma cadeira, que estava atrás dele.
Meus homens aguardaram minhas orientações e subiram as escadas
laterais que levavam até o andar de cima. Eu segui no meio deles, protegido
na frente e nas costas para não ser atingido de surpresa.
Andamos pelo corredor, arrombando as portas, encontrando algumas
vazias, outras ocupadas por soldados e prostitutas. De fato, eles não estavam
preparados para a minha invasão e os pegamos de calças arriadas.
Na última porta do corredor, quando a madeira caiu, eu vi o homem
de pé, com uma arma apontada na minha direção. O maldito fantasma que eu
perseguia há uma década.
O homem de terno, com cabelos e olhos castanhos, na casa dos
quarenta anos, era Tiago Mancini, o capo da máfia em Palermo, que deveria
ser um dos nossos subordinados fiéis, mas não passava de um traidor
desgraçado, como Donatella Rossi.
— Não deveria entrar aqui assim, Bellucci. A minha família tem
acordos com a sua há muitos anos. O que acha que os demais vão pensar
quando souberem dessa atitude da família-chefe?
— Eles sabem que existem ervas daninhas que precisam ser
arrancadas antes que causem dor de cabeça, e você já foi longe demais.
— Tudo em nome da família, não é mesmo? — Ele riu, ao me
encarar, como se já houvesse previsto que aquele momento aconteceria mais
cedo ou mais tarde.
— Você se escondeu bem, desgraçado.
— Tenho bons aliados.
Olhei para os homens que estavam com ele, além dos químicos que
manipulavam a droga pura.
— Vamos ver quanto eles são bons. — Olhei para os meus soldados
e dei um passo para trás, voltando para o corredor.
Eram quatro dos meus do lado de fora e cinco dos dele lá dentro,
mais os três químicos.
Ouvi um disparo e o tiro atingiu a parede do outro lado. Tiago teria
que melhorar muito para conseguir me acertar. Contudo, eles também deram
um jeito de se proteger dentro da sala atrás de móveis.
Um dos meus homens se moveu para atirar antes de, rapidamente, se
esconder atrás da parede outra vez. O disparo dele provocou um estrondo,
provavelmente um dos frascos utilizados para manipulação das drogas havia
sido atingido.
Vi que uma das portas abertas dava para um quarto que continha um
espelho de pé. Fiz um gesto com os dedos e sinalizei para que um dos meus
homens fosse até lá buscá-lo. Com o objeto colocado em um ângulo
específico, consegui ver um dos sujeitos dentro do cômodo e o baleei no
pescoço, fazendo-o tombar para trás.
Eles dispararam contra o espelho. O vidro estilhaçou em milhares de
pedaços, voando em todas as direções, porém ainda sobraram algumas
partes, que eram o suficiente para que eu visse a movimentação dentro do
cômodo. Modéstia à parte, entre mim e meus dois irmãos, eu era o melhor
atirador. Meu tempo treinando com snipers americanos quando ainda era
jovem viera bem a calhar.
Abati outros dois antes que os meus homens forçassem a entrada. Um
dos meus soldados foi baleado no peito e tombou para trás, mas, felizmente,
todos usavam coletes.
Disparei contra a mão do Tiago e ele foi obrigado a soltar a arma
devido a bala que havia atravessado os seus dedos. Ele chiou, mas se
manteve firme. Assim como eu, aquele homem estava muito bem habituado
ao mundo em que vivíamos.
Bati com o cabo da arma na testa dele e o capo tombou tonto, caindo
de joelhos, mas não apagou.
— Já sabe que fui eu, veio para cá para me matar. Então vamos logo
com isso. — Cerrou os dentes, provocando-me, como se eu não tivesse o
controle daquela situação. Era muito corajoso ou completamente estúpido da
parte dele.
— Acha que vai ser tão fácil assim, desgraçado?
— Matar aquele velho ridículo foi bem fácil. Que chefe idiota vai a
uma livraria toda sexta-feira com um número pequeno de soldados?
Rosnei e ele riu. Sabia que a morte estava próxima e não teve medo
de encará-la de frente.
— Os seus também não serviram de muita coisa. — Olhei para os
corpos abatidos ao nosso redor.
— Levou dez anos para que conseguissem descobrir que fui eu. Não
parece que falhei tanto assim. — Gargalhou, me provocando.
A adrenalina ainda era muito intensa no meu corpo. Foi difícil manter
um equilíbrio entre a raiva e a frieza que o momento exigia. Eu estava frente
a frente com o maldito que havia matado o meu pai e só queria saber uma
coisa:
— Por quê? — Atirei contra a perna dele e fiz com que tombasse,
contudo nem mesmo a dor foi o suficiente para arrancar o sorriso do seu
rosto. Gabava-se do feito e se a intenção fosse atingir o limiar do meu
equilíbrio, ele estava quase lá.
— Ele era fraco. — Cuspiu nos meus sapatos de couro e eu atirei na
outra perna.
Tiago apoiou as duas mãos no chão e uma poça de sangue começou a
se formar embaixo dele. Se eu não fizesse mais nada, ele iria definhar
vagarosamente até que não tivesse mais sangue no corpo e seus órgãos
entrassem em colapso.
— Meu pai nunca foi um fraco. — Chutei o rosto dele e fiz com que
o homem tombasse para trás, pendulando. Ele estava visivelmente tonto, mas
o seu sorriso não se apagava.
— Se isso fosse verdade, eu não o teria emboscado tão fácil.
Apertei o punho da arma sentindo o meu sangue ferver ainda mais nas
minhas veias. Eu poderia ser frio para muitos assuntos, mas quando envolvia
a minha família, a situação poderia mudar de figura muito rápido.
— Pelo visto, o Marco também não parece ser um chefe muito
melhor, já que não é ele quem está aqui.
— Meu irmão tem assuntos muito mais importantes para lidar do que
com vermes como você. — Atirei na mão sadia, fazendo-a sangrar como a
outra. — Acho que deveria começar a suplicar pela sua vida.
— Imagina que eu teria poupado o seu pai se ele houvesse
implorado? — Riu alto, mas antes que a gargalhada ecoasse pelo cômodo,
foi silenciada por um disparo que o atingiu no meio dos olhos.
— Desgraçado de merda. — Urrei quando o corpo caiu para frente,
completamente sem vida.
Aquela não era a primeira e nem seria a última alma que eu enviaria
para o inferno, porém seria a que mais me orgulharia.
Depois de dez anos de busca do responsável pela emboscada do meu
pai na livraria, finalmente o havia vingado.
Assim que a minha respiração se normalizou, peguei o meu celular e
disquei o número do meu irmão mais velho.
— Espero que seja muito importante para ter me interrompido. — A
voz dele ressoou do outro lado, carregada de mal humor.
— Encontrei quem matou o nosso pai.
— Onde ele está? — Seu tom mudou e percebi que havia conseguido
sua atenção.
— Morto. — Chutei o monte de merda no chão.
Com o corpo do capo traidor aos meus pés, vibrei por finalmente
cumprir a promessa que fizera sobre o túmulo do meu pai. Estava resolvido,
ao menos era o que acreditava.
A verdade era que sangue sempre atraía mais sangue.
Capítulo um

Gritei quando a imagem do caixão reduziu o meu coração em


milhares de fragmentos. Já havia sentido dor na vida, principalmente quando
a minha mãe morreu e eu era apenas uma criança, porém nenhuma se
equiparava a daquele momento. Era como se houvesse o planeta inteiro
pressionando o meu peito.
Tombei-me para frente e tentei deitar em cima do caixão, mas um dos
homens me segurou e me colocou para trás, ao lado da minha cunhada, que
tinha um choro mais contido. Eu não me conformava que a pessoa que mais
amava no mundo estava dentro daquela caixa de madeira com a tampa
fechada.
Minha cunhada fora quem cuidara dos detalhes do enterro, e ela
optou por aquela forma para que ninguém visse o homem poderoso que o
meu irmão fora com o rosto desfigurado, com um tiro no meio dos olhos.
De pé, ao meu lado, impecavelmente vestida de negro, ela parecia
uma âncora que mantinha tudo e todos firmes, enquanto eu me entregava a
tristeza na sua forma mais profunda.
Olhei ao redor, observando os outros rostos. Todos mostravam
respeito ao meu irmão, mas ninguém tinha coragem de demonstrar o quanto
sentiriam falta dele, assim como eu fazia. Ou talvez eu fosse a única que
realmente se importava com a pessoa que o Tiago era.
Receber a notícia de que ele havia morrido foi a mesma sensação de
ter alguém enfiando a mão no meu peito e arrancando o meu coração ainda
batendo. Mais do que um irmão mais velho, ele fora um pai, a pessoa que
cuidou de mim e me protegeu quando ninguém mais faria isso. Eu era uma
bastarda, a filha de Gilhermo Mancini com uma prostituta. E provavelmente
teria o mesmo destino da minha mãe se Tiago não houvesse me acolhido. Em
segredo, ele me manteve em uma casa aos cuidados de babás, me alimentou,
educou, defendeu e quando nosso pai morreu, me trouxe para viver com ele,
a esposa e a mãe em uma mansão no litoral da cidade.
Eu o amava mais do que tudo no mundo. Meu irmão era a pessoa
mais importante na minha vida e saber que nunca mais voltaria a vê-lo, que
depois daquele dia ele iria apodrecer debaixo de sete palmos de terra, era
muito para aguentar.
— Como consegue suportar? — Virei-me para Ângela, a viúva.
— Respire fundo, Tati.
— Mal consigo respirar. — Esfreguei os olhos enquanto via o caixão
com a bandeira da Itália ser baixado pelos funcionários do cemitério.
— Precisamos ser fortes agora. — Ela colocou a mão sobre o meu
ombro e o afagou gentilmente. — É o que o seu irmão iria esperar de nós.
— Como podem ter feito isso? Por que o matariam desse jeito? —
Abracei-a, molhando o ombro do seu vestido com minhas lágrimas.
Tiago me protegia de muita coisa, mas não significava que eu não
soubesse dos negócios ilegais dele. Como chefe da máfia em Palermo, ele
era o capo que controlava tudo na região, licito ou ilícito. Isso significava
que ele atraia muita atenção para si, mas eu era tola o bastante para acreditar
que ele fosse como um super-herói, alguém inalcançável. Haja o que
houvesse, ele sempre estaria comigo.
O que seria de mim sem o meu irmão?
Os soldados voltaram a deixar que eu me aproximasse do caixão
quando a minha cunhada me entregou algumas rosas brancas para que eu
jogasse sobre a cova. Meus sobrinhos, que estavam atrás de nós, fizeram o
mesmo. Se já estava sendo difícil para mim lidar com tamanha dor, fiquei
imaginando como seria para os dois. Com quatorze e dez anos, eles eram
jovens demais para ficar sem o pai.
Enquanto eu olhava para o fundo da vala, coberto pelas rosas,
esfreguei os meus olhos e me recordei da primeira lembrança que tínhamos
juntos.

Estava em uma sala ampla, com uma enorme janela que deixava o
ambiente muito bem iluminado. Não reconhecia o ambiente, mas nunca
estivera em um lugar tão bonito e limpo. A mulher comigo também era uma
estranha, mas possuía um sorriso gentil e havia me alimentado, o que
fizera com que confiasse nela.
Distraída observando o cômodo, fui atraída pelo som da porta
sendo aberta e me virei para a entrada, a tempo de ver um homem passar.
Ele era vagamente familiar e um completo desconhecido, ao mesmo tempo.
Carregava um enorme embrulho de papel colorido com um laço rosa muito
grande, o qual ofereceu para mim.
— O que é isso? — Esfreguei os olhos.
— Um presente para você.
— Onde estou, onde está a minha mãe? — Olhei em volta, na
esperança de que ela saísse de algum cômodo, o que não aconteceu.
— Aqui será a sua casa por enquanto, e a Alexandra irá cuidar de
você.
— A mamãe... — Comecei a chorar, então surpreendi-me quando
ele me abraçou, me trazendo para o seu colo, envolvendo-me em um
carinho que eu não havia recebido de ninguém.
— Sua mãe não está mais aqui, mas eu cuidarei de você, irmãzinha.
— Ele me beijou no topo da cabeça e, desde aquele momento, Tiago me
mostrou o que era o amor fraternal e a sensação de estar sempre
protegida.

O caixão significava uma dor sem precedentes e o fim da minha


sensação de que, não importava o que acontecesse, meu irmão sempre
estaria ali para me proteger.
Queria vingança, ainda que não soubesse as complicações disso e
fosse ingênua demais para entender.
Capítulo dois
— Os capi devem chegar para se reunir conosco em algumas horas.
Logo devemos ir para o galpão em Óstia. — Marco saiu de perto da janela,
caminhando até onde eu e nosso irmão mais novo estávamos, perto da porta
do seu escritório.
— A Itália inteira aqui. Uau! — Mateo vibrava de empolgação, como
se ele não soubesse as complicações do que havia acontecido nos últimos
dias. — Só fizemos uma reunião dessa magnitude após a morte do papai.
— Não deveria estar tão empolgado, irmão. — Marco o recriminou,
mantendo o olhar sério, que deixou o caçula e veio diretamente para mim. —
Theo matou o capo de Palermo e isso pode trazer complicações e até
instabilidade. Mexer com os sicilianos nunca foi fácil, e o nosso bisavô
construiu uma linha muito tênue de domínio sobre eles que não pode ser
rompida.
— Eu só vinguei o nosso pai. — Bufei, irritado com o Marco me
olhando daquela forma, como se eu tivesse feito algo de errado e não
cumprido uma missão que cabia a todos nós.
— A máfia é uma organização e não uma anarquia. Vamos nos reunir
com eles e justificar as nossas ações, assim como fizemos diante da morte da
Donatella.
Eu apenas assenti, mas permaneci de braços cruzados. Contudo, por
mais racional que eu fosse, não esperava que a primeira atitude do meu
irmão mais velho diante da notícia fosse convocar uma reunião com os
líderes por todo país.
— Theo, estou muito contente pelo responsável pela morte do nosso
pai finalmente estar morto, mais feliz ainda por ele não tê-lo arrastado para
cova junto. Ele pode não ter dito, mas imagino que a morte do nosso pai foi
uma tentativa de nos enfraquecer e tentar tomar o poder outra vez. Contudo,
acredito que agora o recado foi dado. Os Bellucci são o poder na Itália e
continuarão sendo.
Marco estava certo e eu não disse mais nada. Nossa força era forjada
sobre uma linha tênue entre o medo e a sensação de segurança. Tínhamos que
dar passos cautelosos, pois nossas atitudes poderiam custar tudo.
Diante da morte de Tiago Mancini, eu estava tomado por uma
estranha sensação de alívio, como se a minha maior missão houvesse sido
cumprida e, ao mesmo tempo, já não tivesse maiores objetivos na vida. Dez
anos haviam se passado, comigo correndo atrás de provas que me levassem
àquele homem, mas, depois de ter acabado, ainda havia uma sensação
estranha que não me deixava relaxar. Imaginava que pudesse ser apenas a
reunião com os capi e o ponto final definitivo naquela história.
— Vocês estão aí? — A voz da minha mãe ressoou do outro lado da
porta, depois de uma batida.
Nós três nos entreolhamos até que o Marco puxou a maçaneta e a
olhou com uma expressão severa.
— Não é um bom momento.
— O Theo está bem? Ouvi os soldados comentarem sobre o que
aconteceu.
— Mãe! — Marco manteve a postura firme.
— Ele era o pai de vocês, mas era o meu marido também. Mereço
saber o que aconteceu.
— Ele foi vingado — resumi tudo naquela simples resposta, pois ela
me preenchia.
Minha mãe terminou de empurrar a porta e entrou no escritório,
abraçando-me. Fiquei surpreso, porém não a afastei, principalmente porque,
em partes, sabia que a minha mãe se culpava pelo o que havia acontecido,
pois a rotina do meu pai de ir sempre a livrarias em Roma era para comprar
algo para ela.
— Que bom que você está bem. — Apertou-me ainda mais.
— Estou. — Curvei-me, beijando-a na testa. — Agora precisamos ir.
— Tirei os braços da minha mãe que estavam colocados ao redor de mim e
fui o primeiro a seguir pelo corredor.
Descemos para a sala de estar e vi meu irmão trocar olhares com a
esposa, sentada no sofá lendo um livro sobre maternidade enquanto a sua
barriga parecia cada vez maior. Marco não era de comentar muito com o
restante de nós, mas dadas as circunstâncias do seu casamento com a Laís,
ele parecia contente, ao menos a garota havia sobrevivido à Donatella e
daria à luz ao próximo herdeiro da máfia.
Nos dirigimos até a garagem e cada um de nós entrou em carros
separados, com soldados. Assim, seguimos escoltados por uma vã até um
galpão que ficava no distrito litorâneo de Óstia. Quando estacionamos no
local de sempre, já havia alguns outros carros e motos que indicavam a
presença dos capi.
Eu fui o primeiro a descer do veículo, seguido de Mateo e Marco
saindo por último. Alguns dos homens nos acompanharam, mas os que
estavam na vã ficaram do lado de fora juntamente com outros soldados. Os
capi estavam reunidos em uma roda, conversando, mas pararam de falar no
momento em que nos viram. Abriram um espaço para que passássemos e
alcançássemos o centro.
— Finalmente chegaram — disse um, mas logo se calou quando o
olhar do chefe foi lançado em sua direção.
— Imagino que saibam o motivo de estarem aqui e tenham se
atentado às notícias dos últimos dias — começou Marco.
Parado ao seu lado direito, eu observava os rostos de cada um e a
expressão que lançavam na minha direção. Alguns pareciam confusos,
enquanto outros me transmitiam expressões distintas, que iam da alegria até a
desconfiança.
— Tiago Mancini foi morto na última quinta-feira — prosseguiu o
chefe da máfia.
— Em um dos seus centros de distribuição, nós ficamos sabendo —
disse Flávio, um capo local que eu via com certa frequência, apesar de não
ser um dos meus favoritos. — O lugar foi invadido e o mataram, é o que
estão comentando.
— Eu invadi e o matei — falei, atraindo de imediato todos os
olhares para mim e as feições se resumindo a raiva e espanto.
— Estávamos há dez anos procurando o responsável pela morte do
nosso pai, e finalmente Theo encontrou provas que o levaram até ele. —
Marco deu um passo para frente e tomou de volta o rumo da conversa antes
que começassem a me acusar de alguma forma.
Respirei fundo antes que o meu irmão me devolvesse a palavra.
— Durante os últimos dez anos, vasculhei cada canto da Itália atrás
da verdade do que aconteceu com o meu pai. Pistas falsas me fizeram perder
muito tempo, mas finalmente uma testemunha me levou até as gravações de
uma câmera, instalada duas esquinas antes da livraria onde nosso chefe foi
assassinado, que provaram a presença do siciliano no local. O próprio me
confessou tudo quando foi confrontado.
— E onde estão essas imagens? — indagou Armando Savoia, o capo
da cidade de Agrigento, também na Sicília.
Era de se esperar que homens como ele fossem os primeiros a
questionar o que havia acontecido. Com a cabeça fria, conseguia entender
muito bem os receios do meu irmão mais velho.
— Todas as provas e pistas que reuni nos últimos dez anos serão
enviadas para aqueles que demonstrarem interesse.
— Nós somos feitos em cima de lealdade. Se alguém age contra isso,
coloca em risco toda a nossa organização e precisa ser punido de acordo.
— Com a vida — completou Mateo.
— O que pretendem fazer com o território? — Armando Savoia
passou a mão pelo cabelo, nos encarando num misto de receio e de quem
analisava uma oportunidade. — Visto que os filhos do Tiago ainda são
crianças e não podem assumir o controle da família agora.
— Giulio Mancini é primo do Tiago e deve assumir o poder caso nos
faça o juramento, do contrário, haverá uma reestruturação do poder em
Palermo. — Marco não titubeou para respondê-lo.
— Ressalto que esse foi um evento isolado que os lembrará de que
não devem ficar contra nós, contudo não deve ser visto como um ataque à
Sicília nem aos seus líderes. Temos uma boa relação e é melhor para todos
os lados que ela continue dessa forma — completei a frase do meu irmão.
— É assim que manteremos. — Armando assentiu para mim e os
demais líderes sicilianos, que haviam comparecido à reunião convocada por
Marco, fizeram o mesmo.
— Isso é tudo. — Meu irmão fez um gesto os dispensando e nós três
seguimos de volta para os nossos carros.
Esperava que, assim como no caso da Donatella, entendessem que a
morte do Tiago fora em nome da família, e que qualquer um que tentasse se
aproximar dela seria punido na mesma proporção.
Capítulo três

Não consegui dormir na noite após o enterro do meu irmão. Virava


de um lado para o outro e não havia nada que me fizesse fechar os olhos.
Precisava saber o que havia acontecido, mas acima de tudo, fazer algo.
Como simplesmente matavam o meu irmão e ninguém fazia nada sobre isso?
Mesmo de camisola, resolvi caminhar pela casa. Andei pelo
corredor, me aproximei de uma das janelas e fiquei um tempo olhando a lua.
Vaguei de um lado para o outro, antes de retomar o caminho para o meu
quarto. Voltei a deitar na cama, mas não consegui dormir. A noite passou
inteira comigo assim, agitada, até que o dia nasceu. O sol invadiu a minha
janela como acontecia todos os dias, enchendo o meu coração com uma vaga
esperança de que tudo voltaria a ser como antes.
Escovei os dentes, prendi o meu cabelo negro em um coque, troquei a
camisola por roupas apresentáveis e limpas antes de sair do quarto. Segui
pelo corredor lateral que me levava até os fundos, que era composto por uma
área de lazer com piscina e a mais bela vista da cidade, com o mar se
mostrando logo abaixo e ao longe. A casa fora construída sobre uma colina e
havia uma escada pequena na lateral que nos levava até a praia, local onde
os meus sobrinhos adoravam brincar.
Quantas vezes eu não havia estado ali, olhando para aquela vista e
ouvindo os conselhos do meu irmão? Tiago era sério, ao mesmo tempo,
muito divertido.
Eu não havia conhecido o nosso pai, ele não se importou comigo
quando nasci, tampouco quando a minha mãe morreu. Eu não gostava de
pensar no que poderia ter acontecido com a minha vida caso o Tiago não
houvesse me resgatado. Meu irmão não me devia nada, ainda assim, me deu
tudo. Sentia com cada vez mais força de que precisava fazer algo, ao invés
de simplesmente esquecê-lo, como todo o restante da casa parecia estar
fazendo.
— Ah, você ainda está aqui? — Ouvi uma voz reverberar atrás de
mim que me recordou de que nem todo o tempo da minha estadia ali fora
contente.
Virei-me no guarda-corpo onde estava escorada observando o mar e
vi Edna. A mãe do Tiago e a pessoa que mais havia olhado para mim com
desprezo desde a minha chegada.
— Por que eu não estaria aqui? — Cruzei os braços e estufei o peito.
— Achei que já houvessem a levado de volta para o buraco de onde
nunca deveria ter saído. — Seu tom de voz era ríspido e destilava todo o
veneno que havia destinado para mim desde que eu chegara àquela casa.
Edna não conseguia me ver como algo além do símbolo de uma das
muitas traições do seu marido. Olhar para mim a fazia lembrar da minha mãe
e a me odiar ainda mais. Já havia tentado mudar isso quando era mais nova,
porém as minhas aproximações apenas causavam mais repulsa da parte dela,
era como se fôssemos lados opostos de um imã.
— Tiago gostava de mim.
— Ele não está mais aqui para protegê-la. — Por mais ofensiva que
fosse a sua fala, ela estava certa. Eu não tinha mais o meu irmão e muito
menos a segurança que ele havia me oferecido durante todos esses anos.
— A Ângela...
— Ângela não vai poder fazer nada. — Ela riu. — Assim como eu
não pude fazer nada. Meu filho colocou você em uma bolha de ouro e você
ainda é tola demais para perceber que nesse mundo são os homens que
mandam. Sem o Tiago, você está sozinha.
— Mentira! — Engoli em seco. Não tinha qualquer propriedade para
afirmar isso, mas precisei gritar para que a velha não ficasse apenas me
oprimindo.
— Vejamos por quanto tempo vai continuar aqui. — Ela gargalhou e
eu saí correndo porque não conseguia mais olhar para sua expressão de
deboche. Entrei na casa e segui até a sala de jantar, onde a minha cunhada
estava sentada com os meus sobrinhos tomando o café da manhã. Apesar dos
olhos inchados que indicavam que havia chorado, ela mantinha uma postura
firme e agia com as crianças como se nada houvesse acontecido, mantendo
um clima de normalidade.
— Nós precisamos fazer alguma coisa — anunciei.
— Alguma coisa? — Ela levantou uma sobrancelha castanha e me
olhou com um ar surpreso.
— Sobre a morte do Tiago. Temos que ir até a polícia! Quem matou
o meu irmão precisa pagar.
— Tati, sente-se aqui. — Ela puxou a cadeira ao seu lado indicando
o assento para que eu o ocupasse.
Assenti e me acomodei.
— Você tem vinte e cinco anos. É uma mulher, mas o Tiago sempre a
tratou como uma garotinha. É a filha que nós não tivemos, mas entenda, não
há nada que possamos fazer para trazê-lo de volta, por mais que esteja
doendo.
— Sei que ele não vai voltar. — Esfreguei os olhos, tentando afastar
as lágrimas que teimavam em cair toda vez que me recordava desse fato. —
Mas acho que a pessoa que fez isso precisa pagar pelo que aconteceu.
— Ninguém pode fazer nada contra os Bellucci.
— Bellucci?
— São eles que ditam as regras e decidem tudo por toda a Itália.
— Eles mataram o Tiago?
— Sim.
— Por quê?
— Ouça bem, Tatiane, seu irmão tomou a decisão de mantê-la
afastada dos assuntos da máfia e acredito que foi o melhor que ele pôde
fazer por você. Tiago se esforçou para te dar uma boa vida, não destrua isso
com qualquer atitude impulsiva.
— Então ficamos aqui e não fazemos nada?
— Sim.
— Achei que você o amasse.
— Com todo o meu coração. — Uma lágrima escorreu do olho dela e
minha cunhada desviou o rosto para que nem eu ou os meus sobrinhos a
víssemos chorar.
— Está tudo bem, mamãe? — O pequeno Mario, de dez anos, tocou a
mão da mãe sobre a mesa.
— Sim, meu amor. — Ângela sorriu para ele. — Se concentre em
comer, tudo bem?
— Acho que a tia tem razão. Temos que fazer algo pela morte do
papai. — O mais velho cruzou os braços.
— Luca, não! — Ângela lançou um olhar severo para mim e depois
ao filho. — A principal preocupação de vocês dois agora deve ser crescer
em segurança. Deixem que os adultos tomem conta da situação.
— Eu sou o herdeiro. — Luca se impôs.
— Sim, mas você é jovem demais para isso, então precisa crescer
um pouco mais antes de assumir os negócios do seu pai. Até lá, não se
preocupem, vou cuidar de tudo — minha cunhada disse com tanta convicção
que até confiei nela.
Ângela tinhas suas preocupações, a casa, os filhos para criar e
possivelmente todas as responsabilidades que caíram sobre ela. Era uma
viúva em um mundo onde constantemente me diziam que os homens
mandavam.
Tomei café da manhã enquanto a minha mente fervilhava. De um
lado, a minha cunhada me dizia que tudo iria ficar bem, do outro, a mãe do
Tiago me jogava na cara que eu não era ninguém sem o meu irmão, o que de
fato poderia ser verdade, contudo não parava de martelar em mim a vontade
de fazer algo.
Bellucci...
Já tinha ouvido aquele sobrenome uma vez, porém não me ative aos
fragmentos das muitas conversas do meu irmão com os homens que
trabalhavam com ele.
Depois do café da manhã, esgueirei-me da sala e fui até a cozinha
onde uma velha cozinheira estava sempre ocupada. Eu tinha um grande
carinho por Francesca, desde o episódio quando criança em que cheguei
assustada naquela casa e ela me deu uma bela fatia de bolo de chocolate.
— Oi! — Debrucei-me sobre a bancada de granito, chamando sua
atenção.
— Olá, menina. — Ela secou as mãos no avental, que apertava as
curvas salientes do seu corpo, antes de se aproximar de mim.
— Francesca, você trabalha nessa casa há muito tempo, não é
mesmo?
— Desde que era uma criança.
— Já viu e ouviu muita coisa?
— Aonde pretende chegar? — Ela recuou ao perceber o rumo que
estava tomando as minhas perguntas.
— Presumo que você saiba de tudo, ao menos, muito mais do que eu,
já que o Tiago preferiu não me deixar ver ou ouvir nada.
— Também nasci na máfia, e tive a sorte de me tornar uma esposa e
não uma das prostitutas dos clubes. Se é que pode chamar isso de sorte. —
Ela riu amargamente. — Meu marido e o meu filho são soldados, um destino
do qual não puderam fugir.
— Sinto muito.
— Com o tempo a gente se acostuma, e eu sou feliz quando estou
aqui na casa, fazendo comida para vocês.
— Você sabe quem são os Bellucci? — sussurrei, como se pedisse a
ela para me contar um segredo.
— Quem não sabe?
Franzi o cenho e ela riu.
— A família que chefia toda a máfia italiana. Seu irmão era um
homem muito poderoso, mas os Bellucci estavam acima dele. Acima de
qualquer um.
— Ângela acha que eles foram responsáveis pela morte do meu
irmão. Quero saber o porquê.
— Se Marco Bellucci, o grande chefão da máfia, mandou matar um
dos seus aliados, deve ter tido um ótimo motivo, mas você deve ficar bem
longe disso.
— Por quê?
— Assuntos da máfia não são pra mulheres como você, menina. Seu
lugar é com um homem que irá protegê-la e para o qual você dará filhos.
— Meu irmão nunca me obrigou a casar, só disse que eu deveria
manter a minha virtude até esse momento.
— É assim que eles são, deitam-se com quantas prostitutas for
possível, mas na hora de se casar, eles querem as virgens.
— Onde ficam esses Bellucci?
— Eles costumam ficar em Roma.
— Obrigada. — Dei um beijo na bochecha dela e saí da cozinha.
— Ah, menina! — Ouvi-a gritar enquanto eu me afastava. — Por
favor, não...
Já estava longe demais para ouvir o restante da frase.
Os Bellucci haviam matado o meu irmão e eu iria descobrir o
motivo.
Fui até o meu quarto, abri o computador, pesquisei o máximo de
informações possíveis sobre eles na internet, ainda que não houvesse
encontrado nada muito relevante. Eram pessoas envolvidas em negócios
ilícitos que não iriam declarar isso por aí na internet.
Fiz uma pequena mala, colocando algumas roupas, e chequei se havia
dinheiro e cartão de crédito na minha carteira. Depois de julgar que havia
tudo o que necessitava para passar alguns dias em outra cidade, escondi a
bagagem debaixo da cama.
Segui o restante do dia com minha rotina normal. Almocei com minha
cunhada e sobrinhos, e voltei para o computador para continuar minha
pesquisa, até que encontrei uma foto de um dos Bellucci, o irmão do meio,
Theo. Ele estava em um evento com o dono de uma boate, na reportagem
diziam que eles eram amigos, e ali poderia ser um dos locais por onde eu
poderia começar a procurar por respostas.
Depois do jantar, esperei que todos fossem dormir antes de sair do
quarto. Estava usando um conjunto de moletom preto, com o qual esperava
me camuflar, e um par de tênis confortáveis, pois não sabia por quanto tempo
precisaria andar.
Segui pelo corredor escuro que estava acostumada a transitar, mas
me colei a parede quando ouvi um barulho. Sempre havia homens de guarda
por todo canto da casa. Isso não havia mudado com a morte do meu irmão.
Com o coração acelerado, segurei as alças da mochila e esperei que
o som dos passos diminuísse antes de seguir até a escada e descer para a
sala.
Outro homem passou na sua ronda e eu fiquei escondida na sombra
de uma coluna de sustentação enquanto o esperava sair.
Sabia que havia muito mais deles na entrada da casa, então decidi ir
para a cozinha. A luz do cômodo sempre ficava acesa. Descobri isso durante
as inúmeras vezes em que havia descido para tomar água no meio da noite.
Contudo o que não esperava era ver a Edna lá.
Meu primeiro intuito foi gritar com o susto, mas me contive, pois a
única coisa que iria conseguir era acordar a minha cunhada e todos os
demais da casa.
Estava prestes a dizer algo, quando a vi olhar para mim, reparar na
mochila ao qual eu me agarrava como se fosse a minha própria vida e abrir
um sorriso.
— Já vai tarde.
Ela realmente pensava que eu estava indo embora para sempre? Não
tinha tempo de discutir isso naquele momento. Desde que ela não alertasse a
minha cunhada ou os demais homens da casa, poderia pensar o que quisesse.
Passei por ela, seguindo até a porta da cozinha. A mulher não disse
mais uma única palavra. Fiquei contente com isso. Entretanto não significava
que eu poderia simplesmente sair, pois havia dois homens fazendo ronda na
parte de trás da casa.
Fiquei escondida na sombra enquanto pensava. Precisaria de ao
menos uns cinco minutos para correr até a escada que levava até a praia,
além de torcer para que o portão do lado de fora não estivesse trancado.
Peguei um punhado de pedras no chão e as lancei contra o telhado o
mais longe possível que consegui. No momento do barulho, os homens se
viraram e foram ver o que havia acontecido. Eles estavam ali para evitar que
alguém entrasse, imaginava que não passasse pela cabeça deles que alguém
poderia estar tentando sair.
Aproveitei a brecha e corri até a escada. Desci os degraus o mais
rápido possível, porém, assim que cheguei no portão que dava acesso para a
praia, o encontrei trancado. Fiquei olhando para ele por alguns segundos até
que decidi escalá-lo. Nunca tinha feito isso antes, mas não me restavam
alternativas, pois não era magra nem pequena o bastante para passar entre os
espaços da grade.
Peguei a mochila e a joguei por cima do portão, fazendo com que
caísse sobre a areia fofa do outro lado, para que me desse mais leveza para
me mover. Segurei em uma das hastes de metal, usando um adorno para
apoiar o pé e impulsionar o corpo. Tomando cuidado, fiz o melhor para
subir. Não foi fácil, meu pé escorregou, não tinha apoio e quase caí várias
vezes. Quando cheguei na parte de cima, minha blusa de moletom agarrou em
uma das pontas de lança que havia em cima e quando puxei com toda força
para me desagarrar, perdi o equilíbrio e caí sobre a minha mochila, com a
cara na areia.
Felizmente não me machuquei muito, apenas dei uma ralada na mão.
Levantei-me cuspindo areia e com as mãos tirei o que tinha grudado também
no meu rosto e cabelo, antes de pegar a mochila e sair correndo. Tinha que
me afastar dali antes que notassem que eu havia fugido.
Caminhei pela praia por muito, muito tempo até que encontrei uma
saída para a orla numa região mais turística da cidade. Como era madrugada,
quase não havia pessoas na rua. A minha saga foi solitária, até que avistei
alguns bares e restaurantes fechados e um ponto de táxi, onde estava um
homem distraído olhando o seu celular sob a luz falha de um poste.
Aproximei-me dele, parando a sua frente.
— Oi!
— Posso ajudá-la em algo, senhorita?
— Quero ir pra Roma, acredito que a forma mais rápida de chegar lá
seja de avião.
— Sim.
— Então pode me levar até o aeroporto?
Ele assentiu, abrindo a porta de trás do carro para que eu entrasse.
Sem o meu irmão, a única coisa que havia em mim era a
determinação em saber o que havia acontecido com ele, e eu iria até Roma
para tentar descobrir. Tiago havia feito tudo por mim desde o momento em
que havia me colocado sob sua tutela, e o mínimo que acreditava poder fazer
por ele era ter respostas.
Esperava encontrá-las em Roma.
Capítulo quatro

A música ecoava na minha cabeça enquanto assistia algumas


mulheres dançar ao redor de mim e outras em um pequeno palco. As luzes da
boate serpenteavam sobre nós, revelando algumas pessoas ou colocando-as
momentaneamente na penumbra. Não muito longe de mim, podia ver alguns
dos frequentadores cheirando carreiras de pó que eram vendidas no clube,
ao mesmo tempo em que mulheres disponíveis se esfregavam neles.
Aquele era um dos muitos dos nossos clubes, onde tudo podia ser
comprado pelo valor certo, de mulheres a drogas e armas.
Não era adequado que alguém como eu frequentasse ambientes como
aquele, porém sentia que precisava de um pouco de distração depois de
tudo. Após dez anos, ter finalizado a busca parecia ter me deixado ainda
mais órfão.
Balancei a cabeça, dispersando os pensamentos, quando uma das
mulheres colocou as mãos sobre os meus joelhos e curvou-se na minha
direção, exibindo o decote provocante na altura dos meus olhos.
Não ser o primeiro filho na máfia tinha suas vantagens. Apesar de ter
responsabilidades como herdeiro direto da dinastia, o peso da coroa não
recaía sobre mim. Enquanto o Marco ficou noivo muito cedo, casamento
passava longe de ser uma das minhas preocupações. Eu não tinha
responsabilidades com família, de entregar um herdeiro ou de ter uma rainha
ao meu lado para comparecer em eventos. Como segundo filho, só precisava
ser o braço direito, o alicerce do meu irmão, mas poderia ter quantas
mulheres quisesse sem me envolver de fato com nenhuma delas.
Quando a música ficou mais agitada e as mulheres no palco
rebolaram com mais intensidade, agarrei os seios que tanto se esfregavam no
meu rosto, trazendo-os para mim, mordiscando um dos mamilos quando
puxei o decote para baixo e fiz com que eles se libertassem do confinamento,
saltando aos meus olhos.
Brinquei com os peitos dela antes de agarrar o seu cabelo loiro e
fazer com que se ajoelhasse diante de mim, posicionando-a entre as minhas
pernas. Abri o zíper da minha calça e deixei-a a minha mercê para me
chupar. Sem quaisquer ressalvas, acolheu-me em sua boca e moveu a cabeça
conforme eu comandava, segurando-a pelo cabelo. Fiz com que movesse os
lábios cada vez mais rápido até que eu chegasse ao ápice na sua língua.
Puxei a cabeça dela para cima e a movi para o lado antes de colocar
meu pau de volta na calça.
— Senhor, não acha melhor voltarmos para casa, seu irmão... —
começou um dos meus soldados mais fiéis, Romulo, mas eu o impedi antes
de continuar.
— Meu irmão sabe ser um pé no saco quando ele quer.
Não deveria estar em um clube, meus homens sabiam disso e eu
também, ainda assim, aquele era o tipo de diversão que eu me permitia de
vez em quando. Ainda que previsse a reação do Marco. Tiago Mancini
estava apodrecendo em uma vala e eu tinha motivos para comemorar, não
poderia fazer uma festa sem parecer escroto ou indelicado diante dos outros
membros da máfia, ou mesmo da minha própria família. Minha mãe iria dizer
que derramamento de sangue não iria trazer o meu pai de volta, mas ela tinha
um coração mole demais para aquele mundo...
Meus pensamentos foram interrompidos quando vi uma mulher
morena usando um vestido verde e curto. Ela era linda e nunca havia a visto
ali antes, pois, com certeza, me lembraria.
Olhava de um lado para o outro e parecia procurar por alguém, até
que nossos olhos se encontraram e pude encará-la melhor. Estávamos a
vários metros de distância, a luz era escassa, mas reparei nela como se
estivéssemos lado a lado sob o sol. Seu cabelo escuro era ondulado, a pele
clara, e os lábios tão vermelhos que me faziam lembrar as descrições da
Branca de Neve quando a minha mãe nos contava a história para dormir.
Uma das prostitutas puxou o meu rosto e o virou na direção dela.
Afastei-a de imediato. Fiz com que ela recuasse para a outra extremidade do
sofá e me levantei. O que queria era a atenção da minha Branca de Neve.
Voltei meus olhos na direção de onde ela estava, porém não a vi
mais. Caminhei até o local olhando de um lado para o outro. Eram muitas
pessoas se esfregando e dançando no ritmo da música. Com as luzes que iam
e voltavam, era difícil ter uma visão clara do ambiente.
Tive a impressão de vê-la seguindo para os banheiros e fui até o
corredor. Abri a porta do banheiro feminino e as duas mulheres que
retocavam a maquiagem deram um gritinho ao se depararem comigo.
— Viram uma mulher de vestido verde?
Elas apenas balançaram a cabeça em negativa e eu fechei a porta,
bufando.
Voltei a olhar em volta, vi muitas pessoas, mas nenhum sinal dela.
Era como se eu houvesse delirado.
Tinha passado por muitas coisas na vida, mas ver uma mulher
imaginária era a primeira vez.
Antes que decidisse procurar por uma última vez, Romulo se
aproximou de mim e me entregou o seu celular.
— Senhor, o chefe.
Revirei os olhos antes de pegar o aparelho e falar.
— Marco.
— Onde você está, porra?
— Já estou voltando para casa — respondi sem me delongar,
desligando a chamada. Nem sabia se Marco havia me ouvido direito com o
som da música alta, mas não me importei.
Talvez a fumaça do DJ e das drogas houvesse alterado os meus
sentidos e me feito imaginar.
— Vamos para a mansão. — Passei pelo Romulo, que fez sinal para
que os demais nos seguissem para fora do clube.
Capítulo cinco

Eu nunca tinha estado em um clube como aquele antes. Apesar da


vontade de conhecer, meu irmão sempre disse que ambientes como aquele
não eram para mulheres como eu. Contudo, com um vestido inadequado, que
havia comprado em uma loja quando cheguei em Roma pela manhã, foi bem
fácil entrar, bastou sorrir para o segurança.
Música alta ecoava na minha cabeça e as batidas reverberavam,
como se alguém estivesse batendo um bumbo no meu cérebro. Realmente não
estava acostumada, contudo tentei ignorar o desconforto para focar na minha
missão. Havia ido tão longe para encontrar um dos Bellucci, ao menos torcia
para que ele estivesse ali.
— Desculpa. — Esquivei-me de uma mulher bêbada que quase
passou por cima de mim.
— Onde estão os modos das pessoas? — Saiu reclamando, mas
seguiu em frente.
Fiquei surpresa com as três mulheres dançando de forma bem
provocativa sobre um pequeno palco. Elas usavam um vestido minúsculo e
eu podia jurar que não havia nada por baixo. Meu momento de choque logo
foi neutralizado quando o vi sentado do outro lado da boate. Ao menos achei
que fosse, já que tudo o que eu tinha dele era menos de meia dúzia de fotos.
Na internet, era apenas mais um dos muitos playboys de uma família rica.
Contudo, para o submundo, ele era o consigliere da máfia.
Eu deveria ter estremecido quando os olhos dele caíram sobre mim,
mas a curiosidade e a busca pela justiça pelo que havia acontecido ao meu
irmão espantou totalmente o meu medo. Não sei por quanto tempo ficamos
assim, apenas nos encarando, pois foi como se tudo ao nosso redor houvesse
sido congelado. Ele era um homem na casa dos trinta, com cabelo escuro e
curto. Estava longe e a parca iluminação impediu que eu tivesse certeza
sobre a cor dos seus olhos, ainda que estivessem me encarando diretamente.
Uma mulher que estava na frente dele pegou seu rosto e fez com que
ele virasse para ela, no exato momento em que alguém agarrou o meu braço.
— Solta!
— Senhorita Mancini, preciso que venha comigo. — Reconheci a
voz de Giovanini, um dos homens de confiança do meu irmão antes que o
visse.
Não teci nenhum protesto, apenas deixei que ele me arrastasse para
fora da boate. Poderia ter esperneado, gritado, mas se ele estava ali para me
buscar, seria quase impossível que minha pirraça o fizesse mudar de ideia e,
além disso, me pareceu completamente desnecessário atrair a atenção de
todos para mim.
Giovanni me levou para uma rua lateral e abriu a porta traseira de um
carro preto, empurrando-me para dentro, antes de sentar no banco do carona.
— Eu não achei que você pudesse ser tão idiota.
Virei-me e vi a minha cunhada sentada na outra extremidade do
banco. Ela me encarava com uma expressão dura, e eu me preparei para uma
bronca.
— O que passou pela sua cabeça ao vir aqui para Roma atrás dos
Bellucci? Por acaso você tem noção do perigo em que se meteu?
Engoli em seco, mas não respondi.
— Esse lugar é cheio de prostitutas e homens da pior espécie.
Poderiam ter estuprado você lá dentro ou feito algo ainda pior.
— Eu... Eu... — Engoli em seco mais uma vez enquanto Ângela me
encarava. — Eu só quero saber o porquê.
— Ia parar na frente do Bellucci e perguntar? Por acaso pensou que
ele seria gentil e a convidaria para um café enquanto descrevia como a
família dele matou o Tiago?
— Foi estúpido. — Admiti quando as palavras dela foram como um
tapa na minha cara.
— Que bom que você reconhece.
— Desculpa. Achei que era o certo a se fazer pelo Tiago. O que ele
ia querer.
— O que o Tiago sempre quis foi você em segurança. Arriscou
demais por isso. Você envergonha a memória do seu irmão agindo como uma
criança mimada.
— O que ele arriscou?
Ângela recuou um pouco e ficou me encarando, até que finalmente me
respondeu.
— Tudo. A relação com os pais inclusive. Edna nunca aceitou você
naquela casa e o Tiago teve que se impor muito para que você tivesse a vida
que tem. Não estrague tudo.
Assenti e recostei no banco. Se fosse possível entrar nele e me
esconder, teria feito. Por um momento tive a impressão de que Ângela sabia
mais do que estava me contando, porém não falei nada, já tinha abusado
demais da confiança dela por um dia.
— Como me encontrou? — perguntei, muitos minutos depois, quando
a curiosidade me corroeu.
— Você deixou uma trilha na fatura do cartão de crédito. Passagem
de avião para Roma, o restaurante onde almoçou, a loja onde comprou esse
vestido minúsculo e até mesmo a entrada da boate. Você é péssima fugindo,
Tati. — Ela balançou a cabeça em negativa e eu voltei a ficar em silêncio.
Logo percebi que estávamos a caminho do aeroporto.
Ângela viera atrás de mim usando o avião particular que pertencia ao
meu irmão e foi o mesmo que usamos para voltar para Palermo.
O que Tiago sempre quis foi você em segurança... A voz dela ecoou
na minha mente enquanto eu tombava a cabeça na janela da aeronave.
A minha segurança era mais importante do que o que havia
acontecido com ele? Para mim não parecia certo, contudo, tinha que admitir
que eu não entendia nada da máfia e minha cunhada parecia compreender
muito melhor aquele mundo sombrio do que eu.
O fato de Ângela ter ido me buscar em Roma me mostrava que eu não
estava tão sozinha assim e, apesar da morte do meu irmão, minha cunhada
ainda parecia disposta a cuidar de mim.
Capítulo seis

Desci do carro na garagem da mansão a uma da manhã. Os homens


me cumprimentaram com um movimento de cabeça e se dispersaram. Entrei
na casa e tudo estava escuro. Estava me dirigindo para a escada quando vi
uma luz acesa no corredor, era a do escritório do meu irmão e tive certeza de
que ele estava esperando por mim.
Segui até lá. Parando na porta, escorei no batente com os braços
cruzados e o encarei, esperando que Marco elevasse a cabeça e notasse a
minha presença.
— Você estava em um clube de novo — disse com os dentes
cerrados e olhos afunilados.
Geralmente era eu quem dava conselhos, meu pai havia me ensinado
bem, porém odiava quando era o Marco a me recriminar.
— Você conhece os mandamentos, Theo.
— As regras que um velho muito antes de nós nascermos escreveu.
Estou ciente.
Recitei os mandamentos mentalmente enquanto o meu irmão me
encarava.

1) Não pode se apresentar sozinho a um associado da


família, um terceiro deverá fazer isso;
2) Não se deve olhar para as mulheres de nossos amigos;
3) Não se deve envolver em confrontos com os policiais;
4) Não se deve frequentar bares ou clubes;
5) Deve estar disponível a qualquer momento, até mesmo
se a mulher estiver para dar à luz;
6) Os compromissos devem ser respeitados;
7) Deve-se respeitar a esposa;
8) Quando for chamado para esclarecer qualquer coisa,
deverá dizer a verdade;
9) Não pode se apropriar de dinheiro que pertence a outros
parentes ou a outras famílias;
10) Não pode fazer parte da máfia quem tem parentes na
polícia, quem já traiu sentimentalmente dentro da família e quem
não respeita os valores do grupo.[1]

— Então por que vive descumprindo a quarta? — Ele estalou os


dedos e continuou me encarando com a postura severa.
— Eu só estava comemorando a morte daquele desgraçado. Sei que
você vai dizer que ele era um dos nossos capi mais importantes, mas o poder
por lá logo se estabilizará novamente, e é bem melhor termos um novo
juramento do que manter no poder alguém que matou o nosso pai.
— Estou tão contente com essa vingança quanto você, Theo, mas
principalmente por causa disso, devemos evitar qualquer exposição
desnecessária. Bem, sabe que tudo o que eu mais temia nessa sua busca era
que acabasse em uma vala antes de pegar o culpado pela morte do nosso pai.
Felizmente isso não aconteceu, mas agora é o momento de sossegar, irmão.
— Só falta me dizer que o melhor a fazer é me casar — debochei,
sabendo o quanto o meu irmão havia sido afetado pela chegada da Laís
naquela casa.
— Me fez bem.
— Eu estava bem com as prostitutas antes de você ligar para o
Romulo. Poderia muito bem estar fodendo a sua esposa, ao invés de ficar
aqui me olhando com essa cara. No início do casamento trepavam como
coelhos, voltem a fazer isso.
— Laís está nos meses finais da gravidez, precisamos ter mais
cuidado, mas não estou aqui para falar do meu casamento e sim sobre você.
— Não pretendo me casar.
— Só fique longe dos clubes. Não quero o meu braço direito morto
ou preso.
— Tudo bem, chefe. — Descruzei os braços.
— Tem mais uma coisa.
— O quê?
— Leonel Bellucci está de volta.
— O que o nosso tio está fazendo aqui? — Franzi o cenho.
— Disse que veio nos ver. Sentiu saudades.
— Nossa mãe não gosta dele.
— Ela não está contente e imagino que o expulse daqui logo, mas
enquanto isso, ficaremos de olho nele. Está com os americanos a tempos
demais para que possamos simplesmente confiar nele.
— Um milagre eles não terem metido uma bala na cabeça dele. Ele
sempre foi um porre de tão chato.
Marco gargalhou.
— Vou dormir, teremos um dia cheio amanhã.
Deixei o escritório e fui para o meu quarto.
Capítulo sete
Desde que voltei de Roma, fiquei trancada meu quarto, e não
conseguia parar de pensar em tudo o que havia visto e feito. Achei que
conseguiria colocar um ponto final depois da conversa com a minha cunhada,
contudo não foi tão fácil assim. Todas as vezes que eu fechava os olhos,
minha mente se enchia de imagens do meu irmão.
Ângela havia dito que ele preferia que eu estivesse em segurança,
mas se alguém como ele havia sido atingido, como o restante de nós poderia
ter tanta certeza de que nada aconteceria?
Quando os primeiros raios da manhã tocaram a minha janela, eu já
estava de pé. Amarrei o meu cabelo em um rabo de cavalo, vesti roupas de
ginástica e segui para a academia que ficava no primeiro andar da casa. Abri
as janelas para que a brisa do mar invadisse o ambiente e liguei a música em
meus fones de ouvido. Peguei a corda em um dos armários e comecei a
pular. Contei até cem, antes de parar o exercício para respirar um pouco.
Depois voltei a saltar.
Após passar mais de uma hora na academia, voltei para o meu
quarto, tomei um banho e segui para a sala de jantar, onde todos nos
reuníamos para o café da manhã.
Edna foi a primeira pessoa que vi e ela fechou a cara assim que os
seus olhos cruzaram os meus.
— Achei que você tinha ido embora.
— Só fui dar um passeio por Roma. — Abri um sorriso ao puxar uma
cadeira e sentar-me ao lado dela.
— Sem o Tiago aqui... — começou a me ameaçar, como já tinha feito
todos esses anos, mas eu nem me incomodava mais.
— Ele pode ter ido, mas acho que não vai ser você quem vai
começar a ditar as ordens por aqui. — Assim que terminei a frase, a minha
cunhada entrou acompanhada dos meus sobrinhos.
— Bom dia.
— Ângela, agora que o Tiago se foi, já estão falando sobre quem
assumirá os negócios dele?
— Dizem que o Giulio deve chegar aqui hoje.
— Aquele bastardo mimado. — A velha bruxa bufou e eu fiquei
contente por apenas a presença de alguém deixá-la incomodada.
— Eu deveria assumir os negócios do meu pai. — Luca bateu a mão
no peito cheio de convicção. Ele poderia ser apenas um garoto, mas eu tinha
certeza que entendia muito mais daquele mundo da máfia do que eu.
Ao contrário de mim, que fui criada para ser a bonequinha de
alguém, como deveria acontecer com a maioria das mulheres de famílias
ricas na máfia, meu sobrinho de apenas quatorze anos fora preparado para
seguir os passos do pai, já sabia atirar e tinha acompanhado o Tiago em
algumas reuniões da máfia.
— Eu sei querido, mas você ainda é muito jovem. — Ângela afagou
o ombro do filho.
— Eu dou conta, mãe.
— Ainda não, Luca.
— E você pretende fazer o quê? — Edna afrontou a nora. — Abaixar
a cabeça e deixar que Giulio surrupie o legado do meu filho?
— Tem alguma ideia melhor? — questionou Ângela.
A velha recuou sem saber o que dizer.
Eu adorava quando a minha cunhada a fazia calar a boca. Melhor do
que ninguém, durante os dezessete anos de casamento com o meu irmão,
Ângela havia aprendido muito bem a lidar com a sogra e a fazê-la recuar
quando necessário.
— Ele precisava ter ganhado mais tempo — Ângela murmurou
baixinho.
— Ele quem? — questionei.
— Nada. — Ela balançou a cabeça. — Comam, crianças, por favor.
— Minha cunhada se voltou para os filhos.
Ângela estava nitidamente incomodada. Apesar da resposta que ela
havia dado a sogra, eu a conhecia o suficiente para saber que não desistiria
sem lutar. Desde o momento em que o Tiago havia me levado para viver com
eles naquela casa, fora aquela mulher o meu maior exemplo. Ao mesmo
tempo em que ela parecia só mais uma esposa frágil, se mostrava uma leoa.
Ao contrário de Edna, que só sabia latir e ofender, Ângela era quem dava os
melhores conselhos ao meu irmão e o ajudava quando ele necessitava.
Depois do café da manhã, voltei para o meu quarto e abri as velhas
apostilas da faculdade a distância que a minha cunhada havia me motivado a
fazer.
Não é seguro sairmos por aí, mas isso não precisa impedi-la de
estudar. Lembrei de quando ela havia me incentivado. Fiz muitos cursos
assim. Não que fosse trabalhar, pois o Tiago me dava tudo, porém me fazia
sentir útil e mantinha o meu tempo ocupado.
Naquele momento, eu definitivamente precisava me manter focada
para não surtar. Depois do meu dia em Roma, do meu vislumbre de
liberdade e da minha breve visão daquele que poderia me dar respostas, eu
não consegui ficar menos inquieta.
Deitei-me na minha cama com a apostila do curso de jornalismo
sobre o meu peito e fiquei olhando para o teto adornado em gesso.
— Por que você foi tão cedo, Tiago? — Meu irmão tinha apenas
quarenta e poucos anos.
Ainda que Ângela não houvesse me explicado, entendi o que ela quis
dizer sobre ganhar mais tempo. Com dezoito anos, Luca poderia ter
assumido o lugar do pai sem que fosse questionado.
— Eles chegaram, senhora Mancini. — Ouvi alguém dizer no andar
debaixo e me levantei para descer as escadas e seguir o fluxo até a entrada
da casa.
Estava atrás da minha cunhada quando vi um carro preto estacionar
na entrada. Dele saíram alguns homens e vi uma raiva surgir no rosto da
minha cunhada.
— Achei que fosse ao menos esperar o período de luto antes de
aparecer por aqui — comentou Ângela.
Um homem de terno cinza, que deveria pesar ao menos uns cem
quilos, com cabelo ralo e barba feita, aproximou-se da minha cunhada e
estendeu a mão, esperando a dela, mas Ângela não acatou.
— Tão mal humorada quanto me recordava. — Ele tentou tocar o
rosto da Ângela, mas ela se esquivou. — Apesar de continuar tão bonita
como da última vez em que a vi. Faz quanto tempo? Cinco anos, quantos
você tem agora?
— Trinta e seis.
— É muito jovem para ter ficado viúva.
— Nisso preciso concordar com você.
O homem passou por ela e veio para perto de mim, parando na minha
frente.
— Ah, você ainda está aqui. Imaginei que o seu irmão já teria a
casado a essa altura. Logo vai estar velha demais para dar filhos a um
marido, mas nós vamos resolver isso. — Ele tocou o meu rosto. Tive a
sensação de que eles estavam ensebados e o meu estômago revirou.
— Tire suas mãos asquerosas dela! — Ângela rosnou e o homem se
afastou, sorrindo.
— Você é bem valente, não é mesmo? Meu primo pode não ter
colocado as rédeas certas, mas eu cheguei e vou cuidar de tudo por aqui.
— Pode até ter direito aos negócios do meu marido, mas essa casa
pertence aos meus filhos.
— Mas tem uma bela vista e eu quero ficar aqui. Acho que o mínimo
que podem fazer por mim é me receber como hóspede enquanto eu e os
homens que trabalhavam para o seu marido cuidamos dos assuntos de
verdade.
Ângela estava prestes a avançar nele, mas Edna segurou o seu braço
e conteve a nora. Eu não costumava gostar das atitudes daquela mulher, mas
achei que foi assertiva naquele momento. Eu já havia perdido o meu irmão e
não queria que o mesmo acontecesse com a minha cunhada.
— Logo estará na hora do almoço. — Giulio puxou a manga do terno
e olhou as horas em um grande relógio dourado antes de passar por nós e
seguir para o interior da casa, como se ele tivesse direito a literalmente tudo
o que era do meu irmão.
Ângela não era a única muito descontente com a presença daquele
homem ali.
Nós o seguimos enquanto ele inventariava com o olhar cada canto da
casa. Ainda que as mulheres houvessem avançado muito na sociedade
comum no quesito de direito a herança, na máfia era como se ainda
vivêssemos séculos atrás.
— Sempre achei aquele quadro de péssimo gosto. — Apontou para
uma das pinturas na sala de estar.
— Fui eu quem escolhi. — comentou Ângela.
— Ah, é claro que nem mulheres como você são perfeitas.
Eu gostava daquele quadro apesar de entender pouco de arte, contudo
compreendia o suficiente da situação para saber que aquele homem estava
apenas fazendo provocações desnecessárias para irritar a minha cunhada
ainda mais.
— Edna, vá verificar na cozinha se a comida já está pronta para ser
servida e leve a Tatiane com você.
— Por que só ela não vai?
— As duas. — Ângela foi dura.
Edna pegou o meu braço, me arrastando no sentido oposto em que
Giulio observava tudo. Não fiquei contente em deixar a minha cunhada
sozinha com aquele homem, mas me esforcei para confiar nela, pois Ângela
sempre sabia o que estava fazendo.
— Eles sempre protegeram demais você. — Bufou Edna enquanto
caminhávamos lado a lado para a cozinha. — Já deveria ter se casado e
saído dessa casa há muito tempo.
— Acha que eu já deveria ter me casado porque é o certo ou é você
quem não vê a hora de se livrar de mim?
— Você nunca deveria ter saído da mesma sarjeta onde a sua mãe
morreu.
— Mas eu saí e estou aqui com você. — Estufei o peito.
Eu havia criado coragem de ir até Roma e confrontar a família mais
perigosa da Itália, não seria uma velha rabugenta que me odiava que me
botaria medo.
Capítulo oito

Revirei-me na cama e abri os olhos. A minha mente ainda ia e


voltava em imagens do clube. Se eu realmente havia delirado com a visão
daquela mulher no meio da pista de dança, por que as imagens dela eram tão
vivas na minha mente?
O cabelo preto se movendo lentamente e o corpo escultural moldado
por aquele vestido verde.
Se não fosse uma visão da minha cabeça, deveria ser uma garota
nova do clube, pois eu não me recordava de tê-la visto antes. Alguém com
aquela beleza não seria esquecida.
Levantei-me da cama irritado, por não poder simplesmente ir até o
clube tentar encontrá-la, sem correr o risco de ouvir meu irmão falando as
mesmas coisas sobre a importância de não nos expormos para os nossos
inimigos. Ele estava certo, entretanto não diminuía a minha vontade de vê-la
outra vez.
Levantei-me, me vesti e coloquei a arma, que estava sobre o móvel
de cabeceira, num coldre na minha cintura.
Esperava que as atividades do meu dia fossem o suficiente para
afastar as imagens da mulher misteriosa da minha mente, antes que eu
tomasse a irresponsável decisão de voltar ao clube.
Saí do quarto, seguindo para a sala de estar. Parei na altura da
escada e me virei para os sofás.
— Há quanto tempo, tio — falei ao vê-lo sentado na sala,
conversando com o meu irmão mais novo.
Mateo certamente era o que mais gostava do irmão mais novo do
nosso pai. Talvez por serem caçulas, ou por não ter estado tão próximo a nós
durante a transição de poder do meu pai para o Marco. Todos esperavam que
nosso tio se tornasse o consigliere do meu irmão. Era mais velho e mais
experiente do que qualquer um de nós, porém Marco não se dava bem com
ele e acabou me escolhendo.
Depois de perceber que não havia espaço para si no governo do meu
irmão, nosso tio acabou saindo da Itália e foi para os Estados Unidos, gerir
os negócios ítalo-americanos que tínhamos por lá.
— Todos vocês parecem crescidos.
— Mais velhos sim, crescidos pouco provável, já que, quando
deixou a Itália, Mateo era o mais jovem de nós e já possuía mais de vinte
anos.
— Ele sempre foi contra as piadas assim? — Virou-se para o meu
irmão caçula.
— Às vezes ele consegue ser mais divertido do que o Marco, mas
nenhum deles se compara a mim.
— Não acredito que no mundo em que vivemos há muito espaço para
piadas. — Marco parou o meu lado com os braços cruzados e trocamos
olhares antes de voltarmos a fitar o nosso tio.
— Onde está a sua bela esposa? — Leonel perguntou ao meu irmão
mais velho. — Ainda não tive o prazer de conhecê-la. Os boatos sobre ela
que chegaram à América é que tem uma beleza digna de uma musa de
Michelangelo.
— Ela está um pouco indisposta por causa da gravidez e
provavelmente deve ficar no quarto hoje.
— Está tudo bem com a Laís? — sussurrei para o meu irmão numa
altura que apenas ele pudesse ouvir.
— Sim. Eu só não quero que ela desça — respondeu Marco no
mesmo tom.
Eu não era o único desconfiado da presença do nosso tio, apesar do
meu sexto sentido ser sempre mais aguçado do que o dos outros dois.
— É uma pena, espero poder vê-la antes de ir embora — disse o meu
tio com um sorriso que manteve a minha sensação de insegurança.
— Sobre o carregamento que chega em Óstia hoje. Eu quero buscar
— falei para o Marco.
— Tem certeza?
Balancei a cabeça em afirmativa e meu irmão percebeu, sem que eu
falasse, que tinha um plano.
— Por que não vem comigo, tio?
— Ir aonde? — Ele levantou uma sobrancelha grisalha.
— Tem um carregamento de heroína chegando pelo mediterrâneo e
vamos pegar em um barco de pesca em um dos nossos portos.
— Eu não me dou bem com esse lance de mula.
— Sempre costuma ter um pouco de diversão.
Ele olhou para mim e para o meu irmão antes de assentir.
— Tome cuidado. — Marco botou a mão sobre o meu ombro e
apertou os dedos, o que me fez abrir um sorriso amarelo.
— Eu sempre tomo.
— Sabe que não consegue convencer ninguém com isso.
— Sou bom no que faço.
Marco não questionou, pois ele sabia que era verdade.
— Pronto para irmos, tio? — Toquei minha arma, sentindo o meu
sangue esquentar diante da possibilidade de um pouco de adrenalina.
— Não vamos tomar café da manhã primeiro?
— É melhor que você vá de estômago vazio. Ninguém quer que você
vomite no estofado do carro.
— Onde acha que estive por todos esses anos, garoto, num asilo? —
Percebi que ele ficou irritado diante da minha provocação.
— É o que vamos descobrir.
Fiz um gesto com a cabeça e ele veio atrás de mim. Caminhamos em
silêncio até a garagem onde alguns homens se reuniam, prontos para me
acompanharem. Eu escolhi um Porsche preto, esportivo, e mais cinco
homens foram em um SUV da mesma cor.
Liguei o rádio e vi o meu tio revirar os olhos quando a música
começou a ecoar dentro do veículo. Dedilhei o volante enquanto esperava
que ele pronunciasse alguma coisa. Fazia uns oito ou talvez nove anos que
tínhamos o visto pela última vez, mas o que me recordava dele era de ser
bem falador.
— Se não estava em um asilo, o que fez nos últimos anos? — Fui eu
quem acabei puxando conversa, na esperança que conseguisse extrair alguma
coisa dele antes que partíssemos para algum tipo de tortura.
— Estava cuidando de um cassino. Há outros jeitos de ganhar
dinheiro que não seja o comércio de drogas.
— Vai me dizer que não rolava drogas lá? — Ri.
— Eu não era o responsável.
— Então era só um jeito diferente de dizer que você estava em um
asilo. — Apertei o volante e pisei com mais força no acelerador quando
entramos em uma avenida reta, sem uma grande quantidade de semáforos. —
Diga-me, tio, por que voltou para Roma?
— Achei que pudessem estar precisando de mim.
— Não precisamos nos últimos anos, por que iríamos precisar
agora?
— Somos família, Theo.
— De fato. — Parei de insistir quando percebi que ele estava se
esquivando das minhas perguntas. Iria precisar de mais tempo ou mais força
para extrair a verdade dele, mas poderia deixar para depois que
cumpríssemos a missão.
Paramos o carro a poucos metros do local combinado para a
ancoragem do barco que trazia a mercadoria. Ao contrário do que todos
achavam, nossas operações não aconteciam apenas de madrugada, ao calar
da noite. A fiscalização tendia a ser bem menor se fazíamos debaixo do nariz
de todos, pois não costumavam acreditar na nossa coragem de nos
arriscarmos tanto.
Assim que subi na ponte de madeira, acompanhado do meu tio e meus
homens, vi alguns sujeitos saírem do barco que deveria conter a nossa
heroína. Eram cinco e saíram carregando três grandes malas pretas. Não
sabia quem eles eram, mas pelos penteados e algumas joias, supus que
fossem os ciganos. Como sempre, uma pedra constante no nosso sapato.
Por mais que tivéssemos uma hegemonia por toda a Itália, ainda
havia alguns que eram corajosos ou estúpidos o bastante para tentar nos
roubar.
Os ciganos viviam se metendo nos nossos assuntos. Eles eram mal
vistos, rejeitados e, provavelmente, isso fora o principal motivo para se
meterem com negócios ilícitos. Virava e mexia, causavam problemas e eram
esmagados, porém acabavam ressurgindo, como baratas.
Fiz um gesto para os meus homens assim que me escondi atrás de um
poste de luz. Meu tio ficou atrás de mim quando tirei a minha arma e disparei
na direção de um deles. Quando um foi batido e caiu na ponte sobre a mala
com a heroína, os outros se espalharam para se esconder.
Meu foco eram os outros dois que carregavam as outras malas.
Encontrei um deles atrás de um dos barcos, já o outro, estava atrás de um
poste de luz similar ao que eu usava como escudo.
Olhei para o Romulo, que estava do outro lado, e fiz um gesto
apontando para os dois alvos. Ele assentiu com sua cabeça raspada. Há dez
anos aquele homem era o meu soldado mais fiel e ele me entendia bem.
Um dos ciganos tombou o corpo para fora da sua proteção para tentar
atirar em mim e o seu disparo cravou no poste onde me protegia. Contudo,
tive mais sorte do que ele, pois aproveitei o momento em que se expôs para
me mover rapidamente e acertá-lo com um tiro bem no meio da cabeça.
Dois a menos, faltavam três.
— Me diz aí, tio, tem essa emoção no cassino? — brinquei, mas sem
baixar a guarda ou parar de olhar para os meus alvos.
Estávamos em maior número, mas tudo indicava que não seria algo
rápido, e um tiroteio no meio do dia chamaria muito mais atenção do que
qualquer um de nós iria querer.
Pensei um pouco antes de decidir o que fazer. Atirei contra o casco
do barco em que um deles se escondia e fiz com que revidassem. Romulo e
Paolo, o soldado que estava com ele, aproveitaram para disparar contra
aqueles que se expuseram. Conseguiram acertar um, mas foi o suficiente para
que outros dois ficassem mais expertos.
A adrenalina dos disparos e a sensação de perigo se tornaram mais
intensas. Eu já havia sido baleado antes, várias vezes, e sabia como era,
porém não queria que acontecesse mais uma vez. Ainda mais por aqueles
ladrões malditos.
— Tio, porque não vai para trás do Romulo, nós damos cobertura.
— Atravessar, você ficou louco?
— Vai dizer que não estava sentindo saudades da ação?
— Você só quer me usar como isca.
— Alguém precisa ser o boi de piranha. Você já é velho mesmo!
— Seu... — Ele mal teve tempo de me xingar antes que eu o
empurrasse para fora do poste. Os homens se prepararam para atirar nele e
as balas voaram para todos os lados, acertando o chão, os postes e pegando
de raspão no meu tio até que ele se encolhesse atrás do Romulo e do Paolo.
Enquanto me curvava para atirar nos ciganos que se expunham para mirar no
meu tio, eu ri ao pensar que não poderia ser mais divertido vê-lo correndo
daquele jeito. Ele estava apavorado.
Minha mãe dizia que eu exagerava, mas ela iria gostar daquele meu
pequeno toque de crueldade.
— Todos mortos? — perguntei ao Romulo.
— Acho que sim.
— Por que não vai checar, tio?
Ele rosnou para mim, mas não disse nada.
— Vou pegar a mercadoria, senhor. — Romulo e Paolo seguiram na
frente de armas postas.
Ouvi um tiro que felizmente não acertou nenhum deles, mas Paolo
abateu o cigano restante antes que causasse mais problemas.
Assim que meus homens mostraram que era seguro, fui até o cara que
estava caído no meio do caminho, chutei-o para o lado e seu corpo rolou de
cima da mala preta. Ajoelhei-me para abri-la e verifiquei se a mercadoria
que eu viera buscar estava dentro.
Peguei a mala e Romulo e Paolo viram com as outras duas.
— Vou com essa e você volta com as outras duas.
— Sim, senhor.
Voltamos para o local onde os carros estavam estacionados no exato
momento em que ouvimos o som de sirenes. O tiroteio deveria ter chamado a
atenção dos policiais.
— Droga! — resmunguei.
— A polícia?
— Entra no carro logo! — Empurrei o meu tio após abrir o meu
porta-malas e colocar a droga dentro.
Dei a volta e liguei o veículo, acelerando para longe antes que as
viaturas se aproximassem. Fui até a esquina e Romulo veio atrás de mim
com os demais homens no outro carro, mas assim que nós vimos os carros da
polícia se aproximando, cada um foi para o lado, nos dividindo para que
fosse mais difícil sermos apanhados.
— Eles estão perto. — Meu tio olhou para trás, e eu percebi que ele
segurava o braço, provavelmente deveria ter sido atingido ali por uma bala.
— Relaxa, velho. — Ri ao acelerar mais, passando por um viaduto,
ziguezagueando em meio aos demais veículos.
Dois carros de polícia vinham atrás de mim, iniciando uma
perseguição. O trânsito estava lento, mas eu me movia cada vez mais rápido,
pois não respeitava semáforos ou demais sinalizações.
Virei em uma esquina e acelerei mais ainda na rua mais vazia,
esquivando-me dos carros que estavam pelo caminho. Percebi que o meu tio
se agarrava ao cinto com ainda mais medo do que poderia acontecer.
Precisava admitir que isso me divertia bastante e fiz muitas manobras
arriscadas só para provocá-lo.
Entramos em uma rua de comércio e as pessoas começaram a correr
quando ouviram o ronco do meu motor seguido da sirene dos policiais. Virei
em um beco que terminava em uma escadaria.
— Você é louco? — gritou meu tio quando me viu acelerando para
cima dela, ignorando completamente a placa de rua sem saída.
O carro desceu quicando pelos degraus e, a cada impacto, nós
chacoalhávamos dentro do veículo. De certa, forma eu gostava muito de ser
o segundo filho, pois o Marco precisava ser protegido e a mim cabia um
pouco de irresponsabilidade.
Quando finalmente chegamos na rua no final da escadaria e o meu tio
cerrou os lábios, tive a impressão de que o seu rosto estava ficando verde.
— Foi por isso que falei para não tomar café da manhã.
— O carro poderia ter quebrado.
— Mas não quebrou. — Pisei no acelerador novamente e o
automóvel voltou a se mover pouco antes que eu notasse que um dos carros
policiais teve coragem de nos seguir escadaria abaixo.
Ele acelerou atrás de mim e girei o volante rápido, virando numa
esquina, mas, por azar, o sinal estava fechado, e não havia espaço entre os
carros para que eu passasse. Então subi na calçada, atropelando mesas de
um restaurante e fazendo com que os móveis voassem para todos os lados.
As pessoas que estavam ali saíram do caminho para não serem atropeladas.
Na rua seguinte, voltei para o asfalto, seguindo a reta. Observei pelo
retrovisor e percebi que o maldito carro de polícia ainda estava atrás de
mim.
— Insistente esse daí.
— Nós vamos acabar sendo presos.
— Deveria confiar um pouco mais em mim, tio. — Atravessamos
outro viaduto e liguei o rádio, deixando que o rap italiano tomasse o carro.
Nós viramos, esquivamos, aceleramos, e estávamos prestes a
atravessar meia Roma, mas o carro da polícia não saía do nosso encalço.
Seja lá quem estivesse no volante daquela viatura, era quase tão bom quanto
eu.
Entramos em uma avenida, contornamos uma das muitas fontanas da
cidade e seguimos por mais alguns minutos até pararmos diante de uma linha
de trem.
O alarme estava ligado e a chancela abaixada, sinal que o trem
estava prestes a passar. Acelerei ainda mais quando meu tio gritou o meu
nome, e arrebentei a cancela com o para-choque do carro, passando com
tudo por cima da linha do trem. Eu vi a locomotiva se aproximar na minha
esquerda e, poucos segundos depois de termos alcançado o outro lado da
rua, o trem passou onde estávamos, dividindo nós de um lado e a polícia do
outro.
— Poderíamos ter morrido. — Meu tio passou a mão pela testa, que
estava brilhando com o suor gelado.
— Quase morremos todos os dias, tio. — Continuei dirigindo pela
rua porque não poderia simplesmente ficar esperando que o trem passasse e
a polícia nos alcançasse. — A não ser que o senhor prefira ser preso. Se for
assim, pode abrir a porta e ficar aqui.
Ele não respondeu e achei que fosse o suficiente para o velho por um
dia. Confesso que ele poderia até ter boas intenções ao voltar dos Estados
Unidos, mas iria precisar conquistar a nossa confiança.
Continuei dirigindo na mesma velocidade que estava antes, com o
objetivo de me afastar o mais rápido possível. Seguimos pelas ruas de Roma
por mais uns vinte minutos até que eu parasse em uma oficina mecânica,
entrando com o carro dentro do galpão.
Assim que estacionei, seis homens cercaram o carro.
— Desmanchem. — Tirei a chave da ignição e lancei para um deles.
— A polícia viu o carro e ele está marcado.
— Sim, senhor — concordou um e os outros apenas balançaram a
cabeça.
Fui para trás do automóvel e abri o porta-malas, tirando dele a mala
com as drogas. Um dos homens se aproximou de mim e me entregou outra
chave, de um esportivo verde, bem diferente daquele que eu dirigia e que
estava estacionado a poucos metros.
— Vamos, tio. — Indiquei para que o velho entrasse no outro carro
enquanto eu guardava a droga.
— Quantas dessas vocês tem pela cidade? — Ficou olhando para a
oficina, que parecia uma empresa lícita como qualquer outra, enquanto eu
manobrava o carro para fora.
— O suficiente para lidar com problemas como esse. Ninguém quer
que a polícia nos rastreie por causa de algum carro que eles avistaram e
associaram a máfia.
— Entendi.
Com mais calma, dirigi para o local onde deveria entregar a droga.
Era uma casa em um bairro da periferia. Ela tinha aparência pobre, algumas
roupas penduradas na frente e crianças correndo na rua, a imagem perfeita
para não levantar suspeitas.
Assim que estacionei, levou pouco menos de dez minutos para que o
Romulo aparecesse com os outros homens e o restante da droga. Eles
também estavam em outro veículo.
— Deu tudo certo? — Tirei as mãos do bolso e cruzei os braços.
— Sim. Despistamos os policiais e nos livramos do carro, como de
praxe. A droga está no porta-malas.
— Peguem para entregarmos aos químicos.
— Sim, senhor.
De posse das drogas, seguimos para os fundos da casa, onde ficava
um laboratório equipado para que matéria prima fosse manipulada antes de
ser distribuída para os consumidores finais nas ruas.
— Vocês estão atrasados. — O homem que geria o lugar pegou as
malas.
— Tivemos um imprevisto, mas já estamos aqui. — Sorri para ele.
— Tudo bem.
Ele verificou se a mercadoria era como o esperado antes de assentir
e apertar a minha mão.
— Cuidamos de tudo por aqui.
— Certo. — Balancei a cabeça em concordância. — Vamos para
casa, tio. — Dei um tapinha no ombro dele antes de caminhar de volta para a
rua onde havia estacionado o carro.
Nós no acomodamos e ele não disse uma palavra até que eu voltasse
a me dirigir a ele. Fiquei me perguntando se havia assustado o velho ou se a
expressão era de pura irritação.
— Quer que eu o leve para o médico?
— Não. — Puxou a manga e viu que o pequeno corte provocado pela
arma não havia sido profundo. — Você é irresponsável demais para ser o
consigliere do Marco.
— A droga chegou onde precisava estar.
— Você quase me matou lá.
— Diz que não foi divertido? —Ri e a expressão dele ficou ainda
mais séria. — Eu sempre sei como agir, conseguimos o que queremos, ainda
que os nossos métodos não sejam os mais ortodoxos. Estamos há dez anos no
poder, tio. Não somos amadores.
— Quando eu e o seu pai...
— Ainda bem que o governo se renova, não é mesmo? — interrompi-
o antes que começasse com a ladainha dos velhos tempos.
Ele se calou e eu liguei o rádio, aumentando o som até que a música
tomasse o veículo. Meu tio olhou para o outro lado enquanto eu dedilhava o
volante, imitando com os dedos as batidas. Ele poderia achar que eu era
simplesmente irresponsável, mas estava testando os seus limites e queria
saber até onde iria, porque tínhamos passado muito tempo separados para
saber se poderíamos ou não confiar nele.
Minutos depois, chegamos na mansão.
— Acho melhor você tomar um banho e almoçar. — Dei um tapinha
no ombro dele e meu tio cerrou os dentes. — Bem-vindo de volta a Roma,
Leonel.
Saí da garagem sem me preocupar se ele me seguiria ou não e entrei
na casa. Acenei para a minha mãe e para a minha cunhada, que estavam na
sala, e segui escada acima em busca do meu irmão, que estava no escritório
no telefone com um dos capi.
Bati na porta para chamar a atenção dele e Marco desligou a
chamada antes de se voltar para mim.
— A mercadoria já está no destino.
— Ótimo! Correu tudo bem?
— Sim. Alguns tiros e policiais. Nada muito fora da rotina.
— Theo...
Fechei a porta e puxei a cadeira para me sentar diante do meu irmão
mais velho.
— Quando chegamos lá, os ciganos estavam tentando roubar o nosso
carregamento. Eram cinco homens, e demos conta deles fácil, apesar de o
nosso tio não ter gostado tanto da experiência.
— O que você fez?
— Usei ele como distração.
Marco balançou a cabeça em negativa, mas riu.
— Ele não é confiável — reafirmei as minhas suposições.
— Eu sei.
— Temos que ficar de olho nele. Há algum motivo para que esse
homem tenha voltado e vindo até nós depois de tanto tempo.
— Sim. Eu concordo com você, meu irmão. Sua intuição nunca
falhou, apesar de ter o colocado em situações complicadas às vezes.
— Vou ficar de olho nele e ver o que descubro. O que o Mateo acha
de tudo isso?
— Ele sempre foi deslumbrado com o tio. Acho melhor nós dois
mantermos ele longe das nossas desconfianças por enquanto, até que
tenhamos algo substancial.
— Certo. Como andam as negociações para o jubileu? — mudei de
assunto.
— Tudo dentro do esperado. O prefeito e o cardeal Odilo Scherer
vão garantir que as nossas empresas ganhem todas as licitações.
— Ótimo.
— As obras da ONG que a Laís vai gerenciar estão quase prontas.
Vamos receber imigrantes e pessoas em condições precárias, assim teremos
um investimento do governo de vinte e cinco euros por indivíduo diário,
além de podermos lavar o dinheiro através de doações anônimas.
— Parece que a sua esposa tomou gosto pela coisa. — Ri ao pensar
na garotinha assustada que havia chegado naquela casa e a forma como ela
havia se transformado, principalmente após a morte da Donatella.
— Vai mantê-la ocupada e nos ajudará nos negócios.
— Vocês terão um filho em breve. Acho que ela terá bastante
trabalho.
— Isso se a nossa mãe não disputar com ela o direito de cuidar do
bebê.
— Nessa disputa territorial eu me abstenho. — Fiz uma careta e o
Marco riu.
— Estou ansioso para vê-lo — admitiu e vi os seus olhos brilharem.
Certamente aquela criança estava mexendo com o coração do meu irmão.
— Imagino que sim, apesar de não fazer ideia de como é a sensação.
— Você também precisa se casar, Theo. Fará bem.
— Esse bicho que picou você não irá me afetar. — Ri ao cruzar os
braços, deixando claro que não estava tão receptivo a esse assunto.
— Não importa, desde que pare de ir para os clubes.
— Acha que vai ter uma mulher que fará com que eu pare em casa
todas as noites em que não estiver a serviço da máfia?
— Acho.
Levantei da cadeira e o encarei com um sorriso debochado nos
lábios.
— Você me conhece muito menos do que imagina, irmão. — Bati na
mesa antes de dar as costas, saindo do escritório.
Desci para almoçar e depois voltei para o meu quarto a fim de tomar
um banho.
Tranquei a porta, me despi e entrei debaixo do chuveiro. Girei o
registro e a água quente caiu sobre a minha cabeça, escorregando pelo meu
corpo e contornando os músculos que eu cultivava com muitos exercícios
físicos e prática de luta.
Fechei os olhos e me lembrei da adrenalina pela fuga dos policiais
mais cedo. Ainda conseguia ouvir a sirene e os gritos das pessoas que
corriam para sair do caminho. A energia era vibrante e fazia com que me
sentisse mais vivo do que nunca. Contudo, logo as imagens dessa minha
aventura foram substituídas pela visão da boate, as pessoas dançando, as
prostitutas em cima de mim, então ela...
A miragem, a mulher imaginária que tinha visto por apenas alguns
segundos até que ela desaparecesse, como se fosse feita de fumaça. Eu não
estava sob efeito de drogas, ainda assim, parecia estar delirando.
Quem é você?
Pressionei as pálpebras, deixando que a minha mente mergulhasse
ainda mais naquela simples lembrança. Se era fruto da minha imaginação, eu
deveria ter mais detalhes sobre ela, seus traços, suas curvas, seu sorriso e
principalmente como ela seria sem roupa.
Quando me dei conta, havia escorregado a minha mão direita e
envolvido o meu membro. O vestido verde, as luzes que serpenteavam pelo
seu rosto, o cabelo tão negro quanto a noite mais profunda. Linda...
Seus lábios pareciam carnudos. Ela teria certa experiência ou era
nova naquele clube? Ainda que não houvesse qualquer sinal de que a mulher
fosse real, eu a imaginei se colocando de joelhos diante de mim enquanto
envolvia seu cabelo negro com as mãos e seus lábios vermelhos
naturalmente se aproximavam do meu pau. Quase gozei só de pensar. Deixei-
me levar pela fantasia enquanto movia a mão pela extensão do meu pênis,
aumentando a pressão e a velocidade, pensando nos movimentos que a boca
dela poderiam estar fazendo em mim.
Apoiei a mão livre na parede enquanto alcançava o prazer, gozando,
ofegante.
— Ah, garota. — Escorei-me no box do banheiro enquanto esperava
me recuperar do estopim.
Precisava tirar aquela imagem da minha mente antes que acabasse
perdendo o juízo.
Capítulo nove
A presença de Edna nem foi o que mais me incomodou naquele dia.
Pensar que a minha cunhada estaria sozinha com aquele homem, não me
deixava nem um pouco contente. Ângela se mostrava forte, mas era uma
mulher sem muitos recursos, como qualquer uma de nós.
— O almoço já está pronto? — Ela apareceu na cozinha com um
sorriso amistoso.
— Quase, senhora — respondeu Francesca.
— Está tudo bem? — Aproximei-me dela e coloquei a mão sobre o
seu ombro em um gesto de carinho.
— Sim.
— Onde está o Giulio? — indagou Edna.
— Foi atender um telefonema.
— Esse homem não pode ficar nessa casa. Se o meu filho ainda
estivesse vivo, jamais iria permitir que algo assim acontecesse.
— Mas ele não está. — Ângela encarou a sogra.
— O que será de nós e das crianças sem ele?
— Vamos sobreviver — garantiu Ângela com o olhar determinado.
— Tatiane, por favor, pode encontrar o Giulio e levá-lo até a sala de jantar?
— Sim, farei isso.
— Obrigada. Vou ficar por aqui e garantir que o almoço seja servido
logo. Edna, queria que você levasse as crianças para almoçar na piscina
hoje, tudo bem? Eles adoram quando podem comer fora de casa.
— Não quer que os dois estejam lá com o Giulio? Afinal é da
herança deles que estamos falando.
— Faça o que pedi ao menos uma vez, por favor. — Ângela tentou
manter a postura gentil, mas era perceptível que ela estava abusando de todo
o seu autocontrole para se manter de pé. Honestamente, nem sabia como ela
estava dando conta de tudo após ter perdido o marido de forma tão cruel.
— Tudo bem. — Edna acabou assentindo.
— Tati, por favor. — Ela apontou para o corredor.
— Sim.
— Seja gentil e o mantenha ocupado até que o almoço seja servido.
Balancei a cabeça em afirmativa e segui pela casa até encontrar o
homem no jardim ao telefone, cercado de capangas, como aqueles que o meu
irmão tinha e protegiam a casa.
— Olá, Giulio. — Sorri para ele tentando abusar ao máximo da
minha simpatia e bom humor, ainda que apenas de olhar para aquele homem
fizesse meu estômago embrulhar. Não era apenas a sua aparência que me
incomodava, mas principalmente o seu cheiro, um misto estranho de
perfumes que acabava enjoativo.
— Docinho. — Ele sorriu para mim. — Para onde foi a sua cunhada?
— Ela foi se certificar de que o almoço seja servido logo.
— Imaginei que você houvesse ido fazer isso.
— Só a Ângela consegue manter tudo funcionando nessa casa.
— Imagino que sim. Vou precisar muito dela nessa transição, se é que
você me entende. — Ele piscou para mim.
Eu era muito ingênua em relação a muitas coisas, inclusive nas
relações entre homem e mulher. Contudo, sabia o mínimo para que coisas
horríveis passassem pela minha cabeça quando Giulio se referiu a minha
cunhada daquele jeito.
— Seu irmão não a prometeu a ninguém, não é mesmo? — Ele se
aproximou de mim e tocou o meu rosto.
Respirei fundo, prendendo o ar para que não virasse o rosto. Seus
dedos escorregando pela minha bochecha fizeram com que meu estômago
revirasse ainda mais.
— Hein? — insistiu para que eu respondesse.
Apenas balancei a cabeça em negativa.
— Ainda é virgem como deve ser, eu espero.
— Sou. — Engoli em seco, ficando cada vez mais apavorada com o
rumo daquela conversa.
— É um belo diamante, e eu tenho certeza de que alguém estará
disposto a pagar muito bem para ter uma esposa tão linda como você. Ou
talvez eu mesmo a tome para mim, já que ainda não me casei.
Arregalei os meus olhos, mas me contive para que nenhum som
saísse da minha boca. Tive certeza de que precisava conter todo o meu
desespero para que aquele homem não percebesse o quanto a sua fala me
deixava desesperada.
Esposa ou prostituta. Sabia bem que esses eram os únicos dois
caminhos para uma mulher na máfia. Estávamos no país berço do
catolicismo e apesar de viver numa versão distorcida das leis divinas, não
havia brecha para divórcio. Aquele pecado jamais seria aceito.
Apesar de Tiago ter cuidado de mim e me passado ensinamentos para
que me tornasse a esposa de alguém, nunca me prometeu a homem algum e
me deixou criar a ilusão de que eu sempre teria um lugar naquela casa, sob
seus cuidados. Porém, após a sua morte, ele não estava mais ali para me
proteger.
— Filha de Guilhermo Mancini. Casar-me com você pode me trazer
muitos benefícios. Não apenas nos negócios, mas na minha legitimação como
novo capo de Palermo.
Prendi a respiração enquanto ele me observava dos pés à cabeça,
como se fosse capaz de me despir com o olhar, e a sensação que provocou
em mim não era nada boa.
— Po-por... Por que não vamos almoçar? A comida já deve estar
posta. — Fiz um gesto para que ele me seguisse, mas logo após ter dado
alguns passos, Giulio me pegou pela cintura e me pressionou contra a parede
lateral externa da casa.
Havia alguns homens nos observando e eu olhei para eles, mas
duvidava muito que fossem fazer algo contra o seu chefe, independente do
que ele tentasse fazer contra mim.
— Você tem um cheio bom. — Escorregou os dedos pelo meu cabelo
enquanto fungava a minha nuca.
Não posso dizer o mesmo de você. Cerrei os lábios para conter o
vômito quando senti o suco gástrico corroer o meu esôfago.
— Achei vocês! — Ângela apareceu no meu raio de visão e respirei
aliviada pela presença da minha cunhada ter feito com que aquele homem
asqueroso se afastasse de mim. — Vamos, Giulio. O almoço já foi servido e
você não vai querer que a comida esfrie.
— Continuamos depois, docinho. — Ele falou com a boca na minha
orelha antes de se afastar de mim e acompanhar a minha cunhada.
Fiquei para trás e acabei vomitando em um canteiro de plantas.
Limpei a boca com as costas da mão e me recompus antes de segui-los para
a sala de jantar. Cheguei à porta a tempo de ver Ângela puxar a cadeira do
topo da mesa que antes era ocupada pelo meu irmão e esperar que Giulio se
acomodasse nela. Fiquei me perguntando o que poderia ter acontecido
durante o tempo deles sozinhos para que a minha cunhada de repente ficasse
tão solicita. Será que ele havia a ameaçado ou abusado dela? Tive vontade
de vomitar novamente só de pensar.
Sentei na mesma cadeira de sempre e esperei que a Ângela se
acomodasse na dela.
— Estava conversando com a Tatiane sobre as vantagens do nosso
casamento. — Giulio sorriu para mim antes de voltar a encarar minha
cunhada. — É claro que estamos pensando no melhor para os negócios e
você sempre terá um lugar ao meu lado. — Ele segurou a mão da minha
cunhada sobre a mesa. — Quanto aos garotos, podemos mandá-los para os
Estados Unidos. Lá eles irão aprender uma ou outra coisa nova sobre a vida.
Ângela continuou sorrindo e minha vontade foi de gritar. Ela não
podia deixar que ele enviasse o Luca e o Mario para tão longe de nós. Ou
talvez fosse mesmo melhor que os filhos do meu irmão não ficassem perto
daquele porco.
— Por que não vamos comer? — Pegou o garfo e fincou em uma
batata.
— Primeiro um brinde. — O homem ergueu a taça com um sorriso de
quem havia ganhado o mundo. De fato, ele estava ganhando posse sobre o
meu.
Ângela ergueu a sua taça e fez um gesto para que eu fizesse o mesmo.
Não concordava, mas fui obrigada a comemorar a presença daquele homem
nas nossas vidas enquanto ainda me remoía com o luto pela morte do meu
irmão.
Levei a taça de vinho branco aos lábios e tomei um gole antes de
devolvê-la para a mesa. Peguei os meus talheres e comecei a comer. Minha
cunhada fez o mesmo e Giulio afastou as mãos dela, mas não o seu olhar.
— Adoraria que me acompanhasse a reunião que terei com os
homens amanhã. Imagino que conheça os negócios do seu marido, além do
pau dele.
— Por favor, não seja indelicado na frente da Tatiane.
— Ela logo vai saber como o mundo dos adultos funciona. — Piscou
para mim e eu forcei um meio sorriso.
Senti ainda mais falta do Tiago. Conhecia bem a relação dele com a
esposa e sabia que jamais permitiria que alguém fosse desrespeitoso com
ela.
Giulio finalmente deu atenção para a comida e colocou umas
garfadas na boca.
— Não está delicioso? — Ângela perguntou a ele com um sorriso
mais largo.
— Sim. — Ele comeu um pouco mais. — Vamos manter a cozinheira.
— Que bom. — Ângela deu umas garfadas na própria comida.
Não consegui comer direito, apenas observava os dois. Queria que
fosse tão fácil para mim fingir o mínimo de contentamento diante da situação
toda.
De repente Giulio soltou o garfo e colocou a mão no pescoço,
ficando vermelho.
— O que que você fez, vagabunda? — rosnou indo na direção da
minha cunhada, mas ela apenas se levantou dando alguns passos para trás.
Giulio caiu no chão e começou a salivar enquanto seus olhos eram de
puro pavor.
— Você não vai tomar o que é dos meus filhos e muito menos se
impor nessa casa — disse Ângela ao voltar a encará-lo com a mesma fúria
que demonstrou quando o homem chegou.
— Ele está morto? — Reparei no homem caído no chão com os olhos
arregalados e a boca aberta, babando.
— Sim. — Minha cunhada o chutou para ter certeza. — Envenenei a
comida dele.
— Ele poderia não ter comido.
— Estava contando que ele iria me subestimar pelo fato de ser
mulher.
— Foi por isso que pediu para que as crianças não estivessem aqui?
— deduzi, surpresa com tudo o que a minha cunhada havia articulado.
— Luca vai aprender a lidar com a morte no seu tempo, o Mario
ainda é muito jovem para tudo isso.
— Se o homem que iria assumir o lugar do Tiago está morto, o que
acontece agora?
— Você não queria confrontar os Bellucci? Então se prepare para a
chegada deles.
Engoli em seco ao me recordar de que eles eram a família
responsável pela morte do meu irmão, e um calafrio me percorreu logo em
seguida quando recordei do homem que havia visto no clube.
Capítulo dez

Desci do avião particular no aeroporto Falconi Borsellino com a


maresia tomando conta da brisa de primavera. Olhei para a pista de pouso
antes de terminar de percorrer os degraus e ir até um dos carros que
aguardavam por nós a poucos metros, juntamente com alguns soldados que
vieram conosco de Roma.
Fui para um carro e meu irmão para outro. Andando separados
dificultava quem quer que tentasse nos atingir, e não poderíamos deixar de
considerar Palermo um território hostil. Não havia voltado aquela cidade
desde que matara o seu capo e sabia que poderíamos encontrar oposição,
apesar das provas de que Tiago Mancini havia matado o meu pai há pouco
mais de dez anos.
Confesso que Marco e eu não estávamos contentes por ter deixado
Roma, principalmente com a chegada do nosso tio. Não confiávamos nele e a
Laís e a mamãe não podiam ficar sem supervisão, contudo o velho
concordou em vir conosco sem hesitar. O que me surpreendeu depois de eu
quase tê-lo feito ser baleado. Ele seguiu no carro com o meu irmão, o que me
permitiu alguns minutos silenciosos dedicados aos meus pensamentos.
Depois que chegou ao nosso conhecimento que a mulher do Tiago
havia matado o Giulio Mancini, sabíamos que não restavam alternativas a
não ser vir pessoalmente ao local. Precisávamos acabar com a disputa de
poder antes de perdemos o controle daquela cidade. Se Giulio estava morto,
provavelmente teríamos que dar o poder a uma família subordinada que nos
jurasse lealdade.
Estávamos a caminho da casa que costumava pertencer ao Tiago para
confrontarmos a viúva sobre o que havia acontecido, provavelmente nós
mesmos teríamos que punir a mulher. Não era do nosso feitio atingir
mulheres e crianças, mas a situação mudava de figura quando a nossa
hegemonia era ameaçada.
Eu observava o litoral, admirando a praia encantadora cercada de
turistas, que vinham desfrutar das belezas naturais e das ruínas que
enfeitavam a ilha. Estava tão distraído que não sei quanto tempo levou para
que estacionássemos diante de uma enorme mansão.
Nossos soldados desceram primeiro, antes que um deles abrisse a
porta para mim. Ajeitei os óculos de sol e puxei meu blazer para frente,
caminhando atrás do meu irmão, seguindo a comitiva para o interior da casa
fortemente protegida por soldados. O ambiente era muito claro, cheio de
grandes janelas e o clima ameno das praias. Uma família comum poderia até
viver bem feliz num local como aquele.
A primeira pessoa que vi foi uma mulher na casa dos trinta, talvez
uns trinta e seis anos, ela tinha os cabelos escuros e olhos castanhos e estava
com as mãos sobre os ombros de um menino que mal tinha quinze anos. A
postura dela era altiva, de quem não tinha medo de nós, apesar de ser o mais
prudente.
Então eu virei a cabeça e a vi. Não era um delírio, ou não deveria
ser. Era ela, a garota do clube em carne e osso, com roupas muito mais
comportadas do que aquele vestido verde, mas não me restavam dúvidas. Os
mesmos traços do rosto, o cabelo e as olhos escuros e a pele...
— Branca de Neve — murmurei, perplexo.
— Quê? — Marco franziu o cenho, confuso. Não havia contado para
o meu irmão nem para ninguém sobre a mulher que roubava os meus
pensamentos nos últimos dias, pois não queria que achassem que eu era um
louco.
Agi por impulso, puxei-a pela mão e a levei para um canto afastado
da sala. Foi impossível não atrair a atenção de todos, porém aquele era o
máximo de privacidade que conseguiríamos no momento.
— O que você está fazendo aqui?
— Hã? Como assim? — Ela levantou as sobrancelhas negras,
confusa com a minha pergunta. — Do que você está falando? Eu moro aqui.
— Eu vi você em Roma, num clube. Há mais ou menos uma semana.
Ou não era você?
A garota engoliu em seco e foi o suficiente para que eu tivesse
certeza de que estava falando com a mulher certa.
— O que você estava fazendo lá? Certamente não é uma prostituta.
— Não, eu não sou.
— Então eu exijo que me responda.
— Não pode me exigir nada. — Ela rosnou como se fosse um
cãozinho bravo. Era fofa, mas nem um pouco amedrontadora.
— Sim, eu posso.
— Como chegam aqui se impondo depois do que fizerem? — Ela se
esquivou do meu agarre e se afastou alguns passos.
— Nós fizemos? — Foi a minha vez de expressar confusão.
—Eu sei que foi o Marco quem matou o meu irmão. Fui atrás de você
naquele clube, porque queria saber o porquê — disse, cheia de convicção.
Era corajosa demais para quem não passava de uma mulher indefesa. Ou
talvez fosse estúpida e não tivesse ideia de com quem estava falando.
— Não foi o Marco.
— Só falta me dizer que vocês não têm nada a ver com isso.
— Não foi o Marco quem matou o seu irmão — repeti. — Fui eu.
Ela se afastou ainda mais e o susto tomou completamente a sua
expressão angelical. Surpresa, choque e por fim... medo. Estava acostumado
a provocar aquela sensação nas pessoas, mas estranhamente eu não queria
que ela saísse correndo na primeira oportunidade.
— Por quê?
— Porque o desgraçado matou o meu pai — respondi firme — e
sangue se lava com sangue.
Ficamos nos encarando por alguns minutos e ela não ousou dizer
mais nada, nem eu.
— Posso saber o que está acontecendo? — Marco me encarou.
— Nada. — Afastei-me da garota, ainda que não fosse a minha
vontade. Eu precisava refletir sobre o que estava acontecendo e ela também.
— Vocês se conhecem? — questionou-me, quando parei ao seu lado.
— Só a vi uma vez, mas não foi importante.
— Vocês...
— Não. — Fui enfático antes que o meu irmão insinuasse qualquer
coisa.
— Eu sabia que vocês viriam. — A viúva atraiu a atenção da
conversa para si, mas com o canto de olho, eu ainda observava a outra
mulher.
Andei batendo punheta para a irmã do homem que matou o meu pai.
Era só o que me faltava...
— Ainda bem que tem a noção das consequências das atitudes que
tomou, ainda que não tenha pensado bem ao matar o capo de Palermo.
— Tudo o que fiz em nada reflete a minha lealdade a vocês. O meu
marido era o capo de Palermo e esse é o direito do meu filho. Livrei-me do
Giulio apenas para garantir isso.
— Seu filho não passa de uma criança. — Marco meteu as mãos no
bolso, irritado. — Acha que um garoto vai saber fazer tudo o que é
necessário?
— Ainda não. — Ela admitiu e isso só provocou ainda mais a fúria
do meu irmão.
— Tem ideia das complicações que causou para nós matando o
Giulio? — Marco tocou a arma no coldre, mas não apontou para a mulher,
talvez em respeito ao menino e a outra dama no recinto.
— Meu filho ainda não tem idade para assumir, eu sei. — A mulher
estufou o peito, firme. Mesmo diante do chefe da máfia não se amedrontou, e
isso me deixou curioso. Nem todas tinham aquela coragem. — Eu vou cuidar
de tudo, como uma regente, até que meu filho se torne um adulto. Quando ele
tiver a idade certa, me afasto, mas até lá vou garantir que os negócios em
Palermo continuem normalmente. Eu conheço cada estabelecimento, cada
distribuidor, sei todas as rotas de entrada e saída e os homens me respeitam.
— Está brincando comigo? — Marco começou a rir.
— Donatella Rossi se tornou capo.
— Ela era filha do capo anterior e, no fundo, não passou de uma
louca que nos causou muitos problemas. Não temos motivos para confiar em
você. Pode se casar de novo, colocar qualquer um no posto. Não estamos
brincando.
— Eu sei e entendo todo o receio, mas vocês mataram o homem que
eu amava e mesmo assim estou dando minha palavra que continuaremos leais
a vocês. Por isso mereço um voto de confiança. Juro não me casar de novo
enquanto o poder não for entregue ao meu filho, Luca, herdeiro do Tiago.
— O que nos garante que ele não queira se vingar pelo que
aconteceu? — questionei-a ao me intrometer na conversa.
— Eu. — De fato a firmeza dela era admirável.
— Sua palavra não vale nada. — Bufou Marco.
— Vocês têm uma escolha. Escolher alguma outra família para que
ela governe Palermo em nome de vocês, o que pode causar uma grande
instabilidade e desconfiança, ou deixar que aquele que todos esperam
assuma o poder um dia.
Tínhamos um impasse e Ângela Mancini soube colocá-lo muito bem.
Astuta sem dúvidas, mas ela teria aquela mesma destreza ao lidar com os
assuntos da máfia? Seria difícil saber, e o Marco não parecia disposto a
arriscar. De qualquer forma, aquela mulher ainda era a esposa do homem que
eu havia matado.
— Tatiana é filha do Guilhermo. Ela tem tanto direito ao comando de
Palermo quanto a Donatella Rossi teve em Milão — Todos se viraram na
direção de uma mulher velha que eu mal tinha notado na sala.
— Quem é você? — Marco deu um passo na direção dela e todos os
soldados se mexeram, ficando em alerta para que nada acontecesse ao chefe.
Capítulo onze
Não sei por que a velha disse aquilo, principalmente porque ela
sempre negou o fato de que eu fosse filha do seu falecido marido. A traição
sempre foi inaceitável. Contudo, o meu breve momento de choque não durou
muito, pois ela logo mostrou as suas garras.
— ...mas ela é jovem e ingênua demais para ser um capo —
continuou.
— Aonde quer chegar, Edna? — Mostrei os dentes para ela.
— Você pode ser a garantia que eles precisam. Virgem, delicada,
bonita, pode ser a esposa perfeita. — Edna voltou a se virar para os homens
na nossa sala. — Ela foi criada para isso.
A velha abriu um largo sorriso e senti o peso dos olhos azuis do
chefe sobre mim. Ele me analisou por minutos intermináveis até que abriu a
boca, me sentenciando. — Theo precisa de uma esposa e a aliança entre as
famílias garantirá que, se você não cumprir com o acordo, nós assumimos —
falou para a Ângela.
— Eu não vou me casar com o homem que matou o meu irmão. —
Balancei a cabeça em negativa.
— Não temos muito tempo para resolver isso. Vamos para o Hotel
Citá diante da Fontana Pretoria. Aguardamos vocês em duas horas com uma
decisão positiva, do contrário, os Mancini não serão mais a família que
controla Palermo — decretou o chefe antes de dar as costas e seguir para
fora da casa.
Meus olhos se cruzaram com os verdes do algoz do meu irmão e nos
encaramos por um período fora do tempo ou da noção de espaço. Poderia ter
sido apenas alguns segundos, mas foi como se houvesse passado uma vida
toda. Senti um calafrio, que começou na base da minha coluna e varreu o
meu corpo inteiro, fazendo com que eu me virasse. Então ele foi embora,
deixando apenas um clima estranho e pesado.
Como poderiam esperar que eu me casasse com ele?
— O que você fez? — rugi para a Edna quando os Bellucci e seus
homens deixaram a nossa sala.
— Dei a solução para manter o legado do meu filho.
— Me fazendo casar com o assassino dele? — Queria voar no
pescoço dela e esfolá-la, mas o choque era tão grande que nem conseguia me
mexer.
— Vai fazer parte da família mais importante da Itália. Deveria estar
feliz.
— Ângela? — Nem me dei ao trabalho de responder a Edna e me
virei diretamente para a minha cunhada, responsável por articular tudo
aquilo.
— Você precisa fazer isso, tia. — A resposta veio do Luca, o que me
deixou ainda mais chocada. — Sou eu que tenho que assumir os negócios do
papai e não outra pessoa.
— Mas... — Cerrei os lábios na tentativa de conter as minhas
lágrimas, mas não consegui. Então saí correndo, subi a escada rumo ao meu
quarto e bati a porta. Se tivesse mais força, teria arrancado-a das
dobradiças.
Sentei-me na cama e abracei os joelhos, ficando em posição fetal. Os
olhos verdes daquele monstro tomaram a minha mente enquanto me
recordava de que ele era o culpado por meu irmão não estar mais conosco.
Depois de tudo, ainda tinha coragem de entrar na minha casa impondo suas
vontades sobre tudo e todos.
Tiago? A intensidade do meu choro aumentou quando chamei o meu
irmão em pensamentos e ele não me respondeu.
Ele havia feito tanto por mim e certamente não concordaria com que
me cassasse com Theo Bellucci.
Ouvi uma batida na porta, mas não me mexi até que uma voz viesse
do outro lado.
— Tati, me deixa entrar.
— Quero ficar sozinha, Ângela.
— Por favor...
A contragosto, levantei-me e abri a porta, deixando que a minha
cunhada entrasse. Ela sentou-se na minha frente na cama, afagando o meu
cabelo como fazia quando eu era apenas uma menina.
— Seu irmão fez o que pôde e muito mais do que deveria para
proteger você.
— Sei disso.
— Agora ele não está mais aqui.
— Ângela, não... — Eu sabia o que ela iria me pedir e virei o rosto
aos prantos antes que minha cunhada realmente dissesse.
Ela acariciou o meu rosto e limpou uma lágrima que escorreu pela
minha bochecha. Pude sentir todo o carinho que ela teve por mim ao longo
desses anos, porém não tornou mais fácil o que diria a seguir.
— Se os Bellucci não me aceitarem como capo, o legado do seu
irmão, do seu pai, e de todos os outros Mancini antes deles morre aqui, mas
esse nem é o maior problema. Tudo dentro dessa casa, da nossa segurança
aos nossos luxos, é mantido pela máfia e sem ela estaremos a própria sorte.
Quando a nova família assumir, é bem provável que eles tentem nos matar
para que o Luca ou o Mario jamais possam fazer algo para recuperar o
poder. Nós duas, a cobra da Edna e os meninos não duraremos muito tempo.
Engoli em seco, sem conseguir respirar, pois foi como se o mundo
inteiro estivesse passando pela minha garganta, e não consegui dizer nada.
— Existem momentos em que todos nós precisamos nos sacrificar em
nome da família. Infelizmente chegou o seu. Case-se com o Bellucci, torne-
se uma das mulheres mais poderosas da Itália e garanta o futuro dos seus
sobrinhos.
— Ângela, ele me disse há poucos minutos que matou o Tiago.
— Sim, ele matou.
— Então como consegue pensar em mim com esse homem?
— Ele vingou o pai dele. — Suspirou como se soltasse uma massa
pesada do peito, após refletir muito.
— Por que o Tiago matou um Bellucci?
— Existem coisas que você não precisa saber.
— Você sabe? — questionei-a.
— Vamos arrumar as suas malas? Estamos ficando sem tempo. —
Ela se levantou da cama com o maior sorriso do mundo, como se eu fosse
sair em uma viagem de férias e não ser entregue a um assassino como uma
oferenda que selaria o futuro de todos.
Capítulo doze

Entramos no hotel, um dos muitos que nos pertenciam em toda a


Itália, e seguimos para a suíte principal. Deixamos nosso tio na sala com os
demais homens e arrastei o meu irmão para o quarto comigo, fechando a
porta atrás de nós.
— Por que caralho escolheu a mim e não o Mateo?
— Eu já me casei e o Mateo é o mais jovem de nós.
— Não deveria ao menos me consultar antes de me jogar na fogueira
desse jeito? — Precisei me controlar para não elevar o tom de voz demais e
não deixar que os homens percebessem que estava discutindo com o grande
chefe.
— Ela é a garantia sobre um dos principais territórios da Sicília, e a
lealdade deles é crucial para nós. Tire os clubes da sua mente e comece a
pensar racionalmente.
— Eu não quero me casar. — Bufei.
— Diz para mim que estou enganado sobre a atração que vi entre
vocês, que eu a entrego para o Mateo. — Marco me fitou provocativo e eu
sabia que era a minha responsabilidade com ele e com a máfia dizer sempre
a verdade.
— Eu a vi na última vez que estive no clube. É a mulher mais bonita
que já tinha posto os olhos, mas durou menos de um minuto antes dela
desaparecer. Achei que fosse coisa da minha cabeça. Imagina só a minha
surpresa quando a vi naquela casa. Irmã do Tiago Mancini...
— O que ela estava fazendo no clube? — Marco caminhou para
perto da janela, e puxou a cortina, deixando que a luz entrasse no quarto
antes de voltar-se para mim outra vez.
— Disse que foi atrás de mim. Queria saber o que aconteceu com o
irmão, mas achava que era você quem o havia matado.
— Poderia ter sido alguém perspicaz o bastante para colocar uma
bala na sua cabeça. Eu ia achar pouco.
— Já entendi. Não vou mais para a porra dos clubes. — Soltei os
ombros, irritado.
— Então eu ligo para o Mateo agora e aviso que ele vai se casar? —
Marco pegou o celular do bolso.
— Não — respondi rápido demais para ter noção da palavra que
havia acabado de pronunciar. — Ainda nem sabemos se ela virá. Não
pareceu nem um pouco empolgada com a ideia.
— Mas e se ela vier?
— Eu a quero.
Não deveria estar pensando com a cabeça de baixo, mas, pela
primeira vez, ela queria a mesma coisa que era boa para o restante da
família. Precisávamos consolidar a nossa influência sobre Palermo e eu
ainda teria a mulher que havia tomado os meus pensamentos nos últimos
dias. O grande problema era que eu mal a conhecia e me prenderia a ela pelo
resto da minha vida, pois na máfia o casamento era para sempre.
Capítulo treze

Fontana della Vergogna era o apelido de um dos monumentos mais


bonitos da cidade. Ela havia sido uma vergonha quando comprada diante da
miséria que a população enfrentava. Ironicamente, não havia melhor lugar
para que eu fosse entregue ao homem responsável pela morte da pessoa mais
importante para mim.
Desci do carro diante do hotel e olhei para a fonte com inúmeras
belas estátuas de mármore, entre elas vinte e quatro divindades e um anjo.
Olhei pela última vez para um monumento no centro que se assemelhava a
um candelabro antes de acompanhar minha cunhada. Nós duas estávamos
acompanhadas por três soldados, e seguimos todos para o hotel, tão luxuoso
quanto o monumento do lado de fora.
— Acompanhem-me, por favor. — Um dos homens, que estava
sentado em um dos sofás na recepção, se direcionou a nós antes que
fôssemos até o balcão.
Ângela assentiu e nós duas o acompanhamos até o elevador que
levava ao último andar do hotel. O ambiente era sofisticado e mesclava
muito bem antiguidade com modernidade, misturando elementos tecnológicos
com o ar antigo da cidade.
Senti o meu estômago revirar e a sensação foi como se estivesse indo
para a forca. Fiquei me perguntando se era melhor casar com aquele homem
do que seria com o Giulio, mas nunca iria saber. Um embrulhava o meu
estômago e o outro provocava a minha ira.
As portas do elevador foram abertas. Ouvi o som de cada ranger do
metal e depois os passos nossos e dos homens sobre o chão de mármore.
Passamos por um arco adornado de entalhes dourados e entramos em uma
sala cheia de homens que se viraram para nós. Ângela colocou a mão sobre
o meu ombro e o seu ato me deu um pouco mais de coragem para sobreviver
ao momento.
Vasculhei o cômodo em busca do homem ao qual estava sendo
sentenciada, mas não o vi, apenas soldados e um velho grisalho me
encaravam.
— Estamos aqui — pronunciou Ângela no exato momento em que os
Bellucci saíram de outro cômodo e vieram até nós, parando a poucos
centímetros.
Apesar de mais bonito e mais jovem do que o Giulio, esses
elementos estavam longe de ser o suficiente para me fazerem esquecer do
assassinato.
— Imagino que tenha tomado a melhor decisão. — O chefe olhou
bem para mim.
— Que escolha eu tinha? — Abri um sorriso amarelo, mas me
encolhi quando minha cunhada me deu uma cotovelada.
— Vai deixá-la aqui até que o casamento aconteça? — Ângela
perguntou a eles.
— Não. Ela vai para Roma conosco. — Foi Theo quem respondeu.
— O casamento acontecerá lá e vocês estão convidados, obviamente.
— Quando? — Ângela estava estranhamente segura para quem
negociava o meu futuro.
— Apenas o tempo suficiente para os preparativos. Uma ou duas
semanas.
— Mas já? — Fiquei pálida.
— O quanto antes esse casamento acontecer, maior é a sua garantia
de segurança. Afinal vai se tornar uma Bellucci.
Olhei para a Ângela e ela balançou a cabeça em afirmativa. Estava
morrendo de medo, ainda que soubesse que estava tomando a decisão que
isentava os meus sobrinhos de perder tudo o que o pai havia conquistado.
— As coisas dela ainda estão na mansão? — Theo desviou o olhar
de mim e voltou para a minha cunhada.
Ele tinha que ser muito frio para estar tão tranquilo em relação a
tudo. Em poucas horas, passamos de completos desconhecidos para noivos.
— Trouxe o necessário no carro.
— Muito bem, Ângela, talvez saiba agir mais como capo do que eu
imaginava. Vão pegar. — Theo fez um gesto com o dedo para dois homens
sentados em um sofá na sala e eles se levantaram, seguindo um dos antigos
soldados do meu irmão que agora respondiam à Ângela.
— Ela fica conosco. — Marco segurou o meu ombro e eu congelei
de pavor. Minha vontade foi de gritar, mas nem a minha boca se movia. —
Você pode voltar para casa como Capo de Palermo até que o seu filho mais
velho atinja a idade necessária para gerir os negócios, mas espero que você
o treine bem até lá.
— Farei isso — garantiu a minha cunhada.
— Nos veremos no casamento, mas não pense que não estamos de
olho. Se algo acontecer fora do esperado, saiba que você e a sua família vão
pagar.
— Não se arrependerá de confiar em mim, chefe. Sempre terá a
minha lealdade e a dos meus filhos. Muito sangue já foi derramado e não
precisamos de mais conflitos.
— Eu posso abraçá-la? — Estendi os braços na direção da Ângela
com a sensação de que poderia ser a última vez que eu teria a oportunidade
de fazer isso.
Marco assentiu e eu envolvi o pescoço da minha cunhada, esperando
até que ela retribuísse a minha demonstração de afeto.
— Comporte-se, não faça perguntas demais e sobreviva. É o que o
Tiago ia querer de você. É uma Mancini, é forte e vai conseguir o melhor
resultado possível.
— Obrigada. — Apertei-a com mais força.
— Tome muito cuidado com o Leonel Bellucci — sussurrou para
mim antes de se afastar e nem tive tempo de perguntar o porquê.
— Ângela?
— Me ligue quando chegar em Roma, tudo bem? — Ela afagou o meu
rosto em meio a um largo sorriso. — Tiago pode ter ido, mas eu ainda estou
aqui por você.
— Obrigada.
— Você vai ficar bem — afirmou ainda que não tivesse qualquer
certeza sobre isso. Contudo, tentei confiar nas palavras dela, pois não me
restava qualquer escolha. — Nos vemos no casamento.
Assenti.
— Ângela. — Segurei as mãos dela antes que se afastasse.
— Sim?
— Leve os meninos para que eu possa vê-los uma última vez.
— Eu levarei, sim.
Logo os homens voltaram com as minhas coisas e Ângela me afagou
mais uma vez antes de sair do cômodo seguida pelos nossos soldados. Assim
que ela sumiu completamente de vista, a realidade caiu terrivelmente sobre
mim e eu me vi sozinha com os donos da Itália e responsáveis pela morte do
meu irmão. Dei alguns passos para longe deles e cruzei os braços, me
encolhendo na melhor forma defensiva que consegui.
— O que vocês farão comigo agora? — Virei-me para o Theo
Bellucci, encarando seus olhos com firmeza. Estava pronta para o que eles
iriam sentenciar para mim, talvez eu fosse me encontrar com o meu irmão
bem mais cedo do que previa.
— Levá-la para casa — respondeu o assassino com uma serenidade
que me surpreendeu. Por um momento, vi um vislumbre de uma pessoa
normal, mas até monstros se confundiam com seres humanos em um momento
ou em outro.
— Preparem os carros, vamos para o aeroporto — ordenou Marco
aos demais homens que estavam conosco.
Alguns soldados saíram do quarto e eu fiquei quieta, assim como
havia aprendido a me comportar quando o meu irmão se encontrava com os
líderes das regiões de Palermo. Por mais que estivesse acostumada a fingir
que não via nem ouvia nada, aquela situação era bem diferente.
Minutos se passaram até que dois homens voltaram e fizeram um
gesto. O resto daqueles que estavam no cômodo se moveram e seguiram
Marco, o que carregava as minhas coisas também foi para o corredor, mas eu
fiquei parada, olhando, sem reação.
— Vamos? — Theo ofereceu a mão para mim e eu balancei a cabeça
em recusa.
Ele não insistiu, caminhou na minha frente e esperou que eu o
seguisse. Fomos de elevador até a garagem do hotel onde havia vários
carros. Marco entrou em um na companhia do mais velho entre eles e Theo
abriu a porta de outro, esperando que eu me acomodasse antes de se sentar
ao meu lado.
Um calafrio me varreu quando nossos corpos ficaram a milímetros
um do outro, um misto estranho de adrenalina e medo que fazia minhas mãos
suarem frio. Recuei na direção da porta e fiquei o mais longe dele possível.
Theo me encarou e o peso do seu olhar era como uma névoa densa
que me sufocava. Se aquele homem havia matado o meu irmão, que era forte
e destemido, o que poderia fazer comigo?
O Bellucci não disse nada e eu também não, então ele se virou e
ficou observando a cidade pela janela escura do carro. Por um momento quis
saber o que se passava na cabeça daquele homem e quais planos tinha para
mim, porém logo me amedrontei com as possibilidades e afastei as imagens
pavorosas da mente.
Chegamos ao aeroporto e fomos para a mesma área de voos
particulares onde ficava o avião do meu irmão. Saímos do carro e segui o
fluxo para dentro da pequena aeronave com espaço para talvez umas trinta
pessoas.
Theo me indicou uma cadeira e me sentei nela. Não tinha motivos
para fazer pirraça, o meu comportamento com eles definiria a vida do
restante da minha família. Ângela e meus sobrinhos estavam contando
comigo.
Todos se acomodaram e logo o avião levantou voo.
Fiquei observando até que o meu futuro marido se levantou e abriu
um pequeno frigobar na frente do avião. Ele voltou com uma garrafa de água
e um pacote de biscoitos.
— Também tem suco, refrigerante e outras coisas para comer caso
você queira. Vamos jantar quando chegarmos em casa.
— Por que está me alimentando? — questionei-o, confusa.
— Está pensando que vou jogá-la em uma cela e esperar que morra
de fome?
Prendi a respiração, mas não tive coragem de responder.
Ele ficou me olhando, mas quando percebeu que nenhuma palavra
iria sair da minha boca, voltou para sua cadeira.
Os irmãos conversaram entre si e com os soldados, mas não prestei
atenção em nada. Era prudente não me intrometer, ao menos era o que dizia o
meu medo.
Quando chegamos no aeroporto de Roma, havia outros carros
esperando por nós. Durante todo o percurso, fiquei em silêncio e o Theo
também. Ele olhava para fora e às vezes sentia que olhava para mim. Meu
coração estava apertado quando passamos os portões de uma enorme mansão
e seguimos até a garagem.
— Vem! – Fez um gesto para que eu o seguisse, e dessa vez não se
deu ao trabalho de me estender a mão.
Estava acostumada com espaços grandes, afinal meu irmão tinha uma
bela casa, mas mesmo essa sendo bem maior que a nossa, não foi isso que
me surpreendeu, e sim o fato de que, apesar de abrigar a mais poderosa
família da máfia italiana, era um ambiente alegre, com muitas cores e
claridade.
Eles me guiaram até uma sala bem espaçosa com sofás claros e
almofadas vibrantes. Fiquei me perguntando onde me deixariam, se eu teria
um quarto ou seria colocada em uma espécie de porão. No entanto, ao invés
de continuarem andando, Marco parou e chamou alguém.
— Rosimeire Bellucci!
Não demorou muito para que uma mulher aparecesse no alto da
escada. Ela era uma senhora com, provavelmente, uma idade próxima à da
Edna. Imaginei que fosse a mãe deles pelos traços e feições parecidas.
— Vocês já chegaram. — Havia alívio no seu rosto quando ela
desceu a escada e deteve-se diante do filho mais velho.
— Resolvemos rápido em Palermo.
— Quem é a moça? — Esquivou-se dos filhos para ficar na minha
frente e poder me observar melhor.
— Tatiane Mancini. Em breve, Tatiane Bellucci. — Theo colocou a
mão sobre o meu ombro e eu me esquivei por puro reflexo, deixando que ela
caísse.
— Bellucci? — A senhora ficou surpresa.
— É a noiva do Theo. Ela é a irmã mais nova do Tiago Mancini e se
tornará uma de nós para garantir que a família dela permaneça fiel —
explicou Marco.
— Entendo, mais uma aliança da máfia. — O sorriso no rosto dela
diminuiu um pouco, mas ela manteve o ar cortês. — Podem deixar que
cuidarei dela.
— Estamos contando com isso. — Marco colocou a mão no centro
das minhas costas e me empurrou na direção da mãe dele.
— Vamos encontrar um quarto para você se instalar. — Gentilmente,
Rosimeire pegou a minha mão, me guiando escada acima. Seguimos por um
grande corredor até que ela abriu uma porta e olhou para o ambiente antes de
virar-se para mim. — A Laís ficou aqui nos dias que antecederam o
casamento, você ficará instalada aqui também. É confortável e, além disso,
tem uma bela vista para o jardim.
— Obrigada.
— Imagino que as suas coisas estejam com os homens?
Balancei a cabeça em afirmativa, ainda que estivesse mais para uma
afirmação do que uma pergunta.
— Vou pedir para trazê-las para cá. Você parece cansada. Faz tanto
tempo que não vou a Sicília que nem me recordo da viagem.
— São apenas algumas horas de viagem.
— Entre! Sente-se na cama um pouco. Vou atrás das suas coisas para
que você possa tomar um banho e descansar.
— Por que está sendo tão gentil comigo?
Ela levantou uma sobrancelha, surpresa com a minha atitude.
— Por que não deveria ser?
— Sou uma estranha e irmã do homem que matou o seu marido.
— Eu também já estive no seu lugar. Uma estranha, perdida, prestes a
se casar com um desconhecido por causa da máfia. Quanto ao seu irmão ter
matado o meu marido, acredito que você não seja culpada de nada. Os
homens tomam decisões o tempo todo sem nos consultar, seja lá por qual
razão o seu irmão fez isso, você não teria como impedir.
— Não sei por que ele fez isso — confessei.
— Imagino que não. — Ela me acariciou e deu um sorriso bem
gentil, numa recepção muito diferente do que eu imaginava. — Não sei o que
a levou a ficar noiva do meu Theo, mas estou contente por ganhar mais uma
filha. Agora, tente descansar um pouco. Vou trazer as suas coisas e teremos
muito tempo para conversar.
— Obrigada.
Ela me deixou sozinha no quarto, então fui até a janela. De fato, havia
um jardim muito bonito que se estendida até o horizonte. Fiquei me
perguntando se a grama amorteceria a minha queda. Segurei no parapeito e
espichei o corpo para frente.
— Eu não faria isso se fosse você. — Ouvi uma voz vinda da porta e
me surpreendi ao ver uma mulher jovem.
Ela deveria ter alguns anos a menos do que eu, cabelos e olhos
castanhos. Era magra, mas tinha uma barriga enorme de quem daria à luz a
qualquer momento.
— Eu... Eu não iria fazer nada.
— Você provavelmente conhece bem mais o mundo do que eu
conhecia quando me casei com o Marco, mas é bom que saiba que eu fugi e
não foi nada fácil. No fim das contas, acabei aqui e pessoas morreram por
causa das minhas atitudes.
— Eu não vou fugir. Meus sobrinhos e a minha cunhada dependem
que eu cumpra a minha parte do acordo.
— Não sabia que o Theo estava noivo.
— Ele não estava até o início do dia. — Cocei a cabeça com um
sorriso amarelo.
— Posso entrar?
— Sim.
Ela veio para dentro do quarto e fechou a porta. Estranhamente não
fiquei arredia com sua presença. Talvez fosse pelo fato de sermos iguais.
Era casada com o Marco e a pessoa que melhor compreenderia o que iria
acontecer comigo nos próximos dias ou anos.
— Pode me contar o que aconteceu ou prefere não dizer?
— Posso. — Assenti ao sentar-me ao lado dela na cama.
Contei tudo o que sabia, desde a morte do Tiago até a presença dos
Bellucci na minha casa, e a ideia terrível de Edna ao me oferecer como
garantia para o acordo.
— É muita coisa para um dia só. — Ela inspirou e soltou o ar com
força.
Apenas balancei a cabeça em concordância.
— Como você consegue sobreviver sendo casada com um assassino?
— Rosimeire me deu conselhos preciosos que me fizeram enxergar o
Marco de um jeito diferente. Com o tempo, tudo entrou nos eixos e hoje digo
com toda certeza que eu o amo, e acho que com você e o Theo também pode
funcionar se vocês tentarem.
— Mas ele não matou o seu irmão.
Laís balançou a cabeça, fazendo que não.
— Sei que é muito para lidar e, acredite, quis surtar também.
Contudo, temos apenas duas escolhas: enlouquecer ou nos permitir ver o
melhor deles, mesmo parecendo que não exista.
— Não posso esquecer o que ele fez.
— Ainda assim vai ter que se casar com ele.
— Eu trouxe suas coisas. — Rosimeire bateu na porta antes de
entrar, seguida do soldado que carregava as minhas bolsas, que as colocou
num canto do quarto.
— Que bom, minhas filhas já se conheceram.
— Sim. — Laís colocou a mão sobre a minha e não recuei diante do
toque. — Depois iriei apresentar para ela a biblioteca.
— Biblioteca? — Arqueei uma sobrancelha.
— A Rosimeire tem uma biblioteca que você irá amar conhecer.
— Gosto de livros.
— Que ótimo! Então terá muitos para se distrair durante o tempo
ocioso em quem os homens estão lidando com os seus negócios. Logo eu
também terei uma ONG de ajuda humanitária, e quem sabe você não pode
trabalhar lá comigo?
— Vamos dar um tempo para ela. — Rosimeire colocou a mão sobre
o ombro da nora e fez com que ela se levantasse.
— Vamos poder conversar em outro dia. — Laís me deu um abraço
antes de se virar e seguir para fora do quarto.
— Tome um banho, descanse um pouco e depois desça para jantar
conosco — disse Rosimeire para mim antes de seguir a outra e voltar a me
deixar sozinha.
Laís estava certa, eu não tinha escolha. Precisava aceitar a minha
sentença sem fugir dela para que não houvesse consequências para as
pessoas que eu queria proteger.
Capítulo quatorze

Quando Mateo apareceu na sala, nós três seguimos para o escritório


do Marco a fim de conversarmos sobre tudo o que havia acontecido.
— Vai se casar? — O caçula estava rindo e não era o melhor
momento para isso, principalmente porque a minha futura esposa mal tinha
coragem de olhar na minha cara.
— Poderia ter sido você — soltei com mau humor.
— Eu não. Ser o mais novo tem que ter uma vantagem uma vez na
vida, e, nesse caso, ser o último a entrar na fila para o casamento. Marco,
você e só depois eu.
— Que seja!
— Ao menos ela é bonita, poderia ser pior.
— Pior do que a irmã do homem que matou o nosso pai? — Meti as
mãos nos bolsos. Achava que, como segundo filho, não iria ter as mesmas
obrigações que o Marco, mas lá estava eu.
— Por que o Theo tem que se casar com ela? — Mateo se virou para
o nosso irmão mais velho, que explicou tudo.
— Filha de Guilhermo Mancini e uma siciliana, Tatiane vai garantir
o nosso poder e influência sobre a ilha. Vocês sabem que a máfia não é feita
apenas de tiro e sangue, mas também de política.
— Uma mulher no poder não pode causar problema com os demais
capi? Todos sabiam que a Donatella era sua amante, mas a siciliana...
Marco deu a volta na mesa e foi se acomodar na sua cadeira de
couro. Ele estalou os dedos antes de se debruçar sobre a madeira.
— Existem presidentes, primeiras-ministras e figuras de poder
femininas por todo o mundo. Além disso, é só por alguns anos. Os homens
vão tentar engoli-la, mas ela sabe muito bem se impor.
— Vamos ver só quanto tempo ela dura — Mateo debochou.
— Tem alguém para cobrar hoje? — mudei de assunto. — Bundas
para chutar?
— Fique em casa, Theo. Acostume-se com a ideia de que vai ser um
homem casado em alguns dias.
— Então não vai mais precisar de mim?
— Nosso maior problema foi resolvido por enquanto e nossa mãe
deve estar nos aguardando para o jantar.
— Ótimo! — Dei as costas e saí do escritório sem falar mais nada.
Após sair da casa, contornei a construção até encontrar os meus
homens de confiança reunidos em um canto conversando, mas eles se
dispersaram quando me aproximei, pois sabiam que deveriam estar
patrulhando os arredores. Depois que a Donatella havia invadido a mansão
com a ajuda dos Costas, todo cuidado era pouco. Romulo se aproximou de
mim.
— Vai sair, senhor?
— Não. Quero que venha comigo.
Na máfia, vivíamos de alimentar os vícios das pessoas e certamente
acabava alimentando o meu por adrenalina. Não me importava de me
colocar em risco, e por isso havia ido tão longe para caçar provas que me
levaram ao culpado pela morte do meu pai. Acreditava que era capaz de
lidar com qualquer desafio, mas o casamento não estava na minha lista.
Tatiane era linda. Apenas vê-la uma vez deixou a sua imagem na
minha mente e me encheu de tesão por dias, mas isso não seria o suficiente
para fazer com que o casamento funcionasse, principalmente porque ela nem
conseguia olhar para mim.
Com a mente pulsando a mil por hora, segui até o velho galpão onde
nós e os homens íamos para treinar tiros e estalei o pescoço ao abrir a porta
com um puxão, fazendo com que o metal rangesse ao correr no trilho.
— O que quer aqui, senhor? — Romulo permaneceu na entrada.
Eu tirei o meu blazer, o coldre com as armas, a camisa social e o
colete a prova de balas, ficando apenas com os sapatos e a calça.
— Quero me exercitar um pouco. — Comecei a dar pulinhos em
meio círculo.
— Não acha melhor colocarmos as luvas primeiro?
— Quem precisa de luvas? — Estalei os dedos enquanto o encarava
com olhar firme.
— O senhor quem sabe. — Ele tombou a cabeça para um lado e para
o outro, esticando os músculos antes de caminhar na minha direção.
Romulo deferiu um soco de direita que cortou o ar e eu me esquivei
facilmente, pendulando para o outro lado. O cruzado que ele deu logo em
seguida veio em cheio nas minhas costelas, mas eu usei o antebraço para me
defender e amortizar o impacto.
Saltei para trás, fazendo movimentos de respiração e o soldado, bem
mais alto que eu, veio para cima de mim. Ele não teve dó apesar de eu ser o
chefe, e não quis que tivesse. Não era a primeira e nem seria a última vez
que eu usava a luta com algum deles para extravasar a energia que fluía
dentro de mim, e de quebra me mantinha ativo e treinado para enfrentar reais
ameaças.
O próximo golpe do Romulo foi um jab seguido de um direto. Me
esquivei encolhendo o meu corpo para baixo. Flexionei os joelhos
rapidamente enquanto protegia o meu rosto e dei um upper acertando o
plexo-solar do Romulo. Ele cambaleou para trás e o meu golpe foi o
suficiente para deixá-lo alerto e com sangue nos olhos para me acertar.
Aquela era uma das poucas oportunidades em que poderia revidar em mim o
que eu havia feito a ele em algum momento.
Veio com uma sequência de golpes e eu me esquivei de todos,
revidando na mesma proporção.
Estava rindo, cheio de deboche quando Romulo me deu um rasteira
que me jogou no chão. Mal tive tempo de sentir o impacto nas minhas costas
antes de rolar para o lado para escapar de outro golpe do pé do soldado.
— Deixamos o box de lado? — Levantei-me em um giro rápido.
— Os homens lá fora não vão respeitar as regras.
— Nisso você tem razão. — Fui para cima dele e dei um chute
circular que atingiu a cintura do Romulo, mas ele nem se mexeu e precisei
puxar a minha perna rápido antes que ele a segurasse e me derrubasse no
chão outra vez.
Um golpe seguido do outro, ele se esquivou e defendeu, e eu fiz o
mesmo. Tentou me derrubar no chão algumas vezes, mas eu estava mais
esperto e não deixei que voltasse a acontecer. Em um pequeno momento de
distração, Romulo acertou o meu rosto em cheio e eu dei alguns passos para
trás, pois o movimento havia me tonteado.
Ao ver que havia me atingido, ele veio para cima de mim com tudo e
me esquivei, pendulando para a esquerda e voltei imediatamente com um
upper que atingiu o seu queixo em cheio. Senti os meus dedos doerem
quando eles afundaram na mandíbula do soldado, que também perdeu o
equilíbrio por alguns minutos. Tentei acertar o seu rosto com um cruzado,
mas ele se protegeu com o braço deixando o caminho livre para o seu plexo-
solar que eu atingi em cheio, ele ficou bambo e meu próximo soco o
derrubou no chão, contudo não foi o suficiente para fazê-lo apagar.
Antes que eu fosse para cima dele outra vez, Romulo deu três
tapinhas no chão em sinal de rendição.
— Acho que chega por hoje.
— Fracote — debochei, mas ele não pareceu se importar.
— Preciso estar inteiro para trabalhar.
— Vou dar um desconto só por isso. — Estendi a mão para que ele se
levantasse.
Com a desistência do meu melhor soldado, fui treinar no saco de
pancadas. Perdi a noção do tempo e do espaço enquanto dava socos e chutes.
Ao menos parei de pensar e não me preocupei com meu iminente casamento.
Capítulo quinze

Tomei um banho e perdi um certo tempo tirando as coisas da mala e


as colocando no armário que havia no quarto. Era a desculpa que tinha para
ficar no cômodo o máximo possível antes de ter que confrontá-los
novamente.
Liguei para Ângela apenas para dizer que havia chegado bem, não
que ela pudesse fazer alguma coisa caso o contrário houvesse acontecido.
Felizmente eles não tomaram o meu celular, o pingo de liberdade que ainda
me restava.
Em um momento o meu estômago começou a doer me lembrando de
que eu estava com fome. Tinha a escolha de simplesmente ficar e dormir, ou
descer para comer com eles. Lembrei-me da breve conversa com a Laís e
ela falando sobre as decisões que havia tomado. Eu poderia confrontá-los ou
passar fome e a prejudicada seria apenas eu mesma, então decidi me vestir
de coragem e descer.
Estava perto da escada quando cruzei com um homem. Ele era velho,
deveria ter pelo menos uns sessenta e cinco anos, com cabelos grisalhos e
rugas. Estava com o restante dos Bellucci quando eles foram se encontrar
com a minha cunhada, porém não tinha reparado tanto nele até aquele
momento.
— Está ainda mais bonita do que a última vez em que a vi.
Fiquei pálida e congelei no corredor quando ele falou aquilo comigo.
— Já nós vimos antes? — Finalmente consegui abrir a boca depois
de intermináveis minutos.
— Há muitos anos.
— Não me lembro de você.
— Eu era mais jovem e você também. Agora se tornou uma bela
mulher e imagino que o Theo esteja ansioso para desfrutar disso. Eu estaria.
— Quem é você? — questionei, ignorando completamente as
insinuações que havia feito a respeito do meu futuro marido.
— Leonel Bellucci. — Ao responder, seu nome ecoou pela minha
cabeça e me recordou do alerta da Ângela.
Por que dentre todos os homens daquela casa, a minha cunhada
queria que eu tomasse cuidado com aquele? O que poderia haver de tão
perigoso em um simples velho?
— Tatiane! — O grito da Rosimeire afastou os questionamentos da
minha mente antes que ela parasse ao meu lado segurando o meu braço.
— Estava achando que você não viria jantar.
— Desculpa. Já estava indo.
— Pedi a cozinheira para fazer pizza em sua homenagem. Quem não
fica feliz com pizza?
— Obrigada. — Sorri diante do esforço dela para que eu ficasse bem
naquela casa.
Deixei que Rosimeire me arrastasse até a sala de jantar onde todos
estavam reunidos, com exceção do Theo. Não me dei ao trabalho de
perguntar onde ele poderia estar ou o que estaria fazendo, eles também não
falaram. Durante todo o jantar, Marco e o outro irmão ficaram em silêncio,
Leonel me encarava a todo tempo, o que me deixava ainda mais incomodava
com a sua presença, já Rosimeire e Laís tentaram puxar assunto comigo,
fazendo com que eu me sentisse minimamente a vontade para conversar com
elas e falar de mim. Perguntaram a minha idade, comida favorita e outras
coisas que eu gostava, por fim, estavam falando do casamento e de como eu
queria que fosse a cerimônia. Eu poderia decidir cada detalhe, do vestido
até as flores, com exceção do meu noivo.
Ele por sinal não apareceu para o jantar e ninguém questionou a sua
falta. Será que eu não era a única que não estava contente com aquela união?
Depois do jantar, voltei para o que seria o meu quarto até o
casamento. Encostei a porta e fui mexer no meu celular, procurar algo para
assistir que me distraísse do que estava acontecendo comigo.
Vasculhando o aparelho, encontrei várias fotos que havia tirado com
o meu irmão na viagem que havia feito com ele, a Ângela e os meninos para
a Inglaterra no ano passado. Fora bem divertido, mesmo com vários
seguranças nos vigiando o tempo todo.
Apesar de ter sido rejeitada pelo nosso pai e ter perdido a minha
mãe ainda muito cedo, meu irmão nunca deixou que eu me sentisse sem
família, mas naquele momento eu estava mais sozinha do que nunca,
independente da casa cheia.
Ouvi o som de um barulho no corredor e me assustei. Deveria ficar
quietinha, mantendo a porta fechada, mas a curiosidade foi maior do que eu e
fui abri-la para ver o que havia acontecido. Nesse momento, através da
pequena fresta, meus olhos se cruzaram com os dele, verdes, frios e
completamente penetrantes. Minha maior surpresa não foi isso, mas o fato de
ele estar seminu, usando apenas a calça, segurando nas mãos os sapatos, a
camisa e o blazer. Ele estava suado e com um pequeno corte acima da
sobrancelha esquerda. Foi difícil não olhar para o corpo dele por onde
escorriam as gotículas. Como alguém poderia ter músculos tão perfeitos?
— Aconteceu alguma coisa? — Virou-se para mim com um tom
neutro e eu parei de analisá-lo.
— Não... Eu só ouvi um barulho.
— A arma caiu do meu coldre.
Arregalei os olhos e ele riu.
— Relaxa, estava travada e eu já a peguei. — Passou a mão livre
pelo cabelo curto completamente molhado de suor. — Preciso de um banho.
— Eu vou dormir.
— Tudo bem.
Estava prestes a voltar para o quarto e fechar a porta quando ouvi um
barulho que me deixou de orelha em pé. Ele ficou mais alto e mais
repetitivo.
— O que é isso? — Tive medo de perguntar, mas o fiz assim mesmo.
— O Marco está mantendo a Laís acordada.
— Como ele pode? — perguntei cheia de revolta.
— É o marido dela — respondeu Theo com total descaso.
— Tem que ser muito cruel para torturar uma mulher grávida. — Meu
coração doeu com pena do que poderia estar acontecendo naquele quarto, e
o medo do destino que me aguardava se tornou ainda maior.
— Torturar? Você acha que ele está a torturando? — Theo começou a
rir. Gargalhou alto e eu fiquei ainda mais confusa.
— Por que outro motivo ela estaria gemendo desse jeito?
— São gemidos de prazer. Eles estão trepando.
— Sexo? — Coloquei a mão sobre a boca assim que a palavra tão
proibida escapou dela. — Sempre me disseram que era exclusivamente para
gerar filhos e ela já está grávida. O padre...
— Esquece o blábláblá do Vaticano. — Ele deu um passo na minha
direção e eu recuei outro para dentro do quarto. — Já foi beijada?
Balancei a cabeça em negativa.
— Já foi tocada? — Ele chegou mais perto e meu coração acelerou,
mas dessa vez eu não recuei.
— Os homens do meu irmão nunca deixaram ninguém se aproximar
de mim. Eu tinha que...
— Permanecer pura até o casamento. — Ele disse com o corpo a
milímetros do meu. Podia sentir o cheiro do seu corpo e do suor, e muitas
sensações tomaram conta de mim indo do medo a curiosidade, mas não asco.
Balancei a cabeça em afirmativa e quando percebi o rosto dele
estava ainda mais perto.
— Quando você experimentar, vai entender por que a Laís geme
tanto. — Colocou a mão sobre a porta e senti sua respiração se mesclar com
a minha.
Meu coração acelerou. Nunca vi a boca de um homem tão próxima a
minha antes. Senti os meus hormônios querendo experimentar o que
aconteceria a seguir, mas a minha cabeça gritou outra coisa.
— Você matou o meu irmão. — Esquivei-me dele e fui para dentro
do quarto.
— É, e ele matou o meu pai, nós já sabemos disso. — Bufou.
— Você é um monstro assassino.
— Boa noite, Tatiane. — Ele puxou a porta e a fechou.
Acompanhei o som dos seus passos até que não pudesse ouvi-los
mais e tive certeza de que o Theo não estava mais no corredor.
Sentei na cama e abracei as pernas. Que sensações eram aquelas?
Por que o homem que eu deveria odiar havia causado aqueles efeitos em
mim?
Giulio fez com que eu vomitasse ao me pressionar na parede, mas o
Theo me fez querer sentir seu toque. Por que um me dava vontade de sair
correndo e o outro não? Tive medo de que a verdade sobre isso me deixasse
ainda mais assustada.
Fui até a porta e a tranquei. Ainda que uma simples fechadura não me
desse qualquer garantia, pelo menos aumentou a minha sensação de
segurança para que eu conseguisse dormir.
Capítulo dezesseis

Tesão...
Eu não podia negar que aquela mulher me deixava excitado pra
caralho. Essa sensação aumentou ainda mais quando pude completar o
vislumbre no clube com imagens reais e bem próximas dela. Deveria ser
fácil me casar com uma mulher que me atraia tanto, porém eu parecia causar
o efeito contrário nela.
Depois do nosso encontro no corredor, tentei dormir e não consegui.
Como iria me casar com uma mulher que não me queria por perto? O acordo
de casamento poderia ter funcionado para o Marco, mas não iria para mim.
Além disso, odiava desejar tanto uma mulher que possuía o mesmo sangue
do maldito responsável pela morte do meu pai.
Tatiane era proibida, irmã do homem que eu havia caçado por dez
anos, e não deveria me envolver com ela, ainda assim, estava a algumas
portas do meu quarto e se juntaria a mim na minha cama.
Não iria dar certo...
Com aquele pensamento, levantei na manhã seguinte. Tinha vontade
de falar com o Marco, mas o meu irmão não iria voltar atrás. Não queria vê-
lo impor sua autoridade de chefe para cima de mim. Teria de lidar com
aquele problema sozinho.
Saí do quarto vestido para mais um dia qualquer. Passei diante da
porta dela e vi que ainda estava fechada. Não me dei o trabalho de bater,
porque sabia que ela não iria querer falar comigo.
Segui até a sala de jantar onde o restante da família estava reunida.
— Bom dia, querido! — Minha mãe sorriu para mim com uma
alegria que só cabia nela. — Dormiu bem?
— Dormi. — Era uma mentira, mas ela não precisava saber o
motivo. Como toda boa mãe italiana, era enxerida demais.
Puxei a cadeira e me acomodei diante da mesa antes de pegar uma
fatia de pão e queijo e puxá-las para o prato.
— Theo, temos a festa do governador hoje à noite, por que não leva a
Tatiane com você? A Laís está indisposta e não irá, mas será um bom
programa social para a sua noiva.
— É claro que ela está indisposta. Depois de vocês quase quebrarem
a cama ontem.
— Theo! — minha mãe me recriminou e Laís cobriu o rosto com um
guardanapo.
— Vai dizer que a senhora não ouviu os gemidos? — Virei-me para a
minha mãe, que ficou ainda mais envergonhada.
— Eu também ouvi. — Meu tio jogou uma uva na boca, após o
comentário.
— Não precisa expor as intimidades do seu irmão. — Deu um
cutucão em mim, mas não me importei.
— Eles trepam que nem coelhos desde que se casaram. — Riu Mateo
entrando na minha, era claro que o piadista não iria ficar para trás.
— Sabe o que é mais engraçado? — Virei-me para ele.
— O quê?
— Tatiane ouviu os gemidos e achou que ele estava torturando nossa
adorável cunhada grávida. Precisava ver a revolta.
— Torturando com o pau bem fundo nela. — Mateo continuou a rir.
— Calados vocês dois! — Marco deu um tapa forte na mesa que fez
todo o móvel tremer.
Mateo olhou para mim e continuou rindo, mas não disse mais nada
sobre a intimidade do meu irmão com a esposa que pudesse deixá-lo
irritado.
— Cheguei em um mal momento? — Tatiane apareceu na porta da
sala e todos se viraram para ela.
— Não querida, por favor, sente-se. — Minha mãe se levantou para
buscá-la e acompanhá-la até uma das cadeiras. — Como foi a noite?
— Tranquila.
Mateo começou a rir, mas logo parou quando o olhar severo do
Marco fez com que ele recuasse.
Mais sério diante da presença dela, concentrei-me em tomar o meu
café antes de me levantar e virar-me para a minha futura noiva.
— Esteja pronta para sair depois do almoço. Teremos uma festa
importante a noite e eu a levarei para comprar um vestido e um anel de
noivado.
— Você não deveria escolher o anel, Theo? — minha mãe perguntou
a mim.
— Mulheres gostam mais das joias que elas mesmas escolhem.
Ela continuou me olhando, mas eu não disse mais nada sobre o
assunto.
— Vou me encontrar com os Esposito em Monte Sacro para recolher
o dinheiro do último carregamento que entregamos para eles. Não pretendo
demorar.
— Eu posso fazer isso por você, irmão — disse Mateo ao perceber
que o meu olhar havia pesado sobre a Tatiane.
— Não, eu quero ir.
A cobrança dos territórios de Roma era algo que gostava de fazer,
apesar de ser uma tarefa incumbida a mim pelo meu pai desde que eu ainda
era garoto. Naquele dia, mais do que qualquer outro, eu precisava estar nas
ruas e lidar diretamente com o que eu era bom antes do que me aguardava
com a Tatiane. Como parte da máfia, sempre soube fazer o meu trabalho, era
bom nisso, já com ela, não fazia ideia de como proceder.
— Volto para o almoço. — Movi a cabeça até encontrar o homem
sentado do outro lado da mesa. — Por que não vem comigo, tio? — Abri um
sorriso provocativo.
— Vou ficar por aqui hoje, acho que o Marco pode precisar mais de
mim.
— Não me importo que você vá — incentivou o meu irmão.
— Acho que ele ainda está cagando na calça pela última vez que saiu
com o Theo. — Riu Mateo.
— Theo é um louco, poderia ter matado nós dois.
— Estamos aqui, não estamos, tio? — disse com a voz carregada de
sarcasmo.
— Por Deus, meu filho, tome cuidado.
— Vou ficar bem, dona Rosi. — Meti as mãos nos bolsos antes de
sair da sala de jantar e seguir para o local onde meus homens se renuíam.
Assim que Romulo e os outros me viram, sabiam que eu iria sair e
me acompanharam até a garagem.
— Monte Sacro — avisei para aquele que iria dirigir antes de entrar
no banco de trás do carro.
Durante o percurso, alternei meu olhar entre a cidade e a tela do meu
celular.
Sair de casa me faria bem, ao menos me daria a oportunidade de
colocar a cabeça no lugar. Marco se casou com uma mulher que não pôde
escolher, mas ao contrário de mim, meu irmão mais velho teve dez anos para
se acostumar com aquela ideia, já no meu caso, restavam apenas um punhado
de dias. Por mais bonita que Tatiane fosse, não conhecíamos quase nada um
do outro e ela ainda fazia questão de me lembrar a cada minuto que eu havia
matado o seu irmão, como se ele fosse um pobre inocente sem qualquer
culpa no cartório. Na máfia, matávamos ou morríamos, e esperava que ela
aprendesse isso logo.
Senti o carro parar e olhei para fora. Estávamos diante de um velho
cinema. Lugares como aquele em que a ocupação poderia ser facilmente
manipulada eram perfeitos para a lavagem de dinheiro das ruas, que entrava
como compras de ingressos na bilheteria e era convertido facilmente para
lícito.
Segui por uma entrada lateral atrás do Romulo e outros dos meus
homens. A portinhola estreita levava até os fundos do estabelecimento,
dando em uma pequena sala onde estava Gabriele Esposito, o filho do antigo
chefe, que havia morrido meses atrás. Com ele, havia soldados e alguns
outros homens, primos que cuidavam dos negócios com ele.
— Senhor Bellucci. — Olhou para mim com um largo sorriso. —
Bom dia. Por que não se senta?
— Prefiro ficar de pé. — Encarei-o com uma expressão cerrada,
cruzando os braços. Era melhor que ele não me provocasse naquele dia, pois
o meu humor não estava dos melhores.
— Tudo bem. — O sorriso dele diminuiu um pouco, mas continuou
com a sua postura.
— Onde está o dinheiro da mercadoria que entregamos para você no
início do mês?
— Aqui. — Ele abriu uma mala e a colocou sobre a mesa.
Fiz um gesto para um dos meus homens para que trouxesse um
contador de notas que eu sempre carregava no porta-malas do carro para
reuniões como aquelas. Romulo e o outro soldado passaram todas as notas
pelo contador antes de devolvê-las para a mala. Olhei para o valor
registrado e depois para o garoto, que mal deveria ter vinte e cinco anos,
uma idade próxima a que eu tinha quando o meu pai morreu.
— Estão faltando treze mil euros.
— É que tivemos alguns imprevistos, a polícia, nossos vendedores...
— Não me importo com os seus imprevistos. — Tirei a minha arma
do coldre e disparei, acertando a cabeça de um dos homens que estava atrás
dele. Os movimentos foram tão rápidos que eu sequer suei.
Todos os que estavam com o Esposito ficaram de olhos arregalados e
me encararam de boca aberta quando o homem baleado caiu no chão.
— Se-senhor... — Ele começou a gaguejar, mas logo desistiu diante
do peso do meu olhar.
— Escute, garoto, porque eu só vou dizer uma vez. Vocês têm até
amanhã para conseguir o dinheiro ou matarei o restante de vocês e colocarei
outra família gerindo os negócios em Monte Sacro. Vocês não serão mais
nada além de adubo. Nossa família faz negócios com a sua há muito tempo,
mas é necessário que entenda toda a estrutura em jogo. Se vocês errarem,
nós punimos. É assim que tem funcionado por séculos. Estamos entendidos?
— Peguei a arma e apontei para a cabeça dele.
O garoto Esposito assentiu ao engolir em seco antes que eu guardasse
a arma de novo no meu coldre.
— Vamos conseguir o restante do dinheiro — garantiu, tremendo.
Ficou evidente que ainda era novo demais naquele negócio e precisaria de
um tempo para aprender como tudo funcionava. Restaria a ele ter a sorte de
conseguir o restante do dinheiro, isso se não estivesse tentando me passar a
perna. Há muito tempo os Galo queriam aquele território e por mim tudo
bem entregar para eles, desde que respeitassem os acordos e cumprissem o
combinado.
Fiz um gesto para que o Romulo pegasse a mala com o dinheiro e
alguns homens seguiram na frente antes que o restante de nós fosse atrás, de
volta para os carros estacionados na rua.
A máfia estava no meu sangue, eu havia nascido para aquilo.
Entretanto o que me aguardava no restante do dia seria um desafio muito
maior.
Capítulo dezessete

Quando ele me disse que iriamos sair, fiquei um tanto aflita. Ir


sozinha com aquele homem para qualquer lugar que fosse deixava o meu
estômago revirando, contudo não tinha escolhas. Precisava consentir e não
causar problemas para a minha cunhada e os meus sobrinhos.
Naquela manhã, depois que o Theo e os seus irmãos saíram para
tratar de negócios, Laís e Rosi me fizeram companhia durante a visita do
estilista que desenharia o meu vestido e o confeccionaria em tempo recorde
para o casamento em poucos dias.
Não podia dizer que havia sonhado com aquele momento, apesar de
ver uma boa relação entre a minha cunhada e o meu irmão. A causa disso era
o constante terror feito pela Edna. Como ela dizia, meus dias de conto de
fadas acabariam quando um mafioso colocasse os olhos em mim e me
escolhesse como sua esposa. O pior de tudo era que, diante do meu possível
futuro, ela parecia mais certa do que nunca.
Laís tentou me empolgar enquanto eu escolhia tecidos e estilos. As
pérolas do mostruário eram lindas e também os brilhantes que poderiam ser
usados na confecção do vestido. Todo o luxo possível para o dia que deveria
ser o mais importante da minha vida.
— Eu não pude escolher o meu vestido — disse a minha futura
cunhada com um sorriso no rosto. — Você está tendo mais sorte do que eu,
porque antes do casamento, eu vivia em um convento e sempre decidiam
tudo por mim.
— Que terrível! — encolhi-me.
— Foi melhor do que ter me casado aos onze anos quando o meu pai
me prometeu ao Marco.
— Nossa!
Fiquei abismada com a história dela e ainda mais surpresa com a
forma como havia lidado com tudo. Ela e o Marco pareciam bem, assim
como a minha cunhada e o meu irmão. Será que o amor poderia mesmo
surgir entre pessoas que mal se conheciam até o momento do casamento?
Amor...
Para mim não era apenas o casamento com um desconhecido, mas
com o assassino do meu irmão. Ele era o completo responsável por me
colocar naquela situação, pois se ainda tivesse o Tiago, acreditava que
jamais acabaria naquele beco sem saída.
Estávamos as três na sala, vendo revistas de decoração com uma
cerimonialista quando o vi chegar.
Theo passou por nós, olhou para mim por uma fração de segundos
antes de subir para o andar dos quartos da mansão. No entanto, os poucos
segundos que nossos olhos fixaram um no outro foi o suficiente para que um
calafrio me varresse. Medo? Provavelmente sim.
— Tatiane, o que acha de dourado e branco para a decoração das
mesas? — Rosimeire estava falando comigo, mas levou um tempo para que
eu percebesse, minha cabeça ainda estava virada na direção da escada,
mesmo que ele não estivesse mais lá. — Tatiane?
— Oi! — Pisquei os olhos algumas vezes antes de sorrir para a
mulher gentil que se tornaria a minha sogra. Ao menos ela estava se
esforçando para tornar aquele ambiente o melhor possível para mim. A
relação era bem diferente da que Ângela tinha com a Edna.
— A decoração das mesas...
— Branco e dourado parece perfeito para mim.
— E as flores? — perguntou a cerimonialista.
— Rosas — respondi a primeira coisa que me veio à cabeça. Não
havia erro com rosas. — As brancas e talvez amarelas para combinar com a
decoração das mesas.
— Perfeito. — A mulher anotou as informações em um computador.
— Vai ser um casamento lindo. — Rosimeire certamente estava
muito mais empolgada com a minha união com o filho dela do que eu.
Não havia como fugir. Não existia divórcio naquele mundo e, em
poucos dias, estaria unida ao assassino do meu irmão para o resto da vida.
— Acho que já definimos todos os detalhes. — A mulher que
cuidaria da festa e da cerimônia se levantou.
— A recepção também será na Fontana di Trevi? — Laís perguntou
a ela antes que saíssem.
— Sim, senhora Bellucci. É um dos lugares mais bonitos para
casamentos em Roma e é uma tradição da família.
— Você vai ver só que incrível. — Laís afagou o meu ombro
tentando me incentivar.
— Como você consegue? — Fitei o fundo dos olhos castanhos dela.
— Consigo o quê? — Franziu o cenho.
— Dormir ao lado dele, mesmo sabendo de todas as pessoas que ele
já matou e que ainda vai matar? Não fica com medo de que ele faça algo com
você a noite?
— Na verdade, ele é a pessoa que faz com que eu me sinta segura.
— Tati, querida, podemos dar uma volta? — Rosimeire ofereceu a
mão para mim.
Pensei por mais de um minuto antes de aceitar o convite e caminhar
com ela até o jardim, deixando que a Laís ficasse na sala.
Ficamos em silêncio ao lado uma da outra, e observei muitos
canteiros bem cuidados e arbustos antes que a minha futura sogra dissesse
alguma coisa.
— Seu irmão era o capo de Palermo, estou certa?
— Sim, desde a morte do meu pai.
— E você confiava nele?
— Com toda a minha vida.
— Acredito que como capo ele tenha feito muitas coisas em nome da
máfia, as mesmas coisas que o meu filho faz. Inclusive matar o meu marido.
Prendi a respiração quando ela escancarou pela primeira vez aquele
fato na minha frente.
— Eu sinto muito por isso.
—Também sinto, todos os dias, mas não há nada que eu possa fazer
para trazer o Lorenzo de volta para mim, nem odiar a família responsável
pelo que aconteceu. O melhor que posso fazer é acolhê-la bem para que os
meus filhos não tenham problemas com os sicilianos. O Theo fez e faz coisas
terríveis, mas isso é da porta para fora dessa casa, assim como os outros
dois. Porém, quando eles entram aqui, são maridos e filhos como quaisquer
outros homens. O que ele vai ser com você, não cabe a mais ninguém decidir
além dos dois. Marco e Laís são felizes juntos e é o que eu torço que
aconteça com você e o Theo também.
— Ele não matou o irmão dela.
— Nem o irmão dela matou o meu marido. — Rosimeire fechou a
expressão, me fazendo engolir em seco. — Parece que só consegue enxergar
o quanto é difícil para você casar com o homem que matou seu irmão, mas já
te ocorreu o quanto está sendo complicado para ele ser obrigado a casar com
a irmã do homem que matou o pai dele, a pessoa mais importante em nossas
vidas?
Fiquei em silêncio, pois não consegui responder. Rosimeire tinha
razão.
— Nós estamos nos esforçando para recebê-la aqui. O que
esperamos é que você se esforce para que o mesmo aconteça.
— Eu não sei se consigo.
— É muito mais fácil do que imagina. Depende do quanto você está
disposta a ceder para ver o melhor dele.
Mesmo diante das palavras dela, não parecia nada fácil esquecer a
culpa da morte do meu irmão e seguir um futuro, como se isso não me
importasse. Tiago era a pessoa mais importante do mundo para mim e ele
não estava mais ali por causa do meu futuro marido.
— Agora vamos entrar. Você precisa almoçar e se vestir para que ele
a leve para fazer as compras. Por favor, coloque um sorriso nesse rosto.
Quem não gosta de compras?
— Eu não saía muito.
— Aqui também não irá. É perigoso. Entretanto, justamente por isso
que você deve aproveitar da melhor maneira possível os momentos que tem.
Assenti e voltamos juntas para o interior da casa. Depois do almoço,
com a família reunida, fui para o meu quarto e me troquei para sair com o
meu futuro marido. Apesar da conversa com a minha sogra, ainda estava
arredia.
Assim que saí do quarto e fui até a sala, o encontrei sentado no sofá
com o olhar perdido, como se estivesse fitando lugar nenhum, mas fixou os
olhos em mim quando entrei no seu campo de visão.
— Está pronta para sairmos?
— Estou.
— Colocou sapatos confortáveis. — Ele olhou para as minhas
sapatilhas. — Isso é bom.
— Não sei por quanto tempo vamos andar e alguns minutos de salto
deixam os meus pés doendo.
— Esperto da sua parte.
Theo parou na minha frente. Percebi que sua mão se moveu, talvez
tenha cogitado me estendê-la, mas desistiu.
— Vamos? — Fez um gesto para que fosse seguido.
Em silêncio, fui atrás dele até a garagem. Havia um homem ao lado
de um carro preto, que abriu a porta para que nós pudéssemos nos sentar no
banco de trás. Depois, ele assumiu o volante e outro sentou-se no banco do
carona.
— Para onde vamos? — criei coragem de perguntar.
— Uma galeria de Roma.
— Você não parece animado.
— Não gosto dessas coisas.
— Então por que vai fazer?
— Estou tentando agradar você. — A frase dele me acertou em
cheio, me deixando completamente desconcertada. Das muitas respostas que
ele poderia me dar, aquela era a menos provável e a mais desestruturadora.
Depois do desconcerto, não falei mais nada. Não podia dizer que
gostava de ir a lojas e fazer compras, porém, de certa forma, o esforço era
algo relevante. Durante todo o percurso, fiquei olhando para os prédios da
cidade e as pessoas. Assim como em Palermo, Roma possuía muitos prédios
antigos que faziam a cidade parecer um verdadeiro museu a céu aberto. Theo
não falou mais nada até abrir a porta do carro e esperar que eu saísse.
Entramos em um centro de compras muito luxuoso e nossa primeira
parada foi em uma loja de joias. A vendedora veio nos atender com um
enorme sorriso, que ficou ainda maior, se é que era possível, quando seus
olhos encontraram o Theo.
— Senhor Bellucci!
Eles se conheciam? De repente, a falta da informação me deixou
intrigada e irritada, não soube dizer ao certo.
— Vim comprar um anel.
— É para presentear uma mulher específica? Sua mãe talvez?
— Quero um anel para a minha noiva. — Ele colocou a mão no
centro das minhas costas e me puxou para frente, deixando-me visível, o que
me causou um calafrio, e foi difícil me conter para não me retorcer e deixar
que todos percebessem os efeitos que Theo Bellucci provocava em mim.
— Ah, sim. — Tive a impressão de que a vendedora ficou
desconcertada. — Tenho alguns modelos de anel de noivado que podem
agradá-la.
— Deixe que ela veja todos e escolha um. Não importa o preço.
— Como desejar, senhor. — A mulher foi até os fundos da loja e
retornou com um mostruário contendo muitos anéis, com as mais diversas
pedras preciosas. — O que acha desse? — Apontou para um que continha
um diamante solitário em formato de coração.
— Esse não.
— Então esse?
— Também não.
— Bem exigente a sua noiva.
— Deixe que ela escolha. — Theo deu de ombros e colocou as mãos
dentro dos bolsos como se não desse a mínima importância.
— Esse. — Puxei um que tinha uma esmeralda com pequenos
diamantes.
Verde, a cor dos olhos dele... Não sei por que fiz aquela associação
e tentei não me preocupar com isso no momento, apenas no quanto o anel era
bonito.
— É lindo — comentou a vendedora.
— Vou ficar com esse.
— Posso? — Theo pegou o anel e estendeu a mão esperando que eu
pousasse a minha sobre a dele.
Todos estavam nos observando, dos soldados às pessoas na loja. Eu
poderia até recuar, mas causaria problemas que não seriam bons para
nenhum de nós. Entreguei a minha mão para ele e, vagarosamente, Theo
escorregou o anel pelo meu dedo e beijou as minhas falanges em seguida.
Deveria ser romântico, mas apenas demonstrava a posse dele sobre mim.
— Ficou perfeito. — A vendedora parecia bem mais deslumbrada do
que eu.
— Quero um colar de diamantes e um par de brincos também. Vamos
a um evento hoje à noite e ela precisa estar linda.
— Vou providenciar o melhor conjunto da loja.
— Perfeito.
A vendedora saiu outra vez e quando voltou trazia uma caixa de
veludo, que abriu diante dos olhos do Theo. O conjunto de colar e brincos
era muito bonito e delicado, com inúmeros pequenos diamantes que reluziam
como se tivessem aprisionado a luz do sol.
— Gostou, Tatiane? — Ele se virou para mim.
— Sim.
— Vamos ficar com ele.
— Vou colocar em uma sacola para vocês.
— Obrigado.
Theo pagou pelo presente em dinheiro vivo e o entregou para mim.
Meu irmão tinha me dado muitas coisas, mas, daquela vez, foi diferente.
— Agora você precisa de um vestido. — Guiou-me para fora da loja
e fomos seguidos pelos seus homens, que nos escoltavam de perto.
— Acho que também vou precisar de sapatos adequados. Não trouxe
nenhum salto e imagino que uma festa como essa exija.
— Está entendendo bem como tudo funciona.
— Eu posso... Não... eu... — Me atrapalhei com as palavras e não
consegui forçar a frase depois da forma como ele me encarou.
— Vamos comprar o sapato, Tatiane. Vai ser esposa de um Bellucci,
não merece menos do que tudo o que o dinheiro possa comprar.
A fala dele ecoou na minha cabeça e soou estranha. Eu fora entregue
para ele em um acordo para garantir o poder da minha cunhada, não havia
motivos para ele me oferecer tudo, havia? Estava começando a ficar confusa
e isso não era bom.
Entramos em uma loja de vestidos de festa e experimentei muitos até
encontrar um que Theo julgou perfeito. Ele era bonito, moldava-se bem as
curvas do meu corpo, porém, não tinha decote provocativo que me mostrasse
demais.
— Vamos ficar com esse. — Ele sorriu ao se levantar do sofá diante
do provador.
— Eu gostei do preto.
— Seus seios não são algo que eu quero que as pessoas fiquem
olhando.
Fiquei paralisada.
— Quer olhar mais algum vestido?
Balancei a cabeça em negativa.
— Então ficaremos com esse.
— Obrigada. — Voltei para o provador a fim de tirar o vestido.
Após acertar a compra, Theo me levou até uma loja de sapatos e eu
saí de lá com um belo salto para usar. Torcia apenas para que na festa
houvesse um local para que eu ficasse sentada na maior parte do tempo, pois
não estava acostumada para aguentar ficar neles por tempo demais.
Depois das compras, nós voltamos para a mansão dos Bellucci em
completo silêncio dentro do carro. Eu não sabia se era por respeitar o fato
de que eu não queria nenhuma proximidade ou por qualquer outro motivo
dele.
Capítulo dezoito

Prendi as abotoaduras na minha camisa social antes de pegar o blazer


preto do meu smoking. Assim que estendi a mão para pegar a gravata
borboleta, surpreendi-me com as da minha mãe, pegando a peça para colocá-
la ao redor do meu pescoço.
— Você está tão lindo, meu filho. — Ajeitou a gravata ao redor do
meu pescoço.
— Obrigado.
— Sinto falta das vezes em que ia nessas festas glamorosas com o
seu pai.
— A senhora ainda pode ir. — Girei-me nos calcanhares para
encará-la melhor.
Minha mãe estava com uma camisola branca longa e pantufas, o que
indicava que iria dormir, ainda que nem fossem oito horas da noite.
— Não tenho mais disposição para essas coisas e, sem o seu pai,
tudo é muito diferente.
— Eu o vinguei.
— Sim. — Ela inspirou profundamente e colocou as mãos em concha
sobre o meu peito. — Acabou, querido. Você precisa deixar isso no passado
e se preocupar com o seu futuro e com a esposa que terá em alguns dias.
— Casar-me com ela foi uma péssima ideia.
— Sabe bem que se fosse uma ideia ruim ela não estaria aqui. Sei
pouco sobre os negócios e vivo contente com isso, mas imagino o quanto
manter a influência sobre os sicilianos seja importante. Afinal, a máfia
nasceu lá e eles ainda acreditam que podem ter de volta o controle sobre a
Itália.
— Eles não vão — garanti convicto.
— Cabe a vocês e ao seu casamento com a Tatiane.
— Vai ser muito mais difícil do que foi para o Marco.
— Aí que se engana. Seu irmão fez muitos sacrifícios a vida inteira
em nome desse casamento, mas os seus só começaram agora. O que me deixa
contente é saber que pode funcionar, assim como o do seu irmão.
— A senhora nem deveria gostar delas — debochei, absorvendo um
pouco do tom brincalhão do Mateo.
— Ah, por que não? Eu as adoro! Essa casa era terrivelmente
solitária antes da presença delas. Agora eu tenho com quem dividir meu
tempo, quem eu posso cuidar e me preocupar. Mal vejo a hora de que o filho
do Marco nasça. Filhas e netos são os melhores presentes que vocês podem
me dar.
— Só a senhora mesmo. — Dei de ombros, rindo.
Ela pegou um pente sobre a cômoda e penteou o meu cabelo para trás
antes de se afastar.
— Agora precisa ir antes que cheguem atrasados. O governador é
uma figura muito importante.
— Não mais do que eu.
Ela riu.
— Mande um abraço para a condessa por mim.
— Pode deixar.
Passei pela minha mãe e segui corredor afora até chegar à porta do
quarto da Tatiane. Bati uma vez e esperei que ela abrisse. Nada. Estava
prestes a fazer de novo, pensando até mesmo em girar a maçaneta, quando
ela finalmente se mostrou sob a luz amarelada do corredor.
— Estava só terminando de passar a maquiagem que a Laís me
emprestou.
— Sem problemas. — Desci os meus olhos pelo rosto impecável
dela e depois até o decote modesto e casto do vestido.
Enquanto ela experimentava as roupas na loja, não conseguia parar
de pensar na visão que tivera dela no clube, imagem que vinha vestido após
vestido, que a fiz experimentar até que encontrasse um menos provocativo.
De forma alguma queria outro homem sonhando dia e noite com ela como eu
sonhava.
— Não vai colocar o colar? — Em meio a minha inspeção percebi
que o pescoço dela estava nu.
— Não consegui. Iria pedir a sua mãe que me ajudasse.
— Eu posso? — Estendi a mão.
Ela me olhou por alguns minutos até que decidiu entrar no quarto,
para pegar o colar na caixa de veludo, e o entregou para mim.
— Vire de costas. — Escorreguei o dedo pelo seu braço e ombro,
percebendo como os pelos se eriçavam à medida que eu subia a minha mão.
Seu receio ficou evidente nos seus olhos antes que ela se virasse de
costas.
Segurei o colar com uma mão e com a outra puxei o seu cabelo
ondulado, enrolando-o e o colocando sobre o ombro. Aproximei o meu nariz
da sua nuca e inspirei o perfume suave que emanava dela. Meu pau pulsou
dentro da calça e a vontade de levantar aquele vestido e tomá-la foi quase
incontrolável.
Era impensável que uma mulher que eu havia desejado por tanto
tempo estava tão perto de mim e ao mesmo tempo tão longe, pois mal
conseguia tocá-la sem ver a repulsa em seus olhos. Abaixei um pouco o meu
rosto e estava prestes a beijá-la na nuca quando Tatiane se remexeu com a
proximidade da minha respiração, que causou nela um calafrio. Então, antes
que ela fugisse, recuei, acomodando o colar ao redor do seu pescoço.
— Pronto — disse ao prender o fecho.
— Obrigada. — Tatiane estava desconcertada, mas não era a única.
De todas as mulheres disponíveis na Itália, por que eu tinha que querer tanto
aquela?
— Vamos ou iremos acabar nos atrasando.
Ela assentiu.
Por mais uma vez, tentei uma aproximação, estendendo o braço para
que ela o segurasse. Contudo, Tatiane me olhou por alguns momentos e
recuou. Desisti e segui na frente, esperando que ela viesse atrás de mim.
Meus homens estavam esperando em uma limusine na frente da casa e
eu entrei antes que a minha noiva viesse para perto de mim. Como o espaço
era bem maior do que os carros tradicionais, saltei para o banco da frente e
a deixei sozinha no outro, mas não sei se foi a melhor alternativa, pois
ficamos frente a frente.
— Eu preciso pedir uma coisa, algo crucial para nós dois, e espero
que você cumpra.
— O quê?
— Durante essa festa é imprescindível que você não fique gritando
ou dizendo por aí que eu matei o seu irmão. Não estaremos entre mafiosos.
São políticos e outras personalidades de influência da Itália, que não
precisam saber das nossas particularidades, além de refletir muito
negativamente sobre todos nós.
— Quer que eu finja que não aconteceu?
— Por essa noite, sim. Se não for capaz de fazer isso, é melhor que
saia desse carro agora e volte para dentro de casa, vou para a festa sozinho.
Ela ficou me fitando e levou um tempo até que me respondesse. Já
estava prestes a abrir a porta e fazê-la voltar quando disse:
— Tudo bem, posso fazer isso.
— Lembre-se de que me garantiu.
— Vou lembrar.
Bati a mão na lateral do carro e um dos homens entrou ao meu lado
para viajar conosco enquanto outro seguia com o motorista. Mais alguns iam
em um outro carro que nos escoltava. Depois da morte do meu pai e a
invasão da mansão por Donatella, todo cuidado era pouco.
— Eu devo falar alguma coisa com as pessoas? — Tatiane se
arriscou a me perguntar e eu fiquei contente com o mínimo do seu interesse.
— É a primeira vez que vou em uma festa dessas e não sei como devo me
comportar.
— Sorria, acene e seja bonita. É tudo o que espero de você, deixa
que eu respondo as perguntas. Se insistirem demais, você se restringe ao
mínimo possível. Em eventos como esse não somos os chefes da máfia, mas
apenas uma família rica como qualquer outra dona de muitos negócios
lícitos. Temos hotéis, restaurantes, vinhedos e muitas outras empresas além
do imaginário, que nos servem como uma bela fachada diante das
autoridades.
— Se perguntarem como nos conhecemos?
— Em uma viagem de negócios que eu fiz a Palermo. Você é
inteligente e vai conseguir inventar uma boa desculpa e se esquivar de
interrogações mais invasivas.
Ela assentiu e eu fiquei grato por estar conseguindo levar a nossa
relação da melhor forma, ao menos durante aquele momento. Se fosse
possível sobreviver àquela noite, talvez conseguíssemos fazer o mesmo com
nosso casamento.
Chegamos na enorme mansão do governador e Romulo abriu a porta
para que saíssemos da limusine. Tomei a liberdade de segurar a mão dela e
puxar Tatiane para mim quando entramos no local seguindo o fluxo de
convidados. Estavam todos muito bem arrumados, bonitos como nunca e foi
fácil nos misturar a eles.
Vi muitas personalidades da cidade, de empresários a figuras
públicas, e muitos políticos.
— Theo. — Uma mulher me chamou pelo nome e me virei para ver
de onde vinha a voz feminina. Tatiane seguiu o fluxo do meu corpo e nos
deparamos com Celina Matias, atriz que eu havia tido um affair pouco
depois que a conheci. O sexo havia sido forte e intenso, e confesso que era
tudo o que eu mais estava precisando naquele momento.
— Oi. — Sorri para ela.
— Como você está?
— Ótimo.
— Essa com você é...? Não me lembro de tê-la visto antes.
— Tatiane Mancini — apresentou-se a ela.
— Minha noiva — completei, ainda que aquela informação acabasse
com qualquer possibilidade de que eu tivesse um final feliz naquela noite.
— Ah! — O sorriso de Celina se apagou. — Não sabia que você ia
se casar.
— Não saí espalhando por aí. — Segurei a cintura da Tatiane,
contando que ela não recuasse, e beijei-a no topo da cabeça. Estava usando
o melhor do meu lado ator para manter aquela situação.
— É linda. Tinha que ser mesmo muito bonita para conquistar o seu
coração. — Ela se curvou e chegou mais perto da Tati. — Achei que ele nem
tinha um. Desejo a você toda a sorte do mundo, querida.
— Obrigada. — Tatiane manteve a postura e eu fiquei grato por isso.
— Preciso ir agora. Tenham uma ótima festa. — Celina esquivou-se
para sair da nossa frente o mais rápido que conseguiu.
— Você tem alguma coisa com ela? — questionou Tatiane,
percebendo o evidente.
— Tive. Faz parte do passado.
— Ela sabe?
— Que eu sou um mafioso?
Minha noiva balançou a cabeça em afirmativa.
Tombei a cabeça, usando a música e a conversa alta das pessoas
como desculpa e aproximei a minha boca da orelha dela.
— Isso excita algumas mulheres, sabia?
Tatiane deu um passo para o lado, se esquivando de mim. Voltei a
puxá-la comigo, levando-a em direção ao que realmente importava, a mesa
do governador e dos seus associados. Quando me aproximei, eles estavam
discutindo sobre as obras que aconteceriam pelo estado durante o próximo
ano. Não havia melhor momento para me aproximar.
— Vossa Excelência.
— Senhor Bellucci. — Encarou-me. — Confesso que esperava ver o
seu irmão.
— Ele teve outros assuntos para tratar, mas tenho certeza que
conseguirá se contentar com a minha presença.
— Sim. — Ele fez um gesto para as duas cadeiras vazias na mesa. —
Quem é a adorável dama?
— Minha noiva. Tatiane Mancini.
— Uma siciliana. — Ele esboçou uma leve surpresa, mas que logo
desapareceu dos seus olhos azuis.
— Negócios acima de tudo — falei despojado antes de puxar a
cadeira para que a minha futura esposa se sentasse.
— Vocês são muito bons no que fazem.
— Assim como o senhor.
— Sim.
— Imagino que as licitações para as obras comecem em breve.
— Era exatamente sobre isso que estávamos falando. Temos a
revitalização de algumas rodovias que precisa começar o quanto antes.
— Tenho certeza de que as minhas empresas estarão no páreo.
— Com toda certeza. Não há outras melhores para prestar o serviço,
desde que eu e meus colegas levemos dez por cento do contrato.
— Isso vai depender de quanto vamos conseguir superfaturar os
contratos e a relação com os demais concorrentes. Se chegarmos a um bom
acordo, todos nós podemos sair em vantagem e você pode ganhar milhões.
— Enviem a documentação. Garantam que as empresas sejam
idôneas o suficiente para não causar desconfiança com a polícia, que eu
cuido do resto.
— Gosto quando os negócios são resolvidos assim com apenas uma
boa conversa. — Peguei uma taça de champanhe quando um garçom se
aproximou.
— Isso é política, meu caro.
Assenti e levantei a taça antes de beber um gole.
— Quer um pouco, querida? — ofereci para a Tatiane.
— Não, obrigada.
— É tão magrinha que aposto que a deixa passando fome — brincou
o governador.
— A minha mãe garante que todos sejam bem alimentados na casa.
— Como uma boa mãe italiana.
— Vai ser uma grande nona.
— Já estão pensando em filhos?
— Quando acontecer, eles serão bem-vindos. — Olhei para a Tatiane
e ela não desviou o olhar. Por um momento pareceu que não havia um
abismo enorme entre nós dois.
— Filhos são uma benção. — O governador olhou para a mulher dele
que estava sentada na mesa conosco.
— Tenho certeza que sim, e logo o meu sobrinho nascerá para
alegrar a casa.
— Desejo toda a felicidade para o Marco.
— Obrigado.
Passamos horas sentados naquela mesa. Conversamos sobre
trivialidades e negócios importantes. Debaixo do nariz de todos eram
sempre as melhores oportunidades, pois nunca pensariam que fôssemos tão
audaciosos.
Já era tarde quando me despedi. Estendi a mão para a Tatiane, quase
no automático, mas a minha surpresa foi quando ela aceitou. A levei de volta
para a limusine que nos esperava do lado de fora e não perguntei nada, pois
imaginei que ela estivesse levando a sério a sugestão de se comportar e ser
uma boa noiva durante o evento social.
— É isso que a máfia faz? — Ela me questionou quando nos
acomodamos no carro.
— Vir a festas? Só as vezes.
— Corrupção.
— É só uma das vertentes. Onde há dinheiro, nós estamos lá.
— Em tudo?
— No que você for capaz de imaginar.
— A polícia não faz nada?
— A maioria deles está na nossa folha de pagamento. Os que se
acham muito honestos acabam cedendo em um momento ou em outro, mas
não é algo com que você deva se preocupar. Se comportou muito bem hoje.
— Obrigada.
Abri o bar da limosine e peguei uma bebida mais forte. Tomei uma
boa dose do conhaque enquanto deixava os meus pensamentos vagarem. Eu
até gostava de festas como aquela, apesar de não ter a mesma ação das fugas
e tiroteios. Era um fato que a máfia se fazia muito mais de política do que de
adrenalina. Na minha posição, muitas vezes eu precisava representar o meu
irmão em eventos como esse. Quanto maior fosse a nossa rede de influência
sobre todos no país, melhores eram os nossos resultados e lucros.
Ao chegarmos na mansão, o lugar estava estranhamente silencioso, e
surpreendi-me com isso. Imaginei que poderiam ter saído ou terem ido
dormir, mas o horário no meu relógio de pulso indicou que a madrugada já
havia avançado e eu nem me dera conta.
Subi atrás da Tatiane e parei por reflexo quando chegamos a porta do
seu quarto.
— É melhor que se acostume com eventos como esse.
— Faremos muitos?
— Alguns.
— Acho que posso lidar com isso. — Ela deu de ombros e eu
cheguei mais perto.
Durante a noite, realmente ela tinha deixado de lado os nossos
problemas e fez muito bem o papel de noiva, e isso me envolveu de uma
forma que não havia percebido até aquele momento.
Linda...
Ali, na pouca luz do corredor, que era alimentada apenas pelos
postes externos da casa, Tatiane parecia com a primeira imagem que eu tinha
dela, ainda que o vestido fosse muito mais comportado. Estendi a mão e
toquei o colar no seu pescoço, descendo os dedos pelas pedras até encostar
diretamente em sua pele.
— Ficou perfeito em você.
— O colar é lindo. Acho que ficaria perfeito em qualquer uma.
— Mas ele combinou perfeitamente com o seu pescoço. — Subi os
meus dedos pela linha que seguia até a sua orelha.
Ela estremeceu com o meu toque e os seus lábios se afastaram para
deixar escapar um som sutil. Não resisti e fiz o que desejava desde o
primeiro momento em que coloquei os olhos nela. Puxei Tatiane pela nuca e
trouxe o seu rosto para o meu. Quando os nossos lábios se encontraram,
segurei a sua cintura com mais força e a apertei contra a porta.
— Abre a boca — sussurrei pressionando a minha língua contra a
fenda delicada.
Tatiane espalmou as mãos no meu peito pressionando-o, mas acabou
cedendo, deixando que a minha língua mergulhasse na sua boca e fosse de
encontro a sua. Embrenhei os meus dedos no seu cabelo macio e
intensifiquei o beijo ainda mais. Com a outra mão, apertei a lateral do seu
corpo, afoito para sentir os seus contornos, e comecei a subir o seu vestido.
Estava esfomeado por aquela mulher e quanto mais respirava o seu perfume,
mais embriagado ficava. Era como se fosse uma droga potente e altamente
viciante.
Apertei a minha ereção contra ela para que sentisse o meu volume.
Deixei que a minha mão caísse das suas costas para apertar a sua bunda.
Contudo, antes que conseguisse fazer qualquer outra coisa, Tatiane bateu nos
meus ombros e eu a soltei. Ela me empurrou assim que conseguiu e entrou no
quarto, batendo com a porta na minha cara sem me dizer uma única palavra.
Bufando e pisando duro, segui pelo restante do corredor até o meu
quarto. Tranquei a porta e fui direto para o banheiro. Levantei a tampa do
vaso e abaixei a minha calça. Definitivamente aquela não era a forma que eu
esperava terminar a noite, mas não era a primeira vez que eu fazia isso
pensando nela, e temia não ser a última.
Morria de tesão por uma mulher que me odiava e não queria se casar
comigo. Para piorar, ela era irmã do bastardo que matou meu pai. Nunca fui
muito próximo a Deus, às vezes nem sabia se Ele olhava para pessoas como
eu, mas naquela noite tive certeza de que Ele estava tentando me fazer pagar
pelos meus pecados.
Capítulo dezenove

Com o coração tão acelerado, fiquei com medo de que ele saísse
pela boca enquanto eu escorregava pela porta até me sentar no chão do
quarto. Meu corpo inteiro pareceu entrar em combustão depois que o Theo
me segurou e me beijou.
Não estava pronta para ser tão desestruturada, nem sabia que o toque
incisivo de um homem poderia provocar todas aquelas reações em cadeia ao
ponto de me fazer perder a noção do restante, até mesmo dos pensamentos
racionais.
Minha pele estava quente, minha respiração descompassada e minhas
pernas completamente sem equilíbrio. Nem em dias de muito exercício físico
havia experimentado aquela dose de hormônios.
Ainda sentia a pulsação entre as minhas pernas provocada por ele
roçando ali e esfreguei uma na outra, tentando amenizar, o que não resolveu
em nada. O pior de tudo era que eu queria mais, queria que ele continuasse
para descobrir até onde aquelas sensações e toques poderiam me levar.
Eu não podia...
Amava o meu irmão demais. Como conseguir me envolver com o
responsável pela sua morte e continuar honrando-o?
Tirei aquele vestido e as joias, trocando a roupa elegante por um
velho pijama, e me deitei na cama abraçando um travesseiro, na esperança
de que meu coração continuasse no lugar.
Lembrei do meu irmão, de tudo o que ele havia feito por mim, que
provavelmente eu teria morrido de fome ou acabado com um destino muito
pior se ele não houvesse cuidado de mim da forma que tinha feito.
Chorei por não ter podido fazer nada para vingá-lo, chorei por
saudades dos nossos momentos juntos, e chorei ainda mais porque tinha
deixado o seu assassino me beijar e por ter passado tempo demais
experimentando o seu gosto antes de simplesmente afastá-lo.
O que seria de mim naquela casa junto com todo meu luto por causa
do meu irmão? Não achava que seria fácil superar tudo isso.
Entre soluços e choro de culpa, acabei pegando no sono, e só acordei
quando a luz da manhã invadiu o cômodo pela janela cuja cortina deixei
aberta.
Enquanto escovava os dentes e olhava os meus olhos fundos no
espelho, fiquei me perguntando se deveria descer e tomar café da manhã com
eles depois da noite anterior. Eu não sabia como o Theo iria reagir ao que
tinha acontecido e tive medo.
Saí do banheiro e peguei o meu celular sobre o móvel de cabeceira,
ligando para a minha cunhada. Chamou, chamou, mas ela não atendeu.
Minutos depois, recebi uma mensagem dela dizendo que estava ocupada e
que me ligaria mais tarde.
Aproximei-me da janela e olhei para o jardim. Vi o Theo lá embaixo,
conversando com um homem, mas ele não me viu. Eles tiveram um breve
diálogo, que não consegui ouvir devido à distância, e depois se reuniram a
outros, sumindo do meu campo de visão.
Imaginei que houvessem saído e ganhei coragem para descer, pois a
minha barriga revirando me lembrava da minha fome.
Encontrei apenas Laís e Rosimeire comendo tranquilamente. A última
me sorriu alegremente depois que me avistou. Será que ela sabia o que havia
acontecido na noite anterior?
— Oi, querida. — Sinalizou para a cadeira onde esperava que eu me
sentasse. — Como você está?
— Bem.
— Gostou da festa ontem?
— Acho que posso dizer que foi informativa.
Rosimeire levantou uma sobrancelha, confusa com a minha
afirmação.
— Eu não sabia que a atuação deles ia tão longe.
— Mandamos no mundo inteiro, criança. — Surpreendi-me quando
ouvi a voz do velho.
Ele entrou na sala e se sentou conosco, puxou um prato e começou a
comer tranquilamente.
— Você ainda está aqui? — Rosimeire exibiu uma expressão
emburrada, e foi a primeira vez que não a vi alegre e contente com todos.
— Essa casa é minha também.
— Não. Essa casa pertence aos meus filhos e você não deveria estar
aqui.
— Pare de falar desse jeito, assim fica até parecendo que a minha
presença não é bem-vinda.
— E não é.
— Rosimeire, sei que tivemos os nossos momentos, mas o passado
ficou no passado, não é?
Minha futura sogra apenas deu de ombros e não voltou a falar mais
nada. Nós terminamos de comer e fiquei curiosa com o que ouvi, mas não
falei nada.
Depois do café da manhã, tivemos mais uma reunião sobre os
preparativos do casamento. Eu não posso dizer que foi desagradável, pois
quem não ama provar bolos? Também provamos docinhos e salgados, que
me engordaram só de olhar. O casamento estava sendo organizado em apenas
um punhado de dias, mas eles não estavam deixando nenhum detalhe de lado.
Após a cerimonialista ir embora, Rosimeire me levou até a
biblioteca e ficamos juntas no seu espaço favorito da casa. Ela acabou me
confidenciando que fora construída pelo seu marido e que ele sempre
alimentava aquele capricho, permitindo que ela viajasse por muitos lugares
sem sair daquele cômodo.
— Pode vir aqui sempre que quiser, ler qualquer livro e se distrair
quando o dia parecer monótono demais.
— Rosi! — Ouvimos um grito da Laís e nos entreolhamos.
— O que será que aconteceu? — perguntei, mas ela nem se deu ao
trabalho de me responder antes de sair do cômodo e seguir a origem do
grito.
Fui atrás e entramos no quarto do irmão do Theo. Sua esposa estava
escorada na parede e o vestido estava molhado, como se ela houvesse feito
xixi.
— Sua bolsa estourou. — A mulher mais velha parecia surpresa.
— Era para o bebê nascer só daqui algumas semanas. — Ela
acariciou a enorme barriga, mas a sua expressão era de dor.
— Vamos, deite-se na cama. — Rosimeire a segurou e guiou até o
colchão, fazendo com que se acomodasse sobre os travesseiros. — Onde
está o seu celular, temos que ligar para a médica.
— Ali — Laís estendeu a mão na direção do móvel de cabeceira.
Rosimeire pegou o aparelho e ligou para alguém enquanto eu
aguardava de pé perto da cama, sem saber o que poderia fazer para ajudar.
— Tati, procure as empregadas e fale para elas providenciarem
lençóis limpos.
Assenti e, após a ordem de Rosimeire, saí depressa do quarto e
encontrei uma mulher lavando um dos banheiros no primeiro andar da casa.
— Em que posso ajudá-la, senhorita? — Secou as mãos nos aventais
e olhou para mim.
— Preciso de lençóis limpos.
— Troquei todos hoje de manhã...
Foi interrompida por um grito que veio do andar superior.
— Acho que a Laís está dando à luz e a Rosi me pediu para pegá-los.
— Vou providenciar para a senhorita. — Ela se apressou para sair
do banheiro e seguiu até os fundos da casa. Eu fui atrás e a vi entrar em um
cômodo perto da lavanderia onde eram guardadas roupas de cama limpas.
Entregou-me uma pilha de lençóis e eu os equilibrei para não os deixar cair.
— Precisa de mais alguma coisa?
— Eu não sei. Acho que vamos esperar a médica chegar. — A deixei
ali e segui para o andar de cima.
Laís estava segurando a mão da sogra e respirava com força,
ofegante, e em intervalos menores. Havia suor brotando no seu rosto e
escorrendo, como se ela estivesse em uma sauna.
— Não é melhor levá-la para um hospital?
— A médica e a sua equipe já estão vindo. Também avisei o Marco,
que não deve demorar para chegar. O bebê não deve nascer logo e é melhor
que seja aqui do que no banco de trás de um carro.
— Você teve seus filhos aqui? — Sabia que não era o momento mais
adequado para perguntar, mas não consegui conter a minha curiosidade.
— Sim, nesse mesmo quarto, há mais de trinta anos atrás.
— Você não se desesperou?
— Nascemos para esse momento, querida. — Ela acariciou a testa
brilhante de suor da Laís. — Respira, vai ficar tudo bem com você e o bebê
— disse para a nora.
— Eu estou respirando... — A fala dela foi interrompida por um
grito.
Um tempo agonizante se passou antes que visse o Marco entrar no
quarto acompanhado de duas mulheres vestidas de branco, que imaginei
estarem ali para fazer o parto da Laís.
— Saiam, por favor. Apenas o pai vai ficar no quarto — disse uma
delas.
Marco segurou a mão da esposa, que antes estava entre os dedos de
Rosimeire, e se sentou na cama, ficando o mais perto possível dela. A mãe
veio para perto de mim e segurou os meus ombros, guiando-me para fora do
quarto.
Fecharam a porta e nós ficamos do lado de fora.
— Vai ficar tudo bem com ela? — Minha preocupação era sincera.
— Vai, sim. — Rosi sorriu convicta e desejei ser tão otimista quanto
a matriarca dos Bellucci. — Vamos esperar lá embaixo, se precisarem de
nós, vão chamar.
Deixei que ela me conduzisse e descemos para a sala onde estavam
Theo, o irmão e o tio, que me olhava de um jeito estranho toda vez que me
aproximava, provocando terríveis calafrios em mim.
— Então é hoje que o Marco ganha o tão estimado herdeiro? —
perguntou Mateo a mãe.
— Não perturbem seu irmão, por favor.
Mateo riu e Theo deu de ombros.
— Em breve vocês dois terão seus próprios filhos e saberão como é
a sensação de ter uma família.
— Ou não, não é mesmo, tio? — Mateo buscou a aprovação do
homem mais velho.
— Nunca tive esposa ou filhos e lidei muito bem com isso.
— Não que você saiba — intrometeu-se Theo. — Pode até não ter se
casado, mas duvido que tenha vivido uma vida de celibato, já que nem os
padres conseguem cumprir a promessa que fazem.
— Você será o próximo a se juntar ao seu irmão. — Leonel parou de
fitar o sobrinho e seus olhos vieram diretamente para mim, causando um
novo calafrio.
— É — resmungou Theo sem um pingo de empolgação e ele não
olhou para mim como o tio.
Ouvimos outros gritos e fui para perto da Rosimeire. Ela abraçou os
meus ombros e o seu carinho me aqueceu. Ao menos com ela parecia que eu
encontraria uma relação muito diferente do que aquela que tinha com a Edna.
Fomos para a cozinha e a empregada nos serviu limonada para
aplacar os ânimos. Por mais que Rosi tentasse sempre sorrir, era visível que
ela também estava nervosa.
Depois, voltamos a esperar na sala até que ouvimos um choro. Eu
sorri ao pensar que o bebê havia nascido. Pouco depois dos sons cessarem,
Marco apareceu no alto da escada com um amontoado de lençóis.
— Meu filho nasceu. — Tinha o maior sorriso do mundo. Ele
levantou o bebê, orgulhoso e nos deixou ver brevemente o rostinho.
— É mesmo um menino? — provocou Mateo, que recebeu um olhar
severo da mãe.
— Sim. — Marco não se abalou com a provocação. — Dante
Bellucci.
— Que alegria! — Rosi suspirou antes que o filho voltasse com o
bebê para o quarto e para a companhia da mãe.
— Sua vez de fazer um. — Mateo cutucou o Theo.
— É o que parece! — Ele puxou o celular do bolso e nem olhou para
mim.
Quando percebi que tudo estava bem, voltei para o meu quarto e
fiquei lá. Peguei o celular e vi que não havia nenhum sinal da Ângela. Minha
cunhada deveria estar ocupada cuidando dos assuntos que tomara para si.
Deitei-me na cama e levantei a minha mão, vendo o belo e pesado
anel de noivado que estava ali. Faltava pouco para que me tornasse uma
Bellucci também. Assim como a Laís, perpetuaria o sangue daquela família,
e só de pensar nisso sentia borboletas no estômago.
Estava prestes a me levantar e ir até a biblioteca quando o celular
vibrou e eu puxei para atendê-lo. Sorri ao ouvir a voz da minha cunhada.
— Tati, como você está?
— Bem.
— Tem certeza? Eles fizeram algo com você, a machucaram?
— Eu estou bem. Passo o dia inteiro na casa, mas não fizeram nada
comigo, você não precisa se preocupar.
— Não sabe o quanto isso me tranquiliza. — Ouvi o suspiro dela. —
Fiquei imaginando o que poderiam fazer com você.
— Eu também, mas não fui machucada. Quanto a isso, não precisa se
preocupar. Rosimeire continua muito gentil comigo.
— Ao menos terá uma sogra melhor do que a minha. — Riu.
— É, parece que sim. Como estão você e os garotos? — mudei de
assunto, porque não me senti pronta para contar a ela o que havia acontecido
na noite anterior e, principalmente, as sensações que o beijo havia
provocado em mim.
— Estamos bem.
— Está conseguindo gerenciar tudo como previa?
— Os homens já confiavam em mim e, com o apoio dos Bellucci,
eles me respeitam.
— Fico contente.
— O que você fez por nós foi muito importante, Tatiane. Não irei
esquecer.
— É... — balbuciei sem me estender.
— Você vai ficar bem, não vai?
— Vou. — Não adiantava lamentar a aminha situação, eu não tinha
escolhas e teria que enfrentar o meu destino. — Obrigada por ligar, Ângela.
— Logo iremos nos ver.
— Sim, o casamento está chegando.
— Vai ser uma noiva linda.
— Obrigada.
— Preciso desligar agora. Nos falamos depois.
— Mande um beijo para os meninos por mim.
— Pode deixar. Adeus, Tatiane. — Ela desligou a chamada e eu
fiquei com o telefone mudo nas mãos.
Caminhei até a janela do quarto e fiquei observando o jardim, até que
os meus olhos se voltaram novamente para o meu anel de noivado.
Tatiane Bellucci...
Aquele futuro era inevitável.
Capítulo vinte

Estacionei o carro diante do velho cinema. Estava ali para cobrar


uma dívida ou matar quem ousasse me desrespeitar, ainda que para os
negócios a melhor alternativa fosse a primeira opção. A segunda, no entanto,
me parecia melhor diante da noite de merda que eu tive.
Desde que nasci, nunca me foi omitido que deveria fazer tudo pela
máfia, inclusive coisas que ultrapassassem a linha da moral e da ética.
Contudo, me casar com a irmã do assassino do meu pai ia além de tudo.
Lorenzo Bellucci havia sido um poderoso chefe, mas, acima de tudo,
o meu pai. Apesar de eu ser o segundo filho e ele não esperar que eu
assumisse as mesmas responsabilidades que o Marco, não fui negligenciado.
Ele me deu minha primeira arma, me ensinou a atirar e estava ao meu lado
quando sujei minhas mãos pela primeira vez. Eu amava o meu pai e não
poderia descansar enquanto não vingasse a sua morte.
Achei que me livraria do peso e dos fantasmas depois que o culpado
estivesse à sete palmos, contudo lá estava a assombração em forma de
mulher com a qual tinha que me prender para o resto da vida.
Abri a porta e desci, seguindo com Romulo e todos os meus homens
pela mesma entrada lateral do dia anterior.
Botei meus olhos no garoto Esposito sentado atrás da mesa e ele se
encolheu.
Ajeitei a minha roupa e toquei na arma no coldre antes de dizer
qualquer coisa.
— Espero que, para o seu bem, tenha o restante do dinheiro ou hoje
começarei matando você. Depois, o resto dos seus homens, para dar a Monte
Sacro um novo chefe. De qualquer forma, tenho certeza de que o seu pai
deve estar se revirando no túmulo de tamanha decepção.
— Nós temos outra parte... Só... Só precisamos de um pouco mais de
tempo.
— Acha que somos o quê? Isso não é uma brincadeira, garoto.
— Por favor, se esperar até.... — A fala dele foi interrompida pelo
som oco do disparo e sua cabeça tombou para frente, escorrendo sangue no
lugar que a bala havia passado.
Os homens dele tentaram levantar as armas para disparar contra nós,
mas antes que conseguissem, Romulo e os outros abateram quase todos, com
exceção de um, que assim que percebeu não haver alternativa que não fosse
morrer, recuou pela outra porta do cômodo e saiu correndo.
Romulo deu um passo para frente, com o intuito de ir atras do fujão,
mas estendi a mão e fiz um gesto para que ele continuasse no lugar.
— Vai deixá-lo fugir, senhor?
— Não. Eu vou atrás. — Estalei o pescoço antes de seguir pela
mesma porta e encontrar um corredor que levava aos fundos do prédio.
Continuei até uma saída que levava para a rua dos fundos, que
continha algumas caçambas. Ao longe, vi o sujeito correndo e eu fui atrás.
Apertei o passo e usei todo o meu fôlego para alcançar a maior velocidade
possível.
Ele virou numa esquina, eu fui atrás. Precisava de adrenalina e não
iria me importar nem um pouco de brincarmos de gato e rato por um
momento. O cara sacou a sua arma e começou a disparar contra mim. Eu me
escondi em postes, árvores e carros que estavam pelo caminho para evitar
que as balas me atingissem. Ele estava apavorado e a sua mira era péssima,
o que tornava uma tarefa muito mais fácil persegui-lo.
Paramos em uma rua sem saída e ele correu até a grade de uma casa,
começou a escalá-la, mas tomou um enorme susto quando um cachorro
apareceu e latiu. Ele acabou soltando o portão, caindo na rua. Antes que
conseguisse se levantar e ir mais longe, foi surpreendido com a minha arma
apontada na direção da sua cabeça.
— A sua fuga foi ridícula.
— Por favor, não me mate. — Suplicou com os olhos cheio d’agua, o
pavor de um civil qualquer. Homens como aquele certamente não estavam
prontos para lidar com o peso dos assuntos da máfia.
— Não vê o quanto é patético implorar?
— Por favor...
Cheguei mais perto e ele se calou. Olhei nos seus olhos antes de
apertar o gatilho e a alma sair do seu corpo, quase ao mesmo tempo em que
seu sangue molhava o chão.
Me agachei e peguei-o pela gola da camisa. Arrastei-o durante todo
o caminho de volta e o joguei no chão da sala onde estavam os meus homens
e os cadáveres daqueles que costumavam dominar Monte Sacro.
— Encontrem o que falta do nosso dinheiro, nem que seja em pó,
depois coloquem fogo em tudo — ordenei ao Romulo e meus outros homens.
Olhei para a minha mão suja de sangue. Droga! Limpei na minha
camisa. Afastado, assisti os soldados vasculharem tudo. Meus homens
encontraram dinheiro escondido, o que me levou a crer que o Esposito
estava mesmo tentando nos passar a perna. Garoto tolo.
Retornei ao carro poucos minutos antes de ver o fogo através da
janela. As chamas consumiram o prédio e rapidamente todo o cinema se
transformou em uma fogueira gigante.
— Para onde vamos agora, senhor? — Romulo apareceu na janela do
carro e eu voltei a encará-lo.
— De volta para casa.
Assentiu e sinalizou para os outros homens, que retomaram seus
lugares nos veículos.
Alguns quarteirões depois, eu ainda conseguia ver o incêndio. Logo a
polícia e os bombeiros estariam ali, mas seria tarde demais para recuperar
qualquer coisa. As únicas informações que teriam era um rastro de sangue do
lugar onde eu havia matado o fujão e uma enorme pilha de cinzas.
Pouco tempo depois, chegamos a minha casa. Saí da garagem e fui
direto a procura do meu irmão. Precisava informar a ele que os Esposito não
eram mais os responsáveis pelo distrito de Roma e teríamos que designar
uma nova família. Essa não era a primeira e nem seria a última vez que algo
assim acontecia. O tempo todo precisávamos provar que não era prudente
nos desafiar ou provocar, e fins como esse mantinham as outras famílias em
alerta. Se agíssemos com bondade ou paciência, abriríamos precedentes
para que fôssemos desafiados o tempo todo, e não era o que queríamos.
Assim que pisei na sala, seguido do Romulo e outros dois homens, vi
Tatiane com a minha mãe conversando com a mulher que era responsável
pela cerimônia do nosso casamento. Vi que os olhos dela me vasculharam,
percebendo o sangue que sujava a minha roupa, mas não perguntou nada, e
também acreditava que não deveria explicar nada.
Desviei o olhar e fui em direção a escada. Eu podia lidar com
traidores, assassinos, e trapaceiros que acreditavam poder ganhar mais do
que nós, mas aquela mulher parecia extrapolar os meus limites.
Bati na porta do escritório do Marco e levou alguns minutos para que
a Laís abrisse. Olhei para ela e vi um sorriso radiante em um rosto corado.
Estava com uma aparência muito boa para quem havia acabado de dar à luz.
Imaginei que estivessem trepando no meio do dia, porém logo afastei essa
possibilidade quando vi o meu irmão perto da janela segurando o bebê nos
braços.
— É adorável, não é, meu irmão? — Virou-o para mim.
— Tem cara de joelho como todos os demais bebês.
Marco riu e eu mantive a minha postura séria.
Ele parou de sorrir para o herdeiro quando reparou melhor em mim e
viu que eu estava acompanhado.
— Laís, leve-o para o quarto. Preciso tratar de negócios agora.
Minha cunhada tomou o bebê nos braços e passou por mim, seguindo
pelo corredor até desaparecer de vista em uma das portas.
— Imagino que a situação com os Esposito tenha saído do controle.
— Ele apontou para a mancha de sangue na minha camisa e depois para a
cadeira diante de si.
— O fedelho achou que poderia nos roubar, como se fôssemos
estúpidos.
— Ele era um garoto que ainda tinha muito a aprender sobre como os
negócios funcionam.
— Vai aprender no inferno. — Dei de ombros.
Marco deu uma gargalhada seca, antes de gesticular para que Romulo
e meus outros homens saíssem do escritório e deixassem nós dois sozinhos.
— Você está gostando de derramar sangue nos últimos dias — falou,
assim que a porta foi fechada, deixando somente nós dois lá dentro.
— Acho que é você quem ficou mole depois que se casou.
— Vai se juntar a mim em breve.
— É muito pouco provável.
— Estão tendo problemas?
— Ela é irmã do Tiago Mancini. O filho da puta que matou o nosso
pai. Quer problema maior do que esse?
— Todos nós temos que fazer sacrifícios pelos negócios, e
principalmente a família. Sabe que sem o meu casamento com a Laís seria
muito mais difícil trazer o produto para nós através do Atlântico.
— Não estou discutindo isso.
— Então qual o problema, meu irmão?
— É difícil deixar qualquer animosidade de lado com ela jogando na
minha cara o tempo todo que eu matei o irmão dela. Como se aquele
desgraçado fosse um santo. Francamente...
— Confio na sua capacidade de dar um jeito na situação.
— Me dê missões. Ordene que eu mate os sicilianos ou mesmo os
russos, mas...
— É só uma mulher, você pode domá-la.
Balancei a cabeça em negativa, mas Marco tinha razão, talvez eu
pudesse mesmo domar a Tatiane e simplesmente não quisesse, pois todas as
vezes que ela jogava aquela acusação na minha cara, pisando no meu calo,
me deixava mais irritado.
— Colocaremos os Galo no lugar vago.
— É uma alternativa. Eles sempre quiseram aquele território e dar a
eles pode ser um sinal da nossa generosidade, uma vez que são fiéis a nós e
queremos que essa relação se mantenha e continue duradoura.
— Ótimo.
— Mas deixe que o Mateo vá falar com eles. Você vai se casar
depois de amanhã e precisa se preparar para isso.
— Só vou dizer um monte de palavras idiotas na frente de um padre.
Posso lidar com a situação.
— Sabe que estou me referindo a outras coisas, não se faça de
desentendido.
— Deixe-me trabalhar, irmão. Tudo o que preciso agora é manter a
minha cabeça ocupada.
— Certo. É você quem sabe. Vá se encontrar com os Galo e os faça
garantir que a mercadoria irá circular pelas ruas de Monte Sacro e que eles
continuarão a nos pagar da forma que dever ser.
Balancei a cabeça em afirmativa antes de me levantar e sair do
escritório. Fui até o meu quarto trocar de camisa antes de sair com os meus
homens. Queria me concentrar nos problemas que era capaz de resolver. Os
outros, deixaria para depois.
Capítulo vinte e um

— Só um pouquinho mais de iluminador — disse a maquiadora


enquanto passava o pó no meu rosto. — Perfeito.
— Ela vai ou não ser a noiva mais linda da Itália? — Surpreendi-me
com a voz da Ângela quando a vi entrar no quarto acompanhada por um dos
homens do Theo.
— Não achei que fosse vir até aqui. — Sorri, contente, e me levantei
para abraçá-la.
— Cuidado, por favor! — A maquiadora levantou a mão com medo
de que eu acabasse com a obra de arte dela.
— Pedi com jeitinho e o Marco me deixou entrar, mas vou ter que
ficar com esse aí na minha cola e os meus homens estão todos do lado de
fora da mansão.
— É perigoso.
— Ver você antes do casamento vale a pena. — Sorriu para mim de
um jeito afetuoso que me deixou um pouco mais tranquila. — Como está se
sentindo?
— Apavorada — confessei, deixando que os meus ombros caíssem.
— Não se julgue. No dia do meu casamento, eu também estava
apavorada e levou alguns dias para que todo esse medo fosse embora.
— Achei que você estivesse superempolgada, afinal você e o Tiago
se escolheram, não foi um casamento como o que me aguarda.
— O Tiago me escolheu, e que jovem mulher não queria ser esposa
do lindo homem que mandava em Palermo? Mas não é como se houvéssemos
namorado e tivéssemos convivido por anos antes da cerimônia. É sempre
uma surpresa, e temos que aprender a nos adaptar todos os dias.
— Eu espero conseguir.
— Você vai. Tenho toda certeza. — Segurou as minhas mãos entre as
suas e apertou com firmeza. — Tem o sangue do seu irmão, mas sem a parte
ruim da Edna para atrapalhar.
Rimos juntas.
— Você está uma noiva linda.
— Obrigada, Ângela.
— Está no momento de irmos para a igreja. — Mateo Bellucci
apareceu na porta do meu quarto usando um terno impecável e com o cabelo
bem penteado. — Eu e meus homens iremos levá-la.
— Boa sorte. — Ângela voltou a me abraçar antes de fazer um gesto
para que eu seguisse o irmão do meu futuro marido.
Os dias até aquele passaram com uma velocidade assombrosa, ao
mesmo tempo em que parecia que eu tinha vivido uma vida inteira naquela
mansão. Usando um pesado vestido de noiva, digno de uma princesa, dei
passos lentos pelo corredor, olhei para as portas fechadas dos quartos e
desci a escada. Deveria ser a data mais feliz da minha vida, mas não
conseguia parar de sentir medo. O que aconteceria comigo depois daquele
dia? Na máfia não existia divórcio, e só era possível sair de um casamento
morta, mas eu não sabia se precisava daquele extremo, por mais que temesse
descobrir em breve.
Mateo me acompanhou até uma limusine e se sentou atrás comigo,
além de outros dois homens de segurança. Eu não entendia para que tantos,
mas supus que estavam ali para impedir que eu fizesse qualquer coisa
impulsiva, como fugir.
Durante todo o percurso, não disse uma única palavra. Eles também
não. Era como se todos ali tivessem uma missão a cumprir e ninguém
poderia perder o foco.
A Basílica de São Clemente seria o palco daquela cerimônia. Uma
das mais antigas e tradicionais igrejas de Roma, havia acolhido vários
outros casamentos da máfia, como o do chefe e, agora, do seu irmão.
Mateo me ajudou a descer da limusine e a mulher responsável pela
organização veio até mim, ajeitou o véu sobre o meu rosto e me entregou um
lindo buquê de rosas brancas e lavandas. O perfume era doce e me deu um
certo acalento no momento.
Do lado de fora, podia ouvir o som das pessoas conversando lá
dentro, mas o murmurinho cessou ao toque das trombetas quando as portas
duplas foram abertas e se iniciou a marcha nupcial. Dei o primeiro passo
para o tapete vermelho e levantei a cabeça, enxergando o homem que me
aguardava no altar diante do padre e de uma grande cruz.
Eu já havia imaginado o meu casamento algumas vezes, como
qualquer outra mulher ao longo da vida. Contudo, todas as minhas
suposições eram bem diferentes daquele momento. Imaginava que no dia
entraria na igreja de braços dados com o meu irmão e ele me entregaria a
qualquer outro homem que não fosse o seu assassino.
Meus passos eram lentos, mas enquanto olhava para as pessoas,
muitos rostos completamente desconhecidos, e outros familiares, como
Ângela, os meninos e a Edna, meu coração acelerava cada vez mais. Fiquei
com medo de desmaiar a qualquer momento, mas não tive tanta sorte e, num
inevitável momento, parei diante do Theo.
Ele pegou a minha mão e beijou o dorso. Seu toque provocou um
calafrio que começou no local onde seus lábios tocaram e irradiou por todo
o meu corpo. Pressionei os pés no chão, me contendo para não me retorcer.
Depois ele se afastou e nós dois nos viramos para o padre responsável por
realizar a cerimônia.
— Estamos aqui reunidos hoje para celebrar a união em matrimônio
de Theo e Tatiane e o compromisso deles perante essa igreja e
principalmente a Deus... — O celebrante iniciou a cerimônia e minha mente
viajou enquanto dizia muitas palavras e falava sobre a união de homem e
mulher, bem como os compromissos de um marido e de uma esposa.
Eu ouvi tudo, mas não prestei atenção em nada, até que uma garotinha
entrou carregando uma almofada com um par de alianças. Theo as pegou e
entregou para o padre. Ele as benzeu e abençoou antes de nos instruir o que
tínhamos que fazer a seguir.
Theo segurou a minha mão, tirou a minha luva e me fitou
profundamente. O peso dos olhos verdes dele era intenso, como um enorme
buraco negro que atraía tudo em sua direção.
— Eu, Theo, aceito você, Tatiane, como minha legítima esposa e
prometo amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,
na riqueza e na pobreza, por todos os dias da minha vida, até que a morte nos
separe. — Ele deslizou a aliança pelo meu dedo.
Fiquei completamente paralisada, observando o que acontecia até
que o padre chamou a minha atenção, esperando que eu fizesse o mesmo.
Segurando a aliança restante, peguei a mão dele. Os dedos eram
quentes e a pele extremamente suave para quem já deveria ter puxado o
gatilho milhares de vezes.
— Eu, Tatiane, aceito você, Theo, como meu legítimo esposo e
prometo amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,
na riqueza e na pobreza, por todos os dias da minha vida, até que a morte nos
separe. — Deveriam ser palavras de amor, mas a única coisa que eu
conseguia sentir era que elas estavam selando o meu futuro para sempre.
— Pode beijar a noiva — disse o padre, após outro breve discurso.
Theo se aproximou de mim um passo e eu não dei outro para trás,
ainda que fosse o meu primeiro instinto. Ele levantou o véu, revelando a
minha face, e aproximou o seu rosto do meu. Meu coração frenético golpeou
o meu peito e quase saiu pela boca. Primeiro senti a sua respiração, depois o
peso dos seus lábios sobre os meus. Eles estavam frios e mais uma vez
despertaram efeitos em mim. Imaginei que a sua língua fosse adentrar a
minha boca, mas antes que o beijo se tornasse mais profundo, Theo se
afastou de mim e todos bateram palmas, comemorando a nossa união.
— Segure a minha mão. — Apesar da suavidade da sua voz, eu
percebi que a ordem era clara quando estendeu a sua para mim.
Com a mão tremendo, pousei-a sobre a dele e Theo entrelaçou seus
dedos aos meus. Ele me puxou pelo tapete vermelho e seguimos juntos até a
saída da igreja, onde fomos recebidos com uma chuva de arroz.
Entramos na limusine e Theo bateu a mão no blazer do terno,
parecendo irritado com o arroz que havia ficado acumulado. Eu reparei bem
nele naquele momento. Era inegável a sua beleza, apesar dela me causar
calafrios.
Durante o percurso, sentado perto de mim, ele não disse uma única
palavra e seus olhos verdes estavam distantes. Deu a impressão de que eu
não era a única a pensar muito sobre o que havia acontecido.
Logo chegamos ao Palazzo Poli, o belo palácio cuja fachada
abrigava uma das mais belas e conhecidas fontes de Roma, a Fontana di
Trevi. Eu tinha visto fotos dela quando a Laís havia me mostrado o seu álbum
de casamento. A mulher do chefe se gabava e suspirava pela recepção do
casamento deles ter ocorrido ali. De fato, era um lugar maravilhoso e
romântico.
Theo voltou a segurar a minha mão me guiando para o salão onde
aconteceria a recepção, que tinha uma bela vista da fonte. Algumas pessoas
já estavam lá, aguardando por nós. A primeira a vir nos cumprimentar foi a
mãe dele. Ela abraçou o filho e depois a mim, depois segurou a minha mão
sobre a dele.
— Espero com todo o meu coração que vocês dois consigam ser
felizes.
— Obrigado, mãe — respondeu ele sem se delongar muito.
Depois dela vieram Marco e a esposa, Mateo, Ângela com meus
sobrinhos e por último Leonel Bellucci, o tio. Ele cumprimentou o sobrinho
e depois me abraçou, beijando-me no rosto. Tentei manter o sorriso forçado,
ainda que ele me causasse um certo desconforto. Esperava que ele logo fosse
me soltar, mas, ao invés disso, aproximou sua boca da minha orelha.
— Está deslumbrante nesse vestido de noiva. Imagino que seja ainda
mais sem ele. Theo é um homem de sorte por ter você essa noite, mas depois
da primeira, tudo fica mais fácil.
Não soube o que dizer, nem como reagir diante daquela frase que me
desestruturou completamente. Tentei negar que ele estava se referindo ao que
deveria estar, mas foi difícil. Quase impossível.
Felizmente, ele se afastou e seguiu o fluxo. Muitas pessoas vieram
me parabenizar. Eu não sabia quem elas eram, nem conhecia seus rostos, mas
imaginei que todas faziam parte da família da máfia e, de certa forma,
estavam ali pelos Bellucci.
Bellucci... repeti na minha mente ao me recordar de que aquele seria
o meu sobrenome a partir daquele momento.
Após cumprimentarmos todos os convidados, fomos direcionados a
uma mesa separada para nós. Serviram alguns aperitivos para que
comêssemos e fiquei grata, pois desde que havia começado a me arrumar
não havia comido nada.
— É o momento do brinde. — A responsável pela cerimônia
entregou uma taça para mim e outra para o Theo.
Nós dois ficamos de pé e, sob instruções, cruzamos nossos braços e
tomamos um gole da bebida enquanto um fotógrafo tirava muitas poses. Logo
eu teria um álbum de casamento tão bonito quanto o que Laís exibia aos
quatro ventos.
Fomos levados para tirarmos fotos diante da vista da fonte, depois
fizemos uma dança juntos e, apesar de não termos trocado muitas palavras,
não posso dizer que ele fez algo para me chatear. Theo parecia uma pena ao
vento, deixando-se levar pelo que esperavam dele. Comigo a situação era
exatamente a mesma. Eu sorri e participei de toda a encenação em um dos
palcos mais bonitos do mundo.
Então a festa avançou, o bolo foi cortado e mais milhares de fotos
foram tiradas. Meu coração ia ficando apertado e a angústia o pesava, com o
medo do que aconteceria depois que fôssemos embora me tomando.
— Você está linda, tia. — Luca acenou para chamar a minha atenção.
— Obrigada. — Sorri para o meu sobrinho.
— Tenho certeza de que a mamãe foi uma noiva tão bonita quanto
você.
— Disso não me resta dúvidas.
— A senhora aceita dançar comigo?
— Sim, cavalheiro. — Segurei a mão dele e nos movemos no ritmo
da música até que ela acabou.
Ele abraçou a minha cintura antes ir para perto do irmão. Naquele
momento, pareceu apenas um garoto como qualquer outro, e não uma criança
que tinha o peso da família sobre as costas.
— Temos que ir agora. — Theo se aproximou de mim e disse baixo.
— Ir? — Engoli em seco.
— Sim. — Segurou o meu pulso e me puxou de volta para a porta.
Eu ouvi as pessoas baterem palmas e nos desejarem uma ótima noite
enquanto nos afastávamos até sumir de vista, indo até a limusine que
esperava por nós.
Foi outra viagem silenciosa de volta a mansão dos Bellucci. Hora ou
outra eu olhava pela janela do carro e via as ruas já cobertas pela escuridão
da noite, mas não tinha coragem de dizer uma única palavra. Tremia cada vez
mais que achava que o meu destino estava próximo.
Assim que o veículo entrou na garagem da casa, prendi a minha
respiração na esperança de que fosse suficiente para evitar algo, mas era
óbvio que não.
Um dos homens abriu a porta e Theo desceu primeiro, oferecendo a
mão para mim que aceitei sem relutar. Assim que entramos na casa, uma
mulher veio até mim e me direcionou até o meu quarto, Theo ficou na sala.
A empregada, ajudou-me a tirar o meu vestido de noiva e fiquei
apenas de meias três-quartos e um conjunto de calcinha e sutiã brancos. Ela
me deu um robe para me esconder.
— O que acontece agora? — perguntei, com medo da sua resposta,
mas curiosa demais para ficar em completo silêncio.
— Vamos para os aposentos do senhor. — Colocou a mão no centro
das minhas costas e me direcionou pelo corredor até a porta do quarto do
Theo.
Eu o vi sentado na cama, olhando para as mãos, antes mesmo de
entrar. Quando a empregada me empurrou para dentro e fechou a porta atrás
de mim, meu marido levantou a cabeça e me encarou. Seus olhos demoraram
em algumas partes e tive a sensação de que ele estava me despindo na sua
mente.
Ele se levantou da cama e caminhou até mim. Sua mão tocou o meu
rosto e percorreu a linha da minha bochecha até meu queixo. Minhas pernas
bambearam no exato momento em que os seus olhos verdes pesaram sobre os
meus.
— O que acontece agora? — Abri a boca, depois de muito esforço
para emitir um som audível. — Vai me estuprar?
Assim que as palavras saíram da minha boca, Theo me soltou e
recuou um passo, como se houvesse tomado um coice.
— Nunca precisei forçar mulher nenhuma e não vou começar com
você. — Ele me deu as costas, caminhou até o closet e voltou alguns minutos
depois com um conjunto de moletom nas mãos para logo em seguida entrar
no banheiro.
Continuei parada no mesmo lugar durante todo esse tempo até que ele
saiu, largou o terno sobre o divã e se deitou num lado da cama com as mãos
cruzadas sobre o peito. Ele não disse uma palavra, apenas ficou encarando o
teto. Não sei afirmar se ele dormiu, mas se o fez foi sem fechar os olhos.
Fiquei muito tempo parada no mesmo lugar, pois ele também não me
disse que eu poderia deitar na cama, mas acabei me acomodando quando
minhas pernas começaram a doer. Peguei no sono e ele não encostou em
mim. Cada um passou a noite na ponta mais extrema da cama e, na manhã
seguinte, ele não me acordou.
Capítulo vinte e dois

Passei a noite em claro, pois as palavras dela eram como uma tortura
sutil na minha mente.
Vai me estuprar?
Eu era um monstro em diversos aspectos, mas seguia as regras e me
considerava um homem de honra. Eu poderia até odiá-la em alguma
proporção pelo que seu irmão havia feito ao meu pai, mas respeitava
mulheres e crianças.
Não iria forçá-la, apesar de ser meu direito tomá-la, mas já estava no
meu limite com aquela situação. Se ela já me achava um demônio, não iria
piorar a situação tirando a sua virgindade a força. Não tinha tesão que
valesse a minha sanidade.
Levantei da cama assim que o sol tocou a cortina da janela. Ela se
remexeu abrindo os olhos e me viu, mas não disse nada. Fui até uma gaveta
onde guardava minhas armas e peguei um pequeno canivete, que fora um
presente do meu pai quando eu ainda era um menino e não tinha idade para
segurar uma arma. Girei a lâmina e a levantei.
Tatiane arregalou os olhos quando me aproximei da cama com a arma
na mão. Ela se sentou, recuando na direção da cabeceira. O seu pavor foi
ainda maior do que aquele que demonstrou na noite anterior.
Levantei a mão esquerda e ela soltou um gemidinho baixo de medo
que foi substituído por um olhar de confusão quando me viu cortar a mão.
Algumas gotas do meu sangue caíram no lençol, então fechei a lâmina e a
devolvi para a gaveta. Troquei de roupa, peguei uma arma, algumas balas e
deixei o quarto.
Era cedo, toda a minha família estava dormindo e segui direto para o
local onde treinávamos. Tranquei-me sozinho no ambiente e saquei a arma,
disparando algumas vezes contra o alvo que estava há alguns metros.
Segure essa arma direito, garoto! Assim vão matar você antes que
consiga disparar, ouvi a voz do meu pai ecoando na minha cabeça que
pareceu ter vindo do além, mas era apenas fruto da minha imaginação.
— Onde caralho fui me meter, pai? — questionei o nada e não recebi
resposta alguma de retorno.
Urrei ao cair de joelhos. Estava irritado e frustrado.
Respirei fundo, com dentes cerrados, e fechei os olhos por alguns
minutos. Lembrei do rosto do Tiago Mancini quando o matei. Ele parecia
debochar de mim pouco antes de receber um tiro, era como se soubesse que
a sua morte poderia me trazer mais tormentos do que quando vivia.
Voltei a ficar de pé e descarreguei as balas nos alvos espalhados
pelo pequeno galpão, e, tiro após tiro, tentava me livrar da minha frustração,
o que parecia impossível.
Recarreguei a minha arma com a munição que ficava guardada no
local. Disparei por mais um tempo antes de voltar para o interior da casa, na
esperança que o Marco já houvesse acordado.
Olhei para cima, encarando o teto e sorri de nervoso.
— Seu sádico do caralho, obrigado pelo destino de merda —
resmunguei, antes de seguir até o escritório do meu irmão mais velho.
Abri a porta sem bater e me deparei com ele conversando com o
Mateo.
— Aumentaram o policiamento nas ruas de Roma, deve ter alguma
coisa a ver com a proximidade das festividades do Vaticano.
— De quem eu preciso me livrar? — Segurei na porta e a minha fala
chamou a atenção dos dois na minha direção.
— Theo? — Marco levantou as duas sobrancelhas negras. — Já está
de pé?
— Sim.
— Imaginei que fosse passar o dia no quarto com a sua esposa.
Acabaram de se casar. — Ele abriu um sorriso malicioso, o que só aumentou
ainda mais a minha raiva.
— Vamos, me diga quem precisa de punição, pode ser um policial,
um político, um cigano, qualquer um, até um maldito padre. Estou pronto
para ir para o inferno.
— Teve uma noite e tanto para estar com esse ânimo todo. — Mateo
riu ao dar uma palmadinha no meu braço, mas recuou diante do meu rosnado.
— Theo, pode ir passar o dia com a Tatiane. Mateo e eu cuidamos de
tudo por aqui. Todos merecem férias, inclusive você — Marco disse num
tom sereno.
— Não quero férias.
— Está tudo bem, irmão? — Finalmente pareceu perceber que eu
estava descontrolado.
— Melhor impossível. — Abri um sorriso sombrio. Poderia até não
ser um grande mentiroso, mas sabia fazer quando necessário.
Poderia estar muito frustrado com a minha relação com a Tatiane,
mas era orgulhoso demais para admitir aos meus irmãos que a minha esposa
continuava virgem.
— Vamos, Marco, não é possível que você não tem uma missão para
mim.
— Eu tenho.
— Ótimo.
— Os ciganos ontem foram até o norte de Roma e provocaram uma
bela confusão ao entrarem armados em uma boate. Um dos nossos, que
gerencia o comércio no local, quase foi morto. Quero que rastreie os
responsáveis e mande um recado para os demais.
— Pode deixar comigo.
— Tome cuidado, meu irmão.
— Terei cuidado. Obrigado.
Deixei o escritório e fui atrás dos meus homens. Eles também fizeram
uma expressão de espanto quando os chamei para sair, mas não me
questionaram.
Fomos para o norte da cidade e visitamos a boate onde aconteceu o
fato. Fiz algumas perguntas e logo os funcionários me indicaram o
acampamento dos ciganos que poderia ter causado o problema.
Assim que os carros pararam e os meus homens desceram, as
crianças que brincavam na frente das tendas saíram correndo e alguns
homens se aproximaram de nós.
— O que fazem aqui? — Um sujeito alto e com roupas muito
coloridas cruzou os braços, me encarando com uma expressão séria.
— Fiquei sabendo que vocês causaram problemas ontem. — A
expressão que eu dirigi para ele foi ainda mais firme.
— Não queremos encrenca com os Bellucci.
— Então não devem nos perturbar. Vocês sabem muito bem disso.
— O chefe do norte de Roma deve ser mesmo um bundão para
mandar um dos grandes todos poderosos para resolver um problema dele...
Saquei a minha arma e atirei no pé dele, fazendo com que a dor fosse
o suficiente para que ele se calasse.
— Vocês são uma praga irritante que está começando a me deixar
aborrecido. Quando vão entender que não existe espaço para vocês em
Roma e nem em toda a Itália?
— Estamos aqui há muito tempo.
— Você sabe que isso não significa nada se continuarem fracos. —
Rosnei. — Eu quero que me entreguem o responsável pelo evento de ontem.
— Não vamos entregar ninguém para vocês — começou um que
estava ao lado do que parecia o líder.
Disparei contra ele e vibrei com o som da bala despedaçando um
crânio humano. Eu podia ser mais político e até tentava, mas, daquela vez,
estava bem no estilo americano, atirar primeiro e perguntar depois.
— Precisamos mesmo começar essa discussão? Vocês não me
pegaram em um bom dia e estou disposto a matar todos aqui até que acerte o
responsável. Quem vai decidir?
Eu ouvi gritos e um homem foi arrastado até mim. Ele foi jogado aos
meus pés e sua expressão era de pura súplica. Os homens que seguravam
seus braços não ousaram olhar nos meus olhos e ficaram encarando o chão.
— Misericórdia...
— O Vaticano prega misericórdia, não eu. — Cruzei os braços e
mantive a expressão firme. — O que foi fazer na boate?
— Só estava vendendo um pouco da minha mercadoria. Não tinha
motivos para o Amadeo Romano alertar vocês.
— Tenho certeza que foi muito mais do que um traficante de merda
no lugar errado.
— Era só isso, eu juro.
— Não há espaço para vocês em Roma.
— Isso é um grande erro — disse aquele que eu havia baleado no pé.
— Desde quando você é quem decide isso?
Ele engoliu em seco e recuou.
— Deixa eu explicar uma coisa para vocês pela última vez. Somos
nós quem definimos quem vive, morre ou trafica em Roma. Parece que são
estúpidos demais para compreender.
— Só queremos um território nosso, como qualquer outra família que
serve a vocês. Podemos ser úteis.
— Úteis? — Eu gargalhei alto e a minha voz ecoou por todo o
acampamento. — A primeira coisa que seriam era um holofote para policiais
pela forma nada discreta com que se vestem.
— Quando os sicilianos...
Voltei a disparar contra um deles que ousou fazer insinuações que
não deveria.
— Os sicilianos não mandam mais na Itália há muito tempo e citá-los
só mostra o quanto vocês são desatualizados.
Olhei para todos eles e a fúria correu ainda mais dentro de mim.
Baleei o culpado pelo incidente na boate e precisei me conter para não
mandar mais deles para o inferno.
Assim que me viram com a arma ainda apontada para eles, os outros
ciganos que não tinham sido atingidos recuaram alguns passos e continuaram
olhando para mim.
— Espero que esses corpos sejam o suficiente para que vocês
entendam que não devem causar problemas, ou da próxima vez será o
acampamento inteiro.
Eles não disseram nada e voltei para o interior do carro. Fui seguido
pelos meus homens e eles não falaram uma única palavra.
O mais estável, o compenetrado, o mais confiável, esses adjetivos
que me descreviam, às vezes, eram colocados de lado quando eu cismava
com algo ou havia alguma coisa me perturbando. Se Tatiane achava que eu
era um monstro pelo que havia feito ao irmão dela, ela não fazia ideia de
quanto sangue estava disposto a derramar dos meus inimigos por estar
frustrado.
— Voltamos para a mansão, senhor? — perguntou Romulo.
— Não, quero almoçar em algum lugar diferente hoje.
— Vamos buscar a sua esposa?
— Ela deve estar indisposta. Vamos deixá-la em paz.
Os homens deram uma risadinha. Não me importei com o que passou
pela mente deles, só precisava do restante do dia de paz.
Capítulo vinte e três

Olhei para o sangue no lençol sem entender bem o porquê do Theo


ter feito aquilo, machucar-se de propósito, depois sair e me deixar sozinha
no quarto. Confesso que havia me preparado para uma noite completamente
diferente da que aconteceu e sabia menos ainda como agir. Escapuli para o
quarto onde estava dormindo nos últimos dias, e tirei aquela roupa de
oferenda antes de trocar por uma calça leve e uma camiseta.
Quando retornava para o quarto do Theo, me perguntando o que
deveria fazer em seguida, vi o Marco se aproximando e ele se virou de
imediato para mim quando entrei no seu campo de visão.
— Como foi a noite com o meu irmão ontem?
— Foi... — Tomei folego. — Foi... — Não consegui responder.
Como contar ao chefe da família que o irmão nem havia colocado um dedo
em mim depois da minha provocação da noite anterior.
— Você não é mais virgem, deixou de ser uma garota e agora é uma
mulher casada. Deve honrar seus votos.
Engoli em seco e apenas balancei a cabeça, sem saber como reagir.
Ele passou por mim e seguiu pelo corredor.
Entrei no quarto pensando nas suas palavras. O que será que o Theo
havia dito ao irmão? Quando comecei a refletir sobre Marco achar que eu
não era mais virgem, olhei para a cama e vi de longe as gotas de sangue no
lençol, e me surpreendi ao chegar a conclusão por que o Theo havia feito
aquilo. Eu ainda era virgem, mas apenas eu e o meu marido sabíamos disso.
Resolvi voltar para o meu quarto e procurei pelo meu celular,
ligando para a Ângela assim que o encontrei. Dessa vez não demorou muito
para que a minha cunhada atendesse.
— Oi, Tatiane, como você está? Achei que fosse passar o dia bem
ocupada.
— Estou com o dia tranquilo.
— Está tudo bem?
— Sim. Eu só queria saber se você e os meninos ainda estão aqui em
Roma.
— Estamos, sim. Tenho uma reunião com o Marco daqui a pouco
para contar a ele como estão os assuntos da máfia em Palermo.
— Quer dizer que você vem até aqui?
— Sim, despois do almoço. Só devo levar os meninos por um
passeio pela cidade antes. É a primeira vez que eles vêm a Roma.
— Vão se divertir bastante.
— É o que eu espero.
— Vou deixar você ir.
— Nos vemos depois, Tatiane.
— Até depois. — Despedi-me dela e desliguei a chamada.
Passei o restante do dia por ali e só tomei coragem de descer quando
já era por volta do horário do almoço. Estavam todos na sala de jantar, com
exceção do meu marido. Silenciosamente, puxei uma cadeira e me acomodei
do outro lado da mesa diante da minha sogra e perto da Laís. Todos estavam
comendo, mas Rosimeire abaixou os talheres e deu sua atenção a mim, no
momento em que eu menos queria ser notada.
— Dormiu bem?
Balancei a cabeça em afirmativa e peguei o prato para me servir.
— Onde está o Theo? — minha sogra me questionou. — Não
acredito que o meu filho ainda está na cama. Ele também precisa se
alimentar.
— Theo levantou cedinho, mãe — Mateo respondeu por mim. —
Acho que a esposa o empurrou da cama, ou ele não aguentou o pique e saiu
correndo. — Riu como se houvesse contado uma piada.
— Onde ele está agora? — Rosimeire franziu o cenho, parecia
preocupada.
— Foi lembrar os ciganos de onde é o lugar deles — disse Marco ao
espetar um pedaço de carne no prato e mastigá-lo.
— Logo hoje?
— Sem dúvidas ele é o melhor de nós para cumprir o mandamento
número cinco — Ainda havia sarcasmo na voz do Mateo, e eu não sabia
quanto dele poderia acabar respingando em mim.
— Ai, ai, Theo. — Rosimeire balançou a cabeça em negativa. — Ele
poderia sossegar ao menos hoje e dar um descanso para o meu coração.
— Não se preocupe, mãe — Assegurou Marco. — Theo sabe bem o
que faz. Logo ele estará de volta em casa.
— Tente colocar um pouco de juízo na cabeça dele, por favor. —
Olhou para mim com um ar cheio de súplica.
Balancei a cabeça em concordância, pois senti que era o melhor a se
fazer no momento.
Durante o restante do almoço, fiquei em completo silêncio e agradeci
por pararem de falar de mim e do Theo. Depois, subi para a biblioteca da
minha sogra, disposta a ficar ali e tentar me distrair com algum livro até que
a minha cunhada chegasse.
Corri os olhos por uma estante de clássicos e escolhi uma versão do
Frankenstein, de Mary Shelley, não estava no clima para ler um dos muitos
romances românticos que tomavam o lugar. Na verdade, só queria que a
minha mente fosse para longe e que eu pudesse sair, ainda que fosse por
aquelas palavras, do lugar onde estava. Confesso que o fato de Theo não ter
agido da forma como eu esperava me deixou completamente desconcertada.
Se ele era o monstro assassino que imaginava, por que ele simplesmente não
abusou de mim?
Tiago dizia para mim que havia honra na máfia, regras rígidas que
deviam ser seguidas a ferro e fogo para que a instituição secular continuasse
a ser mantida. Eu, como alguém que não me envolvia nesses assuntos, achava
que ele falava isso apenas para me acalentar, contudo, vivendo com os
Bellucci, parecia ser verdade.
— Sim, Marco, compreendo todas as suas inseguranças, mas eu e
meus homens estamos fazendo o melhor por Palermo. — Ouvi a voz da
minha cunhada e fechei o livro, indo até o corredor, vendo que ela saía do
escritório do chefe.
— Espero que eles continuem respeitando-a. Não é bom para nenhum
de nós uma instabilidade na cidade.
— Eles são fiéis, quanto a isso não precisa se preocupar.
— Ótimo. Mantenha-me informado de tudo.
— Tem a minha palavra. — Ângela deu alguns passos para o
corredor e me avistou parada na porta da biblioteca.
— Oi — murmurei.
— Tatiane, como você está?
— Bem.
— Eu posso falar com ela? — Ângela buscou o olhar de aprovação
do Marco.
— Sim, mas só por alguns minutos.
— Obrigada. — Ângela caminhou até mim e colocou a mão no meu
braço, mas eu não me contive e a abracei bem apertado. — Vamos entrar?
Assenti e nós duas seguimos para o interior da biblioteca. Fechei a
porta atrás de nós e nos acomodamos no sofá vermelho.
— Que lugar interessante. — Ela olhou em volta, provavelmente
surpreendida com o tamanho, ao menos foi essa a reação que tive ao entrar
naquele cômodo pela primeira vez.
— É da Rosimeire, Lorenzo fez para ela.
— Realmente encantador.
— Sim.
— Mas o que você está fazendo aqui?
— Lendo.
— Não deveria estar com o seu marido?
— Ele saiu.
— Hoje? — Ela arregalou os olhos, surpresa. — No primeiro dia de
casados?
Apenas balancei a cabeça em afirmativa e percebi que a expressão
da minha cunhada refletia o seu espanto.
— Como foi a noite, Tatiane? — Percebi que o seu tom se tornou um
pouco mais severo, como meu irmão fazia quando estava prestes a me dar
uma bronca.
— Eu fui para o quarto dele e dormimos.
— Não fizeram sexo, você continua virgem?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Por quê?
— Eu perguntei se ele iria me estuprar e ele disse que não. Depois,
se deitou na cama e não falou mais nada comigo.
— Não acredito que você fez isso. — Ela colocou a mão na testa,
balançando a cabeça em negativa. — Está explicado por que o homem sumiu
de vista. Deve estar, minimamente, frustrado.
— Você esperava que eu fosse me entregar para o assassino do
Tiago? — questionei, abismada.
— Sim, ele é o seu marido!
— Mas, Ângela... — Recuei contra a outra extremidade do sofá,
completamente desestabilizada.
— Tatiane, você aceitou fazer isso em nome da família e não pode
estar aqui só pela metade. Como espera que ele seja minimamente gentil, que
não procure outras mulheres, se a esposa não o satisfaz?
— Ele matou o Tiago, Ângela!
— E o seu irmão matou o pai dele, por sua causa! — Elevou o tom,
irritada. Ela pareceu se desestabilizar e foi a primeira vez que a vi agir
daquela forma comigo.
— Minha causa? Por que o Tiago mataria o chefe da máfia por mim?
— Seu irmão me fez prometer que não contaria.
— Ângela, por favor... — Segurei a mão da minha cunhada e a puxei
para mim. — Tudo o que mais quero é entender o que aconteceu. Todos
acham que o meu irmão queria tirar o poder dos romanos e devolver aos
sicilianos.
— Não. — Ela balançou a cabeça em negativa. — Essa não era a
ambição dele.
— Então o que aconteceu?
— Tiago protegeu você a todo custo. Até quando não deveria.
— Eu não entendo.
— Nem deveria.
— Ângela, eu preciso saber.
— Seu irmão perdeu para a polícia um carregamento muito
importante que pertencia aos Bellucci, ao Leonel Bellucci, para ser mais
específica.
— O irmão do Lorenzo?
— Isso. Quando ele foi confrontado, Leonel deu para ele duas
escolhas: entregar você, que ainda nem tinha feito quinze anos, ou matar o
Lorenzo. Tiago tomou a pior decisão para ele mesmo, que quase custou a
vida de todos nós, mas o fez para te proteger, porque ele sabia que Leonel
não teria hombridade suficiente para esperar você crescer. Tiago criou você
em uma bolha, Tati, mas essa bolha estourou e agora você precisa assumir
suas responsabilidades com a família.
Fiquei parada, olhando para o nada, completamente em choque, até
que a primeira lágrima escorreu pelo meu rosto. Ela foi seguida por muitas
outras até que fiquei completamente em prantos.
— Leonel queria o irmão morto para usurpar o poder e usou o Tiago
para isso. — Ângela afagou o meu ombro.
— Ele está morto por minha causa — repeti ao sentir uma dor
terrível, como se fosse uma espada atravessando o meu peito.
— Infelizmente, sim.
Debrucei-me sobre o ombro da Ângela, chorando ainda mais
intensamente. Nunca havia passado pela minha cabeça que eu poderia ser a
causa da morte do meu irmão.
— Escuta, Tatiane. — Ela me empurrou para que eu a encarasse.
Meus olhos estavam embaçados devido as lágrimas. — Seu irmão protegeu
você por tempo demais. Está na hora de cuidar de si mesma. Theo Bellucci
pode não ser o marido dos seus sonhos, mas ele pertence à família mais
poderosa da Itália e pode transformá-la em uma princesa e te dar um poder
inimaginável. Entretanto, para isso você precisa começar sendo uma boa
esposa. Por enquanto ele está irritado, mas se o casamento continuar assim,
com você o evitando, vai ser só uma questão de tempo para que ele a
devolva para nós e me tire do poder em Palermo.
— Ele não pode se divorciar de mim.
— Divórcio não, mas a igreja aceita anulação. Não existe casamento
sem consumação.
— Theo é meu marido. — Acabei assentindo.
— Sim, é. Você acha que o amor entre mim e o seu irmão surgiu do
nada? Não é um sentimento instantâneo, como narram os filmes. Ele precisa
ser conquistado. O melhor para todos é que você descubra como.
Engoli em seco. Fiquei sem palavras, pois a minha conversa com a
Ângela havia me desestabilizado completamente.
— Eu sei que ele matou o Tiago. Acredite, também adoraria
simplesmente odiá-lo, e é o que quero fazer algumas vezes, mas o Tiago
matou o pai dele. Não é fácil para nenhum dos lados, mas vocês dois estão
casados e precisam fazer isso funcionar. Odiá-lo e fazer com que ele a odeie
só trará mais sofrimentos para os dois. — Ela se curvou e deu um beijo na
minha bochecha. — Agora preciso ir.
— Obrigada — disse qualquer coisa, pois não me restava uma
alternativa. — Você e os meninos vão voltar para Palermo?
— Sim, há muito o que ser feito por lá. Preciso provar aos Bellucci
que consigo gerir a cidade e que os chefes locais me respeitam. Sou uma
mulher na máfia e tenho que me provar o tempo todo. Não está sendo fácil
para nenhum de nós.
— Boa sorte.
— Obrigada, irei precisar.
— Você é boa nisso, Ângela.
— Só estou me esforçando. — Ela estendeu a mão acariciando o meu
rosto novamente. — Fique bem. Está na hora de deixar de ser uma menina e
se tornar uma mulher. Logo tudo entrará nos eixos e você terá os seus
próprios filhos para cuidar.
— O Theo sabe sobre o Leonel?
— Não. E a recomendo ficar de boca calada. Ele ainda é um homem
poderoso e pode virar seu marido contra você.
— Ele é o verdadeiro culpado pela morte do Lorenzo, não o Tiago.
— Nós duas sabemos disso, mas é um segredo que deve ficar
somente entre nós. Sua presença ainda é incômoda nessa casa e seu marido
não confia em você.
Voltei a engolir em seco e assenti.
— Tome cuidado com o Leonel e se aproxime de Theo. É tudo o que
você precisa agora. — Ela beijou-me no topo da cabeça e saiu da biblioteca,
deixando-me sozinha com os meus pensamentos.
Meu irmão, a pessoa mais importante para mim, estava morto, e por
minha causa. A verdade esmagava meu peito.
Não sei por quanto tempo fiquei parada na biblioteca, mas decidi
sair do cômodo quando senti fome. Estava a caminho da cozinha quando
Leonel apareceu no corredor. Prendi a respiração quando o peso dos olhos
dele caiu sobre mim. Já me sentia estranha na presença daquele homem,
saber a verdade do que havia acontecido me deixou ainda mais
desconcertada.
— Está radiante hoje, Tatiane. — Ele se aproximou mais de mim. —
Theo é um garoto tolo, por sair por aí derramando sangue, ao invés de passar
o dia com a sua bela esposa. — Ele tocou o meu rosto e senti o meu
estômago revirar, uma sensação muito parecida com a reação que o toque de
Giulio havia me provocado.
Empurrei a sua mão e dei alguns passos para o lado.
— Meu marido está ocupado cumprindo os compromissos dele com
a máfia.
— Uma pena que ele não está aqui cumprindo os deveres com você.
— O que está insinuando?
— Nada. — Ele abriu um sorriso malicioso, que me arrepiou inteira.
— Eu preciso ir. — Passei por ele atarantada, apertando o passo até
chegar até a cozinha.
Debrucei-me sobre o balcão de pedra e respirei fundo. Esperava que
aquele homem fosse embora logo, ou tinha medo de não conseguir manter o
controle da situação. Ele era o grande culpado de tudo o que estava
acontecendo, e eu estava tão perto, mas, ao mesmo tempo, não podia fazer
nada.
— Está tudo bem, senhora? — perguntou uma das empregadas, e
imaginei que a minha aparência assustada deveria tê-la alarmado.
— Está, sim. — Passei a mão pelos meus cabelos na tentativa de me
recompor. — Só estou com fome.
— Vou providenciar um lanche.
— Muito obrigada. — Puxei uma cadeira, sentando-me diante da
bancada de pedra.
A empregada me serviu um prato com uma panqueca e algumas
frutas. Comi lentamente para ficar o máximo de tempo possível naquele
ambiente. Ao menos ali, me sentia segura enquanto pensava no que deveria
fazer a seguir.
Não é fácil para ninguém, lembrei-me do que Ângela disse e, pela
primeira vez, pensei no que poderia estar sendo para o Theo.
Sangue deve ser pago com sangue... fora ele mesmo que havia me
dito isso no nosso encontro na casa do meu irmão.
O destino parecia engraçado. Se há mais de dez anos o meu irmão
esteve disposto a matar alguém para que eu não fosse entregue a um homem
daquela família, agora estava ali, casada com um deles.
Ângela certamente estava certa e eu precisava assumir as rédeas da
minha vida, mas parecia muito mais fácil falar do que fazer.
Capítulo vinte e quatro

Quando cheguei em casa, a noite já havia caído. Passei o máximo de


tempo possível longe dali. Ainda que não fosse do meu feitio fugir dos meus
problemas, aquele em específico estava me desestabilizando como nunca.
Admito que, em algum momento, a minha vontade foi de visitar um
dos muitos clubes que eu frequentava em Roma, mas, daquela vez, não
quebraria apenas o mandamento que nos dizia para não fazer isso, mas
também o de respeitar a esposa, além de descumprir a promessa que havia
feito ao meu irmão. Traições era inadmissíveis, por serem a maior prova de
desonra. Se um homem é capaz de trair a mulher que confia nele ao ponto de
se deitar e fechar os olhos ao seu lado, não era digno da confiança de
ninguém. O problema era que Tatiane não confiava em mim...
Entrei em casa sozinho, pois Romulo fora ficar com a sua família e
os demais homens se abrigaram no alojamento que ficava do lado de fora.
— Theo? — Ouvi a voz da minha mãe quando estava prestes a subir
a escada. Não queria conversar naquele momento, mas conhecia muito bem
Rosimeire Bellucci para ter certeza de que, quando se tratava da família, ela
era mais incansável que os piores torturadores.
— O que foi, mãe? — Girei nos calcanhares para encará-la.
— Você está bem?
— Estou ótimo. Por que não estaria?
— Você se casou ontem, mas ao invés de ficar com a sua esposa,
passou o dia inteiro fora.
— Acha que há alguma coisa comigo só porque não passei o dia
inteiro grudado na minha esposa, como o Marco fez com a Laís? Não somos
a mesma pessoa, mãe.
— Sei que para você esse casamento tem um custo muito alto, e que
não está sendo nada fácil. Para todos nós, recebê-la aqui, depois do que
aconteceu, é um grande desafio, mas...
Segurei os ombros dela e fiz com que me encarasse.
— Eu estou ótimo, mãe. Vá se preocupar com o bebê do Marco, ele é
o futuro dessa família e depende muito mais de você do que qualquer um de
nós.
— Laís está com ele agora, mas vocês são os meus filhos.
— Somos adultos e podemos andar com nossas próprias pernas. —
Curvei-me e dei um beijo na sua testa. — Estou bem, não se preocupe —
dizendo aquilo, terminei de subir a escada seguindo para o meu quarto.
Esperava que minhas palavras cheias de convicção fossem o suficiente para
que a minha mãe se contentasse. Não precisava ficar mais irritado com ela
em cima de mim.
Entrei no meu quarto, me despi, deixando o terno suado sobre a cama
e segui para o banheiro. Abri o chuveiro, permitindo que a água escorresse
pelo meu corpo, na vã esperança que ela lavasse um pouco a minha
frustração. Em algo a minha mãe tinha razão, não estava sendo nada fácil
para mim, mas o meu orgulho não me deixaria admitir isso a ninguém.
Ouvi um som e me girei. Através do vidro do box, vi Tatiane na porta
do banheiro. Ela estava me observando, mas por quê?
Saí molhado, deixando o chuveiro ainda aberto e me estiquei para
fechar a porta, deixando-a do lado de fora. Se ela não confiava em mim para
se expor, eu tinha o mesmo sentimento em relação a ela.
Casar-me com essa siciliana provavelmente foi a pior decisão que
tomei nos últimos anos. Nada me garantiria que ela não fosse como o irmão.
Trazê-la para dentro de casa poderia ter colocado todos nós em risco.
Quando saí do chuveiro, com uma toalha branca enrolada ao redor da
cintura, me deparei com ela sentada na cama e suas bochechas coraram
quando meus olhos encararam os seus. O que aquela mulher queria? Me
fazer enlouquecer? Parecia que estava bem perto de conseguir. Ao mesmo
tempo em que havia um interesse claro no seu olhar, ela me afastava como se
eu fosse o verdadeiro bicho papão.
— O que está fazendo aqui?
— Agora também é o meu quarto, não?
— Achei que não fosse o que quisesse.
— Eu tenho escolha?
— Você deixou bem claro as suas escolhas, ultimamente. — Cruzei
os braços numa postura ofensiva.
— Você o amava?
— Que pergunta é essa?
— Você amava o seu pai?
— Por que está questionando isso? — Franzi o cenho confuso.
— É uma pergunta bem simples. Pode responder com sim ou não.
— Ele era o chefe da máfia italiana, um homem respeitado, um bom
marido e a pessoa mais importante da minha vida. Ele me ensinou tudo o que
eu sei e sou. Não poderia descansar até mandar o bastardo que o tirou de
mim para o inferno. Isso responde a sua pergunta, esposa? — disse a última
palavra com um quê de sarcasmo, já que ela se portava como uma completa
estranha e não a mulher em quem eu mais deveria confiar.
— Eu o amava também.
— Não é porque fazemos parte da máfia que não temos pessoas
importantes para nós. A própria instituição é uma família composta de
famílias.
— Eu entendo.
— Que bom.
— Theo, sinto muito.
— Por que está dizendo isso? — Levantei uma sobrancelha, receoso.
Aquela não parecia a mesma Tatiane que eu havia deixado no quarto pela
manhã.
— Nada disso teria acontecido se o meu irmão não tivesse matado o
seu pai.
— Isso é verdade.
— É por isso que eu sinto muito.
— Que bom — disse num tom seco. Estava tão acostumado com as
palavras ácidas que ela direcionava a mim que as minhas defesas estavam
sempre levantadas, próximo a ela e não sabia reagir de forma diferente.
Ficamos nos olhando por alguns minutos. Reparei no seu cabelo tão
brilhante, no rosto delicado em formato de coração e os lábios finos. Os
olhos castanhos estranhamente curiosos e a forma diferente como eles me
olhavam. Era terrível pensar que havia me casado com uma mulher tão
bonita e que sequer poderia tocá-la.
— Eu vou me trocar — falei depois de muitos minutos.
— Quer que eu saia do quarto?
— Pode ficar aí. — Entrei no closet, peguei roupas limpas e tirei a
toalha, sem me importar se ela estava ou não me vendo nu.
Vesti uma cueca boxer, calça de moletom e uma camisa polo antes de
sair do cômodo e encontrá-la na mesma posição, sentada na cama e olhando
para mim. Fiquei me perguntando o que poderia ter acontecido para que ela
mudasse subitamente, mas não externei o meu questionamento.
— Já tomou banho?
— Ainda não.
— Vou sair do quarto e você pode ir.
— Obrigada.
Dei as costas para ela, caminhando até o corredor. Tatiane não disse
mais nenhuma palavra.
Confuso, tentei absorver o que havia acabado de acontecer, ainda que
não significasse porra nenhuma.
Ela não era a única que sentia muito por nós dois estarmos naquela
situação. O pior ainda era todo aquele impasse que eu não sabia como
resolver.
Capítulo vinte e cinco

O observei sair e fiquei imóvel por um momento até que saísse do


transe. Era como se as imagens na minha cabeça houvessem me prendido em
uma estranha armadilha. Fora a primeira vez que eu vira um homem nu, ainda
que apenas por uma fração de segundos.
Havia entrado no quarto e a curiosidade me vencera, fazendo com
que eu fosse até o banheiro aberto e o visse no chuveiro. A água descendo
por seus músculos e os desenhando era uma visão desconcertante e, ao
mesmo tempo, completamente hipnótica.
Achei que ele iria ficar furioso comigo quando bateu à porta na
minha cara, mas talvez tenha sido a conversa menos agressiva que trocamos
desde que nos conhecemos. Eu culpava o Theo pelo que havia acontecido ao
Tiago, mas, depois da revelação da Ângela, sentia que parte, se não toda, a
carga pela morte do meu irmão deveria ser minha. Se ele não tivesse me
protegido há mais de uma década, eu estaria nas mãos de outro Bellucci, mas
o Tiago estaria vivo.
Em honra ao que o meu irmão havia feito por mim, eu tinha que
proteger os filhos dele e o seu legado, isso incluía aquele casamento com
Theo Bellucci. O problema era que eu ainda tinha medo e não seria algo
fácil de contornar, além disso, minha experiência com homens era nula e não
sabia como aproximá-lo de mim.
Fui até o closet e peguei roupas limpas, já que as empregadas haviam
trazido todas as minhas coisas para o quarto dele. Tomei um banho rápido e
saí do cômodo. Pensei em procurá-lo, mas logo desisti da ideia, não sabia o
que dizer nem como agir com ele.
Fiquei parada no corredor até que ouvi o som de um bebê chorando.
Segui até uma porta e ela estava fechada. Dei uma batida, mas logo me
arrependi.
O que estava querendo?
— Pode entrar. — Ouvi a voz gentil da Laís do outro lado da porta.
— Obrigada. — Puxei a maçaneta, mas fiquei parada na linha do
batente, olhando para dentro e a vi pegar o bebê no colo enquanto caminhava
para uma poltrona.
— Está tudo bem com ele?
— Ah, sim — disse com um sorriso. — Só está com fome. Se
depender desse dragãozinho, ele mama o dia inteiro.
— Ele é tão pequenininho. — Criei coragem de chegar mais perto e a
vi abaixar a blusa e abrir o sutiã para amamentar o bebê.
— É um recém-nascido, mas ainda assim, fico assombrada em pensar
que ele saiu de dentro de mim.
— Deve ter doído muito.
— Nem me fala. — Riu. — Mas valeu a pena.
— Tenho certeza que sim. — Tombei para observar o bebê melhor.
— Logo você terá o seu.
— É, talvez... — Abri um sorriso amarelo.
— Acontece quando a gente menos espera.
Eu poderia ser virgem, mas sabia o suficiente sobre como os bebês
eram feitos para ter certeza que se Theo e eu continuássemos dormindo em
lados opostos da cama, eu não ficaria grávida.
— Vou deixar você em paz.
— Não me incomodo com a sua companhia. Já é tão difícil irmos ao
mundo fora dessas paredes, é bom termos uma à outra.
— Sim.
— Está tudo bem, Tatiane?
— Claro. Só estou com um pouco de fome, vou ver se o jantar já foi
servido.
— Vá lá. Eu vou daqui a pouco, assim que o Dante terminar de
mamar e dormir.
— Certo. Até mais.
Ela assentiu com um movimento de cabeça e deixei o quarto.
Desci até a sala de jantar e só encontrei Rosimeire conversando com
a empregada que servia a comida.
— Eu volto mais tarde — comentei, quando elas olharam para mim.
— Pode vir, querida. — Rosimeire puxou uma cadeira para mim. —
O jantar já foi servido.
— Obrigada. — Segui até ela e me acomodei diante da mesa. Peguei
os talheres e comecei a me servir quando a empregada foi embora e nos
deixou sozinhas.
— Está tudo bem com você?
— Sim.
— E com o meu filho?
— Também.
— Vocês parecem estranhos para quem acabou de se casar.
— Nem nos conhecíamos há um mês. Acho que precisamos de um
pouco mais de tempo.
— É só isso mesmo? — Afunilou os olhos, me encarando de uma
forma mais severa.
— Sim. Não quero causar problemas para vocês.
— Fico contente que o seu discurso tenha mudado.
— Eu sinto muito pelo Lorenzo.
— Sente? — Ela arregalou os olhos, surpresa com o que eu havia
acabado de dizer.
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Você o amava e sei o quanto é difícil perder uma pessoa que a
gente ama. Ainda dói muito pensar no Tiago.
— Sim, é difícil. Ainda bem que temos outras pessoas para nos
incentivar a continuar vivendo.
— Verdade. A minha cunhada e os meus sobrinhos ainda são como
uma parte dele aqui.
— Isso é ótimo, mas terá uma família conosco também. — Ela sorriu
para mim de um jeito mais gentil ao perceber que eu estava cedendo.
Ângela havia dito que eu precisava tomar as rédeas da minha vida,
mas talvez fosse bem mais fácil do que isso, apenas parar de nadar contra a
corrente e aceitar o que me era ofertado. Como a simpatia de uma mulher
que tinha tudo para me odiar.
— Obrigada por me acolher, apesar de tudo.
— Aprendi, quando ainda tinha a sua idade, que muitas vezes
situações que não gostamos acabam acontecendo e que me revoltar só
piorava tudo. Então tento sempre tirar o melhor da situação. Fez com que eu
fosse mais feliz.
— É sábio da sua parte.
— Aceite um pouco da sabedoria dessa velha mulher. Quanto mais
repudiar o meu filho, mais infelizes vocês dois serão.
— Acho que estou aprendendo.
— Antes tarde do que nunca.
Não tive tempo para dizer mais nada, pois os três irmãos entraram na
sala e se sentaram conosco.
— Vocês duas já estão aqui? — Theo olhou para mim por uma fração
de segundos antes de voltar a sua atenção para a mãe.
— Sim — Rosimeire respondeu. — Onde está o tio de vocês? Não
vi aquele encosto a tarde inteira.
— Mãe, olha a forma como você fala do seu cunhado — Marco a
recriminou.
— Nunca senti uma energia boa vindo daquele homem, e isso não
mudou com o passar do tempo.
— Ele deve estar com alguma puta por aí — debochou Theo.
Depois do que Ângela havia me revelado, até achava melhor que
aquele homem estivesse bem longe de mim e dos outros naquela casa. Não
conseguia acreditar que alguém era tão cruel ao ponto de articular a morte do
próprio irmão. Olhei para o Theo e os outros Bellucci na mesa. Achavam
que a culpa pelo patriarca não estar mais ali era do meu irmão, mas o Tiago
havia sido apenas uma peça.
Eles conversavam entre si e logo Laís apareceu para se juntar a nós.
Eu ouvi tudo, mas não trocaram muitas palavras comigo. Era evidente que
ainda tinham um certo receio quanto a mim, e sabia que boa parte disso era a
minha própria culpa.
Depois do jantar, todos se retiraram e subi as escadas com o Theo, e
entramos no seu quarto, nosso quarto.
Fiquei perto da porta enquanto ele caminhava até o banheiro, tirando
a camisa no meio do caminho e a deixando sobre a cômoda.
Permaneci parada enquanto ele usava o banheiro, a porta estava
encostada, mas pelo som eu conseguia ouvir tudo o que acontecia lá dentro.
— Aconteceu alguma coisa com você? — questionou quando saiu.
— Não.
— Quer dormir em outro quarto?
— Eu devo ir? — Cruzei os braços na frente do corpo, sem jeito.
— Entre o que você deveria fazer e o que faz de fato, há um abismo
gigantesco.
— Desculpa.
— Por que está pedindo tantas desculpas hoje? — Ele deu um passo
na minha direção e eu encarei os seus olhos, firme. Pela primeira vez
consegui ver além do assassino que eu o pintava. Theo podia ser um homem
como qualquer outro.
— Agora consigo enxergar de uma forma diferente o que aconteceu
com o meu irmão.
— Por quê?
— Tive uma conversa com a minha cunhada, que me esclareceu
algumas coisas.
— Ainda me vê como um assassino?
— Bem, não tem como ignorar que você puxou o gatilho, mas o meu
irmão também era, e acho que, de certa forma, eu também sou.
— É quase impossível fazer parte de tudo isso sem sujar as mãos —
sua voz era firme e, ao mesmo tempo, serena.
— Eu cresci alheia a tudo.
— Imagino que sim.
— Eu quero saber.
— O quê?
— De tudo, de como as coisas funcionam.
— A Laís pode ajudar você com isso. — Ele deu mais alguns passos
na minha direção e meu coração acelerou, achando que fosse me tocar.
Contudo, ao invés disso, ele simplesmente foi fechar a porta do quarto e foi
para a cama. — Marco conta muita coisa para ela, mais do que deveria,
inclusive.
— Eu quero saber também, mas queria ouvir de você...
Ele ficou surpreso e me encarou por alguns minutos.
— Muito bem, outro dia. — Pegou o travesseiro e o afofou antes de
se deitar nele e puxar o celular, começou a mexer nele, sem olhar para mim.
Diferente da noite do nosso casamento, naquela ele sequer tentou me
tocar. Parecia disposto a me ignorar completamente e pensei no que a Ângela
havia dito sobre a possibilidade de anulação do casamento.
Sentei na beirada da cama e meu movimento fez com que ele se
virasse na minha direção. A aflição apertou meu peito e levei uma
eternidade para dizer algo. Ele havia retornado a sua atenção para o telefone
quando finalmente abri a boca.
— Você pretende anular o nosso casamento?
— Quê? — Theo soltou o aparelho sobre o móvel de cabeceira e se
ergueu, sentando-se na cama, e me olhou de olhos arregalados. — Por que
está dizendo isso?
— Você poderia, já que o nosso casamento ainda não foi consumado.
— Não penso em anular o nosso casamento. Eu tenho um
compromisso com a família, o qual honrarei até o túmulo, independente de
quão frustrado esteja com toda a situação. Consumaria o casamento com
você a qualquer momento, se dependesse apenas da minha vontade. Você tem
me enchido de fantasias desde a noite em que a vi no clube, e provavelmente
teria ido longe demais depois da festa do governador. Contudo, ao contrário
do que você pensa, não sou um monstro e não vou forçá-la.
— Desculpa por ter insinuado isso.
— Tudo bem. Agora eu vou dormir. — Voltou a se deitar na cama.
— Theo...
— O que foi, Tatiane?
— Não quero ser machucada.
Theo voltou a se sentar na cama e curvou o corpo na minha direção.
Seus dedos macios voltaram a tocar o meu rosto e eu fechei os olhos,
deixando-me envolver pela sensação quente da sua pele, estranhamente
reconfortante. Quando ele me tocava provocava reações no meu corpo muito
diferente das do Giulio ou do Leonel. Seu toque era acolhedor e parecia bem
pacífico.
— O que acha que eu faria com você?
— Não sei, mas me disseram que é bem doloroso.
Na verdade, fora Edna quem havia dito isso, e eu não sabia se era
verdade ou mais uma das muitas coisas que aquela velha havia dito para me
assustar.
— Por que não começamos com um beijo? — Ele passou o polegar
sobre os meus lábios, pressionando-os, e senti o meu corpo ficar ainda mais
quente. — Lembra da sensação de me beijar?
Balancei a cabeça em afirmativa.
Ele tombou a cabeça na direção da minha e seus lábios roçaram nos
meus. Um calafrio me varreu como uma onda e logo se transformou em uma
sensação de calor. Por impulso, tomei a liberdade de levantar as mãos e
colocá-las sobre seus ombros. Eles eram ressaltados pelos músculos bem
definidos.
Ele moveu sua boca sobre a minha enquanto tombava a cabeça para
acomodá-la melhor e pressionou a língua, pedindo passagem, que eu
concedi. Logo ele encontrou a minha e elas começaram a dançar dentro da
minha boca, correspondi, tentando entender o ritmo. Meu corpo foi se
aquecendo cada vez mais e sentia a necessidade de corresponder ao beijo
crescer.
De repente, Theo me pegou pela cintura e fez com que me sentasse no
seu colo, mas não parou de me beijar, e minhas mãos nos seus ombros me
serviram de sustentação. Senti um volume logo abaixo de onde sentava e a
região da minha feminilidade pulsou.
A boca do Theo desceu da minha, percorrendo a minha garganta,
provocando estranhos, mas deliciosos espasmos. Fechei os olhos e senti uma
enxurrada de sensações invadir o meu corpo. Eram tão boas, que consegui
parar de pensar em tudo que Theo representava. As mãos firmes dele
contornaram a minha cintura e Theo puxou a minha camiseta. Fui obrigada a
soltar os seus ombros para deixá-lo tirar. A brisa fresca do ar-condicionado
foi o suficiente para me deixar arrepiada, mas não me encolhi. Seus dedos
deslizaram pela linha da minha coluna, provocando calor e frio até
encontrarem o fecho do meu sutiã. Ele abriu a peça e escorregou-a pelos
meus braços, dando a ela o mesmo destino da minha camisa, o chão.
Tombei a cabeça para trás quando ele mordiscou a base do meu
pescoço. Fechei meus olhos ao ser tragada por aquele vórtex de efeitos. Era
estranhamente maravilhoso estar sentindo o que eu estava experimentando e
de repente meus medos caíram por terra, derretendo diante do peso daquelas
mãos e as caricias dos seus lábios, que desceram até os meus seios. Theo
envolveu um dos mamilos com os lábios e o sugou.
Um gemido escapou pela minha boca e ecoou pelo quarto. Fiquei
completamente envergonhada quando me lembrei dos sons que havia ouvido
do quarto do Marco e da Laís. Eu estava fazendo os mesmos barulhos que
me fizeram acreditar que a pobre mulher estivesse sendo torturada. Se aquilo
era mesmo uma tortura, se mostrou a melhor de todas.
Ele voltou a segurar a minha cintura e nos girou na cama, deitando-
me sobre os travesseiros, e fazendo com que me acomodasse no centro da
cama. Puxou a minha calça e a jogou no chão, para ficar com o restante da
minha roupa, deixando-me apenas de calcinha.
Theo se acomodou sobre mim e senti o peso do seu corpo me
pressionar ainda mais contra o colchão. Sua boca tomou o caminho de volta
para o meu pescoço e, como um vampiro, ele me sugou. Meus olhos
reviraram nas órbitas enquanto suas mãos percorriam minha cintura, a lateral
do meu corpo e meus seios, como se quisessem memorizar cada um dos
meus traços.
Voltou a deslizar os lábios pelo meu externo, no vale entre os meus
seios e no meu ventre. As carícias me mergulhavam em uma mágica mistura
de sensações que me envolviam facilmente. Não havia como negar, era bom.
Ele deslizou a boca até o início da minha calcinha e mordeu o
elástico, puxando-a para baixo, e desceu até a minha virilha. O seu hálito tão
perto da minha intimidade me fez retorcer na cama e afundar os dedos no
lençol.
Theo afastou o rosto e suas mãos vieram até a minha calcinha.
Imaginei que ele fosse simplesmente tirá-la, mas ele a segurou e a rasgou,
fazendo com que a renda parecesse papel diante da sua força.
Ele voltou a me beijar e senti sua mão retomar o caminho para a
minha intimidade. Primeiro ele rodeou o monte com os dedos e depois
escorregou-os mais para baixo, encontrando o botão onde se acumulava todo
o meu prazer. Theo começou a estimulá-lo com movimentos circulares e
voltei a agarrar os seus ombros, mordendo os lábios para não gritar alto
quando a vontade brotou do fundo da minha garganta. Me senti a beira de um
enorme abismo antes que ele descesse o dedo e o introduzisse na minha
fenda. Houve uma pontada sutil de incômodo e as paredes do meu sexo o
pressionaram, mas logo qualquer desconforto foi substituído por uma
sensação boa enquanto o dedo dele entrava e saía de mim. Eu gemi alto
quando um segundo dedo se juntou. Theo segurou a minha coxa afastando
mais a minha perna enquanto o seu dedo não me dava descanso. Com o
polegar, ele voltou a tocar o meu clitóris enquanto os outros dedos entravam
e saiam de mim. Uma tensão foi crescendo e logo ela deu lugar a uma
explosão de espasmos e uma sensação deliciosa, indescritível, que deixou
todo o meu corpo pulsando.
Ainda estava me recuperando do estopim quando Theo se despiu,
pegou as minhas mãos e as segurou contra a cama, imobilizando-me,
enquanto se acomodava entre as minhas pernas. Quando a dor veio, ele colou
novamente seus lábios nos meus, abafando o som. Meu primeiro impulso foi
tentar sair debaixo dele para que parasse, mas não consegui. Enquanto ele
deslizava para dentro de mim, tive a sensação de estar sendo rasgada, e
imagino que algo próximo a isso estava acontecendo enquanto o Theo
tomava a virgindade que ele havia conquistado com o casamento.
Ele insistiu no beijo e acabei retribuindo. Percebi que a dor foi
amenizando, apesar do homem por cima de mim estar investindo contra o
meu interior com maior velocidade. Theo escorregou uma das mãos pela
minha coxa e a jogou ao redor de sua cintura quando consegui me conectar
ao seu ritmo. Ainda estava dolorido, mas quanto mais eu deixava de lado a
ideia de lutar, melhor era a sensação.
Ele continuou em mim até que o senti enrijecer e um líquido quente
escorreu para o meu interior. Theo urrou baixinho, como se houvesse
libertado algo dentro dele, e depois tombou para o lado.
Ambos estávamos ofegando e continuamos olhando para o teto até
que a nossa respiração se normalizasse.
— Como você está? — Ele se virou para mim e fez uma vistoria
rápida com o olhar.
— Dolorida.
— A dor acaba depois da primeira vez.
— Como tem certeza?
— Pode perguntar a minha mãe ou a Laís se não acredita em mim.
Engoli em seco quando as suas palavras ácidas me atingiram.
— Eu confio. — Não tinha certeza das palavras que saíram da minha
boca, mas achei que fosse necessário dizer naquele momento, para que ele
não me afastasse depois do que havíamos acabado de fazer.
— Vem aqui. — Ele se acomodou no centro da cama e indicou um
espaço no seu peito para que eu me deitasse ali.
Fui até ele e Theo passou o braço ao redor de mim, trazendo-me
ainda mais para perto do seu corpo. Ficamos em silêncio e assim, com o som
ritmado do seu coração, acabei pegando no sono.
Capítulo vinte e seis

Acordei com um peso no peito e levou um tempo para que eu abrisse


os olhos e notasse Tatiane deitada em mim.
Ela ainda estava ali...
Confesso que foi uma surpresa, pois depois de todas as suas
esquivas, já estava começando a perder as esperanças de que fosse possível
termos uma vida de marido e mulher como qualquer outro casal. Eu havia
pensado dia e noite sobre como seria ter aquela mulher, mas senti-la de
verdade era bem melhor.
Escorreguei a mão pela lateral do seu corpo e parei na altura da sua
bunda, demorando-me mais naquela região, quando ela abriu os olhos e me
encarou.
— Bom dia.
— Bom dia.
— Como se sente?
— Eu ainda estou um pouco dolorida.
— Quer um analgésico?
Ela fez que não.
— Imagino que se lembre do que aconteceu ontem à noite.
— Como não me lembraria?
— Esse casamento não precisa ser um fardo para nenhum de nós.
Ela balançou a cabeça.
Movi na cama e a fiz se deitar no centro, antes de subir em cima dela
novamente.
— O que está fazendo?
— Com que se esqueça da dor. — Beijei-a antes que a minha boca
descesse pelos seus seios, perdendo alguns minutos chupando os mamilos,
sugando-os, até escorregar pelo seu ventre perfeito e ir até as suas pernas,
alcançando o seu sexo.
Mordisquei e lambi o interior das suas coxas, indo até a virilha,
provocando-a, apenas para ouvir seus suspiros. Agarrei as suas nádegas e
mantive a sua cintura imóvel para tocar sua vagina com meu hálito e em
seguida com os lábios.
Brinquei com a língua por cima e no entorno, fazendo-a gemer
baixinho até que alcancei o seu clitóris. Estimulei-a, chupando, lambendo,
pressionando até que os gemidos histéricos ganhassem força e demostrassem
que ela havia alcançado o ápice.
— Melhor? — Subi a cabeça a procura dos seus olhos.
— Sim. — Sua voz estava falha e a respiração ofegante.
Sorri enquanto observava os seus seios subirem e descerem em um
ritmo frenético, devido a sua respiração descompassada.
— Agora entendo por que todos esperavam que continuássemos na
cama.
— Dizem que é uma das melhores partes do casamento.
— Acho que tenho que concordar. — Ela escondeu o rosto no meu
peito e gostei de tê-la tão perto.
— Tenho coisas para fazer. — Rolei para fora da cama e me
levantei.
— Agora? — Vi uma certa decepção no seu olhar. Será que havia
gostado tanto da noite anterior quanto eu?
— Sim.
— Tudo bem. — Ela girou na cama e deitou de lado, provavelmente
num impulso automático, abraçando o travesseiro onde eu estava deitado.
Acompanhando os movimentos dela com o olhar, vi a mancha de
sangue na cama, eram apenas algumas gotas, nada muito relevante. Contudo,
diferente da noite passada, não era o meu sangue, mas o dela, a sua
virgindade.
— Levanta da cama.
— Por quê? — Arregalou os olhos, surpresa com a minha ordem.
— Preciso lavar o lençol.
— Esse não é um trabalho das empregadas? Vocês têm muitas
pessoas para cuidar disso.
— Você sangrou. Para todos os efeitos, você já tinha perdido a
virgindade. Ninguém além de nós dois precisa saber que não consumamos o
nosso casamento na noite de núpcias.
— Tudo bem. — Ela se levantou, enrolando-se na colcha da cama,
como seu eu já não tivesse visto tudo, não apenas com os olhos.
Puxei o lençol e o arrastei até a pia do banheiro. Molhei a região
suja pelo sangue e coloquei um pouco do sabonete líquido, esfregando até
que a mancha desaparecesse.
Voltei com ele para a cama e o joguei de qualquer jeito. Não era um
problema termos o desarrumado durante a noite passada.
— Acha que as empregadas não vão estranhar por estar molhado?
— Ah, muitas justificativas para um pouco de água. Inclusive termos
derramado um pouco enquanto bebíamos. — Apontei para a pequena jarra
de água que ficava no móvel de cabeceira.
Ela apenas abriu um sorriso amarelo, mas não disse mais nada. Eu
ainda estava nu e fui direto para o banheiro, tomei um banho rápido e me
vesti para sair do quarto. Tatiane entrou logo depois e a deixei lá antes de
me encontrar com os meus irmãos.
— Está com muita fome? — perguntou Marco quando nos trombamos
no corredor.
— O suficiente.
— Então pega alguma coisa para ir comendo no caminho, porque
vamos até a empresa do Mateo. Parece que ele tem algo importante para nos
mostrar.
— Ele já foi para lá? — perguntei, surpreso.
— Que horas você acha que são? — O olhar do Marco era
recriminatório e fez com que eu puxasse o celular do bolso que havia jogado
de qualquer jeito sem prestar atenção no visor.
Fiquei surpreso ao perceber que já eram quase dez horas da manhã.
— Desculpa, perdi a hora.
— Sei bem o porquê. — Abriu um sorriso malicioso e não pude
discordar. O motivo de eu ter ficado tempo demais na cama era exatamente o
que o meu irmão mais velho estava pensando, e eu só me sentia aliviado por
isso.
Finalmente era como se as inúmeras barreiras entre mim e a Tatiane
estivessem caindo. Ficava aflito só de pensar em como seria a minha vida se
a minha relação com a minha esposa fosse sempre como na nossa primeira
noite de casados.
— Vou até a sala de jantar pegar alguma coisa e nos encontramos na
garagem.
— Certo. Vou pedir para deixarem o Romulo e seus homens
avisados.
— Obrigado.
Passei pelo Marco e segui para a sala de jantar. O café da manhã
ainda estava servido, mas não havia mais ninguém ali. Peguei uma banana e
joguei uma fatia de queijo na boca junto com alguns morangos e saí
mastigando, com um copo de café na mão.
— Theo. — Minha mãe surgiu na minha frente quando eu estava a
caminho da garagem. — Já vai sair correndo hoje de novo?
— Tenho assuntos importantes para tratar.
— E a sua esposa?
— Ela está bem, Rosimeire. — Dei um beijo na bochecha da minha
mãe antes de passar por ela.
— Theo! — gritou, mas não dei importância e continuei caminhando.
Na garagem, Romulo já estava parado ao lado do carro e abriu a
porta para que eu entrasse assim que me viu.
— O Marco já foi?
— Sim, senhor.
— Então vamos.
O homem que estava no banco do motorista deu a partida e dirigiu
para fora da mansão. Trafegamos pelas ruas cheias, em sua maioria turistas,
até chegar em meio a um oásis tecnológico que se destacava dentre tantas
construções antigas com fachadas de séculos atrás.
Ajeitei o meu terno e desci na entrada, seguido por Romulo.
A recepção do prédio era enorme, tinha um conjunto de sofás para as
pessoas aguardarem e uma bancada com três recepcionistas. A empresa de
tecnologia parecia lícita como qualquer outra, mas encobria mais um dos
muitos negócios da família. Era o grande brinquedinho do meu irmão caçula,
que desde criança se interessava por aquela área.
Fui até as roletas e coloquei meu dedo no leitor biométrico, abrindo
acesso para mim e o homem que me acompanhava. Os elevadores ficavam a
alguns metros, e quando entramos em um deles, apertei o andar para o
subsolo, onde tecnicamente ficavam os servidores, mas também escondia
uma equipe que lidava diretamente com os assuntos da máfia.
Seguimos pelo corredor escuro e chegamos até uma das várias portas
trancadas que havia ali embaixo. O programa leu a minha digital e a minha
retina antes de liberar nossa entrada.
Dentro da sala, estavam os meus irmãos e uns dez programadores,
distribuídos em máquinas de última geração. Eu poderia fazer muito estrago
com uma arma, mas o Mateo era imbatível quando estava no controle de uma
daquelas coisas.
— O que aconteceu?
— Que bom que você chegou, Theo. — Marco se virou para mim.
— Por uma questão de segurança — começou o caçula. — é comum
que eu use o sistema de reconhecimento facial nas câmeras da cidade, e até
mesmo do país, para ver as potenciais ameaças a nós, ao menos aquelas que
já temos conhecimento. O software é automatizado e faz esse trabalho vinte e
quatro horas por dia, todos os dias.
— Vai direto para a parte em que eu começo a entender o que você
está falando.
— Quando ele encontra alguém suspeito, emite um alerta. Seja um
russo, um japonês ou alguém de outra máfia conhecida que pode nos causar
algum problema.
— E quem ele viu?
Mateo pegou um tablet e mexeu na tela, jogando a imagem de um
homem no saguão do aeroporto. Parecia um sujeito como qualquer outro.
Deveria ter algo em torno dos quarenta anos, usava um terno e tinha o cabelo
grisalho.
— Esse é Jacob Faustos. Ele é um dos capi da máfia ítalo-
americana. Nosso pai fez negócios com ele há mais de uma década e desde
então não tivemos mais contato.
— E o que acha que ele veio fazer em Roma? — Cruzei os braços
enquanto milhares de possiblidades vagavam pela minha mente.
— Ainda não sabemos. — Mateo deu um play num vídeo e
acompanhamos o homem com seus capangas por várias câmeras da cidade.
— Querem que eu vá lá e o confronte? — Fitei o homem.
— Sem mortes por enquanto. — Marco colocou as mãos dentro dos
bolsos. — Mateo vai ficar de olho e nos manter atualizados sobre qualquer
informação.
— Acha que ele vai se apresentar para nós formalmente? —
questionei.
— Espero que sim, mas ele pode estar apenas passando férias em
Roma e não querer nenhum alarde.
— Você acredita nisso? — Quase ri.
— Não, mas não deixa de ser uma possiblidade.
— O nosso tio estava com os americanos. Não acham que seja um
bom momento de conversarmos com ele? Pode saber o que esse cara está
fazendo em Roma. — Mateo deixou o tablet sobre uma mesa.
— Ainda não sabemos se ele é confiável — reforcei. Havia algo
dentro de mim que não me deixava abaixar as defesas diante do meu tio,
ainda que eu não tivesse nada concreto contra ele. Meu instinto já havia me
ajudado muito ao longo da vida e não conseguia simplesmente ignorá-lo. —
Sei que você gosta dele, Mateo. No entanto, não o vimos por dez anos. Muita
coisa pode ter acontecido durante o período dele na América. Mantenha os
seus olhos abertos e não fale nada com o nosso tio. Se eu fosse você, botava
esses seus olhos eletrônicos em cima dele também.
— O Theo tem razão — reforçou Marco com o cenho franzido.
— Não acham que estão sendo severos demais com ele? É o nosso
tio, tem o nosso sangue e, apesar de ter passado a última década na América,
ainda é um italiano.
— Não coloco a minha mão no fogo por ele. — Mantive a postura
firme. Eu sabia que era o mais severo e desconfiado de nós três.
— Faça o que o Theo falou. Veja se os dois se encontraram. Se
mantenha em alerta e me avise caso perceba qualquer coisa. Nosso tio foi
embora porque eu não o quis como meu consigliere. Ele pode ter superado
isso ou não, mas em nossa posição não podemos nos dar ao luxo de não
desconfiar de alguém, independente de quem seja.
— Você tem razão, Marco — Mateo acabou assentindo. — Meus
homens vão ficar de olho no nosso tio e no americano. Caso eles se
encontrem, vamos saber.
— Ótimo. — Marco relaxou um pouco a postura. — Vamos voltar
para casa. — Deu um tapinha no meu ombro. — Temos uma entrega para
receber e distribuir para o norte da Itália.
Assenti e segui com o meu irmão mais velho, junto com Romulo e os
outros dois soldados, que tinham acompanhado o Marco até a sala onde
Mateo e seus homens guardavam os computadores de milhares de euros. Às
vezes eu implicava com o caçula sobre o custo de tudo aquilo, mas inúmeras
vezes havia se mostrado bem útil, a começar por encontrar a minha cunhada
fujona em Milão.
— Parece que a sua noite foi melhor do que a anterior — sussurrou
Marco enquanto caminhávamos lado a lado pela recepção do prédio.
— Estamos nos entendendo. Acredito que isso leve um tempo.
— Sim, leva, mas estou contente que estejam entrando em um
consenso. Não o quero infeliz, irmão.
— Obrigado.
— Só de você não ter acordado com sede de sangue hoje já foi um
avanço. — Marco riu e acabei gargalhando junto.
Não tinha a pretensão de confessar ao meu irmão que não havia tido
a minha esposa na primeira noite, nem que boa parte da minha fúria era por
causa da frustração que estava sentindo. Tinha um dever com a família, e não
queria me mostrar fraco diante dele. A forma como Tatiane me tratava era
um problema meu, mas, com a abertura dela, poderíamos encontrar um
equilíbrio entre a minha dor pela morte do meu pai e a dela pela do irmão.
— Ainda estou disposto a matar o americano — brinquei, mas com
um fundo de verdade.
— Abaixe a sua pistola por enquanto. Não precisamos de uma guerra
com eles. No momento, as armas do Mateo são mais eficazes.
— Você quem sabe. — Dei de ombros.
— Vamos voltar para casa. — Marco encerrou a conversa quando
chegamos nos carros.
Minha intuição gritava que havia algum motivo maior para os
americanos estarem ali que não apenas férias, e esperava que
descobríssemos antes que fosse tarde para qualquer um de nós.
Capítulo vinte e sete

Saí do quarto assim que terminei de me arrumar. Escolhi uma saia


que não marcava muito, mas ainda assim vesti uma blusa que cobria tudo. Eu
sentia meu corpo diferente e fiquei me perguntando se iriam notar que algo
havia mudado em mim. Apesar de todo o cuidado do meu irmão, as
instruções sobre como eram a vida de uma mulher casada eram muito nulas.
O pouco que sabia fora uma informação ou outra que Ângela havia me
passado ao longo da vida, porém a maioria estava aprendendo na marra.
— Bom dia! — Laís sorriu para mim quando a vi na sala de estar
com o recém-nascido nos braços.
— Oi! — Sorri ao chegar mais perto dela observando o bebê, que
dormia calmamente em seu colo.
— Está tudo bem com vocês dois?
— Sim. Ele só come e dorme na maior parte do tempo.
— É uma gracinha.
— Sim. Tem os olhos do pai.
— Com certeza vai ser um homem lindo. — Estendi a mão e toquei a
cabecinha do bebê.
— Tatiane, estava procurando por você.
Virei-me e encontrei a minha sogra parada a alguns metros, olhando
para mim.
— Oi. — Abri um sorriso amarelo.
— Você quer tomar café da manhã? A empregada já desfez a mesa.
— Posso comer alguma coisa na cozinha.
— Então venha, já está tarde.
Aproximei-me da Rosimeire e ela afagou o meu braço. Dirigi um
sorriso para ela enquanto me guiava para a cozinha.
— Você está bem?
— Sim. Por que não estaria? — Franzi o cenho, apesar de perceber
que ela estava tentando sondar a quantas andava a minha relação com o filho.
— O meu filho está bem? — Ela me devolveu outra pergunta.
— Estava quando saiu de manhã, mas não sei onde ele está agora.
— Pegou algumas coisas para comer e nem se sentou na mesa.
— Ele me disse que tinha algo importante para resolver. Imagino que
sejam assuntos da máfia, então não entrei em detalhes. Rosimeire, posso
perguntar uma coisa? — emendei uma informação na outra antes que
chegássemos na porta da cozinha, sem dar tempo que ela falasse algo sobre a
minha resposta.
— Sim.
— Quanto tempo leva para eu ter um bebê depois que... — parei a
frase morta de vergonha. Entretanto, foi o suficiente para que ela
compreendesse ao que me referia.
— Para você ficar grávida?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Desculpa. Eu não sei muita coisa.
— Imagino que não. É horrível pensar que ainda nos criam para
casar nos deixando completamente leigas ao que acontece, como se ainda
estivéssemos na idade média.
Fiquei a olhando enquanto estávamos paradas na porta da cozinha.
Felizmente a empregada dentro do cômodo não estava prestando atenção em
nós, mantinha a sua atenção na comida que estava preparando.
— Geralmente leva alguns meses depois que o casal começa a ter
relações, mas tudo vai depender do seu organismo e o do meu filho. Se
estiver tudo funcionando como deveria, logo você estará grávida dele. Vocês
só têm alguns dias de casados, não precisa se preocupar com isso agora.
Serão abençoados com um filho no momento certo. — Ela colocou a mão na
minha barriga e sorriu para mim. — Por enquanto se preocupe em passar
bons momentos com ele e ser feliz com isso.
Botei a minha mão sobre a dela e ficamos assim por alguns minutos.
— Quando vou saber que estou esperando um bebê?
— Vamos pegar algo para você comer e conversamos na biblioteca,
pode ser?
Balancei a cabeça em afirmativa.
Rosimeire pediu a empregada para montar um pratinho com algumas
frutas, além de uma fatia de pão com queijo, e o entregou para mim enquanto
a minha sogra me direcionava para o seu cômodo favorito na casa.
Tivemos uma conversa bem esclarecedora sobre tudo o que nunca me
falaram ao longo da minha vida, e Rosimeire não teve vergonha nenhuma de
tirar as minhas dúvidas sobre a concepção, além de sugerir que a médica,
que cuidava dela e da Laís, me fizesse uma visita para saber se estava tudo
bem comigo.
— Muito obrigada.
— Por nada. — Sorriu para mim de forma afetuosa. — Eu nunca tive
filhas, mas, de certa forma, é o que vocês duas são para mim.
— Não tive a oportunidade de conviver com a minha mãe. Quando
ela morreu, eu ainda era muito nova. Não sei como seria a minha vida se eu
ainda a tivesse, principalmente pelo que falavam dela.
— Ela era uma prostituta, não era?
— Era o que a Edna falava, mas não tenho certeza se posso acreditar
em tudo o que ela diz, principalmente porque ela não gostava de mim.
— Aqui eu serei sempre sincera com você.
— Obrigada.
— Espero que também seja com o restante de nós.
Balancei a cabeça em afirmativa, mas desviei o olhar para o chão
acarpetado, ainda um pouco envergonhada.
— Sei que a morte do seu irmão ainda é recente, e posso garantir
que, mesmo depois de exatos onze anos que o Lorenzo morreu, ainda sinto
falta dele todos os dias. Não é uma dor que passa, mas vamos nos
acostumando com ela.
Fiquei olhando para aquela mulher e meu estômago embrulhou por
saber que o verdadeiro responsável pela morte do Lorenzo dormia sob o
mesmo teto que todos nós.
— Não queria que isso houvesse acontecido — falei ao ser
acometida pela culpa.
— Sei que não. Você era só uma menina, mas vamos deixar as feridas
de lado e celebrar os momentos felizes, pois eles que nos mantém vivos.
Não tenho mais o meu marido, mas ainda tenho os meus filhos e vocês duas.
Além disso, essa casa logo estará cheia de netos.
— Sim.
— Quero que você e o Theo sejam felizes, criança. — Ela afagou o
meu rosto.
— Eu também.
— Vocês só precisam permitir que a felicidade entre. Sangue demais
já foi derramado e não há mais qualquer necessidade de vingança.
Balancei a cabeça, concordando.
— Agora vou ver se a Laís e o pequeno Dante precisam de mim.
Assenti e ela saiu da biblioteca, deixando-me sozinha. Fiquei
observando os livros por alguns minutos até que decidi tentar ligar para a
Ângela e saber se ela e os meninos tinham retornado bem à minha cidade
natal.
Certamente não foi a melhor ideia que tive, pois assim que coloquei
o pé no corredor eu o vi. Fiquei completamente congelada por medo. Será
que o mal-estar que sentia perto dele algum dia passaria?!
— Está aqui sozinha?
— Na verdade, ia ver se a Rosimeire e a Laís precisam da minha
ajuda com o Dante.
— Não acha que são mulheres demais para cuidar de um único bebê?
Tudo bem que ele será o próximo chefe da máfia italiana, mas por enquanto
não passa de um poço de cocô e choro. — Leonel chegou a poucos
centímetros de mim e tentei recuar de volta para a biblioteca, mas antes que
eu fechasse a porta com ele do lado de fora, o velho entrou comigo e me
pressionou contra a superfície de madeira pelo lado de dentro.
— Ouvi seus gemidos ontem e fiquei me perguntando como ele
estaria fazendo com você. — Escorregou a mão enrugada pela lateral do meu
rosto até segurar o meu queixo, pressionando-o de maneira dolorosa.
— Isso não é da sua conta!
— Uma pena que não. As vezes um homem mais experiente poderia
te dar mais prazer. — Ele segurou a minha saia e começou a subi-la. Meu
primeiro intuito foi gritar, mas fiquei com medo de que ele me machucasse.
— Estava só esperando que ele tirasse a sua virgindade para que
pudéssemos nos divertir sem levantar nenhuma suspeita.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto quando ele tocou a minha coxa
e subiu os dedos até a minha virilha, alcançando a minha intimidade.
— Me solta!
— Por que eu faria isso?
— Eu sou a esposa do Theo.
— Não me importo com títulos ou posse.
— Ele vai matar você se souber! — Mostrei os dentes enquanto
tentava afastá-lo.
— Acha que ele vai acreditar?
— Eu sei o que você fez — ameacei na tentativa de me salvar.
— Eu ainda não fiz nada, mas pretendo, e você vai gostar.
— Foi você!
— Onde pretende chegar com isso, menina? — Encarou-me com o
semblante confuso, mas não se afastou permanecendo com as mãos
asquerosas em mim que só aumentavam a minha vontade de vomitar.
— Sei que está por trás de tudo, que é por sua culpa que o seu irmão
está morto. — Empurrei-o com toda a minha força.
A surpresa diante das minhas palavras fez com que ele cambaleasse
para trás.
— De onde tirou isso? Ficou louca?
— Você fez o meu irmão matar o Lorenzo para que ele não tivesse
que me entregar para você. Agora está tentando ter o que meu irmão não te
deu.
— Não sei de onde tirou essa ideia, mas foi a coisa mais estúpida
que já ouvi.
Independente da resposta do Leonel, não fiquei na biblioteca para
discutir com ele. Aproveitei a oportunidade para abrir a porta e sair
correndo. Tropecei no meio do corredor e quase caí, mas só parei quando
cheguei na porta do quarto do Theo, do nosso quarto, e a tranquei.
Meu coração estava acelerado, eu tremia dos pés à cabeça. Theo
havia dito que jamais me estupraria, mas percebi que Leonel não tinha a sua
mesma honra e teria o feito se eu não tivesse conseguido fugir.
A maçaneta girou e o meu medo atingiu níveis inimagináveis. Assim
que a porta não abriu, vieram batidas que ficaram ainda mais fortes. Ignorei
todas elas. Eu não iria abrir a fechadura, pois ela era a única coisa que me
protegia do monstro do lado de fora.
— Tatiane!
Pisquei algumas vezes até que a voz veio novamente.
— Tatiane, você está aí?
— Theo? — perguntei, incrédula.
— Sim. Abra a porta.
Ainda tremendo, com as pernas bambas e um misto de pavor e
insegurança, abri. Meu maior temor era que os dois estivessem juntos. Foi
um alívio inimaginável quando avistei o meu marido só no corredor. Me
atirei nele, agarrando o seu pescoço. Era como se os meus braços fossem
uma ancora e ele, estranhamente, o meu porto seguro.
— Tati? — Ele envolveu a minha cintura e eu escondi o rosto no seu
pescoço. — Está tudo bem?
— Sim.
— Parece que você viu um fantasma.
— Não foi nada.
— Então por que você está tremendo? — Ele entrou comigo para
dentro do quarto e fechou a porta.
— Não é nada.
— Tatiane! — Sua voz assumiu um tom mais severo, exigindo de
mim uma resposta.
— Só não me deixa sozinha.
— Vem aqui. — Ele sentou na cama e me acomodou no seu colo, e
fiquei encolhida junto a ele como uma criança assustada. — Parece que você
tomou um susto. Não vai me dizer o que aconteceu?
— Foi isso, um susto. — Balancei a cabeça em afirmativa várias
vezes.
Como dizer para o meu marido que o tio dele havia tentado abusar de
mim? Nossa aproximação era recente e ele não acreditaria em mim, assim
como não acreditaria que o Leonel era o verdadeiro culpado pelo que havia
acontecido ao seu pai.
— O que acha de irmos almoçar? — Ele acariciou o meu cabelo e
me deu um beijo afetuoso no topo da cabeça, assim como o Tiago fazia para
me acalentar quando eu tinha pesadelos a noite.
— Estou com fome.
— Eu também.
Theo me colocou de pé e entrelaçou seus dedos aos meus enquanto
me direcionava para o corredor. Durante o percurso até a sala de jantar,
acabei cruzando com o causador de todo o meu tormento e ele lançou para
mim um sorriso discreto que o Theo não percebeu, mas me fez encolher
ainda mais contra o meu marido.
Só fiquei mais tranquila quando estávamos no cômodo cercado de
todos, entretanto ainda fiquei receosa de que ele insinuasse alguma coisa que
poderia repercutir sobre mim. A verdade tinha sido reveladora e me ajudaria
a me adaptar aos poucos àquela família, porém a minha tranquilidade
parecia que não iria durar por muito tempo.
— Você está melhor? — perguntou Theo para mim quando
terminamos de almoçar.
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Nem começaram a trepar e já deixou a pobrezinha indisposta?
Pega mais leve, Theo — zombou Mateo, que acabou gemendo de dor ao
levar uma cotovelada da mãe.
— Se comporta.
— O gladiador aqui não sou eu. — Piscou para o irmão, que
balançou a cabeça em negativa.
— Você vai sair? — perguntei ao meu marido.
— Eu e o Marco temos assuntos a tratar.
— Pode me acompanhar até o quarto? — Mateo deu mais risadinhas
e ganhou outros beliscões da mãe. Só depois percebi o tipo de interpretação
que a minha fala poderia ter aberto, inclusive para o meu marido. Entretanto,
não me importava, desde que ele me mantivesse segura do seu tio.
— Posso. — Theo voltou a entrelaçar seus dedos nos meus e
afastamos nossas cadeiras para deixar a sala de jantar.
Meu medo aumentou quando passamos perto do Leonel e ele olhou
para nós até que sumíssemos de vista.
Theo subiu comigo e fechou a porta atrás de nós. Era incrível como
me sentia mais segura com sua presença depois de tanto medo que senti dele.
— Tem certeza de que está bem? — Ele acariciou o meu rosto e tombei a
cabeça na sua mão.
— Estou.
Theo segurou o meu rosto antes de trazer a sua boca até a minha. Eu
não o repudiei, nem neguei. Na verdade, gostei do beijo e da sensação de
paz que ele me trouxe. Entreguei-me ao sabor da sua língua. Meu marido
cruzou os braços ao redor de mim me pressionando contra o seu peito firme.
O beijo se tornou mais intenso e uma das mãos subiu pela lateral do meu
corpo até alcançar o meu seio, que pressionou e apalpou. Quando ele afastou
a mão, achei que fosse parar de me tocar, mas Theo a subiu por dentro da
minha blusa, levantou o meu sutiã e tocou diretamente o meu seio. Enquanto
brincava com o meu mamilo, a boca escorregou até a minha orelha e seu
hálito quente fez um calafrio me varrer e arrepiar todos os meus pelos.
— Preciso me lembrar de que você é inexperiente.
— Por quê? — questionei com a voz baixa e entorpecida. Era
estranho pensar que homens com a mesma intenção pudessem me causar
efeitos tão diferentes.
— Porque adoraria tê-la como a minha sobremesa, mas só temos
alguns minutos antes que o Marco comece a bater nessa porta.
— E de quantos minutos você precisa? — perguntei com todo o meu
ar de inocência.
— Não me provoque. — A voz dele era rouca e muito sexy.
— Então o que faço? Não compreendo.
— Ah, foda-se! O Marco que espere. — Theo se ajoelhou diante de
mim, levantou minha saia, deixando o tecido para que eu segurasse. Sem
calma, ele puxou a minha calcinha num único movimento, fazendo-a cair nas
minhas canelas. Levantei os pés e a deixei no chão, segundos antes que a
cabeça dele se aproximasse.
Apertei o tecido da minha saia com mais força quando o hálito
quente se aproximou da minha intimidade, e senti o toque dos seus lábios e o
peso da sua língua.
— Theo!
— Só relaxa... — Ele segurou a face interna das minhas coxas e as
afastou.
Meu corpo tombou para trás e eu precisei me escorar nos seus
ombros. Theo pegou uma das minhas pernas e a colocou sobre o seu ombro e
me agarrei ao seu cabelo, em busca de estabilidade, mas acabei o puxando
quando a onda de prazer começou a brotar da região onde ele me tocava com
a língua.
Não sabia que poderia ser feito daquele jeito, mas me entreguei a
necessidade de mais, puxando o cabelo dele no exato momento em que o
Theo introduziu o dedo em mim e o moveu no meu canal, ao passo que os
seus lábios me chupavam de leve. Precisei manter a boca bem fechada para
não gritar, ainda que essa fosse a minha vontade. Era bom, maravilhoso, de
um jeito ainda melhor do que acontecera pela manhã, nem conseguia
descrever, e não tardou para que a explosão dentro de mim acontecesse com
força e me deixasse completamente bamba. Ele continuou por mais alguns
segundos até que puxei a sua cabeça para trás, pois meu corpo precisava se
recuperar do estopim.
Theo ficou de pé e me observou me contorcendo. O sorriso que ele
me deu pareceu demonstrar que gostava do que via.
— Essa saia está atrapalhando. — Segurou a minha cintura e a
empurrou para baixo, fazendo com que se juntasse a calcinha.
Voltou a aproximar o seu corpo do meu e nossas bocas se uniram
mais uma vez. Seus beijos e suas carícias para lá de inapropriados me
envolveram tão completamente, que até me fizeram esquecer de que estava
com medo de Leonel.
Theo deslizou a sua mão aveludada pela minha coxa e levantou a
minha perna, colocando-a ao redor da sua cintura antes de abrir a calça e
baixá-la, juntamente com a cueca. Seu membro roçou na minha entrada e
estremeci com a vontade incontrolável que me consumiu. Eu o queria dentro
de mim e não demorou muito tempo para que meu marido atendesse o meu
pedido silencioso. Com uma mão ele me segurava e com a outra se apoiava
na porta ao passo que se movia em vai e vem para o meu interior.
— Theo, precisamos ir, porra! — Ouvi uma batida firme na porta que
me assustou e fez com que eu o empurrasse, mas ele nem se mexeu.
— Calma. — Ele me deu beijinhos suaves. — Não precisamos parar.
— Mas o seu irmão?
— Ele pode esperar um pouco.
— Theo! — Marco gritou novamente.
— Encontro você na garagem em dez minutos — respondeu o meu
marido.
— Quem é a porra do coelho agora? — Ouvi o Marco bufar, mas
logo o corredor silenciou.
Theo voltou a me beijar e logo que as suas mãos voltaram a
escorregar por mim, eu entrei no clima novamente, e quando senti o líquido
dele banhar meu interior agarrei seus ombros, chegando lá mais uma vez.
— Toma um banho, e vá descansar. Continuamos mais tarde. — Ele
me deu mais alguns beijos antes de sair de dentro de mim.
Senti o seu sêmen escorrer pelas minhas pernas enquanto o Theo ia
até o banheiro e voltava com a roupa no lugar.
Assim que ele saiu do quarto, tranquei a porta imediatamente antes
de tirar o resto da roupa para tomar um banho. Havia sido bem mais rápido
do que na noite passada, mas fora ainda melhor, pois Theo estava certo
quanto a dor. Tirando um desconforto inicial, ela logo desapareceu, restando
apenas o prazer.
Após sair do banheiro e secar o meu cabelo, peguei o meu celular e
vi que havia uma ligação perdida da Ângela, que logo retornei. Ela não
atendeu da primeira vez, mas insisti um pouco e logo ouvi a sua voz.
— Tatiane?
— Está muito ocupada?
— Não, só estava longe do celular. Como você está?
— Bem.
— E o seu marido?
— Acho que também.
— Quanto a conversa que tivemos? Ainda estão distantes, ou a
relação de vocês melhorou um pouco?
— Aconteceu.
— O que aconteceu? Ele tirou a sua virgindade?
— Foi. — Senti as minhas bochechas corarem ao admitir, mas minha
cunhada não era a primeira pessoa que eu estava conversando sobre aquilo.
— E como você está? Alguns homens tendem a ser muito brutos. Sei
que pode ser bem doloroso.
— Achei que ele foi muito paciente e só doeu da primeira vez.
— Nossa! — Eu podia ver a cara dela se revirando em surpresa do
outro lado da linha. — Houve mais de uma vez?
— Durante a noite e agora há pouco.
— Uau! Ele gostou de você. Como está se sentindo?
— Bem... Estranhamente bem.
— Isso é ótimo, Tatiane. Muito bom mesmo. Ele ser gentil com você
e o sexo ser prazeroso é quase uma benção.
— Como era com o meu irmão? — Tomei a liberdade de perguntar.
Éramos duas mulheres casadas e achei que tivéssemos a liberdade de
conversar.
— Tiago era bom para mim e eu o amava.
— E se eu me apaixonar pelo Theo? — inspirei profundamente com
medo da resposta dela, ao me recordar da forma como ele havia me acolhido
quando eu estava completamente desestabilizada pelo que Leonel havia
feito.
— É a melhor coisa que pode te acontecer, já que você está presa a
esse homem pelo resto da sua vida.
— Não acha que o Tiago ficaria irritado, onde quer que ele esteja?
— Senti uma pontada de arrependimento.
— Seu irmão queria você bem e feliz.
— Obrigada. — Fiquei alguns minutos em silêncio até decidir falar.
Minha cunhada era a pessoa que eu mais confiava e não havia outra pessoa
com a qual eu pudesse me abrir sobre aquilo. — Ângela... — Engasguei no
meio do caminho e quase perdi a coragem.
— O que foi?
— O Leonel ele quase... Ele tentou... Queria me...
— Abusar de você? — Acabou adivinhando o que eu não conseguia
desabafar.
— Sim.
— Quando?
— Hoje pela manhã. Quando o Theo não estava em casa.
— Contou para o seu marido o que aconteceu?
— Tenho medo de que ele não acredite em mim. É o tio dele.
— Se isso voltar a acontecer, você precisa contar para o Theo. Ele é
o único que tem poder para proteger você. Como esposa dele, não vai gostar
da ideia de pensar que tem outro homem, seja ele quem for, tentando tocar
em você.
— Eu contei para o Leonel. Falei que sabia que ele era o
responsável pela morte do Lorenzo.
— Por quê?
— Foi o único jeito que pensei na hora para que ele me soltasse.
Desculpa, Ângela, sei que falou que não era para contar para ninguém, mas
eu estava assustada e não queria que aquele homem me tocasse.
— Tudo bem, Tatiane. Respira. Você precisa tomar muito cuidado
com esse homem. Não sabemos o que ele pode tentar fazer com você.
— Estou com medo. — Admiti ao girar na cama e me encolher.
— Sei disso, mas tenha calma. — A voz da Ângela era muito serena,
mas depois de toda a responsabilidade que havia tomado para si, precisava
saber reagir em todo tipo de situação. — Estava pensando em dar uma festa
aqui em Palermo para comemorar a nossa aliança e união com os Bellucci.
Aparecermos todos juntos será uma boa influência para os homens, e
acreditarão na estabilidade do meu poder. Convidarei o seu marido e peço
que me ajude a convencê-lo a vir. Vocês dois podem passar alguns dias aqui
na Sicília, enquanto nós duas pensamos em como contornar a situação com o
Leonel.
— Ele é poderoso.
— Você é uma Bellucci agora, Tatiane. Leonel é um fóssil, e seu
marido pertence a geração que governa a Itália, se souber usar as armas que
têm a sua disposição, pode ser ainda mais poderosa do que ele.
Não respondi nada, a afirmação dela me desconcertou e me deixou
pensando. Aquele casamento poderia significar muitas coisas para mim que
iam além da minha relação em quatro paredes com o Theo.
— Eu sou uma princesa na Itália.
— Exato, e o Leonel não tem mais poder nenhum. A posição que era
dele na época do Lorenzo agora é ocupada pelo Theo. Só que ele ainda pode
nos causar muita dor de cabeça se não soubermos lidar com suas artimanhas.
— Chame o Theo para Palermo, me fará bem passar um tempo onde
nasci.
— Ligarei para ele hoje mesmo.
— Obrigada, Ângela.
— Por nada. Fique bem e tome muito cuidado.
Me despedi e, mesmo depois de desligar, fiquei no quarto o restante
do dia. Não ousei sair, pois não queria correr o risco de ser surpreendida
pelo Leonel novamente. Só fui jantar quando o meu marido chegou e
descemos juntos.
Esperei ficarmos sozinhos para falar sobre a viagem para à Sicília.
Felizmente, ele já estava decidido a ir e a minha vontade apenas confirmou a
nossa partida.
Partiríamos só no final da semana, depois dele resolver alguns
assuntos com os irmãos. Quando Theo saía de casa, fazia de tudo para não
ficar sozinha. Pedi a Rosimeire para me ensinar a bordar e até mesmo me
ofereci para trocar fraldas sujas do pequeno Dante. Leonel estava sempre
rondando, mas ele não teve brechas para me fazer nada. Ainda poderia ser
uma novata naquela casa, mas duvidava que não fossem acreditar nas outras
duas. Admito que não me senti segura de verdade até entrar no avião rumo à
ilha onde eu havia nascido.
Capítulo vinte e oito

Uma chuva fina caia quando chegamos ao aeroporto em Palermo.


Tatiane se agarrou ao meu casaco quando a brisa a arrepiou e a protegi com
o meu braço até que Romulo abrisse um guarda-chuva acima de nós, nos
guiando até um dos carros que nos aguardavam na pista de pouso.
— Obrigada. — Tatiane sorriu para ele quando nos acomodamos no
banco de trás do veículo.
— Por nada, senhora. — Romulo fechou a porta e se sentou no banco
do carona. — Para onde vamos agora, senhor?
— Para o hotel.
— Não vamos ver a Ângela? — Tatiane se remexeu para olhar para
mim.
— Vamos nos acomodar na cidade primeiro. Quem sabe não saímos
para jantar e aproveitamos um pouco a cidade, já que não tivemos uma lua
de mel e a festa da sua cunhada é só amanhã.
— Para mim parece perfeito. — Os olhos da minha esposa brilharam
quando confidenciei a ela o meu plano.
— Que bom! — Puxei o seu queixo e dei nela um rápido selinho.
Tatiane havia se entregue para mim e não parecia ter feito isso
apenas de corpo. Depois da nossa primeira vez, a relação havia melhorado
consideravelmente. Ela permitia que eu me aproximasse e se aninhava em
mim sempre que possível. Eu só não conseguia compreender o que a
amedrontava tanto quando a deixava em casa, pois era o lugar onde mais
deveria se sentir segura, na companhia da minha mãe e da esposa do meu
irmão, com dezenas de guardas vigiando tudo dia e noite. Talvez a Laís tenha
falado para ela sobre a invasão feita pela Donatella, mas a minha esposa se
esquivava todas as vezes em que eu perguntava.
De toda forma, depois de termos nos acertado, estava começando a
entender por que o Marco gostava tanto de estar casado.
O carro parou diante do nosso hotel e Romulo foi o primeiro a
descer, checando se o local estava seguro antes que Tatiane e eu entrássemos
na recepção. Peguei a chave da suíte presidencial e subi com a minha
esposa. Daquela vez, havia combinado com o Romulo para que eles
ficassem em alerta no quarto da frente, pois queria privacidade com a minha
esposa. Ele riu quando eu falei, pois sabia das minhas ambições, mas quem
me julgaria por querer ficar a sós com ela?
— Eu acho esse quarto lindo. — Tatiane suspirou quando abri as
portas duplas.
— Ele foi bem decorado.
— Imagino que os quartos aqui sejam muito disputados. — Ela
suspirou ao jogar-se em um dos sofás.
— Uma parte está sempre vaga. Incluindo esse.
— Por quê?
— Para lavar dinheiro. Eles ficam registrados como quartos
ocupados, o dinheiro da máfia entra para pagá-los, deixando a contabilidade
redonda. O governo cobra o seu imposto e o dinheiro fica limpo para
gastarmos com o que bem entendermos.
— Entendi.
— Mesmo?
Ela balançou a cabeça em afirmativa e eu ri.
— Quando vamos comer, estou com fome.
— Quer ir a um restaurante agora? — Ajeitei o meu terno e ela pegou
uma pequena bolsa de mão.
— Quero. Passo muito tempo naquela casa e seria bom ver o mundo
do lado de fora, nem que seja um pouquinho.
— Sei que é um saco, mas é para manter você segura.
— Vocês têm muitos inimigos, eu sei. — Ela bufou. — Não é muito
diferente de quando eu morava com o Tiago.
— Que bom que você entende. — Aproximei-me dela e a beijei
brevemente, vendo um sorriso surgir manhoso.
Era bem mais fácil encarar aquela expressão quando me aproximava
dela do que a julgadora que me culpava pelo que havia acontecido ao seu
irmão.
— Vamos? — Estendi a mão para ela e Tatiane emaranhou seus
dedos nos meus.
Caminhamos até o corredor e eu dei uma batida na porta da frente.
Logo Romulo saiu acompanhado dos demais homens e nos escoltaram até um
restaurante, que ficava a dois quarteirões do hotel. O lugar era bonito,
decorado de forma sofisticada, e vivia sempre cheio de turistas. As pessoas
mais ricas do mundo que vinham a Palermo comiam ali. Dessa forma, o local
não chamava atenção das fiscalizações em relação a receita exorbitante que
fazia, mesmo ela sendo boa parte dinheiro advindo do tráfico.
— Senhor Bellucci! — cumprimentou-me o recepcionista do local
assim que entrei com Tatiane e meus homens. — É uma honra recebê-lo. Não
sabia que o senhor estava na cidade.
— Acabamos de chegar.
— Imagino que essa seja a adorável senhora Bellucci. — Ele se
aproximou da Tatiane e minha esposa agarrou o meu braço, retraída. — É
ainda mais bonita pessoalmente do que dizem os comentários.
— Obrigada.
— É uma honra saber que uma siciliana agora faz parte da família
Bellucci.
Tatiane continuou apenas sorrindo. Eu também não queria que aquela
conversa se prolongasse, só estava nos fazendo perder tempo.
— Não temos o dia todo, qual é a minha mesa?
— Sim, senhor, me desculpe. — Ele fez um gesto para que o
seguíssemos até a mesa no centro do salão.
Senti o olhar dos outros clientes se voltarem para nós,
principalmente quando cinco garçons se aproximaram para nos servir,
demostrando que estavam a minha disposição.
— Cardápio. — Ergui a mão e logo um foi posto na minha frente e
outro entregue a minha esposa.
— Obrigada. — Tatiane olhou para eles. — Precisa de tudo isso? —
Moveu a cabeça de um lado para o outro.
— Afastem-se, deixem apenas um — ordenei.
Os garçons assentiram e foram servir os demais clientes, restando
apenas uma garçonete a espera do nosso pedido.
— Assim ficam parecendo robôs. — Tatiane gargalhou.
— Queremos deixar claro que estamos sempre à disposição. — A
garçonete se arriscou a responder, cruzando os braços na frente do corpo
logo em seguida.
— Entendi — murmurou a minha esposa. — Quero vieiras com
mousseline de couve-flor para a entrada.
— Sim, senhora.
— Para mim, pode ser o carpaccio de salmão e um Sauvignon blanc
para acompanhar.
— Sim, senhor. — A garçonete aguardou até que eu a dispensasse
com um gesto.
— É engraçado o medo que eles têm de você.
— Todo mundo geralmente tem medo de mim. Você não tem? —
Debrucei-me sobre a mesa para aproximar o meu rosto mais do dela.
— Não mais. — Ela me encarou com a mesma firmeza e isso me
surpreendeu.
— Por quê?
— Se fosse fazer alguma coisa contra mim, já teria feito.
— Não só por isso. Você é a minha esposa, Tatiane. Será sempre o
meu dever honrá-la e protegê-la.
— Mesmo eu sendo irmã do Tiago? — perguntou tentando me
desestabilizar, mas isso não aconteceu.
— Por mais que toda a situação ainda doa em nós dois, o sangue
derramado já foi pago na mesma moeda. Não há motivos para que eu busque
qualquer tipo de punição contra você ou mesmo contra família do seu irmão.
Já cumpri a promessa que fiz ao meu pai de me vingar do que aconteceu a
ele, e não preciso mais remoer o ocorrido. Finalmente estou pronto para
deixar o passado e seguir a minha vida. Você está?
— Eu parei de lutar contra a sua presença.
— Já é um ótimo começo.
Ela estendeu a mão para tocar o meu rosto e não recuei, permitindo
que seus dedos contornassem a minha face e sentissem os pelos da barba por
fazer.
A garçonete se aproximou com o vinho e nossas entradas e
resmunguei baixinho, por Tatiane ter se afastado de mim no susto.
Era surpreendente pensar que a mulher sentada diante de mim era a
mesma que havia tomado os meus pensamentos após uma simples visão em
uma boate. Ela continuava encantadoramente linda, mas a imagem que eu
tinha da minha esposa agora era muito diferente do momento em que cogitei
não passar de uma prostituta qualquer.
Marco queria que eu me casasse e parasse de frequentar clubes e
boates, e ali estava eu.
— O que foi? — Tatiane me chamou e eu pisquei os olhos algumas
vezes.
— Nada.
— Você estava com os olhos vazios e mesmo assim não parava de
me encarar.
— Não posso olhar para a minha esposa? — Segurei o queixo dela e
Tatiane virou o rosto envergonhada e depois disfarçou seu embaraço
voltando a comer.
— Pode.
Finquei meu garfo em uma fatia de salmão, joguei na boca e
mastiguei antes de retomar a conversa.
— O que tanto amedronta você na mansão, Tatiane?
— Nada. — Ela comeu uma vieira despretensiosamente, como se a
resposta vaga fosse o suficiente para me convencer.
Franzi o cenho e olhei de esgueira, bebericando o vinho na esperança
de arrancar mais dela do que uma simples palavra.
— Eu só me sinto mais segura quando estou perto de você.
— Só o que me estranha é que a Laís e a minha mãe são bem mais
confiáveis do que eu.
— Não são as únicas pessoas que estão naquela casa.
— Meus irmãos não machucariam você.
— O meu matou o pai deles. — Deu de ombros, e de certa forma não
poderia dizer que ela estava errada.
— Eles não machucariam você — reafirmei.
— Como pode ter tanta certeza?
— Sempre honramos os nossos compromissos, sejam eles com quem
for. Relacionamentos com fundamentação em confiança são a base da máfia,
sem eles não confiamos em ninguém e nem eles confiam em nós.
— Está me dizendo que são todos sempre de confiança? — Ela me
desafiou com um olhar questionador.
— A minha família, sim.
— Não sei se podemos confiar em todos o tempo todo.
— Confio cegamente nos meus irmãos.
— Entendi.
— Tem algo que queira contar para mim, Tatiane?
Ela balançou a cabeça em negativa.
— A comida está deliciosa. — Sorriu ao levantar uma vieira em seu
garfo e tive certeza de que ela estava tentando mudar de assunto.
Tatiane parecia não estar à vontade para contar a mim o que estava
acontecendo, mas esperava que isso acontecesse em breve. Confiança era
algo que se conquistava com o tempo e estávamos dando passos graduais.
Servi vinho para ela e comemos enquanto o bebericávamos. Ela
começou a me contar sobre coisas que fazia na cidade quando o irmão a
permitia sair, e fiquei contente por ouvir suas histórias. Foi bom
compartilhar aqueles momentos com ela. Era a primeira vez que
interagíamos assim desde o nosso casamento.
Aquela proximidade era importante para nós dois. Estávamos unidos
pelo restante das nossas vidas e era crucial que fizéssemos funcionar.
Romulo se aproximou de mim e curvou-se para falar algo no meu
ouvido.
— Já está tudo pronto, senhor.
— Vamos terminar aqui e já vamos.
Ele assentiu e voltou a se afastar.
— Aconteceu alguma coisa? — Tatiane perguntou receosa, ao
estranhar a aproximação do meu homem no meio do nosso momento.
— Não. Você quer alguma sobremesa?
— Gostaria de uma torta de limão.
Acenei para a garçonete, que logo se aproximou, e pedi duas.
Logo que fomos servidos, esperei que Tatiane comesse com
paciência e também degustei a sobremesa, antes de oferecer a mão para que
ela se levantasse e me seguisse.
— Não vai pagar pela conta?
— Por que pagar se o restaurante é meu?
Ela riu sem graça e segurou os meus dedos.
— Tenham uma boa estadia em Palermo — disse o recepcionista
antes que nos afastássemos.
— Obrigada. — Foi Tatiane quem respondeu.
Seguimos de mãos dadas até a rua e minha esposa se surpreendeu ao
encontrar um carro parado na rua nos esperando para entrar.
— Não vamos voltar para o hotel?
— Agora não.
— É uma surpresa?
— Se você gostar de surpresas.
— Só se elas forem boas.
— Essa é. — Indiquei o carro e Tatiane soltou a minha mão para
entrar.
Coloquei a mão sobre a coxa dela e minha esposa escorou a cabeça
no meu ombro enquanto olhava para fora. Não era seguro termos uma lua de
mel como qualquer outro casal normal, porém esperava que pudéssemos
aproveitar aquele momento.
Desci do carro diante de uma ponte de madeira e Tatiane veio logo
atrás de mim. Observou tudo com muita cautela, olhando as variadas
embarcações, antes de se virar para mim.
— Vai me dizer que um desses iates também pertence a você?
— Já andou em um antes?
— Meu irmão poderia não mandar na Itália toda, mas tinha a cidade
inteira e dinheiro suficiente para ter um desses.
— Ah, então vamos voltar para o hotel. — Girei nos calcanhares e
dei alguns passos na direção do carro.
— Espera! — Tatiane agarrou o meu braço e me puxou, fazendo-me
parar. — Eu não disse que não queria ir.
— Você já foi — brinquei com ela, só para ver o que iria dizer, na
verdade apenas queria ver a sua reação.
— Com meu irmão e a minha cunhada. Tenho certeza que com você
será diferente.
— Diferente? — Lancei para ela um olhar malicioso. — Diferente
como? — Peguei a sua cintura e a levantei, fazendo com que minha esposa
me envolvesse com as pernas para que não caísse.
— Theo! — Suas bochechas coraram.
— Hein?
— Seus homens estão olhando. — Ela bateu nos meus ombros,
tentando me convencer a soltá-la.
— E daí?
— Theo! — Quanto mais ela esperneava, mais me fazia rir.
Puxei-a para frente e a girei no ar para segurá-la nos meus braços
antes de caminhar para uma das embarcações. Romulo e alguns outros
homens vieram comigo. Estava tão acostumado a tê-los como sombras que
nem me importava mais com suas presenças.
Só a coloquei de pé quando estávamos em uma pequena sala com
sofás, uma mesa de vidro e televisão. Logo mais à frente, havia uma cozinha
e uma escada que levava aos andares superiores.
— Achei que fosse me deixar cair. — Apoiou-se nos meus ombros e
pela sua expressão imaginei que estivesse um pouco tonta.
— Eu nunca vou deixá-la cair.
— Parece fácil falar.
— É só confiar em mim. — Acariciei o seu rosto com as pontas dos
meus dedos. Ela apenas suspirou, mas não disse nada. O fato de ela não
recuar já pareceu uma vitória. — Vem! — empurrei-a pela cintura e fiz com
que subisse escada acima comigo logo atrás.
— O que está fazendo?
— Levando-a para o quarto.
— Theo, os seus homens...
— Esquece os meus homens. — Nem deixei que ela terminasse a
frase. — Por que não começa se trocando e me encontra no terraço? — Abri
a porta do quarto.
— Eu não tenho biquini.
— Ali! — Apontei para uma sacola de uma loja que estava bem em
cima do colchão.
— Como consegue pensar em tudo?
— Preciso estar sempre um passo à frente dos meus inimigos.
Ela balançou a cabeça em negativa e a empurrei um pouco mais para
dentro do quarto antes que fechasse a porta e a deixasse sozinha.
— Estou te esperando lá em cima — disse antes de ir para outro
cômodo me trocar também.
Capítulo vinte e nove

Assim que o Theo me largou no quarto, caminhei até o embrulho e


peguei o biquini. A parte de cima e a calcinha eram muito pequenas e fiquei
envergonhada antes mesmo de colocar. Tudo bem que o Theo já havia me
visto nua, mas não estávamos sozinhos ali. Criei coragem e troquei as
minhas roupas pelo pequeno biquini.
Senti a embarcação se mover e olhei pela janela. Vagarosamente nos
afastávamos do ancoradouro. Fazia muitos anos que havia entrado em um
barco parecido como aquele. Era do meu irmão, mas não fazia muita questão
de me levar, ou mesmo os meninos. Não entendi muito bem o motivo, mas
estava prestes a descobrir.
Deixei tudo no quarto e saí, usando toda minha coragem para subir a
escada. Avistei meu marido atrás do leme usando apenas uma camisa polo
branca e uma sunga azul marinho.
— Você chegou aqui rápido.
— Ou foi você quem demorou? — Piscou para mim.
— Estava com vergonha.
— Por quê?
— O biquini é minúsculo. — Desviei o olhar para o chão branco
sobre os meus pés.
— Você acha?
— Sim.
— Ficou perfeito. — Chamou-me para perto e caminhei até ele.
Theo manteve apenas uma mão no leme enquanto a outra tocava o
meu rosto, fazendo-me fechar os olhos. Senti-o deslizar os dedos até os meus
seios, tocar o vale entre eles, e depois seguir com a mão pela minha barriga
até aproximá-la da minha calcinha, começando um incêndio em mim mesmo
antes de me tocar.
— Por que não pega champanhe para nós? — Apontou para um
pequeno frigobar a menos de um metro de onde estávamos.
Assenti, pegando também duas taças que estavam em um móvel
próximo.
— Fica sempre abastecido?
— Não. Avisei aos empregados que estávamos chegando e pedi para
que deixassem tudo pronto.
— Nossa!
— Sempre um passo à frente. — Piscou para mim novamente.
— Estou percebendo. — Tirei o lacre da garrafa, mas a rolha não
saiu. — Só não consigo abrir.
— Deixa que eu faço isso para você. — Ele desacelerou o iate,
tomou a garrafa das minhas mãos e estourou a rolha rapidamente, como se
fosse a coisa mais simples do mundo.
— Assim parece fácil.
— Mas é fácil.
Franzi o cenho e Theo riu.
Servi as taças e dei uma a ele antes que voltasse a pilotar, nos
afastando cada vez mais da costa. Logo meu raio de visão não avistava nada
nem ninguém. Um bom tempo depois, Theo desligou o iate e tive a sensação
de que estávamos sozinhos no meio do oceano, o que não durou muito, pois
logo me recordei que havia homens dele no primeiro andar.
— Eu gosto dessa sensação. — Tomou mais alguns goles da sua taça.
— As bolinhas do champanhe estourando no céu da boca.
— É boa. — Sorri ao beber um pouco mais.
— Sim. — Ele me olhou dos pés à cabeça e imaginei que fosse dizer
alguma coisa, mas não houve palavras, apenas a sua aproximação.
Theo segurou o meu rosto e o puxou para o seu. Quando os nossos
lábios se encontraram, rapidamente ele me envolveu e eu correspondi na
mesma intensidade. Estava começando a aprender como aquela dinâmica
funcionava e gostava cada vez mais.
Ele me pegou no colo outra vez e me carregou até uma das esteiras
que ficavam próximas a uma banheira. Posou-me gentilmente sobre a
superfície e cobriu o meu corpo com o seu.
Subi com as mãos pela lateral do seu corpo, sentindo a textura da sua
sunga até colocá-las dentro da sua camisa. Puxei-a e Theo esticou os braços,
me deixando removê-la. Minhas mãos voltaram a descer e percorri os seus
músculos, sentindo o contorno que eles faziam na pele. Ele se curvou para
beijar o meu pescoço e eu me retorci embaixo dele. O peso dos seus lábios,
a sua língua, a pressão da sua boca e o raspar dos seus dentes me levavam a
loucura.
Theo arranhou minha pele, com os pelos da sua barba por fazer, e me
contorci com inúmeras sensações boas. Sua boca passeou pelo meu externo,
e ele depositou um beijo entre os meus seios antes de colocar a mão atrás do
meu pescoço e desamarrar a peça, fazendo o mesmo com laço nas minhas
costas. Eu tinha a nobre intenção de ao menos permanecer com aquele
minúsculo biquini, mas a ideia foi deixada de lado quando Theo puxou a
parte de cima.
Achei que meu marido fosse jogá-la no chão, mas ele pegou as
minhas mãos e as levantou, usando a peça para atar uma à outra e as prender
a uma haste de metal atrás da espreguiçadeira, fazendo com que os meus
braços ficassem esticados para cima.
— Theo... — protestei baixinho.
— Confia em mim. — Aproximou seus lábios dos meus e me fez
olhar fixamente nos seus olhos verdes antes de voltar a me beijar.
Abaixei as minhas defesas e tentei simplesmente confiar, ainda que
ele houvesse me amarrado. O beijo ficou mais voraz, assim como incêndio
que havia começado antes mesmo de ser deitada naquela espreguiçadeira.
Theo saiu de cima de mim e eu fiquei sem entender. Será que ele
havia mudado de ideia sobre fazermos sexo e iria simplesmente me deixar
amarrada ali, com apenas uma calcinha pequena escondendo a minha
intimidade? Contudo, antes que eu criasse ainda mais hipóteses, ele voltou
com um copo cheio de pedras de gelo e o colocou sobre a pequena mesa
redonda que havia entre as espreguiçadeiras.
Estava prestes a abrir a boca para questioná-lo quando Theo pegou
uma das pedras de gelo e a passou pelos meus lábios. A temperatura baixa e
a superfície molhada provocaram em mim uma sequência de calafrios e fez
com que me retorcesse inteira, mas com meus movimentos limitados era
impossível simplesmente sair correndo.
Gemi sem conseguir me conter. O pudor por saber que os homens
estavam lá embaixo e poderiam nos ouvir, não foi o suficiente para me
impedir quando Theo escorregou o gelo pela minha garganta e o colocou
entre os meus seios, deixando um rastro molhado. Tentei me libertar quando
começou a queimar, mas estava muito bem amarrada. Theo levantou a pedra
substituindo por sua língua. O frio e o calor alternados foram
enlouquecedores.
Ele seguiu com o gelo até o meu mamilo, aumentando ainda mais os
meus calafrios ao estimular uma área tão sensível.
A pedra desceu pelo meu ventre e sua língua veio atras até que Theo
chegou à minha calcinha, rapidamente desamarrando-a e me deixando
completamente nua. Só torci para que ninguém fosse até ali checar o que
estava acontecendo.
Theo brincou com o gelo pelo meu monte, divertindo-se com a
aflição que me provocava antes de subir com o que restava da pedra e a
empurrar por entre meus lábios. Chupei-a enquanto o via livrar-se da sunga e
voltar para cima de mim.
Uma das suas mãos estava fria e a outra quente, e elas subiram ao
mesmo tempo pelas minhas coxas antes de segurar a minha cintura no exato
momento em que ele me penetrou. Tentei jogar os braços para frente e
envolver o seu pescoço, mas logo me recordei que estavam atados.
Foi impossível suprimir o gritinho que saiu do fundo da minha
garganta quando ele enfiou fundo em mim, num tranco firme, antes de
começar a se mover. Meu corpo queria aquilo, foi impossível negar a ânsia e
a necessidade.
Envolvi a sua cintura com as pernas e o fiz ir ainda mais fundo. Theo
me beijou e nossas línguas eram impedidas de se tocarem pelos gemidos que
escapavam entrecortados.
Não havia lugar para preocupações ou pudor, tudo o que eu queria
era continuar a sentir. Senti quando estremeceu e o seu líquido escorreu para
dentro de mim, mas Theo não parou de se mover até que eu chegasse ao
ápice, gozando e gemendo no seu ouvido.
Ficou deitado em cima de mim, e não sei quanto tempo se passou
antes que ele se levantasse e soltasse os meus pulsos. Eles estavam
doloridos, mas nem me importei.
— O biquini é lindo, mas você sem ele é bem mais.
Corei dos pés à cabeça e ele riu.
— Sabe nadar?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Então vem. — Ele me estendeu a mão e eu não pensei muito antes
de aceitar.
Theo me puxou para a lateral do iate e quanto percebi estávamos
caindo. Nossos corpos colidiram com a água do oceano, o que nos fez
afundar.
Emergi no mesmo momento que ele.
— Você ficou louco?
— Disse para mim que sabia nadar. — Deu de ombros como se não
fosse nada demais.
— Poderia ter afogado nós dois.
— Estamos bem. — Jogou água em mim e eu joguei nele de volta. —
Jamais deixaria você se afogar. — Aproximou-se de mim e roubou um beijo
que me desequilibrou, e por pouco eu não me afoguei de verdade.
Nadamos ao redor do iate por alguns minutos até que ele foi até a
popa e subiu nela, nu, sem se importar com quem o veria ou não.
— Fica aqui.
Continuei parada dentro da água, me segurando em uma pequena alça
de metal na parte de fora do barco. Não questionei a ordem dele, pois estava
nua e percebi que seus homens olhavam da sala.
Theo entrou no iate e voltou trazendo uma enorme toalha branca,
abrindo um muro entre mim e a visão dos homens.
— Vem — incentivou-me a sair da água.
Levantei e subi na popa, com a água salgada escorrendo por todo o
meu corpo. Theo me envolveu com a toalha e me guiou pela sala onde
estavam os homens até o quarto onde eu havia me trocado. Trancou a porta e
fomos direto para o banheiro. Deixei a toalha cair no meio do caminho e o
chuveiro mal foi aberto antes que ele voltasse a me beijar.
— Theo... — Segurei os seus ombros com firmeza e fiz com que ele
olhasse para mim.
— Você não quer?
— Quero, mas...
— Então não precisa se preocupar com nada. — Ele voltou a tomar
os meus lábios com os seus enquanto a água escorria pelos nossos corpos.
Suas mãos escorregavam por mim e já era impossível afastá-lo antes
que saciássemos a vontade outra vez.
Theo me prensou contra a parede do pequeno box e voltou para
dentro de mim, segurando uma das minhas coxas. Em meio ao vai e vem,
cravei as unhas nos seus ombros e me contentei com a tola esperança que o
som do chuveiro fosse o suficiente para abafar os meus gemidos.
Não demorou para ele gozar novamente e a sua mão tomou o caminho
entre os nossos corpos, para estimular o meu clitóris até que me juntasse a
ele.
Ofegante e trêmula, apoiei a testa no seu ombro.
— Vamos passar a noite aqui?
— Pode ser onde você quiser.
— Gosto daqui.
— Então ficamos. Voltamos para a costa amanhã cedo. Tenho uma
reunião com a sua cunhada e os homens dela. Pensei em deixar você na sua
antiga casa. Não trouxe muitos soldados comigo e acho que vai ser mais
seguro do que você ficar sozinha no hotel.
— Vai ser bom passar um tempo com os meus sobrinhos.
— Vou deixar o Romulo com você.
— Mas ele é o seu melhor homem.
— Exatamente, vai cuidar do que é mais precioso para mim.
— Oh! — Foi o único som que escapou da minha boca ao ser
completamente pega de surpresa pela fala do Theo. Era preciosa para ele?
— Você vai ficar segura até que eu volte.
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Não vou demorar muito. — Fez carinho em mim e fechei os olhos,
como um animal manhoso, me deliciando com o toque. Lembrei-me de que o
meu irmão fazia isso com a minha cunhada e comecei a pensar que eu e Theo
estávamos chegando perto de um casamento feliz.
— Fiquei vinte e cinco anos segura naquela casa. Não precisa se
preocupar.
— Mas antes você não era uma princesa, senhora Bellucci.
— Você tem razão. — Coloquei a minha mão sobre a dele e ficamos
nos encarando por minutos que pareceram horas, até finalmente sairmos do
banheiro, com dedos e lábios enrugados.
Capítulo trinta

Deixei a Tatiane na mansão dos Mancini pela manhã na companhia


do Romulo, encarregado de manter os olhos nela o tempo todo. Meu homem
sabia da responsabilidade e eu não confiava em mais ninguém para assumi-
la.
Desci do carro em um velho galpão perto da praia, que não parecia
nada além de um local para guardar coisas de pescador. Era discreto,
pequeno e fedia a peixe. Simples o bastante para não levantar nenhuma
suspeita.
Chegamos diante de um portão de metal enferrujado e um homem que
estava parado na porta abriu-a para que pudéssemos passar.
Segui pelo local parcialmente escuro entre botes, um barco velho e
muitos remos até alcançar o fundo, onde Ângela estava sentada atrás de uma
mesa de madeira com o filho mais velho próximo. Seus homens estavam
espalhados pelo ambiente e memorizei onde cada um estava antes de
qualquer coisa. Sabia que isso era sempre necessário para me proteger caso
a situação saísse do controle.
— Trouxe o garoto — foi a primeira coisa que disse a ela.
— Luca em breve assumirá tudo isso, então ele precisa saber.
— Fez bem. Então é desse lugar que o seu marido, e agora você,
gerenciam os negócios?
— Não achou agradável?
— Já vi piores. — Meti as mãos dentro dos bolsos e voltei a olhar
em volta.
— A polícia não espera encontrar o chefe de Palermo sentado nessa
cadeira velha dentro de um bueiro, mas aqui estou eu. É melhor do que
receber criminosos e procurados para tomar um café na minha casa.
— Nisso você tem toda razão.
— Aqui recebo os homens todos os dias. Eles trazem o dinheiro e
levam a droga que vocês fornecem para nós para serem tratadas em nossos
laboratórios.
— Vocês têm quantos?
— Três, espalhados pela cidade — respondeu o garoto para a minha
surpresa.
— Então nada mudou desde que o Tiago gerenciava tudo por aqui?
— Precisa mudar? — Ângela curvou o corpo na minha direção e me
encarou com olhar firme. Ela era forte, isso eu não podia negar.
— Não, desde que não tentem contra nós novamente.
— Você se vingou do meu marido e tem a minha cunhada como
garantia. Acredito que seja desnecessário derramarmos mais sangue.
— Concordo.
— Só quero manter os negócios aqui em Palermo, como todos
esperam. Há muitas famílias subordinadas a mim no momento e elas têm
medo do que pode acontecer, mas tenho certeza que essa insegurança toda
vai terminar quando eles virem a Tatiane e você juntos na festa de hoje à
noite. Os Bellucci nunca estiveram tão próximos.
— É o que todos queremos.
— E vamos manter. — Ela assentiu. — Você tem a minha palavra.
— Ótimo.
— Sobre a nossa próxima entrega...
— Vai acontecer amanhã, como previsto. A droga já está na Itália e a
caminho das demais cidades.
— Isso é perfeito.
— Sim. Não falharemos com você, desde que não falhe conosco.
— Então temos um bom acordo.
— Sempre. — Balanceia cabeça em afirmativa.
Ângela me mostrou um caderno velho que continha uma lista com
todos os associados da máfia em Palermo, as famílias, e como funcionava o
esquema de venda e distribuição das drogas. Tudo estava bem organizado, o
mesmo serviço da época do Tiago continuava sendo mantido e isso era o
mais importante. Quanto a dúvida dos homens, a Tatiane, com os olhos
brilhando ao meu lado, seria o suficiente para saná-las.
— Se me dão licença, vou buscar a minha esposa e me arrumar para
uma festa que acontecerá mais tarde.
— Toda! — Ângela apontou para a porta e saí acompanhado dos
meus homens, retornando para o carro, parado no mesmo local.
Capítulo trinta e um

A maquiadora e cabeleireira deixou o quarto depois de me arrumar


para a festa que aconteceria em breve. Admito que antes não me esforçava
muito para me sentir bonita, mas, nos últimos dias, era completamente
diferente. Queria que o Theo olhasse para mim e me desejasse. Poderia até
ser errado, mas qual coisa era pior do que estar me apaixonando pelo
homem que matou o meu irmão?
Apaixonando...
A palavra ecoou na minha cabeça como badalos de um sino. Eu teria
tido mais medo dela se, na minha conversa com a minha cunhada, ela não
houvesse me dito que poderia ser a melhor coisa que poderia me acontecer.
De fato, eu estava bem mais feliz do que quando afastava o Theo de mim a
qualquer custo.
Minha consciência ainda pesava, não poderia dizer que não. Em um
momento ou outro, me pegava questionando o que meu irmão pensaria se me
visse nos momentos mais íntimos com o Theo. Me julgaria?
— Oi! — Ouvi a voz rouca do meu marido atrás de mim, que fez com
que me estremecesse inteira.
— Ei. — Virei a cabeça e sorri ao encontrar seus olhos verdes.
— Está linda. — Ele afastou o meu cabelo que estava sobre meu
ombro e beijou a pele nua.
— Theo! — Encolhi-me com o calafrio e saí do rumo dos lábios
dele.
— O que foi? Não posso mais elogiar a minha esposa?
— Pode, mas temos que sair para a festa.
— Eu sei.
— E quando você me beija assim...
— O que acontece quando eu a beijo assim? — Aproximou a boca da
minha orelha e a sua voz ficou ainda mais aveludada.
— Acabamos na cama — respondi, completamente rubra.
— Só na cama?
— Em outros lugares também, mas temos que sair.
— Vai me fazer resistir a esse vestido vermelho perfeito? — Subiu
com as mãos pela lateral do meu corpo e segurou os meus seios.
— Sim. — Dei um tapinha nos dedos dele. — Porque preciso chegar
na festa vestida.
— Uma pena, mas concordo, não quero que mais ninguém veja o que
é meu.
— Então me deixa vestida.
— Calma, tenho algo para você. — Ele colocou a mão no bolso e
puxou um belo colar. — Posso?
Assenti, tirando o cabelo do caminho para que o Theo o colocasse ao
redor do meu pescoço. Era de rubis em formato de pequenas gotas, ainda
mais bonito do que aquele comprado na vez que fomos a joalheria juntos.
— Eu amei, Theo!
— Combinou com o seu vestido.
— Sim. — Passei o dedo sobre as pedras antes de me virar para
beijá-lo.
— Não disse que tínhamos que ir para a festa? — falou com os
lábios ainda nos meus.
— E vamos. Só estava beijando você.
— Gosto disso. — Ele me abraçou e me prensou contra a pia do
banheiro.
— Solta! — Dei tapinhas contra os ombros dele para que se
afastasse.
— Só uma rapidinha. — Mordiscou a minha orelha e todo o meu
corpo derreteu. Aquilo não era justo e o mafioso certamente estava disposto
a quebrar as regras para conseguir o que queria. — Prometo que só tiro a sua
calcinha. O vestido vai ficar bem onde está.
— Theo... — Precisava de uma força enorme para negá-lo, porque a
minha mente falava uma coisa e o meu corpo gritava outra. — Vamos chegar
atrasados na festa.
— Não vamos. — Mordiscou a minha orelha e eu já não conseguia
mais fazer resistência.
— Não podemos demorar.
— Tudo bem. — Theo me soltou.
Theo puxou a minha cintura e precisei me apoiar na pia para não
desmoronar. A voz dele e os seus toques haviam me deixado completamente
sem equilíbrio.
Meu marido subiu o meu vestido até a altura da cintura e seus dedos
escorregaram pela minha calcinha até o centro da minha intimidade,
deixando-a pulsando. Por reflexo rebolei na mão dele. Um incêndio havia
começado ali e só seria aplacado quando nos tornássemos um só. Ele puxou
a minha calcinha para o lado e tocou diretamente o meu clitóris, arrancando
de mim um gemido alto e me fazendo cravar as unhas no mármore da pia.
Ouvi o zíper da sua calça ser aberto e logo o dedo foi substituído
pelo seu membro. Sem perder tempo, Theo se encaixou dentro de mim num
tranco firme que me fez soltar um gemido alucinado. Suas mãos foram para a
minha cintura e ele me puxou para trás. Logo eu estava me movendo junto
com ele, querendo que fosse mais rápido. Meus olhos reviravam, minha
respiração estava intercortada, até me esqueci da festa e do horário,
deixando-me à mercê dos desejos do meu marido e dos meus também.
Desmoronei sobre a pia quando o orgasmo me arrebatou e, instantes
depois, Theo tirou de mim e puxou um amontoado de papel toalha sobre a
pia.
— Viu? — falou com a boca na minha orelha enquanto eu tentava me
estabilizar do ápice. — Disse que não iriamos demorar.
Apenas suspirei enquanto tentava me recuperar do estopim.
Quando o meu corpo voltou a me responder, fui até a mala e peguei
uma calcinha limpa, pois o Theo nem havia se dado ao trabalho de tirar a
que eu estava usando, e ela acabara toda molhada.
— Você já está pronta? — Ele ajeitou a gravata diante do espelho.
Balancei a cabeça em afirmativa.
Ele me ofereceu o braço e cruzei o meu, deixando que me guiasse
para fora do quarto até onde os carros estavam estacionados esperando por
nós. Entrei primeiro e ele veio logo atrás, cobrindo a minha mão com a sua.
— Conhece esse clube onde a sua cunhada fará a festa?
Fiz que não.
— A única vez que fui a um clube foi quando você me viu.
— Seu irmão a criou bem.
— Numa gaiola de ouro. — Bufei.
— As mulheres da máfia são diferentes das outras.
— Imagino que sim.
— Tati! — Ele puxou o meu rosto e fez com que eu o encarasse. —
Eu não quero que você seja infeliz, mas também não quero colocá-la em
risco.
— Sei disso.
— Que bom. — Ele passou o polegar pela minha bochecha.
— Mas eu quero fazer algo, como a Laís com a ONG.
— Gostaria de trabalhar com ela?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Tudo bem por mim.
— Obrigada! — Abri um largo sorriso.
— Laís deve demorar a assumir a frente de tudo, principalmente com
o recém-nascido.
— Será que eu posso?
— Vou conversar com o Marco, mas tem que estar disposta a ficar
acompanhada de soldados o tempo inteiro.
— Quantos mais, melhor.
— Isso é verdade. — Theo gargalhou.
Ele estava prestes a se curvar na minha direção e me beijar, mas
antes que ele o fizesse, o carro parou e Theo se afastou.
— Chegamos, esposa.
— Sim. — Olhei para fora e vi a entrada luxuosa de um clube, com
vários carros parados do lado de fora.
— Vem. — Só percebi que o Theo havia descido quando me chamou.
Deixei que ele me guiasse para a entrada e Romulo nos seguiu de
perto. O lugar estava bem cheio e a maioria dos rostos era completamente
desconhecida para mim. Felizmente, logo encontrei a minha cunhada. Ela
estava maravilhosa, em um longo vestido verde que ia até o chão e tinha
pedras muito brilhantes.
— Tatiane. — Ela me abraçou.
— Oi!
— Você está linda.
— Você também.
— Formam um belo casal — disse um homem próximo ao botar os
olhos em mim. Ele tinha o cabelo quase branco, era gordo e estava com um
copo de bebida na mão.
— Formamos. — Theo colocou a mão na minha cintura e me puxou
para mais perto.
— Espero que as alianças entre a Sicília e o restante da Itália se
estendam para além da sua cama, senhor Bellucci.
— É o que todos esperamos.
Botei uma mão sobre o ombro do meu marido quando os olhares dos
homens na roda começaram a me deixar desconfortável.
— Estamos muito contentes com essa união — comentou outro. —
Não se fala noutra coisa por toda a Sicília. Matou um irmão e casou-se com
a outra, é no mínimo controverso. — Pela forma como ele falava, e o fato de
não tê-lo visto antes com a minha cunhada, imaginei que pudesse ser o chefe
de alguma outra cidade da ilha.
— Os Bellucci sempre tomam a melhor decisão para a família. —
Theo estava sereno e mantinha a sua postura neutra apesar das alfinetadas
que recebia. Era claro que ele sabia lidar muito bem com tudo.
— Disso eu não tenho dúvida. — O de cabelo branco levantou o
copo e tomou um gole.
— Hoje nós viemos, não é mesmo? — Theo se virou para Ângela e
ela assentiu. — Uma siciliana se tornou uma Bellucci, nossa aliança é forte e
Ângela será uma boa capo até que o Luca tenha idade e conhecimento para
assumir seu posto.
— Se você acha. — O velho provocou.
— Não deveria? — questionou o Theo.
— Você sabe como são as mulheres. Elas nasceram para serem
esposas, não mais do que isso. Esse tipo de liderança não é para elas.
Ângela pisou com o salto fino no pé do homem e agarrou a sua
gravata, apertando-a, pressionando com tanta força que ele rapidamente
ficou vermelho como um tomate e tive a impressão que morreria diante dos
meus olhos por falta de ar.
— Você acha que eu sou fraca?
O homem bateu no braço da minha cunhada, estava se asfixiando e
não conseguia falar.
— Vai matar o homem, Ângela. — Theo riu. — Acho que ele já
aprendeu a lição.
Minha cunhada soltou a gravata e o empurrou, fazendo com que ele
cambaleasse para trás alguns passos.
— O que tem a dizer? — Theo o provocou.
— Algumas são mais fortes do que outras, mas isso não significa que
consigam lidar com todos os desafios.
— Ela lidou bem com você.
Ele ficou sem graça diante das provocações do meu marido e não
disse mais nada.
— Os tempos mudaram, meu caro. — Theo apertou o ombro dele.
— Imagino que sim. — Engasgou ao puxar o ar rápido demais. Era
como se estivesse reaprendendo a respirar.
— Querem alguma bebida? — Ângela apontou para o bar a alguns
metros de onde estávamos.
— Vou levar minha esposa para escolher alguma coisa. — Theo
colocou a mão no centro das minhas costas, me guiando.
— Achei que ela fosse matá-lo. — Virei-me para ele quando já
estávamos distantes o suficiente.
— Eu teria me divertido. — Ele riu. — Alguns só aprendem com um
pouco de susto, e é engraçado quando vem de onde menos esperam. Ângela é
astuta, vai aprender a se fazer respeitar.
— Por que tudo é sempre assim?
— Assim como? — Ele franziu o cenho.
— Matar ou morrer.
— É como conquistamos respeito. — Ele me entregou um copo de
alguma bebida gaseificada. — O medo é a arma mais poderosa de todas.
— Entendi. — Tomei um gole da bebida através do canudinho. As
bolinhas fizeram cócegas na minha língua e o gosto era cítrico e doce. — O
que é isso?
— Só refrigerante batido com leite condensado.
— Não vai me deixar beber? — Ri.
— Você não deveria e eu não vou.
— Por que não?
— Não é seguro bebermos em uma festa como essa. Há muitos aqui
que podem ser amigos, mas também inimigos. Precisamos de todos os nossos
sentidos funcionando se algo fugir do controle.
— Você tem razão. — Abri um sorriso amarelo e me senti uma tonta
por não perceber de imediato algo assim.
— Podemos aproveitar a festa e nos embriagarmos sozinhos depois.
— Ele afagou o meu rosto e eu beijei as pontas dos seus dedos antes que ele
a afastasse.
Estava começando a ver muito além do que eu imaginava dele no
primeiro momento. Theo era um assassino, mas, ao mesmo tempo, conseguia
ser um homem carinhoso, que fazia com que eu me sentisse acolhida.
— Não quer dançar?
— Agora? — Arregalei os meus olhos.
— Por que não? — Moveu os ombros no ritmo da música lenta que
ecoava nos autofalantes.
— Quero.
Ele sorriu diante da minha resposta e me pegou pela cintura,
levando-me para o centro da pista. Passamos pelas pessoas, esbarramos em
uma ou outra, mas elas abriam caminho sem qualquer protesto quando viam
que éramos nós. Os Bellucci poderiam não ter um título de nobreza de fato,
mas dentre os mafiosos, éramos como a realeza. Nos respeitavam e
admiravam aonde quer que fôssemos.
Theo deslizou a mão direita pelo meu braço até segurar a minha,
levantá-la e me girar. Parei o rodopio com a mão livre sobre o seu ombro, e
Theo levou as duas para a minha cintura, colando-me ao seu corpo enquanto
nos balançávamos no ritmo da música.
— Adoro seu cheiro. — Ele fungou o meu pescoço e precisei me
conter para não me encolher toda e demonstrar aos curiosos que nos
assistiam o quanto ele me desequilibrava.
— Theo! — Tombei a cabeça e a encostei no seu ombro.
— O que foi? — Ele subiu com uma mão e mexeu no meu cabelo,
colocando-o para trás.
— Estão todos olhando para nós. — Corri os olhos pelo ambiente e
vi os sujeitos conversando entre si e nos encarando fixamente, sem se darem
ao trabalho de disfarçar.
— Que olhem. — Ele me girou novamente, só que dessa vez ele me
fez tombar para trás e as pontas do meu cabelo quase tocaram o chão.
Antes que eu retornasse o meu corpo na busca por equilíbrio, ele se
curvou sobre mim e me deu um selinho.
— Você é louco! — Ri enquanto meu corpo voltava a posição ereta.
— Talvez um pouquinho. — Estava se divertindo comigo.
Abracei o pescoço dele e tombei a cabeça no seu peito. Assim meu
marido não me faria perder o equilíbrio novamente, ao menos era o que
esperava. Ficamos nos movendo de um lado para o outro, lentamente, no
ritmo da música até que ela mudou, ficando mais agitada e Theo segurou a
minha cintura, esfregando-me nele com mais intensidade. Parecia
inadequado, mas o meu marido, literalmente, não se importava.
— Eu deixei a minha bebida no balcão — recordei-me no meio da
música.
— Depois pegamos outra. — Ele voltou a me girar e dessa vez parei
de costas para ele.
Segurei o meu cabelo enquanto minha cintura se movia
descoordenada no ritmo da música. Eu nunca tinha dançado daquele jeito,
não podia negar que estava me divertindo bastante.
Quando paramos, voltei a me escorar nele, ofegante, quase tão sem
fôlego como ficava quando fazíamos sexo.
— Cansou?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Vamos parar um pouco e tomar outra bebida.
Assenti e deixei que ele me levasse até o balcão. Theo pegou
bebidas novas e eu me escorei nele enquanto sentia as batidas da música na
minha cabeça e observava as pessoas pelo salão. Elas não negavam que
estavam olhando para mim, pois se mantinham firmes mesmo quando eu as
encarava de volta.
— Acho que vou ao banheiro. — Entreguei o meu copo para o Theo.
— Quer que eu vá com você?
— É só o banheiro. — Dei de ombros. — Não é como se fosse
correr algum risco.
— Todo cuidado é pouco.
— Se algo acontecer, eu grito. — Pus a mão sobre a dele e Theo a
cobriu com a sua antes que eu me afastasse e caminhasse até lá.
O lugar estava vazio, e o som da música era bem mais baixo do que
do lado de fora. Debrucei-me sobre a pia larga e observei a minha imagem
no espelho. Alguns fios do meu cabelo estavam grudados ao meu rosto
devido ao suor pela dança. Peguei alguns papéis no suporte ao lado da
saboneteira e dei umas batidinhas no meu rosto para me livrar do suor na
melhor tentativa de manter a maquiagem. Ajeitei o cabelo antes de entrar em
uma das cabines. O local de modo geral estava bem limpo e tive certeza de
que Ângela havia se esforçado para garantir que tudo estivesse perfeito.
Ouvi som de passos enquanto estava dentro da cabine, ajeitando o
meu vestido, mas não me importei.
Girei no eixo da minha cintura para ver se o meu vestido estava no
lugar antes de abrir a porta. Estava prestes a ir até a pia, mas não consegui
dar um passo para fora da cabine, pois eu o vi parado do lado de fora.
— O... O que... O que está fazendo aqui? — Tentei me fechar
novamente dentro da cabine, mas ele segurou a porta, batendo-a na parede e
forçando-a a ficar escancarada.
— Está linda nesse vestido. — Ele me olhou de cima abaixo,
causando em mim asco e pavor.
— O Theo sabe que você está aqui?
— Está preocupada demais com o meu sobrinho.
Olhei para fora em desespero, mas através do espelho só conseguia
ver a mim e meu algoz. Leonel Bellucci era como um fantasma que me
perseguia constantemente, mas, ao invés de apenas assombrar a minha vida,
ele era capaz de provocar estragos bem reais.
— Eu não contei nada a ninguém.
— Tenho certeza que não. — Ele gargalhou num tom carregado de
crueldade. — Acha que eles acreditariam que eu seria capaz de mandar
matar meu próprio irmão, meu sangue? Você não passa de uma recém-
chegada naquela casa, além de ser irmã de quem matou o Lorenzo de fato.
Acha que teria alguma voz só porque geme debaixo do meu sobrinho? Tem
prostituta que trepou mais com ele do que você.
Engoli em seco, completamente embaraçada.
— Eu não sou ameaça, então me deixa ir.
— Deixar você ir? — Ele gargalhou ao segurar o meu ombro. — Eu
não desisto do que eu quero, mesmo que tenham se passado dez anos.
— The... — comecei a gritar o nome do meu marido, mas antes que a
minha voz ganhasse notas audíveis, Leonel colocou uma mão sobre a minha
boca e com a outra apontou uma faca para o meu pescoço.
— É melhor para você que não faça barulho. Ao menos não alto
demais. Estamos entendidos? — Pressionou a lâmina contra o meu pescoço e
eu empalideci, balançando a cabeça em afirmativa.
Sabia que havia dezenas de pessoas lá fora, mas foi como se eu
estivesse sozinha, presa com um monstro e à mercê das suas piores vontades.
O meu coração acelerou e senti as minhas extremidades começarem a ficar
frias.
Leonel baixou a mão que cobria a minha boca, mas não afastou a faca
do meu pescoço. Sentia que ele me degolaria até mesmo se eu respirasse.
Ele passou a mão por cima do meu vestido, apalpando um dos meus
seios e desceu mais até a minha cintura. Enquanto ele me tocava contra a
minha vontade, uma lágrima escorreu pela minha bochecha, pois parecia a
única forma de extravasar todo o meu pavor.
A faca também saiu do meu pescoço e imaginei que ele me deixaria
em paz, mas ao invés disso, segurou o decote do meu vestido e usou a lâmina
para rasgá-lo de cima abaixo, separando a parte da frente em dois. Percebi
que a lâmina estava muito afiada, pelo fato de ter partido o tecido como se
fosse manteiga.
— Seu corpo é ainda mais atraente do que quando você tinha
quatorze anos, mas ainda acho uma pena seu irmão não tê-la entregue para
mim. Teria sido uma forma muito mais fácil de pagar a dívida, e ele ainda
estaria vivo.
— Eu era só uma menina. — As lágrimas jorraram pelo meu rosto
com ainda mais intensidade. Era desesperador perceber que o meu irmão
havia dado a vida para me proteger, e mesmo assim não havia sido o
suficiente.
— Gosto das que começam cedo. — Ele enfiou a faca no elástico da
minha calcinha e cortou-a na lateral, provocando uma pequena ferida na
minha pele, que me causou uma ardência e fez com que eu sentisse o cheiro
férrico do sangue tomar conta do ar.
— Quando o Theo descobrir...
— Se eu fosse você manteria isso entre nós dois. — Ele passou a
lâmina pela minha coxa.
Com a outra mão, Leonel se aproximou do meu sexo e o tocou. Meu
estômago revirou e eu chorei ainda mais.
Eu queria gritar, mas o medo me impediu. Tinha medo do meu
marido, quando nosso relacionamento começou, mas o verdadeiro monstro
era outra pessoa naquela casa.
Capítulo trinta e dois

Ela demorou a aparecer e fiquei preocupado. Havia inúmeras


justificativas para que a minha esposa ainda estivesse no banheiro. Mulheres
costumavam demorar muito para fazer tarefas simples como aquela, ainda
assim, fiquei inquieto. Deixei as bebidas sobre o balcão do bar e fui atrás
dela. Não me importei em entrar no banheiro feminino, de fato aquele não
seria o maior crime na minha ficha.
— Tati? — Percebi que o lugar estava estranhamente vazio quando
dei alguns passos para dentro.
Olhei para o espelho e para as cabines vazias.
— Tatiane?
Ouvi um gemido seguido de um rugido e aumentei a velocidade dos
meus passos até avistar um terno e as costas de um homem grisalho, e no
chão do banheiro estava o que deveria ser o belo vestido vermelho da minha
esposa.
Eu rosnei, puxando quem quer que fosse pela gola da camisa e a
minha mulher gritou. Arremessei o maldito contra a pia do banheiro e ele
bateu com as costas nela, antes que eu percebesse quem era. A princípio,
imaginei que pudesse ser qualquer um dos sicilianos, mas não passava pela
minha cabeça que pudesse ser alguém que eu conhecia a minha vida inteira.
Não confiava naquele desgraçado, mas imaginá-lo violentando a minha
esposa ia além do que a minha mente era capaz de supor.
— Seu desgraçado! — Avancei para cima dele e o agarrei pela
lapela do blazer. — Como ousa?
— Acha que essa prostituta vale o seu esforço? — Ele riu como se
não fizesse ideia do monstro que poderia despertar dentro de mim.
— Eu vou matar você!
— Acha que ela não tem culpa...
Silenciei-o com um soco. Ainda não sabia direito o que havia
acontecido, mas não era o melhor momento para ele me provocar,
principalmente pelo fato de Tatiane e eu finalmente estarmos nos entendendo,
na cama e fora dela.
— Theo! — ela gritou. Um som abafado de dor e pura agonia me fez
soltar o meu tio e me virar na sua direção.
Foi quando eu vi que havia uma faca enfiada na sua coxa e o sangue
pouco a pouco escorria para o chão. Eu tinha duas escolhas: matar o meu tio
antes mesmo de saber o que havia acontecido ou ir acudir a minha esposa.
— Não saia daqui! — Joguei-o no chão com toda a força.
— Theo... Theo... Theo... — Quando me aproximei da Tatiane ela
não conseguia fazer outra coisa que não fosse chorar e ofegar.
Ela estava trêmula e completamente pálida. Com as duas mãos sobre
a faca o seu olhar era de pavor e muito medo. Seu vestido estava no chão e
sua calcinha também. A única peça ainda no seu corpo era o sutiã e ela
encolhia como se tentasse proteger-se. De mim, do meu tio, ou talvez de todo
mundo.
— Não faz isso. — Segurei as mãos dela antes que puxasse a faca.
— Pode ter atingido alguma artéria e a lâmina é a única coisa que está
impedindo você de sangrar até a morte.
— Está doendo. — Vê-la chorando em completo desespero me
devastou. Eu amava meus irmãos e minha mãe, mas foi a primeira vez que
alguém importante para mim me fez experimentar aquele tipo de aflição.
Tirei a gravata do meu pescoço e a amarrei ao redor da faca, fazendo
um torniquete para que contivesse o sangramento da melhor forma possível.
— Calma, você vai ficar bem. Aconteça o que acontecer, não durma.
Ela balançou a cabeça em afirmativa.
— Eu... Eu não... Não queria. — Se esforçava para falar comigo,
mas não conseguia fazer nada além de chorar, e o seu desespero estava me
contagiando também. Eu já havia levado muitos tiros, escapara por um fio da
morte várias vezes, mas, se tratando dela, foi como se eu não soubesse
reagir.
— Shi, calma. Não precisa falar agora. Nós vamos conversar depois
e você me explica o que aconteceu.
Tirei o meu blazer e o coloquei ao redor dela e, apesar da dor, ela se
esforçou para vesti-lo, pois parecia incomodada com a própria nudez.
— Theo...
— Calma!
— Eu vou morrer?
— Não! Nem que eu tenha que bater no diabo para deixá-la aqui
comigo.
A peguei no colo e a levantei do chão. Virei o meu corpo e vi que o
meu tio não estava mais onde eu o havia deixado. Ele tinha culpa no cartório
ou não teria fugido. Sabia que eu precisava ir atrás dele, mas seria obrigado
a dar a ele uma vantagem se quisesse salvar a minha esposa.
Saí do banheiro com ela no colo e todos olharam abismados.
Eu rosnei e todos saíram da frente. Eu precisava passar e chegar até
os meus homens, que estavam do lado de fora, e colocá-la no carro o mais
rápido possível.
— O que aconteceu? — Ângela veio correndo até mim e parou ao
meu lado.
— Preciso levar a Tatiane para um hospital.
— Por quê?
— Ela foi esfaqueada.
— Por quem? — Ela corria ao meu lado mesmo estando de salto
para acompanhar os meus passos largos. — Leonel... — Pareceu matar a
charada antes mesmo que eu dissesse.
Pontos também foram ligados na minha mente, e de repente todo o
medo da Tatiane começou a fazer sentido. Meu tio era uma ameaça para ela
durante todo esse tempo e por isso temia tanto ficar sozinha na minha casa.
Me senti um grande estúpido por não ter percebido isso antes e ter permitido
que o lobo ficasse tanto tempo perto da minha ovelha.
— Você sabia? — questionei a Ângela e ela não respondeu, mas foi o
suficiente para que eu soubesse que sim.
— Ele é o seu tio.
— Foda-se! Agora a minha esposa está machucada. Coloque os seus
homens e todos os outros possíveis atrás dele. Faz alguns minutos que ele
saiu correndo, não deve estar muito longe.
Ângela assentiu quando eu cheguei ao lado do carro e Romulo abriu
a porta logo que viu o meu desespero.
— O que aconteceu, senhor?
— Nos leve para um hospital o mais rápido possível.
— Encontre-o! — Ordenei para Ângela antes de acomodar a Tatiane
no meu colo e bater com a porta.
— Com prazer. — Ela se afastou do veículo que saiu cantando pneus.
— Tati... — murmurei para a minha esposa. — Tatiane, fica
acordada.
Ela apenas gemeu de dor, piscando os olhos, que ficavam fechados
por períodos cada vez maiores.
— Você precisa ficar acordada, amor.
Eu deveria tê-la mantido segura. O peso pelo que havia acontecido
com ela caiu sobre as minhas costas como nunca. Eu era o seu marido, e uma
das minhas maiores responsabilidades era garantir o seu bem estar. Não
deveria tê-la deixado sozinha nem mesmo para ir ao banheiro.
— Mais rápido! — gritei, chutando o banco da frente.
— Ela vai ficar bem, senhor — garantiu-me Romulo, ainda que ele
não possuísse qualquer propriedade para dizer isso.
Imaginei que o meu homem estivesse tentando me tranquilizar, pois
nunca havia me visto naquele estado antes.
Pareceu uma eternidade até pararmos diante do primeiro hospital.
Romulo abriu a porta e eu saí com a Tatiane nos braços, entrando na
recepção feito um touro.
— O que aconteceu? — Uma mulher se aproximou de mim usando
roupas de enfermeira.
— Preciso do melhor médico. A minha esposa foi esfaqueada e está
perdendo muito sangue.
Logo vieram com uma maca e eu a deitei, acomodando-a com todo o
cuidado. Por mais que houvesse pedido centenas de vezes, ela havia fechado
os olhos e eu só conseguia torcer para que ela ainda estivesse viva.
— Agora o senhor precisa soltar a maca. — Um outro sujeito puxou
a minha mão. — Nós vamos cuidar dela.
— Eu vou aonde ela for — rugi como um leão.
— O senhor não pode.
— Já ouviu o sobrenome Bellucci? — Lancei um olhar firme que o
fez recuar.
— Pode nos acompanhar, mas, por favor, nos deixe trabalhar.
Eu assenti e fui com eles para o interior do hospital até entrarmos em
uma sala. Alguns médicos vieram e tentaram me afastar, mas eu fiquei
parado ao lado da maca enquanto eles abriam o blazer e a examinavam.
O peso nas minhas costas só aumentava. Eu deveria tê-la protegido.
Capítulo trinta e três

Estava tudo muito escuro, eu não ouvia som algum e não conseguia
abrir os meus olhos. Foi então que a minha mente foi tomada por flashes,
como imagens de um filme do que havia acontecido comigo na noite anterior.
Fui esfaqueada... Estava morta?
— Tatiane. — Ouvi a voz do meu marido ecoar na minha cabeça
como um loop e imaginei que fizesse parte do abismo onde eu estava. —
Tatiane...
O som foi ficando mais forte e ele foi como uma corda que me puxou,
como se me atraísse para a luz no fim do túnel. Então, eu abri os olhos num
rompante e o clarão fez com que eu os fechasse.
— Tatiane!
A primeira coisa que enxerguei foram os olhos verdes do Theo e isso
me fez sorrir, ainda que a minha cabeça estivesse doendo.
— Eu estou no céu?
— Acha que eu sou o tipo de cara que irá para o céu? — Ele riu,
fazendo com que o meu sorriso se alargasse ainda mais.
— Você está no hospital. — Ouvi a voz da Ângela e movi levemente
a minha cabeça, encontrando a minha cunhada parada poucos metros distante
de nós.
Movi a cabeça e vi que um tubo estava preso na minha mão e que eu
estava usando uma camisola de hospital. No alto, preso em um suporte,
estava um líquido que pingava, gota a gota, indo para a minha corrente
sanguínea.
— Eu vou ficar bem? — Voltei a procurar os olhos do meu marido.
— Vai, sim. — Ele parecia aliviado ao me responder aquilo. — Os
médicos me garantiram.
— Obrigada por cuidar de mim. — Uma lágrima brotou no meu olho,
e eu achava que nem era mais capaz de chorar.
— Sempre vou cuidar. — Ele afagou o meu rosto.
— Vou deixar vocês conversarem. — Minha cunhada acenou e saiu
do quarto, fechando a porta atrás dela.
— Theo, eu não queria...
— Eu sei. A Ângela me contou o que aconteceu.
— Tudo? — Engoli em seco, e foi como se um gato houvesse
descido arranhando pela minha garganta de tamanho desconforto.
— Que o meu tio fez o Tiago escolher entre dar você para ele ou
matar o meu pai?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Vocês deveriam ter contado para mim.
— Ele é o seu tio e nós.... Somos só a família do homem que matou o
seu pai.
— Você é a minha esposa, além disso, eu nunca confiei nele, minha
mãe também não e nós dois costumamos estar certos sobre as pessoas.
— Desculpa.
— Dá próxima vez não esconda nada de mim. Deixa que eu decido
no que acreditar ou não.
Balancei a cabeça em afirmativa, e me senti um pouco menos pesada
quando ele pegou a minha mão, aquela que não estava com acesso, e a
segurou entre as suas.
— Tatiane, eu preciso perguntar algo.
— O quê?
— Ele chegou a estuprar você?
— Leonel só me tocou, foi muito desagradável, mas você chegou
antes que ele fizesse algo mais.
— Eu jamais iria me perdoar se ele tivesse feito isso.
— Você me protegeu.
— Não deveria ter deixado você se afastar de mim por nada.
— Como iria saber?
— No mundo em que vivemos, eu tenho que estar pronto para tudo.
— Acariciou o meu rosto e eu fechei os olhos, para sentir apenas o seu
toque, para que o seu calor me acolhesse da melhor forma possível.
— Eu vou ficar bem. Os médicos não garantiram a você?
— Existem coisas que os médicos não sabem e vão muito além das
marcas físicas. Quando eles falaram isso, estavam dizendo sobre o seu
ferimento na perna.
— Você vai me proteger.
— Sempre. — A afirmação dele era mais do que uma palavra vaga.
Eu a sentia como uma promessa.
Ficamos em silêncio por alguns minutos até que me arrisquei a
quebrá-lo. Da mesma forma que havia uma pergunta que o Theo precisava
fazer, o mesmo acontecia comigo.
— Onde ele está agora?
— Eu não sei. — Foi sincero comigo.
— Isso é ruim.
— Sim. — Voltou a acariciar a minha bochecha. — Eu precisava
salvar você e, enquanto isso, ele desapareceu pela festa. Os homens da
Ângela ainda estão atrás do meu tio, mas até agora não têm nenhuma pista.
Sei que ele se aliou aos americanos há muito tempo, e eles podem estar
ajudando-o.
— Isso é uma pena.
— Não se preocupe. Nem que leve mais dez anos, eu vou colocar
uma bala na cabeça dele. Pelo meu pai e por você.
— E pelo Tiago.
— Sim, pelo seu irmão também.
— Por que acha que ele queria o seu pai morto? — Tentei me virar
na cama e ela rangeu, assim como o meu corpo, que ainda estava bastante
dolorido.
— Eu também quero descobrir, mas não se preocupa com isso agora.
Você perdeu muito sangue e precisa descansar.
— Não me deixa sozinha. — Apertei a mão dele.
— Não deixarei, nunca mais.
Eu o puxei para cama e Theo se sentou nela para eu pudesse me
apoiar no seu colo. Ele ficou acariciando o meu cabelo até que fechei os
meus olhos e voltei a pegar no sono. Eu não podia imaginar que aquele
homem poderia ser tornar a minha maior paz. Só naquele momento consegui
entender a Laís quando ela disse que o Marco era quem a fazia se sentir
segura. Estava me sentindo da mesma forma em relação ao Theo.
Capítulo trinta e quatro

— Onde ela está? — Foi a primeira coisa que Marco perguntou


quando ele e Mateo entraram na sala, seguidos de alguns homens.
Surpreendi-me quando vi que Laís, o bebê e minha mãe estavam com eles.
— No antigo quarto, dormindo. — Levantei-me do sofá para me
aproximar do meu irmão. — O que elas estão fazendo aqui?
— Nossa casa já foi invadida uma vez. Por maior que seja o nosso
cuidado para mantê-las em segurança, eu não quero correr o risco de deixá-
las em Roma quando todos nós estamos na Sicília. Acho que você consegue
me entender.
Apenas balancei a cabeça em afirmativa.
— Posso ir ver a Tatiane? — minha mãe perguntou a mim.
— Sim. É a terceira porta à esquerda no andar de cima. Bata antes de
entrar. Não quero que a assuste.
— Tudo bem. — Minha mãe fez um gesto para que a minha cunhada a
acompanhasse e as duas foram escada acima, logo desaparecendo de vista.
— Estou surpreso por ter sido ele por trás de tudo — comentou
Mateo, coçando a cabeça com um ar pensativo.
— E você ainda queria confiar no maldito. — Bufei.
— Ele é irmão do nosso pai. Eu confio em vocês. Imaginei que o
papai também pudesse confiar nele.
— Mas não podia. — Eu estava furioso só por me lembrar que o
havia deixado perto da minha esposa por semanas, ainda que não soubesse
das intenções que tinha com ela. — Eu quero o prazer de esfolá-lo com as
minhas próprias mãos.
— Você não é único que quer justiça, irmão. — Marco tentou
amenizar a minha raiva, mas não parecia o suficiente.
— Não foi sua esposa que ele tentou estuprar. — Mostrei os dentes,
como um animal feroz. — Eu prometo mantê-lo vivo depois de uma tortura
muito lenta e deixar que um de vocês dois dê o tiro de misericórdia.
— Ele merece misericórdia? — Nos viramos para ver Ângela entrar
na sala. A viúva tinha tanto sangue nos olhos quanto eu. — Por mim, o
enterramos vivo com insetos que comam a sua carne enquanto ainda respira.
Quanto mais lento e mais o fizer gritar, melhor.
— Eu não sabia que uma mulher tão bonita pudesse ser tão cruel. —
Mateo riu.
— Posso ser muito pior quando se tratar dos meus.
— Gostei dela — brincou meu irmão mais novo.
— Seus homens deram alguma notícia, Ângela? — Cruzei os braços
ao encará-la com firmeza. Era como se todo o restante da sala atrás dela não
tivesse foco.
— Infelizmente, não. — Bufou. — Estão vasculhando cada pedra em
Palermo, mas estou começando a pensar que, como já fazem mais de vinte e
quatro horas que ele sumiu, deve ter conseguido sair da cidade.
— Não avisou seus contatos no aeroporto?
— Sim, mas existem outras formas de sair da cidade além dessa. Ele
pode ter ido de barco, ônibus, trem, carro e outros meio de transportes
inimagináveis para qualquer cidade vizinha e embarcado em um voo lá, ou
seguido de qualquer outra forma. Vou falar com meus homens novamente. —
Olhou para nós buscando a nossa aprovação antes de deixar o cômodo.
— Porra — praguejei. — Ele não pode escapar.
— Você é bom em seguir rastros, irmão. Vamos encontrá-lo —
Marco garantiu ao botar sua mão sobre o meu ombro.
— Mateo — voltei-me para o caçula. — Use os seus brinquedos e
encontre-o, nem que tenha que procurar pelo mundo inteiro.
— Isso pode levar muito tempo.
— Tente seguir um possível rastro até Roma. Você viu um americano
lá. Afirmou que ele e o nosso tio se conhecem, e pode ser a quem ele irá
procurar para pedir proteção agora que nós sabemos o que aconteceu.
— O americano já voltou para o país dele.
— Não me importo de ir até lá para buscar a cabeça do nosso tio. —
Falei firme, determinado.
Eu já havia derramado muito sangue até chegar ao verdadeiro
culpado pela morte do meu pai, e não iria parar antes de atingi-lo com toda a
minha ira.
— Eu vou contatar meus homens — disse Mateo.
— Faça isso — reforçou Marco.
Mateo se afastou de nós e Marco e eu ficamos momentaneamente
sozinhos, encarando um ao outro. Ao contrário do nosso caçula, tinha certeza
que ele compreendia como eu estava me sentindo ao pensar que havia
falhado com a Tatiane, e que isso quase custara a vida dela.
— Na maioria das vezes, eu me sinto o homem mais poderoso do
mundo, como se até o mar fosse abrir ao meu comando, mas aí acontece algo
que faz com que eu me sinta um merda.
— Não podemos ter o controle de tudo sempre.
— Deveríamos ter, somos os Bellucci.
— Também somos humanos. Cometemos falhas e nos apaixonamos...
Ela vai ficar bem, Theo.
— Só não tenho certeza quanto a mim.
— Quando matarmos o Leonel, você retomará o controle que tanto
gosta e nosso pai estará vingado de uma vez por todas.
— Acha que pode ser algum plano dele com os americanos?
— É possível, ou ele poderia apenas achar que seria fácil me
manipular porque eu ainda era muito jovem. De toda forma, iremos encontrá-
lo e extrair a verdade.
— Sim. — Dei alguns passos para trás e soltei o peso do meu corpo
no sofá da sala dos Mancini.
Estava tomado por uma série de sentimentos, que iam da fúria a
completa frustração. Só esperava resolver aquela situação logo para que
voltasse a respirar em paz, sem a culpa de tê-lo deixado vivo.
Capítulo trinta e cinco

Ouvi uma batida na porta que fez com que eu me revirasse sobre os
lençóis, que ainda tinham o meu cheiro e estavam exatamente do jeito que me
recordava quando ainda morava naquela casa. Me sentia bem naquele
cômodo, apesar de saber da presença desagradável da Edna na mansão.
Quando Tiago disse que esse cantinho era meu, um pequeno espaço da casa
reservado para mim, isso fez com que eu me sentisse parte da família como
nunca. Ainda que ele não estivesse mais vivo e que a minha família não
fosse mais aquela, o lugar me trazia ótimas lembranças. Era o que precisava
para combater o pavor que tomava a minha mente sempre que recordava da
noite passada.
Alguém bateu novamente.
— Theo? — chamei pelo meu marido.
— Sou eu, querida, Rosimeire. — Surpreendi-me ao ouvir a voz da
mãe dele.
— O que a senhora está fazendo aqui?
— Posso abrir a porta?
— Pode. — Sentei-me na cama no exato momento em que ela entrou,
acompanhada da Laís e do adorável bebê Dante. — Era para vocês duas
estarem em Roma.
— Marco e Mateo vieram e não quiseram nos deixar sozinhas em
casa. Eles não sabiam ao certo que tipo de ameaça estariam enfrentando e
acharam melhor nos manter por perto. Confesso que, depois da invasão da
Donatella na nossa casa, me sinto bem mais segura assim. — Ela abriu um
sorriso ao se sentar na cama perto de mim.
— Parece uma boa decisão. Eu posso? — Estendi a mão para que
Laís me entregasse o bebê, e ela deu a volta na cama, para acomodá-lo com
todo cuidado no meu colo. — Oi, pequenino. — Ele estava dormindo tão
profundo que não acordou nem com o movimento brusco de sair do colo da
mãe para o meu.
— É um anjinho — disse Laís.
— Sim.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu a você. — Rosimeire tocou no
assunto delicado, mas eu sabia que não poderia escapar dele, por mais que
me sentisse humilhada.
— Ele era mais forte do que eu e tinha uma faca.
— Você não poderia ter feito nada para evitar.
— Se eu não tivesse saído de perto do Theo...
— Não se culpe. — Ela estendeu as mãos e tocou os meus ombros.
Imaginei que teria me abraçado se o neto não estivesse entre nós. — Você
achou que estava segura e não sabia que o Leonel havia ido até a festa.
Balancei a cabeça.
— Eu sempre soube que ele não era confiável. Suspeitava que
ambicionava o lugar do irmão, mas Lorenzo nunca deu ouvidos a mim. Meu
marido preferiu acreditar nos laços de sangue do que nos meus alertas.
— Acho que a senhora também não pode se culpar pelo que
aconteceu.
— Não posso, mas ainda assim nós ficamos nos revirando por
dentro, pensando em tudo o que poderíamos ter feito de diferente para que o
resultado fosse outro. Não tem jeito.
— É verdade.
Dante abriu os olhinhos no meu colo e começou a chorar. Laís
rapidamente o pegou e começou a niná-lo.
— Acho que ele está com fome.
— Por que não se senta ali na poltrona para alimentá-lo? — Apontei.
— Obrigada. — Laís se acomodou, exibindo o seio, que o bebezinho
logo abocanhou.
— Ele é adorável.
— Sim. Estamos todos encantados — Rosimeire concordou comigo.
— Logo você e o Theo terão os seus. Filhos são uma grande benção.
Apenas balancei a cabeça enquanto olhava para a Laís e o pequeno
Dante. Sim, eu queria uma família com o Theo, mas tinha certeza de que
problemas precisavam ser solucionados antes que isso acontecesse.
As duas ficaram comigo por horas, até que uma das empregadas da
casa veio até o quarto e nos chamou para jantar. Eu não estava com fome,
mas sabia que precisava me alimentar. Os meninos e Edna estavam na mesa,
mas não vi Ângela nem nenhum dos homens. Eu não precisava ser uma
grande adivinha para ter certeza de que eles estavam atrás do Leonel. Se
havia algo que poderia unir mais do que nunca os Mancini e os Bellucci, era
a possibilidade de capturar o verdadeiro culpado pela maior tragédia das
duas famílias.
Edna acomodou as duas mulheres em quartos da casa e eu voltei para
o meu. Tomei um banho e me deitei na cama. Já fazia mais de um dia que o
incidente no clube havia acontecido, mas todas as vezes que eu fechava os
olhos era como se o Leonel ainda estivesse em cima de mim, apontando uma
faca para o meu pescoço e me ameaçando.
Quando ouvi o som da porta sendo aberta, rapidamente me sentei na
cama com o susto e recuei para a cabeceira.
— Calma, sou eu. — Theo acendeu o interruptor para que eu pudesse
vê-lo.
— Achei que não fosse voltar hoje. — Botei a mão sobre o peito e
respirei profundamente, esperando que a aflição que havia desencadeado ali
passasse rápido.
— Ele não está mais na Sicília. Provavelmente teve ajuda e fugiu.
Vamos voltar para casa.
— Agora?
Ele franziu o cenho e me analisou.
— Não está bem para voltar?
— Pode ser daqui a uma hora ou duas?
— Por quê?
— Fecha a porta. Deita aqui comigo. — Apontei para o espaço vazio
ao meu lado na cama.
Theo não questionou mais, apenas trancou a porta e se acomodou ao
meu lado. Deitei-me nele e apoiei a cabeça onde seu coração batia mais
forte.
— Eu gosto desse som.
— Gosta? — Ele escorregou os dedos pelo meu cabelo, afagando-o.
— Me dá a certeza de que você está aqui, de que eu estou segura, e
que tudo vai ficar bem.
— No que depender de mim, farei o possível e o impossível para
que você tenha essa sensação sempre.
— Jamais imaginei que eu diria isso para o homem que matou o meu
irmão.
— O quê? — Ele levantou uma sobrancelha e me fitou, certamente
receoso quanto ao que eu poderia dizer.
— Eu amo você. — Espichei a minha cabeça e aproximei os meus
lábios dos dele, sem esperar pela sua resposta, pois não estava cogitando
uma.
Porém, Theo colocou o dedo indicador sobre os meus lábios e me fez
parar no meio do caminho.
— Eu também amo você — respondeu, antes de tirar o dedo e
substituí-lo pelos seus lábios.
Segurei seus ombros e escorreguei as mãos até chegar em seu cabelo,
enterrando os meus dedos nos fios macios. Puxei a sua cabeça ainda mais
contra a minha e o beijo se tornou ainda mais intenso. Sua língua tomou a
minha com vontade, ferocidade e urgência de um jeito que me deixou
completamente sem fôlego. Foi como se não nos beijássemos há anos e
quiséssemos matar a vontade toda de uma única vez. Senti um pouco de dor
no ferimento enfaixado e cheio de pontos na minha coxa, mas me esforcei
para ignorá-la completamente. Escorreguei as mãos pelo seu pescoço e fui
até o primeiro botão da sua camisa.
— Tatiane... — resmungou contra os meus lábios quando segurou as
minhas mãos. — Você não precisa...
— Eu quero você. Não me negue esse pedido, tudo o que preciso é
me lembrar de que sou sua mulher. — Dei ênfase nas duas últimas palavras.
— Minha. — Theo soltou as minhas mãos e segurou o meu rosto
antes de voltar a me beijar.
Um a um, abri os botões da sua camisa e a empurrei pelos seus
ombros. Meu marido terminou de tirá-la e a colocou na cabeceira da cama.
Escorreguei as mãos pelo seu peito e senti os seus músculos antes de abrir o
cinto.
A boca dele escorregou para o meu pescoço e os beijos, lambidas e
chupadas me fizeram fechar os olhos e jogar a cabeça para trás, cerrando as
pálpebras para absorver o melhor de todas as sensações que iam
substituindo as horríveis lembranças de ser tocada contra a minha vontade.
Ele mordiscou a base do meu pescoço e um leve gritinho escapou do fundo
da minha garganta enquanto todo o meu corpo se revirava em êxtase.
Theo tirou o meu vestido e beijou a elevação dos meus seios antes de
abrir o meu sutiã e escorregá-lo pelos meus braços, deixando-o em alguma
parte do colchão. A dor na perna ficou maior quando Theo me trouxe até o
centro da cama, porém eu não fiz nada para que ele parasse.
Ele tirou a minha calcinha e beijou o machucado na minha cintura, um
entalhe marrom provocado pela cicatrização do machucado deixado pela
faca afiada. Sua língua deslizou até a minha intimidade e por reflexo abri as
pernas para recebê-lo, deixando que acomodasse a sua cabeça e me
presenteasse com um delicioso estímulo. Arqueei o corpo quando o prazer
arrancou de mim gemidos. Sua língua, seus lábios, me conduziram a um
delicioso orgasmo que me fez agarrar os cabelos dele e mantê-lo ali o maior
período possível.
Ele beijou o meu ventre e subiu até os meus lábios, me deu alguns
selinhos enquanto eu me recuperava do estopim. Depois ele se deitou ao meu
lado e eu chiei.
— Não vai continuar?
— Só queria te dar prazer.
— Eu quero você. — Puxei-o pelos ombros para que o Theo voltasse
para cima de mim.
Ele sorriu e voltou a me beijar enquanto se livrava da parte de baixo
das suas roupas. Nos giramos na cama e coloquei as duas mãos sobre o seu
peito e mantive os meus olhos fixos nos seus quando me sentei no seu
membro, tornando-nos um só.
Comecei a me mover lentamente, mas ganhei mais ritmo quando ele
segurou a minha cintura. Subi com uma mão para o seu rosto e o puxei para
mim, voltamos a nos beijar e, conectada a ele, alcancei o orgasmo
novamente.
Ele era o temido assassino dos Bellucci, o mais cruel dos três
irmãos, mas também meu lar, meu protetor e meu marido.
Capítulo trinta e seis

Por mais que todos nossos homens estivessem na cola do meu tio,
não conseguimos evitar que ele escapasse pelos meus dedos e deixasse o
país. Poderia até acreditar que estava livre de nós, mas não me conhecia tão
bem quanto imaginava. Chegar em Roma e não colocar as mãos nele não
seria o suficiente para nos impedir de continuar tentando.
— Sabe que uma possível ida aos Estados Unidos pode causar
muitos problemas. — Marco deixou o copo de uísque sobre a mesa escura
do seu escritório e caminhou para perto de mim.
Parei de fitar a janela aberta atrás dele e voltei meus olhos na sua
direção.
— Eles não respondem a nós?
— É a teoria, mas na prática, só fazemos negócios com eles. Faz
muito tempo que aqueles que fundaram a máfia no novo mundo deixaram a
Itália, e se afastaram das nossas regras e não têm a nossa honra.
— São anarquistas.
— Como quiser definir. Não vão nos estender um tapete vermelho e
nos tratar como a realeza. É quase como a Inglaterra e a Austrália, para
todos os efeitos, estão sob a mesma rainha, mas a verdade é que têm regras
muito diferentes.
— Como mafioso, você está um belo político.
— Você bem sabe que a máfia é feita mais com negociações do que
com tiros de fato.
— Pretende deixar o maldito escapar só para evitar uma indigestão
com os americanos?
— Não. Só estou dizendo que precisamos ter muito cuidado com os
passos que vamos dar a partir de agora.
— Mateo, ao menos achou onde o maldito está se escondendo?
— Espionagem internacional é muito mais complicado do que
acessar as câmeras da nossa segurança interna. Não temos homens em todos
os departamentos, como acontece na Itália. Além disso, nenhum de nós quer
que eu chame atenção do governo americano só porque estamos tentando
resolver um problema de família.
— Só acesse as câmeras de trânsito.
— Não é só, Theo. Exige muito dos meus profissionais encobrir os
seus rastros e redirecionar nossas tentativas de acesso para outros lugares do
mundo e não atrair atenção desnecessária para nós. Não é trabalho de
amador, e mesmo os melhores hackers têm um certo trabalho — respondeu o
caçula.
— Entendi. — Bufei ao cruzar os braços. — Acho melhor eu ir para
lá e rastrear as coisas do meu jeito, batendo, matando e interrogando, não
necessariamente nessa ordem.
— Nosso irmão sabe o que está fazendo — garantiu Marco a mim. —
Vamos dar a ele mais um pouco de tempo.
— Certo. Volte para os seus computadores de milhões de euros e
retorne aqui quando tiver a localização.
— Theo, — Mateo segurou o meu ombro — todos nós queremos
vingança, cara.
— Para ele é diferente — Marco respondeu por mim.
— A Tatiane está bem? — Odiei ver aquela expressão de pena no
rosto do meu irmão caçula.
— Está — disse num tom ríspido.
— Vamos encontrá-lo, Theo. — Garantiu antes de sair do escritório.
Estava mais acostumado com o jeito antigo de fazer as coisas, mas
precisava confiar que o Mateo e a sua equipe me ajudariam a colocar a mão
no nosso querido tio.
Deixei o escritório do meu irmão e caminhei pelo corredor até
chegar ao meu quarto. O cômodo estava vazio e me incomodou não ver
Tatiane ali, ainda que tivesse certeza de que ela estaria segura em qualquer
outra parte da casa.
Depois do que eu havia deixado acontecer a ela, não conseguia evitar
o sentimento de culpa. Era a minha esposa, confiava em mim e eu deveria
protegê-la com a minha vida se fosse necessário. Por mais que sempre
desconfiasse do meu tio, sentia-me péssimo por não ter reconhecido o real
perigo bem debaixo do meu nariz.
— Ele tem um buraco negro no lugar dessa barriguinha. — Ouvi o
riso dela e segui sua voz até a porta do quarto que o meu irmão dividia com
a esposa.
Parei perto do batente e vi Tatiane sentada na cama ao lado da
esposa do meu irmão, que amamentava o bebê.
— Ele precisa crescer forte — comentei, atraindo o olhar das duas
para mim.
— Theo. — Tatiane voltou seus olhos para mim e sorriu.
— Estava procurando por você.
— Só vim ver se a Laís precisava de ajuda, e ela me falou sobre
algumas coisas que quer fazer na ONG, e que poderemos ajudar muitas
pessoas carentes de Roma. Sugeri a construção de clínicas com atendimento
médico gratuito. Não sei se isso é possível, mas de qualquer forma, vai ser
um grande projeto.
— Será. — Estendi a mão esperando que ela viesse até mim.
— Continuamos conversando depois — Falou para a Laís, que
assentiu com a cabeça.
Tatiane se levantou da cama e veio até mim, segurando a mão que eu
havia estendido a ela.
Em silêncio, viemos para o corredor e seguimos para uma pequena
varanda, que tinha vista para a piscina e toda parte de trás da casa. Os
homens que ficavam ali, fazendo a segurança, afastaram-se para nos deixar
sozinhos.
Aproximei-me do guarda-corpo e Tatiane apoiou a cabeça no meu
peito.
— Vocês têm alguma pista dele?
— Só sabemos que fugiu para se esconder com os americanos, como
o medroso que é.
— Ele não seria corajoso se ficasse aqui, apenas estúpido. —
Levantou uma sobrancelha em meio a uma expressão pensativa.
— Deveria nos encarar e arcar com as consequências do que fez. —
Bufei, cerrando os punhos. A vontade de espremer o meu tio com as minhas
próprias mãos era muito grande.
— Vai encontrá-lo, Theo.
— Eu vou. Nem que seja a última coisa que eu faça.
— Theo... — A voz dela tremulou, me deixando alarmado.
— O que foi? — Coloquei a mão direita sobre o seu rosto. — Tem
mais alguma coisa que você não me contou?
— Eu não quero que você morra junto. — Ela me abraçou apertado,
enterrando a cabeça no meu peito. — Já perdi o Tiago por conta das
armações do seu tio, não posso perder você também.
Puxei seu rosto e fiz com que me encarasse.
— Eu vou ficar bem, Tati. — Puxei seu rosto para que os meus olhos
pudessem encontrar os seus e fiz com que ela me encarasse.
— Promete? — Sua voz era chorosa e seus olhos não escondiam a
preocupação real.
Naquele momento, eu percebi o sentido de cuidar e proteger como
nunca antes.
— Prometo. — Levantei seu queixo e uni meus lábios com os seus.
Enquanto eu saía pelo país em minhas buscas insanas que me levaram
até o irmão dela, eu sentia necessidade de voltar para casa, porém era muito
diferente da obrigação que eu tinha com os meus irmãos e a minha mãe. Só
descobri os verdadeiros deveres e obrigações com a família ao me casar. —
O que vocês farão agora? — perguntou a mim quando nos afastamos do
beijo.
— Estou esperando o Mateo rastrear o meu tio para descobrirmos
exatamente onde ele está. Até onde sabemos, o maldito tem contatos por toda
a América e pode estar em qualquer lugar.
— Os Estados Unidos são um país muito maior do que a Itália.
— Estou ciente disso, mas estou dando um voto de confiança ao
Mateo. Se ele não conseguir, vou atrás do meu tio com os meus próprios
métodos.
— Quais métodos são esses? — Ela arregalou os olhos e engoliu em
seco.
— É melhor você não saber.
— Theo.
— Tati, — contornei o seu rosto com as pontas dos meus dedos e
parei com o polegar sobre os seus lábios, mas o seu olhar não titubeou —
levou muito tempo para que você parasse de me ver como um monstro e eu
gosto da nossa relação da forma como está.
— Eu aprendi mais coisas no tempo em que estou com você do que a
minha vida inteira. Estou começando a entender que existem algumas
escolhas que devem ser feitas em nome da família.
— Isso é bom. Aos poucos vai se acostumar com tudo, mas não
precisa ser de uma vez.
Ela assentiu e não disse mais nada.
Voltei a puxá-la para mim e aproximei a minha boca da sua orelha,
percebendo os pelos do seu corpo se eriçarem.
— Como está o machucado?
— Melhor — disse em meio a um suspiro que logo se transformou
em um gemido. — Às vezes até consigo me esquecer que dói.
— É? — Passei a língua pelo seu pescoço e mordisquei a sua
garganta, fazendo com que ela se retorcesse nos meus braços.
— Sim...
Peguei-a no meu colo e Tatiane envolveu o meu pescoço com os
braços.
Capítulo trinta e sete

Theo me levou nos braços até o nosso quarto. Por maior que fosse a
nossa troca de carinho, ficava implícita a tensão dele. Eu sabia que o meu
marido não iria descansar até que o tio desse o último suspiro. Ao mesmo
tempo que isso me deixava contente, porque eu e o Tiago seríamos vingados,
eu temia na mesma proporção. Pensar no quanto ele poderia ser arriscar até
finalmente conseguir o que queria, me apavorava. Conhecia pouco dos
americanos, mas o suficiente para saber que eles eram muito mais brutais do
que nós.
Meu marido me deitou sobre o colchão e o peso do seu corpo sobre
o meu afastou os pensamentos que tanto me perturbavam.
— Theo, é dia...
— Shi. — Colocou o dedo sobre os meus lábios e fez com que eu me
calasse.
— Você é... — Minha frase foi interrompida por ele mordendo e
chupando o meu pescoço. Qualquer possibilidade de dizer algo foi deixada
de lado pela excitação que os seus toques provocaram em mim.
Ele se afastou um pouco e tirou a gravata que usava ao redor do
pescoço. Puxou-a, segurando uma ponta e a outra, e o estralo assustou-me.
— O que vai fazer?
— Apagar a sua luz. — Theo passou a gravata ao redor dos meus
olhos e a amarrou atrás da minha cabeça, vendando-me.
— Ei! — protestei baixinho, mas antes que eu esticasse as minhas
mãos para voltar a enxergar, Theo pegou os meus pulsos e os segurou contra
o colchão. Sua força era bem maior do que a minha e eu não conseguiria
mover as mãos nem se tentasse muito.
Sem conseguir ver ou me mover, estava completamente à mercê dele.
Isso deveria me apavorar, mas meu marido já havia me amarrado antes e as
sensações foram indescritivelmente boas.
Sua boca retomou o caminho da minha orelha, mordiscou o lóbulo e
soprou um ar quente que provocou um calafrio, que me varreu do topo da
minha cabeça à ponta dos meus pés. Com os olhos vendados, era como se
cada carícia que ele fazia em mim tivesse o dobro ou o triplo de efeito. A
pulsação entre as minhas pernas se tornou frenética e eu esfreguei as coxas
na lateral do corpo do meu marido, na intenção de amenizar a agonia, mas só
acabei piorando tudo.
Senti-o libertar meus pulsos quando suas mãos foram até a minha
cintura e puxaram a minha blusa para cima. Ainda vendada, me contorci na
cama, ajudando-o a tirar a minha roupa. Quando Theo parou, a única coisa
que eu conseguia sentir me cobrindo era a fina calcinha.
Ouvi os rangidos da cama e percebi que ele estava se movendo,
tirando a roupa, talvez... Ao mesmo tempo em que era delicioso estar com os
olhos vendados, havia uma enorme aflição por não poder ver o que estava
acontecendo.
— Theo... — Tentei puxar a gravata novamente, mas ele segurou meu
pulso outra vez.
— Ainda não — falou firme, num tom autoritário.
Puxou a minha mão para frente até que meus dedos sentiram algo
firme, com veias sobressalentes, e pulsante.
— Isso é...?
— Pega — instigou-me. — Toca e descobre.
Escorreguei a mão pela extensão até tocar a ponta, e meu rosto ardeu
de vergonha. Por um momento, fiquei contente por estar vendada e não poder
ver a expressão dele, por conta da minha timidez. Continuei a explorar e
senti que era esponjoso, liso e havia um pequeno orifício no centro, que
lubrificou os meus dedos.
Quando o Theo me puxou, fazendo com que eu me sentasse na cama e
tirou a gravata que usava como venda, não foi uma surpresa quando percebi
que seu membro estava entre os meus dedos.
— Chega o rosto mais perto. — Puxou o meu queixo e o deixou a
milímetros do seu pênis.
Ofeguei quando a minha vergonha se tornou ainda maior. O que ele
pretendia?
Continuei contornando-o e tocando-o, ainda que a minha mão
estivesse trêmula. Estava tomada por um misto de acanhamento, desconcerto,
mas, ao mesmo tempo, excitação e curiosidade por tocá-lo tão intimamente.
— Abre a boca e me coloca dentro. — Sua voz rouca era tão sexy
que quase não me fez sentir vergonha diante daquela ordem.
— Vai ser bom? — Busquei seus olhos, acanhada.
— Não é quando eu faço com você? — Seu olhar sobre mim era
firme e, diante dele, parecia impossível negar qualquer coisa.
Balancei a cabeça, fazendo que sim.
— Então vem. — Puxou o meu queixo e fez com que os meus lábios
encontrassem a ponta do seu membro. — Chupa.
Eu abri a boca e permiti que ele escorregasse pela minha língua.
Envolvi-o com os lábios e Theo gemeu, acariciando o meu cabelo enquanto
segurava a minha cabeça, para que eu continuasse imóvel enquanto ele mexia
o quadril para frente e para trás, ensinando-me como fazer. Logo entrei no
seu ritmo e Theo deixou que eu guiasse os movimentos.
A pulsação no meu sexo ficou frenética. Era como se ele estivesse
sentindo ciúmes da atenção dada para a minha boca.
— Isso! — Ele gemeu.
Envolvi-o com as mãos e aumentei o ritmo, descobrindo uma nova
forma de fazê-lo sentir prazer.
De repente, Theo empurrou a minha cabeça para trás e eu fiquei sem
entender, até que ele me puxou para o centro da cama, deitando-me
novamente, e tirou a minha calcinha molhada. Mínimos segundos se
passaram desde que tinha deixado a minha boca e me penetrou.
Soltei um gritinho com o tranco firme e agarrei seus ombros,
fincando as unhas na sua pele enquanto era completamente dominada pelas
sensações do vai e vem dentro de mim. Theo mordeu minha orelha, beijou
meus lábios, o meu pescoço e meus seios. Em meios as carícias o meu
prazer só ia crescendo.
Ele nos girou na cama e me fez ficar por cima. Por puro instinto,
coloquei as mãos sobre o seu peito, sentindo os fios de cabelo que o
cobriam, e rebolei com mais intensidade. Meu marido agarrou o meu quadril
e me fez quicar até que sentisse seu líquido me preencher, mas não parei de
me mover até que me juntasse a ele.
Ofegante, com meus seios se movendo em frenesi, tombei sobre o
peito dele e Theo acariciou o meu cabelo.
— O Marco estava certo.
— Sobre o quê?
— Quando disse que o casamento me faria bem.
— Você acha?
— Tenho mais certeza a cada dia. — Beijou-me carinhosamente.
Ficamos deitados na cama por mais alguns minutos, recuperando-nos
do estopim do clímax, até que decidimos nos levantar para tomar um banho e
nos vestir. O meu ferimento acabou sangrando durante o ato, mas não deixei
o meu marido preocupado, apenas troquei o curativo.
Por mais que a minha vontade fosse prendê-lo no quarto comigo o
dia todo, sabia que o Theo tinha coisas importantes a fazer.
Minha mente estava fervilhando e eu pensava em um jeito de ajudá-lo
também. Por menor que fosse o meu conhecimento, queria aprender a ser
mais útil.
Quando ele e os irmãos saíram, fui procurar a Laís pela casa e a
encontrei na biblioteca com a Rosimeire. Elas estavam observando um velho
álbum de fotografias.
— Oi! — Parei na porta, perguntando-me se poderia ou não entrar.
— Encontrei um álbum empoeirado do meu casamento — disse
Rosimeire. — Quer ver?
Balancei a cabeça em afirmativa e cheguei mais perto delas,
sentando-me do outro lado da minha sogra.
— Como está o Dante? — indaguei a Laís.
— Dormiu, finalmente. — Respirou aliviada ao me mostrar a tela da
babá eletrônica.
— O Theo tem os olhos do Lorenzo. — Apontei para uma das fotos
do homem no álbum.
— Sim, mas foi o Marco quem herdou a postura.
— Deve ser porque ele herdou a função. Coisa de chefe. — Laís deu
de ombros.
— Mas foi o Mateo quem herdou o bom humor.
— Ele era divertido? — Laís e eu perguntamos juntas.
— Principalmente quando estávamos sozinhos. — Rosimeire riu e
suas bochechas coraram.
— Eu gostaria de tê-lo conhecido. — Laís colocou a mão sobre o
ombro da sogra.
— Sinto muito. — Mexi na barra do meu vestido, inquieta.
— Não é culpa sua, filha. — Rosimeire segurou a minha mão e sorriu
para mim.
— Ele estaria vivo, e o meu irmão também, se o Tiago houvesse me
entregue ao Leonel.
— Por Deus! Como Leonel poderia ser tão baixo ao ponto de fazer o
Tiago tomar essa decisão? Você era só uma criança, Tatiane. Por mais que eu
odeie a escolha que o seu irmão tomou, não posso culpá-lo por tê-la feito. A
família é tudo para nós. Talvez ele pudesse ter agido de uma forma diferente,
mas nunca entregado você para o Leonel.
— Ele é um doente por querer a Tatiane desse jeito. — Laís
balançou a cabeça em negativa.
— Mais de dez anos se passaram, e ele continuou te querendo.
Pensar nisso, me faz ter ainda mais nojo desse homem. — Rosimeire cerrou
os dentes, com uma expressão cheia de fúria.
— Ele me quer. — Dei um salto do sofá.
— Calma, Tatiane! Você está segura. — Minha sogra estendeu a mão
para que eu me sentasse no sofá vermelho ao lado dela novamente, mas eu
fiz que não. — Confie no meu filho, ele não vai deixar que você seja ferida
novamente.
— Confio no Theo, mas não é isso.
— Então o que é? — Laís franziu o cenho.
— Tenho uma ideia.
Capítulo trinta e oito

Voltei para casa no início da noite, após passar a tarde cuidando da


distribuição da droga que havíamos recebido dos latinos, através do porto
controlado pela família da Laís. Esperava que o trabalho burocrático me
ajudasse a lidar com a ansiedade para colocar as mãos no meu tio, mas eu
não consegui parar de pensar nisso por um único minuto. Isso estava
afetando a minha concentração. Além da raiva que sentia dele pelo que fez a
minha esposa, saber que ele estava solto por aí significava que a busca de
dez anos não servira para nada, e eu havia voltado para a estaca zero.
Aquele porco era escorregadio, e com os aliados que tinha do outro
lado do oceano, parecia inalcançável.
Entrei na sala na companhia do Marco e me surpreendi ao ver o
Mateo, minha mãe e nossas esposas reunidos.
— O que está acontecendo? — Cruzei os braços e alternei o meu
olhar por cada um deles, indo do meu irmão, de pé ao lado do sofá, para as
três mulheres acomodadas no móvel, que me encaravam com a mesma
intensidade.
— Eu tive uma ideia — disse Tatiane, atraindo a minha atenção e a
do Marco.
— Ideia? — Franzi o cenho.
— Eu acho que pode dar certo — começou o Mateo.
— Que ideia? — O questionamento dessa vez veio do mais velho,
que tinha uma expressão tão confusa quanto a minha.
— O Leonel me quer, ele sempre me quis. E se vocês me entregarem
para ele?
— O quê? — Balancei a cabeça para ter certeza de que havia ouvido
direito. — Você ficou louca?
— Theo, pode ser o jeito mais fácil de atrair o nosso tio até nós. —
Mateo deu um passo na minha direção, mas recuou quando rosnei para ele.
— Usando a minha esposa como isca?
— Foi ela quem sugeriu.
— E você é ainda mais idiota por cogitar concordar com uma coisa
dessas. Vocês podem até não lembrar, mas eu me recordo disso muito bem. A
Tatiane ficou alguns minutos na companhia dele e foi o suficiente para que
Leonel quase a estuprasse e matasse.
— Eu vou estar mais preparada dessa vez.
— Não! — gritei, fazendo com que ela recuasse no sofá, e minha mãe
a abraçou. — Não é possível que vocês tenham concordado com uma
loucura dessas.
— Volte para os seus computadores, Mateo — ordenou o Marco. —
Nós não vamos usar a Tatiane como isca.
Passei por eles bufando como um touro e subi para o segundo andar.
Meu irmão mais velho veio atrás de mim, mas só parei quando a sua mão no
meu ombro fez com que me girasse para encará-lo.
— Se foi o Mateo quem deu essa ideia estúpida, juro que mato ele.
— Calma, irmão.
— Para o caralho você com essa sua calma! Você entregaria a Laís
nas mãos da Donatella?
Marco não respondeu, apenas engoliu em seco e foi o suficiente para
que eu tivesse certeza de que não.
— Pode levar cinquenta anos para que eu estoure a cabeça do nosso
tio, mas em hipótese nenhuma vou colocar a Tatiane em risco.
— Eu entendo.
— Que bom. — Passei a mão pelo meu cabelo curto, empurrando-o
para trás. — Assunto encerrado.
Fui para o meu quarto e segui direto para o chuveiro, entrando
debaixo do jato d’água com roupa e tudo. Só de pensar nas complicações
daquilo, o meu corpo se retorcia de dentro para fora. Eu sempre gostei da
adrenalina, vivia me arriscando, mas tudo havia mudado, com a Tatiane era
diferente.
— Theo, escuta... — Ela apareceu na porta do banheiro e ficou
olhando para mim.
— Escuta você. Se ele a tocar de novo, não me responsabilizo pelo
que pode acontecer. Marco não quer uma guerra com os americanos. Então
fique bem quietinha aqui, fique segura.
— Quero fazer algo. — Ela esfregou os braços e a sua aflição só me
deixou ainda mais angustiado.
— Se mantenha em segurança. É tudo com o que você precisa se
preocupar. — Me despi da roupa molhada e a joguei no chão.
— Não é só pelo seu pai, mas pelo meu irmão também.
— Eu vou matar ele. Só confia em mim.
Ela entrou no chuveiro e me abraçou, apertando o meu tórax com
força, e isso fez com que o meu coração desacelerasse.
— Sinto que preciso ajudar.
— Fique segura, amor. É como pode me ajudar. Deixe a vingança
comigo e com os meus irmãos. Vamos resolver isso.
Ela assentiu e eu a beijei no topo da cabeça. Segurei o seu cabelo
molhado e fiz com que ela se acomodasse nos meus braços. Ficamos assim
por longos minutos e me convenci que minha esposa ficaria bem.
Capítulo trinta e nove

Os dias se passaram e o Mateo não conseguiu uma localização


específica do Leonel. Todos estavam aflitos em relação a isso,
principalmente eu. Não voltei a falar com o Theo sobre a minha vontade de
atrair o tio dele até nós, para que conseguíssemos pegá-lo.
Durante esse período, eu não fiquei exatamente esperando o tempo
passar. Pensei em outras formas de ser útil e pedi ajuda. Quando os homens
não estavam em casa, escapava com a minha cunhada para um velho galpão
no jardim e ela me ensinou a atirar. Com a ajuda de alguns dos soldados,
aprendi a bater e a matar, se fosse precioso. Ainda que não servisse para
nada, teria sido muito útil ter aprendido tudo aquilo antes do Leonel me
atacar no banheiro. Ele jamais teria encostado em mim se eu soubesse me
defender.
As novas habilidades me deram um pouco mais de confiança e, quase
um mês depois, sem um local exato do paradeiro de Leonel, estava
começando a ficar inquieta novamente.
Estava sentada na sala de estar quando ouvi o som da porta sendo
aberta. Imaginei que pudesse ser o Theo, ou mesmo o Marco, mas me
surpreendi ao ver o Mateo.
— Boa tarde! — Acenou para mim antes de pisar no primeiro degrau
da escada.
— Mateo, espera! — Corri até ele, que ficou parado, esperando a
minha aproximação.
— O que foi?
— Achou o Leonel?
— Algumas pistas de onde ele pode estar, mas nada muito concreto,
é como se ele conseguisse encobrir todos os seus rastros.
— Me manda para os Estados Unidos.
— Ficou louca?! Meu irmão me mataria só de pensar que eu
colocaria você em risco. Posso ter apoiado a sua ideia antes, mas pensando
melhor, percebo o quanto ela é estúpida.
— Leonel não vai me matar.
— Como se ele já não tivesse tentado fazer isso antes. — Mateo
torceu os lábios, me reprendendo.
Fiquei irritada, pois na primeira vez que eu havia contado para ele
sobre a minha ideia, o meu cunhado havia me apoiado, mas agora estava
contra mim. Contudo, tentei disfarçar, pois ainda precisava trazê-lo para o
meu lado.
— Se o Leonel quisesse mesmo me matar, ele não teria enfiado a
faca na minha coxa. Na minha jugular não teria erro. Ele só me machucou
porque precisava que o Theo desse atenção para mim, e isso permitiu que
ele fugisse.
— Está passando tempo demais com a minha mãe. — Bufou.
— Sei que consegue me mandar para lá e atrair o Leonel para me
encontrar. Pode fazer com que ele saiba que estou em solo americano e que
vá atrás de mim, como uma mariposa perseguindo a luz.
— Acha que ele não vai sacar que é uma armadilha logo de cara?
Meu irmão jamais deixaria a esposinha solta por aí, sem proteção.
— Podemos criar um plano. Você pode espalhar um boato de que eu
e o Theo tivemos uma discussão feia e eu fugi.
— Discussão feia vocês terão se você fizer algo assim.
— Tem ideia melhor?
— Me deixa continuar procurando.
— Até quando?
— Eu não sei.
— Mateo, por favor. Vamos tentar, pelo seu pai... Pelo meu irmão
também. Além disso, quanto tempo você acha que vai demorar para que o
Theo viaje para a América para resolver o problema do jeito dele?
— Estava contando que, com a sua ajuda, ele não fosse fazer isso.
— Sei que está preocupado com o seu irmão, eu também. Isso
poderia parecer impossível quando cheguei nessa casa, mas eu o amo.
— O que acha que ele fará quando descobrir que eu a ajudei nesse
plano maluco?
— Irá atrás de mim. E estou contando com isso. Mateo, por favor...
— As chances de dar merda são muito altas.
— Não se você me proteger, e eu tenho certeza que pode fazer isso.
Você é um Bellucci.
— Precisamos de um plano.
Acenei a cabeça em afirmativa e segui o caçula.
Mateo ligou para o responsável da sua equipe de informática
enquanto eu preparava uma mala rápida com tudo o que achei que fosse
necessário para passar alguns dias fora do país, incluindo, claro, o meu
passaporte. Esperava que o meu inglês, que eu não praticava há um tempo,
fosse o suficiente para que me virasse no país por alguns dias.
Precisamos ser bem rápidos para providenciar tudo antes que o Theo
chegasse com o Marco. Sabia que o meu marido ficaria muito irritado
quando soubesse que eu havia insistido naquele plano, mas, se tudo corresse
como planejado, eu logo estaria de volta para os seus braços e o Leonel, no
fundo de uma cova rasa, onde merecia estar.
Mateo me colocou em um voo comercial para Nova York, na
companhia de quatro de seus homens, que se misturaram entre os demais
passageiros, para que não ficasse tão óbvio que estavam me protegendo.
Quando me acomodei no banco do avião, respirei fundo e olhei de
um lado para o outro. Lembrei da Laís dizendo o quanto eu era corajosa e da
Rosimeire me lembrando de todas as possíveis complicações daquele plano.
Se o Leonel colocasse as mãos em mim, poderia fazer algo muito pior do
que apenas me matar, porém tentei afastar isso da minha mente.
Pelo Tiago, e por mim mesma, aquele homem pagaria por tudo o que
nos fez.
Capítulo quarenta

— Tati! — Abri a porta do quarto e não encontrei a minha esposa.


Fui até a biblioteca e não havia nenhum sinal dela ali. Senti um
aperto estranho no peito algumas horas antes de voltar para casa, mas estava
achando que pudesse não ser nada. Contudo, essa aflição aumentou quando
não a vi nos primeiros minutos em que cheguei na mansão. Não deveria ter
voltado para casa tão tarde, ainda que a cobrança dos chefes locais da
cidade houvesse demorado um pouco mais do que eu gostaria.
— Laís, minha esposa está com você? — Abri a porta do quarto do
meu irmão sem nem mesmo bater antes e me deparei com a minha cunhada
sentada no seu colo, beijando-o, e pela forma como ela estava encaixada
nele, presumi que, apesar do vestido a cobrindo, estavam fazendo bem mais
do que se beijar, mas não fiquei olhando para ter certeza. Era o suficiente
para saber que a Tatiane não estava naquele quarto.
— O que foi, meu filho? — questionou a minha mãe ao me ver
caminhando de um lado para o outro no corredor após verificar a biblioteca.
A minha aflição estava aumentando e só iria cessar quando eu a abraçasse.
— Onde está a Tatiane?
— Filho, eu preciso que você respire um pouco.
— O que você sabe, mãe?
— Tatiane está a caminho dos Estados Unidos, saiu há umas quatro
horas. — A resposta veio do Mateo, que estava parado no início do corredor
com as mãos dentro dos bolsos.
— Como assim? — Eu tremi de raiva e cerrei os punhos.
— Ela é bem insistente.
— Você a mandou direto para ele? — Urrei com uma raiva que não
cabia dentro de mim. Mateo era meu irmão mais novo e, na maior parte do
tempo, eu fazia de tudo por ele. Jamais me imaginei virando-me contra o meu
próprio sangue, mas a situação era um extremo.
— Espera irmão, temos um plano.
— Vocês têm um plano? — Comecei a rir de nervoso, mas logo a
fúria tomou conta de mim novamente e fui para cima dele. Andava
desequilibrado nos últimos dias e aquilo foi o estopim. — Vocês têm o
caralho de um plano? — Acertei um soco com toda a minha força no rosto
do meu irmão e ele cambaleou para trás, massageando a bochecha.
— Theo, calma! — Minha mãe tentou me segurar para que eu não
batesse no caçula outra vez.
— Calma porra nenhuma! Se a Tatiane morrer, é culpa dele.
— Eu também sabia. — A revelação da minha mãe foi o suficiente
para que eu recuasse um passo.
— Ela não tem culpa do que aconteceu com o meu pai. — Balancei a
cabeça, confuso. A aflição que sentia era tão grande que parecia até difícil
manter a cabeça no lugar.
— Eu sei, querido.
— Então por que a deixou ir?
— Para que você possa fazer o Leonel pagar de uma vez por todas
por tudo o que aconteceu.
— Pega o nosso avião e vai para os Estados Unidos. — Marco abriu
a porta e seu olhar veio diretamente para mim.
— Você também sabia? — Mostrei os dentes para ele.
— Não, mas a Laís acabou de me contar. Se os americanos
questionarem sua presença no território deles, vamos dizer que foi atrás da
sua esposa fujona, sem nenhum outro motivo ligado a assuntos da máfia.
Espero que eles engulam. Porém, se não conseguir matar o Leonel, apenas
traga a sua esposa de volta. Ela é a prioridade, irmão.
Balancei a cabeça em afirmativa e voltei a rosnar para o Mateo
quando nos encaramos. Iria levar um tempo para que eu perdoasse o meu
irmão mais novo.
— Já deixei tudo preparado para você partir. O avião está pronto na
pista particular do aeroporto. O voo sai em meia hora. Quando chegar nos
Estados Unidos, um contrabandista, que não está vinculado à máfia local, vai
encontrar com você para fornecer armas e munição. Eu pensei em tudo,
irmão. Tenha um pouco de calma. — Mateo veio na minha direção e eu
voltei a rosnar.
— Quer que eu faça o que, te agradeça?
— Vá atrás dela, Theo. — Minha mãe colocou a mão sobre o meu
ombro e eu me desvencilhei.
Estava muito puto com todos eles por terem permitido que a Tatiane
saísse daquela casa sem a minha autorização. Contudo, não tinha tempo para
destilar a minha raiva, pois precisava remediar a atitude estúpida da minha
esposa antes que fosse tarde demais.
Chamei Romulo e mais alguns dos meus melhores homens e fui para
o aeroporto o mais rápido possível. Esperava chegar antes que o Leonel
encostasse um dedo na minha esposa, pois se algo acontecesse com ela, eu
faria muito mais do que não perdoar o meu irmão mais novo.
Capítulo quarenta e um

Eu nunca havia ido até tão longe. Teria sido uma viagem incrível, por
conhecer um país tão distante de casa, se as circunstâncias fossem outras.
Se eu estava com medo? Muito! Estava tremendo por dentro e
evitava pensar nas coisas ruins que poderiam me acontecer, que me
apavoravam mais ainda. Enquanto estava sentada no avião, nem consegui
dormir, pois todas as vezes que fechava os meus olhos, minha mente me
levava de volta a imagens do que havia acontecido no banheiro do clube
durante a festa oferecida pela Ângela. Só de pensar que o Leonel teria a
possibilidade de abusar de mim novamente, o pavor crescia pelas minhas
veias e se enraizava no meu coração.
Havia repetido a mim mesma, milhares de vezes, que tudo daria
certo. Atrairia o monstro até mim e, no momento certo, o Theo apareceria
para matá-lo. Mas e se não funcionasse, e se o meu marido não viesse atrás
de mim ou se não chegasse a tempo? As chances do meu plano não darem
certo estavam começando a crescer diante dos meus olhos e o pavor ia
subindo na mesma proporção.
Quando chegamos no aeroporto, os homens do Mateo, que sempre
estavam por perto, orientaram-me como proceder em cada passo, desde
pegar a minha bagagem até apresentar o meu passaporte na alfândega. Tinha
muito mais burocracia para se sair da Europa do que eu imaginava, mas os
homens me mantiveram tranquila. Eu, sendo esposa de um homem influente e
rico da Itália, segundo eles, era fácil entrar em qualquer lugar.
Do aeroporto, fomos para um hotel que ficava em Manhattan.
Cochilei por pouco mais de uma hora antes do dia raiar e, quando me
levantei, encontrei os homens do Mateo na sala de estar da suíte, mexendo
em seus computadores.
— Não posso perder muito tempo. — Aproximei-me de um deles. —
O Theo já está a caminho?
— O senhor Mateo nos afirmou que ele deixou a Itália poucas horas
depois da senhora. Ele deve estar aqui dentro de umas três horas.
— Então esse é o tempo que eu tenho para encontrar o Leonel.
O homem assentiu e se levantou, vindo até mim.
— Tem certeza que quer fazer isso?
— Tenho, sim. —Balancei a cabeça em afirmativa.
— Vamos estar de olho na senhora o tempo todo, mas isso não
significa que deixará de ser muito arriscado.
— Sinto que preciso fazer isso — disse convicta, e homem não falou
mais nada para tentar me dissuadir.
Olhei para além da janela da sala e vi os raios de sol que passavam
pelos arranha-céus antes de atingir o cômodo. Havia ido para muito longe de
casa e era impossível não ter dúvidas se chegaria em segurança. Era mais
fácil parar de sentir medo quando eu não pensava em mim e focava na minha
missão.
— Senhora? — A voz do homem diante de mim me fez voltar a fitá-
lo.
— Sim, Cristian.
— Mastigue isso. — Ele me estendeu algo similar a um chiclete.
— O que é isso? — Analisei o tal chiclete na palma da sua mão com
receio de pegar.
— É um nanorastreador. É para garantir que possamos saber onde a
senhora está o tempo todo. Ele emite sinais de baixa frequência e é
indetectável. Em resumo, não irão saber que a senhora o está usando.
— Mas vai ficar dentro de mim? No meu corpo? — Arregalei os
olhos, ainda mais chocada.
— Não se preocupe. Não é nocivo a saúde e vai se prender ao seu
dente. Eu vou tirá-lo com uma pinça depois.
— Tudo bem! — Prendi a respiração, para soltá-la com força logo
em seguida, antes de pegar a pastilha e mastigá-la.
— Para todos os efeitos, a senhora está aqui sozinha. Fugiu do seu
marido. Então evitaremos sermos vistos juntos, mas vamos ficar bem atentos,
o tempo todo. Invadimos o sistema de câmeras do hotel e temos olhos em
todos os lugares, com exceção dos quartos, mas, com esse rastreador,
sempre saberemos onde a senhora está. Também quero que troque os seus
brincos por esses daqui. — Cristian me entregou uma caixinha com um par
de brincos que pareciam simples diamantes.
— O que tem neles?
— Microcâmeras.
— Vocês são bons nisso. — Sorri ao trocar os meus brincos pelos os
que ele havia me dado.
— Os mais tradicionais ainda nos menosprezam. — Deu de ombros e
eu fiquei sem saber se estava se referindo ao meu marido ou a outros homens
da máfia.
— Agora vou descer para tomar café.
— Já espalhamos boatos pela cidade que a senhora está aqui, então é
provável que o Leonel apareça.
— Ou qualquer outro inimigo dos Bellucci. — Mordi o lábio,
receosa, mas já era tarde demais para voltar atrás.
— Vamos contar que ele seja o único ingênuo o bastante para correr
o risco de desafiar os Bellucci. Pertence a uma família muito poderosa,
senhora. Qualquer um com um pouco de inteligência não ousaria se
aproximar e atrair a atenção do seu marido.
— Vamos contar com isso. — Abri um sorriso amarelo.
Peguei a minha bolsa e ajeitei o meu cabelo antes de descer para o
restaurante do hotel. Apesar de não ter comido nada desde que deixara a
mansão dos Bellucci, estava sem fome. Contudo, era mais do que
simplesmente tomar café da manhã, precisava me mostrar.
Não podia negar que o meu marido estava certo. Era perigoso. Theo
se importava comigo ao ponto de não me deixar colocar meu plano em
prática. Contudo, eu acreditava que, se tudo desse certo, eu vingaria o meu
irmão e ainda mostraria ao meu marido que merecia um voto de confiança.
Segui pelo corredor até o elevador. Havia muitas portas e todas
estavam fechadas. Era um hotel muito bonito e sofisticado, digno de uma
princesa da Itália, uma pena que eu não iria poder aproveitá-lo como uma
turista comum faria.
Cheguei ao andar do restaurante seguindo as placas indicativas.
Sentei-me em uma mesa vazia, pendurei a minha bolsa em uma cadeira e fui
me servir do grande banquete que estava à disposição dos hóspedes. Apesar
de toda aflição, naquele momento senti muita fome, talvez por ter visto
aquela mesa farta. Peguei frutas, pães e um pedaço de bolo antes de voltar
para a mesa.
— Eu posso ajudá-la em alguma coisa, senhora? — Um garçom
parou ao lado da mesa, chamando a minha atenção.
— Por favor, eu gostaria de um copo de leite.
— Vou providenciar.
— Obrigada.
Ele se afastou e voltei a comer sem demonstrar preocupação, ao
menos foi a impressão que tentei passar.
Logo o garçom trouxe para mim o leite e eu terminei o meu café da
manhã. Ora ou outra, eu olhava para as pessoas no local e elas para mim.
Ninguém parecia suspeito, e também cheguei à conclusão que não iriam me
encontrar caso eu ficasse ali esperando.
— Obrigada pelo café! — Sorri para o garçom que assentiu para
mim antes que deixasse o restaurante.
Voltei ao quarto para avisar Cristian e os outros homens que eu iria
andar pelo quarteirão, conhecer a cidade, ou simplesmente transitar por aí,
tentando chamar a atenção, na esperança de que Leonel e seus homens
viessem atrás de mim.
E se não viessem? Tentei afastar aquele pensamento, ainda que ele
fosse uma possibilidade.
Eu poderia conseguir capturar o responsável pela desgraça do meu
irmão ou poderia ter desafiado o meu marido para vir a outro país por nada.
Saí do hotel, observando tudo na rua com curiosidade, como uma
verdadeira turista. A arquitetura era tão diferente da que eu via pela Itália
que prendia a minha atenção com muita facilidade. De repente, avistei o
Central Park. Esquecendo-me do real objetivo de estar ali, parei em um
sinal, esperando que ele fechasse para que fosse até lá.
Sempre me encantei com a imagem do parque nos muitos filmes
americanos que assisti. Era uma oportunidade de vê-lo de perto. Se o plano
não funcionasse, quando o Theo se encontrasse comigo, se não estivesse
muito irritado, o que eu duvidava, poderíamos conhecer os principais pontos
turísticos da cidade.
O sinal abriu e dei um passo para avançar pela faixa de pedestre,
mas antes que eu conseguisse atravessar a rua, senti uma mão agarrando o
meu braço. Virei-me para trás, a fim de empurrar quem quer que fosse,
porém, antes que eu visse o rosto de quem me segurava, senti um pano
branco sendo pressionado contra o meu nariz e tudo ficou escuro.
Capítulo quarenta e dois

Deixei Roma com a roupa do corpo ao correr o mais rápido possível


para o aeroporto. O avião partiu rumo aos Estados Unidos assim que eu
entrei nele. Não me recordava de me sentir tão aflito na vida.
Tola... Irresponsável... Xinguei a minha esposa mentalmente durante
toda a viagem. Será que Tatiane possuía alguma ideia do tamanho dos riscos
que havia atraído para si mesma? Sentia vontade de chacoalhá-la, brigar
com ela, mas, ao mesmo tempo, de envolvê-la nos meus braços para não
soltar nunca mais, e impedir que tomasse outra vez uma atitude tão estúpida
quanto essa.
Assim que eu e meus homens pousamos em solo americano,
encontramos um carro já esperando por nós. Não conseguia parar de olhar
no relógio. Era como se a cada minuto que Tatiane estivesse longe de mim,
fosse o tempo que Leonel precisava para matá-la.
— Ela ficará bem, senhor. — Romulo repetiu isso por diversas
vezes. Eu o tinha como amigo, mas aquele não era o momento de dizer frases
vazias, pois não havia ninguém que pudesse me garantir aquilo.
Paramos em um velho galpão em um porto, que ficava a poucos
quilômetros do aeroporto em que desembarcamos, e o homem que Mateo
havia indicado estava lá esperando por nós, com armas o suficiente para
invadirmos a Casa Branca. Assim que elas foram postas no carro, nós
seguimos para o hotel onde meu irmão me informou que a minha esposa
estaria.
Tudo o que eu mais queria era chegar até lá e encontrar a Tatiane
dormindo no quarto em segurança, mas algo dentro de mim me alertava de
que não seria assim tão simples.
O veículo em que estávamos contornou o Central Park e virou numa
esquina. Eu observava atentamente a janela esperando ver qualquer coisa
suspeita. Ainda era bem cedo, mal passava das sete horas da manhã no
horário local, mas as ruas estavam cheias de nova-iorquinos correndo de um
lado para o outro, como se todos estivessem atrasados.
Então o carro parou em um sinal e rosnei por algo tão trivial me
atrasar alguns minutos. Olhei através da janela e surpreendi-me com a
imagem da mulher que atravessava a rua na faixa de pedestres.
Tatiane...
Parecia tão impossível vê-la assim sozinha e desprotegida que quase
imaginei que fosse coisa da minha cabeça. Contudo, quando um homem se
aproximou por trás e puxou-a pelo braço, tive certeza de que era a minha
esposa.
Abri a porta do carro sem pensar duas vezes e quase acertei um
motoqueiro, que saiu resmungando e buzinando. Não dei qualquer
importância a ele e corri para chegar até o outro lado da rua e vi quando
Tatiane pareceu perdeu os sentidos e foi segurada pelo sujeito.
Meus homens vieram atrás de mim, restando dentro do carro apenas
aquele que estava dirigindo o veículo.
— Solta a minha esposa — gritei.
Ele não deu qualquer importância a minha ordem e a jogou no ombro,
como se fosse um saco de batatas.
Corri na direção dele, mas antes que eu o alcançasse, outros caras
apareceram na minha frente. Um tentou desferir um soco contra o meu rosto e
eu precisei mover a cabeça para trás a fim de evitar que me atingisse. Não
consegui voltar a correr, pois um segundo homem acertou um chute em cheio
a minha barriga.
Enquanto eu lutava contra dois, meus homens lidavam com outros
três e Romulo seguiu correndo atrás da minha esposa.
Com a fúria pulsando em minhas veias, dei dois passos para trás e
revidei, disposto a matá-los com as minhas próprias mãos se fosse preciso.
Um soco atingiu a palma da minha mão e eu puxei o braço do agressor,
fazendo-o perder o equilíbrio e cair de cara no chão. O outro tentou ser mais
esperto e me dar uma rasteira, mas eu saltei e acertei um chute no seu rosto,
fazendo sua cabeça estalar ao ser jogada para cima, e ele cambaleou para
trás, completamente tonto.
O que estava caído se levantou e foi a minha vez de acertá-lo com um
soco no rosto que fez com que ele apagasse. O que havia restado em pé,
apontou uma arma na minha direção, mas antes que conseguisse atirar, tomei
a arma dele e acertei uma coronhada na sua cabeça, fazendo-o cair
desacordado. Minha vontade era atirar nos dois e acabar com eles de uma
vez por todas, porém a polícia logo chegaria e poderia dar um jeito neles
por mim.
— Tatiane! — gritei pela minha esposa e corri até a esquina.
Olhei de um lado para o outro, das ruas até a grade do Central Park.
Havia muitas pessoas indo de um lado para o outro, mas nenhuma delas era o
sujeito que carregava a minha esposa.
— Senhor? — Romulo parou ao meu lado tão ofegante quanto eu
estava.
— Para onde ela foi? — Passei a mão pelo cabelo, tentando conter o
enorme descontrole.
— Eu segui o homem que pegou ela, mas ele entrou em um carro e
sumiu de vista mais rápido do que consegui acompanhar.
Soquei as minhas coxas ao urrar de raiva.
Estava prestes a perguntar para o Romulo a direção que o carro
tomou e o modelo, como se fosse tarefa fácil rastreá-lo em uma cidade tão
grande e desconhecida como aquela. No entanto, antes que a pergunta saísse
da minha boca, meu telefone começou a tocar e por impulso eu atendi.
— Quem é?
— Cristian, da equipe de segurança do senhor Mateo. Estou enviando
para o seu celular as coordenadas de localização de sua esposa. O senhor só
precisa abrir o link.
— Como sabe onde minha mulher está?
— Dei um rastreador para ela. Nesse momento, está dentro de um
carro em movimento.
— Se algo acontecer com ela, eu vou matar todos vocês — ameacei
sem me preocupar se ele era aliado ou inimigo, pois também fazia parte dos
responsáveis por aquela ideia estúpida.
— Vá atrás dela, senhor — foi tudo o que ele disse antes de desligar
a chamada e, logo em seguida, o meu telefone vibrou ao receber as
coordenadas em tempo real da localização da minha esposa.
— O que faremos com eles? — perguntou um dos meus homens ao
apontar para os sujeitos desmaiados.
— Deixem que a polícia dê um jeito.
Puxei o Romulo pelo braço e nós, juntamente com os outros homens
da minha equipe, voltamos para o carro que estava nos aguardando na
esquina mais próxima.
Capítulo quarenta e três

Minha cabeça doía e o meu corpo estava mole. Abri os olhos com
dificuldade, enquanto as minhas pupilas se acostumavam com o ambiente.
Ouvia o som de algo ao fundo que parecia ser uma goteira, mas não
conseguia ter certeza.
Quando finalmente consegui abrir os meus olhos, percebi que estava
em uma cadeira, com os punhos presos um ao outro por com os punhos
presos um ao outro por uma fita adesiva forte, e novamente me lembrei
daqueles filmes americanos que assistia. Na minha frente, estava quem eu
desejava encontrar e não queria ao mesmo tempo, pois encará-lo tão de
perto, revivia muitas lembranças ruins as quais eu tentava evitar a todo
custo.
— Eu sabia que você iria vir até mim. — O sorriso de contentamento
que ele me deu era o suficiente para me provocar pesadelos.
— Senti saudades — menti em meio a um sorriso. Achei que fosse a
melhor forma de conduzir aquela conversa enquanto ganhava tempo.
— Verdade? — Ele riu.
— Sim. Por qual outro motivo acha que eu vim até aqui?
— Isso é algo que estou tentando descobrir. — Ele deu passos em
minha direção, acabando com a distância que havia entre nós dois e segurou
o meu queixo, levantando-o para que eu o encarasse.
— Eu e o Theo não estamos dando certo — prossegui com a minha
história inventada. — Acho que o Tiago pode ter tomado uma decisão ruim,
e o meu lugar sempre tenha sido ao seu lado.
— É o que você pensa?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Então o que o seu marido está fazendo em Nova York?
— Imagino que ele não me deixaria fugir tão fácil. Certamente, não
sou tão boa em fazer isso como você, já que desapareceu daquela festa em
Palermo e nunca mais foi visto.
— Tudo o que se precisa é de um plano e os contatos certos.
— Como você fez? — Tombei o meu corpo na direção dele,
demonstrando o meu total interesse, mas na verdade tudo o que queria era
ganhar tempo.
— Fui até a praia, peguei um barco, que me levou até a costa da
África, onde os irmãos não conseguiriam me rastrear. Depois, foi só acionar
um antigo contato que estava em Roma para que ele fosse me buscar.
— Parece que você é muito amigo dos americanos.
— Ao contrário dos meus sobrinhos, eles dão muito valor a minha
presença.
— Acho que vou gostar de viver aqui. A cidade é bonita. — Movi a
minha cabeça e observei a grande parede feita com vidro e metal.
O local onde estávamos ainda tinha o chão coberto apenas por
cimento e imaginei que fosse um prédio em construção ou abandonado. De
qualquer forma, deveria servir para assuntos da máfia americana.
— Não é tão antiga quanto Roma, mas também possui muitos
segredos. O centro do poder no mundo não está mais na Europa há muito
tempo.
Leonel respondia bem a cada uma das minhas interações, e isso
estava me deixando satisfeita. Quanto mais conseguisse o manter entretido,
de preferência com as mãos bem longe de mim, melhor.
— Por que não me solta? — Tentei mover os meus braços, mas eles
estavam bem presos. — Quero observar a vista. São tantos prédios altos
pela cidade...
— Acha que eu sou idiota, garota? — Ele gargalhou e eu recuei
contra o encosto, surpresa com a sua reação. Pensava que estava no controle
da situação, mas ficou bem claro que não era bem assim.
— Não. Você pode ser muitas coisas, mas não idiota. Mandou matar
o próprio irmão e fugiu dos sobrinhos.
— Então por que acha que eu confiaria em você? — Ele segurou o
meu rosto, apertando os polegares com força contra as minhas bochechas, o
suficiente para fazer doer.
— Não deveria confiar na mulher que quer ao seu lado? — Eu estava
jogando com ele e torcia para ser astuta o suficiente para não o deixar
perceber.
— Tem ciência do que está falando, menina?
— Não é isso que você quer? Me deseja desde que eu tinha quatorze
anos, mas primeiro o meu irmão impediu você, depois o meu marido.
— O que te fez vir aqui de verdade, garota? Não pense que eu sou
um imbecil.
— Eu sou uma princesa na Itália, mas imaginei que, com você e
nesse país enorme, eu pudesse ser uma rainha, sem estar na sombra da Laís.
— Você é muito mais ambiciosa do que eu imaginava.
— Não faz ideia do quanto. — A força que eu fazia para manter
aquele sorriso era descomunal.
Toda as vezes que Leonel se aproximava ou me tocava, o meu
estômago revirava e o meu coração batia mais forte. Lutava com as
lembranças dele tentando abusar de mim naquele banheiro, principalmente
porque o medo de que aquilo voltasse a acontecer era cada vez maior.
— Durante um tempo eu quis mandar na Itália. Matar o meu irmão e
manipular o meu sobrinho, até que ele entregasse o poder para mim, era o
meu plano, mas eu menosprezei o Marco, ele é mais esperto do que imaginei.
— Então você veio para cá.
— O meu plano era construir uma aliança para tomar a Itália na
força, mas ficar aqui se mostrou muito mais interessante. Por que ter só a
Itália se eu poderia estar à frente do país que manda no mundo inteiro?
— Esperto da sua parte, mas por que voltou para a Europa? Sua vida
estava feita aqui, não precisava se reaproximar dos seus sobrinhos.
— Quando soube que eles haviam matado o seu irmão, eu precisava
descobrir até onde eles sabiam.
Estava prestes a abrir a boca para insistir com a conversa quando o
som de disparos fez com que eu saltasse na cadeira e arregalasse os olhos.
Eram muitos tiros.
— O que está acontecendo?! — Arregalei os olhos, como se
estivesse em completa surpresa.
— Não sei.
Um homem se aproximou dele e sussurrou em seu ouvido. As rugas
na testa do velho se salientaram assim como seus dentes ficaram mais
cerrados. A expressão de fúria nos seus olhos era evidente.
— Como o trouxe até mim? — Ele avançou e agarrou o meu pescoço,
segurando abaixo do meu maxilar, o que me deixou sem fôlego.
— Eu não... não sei... — falei com dificuldade, com o meu ar sendo
drenado dos pulmões.
Era mentira, claro, eu sabia do rastreador que Cristian havia me
dado. Ele era o farol para que o meu marido me encontrasse.
— Vagabunda!
Impulsionei o meu corpo para trás, fazendo com que a cadeira
tombasse, antes que ele me fizesse perder os sentidos. Leonel acabou me
soltando para que não caísse junto comigo. O movimento brusco partiu a fita
que prendia meus pulsos, mas fiquei tonta quando a minha cabeça bateu no
chão.
— Não passa de uma prostituta como a sua mãe. Acha que é esperta
o bastante para me fazer cair em uma armadilha?
Eu não respondi, nem achei que fosse necessário. A verdade era que
ele havia caído na armação, como eu previra. A sua ânsia por mim era
grande o bastante para que o fizesse cometer um erro.
Capítulo quarenta e quatro

O sinal da Tatiane nos levou até uma construção inacabada no


subúrbio do Queens. Eu conhecia pouco daquela região, mas supus que era
ocupada por imigrantes, pelas feições das pessoas que vi pela rua.
— Mais rápido! — ordenava ao homem que estava dirigindo o carro
como se ele fosse capaz de passar por cima de todos os veículos na rua.
Por conta da minha ansiedade, parecia ter se passado uma
eternidade, mas o visor do meu celular contava apenas alguns minutos.
Assim que o carro parou alguns metros antes do endereço indicado,
abri a porta para descer, mas Romulo colocou a mão no meu braço e me fez
encará-lo.
— Mantenha a cabeça fria, senhor. Os dois precisam voltar vivos
para Roma.
Assenti e puxei a arma, checando se havia munição o suficiente nos
meus bolsos capaz de abrir um belo buraco em um blindado.
Desci e Romulo veio comigo. Nos escondemos atrás do automóvel
para observar o movimento e dar cobertura aos soldados que avançavam até
a entrada. Estávamos junto com os homens do meu irmão, que vieram em um
outro carro para nos dar apoio. Os dois que foram na frente se esgueiraram
até o portão de aço para colocarem explosivos.
Logo o metal explodiu diante dos meus olhos, nos dando livre
passagem. Fiz um gesto para que os homens prosseguissem e Romulo e eu
fomos atrás. Ao entrarmos, ainda havia uma névoa de poeira e detritos que
havia sido levantada pela explosão, e que serviu para nos esconder
parcialmente.
Ouvi o som dos primeiros tiros sendo disparados contra nós. Nos
escondemos atrás de containers e pilhas de aço, que estavam no canteiro de
obras, antes de disparar contra eles. Avistei um dos atiradores no segundo
andar da construção e rapidamente agi, o atingindo com tiros precisos, mas
outros três vieram na minha direção, furando o chão perto de onde eu estava
com uma rajada de balas. Por pouco não pegaram em mim.
Vi um dos meus homens ser abatido e isso me deixou ainda mais
irritado. Dei a volta no container que estava usando como escudo e atirei em
mais dois que estavam escondidos atrás de janelas no primeiro andar. Um foi
atingido no braço e o outro disparo apenas abriu um buraco na janela.
Romulo preparou um coquetel molotov e o jogou pelo buraco que eu
havia feito na janela antes que eu o reprendesse com o olhar e palavras.
— A minha esposa está lá dentro.
— Sei, senhor, mas precisamos entrar.
Observei o fogo crescendo por trás do vidro e precisei me conter
para manter o controle. Era difícil, quase impossível, ter frieza quando a
minha cabeça estava preocupada com o que encontraria dentro daquele
prédio.
Os tiros cessaram e alguns dos meus homens avançaram. Eles foram
surpreendidos por um inimigo, mas eu atirei na cabeça dele antes que ferisse
os meus soldados. Eles entraram na construção, sendo seguidos de perto por
Romulo e eu .
Voltei a ouvir disparos e me escondi em uma coluna. Havia pelo
menos uns quinze homens no andar debaixo, o que indicava que estávamos
em menor número. Leonel tinha bem mais força no novo mundo do que eu
imaginava, porém não éramos amadores.
Saí de trás de uma coluna por poucos segundos, tempo suficiente
para atingir dois homens que disparavam feito loucos contra nós. A cada um
que abatíamos, avançávamos mais para dentro da construção até que me
aproximei de uma escada.
— Vou subir. — Avisei ao Romulo.
— Eu cubro o senhor.
Subi no primeiro degrau da escada e um tiro passou perto, atingindo
a parede a centímetros de onde estava a minha cabeça. Para a minha sorte,
quando me esquivei para não ser atingido, a visão do atirador ficou clara e
Romulo o acertou.
Aproveitei a distração para subir a escada correndo e me deparei
com um sujeito parado no topo dela. Ele se virou para mim, mas coloquei a
arma que segurava na sua têmpora e saquei outra do meu coldre. Usando-o
como escudo, eu abati outros dois que estavam à vista.
— Theo! — ouvi a voz da minha esposa.
— Tatiane.
Olhei para o fundo do local e a vi sendo segurada pelo maldito do
meu tio com uma arma apontada contra a cabeça dela.
— É linda, uma pena que o rosto dela vai ficar...
Acertei um tiro na mão dele, desarmando-o. Leonel me menosprezou.
Talvez esses dez anos separados tivessem feito ele esquecer do quanto
minha mira era boa e que eu praticava com afinco para que ficasse cada vez
melhor.
Com o impacto, Tatiane cambaleou para frente parecendo um tanto
confusa, e eu aproveitei e corri até o meu tio. Segurei a gola da camisa dele
e o ergui no ar. Sua mão estava sangrando, devido ao buraco feito pela bala,
mas ele ainda ria com ar de deboche.
— Não faz ideia do que ela disse para mim! Estávamos nos
divertindo muito antes de você chegar. No fundo, você não passa de um
fraco, como o seu pai foi, Theo.
— Cala a boca! — Acertei sua mandíbula com tanta força que senti
os ossos cederem diante do impacto.
Dei mais um soco, seguido de outro, batendo nele com toda a minha
fúria, descontando a raiva acumulada pelo que havia feito ao meu pai e a
Tatiane. Ele estava se contendo para não demonstrar, mas estava evidente
pela sua expressão que estava sentindo dor.
— Theo... — Ouvi a voz da minha esposa e a vi apontar uma arma na
direção do Leonel.
Eu me levantei, deixando aquele corpo imundo, ensanguentado e
decrépito no chão. Então a encarei melhor e vi seus dedos trêmulos
destravarem a mesma arma com que fora ameaçada minutos antes.
— Isso é pelo Tiago! — Ela disparou, acertando o pescoço do
Leonel. — Isso é por mim. — O segundo tiro pegou na cabeça do meu
maldito tio e terminou de enviá-lo para o inferno.
Corri até a Tatiane e tirei a arma da sua mão. Ela tombou contra o
meu corpo e eu a segurei.
— A minha vontade era de matar você pela estupidez.
— Eu estou bem. — Minha mulher segurou o meu rosto e me encarou
com o olhar firme. Esperava encontrar pavor, mas tudo o que vi foi
determinação.
Ainda tomado pelo desespero e o medo de perdê-la, gritei:
— Você foi tola! Poderia ter provocado a própria morte.
— Mas deu certo.
Segurei-a pelo rosto e a fiz dar passos para trás até que fosse
amparada pela parede. Meu peito pressionou os seus seios e suas pupilas
dilataram, tingindo de negro o castanho dos seus olhos.
— Eu odiei pensar que ele estava com você. Odiei mais ainda a
possibilidade de que você poderia morrer, porque acho que boa parte de
mim morreria junto, e não quero passar por essa sensação outra vez.
— Não vai. — Havia um tom de promessa na sua voz, que me
acalentou minimamente.
Bati uma mão com força contra a parede e a outra mantive firme em
seu rosto enquanto exigia o meu direito aos seus lábios. Enfiei a minha
língua na sua boca buscando a sua com fome, fervor e uma ânsia
incontrolável.
Percebi que Tatiane tentou dizer algo, mas os meus lábios a
impediam de emitir qualquer som audível. Desci com a mão que estava na
parede pelos seus seios, escorregando até o seu ventre e abri o zíper da sua
calça jeans, enfiando os dedos dentro da sua calcinha.
— Theo! — protestou contra os meus lábios.
Elevei a minha boca e mordi o lóbulo da sua orelha, fazendo-a
estremecer.
— Quero você! Quero agora. — Minha voz estava entorpecida pela
urgência.
Tatiane voltou a me beijar enquanto eu tocava o seu clitóris por
dentro da calcinha, fazendo-a soltar gemidos baixos. Eu a provoquei,
estimulei, antes de virá-la de costas para mim e abaixar a sua calça na altura
das coxas, juntamente com a calcinha. Minha esposa se apoiou na parede
enquanto eu abria a minha braguilha tirando meu pênis da cueca, encaixando-
o nela. Não tive calma, não a preparei bem para o momento, mas deixei que
Tatiane sentisse todo o desespero que ela me fez passar enquanto eu metia
com força, arrancando dela gemidos cada vez mais altos.
Durou apenas alguns minutos, mas foi intenso. Urrei ao gozar,
sentindo todos os espasmos que se espalhavam pelo meu corpo aliviarem um
pouco do desespero que me dominava.
Tirei um lenço do bolso e o entreguei para que ela se limpasse.
Tatiane subiu a calça, mas antes que a fechasse, coloquei a mão dentro da
sua calcinha outra vez e a fiz gozar também.
— Não me deixa desse jeito outra vez. — Pressionei o meu
indicador contra os seus lábios enquanto ela ainda revirava os olhos.
Tatiane assentiu com a cabeça.
Assim que me afastei dela, encarei o corpo do meu tio, que estava de
olhos abertos, mas sem vida.
— Que o Tiago torture você dia e noite onde quer que tenha ido. —
Tatiane o chutou e cuspiu nele. Deixei que a minha esposa externasse a sua
raiva, o meu tio merecia todo o seu desprezo.
Romulo apareceu no andar e nos entreolhamos.
— Vamos sair daqui. — Segurei o ombro da minha esposa e a guiei
para fora do prédio, passando em meio aos corpos de muitos homens mortos.
Infelizmente eu havia perdido três dos nossos, mas Leonel pagou por cada
gota de sangue que havia derramado.
Se o inferno realmente existia, havia um lugar guardado para todos
nós, mas, principalmente, para ele.
Estávamos nos aproximando dos carros quando ouvimos o som de
pneus e dois veículos pretos nos cercaram. Empurrei a Tatiane para trás de
mim e toquei as minhas armas, destravando-as.
Uma das portas foi aberta e um homem desceu por ela. Era loiro, alto
e tinha uma tatuagem de asas no pescoço.
— Olá, italiano. — Ele me encarou com um sorriso.
— Lucian Lansky — murmurei o nome dele. Me lembrava de tê-lo
visto pessoalmente apenas uma vez, quando nós dois ainda éramos apenas
filhos dos chefes, mas imaginava que, depois de tanto tempo, ele tivesse nos
Estados Unidos o mesmo poder que o Marco tinha na Itália.
— Que belo estrago você fez aqui.
— Eu só vim buscar a minha esposa. Não quero problemas com você
ou com qualquer outro chefe americano.
— Imagino que não. Todos nós temos direito a vingança, não é
mesmo?
— Ele matou o meu pai.
— Justo.
— Estou voltando agora para a Itália e será como se eu nunca tivesse
pisado aqui.
— Não sei se nós dois vemos isso da mesma forma, mas Leonel era
um rato que traiu os seus. Acho que tenho que agradecê-lo por ter me livrado
de um problema.
— Que bom que concordamos com isso.
— O que acha de sairmos para tomar alguma coisa? Para nos
conhecermos melhor. Sua adorável esposa pode ir conosco.
— Lamento, mas tenho pressa em voltar para a Itália. Peço desculpas
por qualquer inconveniente, e aproveito para reforçar que nós queremos
manter a melhor relação possível com vocês.
— Igualmente. — Ele abriu um sorriso que eu não sabia se era
sincero ou se deveria ficar desconfiado. — Tenham uma boa viagem de
volta.
— Obrigado.
Romulo abriu a porta de trás do carro e indicou o banco para que
Tatiane entrasse. Ela se sentou, mas ficou olhando preocupada para mim. A
situação era tensa e minha esposa havia percebido isso.
— Você é bem-vindo na Itália quando quiser nos visitar. — Entrei no
carro, mas continuei o encarando através da janela.
— Agradeço o convite. Quem sabe um dia.
Assenti e fiz um gesto para que Romulo ligasse o carro e nos tirasse
dali.
— Quem era aquele cara? — Tatiane questionou-me.
— O chefe dos americanos.
— Temos que nos preocupar com ele?
— Eu espero que não.
— Acabou, Theo. Ele está morto. — Minha esposa acomodou a
cabeça no meu peito e eu afaguei o seu cabelo. — Finalmente o meu irmão e
o seu pai foram vingados.
— Sim. — Beijei-a no alto da cabeça.
Torcia para que tivéssemos ao menos um pouco de descanso antes de
sermos alvejados pelo próximo inimigo.
Capítulo quarenta e cinco

Nem passamos no hotel, fomos direto para o aeroporto, e os homens


do Mateo nos encontraram lá. Passei a viagem toda abraçada ao meu marido,
que parecia ainda muito pensativo sobre tudo o que havia acontecido.
Imaginava, por mais que não tivesse coragem de perguntar, que ele ainda
estava irritado pela forma como me expus. Só torcia para que superasse isso
logo. Ele e os irmãos viviam face a face com a morte todos os dias. Eu fazia
parte daquela família e imaginava que, em um momento ou em outro,
acabaria me expondo também.
Durante o voo, Cristian tirou o meu rastreador e, como havia
garantido, o procedimento fora bem simples.
Ao pousarmos em Roma, seguimos direto para a mansão. Quando o
carro parou na garagem, Rosimeire veio correndo em nossa direção e
abraçou o filho assim que ele saiu do carro.
— Acabou, ele está morto — disse, sem encará-la.
— E você, como está?
— Bem. — Theo deu de ombros.
— Você se machucou, querida? — Ela virou-se para mim quando o
filho se esquivou.
— Não. Eu estou ótima!
— Isso é muito bom.
Vi Theo passar pelo Marco e pelo Mateo. Cumprimentou o primeiro
com um aceno de cabeça, mas ignorou o mais jovem, e seguiu para o interior
da casa.
Fui correndo até ele e o abracei por trás, fazendo com que parasse no
meio do corredor, próximo aos quartos. Subi com as mãos pelo seu peito e
parei com elas sobre o seu coração.
— Você não pode ficar com raiva deles.
— Sim, eu posso — respondeu num tom frio.
— Então tem que ficar com raiva de mim também. A ideia foi minha,
e fui eu quem convenci o Mateo a me ajudar, mesmo sabendo que você
poderia ficar muito irritado com isso.
Theo abaixou as minhas mãos e se virou de frente, encarando-me.
— Você é só...
— Sou só o quê? Uma mulher? Uma criança?
Ele balançou a cabeça em negativa, mas não me deu nenhuma
palavra.
— Se sou adulta o suficiente para estar debaixo de você na cama,
também sou para tomar as minhas decisões e lidar com elas.
— Não entende?! — gritou, mas não me assustei com o seu tom. —
Você poderia estar morta agora!
— Sim, eu entendo. Acho que é você quem não consegue entender.
Eu amo você, Theo. Como acha que fico toda vez que você sai por essa
porta para resolver assuntos da máfia, em nome da família? As vezes em que
você volta machucado, o meu coração se parte, porque eu penso que pode
ser pior da próxima vez. Imagino como foi para a sua mãe ou para a Ângela.
Tento não me desesperar, pois faz parte do seu papel, mas para mim também
é difícil.
— Eu também amo você, Tatiane. — Ele puxou o meu rosto e me
beijou com a mesma ânsia que havia me feito experimentar após a morte do
Leonel.
— Vamos para o chuveiro, nós dois precisamos de um banho — falei
ao pegar um pouco de fôlego em meio ao beijo.
Theo não me respondeu, mas me pegou no colo e entrou comigo no
quarto.
Poderia ter sido contra aquele casamento no início. Não compreendia
a máfia, nem como era se envolver com alguém ao ponto de compartilhar
com ele o coração. No entanto, finalmente, me sentia pronta para pertencer à
máfia e ser esposa do Theo Bellucci.
Epílogo

Alguns meses depois...

Cheguei em casa após lidar mais uma vez com o problema dos
ciganos. Eles viviam dando dor de cabeça, mesmo sendo um grupo pequeno
e totalmente desorganizado. Toda vez que achava que finalmente tínhamos os
controlado, voltavam a nos desafiar. Daquela vez esperava que demorasse
um pouco mais.
Entrei na sala da mansão limpando a ponta dos meus dedos em um
lenço. Por mais que a Tatiane não fosse ingênua e soubesse as coisas que eu
fazia, preferia que ela não me visse sujo de sangue.
Encontrei a minha mãe sentada na sala lendo um livro, e ela se virou
para mim quando percebeu a minha presença.
— Tudo bem, filho?
Fiz que sim.
— A Tati foi com a Laís para a ONG hoje?
— Não. Está no quarto.
— Lendo? — Franzi o cenho.
— Esperando você.
— Aconteceu alguma coisa? — O tom da minha mãe me deixou
alarmado.
— Vá conversar com ela.
Encarei a minha mãe por uma fração de segundos, mas não me dei ao
trabalho de extrair a verdade. Subi os degraus da escada correndo e
encontrei a minha esposa sentada na beirada da cama. Ela virou a cabeça
para mim e me encarou quando adentrei o cômodo.
— Está tudo bem?
— Só tenho tido um pouco de mal estar pelas manhãs.
— Vou chamar um médico...
— A sua mãe já chamou. — Sorriu.
— Então, o que ele disse?
— Vem aqui. — Estendeu a mão para mim.
Acomodei-me ao lado dela na cama e Tatiane pegou a minha mão,
colocando-a sobre o seu ventre. Acariciei a sua barriga e deduzi antes
mesmo que ela dissesse.
— Eu vou ser pai?
— Vai — confirmou em meio a um sorriso.
Beijei-a com mais carinho, contendo minha ferocidade costumeira.
— É a melhor notícia que poderia me dar. — Dei mais alguns
selinhos nela antes de beijar o seu ventre.
Marco tinha razão, casar me fez muito bem.
Em breve...
Agradecimentos

Minha gratidão a todos as minhas leitoras e leitores que abraçaram


mais essa família, tornando os Bellucci mais um dos meus grandes sucessos.
Meu agradecimento mais que especial a todos as minhas leitoras e
leitores, que me motivam a continuar sempre. Todas as leitoras do meu
grupo do Whats “Leitoras da Jessica”: Karina, Vi, Nil, Nay, Adriana,
Tamires, Joana, Andy, Fernanda, Cleidiane, Vitória, Nadine, Margarete,
Andressa, Lais, Luize, Cristiane, Giorgia, Cristina,Tatiane, Regina, Viviane,
Sthefanie, Naiade, Thamires, Antônia, Vânia, Thifane, Blanc, Cida e todas as
outras. Agradeço também aos leitores do Instagram e Facebook por todo o
carinho e incentivo constante. Em especial à Micheline, amiga, apoiadora e
leitora pela qual tenho um carinho todo especial.
Obrigada, Aline e Rosi, por todo seu apoio, assessoria e suporte,
cuja ajuda e o trabalho duro é crucial para cada um dos meus trabalhos.
Ana Roen, minha gratidão imensa por todo seu trabalho em cada
revisão.
Agradeço meu marido, Gabriel, por estar sempre ao meu lado e me
dado apoio.
Gratidão meus mentores e protetores espirituais! Que meu caminho
até vocês sempre esteja aberto para que possam me orientar e proteger, para
que eu tome as melhores decisões e nunca desistir dos meus sonhos.
Sobre a autora

Jéssica Macedo é mineira de 25 anos, mora em Belo


Horizonte com o marido e três gatos, suas paixões. Jéssica
escreve desde os 9 anos, e publicou seu primeiro livro aos 14
anos. Começou na fantasia, mas hoje escreve diversos gêneros,
entre romance de época, contemporâneo, infanto juvenil, policial,
e ficção científica. Com mais de cinquenta livros publicados, é
escritora, editora, designer e cineasta. Tem ideias que não param
de surgir, e novos projetos não faltam.
Acompanhe mais informações sobre outros livros da
autora nas redes sociais.
Facebook - www.facebook.com/autorajessicamacedo/
Instagram - www.instagram.com/autorajessicamacedo/
Página da autora na Amazon - https://amzn.to/2MevtwY
Outras obras
Minha Melhor Amiga: Mais que Amigos (Família
Mazzi Livro 2)

link => https://amzn.to/2NlTjdO

Sinopse:

Excêntrico, insensível, grosseiro, mal-educado. Esses eram uns dos muitos


adjetivos que usavam para me descrever, contudo poucos me conheciam de
verdade.
Nascido em uma família abastada, dona de uma enorme companhia aérea,
sempre estive à sombra do meu irmão mais velho, porém eu não me
importava, pois, ao contrário do Maxwell, que gostava dos holofotes, eu
preferia me manter afastado do restante do mundo.
Embora a reclusão fosse meu melhor estilo de vida, minha maior paixão me
levou a conviver com as pessoas, por mais que na maioria das vezes não
soubessem lidar com o meu jeito "estranho".
CEO de uma companhia de dança da Broadway, eu costumava ser taxado de
insensível pela grande dificuldade de me relacionar com os funcionários.
Então ela apareceu, a ponte entre mim e o restante do mundo.
Aline era bem mais do que apenas uma secretária, se tornou minha melhor e
única amiga. Era uma relação que eu não queria perder por nada. Não podia
deixar que a atração que eu sentia por ela a afastasse de mim.
Sedução por Vingança

link => https://amzn.to/38kNG82

Sinopse:

Philip Carter é o poderoso CEO da Carter Atlantics, uma empresa


multibilionária com atuação no mundo todo. Rico, poderoso, frio e solitário,
ele tem tudo aos seus pés, mas nem sempre foi assim... Órfão, precisou
conquistar tudo por seus próprios méritos e não deixar que nada nem
ninguém ficasse no seu caminho.
Vitória vive em um dos bairros mais pobres de Nova York, perdeu a mãe
muito jovem, a irmã mais nova foi tirada do seu convívio, além de ser
obrigada a aturar o pai alcoólatra, que a fez crescer acreditando que a culpa
de todas as tragédias de sua vida era do CEO da Carter Atlantics.
Com o objetivo de se vingar de Philip Carter, ela vai se tornar sua secretária
e usar todas as suas armas de sedução para descobrir o ponto fraco daquele
homem que ela acreditava ser o culpado de todas as mazelas da sua vida.
Philip não queria se envolver com a secretária onze anos mais nova, mas a
convivência, o desejo, as insinuações e toda a atração tornarão impossível
conter seus instintos. O que começa com um desejo por vingança pode
mostrar a dois corações feridos o que realmente é o amor.
Minha por Contrato

link => https://amzn.to/3kFRDXT

Sinopse:

Casar era algo que eu nunca tinha imaginado fazer. A vida de solteiro me
proporcionava muitos benefícios e eu usufruía muito bem de todos eles.
Nasci numa família influente, dona de uma companhia aérea, e sempre tive
tudo, mas a política me deu poder. Porém, sempre fui um homem muito
ambicioso.
Eu queria mais, almejava a presidência do país.
Acreditava ser a melhor escolha, não apenas pelo meu ego, mas pelos
meus feitos políticos. Entretanto, muitos membros do partido pareciam
discordar da minha candidatura.
Não era o homem perfeito aos seus olhos, mesmo com todo o dinheiro e
influência. Eles preferiam outro candidato, alguém que prezasse pelos
valores tradicionais, um homem comprometido com a família.
Eu precisava ser casado.
Mas o dinheiro poderia solucionar tudo, sem que eu tivesse que mudar
meu estilo de vida. Um casamento por contrato era o que eu precisava.
Penélope é doze anos mais jovem do que eu, ingênua, pobre e facilmente
moldável. Ao meu lado, ela seria a decoração perfeita. Nunca teve nada e
iria se comportar para manter o mundo que oferecia a ela.
Eu controlaria tudo, como sempre controlei. Mas não poderia prever que
ela seria capaz de se infiltrar nas barreiras do meu coração.
O CEO viúvo e a babá virgem

link => https://amzn.to/3kFRDXT

Sinopse:

Um viúvo envolto em sombras, uma jovem babá cheia de luz e um bebê que
precisava de amor e cuidado.

O CEO da Alliance Cars, Bernard Smith, já perdeu demais. Ele se


enclausurou na sua própria dor e afastou a todos. Viúvo, ele se dedicou a
tudo o que mais importava na vida: seu filho. Assombrado pelo passado, ele
não estava disposto a seguir em frente e a única pessoa que mantém por perto
é a governanta, que cuidou dele desde menino. Porém, após um AVC, seu
único apoio não pôde mais ajudá-lo a cuidar do filho.
A jovem estudante, Júlia Oliveira, estava determinada a fazer o intercâmbio
dos sonhos na Inglaterra. Para isso, ela encontrou o emprego como babá em
uma mansão, com um dono recluso e um bebê fofo.
Ela não tinha vivido grandes romances, ainda era virgem, mas Bernard,
apesar de quinze anos mais velho, é o homem mais bonito que já tinha visto e
chamava muito a sua atenção. Embora a atração entre os dois seja inegável,
um final feliz pode ser um grande desafio para ambos, pois Bernard não
acredita que merece uma segunda chance...
Nick (Dinâmica Perfeita)

link => https://amzn.to/3dbzDT0

Sinopse:

Nick Rodrigues sempre foi o garoto problema, a ovelha negra. Contrariando


tudo o que os seus pais queriam, ele se tornou o guitarrista da banda
Dinâmica Perfeita. Porém, o roqueiro badboy, ao lado dos dois melhores
amigos, encontrou o estrelato, fez fama pelo mundo e conquistou tudo o que
sempre quis, ou quase tudo...

A sintonia da banda está prestes a ser bagunçada, porque ele deseja


exatamente o que não deveria cobiçar: a irmã do melhor amigo, a caçula que
o vocalista defenderia a qualquer preço, inclusive com o fim da banda.
Gabriela sempre foi certinha demais e, ao contrário do irmão, é tudo aquilo
que os pais esperavam dela. Dedicada, amável, responsável e virgem, ela
não queria atrapalhar o maior sonho do irmão, mas será muito mais difícil
não ser atraída pelo caos em forma de roqueiro do que ela imaginava.
Bastiaan (Feitiço do Coração)

link => https://amzn.to/350AJOR

Sinopse:

Grosseiro, solitário, insensível e cruel Bastiaan Wass escolheu as trevas e


servia bem esse lado da magia. O bruxo do clã do sangue é dono de uma
boate em Amsterdam, que atrai pessoas do mundo todo pelos drinks que
serve, verdadeiras poções, sua vertente mágica favorita.
Bastiaan nunca se envolveu com nada nem com ninguém, diz coisas estúpidas
e cruéis, sem se importar com quem machuca. Ele jamais se aliaria à rainha
da luz cuja autoridade não reconhece, por isso terá seus poderes retirados
até que aprenda a ser bom, a amar. Contudo, ele já havia trancado seu
coração e destruído a chave. Blindara-se contra tais sentimentos e
prometera, junto com seus amigos Áthila e Thorent, jamais se apaixonar.
A magia era tudo o que o definia, e sem ela Bastiaan se vê perdido. Mas
estaria ele disposto a pagar o preço para tê-la de volta?
Agatha tinha uma vida pacata, com pais super protetores e um irmão mais
novo. Porém, uma viagem a Amsterdam mudará tudo. Perseguidores, que
desconhece, irão separá-la de sua família e ela encontrará abrigo em uma
boate cujo dono é temido por todos. Lá, irá descobrir que o mundo é muito
mais do que ela imaginava e sua vida mudará para sempre.
A Filha Virgem do Meu Melhor Amigo

link => https://amzn.to/3k1hYj6

Sinopse:

Gutemberg Toledo, Guto, sempre se destacou pelo talento com os números, e


transformou um mercadinho familiar em uma rede de supermercados
espalhada por todo o país. Astuto, determinado, e um empresário incrível,
ele conquistou tudo, menos o que mais ansiava: uma família. Ao se
divorciar, esse sonho parecia estar mais distante do que nunca.

Sem laços familiares fortes, tudo o que ele tem de mais importante é a
amizade de décadas com o sócio. O que ele não esperava era que a filha do
seu melhor amigo, dezoito anos mais jovem, nutrisse sentimentos por ele, um
amor proibido. ⠀
Guto vai lutar com todas as forças para não ceder à tentação. Dentre todas as
mulheres do mundo, Rosi deveria ser intocável; não era permitida para ele.
Porém, às vezes é difícil escapar de uma rasteira do desejo.
Eternamente Minha

link => https://amzn.to/3aGD7vv

Sinopse:

Vitor Doneli era um playboy e o herdeiro de um império, mas ele decidiu


desafiar o pai e traçar o próprio caminho, antes que o destino pesasse sobre
ele e fosse obrigado a se tornar o CEO da empresa da família. Cursando
Direito em uma faculdade pública, cercado de amigos e mulheres de vários
níveis sociais abaixo do dele, terá a sua realidade de cafajeste virada de
cabeça para baixo quando uma caloura atravessar o seu caminho.

Cíntia deixou sua casa, sua família e seu namorado e foi estudar em uma
cidade grande. Determinada a se tornar uma advogada, ela não queria um
relacionamento, mas o destino estava prestes a surpreendê-la. Cíntia tentou e
lutou com todas as forças para não se aproximar, não se apaixonar... Vitor
era o completo oposto de tudo o que desejava. Um jovem mimado e rico, que
a provocou, enlouqueceu e roubou seu coração.

Uma gravidez inesperada apenas intensificou o amor entre eles. Eram o
destino um do outro, ou acreditavam nisso. Porém, o coração deles será
partido, promessas serão quebradas, e todo o amor que viveram se tornará
uma triste lembrança do passado na qual se negarão a desistir...⠀
Vendida para Logan (Clube Secreto)

link => https://amzn.to/3fxXI6J

Sinopse:

Logan Mackenzie é o herdeiro de um império secular que rege com


maestria. No entanto, por trás do excêntrico e recluso homem de negócios,
que vive em um isolado castelo no interior da Escócia, há muitos segredos e
desejos obscuros. Ele não se rende a uma única mulher, tem várias, e com
elas explora a sexualidade ao máximo.
Um convite inesperado o levará ao exclusivo Clube Secreto, um lugar
onde todos os pecados podem ser comprados. O que não imaginava era que
se depararia com um leilão de mulheres. Logan nunca foi uma alma caridosa,
mas até os mais egoístas vivem um momento de altruísmo. Ele decide salvar
uma delas, e por tê-la comprado tem direito a tudo, inclusive a libertá-la.
Camila já havia experimentado o medo nas suas piores formas. Lançada a
um terrível destino, não esperava acordar no jato particular de um milionário
a caminho do nada.
Ele já havia feito a sua cota de boa ação, só esperava que ela fosse
embora, mas o que se fazer quando Camila se recusa, pois não há para onde
ir? O lar que ela tinha havia se transformado em pesadelo e aquele que
imaginou que cuidaria dela, roubou sua inocência e a vendeu para o tráfico
humano.
Logan não queria protegê-la, não estava disposto a baixar seus muros por
mulher nenhuma. Porém, enquanto ele a afasta, Camila descobre o lado mais
obscuro daquele homem frio, mas também vai perceber que existe uma
chama que pode salvar ambos.

ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para menores de


dezoito anos. Contém gatilhos, palavras de baixo calão e conduta inadequada
de personagens.
Trevor: e o bebê proibido (Dark Wings Livro 1)

link => https://amzn.to/2YPhhAw

Sinopse:

Diana era o motivo de orgulho para os seus pais adotivos. Esforçada,


estudiosa, cursava medicina, com um futuro muito promissor, mas um convite
para visitar o Inferno vai mudar tudo.
O Inferno era apenas um bar pertencente a um moto clube, ao menos era a
imagem que passava a quem não o frequentava. Porém, ele era uma porta
para o submundo, um lugar de renegados, como Trevor. Um dos irmãos que
lidera o Dark Wings é a própria escuridão, nascido das trevas e para as
trevas, que acabará no caminho de Diana, mudando a vida da jovem para
sempre.
Uma virgem inocente que foi seduzida pelas trevas...
Uma noite nos braços do mal na sua forma mais sedutora, vai gerar uma
criança incomum e temida, além trazer à tona um passado que Diana
desconhecia, e pessoas dispostas a tudo para ferir seu bebê.
Um milionário aos meus pés (Irmãos Clark Livro 0)

link => https://amzn.to/2WcewsR

Sinopse:
Harrison Clark abriu uma concessionária de carros de luxo em Miami. Se
tornou milionário, figurando na lista dos homens mais ricos do Estados
Unidos. O CEO da Golden Motors possui mais do que carros de luxo ao seu
dispor, tem mulheres e sexo quando assim deseja. Porém, a única coisa que
realmente amava, era o irmão gêmeo arrancado dele em um terrível acidente.
Laura Vieira perdeu os pais quando ainda era muito jovem e foi morar com a
avó, que acabou sendo tirada dela também. Sozinha, ela se viu impulsionada
a seguir seus sonhos e partiu para a aventura mais insana e perigosa da sua
vida: ir morar nos Estados Unidos. No entanto, entrar ilegalmente é muito
mais perigoso do que ela imaginava e, para recomeçar, Laura viveu
momentos de verdadeiro terror nas mãos de coiotes.
Chegando em Miami, na companhia de uma amiga que fez durante a
travessia, Laura vai trabalhar em uma mansão como faxineira, e o destino
fará com que ela cruze com o milionário sedutor. Porém, Harrison vai
descobrir que ela não é tão fácil de conquistar quanto as demais mulheres
com quem se envolveu. Antes de poder tirar a virgindade dela, vai ter que
entregar o seu coração.
Quando a brasileira, ilegal nos Estados Unidos, começa a viver um conto de
fadas, tudo pode acabar num piscar de olhos, pois nem todos torciam a favor
da sua felicidade.
Uma virgem para o CEO (Irmãos Clark Livro 1)

link => https://amzn.to/2vYccvj

Sinopse:

Dean Clark nasceu em meio ao luxo e o glamour de Miami. Transformou a


concessionária de carros importados que herdou do pai em um verdadeiro
império. Ele é um CEO milionário que tem o que quer, quando quer,
principalmente sexo. Sua vida é uma eterna festa, mas sua mãe está
determinada a torná-lo um homem melhor.

Angel Menezes é uma moça pacata e sonhadora que vive com a mãe em
um bairro de imigrantes. Trabalhando como auxiliar em um hospital, sonha
em conseguir pagar, um dia, a faculdade de medicina. As coisas na vida dela
nunca foram fáceis. Seu pai morreu quando ela ainda não tinha vindo ao
mundo, e a mãe, uma imigrante venezuelana, teve que criá-la sozinha. Porém,
sempre puderam contar com uma amiga brasileira da mãe, que teve um
destino diferente ao se casar com um milionário.

Laura mudou de vida, mas nunca deixou para trás a amiga e faz de tudo
para ajudar a ela e a filha. Acredita que Angel, uma moça simples, virgem, e
onze anos mais jovem, é a melhor escolha para o seu filho arrogante e
cafajeste, entretanto, tudo o que está prestes a fazer é colocar uma ovelhinha
ingênua na toca de um lobo.

Dean vai enxergar Angel como um desafio, ele quer mais uma mulher em
sua cama e provar que ela não é virgem. No jogo para seduzi-la, ganhará um
coração apaixonado que não está pronto para cuidar...

Será que o cafajeste dentro dele se redimirá ou ele só destruirá mais uma
mulher?
Jéssica Macedo possui vários outros títulos na Amazon, confira!
Clique aqui

[1]
Em novembro de 2007, a polícia da Sicília declarou ter encontrado uma lista com dez mandamentos,
ou seja, um código de conduta, no esconderijo do chefão da Máfia Salvatore Lo Piccolo.
Table of Contents
Sumário
Sinopse
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito
Capítulo trinta e nove
Capítulo quarenta
Capítulo quarenta e um
Capítulo quarenta e dois
Capítulo quarenta e três
Capítulo quarenta e quatro
Capítulo quarenta e cinco
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras

Você também pode gostar