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KAMILA CAVALCANTE

Meu Viúvo

1º EDIÇÃO
- 2021 -

Copyright © 2021 KAMILA CAVALCANTE


Todos os direitos reservados a autora. Nenhuma parte deste livro
pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes
sem autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei n° 9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código
Penal.
Equipe Editorial:
Capa: Solutio Hive
Diagramação Digital: Kamila Cavalcante
Revisão: Angélica Podda
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Essa obra foi escrita e revisada de acordo com a Nova Ortografia
da Língua Portuguesa. O autor e o revisor entendem que a obra
deve estar na norma culta, mas o estilo de escrita coloquial foi
mantido para aproximar o leitor dos tempos atuais.
SINOPSE
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
EPÍLOGO
Sinopse
Para Victor Hugo, desde a morte de sua esposa, o mundo é
um lugar sombrio. E junto com aquele caixão, tudo o que ele era e
amava foi enterrado, fazendo o que restou de sua vida se tornar
apenas uma extensão do seu trabalho.

Helena também sabia o que era perder tudo, mas não se


entregava às sombras; a jovem mãe de Leo tinha no filho a
motivação para seguir em frente. Afundada em dívidas após a morte
do marido, ela trabalha incansavelmente para manter o filho, e,
quando necessário, chega a levar o pequeno escondido para as
casas que limpa.

De todos os patrões que teve, o mais exigente e arrogante é


quem paga melhor. Mas, de todas as regras que deve seguir na
casa, a mais importante é que não pode levar ninguém consigo.

Após ter mentido para conseguir o emprego, Helena não


esperava ter de levar o filho para o trabalho justamente no dia em
que o patrão voltasse para casa mais cedo, fazendo a vida dela virar
de cabeça para baixo.
Capítulo 01
HELENA

— E esse aqui? — questiono Carina sobre um dos empregos na


lista.

— Eles não aceitam mulheres com filhos, querida. — A atenciosa


mulher da agência de empregos com quem fiz amizade avisa,
arrumando os óculos no rosto.

— O quê? Por quê? Que absurdo! Eu ser mãe não me faz uma
profissional pior, pelo contrário...

— Eu sei, querida, mas é isso que nos foi solicitado. Uma


mulher entre vinte e trinta anos, sem filhos, totalmente discreta e,
claro, mais algumas coisas que serão informadas apenas lá.

— Mas o valor é bem alto, não é mesmo? — Eu sei que ela


sabe o valor, porém não costuma dizer. — Vamos lá, Carina, você
pode me ajudar? Por favor, só me encaminhe para a entrevista. Juro
que não irei pedir mais nada do tipo se essa não der certo.

— Helena, querida, eles querem uma pessoa para ficar em


período integral.

— Eu posso negociar com eles, você sabe que eu sou bem


convincente. — Pisco para ela e recebo um sorriso de volta.
— Eu não te encaminhei. Não sei como você ficou sabendo da
vaga, certo?

— Quem é Carina?

— É ela, mamãe! — Leo levanta o rosto do livro de colorir e


aponta para a mulher do outro lado da mesa, curioso. — Ela é a
Carina!

— Sim, sou eu, Leo — responde sorrindo e dá a ele mais um


pirulito com minha autorização.

— Obrigado, Carina. — Volta ao livro de colorir, enquanto ela


rapidamente dirige sua atenção ao computador.

— Tem mais um problema, Helena. — Por que ainda me


surpreendo? Sempre existe alguma coisa a mais. — Você precisa
estar lá em, no máximo, uma hora.

— Não tenho com quem deixar o Leo — resmungo desanimada e


ela acena positivamente, sabendo da minha realidade.

— Desculpa, querida, se eu pudesse, com certeza ficaria com


ele, mas você sabe que não posso.

— Eu sei. Nem precisa se desculpar. Darei um jeito. Me dê as


informações que estarei lá no horário combinado. — Ela acena
positivamente.

— Boa sorte! — Entrega-me as informações

A mulher encarregada da minha entrevista se apresentou como


Vic Mendes e supus ser a dona da casa. Alta, de cabelos escuros,
magérrima e com uma educação sem precedentes, me apresentou
todo o andar de baixo da casa antes de fazer-me as últimas
perguntas.
— Você tem filhos?

— Por quê?

— O trabalho é muito bem remunerado, além de todos os


benefícios, portanto não contratamos pessoas que possam ter...
contratempos. — Ela está sentada em uma poltrona de frente para
mim, usando um vestido justo e discreto que vai até os seus joelhos,
contornando suas poucas curvas; seu cabelo negro, em leves
ondulações, desce até abaixo dos seus ombros. Com certeza,
apenas o relógio pequeno e dourado que ostenta em seu pulso vale
mais do que tudo o que tem dentro do meu humilde quarto-sala-
cozinha.

Desde que Mauro morreu, minha vida mudou drasticamente e


tudo o que me restou foram dívidas gigantescas e, claro, Leo, o
nosso único filho.

A família do meu marido nunca fez questão de ajudar-me ou


sequer saber se meu filho estava bem desde que tudo aconteceu,
mas preferi simplesmente seguir em frente. Quando a vida coloca um
empecilho no seu caminho, você pode voltar ou pode lutar para
passar por tudo, e é o que tenho feito.

Antes eu não trabalhava fora. Cuidava do meu filho em casa e


isso era o suficiente. Pelo menos era o que eu pensava até que o
banco bateu a minha porta apenas uma semana após a morte de
Mauro informando que, caso eu não pagasse todas as dívidas
deixadas por ele, minha casa seria tomada e não poderíamos fazer
nada.

No início tentei contato com a família dele, mas eles deixaram


claro que aquele era um problema meu e que não queriam que eu os
procurasse novamente.

Então, levantei a cabeça e ofereci a um casal de amigos do meu


falecido marido meu trabalho como faxineira. De início eles até
pensaram se tratar de uma brincadeira, e até mesmo riram, mas
quando perceberam que era verdade, se dispuseram a saldar as
dívidas, sem período para a devolução do valor.

Orgulho nunca foi um dos meus defeitos, e eu até aceitei a


proposta, mas a vida parece ter um péssimo senso de humor e
quando pensei que tudo voltaria a se encaminhar, Samara avisou
que as portas de sua casa estavam fechadas para mim e sequer me
deu a chance de saber o motivo. Em pouco tempo perdi minha casa
e mudei-me de volta para meu antigo bairro, o que vivi antes de me
casar com Mauro, mas minha dignidade estava intacta. Isso e meu
filho, ninguém pode tirar de mim.

— Não quero que me interprete mal, Helena. — Vic avisa. — O


trabalho é pouco quando se leva em consideração tudo o que lhe
está sendo oferecido. Acredito que se você está aqui é porque
precisa ou estaríamos apenas desperdiçando nosso tempo. Eu
gostei de você e gostaria que começasse o quanto antes, mas você
ainda não respondeu minha pergunta — fala calmamente e de forma
gentil.

— Eu... eu... — gaguejo.

— Sei que pode parecer assustador tamanha responsabilidade,


principalmente quando você precisa se mudar para cá, mas...

— Eu... Eu tenho de me mudar?

Conseguir mentir sobre ter o Leo não é o problema. Com o


salário, sou capaz de pagar a Babi, filha da vizinha, para cuidar dele
durante o dia, assim como fiz hoje tão logo saí do escritório da
Carina. Mas ficar sem o meu filho durante toda a semana, não há a
mínima chance.

— Sim, para este trabalho você precisará dormir na casa durante


a semana. Não explicaram na agência? — questiona pacientemente.
Essa mulher só pode fumar camomila para ser tão calma e serena.

— É claro, a agência — falo nervosa.


Por que Carina não me disse isso?

— Como já expliquei, você cuidará apenas da limpeza diária do


andar inferior que, como pode notar, é bem extenso.

— Mas... Bem, eu... Eu sou apenas uma diarista — explico.

— Você compreende que o salário fixo é muito bom, certo?


Desculpe falar, mas não encontrará valor melhor. Além de que há
muitos benefícios, como o plano de saúde, férias, tudo de acordo
com a lei e um pouco mais.

— Eu gosto de tudo o que está sendo oferecido, mas, sendo


sincera com a senhora, eu sou mãe — admito. — Além disso, sou
viúva.

— Mas... Como isso aconteceu? — Parece falar consigo mesma


enquanto olha fixamente para a tela de um tablet de última geração.
— Tenho certeza de que avisei a agência, que... — Ela continua
calma, mas claramente frustrada. — Sinto muito termos perdido
tempo, Helena. Gostei muito de você, mas Hugo não... Bom, não
posso contratá-la.

— Por favor, leve em consideração o fato de que estou sendo


sincera.

— Se dependesse apenas de mim, hoje mesmo você estaria


de mudança para cá. Você é inteligente, engraçada e não parece ter
medo de trabalho, mas não depende só de mim. Hugo é um homem
difícil...

— Ele não precisa saber sobre o Léo. Espera, retiro o que eu


disse. — Me retrato rapidamente. — Quer saber? Não retiro não. Ele
não precisa saber. Eu realmente preciso desse emprego.

— Você precisaria se mudar para cá, Helena. Como esconderia


seu filho? Você mesma me disse ser viúva. Sinto muito, mas não é
possível.
— Podemos colocar um macacão nele e fingir que ele é o novo
jardineiro. Seria falta de educação o patrão questionar por que o
funcionário é tão pequeno — falo rapidamente e ela solta uma
risada. — Seria... Discriminação com anões. Ai meu Deus. O que eu
estou dizendo? Me desculpe. Por tudo. Eu realmente preciso desse
emprego, mas eu entendo... Muito obrigada. — Levanto-me
derrotada.

— Espera... Helena. Seu filho estuda?

— Durante a tarde.

— E se ele estudasse em período integral?


Capítulo 02
Vic foi muito firme em suas orientações e disse que entraria em
contato comigo ainda durante a semana. Avisei de antemão todos os
meus empregadores sobre começar em um trabalho fixo. Também
deixei uma lista com nomes e telefones de colegas em quem
confiava para realizar o serviço que eu não mais poderia fazer. Não
podia simplesmente dizer adeus e deixar aqueles que tanto me
ajudaram nas mãos.

Ela também me disse que eu poderia permanecer na casa nos


fins de semana, assim não tendo que ir e voltar com o Leo domingo
à noite para trabalhar.

Logo após sair da entrevista, fiz questão de passar na agência


para agradecer a Carina por toda a sua ajuda. E, como eu esperava,
ela ficou muito feliz por mim, apesar de um pouco receosa pela
mentira que eu estava prestes a contar. Mas se a dona da casa me
queria lá assim mesmo, eu não via um problema real.

E, caso fosse descoberto, Vic, com certeza, saberia domar o seu


marido, ou não teria me contratado.

Objetos passaram a ser luxo, desde que Mauro nos deixou,


mas isso não importava. Eu só precisava deixar Leo confortável. E
isso era mais que suficiente para mim.
O contrato assinado para que eu pudesse trabalhar na casa
era bem detalhado e com cláusulas que parecia que eu estava
trabalhando para uma celebridade, principalmente quando li a de
confidencialidade, que dizia que eu não podia falar sobre qualquer
acontecimento que ocorresse dentro da mansão e, sobretudo, com o
senhor Victor Hugo. Caso abrisse a boca, além de perder o emprego,
também teria que pagar uma multa exorbitante, que nem mesmo se
dinheiro caísse do céu eu teria como pagar. Não que eu estivesse
planejando falar sobre qualquer coisa, claro.

Outras cláusulas que compunham o contrato também


chamaram minha atenção, como, por exemplo, o fato de que eu
poderia me locomover por toda a extensão do térreo, jardim e
demais locais, exceto o andar superior. Vic explicou que, uma vez na
semana, uma senhora fazia a limpeza do andar, mas que eu não
deveria fazer perguntas a respeito. E eu apenas acatei.

Me foi explicado também, pela minha nova patroa, que eu


passaria pelo período de três meses de experiência e, caso fosse
bem, continuaria o trabalho normalmente.

Leo e eu morávamos humildemente, mas nunca tive


vergonha. Apesar de simples e pequena, nossa quitinete bastava
para nós dois. Mas eu não esperava receber visitas, muito menos da
minha nova patroa em um carro que custava mais que qualquer casa
do bairro.

— Bom dia, Helena. Por que você ainda não está pronta? —
Vic questiona logo que abro a porta e tira seus óculos escuros.

— Eu... Bom, Leo e eu iríamos no fim da tarde — respondo


ainda paralisada na porta. Sua roupa e suas joias estão impecáveis,
como da última vez que a vi.

— Precisamos fazer a matrícula do Leo antes da mudança. Eu


não te avisei que passaria aqui? Eu jurava que tinha mandado uma
mensagem ou pedido para alguém fazer isso...

— Bom, o meu celular parou de funcionar ontem...

— Mamãe, posso tomar tetê? — Leo pede manhoso pela leite


com chocolate e sorri para Vic quando a vê. — Bom dia, moça
bonita. — Galanteador que meu filho é, estende a mão para
cumprimentar minha nova patroa, que se abaixa ficando no mesmo
nível dele.

— Bom dia! Você deve ser o Leo. Meu nome é Vic.

— Você é muito bonita — diz arrancando uma risada dela.

— Obrigada. Você é um gentleman.

— Mamãe, ela me falou palavra feia... — Leo vira rapidamente


para mim, assustado, arrancando risada de nós duas dessa vez.

— Não é isso, meu amor.

— Eu só quis dizer que você é um “cavalheiro”. — Ela se


justifica arrancando um sorriso do meu filho.

— Ah... Mamãe, e o tetê? — Rapidamente se volta para o seu


alvo principal: a comida.

— Senta um pouquinho pra mamãe conversar com a dona


Victoria que eu já levo, tá? — Ele balança a cabeça e volta para o
quarto. — A senhora aceita uma água? — Dou-lhe espaço para
entrar.

A primeira semana de trabalho passou rapidamente e segui


tudo o que me foi indicado por Vic, que insistiu que eu a chamasse
assim. Ela teve que viajar logo após eu me instalar na casinha que
havia nos fundos da propriedade.
Leo detestou o fato de ter de ficar durante todo o dia na
escola, e admito que eu também não gostei muito, mas, ao início da
segunda semana meu filho já estava animado e ansioso para voltar
para a escola e ver seus novos amiguinhos.

A gigantesca e imponente propriedade, apesar de linda, era


simplesmente vazia e precisava urgentemente de flores e música
para alegrar o local. Mas, seguindo as instruções de Vic, mantive
meu velho radinho a pilha no volume mínimo na cozinha.

— Helena! — Escuto a voz de minha patroa na entrada e


prontamente vou ao seu encontro.

— Bem-vinda de volta! — cumprimento-a animada.

— Obrigada! — Seu sorriso é sincero. — Eu preciso sair e


comprar algumas coisas. Vim direto do aeroporto porque preciso
conversar com você rapidamente.

— Aconteceu alguma coisa, dona Vi... — Ela me olha com


uma cara feia e retifico. — Vic. Só Vic. Sem dona.

— Bom, vai acontecer. Hugo está voltando hoje e ele pode ser
um pouquinho difícil. Nessa última semana eu deveria ter ficado para
te instruir melhor a respeito dele, mas, bem, obviamente eu não
pude. — Ela fala rapidamente como se nem precisasse respirar. —
Você sabe as regras e eu confio em você. Hugo está chegando e eu
preciso que você as siga à risca. Onde está o Leo?

— Claro, Vic. Ele está na escola.

— Isso é ótimo. Depois quero saber como está sendo a


adaptação de vocês, mas eu realmente preciso ir agora. — Sopra um
beijo no ar e sai rapidamente enquanto um time de pessoas começa
a adentrar. — Os funcionários sabem como funciona, fica tranquila.


Enquanto a cozinha é revirada por dois cozinheiros que preparam
uma refeição digna de reis, a piscina é limpa, assim como o jardim, e
algumas moças lustram as escadas. Um jardineiro tira a maioria das
plantas que estão mortas e adiciona algumas poucas.

Todos parecem saber bem o que fazer e, com a casa com mais
funcionários, pela primeira vez desde que eu me mudei sinto-me
completamente desnorteada.

Quando a campainha toca, imediatamente as poucas vozes que


se ouviam silenciam-se rapidamente e todos os olhos se voltam para
mim, deixando claro que abrir a porta para receber o patrão é a
minha responsabilidade.

Todos os funcionários se direcionam rapidamente para a cozinha,


deixando o silêncio ecoar.

Tão logo abro a porta vejo um homem alto, usando um terno


escuro e com uma barba escura cheia. Seus olhos igualmente
escuros pareciam tristes e sua boca também, quando olhou
diretamente nos meus olhos:

— Quem é você? — Sua voz era autoritária e arrogante, tirando-


me o fôlego momentaneamente.

— Eu... e-eu... Meu nome é Helena. Cuido da limpeza.

— Victoria! — brada entrando na casa sem me dar muita atenção.


— Victoria! Onde ela está? — Volta-se para mim.

— Ela saiu, dis...

— Isso eu notei! — resmunga irritado.

— Ela disse que iria comprar algumas coisas e que...

— Quando ela voltar... — Me interrompe mais uma vez. O que


tem de bonito, tem de mal educado! — Diga que a estou esperando
lá em cima — resmunga sem olhar em minha direção e subindo as
escadas em seguida.

O estrondo de uma porta batendo me tira do torpor e percebo


então a porta de entrada ainda aberta e uma mala ao lado. Fecho a
porta e coloco a mala próxima à escada antes de voltar à cozinha.
Todos pareciam estar mais atentos ao que estava acontecendo
comigo e com o patrão do que com o próprio serviço.

— Pobrezinha, mal chegou e já está sofrendo com o mau humor


do senhor Victor Hugo. — Escuto uma voz antes de finalmente entrar
no cômodo e todos voltarem a me ignorar enquanto fazem seu
trabalho.
Capítulo 03
Vic chegou bem depois do meu novo patrão, o lindo e mal
humorado Victor Hugo e, antes de qualquer coisa, dispensou todos
os funcionários, eles já tinham terminado o serviço.

— Agora é a prova de fogo, Helena. — Vic diz entregando-me o


copo em que estava bebendo água.

— Não entendi...

— Bom, o Hugo é uma pessoa um pouco difícil. — Para por um


momento e parece lembrar de algo. — Aqui! — Entrega-me uma
sacola de mercado com alguns pacotes de biscoitos recheados.
Todos da mesma marca e sabor. — Você pode abrir e colocá-los
dentro daquele vidro?

— Claro! Mais alguma coisa?

— Pode me dar um pouco de paciência para lidar com o Hugo?

— Isso eu não posso fazer. — Sorrio junto com ela.

— Como ele entrou? Ainda não entreguei as novas chaves a ele.

— Eu abri a porta.

— Desculpa, Helena!
— Por quê?

— Eu o conheço bem. Imagino que não foi a pessoa mais


agradável que você conheceu nos últimos tempos.

— Victoria!!! — Um grito ecoa por toda a casa. Céus, qual a


necessidade?

— Vou resolver isso. Preciso de um desses. — Leva consigo um


dos pacotes de biscoitos, deixando a cozinha.

Como pedido, abro todos os pacotes e começo a colocá-los um


sobre o outro, organizando dentro do pote. Minha mãe me ensinou
ainda quando eu era criança que organização nunca é uma perda de
tempo, é aproveitamento.

Por bastante tempo não escuto um barulho sequer e decido ligar


a televisão no volume mais baixo, conforme a orientação da minha
nova patroa, bem na hora do início da minha novela.

Um dos poucos prazeres que me dou ao luxo é assistir novela.


Quando Mauro era vivo, gostávamos de ir ao cinema uma vez na
semana, mas, na minha situação atual, nem mesmo uma vez ao mês
eu consigo. A dívida com o banco ainda é grande e enquanto eu tiver
forças para trabalhar, continuarei pagando para que o meu filho não
cresça e saiba que deixei que o nome do pai dele fosse manchado.

— Não, Gertrudes, não diz sim pra ele! Ele está dormindo com a
sua irmã! — reclamo para a mocinha da novela que está prestes a
dizer “sim” para o vilão no altar, mas não antes do fim do capítulo.

— ... Então foi para isso que você insistiu em uma nova
empregada, Victoria? — Uma voz atrás de mim causa-me arrepio,
me assustando e fazendo o controle do aparelho cair da minha mão.
— Pagar para ela ficar assistindo TV no horário de serviço?

Rapidamente desço da banqueta para pegar o controle e,


perdendo o equilíbrio, praticamente caio aos pés do meu patrão,
segurando-me literalmente em suas pernas e ficando cara a cara
com o meio da sua calça.

— O que você está fazendo? — grita horrorizado.

— Ai, meu De-de-us... Me des-desculpa. Eu não, eu não... Me


desculpa, eu não tive a intenção, senhor. Meu nome é Helena, eu
sou a nova empregada.

— Tá, você pode largar a minha... Minha perna e se apresentar


para mim, não para as minhas calças? — questiona irritado e
percebo que não só não o soltei, como estou com a mão no volume
da sua calça e simplesmente não consigo obedecer a ordem
imediata da minha mente que diz para eu soltá-lo. Enquanto minha
patroa ri como se não fosse nada demais e me ajuda a levantar.

— Me desculpa, senhor Victor Hugo. Me desculpa, Vic... —


Abaixo a cabeça envergonhada. — Eu sinto muito mesmo.

— Vic? Para você é doutora Victoria, no mínimo! — esbraveja. —


Aqui nesta casa você não é amiga, não é convidada. Aqui, você não
passa de uma empregada. E trata de desligar essa porcaria. —
Aponta para a televisão e sai imediatamente da cozinha.

Respiro fundo, envergonhada por toda a situação. Eu já estava


acostumada a trabalhar para algumas pessoas arrogantes e mal
educadas, mesmo que fossem a minoria. Eu sabia que lidar com ele
seria difícil, já havia sido avisada, mas eu consigo me superar. É
impressionante como eu consegui nem o conhecer e já tirá-lo do
sério.

— Hugo! — Minha patroa grita. — Helena, me desculpa. Ele não


pode descontar todos os problemas dele em você, nem em ninguém.
Eu sinto muito.

— Tá tudo bem, doutora Victoria.

— Você pode continuar me chamando de Vic.


— Eu sei o meu lugar, ele só estava me relembrando —
informo com um nó na garganta.

— Isso é ridículo. Não importa se você trabalha na limpeza ou se


é CEO de uma grande empresa, ele tem que te tratar com respeito.
— Ela está mais irritada que ele. — E isso não vai ficar assim. Ele vai
ter de te pedir desculpas. Logo eu deixarei esta casa e ele tem de
aprender a lidar com as pessoas.

— A senhora vai embora? — questiono me arrependendo em


seguida.

Você não acabou de ser repreendida, Helena?

— Eu não moro aqui, Helena. Pensei que soubesse. Se Hugo e


eu morássemos novamente debaixo do mesmo teto, com certeza já
teríamos nos matado — brinca. — Além do mais, acabo de descobrir
que estou grávida e não posso ficar lidando com as birras dele.

Até penso em perguntar por qual motivo ficaria longe do marido,


principalmente estando grávida, mas o meu bom senso finalmente
me impede.

— Enfim, vou subir para falar com aquele cabeça dura e ele vai
descer pra te pedir desculpas, pode ficar tranquila.

— Não, doutora Victoria, não faz isso. A senhora mesmo disse


que vai se mudar. Não acho que seja uma boa ideia fazê-lo se
desculpar comigo — confesso. — Ficaremos apenas os dois aqui e
não quero piorar a situação.

— Mas ele precisa entender...

— Desculpa, mas eu prefiro assim, por favor — peço.

— Tem certeza, Helena? — confirmo com um aceno de cabeça.


— Se precisar de qualquer coisa, pode me ligar. O Hugo é uma
pessoa difícil de se lidar, eu sei disso. Mas no fundo, não é uma
pessoa ruim. Tenho certeza de que ele vai perceber por conta própria
o que fez e se desculpar.

— Não espero isso, doutora.

— Se você ousar me chamar de doutora mais uma vez, vou ficar


muito chateada, Helena. E eu não posso ficar chateada — avisa
alisando a barriga inexistente.

— Tudo bem, Vic — respondo-a com um sorriso.

— Mas me conta, como você e o Léo estão se adaptando


aqui?

— Ele está apaixonado pela nova escola, nunca serei capaz


de te agradecer o suficiente.

— Eu só conversei com uma colega. Ela é diretora no colégio


e arrumou essa bolsa de estudos. Se o Léo mantiver boas notas e
uma boa presença, até o final do ensino médio ele tem uma vaga
garantida. — Sorri para mim e me sinto emocionada com o carinho
de Victoria comigo e meu filho, pessoas que mal conhece.

— Eu preciso verificar a despensa, — respondo com a voz um


pouco embargada, — mas já guardei todos os biscoitos como a
senh... você pediu. — Me corrijo quando ela me lança um olhar
irritado.

— Vai lá. No fim de semana quero você e o Leo prontos. Vou


levar vocês em um lugar. E não aceito um “não”, porque não é um
convite, é uma ordem. — O celular dela começa a tocar. — Vou falar
com o Hugo e depois preciso sair. Vejo você depois, Helena. — Me
dá um beijo no rosto e sai.

Céus, como uma mulher tão boa e gentil foi capaz de casar-se
com um mal educado e grosseiro como ele?

Ignoro mais uma vez meus pensamentos e vou continuar meu


trabalho.
Capítulo 04
No mesmo dia em que fui contratada a cozinheira se demitiu, pois
não aguentava mais o patrão e não tiro a razão dela. Enquanto o
senhor Victor Hugo estava viajando, eu só tinha de me preocupar em
fazer comida para mim e para Léo em nosso novo cantinho, mas
agora que ele estava de volta, combinei com Vic que eu faria as
refeições enquanto não fosse contratada uma nova pessoa.

As palavras trocadas entre nós eram poucas. Principalmente


vindas da parte dele. Vic avisou que eu poderia continuar assistindo
minha novela sem problema algum, até porque ele não estaria em
casa no horário.

Na sexta-feira, após eu servir seu café da manhã, senhor


Victor Hugo, vestido de forma mais casual que de costume, usando
apenas um short e uma regata, agradeceu e saiu para a piscina pela
primeira vez desde que havia chegado de viagem.

Eu não sabia no que ele trabalhava e me ocupei para que não


procurasse saber. Só o que eu precisava era manter meu emprego.
O salário era muito bom e os benefícios vantajosos. Não saber se o
meu patrão era um chefão do crime ou dono de um bar na esquina
não fazia diferença.

Quando chegou o horário da minha novela, após o almoço,


optei por não a assistir. A última coisa que eu queria era confusão,
mesmo que soubesse que neste capítulo o mocinho procuraria a
mocinha para declarar o seu amor, depois que a cerimônia de
casamento dela com o vilão tinha sido apenas adiada.

Enquanto anotava o que faltava na geladeira, escuto uma voz:

— Coloca os meus biscoitos na lista. — Um tanquinho com


boca, digo, meu patrão sem camisa e só com uma sunga branca
está parado ao meu lado com a água escorrendo em câmera lenta
pelo seu peitoral, seguindo o caminho pelo seu tanquinho que tem
um, dois, três, quatro... Perdi as contas, muitos gominhos, até... —
De morango, por favor.

— Claro, senhor. — Tento disfarçar a baba que escorreu no


canto da minha boca fingindo que não estava descaradamente
olhando para o corpo do meu patrão. — Ma-mais alguma coisa? —
Me forço a olhar para o seu rosto e encontro lindos e tristes olhos
que ao mesmo tempo parecem estar se divertindo.

Por que ele está tão próximo de mim?

— Nada de novela hoje? — Um sorriso leve se faz presente


em seus lábios.

— Não. Tenho muito trabalho a fazer, senhor.

De repente seu rosto se fecha como se o tivesse insultado.

— Vê se anota o sabor certo — fala irritado e volta para a área


da piscina.

Além de tudo é maluco. Não me surpreende que ele e Vic


morem em casas separadas.

O sábado chegou e com ele Vic também. Com um shortinho


jeans e uma regata, ela entrou na minha casa sorrindo.
— Vocês ainda não estão prontos? — questiona a mim e ao
Léo, que estamos assistindo “Procurando Nemo” na TV.

— Vic! Mamãe, pausa! — rapidamente Léo me ignora e vai


até sua crush abraçando-a. — Senti sua falta.

— Eu também senti sua falta, carinha. E trouxe um presente.


— Levanto-me indo até eles e vejo Vic entregar um embrulho
pequeno para ele.

— O que é? — pergunta animado.

— Você vai ter de abrir para saber. — Dá de ombros e ele me


olha imediatamente, pedindo permissão. Aceno positivamente com a
cabeça e ele começa a rasgar o pacote.

— Tenho um presente para você também, Helena. — Entrega-


me um embrulho menor.

— O quê? Não, não precisa, Vic. — Tento devolver.

— Claro que precisa. Eu gosto muito de vocês dois.

— Nós também gostamos de você, mas não é pelo seu


dinheiro...

— Uau, uma pista com carrinhos! — Léo grita animado. —


Obrigado, Vic!

— De nada, carinha. Por que não leva para o quarto para


montar? — Ele rapidamente acena com a cabeça e vai para o seu
quarto, mais uma das coisas que me deixa feliz é o fato de meu filho
ter um quarto para ele. — Muito me ofende você dizer o que disse,
Helena.

— Mas é a verdade, Vic. Não gostamos de você pelo seu


dinheiro.

— Isso é óbvio. Eu sei muito bem disso. Não precisa dizer.


— Eu sinto muito, mas não posso aceitar seu presente. O do
Léo, dessa vez aceitarei, mas, por favor, caso tenha vontade de
presenteá-lo novamente, fale comigo antes. — Ela parece confusa.
— O que você pode dar a ele, eu não posso. E a questão não é
inveja por outra pessoa poder dar, é que eu não quero que o Léo se
acostume a algo que eu não posso proporcionar.

— Me desculpa, Helena. A minha intenção não era te ofender


ou passar por cima de você...

— Eu sei. É que... enfim. Obrigada, Vic, de verdade.

— Isso significa que não vão sair comigo hoje? — Põe o


pequeno embrulho de volta na bolsa. — Vamos lá, vai ser legal. Vou
levar vocês em um parque.

— Que tal depois do pagamento?

— O que é isso, Helena? Vamos lá, eu pago.

— Não me sinto confortável, Vic, desculpa.

— Eu entendo. Eu acho. Eu que te peço desculpas. — Coloca


os óculos escuros no rosto. — Manda um beijo pro carinha.

— Mando sim.

— Você sabe se o Hugo está em casa?

— Ontem quando voltei do mercado ele disse que eu só


deveria voltar na segunda-feira.

— Deve estar acompanhado — resmunga irritada. —


Segunda-feira eu passo aqui então. Beijo.

O quê? É só isso que ela vai dizer?

— Beijo. — Fecho a porta atônita.


Como assim o marido está com outra e ela só deixa para lá?
Será que é por isso que eles moram em casas separadas? Será que
eles só estão juntos por conta da gravidez?

— Para com isso, Helena. Você não tem nada a ver com a
vida dos patrões — resmungo comigo mesma.

O fim de semana passou rápido e, após eu colocar o Léo na


van para a escola, fui direto fazer o café da manhã para o patrão.
Rapidamente eu terminei e logo que estava terminando de servir à
mesa, ele desceu as escadas com o cabelo bagunçado, cara de
sono, com o celular na mão e usando apenas uma calça de pijama,
tirando minha concentração e me fazendo derrubar água quente na
minha perna quando tentava pôr sobre a mesa.

— Ai, merda!

— Helena? Ah, droga.

Repentinamente sou alçada e levada rapidamente para a


cozinha, sendo colocada em seguida sobre a bancada fria. A dor da
queimadura não é a única que lateja. Todos os lugares onde ele
tocou em mim estão tão quentes quanto e, de repente, minha calça é
cortada e um pano molhado é colocado sobre a minha pena.

— Ai! — Por que estou deixando um homem como ele tirar


minha atenção? — Por que eu tenho que ser assim?

— Calma. Eu só preciso por uma camisa e já vamos para o


hospital. — Ele nem me dá tempo para responder e sai correndo de
volta para a sala.

Rapidamente Victor Hugo retorna para a cozinha vestindo


uma camisa do lado avesso.

— Como está?
— A camisa do senhor está do lado avesso — aviso.

— O quê?

— A camisa. — Ele olha e ignora.

— Como você está, Helena?

— Eu tô bem, não precisa se preocupar. — Tento descer


sozinha da bancada, mas minha perna arde ao ponto de quase me
fazer chorar.

— Vou te levar para o hospital. — Me pega no colo mais uma


vez.

— Não precisa, senhor Victor Hugo.

— Isso é um aviso, Helena — finaliza levando-me até seu


carro.
Capítulo 05
Quando percebi que Victor Hugo estava me levando para um
hospital particular, cogitei abrir a porta do carro e me jogar, mas logo
que minha mão alcançou a maçaneta, voltei a mim e tentei
argumentar:

— Senhor, pode me levar ao hospital público, eu não tenho como


pagar um hospital como esse.

— Você não tem que se preocupar com isso. Como está a perna?
— Ele avança um sinal vermelho.

— Puta merda. O senhor pode não fazer isso? — Suas mãos


apertam tão fortemente o volante que os nós dos seus dedos estão
brancos. — Me leva pro SUS, por favor.

— Deixa que eu me preocupo com isso, Helena. — Para


bruscamente no estacionamento de um hospital e desce abrindo a
porta para mim em seguida. — Passa os braços pelo meu pescoço e
segura. Tenta me pegar no colo, mas me recuso, mesmo sentindo
dor.

A última coisa que preciso é de uma dívida com um hospital.

— Helena, não seja teimosa, por favor — resmunga irritado.


— Eu não vou nesse hospital, senhor! — Cruzo meus braços
e seguro o cinto de segurança.

— Caralho, mulher, vou ter que chamar o seu marido?

— Boa sorte para tentar tirá-lo do caixão — resmungo com


amargura.

— Eu não sabia, me desculpa — responde, se dando por


vencido. — Eu sinto muito mesmo, vou te levar no hospital público.

— Eu agradeço imensamente. — E antes que eu consiga


fechar o cinto, ele consegue me puxar para fora do carro no seu colo.
— Para com isso. — Dou alguns tapas nele, mas Victor Hugo não
parece se abalar. — Eu vou te acusar de sequestro! — grito.

— A doutora Victoria Mendes, rápido. Diga que é Victor Hugo


e é uma emergência — fala para um enfermeiro que sai rapidamente
à procura da médica.

— O senhor pode me colocar no chão.

— Não enquanto eu não puder garantir que não irá fugir.

— Quem tem motivos para desconfiar das intenções de


alguém aqui não é o senhor! — Me contorço em seu colo, mas nem
assim ele me coloca no chão.

— Pode colocá-la nesta maca, senhor. — Uma enfermeira de


pele clara com o rosto pintado com sardas informa gentilmente.

— Somente após Victoria vir até nós — avisa e nem mesmo


dá a chance de a enfermeira argumentar. — Pode chamá-la, por
favor? — Por um momento ele sorri e, um pouco constrangida, ela
também sai à procura de Vic.

— Isso é ridículo, senhor Victor Hugo. Tenho idade suficiente


para não agir como uma criança e tentar fugir de um hospital. —
Tento forçá-lo mais uma vez a me tirar do seu colo.
O que Vic vai achar quando me vir assim no colo do marido
dela? Pior, o que ela acharia se soubesse os pensamentos que
tenho tido com ele?

— Pode se contorcer o quanto quiser, isso só vai fazer com


que seu corpo fique mais próximo e apertado pelo meu, Helena. —
Sua voz irritada e um pouco rouca faz com que eu fique quieta
imediatamente.

Prioridades, Helena! Você não é nenhuma adolescente


inconsequente. Você tem contas para pagar e um filho para criar.
Não pode se entregar à luxúria.

— Isso mesmo. Fica quietinha. — Ele fala próximo do meu


ouvido e é inevitável meus pelos não eriçarem e meus pensamentos
voltarem totalmente a ele novamente. Olho para o seu rosto tão
próximo ao meu.

Meu Deus, por que colocar uma tentação dessa tão próxima a
mim?

— O que aconteceu, Hugo? Helena? — A voz de Vic me traz


de volta à realidade. — Hugo, coloca ela na maca. Você e você, me
ajudem aqui, por favor — fala com os dois enfermeiros que meu
patrão pediu para procurá-la. — O que aconteceu, gente?

— Eu derrubei água fervente — admito. — Estava servindo o


café.

— Vamos cuidar de você agora mesmo! — Vic avisa


preocupada quando vê minha perna. — Hugo, dá para colocá-la na
maca? Desgrudem! — E assim ele faz.

— Vic, eu prefiro ser atendida em um hospital público — peço


e ouço meu patão praticamente rosnar irritado.

Não entendo para que tanta insistência. Eu não o processarei


por um erro meu.
— Olha, Helena, se a gente demorar, sua perna pode ficar
com uma mancha enorme, até mesmo cicatrizes se eu não examinar
logo para ver o que pode ser feito. Vamos cuidar de você, tá bom?

— Mas...

— Eu já avisei a ela que arcarei com os custos do hospital. —


Ele resmunga.

— Por que faria isso? Helena, quando você assinou o seu


contrato, automaticamente você passou a ter plano de saúde. Eu te
expliquei isso.

— Mas... E o período de carência?

— Fica tranquila, você não tem que gastar com nada. — Eu e


meu patrão nos olhamos rapidamente, ambos sem saber o que dizer
e optamos pelo silêncio. — Eu nunca contrataria um plano com
período de carência para qualquer pessoa que trabalhasse para o
Hugo — avisa com um sorriso e novamente ele parece rosnar.

— Como você conseguiu fazer isso, Helena? — A queimadura é


estendida desde o início da minha coxa direita até próximo ao meu
joelho.

— Acho que coloquei a água muito próxima da borda da mesa —


falo baixinho. Victor Hugo não para de nos observar. — Foi falta de
atenção.

— Que bom que o Hugo agiu depressa cortando a sua calça e


colocando o pano úmido. — Ela sorri para ele. Os dois combinam e,
apesar de como ele se mostra ser, parece que se dão muito bem. —
Você só vai precisar descansar alguns dias e passar uma pomada
para não ficar manchada, de resto, acho que você está muito bem.
Foi apenas uma queimadura superficial.
— Sério? Obrigada, Victoria.

— Eu não brincaria com pernas tão lindas, Helena — sorri. —


Não é mesmo, Hugo? Hugo, ela não vai trabalhar essa semana,
você está sendo avisado pessoalmente pela médica.

— Você vai comigo ou de táxi, Helena? — ignora completamente


a esposa, que apenas revira os olhos.

— Posso falar com você um minutinho, Hugo? — Ele acena com


a cabeça e os dois saem da sala, deixando-me sozinha com o
enfermeiro.

Optei por voltar para casa com o senhor Victor Hugo. Ele se
mostrou disposto e, dessa vez, não me carregou no colo; o
enfermeiro que auxiliou Vic, Roberto, levou-me em uma cadeira de
rodas e me ajudou a entrar no carro.

Diferente de quando estávamos vindo para o hospital, dessa vez


meu patrão dirigiu mais devagar e prudentemente. Chegando, ele me
ajudou a descer e até mesmo me deu apoio até a frente da minha
casa.

— Eu peço desculpas mais uma vez, senhor Victor Hugo. E


agradeço por ter se disponibilizado a me ajudar. — Paro na porta.
Não posso deixá-lo ver os brinquedos que Leo deixou na sala.

— De nada, Helena. Mais tarde eu vou pedir comida, quer jantar


comigo?

— Não! — respondo rápido demais e, imediatamente, seu rosto


se fecha em uma carranca. — Quer dizer, não, obrigada. Eu tenho
comida aqui. Mas obrigada mesmo assim, senhor.

— Certo. Eu só queria ter certeza de que você não seria estúpida


o suficiente para se machucar ainda mais. — Vira as costas e volta
para a mansão, deixando-me sem palavras mais uma vez.
Capítulo 06
Victoria visitou-me no dia seguinte dizendo que somente queria
examinar minha perna. Ainda estava incomodada com a dor, mas
nada que me impedisse de continuar com o serviço para o qual fui
contratada. E mesmo contra sua indicação, na manhã seguinte já
estava de volta nas minhas funções.

Sempre fui determinada e não seria uma queimadura boba


que me impediria de trabalhar, correndo o risco de perder meu
emprego.

Entrando na cozinha, após levar Léo até a van para a escola,


era notório que alguém havia tentado não só cozinhar, como também
limpá-la de modo muito falho. Toda a louça que fora lavada parecia
nem ter visto água. E pensar na possibilidade do arrogante Victor
Hugo com uma bucha em mãos me fez rir sozinha. Coloco tudo de
volta na cuba da pia e começo a lavar antes de começar a preparar o
café da manhã.

— O que faz aqui? — A voz do meu patrão ecoa irritada pela


cozinha e, assustada, derrubo um copo, quebrando-o no chão. —
Porra, você não sabe não tentar se machucar, mulher?

— Se o senhor não tivesse me assustado, eu não teria quebrado


o copo — reclamo e um rápido vislumbre de sorriso passa pelos
seus lábios. — Me desculpa, mas o senhor me assustou.

— Não se mexa — ordena. — Vou te ajudar...

— Eu sei lidar com cacos de vidro, senhor Victor Hugo —


resmungo me movimentando devagar para sair da bagunça que se
instaurou na cozinha.

— Tenho a plena certeza de que você gosta de me irritar e que


está querendo uma indenização por acidente de trabalho.

— É o quê? — grito indignada ao mesmo tempo que a água no


chão me faz escorregar, quase me fazendo cair com as mãos nos
cacos de vidro, sendo impedida apenas por meu patrão, que me
ajuda imediatamente. — O senhor... — Enquanto segura meus
braços, noto que estamos próximos demais para um patrão e uma
empregada. — Eu não... — Seu rosto se aproxima mais do meu
como se fosse me beijar e faço com que me solte.

Ofegante, apoio-me no balcão enquanto ele passa a mão pelo


rosto irritado.

— Isso é um absurdo. Eu não estou procurando uma... — respiro


fundo. — Uma indenização ridícula. Nunca tive medo de trabalho e
não permito que me ofenda dessa forma.

— Eu...

— Não me importa o que o senhor acha. — Minha voz começa a


subir gradativamente. — Eu nunca o ofendi e sempre o tratei com
respeito.

— Exceto quando me conheceu e segurou o meu pau, certo? —


Ele é irônico e está claramente tentando me tirar do sério. E, para
piorar, está conseguindo.

— Eu não... Eu... Eu já pedi desculpas, não foi a minha intenção


sequer tocar no senhor. Por um segundo que fosse. — aponto-lhe
um dedo no rosto. — Além do mais, se eu quisesse viver encostada,
eu já estaria realizando os trâmites necessários. O senhor pode me
lembrar o quanto quiser de que eu sou apenas uma empregada... —
Ele me observa atentamente. — Porque não tenho a mínima
vergonha, trabalho honestamente. Mas não permito que me trate
como uma folgada que só está procurando um motivo para parar de
trabalhar.

— Helena...

— E quer saber? Eu não vou limpar essa bagunça... — Tiro o


pano de prato do meu ombro. — Que o senhor mesmo fez.

— Eu?

— Sim, o senhor. Se quiser me demitir, vai em frente, mas não


vou ficar aqui escutando o senhor falar merda sobre o meu caráter e
menos ainda limparei isso. Oficialmente estou de atestado. — Tiro o
avental e coloco em cima da bancada. — O senhor que limpe a
própria bagunça. Até segunda-feira. — Passo por ele tremendo de
raiva.

Logo que chego na minha casa, cogito voltar imediatamente para


pedir desculpas e implorar que ele não me mande para o olho da
rua, mas antes mesmo que eu vença o meu orgulho e chegue à
porta, escuto algumas batidas. Confiro rapidamente se não há nada
que entregue a mim e Leo e, após guardar rapidamente seu
dinossauro de pelúcia, abro a porta encontrando um Victor Hugo
desconfortável.

— Oi, Helena — começa logo que me vê. — Eu sou um pouco


idiota às vezes.

— Um pouco? — Para, Helena, não tripudia.

— Você pode me ajudar? Estou tentando me desculpar.

— Ainda não ouvi o pedido de desculpas, senhor. — Cruzo meus


braços, me divertindo um pouco com a situação, admito.
— Não é algo que tenho o hábito de fazer — admite. — Mas eu
sei que estou errado. Você não quebrou o copo de propósito.

— Ainda não ouvi o senhor me pedindo desculpas, só está


falando o óbvio — falo e ele sorri.

— Você é atrevida! — Seu sorriso aumenta.

— O senhor não ia me pedir desculpas?

— Certo. — Ele parece não conseguir parar de sorrir. — Me


desculpe por ter me exaltado, Helena. Mas você...

— Não tem “mas” em um pedido de desculpas, senhor Victor


Hugo.

— Existem regras para pedido de desculpas?

— Se não existem, deveriam existir. — Dou de ombros. — De


qualquer forma, vou ignorar o “mas” e deixar para lá. Em se tratando
do senhor, isso já é uma grande vitória.

— Você pode voltar, por favor?

— Não vou catar os cacos de vidro. Se é por isso que o senhor


está aqui, pode ir tirando o seu cavalinho da chuva.

Meu Deus, cala a minha boca e me faz parar de desafiar o meu


patrão. Eu preciso deste emprego.

— Eu mesmo farei isso. Mas como pôde notar, sou um desastre


na cozinha. Até tentei me virar sem você, mas não deu muito certo.
— Coça a cabeça um pouco sem jeito. — Poderia fazer aquele café,
por favor?

— Com uma condição.

— Você é paga para isso, Helena — resmunga rindo.


— É, mas eu estou de atestado — retruco.

— Tá, qual a condição?

— Que eu possa assistir minha novela à tarde. O mocinho acaba


de ser preso porque acham que ele sequestrou a mocinha, mas, na
verdade...

— Tá, Helena, não precisa me contar a história toda. Você pode


assistir o raio da novela.

— Obrigada, senhor Victor Hugo! — Quase dou um pulo de


alegria. — Eu prometo que o volume vai ficar baixinho.

— Ah, mas disso eu tenho certeza. — Ele até tenta disfarçar o


sorriso com uma carranca, mas parece uma criança quando termina:
— Você também me faz um bolo, Helena?

Logo após o café da manhã, Victor Hugo avisou que só voltaria à


noite e, estranhamente, agradeceu cada coisa que fiz por ele, além
de pedir-me desculpas mais uma vez pelo copo.

No fim do dia, quando Leo chegou em casa, já estava tudo pronto


e só o que me restava era mimar meu bebê com o pedaço de bolo
que eu havia guardado para ele depois que meu patrão
simplesmente quase devorou um bolo de chocolate inteiro
praticamente sozinho e tentou me obrigar a comer um pedaço.
Capítulo 07
Senhor Victor Hugo viajou alguns dias após a cena que
protagonizamos na cozinha e até mesmo nossa relação teve certa
mudança. Ora ele me tratava bem, ora nem olhava em minha
direção. E eu simplesmente o cumprimentava com o meu humor
natural, irritando-o na maioria das vezes.

Após deixar tudo limpo, decidi ir até Carina levando-lhe uma torta
de limão, aproveitando que Léo ainda estava em aula. Eu já havia
agradecido a ela, mas nunca custava agradecer mais uma vez,
principalmente estando acompanhada de uma boa sobremesa.

— Oi, Helena. — Vic desce do carro logo que me vê. — Você


está de saída?

— Hum... Sim. Eu vou levar essa torta para uma amiga —


informo. — Precisa de alguma coisa?

— Não, eu vim só conferir algumas coisas que Hugo me


pediu. Que tal jantar lá em casa hoje à noite?

— Obrigada pelo convite, mas, sinceramente, estou indo para


o centro de São Paulo, depois vou buscar o Leo na escola e...

— Só ouço desculpas, dona Helena. — Vic revira os olhos. —


Estou começando a achar que você não quer ser minha amiga...
— Onde já se viu empregada amiga de patrão, Vic? — falo e
me arrependo imediatamente, principalmente quando ela me lança
um olhar magoado.

— Bom, se você acha isso, tudo bem. A sinhá aqui vai fazer o
que o Hugo pediu.

— Vic... Eu...

— Esperava palavras como essas vindas do Victor Hugo, não


de você, Helena. — Sobe as escadas em direção à porta enorme de
madeira. — Mas está tudo bem. Você está decidindo se “por” o lugar
em que acha que deve ficar.

— Me desculpa, Vic, eu não quis dizer isso. De verdade. — Sou


sincera, mas ela simplesmente entra e fecha a porta. E não tiro a sua
razão.

Decido deixar de lado meus planos de visitar Carina, já que nem


mesmo havia marcado, para me desculpar de verdade com Vic, que
tanto me ajudou desde o primeiro momento.

A casa é enorme, pelo menos o andar inferior, que é o único que


eu conheço, conforme as ordens. Logo que passo pela porta vejo o
hall, com um chão em mármore que se estende por toda a casa. A
decoração é bem simplista, apesar de ficar bem claro que foi
investido um grande valor nos adornos.

Na sala tem um grande lustre dourado com cristais pendentes e


os grandes sofás brancos são os protagonistas do cômodo. Também
há uma TV enorme que nunca vi ligada, além de uma estante cheia
de uma variedade gigantesca de livros e alguns aparadores, onde
deixo a torta.

Sentada em um dos sofás está Vic, claramente chateada


enquanto mexe no celular.

— Vic... — Sento-me ao seu lado. — Me desculpa, de verdade;


eu realmente gosto muito de você, é só que...
— Eu estou muito sensível, devem ser os hormônios...

— Mesmo assim eu não deveria ter dito o que disse.

— Você realmente se sente assim em relação a mim? — Deixa o


celular de lado e se vira para mim. — Eu te tratei como inferior em
algum momento?

— O quê? Não, em nenhum momento.

— Eu estou sendo invasiva, é isso? Pode me dizer o que eu


estou fazendo de errado...

— Vic, você não fez nada de errado — suspiro. — Eu estou com


a cabeça cheia. Mas isso não é desculpa para eu te tratar como
tratei.

— Por que não me falou, Helena? Eu realmente gosto muito de


você e do Léo. Quero ajudá-los da melhor forma possível...

— Não vou mentir, Vic. Desde que o Mauro se foi, não tive tanta
ajuda quanto precisei. E, de certa forma, tornei-me um pouco cética.
Não é que eu não acredite em você ou nas suas intenções, eu só...
Bom, eu...

— Eu entendo, Helena, e sinto muito pelo que vocês passaram.


Mas nunca mais ouse falar comigo daquela forma! — reclama já com
um sorriso no rosto.

— Prometo! — Levanto meu dedo mindinho e ela faz o mesmo,


cruzando com o meu. — Faz o que o patrão pediu e me encontra lá
em casa, vamos comer a torta que eu fiz.

— Tá bom. Vou em um minuto — garante.

Passando pela porta dos fundos, contorno a piscina retangular e


sigo pelo caminho de pedras até minha casa. Ela não é nova, tem
uma grande janela na lateral, que fica no quarto, e uma pequena
varanda na entrada; acho meu cantinho um charme.

Quando me mudei estava praticamente mobiliada por completo,


exceto pelos dois quartos completamente empoeirados. Até mesmo
um sofá-cama tinha na sala. Os móveis, assim como a casa, eram
velhinhos, mas tudo perfeito para mim e para o Leo.

A cozinha separada da sala com um balcão, que usamos como


mesa, estava limpa e organizada, precisando somente que eu
separasse os utensílios para comermos nossa torta.

Vic e eu tivemos uma tarde extremamente divertida regada a


comida e filmes ruins, como Sharknado que, até então, eu não
conhecia, mas ela afirmou ser o filme preferido dela e de Victor
Hugo.

Fiquei surpresa após saber inclusive que existem várias


sequências do filme, as quais recusei-me prontamente a assistir,
sendo convencida ao ser chantageada por ela utilizando a gravidez.

— Não faz sentido nenhum! Isso não existe.

— Mas não é para fazer sentido, Helena. — Dá de ombros. — O


Homem de Ferro também não existe, mas nem por isso deixo de
assistir Os Vingadores. Inclusive, quanto homem gostoso reunido
em um universo só, hein?

— Vic, você é uma mulher casada! — brinco fingindo que estou a


repreendendo.

— E daí? Ele também adora assistir, sempre baba na Viúva


Negra.

Já era praticamente noite quando terminamos o terceiro filme e,


enquanto eu levava a louça que usamos para a cozinha, o celular da
Vic tocou e aproveitei para dar-lhe um pouco de privacidade.
— O quê? Não, estamos a caminho, fica tranquila. — A voz dela
fica alta de repente. — Como assim Conselho Tutelar? Eu estou a
caminho.

— O que houve, Vic? — Volto rapidamente para a sala.

— Você disse que iria buscar o Léo na escola?

— Merda! Eu ia depois que passasse na minha amiga — reclamo


desesperada. — Esqueci completamente. Preciso buscar meu filho.
— Calço meus chinelos.

— Vamos, eu te dou uma carona.

— Que tipo de mãe esquece o filho na escola?

— Calma, Helena, vamos lá... — Abre a porta e passo


rapidamente. — Tem mais uma coisa...

— O que mais eu esqueci? — Paro repentinamente e ela colide


com seu corpo contra o meu.

— Você não, mas... Melhor eu falar de uma vez. Bom, o Conselho


Tutelar está na escola com o Léo.

— Ah, merda!
Capítulo 08
Já passava de oito horas da noite quando finalmente
chegamos à escola, depois do fatídico trânsito de São Paulo, e
encontramos uma furiosa diretora com meu filho junto. De imediato
Leo tentou vir até mim, mas foi impedido por ela.

— Cadê o Conselho Tutelar? — É a primeira coisa que Vic


diz.

— Boa noite, professora Gardênia — falo tentando não me


amedrontar com a magérrima, de cabelos cacheados e alta diretora
da escola. — Eu sinto muito pelo mal entendido.

— Mal entendido? A senhora deixou um menor na escola três


horas além do horário dele e ainda não atendeu o telefone. — Solta
a mão de Léo que vem até mim, pulando no meu colo.

— Ah, Gardênia, eu tenho certeza que a Helena não é a


primeira nem a última a se atrasar para buscar o filho. — Vic tenta
intervir.

— Não, não é. Mas, respondendo à sua pergunta, Victoria, o


Conselho Tutelar não está aqui, desta vez... Caso haja reincidência,
podem ter certeza que não hesitaremos em chamá-los. — Ela parece
mais irritada que quando chegamos. — E a senhora, dona Helena...
— Faz questão de apontar para mim enquanto seguro firmemente
meu filho no colo, pedindo-lhe desculpas baixinho. — Precisa
claramente rever suas prioridades, além de que precisa atualizar o
seu número de telefone. Estamos tentando há bastante tempo falar
com a senhora.

— Eu peço desculpas, professora Gardênia. Estou sem


telefone faz um tempinho. Providenciarei um ainda esta semana
mesmo e virei pessoalmente à escola atualizar qualquer alteração —
garanto.

— Enquanto isso, pode entrar em contato diretamente comigo.


— Vic avisa. — Eu e Helena nos vemos quase todos os dias, você
sabe, ela trabalha com o Hugo e...

— Claro, sem problemas, Victoria. — Um estranho sorriso se


abre levando-me a acreditar que não foi à toa que minha amiga citou
o marido. — Como ele está, falando nisso? Faz tempo que não o
vejo...

A maior demora foi Vic falando sobre Victor Hugo para a diretora.
Descobri coisas sobre ele que eu nem mesmo imaginava, como por
exemplo, que ele trabalha com moda; para ser mais exato, tem
diversas fábricas e lojas espalhadas pelo Brasil. Mas, por mais que
eu tenha ficado interessada, ninguém estava mais interessado que a
própria professora Gardênia. Uma pena que não foi o suficiente para
ela esquecer o episódio e fez-me assinar uma espécie de
advertência antes de finalmente nos liberar.

Léo acabou cochilando na volta para casa, depois de muito


conversar com Vic. Tudo o que eu não podia era gastar no momento,
mas havia prometido à professora Gardênia que iria resolver minha
questão telefônica o quanto antes. E minha palavra era uma das
poucas coisas que me restara. Eu não falharia.

Tão logo coloquei Léo na cama e voltei para a sala, Vic abriu sua
bolsa e me entregou a caixa que havia tentado me entregar junto
com o presente que havia trazido ao meu filho dias antes.
— Olha, eu sei que você é orgulhosa, cabeça dura, mas isso não
é só por você, isso é pelo Léo. — A caixa é pequena e está
embrulhada com um papel de presente dourado.

— Vic, eu já disse que não precisa...

— Você pode me deixar ajudar, por favor? — reclama. — Como


seria se eu estivesse sem bateria?

— Eu não esqueceria meu fi...

— Mas você esqueceu, Helena. Você é um ser humano. — Foco


meu olhar na pequena caixa nas minhas mãos. — Você tem vinte e
seis anos e muita responsabilidade nas costas. Qual o problema de
ter um pouco de ajuda?

— Não quero que você pense que eu estou me aproveitando de


você, do seu dinheiro, Vic. Você já fez tanto por nós...

— Helena, eu já te disse. Te considero uma amiga. Uma ótima


amiga. — Me dá um abraço rápido.

— Eu sei, mas... Bem, eu já passei por algo semelhante, Vic. E


não quero que aconteça novamente.

— Sei que você passou por coisas demais. Coisas que você
nunca deveria ter passado. Ser humano nenhum, na verdade... Eu
também sei, Helena, do seu caráter. O pouco que nos conhecemos
já me mostrou isso.

— Significa muito para mim suas palavras, Vic. E eu realmente te


considero uma boa amiga.

— Se um dia, por acaso, deixarmos a amizade no passado,


continuarei orgulhosa de ter sido sua amiga. — Abraça-me
novamente. — Está tarde e eu preciso ir para casa. Qualquer coisa,
você tem meu número e agora também um celular. Pode sempre me
ligar, ok?
— Obrigada, Vic.

Praticamente não dormi durante a noite. Mauro ficaria


decepcionado ao extremo comigo se soubesse o que aconteceu e
durante boa parte da noite pedi-lhe milhões de desculpas, mesmo
que não tenha certeza de que ele me ouvia.

Levantei-me ainda mais cedo que de costume e resolvi eu


mesma levar Léo para a escola e informar o meu novo número de
telefone na secretaria da escola. Também pedi desculpas ao meu
filho por tudo o que havia acontecido no dia anterior prometendo-lhe
que, ainda esta semana, o levaria para ver Carina.

Peguei o primeiro metrô que pude tentando voltar rapidamente


antes do senhor Victor Hugo voltar de viagem. Não queria que ele
achasse que, quando não estava em casa, eu estivesse fugindo do
meu trabalho.

— Bom dia, Helena. — Escuto sua voz logo que estou


contornando a casa para entrar pela porta dos fundos.

— Bom dia, senhor Victor Hugo. — Viro-me devagar. — Eu


estava...

— Voltando da farra essa hora? — Sua voz parece irritada como


sempre e bate a porta do carro. — Não ligo para o que faz quando
está fora do horário de trabalho, mas das sete e meia às quatro da
tarde, você tem as suas obrigações aqui nesta casa.

— Eu fui comprar seus biscoitos... — minto.

— E onde estão? — Cruza os braços vindo em minha direção. —


Não estou vendo sacola em suas mãos. — Ele se aproxima mais.

— Não encontrei o sabor que o senhor gosta. — Afasto-me um


pouco.
— Desde quando você se arruma tanto para ir ao mercado?

— Ora, eu... Eu não te devo satisfações sobre isso.

— Até mesmo passou perfume, Helena... — Ele continua a se


aproximar à medida que eu me afasto. É quase uma perseguição.

— Eu preciso entrar... — reclamo quando sou encurralada em


uma parede. Cada uma de suas mãos são espalmadas ao lado do
meu rosto. — O senhor deseja café?

— Café não. — Sua língua molha seus lábios.

— Eu fiz pães de queijo. O senhor gosta?

— De muitas coisas que você faz, Helena... — Sua voz está


baixa e seu rosto muito próximo do meu.

— Vou indo. — Sequer me movo.

— Tudo bem. — Ele sorri e tira os braços libertando-me e


praticamente corro dele. — Helena...

— Sim, senhor? — Paro sem querer correr o risco de tropeçar


em mim mesma e cair nas roseiras que rodeiam a propriedade.

— Vou aceitar o café também.


Capítulo 09
Estranho é pouco para definir a cena protagonizada por mim e
pelo meu patrão. O mais rápido que pude, coloquei a mesa e tentei
evitar qualquer tipo de contato com ele.

Na noite anterior eu estava falando com Vic sobre nossa amizade


e como quero mantê-la. E agora estava prestes, quer dizer, pelo
menos fiquei completamente tentada a beijar Victor Hugo, seu
marido.

Respirando fundo pela milésima vez, me vejo finalizando a louça


do café. Aproveito o celular que Vic me deu e coloco música no fone
de ouvido.

Aos poucos vou relaxando, deixando a música tomar conta de


mim e, por fim, já estou dançando a velha coreografia de “Mulher
Brasileira” do Psirico.

Há tempos não me permito esse tipo de diversão. Mauro e eu nos


conhecemos em um bloquinho de rua durante o carnaval e, desde
então, não nos desgrudamos. Nosso próximo carnaval foi na casa de
praia de sua família quando eu já estava grávida do Léo e nossos
carnavais seguintes foram sempre ou em casa, ou com sua família.

Já faz muito tempo que não participo da festa. Mauro havia


prometido, depois de um desentendimento que tive com sua família
no nosso último feriado, que o próximo seria no bloquinho. Isso
nunca aconteceu, pois Mauro já havia me deixado há alguns meses
quando o carnaval chegou.

— “... ai, ai, ela é toda boa...” — Me vejo cantar e em seguida, ao


fim da música, começo a rir sozinha.

Victor Hugo chamou-me até o escritório, onde o encontrei usando


óculos de grau que o deixavam com um ar um pouco mais inocente.
Aparentemente envergonhado, ele tirou o acessório e o colocou de
lado logo que percebeu minha presença.

— Sente-se, por favor. — Ele aponta a cadeira a sua frente. —


Helena, hoje eu tenho um compromisso, onde, geralmente, Vic me
acompanharia — avisa. — Entretanto, com a gravidez, ela está um
pouco indisposta e recomendou que eu convidasse você.

— Eu?

— Sim, a não ser que tenha algo mais importante para fazer. Ou
não queira. — Seus olhos estão fixos em mim e minha respiração
começa a ficar mais pesada. — É um compromisso de negócios e...

— O senhor não pode ir só?

— Tudo bem, Helena, obrigado. — Volta a pôr os óculos e dirige


seu olhar para alguns documentos na imponente mesa de carvalho.
— A Vic informou que você precisa de dinheiro e eu pagaria bem
pela sua companhia hoje.

— Eu não estou à venda! — reclamo.

— Seria mais como um aluguel do seu tempo — respira fundo e


volta a olhar para mim. — Não acho que você entenda o quão difícil
é para mim, mas eu não costumo pagar por companhia... Em
eventos.

— Com todo respeito, isso é nojento.


Victor Hugo tira os óculos novamente, deixando-os sobre a
mesa, e vem até mim apoiando-se no móvel. Um sorriso cínico
estampa seu rosto.

— Minhas companhias, pagas ou não, não costumam dizer


isso.

— O almoço está pronto, senhor. — Levanto-me ignorando


seu comentário.

— Não respondeu minha pergunta, Helena.

— Não ficou claro? Não vou acompanhar o senhor por


nenhum dinheiro. Algo mais?

— Helena, não creio que você entendeu o quão importante é


este evento. Preciso realmente da sua ajuda.

— Isso nunca fez, nem fará parte das minhas funções, senhor
Victor Hugo. — Vou em direção à porta.

— Você não é a única que pode me acompanhar. O dinheiro


abre muitas portas.

— Nesse caso, o senhor sempre pode pagar uma prostituta.


— Saio do escritório batendo a porta.

Idiota!

Por um tempo fiquei na porta analisando minhas palavras para o


meu patrão. Ele mesmo deu a entender que paga por companhias
sexuais sabendo que sou amiga de Vic, sua mulher grávida!

Irritada, liguei para minha amiga, correndo risco de perder o meu


emprego, pronta para contar-lhe o que seu marido acabou de dizer.
— ... eu estava, literalmente, procurando o seu contato para te
ligar — diz logo que atende.

— Eu preciso te contar uma coisa.

— Eu já sei, Hugo me contou e eu sinto muito — respira fundo. —


Eu mesma ia te perguntar, mas ele se antecipou e meteu os pés
pelas mãos, como sempre.

— Mas ele...

— Eu o conheço melhor que qualquer outra pessoa no mundo.


Mas eu te garanto, Helena, ele não quis te ofender. Te peço
desculpas, porque eu deveria ter te ligado e pedido esse favor.
Provavelmente está indo agora mesmo te pedir desculpas. — Escuto
um pigarro e encontro Victor Hugo na porta.

— Preciso desligar, Vic.

— Me faz esse favor, Helena! — pede. — Não negue o pedido de


uma mulher grávida.

— Você não vai ficar grávida para sempre. Te ligo depois. —


Desligo.

— Minha irmã sempre diz que não sei me expressar direito


e... Além do mais, Vic me pediu para ser sincero e dizer que eu sinto
muito, Helena.

— Saiba que isso não é mais que um favor para uma boa
amiga. O que eu preciso vestir, senhor?

Victor Hugo ignorou completamente o almoço que eu preparei


e avisou que me levaria às compras, parecendo estranhamente
animado.
Digitei uma mensagem para Vic avisando-lhe que precisava
pegar Léo na escola e o buscaria após o tal evento. Jamais deixaria
meu filho sozinho enquanto saía de casa.

Meu patrão dirigiu em silêncio até uma grande loja de fachada


dourada na Avenida Paulista com as suas iniciais em uma logo
sofisticada.

Descendo ao subsolo, Victor Hugo estacionou o seu carro e


me conduziu ao elevador, apertando o botão do último andar após
digitar em outras teclas. Em nenhum momento o elevador parou
entre os quatro andares que separava o subsolo do último andar.

O elevador parou diretamente em uma grande sala com


diversas araras cheias de roupas e algumas pessoas mexendo
nelas. Com uma mesa no mesmo estilo da que tem em seu escritório
em casa, também cheia de roupas, e com pelo menos cinquenta por
cento da sala cercada por janelas, o escritório de Victor Hugo é
simplesmente uma zona.

— Como você consegue trabalhar aqui? — Praticamente


sussurro para ele, arrancando-lhe um sorriso.

— Por isso passo tanto tempo trabalhando em casa. Meu


escritório é tomado diariamente por estes terroristas — fala a última
parte mais alto, chamando a atenção de todos. — Pessoal, essa é a
Helena.

As duas garotas e o rapaz vêm se apresentar. Primeiramente


Stella, uma moça de cerca de dezoito anos com tranças no cabelo e
pele tão escura que reluz. Em seguida, Cláudia, uma mulher que,
com certeza, já passou dos quarenta anos, baixinha, de pele morena
e cabelos vermelhos. Túlio é o último a se apresentar. Alto e com
algumas tatuagens espalhadas em sua pele extremamente clara.

— A Helena vai me acompanhar hoje à noite no evento. Preciso


que a ajudem a escolher uma roupa. — Ele informa antes de virar as
costas voltando para o elevador.
— Espera, o senhor não vai ficar?

— Gosto de ser surpreendido — avisa sem desviar os olhos do


celular. — Além do mais, você também precisa de um cabelereiro.

— Meu cabelo está ótimo!

— Não para este evento — responde já dentro do elevador,


pouco antes das portas se fecharem.
Capítulo 10
— Então você trabalha na casa do Hugo? — Túlio questiona
enquanto me rodeia literalmente.

— Sim, eu cuido da limpeza. E das refeições, ao menos por


enquanto.

— E como ele fica no dia a dia? Pouca ou muita roupa? — Stella


que pergunta.

— Quê? Não sei! — respondo rápido, lembrando do seu tronco


desnudo pouco antes de eu me queimar.

— Tem cara de quem já viu mais do que está dizendo. — Túlio


me acusa.

— Gente, deixa a moça. — Cláudia intervém. — Se o Hugo voltar


e ouvir, vocês sabem que ele vai passar a semana inteira com cara
de bunda e aquele humor do cão.

— Tá bom, mamãe! — Stella zomba. — Deveríamos colocá-la de


branco, o Hugo gostaria. — A garota estende em minha frente um
vestido de tecido leve e esvoaçante.

— Ela vai acompanhá-lo, não casar com ele. — Túlio diz antes de
pôr também em minha frente um vestido preto com um enorme
decote na frente e nas costas, além de uma fenda na perna.
— Vocês dois só podem estar de brincadeira com a minha cara.
— Cláudia segura minha mão. — Terminem a arrumação, eu mesma
irei vestir a Helena.

Depois de me fazer experimentar dezenas de vestidos, nós duas


chegamos a um consenso escolhendo um de tecido fluído e leve na
cor vermelho-escuro que Cláudia disse se tratar da cor Borgonha.

Alças finas que sustentam o vestido que bem poderia ser um


tomara-que-caia de tão justo que é, com um zíper atrás. Com uma
espécie de short curto por baixo, a saia transparente desce até o
meu tornozelo, deixando meus pés em destaque, mostrando o
sapato de mesma cor que finalizou o look perfeitamente.

— Pode tirar uma foto para eu mandar para a minha amiga? —


peço e com um sorriso, Cláudia o faz antes de finalmente me ajudar
a trocar de roupa.

— Vocês já tiveram uma hora e meia. Conseguiram se decidir? —


Victor Hugo volta ao escritório.

— Cláudia e eu escolhemos um vestido, um sapato e uma bolsa


— aviso terminando de calçar meu tênis.

— E não vai me mostrar?

— Ué, não era o senhor que queria surpresa? — dou de ombros


e agradeço aos três, principalmente a Cláudia. — Podemos ir?

— Como o cabeleireiro vai saber o que fazer no seu cabelo?

— O senhor é o cabeleireiro? — questiono e ele claramente está


surpreso. Eu também. Mas hoje ele precisa de mim e não estou
disposta a ceder a todos os seus caprichos.
— Certo — rapidamente voltamos ao subsolo e, pegando a
embalagem da minha mão, Victor Hugo a coloca presa na alça de
segurança do banco de trás. — Podemos ir almoçar, certo? Estou
morrendo de fome.

— Claro. Deixei o almoço pronto — aviso.

— Nem pensar. Não dá tempo de chegar em casa. Vem comigo.


— Segurando minha mão, leva-me para fora do estacionamento.

Já fazia anos que eu não vinha à Avenida Paulista, menos ainda


a passeio. E tão logo saímos do estacionamento, Victor Hugo,
começou a me levar para a direita, tendo feito o trajeto diversas
vezes, claramente. Rapidamente chegamos a uma barraquinha de
cachorro-quente na esquina do quarteirão.

— Boa tarde, Chicão! — Victor Hugo finalmente solta a minha


mão. — Solta um prensado especial pra mim, sem mostarda.

— É pra já! Não vai me apresentar a namorada, patrão? — O


velho senhor, por volta dos sessenta anos, bem barrigudo e com um
uniforme de cozinha impecável, pergunta.

— Não somos namorados! — esclareço rapidamente.

— Essa aqui é a Helena. Ela... trabalha comigo. — Me ignora


pegando o celular.

— Boa tarde, Chicão.

— A madame vai me dar a honra de comer na minha barraca? —


Chicão brinca já fazendo o pedido de Victor Hugo.

— Você vai me dar a honra de provar da sua comida? O que me


recomenda?
— Só se for agora! Como é sua primeira vez aqui, confia em mim
que vou fazer algo especial. Tem algo que a senhora não gosta? —
Nego com a cabeça. — Então senta aí que já levo para vocês.

Não demora muito para nossos lanches ficarem prontos e,


quando a comida chega, Victor Hugo decide parar de usar o celular
para se concentrar no lanche, ainda me ignorando, deixando-me um
pouco irritada.

— Esse lanche do Chicão é realmente muito bom. — Tento puxar


assunto, afinal de contas, o acompanharei por boa parte da noite e
pelo menos na volta para casa. — O senhor não tem cara de que
come em barraquinhas, com todo o respeito.

— Você não parece saber comer em público. — Ele ri quando


olha para mim e me estende um guardanapo. — Helena, você está
toda suja de molho.

— Desculpa por isso — respondo sem graça. — Sempre que


como lanches me sujo igual criança, não deveria ter aceitado a
comida.

— Por Deus, mulher, ninguém liga!

— Aparentemente o senhor sim... — Respirando fundo ele passa


uma mão na minha bochecha e, em seguida esfrega em sua camisa
branca, sujando-a de molho de tomate.

— Não desperdiçaria meu cachorro-quente do Chicão. Mas agora


você vê que ninguém liga para como você come, Helena. — Dá de
ombros e pega outro guardanapo, limpando meu queixo desta vez.

— Obrigada.

Victor Hugo nos levou para casa após o lanche delicioso,


informando que o cabeleireiro viria fazer o meu cabelo e que eu
deveria explicar a ele a roupa escolhida para que fosse feito um
penteado que combinasse. Rapidamente enviei a foto do vestido
para Vic, que não me respondeu tão rapidamente quanto eu gostaria.
— Ele deve estar chegando em cerca de uma hora — avisa-me
logo que saímos do carro. — Iago é um dos melhores cabeleireiros
de São Paulo e vem pronto para te deixar como uma princesa, sim?

— Obrigada, senhor. Irei cuidar da cozinha e...

— Helena, não ouse pensar em trabalhar nesta casa hoje.


Preciso que você esteja descansada. A noite será longa. Pedirei que
ele a encontre em sua casa. — Sem dizer mais nada, volta-se ao
celular ignorando-me mais uma vez.

Tentando seguir as ordens de Victor Hugo, decidi fazer uma


rápida faxina na minha casa, recolhendo todos os brinquedos de Léo
e os colocando no baú do seu quarto, além de organizar todos os
utensílios da cozinha e molhar as flores da janela do meu quarto,
onde tem um pequeno canteiro acoplado.

Saindo do banho, escuto algumas batidas insistentes na porta da


frente e, mesmo pedindo para esperar, ela é aberta no mesmo
momento em que fecho a toalha em meu corpo.

— O senhor é surdo? — grito irritada quando vejo meu patrão na


minha sala.

— Você disse que eu podia entrar. — Seus olhos estão fixos em


mim.

— Meu Deus, dá para parar... Ou virar de costas, sei lá. —


reclamo e, após encarar-me por mais um tempo, Victor Hugo vira de
costas. — Do que o senhor precisa?

— Posso virar de volta?

— Lógico que não.


— Helena, você não tem nada que eu nunca tenha visto. — Vira
mesmo sem a minha permissão.

— Isso é ridículo. Sabe que posso acusá-lo de assédio sexual,


não é mesmo? — Ele ri.

— Iago já chegou. Eu só queria saber se você estava pronta


antes de mandá-lo entrar — avisa. — Vou pedir para ele esperar
alguns minutos para que você... se recomponha — insiste em olhar
meu corpo mais uma vez e sai na mesma velocidade que entrou.

— Que homem mais idiota! — resmungo comigo mesma.


Capítulo 11
Assim como muita coisa que havia acontecido comigo
recentemente, há muito tempo não me via verdadeiramente bonita,
ou mesmo arrumada, após Iago, o cabelereiro, Samuel, o maquiador
e Tamires, a manicure, terminarem seu trabalho.

Nunca me considerei feia, mas nos últimos anos minha


prioridade passou a ser meu filho e cada vez menos eu mesma. Isso
não é um problema para mim, mas, às vezes, sinto falta de me
arrumar e sentir-me novamente uma mulher. Não apenas pela
aparência. Eu deixei de viver para mim.

Por um momento um nó se forma na minha garganta e, por


pouco, as lágrimas não borram a bela e discreta maquiagem, feita
com tanto esmero e cuidado, ao me olhar no pequeno espelho que
coloquei na sala, onde tem uma luz melhor.

— Meu Deus! — suspiro após colocar o vestido assim que os


profissionais maravilhosos que me atenderam deixaram minha casa
com um carinhoso: “boa festa!”

— Helena... — Escuto a voz do meu patrão, mas não consigo


nem me irritar com ele entrando sem pedir permissão. — Você está...
— Ele pigarreia. — Precisa de ajuda com o zíper?

— Por favor. — Afasto o cabelo que deslizou para minhas


costas e, como se demorasse dias, Victor Hugo sobe o zíper e, em
seguida, sinto algo gelado no meu pescoço, me assustando.

— Vic passou aqui e disse que você não podia ir comigo sem
esse colar. — Fecha e viro-me para ele.

Usando um smoking provavelmente sob medida, Victor Hugo


está simplesmente lindo. Seus cabelos grandes e escuros estão
penteados para trás e sua barba devidamente alinhada.

— Como sempre, ela estava certa.

— Obrigada. — Passo a mão pela joia de pedras claras que


tem uma pequena descida, estilo cascata, até próximo do discreto
corte do vestido.

— Você está pronta? — Dou uma última olhada nas ondas que
Iago fez em meu cabelo e pego a pequena bolsa que Cláudia havia
colocado junto com o vestido e o sapato.

— Estou sim, senhor.

Meu patrão com certeza gosta de dirigir e praticamente


atravessou São Paulo até chegar a uma grande e imponente mansão
com luzes chamativas, quase fora da cidade.

— Tem algo específico que o senhor quer ou precisa que eu


faça? — pergunto quando ele desce rapidamente, fazendo questão
de abrir a porta para mim, estendendo-me sua mão.

— Sim. Se puder não me chamar de “senhor”.

— Sem problemas, sen... Victor Hugo. — Corrijo-me e ele acena


positivamente com a cabeça ao mesmo tempo que posiciona seu
braço para que eu passe o meu.

Com a maioria das pessoas nos encarando, Victor Hugo os


cumprimentou com acenos de cabeça contínuos. Em nenhum
momento permitiu qualquer mínima tentativa de afastar-me. Nunca
gostei de ser o centro das atenções, mas, especialmente agora,
gostaria de estar em casa enrolada em uma coberta com Léo.

— Eles têm mais medo de você do que você deles, Helena. —


Ele sussurra antes de soltar-me para cumprimentar um velho senhor
barrigudo.

— Antônio! Quanto tempo... — fala com o senhor que, com


certeza, parece mais animado que Victor Hugo em vê-lo.

— Vejo que cresceu pelos no rosto, garoto. Mas já nasceu pelo


no saco?

— Antônio, vamos respeitar as damas! — diz político. — Essa é


Helena, uma... amiga. — Apresenta-me e o velho faz questão de me
abraçar e dar beijos nos dois lados do meu rosto, quase na minha
boca. — Helena, esse é Antônio Velasco, ex-sócio do meu pai.

— Rosa, vem aqui! — chama uma mulher que mais parece uma
modelo de passarela de tão alta, magra e bonita que é, com um
cabelo cacheado com penteado black lindíssimo. — Essa aqui é
minha namorada, Rosa! Esse é Victor Hugo Mendes e a amiga —
fala ironicamente quando se refere a mim — Helena.

— É um prazer, Helena. — Rosa me cumprimenta após


cumprimentar Victor Hugo. Mesmo que ela seja alta, meu patrão,
com certeza é mais.

— Como sempre, Victor Hugo, uma ótima escolha de


acompanhante.

— Nos vemos depois. — Victor Hugo se despede educadamente


e me conduz colocando sua mão delicadamente em minhas costas.
— Sinto muito, Helena. Antônio costuma ser um babaca, não sei o
que eu esperava.

— Sem problemas, senhor. Quer dizer, Victor Hugo. Me desculpa,


eu não sei se consigo me acostumar hoje com isso. — admito
sorrindo. — Mas prometo tentar.

— É o suficiente. — Ele não sorri, mas sei que está satisfeito.

Durante o restante da noite, Victor Hugo me apresenta a diversas


pessoas enquanto conversa sobre vendas, investimentos e compras.
Enquanto algumas pessoas me ignoram descaradamente, outras são
tão gentis quanto Vic foi comigo desde o início.

Depois de não comer durante horas e tomando duas taças de


espumante totalmente entediada com as conversas profundas sobre
o mercado financeiro e têxtil, acabo ficando um pouco tonta e indo
até o banheiro para respirar um pouco.

Após jogar um pouco de água no rosto, retocar a maquiagem


conforme indicado por Samuel, e já me sentindo melhor, esbarro com
Rosa na saída.

— Eu estava te procurando, Helena — avisa ainda do lado de


fora.

— A mim?

— Sim. — Entrega-me um cartão. — Antônio quer uma noite com


você, independentemente do valor.

— O quê?

— Eu, sinceramente, não recomendo. Mas se fechar os olhos, ele


termina mais rápido do que você imagina. — Dá de ombros. — Nada
que vá te traumatizar e ainda vai ganhar um bom dinheiro.

— Eu não sou pros... Não sou esse tipo de mulher. — Tento


devolver o cartão, mas ela não aceita.

— Pode até não ser. Mas vai ser muito burra se nem ao menos
pensar nessa possibilidade. — Entra no banheiro deixando-me
sozinha.
— Eu estava te procurando. — Escuto a voz de Victor Hugo e,
imediatamente, escondo o cartão na minha bolsa, envergonhada e
enojada com a proposta que acabo de receber.

— Me desculpa, senhor, precisei ir ao banheiro retocar... — Não


posso falar ao meu chefe que simplesmente estou um pouco tonta
por causa de duas taças de champanhe. — Minha maquiagem.

— Vi você conversando com a acompanhante do Antônio...

— Ela queria saber onde comprei o vestido — minto


descaradamente e meu estômago revira um pouco.

— Entendi. — Ele não aparenta acreditar, mas não parece


importante o suficiente para dar maior atenção. — Preciso conversar
com mais algumas pessoas e poderemos ir. — Oferece-me o braço e
aceito. — Quer beber alguma coisa?

— Uma água.

Conduzindo-me até o bar disposto, Victor Hugo pede dois


uísques, além da minha água, e os bebe rapidamente antes de pedir
o terceiro.

— Está tudo bem, senhor... Victor Hugo?

— Por que não estaria? — Ele está genuinamente irritado.

Opto por não responder. E isso parece deixá-lo ainda mais


irritado. Logo que termina a terceira dose da bebida, com uma quarta
na mão, vamos até um grupo de senhores e apenas uma mulher.

— Como estamos? — Victor Hugo diz animadamente, mas o


pouco que o conheço não deixa que eu seja enganada por esse seu
humor atípico.

Ao fim da noite, Victor Hugo mal consegue ficar em pé,


completamente bêbado e evitando a todo custo Antônio, o que
agradeço silenciosamente. Pelo menos até a hora de irmos embora,
quando o velho nos encurrala na saída.

— Ia sair sem me deixar dar um abraço na sua amiga? —


questiona ironicamente.

— Era a intenção. — Victor Hugo bêbado é bem sincero.

— De qualquer forma, espero que a traga mais vezes — informa


cumprimentando meu patrão com um aperto de mão e, em seguida,
puxa-me para um abraço contra minha vontade. — Aguardo a sua
ligação — sussurra para mim.

— Tira a merda das suas mãos dela — resmunga e me puxa para


fora da mansão, irritado. — Às vezes cometer um homicídio não é
uma decisão tão ruim. — Entrega ao valet o voucher.

— Victor Hugo!

— Você é muito linda! — Se aproxima de mim, prendendo-me em


seus braços. — Sabia disso, não é mesmo?

— Você está bêbado.

— E você louca para me beijar — diz antes de grudar seus lábios


nos meus.
Capítulo 12
VICTOR HUGO

Impossível dizer que Jaqueline não é a mulher perfeita para mim.


Além de linda, tem um coração bondoso, um sorriso contagiante,
uma alma pura e me ama como eu jamais fui amado ou amei
alguém.

Mesmo que o nosso casamento tenha se tratado de um negócio,


nem por um segundo, depois que a conheci, me arrependi de ter
seguido a ordem do meu pai de me casar com a herdeira da família
Santiago.

Nosso namoro durou apenas dois meses, que foi tempo suficiente
para planejar o nosso casamento. E hoje estamos completando
nosso sexto mês de casados. Tive que, literalmente, atravessar o
continente para estar com ela hoje, já que Jaque ficou doente e não
conseguiu viajar para a Austrália como combinamos para
comemorarmos.

— Como eu odeio essa mudança de fuso horário — resmungo


entrando em casa. — Amor, onde você está? — Deixo minha mala
próxima à escada e vou em direção ao delicioso cheiro de comida
que exala pela casa.

— No jardim — avisa docemente. — Cozinhei para nós!


— Amor... — cumprimento-a com um beijo leve quando
finalmente a encontro.

— Tá, Romeu cozinhou para nós — admite. — Mas eu escolhi


tudo. Vem, senta aqui. — Há uma pequena mesa redonda disposta e
bem arrumada.

Como sempre, Jaque exala um perfume doce e está impecável


usando um vestido formal demais para a noite quente na sua cor
favorita, verde.

— Não consigo mais esconder isso... Estou grávida, vamos


ser pais! — fala animada e imediatamente a abraço, beijando-a.

— É sério? — questiono animado.

— Eu te odeio, Victor Hugo! — Ela me empurra de repente,


gritando e derrubando tudo sobre a mesa. — Eu odeio você e essa
vida de merda.

Jaque começa a arranhar o próprio rosto e, quanto mais tento


me aproximar, mais parece que estou me afastando. Quero gritar
para que ela pare, mas é como se minha voz não existisse.

— É o único jeito de fazer isso parar! — Não estamos mais no


jardim da nossa casa, estamos na varanda de um apartamento, o
lugar que ela insistiu que deveríamos visitar e comprar. — Eu preciso
fazer isso, Hugo. Sinto muito. — Então ela pula sem que eu consiga
impedi-la.

Acordo em um sobressalto, gritando para que ela não faça o


que fez. Sem conseguir controlar minha respiração, o ar me falta por
certo tempo e desejo que falte para sempre.

O telefone toca, trazendo-me de volta para a realidade.

— Que horas você chega, Hugo? — É Vic, minha irmãzinha.

— Devo chegar lá para uma da tarde.


— Está tudo bem?

— Ótimo! — Limito-me a dizer isso. Não preciso encher a


cabeça da minha irmã com mais problemas. Ela já parou boa parte
da própria vida por muito tempo por minha causa. Eu deveria cuidar
dela, não o contrário.

— A nova empregada é ótima. Você vai adorar ela e...

— Não ligo para quem ela é. Só precisa fazer o trabalho dela


e ficar fora do meu caminho.

— De qualquer forma, Hugo, ela adorou o casebre e


provavelmente é a única pessoa do mundo, além de mim, que vai
aturar o seu mau humor.

— Preciso de você lá para...

— Eu sei, Hugo, eu sei — suspira irritada, sou um dos poucos


que consegue tirar a doutora Victoria Mendes do sério. — Até a
tarde, irmãozinho. — Desliga.

Ignoro meus pensamentos que, inevitavelmente, me levam até


o dia em que minha esposa simplesmente se atirou para a morte
diante dos meus olhos e recolho todas as minhas coisas.

Felizmente o voo é rápido e o trânsito de São Paulo não está tão


ruim como de costume, fazendo-me chegar em casa rapidamente. O
táxi estaciona próximo da grande fonte redonda da entrada e então
me lembro que Vic me avisou que tentaram entrar na casa e ela
trocou todas a fechaduras; portanto, minhas chaves não abrirão a
porta. O carro da minha irmã também não está em casa, o que
significa que preciso que alguém abra a porta para mim fazendo com
que o meu plano de não interagir com ninguém vá por água abaixo.
— Merda — praguejo já na porta, apertando insistentemente a
campainha após um longo suspiro.

Uma mulher de cabelos escuros, de altura mediana e olhos


indescritíveis abre a porta com um sorriso que, por um momento,
consegue me desarmar, mas logo me recupero.

— Quem é você? — Ela se assusta com minha arrogância, mas


não consigo evitar todas as palavras que passam a sair da minha
boca, por mais que ela pareça que vai correr a qualquer momento de
mim.

— Eu... e-eu...Meu nome é Helena. Cuido da limpeza — gagueja.

— Victoria! — chamo, mesmo sabendo que minha irmã não está


em casa. Seus olhos curiosos e assustados me observam como se
estivessem tentando me decifrar. — Victoria! Onde ela está?

Helena, com toda a educação que não estou tendo com ela
explica-me e, antes que possa concluir, a interrompo mandando que
peça para minha irmã subir quando chegar.

Subo as escadas irritado por tantos motivos que nem sei


identificar qual deles é real. Entro no meu quarto batendo a porta,
cada vez mais irritado, tiro minha roupa jogando em qualquer lugar e
decido tomar um banho tentando, por um momento, ser menos o eu
em que me transformei.

Sabendo que provavelmente minha irmã não vai demorar,


tomo o banho rapidamente e volto para o quarto em busca de uma
roupa. Olhando pela janela, consigo ver finalmente o carro de
Victoria parado.

— Victoria!!! — Abro a porta e grito, quero resolver esse


problema o quanto antes.

— Por que você tem de ser assim? — reclama logo que me


vê.
— Aqui não. Vamos para o escritório.

— Então por que raios me chamou aqui em cima, seu idiota?


— Minha irmã me dá um tapa na parte de trás da cabeça.

— Victoria!

— Toma! — Passa por mim e joga um pacote dos doces que


Jaqueline adorava comer durante a gravidez e que acabou me
viciando. — Não tô com paciência hoje, Hugo! — resmunga
descendo as escadas.

A casa não é a mesma. Quando a comprei, a intenção era ter


uma vida feliz com Jaque, um lugar onde nossos filhos pudessem
crescer e onde viveríamos até o fim dos nossos dias.

Jaqueline odiou o lugar. Eu fiz errado ao não pedir sua opinião


antes de fechar negócio e, somente quando voltamos da nossa lua
de mel, apresentei o local a ela. Era nítida sua decepção quando
chegamos.

Ela até tentou disfarçar, mas, antes de completarmos um mês


vivendo no local, Jaque avisou que estava procurando um lugar novo
para nós. Disse-me que não queria uma casa, ou filhos. Não sabia
nem se queria ficar no país.

— Você me ouviu, Hugo? — Victoria chama minha atenção.

— Não, desculpa, eu estava...

— Lembrando dela?

— Conseguiu o comprador? — questiono.

Após a morte da minha esposa, os donos do apartamento


começaram a me processar dizendo que “a situação é inconveniente
e afasta potenciais compradores do imóvel devido às circunstâncias”.
Tentando evitar mais problemas, decidi comprar o local contra
a vontade da minha irmã, mãe e advogado. E assim fiz. Porém agora
estou completamente decidido a vendê-lo. O problema é conseguir
um bom corretor, aliás, até um corretor mequetrefe, já que a família
Santiago é dona de uma grande corretora de imóveis no país e
ameaça qualquer um que tente me auxiliar neste problema.

— Você sabe que não é fácil, Hugo. Ainda mais agora... Eu


estou tentando te contar já há um tempinho, porque eu quero que
você seja o primeiro a saber.

— Vic, não me importa nada. Só me livrar daquele


apartamento maldito. O anuncie por um real em jornalecos, que seja.
Só quero me...

— Eu estou grávida — avisa me deixando sem palavras. —


Eu... Eu te amo, Hugo, mas não posso mais adiar meus planos e
minha vida por conta do que aconteceu com a Jaqueline. Também já
tirei minhas coisas daqui. Estou voltando para casa.
Capítulo 13
Imediatamente lembro de como foi realmente que minha
esposa me contou que estava grávida. Mesmo que não estivesse
feliz com a casa que eu havia comprado para nós, Jaqueline ainda
não havia encontrado um lugar que realmente gostasse para que nos
mudássemos.

Para o nosso sexto mês de casamento havíamos combinado


de passar um final de semana em uma ilha australiana. Eu havia
viajado primeiro, pois tinha um compromisso de negócios em Dubai,
onde ela deveria encontrar comigo em uma quinta-feira à tarde.

Mas, na quarta-feira pela manhã, Jaque me avisou que não


teria condições de viajar, que estava doente, provavelmente uma
intoxicação alimentar e, após minha última reunião, peguei o primeiro
voo de volta para São Paulo.

Quando cheguei em casa, era noite e fui direto para o jardim,


onde ela avisou que estava, como no meu sonho. Com a mesa
arrumada, puxei a cadeira para ela, que se sentou e, sem conseguir
se conter, contou que estava grávida, mas, diferente do meu sonho,
terminamos a noite fazendo amor.

— Diz alguma coisa, Hugo. — Minha irmã, mais uma vez, me traz
de volta à realidade.
— Parabéns, Vic. — A abraço. Não estou irritado, estou feliz por
ela, assim como ela ficou por mim quando contei que seria pai. Mas,
diferente da minha irmã, não consigo demonstrar.

— Só isso? — Ela está magoada, a conheço.

— Eu...

— Deixa pra lá, Hugo. Vamos ao que te interessa. — Joga


alguns documentos sobre minha mesa. — Essa é a proposta dos
Santiago.

— Dos Santiago? — Os pais da minha mulher cortaram


qualquer relação comigo e com minha família após o ocorrido.
Tentaram a todo custo que eu fosse indiciado por matar Jaqueline.

— Recomendo que leia com muita calma. E não recomendo


que assine. Só quero que fique ciente — avisa. — Agora preciso te
apresentar devidamente à Helena. Não vou vir aqui como antes.
Preciso cuidar de mim e do bebê.

— A gente já falou sobre isso, Vic. É só ela não me perturbar.

— Isso não é um pedido, Victor Hugo. Venha comigo — diz já


abrindo a porta do escritório e a sigo. — Helena é uma pessoa muito
especial, então, por favor, não seja um cuzão.

— Não, Gertrudes, não diz sim pra ele! Ele está dormindo com
a sua irmã! — A voz que me recepcionou em casa resmunga e
outras vozes se fazem presentes na minha cozinha.

Eu nem a conheço e ela já está convidando pessoas para


minha casa?

Ao entrar na cozinha percebo a TV ligada, tirando-me do sério


imediatamente.
— ... então foi para isso que você insistiu em uma nova
empregada, Victoria? — reclamo. — Pagar para ela ficar assistindo
TV no horário de serviço?

Imediatamente noto que Helena se assusta e por um segundo


quase sinto pena dela, mas ela cai em minha direção, se apoiando
diretamente entre minhas pernas. Tento vergonhosamente me
controlar. Helena é uma mulher bonita, não sou hipócrita.

Ela começa a pedir desculpas tão rápido quanto eu começo a


brigar com ela e minha irmã rir da situação enquanto a ajuda a se
levantar.

Sem saber lidar com o ridículo volume que aumenta em minha


calça, aponto para a TV mandando-a desligar, tentando distraí-las da
minha vergonhosa situação e saio rapidamente do cômodo, voltando
para meu quarto.

— Hugo! — Escuto minha irmã gritar.

— Não seja ridículo, Victor Hugo! — reclamo comigo mesmo e


respiro fundo tentando me controlar. — Vão ficar apenas os dois
nessa casa enorme, não seja escroto!

Não demora muito e minha irmã entra no meu quarto, irritada,


com toda a razão. Eu me tornei uma pessoa difícil de lidar. E após
ela me fazer prometer que seria mais educado com Helena, se
despediu dizendo que estava indo para a própria casa.

Apesar de não gostar de Luciano, marido da Victoria, sabia que o


certo seria ela voltar para a casa deles. Não era justo eu manter
minha irmã na minha casa e fazê-la deixar a própria e o marido.

Todos os dias, quando eu descia, o café já estava pronto e


sempre haviam alguns biscoitos. Exatamente tudo o que eu gostava
e tudo aquilo que eu não tocava, no dia seguinte não era colocado.

Helena parecia ter medo de mim e eu não a culparia depois do


dia em que nos conhecemos. Optei por trocar apenas palavras
necessárias com ela.

Com o meu escritório da loja sede cada vez mais tomado por
meu time de terroristas, Cláudia, Stella e Túlio, decidi tomar a sexta-
feira de folga. Helena claramente não ficou muito confortável.
Diariamente ela assistia o raio da novela e até mesmo conseguiu me
deixar interessado. A velha câmera da cozinha me ajudou a
descobrir qual o canal e, todos os dias, no serviço, eu também
assistia.

Na sexta-feira eu estava estranhamente ansioso pelo capítulo e


pensei que deixaria minha irmã orgulhosa ao tratar Helena como
igual, não que eu realmente me achasse superior a ela, mas, mais
uma vez, acabei metendo os pés pelas mãos e era tarde demais,
percebi que a havia insultado. Após ela voltar do mercado, apenas
ordenei que não voltasse até segunda-feira. Eu precisava
desestressar imediatamente.

Antes de me relacionar com Jaqueline, eu tinha um


comportamento desregrado, era um verdadeiro bon vivant. Mesmo
que trabalhasse na empresa do meu pai, era um grande desgosto
para ele, que cortou todos os meus luxos e me fez aprender a lutar
pelo que eu realmente queria. E quando achou que eu estava pronto,
informou que eu teria total controle das empresas, desde que
aceitasse casar com a herdeira dos Santiago.

Com a morte de Jaqueline, voltei com meu comportamento de


antes, o que, provavelmente, fez com meu pai se revirasse no túmulo
até hoje. A cada noite tive uma mulher diferente em meus braços
durante o primeiro ano. No início do segundo ano após minha perda,
minha irmã me colocou contra a parede, me obrigando a voltar a ser
o homem que fui criado para ser. Porém, a amargura tomou conta de
mim e, por mais que eu queira, não consigo me livrar dela.

De vez em quando, ainda contrato uma acompanhante de luxo


para satisfazer minhas necessidades, mas diferente de todas as
outras vezes em que eu frequentemente imaginava que estava com
minha esposa, dessa vez a única mulher que me vinha à mente era
minha nova empregada, fazendo com que eu dispensasse a
acompanhante antes mesmo que conseguisse tocá-la.
Capítulo 14
O fim de semana foi pior do que geralmente era. Dessa vez
não havia trabalho que me fizesse concentrar. Algumas vezes me vi
olhando para o casebre no fundo do jardim, que Jaqueline sempre
detestou, e algumas vezes vi Helena rindo ou cozinhando algo.

Irritado, me vi pegando o computador e procurando os


episódios da novela que ela tanto assistia e na qual eu estava
praticamente viciado. Era uma novela recente, tinha apenas trinta
capítulos lançados e tratei de assisti-los para ocupar o resto do meu
fim de semana.

Em algum momento entre o domingo e a segunda-feira, caí no


sono e somente acordei depois das oito horas da manhã, nada
disposto a ir para o escritório. Estava ensolarado e acabei decidindo
relaxar durante o dia. A maratona da novela e todas as porcarias que
comi no fim de semana não me ajudou e eu estava completamente
destruído fisicamente.

Desci as escadas sendo atraído pelo cheiro do bolo de milho


que Helena provavelmente estava tirando do forno, e avisando
Cláudia por mensagem que não iria trabalhar; escutei um grito seu,
praguejando, o que nunca havia ouvido.

Sem pensar duas vezes, a peguei no colo e a levei para a


cozinha colocando seu corpo sobre o balcão e, após cortar sua calça
com uma faca, ponho um pano de prato molhado. Rapidamente
aviso que vou buscar uma camisa e volto em seguida.

Passando por uma discussão idiota, consigo levar Helena,


contra sua vontade para o hospital onde Vic trabalha, já que a moça
está mais preocupada com os gastos, mesmo quando afirmo que
vou arcar com todas as despesas... E por mais teimosa que ela seja,
duvido que conseguiria andar mais rápido que eu, no seu estado
atual, para fugir do hospital. Mas, mesmo assim, continuo com ela
em meu colo. Seu corpo perfeitamente encaixado no meu.

— Pode se contorcer o quanto quiser, isso só vai fazer com


que seu corpo fique mais próximo e apertado pelo meu, Helena —
falo baixo tentando controlar as sensações que seu cheiro está
causando em mim. — Isso mesmo. Fica quietinha. — Helena me
encara com um olhar surpreso.

No fim, após minha irmã informar que ela tem plano de saúde
pago por mim, finalmente Helena aceita o exame e tratamento. Me
surpreendo vendo o carinho e amizade que uma desenvolveu pela
outra.

Victoria atentamente examina a perna de Helena que, por ser


clara, ficou extremamente vermelha. Por um momento, me deixo
voltar mais uma vez no tempo e imagino se eu não poderia ter feito o
mesmo pela minha esposa antes de tudo acontecer.

Minha irmã diz alguma coisa tentando chamar minha atenção.


Rapidamente meu olhar paira sobre Helena, que parece tímida como
jamais vi.

— Você vai comigo ou de táxi, Helena? — Seu rosto fica


vermelho.

— Posso falar com você um minutinho, Hugo? — Minha irmã


pergunta, confirmo com a cabeça e saio da sala acompanhado por
ela.
— Você sabe que trazer a Helena para o hospital por conta de
uma queimadura não é a mesma coisa que você poderia ter feito
pela Jaqueline, certo?

— Quem está falando da Jaqueline, Victoria? Você começa a


delirar e acha que está certa. Sempre.

— Eu te conheço, Victor Hugo. Não me trate como se eu fosse


louca.

— Então você pode tratar a minha esposa como louca, mas


quando é o contrário é ofensivo? — Não espero sua resposta e volto
ao quarto de Helena, encerrando o assunto. — Helena?

— Vou com o senhor, se não atrapalhar. — Apenas aceno com a


cabeça.

Minha mente focou em Helena inevitavelmente durante a volta


para casa. O perfume que ela usava era floral e, mesmo que fosse
bem discreto, tomou conta do meu carro. Tentei até mesmo deixar as
janelas abertas, mas quando a deixei no casebre, seu cheiro estava
completamente impregnado em mim.

— Mais tarde eu vou pedir comida, quer jantar comigo? —


questiono antes que consiga me controlar.

— Não! Quer dizer, não, obrigada. Eu tenho comida aqui. Mas


obrigada mesmo assim, senhor. — Victor Hugo, seu idiota, isso que
dá ser estúpido o tempo todo com alguém que não tem culpa dos
seus problemas.

Helena, com certeza não apenas tem medo de mim, como


também me despreza.

— Certo. Eu só queria ter certeza de que você não seria estúpida


o suficiente para se machucar ainda mais. — Recolho meu ego e
ignoro qualquer resposta que ela possa pensar em me dar por eu ser
seu patrão.

Cláudia chegou cedo em casa com todos os documentos que eu


precisava assinar para aprovar a confecção das novas peças.
Informou das novas contratações e que o meu escritório estava
completamente tomado por ela e sua equipe e que eu poderia avisar
se quisesse que fosse liberado. Assegurei que trabalharia bem em
casa e então ela voltou para a loja.

— Hugo, você está aí? — Escuto a voz da minha irmã, a última


pessoa que eu queria ver.

— No escritório. — Coloco os óculos no rosto. Dificilmente ela me


incomoda quando estou de óculos, pois sempre acha que estou mais
concentrado e ocupado e, geralmente estou.

— Eu passei para ver como a Helena está.

— Perdeu o seu tempo, não sou tão desumano a ponto de


obrigá-la a trabalhar.

— Eu sei que não. Nem burro, porque um processo cairia


facilmente no seu colo assim...

— Então você simplesmente errou de casa, irmãzinha. — Não


olho para ela. Sei que não estou certo, mas não quero dar o braço a
torcer.

— Eu já passei na casa da Helena. Hugo, não é justo você me


tratar assim. Temos apenas um ao outro — argumenta e suspiro
fundo. Ela está certa.

Nossa mãe foi embora com o jardineiro após o primeiro ano


da Victoria. Nosso pai morreu logo após meu casamento. E nem
temos muito contato com nossa madrasta depois da morte do nosso
pai.

— Me desculpa ter dado a entender que você é louca — falo


tirando os óculos do rosto.
— Desculpa ter falado sobre a Jaqueline. — Vem até mim e
levanto-me para abraçá-la.

— Tá tudo bem.

Depois que minha irmã vai embora, decido que é hora de tentar
encarar a cozinha novamente, ou ao menos comer alguns biscoitos.
Acabo encontrando Helena na cozinha. Teimosa.

E para piorar, ela quebra um copo chegando ao ponto de quase


se machucar. E ainda briga comigo dizendo que eu tenho de limpar a
bagunça que ela fez. Após todo um show protagonizado por ela, sai
da cozinha mancando em direção à sua casa.

Recolho todos os cacos de vidro sem entender exatamente o que


aconteceu e dou uma risada, com o estômago roncando, antes de ir
atrás dela, pronto para implorar que me ajude com a comida.

Relutante, ela aceita o meu pedido, com a condição de que eu a


deixe assistir à novela e, por pouco, ela não me conta um spoiler do
capítulo que perdi.
Capítulo 15
De última hora precisei viajar para resolver um problema com a
casa da minha madrasta. Meu pai não lhe deixou muito sob
testamento, mas Victoria e eu sabíamos que ela havia sido uma boa
esposa e que cuidou do velho Vitório até seu último dia de vida. E
não foi apenas pelo pedido dele em testamento para que
cuidássemos dela, ficamos feliz em o fazer.

Todas as propriedades de meu pai ficaram divididas entre mim e


Victoria, mas entramos em comum acordo que Roberta, nossa
madrasta, poderia escolher a casa que quisesse para morar e ela
escolheu aquela onde viveu com meu pai em Londres, e que acabou
ficando para mim. Antes que eu conseguisse fazer qualquer trâmite
para dar a casa a ela, aconteceu a coisa da Jaqueline e acabou
ficando para depois. Mas agora não dá mais para adiar.

— Huguinho! — diz logo que me vê e me abraça. — Você é um


homão agora!

— Você também está ótima, Roberta! — Ela entrou nas nossas


vidas quando Vic e eu ainda éramos adolescentes.

Meu pai sempre teve um fraco por mulheres mais jovens, mas
desde o início vimos que ela realmente gostava dele, apesar da
diferença de vinte anos que os separava.
Roberta continuava bonita como quando se casou. Alta, de
olhos claros, cabelos loiros e uma educação impecável. Sua família
era de classe média e foi totalmente contra seu relacionamento
desde o início, até retirando qualquer dinheiro a que ela tivesse
direito quando se casou com Vitório Mendes.

— Então, eles disseram que precisavam conversar com o


dono da propriedade — diz após nos servirem um chá. — Eu disse
que era a dona, mas eles falaram que ainda está sob o seu nome,
Huguinho, então você precisa falar com eles.

— Mas não disseram o que é, Roberta? — Ela nunca precisou


resolver problema algum. Quando saiu debaixo das asas dos pais,
foi diretamente para debaixo das asas do meu pai.

— Eles não quiseram explicar. A Vic disse que está grávida.


— Muda de assunto. — Me mandou uma foto, está tão linda.

— Sim, ela está. Bom, com quem eu tenho de conversar?

— Eles deixaram um número de telefone — diz procurando


em um móvel até achar um pequeno caderno. — Gosto de anotar
aqui, então se eu fico sem bateria ou qualquer coisa do tipo, sempre
posso ter acesso aos números que preciso — justifica me
entregando aberto na página com o número.

— Sem problemas.

A resolução do grande problema que Roberta ligou para dizer que


existia, nada mais era do que taxas em atraso que eles poderiam
muito bem ter relatado a ela. Além de, claramente, estarem
interessados na propriedade, buscando problemas inexistentes para
tentar obrigar-nos a vender.

A maior demora foi apenas os trâmites legais para passar o


imóvel finalmente para o nome de Roberta, que ficou muito feliz por
ser legalmente seu.

Alguns dias foram suficientes para resolver tudo o que ela me


pediu e também para algumas reuniões que minha secretária
agendou, a meu pedido, quando informei que vinha para Londres.

Pela primeira vez em muito tempo, me vi ansioso para voltar para


casa. Eu acabei não tendo tempo para assistir à novela na qual
Helena me viciou, mesmo que não soubesse, e também estava
sentindo falta da sua comida.

Já havia passado pela minha cabeça que Helena não era solteira.
Uma mulher claramente muito bonita, inteligente e ouso dizer que até
mesmo engraçada como ela, não ficaria sem alguém. Mas não tinha
visto aliança em seu dedo e ela me disse ser viúva. Não havia
qualquer real sinal de compromisso, até que cheguei em casa e a vi
se esgueirando tentando entrar.

Depois de encurralá-la, tudo em que eu pensava era em beijar


seus lábios, que pareciam implorar pelos meus. Seu perfume, mais
uma vez, conseguiu me inebriar.

— O senhor deseja café? — Usando um vestido floral solto


em cor escura, eu desejava muitas coisas, mas, principalmente vê-la
sem ele.

Quando finalmente a libertei, com promessas de pães de


queijo e café, Helena praticamente fugiu de mim. E ela não estava de
todo errada. O problema é que ela não sabia que, quanto mais
fugisse de mim, mais eu iria querê-la e iria sim atrás.

Minha secretária havia me mandado um cronograma do que eu


precisava fazer durante a semana. Apesar de que os dias que fiquei
em Londres foram benéficos para a VHM, minha empresa, no Brasil
o tempo não parou e eu tinha dezenas de problemas acumulados e
um evento que havia confirmado presença para hoje.

Liguei rapidamente para minha irmã. Geralmente ela que me


acompanhava, pois conseguia me ajudar a não mandar todos para o
inferno quando faziam perguntas estúpidas.

— Hugo, não vai dar. Estou muito indisposta, de verdade.

— Isso é desculpa de grávida para não fazer o que tem que fazer,
Vic. — Tento argumentar.

— Vou fingir que você não falou isso. — Sua voz é irritada. Os
hormônios transformaram minha doce e amada irmã em um
monstrinho.

— Vic, você sabe que eu preciso de uma acompanhante...

— Que tal a Helena? Ela está precisando de dinheiro e você pode


ajudar... — Ela solta um arroto.

—Meu Deus, Victoria, cadê os seus modos, garota?

— Um: você não pode questionar minha educação. Dois:


desculpa, foi sem querer. O bebê queria refrigerante de uva e eu tive
de dar. Três: vou ligar para a Helena agora mesmo! — diz desligando
na minha cara.

— Idiota! — xingo a mim mesmo antes de chamá-la.

Estranhamente, consegui insultar Helena mais uma vez. Por mais


que eu tente não o fazer, às vezes parece impossível. Tudo o que sai
da minha boca, quando estou perto dela, é besteira. Mas, felizmente,
após uma ligação da minha irmã, ela finalmente aceita.

Sem muito tempo, a levo rapidamente à loja sede e deixo sob os


cuidados de Cláudia. Em seguida, desço pronto para almoçar, mas,
se eu não almocei, tenho certeza que ela também não. Sigo para o
lado oposto à barraquinha do Chicão e ligo para Iago, o melhor
cabeleireiro que eu conheço. Minha irmã sempre faz o cabelo com
ele.

— A que honra devo este milagre? Por acaso finalmente decidiu


me deixar tosá-lo, Victor Hugo? — diz logo que atende.

— Qual o problema do meu cabelo e da barba?

— Nenhum. Se você quiser ficar parecendo um homem das


cavernas.

— Hoje a sua missão é outra...


Capítulo 16
HELENA

Minha boca se abre aceitando a língua de Victor Hugo. Com


gosto da bebida, seu beijo é suave e quase inocente, ao menos até o
momento em que ele aproxima nossos corpos, aprofundando o
gesto. Sua máscara foi derrubada.

De forma indecente e carnal, sua língua se enrosca com a


minha, roubando meu fôlego e deixando minhas pernas bambas,
enquanto suas mãos se mantêm firmes em minhas costas, como se
eu fosse fugir a qualquer momento.

Involuntariamente, minhas mãos vão aos seus cabelos, como


secretamente desejei desde que o vi pela primeira vez. Em minha
mente uma longínqua voz grita para que eu pare, me afaste, mas
tudo o que eu quero é me aprofundar cada vez mais nesse beijo,
principalmente quando Victor Hugo mordisca meus lábios.

Porém, um segundo de razão finalmente toma conta de mim e


o afasto imediatamente, seguido do que eu não imaginei que
aconteceria, um alto e forte tapa em seu rosto.

— Você ficou louco? Eu sou amiga da Vic! — Praticamente


grito.
— E o que me importa você ser ou não amiga da minha irmã?
— responde como se não estivesse entendendo.

— O quê? Irmã?

— Seu carro, senhor. — O valet entrega a chave a ele.

— Helena, entra no carro. — Abre a porta do passageiro para


mim.

— Me dá as chaves.

— Entra no carro, por favor. — Ele voltou ao normal de Victor


Hugo que conheci.

— Não vou me matar ou deixar que você se mate. —


Aproximo-me e falo baixo, tirando as chaves de sua mão. Duvido que
ele ficará satisfeito com o vexame amanhã. — Agora, entre no carro.

Ele o faz em silêncio e tudo o que eu consigo pensar é:

Como assim ele e Vic são irmãos? E como fui burra o


suficiente para não perceber o que estava na minha cara o tempo
todo?

Era óbvio! Eles não moram na mesma casa, Vic não se


importou com o fato de ele estar acompanhado por outra quando fora
em casa certa vez, ela mesma comentou que Victor Hugo deveria
estar acompanhado... E quando o conheci e acabei o apalpando sem
querer, qualquer outra mulher não gostaria da cena, mas ela apenas
riu!

— Helena, entra ali à esquerda. — Aponta faltando pouco para


chegarmos em casa.

— Estamos a poucos quilômetros de casa, senhor.

— Eu sei disso. Entra à esquerda, por favor. — Assim como eu,


ele passou boa parte do caminho em silêncio, provavelmente
arrependido de ter me beijado. Afinal, eu trabalho para ele. — Agora
à direita.

— Para onde estamos indo?

— Preciso de mais que um tapa para ficar totalmente sóbrio. —


diz e o luminoso de uma lanchonete chama minha atenção. — Ao
drive-thru.

Em poucos minutos, enquanto respondo positivamente a


mensagem de Vic de que é melhor que eu busque Léo apenas no
dia seguinte, meu chefe faz um grande pedido de lanches, batatas e
milk-shake. E, mesmo que eu diga que não quero nada, ele acaba
pedindo um milk-shake de chocolate e batatas para mim. Quando
finalmente estamos chegando em casa, volto a falar:

— Eu sinto muito, não queria ter batido no senhor. — Tento


enquanto ele, de maneira repugnante, mergulha uma batata no seu
milk-shake antes de levar à boca. — Meu Deus, retiro o que disse.
Isso é completamente nojento e o senhor merece realmente levar
uns tapas. — De repente ele começa a gargalhar.

— Garanto que é uma delícia. — Estaciono o carro próximo da


fonte. — Quase tão bom quanto o meu beijo, Helena.

— O seu beijo não é bom! — grito, rapidamente saindo do carro e


ele me acompanha, rindo.

A chuva anuncia sua chegada com vento forte e algumas gotas


caindo sobre nós.

— Tem razão. É ótimo! — Mais uma vez Victor Hugo me prende


em seus braços. — Me dê uma boa razão para eu não te beijar de
novo agora, Helena...

— Uma boa razão... — Tento lembrar quando ele afunda o seu


nariz no meu pescoço, fazendo minha pele arrepiar.

— Gosto do seu perfume.


— Uma razão... — Ele não é casado com a Vic, eles são irmãos.

— Você tem três segundos.

— Você não... —suspiro enquanto ele começa a contagem —,


beija bem.

— Sabemos que isso é uma mentira. Três. — Seus braços nos


aproximam ainda mais.

— Está tarde, preciso ir dormir...

— Dois, Helena. — Seus lábios roçam os meus levemente.

— Amanhã eu trabalho bem cedo... Eu sou sua empregada! —


Por mais que meu subconsciente me mande afastar, meus braços
rodeiam seu pescoço.

— Um...

Pela segunda vez esta noite, Victor Hugo me beija. Como da


primeira vez, ele começa devagar, como se estivesse tentando obter
minha permissão, para só então aprofundar nosso beijo.

Sem conseguir me conter, também aproximo nossos corpos e,


puxando seu cabelo, afasto levemente seu rosto e mordisco seus
lábios, arrancando-lhe um gemido.

Desviando sua boca da minha, Victor Hugo sequer me dá uma


chance de pensar antes de deslizar seu nariz pela minha pele mais
uma vez. E suas mãos me apertam fazendo-me gemer em conjunto
com ele.

— Você precisa parar... — Um breve momento de sanidade toma


conta de mim, mas me abandona no momento que a boca de Victor
Hugo chega a minha orelha.

Como ele poderia saber que esse é meu ponto fraco?


— Helena... — Meu nome sai como o mais selvagem gemido que
já ouvi. — Eu adoraria tirar toda a sua roupa...

E, mais uma vez, antes que eu possa responder, seus lábios


voltam aos meus. Praticamente me devorando, Victor Hugo me
conduz sem que eu me importe para onde.

Ele não parece se importar quando algo cai no chão se


estilhaçando, apenas me ergue fazendo com que eu cruze minhas
pernas em sua cintura. Sinto-me como uma adolescente com o
primeiro namoradinho.

Victor Hugo senta no que percebo ser o sofá da sala e, deixando


meus sapatos caírem no chão, ajudo-o a tirar o smoking e a gravata,
além de abrir alguns dos milhares de botões de sua camisa branca.

Esfregando-me em seu colo sinto o volume sob sua calça


aumentar e nossas respirações descompassadas, sincronizarem.

— Como eu queria ter feito isso antes — murmura descendo o


zíper do meu vestido, voltando seus lábios ao meu pescoço e depois
descendo ao meu colo. — O seu cheiro... Esse perfume, Helena.

Limito-me a deixar meus gemidos e suspiros saírem dos meus


lábios. Mesmo que quisesse, eu não seria capaz de impedi-los. Os
dedos de Victor Hugo deslizam por meu corpo e não quero nem
consigo dizer-lhe não.

— Apaga a luz. — peço entre um suspiro e outro.

— Por que eu faria isso? — Victor Hugo parece estar prestes a


me devorar com seus olhos.

— Eu não... — Desde a morte de Mauro, não posso dizer que


realmente voltei a ser mulher.

— Você é linda... Perfeita, Helena! — Sua boca volta


novamente à minha.
Capítulo 17
Victor Hugo parecia uma pessoa diferente. Ele percebeu quão
nervosa eu estava e simplesmente passamos a madrugada inteira
conversando. Mesmo depois de tirar toda a minha roupa e eu prestes
a ver o volume que aquela cueca escondia e eu não tão
secretamente ansiava.

Fomos os dois para a cozinha; eu descalça, com o zíper do


vestido aberto, ao menos até ele insistir para que eu o trocasse pela
sua camisa de botões, e Victor Hugo usando a calça que vestiu
novamente quando percebeu que eu não estava totalmente
confortável com ele apenas de cueca.

Fiz brigadeiro de panela e ele pegou uma manta e também


conseguiu colocar o capítulo que eu havia perdido à tarde da novela
na TV quando retornamos à sala. Estranhamente ele parecia tão
interessado quanto eu. Tenho quase certeza que ele já odiava
Simão, o vilão, tanto quanto eu.

Conversamos durante horas. Victor Hugo contou-me sobre sua


infância e como ele e Vic não se davam bem e eu admiti que desde o
início achava que eles eram casados, arrancando-lhe sons infantis
que simulavam nojo e risadas que eu nunca tinha ouvido vindo dele.

Em algum momento pegamos no sono no sofá e, acordando


abraçada por meu patrão, lutei silenciosamente tentando sair dali
antes que ele acordasse. Finalmente a minha ficha caiu e eu percebi
que quase havia transado com ele. O que seria do meu emprego
depois disso?

Mal eram seis e meia da manhã e eu já estava na porta de Vic,


esperando para levar Léo para a escola. Minha amiga se assustou
quando me viu.

— Mamãe! — Meu bebê veio correndo até mim, pulando no meu


colo.

— Por que tem uma colher no seu cabelo, Helena? — minha


amiga questiona tentando segurar a risada e coloco Léo no chão
percebendo que peguei metrô e ônibus com uma colher suja de
brigadeiro grudada no meu cabelo.

— Eu comi brigadeiro quando cheguei em casa.

— Sem mim? — Leo cruza os braços irritado. — Não é justo,


mamãe!

— Prometo que faço pra você quando voltar da escola, meu amor
— asseguro-lhe e recebo um sorriso.

— Vem, vamos entrar. — Vic diz quando vê que estou claramente


perdendo a batalha contra a colher. — E você pode me contar como
foi tudo ontem à noite.

— Preciso levar o Léo para a escola...

— Vai ser rápido, vem!

Realmente foi rápido. Principalmente porque consegui me


esquivar da maior parte das perguntas da minha amiga. Pelo menos
das que envolviam o seu irmão.

— Antônio é simplesmente repulsivo — diz, finalmente tirando a


colher do meu cabelo e levando pelo menos metade dos meus lindos
fios com ela. — O que você usou para fazer esse brigadeiro? Cola?

— Eu sei.

— O que Hugo disse quando você contou?

— Eu não contei, Vic.

— O quê?

— Na melhor das hipóteses, ele ignoraria.

— Não é algo do feitio do meu irmão.

— Na pior das hipóteses, eu estragaria a noite. Ele foi muito bem.


Ao menos conseguiu, pelo pouco que entendi, alguns acordos
verbais e marcar algumas reuniões. — Dou de ombros guardando a
colher na bolsa. — De qualquer forma, eu vou jogar aquele cartão no
lixo logo que chegar em casa. Não deu tempo, Victor... quer dizer,
senhor Victor Hugo chegou na hora e fiquei envergonhada.

— Parece que você me substituiu muito bem, apesar de tudo. —


Minha amiga conclui animada. — Você bem que poderia fazer isso
mais vezes por Hugo.

— Ah, não.

— Se não for por ele, por mim. Léo e eu nos divertimos muito,
fico muito sozinha quando o meu marido está viajando e não tenho
disposição para eventos — enumera.

— Foi algo de uma vez só, Vic. Léo, vamos. — chamo meu filho,
que está na frente da TV. — Deixei o seu colar em casa. Pareceu
valioso e não quis arriscar no transporte público.

— Tudo bem. Tenho de conversar com Hugo algumas coisas. Te


aviso quando eu for passar. — Nos acompanha até a porta. — Cuida
bem desse meu crush.
— Tchau, Vic. — Ambos a cumprimentamos.

Consegui levar Léo a tempo para a escola e quando cheguei em


casa, meu patrão não apareceu. Ao menos até que eu coloquei o
uniforme e comecei meus afazeres.

Enquanto eu escutava música no fone de ouvido e lavava a


cozinha, senti mãos me agarrando pela cintura e involuntariamente
levei a vassoura diretamente no rosto de quem estava atrás de mim,
no caso o meu patrão, que rapidamente se desequilibrou e caiu no
chão.

— Meu Deus, me desculpa, senhor Victor Hugo. — Ajoelho-me


ao seu lado e logo sou puxada para cima dele. — Eu me assustei e...

— Bom dia, Helena. — Com um sorriso ele afasta o meu cabelo


do rosto e inverte nossas posições, fazendo com que eu me suje
com a água e sabão que estão no chão da cozinha. — Onde foi tão
cedo?

Por que as palavras dele tem de parecer tão sexys?

— Eu... Precisava resolver umas coisas, senhor. — Uma carranca


se forma rapidamente em seu rosto, mas em seguida ele aproxima o
seu rosto do meu, deslizando a sua língua em minha boca. — Eu,
hum... Uau. — Me vejo dizer antes que possa controlar minhas
palavras e arranco-lhe uma risada.

— Vem, deixa eu te ajudar. — Ele se levanta e me ajuda em


seguida. — Precisamos de um banho...

— Me desculpa, senhor, não queria ter te acertado, é só que o


senhor me assustou e...

— Helena!

— Sim, senhor?
— Eu te vi nua, por que deveria continuar a me chamar de
senhor? — Não é algo comum, mas tenho certeza de que fiquei mais
vermelha do que um tomate maduro.

— Eu... deveríamos...

— Tomar um banho de piscina — diz deslizando devagar e


tentando me levar junto para a porta que leva ao jardim.

— Não acho que seja uma boa ideia.

— Um banho de piscina é sempre uma boa ideia, Helena. — Ele


me levanta no colo com tamanha facilidade, sequer se
desequilibrando no chão escorregadio.

— Senhor...

— Se me chamar de “senhor” mais uma vez, — diz caminhando


pelos paralelepípedos em direção à piscina —, não só irei pular na
piscina como vou te levar junto. — Ele está parado na borda. — Sou
um homem de palavra!

— Não ousaria! — Tento sair dos seus braços, mas cada vez que
me mexo, ele apenas me aperta mais, causando as mais variadas
sensações em minha mente e corpo.

— Experimenta!

— Isso é ridículo, senhor Vict... — De repente ele pula na piscina


comigo no seu colo.
Capítulo 18
— Você é uma pessoa horrível! — grito jogando-lhe água com as
mãos. — Eu poderia não saber nadar. Me afogar!

— E eu faria respiração boca a boca, Helena — diz se


aproximando rapidamente e segurando-me pela cintura.

— Eu acho que...

— Deveríamos nos beijar? Sem dúvidas. — Mais uma vez Victor


Hugo não me dá a chance de raciocinar antes de me beijar,
roubando meu fôlego e qualquer bom-senso que eu possa ter.

Pressionando-me contra a borda, na parte rasa da piscina, ele


não beija apenas meus lábios, beija todo o meu rosto, pescoço e,
abrindo minha blusa devagar, Victor Hugo encontra meus seios
cobertos com meu pior sutiã! Um velho e desgastado, porém
confortável, sutiã amarelo que já teve dias melhores.

Impedindo-me de cobrir, sabendo que não é por conta dele, Victor


Hugo abre o fecho frontal e solta uma espécie de gemido quando
meus seios são libertos. Primeiro suas mãos os tocam como a muito
eles não eram tocados. Imediatamente me contorço, desejando
mais. A água só me cobre da cintura para baixo e, após depositar um
breve beijo em meus lábios, a boca dele desce até meus seios.
Deslizando sua língua por meus mamilos, Victor Hugo os suga na
pressão perfeita, fazendo meu pudor ir para o inferno e eu gemer
sem a mínima decência enquanto o puxo pelos cabelos em minha
direção. Dando atenção a cada um dos meus seios, ele me tira
completamente do ar. Poderia jurar que ele me faria gozar assim,
mas pareceu pouco para ele, que desceu uma mão dentro da minha
calça.

— Ah... — suspiro completamente excitada.

— Isso é música para os meus ouvidos, Helena. Me deixe ouvir o


seu prazer — pede. — Não se controla, geme para mim.

Com um sorriso no rosto que eu não pude evitar e, pelo visto,


Victor Hugo também não, ele me ajudou a sair da água. Seria muito
mais fácil se ele fosse apenas o ignorante que conheci quando
comecei a trabalhar aqui, mas, nesse momento, ele está me
acompanhando até em casa, depois de me fazer gozar dentro da sua
piscina e não aceitar quando tentei retribuir, além de colocar uma
toalha em meus ombros, cobrindo meu corpo.

— Descansa, Helena — diz me beijando na testa. — Eu e você


ainda não terminamos isso...

— Senhor... — Dessa vez volta a beijar minha boca, me


mantendo aérea.

— Todas as vezes que me chamar de “senhor”, vou te beijar. Não


importa onde estiver ou com quem, ok? — Apenas aceno com a
cabeça, arrancando-lhe um sorriso. — Te vejo mais tarde? —
confirmo com a cabeça novamente e, sorrindo, ele vira as costas.

— Espera, sen... Victor Hugo, preciso terminar de lavar a cozinha.


— Ele continua de costas e respira fundo.

— Com uma condição. — Vira para mim.


— Condição para fazer o meu trabalho? — Confirma com a
cabeça e dou de ombros.

— Que você não me acerte com a vassoura de novo. — É


impossível não rir com esse homem que Victor Hugo está mostrando
ser.

Victor Hugo insistiu em me ajudar, apesar da sua clara falta de


habilidade em afazeres domésticos. Mesmo assim, achei sua atitude
fofa e completamente divertida.

Não somos capazes de alterar o passado. Ele aconteceu e


aprendemos com ele. Me peguei diversas vezes olhando para Victor
Hugo e lembrando que, de fato, ele é meu patrão e que, por melhor
que tenha sido nossa conversa na madrugada e nosso episódio na
piscina, ele continuaria sendo o meu patrão e eu sua empregada
mentirosa que esconde um filho.

Ao fim do dia, eu tinha conseguido evitar a maioria das investidas


dele e silenciosamente agradeci quando uma emergência surgiu e
ele avisou que não sabia que horas voltaria, mas que deveríamos
conversar quando ele voltasse.

Leo não havia esquecido da minha promessa. Logo que desceu


da van escolar perguntou do brigadeiro que eu havia prometido pela
manhã e rapidamente voltamos para casa para fazer o doce.

Leo é como uma cópia do pai. Com quase sete anos, lembro de
quando ele nasceu. Com seus grandes olhos cor de mel, pele mais
escura que a minha e uma pequena pinta perto do queixo que Mauro
também tinha. Desde o primeiro dia meu marido se apaixonou por
ele. E eu também.

Minha família não ficou feliz em saber que eu havia engravidado


e casado, ao invés de continuar a faculdade. E simplesmente
cortaram contato comigo. A família de Mauro também não ficou feliz
por uma garota de dezenove anos engravidar do herdeiro principal.
Acusaram-me até mesmo de golpe do baú. Mas nosso amor era tão
forte que, quando Léo nasceu, ignoramos todo o resto.

Porém, não foi muito o tempo que meu marido teve com nosso
filho. Pouco depois do aniversário de três anos de Léo ele sofreu o
acidente e, infelizmente, nos deixou.

Esse tempo, contra o que eu havia planejado, não foi suficiente


para que Léo e eu tivéssemos nossa vida de volta. E nem falo da
casa grande ou de eu voltar a ser dona de casa. Me orgulho do meu
trabalho e de correr atrás por mim e pelo meu filho. Eu falo de poder
dar a ele o brinquedo que ele gosta ou de poder levá-lo em um
parque no fim de semana. Pode não ser muito, mas, com certeza, eu
me sentiria mais realizada.

Felizmente nunca chegamos a passar fome, apesar de nossa


situação não ter sido fácil, porém, Leo e eu estamos bem agora.
Estamos em um lugar bom. Tenho um bom salário, Vic é uma boa
amiga e tenho Victor Hugo...

— Que merda você está pensando, Helena? — questiono a mim


mesma após colocar Léo para dormir, organizar minha cozinha e
finalmente ir para o meu quarto, pronta para dormir.

— Também gostaria de saber... — Victor Hugo aparece na janela.


— Posso entrar?

— Não! — grito. — Quer dizer, eu estou cansada, a casa está


bagunçada e...

— Não ligo para isso, Helena.

— Eu sei, mas é que... Eu realmente estou cansada e preciso


dormir. O meu patrão...

— Que sou eu... — Ele parece estar se divertindo com o meu


nervosismo.
— É um carrasco!

— Ei!

— Boa noite, senhor! — Tento fechar a janela, mas ele me puxa


pelos braços me impedindo e me beijando.

— Eu disse que te beijaria todas as vezes que me chamar de


“senhor”. — Vira as costas. — A propósito, adorei a camisola. Boa
noite, Helena. — Se refere a minha velha blusa de flanela xadrez
vermelha e fecho a janela imediatamente.

— Boa noite, Victor Hugo — falo mais comigo mesma.


Capítulo 19
Dei o meu máximo para fugir de Victor Hugo durante toda a
semana. Mas era impossível. Toda vez que ele descia as escadas
para tomar o seu café me puxava para si, roubando um beijo e
insistindo para que eu tomasse café com ele. E, mesmo que tentasse
me distrair com seus beijos, eu sabia que não deveria me envolver
com ele e com essa situação. A cada investida sua que eu recusava,
ele soltava uma risada que aprendi a reconhecer como a mais
sincera de sua parte.

— Helena!

— Sim, senhor? — Entro em seu escritório e logo sou


recepcionada com um beijo.

— Se quer um beijo, basta pedir. — Suas mãos permanecem


uma na minha cintura e outra no meu rosto. — Não precisa me
chamar de “senhor”.

— Desculpa, é força do hábito. — Ele parece se irritar quando me


afasto.

— Contratei um jardineiro — avisa contornando sua mesa e


sentando-se atrás dela.

— Mesmo? Essa casa vai ficar ainda mais bonita com o jardim
bem cuidado — comemoro.
Eu mesma já havia tentado cuidar do jardim, mas minhas
habilidades com a terra são pouquíssimas, para não dizer nulas. O
lugar realmente precisava de certa atenção e me deixa
extremamente feliz que Victor Hugo tenha decidido contratar alguém
que possa fazer isso.

— Também contratei uma nova pessoa para cuidar da limpeza do


andar inferior — fala olhando feio para a tela do celular.

— Isso significa que... — Meu coração dispara.

Ele não pode simplesmente me demitir assim, pode?

— Que você foi...

— Não pode me demitir porque não transei com você! — Meu


argumento sai como um grito e imediatamente Victor Hugo volta seu
olhar para mim. — Isso não é justo!

— Helena...

— Exatamente! Não é justo. E se isso é uma forma de tentar


fazer eu me...

— Isso é ofensivo! — Se aproxima de mim, irritado.

— Sim, ofensivo, Victor Hugo! Se quiser me demitir...

— Quem está falando de te demitir, mulher? — Sua voz aumenta


gradativamente. — Helena, você está fazendo duas funções desde
que chegou. Eu só estou te promovendo à cozinheira da casa.

— Então eu não estou sendo demitida? — Ele realmente está


irritado, mas tentando se controlar.

Por que eu tenho de ser tapada assim? Ele só está tentando


fazer algo legal.
— Não, Helena, você não está sendo demitida. — Seu rosto está
vermelho. — Muito menos por não transar comigo.

— Eu, me desculpa, nem sei o que dizer... É que eu pensei...

— Pensou o quê, Helena? — Ele está magoado, e com razão. —


Que sou um escroto que faria você usar seu corpo como moeda de
troca para manter o emprego?

— Não eu...

— Não precisa cozinhar nada para mim hoje. — Pega o celular


em cima da mesa. — Pode tirar o resto do dia de folga. — Encara-
me por alguns segundos e sai do escritório balançando a cabeça
negativamente.

— Espera... — O sigo até a porta da frente. — Eu sinto muito... —


Ele sequer vira para olhar para mim. — Victor Hugo? — faço uma
última tentativa.

— Não devo voltar hoje — avisa abrindo a porta e fechando em


seguida.

— Que merda, Helena! — grito comigo mesma. — Você é mesmo


uma idiota!

Nos últimos dias estávamos assistindo a novela juntos, mas hoje,


depois de ter sido tão estúpida a ponto de falar as merdas que falei
para Victor Hugo, resolvi me punir não assistindo ao episódio em que
finalmente a mocinha ia contar que o bebê que perdeu era filho do
mocinho.

Refiz toda a faxina que havia feito no dia anterior e quando deu
quatro horas da tarde ele ainda não havia voltado. Vic chegou pouco
depois que terminei de secar o chão e, com a barriga já começando
a aparecer, colocou os pés apoiados no pufe da sala e sentou na
poltrona.
— Hugo está um porre hoje! — diz após desligar a ligação que
recebeu dele.

— Onde ele está? — questiono rapidamente. — Quer dizer... eu...


bem, ele... O que ele disse?

— Pediu para eu vir entrevistar os novos funcionários, mas, por


algum motivo, o idiota marcou para cinco horas da tarde —
resmunga. — Sabe, eu pensei que ele estava mais tranquilo, nos
últimos dias Hugo está mais o meu irmão e menos o homem
amargurado que havia se tornado.

— Mesmo? — Sento ao seu lado, interessada.

— Sim, ele até mesmo me levou um presente para o bebê. E hoje


me ligou superirritado, praticamente exigindo que eu viesse para ver
a contratação desses funcionários.

— Talvez tenha sido algo no trabalho...

— Ele te tratou mal, Helena? Se ele te tratar mal, avisa que eu


acabo com ele.

— O quê? Não, Vic. O seu irmão não me tratou mal.

— Você viu alguma coisa hoje? Talvez alguém que estava


com ele...

— Eu o vi quando saiu. Ele disse que eu não precisava


cozinhar porque não sabia que horas voltaria.

— Eu mesma terei de encurralá-lo — reclama ao mesmo


tempo que a campainha soa. — Mas vamos lá, mocinha. Precisamos
entrevistar algumas pessoas para a limpeza e um jardineiro. Quem
sabe não encontramos um gostosão para te fazer companhia? — diz
piscando o olho e minha mente me leva diretamente ao seu irmão
sem camisa me beijando no sofá.
— Vou abrir a porta — aviso ao despertar com o segundo
toque da campainha.

Se eu não soubesse que Victor Hugo estava irritado por minha


causa e pela situação que causei mais cedo, diria que ele pediu para
sua irmã fazer as entrevistas simplesmente porque ela é totalmente
competente.

Vic não perdeu tempo. Foi educada, como sempre. Sensível e


objetiva. Como se fizesse isso todos os dias, fez as perguntas certas
e pediu para que eu acompanhasse, pois, segundo ela, nas próximas
eu quem deveria fazer as entrevistas.

Pouco antes do horário de chegada de Léo, já havíamos


entrevistado todos e selecionado os favoritos de Vic.

— Acho que deveríamos contratar a Paloma e o Luís — informa


com um sorriso.

— Eu até concordo sobre a Paloma. — Sua entrevista foi bem


melhor que qualquer entrevista que eu tive na vida. — Ela não
parece ter medo do trabalho e acho que o tempo de serviço não vai
atrapalhá-la na faculdade. — Ela comentou que o emprego era para
ajudá-la com os custos do seu curso.

— E o gostosão do Luís? — pergunta após concordar comigo


sobre Paloma.

— Você não pode contratar alguém só porque ele é gostoso, Vic


— respondo rindo.

— Ué, mas e se for um garoto de programa?

— Victoria!

— Eu só estou brincando, Helena. — Dá de ombros enquanto


bebe a terceira latinha de refrigerante de uva. — Esse bebê vai
acabar me fazendo desenvolver uma bela de uma gastrite. De
qualquer forma, ele realmente é bom. Você não viu o que ele fez
naquele pequeno canteiro em trinta minutos?

— Se você quer contratar ele porque é bom, eu não posso dizer


que está errada.

— É pelos dois motivos. — Dá de ombros recolhendo suas


coisas. — Ele é gostoso e bom no que faz.

— Victoria!!!

— Eu estou falando do serviço dele, Helena. Que mente suja! —


Minha amiga gargalha. — Você pode avisá-los? Vou pedir para
alguém entregar os contratos aqui ainda essa semana. Ok?

Concordo com a cabeça e a acompanho até o carro.

— Manda um beijo pro Léo. E não dê atenção para qualquer


merda que o meu irmão falar. Quando eu o ver, vou resolver seja lá o
que ele tem.

— Espero que ele fique bem.

— É, eu também. — Me sopra um beijo antes de ir.


Capítulo 20
Durante todo o resto da semana, Victor Hugo e eu não
conversamos. Sempre que eu tentava falar com ele, algo acontecia.
A Vic aparecia o xingando aleatoriamente, Paloma precisava de
alguma coisa ou seu celular tocava.

Na sexta-feira ele autorizou a folga que Paloma pediu para


resolver algo da faculdade e Léo iria da escola para casa do
Pedrinho, filho da vizinha de Victor Hugo, que estuda na mesma
turma que ele e que está fazendo uma festa do pijama para
comemorar seu aniversário. Simplesmente o momento perfeito para
conversar com ele.

— Posso entrar? — pergunto batendo na porta e uma resposta


curta afirma que sim.

Mais uma vez ele está sentado atrás da mesa usando óculos e
completamente focado nos papéis na sua frente.

— Como posso te ajudar, Helena? — Ele sequer olha na minha


direção.

— Então vai ser assim agora? — Com meus braços cruzados


abraçando eu mesma, me sinto como quando contei da minha
gravidez e meus pais simplesmente me viraram as costas.
— O que quer que eu diga? — suspira tirando os óculos e
colocando sobre a mesa.

— Não sei. Que me desculpa? Eu sou impulsiva e muitas vezes


falo bobagens.

— É disso que precisa? Tá bom, você está desculpada, Helena.


— Ele passa por mim e abre a porta para que eu saia.

— Victor Hugo... — Ele continua sem olhar para mim e segurando


a porta aberta.

Caminho em direção à saída. E eu vou fazer o quê? Claro que eu


errei em acusá-lo, mas eu pedi desculpas. Tentei conversar, mas ele
simplesmente quer continuar irritado.

Respiro fundo me recompondo e saio do escritório. Em seguida


ele fecha a porta sem me dar chance de falar qualquer outra coisa.

Pelo menos isso não foi longe demais. Não me envolvi a ponto de
sofrer. Ainda bem que mantive em mente que ele era meu patrão e
que eu nunca passaria de sua empregada.

Passando pelo jardim, vejo Luís todo sujo de terra usando uma
calça jeans velha e uma regata que um dia foi branca. O sol ainda
está forte e parece que ele está longe de terminar.

— Um suco, Luís?

— Precisa não, dona Helena. Daqui a pouco eu tomo algo. —


Sua pele bronzeada reluz com o suor. Vic não está errada, ele
realmente é gostoso.

Alto, forte e com um sorriso bonito, com certeza Luís tem a


mulher que quiser aos seus pés. Além de tudo, é supereducado e,
nas poucas vezes que conversamos, me fez perceber que também é
engraçado, inteligente e uma boa pessoa.
— Vem, eu não consigo te carregar se você desmaiar com esse
calor. Olha o seu tamanho e o meu. — Sorrimos juntos, mas ele
passa tempo demais olhando para mim, me deixando um pouco
desconfortável. — Eu... eu acabei de fazer um suco de goiaba. Tá
geladinho.

— Já que a senhora insiste. — Bate as mãos uma na outra


tirando o excesso de sujeira.

— Senhora está no céu. Pode me chamar só de Helena. —


Garanto com um sorriso.

Rapidamente Luís limpou o necessário e me acompanhou para


pegar o suco. O calor simplesmente estava de matar e a aparência
de Luís também era quente.

— Muito bom o suco, Helena. — Agradece com um sorriso, me


entregando o copo. — Mas agora preciso voltar. Aquele jardim vai
ficar lindo quando eu terminar.

— Imagino que sim. Até tentei mexer um pouco, mas acho que as
plantas não gostam muito de mim.

— Como não? Plantas são como mulheres. Precisa tratar com


respeito, amor e carinho. Elas ficam ainda mais lindas e fortes.

— Eu até tentei, mas...

— Vou mostrar para você, vem. — Segura minha mão, me


levando de volta para o jardim.

— Tem medo de colocar a mão na massa? — Me desafia e nego


com a cabeça. — Vamos plantar algo. Escolhe.

— Qualquer uma? — Ele acena positivamente. — Certo... Hum...


O girassol.

— Tá. Vou pegar ele. — E assim faz. — Agora você vai abrir um
buraco para colocarmos ele. — Me entrega uma pequena pá.
— Em qualquer lugar? — Ele nega dessa vez.

— Não ou vai estragar meu projeto — avisa rindo e me aponta o


lugar certo.

Rapidamente faço o plantio como ele me indicou e, em seguida,


molho a flor.

— Viu como é fácil? — Ele pisca para mim e aproxima sua mão
do meu rosto, afastando meu cabelo.

— Luís! — Escuto a voz de Victor Hugo, irritado. — Você pode ir.

— Ainda não terminei o que tenho para fazer, senhor — avisa.

— Por hoje terminou — resmunga. — Helena, pode vir aqui?

— Acho que estamos encrencados. — Luís ri. — Posso te


convidar para jantar? Vou sair mais cedo do trabalho. — Rimos
juntos.

— Agora! — Victor Hugo grita.

— Não vai escapar de mim — garante e nos afastamos.

Victor Hugo continua me encarando das portas francesas que


levam para dentro da casa e, desejando um bom fim de semana ao
rapaz, encontro meu patrão mais irritado do que jamais o vi.

— Você não é paga para plantar nada — resmunga fechando as


portas logo que entro.

— O senhor está com fome? — De repente Victor Hugo me beija.


Um beijo completamente diferente de todos os que ele já me deu. É
um beijo raivoso e sem carinho.

— Sou a porra de um homem de palavra — diz se afastando. —


Disse que sempre que me chamar de “senhor” vou te beijar e isso
continua valendo, Helena.

Ainda estou um pouco zonza. A roupa de Victor Hugo agora


também está suja de terra. Ele não me deu tempo nem mesmo para
que eu lavasse minhas mãos.

— Você está com fome? Quer que eu prepare algo? — Vou até a
pia da lavanderia, lavando minhas mãos.

— Por que estava dando tantas risadinhas com ele?

— Porque ele é divertido. — Dou de ombros passando por ele. —


Vai querer ou não comer algo? Meu horário está no fim.

— Eu não contratei você para cuidar do jardim ou para distrair o


jardineiro do trabalho dele.

— Nem para fazer comida, entretanto, cá estamos nós e eu sou


sua nova cozinheira. — Apoio as mãos na minha cintura. — Quer
que eu faça o quê? Fique implorando suas desculpas? Fiz isso a
semana inteira e você bateu a porta na minha cara.

— O problema não é você, Helena. — Ele tenta se aproximar e


recuo. — Tem coisas acontecendo e...

— E decidiu descontar na empregada?

— Me deixe compensar. Vamos sair para jantar hoje?

— Na verdade, eu já tenho compromisso.

— O quê? Com quem?

— Não que seja da sua conta o que faço fora do meu horário de
serviço, mas irei jantar com o Luís. — Dou de ombros e olho meu
relógio de pulso. — O meu horário de trabalho acabou, inclusive.

— Helena...
— Qualquer coisa, tem comida pronta e congelada no
congelador. Demais necessidades, estarei de volta na segunda-feira
— aviso saindo da casa.

— Você não pode sair com ele. — Segura meu braço.

— Se tem algo que eu posso e vou fazer é ter um encontro com


Luís. — Faço com que me solte.

— Helena...

— Luís, espera. — Rapidamente vou até ele, que está


terminando de recolher suas coisas. — O jantar ainda está de pé?
Capítulo 21
Das coisas que parei de consumir desde a morte de Mauro pizza
foi uma delas e, mesmo sem saber, Luís acertou em cheio, me
levando em um rodízio de pizza.

Apesar de ter aceitado o convite de Luís mais para irritar Victor


Hugo, tive uma ótima noite. Luís é mais inteligente e divertido do que
eu tinha pensado.

Eu até me arrependi de tê-lo usado. Nunca gostei de joguinhos,


nem de usar as outras pessoas. Então voltei para casa recusando a
companhia de Luís, agradecendo a comida e a bebida, disposta a
conversar como adulta com Victor Hugo.

— Cala a boca e me escuta — peço logo que ele abre a porta da


frente, que quase destruí apertando a campainha ao mesmo tempo
em que batia freneticamente na porta.

Estou completamente encharcada. A chuva começou logo que


Luís e eu nos despedimos.

— Você está bêbada? — Tenta me puxar, mas me recuso.


Colocando o dedo indicador em seus lábios e faço barulho de “shhh”
— Só bebi um pouco. De qualquer forma...

— Entra, Helena! O mundo está caindo aí fora e você toda


molhada.
— Eu preciso falar! — Ele parece impaciente e passa a mão no
rosto. Sempre faz isso quando está irritado.

— Então fala.

— Eu não gosto de beber. Fazia quando era solteira e ia para a


micareta — aviso. — Desde a morte do Mauro, essa é a segunda
vez.

— Podemos entrar, por favor? Você vai ficar doente...

— Por que nunca me deixa falar? — Finalmente entro, irritada. —


Eu só vim dizer que sou idiota por ter achado que você estava me
demitindo por não termos transado ainda.

— Ainda? — Ele questiona com um sorriso debochado enquanto


me conduz para algum lugar que, no momento, não sei identificar.

— Foca no que importa. Vamos tomar banho de chuva? — chamo


já correndo porta a fora enquanto ele me chama de volta. — Vem,
Victor Hugo.

— Volta para dentro, Helena. Você vai cair ou ficar doente.

— Só depois que o senhor vier me buscar! — grito e ele corre em


minha direção. — Eu tenho uma palavra mágica. — Sorrio enquanto
ele tenta me tirar da chuva, também rindo.

— Tem sim. Agora vamos entrar.

— O senhor não era um homem de palavra? — desafio.

O sol entra pela janela que esqueci de fechar ontem e o desfile


de Sete de Setembro na minha cabeça não ajuda em nada. Com um
gemido, deslizo mais ainda para debaixo das cobertas, agora
cobrindo também meu rosto e sinto algo que há muito não sentia.
Um corpo masculino nu na cama comigo.

— Que não seja ele. Que seja ele — sussurro para mim mesma
sem saber ao certo se quero que seja ou não Victor Hugo na minha
cama e, devagar, abro meus olhos encarando um abdômen feliz ou
infelizmente já conhecido por mim com uma linha de pelos que leva
até... — Por que essas coisas tem de acontecer comigo?

— Bom dia, Helena — diz e imediatamente subo o meu rosto em


direção ao seu, que também está debaixo da coberta tentando
controlar sua risada.

— O que aconteceu?

— Não lembra?

— A gente não...? — Ele parece irritado e começa a rir em


seguida.

— Apesar de você ter tentado muito me seduzir com sua... Como


é mesmo?

— Por favor, não diga “dança do acasalamento” — sussurro, mas


o maldito ouve.

— Exatamente! — gargalha. — Sua dança do acasalamento,


Helena.

— Me mata, meu Deus!

— Por quê? Foi fofo. E engraçado. — Ele me puxa para fora das
cobertas. — De qualquer forma, você não conseguiu me seduzir.

— Por que me sinto ofendida com isso?

— Não precisa. — Ele me beija duas vezes seguidas ficando por


cima de mim e o sinto duro. — Isso é porque ontem você me chamou
de “senhor”.
— Palavra mágica? — questiono com minha memória voltando
aos poucos, apesar da dor de cabeça, enquanto ele deita ao meu
lado novamente.

— Exato. — Ele ri e parece que é o único som que não me


incomoda no momento.

— Eu...

— Você continua pura e casta, Helena — avisa. — Só estamos


sem roupas porque você me fez encharcar a minha na chuva.

— Estamos na minha casa — comento mais comigo do que com


ele.

— Tentei te convencer a ficar no sofá comigo, mas você disse


que precisava me mostrar algo.

— E o que eu mostrei? — Ele parece estar se segurando muito


para não rir.

— A dança.

— Meu Deus. Me desculpa, isso é algo que minha irmã e eu


fazíamos quando meu irmão levava alguém em casa, só para irritá-
lo.

— É bem... despretensiosa.

— É ridícula. — Mergulho minha cabeça embaixo do travesseiro.

— Você teria conseguido me seduzir com ela se estivesse sóbria.


— Me vira de volta e fica por cima mais uma vez. —
Na verdade, nem precisa fazê-la para me seduzir, Helena.

— Que horas são?


— Quem se importa? É sábado. — Seu rosto desce em direção
ao meu e viro, tentando encontrar as horas, fazendo sua boca
encontrar meu pescoço e minha pele se arrepiar quase que
imediatamente. Golpe baixo!

— Eu me importo.

— Certo. Não se mexa — avisa e fico quietinha enquanto ele


procura seu celular. — Seis horas da manhã.

— Por que estamos acordados às seis da manhã? — reclamo.

— Porque você estava conversando com meu pau debaixo das


cobertas e acordei — argumenta voltando a ficar por cima de mim. —
Agora, podemos continuar?

— Eu... não sei.

— Trabalho apenas com “sim” ou “não”, Helena. — Sua boca


desce pelo meu pescoço, passa por entre meus seios, deslizando a
língua pela minha barriga, roubando-me um suspiro e parando.

— Victor Hugo! — Ele sorri.

— Diga sim. — Faz o caminho reverso, agora com pequenos


beijos em meu corpo. — Ou não. — Seus lábios vão até minha
orelha. — Por favor, não diz que não, Helena.

— Eu quero, mas...

— Mas...

— Faz um tempo desde a última vez — admito e deitando ao


meu lado, Victor Hugo me puxa para o seu peito. — Desde o Mauro
eu não...

— Quanto tempo faz que ele se foi, Helena?

— Quase quatro anos...


— E você não... Nesse tempo...

— As prioridades são outras. Precisei focar em trabalhar.


Tínhamos uma boa vida, mas eu não terminei a faculdade por que...
Enfim, isso não vem ao caso. Eu larguei a faculdade quando
casamos e, quando Mauro se foi... Bom, me restaram as dívidas que
nem sabia que tínhamos.

— E a sua família? A família dele?

— Minha família não quis saber de mim quando larguei a


faculdade para casar aos dezenove anos. A família dele não quis
saber de uma golpista que se casou por interesse. — Dou de
ombros.

— Sinto muito, Helena. Posso ajudar de alguma forma?

— Obrigada. Estou me virando bem. Quando essa dívida


finalmente for quitada poderei voltar a ter uma vida, eu acho.

— Por quanto tempo vocês ficaram juntos?

— Quase o tempo que ele se foi.

— Por que casaram tão jovens? — ignoro sua pergunta. Eu


sempre soube que o motivo definitivo para o pedido de Mauro foi a
minha gravidez não planejada. Nos amamos muito, mas nos
conhecíamos apenas há três meses.

— Você também teve alguém?


Capítulo 22
VICTOR HUGO

— Você também teve alguém? — As palavras de Helena


ecoam em minha mente enquanto decido se conto ou não sobre
Jaqueline, o grande amor da minha vida. — Se não quiser falar
sobre, não precisa.

Mas como falar sobre ela enquanto Helena se aconchega tão


confortavelmente em meu peito? No momento, seu cheiro é uma
mistura floral com ressaca, é tão estranho como essa mistura me
deixa tão confortável e vulnerável.

— O nome dela era Jaqueline — digo após o silêncio


preencher o pequeno e aconchegante quarto do casebre em que ela
está morando. — Ela estava doente, mas eu dei mais atenção aos
negócios que a ela. Um dia ela... Nós estávamos visitando um
apartamento, ela começou a falar sobre não estar certo... Que não
me amava e que odiava nossa vida. E pulou da janela do vigésimo
terceiro andar.

— Meu Deus. — Helena levanta cobrindo seu corpo com a


coberta e eu me sento à beira da cama.

— Íamos ter um filho. Ela estava grávida de um menino —


digo e sinto Helena me abraçar.
Falar sobre a Jaque com qualquer pessoa para mim é muito
difícil.

— Quando nos conhecemos, ela era uma pessoa. Talvez


tenhamos feito isso rápido demais, mas estávamos apaixonados. Eu
estava, pelo menos. — Helena não fala nada, seu rosto está apoiado
nas minhas costas e seus braços em volta do meu peito. — Ignorei
alguns sinais de que ela não estava bem. Priorizei o trabalho. Pedi
para a mãe a acompanhar em momentos que eu deveria.

— Tenho certeza de que fez o que podia para isso não


acontecer.

— Eu deveria... Eu poderia ter feito mais. Somente depois que


tudo aconteceu que eu descobri a verdade, Helena. Ela estava
doente e eu viajando a trabalho.

— Victor Hugo... — Ela me solta e desce da cama, se


ajoelhando na minha frente enquanto segura minhas mãos. — Eu sei
que é doloroso. O do Mauro foi um acidente provocado por outra
pessoa e eu nunca consegui me perdoar. Não sei o que você sente,
só posso imaginar. Mas você não pode se deixar ser definido por
isso. Você é um bom homem. Difícil, turrão, mas um bom homem —
diz me arrancando uma risada. Helena tem o dom de me fazer rir.

— Você é incrível. Não sei o que fiz para que alguém como
você aparecesse na minha vida.

— Colocou um anúncio para vaga de limpeza de palácio. —


Sorri. Até a sua risada é atraente.

O que você está fazendo comigo, Helena?

Mesmo quando me irrito com ela, como quando pensou que


eu ia demiti-la por não termos transado ou quando estava no jardim
entregando sua doce risada ao novo jardineiro ou mesmo quando, só
para me irritar, decidiu sair com ele... Mesmo assim, não consigo
deixar de pensar nela.
— Você é linda!

— Você já me disse isso antes. — Seu sorriso, dos percalços


que a vida tem colocado para ela, é contagiante.

— Vou dizer o quanto você deixar... — Beijo a ponta do seu


nariz.

— Isso é novidade!

— Sai comigo hoje?

— Eu... Não posso. — Parece nervosa.

— Então janta em casa comigo.

— Eu quero, mas não posso.

— Helena, estamos pelados aqui no seu quarto. Não é porque


estaremos na minha casa que vou te desvirtuar. Já fiz isso. — Ela ri
e é impossível eu não a acompanhar.

— Outro dia. Prometo. E jantar não.

— Por que não?

— Porque... — Levanta evitando contato visual comigo. —


Porque... estou começando uma dieta. — Puxo o lençol que ela
mantém enrolado em seu corpo e rapidamente o vejo. Não existe um
defeito ali. — Victor Hugo! — protesta se enrolando novamente na
coberta.

— Você está perfeita, por que está fazendo dieta?

— Para continuar perfeita, ué — responde mostrando a língua


e puxo o lençol novamente, dessa vez com o objetivo de trazê-la
para perto e ela vem.

— Sai comigo, vai.


— Saio. — Sorri encostando seus lábios nos meus. — Mas
não hoje.

— Helena! — A derrubo na cama e cubro seu corpo com o


meu. — Vamos lá, eu sei ser bem persuasivo.

— Não duvido das suas habilidades de persuasão. Eu


realmente não posso esse fim de semana.

— Tem planos? — mordisco sua orelha. Já percebi ser o seu


ponto fraco.

— Mais ou menos. Tenho de ir no meu antigo bairro.

— Posso te levar...

— Nem pensar. Imagina só eu chegando lá com meu patrão


no volante? Não, não. Fora que fica do outro lado de São Paulo,
você provavelmente não conseguiria chegar lá...

— Não me desafie.

— Não estou. — Passa os braços por trás do meu pescoço.


— Mas prefiro ir sozinha.

— Quando então, Helena? — Beijo o seu pescoço. — Quando


poderei te levar para um encontro?

— Eu te aviso... — diz puxando meu cabelo fazendo meu


rosto ir na direção do seu. — Senhor!

Sorrindo, deixo meus lábios encontrarem os seus. Os lábios


de Helena são macios e o gosto da sua boca é único. Ela inteira não
é como ninguém que já conheci. Sua língua desliza em minha boca,
se enroscando com a minha, e não tenho outra escolha que não
retribuir tudo o que ela está me fazendo sentir naquele momento.


Antes das nove horas da manhã Helena me expulsou da sua
casa, prometendo que logo me passaria a data de quando finalmente
sairíamos. Eu estava me sentindo simplesmente um adolescente
imaturo e ansioso.

Durante todo o fim de semana não nos vimos; mesmo que


tenhamos trocado algumas mensagens, não foi a mesma coisa. Até
mesmo minha irmã a visitou, mas Helena recusou qualquer uma das
minhas sugestões de vê-la. Queria dormir com ela, como fizemos de
sexta-feira para sábado. Estranhamente senti sua falta de uma forma
que nunca senti a falta de ninguém. Nem mesmo da Jaque.

E não era porque queria transar com Helena. Eu queria. EU


QUERO. Mas dormir com ela foi bom e tranquilo. Foi reconfortante e
só acordei quando a ouvi falando sozinha embaixo da coberta.

Helena é simplesmente perfeita. Tudo o que eu não sabia que eu


estava procurando.

— Oi, Hugo! — Cláudia atende rapidamente, apesar de passar


das dez horas da noite de domingo.

— Desculpa pelo horário, Clau.

— Como posso te ajudar?

Como poderia esquecer de alguém tão querida?

— Eu queria dar um presente, um vestido. Preciso de você para


isso. Sei que provaram dezenas da última vez antes de chegarem a
algo que ela gostou. Poderia me ajudar com isso? — Sei que a essa
altura Cláudia já está tirando as próprias conclusões, mas é discreta
demais para falar qualquer coisa.

— Para quando?

— Consegue para amanhã?


— Com certeza!

— Obrigado, Cláudia. Fico te devendo uma! Boa noite! — Desligo


animado com o que estou planejando.
Capítulo 23
HELENA

Durante o fim de semana Léo não estava muito bem e, após pedir
ajuda de Vic, minha amiga constatou que meu pequeno estava
apenas com uma infecção de estômago por conta da festinha da
sexta-feira.

Mimei ele durante os dois dias que me foi permitido e desistindo


de pedir folga a Victor Hugo quando ele informou que passaria o dia
fora, ainda no dia anterior, por mensagem, resolvi levar Léo comigo
para a mansão para cuidar nos meus afazeres e cuidar dele ao
mesmo tempo. Luís só trabalharia depois do almoço e Paloma
estava de folga por conta de algo da faculdade. Seríamos apenas
nós dois.

Seria! Pois antes mesmo das dez horas da manhã escuto Victor
Hugo entrando em casa, ruidosamente e irritado, junto com alguém.
Uma gritaria se faz presente, nunca o vi assim antes e quando
finalmente é cessada, escondo Léo rapidamente na dispensa.

— Bom dia — falo logo que ele entra na cozinha.

— Helena, pode pegar o pacote que eu deixei no carro, por


favor? — pede me entregando a caixa.

— Hum... Agora?
— De preferência.

— Mas...

— Você pode, por favor, fazer algo que eu peço, Helena? —


Apesar de estar irritado, vejo que ele está tentando se controlar. —
Se minha visita indesejada ainda estiver lá fora, não quero cruzar
com ela. Então, por favor, vai até o carro buscar o pacote.

— Está bem, mas você tem de ficar quietinho no mesmo lugar até
eu voltar, tá? — Meu filho acena pela fresta da porta e Victor Hugo
parece não entender.

— É algum fetiche seu me irritar, Helena?

— Eu já vou! — resmungo e saio correndo até o veículo.

— Ei, você aí!!! — Escuto Victor Hugo gritar e deixo a caixa cair
no chão antes de correr de volta para a cozinha. — Merda!!!

— O que houve?

— Tinha uma criança aqui — grita. — E ela comeu meus


biscoitos!

— O quê? — Me faço de desentendida.

— Uma criança, Helena. Um garoto. O encontrei na dispensa


comendo meus biscoitos, mas ele saiu correndo.

— Você tem certeza?

— Era meu último pacote, Helena, então, sim, eu tenho certeza.


E vou encontrar esse pestinha! — Tenta sair para o jardim, mas o
impeço.

— Foi só um pacote de biscoitos, Victor Hugo!


— Mas ele estava dentro da minha casa e roubou meus biscoitos.

— Você tem certeza que viu alguém por aqui? Estou trabalhando
aqui há meses e nunca nenhuma criança invadiu a casa...

— Tenho certeza, Helena. Ele devia ter uns oito ou sete anos.

— Pode ter sido o ajudante do Luís...

— Ele tem menos da metade da minha altura, Helena!

— Isso é constrangedor, mas acho que você está sendo


grosseiro. O ajudante é anão, Victor Hugo.

— O quê? Helena, eu sei o que é uma criança... E mesmo que


não tenha sido, roubou meus biscoitos. Era o último pacote.

— Eu passo no mercado. Se não foi o ajudante do Luís, com


certeza deve ter sido o... o... — Meu Deus, o que eu estou fazendo?

— O...?

— Você sabe!

— Não, não sei, me conta...

— Ora, Victor Hugo, deve ter sido o filho da vizinha. Sabe como
são crianças...

— Mas o filho da vizinha é diferente...

— Você só tem um vizinho?

— Não, mas...

— Victor Hugo, é uma criança.

— Vou ao mercado e depois passar na casa da vizinha... —


resmunga.
— Vai mesmo arrumar confusão por causa disso?

— Acho que não. — Ele parece mais curioso que irritado. — Quer
ir comigo, Helena?

— Prefiro ficar cuidando das coisas que tenho para fazer.

— E a caixa?

— Você me assustou com o grito, deixei na sala — explico, o


acompanhando até o cômodo.

— É um presente para você usar no nosso encontro.

— Mas ainda nem decidimos uma data...

— Não importa. Só o que me importa é que você vista para que


eu possa tirar — diz me dando um rápido selinho e saindo em
seguida.

Deixo a caixa em cima do balcão da cozinha sem sequer abrir e


rapidamente saio à procura do meu filho. Por pouco Victor Hugo não
só descobriu que ele é meu filho como também que eu tenho
mentido, na verdade, omitido.

Não demoro a encontrar Léo atrás da nossa casinha, comendo o


pacote roubado de biscoitos, assustado. Logo que me vê, corre para
o meu colo com o rostinho sujo e pedindo desculpas.

Mando mensagem para Vic contando o que aconteceu, omitindo


a parte do presente do irmão dela. Não quero contar ainda para ela o
que está acontecendo entre nós dois até ter certeza do que
realmente é isso.

Após deixar Léo assistindo um desenho na televisão, volto na


mansão apenas para buscar a caixa, para não correr o risco de que
Victor Hugo o decida levar para mim.
Léo dorme rapidamente. Ainda está cansadinho por conta do
estresse e da infecção que teve no fim de semana. Amanhã, terça-
feira, ele volta às aulas, mas agora ele precisa de carinho de mãe e é
o que vou dar.

Fecho as janelas e tranco as portas antes de mandar uma


mensagem para Victor Hugo dizendo que precisei sair e que não sei
que horas voltarei e que, se necessário, pode descontar o dia do
meu salário. Após avisar Vic para que não fique preocupada, desligo
o aparelho.

Depois da van buscar Léo pela manhã, decido finalmente ligar o


aparelho e a chuva de mensagens recebidas, fora as ligações da
parte de Victor Hugo, conseguem travar o celular.

Tão logo entro na mansão, Victor Hugo vem até mim preocupado.

— Está tudo bem, Helena? Você sumiu e eu não sabia onde te


encontrar — reclama. — Por que minha irmã sabia onde você estava
e eu não?

— Eu... Precisei resolver umas coisas e voltei tarde.

— Está tudo bem?

— Agora sim, mas... — Um nó na minha garganta me impede de


continuar falando.

— O que houve, Helena? — Ele me abraça enquanto


inevitavelmente minhas lágrimas descem.

— Me desculpe.

— Não tem que se desculpar, Helena. Só me diz o que está


acontecendo...
— Eu... — Por um segundo decido finalmente contar a ele a
verdade sobre Léo. Estou cansada de esconder o meu filho, mas eu
preciso do emprego. Tenho certeza de que Victor Hugo não vai me
perdoar por minha mentira. — Eu...

— Você não sabe o que aconteceu no fim de semana, Helena. —


Paloma entra na cozinha e imediatamente Victor Hugo e eu nos
afastamos. — Me desculpa, não sabia que o senhor estava aqui.

— Tudo bem, Paloma, ele já está de saída. — Limpo meu rosto.

— Helena...

— Não é mesmo? — insisto e ele sai, parecendo preocupado


e me deixando apenas com Paloma.

— Está tudo bem, Helena? Ele fez ou disse algo para você?

— Não, ele não fez nem disse nada. Sou só eu de TPM,


Paloma — digo tentando colocar um sorriso no rosto enquanto ela
me olha atenciosamente.

Paloma é uma garota legal. Com vinte anos e sendo a pessoa


mais animada que já conheci, depois da Vic, claro, é uma ótima
companhia.

— Se precisar conversar, eu estou aqui.

— Eu sei, obrigada. — Dou um abraço nela. — Agora me


conta, o que aconteceu no fim de semana?
Capítulo 24
Tentei evitar Victor Hugo a todo custo durante a semana, mas
na quinta-feira, quando estava entrando, ele me encurralou, me
beijando como se não o fizesse há séculos.

— O que foi isso? — Ofegante, é a primeira coisa que consigo


dizer.

— Parece que está fugindo de mim... E para mim é difícil


admitir, mas senti saudades. — Me rouba um selinho e desce uma
mão pelo meu corpo até chegar na barra da minha calcinha
adentrando-a. — Eu preciso fazer uma viagem e queria muito que
você fosse comigo.

— O quê?

— Exatamente isso que você ouviu, Helena — diz com um


sorriso malicioso enquanto movimenta seus dedos em mim. —
Queria muito que você fosse comigo. Mas eu te vejo na volta, não
vou demorar.

— Tá bom — resfolego.

— E quando eu chegar, você vai finalmente sair comigo? —


confirmo com a cabeça que sim e seus dedos continuam se
movimentando dentro da minha calcinha. — Está gostando? —
Deposita beijos molhados em meu pescoço e colo.
— Ah... sim, estou. — Sua boca toma a minha para si em um
beijo devasso. Sua língua nunca pareceu tão erótica quanto agora.
Só o pensamento me deixa mais e mais perto do ápice, até que... —
Victor Hugo, isso... Ah! — Me derreto em sua mão.

— Quando eu voltar, vamos bem além disso, Helena. — Sua


mão abandona minha calcinha e Victor Hugo a leva até sua boca,
lambendo seus dedos. — Ainda não acabamos. Volto em alguns
dias.

— Tá bom.

— Vai sentir minha falta?

— Mais do que você pensa — aviso tomando a iniciativa do


beijo desta vez.

Victor Hugo não especificou quantos dias ficaria fora, mas desde
o momento em que deixou a casa, começou a me mandar
mensagens no celular. Obriguei-me a não o responder durante o
horário de serviço. Não queria que ele achasse que só porque não
está em casa eu não estaria trabalhando. Também não perguntei
quando ele voltaria, por mais que eu quisesse.

Do momento em que eu acordava ao momento em que ia dormir,


havia mensagens dele. Menos de vinte e quatro horas longe de
Victor Hugo foi o suficiente para que eu percebesse que não só
sentia sua falta, como também me deixou completamente ansiosa
para sua volta, quando teríamos o nosso primeiro encontro.

No fim do terceiro dia, Victor Hugo me avisou que chegaria no dia


seguinte, sexta-feira, e que me buscaria às sete horas para o nosso
encontro. Sem querer me afobar, mandei uma mensagem para Vic
perguntando da possibilidade de ficar com Léo. Eu detestava pedir
algo a qualquer pessoa, mas deixar o meu bebê sozinho estava fora
de cogitação e eu já tinha mandado a Helena sensata que jamais
sairia com seu patrão para bem longe.

— Espero que se divirta. — Minha amiga diz animada quando


deixo Léo em sua casa.

— Léo, obedece a tia Vic, sim? — Ele acena com a cabeça,


me dá um beijo e sai correndo para dentro da casa.

— Não vai mesmo me dizer com quem vai sair?

— Por enquanto não. — Não quero contar algo que nem


aconteceu, afinal, Victor Hugo é irmão dela.

— Por favor!!!

— Deixa eu ver onde isso vai dar...

— É o Luís? É finalmente o segundo encontro de vocês?

— Tchau, Vic.

— Não ouse vir buscá-lo antes de domingo. — Minha amiga


adverte.

— O quê? Nem pensar...

— Helena, não discuta comigo! Você vai aproveitar esse fim de


semana...

— Não vou ficar o fim de semana longe do meu filho!

— Não, você vai passar o fim de semana ou se divertindo muito


ou tirando um tempo só para si. De qualquer forma, você precisa de
uma folguinha. — Vic me abraça com carinho. — Faz assim, você vê
ele na segunda-feira depois da aula.

— Não, Vic...
— Não discute, Helena. Eu sei que você ama o Léo mais do que
a si mesma, mas precisa cuidar de si também. Já te disse isso e vou
repetir: você é linda, jovem e não precisa morrer porque isso
aconteceu com o seu marido. — Suas palavras são fortes, mas em
nenhum momento Vic é desrespeitosa. — Não siga o exemplo do
meu irmão de se fechar para a felicidade.

— Obrigada, amiga. — A abraço, emocionada.

Victor Hugo havia me feito abrir a caixa ainda na primeira noite


que passamos a nos falar por mensagens. Eu tinha até esquecido,
mas ele me fez lembrar, mesmo sem intenção, quando perguntou o
que eu havia achado.

A caixa preta com logo da loja dele em dourado “VHM” se tratava


de um retângulo com tampa removível. Dentro, enrolado em papel
vermelho, encontrei um vestido preto com lindas rosas vermelhas em
aquarela estampadas no tecido fluido. Também encontrei um par de
sapatos scarpin pretos, uma bolsa com alça dourada em corrente e
um cartão escrito à mão onde dizia:

“Obrigado, Helena, por ser exatamente você.”

Não estava assinado e, obviamente, não precisava. Mas, mesmo


que Victor Hugo não tivesse me falado para pegar a caixa, eu
saberia de alguma forma que aquilo viria dele.

Após ter deixado Léo com Victoria, voltei para casa ansiosa para
me aprontar, utilizando um pouco do que o maquiador que me
produziu para o evento em que fui com Victor Hugo me ensinou.

Cumprimentei Luís rapidamente, o jardim estava lindo, mas


minha ansiedade para ficar pronta e ver meu patrão era maior.
Demorei um pouco no banho, optando pela velha lâmina batendo no
box. Talvez essa fosse a noite em que eu finalmente me entregaria a
ele. Eu esperava que fosse. Até mesmo coloquei a calcinha nova
que havia comprado após ele viajar.

Às sete horas da noite eu já estava totalmente pronta. Com o


vestido estilo ciganinha deixando meus ombros livres, mesmo com
as pequenas manguinhas nos braços. Seu comprimento descendo
até meus tornozelos, o salto preto e a bolsa. Complementei com uma
correntinha dourada que havia comprado em um camelô há algumas
semanas. Deixei meus cabelos ondulados soltos e passei também
um batom vermelho, como gostava de fazer desde a adolescência e
não fazia há muito tempo.

As batidas na porta fizeram meu coração disparar. Parece que


voltei a ter quinze anos novamente. Minhas mãos estão suando e
logo que o vejo do lado de fora com uma pequena flor nas mãos,
meu coração para por um segundo antes de voltar a bater
rapidamente. Usando uma camisa preta de botões e calça de mesma
cor. Ele tem essa preferência de cores.

— Eu... Uau!

— Oi! — respondo verdadeiramente envergonhada. O olhar de


Victor Hugo parece desejar cada centímetro do meu corpo.

— Você está mais linda do que imaginei quando escolhi esse


vestido.

— Você escolheu?

— Com uma ajudinha da Cláudia — admite me entregando a flor.


— Está perfeita, Helena.

— Obrigada. — O que eu realmente quero é um abraço, um beijo,


que ele tire minha roupa e...

— Nesse momento eu queria te ter aqui, só para mim. — Ele


parece ler meus pensamentos. — Mas seria egoísta demais não te
mostrar para o mundo ao menos um pouco. — Me oferece o braço.
— Senhor? — Decido apelar e com um sorriso encara minha
boca.

— Eu sou um homem de palavra, Helena. — Aproxima devagar


colocando meu cabelo para trás. — Não quero que se sinta ofendida,
mas não irei realmente te beijar agora. Não tente estragar o meu
plano de ser um verdadeiro cavalheiro, linda. — Finalmente aceito
seu braço, mesmo frustrada com a falta do seu beijo.
Capítulo 25
Uma vez Luís me disse que gostava de trabalhar durante a noite,
mas ainda assim me surpreendi quando o vi mexendo no jardim
aquele horário. Ele, por sua vez, se surpreendeu de me ver de
braços dados com Victor Hugo e apenas nos cumprimentou com um
aceno de cabeça.

Após Victor Hugo abrir a porta do carro para mim e esperar que
eu me acomodasse, rapidamente ele entrou no lado do motorista.

— Acho que seu pretendente acaba de desistir de você, Helena


— diz com um sorriso irônico.

— Luís é um novo amigo. Está com ciúmes?

— Não vamos estragar a noite. Tenho planos para nós.

— Aonde iremos?

— Você verá. — Me dá um beijo na bochecha que aquece todo o


meu corpo. — Eu amo o seu perfume. — Para um segundo
inspirando o ar próximo do meu pescoço e em seguida dá partida no
carro.


Fiquei surpresa quando Victor Hugo parou o carro em uma
charmosa rua no centro de São Paulo com duas fontes majestosas e
lindas luzes coloridas por toda sua extensão.

— Conhece? — Nego com a cabeça. — Essa é a rua


Avanhandava. Um amigo é chefe de cozinha em um dos
restaurantes. Espero que goste de comida italiana.

— Lasanha conta? — pergunto e ele ri, descendo do carro e


rapidamente vindo abrir a porta para mim. Gosto do som da risada
dele.

— Sim, nós podemos pedir lasanha. — Beija minha mão


enquanto entramos no estabelecimento.

O jantar foi delicioso. O amigo de Victor Hugo, Manuel, nos


convenceu a deixá-lo nos surpreender e ele conseguiu. Primeiro veio
uma enorme variedade de queijos, antepastos e pãezinhos
maravilhosos. Em seguida, uma salada que seria impossível de
descrever.

Como prato principal, nos deliciamos com tagliarini com


ossobuco e molho ao sugo. O vinho foi também recomendado por
Manuel, assim como a sobremesa: uma fatia de torta três mousses
simplesmente divina. Quando o café chegou, eu mal me aguentava
de tão cheia.

— Eu tinha planejado outras coisas para esta noite. — Victor


Hugo estaciona o carro.

— Não deveria ter me enchido de comida então — brinco, o


caminho para casa foi devagar o suficiente para que eu já estivesse
bem quando chegamos.

— Você gostou, Helena? — confirmo acenando com a cabeça,


como uma criança, e mais uma vez ele desce do carro rapidamente,
o contornando, para abrir a porta para mim.
— Aquela rua tem uma magia. Tudo ali parece projetado para ser
perfeito e nos dar a sensação de que tudo sempre vai ser perfeito —
suspiro e ele segura minha mão, me conduzindo, contornando a
casa e me levando até a minha. — Eu preciso te contar uma coisa
importante que...

— Seja lá o que for, Helena, não se preocupe com isso hoje.

— Mas é importante...

— E você pode me contar depois — diz segurando minhas duas


mãos enquanto olha em meus olhos em frente à minha casa. — Não
há nada que você possa me dizer que vai mudar o que eu estou
sentindo por você, Helena.

— E o que você está sentindo? — Meu coração acelera em


antecipação e piora quando ele abre um sorriso.

Coração se controla, nada de ataques cardíacos antes de escutar


o que Victor Hugo tem a nos dizer.

— Não sou bom com palavras...

— Eu gosto de você, Victor Hugo — admito e mesmo nervoso,


seu sorriso aumenta.

— Eu mais que gosto de você. Eu... — Me puxa pela cintura e me


beija. O beijo que ansiei a noite toda, não, desde o momento em que
ele saiu pela porta da casa dele após me fazer desmanchar sob seu
toque. — ... Amo seus beijos.

Quando nos afastamos, percebo por que até então não havíamos
nos beijado. Victor Hugo está parecendo um palhaço com borrões
vermelhos em seu rosto. E é impossível segurar minha risada.

— Você fica ótimo de batom vermelho — aviso lhe dando mais


um leve beijo. — Quer entrar?
— Quero sim. — Tira um lenço do bolso limpando não o seu, mas
o meu rosto. — E você me julgando por não ter te beijado antes. —
Entra sorrindo comigo em casa.

— Eu não teria usado esse batom se...

— Você pode usar esse batom sempre, Helena. Vem cá. — Me


puxa para os seus braços novamente. — Estou amando borrar seu
batom. Pode usar apenas ele para mim, se quiser.

— Victor Hugo! — O repreendo, envergonhada.

— Gosto como meu nome soa em sua boca. — Devagar ele


passa o lenço em meu rosto com os olhos fixos em meus lábios. —
Quero ouvir você gemendo-o novamente. — Então seu olhar volta
aos meus. Seus olhos, antes tão difíceis de serem decifrados, nesse
momento parece que nunca esconderam nada. — Pronto.

— Minha vez. — Pego o lenço de suas mãos e limpo o seu rosto


sem conseguir tirar meus olhos dos seus. — Eu... eu... senti sua
falta. — Essa é a última coisa que qualquer um de nós dois diz antes
de voltarmos a nos beijar.

Sem tempo para pensar ou respirar, Victor Hugo levanta meu


vestido, tirando-o de mim antes de me pegar no colo e me levar para
o quarto sem fazer cerimônia alguma. Devagar, ele me põe na cama
e o escuto tirar a própria roupa. A única luz no quarto vem da sala e
um pouco da janela aberta. Não tem mais volta, minha decisão é
essa, me entregar a ele.

Sinto suas mãos voltarem ao meu corpo quando ele segura meus
tornozelos, tirando meus sapatos e deixando-os cair no chão. Não
apenas minha respiração está alta, a dele também. Victor Hugo traça
uma trilha de beijos pela parte interna das minhas pernas até
encontrar minha calcinha.

Suas mãos tateiam a lateral da única peça que ainda cobre o


meu corpo e volta a fazer o caminho de beijos pela minha barriga,
parando um momento em meus seios, sugando lentamente cada um
deles antes de voltar o caminho até atingir os meus lábios. Meu
corpo está a sua mercê.

Uma de suas mãos desliza para dentro da minha calcinha


enquanto Victor Hugo continua com o melhor beijo que já havia me
dado. Seus dedos circulam meu clitóris utilizando a pressão certa e
fazendo nossos lábios se separarem quando um gemido me escapa.
E não sou a única a ter essa reação. O gemido de Victor Hugo é
simplesmente a coisa mais erótica que já ouvi.

Sem conseguir me controlar, rebolo em seus dedos e, com


seu sorriso em meu pescoço, percebo o quanto ele está gostando.

— Eu vou amar o seu corpo a noite inteira, Helena — diz


próximo ao meu ouvido e voltando a descer seu rosto até minha
calcinha.

Devagar, Victor Hugo desce a peça até tirá-la de mim e sinto


seu nariz próximo da minha pele antes da sua língua me provar.
Primeiro, apenas um leve toque, mas, após uma espécie de rosnado,
ele começa a não apenas me lamber, mas me chupar, devorar com
sua boca habilidosa.

Minhas mãos arrastam pela cama quando Victor Hugo,


ajoelhado em minha frente, me faz apoiar minhas pernas em seus
ombros, segurando em meu quadril enquanto peço por mais.
Estamos em sintonia.
Capítulo 26
Deslizando dentro de mim, Victor Hugo sussurra meu nome
apoiado sobre um braço e me abraçando com o outro. Apertando
meu corpo, me beijando e misturando o seu suor com o meu. Oficial
e completamente cada pedacinho de mim pertence a ele quando
gozamos juntos. Deitando ao meu lado, me puxa para cima de si e
me dá um rápido beijo no topo da minha cabeça.

Eu não quero que ele saia de dentro de mim e, tenho quase


certeza que ele também não quer, mas fazemos isso. O ventilador e
a janela aberta tentam em vão nos refrescar. Maldito verão.

Com minha cabeça apoiada no seu peito e seus braços em minha


volta, sinto Victor Hugo adormecer; após ver no relógio que já passa
de duas horas da manhã e que consigo respirar normalmente, tento
acordá-lo.

— Ei, precisamos de um banho. — Ele resmunga. — Ao menos


eu preciso.

— Vamos tomar esse banho... — Victor Hugo me solta do abraço


apertado deixando-me levantar.

Acordar nos braços de Victor Hugo mais uma vez é simplesmente


bom demais para ser verdade. De tudo o que aconteceu comigo nos
últimos anos, essa é uma das mais surpreendentes e benvindas.

Tentando esticar meu corpo, percebo Victor Hugo me observando


e tento puxar o lençol para cobrir meu corpo nu, sendo impedida por
ele.

— Você não ronca, nem fala enquanto dorme. — Sua voz rouca
mostra que ele acordou há pouco. — Também não se mexe muito.
Qual o seu defeito?

— Sou uma mentirosa... — digo e ele cai na risada ignorando


meu súbito momento de consciência. — Está com fome? Deseja
alguma coisa?

— Um pouco. — A risada o deixa e um sorriso malicioso toma


conta dele. — Posso comer você?

— Ai, meu Deus, não acredito que você disse isso.

— Quis dizer isso quando encontrei você se esgueirando para


entrar em casa aquele dia — admite. — Eu amo o seu cheiro,
Helena. E agora estou com ele em mim. Acho que nunca vou
esquecê-lo.

— Um dia te passo o nome do perfume para você espirrar no seu


travesseiro. — Dou um selinho rápido e consigo roubar o lençol para
me enrolar quando levanto.

— Eu não estava brincando, Helena... — Victor Hugo levanta sem


vergonha alguma da sua nudez, mas como ter vergonha de algo tão
perfeito? — Eu quero... — Tento correr, mas rapidamente ele me
alcança. — Você...

— Você não cansa? — questiono rindo em seus braços quando


sou derrubada na cama e ele se joga em cima de mim.

— De você? Duvido que um dia cansarei — diz segurando meus


braços acima da minha cabeça. — Não faço ideia de como você
apareceu assim na minha vida e roubou o meu sossego...
— O seu sossego? — Ele acena com a cabeça positivamente.

— Em pouco tempo, Helena, você virou a minha vida de cabeça


para baixo. E... O que eu quero dizer, é que, bem, isso é difícil...

— Hugo...

— Vai me chamar assim agora? — Seus olhos parecem


brilhar por um instante e confirmo.

— Eu sinto o mesmo, Hugo.

— Sente?

— Não sei o que exatamente está acontecendo entre nós, mas


eu gosto, me faz bem e acho que faz bem para você também. — Ele
assente com a cabeça. — Mesmo que seja extremamente
assustador...

— Podemos tentar então?

— Sim. — Não sou capaz de esconder meu sorriso. — Nós


podemos tentar. — Mais uma vez, nossos lábios se encontram.

Passamos o fim de semana inteiro juntos. Apesar da curiosidade


de Victor Hugo sobre o quarto de Léo, que deixei trancado o tempo
todo, não consegui contar a ele sobre ser mãe e estar mentindo para
ele. Ele também não quis voltar para casa e percebi que tinha mais a
ver com o fato de ninguém poder ir ao andar superior do que com
nós dois.

No início da noite de domingo recebi uma mensagem de Vic


informando que estava vindo para casa com Léo e por alguns
minutos, enquanto Victor Hugo estava no banho e eu fazia a lasanha
que jantaríamos, me permiti surtar enquanto pensava em uma
solução.
Tirei Victor Hugo do banho prometendo fazer o que ele quisesse
no dia seguinte e o coloquei porta a fora, mesmo com ele insistindo
que deveríamos falar com sua irmã sobre nós.

— Nós não vamos contar a Vic enquanto não soubermos o que é


isso, Hugo! — resmungo colocando seus sapatos, calça e camisa no
seu colo.

— Você vai me expulsar só de cueca?

— Você mora a dois minutos daqui, Hugo!!! — Estou nervosa


com a possibilidade de ele ver Leo.

— Isso mostra muito sobre quem você é, Helena. Você está


expulsando um homem seminu da sua casa à noite depois de um
tórrido e quente fim de semana de sexo. — Tenta me beijar, mas o
impeço.

— Vai, Hugo!!!

— Está bem, mas você está me devendo. Lasanha e outras


coisas!

— Vai! — Mando uma última vez, rindo, e ele vai.

Não demora muito, cerca de vinte minutos após eu conseguir


expulsá-lo, Vic chega com Léo, que me abraça forte quando me vê.
Eu também senti falta dele, a todo momento estava mandando
mensagem para minha amiga pedindo foto, vídeo e notícias dele.

— Mamãe, a Vic precisa de comida da mamãe — afirma levando


a mochila para o quarto que já destranquei após a saída de Hugo.

— Banho, Léo — aviso.

— O que houve? — pergunto a minha amiga, que me abraça tão


forte quanto meu filho.
— O Lu e eu tivemos uma discussão. Eu estou cansada de dividir
meu marido com o trabalho — reclama sentando no banquinho. —
Você nem conhece ele e nos conhecemos há quanto tempo? Três,
quatro meses? Você frequenta a minha casa...

— Eu entendo, mas qual foi a gota d’água?

— Combinamos que ele ficaria o fim de semana em casa, já que


tinha viagem marcada na terça-feira. Hoje recebeu uma ligação e
disse que precisava ir para o Rio de Janeiro a trabalho. E que não
deve voltar antes de sexta-feira. — Vejo minha amiga se segurando
para não chorar. — Estou cansada de o trabalho ser a esposa e eu
ser a amante.

Em dado momento, Vic não aguentou e começou a chorar.


Conseguia entender o que ela dizia. Lembro que, quando Samara e
eu ainda éramos amigas, ela reclamava da mesma coisa sobre o
marido que vivia para trabalhar. Apesar de ser um bom pai, sempre
deixava a desejar quando se tratava de dar atenção a ela.

Quando Léo saiu do banho, a lasanha estava pronta e Vic mais


calma, apesar de tudo. Deixando o jantar de lado, por um momento
volto a minha atenção ao celular que notifica incessantemente
mensagens que descubro ser de Victor Hugo.

“Janela do seu quarto!”

Sabendo que ele não desistiria facilmente, rapidamente vou para


o quarto, trancando a porta ao entrar.

— O que faz aqui?


Capítulo 27
— O que faz aqui?

— A minha carteira deve ter caído no chão, não sei — informa


pela janela.

— Você não podia esperar até amanhã? Sua irmã está aqui e...

— E o quê? Eu sou bem grandinho, a Vic não escolhe com quem


saio ou deixo de sair.

— Não complique as coisas, por favor — peço me apoiando no


batente da janela. — A Vic é minha amiga, você é meu patrão. Eu
sou só uma empregada, uma funcionária.

— Talvez você não seja só uma funcionária — diz fazendo um


sorriso aparecer e sumir do meu rosto rapidamente.

— E eu seria o quê? Não, vá embora, Victor Hugo.

Segurando minhas mãos, de frente para mim e olhando em meus


olhos, ele pergunta sério:

— O que eu ganho indo embora, já que você não é só minha


funcionária?
— Não começa, eu tenho visita. A Vic vai te ouvir. — Estou
completamente apavorada com o que ele possa dizer e só quero
expulsá-lo.

Por que o raio da janela tem que ser tão grande e baixa? Com
certeza ele consegue entrar se quiser. Mas eu quero isso? Sim!

— Então diga o que sente!

— O que eu sinto?

— Vamos, surda eu sei que você não é. Diga assim: “Victor Hugo,
eu te amo...” — Ouvir aquelas palavras saírem da boca dele fazem
meu coração se aquecer e um sorriso inevitavelmente toma conta de
mim. — “... Estou louquinha para pular no seu colo e...” — Coloco a
mão em sua boca o impedindo de continuar e ele levanta suas
sobrancelhas ironicamente, me desafiando enquanto suas mãos
cruzam por trás da minha cintura.

— Helena, a lasanha está esfriando, vem logo! — Escuto Vic me


chamar e começo a me desesperar para tentar inventar uma
desculpa.

— Vic, entrou uma barata pela janela. — Victor Hugo ri ainda me


segurando, mesmo que eu tente me soltar. — Me solta, eu vou te
bater! — sussurro para ele. — Mas eu vou matar ela com uma
chinelada — grito para minha amiga.

Puxando meu rosto em sua direção, Victor Hugo beija minha


bochecha me deixando sem reação.

— Se você me bater, eu vou gostar ainda mais.

— Vai, anda, a comida está me esperando. — Começo a


empurrá-lo para que me deixe fechar a janela.

Não faz sentido as palavras que saíram dele. Eu disse a ele


como me sentia. Como ele quer que eu diga que o amo? Eu nem sei
se o amo. Será que ele me ama?
— Eu também estou. — Fecho a janela de vidro mesmo que
eu queira me jogar em seus braços dizendo aquelas exatas três
palavras.

Para com isso, Helena. Você nem sabe se isso é amor! —


Minha consciência tenta me trazer de volta para a realidade.

Obrigo-me a trancar a janela e, com um sorriso, fecho a


cortina. Não consigo pensar com clareza.

Havíamos compartilhado nossos sentimentos um com o outro.


Admitimos que gostamos um do outro e que queremos ver onde isso
vai dar. Mas, por que agora ele decidiu que quer me ouvir dizendo
que o ama?

— Helena? — Escuto a voz de Vic e saio do quarto.

— O que eu perdi? — Sento-me com minha amiga e meu


filho, que conversam animados.

— O Léo estava me contando que o aniversário dele está


chegando.

— Eu vou fazer assim, não é, mamãe? — Levanta sete


dedinhos. Como o tempo passa rápido!

— Isso mesmo, meu amor. Você vai fazer sete aninhos. —


Sirvo-nos da lasanha e meu celular acende informando uma
mensagem:

“Nem lasanha, nem minha carteira? Estou começando a achar


que você não gosta tanto assim de mim, Helena!”

Droga! Esqueci o raio da carteira!


Acabei convidando Vic para dormir em casa. Sabia que ela não
estava bem e que o que ela precisava não era de um lugar
requintado, como a própria casa, mas de atenção e carinho.

Léo insistiu em dormir com ela, como estava fazendo na casa da


minha amiga e, apesar de sentir uma pontinha de ciúmes, não me
opus quando ela prontamente concordou.

Depois que os dois dormiram, preparei um prato e encontrei a


carteira de Victor Hugo debaixo da cama. Mandei uma mensagem
avisando que estava indo até a mansão e, quando cheguei à
cozinha, ele já estava me esperando.

— Você não pode fazer algo como o que fez — reclamo, mas ele
ignora tirando o prato e a carteira da minha mão, me beijando em
seguida.

— Só admite o que sente por mim, Helena — sussurra no meu


ouvido.

— Eu já admiti. Eu gosto de você, Hugo. — Ajeito o seu cabelo


colocando para trás. — Mas é cedo demais para qualquer pessoa
saber sobre nós, inclusive a sua irmã.

— Tudo bem, eu entendo. Eu fui um idiota preconceituoso


quando fiquei dizendo que você é uma empregada...

— Não é isso. Não há erro em falar a verdade, eu sou sua


empregada.

— Eu não ligo para isso, Helena. Não ligo para nada disso, mas
eu realmente me arrependo das coisas que te disse. Fui tão
grosseiro e sem a menor necessidade. — Dessa vez ele que ajeita o
meu cabelo. — Quando eu disse antes que nada que você possa
dizer vai diminuir meus sentimentos por você...

— Você nem me conhece direito...

— Conheço o suficiente.
— Eu... Eu minto, sabe? — Ele sorri.

— Todos mentimos.

— Não, você não está entendendo, eu menti. Eu minto para você.


— Faço com que ele me solte. — Para mim não é fácil admitir isso e
eu sei que posso perder o melhor emprego que tive nos últimos anos
e...

— E...?

— E você!

— Helena, vamos lá, conversa comigo. — Tenta se aproximar,


mas o impeço. — Vamos fazer assim, eu te conto algo e você me
conta o que está tentando me contar, tá bom?

— Você vai me odiar.

— Impossível, meu amor. — Victor Hugo beija minha testa e


segura minha mão, me levando para o escritório.

Me fazendo sentar na confortável cadeira atrás da mesa, Victor


Hugo digita rapidamente no computador e logo aparece uma imagem
da cozinha.

— Não estou entendendo.

— Instalei câmeras em alguns pontos da casa há alguns anos...

— Você estava me gravando? — grito.

— Não, não existem gravações, porque eu desativei essa função.


Na verdade, as câmeras estavam desligadas até te conhecer e não,
não as liguei por desconfiar de você — afirma antecipando o que eu
ia falar. — Eu fiquei curioso sobre você, não sei explicar.

— E decidiu me espionar.
— Você me viciou em “Amor à Segunda Vista” — comenta sobre
a novela que assisto toda as tardes e que passamos a ver muitas
vezes juntos. — Me desculpa pelas câmeras — fala
aparentemente sincero. — Estou te mostrando isso porque quero
que saiba que não há nada que possa dizer que faça meus
sentimentos por você mud...

— Eu sou mãe, Hugo! — digo sem dar chance de ele terminar a


frase.
Capítulo 28
VICTOR HUGO

Eu tinha regras. E minhas regras deveriam ser seguidas,


principalmente dentro da minha casa. E não apenas pelos meus
empregados. Qualquer pessoa que fosse digna de entrar na minha
residência, deveria saber e seguir tudo o que fora estabelecido.

Em hipótese alguma, nenhuma pessoa deveria ir até o andar


superior. Nunca. Apenas a minha irmã podia fazer isso e ainda
contra minha vontade. As pessoas precisam de limites e quando se
trata de fazer minha vontade, eles são rígidos.

Não contrato mães para cuidar da minha casa. Crianças precisam


de cuidado, ficam doentes. Mães tem outras responsabilidades e o
trabalho nunca será sua prioridade e eu preciso que, para cuidar da
minha casa, tenha total concentração no trabalho. E que nunca eu
tenha de ter contato com crianças.

Sempre existe a possibilidade de crescer. Faz faculdade? Ajudo


nos custos e também facilito sempre que for preciso fazer algo do
curso. Terminou e precisa de uma oportunidade na área? Faço o
possível ao meu alcance para ajudar, até mesmo utilizo os meus
contatos sem pensar duas vezes.

Dessa forma, diversos funcionários meus acabaram me deixando


por algo melhor na área de sua formação. A educação e crescimento
são coisas que sempre incentivei. O conhecimento é algo que não
podem tirar de você.

Durante semanas, observei Helena e me vi encantado por ela,


mesmo que não me desse abertura. No evento em que a levei de
acompanhante, meu ciúme falou mais alto e foi impossível não a
beijar. Eu sequer estava realmente bêbado como ela pensou que
estava, mas era melhor que acreditasse nisso do que me rejeitasse
sóbrio. Ela não me rejeitou. Quer dizer, ela me deu um tapa e, por
um certo tempo na volta para casa, me ignorou enquanto eu decidia
o que dizer ou fazer, porém, o fim da noite, foi definitivo: ela gosta de
mim.

Regras sempre foram importantes para mim, mas, com Helena,


quebrá-las se tornou algo bem melhor.

Ligar as câmeras do andar inferior sem que ela soubesse, me fez


gostar da novela que ela assiste e na qual me viciei. Também
presenciei bons momentos, como ela dançando na minha cozinha.

Helena me fez voltar a rir, mesmo que parecesse fazer questão


de me irritar algumas vezes. Também me fez voltar a sentir de
verdade e me vi simples e inegavelmente apaixonado. Apaixonado
pelo seu jeito, pelo seu sorriso, pela sua simplicidade, por ela inteira.

Mentiras sempre foi algo que odiei, mas eu sequer consegui me


irritar quando descobri a verdade sobre ela e entendi exatamente o
quão hipócrita eu era. Aceitava pessoas que, a qualquer momento,
poderiam largar o trabalho por um estágio ou pelo curso em si, que
tinham outras prioridades, mas não contratava mães pelo simples
fato de ser mãe.

Léo, seu filho, me ajudou. Pedi a ele que não contasse à mãe que
eu já sabia quem ele era. Foi por acaso que eu o encontrei.
Enquanto insisti que Helena buscasse seu presente no meu carro,
aproveitei para procurar meus biscoitos na dispensa.
Eu estava comendo menos, me sentia menos nervoso e
ansioso, mesmo que ela me fizesse sentir esse frio estranho na
barriga. Sentado no canto escuro, Léo mastigava devagar o último
biscoito do pacote e de boca cheia, quase chorando, pediu para eu
não contar para a sua mãe.

Concordei e disse para ele voltar para casa que logo sua mãe iria
atrás. Dei um grito para fazê-la voltar mais depressa e imaginando
que logo ela me contaria a verdade, mas não foi o que aconteceu.

No dia seguinte vi Helena se esgueirando para levar Léo a algum


lugar e me vi obrigado a fazer algo que não fazia há muito tempo,
parar de ignorar a Gardênia e pedir um favor.

Gardênia e Vic estudaram juntas, mas seguiram áreas diferentes.


Antes de conhecer a Jaque, até mesmo tivemos alguns rolos que
nunca passaram disso.

Não foi difícil conseguir a permissão dela para ver o Léo. Uma
ligação rápida perguntando se eu podia ir e ela aceitou. De certa
forma, fiquei preocupado. Como ela permitia que uma pessoa tirasse
um aluno da sala de aula sem que seu pai ou mãe autorizasse?
Disse a mim mesmo que não passava de um caso isolado e que
quando conversasse com Helena iria expor isso, colocando todas as
cartas na mesa.

Léo se assustou um pouco ao me ver, mas logo se soltou e


começou a me contar que, quando a mãe precisava trabalhar em
outros lugares e ele não tinha como ficar com a vizinha, ela o levava
junto, muitas vezes escondido. Algumas vezes, seus patrões eram
legais e permitiam que Léo brincasse com os filhos, mas grande
parte não permitia que Helena o levasse, então ele tinha de ficar
quieto no canto que ela pedisse.

Me sentindo mal pelos momentos que os dois passaram e que


certamente não eram nem metade, pois Léo não passa de uma
criança e as crianças nunca sabem de tudo o que acontece, garanti a
ele que não contaria à mãe e que depois que ela me contasse, ele
não teria de se esconder em nenhum outro momento que não fosse
uma brincadeira.

Por mais irritado que eu tenha ficado por Helena ter escondido
Léo, eu consegui entendê-la. A vida dela claramente não era fácil e
ela não ficava feliz em esconder o filho. Tinha a certeza de que era
assustador não apenas para ele, mas para ela também, viver dessa
forma, com medo de que tudo possa ser descoberto e dar errado a
qualquer momento.

Apesar de tudo isso, ouvi-la finalmente me dizer que tinha um


filho foi um grande alívio como jamais pensei que sentiria até
conhecê-los.
Capítulo 29
— Se você decidir me demitir, eu vou entender, mas eu não
aguentava mais esconder isso de você. Não aguentava mais fazer
isso com nós dois e principalmente com ele.

— Helena...

— Ele tem quase sete anos e, se você não é capaz de aceitá-lo,


também não sou boa o suficiente para fazer parte da sua vida. —
Nem consigo parar para respirar. Meu coração se aperta só de
imaginar deixar Victor Hugo para trás, mas, ao mesmo tempo, me
sinto tão leve de contar-lhe a verdade! — O nome dele é...

— Leonardo. — Hugo gira a cadeira me fazendo ficar de frente


para ele, sem palavras. — Léo.

— I-i-isso — gaguejo. — Co-como você sabe?

— O dia em que ele roubou meus biscoitos na despensa —


informa e minha mente me leva diretamente ao dia em que tentei
convencê-lo de que meu filho, na verdade, era um homem adulto de
baixa estatura que trabalhava com Luís, o jardineiro.

— Mas... Como? Espera, você não está irritado? Eu estou


demitida?
— Helena, respira. — Se ajoelha na minha frente e segura
minhas mãos, que nunca estiveram mais pálidas. — Eu não estou
feliz por ter me escondido algo tão importante. Mas não estou
irritado. Tive algum tempo para absorver essa informação. — Beija
os dorsos das minhas mãos.

— Como?

— Léo e eu conversamos. Ele é um rapazinho muito esperto —


diz e não consigo segurar meu sorriso.

— Ele é.

— Helena, eu não apenas gosto de você. Estou completamente


apaixonado por você e, como te disse diversas vezes, não há nada
que você possa fazer que faça esse sentimento desaparecer —
avisa com um sorriso. — Me apaixonar por você foi simplesmente
inevitável.

Sem saber o que dizer, simplesmente puxo o seu rosto de


encontro ao meu, beijando-o. Seus lábios macios se fundem aos
meus enquanto nossas línguas se enroscam. Nunca senti o que sinto
quando estamos pertos e cada vez que nos tocamos parece melhor
que a última. Nossos momentos são únicos.

— Espera. Vai ser só isso? — questiono quando ele me tira da


cadeira e me põe sentada na mesa. — Sem discussão? — Seus
lábios em meu pescoço tentam me desconcentrar, estou apenas com
a camisa que uso de pijama. — E sem... Ah... Precisamos conversar,
Hugo!

— Certo. — Ele se afasta esfregando o rosto com uma das


mãos. — Eu fiquei sem reação quando Léo pediu para não falar para
a mãe que ele fez barulho e eu o encontrei.

— Ele pediu?

— Sim. Me chamou de tio e pediu para eu não contar para


você, mas não tivemos tanto tempo de conversar como eu queria,
daí eu fui até a escola dele...

— Espera, você foi à escola do meu filho? Como descobriu


onde ele estuda?

— Não foi difícil, Helena. Era óbvio que minha irmã estava
envolvida. E se a Vic estava envolvida, ele só podia estar estudando
na escola da Gardênia. — Dá de ombros e nem consigo falar ou me
mexer. — Nós conversamos bastante. Eu ia falar com você, mas o
Léo me pediu para não te contar e eu não quis contrariá-lo. Não se
pode trair a confiança de uma criança.

— Você foi até a escola e tirou meu filho da aula com


autorização de quem, Victor Hugo? — grito e ele se assusta.

— Da Gardênia. Nós nos... conhecemos.

— Eu não acredito nisso. Transava com ela? — Me arrependo


imediatamente quando as palavras saem da minha boca. Eu deveria
estar irritada por causa de ele ter procurado meu filho sem minha
autorização, não por causa de um possível caso com a diretora da
escola. — Quer saber? Não tem que me responder, Victor Hugo. Eu
só quero que você não procure mais o meu filho sem a minha
autorização.

— Não deveria ser eu a ficar irritado?

— Não vou pedir desculpas por priorizar o meu filho.

— Que tal por mentir para mim esse tempo todo? — Ele grita.

— Eu tentei te contar, mas você não deixou. Além do mais, eu


não menti. Eu omiti. É completamente diferente.

— Helena, eu não quero discutir por algo que já está


resolvido. Você tem um filho e não me contou. E eu nem falo apenas
como seu patrão, o que era de suma importância. Mas como seu
namorado, eu...
— Namorado? — Congelo por alguns segundos, estamos de
cabeça quente, eu mais que ele, obviamente.

— Não sou seu namorado? — Um sorriso aparece.

— Você é?

— Vamos resolver isso — diz voltando a ficar entre minhas


pernas e me segura pela cintura. — Helena, aceita namorar comigo?

— Qual nossa idade? Catorze anos? — Tento distrai-lo,


constrangida.

— Se eu tiver de agir como um adolescente para você aceitar,


tudo bem. — Dá de ombros. — Posso começar a falar gírias “morô”?

— Ai meu Deus. — Não consigo segurar a risada. — Não faz


isso.

— Qualé, novinha? Vai dar pra trás?

— Meu Deus, Hugo, eu aceito! — reclamo ainda rindo da sua


palhaçada.

Acabamos voltando para a cozinha onde Hugo devorou a lasanha


que levei para ele e falamos sobre tudo o que ele e Léo
conversaram. Decidi que conversaria com o meu filho no dia
seguinte e, mesmo com a insistência de Hugo, decidi não contar
nada a Vic.

Entretanto, não foi preciso; minha amiga entrou na cozinha do


irmão enquanto nos despedíamos com um selinho e literalmente
gritou:

— Hugo, larga ela! — Sinto minha amiga me puxando. — Meu


Deus, Helena, eu testemunho a seu favor se quiser denunciar ele.
— Me denunciar por quê, Victoria?

— Ele se aproveitou de você, Helena? — Nego ainda assustada.

— Helena, acho que agora você não tem mais escolha. — Victor
Hugo constata e, vencida, começo a falar.

— Seu irmão e eu estamos saindo.

— Namorando. — Ele pigarreia e me corrijo.

— Estamos namorando.

— O quê? Como isso aconteceu? Victor Hugo! — Minha amiga


tenta ir para cima do irmão, mas me coloco no meio.

— Ela me seduziu! — Ele tenta se defender apontando para mim.

— Você seduziu meu irmão? — questiona confusa. — Meu Deus,


Helena, você está namorando meu irmão! — Começa a pular
animada.

— Você sabe que são quase três horas da manhã, não sabe? —
Victor Hugo pergunta e recebe um dedo do meio como resposta.

— Por que não me contou? Espera, o meu irmão é o cara com


quem você estava transando?

— Espero que sim. — Ele diz e o fuzilo com o olhar enquanto ele
ri incontrolavelmente.

— Eu jurava que era o Luís...

— Quer saber? Eu vou dormir — informo, mas Hugo me puxa me


dando mais um beijo.

— Agora pode ir. — Me dá um último beijo na testa enquanto Vic


fala sem parar.

Explicar tudo para Vic foi mais fácil do que pensei. Ela, assim
como eu, ficou surpresa com o fato de Victor Hugo não só já saber
do Léo, como também por ele não ter feito disso uma grande
tempestade e feito amizade com meu pequeno.

Ela também disse que foi na casa de Victor Hugo porque não me
encontrou e, vendo as luzes da mansão acesas, pensou que o irmão
estava sendo um carrasco, me fazendo trabalhar na madrugada.

— Quer dizer que agora somos cunhadas? — Seu sorriso é


genuíno.

— Eu acho que sim.

— Então o que você está fazendo aqui? Nem acredito que vou
dizer isso, mas... Por que você não está lá, dando pro meu irmão?

— Victoria!

— Eu sei que estraguei o seu fim de semana, mas agora que sei
que é com o meu irmão, fico feliz. Acho que vocês fazem muito bem
um ao outro. — Me abraça. — Vai lá, eu e o Léo ficaremos bem.

— Certeza?

— Vai logo! — Dou um beijo em seu rosto e, calçando minhas


pantufas, corro de volta para a mansão como uma adolescente.

— Não conseguiu resistir ao meu charme? — pergunta quando o


encontro usando óculos e assistindo a novela no notebook. — Perdi
os capítulos dessa semana — admite.

— Quer perder mais um? — Dou um sorriso e rapidamente sou


puxada por cima do encosto do sofá para o seu colo.
Capítulo 30
Vic foi embora cedo no dia seguinte. Havia decidido pegar, de
última hora, o turno de um colega, me garantindo que, apesar de não
estar cem por cento, já estava bem melhor e logo conseguiria se
acertar com o marido.

Quando chamei Léo para conversar comigo e com Victor Hugo,


meu filho se assustou e começou a me pedir desculpas. Naquele
momento me senti uma péssima mãe. Eu coloquei tanto na
cabecinha dele que Hugo não podia saber dele que o fato disso
acontecer o intimidou.

O assegurei que estava tudo bem, que eu não estava brava e que
eu nunca poderia me zangar com ele. Animado após toda a
conversa, Léo me deixou de lado para conversar com o “tio” já que,
segundo ele, não conversavam fazia tempo e me expulsaram
pedindo café da manhã. Se já não fosse o meu trabalho, e meu filho
não estivesse tão feliz, eu até ficaria irritada.

— Vamos lá, mocinho. A van está chegando. — Tento


apressar Léo, que foi convidado por Hugo a tomar café na mesa com
ele.

— Não quero ir hoje, mamãe...

— Uma pena que você não tem querer, não é mesmo? — Dou
um beijo no topo da sua cabeça e pego sua mochila. — Vem, Léo.
— Eu posso levar ele. — Victor Hugo avisa terminando de
tomar uma xícara de café.

— O quê? Não. Sem chance! — Tudo bem que ontem eu até


aceitei namorar com Hugo, mas não dá para acelerar as coisas
assim e eu sinto que está tudo indo rápido demais.

— Deeeeeixa, mamãe!!! — Léo se ajoelha aos meus pés com


as mãozinhas juntas implorando. — Por favooooor! — Victor Hugo se
junta a ele fazendo exatamente a mesma coisa.

— Hugo, você não tem cadeirinha. Além do mais, a mamãe


paga a van para te levar, meu amor. — Victor Hugo parece entender,
ao contrário de Léo.

— Mas, mamãe... — Léo tenta argumentar.

— Quem sabe outro dia, campeão. — Hugo avisa


bagunçando o cabelo do meu filho.

— Vamos lá, vou te levar para pegar a van — aviso e, mesmo


contra sua vontade, Léo me acompanha após se despedir de Victor
Hugo.

Mesmo que eu não tivesse a certeza de que Léo deveria conviver


tanto com Victor Hugo, acabou por ser inevitável. Até mesmo uma
cadeirinha para o carro Victor Hugo comprou, prometendo que
algumas vezes levaria Léo para a escola.

Não me senti muito confortável, admito, mas era nítida a


felicidade do meu filho e devo admitir que a de Victor Hugo também.
Os dois juntos eram sinônimo de alegria e não seria eu a impedir.

Conversei com Hugo sobre como faríamos a respeito do meu


emprego e se eu não deveria procurar outro, mas, prontamente ele
recusou.
Vic ainda não havia se resolvido com o marido quando me fez
um pedido que, em qualquer outro momento, eu teria recusado.
Minha amiga pediu para fazer uma festa de aniversário para Léo.
Vendo o quão triste ela estava e me dizendo que aquilo a ajudaria a
espairecer, acabei permitindo, mas garantindo que eu ia pagá-la por
cada centavo investido na festa, portanto, deveria ser algo pequeno.

Léo ficou apaixonado com a ideia e me agradeceu de forma tão


exagerada que me fez pensar nas coisas das quais ele foi privado
nos últimos anos, por minha causa e de Mauro.

Lembro que, quando Mauro morreu, tentei recorrer a minha


família, mas meu pai fez questão de deixar claro que eles haviam me
esquecido, que era como se eu nunca tivesse existido e
simplesmente não voltei a procurá-los.

A vida da minha família não era ruim, mas nunca foram ricos.
Apenas vivíamos bem. Diferente da família de Mauro, que tinha
dinheiro suficiente para que os filhos, netos e talvez os bisnetos
nunca precisassem trabalhar, o que não era o caso. De qualquer
forma, as duas famílias nos viraram as costas.

Quando conheci Mauro, no carnaval do Rio de Janeiro, não tinha


a intenção de casar, nem mesmo ser mãe tão cedo. Estava morando
em São Paulo há pouco tempo. Tinha deixado a casa dos meus pais
no interior para estudar e, no fim, minha vida virou de cabeça para
baixo.

— Ei, você precisa ir. — Tento acordar Hugo e ele resmunga. —


Vai, Hugo, o Léo já vai acordar. — Mesmo dormindo juntos todos os
dias, combinamos que não seria bom para meu filho vê-lo dormindo
comigo.

Todos os dias, após Léo dormir, eu aviso Hugo e ele vem. Todos
os dias, antes de Léo acordar, faço Hugo ir embora. É apenas a
minha decisão para não bagunçar a cabeça do meu bebê.

— Não está na hora de contarmos para ele? — questiona, se


esticando na cama e deixando o lençol deslizar do seu corpo,
mostrando-o completamente nu.

— Ele só tem seis anos, Hugo — argumento jogando suas roupas


em cima dele.

— Léo é um garoto esperto, Helena. — Hugo me puxa e caio em


cima dele. Meu velho pijama foi substituído pela sua camisa favorita,
que acabei roubando para mim. — Além do mais, um dia eu vou
pedir para vocês morarem comigo e...

— Está louco? — Sorrio nervosa.

— É uma ideia tão ruim? — Ele parece magoado e, antes que eu


tenha chance de me justificar, Victor Hugo se levanta e começa a se
vestir. — Eu preciso ir antes que perca meu voo.

— Volta para o aniversário dele?

— Vou tentar. — Me dá um rápido selinho. — Prometo.

— Hugo...

— Te amo — diz antes de sair.

Droga!
Capítulo 31
Léo estava incontrolável na noite anterior ao seu aniversário e só
dormiu após a meia-noite, quando era oficialmente o dia do seu
aniversário.

Me senti um pouco mal por não dar a ele o videogame que tanto
queria, mas dei um lançamento anterior e ainda assim ele ficou
extremamente feliz.

Em conjunto com Vic, Léo decidiu o tema da sua festinha: o circo.


Meu filho se apaixonou pelo tema quando o pai o levou ao circo
pouco antes de partir. Nunca tive a oportunidade de levá-lo
novamente. Também não tinha conseguido lhe proporcionar algo
além de um bolinho e alguns balões nos seus aniversários. Seu
aniversário de três anos nunca chegou a acontecer, pois, no fim de
semana que seria a comemoração, Mauro se foi.

Animado, Léo acordou cedo. Não tive de me preocupar com a


possibilidade de ele encontrar Victor Hugo na minha cama. Desde
que ele viajou, mal havíamos nos falado. Eu estava com saudades,
mas hoje era o dia do meu filho.

Vic mandou um carro para nos buscar antes de meio-dia e


quando chegamos, não consegui não ficar sem palavras.

O jardim dos fundos da casa de Vic estava inteiramente decorado


com a temática. Até mesmo uma tenda e arquibancada. As cores
branca e vermelha predominavam e minha amiga avisou que o
mágico e o palhaço já estavam a caminho.

A piscina estava fechada, como havíamos combinado. Eram


crianças, afinal. Não queria correr o risco de acontecer algo com
qualquer uma delas .

Apesar de linda, a festa estava bem além do que meu bolso


conseguiria bancar. O bolo gigantesco, obviamente, tinha custado
uma fortuna. Era simplesmente uma tenda de circo aberta com todas
as atrações e uma miniatura de Léo no centro. Além de centenas de
docinhos perfeitamente decorados.

— Vic! — Puxo ela de canto enquanto Léo se veste. — Você ficou


maluca?

— Como assim? Não gostou?

— Tá brincando? Eu amei, mas...

— “Mas” nada, Helena. Esse é meu presente para o Léo.

— Nós combinamos que seria algo mais simples!

— Helena, sabe que eu amo o Léo. Amo vocês dois. É como se


sempre tivessem feito parte da minha vida... — Me abraça. — Além
do mais, você é namorada do meu irmão.

— Eu vou aceitar porque já está tudo pronto e eu amei, mas não


tente me passar a perna, doutora Victoria! — resmungo com um
sorriso.

— Tô pronto! — Léo volta com calças largas de palhaço com


listras verticais brancas e vermelhas e suspensórios, camisa branca
e uma gravata borboleta colorida, além de, é claro um sapato
grande.


Léo até queria esperar por Victor Hugo para cantar os parabéns,
mas não consegui falar com ele e não tinha certeza de que chegaria
para a festa e, mesmo um pouco decepcionado, meu bebê se
divertiu, principalmente após a chegada de Carina.

Há tempos não a via e foi muito bom colocar os assuntos em dia.


Com a adaptação ao serviço, esconder Léo de Victor Hugo e depois
o meu relacionamento com ele, não tivemos tempo de nos falarmos
além de pelo telefone.

— Queria me despedir do Léo. — Carina diz checando o celular.


— Mas está tudo bem, vejo vocês no próximo fim de semana. —
Minha amiga se despede, é a última a deixar a festa.

— Victoria, preciso de ajuda! — Escuto uma voz conhecida e vou


na direção. — Victoria!

— Luciano? — O encontro nervoso e ao me ver, parece piorar.

— Helena? — O marido de Samara parece tão surpreso quanto


eu ao me ver. — O que faz aqui?

— O que houve, amor? — Escuto minha amiga se


aproximando e sussurro para ele:

— “Amor”?

— O garoto, Victoria. Escutei ele gritando e o encontrei caído


na escada! — Puxa minha amiga e meu coração se aperta quando
os sigo e encontro meu filho desacordado.

Por favor, não!

Como se tudo passasse em câmera lenta, começo a reviver o


momento em que tudo aconteceu com Mauro e me obrigo a reagir.
Tento me aproximar de Léo, mas sou impedida por alguém. Vic o
examina enquanto Luciano usa o telefone para chamar a
emergência.
Depois do que parece ser uma eternidade, paramédicos invadem
a casa e colocam o corpo delicado do meu bebê sobre uma maca
enquanto Vic diz coisas desconexas e os segue.

— Vamos, Helena. — Só então percebo que quem me segurava,


na verdade, era Victor Hugo. — Precisamos ir para o hospital.

Quando saímos da casa, a ambulância já saíra de lá.


Rapidamente Victor Hugo dirige ao hospital, os demais veículos e
paisagem pelo caminho não passam de borrões e logo que
chegamos, me vejo literalmente correndo para a recepção
informando o nome do meu filho.

Parece demorar uma vida até que finalmente consigo notícias,


através de Victor Hugo, que não faço ideia de como conseguiu. Por
alguns momentos ele volta a sumir e vejo Luciano parando ao meu
lado.

— Você não pode falar sobre a Samara para a Victoria — diz.

— O meu filho está machucado — falo calmamente.

— Eu sei disso, mas, Helena, Vic não sabe sobre meu... Meu
primeiro casamento e...

— Luciano, eu tô me fodendo para você e para sua vida. — Me


levanto e o puxo pelo colarinho. — A única vida que me importa,
nesse momento, é a do meu filho. Então se não tem notícias sobre
ele, some da minha frente. — O empurro e, sem reação, ele se vai.

Me obrigo a respirar fundo e tento me lembrar que o que


aconteceu com Mauro não é o mesmo que aconteceu agora com
Léo.

— Helena... — É Victor Hugo me oferecendo a mão. — Vem, ele


precisa de você.


Léo não soube explicar o que aconteceu de fato, estava muito
assustado quando finalmente acordou, cercado de profissionais, e só
sabia chorar pela mãe. A única pessoa que não saiu de perto até que
eu chegasse foi Vic, que acariciava seus cabelos e lhe garantia que
eu já estava a caminho.

— Mamãe! — O choro aumenta quando me vê. — Tá doendo,


mamãe. — Mostra o bracinho direito enfaixado.

— A mamãe tá aqui, meu amor. — O abraço devagar, com medo


de o machucar mais.

— Helena, achamos que vai precisar de gesso. — Minha amiga


avisa baixinho enquanto Léo se agarra mais em mim. — Também
precisamos fazer uma tomografia, mas ele não quis fazer sem você.

— Léo, olha para a mamãe. — Ele afunda mais o seu rosto em


minha blusa. Um pequeno corte em sua testa já coagulou e
assustado é pouco para definir o estado do meu bebê. — Precisa
deixar a Vic te examinar para sarar o dodói — aviso e ele grita que
não, se segurando em mim e chorando.

— Léo... — Vic tenta, mas reunindo forças, com um nó na


garganta e com meus olhos queimando, volto a falar.

— Meu amor, por favor, faz isso pela mamãe. Eu prometo que
não vou deixar nada de ruim acontecer.

— Eu não quero, mamãe! Tá dodói! — Seu choro parte meu


coração.

— Campeão... — Victor Hugo o chama e imediatamente Léo olha


para ele. — Vamos lá, você precisa deixar a tia Vic examinar você.
Se você não estiver bem, como vamos passear no próximo fim de
semana? Ou como que eu vou te levar para a escola na segunda-
feira?

— Mas tá doendo... — resmunga choroso e mostra devagar o


braço para Victor Hugo enquanto ele se aproxima.
— Eu já usei o gesso igual a tia Vic vai colocar em você — afirma
e Vic confirma com a cabeça quando o olhar de Léo a fita
rapidamente. — Sabe o que é mais legal? — Léo nega com a
cabeça. — Todos os seus amigos vão poder assinar com canetinha
no seu braço. — Meu filho me olha e rapidamente confirmo com a
cabeça.

— Até você? — pergunta parecendo ceder.

— Tá brincando? Eu vou ser o primeiro! — Victor Hugo garante,


finalmente convencendo Léo.
Capítulo 32
Sequer era a área de Vic, mas ela acompanhou Léo em todos
os momentos, tão preocupada quanto eu. E também assinou o seu
gesso, como ele fez questão, e ela também.

Léo literalmente chorou para ir à escola na segunda-feira.


Estava louco para ter o gesso assinado pelos coleguinhas, assim
como Victor Hugo falou que ele poderia fazer e mostrou em uma foto
da própria infância.

Apenas na quarta-feira deixei que Léo voltasse para a escola


porque ele e Victor Hugo azucrinaram minha cabeça em um nível
que se eu não fizesse isso, os dois me enlouqueceriam.

Paloma e Luís fizeram amizade desde que começaram a


trabalhar na casa; antes, nós até tomávamos um lanche à tarde
juntos, mas Luís estava me evitando e, mesmo que eu não tenha
saído espalhando aos quatro cantos que Hugo e eu estamos
namorando, Paloma até mesmo me encurralou certo dia para
perguntar e, aparentemente ficou decepcionada.

— Meu Deus, como esse lugar está lindo! — Victor Hugo não
me deixou trabalhar nos três dias que Léo ficou em casa, foi uma das
formas de eles me convencerem, então eu mal tinha colocado meus
pés para fora de casa desde que voltara no domingo à noite.
O jardim está completamente transformado. Com flores para
todos os lados, plantas trepadeiras contornando boa parte da casa e
também grama por toda a parte, perfeitamente aparada, assim como
os arbustos.

— Que bom que gostou! — Luís sai de trás de uma roseira,


sem camisa.

— Demais! — afirmo, não me referindo apenas ao jardim.

— Vem ver isso, Helena. — Ele me chama e o acompanho até


chegar aos fundos da minha casa, onde tem um pequeno jardim
suspenso na minha janela, que foi simplesmente reformado
enquanto eu estava cuidando da cozinha de Victor Hugo.

— Você plantou cravos! — afirmo indo até as plantas que


preenchem o pequeno canteiro da janela e sinto o inegável e
delicado cheiro das flores vermelhas que Luís plantou. — Como
sabia que eu gostava?

— Apenas imaginei — responde com um sorriso. — Posso fazer


uma pergunta?

— Claro que pode. — Não consigo tirar minha atenção das flores.

— O que está acontecendo entre você e o patrão?

— Eu... hum... A gente...

— Foi por causa dele que não voltamos a sair? Quer dizer, você
se divertiu, não se divertiu?

— Claro que sim, Luís. — Finalmente tomo coragem para encará-


lo. — Acontece que o Hugo...

— Tarde demais! — Ele decreta.

— Como assim?
— Você já o chama por “Hugo”, Helena. Nem mesmo se eu
tivesse tido chance, não teria mais...

— Luís, eu gosto de você...

— Como amigo.

— Sim.

— Acontece que eu não quero ser só seu amigo. Te dei espaço,


quando descobri que você tinha um filho, fiquei calado...

— Como? O quê?

— Eu estava trazendo umas flores para você, escutei ele te


chamando. — Chuta uma pedra qualquer para o lado com a cabeça
abaixada e as mãos no bolso. — Não esperava que o patrão fosse
aceitar.

— Eu também não, para ser sincera — admito. — Eu ainda não


consegui processar que ele aceitou tão bem.

— Então, vocês estão mesmo juntos? — Aceno positivamente. —


E eu não tenho chances? — Começa a se aproximar e eu me afasto
instintivamente.

— Sinto muito por ter feito você achar que sim, Luís, mas entre
nós, só irá existir a amizade — aviso e ele parece aceitar.

— Tudo bem, eu só espero que ele não magoe você, ou o


enterrarei vivo — avisa e juntos voltamos ao jardim. — É sério! —
reforça quando eu sorrio.

— Tudo bem, eu acredito.

— Eita, você sujou a blusa, Helena. — Aponta perto da minha


cintura para a mancha de tinta e paro na frente dele enquanto Luís
pega sua camisa no chão e coloca no ombro.
— Devo ter me aproximado demais do jardim da minha janela. —
Dou de ombros e escuto um pigarro alto que nos chama a atenção; é
Victor Hugo parado próximo da piscina. — Não tem problema, eu
adorei.

— Helena, pode vir aqui? — Me chama claramente irritado.

— Acho que meu trabalho por hoje foi o suficiente.

— Quer alguma coisa? Eu fiz um bolo de...

— Helena... — A voz de Victor Hugo soa mais alta e irritada.

— Até amanhã — diz dando um beijo no meu rosto e recolhendo


suas coisas. — Até amanhã, patrão.

Victor Hugo não responde além de um breve aceno e vira as


costas, entrando em casa.

— Você tem meu número, Helena — reitera antes de sair.

Respiro fundo por alguns minutos antes de entrar na mansão.


Nossas últimas discussões foram de cabeça quente e sempre
acabamos falando ou fazendo alguma besteira. E a última coisa que
eu quero é repetir, por exemplo, a última discussão que tivemos por
causa de Luís.

Me sentindo mais calma, vou ao encontro de Victor Hugo. Com


um copo de bebida na mão, ele está apoiado na bancada da ilha da
cozinha, de costas para mim.

— Do que precisa? — Abraço-o por trás e deposito um beijo no


meio das suas costas. — Precisa ver as flores que o Luís plant...

— O que faziam atrás da sua casa? — Seu corpo fica tenso.


— Como eu dizia, você precisa ver as flores que Luís plantou no
jardim suspenso da minha janela — concluo.

— Ele estava sem camisa.

— Hugo... — Ele volta o copo aos lábios, terminando de sorver o


líquido escuro.

— Os olhos dele estavam no seu corpo. Nos seus peitos, Helena


— conclui deixando o copo na bancada e virando para mim com
meus braços ainda o envolvendo. — Se você desse abertura...

— Você está com ciúmes à toa, Hugo — aviso deitando minha


cabeça em seu peito e ele me abraça. — Tenho Luís como um bom
amigo. Você percebeu como ele mudou completamente a imagem da
casa? Trouxe uma alegria que esse lugar não tinha quando eu
cheguei.

— Não é ele o responsável por isso. É você. — Beija o topo da


minha cabeça. — Virou minha vida de cabeça para baixo. Você e o
Léo. Antes mesmo de saber que ele fazia parte da minha vida, ele já
tinha feito a diferença aqui.

— Por que você é tão fofo depois de ser tão carrasco? — brinco
levantando meu rosto em direção ao seu com um sorriso.

— Porque eu amo você, Helena. E eu quero você agora e


sempre. Mesmo que você ache que é precipitado, que estamos indo
rápido demais, eu acho que estamos indo até devagar demais. Mas
eu te amo, não importa quanto tempo leve, eu vou te conquistar...

— Você é bem pretensioso. — Tento brincar para diminuir a


seriedade de suas palavras.

— Vou esperar ansiosamente as três palavras saindo da sua


boca. — Rapidamente os seus lábios encostam aos meus. —
Enquanto elas não vêm, faço questão de te dizer que eu te amo,
Helena. Amo como nunca amei ninguém.
— Eu...

— Você tem o tempo que precisar para retribuir as palavras. Já


me mostra isso com suas atitudes há tempos. — Novamente seus
lábios voltam aos meus.
Capítulo 33
Victor Hugo fez questão de buscar Léo na escola e ainda pediu
para que eu o acompanhasse. Enquanto esperávamos o horário de
saída, Gardênia, a diretora, se aproximou do carro aumentando o
decote descaradamente.

— Victor Hugo, a que devo a honra... Ah, oi Helena! — A mão de


Hugo, que antes estava acariciando meu joelho, não se abala e
continua o carinho.

— Olá, Gardênia. — Victor Hugo a cumprimenta e faço o mesmo.


— Estamos esperando o Léo.

— Como assim? Ele saiu mais cedo, conforme o seu bilhete,


Helena — afirma.

— Meu o quê? Quem levou ele? — Minha voz se eleva e


Gardênia parece, pela primeira vez desde que a conheci, insegura e
se afasta da porta do carro, ao mesmo tempo em que desço, ficando
de frente para ela. — Para quem você entregou meu filho? — Seguro
seus braços, assustada.

— Helena... — Victor Hugo me faz soltá-la. — Gardênia, cadê o


garoto?

— A avó, senhora Joelma Peres... — diz nervosa. — Ela trouxe


um bilhete assinado por você e...
— Você ficou maluca? Entregou meu filho para quem trouxe um
bilhete?

— Ele correu para os braços dela quando a viu... — Tenta


argumentar.

— Eu não acredito que você fez isso, meu Deus! — grito e,


pegando meu celular com as mãos, tremendo, digito o antigo número
de telefone que eu me recordava da casa da família de Mauro. — A
senhora Joelma Peres, por favor — peço logo que uma voz atende.

— Quem gostaria?

— Helena Peres. — Sem perceber solto o ar que estou


segurando.

— Ah, sim, a senhora Peres pediu para passar o endereço onde


a senhora irá encontrá-la. — A voz calma me comunica.

— Eu não... — Gardênia mais uma vez tenta se justificar. — O


Léo é um caso especial, eu nunca faço isso, mas como foi aberta a
exceção para Victor Hugo, eu pensei que...

— Para o seu bem, eu espero que o meu filho esteja tão bem
quanto quando saiu de casa! — aviso apontando o dedo no seu rosto
e entro no carro, dessa vez do lado do motorista. Hugo não
questiona, apenas entra no banco do passageiro enquanto dou
partida no veículo.

Alguns minutos que parecem horas são suficiente para chegar


até o clube que Joelma sempre frequentou, mesmo antes de
conhecê-la. Até mesmo fui algumas vezes com Mauro, mas não
demorei a perceber que aquele não era um ambiente onde eu era
realmente bem-vinda.
O segurança até tenta nos barrar na entrada, mas antes que
Hugo tente dar carteirada, eu mesma o faço dizendo que sou nora de
Joelma Peres, fazendo-o se desculpar e imediatamente nos conduzir
até ela. Encontro-a tomando café enquanto Léo devora uma taça de
sorvete em sua frente.

— Sua mãe chegou, rapazinho — avisa tirando os óculos


escuros do rosto e Léo vem correndo na minha direção.

— Mamãe! — Pula em meu colo me abraçando. — A vovó me


trouxe para tomar sorvete. Tio, quer sorvete? — pergunta saindo do
meu colo para o de Victor Hugo, que confirma rapidamente e é
puxado por Léo para a mesa, assim como eu. — Vovó, esse é o tio
Victor Hugo.

— Boa tarde, senhora Peres. — A cumprimenta e nem por um


minuto a arrogância de sempre a abandona.

— Helena, querida, há quanto tempo! — Se levanta com um


sorriso, tirando os óculos, beijando o ar ao lado das minhas
bochechas. — Estou tentando encontrá-los há um bom tempo. Você
soube se esconder bem.

— Acho que já podemos ir. — Hugo tenta me ajudar.

— Posso terminar o meu sorvete? — Léo pede para mim, mas


Joelma interfere.

— Lógico que pode! Suponho que seja o senhor Mendes,


poderia fazer companhia ao Leonardo enquanto minha querida nora
e eu conversamos em particular? — Sua educação é tamanha que
qualquer outra pessoa que não a conhecesse, não imaginaria a
cobra que ela realmente é.

Após eu confirmar com a cabeça, Victor Hugo volta-se a Léo


enquanto Joelma começa a andar, esperando que eu a acompanhe e
eu o faço.

— Quem te deu o direito de tirar meu filho da aula?


— Você se escondeu bem, Helena — diz cumprimentando a
todos com um sorriso. — Deveria saber que, se eu quero algo, eu
consigo. Te encontrar foi fácil.

— Eu não estava me escondendo.

— Pareceu. Não vejo o garoto há anos. — Continuamos a andar.


Joelma com sua habitual altivez, usando roupas caras, salto alto e
cabelos escuros perfeitamente escovados, assim como a
maquiagem discreta que passaria facilmente despercebida de certa
distância. Nem mesmo seus olhos claros a entregavam, mas eu sei
quem ela é.

— Se queria vê-lo, deveria ter me procurado, não falsificado


minha assinatura e tirá-lo da escola sem eu saber. — Paro em sua
frente, irritada, e sua expressão continua a mesma, exceto pelo
pequeno sorriso que brota no seu olhar.

— Assim você me ofende. Não falsifiquei nada. É um bilhete


antigo que encontrei e decidi que estava na hora de ver o meu neto.

— Não me interessa, Joelma. Mas nunca, ouça bem, nunca mais


ouse entrar em contato com o meu filho sem a minha permissão!

— Você não pode me proibir de vê-lo. — A conheço bem demais


para cair nos seus joguinhos.

— Não me desafie. Você não sabe do que eu sou capaz depois


de tudo o que eu passei.

— Helena, entenda. Mauro era meu único filho. — Por um


momento a vejo demonstrar um sentimento verdadeiro. — Eu o
amava e não soube lidar da maneira certa com a morte dele.

— Você fez com que todos acreditassem que Léo não era filho
dele para que não tivéssemos direito a nada.
— Por favor, entenda. — Seus olhos ficam marejados. — Eu o
amava. Sei que não foi certo o que eu fiz...

— O Léo nunca passou fome porque eu não deixei. Quando


eu pedi ajuda, você me virou as costas e disse para eu me virar
sozinha. O que você realmente quer agora, Joelma?

— Helena, eu sei que não sou a melhor pessoa do mundo. Deus


sabe disso. — Aos poucos sua máscara cai e ela demonstra seus
verdadeiros sentimentos. — Eu sonhei com o Mauro há alguns dias e
ele perguntava sobre o Leonardo e eu não sabia responder.

— Eu...

— Por favor, me deixe continuar — pede e aceno positivamente.


— Logo que acordei, comecei a tentar encontrar vocês. Me
arrependo de tudo, Helena. Mauro jamais me perdoaria sabendo de
tudo o que fiz, mas eu sei que você pode encontrar uma forma de me
perdoar e me deixar fazer parte da vida de vocês.

— Joelma...

— Esse era o Mauro quando tinha a idade do Leonardo. — Me


entrega uma foto antiga de uma criança parecida com Léo. —
Mesmo que eu já não soubesse que ele é filho do meu menino,
Helena, teria a prova quando o vi. Ele se lembrou de mim quando me
viu na escola. Por favor, não tire isso de mim.

— Eu preciso pensar.

— Por quanto tempo?

— Você teve quatro anos, Joelma. Não tem direito de me fazer


essa pergunta.

— Pode, ao menos, anotar o número do seu celular para mim? E,


talvez, o endereço de vocês... — Me entrega o próprio aparelho e
faço o que pediu. — Obrigada, Helena. Vou esperar ansiosamente
pela sua resposta.
— Tchau, Joelma. Lembranças à família — digo antes de virar as
costas.
Capítulo 34
De alguma forma, Joelma realmente mexeu com a minha cabeça
e, mesmo contra a vontade de Léo, o obriguei a deixar a sobremesa
de lado e irmos para casa.

Não tenho hábito de brigar com meu filho, nunca precisei, mas
depois de fazê-lo se apressar ao se despedir da minha ex-sogra, ao
chegar em casa até mesmo me ignorando ele estava.

Sem me dar muita atenção, Léo abriu o cinto e desceu do carro


logo que Victor Hugo estacionou, correndo para casa.

— Como você está? — Hugo acaricia minha nuca após desligar o


carro.

— Cansada. Assustada — admito cobrindo meu rosto com as


mãos por um momento.

— Você não tem obrigação com ela, Helena. — Segura minhas


duas mãos entre as suas e me forço a olhar para ele, que tem seu
olhar preocupado em mim.

— Eu sei, mas... Bom, ela quer ter convivência com o Léo.

— E você?
— Ela e toda a família virou as costas quando eu mais precisava,
Hugo — suspiro sem saber o que fazer. — Perdemos nossa casa,
sabe? Leo e eu literalmente ficamos sem um teto sobre a nossa
cabeça... O que eu estou fazendo? Desculpa te encher com essas
coisas que não tem nada a ver com você. — Envergonhada, saio de
dentro do carro rapidamente e Hugo faz o mesmo.

— Ei! — Me abraça. — Lembra o que me disse quando me


contou sobre o Léo? — Nego com a cabeça. — Você disse que se
eu não o aceitasse, se não tivesse espaço na minha vida para ele,
também não teria para você.

— Isso não significa que eu quero que você resolva os meus


problemas.

— Desde o momento em que eu te beijei, Helena, seus


problemas se transformaram em nossos. — Beija minha testa.

— Não sei o que dizer. Ou o que fazer, Hugo — admito. — Era


mais fácil quando ela simplesmente nos ignorava. Eu não sei se
deveria, mas a odeio e tenho tanta mágoa... Odeio sentir isso.

— Está tudo bem. — Seu abraço fica mais apertado enquanto ele
sussurra para mim: — Está tudo bem.

Léo não demorou a me perdoar. Bastou que eu lhe fizesse um


pouco de cócegas e Hugo nos convidasse para sair no fim de
semana que ele voltou a rir e conversar sem parar conosco.

Hugo contou apenas a Léo para onde iríamos e, mesmo que eu


tenha tentado comprar a informação com meu filho através de doces,
não consegui corrompê-lo.

Durante toda a semana pensei constantemente no pedido de


Joelma. Ela sempre foi uma mulher solitária, apesar de estar
constantemente cercada pela família. Uma dondoca que criou o filho
para casar com alguém como ela e ganhou de presente uma nora
micareteira que engravidou no mesmo dia que conheceu o filho dela.

Quando Mauro me apresentou à família, Joelma quase infartou.


Literalmente. Com o tempo, pensei que poderíamos nos dar bem.
Minha família tinha me renegado e eu simplesmente queria ter essa
nova família ao meu favor. Mas claramente isso não funcionou. Pelo
menos, eu tinha Mauro ao meu lado. Até não ter mais.

Apesar de tudo, a semana passou rapidamente. Paloma seguia


sem conversar direito comigo, como vinha sendo desde que
descobriu que eu namorava Victor Hugo. Luís, como sempre, me
tratando muito bem e, mesmo que não gostasse da nossa amizade,
Hugo decidiu confiar em mim ao invés de se irritar por bobagem.

Vic e eu não nos víamos já há alguns dias e resolvi visitá-la, pois,


desde o ocorrido com o Léo, não tivemos chance de conversar. Eu
precisava contar a ela sobre Luciano, o seu marido, e não era algo
que eu poderia contar através de uma mensagem. E aproveitei que
ela havia me informado que estava de folga em casa durante os
próximos dias.

Demorou até que a porta foi atendida pelo dito cujo, que parecia
ter visto um fantasma ao me notar.

— Helena? O que faz aqui?

— Vim... hum... Visitar minha amiga — informo e ele sequer


se move para me dar passagem.

— Podemos conversar antes? — pede e por mais que eu


simplesmente queira ir até minha amiga, não recuso. — Por favor.

— Ok, mas seja rápido. — Ele sai porta a fora e me conduz


até a área da piscina, coberta por uma pérgola de madeira escura e
placas de vidro.

— Helena, eu vou direto ao assunto. Você não pode contar à


Victoria sobre a Samara.
— Não vou mentir para minha amiga, Luciano.

— Não estou te pedindo para mentir. Estou pedindo para me


deixar contar para minha esposa que já fui casado.

— Ela ao menos sabe que você tem um filho? — Ele nega


com a cabeça. — Que merda é essa, Luciano?

— Você é a última pessoa que pode me julgar, Helena. Você


também não contou ao meu cunhado sobre o Léo. Sim, a Victoria me
contou sobre isso — afirma ao ver minha surpresa.

— Não é a mesma coisa.

— Lógico que é!

— Eu estava tentando manter o meu emprego.

— E eu o meu casamento! — Praticamente grita. — Você não


pode falar nada sobre a Samara. Victoria passou mal essa semana,
faz dois dias, para ser mais exato. O obstetra a mandou repousar ou
pode perder o bebê. É isso que você quer, Helena? Fazê-la perder o
nosso bebê?

— O quê? Lógico que não. Mas alguém precisa contar a


verdade a ela.

— E esse alguém não é você. Eu sou o marido. Eu decido


quando e o que contar a minha esposa sobre a minha vida.

— Não é assim que a banda toca não.

— Não se meta, Helena. — Luciano me puxa segurando meus


braços com força. — Eu acabo com você e com esse romancezinho
ridículo com Victor Hugo se você se meter no meu casamento.

— Me solta!
— Não se meta comigo. Não sabe do que sou capaz, Helena.

— Você está me machucando. — Tento me soltar, mas suas


mãos me apertam ainda mais.

— Você entendeu, Helena? Não ouse se meter na minha vida.


— Finalmente me solta bruscamente. — Acabo com você e esse seu
novo interesse repentino em outro homem rico.

— Você não tem o direito de me chamar de interesseira! —


falo afagando meus próprios braços. — Nem pode me ameaçar.

— Se o meu filho morrer por sua culpa, o menor dos seus


problemas será o fato de eu ter te ameaçado, porque, além da
Victoria te odiar, eu vou transformar a sua vida em um inferno. Não
imagina o que posso fazer — afirma com seu celular tocando. — Ela
está no quarto. Pode subir, mas pensa bem no que você vai dizer,
Helena. — Se afasta atendendo a ligação.
Capítulo 35
Luciano conseguiu me assustar, mas não conseguiu me fazer ter
medo dele. A única coisa que me impediu de seguir com meu plano
de contar a verdade a Vic foi vê-la na cama, abatida, mesmo que
tenha tentado se animar ao me ver.

Com algumas olheiras e com o cabelo desgrenhado, a encontrei


com a TV ligada em Crepúsculo, o filme adolescente de vampiros
que eu sabia que minha amiga amava.

Conversamos por um bom tempo e ela me contou que precisaria


ficar em repouso pelo resto da sua gravidez, pois teve um
descolamento de placenta, correndo o risco de perder o seu bebê.

— Ele até cancelou a viagem dessa semana — afirma comendo


um bolo de chocolate direto da forma. — Disse que minha saúde e a
do bebê é mais importante que o trabalho.

— E realmente é!

— Eu sei, mas é bom ouvi-lo dizer. — Dá de ombros parando de


comer. — Sabe, Helena, eu estava pensando seriamente em pedir o
divórcio, não me sentia mais feliz ao lado do Lu, mas o bebê mudou
tudo.

— Não foi planejado? — Ela nega.


— Claro que eu queria ser mãe. — Volta a comer a sobremesa.
— É só que... Que bom que engravidei, Helena. Ou talvez teria
perdido esse homem maravilhoso que me faz tão feliz. Tudo bem
que é um saco ficar na cama, estou acostumada a fazer tudo o
tempo todo, mas... O meu bebê é a minha prioridade nesse
momento.

— Vic, eu preciso te contar uma coisa... — começo a falar, mas


sou interrompida por Luciano que entra no quarto.

— Amor, não quero ser grosseiro, mas você precisa descansar.


Helena, você pode ir, por favor?

— Eu...

— Desculpa. — Minha amiga sussurra. — Mas eu realmente


estou cansada. É importante o que você precisa me contar?

— Não, tudo bem, conversamos em outro momento. Você e o


bebê precisam descansar. — Aperto a sua mão carinhosamente. —
Fica bem e me liga se precisar de algo, tá? — Ela confirma com a
cabeça.

— Dá um beijo no Léo por mim. Estou morrendo de saudades. E


não conta para o Hugo que eu estou de cama — aponta um dedo
para mim. — Ninguém pode ficar doente que ele fica meio obcecado
e não sai de perto até que a pessoa fique bem.

— Tudo bem. Melhoras, amiga. — Dou um abraço nela.

— Acompanha ela até a porta, amor? — Vic pede e Luciano faz.

— Tão logo a Vic melhorar você vai contar para ela a verdade,
porque, se não o fizer, eu farei — afirmo logo que chegamos à porta
da frente.

— Não precisa me dar um ultimato, Helena — resmunga. — Eu já


ia fazer isso, mas ela teve esse problema e...
— Não me interessa se você ia ou não, Luciano. Logo que a Vic
estiver bem, você vai contar tudo para ela ou eu mesma contarei. —
Viro as costas indo embora.

Liguei para Carina logo que saí da casa da Vic. Precisava


conversar com alguém e, infelizmente, não podia ser com Hugo. Ele
provavelmente ia fazer algo que pudesse prejudicar o bebê.

Passando antes na escola para buscar Léo, acabei sendo


chamada por Gardênia, a diretora.

— Imagino que você saiba por que pedi para você vir até a minha
sala, Helena. Eu ia mandar um recado pela agenda, mas já que está
aqui, podemos conversar, certo? — aponta-me uma cadeira na
frente, próxima à mesa.

— Provavelmente sobre sua irresponsabilidade de entregar meu


filho nas mãos de um estranho qualquer que venha buscá-lo dizendo
ser mandado por mim. — Sento-me e ela me encara irritada.

— Eu sinto muito pelo que aconteceu, Helena. Gostaria que nos


desculpasse. — Seu rosto mostra que suas palavras saem a
contragosto. — A escola está tomando medidas para que isso não
volte a acontecer.

— Como simplesmente não entregar uma criança nas mãos de


qualquer pessoa que diga que a conhece? — Ela começa a ficar
vermelha, mas tenta manter a postura. — Dessa vez foi a minha ex-
sogra, mas e se um homem qualquer aparecesse dizendo ser o pai?
A senhora simplesmente entregaria meu filho e ignoraria o fato de
meu marido estar morto?

— Ora, Helena, eu já me desculpei. — Levanta-se e começa a


alinhar sem necessidade os quadros com seus diplomas. —
Podemos continuar a falar sobre isso ou podemos falar sobre o que
o Leonardo...?
— Léo fez algo de errado?

— Na verdade, Helena. — Volta a se sentar com um sorriso


presunçoso e começa a digitar freneticamente, olhando para a tela
do computador antes de finalmente virá-la para que eu também
possa ver. — As notas do Leonardo estão péssimas. E, se continuar
assim, ele perderá a bolsa.

— O quê? Como assim? Sempre fazemos juntos os deveres e ele


não aparenta ter dificuldade.

— Somos uma escola de alto nível. Nossos alunos são


premiados e não podemos ter alguém do... nível do Leonardo, caso
ele não melhore. Suas provas estão, para não dizer algo pior,
vergonhosas. Suas notas são um vexame.

— Mas...

— A recomendação é que você contrate um bom tutor para ele.


— Me entrega uma folha com alguns nomes e telefones impressos.
— Esses são professores particulares que prestam serviço aos
nossos alunos há anos. Seria excelente que o aluno Leonardo
tivesse aulas com qualquer um desses profissionais — avisa.

— Eu garanto, professora, que o Léo vai melhorar as notas


imediatamente. E eu peço desculpas por essa situação. — Guardo a
folha com todo o cuidado na bolsa. — Não estou justificando, óbvio,
mas a senhora sabe como as crianças são fáceis de se distraírem
com coisas mais divertidas que o dever de matemática.

— Aqui não. Qualquer outro aluno na situação do Leonardo já


teria sido convidado a deixar a escola, mas ele é um... Caso especial
— avisa com uma caneta entre os dedos, conseguindo me irritar. —
Hugo é um homem muito... Ele tem o Leonardo em grande estima,
mas isso não significa que ele terá tratamento especial sempre.

— Entendi. Muito obrigada, professora Gardênia. — Tento sair


rapidamente da sala. — Prometo que resolverei isso.
— Hugo também é um ótimo professor — diz de maneira
maliciosa e totalmente antiprofissional. — Mas tenho certeza que, a
essa altura, você já sabe.

— Eu não entendi a sua suposição, professora, mas irei ignorar


por respeito ao meu filho e ao local onde ele estuda. — Viro as
costas.

— Pergunte a ele...

— A quem? — Me volto a ela.

— Ao meu Hugo, claro. Me ensinou muita coisa. Talvez ele ainda


possa me ensinar mais algumas coisas...

— Bom descanso, professora Gardênia. — Saio finalmente da


sala, irritada, principalmente porque sei que esse era o objetivo dela.

Mesmo querendo voltar e xingá-la, prestes a explodir, apenas


encontro Léo e o levo comigo para a casa da Carina.

Rapidamente Léo fica entretido com a namorada da minha amiga,


que se compromete a ensiná-lo a fazer bolhas de sabão enquanto
ajudo Carina a fazer o jantar, contando a ela tudo o que aconteceu
em relação a Luciano e Vic.

— Eu sei que eu deveria contar a ela, mas... Se acontecer


qualquer coisa com o bebê, eu nunca vou me perdoar, Carina — digo
me encostando na pia. — A Vic está claramente frágil neste
momento. Eu nunca a vi faltar no trabalho nesses poucos meses que
nos conhecemos..., agora está de cama correndo o risco de perder o
filho.

— Só posso imaginar como você está se sentindo. — Carina


coloca o frango no forno. — Mas você não pode deixar que ela seja
enganada. Afinal, por que ele se separou da ex?

— Sabe que eu não sei, Ca...


— Talvez você possa descobrir antes de conversar com a
Victoria. Pode ser que isso ajude você a se decidir — diz
carinhosamente. — Sabe que eu estou com você.

— Eu sei. Queria contar ao Hugo, pelo menos, mas eu tenho


certeza de que ele vai direto na irmã e, se eu jamais me perdoaria se
acontecesse algo com a Vic ou com o bebê, ele menos ainda...

— Acho que o que resta a fazer é descobrir o que aconteceu com


a tal Samara e o tal Luciano. Descobrindo, você vai saber o que
fazer.
Capítulo 36
O sábado começou complicado. Depois de ter esquecido de
colocar o alarme para obrigar Hugo a sair da minha casa antes do
horário de Léo acordar, meu filho nos encontrou dormindo abraçados
na cama.

— Mamãe? — Léo me acorda falando baixinho. — Por que o tio


Hugo tá dormindo aqui?

— Droga! — Me assusto percebendo Hugo ao meu lado e bato


nele, que desperta imediatamente.

— Eu prefiro ser acordado de um jeito mais sensual, Helena —


diz e o acerto novamente. — Você quer tran...

— Hugo, o Léo está aqui. — Praticamente grito, o interrompendo.

— Bom dia, tio Hugo. — Abraçando seu dinossauro de pelúcia,


Léo fala baixinho com um pequeno sorriso, apesar de claramente
confuso.

— Você pode ir, por favor? — peço e graças a Deus eu ainda


estou menstruada, fazendo com que estejamos vestidos, já que não
fizemos nada durante a noite. Não por falta de vontade de Hugo.

— Mamãe, o tio Hugo é o seu namorado igual a Bru é da Carina?


— pergunta esfregando os olhos e bocejando. — Foi por isso que ele
dormiu aqui?

— Tem certeza que quer que eu vá? — Hugo sussurra e eu


sequer consigo falar, desconcertada.

No fim, acabei assumindo para Léo que, sim, eu o “tio” Hugo


estamos namorando. E a única pergunta que ele fez após
explicarmos, foi:

— Eu posso comer o bolo da Bru depois do banho? — Após eu


confirmar, ele saiu do quarto animado.

— Foi mais fácil do que pensamos. — Hugo diz me abraçando. —


Léo é um garoto esperto.

— Falando nisso, eu conversei com a Gardênia ontem — aviso e


o sinto ficar um pouco tenso. — O Léo precisa de um professor
particular.

— Posso providenciar isso — avisa beijando o topo da minha


cabeça.

— Acho que sim, afinal, segundo a própria, você é um excelente


professor — resmungo me levantando.

— Ela disse isso?

— Disse — começo a organizar o quarto que nem bagunçado


está. — Inclusive me mandou te perguntar e disse que você talvez
possa ensiná-la um pouco mais.

— Não acredito que ela disse isso, é ridículo. Eu não... Nós não...
Foi só algumas vezes e... Ela não deveria estar te falando esse tipo
de coisa. Já faz muito tempo. Eu sequer tinha me casado...

— Deixa pra lá — resmungo. — Parecia que ela queria me irritar.

— E conseguiu? — Volta a me abraçar.


— Menos do que pretendia.

— Mas?

— Mais do que eu esperava — admito e, sorrindo, ele me beija.


— Como um homem tão bonito pode ter um hálito tão ruim? —
questiono quando nos afastamos e rimos juntos.

— Meu hálito poderia estar a pura menta se você permitisse que


eu trouxesse uma escova de dentes.

— Você mora há dois minutos daqui. Literalmente.

— Você pode levar a sua para minha casa — diz me fazendo


soltar a blusa que já dobrei e desdobrei pelo menos três vezes.

— E por que eu faria isso? Você está quase se mudando para cá


— brinco o abraçando de volta e olhando em seus olhos.

— Talvez vocês possam se mudar para lá. — Uma de suas mãos


acaricia meu rosto enquanto o encaro sem ter certeza de que ele
realmente falou o que acho ter ouvido. — Sim, você ouviu direito.

— Mas... Mas... Ninguém pode subir as escadas e eu... Tem o


Léo e...

— Helena, não sei se você me ouviu direito, então, vou perguntar


de outra forma...

— Não, não pergunta, Hugo — peço. — Por favor, não pergunta.


Eu ouvi o que você disse, mas a prioridade não sou eu ou você, é o
Léo. A vida dele tem sido inconstante por tanto tempo que eu não
quero fazê-lo passar por uma mudança tão grande agora.

— Eu entendo — diz, apesar de estar claramente magoado. —


Peço desculpas se eu me precipitei. Mas, Helena, eu quero que você
saiba que a minha vida, o meu coração, não se abriu apenas para
você. O Léo me conquistou. — Com um sorriso, ele continua. —
Vocês dois me conquistaram e não me imagino mais... Não me
lembro mais como era antes de tê-los comigo. — Beija minhas mãos.

— Hugo, eu...

— Não precisa fazer ou dizer nada que não esteja pronto, ok? —
confirmo com a cabeça. — Você é uma mulher incrível e faço
questão de te conquistar um pouco mais a cada dia. Agora vou em
casa escovar os dentes para poder te beijar da forma que você
merece.

— Vem comigo. — O seguro pela mão e o levo até o banheiro,


vasculhando no pequeno armário a escova que havia comprado no
dia anterior para trocar a minha. Mas isso podia esperar. — Sei que
isso não é me mudar para a sua casa, nem dizer o que você quer
ouvir, mas é a minha forma de mostrar que eu quero isso. Que eu
quero nós dois. E que você precisa escovar os dentes. — Entrego a
escova a ele, que ostenta um grande sorriso.

— Mamãe, corta o bolo pra mim? — Escuto Léo me chamar


da cozinha.

— Já vou, meu amor.

— A próxima vez que estivermos tão pertos, vou te seduzir


com meus beijos de menta. — Hugo diz fechando a porta comigo do
lado de fora.

Mal tomamos café da manhã, Hugo e Léo me fizeram trocar a


camisa que uso de pijama por uma roupa para sair. Eles planejaram
um dia inteiro para nós e disseram que a única coisa que eu tinha de
fazer era ir sem muitas perguntas.

Mandei uma mensagem para Vic procurando saber como ela


estava antes de, finalmente, entrar no banho para podermos sair.
Léo insistiu que eu usasse uma gravata de Hugo como venda
logo que entramos no carro e, sem querer estragar o entusiasmo dos
dois, fiz o que foi pedido, mesmo que não tenha conseguido não ficar
perguntando a cada segundo para onde estávamos indo ou se já
estávamos chegando.

Fizemos algumas paradas que eles garantiram serem


programadas e após sentir o cheiro de batatas fritas, meu estômago
roncou mesmo cheio.

— Mamãe, o tio Hugo e eu vamos surpreender você. Vai ver. —


Leo insistiu animado.

— Tenho certeza que sim. Vocês dois são muito bons em guardar
segredos de mim — brinco relembrando como eles me esconderam
que Hugo já sabia da existência de Léo.

Depois do que pareceu uma eternidade, finalmente parecemos


chegar e os dois me ajudam a sair do carro.

— Vou pegar a cesta, tio. — Léo avisa e logo os lábios de Hugo


se encostam aos meus suavemente.

— Espero que goste. — Hugo diz antes de tirar a gravata dos


meus olhos.
Capítulo 37
Com a grama bem verde bem aparada e cercados por pessoas
alheias, cuidando da própria vida, finalmente descobri nosso destino:
o parque Ibirapuera.

Mesmo após estar morando em São Paulo há tantos anos, nunca


tinha vindo aqui. Mauro nunca foi fã de natureza, sempre disse que
era um leão da grande selva de concreto que é a cidade e sempre
brinquei que ele era a cópia tupiniquim de Alex, o leão do filme
Madagascar.

Léo parecia muito feliz e animado e mesmo virando as costas


todas as vezes que eu e Victor Hugo nos beijávamos, tive a certeza
de que estava fazendo a coisa certa como mãe. O brilho nos seus
olhos era inegável. Eu nunca o tinha visto melhor.

Os dois brincaram de bicicleta, de esconde-esconde, pega-pega


e quando finalmente cansaram, fizemos um piquenique com as
comidas que os dois compraram.

— Vocês não trouxeram nada saudável? Um vegetal? —


questiono tirando tudo da cesta e colocando sobre o lençol de super-
herói que veio da minha casa, sem dúvidas.

— A professora falou que batata é tu-tur-tubre... Eu sei falar —


gagueja um pouco antes de conseguir pronunciar: — tubérculo,
mamãe.
— E tubérculos são vegetais. — Hugo complementa roubando a
batata frita que paramos para comprar enquanto eu ainda estava
vendada.

— Aposto que estão armando um complô contra mim, mas dessa


vez eu cederei sem brigar. — Os dois comemoram empolgados. —
Podem ter vencido esta batalha, mas não a guerra — ameaço antes
de autorizar Léo a comer.

— Você é uma mãe incrível, sabia? — Hugo diz enquanto


acaricia meu cabelo. Léo está brincando com algumas crianças
próximas de nós enquanto estou com a cabeça apoiada nas pernas
do meu namorado.

— Às vezes eu sinto que podia ter feito mais se o meu orgulho


bobo que eu tanto digo não ter, não me atrapalhasse tanto — admito
ainda vigiando o Léo.

— Ninguém é perfeito.

— Eu sei, mas eu engravidei muito nova e por puro descuido.


Não me arrependo de ter tido o Léo, mas eu sei que não seria tão
difícil se eu tivesse esperado o...

— Não existe “momento certo”, Helena — garante beijando minha


testa e finalmente desvio minha atenção para ele. — O que importa é
que Léo está aqui com você. Conosco. — Seu sorriso é acolhedor e
volto a me sentar ao seu lado; seguro sua mão, voltando mais uma
vez o olhar ao meu filho.

— Eu sei que não digo isso com frequência, mas sou muito grata
por te ter na nossa vida, Hugo. — Sinto seu braço me acolhendo e
mais uma vez ele me beija, dessa vez no topo da cabeça. — O Léo
gosta muito de você e eu... Bem, acho que nem sou capaz de dizer o
quanto.
Sei que Hugo anseia por ouvir essas palavras, assim como eu
anseio por dizê-las, mas algo ainda me impede. Me assusta. Não
ele, mas esses sentimentos. Não tenho certeza de que já me senti
assim algum dia.

— Eu sei, meu amor. Eu sei — diz após desviar meu olhar


para o seu e me beija em seguida.

Hugo insistiu para que ficássemos o dia inteiro no parque e


mesmo que eu tenha tentado fazer-nos voltar para casa imaginando
o quão cansado Léo já estava, meu próprio filho me convenceu a
permanecer.

Mesmo que eu nunca tivesse vindo ao parque, eu sabia da tão


apaixonante dança das águas. Diversas vezes vi na televisão o show
das enormes cortinas de água e luzes, mas não estava preparada
para ver de perto.

A televisão não tinha sido fiel a tal beleza. Com o vento atípico, a
água que subiu por diversos metros salpicou praticamente todas as
pessoas que estavam ali. Com centenas de pessoas assistindo e
filmando o show, me agarrei um pouco mais a Victor Hugo.

Léo avidamente devorava um saquinho de doces sentado aos


nossos pés. Completamente feliz, como jamais o vi, mas também
desinteressado de um dos shows mais lindos que tive o prazer de
presenciar.

— Mamãe, eu quero água. — Léo pede quase ao fim do show. —


Acabou. — Balança a garrafinha vazia.

— Espera um pouquinho? — peço, mas enjoadinho, ele diz que


não. — Léo, por favor...

— Eu vou lá comprar. — Hugo avisa me dando um beijo rápido e


começa a passar pela pequena multidão.
— Vou junto! — Léo avisa e corre antes que eu possa segurá-lo.

— Leonardo!

— Eu achei ele, mamãe — aponta e some no meio da multidão.

Respiro fundo tentando não me preocupar, afinal ele disse que


encontrou Hugo e em seguida foi na direção que apontou. Minha
atenção passa ao celular que vibra algumas vezes, sinalizando
mensagens da Vic:

Vic diz: Onde está o meu irmão?

Vic diz: Preciso falar com ele, Helena.

Vic diz: Por que ele não me atende?

Vic diz: Eu vou matar o Hugo.

Rapidamente ligo para minha amiga, preocupada. Fiquei


acordada boa parte da madrugada disposta a contar a Hugo a
verdade. Não tinha coragem de falar diretamente a ela, mas como
seu irmão, certamente ele saberia o que fazer.

— Você está com o meu irmão? — questiona logo que atendo a


ligação.

— Sim, estamos no Ibirapuera.

— Fala para ele ligar para o advogado agora mesmo. Aconteceu


uma coisa e... Bom, ele precisa ligar para o advogado, Helena.

— Tudo bem, eu aviso. Você está bem?

— Pede para ele me ligar também — desliga.

Sem saber o que dizer pela forma como Vic simplesmente


desligou o telefone, espero Léo e Hugo retornarem. O show já
acabou e as pessoas começam a dispersar e ir em direção às
saídas.

— Está aqui a água. — Escuto a voz de Hugo nas minhas costas.

— A Vic ligou — aviso quando ele me entrega a água.

— Onde o Léo está?

— Ele foi com você. — O encaro assustada.

— O quê? Ele não foi comigo, Helena.

— Ele correu e disse que viu você e... Ai, meu Deus, cadê o
meu filho? — começo a procurá-lo e mostrar sua foto para todos que
consigo, perguntando se o viram. Victor Hugo também faz o mesmo,
mas sem sucesso.

— Os seguranças também o estão procurando. — Hugo avisa


quando voltamos a nos encontrar. O nó na minha garganta mal me
deixa respirar, mas não paro. — Eles estão cogitando procurá-lo no
lago.

— Ele não caiu na água! — afirmo mais para mim mesma do


que para ele. — O Léo foi atrás de você. Não consegui segurá-lo, ele
disse que tinha te visto! — grito desesperada.

— Encontramos. — Alguém grita e rapidamente corro na


direção dele, encontrando meu filho cochilando no colo da minha ex-
sogra.

Sem pensar duas vezes tiro meu filho dos braços de Joelma.
Com o mesmo olhar que ela me deu quando descobriu que eu
estava grávida, ela me encara agora.

— Te espero na minha casa amanhã bem cedo para


conversarmos sobre o Leonardo, Helena — avisa, virando-me as
costas.
Tremendo sem conseguir me controlar, penso em correr até ela,
puxar aquele sempre alinhado cabelo e esfregar o seu rosto na pista,
mas me contento apenas em abraçar o Léo e inalar o cheirinho do
seu cabelo, enquanto derramo algumas lágrimas e sou abraçada por
Victor Hugo.
Capítulo 38
Voltamos para casa no mais absoluto silêncio e Léo só acordou,
ainda que brevemente, quando o coloquei na minha cama, apenas
trocando sua roupa por um pijama e lhe entregando seu fiel
companheiro, seu dinossauro. Nem mesmo ousei tentar acordá-lo
para dar-lhe banho.

Hugo não falou praticamente nada e mesmo que eu não


quisesse colocá-lo nessa posição, após tomar banho na minha casa,
ele deitou ao lado de Léo e disse-me para tomar meu próprio banho.

Quando retornei ao quarto, os dois dormiam profundamente.


Hugo até mesmo abraçava Léo com carinho. O nó na minha
garganta ainda não havia sido desfeito e as palavras de Joelma
ainda ecoavam em minha mente.

Mas, afinal, o que ela fazia lá? Confraternizar com pessoas


“inferiores”, como a própria sempre disse, não fazia o seu estilo.
“Qualquer coisa que não seja minimamente exclusiva, não merece
um terço da minha atenção”, certa vez ela usou exatamente essas
palavras quando Mauro disse estar planejando nos levar para a
Disney em comemoração ao aniversário do Leo.

O dia demorou a amanhecer e eu não consegui dormir um


segundo sequer. Nem mesmo eram sete horas da manhã quando
recebi uma ligação da casa dela.
— Bom dia, senhora Helena. — uma voz feminina tímida diz
quando atendo a ligação após deixar o quarto na ponta dos pés.

— Bom dia.

— A senhora Peres pediu que a senhora esteja aqui às oito horas


para o café. O motorista está aguardando vocês fora do condomínio.
Por favor, autorize a entrada — avisa.

— Estarei aí, mas dispenso o motorista. — Apenas desligo.

Quanto mais cedo encará-la, mais cedo a arrancarei da minha


vida. Pelo menos é o que eu espero.

Hugo levantou logo após a ligação e me conduziu até a sala onde


me fez sentar e começou a se desculpar pela noite anterior:

— Eu sinto muito, Helena. Realmente não o vi ou ouvi vindo até


mim, eu nunca colocaria o Leo em perigo, você sabe. — Seu tom é
baixo e triste. — Se você quiser afastá-lo de mim, se você quiser se
afastar de mim...

— Não ouse terminar essa frase. — Seguro suas mãos e fixo


meu olhar no seu. — A última coisa que eu quero é ficar longe de
você. Eu te amo, Victor Hugo — admito.

Seus lábios encontram os meus logo que tal frase sai de mim. É
notável o seu sorriso enquanto ele me beija. Um beijo doce e
carinhoso. Sei o quanto ele queria ouvir eu dizer que o amo. Sei o
quanto eu queria dizer. E agora... Estamos aqui.

Suas mãos tentam me despir, mas a pouca sanidade que resta


comigo em seus braços me impede de deixar. O que é ótimo quando
escuto a porta do quarto ser aberta. Nos afastamos ofegantes e, ao
mesmo tempo, voltamos nosso olhar ao Léo.

— Mamãe, desculpa — diz agarrando o dinossauro como se


estivesse prestes a nunca mais vê-lo.
— Vem aqui — peço e devagar ele vem e senta entre mim e
Victor Hugo.

— Eu me perdi do tio Hugo — diz baixinho, olhando para seus


pés. — E não consegui voltar. Então eu sentei perto da árvore.

— Meu amor...

— Eu tava com medo, desculpa. — Abraça ainda mais forte o


brinquedo. — A vovó me encontrou e disse pra eu fechar os olhinhos
que ia me levar pra mamãe. E eu fechei.

— Sinto muito que você tenha passado por isso, meu amor. — O
puxo para meus braços e ele começa a choramingar em meu colo.
— Não precisa ter medo, agora você está com a mamãe.

— A senhora não tá brava? Nem o senhor? — Nós dois negamos


com a cabeça.

— Mas eu preciso que você não faça mais isso, campeão. —


Hugo pede gentilmente. — Ficamos muito preocupados.

— Eu vi num filme que quando a gente se perde, tem que abraçar


uma árvore, mas não deu. — Mostra o gesso, todo dengoso.

— Você fez bem de sentar lá na árvore, mas se um dia acontecer


de novo, fala com o segurança ou com o policial, tá bom? — Hugo
fala e Léo confirma com a cabeça.

— Eu prometo, tio Hugo.

Minha primeira opção era pedir a Carina para ficar com o Léo
para que eu fosse falar com Joelma, apenas nós duas, mas não quis
incomodá-la em um domingo, muito menos tão cedo.

A segunda opção era pedir para Hugo ficar com ele, mas não me
senti confortável para isso.
A terceira opção eu não precisei fazer muito. Logo que Léo foi
escolher as roupas para colocar após o banho, Hugo se ofereceu
para ir conosco até a casa da minha sogra e não demorei a aceitar.
Fazia anos que eu não colocava meus pés naquela casa e sabia que
não seria fácil, mas com Hugo seria menos difícil, com certeza.

— Ei, agora que já escovei os dentes, posso te responder: eu


também te amo, Helena Peres. — Me abraça pelas costas e olha
para mim no espelho alguns segundos antes de me virar para si. —
Acho que nunca vou me cansar de te dizer isso. — Beija o topo da
minha testa. — Só preciso ir em casa pegar o carregador do meu
celular e podemos ir, tudo bem? — confirmo com a cabeça antes de
me lembrar da noite anterior.

— Hugo, a Vic ligou ontem e, com toda a confusão, acabei


esquecendo. Ela disse que você precisa ligar para o advogado e
depois para ela.

— Depois que voltarmos, eu ligo para ela — avisa.

— Tem certeza? Ela parecia bem nervosa e no estado atual


dela...

— Ela só está grávida, Helena. — Dá de ombros. — Amo minha


irmã, mas ela adora um drama e... Você está me escondendo
alguma coisa? — questiona.

— Eu? Por quê?

— Está roendo a unha — aponta e abaixo a mão imediatamente.


— Fala a verdade, meu amor. O que está acontecendo?

— Promete que não vai ficar com raiva de mim e nem dela?

— Não vou. — Ele senta ao meu lado no sofá e sem conseguir


encará-lo, foco nas minhas mãos.
— Ela me fez prometer que não contaria, mas... bem... — Meu
telefone começa a tocar insistentemente.

— Ignora — pede.

— Pode ser a Vic. — E vendo que realmente é ela, atendo


imediatamente. — Vic?

— Não, o papai Noel — resmunga. — Deu o recado ao meu


irmão? É importante!

— Vou passar o telefone para ele. — Ela não se dá ao trabalho


de responder.

Tudo isso ou é mais sério do que eu pensava ou aconteceu algo


entre mim e ela. Vic nunca me tratou dessa forma. Espero que seja
passageiro.

— Se importa se eu levar comigo? — Hugo questiona e nego


com a cabeça antes que ela saia falando com a irmã.
Capítulo 39
VICTOR HUGO

Não é possível comparar o medo que senti quando Jaque se foi e


o medo que senti quando pensei ter perdido o Léo. Em pouco tempo
ele roubou um grande espaço no meu coração, assim como roubou
meu último pacote de biscoitos que culminou em nos conhecermos.

Claro que por ele ser importante para Helena, conseguiu entrar
na minha vida mais facilmente, mas hoje é difícil me imaginar sem os
dois. Léo é o filho que sempre quis ter e que não me foi permitido.
Isso não significa que eu queira tomar do verdadeiro pai o seu lugar.

Aqueles minutos que não o encontrávamos pareciam horas e


quando me informaram que talvez precisassem procurá-lo no lago,
meu coração parou e tudo o que eu conseguia ouvir era ao longe sua
voz me chamando, mesmo que isso não estivesse acontecendo
realmente.

Ao encontrá-lo, minha vontade era de abraçar ele e Helena e


nunca mais deixá-los um minuto sequer longe de mim. Naquele
momento eu tive a maior certeza da minha vida: faria de tudo para
protegê-los e cuidar deles.

Enquanto Helena tomava banho, me permiti abraçar Léo da


forma que nunca fiz antes. Obviamente que já tinha o abraçado
antes, mas não desta forma. O medo e o amor que eu sentia eram
gigantes e tê-lo ali ao meu lado me confortou a ponto de me fazer
dormir rapidamente.

Acordei com a voz da Helena alterada, tendo a certeza de que se


tratava da ex-sogra com quem ela não tinha um bom relacionamento
e que reapareceu do nada na sua vida.

Já havia visto a senhora Joelma Peres e o seu marido em algum


coquetel ou evento, mas não tivemos qualquer contato. Esses
lugares eram exclusivos para resolver o que eu precisava e nada
mais.

Na sala do pequeno casebre que eu tanto desprezava até poucos


meses atrás, ouvi as palavras que tanto ansiava que Helena me
dissesse: “eu te amo”.

Logo que ouvi a voz da minha irmã ao telefone, já sabia do que


se tratava: a família da Jaque. Levando comigo o celular de Helena
antes que ela tivesse a chance de dizer que eu não podia fazê-lo, fui
para casa para buscar o carregador e acompanhá-la e também para
ouvir o que Vic tinha a me dizer.

— Você falou com o advogado?

— Ainda não. Ontem tivemos um problema com o Léo, ele se


perdeu no parque à noite e...

— Você e a Helena não podem ter sido irresponsáveis a esse


ponto, Victor Hugo! — Praticamente grita. — Vocês dois se
merecem! Como o Léo está?

— Foi apenas um susto, Vic. O Léo está bem. Agora me conta o


que o advogado vai cuspir em mim em forma de jargões.

— Certo — começa com um suspiro. — Eles conseguiram que o


inquérito seja reaberto.
— Os Santiago?

— Quem mais está tão interessado em foder a sua vida mais do


que já fizeram, Hugo?

— Como você está, irmãzinha? — Tento mudar de assunto, a


gravidez da Vic, para mim, é algo de suma importância. A sua
felicidade também. A última coisa que quero é continuar a
estressando e atrapalhando a sua vida.

— Eu estou ótima. Acredito que posso dizer o mesmo sobre


vocês, apesar do susto com o Léo. Coitadinho...

— Está sim. Mas e meu sobrinho ou sobrinha?

— Bem também. Hugo, liga para o advogado. Eu preciso ir. Te


amo. — Desliga antes que eu possa falar qualquer coisa.

Preciso ir até sua casa o quanto antes. Com certeza está


acontecendo alguma coisa.

Alguns minutos são suficientes para carregar meu celular ao


ponto de conseguir ligá-lo e encontrar uma avalanche de chamadas
e mensagens perdidas. Ignoro as mensagens da Gardênia e da
minha madrasta e vou direto para as mensagens do advogado, que
pede que eu ligue com urgência.
Capítulo 40
HELENA

Logo que Hugo saiu, Léo voltou do quarto com uma camisa
branca de super-heróis, uma cueca e um short jeans em mãos. E
tentou argumentar que poderia tomar banho sozinho.

— Quando você tirar o gesso, pode tomar quantos banhos quiser


sozinho, mas enquanto estiver com ele, a mamãe vai cuidar de
deixar você bem limpinho, tá bom?

— Mas mamãe...

— Vamos lá, Léo. A mamãe tem compromisso. — O apresso.

Procurei Hugo com o auxílio de Léo, mas não o encontramos. Por


alguns minutos o chamei, pensando que poderia estar no andar de
cima. Ainda não tinha tido coragem de perguntar-lhe por qual motivo
ninguém tinha permissão para subir.

Preocupada, decidi utilizar o telefone da casa para ligar para o


meu celular e tentar encontrá-lo e, quando atendeu, começou a
pedir-me desculpas:
— Amor, eu sinto muito, esqueci de te avisar e também de deixar
o seu celular...

— Você está bem?

— Podemos conversar outra hora? Estou dirigindo, tenho de


resolver uma coisa.

— Tudo bem. Cuidado.

— Te amo. — Desliga sem esperar qualquer resposta.

Como esperado, encontrei o motorista e o carro logo na entrada


do condomínio. Conheço minha ex-sogra o suficiente para que, se o
funcionário retornasse sem mim, seria motivo não só para briga, mas
para demissão. Não foi à toa que eu soube lidar com Hugo desde o
início, ele estava agindo como a minha sogra, mas, diferente dela,
sabia que era apenas uma autodefesa, não quem ele realmente era.

Provavelmente o motorista estava esperando para nos seguir até


a casa dela e mostrar que não voltou sem mim. E eu não podia julgá-
lo.

— Bom dia, senhora, me chamo Amador. A senhora Peres os


aguarda — informou abrindo a porta para mim rapidamente, logo que
nos viu.

— Bom dia — cumprimentei-o de volta.

— Eu tenho um coleguinha com o seu nome! — Léo comenta


animado.

Durante todo o caminho, Léo tenta chamar a atenção do


motorista, que parece receoso em interagir com ele, deixando meu
filho um pouco chateado, mas, quando estamos quase chegando,
isso passa dando lugar ao encantamento dele com os cachorros que
vê correndo e brincando com uma garotinha que não deve ter mais
que a sua idade.
Chegamos à casa quase nove horas da manhã. O motorista
certamente tinha instruções para trazer-nos antes das oito, porém,
por muitos anos, Joelma controlou parte da minha vida e se eu podia
ao menos escolher o horário que eu teria que vê-la, eu o faria.

Sempre extremamente pontual, Joelma engoliu a irritação e


paciência logo que o carro parou e Léo desceu correndo em sua
direção.

— Eu sei que o seu trabalho é dirigir, não interagir, mas ele é


apenas uma criança e, mesmo tendo Peres como sobrenome, não
somos iguais aos que moram aqui. Muito obrigada por ter nos
trazido. — Me direciono ao motorista antes de ir ao encontro da fera.

— Bom dia, Helena. Como sempre... Negligente. — Escolhe suas


palavras com cuidado.

— E ansiosa para tomar café — aviso sabendo que isso só a


irritará.

— Sinto muito frustrá-la, entretanto, como não estava presente no


horário, a mesa já foi retirada.

— Tenho certeza que fome você não está passando. — Subo os


degraus até ficar no mesmo que ela, que segura a mão de Léo
firmemente.

— Certamente não. Empregada! — chama alguém em tom altivo.


Sempre odiei o fato de ela não se referir aos seus funcionários pelo
nome e sim por funções, de forma arcaica. — Leve o menino e sirva-
lhe o café da manhã.

— O seu nome é “empregada”? — Léo questiona a moça tímida


que vem até ele e lhe estende a mão. — Que diferente... O meu é
Leo.

— Não, Leo, esse não é o nome dela e não a chame assim, ok?
— peço e ele confirma com a cabeça antes de acompanhá-la para
dentro da casa.
— Se importando com frivolidades, me desafiando... Você não
mudou, Helena. Apenas mirou em outro alvo, já que o meu filho se
foi. — Joelma afirma adentrando a casa e a sigo.

— Se está se referindo a...

— Ao seu patrão com quem você... Por acaso está dormindo!

— Não vou discutir isso com você, Joelma. Primeiramente, eu


quero saber o que fazia no parque ontem. Estava nos seguindo? —
Ela me encara com um sorriso, sentando-se de frente para mim em
uma cadeira na sala de visitas e indicando outra para que eu me
sente.

— Me orgulho de não apenas ser uma mulher inteligente, mas


também bem instruída. — O vestido ironicamente com estampa de
pele de cobra contorna o seu corpo sem um único vinco. Seu cabelo
perfeitamente arrumado em um coque, tem duas mechas soltas
emoldurando seu rosto magro. — Dificilmente estou errada e creio
que o parque é um local público.

— Não vem bancar a superior comigo. Eu não sou mais a


adolescente que você conheceu, já passei por muita coisa, coisas
essas que você poderia ter evitado. De qualquer forma, isso não vem
mais ao caso. Hoje, não apenas eu, mas também o meu filho, —
levanto-me inquieta —, o seu neto, estamos muito bem. Melhores do
que jamais estivemos.

— O Mauro ficaria muito decepcionado, Helena. Você não está


cuidando direito do meu neto — diz calmamente enquanto tenta me
irritar e está conseguindo.

— O que você quer, Joelma?

— Que você me ceda a guarda do Leonardo. Quero criá-lo como


criei o meu filho. — Incrédula, paro abruptamente, a encarando. —
Você não pode negar que o Mauro era um homem maravilhoso.
Posso dar ao Leonardo coisas que você jamais poderia.
— Você mal via o Mauro até a maior idade. — Volto a me sentar e
tento me acalmar. — Por anos, ele estudou em colégio interno.

— Isso não significa que não o criei, pelo contrário. Dei a ele tudo
o que precisava e todas as chances para tornar-se o homem
maravilhoso que ele foi. Só quero ter a chance de fazer o mesmo
pelo meu neto.

— Então, o que você quer é que eu abra mão do meu filho para
que você o mande para um colégio interno apenas para apaziguar
sua culpa?

— Culpa?

— Você e eu sabemos que, apesar de você me culpar, Joelma,


não fui eu a responsável pelo que aconteceu com o Mauro —
comento e ela parece começar a perder a compostura.

— Foi um acidente de carro.

— Carro esse que eu deveria estar dirigindo.

— Vai embora! — Levanta irritada e gritando. — Eu não sei o que


você está tentando fazer, Helena, mas o que está insinuando é
ridículo!

— Vou buscar o meu filho.

— Vai embora! — Joelma me puxa pelo braço me apertando e,


como reflexo, minha mão vai de encontro com o seu rosto.

— Não era a minha intenção. Eu sinto muito. — Ela volta a me


puxar e agora segura os meus dois braços, apertando ainda mais. —
Me solta. Você está me machucando!

— Sua golpista pobretona, quem você pensa que é?


— Não quero um escândalo, apenas pegar o meu filho e ir
embora desse lugar.

— Antes, eu tinha uma ótima proposta financeira para você,


agora, eu faço questão de tirar essa criança de você da forma mais
dolorosa. — Solta meus braços, me empurrando e fazendo com que
eu caia após tropeçar na mesa de vidro, que se estilhaça. — Não
sangre no meu chão — avisa saindo do cômodo como se nada
tivesse acontecido.
Capítulo 41
Parece que se passaram horas até que finalmente me levanto e
um segurança me espera na porta.

— A senhora Peres pediu que eu a acompanhe até a saída —


informa formalmente. — O carro espera para levá-la ao hospital.

— O meu filho...

— O menino ficará até que a senhora tenha condições de levá-lo.


— Se aproxima e eu recuo.

— Eu não sairei sem o meu filho. Léo! — grito e contorno um


móvel tentando passar pelo segurança, mas ele não permite. — Léo!

— A senhora está machucada, precisa tratar esses ferimentos —


aponta e então vejo o sangue escorrendo pelos meus braços e
pernas. Eu sequer estou sentindo dor.

— Traz o meu filho! — grito mais uma vez.

— Vai assustá-lo, senhora.

— Leonardo! — De repente minha visão escurece logo que o


meu bebê aparece.


Foi estranho acordar em uma cama de hospital com Victor Hugo
parado ao meu lado, extremamente preocupado. Já havíamos
passado por algo semelhante, quando derrubei a água na minha
perna, mas eu estava acordada a todo momento. Agora, eu me
sentia completamente desnorteada, porém, ainda assim, eu só tinha
uma preocupação.

— Cadê meu filho? — questiono fazendo a atenção de Victor


Hugo, que conversava com um médico, voltar-se a mim.

— Como você está se sentindo, Helena? — O médico pergunta e


se aproxima tentando me examinar, mas não permito.

— O meu filho, Victor Hugo. Cadê o Léo? Me diz que você tirou
ele daquele lugar!

— Sim, ele está bem. Está com a Vic. — Me tranquiliza


acariciando meu cabelo e consigo respirar direito.

Depois de ser examinada pelo médico, ele nos deixa a sós e


Hugo me explica que o problema que precisava resolver acabou
sendo adiado e ele decidindo me encontrar na casa da minha ex-
sogra.

— Eu estava na porta da frente e escutei você gritando. — Sua


mão afaga a minha, devagar. — Você estava toda ensanguentada.
Tentei ser frio, sabia que você não perdoaria se eu o deixasse lá,
então, depois de colocar você na ambulância, levei o Léo para a
casa da Vic e vim para cá em seguida — afirma e vejo algumas
manchas de sangue na camisa dele. — O médico disse que a sua
pressão abaixou por causa da perda de sangue e que você não tinha
se alimentado.

— Nós discutimos. Ela me empurrou e eu tropecei. Um móvel de


vidro se estilhaçou...

— Entrou um pedaço bem grande na sua mão — avisa


depositando um breve beijo nela. — Você nunca mais vai enfrentá-la
sem que eu esteja ao seu lado. Se eu estivesse com você, como
deveria...

— Hugo, agora está tudo bem. — Tento tranquilizá-lo.

— Não sei o que faria se eu te perdesse.

— Eu sei. Muito obrigada por ter cuidado de tudo.

— Sempre, meu amor!

Minha alta só foi autorizada no dia seguinte. Tudo o que eu mais


queria era ver o Léo, tranquilizá-lo e ficar agarradinha com ele e
Victor Hugo. Após deixar o hospital cheia de curativos, dor e com
uma enorme lista de medicamentos e buscar o meu filho na casa da
Vic, Hugo prometeu uma ótima tarde regada a filmes infantis e
sorvete para o Léo.

Foi uma tarde incrível, mas os remédios, em algum momento


entre quando a Lilo, de Lilo & Stitch, batia em uma garotinha e o
Stitch aparecia como seu novo “cãozinho”, conseguiram me derrubar
e quando acordei, já não sabia onde Hugo e Léo estavam.

Com o efeito dos remédios passando, voltei a sentir dor, mas


antes que eu alcançasse os comprimidos, escutei risadas de Hugo e
Léo. Devagar levantei e fui até a pequena janela onde os avistei
brincando de bola perto da piscina. Hugo tinha o poder não apenas
de me fazer feliz, mas fazer o meu filho feliz e isso para mim era a
parte mais importante. Sem dúvidas.

Em algum momento, os dois me avistaram e resolveram voltar


para dentro, me enchendo de beijos logo que chegaram perto o
suficiente. Independentemente do que tinha acontecido, nunca tinha
me visto mais feliz.
Na segunda-feira Hugo levantou mais cedo que de costume e
quando acordei no susto por meu despertador não ter me acordado,
ele me tranquilizou informando que Léo já estava pronto e ele
mesmo o levaria até a van.

— Você dorme. Eu volto já e deito novamente com você, está


bem? — perguntou e eu apenas aceitei. Não negaria passar o dia na
cama com Victor Hugo.

Passamos o dia curtindo preguiça. Hugo parecia meio nervoso e


ansioso, mas disse ser apenas por conta de ter descoberto que a
gravidez da Vic não estava indo tão bem quanto ela havia informado
e que sabia que eu não tinha contado a ele de propósito.

— A sua sorte é que você está doente e eu te amo, ou teríamos


uma bela discussão — diz com um semblante preocupado enquanto
tenta fingir não estar.

— Ela ainda parece abatida?

— Menos do que você está imaginando. — Dá um beijo no topo


da minha cabeça e solta um suspiro profundo. — Mas isso
não me deixa menos preocupado. A minha irmã é uma mulher cheia
de vida, agora...

— Logo que eu melhorar, a visitarei novamente. Estou


preocupada com ela e com o bebê. O Luciano estava lá?

— Como nunca o vi antes. Está parecendo um cão de guarda ao


redor dela. Certamente viu que a estava perdendo.

— Deve ser...

— Sabe de algo que eu não sei, Helena? Eu te amo, mas, por


favor, pare de mentir para mim.

— Me desculpa. — Sou sincera. — Eu também te amo, Hugo. —


Eu quero contar a ele sobre o Luciano, mas o telefone tocando
insistentemente me impede.
— Eu preciso atender — avisa antes de sair com o celular em
mãos.

Aproveito e pego o meu celular para falar com a Vic.

— Eu estava prestes a te ligar...

— Jura? Estava ligando porque Hugo me disse que descobriu


que você está de cama e...

— Não tem problema. E você, como está?

— Acamada, mas acho que amanhã já volto ao trabalho.

— Helena, eu sei a verdade. O Luciano me contou tudo.

— Ele contou?

— Contou e eu não quero falar muito sobre isso. E nem quero


que você conte nada ao Hugo. Não é assunto seu!

— E como você está se sentindo agora que descobriu?

— Nós seguiremos em frente.

— Tem certeza? — Será que ele contou toda a verdade para a


Vic.

Ainda não tive a chance de investigar se ele e Samara realmente


estavam separados. Mas se ele contou a Vic, provavelmente ele não
está mentindo, certo?

— Sim, Helena, eu tenho certeza de que não vou acabar com o


meu casamento por algo tão idiota quanto... Isso. Nunca vou te
perdoar se você disser uma palavra sobre isso ao meu irmão. É a
minha vida.

— Vic...
— Eu liguei para informar vocês que iremos passar alguns meses
fora. O Lu tirou uma licença do serviço e iremos viajar. Como nunca
consigo falar com o meu digníssimo irmão...

— Mas... E a sua gravidez? Para onde vocês vão?

— Tchau, Helena.

— Espera, Vic... Vic? — Ela desligou.


Capítulo 42
Por alguns minutos não tenho reação, mas me obrigo a
levantar da cama e procurar Hugo. Ele precisa saber o que está
acontecendo.

Luís se surpreende ao me ver cheia de curativos, mas o


tranquilizo dizendo ter sido apenas um contratempo e pergunto se
ele viu Hugo. Meu amigo apenas comenta que o viu entrar na casa,
nervoso.

Será que afinal a Vic falou com ele e disse que estava indo
viajar?

— Eu preciso que você resolva isso. Minha vida não pode ser
destruída dessa maneira de novo, está me entendendo? — Sua voz
é baixa, mas autoritária.

— Hugo, precisamos conversar.

— Preciso ir. Resolve isso — avisa desligando o celular e se


volta rapidamente a mim. — O que faz aqui? Deveria estar na cama
sendo mimada. — Se aproxima afagando meus braços e me
abraçando em seguida.

— A Vic me ligou...
— Está tudo bem com ela e com o bebê? — Se afasta
brevemente

— Me ligou para avisar que vai viajar com o Luciano. Não faço
ideia do que está acontecendo, ela está tão estranha.

— Tem certeza disso?

— Sim, eu tenho. Eu preciso te contar uma coisa.

— Vem comigo. — Me conduz até o sofá da sala. — O que foi


dessa vez, Helena?

— A Vic me disse para não te contar, mas eu acho que ela


não sabe a verdade. Acho que ele está mentindo e manipulando ela.

— O Luciano? — confirmo com um acenar de cabeça. — O


que aquele filho da puta fez dessa vez?

— Eu já o conhecia. O Luciano e a esposa eram amigos do


Mauro. Viajávamos juntos, íamos para o cinema. Nossos filhos eram
amigos.

— Esposa? O Luciano não tem filhos, nem nunca foi casado,


Helena.

— Samara era a esposa dele. Não sei o que houve entre os


dois, com tudo o que está acontecendo não consegui investigar isso
ainda. — Ignoro a dor que estou sentindo. — Mas eu já o conhecia.
Ele me ameaçou e a Vic estava bem mal, acamada, quando tentei
contar-lhe a verdade.

— Quando foi isso, Helena? — Levanta irritado. — Você sabe


que ele está enganando a minha irmã há quanto tempo?

— Logo depois do aniversário do Léo. Eu o vi pela primeira


vez aquele dia. Foi ele quem encontrou meu filho, eu ainda não sabia
que ele era o marido da Vic.
— E por que não nos contou imediatamente?

— Tá de brincadeira? O meu filho estava hospitalizado...

— E a minha irmã não saiu do lado dele um minuto! — grita e


pega as chaves do carro. — Eu estou indo até lá.

— Eu vou com você! — Ele faz um sinal com a mão me


impedindo.

— Você já fez demais! — Antes que eu possa retrucar, ele sai


de casa.

Tento ligar algumas vezes para Vic, mas apenas cai direto na
caixa postal. Hugo idem. A falta de notícias me deixa ainda mais
nervosa.

— Está tudo bem, Helena? — Escuto a voz de Paloma se


aproximando. — Helena?

— Oi, sim... Eu... Está sim. Precisa de ajuda? — Desde que


Hugo e eu começamos a nos relacionar abertamente, Paloma vem
me ignorando, essa é a primeira vez que ela fala diretamente
comigo.

— Você quer uma água? Está pálida? Comeu alguma coisa?


— Nego com a cabeça. — Vem, vou procurar algo para você comer.
Não é nada como as suas comidas, mas deve dar para o gasto. — A
acompanho até a cozinha.

Mesmo que eu tenha um enorme carinho por Paloma, a


distância que ela impôs a nós duas me fez manter a minha barreira e
nunca contei a ela sobre mim ou sobre tudo o que me aconteceu. A
nossa amizade foi interrompida no início e nunca retomamos.

— Está se sentindo melhor? — questiona após ficarmos um


bom tempo em silêncio e eu apenas gesticulo que sim. — O que
houve? — aponta para meus curativos.
— Um acidente bobo.

— Não parece bobo, Helena.

— Ah, Paloma, você sabe que eu sou um pouco desastrada.


Eu... Caí em alguns estilhaços de vidro.

— Entendo. Sabe que pode me contar qualquer coisa, não


sabe? Se ele estiver fazendo algo com você...

— Ele?

— Você sabe... — Ela sussurra.

— Hugo? — começo a rir. — Ele não faria mal a uma mosca,


Paloma.

— Não coloco minha mão no fogo por ninguém. Além do mais,


eu pesquisei sobre ele. Queria saber onde estava me metendo. —
Senta de frente para mim e segura minhas mãos entre as suas. —
Você sabia que os pais da falecida esposa dele o acusam da morte
dela?

— Eu sei, mas ele não fez isso, Paloma. Fica tranquila.


Quando você o conhece melhor, percebe que o Hugo é um homem
doce, gentil e carinhoso — asseguro. — Ele me trata muito bem.

— Espero que sim. Luís e eu estamos de olho — garante. —


Mas, Helena, se eu posso dar um conselho... — aceno
positivamente. — Não o deixe gritar com você. Você estar errada não
dá a ele esse direito.

— Eu sei, é que...

— Indiferente do motivo. Eu sei que você está apaixonada,


casais discutem, mas nada no mundo lhe daria o direito para gritar
com você. Me promete que se ele fizer isso o colocará no lugar dele?

— Paloma...
— Promete.

— Ok, eu prometo.

Léo já dormia há algum tempo, era tarde da noite quando escutei


o carro de Hugo chegar. Ao contrário do que eu esperava, ele não
veio diretamente para casa. Pela janela, acompanhei o acender de
luzes até o andar superior onde ele demorou algum tempo antes de
voltar, apagando as luzes.

Por alguns minutos ele permaneceu andando de um lado para o


outro próximo à piscina até que veio em direção a minha casa. Não o
esperei chegar perto e abri rapidamente a porta.

— Falei com a minha irmã — diz finalmente próximo a mim.

— E...?

— Ela sabe a verdade. Ele contou. Disse que vai viajar porque a
notícia abalou o casamento e... Com a gravidez, ela quer fazer o
relacionamento dar certo.

— Você tem certeza de que ele contou a verdade?

— Tenho — afirma se afastando e começando a fazer o caminho


de volta para a própria casa.

— Não vai ficar?

— A Vic pediu para você parar de ligar para ela. Minha irmã está
muito magoada por você ter escondido essas informações dela.

— Hugo...

— Quer saber? — Volta a virar para mim. — Eu também estou,


Helena. Não sei mais o que fazer para você confiar em mim. Eu
estou do seu lado...

— Eu sei, mas tenta me entender...

— Entender que você mentiu mais uma vez?

— Hugo, por favor... Eu te amo, me desculpa.

— Eu também te amo, isso não é um término. Mas você tem de


entender que mentiras tem consequências. Dessa vez aquele merda
contou a verdade, mas e se acontecesse outra coisa?

— Hugo...

— Você sequer quis prestar queixa contra aquela jararaca,


Helena! Está acobertando-a, contando mentiras sobre o que
aconteceu. Por quê? — Sua voz se eleva.

— Fala baixo.

— Tudo bem, me desculpe. Você mente, me esconde as coisas,


Helena... Onde acha que iremos dessa forma?

— Você quer mesmo falar de segredos? — O desafio deixando


as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. — Você tem recebido
ligações estranhas e não me conta o que está acontecendo. Tem um
andar inteiro da sua casa onde somente três pessoas podem
frequentar. — Tento me controlar para não acordar o Léo. — E uma é
a senhora da limpeza. Está me cobrando tudo, mas está me dando
metade, Hugo. Não é justo.

— Não é a mesma coisa...

— Me explica como não é a mesma coisa?

— Eu... É difícil.

— Mais fácil julgar os outros, certo? — Atiro minhas palavras


contra ele. — Você pode falar o que quiser, mas não finja que é
melhor do que eu. Boa noite, Victor Hugo. — Fecho a porta devagar
esperando que ele peça para que eu espere, para que me conte a
verdade, mas ele apenas me encara.
Capítulo 43
Léo perguntou por Hugo logo que acordou. Estava acostumado a
encontrá-lo quando acordava. Já fazia parte da sua rotina disputar o
banheiro com ele. Mas, desde a noite anterior, eu não o via. Nem
mesmo durante o dia ou quando Léo voltou da aula.

Pensei em mandar mensagem, ou passar na casa dele, mas


ambos estávamos magoados e eu não tinha certeza se era a melhor
decisão. Sabia que Hugo podia ser cabeça-dura, mas eu não ficava
atrás e não queria agravar nossa discussão.

No dia seguinte, após levar Léo até a van, encontrei a porta


aberta e um carro desconhecido parado na frente. Rapidamente
entrei na casa e encontrei Hugo descendo a escada, seguido de
duas mulheres altas, esguias, de pele escura e sorrisos
contagiantes.

— Você chegou. Vem aqui. — Ele me chama com a mão. —


Essa é a Helena, é a minha namorada e o que ela disser é lei. — E
me cumprimenta com um beijo na têmpora. — Essas são velhas
conhecidas, Maria e Marta. — Nos apresenta rapidamente e logo as
duas se despedem, informando terem muito trabalho para fazer.

— Vem. — Ele começa a subir as escadas devagar, me


puxando junto.

— Hugo. — Paro no meio do caminho. — O que é tudo isso?


— Eu não sou o tipo de homem que costuma admitir que está
errado — desce os degraus de volta até mim —, mas você está
certa. Não posso te cobrar algo que não estou te dando.

— Certo...

— Já estou planejando uma reforma há algumas semanas, mas


antes preciso que você veja como está. — Ele parece
desconfortável, mas disposto. — Depois, nós podemos sair juntos
enquanto tudo é organizado para a reforma começar...

— Tem certeza?

— Vem comigo. — Me oferece a mão e aceito, o acompanhando.

Diferente da decoração do andar inferior, a do andar superior é


toda trabalhada um estilo clean sofisticado. Com móveis de ar
moderno, apesar de não serem novos, e uma grande quantidade de
luzes e espelhos, parece uma casa completamente diferente da que
conheço.

— A Jaque decorou quando casamos. Ela adorava espelhos.


Essa parte da casa não é um segredo, eu apenas não me sinto
confortável aqui como um dia me senti — avisa. — São quatro
quartos. Aquele era o nosso quarto. Não consigo ficar muito tempo lá
dentro. Na verdade, nem lembro a última vez em que estive ali.

— Por isso dorme no sofá ou no quarto de hospedes lá de baixo?


— Ele confirma com a cabeça.

— Tem muitas lembranças físicas. Podemos entrar se você


quiser.

— Não precisa. — Ele suspira aliviado.

— A segunda porta é do ateliê dela.

— Ah... Não sabia que ela era uma artista.


— A Jaque gostava de fazer de tudo um pouco. Dizia que a
acalmava. — Sua voz apesar de triste, não é amargurada. — Quer
entrar? — Nego com a cabeça.

— Na última porta é apenas um quartinho de bagunça. Já a


terceira porta, bem... — Ele a abre para mim e encontro um cômodo
grande, cheio de bichos de pelúcia, com berço, livros de contos e
roupas de bebê.

— O quarto do bebê...

— Ninguém sobe aqui, porque eu sabia que me julgariam... Faz


anos, mas mantenho tudo como estava desde aquele dia.

— Amor...

— Ela não era uma pessoa ruim. Estava doente e não cuidei
dela. Eu podia ter feito, mas não fiz. Mantive tudo isso, talvez, como
forma de me punir. Ver todos os dias o que eu perdi.

— Você mesmo disse que ela estava doente, meu amor.

— Para mim, a forma como você me ama é... Esquisita.

— Como assim?

— Eu sei que não é a melhor palavra que eu poderia usar, mas é


a que mais se encaixa. — Um sorriso leve se abre no seu rosto. —
Você tinha tudo para me odiar. Mas me ama de uma forma que
nunca ninguém me amou, Helena. — Ele segura o meu rosto entre
suas mãos. — E tenho certeza que nunca amei ou amarei alguém
como amo você. Quero que você saiba de tudo.

— E a reforma?

— Uma vez, você comentou que não conhecia esse lugar, por
isso não poderia vir com Léo. — Minhas mãos começam a tremer. —
Eu amo aquele garoto. Amo você. Tudo o que eu mais quero é fazê-
los felizes. Então, eu tenho uma proposta.

— Você tem certeza que está pronto?

— Tenho. Eu quero que você me aceite definitivamente na sua


casa — diz e solto uma risada nervosa. — Isso é um não?

— Não. — Não consigo controlar minha risada. — Desculpa, é


que... Você tem essa casa inteira para você e quer ir para um
casebre no fundo da propriedade...

— Só enquanto acontece a reforma. Quero que você me ajude


com cada cômodo. — Minha risada cessa imediatamente. — Calma,
eu não estou pedindo para você mudar para cá... Ainda.

— Hugo, é isso o que você quer? Fazer essa reforma, morar com
a gente...? — Ele acena positivamente. — Tem certeza?

— Helena, só diz que eu posso me mudar e ainda hoje irei


atazanar vocês dois todas as horas do dia que eu puder.

Jamais poderia dizer não a ele. Hugo tinha um jeito que me fazia
derreter e aceitar até suas propostas mais indecentes. Meu coração
pulou e acelerou meu corpo inteiro. Descemos as escadas
rapidamente, estava claro que apesar de ter me apresentado o lugar,
Hugo não se sentia confortável, talvez a reforma realmente fosse a
solução.

— Pedi à Paloma que colocasse tudo em caixas — diz


momentaneamente triste. — Todos serão doados. Mais tarde alguém
virá ajudá-la com as últimas coisas.

— Acho uma atitude bonita.

— Paloma! — Ele chama e rapidamente ela vem até nós. —


Poderia fazer o que pedi conforme o orientado? Preciso levar Helena
em um lugar.
— Claro, senhor!

— Obrigada — agradeço ao mesmo tempo que ele. — Podemos


conversar um minutinho?

— Com certeza. — Paloma segue em direção à cozinha e dou


um rápido beijo em Hugo, que segue para o escritório.

— Eu quero te agradecer.

— Você já fez isso, Helena.

— Não, não por empacotar tudo, mas por ter se preocupado


comigo. Sei que não somos as melhores amigas desde que você
descobriu que estou saindo com o Hugo...

— Não é isso. O problema nunca foi você namorar ele — afirma


com um sorriso. — O problema eram as grosserias. Ele conversou
comigo ontem e, Helena, esse homem te ama. Jamais eu poderia
ficar chateada com isso.

— Você jura?

— Juro. Eu sei que não nos conhecemos há tanto tempo e que


eu sou a mais nova entre nós duas, mas me sinto sua irmã mais
velha — admite me abraçando. — Só quero o seu bem, de verdade.
Agora vai lá e aproveita aquele homem que está mudando muita
coisa na vida dele por sua causa.
Capítulo 44
Hugo acabou me arrastando para fora da casa enquanto meu
estômago vergonhosamente roncava de fome. Ele não quis informar
para onde iríamos, mas pelo menos dessa vez não me vendou.
Durante o caminho, ele me explicou o motivo das ligações que vinha
recebendo.

— Todas essas ligações são com o meu advogado — começa


enquanto dirige. — Eu já te contei que a família da Jaque tentou me
culpar pela morte dela, certo?

— Sim.

— As investigações foram reabertas. Ainda estou tentando


entender o porquê de isso estar acontecendo, mas, basicamente,
eles querem que eu seja preso e pague pela morte dela. Eu estou
vendo o que posso fazer para evitar isso. Agora que eu encontrei
vocês... A última coisa que eu quero é ficar longe.

— Por que não me contou isso antes?

— Fiquei com vergonha — admite. — Não fazia ideia do que você


ia pensar. Aliás, não faço ideia do que você está pensando.

— Quer saber o que estou pensando?

— Por favor. — Seus olhos não deixam a estrada um segundo.


— Estou pensando em como o meu namorado é um homem
incrível que não deveria estar passando por isso. Que o que
aconteceu é uma fatalidade e que vamos passar por isso. Juntos. —
Ele afaga meu joelho por um breve momento. — Eu te amo, Victor
Hugo, e não há nada nem ninguém que possa mudar isso. Eu estarei
ao seu lado.

— Obrigado, meu amor. As suas palavras me tranquilizam de


uma forma que só consigo me chamar de burro por não ter te
contado antes. Com certeza estaria me sentindo tão bem esse tempo
todo quanto estou me sentindo agora.

— Sempre pode contar comigo para ser sua animadora


pessoal — brinco tentando evitar o assunto que eu sei que ele quer
saber. Não é que eu não queira contar, é que é doloroso demais.

— Agora você pode, por favor, me explicar por que não quis
denunciar aquela jararaca?

— Então... — Respiro fundo antes de começar. — É horrível


para mim admitir isso, mas eu tenho muito medo dela. Medo do que
ela poderia fazer comigo e, principalmente, com o Léo.

— Como assim?

— Na noite da morte do Mauro eu deveria estar no carro, era


o meu carro. Toda terça-feira eu ia ao mercado à noite, mas o Léo
estava doente, então resolvi ficar em casa. Estava chovendo bem
forte, aquela típica tempestade de verão de São Paulo e o carro do
Mauro não estava pegando. Léo estava com febre e a farmácia não
quis fazer entrega de medicação, daí ele foi buscar no meu carro. —
O nó na minha garganta não é o suficiente para me impedir. — Tinha
uma ladeira para voltar para casa. Hugo, eu tenho certeza que
escutei dois policiais conversando sobre os freios terem sido
cortados. O relatório diz que foi a chuva que deixou a rua
escorregadia, mas eu sei o que eu ouvi. Sabotagem. Essa palavra é
simplesmente o meu pesadelo desde aquele dia.
— Eu sinto muito, meu amor.

— Eu não sou burra. Sei que eu e o meu filho tínhamos


nossos direitos, mas não quis entrar numa briga e correr o risco de
perdê-lo. O Léo é o meu bem mais precioso. — Por algum motivo,
não consigo encará-lo. — A Joelma é uma pessoa claramente
perigosa, recebi uma ligação dela perguntando sobre as promoções
do mercado. Ela nunca tinha pisado em um mercado na vida, Hugo.
Expliquei a ela que Mauro tinha ido à farmácia com o meu carro e
que eu não tinha ido até o mercado. Ela ficou muito nervosa e
desligou, dizendo que precisava falar com o filho — relembro as
cenas em minha mente como se estivesse acontecendo neste
momento. — Joelma também é uma manipuladora covarde que
sequer chorou no enterro do filho. No meu pior momento, quando
Mauro se foi tão de repente, me disse que eu precisava assinar
alguns documentos a respeito do velório, enterro, do seguro, que por
ele ser casado, deveria ser assinado por mim... Depois descobri que
ela me fez assinar documentos onde eu abria mão de tudo o que era
meu, tudo que o meu marido certamente queria que ficasse conosco.
— Algumas lágrimas teimam em descer pelo meu rosto.

— Puta merda! Ela é pior do que eu pensava. Quem pensaria


tão friamente durante o velório do próprio filho?

— Nossas contas foram zeradas antes mesmo que eu


pensasse em qualquer coisa. Mauro tinha dívidas, mas eram coisas
pequenas se comparado ao que tínhamos. As únicas coisas que
ficaram comigo foram joias, roupas... Itens pessoais que usei para
nos manter o máximo que consegui. Não era muito, mas foi o
suficiente enquanto eu procurava emprego.

— Eu sinto muito. — Hugo segura uma das minhas mãos.

— Mesmo sabendo o que ela havia feito, tentei conseguir a


sua ajuda. Pensei que, por um momento, ela poderia pensar ao
menos no meu filho, mas eu estava enganada. Se eu procurasse um
advogado, não seria difícil reaver o que era nosso.
— Ela te encurralou em um momento difícil e traumático.

— Sim, mas o que eu conseguiria, em comparação ao que ela


tem, é quase nada. Mauro e eu vivíamos bem, mas nada pomposo
como ela. Era confortável e o suficiente para nós — comento. —
Com o dinheiro e a influência dela, meu filho podia ser tirado de mim.
Eu sei que todos dizem que juiz algum tira o filho de uma mãe, mas
essas pessoas não sabem do que ela é capaz para conseguir o que
quer. Eu sei. A minha melhor arma contra essa mulher é ignorá-la.
Se eu for atrás de denunciá-la, tenho certeza de que isso só
agravará minha situação.

— Me desculpa ter insistido nisso. Agora eu te entendo.

— Não tem problemas.

— Mas, meu amor, quero que saiba que você e o Léo, para
mim, são o pacote completo. — Seu sorriso é grande e verdadeiro.
— Quero os dois e tenho como meta cuidar de vocês da melhor
forma possível. Farei tudo ao meu alcance para mantê-la longe de
vocês.

— Obrigada. — Aperto sua mão. — Eu quero que nós dois


possamos ser sinceros um com o outro. Prometo não esconder nada
importante de você de novo.

— Tudo bem. Eu também prometo. — Beija o dorso da minha


mão. — Chegamos.
Capítulo 45
Hugo dessa vez não me levou em um lugar que eu ainda não
conhecia. Me levou para o prédio da VHM, sua empresa, na Avenida
Paulista. Depois de mais algum tempo dentro do carro regado a
carinhos inocentes, descemos e fomos para o escritório.

— Amor, eu esqueci de falar, preciso que você me acompanhe


em um evento amanhã... — diz segurando minha mão e afagando
com o polegar.

— Mas... E o Léo? Não tenho com quem deixá-lo.

— Podemos pedir uma babá.

— Deixar meu filho com uma desconhecida? Fora de cogitação!


— finalizo.

— E a sua amiga?

— Carina? — Ele confirma com a cabeça. — Posso ver se ela


pode.

— É só o que eu peço. — Beija minha testa quando o elevador


para no andar final, o do escritório.

Como da última vez, encontramos Cláudia, Stella e Túlio tomando


conta do local com muito mais bagunça. Eles demoraram para notar
nossa presença e até começaram uma discussão que não teve
tempo de se transformar em uma briga, pois Hugo pigarreou e
chamou a atenção deles.

— Vocês chegaram! — Cláudia nos cumprimenta com educação,


mas menos animada que da última vez que nos vimos.

— Bom dia, Helena e Chefinho! — Stella e Túlio nos


cumprimentam também. — Precisamos descer, mas você sabe que
está em boas, aliás, — Stella fixa seu olhar em Hugo por um
momento —, em ótimas mãos.

— Eu que o diga! — Túlio complementa e por um minuto vejo


Victor Hugo corando.

— Vou buscar café da manhã, amor! — Hugo hesita, mas


acompanha os dois funcionários.

— Helena, já tem uma ideia do que deseja usar? — Cláudia


pergunta de longe, mexendo em alguns tecidos coloridos.

— Na verdade, eu não sabia desse evento até o momento que


entrei no elevador — admito. — Como você está?

— Vou ser sincera com você. Tenho muito carinho pelo Victor
Hugo, ele é um homem incrível e seja lá o que você estava
pensando quando aceitou isso... — Rapidamente pega a bolsa que
usei para ir ao evento onde Hugo e eu demos o nosso primeiro beijo
e a abre, tirando um cartão de visita antes de me entregar. — Espero
que tenha repensado.

— Não é o que você está pensando. — Hugo já me falou


algumas vezes do quanto gosta de Cláudia e que a tem como uma
boa amiga. — Eu fui abordada pela acompanhante dele quando saía
do banheiro e ela me entregou isso.

— E por que não jogou fora? Sei que mal nos conhecemos, mas
a impressão que tive de você... A forma como Victor Hugo fala de
você, Helena.
— Eu ia jogar fora, mas Hugo chegou na hora. Ele estava bêbado
e tinha certeza de que faria uma cena se soubesse. — Ela anda por
diversas áreas do cômodo mexendo em uma coisa e outra e vou
atrás dela me explicando. — Ele fez uma cena por menos... Eu
nunca aceitaria ter qualquer tipo de envolvimento com um homem
nojento como ele.

— Por que você não jogou fora?

— Sinceramente? Não lembrei disso até agora — admito e ela


para de frente para mim, me analisando.

— E você gosta do Victor Hugo de verdade?

— Cláudia, eu o amo. Ele é um ser humano incrível e eu estou


completamente apaixonada por ele. — Nunca fui tão sincera.

— Deixa eu me livrar dessa porcaria então...

— Me dê aqui — peço e ela me encara desconfiada, mas entrega


o cartão.

Entrando no banheiro e deixando a porta aberta, dou descarga no


maldito pedaço de papel que piquei em pedacinhos na sua presença.

— Essa história que nem começou, acabou — finalizo.

— Você tem certeza disso, Cláudia? Meus peitos estão quase


pulando para fora e...

— Quem é a especialista aqui, Helena? — questiona ajustando a


saia do vestido.

— Você...
— Então simplesmente me diga... — Levanta e me vira para a
frente do espelho, abaixando os meus braços que estavam cruzados
na frente dos meus seios. — Você gostou?

De cor champanhe e com uma saia longa e fluída, o vestido era


simplesmente lindo. Até mesmo a parte que me deixou inicialmente
desconfortável. Com alças finas sustentando o pouco tecido que
cobre meus seios, um recorte vazado na vertical logo após e nem ao
menos um tule para cobrar a minha pele, apenas as finas tiras que
ligam o top à saia, inclusive nas costas.

— Você é a melhor, Cláudia, sem “mas” — agradeço. — Me olhar


em um espelho, me sentir bem com o que vejo é completamente...

— Revigorante?

Meus olhos não conseguem manter as lágrimas. Tudo o que tem


acontecido na minha vida nos últimos meses é apenas incrível e nem
em milhões de anos eu seria capaz de acreditar que aconteceria um
por cento do que aconteceu até agora.

— Obrigada. — A abraço.

— De nada. Eu só quero que o Victor Hugo seja feliz. Se for com


você, melhor ainda. — Retribui o abraço, sorrindo.

Enquanto eu colocava de volta meu velho e aconchegante jeans,


minha blusa listrada e o tênis que deveria ter, no mínimo metade da
idade do Léo, Cláudia rapidamente embalou o vestido em uma caixa
com o logo da loja, além de acrescentar o sapato e a bolsa que disse
serem perfeitos para usar com o vestido.

Não demorou muito e Hugo apareceu com um delicioso cachorro-


quente em mãos.

— Fora! — Cláudia gritou para ele logo que sentiu o cheiro. —


Não quero comida aqui com minhas roupas. Helena, querida, como
sempre, foi um prazer te ver, mas se não quiser ficar sem namorado,
sugiro que o arraste imediatamente de volta para o elevador.

— Não ganho nem um abraço antes de ir embora, Cláudia? —


Hugo questiona zombeteiro e recebe um olhar assustador como
resposta.

— Obrigada por tudo, Cláudia — agradeço com as caixas em


mãos, já empurrando Hugo para dentro do elevador.

Antes mesmo que as portas se fechem consigo roubar o lanche


dele, trocando pelas caixas. A primeira mordida confirma minhas
suspeitas, era o lanche do Chicão.

— E aí, o que você escolheu? — Tenta xeretar a caixa, mas o


impeço. — Você ganha o que quer e eu não?

— Tenho certeza que você ganhou bastante o que queria hoje —


resmungo apontando para a sua camisa suja de molho. — Olha,
Victor Hugo, eu te amo, mas se você me largar com roupas e for
comer na barraca do Chicão sem mim de novo, pode se considerar
um homem morto! — aviso de boca cheia e ele começa a rir.

— Vem, comilona. — Me conduz para fora do elevador. — Vamos


lá guardar essas coisas e prometo te pagar quantos lanches do
Chicão você quiser.
Capítulo 46
Ficamos fora de casa durante todo o dia. Após escorregar em
uma poça enquanto voltávamos da barraca do Chicão para o carro,
Hugo decidiu que era hora de renovar o meu guarda-roupas e, por
mais que eu tenha tentado negar, quando estávamos prestes a
entrar no estacionamento, Cláudia nos encurralou e me arrastou
direto para o primeiro andar da loja, onde começou a me fazer
experimentar um monte de roupas.

No fim do dia, eu tinha mais calças do que podia usar e nem vou
falar sobre as blusas, vestidos e demais peças, além, claro, de
muitos, mas muitos sapatos mesmo. E algumas lingeries.

— Eu vi uma renda entre as sacolas ou é impressão minha? —


Hugo questiona com um sorriso malicioso enquanto se aproxima
para me beijar.

— Você anda muito curioso. — Sorrio. — Acho que vou manter


esse segredinho até... Digamos, à noite? — Dou-lhe um selinho e me
afasto com as batidas repentinas na janela do carro.

Estamos estacionados esperando Léo sair da escola. Hugo fez


questão de vir buscá-lo e contar logo a novidade. E assim que me
viro para ver quem está na janela, é a diretora segurando meu filho
pela mão.
— Helena. — Me cumprimenta, seca. — Fiz questão de trazer o
Leonardo até o carro, precisava mesmo falar com o Hugo. — Desço
do veículo para colocar meu filho na cadeirinha no banco de trás e
apenas a cumprimento com educação.

— Mamãe, e essas sacolas? — Léo questiona. Foram tantas


sacolas, no total, que não couberam no porta-malas e tivemos que
colocar no banco de trás, já que recusei prontamente que um carro
fosse até em casa apenas para levar tudo.

— São algumas... Coisas que o tio Hugo e a mamãe compraram


— asseguro colocando seu cabelo de lado após fechar o cinto da
cadeirinha.

— Tem presente para mim? — Nego me sentindo culpada por


não ter trazido nada para ele, mas Léo não parece se importar muito
e dá de ombros.

— Você recebeu a minha mensagem? — Gardênia está na janela


de Hugo tentando de todas as formas tocá-lo e fazendo questão de
aumentar o seu decote descaradamente.

— Não... — Ele parece desconfortável e liga o carro.

— Que estranho. Você mudou de número?

— Podemos ir, amor — aviso voltando ao meu lugar e


colocando o cinto.

— Não, eu acho que não, Gardênia.

— Bom, nesse caso, procure pela minha mensagem, com


certeza vai te interessar. — O encara por um tempo como um animal
prestes a atacar sua presa e em seguida me olha com o mais puro
desprezo. — Um ótimo dia — diz antes de virar as costas.

— Eu quero saber? — questiono e ele nega com a cabeça. —


Filho, o tio Hugo tem uma coisa para te contar.
Leo ficou, para dizer o mínimo, extasiado com a notícia de que
Victor Hugo iria oficialmente morar em nossa casa por um período e
logo após começarmos o caminho para casa, meu filho já havia
decidido que Hugo e ele dormiriam numa beliche e seriam melhores
amigos e colegas de quarto.

— Você dorme no beliche de baixo, tio. — Léo avisa.

— A gente não tem beliche, filho.

— E onde o tio Hugo vai dormir? — Vejo seus olhos se enchendo


de lágrimas.

— Bom, a gente pode ver a história do beliche depois. Por


enquanto, eu posso continuar dormindo no quarto da Helena. O que
acha? — Hugo pergunta com um sorriso malicioso direcionado a
mim.

— Boa ideia, tio Hugo. Mamãe, você dorme na minha cama e eu


durmo na sua com o tio — conclui. — Você é um gênio, tio!

Hugo demorou para convencer Léo que os adultos deveriam


dormir na mesma cama e ainda disse que eu ficaria triste se voltasse
a dormir sozinha. Léo até cogitou a ideia de dormir comigo e
despachar Hugo para o seu quarto, mas, no fim, quando meu
namorado disse que eu roncava, meu filho concordou e ainda disse
que era alto demais.

Achei completamente ofensivo!

Enquanto os dois discutiam horários sobre o banheiro,


aproveitei para ligar para a Carina e atualizá-la dos acontecimentos,
além de pedir-lhe que ficasse com o Léo no dia seguinte.

— Por que rico tem mania de fazer evento no meio da


semana? — Carina questiona risonha.
— Se descobrir a resposta, me conta — peço rindo. — Mas eu
prometo que não volto tarde e passo aí para buscar o Léo.

— Sabe que não precisa se preocupar com isso. Eu e a Bru


adoramos o Léo. — Escuto ao fundo o grito da namorada da minha
amiga confirmando. — E tenho quase certeza de que se ele não
conseguir roubar ela de mim, vai tentar me roubar dela.

— Obrigada, Carina. Você é incrível!

— Eu sei! Agora eu preciso ir. Boa noite, até amanhã.

— Boa noite, Carina. Manda um beijo pra Bru... — Desligo.

Aproveito para tirar o jantar da geladeira e começo a aquecê-


lo enquanto escuto a discussão entre Hugo e Léo ser finalizada.

— Tá bom, você venceu essa batalha... — É Hugo. — Mas


não vencerá a guerra.

— Vai pagar pra ver, tio? — desafia. — Mamãe, tô pronto pro


banho — avisa.

— Fica de olho nas panelas, por favor? — peço a Hugo e vou


para o banheiro ajudar Léo.

Felizmente falta pouco para ele tirar o gesso. Não que eu não
goste de ajudá-lo, mas porque sei que ele gosta da sua
independência de sempre e sinto falta do meu menino traquina cem
por cento ele mesmo.

O jantar foi rápido e a noite longa. Léo estava carregado nos


duzentos e vinte volts. Quando Hugo o levou para o quarto, já era
tarde. Ele se recusava a dormir, animado com a companhia do tio e
só apagou quando o sono foi mais forte.

Hugo me ajudou com a louça apesar da sua clara falta de


habilidade, mas o esforço era nítido. E enquanto foi escovar os
dentes, seu celular começou a vibrar insistentemente.
— Amor, vê se é a Vic. Ela ficou de me mandar mensagem,
mas até agora nada — pede do banheiro.

Impossível acreditar no que vejo logo que pego o celular. Sem


bloqueio, logo que clico no número que sequer está agendado, vejo
uma grande quantidade de fotos nuas e seminuas de nada mais,
nada menos, que da diretora do colégio do Léo. Em diversas
posições, comprometedoras inclusive.

— É ela? — Volta ao quarto enxugando o rosto com uma toalha.


— Amor?

— É a sua amiga! — Jogo o celular nele e por pouco ele pega o


aparelho antes que aconteça algo pior. — Ela está esperando a sua
resposta. Quer privacidade?

— Eu posso explicar, Helena — diz logo que percebe do que


estou falando.
Capítulo 47
Vendo aquelas fotos, para não dizer outra coisa, ridículas,
consegui sentir uma raiva extrema. Mesmo que o meu lado lógico
dissesse que eu deveria manter a calma levando em consideração o
fato de que o Hugo não baixou nenhuma das fotos, sequer tem o
número dela agendado e não a respondeu vez alguma, meu lado
inseguro falou mais alto e, quando dei por mim, estava o expulsando
de dentro da minha casa com as roupas dele que Paloma trouxe de
mudança.

— Helena, por favor, deixa eu explicar...

— Você teve a chance de explicar quando recebeu essa merda


pela primeira vez. — Com suas roupas em mãos, começo a atirar
peça por peça nele. — Você teve a chance de explicar quando
conversamos e prometemos não esconder mais nada um do outro.
— Apesar de querer gritar, mantenho minha voz num tom baixo para
não acordar o Léo. — Você teve chance de explicar, Victor Hugo.
Teve a chance de cortar essa palhaçada, de bloquear o número
dessa... Dessa... Pelo amor de Deus, ela é diretora do colégio do
Léo! Você deveria ter, no mínimo, bloqueado o número dessa
oferecida... Mas não fez.

— Helena, por favor...

— “Por favor” o caralho! Não vem tentar me fazer de idiota, Victor


Hugo — aviso e devagar ele tenta se aproximar de mim.
— Amor... — Mesmo receoso, ele consegue chegar até mim. —
Se eu tivesse fazendo algo de errado, eu ia dizer para você pegar o
meu celular e ver as mensagens?

— Não sei, você pode estar fazendo o truque da galinha morta...


— Paro de repente.

— “Truque da galinha morta”?

— Olha aí você continuando com o truque! — Tento afastá-lo,


mas ele não permite, me segurando levemente pelos braços.

— Amor, eu amo quando você me ensina algo novo, e você me


ensina muitas coisas, por isso eu realmente preciso que você me
explique o que seria esse truque, porque eu nunca ouvi falar sobre
isso — avisa tirando meu cabelo do rosto.

Por que ele tem de ser fofo quando eu estou puta?

— Pergunta para o seu celular.

— Amor...

— É sério! — reviro os olhos pego o meu no bolso do roupão que


estou usando e falo: — Ok, Google, pesquisar “truque da galinha
morta”.

Logo a assistente começa a falar.

— “De acordo com o site Dicionário Informal: truque da


galinha morta. Ato ou efeito de enganar. Dar um truque, disfarçar, ter
jogo de cintura...”

— Tá bom, entendi. — Rindo, ele tira o celular da minha mão


e bloqueia a tela, antes de voltá-lo ao meu bolso. — Mas, amor, eu
não estou tentando usar o “truque da galinha morta”.

— Se estivesse, você diria exatamente isso!


— Helena! — Ele para de rir. — Eu entendo que não deveria
ter escondido isso, mas eu também entendo que o Léo ama a
escola, tem amigos lá e você não permitiria que ele continuasse
estudando ali se soubesse disso. — Conforme ele fala, seu
semblante relaxa e eu me sinto ainda mais boba por toda a cena. —
A Gardênia é inconveniente e eu ia trocar o número de telefone, mas
surgiu uma coisa atrás da outra e não deu tempo.

— Hugo...

— Se você olhar no celular, quando ela mandou a primeira


vez, eu pedi que ela não fizesse isso nunca mais. Eu te amo, Helena,
e ela sabe disso. Eu disse isso a ela e repetirei, além de trocar meu
número e bloquear o dela.

— Você já deveria ter feito isso — resmungo.

— Eu sei, me desculpa, estou errado. Quis poupar estresse e


acabei piorando as coisas.

— Você prometeu e me fez prometer que não teríamos mais


segredos!

— Me desculpa.

— Hoje você dorme no sofá e amanhã eu decido o que faço


com ela. E com você! — aviso apontando o dedo na cara dele.
Mesmo com a minha ameaça ele sorri e me beija.

— Está bem. Você me perdoa?

— Amanhã conversamos. — Viro as costas para ele, que


recolhe as roupas antes de entrar.

Eu fui fraca. Se tratando do Hugo, principalmente quando sem


camisa, eu sou fraca. Talvez inconscientemente eu tenha esquecido
de pegar água antes de ir para o quarto, resultando em levantar no
meio da noite para buscar e encontrá-lo passando calor na sala, só
de cueca.

Não importava qualquer discussão boba, o que importava era o


calor que aumentou quando o vi com os óculos de leitura e o cabelo
bagunçado lendo a revista de fofocas sobre novelas.

— Amor, você leu isso? — Tira os óculos rapidamente. — A


Gertrudes está grávida e planejando fugir com o Lucas!

A princípio pensei em tirar sarro de como eu o tinha viciado em


novela, principalmente na novela que fora o motivo do nosso primeiro
conflito, mas quando ele sorriu para mim, não consegui resistir. Antes
que eu pudesse pensar mais de uma vez, me atirei nos braços dele.

Por um segundo conseguimos pensar em algo além de nós dois


ali e Hugo me levou de volta para o quarto, com minhas pernas
enroscadas em sua cintura, e trancou a porta.

Claramente nossas preliminares tinham sido apenas através dos


nossos olhares e, sem mais delongas, Hugo tirou seu pau para fora e
rapidamente deslizou para dentro do meu corpo, ainda apoiado na
porta.

— Isso não significa que eu já te perdoei — aviso separando


nossas bocas momentaneamente.

— Cala a boca e aproveita!

Suas estocadas rápidas, fortes e sedentas faziam parecer que


não nos víamos ou nos tocávamos há muito tempo. Abrindo os
botões da minha camisa com certa habilidade, ele nem precisou
pausar a penetração e em seguida passou a chupar meus seios,
pescoço e sussurrar para mim:

— A sua boceta acaba comigo!


— Isso está... Tão bom! — suspiro devagar aproveitando a
sensação que faz todo o meu corpo tremer.

— Aperta o meu pau, vai, Helena! — geme enquanto eu atinjo


o meu primeiro orgasmo da noite.

Em algum momento ele decide me levar para a cama e mesmo


que ele se enfie dentro de mim de forma mais grosseira e violenta,
exatamente como sabe que eu gosto, ao me colocar no colchão ele é
gentil.

Colocando minhas pernas apoiadas em seu ombro, Hugo se enfia


cada vez mais fundo, arrancando de mim gemidos escandalosos que
por um minuto me preocupa.

— Ele não vai acordar, pode gemer à vontade! — garante e assim


o faço. — Isso, Helena, geme pro seu homem, geme!
Capítulo 48
Acordei mais cedo que de costume e, em silêncio arrumei Léo
para a escola. Hugo dormia profundamente quando deixei um bilhete
no lugar do seu celular e da chave do carro, avisando que estava
levando Léo para a escola para que pudesse assinar a autorização
para Carina buscá-lo, mas omiti a parte em que decidi colocar a
diretora no lugar dela.

Léo desceu do carro animado e correu para dentro da escola na


companhia dos coleguinhas que encontrou na entrada. Não demorou
muito e, pelo espelho, vi Gardênia se aproximando enquanto
aumentava o decote ousado demais para o lugar.

— Bom dia, Hugo... Ah, Helena... — Se corrige e fecha a cara ao


perceber que a única pessoa no carro sou eu. — Eu vim
cumprimentar o Hugo.

— Bom dia, professora Gardênia — cumprimento-a com um


sorriso. — Meu namorado ficou dormindo, digamos que a noite dele
foi um pouco... Cansativa.

— Se me dá licença, preciso voltar ao trabalho — avisa, seu rosto


não disfarça sua frustração e irritação.

— Na verdade, preciso conversar com você. — Desço do carro


usando uma das novas roupas que Hugo me deu.
A calça jeans de lavagem clara contorna meu corpo, acentuando
minhas curvas, e a discreta regata preta combina perfeitamente com
o All Star em meus pés, coloquei pequenos brincos dourados em
forma de gota e uma pulseira de mesma cor. Meu cabelo prendi em
um simples rabo de cavalo. E levo comigo uma bolsa combinando.

— Pode ser rápido? — questiona irritada conferindo o seu relógio.


— Tenho uma reunião com o Conselho...

— Isso vai depender de você. — Não a espero para ir em direção


a sua sala, mas ela me acompanha rapidamente, mesmo em cima
do salto, e logo que entramos, começo: — Primeiramente, preciso
autorizar que uma amiga busque o Léo hoje. Meu namorado e eu
temos um evento importante.

— Isso pode ser resolvido com a minha secretária. — Senta-se


atrás de sua mesa. — Com certeza você vai se vestir melhor que
agora. Hugo odiaria passar vergonha por conta dos seus trajes —
avisa altiva.

— Não precisa se preocupar com minhas vestes, professora,


mas, com certeza, deveria se preocupar com as suas. — Coloco o
celular em cima da sua mesa e sua cor e postura mudam quando vê
do que se trata.

— Co-como você conseguiu isso? É particular, posso te


denunciar! — grita descontrolada.

— Não tenho interesse de compartilhar isso com qualquer


pessoa, professora. Mas a senhora deveria compartilhar apenas com
quem tem interesse e meu namorado não faz parte do time de
interessados.

— Isso é ridículo!

— Ridículo é mandar nudes para alguém que não solicitou ou tem


interesse. — Tiro o celular de suas mãos e ela levanta ainda mais
irritada. — Eu espero que essa tenha sido a última vez...
— Ou o quê? — questiona debochando.

— Ou também participarei da próxima reunião e comunicarei


pessoalmente ao Conselho a respeito das atitudes nada ortodoxas
ou educativas da maior representante da escola.

— Isso é chantagem!

— Não vejo assim. É uma escolha. Se você estivesse enviando


essas fotos em comum acordo com o meu namorado, eu não me
manifestaria, mas da forma que está sendo feita, é assédio — aviso
calmamente. — Como professora, você claramente sabe a definição
da palavra assédio. E assédio é crime. Portanto, não hesitarei em
denunciá-la.

— O Hugo pediu e gostou...

— “Gardênia, o que tivemos ficou no passado. Estou com alguém


que amo; por favor, não volte a me procurar ou mandar esse tipo de
mensagens novamente.” — Leio a mensagem que Hugo usou para
responder a primeira foto que recebeu. — Não sei o que parece para
você, mas para mim, e tenho certeza que para o Conselho também,
isso é uma prova de assédio.

— Sai da minha sala! — grita. — Agora!

— Passar bem, professora. Vou deixar a autorização com a sua


secretária. Uma ótima reunião. — Logo que saio começo a ouvir
folhas sendo rasgadas e objetos sendo derrubados. — Aqui está a
autorização para minha amiga buscar o Leonardo Peres hoje —
aviso entregando à secretária, que parece assustada. — Bom dia.

Não fiquei exatamente orgulhosa de mim ameaçando o emprego


da Gardênia dessa forma, mas pelo menos agora ela vai pensar
duas vezes antes de dar em cima de um homem comprometido.
Hugo não é santo nessa história. Ele poderia muito bem ter
bloqueado o número dela, trocado de número, mas simplesmente a
deixou continuar, mesmo que nas mensagens apenas a primeira foto
tenha sido “baixada” e que ele tenha pedido que ela não continuasse
e tenha passado a ignorá-la.

Tão logo chego, vejo Hugo sentado nos degraus de entrada


da mansão com cara de poucos amigos. Eu sabia que ele não ficaria
feliz com a minha decisão, mas eu também não estava com as que
ele tomou em relação a isso.

— Onde você estava? — pergunta me olhando de baixo a


cima, um pouco mais tranquilo que antes.

— Fui resolver a autorização que a Carina precisava para


buscar o Léo hoje.

— E...?

— E colocar a sua amiguinha no devido lugar dela. — Entrego


o celular e a chave do carro em sua mão. — E eu não vou me
desculpar por isso — afirmo entrando na casa e ele vem atrás de
mim.

— Amor, o que você fez? — questiona segurando meu braço


pouco antes de eu chegar a cozinha.

— Eu...

— O que eu faço com você? — Sua voz é baixa e calma,


antes de eu falar qualquer coisa, ele me abraça e beija o topo da
minha cabeça.

A reforma já está a todo vapor, os móveis todos cobertos e os


trabalhadores nos encarando sem graça e eu ainda mais.

— Vamos conversar em casa — peço e, com uma risada, ele


concorda.
Deitada no seu colo no meu sofá, explico a Hugo exatamente
o que aconteceu sem deixar nenhum detalhe de fora e, por mais que
ele tente segurar a risada, a certa altura da história começa a rir
descontroladamente.

— Não tem graça. — Levanto.

— Eu sei que não, mas é que você está contando tão séria
e...

— Mas eu sou uma mulher séria! — argumento e ele me puxa


pela mão de volta para o sofá.

— Preciso te lembrar de quando tentou me convencer que o


Léo era o ajudante anão do jardineiro? — diz rindo.

— Você diz isso porque não sabe a ideia original. — Dou de


ombros rindo com ele.

— Piora? — afirmo com a cabeça. — Certo, estou preparado,


me conta.

— Quando vim fazer a entrevista, tentei convencer a Vic de


que ele poderia se passar pelo próprio jardineiro e que seria falta de
educação você perguntar por que ele era tão pequeno. — Escondo
meu rosto entre as mãos enquanto Hugo gargalha.

— Meu Deus, você é a melhor! — Tira minhas mãos do meu


rosto e me beija entre risos. — Agora vem, precisamos comer algo,
mais tarde o Iago e a equipe dele vem ajudar você a se arrumar.

— Eu sei colocar um vestido e arrumar o cabelo, Hugo.

— Não significa que não possa ter uma ajudinha. — Beija a


ponta do meu nariz carinhosamente enquanto nossos estômagos
roncam em sincronia, nos fazendo rir novamente.
Capítulo 49
Depois de mais um tempo conversando, decidi que não valia a
pena ficar remoendo o que aconteceu a respeito das mensagens. Já
demorou tanto tempo para eu me ver feliz que não é uma pequena
pedra no meu caminho que vai me fazer ir por outro lado.

Tivemos um bom café da manhã assistindo ao último capítulo de


“Amor à Segunda Vista” que havíamos perdido. Gertrudes havia
casado, para minha tristeza, com o vilão e Saulo, o mocinho, deixou
a cidade depois dessa decepção. Agora alguns anos haviam se
passado e ele finalmente estava voltando para a cidade. O capítulo
acabou no exato momento em que ele passou pela placa de entrada
do lugar.

— Ele não sabia que ela estava grávida — argumento para Hugo,
que não perdoa Saulo de forma alguma.

— Ele a abandonou sem se despedir.

— Ele precisou ir, mas quando voltou ela já estava casada com
aquele... coisa ruim! — Mostro o óbvio.

— Amor, eu te amo e não desistiria de você por nada, nem


mesmo se você estivesse casada com outro — avisa me beijando e
logo escutamos batidas na porta antes de ela ser aberta por Paloma.
— Oi, desculpa atrapalhar, mas, Helena, o cabeleireiro e a equipe
chegaram — diz tímida. Apesar de até mesmo tê-lo intimidado, ela
se sente constrangida na sua frente.

— Oi, amiga. Pode pedir para eles virem. E, se você quiser me


fazer companhia, vou adorar — agradeço e, com um sorriso, ela se
vai.

Assim como da última vez, Iago deixou o meu cabelo solto, com
ondas bem destacadas. A maquiagem simples e discreta pareceu
complementar o look mais natural. Minhas unhas foram pintadas com
um nude que deixou tudo a minha cara.

No fim, eles também cuidaram de Paloma, que saiu dando risada


quando foi deixá-los na porta. Não demorou Hugo já estava batendo
na porta do meu quarto, querendo ver o resultado.

— Ainda não estou vestida — argumentei e, antes mesmo de


pensar em abrir a porta, ele foi entrando com um sorriso malicioso.
— Você é um tarado, sabia?

— Só vim te ajudar a se vestir — diz me puxando pelo roupão e o


abrindo enquanto beija meu pescoço com carinho.

— Você está tentando me despir, isso sim! — Ajeito o colarinho


da sua camisa e passo meus braços por trás do seu pescoço
enquanto os seus contornam minha cintura.

— Você nunca reclamou disso antes. — Seus beijos deslizam


pela minha pele, eriçando meus pelos e arrancando-me um pequeno
gemido. — Não geme assim que eu não aguento, Helena. — Afunda
o seu nariz em minha pele, aspirando o meu cheio.

— Me ajuda a pôr o vestido? — peço com um sorriso malicioso e


ele confirma tentando se controlar.
Apenas um fecho prende a parte de cima que cobre meus seios,
destacando-os. O zíper da saia é a última parte que Hugo fecha e
tenho certeza que contra a sua vontade. Devagar caminho até a
caixa em cima da cama onde está a sandália que vou usar e a pego,
voltando ao Hugo e entregando-a.

— A sandália também? — pergunta e confirmo com a cabeça,


levantando a barra da saia do vestido mais do que preciso para ele
me ajudar.

Seus olhos percorrem minhas pernas, desde os meus pés até


minha calcinha e, com um olhar sedento, ele me calça devagar.
Quando fecha o último fecho da sandália com pedras brilhantes
delicadas, levanta-se deixando suas mãos deslizarem pelas minhas
pernas e de repente sou erguida e Hugo me senta na borda do
móvel.

Não precisamos de uma palavra. Rapidamente puxo mais a saia


enquanto minha calcinha é tirada de mim com agilidade e Hugo leva
sua boca diretamente a minha boceta.

Com destreza, sua língua toca primeiramente minha pele fazendo


todo o meu corpo vibrar em antecipação. Lentamente Hugo deposita
beijos molhados em minhas coxas em direção ao centro das minhas
pernas e desliza sua língua junto.

Por um tempo sou torturada por ele, que nunca atinge o ponto
que mais almejo. Até que finalmente seus lábios se fecham em meu
clitóris sugando-o com habilidade. É impossível segurar meus
gemidos.

Tinha esquecido completamente que tínhamos compromisso e


somente após escutar o alarme insistente do celular percebemos que
deveríamos estar prontos e não, no meu caso, abrindo a calça dele,
prestes a transar. Rapidamente Hugo ergue sua calça xingando o
celular e me ajuda a descer da cômoda.
Minhas pernas ainda estão bambas dos orgasmos que meu
namorado me proporcionou com sua língua e me apoio nos móveis,
já que o salto não colabora.

— Precisamos ir. Temos hora. — Hugo avisa me beijando


rapidamente e aproxima sua testa da minha, fechando os olhos e
falando: — Deus sabe o quanto eu queria comer você.

— Você não deveria usar o nome Dele numa frase como essa. —
Sorrio enquanto vibro com tanta vontade quanto ele.

— Você chama sempre quando estou entre suas pernas. — Abre


os olhos sorrindo e nos afasto para pegar as coisas e verificar se
preciso ajeitar algo.

Meu cabelo está mais rebelde e a minha pele tem uma


iluminação que eu poderia atribuir a suor, mesmo que não tenha
suado tanto quanto queria, mas sei que foi o bom e velho sexo que
me deu esse brilho.

— É tão longe assim? — questiono verificando a hora. — Gente


rica não trabalha? Não são nem três e meia da tarde!

— Trabalhamos. — Sorri. — Deveríamos ir para dormir, na


verdade. — Antes que eu fale qualquer coisa, ele continua. — Mas
como o Léo não pode ir conosco por conta da escola, voltamos no
fim da noite.

— Você se preocupou com o fato de o Léo estar na escola?

— Lógico que sim — afirma me conduzindo para a porta. —


Amor, o Léo é minha responsabilidade e eu o amo. Amo tanto quanto
amo você.

— Jura? — Paro na porta emocionada.

— Juro. Não preciso mentir sobre o quanto amo aquele moleque.


Ele é incrível. — Beija o topo da minha cabeça. — Vamos que o
piloto está nos esperando.

— Você não quis dizer motorista? — Ele ri.

Ele não falou errado. Realmente estávamos indo encontrar com


um piloto. Diferente da primeira vez que fomos em um evento dentro
de São Paulo, dessa vez fomos para Ilhabela, um munícipio-
arquipélago no litoral norte do estado.

Menos de uma hora após entrarmos no helicóptero chegamos no


arquipélago e, para o meu desprazer, o lindo lugar foi corrompido ao
dar de cara com Antônio, o velho que havia feito sua acompanhante
fazer-me a ofensiva proposta de me prostituir para ele.

— Garoto! — diz com animação, se aproximando logo que


descemos da aeronave. — Bem-vindo! Vejo que trouxe a... belíssima
Helena! Que bom que você é diferente de mim e decidiu repetir a sua
companhia.

— Antônio! — Hugo o cumprimenta com educação sem tirar sua


mão da minha cintura. — Helena não é apenas uma companhia. Ela
é minha namorada.

— Bom, Deus disse que devemos dividir o pão com o irmão. — O


velho diz dando de ombros e puxando-me, contra a minha vontade,
em sua direção. — Helena, impecável! — Puxa o ar aspirando meu
perfume e enojada, me afasto rapidamente.

— Obrigada. — Volto quase desesperada para o lado de Hugo.

— Além de linda é extremamente cheirosa! Você sabe


escolher, garoto! — avisa piscando um olho e vira as costas, pedindo
que o acompanhemos.
Capítulo 50
— Hugo, ele é nojento — sussurro enquanto o seguimos.

— Eu sei, me desculpa. Não sabe o quanto estou me segurando


para não arrancar aquela dentadura no soco! — diz e não consigo
segurar a gargalhada, nem ele. — Preciso dele para um contrato
importante. Só hoje, podemos ignorá-lo?

— Com certeza — aviso com um beijo no seu rosto e noto o


velho nos observando.

— Helena, com certeza, ficará sentada no meio — diz entrando


no carro.

— Você senta no meio! — falo baixinho e Hugo confirma com um


beijo rápido nos meus lábios.

— Na verdade, Antônio, pensei que poderíamos ir conversando


sobre o contrato. — Entra no carro sem dar uma chance ao velho e
entro em seguida, sentando-me do seu lado e tendo minha mão
segurada com carinho pela sua.

Mandei algumas mensagens para Vic durante o curto trajeto até o


lugar onde aconteceria o tal evento, que acabei descobrindo ser o
aniversário de Antônio, e que tentou chamar minha atenção
ignorando Hugo grosseiramente.
Deitei minha cabeça no ombro do meu namorado e apenas
aproveitei a vista, respondendo esporadicamente os comentários do
velho.

Não demorou muito e chegamos a uma casa grandiosa e


lindíssima à beira-mar. Felizmente, por ser o anfitrião, Antônio
precisou sair de perto de nós e dar atenção aos demais convidados.

— Meu Deus, quanta merda uma pessoa pode falar em tão pouco
tempo?

— Sex on the beach?

— Hugo! — Ele ri enquanto me entrega um coquetel.

— É apenas o coquetel, mas depois podemos providenciar o


literal — avisa enquanto tomo um gole da bebida.

— Você não tem que conseguir um contrato?

— Felizmente, no momento, só consigo pensar em terminar o


que começamos em casa. Tem algo nessa praia linda que está me
fazendo pensar nisso — avisa me abraçando pelas costas e beijando
meu pescoço com carinho. — Ou talvez seja simplesmente você
sendo você.

Por um tempo, Hugo me fez circular com ele em meio a todos.


Diferente da primeira vez que estivemos em um ambiente como este,
ele não parecia estar forçando sua diversão, Hugo realmente parece
feliz e orgulhoso, principalmente ao me apresentar como sua
namorada.

No geral, todos me trataram muito bem, com exceção de poucas


pessoas a quem Hugo tratou com a mesma educação. Troquei
algumas mensagens com Carina sobre o Léo e só parei quando
perdi o sinal. Avisei Hugo e saí tentando sinal novamente, ao menos
para mandar uma mensagem para que Léo ouvisse, mas acabei
dando de cara com Samara, a ex de Luciano.

Com seu cabelo tingindo de ruivo, magérrima, de quadril largo e


vestido verde, ela se aproximou de mim, surpresa.

— Helena? — Me cumprimentou estranhamente feliz e me


abraçou. — Meu Deus, você sumiu! Como você está?

— Oi, Samara. Eu estou bem e você?

— Também! Precisamos colocar o papo em dia.

— O que faz aqui? — pergunto.

— O mesmo que você aparentemente, bobinha. Fomos


convidados, Antônio é um amigo querido.

— Espera, espera... Você e quem?

— O Luciano, ué. Ele deve estar por aqui... — Vira tentando


encontrá-lo. — Ah, deve ter ido ao banheiro. Mas ele vai ficar muito
feliz ao ver você.

— Samara, você e o Luciano ainda estão juntos?

— Lógico que sim. Sabe, superamos muita coisa nesses últimos


anos, mas estamos mais fortes do que nunca — afirma e seu
telefone começa a tocar. — Desculpa, preciso atender. Quando eu
encontrar meu marido, procuro por você. Precisa me contar por onde
andou... Alô?

Rapidamente procuro Hugo. Isso tudo é bem pior do que pensei.


Luciano não deve ter contado um terço da verdade para Vic e ela
precisa saber de tudo.

Andando pelo deck escuto o meu celular começa a tocar e


percebo que estou tremendo, mesmo que seja apenas uma chamada
confidencial. Por um momento penso apenas em ignorar, mas algo
me faz atender.

— Helena? Helena, eu não tenho muito tempo.

— Vic, onde você está?

— Estou no retiro. Avisa o Hugo — pede desesperada — Não,


me dá isso, não! — A ligação é interrompida e sinto meu corpo
batendo em outro.

— Me desculpa! — peço tentando me livrar dos braços que


insistem em me segurar.

— Não precisa pedir desculpas para vir ao lugar em que deveria


estar faz tempos. Se não fosse tão teimosa... — Antônio diz.

— Me solta.

— Quando irá me ligar, Helena?

— Não vou, me solta, por favor. — O deck está vazio, apenas


com nós dois lá.

— Então a Rosa realmente deu o meu cartão a você? — confirmo


e ele finalmente me solta. — Interessante. Seja lá quanto Victor
Hugo está te pagando, eu triplico.

Antes que eu tenha chance de estapeá-lo, ele é derrubado por


Hugo com socos.

— Nunca, nunca mais se dirija a minha mulher! — Hugo grita


chutando-o. — Seu merda. Se você olhar na direção dela
novamente, eu acabo com você. — Mais uma vez ele chuta o velho,
fazendo-o cuspir sangue.

— Cai fora da minha casa! — resmunga ofegante e, agarrando a


mão ensanguentada do meu namorado, o tiro dali antes que as
coisas piorem.
— Retiro — digo logo que chegamos na porta da casa. — A Vic
me ligou. Está acontecendo algo. — Não paro para respirar. — Ela
disse que está no retiro.

— O quê?

— Ela me ligou e disse que você sabe onde é. Alguém tirou o


telefone dela.

— Eu vou matar o Luciano! — grita me puxando rapidamente


para fora do condomínio.

— Eu vi a esposa dele. Ela disse que ele está aqui.

— Que porra, Helena! Por que não me contou antes?

— Estava tentando fazer isso! Eu estava a caminho, procurando


você e encontrei com o Antônio...

— Foda-se essa merda. Eu preciso tirar a minha irmã daquele


lugar! — grita me soltando e pedindo por um táxi para um funcionário
do condomínio.

O helicóptero já nos esperava, pronto para decolar, quando


chegamos. Hugo tentou me deixar em casa antes de ir atrás da Vic,
mas, por mais que não estivéssemos conversando, me recusei a não
ir junto.

Ao invés de irmos para São Paulo, como esperado, o helicóptero


aterrissou diretamente em uma espécie de hotel-fazenda em alguma
cidade próxima da capital graças à insistência de Hugo.

— Fica aqui! — Hugo praticamente ordenou e eu simplesmente


ignorei, seguindo-o. — Dá para você me respeitar ao menos uma
vez?
— Vai se foder, Victor Hugo! Você não é a porra do meu pai! —
Mostro-lhe o dedo do meio, passando diretamente para a entrada do
local.

— Victoria Mendes, por favor! — peço ao rapaz de branco


cuidando da recepção, que se assusta comigo.

— Eu... O horário de visitas acabou, senhora.

— Você vai me levar até a minha irmã agora! — Hugo puxa o


rapaz pelo colarinho e, enquanto aparecem outras pessoas, me
esgueiro em sentido aos quartos e percebo que, diferente do que
aparenta, o local não é um hotel-fazenda, mas uma clínica
psiquiátrica.

— Vic! — começo a gritar. — Vic!!! Victoria!

— Helena? — Escuto-a atrás de uma porta.

— Vic? Você está bem?

— Trancaram a porta. Chamaram ele! — Sua voz é abafada e


parece embargada. — Não deixa ele chegar perto de mim, Helena.
Não deixa.

— Hugo! Hugo, eu achei a Vic! — grito por ele. — Ela está


presa!!! Vic, fica calma, vamos te tirar daí.
Capítulo 51
Do momento em que Hugo obrigou os funcionários a abrirem a
porta, ameaçando-os com a polícia, ao momento em que finalmente
conseguimos tirar Vic de lá, foi extremamente estressante para todos
nós, mas principalmente para ela.

Hugo e eu não nos falamos por alguns dias. Vic substituiu seu
lugar na cama e ele comprou a beliche que Léo tanto queria,
tornando-se o mais novo colega de quarto do meu filho.

Algumas vezes, à noite, Vic acordava assustada e, nessas noites,


eu não dormia. Apenas me sentava e apoiava sua cabeça em
minhas pernas, afagando seus cabelos até que ela voltasse a dormir.

Minha amiga explicou-nos o que aconteceu depois que finalmente


conseguimos voltar para casa e Luciano teve a audácia de vir atrás
dela.

Por mais que eu quisesse chamar a polícia e denunciá-lo, e Hugo


quisesse acabar com ele com as próprias mãos, optamos por seguir
o pedido de Vic e dizer que eles se comunicariam apenas através
dos seus advogados.

Vic contou que Luciano a ameaçou dizendo que iria entregar


provas que ajudariam a cobra da minha sogra a tomar a guarda do
Léo de mim e ainda disse que estava realmente divorciado. Minha
amiga também contou sobre os falsos choros e de como ele
prometeu que estava tentando mudar, não mais mentir e que a
levaria para conhecer os filhos que ele tinha com a suposta ex-
esposa, a Samara, mas que, ao invés disso, a levou para a clínica na
qual ela havia indicado que Hugo internasse a sua falecida esposa
por um período.

Ela também pediu desculpas a Hugo dizendo que não tinha ideia
do que os funcionários poderiam fazer naquele lugar e que, quando
tinha visitado, após perceber que Jaqueline realmente estava doente,
pareceu-lhe um bom lugar onde ela poderia até mesmo continuar a
praticar pintura, como gostava.

Após a denúncia de Vic sobre o lugar, ele fora fechado


imediatamente. Foi um escândalo quando tudo o que acontecia lá
dentro foi revelado, mesmo que Vic tenha se negado a aparecer ou
se envolver , mostrando ao mundo que esteve lá.

Apenas alguns dias após ela nos revelar as ameaças do crápula


do Luciano, recebi uma carta informando que minha ex-sogra estava
solicitando a guarda compartilhada do Léo. E quando a questionei,
ela se fez de rogada e disse-me que eu não permitia que ela tivesse
acesso a ele.

SEMANAS DEPOIS

Na primeira audiência o juiz foi muito claro: Léo ficaria comigo


podendo ver a avó uma vez ao mês, com a minha supervisão ou
alguém designado por mim. Na segunda audiência, ela conseguiu
que o juiz modificasse de uma vez ao mês para duas vezes.

Para ocupar a cabeça, Vic decidiu me ajudar na reforma da casa.


Apesar de Hugo e eu não estarmos cem por cento um com o outro,
todas as vezes que alguém perguntava a ele sobre isso, ele dizia
prontamente que deveriam perguntar “à minha namorada”.

A barriga da minha amiga cresceu bastante no pouco tempo que


não nos vimos, mas desde que ela voltou, parecia prestes a explodir,
mesmo que não estivesse na hora do bebê nascer.
Gradualmente Hugo e eu fomos nos entendendo, mas sempre
que eu tentava conversar sobre o que tinha acontecido em Ilhabela,
ele mudava de assunto. Dizia estar ocupado, precisava sair ou até
mesmo fingia uma dor de barriga.

Cansada, decidi confrontá-lo enquanto Vic e Léo aproveitavam o


dia de sol na piscina. Meu pequeno já havia tirado o gesso há um
tempo e finalmente tinha sua companhia preferida ao seu lado para
curtir esse momento.

— Você não vai mesmo conversar comigo sobre Ilhabela?

— Não tem o que falar, Helena.

— Como não, Hugo? Você mal conversa comigo... Você quer


terminar? Quer que eu deixe a sua casa? O que você quer de mim?
— questiono com um nó na garganta e rapidamente ele vem até
mim, segurando o meu rosto entre as suas mãos.

— Nunca mais fala uma besteira dessa. Se não conversamos


sobre Ilhabela é porque eu só consigo me sentir um merda que
permitiu que o escroto do Antônio falasse com você como falou —
afirma olhando nos meus olhos. — Ele te tocou e não sei o que
poderia ter acontecido se eu não tivesse chegado até você.

— Hugo...

— Eu sei que ele ofereceu a você dinheiro para que transasse


com ele. — Devagar ele me leva até o sofá. — Eu o ouvi falar do
cartão e você confirmar que tinha recebido da acompanhante dele. E
eu fiquei tão puto que não sabia o que fazer. Na minha cabeça, no
meu coração, eu sabia que você nunca ligaria para ele, que nunca se
venderia. Mas senti tanto ódio que cheguei a cogitar se você não
tinha feito isso ainda.

— Meu Deus, que tipo de pessoa você acha que eu sou? —


Tento puxar minhas mãos das suas, mas ele não permite.
— No momento em que tive esse pensamento, Helena, eu já
sabia que isso não era possível. Eu conheço o seu amor, o seu
caráter e a sua índole. Você é a mulher mais incrível, batalhadora e
correta que já conheci.

— E ainda assim, pensou que eu me deitaria com ele? Estando


com você? Pior, por dinheiro! — As lágrimas descem sem que eu
possa controlá-las.

— Helena, entenda, por favor. Somente por um segundo eu


pensei isso. Um segundo!

— Não quero saber. Você duvidou que... Você pensou que eu


faria isso, Hugo. Logo eu!

— Helena...

— Já basta! Eu quero que saiba que você me magoou de uma


forma que não pensei que fosse possível. Em um momento em que
eu precisava de você, você apenas me julgou — afirmo em voz
baixa. — Posso não ter dinheiro, mas eu tenho a minha dignidade,
Hugo.

— Eu sei disso, meu amor, nunca duvidei disso.

— Duvidou, Hugo. Você mesmo disse isso. Mesmo que tenha


sido por um único segundo.

— Por favor...

— Sei que eu menti para você sobre coisas importantes e que eu


deveria ter te contado do cartão imediatamente, mas eu nunca nem
cogitei ligar para ele.

— Amor, me escuta, por favor.

— Não, me escuta você! Eu quero que você saiba que estou


magoada e que não era assim que eu queria que as coisas
acontecessem. Também quero que saiba que sou grata por estar me
ajudando com os advogados por conta da guarda do Léo, mas...

— Eu amo o Léo, Helena. Você sabe disso — confirmo com a


cabeça. — Eu não estou te ajudando. Estou nos ajudando. Ele é o
nosso menino.

— Eu sei. Também sei que você me ama. Assim como você sabe
que eu te amo, mas o que você ainda não sabe e quero que saiba
agora que o único motivo pelo qual continuarei aqui... — Paro um
instante para respirar. — É porque descobri pela manhã que estou
grávida. — Tiro o teste de farmácia do bolso do meu short e coloco
em cima do sofá, na sua frente. — Parabéns, você vai ser papai.

Levanto-me, o deixando completamente sem reação, e


imediatamente me tranco no quarto.
Capítulo 52
GRÁVIDA. Quando li as caixas dos cinco testes que fiz pela
décima sexta vez para ter certeza, não mudou o diagnóstico. Estava
claro, pelo número de semanas que indicava, que quando descobri
as mensagens da Gardênia no celular, Hugo não havia usado
camisinha. Na verdade, nem eu tinha lembrado disso.

Há anos eu não usava anticoncepcional. Desde que Mauro tinha


falecido, eu não me envolvi com ninguém e quando Hugo apareceu,
camisinha pareceu uma ótima opção. Eu estava feliz sem tomar
aquelas pequenas cápsulas que mexem com toda a nossa vida.

Demorou alguns minutos após eu dar a notícia ao Hugo para que


ele viesse atrás de mim. Com batidas leves ele tenta fazer com que
eu abra a porta pedindo “por favor”. Devagar, levantei da cama
abraçada com a camisa dele que sempre uso para dormir e abri a
porta, voltando à cama.

— Amor, me desculpa. — Se ajoelha aos meus pés enquanto não


consigo olhar para ele. — Eu realmente sinto muito.

— Preciso descansar — informo deitada na cama, virada para o


lado oposto a ele.

— Eu posso deitar com você? — pede e, antes que eu consiga


pensar, afasto o meu corpo em direção ao meio da cama, abrindo
espaço para ele deitar comigo.
Colocando um braço por baixo do meu pescoço e com o outro me
abraçando, deixando sua mão repousar na minha barriga, o escuto
fungar. Nunca vi Hugo chorar e me coloco de barriga para cima,
virando o meu rosto para ele que tenta em vão segurar as lágrimas.

— Eu vou ser pai! — diz com um sorriso e eu confirmo. — Essa é


a melhor notícia que eu poderia receber.

ALGUNS DIAS DEPOIS

Precisei de algum tempo para que eu finalmente conseguisse


perdoar Hugo. Provavelmente, se não estivesse grávida, teria dito a
mim mesma que o certo era deixar a sua vida para sempre, mas
além da gravidez, tinha algo grande: o meu amor por ele.

Decidimos não contar a ninguém sobre a gravidez, até mesmo de


Vic decidimos manter segredo. Mesmo que o Luciano fosse um ser
humano horrível, o bebê e Vic não tinham culpa e mereciam ficar o
melhor e mais confortável possível. Sabia que ela não ficaria mal por
conta da minha gravidez, pelo contrário, mas me tornar o foco em um
momento em que ela não estava cem por cento, estava fora de
cogitação.

Gardênia decidiu que seria uma boa ideia irritar uma grávida,
mesmo que não soubesse que eu estava nesse estado e, por meio
de sua secretária, descobri que não só as notas do Léo eram
excelentes e ele tinha a admiração de seus professores, como
também que ela pessoalmente estava alterando as notas do meu
filho.

Não eram duas horas da tarde ainda e aproveitei a reunião do


Conselho que estava ocorrendo e expus a cobra que eles tinham
como representante da instituição. Imediatamente a demissão veio.
Quando Hugo descobriu, faltou ele próprio parir dizendo que eu
não poderia me estressar, que não faria bem para o bebê. Ele não
estava errado, mas os benditos hormônios só me fizeram focar em
uma coisa: como seus lábios eram sensuais enquanto me davam
uma bronca. O resultado? O nosso verdadeiro sexo de reconciliação.

O estopim da raiva de Vic para com o crápula do Luciano foi


quando descobriu que o maldito simplesmente zerou a conta
conjunta que a fez abrir quando se casaram. Simplesmente toda a
herança de Vic e o fruto do seu trabalho haviam sido roubados por
aquele que um dia chamou de marido.

— Eu vou matar ele! — Minha amiga grita. — Quem ele acha que
é?

— Vic, fica calma. — Tento, mas o olhar da minha amiga me faz


calar a boca imediatamente.

— Ele mentiu, me internou na merda de um manicômio e agora


tira todo o meu dinheiro? — Sua voz aumenta gradativamente. — Se
eu o vir novamente, sou capaz de esganá-lo! Não conta para o Hugo,
Helena — pede. — Quer saber? Conta! Eu não ligo!

— Vic...

— E nem é pelo dinheiro, sabe? Mas, porra, cadê o respeito pela


futura mãe do filho dele? E eu sei, Helena... — Vira para mim
enquanto percorre a cozinha da mansão de um lado para o outro.
Estávamos verificando a reforma do cômodo quando Vic recebeu a
notificação no celular. — Eu sei que ele não respeitou a esposa
verdadeira. Por que me respeitaria?

— Amiga...

— Quando eu dizia que parecia ser a amante, eu não pensava


que era realmente nesse sentido. Eu tinha certeza de que ele tinha
outra, mas não achava que eu era a outra!

— Essa é a posição na qual ele te colocou, Vic. Você não é a


amante.

— Eu fui enquanto mantive ele na minha casa, na minha vida,


com o meu dinheiro. Homem é uma praga, sabe, Helena? Eu deveria
era largar a heterossexualidade e pegar mulher.

— Vai por mim, isso é uma merda. Elas pisam no seu coração
sem perder a pose. — Paloma avisa entregando a Vic uma xícara de
chá. — Desculpa me meter, mas essa é a verdade. O que você
precisa, com todo respeito, é de si mesma.

Desde que Vic tinha oficialmente expulsado Hugo da minha


cama, ao menos por enquanto, Paloma e ela passaram a conviver
mais, desenvolvendo uma amizade.

— Mas diz para mim, Paloma, você acha justo?

— Justo não é. Mas pensa: se você é um dos seres mais incríveis


que já existiu, por que você vai ser “alcançável”? Pelo menos era o
que a minha ex me dizia. — Sorri amarga. — No geral, Vic, pode ter
certeza de que você está bem melhor agora. Só o que precisa é
parar de ter pena desse macho e colocar ele atrás das grades.

— Você concorda, Helena? — Vic pergunta e aceno


positivamente. — Mas...

— Não, Vic, sem “mas”. Ele não teve um pingo de pena de você
em momento nenhum. Mentiu, enganou, como você mesma citou, te
prendeu em um manicômio. Nada impediria ele de fazer tudo isso
novamente.

— Isso é verdade — confirmo, apesar da cara de desanimada da


Vic.

— Ele não merece sua pena. Não merece nem o seu desprezo. A
única coisa que ele merece é ir para a cadeia. — Paloma dá de
ombros. — Sabe, até onde me lembro, bigamia no Brasil é crime.
Capítulo 53
Hugo não ficou feliz quando soube da nova confusão de Luciano.
Ele queria ir atrás dele, mas ao saber da decisão de Vic de
finalmente denunciá-lo, se contentou em que a sua destruição fosse
através da justiça.

O advogado não se demorou e Vic pediu que se reunisse com ele


sozinha, apenas acatamos o seu pedido respeitando o seu tempo,
diferente do que o meu namorado queria.

Com desculpa de ir buscar o Léo na escola, Hugo deixou a irmã


descansando e me arrastou diretamente para o hospital,
surpreendendo até mesmo a mim.

— Marquei uma consulta — diz estacionando no mesmo hospital


em que estive da vez em que derramei água quente em mim
enquanto babava por Victor Hugo sem camisa.

— Está tudo bem? Está sentindo alguma coisa?

— Estou, mas não foi isso que...

— O que houve, Hugo? O que está sentindo? — Preocupada,


questiono colocando a mão em sua testa para verificar se ele está
com febre.
— Amor, fica calma. Está tudo ótimo. Eu apenas marquei o
médico para que possamos saber como o bebê está! — avisa
segurando minhas mãos entre as suas. — A única coisa que estou
sentindo, além de uma alegria imensurável por ter vocês na minha
vida, é que estou totalmente apaixonado por você.

— Isso foi fofo, mas você não pode me assustar assim, Hugo.

— Me desculpa — pede sorrindo. — Podemos ir?

— Amor, ele tem apenas algumas semanas...

— Mesmo assim não custa nada saber se ele está bem, certo? —
concordo com a cabeça.

— Vamos lá então.

Não demoramos a ser atendidos, a doutora Aline foi


extremamente compreensiva e prestativa conosco.

— Então você não fez nenhum exame ainda? — pergunta.

— Faz pouco tempo que descobrimos — aviso. — Ainda não tive


tempo, aconteceram tantas coisas e...

— Está tudo bem, Helena. Vou pedir alguns exames e passar


algumas recomendações. Como você já é mãe, deve saber de
algumas, mas não custa relembrar!

— Podemos ver ele, doutora? — Hugo pergunta receoso.

— Bom, como a Helena está com menos de três meses, não dá


para ver muito, mas, vamos tentar e ver o que acontece, só preciso
de um minuto, sim? — pede e acenamos enquanto ela começa a
mexer em algumas coisas atrás de uma cortina no consultório.

— Como será que o Léo vai reagir? — pergunto e Hugo abre um


sorriso.
— Tenho certeza que ele vai amar ter um irmãozinho ou uma
irmãzinha. O meu garoto é incrível e nunca reclamaria de algo assim
— avisa orgulhoso.

— Eu amo a relação de vocês dois.

— Eu o amo, Helena. Como nunca pensei que poderia acontecer.


O Léo é um ótimo garoto e muito inteligente. Tenho muito orgulho de
ser...

— Mamãe, papai... Vocês estão prontos para ver esse


bebezinho? — A doutora Aline questiona interrompendo nossa
conversa.

— Estamos sim. — Seguro a mão de Hugo.

Foi simplesmente emocionante ouvir as fortes batidas do


coraçãozinho do nosso bebê. Hugo, principalmente, não conseguiu
se conter e começou a chorar, logo em seguida fiz o mesmo.

A imagem do ultrassom preencheu o meu coração e para mim foi


impossível não pedir uma cópia para guardar.

Com todas as orientações da doutora Aline, deixamos o hospital


para buscar Léo, que nos aguardava ansioso na saída, e entrou no
carro logo que nos viu.

— Mamãe, tio Hugo... eu tava falando pro Cesar, o meu


coleguinha, que vocês são namorados e que um dia vão casar e me
dar irmãozinhos e...

— E...? — Hugo pergunta tão animado quanto Léo.

— E... Quem sabe... O tio Hugo pode ser meu novo papai — diz
receoso sem olhar diretamente para o Hugo.

— Léo, eu... — começo. — Você tem um papai.


— Eu sei, mamãe, mas é que... Eu amo o tio Hugo como um
papai.

— E eu amo você como um filho, Léo. — Hugo avisa. — A sua


mãe está certa, você tem um papai que gostaria muito de estar aqui.
Mas isso não impede que eu seja o seu padrasto. E, se você quiser...
— Meu namorado me olha questionando e, emocionada, confirmo.
— Pode me chamar de papai. Só não pode esquecer do papai
Mauro.

— Posso mesmo, tio? — Meu neném pergunta tímido.

— Claro que pode, meu amor — afirmo com um sorriso.

ALGUMAS SEMANAS DEPOIS

De repente a juíza do caso mudou de opinião de alguma forma.


Se no início ela era favorável ao fato de Léo permanecer comigo, a
mãe, agora ela estava contra mim, ignorando os ataques da minha
sogra a mim nas audiências e pendendo totalmente para o lado dela.

Algumas provas ridículas foram apresentadas contra mim e a


juíza simplesmente resolveu levar em consideração.

— Meritíssima, a senhora Helena Peres engravidou


propositalmente do senhor Mauro Peres para que pudesse ter
acesso à fortuna da família — começou o advogado de Joelma, que
me encarava com um olhar superior.

— Isso são suposições, meritíssima. — Meu advogado


argumenta e a juíza simplesmente o ignora.

— A senhora Helena Peres é conhecida como uma mulher


aproveitadora — continua o advogado dela.
— É uma mentira deslavada! — reclamo e a juíza imediatamente
manda que meu advogado me contenha.

— Meritíssima...

— Sugiro que o senhor controle a sua cliente e permita que o seu


colega termine o seu argumento, doutor Bittencourt — informa ao
meu advogado.

— Obrigado, meritíssima. — O rival fala. — Como eu dizia, aqui


temos provas — oferece uma pasta à juíza e ao meu advogado —,
de que a senhora Helena é nada mais que uma interesseira que só
se envolve com homens de posses e ótima situação financeira.

— Faz alguma coisa, doutor Bittencourt — peço indignada, mas


antes que ele abra a boca, a juíza já lhe diz para não fazer e ainda
me ameaça.

— Se a senhora não mantiver o respeito e decoro, além de


prendê-la por desacato, irei ceder a guarda do menor Leonardo
Peres à avó — diz e sequer consigo acreditar no que estou ouvindo,
enquanto minha vontade é quebrar não apenas a cara dela, como
também da cobra da minha ex-sogra, que sorri vitoriosa.

— Aqui, excelentíssima, temos um dossiê dos relacionamentos


da senhora Helena que são claramente pertinentes ao caso da
guarda do menor — afirma e meu estômago embrulha. — Antes do
falecido senhor Mauro Peres, ela era noiva do senhor Fernando Lins,
grande herdeiro de fazendas no interior com quem terminou
semanas antes de conhecer seu falecido marido, o senhor Mauro.
Em seguida engravidou do senhor Mauro logo que se conheceram.
Quando casada com o senhor Mauro, minha cliente reuniu provas de
que Helena estava tendo um caso com um amigo do casal, Luciano
Xavier, também um homem de posses e...

— Isso é um absurdo! — grito irritada.

— Senhora, mantenha o decoro. Ordem! Advogado, controle a


sua cliente. — A juíza grita batendo o martelo de madeira. — Esse é
o meu último aviso.

— Mas...

— Mais uma palavra, senhora, e sairá daqui algemada — avisa e


volto a me calar.

— O marido até cogitou a separação...

Mentira.

— Mas o fato de terem um filho falou mais alto. Infelizmente o


senhor Peres veio a óbito e isso fez com que a senhora Helena
procurasse o seu próximo namorado, o grande empresário Victor
Hugo Mendes, ou devo dizer, sua próxima vítima?
Capítulo 54
A juíza ordenou um recesso para o almoço, com certeza ela
estava cogitando entregar o meu filho para aquela megera e eu
continuava dependendo exclusivamente do detetive que Hugo havia
contratado para desmascará-la. Tirar tudo o que é meu por direito é
uma coisa. Tentar tirar o meu filho de mim é outra completamente
diferente e totalmente inaceitável!

— Amor, como foi? — Hugo pergunta preocupado logo que me vê


saindo da sala de audiência praticamente amparada pelo meu
advogado. — Samuel, o que aconteceu?

— Eles estão tentando difamar a imagem da Helena — afirma e


Hugo nos olha surpreso.

— Mas como assim?

— Eles desmembraram cada relacionamento que eu tive e


viraram contra mim. Até mesmo inventaram que eu tive um caso com
o crápula do Luciano. — Abraço Hugo desesperada. — Eles querem
tirar o meu filho de mim a qualquer custo, Hugo. Disseram que eu dei
o golpe do baú no Mauro e que estou tentando fazer o mesmo com
você.

— Me coloca para testemunhar, Samuel — pede ao advogado. —


Eu conto toda a verdade e...
— Não é viável, Victor Hugo — avisa. — Temos três horas de
recesso para nos prepararmos para a volta.

— Você sabe muito bem que tudo isso é mentira! — Saio dos
braços de Hugo logo que vejo a minha ex sogra e paro perto do seu
rosto. — Eu nunca planejei engravidar do Mauro, assim como nunca
tive um caso com o Luciano e eu nunca, jamais, faria o que vocês
disseram que eu faria com o Hugo. — Sinto as mãos do meu
namorado tentando me afastar dela.

— Sabe o que é engraçado, Helena? A vida toda você só se


relacionou com homens poderosos. Homens com dinheiro, posses e
burros.

— É realmente engraçado como eu só tive homens com dinheiro


e mesmo assim, por anos, fiquei à míngua com o meu filho e você
não fez nenhuma questão de nos ajudar — reclamo com uma voz
baixa, mas ameaçadora. — Eu sei qual o seu problema, Joelma,
você não aguenta me ver feliz.

— Por que eu iria tolerar isso depois que você acabou com a vida
do meu filho? — A casca dela começa a quebrar. Seu advogado
tenta afastá-la, mas ela não permite. — Você é a responsável por eu
perder o meu menino. Por que eu permitiria que você mantivesse o
seu sendo feliz? O maior objetivo da minha vida, Helena, é e sempre
será destruir a sua.

— Não importa quantas pessoas você pague, quantas vezes


você negue a verdade, Joelma, nós sabemos que a única culpada
por tudo isso é você. — Sua mão vem diretamente ao meu rosto,
sendo impedida de me acertar, por pouco, quando Hugo segura o
seu pulso.

— Nunca mais ouse levantar a mão para ela, ou não respondo


por mim.

— Vocês ouviram? Isso foi uma ameaça! — Ela grita com um


sorriso vitorioso. — Sou apenas uma avó que quer cuidar do neto e
estou sendo ameaçada.

— Você... — Hugo começa, mas seu celular toca em seguida e


ao olhar para a tela, segura minha mão e a avisa: — Isso ainda não
acabou. Vem, amor. — Saímos de perto.

A ligação que Hugo recebeu era de ninguém menos do que o


detetive que havia contratado. E após uma ligação demorada, Hugo
me avisou que logo estaria de volta com algo que poderia nos ajudar
a respeito do caso do Léo.

Quando o recesso acabou, Hugo ainda não havia voltado. A


sessão nem havia começado direito e a juíza já avisou que eu
deveria me manter controlada. E, mesmo extremamente nervosa, me
calei diante das acusações da parte da minha sogra.

— Meritíssima, a senhora Helena afirma ser uma boa mãe, mas


já esqueceu o menor na escola, não por minutos, mas por horas.
Ameaçou a diretora e a fez ser demitida. — Meu advogado me olha
surpreso e escrevo em um papel, rapidamente explicando a situação.
— Ela também perdeu o menor no parque Ibirapuera em uma noite
movimentada enquanto ficava de, perdoe a palavra, “namorico”,
meritíssima.

— Isso é verdade, senhora Helena? — A juíza se dirige


diretamente a mim.

— Essas coisas aconteceram, mas não da forma como estão


afirmando, meritíssima. Eu amo o meu filho mais do que tudo no
mundo, não sou onisciente, onipresente ou onipotente. Sempre
cuidei dele, mas sou um ser humano com falhas. — Um nó se forma
na minha garganta. — O Leonardo é a pessoa mais importante da
minha vida. Quando mais precisamos, minha ex-sogra não se
interessou por ele. Não passamos fome porque trabalhei muito para
que isso não acontecesse.
— Isso é ridículo, Helena! — A velha afirma.

— Meritíssima, aqui tenho os extratos bancários que comprovam


que minha cliente fez depósitos mensais para uma conta da senhora
Helena para cuidar do menor. — O advogado dela entrega algumas
folhas para todos.

São extratos bancários que mostram valores que foram


depositados em uma conta que seria minha, mas não reconheço a
conta.

— Eu nunca soube disso — afirmo. — Você está armando isso,


não é possível! — aponto para minha ex-sogra. — Você é pior do
que jamais imaginei, Joelma. O Mauro teria vergonha de ser seu
filho.

— Não fala o nome do meu filho, sua vagabunda aproveitadora!


— Joelma joga em mim uma garrafa de água, mas consigo desviar.

— Ordem! Ordem! — A juíza grita batendo o martelo. — Ordem


ou prenderei todos por desacato!

— Meritíssima... — O advogado de Joelma começa, mas a juíza


lhe dá um olhar ameaçador e imediatamente ele se cala.

— O meu tribunal não é um circo! — diz. — Vocês têm quinze


minutos para se recomporem! Sugiro que os senhores advogados
controlem suas clientes.

Antes de voltarmos para a sala, Hugo retorna como se tivesse


corrido uma maratona. Ofegante, ele demora a falar, mas logo que
escuto o que ele tem a dizer, não vejo outra alternativa senão beijá-
lo.

— Quer me matar sem fôlego, mulher? — questiona ainda mais


ofegante.
— Dá aqui. — Tiro os papéis de sua mão. — O que você acha
que eu devo fazer? Mostrar para Joelma que eu tenho provas ou
realmente denunciá-la?

— Por mais que eu queira, não posso te dizer o que fazer,


Helena. E tem mais...

— Como assim?

— Tem uma gravação que mostra quando o seu carro foi


sabotado.

— E mostra o rosto da pessoa? — Hugo confirma com a


cabeça e me mostra o vídeo na tela do celular.
Capítulo 55
Fiquei bem menos surpresa do que esperava ao ver Luciano na
filmagem, que mostrava claramente ele mexendo no meu carro na
mesma data do acidente que tirou a vida do meu marido.

— Isso significa que ela não está envolvida? — pergunto a Hugo


sem conseguir processar tudo direito.

— Não, amor, ela está! — afirma abrindo a pasta que tirei dele. —
Joelma e Luciano se encontraram algumas vezes na semana
anterior e também no dia do acidente. Antes de tudo, ela depositou
uma grande quantia para ele e nem se deu ao trabalho de esconder
que estava fazendo isso.

— Mas...

— O que você quer fazer?

— Eu quero denunciá-la imediatamente. Ela é a responsável pelo


que aconteceu com Mauro; meu filho está crescendo sem o pai por
perto por culpa dela — choramingo sem conseguir me controlar. —
Que tipo de monstro é capaz de fazer algo assim? — Hugo me
abraça.

— Desculpa, mas precisamos voltar, Helena. — escuto o meu


advogado. — Aconteceu algo?
— Tenho novidades, Samuel — aviso. — Consiga uma reunião
particular com a juíza, por favor.

— Acho que isso não é possível, Helena.

— Por favor — peço e ele assente com a cabeça antes de sair.

As chances eram baixas, mas Samuel conseguiu. Tão logo


entrei na sala, comecei a falar sem dar a chance da juíza me
interromper.

— Isso não está certo. A senhora sabe disso. Não sei se é


mãe, mas deve saber que um filho deve sempre ficar com a mãe,
desde que seja o melhor para ele. E eu sou o melhor para o meu
filho. A senhora precisa saber bem onde está se metendo ou, além
de estar prestes a destruir a minha vida e a do meu filho, também vai
destruir a sua — aviso. — E isso não é uma ameaça, que fique claro.
Mas eu sei que a senhora aceitou dinheiro da minha ex-sogra. Não
sei os seus motivos e não me interessam, mas esse é o menor dos
seus problemas. Acabei de conseguir provas que comprovam a
participação da minha ex-sogra na morte do meu marido. Se a
senhora não quer afundar ainda mais, sugiro que abandone o caso
imediatamente ou faça o que acha melhor.

— Não vou ser ameaçada por uma empregada! — grita


soberba.

— Então aproveite seu cargo enquanto pode. Estou saindo


daqui agora mesmo para denunciar todos vocês — aviso sem dar
chance para que ela retruque. — Vamos para a delegacia. — Hugo
assente.

MESES DEPOIS

Que a justiça no Brasil não é exatamente justa eu já sabia, mas,


ainda assim, consegui me surpreender com a soltura da minha sogra
apenas alguns dias após a sua prisão. Sua fuga para fora do país, no
entanto, foi completamente previsível.

Felizmente, Luciano não teve a mesma sorte. Ele até tentou fugir,
mas tão logo minha ex-sogra foi solta, Luciano foi capturado. Sua
pose de machão murchou no momento em que começou o
interrogatório e ele contou até mesmo coisas que não tínhamos
imaginado, como o fato de que minha ex-sogra estava praticamente
falida e precisava da guarda do Léo para conseguir ter acesso a uma
conta no nome do meu filho, que Mauro havia deixado para garantir
o futuro do meu bebê.

Tornou-se público que Joelma Peres havia encomendado a morte


da nora e acabara matando o próprio filho. Contra a vontade de Vic,
também descobriram que Luciano a havia trancado em uma clínica
psiquiátrica e tudo o mais que aconteceu. Minha amiga não ficou
feliz, mas vê-lo atrás das grades foi, com certeza, reconfortante. Tão
logo foi possível, ela conseguiu a anulação do seu casamento e
também uma ordem de restrição que garantia que ele não podia
chegar perto de nenhum de nós.

— Eu espero que o Hugo volte logo. — Vic diz inquieta. Sua


barriga está enorme para uma mulher magra como ela, está prestes
a ter neném e ainda nem consegui contar a ela sobre a minha
gravidez, estou apenas no início do quarto mês. Minha barriga até já
começou a aparecer, mas com tudo que aconteceu, ela sequer
notou.

— O que você acha que eles querem afinal?

— Espero que tenham simplesmente desistido de vez daquela


ideia idiota de processá-lo novamente. — Se senta ao meu lado. —
Eu estou tão nervosa, Helena. Me distrai.

— Você... Tem certeza que não quer saber o sexo do bebê?

— Não. Quero que seja uma surpresa. Mas tenho quase certeza
que é uma menina — diz com um sorriso alisando a barriga. —
Quando você e o Hugo me providenciarão outro sobrinho, afinal?

— Outro?

— É, ué. O Léo é o primeiro. Já quero outro também! — Dá de


ombros. — Sabe, nós duas mandamos muito bem na reforma dessa
casa. Longe de mim falar dos mortos, mas eu odiava o que a
Jaqueline tinha feito com essa casa.

Apesar da casa ter ficado moderna, com aparelhos de última


geração e alguns toques na decoração, optamos por tentar remeter à
decoração clássica e original que tinha quando Hugo a comprou.
Meu namorado ficou muito feliz quando viu o resultado, inclusive
comentando que havia escolhido a casa justamente pela
personalidade que ela possuía.

Escutamos um bater de porta e rapidamente corremos até lá para


saber o que o pai da falecida esposa de Hugo queria falar com ele.

— E aí? — Vic questiona logo que Hugo abre a porta. — Conta,


garoto!

— Ele queria se desculpar.

— O quê? — Nós duas perguntamos juntas.

— Depois da história da Helena, ele resolveu procurar para ver se


tinha deixado algo que pudesse me incriminar passar. — Hugo ainda
está parado segurando a maçaneta da porta. — A mãe dela
escondeu o diagnóstico de esquizofrenia de todos nós. A única forma
de ter evitado o que aconteceu era com os devidos cuidados
médicos, que nunca puderam acontecer porque, para a mãe dela,
era uma vergonha ter uma filha doente.

— Aquela vaca! — Vic solta. — Sempre a odiei!

— Todos nós. — Hugo dá de ombros. — Eu sei que não podia ter


evitado a doença, mas podia ter percebido ou cuidado dela, talvez se
tivesse aceitado sua sugestão de levá-la a uma clínica...
— Hugo, aquele lugar era horrível. Com certeza acabaria com a
Jaque. — Minha amiga avisa indo abraçar o irmão.

— Eu sei, mas...

— Amor, tenho certeza de que fez tudo o que foi possível naquele
momento. — Eu entro no abraço. — Agora vem, precisamos
almoçar. Fiz frango assado com batatas.

— Nossa, Hugo, o cheiro está maravilhoso.

— Você até já roubou um pouco, Vic; deixa de ser sonsa —


reclamo, sorrindo, enquanto os dois me acompanham até a cozinha.

Por mais que Hugo quisesse que eu ficasse apenas em repouso


com medo de que qualquer coisa pudesse prejudicar minha gravidez,
ele não resistia ao sentir o aroma exalando da cozinha.

— Helena, eu sou tão feliz por ter te contratado. — Minha amiga


fala com a boca cheia. — Melhor comida do mundo.

— Eu sou muito feliz de você tê-la contratado, irmãzinha. — Hugo


avisa beijando meu rosto rapidamente. — Pensei em pegarmos o
Léo e ir assistir a um filme. O que acham?

— Acho maravilhoso. Tem um filme mesmo que eu estou


querendo assistir e...

— Vic, entendo que ficou empolgada, mas não consegue mais


segurar sua bexiga? — Hugo questiona enquanto verifico o que ele
falou.

— Ai, meu Deus, isso não é xixi, Hugo! — grito. — Vic, a sua
bolsa estourou!

— Merda, bebê, você não podia esperar até amanhã para ser
sagitariano igual a mamãe? — questiona pegando mais coxas de
frango. — Se vamos para o hospital, preciso de um lanchinho. —
Nos avisa enquanto a encaramos, totalmente calma com a comida.
Capítulo 56
A pessoa mais tranquila no carro, com certeza, era a Vic. Mesmo
com contrações, ela apenas comunicava enquanto devorava mais
um pedaço de frango. Hugo dirigia rapidamente para o hospital
enquanto eu ligava para avisar que estávamos a caminho.

Logo que chegamos, esperavam Vic com uma cadeira de rodas


que ela recusou prontamente, seguindo para dentro do hospital e só
então noto que ela está de salto.

— Victoria! Tira esse salto agora mesmo! — brigo e, assustada,


ela olha para mim. — Vamos!

— Mas, Helena, eu quero ter o meu bebê com estilo...

— Ela está certa, doutora Mendes. — A enfermeira afirma e se


abaixa para ajudar minha amiga com os sapatos.

— Você só pode estar louca! — Hugo berra sem saber o que


fazer.

— Está bem, gente. — Põe a mão na barriga. — Helena, mais


uma — avisa sobre a contração.

— Quanto tempo? — A enfermeira pergunta obrigando minha


amiga a sentar na cadeira de rodas.
— Dois minutos — informo.

— Seu bebê está quase aqui, doutora Mendes. Precisamos nos


apressar. — Um vislumbre de pânico passa pelo rosto da minha
amiga.

— Helena, você entra comigo, não é? — Vic segura minha mão e


confirmo.

No quarto, não consigo não ficar surpresa pela pouca ou quase


nenhuma dor que Vic expressa sentir enquanto faz força para seu
bebê nascer. Não leva muito tempo para que eu veja os cabelinhos
ralos, olhos grandes e mãos gorduchinhas da menina perfeita que,
após ser limpa, é entregue à mãe emocionada.

Após tudo ser limpo, a entrada de Hugo é autorizada e, babando


na bebê, ele sequer dá muita atenção à irmã que, apesar de dizer
que não estava cansada, logo pega no sono.

— Ela é perfeita. — Hugo sussurra enquanto a balança em seus


braços, vindo até mim. — O nosso também vai ser.

— Vai sim — confirmo sentindo o cheirinho da cabeça da bebê.

— A Vic já escolheu um nome?

— Giovanna. — Escuto uma voz conhecida atrás de mim e me


surpreendo ao ver Luís na porta do quarto, sem graça. — Ela
escolheu Giovanna.

— Ela não tinha nos contado — comento curiosa.

— Paloma me avisou que tinha chegado a hora. Eu não consegui


falar com a Vic, então vim até aqui. — Ele está completamente
constrangido, principalmente porque Hugo não para de encará-lo.
— Eu... Eu posso segurar a bebê? — pede e, mesmo contra a
vontade, Hugo entrega o pacotinho rechonchudo enquanto vejo Luís
se emocionar imediatamente.

— Ei, você veio. — A voz de Vic nos chama a atenção.

— Claro que vim. — Nos ignorando, Luís vai até a cama e dá um


selinho em Vic, nos deixando boquiabertos. — Não perderia a
chance de ficar com minhas meninas por nada nesse mundo.

— Vamos na lanchonete. Querem alguma coisa? — pergunto já


empurrando Hugo porta a fora. — Não? Ótimo. — Os dois sequer
nos notam no quarto.

— Quando isso aconteceu? — Hugo pergunta enquanto nos


conduzo à lanchonete.

— Estou tão surpresa quanto você! Mas o Luís é um cara legal


e...

— Eles estão dormindo juntos?

— Hugo!!! — Dou um tapa em seu braço.

— Tá, eu sei, não é da minha conta.

— Não, não é.

SEMANAS DEPOIS

Vic até tentou fingir que estava magoada quando contei a ela
sobre a gravidez, mas a sua felicidade com o nascimento da Gigi e o
seu namoro com Luís, que ela explicou como começou, era muito
maior.

Desde que a havíamos resgatado da clínica, Vic estava em nossa


casa e começou uma boa amizade com Luís. Não demorou muito
para que se apaixonassem. Ele até mesmo a pediu em namoro, mas
Vic quis esperar até o nascimento do bebê.

Juntos eles escolheram possíveis nomes para o bebê e, alguns


dias antes do nascimento, Vic havia sonhado que tinha uma menina
de nome Giovanna, o primeiro que Luís havia sugerido. Incapaz de
manter-se afastada, aceitou o pedido de namoro dele.

Vic estava pronta para nos contar sobre isso quando sua bolsa
estourou e depois nós vimos com nossos próprios olhos o que
aconteceu.

Já Léo simplesmente começou a pular animado quando soube que


em poucos meses teria um bebê em casa. Ele ainda não tinha
superado o fato de a Vic ter se mudado sem nem dar a chance de
dormir uma noite em casa com a bebê.

E, diferente da minha amiga, optamos por saber o sexo do bebê.


Primeiramente porque Léo não nos deixava em paz perguntando se
teria um irmãozinho ou uma irmãzinha. Segundo porque, apesar de
não querer saber o sexo da Gigi até o nascimento, Vic conseguiu
quase nos enlouquecer junto com Léo para saber o sexo.

O consultório estava cheio quando fomos descobrir. Não apenas


Léo, Vic e Gigi, como também Paloma, Carina e Bru nos
acompanharam ansiosos para saber.

— Papai e mamãe, vocês vão ter uma saudável menininha. — A


doutora afirma enquanto os meus acompanhantes loucos
comemoram.

— Ninguém vai chegar perto da minha irmãzinha, ou eu dou um


golpe de caratê. — Léo avisa.

— Eu ajudo. — Hugo confirma pegando o meu menino no colo.

— Agora todos, exceto o papai, para fora. Precisamos terminar a


consulta. — A médica avisa e, mesmo contra a vontade, aceitam.

O dia foi cansativo. Todos jantaram em nossa casa, então


precisei cozinhar mais que o habitual. Léo, extremamente agitado e
animado, demorou a dormir após todos irem embora e, quando
finalmente coloquei meu corpo na cama, meus olhos se fecharam.

Hugo, massageando meus pés, também não ajudou a me manter


acordada e, antes que eu pudesse pensar em qualquer outra coisa,
acabei dormindo.

Acordo completamente renovada esperando que Hugo não tenha


deixado Léo dormir além da conta e faltar à aula como havia feito na
semana passada.

Encontro apenas Paloma na casa e, após convencê-la a tomar


café comigo, decido assistir TV por algum tempo. Desde o fim de
“Amor à Segunda Vista”, Hugo e eu não conseguimos encontrar
outra novela que nos prendesse e decidi reassistir a novela.

Em algum momento entre um capítulo e outro caí no sono


novamente. A bebê estava me transformando em um urso. A cada
vez que eu parava, praticamente hibernava. Acordo de supetão
passando do horário de Léo voltar da escola e não o encontro.

Pegando meu celular, encontro uma mensagem de Vic avisando


que Hugo pediu que ela o pegasse na escola e também uma
mensagem do meu namorado pedindo para que eu me arrumasse,
pois haveria um evento no qual precisava que eu o acompanhasse e
que chegaria logo para me buscar.
Capítulo 57
Saí do quarto logo que recebi uma mensagem de Hugo avisando
ter chegado e algumas batidas na porta.

Vestindo um smoking pequeno, Léo me esperava formalmente na


porta, com o cabelo penteado para trás como Hugo gosta de usar.
Um caminho de velas leva até a escada e com um sorriso o meu filho
diz:

— Você está linda, mamãe! — Ele sussurra me arrancando uma


risada em meio a minha emoção.

— Obrigada, meu amor. Aonde vamos?

— Tem que me acompanhar.

— Sim, meu amor. — Seguro sua mãozinha levantando a barra


do vestido longo, o único que serviu em mim, apesar de justo.

Preto, com pequenas flores de mesma cor que formam as alças e


o top do vestido, a peça está contornando cada parte do meu corpo.
Quando o coloquei e consegui fechá-lo, agradeci em voz alta que a
minha barriga, mesmo pequena, não me impediu de usá-lo. Além de
lindo, meus seios que, diferente da minha barriga, cresceram
bastante, se destacam no decote que nem era tão generoso assim.
Uma fenda discreta arremata a peça. Uma sandália de salto, uma
clutch preta e brincos também pretos finalizam o look em conjunto
com o meu cabelo preso.

Descendo as escadas acompanhada de Léo, noto as velas nos


degraus dentro de pequenos recipientes de vidro. E ao fim dos
degraus, o caminho continua até o jardim.

— Estava esperando vocês. — Hugo está com uma roupa


idêntica à de Léo e com um sorriso tão bonito quanto.

— O que está acontecendo aqui? — Estou completamente


trêmula.

Há velas dentro da piscina, assim como nas bordas. Uma música


suave toca ao fundo e sem conseguir me controlar, o beijo
rapidamente.

— Eu queria ser um homem paciente, que soubesse esperar


conforme planejei essa noite, mas não sou. — Estende a mão se
ajoelhando, mas Léo nega com a cabeça.

— Não era para ser agora! — Meu filho resmunga por um


momento.

— Vamos tomar um sorvete com a tia, Léo. — Escuto a voz de


Vic no fundo, mas não viro para confirmar.

— Tá bom! — Léo finalmente entrega a Hugo uma caixinha de


veludo preto e sai correndo até Vic.

— Até amanhã, pombinhos. — Minha amiga se despede.

— Como eu dizia, não sei ser paciente. Planejei essa noite com
muito cuidado, mas que se foda tudo, Helena. Tudo o que eu quero,
é estar com você. Em todos os jeitos, em todos os momentos. Eu
sou completamente seu e quero que você seja completamente
minha.

— Eu sou...
— Não legalmente. — Ele abre a caixinha. — Casa comigo, meu
amor?

— Sim! — respondo, chorando e acenando a cabeça diversas


vezes, tirando dele um sorriso, apesar de suas lágrimas escorrerem
como as minhas.

SEMANAS DEPOIS

Não pensei que conseguiria organizar um casamento em menos


de um mês, mas consegui, com a ajuda de Vic, Carina e Paloma,
além de outros amigos.

Convencida por eles, aceitei fazer o casamento em um lugar que


nunca imaginei: um barco. A vantagem seria que teria o mínimo de
pessoas na cerimônia e claro, ninguém entraria de penetra. Não que
o nosso casamento fosse um grande evento, mas Hugo insistiu
nessa possibilidade.

A cerimônia foi linda de uma forma que jamais imaginei que seria.
Aproveitamos a luz do dia e demos o nosso primeiro beijo como
marido e mulher ao pôr do sol. De convidados, apenas aqueles que
eram próximos de nós. De comida optamos por chamar o bom e
velho Chicão. Parecia o mais acertado, em consideração aos nossos
gostos.

Léo estava lindo como nosso pajem e muito animado, dançando


todas as músicas de axé que escolhi para a playlist da festa. Vic
entrando com a Gigi no colo, acompanhada de Luís, foi
simplesmente emocionante.

Hugo insistiu para que fizéssemos uma rápida viagem de lua


de mel antes que a bebê nascesse e não pudéssemos fazer isso
logo. Vic, mesmo com a Gigi, fez questão de que Léo ficasse com
ela e até mesmo se fez de ofendida quando comentei que o deixaria
com Carina.

Durante a nossa dança, não consegui tirar os olhos de Hugo


por um segundo que fosse, assim como ele comigo. Apenas não
podia me afastar do meu marido.

Após jogar o meu buquê, que caiu literalmente no colo de


Luís, o namorado da minha amiga, o barco retornou ao cais, já
durante a noite. A marina Igararecê, no litoral norte de São Paulo,
localizada na cidade de São Sebastião, é simplesmente linda,
mesmo à noite.

Vic, Gigi, Léo e Luís nos acompanham até o aeroporto. Luís


se recusou a soltar o buquê, dizendo que só o faria depois que Vic
fizesse o pedido, arrancando risada até mesmo de Hugo, que
começou a respeitá-lo mais e até mesmo o ter como um amigo.

— Nossa! — Luís reclama levantando Gigi e sentindo o fedor


de sua fralda. — Preciso trocar a Gigi — avisa indo para o banheiro
com a neném no colo após dar um beijo em Vic.

— Ele não é um amor? — Vic se derrete. — Não sei não, mas


acho que vou ter de casar com esse homem!

— Pelo menos esperem até voltarmos — peço ainda


agarradinha a Léo.

— Com toda a certeza. Não deixaria vocês perderem meu


primeiro, e espero que único, casamento real por nada! — afirma
estendendo a mão para o Léo, enquanto somos chamados para o
nosso voo.

— Vocês vão me trazer presente, papai? — Léo pergunta e


pela milionésima vez vejo meu marido se emocionar ao ouvir nosso
filho chamá-lo de pai.

— Claro, campeão! Sem dúvidas! — Hugo o abraça.


— Tia Vic, preciso ir ao banheiro — avisa e corre para o
trocador onde Luís foi com a Gigi.

Estamos próximos e quando eles saírem os veremos, sem


dúvida.

— Queria cheirar a cabeça da Gigi mais uma vez antes de


irmos — aviso Vic.

— Logo você vai ter sua própria menininha para cheirar a


cabeça dela! Inclusive, voltem dessa viagem com o nome da minha
sobrinha!

— Pode deixar. — Hugo afirma me abraçando pelas costas,


colocando suas mãos sobre minha barriga no momento exato em
que a bebê me chuta.

— Ai, meu Deus, você sentiu isso? — questiono emocionada


mais uma vez.

— Senti. Vou buscar o Léo, ele vai adorar... — Hugo sai


correndo em direção ao banheiro, esbarrando em uma mulher que
segura o meu pequeno pela mão.
Capítulo 58
Usando óculos escuros, boné e uma roupa que jamais a veria
usando, uma calça jeans, tênis e blusa de moletom, Joelma parece
surpresa por ser notada por nós.

— Papai, a vovó disse que eu posso ficar na casa dela


enquanto vocês viajam com a minha irmãzinha. — Léo diz animado,
ainda segurando a mão dela, que não parece saber o que fazer.

— Vou chamar a segurança, Helena. — Vic sussurra para


mim.

— Léo, vem aqui com a mamãe, agora — peço tentando


manter a calma. Ele até tenta, mas Joelma não larga a mão dele. —
Léo...

— A vovó tá segurando, mamãe. Solta, vovó! — Léo insiste,


mas ela não solta.

— Helena, eu preciso dele. — Joelma fala devagar. — Eles


bloquearam minhas contas e... Eu preciso do garoto. — Ela tenta se
afastar, mas Hugo se põe na frente.

— É dinheiro que você quer, eu dou. — Calmamente Hugo


tenta se aproximar, enquanto ela recua. — Mas primeiro você precisa
soltar o meu filho.
Joelma gargalha de maneira esquisita.

— Como você consegue enganá-los dessa forma, Helena?


Você é bem mais esperta do que sempre julguei.

— Solta o Leonardo. — Mando, tentando manter minha voz


calma. Se essa louca nos encontrou em um aeroporto tão grande,
com certeza tem um plano.

— Por favor, vovó, tá machucando. — Meu filho choraminga.

Pessoas começam a nos cercar, curiosas e assustadas com a


situação.

— Olha só o que vocês estão fazendo! — Ela grita, assustando


Léo. — Querido, não é minha culpa, a vovó só quer ficar perto de
você...

— Eu não quero! — Léo consegue puxar a mão finalmente e


corre para o colo de Hugo.

Enquanto, enfim, consigo ter meu filho em meus braços, Luís se


aproximava devagar por trás de Joelma e a imobiliza. Vic
rapidamente corre em direção a eles, pegando a Gigi que uma moça
segurava no colo, ao fundo.

Não demora até que os seguranças do aeroporto tomem conta da


situação enquanto, aos berros, Joelma volta a me ameaçar.

Sem condições para viajar, Hugo e eu decidimos simplesmente


voltar para casa com nosso filho e descansar. O dia tinha sido longo
e mesmo que tenha começado como um dos melhores dias de
nossas vidas, terminou de forma assustadora, principalmente para
Léo.

Tão logo acordamos no dia seguinte, estava em todos os


noticiários o que havia acontecido. Hugo e eu precisávamos ir à
delegacia prestar depoimento, assim com Luís e Vic, que foram
essenciais.
Tudo o que eu queria era curtir o resto da minha gravidez com
calma e podendo descansar o tanto que Luísa, minha bebê, estava
exigindo de mim, mas, mesmo com as provas contra Joelma, nossos
testemunhos de que ela tentou sequestrar o meu filho e me agrediu
física e verbalmente, a lei demorou a fazer efeito e, por pouco a
cobra não conseguiu fugir novamente.

Quando finalmente a sentença saiu quase não pude acreditar.


Joelma foi condenada a cinquenta e três anos e onze meses de
prisão. No tribunal ela fez um escândalo como esperado e até
mesmo praguejou contra a minha família e o meu casamento, mas,
ainda assim, consegui sentir meu coração mais leve por finalmente
ter feito algo a respeito do que havia acontecido com Mauro.

Meu primeiro marido, acima de tudo, nos amava muito e não


merecia o que aconteceu com ele; poder ver a responsável por tirar a
sua vida atrás das grades foi libertador.

Foi determinado, também pelo tribunal, que tudo o que era de


Mauro em vida Léo teria direito, assim como eu. Incluindo a casa em
que vivíamos antes de tudo acontecer.

Desde o meu casamento com Hugo, não conseguia dormir mais


que algumas poucas horas seguidas. Todas as noites me levantava
para ver se Léo ainda estava em sua cama, assustada com
pesadelos em que Joelma o tirava de mim.

Mas tinha certeza que agora que a sentença dela havia sido
decretada, poderia voltar a dormir tranquilamente, sabendo que ao
acordar agarraria Léo e o beijaria muito.

— Qual o plano agora, Helena? — Samuel, meu advogado,


pergunta tão animado quanto eu.
— Dormir, com certeza. É tudo o que eu mais quero! — admito
abraçando Hugo.

— Que pena, querida cunhada, acho que a Lulu tem outros


planos para vocês! — Vic aponta no mesmo momento em que sinto
um líquido escorrer pelas minhas pernas.

— Sério, Lulu? — pergunto à minha barriga, começando a sentir


dor.

— Acho que as mulheres dessa família gostam de vir ao mundo


no momento mais inesperado. — Vic dá de ombros. — Eu dirijo,
acho que o Hugo não sabe nem o nome dele nesse momento...

— Eu... As bolsas... O plano... O chá... Não estamos prontos. —


Meu marido gagueja me ajudando a ir para o elevador enquanto
nosso advogado ri, assim como Vic.

— Puta que pariu! — grito em alto e bom som quando sinto uma
contração, atraindo a atenção de todos.

— Acho que alguém vai ser uma mãe que vai ficar para a história
do hospital! — Vic afirma rindo da minha dor, já no elevador.

O nascimento de Luísa teve de tudo um pouco. Teve dor, teve


momentos que comecei a rir histérica porque não atingia logo a
dilatação, teve momentos em que Hugo apenas gaguejava, teve o
momento em que ele desmaiou por alguns segundos, mas também
acordou a tempo de ver nossa menininha chegar ao mundo e foi
entregue em meus braços.

E tudo compensou nesse exato momento: quando Lulu abriu


seus olhinhos e começou a chorar, só parando quando meu dedo
alcançou sua boquinha e ela passou a sugá-lo.

MESES DEPOIS
Tive medo de que, com a chegada de Luísa, Leonardo se
sentisse excluído, mas o fã número um da minha menininha é ele.
Desde ninar ela a trocar sua fralda, sob nossa supervisão, Léo está
incluso. Sem contar que ele e Hugo criaram um momento só para os
dois, no qual saíam cedo e voltavam bem tarde, ou se enfurnavam
no quarto de Léo jogando videogame e comendo bobagens. Além de
que Léo simplesmente começou a copiar o corte de cabelo de Hugo
e vive dizendo que irá usar barba da mesma forma.

Ver como Hugo cuida dele é incrível. Ele é um pai babão e bobão
para os dois e sempre que precisa dar bronca em Léo, pede que eu
o faça e depois ainda fica do lado dele, agradecendo pelas costas
por eu ser a carrasca.

— Amor, você viu o Léo? — Hugo pergunta fingindo não o estar


vendo embaixo das cobertas. — Estamos brincando de esconde-
esconde.

— Não faço ideia. Talvez ele tenha se escondido debaixo da


cama. — Entro na brincadeira terminando de fazer Luísa arrotar.

— Acho que vou dormir um pouco, estou cansado de procurar por


ele. — Finge estar bocejando e deita em cima de Léo, que tenta não
reclamar. — Vocês duas também, venham deitar comigo. — Com
cuidado deito com ele e Hugo coloca mais peso sobre Léo que,
imediatamente começa a reclamar e sai da cama. — Ah, então você
estava aí?

— Você quase me matou, papai! — reclama fazendo drama e


logo Hugo o puxa para a cama, fazendo cócegas. — Eu vou fazer
xixi, papai!

— Não, nada disso! Da última vez que alguém dessa família fez
xixi nas calças, a Lulu nasceu. — Hugo brinca e até Luísa, sem
entender, começa a rir, achando graça dos dois.

Respiro fundo entre uma risada e outra e só consigo pensar em


como os amo, os três, e não me arrependo nem por um segundo de
ter mentido para conseguir o emprego que mudou a minha vida.
Epílogo
LEONARDO

Se você perguntar para a minha mãe como foram meus primeiros


sete anos de vida, imediatamente ela vai dizer que foram
maravilhosos, mas, para mim, maravilhoso mesmo foi após ela
conhecer o meu pai Victor Hugo. E nem me refiro a isso pela vida
que ele nos proporciona desde então, mas pela pessoa incrível que
tenho o prazer de chamar de meu pai.

Desde o momento em que nos conhecemos oficialmente até hoje,


ele nunca foi menos que o melhor pai que eu poderia desejar e sem
permitir que eu esqueça do meu pai Mauro.

A minha vida é ótima, não tenho do que reclamar, mas não posso
dizer que sou totalmente sincero. Talvez seja de família. Em alguns
dos nossos almoços de domingo, quando começam a conversar
sobre o passado, a tia Vic e o meu pai gostam de importunar minha
mãe falando sobre como ela me escondeu por medo de perder o seu
emprego.

E eu entendo. Meu pai sempre foi uma pessoa maravilhosa


comigo, mas sei bem que, no início, ele e minha mãe não se davam
exatamente bem. Ele era grosso e amargo e encontrou justamente o
seu oposto na dona Helena. Provavelmente essa seja a maior
história de amor que eu conheça, desculpa, Romeu e Julieta. E o
melhor é que pude presenciar de camarote boa parte dos
acontecimentos.

— O papai e a mamãe te amam! — Lulu, minha irmãzinha avisa


fazendo cafuné na minha cabeça. — Gabi e você se gostarem, não
muda isso.

Apesar de ter apenas dez anos de idade, Lulu é uma das


pessoas mais sensatas da nossa família. Também a mais paciente e
esperta. Sempre sabe a coisa certa a se dizer.
— Você só tem dez anos, Lulu. Como poderia saber? — retruco e
ela me dá um cascudo na cabeça antes de voltar a fazer o cafuné.

— A tia Vic disse que tenho uma alma sábia — diz orgulhosa. —
E eu sempre estou certa!

— A tia Vic sabe que você forçou um anel pequeno demais no


seu dedo e tive que te levar ao hospital para tirar antes que o seu
dedo caísse?

— Eu tinha nove anos! — resmunga. — Agora estou mais velha e


mais sábia. De qualquer forma, você deveria contar pro papai e pra
mamãe, vocês formam um casal lindo.

— Não somos um casal, Lulu.

— Faz o pedido de namoro então, ué...

— Não é tão simples assim... — começo no exato momento em


que minha mãe entra no quarto.

— O Iago pode brincar com vocês? — segurando na perna da


minha mãe igual eu fazia em meus momentos de timidez, meu
irmãozinho de quatro aninhos tenta se esconder ao mesmo tempo
em que tenta ver o que estamos fazendo.

— Pode, mamãe, mas o Leo precisa conversar com você e com o


papai. — minha irmã avisa serelepe indo até Iago. — Vamos pra
piscina? — nosso irmãozinho pega a sua mão e rapidamente se vai
me deixando sob os olhos curiosos de dona Helena.

— O que houve, querido? Está indo mal em alguma matéria? —


se aproxima sentando comigo na cama. — O seu pai e eu não
vamos brigar.

— Não, mamãe, só mais uma prova e estou oficialmente formado


no ensino médio. — Mal consigo encará-la. Sei que minha mãe quer
apenas o meu bem, mas amigos que passaram pela mesma situação
acabaram não tendo um resultado satisfatório nessa conversa com
os pais. — Gabi pode jantar aqui hoje? Me sentiria mais confortável
com...

— Claro que pode. Liga e chama, tá? — afaga meu rosto e beija
rapidamente minha testa. — Mais tarde conversamos sobre isso
então.

— Mamãe...

— Oi, meu amor...

— Eu...

— Nós te amamos, Léo. — com um sorriso ela se vai.

Mesmo inseguro, Gabi aceitou meu convite. Já tínhamos


conversado diversas vezes sobre esse momento. Ele decidiu esperar
até os dezoito, mas eu não conseguia mais esconder isso daqueles
que eu amava.

Na hora de sempre papai chegou em casa e, após ser agarrado


pelos meus irmãos, veio me cumprimentar com um sorriso e um beijo
na testa como sempre.

— Vamos ter companhia pro jantar? — pergunta agarrando minha


mãe que monta a mesa mais elegante que o habitual.

— O Gabi vem. — avisa depois de ganhar um beijo do meu pai.


— O Léo quer conversar e quer a presença dele. — Meu pai me
encara sem falar nada e sinto minhas pernas tremerem. Estaria eu
os decepcionando?

Gabi não demorou a chegar, ele morava apenas há algumas


casas de distância da nossa. O conheci quando tinha a idade da Lulu
na van escola e logo viramos amigos. E um dia essa amizade
simplesmente virou algo mais.
Com a pele escura e lindos olhos verdes, Gabi entrou em casa
com seu sorriso habitual depois de me cumprimentar com um abraço
que, para qualquer outra pessoa, teria demorado demais, mas não
para nós dois.

— Tia Helena. — entregou uma única flor a minha mãe que


aumentou ainda mais o sorriso. — Como estão? — voltou-se aos
meus irmãos que o abraçaram falando sobre o dia deles.

— O Hugo foi tomar um banho, mas já vai descer. — minha mãe


avisa indo até a cozinha buscar a comida.

Não demorou muito até que meu pai se juntasse a nós e


rapidamente fomos para a mesa. Eu estava agitado e impaciente,
meu medo estava presente, mas não aguentava mais não assumir
para os meus pais a verdade e antes mesmo que a primeira garfada
alcançasse a boca, soltei:

— Eu sou gay!

Por um minuto que pareceu uma eternidade, não consegui


distinguir o que meu pai e minha mãe estavam pensando enquanto
subitamente meu irmão começou a tagarelar como nunca havia feito
perguntando o que significava “eu sou gay!”.

— Você e o Gabi estão juntos? — meu pai quebra o silêncio entre


ele e minha mãe.

— Ainda não, mas... — seguro a mão do Gabi a vista de todos.

— Você está pedindo permissão para ficarem juntos? — é a vez


da minha mãe.

— Também não, mamãe. Eu estou contando isso porque os amo


e respeito. A única coisa que quero, que espero, é o mesmo da parte
de vocês.

— Então vocês vão namorar? — é a vez do meu pai voltar a falar.


— Se o Gabi aceitar namorar comigo. — volto-me a ele que,
mesmo em silêncio, consigo entender que, para ele, aquilo é um sim.
— Isso muda algo, mamãe? Papai?

— Por que mudaria, filho? — meu pai questiona. — Você é


exatamente quem é. Exatamente quem eu criei. O seu caráter e
índole permanecendo o mesmo... Você está feliz?

— Demais, papai! O Gabi me faz muito feliz! — respondo


emocionado. — Mamãe?

— Se você magoar meu menino, te afogo na piscina, Gabi. —


sem controlar as lágrimas, minha mãe se levanta e nos faz levantar
das cadeiras para nos abraçar.

Logo meu pai faz a mesma coisa, assim como meus irmãos.

— Eu te disse, cabeçudo. — Lulu sussurra para mim me


arrancando uma risada. — Viu como eu sempre estou certa?

— Te amo, Lulu.

FIM.
Agradecimentos
Muito obrigada a absolutamente todos que estiveram junto
comigo nessa jornada que foi escrever “Meu Viúvo”. Esse é o meu
retorno depois de muito perrengue e, mesmo que algumas coisas
continuem iguais, sou incapaz de não ficar feliz por ter chegado a
esse momento.

De todo o meu coração, obrigada para sempre por qualquer


gotinha de apoio que você me deu. Não deixe ninguém dizer que
você não é capaz, que você não pode fazer algo. Escrever esse livro
foi a minha forma de fazer isso.

Beijos purpurinados,

Kamila ♡
Sobre a Autora

KAMILA CAVALCANTE é uma nordestina, viciada em séries,


músicas, purpurina e chocolate Bis, que encontrou na escrita um
motivo a mais para continuar de pé.

Desde 2014, publica suas histórias na plataforma Wattpad,


onde conquistou grande parte de suas leitoras, as carinhosamente
chamadas de “Guetes”. Atualmente, escritora best-seller da Amazon,
Kamila coleciona um portfólio com mais de dez obras, entre contos e
livros.

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