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Eu não sabia o nome dela, mas a ouvi rir, provei seus lábios, senti

sua pele quente enquanto a segurava em meus braços. Juntos,


observamos nossos filhos brincando na areia, o oceano quente
batendo na costa atrás deles enquanto o sol poente pintava o céu. Ela
era minha alma gêmea e esta era nossa vida, nossa linda para
sempre...

Então acordei – sozinho em um quarto de hospital, conectado a fios e


máquinas.

Não havia esposa. Sem filhos. Nem uma única alma esperando por
mim. Essa vida com que sonhei – nunca existiu.

A mulher que eu amava, a mulher que eu conhecia melhor do que eu


mesma – não era real.

Até que ela entrou na minha vida seis meses depois...

E foi o melhor e o pior dia da minha vida porque a mulher dos meus
sonhos estava prestes a se casar com meu melhor amigo.

NOTA DA AUTORA: Este romance proibido e angustiante


contém zero traição e nenhum triângulo amoroso. Mas isso
é tudo que vou dizer. ;-)
Para os sonhadores.

E por Mary Brannian.


— Maktub, — disse ela. — Se eu realmente fizer parte do
seu sonho, você voltará um dia.

– Paulo Coelho, O Alquimista


Os antigos egípcios acreditavam que os sonhos existiam
em um lugar entre os vivos e o mundo do outro lado. Os
primeiros romanos, gregos e mesopotâmicos consideravam a
interpretação dos sonhos uma forma de arte que exigia
intelecto avançado e inspiração divina. Sigmund Freud é
famoso por teorizar que os sonhos são o resultado de desejos
reprimidos ou não realizados – particularmente aqueles de
natureza sexual ou romântica. A ciência moderna sugere que
os sonhos nada mais são do que impulsos elétricos em nossos
cérebros, retirando pensamentos e imagens aleatórios de
nossas memórias.

No final do dia, tudo o que realmente sabemos com


certeza é que os sonhos são uma forma de alucinações
inconscientes. E embora o conteúdo possa ser ilusório, as
emoções que sentimos em resposta a esse conteúdo podem, às
vezes, ser muito reais.
OS NÚMEROS NÃO MENTEM.

Mas homens como aquele ao meu lado? Com olhos de


cobre iridescentes, uma mandíbula tão afiada que poderia
cortar diamantes, e ombros envoltos em músculos feitos para
cavar seus dedos enquanto ele se empurra nas partes mais
profundas de você?

Eles mentem.

Eles mentem o tempo todo.

Especialmente em bares em Hoboken como esse.

Ele me disse seu nome, mas eu já esqueci. Homens como


ele não costumam dar seus nomes verdadeiros, então não
adianta se lembrar. Ele também me disse que é de Manhattan
e que uma vez por mês aluga um carro para um fim de semana,
para poder sair da cidade, respirar um pouco de ar fresco e
ouvir seus próprios pensamentos.

Sons inventados.
Uma história que você conta a alguém para impressioná-
la, para fazê-la pensar que você é profundo.

Diferente.

Especial.

Se eu tivesse que adivinhar, ele tem uma esposa e um


filho pequeno nos subúrbios. Ridgewood ou Franklin Lakes.
Talvez sua vida sexual não seja o que costumava ser. Talvez
sua vida familiar não fosse o que ele esperava. Em minha
mente, eu o imaginei fazendo uma pequena mala, dando um
beijo de adeus em sua família, carregando seu luxuoso SUV e
indo para um barzinho onde ninguém sabe o seu estado civil.

Dou uma espiada em sua mão esquerda.

Está muito escuro para detectar um bronzeado da aliança


de casamento.

— Por quanto tempo você estará na cidade? — Ele se


inclina quando fala comigo, sua voz suave como veludo e
enviando um spray de arrepios ao longo do meu pescoço. O
mais leve indício de loção pós-barba sai de sua pele quente.
Desbotada com um toque de vetiver1 e mística, eu gosto. Mas
não digo isso a ele. Se eu o lisonjear, ele pensará que tem uma
'chance' e tentará me atrair.

Eu não quero ser pega. Eu não quero ser enrolada.

1 É uma planta da família das gramíneas. É também o nome dado ao óleo essencial dela extraído.
Quero desfrutar da minha taça de pinot, talvez dar uma
volta no quarteirão e depois voltar para o meu quarto de hotel,
colocar uma máscara de lama de carvão e adormecer com as
reprises de Seinfeld piscando na tela da minha TV.

— Não muito — digo a ele, evitando contato visual por


uma infinidade de razões, principalmente o fato de que ele é o
estranho mais bonito – fisicamente falando – que já comprou
uma bebida para mim e toda vez que me permito me aquecer
nisso, eu perco a minha linha de pensamento. — Mais alguns
dias.

— O mesmo. — Ele bebe sua bebida, algo âmbar em um


copo de cristal. O tipo de bebida que você saboreia gota cara a
gota cara, do tipo que você não tem pressa em terminar. —
Onde você disse que trabalha?

— Phoenix. — Eu limpo minha garganta. Nada pior do


que um homem que faz perguntas, mas não tem tempo para
ouvir.

— Não, eu me lembro dessa parte — ele prova que estou


errada. — Eu quis dizer onde? Que companhia?

— A Fletcher Firm. — Eu minto por razões de segurança.

Não conheço esse homem – não há necessidade de dar a


ele munição do Google.
— Meio jovem para ser uma atuária2, não é?

Sua próxima pergunta me pega desprevenida e quase


engasgo com meu pinot. A maioria dos homens – aqueles
focados em garantir um pedaço de bunda para a noite –
raramente se lembram do que eu faço para viver depois que
eles me perguntam. E aqueles que o fazem, não têm ideia do
que é um atuário ou a educação e os testes necessários para
se tornar um.

— Eu sou jovem para uma atuária, sim, — eu digo. Eu


volto a minha atenção para ele sem pensar duas vezes. Grande
erro. Seus olhos castanhos brilham, focados em mim. Meu
estômago aperta em resposta. — Eu acelerei. — Tomando um
gole, acrescento: — Não recomendo, a menos que você esteja
disposto a sacrificar sua vida social – ou qualquer tipo de vida
que você possa ter – pela maioria dos seus vinte anos.

Muito da vida passou por mim. Os semestres se


misturaram. Os convites para o fim de semana foram
recusados em favor de estudar para a próxima prova. No final,
eu estava correndo para a linha de chegada por nenhum outro
motivo além de parecer uma escolha segura em um mundo
cheio de incertezas.

Vá para a faculdade. Construa uma carreira. Todo o resto


irá se encaixar...

2 É o termo que designa o profissional especialista em avaliar e administrar riscos. Ela deve ter
formação acadêmica em Ciências aturiais ou Aturiado.
— Você adora, certo? — Ele pergunta. — Valeu a pena?

Eu concordo.

— Eu amo.

Se valeu a pena o percurso rápido, é outra coisa. Se eu


pudesse voltar e fazer de forma diferente, se eu pudesse ir mais
devagar e passar mais tempo com minha irmã antes de sua
morte inesperada, eu faria isso em um piscar de olhos.

Ele cobre minha mão com a palma por meio segundo


antes de acenar para o barman.

— Sua bebida está acabando.

— Não, não. Estou bem — eu digo, balançando minha


cabeça para o barman para cancelar o pedido. — Eu vou sair
em breve.

O homem verifica seu relógio, uma peça de prata reflexiva


com um bisel3 superdimensionado e um mostrador simples e
clássico antes de torcer o nariz.

— São apenas nove e meia...

Por um segundo, imagino sua esposa presenteando-o


com aquele relógio em seu primeiro aniversário. Ou no dia de
sua primeira grande promoção. Ou no dia em que ela disse a
ele que estava grávida.

3Borda de um objeto, talhada em viés de forma que, em vez de uma aresta ou quina em ângulo reto,
se obtenha uma superfície plana oblíqua aos dois lados que formam essa borda.
No fundo, sei que essa é uma história que estou contando
para mim mesma para me sentir melhor por não correr riscos.
No final do dia, estamos sempre justificando tudo, o tempo
todo, de nossa maneira individual.

Eu me afasto dele e olho para os restos roxos no fundo da


minha taça.

Um gole e acabou.

Um gole e estou fora daqui.

Um gole e nunca mais verei o homem com íris salpicadas


de ouro.

Devo admitir que estou muito lisonjeada com o fato de


que entre todas as mulheres lindas e amáveis neste bar esta
noite, esse Adônis arrojado se aproximou de mim.

— Sei que estou em um bar para solteiros em uma sexta-


feira à noite — digo —, mas posso garantir que você teria
melhor sorte em lançar sua linha em outra direção...

Ele dá uma meia risada.

— O que?

— Você está pescando. Você quer sexo. — Eu pisco — Não


estou julgando você. Só estou dizendo que você está
desperdiçando tempo e energia valiosos comigo.

Suas sobrancelhas se encontram. Seu olhar se volta para


a minha mão esquerda.
— Você está comprometida?

Eu mordo meu lábio, balanço minha cabeça.

— Não.

— Então o que? Você não gosta de homens?

— Eu gosto de homens. Eu simplesmente não durmo com


pessoas que não conheço. — Eu me sento mais ereta. — Eu
não faço uma noite só. Nada pessoal.

— Justo. Atrevo-me a perguntar por quê? — Ele aperta os


olhos e, por um segundo, acho que pode estar genuinamente
interessado na minha resposta, porque não tira sua atenção
de mim por um momento. Também estou impressionada por
ele não estar se esquivando da dor da rejeição ou negando que
estava, de fato, atrás de uma coisa.

O mundo precisa de mais pessoas como ele – pelo menos,


supondo que ele seja cada grama o homem solteiro e
perseguidor de sexo que afirma ser.

— A probabilidade de uma mulher ter orgasmo durante


uma relação com um estranho é insignificante, vinte e dois por
cento, e a duração média desse encontro é de sete minutos.
Posso fazer melhor sozinha.

Sem mencionar que mais de quarenta por cento dos


homens tiveram dezenas de parceiras – e um terço desses
homens teve mais de cem.

Mais uma vez... os números não mentem.


— Por que você veio aqui então? — Ele pergunta.

— Porque beber sozinha no meu quarto de hotel no meu


aniversário seria um novo ponto baixo para mim. — Desta vez,
não minto para esse estranho. Não tenho razão para isso. Além
disso, afirmar qualquer coisa diferente disso seria mentir para
mim mesma.

Eu assumo total responsabilidade por não fazer a minha


pesquisa sobre esse bar. Também assumo total
responsabilidade por não sair pela porta no instante em que
pus os pés aqui e imediatamente ouvi alguns caras falando
sobre como esse era o bar mais badalado da rua Washington.

Esse lugar fica a uma curta caminhada do meu hotel – e


por uma curta caminhada, quero dizer que está praticamente
conectado. Suas paredes estão coladas em uma faixa
movimentada da rua do centro, com o horizonte da cidade de
Nova York à distância e o cheiro fraco do rio Hudson
impregnado em cada respiração.

Eu fico neste bairro toda vez que viajo aqui a trabalho.

É familiar. Eu sei o que esperar.

Eu bebo os últimos mililitros do meu pinot e coloco a taça


no meu porta-copos antes de deslizá-la para longe.

— Feliz aniversário — ele diz.


Eu encontro o seu olhar. Minha respiração fica presa no
peito com o gosto de uma colegial boba com uma paixão de
dois segundos. O calor cobre meu corpo.

Se eu fosse uma mulher aventureira, sua boca estaria na


minha agora. Meus dedos estariam profundamente em seu
cabelo cor de areia. Estaríamos fazendo isso no banheiro, com
as costas contra a porta para evitar que clientes desavisados
invadissem. Ou talvez eles invadissem, mas estaríamos indo
tão forte que não notaríamos ou nos importaríamos. Talvez
quando acabasse, nós correríamos para o meu quarto de hotel
para a segunda rodada, seguida de café da manhã na cama e
a terceira rodada da manhã. Nós seguiríamos nossos próprios
caminhos, doloridos e satisfeitos, e eu arquivaria todo o
encontro na minha memória.

Mas eu não sou aquela garota.

E eu nunca serei.

Eu me levanto do banco do bar e pego minhas coisas.

— Obrigada pela bebida. E pela sua honestidade. É


revigorante.

Ele mastiga a parte interna do lábio inferior, me


estudando.

— Então você vai voltar para o seu quarto de hotel agora?


Passar o resto do seu aniversário sozinha?
Eu ofereço um encolher de ombros e levanto minhas
sobrancelhas.

— Sim.

— Onde você conseguiu esses números? Essas


estatísticas? — Ele pergunta.

— Sobre uma noite só?

Ele concorda.

— Eu não sei... algum artigo que li alguns anos atrás. Por


quê?

— Porque eles são uma besteira. — Seus olhos brilham.


— Não estou na casa dos quarenta por cento, posso garantir.
E posso prometer a você, duro muito mais do que sete minutos.
E não há nada que eu ame mais do que fazer uma mulher gozar
– seja no meu pau, nos meus dedos ou na minha língua.

Minha garganta aperta em torno das palavras que tentam


sair, e quase engasgo com elas. O calor cobre minha pele antes
de se estabelecer entre minhas coxas, e eu adoraria nada mais
do que uma rajada do ar gelado de fevereiro agora.

Suas palavras são um contraste nítido e inesperado


contra seu exterior reservado e cavalheiresco.

— É uma pena. — Ele morde o lábio, me olha de cima a


baixo e se inclina. — Estava realmente ansioso para saborear
essa sua boca em forma de coração esta noite. Entre outras
coisas…
Por alguns segundos intermináveis, considero levá-lo de
volta para o meu quarto. Penso em jogar a cautela ao vento
como confete. Eu decido se vou ou não me odiar por isso pela
manhã.

Por fim, calculo os fatores de risco.

Eu aperto minha mão em torno da alça da minha bolsa e


respiro fundo.

— Boa sorte com... essa noite. E obrigada novamente pelo


vinho.

Não espero que ele responda e, assim que meus saltos


batem na calçada de cimento do lado de fora, solto o fôlego que
estava segurando.

Estou vários metros mais perto da entrada do meu hotel


quando um homem atrás de mim grita: — Ei!

Dezenas de pessoas se espalham pela calçada. Pode ser


qualquer um chamando por alguém.

— Ei! — A voz está mais perto agora, junto com o trunfo


suave dos sapatos sociais arrastando no concreto.

Eu roubo um olhar da minha periferia e paro


completamente quando percebo que é o cara do bar, e ele está
me seguindo. Mas antes que eu tenha a chance de reagir ou
inventar alguma situação do pior cenário em minha mente, ele
me entrega meu telefone.
— Você se esqueceu disso — ele diz. Nossos dedos roçam
na troca. Nossos olhares iluminados pela lua duram o que
parece uma eternidade.

Limpando minha garganta, eu forço um rápido: —


Obrigada.

Ele acena com a cabeça, e nós dois permanecemos


plantados onde estamos, como se eu estivesse esperando que
ele falasse ou ele estivesse esperando que eu mudasse de ideia.

— Sinto muito... — Eu aponto para o meu hotel – um


movimento de novato, dado o fato de que ele ainda é apenas
um estranho sem nome procurando um pedaço de mulher. —
Eu vou entrar... sozinha.

— Eu sei. Você deixou bem claro que não dorme com


estranhos. — Ele ri com seu nariz perfeito de Deus grego. —
Da próxima vez que nos encontrarmos, não seremos
estranhos.

Eu sorrio, divertida.

E então eu entro, optando por não compartilhar com ele


as chances estatísticas de nós dois nos encontrarmos
novamente.
UM MÊS DEPOIS...

Bip... bip… bip… bip…

Eu acordo com um som constante, batendo em uma


concha estranha de um corpo, que no fim das contas é meu.
Uma névoa de sonho me envolve, e quando meus arredores
entram em foco, eu me deparo com paredes brancas,
cobertores brancos, máquinas brancas conectadas a fios
brancos que conduzem a uma tira de fita branca no meu pulso
segurando um IV no lugar.

Eu estou em um hospital.

Tento me lembrar de como cheguei aqui, mas é como


tentar lembrar o sonho de outra pessoa – uma tarefa
impossível. E isso só faz o latejar dentro da minha cabeça se
intensificar.

— Minha esposa... — Minhas palavras são mais ar do que


som, e é doloroso falar com a boca seca e a garganta ardendo.
— Sr. James? — Uma mulher com cabelo da cor da neve
se inclina sobre mim. Tanto branco do caralho. — Não se mova.
Por favor.

Ela está calma, meio apressada, mas não frenética,


enquanto caminha pela sala, apertando botões, pedindo ajuda
e ajustando as configurações da máquina.

A sala vai aparecendo e desaparecendo, de um cinza


escuro a um escuro como o cristal, e então claro como cristal
antes de desaparecer completamente. Na próxima vez que abro
os olhos, sou cercado por mais três mulheres e um homem de
jaleco branco, todos eles olhando para mim com expressões
céticas e semicerradas, como se estivessem testemunhando
um milagre verificável em formação.

Tenho certeza de que isso não é nada mais do que um


pesadelo – até que minha cabeça lateja com uma pulsação
revestida de ferro mais uma vez, acentuada por uma dor
angustiante, quente demais para ser uma ilusão.

— Sr. James, sou o Dr. Shapiro. Quatro semanas atrás,


você se envolveu em um acidente de carro. — O médico ao pé
da cama me estuda. — Você está no Hoboken University
Medical Center e está em excelentes mãos.

Todos eles me estudam.

Tento me sentar, apenas para uma enfermeira colocar a


mão em meu ombro.

— Calma, Sr. James.


Outra enfermeira me entrega água. Eu tomo um gole. O
líquido claro e frio que desce pela minha garganta acalma e
arde. Eu engulo a sensação como de uma lâmina de barbear e
tento me sentar novamente, mas meus braços tremem em
protesto, os músculos ameaçando ceder.

— Onde está minha esposa? — Cada palavra é


excruciante, fisicamente e de outra forma.

Ela deveria estar aqui.

Por que ela não está aqui?

— Sua esposa? — A enfermeira com o copo d'água repete


minha pergunta enquanto troca olhares com a enfermeira de
cabelos escuros no lado oposto da minha cama. — Sr. James...
você não tem uma esposa.

Tento responder, o que só me faz tossir. Recebo mais uma


vez a água e, quando controlo a tosse, peço mais uma vez para
falar com a minha mulher.

— Alguém ligou para ela? — Devolvo o copo. Se eu estive


fora por semanas, imagino que ela está fora de si. E nossos
filhos. Não consigo nem imaginar o que eles estão passando.
— Ela sabe que estou acordado? Meus filhos me viram assim?

— Senhor... — A enfermeira com o cabelo escuro franze a


testa.

— Minha esposa — eu digo, mais forte desta vez.


— Sr. James. — O Dr. Shapiro se aproxima e uma
enfermeira sai do caminho. — Você sofreu ferimentos graves
em seu acidente...

O homem divaga, mas só consigo captar fragmentos do


que ele está dizendo. Pélvis despedaçada. Remoção do baço.
Sangramento interno. Inchaço do cérebro. Coma induzido
clinicamente.

— Não é incomum ficar confuso ou desorientado ao


acordar — diz ele.

Mas ela estava aqui...

Ela estava comigo...

Só que não estávamos nesse quarto, estávamos na praia


– a pequena faixa de areia atrás da nossa casa de verão. Ela
estava em meus braços enquanto nos deitávamos aquecidos
sob um sol quente, observando nossos filhos correrem das
ondas que rolavam ao longo da costa, deixando pequenas
pegadas pela extensão da praia.

Um menino e uma menina.

Minha esposa cheirava a protetor solar, e ela usava um


chapéu de palha enorme com uma fita preta e óculos de sol de
armação grossa com aros vermelhos, que combinavam com
seu sarongue4 vermelho. Posso imaginar isso com mais clareza
do que qualquer coisa nessa maldita sala.

Posso ouvi-la rir, borbulhante e contagiante.

Se eu fechar meus olhos, posso ver seu sorriso em forma


de coração – aquele que ocupa metade de seu rosto e pode virar
o pior dos dias completamente de cabeça para baixo.

— Vamos deixá-lo descansar, Sr. James, e depois


pediremos alguns testes. — O médico enfia a mão no bolso
fundo da jaqueta e dá uma olhada no telefone. — Estarei aqui
nas próximas oito horas, se você tiver mais perguntas. As
enfermeiras vão garantir que você se sinta confortável
enquanto isso. Discutiremos seu plano de tratamento assim
que você se sentir bem.

Ele diz à enfermeira de cabelo escuro para pedir uma


tomografia computadorizada, resmunga outra coisa que não
consigo discernir e então sai. Um momento depois, a sala fica
vazia, exceto por mim e a terceira enfermeira – aquela que não
fez nada além de me encarar com olhos desanimados o tempo
todo.

— Deve haver algum engano. Alguém precisa ligar para


minha esposa imediatamente. — Tento me sentar, mas uma
intensidade elétrica diferente de tudo que já experimentei sobe

4Pedaço de pano de tecido vivamente estampado do arquipélago da Malásia e da Oceania usado


geralmente amarrado na cintura, cobrindo as pernas ou parte delas.
pelo meu braço e se estabelece ao longo das minhas costas e
ombros.

O pensamento de ela não saber onde estou envia um


aperto no meu peito. E se ela achar que eu a deixei? E se ela
achar que eu desapareci? E se ela não tiver ideia do que
aconteceu? E o que eu estava fazendo em Hoboken quando
nossa vida é em Manhattan?

— Qual é o nome dela? — Sua pergunta é suave e baixa,


quase como se ela estivesse tentando garantir que ninguém a
ouça. — Sua esposa?

Abro a boca para falar... só não sai nada.

Posso imaginá-la tão vívida quanto águas azuis paradas


em um dia sem vento – mas é a coisa mais estranha, porque o
nome dela me escapa.

Nada além de um branco após um vazio irritante.

— Eu... eu não consigo me lembrar. — Eu me inclino para


trás, olhando para o vazio reflexivo de uma tela de TV preta na
parede oposta.

O olhar da enfermeira fica mais triste, se é que isso é


possível.

— Está bem. Você passou por uma grande provação.

Ela não acredita em mim.


— Você gostaria que eu ligasse para a sua irmã? — Ela
pergunta.

Minha irmã... Claire.

Se consigo lembrar o nome da minha irmã, por que não


consigo lembrar o da minha própria esposa?

— Sim — eu digo. — Ligue para Claire. Imediatamente.

Ela será capaz de resolver isso, tenho certeza disso.

— Quer que eu ajuste sua cama? — A enfermeira ajeita


as cobertas sobre minhas pernas. — Eu sou Miranda, a
propósito. Fui designada para você desde que você chegou.
Posso te dizer quase tudo que você precisa saber.

— Apenas... ligue para minha irmã.

— Claro, Sr. James. Posso pegar alguma coisa enquanto


faço essa ligação?

Eu levanto minha mão – aquela sem a intravenosa – para


minha testa.

— A minha cabeça lateja como uma maldita britadeira.


Tem alguma coisa para isso?

— Absolutamente. Volto logo...

Miranda sai correndo porta afora e estou sozinho.

Se eu fechar os olhos, a sala gira, mas posso imaginar


minha esposa com lucidez impecável – a linha quadrada de sua
mandíbula, seus lábios em forma de coração que se erguem
nos cantos, o verde-maçã de seus olhos.

Meu coração dói, embora não seja uma dor física; é mais
profundo.

Mais profundo.

Como o afogamento de uma alma humana.

Lembro a mim mesmo que o médico disse que é normal


ficar desorientado e prometo a mim mesmo que tudo vai voltar
para mim assim que eu me recompor.

O relógio na parede marca sete horas e oito minutos. O


céu além das janelas está meio iluminado. Não tenho a menor
ideia se é de manhã ou tarde. Eu não poderia dizer que dia é
ou que mês é, por falar nisso.

— Sr. James, sua irmã está a caminho. — A enfermeira


diz quando ela retorna.

Ela me entrega um copo de papel branco com dois


comprimidos brancos.

Tanta porra de branco.

Se nunca mais ver o branco depois disso, morrerei feliz.


— Oh meu Deus... — Claire está na porta do meu quarto
de hospital, suas mãos formando um bico sobre o nariz e a
boca. A partir daqui, ela não é nada mais do que uma confusão
de ondas escuras e olhos brilhantes e cheios de lágrimas.

Ela parece uma merda, mas não estou em condições de


julgar. Nem diria isso a ela. Ela chutaria minha bunda, na
cama de hospital ou não. Claire pode ser do tamanho de uma
fada, mas ela é desconexa.

Seus tênis verdes neon roçam no chão de ladrilhos com


movimentos silenciosos enquanto ela corre para o meu lado, e
ela não perde tempo deslizando sua mão fria na minha. Suas
mãos estão sempre frias, mas neste momento, elas estão
geladas – um lembrete forte de que estou longe do calor da
praia e do lugar onde existia poucos momentos antes.

— Claro que você acordaria na única vez que eu saísse. —


Ela força um sorriso, mas me olha como uma pessoa olha para
um fantasma – sem saber se o que estão vendo é real.

— Há quanto tempo estou aqui?

Suas sobrancelhas se encontram quando ela tira a


jaqueta e joga a bolsa no chão.

— Trinta e três dias. Trinta e três dias terríveis...

— O que diabos aconteceu?


Ela pega uma cadeira de visitantes e a puxa para perto
de mim, apenas no verdadeiro estilo de Claire, ela opta por se
sentar ao lado da cama.

— Você estava em uma de suas viagens estranhas de


aluguel de carros no fim de semana, aonde vai Deus sabe
onde... e achamos que talvez estivesse voltando para a
Enterprise em Newark em um domingo à noite. — Ela recupera
uma respiração longa e lenta. — Alguém cruzou o canteiro
central na 495 e bateu em você de frente – um motorista
bêbado.

— Jesus.

— Eles não viveram... caso você esteja se perguntando. —


Sua voz é suave como um travesseiro. — Luke está
trabalhando para conseguir um acordo com a seguradora deles
para você, mas essas coisas levam tempo.

Nós chafurdamos em silêncio e eu deixo a gravidade da


situação tomar conta. O acordo é a menor das minhas
preocupações neste momento.

— É um milagre você ter sobrevivido depois de todos os


seus ferimentos. — Seu lábio inferior treme e ela cutuca uma
unha. — Você perdeu muito sangue... seu cérebro estava tão
inchado... eles tiveram que colocá-lo em coma... liguei para
mamãe e papai..., mas não tive resposta...

Eu coloco minha mão sobre a dela, a dor subindo pelo


meu ombro.
Seus olhos escuros estão marcados com tristeza e alívio,
mas ela força um meio sorriso tenso.

— Você já falou com minha esposa? — Eu pergunto.

O sorriso de Claire desaparece, e sua expressão se


transforma na mesma estampada nos rostos das enfermeiras
antes.

— Não me olhe assim. — Eu fungo. — Ela está bem? O


que... ela estava comigo no carro quando isso aconteceu?

Meu estômago afunda enquanto seus olhos procuram os


meus.

Meu Deus.

É isso aí.

Ela estava comigo e ela não sobreviveu...

— Cainan, você não tem uma esposa. — Suas palavras


são cuidadosas e deliberadas, e sua cabeça se inclina e seu
olhar se estreita enquanto ela me examina.

— Claro que eu tenho. — Minhas mãos se fecham em


punhos, embora o aperto seja fraco, patético.

— Você está confuso. — Ela leva a mão à minha testa,


afastando uma mecha de cabelo como uma mãe confortando
seu filho.

Eu a afasto.
Ela se levanta e dá um passo para trás.

— Você teve um ferimento na cabeça...

— Eu a vi, Claire. Eu estava com ela. — Meu queixo está


travado e falo com os dentes cerrados. Quanto mais me lembro
de estar com ela, mais isso começa a escapar como um sonho
indescritível que desaparece a cada minuto de vigília.

— Você a viu onde?

— Em nossa casa de verão em Calypso Harbor.

Minha irmã sufoca uma risada.

— Cain, é março. Seu acidente foi em fevereiro. E você


não tem uma casa de verão em Calypso Harbor – você zomba
das pessoas com casas de verão. Como todos aqueles idiotas
da sua empresa. Você sempre diz que nunca será como eles.
Além disso, onde fica o Calypso Harbor? Nunca ouvi falar
disso... e você? O que quer que você esteja se lembrando...
provavelmente foi um sonho.

Não.

Era muito tangível, muito rico em sentidos para ser um


sonho. Tão real quanto este momento, aqui no hospital, tão
real quanto a dor de fogo queimando minhas costas e as gotas
salgadas que deixam rastros da cor de rímel nas bochechas
vermelhas de minha irmã.

— E quanto aos meus filhos? O menino e a menina? —


Maldição, também não consigo lembrar os nomes deles.
— Você não tem esposa e definitivamente não tem filhos,
pelo menos nenhum que eu conheça... — Ela se empoleira ao
lado da minha cama mais uma vez. — Uma vez você me disse...
e eu cito... “eu prefiro colocar minha masculinidade em um
aperto de mão do que me fechar com uma esposa e filhos”.
Certo, você estava bêbado quando disse isso, mas você disse.
E que diabos, Cain, você é um maldito advogado de divórcio.
Você ganha dinheiro com o fato de que, na maioria das vezes,
os casamentos são uma piada. Exceto o meu, é claro.

Ela pisca apesar de seu tom sério.

— Sr. James? — A enfermeira Miranda limpa a garganta


na porta. — Desculpe interromper, mas eu preciso levar você
para exames de raio-x. Claire, você pode esperar aqui. Não deve
demorar muito.

— Sim. Vamos dar uma olhada naquela cabeça dele. —


Claire aperta minha mão antes que eu seja levada embora. —
Aparentemente, meu irmão fugiu e se casou enquanto ele
estava fora...

Minha irmã nunca me enganaria – e ainda uma parte de


mim se recusa a acreditar nela.

Deito-me de costas enquanto as luzes fluorescentes


apagadas do corredor passam por cima de mim, uma após a
outra, alternando com ladrilhos totalmente brancos.

Mais porra de branco.


No instante em que fecho meus olhos, seu rosto é a
primeira coisa que vejo – e em todos os detalhes, desde o brilho
estrelado da aurora boreal em seus olhos verdes até a única
sarda na lateral do nariz.

A plenitude invade meu peito e o calor corre pelas minhas


veias quando imagino seu sorriso.

Talvez eu esteja sonhando agora. Talvez, se eu fechar


meus olhos mais uma vez, eu acorde em nossa cama, sua pele
macia quente contra a minha enquanto ela chuta as cobertas
e ri em seu sono.

Se nada disso foi real, como posso saber que ela fica
chorando durante filmes felizes? Como posso saber que ela
patrocina órfãos em países do Terceiro Mundo e doa para
abrigos que não matam? Como posso saber que sua autora
favorita é Toni Morrison, com Stephen King chegando como um
inesperado segundo lugar? Seu local de férias favorito é esse
lugar escondido que encontramos na Grécia em nossa lua de
mel. Ela brilha quando está grávida. Irradiância pura. E ela é
uma cantora fenomenal, embora ela vá insistir que não é. Seu
cabelo castanho-chocolate espesso fica enrolado no verão e liso
no inverno, mas ela ficaria linda mesmo se cortasse tudo. Ela
lascou o dente da frente quando tinha 12 anos, embora isso
dificilmente seja notado, a menos que ela aponte. Ela ama o
Natal mais do que uma pessoa deveria. Também adora
cachorros-quentes nojentos dos carrinhos da rua. Ela viu
Chicago na Broadway mais do que qualquer outra pessoa que
conheço. Mas, mais do que tudo, sei que sou o mundo dela. As
crianças também. Nós só funcionamos quando estamos todos
juntos. E agora, eu faria qualquer coisa para voltar para eles.

E eu vou.

Eu farei qualquer coisa.

— Tudo bem, Sr. James. — A enfermeira para minha


cama do lado de fora de uma porta dupla. — Estamos aqui.

Isso tudo é um sonho.

Não – um pesadelo.

Tem que ser.


— Espero que você não tenha esperado muito. Houve
uma semiparalisia no dia 15. — Seu nome é Grant Forsythe, e
eu o conheci na sala de espera de um hospital em Hoboken,
um mês atrás. Ele notou meu moletom da ASU e depois de
alguns minutos de conversa fiada, descobrimos que ambos
moramos na seção Roosevelt Row de Phoenix, nunca perdemos
o jogo de abertura dos Cardinals, pertencemos a clubes de
escaladas e gostamos de muitos dos mesmos barzinhos e
músicos locais.

Ele também é o melhor amigo do homem cuja vida ajudei


a salvar.

Como atuária e estatística amadora, devo ser capaz de


calcular as chances de tal encontro casual, mas estou
tentando não pensar demais nisso. Embora eu nunca tenha
sido a garota com espírito aventureiro e atitude de ir a qualquer
lugar a qualquer hora, algo sobre testemunhar um homem
agarrado à sua vida no mês passado despertou algo em mim.

A vida é curta.
E pode desaparecer em um piscar de olhos – aviso zero.

Eu estava a caminho de pegar um voo atrasado de


Newark quando testemunhei o acidente acontecer em tempo
real – um caminhão Ford vermelho cruzando o canteiro central
interestadual, apenas para bater de frente em um sedan preto.
O caminhão derrapou na vala e começou a pegar fogo, mas o
sedan parou de rolar de cabeça para baixo sob um viaduto. O
rangido dos pneus, a queimadura da borracha, o ruído
metálico que se seguiu – nunca os esquecerei enquanto viver.

Tudo aconteceu tão rápido. Pisque-e-pode-perder-isso


rápido. Isso realmente aconteceu rápido.

Mas eu pisei no freio do meu Prius alugado e puxei para


o lado, discando 9-1-1 enquanto verificava o motorista – um
homem, ensanguentado e incoerente, entrando e saindo da
consciência.

Fiquei com ele até a ajuda chegar.

Eu segurei sua mão coberta de sangue.

Eu implorei a ele que aguentasse mais um pouco...

E quando o vi começar a perder a consciência, começar a


me soltar, apertei sua mão com mais força e divaguei sobre
tudo e qualquer coisa – principalmente eu. Uma introdução
ridícula e unilateral. Mas eu queria que ele se concentrasse na
minha voz.

Para se apegar ao presente.


Para não sucumbir.

Depois de tudo isso, parecia errado seguir para o


aeroporto, continuar com minha vida como se nada tivesse
acontecido, então segui a ambulância para o hospital e esperei
na sala de espera – a cena do acidente se repetindo em minha
cabeça mais e mais e mais como um filme traumático, minha
mente se recusando a desligar.

Eu não poderia visitar o homem, é claro, já que não era


da família. Mas fiquei no hospital, esperando até que as
enfermeiras me garantissem que sua família estava lá.

Eu não queria que ele ficasse sozinho.

E se ele morresse, eu também não queria que morresse


sozinho... como minha irmã gêmea, Kari, cinco anos atrás. Se
ao menos alguém estivesse lá quando ela desceu com o jipe um
barranco íngreme a uma hora da manhã, talvez ela ainda
estivesse aqui.

Até hoje não sabemos se ela se distraiu ou adormeceu ao


volante. Também não sabemos o que teria acontecido se a
ajuda tivesse chegado antes. As autoridades disseram que ela
havia partido pelo menos quatro horas antes do nascer do sol
e um motorista que passava notou o vermelho berrante de seu
carro contrastando com os tons suaves da paisagem do
deserto.

Tenho pensado muito nas últimas semanas, sobre acaso


e probabilidade, sobre a probabilidade de eu estar naquele
trecho da interestadual de Nova Jersey naquele exato
momento, de acampar na sala de espera e encontrar um
estranho atraente que por acaso estava visitando minha cidade
natal – um estranho que por acaso era o melhor amigo da
vítima.

— Não por muito tempo. — Eu levanto minha taça de


martini e dou a ele um sorriso cortês. Não digo a ele que, se
fosse qualquer outra noite, eu ficaria mais algumas horas no
escritório. Acho que às vezes os homens são desencorajados
por uma mulher motivada. Se ele gosta de mim o suficiente
para ficar por perto depois do primeiro encontro, ele vai
descobrir sozinho de qualquer maneira. — Sinto muito ter
demorado tanto para ficarmos juntos. Minha agenda de
viagens está louca.

— Você viaja muito a trabalho? — Ele sinaliza para um


garçom e pede uma cerveja.

— Pelo menos uma vez por mês, ultimamente tem sido


mais frequente do que isso. Eles têm me enviado para nosso
QG em Hoboken e às vezes para um de nossos satélites em
Manhattan, o que eu não me importo.

— Cresci em Jersey City — diz Grant. — Não muito longe


dali.

Ele é bonito.

Mais bonito do que me lembro.


Ombros largos. Alto. Olhos escuros. Cabelo mais escuro.
Olhos profundos. Covinhas ainda mais profundas.

Um lampejo de sorriso que brinca em seus lábios quando


nossos olhos se encontram.

Não sou especialista em roupas masculinas, mas estou


disposta a apostar que seu terno custou um bom dinheiro.

Além disso, eu o vi entregar ao manobrista um Maserati


prata recém-lavado.

Não que qualquer uma dessas coisas importe.

Não importam.

Eu me saio bem sozinha e as coisas materiais nunca me


impressionaram.

Mas se uma garota vai ser abordada por um estranho e


convidada para um encontro, não é a pior coisa do mundo se
ele é ousado, confiante e claramente sem medo de trabalhar
duro para conseguir as coisas que deseja.

O último cara com quem namorei estava na média


respeitável em todas as áreas, e eu estava começando a pensar
em apresentá-lo à minha família..., mas em oito encontros, ele
lançou uma bomba que me fez parar. Ele não apenas estava
no meio de um divórcio complicado, mas também morava com
a mãe e pagava nossos encontros com os fundos de seus
cheques semanais de desemprego – que estavam prestes a
acabar (daí a confissão).
Louco o suficiente, ele estava um passo acima do cara que
veio antes dele – um homem que alegou ser médico quando na
verdade era um quiroprático animal holístico e ficou fora de
forma quando eu me referia a ele como – Liam – e não como –
Dr. Jeppesen – na conversa.

Eu me resignei a um período sabático muito necessário


de encontros nos meses que antecederam meu encontro casual
com Grant.

— O que o trouxe até aqui? — Eu pergunto. Parece que


mais, Phoenix contém mais transplantes do que habitantes
locais, e todo mundo tem uma história. A maioria deles está no
sentido de querer trocar invernos cinzentos do meio-oeste por
sol e palmeiras ou 'apenas querer uma mudança', mas de vez
em quando, alguém joga uma bola curva de uma história no
meu caminho.

— Um trabalho.

Não amo a imprecisão, mas dou a ele a chance de elaborar


antes de lançar perguntas como dardos. Eu faço isso com as
pessoas. Eu percebo. Eu não posso evitar. Sempre fui curiosa,
sempre quis ter todas as informações possíveis antes de fazer
a minha avaliação.

Ele continua: — Eu me formei na MontclairState em


finanças. Meu tio conhecia um cara que queria contratar
alguém recém-saído da faculdade, alguém que ele pudesse
transformar na pessoa certa para sua empresa. Agarrei a
chance e não olhei para trás desde então. Melhor decisão da
minha vida. Nenhuma barreira.

— Você não sente falta da agitação da Costa Leste? Ou


das estações?

Grant balança a cabeça e faz uma careta.

— Acha que você vai voltar? — Eu mexo minha bebida


com um canudo fino de metal.

— Sem chance. — Sua cerveja chega e ele toma um gole,


os olhos fixos em mim. — As vistas aqui são... de tirar o fôlego.

Eu não acho que seu comentário foi um duplo sentido


dirigido a mim, mas por alguma razão insana, minhas
bochechas coram com o calor e meu batimento cardíaco
reverbera em meu ouvido. Talvez seja o jeito que ele está
olhando para mim – como se ele estivesse a dois segundos de
me devorar. Como se eu fosse a única mulher que ele vê nesta
sala cheia de estranhos que distraem e tagarelam.

Não é algo com o qual estou acostumada.

Eu tendo a intimidar os homens, eu acho. Ou eu atraio o


tipo de homem que se intimida facilmente, homens que
esperam que eu dê o primeiro passo ou me lance sobre eles
como uma donzela faminta por sexo em perigo.

Algo me diz que Grant pode se manter no departamento


de proezas sexuais. Mas eu não sou o tipo de garota que dorme
com um cara no primeiro encontro, então minha suposição
permanecerá não comprovada.

Por enquanto.

— Eu nunca tive a chance de perguntar sobre seu amigo


— eu digo. — Aquele que sofreu o acidente... ele está bem?

— Engraçado você perguntar — Grant diz. — A irmã dele


me ligou hoje cedo. Eles o tiraram do coma.

Eu levanto uma sobrancelha.

— Ele estava em coma?

— Induzido medicamente. Eles estavam tentando


diminuir o inchaço em seu cérebro ou algo assim. Não pedi
detalhes. Coisas médicas me fazem... yeah. — Ele dá uma
risada humilde e bebe sua cerveja antes de olhar ao redor do
restaurante lotado. — De qualquer forma, Claire disse que ele
estava falando, fazendo perguntas, se orientando. Ele estava
um pouco confuso, mas ela disse que seu prognóstico até agora
é bom.

Eu coloco a mão sobre meu peito e expiro.

— Oh, isso é incrível. Estou tão aliviada em ouvir isso.

— Sim, o mesmo.

— Minha irmã sofreu um acidente há vários anos... —


digo. — Infelizmente ela não sobreviveu, mas estou feliz por
seu amigo.
Resumir a vida de Kari em uma única frase dói. Dói
fisicamente. Mas eu engesso sobre ele com um sorriso
estremecido.

— Jesus, Brie. Sinto muito pela sua irmã. Eu não fazia


ideia. — Ele estende o braço sobre a mesa e coloca a mão em
cima da minha, mas não por um período estranho ou
desconfortável. — Isso deve ter sido horrível.

— Éramos gêmeas — eu digo. Não consigo falar sobre ela


com frequência, então aproveito a oportunidade. — Idênticas.
Muito próximas, embora fossemos noite e dia. Ela era a
selvagem. Eu... não.

Ele oferece um sorriso agridoce enquanto seus olhos


escuros fixam os meus com total atenção.

Eu divago sobre Kari por mais tempo do que deveria,


contando a ele histórias bobas e pintando sua personalidade
em detalhes vívidos, de sua obsessão neurótica por esmalte
descascável até sua afinidade por apontar quais bandas de
rock indie iriam se destacar antes de qualquer outra pessoa.
Nenhuma vez sua expressão vira tédio. Nem uma vez ele
interrompe ou muda de assunto. Ele me dá toda a sua atenção
total.

— Estamos prontos para fazer nossos pedidos? — Nossa


garçonete interrompe nosso momento.
— Oh... acho que estamos apenas bebendo — digo a ela
– porque esse era o plano. Íamos nos encontrar para beber e
conversar, nada mais, nada menos.

Os olhos escuros de Grant suavizam enquanto ele olha


através da mesa em minha direção.

— Você está com fome? Estou faminto.

Tento conter minha empolgação.

— Quero dizer... uma garota tem que comer, certo? — Seu


sorriso brilhante preenche o espaço escuro à luz de velas que
nos rodeia.

— Dê-nos mais um minuto para olhar o menu, por favor


— ele diz a ela. — E enquanto isso, vamos querer outra rodada.
— A garçonete sai correndo, desaparecendo atrás do bar.
Grant apoia os cotovelos na mesa e se inclina para mais perto.
— Você estava dizendo?

Ele não tira os olhos de mim. Nem por um segundo.

Meu estômago dá cambalhotas.

Quem é esse cara?

Quando nossa segunda rodada chega, ele levanta seu


copo para o meu. Não sei para que ele está bebendo, mas pela
primeira vez na vida, estou bebendo ao acaso, às estranhas
coincidências e ao futuro – seja o que for que ele possa trazer.
SEIS MESES DEPOIS...

— Se não se importa, irei decolar mais cedo. Meu colega


de quarto está em uma peça essa noite com Daniel Radcliffe, e
temos ingressos... espero chegar cedo. — Minha assistente,
Paloma, permanece na minha porta, uma mão magra como um
raio em seu quadril estreito. — A menos que você precise que
eu faça mais alguma coisa?

Cubro o post-it – aquele em que rabisquei a tarde toda,


sem parar, até que o papel ficou mais preto do que amarelo.
Quatro loops5 imperfeitos: pequeno, alto, alto, pequeno –
uma representação exata da tatuagem no pulso da garota no
meu sonho – o sonho que não sonhei desde que acordei no
hospital há seis meses, o sonho que continua a me assombrar
a cada dia. Alguns dias é turvo e cor de água. Outros dias é
cristalino. Mas está sempre, sempre lá.

— Você está livre para ir, Paloma. — Eu digo. — Obrigado.

Hoje foi meu primeiro dia de volta ao escritório. Alguém


me deu flores – malditas flores. Rosas, nada menos. Rosas não
significam “eu te amo” ou “sinto muito” ou algo assim? E outra
pessoa trouxe bolo de champanhe de alguma padaria francesa
e colocou na sala da diretoria. Meus parceiros, Tony e Graeme,
deram-me as boas-vindas com um discurso curto, mas amável,
e dispensaram o resto da equipe, os assistentes jurídicos e
assistentes ansiosos para voltar às suas estações de trabalho
e empregos de roda de hamster.

É irônico – quase morri. E, no entanto, desde o momento


em que fui condenado de volta ao meu corpo, nunca me senti
mais... morto.

Todas as cores, todo o significado, toda a joie de vivre6 foi


sugada da minha vida.

5 Rotações/elevações.
6 Significa ´´alegria de viver`` em francês.
Nos últimos seis meses, tenho sentido saudades de uma
pessoa em um lugar que nem tenho certeza de que exista, pelo
menos não aqui e agora.

Além de tudo isso, estou lidando com a perda de memória


de curto prazo – principalmente envolvendo os meses que
antecederam meu acidente. É como se tudo o que aconteceu
naquela época fosse apagado. Algo assim pode realmente foder
com você, se você deixar.

Meu fisioterapeuta tentou me encaminhar para um


psiquiatra, alegando que eu parecia desanimado, quase
deprimido – sintomas comuns após eventos traumáticos, ele
me garantiu. Mas não estou deprimido. Confuso, talvez.
Frustrado além de qualquer crença. Mas não triste.

Meu personal trainer me deu um frasco de 'vitaminas


para melhorar o humor'. Eu as joguei no lixo assim que cheguei
em casa.

Quando tentei trazer essa experiência surreal ao meu


médico, ele deu uma risada educada, dizendo que as drogas
que eles usam para induzir comas médicos podem produzir —
sonhos vívidos e/ou perturbadores.

Mas o que aconteceu foi muito mais do que um sonho,


mais do que uma série de palavras trocadas e visões
cristalinas.

Eu conheço essa mulher.

Eu sei tudo sobre ela... tudo, exceto seu nome.


É como se o homem que eu era antes dela não existisse
mais.

Tudo que eu sou, tudo que sempre serei... é dela.

Jogo o quadrado pegajoso no lixo embaixo da


escrivaninha e verifico o relógio. Eu deveria encontrar Claire e
seu marido para bebidas essa noite. Ela também achou
apropriado comemorar a conclusão de minha recuperação e
meu subsequente retorno ao trabalho.

Eu desliguei meu computador, tranquei minha mesa e


coloquei meu paletó antes de sair.

O escritório está silencioso, metade dele apagado. A maior


parte do pessoal já encerrou o dia e foi para casa... casa para
seus maridos e esposas, casa para seus filhos, casa para suas
vidas.

Eu costumava usar meu workaholismo 7 como um


emblema de honra. Minha ética de trabalho incomparável era
algo a ser temido, algo a ser valorizado, algo que enchia minha
vida com o único significado de que precisava.

Mas seis meses de fisioterapia intensa e amigos que


olham para você como se você fosse uma casca do homem que
você foi antes, forçarão a humildade em suas veias mais rápido

7 É aquele que é viciado não apenas no trabalho, mas também nas conquistas e realizações
profissionais, colocando a vida profissional acima da família, da vida social, do lazer e até mesmo da
saúde.
do que você tem tempo para dizer “60 horas semanais de
trabalho”.

E sexo casual? É coisa do passado. E não por falta de


tentativa.

Eu tive minha cota de fichas nos últimos meses, as


mulheres são tão lindas quanto sensuais, inteligentes quanto
habilidosas entre os lençóis – mas não parece como antes.

Eu encontrei-me seguindo os movimentos.

A gratificação? O nirvana de um orgasmo sem amarras?


Se foi. E no instante em que gozasse, me odiaria por isso. Eu
me sentiria como se traísse a única mulher que amo – mesmo
que ela não fosse real.

Eu cheguei na calçada do lado de fora, o sol do início da


tarde se pondo e o ar ficando assumidamente fresco a cada
passo. À frente, uma mulher chama um táxi. Quando ela se
vira para entrar, seu cabelo escuro corta o lado de seu rosto,
mas eu consigo ter um vislumbre de seu queixo pontudo e boca
em formato de coração.

Minha pulsação martela quando a porta do táxi se fecha


e o carro decola, misturando-se ao tráfego da hora do rush e
uma cacofonia de buzinas, motores em ponto morto e fumaça
de ônibus.

Ela olha pela janela quando eles passam – mas não é ela.

Nunca é.
Acontece tão rápido – Grant em um joelho, uma caixa de
anel apoiada em sua mão com um diamante tão grande que
lança brilhos na parede ao nosso lado.

Seis meses atrás, nos conhecemos na sala de espera de


um hospital.

Cinco meses atrás, nós tivemos nosso primeiro encontro.

Cinco segundos atrás, ele me pediu para passar o resto


da minha vida com ele.

Agora ele está com o sorriso confiante de um homem que


sabe que vou dizer sim.

Quer dizer... como não poderia? Literalmente. Como não


dizer sim na frente de todas essas pessoas vigilantes com
lágrimas de felicidade escorrendo por seus rostos sorridentes?

Minha família inteira está aqui – assim como um


restaurante cheio de dezenas de clientes, seus olhares
vigilantes virados em nossa direção enquanto nosso momento
se desenrola para seu entretenimento.
Minha mãe está atrás de Grant, enxugando as lágrimas
de felicidade com o guardanapo de pano. Minhas irmãs nos
cercam, todas elas esperando com a respiração suspensa. E
meu pai – meu pai que não gosta de ninguém – está preparando
a câmera do telefone e sorrindo como se o momento fosse para
seus livros pessoais.

Nenhum deles parece se importar que o nosso primeiro


encontro foi há apenas cento e cinquenta dias. Certo, temos
sido inseparáveis desde então, em alta velocidade à frente. E
todos estão adorando esse meu lado — recém-descoberto. Eu
trabalho menos. Eu rio mais. Na verdade, às vezes viajo para
me divertir – não apenas para trabalhar. Grant e eu passamos
nossos fins de semana caminhando, acompanhando nossas
bandas favoritas em turnê, conferindo os mais novos
restaurantes e pubs, vagando preguiçosamente pelos
mercados de produtores e avenidas de arte, as mãos
entrelaçadas como aquele casal irritantemente louco um pelo
outro..., mas nenhuma vez debatemos casamento.

Casamento...

Quarenta e cinco por cento dos primeiros casamentos nos


Estados Unidos terminam em divórcio. A idade média de
divórcio é trinta e três anos a partir de agora. Também existem
estudos que correlacionam o tamanho e o custo de um anel de
noivado com as taxas de sobrevivência do casamento,
sugerindo que quanto maior o anel, maior a probabilidade de
o casamento terminar em divórcio.
Se essa última estatística for verdadeira para nós, não
temos a menor chance.

— Brie... — Minha mãe limpa a garganta.

O sorriso orgulhoso de Grant vacila. Seus olhos brilham


um pouco menos.

— Eu sinto muito. — Eu me forço ao presente. — Você


me pegou desprevenida. Estou apenas... uau.

Fazemos jantares de família o tempo todo. Uma vez por


semana, pelo menos. Eu não tinha nenhuma razão para
acreditar que aquilo era outra coisa senão outra reserva
comum em um dos restaurantes favoritos de minha mãe em
Scottsdale.

— Diga sim! — Minha irmã, Carly, sussurra-grita ao


fundo.

Outra irmã ecoa seus sentimentos.

Eu aceno antes de falar.

— Sim...

Mas a palavra que pronunciei centenas de milhares de


vezes em minha vida de repente parece nítida e estranha.

E algo dentro de mim lamenta o acordo no instante em


que deixa meus lábios.
— Feliz primeiro dia de volta ao trabalho! — Claire joga
os braços em volta de mim quando chego à mesa na sexta à
noite. Uma IPA8 em um vidro de Pilsner gelado espera por mim,
e meu cunhado, Luke, o desliza em minha direção.

Eu removo minha jaqueta e a coloco nas costas da minha


cadeira enquanto Claire se senta, pulando de alegria com o
sorriso mais ridículo em seu rosto. A mulher encontrará
qualquer motivo para comemorar qualquer coisa. Eu culpo o
fato de que nunca tivemos festas de aniversário na infância. E
feriados como o Natal e o Dia dos Namorados eram proibidos
na casa de James. Agora Claire vai transformar qualquer coisa
em uma festa se você permitir.

— Como foi o primeiro dia? — Luke pergunta.

— Chato pra caralho. — Pego minha cerveja. — Teria sido


bom se eles tivessem me poupado algum trabalho para fazer...

8 IPA (ouIndian Pale Ale) é um tipo de cerveja de lúpulo dentro da categoria mais ampla de pale ales.
Conhecidas como IPAs, têm um amargor acentuado, remetente dos lúpulos usados em sua fabricação
que na sua grande maioria apresentam características herbais ou frutadas.
Sou parceiro de Trey Renato e Graeme Dumont desde que
éramos tubarões de olhos arregalados, recém-saídos da
faculdade de direito. Fundamos nosso escritório juntos com a
mentalidade de que tudo seria dividido igualmente. Mas
quando fui descomissionado pelo acidente, os outros caras
alegremente assumiram a responsabilidade. Meus casos eram
amistosos e aqueles dois não perderam tempo se servindo de
um banquete fácil, não deixando nada para mim quando voltei.
Nem mesmo uma migalha.

Eu não jogo isso na cara deles, no entanto. Meus clientes


precisavam de seus serviços. Os casais que se divorciam não
gostam de ficar esperando. Deus sabe que os tribunais de Nova
York os fazem esperar o suficiente de qualquer maneira.

— Você parece bem. — Claire diz. Uma vela acesa pisca


entre nós. Está escuro aqui, como o pesadelo estranho e
aconchegante que se tornou minha vida.

— Você me viu uma semana atrás — eu digo.

— Sim, mas essa é a primeira vez que eu vejo você de


terno desde antes... — Ela aperta os olhos. — E você cortou o
cabelo.

— Eu corto meu cabelo a cada três semanas. — Eu tomo


um gole maior, examinando a sala. Se isso fosse antes, eu
estaria procurando por uma bela mulher de pernas compridas
para foder com os olhos, mas o simples pensamento de fazer
isso não tem nenhum apelo.
— Babe, experimenta isso. — Luke desliza seu copo para
minha irmã, que toma um gole.

— Adoro. — Ela o empurra de volta antes de atirar para


ele um sorriso de sorte apaixonada. — Quer experimentar o
meu?

Eu desviei o olhar.

Os dois têm estado incrivelmente apaixonados,


obcecados um pelo outro desde o momento em que ele solicitou
sua experiência em planejamento de eventos para dar uma
festa de gala para uma de suas instituições de caridade.

Luke é um desses.

O tipo de fundo fiduciário de colher de prata.

Aqueles que costumavam tentar chutar minha bunda no


colégio, apenas para ter eu devolvido a eles com o lado de
nunca mais chegar perto de mim de novo.

Aqueles com mais dinheiro que Deus, que nunca


souberam o que é ir para a cama com o estômago roncando ou
usar a mesma mochila cinco anos seguidos na escola. Ele
nunca conhecerá a satisfação da ambição orgânica, de querer
ressurgir das cinzas e se tornar um homem autossuficiente.

Não o culpo por isso – não podemos escolher as famílias


nas quais nascemos ou as cartas que recebemos da vida.

Nós somos quem somos.


E pelo menos ele está fazendo algo com sua vida, mesmo
que isso implique viajar para lugares exóticos para jogar seu
dinheiro nos menos afortunados. Eu imagino que isso o faça
se sentir melhor. Espero que coloque as coisas em perspectiva.

Estou feliz por minha irmã, no entanto. Estou aliviado por


ela nunca ter que desejar nada em sua vida – e ela tem um
cara que fica com os olhos sonhadores toda vez que ela entra
na sala.

Não nascemos com colheres de prata. Nascemos com


pregos enferrujados e infectados com tétano de pais que
evitavam a palavra amor e gritavam um com o outro com tanta
frequência que os vizinhos chamavam a polícia apenas para se
certificar de que ninguém estava sendo assassinado.

Suponho que, de certa forma, Luke seja a antítese de tudo


o que Claire aprendeu sobre o amor. Ele é gentil com ela.
Nunca o ouvi levantar a voz... nem com ela nem com ninguém.
Cada vez que ele olha para ela, ele tem estrelas no lugar dos
olhos. E o homem não consegue tirar as mãos dela por mais
de dois segundos, sempre tirando o cabelo de seus olhos ou
passando o braço pelos ombros dela enquanto caminham.

Eu ficaria sufocado com alguém assim.

Mas não Claire.

Ele a faz feliz. E ele é bom para ela.

Todos nós devemos ter tanta sorte.


— Oh, nós não fizemos um brinde! — Claire levanta seu
coquetel meio vazio na minha direção. Luke faz o mesmo. Eu
juro que esses dois estão em sincronicidade em total noventa
e cinco por cento do tempo.

Eu levanto meu copo contra o deles. Bebemos em


uníssono.

Examinando a sala, vejo um casal atraente à minha


esquerda. Um casal briguento à minha direita. E uma mesa
cheia de casais de meia-idade em algum tipo de encontro
quádruplo.

Nunca acreditei no amor, nunca amei ninguém, nunca


quis ou precisei ou sequer considerei correr atrás de qualquer
coisa remotamente nessa linha – mas ultimamente me
pergunto se há algo que todo mundo sabe e eu não.

O único tipo de amor que eu consideraria seria o tipo que


me deixa de joelhos e me preencha com aquela plenitude
indescritível que eu tenho toda vez que penso na mulher do
sonho. Não sei como é o amor verdadeiro, mas só posso
imaginar que seja algo assim.

— Eu quero arranjar para você uma nova garota que se


mudou para o meu prédio. — Claire tem um brilho nos olhos,
e ela endireita os ombros enquanto une as palmas das mãos.

— Dispenso. — Eu expiro, os ouvidos sintonizados com o


casal ainda brigando. Parece que eles estão brigando por
finanças. Se fosse uma coisa apropriada a fazer, eu entregaria
a eles um cartão de visita, pois, obviamente, eles precisarão
dos meus serviços em um futuro próximo. Sexo e dinheiro são
os principais motivos pelos quais as pessoas se separam.
Falando por experiência profissional, se os dois não correrem
para casa depois disso e fizerem sexo cheio de maquiagem, seu
casamento está fodido.

— O nome dela é Hannah — Claire continua. — Ela é


contadora. Ela acabou de se mudar para cá de Idaho. E ela é
super, superlegal.

— Você também afirmou que Lexie era super, superlegal.


— Eu lanço um olhar para ela, deixando cair o nome da mulher
com quem ela tentou me arranjar vários anos atrás – a mulher
que tentou me prender com uma gravidez falsa quando
percebeu que eu estava me afastando. E eu estava me
afastando... porque ela era louca de merda. As coisas estavam
bem no início..., mas elas começaram a piorar no dia em que a
peguei mexendo no meu celular quando saí da sala. No dia
seguinte, eu a peguei borrifando minha colônia em suas
roupas antes de sair uma manhã. Mais tarde, descobri que ela
decidiu fazer uma cópia da chave do meu apartamento sem
permissão, para que ela pudesse ficar na minha casa enquanto
eu estava no trabalho porque ela sentiu minha falta. Seis meses
depois que terminei as coisas com ela, ela tentou invadir uma
das minhas contas de rede social. E quando isso não
funcionou, ela mandou mensagens para todas as mulheres
atraentes da lista dos meus amigos e espalhou mentiras
maliciosas sobre mim. Depois de esbofeteá-la com um pare-e-
desista e ameaça de uma ordem de restrição, fechei todas as
minhas contas e não olhei para trás desde então.

— Em minha defesa, Lexie era muito boa em agir


normalmente. — Claire revira os olhos. — Mas Hannah é muito
doce. Prometo.

— Não. — Eu tomo outro gole. O casal está tentando


acertar a conta com o garçom, mas agora os dois se recusam
a fazer contato visual. Vou me arriscar aqui e dizer que sexo
maquiado não está nas cartas esta noite.

Claire morde o lábio.

— Não fique bravo...

— O que? — Eu apertei os olhos. — Por que você diria


isso?

— Eu meio que... meio que... já a convidei para nos


encontrar aqui. — Ela encolhe os ombros, estremece e ri. — E
ela acabou de entrar, então seja legal.

Antes que eu tenha a chance de responder, Claire se


levanta e acena a convidada de honra para nossa mesa.

— Hannah! — Claire sai de trás da mesa e abraça uma


garota com cabelos castanhos e olhos astutos parcialmente
obscurecidos por óculos grandes de aro grosso. Ela é alta,
magra, plana como uma tábua em todos os lados. No instante
em que nossos olhares se encontram, sua pele pálida fica
avermelhada e seu olhar se volta para o centro da mesa.
Não disse uma palavra e já a deixei nervosa.

Não importa o quão doce alguém seja, uma grave falta de


confiança é um obstáculo.

— Hannah, este é meu irmão, Cainan, — Claire nos


apresenta quando Hannah se senta ao meu lado. Ela cheira a
talco de bebê e perfume de farmácia vendido para adolescentes
– uma combinação peculiar. — Cainan, essa é Hannah. Ela
acabou de se mudar para o nosso prédio no mês passado.

— Qual é a sua bebida? — Eu pergunto, mas apenas


porque a garota está tremendo pra caralho e ela claramente
precisa de algo para acalmar seus nervos. Inferno, eu preciso
de algo extra para acalmar meus nervos com toda essa energia
de poodle tremendo que ela está adiando.

— Oh. Hum. A água está bem. Eu não bebo álcool. — Sua


voz é quase inaudível no bar lotado.

— Você não quer animar um pouco? Talvez seja água com


gás? Adicionar limão ou algo assim? — Claire provoca.

Luke sinaliza para um garçom e levanta quatro dedos.

— Podemos ter uma rodada de águas?

Ele está tentando deixá-la mais confortável, mas essa


coisa toda está ficando mais dolorosa a cada segundo.

Hannah pega um guardanapo na mesa e começa a


triturá-lo em pedacinhos.
Luke, Claire e eu trocamos olhares.

— Hannah é de Boise. — Claire anuncia do nada. — Ela


veio aqui porque queria mudar o ritmo, não é?

Hannah acena com a cabeça.

— Você foi para o estado de Idaho. — Claire diz a ela,


embora esta informação seja direcionada a mim. — Estudou
finanças e contabilidade.

Hannah acena com a cabeça. Novamente.

— Você pode falar, Han. Ele não morde. — Luke dá um


sorriso largo.

Han? Eles usam apelidos?

O olhar de Hannah se volta para ele, depois de volta para


a pilha de retalhos de guardanapo sobre a mesa. Eu não sei o
que minha irmã estava pensando ao convidá-la aqui esta noite,
mas eu tenho que admitir, é divertido ver Claire tentando
salvar esse show de merda.

— O primo de Hannah é o diretor daquele musical... The


EmeraldCanary, — Claire diz. — Aquele para o qual é
impossível conseguir ingressos. Acho que eles vão fazer disso
um filme, certo?

— S... sim — Hannah finalmente fala.

— Eles são companheiros de quarto — acrescenta Claire.


— Eu estava morrendo de vontade de conhecê-lo, mas seu
horário de trabalho é insano. Hannah diz que nem mesmo o vê
na metade do tempo.

Meu Deus, isso é angustiante.

Eu tenho que dar o fora daqui.

— Vocês poderiam... me dar licença por um momento? —


Hannah varre a pilha de papel picado em sua mão, pega sua
bolsa e corre para o banheiro como o rato trêmulo que ela é.

No instante em que ela desaparece dentro, pego meu


casaco.

— Whoa, whoa, whoa. — Claire se estica sobre a mesa,


uma tentativa débil de me impedir. — Você não pode
simplesmente sair. O que devemos dizer a Hannah quando ela
voltar?

Eu encolho os ombros.

— Tenho certeza de que você vai pensar em algo. Essa


bagunça é sua para limpar, não minha. E, por favor, pelo amor
de Deus, pare de tentar me enganar. Nunca termina bem para
os envolvidos.

Pegando uma nota de vinte da minha carteira, coloco-a


no centro da mesa.

Claire suspira, virando-se para o marido, e eles trocam


um olhar sem palavras, como se eu fosse o idiota aqui.
Eu faria qualquer coisa pela minha irmã – ela é a única
família para a qual me importo. E embora ela possa ser um
espinho para mim, ela é meu espinho. Mas não vou sofrer por
mais um minuto disso.

Se há algo que aprendi nos últimos seis meses, é que a


vida é muito curta. Não deve ser desperdiçado. E se você vai
desperdiçar, pelo menos desperdice com a pessoa certa.

Desculpe, Hannah...

Você não é ela.

Dez minutos depois, estou a dois quarteirões do meu


apartamento quando vejo Serena McQuiston esperando na
faixa de pedestres.

— Serena — eu grito. Ela se vira em direção à minha voz


e eu aceno para ela. — O que você está fazendo aqui em cima?

Conheço Serena desde meu primeiro ano em Montclair,


quando ela avistou meu melhor amigo, Grant, e decidiu que
precisava dele. Grant, sempre o oportunista, decidiu torná-la
sua companheira de foda oficial.

— Acabei de encontrar alguns amigos para jantar. Como


você tem estado? Não te vejo desde... — sua voz falha e seu
olhar desvia. — Você está bem?

— Melhor do que nunca — minto. Há pessoas que


merecem ouvir a verdade e há pessoas como Serena que fingem
se importar, mas só se importam de verdade com as coisas que
as envolvem. — Você se encontrará Grant quando ele vier esta
semana?

Seus lábios cheios se curvam em um sorriso malicioso.

— Sempre encontro.

O sinal da faixa de pedestres fica branco e ela sai com um


aceno e uma piscadela.
— Mal posso esperar para contar a Cain as grandes
notícias — Grant fecha o zíper de sua mala e desliza para fora
da cama, rindo para si mesmo como se estivesse a par de
alguma piada interna. Lá fora, o sol escaldante de setembro
queima através de uma janela aberta, deixando este quarto dez
graus mais quente. — A expressão em seu rosto vai ser
inestimável.

— Você ainda não disse a ele?

Já se passou uma semana desde que ficamos noivos – o


fato de ele não ter compartilhado a notícia com seu suposto
melhor amigo me parece estranho, considerando o fato de que
ele vai para Nova York trabalhar uma vez por mês.

Ele ri baixinho.

— Na verdade, ele nem sabe que você existe.

— Espere, o que?

— Ele vai ficar chocado, isso eu posso te dizer.


— Estou confusa. — Eu me empoleiro na beirada de sua
cama bem-feita com os cantos dobrados e colcha sem rugas.
Grant é nada senão imaculado em todas as facetas de sua vida.
Ele é um homem de detalhes, o que é ótimo, porque eu sou
uma mulher de detalhes. — Por que você não contou a ele
sobre nós?

— Brie, amor... ele passou por um inferno puro nos


últimos seis meses. A última coisa que ele precisava ouvir era
que eu conheci o amor da minha vida e estava mais feliz do
que nunca. Eu não queria fazer as visitas hospitalares serem
sobre mim.

— Ok, mas dado o fato de que nos conhecemos por causa


do acidente dele... Não acho que compartilhar essa notícia com
ele prejudicaria sua recuperação...

— Você está pensando demais nisso, Srta. White. — Ele


está tentando ser brincalhão, tentando iluminar essa troca. —
Ou devo dizer, futura Sra. Forsythe?

Ele chega mais perto e se inclina para beijar o topo da


minha testa, segurando meu rosto com sua mão quente.

— Você vai conhecê-lo no próximo mês, na festa. Vamos


contar a ele toda a história então.

Ah sim. A festa que celebra o fato de Cainan não ter


morrido. Grant disse que a irmã de Cainan é uma planejadora
de eventos e queria reunir todos os seus amigos e familiares
em uma única sala, como se fosse um anti-funeral. Ele revirou
os olhos com o conceito, mas eu achei brilhante.

— Tudo bem. — Digo a ele, enquanto deito de costas e


coloco minhas mãos atrás do pescoço. O ventilador de teto
acima gira baixo, suas lâminas brilhantes e polidas. O
diamante no meu dedo esquerdo cava na minha nuca, então
eu reajusto minha posição. — Queria ir junto.

Com a mesma frequência com que nós dois viajamos para


Nova York a trabalho, nenhuma vez alinhamos nossos horários
de trabalho.

Grant está ao pé da cama.

— Eu sei, baby. Mas você não pode perder o chá de bebê


da sua irmã.

— Sim, eu posso. É o quinto filho dela em oito anos. Ela


não deveria estar tendo chás de bebê nesse momento. — Eu
reviro meus olhos e me sento. — Envie-me fotos, ok?

Ele faz uma careta, uma que eu nunca vi antes.

— O quê, como selfies? De nós dois?

— Sim, por que não?

Ele ri.

— Caras não fazem isso, baby.

Quando descobri que Grant era amigo do homem cuja


vida eu ajudei a salvar, eu queria tanto poder dar um rosto a
seu nome. Um rosto sem sangue. Depois que descobri seu
nome, fiz uma série de pesquisas infrutíferas nas redes sociais.
Mais tarde, quando o levei até Grant, ele mencionou que
Cainan tinha uma situação esquisita de stalker há vários anos
e encerrou todas as suas contas. Além disso, ele dificilmente
se interessava por isso. Ele estava muito ocupado trabalhando
duro e, quando não estava trabalhando, estava jogando mais
duro.

Eu não pressionei a coisa da foto depois disso.

Eu não queria parecer esquisita, agressiva ou obcecada


quando não era nada mais do que um ataque inocente de
curiosidade.

— Me acompanha até a saída? — Ele desliza sua mão pelo


meu braço antes de entrelaçar seus dedos com os meus, e
então me ajuda a levantar.

Com sua mala a reboque, saímos, trancamos e pegamos


o elevador para o andar principal do prédio de seu condomínio,
que é tão novo que ainda posso sentir o aroma inebriante de
tinta fresca na parede e o cheiro forte da argamassa entre as
telhas de mármore.

Enquanto crescia, meu pai começou como um construtor


local, construindo meia dúzia de casas por ano até que ele se
bancou em projetos maiores e melhores. Demorou menos de
vinte anos para se tornar um dos mais ricos magnatas do
mercado imobiliário da área metropolitana de Phoenix. Parecia
que a cada dois anos, minha mãe pedia a meu pai que
construísse outra casa para nós, sempre maior, sempre
melhor. Ela adorava mudanças. Meu pai a amava.

O cheiro de construção nova, de uma forma estranha, me


lembra de casa.

— Vou mandar uma mensagem quando pousar. — Ele me


beija e então abre o porta-malas do carro. — Eu te amo.

Repito o sentimento como sempre faço, secretamente


esperando que um desses momentos possa senti-lo quando
digo isso. Até agora, quando digo essas três palavrinhas, tudo
que sinto é um pequeno pingo de esperança... que rapidamente
se transforma em culpa.

Se eu pudesse me fazer cair de pernas para o ar por ele,


todo o resto poderia se encaixar. Em vez disso, estou presa em
ponto morto. Pneus girando. Esperando por um impulso que
pode ou não vir...

Eu penso sobre o mundo de Grant. Eu realmente penso.


Ele é um bom homem. Ele trabalha duro. Ele é inteligente e
enérgico, e sua mente está em constante agitação. Ele é uma
pessoa sociável. Ele é tremendamente bom de se olhar. Além
de generoso na cama. Culto. Autoconsciente. Atencioso. O
homem exerce uma personalidade grandiosa que entra na sala
muito antes dele. Impressionante, de verdade.

E minha família o ama. Não – risque isso -, eles o adoram.


E todos estão tão orgulhosos de mim por ter saído da minha
zona de conforto, por finalmente viver. Minha irmã mais velha
até me provocou uma vez que eles tinham uma aposta corrente
sobre qual de nós teria mais probabilidade de acabar como
uma solteirona e o dinheiro estava todo em mim... até agora.

Até meu pai, que não se importa muito com ninguém, é


obcecado por ele.

Eles jogam golfe juntos.

Bebem juntos nas tardes de sexta-feira.

Falam sobre a loja (o dinheiro é importante


principalmente).

Eu até os peguei trocando mensagens de texto, como se


fossem bons amigos. É fofo e é estranho e engraçado e também
complica as coisas... porque se eu mudar de ideia sobre me
casar com Grant, isso vai devastar meu pai.

Eu entro no meu carro enquanto Grant vai embora e ligo


o ar-condicionado. Meu rádio toca baixo, alguma música
melancólica de Bon Iver, embora, se estou sendo justa, isso
poderia descrever noventa por cento de suas canções.

Tenho sentido saudades de Kari ultimamente, pensado


nela mais do que de costume. Imaginando se ela gostaria de
Grant ou que tipo de conselho ela teria para mim. Ela sempre
foi a melhor em ser sincera, em não projetar seus objetivos de
vida e expectativas sobre mim (ao contrário do resto de minhas
irmãs bem-intencionadas).
Meu anel brilha agressivamente sob o sol ofuscante do
meio-dia enquanto agarro o volante. Grant disse que são três
quilates. Eu disse a ele que não precisava disso tudo. Mas ele
disse que tinha uma queda pelo número três porque
representava o passado, o presente e o futuro. Isso e o dia em
que tivemos nosso primeiro encontro foi dia 3 de março...
03/03.

Ainda não consigo deixar de pensar naquele estudo que


correlaciona o tamanho do anel com as taxas de divórcio.

Mas, como em qualquer estudo, há sempre, sempre


outliers9.

Eu entro no trânsito e paro lentamente em um semáforo


vermelho. Uma mensagem da minha irmã mais velha, Carly,
toca no meu telefone. Não preciso ler para saber que ela
provavelmente está perguntando se eu já peguei o bolo para o
chá de Alana.

Outra mensagem chega, essa da minha mãe. Imagino que


se essa não seja sobre o chá; é sobre a consulta que ela marcou
no Atelier de Noiva no centro para as dez da manhã de
amanhã.

Minha mãe está avançando a todo vapor com o


planejamento do casamento e está muito feliz com o fato de
meu pai ter dobrado o orçamento do casamento. Acho que não

9É uma observação que se diferencia tanto das demais observações que levanta suspeitas. Fora de
série
posso evitar, mas me pergunto se ele está me dando o que seria
o orçamento de Kari...

A luz muda para verde, e eu sigo os cinco quilômetros até


minha casa, aquela que a empresa de meu pai construiu para
mim com preço de custo quando passei no décimo e último
exame de atuário.

Entro na garagem sete minutos depois e desligo o motor.

Quando Grant voltar de sua viagem, devemos marcar


uma data. Na noite anterior, no jantar, ele mencionou um
casamento na véspera do Ano Novo.

Eu ri no começo porque pensei que ele estava brincando.

Agora é agosto...

Eu disse a ele que deveríamos esperar um ano, no


mínimo.

Mas ele continuou citando o acidente de Cainan, falando


sobre como a vida é curta e como, quando você sabe o que
quer, por que esperar? E então ele falou sobre bebês e férias
em família e todas as memórias que faríamos juntos. Ele
pintou as mais belas das imagens que acalmaram meus nervos
pelo resto da noite.

Mas na manhã seguinte, o pensamento continuou a girar


em minha cabeça.

Grant Forsythe é perfeito para mim em todos os sentidos


da palavra.
Eu não poderia ter sonhado com um homem mais ideal
em minha vida mesmo se tentasse – e pela primeira vez, estou
vivendo, realmente vivendo, e é por causa dele.

Então, por que tudo isso parece tão errado?


— Você não tem ideia de como é bom ver você... andando
por aí, parecendo saudável novamente. — Grant me dá um tipo
de abraço e um meio aperto de mão, a saudação que usamos
desde que éramos inseparáveis crianças de seis anos que
moravam na Copper Street, em um dos piores bairros de
Jersey City. — Você está de volta, baby.

— Você acabou de me ver no mês passado, idiota. Entre.


Quer uma cerveja? — Eu mudo de assunto.

Quando crianças, sonhávamos em fazer sucesso na


cidade, administrá-la e anotar nomes. Em seguida, o bastardo
traidor se mudou para a porra de Phoenix, Arizona, vários anos
atrás, tendo um trabalho lucrativo com alguma conexão de seu
tio. Agora ele afirma que nunca quer ir embora, e toda vez que
volta para uma visita, ele usa um bronzeado de jogador de golfe
e panturrilhas de caminhante. Sempre que ele tenta me
convencer a trocar minha selva de concreto por palmeiras, sol
e deserto, dou-lhe duas palavras: escorpiões translúcidos.

Não. Porra. Obrigado.


Pego uma IPA para ele em uma garrafa marrom
atarracada com um esqueleto no rótulo, abro a tampa e o
entrego, roubando uma para mim antes de nos estabelecermos
no meu bar. Mais cedo, eu perguntei por mensagem de texto
se ele queria sair hoje à noite para alguns de nossos antigos
lugares, vendo como era uma noite de sábado e fazia muito
tempo que não estamos juntos à cidade, mas ele recusou
chocantemente. Disse que queria conversar comigo sobre algo.

— Por quanto tempo você estará na cidade? — Eu tomo


outro gole.

— Só até terça. — Ele pega no rótulo de sua cerveja – um


velho hábito dele quando tem algo em mente.

— Está aqui para trabalhar?

— Psh. — Seu olhar escuro se ergue. — Nah. Estou aqui


para ver meu melhor amigo.

— Besteira.

Ele ri.

— E pode haver uma conferência no Times Square


Hilton…

— Não minta para mim, porra. Você sabe que eu pego


você no pulo toda vez. — Eu inclino minha garrafa e tomo um
gole.

— Você está se sentindo bem? — Ele pergunta.


Reviro os olhos para a pergunta que tive de responder
pelo menos 59 vezes nas últimas 36 horas.

— Tipo um milhão de dólares — minto. Ele está de bom


humor. Estou de bom humor. Eu gostaria que continuasse
assim.

— Você nos deu um grande susto. — Ele me estuda da


maneira estranha que a maioria das pessoas faz hoje em dia,
como se estivessem perdidas em pensamentos ou tendo um
momento interno profundo. E então ele respira fundo, solta e
toma um gole ainda mais longo.

— O que? O que está errado?

Ele arrasta a mão ao longo da parte superior da coxa.

Suor nas mãos do Sr. Confiante nunca é um bom sinal.

— Você está me assustando aqui. O que é isso? — Eu


pergunto.

— Há realmente, uh, algo que eu preciso te dizer. — Ele


aperta os olhos, mordendo o lábio inferior.

— O que? Desembucha.

O silêncio pesa entre nós por muito tempo.

— Irei me casar. — Um sorriso cuidadoso se espalha por


sua boca.
— Jesus. — Eu expiro e depois expiro uma risada. — Você
me assustou muito, idiota. Boa tentativa. Agora, sobre o que
você realmente gostaria de falar esta noite?

Seu sorriso desaparece.

— Estou falando sério, Cain. Irei me casar.

— Com quem? — Não tenho dúvidas de que meu rosto


está estremecendo e contorcido, derretido pela descrença. —
No mês passado você esteve aqui por uma semana e não
mencionou que estava saindo com alguém. E você estava
mandando mensagens de texto para Serena... Serena... Acabei
de encontrá-la alguns dias atrás. Ela disse que te vê toda vez
que você está na cidade. Disse que também ia ver você dessa
vez...

— Cara. — Ele joga as mãos para o alto como se eu


estivesse sendo muito duro com ele.

Grant é muitas coisas, mas um homem que recusa uma


boceta fácil em uma mulher bonita... não é uma delas.

Só espero que a versão de casado dele sinta o contrário.

Ele encolhe os ombros.

— Sim, bem, você estava passando por muito com sua


recuperação e tudo isso. Eu não queria fazer isso sobre mim.
E a última vez que fiquei com a Serena, foi a última vez. Agora
que estou oficialmente noivo, acabei com isso. Planejo contar
isso a ela neste fim de semana, na verdade.
— Grant, eu te amo pra caralho, mas você não é do tipo
casado. Você vai odiar cada maldito segundo disso. Confie em
mim. Eu vejo isso diariamente. E você nunca foi fiel a uma
única namorada em toda a sua vida, começando com Stacy
Westrick na sexta série.

— Obrigado pelo voto de confiança. — Ele balança a


cabeça, levando a borda da cerveja aos lábios. — Por que tenho
a sensação de que você está chateado com isso? Achei que você
ficaria feliz por mim?

— Só estou tentando entender isso — digo. — Acho que


podemos concordar que isso é um pouco fora do campo
esquerdo, especialmente para você.

— As pessoas mudam... você não acha que sou capaz de


mudar? — Ele levanta a mão e a deixa bater em sua coxa.

— Você sempre disse que o casamento era uma


armadilha. Em seguida, você vai me dizer que quer uma casa
nos subúrbios com cinco filhos e um desenho dourado.

Grant encolhe os ombros, lutando contra um sorriso


malicioso.

— Essa não seria a pior coisa...

— Quem... mesmo... é você agora? — Eu passo meus


dedos pelo meu cabelo. — E há quanto tempo você conhece
essa garota?
— Tempo suficiente para saber que ela é a escolhida. —
Ele descansa o queixo na mão, sua boca se curvando em um
daqueles sorrisos amorosos que Luke sempre recebe quando
Claire entra na sala. É a primeira vez que o vejo em Grant. —
E se não der certo... é para isso que servem os acordos pré-
nupciais.

Tudo isso são cinquenta tons de maldade errada, mas é


com ele – não comigo. Ele nunca me disse como viver minha
vida, não estou prestes a começar a dizer a ele como viver a
dele.

— Ela veio com você na viagem? — Eu pergunto.

Ele balança a cabeça.

— Não, ela teve uma coisa de família neste fim de semana


em Scottsdale. Mas ela vai à sua festa no mês que vem. Você a
conhecerá então.

Pego outra cerveja para mim e também pego uma para


ele.

— Alguma outra pergunta, conselheiro? — Ele pergunta.

— Sim. O que motivou isso? — Eu pergunto quando eu


voltar.

— Você estava quase morrendo, é isso. — Diz ele. — Me


fez perceber que a vida é frágil. Esse dinheiro, carros, status...
nada disso importa. Você não pode levá-los com você. As
pessoas são o que importa. O amor é o que importa. Nada mais.
Aponto para o Rolex de diamante em seu pulso.

Ele cobre com a palma da mão.

— Comprei há dois anos.

— Bem.

— Quer ouvir a coisa mais maluca? — Ele pergunta.

— Há algo ainda mais louco do que você se casar?

— Eu a conheci no hospital, um dia após o seu acidente.


No minuto em que descobri o que aconteceu com você, reservei
um voo noturno para Newark. Cheguei lá o mais rápido que
pude. Você estava entrando e saindo de cirurgias, então eles
tinham vários de nós na sala de espera. Enfim, entra esta
mulher quente como o inferno com os olhos mais bonitos que
eu já vi e um moletom da ASU. Ela se senta na minha frente.
Pega uma revista Better Homes and Gardens. Claramente ela
estava entediada como o inferno. Então, comecei uma conversa
com ela. Acontece que ela era de Phoenix, estava na cidade a
trabalho – e veja só... foi ela quem viu seu acidente e ligou para
o 9-1-1. Louco, hein? De qualquer forma, trocamos números.
Ficamos juntos no próximo mês. Estou te dizendo, a conexão
era...

— Espere, espere, espere. — Eu levanto a mão. —


Ninguém nunca me disse que a pessoa que ligou para o 9-1-1
foi ao hospital comigo.
Ele aperta os olhos, como se não estivesse
acompanhando.

— A maioria das pessoas teria feito a devida diligência e


seguido seu caminho — eu digo.

— Sim, bem, essa mulher não é a maioria das pessoas. É


por isso que tenho que agarrá-la antes que outra pessoa o faça.

— Se minha experiência de quase morte o levou à sua


alma gêmea, terá valido a pena.

— Espertinho.

— Sério, se ela te faz feliz, parabéns. — Eu expiro,


mordendo minha língua em vez de apontar o fato de que ele só
a vê há cinco meses. — E estou ansioso para conhecê-la para
que possa agradecê-la pessoalmente por salvar minha vida.

Ele leva a mão ao peito, agarrando o tecido de sua camisa


imaculada e mordendo o lábio inferior.

— Deus, você não tem ideia de como ela me faz feliz.


Nunca conheci ninguém como ela, Cain. É como se ela tivesse
saído dos meus sonhos e entrado na minha vida. Senso de
humor perverso. Franca. Honesta. Inteligente. Ridiculamente
gostosa, e ela nem sabe disso. É como se estivéssemos
destinados a nos encontrar naquele dia no hospital.

— Você está se ouvindo agora?

— Sim. Eu estou. E eu sei como pareço, mas não me


importo. Estou apaixonado por essa mulher e vou torná-la
minha esposa. Só de pensar na vida que teremos juntos... —
Seus olhos reviram para a parte de trás de sua cabeça e ele
finge salivar.

Se eu contasse a ele sobre meu sonho, que não parei de


pensar em alguma esposa fantasiosa nos últimos seis meses,
eu soaria tão louco quanto – então mantenho minha boca
fechada. Não falamos sobre merdas sentimentais como essa.
Não discutimos nossa vida amorosa – imaginária ou não – em
nenhum tipo de nível além da superfície.

Além disso, este momento é todo dele, por mais insano


que seja.

— Brincadeira a parte, estou feliz por você. — Eu alcanço


o topo do bar e aperto seu ombro. — E eu não posso esperar
para conhecê-la.

— Obrigado, cara. Isso significa muito — diz ele. — Mas


havia outra coisa que eu queria dizer. Ou melhor, pergunta.

— Manda.

— Você seria meu padrinho? — Suas sobrancelhas


escuras levantam enquanto ele espera. — Não consigo
imaginar ninguém mais perto de mim no maior dia da minha
vida. Além disso, se não fosse por você, eu nunca a teria
conhecido.

— Você não tem que me convencer disso... eu ficaria


honrado.
— O que você acha de um casamento em setembro? —
Eu seco meu rosto em uma toalha de mão. Ou estou
escondendo? Grant voltou de Nova York há três dias e ainda
temos que discutir a data do casamento.

— Setembro... no próximo ano? — Ele passa um pouco


de pasta de dente em sua escova ultrassônica e encontra meu
olhar no espelho.

— Ou mesmo no ano seguinte. — Estou brincando.

Mais ou menos...

Pego minha bolsa de viagem com produtos de higiene


pessoal da gaveta que ele me deu pouco depois de começarmos
a namorar e, em seguida, destampo um tubo de hidratante.
Passamos uma rara noite tranquila com pijamas, pinot, pizza
e um filme pay-per-view. Mas o assunto da data do casamento
está na ponta da minha língua desde que entrei pela porta esta
noite.

Ele pousa a escova de dentes de lado.


— O que está acontecendo?

Eu encolho um ombro.

— Eu... eu amo como você está animado para se casar


comigo. Eu amo que você tenha tanta certeza do que quer... eu
só... sinto que estamos apressando as coisas.

— Baby. — Ele exala, sorri e coloca a mão no meu ombro.


— Diga-me com o que você está preocupada e então deixe-me
eliminar essas preocupações para você. Amo você, Brie. Eu te
amo mais do que jamais amei ninguém.

— Qual é o meu filme favorito?

— O que? — Ele dá uma meia risada.

— Qual é o meu filme favorito?

As sobrancelhas de Grant se cruzam.

— Não vejo como isso é relevante para esta discussão em


particular, mas tudo bem. Hum... seu filme favorito é Duro de
Matar.

— Grant.

Ele sorri.

— Estou brincando. É o Clamor do Sexo.

— Ok. Qual é o meu livro favorito?

— O Olho Mais Azul — ele responde sem hesitação. —


Sua cor favorita é índigo. Seu dia favorito da semana é
domingo. Seu batom favorito se chama Crimson Crush. Você é
uma geminiana. Apropriadamente. E suas férias favoritas de
infância foram quando seus avós levaram você e Kari para a
Ilha Mackinac por uma semana, só vocês quatro. Próxima
questão...

— Você provou seu ponto — eu digo. — Eu só... você não


quer nos conhecer pelo menos um pouco mais antes de
oficializarmos? Eu só conheci seus pais uma vez.

— E não foi suficiente? — Ele pisca.

— Pare. — Eu bato nele. — Seus pais são maravilhosos.

E eles são. Seu pai conta as piadas mais piegas e reclama


sobre como tudo é caro, e sua mãe carrega uma sacola de tricô
com ela aonde quer que ela vá, trabalhando em cobertores que
ela vende no Etsy e doa para arrecadadores de fundos para
igrejas locais.

Eles são saudáveis, perfeitamente imperfeitos.

E eles amam seu filho mais do que todas as estrelas no


céu.

— Olha — ele diz. — Eu entendo que você está com medo.


Você é uma mulher inteligente que se fez sozinha. Você é
independente. Você não precisa de mim, e eu amo isso em
você. Brie... pela primeira vez na vida, sinto que conheci meu
par. Se eu fizesse uma lista de todas as coisas que queria em
uma parceira ideal, isso descreveria você até a maneira como
você ri durante o sono e as omeletes incríveis que você faz nas
manhãs de domingo. Sua família? Eles são incríveis. Eu sei
que suas irmãs podem ser um pouco exageradas às vezes, mas
sua mãe é assim... hippie. E seu pai é um empresário durão
que engloba todas as coisas que quero ser como pai um dia. Se
Deus quiser. Sua família é a família barulhenta, louca e grossa
como ladrões que eu nunca tive. E se eu não posso ter você,
não posso ter isso... eu não quero isso de jeito nenhum.

— Grant…

— Agora, eu sei que apenas divaguei sobre todas as coisas


que estou ganhando com isso. — Ele segura minhas mãos e
me vira para encará-lo. — Então, deixe-me dizer a você todos
os motivos pelos quais vou tomar essa a melhor decisão que
você fará em sua vida...

Meu telefone toca na cozinha, onde esteve no carregador


durante a maior parte da noite.

— Eu sinto muito — eu o interrompi. — Provavelmente é


trabalho. Eu volto já...

Normalmente, eu não atenderia uma chamada de


trabalho no meio de um discurso sincero proferido por meu
futuro marido, mas minha empresa está em processo de
contratação de um CEO temporário depois que o conselho
votou inesperadamente no último antes desta semana, e fui
incumbida de liderar o comitê de contratação.
Eu corro pelo corredor e tiro meu telefone do carregador
bem a tempo de atender a ligação antes que vá para o correio
de voz.

— Olá?

— Senhorita White? Aqui é Barb da Fairway Recruiting.


Você tem um minuto? — A mulher pergunta.

— Claro.

— Eu encontrei para vocês dois candidatos altamente


competitivos. Ambos interessados. Ambos altamente
qualificados. Nenhum dos quais poderá voar para Phoenix na
próxima semana. Convenientemente, ambos estão localizados
em Nova York. Eu sei que você tem um escritório satélite lá.
Eu poderia convidá-los a entrar e entrevistar alguém no local
ou você poderia fazer uma entrevista pelo Skype... me diga o
que você preferir.

— Na verdade, estou indo para o leste na próxima


semana. Eu poderia estar em algumas entrevistas enquanto
estou lá. — Pego uma caneta do balcão, bem como um envelope
de uma pilha de correspondência próxima e viro. — Quais são
os nomes deles?

Para que eu possa pesquisar no Google...

— Lucinda Meyers e Robert Goldberg. Enviarei tudo por


e-mail — diz ela.
— Ótimo. Obrigado, Barb. — Coloco a caneta de lado e
coloco o envelope na pilha de correspondências, até que algo
me chame a atenção – um contrato desdobrado em papel
timbrado da DuVall, James e Renato PC.

Grant,

Este é o nosso pré-nupcial padrão. Tomei liberdades


e adicionei algumas cláusulas adequadas com base no
que tínhamos conversado. Se tudo estiver certo, me ligue
e terminaremos o resto. Também vou precisar das
informações de identificação de sua futura esposa.

Vejo você no Próximo mês.

Cainan

Um acordo pré-nupcial?

E sobre o que exatamente eles conversaram...

— Brie? — A voz aveludada de Grant por trás envia um


choque ao meu coração, e eu agarro meu peito, prendendo a
respiração assustada antes de me virar para encará-lo. — Tudo
certo?

Depois de me recompor, tiro os papéis do balcão e os


entrego.

— O que é isso?

Ele os pega, dobrando-os ao meio.


— Só estou tentando nos proteger. Todo mundo faz isso.
Especialmente pessoas como nós.

— Pessoas como nós?

— Sabe, profissionais que estão estabelecidos em suas


carreiras e têm muito a perder caso as coisas deem errado. —
Ele coloca a pilha de lado e me puxa contra ele. — Sei que não
é a coisa mais romântica do mundo para falar, mas é do
interesse de ambos. Ninguém nunca se casa pensando que as
coisas vão explodir na cara deles.

Eu me afasto.

Não estou chateada com o acordo pré-nupcial.

E concordo que é inteligente e necessário.

Mas ele não deveria estar discutindo cláusulas e detalhes


comigo primeiro?

— O que ele quis dizer com a adição de algumas cláusulas


com base no que vocês dois conversaram? — Eu pergunto.

A boca cheia de Grant se abre em um meio sorriso.

— Coisas padrão. Contas de aposentadoria. Ativos. Esse


tipo de coisa. Você verá o contrato quando ele for concluído e
fique à vontade para levá-lo à sua advogada. Faça com que ela
passe um pente fino.

— Não quero mais falar sobre isso. — Levo minha mão à


têmpora, que está começando a latejar. Não tenho dor de
cabeça tensional há meses, mas ultimamente estou tendo
todos os dias. — Provavelmente deveria ir para a cama... temos
aquela caminhada pela manhã e depois o brunch com minha
irmã e o marido dela.

— Baby, por favor, não se preocupe. Podemos conversar


mais sobre isso amanhã, se você quiser.

Grant liga o interruptor de luz e me segue até seu quarto,


onde nos enterramos sob as cobertas em um quarto escuro
como breu, sob um ventilador de teto zumbindo.

— Próximo setembro, ok? — Eu pergunto antes de cair no


sono.

— O que?

— Quero esperar um ano. — Talvez mais...

— Eu fugiria com você amanhã se você me desse a ordem.


— Diz ele. — E eu também esperaria por você para sempre se
eu precisasse. O que você quiser, ok? Eu quero que você
aproveite isso.

Eu me aconchego em seu braço e pressiono minha


bochecha contra seu ombro musculoso, me perguntando se eu
sentiria falta disso – sentir falta dele – se tudo acabasse
amanhã. Em minutos, sua respiração diminui e se estabiliza.
Ele está desmaiado, sem nenhuma preocupação no mundo, eu
presumo. Mas eu? Eu estou totalmente acordada. Sozinha com
meus pensamentos.
Com a verdade.

Estou atrasando o casamento?

Ou estou demorando para cancelar o casamento?


— Você terminou as verificações de conflito? — Pergunto
a Paloma na quarta-feira de manhã.

Ela segura o receptor do telefone com a mão esquerda –


revelando um humilde anel de noivado de diamante em seu
quarto dedo.

— Quando isso aconteceu? — Eu aponto.

— Sim — ela diz — E três meses atrás. Ah, e Claire está


vindo para cá.

Paloma retorna ao seu telefonema e eu vou para o meu


escritório, tirando as chaves do bolso. Antes que eu tenha a
chance de destrancar minha porta, o som de um bebê
murmurando ecoa no corredor. Abandono meu posto e
investigo, parcialmente por tédio, mas principalmente por
curiosidade.

Quatro portas depois, um de nossos sócios juniores está


colocando um bebê vestido de rosa no joelho. Sua esposa – cujo
nome me escapa – se vira para me acenar delicadamente com
o dedo.
Eu não tinha a menor ideia de que eles estavam
esperando, e a julgar pela idade do bebê, ele claramente
nasceu enquanto eu estava fora.

— Cain, você quer conhecer o futuro sócio da DuVall,


James e Renato PC? — Ele a vira para me encarar, e eu
encontro dois olhos azuis piscando com um spray de cílios
escuros – seguido imediatamente por um fluxo impressionante
de projétil branco que não me atinge por meros centímetros.

Sua esposa pega uma sacola de fraldas coberta de flores,


pega lenços umedecidos pelos punhados, enxuga vômito de
marfim do tapete azul marinho, e o parceiro júnior parece
horrorizado, segurando sua filha como se ela fosse contagiosa.

— Vou deixar vocês dois cuidarem disso... vamos


conversar mais tarde. Parabéns pela nova adição. — Saio e, no
caminho para o meu escritório, me lembro de porque nunca
quis ter filhos.

É irônico quando penso naquele sonho com a esposa e os


filhos – como me senti protetor deles, como estava orgulhoso
de vê-los. Como tudo parecia natural.

Talvez eu tenha dado muito crédito a esse sonho nos


últimos meses. Ou talvez algo em mim realmente tenha
mudado quando bati com a cabeça naquele acidente. Sempre
fui pragmático, um homem que sabe exatamente o que quer e
não se desculpa por isso. Mas agora me vejo sonhando
acordado mais do que um homem deveria, procurando rostos
na multidão por uma mulher que provavelmente nem existe.
Eu tenho que deixar isso pra lá.

Eu preciso ter a minha vida de volta.

Cinco minutos depois de se instalar, Paloma liga no meu


telefone.

— Sua irmã está aqui — ela diz.

— Mande-a aqui. Obrigado. — Limpo alguns e-mails


indesejados enquanto espero e analiso os cheques de conflitos
que Paloma me enviou esta manhã. Seis novos compromissos
com o cliente esta tarde. O dobro de ontem. E graças a Deus.
Nesse ritmo, estarei de volta ao meu antigo ritmo no final da
próxima semana.

— Toc, toc... — Claire cantarola a musiquinha da porta,


com um fichário coberto de lona com três argolas enfiado
debaixo do braço e dois cafés nas mãos. — Pronto para
repassar os detalhes de sua grande noite?

— Só se você concordar em parar de chamar de minha


grande noite...

Ela fecha a porta e se senta na minha frente, espalhando


a pasta no meio da minha mesa e folheando uma seção com
meu nome na aba.

— Tudo bem, podemos chamá-lo de sua pequena festa.


Isto é melhor? — Claire se senta mais ereta, pernas cruzadas
e mãos delicadamente apoiadas no topo de seu joelho.
— Espertinha. — Eu aspiro. — Ei, você sabia que havia
uma mulher no hospital depois do meu acidente?

— Você vai ter que ser mais específico do que isso.

— Grant disse que a mulher que ligou para o 9-1-1


também veio ao hospital e aguardou na sala de espera.

— Sim. Agora que você citou isso. Acho que havia alguém
lá, mas não tive a chance de falar com ela. Foi tudo tão louco.
Mas como Grant a conheceria? — Claire torce o nariz.

— Porque ele conseguiu o número dela e agora vai se


casar com ela...

Ela cai na gargalhada.

— O que? Diga isso de novo? Eu não acho que te entendi.

— É estranho, certo?

— Qual parte? — Ela pergunta. — Grant vai se casar ou


alguma mulher qualquer esperando por você no hospital?

— Tudo isso. — Eu afundo na minha cadeira. — É tudo


muito estranho pra caralho.

Não muito diferente do que minha vida se tornou desde


aquela noite fatídica...

— Grant vai ser o pior marido de todos. Ele percebe isso?


— Ela pergunta.
— Eu tentei dizer a ele. Então fui acusado de não estar
feliz por ele. — Eu encolho os ombros. — Ele está a trazendo
para a festa.

— Sim, vi que ele confirmou a presença de dois, mas


presumi que ele estava trazendo Serena...

Marinamos em silêncio, embora eu tenha certeza de que


estamos tendo pensamentos semelhantes.

— De qualquer forma, chega de falar sobre seu melhor


amigo mentalmente insano. Eu tenho outra reunião logo
depois disso, então vamos direto ao assunto. — Ela limpa a
garganta e passa para a próxima página. — Então, o local que
eu consegui para nós é no East Village. Chama-se The
LaGrange Experience. Restaurante híbrido casual novo em
folha com espaço ao ar livre e uma sala de jantar privativa que
pode acomodar até cem pessoas. Abriu há dois meses. Fiz uma
recepção de casamento lá no mês passado e foi de tirar o fôlego.
Você não vai encontrar nada melhor do que isso com um aviso
de um mês, então o fato de que eles estão trabalhando conosco
é incrível.

— Quantas pessoas você convidou?

Ela levanta um dedo antes de virar para a próxima


página.
— O que me leva ao próximo item – a lista de convidados.
Até agora estamos com cento e cinco RSVPs10

— Claire. — Eu expiro e enterro meu rosto em minhas


mãos. — Cento e cinco porra? Você disse que seriam alguns
amigos...

— Tenho certeza de que nem todo mundo vai aparecer.


Você sempre precisa levar em conta os que são instáveis. De
qualquer forma, não é minha culpa você ter tantos amigos.

— Eu tenho muitos conhecidos. Tenho um punhado de


pessoas que considero verdadeiros amigos.

— Bem, aparentemente dezenas de pessoas pensam de


forma diferente sobre você, então talvez você devesse
reexaminar alguns desses relacionamentos antes de ir
descartá-los...

Eu me inclino para trás na minha cadeira.

— Tanto faz. Continue.

— O bar está elaborando um cardápio especial de drinks


em homenagem à ocasião. Eu dei a eles uma lista de seus
favoritos. Acho que é apropriado que celebremos sua vida
bebendo seus coquetéis favoritos.

10O termo "RSVP" vem da expressão francesa répondez s'il vous plaît, que significa "responda por
favor". Se RSVP estiver escrito em um convite, significa que o anfitrião solicitou que o convidado
respondesse para dizer se planeja comparecer à festa.
— Claire... isso soa mais como uma festa pós-funeral do
que...

— Cainan. — Ela inclina a cabeça. — Me ouça. Seis meses


atrás, estávamos quase planejando seu funeral. Seus amigos,
sua família... poderíamos ter perdido você. Por que não
podemos comemorar o fato de que você está vivo? Há pessoas
vindo de San Jose, Seattle, Houston, Ontário, Liverpool... elas
querem mostrar que você significa algo para elas, que estão
felizes por você estar vivo. Não os roube dessa oportunidade.

— Você é uma doida do caralho. E digo isso com amor.

— Obrigado. — Ela pisca e mostra a língua. Ela é uma


James e isso significa que ela não dá a mínima para o que as
pessoas pensam dela. Somos cortados do mesmo tecido dessa
maneira. — Para o registro, quando você estava no hospital,
meu telefone estava constantemente zumbindo, tocando e
tocando. Mensagens de texto, ligações, e-mails. Todo mundo
estava muito preocupado. Rezando, torcendo, qualquer coisa.
Acredite ou não, por algum motivo insano, as pessoas dão a
mínima para você, Cain.

Eu levanto minhas sobrancelhas.

— Eu sei. Eu também fiquei chocada — ela ri. — Mas,


falando sério, obrigada por me deixar organizar essa coisinha
para você.

Eu conheço minha irmã há vinte e seis anos, o que


significa que quando ela inicialmente me abordou sobre fazer
isso, eu deveria saber muito bem que coisinha era um código
para festa grande e punhado de pessoas era a linguagem de
Claire para você, eu e todos que conhecemos.

— Você é literalmente um milagre ambulante. — Ela se


inclina para perto, colocando sua mão na minha. — Você
poderia ter morrido. E, honestamente, exceto pelo fato de que
você tem a menor cicatriz acima da sua sobrancelha direita, é
como se nada tivesse acontecido.

Ela se esquece de mencionar o pequeno pneu em minha


caminhada – aquela que ainda estou trabalhando cinco dias
por semana para eliminar com a ajuda de um fisioterapeuta e
personal trainer. Mais um mês e já vai praticamente acabar,
me dizem. Como se nunca tivesse existido. Mais dois meses e
estarei fazendo supino mais do que podia antes do acidente.

Mas estou mantendo a cicatriz.

— Sinto muito, preciso atender isso. — Claire procura em


sua bolsa e recupera seu vibrante iPhone. — Ei, sim, estou
saindo daqui em breve e irei para lá. Eu queria te dizer, eu não
fui capaz de entrar em contato com...

Levanto-me da cadeira e vou até a janela, observando as


pessoas lá embaixo subindo e descendo a calçada como
formigas em uma fazenda. Eu penso em Paloma e seu anel de
noivado. O parceiro júnior no corredor e seu novo bebê. Fodido
Grant ficando noivo completamente do nada.
É como se todos estivessem subindo de nível, avançando
na vida e eu estivesse pisando nas mesmas águas que estava
seis meses atrás – só que em vez de as águas serem tropicais
e da cor do lápis-lazúli, é escuro, marrom e sem vida humana.

Nunca quis sossegar ou viver qualquer tipo de vida que


consistisse em cortar a grama aos sábados ou acordar no meio
da noite para trocar fraldas.

Mas não sei se quero mais essa vida... também.

— Terra para Cainan... — O tom afiado de Claire me tira


do meu devaneio. — O que você está fazendo aí? Alguma coisa
interessante?

Estou há menos de uma semana na minha velha rotina e


já estou morrendo por dentro um pouco mais a cada dia que
passa porque falta alguma coisa.

Achei que fosse a mulher do meu sonho.

Agora não tenho certeza se ela existe.

Pelo que sei, eu estava me agarrando a esse fragmento de


esperança como uma pessoa louca, acreditando que ela estava
lá fora em algum lugar, porque estar com ela foi a primeira vez
que realmente me senti vivo.

Ou amado, aliás.

Alguém tem que ceder.

Não posso vadear nessas águas rançosas para sempre.


Eu não vou.

— O que é isso? — Ela pega um Post-It ao lado do mouse


do meu computador antes que eu tenha a chance de arrancá-
lo de suas mãos. — É essa tatuagem do seu sonho?

Cometi o erro de lhe contar sobre o sonho em todos os


detalhes logo depois de acordar no hospital, quando não estava
cem por cento lúcido e ainda me recusava a acreditar que era
um sonho. Descrevi minha esposa e meus filhos em detalhes
vívidos e depois rabisquei a tatuagem em um guardanapo com
uma caneta de gel azul-petróleo que Claire tirou de sua bolsa.

Claire me garantiu que eu não era casado, jurou por sua


vida que eu não tinha filhos (disso ela sabia, de qualquer
maneira), e então confirmou com meu médico que esses tipos
de sonhos de alta definição são completamente normais e
comuns com pacientes em minhas circunstâncias.

Nas semanas que se seguiram, sempre que eu tentava


trazer o sonho à tona, ela ria dele, me dizia para deixá-lo ir.

E ela estava certa, eu suponho.

Não me adiantou nada ruminar, ficar obcecado, lamentar


a perda de alguém cujo nome nem consigo conjurar, apesar de
saber todos os detalhes sobre ela.

— Por que você desenhou isso? — Ela pergunta.

Eu o roubo de volta, amasso e jogo no cesto de lixo


embaixo da minha mesa.
— Cainan... me responda — ela diz.

— Qual é o problema?

— Você não mencionou esse sonho desde que estava no


hospital. Você ainda pensa sobre isso?

Cada segundo de cada maldito dia.

— Não — eu minto. — Raramente. — Eu minto


novamente.

Ela me examina com os olhos semicerrados e parece estar


a meros segundos de me chamar de idiota quando seu telefone
vibra.

— Ugh. Eu tenho que atender isso. Eu te ligo mais tarde.


— Claire atende o telefone, reúne suas coisas e abre a porta
para si mesma.

E é o melhor. Não sei como poderia explicar algo a ela que


nem consigo explicar a mim mesmo.

Pego meu calendário e digito o local da festa enquanto


ainda está fresco na minha mente. Não sou nada se não for
organizado. Embora esse não seja o tipo de coisa a que eu
normalmente me sujeite, lembro-me que sou um filho da puta
sortudo por ter tantas pessoas querendo comemorar o fato de
que eu não morri.

Eles dizem que tudo acontece por uma razão.


Antes do acidente, uma vez por mês, alugava um carro
com o único propósito de sair da cidade. Respirar ar fresco.
Dirigir por estradas sinuosas e cruzar vales pitorescos. Me
perder em estradas desconhecidas. Ouvir música no volume
máximo – ou às vezes não ouvir nada. Eu nunca teria um
destino. Simplesmente dirigia até ficar cansado e então
reservava um hotel próximo, dormia um pouco e começava de
novo na manhã seguinte. Ocasionalmente, escolhia um local e
passava o fim de semana lá.

Quais são as chances de que de todas as estradas e


pontes e rodovias, de todos os milhões de carros, tenha sido o
meu que foi atingido naquele exato momento naquela estrada
exata naquela cidade?

Eu passei por uma luz amarela mais cedo naquela noite.

E se eu tivesse pisado no freio?

E se eu tivesse esperado mais dois minutos?

É mais fácil engolir tudo que passei se disser a mim


mesmo que aconteceu por um motivo. Mas até que eu saiba
esse motivo, nada faz sentido.
— Posso te contar uma coisa? — Pergunto a minha irmã
mais velha em uma tarde de segunda-feira confortavelmente
quente. Os filhos dela estão na escola e tirei a tarde de folga
para fazer as malas para o voo de amanhã. Ela me implorou
para vir tomar margaritas de pera espinhosa à beira da
piscina, que geralmente é o código para Carly-Precisa-Fofocar-
Sobre-Seu-Marido.

— Brie, não pergunte se você pode dizer algo a alguém...


apenas diga a eles. — Ela toma um gole de sua bebida pela
metade. — Mas continue.

— Eu quero cancelar o noivado. — Eu limpo minha


garganta. — Eu vou cancelar o noivado.

Ela desliza as pernas para fora de sua piscina estilo


Newport e se vira para me encarar.

— Não.

— O que?
— Não faça isso. Você não pode. Papai ficará arrasado.
Eu ficarei arrasada. Meu marido estúpido, que não consegue
ligar um monte de toalhas sem quebrar a máquina de lavar,
ficará arrasado. — Ela desliza seus óculos de sol enormes para
baixo. — Grant é per-fei-ção. Eu não acho que você percebe o
quão sortuda você é. Você tem o que a maioria das mulheres
apenas sonha. Adie a maldita coisa, mas não cancele. Será o
maior erro da sua vida.

Carly se levanta, endireita seu sarongue preto e vai até o


frigobar para pegar a jarra de margaritas. Ela retorna e nos
completa.

— Brie, desde que me lembro, você foi... como posso dizer


isso bem? — Ela exala. — Uma gata frágil e avessa a riscos.
Você deixa tudo e qualquer coisa te assustar. Montanhas-
russas? Sem chance. Acampamento fora de casa? Te
apavorava. Namorados? Meu Deus, se eles começaram a gostar
muito de você, você saia correndo para as montanhas. — Carly
se senta e toma um gole.

— Ok, mas eu era uma criança então. Não tenho mais


medo de tudo...

— Você lê os mesmos livros indefinidamente. Você assiste


aos mesmos filmes cem vezes. Quando você viaja a trabalho,
reserva o mesmo hotel e o mesmo tipo de carro alugado e come
nos mesmos restaurantes. Você gravita em torno do que é
seguro e familiar. Mas desde que você conheceu Grant, você
saiu de sua pequena caixa protegida. Você está
experimentando coisas novas, abandonando suas velhas
rotinas. Você sorri mais do que desde... — sua voz vacila. —
Desde que perdemos Kari.

— Não estou dizendo que Grant não é ótimo.

— Então você está dizendo que ele não é ótimo... o


suficiente?

O cachorro da casa ao lado late e as palmeiras


exuberantes que preenchem o oásis do quintal balançam com
uma brisa suave.

— Estou dizendo que ele é ótimo. — Eu encolho os


ombros. — Ele é ótimo e eu não quero me casar com ele e isso
é tudo que estou dizendo.

Carly fica quieta por um segundo – o que não é fácil para


uma mulher que não consegue se calar metade do tempo.

— Você o ama? — Ela finalmente pergunta.

— Essa é a coisa. Acho que não. Mas eu gosto muito dele.


— Pego meu copo em forma de cacto. — Parte de mim é como...
qual é o truque?

— O que você quer dizer?

— Ele é quase bom demais para ser verdade — eu digo.


— Acho difícil acreditar que alguém seja tão perfeito e queira
se casar comigo na véspera de Ano Novo.
— O que? Você nunca disse que vocês tinham uma data
marcada.

— Nós não temos. Mas já conversamos sobre isso e ele


mencionou um casamento na véspera de Ano Novo.

— Isso é, tipo, quatro meses — Ela desliza os óculos de


sol para o topo da cabeça, empurrando o cabelo loiro para trás.
— Qual é a pressa? Quero dizer, sim, foi um noivado rápido, e
eu vou ser honesta, por um tempo estávamos todos nos
perguntando se ele tinha engravidado você, mas claramente
você está bebendo tequila, então nossa mãe e irmãs vão se
interessar em ouvir que não é o caso.

Eu fico olhando para a bebida em minha mão, e então a


ponho de lado agora que sei que foi mais um teste do que a
oferta de uma anfitriã adequada. Eu deveria saber... Carly
sempre foi complicada assim. Ainda mais porque seus três
anjinhos se transformaram em adolescentes cheios de
espinhas, sorrateiros e hormonais com telefones celulares e
carros. Mas, em sua defesa, se Carly fosse minha mãe, eu seria
igualmente uma dor de cabeça. Ela manda os helicópteros
para fora deles, e isso só piora à medida que eles se tornam
mais independentes. Quanto mais eles empurram, mais ela
puxa. E eles estão todos infelizes por isso.

— Vou dizer que é estranho o quanto ele quer fechar o


negócio. Eu não tinha ideia de que ele estava falando daqui a
quatro meses. — Carly mordisca o pé de acrílico de seus óculos
de sol antes de colocá-los no chão e caminhar pelas telhas de
terracota sob o telhado da cabana. Seu olhar está preso no
chão, as rodas em sua cabeça provavelmente girando mais
rápido do que ela pode acompanhar.

— Veja? É uma bandeira vermelha.

— Absolutamente é.

— Mas ele disse que esperaria — acrescento. — Ele disse


que esperaria o quanto fosse necessário. Mas isso não muda o
fato de que não estou apaixonada por ele.

— Concordo.

— E você não pode forçar o amor.

Ela para de andar.

— Tem que haver algo para ele. Algo mais do que... você.

— Como o quê?

— Ele tem passado muito tempo com o papai, certo? —


Ela pergunta.

— Eles jogam golfe e pegam bebidas...

— Talvez ele esteja tentando arquitetar algum tipo de


negócio? — Ela está andando de um lado para o outro
novamente.

— Papai trabalha com imóveis. Grant não sabe nada


sobre nada disso. Na verdade, tenho quase certeza de que sei
mais sobre isso do que ele.
— Talvez ele queira aprender com os melhores? Talvez ele
queira que papai o coloque sob sua proteção?

Eu aceno minha mão.

— Ok, vamos parar. Não gosto de toda essa especulação.


Não é justo com ele, especialmente quando não temos provas
de nada.

Carly se senta na espreguiçadeira novamente, juntando o


tecido de seu sarongue em suas mãos e amassando-o entre
seus dedos bronzeados por spray enquanto ela olha para a
distância exuberante de seu quintal paisagístico.

— Tudo bem. — Diz ela. — Deixe-me fazer algumas


escavações. Nesse ínterim... o que você vai fazer?

— Eu parto para Nova York amanhã e estarei fora uma


semana. Quando eu voltar, teremos uma semana juntos, e
então devemos voar de volta para Nova York no fim de semana
seguinte para a festa do amigo dele. — Eu suspiro. —
Realmente quero conhecer este amigo dele, também. É o
homem do acidente.

Ela bate as coxas, derrotada.

— Talvez um intervalo de uma semana lhe dê alguma


clareza, algum tempo real para pensar sobre isso, então você
não está decidindo seu futuro de um lugar tão ansioso.
Quando você voltar, veja se você ainda sente o mesmo. E,
inferno, vá para a festa. Conheça o cara. Quem sabe se você
terá a chance de encontrá-lo novamente? É incrível o que você
fez, ficar com ele no local do acidente e tudo. Não acho que a
maioria das pessoas faria isso.

— Ok, então eu vou para Nova York com Grant, encontro


o amigo dele, e então, o que... terminar com ele depois?

— Se é assim que você ainda se sente, então sim. — Diz


ela. — Mas eu direi... muitos casamentos longos e bem-
sucedidos foram construídos sobre um alicerce sem amor. Às
vezes, saber que alguém será um pai incrível e um provedor
confiável é o suficiente. Além disso, olhe para Rob e eu. Éramos
loucos um pelo outro no começo. Agora raramente dormimos
na mesma cama, a menos que ele tenha bebido muito uísque
e ache que vai ter seu pau chupado. Às vezes eu gostaria que
tivéssemos um entendimento maior. Ao invés disso, somos
apenas dois idiotas frustrados lamentando a química que
costumávamos ter.

Por falar nisso, lembre-me de nunca me casar e


definitivamente riscar ter filhos da minha lista de afazeres...

Eu me levanto.

— Eu provavelmente deveria ir. Tenho que sair para o


aeroporto às cinco da manhã e ainda não comecei a fazer as
malas.

Carly faz beicinho.

— Tudo certo. Meus adolescentes terroristas estarão em


casa em cerca de trinta minutos. Eu provavelmente deveria
começar a pensar sobre o que estou fazendo para o jantar ou
algo assim...

Amo minha irmã e todas as suas peculiaridades e


imperfeições, mas ela deve ser a esposa e mãe mais miserável
que fica em casa e que já conheci na vida. Enquanto crescia,
nossa mãe fazia tudo parecer fácil. Ela passava por seus dias
ensolarados e nos cumprimentava com um sorriso no rosto e
limonada recém-espremida às três em ponto todas as tardes,
seu sarongue Pucci de cor cítrica arrastando-se atrás dela.

Carly definitivamente não foi feita do mesmo tecido que


minha mãe.

Mas para ser justa, o homem com quem ela se casou não
se parece em nada com meu pai.

Nem mesmo perto.

E eles só se casaram porque ele a engravidou no último


ano do ensino médio e seus pais da velha guarda surtaram e a
culpa os fez se tornarem adultos instantâneos.

Eu me pergunto se ela alguma vez se ressente do caminho


que sua vida tomou. Ela sempre diz que seus filhos são sua
terra, lua e estrelas – e eu acredito nela. Mas também sei que
ela não tem mais nada. O dia em que o caçula deixar o ninho
será um dia de ajuste de contas para ela, um dia em que será
forçada a se olhar no espelho e se ver sob uma nova luz. Ela
não será uma mãe PTA ou mãe voluntária do clube de torcida.
Ela não vai passar seus dias lavando roupas sem fim ou
fazendo compras para uma família de cinco pessoas. Ela não
terá necessidade de um Suburban 11 extralongo que
dificilmente cabe na garagem enorme.

Ao sair da casa da minha irmã e voltar para casa, tento


imaginar meu futuro com Grant. Não o que ele descreve com
as crianças e o cachorro e a casa nos subúrbios e os
churrascos do Quatro de Julho e as férias em família na Disney
com todos os avós e primos.

Apenas minha mente se recusa a invocar uma coisa


maldita.

Está tudo... em branco.

11 Modelo de carro. É um veículo grande, com três fileiras de banco, 8 lugares e bastante espaçoso.
Seis meses atrás, eu estaria enviando uma bebida para a
loira-morango nos saltos estilo “foda-me” no final do bar,
aquela que não tirou seu olhar de “venha até mim” desde que
entrei esta noite.

Mas sou um homem mudado – seja lá o que isso


signifique.

Peço um single malte Laphroaig Lore duplo com gelo e


verifico meu e-mail no celular. Este lugar é mais movimentado
do que eu esperava para uma noite de terça-feira. Então,
novamente, há um hotel ao lado com limusines estacionadas
em frente, então deve haver algum evento acontecendo.
Limusines em Midtown sempre trazem tráfego de pedestres –
principalmente turistas. Todos eles atraídos como ímãs de
olhos arregalados para o caso de poderem ver uma celebridade
sobre a qual possam contar para alguém em casa. Pontos de
bônus se eles conseguirem tirar uma foto borrada de um
celular com zoom. Pontos de bônus extras se for uma âncora
do The Today Show.

Alguém ocupa o lugar à minha direita.


Eu não me incomodo em desviar o olhar do meu telefone.

— Pinotnoir, por favor — ela diz ao barman. — Obrigado.

Sua voz é aveludada suave e doce como mel – com um


toque de familiaridade também. Um perfume suave, mas
picante, irradia de sua jaqueta quando ela a desliza pelos
braços e a pendura no encosto do banco.

O barman coloca uma taça sem haste diante dela e, em


seguida, derrama o vinho tinto na metade do caminho para a
borda, em seguida, dá a ela uma dose extra. Uma polegada
talvez.

— Qual foi a coisa mais maluca que você já fez? — O som


da voz de uma mulher em meu ouvido e o peso do olhar de um
estranho capturam minha atenção.

— Sinto muito? — Eu não levanto os olhos do meu


telefone.

— Qual foi a coisa mais maluca que você já fez? — Ela


repete a pergunta, como se fosse perfeitamente normal fazer
uma pergunta aleatória a um completo estranho.

Eu levanto um ombro, o olhar ainda fixo na tela do meu


telefone.

— Eu não faço coisas malucas.

— Claro que não. — Ela exala, levantando o copo.


— Sinto muito, mas... — Estou a dois segundos de pedir
a ela para me deixar em paz quando finalmente coloco meus
olhos sobre ela e todo o oxigênio é sugado de meus pulmões.

Eu não consigo respirar.

Eu não consigo falar.

Eu não consigo pensar, porra.

É ela.

É a mulher do meu sonho.

Ela levanta as sobrancelhas escuras, olhando para mim


através de uma franja de cílios ainda mais escuros. O verde-
maçã azedo de suas íris cintila mesmo na luz fraca desse bar
para turistas em Midtown.

— Você sente muito, mas o quê? — Ela pergunta,


piscando.

— Sinto muito, mas... eu te conheço?

Ela me estuda, inclinando a cabeça de um lado para o


outro.

— Há algo familiar sobre você... você está em um outdoor


na Times Square?

Sua expressão séria se transforma em um sorriso


zombeteiro.
— Estou brincando. Mas apenas mais ou menos. Você
parece um modelo. Ou como se você pudesse ser um modelo.
— Ela esconde o rosto em um gole de sua bebida. — Eu sinto
muito. Estou tornando isso estranho. Vou parar de falar.

Por favor, não.

Por favor, nunca pare de falar.

Meu coração está a dois segundos de explodir em meu


peito enquanto procuro as palavras certas para se adequar a
este momento serendipito,12 mas estou sem palavras,
desejando poder fazer uma pausa nesta realidade surreal
tempo suficiente para envolver minha cabeça em torno disso.

— Venho aqui para trabalhar cerca de uma vez por mês


— diz ela. — Aqui e em Jersey. E eu sempre fico naquele hotel.
— Ela aponta para a porta ao lado. — Talvez você tenha me
visto de passagem?

— Esta é a minha primeira vez aqui.

E eu só parei em porque eu estava no meu caminho para


casa da minha irmã no 72nd teria necessárias para matar
algum tempo extra desde que ela estava atrasada.

Ela bebe seu vinho, que já está na metade. Talvez ela


tenha um lugar para estar.

12 Serendiptismo ou ainda Serendipitia, é um anglicismo que se refere às descobertas afortunadas


feitas, aparentemente, por acaso.
Observo cada centímetro dela, desde a sarda em seu nariz
até a linha quadrada de sua mandíbula e seu tornozelo nervoso
e saltitante. Meu olhar muda para o pulso esquerdo em busca
da tatuagem do meu sonho, mas está coberto pela manga da
blusa.

— Você é daqui? — Ela pergunta. Cada palavra que sai


de seus lábios almofadas envia arrepios reverberando para
cada parte de mim.

— Eu sou.

— E o que você faz? — Ela pisca duas vezes. Eu poderia


me perder naqueles verdes brilhantes por dias.

— Advogado de divórcio. Você? — Eu pergunto.

— Eu sou uma atuária.

Ela não me parece alguém que se senta atrás de uma


mesa e brinca com números o dia todo. Suponho que imaginei
alguém um pouco mais pálido. Alguém em um terno chato de
três peças. Alguém alérgico a sorrir. Personalidade zero.

— O que fez você querer se tornar um advogado de


divórcio? — Ela toma outro gole.

— É uma história longa e chata — minto. Não vou contar


a ela sobre o casamento de merda dos meus pais. Ninguém se
preocupa com isso. Além disso, estou mais interessado em
conhecê-la. — Você é muito mais jovem do que a maioria dos
atuários que conheço.
— Eu acelerei. — Ela gira o vinho restante em seu copo
antes de congelar e colocá-lo na mesa rapidamente. Virando-
se para mim, ela coloca a mão na parte superior do balcão. —
Espere. Oh, meu Deus. Eu sei por que você parece familiar.

— O que? Como? — Meus ouvidos queimam enquanto


espero. Nunca na minha vida estive tão estupefato, tão incapaz
de pronunciar mais do que algumas merdas de palavras, mas
aqui estou eu, paralisado, em total admiração com um lado de
descrença. — Como nos conhecemos?

Sua boca em forma de coração se curva em um canto.

— Nós nos conhecemos no início deste ano. Em um bar.


Você deu em cima de mim.

Suas palavras não fazem sentido. Não no começo.

— Sinto muito, acho que me lembraria de dar em cima de


alguém como você.

— Uau. — Suas sobrancelhas levantam e ela toma um


gole. — Eu sou boba por pensar que você se lembraria depois
daquele golpe de boca cheia que você me deu.

— Golpe? Do que você está falando?

— Você me disse que poderia durar mais de sete


minutos... que você poderia me dar um orgasmo... que você
queria saber qual era o gosto da minha boca... — Ela está
corando, escondendo um meio sorriso envergonhado.
Isso soa exatamente como o tipo de coisa que eu teria dito
antes.

— Sinto muito — eu digo.

— Desculpe? Pelo quê?

— Sinto muito por ter chegado em você assim.

Sua cabeça se inclina e seu cabelo escuro cai sobre um


ombro.

— Não sinta. Não é como se você tivesse algum motivo.


Eu não gosto de estranhos, lembra? Espera. Você não se
lembra de ter dado em cima de mim, então definitivamente não
se lembra da minha postura em uma noite...

Eu tomo um gole de uísque e me sento.

— Quando nos conhecemos? — Eu pergunto.

Sua sobrancelha levanta e ela estuda a parede atrás de


mim.

— Fevereiro. Pensei que parecia uma vida atrás neste


ponto.

Seu olhar cai para o quarto dedo de sua mão esquerda,


que está nua, mas mostra as marcas de um anel. Meu coração
afunda e sinto a cor sumir do meu rosto a cada segundo, mas
mantenho minha compostura.

— Você está casada agora? — Eu engulo o caroço na


minha garganta e limpo minha garganta.
Ela bebe o resto de sua bebida.

Meu coração está pesado e arrítmico, e meu peito se


contrai. Parece uma eternidade antes que ela reaja
remotamente à minha pergunta.

Ela acena com a cabeça, as pálpebras pesadas e o olhar


apontado para a taça de vinho diante dela.

— Estou tecnicamente noiva, mas estou planejando


terminar.

Eu solto uma respiração difícil. Óbvia. Alta.

— O que você está esperando?

Ela se vira para mim com olhos verdes vítreos.

— Você já partiu o coração de alguém antes?

— Mais vezes do que posso contar.

— Bem, eu não. Não assim. — Diz ela. — Ele é louco por


mim. Ele se casaria comigo amanhã se eu deixasse. E ele é tão
bom para mim. Tão doce. Tenho que desapontá-lo lentamente.
Tenho que lidar com isso com dignidade. É o mínimo que posso
fazer.

— Arranque a porra do Band-Aid. Confie em mim, vocês


dois ficarão melhores no final. Não faz sentido arrastar o
inevitável.

Seus lábios tremem e ela oferece um sorriso agridoce.


— Você faz isso parecer tão simples.

— Não é mesmo? Se você não quer se casar com ele, diga


a ele. — Então você pode se casar comigo...

— Ele é uma pessoa. Ele tem um coração. Estou


tratando-o da maneira que gostaria que ele me tratasse.

— Com luvas de pelica? — Eu bufo.

— Com compaixão e respeito pelos seus sentimentos.

Seu telefone acende ao lado dela com uma chamada,


embora eu não pegue o nome no identificador de chamadas
antes que ela o tire.

— Merda. Na verdade, é ele. Eu tenho que ir.

Procurando em sua bolsa, ela pega uma nota de vinte e a


coloca na parte superior do balcão antes de deslizar da cadeira
e jogar a jaqueta sobre o braço e a bolsa sobre o ombro.

— Espera. — Eu fico de pé.

— Sinto muito, foi um prazer conhecê-lo – de novo. — Ela


acena distraidamente antes de desaparecer porta afora. Assim
que ela sai, ela leva o telefone ao ouvido e desaparece na
multidão de turistas reunidos em torno de uma limusine preta.

Eu arrasto minha mão pelo meu cabelo e me sento,


murcho.

Eu nunca soube o nome dela.


Mas ela é real.

Ela existe.

Eu pago minha conta e reservo na parte alta da cidade,


quase batendo na porta de Claire quando eu chego.

Ela responde com a mão no quadril.

— Cara, relaxa. O que está acontecendo? Por que você


está...

Eu me exibo.

— Ela é real, Claire. Ela é real. Acabei de conhecê-la.

— O que? — Ela tranca a porta atrás de mim. — Quem é


real?

— A garota. A garota daquele sonho.

— Aquela com a tatuagem? — Ela pergunta.

Porra. Nunca tive a chance de verificar, mas sei que era


ela.

Eu sei que era.

Eu sei disso com cada fibra da minha alma fodida.

— Sim — eu digo. — Ela.

As sobrancelhas de Claire se estreitam enquanto ela me


estuda, e então ela coloca a palma da mão na minha testa.

— Você está se sentindo bem?


— Por favor, não me ampare agora.

— Você conseguiu o nome dela? — Ela se senta no sofá,


ajustando a montanha de almofadas atrás dela.

— Não.

— Você pelo menos falou com ela?

Eu belisco a ponte do meu nariz.

— Sim. Conversamos por cinco, talvez dez minutos. Eu


não sei. Minha mente estava indo a um milhão de milhas por
hora. Aconteceu tão rápido. E então ela atendeu uma ligação e
teve que sair.

— Onde você a encontrou?

— No bar anexo ao Mondauer Hotel, em Midtown. Disse


que estava na cidade a trabalho e que sempre fica por lá. Mas
veja só – nós nos conhecemos antes. Logo antes do acidente.
Não me lembro, mas ela diz que sim.

Claire fica quieta por um momento e, sem dizer uma


palavra, segue pelo corredor até o escritório de Luke. Segue-se
o clique da porta fechando.

Eles estão falando sobre mim, tenho certeza.

Aposto que ela pensa que perdi a porra da cabeça. E


talvez eu tenha.

Um momento depois, os dois emergem – de mãos dadas,


uma frente unida.
— Acho que devemos ligar para o Dr. Shapiro — diz
Claire.

— O que? Não. Absolutamente não.

— Eu poderia ligar para meu primo? Ele é um psiquiatra


em Seattle. — Luke oferece.

Claire puxa seu telefone.

— Na verdade, achei este artigo muito interessante sobre


déjà vu outro dia. Deixe-me ver se consigo encontrar. Dizia algo
como quando pensamos que estamos repetindo um evento, na
verdade são apenas os loops de memória em nosso cérebro
sendo disparados. Ou algo assim. Dois segundos.

— Isso não é déjà vu, Claire. Esta é a porra da vida real.


— Eu ando de um lado para o outro no piso de parquet pré-
guerra de sua sala de estar. — Você sabe o que... esqueça.
Esqueça o que eu disse.

Os dois trocam olhares preocupados.

Eles querem ajudar. E eles têm boas intenções. Mas não,


porra, obrigado.

Posso fazer isso sozinho, se for preciso. Eu posso


encontrá-la. Eu posso entender tudo isso. E não preciso do Dr.
Shapiro na discagem rápida para fazer isso.

— Nós provavelmente deveríamos ir se vamos fazer nossa


reserva para o jantar. — Claire diz. — Podemos conversar mais
sobre isso durante as bebidas, se você quiser...
— Não. Eu preciso voltar para o Mondauer.

Claire ri.

— E fazer o que? Ficar no saguão como um perseguidor?

— Não. Estarei no bar.

— Então nós vamos com você. Vamos apenas cancelar


nossas reservas — ela diz, virando-se para Luke. — Certo,
baby?

— Claro. — Luke diz. — Adoraria conhecer pessoalmente


esta mulher misteriosa.

— Porque você não acredita em mim... — Eu reviro meus


olhos quando eles não estão olhando.

— Cainan. — Claire vem para o meu lado, pegando minha


mão. — Coloque-se no nosso lugar. Se eu batesse minha
cabeça, acordasse e dissesse que era casada com o rei da
Jamaica e seis meses depois dissesse que o encontrei em um
bar em Manhattan... você me diria que eu estava
completamente louca e você me internaria.

Ela não está errada.

— É melhor vocês irem — eu digo —, ou levará três meses


antes que vocês consigam outra mesa no Centro Pietro.

Com isso, eu vou embora.

Pego um táxi de volta ao bar.


E espero por ela até a hora de fechar.

Mas ela nunca aparece.


— Você terá que me informar se houver alguma vaga na
filial de Phoenix. — Minha correspondente de Manhattan,
Maya Delgado, diz com seu sotaque forte na manhã de quarta-
feira durante o almoço.

Carly ficaria orgulhosa – estou comendo em um


restaurante que nunca experimentei antes e me mudei para
um novo hotel só para tentar algo diferente, para variar.

— Você está querendo se mudar? — Eu pergunto. Meu


olhar se move para o meu dedo anelar nu. Deixei o anel em
casa antes de voar para cá. Foi um movimento não intencional.
Eu estava lavando meu rosto e me sentei ao lado da pia. Eu já
tinha passado pela segurança do aeroporto na terça de manhã
quando percebi que tinha esquecido de colocá-lo de volta.

Ela gira um monte de linguine com molho de pesto em


uma colher.

— Meus avós moram em Mesa. Eles estão na casa dos


oitenta e Vovó não está se saindo bem. Já perdi um casal de
avós e meu maior arrependimento foi não ter passado mais
tempo com eles. Seria bom se eu pudesse ficar mais perto,
sabe? Pelo menos temporariamente. Nova-iorquina pelo resto
da vida, baby.

Ela coloca um punho sobre o coração e faz um sinal de


paz.

— Sim. — Limpo minha boca com um guardanapo de


pano. — Não sei se haverá alguma abertura em breve..., mas
talvez pudéssemos trocar de lugar? Talvez por alguns meses
ou algo assim?

— Sério? — Os olhos de Maya sorriem antes que sua boca


o faça. — Você faria isso por mim?

Eu concordo.

— Sim, por que não?

Quem sou eu agora?

Eu rio para mim mesma.

Sou uma louca, é isso.

— Teríamos que esclarecer isso com o RH e alguns dos


superiores, mas não acho que seria um problema. Fazemos os
mesmos trabalhos. E podemos manter nosso número de casos.
Seremos apenas escritórios comerciais essencialmente — eu
digo. — Talvez possamos começar no final do mês? Vai até o
final do ano?
Eu verifico meu relógio. A entrevista do primeiro
candidato é em duas horas. A segunda entrevista é amanhã.
Brenda, da Fairway Recruiting, conseguiu alinhar um terceiro
para esta manhã de sexta-feira, cinco horas antes de eu voar
de volta para casa.

— Você percebe que estaria trocando os melhores meses


de clima em Phoenix por alguns dos piores meses de Nova
York, certo?

Dando de ombros, digo: — Sempre quis ver Nova York nas


férias. Seria bom experimentar um Natal branco também.

— Tudo certo. — Maya bebe sua água e levanta as


sobrancelhas escuras. — Vamos fazer isso.

No caminho de volta para o escritório, passamos pelo


pequeno bar conectado ao meu hotel original e penso no cara
de ontem, aquele que me deu em cima de mim em um bar em
Hoboken no início deste ano. Havia algo diferente nele.
Quietude, talvez falta de agressão sexual? Ele continuou me
estudando. E ele alegou não ter nenhuma lembrança de
alguma vez me encontrar antes, de nunca ter dado em cima de
mim.

Minhas bochechas esquentam pelo próximo quarteirão


quando eu percebo que talvez eu tenha encontrado o cara
errado.

Talvez ele não fosse o mesmo do bar?


Quando voltamos para o escritório, eu saio dessa. Era
definitivamente o mesmo cara.

Eu nunca poderia esquecer aquele queixo esculpido ou


aquele olhar de cobre iridescente.

Mas é só quando estou sentada que me lembro das


palavras que ele me disse quando me afastei dele na primeira
noite em que nos conhecemos: Na próxima vez que nos
encontrarmos, não seremos estranhos.

Nunca pensei que haveria uma próxima vez.

Estou disposta a apostar que ele se sentia da mesma


maneira.

— Foi apenas uma conversa informal — sussurro para


mim mesma, enquanto me preparo para a nossa primeira
entrevista. — E isso não significava absolutamente nada.
— Sr. James? — Minha assistente diz no alto-falante na
sexta de manhã. — Tenho Grant Forsythe para você na linha
três.

— Obrigado. — Eu pego o receptor e resmungo um alô ao


telefone.

— Você soa como um idiota. Qual é o seu problema? —


Ele pergunta.

Estou perdendo a cabeça. Esse é o problema.

Terça, quarta e quinta fiquei no bar do hotel até o


fechamento, esperando, orando, esperando e desejando que
aquela mulher voltasse – mas ela nunca voltou.

E em uma cidade de quase dois milhões de habitantes,


não havia como encontrá-la. Além disso, pelo que eu sabia, ela
voou de volta para o lugar de onde era.

— Recebeu o meu e-mail? — Grant pergunta.

Eu me viro para a tela do meu computador, o brilho


queimando meus olhos cansados.
— Sim.

— E?

— Ainda não tive tempo de revisar isso — digo.

— Semana difícil? — Ele ri no receptor.

— Algo parecido.

— Tudo bem, legal. Entendi. Nem todo dia pode haver


arco-íris e sol... a menos, você sabe, que você more em algum
lugar que realmente tenha sol na maioria dos dias do ano —
diz ele. — De qualquer forma, eu examinei o pré-nupcial clichê
que você enviou e fiz algumas anotações. Eu não tinha certeza
se havia uma maneira de abordar os ativos pós-maritais de
uma maneira mais... sutil? Como agressivo, mas não
agressivo?

Eu clico duas vezes no anexo em seu e-mail. A letra dele


sobre o meu contrato digitado é quase impossível de decifrar,
então eu amplio.

— Então, o pai dela é um gato gordo imobiliário


residencial ridiculamente rico — diz ele. — As estimativas o
colocam em pouco menos de meio bilhão de dólares de
patrimônio líquido.

— E você quer ter certeza de que receberá um pedaço


disso se o casamento desmoronar?

— Quer dizer... digamos que estejamos casados há 20


anos, seus pais morrem e ela ganha um quarto disso, já que
tem três irmãos — diz ele. — Eu quero ter certeza de que não
vou embora de mãos vazias.

— E por que você teria direito à fortuna dos pais dela?

— Porque estou prestes a dobrar para eles — ele responde


sem hesitação. — Tenho conversado com o pai dela sobre a
transferência de suas contas financeiras e de ganhos de capital
de longo prazo para minha empresa. Depois que ele assinar
comigo, só as taxas anuais de administração podem chegar a
sete dígitos. Ele poderia ser minha única conta e eu estaria
bem. Praticamente aposentado.

— Eu vejo.

— Vou fazer daquele bastardo rico um bastardo ainda


mais rico e quero ter certeza de que tudo será alocado de
maneira justa – sem sair do lugar...

— ...sem parecer um idiota egoísta?

— Cain, pare... — ele exala ao telefone, dramático e


exausto. — Você sabe o que é não ter nada. Para vir do nada.
Não estou tentando roubar nada. E para que fique registrado,
eu trato essa mulher como a maldita rainha que ela é.

— Exceto pela parte em que você voou para Nova York


uma vez por semana e ficou com Serena McQuiston...

— Eu não sou perfeito. — Ele bufa. — E eu te disse da


última vez, terminei com Serena. Estou levando essa coisa de
noivado a sério.
Últimas palavras famosas...

— Você percebe que há uma cláusula de traição neste


acordo pré-nupcial — eu o lembro. É padrão. Eu mantive isso
sabendo muito bem que ele iria encobrir porque eu esperava
que eu pudesse trazer isso pessoalmente. De melhor amigo
para melhor amigo, ainda não acho que ele está tomando a
decisão certa, mas, infelizmente, não é minha decisão.

— Podemos tirar isso?

— Ela vai notar se não estiver lá. Os cônjuges sempre


notam. Se ela levar isso para seu próprio advogado, eles
também notarão. E com o palavreado que você quer que eu
acrescente, qualquer advogado com meia célula cerebral pode
ver que essa coisa é generosamente dada a favor do marido.

— Droga. Ok. Seja criativo então.

— Você quer que eu escreva um acordo pré-nupcial que


pareça justo à primeira vista, mas que secretamente lhe dê
uma saída para que você possa trair e ainda assim ser um
bastardo rico no final. — Eu belisco a ponte do meu nariz. Eu
faço esse tipo de merda o tempo todo para outros clientes. Não
deveria ser tão difícil fazer isso pela porra do meu melhor
amigo. Mas há um peso na boca do estômago. Uma hesitação.

— Exatamente.

Meu celular vibra ao lado do mouse do meu computador.


— Grant, minha irmã está ligando. Deixe-me retornar
para você sobre isso mais tarde. — Devolvo o fone ao gancho e
atendo a ligação de Claire. — E aí?

— Ei! Então sua festa é no próximo fim de semana...

— Sim?

— Mas tivemos um punhado de convidados que


originalmente confirmaram que sim, mas desde então tiveram
que cancelar…

Eu me inclino para trás.

— Ok. E você está me dizendo isso por quê?

— Bem, o convite para a festa está no Facebook — diz ela.


— E você não tem mais uma conta no Facebook. Mas muitas
pessoas estão postando fotos antigas de você neste grupo,
escrevendo votos de boa sorte e fazendo perguntas sobre você.
Só acho que você deve reativar sua conta para poder responder
a alguns deles.

— Não.

— Uma semana — ela diz. — Reative-o por uma semana,


então você pode desativar novamente.

— Não.

Ela ri.

— Então me dê sua senha e eu a reativarei e postarei por


você.
— Completamente não.

— Sério. Algumas dessas fotos aqui são extremamente


hilárias. Esqueci que você costumava fazer mechas. Você
parecia um cara de uma boyband. E lembra quando você
costumava se bronzear o tempo todo?

Bom Deus.

— Quem diabos postou isso?

— Se você se conectasse, veria...

Eu gemo.

— Oh, e você viu a nova noiva de Grant? Ela é


incrivelmente linda. Eles vão fazer bebês lindos algum dia. Eles
parecem muito felizes juntos.

Eu mordo minha língua, incapaz de dizer a ela sobre a


tentativa de Grant de foder com ela neste acordo pré-nupcial.

— Oh! Tenho que ir. Luke está apitando. — Minha irmã


encerra a ligação e eu recuo, arrastando uma respiração
irregular enquanto toco no ícone da App Store e baixo
novamente o aplicativo do Facebook que abandonei uma vida
atrás.

Três minutos depois, estou conectado e bem-vindo de


volta.

Percorro centenas de notificações até encontrar o convite


para a festa e o aceito.
Uma enxurrada de imagens, a maioria delas mais antigas
do que a porra do tempo e seriam constrangedoras como o
inferno se eu fosse o tipo de cara que dá a mínima para o que
as pessoas pensam de mim.

No meio da página, clico em uma imagem que Grant


postou onze horas atrás – um de nós dois em Londres em nosso
último ano de faculdade, quando tínhamos uma competição
para ver quantas garotas inglesas conseguiríamos conquistar.
Só para constar, ele ganhou porque seus padrões eram
indiscutivelmente mais flexíveis do que os meus. Mas até hoje,
fico duro sempre que ouço uma bela mulher falar com a
pronúncia correta.

Eu sorrio com o quão jovens, idiotas e pobres éramos na


época.

Nunca teria acreditado que chegaríamos tão longe em tão


pouco tempo, mas aqui estamos...

Eu clico no perfil de Grant para verificar suas fotos, já


que Claire disse que sua noiva era linda de morrer e eu gostaria
de ver o rosto da mulher que estamos prestes a foder – devo
concordar em destruir meu moral.

Espero encontrar uma estranha genericamente bela com


um brilho bronzeado e desespero emanando de seu corpo na
forma de seios falsos e um vício em exercícios – porque
historicamente esse é o tipo de Grant.
Apenas a mulher sorrindo de orelha a orelha em sua foto
de perfil, com os braços em volta dos ombros de Grant
identificados como Brie White... é a mulher do bar na semana
passada – que também passou a ser a mulher do meu sonho.

E agora ela está se casando com meu melhor amigo.

Eu afundo de volta. Eviscerado. Vazio.

Ela me disse no bar que planejava deixar o noivo – mas


agora que sei que é Grant e agora que sei como ele está sedento
por um gole da fonte de riqueza de sua família... ele nunca vai
deixar isso acontecer.

E mesmo que o fizesse, não mudaria o fato de que eu


nunca poderia tê-la.

Eu nunca faria isso com ele.

Nenhuma quantidade de justificativa mudará o fato de


que ela está fora dos limites.
Volto para meu apartamento na sexta à noite com toda a
intenção de jogar minha mala no armário para guardar mais
tarde, desarrolhar uma garrafa de vinho suave e tomar o banho
mais quente e borbulhante da história da humanidade
enquanto me livro da sujeira do aeroporto. Quando eu tivesse
acabado com tudo isso, eu pretendia totalmente rastejar para
a cama sozinha e me perder no livro que comecei no avião, mas
não tive tempo de terminar graças ao homem tagarela do outro
lado do corredor.

Só que sou saudada com Grant em um terno azul-


marinho, carregando um buquê de duas dúzias de rosas rosa-
gelo embrulhadas em papel ouro rosa e amarradas com uma
fita de renda.

— Surpresa, baby. — Ele se aproxima para um beijo, sua


mão estacionando no meu quadril enquanto ele me inspira e
prova meus lábios. — Senti sua falta.

— Você não precisava fazer tudo isso... — Pego o extenso


buquê e deixo minha bolsa na porta. — Eu pensei que não
íamos nos encontrar até amanhã?
— Eu não podia esperar outro dia. — Ele me leva para a
sala de estar, onde duas mesas de massagem estão cobertas
por lençóis e duas massagistas nos cumprimentam com
sorrisos. Entregando-me um manto, ele diz: — Vá se trocar,
querida. Depois disso, entregarei seu jantar favorito de Hollow
Tree, então pensei que poderíamos assistir aquele filme indie
que você está querendo ver.

Eu tenho que reconhecer que Grant vai ser um marido


incrível para alguém algum dia. Uma quantidade
impressionante de pensamento e previsão está presente em
cada gesto seu.

Eu escapo para o meu banheiro, me refresco e coloco um


robe.

Mas na hora que se segue, estou silenciosamente grata


por não ter que olhar nos olhos do homem cujo coração estou
prestes a quebrar.
O nome dela é Brie White.

O dia todo, tenho repetido essas duas palavras em minha


cabeça em um loop. Como um mantra.

Tanta porra de branco...

Quando acordei no hospital, tudo ao meu redor estava


branco.

É uma coincidência, tenho certeza. White é um


sobrenome comum. É ainda mais comum como cor,
principalmente no que diz respeito a hospitais.

Tranco meu escritório na sexta à tarde e passo por


Paloma ao sair.

— Vou tirar o resto do dia.

Estou muito nervoso para fazer qualquer coisa.

Eu preciso de ar. Eu preciso dar um passeio. Eu preciso


de uma bebida. Inferno, talvez até a porra de um cigarro com
um lado de Ativan – qualquer coisa para me acalmar para que
eu possa entender isso.

Grant disse que a conheceu no hospital, que foi ela quem


viu meu acidente e ligou para o 9-1-1. Não só isso, mas ela
seguiu a ambulância e ficou na sala de espera... que era onde
se encontrou com ele.

Mas, de acordo com Brie, nos conhecemos antes daquela


noite fatídica.

Eu a vi primeiro. Eu a queria primeiro. Eu coloquei minha


atenção nela primeiro – mesmo que eu não me lembre de nada.
E agora, nada disso importa.

Ninguém nunca disse que a vida seria justa.

Mas ninguém disse que ia ser cinquenta tons de merda.


O lado de Grant na cama está vazio na manhã de sábado.
O cheiro de café sopra da cozinha para o meu quarto através
da porta entreaberta. Mas a casa está silenciosa. Ele não está
fazendo café da manhã. Ele não está assistindo ao noticiário
na sala de estar. Ele não está clicando em seu laptop.

Eu me arrasto para fora da cama, me refresco e o


encontro sentado à mesa da cozinha, de frente para a porta de
vidro deslizante para o pátio dos fundos.

Ele está imóvel, exceto pela lenta ascensão e queda de


seus ombros.

Ele queria fazer amor ontem à noite, mas eu o rejeitei. Eu


disse a ele que estava cansada. Ele me beijou e rolou, dormindo
profundamente em questão de minutos enquanto as rodas na
minha cabeça giravam com mil pensamentos carregados de
culpa.

Talvez ele sinta que estou me afastando? Talvez ele saiba


o que está em jogo para nós.

Eu tenho que acabar com isso.


Não é certo prolongar, atrasar o inevitável. Originalmente,
planejava ir com ele à festa de Cainan no final desta semana,
pois as passagens já foram compradas, mas não quero me
sentir como uma fraude, interpretando o papel de noiva
amorosa quando, na verdade, estou a dois segundos de
cancelar a coisa toda no instante em que estivermos de volta
ao solo do deserto.

— Ei. — Eu vou até a cafeteira e me sirvo de uma caneca.


— Você está bem aí?

Não é típico dele ser tão taciturno, tão paralisado.

Finalmente, ele se move, com a cabeça virada para o lado.

— Ei.

Eu me sento ao lado dele e limpo minha garganta.

— Eu queria falar com você sobre uma coisa.

Eu envolvo meus dedos trêmulos em torno da cerâmica


quente. Sempre odiei confronto, odiando ferir pessoas.

Respirando fundo, ele se vira da porta de vidro e me


encara. É então que pego a umidade em seus olhos escuros e
a lágrima espessa escorrendo por sua bochecha.

— Meu pai morreu esta manhã. — Diz ele.

Grant enterra a cabeça nas mãos, sacudindo os ombros


a cada soluço silencioso.

— Oh, meu Deus. — Eu vou para ele.


Eu o envolvo em meus braços.

Ele pode não ser o homem com quem quero me casar,


mas ainda significa algo para mim.

E não sou estranha à perda.

— Eu sinto muito — eu sussurro enquanto o seguro.

— Teve um ataque cardíaco durante o sono... eu... acabei


de falar com ele há dois dias... ele e minha mãe estavam se
preparando para fazer um cruzeiro nas Bahamas... ele parecia
ótimo... ele... — As palavras de Grant se transformam em nada.

Eu o envolvo com mais força.

Não conto a ele sobre minha decisão de me mudar para


Nova York. Agora não é a hora.

Em vez disso, engulo o discurso do rompimento que


repassei uma dúzia de vezes na minha cabeça enquanto ele
dormia a noite toda.

Não posso chutar o homem quando ele está caído.


— Muito obrigado por ter vindo. — A mãe de Grant me
envolve em um abraço com aroma de lilás em pó que me leva
de volta a minha juventude. Um vestido preto como breu
abraça sua figura agradavelmente rechonchuda, e ela
complementa com um colar de cruz de ouro e olhos marejados.

O lugar está lotado, multidões de visitantes caminhando


em direção ao corpo sem vida do pai de Grant na frente da
igreja, seu caixão rodeado por uma centena de arranjos florais
e vasos de lírios da paz.

Se eu tiver metade do comparecimento no meu funeral,


morrerei como um homem de sorte.

— Oh, eu queria que você tivesse uma dessas. — Ela


estende a mão em direção a uma mesa atrás dela e pega uma
flor na lapela azul e branca, prendendo-a na lapela da minha
jaqueta com as mãos trêmulas. — Aí está. Você era como um
segundo filho para ele. Você merece ser reconhecido como tal.

— Obrigado, Georgette.
Michael – Big Mike – Forsythe era um filho da puta durão
que faria qualquer coisa por qualquer um. Ele sobreviveu a
dois ferimentos nas costas em sua carreira como capataz de
construção. Um acidente de barco na adolescência. Uma luta
com câncer de pulmão em estágio inicial. E uma embolia
pulmonar há dez anos. Mas, no final, um ataque cardíaco o fez
descansar aos 63 anos – um ano e dois meses depois de se
aposentar.

— Eu sinto muito por sua perda — eu digo. — Realmente


vou sentir falta dele.

A culpa corrói minhas entranhas. Eu deveria ter passado


mais tempo com eles. Enquanto crescia, eu pensava neles
como meu segundo casal de pais, embora secretamente
desejasse que fossem meus primeiros e únicos.

Ela enxuga uma lágrima antes de passar a mão pelo meu


braço.

— Eu também.

— Como está Grant? — Só estou aqui há alguns minutos,


mas ainda não o encontrei. Quando ele me ligou há dois dias
e me deu a notícia, ele parecia entorpecido e toda a ligação
durou menos de sessenta segundos antes de ele dizer que
tinha que ir.

Seus lábios finos pressionados.

— Ele está tentando permanecer duro. Você sabe como


ele é.
— Eu sei.

— A última vez que o vi, ele estava na biblioteca da igreja


conversando com nosso pastor. — Ela aponta para um
corredor à esquerda. — Brie está com ele. Você já a conheceu?

Não sei como responder a essa pergunta de maneira


concisa e descomplicada, então balanço minha cabeça.

— Oh, Cainan, ela é a coisa mais doce. — Georgette


aperta o coração, um lenço amassado na mão. — Você vai amá-
la.

A ironia de suas palavras não passou despercebida.

— Vou ver se consigo localizá-los — digo. — Avise-me se


precisar de alguma coisa, certo? Estou a menos de uma hora
daqui.

Deixo Georgette enquanto ela cumprimenta um casal


mais velho, e eu faço o meu caminho para o corredor para
localizar o meu melhor amigo e sua noiva. Meu coração dá um
salto na garganta a cada passo. A voz inconfundível da minha
irmã sai da outra sala. Mais à frente, um grupo de caras com
quem costumávamos correr no colégio forma um círculo,
metade deles quase irreconhecível graças ao cabelo ralo e
barrigas de cerveja salientes.

Mais à frente, vejo Grant por uma porta aberta. Há uma


mulher em seu braço. Brie, obviamente, embora eu não
consiga ver seu rosto daqui.
Meu estômago dá um nó a cada passo que me aproxima.

O pastor se exibe.

Eu permaneço na porta, os dois alheios enquanto ela


segura seu rosto com as mãos e sussurra algo para ele. Doce,
terno. Compassivo.

É um momento especial, que me destrói de dentro para


fora por uma infinidade de razões complicadas e
contraditórias.

— Ei... — Eu interrompo o momento deles porque ficar


aqui por mais tempo seria assustador.

Eles se voltam para mim em uníssono, uma equipe.

Os olhos de Grant brilham quando ele me vê.

Brie solta um suspiro silencioso, mas seu noivo


preocupado não parece notar.

— E aí, cara. Obrigado por ter vindo. — Meu melhor


amigo não me dá seu famoso aperto de mão-abraço de lado e
seus olhos são de um tom opaco de castanho, os brancos
injetados como se ele estivesse chorando.

Conheço o cara há quase vinte e cinco anos e nunca o vi


derramar uma única lágrima – exceto quando os Ravens
derrotaram o 49ers no Super Bowl XLVII e ele perdeu cinco mil
dólares para um cara no trabalho.
— Brie, este é Cainan. — Ele desliza a mão em volta da
cintura dela e a puxa em um círculo improvisado. Ou é um
triângulo?

— É bom ver você de novo, Cainan. — Seus cachos


chocolate brilhantes saltam a cada passo relaxado. E ela
estende a mão. — Está muito diferente da última vez...

Eu aperto os olhos, confuso, até que percebo que ela está


se referindo à noite do meu acidente – o que significa que ela
está ignorando completamente nossa breve troca no bar duas
terças-feiras atrás. Nós não flertamos. Não fizemos nada de
errado. Inferno, nós nem mesmo trocamos nomes. Não consigo
imaginar nenhum motivo para ela se sentir culpada – a menos
que se sinta atraída por mim e tenha decidido não cancelar o
noivado.

— Obrigado. — Eu deslizo minha palma contra a dela, me


preparando para o choque elétrico que se segue quando eu
pego meu olhar em sua boca em forma de coração – aquela que
nunca poderá ser minha. — Grant me contou o que você fez e
estou extremamente grato.

— Estou feliz que você esteja bem. — Seus olhos verdes


brilhantes seguram os meus e sua voz é suave como uma
biblioteca. — Eu vou deixar vocês dois conversar. Vou ver se
Georgette precisa de alguma coisa.

— Obrigado, baby. Eu te amo muito. — Grant aperta a


mão dela enquanto ela se afasta.
Eu te amo muito...

Minha mandíbula está cerrada quando uma dor de


cabeça de tensional se forma.

— Ela é incrível, não é? — Grant pergunta. Seu olhar cai


enquanto a observa ir, e ele morde o lábio, embora eu não ache
que ele perceba que está fazendo isso.

Os velhos hábitos são difíceis de morrer.

— Sim. Vocês dois parecem realmente... em sincronia.

Suas sobrancelhas sobem e ele coça a têmpora.

— Não sei como tive tanta sorte.

Nossa recente conversa pré-nupcial flutua em minha


mente. Resisto à vontade de perguntar se ele está se referindo
a ela... ou ao dinheiro de seu pai.

— Você está bem? — Eu mudo de assunto. — Sinto muito


pelo seu pai. Ele foi um dos melhores.

— Obrigado, cara. — Ele concorda. — É difícil, mas é levar


as coisas um dia de cada vez. Isso é tudo que você pode fazer.
Pelo menos ele conheceu Brie. Esse é o pequeno consolo que
encontrei em tudo isso.

— Sim? Ele gostou dela?

— Psh. Não. Ele a amava. Ele é quem me disse para


prendê-la — ele diz com uma risada com lágrimas nos olhos.
— Me disse que uma mulher assim só aparece uma vez na vida,
se você tiver sorte. — Grant dá de ombros. — Acho que depois
de assistir ao que você passou e conversar com meu pai,
percebi que queria mais para mim. Uma esposa que me ama
como minha mãe amava meu pai. Alguns filhos. Férias em
família. Todas essas coisas.

Não posso deixar de me perguntar se ele estava ficando


poético sobre sua vida de sonho enquanto estava mergulhado
em Serena McQuiston, mas guardo essa pergunta para mim.

O homem acabou de perder seu pai.

Ele está se sentindo nostálgico e melancólico.

Vou deixá-lo ter seu momento.

— Desculpe. Desculpe interromper — uma mulher mais


velha em um terno risca de giz está na porta. — Estamos
prestes a iniciar o serviço.

Grant me dá um aceno de boca fechada.

— Eu deveria encontrar minha garota. Oh, e ei. Ainda


estamos prontos para sexta-feira.

— Sexta-feira?

— Sim. Sua festa...

— Vocês ainda estão vindo? — Eu apertei os olhos.

— Claro que estamos indo. Você é meu melhor amigo. Não


perderia por nada no mundo.
Uma risada rouca explode da cozinha e preenche toda a
casa da infância de Grant. Ele, seus tios e primos estão
jogando cartas, enquanto sua mãe serve uma fila de sobras
reaquecidas que vizinhos e amigos têm deixado para trás
durante toda a semana.

Estou sentada na sala da frente em um sofá floral com


almofadas xadrez. Uma foto de Terry Redlin adorna a parede
atrás de mim e uma lâmpada de canto de bronze emite um
brilho aconchegante enquanto eu folheio um dos álbuns de
fotos que sua mãe deixou sentado.

Grant teve uma infância feliz, pelo que posso dizer.


Muitas viagens para a praia. Festivais. Eventos sociais com
sorvete em Quatro de Julho. Festas de aniversário coloridas
com palhaços alugados. Família e amigos em abundância.
Crescendo com quatro irmãs, não consigo entender a vida de
filha única.

Não tive a chance de perguntar se ele era filho único por


opção e, dado o fato de que enterramos seu pai apenas ontem,
não parece que seria uma pergunta apropriada a se fazer em
um futuro próximo.

Fecho o álbum cor de vinho e pego o menor com a capa


azul-claro. A primeira foto dentro é do dia do casamento de
Mike e Georgette. Eles são quase irreconhecíveis com seus
rostos cheios e jovens, olhos arregalados e cabelos grandes,
mas eu sorrio, feliz por eles enquanto folheio suas memórias.

Se eu tiver metade do que esses dois tinham, me


considerarei uma sortuda.

— Ei. Aí está você. — Grant está do outro lado da sala. —


Estava procurando por você. Pensei que talvez você estivesse
lá em cima. Mamãe queria saber se você estava com fome?

Uma explosão de risadas flui do corredor.

Muitos dos eventos desta semana me levaram de volta à


morte de Kari há cinco anos.

O telefonema que você nunca quer receber.

As lindas flores que parecem nunca parar de vir.

O cheiro de comida que foi reaquecida muitas vezes.

Perfume. Lenços de papel. Lágrimas.

As frases em cartão-postal que todos dão uns aos outros


porque nunca sabemos realmente o que dizer em situações
como essa.
Uma onda de emoção residiu em meu peito durante toda
a semana. E pretendo mantê-la lá. Nada disso é sobre mim.

— Vou pegar um prato daqui a pouco — digo.

— O que você está fazendo aqui sozinha, afinal? — Seu


olhar cai para o álbum de casamento no meu colo. Antes de eu
responder, ele se senta ao meu lado, tira o álbum de fotos de
minhas mãos e começa a folhear as páginas cobertas de
plástico. — Eu não vejo isso há anos... uau. Veja como eles
eram jovens.

Mais risadas saem do corredor, o que só torna este


momento ainda mais doloroso. Ele tem uma família
maravilhosa. Eles não têm sido nada além de apoio para Grant
e Georgette, e eles me receberam de braços abertos enquanto
lamentavam seu amado patriarca ao mesmo tempo.

Amanhã partiremos para passar alguns dias na cidade,


dando o pontapé inicial na sexta à noite com a festa de Cainan.
E Cainan, ao que parece, é o mesmo homem que flertou comigo
em um bar de solteiros em Hoboken em fevereiro. É claro que
eu não sabia disso quando me deparei com o acidente de carro
dele dois dias depois daquela noite. E então, quando o vi
novamente naquele bar de Midtown na outra semana, não
sabia que ele era amigo de Grant.

Tudo se cruza e se cruza das maneiras mais estranhas, e


não sei bem o que fazer com isso. A única coisa de que ainda
tenho certeza – é que ainda pretendo terminar o noivado
quando a poeira de tudo isso abaixar e voltarmos para casa em
Phoenix.

Eu gostaria de me sentir diferente sobre Grant. Eu


realmente gostaria.

Mas você não pode se forçar a amar alguém mais do que


não pode se obrigar a não amar alguém.

Ou você ama – ou não.

Não existe meio termo.

— Vamos ter um desses algum dia. — Grant fecha o


álbum e o coloca na mesinha de centro com os outros. — Mal
posso esperar para preenchê-lo com nossas próprias
memórias.

Seu olhar escuro mantém o meu cativo.

Grant segura minha bochecha com a mão e deposita um


beijo lento, um que tenho que me forçar a devolver, mesmo que
seus lábios estejam gelados e seu hálito tenha gosto de cerveja
e marinara.

— Eu te amo muito, Brie — ele sussurra em meu ouvido


enquanto segura minha bochecha.

Uma dor apologética queima em meu peito.

E então eu digo as palavras que ele precisa ouvir porque


o homem já teve dor e sofrimento o suficiente por uma semana.

— Eu também te amo.
Ele volta para a cozinha, virando-se uma vez para me dar
um sorriso sonolento.

A amargura da minha mentira permanece na minha


língua muito tempo depois que ele se foi, e enquanto estou
deitada na cama mais tarde naquela noite, sem conseguir
dormir, minha mente está inexplicavelmente fixada na coisa
mais estranha.

Não, não coisa – pessoa.

O melhor amigo de Grant.


— Quantas dessas você já teve? — Claire aponta para o
copo vazio na minha frente.

— É o meu primeiro. — Eu empurro em direção ao


barman que está passando e aceno quando ele pergunta se eu
gostaria de outro.

— Jesus, Cain. A festa só começa daqui a vinte minutos.


Ponha-se no ritmo. Não posso permitir que meu convidado de
honra tropece e seja desajeitado como um idiota bêbado.

— Quando eu tropecei ou fiquei desajeitado? — Eu lanço


um olhar para ela e aceito meu refil.

— Ponto justo — Ela olha para a porta. — Ok, as pessoas


estão chegando. Acabei de ver Mia Taylor e seu marido. E
DuVall está aqui com sua esposa. Você provavelmente deveria
ir para a sala de jantar privada... ah, ali está a Serena. Eeeee
Grant e Brie.

Os dois últimos seguem uma fila de convidados bem-


vestidos por um corredor mal iluminado. Sua mão repousa na
parte inferior das costas dela, seu corpo envolto em um
pequeno vestido preto que me faz querer engolir a porra do
meu punho.

Como o bom irmão que sou, vou para a sala privada para
receber meus convidados – começando com os Taylors, antigos
amigos de faculdade meus que voaram até aqui de Seattle, e
me mudando para DuVall antes que Grant interrompa
apertando-se entre nós para fazer o pedido duas bebidas.

— Ei, cara — diz ele, inadvertidamente colocando DuVall


fora da equação.

— Que bom que vocês puderam vir. — Embora os tenha


visto há dois dias, de certa forma parece uma vida inteira.

Tenho feito o meu melhor para me distanciar


emocionalmente de qualquer controle mental que minha
mente tinha sobre aquela mulher.

Os convidados chegam com força total. Músicas. Duplas.


Grupos. Uma hora depois do início do evento, Claire me disse
que todos que confirmaram presença oficialmente chegaram e
instrui a equipe de garçons a começar a distribuir champanhe
para o brinde.

Ela está oficialmente louca.

Mas de qualquer forma.

Cem pessoas levantam seus copos para mim.

Eles celebram o fato de eu estar vivo – sorrio como se


compartilhasse de seu entusiasmo.
Mas a verdade é que nunca me senti tão morto por dentro.

De certa forma, acho que fechei o círculo.

A mulher que eu acreditava estar destinada a amar...


pertence ao meu melhor amigo.

Ela nunca pode ser minha.

Então, enquanto ele está de luto por seu pai, eu estou de


luto por ela.

E a vida que nunca teremos.


Pego uma lufada do ar gelado da cidade em meus
pulmões e aperto o paletó de linho de Grant em torno de mim.
A placa do restaurante brilha acima de mim. Os transeuntes
conversam ao longo da calçada.

Lá dentro, a festa de Cainan ainda está forte. Estamos


aqui há três horas sem fim e, em algum ponto do tempo, Grant
bebeu quatro doses demais, bebeu três cervejas a mais e
esqueceu que estava aqui com mais uma pessoa.

Se esse fosse um noivado viável, eu ficaria lívida.

Mas em vez disso, eu vaguei para fora, indiferente, para


conseguir algum espaço e fazer uma pausa de assistir O Show
do Grant. Eu também precisava respirar da garota bonita no
vestido Boho que não parou de atirar punhais tristes em minha
direção desde que chegamos.

Se eu tivesse que adivinhar, ela e Grant têm uma história.

Eu me inclino contra a fachada de tijolos e pego meu


telefone para responder a meia dúzia de mensagens de texto
de um casal de amigos em casa, minha mãe, um colega e duas
de minhas irmãs.

— Você nunca me contou sobre a coisa mais maluca que


já fez. — A voz de um homem dá um sobressalto ao meu
coração e, quando me sento, encontro Cainan à minha
esquerda.

A porta atrás dele se fecha.

Ele enfia as mãos nos bolsos, demorando a se aproximar.


Ele me estuda, seus traços esculpidos sombreados no escuro.
Eu inalo sua colônia – reconhecendo-a como a mesma que ele
usava na primeira vez que nos conhecemos.

— Desculpe? — Eu pergunto.

— Naquele bar de Midtown, na semana passada. Você me


perguntou sobre a coisa mais maluca que eu já fiz — diz ele.
— Mas você não me disse a sua.

Ele está ao meu lado agora, de costas contra o tijolo, os


braços cruzados enquanto olha para a rua. Seu fascinante
olhar castanho dourado olha para o meu por um segundo e eu
perco o fôlego.

— Então? — Ele pergunta.

— Você não deveria estar lá dentro com todos? — Eu


mudo de assunto. Obrigo-me a desviar o olhar para não ter
que me deleitar com seu olhar magnético ou a forma como meu
coração soluça quando ele aponta sua atenção para mim.
É errado se sentir assim por alguém que você não pode
ter e nem deveria pensar em desejar.

Ele exala pelo nariz, me observando pela periferia.

— Provavelmente. O que você está fazendo aqui?

— A mesma coisa que você está fazendo – pegando um


pouco de ar. — Um arrepio rápido percorre meu corpo, mas
não estou pronta para entrar. É tão alto lá dentro que é
impossível me ouvir pensar, e depois de um tempo, estar
ombro a ombro e cotovelo a cotovelo com estranhos bêbados e
descoordenados se torna exaustivo.

Permanecemos em silêncio, mas não é estranho ou


desconfortável – apenas... é.

— Eu queria agradecer a você. — Cainan interrompe


nosso momento sem palavras. — Pelo que você fez durante o
acidente. Por ficar comigo. Por pedir ajuda. Por me
acompanhar ao hospital.

Minha mente vai para minha irmã.

— Claro.

— Não, eu falo sério. Obrigado. — Da minha periferia, eu


observo quando ele se vira para mim. — Você salvou a minha
vida.

Se não fosse eu, teria sido outra pessoa, tenho certeza.

Acontece que eu estava no lugar certo na hora certa.


— Fico feliz que você esteja bem — digo, virando-me para
ele por uma fração de segundo, como se olhar para o seu olhar
hipnótico por mais tempo do que isso iria me roubar o fôlego
mais uma vez.

— Eu gostaria de me lembrar de ter conhecido você antes


do acidente — diz ele do nada. — Mais ou menos um mês antes
disso... é como se não tivesse acontecido.

Já ouvi falar disso em acidentes e lesões cerebrais. Estou


inclinada a acreditar que ele está dizendo a verdade.

Meu foco se concentra na cicatriz acima de sua


sobrancelha direita, um resquício da noite em que ele quase
morreu.

De certa forma, é como uma demarcação em uma linha


do tempo.

— Espero não ter feito papel de burro quando dei em cima


de você. — Ele luta contra um sorriso malicioso.

Eu mesma devolvo um.

— Você definitivamente tem jeito com as palavras. Isso é


certeza. Mas eu perdoei tudo quando você correu atrás de mim
para me dar meu celular.

— Realmente? — Sua cabeça ergue. — Eu fiz isso?

— Você fez. Isso não é algo que você normalmente faria?

Cainan projeta o queixo para frente.


— Não naquela época, não.

Ficamos em silêncio por um segundo, e contemplo uma


pergunta para a qual nenhum de nós jamais terá uma resposta
– por que ele abriu uma exceção para mim?

Suponho que isso não importa agora.

— Você disse a coisa mais estranha para mim antes de


eu ir embora naquela noite — digo a ele. O vento levanta uma
mecha do meu cabelo e a escova na minha bochecha. Eu tiro
fora. — Você disse: 'Talvez da próxima vez que nos
encontrarmos, não sejamos estranhos.'

Ele sopra uma respiração rápida pelos lábios franzidos.

— Eu disse isso? Realmente?

Balançando a cabeça, acrescento: — Você disse. Mas


então nos encontramos de novo – e éramos meio estranhos de
qualquer maneira. Eu não te reconheci no começo. Você disse
que eu parecia familiar, mas que não se lembrava de ter me
conhecido naquele bar... faz sentido agora. Com a perda de
memória, quero dizer. Nada mais faz sentido.

Ele levanta as sobrancelhas, como se estivesse


concordando, mas apenas com os olhos.

— Essa coisa toda é uma loucura, não é? — Eu pergunto.


— A maneira como nos cruzamos, todas essas formas
diferentes. Mundo pequeno, eu acho.
Cainan olha para a rua novamente, as costas contra o
tijolo. Perdido em seus pensamentos, talvez. Há algo profundo
e silencioso nele – a maneira como ele olha as pessoas, o peso
de sua presença.

Grant é efervescente, uma pessoa do povo. Ele é


charmoso e carismático e tem um sorriso brilhante que pode
iluminar uma sala a uma milha de distância.

Mas Cainan é reservado. Há uma tendência de


inteligência em seus olhos, mas ele não é arrogante. Tenho a
impressão de que ele é silenciosamente leal.
Inquestionavelmente confiável. E estar perto dele me lembra
deste lago que minha família tirou de férias em um certo verão
– cercado por carvalhos antigos, a água tão intacta que parecia
vidro.

— Eu chamei um médium — eu digo, me encolhendo.

— O que?

— A coisa mais maluca que já fiz. — Minhas bochechas


esquentam, mas eu continuo com minha confissão – uma que
flui como água de uma torneira quebrada na presença dele. —
Cinco anos atrás, minha irmã faleceu. E... eu acho... você sabe,
as pessoas fazem coisas estranhas quando estão de luto. Eu?
Liguei para um médium. E então liguei para outro. E outro.
Tive todos eles no Arizona – especialmente em Sedona. Devo
ter gastado milhares de dólares tentando me conectar com ela.
Tudo que eu queria era um sinal.
Eu exalo, uma leveza inesperada tomando conta de mim.

— Você conseguiu um? — Ele pergunta sem perder o


ritmo.

Agradeço seu julgamento reservado.

O vento levanta meu cabelo em meu rosto novamente. Ele


estende a mão para arrumá-lo, as pontas dos dedos macios
traçando minha boca. Instantaneamente, penso no que ele
disse naquela primeira noite – sobre orgasmos, sobre usar sua
língua e dedos...

Limpo minha garganta e redireciono meus pensamentos.

— Foram todos fraudes. Eles estavam todos frios me


lendo. — Eu balanço minha cabeça, e então acrescento: — De
qualquer forma. É a coisa mais louca que já fiz. E você é
oficialmente a única pessoa que sabe, então...

Minha família riria se soubesse. Talvez não naquela


época, porque eles também estavam sofrendo, mas agora sim.
Em retrospecto. Porque eu sou a pragmática. Eu sou lógica.
Eu sou uma garota de números. Dê-me fatos. Coisas reais
enraizadas na realidade. Não woo-woo médiuns psíquicos
alegando que podem ver através de algum véu espiritual
invisível e falar com pessoas mortas.

Ainda tenho que dizer a Grant. Não creio que valha a pena
mencionar neste ponto, vendo para onde nosso noivado está
indo. E quem sabe como ele responderia? Ele não me parece
alguém que acredita em qualquer coisa que não pode ver,
sentir, ouvir ou tocar.

— Que tipo de sinal você estava querendo? — Ele


pergunta.

Fico consolada pelo fato de que ele não está rindo,


revirando os olhos ou oferecendo um encolhimento simpático.
Ele está simplesmente parado ali, ouvindo, interessado na
loucura que sai da minha boca nesta noite fria de outono.

Em uma cidade de milhões, agora, parece que somos só


ele e eu.

— Eu não sei. Algo que apenas nós duas saberíamos.


Éramos gêmeas. Nós tínhamos todos os tipos de piadas
internas. Segredos. Apelidos. Coisas que ninguém mais
poderia saber. Eu só queria saber que ela estava lá fora... em
algum lugar. Eu acho. Eu sei que isso parece loucura.

Não conto a ele sobre todos os livros que devorei


secretamente no meu Kindle sobre pessoas aparentemente
comuns tendo um encontro com os fantasmas de seus entes
queridos. Não conto a ele sobre ficar deitada na cama à noite,
debruçada sob histórias online de pessoas que afirmavam que
sua avó falecida estava deixando moedas por toda a casa, ou
que sentiram o cheiro da colônia de seu pai em todos os lugares
que foram, ou que acordaram para encontrar uma aparição de
seu melhor amigo morto aos pés de sua cama.
Eu queria tanto acreditar nas histórias, por mais
estranhas e implausíveis que fossem.

Eu queria tanto tropeçar em um sinal de que Kari estava


do outro lado – seja lá aonde for – tendo o melhor momento de
sua vida e sentindo minha falta tanto quanto eu dela.

Ele cheira.

— Não, eu entendo. Às vezes, apenas queremos respostas


e fazemos o que temos que fazer para obtê-las. Desculpe, você
foi roubada. Talvez você receba seu sinal algum dia... talvez
quando você menos esperar.

— É. Está tudo bem. Parei de procurar há muito tempo.

A porta se abre e, por um momento, me encontro me


preparando para a interrupção indesejável de Grant. Mas é
apenas um casal bêbado. Tropeçando, eles viram à esquerda,
desaparecendo na escuridão no meio da rua.

— Então eu tenho que perguntar…— ele diz. — Quando


te conheci no bar na outra semana... você disse que ia terminar
seu noivado.

Merda.

Eu torço o anel brilhante que fica preso no meu dedo.

— Sim. Eu disse isso.

— Você percebe que ele é louco por você. — Ele fala com
um tom tenso, como se estivesse apenas afirmando um fato.
— Eu sei.

— Nunca o vi assim em qualquer outra mulher antes, e


eu conheço o cara desde que éramos um par de crianças do
jardim de infância com lancheira do Superman combinando.

Um sorriso agridoce surge em meus lábios quando


imagino os dois como meninos de bochechas rechonchudas
com jeans rasgados e bigodes Kool-Aid de uva. Eles eram
inseparáveis, Grant me disse uma vez. Mais próximos do que
irmãos. A mãe de Grant me disse que sempre pensou em
Cainan como seu segundo filho, que todo ano ela fazia um
único bolinho de chocolate no aniversário dele porque seus
pais nunca comemoravam a data. Algumas vezes, eles o
levaram nas férias em família. E em seu último ano do ensino
médio, depois que seus pais o expulsaram de casa, ele foi
morar com os Forsythes, onde morou até ir para a faculdade
no outono seguinte.

— Você é o melhor amigo dele — eu digo. — E eu não acho


que devemos ter essa conversa. Eu apreciaria se você
mantivesse o que eu disse para si mesmo. Ele acabou de perder
o pai e...

Cainan levanta a mão.

— Seu segredo está seguro comigo.

Eu expiro.

Eu planejo terminar as coisas assim que voltarmos para


Phoenix e Grant se sentir bem o suficiente para voltar ao
trabalho. Embora eu odeie a ideia de machucá-lo, também
acho cruel arrastá-lo e conduzi-lo por mais tempo do que o
necessário.

A porta do bar se abre mais uma vez, desta vez quase


batendo no tijolo até que a dobradiça o segura.

Desta vez é Grant.

Ele se firma contra a parede, seu olhar desfocado


enquanto tenta estudar nós dois. A música bate atrás dele,
ficando fraca conforme a porta fecha.

— Onde estava meu convite? — Ele pergunta, enrolando.


Cambaleando em minha direção, ele passa um bíceps
musculoso em volta dos meus ombros, puxando meu cabelo e
quase me arrastando para baixo no processo. — E aí, galera?

— Você deveria levá-lo para casa. — Cainan me lança um


olhar, quase apologético, com uma pitada de tristeza, embora
eu não consiga descobrir por quê. Talvez ele também estivesse
secreta e culposamente curtindo esse tempo sozinho? — Vou
chamar um táxi para você, cara. Nós estamos tirando você
daqui.

Nós estamos. Ele disse que estamos. Como se fôssemos


uma equipe.

A noiva e o melhor amigo.

Ele se dirige ao meio-fio para chamar um táxi e, quando


pegamos um, ele e eu passamos os braços em volta de um
homem que mal consegue se manter em pé e o colocamos
cuidadosamente no banco de trás. Deslizando ao lado dele,
fecho a porta e abro a janela.

— Obrigada — digo a Cainan.

Ele fica parado no meio-fio, as mãos enfiadas nos bolsos


da calça jeans, e nos deixa com um aceno de cabeça. Estamos
no meio da rua, quando dou uma espiada atrás de nós e o pego
nos observando enquanto partimos, como se ele não tivesse se
movido um centímetro.

Dois minutos depois, estamos a caminho de nossa suíte


na Peninsula, o tráfego para e segue todo o caminho. Grant
afunda contra mim, a cabeça no meu ombro, e eu abro o vidro
traseiro para ter uma folga do táxi velho e esporos de álcool
invadindo meu espaço aéreo.

Nunca vi Grant beber tanto. Também nunca o vi tão


descuidado ou irresponsável. Mas, dado o que aconteceu esta
semana, dou a ele o benefício da dúvida.

Ele provavelmente precisava de uma escapatória.

Ele precisava de um bom tempo com seus amigos.

Ele precisava sorrir.

Ele precisava esquecer que às vezes a vida tira o tapete


debaixo de nós quando menos esperamos.

Quinze minutos depois, estou pagando ao motorista do


táxi e ajudando Grant a sair do banco de trás. Um punhado de
curiosos observam enquanto o porteiro do hotel se aproxima
com a mão estendida e enluvada de branco. Conseguimos
entrar e entrar no elevador para o sétimo andar quando Grant
decide que é um bom momento para pressionar sua boca
contra meu pescoço e enfiar a mão na minha saia.

Não importa se não estamos sozinhos.

Não importa que nunca tenhamos brincado tanto em


público antes.

Eu o afasto e ele ri, caindo contra o interior do papel de


parede enquanto o carrinho do elevador deposita a primeira
carga de passageiros no terceiro nível.

As portas se fecham.

Grant arrota.

Uma mulher usando Chanel da cabeça aos pés, com


sobrancelhas desenhadas a lápis, se vira e lança um olhar feio
para ele.

Eu a ignoro e conto os segundos até chegarmos à nossa


parada.

Um, dois, três, quatro...

— Então, vamos nós. — Eu coloco meu braço no dele e o


arrasto pelas portas separadas, pelo corredor e para a nossa
suíte.
Eu pego o cartão-chave e o puxo para dentro, observando
cuidadosamente enquanto ele cambaleia para a cama king-size
e desaba em uma pilha. Eu realmente espero que ele desmaie
– é por isso que me pega de surpresa quando ele rola de costas
e me lança o sorriso torto de um homem com uma coisa em
mente.

— Baby, você parecia tão gostosa esta noite. — Seu elogio


se confunde, como uma grande e longa palavra. E então ele dá
um tapinha no edredom antes de abrir o zíper das calças.

— Você está bêbado. — Eu viro minhas costas para ele,


retirando um pijama da minha mala. — Durma um pouco.
Temos um brunch com seus amigos pela manhã e, em seguida,
estaremos voando.

— Vamos. Não me deixe esperando...

Eu tiro meu vestido, abro meu sutiã e me troco. Quando


eu volto, eu o encontro desmaiado, a boca aberta, o pau semi-
duro em sua mão.

Exalando, eu tiro seus sapatos, seguido por suas calças,


e então eu volto sua masculinidade para sua boxer de seda
antes de cobri-lo com um cobertor e subir ao lado dele.

Rolando para o lado, enterro a mão sob o travesseiro e


fecho os olhos.

O colchão muda um momento depois, e o calor de seu


corpo pressiona contra o meu, seguido por seu braço se
ancorando em mim enquanto seu corpo se funde contra mim.
O cheiro forte de licor permanece em sua respiração a cada
expiração pesada.

O aquecedor perto da janela zumbe.

Uma porta vizinha bate.

As pessoas riem do corredor.

A noite se repete como um filme na minha cabeça: Grant


me apresentando a seus amigos da faculdade. Grant
distribuindo doses de tequila de primeira qualidade como se
fosse seu trabalho. Grant fazendo um brinde. Grant tirando
fotos, belas mulheres pingando de seu braço, sorrindo para as
câmeras do iPhone com lábios protuberantes e olhares sexy.
Grant passando por mim para dizer oi para alguém – e me
ignorando completamente pelo resto da noite.

Mas há outras cenas da noite que se arrastam: Cainan


cumprimentando seus convidados com o sorriso reservado de
quem não anseia pelos holofotes como oxigênio. Cainan
atendendo a todos os pedidos de sua irmã. Cainan tomando
seu Old Fashioned, olhando ao redor da sala até que nossos
olhos se fixam e meu estômago dá cambalhotas.

Cainan se juntou a mim para tomar um pouco de ar


fresco.

Cainan mergulhando em meus segredos sem um pingo de


julgamento.
Embora eu mal conheça o homem, não posso deixar de
notar como me sinto quando estou em sua presença. É uma
calma instantânea. Uma conexão inexplicável. Uma sensação
avassaladora e inegável de estar à vontade... de estar em casa.

Mas não foi assim na primeira noite em que nos


conhecemos, quando éramos verdadeiros estranhos.

Engraçado como as coisas mudam rapidamente sem


qualquer tipo de explicação.

Gosto de como me sinto quando estou perto dele.


Aterrada. Serena.

É uma guerra estranha que travamos contra nós


mesmos, tentando convencer nossas cabeças de coisas que
nosso coração sabe que são verdadeiras. Nossa cabeça ama a
razão, a lógica. Nosso coração o rejeita. Apenas um vai vencer.

Apertando meus olhos com mais força, me forço a dormir


para que possa parar de pensar em Cainan.

No final do dia, ele é o melhor amigo de infância de Grant,


praticamente seu irmão – e entreter qualquer coisa entre nós
dois seria um devaneio imprudente, uma perda de tempo
frívola e simplesmente: errado.
— Como você se sente? — Dou um tapa nas costas de
Grant antes de me sentar em frente a ele em um brunch local
da Madison Avenue chamado Tangerine – sugestão de Claire,
naturalmente.

Rugindo, ele desliza um par de óculos escuros Ray Bans


pelo nariz e me faz uma carranca injetada de sangue.

— Isso é o que eu pensei — eu digo. — Você esquece que


está velho agora.

— Desde quando trinta é considerado velho? — O marido


de Claire, Luke, brinca do outro lado da mesa antes de
sinalizar para uma garçonete. — Vamos pegar mais água para
o coitado. Um par de Advil também, já que estamos nisso. Acho
que todos nós já estivemos no lugar dele antes...

Eu roubo um vislumbre de Brie, absorvendo a maneira


como a luz do sol pinta seu cabelo escuro com calor e dá a sua
pele bronzeada cremosa um brilho exuberante.

Em um instante, sou transportado para aquele sonho.


E então eu empurro da minha mente como se não fosse
nada mais do que um pensamento intrusivo irritante.

Durante toda a noite passada, ela bebeu um coquetel.


Talvez dois. Ela permaneceu no bar, sozinha na maior parte do
tempo, sorrindo para qualquer pessoa que trocasse contato
visual por mais de um ou dois segundos. Ocasionalmente,
conversando um pouco com um punhado de pessoas
aleatórias. Principalmente, ela manteve para si mesma
enquanto Grant fazia suas rondas. Nem uma vez ela pareceu
entediada ou ressentida.

Um ato de classe.

Nossos olhos encontram-se do outro lado da mesa. Ela


sorri. Eu sorrio. Uma peça central de peônia branca repousa
entre nós, uma que combina com sua blusa transparente.

Mais branco.

Como seu sobrenome.

Como tudo que me cercou no instante em que acordei no


hospital.

Uma garçonete com um avental esbranquiçado distribui


o cardápio do brunch, que é impresso em cartolina cor de
marfim, e depois nos cumprimenta com um sorriso antes de
anotar os pedidos de bebidas.

Quatro águas.

Um suco de abacaxi espremido na hora.


Zero mimosas para esta galera.

— Então vocês voam mais tarde hoje? — Claire pergunta


a Grant e Brie enquanto ela desdobra um guardanapo de pano
em seu colo.

Grant grunhe, a mão apoiada na testa, os olhos ainda


cobertos pelos óculos escuros.

— Nós iremos. — Brie responde por ele. — Gostaria que


pudéssemos ficar mais tempo, mas estaremos os dois de volta
ao trabalho amanhã.

Claire faz beicinho.

— Você terá que planejar outra viagem para cá


novamente. Eu adoraria conversar sobre o planejamento do
casamento com vocês... Vocês já marcaram uma data?

O olhar de Brie dispara para o meu por uma fração de


segundo antes de retornar para minha irmã, e eu me lembro
de nossa conversa na noite passada. Ela não precisa se
preocupar. Seu segredo está seguro comigo. Não serei portador
de más notícias. Mais do que provável, serei eu quem pegará
os cacos quando ele quiser entrar em um farrapo de tudo que
puder em Vegas, na tentativa de tirá-la de seu sistema.

— Oh. Hum. Nada definitivo ainda. — Brie quase tropeça


em suas palavras.

Nossas águas chegam em taças de cristal cristalino, o


silêncio nos consumindo por alguns segundos.
Grant dá um gole na metade do seu antes de suspirar e
afundar na cadeira.

— Ela está tendo dúvidas.

Claire se engasga.

Luke olha para seu colo, soprando forte entre os lábios


arredondados.

A mandíbula de Brie fica frouxa enquanto ela o estuda.

— Grant...

Não sei como ela vai consertar isso. A meu ver, ela tem
algumas opções. Ela pode negar sua declaração para salvar a
cara na frente de todos nós ou ela pode dizer a ele que ele está
certo e se livrar de sua ressaca aqui e agora.

Ela é muito educada para fazer o último.

De coração mole demais para fazer o primeiro.

— Acho que vou pedir os ovos Benedict. — Luke examina


seu menu, sem falar com ninguém em particular.

O mais leve rubor reside nas bochechas de Brie. Grant


pega seu telefone, se desconectando do resto de nós enquanto
digita uma mensagem para Deus sabe quem.

— Se me der licença, já volto. — Brie enfia uma pequena


bolsa debaixo do braço e desaparece virando a esquina em
direção aos banheiros.
Claire, Luke e eu quase suspiramos de alívio coletivo.

Grant não parece nem um pouco perturbado.

— Cara. — Eu alcanço o outro lado da mesa e arranco o


telefone de sua mão para chamar sua atenção. — Não é legal
colocá-la na mesma situação na nossa frente.

Ele tenta alcançá-lo – e erra.

— Não é legal tirar a porra do meu telefone da minha mão.


Quantos anos nós temos? Doze?

Eu não o lembro que nenhum de nós tinha telefone


celular naquela idade. Não o lembro de nossas raízes
humildes, embora talvez alguém devesse. Quanto mais velhos
ficamos – e quanto mais gorda sua conta bancária -, mais ele
parece esquecer de onde veio.

Colocando o telefone na minha frente, eu me inclino para


dizer algo... só paro quando um texto perturbador preenche
sua tela.

Pegando, eu empurro para ele.

— Seriamente? — Eu torço meu nariz para ele. A imagem


dos seios em forma de lágrima de Serena ao natural está agora
gravada para sempre em minha memória. — Pensei que você
tivesse terminado com ela?

Ele examina o texto, seus lábios se levantando em um


meio sorriso.
— Ela está obcecada por mim. O que posso dizer?

— Que tal você assumir a responsabilidade por sua parte


nisso? — Eu lanço um olhar para ele. — Talvez, eu não sei,
diga a ela para parar de enviar mensagens de texto porque você
está noivo do amor da sua vida?

Eu uso aspas no ar em torno do amor da sua vida.

— Que diabos é o seu problema? Quem morreu e fez de


você a polícia do relacionamento? Você nunca deu a mínima
para esse tipo de coisa antes... — ele responde a Serena e, a
julgar pelo sorriso aberto em seu rosto, é justo dizer que ele
não está dizendo a ela para parar de enviar fotos nuas para
ele.

Claire coloca a mão no meu antebraço.

— Estamos prontos para fazer o pedido? — Nosso garçom


retorna com um sorriso animado que desaparece no instante
em que ele percebe que saiu por alguns minutos e voltou para
uma zona de guerra. — Parece que você precisa de mais alguns
minutos... vou verificar em breve.

— Grant, talvez você deva ir encontrar Brie? Certifique-se


de que ela está bem? — Claire bebe sua água.

Ele não levanta os olhos do telefone.

— Ela está bem.

Ele não sabe disso. E ele obviamente não se importa.


Grant com ressaca e mau humor é uma combinação que
eu não via desde a faculdade. Só pode ficar mais feio a partir
daqui.

Levantando-me, jogo meu guardanapo na mesa.

Eu vou fazer isso, porra.

Antes que alguém tenha a chance de protestar, vou em


direção aos banheiros, um homem com uma missão. Eu paro
quando a encontro encostada na parede, seu telefone
pressionado em seu ouvido. Talvez ela não tenha se esquivado
porque ele a colocou no lugar. Talvez ela tivesse que fazer um
simples telefonema.

— Ei — ela diz quando me vê, cobrindo o receptor do


telefone. Levantando um dedo, ela acrescenta: — Dê-me um
segundo. Estou terminando uma ligação de trabalho.

Alguns segundos depois, ela desliga e se vira para mim.

— Só queria ter certeza de que você está bem — eu digo,


percebendo o quão bizarro é que sou eu quem está verificando
ela enquanto seu noivo se senta à mesa, deleitando os olhos
em um buffet de nudes de uma amiga de foda de longa data (e
em andamento).

Suas sobrancelhas escuras se juntam, mas então sua


expressão se suaviza e ela acena com a mão.

— Oh. Sim. Não, eu estou bem. Tudo ótimo.


— É isso? — Eu mantenho minha voz baixa,
intimamente.

Ela inclina a cabeça, estudando-me com os olhos


esmeralda semicerrados.

— Por enquanto, sim.

Todas as coisas que quero dizer neste momento são todas


as coisas que não posso dizer.

Você está tomando a decisão certa, deixando-o...

Grant é notoriamente egocêntrico e sem filtros quando está


de mau humor...

Se ele realmente te amasse, ele não estaria fodendo outra


mulher pelas suas costas...

Ele não te merece...

Você deveria ser minha...

Mas eu não digo nenhuma dessas coisas porque deixando


de lado os problemas de relacionamento de Grant, ele ainda é
meu melhor amigo. Meu irmão. O amigo mais leal que já tive.
E não somos o tipo de homem que jamais deixou uma mulher
ficar entre nós.

Ele nunca me jogaria debaixo do ônibus.

Não vou fazer isso com ele.


Além disso, Brie está decidida. Ela está deixando-o.
Minhas opiniões e a segunda vida secreta de Grant são
irrelevantes. Elas não farão diferença de qualquer maneira.

— Estarei de volta à mesa em um minuto. Só preciso fazer


mais uma ligação de trabalho — diz ela. — Vá em frente e faça
o pedido sem mim, se precisar.

Volto à cena do crime e me sento. O telefone de Grant está


enterrado e fora de vista, e ele e Luke agora estão conversando
sobre finanças e veículos de investimento de longo prazo –
como se nada daquele show de merda tivesse acontecido.

Eu examino o corredor em busca de Brie. Embora eu mal


a conheça, a mesa parece incompleta em sua ausência. Eu
quase diria que sinto falta dela, mas isso seria um absurdo.
Além disso, eu não poderia nem começar a explicar por que
tenho esses sentimentos.

É mais fácil ignorá-los.

Então eu faço.

Quando Brie volta, pedimos nosso brunch. Nós cinco


passamos a hora seguinte conversando sobre eventos atuais,
viagens futuras e trocando velhas memórias. Quando
terminarmos, dividimos a conta e seguimos nossos caminhos
separados – Grant e Brie chamando um táxi para que possam
pegar suas malas no hotel e ir direto para o JFK para pegar o
voo, e Claire e Luke discutindo se devem ou não vá a uma feira
de arte no East Village ou sair correndo de seu farto café da
manhã no Central Park.

— Você está bem? — Claire me cutuca no braço com o


cotovelo. — Você ficou meio quieto depois de verificar Brie...
Eu juro que você talvez tenha dito vinte palavras na última
hora. Não é como você.

— Estou bem. — Eu faço o meu melhor para convencê-la


com minhas palavras, mas minha voz deve falhar porque ela
revira os olhos.

— Mentiroso — ela diz. — O que realmente está


acontecendo?

Sem dizer uma palavra, Luke pede licença e vai até uma
banca de jornal a meio quarteirão de distância. Por mais colado
como velcro que seja com a minha irmã, ele sempre sabe
quando ela precisa de um momento longe dele.

— Te incomoda que Grant se case? — Ela cruza os braços,


quadris levantados. — É disso que se trata? Eu sei que vocês
dois tinham esse grande plano de ser solteiros pelo resto da
vida ou o que seja, mas se...

— Não.

— Ok... então o que foi isso antes? Com o telefone, a


mensagem de texto e as malditas aspas no ar. Acho que nunca
vi você usar aspas no ar na minha vida. E seu tom com ele.
Sim. — Claire exagera em um estremecimento.
— Não importa.

Ela zomba.

— Claro que importa. Então me conte. Você sabe que não


vou deixar isso passar até que você conte. O que realmente foi
isso?

Eu debato se devo dar a ela uma resposta satisfatória o


suficiente para mandá-la embora por agora... ou apenas dizer
a verdade, que ela está fadada a arrancar de meus lábios
selados mais cedo ou mais tarde.

— Eu nem sei como dizer isso — eu começo.

Claire levanta um ombro.

— Basta dizer.

— Brie... — Eu engulo uma golfada de ar fresco da


manhã, só que tem gosto de fumaça de ônibus e folhas
morrendo. — ...é a mulher do meu sonho.

Claire fica quieta por um raro momento.

— Aquela Brie?

— Sim. Essa Brie. Eu só... isso é tão fodido, Claire. Essa


coisa toda. Passei todo esse tempo procurando por alguém que
nem tinha certeza se existia... e quando a encontro, ela está
noiva da porra do meu melhor amigo. — Minha mandíbula
aperta. Eu deixo de fora a parte sobre Brie confessando que vai
terminar o noivado porque é um segredo que ela me confiou.
Mas eu não escondo a próxima parte: — E não só isso, mas ele
está brincando com ela com Serena o tempo todo que
estiveram noivos.

Sem mencionar a besteira do acordo pré-nupcial – outro


detalhe que não tenho permissão para compartilhar devido ao
privilégio advogado-cliente.

— Ele não a ama — eu continuo. — E ele com certeza não


a merece.

Deslizando a mão na curva do meu braço, ela me leva a


um banco próximo e me obriga a sentar.

— Ok, então do jeito que eu vejo — Claire diz —, isso só


pode ser uma coisa boa.

— Como assim?

— Grant conheceu Brie porque foi ela quem descobriu o


seu acidente, chamou o 9-1-1, ficou com você, te seguiu até o
hospital. Todas essas coisas. Certo?

Eu concordo.

— Então, quando você estava perdendo a consciência em


seu carro destroçado, ela foi provavelmente o último rosto que
você viu, a última voz que você ouviu antes de desmaiar
completamente. Além disso, você disse que a conheceu em um
bar na outra semana, certo? E que você conheceu antes, mas
não se lembrava de tê-la conhecido? — Os olhos de Claire se
iluminam e suas palavras voam mais rápido, como se ela
estivesse à beira de seu próprio momento eureka pessoal. —
Oh meu Deus. Tudo faz sentido. É por isso que ela estava em
seu sonho!

Sua teoria faz sentido.

— O sonho real em si não significava nada — Claire diz


com insistência convincente. — E Brie estava lá porque ela
estava fresca em seu subconsciente. — Sentando-se ao meu
lado, ela cobre minha mão com a dela. — Cain… Isso é uma
coisa boa. Nós descobrimos tudo. Nós deciframos o código.
Você pode seguir em frente com sua vida agora. Sua vida real.
Você pode esquecer tudo sobre aquele sonho estúpido, porque
agora sabemos que não foi nada mais do que uma tagarelice
mental.

Luke retorna, dando passos lentos e cautelosos em nossa


direção, a edição deste mês da New Yorker dobrada debaixo de
um braço enquanto ele espera que Claire dê a ele a
autorização.

— Eu tenho que ir. Podemos terminar essa conversa mais


tarde, ok? — Ela se levanta. — Mas seriamente. Pense nisso.
Você finalmente está livre.

Eu não digo a ela que discordo.

Não estou livre.

Eu nunca estarei livre até que eu possa torná-la minha.

E torná-la minha nunca será uma opção.


— Ei, baby. — Grant me cumprimenta com um beijo na
quarta-feira à noite quando eu passo pela soleira de sua porta.

Eu fico tensa com seu toque.

A hora chegou.

Estou terminando isso.

Minha garganta se contrai e minha boca fica seca. As


palavras estão lá, na ponta da minha língua, prontas quando
eu estiver.

Nós pousamos no sábado à noite e nos separamos em Sky


Harbor. Nos últimos dias, colocamos o trabalho em dia, muito
ocupados para enviar mais do que um punhado de mensagens
de texto espalhadas ao longo do dia.

Sento-me em seu sofá enquanto ele abre uma garrafa de


pinot noir na cozinha, despejando dois copos quase até o topo.

Depois daquele comentário que ele fez no brunch no fim


de semana passado – sobre eu ter dúvidas, pedi licença para
fazer uma ligação, esperando que o assunto da conversa fosse
desviado quando eu voltasse. E foi. Na viagem de avião para
casa, Grant colocou os fones de ouvido e dormiu por quatro
horas seguidas.

— Eu estou com saudade de você. — Ele me entrega um


copo e pega a almofada ao meu lado. — O trabalho está uma
loucura esta semana, tentando recuperar o atraso. É como se
eles fossem incapazes de funcionar sem que eu lhes dissesse
exatamente o que fazer 24 horas por dia, sete dias por semana.

Há círculos sob seus olhos que não existiam dez dias


atrás – antes de seu pai morrer, antes de perder uma semana
de trabalho, antes de ficar tão chateado em uma festa que se
fez de idiota e mostrou suas verdadeiras cores na próxima
manhã.

— Você está quieta. — Ele esfrega meu ombro. — E tensa.


Jesus, querida. O que está errado?

Coloco minha taça de vinho intocada em uma montanha-


russa e limpo minha garganta.

— Não há uma maneira fácil de dizer isso, então eu vou...

Eu não consigo terminar a minha frase antes de Grant


tentar se aparecer, arrastando a mão pelo cabelo e andando
entre a mesa de café e a lareira.

— Eu sabia — ele diz baixinho. — Eu sabia que você ia


fazer isso.

Ele para de andar e se vira para mim.


— Brie... baby... por favor. Não... — Seus olhos vidrados
estão mais escuros do que eu já vi antes.

— Eu sinto muito. — Eu me levanto. — Acho que


apressamos isso, nos empolgamos..., mas não quero me casar.
E não apenas com você – com qualquer pessoa. Não é algo que
eu quero. Eu nem sei se quero filhos.

— Você está assustada. — Ele dá a volta na mesa de


centro e aperta minhas mãos nas suas, olhando tão
intensamente que parece que pode penetrar em minha alma.
— É normal. Todo mundo fica com medo. Apreensivo. Tanto
faz. Podemos fazer terapia. Podemos conversar sobre isso.

Ele está falando tão rápido que é incrível que sua boca
consiga acompanhar.

— Não acho que a terapia possa mudar minha opinião


sobre o desejo de me casar...

— Eu pensei que estávamos apaixonados? Não é isso que


você faz quando ama alguém? Você leva isso para o próximo
nível? Você se compromete? — Seus olhos procuram os meus.
— Podemos adiar. Quanto tempo você quer? Um ano? Dois? O
que quer que a deixe confortável. A última coisa que quero
fazer é assustá-la e fazê-la ir embora porque sou louco por
você.

— Grant…

— Nunca me senti assim por ninguém. — Ele engole, seu


olhar vítreo. — Eu sei... se você sair da minha vida, nunca
haverá outra você. Eu juro, farei o que for preciso para te fazer
feliz. Diga-me o que você quer e é seu.

— Você me faz feliz. Você é um bom homem. E você


sempre foi maravilhoso comigo... — Exceto por ele me ignorar
completamente na festa de Cainan no final de semana
passado. — Isso não é sobre você. Não se trata de nada que
você tenha feito. É apenas o que sinto.

— Sério, Brie? Você vai puxar essa merda logo depois de


meu pai ter morrido? — Seu tom muda. Os olhos vidrados
ficam secos. O estremecimento doloroso em seu rosto é
substituído por lábios carrancudos e bochechas vermelhas.

Grant solta minha mão. Ele zomba e dá um passo para


trás.

De repente, é como se eu estivesse discutindo com um


adolescente e não com um homem que se fez sozinho por trinta
anos.

— Não acho justo você usar esse cartão. — Por instinto,


cruzo minhas mãos sobre meu peito, mas mantenho meus
ombros puxados para trás enquanto mantenho minha
compostura. — Você teria preferido que eu tivesse amarrado
você?

Ele tenta falar, mas não sai nada.

— Nunca seria um momento perfeito para fazer isso.


Sinto muito — eu digo. — Eu realmente sinto. Eu odeio estar
machucando você. Mas quero que saiba que te adoro como
pessoa. Acho você um ser humano incrível, e não tenho nada
além de respeito por você.

Suas mãos vão para os quadris e ele olha pela janela.

— Quantas vezes você praticou isso no espelho?

— Desculpe?

— Você parece ensaiada.

Meus braços se cruzam sobre meu peito. Respiro fundo e


me lembro que ele está profundamente magoado, que às vezes
as pessoas ficam assim como um mecanismo de defesa, que
machuca gente machuca gente.

— Eu pensei muito sobre isso, sim. Mas eu não ensaiei


nada disso. Estou falando do meu coração — eu digo. — De
qualquer forma, espero que possamos continuar amigos
depois...

Grant se joga no sofá, com a cabeça enterrada nas mãos.


Não sei dizer se ele está chorando de verdade ou fingindo –
mais uma razão para me assegurar de que estou fazendo a
coisa certa. Eu vi incontáveis lados deste homem na última
semana que eu nunca soube que existiam.

— Eu fodi tudo. — Sua voz está abafada contra as palmas


das mãos. — Eu sinto muito, Brie. Eu sinto muito.

Hesito antes de tomar o lugar ao lado dele, e então coloco


minha mão em suas costas para que ele saiba que ainda estou
aqui.
— Você não... fodeu com nada.

— O que eu posso fazer? — Quando ele se vira para mim,


seus olhos estão vermelhos e brilhantes. Mas suas bochechas
estão secas. — Me diga o que fazer. Eu quero consertar isso.
Eu não posso te perder.

As palavras estão na ponta da minha língua, mas eu me


contenho.

Estamos andando em círculos.

— Eu sinto muito. — Eu pego minha bolsa. — Minha


decisão está tomada – por algumas semanas já.

A cor desaparece de seu rosto enquanto ele me observa


caminhar até a porta. Metade de mim espera que ele corra para
o meu lado, tente me capturar em seus braços, caia de joelhos
em um ato de desespero de último recurso.

Mas ele permanece plantado no sofá, imóvel como uma


estátua.

— Estou me mudando para Manhattan — digo, porque


sei que, enquanto ele acreditar que estou na cidade, ele me
perseguirá implacavelmente.

— O que? Quando?

— Na próxima semana — eu digo.


— Há quanto tempo você tem isso planejado? E quando
você ia me contar? É por isso que você está terminando as
coisas?

— Eu decidi na outra semana. E é um acordo temporário.


Voltarei depois do primeiro dia do ano. Estou fazendo um favor
para um colega.

Ele exala, como se estivesse aliviado por eu estar


voltando. Porém, se eu tiver sorte, ele já terá ido embora.

Grant é um homem atraente. Ele é bem-sucedido e


motivado. Ele é ambicioso e trabalhador. Ele é uma pessoa
extrovertida. Phoenix está repleto de mulheres bonitas,
inteligentes e motivadas que ficariam felizes em agarrá-lo em
um piscar de olhos.

— Por que não fazemos uma pausa, então? — Ele se


levanta, ombros para trás. Há uma confiança em seu tom que
não pertence. — Três meses separados. Três meses para
pensar nas coisas. Para realmente pensar sobre isso.

— Já pensei nisso...

— Pense mais nisso então — diz ele. — Você pode se


surpreender. Você pode sentir minha falta. Você pode mudar
de ideia. E quando o fizer, estarei aqui. Esperando.
— Você pode acreditar nessa merda? — Grant sopra o ar
no receptor na quinta de manhã. Eu verifico o relógio – minhas
nove da manhã devem chegar a qualquer minuto.

Esta é a primeira vez que conversamos desde o brunch


no fim de semana passado, e tenho que admitir que estou
aliviado por ele estar fingindo que nosso pequeno momento
nunca aconteceu. Seguir em frente é do interesse de todos.

— Eu sinto muito... eu sei que você realmente gostou


dela. — Eu tamborilando meus dedos contra minha mesa.
Fingir estar chocado com a notícia e mentir para meu melhor
amigo não é o meu melhor momento, mas a verdade tornaria
as coisas dez vezes piores.

— Eu só... ela me pegou de surpresa — ele fala devagar,


como se estivesse pasmo de descrença. Eu o imagino caído
sobre a mesa, a cabeça entre as mãos, olhando para a parede
com os olhos arregalados.

— Você realmente não viu isso chegando? — Por mais que


eu queira lembrá-lo do fato de que ele literalmente disse que
ela estava tendo dúvidas alguns dias atrás, opto por não ir por
esse caminho.

— Quer dizer, talvez? Ela tinha estado meio quieta nas


últimas semanas; pensei que talvez ela estivesse se afastando.
Então pensei que era minha imaginação. Acho que não queria
acreditar que ela estava mudando de ideia.

— Ela ainda pode mudar de ideia. — Eu digo o tipo de


coisa que gostaria de ouvir se estivesse do outro lado disso. —
Nunca se sabe.

— Ela está se mudando para Nova York por alguns meses.

Quase engasgo.

— O que?

— Algum negócio de trabalho com um dos atuários da


filial de Manhattan. É só até o primeiro dia do ano.

Meu coração dispara tão rápido quanto meus


pensamentos. Passei os últimos dias envolvendo minha cabeça
em torno da teoria dos sonhos de Claire, ignorando a atração
persistente que permaneceu, e me convencendo a deixar a
coisa toda para trás porque era tão irreal quanto impossível.

— Eu preciso que você fique de olho nela para mim —


Grant diz. — Certifique-se de que ela não conheça mais
ninguém.
— E como exatamente você propõe que eu faça isso? Você
percebe que eu a conheci duas vezes. — Outra mentirinha
necessária e pseudo-inofensiva da qual não me orgulho.

— Eu quero que você saia com ela.

Suas palavras pousam como uma bigorna de chumbo.


Por um momento, tenho certeza de que o ouvi mal.

— O que?

— Quero dizer, não foda ela — diz ele com uma risada
casual. — Apenas... preencha esse vazio para que ela não
tenha tempo de namorar mais ninguém.

— Absolutamente não.

Ele está louco.

— Eu vou te pagar — diz ele em um tom que beira o


nervosismo leve e sério como um ataque cardíaco.

— O que diabos está errado com você? — Foda-se Grant


se ele acha que pode me pagar para ser um vigarista comovente
na vida desta mulher inocente.

— Você vai fazer isso. Você sabe por quê? Porque eu faria
isso por você — Suas palavras são a verdade honesta de Deus,
e ambos sabemos disso.

— Olha... você sabe que eu te amo como um irmão e faria


quase qualquer coisa por você, mas não vou fingir um namoro
com sua ex-noiva.
É um plano insano que nunca funcionará, sem
mencionar que está errado em uma miríade de níveis.

— Tudo bem. — Diz ele. — Então apenas... faça amizade


com ela. Fique de olho nela para mim. Deixe-me saber o que
ela está fazendo e tudo isso.

— Estarei aqui se ela precisar de alguma coisa. Mas tudo


isso é entre vocês dois. Você tem que me deixar fora disso.

Meu telefone de mesa toca e a voz de Paloma vem pelo


interfone.

— Eu tenho que ir. Aguente firme, certo? Você vai superar


isso — eu digo.

— Bem. Mas minha oferta ainda está de pé. Eu te


pagarei...

— Foda-se a sua oferta. — Eu bufo, levantando e


fechando meu paletó.

Mesmo que ele jogasse dez milhões de dólares no meu


colo, eu ainda não faria isso – e por razões que nunca poderia
começar a explicar a ele.

— Você é um bom homem, Cainan. Melhor amigo que um


cara poderia pedir.

Eu só queria que fosse assim.


— Eu acho que é isso. — Maya está parada no centro da
sala de estar, as mãos enfiadas nos bolsos de trás da calça
jeans de quinhentos dólares de sua mãe. — Se você pensar em
qualquer outra pergunta, basta enviar-me uma mensagem.

Acontece que, todo esse tempo, estive trabalhando ao


lado da filha de um bilionário famoso.

Ela é uma Delgado – como na Park Avenue Delgados.

Como no magnata da mídia Delgados.

Assim como sua mãe já foi prefeita de Nova York e seu pai
joga golfe com Bezos, Gates e Zuckerberg todo verão em
alguma ilha particular do Pacífico.

Tento não ficar boquiaberta com o apartamento que vou


chamar de casa nos próximos três meses. Também tentei não
espumar quando ela me disse que este era o apartamento que
eles usaram no filme Sex and the City – a unidade pré-guerra
com o armário personalizado que Big comprou para Carrie
antes de todo o fiasco do casamento.
Maya deixa um molho de chaves preso a um chaveiro
Cartier de platina na mesa, bem como uma lista de números
importantes, todos rabiscados em papel timbrado com
monograma e folheado a ouro rosa nas bordas.

Então eu acho que ela é uma atuária por diversão?

De qualquer forma, tenho um novo respeito por uma


mulher cuja ética de trabalho já rivaliza com a minha.

— Obrigada novamente por fazer isso. Meus avós não têm


ideia de que vou me mudar para Phoenix pelo resto do ano.
Mal posso esperar para surpreendê-los. — Ela leva duas
enormes malas de grife até a porta. Entrego a ela as chaves de
minha casa. Eu me ofereci para deixá-la usar meu carro
também, mas ela prontamente me informou que nunca havia
dirigido na vida, que pretendia usar um motorista para se
locomover. Eu balancei a cabeça e agi como se fosse uma coisa
completamente normal de onde eu sou.

— Avise-me se tiver alguma dúvida quando chegar lá —


digo. — Embora eu ache que tudo é bastante autoexplicativo...

O que falta ao meu lugar no charme do velho mundo, ele


mais do que compensa com novas instalações de construção
eficientes. Meu aquecedor de água nunca quebra. Minhas
janelas são herméticas com telas imaculadas. A roupa está
convenientemente localizada fora do quarto principal. E os
utensílios de cozinha brilham com um acabamento de fábrica
imaculado, raramente usado porque passo a maior parte do
tempo no escritório.
Maya sai com um aceno, e eu tranco a porta atrás dela
antes de ir para uma das janelas de sua sala de estar para ver
o mundo abaixo. Buzinas buzinando. As pessoas gritam do
outro lado da rua. Um cachorrinho late antes de fazer seu
negócio contra uma lata de lixo.

Não sou uma estranha nessa cidade, mas morar aqui será
uma mudança de ritmo emocionante. Dou as boas-vindas de
braços abertos.

Abro a janela e deixo entrar uma brisa do início do


outono, que cheira a folhas frescas e terra gelada daqui de
cima.

No balcão, meu telefone toca com uma mensagem, me


puxando do meu devaneio. Embora eu tenha noventa por cento
de certeza de que é minha mãe ou irmãs certificando-se de que
tudo está bem, eu verifico mesmo assim.

Só que não é minha mãe ou minhas irmãs.

GRANT: Hey, apenas verificando para ver como nyc está


tratando você? Hoje é o dia, certo?

Já se passou mais de uma semana desde que terminei as


coisas. Enquanto ele está me dando espaço, ele ainda está
segurando um fio de esperança de que as coisas vão dar certo.
Ele manda mensagens dia sim, dia não, quase sempre tocando
na base, perguntando como foi meu dia, esse tipo de coisa.

Ele quer que eu saiba que ele ainda se importa – como se


eu pudesse esquecer.
EU: Apenas passei um par de horas. Me adaptando. Por
enquanto, tudo bem!

Eu o mantenho neutro. Curto e grosso. Não quero


enganá-lo, mas também não quero ignorá-lo. Somos adultos.
Podemos agir como tal. Separações não precisam ser
complicadas ou dramáticas. E, honestamente, eu não me
importaria de ficar amiga dele. Nós nos divertimos juntos. Não
há razão para que não possamos continuar a caminhar juntos,
assistir a jogos e ver shows ao vivo em nossos locais favoritos.

GRANT: Vou enviar a você o número de Cainan. Se você


precisar de alguma coisa, chame ele.

Um segundo depois, o cartão de contato de Cainan


aparece.

Enfio meu telefone na bolsa e pego as chaves de Maya


antes de colocar um tênis e sair para explorar meu novo bairro.
Ninguém sorri de passagem, não que eu espere que sorriem.
Todos estão grudados em seus telefones, olhando para frente,
perdidos em seu pequeno universo.

Eu não me importo.

Estou aqui apenas para mergulhar na paisagem,


deleitando-me com o fato de que não há um cacto à vista. Nem
um único taiaçuídeo13 demolindo o conteúdo do lixo de
alguém. Nenhum sol raivoso batendo forte.

Em muitos aspectos, é como passear por um cenário de


filme. Cada toldo, cada luz de rua, cada alpendre em seu lugar
perfeito.

Quase como um sonho.

Estou totalmente envolvida neste momento – até que


alguém chame meu nome.

— Brie? — É a voz de um homem. Vagamente


familiarizado.

Eu paro no meu caminho, meu olhar fixo no copo alto de


água parado na minha frente.

— Cainan?

Se eu não estivesse tão atordoada, poderia calcular as


chances de topar com ele exatamente nesta rua em uma cidade
de milhões de pessoas.

— Isso é tão louco – Grant literalmente acabou de me


mandar uma mensagem com seu número. E então eu saio e
encontro você.

Se eu não soubesse melhor, suspeitaria que Grant


orquestrou tudo isso como uma forma de ficar de olho em mim,

13 Taiaçuídeos é uma família de mamíferos artiodáctilos de médio porte que inclui espécies de porcos

selvagens como o queixada e o caititu. Não devem ser confundidos com os javalis, que pertencem a
família dos suídeos.
só que não é concebível. Eu nunca disse a ele o nome de Maya.
E mesmo que ele descobrisse, o endereço dela é privado e
registrado em uma das muitas LLCs de seu pai. Além disso,
Grant não teria como saber que eu ia dar um passeio naquele
exato momento.

Não passa de uma estranha coincidência.

— Oh, sim? Ele mencionou que você estava se mudando


para cá. Você vai ficar por perto? — Ele pergunta.

Eu aponto atrás de mim.

— Alguns quarteirões para lá.

Sua boca cheia puxa para um lado e ele aponta para o


prédio ao nosso lado.

— Acho que isso nos torna vizinhos.

Meu estômago treme, e meu coração pula algumas


batidas – não muito diferente do que aconteceu no brunch no
outro fim de semana, quando Cainan veio me ver. Foi um gesto
gentil. Surpreendente também. Um que eu tive que me forçar
a não ler.

Ele não é nada mais do que um cara legal.

— Você conhece algum bom café na vizinhança? — Eu


pergunto.
— Na verdade, estava a caminho de Atlantis na 65nd. O
melhor café deste lado de Midtown e pontos extras – funciona
como uma livraria... se você gosta desse tipo de coisa...

Eu levanto a palma da mão ao meu coração.

— Você está brincando comigo? Livros e café são a vida.

— Oh sim? Autor favorito?

— Toni Morrison. Sem dúvida. O Olho mais azul é uma


obra-prima — eu digo sem pausa. — Além disso, não me
julgue, mas eu li quase todos os livros de Stephen King que
existem.

Espero que ele ria como algumas pessoas de 'livros' fazem


quando eu falo sobre meu amor por ficção comercial, mas sua
expressão é estranhamente ilegível.

— Se importa se eu for junto? — Eu verifico meu relógio.


É muito cedo para o jantar e desfazer minha única mala levará
trinta minutos, se tanto. Não tenho nada além de tempo em
minhas mãos. — A menos que você esteja indo para algum
lugar...

Ele me estuda.

— De modo nenhum.
— Você fala muito com Grant atualmente? — Eu
pergunto quando estamos acomodados em uma esquina no
alto da parte de trás do Atlantis. Minhas mãos estão
envolvendo uma caneca quente cheia de café com leite
polvilhado com açúcar mascavo e canela.

Cainan bebe seu café puro. Direto e descomplicado.

— Ele me ligou todos os dias desde que você partiu o


coração dele. — Seu olhar cai para o meu pulso por um
segundo.

Acho que ele está sendo sarcástico, embora não tenha


certeza. Ele está protegido. Ligeiramente ilegível. E dado o fato
de que esta é apenas o nosso quinto encontro, se eu contar o
acidente, ainda somos pouco mais do que estranhos. Embora
agora que estarei morando aqui nos próximos meses, espero
que isso mude.

— Como você acha que ele está? — Eu pergunto.

— Você se importa ou está apenas conversando?

Eu franzir a testa.

— Eu me importo.

— Não é bom. Você realmente deu um golpe nele.

Meus ombros murcham, pesados de culpa.

— Meus pais estão fora de si com isso. Minhas irmãs


estão todas desapontadas, dizendo-me sempre que podem, o
grande erro que estou cometendo. Minha mãe chorou.
Lágrimas reais. E minhas irmãs cacarejavam como galinhas
zangadas. Meu pai não fala comigo há uma semana. De
qualquer forma, Grant me liga ou envia mensagens de texto
pelo menos a cada dois dias, e toda vez que ouço sua voz...é
igualmente triste e esperançoso.

— Então você fugiu para Nova York para não ter que lidar
com tudo isso?

Eu balancei minha cabeça.

— Eu estar aqui não tem nada a ver com Grant ou


terminar o noivado. Minha correspondente na filial de
Manhattan queria trocar locais até o final do ano. Seus avós
moram em Mesa. Trocamos casas e escritórios. É temporário.

— Grant tem a impressão de que vocês estarão juntos


novamente quando voltarem.

Eu bebo meu café, o gosto amargo na minha língua.

— Eu sei que ele tem.

— Então não há chance de você aceitá-lo de volta? — Sua


atenção pousa no meu pulso mais uma vez. Uma contração
nervosa, talvez?

— A probabilidade de eu mudar de ideia é... menor que


zero. — Eu encolho os ombros. — Eu não o amo. Não gosto
disso. E eu nem acho que quero me casar.

Ele estremece.
— Por que você simplesmente não disse a ele 'não' quando
ele propôs?

— Porque ele organizou essa coisa toda neste restaurante


lotado e minha família inteira estava lá. E gostei muito dele.
Eu gostei de estar com ele. Tudo era tão novo e excitante. E
Grant é um cara divertido. Você, de todas as pessoas, deveria
saber disso. E ele me trata como uma rainha. Parecia uma
aposta segura na época.

— Então você decidiu dizer 'sim' a ele e deixou rolar?

Eu tomo outro gole.

— Não estou orgulhosa. Eu gostaria de ser melhor em


dizer não às pessoas. Minha irmã gêmea sempre me chamou
de revestidora de açúcar14. Mas ela era uma estripadora de
Band-Aid. Ela era brutalmente honesta e isso era natural para
ela. Ela diria na sua cara exatamente o que ela pensava de
você, e ela não se desculparia por isso.

— Parece que ela se encaixaria muito bem aqui.

Eu bufo baixinho.

— Essa foi Kari para você. — Eu digo, permitindo-me


sentir tanto a falta dela que esvazia meu peito por um
momento. — De qualquer forma, eu realmente fiz um número
por Grant. E minha família também.

14 Isso quer dizer que ela é tão doce que não consegue falar nada negativo para as pessoas.
— Você não pode viver sua vida por mais ninguém.

— Eu simplesmente odeio machucar pessoas de quem


gosto.

— Eu ficaria preocupada se você não o fizesse — diz ele.

— Você provavelmente o conhece melhor do que ninguém


— eu digo, — então me diga... o que todo mundo vê que eu
não? O que estou perdendo aqui? Por que ele parece tão
incrível e, no entanto, ao me afastar dele, parece que um peso
foi tirado? Como se eu tivesse evitado algum tipo de crise?

Cainan começa a dizer algo, mas para, e em vez disso me


presenteia com um sorriso fechado de desculpas. Minha
curiosidade é aguçada, mas meu respeito por sua quietude
permanece.

— Eu sinto muito. Estou muito fora da linha aqui. Você é


o melhor amigo dele. Eu não deveria colocá-lo no meio disso.
— Eu aceno minha mão. — É muito fácil conversar com você.

Ele descansa um cotovelo na mesa, sua mão enrolada em


uma caneca azul marinho enquanto ele me bebe. Meu coração
se esquece de bater novamente quando nossos olhos se
encontram. Sob essa luz, seus olhos castanhos são quase
inteiramente dourados com as menores manchas de marrom.
Fascinante, hipnótico. E de uma forma que não consigo
explicar, eles quase se parecem casa.

— Você adoça porque acha que suavizar o golpe pode


controlar o resultado — ele quebra o silêncio. — Mas não
podemos controlar os sentimentos ou reações das outras
pessoas. Não podemos controlar nada além de nossas próprias
reações. Quanto mais cedo aceitarmos isso, mais fácil ficará.

— Uau. Isso é profundo. — Tento minimizar o quanto


estou impressionada com seus sábios conselhos.

Grant e eu nunca tivemos conversas que cavaram além


da superfície. É fácil conversar com ele, mas seus tópicos são
superficiais e seguros. Eu nunca percebi isso até agora. Talvez
esse seja um dos componentes que estavam faltando. Não
havia conexão além do físico e externo – o superficial. Nunca
foi intelectual. Nunca profundo.

Nunca gostei disso.

Há uma profundidade em Cainan, uma qualidade rara


hoje em dia. Ele é uma alma velha. Clássico e reservado, mas
tão forte quanto o aço com fio. Imagino que muitas pessoas
confundam sua indiferença com frieza.

— Você não vai acreditar quantos casais se divorciando


tentam adoçar as duras verdades porque se sentem culpados
e não querem machucar seu parceiro ainda mais do que já
fizeram. Nove em cada dez vezes, só piora as coisas.

— Deixe-me perguntar isso... se você não acredita que


podemos controlar qualquer coisa além de nossas reações, o
que o fez querer se tornar um advogado?

— Boa pergunta... para a qual eu diria que você pode


controlar coisas como o divórcio. Ninguém precisa ficar casado
com ninguém se não quiser. Minha referência foi mais no
sentido de não ser capaz de controlar a forma como as outras
pessoas respondem, as ações das outras pessoas — diz ele.

— Você acredita em casamento? — É uma pergunta


bizarra de se fazer a alguém que você mal conhece, mas dado
o assunto da conversa e sua profissão, certamente não está
completamente fora de linha.

— Na maioria dos dias, não — ele responde sem


hesitação.

— O que você acredita nos outros dias? — Estou


sobrecarregada com o desejo de vasculhar seu cérebro, de
descascar suas camadas misteriosas.

Eu estava errada sobre ele na noite em que nos


conhecemos. Ele não era um homem casado do subúrbio
participando de sua secreta vida dupla. Ele não era um
mentiroso. Ele era exatamente quem dizia ser.

Uma raridade.

Não existem pessoas como ele o suficiente neste mundo.

O telefone de Cainan vibra na mesa. Olhando para baixo,


ele exala.

— Eu sinto muito. Eu tenho que atender isso. Eu volto já.

Cainan pega seu telefone e se arrasta para fora, andando


em frente às vitrines enquanto fala com o interlocutor
misterioso. Ele passa a mão pelo cabelo loiro escuro, de costas
para mim. Aproveito para beber ele. Desavergonhadamente...

Ele é alto, mas não muito alto. Possui a construção de um


corredor. Ombros largos. Recursos cinzelados que pertencem
a outdoors. Cainan James é sexy em todos os sentidos da
palavra – mas sua beleza é apenas um bônus, atrás do resto
de seus encantos. É sua inteligência, sua alma, a inabalável
tranquilidade que ele exala que faz todo o trabalho pesado.

E há o jeito que ele me olha – como se eu fosse a única


pessoa na sala.

Grant fez isso em nosso primeiro encontro e, embora


tenha enviado as borboletas em meu meio a um frenesi de
alimentação, não foi nada comparado à agitação caótica que
experimento quando Cainan faz isso.

Eu vejo quando ele termina a ligação, coloca o telefone em


um bolso lateral e retorna para dentro.

Eu mudo meus pensamentos de volta para o neutro,


limpo minha garganta e tomo um gole do meu café com leite.

É autoindulgente, talvez até masoquista fantasiar com


um homem que não posso ter.

— Brie, sinto muito, mas vou ter que interromper isso. —


Ele olha para o café meio vazio e faz uma careta. — Eu tenho
uma mediação de cliente de emergência para atender. De
qualquer forma, foi ótimo ver você. Verdadeiramente. Agora
que somos vizinhos, não seremos estranhos.
Com isso, ele se foi.

Termino minha bebida, obrigando-me a negar o que quer


que esteja sentindo a cada gole.

Quando termino, passo por uma vitrine de livro perto da


caixa registradora. A escolha deste mês é O Alquimista, de
Paulo Coelho.

Por capricho, compro uma cópia. Então eu volto para o


apartamento de Maya, me perdendo entre as páginas de um
romance sobre um homem que teve um sonho recorrente e sua
busca por seu significado. Mas a cada poucos capítulos, minha
mente vai para Cainan, um homem que parece tão
silenciosamente seguro de si mesmo, de quem ele é e do que
deseja.

Algum dia ele vai colocar seus olhos em alguém e nunca


mais olhar para trás. Ela se perderá no fundo de seus olhos,
ficará intoxicada com o veludo em seu tom e a forma como ele
cheira a pura masculinidade com um toque de sândalo. Ele vai
cortejá-la com sua inteligência e encantá-la com sua confiança
pacífica.

Eu nem mesmo conheço essa mulher, mas daria tudo


para ser ela.
— O que diabos aconteceu com Grant e Brie? Acabei de
ver que ele mudou seu status de noivo para solteiro? Você
sabia sobre isso? — Claire me cumprimenta no sábado de
manhã com uma enxurrada de perguntas.

— Olá para você também. — Fechei a porta do


apartamento dela atrás de mim.

— Sério, quando isso aconteceu?

— Mais de uma semana atrás.

— Quando você ia me dizer? — Ela se senta sobre sua


área moderna de meados do século e abraça um travesseiro.
— Eles eram tão fofos juntos.

— Brie mudou de ideia. Acontece.

Ela mordisca uma miniatura pintada.

— Eu acho...

— Ele vai superar isso. Na verdade, ele já está planejando


um fim de semana para os rapazes em Las Vegas.
— Claro que ele está. — Claire revira os olhos. — Parece
que o comentário dele no brunch naquele fim de semana tinha
alguma verdade por trás, afinal. Brie deve ter mudado de ideia,
e Grant deve estar ciente disso.

Meu telefone vibra no bolso com uma mensagem. O


número na tela é desconhecido.

602-555-9945: Oi! É brie. Espero que você não estranhe


meu texto... Grant me deu seu número. De qualquer forma, só
queria dizer que foi bom conversar com você no outro dia. Amei
o café. Definitivamente estarei de volta. Também peguei este
livro enquanto estava lá. Tão bom! Se você quiser pegar, lmk15!

Surge uma foto de um livro com uma capa laranja


brilhante.

O Alquimista.

Já vi isso antes, mas nunca li.

— Por que você está sorrindo aí? — Claire interrompe meu


momento.

Eu limpo a expressão do meu rosto.

— Eu não estava sorrindo.

— O inferno que você não estava. Quem te mandou uma


mensagem?

15 Abreviação para ´´deixe-me saber``


— Isso nunca se torna exaustivo para você? Estar
envolvida nos negócios de todo mundo?

Ela se inclina para fora do sofá, pegando meu telefone.

— Diga-me ou terei que ver por mim mesma.

— Brie mudou-se para cá esta semana. Encontrei-a há


alguns dias e tomamos café. Ela estava me enviando uma
mensagem de texto com uma recomendação de livro.

Sou recompensado com som de grilos.

— É completamente inocente — acrescento antes que ela


tenha a chance de inserir sua opinião.

— Brie como em...Grant e Brie?

Eu concordo.

— Jesus, Cainan. Que diabos está errado com você? —


Ela se levanta do sofá e caminha por toda a sua sala de estar.
— Há algo que você não está me dizendo?

— Claro que não.

Ela junta o cabelo bagunçado em um coque ainda mais


bagunçado, prendendo-o com o prendedor de cabelo no pulso.

— Sua suposta garota dos sonhos conheceu você, largou


seu melhor amigo uma semana depois e se mudou para sua
cidade uma semana depois...

— Eu sei o que parece, mas não é assim. Em absoluto.


— É melhor não ser. Você não pode fazer isso com Grant.
Eu sei que ele é um idiota às vezes, mas ele é seu melhor amigo.

Passar um tempo com Brie era tão natural – como se nós


pertencêssemos um ao outro. A conversa nunca foi afetada ou
estranha. Seus olhos nunca deixaram os meus por sequer um
momento, intensos e curiosos enquanto ela olhava para mim
através de uma moldura de cílios escuros e se fixava em cada
palavra minha como se ela estivesse faminta por mais.

E então houve a decepção em sua voz que ela tentou


esconder quando eu disse a ela que tinha que ir. Eu não
demonstrei, mas senti o mesmo.

Eu não queria ir embora.

Eu queria cancelar a reunião, dizer a um dos sócios


juniores para me cobrir e passar o resto do dia apenas nós
dois.

Opto por não compartilhar esses detalhes com minha


irmã.

— Eu nunca faria isso. — É por isso que também não me


incomodo em compartilhar com Claire o fato de que eu
conhecia os autores favoritos de Brie antes mesmo que ela me
contasse. E eu sabia por causa do sonho. O sonho que Claire
insiste não foi nada mais do que um jargão mental. — Eu
nunca faria isso com ele.

E eu quero dizer isso.


Eu não posso. E eu não vou.
— Tenha um bom fim de semana, Brie! — Denise, nossa
gerente de recepção, se despede de mim na sexta à tarde. Um
grupo de senhoras da contabilidade e do RH a seguem em uma
pequena manada em direção ao elevador. Eu as ouvi falando
sobre pegar bebidas mais tarde. Paulina, a outra atuária, me
convidou para o recital de balé de sua filha em algum evento
privado de arrecadação de fundos, embora eu ache que ela
estava simplesmente sendo legal porque eu disse a ela que não
tinha muito planejado para o fim de semana.

Estou aqui há duas semanas e não é mais fácil fazer


novos amigos aqui do que em casa. Todo mundo tem seus
preconceitos. Todos precisam estar cem por cento certos de
que podem confiar em você antes de deixá-lo entrar em seu
círculo íntimo. E eu entendo. Eu não estou ofendida. Significa
apenas que vou passar outro fim de semana tranquila nos
confins do lindo apartamento de Maya.

Exceto essa noite.

Essa noite vou assistir a Chicago na Broadway. É a coisa


mais turística que um não-nova-iorquino pode fazer, e não
tenho nenhuma vergonha disso. Eu vi o filme cerca de uma
dúzia de vezes e vi o show quatro vezes quando passou por
Phoenix há uma década, mas nunca vi aqui.

Verifico meu e-mail em busca do código de confirmação


do ingresso antes de desligar o computador e trancar o
escritório de Maya. Estou na metade do caminho para o
elevador quando Grant liga.

— Ei — eu atendo, mas apenas porque ignorei suas duas


últimas ligações. Desde que me mudei para cá, ele tem
telefonado e enviado mensagens de texto diariamente. Acho
que fica ansioso por estar tão longe. É como se ele estivesse
convencido de que vou conhecer outra pessoa e ser arrebatada.
Não importa que seja um medo irrelevante.
Independentemente do que possa ou não acontecer enquanto
estou aqui, não muda nada em casa com ele.

Nós somos amigos. É tudo o que seremos.

Eu paro no Atlantis no meu caminho para casa e pego um


café. O show é daqui a algumas horas, e a semana turbulenta
que eu tive está me alcançando.

Estar aqui é inesperadamente agridoce. Duas semanas


atrás, Cainan e eu nos sentamos à mesa no fundo e tomamos
café. Dois dias depois, mandei uma mensagem para ele sobre
O Alquimista.

Ele leu o texto, mas nunca respondeu.

Silêncio de rádio.
Talvez seja uma coisa de lealdade. Talvez ele se sentisse
culpado depois por sair com a ex de seu melhor amigo? Talvez
ele pense que está fazendo a coisa certa?

— O que você quer fazer hoje à noite? — Grant pergunta


quando eu saio do café.

— Só vou assistir a um show mais tarde. — Tento manter


nossas conversas vagas, curtas e neutras o tempo todo. Não
quero dar falsas esperanças a ele. Não quero fomentar nenhum
tipo de intimidade de conversação.

— Oh sim? Qual?

— Chicago. O que você vai fazer neste fim de semana?

— O de sempre... — Ele também mantém sua resposta


vaga, embora eu ache que suas intenções são diferentes das
minhas. Acho que ele quer que eu me pergunte, que eu assuma
o pior, que o imagine pintando a cidade e transando com lindas
mulheres de Phoenix. — Na verdade, eu estava pensando em
me esconder. Cainan está planejando um fim de semana
insano em Vegas no mês que vem.

— Ele está? — Sinto uma pontada no peito, embora não


tenha certeza do que significa. Ciúme, talvez? Embora eu não
tenha o direito de ficar com ciúmes de Grant conversando com
seu melhor amigo.

— Sim. Disse que quer me animar.


— Tenho certeza que vocês dois vão se divertir muito
juntos.

Ele ri.

— Oh, haverá oito de nós no total. Vou alugar essa suíte


no Waldorf Astoria. Vamos a um monte de clubes. Ficar louco.

Grant está definitivamente tentando me deixar com


ciúmes. Só que em vez de imaginar Grant coberto de mulheres
deslumbrantes, lindas e seminuas... estou imaginando
Cainan.

Meu interior fica tenso e minha pele é coberta por um


flash quente de ciúme deslocado.

— Parece um bom momento — eu digo, forçando um tom


otimista.

— Ei, tenho uma viagem de trabalho chegando em


algumas semanas — ele muda de assunto. — Eu pensei que
talvez... se você estivesse bem com isso... eu poderia ficar com
você?

Meu queixo fica frouxo enquanto procuro as palavras


certas. As palavras de Cainan da outra semana, sobre não
adoçar, vêm à mente.

— Grant, não acho que seja uma boa ideia.

O velho eu teria dado a ele um monte de desculpas, teria


dito a ele que não é da minha conta, e não me sinto confortável
permitindo que outra pessoa fique lá comigo. Em vez disso,
fecho meus lábios e deixo por isso mesmo.

Grant solta algum tipo de protesto do outro lado da linha,


mas eu não estou mais ouvindo... porque mais à frente,
virando a esquina, está ninguém menos que o próprio Cainan
James.

— Ei, me desculpe — digo a Grant. — Eu tenho que ir.

— Tudo certo?

— Claro — eu digo, o polegar pairando sobre o botão de


desconexão. — Conversamos mais tarde?

— Sim, claro. — Ele não mascarou a frustração em sua


voz antes de desligar.

Cainan me vê, e meu estômago cede enquanto espero por


sua reação. Prendendo a respiração, me lembro de respirar.

— Ei, estranha. — Seu sorriso quase me faz esquecer que


ele me ignorou nas últimas duas semanas.

Enviei uma mensagem de texto com o número errado por


engano? Há uma chance de Cainan não receber minha
mensagem. Pode ter ido para alguma pessoa aleatória em vez
disso, e eu tenho minha calcinha em um maço por nada.

— Oi. — Eu forço um sorriso. E então a questão surge


antes que eu tenha a chance de pará-la. — Você recebeu minha
mensagem na outra semana?
Ele respira fundo com os dentes cerrados, usando uma
máscara de desculpas.

— Sim. Eu recebi.

Eu levanto minhas sobrancelhas.

— E?

Seus olhos procuram os meus. Ele está tentando inventar


uma desculpa, posso dizer. Só que fazer tal coisa seria um ato
de hipocrisia, dada sua forte postura em não adoçar a verdade.

— Se isso é sobre Grant... — Minha voz some, metade de


mim querendo que ele me assegure que não é.

Só que não é isso que acontece. Em absoluto.

— Vou ser completamente honesto com você — diz ele. —


É absolutamente sobre Grant.

Suas palavras são um golpe rápido, um golpe para o ego.


Mas eu não deixo transparecer.

— Eu não entendo — eu digo. — Grant me deu seu


número. Ele me disse para entrar em contato com você se
precisasse de alguma coisa. Eu não acho que ele ficaria
chateado por nós tomarmos café ou conversarmos sobre
livros...

O silêncio pesa entre nós, pesado com mil palavras não


ditas.

Ele também sentiu? E se ele sentisse, ele iria admitir isso?


Ele não confia em si mesmo perto de mim?

— Quer saber, não se preocupe com isso. — Eu aceno


para ele e verifico meu relógio. — Eu tenho que ir. Eu tenho
planos para esta noite, então...

Não vou implorar a ele para ser meu amigo.

Eu também não vou ficar parada e fingir que não


adormeci na noite passada imaginando a intensidade de seu
beijo contra minha boca ou a forma como meu corpo se
derreteria contra o dele sem um único protesto, não importa o
quão errado seja.

— Quais são seus planos? — Ele pergunta.

— Vou assistir a um show na Broadway.

— Deixe-me adivinhar... Chicago.

Eu sorrio.

— Ou você é vidente ou está zombando de mim por ser


uma turista previsível...

— Que horas são?

— Cinco e quinze.

— Não, que horas é o seu show?

— Sete e meia. Por quê?

Seus lábios se apertam e suas sobrancelhas se


encontram. Ele parece um homem à beira de uma má decisão.
— Você quer vir tomar uma bebida antes? Talvez me
contar um pouco mais sobre esse livro?

Eu aceno antes de ter a chance de me convencer do


contrário.

Sua casa é tão silenciosa e impressionante quanto ele.

Chão em mármore na entrada. Tetos altos. Lareira de


pedra calcária de grandes dimensões. Cozinha do chef
intocada. O leve cheiro de bergamota e sândalo penetrou nas
paredes. Madeira escura acentuada com metal polido. Couro
envolvia tudo. Confortável, mas não gigantesca ou na cara.

Ele me leva para o que parece ser um quarto convertido


em biblioteca e, pela primeira vez na minha vida adulta, estou
com os joelhos fracos – um termo que sempre pensei ser uma
expressão até agora.

— Eu nunca conheci um homem com uma biblioteca


antes — eu digo, arrastando meus dedos ao longo de uma
prateleira seccionada por poesia e suportes de livros em
formato de quartzo preto. — Poeta favorito?

— Não sei se poderia escolher apenas um, mas Pablo


Neruda está definitivamente entre os cinco primeiros. — Ele
desliza um pequeno livro de sua coleção, abre em uma página
no meio e pigarreia. — Não te amo como se fosses rosa de sal,
topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo: amo-te como
se amam certas coisas obscuras, secretamente, entre a sombra
e a alma.

Um arrepio de aperto no corpo percorre meu corpo,


seguido por uma onda de arrepios que enfraquecem os joelhos.

— De qualquer forma. — Ele insere o livro de volta na


posição correta. — Qual é a sua bebida?

— O que você tem?

— Tudo.

— Vodka e cranberry. Eu sou uma garota simples. — Dou


uma piscadela para ele.

Sua boca sobe.

— Algo me diz que você é tudo menos isso.

Desaparecendo no corredor, ele me deixa com meus


próprios recursos no conforto de sua biblioteca perfumada de
camurça e nozes com suas prateleiras do chão ao teto repletas
de poesia, tomos de filósofo e todos os clássicos.

Cainan é um homem renascentista.

Grant nunca gostou de livros. Ele me disse uma vez que


havia contratado alunos do último ano para escrever seus
artigos sobre literatura mundial na faculdade e que talvez
tivesse terminado um livro em toda a sua vida – uma biografia
de Michael Jordan. Ele disse que nunca conseguia ficar parado
por tempo suficiente para se concentrar.

A tranquilidade inerente de Cainan é ainda mais


adequada agora que vi esse lado dele.

— Olha você aí. — Ele volta um minuto depois com minha


vodka e cranberry e dois dedos de uma bebida cor de âmbar
para si mesmo, e então se acomoda em uma poltrona de
conhaque. — Fique à vontade. Você pode pegar emprestado o
que quiser.

Seleciono uma cópia antiga de O Retrato de Dorian Gray


e folheio cuidadosamente suas páginas frágeis, abrindo
caminho através do capítulo inicial enquanto trabalho em meu
coquetel.

Quando eu olho para cima vários minutos depois, Cainan


está olhando para meus pulsos novamente. Exatamente como
ele fez naquele dia em Atlantis.

— Por que você fica olhando para os meus pulsos? — Eu


meio que ri.

Suas sobrancelhas se encontram. Ele hesita.

— Sem motivo.

Talvez seja um tique nervoso? Embora ele não se pareça


um homem nervoso nem um pouco...
Verifico a hora e lembro que ainda tenho um show para
assistir.

— Eu provavelmente deveria ir. — Dobro o livro, coloco


sobre a mesa e tomo um último gole da minha bebida. Por mais
que eu queira pegá-lo emprestado, é claramente uma primeira
edição, assinada pelo autor e provavelmente vale milhares. —
Obrigada por me convidar aqui para cima. Da próxima vez, não
espere duas semanas...

— Não se esqueça do seu livro. — Ele o entrega para mim.


— Deve voltar daqui a três semanas. Se você precisar renovar,
me avise.

Nossas mãos se tocam na troca. Meu coração treme.

Se isso é tudo o que preciso para me fazer ir, só posso


imaginar como meu corpo reagiria se as coisas fossem...
diferentes... para nós.

Ele é um bom homem.

Eu gostaria de desejá-lo menos...

— Você vai ler O Alquimista? — Eu pergunto quando ele


me mostra, o livro pressionado contra meu peito sem fôlego
como se pudesse disfarçar meu estado atual.

— O que te faz pensar que ainda não li? — Ele pisca antes
de fechar a porta.

Eu tenho uma síncope durante todo o caminho para


Chicago.
E quando o show acaba, eu tenho uma síncope durante
todo o caminho para casa.

Andando pelas calçadas de Nova York em uma névoa de


devaneio, estou lisonjeada que Cainan reservou um tempo de
sua agenda lotada para ler um livro que eu recomendei – mas
agora não consigo parar de me perguntar: enquanto ele
folheava as páginas macias de manila, ele já pensou em mim?
Estou enlouquecendo.

Sento-me na sala de estar assim que Brie sai e tiro meu


exemplar de O Alquimista da mesa de centro. Eu não queria ler
o livro quando ela me recomendou duas semanas atrás. Na
verdade, um punhado de vezes ao longo dos anos, eu tentei...
desesperado para saber do que se tratava todo o hype, mas
nunca passei das primeiras páginas, porque parecia uma
fábula de Esopo mal traduzida, agitada e simplista em locais.

Desta vez, eu empurrei.

Terminei o primeiro capítulo.

Então o próximo.

E o seguinte.

Quando acabou, eu li de uma vez, meu pescoço torcido e


minhas mãos rígidas de manter a mesma posição por horas.

Talvez no passado, a mensagem do livro não tenha


ressoado. Eu não conseguia me identificar. Eu não queria
perder tempo percorrendo os parágrafos espasmódicos para
encontrar o cerne da mensagem.

Se o tempo é tudo, este livro não poderia ter me tocado


na alma em um capítulo mais perfeito da minha vida. Na
verdade, a jornada de Santiago reflete a minha de muitas
maneiras. O sonho que o assombra. Sua busca implacável.
Sua obsessão com o destino.

Em meu sonho, conheci os autores favoritos de Brie. Eu


sabia que ela amava Chicago na Broadway.

Não há explicação para isso. Duvido muito que ela


estivesse falando sua autobiografia verbal enquanto eu estava
morrendo em meu carro destroçado naquela noite fatídica.

Mas também não há explicação para a tatuagem ausente.

Ela me pegou olhando para seus pulsos mais cedo, e por


instinto, ela os cobriu com as mangas e disse que precisava ir.

Isso tem que significar alguma coisa.

Meu telefone vibra ao meu lado. Uma mensagem de Grant


preenche a tela.

GRANT: Acabo de enviar seu bilhete para vegas. Mal


posso esperar, porra. Você não tem nenhuma ideia de como eu
preciso disso.

Eu verifico meu e-mail, confirmo que o eTicket está lá e


mando um emoji de polegar para cima.
GRANT: Você não a viu ainda?

Ele me pergunta isso diariamente, desde que cometi o


erro de dizer que tomamos café juntos. Também mencionei
casualmente que ela está morando na vizinhança. Agora ele
está decidido a me usar como seu par extra de olhos,
verificando diligentemente para ver se houve novos
avistamentos ou desenvolvimentos.

Eu mastigo o interior do meu lábio.

Duas semanas atrás, Brie me mandou uma mensagem.


Duas semanas atrás, Claire pregou para mim sobre os perigos
de brincar com fogo – não que eu precisasse do sermão. E todos
os malditos dias das últimas duas semanas, Grant me lembra
de seu coração partido de alguma forma, jeito ou maneira.

Por esse motivo, ignorei o texto de Brie sobre o livro. Evitei


Atlantis como uma praga. E eu afoguei meus pensamentos
sobre ela com tudo e qualquer coisa – principalmente trabalho.

Eu me convenci de que estava fazendo a coisa certa,


mesmo que isso fizesse minhas entranhas se contorcerem e
dar nós, mesmo que meus pensamentos pipocassem às três
horas da manhã sem explicação.

EU: A vi na calçada agora há pouco.

Eu não a convidaria inicialmente – até que ela mencionou


que iria ver Chicago. Isso me fez pensar no sonho. Sobre todas
as coisas que eu sabia sobre ela e que queria confirmar. Eu
tinha a intenção de trabalhar alguns desses detalhes em uma
conversa fiada, mas não esperava que sua visita fosse
interrompida tanto.

GRANT: Como ela parece estar?

Eu bufo. Imagino que ele queira que eu diga que ela


parece sem esperança, miserável e desanimada, que é uma
casca da mulher que era quando era dele. Mas a verdade era
que ela estava linda pra caralho. Cabelo escuro e brilhante,
olhos verdes vivos, suéter grosso sobre leggings de couro
coladas ao corpo, um sorriso cauteloso que ela usava apenas
para mim.

ME: IDK16. Normal?

GRANT: A propósito, eu disse a ela que você planejou a


viagem para vegas.

EU: Por que você mentiu?

GRANT: Porque eu não queria parecer como a porra de um


babaca. Além de meu antigo padrinho de casamento e melhor
amigo de vida, você deveria ter planejado a viagem de qualquer
maneira.

GRANT: Ela disse alguma coisa sobre mim?

ME: Nope. Falamos sobre livros, então ela tinha que ir.
Disse que verá um show hoje à noite.

GRANT: Que horas foi isso?

16 Gíria para ´´sei lá``.


EU: Talvez vinte minutos atrás?

GRANT: Interessante. Eu acho que ela desligou comigo


para poder falar com você...

EU: E seu ponto?

Minha pergunta é idiota. Eu sei o que ele quer dizer. Ele


ainda está pensando sobre eu cortejá-la para que eu possa
mantê-la sob controle e garantir que ela não saia com ninguém
enquanto estiver na cidade.

GRANT: Mande uma mensagem e peça-lhe para aguardar


este fim de semana.

Eu coloco meu telefone de lado, seguido pela minha cópia


de O Alquimista, e vou embora. Grant pode ficar realmente
muito persistente às vezes, e não estou com humor esta noite.

Vegas é a antítese da minha cena, mas o pobre coitado


está sofrendo e o dever chama, mesmo que eu tenha que
ignorar o fato de que ele alegou que Brie era o amor de sua
vida, mas ainda estava com as mãos na calça de Serena
enquanto simultaneamente planejava foder Brie acabou com o
acordo pré-nupcial. Multitarefa no seu melhor.

Eu retiro meu julgamento.

Não é minha função brincar de juiz e júri.

Mas eu estaria mentindo se dissesse que não estava feliz


por ela ter dado um fora na bunda dele.
Brie merece melhor.

Ela merece alguém mais como... eu.


— Desculpe. Eu pedi isso sem maionese e está
encharcado... — Uma loira magra em um sobretudo de seda
Boho e botas de cano alto dá um tapa em seu sanduíche no
balcão na terça de manhã. — Olá? Alguém trabalha aqui?

Ela zomba e verifica seu telefone antes de ficar na ponta


dos pés e acenar para um pobre trabalhador da delicatessen,
que corta um pedaço de peito de peru.

— Ei! Você — ela chama por ele. Ele finge não a ouvir.
Virando-se para mim, ela revira os olhos. — Eles agem como
se seu trabalho fosse tão difícil. Talvez um...

Ela para de falar no instante em que nossos olhos se


encontram.

— Você é a Serena, certo? — Eu pergunto. — Da festa de


Cainan?

Seus olhos azuis do Alasca me medem de cima a baixo,


mas antes que ela possa dizer qualquer coisa, um homem de
meia-idade com um avental branco se aproxima dela por trás
do balcão. Eu me afasto, desviando meu olhar enquanto ela diz
a ele o que quer que seja sobre seu sanduíche de peru com
centeio. Ele o pega de volta sem dizer uma palavra, fingindo
jogá-lo no lixo antes de instruir um de seus minions a fazer um
novo para ela.

— Então você mora aqui na cidade? — Eu pergunto.

— Brooklyn. — Ela observa uma garota que não pode ter


mais de dezoito ou dezenove anos fazendo para ela um
sanduíche de peru seco. Sem queijo. Sem condimentos. Assim
que o embrulha no papel pardo, Serena desvia o olhar daquela
direção e dá uma olhada rápida em minhas mãos.

Imagino que ela esteja procurando meu anel – uma prova


de que o noivado acabou oficialmente.

— Aqui está. — A jovem entrega seu sanduíche a Serena


e, assim, ela está a caminho. Não diz um vejo você por aí ou
bom encontrar você.

Esquisito...

Recuso-me a levar para o lado pessoal, dado o fato de que


ela não sabe nada sobre mim, além do fato de que eu já fui
noiva de um homem que ela conhece.

Dez minutos depois, mergulho em minha sopa e salada


combinada em uma mesa para dois.

Imagino o que Cainan está fazendo hoje...

EU: Terminei Dorian Grey no fim de semana. Também


encontrei com serena no alto mercado deli. Ela não podia se
afastar de mim rápido o suficiente. Tenho a sensação de que ela
e Grant têm uma história? ;-)

CAINAN: Você anda por esta cidade por muito tempo e vai
perceber que todo tem uma história com o Grant Forsythe.

EU: Droga. E aqui achei que fiz parte de algum clube


exclusivo.

EU: Quando posso devolver seu livro? Você tem uma caixa
de entrega que fique aberta após o expediente?

CAINAN: Estou aqui toda a manhã de sábado se você quer


passar aqui.

EU: Irei...

Verifico a hora e termino meu almoço para poder voltar


ao escritório a tempo da minha reunião no Skype à uma hora.
Só quando estou entrando no elevador e subindo até o décimo
andar é que a dor em minhas bochechas puxa meus dedos
para cima.

Caralho. Estou sorrindo como uma idiota.

Limpo a expressão ridícula do rosto, me recomponho e


entro no escritório para verificar alguns e-mails antes do início
da reunião. Enquanto estou fazendo isso, faço uma anotação
em meu calendário para devolver o livro a Cainan no sábado
de manhã.

Não que eu me esqueça...


Algo me diz que é tudo em que vou pensar nos próximos
quatro dias.

Mesmo se eu não devesse.


Brie aparece pouco antes das onze da manhã de sábado.

— A fim de uma caminhada? Está lindo lá fora.

Está lindo por dentro também – o crédito é todo dela.

Ondas de cetim da cor de chocolate escuro emolduram


seu rosto, e suas íris esmeraldas iluminam-se por dentro
enquanto ela sorri e me entrega o livro que pegou emprestado.

Ela não está errada. É um belo dia de outubro. Clima frio.


Não muito alegre. Árvores que ficam da cor de azeitonas,
ferrugem e ouro polido, pintando pitorescos retratos de outono
ao longo de cada avenida.

— Bem. — Eu a provoco com uma piscadela enquanto


pego uma jaqueta e calço um par de tênis – não muito diferente
do Sr. Rogers, embora eu seja um pouco mais sexy, se eu
mesmo posso falar sobre isso.

Eu coloco o livro de lado e tranco na saída.

No instante em que chegamos à calçada, a brisa me traz


seu perfume – um tipo simultaneamente doce e escuro.
— O que você acha da vida na cidade até agora? — Eu
pergunto enquanto seguimos para o norte, com as mãos nos
bolsos, avançando com passadas sem destino.

— Definitivamente mais diferente do que aparecer uma


vez por mês. — Diz ela. — Mas também é tudo que eu esperava
e muito mais. Às vezes, sinto que sou apenas um personagem
vivendo uma fantasia.

— Você está dando a este lugar mais crédito do que ele


merece. Não é um sonho.

— Diga isso a minha adolescente interior, que não


consegue parar de andar pelo apartamento de Maya como se
eu fosse Carrie Bradshaw. — Ela ri baixinho e enfia uma
mecha solta atrás da orelha, revelando uma única covinha.

— Quem é essa?

Ela me lança um olhar.

— Por favor, me diga que você está brincando.

Eu balancei minha cabeça.

— Carrie Bradshaw — ela diz o nome com mais força. —


Sex and the city…

Dando de ombros, eu balanço minha cabeça mais uma


vez.

— Você vai ter que ser mais específica do que isso.


— Foi uma série de tipo, vinte anos atrás. Minhas irmãs
me deixavam vê-la quando eu provavelmente era de certa forma
muito jovem — eu digo. — Era sobre esses quatro melhores
amigas que moravam em Manhattan e elas tinham uma vida
amorosa maluca.

— Ah. — Lembro-me de um punhado de outdoors pela


cidade e de um ônibus de turismo ocasional mostrando quatro
mulheres de meia-idade vestidas com roupas desatualizadas.
— Acho que sei do que você está falando agora.

— Eu diria para você se empanturrar, mas algo me diz


que não é o seu tipo de programa.

— Eu realmente não assisto TV.

— Oh. — Ela revira os olhos, embora eu pareça que ela


está brincando. — Você é um desses.

— Meus pais não acreditavam em TV enquanto cresciam,


então nunca tivemos uma. Quando cheguei à faculdade, estava
muito ocupado para me preocupar com o que passava na TV,
e não era algo que me interessasse. Mudei-me para a cidade
logo após terminar a faculdade de direito e tenho construído
minha carreira desde então. Não consigo me imaginar sentado
e sem fazer nada, apenas olhando para uma tela como um
zumbi. Prefiro olhar para um livro.

— Eu amo isso em você — ela diz quando viramos a


esquina. Assim que ela percebe o que disse, suas bochechas
ficam rosadas e, sem hesitar, ela acrescenta: — Grant disse
que você também não está nas redes sociais.

Tentando mudar de assunto?

— Correção: eu tentei. Odiei. — Eu não entro nessa coisa


de hackeado-por-uma-ex-psicótica porque não é nem aqui
nem lá. — Nunca entendi a obsessão com a vida das outras
pessoas. Quem diabos se importa com o que uma pessoa
aleatória da sua escola está fazendo atualmente? Prefiro viver
a minha vida do que ver todos os outros viverem a sua.

— Eu não discordo de você — ela diz. — Embora às vezes,


quando você vem de uma família grande, é mais fácil manter
contato em um site. Se minhas irmãs querem postar fotos de
seus filhos, é mais fácil postá-las lá do que enviar duas dúzias
de mensagens de texto.

— Eu suponho que sim — eu digo. — Acho que não sei


como é isso.

Ela fica quieta por um instante.

— Você tem uma irmã, certo? Claire?

— Sim.

— E você disse que seus pais não acreditavam em TV?


Deve ter sido uma infância interessante.

Eu bufo.

— Para dizer o mínimo.


— Em que mais eles não acreditavam?

— Você escolhe — eu digo. — Natal, aniversários... nos


dando bem por mais de cinco segundos de cada vez.

Ela estremece.

— Eu sinto muito.

— Não sinta. Eles eram idiotas. E não os vejo ou falo com


eles há mais de uma década — digo. — Eu segui em frente. A
vida é muito curta para se apegar ao passado.

— Você já sentiu falta deles?

— Completamente não. — Nem tenho certeza se eles


ainda moram em Jersey. Não sei. Não importa.

— E a sua irmã? Ela ainda fala com eles? — Ela pergunta.

Eu balancei minha cabeça.

— Ela os convidou para o casamento há alguns anos,


apenas porque parecia a coisa certa a fazer. Eles confirmaram
que vinham – e depois não compareceram. Acabei levando-a
até o altar.

— Uau.

Terminamos o quarteirão atual em silêncio.

— Como é a sua família? — Eu mudo de assunto.

— Grande — ela diz. — Escandalosos. Teimosos.


Tradicionais. Eles poderiam fazer de nós um seriado. Meus
pais estão casados há quase quarenta anos e ainda se adoram
como adolescentes apaixonados. Tenho três irmãs mais
velhas... Carly, Alana e Megan. Perdemos Kari há cinco anos.
Carly tem três filhos. Todos são adolescentes. Alana está
grávida do bebê número cinco, que nascerá a qualquer dia.
Megan é a alma mais indecisa que você já conheceu em toda a
sua vida. Ela teve quatro noivos e seis carreiras em três
estados nos últimos dez anos. Minha família pode ser intensa,
e tivemos nossa boa dose de desarmonia, mas nunca houve
falta de amor.

— Parece bom.

Ela puxa uma respiração lenta.

— Sim. E é.

— Você sente falta deles?

Brie sorri.

— Ainda não.

Contornamos o próximo quarteirão. Mais à frente, um


vendedor de cachorro-quente fala em seu telefone, e o cheiro
de salsichas só de carne enche o ar.

— Hora da confissão, — diz Brie, — eu realmente adoro


cachorros-quentes no carrinho de cachorro-quente – também
estou com muita fome agora porque pulei o café da manhã –
então vou comprar um. Por favor, reserve todo e qualquer
julgamento. Não sei o que está na água e não quero saber o
que está na água.

Meu sangue fica frio, rachando como gelo em minhas


veias. O sonho volta a acontecer. Este pequeno detalhe sobre
ela não é novidade para mim.

Antes que eu tenha a chance de responder, ela está


fazendo o pedido.

— Você quer um? — Brie se volta para mim. — Você sabe


que...

— Eu estou bem. Obrigado. — Eu aceno para ela e coloco


minhas mãos nos bolsos, quase incapaz de senti-las.

Por um momento, não tenho certeza se isso é real.

E se este é um sonho?

Ela volta com um cachorro-quente fumegante coberto de


ketchup e mostarda e um punhado de guardanapos. Sentamo-
nos em um banco próximo. Um ônibus urbano passa
ruidosamente por nós, bem como por grupos de pessoas,
muitos deles turistas tirando fotos ao se aproximarem do
Central Park.

— Então, o que você está lendo hoje em dia? — Ela


pergunta entre mordidas.

— Contratos. Na maioria das vezes.

— Não. Para se divertir.


— Acabei de terminar O Alquimista pela quarta vez —
digo.

Ela dá um tapa no meu ombro.

— Viu! Eu disse que é incrível.

— Eu te amo porque todo o universo conspirou para que eu


chegasse até você. — A frase tem ressoado em minha mente
recentemente.

Brie quase se engasga com sua mordida.

— O que?

— É uma frase do livro... — Oops. Talvez eu devesse ter


pensado melhor na minha escolha.

A cor retorna ao seu rosto.

— Ah. Eu só li uma vez. Eu acho que talvez se eu fosse


uma pessoa perfeccionista que lê quatro vezes, eu saberia
que...

— Eu dificilmente sou um perfeccionista. Intenso, talvez


– se algo captar meu interesse. Perfeccionista, não.

— Isso soa exatamente como o tipo de frase que minha


irmã, Kari, teria tatuado em si mesma. — Brie dá uma pequena
mordida. — Ela tinha oito delas. Meus pais só sabiam de três.

— Você tem alguma tatuagem? — Dou uma olhada rápida


em seu pulso, meio que esperando que haja algo desta vez,
apesar de saber que é impossível.
Ela se senta mais ereta.

— Não. Muito permanente.

— Tem medo de compromisso? — Parece uma aposta


segura para mim, dado o status de seu noivado.

Brie me olha de lado, olhando para cima através de uma


franja de cílios escuros.

— Não há necessidade de analisar. Elas simplesmente


não são minha praia.

Um pouco de ketchup repousa no canto da boca. Eu


limpo com as costas do meu polegar antes de roubar um de
seus guardanapos para me limpar.

Eu tive que tocá-la. Precisava tocá-la. Eu não pude


resistir.

Queria saber se ela é real.

Se este momento é real.

Ficamos no banco do parque muito depois de seu almoço


terminar, conversando sobre livros e arte, viagens e história.
Nunca me considerei falante ou tagarela. Não costumo falar, a
menos que as palavras que estão para sair de meus lábios
sejam profundas ou valham a pena para o ouvinte. Mas com
Brie, a conversa flui. As palavras não param. Eu quero contar
a ela tudo sobre mim. E eu quero saber tudo sobre ela.
É como se minha alma estivesse esperando que ela viesse
durante toda a minha vida.

Agora aqui está ela.

O que eu não daria para torná-la minha...


Saio do chuveiro no sábado à noite para encontrar uma
mensagem de texto esperando.

GRANT: Hey, bonita. como foi o seu dia? o que você fez?

Eu enrolo uma toalha em volta do meu corpo gotejante e


contemplo minha resposta. Devo dizer a ele que devolvi um
livro que peguei emprestado de seu melhor amigo e o convidei
para um passeio? Devo dizer a ele que perambulamos pela
cidade, vagando por horas e horas sem destino, a conversa
fluindo como um vinho delicioso? Devo contar a ele como
falamos sobre nossas famílias? Passamos uma hora
observando as pessoas no Central Park? Devo contar a ele
sobre os artistas de rua que paramos para ouvir na Bleecker
Street? Conto a ele sobre o pequeno restaurante tailandês que
Cainan me levou para jantar? Como era do tamanho de um
selo postal, mas tinha o melhor Som Tam que eu já provei?

Devo dizer a ele que estar com seu melhor amigo


inexplicavelmente dá vida ao meu coração e alma de uma
maneira que ele nunca poderia?
Limpo o embaçado do espelho, seguro minha toalha e
inalo uma respiração fumegante antes de tomar minha
decisão.

EU: Tive um ótimo dia... vagueei pela cidade, experimentei


um novo restaurante, andei por horas horas.

Decido deixar Cainan fora disso. Não quero machucar


Grant mais do que já fiz. Não quero fazê-lo se preocupar com
nada.

Então, novamente, se eu o estou deixando de fora, eu sei


muito bem que ele não é nada.
Estou saindo para encontrar alguns amigos para beber
no sábado à noite, quando meu telefone vibra no bolso. Meu
coração gagueja momentos antes de eu possa ler, metade de
mim esperando que seja ela.

Será que ela esqueceu algo na minha casa?

Talvez ela tenha uma pergunta?

Talvez ela esteja entediada e queira saber o que estou


fazendo esta noite, apesar do fato de que passamos o dia
inteiro juntos – colados nos quadris, mas fazendo o nosso
melhor para manter nossas mãos para nós mesmos e nossa
conversa dolorosamente platônica?

Mas não é ela.

GRANT: O que está acontecendo? o que você fez hoje?

Não estou pensando em mentir. Não para mim. Não para


meu melhor amigo.

Eu também não estou no negócio de ser um idiota ladrão


de mulheres.
Mas dizer a Grant que passei o dia inteiro cruzando sem
rumo quarteirão após quarteirão porque cada passo para longe
do meu bairro significava mais tempo com Brie... iria esmagá-
lo.

Se eu contasse a ele que vi a cidade hoje através de seus


grandes olhos verdes, limpei o ketchup de seus lábios cheios
porque eu queria saber como era tocá-la, se eu dissesse a ele
que não olhei para o relógio por horas, ignorei um punhado de
telefonemas e mensagens de texto, e dei a ela toda a minha
atenção porque, no que me dizia respeito, ela era a única
mulher viva e respirando em toda Manhattan – isso iria
devastá-lo.

EU: Mostrei a cidade para Brie. Levei-a aquele lugar


tailandês de Spring St.

Decidi ir com a versão mais limpa e simplificada da


verdade.

Um segundo depois, meu telefone toca.

— Ei — eu digo para Grant. — Tudo certo?

Eu me encolho com a paranoia evidente em meu tom. Ele


vai ver através de mim.

— Então — Grant diz. — Eu estava mandando mensagens


de texto com Brie um pouco atrás. Ela me contou tudo sobre
seu dia..., mas nenhuma vez ela mencionou que passou com
você.
Um silêncio pesado atravessa os milhares de quilômetros
que se estendem entre nós, e um caroço se instala no fundo da
minha garganta.

— Por que você acha que ela deixaria isso de fora? — Ele
pergunta.

Eu limpo minha garganta.

— Seu palpite é tão bom quanto o meu. Você está pronto


para Vegas?

Eu mudo de assunto. É uma jogada barata. Desesperado


também.

— Você não acha isso estranho? — Ele pergunta. — Por


que ela não mencionou você?

— Quem diabos sabe. Você está lendo demais isso — eu


digo.

Ele hesita.

— Eu estou?

Não tenho certeza se ele está fazendo uma pergunta


retórica ao universo...

Ou se ele está me perguntando.

— Essa viagem não pode chegar logo — digo a ele. —


Precisamos tirá-la do seu sistema.
No instante em que falo, sei que essas palavras não são
para ele.
— O médico diz que ela está dilatada em um centímetro.
Ela teve contrações durante todo o fim de semana, mas ainda
estão bem distantes. Estamos pensando que vai ser a qualquer
momento — diz minha mãe do seu lado do telefone na tarde de
domingo, quando estou saindo de um pequeno restaurante
adorável no centro da cidade, chamado Cielo.

Paulina do trabalho me convidou para um brunch mais


cedo hoje, mas acabou que tudo o que ela queria fazer era
desabafar sobre algumas senhoras do departamento de
marketing. Por duas horas inteiras, eu não fui nada mais do
que um fone de ouvido, mas pelo menos ganhei uma refeição
grátis com ela.

— Você pode querer fazer as malas e começar a olhar as


passagens de avião para o caso de você precise vir —
acrescenta ela.
— Vou olhar... — Eu levo meu tempo indo para casa, a
barriga cheia de torrada francesa com massa azeda açucarada,
mordidas de ovo sous vide 17 e café turco.

Dez minutos depois, estou a menos de dois quarteirões


do apartamento de Cainan.

Não tenho notícias dele desde ontem, quando passamos


a maior parte do dia juntos antes de seguirmos nossos
caminhos separados. Não que eu deva esperar notícias dele...

Ele mencionou que estava saindo com alguns amigos na


noite passada. Ele nunca entrou em detalhes, e eu coloquei
minha intriga no chão enquanto dizia a ele que o veria por aí.

Eu debato se devo tomar uma rota alternativa,


irracionalmente convencida de que meus pensamentos estão
irradiando de mim como uma nuvem nuclear, quando meu
telefone me distrai com um toque de mensagem e atravesso o
cruzamento perto de sua rua.

CAINAN: Algum plano hoje?

Meu coração lateja em meus ouvidos e um sorriso puxa


os cantos dos meus lábios.

EU: Apenas tive um brunch com uma colega. E aí?

17Sous vide é um método de cozinhar em que se coloca comida numa sacola plástica selada a vácuo
em baixa temperatura por um tempo maior que o tradicional. O tempo pode variar entre 2 horas e
72 horas e a temperatura precisa ser estável, normalmente entre 40°C e 70°C, dependendo do que se
cozinha. O ovo sous vide também é conhecido como o ovo perfeito.
CAINAN: Há feira de livros vintage em soho. Estava
pensando em ir. Interessada?

Minhas entranhas se enredam com meu estômago


cambaleante.

Eu não estava tão animada nem quando Grant me


propôs...

EU: Que horas?

CAINAN: Duas. Eu vou ser seu guia. Qual é o seu


endereço?

Eu mando uma mensagem para ele com o endereço do


apartamento de Maya e flutuo para casa em uma nuvem,
ignorando a voz no fundo da minha mente me avisando para
não brincar com fogo, não amarrar meu coração em torno de
um homem que nunca poderá ser meu.

Eu quero isso – mesmo que apenas por hoje.

Talvez nunca possamos ficar juntos, mas gosto de como


me sinto quando estamos juntos; um calor tranquilo me
derrete de dentro para fora.

É como voltar para casa.

Ou estar completamente em paz e no momento.

Não há barulho quando estou com ele. Nenhuma


confusão hesitante.

Eu nunca tive isso com ninguém.


E quem sabe se eu irei ter novamente.
— Vou para casa amanhã — ela me diz enquanto nos
dirigimos para um pequeno mercado de livros no Canal. —
Minha irmã, Alana, está prestes a ter seu bebê.

Eu não tinha a intenção de convidá-la. Normalmente eu


vou nessas coisas sozinho, optando por vagar em silêncio, um
café na mão e o resto do mundo me deixando sozinho até a
hora de dar uma olhada.

Mas então eu me encontrei mandando uma mensagem


para ela.

E quando ela respondeu imediatamente, eu não fiquei


chateado ou irritado como qualquer outra pessoa.

— Quanto tempo você estará lá? — Eu pergunto.

— Alguns dias.

Minha pergunta é multifacetada. Eu gostaria de saber


para minhas próprias informações, mas também porque quero
saber quanto desse tempo vai ser gasto na mesma cidade que
Grant. Ela deixou claro que não quer se casar com ele, mas as
pessoas mudam de ideia todos os dias.

Não consigo contar quantos clientes desistiram dos


divórcios no último minuto, percebendo de repente que não
podem viver sem o outro por algum motivo estúpido e
imprevisto.

O medo de ficar sozinho é poderoso.

Dito isso, eu não entendo as vibrações desesperadas e


solitárias de Brie. Ela está presente sem ser pegajosa. Ela
escuta sem ser excessivamente focada no laser. Ela não tenta
me impressionar. Ela também não tenta se pintar como
perfeita, como algumas pessoas fazem quando estão tentando
parecer o par ideal para alguém de quem gostam.

Eu não deveria perder meu tempo me preocupando.

Ela foi de Grant primeiro.

E ela nunca poderá ser minha.

Mas neste pequeno momento, nestas horas tranquilas da


tarde com a cidade meio vazia e o sol pintando o topo de nossas
cabeças enquanto caminhamos pelos quarteirões da cidade...
ela é minha.

Se não posso tocá-la, se não posso querê-la, pelo menos


tenho isso.

— Quanto você quer apostar que Grant vai aparecer no


hospital com flores? — Ela pergunta com uma risada.
Eu deslizo minhas mãos nos bolsos da frente, um
movimento débil para suprimir a dor de não ser capaz de
deslizar meu braço em volta de seus ombros ágeis ou
descansar minha palma na parte inferior de suas costas.

— Ele ainda está tentando voltar às suas boas graças? —


Eu pergunto.

— Essa é a coisa – ele nunca estava fora delas. Não é como


se houvesse algo que ele pudesse fazer para me fazer me
apaixonar por ele magicamente — diz ela. — Eu gostaria que
ele entendesse isso em vez de... eu não sei... me mandar
mensagens de texto sobre tudo dez vezes por dia. E ele ainda
me chama de 'baby'. É quase como se ele estivesse tentando
me manipular para casualmente voltar a ficar juntos. — Ela se
vira para mim, colocando a mão no meu antebraço enquanto
caminha de lado. — Ele perguntou se poderia ficar comigo
quando ele voltasse para a cidade na próxima semana para
trabalhar. Você pode acreditar nisso?

Sim. Sim, eu posso.

— O que você disse a ele? — Meu coração bate mais


rápido do que deveria.

— Que eu não achei uma boa ideia... — Ela se vira para


frente, bufando baixinho. — Vamos. Você e eu sabemos que se
eu der a este homem uma polegada, ele vai esperar uma milha.

Eu expiro, mais aliviado do que mereço.


— Talvez você deva parar de atender as ligações dele —
digo antes de acrescentar: — Tantas.

— Sim. Eu pensei sobre isso — ela diz. — Mas sumir da


vida das pessoas não é meu estilo. É tão infantil.

— E assediá-la para que voltem a ficar juntos, não é?

Brie me lança um olhar, embora eu não saiba se ela


percebeu isso. Só posso presumir que ela está se perguntando
onde está minha lealdade e por que estou dizendo a ela para
ignorar meu melhor amigo cujo coração ela recentemente
aniquilou.

— Grant fica realmente obcecado pelas coisas às vezes.


Como um cachorro com um osso — eu digo.

— Então... eu deveria apenas arrancá-lo de sua boca e


jogá-lo por cima da cerca?

Eu bufo.

— Algo assim, sim.

Chegamos ao nosso destino – The SoHo Book Collector's


Expo – e paramos do lado de fora de uma mesa cheia de
clássicos embrulhados em vinil.

— Eu nem sei por que ele está a fim de mim — diz ela,
colocando uma mecha escura atrás da orelha enquanto traça
a ponta dos dedos sobre uma cópia de Anne of Green Gables.
— Ele está sempre dizendo que nunca conheceu ninguém
como eu, que é louco por mim, ama minha família, vê um
futuro comigo..., mas nunca vai mais fundo do que isso, sabe?
É superficial. Ele tem que sentir isso também, certo? Não pode
ser apenas eu. Ele deve estar projetando alguma fantasia em
mim ou algo assim. Essa é a única explicação.

Ela se move para a próxima mesa, mas eu fico para trás.

Agora que ela disse isso, percebi que testemunhei a


mesma coisa. Ele me diz como ela é maravilhosa e como ele é
louco por ela – mas nunca diz por quê. E mesmo que ele tenha
olhado para ela com estrelas no lugar dos olhos na primeira
vez que os vi juntos, vi casais divorciados mais em sincronia
do que os dois.

Mas se estou sendo justo... o amor é uma das coisas mais


difíceis de expressar em palavras.

Às vezes, não é nada mais do que um sentimento.

Talvez ele apenas olhou para ela e soube.

— Eu tenho algo em meus dentes? — Brie ri e aponta


para a boca. Percebo agora que ela esteve falando comigo,
embora não tenha ouvido uma palavra desde que estava
perdido em pensamentos. Quando ela sorri, percebo que seu
dente da frente tem uma lasca minúscula.

Exatamente como no sonho.

— Não. Desculpe. O que você estava dizendo? — Eu


pergunto.
— Eu disse que acho que você está certo. Preciso arrancar
o osso da boca dele — diz ela. — Quando o vir esta semana,
vou dizer-lhe para parar de me contatar. Acho que será o
melhor.

Há um brilho em suas íris verdes brilhantes. Esperança


ou luz do sol, não tenho certeza.

Movendo-se para a próxima mesa, ela fixa sua atenção


em um pequeno livro antes de se virar para me mostrar.

— Olha, é o nosso livro — ela diz, com a cabeça inclinada


e sorrindo de orelha a orelha enquanto exibe a primeira edição
de O Alquimista em toda a sua glória dourada e roxa dos anos
oitenta.

Nosso livro.

Algo que é nosso e só nosso.

Uma coisa que ela nunca vai compartilhar com Grant.

Com os olhos arregalados e ficando na ponta dos pés, ela


diz: — Quero comprar para você.

— Você não tem que fazer isso...

— Sim, bem, eu quero. Então eu vou. — Brie pisca antes


de colocá-lo debaixo de um braço e deslizar para a próxima
pilha de livros. Poucos minutos depois, ela escolhe mais dois
livros – uma biografia não autorizada de Jackie O. e um livro
de Paula Fox, e ela me diz que vai lê-los no avião esta semana.
Tiro minha atenção da pobre garota e pego uma primeira
edição de Frannyand Zooey antes de segui-la até a mesa de
caixa.

Mal é meio da tarde quando terminamos.

— O que você quer fazer depois? — Ela pergunta. — Não


acho que eu poderia interessá-lo em uma matinê de Chicago?

— Eu espero que você esteja brincando — eu provoco,


embora a verdade é que eu sofreria com Todo aquele Jazz uma
centena de vezes se isso significasse ficar ao lado dela um
pouco mais.

— Na verdade, eu estou. — Ela suspira, os ombros


relaxando enquanto ela sutilmente balança sua bolsa de lona
com livros a cada passo. — Ainda preciso comprar minha
passagem de avião para Phoenix e, muito provavelmente, vou
ficar com um olho vermelho... o que significa que preciso fazer
as malas o mais rápido possível...

Brie vira sua atenção na minha direção, oferecendo um


olhar de desculpas.

— Não se preocupe — eu digo, as mãos deslizando nos


bolsos, vivas de insatisfação de nunca saberem como será o
cabelo dela entre meus dedos.

Eu a acompanho até sua casa.

E eu intencionalmente nos levo pelo caminho mais longo.


Quando chegamos ao prédio dela, ficamos do lado de fora,
perto da varanda da frente.

— Você é sempre tão quieto? — Ela pergunta.

— Você prefere que eu seja um falastrão desagradável? —


Eu provoco.

Brie ri baixinho.

— Eu só sinto que só eu falo quando estamos juntos.


Espero que você não ache isso irritante, ou algo assim...

Irritante é a última coisa que eu a chamaria.

Mas eu não digo isso a ela.

Eu também não digo a ela que vou sentir falta dela.

Não desejo a ela boa sorte com Grant – porque quero


deixá-lo fora deste momento.

E não digo a ela que, embora ninguém nunca tenha me


acusado de falar demais, a razão pela qual estou
particularmente quieto perto dela... é porque minha cabeça
está cheia de todas as coisas que eu quero dizer a ela, mas não
posso.

— É estranho, na verdade. Normalmente fico muito quieta


perto da maioria das pessoas. E então, quando eu chego perto
de você, não consigo calar a boca por dois segundos. — Ela
revira os olhos e tira uma mecha de cabelo da testa.

— Você se preocupa demais — digo a ela.


Brie bufa.

— Você claramente tem falado com minha irmã, Carly.

Meu olhar se estreita.

— Ela está sempre no meu pé sobre como eu me preocupo


com tudo e como sempre jogo as coisas pelo seguro e gravito
em torno do familiar... — As palavras de Brie se espalham na
brisa de outono que nos envolve.

Ela também sente isso?

A familiaridade sobrenatural que nos une como um fio


invisível?

— Eu tive um sonho. — A frase sai da minha boca antes


que eu possa impedi-la. — Depois do meu acidente, tive um
sonho. Havia essa mulher nele. Ela se parecia com você, e...

— Eu sinto muito. — Brie enfia a mão no fundo da bolsa


e percebo que agora o telefone está tocando. — É minha mãe.
Provavelmente é sobre minha irmã. Estou tão, tão triste por
interrompê-lo... me dê um segundo.

Ela atende a chamada em um banco de parque a vários


metros de distância, um dedo pressionado em seu ouvido livre
enquanto um caminhão de bombeiros explode a alguns
quarteirões.

Meu coração ricocheteia e minha pele está quente.

A calçada é inclinada.
Ou talvez seja apenas o mundo, inclinando-se em seu
eixo.

E se eu contar a ela sobre o sonho e ela achar que estou


louco? E se ela olhar para mim do jeito que Claire e Luke
olharam? E se ela atribuir isso ao acidente e descartá-lo como
uma coincidência sem sentido?

Palavrório mental.

— Ok, eu realmente odeio fazer isso, mas minha irmã está


oficialmente em trabalho de parto, e eu realmente preciso
reservar aquele voo, então vou entrar — disse Brie ao voltar.
Subindo os degraus da frente, ela se vira. — Eu quero ouvir
tudo sobre esse sonho quando eu voltar.

Ela me deixa para aproveitar o resto de sua voz suave,


sorriso exuberante e olhos esmeralda vivos antes de
desaparecer dentro de seu prédio.

Volto para casa com um único pensamento girando em


minha mente – se eu contar a ela sobre o sonho, não mudará
o fato de que nunca poderemos ficar juntos.

Então, talvez seja melhor manter isso para mim.

Por que complicar as coisas?


— Oh, meu Deus, Alana... ele é adorável! — Eu embalo o
filho recém-nascido da minha irmã, Bodhi Cassius, em meus
braços, absorvendo o quão perfeito ele parece, de sua pele
rosada aos tufos de cabelo loiro no topo de sua cabeça, ao nariz
de botão. — Não sei de onde veio todo esse cabelo loiro.

Alana e seu marido exausto, Tucker, trocam sorrisos com


olhos cansados, mas orgulhosos.

Os quatro primeiros saíram com cabeças cheias de


cabelos grossos e escuros, narizes pontudos e queixos triplos.

Mas não esse cara.

— Os últimos sempre gostam de nos surpreender, não é?


— Minha mãe pisca para mim do outro lado da sala.

Minha mãe não tinha ideia de que estava grávida de


gêmeos até que Kari saiu e o médico disse que havia mais um
atrás dela...

Meu peito aperta quando penso em Kari perdendo esse


momento.
Ela esteve presente em todos os nascimentos de Carly. Os
três primeiros de Alana. Mas ela nunca conheceu o quarto de
Alana e nunca conhecerá o pequeno Bodhi.

Sem acordar o bebê, tiro meu telefone do bolso, tiro uma


foto e mando para um grupo de amigas. Quando termino,
também mando para Cainan, porque mesmo agora, neste
momento a milhares de quilômetros de Nova York, neste
momento que não tem absolutamente nada a ver com ele... não
posso deixar de desejar que ele estivesse aqui.

— Ok, pare de monopolizar. Minha vez. — Megan esfrega


as mãos antes de chegar em nossa direção.

— Onde está o papai? — Eu pergunto, entregando-o.

— Ele correu para pegar a pizza — diz Tucker.

Ah sim. A pizza. É uma tradição da família White. Sempre


que uma irmã tem um bebê, sua primeira refeição é sempre
pizza do pequeno lugar em Scottsdale onde mamãe e papai
tiveram seu primeiro encontro há quatro décadas. Certa vez, o
gerente casualmente mencionou a meu pai que estava
pensando em fechar as portas para poder se aposentar –
quando meu pai prontamente fez um telefonema e encontrou
um comprador no local.

— Toc, toc... — Um homem está parado na porta,


obscurecido por um enorme arranjo floral repleto de todos os
tipos de flores azuis existentes. Hydrangea. Jacinto. Miosótis.
Glórias da manhã. Centáureas...
Assim que ele abaixa, meu humor afunda.

— Grant! — Mamãe se levanta da cadeira e joga os braços


em volta dele, como se ela não o visse há décadas. — Que bom
que você pôde vir!

— O grandalhão ligou há pouco e me deu a notícia — diz


ele. — Eu estava na região, então pensei em parar um pouco.

O grandalhão.

Então foi meu pai quem derramou o feijão...

Meu pai, que também sabia que eu estava aqui.

— Brie, oi. — Ele se afasta da minha mãe, o olhar fixo em


mim como se estivesse me vendo pela primeira vez novamente.
— Não tinha certeza se você estaria aqui ou não.

Certo...

Eu me levanto e dou um abraço nele porque todo mundo


está olhando e não estou prestes a fazer o momento de Alana
sobre mim de qualquer maneira, forma ou jeito.

— É tão bom ver você, amor. — Grant me aperta com


força, e por mais tempo do que o necessário. — Você está
incrível. Como sempre.

Agora sei que não é verdade.

Eu literalmente pulei do avião, encontrei um banheiro


lotado do outro lado da segurança, amarrei meu cabelo oleoso
para trás e me refresquei antes de pedir um Uber e ir direto
para o hospital.

— Obrigado pelas flores, Grant — Alana diz da cama. —


Tão atencioso da sua parte.

— Aqui, pegue minha cadeira. — Megan se levanta, Bodhi


ainda embalado em seus braços, e oferece a Grant sua cadeira
antes de entregar meu sobrinho para sua mãe.

Grant não perde tempo reivindicando o lugar ao lado de


onde eu estava sentada, e ele levanta as sobrancelhas
enquanto espera que eu me sente novamente.

— Sabe, na verdade vou pegar algo para beber no


refeitório. Alguém quer alguma coisa? Megan? Alana? Mamãe?
Tuck? — Eu examino a sala, esperando por ordens que nunca
chegam.

— Eu poderia tomar um café na verdade — diz Grant. —


Se importa se eu for junto?

Eu ofereço um aceno cordial e forço alguma aparência de


um sorriso, e ele segue para fora da porta e pelo corredor.
Passamos pelo berçário antes de chegarmos ao elevador, e ele
para por um momento para olhar o interior.

— Mal posso esperar para ter um dos nossos algum dia


— diz ele, embora eu não tenha certeza se está falando consigo
mesmo ou comigo.

Um dos nossos...
Eu penso nas palavras de Cainan, sobre Grant ser como
um cachorro com um osso. E penso em minha promessa de
arrancar aquele osso e jogá-lo por cima da cerca. Eu não queria
fazer isso aqui, no andar de recuperação materna do Phoenix
General, mas estou sem dormir a cerca de quatro horas e meu
autocontrole está diminuindo.

— Eu realmente poderia aproveitar um pouco de


cafeína... — Eu aponto para o elevador.

Ele desvia o olhar das crianças adormecidas.

— Certo. Desculpe.

Nós fomos até o nível principal ao lado de um par de avós


usando adesivos de visitante que combinam com os nossos, e
Grant está tão perto de mim que posso sentir o cheiro de sua
pasta de dente com canela. Assim que desembarcamos, inalo
os pulmões de ar esterilizado do hospital e ando dois passos à
frente dele.

— Querida. Espere. Qual é a pressa? — Grant trota atrás


de mim, seus sapatos arranhando o chão a cada passo.

Eu paro no meu caminho e me viro para encará-lo.

— Eu não posso fazer isso.

Ele franze a testa.

— Você está me sufocando — eu deixo escapar.


Uma mulher grávida de trinta e poucos anos em uma bata
de hospital se arrasta, acotovelando seu marido enquanto ele
observa nossa mini cena.

— Você me liga todos os dias. Você me envia mensagens


de texto várias vezes ao dia. Você ainda me chama de baby —
eu digo. — E então você apareceu no hospital.

— Seu pai me convidou... — suas palavras são lentas e


cuidadosas.

— Você e eu sabemos por que ele convidou você. — Uma


mesa cheia de enfermeiras de uniforme rosa, todas elas
almoçando saladas coloridas, espia o nosso caminho. — Eu
terminei com você no mês passado. Terminamos. E nada do
que você diga ou faça vai mudar isso. Por favor, deixe-me
sozinha.

— Deixar você sozinha? — Ele zomba. — É isso o que você


realmente quer?

— Sim. — É preciso todo o autocontrole de que tenho para


não gritar dos telhados.

— Isso é sobre Cainan. — Ele ri. Não é a reação que eu


esperava. — Claro.

— Não tenho certeza se entendi...

— Você gosta dele — diz Grant, confiança infundida em


seu tom.

— Do que você está falando?


— Outro dia, quando perguntei o que você estava fazendo,
você me contou tudo sobre o seu dia..., mas se esqueceu de
mencionar que o passou com meu melhor amigo — diz ele. —
Mas ele não esqueceu. Ele me disse que passou o dia com você.
Ele me contou todos os detalhes. E você sabe por quê? Porque
ele está vigiando você para mim, assim como eu pedi.

Tento responder, mas meu cérebro está preso tentando


se envolver com essa informação.

Todo esse tempo, minhas interações com Cainan


pareceram naturais, genuínas e não forçadas. Mas elas
também foram... convenientes. Ele está sempre lá. Ele está
sempre disponível. E quando passamos um tempo juntos, os
minutos se transformam em horas.

— Ele não faria isso — eu finalmente digo, embora quem


eu estou tentando convencer?

Ele conhece Cainan melhor do que ninguém.

— Realmente? Ele é meu melhor amigo, Brie. Você


realmente acha que ele estaria a fim de você? — Grant bufa. E
com isso, tudo o que me manteve andando em uma nuvem nas
últimas semanas me leva a uma queda livre de volta à terra. —
Desculpe quebrar seu coração, baby. Infelizmente, sei
exatamente como é isso.

Com isso, ele sai.

No momento em que ele desaparece de vista, meu telefone


vibra no meu bolso com uma mensagem.
CAINAN: Parabéns!

Empurro meu telefone para longe, pego um café e faço o


meu caminho de volta para a suíte da minha irmã, rezando
para que Grant tenha ido embora quando eu chegar lá.

E ele foi, graças a Deus.

Mas as flores azuis permanecem.

Junto com sementes de dúvida recém-plantadas.


— Esperando uma ligação importante? — Claire pergunta
quinta à noite no jantar.

— Não. — Eu olho além dos moedores de sal e pimenta


que nos separam. — Por quê?

— Você fica checando seu telefone. Como a cada trinta


segundos. Seriamente. — Ela se estica sobre a mesa em uma
tentativa débil de roubá-lo de mim. — É como se você nem
estivesse aqui. Por que você me convidou para jantar se você
só vai me fazer sentar aqui e assistir você esperar por algum
telefonema que obviamente não vai acontecer? A menos que
seja o Secretário de Estado ou Angelina Jolie, vou ter que
pedir-lhe para colocar sua arma no coldre, senhor.

Ela está certa – a ligação não está chegando.

É sexta-feira e, pelo que eu sei, Brie voltou desde quarta-


feira. Segunda-feira de manhã, ela me enviou uma foto de seu
sobrinho recém-nascido. Eu respondi quase imediatamente.

E então... nada.
Estou tentando não interpretar isso, tentando não
assumir que ela mudou de ideia e se viu de volta nos braços
do homem que ela alegou que não poderia amar nem se
tentasse. Mas não posso ignorar as imagens dos dois. Imagens
que inundam minha visão toda vez que fecho meus olhos à
noite, toda vez que procuro uma nova mensagem em meu
telefone.

Eu não seria tão paranoico se não fosse pelo fato de Grant


estar quieto esta semana também.

Não é normal.

Nada disso é normal pra caralho.

Então, novamente, também não é normal estar obcecado


como um lunático por uma mulher que você sabe muito bem
que não pode ter.

— Cainan... — Claire geme. — Coloque. Isto. Longe.

Eu deslizo meu telefone no bolso, respiro fundo e procuro


o menu de bebidas. Mas as opções diante de mim são apenas
um monte de letras misturadas. Nenhuma deles faz sentido.

Nada faz sentido.

— Ei. Pare de balançar o joelho. Você está sacudindo a


mesa. — Claire sinaliza para a nossa garçonete. — Podemos
tirar alguns shots STAT? Vodka ou algo assim? Eu não me
importo. Traga-nos o que for. Não somos exigentes.
A garçonete volta em tempo recorde, dois copos cheios até
a borda com uma bebida clara.

Claire empurra os dois para mim.

— Eu não vou beber os dois — eu digo, empurrando um


de volta.

— Como diabos você não vai. Eu não posso. Estou


grávida.

Eu me engasgo com minha saliva.

— O que?!

— Surpresa! — Ela sorri largamente, seus dedos abertos


em perfeitas mãos de jazz.

— Então por que você pediu uma dose?

— Sinto muito... acho que você disse parabéns, Claire?

— Jesus. — Percebendo os erros do meu caminho, eu me


empurro para cima da mesa e envolvo minha irmã em um
abraço apertado, apesar do fato de nunca termos sido
abraçadores. — Parabéns, Claire. Estou feliz por você.

— Obrigada... — ela diz enquanto eu a solto. — Na


verdade, descobrimos esta manhã. Não estou tão avançada.
Seis semanas ou mais. Surpresa total.

Eu me sento.
Ela parece uma mulher apavorada usando a máscara
barata de exuberância, mas mantenho isso para mim, optando
por informá-la que ela já está brilhando.

— Sério, por que você pediu uma segunda dose? — Eu


pergunto.

— Porque você parecia que precisava. De cabeça para


baixo...

Ela não está errada.

Eu bebo o primeiro. Eu bebo o segundo. Em minutos,


minha pele se arrepia com o calor e a sala se inclina.

— Então, o que está acontecendo? — Ela pergunta, com


os cotovelos na mesa enquanto ela se acomoda mais perto. —
O que é toda essa energia nervosa? Estou recebendo uma vibe
de você...

Eu reviro meus olhos.

— Você soa como Luke. Onde ele está, afinal?

— Reunião com alguns voluntários na sede da fundação.


E não tente mudar de assunto novamente. Eu sou a sóbria
aqui, e estou totalmente preparada para interrogar você se for
preciso. — Ela sorri e empurra o menu de bebidas na minha
direção. — Embora provavelmente devêssemos pedir um
aperitivo. Eu quero você derramando suas tripas, não
vomitando no beco.
Eu organizo meus pensamentos, deixo a vodca correr em
minhas veias por mais alguns minutos, e então eu dou a ela
exatamente o que ela quer – a verdade não filtrada.

— Lembra quando você me disse para não me apaixonar


pela namorada do meu melhor amigo? — Eu pergunto.

O queixo de Claire cai.

— Sim, bem. Eu não escutei. — Não que eu pudesse


controlar nada disso.

— Oh, meu Deus. — Ela tapou a boca com a mão. — Isto


é mau.

— Eu sei.

— O que você vai fazer?

— Eu não sei.

— Grant sabe? — Ela pergunta.

— Não.

— Você vai contar a ele? — Claire se inclina, as


sobrancelhas levantadas.

— Nem sei se vale a pena. Pelo que eu sei, ela só me vê


como um amigo. — Olho ao redor do restaurante em busca de
nossa garçonete de cabelos lilás que entregou as doses de
vodka e aparentemente desapareceu, para nunca mais ser
vista ou ouvida.
Minha irmã franze a testa.

— Você realmente acredita nisso?

— Não inteiramente.

— Então você acha que tem algo aí? Algo mútuo?

— Temos passado muito tempo juntos. E definitivamente


há uma conexão.

Ela afunda para trás, apoiando o queixo no topo da mão


enquanto me examina da maneira como examino meus
clientes quando sinto que não estou entendendo a história
completa.

Mas seu escrutínio é em vão. É isso.

É tão simples quanto complicado.

Tão abrupto quanto fodido.

Pela primeira vez em nossas vidas, Claire me deixa sem


um pingo de conselho. Ela me diz que a situação está além de
qualquer salvação, além de consertada. Ela me diz que estou
condenado se eu tentar, e condenado se não tentar. Ela me diz
que não importa a decisão que eu tome, alguém com quem me
preocupo profundamente será destruído, a trajetória de sua
vida mudará para sempre.

— Eu gostaria de ter uma varinha mágica para poder


consertar isso para você. — Claire diz, a cabeça inclinada e os
olhos cheios de simpatia. — Vou apenas dizer isso... você é
meu irmão, eu te amo e quero que seja feliz. E se isso significa
sacrificar sua felicidade pela felicidade de seu melhor amigo ou
fazer um movimento pela mulher que incendeia sua alma – eu
estou com você de qualquer maneira.

Bocejando, ela se levanta da cadeira e me dá um abraço.

— Estou indo para casa — ela diz uma hora depois,


depois de três pratos pequenos e um tiramisu compartilhado.
— Estou exausta. Você me deixou exausta com todo esse
absurdo de novela.

— Ou talvez você esteja, eu não sei, grávida? E é por isso


que você está tão cansada?

— Nah. É definitivamente a sua vida amorosa que está


me deixando para trás. — Ela aperta meu ombro, joga a bolsa
no braço e exibe até o lado de fora. Pego a conta e vou ao bar
para uma última bebida antes de ir para casa.

Bebendo meu último uísque da noite – e contra meu


melhor julgamento – mando uma mensagem de texto para Brie
mais uma vez.

EU: Você está de volta à cidade? Apenas checando o que


você fará esse final de semana...

A mensagem é exibida como lida quase imediatamente.

Eu espero por três pontos azuis que nunca aparecem.


No caminho para casa, passo pelo apartamento dela como
um maldito perseguidor. As luzes estão acesas. Sua silhueta
se move de cômodo em cômodo, as cortinas todas fechadas.

Tão perto, mas a um mundo de distância...

…até que eu tome uma decisão, da qual eu posso ou não


me arrepender.

Esta noite, direi a Brie o que deveria ter dito há muito


tempo.
A campainha da minha porta toca enquanto preparo uma
xícara de chá para dormir. Depois de passar alguns dias em
Phoenix, estou demorando mais do que esperava para voltar à
minha rotina de Nova York. O relógio do micro-ondas mostra
onze e quinze.

Deve ser um engano.

Não estou esperando ninguém.

Jogo o saquinho de chá no lixo, andando na ponta dos


pés pelo corredor, quando a campainha toca novamente.

E de novo.

Exalando, eu mudo para o sistema de intercomunicação.

— Posso ajudar?

— Brie. — Eu reconheço a voz de Cainan


instantaneamente. — Nós precisamos conversar.
Meia hora atrás, ele me enviou uma mensagem – que eu
ignorei. Assim como fiz com as outras mensagens que ele
enviou esta semana...

Apesar do fato de que sumir não é o meu estilo, fico


paralisada cada vez que tento pensar em uma resposta. Talvez
seja meu orgulho atrapalhando. Durante toda a semana, me
senti boba por ter me envolvido no que quer que fosse isso.

Ou seja lá o que isso não fosse.

Eu me deixei apaixonar por um homem que eu sabia que


nunca poderia ter – o tempo todo, ele estava brincando comigo.
Pelo menos, é o que Grant insiste. E, dado o que sei de Cainan,
não tenho razão para acreditar que ele trairia seu melhor
amigo ficando com sua ex.

Ele toca novamente.

— Se você está aqui para ficar de olho em mim, pode


avisar Grant que cheguei em casa em segurança. — Estou
sendo jocosa, eu sei. Mas eu não consigo evitar.

— Brie, vamos lá. Por favor. Vamos conversar. — Ele


murmura algumas palavras.

— Eu não tenho nada a dizer para você.

— Muito justo — ele diz. — Mas você pode querer ouvir o


que tenho a dizer.
— Por que você está me ignorando? — Provavelmente não
é a melhor maneira de cumprimentar uma mulher que tive de
implorar para me deixar entrar. Mas as palavras estão fora.
Não há como pegá-las de volta.

O chão é inclinado, então eu me seguro na porta.

— Bom Deus. Quanto você bebeu? — Ela enganchou a


mão no meu braço e me puxou para dentro, fechando a porta
sem me soltar. — Você mal consegue ficar de pé.

Muito para exercer o bom senso, aparentemente.

Não o suficiente para anestesiar absolutamente nada.

— Senta aqui. — Ela me arrasta para uma cadeira de


veludo na sala de estar cor de framboesa elétrica. E então ela
vai para a cozinha, voltando com uma garrafa de água. —
Grant me contou tudo. — Brie anda de um lado para o outro,
com as mãos na cintura. — Eu sei que você tem me mantido
sob controle o tempo todo. Eu me sinto uma idiota por pensar
que realmente tínhamos uma conexão...
Puta merda.

Ela também sentiu.

Não foi um pensamento positivo.

Não fui só eu.

— Eu não tenho mantido controle sobre você — eu digo.


— Eu nunca. Eu… Brie… estou me apaixonando por você. É
por isso que não posso ficar longe. É por isso que encontro
todas as desculpas para estar perto de você, mesmo que
estejamos vagando pela cidade sem fazer nada. Mesmo que eu
esteja relendo o mesmo livro pela milionésima vez, porque é a
única maneira de me sentir mais perto de você sem me odiar
por isso.

Ela está sem palavras, apertando os olhos ou olhando


para mim – eu não posso dizer.

— Você quebrou o dente da frente quando tinha doze


anos. Você tem que consertá-lo a cada poucos anos... O Natal
é seu feriado favorito... seu cabelo fica enrolado no verão... A
Grécia está no topo da sua lista de desejos...

Brie pisca duas vezes, a cabeça inclinada, e então ela


franze a testa.

— Ok, Casanova, talvez você devesse se deitar e dormir


um pouco. — Ela me leva até o sofá, tira meus sapatos de couro
e me cobre com uma manta de tricô que agarra sabe-se lá
onde.
Um momento depois, as luzes se apagam e tudo escurece.

No meio da noite, eu desperto, os olhos mal abrindo para


pegar um vislumbre dela me observando da porta do quarto,
sua camiseta branca banhada pelo luar.

Mas, pelo que sei, estou sonhando.


Eu não dormi noite passada. Se o fiz, não me lembro.
Passei a maior parte dessas horas da meia-noite quebrando a
cabeça sobre todas aquelas coisas que ele falou sobre mim,
coisas que divaguei enquanto segurava sua mão e tentava ao
máximo impedi-lo de perder a consciência. Eu pensei que se
ele pudesse apenas ouvir minha voz, talvez ele ficasse comigo.
Então, eu falei por falar. Eu disse a ele cada pequena coisa
sobre mim que eu poderia pensar.

O fato de ele se lembrar disso é uma coisa.

O fato de ele saber sobre meu dente lascado – é algo


totalmente diferente.

Eu nunca disse a ele sobre isso.

Estou cem por cento certa.

É uma memória do ensino médio que não costumo trazer


à tona – e uma que não compartilhei com Grant durante o
período de nosso relacionamento.
Não há nenhuma maneira verificável de Cainan saber
sobre isso.

Eu espero até sete e meia antes de fazer meu caminho


para a cozinha, desesperada por um café, mas não querendo
acordar meu convidado de seu sono induzido pelo álcool.

Só que ele não está dormindo.

Ele está sentado no sofá, calçando os sapatos.

— Pego no flagra — eu digo.

Cainan olha para cima.

— Desculpe?

— Você ia simplesmente sair daqui e fingir que a noite


passada nunca aconteceu?

Seu belo rosto está pintado de confusão, e ele passa a


mão pelo cabelo despenteado.

— Você não se lembra da noite passada, não é? — Eu


pergunto.

— Eu sinto muito. — Ele estremece. — Eu não lembro.

— Conveniente. — Eu encolho os ombros. — Quer ficar


para um café? Talvez refazer as coisas por um minuto quente
antes de fugir?

— Eu não posso dizer se você está sendo sarcástica. Se


você quiser que eu vá, é só dizer. — Ele se levanta, sua camisa
amassada e seu cabelo uma bagunça, mas de alguma forma
ele ainda faz minha respiração engatar no meu peito até que
eu olhe para longe.

— Fique. — Estou de costas para ele enquanto coloco o


pó de café na máquina de prata brilhante no balcão de Maya.

— Brie... — Ele limpa a garganta. — Eu quero


sinceramente me desculpar por qualquer coisa que eu disse ou
fiz ontem à noite que te deixou desconfortável. Eu nunca
desmaiei antes...

— Primeira vez para tudo.

A máquina se infiltra, não muito diferente de meus


pensamentos ou do coquetel de emoções confusas fervilhando
sob minha pele.

Depois de quase uma semana sendo ignorado, Cainan


levou uma surra do álcool e apareceu na minha porta.

Isso tem que significar alguma coisa...

A menos que ele estivesse apenas fazendo sua diligência


devida como o melhor amigo de Grant Forsythe.

Eu sirvo duas xícaras, lembrando que ele tem o seu preto.


E quando me viro para lhe entregar o café, sou levada de volta
àquele dia em Atlantis, quando nos sentamos juntos pela
primeira vez e o mundo ao nosso redor se transformou em
ruído de fundo.

Pelo menos ele fez por mim.


— Grant me disse que pediu para você ficar de olho em
mim enquanto estou aqui — digo.

— Ele pediu.

Uau. Simplesmente assim, ele nem mesmo vai tentar


negar.

O vento está soprando de meus pulmões. Minha mão


agarra a caneca até minha palma queimar.

— Tudo faz sentido agora — eu digo. — Porque você tem


sido tão útil. Tão prontamente disponível. Tão disposto a
sacrificar seus fins de semana para me manter entretido. Que
vergonha por pensar que tínhamos uma conexão.

Eu tomo um gole e não sinto nada além de amargura.

Eu não bebo meu café puro, mas estou muito presa no


momento para sair voando pela cozinha pegando açúcar e
creme como uma garota efervescente e legal que não dá a
mínima – porque eu dou a mínima.

Eu gostei dele.

Muito.

E agora me sinto uma idiota.

— Tínhamos uma conexão — diz ele. — Nós temos.

— Como você espera que eu acredite em você quando


acabou de admitir que Grant pediu para você ficar de olho em
mim?
— Porque ele me pediu — diz Cainan. — Mas eu nunca
concordei em fazer isso.

— Então, todo aquele tempo que passamos juntos, você


fez isso porque queria? — Metade de mim quer acreditar nele.
A outra metade está com os pés no chão.

Sua lealdade é para com seu melhor amigo de toda a vida


– não para mim.

Pelo que eu sei, ele está tentando ao máximo manter tudo


isso por causa de Grant.

Ele concorda.

— Sim.

— Como você soube do meu dente lascado? — Eu


pergunto enquanto ainda está fresco na minha mente girando.

Ele quase diz algo. E então ele se interrompe.

— Isso... vai parecer loucura.

Eu coloco a mão no quadril, bebendo meu café.

— Me teste...

— Vou precisar que você tenha uma mente aberta. — Ele


estreita o olhar para mim, seu tom colorido com relutância.

— Ok.

Respirando fundo, ele começa: — Lembra quando você


me perguntou sobre a coisa mais maluca que eu já fiz?
Eu estreito meu olhar, balançando a cabeça.

— Depois do meu acidente, sonhei com você. Não sei se


isso conta por que não fiz de propósito. Simplesmente...
aconteceu. Mas eu consegui. Tecnicamente falando. Eu sonhei
com você, Brie. — Ele me observa, talvez procurando uma
reação. Mas eu não dou nada a ele. Eu preciso ver aonde ele
está indo com isso. — Estivemos juntos nesta praia. Tínhamos
dois filhos. Nos casamos. E quando acordei, sabia coisas sobre
você. Coisas pequenas. Coisas que não pude explicar. Seus
autores favoritos, por exemplo. Eu os conhecia antes de você
me contar naquele dia na calçada.

Tomo um gole lento de café antes de exalar e envolver as


duas mãos em torno da caneca.

— Quando você sofreu o acidente... quando estávamos


esperando os paramédicos e você se agarrou à sua vida...
segurei sua mão e falei com você. Eu disse a você um monte
de coisas aleatórias sobre mim... provavelmente foi por isso
que você me viu em seu sonho e como soube dessas coisas
sobre mim quando acordou. Mas isso não explica como você
sabia sobre meu dente lascado... eu não te disse isso.

Ele não pisca.

— Eu te disse. Parece loucura.

— Parece loucura porque é loucura.

— Dê-me uma caneta e papel.


— Por quê?

Ele faz um gesto com a mão como se quisesse desenhar


algo.

— Havia algo mais no meu sonho. Talvez você possa


entender isso.

Abro a gaveta de lixo, recuperando um pequeno bloco de


notas e uma caneta de gel azul para ele.

Sem perder um segundo, ele faz um pequeno desenho,


rasga o papel da encadernação e o entrega para mim.

— Oh meu Deus. — Eu dou um passo para trás.

— Você precisa ir — digo a ele.

— O que isso significa? — Seus olhos castanhos se


arregalam.

— Agora. — Eu aponto para a porta. — Por favor. Vai.

— Brie... se você sabe o que isso significa. Você tem que


me dizer...
Pisco com a visão nublada pelas lágrimas e engulo o nó
na garganta, embora não sinta que devo uma explicação a ele.

— O nome da minha irmã era Karielle. Meu nome é


Brielle. Alguns meses antes de ela morrer, deveríamos fazer
tatuagens de 'elle' correspondentes. Eu me acovardei. Ela fez
isso.

A última foto da minha irmã no Facebook vem à mente –


Kari sorrindo, sua bochecha apoiada no interior de sua mão,
seu pulso voltado para a câmera e sua tatuagem exibida em
detalhes perfeitos.

Jamais esquecerei aquela imagem... ou as pontadas de


culpa que sinto por nunca levar adiante meu fim de nosso
acordo.

Meu estômago se revira. Eu vou ficar doente.

— Não acredito que você faria uma coisa dessas — falo


com os dentes cerrados e luto contra a onda de lágrimas que
ameaça cair. — Depois de tudo que eu te disse...

Eu me lembro da noite de sua festa, compartilhando com


ele minha confissão sobre desperdiçar milhares de dólares com
os chamados médiuns como uma tentativa de me conectar com
minha irmã morta.

Fui enganada por cada um deles.

E agora fui enganado por ele – o maior golpe de todos eles.

— Saia. — Não consigo mais olhar para ele.


— Brie, se...

— Saia. — Não reconheço essa versão estridente e cheia


de dor da minha voz, não a princípio.

Quando eu reconheço... ele se foi.


Volto para casa com uma dor de cabeça latejante. Em
uma névoa mental. Dormente. Repetindo a reação de Brie à
tatuagem uma e outra vez em minha mente e ficando mais
confuso a cada vez.

As lágrimas nos olhos dela.

A dor em sua voz.

— Eu não posso acreditar que você faria algo assim... —


Suas palavras estão frescas em meus ouvidos – e elas não
fazem nenhum sentido.

Ela acha que eu sabia sobre a tatuagem de alguma


forma? Que estou tentando manipulá-la como um vigarista
tentando entrar em seu coração?

Eu nunca deveria ter contado a ela sobre o sonho. Eu


nunca deveria ter acreditado quando ela disse que teria uma
mente aberta. Minha própria irmã não conseguiu nem mesmo
ter a mente aberta quando contei a ela sobre isso.
Quando estou em casa, estou desanimado e vazio.
Imagino que seja assim quando você aposta a casa e perde as
economias de uma vida inteira. Era um risco calculado,
compartilhar o sonho com ela e saber muito bem que eu ia soar
como uma pessoa louca, mas eu tinha tanta certeza de que ia
valer a pena que simplesmente aceitei.

Tiro os sapatos, fecho as cortinas e desmorono no sofá.


Beliscando a ponte do meu nariz, eu respiro irregularmente.

Eu sabia que não poderia estar com ela antes, mas pelo
menos poderia tê-la mantido em minha vida.

Agora eu não posso mais tê-la.

Eu fecho meus olhos e tento me forçar a voltar a dormir.


Não suporto ficar acordado nem mais um minuto com esses
pensamentos.

Ou minha nova realidade.


— Adivinha quem está jogando golfe com o papai agora?
— Megan pergunta na manhã de sábado.

Momentos depois de mandar Cainan ir embora, ela ligou


para o meu telefone e disse que viria à cidade no próximo fim
de semana para uma visita.

Uma intervenção divina.

Eu não contei a ela o que tinha acontecido. Não contei a


ela sobre a tatuagem ou o dente lascado. Ainda estou tentando
entender isso e absorver. Ainda me perguntando se eu exagerei
ou se minhas inclinações de que ele estava tentando me
enganar estavam certas.

— Parece que preciso ter outra conversa com os dois. —


Tomo meu café, que agora está frio. Eu coloco no micro-ondas
por trinta segundos. Quando termina, eu despejo no ralo. Eu
não quero mais aquele copo.

— Honestamente, está ficando um pouco demais. É como


se os maridos de Carly e Alana tivessem fígado picado e Grant
fosse o filho que ele nunca teve. — Ela exala. — E mamãe o
convida para jantar pelo menos uma vez por semana...

Eu gemo.

— Por favor. Faça isso parar — ela implora.

— Tive uma conversa com ele na semana passada no


hospital. — Para ser justa, foi mais uma chicotada verbal do
que uma conversa. Mas depois de toda a importunação, o
homem mereceu. E eu pensei que tinha funcionado. Achei que
tinha conseguido falar com ele... porque não tive notícias dele
desde então. — Acho que posso falar com ele de novo?

— Além disso, eu não queria te dizer isso... e ainda estou


um pouco estranha com isso..., mas eu encontrei com ele há
algumas semanas em uma boate no centro da cidade.
Dissemos oi. Tanto faz. Então ele me pagou uma bebida. E do
resto da noite em diante, ele ficou pendurado em cima de mim.

— Pendurado em você?

— Sim. Colocando a mão nas minhas costas. Inclinando-


se para perto. Tentando flertar. — Ela parece que está prestes
a vomitar. — A coisa toda deixou um gosto muito ruim na
minha boca. Ele estava definitivamente tentando levar as
coisas além... de onde elas precisavam estar.

— Ugh. Megs. Eu sinto muito. Vou falar com ele


novamente. E vou falar com a mamãe. E papai. — Eu deslizo
para um balcão e descanso minha bochecha contra minha
mão.
— Tem mais.

— Tem mais? — Eu me sento mais reto.

— Eu ouvi mamãe e papai conversando, e parece que


papai está prestes a transferir um monte de suas contas para
a empresa de Grant.

Meu sangue se transforma em gelo e quase deixo cair o


telefone.

Isso é tudo que ele queria? Todo esse tempo? Contas do


meu pai? Ele pesquisou sobre mim antes do nosso primeiro
encontro e descobriu exatamente quem era meu pai? Qualquer
pessoa com meia célula cerebral na área de Phoenix já ouviu
falar dele, viu seus outdoors, morou em uma de suas casas ou
apartamentos personalizados ou alugou um prédio comercial.

Meu pai garantiu uma vaga na Forbes 500 todos os anos


durante a última década – é de conhecimento público. E para
alguém como Grant, que trabalha no setor financeiro, é
provavelmente de conhecimento comum também.

— Brie? Voce ainda está aí? — Meg pergunta.

— Sim. Sim, ainda estou aqui. Só pensando...

Tudo faz sentido agora – quão perfeito Grant parecia. A


maneira como ele me tratou como uma rainha. Propondo tão
rapidamente, desesperado para me amarrar o mais rápido
possível. O acordo pré-nupcial.

Oh meu Deus.
O acordo pré-nupcial que Cainan elaborou para ele.

A carta mencionava cláusulas que eles


discutiram...Cainan também estava envolvido nisso?

Isso tudo nada mais era do que uma forma de acessar o


dinheiro da minha família? Para me enganar de qualquer
maneira que pudessem? Eles fizeram verificações extensas de
antecedentes? Desenterrar todos os detalhes convincentes que
puderam encontrar?

Minha garganta se fecha e minha boca fica seca. Uma


onda de emoções me inunda, mas eu a forço a ir embora
porque se Meg ouvir um problema na minha voz, ela exigirá
saber o que está acontecendo, e eu não quero falar sobre nada
disso agora.

— Docinho, vou tomar um banho — digo. — Envie-me os


detalhes do seu voo, ok? Mal posso esperar para ver você...

Terminamos a ligação e eu me sento em um silêncio


atordoado, olhando para uma geladeira zumbindo até que as
sete horas se transformam em algo próximo às nove.

No final da tarde, quando meu pai e Grant terminarem de


jogar golfe, vou me recompor. Fazer a ligação. E garantir que
meu pai saiba exatamente com que tipo de pessoa está lidando.

Depois disso, não quero mais nada com Grant.

E nada a ver com Cainan.


— Heyyyy, idiota. — Grant está arrasado quando chego
em nossa suíte na cobertura na sexta à noite. Eu largo minha
bolsa de couro e deixo a porta flutuar fechando. — Já era a
hora do caralho.

Cada palavra é arrastada e exagerada. Se bem me lembro,


seu voo pousou à uma da tarde. Agora são cinco. Ele está
bebendo há horas. Ele tenta se levantar para me
cumprimentar, apenas para cair de volta no sofá estofado.
Rindo.

Rindo...

Vai ser um longo fim de semana.

Mas talvez seja o melhor.

Não vi e nem ouvi falar de Brie desde sábado passado,


quando desenhei a tatuagem e conheci um lado dela que
nunca soube que existia quando ela me disse para sair com
lágrimas nos olhos. Eu dei a ela alguns dias. Pensei que talvez
ela precisasse de algum espaço. Algum tempo para se acalmar.
Mandei uma mensagem para ela na terça à noite, perguntando
se poderíamos conversar.

Ela respondeu imediatamente com cinco palavras de me


tirar do eixo: NÃO ME CONTACTE DE NOVO.

— Pega uma cerveja, idiota. — Grant aponta para a


geladeira na cozinha.

Além da janela atrás dele, as luzes de Vegas brilham e


brilham. A cidade está viva.

É uma sensação que eu não tinha há muito tempo – além


do tempo que passei com Brie, quando tudo parecia multicolor
e animado de uma forma que nunca antes.

Pulei em meu voo hoje cedo com toda a intenção de me


libertar disso, de me convencer de que tudo o que eu pensava
de que estávamos destinados a ter era uma quimera irreal
nunca teria dado certo de qualquer maneira.

Mas no instante em que as rodas pousaram no McCarran


International, acordei de meu cochilo meio burro e descobri
que era o mesmo idiota patético de quando embarquei no
avião.

A porta do hotel se abre enquanto eu pego uma cerveja


na geladeira lotada, e um punhado de caras entra. Não
reconheço dois deles. Presumo que sejam amigos dele de
Phoenix.
— E aí, cara? — Um deles dá ao nosso homem do
momento uma batida desleixada. Ele cheira a bebida forte
quando passa por mim.

— Por favor, me diga que eu não vim até aqui para uma
maldita festa da linguiça — diz outro.

— As meninas estão a caminho — Collin Hilliard, um cara


com quem mantivemos contato desde nossos dias em
Montclair, se espreme atrás de mim e pega uma lata de Coors
Light. — É bom ver você, cara. Soube do seu acidente.
Desculpe, não pude ir à sua festa, mas ei, você está bonito.
Sentindo-se bem?

Eu torço a tampa da minha cerveja e aceno.

— Sim. Tudo bom.

Mentiras. Em todos os sentidos da palavra. Mas não


importa.

— O que você tem feito? — ele pergunta. — Ainda


ajudando casais ricos e miseráveis a realizar seus sonhos?

— Todo dia. Você?

— Assumi a agência de seguros do meu pai alguns anos


atrás. Becca e eu tivemos nosso primeiro filho há um ano —
diz ele. — Eu mostraria fotos, mas não quero que a última
coisa que vejamos antes de uma dança erótica seja o rosto da
minha filha.

Brutal.
E concordo.

— Não se preocupe. — Eu aperto seu ombro e sigo em


direção à parte da sala de estar da suíte, encontrando uma
cadeira perto da janela. Por hábito, eu verifico meu telefone.
Duas mensagens de um casal de amigos na cidade. Quatro
novos e-mails de trabalho. Nada de Brie. Naturalmente.

A próxima batida na porta faz Grant ficar de pé,


derrubando garrafas de vidro em miniatura de vodka no tapete
de aparência cara no processo.

— São as meninas — anuncia Grant, como o garoto de


fraternidade excitado que costumava ser.

Dez segundos depois, a suíte do hotel cheira a um


coquetel de perfume e parece uma festa do pijama mista.

— Pensei em fazer uma pequena festa antes de sairmos


— Grant diz para ninguém em particular. Ele agarra duas
garotas pelo pulso e as leva até o sofá, colocando-se entre elas
e passando os braços em volta de seus ombros.

Não sei onde ele encontrou essas senhoras.

A loira à sua direita se aproxima dele, mordiscando sua


orelha e passando a mão por fora de sua calça. A ruiva do outro
lado morde o lábio, ansiosamente esperando sua vez.

— Oi. — Outra loira com o cabelo caindo até os seios se


estatela ao meu lado, embora eu dificilmente chame isso de se
ajoelhar, já que imagino que ela pesa menos de quarenta quilos
de água. Seu olhar safira está ligeiramente desfocado, seus
olhos profundos e vazios. E ela me dá um sorriso sensual,
como se estivesse prestes a fazer uma refeição de mim. — Eu
sou Jazz. Qual o seu nome?

Eu não quero fazer isso.

Eu não quero estar aqui.

— O nome dele é Cainan, e ele normalmente não é tão


rude — Grant se levanta para respirar.

— É um nome legal. — Ela cruza as pernas como um


palito e deixa a minissaia subir, anunciando o fato de que não
está usando calcinha. — De onde você é, Cainan?

Aparentemente, outro maldito planeta.

Música rápida começa a tocar nos alto-falantes Bluetooth


no teto, alta e sem ser desagradável.

Se ao menos elas tivessem abafado meus pensamentos.

Grant sussurra algo para seus brinquedos, se levanta e


as leva para o quarto, fechando a porta atrás deles.

— Posso ler sua palma? — Jazz pega minha mão, mas eu


a afasto.

— Não.

Ela faz beicinho.

— Sou uma leitora de palma.


— Eu tenho certeza que você é. — Eu tomo um gole,
evitando seu olhar desesperado. — Mas não.

— Cara. Qual é o seu problema? Deixe-a ler sua maldita


palma. Estamos em Vegas. Podemos fazer coisas estranhas
aqui e ninguém dá a mínima. — Collin pega a almofada do sofá
do outro lado da loira e estende sua mão. — Aqui. Leia-me.

Seus olhos se iluminam e ela muda sua postura em


direção a ele antes de achatar sua palma direita e se
concentrar.

— Ok, primeiro, preciso que você relaxe.

— Feito — diz ele sem hesitação.

— Vê esta linha aqui? É a sua tábua de salvação. É longo


e ininterrupto. Isso me diz que você é uma pessoa confiável. E
isto. Esta é a sua linha principal. Está no lado mais curto. Você
é um atleta? Você corre maratonas? — Ela pergunta.

— Uh, eu realmente... — Collin olha para Jazz e então de


volta para sua palma.

Eu reviro meus olhos. O cara claramente tem uma


constituição sólida de corredor.

— Você tem um filho — ela diz, sem perguntar.

Ele concorda.

— Você vai ter mais dois — Jazz se anima. — Irmãos


gêmeos.
Termino minha cerveja e pego outra enquanto ela vomita
suas besteiras de generalidades. Quando eu volto, a expressão
de Collin é elétrica e ele está passando os dedos pelos cabelos
como se ela lhe dissesse que ele vai ganhar na loteria quando
fizer quarenta anos.

E inferno, ela provavelmente disse isso.

— Sua vez! — Jazz gira de volta para mim, pegando minha


mão. — Sou uma leitora de palma de quarta geração. Tenho
uma lista de clientes com um quilômetro de comprimento.
Celebridades. Dignitários estrangeiros. Pessoas voam de todo
o mundo durante vinte minutos do meu tempo.

— E você está oferecendo seus serviços de graça, por quê?


— Eu destampo minha cerveja.

Ela rouba minha mão direita e alisa a palma sobre o


joelho ossudo.

— Porque é sexta-feira à noite. E eu quero. Agora, preciso


que você relaxe.

Eu exalo uma respiração forte.

— Estou falando sério. Relaxe e abra sua mente. — Ela


fecha os olhos, senta-se ereta e inala. — Ok, vamos lá.

Collin se inclina, literalmente na ponta de sua cadeira.

Jazz limpa a garganta, passando uma unha comprida no


centro da minha mão.
— Ok, isso é interessante... sua linha de destino...está
bem aqui... me diz o quão fortemente sua vida será controlada
por seu destino. Agora, sua linha é bem profunda. Mais
profunda do que a maioria. Algumas pessoas não têm
nenhuma. Mas a sua tem esse ramo que se conecta à sua linha
de vida. Você tem um destino predeterminado..., mas há uma
encruzilhada aqui. Você está lutando contra isso. Você está
negando. Você tem que decidir o que quer e ir em frente. O
universo irá apoiá-lo de qualquer maneira. Mas do jeito que
está agora, sua vida pode seguir em uma de duas direções
extremamente diferentes.

Eu puxo minha mão, pronto.

Diga-me algo que eu não sei...


— Por que aquela garota fica olhando para nós? — Megan
acena em direção ao fundo do bar lotado na sexta à noite.
Quatro horas atrás, ela saltou do avião e pegou um táxi para
minha casa, totalmente vestida e pronta para pintar a cidade.

Depois da semana que tive, não estou com humor para


festejar, mas é bom passar um tempo com um rosto familiar –
um em que posso confiar.

Além disso, ela veio até aqui.

— Quem está olhando? — Eu examino a sala.

Megan aponta.

— Aquela garota com os grandes olhos azuis e o cabelo


longo ondulado e o vestido de calêndula esvoaçante.

Meu olhar pousa no amarelo profundo do outro lado da


sala. Como eu perdi da primeira vez, eu não sei. Mas com
certeza, a garota está atirando olhares em nossa direção.

Minha direção.
Porque aquela garota...é Serena.

— Acho que ela namorou Grant. — Eu volto para Megan.


— Ignore-a.

— Talvez você devesse dizer a ela que ele é solteiro?

— Qual é o ponto? — Dou de ombros e tomo meu martinis


com gotas de limão.

— Eu só não gosto do jeito que ela está olhando para você.


Eu quero que ela pare. — Sempre a irmã mais velha protetora,
Megan olha de volta na direção de Serena.

— Ela não vale a pena. — Dou um tapinha no braço de


Megan para redirecionar sua atenção. — Pare. Deixa isso.

— Oh meu Deus. Ela ainda está olhando para cá. —


Megan faz uma careta. — Eu vou dizer algo.

— Não...

Antes que eu possa proferir outro protesto, ela está indo


para o outro lado do bar. Ela está de costas para mim e suas
mãos se movem enquanto ela fala – o que nunca é um bom
sinal. Eu me afasto. Eu não posso assistir isso. Bebendo minha
bebida, examino o menu do bar antes de rolar pelo telefone por
um ou dois minutos. Verificando, acho que eles ainda estão
fazendo isso.

E então Serena saca seu telefone. A tela ilumina o espaço


escuro ao redor deles, pintando seus rostos com luz azul-
branca. Megan se inclina. E então, por algum motivo maluco,
Serena entrega o telefone para minha irmã.

Estou meio tentada a ir até lá e investigar, mas algo me


diz para ficar parada.

Um minuto interminável se passa antes que Meg volte.

— Aquele filho da puta. — Ela balança a cabeça e pega


sua bebida.

— O que? O que acabou de acontecer? Estou tão


confusa...

— Bem. — Ela endireita os ombros. — Eu fui até lá e me


apresentei como sua irmã. Eu disse a ela que ela precisava
crescer e deixar você em paz. Eu disse a ela que você largou
Grant. Que você terminou com ele. E então eu disse que ele
era todo dela... ao que ela respondeu: o que te fez pensar que
ele nunca foi?

— Meg, quão bêbada você está? Você não está fazendo


sentido. Eu não entendo o que você está me dizendo.

— Basicamente... o tempo todo que Grant estava noivo de


você, ele estava transando com ela pelas suas costas.

Não tenho palavras.

Na verdade, mal consigo mover um músculo.


Eu nunca o amei, não de uma forma profunda. Mas a
picada da traição envia um calor abrasador ao meu núcleo e
uma queimadura aos meus olhos.

— Ei. — Meg se estica sobre a mesa, cobrindo minha mão


com a dela. — Não chore por aquele idiota.

— Eu não estou. — As lágrimas caem de qualquer


maneira. — Eu me sinto tão estúpida, só isso.

— Ele enganou você. Ele enganou todos nós. Apenas seja


grata por ter seguido seu instinto e se livrado disso antes que
fosse tarde demais. — Ela me dá um aperto. — Quer sair
daqui? Vamos. Podemos relaxar no sofá. Ter um pouco de Sex
and the City. Talvez pegar um pouco de pipoca de micro-ondas
com canela Mike e Ikes no caminho para casa daquela bodega
na esquina?

Ela está tentando me animar, e eu a amo por isso, mas


essa é uma das coisas que terei que fazer por um segundo.

Eu vou superar isso.

Não estou preocupada com isso.

Eu só preciso me permitir sentir essa onda fundida de


emoções para saber exatamente como nunca mais quero me
sentir: como uma idiota.
Passam-se duas horas inteiras antes que Grant saia do
quarto da suíte do hotel, enfiando a camisa nas calças e com
um sorriso satisfeito.

— É bom ver que você está levando essa coisa do Brie na


esportiva — digo quando esbarro nele perto da geladeira.

Ele pega uma cerveja, seu sorriso satisfeito


desaparecendo.

— O que isso deveria significar?

— Parece que você está de melhor humor, só isso.

— Sim. Bem. É uma causa perdida. — Ele abre a guia de


sua Coors e decido não contar a ele que os botões de sua
camisa estão tortos. Ele provavelmente está bêbado demais
para se importar. — Ela convenceu o pai a não investir comigo.
Ele rasgou os contratos. Disse-me para sumir.

— Então... isso é o que o torna uma causa perdida?

— Obviamente. — Ele toma dois goles generosos.


— Eu pensei que você a amava? — Todos aqueles
telefonemas, toda a autopiedade, todas as divagações que ele
fez sobre como ela era perfeita. — Ou era sempre por causa do
dinheiro?

Descansando as costas contra o balcão, ele me dá um


sorriso de lado.

— Não seja tão estúpido.

— Grant, você mentiu para mim. — Minha visão se


estreita e meu queixo fica tenso. — Você me disse que
conheceu a mulher dos seus sonhos... que ela era tudo o que
você sempre quis... que você a amava... você disse que queria
uma casa no subúrbio, crianças e um cachorro...

Ele esconde seu sorriso arrogante com sua cerveja.

— Sim. Eu disse essas coisas.

Serena…

O acordo pré-nupcial...

— Você nunca a amou. — Eu não estou perguntando.

Ele levanta um ombro.

— Quer dizer... eu pensei que poderia aprender a amá-la.


Ela era uma boa garota. Um pouco baunilha no quarto, mas o
sexo era bom o suficiente. Podíamos ter mandado ver, Cain. Se
ela simplesmente...
— Você quer dizer que você poderia ter mandado ver,
porra — eu o corrijo. — Ela teria sido algemada a um cretino
infiel que só se casou com ela porque queria o dinheiro da
família dela.

— Cretino infiel? — Ele zomba. — Um pouco duro aí, você


não acha? E por que você está agindo tão protetor com ela? Ela
era minha garota. Não é sua. Oh espere. Está certo. Eu
lembrei. Eu pedi para você ficar de olho nela por mim e você a
deixou se apaixonar por você.

— Do que você está falando?

— Eu vi a maneira como você olhou para ela no funeral


do meu pai. Cada vez que ela pensava que eu não estava
prestando atenção, ela estava olhando em sua direção. Depois,
prendi vocês dois lá fora, sozinhos, na sua festa. E então,
magicamente, assim que voltamos para Phoenix, ela me deixa
e diz que está se mudando para Nova York. Eu não sou um
idiota de merda.

— Se você não confiava em mim, por que me pediu para


ficar de olho?

— Talvez porque uma parte de mim confiou em você. Você


é meu melhor amigo do caralho, Cainan. Não queria pensar
que você iria descer tão baixo assim.

— Descer tão baixo assim? — E lá estava o cara mais


hipócrita do lugar.

— Ou talvez você só quisesse se vingar.


Eu cruzo meus braços.

— Me vingar do que?

— Mallory — ele fala o nome da minha ex da faculdade,


uma garota com quem namorei três anos antes de ela ter um
susto de gravidez, admitiu que o bebê não era meu e se
descobriu imediatamente solteira. No final, ela abortou,
perdendo o bebê e o cara que ela supostamente amava mais
do que a vida.

— O que você está dizendo...?

— Oh, vamos lá. Eu sei que você sabe. — Ele revira os


olhos.

— Foi você?

— Isso foi um erro. Um erro único. E eu me senti péssimo


depois de... achei que ela tivesse te contado?

Minha mandíbula aperta com tanta força que envia uma


pulsação às minhas têmporas.

— Você honestamente acha que eu te perdoaria por foder


minha namorada por três anos?

— Bem, sim. É isso que os irmãos fazem. — Ele bufa.

— Você não é a porra do meu irmão. — As palavras são


um rosnado rouco na minha garganta. — Não mais.

Eu superei o incidente de Mallory uma vida atrás, mas


nunca esqueci como Grant estava ansioso para me ajudar a
juntar os cacos quando eu segui em frente. Ele pessoalmente
cuidou para que eu nunca ficasse de mãos vazias no fim de
semana e que nunca ficasse muito tempo sem um lindo pedaço
de bunda para anestesiar a dor e esquecer a traição.

— Você sabia que eu não sabia — digo.

Ele balança a cabeça, o nariz enrugado, parecendo cada


centímetro a parte de um mentiroso.

Eu vejo mentirosos o tempo todo em meu escritório.


Pessoas como ele acham que as regras não se aplicam a elas.
Que esquecem como ser um ser humano decente. Que agem
como se seus desejos e necessidades estivessem acima dos
demais.

— Tudo o que você faz é mentir — eu digo. — Mas eu não


posso nem estar bravo com você agora. Só posso ficar com
raiva de mim mesmo por ter olhado para o outro lado todos
esses anos. Por dar desculpas para você. Por pensar que nossa
irmandade de merda superou o fato de que você é apenas um
idiota de merda em um terno caro.

Todo esse tempo, eu poderia estar conquistando Brie. Em


vez disso, me atormentei, me convencendo de que a felicidade
de Grant era mais importante do que a minha.

Agora eu sei que se as tabelas tivessem sido invertidas, o


bastardo não teria hesitado um único maldito segundo antes
de fazer seu movimento.
— Você mudou, Cainan. Você não é quem costumava ser.
— Grant torce o nariz. — Às vezes, sinto que meu melhor amigo
morreu naquele acidente... porque não sei quem diabos você é.

— Foda-se. — Eu me viro para sair, com a intenção de


pegar minha mochila, encontrar outro quarto de hotel em um
hotel diferente e reservar o primeiro vôo de volta para
Manhattan amanhã.

Antes de dar um segundo passo, levo um gancho de


esquerda surpresa – e tudo escurece, nada além de uma voz
suave sussurrando em meu ouvido.

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Acordo com dois paramédicos em uniformes azuis


pairando sobre mim.

— Ei, você — um deles diz. — Você nos deu um grande


susto.

Mas as palavras ficam girando em minha cabeça.

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Não tem música.


Sem garotas.

Nem mesmo Grant.

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Minha cabeça lateja com a intensidade de um caminhão


Mack.

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...

Eu não poderia começar a entender isso mesmo se


tentasse – não é inglês.

Inferno, pelo que sei, é uma linguagem inventada.

Os paramédicos me sentam.

— Fácil — um diz. — Você vai ter um inferno de um olho


roxo. Uma pequena lembrança bonita para levar com você.
Nem tudo o que acontece em Vegas fica em Vegas...

Alguém me entrega gelo enrolado em uma toalha.

Elay-fay-por-twah...

Elay-fay-por-twah...
Elay-fay-por-twah...
Megan está em um avião de volta para casa e estou
dobrando minhas últimas toalhas no domingo à noite quando
uma mensagem chega – de Cainan.

CAINAN: Precisamos conversar.

EU: Como eu disse da última vez... não me contate de novo.

Estou a dois segundos de bloquear seu número e


terminar com isso quando seu nome pisca na minha tela.

Ele está me ligando.

Meu polegar paira sobre o botão vermelho, o tempo todo


meu coração dispara em minha garganta. Metade de mim não
quer nada com Grant ou suas conexões de qualquer forma ou
jeito. A outra metade de mim está se afogando em um coquetel
conflitante de cenários do tipo e se.

Eu toco no ícone verde e levo meu telefone ao ouvido.

— Por que está me ligando?


— Acabei de chegar de Las Vegas — diz ele. — Nós
precisamos conversar.

— Não, obrigada.

— Brie, por favor. Cinco minutos é tudo que eu preciso.

— Engraçado, você acabou de passar um fim de semana


com meu ex e a primeira coisa que você faz quando volta é me
checar... — Eu dobro a última toalha e coloco no topo da pilha.

Cainan exala forte no receptor e nós chafurdamos em


silêncio mútuo por um instante.

— Escute — ele finalmente diz. — Não estou tentando


incomodar você e não liguei para discutir.

Seu tom é sincero. Acreditável. Então, novamente,


sempre foi.

— Eu preciso saber se esta frase significa alguma coisa


para você... elay-fay-por-twah...

Eu desabo no pé da cama, os olhos úmidos e


completamente sem palavras.

— Brie? — ele pergunta. — Você ainda está aí?

Uma lágrima grossa desliza pela minha bochecha. Limpo


com as costas da mão.

— Sim. — Minha garganta está tão apertada que dói falar.


— Ainda estou aqui.
— Posso passar por aí?

Eu engulo e tento firmar minha respiração.

— Sim.
— Oh meu Deus. — Ela se engasga quando abre a porta,
a mão tapando a boca bonita. E então ela alcança meu olho.
— O que aconteceu com você?

— Grant. Grant aconteceu.

Ela franze a testa.

— Por quê?

— Porque eu o chamei de babaca e ele não gostou do que


eu tinha a dizer. — Dou a ela a versão resumida e condensada
por enquanto. — Posso entrar?

Brie balança a cabeça e sai do caminho, fechando a porta


atrás de mim.

— Você sabia que ele estava me traindo? — Ela pergunta


antes de eu chegar a meio caminho para a sala de estar. —
Com aquela garota Serena. O tempo todo em que estivemos
noivos. Você sabia?

— Sim. — Eu me viro para encará-la, apenas para


encontrar os olhos verdes mais tristes que já vi.
Ela não merecia o que Grant fez com ela. Nem um grama
disso.

— Você ia me contar? — Seus braços se cruzam sobre o


peito e seu olhar vítreo é pontudo.

— Eu queria, Brie. Mas nunca foi meu local de fala.

— Você também sabia que ele estava tentando convencer


meu pai a transferir toda a sua carteira financeira para a
empresa de Grant? — Ela pergunta.

— Eu tive uma ideia, sim. Mas eu não sabia a extensão


disso. — Eu digo. — Pelo menos não até este fim de semana.

— Você estava elaborando um acordo pré-nupcial — diz


ela. — Eu vi a carta que você enviou para ele, onde mencionou
algumas cláusulas...

— Infelizmente, não sou capaz de compartilhar isso com


você. Privilégio advogado-cliente.

— Claro... — Ela suspira. — Deve ser bom escolher


quando você quer ser um indivíduo íntegro.

— Você está certa.

Seus olhos pousam nos meus.

— Eu poderia ter falado se quisesse. Sobre a traição.


Sobre os comentários que ele fez. Eu não falei. E eu lamento
profundamente a dor que isso causou em você por receber as
merdas de Grant.
Se pareço ensaiado, é porque passei todo o voo de volta
para casa praticando exatamente o que queria dizer a ela,
como um advogado ensaiando seus comentários finais. Eu não
sabia se ela me daria a hora do dia, mas com certeza iria tentar.

— Palhaçada. — Ela bufa. — Você faz parecer que ele é


algum delinquente juvenil rebelde e não um homem adulto
brincando de Deus com a vida de outras pessoas.

Sento-me na cadeira de veludo, descanso meus cotovelos


no topo das minhas coxas e respiro em minhas mãos.

— Eu tinha cerca de seis anos quando a família de Grant


se mudou para a casa ao lado da nossa na Copper Street em
Jersey City — eu digo. — A primeira vez que nos encontramos,
tivemos uma briga de lançamento sobre qual moto era mais
rápida ou alguma coisa estúpida que as crianças discutem. Eu
não gostei dele. Havia algo sobre ele. Mas o sentimento era
mútuo. De qualquer forma, uma semana depois meus pais
entraram em uma de suas infames partidas de gritaria de gelar
o sangue. Peguei minha irmãzinha, subi para o meu quarto e
tranquei a porta como sempre fazia quando isso acontecia.
Mas enquanto eu estava sentado lá, tentando distrair Claire
com um punhado de Cheerios rançosos, alguém estava
jogando pedras na minha janela. Fui investigar, mas não havia
ninguém lá embaixo. Apenas um pedaço desbotado de sujeira
e ervas daninhas. Mas então eu olhei – percebi que era Grant.
A janela de seu quarto se alinhava perfeitamente com a minha.
Ele estava jogando Legos, tentando chamar minha atenção.
Quando finalmente abri a janela e saí da tela, ele me jogou um
walkie-talkie do Star Wars. Perguntou se eu estava bem. Esse
foi o dia em que ele se tornou meu melhor amigo.

Ela está quieta, o olhar fixo em mim enquanto ela mexe o


interior de seu lábio.

— Falo sério quando digo que ele era como um irmão para
mim. — continuo. — Crescendo, sempre nos protegemos.
Éramos inseparáveis. Nada – e eu quero dizer nada – poderia
ficar entre nós.

Brie dá um passo à frente. Silenciosa. Relutante. Atenta.

— Ele costumava ser uma boa pessoa — eu digo. — Mas


em algum momento, ele se tornou tóxico. Egoísta. Um
mentiroso corajoso.

Ela se senta na beira do sofá, a cabeça entre as mãos.

— Ele mentiu para você, Brie. Ele enganou você da pior


maneira — continuo. — Mas ele mentiu para mim também. Eu
estava cego demais por minha lealdade de décadas para ver.
Nunca queremos pensar que as pessoas de quem gostamos são
capazes de nos usar.

Ela bufa, balançando a cabeça.

— Sobre o que ele mentiu para você?

— Entre outras coisas... seus sentimentos por você — eu


digo sem pausa.

Suas sobrancelhas escuras se franziram.


— Eu não entendo como isso pode acabar com um acordo
de amizade.

— Porque desde o momento em que te conheci em meu


sonho, eu soube que você era real. E eu sabia que você foi feita
para mim. Procurei por você em todos os lugares. Eu pensei
em você constantemente — eu digo. — Mas então eu encontrei
você. E você era dele. E por mais que isso me matasse por
dentro, eu tinha que respeitar isso. — Eu pressiono meus
lábios em uma linha dura, exalando. — Ele falava sem parar
sobre o quanto ele te amava, o quão incrível você era. E tudo o
que fez foi solidificar – para mim – o fato de que eu nunca
poderia ter você. Quando descobri que você estava se mudando
para cá, Grant me pediu para ficar de olho em você. Ele
também me pediu para fingir que namorava você para que você
não pudesse namorar mais ninguém.

Seu queixo cai e seus olhos esmeralda se arregalam.

— Acho que não deveria estar surpresa, dado tudo o que


aconteceu recentemente.

— Ele me ofereceu dinheiro, Brie. — Não escondo a


incredulidade em minha voz. — Eu disse a ele para se foder,
que eu nunca faria isso com você. Eu nunca faria isso com
ninguém, por falar nisso. — Exalando, eu continuei: — De
qualquer forma, você e eu começamos a passar um tempo
juntos. E por lealdade a Grant – e apesar do fato de que eu não
conseguia tirar meus olhos de você por dois segundos sempre
que você estava por perto – mantive minhas mãos para mim
mesmo quando tudo que eu queria fazer era beijar você...
puxar você para dentro dos meus braços enquanto
caminhávamos pelas calçadas... passar a porra da noite com
você. Mas eu sempre disse adeus no final do dia. Mesmo que
isso me matasse.

Ela puxa o lábio inferior, olhando fixamente para a frente,


quieta como a porra de um rato.

— Por que você me deixou ir de qualquer maneira? — Eu


pergunto, percebendo que ela está estranhamente calma nos
últimos minutos. — No fim de semana passado, você me
acusou de ser o capanga de Grant e me disse para nunca mais
falar com você. Agora você está me ouvindo. O que mudou?

Seu olhar de maçã azeda pousa no meu. Eu não posso


dizer se ela está prestes a ficar com os olhos marejados ou se
ela está sobrecarregada de cansaço.

— Foi o que você disse ao telefone antes — ela finalmente


fala.

— Elay-fay-por-twah? — Provavelmente estou


massacrando.

Ela pisca, os olhos vidrados.

— Sim. Onde você ouviu isso?

Eu respiro fundo, orando a Deus para que ela mantenha


a mente aberta desta vez.
— Quando Grant me nocauteou na outra noite, eu
desmaiei. Quando comecei a acordar, ouvi uma voz
sussurrando em meu ouvido. Elay-fay-por-twah, elay-fay-por-
twah repetidamente. Pelo menos é o que parecia.

Talvez eu tenha ouvido mal. Eu estava bêbado e apaguei


no segundo que Grant me atacou. Por causa do meu acidente
e traumatismo craniano anterior, os paramédicos me levaram
ao hospital para fazer um exame. Se não fosse por isso, eu
estaria em casa há um dia, mas tive que passar horas no
departamento de imagem, horas esperando um médico para
ler os resultados e horas em observação antes que eles me
liberassem.

Fodido Grant...

Sem dizer uma palavra, Brie alisa as palmas das mãos na


calça, se levanta do sofá e pega um caderninho e uma caneta
da cozinha. Quando ela volta, ela rabisca uma frase no papel
e a passa para mim.

— Il est fait pourtoi — ela lê para mim. — Isso significa


que ele foi feito para você em francês.

Eu fico olhando para as palavras. E então para ela. Meu


coração martela a cada segundo que passa.

Os lábios rosados e trêmulos de Brie não conseguem


decidir se querem sorrir ou franzir a testa.

— Sinto muito — ela diz. — É só... isso é a coisa mais


estranha. Minha irmã. Aquela que morreu. Estudamos em
Paris no último ano do ensino médio. Quando voltamos,
sempre que queríamos ter uma conversa secreta, falávamos
em francês porque ninguém mais em nossa família falava esse
idioma. Quando íamos para a faculdade, usávamos sempre
que víamos um cara bonito ou o que quer que fosse e
queríamos mostrar isso uma à outra. Foi uma coisinha boba
que fizemos, eu acho. Mas era o nosso negócio.

— Eu juro para você, Brie. Pela minha vida. Eu não falo


francês. De jeito nenhum eu saberia disso... — Eu observo sua
expressão, preocupado que este momento vá explodir na
minha cara do jeito que o último explodiu. — Assim como a
tatuagem. Eu não sabia o que significava, só que estava no
sonho. Minha irmã, Claire – ela pode garantir isso. Eu
costumava rabiscar o tempo todo antes de conhecer você.

Ela levanta as mãos, examinando-as antes de oferecer um


meio sorriso humilde.

— Eu estou tremendo.

— Está com frio? — Eu me levanto e pego um cobertor do


encosto do sofá.

Brie balança a cabeça.

— Eu não sei como eu estou. Em estado de choque,


talvez? Todos esses anos, estive esperando um sinal de Kari.
Alguma coisa. Qualquer coisa. E se... e se...

Ela não termina.


Eu não acho que ela vai se permitir.

— Essa coisa toda é tão insana para mim quanto para


você — eu digo. — Mas eu me recuso a acreditar que tudo isso
aconteceu por nada – que não significa nada. Isso tem que
significar alguma coisa. Você também vê, certo? Você sente
isso também?

Mordendo o lábio, ela oferece um aceno hesitante – toda


a confirmação de que preciso.

Eu vou até ela, respirando seu xampu de menta e


baunilha e o amaciante do tecido lilás de sua camiseta e,
finalmente... finalmente, seguro seu queixo quadrado e fixo
meu olhar faminto em sua boca.

A boca que sempre deveria ter pertencido a mim.

— Quando estou com você... — eu mantenho minha voz


baixa. — ...eu sinto como se tivesse te conhecido cem vidas
atrás. E sinto que tenho esperado uma vida inteira para fazer
isso...

Eu deslizo minhas mãos em seus cabelos e reclamo seus


lábios macios e entreabertos de caxemira com um beijo
ganancioso. Brie derrete contra mim com um suspiro de
rendição, e eu a puxo para perto. Eu quero sentir cada
centímetro dela contra mim. Preciso sentir como nos
encaixamos, como as peças que faltam em um quebra-cabeça
no qual venho trabalhando há muito tempo.
—- Estou louco por você, Brielle White — sussurro,
nossas bocas sofrendo enquanto subimos para respirar. — E
correndo o risco de soar ainda mais louco... estou me
apaixonando por você. E tenho me apaixonado desde o
momento em que te vi.

Penso em uma frase de O Alquimista: Ela é um tesouro


maior do que qualquer outra coisa que ganhei. E neste
momento, sou Santiago e ela é a minha Fátima.

Só que nossa jornada não terminou – está apenas


começando.

E se há uma coisa que aprendi até agora, é que o amor é


confuso, irregular, pegajoso e, às vezes, doloroso.

Mas sempre, sempre vale a pena.


Durante anos, esperei por um sinal de Kari.

Hoje à noite, ela finalmente mandou.

Pelo menos eu acho que ela fez. Eu quero acreditar que


ela fez. Nunca podemos estar cem por cento seguros com esse
tipo de coisa. Às vezes, tudo o que podemos fazer é ouvir o
fundo do coração e confiar que nunca está errado.

Não existem números ou equações matemáticas que


possam explicar nada disso.

Não existem fórmulas para esclarecer o funcionamento


interno do acaso ou do destino.

O conceito de almas gêmeas só é real para aqueles que


acreditam.

Eu não preciso de cálculos estatísticos complicados para


racionalizar que cada grama da plenitude expandindo pelo
meu corpo enquanto os dedos de Cainan atam meu cabelo... é
real.

Está acontecendo...
É tão delicioso e arrepiante quanto eu sonhei que seria...

Eu queria isso desde a noite de sua festa, quando


estávamos parados na calçada trocando segredos, meus
pulmões inundados com o ar fresco da noite, meu corpo
hiperconsciente de sua presença. Eu não me permiti sentir
isso. Não totalmente. Mas estava lá. Essa atração. Essa
corrente de algo.

Sua boca está quente contra a minha, nossos corpos se


fundindo enquanto nossas línguas se acariciavam. Eu absorvo
seu cheiro inebriante de madeira e levanto meus braços ao
redor de seus ombros largos, com fome por mais.

Estou pegando fogo por este homem.

Desejo espesso correndo em minhas veias.

Suas mãos deixam meu cabelo, percorrem meus braços e


descansam em meus quadris antes que ele me pegue. Eu
envolvo minhas pernas em torno dele, agarrando-me com
ganância sem remorso.

Meus lábios procuram os dele enquanto ele me carrega


para o quarto e me deita suavemente no meio do colchão, seus
dedos puxando o cós da minha legging enquanto eu puxo
minha camisa sobre a minha cabeça. Sua boca queima meu
estômago, que cede de alegria enquanto ele espalha beijos
provocadores mais abaixo... mais abaixo ainda...

Deslizando minha calcinha para baixo, ele beija trilhas ao


longo das minhas coxas antes de se estabelecer no ápice. Sua
língua está quente ao longo da minha costura enquanto ele me
prova. Cada centímetro de mim é fogo e gelo, derretendo contra
as cobertas, incapaz de parar de se contorcer de impaciência.
Mas Cainan leva seu tempo. Ele me devora. Seus dedos me
acariciam com uma intenção gentil e às vezes ele para pra
explorar as mãos ao longo do resto do meu corpo. Suas pontas
dos dedos percorrem cada curva e vale como se ele estivesse
mapeando meu corpo, tentando memorizá-lo.

Porém, algo está faltando...

O leve toque de inquietação ansiosa que normalmente


sinto quando estou prestes a dormir com alguém pela primeira
vez – não está lá. Em vez disso, sou lavada em um calor
confortável, uma segurança familiar colorida com a emoção da
novidade.

Sentando-me, desabotoo seu jeans, puxo seu zíper e pego


sua dureza em minhas mãos, bombeando o comprimento em
minhas mãos antes de rodar minha língua contra a ponta. Ele
geme, a cabeça caindo para trás e os dedos emaranhados no
meu cabelo.

Eu engulo sua circunferência até que ele agarra meu


cabelo e o puxa para baixo, forçando nossos olhos a se
encontrarem.

— Eu não aguento mais — ele respira. Antes que eu tenha


a chance de responder, ele sobe em mim, espalhando minhas
coxas, me prendendo embaixo dele. — Eu quero mais de você,
Brie... eu quero tudo de você.
O calor de seu pau ingurgitado contra meu clitóris
inchado é uma tortura.

Eu penso na primeira noite em que nos conhecemos –


como eu queria tanto ser a garota que deixaria um estranho
sexy tocar em cada fenda e provocá-la até o orgasmo com sua
língua a noite toda antes de uma rodada de maratona de sexo.

Mas eu gosto disso. Eu gosto da situação lenta e doce e


“vale a pena esperar” que temos acontecendo aqui. Não somos
um casal de estranhos se enchendo de sexo sem sentido.
Somos duas almas que finalmente encontraram uma maneira
de ficar juntas depois de tudo...

— Então me reivindique. — Eu coloco minhas mãos atrás


de seu pescoço e fecho a distância entre nossas bocas. Minha
excitação é doce em seus lábios e seus quadris empurram
contra os meus, embora ele ainda não se empurre dentro de
mim. — Estou tomando pílula...

Sem um pingo de hesitação, ele alcança entre nós, agarra


seu pau e o guia dentro de mim lentamente, centímetro por
centímetro generoso.

Meu corpo aperta até que ele esteja totalmente dentro, e


então eu relaxo.

Eu derreto embaixo dele, afundando a cada penetrada,


embora minha alma esteja nas nuvens toda vez que nossos
olhos se cruzam.
Nunca acreditei em almas gêmeas. Mas depois disso?
Depois dele? Depois de tudo que o universo nos fez passar para
ficarmos juntos?

Como não posso?

Ele foi feito para mim.


— O que você está fazendo? — Brie está em sua porta na
manhã de segunda-feira, o corpo enrolado em um lençol e o
cabelo que lembra a noite anterior. — Ainda está escuro. Meu
Deus. Quão cedo você vai para o escritório?

— Um segundo. — Eu me inclino contra o balcão da


cozinha, o telefone pressionado no meu ouvido enquanto
espero a mensagem de voz de Paloma terminar. Após o tom,
digo a ela para esvaziar a minha agenda do dia porque não irei
trabalhar.

— Está tudo bem? — Ela se arrasta em minha direção, o


lençol caindo em torno de seus seios, embora ela esteja muito
distraída para notar. — Você está se sentindo bem?

Nenhum de nós dormiu ontem à noite.

Muito ocupados recuperando o tempo perdido.

Estou exuberantemente exausto. Deliciosamente


dolorido. E Brie cem por cento sente o mesmo.

— Você pode faltar hoje? — Eu pergunto.


Suas sobrancelhas franzem.

— Sim. Eu posso. Por quê?

— Estamos saindo da cidade.

Seu lindo rosto se inclina para o lado.

— Aonde estamos indo?

— Qualquer lugar. Nós vamos apenas dirigir...

Não pego o volante de um carro desde meu acidente, mas


hoje tem um ar diferente e estou com vontade de me perder
por um tempo.

Contornando a ilha, vou até Brie, pego-a nos braços e a


carrego de volta para a cama.

— Vou alugar um carro. Provavelmente não será entregue


dentro de algumas horas — eu digo, beijando o topo de sua
cabeça e trabalhando meu caminho por suas bochechas de
cetim até encontrar sua boca no escuro. — Descanse um
pouco.

Estou quase na porta dela quando ela chama meu nome.

— Sim? — Eu respondo.

— Você quis dizer o que disse ontem à noite. — Suas


palavras são lentas, sonolentas e ela esfrega os olhos. —
Quando você disse que estava se apaixonando por mim.

— Quando eu disse que estava me apaixonando por você?


Mesmo no escuro e do outro lado da sala, eu a pego
sorrindo.

— Sim.

— Sim, eu quis dizer isso — eu digo. — Por quê?

— Je t'aimeaussi, — ela sussurra. — Eu também te amo.


Já estamos dirigindo há horas. Tenho quase certeza de
que estamos em algum lugar em Connecticut, voando ao longo
de estradas sonolentas, uma cidade litorânea após a outra,
todas elas se misturando com suas pitorescas ruas principais,
folhas mutáveis e fundos de oceano de um azul profundo
acentuados por cristas brancas espumosas.

Eu poderia fazer isso para sempre... apenas dirigir... com


ele.

Cainan segura minha mão. O rádio toca suavemente,


algum artista de quem eu nunca ouvi falar, mas que cria o
clima perfeito para o tipo de dia que continua e deixa você se
perder em seus pensamentos por um tempo.

— Sempre me perguntei como seria morar em um lugar


como este — digo quando passamos por uma bela casa no
estilo Cape Cod com revestimento de cedro e floreiras brancas
em todas as janelas. E então eu rio baixinho antes de
acrescentar: — Será que alguém aqui já se perguntou como
seria viver no deserto?
— Duvidoso.

— Sério. Você pode imaginar estar aqui no verão? Acordar


e tomar café da manhã no pátio ou se balançar no balanço da
varanda enquanto lê um livro, com a praia ao fundo? Você
poderia literalmente abrir sua janela à noite e adormecer ao
som do oceano — eu digo.

— É isso que você quer? — Ele pergunta.

Eu levanto um ombro.

— Só estou pensando em voz alta.

Cainan leva minha mão à boca, depositando um beijo


como se estivesse depositando uma promessa silenciosa. Mais
à frente, uma placa verde indica o caminho para uma praia
pública e, pouco antes do desvio, há uma pequena falésia
acima do mar com uma grade de proteção de metal e um
punhado de vagas de estacionamento. Ele arranca, desliga o
motor e sai do carro.

Um momento depois, ele abre a porta do passageiro e


estende a mão. Levando-me para o porta-malas, ele me levanta
antes de se inclinar contra o carro e se acomodar entre minhas
pernas.

Pegando meu rosto em sua mão, ele guia nossas bocas


juntas.

— O que é isso? — Eu pergunto, sorrindo contra seu


lábio.
— Estou dirigindo há horas. — Diz ele com um suspiro.
— Eu só queria beijar você.

Eu o beijo novamente. Mais forte. E eu deslizo meus


dedos pelo cabelo sedoso em sua nuca, amando a forma como
seu cheiro almiscarado se mistura com o ar da água salgada.

— Algum dia vamos ter uma casinha à beira-mar — ele


me diz.

— Oh sim? — Eu levanto uma sobrancelha e rio. — Você


parece realmente certo disso. Como você sabe?

— Confie em mim — ele diz. — Eu sei dessas coisas.


— Ei. — Bato os nós dos dedos contra a mesa de Paloma
na terça à tarde. Ela fez um trabalho excelente em fingir que
não tinha notado meu olho roxo. Gostaria de poder dizer o
mesmo sobre Deb na contabilidade e dois dos sócios juniores
do corredor leste. — Vou tirar a tarde livre. Você também é
bem-vinda para fazer o mesmo.

— Espere, o que? — Seu rosto está contorcido, como se


ela estivesse tentando compreender uma língua estrangeira.

— O cliente das duas está cancelado. Veja se consegue


remarcar a das três. Senão, Renato vai ficar com ela. Tenho
algumas coisas que quero cuidar fora do escritório.

— Oh... ok. — Sua expressão está confusa, mas seu tom


é otimista, feliz em obedecer.

Tranco meu escritório e saio, parando em uma barraca de


flores no caminho para pegar um buquê de margaridas vinho
embrulhadas em papel de seda açafrão e, quando termino,
mando uma mensagem para Brie e digo a ela para vir jantar
às seis.
Não consigo me lembrar da última vez que preparei uma
refeição decente na minha cozinha, mas estou me sentindo...
doméstico.

E estou desejando steak aupoivre e uma noite tranquila


com minha garota – entre outras coisas.

Estou prestes a entrar no mercado da esquina e pegar


algumas coisas quando meu telefone vibra no bolso. Eu verifico
a tela na chance de ser Brie – mas não é.

Meu polegar paira sobre o botão de ignorar..., mas desde


quando sou aquele que recua como um covarde de merda? Não
sei o que ele quer, mas estou feliz em aproveitar esta
oportunidade para dizer a ele exatamente onde estamos.

— Sim? — Eu respondo.

— Ei. — Seu tom é animado. Erro número um. Se ele


pensa que pode agir como se nada tivesse acontecido, ele está
redondamente enganado. — Eu, uh, só queria me desculpar
pelo último fim de semana. As coisas esquentaram um pouco.
Um pouco fora de controle. Nós, uh, levamos as coisas longe
demais.

— Nós? — Eu bufo.

— Vou estar na cidade para trabalhar no final desta


semana. Pensou que talvez pudéssemos pegar bebidas? Deixar
isso passar por nós?

Idiota.
— Eu vou ter que passar, mas agradeço as desculpas.

— Oh sim? Você tem planos ou algo assim? — Sua voz é


casual, como se ele estivesse se fazendo de bobo. Mas eu sei
muito bem que ele está procurando informações.

— Sair com Brie.

Está quieto do outro lado. Eu estaria mentindo se


dissesse que não gostei do silêncio.

— Então é assim que vai ser? — Ele pergunta.

— É exatamente assim que vai ser.

Eu termino a ligação e vou para o supermercado. No


momento em que estou fazendo o check-out, Brie responde
para me avisar que ela estará lá e mal pode esperar.

Caminhando para casa, tenho certeza de que estou


sorrindo como um idiota apaixonado, mas não poderia me
importar menos. Brie colocou este sorriso no meu rosto, e se
Deus quiser, ele permanecerá até o dia da minha morte.
UM ANO DEPOIS...

— Quando você acha que ele vai fazer o pedido? — Carly


pergunta. Estamos descascando batatas para o jantar de Ação
de Graças, cotovelo com cotovelo sobre a pia da cozinha de
nossa mãe.

Minhas coxas estão doloridas de batizar nosso quarto de


hotel no segundo em que pousamos na noite passada – e
depois rebatizá-lo esta manhã, antes de partirmos. O mero
pensamento de ter que estar em nosso melhor comportamento
e ter que praticar contenção na frente de minha família inteira
por oito horas foi o suficiente para nos deixar loucos. Em casa,
não estamos sobrecarregados e não podemos manter nossas
mãos longe um do outro por intervalos de mais de cinco
segundos. Hoje vai ser um desafio, mas podemos fazer isso.

— Eu não sei. — Eu encolho os ombros. — Não estamos


com pressa. Vai acontecer quando tiver que acontecer.

Nós olhamos para a próxima sala, onde meu pai e Cainan


estão mergulhados em alguma discussão sobre políticas de
comércio exterior no que se refere a materiais de construção.
Cainan está fazendo o possível para fingir o máximo de
interesse possível, embora tenha certeza de que está entediado
até as lágrimas. É doce que ele esteja cedendo ao meu pai.

— Vocês dois já conversaram sobre isso? — Ela pega a


última batata.

— Não em detalhes, não. Nós dois sabemos que isso vai


acontecer algum dia. Não estamos preocupados com isso. —
Eu pego as cascas da pia e jogo no lixo.

Apesar de estarmos namorando há apenas um ano,


Cainan e eu sentimos que estivemos juntos por toda a nossa
vida – e sabemos que ficaremos juntos pelo resto de nossas
vidas. Noivado, casamento, essas são formalidades.

Estamos optando por nos concentrar no que importa: o


relacionamento.

Além disso, o último noivado deixou um gosto amargo na


minha boca. Felizmente, ainda não encontrei Grant desde que
tudo deu errado. Cainan mencionou que eles falaram ao
telefone brevemente após a briga em Vegas, mas ele nunca
mais ouviu falar dele depois disso. Embora ele ainda mandasse
um cartão para Georgette no Dia das Mães – e no dia em que
ela o recebeu, ela ligou e falou com ele por uma hora inteira
sobre isso, aquilo e tudo mais não relacionado a Grant.

Acho que ela entende por que os caras se desentenderam.


E eu acho que ela realmente vê Cainan como seu segundo
filho.

Ainda não conheci seus pais. Ele não gosta de falar sobre
eles. Você tem que arrancar detalhes dele como uma pinça
para uma lasca profunda. A irmã dele é um pouco mais aberta,
embora ela esteja nos estertores da nova maternidade, então
evito trazer à tona qualquer coisa do passado quando estamos
todos juntos.

Eu sorrio para mim mesma quando penso em Cainan


com sua sobrinha, Hadleigh. A primeira vez que Claire a
colocou em seus braços, ele alegou que não era bom com
bebês. Mas ele se acalmou e ela se acomodou, e os dois se
tornaram melhores amigos a partir de então. Agora, sempre
que visitamos, ele não perde tempo rastejando no chão com ela
e fazendo barulhos ridículos e caras bobas para combinar.

Para ser sincera, nunca tive cem por cento de certeza de


que queria filhos...

Mas ver Cainan com Hadleigh envia uma pontada nos


meus ovários como nada antes. E então houve aquele sonho
que ele teve após o acidente. Ele disse que tínhamos dois filhos:
um menino e uma menina. Tento não o deixar entrar em
detalhes sempre que menciona o assunto.

Não quero saber o que vem a seguir.

Há beleza em não saber.

Magia também.
— Bem, o que quer que você decida... — diz Carly —
...saiba que todos nós realmente gostamos dele.

— Agradeço. — Dou uma piscadela para ela e não a


lembro de que todos eles também gostavam de Grant.

Grant era meu passado.

Cainan é meu futuro.

Ele foi, é e sempre será o melhor homem para mim.


DEZ ANOS DEPOIS...

— Não estou pronta para sair. — Brie abraça as coxas


contra o peito, os dedos dos pés enterrados na areia enquanto
observamos nossa filha, Elle, e seu irmão mais novo, CJ,
perseguindo um ao outro ao longo da praia, rindo toda vez que
o oceano bate a seus pés descalços.

— Então não vamos. — Eu envolvo meu braço em volta


de seus ombros e a puxo contra mim. Sua pele bronzeada está
queimada de sol, sardenta e quente, e o cheiro de seu protetor
solar de coco é levado pela brisa salgada do oceano que nos
cerca. — Vou largar o meu emprego e ficaremos aqui. Para
sempre. Todo dia será assim.

Eu vivi isso antes – esse exato momento.

No meu sonho.

Ela se vira para mim, lutando contra o sorriso malicioso


que invade seus lábios carnudos, e então ela empurra seus
óculos de sol com olhos de gato pelo nariz.
— Não me tente.

— Você não está feliz na cidade.

Já estivemos aqui antes. Já tivemos essa conversa antes


– só que ela não sabe disso.

Embora tenhamos conversado sobre o sonho que tive


após meu acidente, nunca foi em grandes detalhes – a pedido
dela.

Desde o início, ela me disse que queria que nossa vida


juntos se desenrolasse organicamente, para ser uma surpresa.

E na maior parte, tem sido.

Eu nunca poderia ter previsto me mudar para Phoenix


por alguns anos, logo depois de nos casarmos. Eu também
nunca poderia prever que ela iria querer se mudar de volta
para a cidade de Nova York – o que fizemos logo depois que CJ
apareceu. Ela disse que se sentia em casa, que se encaixava
melhor em nós. E ela sentiu mais uma conexão com
Manhattan porque foi onde nos apaixonamos e tivemos todos
os nossos primeiros.

Primeiro beijo.

Primeira cama quebrada...

Primeira briga.

Primeiro (e único) casamento.


Brie desliza os óculos para cima e se vira para observar
as crianças.

— Às vezes, fica claustrofóbico. As crianças vêm aqui e há


muito espaço. Eles não param de sorrir por meses. Então
voltamos para a cidade, nos amontoamos em uma estreita casa
de três quartos, e vivemos naquele mundo de blocos de
concreto por mais nove meses. As coisas estão tão agitadas na
cidade, sabe? A vida está literalmente passando por nós. Aqui,
o tempo passa mais devagar. Ou pelo menos, é o que parece.

— Eu disse a você no dia em que me casei que sua


felicidade é a minha felicidade. Se você quiser mudar, nós
mudaremos.

Ela exala.

— Eu não posso pedir para você se afastar do trabalho de


sua vida. Tentamos isso em Phoenix, lembra? Você estava
infeliz.

— Posso exercer a advocacia aqui.

— Agora você está apenas sendo otimista. — Sua voz é


suave, quase apologética.

Mas ela está certa. Com uma população de pouco mais


de mil, eu teria sorte de conseguir um novo cliente a cada duas
semanas no porto de Calypso. É um vilarejo do tipo “pisque e
perca” que a grande maioria dos habitantes locais até mesmo
esquece que existe. Dito isso, se vendermos a Brown Stone,
teremos o suficiente para financiar um novo pequeno
empreendimento, talvez algo no e-commerce.

As oportunidades são infinitas.

— Podemos descobrir. — Eu aperto meu controle sobre


ela.

— Você faz com que pareça tão simples quando é tudo


menos isso. — Esse é Brie – a preocupada. Ela sempre foi uma
garota de números, gravitando em torno dos fatos e números
de segurança que ela apresenta, embora eu a tenha ajudado a
se soltar um pouco ao longo dos anos.

— Nada é simples — eu a lembro. Nossa vida inteira


juntos tem sido prova disso. — Mas sempre conseguimos
descobrir isso. Se é isso que você quer, nós faremos acontecer.
De uma forma ou de outra.

Eu viro seu pulso e levo-o aos lábios, beijando a


minúscula tatuagem que reside lá – aquela que ela fez em
homenagem a sua irmã gêmea logo após começarmos a
namorar. Ela deveria ter feito isso anos atrás e se acovardou
com uma miríade de explicações do tipo Brie. Eu tive que
discar para o meu treinador de advogado de julgamento dos
meus tempos de faculdade de direito apenas para argumentar
com ela e, no final, minha persuasão fez o truque. Pouco depois
disso, marquei para ela uma consulta com um dos melhores
tatuadores do Brooklyn e segurei sua mão o tempo todo.
Elle e CJ gritam de alegria ao fundo, fugindo de outra
onda suave enquanto ela os persegue até a costa, deixando um
caminho de pequenas pegadas que são lavadas em segundos.

Voltando minha atenção para minha adorável esposa,


coloco minha mão em seu rosto e reivindico sua boca com
sabor de cereja com um beijo – a boca que eu poderia beijar
um milhão de vezes e nunca me cansar.

Mas ela não me beija de volta.

Em vez disso, ela se afasta.

— Cainan... há algo que eu queria te dizer...

— Claro. Você pode me dizer qualquer coisa. — Meu


coração martela, cada segundo que passa mais interminável
do que o anterior.

Ela morde o lábio inferior, olhando para longe, e seus


ombros sobem e descem enquanto ela recupera um hálito
salgado. E então ela se vira para mim, os olhos verdes
dançando.

— Estou grávida.

FIM
Minha avó, Norma Jean, tinha dezesseis anos quando
sonhou que se casou com um fazendeiro e, neste sonho, ela se
viu suspensa por um lustre de cristal no alto de uma sala cheia
de animais de fazenda de todos os tipos.

Menos de dez anos depois, ela trabalhava em um banco


em sua cidade natal, Johnstown, Pensilvânia, e estava noiva
de um homem local quando conheceu um jovem e bonito
soldado da zona rural de Dakota do Sul. O país estava no meio
da segunda guerra mundial, e ele havia sido convocado e
colocado perto de sua casa para treinamento.

As almas perdidas tiveram uma conexão instantânea, e


logo ela se viu dividida entre dois homens – e dois futuros
muito diferentes.

Norma Jean escolheu o soldado...

…que por acaso vinha de uma grande família de


agricultores.

Após o fim da guerra, os dois se casaram em uma


cerimônia civil, entraram em uma picape Chevy com
velocidade máxima de 80 quilômetros por hora e dirigiram por
três dias até chegarem ao sudeste de Dakota do Sul. Quando
os recém-casados chegaram, Norma Jean e o soldado
receberam uma casa de um cômodo e algumas terras da
propriedade de sua família, e assim começou sua vida como
esposa de um fazendeiro.

Quinze anos depois, no aniversário de casamento de


cristal, Norma Jean e seu marido fazendeiro tinham mais gado
do que nunca.

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