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Capa: MAYJO
Revisão: Sheila Mendonça
Diagramação digital: MAYJO
Título original: A ESPOSA ESQUECIDA DO CEO

1ª Edição 2022
 
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
 
Todos os direitos reservados
 
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
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Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
 

COPYRIGHT © 2022 MAYJO


 
 
Queridas leitoras!
A Esposa Esquecida do CEO é um projeto que iniciei em 2019 e só
agora finalizei. A história de Enrico e Clara é única, com começo meio e
fim. Leitura rápida, que espero, toque o coração de vocês, assim como
tocou o meu ao escrevê-la. Escrever sobre perda foi bem difícil para mim e
deixo aqui meu aviso sobre gatilhos emocionais que a história contém.
 
Boa leitura!
Com carinho,
MAYJO
 
 
Atenção: Pode conter gatilhos
 
Clara ficou viúva pouco depois de se casar com o homem que ela
acreditava ser o amor de sua vida e isso quase a destruiu. A única força, que
fez ela se reerguer foi seu bebê que seu marido deixou ainda em seu ventre.
Os anos passam e ela ainda não superou sua perda. Até que no emprego
novo, Clara vê seu chão ruir novamente quando o CEO da empresa entra na
sala de reunião.
O que seu marido morto estava fazendo ali, muito vivo? E por que
agora, ele se chamava Enrico?
 
Enrico Monteiro acreditava estar preparado para tudo, mas ele estava
enganado, quando uma funcionária louca o confunde com seu marido
morto, ele não lhe dar muito crédito, mas isso o intriga. Por causa de um
acidente cinco anos antes ele perdeu a memória de um período de sua vida e
ele mantinha isso em segredo por causa de sua posição como CEO, no
entanto, não acreditava que ele fosse esse mesmo tal Michel que ela dizia
ser.
Seria possível ele ter se casado e não lembrava de sua esposa?
 
CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEITO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

CLARA MONTEIRO

ENRICO MONTEIRO

PRÓXIMO LANÇAMENTO

OUTRO LIVROS DA AUTORA


 

 
CLARA MONTEIRO
 

— Você está grávida! — minha amiga e ginecologista Selina me diz


com um sorriso, em nada parecendo a médica séria que ela geralmente é

com outras pacientes. Eu a conheço tem um tempo, ela se tornou uma

amiga desde que namorei seu irmão mais novo alguns anos atrás, quando
ainda estava no colégio, quando ele e eu terminamos a amizade com Selina

continua até hoje, ela é umas das minhas melhores amigas, mesmo sendo
alguns anos mais velha que eu. — Parabéns, querida. Isso é tão

maravilhoso.

Eu não esperava receber essa notícia hoje, estou trocando meu


anticoncepcional e deve ter sido isso que resultou em um bebê. Jesus! Mas

ele será bem-vindo com certeza.

Uma onda de calor me invade quando coloco a mão sobre minha

barriga ainda chata e sorrio como uma pateta, a felicidade tomando conta de
cada fibra do meu ser. Parece que a consagração do amor está crescendo

forte dentro de mim.

— O quê? Deve ter algo errado aí — brinco eufórica, sorrindo tão


largo que sinto doer meu rosto. — Ah meu Deus, Seli! O Michel vai ficar
louco. Ele já mandou várias indiretas sobre quando eu penso em parar o

anticoncepcional!

— Fico muito feliz por você. — Ela sai de trás da mesa do


consultório e me abraça. — Pena que Michel está longe, ele vai ficar muito

feliz, ele já é louco pelo meu filho.

— Ele não disse quando chega, mas não vejo a hora de contar a ele.
— Sim, Michel, meu marido, estraga o filho de nossa amiga, ele nunca

volta de uma viagem para não trazer um presente para o pequeno Philipe,

agora ele terá o próprio filho para mimar com certeza, eu já prevejo um

futuro de bronca sobre crianças mimadas. — Não vejo a hora de dar a

notícia — repito sem me conter —, contudo, irei esperar para dizer


pessoalmente, não sei como, mas vou esperar ele chegar para dar a notícia.

— Fico muito feliz por vocês, mesmo que sejam praticamente recém-

casados e todos digam que é uma loucura ter filho logo no início — ela

pega minhas mãos nas suas —, mas eu sou a experiência viva que isso só

fortaleceu meu casamento com Breno, tenho certeza que com vocês será
também uma linda experiência.

Michel e eu estamos casados há seis meses, nosso relacionamento

tem no total um ano. Nós tínhamos sido o típico casal de amor à primeira
vista. Três meses de namoro e estávamos morando juntos. Eu o conheci em
uma balada, devo confessar que não coloquei fé que ele fosse me levar a

sério, mas no outro dia quando acordei, meu celular tinha mensagem me

convidando para um encontro e daí como dizem é história. Desde aquele dia

que parecia que ele nunca mais iria sair do meu lado. Ele era consultor

freelancer e segundo ele estava de mudança para Minas. Antes ele morava

em São Paulo e estava há pouco tempo na cidade. Ele dizia que não tinha
família muito próxima e que eu agora seria sua família. Michel me tratava

como se eu fosse seu sol na Terra. E o amor que tínhamos era algo incrível,

que nunca pensei em encontrar.

— Você está sonhando acordada? — Selina pergunta me tirando dos


pensamentos.

— Isso era mais esperado depois do nosso casamento de papel


passado — digo sorrindo, sentindo esse sentimento quente se alastrar por

todo meu corpo, mal vejo a hora de Michel voltar e contar a novidade. Ele

está dando assistência a um cliente no Rio.

— Ei você ainda não desceu para Terra? — Selina brinca outra vez

me passando a receita. — Aqui comece a tomar hoje.

— Sim senhora. — Guardo a receita e me levanto.

— Vou preparar um almoço no próximo fim de semana e reunir a

família e contar, esteja lá — digo sorridente.


Como Seli tem mais paciente esperando, eu me despeço com um

abraço depois dela prescrever uma tonelada de remédio para mim.

Vitaminas e não sei o mais o que, que ela falou, mas não escuto muita coisa,
ainda estou completamente tomada de felicidade e vejo que vai perdurar por

muito tempo.

— Claro que vou — ela abre a porta para mim —, se cuide.

Saio do consultório e providencio minhas vitaminas, em seguida ligo

para minha mãe para contar a novidade e acabo indo para a casa dela. Ela

mora a cinco quadras do nosso apartamento e sempre está por perto. Meu

pai morreu quando eu tinha dez anos e ela praticamente me criou sozinha, e

eu não fico muito tempo longe dela, para falar a verdade ela não fica muito

longe, mesmo eu casada. Como Michel não está em casa e eu quero

compartilhar a novidade vou para lá.

— Não posso acreditar que serei vovó. — Ela me aperta em um

abraço feroz. — Seu pai ficaria bobo se estivesse aqui ainda conosco.

Mas ele não está.

A voz dela embarga e trato de distrair suas lembranças.

— Estou muito feliz, não esperava essa notícia quando fui fazer

minha consulta semestral.


— Já contou para Michel? — Ela me solta e sento no sofá macio em

sua sala de estar.

— Não, só quando ele voltar. — Ele voltaria hoje, mas ontem falei
com ele e teve que adiar a volta, vai chegar só segunda, estou quase

enfartando de ansiedade.

O almoço com mamãe seguiu animado, estávamos felizes com a


notícia e entusiasmadas com o mais novo membro da família.

Falo com Michel à noite por telefone e tive de me conter para não dar

a notícia por telefone, mas mesmo me contendo ele diz:

— Você está nervosa, amor. — Percebo que estive falante demais,

estou tentando não deixar escapar que estou grávida.

— Estou? Deve ser saudade sua — comento para disfarçar minha

ansiedade.

— Também sinto saudade de você, meu passarinho falante — fala

amorosamente, ele sempre me chama assim quando as palavras jorram de

mim tudo de uma vez, é o que me entrega quando fico nervosa. Ele diz que

sou um daqueles papagaios que falam sem parar.

Ajeito-me na cama e falamos até que eu caia no sono.

A última coisa que escuto é sua voz.

— Eu te amo meu passarinho, durma bem...


O domingo passa rapidamente e à tarde falo com Michel por

mensagens e ele diz que não poderá falar comigo à noite e que ligará para

mim assim que possível. Eu nunca vi Michel nervoso, mas ele parecia

estranho nas mensagens, nunca é evasivo comigo, mas tenho essa

impressão. Quando vou deitar naquela noite deixo uma mensagem para ele.

Nunca tive resposta.


 
CLARA MONTEIRO
 

Segunda, passei o dia sem notícia de Michel e estou uma pilha de


nervos de preocupação, ele nunca passou um dia sequer sem falar comigo, é

muito incomum, aliás, isso nunca aconteceu. Então quando o dia passa e

não tenho nenhuma ideia onde ele possa estar, me sinto a ponto de
enlouquecer de preocupação. O telefone dele sempre vai para a caixa postal

cada vez que eu ligo.

Mas a terça-feira vem e tudo na minha vida desmorona como nunca

imaginei.

Choque!

Senti como se o mundo ruísse e estivesse caindo de uma altura de 250

andares, caio no sofá completamente fora de mim. Eu não posso acreditar

nisso, é mentira tudo isso, um engano terrível. Mas as imagens da televisão


não paravam de me dizer que tudo é verdade. Michel estava na lista de

passageiros mortos. Oh Deus! Eu quero morrer, estou me sentindo

morrendo a cada minuto que passa. Levo a minha mão ao meu ventre

enquanto um som dolorido deixa minha garganta quando eu desabo em um


choro que soa como se eu estive recebendo golpes mortais através do meu
corpo. Dor, uma dor tão grande apertando meu peito e não consigo respirar.

Estou morrendo de tanta dor no meu peito. Uma dor física se isso for

possível. Uma sensação de agonia no meu peito.

Como isso tinha acontecido? Por quê?

Oh Deus, por quê?

Por favor, não pode ser!

Não pode, por favor.

A lamentação na minha mente começa e parece me quebrar ao meio,

percebo que não é na minha mente, e sim estou balbuciando as palavras

doloridas baixinho como se temesse pronunciá-las em voz alta.

Soluços doloridos deixam meus lábios quando escorrego em uma

posição fetal e me encolho de dor. Não sei quanto tempo eu choro com esse

aperto no peito que me consome o fôlego, mas escuto vozes e uma mão me

balançando e chamando por mim, porém estou longe em um mundo de

completa exaustão.

Michel!

Amor, por favor, que seja você aqui.

Por favor!
— Filha?... Fale comigo! — a voz da minha mãe me chama, mas eu

não posso falar. — Ah meu amor, eu sinto tanto.

Dor que agora se concentra em meu baixo ventre me alerta, e o calor

úmido de minhas roupas íntimas me faz abrir meus olhos. Olho para baixo e

uma mancha vermelha me diz que hoje eu posso perder mais do que estou

preparada para perder e além.

— Já chamei uma ambulância querida, aguente firme, por favor —

mamãe diz. — Selina está a caminho daqui, ela deve chegar mais rápido

que os paramédicos.

Não estou escutando mais nada. Desligo tudo dentro de mim. É como

entrar em um abismo escuro onde nada me toca, mas eu não sinto como se

tivesse protegida, estou agonizando violentamente.

Eu nunca poderei contar o que aconteceu nas semanas seguintes, eu


estava além de mim. Escuto os médicos falando com mamãe e Selina sobre

estado catatônico, ou alguma coisa parecida, mas eu estava sem pronunciar

uma palavra por semanas e nem chorava mais. O choque quase me fez

perder meu bebê e passei as duas semanas seguintes internada, tentado não

perder a parte de Michel, que ele deixou para mim. Quando saio do
hospital, depois de não correr risco de perder meu filho, eu vivo apenas para

não perder ele também.

Sempre fui uma pessoa alegre e feliz, mas esses estados de espíritos

parecem inoportunos agora, eu não os sinto mais. Parece que meu mundo

virou uma tonalidade de cinza, e nada mais.

 
 
CLARA MONTEIRO
Quase cinco anos depois...
 

Abro um olho sonolento quando o som que imita um carro acelerando


e o toque de alguém fazendo das minhas costas uma pista de corrida me faz

sorrir.

— Bom dia, bebê... — Viro meu rosto para encontrar a razão da


minha existência empoleirado em minha cama.

— Mamãe, levanta...

— Tudo bem, amor, já vou me levantar! — Agarro meu filho em


meus braços e o sufoco com beijos em um abraço apertado.

— Não mamãe... — Ele tenta fugir para longe de mim, mas o agarro

firme e faço sons de rosnado, fazendo-o gargalhar divertido. — To com

medo! — ele grita!

— Ei vocês! São seis da manhã! Vão acordar os vizinhos!

— Vovó! Minha mamãe é um tigle! — Ian grita e consegue pular da

cama e correr para minha mãe que está na porta do quarto nos olhando

amorosamente. — Me salva vovó! — Ele pula para cima e para baixo


querendo que ela o pegue no colo e é o que ela faz. Ela o mima, mas eu

nunca implico com ela, afinal ele é seu único neto e o que nos sustenta

juntos como uma supercola. E ela toma conta dele enquanto eu trabalho e

não reclamo muito quando ela o enche de mimos, mas o meu garotinho é

incrível.

— Bom dia, meus amores — minha mãe fala depois de encher seu

neto de beijos também. — Você é muito levado garoto, acordou sua mãe,

hein.

— Bom dia mãe! — digo levantando-me e indo para o banheiro,

enquanto mamãe sai levando Ian.

Olho-me no espelho e a mulher que me encara de volta é apenas uma

sombra da mulher de cinco anos atrás.

A única coisa que me faz levantar todos os dias é meu filho de quatro

anos. Perder Michel naquele acidente levou uma parte de mim, mas ele me

deixou um presente tão valioso, que tem horas que esse amor é quase

grande demais para levar, mas eu sei do quanto preciso disso cada santo dia

que acordo sem o outro amor da minha vida ao meu lado. O parceiro que

escolhi não está mais aqui para dividir o fruto de nosso amor.

Suspiro fundo e fecho meus olhos, sabendo que hoje será um

daqueles dias que Michel não sairá dos meus pensamentos. Não que
passasse um dia sem que eu não me lembrasse dele. Ele tinha sido meu

único amor. Eu tinha me apaixonado por ele tão duro e rápido, um tipo de

amor que eu acho que nunca irei encontrar outro. Dizem que podemos amar

várias vezes. Eu não sei se isso se aplica a mim, pois se passaram cinco

anos e vivo apenas para meu filho, sem nunca olhar ou me interessar por

outro homem, aliás, eu nem penso nisso. Trabalho e casa, minha vida se
resume a isso. Minha mãe e Selina têm sido minhas rochas, se não tivesse

elas em minha vida há tempo eu teria desistido. Tive um quadro de

depressão logo após o acidente e se seguiu até depois do parto, ainda não

estou cem por cento bem, mas meu filho me faz viver e levantar todo dia

para ele. Sem minha mãe, Selina e Ian, eu não sei como seria a minha vida.

Saio do quarto e já escuto a tagarelice do Ian na cozinha e caminho

para lá. Eu me sirvo de uma caneca de café fresco e me sento à mesa onde

Ian come seu café da manhã como se tivesse passado a noite preso.

— Coma devagar, amor — ralho, e ele me olha com esses olhos que

trazem uma pontada de dor a cada vez que me olha. Michel tinha esses

mesmos olhos azuis-claros e cabelos negros caindo sobre a testa. O corte de

cabelo do Ian ainda é infantil e diferente do seu pai, que tinha um corte

requintado.

— Vou ter que ir ao mercado hoje — mamãe diz quando mexe na

geladeira. — Temos que fazer algumas compras — avisa. — Seli ficou de


vir jantar conosco na sexta, então...

Ela começa a falar e meus pensamentos se desligam da conversa.

Tomo um gole do meu café automaticamente. Minha maior preocupação

hoje não é fazer supermercado, e sim saber se teria um emprego na redação

do jornal quando eu chegasse lá hoje. Os rumores eram que o jornal poderia

fechar, o Grupo Monteiro que é dono do jornal não está mais querendo

investir no jornal impresso, eles estão querendo acabar com meu trabalho.

Esse mundo corporativo capitalista é tão cruel! Perder meu emprego

agora seria uma droga. Começar em um novo nem é garantido.

— Não está me escutando — mamãe reclama quando percebe que


estou desligada. — Você está bem, querida?

— Sim, apenas pensando se meu emprego vai estar lá quando chegar

hoje. Estamos sendo avisados que terá corte em breve, o jornal anda caindo

mais e mais a cada dia. Jornal impresso anda perdendo espaço para a

internet.

— Eu ainda prefiro os jornais impressos — ela comunica rindo. —


Não se preocupe tanto, Clara. Se perder o emprego, sempre podemos dar

um jeito.

— Você é incrível Dona Tereza. — Eu dou um abraço nela causando


alvoroço no pequeno invejoso que come seu café da manhã.
— Quero abraço também, mamãe. — Ele se agita na cadeira alta e

tenho que ir lá antes que ele caia.

— Você deveria estar pronto para a escola, mocinho. — Ele está no


pré-escolar aqui perto de casa e já aprendeu a escrever seu nome. Meu bebê

é tão inteligente, mas é mais para ele ter amiguinhos da idade dele como

companhia que qualquer outra coisa.

— Arrumo ele rapidinho e levo, querida, vá se trocar para trabalhar

também. — Mamãe me enxota da cozinha.

— Obrigada, mãe, eu não seria nada sem você. — Beijo seus rostos e

caminho ao quarto para me arrumar.

Estou quase terminando quando escuto o tchau do Ian e o som de

seus passos correndo pelo corredor. Ele está em uma fase de andar sempre
correndo, às pressas. Ainda bem que não tínhamos uma escada em casa. Ele

provavelmente já teria caído.

Entro no trabalho às 9h30 da manhã e caminho para minha pequena

sala na redação do jornal. Eu trabalho como assistente da editora de arte faz

dois anos. O Jornal A Hora é pequeno, talvez o menor do Grupo Monteiro,


um dos pequenos jornais impressos que ainda existe. Sim, eu não tenho

nada a ver com o Grupo Monteiro, apenas o meu sobrenome Monteiro que

ainda uso de casada com Michel, eu não tinha mudado por cauda do Ian, eu

não queria que tivéssemos sobrenome diferente dele. Talvez eu nunca

mudasse isso.

— Ei Clara! Bom dia — Luci, minha colega de trabalho,

cumprimenta-me —, tem uma reunião com o editor-chefe. A secretária dele

acabou de ligar para cá querendo falar com você.

— Bom dia, Luci! — devolvo e entro na sala que divido com outras

duas pessoas, uma delas é Luci, sabendo que ela me seguirá. — Sobre o que

é essa reunião? Não me lembro de nada marcado para hoje com ele.

— Então... não sei — ela diz. — Só disse que assim que você chegar

fosse lá.

— Tudo bem.

Pouco depois estou batendo na porta da sala de Samuel Gouveia.

— Entre Clara. — A voz dele vem e entro. Samuel está na casa dos

cinquenta anos e é editor do jornal há mais de vinte anos, ele deve ter
fundado o jornal. Ele aponta a cadeira em frente a sua mesa. — Sente,

sente.
Caminho para dentro da sala e sento tentando pensar no que poderia

ser essa reunião que não estava na agenda.

— Está tudo bem? — pergunto sem muito preâmbulo, pois meus

nervos estão a ponto de saltarem do meu corpo. Sinto que as notícias não

serão muito agradáveis, ter uma reunião com o chefe logo cedo não é nada

bom, é?

— Clara, vou ser rápido com você, pois tenho uma reunião daqui a
vinte minutos. — Ele tira os óculos e me encara. — Você deve saber dos

rumores de que o jornal vai fechar as portas, não?

— Então é verdade?

— Sim, o Grupo Monteiro não tem mais interesse de continuar com o

jornal, o CEO do grupo não acredita mais no potencial. — Ele suspira


pesaroso, como se fosse doloroso saber que anos de trabalho será extinto.

— Fui incumbido de indicar alguns funcionários que tenham interesse em


trabalhar na nova aquisição do Grupo Monteiro, no Rio de Janeiro, eles

compraram a Revista Reality e querem aproveitar o quadro de funcionários


daqui, claro aqueles que tenham interesse de mudar de estado. Eu pensei

que você gostaria de ser indicada para eles, na edição de arte, pode ser que
não assuma logo o cargo, mas terá uma chance muito real.

— Mudar para o Rio? Eu tenho um filho, Senhor Gouveia.


— Sim, sim, mas ele não pode te impedir de crescer
profissionalmente, Clara, e essa é uma ótima oportunidade para você — ele

expõe sem cerimônia, ele tem essa característica de falar sua opinião
sincera. — Não use seu filho como desculpa para essa nova chance, Clara.

Essas oportunidades não aparecem todos os dias. Eventualmente essa


mudança seja muito benéfica.

Ele tem razão. Eu ainda moro na mesma casa que tinha dividido com

Michel e tem hora que desejo mudar para tentar deixar o passado para trás e
voltar a viver sem ver Michel em cada canto da casa. Talvez essa seja a

solução. Uma mudança.  Eu tenho consciência que estou presa por uma
lembrança, mas durante esses cinco anos, eu não pensei nem em namorar

ninguém, literalmente eu vivi para meu filho. É saudável? Com certeza não,
mas não me importo com essa parte da minha vida. Há muito tempo eu não

me vejo como uma mulher sexy, ou coisa do gênero. Talvez essa seja uma
oportunidade que vai ser boa para meu lado profissional e pessoal.

— Mas preciso mandar a resposta para eles até sexta, pense nisso —

Samuel diz me tirando das minhas conjecturas internas.

— Me indicaria para ser editora de arte? Eu aqui sou apenas


assistente.
— Claro, você já provou que é capaz. O jornal não vende o
suficiente, não é culpa do pessoal da arte — ele explica com pesar. Ele não

conta muitos detalhes do novo trabalho, mas diz que se eu aceitar ficarei
sabendo mais sobre tudo em uma entrevista no Rio com Melissa Monteiro,

irmã do CEO do Grupo Monteiro.

— Posso dar a resposta amanhã? Tenho que falar com minha mãe,

não posso planejar uma mudança dessas sem consultá-la — digo. — Ela
precisa aceitar mudar junto.

— Claro que sim. Mas mantenha isso para você por enquanto, ok?

— Certo.

Agradeço a ele pela consideração e volto para minha mesa de


trabalho.

— E aí? — Luci pergunta curiosa quando sento na minha mesa. — O

quanto eu poderia dizer a ela? Talvez nada. Então invento qualquer coisa e
digo para sanar a curiosidade dela.

Quando volto para casa no fim do dia, converso com mamãe sobre a

proposta de emprego e que temos de mudar de estado.

— Acho que deveria aceitar, eu não me importo de ir morar lá.

— Você tem certeza, mãe? É uma mudança e tanto — digo naquela


noite a minha mãe.
— Talvez a mudança seja boa, Clara. — ela tem razão, talvez mudar

da mesma casa que vivi com Michel possa melhorar.

No mês seguinte, viajo para o Rio para uma entrevista com Melissa
Monteiro e ela oferece a vaga de assistente de arte, e depois quem sabe eu

poderia ficar como editora. Mesmo com a mesma posição o salário era bem
maior. E como estava querendo mudar eu aceitei.

Eu só espero manter o emprego e que nada atrapalhe esse novo

recomeço.

Fico mais uns dias já pensando onde devemos morar, vejo alguns

apartamentos para alugar com uma imobiliária, pois não posso ir sem nada
planejado, eu tenho Ian para pensar antes de qualquer coisa.

Durante o mês seguinte, eu organizo nossa mudança, o que é bem

estressante, ainda bem que tenho mamãe, ela adora organizar as coisas e
mantém tudo arrumado em tempo recorde no apartamento novo, que é

minúsculo, mas é o que podemos por enquanto. A mudança foi cara e


dinheiro não estava caindo das árvores por aqui, estávamos no limite. Eu

nunca poderia tocar na indenização que recebi pelo falecimento de Michel,


eu nunca iria tocar, não podia. Estava sendo idiota por deixar o dinheiro lá?

Talvez. Não é prático, mas só em pensar me sentia mal. Se um dia Ian


quiser ele poderá usar, já poderia ter dado a uma instituição de caridade,
mas e se Ian quiser? Ele poderá fazer o que bem entender quando tiver

idade para isso. Agora eu viveria do meu trabalho. Michel não deixou muita
coisa e foi o que nos sustentou durante minha gravidez de risco.

Olho a parede onde acabei de colocar um quadro e quando vejo que


ele está milimetricamente certinho na parede, começo a organizar os porta-

retratos onde tem Ian em várias fases nos seus quatro anos. Ele, em poucos
meses, fará cinco e pelo visto não vou fazer a festinha com os amiguinhos

dele. A festa será apenas nós três e a tia Selina, provavelmente. Pego uma
foto de quando ele era bebê e traço as bochechas rosadas com as pontas do

dedo e sorrio, meus olhos ardem e penso no quanto Michel ficaria bobo
com nosso bebê. Meu peito aperta com saudade que nunca vai embora,

meus olhos se enchem de água do quanto sinto sua falta, nosso amor foi tão
intenso, tão cataclísmico, me arrebatando de uma maneira que jamais
pensei encontrar. Amor à primeira vista existe? Claro que sim. Eu acredito

porque aconteceu comigo e Michel, batemos os olhos um no outro e


simplesmente aconteceu essa ligação que até depois de sua morte ainda

estou ligada a ele de uma maneira que não sei explicar. Essa dor surda e que
me faz chorar nas noites mais sombrias, um querer que só encontra o vazio
da saudade que dói demais...

— Mamãe eu podo ir no parque? — Ian entra na sala correndo e

gritando como de praxe, e uma bola de futebol nas mãos. Começa a pular
para cima e para baixo ao meu redor, ele solta a bola e abre os braços, e

seus olhos claros ficam bem abertos, tento limpar as lágrimas do meu rosto
para que ele não as veja, a excitação dele contribui para ele não prestar

atenção a isso. — Vovó disse que tem um caaaaaaampo enome...

Ele fala atropeladamente. A que campo de futebol ele estava se


referindo? Não tem campo nenhum por perto. Mamãe e suas ideias.

— Calma querido — digo rindo.

— Podo jogar lá, mamãe?

— No parque? Acho que sim, no campo de futebol, acho que não será

possível, bebê. — Sorrio para ele.

— Aaah, não sou bebê... — protesta.

— Podemos ir no parquinho e depois podemos tomar sorvete, o que


acha? — sugiro e bagunço seus cabelos escuros e sedosos, e ele foge para

longe dos meus dedos.

— Podemos tomar sorvete antes? — Seus olhos brilham de

entusiasmo esquecendo o tal campo. — Vovóoooo! — Ele sai em disparada


outra vez antes de saber minha resposta. Eu me pergunto se suas pernas não
doem de tanto correr, digo para ele não correr, mas a voz dele vem do

quarto da mamãe. — Vamo tomar dois sorvetes!

— Tem certeza, rapazinho? Escutei que era um daqui — mamãe diz

rindo de seu pequeno neto sabichão.

— É um antes e outro depois do parque, vovó — ele explica todo


sério. — Pergunte a minha mãe.

— Não sei nada sobre isso, Ian Monteiro! — grito em tom severo. —

Não pode tomar tanto sorvete.

Saímos os três pouco depois e passamos a tarde divertindo meu filho

cheio de gás.

Aproveito que não terei tanto tempo para sair com ele depois que
começar a trabalhar na revista, não quando serei novata na redação.

Espero que tudo corra bem segunda-feira, que será o dia que
começarei oficialmente.

 
 
CLARA MONTEIRO
 
 
 

Aqui é onde você irá trabalhar Clara. Posso chamar você de Clara,
não é? — minha nova colega de trabalho, Sílvia, diz, eu a conheci hoje

quando me apresentei para meu primeiro dia.

— Esse é meu nome. — Dou um sorriso para ela. — É claro que


pode.

— Bem, espero que goste da sala. — Não é exatamente uma sala,


mas um pequeno espaço reservado ao lado da sala da editora de arte, mas dá

um pouco de privacidade às mesas com os computadores individuas em

cada cabine.

— Gosto sim Sílvia, obrigada.

— Logo mais à tarde teremos todos uma reunião com os editores e o

chefão vai assumir tudo até a revista ser relançada, depois alguém assumirá

o cargo, ele estará aqui com Melissa que você já conhece e você vai
participar e, claro, ser apresentada aos demais.

Ela começa a me colocar a par dos detalhes da revista e a manhã


passa muito rápida enquanto começo a me atualizar com minha nova função
que não é muito diferente da que já fazia antes. Meio-dia Sílvia me convida

para almoçar e saímos para o restaurante que fica ao lado da redação.

— A Reality precisa de um novo gás e o Senhor Monteiro quer que a


revista tenha maior destaque. Ele está bem empolgado com a nova cara que

a revista terá e quer claro que seja um sucesso.

— Espero poder contribuir — digo espetando o pedaço de frango


grelhado do meu prato.

— Você não teria sido contratada se Melissa não acreditasse que será

uma adição valiosa, mesmo que tenha sido recomenda pelo editor-chefe do
jornal — ela conta me surpreendendo por saber essa informação.

— Entendo.

— Você não deve ficar preocupada com isso.

— Não estou — digo. Meu celular apita uma mensagem e o pego

verificando a tela e vejo que é da mamãe perguntando se estou bem em

minha primeira manhã no novo emprego.

Quando terminamos o almoço, voltamos para a redação e para a

reunião com o chefão do Grupo Monteiro. É estranho ter o mesmo

sobrenome que seu chefe. Penso com diversão. Eu nunca tinha visto uma

foto do novo CEO do Grupo Monteiro, eu, claro, conheço o pai, que é dono
dos meios de comunicação e plataformas de mídia, Enrico Monteiro é bem
recluso, mas o que sempre ouvi é que ele realmente é reservado, a irmã dele

que está sempre aparecendo e eu nunca tive curiosidade sobre ele.

— Você está pronta? — Sílvia coloca a cabeça na minha sala e

levanto para seguir com ela para a sala de reunião que conheci mais cedo.

Quase todo mundo já está lá sentado e logo eu e Sílvia nos

acomodamos em nosso lugar.

A nova fase da revista vai ser discutida hoje e Enrico Monteiro vai

atuar como editor-chefe até que esteja tudo andando com as próprias pernas.

É o que ele faz, cada dia o Grupo Monteiro aumenta com novas aquisições

e ele toma a frente antes de entregar a rédea à equipe e um novo editor-

chefe seja nomeado.

Não demora muito e a porta abre, algumas pessoas entram, vejo logo

a Melissa Monteiro num terninho preto elegante, e em seguida meu mundo

gira e eu sinto que vou morrer de um enfarto fulminante bem aqui, pois meu

marido morto acaba de entrar pela porta. Devo ter deixado escapar uma

exclamação alta de surpresa porque todas as pessoas parecem que estão me

olhando curiosas.

— Você está bem, Clara?

A voz de Sílvia vem baixa como se ela tivesse longe de mim e não ao

meu lado. Olhos azuis de lobo digitalizam a sala e passam por mim como se
eu não fosse ninguém, depois volta a me olhar e franze a testa como se

tivesse se perguntando por que estou o olhando de olhos arregalados e

fixamente, ele não me olha como eu o olho, como se tivesse visto um


fantasma, mas sua testa está franzida como se tivesse com dor de cabeça e

ele esfrega a cicatriz acima da têmpora.

Michel!

O que ele está fazendo aqui vivo e parece não me conhecer. Ou finge

não me conhecer. Ele está diferente do meu Michel, essa versão do meu

marido se veste com terno sob medida e tem uma aura fria que o envolve

me causando uma sensação esquisita de distanciamento. Ele me olha como

se nunca tivesse me visto na vida.

Olhando como se eu fosse uma estranha? Antes que eu possa me

deter está de pé, minhas pernas são como gelatinas.

— Michel? — chamo baixo com hesitação, mas o homem que eu

acho que é meu marido olha para o lado parecendo procurar a pessoa que

estou chamando.

— Clara? — a voz de Sílvia me chama preocupada, mas estou focada

em Michel.

— O que você está fazendo aqui? Como você está vivo?


— Quem é você? — Ele não espera minha resposta e se vira para

alguém e pergunta em tom sarcástico. — Por que deixaram uma louca

participar da reunião?

— Eu não sou louca! Sou a sua esposa! — digo tão alto que a sala cai

em um silêncio profundo e constrangedor. Meu coração bate desgovernado

no meu peito e eu só quero uma explicação plausível para essa loucura.

— Que maluquice é essa? — ele pergunta e vejo a irritação no seu

rosto bonito, as sobrancelhas perfeitas estão franzidas em completo

aborrecimento. Ele se vira para a irmã. — Isso é alguma brincadeira sua

para me irritar? Pois está conseguindo.

— Sei nada sobre isso, Enrico.

— Clara? — Sílvia vem para meu lado. — Você deve estar


confundindo o Senhor Monteiro com outra pessoa. Você é viúva...

— Não! Ele é o meu marido — digo resoluta. — Se ele não for

Michel é um gêmeo idêntico.

— Posso garantir senhorita... — ele pausa esperando talvez que diga

meu nome, mas eu apenas olho para ele sem acreditar em sua frieza —

Clara não é?  Posso garantir, senhorita, que não tenho um irmão e muito

menos um gêmeo idêntico e posso garantir ainda mais que nunca me casei.

— Meu nome de casada é Clara Monteiro e claro que posso provar.


Isso parece chamar a atenção dele, mas ele franze os lábios com

óbvio desdém. Ele não parece impressionado com minha afirmação e seus

olhos frios como lascas de gelo demoram muito em mim, e as pessoas

parecem sumir enquanto nos encaramos, seus olhos frios mudam para algo

intenso e palpável como se o mundo ao nosso redor se acabasse e não

notávamos, mas assim como veio essa sensação desaparece e seus olhos

voltam a ficar mais frio que o polo norte quando ele deixa sair palavras tão

frias quanto. 

— Nossa família não é detentora do sobrenome Monteiro, tem

milhares de pessoas neste país com esse sobrenome.

Ele caminha para frente da sala como se eu não valesse um minuto

dos seus pensamentos e quando passa pela irmã diz incisivo:

— Livre-se dessa maluca.

Estou paralisada no lugar, lágrimas quentes começam a vazar dos

meus olhos, pois estou em completo choque, aperto meus punhos tão

apertados que sinto minhas unhas penetrando minha palma. Levanto a mão

e esfrego meu peito, na esperança de aliviar a pressão crescente que ameaça

explodir meu coração. Quando ele se volta para mim outra vez, eu quero

correr para ele, é como uma compulsão me chamando, mas o olhar frio de

aço me mantém colada no chão. Eu não reconheço esse homem frio.


Dor dilacerante me atinge e sinto o chão debaixo de mim sumir

quando tudo fica preto.

Acordo com alguém me colocando deitada em algum lugar e alguém

falando que vai chamar o médico. Eu quero sumir, que papelão estou

fazendo no meu novo emprego.

— De onde essa mulher veio? — A voz dele é completamente

irritada.

— Ela trabalhava com Samuel no jornal — uma voz feminina diz e


deduzo que seja a irmã dele.

— Cuide disso, Melissa! Tenho uma reunião para começar. — Escuto


a porta bater e sinto a dor queimar como ácido por mim.

Michel.

Como ele pode estar fingindo não me conhecer? Por que ele foi dado
como morto se ele está vivo. Oh Deus! Como isso é possível? Como sofri

cinco anos por um homem que estava vivo e que agora finge nem me
conhecer? E por que ele está usando um nome diferente?

— Clara? — Sílvia chama e sinto algo frio tocar minha testa. Abro os

olhos e ela está me olhando preocupada. — Ah você acordou. Tudo bem? O


que está acontecendo?
Não digo nada, não posso, pois minha garganta tem um nó tão grande
que falar agora seria impossível.

— Sílvia, deixe-me a sós com ela, por favor. — Melissa entra no meu

campo de visão e ela é completamente diferente do irmão em aparência.


Enquanto ele tem cabelos pretos, ela os mantém loiros.

— Não acha melhor chamar um médico?  — Sílvia pergunta

preocupada.

— Estou bem, não preciso de médico. — Só preciso que Michel pare

de fingir não me conhecer.

Percebo que fui trazida para a sala onde divido com Sílvia e estou
deitada no sofá da sala.

Sílvia sai e tenho vontade de chamá-la de volta, mas ela vai embora e
fico com Melissa Monteiro.

— Você está se sentindo melhor? — ela começa depois que puxa uma

das cadeiras e senta-se ao lado do sofá.

Quando eu assinto, ela continua:

— Não sei por que você acha que conhece meu irmão, mas ele nunca

foi casado.

— Eu sei que parece loucura, mas eu sou casada com aquele homem,
ele pode estar diferente um pouco, principalmente pela pequena cicatriz que
ele não tinha, mas ainda é ele.

Levanto e sento tentando achar um pouco de dignidade depois de

tudo. Eles devem achar que sou alguma louca e corro sério risco de ficar
sem emprego depois disso. E não posso me dar ao luxo disso acontecer,

acabei de mudar e tenho um filho em quem pensar.

— Tem certeza que não está o confundindo com outra pessoa?

— Você acha que tem cópias de seu irmão espalhadas por aí, pois eu
sei que...

— Você sabe que existem pessoas semelhantes, Clara, e pode ser que
você esteja confusa, por meu irmão te lembrar alguém. Você disse que ele

estava morto? O seu marido?

— Ele está? — Um soluço sai dos meus lábios e fecho meus olhos.
— Agora não sei mais nada, eu achei que ele estivesse, pelo menos foi o

que me disseram, nunca recebemos o corpo dele de qualquer maneira.

— Eu sinto muito — ela lamenta com pesar na voz. — Você deveria


ir para casa e descansar...

Não digo nada, pois vejo que serei considerada mais louca se
continuar afirmando que Enrico é meu marido.

— Sabe, meu irmão ficará por aqui até a revista se equilibrar


novamente e você trabalhando com ele nessa situação, pode...
— Vão me demitir? Eu acabei de me mudar para cá, não podem fazer

isso.

— Eu sei, mas...

— O que aconteceu hoje foi... — dou de ombros sem saber sobre o


que ainda estou sentido. Choque? Acho que é mais que isso, estou

anestesiada. — Eu fui pega de surpresa...

— Entendo, mas o Enrico ele não tolera nada que perturbe o

ambiente de trabalho dele, e hoje foi... ele demite pessoas por menos coisas.

— Claro. — Engulo a bile que sobe por minha garganta. — Devem


estar precisando de você na sala de reunião, devemos voltar.

— Você vai para casa, Clara, amanhã quando estiver mais calma
volte ao trabalho se for isso que você quer.

— Estou bem, não preciso deixar o trabalho no meio do dia por causa

disso.

— Eu insisto, toda essa situação vai deixar todos muito curiosos e

distraídos na reunião e é melhor para você ir para casa, amanhã virá e vai se
inteirar do assunto.

Eu não concordo, mas ela é minha chefe, então acato a ordem.

Mas o meu real desejo é voltar naquela sala e falar com Michel, ou

Enrico como ele se chama agora. Sósia? Não é possível, eu dormi com
aquele homem, passei horas olhando seu rosto, nunca o confundiria com

qualquer outro.

— Filha, chegou cedo. — A voz da mamãe vem da sala e pouco

depois um grito infantil alegre reverbera pela casa. E me abaixo e pego meu
filho nos braços e estou tremendo como uma vara verde. Eu tinha saído da

redação em um táxi que Melissa providenciou, estou me sentindo como se


um caminhão tivesse passado por cima de mim, minha cabeça está a ponto

de explodir de dor e só agora estou me sentindo melhor depois de pegar


meu filho precioso nos braços.

— Mamãe você tá me apertano fote — Ian reclama e quando ele vê

as lágrimas caindo, ele segura meu rosto com suas mãozinhas —, não chola
mamãe, não chola...

— Não estou chorando bebê, só estou feliz que estou em casa e posso
te abraçar bem forte.

— Aconteceu alguma coisa, filha? — minha mãe pergunta vindo da

sala para o pequeno hall de entrada.


— Depois falamos, ok?

Pego Ian nos braços e caminho para a sala de estar onde sento com
ele se contorcendo tentando se livrar de mim. Sorrio em meio às lágrimas e

o sufoco de beijos até estar rindo descontroladamente. Meu coração que


esteve frio desde que vi Enrico mais cedo se enche de calor novamente com

esse som. Meu filho me enche de amor.

— Quer descer mamãe — Ian grita e o solto deixando correr para


longe. Minha mãe está me olhando com a testa franzida e dou a ela um

sorriso tranquilizador.

Ian volta e pula de novo em meu colo e dessa vez ele me deixa

apenas abraçá-lo enquanto me conta tudo sobre seu dia. Depois de um


tempo com ele na sala apenas o segurando firme em meus braços, enfim ele

sai querendo brincar e aproveito para trocar de roupa. Vou para o quarto e
passo direto para o banheiro, onde tiro as roupas, entro debaixo do chuveiro
e é onde desmorono, e toda dor que senti naquele dia que vi o noticiário na

televisão, vem com força descomunal, minhas pernas cedem e caio sentada
no azulejo enquanto soluços doloridos saem da minha garganta e

convulsiona meu corpo.

— Michel... — soluço seu nome e uma dor dilacerante volta como se

estivesse perdendo-o outra vez.


Por que a vida está fazendo isso comigo? Não bastou ser dilacerada
naquele dia? E agora isso?

Uma onda de raiva pura me enche e quero voltar lá na redação e


exigir dele uma explicação, eu sinto que ele é o mesmo homem com o qual

me casei. Só que ele é uma versão perversa que me deixou chorar por ele,
por anos a fio, me deixou criar nosso filho sozinha. Me abandonou  por

quê? Nosso casamento foi real?

Por quê?

Por que ele está fazendo isso comigo?

— Por que fez isso conosco, Michel? — sussurro deixando minha

testa apoiar em meus joelhos. Abraço minhas pernas e não sei quanto tempo
estou lá quando escuto um toque na porta do banheiro.

— Clara? Filha o que está havendo? — Mamãe está batendo na porta


preocupada e eu engulo minha dor e levanto desligando a água.

A única coisa que fiz nesses últimos anos foi preocupar minha mãe,

ela não me deixa sozinha desde que fui diagnosticada com um quadro de
depressão. Eu gosto de acreditar que estou bem. Estou bem, pelo meu filho,
é por isso que eu me olho todo dia no espelho e digo a mim mesma que
tenho motivos pra sorrir e ser feliz. Eu não estou sozinha, tenho pessoas

aqui que me amam e não posso decepcioná-los.


— Já estou indo mãe — minha voz sai rouca —, só precisava de um
banho.

Pouco depois, entro na cozinha e encontro mamãe e Ian fazendo o

jantar e começo a ajudar.

— Mamãe, estou fazendo sopa — Ian anuncia com um sorriso. Seu


sorriso é igual ao de Michel e como eu era completamente apaixonada por
aquele sorriso o do meu filho não é diferente. Ele conquista qualquer um
com esse sorriso charmoso.

— Você é realmente um homenzinho crescido, hein? — Beijo seus


cabelos negros e encontro o olhar de minha mãe em mim. — Dona Tereza,
vamos conversar depois.

— Você está me deixando preocupada. — Ela volta a cortar os


legumes. — Você perdeu o emprego?

— Ainda não. — Ela para e volta a me olhar abismada.

— Clara, acabamos de mudar... — Sua voz contém toda a


preocupação que também tenho sobre perder o emprego, mas eu não posso
permitir que isso aconteça, antes Enrico Monteiro irá me ver muito furiosa.

— Eu sei e vou fazer de tudo para continuar com o trabalho.

— Podemos voltar, você sabe, aqui é apenas um teste como

combinamos. Nossa casa ainda está lá. Posso voltar a trabalhar também —
diz.

— Não mamãe, prefiro deixar o Ian com você do que com uma babá,

eu não poderia trabalhar sossegada pensando se meu filho está bem.

— Você sabe que tem milhares de mulheres no mundo que deixam


seus filhos com babás, não é?

Claro que sei disso, mas eu tenho pavor de deixar Ian, só confio em
mamãe pra isso. Eu sei que isso é um problema que eu devo enfrentar, mas
eu não posso ainda me manter sã pensando que não tem alguém próximo a

mim de olho nele, não enquanto ele for tão pequenino, cada vez que eu
penso em deixá-lo com estranhos, imagino o dia que iria receber um
telefonema dizendo que meu filho estava machucado. Enquanto mamãe
puder ficar conosco eu irei aceitar sua ajuda. Eu trabalharei por nós duas.

— Vai me dizer o que aconteceu hoje, não é?

— Sim.

Enquanto nosso jantar cozinhava, eu brinco com Ian e isso distrai


minha mente por alguns instantes, mas depois do jantar quando o coloquei
pra dormir e voltei para a sala mamãe me espera ainda querendo saber o
que aconteceu, não tenho mais como adiar a conversa com ela e dizer tudo

que houve hoje.


— Mamãe, o que faria se descobrisse que o papai não morreu? —

Começo aceitando a xícara de chá que ela me serve. Seu cuidado é tão
precioso.

— Que pergunta maluca é essa?

— Conheci o CEO do Grupo Monteiro hoje. E você não vai acreditar


quem ele é?

— Quem?

— O Michel.

— Que história é essa, Clara? Michel está morto, filha, eu pensei que
estivesse melhorando... — ela lamenta achando que estou vendo meu
marido morto. Tudo bem que no começo eu via Michel nos lugares, um
gesto, um vislumbre e eu achava que era ele, mas agora é diferente, é ele de

carne e osso.

— Ele não está, ou talvez o Michel que conhecíamos esteja realmente


morto, e no lugar dele uma pessoa fisicamente idêntica está viva e bem.
Mas por dentro nada tem nada a ver com o homem que me amava, ou ele
me enganou perfeitamente e nunca tenha me amado e por isso foi embora e

deixou que pensássemos que ele tivesse morrido.

Eu conto tudo que aconteceu hoje e minha mãe, que tem comentários
para tudo, está parada me olhando espantada.
— Filha, isso não é possível, você recebeu uma nota oficial que

Michel estava naquele voo.

— Um voo que eu não sabia que ele estaria, não acha estranho? Se
for pensar nisso com calma?

— Não dizem que temos pessoas que são parecidas conosco em


algum lugar no mundo?

— Eu sei que é ele, eu sinto isso, é Michel, mãe. Ele não é só

parecido, é uma cópia com uma cicatriz que não estava lá antes.

— Seriam irmãos? Gêmeos? Já pensou nisso?

— Ele disse que não tem irmão e Michel nunca me contou nada sobre
sua família, ele apenas disse que não se dava bem e que queria manter
distância deles, que ele não queria contato.

— Não posso acreditar em uma história maluca dessa — reflete

mamãe —, Michel não era dono de empresa ou coisa parecida, e por que ele
estava naquela lista?

— Não sei e agora ele finge não me conhecer.

— Sei que o que vou dizer pode ferir você, filha, mas eu não posso
deixar de cogitar isso. Você não está confundindo? Você não quer acreditar

que esse homem seja o Michel?


— Não estou louca, mamãe. Eu não posso acreditar que você pense

isso!

— Mas...

— É ele.

— E por que você nunca falou isso? Você trabalhou no jornal que
pertence a ele por dois anos e nunca o viu!

— Ele durante esses dois anos nunca foi lá, e nunca tive nenhuma

curiosidade em pesquisar sobre Enrico Monteiro, eu conhecia uma foto do


Senhor Monteiro mais velho, o pai e antigo CEO, e ele em nada parece com
o filho, posso garantir. Os rumores no jornal eram que ele vivia recluso e
que nunca aparecia em mídias sociais desde que assumiu o posto anos atrás.

Ah não sei, nunca me interessei sobre ele ou sua família. O Grupo Monteiro
já existia antes de eu conhecer Michel e ele nunca nem mencionou
parentesco com eles, o mesmo sobrenome não é estranho, é normal, não
quer dizer que somos da mesma família só porque temos o mesmo. Eu vivi

em meu mundo desde que Michel partiu, mamãe, para me interessar por
qualquer outra coisa, ainda mais procurar foto de um homem na internet.

— Isso é uma loucura — ela comenta abismada.

— Eu sei, e estou enlouquecendo, você não tem ideia, mamãe.

— E o que vai fazer?


— Não sei, estou completamente sem chão — a força que está me
sustentando durante a conversa começa a desaparecer —, eu não sei como
irei trabalhar todos os dias lá, vendo ele...

— Ah querida! — Ela vem e me puxa em um abraço apertado. — Eu


sei como se sente, eu sinto falta do seu pai todos os dias sem exceção e não

saberia o que fazer se estivesse em uma situação dessas. E se ele não for
Michel?

— É ele...

— E se estiver enganada? Esse tal Enrico deve estar pensando que


você é louca e pode querer demitir você, já pensou nisso? Que não depende

de você conseguir trabalhar ao lado desse homem, pois ele pode mandar
você embora e acabamos de chegar aqui.

Eu não poderia perder esse emprego, não por causa do meu colapso
de hoje. Eu preciso saber me controlar até descobrir a verdade.

Quem é Enrico Monteiro?

Por que Michel teria o mesmo sobrenome? Será que eram gêmeos

idênticos? E Enrico não sabia da existência um do outro?

Não acredito nessa possibilidade, eu sinto que Enrico é o mesmo


homem que casei.
E claro que ele está fingindo! Eu só preciso descobrir por que ele
inventou toda essa história.

Eu preciso me controlar e ser fria e racional, não posso ficar sem


emprego, pois tenho Ian e mamãe que dependem de mim.

 
 
CLARA MONTEIRO
 

Dizer para mim mesma para ser fria e racional quando não estava na
redação é fácil, mas estar aqui é completamente diferente, ainda mais

quando a primeira reunião do dia é justamente com o CEO do Grupo

Monteiro.

— Você está na boca do povo, Clara — Sílvia fala quando chego

mais cedo —, todos querem conhecer a novata que se diz esposa do chefão.

Dou de ombros, pois eu já imaginava que algo do tipo fosse


acontecer. Nós duas caminhamos para a sala de reunião e meu corpo vibra

de ansiedade misturada ao medo e à expectativa do que vai acontecer, se ele


vai estar na reunião de hoje.

Provavelmente sim, já que ele vai estar à frente da revista até que ele

deixe alguém no controle e volte a sua Torre de Marfim.

As pessoas me olham, umas com estranheza, outras com ar de

diversão, mas não dou muita importância, eu sei que não sou louca. Assim
como ontem, a sala já está ocupada por quase todo mundo. Ainda bem que

Sílvia voltou para a reunião de ontem e hoje ela me colocou a par do que foi
discutido, pelo menos ela tentou, já que não tivemos muito tempo de

conversar hoje.

A porta se abre e Melissa aparece e meu coração quase sai pela boca,
mas Enrico não vem junto, sinto alívio por não ter que enfrentar uma carga

emocional logo cedo, mas canto vitória antes da hora, pois a porta abre

novamente e me sinto sobrecarregada com sua presença. Ele caminha para

frente da mesa e senta-se na cabeceira, cumprimenta a sala e seus olhos

correm por todos e hoje os olhos se fixam em mim. Engulo em seco e o


encaro também, ele não vai me intimidar, não hoje, eu preciso desse

emprego, canto como um mantra para poder me controlar.

Melissa inicia a reunião. Não estou escutando nada, minha atenção é


capturada por Enrico Monteiro que tem um olhar duro e frio na minha

direção e ele não faz muita questão de esconder o fato de que está me
olhando fixamente dos presentes da sala. Ele está esperando que eu desabe?

Faça outro escândalo como ontem? Devo desapontá-lo então, ele me

examina como se nada que estivesse sendo tratado nesta sala tivesse

importância.

Minhas mãos estão apertadas em meu colo e eu coloco todo meu

esforço para dissipar a tensão que sinto por meu corpo, mas tudo que

realmente quero fazer é levantar e exigir respostas. Devolvo o olhar sem me

intimidar e percebo que ele está diferente de Michel em muitos aspectos.


Estudo as linhas do rosto dele. Os longos cílios, a mandíbula angular e

aqueles olhos azuis vazios. Ele continua fazendo meu coração bater

acelerado como no dia que nos conhecemos, mas os olhos de Michel foram

uma das coisas que me fascinavam, era como fogo, que mexiam com minha

libido, não eram frios como agora.

Há muito que descobrir sobre esse novo homem, pois em nada, além

de fisicamente, parece com meu marido. Além do homem frio que ele

demonstra tem uma cicatriz quase se escondendo na sua fronte, quase rente

ao couro cabeludo. Como ele conseguiu isso? Michel tinha o rosto perfeito.

O que tinha acontecido? O que o fez tão cruel? Eu quero descobrir tudo.
Descobrir por que ele estava naquela lista se ele não estava no avião. Em

um voo que eu nunca soube que ele estaria. Meu casamento foi uma

mentira? Eu sofri por alguém tão sem coração que fingiu durante anos que

estava morto sem se importar com a mulher que dizia amar? Ele sabia sobre

Ian e nunca voltou? Jesus, quem é o homem com quem me casei? Eu nunca

o conheci de verdade.

Como você pode ser tão cruel, Michel?

Minha pergunta é enviada mentalmente para ele, nossos olhos

trancados um no outro.
Quando Melissa chama o nome dele, Enrico tira enfim os olhos de

mim. O ar sai dos meus pulmões e percebo que estive prendendo o fôlego.

Eu sei que precisamos conversar. Eu preciso descobrir o que está havendo.

Quando a reunião enfim termina, estou a ponto de ter um colapso de

ansiedade. Vejo Melissa e Enrico saírem de imediato e levanto também,

tenho as mãos suadas, mas não desisto de ir ter essa conversa. Eu preciso

tirar isso a limpo antes que eu cometa mais uma indiscrição. Quando chego

ao corredor onde leva ao escritório de Enrico, Melissa está falando com

algumas pessoas e assim que ela me vê se despede deles.

Droga!

— Clara, espero que esteja melhor hoje! — diz simpática.

— Estou sim, obrigada.

— Que bom, pois temos muito trabalho pela frente. — Ela começa a

falar sobre a revista, e eu tento acompanhar tudo, mas meus olhos estão

grudados na porta que leva à sala de Enrico. — Estou atrapalhando você,

Clara?

— Claro que não, desculpe, mas tenho que falar com seu irmão —

resolvo ser franca. — Eu preciso de uma explicação e só depois disso que

poderei me dedicar cem por cento à revista.

— Pensei que tivesse esquecido isso...


— Eu não posso, preciso falar com ele agora.

— Clara... — seu tom de aviso não me detém, pois já estou

caminhando para longe dela. Eu sei que pareço louca aos olhos de todos,
mas não dou a mínima. Eu sei que preciso do emprego, mas neste momento

eu preciso mais de respostas. Bato na porta e não obtenho respostas, mas

torço a maçaneta e entro. Enrico está ao telefone e em pé em frente à janela

e quando bato a porta, mesmo que não tenha feito tanto barulho, ele se vira.

— Eu preciso desligar. Nos falaremos mais tarde — ele diz ao celular

e desliga. — Não sabia que tinha um horário agendado hoje, Senhora

Monteiro.

— Eu preciso falar com você — digo caminhando para o meio da

sala.

— Você precisa? Mas não temos nada para conversar, ainda mais se

for sobre eu ser casado com a senhora. — A voz dele é cheia de óbvio

desdém, mas não irei me abalar com sua personalidade azeda.

— Eu preciso saber por que está fingindo não me reconhecer? Você

sabe que fomos casados e que há cinco anos você foi dado como morto. E

agora você está aqui em pé usando outro nome. E não continue fingindo

que não é a mesma pessoa, pois o meu sobrenome vem de você, eu

continuo usando meu nome de casada por causa do nosso...


Paro de falar quando percebo que ia dizer nosso filho...

— Do nosso o quê?... — ele pergunta com frieza, mas o nó na minha

garganta me impede de continuar. — Continue, ou precisa pensar na

história inventada que vai me contar?

— Eu não estou inventado nada.

— Vou ser claro com você, Senhora Monteiro, eu não conheço você e

estou prestes a pedir que os seguranças acompanhem você para fora.

— Não pode me expulsar sem antes me dizer por que nos abandonou,

como teve coragem, como foi tão frio, como me deixou sofrer todos esses

anos pensando que estivesse morto, como pode?

Ele não mexe um músculo diante do meu discurso e não parece se

importar quando minha voz falha por causa da dor que sinto dentro de mim,

como uma ferida que nunca cicatriza.

— Senhora Monteiro, eu não tenho tempo disponível para ser

desperdiçado. Meu tempo vale ouro, então se você economizar meu tempo

será uma forma de garantir seu emprego aqui.

— Estou dando uma merda para o seu tempo, eu quero uma resposta

Michel! — Toda a frieza que eu estava recitando para mim desde que

acordei hoje evapora quando perco a paciência com esse homem horrível.
Estou falando e ele não tem um pingo de empatia, não se importa,

não tem consideração por minha história.

— Como se transformou nesse ser humano sem coração?

— Senhora Monteiro, estou acostumado a ter mulheres inventando

um monte de histórias fantasiosas para se aproximarem de mim, mas devo


realmente tirar o chapéu pra você. Estou quase acreditando na sua

performance. E pra constar meu nome desde o nascimento é Enrico


Monteiro, não sei quem porra é esse Michel e não me importo.

— O que fez com o homem no qual me casei, você age agora como

um ser sem coração para não dizer coisa pior.

— Que bom que está notando que não sou esse tal Michel, Senhora

Monteiro.

Ele caminha até estar a poucos passos de mim.

— Mas me diga quem contratou você para atrapalhar o relançamento

da Reality? Por que exatamente agora, neste exato momento, quando


estamos prestes a ganhar uma nova fatia do mercado da mídia e

comunicação, você é contratada e começa uma história sem pé e sem


cabeça, Senhora Monteiro? Estranho, muito estranho. Quanto estão te
pagando pra atrapalhar meu negócio?
— De que você está falando? Como isso poderia atrapalhar seu
negócio?

— Um escândalo sempre tem seus efeitos negativos e você dizendo

que fui casado e que tenho uma esposa esquecida no meu passado é um
prato cheio.

— Eu tenho como provar que falo a verdade — digo veemente.

— É mesmo? E o que seria a prova?

Eu seria uma louca se envolvesse Ian nessa história, mas eu tenho que

provar quem sou e exigir dele uma resposta. Ele se aproxima mais agora e
sua intimidação física tem um efeito em mim, como no passado. Ele está
tão perto de mim agora que eu poderia tocá-lo, e minhas mãos coçam

querendo sentir seu toque outra vez, não de Enrico, mas do meu marido.
Levanto meus olhos para os dele e nossos olhares se conectam e olhar

dentro desses olhos azuis é como um choque elétrico, o frio na barriga e o


meu pulso acelerando fazem meu coração bater tão loucamente que acho

que ele poderia pular do meu peito a qualquer momento. Por uma fração de
segundos, algo passa por seu olhar e é quase como um reconhecimento, mas

logo se dissipa quando ele quebra o encantamento com suas palavras.

— Estou esperando a tal prova, Clara.


— Tenho fotos do nosso casamento, mas estão em casa. Posso trazer
amanhã.

As fotos de Michel estão todas guardadas, as digitais eu não tenho no


meu celular, pois vê-lo é doloroso demais, apenas uma está no quarto do Ian

para que ele veja seu pai.

Quando tinha no celular eu as olhava todos os dias, como uma


compulsão, isso quando suportava ver nós dois juntos naqueles momentos

felizes, mas depois de um tempo a angústia e uma dor insuportável me


tomavam me fazendo muitas vezes chorar como uma criança de tanta

saudade e questionamentos. Por que ele tinha sido levado de mim tão cedo?
Por que ele se foi e me deixou com essa dor tão desesperadora que me

sufocava às vezes? A dor da perda é tão visceral, um vazio que parece que
nunca será preenchido outra vez. Então mamãe guardou as fotos que
tínhamos em casa, não deixou nenhuma mais à vista, as digitais foram para

um arquivo, onde não pudesse vê-las todos os dias até que criei coragem
um dia e peguei apenas uma onde estavam nós dois na lua de mel e

coloquei no quarto do Ian. Ele precisava conhecer o pai. Mesmo sabendo


que o papai está no céu cuidando dele lá de cima.

Bom era o que eu pensava.


— Por que não vamos pegá-las agora? — ele sugere com um

arremedo de sorriso me trazendo de volta do meu devaneio. — E uma foto


não quer dizer nada, pode muito bem ser manipulada, Senhora Monteiro,

mas estou disposto a lhe dar o benefício da dúvida.

Ele tem razão, uma foto poderia ser manipulada em computador, a


única forma de provar é Ian, mas não quero usar meu filho para provar nada

a esse homem. Contudo, eu não posso levá-lo na minha casa, não enquanto
ele se nega a reconhecer que é Michel.

— Prefiro trazer amanhã.

— Acho que você está com medo que não tenha tal foto.

— E você é um escroto — digo sem me importar com emprego,


posso muito bem arranjar outro. Não posso?

— A única coisa que eu realmente gostaria de saber foi como você


ficou sabendo da minha... — ele para me deixando curiosa sobre o que ia

dizer — esqueça, essa charada terminará em breve.

Eu deveria esquecer tudo isso, Michel poderia muito bem está morto
mesmo porque esse homem sem coração não é meu marido. Ele só tem o

exterior igual, mas por dentro é cruel.

— E eu gostaria de saber quando ficou tão frio.

Ele ri, mas o sorriso não alcança seus olhos gelados.


— Diga-me, como seu marido morreu? — ele diz me chocando com

a pergunta crua.

— Em um acidente de avião há cinco anos, mas você sabe disso,

afinal forjou sua morte não? — acuso, porque meu amor por Michel não se
reflete para esse ser mesquinho a minha frente.

— Esta é uma acusação muito grave, Senhora Monteiro — ele expõe

saindo de perto de mim e voltando para a mesa, onde abaixa a tampa do


notebook e volta-se para mim. — Eu faço questão de ir a sua casa, agora. E

ver essas provas.

Por que o interesse repentino? 

— Não acho necessário ir a minha casa — digo, não quero envolver

Ian nessa bagunça. Não antes que esse homem seja digno de conhecê-lo.

— Vejo que sua bravata não se sustenta Senhora Monteiro, mas eu


faço questão — ele aponta a porta com ironia —, depois de você... — Eu

quero acertar um soco no nariz dele por achar que tudo isso não passa de
maluquice da minha parte.

— Não posso sair assim, ontem tive de me ausentar... — argumento

tentando ganhar tempo.

— E vai culpar a mim também?


— Claro que não, mas não posso negligenciar meu trabalho hoje
também, então vai entender se amanhã trouxer tudo que tenho como prova

que foi casado comigo.

— Não se preocupe, talvez você não tenha um trabalho quando voltar


de qualquer maneira. Então faço questão de acompanhar você até sua casa,

não confio que não vá forjar uma prova nesse período de tempo.

— Não pode me demitir — digo me referindo a suas palavras iniciais


e esquecendo sua acusação.

— Não? Senhora Monteiro, posso demiti-la na hora que me convir,


poderia alegar várias arbitrariedades cometidas pela senhora em apenas dois

dias na minha empresa — ele fala com óbvia falta de paciência.

— Faça isso e não saberá o que o atingiu, Senhor Monteiro. — Deixo


claro, cheia de raiva, sem me importar mais com esse trabalho, pois pelo

visto não terei mais um de qualquer modo. — Você se transformou em um


ser humano asqueroso...

— A prova que você guarda a sete chaves em sua casa eu estou


esperando — ele me corta com os olhos como aço me encarando sem

qualquer traço de simpatia, está realmente falando sério sobre ir na minha


casa.
— Ok, vou pegar minha bolsa — digo pisando duro pra fora da sala e
enquanto caminho digito uma mensagem para mamãe sair com Ian de casa,

ele ainda não começou na escolinha e deve estar em casa uma hora dessas.
Oro fervorosamente para que ela veja a mensagem antes que eu chegue lá

com esse homem asqueroso. Estou quase começando a acreditar que me


enganei, que meu desejo de ter Michel de volta é tão grande que o vejo

nesse homem frio e sem um pingo de empatia pelo próximo. Pego minha
bolsa e digo para a Sílvia que vou resolver algo e saio da sala olhando o

celular para trombar direto em uma parede.

Minha visão é bloqueada por um peito largo e ombros igualmente


largos, cobertos por uma camisa branca debaixo do terno sob medida que é

puro músculo. Ele automaticamente me segura pelos braços para que eu não
caia e por um instante é como voltar no tempo. É como se Michel estivesse

aqui me segurando. O perfume sútil e fresco bate em mim com uma força
de uma tonelada, é o mesmo cheiro que Michel usava desde que o conheci,
dizem que nossa memória olfativa é capaz de nos levar de volta ao passado

e é como se estivesse nos braços do meu marido, perdida nos momentos


íntimos onde nem um de nós sabia onde um terminava e o outro começava,
quando nos amávamos entre os lençóis, sexo quente e desenfreados. Fecho
meus olhos e sou tomada por uma emoção tão grande que não cabe dentro

de mim e então deixo escapar com a voz trêmula.


— Michel?...

— Meu nome é Enrico, pare de me chamar assim, não gosto! — A


voz tão parecida e ao mesmo tempo diferente por esse tom de desprezo que

nunca ouvi de Michel me tira do transe. Ele me solta depois de me firmar e


tenho vontade de me esbofetear por minha fraqueza. Eu deveria ter vivido
mais nesses últimos cinco anos, eu me enterrei e deixei a dor ditar minha
vida e agora estou sendo testada além da dor.

Ele caminha me deixando lá e só me resta acompanhar seus passos

largos. As pessoas nos olham curiosas e quando estou indo para o elevador,
vejo Melissa saindo de uma sala e sua testa franze enquanto olha para mim
e seu irmão. 

 
 
 
CLARA MONTEIRO
 

Entramos no elevador e é apenas nós dois lá dentro e o silêncio é


ensurdecedor, sinto os olhos de Enrico me observando fixamente sem se

importar se é mal-educado encarar as pessoas.

— Difícil imaginar que eu escolheria uma mulher como você para


casar — ele diz e sinto meu coração doer com as palavras. — Não é meu

tipo em tudo.

— Obrigada — digo com a voz dolorida —, mas seu comentário é


totalmente desnecessário.

Ele parece que vai retrucar, mas as portas do elevador se abrem e

temos que sair, ele caminha para fora do prédio e segue para um carro

estacionado.

Entramos no Bugatti preto e luxuoso e Enrico vira para mim.

— Qual seu endereço? — ele pergunta e informo a contragosto

recebendo um olhar desdenhoso quando falo hesitante. Tenho vontade de

mandar ele se foder, contudo, provar que não sou louca é primordial agora.
Se um dia eu amei Michel com todas as forças, estou começando a odiar

Enrico Monteiro com igual intensidade. Ele é odioso.

Meu celular vibra com uma mensagem e suspiro aliviada quando vejo
que é mamãe. Ela diz que não está em casa, e sim no supermercado. Mando

outra mensagem pedindo que ela não volte para casa até eu dizer que pode.

— Pelo suspiro e cara de alívio imagino que seu cúmplice esteja


forjando a sua prova.

— Vai engolir tudo que está falando, vai...

— Me poupe de seu discurso — ele corta —, não é e primeira mulher

a querer tirar algo de mim, Senhora Monteiro, e apenas para deixar claro de

uma vez, não sou esse homem que foi seu marido — continua ele —, há

cinco anos eu nem estava morando aqui como posso ter casado com você e
esquecido disso?

— Eu moro aqui há poucos dias, vim por causa do trabalho —

comento com ênfase. — Não entendo por que está fingindo que não me

conhece. Sei que tem uma marca de nascença, Enrico, e tenho certeza que

só uma mulher que dormiu com você saberia.

— É mesmo? E o que é isso?

— Tem um sinal na ponta do seu... você sabe o quê. — Fico quente e


certamente estou vermelha agora, droga eu estava perdida mesmo, como eu
não consigo dizer uma palavra tão simples. É apenas uma palavra sua

idiota. Digo a mim mesma com raiva.

— Qualquer mulher que dormiu comigo poderia dar essa informação

para você — ele rebate e me olha de soslaio e por uma fração de segundo

vejo um vislumbre de Michel em seu rosto quando ele me olha divertido

com meu embaraço. — Pelo visto você fez sua lição de casa, Senhora

Monteiro, e conseguiu informações sobre mim, só não sei aonde quer

chegar com essa história.

— Não sei com quem dorme, e nem quero saber. — Imaginar ele

dormindo com outra mulher é como uma faca cortando minha carne, apesar

de achar que era Michel, esse homem na essência não é meu marido, mas

ainda assim imaginá-lo com mulheres me causa uma dor cegante em meu
peito.

— Diz a mulher que afirma que sou seu marido morto — falou e me

encolho com as suas palavras.

Não argumento, pois estou cansada de falar com ele. É irritante e

maldoso.

Quando não dou a ele nenhuma resposta ele suspira me olhando de

esguelha. Uma pitada de arrependimento brilha em sua íris azul

hipnotizante.
Ele suspira como se fosse custoso falar.

— Eu não devia ter falado assim, foi completamente desnecessário e

rude.

O resto do caminho eu apenas olho pela janela do carro, e essa

vontade de chorar volta com força, mas eu seguro tudo dentro de mim,

estou cansada de tudo isso. Maldita hora que vim para cá. Por que diabos o

destino está brincando comigo assim? Por que me machucar duas vezes e

com o mesmo homem? Uma vez em sua morte e agora por ele estar vivo e

ao mesmo tempo não sendo ele mesmo, e isso não deveria ser assim. Parece

que estou em uma realidade alternativa onde tudo pode acontecer de mais

bizarro.

Quando ele estaciona em frente ao meu prédio, estou uma pilha de

nervos. Ele olha ao redor como se temesse que alguém fosse roubar seu

precioso carro.

— Ninguém vai roubar sua preciosidade. — Minha vontade é que

isso acontecesse, que alguém levasse seu carro para deixar de ser idiota.

O elevador nunca pareceu tão minúsculo e sufocante. Eu tenho uma

montanha de perguntas, mas parece que algo tapa minha garganta e nada

sai, talvez seja pelo fato de Enrico ter deixado claro que me acha uma

mentirosa golpista. Não demora muito e o ding da porta do elevador se abre


e saio seguida por ele. Assim que coloco a chave na porta percebo meu

erro, só tirar Ian daqui não era suficiente para não fazer sua existência real

para Enrico, me lembro dos porta-retratos na sala.

Ah caramba, por que não pensei direito? Tanto trabalho para tirá-lo

de casa e esqueci as fotos espalhadas pela casa.

Jesus! Clara que burrice!

— Cada vez que hesita me deixa com a sensação que estou perdendo

meu tempo precioso com você, Senhora Monteiro. — Ele não perde minha

hesitação.

— Acho que foi um erro trazer você aqui — digo e viro dando das

costas para a porta e Enrico está muito perto para minha sanidade mental. A

vontade de esticar a mão e tocar seu rosto onde uma barba leve cobre sua
mandíbula é quase insuportável de resistir.

— Não vou embora antes de saber o que esconde aí dentro. Abra a

porta, Clara.

Eu encaro seus olhos azuis que fazem sentimentos guerrearem dentro

de mim. Saudade. E uma mistura conflituosa de raiva e desejo de sentir os

braços dele em volta de mim como costumava fazer, agora não tenho mais

essa liberdade e nem o direito tampouco. Ele se inclina e prendo o ar, mas

só tira a chave da minha mão e ele mesmo abre minha porta e oro para que
ele não olhe tanto ao redor, no entanto sei que com minha sorte ele olhará

cada detalhe.

Sem saber bem o que fazer, indico o sofá para Enrico quando adentra

meu apartamento e é estranho ter ele ali no meu espaço onde divido com

nosso filho.

— Porque não senta um minuto enquanto vou...

Paro de falar quando o vejo correr os olhos pela sala e meu temor

aumenta quando os olhos dele pousam nas fotos dispostas no móvel ao lado
da televisão.

— Você quer alguma coisa para tomar? — pergunto aleatoriamente

para distrair sua atenção das fotos do Ian e ele pergunta sem tirar os olhos

das fotos.

— Você tem um filho? — Tanto esforço e é a primeira coisa que ele

nota.  Fecho meus olhos sem alento. Ele caminha para perto e pega uma

delas, a última foto do Ian bem recente e eu sei o que ele está vendo. Um
garotinho que nunca poderia ser questionado sobre quem seria seu pai. Ele

tem tudo de Michel e consequentemente de Enrico, e sei que ele não pode

negar isso. Vejo ele se virar lentamente para mim. Seus olhos perderam a

frieza e estão completamente confusos e cheios de questionamento. — Esse


garoto... — sua voz pela primeira vez desde que o encontrei tem um timbre

hesitante. Seu cenho franzido.

Sem uma saída, caminho para perto dele.

— Ele se chama Ian, e sim eu tenho um filho — digo firme.

Demonstrar fraqueza quando envolve meu filho? Nunca. Jamais. Eu poderia


estar sentindo uma dor imensa dentro de mim pela indiferença de Enrico,

mas se ele cogitar ferir meu filho como ele está me ferindo, eu não sei do
que serei capaz de fazer. Eu vivi todos esses anos pelo meu filho e eu

poderia virar uma leoa feroz por ele e para não deixar nenhuma dúvida
sobre isso eu digo com ferocidade. — Quando você achou que eu estava

falando com meu cúmplice, apenas estava falando com minha mãe para não
deixar meu filho ver você, se você acha que estou louca, Enrico, meu filho

teria tido a mesma reação porque ele conhece seu rosto como sendo o pai
dele.

— Impossível... — ele rosna baixo. — Isso é impossível, eu não

tenho um filho e nunca casei!

— Você tem um irmão idêntico a você?

— Eu não tenho um irmão — ele hesita como se o que estivesse

falando não fosse verdade, depois completa. — Não mais.


O que ele queria dizer? Michel era um irmão gêmeo idêntico dele?
Eu estava confundindo? Não é possível, eu sabia que esse homem na minha

frente é o verdadeiro Michel.

Ele volta os olhos para a foto e parece completamente desfeito do


homem arrogante e frio que estive vendo desde ontem.

Eu não posso deixar a emoção me dominar mais do que já está e

limpo minha garganta.

— Espere aqui, vou pegar as fotos que você veio ver — digo quando

o silêncio começa a ficar estranho e vou para meu quarto o deixando lá na


sala ainda com a foto do Ian nas mãos. Respiro fundo quando pego a caixa

no meu armário. Essa caixa não foi aberta por anos. Ali está registrado tudo
que vivi com Michel, cada momento de felicidade. Sento em minha cama e

paro olhando a caixa fechada ao meu lado. Enterrei tudo ali, pois é doloroso
demais para olhar sabendo que Michel não estava mais neste mundo e agora

ele está bem ali na sala me esperando e ao mesmo tempo não é o homem
por quem ainda sou apaixonada.

— Clara?... — A voz de Enrico me tira do transe. Ele está na porta do

meu quarto e não sei o que ele vê em meu rosto porque ele caminha em
minha direção com o cenho franzido. — Estava demorando muito... — ele

para a poucos passos de mim. — Você está bem?


— Eu gostaria de estar — digo com tristeza e não aguentando mais
desabafo. — Você nunca poderia entender como é difícil para mim tudo

isso, pode parecer um drama mexicano para você, e, na verdade, você nem
se importa com nada disso, talvez nunca entenda porque é indiferente ao

que deixou para trás há cinco anos, mas saber que estive chorando por uma
morte que não houve é tão... — Minha voz falha com a emoção que

borbulha dentro de mim e tenho vontade de gritar a plenos pulmões de


frustração e raiva, pois percebo que o sentimento mais dominante desde

ontem que sinto é a raiva.

— Por que não me mostra o que tem na caixa? — Ele aponta e


caminha para sentar ao meu lado sem convite. Ele sentar na minha cama  e

é tão estranho, surreal até. — O que tem aí, Clara?

Abro a caixa e tiro as fotos de dentro, presentes com valores


sentimentais que Michel tinha me dado ao longo de nossa vida juntos, nossa

certidão de casamento. Fotos da minha gravidez tirada por mamãe, pois eu


durante a gravidez não tive ânimo para essas coisas, mas ela insistia e dizia

que eu um dia iria querer ver como fiquei, mas eram fotos onde a tristeza no
meu rosto não condizia com meu estado, onde deveria estar feliz. Eu queria

a vida dentro de mim, mas a tristeza pela perda era tão forte naqueles dias
que era demais para demonstrar alegria em meu rosto.
Pego as fotos onde estamos eu e Michel e estendo para Enrico que

sem uma palavra as pega. A primeira da pequena pilha é uma foto minha
com Michel, uma selfie nossa que ele tirou na nossa lua de mel. Eu não

estou olhando para a foto, mas para o rosto de Enrico e é visível o choque
dele enquanto olha as fotos em suas mãos. Ele me olha rapidamente e volta

sua atenção ao que tem em mãos.

Ele passa para a próxima e como não foi empilhada na ordem que foi
tirada a que ele vê agora foi a primeira foto que nós tiramos juntos. Nosso

primeiro jantar e pedimos que o garçom tirasse a foto. Michel nessa está
mais parecido com Enrico, até o corte de cabelo, percebo que é idêntico.

Ele passa as fotos rapidamente uma após a outra onde um casal em


flagrante felicidade é retratado ali. Enrico joga as fotos na cama e levanta

de supetão me assustando. Ele cerra os punhos e caminha para fora do


quarto como se mil diabos estivessem atrás dele. Corro atrás dele e o

encontro na porta de saída de costas para mim, uma mão na porta de punho
cerrado e a outra na maçaneta como se fosse sair, mas algo o segura aqui

dentro, a cabeça tombada para frente e noto que ele respira forte. Seus
ombros sobem e descem em um ritmo constante. Fico lá sem dizer nada até

ele parecer se acalmar e se volta de frente para mim. Olhos azuis intensos
me olham meio assombrados, atormentados. Não falamos nada e ficamos lá
olhando um para o outro por tanto tempo que parece uma eternidade. Ele
não deixa transparecer seus pensamentos, não sei se ele acredita em mim

agora.

— Onde você conheceu o?... — Ele não termina a frase, mas sei o

que ele quer saber.

— Você ainda não acredita em mim? Que você é aquele homem na


foto? Quer que eu acredite que não é você? Pois eu sei que você é ele, então

pare! Pare de negar, por que está fazendo isso comigo? Por que fez isso
conosco?! — eu berro perdendo o controle de vez. As lágrimas que eu

tentei segurar rompem a barreira e descem por minhas bochechas.

— Porque se eu for esse homem, eu me esqueci de você e dessa


suposta vida que tive com você — ele diz com a voz vencida. — Eu não

lembro quem você é! Não me lembro de nada.

— Você tem algum tipo de amnésia? É isso?

— Não posso falar sobre isso.

— Não pode? Ou não quer? Não quer acreditar que seja possível eu

estar certa? — pergunto incrédula.

— Eu preciso ir embora — ele diz, mesmo que não se mexa do lugar.

— Não pode ir e me deixar sem respostas, Enrico — digo baixinho e


caminho para perto dele invadindo seu espaço pessoal. — Você tem o dever

de me dar respostas. — Olho ele de perto e sem perceber o que faço minha
mão levanta e toca a cicatriz em sua tempera. — Como conseguiu essa
cicatriz?

Enrico não tem mais a postura tão arrogante de mais cedo. Eu sei que

tudo que ele viu desde que entrou aqui o colocou na dúvida, isso é óbvio na
confusão em seus olhos, mas vejo que ele ainda não está pronto para

admitir ser Michel.

Ele segura minha mão e retira de sua testa, mas não a larga, apenas
olha nossas mãos juntas, é a primeira vez que ele me toca voluntariamente e

pela primeira vez em muito tempo sinto meu corpo reagir a um homem.
Meu coração bombeia rápido no meu peito, mas a raiva está bem presente e

puxo minha mão da dele.

— Você se esqueceu de nós? Ou você é tão sádico que sente prazer

em continuar negando?

— Eu não posso falar com você sobre isso agora, eu...

— Como você pode explicar que uma pessoa igual a você foi casada

comigo? Não estou mentindo e nem estou tentando dar um golpe em você!

Ele não responde, sua mandíbula está pulando de tão tenso que ele
aperta.

— Você nem mesmo vai tentar...


— Tenho que ir. — Ele abre a porta e sai me deixando lá em pé feito
uma idiota.
 
CLARA MONTEIRO
 
 

Entro no carro e minha pose fria se desfaz e sufoco sem ar, meus
pulmões parecem que vão explodir. Puxo a gravata desfazendo o nó e tento

respirar novamente, puxo o ar com força tentando voltar a minha respiração


normal. Uma dor de cabeça começa a latejar em minha têmpora e aperto os

olhos na tentativa de fazer a dor desaparecer. Sinto como se tivesse um


buraco negro dentro do meu cérebro.

Depois de quase cinco minutos parado na frente do prédio de Clara,

enfim conecto o telefone no bluetooth e ligo para o Dr. Leandro enquanto


dou partida no carro. Leandro é meu neurologista e me acompanha desde o

acidente há cinco anos.

— Enrico!

— Você está podendo me receber, agora? — Ele é a única pessoa

além do meu advogado que eu posso falar neste momento e eu preciso

colocar isso para fora antes que minha mente exploda, nem minha família
sabe da minha falha de memória. Quando houve o acidente há cinco anos,

mais de um ano da minha vida foi apagado da minha memória, como se

nunca tivesse existido, e não pude sair anunciando por aí que eu não me
lembrava de nada. Achei que nada tão importante assim tivesse acontecido
e, no entanto, parece que eu esqueci que casei e que tinha um filho dessa

relação. É completamente impensável que eu esqueci algo tão importante.

— O que houve? — Sem esperar minha resposta ele emenda. —


Deixe-me verificar minha agenda... — A linha fica em silêncio e depois ele

volta. — Tenho uma hora livre para o almoço, se quiser...

Olho o relógio e são 11h35.

— Estou indo, preciso conversar com você.

— Está bem. Você apenas quer conversar ou está sentido alguma

coisa? Você teve algum sonho novamente?

Eu geralmente tenho sonhos recorrentes, sempre sonho que estou

perdido em um lugar desconhecido e no sonho eu tenho a sensação que


perdi algo importante, sempre é um sonho nebuloso, sem sentido algum, e

acordo sobressaltado e com meu coração acelerado, e geralmente passo o


dia com aquela sensação de aperto no peito. Como havia perdido meu pai e

irmão, eu associava a isso, mas será que não tem mais coisa aí que não

lembro. Seria Clara essa coisa importante que eu sentia que havia perdido?

— Conversaremos daqui a pouco — digo, depois me despeço e

desligo.

Meia hora depois estou parando o carro no estacionamento do


consultório médico. Paro no estacionamento e fico sentado lá por um
momento, tento absorver a enxurrada de informações e revelações de Clara.

Eu tinha um filho, caralho? O garoto é igual a mim quando tinha sua

idade, como diabos isso é possível? Na verdade, ele é uma versão de mim

agora também.

Sete anos atrás eu quis viver longe do Grupo Monteiro. Do meu pai,

da sombra do meu irmão mais velho, da minha família e viver longe do

peso que a nossa família representa, principalmente do meu irmão mais

velho perfeito, então deixei tudo para trás e viajei, curti com mulheres,

aproveitei cada momento, mas eu não me lembro de ter casado. Nunca

cogitei casar, isso não estava em meus planos naquele momento, eu apenas

queria curtir, mas deve ter acontecido algo e casei. Clara não poderia me

confundir com meu irmão, ele e eu éramos opostos em tudo, desde o tom de
pele, cabelos olhos, tudo. Eu sou igual a minha mãe, enquanto ele era a

cópia do meu pai, assim como Melissa.

A última lembrança que tenho depois que acordei no hospital é que


eu tinha uma lacuna de um ano e pouco em minha cabeça. Tudo isso em

uma época que tudo aconteceu de repente tirando o equilíbrio da minha

família. O carro que meu pai, meu irmão e eu estávamos se envolveu em

um acidente, e meu pai e irmão não sobreviveram, e eu não tive muitas

lesões físicas, mas a pancada na minha cabeça roubou um período da minha

vida. Com meu pai e meu irmão mais velho mortos, nossa empresa estava
quase em colapso com a repentina morte do CEO e seu presidente, e eu tive

que assumir a empresa quando saí do hospital, e não podia naquele

momento crítico dizer a todos que eu não me lembrava do último ano da


minha vida, eu não sabia dizer onde estive por um ano ou mais, mas meu

advogado aconselhou ficar quieto, ele era um amigo e confiei no seu

conselho. Apenas ele e meu médico eram os únicos que sabiam disso e tudo

foi mantido em segredo para garantir que nossas ações não despencassem

com a insegurança que o grupo passaria. Tudo era uma bagunça sem

sentido e tive de lidar com isso sozinho.

O principal CEO morto e o novo sem saber o que tinha feito nos

últimos tempos não era o que nossos associados queriam como CEO do

Grupo Monteiro. Então a solução do meu advogado era o melhor a fazer,

não levar isso a público, além de garantir que a empresa não sofresse o

impacto disso, eu também seria resguardado de pessoas mal-intencionadas.


Manter isso em segredo da minha família tinha sido custoso, por causa

disso eu mudei deixando todos de fora, eu não falava do último ano a

ninguém e quando era questionado onde estive eu me distanciava e não

dava respostas e virou um hábito, me resguardava de todos. E agora uma

mulher diz que casei com ela usando um nome falso e além de tudo eu

poderia ser pai. Poderia não era a palavra aqui, pois eu sinto que sou o pai

daquele garoto, não tem como negar isso. O garoto é uma cópia minha.
Eu não me lembro de Clara, não lembro de tê-la conhecido, é o

oposto do meu habitual gosto para mulheres. Ela parece frágil e insegura e

eu sempre me envolvi com mulheres seguras de si, além do tipo físico bem

diferente, mas ela só pareceu insegura naquele momento que estava sendo

ridiculamente rude com ela, talvez eu fosse o idiota que causasse isso nela.

No entanto, pelo visto, ela é mais que meu tipo, já que casei com ela.

Mas como? Não me lembro de ter usado nome falso e nem o porquê eu

usaria. Minha cabeça começa a doer e desço do carro tentando limpar a

mente da enxurrada de conjecturas e tentar colocar sentido em tudo.

A porra da minha vida é uma bagunça e eu odeio estar perdendo o

controle disso. Quando Clara veio com a conversa que era minha esposa

esquecida eu pensei logo na possibilidade de ela ter descoberto minha

amnésia e querer tirar proveito disso, confiança não é algo que eu dou

facilmente e chegar a uma sala de reunião e uma desconhecida dizer que é

sua esposa é bem esquisito, no mínimo.

Leandro já está me esperando e a secretária me leva ao consultório

dele imediatamente.

— Como está, Enrico? — ele pergunta apertando minha mão. Sento-

me na frente de sua mesa deixando o ar sair dos meus pulmões.


— Acha que tem alguma forma de fazer minha memória voltar? Algo

na medicina que tenha mudado nesse tempo?

— Enrico, já falamos sobre isso, ainda não construímos um botão de

liga e desliga da nossa mente, a única coisa que podemos tentar como

alternativa é a hipnose outra vez e tentar fazê-lo se lembrar — explica e

sabe que não vou fazer novamente. — O que está havendo? Fazia tempo

que não falávamos sobre isso. Lembrou alguma coisa?

— Tenho um problema sério. Encontrei uma mulher que diz que

cinco anos atrás eu fui casado com ela. Pior de tudo é que ela me conhece

por Michel Monteiro e não me lembro de ter usado um nome falso, não sei

explicar isso e talvez nunca possa.

— Você sempre soube que poderia nunca se lembrar de nada, e sabe o

motivo que deixamos sua condição em sigilo — ele me olha atentamente

—, não sou seu conselheiro, apenas seu médico, mas agora não há razão pra

continuar escondendo isso de todos. Ou há?

— Sempre vai ter alguém querendo se aproveitar de uma

oportunidade como essa, Leandro. Tirar vantagem de uma fraqueza não

posso assentir, e não só por mim, mas sou responsável por um grupo

empresarial que vale milhões e não posso me permitir a ter uma fraqueza

como essa exposta.


— E agora? Essa mulher de onde ela saiu?

— Começou a trabalhar para mim e entrou em colapso quando me


viu, não acreditei em nada do que falava, mas hoje... — paro porque

verbalizar tudo vai deixar isso mais real do que eu posso lidar agora.

— O que aconteceu hoje?

— Eu pedi que ela me provasse que estava falando a verdade, e claro

pensei que ela fosse negar tudo é dizer que descobriu minha amnésia e
queria algo, mas ela pode estar falando a verdade, ou alguém muito
parecido comigo casou com ela e tiveram um filho. Que por sinal é uma

pequena cópia minha.

— O quê?

— Parece que o ano que se apagou de minha mente eu andei fazendo


mais do que apenas me rebelar contra minha família. — Recosto na cadeira

e relaxo meus punhos que nem percebi que estavam apertados. — Desde o
acidente eu não tinha sido confrontado com nada que esqueci, não esperava
que depois desse tempo todo tivesse que enfrentar as consequências disso.

Segundo Leandro, eu poderia nunca me lembrar desse período, e nada até


agora foi um gatilho para recuperar o ano perdido.

— O que seu advogado aconselhou? — ele pergunta.


— Ainda não falei com ele, mas vai com certeza pedir exame de
DNA do garoto. Eu não preciso disso para ter certeza.

— E onde ela estava esses anos todos?

— Não conversei com ela tanto assim, estava sendo um idiota com
ela desde que ela me chamou de Michel — assumo nada contente comigo
mesmo.

— Não poderia ser um sósia seu e ela está confundindo?

— Sou eu naquelas fotos, não teria como ser só alguém parecido —

digo frustrado. — Tenho a sensação horrível de que tudo isso seja verdade,
que esqueci uma esposa e um filho.

— Você não teve culpa, Enrico... se tudo isso se provar verídico.

— Não?

— Não teve culpa do acidente... não teve culpa de perder a memória,


isso estava fora de seu controle, não importa quem você seja. — Será que

não?

E por que esqueceria apenas essa parte da minha vida?

Eram tantas questões sem respostas e talvez nunca as tivesse.

— Estou falando de esquecer uma esposa que estive enganando, uma

vez que nem meu nome verdadeiro ela sabia. Que espécie de homem eu
sou, porra?

— Não posso responder sobre isso, mas a amnésia não é culpa sua —

ele reafirma.

— Como não? Não dizem que esquecemos porque algo sobre aquilo
nos incomoda? Eu queria esconder que tinha casado? Queria esconder

minha outra vida?

— A mente é algo incrivelmente complexo Enrico, não sabemos cem


por cento como ela funciona...

— Eu preciso saber mais sobre essa outra vida que vivi e não sei
como me aproximar dessa mulher sem magoá-la mais do que fiz ao que

parece.

— Tudo se resolverá — Leandro diz confiante. — Vou agendar com


o terapeuta uma sessão de hipnose se quiser, talvez agora tenhamos sucesso.

Não desista de lembrar.

— Não vou fazer hipnose, Leandro — garanto.

— Talvez agora tenha sucesso.

Eu não tenho tanta certeza assim se tudo se resolverá e quando saio


do consultório para voltar ao trabalho, estou tenso e inquieto.

Eu me pergunto como tudo isso terminará.


 
 
CLARA MONTEIRO
 

Eu fico lá depois que Enrico saiu da minha casa e uma dor profunda
se alastra por meu peito. Ele simplesmente saiu sem que nós tivéssemos

conversado direito. Eu não falei tudo sobre Michel para ele e parecia que

ele não estava dando a mínima sobre tudo. Guardo as fotografias sem olhar
muito para elas e fico indecisa se devo voltar à redação, provavelmente irei

perder esse emprego. Mando uma mensagem para a Sílvia avisando que não
irei mais hoje e que amanhã compensarei meu dia. Eu não estava com

nenhuma estrutura emocional para ver Enrico hoje. Se ele vai me demitir de
qualquer maneira, o que era mais um dia sem fazer meu trabalho?

Envio uma mensagem para mamãe voltar e fico zanzando pelo

apartamento, minha mente completamente em transe.

Meia hora depois minha mãe chega com Ian e eu agarro meu filho

nos braços. Eu precisava tanto disso!

— Não ficou no trabalho hoje de novo? — mamãe pergunta

preocupada e ela tem razão de se preocupar, afinal estamos nos adaptando a

esse lugar ainda. — Vai acabar sem emprego, ou talvez seja o melhor. Esse
homem que você diz ser o Michel pode não ser ele e você está fazendo

confusão com um homem parecido com ele que por acaso é seu chefe.

— Você não acredita em mim, não é? — pergunto com um pouco de


mágoa. — Ele também não acredita em mim, mas eu gostaria que você o

visse e tirasse suas próprias conclusões.

— Ah querida, eu não sei o que dizer. — Ela deixa as compras que


estava guardando e vem para meu lado. — Eu amo você, mas a morte de

Michel mexeu demais com você e entendo, pois vocês dois eram

apaixonados demais um pelo outro e agora você pode estar confundido tudo

em sua mente.

Eu não vou entrar nessa conversa desgastante, estou cansada de ser

chamada de louca porque não sou. Não entendo o que aconteceu com

Michel, mas eu vou descobrir.

Sem retrucar suas palavras eu assinto e digo que vou tentar fazer

algum trabalho daqui de casa no meu quarto. Passo pela sala onde Ian está

brincando no tapete com carrinhos de corrida e fico parada um momento

apenas observando meu filho e me pergunto como um pai pode olhar seu

filho e não sentir nada. Não o reconhecer quando ele é tão igual a ele.

Enrico é mais frio do que eu imaginei.


No quarto, mando e-mail para Sílvia e digo que resolvi trabalhar de

casa, eu não estava preparada para ver Enrico hoje, seria demais, e talvez

amanhã eu seja demitida de qualquer maneira.

Quando entro na redação, no dia seguinte, vou direto para a sala de


Melissa, preciso falar com ela por causa dos dois dias que não estive na

empresa e se vou continuar. Bato e escuto sua voz.

— Entre.

Empurro a porta e coloco minha cabeça para dentro.

— Bom dia, Melissa, você tem um minuto?

— Claro, entre Clara — ela diz séria, sem o sorriso simpático que

sempre dá.

Caminho e me sento na poltrona em frente da mesa dela.

— Tudo bem?

— Sim, obrigada. — Limpando a garganta eu começo. — Quero

pedir desculpas por não dar tudo de mim aqui no escritório e entenderei se

você me demitir.
— Para ser bem sincera, Clara, eu não sei bem o que fazer com essa

situação, estou deixando para meu irmão resolver essa questão entre vocês

— ela diz com sua testa franzindo. — Não entendi nada que está havendo
com vocês dois, eu tentei falar com Enrico e ele não diz nada, vocês terão

de resolver isso sem mim. Vi que ontem os dois saíram juntos, não sei o que

está acontecendo exatamente.

— Eu posso parecer louca, mas posso garantir que não sou nenhuma

lunática.

— Não estou julgando suas ações, Clara, eu não posso dizer que o

que fala não seja verdade, já que meu irmão um tempo atrás ficou distante

da família, pode ter acontecido muita coisa nesse período e ele não nos

contou — ela se inclina para frente captando toda minha atenção —, mas

como sua chefe imediata eu não quero que nada atrapalhe o andamento do

nosso trabalho, entretanto, vocês terão que resolver isso sozinhos e de

preferência que não deixe o ambiente de trabalho hostil.

— Eu fico agradecida — expresso com humildade, pois sei que

preciso continuar com o emprego, mesmo sabendo o quão difícil será ver

Enrico todos os dias e saber que ele não se importa com nosso passado.

Engolindo o gosto amargo que a vida jogou cruelmente para mim, eu olho

para Melissa com sinceridade —, acabei mudando de cidade para vir para

cá, agora seria um golpe para mim e quero muito esse trabalho, eu tenho um
filho e preciso pensar nele antes de qualquer coisa. Preciso muito ficar na

revista.

Ela não questiona sobre meu surto, o que acho bom, saio de sua sala
pouco depois e volto para minha mesa pegando no trabalho atrasado. Sílvia

quer saber o que houve, mas não quero falar sobre isso. Meu coração salta a

cada vez que penso que Enrico vai aparecer, mas hoje ele não veio. É quase

a hora do almoço e ele não deu as caras por aqui. Disseram que ele estava

em sua sala e que ficou lá a manhã toda, mas eu acho que ele não veio para

a redação.

— Você vai me deixar morta de curiosidade, onde foi com o chefe

ontem? — Sílvia questiona quando caminhamos juntas para o almoço.

— Quero esquecer este assunto — claro que minto, não vou esquecer,

mas eu preciso deixar este assunto fora da revista, não quero ser taxada de

maluca mais do que estou sendo. — Só conversamos. — Outra mentira,

pois nem chegamos a falar realmente o que deveríamos.

— O que quer dizer com esquecer? Você vai assumir que o

confundiu?

Por que todos colocaram na cabeça que confundi Enrico? Até a

minha mãe acha que os confundi.


— Não, apenas não quero ser taxada de maluca, Sílvia — digo mais

uma vez, tenho repetido isso demais nestes últimos dois dias. — Já basta

todos pensarem isso, não posso perder meu emprego, acabei de chegar à

cidade e não posso sair mudando outra vez.

— Claro, deve ser difícil para você.

— Não imagina o quanto.

— Mas gostaria que me falasse sobre isso se ajudar, às vezes colocar

para fora nos faz bem, passamos a ver por uma perspectiva diferente.

Durante o almoço eu acabo contando minha história com Michel para

ela. Falo como Michel e eu nos conhecemos e nos apaixonamos loucamente

e do casamento rápido porque queríamos tanto um ao outro que era difícil

vivermos separados, e do quanto vivemos intensamente durante o tempo

que durou nosso casamento e logo depois o acidente, e como o nome de

Michel estava na lista de passageiro.

Enquanto falo, eu percebo que não conhecia de fato meu marido. Ele
tinha segredos que eu não conhecia? Por que ele se passaria por outra

pessoa?

— Ele trabalhava como consultor financeiro para algumas empresas e

viajava bastante, eu não estava sabendo que ele iria para a França, talvez
tenha decidido isso de última hora? Não sei dizer. Ele estava aqui a trabalho

e de repente eu soube pela TV que estava viúva — conto.

— Isso é tão triste, Clara, sinto muito. — Ela estende as mãos sobre a

mesa e segura a minha em um gesto gentil.

— E depois de quase cinco anos eu descubro que ele está vivo.

— Tem certeza? — Ela parece cética, e como Enrico já descobriu

sobre Ian, eu pego o meu celular e abro minhas fotos mostrando uma foto
de Ian.

— Esse é meu filho, descobri que estava grávida pouco antes do

acidente. — Estendo meu celular para ela. Ela ofega espantada olhando a
foto de Ian sorridente para a câmera.

— Oh meu Deus! — manifesta com os olhos arregalados de surpresa.


Ela tira os olhos da foto e me olha. Vejo a pena lá, mas parece que enfim

alguém está acreditando em mim. — Ele é filho do Enrico? Eles são muito
parecidos...

— Ela e a maioria das pessoas não percebem que estou falando a

verdade, eu sei que não estou louca, e vendo meu marido morto em outro
homem.

— Como é possível que ele não se lembre de algo assim, ou está

sendo canalha e fugindo da responsabilidade? Mas por quê? — ela


questiona e não posso dar as respostas, pois não as tenho. — O que vai
fazer?

— Não sei, talvez ele nunca vá acreditar em mim — digo. — Só

quero respostas, porque meu marido mesmo eu o já perdi faz tempo, esse
homem só parece fisicamente com Michel. Provar que ele é Michel é uma

das coisas que quero.

— Você tem tudo a seu favor para provar isso, peça judicialmente um
exame de DNA, simples, Clara — ela sugere.

Claro que já pensei nisso, é o mais fácil, só não quero submeter meu
filho a uma decepção maior. Ele parece conformado que seu pai está no céu

e chegar um homem igual a ele agora e depois não o aceitar será doloroso.

— Não posso expor meu filho a mais uma decepção, e se ele não for
um pai para ele.

— Ian nem poderia ter contato com ele, para fazer isso.

— Acha que é preciso um exame desses para provar que ele é o


Michel?

— Talvez ele precise disso, Clara, eu sei como deve se sentir


protetora de seu filho, pelo que me disse tem passado por muita coisa desde

que Michel faleceu, mas o melhor seria provar a Enrico Monteiro que ele
tem responsabilidades.
— Meu filho é prioridade para mim.

Depois do almoço voltamos para a redação e não vejo sinal de Enrico

por ali.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 
 
 

Tento trabalhar e não consigo me concentrar em absolutamente nada.


Imagens do rosto decepcionado de Clara não saem da minha cabeça. Seguro

a ponta do nariz e respiro fundo. Será que estou sendo um babaca sem
precedentes por não ir até ela? Eu sinto um maldito incômodo dentro de

mim dizendo que estou fazendo algo errado em não ir até ela é conversar,
tentar conhecer ela é o filho dela que pode ser meu. Que só poderia ser meu,

ele é igual a mim naquela idade e ainda temos as mesmas cores de cabelo,

olhos. É um minieu.

Dos olhos e cabelos, além das características semelhantes, não tem

como negar que esse garoto tenha meus genes. E eu me pergunto o que faço

aqui que não estou tentando me aproximar deles. Não vi Clara hoje, eu

passei o dia no meu escritório, nem Melissa entrou na minha sala hoje,

ninguém teve autorização para me interromper, algo estava me deixando


inquieto e ranzinza. Fecho a tampa do notebook e pego meu caminho pra

fora da minha sala. São pouco mais de seis da tarde e a redação está

praticamente vazia.
Uma hora depois eu paro o carro na frente do prédio de Clara. Eu não

sabia bem o que diabos vim fazer aqui, mas algo me compeliu para cá. O

prédio não tem um sistema de segurança eficiente pelo visito porque eu

entro sem ninguém me parar, pouco depois estou tocando a campainha da

porta. A porta se abre e uma Clara me recebe de olhos arregalados. Ela está
em um short branco curto e uma camiseta verde, e descalça, as pernas

longas descobertas são sexies. Eu analiso tudo em segundos e mesmo que

ontem tenha dito que nada nela me atraía por não ser o tipo de mulher que

namoro, ela causa mais efeito em mim do que ela possa imaginar. Se ela

estiver certa, eu tive mais que interesse nela no passado. Ela é bonita, disso
não tenho dúvidas. Seus cabelos pretos e lisos, seus olhos verdes e um

corpo com as curvas nos lugares certos são tentadores, mas se você olhasse

bem em seus olhos veria uma melancolia em suas profundezas verdes, ela

tem esse ar frágil que parece que ela vai quebrar, mas é algo enganoso,

porque eu sei que ela é forte, como ela falou comigo ontem, eu tenho

certeza que ela não é frágil como sua aparência transparece.

— O que está fazendo aqui?  — ela pergunta quando me encara no

corredor vazio. Ela está nervosa.

— Achei que precisava vim, temos que conversar — digo sem eu

mesmo saber a real razão de estar aqui, apenas sinto que devo. Uma força

parece que age em mim desde ontem, meus pensamentos não saem da
possibilidade de ser pai, de ter um filho com uma desconhecida que diz que

sou seu marido. Jesus, eu passei a noite tentando me lembrar dela, da vida

que ela diz que tivemos e tudo parece escuro em minha cabeça. — Eu...

— Você não pode aparecer aqui e confundir meu filho se você não

estiver certo que vai continuar na vida dele. Para ele seu pai não está mais

aqui e vendo você sem que eu o prepare para isso, vai deixar ele confuso.

Só para depois você simplesmente dizer que tudo é uma invenção e vá

embora, deixando meu filho mais uma vez. — Ela derrama uma enxurrada

de palavras com raiva, seu rosto está vermelho e olhos furiosos me

encaram.

— Não...

— Acho que deve ir embora. Podemos ter essa conversa amanhã ou

outra hora qualquer, menos agora.

— Eu preciso conhecer o garoto... — Mais uma vez ela me corta.

— Precisa?

— Sim... — começo, mas Clara caminha até invadir meu espaço

pessoal colocando as mãos no quadril com olhar feroz para mim, a mulher

que parecia frágil e meio louca de dois dias atrás dá lugar a outra mulher

com olhar cheio de ferocidade.


— Para quê? Para dizer que ainda não é o pai dele? Que não fomos

casados? Que não se chama Michel? Para magoar meu filho como fez

comigo? — Ela se inclina para mim, e sinto o cheiro feminino do quão


perto de mim ela está. — Para dizer que sou louca? Que fantasiei nosso

casamento?

— Eu... — Porra! Que bagunça do caralho. Dou um passo para trás.

Eu nunca hesito ou gaguejo e estou fazendo isso agora como um moleque

sem saber o que dizer. Talvez eu devesse mesmo ir embora, mas me vejo

dizendo as palavras que podem mudar a vida que conheço hoje. — Eu

preciso saber a verdade.

— Se você olhando para ele não sabe a verdade, eu não sei o que

mais seria — ela diz. — Talvez um teste de DNA? Precisa disso?

— Sim. — Eu seria tolo se não exigisse isso. — Algo lá no fundo do

meu âmago diz que eu não preciso disso para ver que o garoto tem o meu

DNA, ele é muito igual a mim para não ter.

— Não vou permitir nenhum exame — ela diz e caminha para a

porta. — Eu não preciso provar mais nada para você, Enrico. Você tinha

razão o tempo todo, não é meu marido. Michel nunca seria como você.

Olho para ela. É uma mulher linda e quando está brava ela tem um

fogo nos olhos que me deixa abalado e com essa sensação de saudade no
peito. Saudade quando nunca a vi antes? Era esquisito ter essa sensação de

déjà-vu cada vez que eu a via, eu tinha uma urgência dentro do peito que eu

estava perdendo algo, que alguma coisa precisava ser consertada e ficava

mais forte a cada vez que Clara vinha a minha mente, e isso é o tempo todo

desde que ela desmaiou na sala de reunião.

Eu só tinha essa sensação quando eu tinha aqueles sonhos, onde

estava perdido e esse sentimento de perda era como chumbo pesando no

meu peito.

— Podemos conversar em outro lugar então?  — tento.

— Senhor Monteiro, eu passei o dia longe do meu filho e agora é

hora de dar um pouco de atenção a ele, se é tão importante podemos falar

amanhã.

Como se tivesse orquestrado a voz infantil vem de trás da porta.

— Mamãe, você tá aí? — Meu coração parece que entrou em um

ritmo louco e me sinto sufocando com a voz do outro lado da porta.

Jesus! Seria mesmo meu filho? Estou dividido em acreditar que sim,

mas eu sou um homem precavido e sempre terei que ter um pé atrás sobre

coisas absurdas como é meu suposto casamento com essa desconhecida.

Mas eu sinto uma conexão com esse garoto apenas por tê-lo visto por foto.

Eu preciso de mais tempo com ele e sinto a urgência disso profundamente.


— Já vou, filho! — Clara diz em voz alta para seu filho, ainda me

olhando firme. — Precisa ir.

— Eu quero conhecê-lo.

— Não agora, preciso conversar com ele primeiro — ela me encara

pensativa, a testa franzindo, e vejo claramente a preocupação em seu rosto

—, e se você cogitar magoá-lo. — Sem esperar uma resposta de minha

parte ela continua com um tom que não deixa margem para dúvida. —

Dessa vez terei certeza que estará morto de verdade, porque eu mesma

matarei você — ela diz entre dentes e seus olhos enchem de lágrimas. —

Vá embora, por favor.

Assinto, perdido por um momento nos olhos verdes dela.

— Eu vou, mas eu quero conhecê-lo, Clara, e nada ficará no

caminho, amanhã estarei aqui — asseguro para ela.

— É muito cedo.

— Se o que você diz for verdade, estou atrasado quatro anos, Clara.

— Se? Você nem tem certeza de nada. — Ela balança a cabeça com

decepção em seu rosto. — E fala em se meter em nossas vidas.

— Estou tentando entender. Você alega que sou o pai dele e nunca

estive com ele, como posso aceitar isso se nem o conheço?


— Não é sobre só conhecê-lo, é sobre ficar depois, Senhor Monteiro,

e meu filho não é um brinquedo que pode ser deixado de lado, caso não

goste.

— Nunca faria...

— Mamãe! — a voz infantil grita novamente e meu coração titubeia


em meu peito, mesmo que seja difícil aceitar que Clara não inventou toda

essa história, escutar a vozinha infantil me causa um estremecimento por


dentro.

— Querido, a mamãe já vai voltar, vamos lá. — Uma voz de mulher

vem também do outro lado. — Venha, vamos esperar lá na cozinha.

— Vá embora. — Clara se afasta e caminha para a porta. — Vou

avisar você quando ele estiver pronto para conhecer você.

— Amanhã, darei a manhã para fazer o que você achar melhor e

volto à tarde, Clara.

— Por que a urgência para quem não acredita que falo a verdade?

— Eu preciso disso.

— E eu preciso que você me explique por que não se lembra de nós,

Senhor Monteiro, antes não posso permitir você perto do meu filho — ela
diz.
As palavras para dizer que o filho também é meu ficam na ponta da
língua a tempo. A vontade de dizê-la veio tão naturalmente que quase

engasgo com a súbita vontade de reivindicar o garoto como meu, sem um


teste que comprove isso.

— Podemos conversar agora — retruco impaciente. Paciência não é

uma de minhas qualidades, o que eu poderia fazer agora não deixaria para
fazer outra hora.

— É tão teimoso! — Ela abre a porta e para lá. — Boa noite, Senhor

Monteiro. Até segunda.

Sim, amanhã é sábado e não iríamos nos encontrar na redação, mas

eu a verei amanhã, queira ela ou não.

— Boa noite — digo por fim.

Ela entra e eu fico lá parado no corredor vazio e quando caminho

para fora do prédio sinto meu corpo pesado como se ir embora me custasse.

— O que está acontecendo entre você e a Clara? — A voz de Melissa


vem da minha sala quando entro em casa mais tarde.
— Olá para você também, querida irmã. — Caminho para me servir
de uma bebida sem responder a ela. Nem eu sei o que está havendo comigo

e Clara, eu a conheço tem três dias e parece que faz anos. O turbilhão de
emoções que ela trouxe a minha vida é chocante demais, e que pode ser

tudo verdade, afinal eu não sei o que fiz durante um período de tempo da
minha vida, quando passei longe dos Monteiros.

— Corta essa, Enrico, ela parece muito certa do que está falando. —
Melissa vem para meu lado. — Você teve um caso com ela e esqueceu?

— Parece que tive mais que um caso com ela — resmungo.

— O que quer dizer? — Melissa pergunta baixo.

— Ela tem um filho — eu digo tomando um gole do conhaque

— O quê?

— Um filho que se parece muito comigo — revelo.

— O que você fez, Enrico? O que fez com essa pobre mulher?

— Eu não sei. — Viro para encará-la e tento mudar de assunto, ainda


não estou pronto para responder todas as suas perguntas sobre Clara, eu

nem saberia por onde começar, porque não tenho respostas. — Onde está a
mamãe? Já que você está aqui invadindo minha casa?

— Não mude de assunto — ela repreende cruzando os braços e

suspiro porque sei que ela não vai deixar isso quieto. — Mamãe está
jantando com algumas amigas em casa é claro. Eu quero saber como Clara

acha que você é o marido falecido dela.

— Eu não me lembro dela, Melissa, e nem sei como explicar a razão


de ela achar que casei com ela. — Sento na poltrona e minha irmã vem

sentar no sofá a minha frente. — Eu quero entender tudo isso, assim como
você. E vou tentar, pode acreditar.

— Precisa investigar isso mais de perto, Enrico. Como ela pode

confundir você assim, será alguém parecido com você, um sósia? Isso
existe mesmo? E se for um golpe?

Eu mesmo tinha acusado Clara de estar fazendo isso, mas ouvir


minha irmã falando isso me faz querer defender a honra dela, por isso me

surpreendo comigo mesmo quando digo:

— Ela não é esse tipo de mulher, ela não inventaria algo assim para
tirar dinheiro de nossa família. — Minha voz sai em um rosnado e não sei o

que me faz defender Clara quando eu nem tenho certeza do que está
acontecendo.

— Uau! Você está sendo todo protetor, Enrico?

Sem responder levanto tomando o último gole do meu copo.

— Você veio só para isso, Melissa? Tenho coisas para fazer, se não se
importa.
— Nem conversamos...

— A conversa que veio ter não vai acontecer, não tenho respostas.

— Na verdade, queria saber se vai querer demitir ou transferir Clara


da redação, sei que não gosta que nada interfira no ambiente de trabalho...

— Por que a demitiria? Ela tem um filho e acabou de mudar por


causa do trabalho na revista, Melissa.

— Eu sei, mas conhecendo você, achei que preferia que a demitisse.

— Ela fica. — Caminho para fora da sala e Melissa me segue. — Boa


noite irmãzinha — digo a dispensando claramente, mas como o pé no saco

que são as irmãs mais novas ela não entende a dica.

— Você está estranho — ela constata. — Ainda não terminamos essa


conversa.

— Sim terminamos.

— Você sabe que não, já falou com a Tati?

— Não Melissa, melhor ir embora.

Sem esperar resposta vou para meu quarto, troco o terno por uma
roupa esportiva e resolvo treinar para tirar Clara da cabeça, mas é um

exercício inútil, pois ela fica lá a cada minuto.


Termino meu treino e o meu celular está apitando mensagens e mais
mensagens. Pego o aparelho e vejo que é Tatiana.

Merda.

Espero que Melissa não tenha nada a ver com essa chamada. Minha

irmã é um pé no saco.

O nome de Tatiana continua explodindo na tela e me sinto culpado

quando penso que ela não veio em minha cabeça em quase três dias, desde
que certa mulher entrou na minha vida.

Eu tinha me esquecido dela esses dias. Ela está em um desfile em

Tóquio e nossos horários andam meio loucos.

O celular para e recomeça a tocar em minhas mãos, atendo enquanto

caminho para fora da academia.

— Tatiana — digo ao atender.

— Ei querido! Você não respondeu as mensagens.

— Estava treinando. Você está bem?

— Sim, estou voltando para casa amanhã — ela diz toda alegre. —

Estou com saudade.

Eu fico em silêncio quando dou conta que terei que ter uma conversa

com ela sobre Clara antes que ela fique sabendo por outra pessoa. Tatiana
Morais é amiga íntima da minha irmã e há três meses ficamos noivos, ela
parecia a mulher certa para que eu desse esse passo para construir uma

família. Ela estava se aposentando da carreira de modelo em um ou dois


meses e queria criar raízes e como nos conhecemos há muitos anos, sua

família e a minha sempre foram próximas, eu achei que poderia fazer dar
certo, mas agora tenho uma situação que nem um de nós cogitou. Eu gosto

da companhia dela, não é amor que iria nos unir, mas combinávamos. E
parecia certo até agora. Só que tenho questões que precisam ser esclarecidas

antes que eu dê esse passo com ela.

— Você me manda a hora que vai chegar que mandarei alguém


buscar você no aeroporto — digo por fim. — Temos algumas coisas para

conversar.

— Está tudo bem, Enrico? — Sua voz fica cautelosa e me dou um

tapa mental por ter falado que precisamos conversar quando ela está do
outro lado do mundo.

Nós nos despedimos e desligo enquanto entro no meu quarto para um


banho muito necessário. Meus pensamentos vão para Clara. Amanhã iria

conhecer o garoto que poderia ser meu filho, não que poderia, mas que eu
sentia lá no fundo que era meu filho. Eu só não quero acreditar que seja
esse tipo de homem que abandonava suas responsabilidades. Estou ansioso
e com os sentimentos muito confusos. Eu não posso acreditar que vivi uma
vida secreta com uma mulher que nem me lembro dela e que minha família
não tem ideia sobre ela tampouco. Como todos os laços com ela foi

excluído? O celular que usava na época do acidente foi destruído e nunca


recuperei nada dele, talvez lá tivesse informações. Agora era tarde demais
para conjecturas.

Meu celular toca na mesa, eu o pego vendo que são mensagens de


Clara. Ela me enviou um vídeo e quando abro meu coração bate acelerado.

“Tenho esses vídeos antigos do Ian, achei que gostaria de ver.

Mandei em ordem cronológica.”

Ela é clínica na mensagem, mas só em saber que está a essa hora


mandando mensagem para mim mostra que ela não é indiferente a mim,
mesmo ela nem me deixando entrar hoje em sua casa para conhecer Ian. Eu
poderia exigir isso dela? Eu não queria forçar nada, apenas saber a verdade

e conhecer mais meu filho.

Abro o primeiro.
 
ENRICO MONTEIRO
 
 
 

O primeiro vídeo, Ian é recém-nascido, ele é uma coisinha enrugada e


vermelha embrulhada em cobertores brancos, uma mulher mais velha que

se parece com Clara está o segurando nos braços.

— Ele é tão bonito. — A voz dela está emocionada e quando a


câmera foca nela, vejo que ela está com o rosto vermelho também, ela

parece que esteve chorando.

— Ian Monteiro será uma coisa quando for um homem feito, hein. —

A voz de uma mulher diz e acho que é quem está filmando. As imagens

parecem ser no hospital e a câmera muda para mostrar Clara deitada na


cama de um quarto de hospital. A mulher deitada lá não parece Clara, está

magra demais para quem aparentemente teve um filho. — Hein mamãe?

Clara não ri, ela parece apática e sem vida, seus olhos fundos e sua

pele sem o viço que tem hoje. Dá para ver a dor em seus olhos tristes. Ela
tem sua atenção no bebê nos braços da mulher, que acredito seja sua mãe,

mas é como se ela não estivesse vendo-os. Eu quero desligar o vídeo, mas

mulher que acho que é sua mãe que se levanta e estende o pacote nos braços

de Clara.
— Acho que ele quer a mamãe dele, querida — diz ela e sua voz sai

embargada. Era para ser um vídeo feliz, mas há tanta tristeza nele que me

deixa com o peito apertado e quando no vídeo, Clara tem uma crise de

choro e a filmagem é finalizada, eu me pergunto o quão difícil foi para ela

ter um filho sozinha e ainda por cima de luto.

Abro o segundo vídeo e nesse Ian está maior e deve ser Clara

filmando porque a voz está incentivando Ian a fazer alguma coisa. Ele é um

bebê lindo e me pego sorrindo quando escuto a voz de Clara.

— Diga ma-mãe, filho! — ela instrui e ele olha para ele com olhos

azuis e chupando seus próprios dedos rechonchudos, ele era um bebê lindo

e sinto meu peito inchar com um amor que eu jamais acreditei que pudesse
sentir. A voz de Clara não para no vídeo. — Ma-mãe, Ian.

— Pa-pa — ele balbucia a boca molenga e baba por todo lado, ele

contraria sua mãe que bufa ao fundo me fazendo rir de sua frustração. Ele é

tão perfeito.

— Não papa, ma-mãe! — ela insiste. — Seu papa ele não...

Sua voz embarga e sinto meu próprio nó na garganta.

— Pa-pa! Pa-pa! — Ian resolve falar batendo as mãozinhas

freneticamente enquanto balbucia repetidamente.

Clara reclama no vídeo e sorrio com quentura tomando meu peito.


— Isso aí garoto! — digo. Eu sinto que devia ter estado ali com eles

nesses momentos, e eu não estava porra.

Fecho meus olhos a cabeça a mil por hora.

As perguntas são muitas e poucas respostas. Eu sei que fiz muita

merda no passado, razão pela qual meu pai preferia meu irmão no comando,

e eu sempre atribuía isso por ele ser o primogênito e minha família ter essa

merda de tradição ancestral do filho mais velho ter privilégio apenas por ser

o primeiro, eu me rebelava e isso só piorava. Mas me casar com nome

falso? E ter um filho? Pior de tudo, abandonar os dois?

Esse é um ponto que até meu eu do passado não poderia passar, mas

ao que tudo indica eu fiz isso. E para coroar eu os deletei de minha mente.

Quero abrir minha cabeça e ver o que tem de errado lá dentro e consertar

até lembrar por que destruir a vida de uma mulher inocente dessa forma. Eu

a enganei propositalmente? Eu era egoísta, mas eu tinha um limite, não

tinha?

Minha mente ferve sem respostas e eu preciso achar uma forma de

consertar as coisas. E ainda fui um merda quando a conheci, acusando-a de

querer algo de mim, quando muito provavelmente eu que sou o devedor

nessa história.
Aperto meus os olhos e tento forçar minha mente para ter uma

lembrança daquele ano, mas isso só faz minha cabeça querer doer. Meu

médico dizia para nunca forçar, que se fosse lembrar eu faria isso quando
menos esperasse, algo seria o gatilho para a memória voltar, ou eu

simplesmente lembraria, mas cinco anos se foram e eu ainda não sei nada

sobre aquele ano.

 
 
CLARA MONTEIRO
 
 

Choque é pouco com a súbita aparição de Enrico em nossa porta,


quando entro e me escoro solto um suspiro de alívio porque ele não insistiu

para entrar. Eu não entendi a súbita mudança nele, para quem saiu daqui
como se o diabo estivesse o perseguindo ele voltou muito cheio de ideia de

conhecer Ian e nem falei para meu filho que seu pai não está no céu, e sim
muito vivo. Eu preciso conversar com Ian primeiro antes de ele ter qualquer

envolvimento com Enrico.

Meu coração ainda não está tranquilo que Enrico não vá magoar meu
filho, eu não tenho dúvidas que ele é filho de Enrico, mas e ele? Está certo

sobre a responsabilidade de lidar com uma criança? Ele “lembrou” que


éramos casados? Parece muito repentino para quem estava negando tudo

com tanta veemência.

— Está tudo bem, filha? — mamãe pergunta vindo da cozinha com

Ian em seu encalço.

— Pizza mamãe? — meu filho pede. Quando a campainha tocou

pensamos ser a pizza que tínhamos pedido, mas meu choque foi épico ao

ver Enrico ali parado.


— Ainda não é a pizza, querido. — Eu bagunço seu cabelo quando

escuto a campainha novamente e meu coração dispara, mas quando olho no

olho magico é nossa pizza.

O jantar tem um Ian conversando pelos cotovelos, já mamãe está

meio pensativa e viro para ela.

— Você está bem?

— Sim.

— Está tão calada.

— Meu neto já está falando por todas nós. — Ela ri mexendo com Ian

e me olha por um momento. — Olhei através da porta enquanto você estava

com você sabe quem.

— Você o viu?

— Sim, mesmo distorcido pelo olho mágico, ele parece demais com

Michel — ela comenta baixinho para que Ian não escute. Olho para ele e o

encontro prestando atenção ao que estávamos conversando.

— Depois falamos sobre isso. — Terminamos de jantar logo depois,

vou arrumar a cozinha e Ian está distraído com seus carros de corrida na

sala fazendo sons estranhos com a boca, mamãe vem para perto de mim e

enquanto limpamos a bagunça conto que Enrico quer conhecer Ian.


— Acha que é muito cedo? — pergunto quando ela fica calada,

analisando minhas palavras ao que parece.

— Talvez, ou não, se ele for mesmo o Michel está mais que atrasado

para conhecer seu filho. Ele está disposto a ficar na vida de Ian? — ela

pergunta e lembro que Enrico disse algo parecido, sobre estar atrasado.

Talvez eu devesse falar com Ian amanhã e falar que seu pai estava vivo. Eu

temo que Enrico não vá em frente com isso e magoe meu bebê.

— Eu preciso preparar Ian de qualquer maneira.

— Estou aqui para apoiar você no que achar mais prudente fazer,

estarei aqui sempre.

— Você é a melhor mãe do mundo sabe disso, né?

— Claro que sei — ela retruca e envolvo meus braços nela e me


aconchego.

— Não sei o que seria de mim sem você por perto — digo.

— Certeza que daria conta de tudo, é uma mulher forte, Clara, apenas

levou um tombo da vida que abalaria qualquer pessoa.

Talvez ela esteja certa, eu apenas perdi o amor da minha vida cedo

demais.
 
CLARA MONTEIRO
 
 

O dia seguinte eu amanheço apreensiva sobre o dia de hoje, Enrico


ameaçou vir conhecer Ian e eu preciso criar coragem e contar para meu

filho de quatro anos algo que nem eu mesma eu entendo. Depois do café da
manhã, sento com ele em meio a seus carros de corrida e tento:

— Filho, lembra que disse que seu papai estava morando no céu?

— Sim mamãe — ele responde todo compenetrado em seus carros.

Mordo minha bochecha.

— Certo, e se você descobrisse que ele não estava morando no céu e

que você iria conhecê-lo, você gostaria disso?

Eu estava levando essa conversa horrivelmente, mas como você diria

ao seu filho pequeno que seu pai está vivo quando tudo que ele conhece é a
história que contamos a ele que seu pai estava morando no céu desde antes

dele nascer? Falar de morte com adulto já é algo difícil, imagina uma

criança.

— Ele veio do céu? — ele pergunta em um sussurro, seus olhos

arregalados de surpresa e esquecendo momentaneamente seus brinquedos.


— Pode-se dizer que sim, amor — falo tirando seus cabelos da testa.

Estava vindo mais do inferno, o homem poderia ser rude, eu não gostava

desse Michel, ou melhor, Enrico. Diabos, nem eu sei como chamá-lo.

— Uaaau! — ele exclama arrastado e cheio de admiração em seus

olhos tão iguais ao de Enrico.

— Você iria gostar de conhecer ele?

Ele parece estar pensando quando fica calado.

— Eu vou ter um papai agora?

Oh Jesus e se Enrico desapontar meu filho? E se ele for embora e não

quiser saber dessa história de filho, mesmo que um teste de DNA prove

isso? O homem poderia vir a amar Ian?

Ele podia estar curioso, mas se resolvesse sumir como antes. Eu não

suportaria que meu filho passasse por tudo que foi minha vida nesses

últimos anos sofrendo essa dor surda no peito. A dor da saudade é

sufocante, o peito pesa como se houvesse tonelada em cima.

— Talvez. A mamãe achava que o papai estava no céu, mas ele não

estava e ele quer conhecer você — digo.

— Eu também quero meu papai.

Meus olhos enchem de lágrimas quando percebo que ele poderia

sentir falta de uma figura masculina e que aceitaria Enrico facilmente.


Talvez fosse a idade. Abraço Ian, e ele se contorce para fugir como sempre.

Fico sentada no chão brincando com Ian até a mamãe aparecer na

sala.

— Ei crianças!

— Vovó! Eu vou ter um papai agora! — Ian grita correndo para sua

vó e mamãe me olha por cima de sua cabeça quando ele bate em suas
pernas. Ela parece cheia de perguntas.

Seus olhos questionadores podem esperar.

— Essa é uma notícia maravilhosa, querido — ela diz abraçando-o.

— Você gosta da ideia?

— Siiimm!

Talvez ele não tivesse problema nenhum com a novidade, ou talvez

fosse só isso, uma novidade que ele esqueceria rápido, caso Enrico não

continuasse em nossas vidas. Ou possivelmente eu esteja tentando me

enganar de que Enrico invadindo nossas vidas não vá causar mais estragos

do que ele já fez como Michel.

— Vou me encontrar com nossa vizinha do andar de baixo, você vai

ficar bem?

— Vá se divertir mamãe.
— Estou tentando formar uns vínculos de amizade, não gosto de me

sentir deslocada — ela conta depois de beijar Ian e ele correr de volta para

brincar.

Quando ela sai, eu fico sem saber o que fazer, mas depois de um

tempo eu pego meu celular e envio uma mensagem para Enrico nos

encontrar à noite e conversarmos, antes que ele venha conhecer Ian.

“Eu prefiro ir agora aí e conhecer meu filho.”

Sério que ele estava todo possessivo com Ian quando nem faz cinco

minutos que sabe sobre ele?

Um receio misturado com um calafrio me percorre quando percebo

que Enrico pode querer ter poderes sobre meu filho.

Ele nem tem certeza que Ian é dele e já está todo possessivo? Reajo e

envio uma mensagem de volta.

“Não irei deixar você se aproximar dele sem antes termos uma

conversa. Podemos conversar à noite em algum lugar.”

Antes que ele mandasse uma resposta envio novamente.

“Precisamos ter algumas coisas esclarecidas.”

Não tenho resposta dele e entendo que ele vai acatar minha exigência,

ele nem poderia exigir tanto. Eu sei que pode ser um choque alguém

descobrir que tem um filho e com uma desconhecida até onde ele sabia,
mas e se ele estiver atuando? Se ele está dizendo que não se lembra de nada

e tudo não passasse de enganação? Eu estava ressentida por ele não se

lembrar de mim? Evidente que sim, eu fui casada e tive um filho dele, e

simplesmente fui deletada de sua vida, é uma coisa que me deixa com gosto

amargo, mas eu também tenho que pensar em Ian, isso é sobre ele também,

não apenas sobre mim e Enrico. Espero alguns minutos e ele não responde.

Ele deve ter entendido que não será como ele quer, afinal estávamos lidando

com uma criança aqui.

Mesmo apreensiva com o rumo que as coisas estão tomando, a

possibilidade de vê-lo mais tarde causa um sentimento de excitação com a

perspectiva de estar perto, mesmo que eu saiba que nunca mais teremos o

que tínhamos quando ele era Michel para mim, meu marido é outro homem,

e esse nós não tínhamos mais a cumplicidade de antes.

Mas enquanto penso nisso, percebo que a cumplicidade que eu achei

que tivéssemos nunca existiu de fato, ele vivia outra vida aqui no Rio sendo

Enrico Monteiro e aquele homem que casei era uma versão dele que só

existiu para mim por um curto período, que ele sabia que um dia deixaria.

Uma jovem esposa boba apaixonada não via os sinais que ele nunca

foi meu realmente. Porque Michel nunca existiu.


Fecho meus olhos e uma dor aperta meu peito quando lembro que

minha vida parou quando recebi a notícia da morte de Michel e no fim foi

uma dor em vão, ele estava aqui vivendo sua vida de bilionário e brincando

de CEO da mídia. Contudo, o amor que sentia por Michel era forte demais

para se transformar em ódio agora, pensar em ver Enrico causava um

frisson de excitação por mim que não deveria estar acontecendo, nós não

éramos mais um casal. Éramos desconhecidos e não cabia sentir nada a não

ser ressentimento, mas diga isso ao meu coração, que vê em Enrico o amor

da minha vida.

Só que ele não é mais. Olho meu filho, em meio às peças de lego

espalhadas no tapete, e meu coração incha de um amor que transborda de

dentro de mim como lavas de um vulcão em erupção, eu morreria por esse


garotinho. Perdê-lo seria como um pesadelo que nunca acordaria. Se Enrico

o quisesse? Claro que ele não teria nenhum direito. Ele teria? Merda talvez

eu devesse contratar um advogado. Ou eu que estou me precipitando por

medo de perder meu lindo menino?

Suspiro tentando acalmar meu coração.

Aproveito e faço uma ligação Facetime para Selina, faz tempo que

não conversávamos e já que Ian está distraído brincando, eu irei colocar ela

a par das últimas novidades. Ela ainda não sabe sobre meu encontro com

Enrico, não contei para ninguém além da mamãe e Sílvia lá da redação.


— Ei garota! — Selina diz assim que atende. Ela está na beira da

piscina em casa ao que tudo indica e um par de óculos gigante no rosto.

— Oi — cumprimento com um sorriso.

— Estava pensando em ligar e saber como foi a primeira semana na

revista, deve ter sido a força dos meus pensamentos que fez você me ligar
— ela fala. — Então como foi? Mas antes, cadê meu afilhado?

Sorrio.

— Vamos por partes, hein. Seu afilhado está bem ali. — Aponto o
celular para onde Ian está. — Ian dê um oi para sua tia Selina.

Ele larga seu lego e corre para perto e agarra meu celular.

— Oi tia Seli — ele diz eufórico.

— Ei lindinho? — ela responde acenando para ele. — Estou


morrendo de saudade de você garotinho.

— Eu vou ter um papai! — ele grita praticamente enfiando o rosto na


tela do celular. 

Oh não. Meu garoto fofoqueiro.

— Que história é essa, Dona Clara? — Selina grita do outro lado.


Ela tem um enorme sorriso no rosto e claramente acha que encontrei um

namorado, depois de anos sem dar uma chance para qualquer um.
— Dê tchau para sua tia, pequeno malandro — peço para Ian.

— Tchau lindo! Amo você.

— Tchau!  — ele se despede e pego meu celular de volta.

— Como você está? E as crianças?

— Dona Clara não mude de assunto! O que está havendo aí? Meus
filhos estão ali na água e estamos todos bem, apenas com saudade de

vocês. — Selina tinha tido uma menina e ela agora estava com dois anos e
era uma fofa. Agora ela tinha um casal. — Me conte logo sobre esse novo

papai do Ian.

Por onde começo? Levanto e caminho para a cozinha longe dos


ouvidos de Ian.

— A minha vida está uma loucura, nem queira saber.

— Conheceu alguém enfim? Ah Clara fico tão feliz por você, você
merece...

— Não conheci ninguém novo, Seli — digo cortando suas palavras

entusiasmadas.

— Mas o que o Ian quis dizer...

— A semana foi como um furacão na minha vida sendo virada de

cabeça para baixo — conto. — Conheci o Enrico Monteiro, o CEO do


Grupo Monteiro. E não imagina meu choque quando descobri que ele é o
Michel.

— O quê? — Ela grita do outro lado.

— Não vai acreditar eu sei, ainda estou lidando com isso e ainda
parece que a ficha não caiu que Michel esteja vivo.

— O quê? — ela repetiu ainda mais alto agora.

— Só que ele não se lembra de nosso casamento, ele simplesmente


não sabe quem sou e o que fomos um para o outro — relato com minha voz

embargada e a dor agonizante me torce o peito. É um sentimento


angustiante. Eu não quero sentir essa dor, mas cada vez que penso em

Enrico eu sinto como se meu peito fosse explodir e desabafo para Seli. —
Ele não se lembra de nós e isso está me deixando mal.

— Clara... — Sua voz de pena é evidente. — Não faça isso com você

mesma, querida, eu sei que o desejo de Michel estar de volta é grande, mas
esse homem provavelmente não se lembra de você, porque ele não é...

— Seli, não estou inventando mais uma desculpa para minha fixação

por meu marido morto, Enrico Monteiro é Michel e ele está muito vivo —
corto veemente.

— Que loucura é essa? Michel está morto, Clara. — Sua voz é


claramente de compaixão, eu a vejo se levantar da espreguiçadeira e
caminhar para dentro de casa, depois de gritar para seu filho mais velho. —

Philipe cuide de sua irmã um minuto.

Ela volta sua atenção para mim.

— Você precisa voltar para a terapia, lembra quando você


costumava ver Michel em cada homem na rua? — Ela lembra minha

condição precária assim que minha vida entrou em colapso. — Minha


querida, estou preocupada com você. Eu sei que é muito difícil aceitar, no

seu lugar eu ficaria louca se perdesse o Breno, mas Michel não está mais
aqui, minha amiga.

— Ele não está morto, Seli — afirmo. Estou ficando cansada de


repetir sempre a mesma coisa sobre Enrico não ser Michel, claro que é ele.

Eu o conheceria além da vida.

Ela está me olhando com aquele olhar de pena que todos me olhavam
quando meu mundo desmoronou e fiquei no fundo do poço logo após a

morte de Michel, tanto ela como mamãe foram as duas pessoas que estavam
lá para mim em todos os momentos difíceis, mas agora não vou aceitar mais

isso.

— Você quer que eu vá passar uns dias aí? Talvez a mudança de

cidade tenha te deixado confusa e gatilhos tenham sido acionados...


— Seli, estou bem. Por que você mesma não pesquisa no Google por

Enrico Monteiro? E você não acha muita coincidência eles terem os


mesmos sobrenomes e além do fato do meu filho ser uma pequena cópia

dele? — digo um tanto chateada das pessoas que me são tão próximas
estarem me considerando louca quando tenho absoluta certeza que Michel é

outra pessoa agora. — Estou no meu limite sendo taxada de louca.

Eu a vejo se sentar e abrir seu notebook.

— Sinto muito, não queria que se sentisse assim, é que eu me importo

demais com você.

— Eu sei — digo com pesar, eu dei muita preocupação a ela e


mamãe.

— Oh Deus! — A voz de Seli me faz prestar atenção ao que ela está


fazendo. Ela tem os olhos arregalados olhando a tela do notebook a sua

frente. — Jesus, Clara, você tem razão ele é o sósia de Michel.

— Não é um sósia, é Michel! Eu sei.

— Ele realmente se parece muito com Michel — Seli diz pensativa


—, mas ele... só parece, Clara, não quer dizer que seja ele, ele nem sabe

quem é você, como ele pode ser seu marido?

— Ele não me disse…


— Você o pesquisou no Google? — pela pergunta eu percebo o tom
receoso em sua voz.

— Tanta coisa aconteceu que não me lembrei disso — eu digo. — E

não é uma fonte muito confiável.

— Ah! Mas ele pode nos dizer muita coisa, minha senhora. Aqui diz
que ele sofreu um acidente junto com seu pai e irmão anos atrás — ela

franze a testa e eu imito o gesto, pois vem em mente a cicatriz que ele tem
na têmpora. A pequena imperfeição na perfeição de sua beleza masculina

—, ele perdeu o pai e o irmão mais velho — Seli continua —, a mãe dele
desde então parece bem reclusa. — Ela me olha. — Por que nunca

soubemos disso?

Eu não sei nada sobre a vida dos Monteiros, apesar de eles serem

donos de grande parte dos meios de comunicação pouco se fala deles


mesmo, e eu também não passei os últimos anos sendo a pessoa mais por
dentro do que acontecia no mundo, eu tinha voltado a ser mais a Clara de

antes nos últimos dois anos e não estava interessada nessas notícias, eu não
me importava com muita coisa quando perdi meu coração cinco anos atrás.

— Você realmente não leu nada sobre ele depois que o viu? — ela
insiste.
— Não. O que diz aí?  — Meu coração palpita ansioso com o que
poderia ser.

— Hmm acho que se for ele como você alega, e não um sósia — ela
me olha e seu olhar é de comiseração —, não vai gostar do que essa

matéria diz.

— O que diz?

— Ele tem uma noiva, Clara. E parece que tem casamento vindo por
aí e logo.

Eu não reajo porque eu não esperava ela dizer isso, tudo menos isso.
Um sentimento de traição me deixa fria por dentro e mesmo dizendo a mim

mesma que é irracional achar que Enrico não deveria estar com outra
mulher, eu me sentia traída e uma amargura que eu nunca senti me deixa

sem palavras.

— Clara? — A voz de Selina me puxa de volta à realidade. — Fale

comigo, diga-me que está bem.

— Estou bem. — Até para mim minha voz é estranha. Eu não estou
enganando ninguém. É tão irracional por que afinal Enrico e eu éramos
tecnicamente desconhecidos, mas doía, pois passei anos vivendo como uma
celibatária porque pensar em viver um novo romance era como uma faca

sendo cravada no meu peito. Eu nem cogitava isso, apesar de todos ao meu
redor acharem que meu luto estava se estendendo demais, que Michel
estava morto e eu era jovem e deveria casar novamente, ou no mínimo

voltar a sair com alguém. Entretanto pensar em viver tudo novamente com
outro homem estava longe do meu desejo, eu nem tinha vontade de ficar
com alguém, fazer sexo? Eu nem pensava nisso. O amor que senti por meu
marido parecia muito vivo para mim, cada beijo, cada toque, cada carícia,
cada momento com ele era como se tivesse vivido isso recente, as memórias

com ele eram tão vívidas que pareciam um filme technicolor de nós juntos,
e ele agora nem me conhece e tem uma noiva, pelo visto.

O toque da campainha me tira dos pensamentos e me pergunto quem


seria. Mamãe esqueceu a chave?
 
CLARA MONTEIRO
 
 
 

— Tenho que desligar, ligo para você outra hora. — digo para Seli.

— Tem alguém na porta.

— Clara, se você precisar de qualquer coisa me liga, darei um jeito


de ir até aí. Não deveria ter falado essa informação para você, sua mãe

está onde? — ela pergunta enquanto caminho para a porta. Eu só tinha que
agradecer o apoio dela.

— Está tudo bem. Te ligo depois, beijos. — Sem pensar muito e

distraída abro a porta sem nem olhar pelo olho mágico e meus olhos se
arregalam quando vejo quem está parado na minha porta. Desligo a

chamada com Selina automaticamente e faço uma anotação mental de ligar


depois para ela.

— Bom dia, Clara. — A voz máscula causa um arrepio quando as

memórias e a realidade se misturam, sinto uma vertigem me dominar e me


escoro para não cair. Eu sou mais forte que isso, eu não voltarei a ser a

mulher fraca de antes, não voltarei a sentir aquela dor dilacerante de quando

perdi Michel.
— O que faz aqui? — Minha voz sai em um sussurro e olho para trás,

para ver se Ian veio atrás de mim.

— Eu disse que viria. — É a resposta dele. — Eu preciso conhecer o


garoto.

O garoto! É tão impessoal e ele ainda quer que eu o deixe perto do

meu filho.

— Eu disse que não era a hora — digo, a raiva subindo fervente por

meu corpo. A notícia de seu noivado é o principal catalizador dessa raiva,

eu poderia dizer. Eu quero jogar em sua cara, mas não tenho o direito.

Não éramos nada, não mais, entretanto no meu coração eu me sentia

traída.

— Talvez a hora já tenha passado, Clara. Não acha?

— Eu poderia esperar um pouco e...

— Você não pode jogar essa notícia em mim e achar que não vou me

importar o suficiente para descobrir toda a verdade.

Ele tem uma noiva, como ele ia explicar a outra mulher toda essa

bagunça? O que ela iria achar de seu noivo ser casado com outra, mesmo

ele dizendo que não se lembra desse fato?

Raiva me corrói por dentro e mesmo sendo irracional mordo as

palavras quando digo:


— Quero que vá embora.

— Mamãe! — O barulho dos pés de Ian é o único aviso antes que ele

bata nas minhas pernas tentando ver quem está na porta. — Mamãe, estou

com fome... — Tento fechar a porta, mas Ian já está olhando para o homem

parado na nossa frente.

— Ei garoto! — Enrico chama se agachando e ficando na altura de

um Ian curioso. Enrico estende a mão para ele. — Sou Enrico...

— Você é meu papai?... — Ian sussurra como se tivesse medo da

resposta. Ele é um garoto inteligente e mesmo apenas com quatro anos ele

sabe reconhecer o homem da foto do seu quarto. Michel não é muito

diferente de Enrico, que é apenas um pouco mais maduro. 

Enrico me olha, provavelmente sem saber que resposta dar ao Ian, e

eu mesma estou sem ação, não queria que Ian soubesse sobre Enrico dessa

maneira despreparada, mas ainda assim uma voz no fundo da minha mente

questiona qual seria a hora adequada, já que todos nós estamos em uma

situação completamente inusitada.

— Eu acredito que sim — Enrico diz antes que eu possa dizer algo.

— Você estava no céu? — Ian ainda está sussurrando, ele mal está se

contendo, eu posso ver pelo brilho de seus olhos. — Você veio para

sempre? Não vai embora?


— Por que não entramos? — interfiro. Medo que a resposta de Enrico

possa magoar Ian e não quero vê-lo desapontado.

Dou um passo para deixar Enrico entrar.

Caminhamos todos para a sala e Ian agarra a mão de Enrico como se

o conhecesse a vida toda.

— Papai, eu tenho uma pista de corrida! — Ian puxa Enrico pela mão

para mostrar os carros e nem parece que nunca tinha visto ele antes. Talvez

meu medo de Ian conhecê-lo e se apegar e depois Enrico não ficar por perto

não seja tão infundado, quem me garante que ele vá ficar? Mas pela rápida

interação do Ian com ele, meu filho se apegar é uma certeza. — Você quer
ver?

Um nó se forma quando vejo a naturalidade com que Ian aceita

Enrico sem questionar nada, apenas um brilho feliz que nunca esteve lá

antes. Ele parece maior que seus quatro anos de idade e percebo que ele

sentia mais falta de um pai do que eu imaginava. Aceita Enrico como se

sempre estivesse esperando o dia em que seu pai entraria pela porta e tudo

ficaria bem.

— Eu adoraria. Eu amo carros, sabia? — Enrico responde e Ian sorri

animado. Ele não teve nenhum receio sobre Enrico ser seu pai, ele está
feliz. Fico olhando os dois sentados no chão onde a pista de corrida de Ian

está espalhada e eles conversam animados.

Eu nunca imaginei que veria uma cena dessas e lágrimas vêm junto
com uma tempestade de sentimentos que dói demais no meu peito e sinto

que vou sufocar com os dois.

Vou para cozinha e tento começar a preparar o almoço do Ian dando


tempo para pai e filho se conhecerem. Enrico e eu ainda temos muito que

conversar, mas tento deixar ele à vontade com Ian. As vozes deles chegam

até mim, mas não compreendo o que estão dizendo, mas posso distinguir

momentos depois a risada infantil e feliz do meu filho.

E só isso já me deixa mais quente por dentro.

Eu o criei com todo amor que havia dentro de mim e além, mamãe o
enchia disso o tempo todo também, mas ter um pai é importante, eu vejo

isso agora mais que nunca. Eu sofria pensando na falta que Michel iria fazer

na vida de nosso filho, mas vê-los juntos agora não tem como negar que

traz uma sensação boa, eu não posso negar ao meu filho isso.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 

Eu não posso atacar Clara como se ela fosse uma inimiga, eu sou o

errado nessa história. Eu ataquei quando pensei ser vítima de uma mulher
interesseira, mas aqui estou cinco segundos e completamente dilacerado.

Perdido pra porra! Como é possível esquecê-lo dessa forma, mesmo

que ele não tenha nascido quando a deixei para trás.

Meu coração falha uma batida quando vejo o pequeno na minha

frente, ele não parece surpreso comigo ali, me aceitando tão facilmente

como se sempre estivesse esperando um dia encontrar seu pai, isso me


deixa com esse nó preso em minha garganta, de como é possível eu ser um

pai e não saber disso, nem me lembrar de nada da minha vida com sua mãe,
mas quando ele me olha e seus olhos idênticos aos meus se arregalam em

sua inocência e me pergunta se vim do céu, eu que sempre me considerei


uma rocha fria, desmorono. Eu sou pai desse garoto? E o abandonei? Como

isso é possível? Eu podia ser muita coisa, mas nunca acreditei que

esqueceria um filho.

Ele é pura energia quando me puxa para conhecer seus brinquedos

favoritos e vou sem me importar com nada, estou em um lugar como se


tivesse fora do meu corpo, vivendo uma realidade alternativa. Vejo Clara

sair da sala e um nó em minha garganta aumenta de tamanho quando volto

minha atenção total ao Ian. Ele tagarela sobre seus carros e legos, me

bombardeando sobre suas coisas.

— Como é o céu, papai? — Ian pergunta ainda brincando com os

carros na rampa, sem me olhar e pego um dos carrinhos e brinco com ele.

— A mamãe  disse que você mora lá e que não podia ficar aqui na Terra.

Ele é tão inteligente. Eu não queria mentir para ele, não gosto da ideia

de encher as crianças com fantasia, mas seria complicado explicar a ele que

esqueci sua mãe por causa de um problema neurológico.

— O céu é um lugar bem legal, onde só ficam pessoas boas, sabia?

— digo e estendo a mão e mexo em seus cabelos. Ele é um minieu, porra.

Sinto algo afundar no meu peito e uma raiva colossal me consome e quero

levantar e sair, pois estou sufocando. Por que eliminei os dois da minha

vida? Como eu poderia esquecê-los assim, porra!

— Tudo bem por aqui? — A voz de Clara me chama para a realidade

e olho para ela. Ela está diferente hoje, seus olhos já me olhavam

acusatórios, mas hoje estavam além disso. Ela está com raiva porque vim?

Claro que viria, já perdi quatro anos da vida de Ian. — Fiz um lanche, Ian,
você não estava com fome?
— Sim, mamãe. — Ele pula em pé e dispara em direção à cozinha,

mas ele para e se volta para mim. — Você vai embora? Posso dividir com

você, papai.

Esse garoto! Ele podia ser mais perfeito?

— Eu não vou embora. — Levanto e o sigo para a cozinha. O

apartamento é minúsculo. Como ele está crescendo dentro desse lugar

minúsculo quando ele é herdeiro de milhões?

— O que acha de saímos e almoçarmos fora? — pergunto para Clara,

sei que Ian toparia.

— Não sei se é uma boa ideia — ela contesta.

— Por que não? Podemos nos divertir, não é Ian?

— Eu quero mamãe, podemo ir, podemo? — Ian está pulando para

cima e para baixo agarrado a ela. Sorrio e volto meus olhos para a Clara.

— Acho que são dois contra um.

— Tudo bem, mocinho, vá colocar uma roupa, que eu vou me vestir

também.

— O papai pode me vestir? — Ian pergunta esperançoso e assinto.

— Claro que sim, filho. — A palavra sai tão fácil que faz aquele nó
persistente no meu peito diminuir. O olhar no rosto de Clara é de que não
acredita que eu vá ser de muita ajuda, ou que eu seja capaz de dar conta de

vestir Ian, talvez eu não dê, nunca tive uma experiência do tipo, mas eu

quero aprender tudo que eu puder de agora em diante.

Eu sigo para seu quarto e percebo que tem uma cama infantil e outra

para adulto. Deve ser da mãe de Clara. Meu coração aperta quando vejo que

meu filho não tem uma vida tão confortável. Ainda não tive uma conversa

profunda com Clara, mas certamente ela não tem uma vida folgada aqui.

Eu irei falar com ela sobre se mudar para uma casa maior, eu não

poderia oferecer mais que isso, além da minha presença na vida do Ian, mas

eu tenho a sensação que isso seria uma luta, mas ela não sabe ainda como

eu luto, e eu nunca perco.

Ajudo Ian com suas roupas e nem é tão difícil como eu imaginei,

depois de ajudá-lo batemos uma selfie e meu peito se aperta com esse

sentimento quente que me faz querer abraçar esse garotinho nos meus

braços.  Ele é meu filho, caramba!

Parece surreal, como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa.

Dias atrás eu tinha planos de casar com outra mulher e ter um herdeiro e

agora eu descubro que tenho um filho e uma esposa.

Voltamos para a sala e Clara ainda não saiu do quarto e quando ela

vem, eu perco um pouco do meu fôlego. Ela vestiu uma calça jeans branca
e uma blusa verde-esmeralda de seda, seu cabelo em um rabo de cavalo e o

rosto à mostra completamente e percebo o quão linda ela é. Sua beleza é

natural, nada cheia de maquiagem no rosto, apenas algum tipo de brilho

labial rosado e seus olhos parecem sugar minha alma.

— Podemos ir? — ela pergunta e saio do transe e um rubor se espalha

por suas bochechas quando ela percebe que estive embasbacado olhando

para ela.

— Se estiver pronta podemos ir — digo e aponto Ian. — E dei conta

do nosso menino.

As palavras saem de minha boca sem pensar e ela fica paralisada por

um momento, até eu fico surpreso. É no mínimo estranho ter um filho com

ela e não lembrar que fizemos esse filho juntos, que estive na cama com ela

e...

Porra.

A visão dela nua na cama comigo gemendo meu nome parece muito

real e meu pau mexe como se tivesse sido convidado a entrar nessa mistura

já tão bizarra. Pisco fora da visão e encontro os olhos dela e de Ian em mim.

Droga.

Será que isso é uma lembrança? Ou é outra coisa.

Enrico, você tem uma namorada.


Saímos e Ian está tagarelando enquanto nós dois estamos calados,

mas eu sinto os olhos dela em mim.

— Vocês têm algum restaurante preferido para ir? — pergunto

quando chego ao meu carro e percebo que não cabem três pessoas e nem

tenho uma cadeira para criança. — Acho que é melhor chamar um carro —

digo pegando meu celular. Comecei mal como pai.

— Não temos um restaurante preferido, ainda não tive tempo de sair

tanto para ter um favorito, mas se conhecer um restaurante onde tenha um

playground esse será perfeito — Clara comenta enquanto chamo um carro.

Ela aponta Ian que está saltando de um pé a outro ao nosso lado. Deus ele

tem tanta energia. Mas outra coisa me chama a atenção. Clara não tem um

carro?

— Você não tem um carro? — pergunto apenas para tirar a dúvida do

caminho.

— Não tenho, Senhor Monteiro. Nem todo mundo pode ter um carro,

sabia disso?

— Como vai trabalhar?

— Já ouviu falar em ônibus? Ou Uber? — pergunta sarcástica.

— Hmm engraçada — falo, mas a situação financeira dela me deixa

incomodado e terei de achar uma forma de mudar. Preciso melhorar a vida


do meu filho e a dela. O salário dela na empresa não é tão ruim, mas o gasto

com uma criança deve ser absurdo e ela esteve fazendo isso sozinha há

muito tempo.

O carro que solicitei chega e procuro um restaurante onde tenha um

lugar para Ian brincar, é tudo muito novo para mim também, não tinha

crianças fazendo parte do meu dia a dia e eu terei que fazer um intensivo

sobre ser pai.

O dia é mais divertido do que eu esperava, Ian é uma bola de energia.

O restaurante tem um lugar para crianças brincarem, mas por incrível que
parece Ian quer ficar na mesa conosco.

— Ele quer ficar com você — Clara diz para mim quando pergunto

se Ian não quer ir brincar e ele recusou. Ela abaixa o tom —, talvez ele ache
que você voltará ao céu e o deixe.

Recebo a alfinetada.

Talvez eu mereça.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 
 

— Ei querido. — Tatiana caminha direto para mim quando desce do


carro que enviei para pegá-la no aeroporto. Seus lábios tocam os meus e o

beijo que deveria ser fervoroso pelo tempo que ela passou fora é apenas um
selinho sem graça.

— Teve um bom voo? — pergunto me afastando e ela franze o cenho,

eu já não sou o mais caloroso dos noivos, mas hoje eu estou ainda mais frio
do que sou normalmente com ela.

— Hmm, sim. Obrigada por mandar o carro, odeio pegar táxi quando
chego com tantas malas. — Ela sorri. Tatiana é uma mulher linda, ela

poderia ter o homem que ela quisesse, mas ela escolheu um homem que não

poderia dar a ela tanto quanto cada mulher merece de seu noivo, mas essa
relação é mais como a coisa certa a se fazer do que qualquer outra coisa,

mesmo que fosse mais da minha parte, já que Melissa vive cantando aos

quatro cantos do mundo o quanto Tatiana é apaixonada por mim. Os


últimos cinco anos eu sempre vivi suspenso no ar com essa questão da

amnésia e tudo que tinha acontecido com minha família, as tragédias e esse

sentimento esquisito que sentia todos os dias como se eu estivesse vivendo

a vida de outra pessoa, talvez a vida que eu vivi, segundo Clara, tenha sido
mais verdadeira que essa que vivia nos últimos tempos, eu só me lembro de

dizer muitas vezes ao meu pai que não queria esse lugar, de CEO, de

comandar o império Monteiro, mas foi jogado a mim de qualquer maneira e

eu não podia renegar.

Caminhamos para dentro, Tatiana se senta na sala e sirvo a bebida

favorita dela e caminho para perto entregando o copo.

Ela não bebe muito, mas tem um fraco por uísque puro malte quando

vem a minha casa.

— Não vai tomar um drink comigo? — Ela me olha sensualmente e


sei o que ela quer, eu estaria mentindo que fazer sexo com ela é ruim, mas

eu não estou a fim. Tenho assuntos para tratar com ela antes e talvez depois

ela vá embora furiosa quando eu terminar de falar.

— Se você estiver cansada, podemos conversar amanhã — digo

sentando em frente a ela.

— Enrico, eu dormi no avião, estou mais curiosa sobre o que você

quer falar. Tem a ver com o casamento? Quer que comece os preparativos?

— Não é sobre isso.

— Oh! — Ela fica claramente decepcionada, seus olhos correm para

mim cautelosos. — Quer desistir? Sei que esse casamento é mais um


negócio para você do que para mim, mas pode ser demais para você e

queira adiar, ou mesmo desistir se for esse o caso...

— Se você me deixar falar.

— Tudo bem.

— Sei que nosso noivado não é o que deseja que fosse, não estamos

apaixonados, mas gostamos um do outro, além de ser a melhor amiga da


Melissa e eu...

— Fale por você, Enrico, sabe que sempre gostei de você e claro que

desejo que você tivesse o mesmo sentimento, mas sei que não tem.

— Eu respeito você e por isso estamos tendo essa conversa antes que

saiba pelos outros. — Deixo minhas palavras afundarem nela e continuo: —

Descobri que tenho um filho.

— O quê? Desde quando?

— Ele tem quatro anos e sua mãe alega que fomos casados.

— O quê?! — Ela se levanta. — O que está acontecendo, Enrico?

Como assim ela alega, você não sabe?

Merda. Não devia ter dito nada sobre casamento, é muito mais fácil

de explicar às pessoas sem essa parte.


— Eu não sou casado, Tatiana — e não era mesmo, o homem que

Clara diz que casou não é Enrico Monteiro —, mas tenho um filho.

— E não sabia?

— A mãe dele não morava aqui e agora ela veio trabalhar na revista e

foi onde nos encontramos. — Levanto e agora é a minha vez de pegar um

uísque. Porra! É uma história tão confusa que me dá dores de cabeça

quando tento entender como eu me casei e não lembro.

— Ela vai continuar trabalhando lá?  — Ela está preocupada com

isso, por quê?

— É claro.

— Eu vou trabalhar lá, Enrico, você quer que eu trabalhe no mesmo

lugar que uma mulherzinha que teve uma aventura com você e ainda tem

um filho seu? Você diz que me respeita, mas vou ser motivo de chacota lá

isso sim.

— Você pode escolher não trabalhar lá, Tati — digo voltando a

sentar. Tomo um gole do malte e a encaro. — Ela não está saindo. E não a

chame de mulherzinha de novo com essa entonação depreciativa.

— Por quê? — ela exige e minha mandíbula aperta com irritação.

Qual é a porra do problema?

— Por que o quê?


— Por que ela não vai sair?

— Porque eu não quero que ela seja demitida — rosno.

— Gosta dela?  — Aonde ela quer chegar com essa pergunta?

— E por que eu não gostaria?

— Ela deve estar dando um golpe da barriga em você — conclui.

A raiva queima por mim. Porque todo mundo acha que Clara é uma
golpista está além de mim, até mesmo eu fui o primeiro a pensar isso dela.

Mas no pouco tempo que me permiti pensar e passei um tempo com ela, vi

que não é nada disso. Clara não tem esse perfil, o pouco que conheci dela,

eu pude entender o eu de cinco anos atrás que teve de inventar um nome

falso e se casou com ela. Ser um Monteiro, herdeiro do grupo de mídia

bilionário, vem com restrições que muitas vezes ser apenas nós mesmos é

uma tarefa árdua. Talvez eu tenha mesmo me passado por esse Michel e

vivido uma vida com ela onde não queria interferência de ninguém,

principalmente das pessoas do meu mundo.

O pior que para ela aconteceu e ela deve estar certa, já que tem fruto

desse casamento. Porra quem eu estava enganando? Ela tem foto do nosso

casamento.

— Não tem golpe nenhum — respondo duramente e ela percebe que

não estou de brincadeira. Não estou me reconhecendo, pois nunca sou duro
com ela ou qualquer mulher, mas ouvi-la falar assim de Clara me

incomodou.

— Ok. — Ela suspira. — E nosso casamento?

Boa pergunta. Eu queria casar no geral? Não, mas eu precisava

porque a sociedade esperava isso de mim, ainda mais que sou um homem

de negócios e faço muito negócio onde homens têm uma visão um tanto

arcaica sobre um homem que não constituiu família.

A imagem do Ian e da Clara vêm a minha mente e algo clica no fundo


da minha mente e me vejo dizendo:

— Eu comecei essa conversa com a intenção de continuar esse

casamento, mas talvez seja melhor terminarmos, Tatiana, não posso achar

que você queira continuar com o casamento haja vista que agora tenho um

filho e uma relação com a mãe desse filho, mesmo que não seja uma relação

amorosa ainda acho que deve pensar se vai querer isso para você. 

Mas a ideia de ter uma relação amorosa com Clara não parece ruim,
na verdade a ideia anterior está ganhando espaço rapidamente.

— Eu prefiro continuar com o casamento — Tatiana diz. Ela está


com raiva, vejo isso na cor vermelha de seu rosto, mas ela se contém.

— Estou pensando que a coisa certa será casar com a mãe do meu

filho, seria o mais correto. — Deixo escapar e Tatiana ofega, agora ela está
realmente chocada e eu também. Eu não estou me reconhecendo, porra.

Mas eu devia isso a Clara, não é? Ela esteve criando nosso filho por anos,

talvez seja a hora de dar a ela um casamento mais decente e real dessa vez.

Ela é linda, só não é o tipo que tenho para mulheres ultimamente.

Tatiana é o oposto dela e assim as outras também. Meu subconsciente

esteve evitando sair com mulheres que se parecessem com ela de propósito?

Louco, mas provável.

— Enrico, isso é descabido — Tatiana grita furiosa. — Não vou

aceitar isso Enrico, eu não vou ser descartada assim tão facilmente.

— Não é facilmente, Tati, estou sendo honesto com você e não temos
nenhum amor perdido aqui — digo.

— Diga por você, eu sempre amei você, e sabe disso, sempre soube.
— Ela me olha e lágrimas se juntam em seus olhos acusatórios. — Melissa

sabe sobre sua decisão? Ela sabe sobre me dispensar como uma roupa
velha, ou melhor ainda, ela sabe sobre essa mulher?

— Melissa sabe sobre meu filho e não sabe sobre minha intenção de

terminar com você e qual a importância disso?

— Ela sabe e não me preparou para essa conversa.

— Sinto muito, mas acredito que seja melhor assim. — Eu

sinceramente comecei essa conversa com a ideia apenas de conversar com


ela antes que soubesse por outra pessoa sobre Ian e Clara, mas a ideia de
casar com Clara tomou forma e a cada segundo que passa, a ideia vai se

fortalecendo e depois de tomar uma decisão eu geralmente faço acontecer.


— Irei compensar você, Tatiana...

— Amanhã ainda vai me dar um tour pela redação? — ela corta

minha oferta. — Ou meu trabalho na redação era só porque ia casar com


você?

— Se você quiser o trabalho vai continuar sendo seu. — Claro que a

oferta dela trabalhar na revista tinha sido mais de Melissa que minha, mas
eu não me importava se ela tivesse um cargo lá, eu não ficaria trabalhando

na redação, ficaria por um tempo, depois volto apenas a meu escritório na


sede do Grupo Monteiro.

— Acho que irei descansar um pouco — ela diz levantando e sem


esperar minha resposta começa a subir a escada para o quarto.

— Vou estar no escritório por alguns minutos — comunico

terminando meu uísque.

— Boa noite, Enrico. — Ela sobe o lance de escada e caminho atrás

dela, minha cabeça já vendo todas as possibilidades de fazer Clara aceitar


minha proposta, sei que ela não vai aceitar facilmente, eu a conheço há tão
pouco tempo, mas de uma coisa eu sei, ela não vai se dobrar facilmente a
minha ideia.

Sento em meu escritório e mando uma mensagem para Domênico,


meu advogado, e peço que ele veja meus direitos paternos e o que posso

fazer para poder ver Ian, caso Clara não aceite minha proposta. Casar com
ela é uma boa ideia, isso resolveria algumas coisas, como ter acesso ao meu

filho e dar meu nome para ele e ninguém questionar sua herança. Ele é meu
herdeiro e claro terei que fazer um teste de DNA apenas por formalidade.

Não quero que ninguém questione se ele é meu. Eu não preciso de um teste
para saber disso. Depois de mandar a mensagem tento trabalhar um pouco,
mas não consigo fazer muita coisa. Quando eu tomo uma decisão gosto de

agir e preciso colocar as coisas em andamento imediatamente.

Só algo está me incomodando.

Será que estou sendo um merda sem coração? Mas Ian vem em

primeiro lugar, e Clara que vinha tomando conta da minha mente quase
todas as horas do dia.

Quebrar o acordo com Tatiana é uma merda porque eu gosto dela,


não estou apaixonado por ela, nem sei o que diabos é estar apaixonado, mas

ela é amiga de Melissa e nos conhecemos uma vida inteira, e sei que vou
magoá-la de alguma forma, mas eu também não posso continuar com esse
casamento com ela. Eu preciso mais de meu filho perto de mim e casar com

outra mulher depois de conhecer Clara parece errado. A sensação de que


estou fazendo algo errado é palpável.

 
 
 
ENRICO MONTEIRO
 

Subo para o meu quarto depois da meia-noite e Tatiana está na minha


cama. Deveria ter previsto que ela viria para cá, é onde ela dorme quando

fica aqui, mas não é o caso de hoje. Dou meia-volta e caminho para o

quarto de hóspedes, ao lado da minha suíte, e depois de tirar a roupa me


deito. Se eu estou terminando com ela, dormir na mesma cama deixaria as

coisas confusas e eu sei que ela não levaria nosso rompimento tão fácil.

Acordo assim que o sol nasce e levanto para me exercitar como todos

os dias, como minha roupa de treino está no meu quarto, volto para lá e

silenciosamente pego minhas coisas sem acordar Tatiana, terei que pedir
que ela volte ao próprio apartamento quando acordar. Estou terminando

meu treino quando meu celular começa a tocar desenfreadamente. Sorrio


sabendo muito bem quem é. Tatiana já deve ter ido chorar com Melissa.

Minha irmã é um pé no saco. Eu a amo, por isso ela se safa com essas
suas demandas.

— Melissa, ainda não tomei meu café da manhã, pelo amor de Deus

quem morreu?
— A pergunta certa seria quem vai morrer, Enrico — ela grita do

outro lado. — Diga-me que não é verdade.

— Não sei a que se refere irmãzinha. — Claro que sei sobre o que ela
está falando, mas eu não vou me entregar assim à fúria feminina.

— Sério? Vai fazer esse joguinho comigo? — ela ladra. — Tatiana é

a mulher perfeita para você irmão, por que diabos vai jogar um casamento
perfeito no lixo?

— Perfeito para quem? Sabe muito bem que meu acordo com Tatiana

é por praticidade, Melissa, apenas você acha que tem rosas, champanhe e
coração nesse acordo — digo caminhando para fora da sala de exercício e

indo para o quarto de hóspede tomar um banho. — Eu tenho outros planos

para mim.

— Tati disse que vai se casar com a nossa funcionária!

— Ela não é apenas nossa funcionária, ela é a mãe do meu filho, e

segundo, eu já fui casado com ela.

Eu não sabia por que tinha esse desejo de defender Clara, mesmo que
tenha sido o primeiro a questionar sua história, mas eu me incomodo

quando outra pessoa a ataca.

— Enrico, você está bem? — Seu tom de voz muda e ela parece
preocupada agora.
— Por que eu não estaria?

— Desde quando você aceitou essa mulher tão rapidamente quando

outro dia eu estava acalmando você sobre ela? O que fizeram com você?

— Apenas reparando meus erros, Melissa. Eu tenho um filho com

ela, e eu casei com ela me passando por outra pessoa e a abandonei, esqueci

sobre ela e meu filho, contudo agora vou reparar isso. — Eu nunca tive

tanta certeza de uma coisa. — Ela merece mais do que teve de mim,

Melissa.

— Eu não sei o que está acontecendo com você, mas esse não é você

— ela comenta e não digo nada, minha irmã não pode entender porque ela

não conhece toda a história. Clara não me disse tudo que aconteceu há

cinco anos, mas eu sei que o que ela viveu com Michel foi real e eu quero

descobrir sobre isso, quero me lembrar dela. Mas posso nunca me lembrar

daquele período. Eu não entendo a razão de ter esquecido aquele momento

da minha vida especificamente. Essa merda é agonizante. Odeio não ter a


mínima ideia do que vivi por um ano da minha vida e uma vida em que

casei e tive um filho.

— Melissa, tenho que tomar banho, falo com você depois — digo

cansado de justificar meus atos para ela. Melissa é amiga de Tatiana, eu


sabia que ela seria a maior defensora desse casamento, mas a minha decisão

já está tomada.

— Ainda não acabei com você — ela diz e desliga.

Quando saio do banho, enrolo uma toalha e vou para meu quarto, na

esperança de encontrá-lo vazio, mas ao abrir a porta Tatiana ainda está lá.

Sentada na cama, vestida como se estivesse me esperando.

— Aí está você. — Ela sorri gentilmente e levanto minha sobrancelha

para ela. — Não veio dormir em sua cama.

— Já estava ocupada. — Caminho para o closet e começo a me vestir.

— Diante da nossa conversa de ontem, seria de bom tom você voltar a sua

casa, Tatiana.

— Já me jogando fora? Acho que nunca teve a intenção de ir com

esse casamento até o fim, não é? Está usando essa desculpa agora apenas

porque não quer admitir que já planejava me deixar no altar — ela

confabula parando no vão da porta do closet.

— Eu lá preciso de desculpas para fazer alguma coisa, Tatiana? —

retruco fechando minha camisa. — A única coisa que lamento é que você é

uma amiga e não quero magoar você.

— Ai. — Ela sorri tristemente. — Eu devia ficar feliz que abriu o

jogo e não quer mais o casamento, seria estranho casar com uma amiga.
— Eu preciso consertar algumas coisas, Tatiana, precisa entender.

— Eu já entendi. Vou para casa e me arrumar para meu tour na

revista.

— Ótimo.

— Enrico?

— O quê?

— Posso pedir algo?

— É claro.

— Você poderia esperar um pouco antes de anunciar o término do

noivado? Eu preciso antes conversar com meus pais, sabe que eles e sua

mãe já estão planejando isso desde que anunciamos que íamos casar. Quero

eu mesma dar a notícia.

— É claro.

— Obrigada — ela agradece, mas não vai embora. — Sabe, estou

muito curiosa para conhecer seu filho e a mãe dele.

— Vai em breve, irei apresentá-los à família.

— Qual o nome dela? Da mãe do garoto? — Ela parece calma e

genuinamente curiosa. Talvez ela não fosse ficar com ressentimento por

cancelar o casamento afinal.


— Clara, e meu filho se chama Ian — digo e dou um sorriso sincero e

feliz como há muito não faço. — Ele é igual a mim. Inteligente também.

Estou me transformando naqueles pais que não veem defeitos nos

filhos? Porra sim!

— Nossa como você é prepotente. — Ela ri também. — Vejo que está

feliz.

— Eu quase enlouqueci quando soube deles, mas estou descobrindo

que a ideia de ser pai é muito boa, o pequeno já ocupa um lugar especial na
minha vida e não preciso de tempo para saber que ele é uma das pessoas

nesse mundo que mais me importo. Ele é fácil de amar.

— Incrível! — Tatiana fala, seu sorriso ainda grudado no rosto e a

encaro quando vejo que ela está forçando o sorriso. Porra. Está sendo

insensível falando do meu filho e não percebendo que esse é o principal

motivo de eu ter terminado com ela.

— O que é incrível? — pergunto.

— Sua mudança. — Ela me encara e vejo o ressentimento lá, mesmo

que ela tente camuflar com seu sorriso de milhões. — Nunca vi um sorriso
assim antes em você. Nunca sorri para falar a verdade, sorrisos educados

sim, mas isso — ela aponta meu rosto — é diferente de tudo em você.

Não digo nada e ela acaba indo embora.


Eu devia ir trabalhar.

Vejo Clara de relance quando ela sai para almoçar, está conversando

com uma amiga quando entra no elevador e as portas se fecham, mas eu

ainda vejo o sorriso dela. Agora que minha mente tinha decidido que ela
seria minha, estou no modo caça à Clara. Eu não tive um minuto durante

toda manhã para falar com ela. Melissa tinha tomado todo meu tempo livre
com a ladainha sobre meu erro em terminar com Tatiana. Tatiana esta que

está atrasada para o maldito tour que prometi a ela, devia ter deixado isso
com Melissa.

Pego meu celular e tenho vontade de mandar uma mensagem para

Clara para que ela venha a minha sala mais tarde, mas Melissa aparece na
minha porta com Tatiana a tiracolo.

— Estamos prontas, Tatiana está louca para conhecer a todos —

Melissa declara toda animada.

Tenho vontade de revirar os olhos. Essas duas estão em uma frente

fechada contra mim, vejo claramente.

 
 
CLARA MONTEIRO
 

— Você deveria sair um dia conosco, Clara — Sílvia comenta


enquanto subimos no elevador para nosso andar depois do almoço. —

Conhecer novas pessoas e se enturmar.

Ela está falando igual a mamãe, ela é a maior incentivadora para que
eu saia e volte a namorar, conhecer um cara legal e ter uma vida amorosa,

mas eu não tenho mais vontade de passar por outro momento que desejasse
morrer da dor da saudade. Porque só quem sente essa dor, que é como um

peso de cem quilos em cima do seu peito, é que entende. Porque dói tanto,

tanto, e não posso permitir sentir outra vez essa dor, não irei amar
novamente, mas uma coisa que não disse a ninguém é que depois de voltar

a encontrar Michel eu percebi que voltar a amar não é bem o termo, eu


ainda sou apaixonada por meu marido morto, mas a ironia é que ele está

muito vivo.

— Talvez eu comece a fazer isso, tem tanto tempo que não sei o que é

sair à noite — confesso timidamente. — Ian tem sido minha desculpa.

— Pelo que me disse tem mesmo. — Ela sorri. — Confesso que não
sou nada festeira e baladeira, mas saio muito com amigas para jantar fora,
tomar uma bebida, apenas conversar, sabe? É bom.

— Vou fazer isso — concordo, pois eu realmente quero fazer amizade

aqui no Rio, eu não conheço a cidade ainda e Sílvia é uma fofa gentil que
me acolheu aqui como se já nos conhecêssemos há muito tempo. Eu

aceitaria seu convite para sair uma noite dessas. Mamãe com certeza daria o

maior apoio.

O elevador se abre no andar da redação e abro um sorriso para ela

quando começamos a caminhar para nossas mesas.

— Marque um dia e irei. — Meu sorrio cai do meu rosto quando


saímos do elevador e meu coração para. A poucos passos do elevador está

Enrico e uma mulher, ela tem as mãos envolvidas no braço dele com uma

intimidade que me diz claramente que eles são íntimos e percebo que é a

noiva, ou namorada, não sei, não perguntei sobre a vida amorosa dele no

último encontro que tivemos, não era sobre nós, mas sobre Ian conhecer seu

pai. A irmã dele também está lá. Eles estão conversando e ainda não nos

viram e minha vontade é de voltar para o elevador e não ter que conhecer a
mulher.

— Eu vou adorar trabalhar aqui, querido — ela fala para Enrico e eu

nem a conheço, mas meu ranço já é ativado. Irracional sim, ele não é meu
marido mais. — Tenho certeza que meu conhecimento sobre moda vai fazer

a diferença.

Oh que segura de si.

— Você será perfeita. — Melissa sorri com carinho para a mulher e

eles se viram para nós. Melissa sorri para Sílvia e quando seus olhos batem

em mim, seu sorriso murcha um pouco, mas Enrico? Ele está mortalmente

sério quando nossos olhares se encontram. Quero fugir dali, não quero

conhecer essa mulher, mas Melissa já está em movimento. — Tatiana,

conheça Sílvia e Clara, elas estão no designer. Vão ser responsáveis pelas

nossas capas. Clara e Sílvia essa é Tatiana, noiva do meu irmão, e em breve

se juntará à família.

Meus olhos se prendem aos de Enrico e eles são ilegíveis, o meu deve

estar dizendo para ele tudo que passa em minha cabeça, porque não estava

escondendo o quanto ele está me magoando. Mas e daí que é loucura querer

que ele volte a sentir o que tínhamos no passado? Ele não é meu Michel.

Tudo se mistura dentro de mim e tento dizer a mim mesma que

Enrico não me deve nada. Ele não é mais meu.

— Prazer Tatiana, bem-vinda — Sílvia a cumprimenta educadamente,

mas eu apenas aceno e dou um sorrio falso. Eu não consigo fingir que está

tudo bem.
— Bem-vinda — digo com muito esforço.

— Obrigada. Eu... — Tatiana começa a dizer.

— Com licença — peço cortando sua fala.

Praticamente corro para minha mesa, meu coração pesado no meu

peito, com tonelada de decepção e ciúmes misturados. Sento e respiro fundo

algumas vezes. Eu não vou aguentar trabalhar mais aqui, tenho que

encontrar um novo trabalho, eu preciso sair, e sair agora.

Pego minha bolsa e estou prestes a levantar e correr quando Sílvia

chega e coloca as mãos nos meus ombros.

— Se acalme, você está chamando a atenção de todos por deixar a

noiva do chefe falando sozinha — ela sussurra em meu ouvido.

— Ela não estava falando sozinha, ela tinha uma audiência, eu que

não queria ouvir o que ela tinha a dizer. — Não me importo se ele vai me

demitir, ou eu mesma pedirei uma transferência para outro prédio do Grupo

Monteiro, ou demissão, pois não tenho sangue de barata para ficar ali vendo

ele se casando com outra mulher quando é casado comigo. O pior de tudo é

que ele como Enrico Monteiro não é meu marido.

— Eu sei que acha que vocês tiveram algo no passado, mas para ele

não — ela comenta baixinho. — Vai acabar demitida se ela pedir sua

cabeça.
— Não me importo. —Ligo meu computador. — Podemos mudar de

assunto?

— Claro. — Ela me olha com pena e tenho vontade de gritar que não
quero a pena de ninguém, eu só quero pegar meu filho e voltar para casa e

deixar essa cidade. Mas não posso fazer isso, nossa casa é aqui agora onde

o pai do meu filho não me conhece.

— Sobre aquela bebida... podemos sair hoje?

— Sabe que hoje é segunda-feira, não é? — Sílvia dá risada

divertida.

— E tem algum problema?

— Segundas-feiras são para ficar em casa, Clara.

— Quem inventou isso?

— Eu inventei. Eu, Sílvia Maria, não saio às segundas-feiras, quem

sai dia de segunda? — Ela arregala os olhos para mim.

— Esposas esquecidas? — sugiro.

— Acho que sim — ela ri —, mas se isso vai levantar seu astral,

podemos fazer isso, tomamos uma bebida e você afoga suas mágoas.

Meu sorriso é forçado o dia todo, pelos rumores que rolou o resto da

tarde a noiva do chefe vai se aposentar da carreira de modelo e vai começar


na revista em breve, e o casamento não vai demorar a acontecer. Não tive

notícias de Enrico, ou o vi o resto do dia, o que agradeço. Estou com os

sentimentos à flor da pele apenas em escutar seu nome entre os

funcionários.

— Você vai mesmo sair ou era fogo de palha? — Sílvia me pergunta

no fim da tarde perto da hora de sair.

— Talvez seja melhor outro dia? — Eu não estou com vontade de ser

essa mulher descolada assim de uma hora para a outra e não posso pedir

que mamãe fique mais tempo com Ian, já basta o dia todo que ela fica com

ele, ficar o dia todo com uma criança precisa de uma folga à noite e, bem,

eu não gosto de ficar o dia todo longe do Ian, claro eu vejo por mim mesma

que é uma desculpa esfarrapada para não dar esse passo. — Vou acertar

com minha mãe sobre isso.

— Sério? Clara você é a pior mentirosa, apenas diga que não quer

sair e beijar alguém.

— E nós íamos fazer isso? Oh não, não, eu não estou preparada para

ir tão longe, melhor não irmos mesmo.

— Oh meu Deus! — Sílvia gargalha sem parar. — Clara, você está

pirando, íamos apenas tomar uns drinks, mulher.


— Ah sim, bem... — digo vermelha. Eu não saio tem cinco anos, nem

fico com ninguém, o último homem que fiz sexo foi meu marido, mas

talvez estivesse na hora de deixar Michel ir, minha relação com Enrico é no

mínimo fria. Ele é diferente do Michel que se apaixonou por mim à

primeira vista, Enrico parece completamente alheio a mim, não demonstra

interesse. Pelo menos eu não notei seu interesse.  Talvez eu deva ir tomar

uns drinks.

— Vou ligar para a mamãe e avisar que vou chegar mais tarde.
Podemos ficar uma hora — digo pegando meu celular e indo ligar para ela.

Caminho para uma aérea menos barulhenta da redação e sento em

uma das escadas discando o número dela.

— Ei filha!

— Oi mamãe, tudo bem? E Ian? — Eu tinha falado com ela na hora

do almoço e sabia que os dois estavam bem, mas nunca se sabe o que
acontece em uma tarde com uma criança peralta.

— Estamos bem, querida, você está chegando?

— Sobre isso, eu fui convidada para tomar um drink depois do


trabalho e vou chegar mais tarde um pouco, tudo bem para você?

— Oh! Sério? Quem é o sortudo que conseguiu fazer minha filha

quase monja ir a um encontro? — ela praticamente grita do outro lado da


linha animada e percebo o quanto ela quer que eu mude e siga em frente.
Sabia que ela iria ficar toda feliz, mas ela já estava com os pensamentos

além.

Deus, só eu que ainda estou no passando vivendo um amor que talvez


tenha sido apenas na minha cabeça oca e apaixonada.

— É apenas um drink com uma colega de trabalho e não é nenhum

encontro — esclareço.

— Ah! Um dia você vai acordar e ver que sua vida passou e não

aproveitou, Clara, ainda é muito jovem para ficar de luto por tanto tempo,
não é normal e nem saudável.

Ela está sempre me dizendo isso, talvez eu deva seguir seu conselho.

Michel não está morto, mas ele seguiu em frente e iria se casar. Tenho que
parar de chamá-lo de Michel em minha cabeça e aceitar que ele é Enrico

agora, Michel é uma ilusão.

— Eu sei mãe, e você também não fica atrás, não se casou de novo.

— Mas eu vivi uma vida completa com seu pai, você e Michel nem

um ano ficaram juntos, querida, está se escondendo atrás disso para não
viver.

Eu não estou, eu amei Michel com tanta impetuosidade e intensidade


que perdura até hoje, e acho que irei amar para sempre, mesmo que aquele
homem nunca tivesse existido, mas ele me deu o amor mais lindo em forma
de um pequeno ser humano que é minha vida inteira.

— Eu o amei mamãe, mesmo que tenha sido por tão pouco tempo,
talvez tenha sido o destino dizendo que ia durar tão pouco que foi tão

intenso que ainda conduz a minha vida cinco anos depois.

— Eu sei querida, mas eu adoraria te ver saindo e se divertindo


como uma mulher da sua idade — ela diz e escuto a voz do Ian no fundo

perguntando se é a mamãe. — Acho que seu filho quer falar com você e eu
imagino do que se trata, não falou de outra coisa o dia todo, mas antes me

deixe te dar um conselho: saia e se divirta, querida, eu cuido das coisas por
aqui.

E ela não tem feito isso desde sempre?

— Tudo bem, obrigada mãe — agradeço e ela passa para Ian.

— Mamãe?

— Ei querido, tudo bem?

— Sim.

— Você está sendo bonzinho com a vovó?

— Sim, mas mamãe?...

— Fale querido.
— Meu papai votou pala o céu?

Oh droga.

— Não querido, por que pergunta isso?

— Ele não votou.

Eu e Enrico não estabelecemos as visitas dele ainda, ele nos deixou

no sábado e disse que íamos conversar, mas que no domingo ele tinha um
compromisso e como hoje é segunda, não tive oportunidade de falar com

ele, a noiva dele está tomando todo seu tempo, pelo visto.

E eu me tornando uma mulher amarga e ciumenta ao que parece.

Preciso deixar tudo ir.

— Eu sei amor, tenha calma sim?

— Quando ele vota mamãe? — ele insiste e vejo a birra se formar em

sua voz.

— Ainda não sei querido, quando chegar em casa conversamos está


bem?

— Tudo bem — ele concorda sem entusiasmo. Ele viu Enrico uma
vez e já está apegado?

— Tchau querido e se comporte.


Depois de me despedir dele, desligo o telefone e fecho meus olhos

por um momento. Deus! Quando minha vida tinha ficado mais difícil do
que já era?

— Tudo bem? — A voz masculina me tira do meu estupor e abro


meus olhos para me deparar com Enrico parado acima de mim. Ele estava

descendo as escadas e eu não escutei? Merda.

Pulo em pé e ele desce o lance de escada parando a minha frente.


Bem, já que ele está aqui vou perguntar quando ele irá ver Ian novamente.

— Hmm, eu não sei como você vai fazer, mas Ian quer saber quando

o verá novamente — solto sem muita enrolação — Olha, se você não tiver
intenção de ser constante na vida dele, apenas seja direto com ele, Ian é

uma criança inteligente para sua idade e vai começar a entender que não
pode ver seu pai todos os dias, claro que ele não vai entender tudo como um

adulto entenderia, mas ele não vai ficar esperando que você apareça.

— Eu pretendo ser constante na vida dele, Clara — ele diz com uma

carranca, seus olhos têm uma dureza igual aquele primeiro dia na sala de
reunião quando vi pela primeira vez. — Ainda é muito recente e tenho que
me acostumar com a ideia que tenho um filho e que não mora comigo e que

teremos que nos adaptar. Podemos chegar a um acordo, mas não falaremos
disso aqui e agora.
— Claro.

— Quero que venha a minha sala mais tarde para conversar — diz e
quando fico calada continua: — Sabe que temos que conversar, não? — ele

pergunta e tenho vontade de dizer não quero, mas eu não posso privar meu
filho do pai dele. Não quando ele anseia isso, Ian falou de Enrico o

domingo inteiro e pelo visto hoje também.

— Quando quiser — deixo a bola em seu campo, ele sempre faz do


jeito dele de qualquer maneira. — Me avise quando tiver tempo.

Eu começo a me afastar, mas a mão dele em meu braço me para no


lugar, choque me percorre e os pelinhos da minha nuca se eriçam com a

sensação de seu toque. Estremeço e ele afasta sua mão como se sentisse isso
também.

— Podemos fazer isso hoje. Na verdade, eu desci aqui para falar com

você sobre isso.

Ele não ligou ou mandou sua secretária fazer isso? Por que veio

pessoalmente?

— Hoje já tenho um compromisso, Senhor Monteiro.

— Achei que Ian fosse prioridade para você — ele fala e meu sangue
fica quente com a óbvia reprimenda.
— A importância do meu filho é inquestionável para mim —
esclareço chateada que ele questione isso como se tivesse o direito de dizer

qualquer coisa sobre minha vida. — Já para o senhor não sei, não fui eu que
apareci agora em sua vida.

— Golpe baixo, Clara. Sabe que não estava em meu poder essa
questão.

— Estava no meu? Me culpa por ser deixada e esquecida como um

lixo descartável também Senhor Monteiro?

— Sabe que não esqueci um momento de minha vida porque escolhi


isso.

— Sabe o que dizem sobre isso? Que nosso cérebro escolhe esquecer
coisas que nós queremos desassociar de nossas vidas. Talvez você quisesse

nos esquecer e seu cérebro apenas fez isso para você, Senhor Monteiro,

talvez nosso casamento tenha sido uma vergonha para você, ou talvez não,
agora que penso que usava até um nome falso, acredito que estivesse
fazendo algum experimento social para uma de suas empresas de mídia?
Como enganar uma trouxa e depois esquecê-la.

Paro de falar quando percebo que aqui não é o lugar para ter esse tipo

de conversa e estou jorrando coisas desconexas sobre ele do nada. Mas


desde sábado que estou furiosa com a notícia de seu noivado.
O ciúme irracional é como lava queimando por meu sangue, mas esse
não é meu marido, meu marido está morto para todos os efeitos. Meu

casamento falso, que não deve valer nada se Enrico se casou comigo com
documentos falsos. Quando penso que meu casamento foi todo baseado em
mentiras, que passei cinco anos chorando por um homem que nem morto
estava e que ainda me enganou com nome falso, vivi uma mentira achando
que foi o romance do século, é deprimente, para coroar ainda me sinto

atraída como abelha ao favo de mel por esse mesmo homem. Eu sou tão
malditamente ingênua. Eu deveria seguir o conselho de todos e sair e
conhecer alguém e tirar as teias de aranha da minha amiga lá embaixo.

Enrico não diz nada, apenas me olha impassível, pois ainda não

terminei.

— Sua noiva sabe sobre seu filho? Oh ela deve ter ficado chocada em
saber que você já teve uma esposa e a esqueceu e agora ela voltou com sua
prole.

— Já chega, Clara — ele rosna.

— Eu nem comecei com você, estou permitindo muita coisa quando

deveria nem deixar você perto do meu filho, nem perto de mim — digo com
raiva subindo como uma torrente sem controle. — Eu odeio o dia que
aceitei esse trabalho, que me colocou em seu caminho novamente.
— Eu disse já chega — ele rosna novamente e se aproxima de mim,
seu peito quase tocando o meu. Eu podia ver a raiva exalando dele.

— Ou o quê? Estou falando mentiras? — devolvo. Nosso tom é


baixo, mas ainda assim está chamando a atenção de alguns funcionários que
passam por perto e nos olham desconfiados. Devem estar se perguntando o
que a novata está fazendo com o chefe em um canto em óbvia discussão.

— Venha até minha sala — ele me chama e começa a subir a escada e

me pergunto por que diabos ele não usa o elevador.

— Não posso, tenho que ir — digo me afastando, eu não seguiria


como um cachorrinho obediente.

Faço meu caminho de volta a minha mesa onde uma Sílvia de olhos
enormes me espera.

— Podemos ir agora? — pergunto já pegando minha bolsa.

— Ainda falta meia hora para o expediente acabar — ela fala, mas

sorri para mim. — Vi você com o chefe e pelo visto estavam quase na
jugular um do outro, por isso eu alegarei, quando for chamada para ser
demitida por sair mais cedo, que tirei você da empresa para evitar um
assassinato. Certo?

Apesar de minha raiva por Enrico eu acabo rindo. Sílvia é jovial e


alegre e se tornou uma amiga querida em tão pouco tempo, ela é um amor,
despretensiosa e está sendo um apoio desde meu primeiro dia. Eu nem sabia

que precisava de uma amiga, mas agora percebo que sem ela aqui teria sido
mais difícil lidar com as coisas.

— Não se preocupe, se alguém perguntar eu afirmo que estava em


surto e você fez algo altruísta ao me colocar para fora, pois era um perigo
para todos ao redor — concordo entrando na brincadeira e caminhamos

para o elevador.

 
ENRICO MONTEIRO
 

Observo Clara ir embora e a raiva aquece meu sangue e só meu

famoso controle me impede de ir até ela e arrastá-la até minha sala e ter
essa conversa. Ela parece aflorar em mim o meu lado mais idiota. Desde

que a vi na sala de reunião naquele primeiro dia me chamando de Michel


que ela se infiltrou de um jeito ou de outro sobre minha pele, eu tento me

manter controlado, mas a cada dia que passa está sendo difícil ser esse
homem frio e no controle. Diabos. Ela tem esse lado quieta que me enerva,

pois eu nunca sei o que ela está pensando e esse lado que me diz o que quer

sem medo de que eu a demita, por exemplo.

— Alguém está mal-humorado — Melissa diz de onde está sentada

em frente a minha mesa me esperando quando bato a porta da minha sala

com mais força que o necessário.

— Agora não, Melissa — resmungo e caminho para minha cadeira.

Eu tenho trabalho esperando por mim, mesmo que já seja hora de terminar

o dia, eu normalmente nunca saio antes das oito da noite. Principalmente

quando estou com um novo projeto como essa revista. — Você não ia para
casa?
— Estou indo, mas tinha que falar com você sobre algo antes — ela

me observa. — Onde estava para estar com esse humor?

— Fale o que tenha que falar e caia fora.

— Nossa, que grosso. — Ela suspira. — É sobre Clara.

— O que tem ela?

— Sério? Ela foi desrespeitosa hoje com Tatiana — ela fala como se

Clara tivesse cometido um crime capital. — Não acho que seja uma boa
ideia deixá-la trabalhando aqui, temos outros lugares que ela poderia ir.

— Talvez eu faça isso — digo e ligo meu computador como se a

conversa não fosse grande coisa.

— Ótimo e onde podemos mandar ela? Talvez...

— Vou pedir que a transfira para o escritório central, afinal estou aqui

como editor-chefe até a revista ser lançada que depois será por sua conta,

então talvez ela na sede do Grupo Monteiro seja a melhor opção.

— O quê? — ela praticamente grita.

— Ela pode trabalhar junto comigo, assim não incomoda você e nem

Tatiana aqui — digo e olho minha irmã com vontade de rir. — Você parecia

gostar dela, mas bastou Tatiana se incomodar que você foi junto.
— Não é isso, só que a Tati é minha melhor amiga e estou vendo ela

ser jogada fora porque você está com uma crise de consciência, irmão. —

Ela bufa com raiva. — Está magoando Tatiana porque acha que deve

alguma coisa à Clara.

— Meu filho vem primeiro que os sentimentos da Tatiana, Melissa,

que isso fique bem claro — digo já cansado da conversa. — E já não me

encheu o saco com essa conversa mais cedo?

— Quando a Tati falou que você parece outro quando fala dela não

acreditei — ela me dá um olhar raivoso. — Será que mamãe vai aceitar seu

filho e essa mulher tão de bom grado?

— Eu por acaso devo explicação a você e mamãe? Melissa eu amo

você, mas está passando do limite aqui e está me deixando chateado.

Melhor recuar. E vá se acostumando porque vou pedir que Clara se case

comigo.

— Enlouqueceu. Devemos investigar a vida dela, Enrico, nem

sabemos quem ela realmente é!

— Vou apresentar Ian a toda família e não terá nenhuma dúvida se ele

é realmente meu.

— Você já pediu um exame de DNA pelo menos?


— Melissa, acho que deveria cuidar da sua própria vida, porra, está

ficando chato pra caralho seu questionamento.

— Estou preocupada com você, Enrico, pelo amor de Deus tenha um

pouco de calma com essas decisões — ela pede exasperada. — Tatiana não

merece isso.

— Case com ela porra! Tudo tem que ser sobre ela? Case com ela se

está tão doída por ela com o rompimento do noivado. — Levanto-me puto.

— Estou farto dessa conversa e ela acabou.

Fecho meu notebook e pego meu celular e caminho para fora da sala

deixando Melissa estupefata lá. Eu nunca fui tão taxativo e rude com ela.
Ela só precisa deixar de ser um pé no saco. Paro na mesa da minha

assistente que tem os olhos esbugalhados de espanto, pois Melissa é uma

das pessoas mais queridas para mim e Luísa nunca me viu levantar a voz

para ela antes. — Feche minha sala quando minha irmã sair, não volto mais

hoje.

Eu vou encontrar Clara.

Pelo teor da conversa dela ao telefone ela ia sair com uma amiga para

um drink, eu conhecia os lugares comumente usados pelos funcionários que

trabalhavam nessa área quando iam a um happy hour.


Encontro-a no terceiro bar, ela e a amiga estão sentadas em uma mesa

conversando e faço meu caminho para pedir uma bebida e uma mesa, irei

esperar ela terminar com sua amiga, então a levarei para casa e teremos

uma conversa decente.

Isso me lembra algo.

Ela deveria ter um carro.

Pego meu celular e mando uma mensagem para Luísa providenciar

uma visita à concessionária, para Clara escolher um carro. Eu sei que devo

estar delirando achando que será fácil convencê-la, mas eu tenho meus

métodos de persuasão.

 
CLARA MONTEITO
 

— Ah não — gemo quando vejo Enrico entrar no bar que estávamos.


Por que ele estaria aqui? Ele passa por nós como se não tivesse nos visto e

vai para o balcão do bar e fala com a bartender alguma coisa e o homem

atrás do balcão assente, tiro meus olhos dele e olho Sílvia. — O que ele está
fazendo aqui?

Sílvia olha disfarçadamente para ele, o bar está bem vazio, mas ainda
tem bastante gente para uma segunda-feira, segundo Sílvia aqui lota e hoje

tem pouca gente.

— Eu acredito que ele deva estar procurando você — ela confabula e


olho por cima do ombro para olhar ele.

— Tenho que conversar com ele, eu sei, mas hoje não — digo

tomando minha piña colada, eu não sou muito bebedora e vou me aventurar
apenas nessa por hoje, quem sabe outro dia tomaria algo mais ousado.

Temos que começar por algum lugar e não acabaria bêbada. Eu sou uma

mãe pelo amor de Deus! Tenho que chegar em casa decente. Fará uma hora

que estamos aqui e estávamos nos divertindo até Enrico surgir e acabar com
minha diversão, eu até tinha esquecido nossa discussão de mais cedo. Acho

que ele veio para terminarmos pelo visto.

— E você, Sílvia, tem um chefe perseguidor também em sua vida? —


pergunto tentando fazer com que ela fale mais sobre si mesma, o assunto

sempre foi minha vida e a vinda para o Rio.

— Deixo essas coisas para você, eu não tenho nada de interessante


acontecendo na minha vida — ela conta, mas eu acredito que sempre há

mais sobre nossas vidas para contar. — Mas sobre amores? Eu sou muito

solteira e vivo com minha irmã mais jovem que eu.

— Seus pais?

— Eu não sei sobre eles, eu e minha irmã ficamos em um abrigo e

depois que saí e consegui um emprego pedi a guarda dela e consegui, e por
incrível que pareça foi rápido — ela conta me surpreendendo. — Eu tive

que provar que podia sustentá-la, mas eu tinha uma pessoa lá que era como

um anjo, a assistente social, não é todo mundo que tem a mesma sorte, mas

eu tive, pelo menos isso. Eu sempre fui inteligente e conseguia emprego

rápido como designer, mesmo quando nem era formada ainda, sou uma

autodidata, eu acho.

— Fico feliz que conseguiu — falo pegando sua mão sobre a mesa.
— Eu só tive sorte — ela diz novamente como se não fosse nada. —

Quais as chances de um irmão conseguir a guarda de seu irmão mais novo

nesse país?

— Mas conseguiu, isso que importa.

— Sim — concorda pensativa.

Um grupo de homens chega à mesa ao lado da nossa e faz barulho


com risadas e camaradagem, entre eles um deles olha para nossa a mesa

com interesse.

— Acho que você está sendo paquerada, Dona Clara — Sílvia


comenta rindo.

— Hmm, não sei nada sobre isso. — Eu não sei mais sobre o jogo da

paquera, faz tanto tempo que fiz isso que não saberia dizer se alguém
estiver me paquerando. — Talvez esteja na hora de ir, quero chegar em casa

com Ian acordado. Ele nunca foi dormir comigo fora.

— Clara, você usa Ian como desculpa para tudo. — Ela me olha
severa. — Viva um pouco, mulher.

— Não acho justo mamãe ficar com ele o dia todo e à noite também.

— Mais um drink e vamos embora.

— As senhoritas não querem se juntar a nós? — um dos caras da

mesa fala e olho para ele. Esse é meio desagradável e ignoro seu convite. —
Não? Eu certamente faria sua noite melhor.

— Quem perguntou, cara? Dê o fora — Sílvia diz e arranca risadas

dos outros caras que riem de seu amigo.

Meu celular apita uma mensagem e pego o aparelho olhando a tela e

olho em direção onde Enrico está, eu tinha me esquecido dele por um

momento. Ele está olhando para mim com a sobrancelha levantada e franzo

minha testa para ele e leio a mensagem:

“Você não tem um filho em casa esperando por você?”

Oh filho da puta.

Meu celular vibra com outra mensagem.

“Acredito que esteja na hora de você encerrar sua noite, além do que

ainda temos uma conversa para terminar.”

— Você está bem, Clara? — Sílvia pergunta ao meu lado e levanto


meus olhos para ela. — Estava fazendo careta para o celular, está tudo bem?

Tem que ir?

— Está tudo bem, mas se me der licença tenho que ir falar com

aquele imbecil ali. — Aponto para Enrico e ela arregala os olhos. — Ele

acha que temos algo para falar.

— Você quer que eu vá embora? Vocês precisam ficar sozinhos?


— Estou prestes a conectar minha mão em seu rosto perfeito isso sim,

ele acha que devo encerrar a noite.

Ela ri e gemo de frustração.

— Ele está sendo machista, Sílvia não ria, ele acha que tenho um

filho em casa esperando por mim, aquele bosta não sabe com quem está

mexendo — resmungo furiosa. Ele é tão irritante, ele, sua noiva, e...

— Esse bosta sabe o que está fazendo, tenha certeza. — A voz de

Enrico me faz pular e vejo que ele se aproximou sem que eu percebesse e

Sílvia que estava de frente para ele não disse que ele estava se

aproximando. — Sílvia, você pode deixar que eu levo a Clara para casa.

— Claro, Senhor Monteiro — ela diz. — Vou pagar a conta...

— Já cuidei disso, apenas preciso falar com sua amiga aqui e ela está

dificultando as coisas. — Ele estende a mão para ela. — Obrigado, Sílvia.

— Desculpa amiga — ela sussurra para mim quando se levanta. —

Seria bom vocês dois conversarem, você precisa deixar ir esses

sentimentos.

— Não preciso deixar ir nada — digo para ela, mas ela está certa,

deveria conversar de uma vez por todas com ele. Levanto também. — Bem,

vou seguir seu conselho, Senhor Monteiro, e ir para casa.


Eu sabia que ele me seguiria, só que um bar não é o local para termos

uma conversa sobre filhos. Nós nos despedimos na rua e Sílvia pega um

táxi para casa, vejo Enrico dar um maço de dinheiro para o taxista que sorri

feliz enquanto assente para Enrico. Quando eles vão embora, Enrico me

guia para seu próprio carro, sua mão na base da minha coluna não passa

despercebida, mas não digo nada e nem me afasto. Ele abre a porta do

passageiro e eu entro.

Quando ele dá a volta e se senta ao meu lado, vou direto ao ponto.

— Sobre o que é a urgência, Enrico? Estava tentando relaxar lá no

bar se não notou.

— Disse a você para ir a minha sala e você me ignorou então...

— Me leve para casa.

— Com prazer, afinal meu filho quer me ver, não é mesmo?

— Acho que não é hora para visita.

— Clara, eu preciso estabelecer um horário para ver meu filho?

Precisamos ir à justiça para isso ou podemos acertar entre a gente?

Oh ele não estava me ameaçando estava? Que jumento.

— Longe de mim querer acionar um advogado para definir horário

para ver meu filho, eu acabei de conhecê-lo e não quero envolver justiça em

algo tão delicado. — Ele acha que me engana? — Não concorda?


— Faça o que quiser, não terá muito sucesso — retruco.

— Ah só para constar nunca perco nada, tenho um advogado que


sempre ganha.

— Não duvido. — Faço pouco caso, ele acha que me amedrontar

com briga na justiça vai me amolecer?

— Relaxe, Clara, eu tenho algo a propor para você — ele declara me

olhando de esguelha enquanto dirige pela cidade. — Você quer pegar algo
para jantar? Acha que Ian já jantou?

— Provavelmente — digo sem emoção, mas apenas por fora porque

estou morrendo de curiosidade sobre o que ele tem para me propor.

Conhecendo esse Enrico não pode ser nada de bom.

— Você poderia perguntar a sua mãe se podemos levar o jantar. —

Quando não digo nada, ele pega o próprio celular e diz: — Vou ligar para
ela e perguntar.

— Como tem o telefone dela? Nem a conheceu ainda formalmente.

— Tenho meus caminhos, Clara, sempre — ele diz. — Vai falar com
ela?

— Eles já devem ter jantado — digo pegando meu celular e

mandando uma mensagem para mamãe.


Deus, esse homem é bizarro. Mamãe responde que está preparando o
jantar e digo a ela para esperar que temos um convidado que vai levar o

jantar.

Quando informo a Enrico, ele assente e liga para um restaurante para


entregar em nosso endereço e pede agilidade, eu não ficaria espantada se o

jantar chegasse antes de nós. E no fim estava certa, quando chegamos ao


prédio nosso jantar já está esperando por nós. Nada como ser rico e fazer

acontecerem as coisas.

— Mamãe! — o grito e o som dos pés do Ian reverberam pela casa


quando abro a porta minutos mais tarde. — Você chegou!

— Ei amor! — digo ficando de joelhos para receber seu abraço e


beijos molhados. — Temos visita, hein! — digo para ele e aponto Enrico

atrás de mim.

— Papai! — ele grita feliz quando vê Enrico e fico tocada com


quanta facilidade ele começou a chamá-lo de papai. Enrico tem as sacolas

nas mãos e cuido de pegá-las para que ele dê atenção a Ian. Sigo para
colocar as sacolas na cozinha e volto para apresentar mamãe a Enrico, mas

ele já está se adiantando e estendendo a mão livre para ela. Ele tem um Ian
muito satisfeito no colo.

— Sou Enrico — ele se apresenta para ela e mamãe aperta sua mão.
— Tereza — ela fala com um sorriso sincero, ela não sorri assim para
quem ela não gosta. — Prazer em conhecê-lo.

Reviro os olhos.

Esse é o inimigo, mamãe, penso estreitando os olhos para ele.

 
CLARA MONTEIRO
 

Depois de o Ian dormir, eu saio com Enrico para a minúscula varada


do apartamento, é o único local da casa com privacidade, não que vá

esconder da minha mãe o que ele vai dizer, mas ela precisava descansar do

longo dia. Eu pedi que ela ficasse no meu quarto, mas ela é tão teimosa.

Sentamo-nos nas duas cadeiras de palha e Enrico parece

desconfortável e tenho vontade de rir de como ele parece espremido na


cadeira.

— Você está se divertindo? — ele pergunta vendo o sorriso reprimido

em meu rosto.

— Muito. — Cruzo meus braços. — Bem, aqui estamos nós e estou

cansada de esperar você falar, Enrico. Sua noiva deve estar se perguntando

onde você está uma hora dessas.

— Você deduz demais as coisas, Clara — ele começa e coloca os

cotovelos apoiados nos joelhos, se inclinando para frente, e mais próximo


de mim. — Primeiro de tudo eu quero que você me escute antes de começar

a retrucar.
— Não prometo nada, mas vou tentar — falo não gostando nem um

pouco dessa conversa.

— Eu quero consertar as coisas com você e o Ian, quero dar aos dois
um lugar melhor para morar...

— Estamos bem aqui...

— Deixa eu terminar, Clara!

— Continue. — Ele acha que vai me comprar?

— Vou direto ao ponto então — ele me olha nos olhos —, quero que

se case comigo.

— O quê? — Choque é a palavra para descrever o que ele acabou de

dizer?

— Eu estive pensando que essa é a melhor decisão — ele fala como

se fosse a coisa mais normal do mundo. — Eu casei com você e esqueci,

agora estou propondo que case comigo, assim você terá uma reparação do

que causei a você quando me passava por outra pessoa, podemos criar Ian

em um lar, ele vai adorar isso, Clara. Podemos dar uma folga para sua mãe,

uma vida mais confortável para ela. Você terá uma vida sem tanta

preocupação porque estarei lá para você e nosso filho.

Sinto lágrimas juntarem em meus olhos e estou completamente sem

palavras. Ele acha que pode chegar aqui e dizer essas coisas e vou aceitar
esse absurdo?

— Você está noivo de outra mulher! — É tudo que consigo dizer.

— Não estou mais, ainda não anunciamos o fim do noivado, mas ela
já sabe que não haverá casamento.

— Minha resposta é não.

— Pense na vida que nosso filho terá tendo seus dois pais juntos.

— Eu cometi esse erro uma vez, não cometerei novamente, Enrico —

digo quando uma lágrima de decepção cai do meu rosto. Como ele pode

propor casamento a mim pela segunda vez, e nem uma das duas propostas

de casamento parecem verdadeiras para mim, pois não envolvem

sentimento de amor por mim, é o que eu sinto. — Eu me casarei apenas por

amor, e definitivamente não há amor nessa proposta fria.

— Amor, é tão tola? Precisa ser prática — ele diz e balanço minha

cabeça em descrença.

— O que ganha com isso?

— Muito, terei meu filho junto comigo, não poderei recuperar o

tempo perdido, mas podemos criar novas memórias, eu posso não me

lembrar de você, mas podemos fazer isso dar certo, apenas dê uma chance,

pense no Ian.
— Ele é a única coisa que penso, é por ele que estou aqui falando

essa merda com você, se ele não tivesse na minha vida eu teria tirado minha

própria vida porque a dor de perder meu marido era tão avassaladora que eu
não queria acordar na maioria dos dias, ou se duvidar todos os dias, mas a

vida crescendo dentro de mim foi o que fez me levantar e viver, Enrico,

você não pode imaginar o que senti quando achei que meu marido morreu

naquele acidente. Se não fosse minha mãe e meu filho, eu não estaria aqui,

então pegue sua merda de proposta e...

Um soluço me quebra e uma dor excruciante me toma quando lembro

que perdi o amor da minha vida e quando ela me devolveu, ele não é o que

imaginei que fosse. Sinto braços fortes me enlaçando e não me importo, eu

envolvo meus braços no pescoço de Enrico e choro. 

— Shiii, está tudo bem. — Sua voz sussurrada em meu ouvido e seus

dedos alisando as mechas do meu cabelo, fico constrangida por desmoronar

em sua frente. Tento me afastar dele, mas ele me aperta mais forte entre

seus braços e percebo que estou sentada escarranchada nele. Puta que pariu!
Como diabos fui parar nessa posição? Ele inclina minha cabeça para olhar

para ele e nossos rostos estão próximos e Deus como eu quero beijá-lo.

Talvez uma única vez.

Parece que ele lê meus pensamentos quando seus olhos caem para

minha boca e lambo meus lábios ressecados e ele segue o movimento com
olhos famintos, eu conheço esse olhar, Michel me olhava assim quando

estávamos prestes a devorar um ao outro no passado, e Enrico tem esse

olhar agora. Quando seus lábios batem nos meus, eu sinto como se tivesse

voltado para casa. Sua língua perversa varre minha boca e retribuo dando de

volta tudo de mim. Seu beijo é familiar, porém diferente, novo como se

estivesse se aperfeiçoado, ele agarra minha nuca e aprofunda o beijo

comendo minha boca com a dele. Gemo quando ele morde meu lábio

inferior entre seus dentes e puxa antes de voltar a me beijar com prazer

renovado, sinto seu pau duro debaixo de mim e a excitação corre por mim e

rebolo o quadril fazendo a fricção mais forte, nós dois gememos quando
choques de prazer cortam por nós...

— P-are — eu consigo dizer quando sua mão agarra minha bunda e

me traz para ele, ele me segura pela nuca e minha bunda como se quisesse

me fundir a ele. — P-are.

Ele me deixa afastar um pouco e ofegamos quando nossos lábios se

separam completamente e nossos olhos se prendem na penumbra da sacada.

Parecia que podíamos ver nossa alma dentro dos olhos um do outro, é como

voltar no tempo e estar nos braços de Michel novamente e passado e

presente se fundindo em minha mente, e é demais para mim, eu quero

chorar novamente, pois um bolo cresce em minha garganta.

— É melhor você ir.


— Eu preciso que você me diga que irá pensar na minha oferta, Clara

— ele pede ainda me segurando perto quando tento fugir de seu agarre. —

Eu sei que você está machucada com o passado, mas eu não posso mudar o

passado, mas posso fazer isso com nosso futuro.

— Enrico...

— Mesmo que não me lembre, eu quero você e Ian de volta. Quero

vocês de volta.

— Quer dizer que de uma hora para a outra você resolveu que quer
casar comigo? Construir uma família novamente?

— Eu planejava casar tem muito tempo, apenas com a mulher errada

e agora que está aqui eu vejo que é a mulher certa a fazer isso comigo.

Como ele tinha mudado tão de repente? Será que ele tinha um plano

escuso por trás desse repentino interesse em mim? Ele acreditava agora que

era meu Michel?

— Está apaixonado por mim? — ele não diz nada e dou uma risada

sem humor. — Eu não posso aceitar.

— Tudo bem. — Ele me tira do colo e levanta, e ficamos os dois

parados em pé lá nos encarando. — Amanhã você terá um novo

apartamento e um carro novo. Iremos visitar algumas escolas para Ian na

próxima semana também.


— O quê? Não vou me mudar para outro lugar e nem quero carro,

não preciso de esmola, Enrico.

— É para nosso filho — avisa categórico.

— Estivemos bem até agora, não preciso de casa sofisticada e nem

carro de luxo para sermos felizes. Só me dê um tempo para processar tudo


isso.

— Não terá escolha — ele diz. — Amanhã também meu advogado


entrará com o pedido da guarda compartilhada do Ian e o registrarei com
meu nome verdadeiro.

Ele fecha os olhos e estou estupefata demais para reagir quando ele
joga tudo isso de uma vez.

— Está louco? Não vou deixar você ter guarda nenhuma.

— Clara — ele fala e acaricia meu rosto com as costas dos dedos e
choques saem de onde ele toca e se espalham por minha pele —, se eu não

tiver casado com você, terei meu filho sempre por perto de qualquer
maneira.

— Você é um idiota sabia disso?

— Case comigo e não terá nada disso, darei a você e ao Ian uma vida
diferente da que tem aqui, meu filho nem tem onde dormir direito, Clara.
Isso me incomoda, não posso deixá-lo viver assim quando posso dar mais
para ele, por favor.

— Eu não posso...

— Não me dê a alternativa de levar isso à justiça, Clara, podemos ser


amigos, pode ter seu próprio quarto na minha casa, sua mãe será bem-vinda
lá também, quero que o Ian conheça minha família. Não negue isso ao

nosso filho.

Não respondo e tremo com o vento frio e cruzo meus braços. Ele

pode estar certo? Mas casar? Eu já dei esse passo com ele e foi um desastre.

— Vou deixar você pensar e amanhã venha a minha sala e me diga o


que resolveu. — Ele beija minha testa. — Boa noite, Clara, e pense no

nosso filho, por favor.

— Me ameaçar não é o melhor caminho.

— Vou frear meus instintos, mas quero isso, entende. Quero que

fiquemos juntos.

Assinto e ele caminha até a porta da sacada que dá para a sala e para.

— Só me diga uma coisa? Você diz que não precisa de casa, nem

carro de luxo para ser feliz e eu acredito nisso, mas a pergunta é, você está
feliz com essa situação, Clara? Quando foi a última vez que se sentiu real e
plenamente feliz? Deixe adivinhar, Michel ainda estava com você quando
se sentiu realmente feliz?

Eu não respondo e ele sai logo depois e vou para a sala e fico lá
sentada sem saber o que me atingiu. Eu sou feliz, tenho as duas pessoas

mais queridas do mundo comigo, eu não preciso de nada mais para ser feliz.
Eu sofri por tanto tempo por um amor que estava cheio de engano, mas

acabou agora, eu sei a verdade e eu sou feliz. Sim, muito. Lindamente feliz.

Idiota, bruto, insensível!

Toco meus lábios inchados do beijo e fecho meus olhos...

Bruto!

Não sei quanto tempo estou lá quando vejo mamãe encostada na


porta do quarto me olhando.

— Você parece que viu um fantasma — ela comenta e vem se sentar

ao meu lado. — O que te deixou assim?

— Ele me pediu em casamento — conto para ela e seus olhos se


arregalam.

— Oh não esperava isso — ela diz por fim. — E?...

— Ele quer consertar as coisas com ameaças. — Sorrio sem humor.


— Acha que devo aceitar?
Por que ele pode pedir guarda compartilhada? Ele quer me dar um

novo apartamento um carro e não sei mais o que caso não aceite casar, mas
pedirá a custódia compartilhada e provavelmente se casará com aquela

noiva dele.

— Não sabia que ele estava noivo. — Mamãe alisa meu cabelo, como
se ainda fosse uma menina. — Tome um banho e tente dormir, amanhã

certamente vai pensar melhor.

— O que acha disso tudo?

— Você e seu coração devem tomar essa decisão, mas olhando pelo

lado que você não dá outra chance a nenhum outro homem, vive como uma
monja desde que esse homem saiu de sua vida — ela diz —, agora ele está

de volta. Você pode mandar ele para o inferno e começar a cuidar de seu
lado mulher, que devo dizer, filha, está pior que o meu, que sou uma velha

senhora, ou você pode continuar de onde pararam, talvez essa seja uma
segunda chance para vocês, de um modo bem bizarro devo acrescentar.

— Mamãe! — Apesar de tudo caio na risada. — Você só tem 47, não

é velha. Uma coroa linda.  — Fico séria e tento negar o óbvio. — Eu não
vivo como uma monja.

— Tem certeza, querida?

— Não é bem assim.


— Vejo você definhando por cinco anos, Clara, e agora vejo uma luz

em você que não vejo há muito tempo, não sei que mágica é essa que ele
tem sobre você, mas eu não posso deixar de falar que prefiro você assim do

que antes.

Ela tem razão, eu vivi como uma sombra por tempo demais. Mas me

casar com Enrico? Eu tenho medo de acontecer tudo de novo e passar por
aqueles dias sombrios novamente.

— Bem, deve ir dormir. — Ela bate na minha perna e se levanta. —

Eu vou voltar para minha cama. Uma boa noite de sono coloca as coisas no
lugar e amanhã verá tudo com novos olhos.

— Você acha que consigo ter uma boa noite de sono com tudo isso na

cabeça?

— Tente, querida. — Ela se abaixa e beija minha cabeça como fazia

quando eu era criança.

— Boa noite, mamãe.

Vou para meu quarto e tomo um banho muito necessário e entro sob
as cobertas. Meu celular acende com uma mensagem.

“Caso tenha dúvidas sobre termos um casamento real, o beijo de


mais cedo diz que temos o básico e podemos trabalhar com isso.”

Básico?
Como ele é romântico. Penso irônica. Ele acha que essa mensagem é
incentivadora?

“Terá que fazer mais esforço nesse sentido, Senhor Monteiro, não foi

grande coisa, se é que entende.”

Jogo meu celular de lado e tento pensar em sua proposta. Eu não


posso me imaginar casando com Enrico, mas ao mesmo tempo meus

pensamentos se enchem com a possibilidade da gente junto, sua boca me


devorando como mais cedo e...

Outra mensagem chega e penso em ignorar, mas a curiosidade é


demais e agarro o celular. Não é uma, mas sim três...

“Desculpe, por se sentir ameaçada. Eu às vezes sou um pouco

demais.”

“Eu quero você, que fique claro quando tiver pensando na proposta.

E não é porque quero consertar o passado, eu não paro de pensar em


você.”

“Boa noite.”

Eu fico olhando para suas palavras.

Eu o desejo também e não é porque ele é Michel, mas sim porque ele
mexe demais comigo, não importa que nome esteja usando.

 
 
CLARA MONTEIRO
 

Sento-me em minha mesa na manhã seguinte e meus nervos estão em


frangalhos, cada vez que meu telefone toca em minha mesa eu pulo com o

barulho, eu deveria ter mais controle sobre minhas emoções, mas quando se

trata de Enrico eu sou completamente fora de controle. Eram nove da


manhã quando Melissa aparece ao lado da minha mesa.

— Você tem um minuto para vir a minha sala? — ela pergunta toda
educada e segue seu caminho para o elevador e eu pego o iPad que

trabalhamos com ele e meu celular e sigo atrás dela, mas como ela estava

usando o elevador eu iria pelas escadas, antes dou a Sílvia um olhar


interrogativo, se fosse algo referente à arte da capa, Sílvia teria sido

convocada também, então só poderia ser relacionado ao irmão dela. Ela foi
muito gentil quando tive um colapso naquele dia que conheci Enrico, mas

não tive tanto contato assim mais com ela. Entro em sua sala momentos

depois.

— Feche a porta, por favor — ela pede de onde está sentada, atrás de

sua mesa. Depois de fechar a porta caminho para parar em frente a ela. —

Sente-se, Clara.
Sento e não começo um diálogo, se ela me chamou aqui é porque tem

algo a dizer e não estou facilitando para ela.

— Bem, você está se adaptando aqui? — ela começa gentil e arruma


itens sobre a mesa que já estão arrumados.

— Sim, gosto do trabalho de arte, é o que gosto de fazer então... —

deixo no ar e ela sorri.

— Fico muito feliz em ouvir isso. — Ela levanta seus olhos para

mim, parece um pouco constrangida. — Eu adorei suas ideias, seu trabalho

é impecável, Clara, mas eu disse naquele dia quando você conheceu meu
irmão que eu gostaria que vocês mantivessem seus problemas longe do

escritório.

— Eu acredito que nada que eu tenha com Enrico esteja afetando


meu trabalho.

— Bem, eu discordo — ela fala. — Sinto que preciso desligar você

do Grupo Monteiro, ou eu posso indicar você para trabalhar em outra

cidade, São Paulo, por exemplo, lá suas chances seriam maiores que aqui,

pode crescer imensamente.

Ele mandou ela me demitir apenas para que eu aceitasse me casar?

Assim não teria alternativa?

— Seu irmão pediu que me demitisse?


— Sim, ele não quer você aqui dizendo que é casada e tem um filho

com ele quando ele tem uma noiva e estão prestes a se casar.

— Eu tenho um filho com ele, e sim já fui casada com ele — digo

levantando-me, ficando irritada com essa conversa. Se ela estava me

demitindo, eu não vou ficar aqui parada escutando sua merda.

Ela sabe que seu irmão estava comigo ontem me pedindo que me

casasse com ele? É por isso que ela veio em nome da noiva, pois é isso que

dá a entender.

— Você está estragando a vida do meu irmão vindo de Deus sabe

onde e inventando uma história que não faz sentido, eu tenho certeza que

meu irmão saberia se casou com você, apenas aceite a transferência ou...

— Quer saber? Eu não preciso ficar escutando isso. — Agarro meu

iPad na mão com força. — Se estou sendo demitida, ótimo. Estou saindo.

— Clara?...

Ela chama, mas não escuto, marcho para fora da sala dela como se o
diabo estivesse atrás de mim. Para coroar, esbarro em Tatiana, a noiva de

Enrico, na porta.

— Olhe por onde anda, querida — ela diz com a voz falsa melosa e
tenho vontade de empurrá-la do meu caminho, mas eu passo por ela sem

nem olhar em sua cara, meu alvo é outra pessoa. Vou direto para a sala que
fica no canto do andar, onde fica a sala do editor-chefe. A assistente dele

está na sala em frente a sua porta e ela arregala os olhos quando me vê indo

direto para a porta do Enrico.

— Não pode entrar aí... — ela fala, mas eu já estou entrando sem

bater e paro quando percebo que Enrico não está sozinho. Tem um homem

de terno sentado ao lado de uma mulher jovem elegante em frente à mesa

de Enrico. Não me importo, eu apenas preciso dizer umas verdades a ele e

se tiver que ser na frente desses dois, que seja.

— Preciso falar com você — digo cruzando meus braços na frente do

meu corpo. — Pode ser em particular ou posso dar um show bem aqui.

— Senhor Monteiro me desculpe, mas ela apenas entrou.

— Tudo bem. — Enrico levanta e caminha para mim. — Que bom

que você apareceu, venha conhecer meus advogados.

O quê? Ele estava falando sério sobre os advogados? Ontem ele disse

que estava acionando seus advogados e ele não estava blefando.

— Você está falando sério? — grito, furiosa.

— Este é Domênico Garcia e sua advogada assistente Lanie

Albuquerque. — Ele olha para mim. — Quero que vocês conheçam minha

futura esposa, Clara. Era dela que estava falando.


A primeira a reagir é a mulher que me dá um sorriso sincero e

estende a mão.

— Prazer em conhecer você, Clara — ela diz. — Sou Lanie.

— Olá — digo sem jeito. O homem sério apenas acena para mim.

— Senhora Rios. — Olho espantada por ele me chamar do meu nome

de solteira. Como ele descobriu isso? Eu não uso esse sobrenome há seis

longos anos.

— É Monteiro — digo com uma carranca por ele tentar me tirar até

meu sobrenome. O pior que meu casamento deve ser nulo, e... Deus que

bagunça. — Senhor Monteiro, eu preciso falar com você em particular.

Enrico deve ter visto meu olhar atormentado porque ele trata de se

despedir de seus advogados e eles acenam para mim antes de saírem. Estou

quase hiperventilando de raiva assassina quando me viro para ele que está

fechando a porta da sala.

— É assim que vai ser? Seus golpes baixos tudo de uma vez? —

vocifero em sua direção tão furiosa. — Você achou pouco ficar aqui

maquinando tirar meu filho de mim e mandou suas lacaias me demitirem?

Você acabou de descobrir sobre nós e está destruindo a minha vida, por que

está fazendo isso?


— Do que está falando Clara? — Ele tenta se aproximar de mim e

dou um passo para longe dele.

— Não se aproxime de mim nunca mais — digo apontando meu dedo

em riste para ele. — E não se faça de tonto, mandou sua irmã me demitir?

Além de tirar a única fonte de renda do seu filho, você vai tirar ele de mim

também?

— Melissa demitiu você? — Ele parece genuinamente surpreso.

— Não se faça de inocente quando mandou ela fazer exatamente isso!

— Eu não fiz tal coisa, Clara — ele rosna e seu rosto fica vermelho

de raiva. — Se eu quisesse demitir você eu mesmo faria isso, não mandaria

minha irmã fazer meu trabalho sujo, na verdade eu proibi terminantemente

que ela fizesse isso, pelo visto não fui claro o suficiente.

— Então por que ela me demitiu em seu nome? — pergunto não

acreditando nele. Eu deveria sair dessa sala e fugir com Ian e ele nunca

mais nos encontraria.

— Vamos saber isso juntos. — Ele pega seu telefone da mesa e aperta

alguns botões. — Você pode vir a minha sala? — Ele escuta. — Sim, agora.

Olho para ele me perguntando o que diabos irá fazer. Não demora

muito e Melissa irrompe em sua sala e para quando me vê parada no meio

da sala de onde não me mexi. Eu odiava toda essa situação.


— Melissa, por que você não explica para mim e para a Clara por que

eu enviei você para demiti-la? — Enrico pergunta com calma. — Explique

por que você fez exatamente o contrário do que eu disse para ser feito?

— Ah isso, bem, já que você insiste irmão, eu tinha um acordo com a

Senhorita Monteiro sobre a relação que ela tinha com você afetar o bom

andamento da revista.

— Eu não tinha acordo com ninguém, apenas uma advertência, caso


eu deixasse minhas fantasias que tinha um filho com Enrico interferisse no

meu trabalho aqui. Coisa que não aconteceu, já que hoje mesmo meu
trabalho foi elogiado — digo com meu nariz empinado, eu não deixaria

essas pessoas me pisarem.

— Que seja, mas como disse se a relação de vocês interferisse aqui


eu a demitiria e fiz isso hoje porque ao meu ver Clara deve ser transferida,

eu dei essa opção também.

Enrico apenas observa a troca e depois se vira para a irmã.

— Vou dizer apenas mais uma vez, Melissa. Clara fica e você não

tem permissão para demiti-la. — Ele olha firme para sua irmã. — Como
você está ansiosa para que ela vá embora, deixe-me contar as novidades —

ele caminha na minha direção, enlaça minha cintura e me atrai para ele e
beija minha têmpora —, eu pedi Clara ontem à noite em casamento, e ela
disse sim.

— Eu... — O aperto de seus dedos na minha cintura me cala e vejo

sua irmã ficar vermelha, e apenas porque estava com raiva dela sendo
injusta comigo eu fico calada e não desminto seu irmão ardiloso.

— Não vai me dar meus parabéns, irmãzinha? — ele pergunta ainda

colado a mim e tenho vontade de empurrá-lo e ao mesmo tempo me apertar


contra ele. Enrico me desperta sentimentos ambíguos e não sei como lidar

com esse turbilhão de sentimentos guerreando por dentro. 

— Parabéns! — ela diz e tenta sorrir, mas é sem humor. Eu jurava

que Melissa poderia ser uma aliada quando comecei aqui, mas eu não sei
por que ela de repente não gosta de mim, ela parecia tão simpática antes. O

que mudou? Ela acha que estou mentindo, que estou inventando uma
história para prender seu irmão? — Vou deixar os dois pombinhos em paz.

— Obrigada irmãzinha — ele agradece com uma voz debochada para

ela. — Conte para sua amiga que deve estar esperando você em sua sala e
se eu souber que está assediando minha noiva que se chama Clara

Monteiro, e não Tatiana, nós teremos problemas, Melissa.

— Quem pode ir contra o chefe, não é?  — ela retruca e sai.


Quando a porta se fecha nas costas dela eu tento empurrar Enrico,
mas é como se ele já esperasse e me segura firme e bato em seu peito duro

debaixo do terno e a próxima coisa que sei é que ele está me beijando como
se quisesse isso por muito tempo e estivesse sendo privado.

Enrico geme e aprofunda o beijo, sua mão vem para o meu pescoço,
fechando-se ao redor com firmeza. Isso me faz ofegar, e tremo com a

intensidade do beijo e do aperto no meu pescoço, pois ele me domina, me


acorrenta a ele de uma maneira nova e me deixa tão molhada, tão pronta

para recebê-lo dentro de mim. Seus lábios chupam os meus com rudeza me
fazendo arquejar de luxúria e quero me bater por ceder, ele parece sentir
meu retraimento, pois chupa a minha boca com mais ímpeto, enfiando a

língua e enroscando com a minha lambendo e mordiscando como se


estivesse faminto, desejoso, e enfim conseguisse aquilo que tanto almeja.

Quero fugir de seu toque, mas a vontade de ter mais dele é mais forte que
meus escrúpulos e me rendo ao momento, ao seu toque requintado e

perverso, quero que ele me foda tão forte, quero gritar isso para ele, mas
apenas retribuo o beijo faminto dele. Sinto suas mãos emoldurando meus

seios por cima da blusa e arqueio querendo mais de seu toque. Estou
completamente extasiada e ao mesmo tempo receosa que vou sucumbir ao

domínio de sua pegada dominadora, ele me empurra para trás e minhas


costas batem na parede e ele deixa minha boca para sua língua perversa
correr por meu pescoço, ele é intenso demais e sua virilidade me domina

completamente, estou tão perdida...

— Enrico? — chamo meio desnorteada com seu ataque aos meus


sentidos. — Pare.

— Por quê?  — Ele belisca meu mamilo duro por cima do tecido e

arfo. — Eu quero você e sei que também me quer...

— Não é verdade — estou mentindo, mas nós não podemos misturar

sexo quando tudo está uma bagunça confusa ao nosso redor.

— Diga que vai casar comigo — ele pede, seus lábios mordiscam
minha orelha e estremeço sob seu toque, sinto seus dedos nas minhas coxas

levantando minha saia.

Saio do transe hipnótico que ele me seduziu e crio coragem para

empurrá-lo para longe.

— Sobre a mentira que contou para sua irmã? Sabe que não vou casar
com você, não?

Ele não responde, apenas segura minha cintura e de novo me puxa


para ele, seus dedos acariciam minha bochecha, seus olhos prendem os

meus e é como um choque por meu sistema olhar dentro de seus olhos
assim profunda e intensamente.
— Case comigo — ele pede novamente e mordo meu lábio inferior

indecisa, porque no fundo eu ainda amo esse homem, mesmo ele com outro
nome. Seus dedos tocam meus lábios inchados dos seus beijos, e ele esfrega

o polegar em meus lábios e a ponta da minha língua sai para umedecê-los,


mas tocam seu dedo e seus olhos escurecem, ele abaixa a cabeça para

capturar meus lábios novamente e agora seu beijo é macio e devagar, sem
pressa, profundo e nos deixa um zumbido de desejo, eu me sinto tremendo

toda com a vontade de rasgar nossas roupas e nos fundir em um só.

— Vamos apenas passar um tempo juntos, Clara — ele sussurra


contra meus lábios e a muito custo nos afastamos, e percebo que entrei aqui

pronta para matá-lo e agora sou como massa de modelar sob seus dedos.

— Eu preciso voltar ao trabalho — digo com uma firmeza tentando


equilibrar com essa fraqueza que não sei de onde vem quando estou perto

dele. Arrumo minha roupa e me lembro de algo. — Por que Melissa parece
me odiar agora?

— Melissa não odeia ninguém, apenas está defendendo sua melhor


amiga, ela é leal assim, elas duas são amigas desde o berço e quero dizer

isso literalmente. — Ele esclarece e por incrível que pareça não tenho raiva
de Melissa, apenas entendo que sua melhor amiga venha antes de uma

desconhecida maluca que diz ser esposa de seu irmão, esposa essa que ela
nem sabia que existia.
Enrico pega minha mão na dele e me leva para fora da sala. Ele para
na frente da mesa de sua assistente.

— Desmarque meus compromissos para o resto do dia — ele pede

para ela e me arrasta para o elevador sem esperar uma aquiescência de sua
assistente.

— Onde estamos indo?

— Qualquer lugar que possamos nos conhecer, conversar, precisamos


disso, não acha?

— Talvez. — Ele tem razão se estamos pensando em casamento,

devemos voltar a nos conhecer.

O que me espanta é como eu estou aceitando as coisas tão facilmente.

Acho que não era só Ian que estava encantado com Enrico. Eu estava no
mesmo barco.
CLARA MONTEIRO
 
 

Estou perplexa como as coisas estão rápidas, eu não tinha concordado


com esse casamento, ainda tenho minhas ressalvas, mas Enrico é como um

rolo compressor em minha vida. Ele está planejando um casamento que eu


não tinha dito sim. Louco.

— Sabe que eu não disse sim, não é?

— Vai dizer — ele garante confiante.

— Não tenha tanta convicção — rebato, ele é irritante. Eu queria


dizer sim, mas eu não confio nele, é cedo demais para ter mudado, talvez

ele tenha visto que era verdade.

— Quero que pense, Clara, é perfeito — ele diz e para o carro na


concessionária e percebo tarde demais o que ele está fazendo.

— Não quero carro, Enrico, eu mal sei andar nessa cidade de ônibus!

— Para isso que serve GPS — ele explica já descendo do carro e


dando a volta para abrir a porta para mim. — Eu quero que quando sair com

meu filho vá em um carro, se não quiser dirigir, irei contratar um motorista.

— Pior ainda, não sou esse tipo de mulher que pensa que pode me

cobrir de presente e farei tudo que quer — digo indignada.


— Clara, eu nunca pensaria algo desse tipo — ele fala e estreito meus

olhos para ele. — De verdade, eu sei que você é o raro tipo toda chatinha e

não me toque.

Ele está me provocando, posso ver por seu sorriso disfarçado, juro

que tem um sorriso nos cantos de seus lábios.

— Não sou isso, apenas não gosto da sensação de que estou sendo
comprada com sua riqueza.

— Tudo bem, pense assim, esse carro é do Ian e você é sua motorista

especial — ele diz, um sorriso aparecendo em sua boca.

— Não tente me fazer de boba — ralho, mas estou apenas sendo

chata com ele de qualquer maneira, apenas para ele lutar um pouco. — Não

ache que me ludibriar com palavras vai me fazer mudar de ideia.

— Deveríamos ter trazido o dono do carro — ele comenta. — Acho


que devemos ir buscá-lo.

Reviro os olhos para suas estratégias para me enrolar.

Ainda estamos sentados no carro dele discutindo como bobos. Mas eu

realmente não desejo um carro, eu não sou tão fã de dirigir em uma cidade

que mal conheço. Eu vendi o carro de Michel que eu usava até agora à

véspera de nossa mudança e me desfazer do velho carro foi uma das coisas
mais difíceis que já fiz, eu queria guardar cada lembrança dele comigo. Era
doentio muitas vezes e a terapia que fiz ajudou bastante, mas ainda assim,

estava apegada demais no passado.

— Você está bem? — A voz de Enrico é baixa e me faz levantar

meus olhos para os dele. — Onde você foi?

Não tivemos muitas conversas sobre a vida que tive com Michel com

ele, é difícil falar dele para ele mesmo.

— Estava apenas pensando no carro que vendi quando tive que vir

para cá — digo e as palavras saem em atropelos de mim sem que eu as

segure dentro de mim. — Ajudou com toda a despesa da mudança. O carro

era do Michel e eu não conseguia me desfazer dele, mas ele nunca deu

problema, era novo quando Michel foi embora. Eu sempre me apeguei a

tudo e o carro era uma das últimas coisas, além das fotos e lembranças.

Minha psicóloga me recomendou, ir me desfazendo de coisas que me

prendiam ao Michel ou eu nunca voltaria a viver uma vida normal.

Meus olhos ardem quando lembro os primeiros dias sem ele.

— Você não precisa falar disso se isso machuca você, Clara — ele diz

gentil e seus dedos levantam meu queixo para olhá-lo. — Eu me sinto como

se estivesse violando suas lembranças com outro homem, um homem que

você claramente amou.


— Sim, Michel foi o meu primeiro e único amor de verdade, antes

dele eu apenas tive namoricos inocentes, ele foi tudo para mim e...

— Podemos conversar depois, aqui é o lugar mais inusitado para ter

uma conversa como essa.

— Eu não quero um carro, Enrico, se você quiser fazer isso por Ian,

tudo bem — digo para ele. — Mas não hoje, ok? E escolha o que achar

melhor.

— Tudo bem. — Ele pega o celular e envia uma mensagem de texto

para alguém, depois engata a marcha e sai da concessionária, eu não

pergunto onde ele está me levando. — Podemos fazer outras coisas.

— Você adora um mistério.

— Se eu falar, você irá me rechaçar, Clara, prefiro pegar você de

surpresa.

— Não sei nem do que está falando — retruco e pego meu celular

quando ele apita com mensagem da Sílvia. Oh céus, eu tinha me esquecido

dela com tanta coisa acontecendo.

“Onde você foi garota?”

“A chefe engoliu você?”

“Rumores, disseram que viram você sair com o chefe.”


“Me conte sobre isso.”

Mando uma resposta para ela.

 “Estou indo para algum lugar desconhecido, falo com você depois,

ela não me devorou, mas tentou com Enrico.”

Sou direta e outra mensagem dela chega imediato.

“Corre na surdina que ela demitiu você.”

Respondo.

“Estavam certos, ela me demitiu e fui readmitida.”

“Mas falo com você mais tarde.”

Olho ao redor quando Enrico para o carro no meu prédio, fico

surpresa, pois achei que ele fosse inventar alguma coisa para fazermos

sozinhos hoje.

— Obrigada pela carona — eu digo já descendo do carro quando ele

me para.

— Espera, não vamos ficar, apenas viemos pegar um pequeno pacote

— ele expõe e vejo mamãe vindo com um Ian correndo em sua frente com

suas pernas curtas e rápidas. — Ah aí está.

Desço do carro e Ian pula em mim.


— Ei amor — digo beijando seus cabelos e olho para mamãe que

vem chegando. — Como sabia que estávamos chegando?

— Ah, Enrico mandou mensagem para deixá-lo pronto — ela diz e

acena para Enrico que sai do carro, Ian corre do meu braço e vai correndo

para ele. Oh menino, traidor.

— Eu não sabia disso. — Olho feio para Enrico. — Podia subir e

fazer isso.

— Que bom que estão saindo para se divertir e se conhecerem mais,


aproveite filha. Tchau Ian.

— Não senhora, você está vindo onde quer que esse louco vá nos

levar — digo para ela cruzando meu braço.

— Oh não, prefiro ficar em casa — ela fala, mas não estou indo a

lugar nenhum sem ela. Ela não é minha empregada e nem do Ian. Às vezes

eu odeio dar tanto trabalho a ela.

— Ok, então estou ficando também. — Viro para Enrico. — Se

despeça de seu pai Ian.

— Não mamãe, vamo passiaaar — ele diz de onde está empoleirado

no colo de Enrico como um bebê, ele está amando essa atenção o pequeno

traidorzinho.
— Vamos esperar você pegar suas coisas para ir junto, não é mesmo

papai? — digo estreitando meus olhos para Enrico que tem um sorriso nos

lábios, quando fala com minha mãe.

— Tereza, venha conosco, desculpe não ter mencionado que íamos

sair todos, nem sua filha sabia — ele convida charmoso e ela tenta driblar o

convite, mas acaba desistindo e sobe para pegar sua bolsa. Ian desce do colo

dele e entra no carro.

— Você é o pior organizador de passeio — digo para Enrico. — Tem

que dizer aos convidados aonde vamos, assim nos vestimos a caráter.

— Você está ótima — ele comenta com seus olhos queimando em


mim e sinto seu olhar apreciativo em cada lugar.

— Para um escritório você quer dizer.

— Sua mãe é muito resmungona, Ian — ele conta par Ian que está

agora sentado na cadeira do motorista e finge dirigir com direito a barulho


de motor acelerando e tudo.

O dia foi mais incrível do que eu imaginava, Enrico abandonou o

terno e ficou apenas com a camisa branca e ele era tão sexy que eu estava
com dificuldade para respirar. Oh eu sou tão fácil para esse homem, hoje de
manhã queria matá-lo e agora estou louca para arrancar essa roupa sexy e

ver o resto desses braços musculosos, a manga da camisa arregaçada não é


suficiente. O passeio pelos pontos turísticos do Rio primeiro começou pelo

Cristo Redentor, porque mamãe estava igual a uma criança para ir lá.
Enrico, claro, nos guiou com uma paciência que me surpreendeu. Eu estava

bloqueando tanto ele desde que o revi que me permitir relaxar em sua
presença é um alívio. Ian está com sua mão na dele o tempo todo e eu não
estou com ciúme do meu filho querer ficar com ele grudado o tempo todo,

Enrico é uma novidade e eu quero que ele aproveite ao máximo isso,


mesmo que eu e Enrico não acabássemos bem, mas eles dois teriam algo

construído juntos.

— Você deveria relaxar mais — mamãe diz ao meu lado quando

caminhamos entre os turistas que visitam o Cristo. — Acho que ele gosta de
você.

Mamãe aponta para onde Enrico e Ian caminham, de mãos dadas, na

nossa frente. Estamos levando nosso monstrinho para comer porque ele não
fica calado quando a fome bate.

— Você já virou fã dele? — Olho para ela espantada. — Sou sua

filha, deveria ser minha fã primeiro.


— Querida, você é minha vida desde que soube que crescia dentro de
mim, ninguém nesse mundo compete com você, talvez aquele menininho

ali se iguale.

Coloco meu braço por cima de seu ombro.

— Te amo mais que tudo, Dona Tereza — digo com amor, ela é a

mulher mais maravilhosa da Terra e eu não tenho como expressar tanto


amor por ela. Se eu pudesse lhe daria o mundo, mas infelizmente só ando

dando trabalho. Ela deveria descansar e em vez disso está lutando minhas
batalhas por mim, por meu filho. — Eu sou a pior filha, sabia?

— Oh, mas que besteira é essa agora Clara? — ela ralha.

— Você deveria descansar e está sendo a babá de seu neto — digo.

— Eu amo meu neto e estaria fazendo o quê? Crochê? Nem crochê eu


sei fazer, querida, então ele me mantém na pista.

Sorrio de seu palavreado.

— Onde aprendeu isso?

— Ora né isso que os jovens falam hoje em dia? — ela ri divertida.

Enrico e Ian esperam por nós e Enrico aponta um lugar para comer. A

tarde passa tão rápido que quando ele para o carro no nosso prédio à noite,
eu me sinto bem por ter tido um dia de folga para variar. Eu nem sabia que
precisava disso até me pegar apreciando cada momento divertido do meu

filho. Filho este que está dormindo de tão cansado.

— Deixe que o carrego — Enrico diz e seguimos todos para o


elevador. Depois de colocar Ian na cama, eu o acompanho até a saída.

Mamãe desapareceu no banheiro e deve estar se preparando para dormir


também.

— Viu, não foi ruim o dia hoje foi? — Enrico pergunta quando

paramos na porta.

— Não foi tão terrível — admito com um sorriso, acho que é um dos

primeiros que dou livremente a ele desde que o reencontrei.

— Correndo o risco de levar um soco — ele estende a mão e segura


minha nuca e sinto meu coração bater sem freio —, jante comigo, amanhã,

apenas você e eu.

— Enrico...

— Não diga não — ele traz seus lábios para os meus, a carícia é lenta

e sensual e quero mais dele. — Prometo que será incrível.

— Você é tão presunçoso!

— Aceite e pare de reclamar, Clara. — Ele morde meus lábios e

contenho um gemido. Minha mãe estava por perto. — Te pego às oito.

— Oito?
— Oito horas, Ian vai para a cama daí podemos sair — ele esclarece.

— E que horas é esse jantar? — pergunto desconfiada.

— Deveria ser delegada, faz perguntas demais.

Ele me beija forte e duro antes de abrir a porta e ir embora, antes que

eu argumente mais sobre esse horário. E por que diabos estou com um
sorriso nos lábios?

Um dia e o homem me tinha nas mãos dele.

Estou perdida por ele novamente?

 
CLARA MONTEIRO
 
 

No dia seguinte foi estranho estar na redação, as pessoas me olhavam


esquisito, parecia que todos sabiam que estava saindo com o chefe.

— Impressão minha ou todos estão estranhos comigo? Eu sei que não

fiz muitas amizades por aqui, mas sinto algo hostil no ar — digo para Sílvia
quando paramos para um café na parte da manhã.

— Eu não queria dizer, mas estão meio que falando que você
conseguiu emprego dormindo com o chefe. Ou seja lá o que inventaram —

Sílvia diz em voz baixa. — Não pude acompanhar toda a fofoca desde
ontem. Dizem que Melissa pediu sua cabeça e que a nova editora foi

demitida antes de começar por sua causa.

— O quê? — pergunto estupefata.

— Tatiana foi dispensada.

— Sério? Isso é um fato ou fofoca?

— Fato segundo as fofocas.

— Eu não acredito nisso, Tatiana é amiga íntima de Melissa.

— Dizem também que Melissa está furiosa por causa disso.

— Como você sabe todas essas coisas? — pergunto.


— Você é a pivô e como sou considerada sua amiga, eles vêm saber

da fonte — ela ri —, mas nunca tiveram tanto azar, sou um túmulo.

— Sílvia não se meta em confusão por mim, ok? — peço caminhando


de volta para nossa mesa. — Odeio fofoca.

Umas moças que trabalhavam na edição estavam olhando e falando

baixo e fiquei vermelha. Elas obviamente estavam falando de mim. Droga.

— Odeio ser motivo de fofoca em ambiente de trabalho, quero ser

reconhecida por meu trabalho, não por fofoca.

— Clara, não ligue para elas, estão com ciúmes de você chamar a

atenção do chefão — Sílvia expõe gracejando, mas não estou no clima e

sento na minha mesa e mando uma mensagem para Enrico.

“Você tem um minuto?”

Ele responde em seguida.

 “Algum problema?”

“Por que tem que ser um problema?” Respondo.

“Você não iria querer me ver se não tivesse algo acontecendo.”

Mando de volta.

Ele tem razão.

“Tem um minuto ou não?” Insisto.


“Me dê dez minutos e vá a minha sala.”

Onde ele estaria?

Olho o relógio e marco os minutos, eu poderia falar com ele no jantar


mais tarde, mas eu preciso saber se é real que ele dispensou sua ex-noiva.

Ele tinha dito que o noivado ainda não tinha sido oficialmente finalizado.

Dez minutos depois estou caminhando para a sala do Enrico e sua


assistente não me barra dessa vez, mas ela me olha estranho, igual as outras

pessoas da redação.

— Oi — digo entrando na sala e encontro Enrico de pé na grande


janela com vista privilegiada, ontem eu não tinha notado, acho que estava

com as persianas abaixadas, ele se vira quando entro.

— O que está havendo? — Ele tem uma mão no bolso da calça. A


lembrança dos beijos de ontem faz meu corpo formigar.

— Só precisava falar com você, odeio ficar sabendo por fofoca. —

As palavras jorram de mim. — Você demitiu sua noiva?

— Ex-noiva e não a demiti, dei uma opção para ela — ele conta se

aproximando de mim e muda de assunto. — Cada vez que olho para você,

está cada vez mais linda.

— Enrico, não fico bem com toda essa atenção que nosso

relacionamento tem aqui na redação...


Ele coloca o dedo nos meus lábios parando a enxurrada de palavras.

— Pare de falar meu passarinho.

Eu paraliso no lugar e a próxima coisa que faço é dar um passo para

trás.

— Do que me chamou? — Meus olhos enchem de água quando a

lembrança das últimas palavras de Michel ditas para mim vem a minha

mente como se fosse hoje.

Eu te amo, meu passarinho, durma bem.

— O quê? — Enrico franze e testa e leva os dedos à têmpora

esfregando o ponto. — Você está bem?

— Do que meu chamou? — repito.

— Clara, eu não sei, apenas...

— Me chamou de passarinho — digo e ele parece confuso. — Michel

me chamava assim quando eu falava demais.

É a vez dele dar um passo para trás, ele me olha como se eu fosse

louca.

— Sabia que essas foram suas últimas palavras para mim? Ele, ou

você, ou sabe-se lá quem fosse me ligou e nos falamos até eu ir dormir, eu

estava nervosa porque mais cedo descobri que estava grávida e estava
esperando Michel chegar para contar pessoalmente, e eu não parava de falar

e você percebeu e lembro que antes que meus olhos fechassem naquela

noite ele disse: Eu te amo meu passarinho, durma bem.

A dor aperta meu peito e minha mão aperta acima do meu coração e

olho para o teto tentando conter o fluxo de lágrimas. O silêncio é sepulcral

na sala e o som da minha respiração rasga o ar. Meus olhos vão para Enrico

e ele tem seus olhos fixos em mim, tão intensos que eu não penso no que

estou fazendo, e corro direto para ele e meus braços envolvem sua cintura,

minha cabeça em seu peito. Sinto seus braços me envolver e não quero sair

dali nunca mais.

— Eu sinto muito. — A voz quebra o silêncio e dou um passo para

trás para olhar seu rosto e seus olhos estão profundos, como se ele tivesse

levando toda a culpa do mundo em seus ombros. Eu sempre o acusei de nos

abandonar, mas eu já não sabia a quem acusar.


Enrico monteiro
 

Eu nunca me senti mais impotente, saber que causei tanta dor em

Clara é algo que nunca imaginei sentir. Eu não sei qual o momento eu

passei de desconfiar dela a acreditar que eu sou o homem que ela amou e
que eu havia a amado da mesma maneira, porque eu sinto, mesmo sem me

lembrar de nossa vida há cinco anos, que eu a amei e talvez seja por amá-la
que tenha tentado criar uma vida longe dos Monteiros. Eu lembro que há

pouco mais de seis anos eu estava em uma missão de deixar minha família e

viver livremente, mas eu achava que não tinha conseguido isso e não tinha

certeza por causa da amnésia.

— Eu queria lembrar — digo para ela, minhas mãos em suas costas e

tento ser o mais verdadeiro com ela, comigo mesmo e admitir que ela é de
alguma forma alguém importante na minha vida, mesmo que a tenha

erradicado de minha mente. — Eu nunca desejei tanto algo na minha vida,

essa é a única verdade que posso te dar agora, eu quero me lembrar de nós.

Principalmente a razão porque fiz tudo isso, mas já se passaram anos e não

é como nos livros ou filmes em que o mocinho lembra com o beijo da


pessoa amada, eu sinto em cada grama do meu corpo que conheço seu

toque, sei que o que sinto quando vejo você não é recente, não é algo que

começou agora, é como se meu corpo e meu coração se lembrassem.

— Enrico — sua voz quebra e quero ser esse homem que conserta as

coisas, mas eu não sou. Eu sou o pior dos homens, eu que levava a dor.

Emolduro seu rosto entre minhas mãos e olho seus olhos verdes, lindos, e

quero provar cada centímetro de sua pele, mas agora não é o melhor
momento, eu tenho uma reunião em pouco mais de dez minutos e é uma

merda.

— Hoje à noite — eu prometo beijando seus lábios macios do choro,

ela está uma bagunça, mas estamos em horário de trabalho e se as pessoas

que eu iria ter uma reunião não estivessem me esperando eu deixaria tudo

de lado e apenas a embalaria até essa tristeza ir embora de seu rosto. —

Quero que vá para casa e hoje à noite podemos terminar essa conversa.

Tenho pessoas me esperando na sala de reunião e já os deixei por muito

tempo.
— Oh meu Deus, Enrico, você os deixou lá? — ela grita se afastando

de mim.

— Você disse que queria um minuto — digo sorrindo agora com seu

rosto vermelho de mortificação. — Eu tenho essa necessidade por você que

me deixa sem chão e confuso pra caralho. O que tinha para me dizer?

— Oh, isso não é importante agora — ela fala alisando os cabelos.

— Apenas diga, Clara.

— Você demitiu mesmo sua noiva por minha causa? Estão todos

fofocando.

— Não dê ouvidos a fofocas, e não foi por sua causa, Melissa tem

que aprender que me fazer de idiota tem consequências, ela é minha irmã,

mesmo que ela seja uma Monteiro e tenha autoridade aqui, ela não pode
passar por cima de uma ordem minha aqui e era desejo dela que Tatiana

trabalhasse aqui e como consequência por atacar você, eu ataco de volta

onde dói.

— Eu odeio que seja motivo de desavença com sua irmã — ela

lamenta. — Agora ela deve me odiar mais ainda.

— Melissa é cão que ladra, mas não morde, temos nosso arranca-
rabo, mas nada fica entre nós — garanto para deixá-la tranquila, mas não é

mentira. Eu e Melissa temos uma relação inquebrável e não é seu motim


junto a Tatiana para se livrar de Clara que irá ficar entre nós. Ela só precisa

dar uma chance para Clara e quando ela conhecer Ian, eu tenho certeza que

seu bico desmanchará e terá Clara como melhor amiga, ou quase.

Caminho até onde Clara está e seguro seu queixo entre meus dedos.

— Vá para casa e fique mais linda para nosso jantar.

— Tenho trabalho a terminar e estou bem — ela garante, mas a

fragilidade está lá. Ela se diz forte, mas a fragilidade dela é visível, não vai

demorar para que essa casca quebre e quero ser a pessoa que a pegará no

colo, eu não sei de onde vem esse instinto de proteger Clara a qualquer

custo.

— Faça como achar melhor, mas saia mais cedo — digo tocando sua

mão, eu simplesmente desejo seu toque sempre que ela está na mesma sala

que eu.

— Nosso jantar é as oito, tenho tempo de sobra — ela comenta com

um sorriso torto nos lábios.

— Clara? — chamo quando ela tenta se afastar, ela volta seus olhos

para mim. — Você está realmente bem?

Ela assente.

— Ficarei. Eu sempre fico — atesta, não era para ser assim. Sua vida

deveria ser melhor que isso.


Ela sai pouco depois e suspiro indo em direção à sala de reunião que

deixei me esperando mais cedo. Deus, quando foi última a vez que fiz algo

do tipo?

A resposta é nunca.

Clara está fazendo coisa comigo que era antes inadmissível. Deixar

uma sala de reunião? Isso é um sacrilégio no meu dicionário.

— Desculpem a demora, senhores — peço quando entro na sala —,

vamos continuar.

Algo me deixa incomodado o resto da reunião. Eu poderei retomar

minha memória? Estaria voltando?

Mas eu só quero me lembrar de Clara.

Faço uma anotação mental para pedir que minha assistente marque

um horário com Dr. Leandro novamente.

Durante anos, ele não teve resposta para mim, mas agora que tive um

pequeno lembrete, mesmo que não seja uma memória real, apenas algo que

falava com Clara, me deixa com esperança.

 
 
CLARA MONTEIRO
 

Meu filho nunca me viu ir para um encontro e ele está marcando


presença hoje, enquanto faço uma maquiagem leve, porque eu

simplesmente não ligo muito para encher a cara de reboco, Ian está sentado

na pia do banheiro onde a luz é melhor para me maquiar me olhando


pensativo. E ele nunca fica parado por muito tempo, mas quando me viu me

arrumando ele começou a me seguir para cima e para baixo e me fez sentá-
lo na pia.

— Tudo bem? — pergunto franzindo a testa para ele. — Está tão

quieto.

Ele continua a balançar a perna para lá e para cá.

— A mamãe só vai jantar com o papai e vai voltar logo — digo, se

esse é o problema de toda a preocupação na sua cabecinha, ele está


acostumado a me ver chegar do trabalho e dar toda minha atenção para ele e

hoje eu tenho que me arrumar e sair e nem a sua tão amada avó está

conseguindo fazer com que ele fique longe de mim. Eu me inclino e beijo

sua testa, seus olhos azuis iguais de seu pai me encara.


— Não quelo domir mamãe — resmunga emburrado, um bico se

formando.

— Oh entendi — acato dando um tapinha em seu joelho. — Meu


bebê está querendo ir junto?

Ele se anima e me dá um sorriso tão lindo que faz meu coração doer

de tanto amor.

— Ian, deixe sua mãe se arrumar, ela precisa namorar, sabia?

— O que namoar, vovó? — Ian pergunta todo curioso.

— Oh isso só irá saber quando for desse tamanho. — Mamãe levanta

o braço acima da cabeça dela. — Do tamanho do seu pai, você saberá tudo

sobre namoro.

— Mãe! — chamo em um tom de reprimenda, mas estou prendendo o

riso. — Agora vai ter que explicar.

A campainha toca acabando com o papo de namorar.

— Deve ser seu pai, Ian por que não pergunta a ele tudo sobre

namoro?

— Sim, desce mamãe — ele pede da bancada, todo agitado.

Eu o coloco no chão e ele dispara para a porta. Ainda bem que ele
não sabe abrir ainda.
— Você lide com isso, tenho que terminar de me arrumar.

Mamãe está rindo quando vai atrás de seu neto. Sorrio quando escuto

a voz de Enrico e as perguntas imediatas de Ian sobre namoro. Enrico deve

ter hesitado porque demora a responder. E mamãe deve estar se divertindo.

— Você está linda, Clara — Enrico fala ao meu lado na mesa que tem

cadeira meia-lua, o que nos deixa mais próximos, sua mão captura a minha

e ele beija meu pulso, a corrente elétrica se desloca por meu braço e faz
minhas terminações nervosas vibrarem, ele tem sido sedutor, essa é a

palavra para descrevê-lo desde que ele tocou a campainha do apartamento.

Seu olhar é intenso e está causando estrago em mim.

— Obrigada.

O sommelier vem e serve o vinho que Enrico tinha pedido quando

sentamos minutos atrás e Enrico começa a falar mais sobre a revista


inicialmente. O jantar é servido logo depois e comemos enquanto a

conversa entre nós é amena e ele conta um pouco sobre sua família e seu

império no setor de mídia. Ele conta que sua mãe não é tão sociável depois

de perder marido e filho no acidente de carro que marcou a vida da família

Monteiro.
— Sabe que foi na mesma época que supostamente você ficou viúva,

que minha família sofreu uma tragédia, não foi muito divulgado na época,

mas seria difícil alguém não ter visto as manchetes sobre o acidente.

É tão estranho tratar Michel como se fosse outra pessoa e não o

mesmo homem que estava em minha frente agora, eu estou sempre

desassociando Enrico de quem ele foi para mim no passado, e tenho certeza

que ele não se sente como se tivesse vivido como Michel e se referia a ele

como se fosse outro homem, deixando nossa conversa estranha no mínimo.

— Todos meus amigos estavam abalados com o que estava

acontecendo e eu fui para um lugar dentro de mim mesma, que não deixei

muita gente se aproximar e falar sobre Michel  — digo, as lembranças

vindo dolorosas. — Também quase perdi Ian, um aborto. Mas, como um

milagre, os médicos conseguiram parar o aborto espontâneo, o choque

quase me fez perder tudo, talvez se isso tivesse acontecido eu

provavelmente não sei onde estaria agora, ele foi como uma dádiva para

mim.

— Sinto muito, Clara. — Enrico toca meus dedos e entrelaça os seus

com os meus. Ele está sempre me tocando desde que paramos de nos tratar

com hostilidade.
A conversa muda de mim para ele, talvez porque ele tenha percebido

o quão difícil é para mim falar a respeito do passado.

Ele me conta como estava junto ao seu pai e irmão quando voltavam
do funeral do avô, o pai da mãe dele, no interior de São Paulo, e foram

atingidos por outro carro e ele foi o único sobrevivente. No entanto, ficou

internado por dias em coma induzido por um inchaço no cérebro e quando

acordou não sabia nada sobre quase dois anos de sua vida. Ele perdeu o

funeral do pai e do irmão e tinha uma empresa para assumir, e esconder de

todos que estava sofrendo com amnésia.

— Nem minha família sabe sobre isso, nem Melissa sabe sobre

minha condição, quando acordei estava uma disputa pelo poder, quem

assumiria o posto de CEO do grupo e eu estive fora. Eu lembro que queria

me afastar da minha família, fazer as coisas sem o nome dos Monteiros por

trás e viajei, como uma volta ao mundo, e me lembro de voltar para o Brasil

e depois disso eu não lembro para onde fui, para mim quando voltei ao

Brasil foi para ir ao funeral do meu avô, só que tem uma lacuna de quase

dois anos.

— Eu não entendo porque usava outro nome — digo um momento.

— Eu não posso responder a essa pergunta, Clara, e talvez nunca vá

poder. Meu médico acredita que tenho pouca chance de lembrar, já se


passaram quase cinco anos e não tive nem um flashback desse tempo, a

probabilidade é quase zero de ainda lembrar, mas como ele diz, posso

lembrar tudo a qualquer hora, nada é garantido.

— Isso é tão triste.

— Eu era inconsequente, Clara. Eu era um bon-vivant e não pensava

em nada a não ser em mim mesmo, usar um nome falso seria nada para

mim — ele diz. — Uma das razões de discutir com meu pai era porque não

dava a mínima para nada.

— Michel não era nada como essa pessoa que descreve, ele era um

homem incrível, você era um homem incrível e nos apaixonamos. E eu

acreditava que era real.

— Talvez fosse, talvez você tenha me mudado, e eu queria viver

aquilo intensamente, eu desejo acreditar nisso a acreditar que fiz isso de

caso pensado, seduzido você, casado falsamente e te deixado grávida.

— Você seria o melhor ator do mundo caso fosse tudo mentira, era
real eu sei que era.

— Quando estamos apaixonados vemos apenas aquilo que queremos,


Clara. — Ele segura meu olhar no dele. — Eu quero acreditar também que

o que tive com você foi real, mas por que eu ia esquecer isso?
— Não sei. — Meus olhos ardem com as lágrimas não derramadas.

— Eu não posso deixar de acreditar que tivemos algo verdadeiro e que

disso nasceu algo lindo.

Ele assente pensativo e toma um gole de sua bebida.

— Mas chega de falar de coisas tristes por hoje, esse jantar é para
celebrar.

— Celebrar o quê? — pergunto curiosa.

— Nosso casamento.

— Eu não concordei em casar com você — contesto sorrindo.

— Mas vai — ele afirma confiante e coloca uma caixa vermelha na

mesa a minha frente. — Vamos consertar as coisas, Clara.

Fico olhando a caixinha e meu sorriso some dos meus lábios. Ele está
falando sério.

— Está me pedindo em casamento por quê? Qual a razão?

— Eu disse a você, quero corrigir o passado com você e podemos


criar nosso filho juntos.

— Eu uma vez casei por amor, Enrico, e mesmo que esse casamento
não tenha valido nada, ele ainda significou tudo para mim, foi real e não
posso aceitar casar com um homem que acha que deve corrigir alguma
coisa — falo, minha voz embargada. A emoção tomando conta de mim.

— Eu quero que seja minha — ele diz e tiro meus olhos da caixa e

olho para ele.

— Por quê? Só porque temos um filho?

— Por isso também, mas porque eu desejo você, quero que seja

minha esposa.

— E o amor, Enrico?

— Podemos construir isso junto. Posso não me lembrar de você no

passado, mas de uma coisa eu sei, quero você e nosso filho no meu futuro,
quanto mais conheço e fico perto de você eu sinto isso tão forte dentro de

mim que é quase palpável, a certeza que não posso deixar você escapar.

— Eu...

— É a mulher mais forte que já conheci, Clara — declara e meu

coração fraqueja mais um pouco. — Aceite o anel e só casaremos quando


você quiser, mas vou conquistar você todos os dias.

— Podemos fazer isso sem um anel.

— Eu quero que use e que fique claro para todos que é minha. — Ele

abre a caixa do anel, uma pedra azul retangular com bordas arredondadas.
— Esse anel está na minha família tem gerações, meu pai deu para minha
mãe e um tempo atrás iria ser da esposa do meu irmão se ele tivesse casado.
O anel é da esposa do filho mais velho, tradição besta da família. Como sou

o filho mais velho agora eu posso dar à mulher que desejo que seja a única.

— Isso é um diamante?

— Sim, um raro diamante azul. — Ele ri divertido. — Mais alguma

pergunta antes de aceitar? Não vou receber uma recusa, Senhora Monteiro.

— Ele estava com sua noiva anterior? Porque seria de péssimo gosto.

— Se essa é a última desculpa para não aceitar, fico feliz de dizer que

nunca dei esse anel a ninguém.

— É tanta coisa acontecendo rapidamente, Enrico. — Tremo quando

toco a joia com a ponta do dedo. Eu poderia fazer isso? Será que temos uma
segunda chance? Ele poderia se apaixonar por mim? Ou isso é apenas ele
tentando compensar algum tipo de reparação do passado? São tantas

perguntas sem respostas e algumas só o tempo poderá responder. — Eu não


posso aceitar um anel desses sem um esquadrão de segurança. E se eu

perder?

Eu tento encontrar algumas desculpas, mas eram só isso, desculpas


esfarrapadas.

Ele pega minha mão e coloca o anel e cabe perfeitamente o que é


meio estranho quando isso foi de outras mulheres da família dele.
— É apenas um anel, Clara — diz e beija languidamente meu dedo

anelar onde está o anel. Seus olhos azuis se levantam para mim e engulo em
seco quando ele me prende em seu olhar. O desejo queima por mim e

mordo meus lábios e seus olhos fixam na minha boca. — Quero tanto beijar
você agora.

Eu não me importaria se ele fizesse. Ele deve ler isso em meu rosto

porque ele segura a lateral do meu rosto e me beija possessivamente.


Enfiando sua língua dentro da minha boca de um jeito que me faz ofegar

em sua boca, sem me dar tempo para pensar em nosso redor, ele devasta
minha boca com a dele, sugando minha língua de forma tão erótica que faz

meus mamilos ficarem duros e sensíveis cutucando o tecido do meu vestido


e esse frisson delicioso faz minha boceta começar a pulsar.

— Porra, como quero foder você! — ele meio que rosna quando se

fasta do ataque de seu beijo detonador de mente. — Deixe-me te dar prazer,


Clara.

— É tão cedo... — O que estou dizendo? Eu o quero tanto e aqui está

a oportunidade de ser dele de novo, eu só preciso deixar minhas reservas de


lado uma vez. Apenas uma noite, isso seria tão ruim?

Sem pensar muito nas consequências eu olho em seus olhos.


— Me leve daqui, Enrico — digo sem fôlego, excitação correndo

solta por mim. Tomar a decisão de fazer sexo com ele parece libertador. Ele
pede a conta e vinte minutos depois estamos em seu carro cortando o

trânsito.

 
CLARA MONTEIRO
 

A casa de Enrico é uma mansão moderna e imponente, olho ao redor

admirada quando ele para o carro em frente. Ele me conta que a casa de sua
mãe fica a poucos minutos da dele e que está agendando um dia para que

Ian conheça sua avó.

— Tem certeza que não é muito cedo? Talvez ela não queira nos
conhecer — discordo e sorrio quando ele pega minha mão e me ajuda a

descer do carro. — Sua casa é muito bonita.

— Obrigado.

Ele me guia para a entrada da casa e ele mesmo abre a porta, eu

esperava um mordomo com roupa de pinguim abrindo a porta gigantesca.


Ele me leva pela casa com mobília moderna combinando com a casa.

— Esperava um batalhão de empregados enfileirado esperando você

— digo em um tom provocante.

— Essa não é minha casa oficial, mas a uso muito como escritório

tanto aqui quanto em São Paulo, e minha residência oficial é lá.

— Oh, eu não sabia disso. Na verdade, eu conheço nada ou quase

nada sobre você.


Ele me faz virar para olhá-lo de frente e sua mão sobe para tirar uma

mecha de cabelo que está no meu rosto. Seus olhos queimam famintos

quando ele olha seus dedos correrem por minha pele que formigam de

ansiedade por seu toque.

— Vamos remediar isso, começando hoje. — Ele me gira novamente

e minhas costas batem em seu peito, e seu queixo vem sobre meu ombro

desnudo e corre a língua me provando ali. — Quero você na minha cama

agora, eu preciso de você debaixo de mim, meu pau fundo dentro dessa
boceta que quero saborear como uma maldita sobremesa. — Ele suga

minha orelha e fecho os olhos, perdida na nuvem inebriada da luxúria. —

Vou te fazer gozar a noite inteira, eu nunca senti essa urgência tão

primordial. — Sua voz é rouca, baixa e sedutora.

Ele me aperta contra ele e sinto o cume duro de sua ereção apertando
minha bunda e ele move seu quadril contra mim e gemo apertando minhas

coxas juntas.

— Então me tome, Enrico. — Deixo as palavras fluírem dos meus


lábios. — Me faça sua novamente.

Ele me joga por cima do ombro e começa a subir as escadas para o

que imagino que seja na direção de seu quarto, eu não reparo em decoração,
estou envolvida demais na expectativa de voltar a fazer amor com ele.
Quando ele empurra uma porta e para me deixando deslizar por seu corpo

eu imediatamente envolvo minhas mãos por seus cabelos sedosos e sua

boca está na minha consumindo-nos.

— Na cama — ele ordena me afastando dele e sigo a ordem —, fique

pelada para mim, Clara.

Eu me sinto molhada quando percebo minha excitação aumentar com

seus comandos.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 

Meu pau lateja nas restrições da minha calça quando vejo Clara ficar
apenas de calcinha na minha frente, ela não tem um sutiã e seus seios são

como pêssegos maduros esperando e implorando por minha boca neles, os

mamilos rosados túrgidos e suculentos me fazem salivar imaginando se sua


boceta tem o mesmo tom.

— Na cama, tire a roupa para mim, Clara — digo quando ela fica em
pé esperando meu comando. Ela é perfeita pra caralho e toda minha.

Enquanto ela engancha os dedos na tira fina de sua calcinha e desliza pelas

pernas com lentidão, eu tiro minhas próprias roupas sem nem perceber
minhas ações, meus olhos estão grudados na mulher gostosa a minha frente.

Ela se curva, a bunda gostosa para minha apreciação e quando se inclina


para tirar a calcinha pelas pernas vejo sua boceta brilhante espreitando entre

suas pernas e meu cérebro perde um pouco mais de sangue porque desce

mais para meu pau, se é possível isso. Quero lamber cada parte dela e fazê-

la gozar tanto que ela esquecerá tudo ao seu redor. Ela vai para a cama e
deve saber o que faz comigo porque ela engatinha na cama com essa boceta

exposta para mim antes de deitar de costas, seu corpo apoiado nos
cotovelos. Caminho para perto da cama e agarro seu tornozelo, e arrasto

para a borda da cama e abro suas coxas. Eu adoraria vê-la brincar com sua

boceta rosada para mim, mas eu tenho planos de prová-la em vez disso,

poderá ser outra hora, agora estou sedento para sentir seu gosto na minha

língua.

— Quero provar essa boceta deliciosa — digo abrindo suas coxas o

máximo que ela pode ir e corro meus dedos por suas dobras escorregadias,

Clara geme, a cabeça caindo para trás em abandono e nem comecei com
ela. Sua boceta rosada se abre para mostrar o clitóris duro que parece

implorando por minha boca, meus dedos correm abrindo-a mais para meu

olhar faminto, sentindo-a ficando cada vez mais molhada, cada toque e ela

se contorce empurrando em meus dedos, um gemido sai de seus lábios


enquanto meus dedos massageiam seu ponto sensível e sinto seu gemido

diretamente na cabeça do meu pau, não consigo pensar direito, me inclino e

sinto seu cheio e minha boca saliva, mas não dou o que ela tanto quer. Eu

poderia ficar aqui a noite inteira, mas eu teria de ser de ferro, coisa que não

sou quando se trata de comer uma boceta gostosa.  Minha boca corre por

suas coxas e ela estremece como se estivesse à beira do orgasmo.

— Enrico, eu preciso... — Sua voz sai trêmula e necessitada, seu

quadril sobe procurando o atrito perfeito para seu prazer.


— O quê você precisa? — Minha língua corre até a junção de suas

coxas, e não resisto mais, me inclino e lambo lentamente de baixo para

cima arrancando um gritinho de Clara. Chupo seu broto duro, esfomeado e

com vontade, Clara estremece debaixo de mim, seus fluídos batem na

minha língua, o que só me faz mais louco e como sua boceta, devorando o

que é meu, ela é minha porra, não tenho dúvida disso, seu gosto me
embriaga e sacode algo dentro de mim, como se eu estivesse lembrando seu

gosto, chupo o feixe de nervos e Clara se desfaz, o prazer atinge seu corpo e

ela tenciona como uma corda de violino e cai de volta na cama.

— É demais, Rico... — Ela tenta se afastar ofegante, mas a seguro no


lugar e não dou trégua, meus dedos entram nela e toco seu ponto sensível e

ela chora lutando para fugir do meu ataque, minha boca trancada em seu

clitóris e meus dedos fodendo-a e ela se descontrola e goza convulsionando

sem controle, sua boceta treme e estrangula meus dedos e ela agarra meu

cabelo puxando com força, a picada da dor é nada comparada a visão dela

toda vermelha e mole depois que ela desce do pico inebriante de prazer. —

Rico, eu vou morrer...

— Eu não vou deixar, bebê. — Acaricio sua boceta suavemente e

beijo seu monte com cuidado e subo por seu corpo mole de prazer, seus

peitos estão duros e suculentos, e chupo um mamilo na minha boca e corro

a língua por ele fazendo ainda mais ereto, mas eu quero sua boca doce na
minha, a contragosto solto a pérola doce e beijo-a profundamente, duro e

sem piedade, quero ela fervendo novamente. Chupo sua língua e sem dó

empurro dentro dela e percebo que acabei de entrar nela sem proteção.

Porra! Que diabos.

— Caralho, Clara, é ainda vai me matar — digo segurando o peso do

meu corpo em meus antebraços. — Eu preciso pegar um preservativo —

falo, mas não deixo de sair quase todo e bater de volta no fundo de sua

boceta apertada. Gememos quando o prazer vem forte e a fodo com cada

gama de força do meu corpo, é instintivo e não posso parar, nem se eu

quisesse. Sinto sua boceta apertar e soltar ao meu redor, eu olho para ela, o

prazer deixando um vermelho absoluto em seu rosto. Ela ia gozar

novamente, e meu próprio prazer se constrói, minhas bolas endurecem e sei

que não estou muito longe de inundar sua boceta com meu gozo. — Tem

ideia do quanto é gostosa, bebê?

— Me fode — ela diz carente e meto sem dó —, estava com tanta

saudade de você dentro de mim, de seu pau gostoso, Michel.

Merda! Ela está pensando que eu sou a porra do marido dela?

A raiva queima através de mim, fodo ela mais forte quando lembro

que Michel sou eu.


— Bebê, não diz o nome de outro homem na minha cama — digo

furioso. Saio dela e viro-a de bunda para o ar e bato em sua nádega redonda,

ela grita, volto a entrar em sua boceta e acerto outro tapa em sua bunda. —

Vou exorcizar essa porra de Michel de sua cabeça, Clara. Eu quero que diga

meu nome e apenas meu nome quando gozar, caralho!

— Sim, por favor — ela geme abafado, agarro seu cabelo pela nuca e

puxo para trás até sua coluna virar um arco perfeito e martelo meu pau

dentro dela — Enrico...

— Sim, porra, Enrico! — rosno e ela goza, eu fico cego de prazer

quando ela grita meu nome e o gozo explode por mim, duro dentro dela.

Caímos na cama e rolo para o lado.

— Isso foi incrível — ela balbucia sonolenta.

— Hmm, acho que preciso melhorar se você me chamar de outro

nome — digo encabulado. Escutar ela me chamar de Michel me deixa

chateado e nem sei por que, afinal somos a mesma pessoa, mas ela precisa

deixar o passado ir, porque eu posso nunca me lembrar daquele tempo. Isso

aqui agora? É real e ela precisa saber que estou fisgado completamente.

— Você está com ciúmes de você mesmo? — Ela ri sem perceber que

estou puto. — Isso seria hilário, Senhor Monteiro.


— Hmm, sua bunda pode ter uma opinião diferente da sua amanhã,

se sua boca continuar falando — digo e bato minha palma em cheio no

monte macio de sua bunda. — Eu poderia mostrar como você pode

esquecer esse nome rapidinho.

— Eu gosto da ideia.

 
CLARA MONTEIRO
 

Sinto-me desossada quando saio do carro de Enrico e caminhamos


para o elevador do meu prédio. O dia está quase amanhecido. Eu não sei

como irei trabalhar daqui a pouco, pois a noite foi bem movimentada. Jesus,

eu não me lembro dele assim, ele me fodia como se estivesse com raiva do
mundo e quisesse descontar em mim em forma de prazer. Um calafrio de

puro prazer me percorre e me atrai para ele.

— Você está com cara de que está muito bem fodida — ele diz no

meu ouvido quando entramos no elevador, enrola os braços ao meu redor e

me aconchego em seu peito duro.

— Porque estou — digo com um sorriso e ele sorri um sorriso

sensual e conhecedor. Ele tinha me feito gritar seu nome como prometeu.

Ele realmente estava com ciúme dele mesmo.

Bobo.

Quando ele me deixa na porta do meu apartamento me beija longo e


sensualmente. Eu tenho vontade de pedir que ele fique, mas eu sei que

devemos ir devagar, mesmo que eu ostente uma pedra enorme no dedo e,


provavelmente, vá casar com ele em breve, mas precisamos nos conhecer

novamente.

— Você é minha, Clara, não importa se não me lembre do passado, eu


tenho certeza absoluta que não vou deixar você escapar novamente. — Ele

vai embora e entro em casa, sentindo que talvez dessa vez as coisas não

terminem comigo chorando mais uma vez por perdê-lo.

 
 
CLARA MONTEIRO
Uma semana depois

— Está falando sério? — Selina praticamente grita na tela do


telefone na vídeochamada. — Dormiu com ele? Ele não estava noivo?

— Shiiiu! — Olho para onde Ian está sentado comendo seu café da

manhã e fazendo uma leve bagunça. Mamãe ainda não se levantou, ela
estava proibida hoje de fazer qualquer coisa, hoje iria dar a ela um dia

relaxante, eu tinha comprado para ela um dia de SPA, ela merece por cuidar
do Ian e da casa, ela merece um descanso. Eu planejo ter um dia todo com

Ian. Enrico deve aparecer e se convidar para ir junto, ele estava sempre por
perto nessa última semana. Mas estou conhecendo ele mais a cada dia e não

me importo quando ele está por perto, estou me apaixonado por ele

novamente, ou nunca deixei de amar.

Volto minha atenção para Selina e meneio a cabeça para tirar Enrico

dos meus pensamentos e volto a falar.

— Fale baixo. Ele terminou o noivado, acredita que o certo é

casarmos e darmos um lar para Ian.


— Você é a pior amiga, não me conta mais nada — ela reclama. —

Estou com tanta saudade de você por perto, devia voltar a morar aqui,

Clara. Perco as melhores fofocas em primeira mão.

— Também sinto saudade de você.

— Está bem, mas o que eu quero realmente saber é sobre esse

noivado repentino com o homem que ressuscitou dos mortos desmemoriado,


que não lembra quem você é, mas já colocou um anel de milhões em seu

dedo, devo continuar? Fale tudo.

— Nossa! — suspiro quase sem fôlego do quanto ela está certa. Tem
sido muita coisa em um tempo tão curto. — Apenas tem sido uma

avalanche de acontecimentos, não é?

— Mas você está certa sobre casar? Não é cedo?

— Será tão cedo assim? Perdemos cinco anos de nossas vidas, Selina.
— Eu não sei quem estou tentando convencer, se a ela ou a mim mesma.

— Clara, ele pode ser o mesmo homem fisicamente, mas não é o

mesmo Michel que você casou. Vocês se amavam, pode dizer o mesmo
sobre vocês agora?

— Seli, eu não tenho mais certeza se Michel me amava ou se eu era

apenas um passatempo para ele. — Minha mente não para nem por um
momento em conjecturas sobre Enrico usar um nome falso.
— E Enrico? Por que ele de repente resolveu que casar seria uma

boa solução para tudo? Confia nele? Ele nem se lembra de você e quer

casar? Eu não sei...

— Só vamos casar quando eu tiver certeza, apenas noivamos, Selina.

— Só quero ser a voz da razão aqui, eu investigaria se ele está com

planos sinistros e macabros por trás de seu repentino interesse.

— Anda vendo muita série na Netflix — eu brinco, mas ela tem

razão, Enrico já me fez passar por algo que nunca mais desejo passar. O

amor faz você ficar cega, te faz sofrer como um condenado, e mesmo assim

você ainda o deseja para você. É o que eu estou fazendo? Mesmo sabendo

que poderei me decepcionar com Enrico estou ficando cega outra vez?

Porque com Michel não vi os sinais, que devem ter existido e eu tão cega de

amor não vi nada fora do comum com o homem que entrou na minha vida,

colocou tudo de pernas para o ar e depois me deixou achando que ele tinha

morrido. Eu devia mesmo ser cautelosa dessa vez.

— Eu me preocupo que vá por um caminho de desilusão e que dessa

vez isso seja demais para você, Clara — ela comenta me fazendo focar na

conversa. — O ser humano tem um limite do que ele pode suportar, sabe?

Você foi uma vez no fundo do poço e voltou, mas e se cair novamente? Você
se entrega tanto.
— Tem razão, mas se eu tive força para refazer minha vida antes,

agora tenho muito mais, porque eu já sei como é a dor e tenho milhões de

motivos pelo qual viver. Meu filho é tudo para mim, Seli, eu nunca o
abandonaria porque é meu coração.

— Eu sei. E sabe que estou aqui por você, não é? — Claro que sabia,

ela e mamãe têm sido tudo para mim.

— Amo você, sabe disso também, não é? — retruco com carinho. —

E as crianças?

Ela começa a falar dos filhos e vejo mamãe entrando na cozinha, ela

beija Ian e depois vem se servir de café e acena para Seli ao telefone.

— Selina querida, como está? — mamãe fica por trás do meu ombro.

— Tereza!

As duas começam a falar e acabo entregando o celular para mamãe e

levanto para pegar mais café.

— Eu disse para ela viver, Selina, acho que ela anda me escutando.

— Escuto minha mãe dizer ao telefone e me viro. — Ela está voltando a ser

a Clara que sempre foi.

— Você aprova? Jura? — Selina pergunta surpresa e reviro meus

olhos para o fato das duas começarem a discutir minha vida como se eu

nem estive ali perto. E era muito raro essas duas discordarem de algo.
— Por que não? Ele é o pai do filho dela e tem de consertar a

bagunça que fez com a vida da minha filha, mas agora ele não está se

fingindo de morto, agora eu mesma darei cabo dele se ele a magoar —

mamãe diz para ela e eu tomo o celular dela.

— Vocês duas esqueçam minha vida amorosa que tem um ouvidinho

bem atento ali escutando vocês duas. — Aponto o celular para Ian que

terminou de comer e está tomando achocolatado e tem um bigode até o

nariz.

— Terminei mamãe!

— Seli, amo você garota, mas tenho que desligar — eu digo. — E se

eu resolver casar será minha madrinha e nem venha com desculpas.

— Você é louca, eu aposto que não vou demorar muito para receber
esse convite — ela aproxima o rosto da tela e diz baixinho —, acho que

esse homem tem um pau de ouro que faz sua cabeça virar mingau.

Gargalho e aceno para ela.

— Eu amo isso — digo rindo e ela grita.

— Sabia!

— Essa conversa está pesada demais para mim! — mamãe diz e vai

para perto do Ian e tira ele da cadeira. — Venha com a vovó querido.
Momentos depois eu desligo o celular e vou atrás dos dois. Planejo

mimar minha mãe um pouco hoje.

Tenho uma surpresa para Dona Tereza e quero que ela aproveite o

dia.

— Tem certeza, filha?  — Mamãe se vira para mim quando entramos

no SPA onde dei a ela um voucher. Agarro a mão do Ian na minha e olho ao

redor, o lugar é luxuoso e vai me custar um rim, mas Dona Tereza merece

um mimo. Minha mãe tem 47 anos, ela me teve aos vinte e é uma mulher

ainda muito linda, mesmo que ela não se importe muito com sua aparência

depois que meu pai faleceu. Ela podia voltar a namorar, eu devia apresentar

a ela uns senhores distintos, bem se eu conhecesse alguns, pena que não

conheço nenhum.

— Absoluta. Você merece um dia relaxante — respondo para ela e


aperto seu braço. — Dê adeus à vovó, Ian.

— Tchau vovó! — ele grita e agarra suas pernas.

— Tchau, meu amor. — Depois ela vira para mim. — Isso é um gasto

desnecessário, querida.
Ignorando suas palavras digo:

— Quando terminar me ligue que voltamos e pego você aqui.

Aceno um adeus a vendo caminhar para a recepção. E suspiro saindo

pela porta. Agora é só achar um Uber.

É nessas horas que tenho vontade de ter aceitado o carro de Enrico.

Faz uma semana que ele tenta me convencer a aceitar o carro e a mudar

para sua casa e estou realmente com vontade de aceitar seu convite. Eu não
sei o que me impede.

Eu e Ian voltamos para a rua quando vejo um carro parado na frente e

um Enrico escorado nele. Ele está me seguindo? Ele está vestido


casualmente e seus óculos aviador fazem as minhas partes femininas

baterem palmas de felicidade. O homem é uma coisa de se olhar. Ele está


com um carro diferente, esse é mais normal, porém ainda luxuoso. Ele está

mudando por causa do Ian e vejo até uma cadeira infantil no banco de trás.

Ian arranca sua mão da minha quando o vê e corre pela calçada.

— Papai!

Caminho mais devagar até parar onde eles estão. Ian já contando tudo

que fez hoje com uma fala rápida e embolada.

— Você está me stalkeando?  — questiono olhando seu sorriso

presunçoso. 
Enrico coloca Ian no chão e se aproxima de mim, segura minha nuca
com uma das mãos e me puxa para um beijo rápido e forte nos lábios. Ele

se afasta e... Ah esse olhar faminto que esteve em seu rosto a semana toda.
Tinha sido uma semana quente de encontros no escritório ou à noite quando

ele ia ver Ian depois do trabalho, o que era todos os dias. Ele dizia que
precisa que seu filho não pense que ele irá embora novamente e quando Ian

dormia dávamos um jeito de sair e foder como coelhos na sua casa, o que
não era nada perto e eu estive a semana toda como um zumbi morrendo de
cansada, mas o sentimento de felicidade e prazer era maior e eu não ligava.

Mas durante esse tempo nunca fizemos uma demonstração de afeto


na frente do Ian como agora.

— Poderia estar — Enrico confirma e percebo que ele respondeu a

minha pergunta sobre estar me stalkeando. — Eu quero que os dois passem


o dia lá em casa. Eu mesmo irei fazer o almoço e claro quero que Ian

conheça minha casa e tem uma surpresa esperando por ele lá.

— Que supesa papai? — Curioso Ian pergunta.

— Vamos lá! — Enrico abre a porta e coloca Ian sentado na cadeira e

luta para colocar o cinto de segurança nele. Fico olhando, deixando-o ter
seu quinhão de coisa que não é perfeito, nem dá tempo de curtir muito seu
jeito atrapalhado porque logo ele pega o jeito e fecha a porta. Ele vira para
mim e balança a chave do carro na minha direção.

— Você dirige!

— De jeito nenhum — digo recuando um passo para trás.

— É seu carro, portanto você dirige — ele diz, pega minha mão,

coloca a chave nela e depois abre a porta do passageiro e se senta. Fico em


pé na calçada perplexa. Vou para o lado do motorista e entro.

— Enrico, eu não me sinto segura para dirigir — falo, minha voz

meio trêmula.

— Está tudo bem, estou aqui com você. — Ele segura minha mão na

dele e aperta. — Eu e Ian não vamos deixar nada de ruim acontecer, não é
filhão?

— É.

— Viu? E se você não fizer isso nunca vai estar pronta. — Ele me

olha. — Você dirigia antes, não é?

— Sim, mas...

— Você consegue, eu confio em você, passarinho — ele diz com um

carinho que me faz suspirar e esquecer meu nervosismo por um momento.


O carro é luxo puro por dentro, uma Mercedes novinha em folha. Ele coloca

o endereço dele no GPS para facilitar minha vida e diz:


— Vou de copiloto, vai conseguir. — Deixando meu nervosismo de

lado eu ligo o carro. 

Depois que pego o jeito não é tão ruim e com as instruções de Enrico
consigo chegar à casa dele sem causar um acidente.

— Sabia que você conseguiria — ele fala quando desligo o carro. Ele

me puxa e beija, depois se vira para Ian. — Vamos lá amigão, vamos fazer
o almoço.

— Sim!

Quando desço com minhas pernas meio bambas, Enrico já tirou Ian
da cadeira. Estive aqui esta semana algumas vezes, mas é a primeira vez do

Ian. Seguimos para dentro e Enrico vai mostrando tudo ao filho como se
uma criança de quatro anos entendesse tudo que ele explica.

— Venha amigão, tenho uma surpresa para você. — Ele aponta as


escadas e eles caminham para lá e Enrico me chama para ir com eles. —

Mamãe também está convidada.

Enrico nos leva para uma porta ao lado da suíte principal, onde estive
com ele, e abre a porta para revelar um quarto que ele transformou no

quarto do sonho de qualquer criança. Ian grita e corre para dentro como se
estivesse no playground favorito.  

 
 
CLARA MONTEIRO
 

Enrico está preparando uma lasanha para o almoço, já que é uma das

comidas favoritas do Ian, para não ficar apenas na massa, eu me junto a ele
e começo a fazer uma salada. Enquanto ele coloca a lasanha no forno para

gratinar, ele se vira para mim e enlaça os braços na minha cintura por trás e
beija meu pescoço causando um arrepio delicioso na minha espinha.

— Eu quero tanto te foder agora — ele sussurra no meu ouvido e sua

língua sai para contornar o lóbulo sensível. — Meu pau está uma maldita
haste dura para você. — Ele flexiona o quadril e sinto o cume duro

pressionando minha bunda.

— Se comporte — digo ofegante e não muito convincente. Mudo de


assunto para tirar minha mente da sarjeta. — O quarto ficou perfeito.

— Quero que vocês se mudem para cá — ele declara me abraçando

mais forte.

— Enrico, eu tenho mamãe e onde eu for ela vai junto.

— Essa casa é enorme, Clara, ela terá espaço de sobra aqui — ele
garante. — Se ela quiser privacidade ela poderá morar na casa que é para

ser do caseiro. Não temos caseiro e a casa é grande e espaçosa.


— Vou falar com ela — digo e recebo um beijo no ombro e depois

seu queixo apoia no meu ombro.

— E se quiser podemos contratar uma babá para ajudar com Ian


também.

— Hmm, não sei. Ele nunca ficou com pessoas estranhas. — Meu

coração fica apertado só em pensar de alguém que nunca vi sendo


responsável pelo meu bebê. Acho que Enrico percebe meu corpo tenso

porque acrescenta.

— É apenas uma ideia, para aliviar o trabalho de sua mãe, além disso,
ela pode ficar de olho em tudo.

— Vamos ver.

— Você está procurando uma escola para ele? — Jesus, o homem não

para de pensar? Ele está a todo vapor.

— Ainda não decidi, mas eu estava para colocar ele em alguma mais

perto de casa, mas se nos mudarmos terei de ver algo aqui por perto. —

Droga, estou realmente me mudando?

— Vai dar tudo certo, passarinho. — Meu coração dá um pulo cada

vez que ele me chama assim. — Entendo seu medo, eu estaria também, sei

que não confia em mim, mas eu não vou a lugar algum, quero consertar
tudo Clara, e dessa vez não vou fazer nenhuma merda.
— Eu queria tanto que você lembrasse — comento e logo me

arrependo, eu não quero que ele pense que isso será uma cobrança no futuro

juntos, caso ele nunca se lembre de nosso tempo, mas eu adoraria se isso

acontecesse. Porque eu não entendia muitas coisas.

— Somos dois, Clara, mas meu neurologista disse que a possibilidade

é quase zero.

— Tudo bem, é apenas um desejo.

— Posso conquistar você de uma maneira que você esqueça Michel,

esse homem não existe mais Clara, talvez ele nunca tenha existido.

— Ele existiu para mim, mas eu entendo que foi uma ilusão agora —

concordo e viro para olhá-lo —, ou estou tentando entender, ainda é muito

novo nosso relacionamento, mas eu quero muito que as coisas sejam

perfeitas.

— Não garanto perfeição, porque estaria mentindo para nós dois, mas

posso jurar que farei tudo ao meu alcance para fazer você e nosso filho

felizes.

— Eu quero muito isso.

— Mas é difícil competir com um fantasma. — Ele estava com o


cenho franzido e tenho vontade de rir, pois ele parece chateado com o

próprio fantasma.
Meus dedos entram em seus cabelos e atraio seus lábios para os meus

e o beijo. Estamos tão envolvidos um no outro que não percebemos as

vozes imediatamente.

— Eles estão sempre assim? — uma voz de mulher sonda e viro

rapidamente. Ian está brincando com os inúmeros minicarros que encontrou

no quarto e que ele trouxe para a cozinha e agora Melissa Monteiro está

parada ao lado dele.

— Sim, muito — ele afirma para ela.

— Eu sou Melissa! — ela se apresenta e estende uma mão para ele.

— Qual o seu nome?

— Meu nome é Ian — ele conta com orgulho.

— Prazer Ian. — Ela olha de esguelha em nossa direção e diz para

ele: — Sou irmã de seu pai, isso quer dizer que sou tia.

— Eu tenho uma tia — ele explica meio carrancudo —, mas o nome

dela é tia Seli.

— E agora ganhou mais uma, não é legal?

Ian me olha como se procurasse orientação, sorrio para ele e aceno

em concordância, fazendo com que ele próprio balançasse a cabeça

afirmativamente para Melissa.

— Legal!
Ele volta a brincar como se toda interação fosse nada e Melissa o

deixa e vem na nossa direção.

Ah ela não ia estragar nosso dia, ia?

— Eu não sabia que estava com visita, Enrico — ela comenta para

ele e depois me olha, ela tem o rosto frio quando diz: — Clara, vejo que já

está se sentindo em casa.

— Melissa! — A voz de Enrico tem um tom de advertência, mas eu

não preciso dele para me defender de nada.

— Olá para você também, Melissa — eu a cumprimento docemente,

com meu sorriso mais açucarado. — E sim, seu irmão quer que me case

com ele, nada mais justo começar a me sentir em casa, já que esta será

nossa casa, não é querido?

Enrico mal consegue segurar o sorriso. Ele me abraça novamente.

— Está certíssima, meu passarinho. — Ele beija o toco da minha

cabeça e sua irmã revira os olhos. — Você precisa de algo, irmã?

Ela suspira colocando a bolsa no balcão da cozinha e senta no banco

alto.

— Eu só queria conhecer meu sobrinho, você parece que anda o

escondendo de todos.
— Não estou, mas disse que vou levá-los no próximo fim de semana

para nossa mãe conhecê-los — Enrico rebate —, mas não achei que

quisesse isso, digo, em conhecer meu filho.

— Nunca disse isso — ela responde e receio que Ian esteja escutando

essa conversa.

— Eu acho que essa conversa pode ser em outra hora. — Aponto

para Ian. — Você pode colocar a mesa, Enrico? Vou terminar a salada.

Ele se desvencilha de mim e chama Ian para ajudá-lo, e vai colocar a


mesa lá fora, deixando uma Melissa de olhos arregalados para trás.

— Você andou domesticando meu irmão muito rápido — ela diz e

pego uma nota de admiração na voz dela? — Incrível, eu achei que nunca

veria isso. Meu irmão recebendo ordem de alguém em sua própria casa.

— Melissa, eu sei que não gosta de mim — falo baixo apenas para

ela escutar. — Sinto que o noivado dele com sua amiga terminou, mas eu

não vou tolerar que você me trate como se eu fosse alguém inferior, porque
não sou. — Esclareço para que ela não tenha ideia sobre me tratar com

desdém e achar que não vou revidar. — E não dou ordens a seu irmão,

estávamos tentando apenas almoçar em família.

— Acha que já é da minha família? — indaga com desdém.


— Posso não ser da sua, mas eu tenho minha própria família e estou

incluindo Enrico nela. E não estou me inserindo na sua, mas é uma via de

mão dupla, infelizmente — digo doce como favo de mel. — Olha, eu não

quero que seu irmão fique entre nós como um escudo, podemos nos dar

bem, sabe, eu não quero ser a megera, mas também não vou tolerar

nenhuma besteira sua.

— Você não precisa se preocupar comigo, Clara — ela diz —, mas

com a mamãe, aí vai ser outros quinhentos.

Tiro a lasanha do forno e tempero a salada antes de responder.

— Imagino que sim — digo simplesmente. — Eu não posso fazer


nada para mudar a mente das pessoas e não vou ficar sem dormir apenas

porque a família de Enrico não gosta de mim e nem do meu filho. Sabe por
quê? Eu não fiz nada de errado e nem mal a nenhum de vocês. Se não

gostam de mim sabe de quem é o problema? De vocês.

— Bom ver suas garras.

— Não está vendo, essa sou eu sendo educada. — Dou a ela um

sorrio de verdade, eu não queria tratar ela como a inimiga. — Quero me dar
bem com você, achei que seria uma aliada quando conheci você e foi tão

solícita, mas agora acha que sou uma golpista, ou uma criminosa, não sou
nada disso.
Eu não tinha medo de dizer o que vinha a minha cabeça para quem
quer que fosse.

— Vocês duas já guardaram as facas? — Enrico pergunta voltando

para dentro de casa com Ian correndo a sua frente, ele derrapa bem nas
minhas pernas.

— Cuidado, filho — digo pegando ele antes que bata no chão.

— Estou com fome!

— Eu sei, amor, já vamos comer — falo rindo, ele só vive com fome,

se tem uma coisa que meu bebê não dá é trabalho com alimentação.

Transportamos tudo para fora e Enrico coloca um prato para sua irmã,
convidando-a para se juntar a nós.

— Enrico, depois desse almoço eu preciso correr uns bons dez

quilômetros — ela diz, mas senta conosco à mesa. — Então, Clara, por que
não conta como conheceu Enrico antes?

— Melissa, deixa Clara comer em paz, sim? — Enrico interfere, mas


eu não acho que Melissa esteja sendo maliciosa, talvez ela esteja realmente

curiosa.

— Nunca vi você tão possessivo com uma mulher, Enrico — ela


alfineta o irmão. — Chocante.
— Eu não me importo de falar sobre Michel. — Merda, eu nunca vou
me acostumar com isso. É tão confuso e louco que eu nem sei mais sobre

quem era quem. — Eu não o conheci como Enrico, isso que quero dizer.

— Essa é uma história tão complicada que fico confusa — ela

comenta.

Eu não gosto de falar disso na frente do Ian, se é difícil um adulto


entender o que aconteceu antes, imagina para uma criança ficar escutando

sobre pessoas usando nome falso.

— E vai continuar Melissa — Enrico interfere outra vez. — Esse não


é um assunto para conversar agora.

— Ok, vocês dois estão muito sérios — ela relaxa na cadeira e a


conversa muda para as novas ideias para a revista e as estratégias para o

lançamento na próximas semanas. Apesar da implicância inicial de Melissa,


ela volta a ser aquela Melissa que conheci de início, simpática e não solta

mais nenhuma indireta. Ela até brinca com Ian e fala com ele demonstrando
um carinho que me surpreende, talvez nem tudo esteja perdido com ela

afinal. Ela é a tia do meu filho e só por ser gentil com ele, eu dou um voto
de confiança a ela. Mas eu não sou boba e ficarei de olhos abertos com ela,

afinal é amiga da Tatiana.


O almoço passa rapidamente e quando Melissa diz que vai para a

casa de sua mãe, ela olha para mim.

— Quando Enrico a levar para conhecer nossa mãe deve ir preparada


para passar no crivo da Dona Amélia, ela é osso duro de roer.

— Pode deixar, não tenho problemas em me defender, Melissa.

— Eu já percebi.

Ela se despede de todos e vai embora.

— Ela não é tão ruim, vai gostar de você com o tempo. — Enrico

comenta quando ficamos a sós.

— Quer saber uma coisa? Eu adoraria me dar bem com sua irmã,
principalmente sua mãe, mas se elas não gostarem de mim não posso fazer

nada — digo com sinceridade. — O importante é que ela trate Ian bem. Só
isso.

— Você é uma mulher incrível, Clara. Mesmo que Melissa fique


falando besteira mamãe é uma alma tranquila. E ela amará vocês dois.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 

Jogo minha cabeça para trás quando o prazer chicoteia por minha
espinha e vai direto para minhas bolas, a cabeça do meu pau lateja e bate no

fundo da garganta de Clara quando ela engole meu pau profundamente.

— Porra, baby — digo sem fôlego. — Sua boca vai me matar,


caralho.

Olho para baixo e balanço a cabeça quando um flash vem na minha

mente, um lampejo de cabelos castanho-escuros mais longos do que Clara


tem hoje. Seus olhos claros fixos em mim e eu estava diferente.

— Clara? — chamo seu nome, mas outras imagens invadem minha

mente e é como se estourasse um balão e uma enxurrada de lembranças me

faz recuar. Minha cabeça lateja.

— Você está bem? Acho que perdi a prática — Clara diz com um

rubor em suas bochechas e quero tranquilizá-la que estou tendo memória

dela, mas ela está diferente nesta mesma posição e nas outras, mas ela corre
a língua na cabeça do meu pau que ainda está muito duro em suas mãos, e

concentro minha mente no aqui e agora, puxo ela para que eu a beije.
Minha língua invade sua boca lambendo sua língua vorazmente. Ela se

senta em cima de mim e retribui o beijo com um calor escaldante, levanto

seus quadris e entro nela até o fundo de sua boceta doce. Quando explodo

dentro dela, depois que ela estrangula meu pau, eu fico deitado ao seu lado

deixando minha mente processar as imagens que me lembrei de Clara na


cama comigo.

Estou sentado na frente do meu neurologista e ele olha para a


ressonância que fiz.

— Seu exame físico está tudo perfeitamente normal, Enrico — ele


diz. — Teve mais alguma lembrança?

— Não, lembrei algumas coisas — digo chateado. — Eu só gostaria


de lembrar para tranquilizar Clara sobre minhas razões de ter ido em frente

e ter casado com um nome falso.

— Nem todo mundo tem sorte, Enrico. — Ele solta a caneta na mesa
e cruza as mãos debaixo do queixo. — Meu conselho é que construa novas

lembranças, sem nenhuma mentira nessa nova fase e aprendam a viver sem

essas respostas, talvez isso sirva apenas para separar vocês agora. Que

utilidade teria?
— Não é só ela que gostaria que eu lembrasse, sinto que é importante

para que nunca haja dúvidas entre nós.

— Não sou psicanalista, mas aconselho que procure um como faço

desde que você não tinha mais um problema físico.

— Passo, odeio ficar parado por horas falando e falando em círculo.

— Cabeça-dura. Talvez um analista trabalhasse sua mente e


destravaria tudo que tranca aí dentro. É um tratamento, Enrico. Já expliquei

várias vezes que amnésia dissociativa pode demorar muito tempo para

voltar, você precisa de paciência, mas você já está começando a se lembrar

e isso é um bom sinal.

Saio da clínica e vou para a redação, eu ainda não contei para Clara

sobre essa lembrança que tive dela. É frustrante porque não diz muito.

— Você tem um minuto, Enrico? — Escuto a voz de Tatiana quando

estou entrando em minha sala e paro. Ela está vindo da sala de Melissa e me

pergunto quando ela vai parar de marcar em cima de mim.

— O que quer Tatiana? — questiono entrando na sala com ela me

seguindo.

— Quero pedir que reconsidere minha posição na revista — ela pede,


eu poderia reconsiderar, afinal ela tinha todo um plano de trabalhar aqui e

eu disse que ela não poderia mais ser parte da equipe. É mais um castigo
para Melissa aprender que atos têm consequências e quem sai perdendo

nesse caso é Tatiana, mas como eu poderia deixar Melissa sofrer um pouco?

Atingindo sua melhor amiga como ela tentou atingir a minha mulher.

— Poderia — digo me sentando em minha cadeira, eu não a convido

para sentar —, mas antes você não queria trabalhar no mesmo ambiente que

Clara.

— Eu era sua noiva.

— Agora é uma ex-noiva e ela será minha esposa muito em breve —

esclareço.

— Eu não me importo com isso, apenas sinto que fui injustiçada

quando me demitiu antes mesmo que eu começasse. — Ela é muito cara de

pau, devo admitir.

— Porque se juntar com Melissa para ir contra Clara não é um bom

caminho.

— Não foi minha intenção ofender uma mulher que veio do nada e

levou meu noivo — ela diz irônica e percebe que está indo por um caminho

perigoso. Ela caminha para perto de mim e desliza o dedo unha pintada de

vermelho na frente do meu terno. — Eu sei que gosta de mim, só um

pouquinho, você disse isso.


— Tatiana, eu nunca neguei que gosto de você, porque te conheço

desde sempre, mas eu nunca disse que era apaixonado por você — digo e

seguro seu dedo para tirar as mãos dela de mim quando a porta abre e Clara

entra.

— Enrico? Sua assistente não está lá fora... — Ela para quando

percebe que não estou sozinho. Os olhos dela caem em Tatiana e nas nossas

mãos se tocando. — Não sabia que estava ocupado. Interrompi algo?

— Clara, eu e Enrico já terminamos, você pode ficar. — Tatiana se

afasta de mim. — Bem, você me liga e me diz sua decisão. Espero que eu

possa ficar. — Ela caminha para a porta e sorri para Clara antes de sair, o

que faz Clara estreitar os olhos em fendas perigosas.

Clara não saiu da porta e prevejo uma tempestade se formando

naqueles olhos verdes.

— Olha, eu sou a pessoa que menos gosta de confusão ou baixar o

nível, mas se eu vir essa mulher com as patas em cima de você de novo, eu

darei um soco na sua cara depois arranco aqueles cabelos oxigenados dela.

— Ela é uma loira natural, descendente de alemão — digo apenas

para atiçar a onça.

— Oh Enrico você não tem medo da morte! — Quando ela vê meu

sorriso fica ainda mais furiosa. — E não ria, ou juro que você vai parar em
uma emergência.

— Venha aqui.

— Enrico?...

Fico sério e ela vem e para em minha frente.

— Quero te dizer uma coisa. — Enrolo uma mexa de seu cabelo em

meu dedo. — Ontem à noite quando estávamos na cama, eu tive um flash

de memória...

— O quê? Por que não me disse?

— Eu passei a manhã toda no neurologista, mas não recordei tudo,

apenas um flashback.

— O que lembrou?

— Quando estava com essa boca gostosa no meu pau ontem eu olhei

para o topo de sua cabeça e me lembrei de você fazendo isso antes...

— Oh meu Deus, Enrico tanta coisa para lembrar e foi se lembrar

dessa parte?

Acabo rindo de sua indignação.

— Mas eu me lembro do sentimento que eu tinha em relação a você

— digo e seguro sua nuca. — Eu sei que os sentimentos eram reais, a

lembrança era que eu estava na porra do paraíso.


— Talvez por que estava com seu pau na boca? — Ela revira os olhos

e rio.

— Se eu nunca lembrar eu sei que o que tínhamos era real para mim.

— Eu sei que eu amava você, disso eu tenho absoluta certeza.

Eu não deixo de perceber o verbo no passado. Ela tinha deixado de

me amar?

Se caso fosse, eu não a culparia, eu fui embora e a deixei.

— Eu vou conquistar você novamente— falo antes de beijá-la. —


Porque de uma coisa eu sei. Você é minha.

Tudo que importa para mim são você e nosso filho.

 
 
CLARA MONTEIRO
 

A casa da família Monteiro é enorme, eu não estou confortável com


essa visita, preferiria que o encontro com a família dele fosse em um

terreno que saberia dominar, aqui é custoso ficar calma. Ian está alheio ao

meu nervosismo, só conheci Melissa até agora e não foi lá grande coisa
com ela do lado de sua amiga, mas eu já tinha colocado ela em seu devido

lugar, mas a mãe dele, mesmo eu dizendo que poderia não me importar com
sua opinião sobre mim, eu me importo como ela vai tratar meu filho.

— Você está nervosa — Enrico diz quando nos conduz para dentro da

casa.

— Um pouco, não é por mim, mas se sua mãe não gostar do Ian isso

me deixa nervosa.

— Ela vai gostar dele, não deixe as palavras de Melissa te influenciar.

Fácil ele falar.

Uma empregada abre a porta e sorri para Enrico.

— Seja bem-vindo, Senhor Enrico. — Ela deve ter uns cinquenta

anos, seu sorriso é gentil quando ela desvia os olhos para mim e Ian. — E
quem é esse rapazinho?

— Antônia, esse é meu filho, Ian, e essa linda senhora aqui é Clara —

ele apresenta e não passa despercebido que ele não me apresenta como sua
noiva, mesmo que o anel no meu dedo pese uma tonelada.

— Bem-vinda senhora — ela diz para mim e sorri para Ian. — E você

rapazinho parece muito com as fotos do seu pai quando era do seu tamanho.

— Onde está minha mãe?

— No pátio, esses dias ela passa a maior parte do tempo lá.

Ela nos guia pela casa e assim como a de Enrico é tudo chique e

opulento.

O tal pátio é uma área coberta com cadeiras elegantes, com plantas ao

redor, e ao fundo uma piscina e um jardim. Em uma das cadeiras uma

senhora pequena e elegante está sentada com um livro no colo e uma xícara

nas mãos.

— Mãe — Enrico se aproxima e se inclina para beijar a mãe no rosto

—, como você está?

— Filho, não esperava você agora, achei que chegaria mais perto do

almoço — ela diz e mesmo ela sendo uma pequena mulher a voz é

imponente.
— Disse que viria essa hora. — Ele se vira para mim e me estende a

mão. — Quero que conheça Clara e nosso filho Ian.

— Prazer em conhecê-la, Senhora Monteiro — digo educadamente e

trago Ian para perto. — Ian, querido, essa é sua vovó, a mãe do papai. Diga

olá para ela, querido.

— Olá! — cumprimenta timidamente. Ele nem é tímido, mas talvez

ela o deixe nervoso como me deixa também.

Ela não retribui minha saudação, seus olhos estão em Ian e depois de

um longo tempo ela sorri para ele.

— Olá querido. — Ela estende a mão para ele. — Venha aqui.

Ele hesita, mas vai. Ela o coloca no colo e o admira por um tempo.

— Esse não nega que é seu, Rico — ela diz sorrindo. — Ele é

igualzinho a você nessa idade. Oh que saudade que tenho quando era

pequeno.

— Eu disse a você que ele era muito parecido comigo — ele comenta

e me puxa para sentar junto dele em uma cadeira dupla do outro lado.

— Você é um garotinho muito bonito, sabia? — ela comenta para Ian

que está tímido em seu colo. A Senhora Monteiro levanta os olhos para

mim, enfim, e seu olhar me avalia toda, depois vai para Enrico. — Achei

que quando você me desse um neto, a mãe fosse a Tatiana.


Ela volta sua atenção para Ian e sinto os dedos de Enrico nos meus.

Ele acha que senti o golpe? Eu já esperava isso, as notícias sobre o casal

diziam claramente que era um desejo das duas famílias desde sempre que se
juntassem em matrimônio. Eu frustrei os planos deles e claro que não ia ser

bem-vinda.

Enrico achava que a mãe tinha alma tranquila e ia me receber bem.

Acho que ele se enganou.

— Mas Clara é a mãe dele e eu gosto mais desse jeito — Enrico diz

fazendo sua mãe olhar novamente para nós e percebo que ela nunca me

dirigiu a palavra, nem para me cumprimentar.

— Terminar um noivado do jeito que fez não é muito elegante, filho.

Eu estava a dois segundos de levantar e tirar meu filho de seu colo e

ir embora. Ainda bem que mamãe não estava aqui, ou essa senhora já teria

escutado umas poucas e boas, mas ela disse que preferia ir com a vizinha a

um passeio.

Mas a coisa só poderia piorar quando Melissa e Tatiana chegam meia


hora mais tarde, meia hora essa que estava sendo ignorada por Amélia

Monteiro com sucesso. Já meu filho estava recebendo todo agrado de sua

avó. Neste momento ele estava comendo todos os minissanduíches que

Antônia trouxe para cá. Uma empregada encheu a mesa de bolos,


sanduíches e todo tipo de coisas de aparência gostosa, mas eu apenas

educadamente aceitei uma xícara de chá. Esperando que a bebida me

mantivesse calma. O que poderia ficar bem difícil agora vendo Melissa e

Tatiana caminharem em nossa direção.

— Olá para todos! — Melissa cantarola se aproximando. — Ian meu

sobrinho querido, trouxe um presente para você.

Ian está amando toda atenção e corre para Melissa que apresenta

Tatiana para ele.

— Ian, está é minha amiga Tati. — Ela aponta e ele estende a mão

como um homenzinho, o que tira um sorriso da tia. — Ele é tão educado.

Tati, esse menino lindo aqui é o Ian.

— É um prazer enfim conhecer você, Ian, já ouvi muito a seu respeito


— Tatiana diz se abaixando para ficar em sua altura.

Eu imagino.

— Onde está o pesente? — Ian não parece muito interessado na

conversa.

— Oh como é bonito, muito parecido com o Enrico mesmo — ela

sorri mexendo em seu cabelo e ele foge. Ela levanta e vai até a Senhora

Monteiro. — Tia Amélia, como você está?


— Oh minha querida, estou bem e você, soube que tem passado por

uns maus-tratos ultimamente.

— Nada que eu não possa mudar em breve. — Tatiana sorri amável

para a mãe de Enrico e quero revirar os olhos. Isso é um teste, Clara sorria.

— Clara, não é?  Conheci você na redação da revista, mas antes que

falássemos uma com a outra você correu para longe — Tatiana diz virando

sua atenção para mim. — Sou Tatiana a propósito.

— Sinto muito não ter falado naquele dia, estava meio na correria —
digo docemente. — Bom enfim conhecer você.

— Não posso dizer o mesmo. Rico também é bom ver você — ela

dispara e senta perto da Senhora Monteiro e começam a conversar.

Melissa ainda está com Ian mostrando seu presente, não vejo o que

ela deu para ele, mas o mantém entretido, soltando sons de alegria.

O braço de Enrico cobre meus ombros e ele me atrai para ele. Ele se

inclina e enfia o rosto no meu cabelo e beija meu pescoço.

— Você não precisa ficar, podemos ir embora.

— Tudo bem. — Eu podia aguentar mais alguns minutos, por ele e

Ian.

— Para mim não está. Minha mãe não está sendo educada e não

posso tolerar que ela trate você como se fosse uma ninguém.
— Estou bem, Enrico, de verdade, estar aqui não é sobre mim, mas

sobre Ian e elas o estão tratando bem.

— Rico podemos conversar em particular? — Essa é Tatiana e sua

intimidade com ele me irrita.

— O que é tão secreto que não possa ser discutido aqui?

— Por que a conversa é privada? — ela insiste.

Ele levanta e eles caminham para a beira da piscina longe dos

ouvidos. Eu adoraria saber o que ela tanto quer falar com ele.

— Seu jardim é muito bonito, Senhora Monteiro — falo apenas para

puxar uma conversa com a mãe de Enrico.

Ela tira os olhos do casal e me olha.

— Obrigada — ela enfim reconhece minha presença. — Diga-me,


minha jovem, o que você ganha desfazendo um noivado que era tão

esperado nesta família? Veja o quanto eles combinam. Meu neto deveria vir
daquela união ali, não de uma jovem que nunca vi na vida.

— A senhora deveria perguntar ao seu filho — respondo calmamente.


— Não querendo ser desrespeitosa, Senhora Monteiro, mas o que importa

para mim é o que Enrico deseja e não o que a senhora, ou sua família,
deseja com quem ele case...
Minha voz morre quando vejo a mão de Tatiana no braço de Enrico e
ela praticamente colada nele. Ele se afasta do toque, eles estão em uma

discussão acalorada e temo que esse encontro familiar se torne uma


confusão que só confunda meu filho. Levanto pronta para dizer a Enrico

que estamos de saída quando sua mãe ordena.

— Sente-se jovem! — ela manda com autoridade, como se eu fosse


um maldito lacaio.

Olho para ela e ela está também de pé.

— Eu perdi meu marido e meu filho, não vou permitir que outro se vá
com uma rameira que engravidou dele para ter uma vida de riqueza às

custas do meu filho. Esse anel que está em seu dedo, não pertence a você.

— Que tipo de gente são vocês? — pergunto genuinamente. Eu não


iria dizer umas verdades a esta senhora, ela poderia agradecer a Ian por isso.

— E esse anel vai ficar no meu dedo, mesmo que isso cause um infarto em
quem não goste de onde ele está. Passar bem senhora! — Caminho para

onde Melissa está ensinando Ian a andar com uma pequena patinete e
mentalmente agradeço a ela por distraí-lo de toda essa conversa venenosa.

— Vamos querido — chamo e ele acena sorrindo.

— Mamãe, olha eu, mamãe! — ele chama conseguindo ficar na


patinete por uns segundos e temo que ele caia da coisa, mas sorrio e digo:
— Você foi incrível, bebê, mas temos que ir. — Eu o pego nos
braços, e ele luta para descer.

— Quer decer mamãe! — ele grita.

— Vamos brincar em casa sim? Podemos levar sua patinete e


brincamos a tarde toda, que tal?

— Tá!

— Eu disse que você precisava se preparar — Melissa diz. — Acho


que percebeu que não vai ser fácil continuar esse casamento, Clara. Eu

gosto de você, mas de verdade? Não acho que seja para meu irmão.

— Sabe aquela palavrinha com F, pode ir para ela. Eu nem tinha

certeza que ia mesmo casar com Enrico, mas sabe o quê? Agora vocês
conseguiram me convencer — digo e caminho com Ian nos quadris
deixando esse povo doente para trás. Estamos quase alcançando o carro

quando Enrico nos alcança.

— Fugindo sem mim, passarinho? — Ele abre a porta de trás para Ian
e coloco-o na cadeira. Quando fecho a porta, Enrico está esperando com a

porta do passageiro aberta para mim.

— Você pode estar em vários problemas, Senhor Monteiro —

vocifero.
— Eu gosto disso, a ideia de me meter em problemas com você me

deixa duro pra caralho. — Ele segura minha nuca e toma minha boca na
dele com ímpeto e me e beija apaixonadamente. O beijo é áspero e doce ao

mesmo tempo, desejar Enrico é tão fácil, ser dele é o que sempre quis desde
que o vi. Esse homem me encantou desde a primeira vez que nos olhamos e

tenho certeza que iria ser assim até o dia que eu morresse. Eu amo seu
toque, tudo nele, eu nunca deixei de amar. Meu coração gagueja quando
penso que Enrico está neste casamento apenas por algum senso de dever.

— Acho que foi uma péssima ideia vir aqui hoje — diz se afastando e
entro no carro quando ele dá a volta e senta, viro para ele.

— Acho que sua família realmente quer esse casamento com Tatiana

— digo, meu sangue fervendo. — O que ela queria com você?

— Podemos conversar mais tarde. — Ele olha para Ian pelo espelho

retrovisor e sorri. — Tudo bem aí, amigão?

— Rumrum — meu filho resmunga e seus olhos começam a fechar, o


balanço do carro sempre é como sonífero para ele.

Não demora muito para chegar à casa de Enrico e quando tiro Ian do
carro o sono evaporou e ele quer sua patinete. Eu brinco com ele pela casa

chique de Enrico e não ligo se vai arranhar seu piso impecável. Ele teria que
se acostumar com uma criança mexendo com sua vida certinha. Mas ele não

parece se importar e se junta a nós na bagunça que estávamos aprontando.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 

Brinco com os cabelos de Clara enquanto assistimos a um filme e Ian

está dormindo em seu quarto lá em cima. O dia de hoje tinha sido uma
catástrofe, mamãe foi nada mais que mal-educada com Clara, deixei Clara

se colocar sem que eu interferisse, mas terei uma conversa com minha mãe
e Melissa. Clara ia ser minha esposa e elas teriam que aceitar esse fato. Ela

se aninha em meu peito e me olha. Ela se infiltrou tão rápido na minha


mente, que é bizarro, se eu tinha dúvida sobre me apaixonar e casar com ela

seis anos atrás eu não tenho mais, ela conseguiu me deixar de quatro em

pouquíssimo tempo, estou intoxicado por ela, acordo e durmo com ela na
minha cabeça.

Ela é linda pra caralho. Baixo minha cabeça e prendo sua boca na

minha em um beijo áspero, eu não consigo ser doce quando o assunto é

foder Clara, tenho essa fome consumidora por ela como se tivesse muito

tempo para recuperar, e devo ter mesmo, cinco longos anos ao que parece,
aprofundo o beijo e enfio minha mão por seus cabelos e a seguro firme no

lugar o que nos faz gemer com a pura necessidade de foder. É como jogar

gasolina no fogo quando nos tocamos. Ela se permite ser consumida por
minha boca. Ela se mexe e senta de frente para mim, pressionando sua
boceta quente sobre meu pau latejante e duro como diamante apenas para

ela, o filme é esquecido na TV.

Agarro sua bunda gostosa que tem uma ligação direta com meu pau,
pau este que está doendo para ela neste momento. Nossas línguas se

enroscam e um desejo cru nos percorre como lava quente, aperto sua bunda

e ela rola o quadril, sua boceta atrita no meu pau e não aguento, levanto e a

carrego para o quarto.

Deito-a na cama e tiro sua roupa a deixando inteiramente nua, sua

pele suave se arrepia quando corro meus dedos por seus mamilos e ela tenta

me puxar para mais perto, mas eu quero apreciar a perfeição que ela é.

— Olhar para você assim, entregue a mim, me deixa louco — digo

arrastando meu dedo por sua barriga e circulo o umbigo sexy, desço pelo

osso do quadril, onde faço círculos lentos e arrepios de prazer correm por

sua pele. — Eu quero tanto você.

— Eu também te quero... — ela ofega.

— Tenho que te perguntar uma coisa — olho para seu rosto em

expectativa —, você pode viver outra vida comigo? E esquecer o passado?

— Está perguntando se posso viver sem nunca saber a razão de você

estar vivendo outra vida com nome falso e casar comigo sabendo que nosso

casamento não valia nada? — Ela é direta.


— Sim, eu não lembro nada além daquele flashback, mas eu sei que

amava você. Não importa que mentira usei e quero sim saber que

independentemente de lembrar ou não você me perdoaria.

Ela abaixa o olhar e quando levanta seus olhos para mim, eu sei que

quero pegá-la no colo e nunca fazê-la sofrer.

— Eu vivi por cinco anos com raiva de você por me abandonar — ela

sorri, porém não tem humor ali —, eu praguejava para um homem morto

por deixar sua mulher com um filho para nunca mais voltar. Quando te vi

naquela sala eu quase morri do coração sem acreditar. Odiei você por não

acreditar em mim, mas ao mesmo tempo eu queria tanto ter meu marido de

volta.

Uma lágrima solitária escapa de seus olhos aquosos, e limpo com

meu polegar.

— Você o tem, passarinho — digo beijando seus lábios inchados dos

meus beijos anteriores. — Eu posso não ser o Michel que você amou, mas

posso ser o seu Enrico. E serei melhor que ele, porque dessa vez não tem

segredos, ou nada falso, e tampouco vou embora.

— Eu tenho medo que vá embora de novo, Enrico... — Ela soluça e

deito a trazendo para meu peito, embalando a mulher que tem o meu

coração na palma da mão.


— Eu prometo, meu passarinho, eu nunca vou deixar você, porque eu

não poderia deixar meu coração se eu partir, você o tem Clara.

— Beije-me, Enrico.

Ela não precisa pedir duas vezes, eu sufoco seu corpo de beijos

famintos.

— Estou louco por você — eu falo a fazendo corar. — E quero muito

o seu perdão, cada dia lutarei por isso.

— Eu sinto que já perdoei você, Enrico. Podemos caminhar daqui

para frente sem que haja tanta cobrança por um passado que não podemos

mudar.

— Eu sei, mas ainda assim vou fazer de tudo para que nunca

decepcione você.

 
 
CLARA MONTEIRO
Dois meses depois
 

Olho ao redor da minha nova casa. É aqui que de hoje em diante


minha vida seguirá. Nós nos mudamos para a casa do Enrico e eu estava

começando a acreditar que segundas chances acontecem.

Meu coração parece que está sendo consertado outra vez e não me
importo tanto sobre Enrico não se lembrar do nosso tempo juntos. Ele está

sendo o homem perfeito agora, ele me prometeu que faria Michel comer no
chinelo.

E talvez estivesse mesmo. Ele me mimou tanto nesse último mês que

beirava o absurdo. Eu o amo independentemente de ele lembrar ou não.


Provavelmente nunca lembrará, mas temos uma nova vida agora e isso é o

que importa.

Tudo está entrando nos eixos em minha vida novamente depois do


caos que foi encontrar Enrico. Ian começará em uma escolinha em breve.

Depois de muita pesquisa conseguimos achar uma pré-escolar que me

passasse confiança e ele começa em alguns dias. Quando voltarmos da lua


de mel, pois nunca deixaria meu bebê para trás. Mesmo que mamãe
garantisse que iria cuidar de tudo eu o levaria, pois ela já fez até demais por

nós. Ela precisa de uma folga.

Sorrio quando me lembro do que ela me disse alguns dias atrás.

— Filha?

Tiro meus olhos do celular onde estive trocando mensagem sacana

com Enrico e olho para ela na porta do meu quarto. Franzo a testa quando

vejo incerteza no seu rosto.

— O que houve, mãe? — Solto meu celular e bato na cama. — Sente

aqui Dona Tereza e me conte o que está deixando você preocupada.

— Ora não é nada demais — ela responde, mas vem e senta na

beirada da cama. — Só queria te dizer uma coisa, mas é tão constrangedor.

— O quê?

— Eu conheci uma pessoa — ela fala e arregalo meus olhos. — Eu e

Tânia saímos bastante para conhecer as redondezas e tem um lugar que

vamos onde tem bastante gente interessante e foi lá que comecei a

conversar com Mauro, ele é um senhor muito simpático e meio que estamos

em um namoro, bem não é um namoro desses aí modernos nem nada, mas

combinamos de sair algumas vezes e ele faz me sentir bem...

— Oh meu Deus! Tome um fôlego, mulher — digo rindo. — Está

apaixonada? Ah que notícia boa mãe!


— Não sei se estou apaixonada, substituir seu pai não é nada fácil...

— Já é um começo. — Olho para ela. — Por que estava toda sem

jeito? Sabe que sou a favor que seja feliz, mamãe. Estou feliz por você.

— Olha, não vamos criar expectativa sobre isso.

— Ora se não fosse importante para você, você nem diria nada —

ralho abraçando ela. — Devemos convidá-lo para o meu casamento.

— Acho que é cedo...

— Discordo, convide-o, quero conhecer esse senhor simpático e

perguntar quais as intenções dele com minha preciosa.

— A mãe aqui sou eu!

— Não importa, irei atrás dele com um rifle, caso ele não tenha toda

boa intenção do mundo com minha mãe, ora vejam só!

Beijo sua testa e a mantenho em um abraço demorado.

— Te amo, mamãe, você é meu pilar mais forte, sabe disso? Você é o
que me mantém de pé.

— Você é meu mundo inteiro, Clara, sempre será minha menina, não

importa se tem cem anos.

Olho-a com todo amor e não me admira que ela tenha um homem

querendo sua atenção, ela está linda, depois daquele dia no SPA está
diferente, naquele dia percebi o quanto ela se deixou de lado para cuidar de

mim e Ian. Quando nos encontramos quase nem a reconheci. Ela cortou o

cabelo em um corte long bob despojado e fez mechas, o que a deixou com
aspecto mais jovem. Os cuidados de pele a deixou toda radiante e ela agora

está frequentando uma academia e eu nunca a tinha visto mais linda desde

que meu pai morreu.

O amor é muito engraçado, ele tanto pode nos mudar para melhor

quanto para pior, mas eu amo que ela esteja voltando a viver como deveria

ter sido sempre.

Nós duas estamos voltando a sentir depois de tanto tempo...

— Você está pensando em quê, Senhora Monteiro? — A voz de

Selina me puxa dos pensamentos. Ela veio de Minas para o Rio e ficará até

depois do meu casamento que será daqui a três dias.

— No quanto minha vida e da mamãe mudou desde que cheguei aqui

— digo me virando para ela. — Acho que no fim foi a decisão mais

certeira, não é?
— Vocês com certeza estão com esse brilho nos olhos que irradia por

todo lugar. — Selina se aproxima e me abraça. — Como eu torci para você,

querida. Torci que um dia voltasse a ser a Clara que eu conhecia.

— Estou bem agora — garanto para ela.

— Se esse Enrico pensar em abandonar você, eu juro que o caçarei

até na morte.

— Duvido que você tenha chance, pois eu nunca deixarei minha

mulher escapar novamente. — A voz de Enrico nos surpreende e sorrio

quando ele desce as escadas com Ian saltitante ao lado dele. Deus, o garoto

é um grude com o pai. É tão lindo vê-los juntos. É como uma versão grande

e sua miniatura. Até os trejeitos de Enrico seu filho tem. Os dois têm até a

mesma pinta nas partes baixas.

Balanço minha cabeça rindo intimamente.

— Tome cuidado, cowboy — Selina replica para Enrico. — Essa

mulher já chorou demais por você, eu não teria chorado metade, mas o

amor é uma droga.

Enrico vem e me joga o braço por meu ombro.

— Vou cuidar para nunca mais haver lágrimas, passarinho — ele diz

baixinho para mim e sinto o tom de arrependimento em sua voz. Eu já o

perdoei.
Novas pessoas vêm chegando à sala, pois estamos dando um jantar

especial para nossos amigos. Como uma comemoração pela nova fase. Mãe,

Sílvia, Seli, e seu marido Breno, até Melissa aparece, convite do seu irmão.

Eu não tinha evoluído ainda sobre ela desejar tanto que seu irmão casasse

com sua melhor amiga, mas eu podia estender o ramo da oliveira para ela. 

A nova cozinheira vem avisar que o jantar está pronto e vamos todos

para a mesa. Esse é o primeiro jantar aqui com todos juntos e quero que seja

apenas o primeiro de muitos.

— Você está perfeita! — Enrico fala no meu ouvido enquanto

caminhamos para a sala de jantar. — Não vejo a hora de todos irem embora

e eu poder tirar esse vestido de você e te foder tão bem.

— Pare! — sussurro beliscando ao seu lado.

— Não quero, quero te levar para cima e comer meu jantar na cama.

E só para constar, não estou falando de comida.

— Enrico! Temos pessoas ao redor, pelo amor de Deus!

Ele ri alto e todos nos olham curiosos sobre o que estamos

conversando.

Sorrio com meu rosto vermelho para eles.

— Vamos jantar.
Sim eu preciso tirar agora minha mente da sarjeta onde ele a colocou

com as palavras sacanas.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 

Hoje é o dia do meu casamento.

Clara escolheu o mesmo dia que nos casamos a primeira vez. Não o
mesmo mês, mas o dia. Ela quis e assim seria.

Calor me inunda quando penso na mulher que se tornará minha

esposa em alguns minutos. Eu me apaixonei por ela de uma maneira que


seria absurda para mim antes. Antes de ela me apontar na sala de reunião e

me acusar de ser seu marido.

Eu não preciso me lembrar do passado para amá-la no presente. Eu


amarei até meu fôlego se extinguir. Ela é minha.

Sinto uma posse como nunca me dominou antes quando penso que

ela poderia ter se apaixonado por outro homem nesse período que ela ficou
de luto por mim. Ela teve chances de conhecer outro cara e se casar, eu

perderia a chance de amá-la outra vez, pois de uma coisa eu sei.

Eu já amei antes.

A cerimônia também foi escolhida para ser aqui na nossa casa. Ela

não queria que fosse em uma igreja, não mais.


Meu sorriso cresce quando vejo meu filho caminhar pelo tapete

vermelho entre as duas fileiras de cadeiras no jardim. Ele está vestido com

um terno igual ao meu. Deus, ele sou eu com certeza. Amor me enche e

sinto meus olhos arderem e tento controlar minha emoção. Ele para ao meu

lado e dou um high five com ele.

— Você foi perfeito filho.

Ele assente todo solene. A música muda e meu coração tomba furioso

no meu peito. Minha mulher caminha ao lado de Tereza em minha direção.

Seus olhos estão presos nos meus e ela está linda pra caralho.

Eu não aguento esperar ela chegar ao altar, essa mulher já caminhou

sem mim por cinco anos, por isso desço do pequeno tablado e caminho para

buscar o amor da minha vida.

— Esta é a segunda vez que entrego minha filha a você, meu rapaz —

Tereza diz quando paro na frente delas e estendo a mão para Clara. — Tome

conta da minha menina direito dessa vez.

— Eu juro por minha vida que não vou falhar novamente. — Aperto

a mão dela e ela vai se sentar ao lado do distinto senhor que segundo Clara

é o par de sua mãe.

Beijo os dedos de Clara e caminhamos o resto do caminho até o altar.

O celebrante começa a cerimônia e eu não consigo tirar os olhos da mulher


ao meu lado.

Ela me tira o fôlego.

— Enrico Monteiro, você aceita Clara Rios como sua legítima esposa
para amar, respeitar, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na

riqueza e na pobreza até que a morte os separe?

— Aceito.

— Clara Rios, você aceita Enrico Monteiro como seu legítimo esposo

para amar, respeitar, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na

riqueza e na pobreza até que a morte os separe?

— Sim, aceito.

Não tínhamos feito votos, não combinamos isso, mas eu precisava

deixar claro meu amor na frente de nossos amigos. Pego o microfone do

celebrante, agarro a mão de Clara antes que o celebrante continue com a

cerimônia e não me importo se estou atrapalhando a ordem das coisas.

— Clara Monteiro, não importa que ainda não fomos declarados

marido e mulher, eu não preciso disso para saber que é minha, que é minha

parceira, minha vida, a mãe do meu filho, a mulher que chorou por mim

quando achou que tinha me perdido, não preciso de nada para saber que
mesmo que nos percamos no caminho, sempre vamos nos encontrar de

qualquer jeito. Sempre vamos encontrar o caminho de volta, sabe por que,
amor? O amor ele conhece o caminho do coração. Você encontrou o

caminho de volta para mim e me fez o homem mais feliz que caminha na

Terra, como pude esquecer o amor que nasceu talvez da forma errada ou
certa, quem vai saber? A única certeza que posso garantir na frente dessas

testemunhas é que amar você é e sempre será a coisa mais fácil desse

mundo. Você é a mulher que foi feita para mim e só para mim. Nem a morte

pode ter vez aqui, ela pode nos separar um dia, mas até lá eu farei você a

mulher mais feliz do mundo. E se eu vacilar, está autorizada e me acertar

com um rolo de macarrão na cabeça.

Todos estão rindo.

Tomo fôlego e Clara está chorando, eu me inclino e beijo seus lábios

fazendo o celebrante pigarrear.

— Podemos continuar agora, Senhor Monteiro?

— Sim, continue, mas rápido, por favor.

Ele balança a cabeça, exasperado, e trocamos alianças, e em seguida

nos declara marido e mulher, finalmente.

— Pode voltar a beijar a noiva

Todos voltam a rir e beijo minha mulher devidamente, seus lábios

estão macios e deliciosos. Eu não vejo a hora de levá-la para longe dos

convidados e fazê-la minha novamente.


— Eu te amo mais que tudo — digo com amor transbordando dentro

de mim por ela, e apenas ela.

— Eu nunca deixei de te amar, Enrico — ela declara e volto a beijá-


la.

Eu não mereço essa mulher. Pego nosso filho e ficamos os três em

um abraço.

— Amo você, filho.

— Também te amo, papai.

— Nós te amamos e amaremos além da vida.

CLARA MONTEIRO
 
Prazer dispara por mim quando a boca pecaminosa e sexy do meu

marido me devora. Levanto nos cotovelos e olho sua cabeça escura entre

minhas pernas e sinto o orgasmo se construir e tremores começam nas

minhas pernas quando convulsiono com o poder de sua língua trabalhando

na minha boceta.

— Enrico... — choro seu nome sem nenhum controle, minha cabeça


cai para trás quando aperto a cabeça dele entre minhas coxas. — Por favor,
é demais.

Ele sempre faz isso, me prende e não me deixa escapar do que ele

reservou para mim.

Caio mole na cama do nosso quarto e ele vem por cima de mim e sua

boca toma a minha e me beija com fervor, o tesão volta a se construir e

gemo com novas ondas de prazer, meu próprio gosto em sua língua é como

jogar gasolina na fogueira e quando ele entra em mim eu o abrigo dentro de

mim com amor e paixão.

— Te amo — digo sem fôlego quando ele bombeia dentro de mim

com força arrancando gritos de prazer dos meus lábios.

— Amo foder essa boceta apertada — ele diz com a voz grossa,

rouca e cheia de tesão. — Você é minha.

— Sim, sou sua!

Não demora muito e explodimos juntos num espiral de prazer

absoluto e ele cai na cama me levando com ele. Deito em seu peito, estamos

ofegantes, o único som no quarto.

— Amo tudo de você — ele diz. — Vou te amar mesmo na morte.

— Não fale em morte. — Bato nele e ele pega minha mão e beija.

— Te amo pra caralho.


 
 
CLARA MONTEIRO
Seis meses depois...
 

— Sua gravidez está indo muito bem — o obstetra comunica


correndo o aparelho de ultrassom por minha barriga de quase cinco meses.

— Querem saber o sexo?

— Claro que sim — Enrico concorda todo empolgado. — Deve ser


outro menino, tenho certeza. — Sorrio quando vejo o quanto ele está doido

que seja outro menino, mas algo me diz que ele vai ter uma decepção.

— Sinto informar, pai — o médico aponta para a tela —, essa aqui é


uma linda menina.

— Olhe bem doido — Enrico exige. — Uma menina pode tirar meu

sono, como vou dar conta de uma filha? Vou ser preso antes que ela

complete 25 anos.

O médico ri de suas comédias.

— Todos os pais dizem isso, mas as meninas sempre são as

preferidas.
— Por isso mesmo, nenhum filho da puta vai chegar perto da minha

casa até ela ter uns cinquenta no mínimo.

Estou olhando a tela com lágrimas nos olhos. Uma menina! Eu ia ter
meu segundo filho com Enrico e agora ele estava acompanhando cada

minuto dessa etapa que a primeira vez foi tão dolorosa.

Agora tudo será diferente.

Meu marido me encanta todos os dias.

Eu sou a mulher mais feliz desse planeta se for possível.

Um marido que me jurou amar até a eternidade e ele faz todos os dias

sua promessa. Tenho um filho lindo que cresce agora com seu pai. Uma

filha a caminho para completar nossas vidas e preencher com mais amor.

Eu sou feliz.

 
 
ENRICO MONTEIRO
 

— Papai! — A voz da minha filha de três anos me acorda e sento na

cama, meu coração quase pulando do peito quando encontro ela em pé na


beira da minha cama segurando seu cobertorzinho ao lado dela e o senhor

urso na outra. Os cabelos negros cacheados todo bagunçado. A pergunta é:


como ela desceu do berço?

— Ei pequenina, o que faz acordada?

— Não domir, papai — ela diz, vozinha dengosa me deixando com o


coração pegajoso. Jogo as cobertas e agradeço aos céus ter colocado uma

roupa antes de dormir, quando você tem pessoinhas em sua vida que podem

fazer esse tipo de coisa no meio da madrugada, você acaba se prevenindo.

Esse não dormir papai é velho. Ela sempre termina a noite na nossa

cama.

— Venha aqui bebê — chamo e ela levanta os braços passando por


meu pescoço. — Você não consegue dormir, hein?

— Não. — Ela encosta a bochecha em meu ombro e abraço seu


corpinho em meus braços. Deus! O amor me inunda sem dó. Eu sou um
homem completo. Eu sou feliz porra! Essa pequena é uma das razões do

conceito de felicidade fazer sentido para mim.

— O que houve? — A voz sonolenta de Clara me faz virar para ela


deitada no meio das cobertas. Ela acende o abajur do lado dela e geme

quando enxerga o pacote em meus braços. — Oh minha pimpolhinha não

consegue dormir?

— Não mamãe.

Sorrio porque essa conversa acontece todo santo dia. Clara se afasta e

abre espaço no meio da cama e a coloco lá, senhor urso idem. Volto a deitar
e Sophie suspira satisfeita. Aliso seus cabelos para trás e beijo sua testa.

— Boa noite, pequena.

— Note papai — ela resmunga quase dormindo. Quando ela recebe o

beijo de sua mãe já capotou.

— Você é o culpado disso — minha esposa diz do outro lado. — Não

sabe colocar limites nos seus filhos.

Mesmo reclamando ela tem sua mão na cabeça de Sophie em um

cafuné que nossa filha adora. Eu perdi quatro anos da vida de Ian, que agora

estava com quase nove anos e eu o amava além da razão, mas Sophie trouxe

tanto amor a essa família. O nascimento dela fez minha mãe e Melissa
deixarem seus orgulhos de lado e se aproximarem de Clara, e agora três
anos depois elas se dão bem, além de bem. Dona Amélia e Tereza são como

unha e carne, o que é tão surpreendente que choca às vezes. Minha mãe

começou a sair de casa e praticamente morava na nossa casa. Mimando seus

netos, junto com a mãe de Clara.

Nosso casamento tinha seus altos e baixos, mas a cada dia eu me

apaixono mais por minha mulher.

Mas a surpresa de todas nesses últimos três anos foi minha irmã. Ela

e Tatiana agora são um casal. Quando as duas assumiram o relacionamento

me surpreendi, mas depois de um tempo analisando era muito claro para

mim que Melissa sentia algo além de amizade por sua melhor amiga, e

tentar fazer de Tatiana e eu um casal era uma forma de tentar negar os fatos.

Estou feliz por ela. Espero que elas tenham a mesma felicidade que

tenho com minha mulher e meus filhos.

— Te amo meu passarinho — digo estendendo o braço e aliso seu

rosto. — Você é minha vida, sabe disso.

— Te amo mais.

Fim
 

PRÓXIMO LANÇAMENTO

Depois do divórcio
LIVRO 3 – QUADRILOGIA IRRESISTÍVEL
Dia 30.09.22
Christian e Haven quando se casaram, eles acharam que teriam seus
felizes para sempre e além, o amor deles era algo que parecia indestrutível,
mas logo se viram diante de dilemas que levaram a um divórcio onde os
dois se acusavam mutuamente.
Agora divorciados eles ainda permanecem ligados pelo amor, mágoa,
ciúmes e uma relação conturbada e mal resolvida.
Uma gravidez inesperada colocará tudo de cabeça para baixo.
O destino quer testar os dois de uma maneira que Haven não está
preparada para enfrentar, as questões que levaram ao divórcio deles e o
passando de Haven voltam de uma forma que fará esses dois se acertarem
de vez ou acabarem separados para sempre.
Entre o amor e uma relação conturbada os dois terão que enfrentar
essa nova etapa de suas vidas. 
Escolhas terão que serem feitas para o amor permanecer...
 

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