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Série Selena 9

Tão Longe, Tão Perto!

Robin Jones Gunn

Título original: Now Picture This


Tradução de Myrian Talitha Lins
Editora Betânia, 2002
Digitalizado por deisemat
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Série Selena

Tão Longe, Tão Perto!

Robin Jones Gunn

Para minha sobrinha, Amanda Joy Johnson,

Que sua vida continue a brilhar por muito tempo, querida.


Capítulo Um

- Alguém vá atender a porta, gente! gritou a mãe de Selena da


cozinha.
Selena, que estava subindo a escada com um envelope na mão, parou.
Acabara de chegar da escola e pegara, na caixa de correspondência, uma
cartinha de Paul. Estivera esperando-a ansiosamente. Seu pensamento era só
fechar-se no quarto e “beber” cada palavra dela. Fora por isso que subira a
escada de dois em dois degraus. Aí lembrou-se de que, em seu quarto,
estavam seu tio Matthew, Abigail e os três filhos do casal. No dia seguinte,
teriam o grande almoço do “Dia de Ação de Graças”. A família toda iria
reunir-se em sua casa, um total de trinta e uma pessoas. Seria recorde para
essa festividade.
- Harold, atende a porta pra mim? pediu a mãe, dirigindo-se ao
marido, já que ninguém lhe dera atenção da primeira vez.
Selena dirigiu-se a um canto do corredor onde havia um cômodo
pequeno e enfiou-se ali. Assim estaria fora da vista de quem estivesse
chegando. No carimbo do envelope estava escrito, “Edimburgo”. Abriu-o
lentamente e desdobrou o papel fino. No alto da folha, Paul escrevera, com
aquela sua letra grande, em tinta preta, uma pequena poesia.

Quando chove, o mundo todo


Parece ficar sombrio.
Minha alma está silenciosa.
Pego a caneta e componho
Uma cantiga especial para você.
Selena respirou fundo e leu o poema de novo. Fechou os olhos, como
que sonhando. Com um movimento rápido, inclinou a cabeça para trás e
bateu-a na parede com um pouco de força. Antes que percebesse o que
estava acontecendo, o globo da velha luminária que havia no teto se soltou e
caiu. Bateu no carpete com um ruído surdo e partiu-se em dois. A garota
pegou os pedaços, tentou ajuntá-los e colocá-los de volta no lugar. Não
conseguiu. Eles simplesmente não paravam juntos.
Lá de baixo, vinham as vozes da Tia Emma, do Tio Jack, e de
Amanda e Kayla, as filhas gêmeas. O pai os cumprimentava com seu
vozeirão.
- Oi, pessoal! Vamos entrando!
Logo em seguida, Selena ouviu a mãe chamando-a, gritando para
superar o barulho da porta.
- Selena, estou precisando de sua ajuda aqui!
- Já vou, replicou ela.
Dobrou a carta rapidamente, guardou-a no envelope e enfiou-o no
bolso de seu blusão de moletom.
- Volto já! sussurrou para a carta, dando-lhe uma batidinha de leve.
Assim que puder!
Pegou o globo quebrado e desceu apressadamente para cumprimentar
os parentes. Entregou os dois pedaços ao pai, dizendo:
- É da lâmpada que fica no fim do corredor. Bati na parede e ele caiu.
Desculpe, pai.
- Ponha lá na mesinha da entrada, respondeu ele, franzindo a testa.
Depois que eu consertar a porta do armário de louças, dou um jeito nele.
A garota seguiu para a cozinha atrás das visitas. Sua mãe, toda
ocupada preparando tortas de abóbora, cumprimentou-os sem os abraçar.
Os abraços ficariam para depois que ela colocasse as tortas no forno.
- Selena, abra o forno pra mim, pediu a mãe.
Ela procurara falar em tom calmo, mas a garota sabia que estava
exausta. Emma aproximou-se e cumprimentou-a com um beijinho no rosto.
- O combinado foi que você esperasse que nós chegássemos para
ajudá-la, Sharon, disse ela. De qualquer jeito, quero lhe agradecer por estar
fazendo tudo isso e aguentando essa agitação toda. Essa nova reunião da
família inteira é muito importante pra nós.
- Nós ficamos muito alegres de saber que todos vão poder vir, replicou
a mãe de Selena com voz meiga. Vai ser ótimo!
A garota teve vontade de fazer uma careta ao ouvir a palavra “ótimo”,
mas reprimiu-se a tempo. Tinha perfeita consciência de que a mãe não
achava nem um pouco agradável ter aquele trabalhão todo.
- Cadê a Vó May? indagou Emma, referindo-se à avó de Selena.
- Acho que está lá em cima, informou a mãe com uma torta em cada
mão.
A garota abriu o forno e ficou a segurar a portinhola, que estava solta
numa das pontas. Se a largasse, ela cairia para um lado. Na semana anterior,
o pai tentara consertá-la, mas ela bambeara de novo. Por isso, tinha de
firmá-la com a mão.
Selena já ia fechando a boca do “velho dragão” quando a mãe a
deteve.
- Espere aí! Terem mais duas.
- Selena, disse o pai, virando-se ligeiramente para a filha, vou
acomodar o Jack e a Emma aqui na saleta. Dê uma corridinha lá em cima e
avise para Vó May que eles chegaram.
A última coisa que a garota queria era ficar levando recadinho daqui
para acolá. Tinha de ler sua carta, aquela carta romântica e maravilhosa, que
estava guardadinha em seu bolso.
- Espere um pouquinho, interveio a mãe. Antes de ir lá e cima, vá dar
uma olhada nos meninos pra mim. Acho que ele estão no quintal. Mas faz
uma meia hora que não vejo sinal deles nem escuto nada. E não deixe o
Brutus entrar em casa, não, viu?
Selena deu um suspiro e, meio relutante, encaminhou-se para a porta
dos fundos. Bem na soleira, havia um grande monte de folhas amareladas.
Assim que ela abriu a portinhola de tela, elas esvoaçaram escada abaixo.
- Dilton! Kevin! gritou. Onde é que vocês estão?
Em resposta, só ouviu um “Uuuuf” de Brutus, o enorme cão da
família, que Wesley, seu irmão mais velho, chamava de “grandalhão
peludo”. A garota ficava feliz ao pensar que o irmão também viria passar o
final de semana em casa. Ele estava no terceiro ano da faculdade. Embora
estudasse em Corvallis, que ficava a apenas duas horas de viagem dali, viera
poucas vezes em casa depois que as aulas haviam começado. Dos quatro
irmãos de Selena, ele era o mais chegado a ela. Nos últimos dias, a garota
começara a suspeitar de que ele arranjara uma namorada. É que o irmão
havia dito ao pai que, no almoço do Dia de Ação de Graças, iria trazer uma
pessoa a mais. O Sr. Jensen nem pensara em indagar se era um homem ou
uma mulher.
Wesley se oferecera para passar pelo aeroporto e pegar Tânia, a única
irmã de Selena. Os dois e mais o convidado (ou convidada) misterioso
deveriam chegar depois de 9:00h da noite.
- Sinto muito, Brutus, disse ela, enfiando as mãos no bolso do blusão.
Seus dedos estavam gelados, mas assim que encostaram no envelope,
ela sentiu uma grande satisfação interior.
- Nos próximos dias, você está proibido de entrar em casa,
companheiro. Acho bom ir se acostumando com essa sua casinha aí.
A corrente que prendia o animal só ia até certo ponto do gramado. Ele
soltou um latido forte, como que reclamando de seu isolamento.
- É, eu sei, dialogou a garota. Está difícil, né? Está difícil pra todos
nós. Você precisava ver onde eu vou dormir. Eu e a Tânia vamos dormir no
chão, no quarto da Vó May, junto com Nicole, Tia Frida e Mary. Vai ficar
bem apertado. E ainda por cima, papai disse que a Tia Frida ronca.
O cachorro soltou um latido fraco, que ela interpretou como uma
exclamação de quem compreende. A garota sentiu um arrepio de frio. As
gotas geladas da chuva estavam caindo em seu cabelo louro e longo. A
umidade natural de Oregon, o lugar onde morava, deixava seu cabelo ainda
mais anelado do que de costume. Isso a irritava profundamente. Entretanto,
como ele era grosso e pesado, não chegava a ficar muito volumoso. A
maioria de suas amigas tinha o cabelo comprido e liso, mas elas viviam lhe
dizendo que adoravam o dela, que era bem encaracolado e rebelde.
Combinava com a personalidade dela, afirmavam. Selena, porém, trocaria
de cabelo com qualquer uma delas com prazer.
Puxou o capuz do blusão e cobriu a cabeça.
- Não fica na chuva, não, Brutus! continuou. Sabe do Dilton e do
Kevin?
Nesse momento, notou que a luz da oficina de seu pai estava acesa.
Antigamente aquele cômodo era todo preparado para as crianças brincarem.
Contudo Harold Jensen o transformara num cantinho de trabalho, colocando
ali sua banca e as ferramentas. Quem olhasse o barracão de fora pensaria
encontrar lá dentro menininhas vestidas com roupas de adulto, brincando de
“casinha”. Ao entrar, porém, veria uma coleção de ferragens, parecendo
uma pequena loja, com luz fluorescente e as paredes cheias de ganchos.
Selena esticou a perna para impedir que o cão saltasse sobre ela e saiu
correndo debaixo da chuva. já perto do barracão, gritou:
- Dilton! Kevin! Vocês estão ai?
Abriu a porta e avistou os dois irmãos, ambos com menos de dez anos,
empurrando o equipamento do pai para um canto do cômodo apertado.
Sobre a banca, estava uma pilha de cobertores.
- O que estão fazendo? Não me ouviram chamar?
- Nós vamos dormir aqui.
- Quem disse? indagou Selena automaticamente, levando as mãos aos
quadris, num tom de voz que lembrava a mãe.
- Não queremos dormir no quarto do papai com aqueles outros
meninos.
- Com James, Bob e Marshall? Qual é o problema? Eles são nossos
primos. Vocês vão gostar muito.
Os dois garotos se entreolharam meio duvidosos. Nesse instante,
Selena se lembrou de que eles não conheciam os outros muito bem, apesar
de serem primos. Quase não tinham contato com aqueles meninos. Sabia
como era a situação. Sentira o mesmo com relação a Nicole e Mary cinco
anos atrás, quando haviam passado o Natal juntas. Na época, as três garotas,
ainda na faixa dos onze e doze anos, tinham se desentendido muito. Haviam
brigado para escolher a cama em que cada uma iria ficar. Contudo, ao
término das festas de fim de ano, já estavam amigas. E o mais interessante
era que, naquela ocasião, elas iriam dormir em camas, e não no chão. Nesse
momento, Selena compreendeu como seus irmãos se sentiam. Achavam-se
em desvantagem em relação aos outros três garotos, que não conheciam
direito, e que ainda por cima tinham de tratar bem.
- Mas por que não esperam um pouco? Brinquem com eles primeiro e
podem até acabar gostando deles. Além disso, aqui vai ficar muito frio.
- Não tem importância, não. Nós pegamos todos os cobertores.
- É? E vocês acham que mamãe vai gostar disso? Ela vai precisar
deles para os convidados. Vamos lá. Vamos pra dentro. Mamãe e papai
estão esperando que a gente seja bem hospitaleiro.
- Que é isso? indagou Kevin.
- É tratar bem as visitas. Vamos. Peguem os cobertores.
A garota abriu a porta e fez um gesto para os irmãos para que eles
dessem uma corrida em direção a casa, por causa da chuva. Os dois
demoraram para pegar as cobertas. Mais pareciam refugiados de guerra indo
embora de sua pátria.
- Vamos, gente, falou Selena, pondo-se a correr à frente deles, debaixo
da garoa contínua. Assim vão molhar os cobertores.
Brutus saiu de sua casinha e veio ao encontro deles.
- Volta! berrou a garota para ele. E nem pense em pular em nós. Fique
em sua casa.
- Brutus, interveio Kevin, seja hospitaleiro. Pelo menos você vai
dormir na própria cama.
Selena abriu a porta dos fundos. Chutou as folhas amarelas, que a essa
altura estavam ensopadas, e gritou aos irmãos que viessem depressa.
Entraram na cozinha aquecida e cheia de aromas deliciosos. Assim que a
mãe os fitou e viu a pilha de cobertores, arregalou os olhos.
- O que vocês estão fazendo? perguntou. Essas cobertas molharam?
Selena, por que você deixou que eles pegassem isso?
- Eu... eles... principiou a garota.
A mãe passou a mão por um cobertor e imediatamente se virou para a
filha. Em tom irritado, disse:
- Vá lá no porão e coloque-os na secadora, em temperatura baixa. Tem
de ser bem baixa para não estragar os que são de lã. E ponha só dois de cada
vez. Meninos, vão trocar de roupa. Não quero vocês lá fora mais. Está
chovendo muito.
Selena pegou os cobertores com um gesto brusco e começou a descer
a escada batendo os pés com força. O porão estava frio e com cheiro de
mofo. Enquanto descia, ia resmungando:
“Procure os meninos, Selena! Vá dar uma olhada em sua avó, Selena!
Acenda o fogo! Varra a casa! Lave a roupa! Prepare o frango! Arrume o...”
E aqui teve de interromper sua exagerada lista de tarefas. É que
avistou o pai subindo a escada com o desentupidor na mão. A velha casa
onde moravam volta e meia apresentava problemas de encanamento.
- O banheiro de cima já está entupido, informou ele.
Ele também parecia estressado, como a esposa. Tinha o queixo tenso,
numa expressão de quem quisesse dizer:
“Sai da frente!”
Selena encolheu-se contra a parede, apertando junto ao peito a braçada
de cobertores, para lhe dar passagem. Evidentemente não era só ela que
estava com o “complexo de Cinderela” nesse dia. E quando se aproximou da
filha, Harold Jensen resmungou entre dentes:
- Este final de semana vai demorar para acabar!
Capítulo Dois

O que Selena mais queria era achar um cantinho silencioso para ler a
carta de Paul. Assim que pôs na secadora os dois primeiros cobertores,
recordou-se de que tinha de ir dar uma olhada na avó. Amava muito sua
avozinha, apesar de a senhora muitas vezes ficar meio confusa mentalmente.
Teria de esperar um pouco mais para ler as palavras do rapaz. Precisava
subir para verificar como Vó May estava.
Se todos nós, que não temos nada, estamos nos sentindo estressados,
pensou, como será que Vó May está se dando com toda essa agitação?
A imensa mansão vitoriana onde residiam, na verdade, pertencia à
avó. Ela morava ali desde que havia se casado. Todos os seus nove filhos
haviam nascido e se criado ali. O pai de Selena era o mais velho; Emma, a
mais nova. O segundo chamava-se Paul, e morrera na guerra do Vietnã. Os
outros todos estavam vivos, e três deles - Frida, Matthew e Emma - estariam
ali para o feriado do Dia de Ação de Graças.
Mais ou menos um ano atrás, a família de Selena viera morar com a
avó, que não estava mais podendo ficar sozinha. Sua condição mental
variava bastante. Às vezes se encontrava lúcida e tranquila. Em outras,
sofria confusões mentais, e a família tinha de vigiá-la constantemente para
evitar algum perigo.
A garota bateu de leve a porta da avó. Não ouvindo resposta disse:
- Vó May, posso entrar?
Abriu-a devagar e deu uma espiada lá dentro. A avó estava sentada,
dormindo na confortável cadeira de balanço que ficava perto da janela. Do
rádio, vinham os sons suaves de uma música clássica. Selena foi andando pé
ante pé, procurando não pisar nos colchonetes que se achavam espalhados
pelo chão. Pegou uma colcha em cima da cama e cobriu a avó.
A chuva tamborilava na vidraça das janelas, que datavam de 1915. A
garota puxou as persianas e fechou as pesadas cortinas. O quarto ficou mais
silencioso e protegido do frio. Virou-se e deu alguns passos para sair dali,
mas aí parou. Avistou suas roupas e outros objetos pessoais que se achavam
junto à parede, perto do colchonete em que iria dormir. A mãe mandara que
Selena e os irmãos arrumassem seus quartos com muito capricho. Depois,
deveriam tirar os pertences de que precisariam para o final de semana e
levá-los para o lugar onde ficariam. Tudo isso para não incomodar os
hóspedes que ficassem nos aposentos deles.
Junto com seus objetos estava um presente que ganhara em seu
aniversário, aliás, o de que mais gostava. Sem fazer barulho, foi até lá e
pegou-o. Era um porta-retratos com moldura de metal. Assim que tocou
nele, deu um sorriso. Aproximou-o do rosto e ficou a olhá-lo em meio à
semi-escuridão do quarto silencioso. Do rádio, vinha o som doce de um
violino e um violoncelo. Selena se pôs a contemplar a imagem da foto: Paul.
O rapaz estava vestido com uma roupa esportiva, de fazer caminhada.
O cenário era um ponto qualquer do planalto escocês. O vento atrapalhara
seu cabelo escuro, que caíra sobre a testa. O frio deixara seu rosto corado,
com um brilho saudável. Ao que parecia, ele estivera conversando no
momento em que virou o rosto para a pessoa que bateu a foto. Tinha-se a
impressão de que ele caíra na risada. Selena fitou os olhos. Ele erguera
ligeiramente uma das sobrancelhas. Os olhos azul-acinzentados quase
reluziam, parecendo espelhar os reflexos de algum lago tranquilo que
houvesse ali perto.
Paul estava de pé sobre uma ponta de penhasco, e a paisagem ao
fundo perdia-se de vista. Era um cenário tremendamente romântico: um céu
muito azul e colinas verdes de aparência aveludada, pontilhadas de touceiras
de florzinhas rosadas.
Para ela, aquilo não era apenas um retrato, uma simples foto. O que
tinha nas mãos naquele instante era uma janelinha uma moldura de metal
reluzente. Por ela, Selena, de seu cantinho do mundo, avistava toda a vida
de Paul.
Desde junho, quando o rapaz viajara para a Escócia, onde fora estudar
e morar com a avó que enviuvara recentemente, Selena ficara a se indagar
como seria a vida dele ali. A garota começara a orar por ele - que se tornara
uma pessoa muito importante para ela - desde Janeiro. Ela o conhecera por
acaso, nessa ocasião, no Aeroporto de Heathrow, em Londres.
Depois, Tânia, sua irmã, se mudara para a Califórnia e começara a
namorar o Jeremy, irmão de Paul. Assim os caminhos de Selena e Paul
voltaram a se cruzar. Mais tarde, na escola, ela recebera a tarefa de prestar
serviço voluntário na Highland House, uma instituição que dava abrigo para
os “sem-teto”. Ali descobriu que o diretor da casa era um tio de Paul, de
nome Mac. O próprio rapaz estava trabalhando lá na época em que Selena ia
ali.
Entretanto, apesar de todas essas ligações com ela e dessas
coincidências estranhas, ele não demonstrara nenhum interece por Selena.
Aliás, certa vez tinham ido a uma encantadora lanchonete chamada Carla’s
Café, no centro de Portland. Naquela noite, ele perguntara a Selena se era
verdade que ela estava curtindo uma paixãozinha por ele. Isso a deixou
muito sem graça.
E, ao que parecia, ele ficara espantado com a resposta dela. A garota
dissera que achava que, quando Deus colocava duas pessoas em contato, ele
sempre tinha um objetivo definido em vista. Em seguida, explicou que
acreditava que os dois haviam se conhecido para que ela pudesse orar por
ele. E o fato era que ela, mesmo contra a vontade, por diversas vezes se vira
impulsionada a interceder pelo rapaz.
Contudo agora, depois de alguns meses que ele fora para a Escócia,
algo parecia haver mudado nele. Mais ou menos no final das férias, ele lhe
escrevera e pedira que passassem a se corresponder. Ela sugerira que se
escrevessem via e-mail, mas ele replicou que gostaria que o fizessem pela
“lesma-mail” mesmo, em vez do correio eletrônico. Queria que as cartas
demorassem a “viajar” de um país a outro, em vez de passarem
imediatamente de um lado do mundo para o outro.
Então fazia já várias semanas que estavam se correspondendo. Selena
escrevia para o rapaz todos os dias. Por vezes, era apenas um postal ou um
bilhete numa folha de caderno, escrito em plena aula. E ele também lhe
mandava cartas com freqüência. Ele lhe falava dos cursos que estava
fazendo. Contava sobre as pessoas com quem convivia. Relatava os ditos
engraçados de sua avó. E certa vez descreveu o pôr-do-sol visto através da
vidraça da casa dela. Paul costumava expor-lhe ainda o que lhe passava no
coração - seus sentimentos, as orações que fazia, os pensamentos que lhe
ocorriam quando estava sozinho. Em suma, ele abria o coração para Selena,
e a garota também fazia o mesmo.
Antes, quando queria “dar uma espiada” na vida de Paul, dispunha
apenas das palavras dele. Agora, porém, contava com uma “janela”.
Olhando aquele porta-retratos, ela não via apenas as colinas, as florzinhas
ou o blusão de couro que ele estivera usando no dia em que se conheceram.
Não. Via o rosto, os olhos e o sorriso do rapaz que tinha mexido com suas
emoções. Isso nunca havia acontecido antes, com nenhum outro; pelo
menos não da maneira como sucedera com Paul.
Passou os dedos de leve no vidro que estava sobre o retrato – a sua
“janela”. Um sorriso lhe veio aos lábios. Ainda se lembrava de como suas
mãos haviam tremido no dia em que sua mãe lhe entregara o pacote, com o
presente de Paul, na véspera de seu aniversário. Ali mesmo, na cozinha,
rasgara o envelope reforçado com plástico de bolhas. Em seguida, sob o
olhar da mãe e de Kevin, abrira o objeto. Estava embrulhado numa folha de
papel de seda e atado com um barbante. Recordou-se de que pusera o
barbante de lado, pensando que mais tarde iria fazer algo com ele. Junto
havia um cartãozinho com os dizeres:
“Parabéns, princesa dos lírios.”
Era como Paul a chamava.
Assim que o desembrulhou, Kevin indagou:
- Foi só isso que ele mandou? Um retrato?
Selena teve vontade de chorar quando fitou o rosto simpático do
rapaz. Se a mãe e o irmão não estivessem ali, com certeza teria dado um
beijo no vidro.
Agora, porém, estava no quarto da Vó May, envolta em silêncio. Lá
de baixo, da entrada, vinham as vozes de mais gente que chegava. O som
subiu até onde ela se encontrava. Selena levou aos lábios a ponta do dedo
indicador e a seguir tocou com ele o rosto de Paul, avermelhado pelo vento.
Lembrou-se de que ainda não lera as últimas palavras dele, guardadas no
bolso do blusão.
Sentou-se, com as pernas cruzadas a moda oriental, apoiou o porta-
retratos sobre elas e pegou a carta. Ajeitou-se melhor para ficar mais perto
da pequena lâmpada que havia sobre a mesinha-de-cabeceira da avó.
Desdobrou o papel e leu, movendo os lábios silenciosamente.

Quando chove, o mundo todo


Parece ficar sombrio.
Minha alma está silenciosa.
Pego a caneta e componho
Uma cantiga especial para você.

Selena, minha amiga.


Aqui é de noite e está chovendo. Deu para deduzir isso? Estou na
casa de minha avó. Li sua última carta no trem, quando estava vindo para
cá. Vou passar o final de semana aqui. Confesso que li tudo duas vezes, as
três páginas.
Concordo com o que você disse sobre sua irmã. Foi bom que ela
tivesse escrito para a mãe biológica, embora ainda não tenha recebido
resposta - mesmo que nunca receba.
Jeremy me mandou um e-mail na semana passada e contou que a
Tânia resolveu voltar a estudar. Ela já lhe falou isso? Ele está
aconselhando-a a fazer algumas disciplinas isoladas na faculdade.
Lembrei-me de você e das decisões que terá de tomar com relação
faculdade que vai cursor no ano que vem. Ainda me recordo de como foi
comigo, no terceiro ano do segundo grau, quando tive de ficar pensando no
que iria fazer. Que bom que você ficou sabendo da tal bolsa de estudos e
mandou sua inscrição a tempo. Acho que não terá nenhum problema para
conseguir essa bolsa ou qualquer outra que tentar. Não sabia que você era
uma aluna nota 10. Mas já devia ter percebido, pois parece ter resposta
para tudo.
Uma súbita batida na porta sobressaltou-a. Em seguida a porta se
abriu, antes que ela tivesse tempo de guardar a carta e recolocar o retrato
junto com seus pertences. Era Cody, um dos irmãos mais velhos de Selena.
Ele entrou seguido de Katrina, sua esposa, e de Tyler, o irrequieto filhinho
do casal.
- Ah, é a Tia Seli, disse ele para o garotinho, usando o apelido que o
menino criara para a tia.
Ele soltou a mão do filho, e este veio correndo em direção a ela, que
continuava sentada no chão, as pernas cruzadas. Selena dirigiu um olhar
apreensivo para a avó que dormia na cadeira de balanço. O rapaz seguiu o
olhar dela e logo se corrigiu.
- Oh, desculpe, disse em voz baixa, eu não sabia que Vó May estava
tirando um cochilo.
Antes que Selena tivesse tempo de levantar-se, o sobrinho veio
correndo e pulou no colo dela, batendo o calcanhar da botinha bem no vidro
do retrato de Paul.
- Tyler! exclamou a garota em tom de repreensão.
O garoto se afastou, sem entender a reação dela. Com o movimento, a
carta de Paul se agarrou na perna dele, rasgando-se.
- Tyler! gritou ela de novo.
- Selena! interveio Katrina, censurando-a.
A garota enfiou os pedaços da carta rapidamente no bolso, enquanto
com a outra mão segurava os dedos do sobrinho. O pequenino estendera o
braço para tocar o vidro quebrado.
-Não pegue nisso, disse. Vai cortar!
- O que foi ai? indagou Vó May, piscando e afastando a coberta.
- Nada não, vó, replicou Cody, achegando-se a ela e dando-lhe um
abraço.
Katrina aproximou-se de Selena e arrancou o menino bruscamente do
colo dela. Confuso e assustado, o pequenino se pôs a chorar. A mãe pegou-o
e foi em direção a porta.
- Desculpe! disse a garota, olhando para a cunhada que se afastava.
Percebera que a outra ficara com raiva. O garoto esperneava nos
braços da mãe, tentando se soltar.
- Quero a Tia Seli! dizia. Quero a Tia Seli!
Katrina não atendeu. Segurando firmemente o filho que continuava a
chorar, saiu do quarto fechando a porta. Os gritos dele foram se
distanciando pelo corredor. Enquanto isso, Cody procurava acalmar Vó
May, convencendo-a a deitar-se novamente. Em voz calma, explicou-lhe o
que ocorrera.
Selena sentiu o coração batendo forte. Como é que tanta coisa errada
tinha acontecido assim, tão depressa? Piscou para afastar as lágrimas e
olhou para o porta-retratos, com o vidro quebrado, que ainda estava em seu
colo. Pelo menos, ao que parecia, o vidro não cortara a foto nem sua roupa,
ou pelo menos era o que esperava.
Levantou-se e foi até a cesta de lixo, que ficava perto da porta.
Segurando a moldura, deixou os cacos caírem dentro dela. Aproximou a
foto do rosto para examiná-la mais de perto. Um pequeno fragmento do
vidro ficara agarrado a ela. Bateu de leve na parte de trás do objeto e o
caquinho caiu no lixo. Olhou o retrato novamente e mordeu o lábio inferior.
O fragmento deixara nele uma marquinha. Fizera um corte bem em cima do
coração de Paul.
Capítulo Três

- Ele não tinha a intenção de quebrar nada, Selena, disse Katrina em


voz firme.
As duas estavam conversando num cantinho da cozinha, enquanto os
outros familiares se serviam de uma sopa que a mãe da garota preparara.
Eram três papelões, que fervilhavam sobre o fogão. Todos já haviam
chegado, com exceção de Wesley e Tânia. O nível do barulho ali estava
insuportável. No aniversário de Selena, no sábado anterior, tinha estado ali o
mesmo número de pessoas. Contudo, naquele dia, ela não ficara tão irritada
com o rumor das vozes e as risadas, como se sentia agora.
- É, eu sei, replicou ela. O problema foi que ele me assustou. Fiquei
com receio de que cortasse o dedo.
- Obrigada, disse a cunhada. Vou lhe pagar pelo que ele quebrou. Foi
o quê? Um porta-retratos?
Selena fez que sim.
Precisa não, respondeu. A moldura não quebrou, não. É só o vidro, e
eu posso comprar outro.
A garota sorriu e a outra também.
- Cadê o Tyler? perguntou Selena.
- Está dormindo na cama do Kevin. Ele não dormiu na viagem pra cá,
como eu esperava. Então caiu no sono assim que parou de chorar.
- Vou dar uma espiada nele, disse a garota. Se ele acordar e não
souber onde está, pode ficar assustado.
Katrina acenou que sim.
- Obrigada, Selena. Quer que eu leve um prato de sopa para você lá?
- Não, mas você poderia verificar se alguém levou pra Vó May. Penso
que a deixamos um pouco nervosa, e papai achou melhor que ela ficasse no
quarto e jantasse lá mesmo, em vez de descer pra cá.
- Eu vou verificar, concordou a cunhada.
Selena sorriu e foi saindo, passando no meio do monte de gente. Subiu
para o andar de cima, que estava mais silencioso. Dirigiu-se ao armário que
havia no corredor e pegou uma lanterna de mão. Quando era pequena,
imaginava que aquele móvel era misterioso e que, se entrasse nele, sairia no
país de “Nárnia”. Hoje até que ela gostaria de fazer uma viagem àquele
mundo imaginário. Seria maravilhoso se pudesse tomar uma xícara de chá
com a “Sra. Beaver”.
Tyler dormia profundamente na cama de Kevin. Selena acomodou-se
num pufe que se achava no canto do quarto. Acendeu a lanterna, mas
manteve o foco de luz voltado para o chão. Retirou a carta rasgada de dentro
do bolso, decidida a ler o resto dela ainda naquela noite. Correu os olhos
pelo inicio até chegar ao ponto em que parara.

... Mas já devia ter percebido, pois parece ter resposta para tudo.
Quero dizer, no bom sentido. Sabe bem o que quer e entende a vida.
Gostaria de ter tido essa lucidez quando era da sua idade. Acho que Deus
permitiu que eu aprendesse pelo caminho mais difícil. Mas agora já
aprendi. Com toda sinceridade, posso dizer que nunca senti tanta paz de
espírito e nunca estive tão perto de Deus como agora. Isso e ótimo! Ou
como é que suas amigas diriam? É uma “coisa de Deus”? É, com certeza
isso é uma “coisa de Deus”.
Minha avó resolveu que vamos economizar no sistema de
aquecimento este ano. Eu já lhe disse que a casa dela é muito velha; não,
velhíssima. Então, quando chove e faz frio, fica tudo úmido e frio de
verdade. Eu agora ando cheio de roupas, mesmo dentro de casa. Visto umas
três mudas de roupa, uma por cima da outra, e ainda ponho uma suéter de
lã. Hoje, na hora do jantar, eu queria vestir meu blusão forrado de lã de
carneiro, mas minha avó disse que isso era um insulto e me bateu com uma
colher de pau. (Não doeu nada. Eu estava com tanta roupa...)
Então agora estou escrevendo no meu quarto, nessa “racionada”
casa escocesa. Estou com o blusão, e enrolado num cobertor de lã. Não
conte isto a minha avó, mas “roubei” uma das velas dela e trouxe para cá.
Entre um parágrafo e outro, paro e “descongelo” a mão nela.
Pronto, está quentinha de novo. Bom, o que eu estava dizendo? Ah,
sim, à noite está muito escura e chove forte. Os pingos de chuva batem na
janela, parecendo bandoleiros de faroeste gritando: “Queremos entar! Aqui
fora está muito frio. Aí dentro deve estar mais quente!” Mal sabem eles que
a temperatura aqui é a mesma de lá de fora. E aqui, ainda por cima, teriam
de enfrentar a vovó. Lá fora eles só tem de encarar o vento. Humm... acho
que talvez eu vá lá ficar com eles.
Que a paz de Cristo esteja com você, querida Selena.
Paul

Selena deu um suspiro profundo e apagou a lanterna. Todas as vezes


que acabava de ler uma carta de Paul, tinha a mesma sensação. Sentia uma
intensa satisfação, mas também uma terrível frustração. Era que a carta dele
acabara. O pouco “contacto” que tinha com ele chegara ao fim. Contudo
restava aquele maravilhoso contentamento. Será que ele sentia o mesmo
quando lia as cartas dela?
Sem fazer barulho, abriu um pouquinho a persiana às suas costas e
deu uma espiada para a chuva lá fora. Essa também estava como a que Paul
descrevera - bandoleiros de faroeste batendo na vidraça. Será que o rapaz
sabia que era um ótimo poeta? Resolveu que lhe diria isso na próxima carta
que mandasse. Aliás, iria começar a escrevê-la naquele momento.
Pisando de leve, foi até a mesinha de Dilton, seu irmão, abriu a gaveta
e pegou uma caneta e algumas folhas de papel. Voltou ao pufe, levando um
livro para nele apoiar o papel. Colocou a lanterna sobre o parapeito da
janela, com o facho de luz voltado para ela, de modo que não brilhasse
sobre Tyler. O garoto continuava dormindo tranquilamente. E então ela se
pôs a escrever.

Caro Poeta,
Você é poeta. Sabe disso, não é? Adorei o seu poema “Quando
chove”. E veio na hora certa porque aqui também está chovendo. Também
estou pensando em você. Lá embaixo tem um milhão de parentes nossos
que vieram para comemorar o Dia de Ação de Graças conosco amanhã.
Mas arranjei um lugar tranquilo, perto de uma janela, onde os bandoleiros,
os pingos de chuva, também estão batendo, querendo entrar. O mais
engraçado, porém, é que não parecem do faroeste. Têm sotaque escocês.
Foi você que os mandou para cá, para me atormentarem? Se foi, por que
não veio junto? Garanto que o deixaria entrar, e aqui dentro está mais
quente do que lá fora, na chuva e na escuridão.

E continuou escrevendo, enquanto Tyler dormia. Conseguiu encher


quatro páginas. Aí, a certa altura, a porta se abriu. A luz do corredor clareou
todo o aposento. Alguém entrou e acendeu a do quarto. Selena fechou um
pouco os olhos, procurando ver quem chegara. Tyler acordou e começou a
chorar.
- Ah, desculpe! disse um garoto. Era Caleb, um de seus primos.
- Minha mãe disse pra eu vir deixar minhas coisas aqui, continuou ele,
pois é aqui que vou dormir. Por que ele está chorando?
Caleb largou sua sacola de roupas no chão e se pôs a estalar as juntas,
nervoso.
- Tem problema não, respondeu Selena, indo para perto do sobrinho a
fim de tranquilizá-lo.
Contudo, assim que tocou no menino, sobressaltou-se.
- Oh, querido, disse, você está com febre.
Pôs a mão na testa do garotinho. Estava molhada de suor. O pequeno
chorou mais forte.
- Caleb, vá lá e diga pra Tia Katrina vir aqui imediatamente.
O garoto saiu correndo.
- Quer beber água, Tyler? indagou a garota.
- Quero mamãe!
- Ela vem já, benzinho. Espere, vamos tirar este agasalho.
O menino se debateu, resistindo, mas Selena não cedeu, sabendo que
ele iria se sentir melhor.
- Pronto. Agora vamos tirar a meia. é pra você ficar mais fresquinho.
Nesse momento, Katrina entrou apressada e logo assumiu o controle
da situação. Calmamente pediu a Selena que lhe trouxesse uma toalhinha
molhada e depois fosse procurar um antitérmico em sua frasqueira, no
banheiro. Quando a garota retornou, ela estava embalando o filho no colo.
Ele parara de chorar e chupava dois dedinhos. Assim que a garota entendeu
que fizera tudo que poderia, pegou os papéis e disse a cunhada que iria sair
dali.
- É o dever de casa? quis saber ela.
- Não, replicou Selena, sentindo o rosto avermelhar-se. É só uma
carta.
- Ah, exclamou Katrina, com um sorriso de quem entendeu tudo. Uma
hora dessas quero que você me fale sobre ele.
Selena fez que sim com um movimento de cabeça e em seguida saiu.
Pouca gente sabia a respeito de Paul e de seu relacionamento com ele. Cris
era uma. Mandara alguns e-mails para essa amiga, pedindo-lhe sua opinião
em algumas questões. Também falara um pouquinho sobre ele com a Vicki,
sua melhor amiga. E Tânia, obviamente, tinha conhecimento de que ela
mantinha essa correspondência com o irmão do Jeremy. Mas era só. Sua
relação com ele não era como um namoro, em que o rapaz vem à sua casa
dia sim, dia não. Na verdade, a amizade deles se resumia apenas numa troca
de cartas, que vez por outra lhe chegavam. E geralmente era ela que pegava
toda a correspondência na caixa do correio. Assim o resto da família não
sabia bem da frequência com que o rapaz lhe escrevia.
Selena parou no corredor, sentindo-se meio perdida. Não sabia para
onde deveria ir. Talvez não devesse ir ao seu quarto guardar a carta. Alguém
poderia estar lá, tentando dormir. No da Vó May, além desta, poderia haver
outras pessoas. Então não dava para ir para lá. Afinal concluiu que o melhor
a fazer seria guardá-la na sua mochila, que estava pendurada num cabide, no
andar de baixo. Dobrou as finas folhas de papel e enfiou-as de volta no
bolso do moletom. Em seguida, desceu. O barulho aumentava a cada degrau
que pisava. Assim que chegou próximo à porta da entrada, esta se abriu e
Wesley e Tânia : entraram.
- Oi! gritou o irmão, saudando-a, a voz possante muito parecida com a
do pai.
Selena abraçou-o e logo olhou por cima do ombro dele para ver se a
nova namorada viera também. Viu apenas Tânia, sacudindo as gotas de
chuva do agasalho e alisando o longo cabelo. Na última vez em que estivera
com a irmã, o cabelo dela estava tingido num tom castanho-avermelhado.
Hoje estava louro-platinado, bem mais claro que a cor natural dele. Também
cortara uma franjinha comprida, meio repicada. Parecia outra pessoa.
- Puxa! exclamou a recém-chegada, tirando o casaco antes de acabar
de entrar. Aqui, quando chove, chove mesmo. Que noite!
- Você ainda não viu nem a metade, murmurou Selena no ouvido dela
enquanto a abraçava.
Para sua surpresa, a irmã lhe deu um beijinho no rosto. Isso também
era novidade. Tânia nunca fora muito de tomar a iniciativa em gestos
afetivos. Dessa vez, porém, prolongou um pouco mais o abraço em Selena e
cochichou-lhe:
- Tenho algo pra lhe contar, mas você tem de prometer que não vai
dizer a ninguém.
A garota afastou-se para olhá-la direto no rosto. É, sua irmã estava
mesmo diferente! Tânia ergueu uma sobrancelha e ficou esperando que a
outra respondesse.
- Prometo, disse ela em voz bem baixa, para que nem Wesley ouvisse
em meio ao rumor das vozes que vinham da cozinha e da sala.
- Tânia! Wesley! exclamou o Tio Jack aparecendo ali
Em seguida, virou-se ligeiramente para trás e gritou para os outros
convidados que os últimos dois membros da família haviam acabado de
chegar. Em questão de instantes, o pessoal todo já estava ali, cercando-os.
Tânia logo se viu envolvida pelos abraços e a alegria geral. Contudo ainda
teve tempo de dar uma virada para a irmã e lhe dizer apenas com os lábios:
- Mais tarde!
Capítulo Quatro

Ninguém dormiu direito naquela noite, véspera de feriado. Tyler


continuava com febre e, vez por outra, acordava chorando. Caleb não
conseguia dormir no mesmo quarto que o garotinho, então levou seu
colchonete para o andar de baixo. Por volta de três da madrugada, o Tio
Jack foi à cozinha pegar um copo de leite e tropeçou no garoto. A certa
altura, Marshall teve de ir ao banheiro, e o vaso entupiu de novo, chegando
a transbordar. Assustado, o menino se pôs a berrar, chamando a mãe. O pai
de Selena se levantou e foi lá para socorrê-lo. Não adiantou. A casa toda já
havia acordado com o barulho, menos Vó May, ainda bem. Entre meia-noite
e duas da madrugada, a idosa senhora havia falado dormindo, acordando
todas as cinco que se achavam no quarto dela. A própria Selena ficara um
tempão desperta, preocupada com a avó. Receava que ela se levantasse e
tropeçasse nas pessoas que estavam ali deitadas.
Com tantos transtornos, mais a chuva incessante e os ventos
assobiando no telhado, à hora do café todo mundo estava de mau humor.
Cada um tinha um caso para contar sobre os acontecimentos noturnos.
Sharon Jensen acordara muito cedo. Aliás, a julgar pelas olheiras,
talvez nem tivesse dormido. Colocara o enorme peru no forno, ainda de
madrugada. E de manha já estava com pãezinhos e vários bules de café
sobre o balcão, para aplacar a fome daqueles famintos que vieram escada
abaixo. Um ponto em comum para todos os membros da família Jensen era
que gostavam de café forte e puro. Então a mãe de Selena preparou uma boa
quantidade da bebida, e a casa se encheu do delicioso aroma.
Afinal, a garota se cansou dos casos contados em torno da mesa e
resolveu preparar uma bandeja com café da manhã para a avó. Passou por
duas tias que insistiam com sua mãe para que as deixasse ajudar na
preparação do almoço. Foi ao armário e tirou dele uma xícara de porcelana e
um pires. Em seguida, preparou as torradas. Quando as colocava na bandeja,
junto com um copinho de suco de laranja, sua mãe tocou-lhe o braço e disse:
- Obrigada, filha. será que você pode ficar encarregada de ficar de
olho em sua avó hoje e amanhã? É só pra verificar se ela está se
alimentando direitinho, ‘tá bom? Acho que acabei me esquecendo dela.
- Claro, mãe. Pode deixar que eu cuido disso. Tem mais algum serviço
que você quer que eu faça?
- As vasilhas, quando puder. Acho que a lava-louças vai ter de
funcionar direto.
Selena não sabia por que, mas detestava lavar as vasilhas. Quando era
ela que tinha a iniciativa de fazê-lo, aquilo não a incomodava muito. Via
que estava ajudando a mãe sem ter sido mandada. Contudo, quando lhe
pediam que o fizesse, sentia uma forte revolta interior e ficava irritada.
Dessa vez não foi diferente. Entretanto reprimiu a emoção, firmando o
queixo, e deu um sorriso forçado para a mãe, que estava tão tensa. Entendeu
que aquele serviço era o mínimo que poderia fazer para ajudá-la, já que no
dia anterior fizera tão pouco.
Teve de caminhar atentamente até o quarto da avó. Conseguiu
atravessar sem acidentes o “campo minado” em que a casa se transformara,
cheia dos pertences dos hóspedes. Vó May já se levantara e estava
arrumando a cama. Parecia bem descansada e com a mente lúcida.
- Oh, Queridinha, você é muito boa comigo! exclamou.
Ela acabou de esticar a colcha e em seguida foi se sentar à mesinha
que havia no canto do quarto, que Harold Jensen lhe fizera. Achava-se perto
da janela, recoberta com uma toalha de estampado florido. Era ali que Vó
May fazia as refeições quando resolvia comer no quarto. Sobre ela estavam
também um saleiro e um pimenteiro antigos, no formato de um galo e uma
galinha, que durante muito tempo tinham ficado no balcão da cozinha.
Selena depositou a bandeja sobre a mesinha e perguntou se ela queria
que trouxesse mais alguma coisa.
- Não, não, replicou a avó. Está tudo ótimo. Você deve estar aflita
para ir conversar com suas primas. Não precisa ficar aqui, não.
Vó May pegou a xícara com mãos trêmulas e levou-a aos lábios.
Selena se deu conta de que, realmente, quase não conversara com os
parentes, já que, na noite anterior, preferira dar mais atenção ao Paul.
Contudo, pelo que sentia agora, o único parente com quem desejava papear
era Wesley. Queria lhe perguntar por que não trouxera o convidado que
dissera que iria trazer. Além disso, tinha vontade de falar com Tânia para
arrancar dela o “grande segredo”. Durante a noite, ficara a imaginar o que
seria essa notícia que a irmã tinha para lhe dar. Elaborara uma imensa lista
de possibilidades. Afinal, porém, acabara reduzindo-as a quatro: Tânia
voltaria a estudar, como Paul dissera; recebera alguma resposta de sua mãe
biológica; ficara noiva de Jeremy ou arranjara um excelente trabalho. Tânia
era modelo, mas nem todo serviço que lhe aparecia era do seu agrado. Um
de que ela não gostara, por exemplo, fora umas fotos com roupas e
acessórios no estilo “faroeste”, em que tivera de ficar ouvindo música
country o dia inteiro. Ademais, em alguns deles o pagamento não era lá
grande coisa.
Numa das vezes em que Selena perdera o sono durante a noite,
pensara em ir conversar com a irmã. Contudo as outras que dormiam no
mesmo quarto iriam ouvi-las. Outro problema era que Tânia não era muito
de bater papo à noite.
E antes que Selena se desse conta do fato, a manhã acabara. Primeiro
descera para a cozinha a fim de ajudar um pouco a mãe. Depois subira para
levar algo para cima. Depois descera de novo. E assim fora.
Por volta de 2:00h, a turma toda se reunia na sala de jantar e nos
cômodos adjacentes, onde estavam armadas algumas mesas extras. No
centro da mesa principal, estava o peru assado*, belamente tostado. A chuva
parara uma hora antes. Agora alguns preguiçosos raios do sol outonal
atravessavam espaços por entre as nuvens e as cortinas rendadas da janela.
Contudo apenas os mais corajosos conseguiam chegar ao seu destino,
pondo-se a dançar sobre a melhor toalha de linho branco que pertencia à Vó
May. E pareciam bailar de alegria entre as tigelas de molho e de purê de
batatas.
___________________
*O Dia de Ação de Graças, observado na quarta quinta-feira de novembro, é o
feriado mais tradicional dos Estados Unidos e remonta a época da colonização. É
comemorado com um almoço em família, sempre com o mesmo cardápio: peru assado
(servido com um recheio especial), purê de batatas, molho branco, creme de cranberry
(uma frutinha típica dos Estados Unidos) e torta de abóbora moranga de sobremesa. (N.
da T.)

Todos ficaram de pé e deram as mãos. Tyler, que já recuperara o bom


humor, fez questão de ficar perto de Tia Seli e segurar na dela. Katrina
havia explicado que a causa da febre e da inquietação dele de noite fora um
dente molar que rompera no dia anterior. Selena não entendia como as mães
conseguiam descobrir esses fatos.
Vó May achava-se à cabeceira da mesa, sorrindo contente e parecendo
maravilhada de ver tantos familiares ali juntos. Os alegres raios de Sol, ao
que parecia, tinham acabado encontrando nos cabelos dela seu refúgio final.
E ali ficaram. Selena sorriu consigo mesma, ao olhar para a avó, de pé e
bem aprumada, sem saber que sobre sua cabeça havia um belíssimo halo.
Afinal todos silenciaram e Vó May pronunciou uma bênção sobre toda
a família.
- Que Deus continue a derramar sua graça e misericórdia sobre nossa
família. Que possamos viver todos os dias para ele e, com o coração cheio
de amor. E que nunca nos esqueçamos de ser gratos ao Senhor.
- Amém! respondeu um dos homens.
- Harold, continuou a avó, virando-se para o pai de Selena, quer fazer
o favor de orar, dando graças ao Pai celeste?
- Claro, replicou ele. Vamos orar.
Todos inclinaram a cabeça e ele se pôs a fazer uma oração eloqüente e
prolongada. A família Jensen tinha muitos motivos para dar graças a Deus.
Selena estava ao lado de sua mãe, próximo da porta da cozinha. O pai
continuava a orar. De repente, ela sentiu um cheiro de queimado. Durante o
dia, diversos tipos de aroma haviam “percorrido” a casa. Mas esse era
diferente; e nem um pouco agradável. A garota soltou a mão do sobrinho e
foi à cozinha. Olhou para o fogão. Todas as trempes estavam apagadas.
Virou-se para o forno e foi então que notou pequenos filetes de fumaça
escapando dele.
Agarrou um pegador de panela e abriu-o. Dentro havia uma assadeira
com batata-doce. No mesmo instante, algumas chamas saltaram de dentro
dele em direção a ela, buscando mais oxigênio para queimar. Ela soltou um
grito e instintivamente cobriu o rosto com o braço para se proteger do fogo.
A mãe veio correndo no mesmo instante e deu um chute na tampa do forno
para fechá-lo. As chamas continuaram, atingindo o armário que ficava logo
acima do fogão. Ali, ela guardava diversas vasilhas de mantimentos que não
cabiam na despensa. Imediatamente o cheiro de plástico derretido encheu o
ar. Nesse momento, Selena percebeu que a manga de sua suéter estava
queimando e arrancou-a do corpo. Examinou a camiseta que usava por
baixo e viu que o fogo não a atingira.
- Fogo, pessoal! gritou Sharon Jensen. Saiam todos!
Foi uma correria geral. Selena sentiu sua mãe empurrando-a para sair
dali, pelos fundos. Seu pai apareceu à porta e gritou:
- Onde está o extintor?
- No porão, respondeu a mãe.
A garota pensou em ir ela própria buscá-lo, mas alguém a empurrou
para a porta de trás. Todos falavam ou gritavam ao mesmo tempo. Assim
que saíram para o quintal, Brutus veio correndo de sua casinha e se pôs a
latir desesperadamente.
Wesley estava atrás de Selena. Ela viu que ele estava contando as
pessoas. Alguns haviam escapado pela porta da frente. Dois dos garotos
mais novos deram a volta em torno da casa e pareceram no quintal.
- Os bombeiros vão vir aqui? indagavam sem parar.
- Selena, disse Wesley, corra ali na casa do Sr. Smith e ligue para o
Corpo de Bombeiros.
- Nós vamos com você, disse um dos meninos.
A garota não esperou. Saiu correndo. Ela já passara por essa situação
antes. Meses atrás, quando estava na casa dos tios de Cris, na Califórnia,
uma churrasqueira a gás explodira, e o tio da amiga ficara queimado. Ali
também fora ela quem fizera a ligação para o socorro. O fato de já ter vivido
aquela experiência serviu para que ficasse com a cabeça bem calma. O Sr.
Smith abriu a porta antes mesmo de Selena chegar a ela.
- Que barulho foi aquele? indagou.
- Fogo, disse ela, correndo para o telefone e discando o número da
emergência.
Respirou fundo, esperando que atendessem, e em seguida deu
calmamente todas as informações necessárias. Menos cinco de minutos
depois, os bombeiros chegavam. Logo mandaram que todos os presentes
fossem para o outro lado da rua. Cada um tinha a própria explicação sobre o
incêndio. E Selena relatou de novo como percebera o fogo. Correu os olhos
pelo grupo e deu um suspiro de alívio ao ver que Vó May estava ali. Ela
parecia bastante abalada, mas Emma estava com o braços nos ombros da
mãe.
- Uns marshmallows que estavam assando pegaram fogo, explicou Tia
Frida para uns vizinhos que tinham corrido para casa da família Jensen.
Sharon pôs a assadeira no forno, em fogo baixo, só para dourá-los um
pouco. Mas nos esquecemos e fomos almoçar. Aí meu irmão começou a
orar e fez uma oração muito comprida.
- Você está querendo dizer que foi culpa do meu pai? interveio Dilton,
aproximando-se da tia e das pessoas com quem ela conversava. Não foi
culpa dele, não. A casa é que é muito velha, e toda hora estraga alguma
coisa aí. Na certa, o forno está com algum defeito.
- Parece que apagaram o fogo, comentou Caleb. Será que a gente pode
ir lá, ver se eles quebraram a vidraça com a machadinha, como fazem nos
filmes?
- Vamos aguardar até que os bombeiros digam que a gente pode
entrar, replicou Tio Jack. Ou então que o Harold apareça e acene avisando
pra voltarmos.
Selena congelou. Onde estava seu pai? Será que fora ao porão pegar o
extintor? Ele não tinha ficado preso nas chamas tinha? Novamente correu os
olhos pelos presentes, que eram cada vez em maior número. Nem o pai nem
a mãe estavam ali.
Capítulo Cinco

- Wesley, cadê papai e mamãe? gritou ela, agarrando o braço do


irmão.
A chuva recomeçara, e ela estava tremendo de frio, pois usava apenas
a camiseta. Tinha deixado a suéter na cozinha.
- Achei que eles estavam aqui, respondeu o rapaz, correndo os olhos
pelo pessoal.
- Eu não os vi, disse Selena. E se eles tiverem ido para o porão e os
bombeiros não souberem que estão presos lá embaixo?
- Gente, fiquem todos aqui, ordenou Wesley, pegando a irmã pela mão
e atravessando a rua debaixo de chuva.
No momento em que chegaram ao outro lado, um dos bombeiros
apareceu a porta e fez um aceno para o povo, indicando que poderiam
voltar.
- Onde estão meus pais? indagou a garota. Tudo bem com eles?
- Tudo bem, claro. Graças a eles a casa não se incendiou.
- Pelo menos, a maior parte dela está intacta. Seu pai conseguiu apagar
o fogo com o extintor. O único serviço que fizemos aqui foi procurar pontos
críticos. Mas tudo está bem. Parece que vocês vão poder ter o almoço de
Ação de Graças, finalmente, só que sem as batatas-doces. E o peru hoje será
“defumado”.
Alguns dos familiares que estavam próximos e ouviram o comentário
dele deram risadinhas. Selena, porém, achou que fora uma piada de muito
mau gosto.
Mais ou menos uma hora depois, a família estava se sentando à mesa
de novo. Todos tinham querido ir ver pessoalmente os estragos deixados
pelo fogo. O forno não prestava mais, e os armários acima dele haviam
ficado bem danificados. Contudo o fogo não atingira mais nada, um fato
espantoso, na opinião geral.
O pior de tudo era o cheiro. O odor de fumaça impreganau tudo. As
portas e janelas estavam todas abertas para arejar a ambiente. Por isso, o
sistema de aquecimento estava ligado no último grau. Ainda assim, alguns
dos presentes tinham vestido agasalho. Selena riu consigo mesma. Paul iria
se sentir bem em casa ali. Não via a hora de pegar sua carta e acrescentar
um longo PS.
Harold Jensen orou de novo. Dessa vez, fez uma oração mais curta,
em tom de humildade. Quando encerrou, todos disseram “Amém”,
concordando. É que compreenderam que tinham mais um motivo para dar
graças a Deus.
O alimento foi servido como estava, frio mesmo. Sharon Jensen falara
em colocar tudo no microondas, prato a prato, mas os outros a convenceram
de que estava bom daquele jeito. Conforme a tradição, o pai de Selena foi
fatiando o peru e passando aos outros. Em seguida, começaram a comer
silenciosamente. Alguns se entreolhavam, esperando que alguém dissesse
algo. Afinal a mãe de Selena não aguentou mais. Largou o garfo e disse:
- Isto está horrível. Tem gosto de fumaça!
Sua voz saiu meio sufocada, misturada a lágrimas. Em seguida,
porém, ela soltou uma risada nervosa. Isso serviu para desfazer a tensão,
pois todos se puseram a rir e a fazer piadas sobre a comida, acompanhando a
dona da casa. No fim, ninguém.comeu nada, a não ser as azeitonas. Por
alguma razão, elas não haviam ficado com sabor “defumado”. Tiveram de
jogar todo o almoço na lata de lixo. Normalmente, eles iriam guardar os
restos do peru para depois fazerem sanduíches com ele.
A única parte da refeição que estava “comível” eram as tortas de
abóbora. É que, assim que a mãe de Selena as fizera, ela as havia guardado
numa caixa de isopor, no porão. Na cozinha não havia espaço para mais
nada. No momento em que ela começou a servir a torta, a campainha da
porta tocou. Era uma vizinha que lhe trazia uma vasilha com a mesma
sobremesa.
- Esta torta sobrou lá em casa, explicou, e achei que, como houve o
incêndio aqui, vocês iriam precisar de mais algumas.
- Obrigada, disse Sharon. Nós já íamos mesmo comer a sobremesa.
Contudo, antes que a cortassem, apareceu outra vizinha. Essa trouxe
uma bandeja com fatias de peru e duas tortas. A mãe de Selena agradeceu e
colocou-as ao lado das outras sete que já estavam no balcão da cozinha.
- Daqui a alguns anos, disse ela, partindo pedaços bem grandes, vamos
nos lembrar deste almoço de Ação de Graças, em que só comemos torta de
abóbora.
Terminado o “banquete” de tortas, ainda havia duas sobrando. As
mulheres se puseram a tirar a mesa. Nesse instante, a campainha tocou de
novo. Era ainda outra vizinha com uma tigela cheia de recheio de peru e
mais duas tortas.
- Lá em casa, explicou ela, comemos tanto peru que não conseguirmos
acabar com as tortas. Achei que talvez vocês pudessem aproveitá-las.
Selena ouviu o pai agradecer a mulher e depois levar a vasilha para o
balcão.
- Parece que, a cada torta que comemos, ganhamos mais uma,
comentou Wesley.
- E pensar que tive um trabalhão tremendo ontem para fazer todas
elas, disse a mãe, com outra crise de riso misturada com lágrimas.
Selena tinha pensado em dar uma fugidinha para o andar de cima e
escrever a Paul. Entretanto achou melhor ficar ali para ajudar a mãe, antes
que esta disparasse a chorar de fato. Foi para a pia e ficou a lavar as
vasilhas. Foram duas horas de serviço, com todo mundo lhe trazendo
panelas, assadeiras, etc. A cozinha toda estava cheirando a queimado e
precisava de uma boa limpeza. Parecia que as tias tinham prazer em ficar
procurando os objetos com odor de fumaça. E cada uma que encontrava um,
logo o entregava a Selena, dizendo:
- Hummm! Cheira este prato!
- Ei! Este castiçal está fedendo!
E a garota ia só lavando. Vez por outra, esvaziava a pia e em seguida a
enchia com mais agua e sabão, lavando mais coisas. Durante algum tempo,
a Tia Emma estava enxugando as vasilhas. Depois, a mãe de Selena assumiu
o posto. Uma hora mais tarde, foi Wesley quem veio da sala e assumiu a
tarefa, como se eles constituíssem um grupo de revezamento. Disse que o
pessoal lá estava querendo mais café, então a mãe foi fazer mais. O rapaz
pegou o pano de prato e se pôs a secar os copos que Selena estava
enfileirando num canto. Tia Frida afirmava que teriam de limpar todas as
prateleiras antes de recolocar nelas as vasilhas lavadas. Então os copos
ficariam ali mais algum tempo, aguardando que a tia terminasse de arrumá-
las. Em seguida, Tia Frida resolveu tirar também as cortinas para lavar.
Mary, prima de Selena, filha de Tia Frida, recebera a incumbência de
cuidar das paredes, armários e geladeira. Então a jovem muniu-se de uma
esponja para fazer o serviço. O problema era que a todo momento vinha
molhá-la na pia. Daí a pouco, a água estava imunda. Selena começou a ficar
irritada. Sabia que tinham mesmo de lavar tudo. Contudo Mary poderia usar
o detergente com esguichador, limpando em seguida com toalhas de papel,
como Sharon Jensen sugerira e Selena ficava repetindo. Por que a prima
insistia na esponja? Afinal Wesley interveio e sanou a dificuldade. Entregou
à prima uma tigela grande, com água e sabão e uma nova esponja.
- Achei que você ia trazer uma convidada hoje para o nosso almoço,
disse Selena ao irmão. Agora você deve estar feliz de não ter trazido, né?
- Convidada não, retrucou o rapaz. Convidei foi um rapaz, um
japonês, que nunca tinha ouvido falar sobre o nosso tradicional Dia de Ação
de Graças. Mas afinal ele preferiu ir ao almoço de um colega que mora lá
mesmo em Corvallis, em vez de passar todo o final de semana conosco. Ele
vai ficar chateado por ter perdido toda a agitação que tivemos por aqui.
- Ah! exclamou Selena. Pensei que você tinha arranjado uma
namorada e ia trazê-la aqui.
- Não, não. Eu não!
- Puxa, não tem nenhuma garota bonita lá na escola? Quis saber
Selena.
- Muitas, mas não a menina certa pra mim.
- E como seria essa menina certa? indagou Mary.
- Bom, tenho uma lista de pré-requisitos.
- Uma lista? continuou a prima. Tudo escrito direitinho?
O rapaz olhou-a e fez que sim.
- Você não tem? perguntou ele.
- Na cabeça, sim, mas escrito num papel, não.
- Então escreva, sugeriu Wesley. Assim você tem uma imagem mais
definida do tipo de pessoa que quer.
- E o que a gente deve escrever, por exemplo?
Mary era uma garota baixa, usava óculos e tinha nariz meio
arrebitado. Geralmente era tão calada que Selena se surpreendeu ao vê-la
cheia de interrogações para seu irmão.
- Você sabe. São as qualidades de caráter e de personalidade, boas
metas de vida... Mas não tem nenhum dado físico, como 1,65m de altura,
olhos azuis. Nada disso.
- Então me dê um exemplo de algo que conste de sua lista, pediu ela.
O rapaz pensou um instante.
- Bom, tem de ser crente e bem espiritual, alguém que busca o Senhor
e tem um relacionamento profundo com ele.
- O que mais?
Wesley olhou para a irmã e deu um sorriso brincalhão.
- Quero alguém que seja emocionalmente saudável, explicou. De
preferência, emocionalmente “virgem”.
- Como assim? indagou Mary, franzindo o nariz.
- Ah, uma moça que esteja guardando o coração para o rapaz certo.
Uma garota que não ficou se apaixonando por todo cara que conheceu,
desde que tinha doze anos. Quando chegar aos vinte e três, as emoções dela
já estão todas embaralhadas por causa dos namorados que teve.
- Ah, você está fora da realidade, replicou a garota abanando a cabeça.
Era um ano mais nova que Selena, mas tinha uma personalidade mais
madura e séria do que a da prima.
- Não existe mais ninguém assim, não, continuou. Principalmente
quem já está com vinte e três anos.
- Ahn, fez ele incrédulo, dando outro olhar significativo para a irmã.
Sei não! Tem menina de dezessete que consegue guardar bem o coração. A
gente pode ter esperança de encontrar algumas moças sensatas, que não
tenham uma pesada bagagem emocional e possam começar um
relacionamento sério.
- E você? Tem? falou Tia Emma, entrando na conversa. Você pode
dizer com toda sinceridade que não teve nenhum problema sentimental? Eu
me lembro bem de uma certa beldade que veio com você aqui num Natal,
quando estava com uns dezessete ou dezoito anos.
- Eu não disse que era emocionalmente virgem, replicou o rapaz,
virando-se e encostando-se no balcão da cozinha.
Ele apoiou a mão na parede, como se estivesse procurando firmeza
para aguentar o ataque verbal que iria receber em seguida, já que o aposento
estava cheio de mulheres.
- Isso é típico de homem! exclamou Tia Frida. Querem uma mulher
perfeita, mas eles não têm de ser, não.
- Eu não falei isso, defendeu-se Wesley. É apenas um ideal que tenho.
Mas aceito a realidade dos fatos.
- Aceita nada. Você está com vinte e três anos e ainda tem uma lista
de pré-requisitos, rebateu a tia.
Frida era a única divorciada da família. Dizia para todo mundo que, ao
se casar, estava totalmente despreparada para as realidades do casamento. É
que achava que a única questão com que tinha de se preocupar era se o
rapaz era crente. E durante dez minutos, continuou a discutir com o
sobrinho, dizendo que ele precisava assumir uma posição mais realista.
Afirmava que a Bíblia ensinava que os crentes têm de amar uns aos outros, e
os mais fortes ajudarem os mais fracos.
- Não há nenhum verso que diga que só podemos nos casar com
pessoas puras. Aliás, se você ainda não percebeu, não existe ninguém que se
encaixe nessa categoria. Todos nós somos falhos. Então, amar de verdade
implica ficar ao lado do outro e amá-lo independentemente de suas falhas,
haja o que houver.
Wesley não rebateu o argumento, mas levantou outra questões.
- E aquele verso de 1 Pedro que diz que temos de ter uma vida santa?
- Mas todos nós falhamos, insistiu Tia Frida. “Santo” significa
separado, não é? Pois é. Nós nos tornamos “separados” quando entregamos
a vida pra Jesus. É ele que nos torna “santos”. Isso não tem nada a ver com
bagagem emocional.
- Pois eu acho que tem, replicou Wesley. A gente está sempre
tomando decisões, todos os dias. E assim vamos guardando tudo no
“armazém” do coração. O que estou dizendo é que quero encontrar uma
mulher que tenha poucas “caixas de explosivos” guardados no “armazém”
dela.
Mary deu uma risada, o que ajudou a desfazer um pouco a tensão que
se formara. Selena terminara de lavar a última vasilha e queria sair dali.
Estava sentindo calor por causa da água quente da pia. Estava um pouco
nervosa também, com receio de que Wesley a citasse como exemplo de
jovem que tinha um “armazém” vazio. Isso não era verdade. Ela já
“estocara” alguns “pesos” emocionais nos últimos meses. Inclusive já falara
com o irmão sobre alguns deles, como, por exemplo, da Drake e Alex. E o
irmão nunca lhe dissera que via erros nesses relacionamentos.
A questão era que ele não sabia muito sobre uma outra caixa de
explosivos chamada “Paul”, que agora ocupava todo o espaço do
“armazém” dela. Pensara que o irmão havia compreendido o quanto esse
relacionamento era importante para ela. Na realidade, ele não poderia saber.
Fazia um bom tempo que ele não vinha em casa. Talvez nem soubesse que
estava se correspondendo com Paul.
Instantes depois, Selena deu um jeito de sair despercebidamente.
Pegou a mochila no cabide que se achava perto da porta de entrada e subiu
para o quarto de Vó May. Surpresa, constatou que não havia ninguém ali.
Apanhou a foto de Paul, que pusera embaixo do seu montinho de roupas.
Ele continuava a sorrir, embora estivesse com um “corte” bem a altura do
coração. Ficou a contemplá-lo por um bom tempo, desejando que ele
estivesse ali, naquele momento. Iriam sair e dar um longo passeio de mãos
dadas. Não importava se estivesse chovendo, nem se o vento soprasse as
folhas sujas e molhadas contra as pernas deles. Os dois estariam juntos, bem
juntinhos. E para ela era só isso que importava. Embora não pudesse segurar
na mão do rapaz, pelo menos tinha o retrato dele e suas cartas. E poderia
também mandar-lhe uma. E foi então que ali, sozinha, pegou uma folha de
papel de caderno e se pôs a escrever.
P.S. Provavelmente este é o P.S. mais longo que você ja recebeu.
Talvez seja o maior do mundo. Faz menos de vinte e quatro horas que
acabei de escrever esta carta, e já tenho outros fatos para lhe contar. Você
não ia acreditar no que aconteceu aqui.
Selena sorriu. Levou a caneta à boca e ficou a girá-la. De certa forma,
pensou, estava ali sozinha com Paul. Estava a sós com ele, embora a casa
estivesse cheia de hóspedes.
Capítulo Seis

- Está todo mundo ai? indagou Sharon Jensen, virando-se para trás.
Ela se achava ao volante da van. Nos outros bancos do veículo
estavam as mulheres da família, todas ajeitadas, com cinto de segurança e
tudo. lam para um evento que, na opinião de Selena, era mais do interesse
de sua mãe do que de qualquer uma das outras. Era sexta-feira à tarde. O
“encontro” da família Jensen já estava se encerrando. E sua mãe decidira
levar todas as parentes para tomarem chá num restaurante no centro de
Portland.
Selena fizera uma tentativa de ficar de fora do passeio. Todos haviam
dormido mal, novamente, e a garota pensara em tirar um cochilo. Teria de
trabalhar no sábado. O domingo era muito cheio de atividades, além dos
cultos da igreja. Então sexta seria o único dia em que poderia descansar no
“feriadão”. Era verdade que passara relativamente poucas horas em
companhia dos parentes. É que, sempre que podia, procurava um cantinho
solitário para escrever ao Paul; e estava apreciando muito esse isolamento.
Sabia que eram todos seus parentes e ela lhes devia atenção, mas, no
momento, não tinha o menor interesse neles.
A Vó May ia no primeiro banco, ao lado de Sharon. Selena e Tânia
estavam no último, junto com Tia Frida, que era meio gordinha. Esta se
inclinara para diante e conversava com Emma, que se achava no assento
imediatamente à frente delas. Mary e Nicole, as primas adolescentes,
estavam brincando de armar figuras com barbantes nos dedos, sob os
olhares de Amanda e Kayla, as gêmeas de sete anos.
- O que você queria me contar? cochichou Selena para a irmã,
aproximando-se mais dela para que ninguém as ouvisse. Queria lhe
perguntar ontem, mas não deu jeito.
Tânia penteara o cabelo para trás, num coque estiloso. Alguns fios
estavam meio espetados e fizeram cócegas no rosto de Selena quando esta
chegou os lábios perto do ouvido da outra.
- Resolvi voltar a estudar. Vou recomeçar em Janeiro, explicou Tânia.
- Ah, o Paul me disse mesmo que você estava pensando nisso.
A irmã fitou-a espantada.
- Quando foi que você conversou com ele? E como é que ele sabia?
- Foi o Jeremy quem lhe contou, claro. E eu não conversei com ele,
não. Ele me escreveu. Nós estamos nos correspondendo. E bastante!
concluiu, dando ênfase a essa última palavra.
Tânia entendeu a insinuação e fez uma expressão de agradável
surpresa.
- Oh, o Jeremy não me contou isso. Você e o Paul estão trocando e-
mails?
- Não.
- Não? Estão escrevendo com papel e tinta?
Selena fez que sim. O carro passou por um quebra-molas, quando
entravam na Ponte Hawthorne, e chegou ao coração da cidade, levando o
bando de mulheres, todas falando sem parar. Chovia copiosamente.
- Hummm! Que ótimo! exclamou Tânia. Eu não sabia vocês
estavam... bom... o quê? Namorando por correspondência?
Selena sorriu. Gostou do que a irmã dissera.
- É, acho que pode se dizer isso.
- E como é? Com que frequência escrevem um para o outro?
A garota deu de ombros.
- Sei não. Todos os dias. Dia sim, dia não. Ou até duas vezes por dia.
Tânia arregalou os olhos muito azuis.
- Ah, então isso está ficando muito serio, irmãzinha. Por que não me
contou? Por que será que o Jeremy não me disse nada? Será que o Paul
falou disso com ele?
- Não sei, replicou Selena.
De repente, a garota sentiu um aperto no estômago. Talvez Paul não
tivesse contado ao irmão por achar que sua correspondência com Selena não
era nada importante. E se ele pensasse assim? Era possível que só ela
achasse que o relacionamento deles era sério. Não era possível. O rapaz
tinha feito uma poesia para ela. Ficara em casa sozinho, numa sexta-feira à
noite, escrevendo para ela. Tentou recuperar a autoconfiança. Era claro que
a relação deles era importante para o Paul, assim como era para ela. Ele já
deixara isso bem claro por diversas vezes, não deixara?
- Talvez seja melhor você não comentar nada com o Jeremy, disse
Selena, resolvendo usar de cautela. Quero dizer, pode ser que o Paul prefira
contar ele mesmo. Se você disser, vai estragar a surpresa dele.
- É, mas ele estragou a minha, contando que vou para Reno! retrucou
a jovem.
- Para Reno? Como assim? Você disse que ia voltar a estudar.
- E vou. Na Universidade de Nevada, em Reno, explicou Tânia, com
uma expressão determinada no rosto.
- Mas por que justamente em Reno? E o Jeremy? Por que não estuda
em San Diego mesmo, já que é lá que você mora? Quero dizer, e o seu
trabalho de modelo? Afinal, você conhece alguém lá em Reno?
- Não; ainda não, explicou Tânia com ar meio enigmático.
- Não estou entendendo nada, disse Selena. O Jeremy também vai se
transferir pra lá?
- Não. Falta só um semestre pra ele terminar o curso. Vai se formar
em junho, como o Wesley. Ele acha que suporta passar esse último período
longe de mim. Acredita que suas notas talvez até melhorem.
- Já falou com mamãe e papai?
- Ainda não. Primeiro vou esperar chegar a carta da escola, pra saber
se me aprovaram. Pode ser que haja algum problema com meu histórico
escolar.*
___________________
*O ingresso nas universidades americanas e de alguns países não se dá por exame
vestibular, como no Brasil. O estudante pode se inscrever em qualquer faculdade. A admissão é
feita com base nas notas que o aluno obteve no segundo grau. Além disso, o curso é pago,
embora existam muitas ofertas de bolsas de estudos. (N. da T.)

- Ainda não entendi por que você quer ir estudar num lugar onde não
conhece ninguém; e vai pagar mais caro, já que é de outro estado.
- Talvez pague, talvez não.
Selena pensou em tentar extrair mais informações da irmã, mas nesse
momento a mãe achou uma vaga na rua e estacionou, desligando o carro.
- Pessoal, eu trouxe várias sombrinhas, disse ela, oferecendo às
convidadas o objeto mais importante para quem mora em Portland.
Selena olhou para fora, e a primeira imagem que viu foi uma vidraça
com a inscrição Carla’s Café, escrita em letras douradas, sob um toldo
listrado. Sorriu e cutucou a irmã.
- Você sabia que estávamos vindo pra cá? indagou. Foi aqui que você
nos trouxe, a mim e ao Paul, na véspera da viagem dele para a Escócia.
- Não. Não é aí que vamos tomar chá, não, replicou a jovem. É num
outro lugar que mamãe descobriu e que fica do outro lado do quarteirão. É
um hotel antigo. Eles têm um salão só para chás. Você não a ouviu falar
sobre isso hoje de manhã? E ali ainda usam alguns dos móveis utilizados no
dia da inauguração, no final do século XIX.
- É, acho que não escutei, não, comentou Selena, deslizando para o
outro lado do banco.
Saiu do carro, juntando-se ao grupo de mulheres que continuavam
conversando alegremente. Dirigiu um olhar saudoso para o café. Tinha
esperança de que algum dia ela e Paul pudessem voltar ali e se sentar perto
da janela da frente. Dessa vez, o diálogo deles seria diferente. O rapaz não
precisaria perguntar se ela tinha uma “paixonite” por ele. É que já saberia,
assim como Selena sabia, que o que sentiam um pelo outro não era uma
simples paixãozinha infantil.
- Selena, chamou Tânia, não vai, não?
As outras já haviam seguido e dobrado a esquina. A garota ficara
parada à frente do café, com a chuva molhando-lhe o cabelo. Não se
importava. Houve uma outra ocasião em que ela ficara mais molhada do que
estava agora. Fora em fevereiro. Estava seguindo para casa, a pé, levando
um buquê de lírios para a avó. Estava ensopada. Paul passara por ali de
carro com alguns amigos e a vira na calçada. Fora então que começara a
chamá-la de “princesa dos lírios”.
- Já vou, respondeu, ainda imersa em seu devaneio.
Não tinha o menor desejo de ir tomar chá com aquela turma de
parentes. Sua vontade era entrar no café e se sentar na mesa que ocupara da
outra vez, imaginando que Paul se encontrava do outro lado da mesa. Assim
poderia sonhar sobre o que iriam conversar. Ele iria estender o braço e pegar
a mão dela. Sorriria e diria:
“Que bom que finalmente estamos juntos, Selena! Estou tão feliz!”
Deu um suspiro no momento em que dobrava a esquina. Tânia se
achava três passos adiante dela, segurando a sombrinha bem baixa, para
proteger o cabelo. A mãe de Selena lhe pedira que se aprontasse com uma
roupa chique, mas não conseguira. Afinal pusera uma saia longa,
estampada, nas cores marrom e creme. Usava uma suéter branco-trigo.
Calçava as velhas botas de cowboy que tinham sido de seu pai e meias
grossas. Estava ciente de que a roupa não era clássica e elegante como a de
sua irmã. Contudo estava como gostava: confortável, simples e muito
original.
Agora só queria que a Tia Frida parasse de olhá-la com aquele ar de
desagrado. Aí tudo estaria perfeito. Poderia até “curtir” um pouco o chá, em
consideração à sua mãe.
O salão de chá do velho hotel era realmente muito encantador. As
mesinhas, que eram redondas, tinham quatro lugares. Do mesmo lado em
que se sentaram, havia um piano de meia cauda. Quando entraram e foram
ocupando seus lugares, o pianista tocava a música “Pour Elise”, de
Beethoven, uma das prediletas de Selena. Sentou-se à mesa em que estava
Vó May. As gêmeas ficaram com as outras duas cadeiras.
O garçom aproximou-se. Usava uma camisa branca social, um colete
preto, e tinha uma toalha no braço. Citou o nome de todos os bolos e
docinhos que estavam servindo naquela tarde e em seguida uma lista de
chás. Selena pediu o de marionberry, que era típico do Oregon. Foi servido
num bule de porcelana com um coadorzinho de prata, já que era um chá de
folhas, e não de saquinho. As meninas adoraram os detalhes decorativos. Os
torrões de açúcar estavam enfeitados. A vasilha de leite era pequena e
delicada. O chá era acompanhado de pequenos sanduíches cortados em
forma de estrela ou de coração. Havia também fatias de torta de abóbora,
em formato quadrado, com imensas “gotas” de chantilly.
- Não quero torta de abóbora, não, foi dizendo Amanda. Estou
enfarada disso.
- Eu também, ajuntou Kayla.
- Tudo bem, assentiu Selena. Se não quiserem a torta, não precisam
comê-la. Eu mesma estou meio enjoada dela também.
Aliás ela comera uma fatia de torta no café da manhã, e não fora a
única. Wesley e o pai também haviam comido.
Vó May participava do grupo animadamente, ouvindo com atenção
quando lhe dirigiam a palavra, mas nem sempre dando uma resposta. Selena
percebeu que a mente dela estava começando a “fugir” da realidade e
mergulhar no seu mundo de esquecimento.
- Este bolo de castanhas está delicioso, vó, disse a garota. A senhora
gostou?
Vó May deu um sorriso educado. Olhou para a neta como se não
soubesse quem ela era nem por que lhe dirigia a palavra. Contudo estava
comendo direitinho, o que Selena achou muito bom. É que, quando lhe
levara o café da manhã, ela se limitara a dar uma beliscadinha na torrada.
Nesse momento, a garota lhe serviu de um pouco do chá inglês.
- Quer mais açúcar? indagou, procurando fazer com que a senhora lhe
respondesse.
- Deixe eu por? pediu Amanda e logo se virou para a avó. Um torrão
ou dois, vó?
Percebia-se que aquele chá seria uma experiência inesquecível para as
duas meninas. Selena até se sentiu um pouco mais alegre de ter vindo,
podendo quase voltar a ser uma “garotinha” novamente.
- Só um, respondeu a avó, mexendo o chá com a colherinha, a mão
relativamente firme.
Instantes depois, as duas garotinhas se mostraram cansadas de ficar ali
paradas, embora as outras mulheres do grupo ainda não estivessem. Selena
sugeriu que fossem à loja de suvenires do hotel. Então, deixando Vó May
junto com Tânia e a mãe, elas foram: Selena com suas roupas comuns e as
gêmeas com seus vestidinhos de festa e laços de fita no cabelo. Cada uma
segurou uma das mãos da prima e saíram. Pareciam superfelizes com as
atenções especiais que estavam recebendo.
- Quando eu crescer, quero vestir roupas iguais às suas, comentou
Amanda. Você é muito “chic”, Selena.
- Eu também quero ser igualzinha a você, concordou Kayla. Quero ir à
Europa muitas vezes, que nem você.
- Mas eu não vou muitas vezes, corrigiu Selena.
- Minha mãe disse que vai. Ela falou que você foi duas vezes este ano
porque é uma garota de “espírito livre”.
- Kayla, interveio Amanda em tom de repreensão, do jeito que você
está falando parece que isso é errado.
- Não, insistiu a outra. Mamãe disse que antes de casar também tinha
“espírito livre”.
- A Tia Emma falou isso? perguntou Selena no momento em que
entravam na loja.
- Falou, replicaram as duas em uníssono.
- Sabe o que mais? A mãe de vocês é muito “chic”!
Kayla deu de ombros.
- É, mas não tão “chic” como você.
Selena e suas pequenas admiradoras puseram-se a percorrer a loja de
presentes do hotel, que de fato era uma graça. Viram uma mesa antiga,
sobre a qual estava uma coleção de bules de chá ingleses e vários outros
acessórios. A garota avistou uma lata de biscoitos, com uma estampa xadrez
tipicamente escocesa. Ficou feliz de ter enfiado vinte dólares na bota, que
por vezes lhe servia de bolsa, quando não queria carregar a mochila. Pensou
em comprar aqueles biscoitos, que comeria tomando chá e escrevendo para
o Paul.
Já terminara sua longa carta para ele. Depois acrescentou aquele P.S.
ainda mais comprido, que ela fora só esticando. Afinal, colocara dois selos
no envelope, pois parecia bem pesado, e o deixara na caixa do correio, para
que o carteiro o recolhesse.
- Olhe só estes kits de costura, disse Kayla, pegando um pano
preparado para ser bordado e mostrando-o a Selena.
Ele se achava numa cesta, no chão, junto com vários outros paninhos
que estavam marcados com cinqüenta por cento de desconto.
- Muito legal, replicou a garota, dando uma olhada rápida para ele.
O desenho mostrava a insígnia* de uma família nobre escocesa, e no
alto estava escrito “MacIver”.
___________________
*Insígnia de família: figura representativa de uma família da nobreza. (N da T.)

- Você gosta de bordar? perguntou para a prima.


- Gosto, disse a menina. Amanda, não. Mas este aqui é muito feio.
Deveriam fazer um desenho de flor ou planta...
Selena olhou de novo para o kit. A insígnia da família MacIver era
uma cabeça de javali dentro de um círculo. Fez uma caretinha para Kayla e
comentou:
- Ihhh! Quem ia querer bordar um negócio desses?
Voltou a examinar os bules e as xícaras de porcelana que eram muito
bonitos. Ficou a apreciar também as latas de biscoito e algumas colherinhas
de prata. A certa altura, viu uma latinha de chá escocês. Logo viu que ele
combinaria bem com os biscoitos que queria comprar. Pegou todos os
pertences para fazer o seu cházinho particular e foi andando em direção ao
caixa. No meio do caminho, porém, veio-lhe à mente o kit de bordado com a
insígnia da família “MacIver”, e parou.
- Kayla, disse, virando-se para a prima, naquela cesta com os kits de
bordado havia outros panos com insígnias?
A menina fez que sim. Selena voltou ali, abaixou-se e se pôs a
procurar algo. Se houvesse ali um kit com a insígnia da família Mackenzie,
iria comprá-lo. Assim estaria resolvido o problema do seu presente de Natal
para Paul. Iria bordar a insígnia e pôr numa moldura. O rapaz iria adorar.
Tomara que a figura não fosse um desenho feio como uma cabeça de javali.
Capítulo Sete

Selena correu as mãos pela cesta de kits à procura de um pacote com o


nome “MacKenzie”. Achou apenas um, bem no fundo. Pegou-o e
examinou-o mais de perto. A insígnia era uma montanha, com três colunas
de fogo acima dela. Por uma fração de segundo, lembrou-se das batatas-
doces e marshmallows queimados no forno, no dia anterior. Em volta da
montanha, estavam escritas umas palavras em latim: Lucero non uro.
- Que será que significa isso? murmurou ela, erguendo seu “achado”
com ar de triunfo.
A quantia que trouxera foi suficiente para comprar o pano de bordar,
os biscoitos e os acessórios para o chá. Contudo só lhe restaram sete
centavos.
- Ainda bem que aqui no Oregon eles não cobram imposto em todas as
compras, comentou com Amanda e Kayla, senão eu teria de lhes pedir
dinheiro emprestado.
- Por que você comprou isso? Vai bordá-lo? quis saber Amanda.
- Vou. É para dar de presente a uma pessoa muito querida. Está
palavra aqui é o sobrenome dela, explicou, tirando o kit da sacola de
compras. “MacKenzie”, leu ela, sentindo prazer em dizer a palavra.
- O que é isso aí? indagou a garotinha, apontando para a figura.
- Uma montanha com umas colunas de fogo, parece, explicou Selena.
Bem melhor do que uma cabeça de porco, né? comentou, dando um sorriso
para as duas meninas.
Elas riram. Selena estava gostando muito da companhia das
priminhas.
- Será que o resto do pessoal já está querendo ir embora? perguntou.
- Minha mãe, não, replicou Kayla. Ela sempre é a última que sai de
qualquer lugar. Sempre tem mais alguém com quem ela quer conversar.
- Isso acontece com quem tem espírito livre, explicou a garota.
Sempre tem mais alguém com quem queremos conversar.
Na verdade, a única pessoa com quem Selena desejava falar naquele
momento era Paul. Gostaria de poder preparar um chá completo para ele,
servindo-lhe dos seus biscoitos e do chá inglês. E a idéia ficou em sua
cabeça, acabando por se transformar em um plano.
E enquanto as mulheres da família Jensen corriam para a van, debaixo
de chuva, ela acabou de formular o plano. No Natal, iria mandar ao Paul
uma caixa com um chá todo montado. Colocaria tudo em caixinhas
numeradas pela ordem em que ele deveria abri-las. A primeira seria a do
chá. Contudo não seria um chá inglês nem escocês. Enviaria um chá do
estado de Oregon, talvez o de marionberry. Talvez fosse melhor mandar-lhe
café dali também, que era muito bom. Escreveria as instruções para ele fazer
tudo direitinho. Ele deveria coar o café ou no chá enquanto estivesse
abrindo os outros presentes. Em seguida, desembrulharia os comestíveis.
Seriam alimentos típicos da região também, como salmão defumado,
biscoitos de mel e geléia de amora.
E quanto mais pensava no que pretendia fazer, mais animada se sentia.
Ia ser muito legal. Poderia mandar uma carta bem longa dentro da caixa, e
por baixo de tudo estaria o bordado da insígnia. Que mais? Talvez um
retrato dela também. É! Seria perfeito! Assim Paul teria uma “janela” pela
qual poderia ver mundo de Selena e olhar para o rosto dela quando estivesse
lendo o que ela escrevera.
- Você nem está me escutando, disse Tânia, dando-lhe uma
cotovelada.
As duas estavam sentadas no último banco do carro, bem
apertadinhas.
- Que foi que você disse?
- Perguntei o que comprou na loja de suvenir.
- Ah, chá e biscoitos.
Não sabia bem por que, mas hesitava em mencionar para a irmã o
pano para bordar com a insígnia MacKenzie. Será que a outra acharia a idéia
boba? Jeremy também era da família MacKenzie. Será que a irmã iria dizer
que deveria ter comprado um para o namorado também? Na loja, só havia
um kit com o nome “MacKenzie”.
- Foi só?
- Bom, comprei outro objeto, mas creio que você vai achar muito
bobo. Se achar, não diga nada, viu?
- Por que eu iria dizer?
- Simplesmente não diga nada, ‘tá?
Selena tirou o kit da sacola de compras e mostrou-o à irmã, sem fazer
nenhum comentário.
- Vai bordar isso?
- Claro. Acho que não é muito difícil, não. Não vai ser um ótimo
presente de Natal para o Paul?
- Será que você acaba antes do Natal?
- Acabo, respondeu Selena, caindo na defensiva. Não é muito grande,
não.
- É, mas olha só estes pontinhos miúdos aqui. Eles não chamam isso
de ponto “Paris”? Eu nunca teria paciência de fazer um negócio desses.
Bom, pensou a garota, pelo menos não preciso ter medo de ela querer
dar o mesmo presente para o Jeremy.
- Tudo bem, continuou a irmã, sem qualquer emoção na voz. Divirta-
se! Se não der para terminar antes do Natal, pode mandar um porta-retratos
com sua foto.
- É, estou pensando em mandar isso também, explicou Selena.
Ficou se indagando se a mãe havia contado para Tânia que Paul lhe
enviara um retrato dele como presente de aniversário.
- É o que vou dar para o Jeremy. Tenho algumas fotos muito boas que
fiz com um certo fotógrafo; e vou aproveitar agora que estou aqui para
colocá-las em porta-retratos. A que ficar melhor, dou para o Jeremy e depois
mando outra pra mamãe e papai.
Selena achou que a idéia da irmã, de presentear os outros com fotos
feitas por um profissional, era bem diferente da sua. Seu pensamento era
bater um retrato no próprio quintal. Queria enviar ao rapaz uma “janelinha”
pela qual ele pudesse ver o mundo dela, e não um pôster para ele pregar na
parede.
Nesse momento, percebeu que havia algo escrito, em letrinha miúda,
atrás do pacote do pano para bordar. Aproximou-o do rosto para lê-lo.
- Olhe aqui, disse para a irmã, pondo-se a ler em voz alta para ela. “O
clã dos MacKenzie teve início com Colin, pai do Duque de Ross. Ele
faleceu em 1278, e seu filho Kenneth herdou o título.”
- Em 1278? indagou Tânia.
- É o que diz aqui.
- É impressionante como alguém hoje pode traçar sua linhagem até
uma data tão distante, né? Pelo menos aqueles que sabem de quem
descendem, disse a jovem, dando um suspiro.
Selena resolveu não responder nada. De vez em quando, Tânia ficava
meio chateada pelo fato de ser filha adotiva e de não saber acerca de sua
herança genética. Alguns meses antes, ela descobrira o paradeiro de sua mãe
biológica e escrevera para ela. Até o momento, porém, não recebera
resposta. Na ocasião, a jovem dissera que o que importava mesmo era que
havia escrito para a mãe. Contudo, agora, dava para perceber que se sentia
meio frustrada pelo silêncio da outra. Selena resolveu ler o resto da história
do clã dos MacKenzie.
- A insígnia desse clã é uma montanha em chamas, circundada pelos
dizeres Lucero non uro, que quer dizer ‘Eu brilho, não queimo’. A família
McKenzie tem também um distintivo com a figura da cabeça de um veado,
com o seguinte lema: ‘Cuidkh' n righ’, que significa: ‘Auxiliar do rei’. Na
língua gaélica, o nome MacKenzie é grafado assim: ‘MacCoinnich’.
- Selena, interrompeu Tânia em tom brusco, já entendi. MacKenzie é
um nome escocês. Tudo bem. Mas por que está tão preocupada com isso?
- Não estou, não, respondeu a garota. Pensei que você teria interesse
em saber a história da família do Jeremy.
- É, mas isso é sé do lado do pai dele, replicou a irmã. Ele é
descendente da família da mãe dele também, né? E o Paul também. Ah,
Selena, hoje em dia as famílias estão tão misturadas, que ninguém mais
pode dizer que é totalmente escocês, ou francês, ou seja lá o que for.
O jeito como ela disse isso foi tão agressivo que a garota decidiu
guardar o kit de bordado na sacola e mudar de assunto. Ficou com a
impressão de que Tânia achava que já que ela não sabia de quem era
descendente, ninguém mais deveria saber.
Contudo o desinteresse da irmã não abateu seu entusiasmo pelo
trabalhinho. Iria começar logo que chegassem em casa. E de fato, assim que
pôde, subiu para o quarto da avó e encontrou-a já deitada. Selena se
acomodou na poltrona que ficava perto da janela e pegou o kit. E, ouvindo
as gotas de chuva tamborilando na vidraça, entregou-se à tarefa, cantando
em voz baixa. Nunca havia feito um trabalho desses, mas sabia enfiar a
linha na agulha, não sabia? Então era só ler as instruções. O kit vinha com
tudo de que precisava. Não devia ser difícil.
No dia seguinte, sábado, foi trabalhar. No momento em que fez o
intervalo do café, pegou o bordado e deu uma adiantada nele. Queria fazer o
máximo que pudesse. No dia anterior, não pudera bordar muito. Seus pais a
tinham convencido de que precisava dar mais atenção aos hóspedes que
estavam de partida. Isso levou cerca de uma hora. Em seguida, haviam
começado a faxina geral na casa. Já passava das onze horas quando foi se
deitar. Pelo menos nessa noite já pôde dormir em sua cama. E o quarto,
graças à boa ajuda de Tânia, estava muito bem arrumado. Fazia meses que
não o via assim.
Selena trabalhava na confeitaria Mother Bear, famosa por seus
deliciosos pãezinhos de canela. Quando estava chovendo e fazendo frio, a
loja ficava lotada de clientes, que buscavam o calor de um café expresso
bem quente e uma quitanda açucarada. E como nesse dia a confeitaria estava
cheia, ela teve de fazer um intervalo mais curto. D. Amélia, a proprietária,
veio lhe pedir para ir depressa ao almoxarifado buscar um pacote de café.
Então teve de recolocar o bordado na mochila.
Só voltou a pegá-lo à noite. Resolveu afastar-se um pouco da família,
e foi para o quarto. E ali ficou tentando dar mais alguns pontinhos. Quando
voltara do trabalho, comprara outro porta-retratos e um vidro novo para
substituir o que se quebrara. Comprara também papel de embrulho de
presente e um filme. Se no dia seguinte a chuva parasse, iria arranjar alguém
para bater uma foto dela.
Entretanto a chuva continuou. Após o culto, o pai de Selena levou a
turma toda para almoçar fora. A garota estava morrendo de fome. Pela
manhã, antes de saírem para a igreja, ela comera apenas uma fatia de torta
de abóbora. Kevin e Wesley também haviam feito o mesmo. Agora eles só
tinham mais uma torta de resto.
Selena terminou de almoçar depressa e depois ficou sentada,
esperando os outros. Estava ansiosa para voltar ao bordado. Decidiu então
que dali em diante passaria a levá-lo consigo sempre que saísse. Assim
poderia ir trabalhando nele, enquanto os outros estivessem conversando à
mesa. Aliás, ela estava se sentindo muito aliviada de estar outra vez só com
o pessoal de casa - a mãe, o pai, Wesley, Tânia, Dilton, Kevin e Vó May.
Ainda era um bocado de gente, mas com eles se sentia à vontade.
Naquele momento, sua mãe falava sobre a possibilidade de fazerem
um passeio - irem esquiar - no Natal ou em um fim de semana prolongado
em Janeiro.
- Se formos em Janeiro, podemos ir a Tahoe, sugeriu Selena. Assim
ficaremos com a Tânia em Reno e não precisaremos pagar hospedagem.
- Em Reno? indagou a mãe. E por que a Tânia estaria em Reno?
Todos se viraram para Tânia, que estava dirigindo um olhar irado para
Selena. De repente a garota se lembrou de que a irmã ainda não falara com
os pais sobre o assunto. Fechou a boca com força, mordendo os lábios, e
estendeu a mão, tocando de leve no braço da irmã.
- Desculpe, falou. Esqueci.
A jovem ainda tinha uma expressão tensa.
- Recebeu alguma notícia da Lina? indagou a mãe, falando devagar.
Então que Selena compreendeu tudo. Lina Rasmussen, a mãe
biológica de Tânia, morava em Reno. Lecionava na universidade. E era só
isso que a jovem sabia a respeito dela.
- Não, replicou Tânia em voz baixa, respirando fundo com as narinas
dilatadas.
O pai, sentado ao lado da mãe, inclinou-se para a frente, franzindo um
pouco a testa.
- Quer nos dizer o que está acontecendo, querida? Indagou ele para a
filha.
Tânia virou o rosto para um lado momentaneamente, mas logo em
seguida voltou a encarar os familiares. Com expressão mais controlada, deu
uma olhada para todos. Parecia que colocara uma máscara no rosto, como se
estivesse posando para uma foto.
- Não tem muito o que contar, não, principiou ela. Eu me inscrevi na
Universidade de Nevada, em Reno, para fazer uns cursos lá, começando em
Janeiro. Ainda não me responderam nada, por isso eu só queria falar depois
que já estivesse tudo acertado.
- Isso é novidade para nós, disse o pai. Nesse tipo de decisão
importante, filha, seria melhor que você conversasse antes comigo e com
sua mãe.
- É, mas não tinha o que contar, insistiu a jovem.
- Pare com isso, Tânia, interveio Wesley, com seu jeitão de irmão
mais velho. Não fique querendo resolver essas questões sem nós. Todos
sabemos que você está procurando sua mãe biológica e tentando contatá-la;
e lhe damos todo apoio nisso. Agora parece que ela não lhe respondeu e
você está pensando em ir lá ou, pior ainda, matricular-se no curso dela. Isso
é uma decisão muito séria que você não deve tomar sem conversar conosco.
Tânia fitou-o com expressão de espanto.
- É isso que vocês estão pensando? Estão achando que vou pra lá com
a finalidade de procurar Lina ou algo assim? Não! Quero ir porque lá tem
um curso que me interessa. Nem acredito que estão todos contra mim!
Todos pareciam meio tensos. Selena começou a achar que ela era a
culpada do problema. Nesse momento, a garçonete se aproximou sorridente
e disse:
- E aí? Vão querer uma torta de abóbora de sobremesa?
- Não! respondeu a família em coro.
Capítulo Oito

Selena estava profundamente chateada. Sabia que Jeremy havia


convidado Tânia para ir passar o Dia de Ação de Graças com ele e sua
família, em San Diego. Contudo ela preferira vir para Portland, já que os
outros familiares também viriam. Além disso, seus pais haviam pagado a
passagem de avião para ela. Selena temia que agora a irmã estivesse
desejando ter ido a casa de Jeremy, ou então ter insistido com o namorado
para vir com ela. Assim ele poderia apoiá-la nessa decisão de ir estudar em
Reno. A jovem teria de tomar o avião para a Califórnia logo depois do
almoço. Então toda a família foi levá-la ao aeroporto. Calma e
tranquilamente, ela se despediu de um por um com o esperado abraço.
Contudo Selena percebia que havia certa frieza no ar; não mais aquela
alegria calorosa com que ela os abraçara na chegada.
- Desculpe-me, disse Selena para a irmã quando esta a abraçou. Por
favor, me perdoe.
Ela estava tentando se lembrar se Tânia lhe pedira que guardasse
segredo ou apenas deixara subentendido que não era para contar nada. Isso
agora não importava mais. A outra estava bem zangada com ela. Ainda iria
demorar um pouco para ela voltar às boas.
- Tudo bem; perdôo, replicou a jovem.
Entretanto, pelo tom amargo como falou, parecia mais estar querendo
dizer: “Você é terrível!"
Fazia um bom tempo que as duas não se desentendiam. Quando
Selena chegou em casa, Vicki ligou. Disse-lhe que ela e alguns amigos
iriam dar uma saída naquela noite. A garota até que gostaria de sair um
pouco, ficar longe da família, passar algumas horas com os amigos.
Contudo assumira o compromisso de trabalhar na Highland House naquela
noite. Essa missão havia criado um serviço de atendimento espiritual por
telefone para jovens. Ela se comprometera a colaborar, e não havia como
voltar atrás. Então teve de recusar o convite de Vicki. Na mesma hora,
começou a ter uma crise de autopiedade. Sabia que Ronny, Vicki e outros
colegas iriam sair para passar umas horas divertidas antes de recomeçarem
as aulas no dia seguinte. E ela iria ter uma atitude responsável e cumprir seu
dever. Era duro ter de agir assim.
Sua esperança era que talvez não recebessem muitas chamadas nessa
noite, e desse modo pudesse ficar o tempo todo bordando. E para aumentar a
tristeza, lembrou-se de que o dia já estava quase terminando e ainda não
tirara o retrato. Precisava cuidar disso o mais rápido possível. Amanhã
mesmo.
Quando chegou à Highland House, havia pouca gente ali. Estacionou
no pátio dos fundos e caminhou rapidamente até a secretaria. Encontrou o
diretor da casa, o Tio Mac, e uma jovem de uns vinte anos. Ambos falavam
ao telefone. Tio Mac fez-lhe sinal que fosse para o outro compartimento,
onde havia um aparelho. Fazia poucos meses que a missão tinha criado essa
nova forma de dar assistência espiritual, e os recursos ainda eram bem
limitados. Fora por isso que Selena se apresentara para auxiliar. Com o
tempo quase todo tomado pelos estudos e o trabalho, não lhe restava folga
para realizar outro serviço voluntário. Esse programa de aconselhamento
por telefone era a melhor maneira que encontrara de participar nos trabalhos
da Highland House.
Tirou o blusão e assentou-se no compartimento. Colocou sobre a
mesinha à sua frente a Bíblia, o bordado e as anotações que fizera no curso
de treinamento especial. Mal acabara de enfiar a linha na agulha e o telefone
tocou. Deu uma olhada para o lado e o Tio Mac lhe fez um aceno para que
atendesse, já que ele e a outra moça ainda estavam ocupados, conversando
com alguém. No segundo toque, ela pegou o fone.
- Linha Jovem da Highland House, disse. Selena falando.
Sentiu o coração bater forte. Apesar de ter recebido um bom
treinamento sobre como deveria agir ao atender um telefonema, sentiu-se
meio insegura. Como será que iria se sair nessa primeira experiência?
- Eu li um folheto de vocês, disse uma voz feminina do outro lado da
linha. Aquele que fala sobre pureza.
- Pois não, respondeu a garota.
Sabia do que se tratava. O folheto falava sobre pureza sexual, citando
textos bíblicos, e mencionava ainda as razões por que o jovem deveria se
abster do sexo antes do casamento.
- É, continuou a jovem, eu queria lhe fazer uma pergunta.
Pela voz dela, Selena percebeu que deveria ser mais ou menos da sua
idade. Esse era o ponto forte desse trabalho, na opinião do Tio Mac. Nessas
questões, um jovem tem mais facilidade para se abrir com alguém de sua
faixa etária do que com um adulto.
- Eu queria saber, falou a garota lentamente, quero dizer, concordo
com tudo que diz no folheto. Lá diz que a gente deve ser pura e guardar-se
para o casamento e tudo. Mas e se...
E aqui a voz dela falhou. Selena teve a impressão de que estava
chorando.
- Pode falar, disse em tom suave
- E se a gente não é pura mais? E se...
Outra vez a voz falhou. A moça estava soluçando.
- Tudo bem, disse Selena, correndo os dedos pelas anotações à
procura da página sobre “Pureza”.
- E se a gente quer ser assim... quer ser pura, falou a moça, mas é tarde
demais?
- Eu compreendo, respondeu a garota. Tudo bem.
- Eu só vou conversar mais alguns minutos, informou a outra jovem.
Você pode me dar alguma orientação?
Selena respirou fundo para reunir coragem.
- É, tem razão, falou em seguida. A gente só tem uma “primeira vez”.
Mas você pode começar de novo. Obviamente não pode ser fisicamente
pura, mas pode ser assim aos olhos de Deus. Quando você perdeu a
virgindade, provavelmente deve ter percebido que com ela se foi também
uma parte de seu coração. Ficou um vazio ali. Mas Deus providenciou um
meio pelo qual você pode preencher esse vazio. A Bíblia diz, em 1 João 1.9,
que “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar
os pecados e nos purificar de toda injustiça”.
Aqui ela ergueu a cabeça e procurou falar com a outra da maneira
mais natural possível.
- Isso significa, falando em nossa linguagem, que só temos de
reconhecer para Deus que erramos e que precisamos do perdão dele. Em
seguida, Deus faz a parte que lhe cabe, isto é, apaga tudo dos registros
celestes. Agindo assim, ele preenche os vazios que criamos em nossa vida
quando damos o coração para outra pessoa ou coisa, que não ele.
A moça não disse nada. Selena fixou os olhos na parede, onde estava
o quadro de avisos, e continuou falando com um tom bem carinhoso.
- Nosso lema aqui na Highland House é “Um lugar seguro para
recomeçar a vida”. É exatamente isso que Jesus lhe oferece. Ele lhe dá outra
chance de ser pura. Você pode até achar que não tem mais aquela pureza de
que falamos em nosso folheto, mas a verdade é que Deus a verá como uma
pessoa nova, imaculada.
Seu coração estava batendo depressa e ela continuou falando quase na
mesma rapidez.
- Se você quiser optar pela “segunda virgindade”, É só fazer o
propósito consigo mesma, com Deus e até com seu futuro marido, de nunca
mais praticar sexo com ninguém a não ser depois que se casar. Não aceite
algo que é inferior ao que Deus tem para você. O que ele tem reservado para
nós é sempre o melhor.
A outra permaneceu em silêncio. Selena ficou preocupada, achando
que ela havia desligado e que suas palavras tinham se evaporado no ar.
- Você acredita mesmo nisso? indagou a moça afinal.
- Claro! replicou a garota prontamente.
- Quero dizer, você estava lendo o que me falou ou crê mesmo no que
disse?
- Creio, sim, repetiu Selena em tom firme. Creio nisso porque tudo
que Deus diz é verdade. Se ele prometeu que vai nos purificar assim que lhe
pedirmos perdão, ele purifica sim. Tudo isso se baseia nas promessas dele
que estão em sua Palavra; não naquilo que sentimos.
- Bom, vou ter de desligar, disse a moça. Muito obrigada. Tenho de
pensar bastante em tudo que você falou.
- Pode ligar a hora que quiser.
Selena ouviu o estalido do fone no gancho e sentiu o coração
apertado. Gostaria que a outra tivesse dito:
“Muito obrigada! Era exatamente isso que eu precisava ouvir. Vou
orar agora mesmo e sei que minha vida vai melhorar.” Contudo ela não
disse. Apenas desligou o aparelho.
Duas horas depois, quando terminou seu turno ao telefone, ela
conversou com Tio Mac sobre o que estava sentindo. Recebera mais seis
chamadas e todas tinham sido mais ou menos iguais a primeira.
- Mas a primeira foi a mais difícil, explicou. Senti muita insegurança.
Quero dizer, eu sei tudo aqui e aqui, falou, apontando para a cabeça e para o
caderno de notas. E creio nessas palavras de todo o coração. Mas, quando a
gente está vivendo aquela situação, deve ser difícil enxergar esses fatos com
clareza.
Tio Mac fez um aceno concordando.
- é difícil, sim, falou. Nós, os seres humanos, somos muito complexos.
A questão é que não somos governados apenas pelo corpo e pela mente,
não. Temos também as emoções, que são muito complicadas, e esse bendito
e maldito livre-arbítrio que Deus nos deu. Todos os dias, o dia todo, estamos
tomando decisões a respeito do que queremos fazer.
- É, eu sei, mas e quando não foi a própria pessoa que tomou a
decisão? Qual será o caso da primeira moça que atendi? Ela só disse que
não era pura, como diz no folheto. Mas e se isso não foi decisão dela? Quero
dizer, e se ela foi estuprada, por exemplo? Eu expliquei pra ela que tem de
pedir perdão a Deus. Contudo existe a possibilidade de não ter sido por
culpa dela.
Tio Mac acenou com ar compreensivo.
- Bom, primeiro ela precisa saber que o erro não foi dela. Você lhe
passou aquele numero 0800, onde dão orientação para vítimas de abuso
sexual?
A garota mordeu o lábio, abanando a cabeça.
- Esqueci, replicou.
- Na próxima vez, você vai lembrar. A gente demora um pouco para
ficar com tudo na cabeça e saber o que deve dizer em cada situação. Não se
preocupe com isso agora. Não adianta nada. Você dispôs o coração para
falar com aquela moça. Agora é só confiar que Deus usou suas palavras para
tocar o coração dela; e orar para que ele a oriente sobre o que ela deve fazer
em seguida.
Selena deu um suspiro.
- É bem mais difícil do que pensei, falou. Cada situação é diferente
dão outra, não é?
- É, e cada pessoa também é diferente das outras. E é assim que Deus
nos vê: criados de um modo “assombrosamente maravilhoso”. E ele opera
em cada coração, em cada vida de um jeito diferente. O único caminho que
temos a seguir, a única solução certa para todos os problemas é buscar o
Senhor e lhe entregar tudo.
Tio Mac deu mais algumas instruções a Selena e no final agradeceu-
lhe por ter ido ali, fazer aquele serviço voluntário. No momento em que a
garota recolhia seus pertences, o bordado escorregou e caiu. O Tio Mac
pegou-o para ela.
- Lucero non uro, disse ele surpreso. É a insígnia de minha família.
Sabe o que significa este lema?
- Acho que e “Eu brilho; não queimo”.
- Isso mesmo, disse ele com ar de admiração.
Ele ficou uns instantes em silêncio e depois, dando um sorriso,
indagou:
- Posso lhe perguntar para quem está fazendo isso?
- É para o Paul, replicou a garota, sentindo-se meio sem jeito.
Será que Tio Mac sabia que ela estava namorando o sobrinho dele por
correspondência?
- É mesmo.
Ele não perguntou. Estava afirmando. Ficou parado, calado, como se
estivesse “digerindo” a informação, tentando decifrar a ligação existente
entre Paul e Selena. Afinal um leve sorriso lhe veio ao rosto.
- Alguma data especial?
- Presente de Natal, explicou a garota, enquanto, com gestos lentos,
guardava o bordado na mochila. Quero dizer, se eu terminar a tempo. Está
demorando mais do que eu pensava.
- Ah, mas é aí que está o valor disso, comentou ele, caminhando ao
lado dela em direção ao carro. Tudo que tem valor duradouro na vida exige
tempo. Até os relacionamentos. Aliás, principalmente os relacionamentos.
Ele abriu a porta do veículo para Selena, e ela compreendeu que ele
estava tentando dar-lhe um “recado”. Teve vontade de lhe explicar que esse
interesse não era unilateral. O Paul também estava escrevendo para ela; e
desejava esse relacionamento tanto quanto ela. Contudo o rapaz é quem
deveria dar essa informação, não ela. Então resolveu não dizer nada para se
defender. Iria mencionar a questão para o Paul e deixar que este esclarecesse
os fatos para o tio.
Tio Mac pôs a mão na porta do carro para fechá-la, mas antes de fazê-
lo, sorriu e disse:
- Muito obrigado pela sua ajuda hoje. Você se saiu muito bem. Se eu
fosse lhe dar uma palavra de sabedoria, eu a aconselharia a ler 1 Coríntios
13.
- O capítulo do amor? indagou Selena.
Ela achara que ele ia dizer:
“Quando chegar em casa, releia o nosso manual de aconselhamento,
para que da próxima vez esteja mais bem preparada.”
- É, o capitulo do amor. E qual é a primeira característica mencionada
nele?
Selena pensou rápido.
- “O amor é paciente”?
- Exato. “O amor é paciente”. Pronto, essa é a palavra de sabedoria
que tenho para lhe dar.
Em seguida, ele fechou a porta do carro e acenou-lhe em despedida.
Selena foi rodando para casa, que era perto dali, tentando decifrar o
“recado” do Tio Mac. Será que ele quisera dizer que ela deveria ter
paciência consigo mesma enquanto aprendia esse serviço de
aconselhamento por telefone? Que ela precisava ter paciência com as
pessoas que ligavam para lá? Ou estava querendo “ajudar” o sobrinho,
dizendo-lhe que, se de fato amava o rapaz, precisava ter muita paciência
com ele?
- “O amor é paciente”, repetiu ela em voz alta no momento e, que
estacionava em frente de casa. Eu consigo ser paciente.
Capítulo Nove

- E aí? Como é que foi de feriado? perguntou Ronny para Selena, na


segunda-feira.
O rapaz estava encostado no escaninho dela, olhando-a com aquele
seu sorriso típico, com a boca meio entortada.
- Bom, vejamos, principiou a garota. Teve um começo de incêndio em
minha casa no Dia de Ação de Graças, minha irmã está chateada comigo e,
ontem à noite, na Highland House, fiz tudo errado. Fui lá para auxiliar no
atendimento telefônico e acho que mais atrapalhei do que ajudei as pessoas
que atendi. Creio que somando tudo foi um bom final de semana. E o seu?
- Teve um incêndio na sua casa? indagou Ronny, “pinçando” o
problema que mais lhe interessou.
- É, na hora que meu pai estava orando, uns marshmallows que
estavam assando se incendiaram, e o fogo se alastrou. Estragou o forno e os
armários que ficavam logo acima dele. Até hoje a casa ainda está com um
cheiro horrível. Amanhã vamos comprar um forno novo.
- Os bombeiros foram lá?
- Claro. Foram sim.
- Que legal!
Selena abanou a cabeça diante da atitude do colega. Ele via tudo por
um prisma positivo.
- É, disse ela, não foi meu melhor Dia de Ação de Graças, não. E o
seu? Como foi?
- Totalmente sem graça, comparado com o seu.
- Ei, a Vicki me disse que sua banda vai tocar no The Beet, nesta
sexta. Que ótimo, Ronny!
O rapaz fez um aceno afirmativo. Não parecia muito empolgado com
o acontecimento. O The Beet era um barzinho para jovens, localizado no
centro de Portland. Lá não serviam bebida alcoólica, e nos finais de semana
tinha música ao vivo. A banda do Ronny se formara havia apenas alguns
meses, mas estavam ensaiando bastante, para acertar bem o “som”. A
apresentação no THe Beet certamente significaria a estréia deles para o
público.
- Agora a grande pergunta, disse Selena, batendo a portinha do
escaninho para fechá-la e ouvindo a sineta tocar. Como vai ser o nome?
- Estamos entre dois. Será The Smarties ou então The Slaymeyets.
- Onde vocês arranjaram esse nome?
- No livro de Jó. Lá tem um verso que diz “Ainda que ele me mate,
nele esperarei”.* Em inglês diz: “slay me yet”. Entendeu?
___________________
*Jó 13.15, na versao antiga, da Imprensa Bíblica Brasileira. (N. da T.)

- Ah, mas que nome complicado!


- É, sei disso.
- De qualquer jeito, até sexta-feira vocês terão de arranjar um nome.
- Teoricamente, sim.
Selena e Ronny se dirigiram para a sala de aula. O rapaz passou o
braço em torno do ombro dela e lhe deu um aperto de leve.
- Aceitamos sugestões dos amigos; e as estudaremos com carinho.
Selena riu.
- Bom, replicou, agora que vocês já estão praticamente contratados,
eles vão lhes pagar pela apresentação de sexta-feira, né?
Ronny deu de ombros.
- Sei lá. Não conversamos sobre isso.
Selena sentou-se em sua carteira ao mesmo tempo em que pensava
alguns nomes para o grupo. Ocorreu-lhe que um bom nome seria The Broke
Boys (Os duros), ou então The Moths in the Pocket (Mariposas no bolso).
Anotou-os num papel para ver se dali poderia tirar outras idéias.
À hora do almoço, sua lista já continha dezessete nomes. Foi com os
amigos para a lanchonete Lotsa Tacos, para fazerem o seu lanche.
Aproveitou para ler suas sugestões para eles.
- Que tal The Moths (Mariposas)? indagou Tre, ouvindo-a ler os
outros nomes.
Tre era natural do Camboja, e por vezes Selena ficava um pouco
preocupada quando os colegas se punham a fazer brincadeiras barulhentas.
É que o cambojano se mostrava sempre mais calado e reservado.
- Não daria uma imagem muito boa, não, interveio Vicki, tomando um
gole de seu refrigerante e coçando a ponta do nariz.
Selena achava Vicki linda. Ela era o seu oposto. Tinha olhos verdes e
cabelo castanho muito sedoso. Sua pele era fina, e seu rosto, delicado.
Sempre que olhava para a amiga, Selena ficava com vontade de dar um fim
nas próprias sardas. Desejava que uma camada de rímel, nos seus cílios,
produzisse o mesmo efeito que via nos de Vicki. Entretanto já tentara isso,
sem sucesso.
No dia em que conhecera o Paul, ele lhe dissera que gostava do fato
de ela não usar maquiagem.
Aquela breve lembrança do rapaz fez com que engolisse em seco um
sorriso leve. Será que alguém notara isso? Queria que Paul estivesse ali com
ela e seus amigos. Ele iria gostar deles. Provavelmente iria dar palpites
ótimos na conversa. Talvez até já tivesse, na ponta da língua, um nome
excelente para o grupo de Ronny.
- The Moths, repetiu Ronny pensativamente para ver se lhe agradava.
Talvez... Sabe? As mariposas são atraídas pela luz, e nós também somos
atraídos pela luz de Deus.
- É, interveio Vicki, mas elas morrem queimadas. Não seria uma
simbologia espiritual muito boa. Que tal Light Bulbs (Lâmpadas)? É igual
aos personagens de desenho em quadrinho.
- É só disso que precisamos, comentou Warner bufando um pouco, um
logotipo engraçadinho!
Era um rapaz bem alto e tocava guitarra na banda de Ronny. De todos,
era o de que Selena menos gostava. Ele estava sempre passando o braço no
ombro dela, o que ela detestava. Contudo ele parecia não notar isso. Ela não
se importava quando Ronny fazia o mesmo, pois era muito amiga dele.
Entretanto, quando Warner punha o braço, ele parecia pesado demais, e ela
se sentia como que sufocada. Além disso, ele nunca o tirava
espontaneamente. Ficava com o braço nela, dando a impressão de que
queria que todos pensassem que os dois estavam namorando.
- Ah! exclamou Ronny. A gente podia por só a sigla The LB's. Que
tal?
- Lembrei da escola americana onde eu estudava lá no Peru, disse
Margaret.
Margaret era filha de missionários; e entrara para a Academia Royal
alguns meses atrás, quando a família dela viera passar férias nos Estados
Unidos. Fazia mais ou menos um mês que ela travara amizade com a turma
de Selena.
- Toda vez que fazíamos um trabalho para a aula de religião, a
professora dizia: “Quem citar textos da L.B., coloque uma nota indicativa”.
- Que é isso? quis saber Tre.
- Living Bible, Bíblia Viva, explicou Margaret. É uma paráfrase do
texto bíblico. Na escola, tinha uma porção delas.
- Eu gosto da Bíblia Viva, comentou Vicki.
- É, e esse nome pode ter mais um sentido, disse Selena. É aquele que
muita gente diz, isto é, que nós somos a Bíblia que os outros “lêem”. Quer
dizer, nós somos uma Bíblia viva, que anda, fala e respira.
- E luz também, acrescentou Ronny. Temos de ser luz nas trevas. E
esse é o objetivo de nossa banda. É, gostei do nome. O que vocês acham,
pessoal?
Tre fez um aceno de cabeça positivo. Warner deu de ombros.
- Eu acho ótimo! exclamou Vicki.
Margaret deu uma espiada no relógio de pulso.
- Acho bom a gente ir voltando pra escola, disse ela, senão vamos
chegar atrasados de novo e acabar “presos” na sexta-feira após as aulas.
Quando o grupo saía do Lotsa Tacos, Warner aproximou-se de Selena
e falou:
- Você não disse o que achou do nome The LB's.
E ao falar, pôs o braço sobre o ombro dela, com aquele peso de
sempre. A garota teve uma forte sensação de incômodo. Pegou-o pelo pulso
e retirou-o de seu ombro.
- Gostei, disse ela. Só não gosto e quando você se apóia em mim como
fez agora.
O rapaz olhou-a espantado, mas Selena achou que ele não deveria ter
se admirado tanto pelo que ela fizera. Ela já lhe dissera o mesmo
anteriormente. E agora queria que ele entendesse isso de uma vez por todas.
- Olhe aqui, Warner, estou falando sério quando digo que não quero
que ponha o braço em mim mais. O.k.?
- Só estou querendo ser carinhoso, defendeu-se ele.
Os colegas entraram no carro da Vicki, mas Selena ainda não dissera
tudo que queria.
- Para mim, isso não é carinho; é incômodo. Não quero que faça mais
isso, ‘tá bom? Não ponha o braço no meu ombro mais. Entendeu?
O rapaz deu de ombros, sinalizando que compreendera. encurvando-
se, entrou no banco da frente, enquanto Selena se acomodava no de trás, ao
lado de Margaret. Todos ficaram em silêncio no trajeto de volta para a
escola. Quando já se aproximavam do estacionamento do colégio, Warner
virou-se para trás e disse:
- Selena, você tem namorado?
Sem hesitar um instante, a garota respondeu:
- Tenho. Pra falar a verdade, tenho, sim.
Vicki virou-se para a amiga, fitando-a de olhos arregalados. Sua
expressão era de quem achava que Selena estava mentindo.
- Ele está na Escócia, explicou tanto para Vicki como para os outros.
O nome dele é Paul. Por que pergunta?
- Ah, eu achei que tinha algo acontecendo mesmo, replicou Warner,
aparentemente satisfeito com a resposta dela. Você não foi mais ver nossos
ensaios e não está mais saindo com o Ronny, como saía antes. Como vi que
não estava interessada nele, achei que nós, os “desprezados”, poderíamos ter
uma chance de conquistá-la.
Sua tirada de “coitadinho” não surtiu muito efeito em Selena nem em
Vicki. Margaret, porém, teve uma reação imediata.
- Que é isso, Warner? disse ela. Você não é um “desprezado”. Não
fale assim.
Vicki estacionou o carro e todos desceram. Ela aproximou-se de
Selena, enquanto Margaret e Warner ficavam para trás.
- É, parece que está acontecendo algo com você que não estou
sabendo, disse Vicki em voz baixa para a amiga. Estou certa?
- Você está falando do Paul?
- Claro que é do Paul. Ou você disse aquilo apenas para o Warner
largar do seu pé? Se foi, eu lhe dou toda a razão. No ano passado, ele andou
uns tempos atrás de mim, e quase fiquei maluca.
As duas teriam de ir para classes diferentes e já estavam um pouco
atrasadas. Então Vicki concluiu apressadamente:
- Me espere aqui depois desta aula.
Selena esperou, mas a colega não apareceu. Então ela foi para a aula
seguinte. Um atraso já era demais; não queria outro. As duas só foram se ver
novamente após as aulas, já no estacionamento.
- Quer ir comigo fazer umas compras? indagou Selena para a amiga.
Vou dar uma chegada lá na Wrinkle in Time. Quero comprar uma roupa
para tirar o retrato que vou mandar para o Paul.
- É a foto que você quer que eu bata quando a chuva parar? quis saber
a colega.
Selena fez que sim. Vicki olhou para o céu. As nuvens eram claras e
leves, prenunciando céu claro.
- Talvez dê para tirar hoje, comentou.
- Não quero tirar a foto com nenhuma de minhas roupas, explicou
Selena. Então pensei em comprar uma nova. Assim acho que ficaria mais
satisfeita com o retrato.
- Pra mim, dá, respondeu Vicki, Vamos no seu carro ou no meu?
Tenho de estar em casa por volta de 5:00h.
- Então vamos cada uma no seu.
- Com uma condição, interpôs a colega. Quando chegarmos lá, você
tem de me contar tudinho sobre o Paul. Quero saber detalhes que ainda não
me contou; por exemplo, quando foi que começaram a namorar.
Selena fez que sim. Teria vinte minutos de intervalo dali até a loja.
Assim poderia pensar num jeito de explicar para a amiga sobre o
relacionamento com Paul. Não seria difícil, se ela própria estivesse sabendo
defini-lo com clareza. Será que ele era mesmo seu namorado? E se ele
estivesse morando em Portland? Claro! Certamente os dois estariam
namorando. Pois não o estavam agora, apesar de estarem quilômetros e
quilômetros distantes um do outro?
Selena arrancou o seu Fusca 79 lentamente do estacionamento da
escola e entrou na avenida. Àquela hora, três da tarde, o tráfego não era
muito intenso. Juntou-se aos outros carros. Vicki vinha logo atrás.
É, pensou ela, procurando convencer-se, estavam namorando sim.
Paul era seu namorado.
Capítulo Dez

As duas garotas chegaram à loja praticamente ao mesmo tempo.


Assim que Vicki desceu do carro, começou a encher a amiga de perguntas
sobre Paul.
- Estamos namorando por correspondência, disse Selena. Escrevemos
um para o outro quase diariamente. Hoje mesmo mandei uma carta de
quatro páginas pra ele.
Vicki estava simplesmente encantada.
- Que legal, Selena! exclamou. Eu já sabia que ele havia lhe mandado
um retrato de presente de aniversário, mas não faz idéia de que o
relacionamento dos dois estava tão adiantado assim. Sabe? Acho o Paul um
cara maravilhoso! Ele é tão bonito e até um pouquinho misterioso.
Ela conhecera o rapaz no semestre anterior, na Highlant House. Na
ocasião, Selena achara que ela estava interessada nele. Contudo, pelo que
pudera perceber, Paul nunca dera à sua amiga a atenção que esta buscara.
Isso deixava Selena bastante espantada, pois aonde quer que a Vicki fosse,
era sempre o centro das atenções. Agora estava alegre de que a colega
conhecesse Paul e o achasse maravilhoso. Isso vinha reforçar sua certeza de
que não criara tudo aquilo em sua mente.
- Posso lhe dizer uma coisa? pediu Vicki.
- Claro, replicou a garota.
Apesar de concordar, Selena sentiu um leve arrepio de preocupação.
Será que a amiga iria dizer que nutria uma paixãozinha por Paul e tinha
ciúmes dela? Isso já acontecera alguns meses antes, com ela e Amy, que na
época era sua amiga. Amy estava gostando muito de Drake. De repente, sem
mais nem menos, o rapaz pedira Selena para sair com ele. O fato provocou
uma forte tensão entre as duas, embora Amy houvesse dito que não se
importava. No presente, Selena não tinha muito contato com a amiga, já que
esta fora estudar em outra escola. Ademais, Amy achava-se muito envolvida
com Nathan, seu namorado. O mais estranho de tudo era que, no ano
anterior, Vicki e Amy também tinham sido amigas, mas haviam tido um
pequeno desentendimento porque ambas gostavam do mesmo rapaz. Então a
garota tinha esperança de que o que a amiga ia dizer não tivesse nada a ver
com Paul, pois estava curtindo muito a amizade com ela e não queria perdê-
la.
- Já esqueceu? principiou Selena em tom de brincadeira. Agora estou
dando aconselhamento espiritual por telefone. Pode me contar o que quiser.
No momento em que abriam a porta da loja para entrar, Vicki
confidenciou:
- Acho que eu e o Ronny finalmente vamos nos acertar, disse sorrindo.
Selena nunca pensaria que ela iria dizer isso.
- É mesmo? indagou.
Repassou mentalmente as últimas vezes em que os vira juntos. Não
davam a impressão de que estavam começando um namoro.
- Você sabe que eu já gosto dele há mais de um ano, né? informou a
outra, acenando afirmativamente e continuando a sorrir.
- Gosta? perguntou Selena, ainda procurando “digerir” a notícia.
Sabia que a Vicki convidara o Ronny para um jantar formal uns meses
atrás, e que a amiga fora várias vezes ao ensaio da banda dele. Contudo ela
nunca lhe falara que tinha interesse no colega.
- Claro que gosto. Pensei que dava pra todo mundo ver. O problema e
que o tempo todo eu achava que ele tinha interece em você, e sé em você,
para sempre e sempre, amém. Não que eu seja muito humildezinha, nem
nada. Mas fiquei esperando para ver no que ia dar. Já que você está
namorando o Paul, acho que finalmente então podemos conversar sobre eu e
o Ronny.
Selena parou à porta, olhando para a amiga.
- Isso tudo é novidade pra mim, explicou.
- Ótimo! exclamou Vicki, tirando o blusão por causa do sistema de
aquecimento da loja. É, se houvesse algo entre você e ele, eu não ia querer
atrapalhar.
- Eu e o Ronny já falamos sobre isso, já analisamos bem tudo,
explicou Selena. Somos apenas amigos. Achei que você soubesse.
- É, mas quando se trata de relacionamentos, a gente nunca pode ter
certeza absoluta. O que sei é que, se está na hora de haver algo entre mim e
o Ronny, de minha parte, estou querendo. Já que você está namorando o
Paul, tudo fica mais simples, legal mesmo.
As duas haviam parado perto de um provador. Naquele momento, a
cortina dele se abriu, e uma cliente veio lá de dentro. Obviamente, sem
querer, ela havia escutado a conversa das duas. As garotas olharam para ela.
- Amy! exclamou Selena.
Amy, como Selena, também gostava de roupas daquela loja, um bazar
tipo brechó chique. E elas já tinham ido ali juntas diversas vezes. Contudo
fazia alguns meses que as duas não se viam. Amy, cujo cabelo era negro,
longo e encaracolado, agora usava-o curto. Também estava com uma
franjinha bem comprida, que lhe chegava até os cílios e se mexia todas as
vezes que ela piscava.
- Amy! disse também Vicki, aproximando-se da colega e dando-lhe
um abraço. Eu queria muito encontrar você. Recebeu as mensagens que
deixei na sua secretária eletrônica? Queria lhe falar.
A outra não deu nenhuma resposta. Selena já a vira com esse tipo de
atitude. Por vezes, em meio a situações em que Selena falava o tempo todo,
Amy simplesmente se fechava.
- Tentei ligar pra você, continuou Vicki, porque queria lhe contar algo.
Nessas férias, fui ao acampamento da igreja e lá resolvi acertar minha vida
com Deus. Já procurei várias pessoas e lhes pedi perdão por erros que
cometi anteriormente. Queria pedir desculpas também a você, pelo que
ocorreu no ano passado. Você lembra, né? Aquela briga que tivemos. Eu
estava errada, Amy. Me desculpe.
A outra parecia fortemente admirada. Ficou parada uns instantes,
como que paralisada. Afinal disse:
- Eu também peço que me desculpe, Vicki. Sinto muito pelo que
aconteceu entre nós.
Vicki adiantou-se e deu-lhe outro abraço, que Amy retribuiu ainda
meio tímida.
- Obrigada, Amy. Espero que possamos recomeçar nossa amizade.
- Podemos, sim, disse a outra. Se é isso que você deseja...
- É, sim. É o que quero.
Selena teve vontade de também pedir perdão a Amy por algo e dar um
abraço nela. Na verdade, as duas já tinham tido uma conversa de coração
aberto, alguns meses antes, mas não haviam reatado a amizade.
- Mas que bom vê-la de novo! disse ela.
Foi a única frase que lhe veio à mente. Amy olhou-a com ar
interrogativo.
- Então você e o Paul estão namorando, hein?
Selena fez que sim.
- Quando foi que ele voltou?
- Não. Ele ainda está na Escócia. Mas nós nos correspondemos.
Escrevemos um para o outro quase diariamente.
- Que maravilha! exclamou Amy sorrindo. Estou muito feliz por você.
Então ele lhe escreve todos os dias?
A garota acenou afirmativamente, sentindo o rosto avermelhar-se.
- Quase todos os dias. Eu escrevo todo dia. Dá pra gente conhecer
bem um ao outro por meio de cartas.
- E como estão distantes, a questão da pureza é tranquila, né?
continuou Amy, inclinando um pouco a cabeça e dando à amiga um olhar
significativo.
Algum tempo atrás, as duas haviam discutido seriamente por causa
dessa questão. Amy contara para Selena que estava se envolvendo
fisicamente com o namorado. A garota a censurara duramente, citando-lhe
versículos bíblicos e dizendo que precisava permanecer virgem.
Vicki esticou o braço e tocou de leve na ponta do cabelo de Amy.
- Gostei do seu cabelo, disse. Quando foi que o cortou?
- Faz algumas semanas. Gente, não cortem, senão depois vão se
arrepender.
- Vai comprar isso aí? indagou Vicki, apontando para uma blusa que
estava sobre o braço da amiga.
- Não. Não serviu. Quer experimentar?
- Quero. É muito bonita, replicou Vicki. Você está querendo comprar
uma blusa?
Amy abanou a cabeça.
- Não, estou só dando uma espiada nas roupas. Estou “fazendo hora”
aqui.
- Ah, então pode nos ajudar a arranjar um vestido maravilhoso para
Selena. Ela vai mandar uma foto para o Paul, como presente de Natal, e quer
tirar retrato com uma roupa nova.
Ouvindo isso, Amy, que sempre gostara de fazer compras com Selena,
assumiu um ar um pouco mais alegre.
- Viram aqueles chapéus com aba virada que estão ali? Indagou.
Foi até uma cesta de vime que se achava sobre um baú velho e pegou
um chapéu negro.
- Experimente este aqui, falou, colocando-o sobre a cabeça de Selena.
- Hummm! Ficou lindo em você! comentou Vicki.
A garota deu uma espiada rápida para sua imagem refletida num
espelho oval que havia ali perto.
- Não quero ficar muito parecida comigo no retrato. Quero dizer,
gostaria de ficar um pouco diferente de minha aparência normal.
Amy e Vicki se entreolharam, parecendo não haver entendido bem.
- Bom, quero parecer comigo, claro, mas ficar um pouco melhor.
Entenderam agora?
- Ah, fez Amy com um tom de quem compreende.
- Vi um vestido perfeito, disse Vicki.
E saiu em direção à vitrina. Sem falar nada com a balconista, estendeu
a mão e pegou uma roupa que se achava num cabide perto da entrada. Era
um vestido de veludo, verde esmeralda.
- Imagine-se neste vestido! disse ela, erguendo a peça com um gesto
dramático, como se fosse uma vendedora de uma butique elegante de Paris.
Com ele, você se transformará e terá a aparência exata que deseja ter.
Selena deu uma risada.
- Vamos lá, disse Amy animando-a. Experimente-o.
- Será que é mesmo, gente? indagou a garota, examinando o vestido.
Não era o tipo de roupa que ela costumava usar. Vicki aproximou-o
do corpo da amiga, como que a medi-lo.
- Olhe só, vai servir direitinho, comentou.
- Vai mesmo, concordou Amy.
Selena fez um aceno de cabeça e pegou-o. Em seguida, foi para o
provador. Parecia estranho que as três estivessem ali fazendo compras
daquela maneira. Ao mesmo tempo, porém, parecia natural. E a melhor
parte é que tinha a impressão de que os desentendimentos que há tanto
tempo as separavam haviam se desvanecido. Agora podiam cultivar a
amizade e se divertir na companhia umas das outras. Contudo isso ocorrera
de forma tão inesperada que Selena ainda estava meio atordoada.
- Prontinho! disse ela, saindo do provador.
O vestido tinha mangas compridas e era bem decotado. Vestia muito
bem. Selena se sentiu chique e elegante. Passou a mão pelo corpo,
acompanhando as curvas naturais.
- Ficou lindo! exclamou Vicki.
- Ué, e quando foi que você começou a se “desenvolver” assim?
brincou Amy.
Selena sentiu o rosto avermelhar-se. Já notara que ultimamente seu
corpo vinha mudando, ganhando algumas curvas e ficando “cheinho” nos
lugares certos. Contudo ainda se sentia meio acanhada de ter dezessete anos
e só agora estar com a figura que suas amigas já tinham havia um bom
tempo. Nos últimos anos, sofrera silenciosamente a agonia de estar
demorando a se desenvolver.
- Com esse vestido, Selena, você está parecendo uns cinco anos mais
velha, comentou Amy. É incrível como ele a deixou com um aspecto tão
diferente.
- Acha mesmo? indagou a garota, endireitando os ombros e dando
uma longa espiada no espelho.
Selena sorria de satisfação. Estava gostando demais da sensação que
experimentava com aquele vestido no corpo e a atenção das amigas.
Naquele momento, não se via mais como a sardenta que tinha um jeitão de
menino, usando calça jeans larga, nem como a garota de espírito livre que
gostava de saias indianas. Sentia-se mais como, bem, como uma jovem
digna da honra de ser a namorada de Paul. Se mandasse ao rapaz um retrato
com aquela roupa, ele certamente notaria o quanto ela já havia amadurecido.
Se ele ainda abrigasse alguma dúvida de que ela tinha maturidade suficiente
para iniciar um relacionamento sério, sua foto naquele vestido verde
acabaria por dissipá-la.
- Não quero nem saber quanto custa, disse ela para as amigas, virando-
se para examinar as costas no espelho. Tenho de comprar este vestido.
Capítulo Onze

Todas as três amigas, agora plenamente reconciliadas, compraram


algo na loja. Selena ficou mesmo com o vestido verde, e como ainda lhe
sobrou algum dinheiro, resolveu levar o chapéu. Ele iria ser muito útil, pois
estava chovendo sem parar nos últimos dias. Amy comprou uma bolsa de
couro pequena, com alça a tiracolo, e Vicki, a blusa que Amy estivera
experimentando na hora em que as duas chegaram ali.
Aquele momento estava tão agradável, que Vicki sugeriu que fossem
à confeitaria Mother Bear “comemorar” o fato de estarem unidas de novo. O
doce aroma de canela as atraiu fortemente. Entraram e procuraram uma
mesa reservada.
Selena estava feliz. Achava-se em companhia das amigas, num
cantinho gostoso da lanchonete, tomando um chá quentinho. O vestido
novo, verde-esmeralda, estava numa sacola, no carro. Só faltava Paul ali.
Começou a desejar que, de repente, ele entrasse por aquela porta e viesse
fazer parte de sua vida. Mas isso não iria acontecer. O melhor que poderia
suceder era ela lhe escrever uma longa carta hoje à noite, relatando tudo,
sem porém lhe falar do vestido verde. Iria ser uma surpresa para ele, quando
visse o retrato. Essa idéia lhe deu uma profunda alegria.
- Que sapato vai usar com esse vestido? indagou Vicki. Ele combina
bem com sua bota de cowboy não, viu?
- Será que não? interpôs Selena, fingindo que falava sério.
Amy soltou uma risadinha.
- Puxa, você ainda tem aquela bota horrorosa. Achei que a esta altura,
ela já tinha se levantado e ido embora sozinha.
- Adoro aquela bota! replicou a garota, fazendo um beicinho.
- Eu sei! disseram Amy e Vicki ao mesmo tempo.
Todas deram risada e tiraram um pedaço de um pãozinho que estava
no centro da mesa.
- Quer dizer, então, principiou Amy, virando-se para Vicki, que você e
o Ronny serão o próximo casalzinho do Royal?
A colega sorriu.
- Talvez. Nunca se sabe. Sabia que ele cortou o cabelo bem curto?
Amy abanou a cabeça.
- Quase não fico sabendo nada sobre a turma do Royal.
- Pois é. O pessoal lá já estava começando um tumulto por causa das
normas sobre roupas, que constam do regulamento, e ele resolveu a situação
sozinho. É o meu herói!
Selena e Amy riram.
- Puxa! Você e o Ronny! repetiu Amy abanando a cabeça. Será que é
uma doença que está dando nos formandos? Todo mundo está namorando
alguém que nunca imaginei.
E aí ela citou alguns colegas que estavam namorando, mas que Selena
não conhecia.
- E você? quis saber Vicki. Como está indo com Nathan? Há quanto
tempo estão namorando? Uns seis ou sete meses?
Amy pegou a xícara com um resto de capuccino e mexeu-a de um
lado para outro. Sem olhar para as amigas, respondeu:
- Nós terminamos.
Selena sentiu um aperto no coração. Não desejara que a amiga se
envolvesse com Nathan, mas agora isso não tinha muita importância.
Percebia que a colega estava sofrendo e tinha dó dela.
- Oh, Amy! Que pena! disse.
Amy ergueu o rosto e olhou-a surpresa.
- Acha mesmo? indagou.
- Claro! Terminar um namoro que já durava tantos meses machuca a
gente!
A amiga baixou os olhos.
- É, machuca mesmo! concordou.
- Como foi? indagou Vicki, dando uma olhada para Selena e depois
para Amy. Quero dizer, se você não se importar de contar. Não estou
tentando me intrometer em sua vida, nem nada.
Amy guardou silencio por uns instantes. Depois de alguns segundos,
virou-se para Vicki.
- No começo, estava indo tudo bem. Ele é um cara muito legal.
Quando meus pais iniciaram o processo de divórcio, ele me deu a maior
força.
- Ah, interveio Vicki, eu fiquei sabendo mesmo que eles estavam se
divorciando. Que tristeza, amiga! Eu também deveria ter lhe dado uma força
naquela ocasião. Mas nós tínhamos tido aquelas discussões bobas que nunca
resolvemos. Lembrando isso agora, vejo que foi tudo tão sem sentido, uma
criancice! E como não a procurei para acertar tudo, acabei prejudicando
nossa amizade que era tão boa.
Amy tomou o último gole do seu capuccino e disse:
- Ah, isso agora não tem mais importância. Reatamos nossa amizade,
e estou muito feliz. Na hora em que precisei de alguém para me confortar, o
Nathan estava do meu lado. Acho que vou ser grata a ele por isso pelo resto
da vida.
E aqui ela ergueu o olhar e fitou um ponto distante, como quem
procura recordar algo que tentara esquecer.
- Se não quiser, não precisa contar nada, não, interpôs Selena.
- Ela quer sim, insistiu Vicki, dando um sorriso alegre para as duas
amigas. Queremos saber todos os detalhes, até os mais trágicos.
O jeito alegre da garota acabou dissipando a nuvem de tristeza que se
formara e todas sorriram. Em seguida, Selena e Vicki ficaram em silêncio,
aguardando que a outra continuasse.
- Acho que eu exigia demais dele, explicou Amy. Pelo menos, foi o
que ele disse. Estava muito envolvida com ele e acabei não tendo vida
própria. Aí começamos a brigar, coisa que não acontecia no início. Depois
descobri que ele falou uma mentira pra mim. Não foi nada muito
importante. Ele disse que iria ficar em casa naquela noite, e mais tarde
fiquei sabendo que tinha ido ao cinema com uns conhecidos. Aí fiquei com
raiva. Ele explicou que estava querendo “descansar” um pouco da minha
companhia. Ficamos uma semana sem conversar. Mas no outro final de
semana nos encontramos no trabalho. Tudo correu bem por uns dez dias.
Afinal, porém, começamos a brigar de novo. Faz umas duas semanas que
terminamos de vez. Ele já está namorando outra garota.
- Que desagradável! exclamou Selena.
- Ué! replicou Amy. Achei que ia dizer que estava orando por isso,
para que nós terminássemos. Pensei que pelo menos você ia dizer “Não lhe
falei?”
Selena abanou a cabeça.
- Seria a última coisa que eu iria lhe dizer, Amy. O que quero mesmo
é lhe dar minha amizade. Por tudo que já aconteceu antes, pode parecer que
não sei muito sobre amizades, mas há algo que sei. Quando uma amiga
sofre, a gente sofre também.
Os olhos de Amy se encheram de lágrimas.
- Obrigada, Selena, disse ela.
- Ei, parece que há algo errado comigo, interveio Vicki. Quero dizer,
sinto muito, Amy, mas estou bem alegre de você ter terminado com Nathan.
Confesso que estou, já que Selena não quer admitir isso. Acho que ele não
era o melhor pra você. Eu diria que foi até bom ele ter ido embora.
- Vicki! exclamou Selena.
Amy permaneceu em silêncio por uns instantes e depois exclamou:
- Isso, Vicki, diga mesmo o que você realmente pensa!
As três caíram na risada.
- Ah, eu nunca fui muito de rodeios, afirmou Vicki. Expresso minhas
opiniões claramente.
- É, eu ainda me lembro disso, comentou Amy, e prontamente
acrescentou: Aliás, isso é algo que aprecio muito nas duas.
Olhou para Selena e em seguida voltou a fitar Vicki.
- Tenho de reconhecer que as duas são muito fortes, prosseguiu. E, no
momento, estou me sentindo bem fraca.
Selena e Vicki olharam para a amiga com ar compreensivo.
- Está tudo bem, disse a primeira.
- Vocês tem razão, retornou Amy. Provavelmente ele não era o cara
certo pra mim. Afinal acho que até foi bom termos terminado agora. Fico
um pouco acanhada de dizer isso, mas preciso muito da amizade de vocês
duas. Preciso que sofram comigo, como Selena disse. A pior parte da
situação toda foi quando me dei conta de que Nathan tinha amigos com
quem poderia ir ao cinema, mas eu não tinha ninguém. Havia “cortado”
todas as amizades do Royal e não fizera amizade com ninguém na escola
onde estou estudando. Mas não quero continuar nesta solidão.
Selena estendeu a mão e deu um aperto de leve no braço de Amy.
- Não vai ter de ficar assim mais. Nós três precisamos voltar a fazer
uns programinhas. Acho que Deus arranjou para nos reencontrarmos
exatamente para reiniciarmos nossa amizade.
- A gente poderia se reunir aqui toda segunda-feira, sugeriu Vicki.
- Concordo, replicou Amy, desde que as duas me prometam uma
coisa.
- O quê? perguntou Selena.
- Não fiquem me falando desse negócio de Deus. Sei que vocês crêem
nisso tudo e acho muito legal, Vicki, que você tenha acertado sua vida com
o Senhor e tudo o mais. Mas não fiquem pregando pra mim, o.k.?
Nem Selena nem Vicki disseram nada.
- Prometam! insistiu Amy.
- Não posso prometer que não vou falar de Deus, explicou Selena.
- Nem eu, disse Vicki. Ele é o que há de mais importante na minha
vida.
- ‘Tá bom, tá bom, falou Amy. Podem falar o que quiserem sobre
Deus, mas não esperem que eu participe da conversa, o.k.?
As duas fizeram que sim.
- Então a que horas podemos nos encontrar aqui segunda-feira?
indagou Vicki.
Ela olhou para o relógio de parede que tinha o formato de um urso. O
mostrador era na barriga do animal.
- Ah, não! exclamou logo em seguida. Eu tinha de estar em casa às
5:00h, e já são quase 5:30h. Tem um telefone por aqui?
Selena conduziu a amiga para o aparelho que ficava no fundo da loja e
perguntou a D. Amélia, sua patroa, se a garota poderia dar um telefonema
local. Ela consentiu e Selena saiu dali, voltando à mesa, onde Amy se
achava sozinha. A outra estava dobrando as pontas de um guardanapo,
formando pequenos triângulos.
- Tenho de ir embora agora, disse Selena. Ah, mas antes que eu me
esqueça, a banda do Ronny vai tocar no The Beet, nesta sexta-feira. Você
gostaria de ir conosco, ou prefere encontrar-se com a gente lá? Acho que ele
vai ficar bem satisfeito se houver muitos conhecidos na platéia.
- Claro, replicou Amy. Acho que prefiro me encontrar com vocês lá.
Quando eu e o Nathan começamos a namorar, a gente ia muito lá. Mas creio
que ele não irá, não. No entanto, se ele aparecer por lá com a nova
namorada, você me segura pra eu não arrancar os olhos dela, ‘tá legal?
Selena conhecia bem a amiga e sabia do seu “gênio esquentado”.
Compreendeu que ela não estava brincando, não.
- Eu lhe dou uma força, Amy. Já lhe disse isso uns meses atrás, mas
parece que agora vou ter uma chance de lhe provar que falei pra valer. É,
vou estar do seu lado, nem que seja pra cortar suas unhas antes de entrar lá.
- Já cortei, replicou a outra, erguendo as duas mãos e mostrando como
“roera” as unhas. Quando terminamos o namoro, cortei o cabelo, as unhas e
um retrato que nós dois tiramos no Festival de Jazz. Estou muito “trágica”,
não estou?
- Não! ‘Tá não! replicou Selena, dirigindo-lhe um olhar
compreensivo.
Amy fitou a amiga.
- Obrigada, Selena! Só espero que um dia - se o Paul também a deixar
- eu possa lhe dar uma força como você está me dando agora.
Selena abriu a boca, mas acabou não dizendo nada. Vicki chegou de
volta toda apressada e avisou que teria de ir embora voando. E as três
saíram, cada uma tomando seu destino, mas não sem antes combinarem de
se encontrarem no The Beet na sexta-feira.
Selena voltou para casa o mais rápido que podia. Queria experimentar
outra vez o vestido novo, mas estava ainda mais ansiosa para ver se chegara
alguma carta de Paul. A caixa do correio estava vazia. Dirigiu-se à cozinha a
procura da mãe. Esta se achava ali admirando o forno novo que haviam
instalado nessa tarde. Perguntou-lhe se havia alguma correspondência para
ela. Sharon Jesen disse-lhe que não chegara nada.
Subindo para o quarto, lembrou-se do comentário final de Amy,
dizendo que Paul poderia deixá-la. Sempre que o rapaz demorava a
escrever, ela se sentia um pouco tensa. Contudo acabava recebendo uma
carta ou um postal, e seus temores se dissipavam. Naquele momento,
desejou ter respondido algo para a amiga. Devia ter lhe dito que ela não
precisaria consolá-la, pois Paul nunca iria deixá-la.
Será que não?
Jogou-se na cama, que ainda não arrumara, e pegou o retrato do rapaz
que se achava na mesinha de cabeceira. Examinou cada traço de seu rosto.
Ele não parecia ter jeito de alguém que iria fazê-la sofrer. Contudo o Nathan
também não tinha a intenção de fazer sua amiga sofrer, tinha? Ninguém
começa um relacionamento já tendo o objetivo de terminar tudo e maltratar
o outro. Isso são fatos que acontecem. As coisas mudam. As pessoas
mudam.
Selena virou-se, deitando-se de lado, e abraçou a foto do rapaz. Ela
nunca iria mudar os sentimentos que nutria por ele – nunca. Ela não. E ele
também não mudaria. Os dois iriam gostar cada. vez mais um do outro. Aí
ele voltaria da Escócia e... E se ele não voltasse de lá? E se ficasse lá mais
um ano, ou três, ou cinquenta?
A garota fechou os lábios com força e se pôs a pensar. Quem disse
que ela era obrigada a estudar numa faculdade em sua terra mesmo? Ela
poderia ir estudar na mesma escola do Paul, na Universidade de Edimburgo!
Sentou-se rapidamente, a cabeça cheia de planos. Poderia ir para a
Escócia assim que suas aulas terminassem. Arranjaria um emprego lá,
qualquer emprego. Assim estariam perto um do outro. Estudariam juntos, e
nos finais de semana, poderia ir fazer caminhadas com ele no planalto
escocês. Nos domingos à tarde, poderiam ir tomar chá com a avó dele. Em
alguns finais de semana, pegaria o trem e iria fazer uma visita para sua
amiga Cris. Assim o Paul não ficaria cansado dela, como Nathan ficara da
Amy. Além disso, procuraria ter os próprios amigos ali, para não “sufocar”
o rapaz.
Levantou-se de um salto e se pôs a caminhar de um lado para outro.
Precisaria procurar o endereço da secretaria da universidade e mandar logo
o pedido de inscrição. Deveria contar para o Paul imediatamente ou esperar
primeiro a resposta da faculdade? Obviamente precisaria contar aos pais. Se
Tânia podia ir estudar em Reno, por que ela não poderia ir para Edimburgo?
Pegou o vestido novo e colocou-o em frente do corpo, pondo-se a
dançar em meio à bagunça do quarto. Ao que se lembrava, nunca sentira o
espírito voar tão alto como agora. Riu ao pensar em como mostraria a todos
que tinha o espírito livre. Já se imaginava recebendo o diploma do segundo
grau e logo em seguida pegando um avião para a Escócia.
Capítulo Doze

- Não! disse o pai de Selena em tom firme. Estava sentado à


escrivaninha, com os braços cruzados, como a demonstrar que não iria
ceder.
- Mas, pai, a gente não pode nem conversar sobre o assunto?
- Você não está com a cabeça no lugar, Selena, replicou ele.
A garota se remexeu na poltrona, a cadeira de que mais gostava ali na
saleta. Estava com o vestido verde que pusera antes de ir jantar, para ver a
reação dos pais. E eles tiveram uma reação, sim. Disseram várias vezes que
estavam muito surpresos, pois aquela roupa era muito diferente das que ela
costumava usar. Entretanto essa reação negativa deles não esfriou seu
entusiasmo com relação à idéia de ir estudar na Escócia. Resolveu que iria
falar ao pai na saleta após o jantar. A mãe estaria ajudando seus irmãos a
fazer o dever de casa, e ela poderia conversar a sós com ele. Então assim
que entrou ali com o pai e fechou a porta, expôs-lhe seu plano. Foi aí que
ele disse não.
- Estou com a cabeça no lugar, sim, replicou ela. Eu gostaria muito de
ir, pai. Minhas notas estão muito boas, você sabe disso. Já fui à Europa duas
vezes. Por que não posso ir estudar na Escócia?
- Selena, replicou o pai, descruzando os braços e inclinando-se para a
frente, você não sabe nada sobre essa universidade. Então só quer ir pra lá
por um sentimento de aventura, ou então, se minha suspeita estiver certa,
para ficar perto do Paul. Isso não é razão válida para se escolher uma escola.
Ademais ainda dependemos de arranjar bolsas para você estudar. Não sei
nada sobre transferência de bolsas daqui para lá.
- Mas podemos verificar tudo isso, replicou ela. Podemos pedir
informações. Eu peço. Posso pesquisar tudo.
O pai abanou a cabeça.
- Minha resposta continua sendo não.
- Por quê? insistiu a garota. Você deixou a Tânia ir para a Califórnia, e
ela foi ficar perto do namorado.
- É diferente. Ela começou a namorar o Jeremy depois que foi para
San Diego. Ela não se mudou para lá para ficar perto dele. Além disso, ela
já tem dezenove anos, quase vinte. Você fez dezessete outro dia mesmo.
Selena deu um suspiro de frustração. Sabia que os pais davam muita
importância ao fato de o filho ser maior de idade. Os dois irmãos mais
velhos e a irmã só puderam sair de casa depois que completaram dezoito
anos. E os pais deram a eles várias opções para começarem a vida por conta
própria. A garota sabia que se saísse de casa antes dessa idade, estaria
praticamente se rebelando e perdendo a “benção” dos pais.
- Selena, disse o pai, o que está me preocupando agora é saber o que
foi que deu em você.
- Como assim?
- Esse vestido, por exemplo. Ele é muito diferente das roupas que você
usa normalmente. E onde foi que tirou a idéia de ficar perto do Paul?
- Nós estamos nos correspondendo, pai. Escrevemos um para o outro
quase diariamente. Como sou eu que pego a correspondência, ninguém tem
notado que ele me escreve com frequência.
- É por isso que no Dia de Ação de Graças você sumia toda hora?
- Como sumia?
- A gente quase não a via. Você ficava lá escrevendo para o Paul?
- Ficava. Que mal tem isso?
- Você deu atenção para os nossos parentes? indagou o pai.
- Dei, sim.
- Sem alguém mandar?
- Bom...
Selena reconheceu que não poderia dizer que sim. Sabia que a Tia
Frida ficara chateada por ela ter evitado a companhia de Nicole e Mary, suas
primas, que eram quase de sua idade. Na hora de se despedir, a tia dissera
umas palavras duras para a sobrinha, mas esta procurara tirar aquilo da
mente. Aliás, aquela tia estava sempre soltando umas “ferroadas” para todo
lado. Selena entendera que a única maneira de não deixar que suas farpas a
atingissem seria esquecê-las o mais depressa possível.
- Ultimamente você está muito diferente, comentou o pai.
Selena pensou em lhe dizer que estava amando, mas sabia que poderia
perder “alguns pontos” com o pai.
- Estou crescendo, pai, é só isso. Esta que você está achando diferente
sou eu, uma nova pessoa e bem melhorada. Reconheço que demorei um
pouco pra ficar adulta e que, com dezessete anos, estou passando por uma
fase que muitas garotas passam bem mais cedo.
As palavras foram saindo de sua boca sem que ela tivesse tempo de
pensar no que estava dizendo.
- O fato é que, queira ou não queira, estou ficando adulta. Não; melhor
dizendo, já sou adulta. Não sou mais a sua filhinha, não.
Selena sempre expressara suas opiniões francamente desde pequena.
Algumas vezes se arrependia de dizer tudo de forma tão direta. E havia
momentos também em que conseguia se conter antes de dizer o que
pensava. Depois, quando parava para refletir, por vezes ficava satisfeita de
haver falado; em outras, desejava ter ficado calada.
E agora vivia esse momento, diferente de todos os outros. Analisando
suas palavras, via que fora como se tivesse cortado um cordão invisível que,
durante muitos anos, ligara seu coração ao de seu pai. Estava praticamente
afirmando que queria pegar a ponta desse cordão e amarrá-lo ao coração de
Paul. E o pai estava dizendo que não.
- Precisamos conversar mais sobre isso, falou o pai após alguns
instantes de silêncio. Agora não é uma boa hora, mas depois vamos voltar a
falar sobre esse assunto.
- ‘Tá bom, replicou Selena calmamente.
Fez o propósito de mostrar para o pai que se sentia suficientemente
tranquila e madura para discutir o que ele julgasse necessário.
- Então me avise quando for uma boa hora.
- Aviso.
O pai saiu, deixando-a sozinha na saleta, sentada, muito tensa, em sua
poltrona predileta, usando o vestido verde e com o coração a mil.
No dia seguinte, ao voltar da escola, correu para casa, certa de que
encontraria uma correspondência de Paul. E encontrou. Ficou parada na
varanda para lê-la. Era bem curta, mas cada palavra era como um doce para
Selena.

Selena,
Isto é apenas um bilhete rápido. Estou atolado em provas. E já que
não sou um aluno “nota 10” como você, tenho de pôr o cérebro para
funcionar. Que bom que você gostou do retrato. Tirei-o no local onde faço
caminhada. Gosto muito daquele lugar. Estou querendo ir lá neste final de
semana, se a chuva deixar. Faz vários dias que só tem chovido aqui. Você
perguntou sobre o meu aniversário. É 10 de dezembro. E se eu puder ter o
atrevimento de lhe pedir algo, gostaria de ganhar um retrato seu, para pôr
em minha escrivaninha. Assim, quando estiver estudando, posso olhar para
o seu sorriso leve e tranquilo e suavizar meu sofrimento. Tenho de terminar
agora.
Com meus melhores votos para você,
Paul
Rapidamente calculou quantos dias faltavam para aquela data. Se
tirasse o retrato ainda hoje, poderia mandar revelá-lo em um desses lugares
que fazem o serviço em uma hora. Compraria uma moldura, embrulharia e o
enviaria no dia seguinte. Assim teria o prazo de quase dez dias para chegar
lá. Era a conta certa.
- Mãe! gritou ela, entrando em casa. Onde é que você está?
Encontrou-a deitada num sofá, enrolada em um cobertor.
- Oh! O que é que foi?
- Só estou cansada. O que é?
- Preciso de um favor seu. Pode bater umas fotos minhas? Quero
aproveitar que não está chovendo. Quero tirar no quintal do fundo. Já estou
com o filme na máquina e tudo o mais.
- Precisa disso agora, neste instante? indagou a mãe.
Parecia que ela não estava com muita vontade de abandonar aquela
posição confortável naquele momento.
- Não; pode deixar. Podemos tirar mais tarde. Desculpe por tê-la
acordado.
Na verdade, não queria deixar para mais tarde. Desejava resolver isso
agora. Foi à cozinha e discou para a casa da Vicki. Ninguém atendeu. Ligou
para o Ronny. A mãe dele informou que o rapaz ainda não havia chegado.
Telefonou para outros conhecidos. Ninguém poderia ajudá-la. Ligou para
Vicki outra vez. Ninguém atendeu. Desesperada, resolveu acordar a mãe.
Afinal, já tinham se passado bem uns cinco minutos depois que conversara
com ela. Justamente nesse momento, porém, Vó May entrou na cozinha.
- Ola, Queridinha! Como passou o dia?
- Muito bem, vó. Ei, Vó May, será que poderia tirar umas fotos
minhas lá no quintal?
A senhora demorou um pouco para responder. Primeiro olhou para a
neta com uma expressão estranha.
- Creio que sim, disse por fim.
- Ótimo! Então espere aqui. Volto já.
Selena subiu as escadas correndo e pôs o vestido verde. Aplicou
rapidamente um pouco de maquiagem e tentou ajeitar o cabelo rebelde.
- Já estou indo, vó, gritou de cima para a avó.
Pegou a máquina e verificou se o filme estava na posição certa para
começar a rodar.
- Pronto, vó, estou pronta, disse, voltando à cozinha.
A avó não estava mais lá. Selena não queria chamá-la para não
perturbar a mãe. Então pôs-se a dar voltas pela casa à procura da senhora.
Subiu para o andar superior e encontrou-a em seu quarto, espiando
tranquilamente pela janela.
- Estou pronta, Vó May, disse ela. Pode tirar meu retrato agora? Lá no
quintal? Acho que vai ficar bonito se tirar perto daquela árvore pequena, que
está com as folhas amarelas e ainda não acabou de desfolhar.
- ‘Tá bem, concordou Vó May.
Ela veio seguindo a neta com passos lentos, mas firmes.
Quando chegaram embaixo e saíram porta afora, a senhora já estava
cansada. Selena teve de esperar um pouco até que ela se recuperasse e
pudesse bater as fotos.
- Vou ficar bem aqui, vó, disse a garota, aproximando-se da árvore de
folhas amarelas. A senhora pode pegar do meu joelho para cima, porque não
tenho nenhum sapato que combina com este vestido.
E ficou ali parada, descalça, tremendo de frio, naquele vestido
decotado.
- A senhora sabe onde é que aperta, né, vó?
- Fala “xis”, disse Vó May, e bateu a foto.
- Pode bater mais, vó. Podemos gastar o filme todo. Pegue uns mais de
perto. Quero que fique um retrato bem legal.
Aprumou o corpo para ficar o mais elegante que pudesse e sorriu,
olhando para a câmera. Ouvindo o clique da máquina, lembrou-se do que
Paul escrevera, que o seu sorriso tranqüilo iria suavizar o “sofrimento” de
estudar. Ele era tão poético! Abriu ainda mais o sorriso e desejou que o
brilho do seu olhar – o brilho que havia nele por causa de Paul - aparecesse
nas fotos.
Capítulo Treze

Assim que Selena contou vinte e quatro fotos, agradeceu à avó e


pegou a máquina de volta.
- Está muito frio aqui, vó, disse. Vamos pra dentro, pra esquentar.
- ‘Tá bom, disse Vó May. Espero que as fotos fiquem boas, Emma.
Sua avó já a havia chamado de “Emma” várias vezes. Era o nome de
sua filha mais nova, que, quando jovem, se parecia com Selena.
Será que Emma alguma vez comprou um vestido verde e curto como
este? E se comprou, o que será que o pai dela disse?
Quando as duas já subiam a escadinha coberta de folhas secas, Brutus
veio para elas, esticando toda a corrente que o prendia, e latiu forte.
- Não, não, Brutus, disse Selena, virando-se ligeiramente para trás.
Você não pode entrar, não. Só depois que tomar um bom banho. E agora
não tenho tempo pra lhe dar banho, não.
- Talvez ele esteja com fome, opinou Vó May. Ou com sede. Alguém
verificou as vasilhas dele ultimamente?
- Eu vou olhar, vó, prometeu Selena. Vou só levar a senhora de volta
para o seu quarto quentinho.
- Gostei de nossa caminhada, disse a avó. Vamos andar amanhã de
novo?
- Tudo bem, vó.
Ela foi segurando no braço da senhora até o quarto. Ali chegando,
acomodou-a em sua cadeira de balanço.
- Obrigada, meu bem. Foi ótimo.
Selena deu-lhe um leve beijo no rosto e em seguida saiu correndo para
o seu quarto. Estava sentindo muito frio. Então vestiu sua velha calça jeans
e uma suéter que tinha sido de seu irmão. Os dedos dos pés estavam
enregelados. Calçou meias e depois a bota de cowboy. Nesse momento,
lembrou-se de que seu pai sempre dizia que para se esquentar depressa era
preciso pôr algo na cabeça. Pegou o chapéu novo de abas levantadas que
comprara no dia anterior e colocou-o. Seu cabelo louro e encaracolado
aparecia abaixo dele todo despenteado, as mechas mais parecendo
bandeirolas de festa.
Ah, deixa pra lá! pensou, dando uma olhada à sua imagem refletida no
espelho. O pessoal do foto não vai se importar com minha aparência, não.
Desceu a escada correndo. Brutus latia sem parar. Isso a incomodou.
- ‘Tá bom, seu grandalhão. Vou aí.
Saiu pela porta dos fundos para verificar como o cão estava.
Como Vó May dissera, as vasilhas de água e comida estavam vazias.
- Oh, coitado! exclamou.
Abriu a torneira da mangueira do jardim e aproximou-a do animal
para que ele lambesse o líquido enquanto ela lavava a vasilha de água.
- Dá para esperar a comida por mais uma hora? Só vou voltar daqui a
uma hora. Se o Kevin não puser a ração pra você, eu ponho.
O cachorro esticou a língua rosada e arfou como que agradecendo.
- Tchau, companheiro!
Recolocou a mangueira no lugar certo e saiu em direção à porta.
Sorria consigo mesma pensando em como seria legal quando Paul recebesse
as fotos, e o que ele diria quando escrevesse agradecendo.
Estava no segundo degrau da escadinha quando ouviu a mãe chamá-
la. Ergueu os olhos, sorrindo e com o rosto avermelhado pelo frio.
Clique. A mãe se achava à porta com a câmera na mão.
- Já bati todas as fotos, mãe, disse. Não tem mais nenhuma pose.
Nesse instante, a câmera se pôs a rebobinar automaticamente.
- Parece que ainda havia uma, replicou a mãe.
- Vou levar o filme naquele foto que revela em uma hora. Quer que eu
aproveite e compre algo pra senhora?
- Não, obrigada. Mas pra que tanta pressa? Esses retratos são pra
algum trabalho da escola ou algo assim?
- Não; é pra mandar ao Paul. Acabei de saber que o aniversário dele é
dia 10 de dezembro. Tenho de colocar a foto no correio amanhã pra chegar a
tempo.
- Ah, sei, disse a mãe.
Parecia um pouco confusa. Ou seria preocupada? Selena sentiu que
precisava dar uma explicação.
- Você lembra que ele me mandou um retrato no meu aniversário?
Agora ele pediu que eu mandasse um meu de presente de aniversário pra
ele.
- Ah, sei, repetiu a mãe.
Selena fitou-a atentamente e ficou com a impressão de que ela não
estava entendendo nada. Se ela compreendesse o que era começar um
namoro com o cara mais maravilhoso do planeta, saberia como tudo isso era
importante para Selena. É, mas parecia que ela não estava compreendendo,
não.
- Vou demorar pouco mais de uma hora, explicou, pegando a câmera e
sua mochila. Te amo, mãe! Tchauzinho!
Saiu correndo porta afora e entrou no carro.
Quando Selena chegou no foto, havia apenas um homem atendendo,
mas ele lhe garantiu que as fotos ficariam prontas em uma hora. A garota
resolveu que, para esperar, iria comprar um cartão, o porta-retratos e talvez
os elementos da caixa que iria enviar ao rapaz de presente de Natal. Saiu
apressada do foto. Pensando bem, se conseguisse arrumar a caixa, poderia
mandá-la também de presente de aniversário.
As comprinhas demoraram mais de uma hora, mas conseguiu tudo que
queria. O único contratempo fora que gastara mais do que previra, e agora
só tinha dinheiro para pagar a revelação. O tanque de gasolina do carro
estava só com um quarto de combustível. Teria de dar até receber de novo.
- Ah, finalmente chegou, disse o homem do foto assim que ela entrou.
Quero lhe perguntar algo sobre uma de suas fotos.
- Pois não, replicou ela, começando a olhar os retratos.
Na primeira, via-se a árvore toda e apenas o alto da cabeça de Selena.
Na seguinte, havia apenas um braço da garota e parte seu corpo. Em outra,
via-se seu rosto, mas estava bem embaçado. Selena soltou um gemido.
Aposto que ele vai perguntar como é que alguém pode bater umas
fotos tão horríveis assim e estragar um filme inteirinho. Pra que fui pedir a
Vó May pra bater essas fotos, ainda mais que ela estava com a mente meio
confusa? Aposto que esse homem deve estar espantado de eu ainda
confessor que elas são minhas.
- Queremos comprar uma de suas fotos, disse ele.
- Está brincando! exclamou a garota.
- Não. De vez em quando, quando vemos uma foto muito boa,
gostamos de comprar para colocar na vitrina como propaganda da loja.
- Foto muito boa? repetiu ela.
- É. Está aqui, explicou o homem, pegando uma que estava por baixo
de todas.
Era a que a mãe havia batido. E Selena teve de concordar com ele.
Realmente tudo saíra perfeito. O fundo dela era uma mistura de tons
amarelo e laranja, as cores das folhas das árvores. E ela também ficara
muito bem. Estava sorrindo com uma expressão de expectativa. Seu rosto
estava rosado e os olhos brilhavam. A mãe a pegara da cintura para cima. O
preto do chapéu contrastava com o colorido das folhas ao fundo. O melhor
de tudo, porém, era seu cabelo. Os cachos louros caíam sobre os ombros
como uma leve cascata. A luz do Sol do entardecer batia neles, dando-lhes
um reflexo dourado, parecendo espelhar as cores das folhas.
- Tem outras iguais a esta? indagou o balconista.
- Não. Só esta. Era a última pose e foi tirada quase sem querer.
- Mas é uma foto excelente. Quer nos vender?
- É, posso vender uma copia, mas preciso deste original e do negativo.
- Negócio fechado, replicou ele. Só preciso que você assine aqui uma
declaração, liberando o uso dela. Depois mandaremos o cheque pelo correio.
- Ótimo! Muito obrigada!
Selena se sentiu muito importante no momento em que relatava o fato
aos familiares à noite, à mesa do jantar. Não mostrou a ninguém as outras
fotos, pois não queria que Vó May soubesse que havia estragado tudo.
- E quanto é que eles vão pagar? indagou a mãe.
- Só 20 dólares. Quer a metade, já que foi você que bateu?
- Claro que não. Provavelmente você precisa desse dinheiro pra
comprar presentes de Natal.
Mais tarde, naquela mesma noite, já no quarto, Selena se deu conta de
que a mãe tinha razão. Havia gastado todas as economias com a compra do
bordado, do filme e do porta-retratos. E tudo seria para o Paul. Ficara sem
dinheiro; e não teria como comprar presentes para os familiares. Ao
embrulhar o retrato, lembrou-se de que não teria nem o do selo para enviar a
caixa para o rapaz. Contudo não ficou preocupada. Pelo menos já tinha tudo
que queria mandar para ele. O cartão custara três dólares, mas era
maravilhoso. A ilustração era a foto de um rapaz e uma moça andando de
mãos dadas em uma campina florida. Na parte de dentro, tinha a inscrição:
“Estou pensando você, no dia do seu aniversário, e mandando-lhe meus
votos de felicidades. Parabéns!” Achou a frase bem romântica e até um
pouco “adocicada” demais, mas gostou.
O que realmente acabara com o dinheiro tinham sido as coisinhas que
comprara para mandar na caixa. Adquirira diversos pacotinhos,
principalmente de doces e balas, que não vira nem na Inglaterra nem na
Irlanda, onde estivera no começo do ano. A essa altura, o Paul já devia estar
com saudades dos doces de sua terra. Comprou ainda um bolinho, desses
que vinham embalados em unidades, e mais uma caixinha de balas próprias
para festa de aniversário. Colocou no pacote uma lata de castanhas mistas,
um saquinho de cornetinhas típicas de festa, para fazer barulho,
chapeuzinhos de papel e um joguinho. Ela comprara ainda uma caneca de
cerâmica grossa para ele tomar o café. O pacotinho de café coube direitinho
dentro da caneca. Envolveu-a em uma folha de plástico com bolhas para
protegê-la bem. Estava pronta sua caixa com os presentes de aniversário
para o Paul.
Horas depois, ela terminou de preparar tudo do jeito que queria.
Contudo hesitou bastante antes de arranjar o porta-retratos e colocá-lo na
caixa. Não que não gostasse da foto que sua mãe tirara, não, O problema é
que a garota que estava na foto se parecia demais com ela. A Selena com o
vestido verde, pensou, causaria uma impressão melhor no rapaz. Contudo
seu dinheiro acabara e não tinha mais como tirar outras fotos.
Espalhou sobre a cama os retratos que Vó May batera, todos
defeituosos. Iria recortá-los, tirar um braço de um, uma perna de outro, a
cabeça de outro. Montaria um quebra-cabeças com eles. Ficou a pensar se
era assim que sua avó via o mundo, de forma toda fragmentada. Achou que
ajuntar todos os pedaços das fotos seria um “exercício mental” interessante.
Mas não hoje. Já demorara muito embrulhando o presente; e ainda tinha de
terminar o dever de casa.
Passava de meia-noite quando Selena acabou de escrever a carta que
iria mandar dentro da caixa. Estava exausta. Precisou de muito esforço para
concluir tudo - fechar a caixa com fita adesiva e escrever o nome e endereço
dele nela. Não tinha mais condições de fazer o trabalho da escola. Teria de
terminá-lo amanhã, de algum jeito, antes de ir para a aula.
Não houve jeito. As horas “voaram”. Ela teve de ficar com zero em
um dos trabalhos de inglês. Ficou furiosa. Agora teria de fazer outros
trabalhos para não ficar com nota muito baixa. E o que ela menos podia era
pegar mais tarefas escolares, já que seu tempo se achava todo tomado.
De manhã, pediu dez dólares emprestados à mãe para enviar o pacote.
Assim que as aulas terminaram, pegou o carro e foi no correio. Em seguida,
dirigiu-se à Mother Bear para ver se poderia fazer umas horas extras e
aumentar sua renda. D. Amélia examinou a tabela de empregados e disse
que ela poderia trabalhar dois dias pela manhã, na semana do Natal. Selena
aceitou. Não adiantaria muito no sentido de solucionar sua “crise”
financeira, mas já ajudava um pouco. Precisava de dinheiro para pagar o que
pedira emprestado.
A primeira providência que tomou ao chegar em casa foi verificar a
caixa do correio. Não chegou nada de Paul. Teve de fazer um esforço para
não deixar que aquilo a aborrecesse. Contudo, quando se lembrou de todo o
trabalho que tivera na noite anterior com a caixa de presentes para ele,
sentiu-se um pouco abatida. Afinal, por causa dela tirara um zero em inglês.
E o pior era que nessa noite também não teria muito tempo para
terminar os deveres. Estava muito atrasada com o bordado para o Paul, e
precisaria trabalhar várias horas nele para adiantá-lo. No dia seguinte, iria
trabalhar. Na sexta-feira à noite, seria a estréia do Ronny no The Beet. No
sábado, trabalharia. No domingo, iria à igreja e à noite estaria na Highland
House ajudando na Linha Jovem. Não lhe sobrava muito tempo para dedicar
ao bordado, com aqueles pontinhos miúdos.
Subiu correndo para o quarto e se pôs a trabalhar nele. Só pensava em
Paul; em nada mais. E enquanto ia cuidadosamente fazendo as chamas sobre
a montanha, pensou: Acho bom ele reconhecer todo esse trabalho que estou
tendo por causa dele. É só o que posso dizer.
Capítulo Quatorze

- Aqui, gente! gritou Amy, acenando para Selena e Vicki.


Estava sentada em uma mesinha de canto, no The Beet, e chamava as
amigas para irem ficar com ela. As duas foram caminhando por entre o
povo, sentindo-se envolvidas pela música alta e pelo vozerio ainda mais
barulhento.
- Puxa! está lotado! exclamou Vicki, tirando o blusão e pendurando-o
nas costas da cadeira junto a Amy. Nunca vi isto aqui tão cheio!
- É mesmo, interpôs Amy, falando alto em meio ao barulho da música
ambiente. Mas adivinha qual é o principal grupo que vai tocar aqui hoje?
The L’s.
- ‘Tá brincando! comentou Vicki berrando também. Aqui? Neste
nosso barzinho?
Selena já ouvira o The L’s; e gostava do jeito como tocavam, com
seus pistons, saxofones e guitarras. O som deles era muito vibrante.
- Então os The LB’s vão fazer a abertura para os The L’s? indagou
Vicki.
- É, vão, replicou Amy. Só que o nome deles não é mais The LB’s.
Eles acham que tocando antes do The L’s vai ficar parecendo que estão
querendo imitar.
- Então qual vai ser o nome? quis saber Selena.
Aquela música alta estava começando a lhe dar dor nos ouvidos.
- Parece que estão resolvendo agora, explicou Amy, dando de ombros.
Selena se remexeu, acomodando-se melhor na cadeira e aproximando-
se mais de Amy. A mesa balançou. As cadeiras eram todas diferentes umas
das outras, e cada uma pintada numa cor. Selena gostou da decoração do
barzinho, bem arrojada, meio amalucada. No alto, havia uma canoa verde
suspensa do teto. No centro dela via-se uma abertura, e nesta, uma lâmpada.
No palco, havia uma cabeça de alce empalhada. Bem no focinho do animal,
haviam colocado uma máscara de oxigênio. Atrás da sua orelha direita,
havia uma flor vermelha.
O ingresso no The Beet era três dólares e um quilo de algum alimento.
Tudo que fosse arrecadado seria doado para o templo do Exército de
Salvação que ficava no centro da cidade. Como Selena tinha só trinta e sete
centavos, teve de pedir emprestado a Vicki o dinheiro para o ingresso.
Nesse momento, uma garçonete aproximou-se da mesa delas. Estava vestida
com um macacão de veludo cotelê e perguntou se iriam beber algo. Selena
pediu só água.
Tirou o bordado da mochila, pensando em adiantá-lo um pouco
enquanto aguardava que o grupo de Ronny abrisse a apresentação musical
daquela noite.
- Que é isso? indagou Amy.
- Um bordado que quero dar de presente de Natal. Quero ver se acabo
até lá.
- Mas aqui? espantou-se a amiga, dando uma olhada para Vicki e
depois fitando Selena. Ei, Selena, isto aqui é um barzinho, e não um clube
de costura. Aqui a gente tem é de rir, conversar e se divertir; não ficar
tricotando!
Selena cedeu, acatando a censura da amiga, e guardou o bordado de
volta na mochila.
- Como é que se pode conversar com este barulhão?
- Que barulhão que nada! disse Amy. Barulho vai ser quando as
bandas começarem a tocar.
De repente Selena se viu como uma velha. Desde quando o barulho a
incomodava? E como fora pensar em levar seu bordado para ali? Se não era
para entrar na atmosfera festiva do lugar, seria melhor ter ficado em casa!
Vicki fez um aceno para amigos que avistou ali por perto. Amy correu
os olhos pelo ambiente.
- Alguém o viu? indagou.
- Quem? O Nathan? perguntou Selena.
- Claro que é o Nathan. Se você o avistar, me fale, o.k.? Passei o dia
todo preocupada com isso. Se ele vier aqui, gente, estou avisando, a coisa
pode engrossar.
- Você não vai fazer nenhuma estupidez, né? comentou Vicki em tom
confiante, pegando o cabelo longo e liso e enrolando-o para fazer um
coquezinho. Nós estamos aqui pra lhe dar uma força, viu? Vocês estão com
calor, gente, ou sou só eu?
- Está muito quente aqui, concordou Selena.
Ela já ia sugerir que fossem lá fora um pouquinho para se refrescar,
quando a música ambiente parou. Um cara com chapéu preto e comprido
subiu ao palco.
- Queremos música pra agitar! gritou ele, a voz ecoando nas paredes
da casa.
- É hora de mexer os pés! gritou em coro a platéia, constituída
principalmente de clientes do bar.
Selena nunca vira nada igual. Aquilo era muito engraçado! Era meio
bobo, mas bem alegre e divertido.
- Com vocês, os Three-Two-Ones!
- Three-Two-Ones? indagaram ao mesmo tempo Selena e Vicki.
- Eles devem ter resolvido adotar números em vez de letras, comentou
Amy, gritando por causa do barulho das palmas.
Ronny e seu grupo entraram correndo no palco, e logo o baterista se
pôs a tocar o instrumento num ritmo compassado. Selena percebeu que o
Ronny estava tenso. Tinha um sorriso forçado, erguendo os dois lados da
boca. Seu sorriso normal era diferente, entortando apenas um dos cantos da
boca. Hoje ele estava parecendo mais um garotinho num debate em sala de
aula. Achava-se muito aprumado e rígido, os pés bem juntos, e a guitarra
pendurada ao pescoço. Estava usando seu boné de beisebol, ao qual se
achava pregado seu rabo-de-cavalo. Naquele momento, a cabeça do alce
presa à parede parecia mais à vontade que o coitado do Ronny.
A primeira música que eles tocaram foi uma das preferidas de Selena.
E na opinião dela, eles a tocaram de forma impecável. A platéia aplaudiu
animadamente, e a garota respirou aliviada. Pelo menos os Three-Two-Ones
tinham dado uma boa largada, e os espectadores haviam gostado. Por outro
lado, não seria difícil arrancar aplausos daquele pessoal. A turma reunida no
The Beet parecia ter ido ali disposta a se divertir.
Na segunda música, Ronny deu a impressão de estar um pouco mais
relaxado. E ao encerrar a terceira, já olhava para Selena com aquele sorriso
típico, entortando a boca. E aquela era a sua última canção. Justamente
agora que haviam começado a engrenar.
- Maravilhoso! disse Vicki toda animada. O Ronny estava lindo, não
estava?!
- Estava era muito tenso, comentou Selena.
- No começo, sim, mas depois ele se soltou.
Houve um pequeno intervalo, e em seguida os The L's surgiram no
palco. A garçonete trouxe o pedido, e Selena se pôs a tomar a água. O salão
estava lotado e muito quente. Achou que deveria ter vestido uma camiseta,
em vez de uma suéter.
- Oi, Helen! gritou Vicki, cumprimentando uma conhecida do outro
lado do salão.
A garota acenou de volta. Nesse momento, Amy agarrou o braço de
Selena e deu-lhe um aperto.
- Olha o Adam ali, disse. Ele é amigo do Nathan. Será que o Nathan
está aqui? Alguém viu o Nathan, gente?
Selena girou a cabeça, correndo os olhos pelo salão.
- Não. Pode ser que não esteja aqui.
- Se o Adam veio, é bem provável que ele tenha vindo também. E eu
não quero vê-lo.
- Isto aqui ‘ta lotado, Amy, replicou Selena. Mesmo que ele esteja aí,
pode ser que vocês não se encontrem. Se eu fosse você, não esquentaria a
cabeça, não.
- É, mas você não é eu, respondeu a amiga em tom brusco. Vou
embora. Não quero passar por isso.
- Mas e os The L’s? interpôs Selena.
Amy não respondeu. Pegou a bolsa e pendurou-a no ombro.
- Então na segunda-feira a gente se vê.
E foi saindo, abrindo caminho por entre o povo. Selena e Vicki se
entreolharam.
- O que foi que deu nela? indagou Vicki. Não entendi nada.
- Vou com ela, decidiu Selena num impulso.
Não pensara em dizer isso, mas agora estava dito.
- Você pode arranjar uma carona pra voltar pra casa? perguntou a
amiga.
Vicki deu um amplo sorriso.
- Claro. Vou pedir ao Ronny pra me levar, explicou.
Selena agarrou a mochila e sorriu rapidamente para a colega.
Na verdade, o melhor imprevisto que poderia acontecer a Vicki
naquela noite seria “precisar” de uma carona do Ronny.
- Então, tchau! A gente se vê depois.
Selena saiu, passando no meio do pessoal e procurando seguir Amy.
Naquele momento o The L’s surgiu no palco, e logo em seguida ouviu-se
um toque alegre de piston e sax.
“If you give a man a fish...” (Se dermos um peixe a alguém...)
começou a cantar o vocalista. Selena ficou um pouco chateada de estar indo
embora. Gostava dessa música. As canções desse grupo sempre a deixavam
animada e alegre. Entretanto se achava ali, correndo atrás da amiga
desorientada, que, aliás, não dera o menor sinal de que desejava alguém em
sua companhia.
Saiu para o ar frio da noite e avistou Amy parada perto do prédio.
Estava frente a frente com Nathan. Selena olhou para o rapaz. Ao clarão
vermelho do letreiro em neon, deu para ver que ele não estava nada
satisfeito de haver encontrado a ex-namorada.
Capítulo Quinze

Selena ficou sem saber o que fazer. Achava-se a pouco mais de um


metro dos dois, mas Amy estava de costas para ela. Vários jovens estavam
por ali, à entrada do barzinho. A garota tentou se misturar a eles para não
chamar a atenção de Nathan. Será que Amy ficaria chateada se interferisse
na conversa deles? Deveria entrar de novo no salão? E se acontecesse algo
de ruim com a amiga? Amy dera a impressão de estar com medo de
encontrar o rapaz. Será que ele poderia bater nela ou algo assim?
Pendurou a mochila no ombro e mudou o peso do corpo de um pé para
o outro. O ar frio da noite refrescou-lhe o rosto. Resolveu aproximar-se um
pouco mais para ver o que estava acontecendo e saber se tudo estava bem.
De repente, Nathan pegou o braço de Amy. Como não via a expressão da
amiga, não deu para perceber se ele a estava forçando ou não. Só sabia que
ela não estava procurando se soltar dele. Mas e se ela não tivesse forças para
se soltar?
Selena concluiu que precisava interferir e defender a amiga. Wesley
lhe ensinara algumas táticas de defesa pessoal e ela trazia uma cornetinha na
mochila. Rapidamente tirou-a da bolsa e se pôs de prontidão para usá-la
caso fosse necessário. Quando seu irmão lhe dera aquele instrumento,
dissera-lhe que, se fosse atacada, deveria tocá-la. Com o barulho, o agressor
se assustaria e ela poderia fugir.
Segurando a cornetinha, ficou atenta a Nathan, observando todos os
seus movimentos. Amy abaixou a cabeça e o rapaz pôs as duas mãos no
ombro dela como se fosse sacudi-la. Em seguida, porém, passou o braço em
volta do ombro da garota e foi dirigindo-a para o estacionamento que ficava
aos fundos.
Selena se pôs a segui-los, com o coração batendo forte. Estava com o
dedo no gatilho da corneta, pronta para apertá-la. Cheg.ou mais perto deles e
percebeu que Amy estava chorando. Sentiu a adrenalina “subir”, e isso lhe
deu a confiança de que precisava para soar o instrumento. Aproximou-o da
cabeça de Nathan e apertou o gatilho.
- Foge, Amy, foge! gritou, em meio ao barulho ensurdecedor.
Nathan tirou o braço do ombro de Amy e tapou os ouvidos, virando-se
para Selena. Esta deu um passo para trás, mas Amy não se mexeu.
- Foge, Amy, foge! repetiu ela.
- Selena! exclamou a outra.
Seu rosto molhado de lágrimas tinha uma expressão de espanto.
- O que está fazendo aqui?
- Você estava chorando... gaguejou ela, dando-se conta do silêncio que
se criara em contraste com o toque da corneta. Nathan estava levando-a a
força.
- Estava não, replicou Amy, fitando irada a amiga. Nós íamos apenas
conversar um pouco.
- O que é que está havendo com você? perguntou Nathan tomando a
corneta. O que está fazendo com isto? E por que está nos seguindo?
Ele não era muito forte, mas quando queria ficar bravo, ficava
mesmo... como nesse momento.
- Desculpe... achei que...
- Achou o quê? indagou Amy.
Selena não sabia o que responder.
- Você mais do que ninguém deve compreender como é importante
procurar solucionar as questões que não ficaram bem resolvidas, explicou
Amy que parara de chorar. Eu e o Nathan precisamos conversar, Selena.
Queremos ficar a sós para resolver uns probleminhas. Quer dar licença?
- Eu... eu... é... desculpe!
Nathan devolveu-lhe a corneta.
- Tome, disse ele, vá socorrer alguém que esteja querendo ser
socorrido, disse o rapaz, olhando-a friamente, já que parece que você acha
que essa é a sua missão na vida.
Selena pediu desculpas mais uma vez e virou-se para voltar ao bar.
Nunca se sentira tão envergonhada como naquele momento. E ela pensara
que estava socorrendo a amiga... Percebia-se que Amy estava bem mais
ligada em Nathan do que dera a entender. Engolindo em seco, enfiou a
corneta de volta na mochila e retornou à entrada do The Beet.
- Já paguei ingresso, disse ao porteiro.
- Então mostre o canhoto.
Selena enfiou a mão no bolso, mas logo em seguida lembrou-se de
que ele ficara com a Vicki, pois fora ela que pagara as duas entradas.
- O canhoto ficou com minha amiga que está aí dentro, explicou.
O homem fitou-a com ar irônico.
- É, sei, disse ele. Sem o canhoto não pode entrar.
A garota se pôs na ponta dos pés e olhou para dentro do salão lotado.
Dali não dava para avistar a amiga. O The L’s estava tocando sua música de
maior sucesso: The King of Polyester (O rei do poliéster). Selena teve muita
vontade de entrar e se misturar ao pessoal alegre que estava ali. Queria
esquecer o fora que dera, havia pouco, com a Amy e o Nathan. Mas não
havia jeito. Não conseguia avistar Vicki e não tinha dinheiro para comprar
outro ingresso. Sua única opção era ir embora para casa ou ficar parada ali
na entrada. Poderia ficar como os outros fãs, que não tinham podido pagar e
estavam por ali, ouvindo “pedaços” das músicas que por vezes chegavam
até eles.
- Coisa mais ridícula! resmungou consigo mesma.
Passou-lhe pela cabeça dar a volta e chegar a porta do fundo, que dava
para o palco, por onde os cantores entravam. Talvez pudesse convencer
alguém de que estava acompanhando a banda de Ronny. O rapaz
confirmaria isso e assim poderia entrar. Mas e daí? Como poderia relaxar e
se divertir sabendo que dera um tremendo fora com Amy e Nathan?
Desalentada, Selena entrou no carro e foi para casa. Consolava-se com
a idéia de que poderia passar o resto do tempo bordando o presente de Natal
que mandaria para o Paul. Aliás, era isso que deveria ter feito.
Não conseguia resolver se contaria ou não para o Paul o que lhe
acontecera nessa noite. Ultimamente, vinha relatando a ele tudo que lhe
sucedia. Contudo recebera dele apenas aquela carta poética, que chegara na
véspera do Dia de Ação de Graças, e o bilhetinho no qual ele dizia que seu
aniversário era dia 10 de dezembro. Embora ela houvesse escrito para ele
diariamente, contando todos os pormenores do seu dia-a-dia, ele não
respondera nem com a mesma frequência nem com a mesma riqueza de
detalhes.
De qualquer modo, ainda havia o correio do dia seguinte, disse para si
mesma várias vezes. Os finais de semana pareciam muito longos porque no
domingo o carteiro não passava entregando a correspondência. Ainda assim,
na segunda-feira, ela verificaria a caixa com a mesma esperança que sentira
no sábado. Se não chegasse nenhuma carta dele, guardaria as esperanças
para a terça-feira.
Parou o carro em frente da casa e deu uma olhada para o marcador de
gasolina. O ponteiro já estava oscilando perto da área vermelha. Na próxima
vez que ligasse o veículo seria para ir direto ao posto. Contudo, quanto de
combustível poderia colocar com trinta e sete centavos?
Da forma como se sentia naquele momento, sua vontade era de se
esconder em seu quarto, ligar uma música bem triste e trabalhar mais no
bordado. Entrou em casa pensando exatamente isso.
Os pais estavam sentados no sofá da sala, assistindo a um filme junto
com Kevin e Dilton. O pai chamou-a.
- Você chegou antes do que esperávamos, comentou a mãe.
Selena resolveu não dar muita explicação para o fato de haver
chegado mais cedo e replicou:
- É, estava muito bom lá, mas tenho muito o que fazer.
- Será que dá para termos uma conversa? indagou o pai.
Não estava muito a fim, não. Sabia que iriam falar sobre sua idéia de
ir estudar na Escócia.
- A noite está muito agradável, continuou o pai. Vamos sentar lá na
varanda.
- Vou fazer café, interpôs a mãe.
Selena sentiu um aperto no coração. Quando o pai se sentava no
balanço da varanda e a mãe fazia café e o levava para ele, era sinal de que a
conversa seria longa. Era bem verdade que ali naquele balanço já haviam
tido muitos papos legais e maravilhosos, como, por exemplo, na noite em
que chegara de sua viagem à Inglaterra. Entretanto estava imaginando que o
de hoje seria meio difícil. Teria de se defender e provar para os pais que era
suficientemente madura para tomar decisões. A semana fora tão cheia que
não tivera tempo de fazer as pesquisas a respeito dos cursos da universidade
nem das bolsas de estudo. Não teria nenhum argumento para defender o seu
anseio de ir estudar em Edimburgo. Hoje a conversa só iria pender para o
lado do pai. E ela estava com a forte impressão de que ele não mudara de
opinião com relação ao assunto.
Foi seguindo o pai em direção a varanda e, de passagem, pegou um
cobertor que se achava sobre o sofá. A noite estava clara. Isso significava
que estava mais fria. Quando o céu se cobria de nuvens, com aquela cor
bege, sem graça, era menos frio.
- Precisamos conversar sobre você e o Paul, principiou o pai.
- Por quê? indagou ela quase sem pensar e logo em seguida
acrescentou: Quero dizer, achei que queriam conversar sobre eu ir estudar
na Escócia; não sobre o Paul.
- Os dois assuntos estão ligados, replicou ele com voz calma,
procurando tranquilizá-la.
Selena compreendia que poderia conversar com o pai sobre qualquer
assunto. Sempre pudera. Agora, porém, estava sentindo que devia assumir
um ar de distanciamento, para demonstrar que já tinha juízo e idade
suficiente para tomar as decisões que lhe diziam respeito. E relutava em
“baixar a guarda”.
- Me conte como está indo seu relacionamento com o Paul, pediu ele.
Outro dia você falou que estão se correspondendo.
Selena acenou que sim, mas não deu maiores explicações.
- Com que frequência você escreve para ele?
- Muitas vezes, replicou ela.
- Todos os dias? Uma vez por semana? Duas vezes por dia?
- Sei lá. Quase todo dia.
- E quantas vezes ele escreve para você?
- Quase todo dia também, disse Selena.
O pai olhou-a com ar interrogativo.
- Quando foi que você recebeu a última carta dele?
- Uns dias atrás.
- Foi uma carta longa, cheia de detalhes?
- Não, foi curta. Mas a que veio antes dessa foi bem comprida.
- E quando foi que a recebeu?
- Na véspera do Dia de Ação de Graças.
- E antes dessa?
- Ah, acho que foi o pacote que veio com o retrato dele.
- Ele mandou uma carta no pacote?
- Não.
Selena já estava começando a fazer os cálculos por si mesma. Entre a
chegada do retrato e a carta seguinte, tinha havido um intervalo de dez dias.
O pai fez uma pausa e em seguida já ia dizer algo quando a garota interveio.
- Creio que ele escreve uma vez por semana ou de dez em dez dias.
O pai fez um aceno afirmativo.
- Mas parece que é com mais frequêcia, prosseguiu ela. Sei que ele
pensa em mim muitas vezes, e eu também penso muito nele.
Nesse ponto, a mãe chegou com duas canecas de café puro e entregou
uma para o marido. A seguir, foi se sentar numa cadeira que estava em
frente deles, do outro lado da varanda, e puxou para o pescoço a gola do seu
moletom.
- O que é que ele diz nas cartas? indagou o pai.
- Como assim? perguntou Selena, sentindo-se cair na defensiva.
- Ele diz que está com saudade? Que quer vê-la de novo?
- É, diz, respondeu ela, falando devagar.
Não se lembrava de nenhuma carta em que ele tivesse dito isso com
essas palavras. Contudo sabia que ele sentia isso. E ela, por seu lado, já o
dissera para o rapaz.
Houve um momento de silêncio. O forte aroma do café estava no ar,
chegando até Selena.
Que engraçado! pensou a garota. Meus pais estão bem aqui e no
entanto parece que se encontram a quilômetros e quilômetros de distância.
Por que estão me interrogando desse jeito? Será que não confiam em mim?
Teve a impressão de que estavam longe dela e que, de lá, eles a
condenavam por estar se envolvendo emocionalmente com um rapaz que,
como os fatos demonstravam, não parecia ter o mesmo grau de interesse por
ela.
Paul escreve poemas pra mim, pensou, mas de repente interrompeu o
raciocínio. Espere aí! Será que ele realmente escreveu aquelas poesias pra
mim? Pode ser que ele apenas as tenha escrito e mandado pra mim. Mas ele
me mandou um retrato dele e pediu o meu também. Se ele não tivesse algum
interesse por mim e não quisesse uma imagem minha perto dele, certamente
não pediria!
- Não consigo acreditar que vocês já esqueceram o que é gostar de
alguém romanticamente e ler nas entrelinhas o que essa pessoa está dizendo,
comentou ela, percebendo que sua voz tremia. Essa é a primeira vez na
minha vida em que estou fortemente interessada em um rapaz e vocês estão
querendo nos separar. Isso me parece tão injusto! Será que não podem
simplesmente se alegrar comigo? Não há nada de errado nessa
correspondência minha com o Paul. Não gostei nem um pouco de darem a
entender que estou fazendo algo errado.
Selena parou. Repassou mentalmente o que acabara de dizer. Parecia
que já ouvira isso antes e, naquele momento, lembrou-se de tudo. Amy lhe
tinha dito essas mesmas palavras no dia seguinte ao seu primeiro encontro
com Nathan, quando Selena a questionara sobre seu relacionamento com o
rapaz.
- Eu... principiou ela. É, não estou com muita vontade de conversar
sobre isso agora. Os dois se importam se eu for para quarto pra pensar um
pouco nesse assunto? Acho que prefiro falar sobre essa questão mais tarde.
A mãe olhou para o pai e este acenou que sim.
- ‘Tá bom, disse Sharon Jensen em voz baixa.
Selena se levantou, sentindo o coração bater com força.
- Filha, disse a mãe, lembre-se de que nós a amamos. E só queremos o
seu bem. Não se esqueça disso, o.k.?
A garota não soube ao certo o que responder. Virou-se ligeiramente
para os pais e lhes dirigiu um olhar triste. Em seguida entrou na sala.
Capítulo Dezesseis

- Mas a questão é que meu relacionamento com ele não é nem um


pouco parecido com o de Amy e Nathan, disse Selena para o Ronny no dia
seguinte.
Ele aparecera na Mother Bear no momento exato em que Selena iria
começar seu horário de almoço e resolveu fazer-lhe companhia.
Geralmente, aos sábados, Ronny passava o dia todo aparando gramados.
Contudo hoje, como estava chovendo demais, ele não pudera fazer esse
serviço. Por outro lado também, estava havendo uma liquidação nos
shoppings e, ao que parecia, todos os fregueses da confeitaria tinham ido
para lá.
D. Amélia ofereceu ao rapaz um pãozinho de canela, de graça. Estava
com a cobertura de glacê e quentinho, do jeito que ele gostava. Ela queria
demonstrar que estava em paz com a vida nesse dia, apesar do movimento
fraco. Em seguida, ela sugeriu que os dois fossem se sentar numa mesa do
canto e curtir a calma da tarde.
Selena empurrou de lado a caixinha de leite que estava vazia e
inclinou-se para a frente, aproximando-se mais de Ronny.
- O que estou querendo dizer é que no caso de Amy e Nathan, desde o
começo, eles tiveram um relacionamento mais físico. O meu com Paul é
mais espiritual. Nós curtimos um ao outro no nível da emoção. Acho que
poderíamos até dizer que somos “almas gêmeas”.
Ronny limitou-se a ouvi-la, sem fazer nenhum comentário,
concordando ou discordando.
- Não compreendo por que meus pais estão complicando tudo,
continuou a garota. Eu sou totalmente pura, e eles sabem disso. Você
também sabe. Todo mundo sabe. Se eles estão convencidos de que estou
fazendo algo tão errado, então pra que estou usando isto?
E aqui ela ergueu a mão direita para o rapaz, mostrando a aliancinha
de ouro no dedo. Era o anel de compromisso do pureza que o pai havia lhe
dado.
- Me responda isso, prosseguiu. Que é que adianta meus pais dizerem
que confiam em mim, que estão satisfeitos com as decisões que tomo, se
não entendem por que esse meu relacionamento com Paul é tão
maravilhoso? Por que eles querem atrapalhar tudo?
Ronny não respondeu. Limitou-se a erguer uma sobrancelha e pegar
um pedaço do pãozinho que estava na mesa à frente dele.
- Que é que adianta? insistiu Selena.
O rapaz enfiou o último pedaço de pão na boca.
- Ah, você fez isso só pra não me responder, né?
- Não, replicou ele, falando meio embolado. Não tenho nenhum
problema em falar de boca cheia. Estava apenas querendo ser educado.
Selena afastou os olhos do rosto dele para não ver o pão mastigado
dentro da boca do amigo. Ronny o engoliu e deu um estalido alto com os
lábios.
- Então me diga só uma coisa, falou ela, virando-se de novo para o
colega. Por que meus pais estão agindo como se houvesse algo de errado em
meu relacionamento com Paul?
- E há?
- Há o quê?
- Algo de errado.
- Não; está tudo ótimo. Não, melhor que ótimo, está fantástico!
Ronny não respondeu.
- Estou aborrecendo-o com essa minha conversa, né? indagou ela,
olhando atentamente para o amigo. Parece que estou falando sem parar
sobre esse meu problema.
- Mas é assim que você o resolve, interveio o rapaz. Não precisa da
minha opinião. Quando acaba de falar tudo que tem de dizer, você descobre
a solução. Lembra daquela noite quando fomos acampar, e você não sabia
direito o que sentia pelo Drake?
Ela se lembrava direitinho. Era uma recordação que a deixava muito
sem graça. Estava escuro e ela entrara na barraca de Ronny, achando que era
a de seu irmão. Em seguida, pusera-se a abrir o coração para ele. No fim ela
esbarrara em algo e a barraca desmontara em cima deles. Assim todo mundo
ficou sabendo que Selena estava onde não deveria estar - no alojamento de
um rapaz. Sua vontade era esquecer aquele episódio; e gostaria que o amigo
o apagasse da mente também.
Além disso, prosseguiu o colega, não sei o que responder. Aliás, não
sei nem qual é o problema.
Selena baixou a cabeça e pôs a mão no rosto num gesto de
impaciência.
- Ronny, o problema é que meus pais estão dando a entender que não
estou enxergando direito tudo que diz respeito ao meu relacionamento com
Paul.
Ergueu os olhos para o amigo para ver se ele estava atento
- Querem que eu pare de me corresponder com ele. Mas por quê? Será
que acham que sou muito nova pra ele? Já tenho dezessete anos! Em alguns
estados, uma moça com dezessete anos já tem até permissão pra casar!
- É mesmo? indagou Ronny, parecendo surpreso com a informação.
- Creio que sim. Não sei. A questão é que já tenho idade suficiente pra
saber o que quero e o que é bom pra mim.
- E o que é bom pra você?
- Paul! replicou ela com firmeza. Ei, não escutou nada do que eu
disse?
- Claro que escutei! Então me diga, por que o Paul é bom pra você?
- Ah, replicou a garota sorrindo, ele me faz sentir bem comigo mesma.
Desperta o meu lado criativo. E quando leio as cartas dele, sinto uma intensa
sensação de bem-estar!
- E ele a influencia pra buscar mais a Deus? indagou Ronny.
- O quê?
- Isso não era um item da sua lista de requisitos? perguntou ele. Certa
vez você me disse que havia feito uma lista de condições para o rapaz que
gostaria de namorar. Lembro-me de que uma das metas que colocou era que
seu namorado a ajudasse a buscar mais a Deus e que você também fizesse o
mesmo por ele.
- Ah, sei. Sim, claro que eu e o Paul estamos ajudando um ao outro a
nos aproximar mais de Deus, replicou ela, num tom de quem recita o
juramento à bandeira.
- Lembra-se daquela conversa que tivemos na barraca, quando você
disse que estava vivendo de emoções e nada mais? interpôs o rapaz.
Selena fitou-o com uma indagação no olhar, como quem procura
recordar.
- E eu lhe falei pra não ficar se “castigando” muito por ser impulsiva e
se deixar levar pelas emoções.
Ela não se lembrava.
- Pois ainda acho que não deve se censurar por ser assim, insistiu ele.
- E o que mais?
- Mas tenha um pouco mais de cuidado com suas emoções.
Selena recostou-se na cadeira.
- E é só isso que pode me dizer? Não vai me dar alguns argumentos
pra eu apresentar a meus pais?
Ronny abanou a cabeça.
- Não, disse. Você mesma vai descobrir a solução certa. Sozinha.
Continue conversando sobre o problema. Depois de algum tempo, vai
enxergar claramente como deve agir.
A lógica racional de Ronny não entrou bem na cabeça de Selena. O
que ele quisera dizer quando falara sobre “ter mais cuidado com as
emoções”? O único ponto em que concordava com ele era que, de fato,
muitas vezes ela encontrava a solução dos problemas quando falava sobre
eles.
A dificuldade agora era achar alguém com quem pudesse conversar
sobre o assunto. Já falara com o amigo e ele dera sua opinião, mas isso não
a ajudara muito. Com Amy? Era bem provável que a colega não quisesse
conversar com ela nunca mais. Tânia também não, o que era péssimo, pois
por diversas vezes a irmã lhe dera bons conselhos. Além disso, Tânia
entenderia bem o que era estar gostando de um rapaz da família MacKenzie,
já que estava bem ligada ao Jeremy. E a Vicki? É, poderia conversar com
ela não apenas sobre o conflito com os pais por causa do Paul, mas também
sobre a Amy. Resolveu que iria ligar para a amiga assim que terminasse o
trabalho.
Deu uma espiada para o relógio. Faltavam três minutos para encerrar
seu horário de almoço.
- Tenho de ir trabalhar, disse para Ronny. Obrigada por ter me
escutado.
O rapaz deu um sorriso.
- Ah, disse ele, recebemos 200 dólares pela apresentação de ontem à
noite.
- Oh, Ronny, esqueci de lhe perguntar sobre isso. Que ótimo! Vocês
tocaram muito bem. Fiquei tão empolgada com a estréia de vocês. E
fazendo a abertura para os The L’s, heinn? Que legal! O bar estava lotado!
Achei que saiu tudo perfeito!
- Tivemos uns errinhos na terceira música, explicou o rapaz. Não
percebeu, não?
- Absolutamente nada!
- Ainda bem, exclamou ele com ar satisfeito. Não a vi depois do show.
O que aconteceu?
Selena respirou fundo, meio irritada.
- Ah, fiquei presa do lado de fora. A Vicki estava com canhoto do meu
ingresso. Aí eu sai pra ver o que estava acontecendo com a Amy e não pude
voltar, explicou, abanando a cabeça. Agi como uma idiota. Vi a Amy
caminhando para o estacionamento junto com o Nathan e achei que ele a
estava obrigando a acompanhá-lo, então...
Ronny esperou que ela concluísse.
- Ainda não entendo como fui dar um fora daqueles. Toquei uma
corneta na cabeça do Nathan e gritei pra Amy sair correndo.
O rapaz arregalou os olhos. Parecia que ele estava com vontade de rir.
- E ela correu?
- Não. Acabou que os dois queriam ficar a sós pra ter uma conversa.
Agora eles devem estar furiosos comigo.
- Um pouco de cuidado é bom, mas demais...
- É, eu sei, disse Selena. Exagerei de novo.
Ronny foi dando um sorriso lento.
- É, uma coisa é derreter os marshmallows; outra é a cozinha pegar
fogo.
- O que você quer dizer com isso?
- Estou falando do princípio de incêndio que houve em sua casa.
Lembrei-me disso agora. Para derreter o marshmallow só é necessário um
pouco de calor. Aí tudo bem. Mas embora o calor seja um elemento
positivo, se for exagerado, incendeia a cozinha.
Selena não deu muita atenção ao raciocínio dele.
- O que mais me aborrece, comentou, é que na semana passada parecia
que tudo havia se acertado entre nós e a Amy. Eu, ela e a Vicki tivemos uma
conversa ótima e combinamos de nos encontrar aqui na Mother Bear toda
segunda-feira. Agora tudo foi pelos ares, pegou fogo, como diz você.
- Talvez não.
Selena deu outra espiada para o relógio.
- Terminou meu horário de almoço. Tenho de voltar para o balcão.
Muito obrigada, de novo, por ter me escutado.
- Às ordens! disse ele, estendendo o braço e dando um leve aperto no
pulso dela. Não deixe isso desanimá-la, não. Tudo vai se resolver - Paul,
Amy, tudo. Sempre resolve. Deus está no controle.
- Obrigada. Eu estava mesmo precisando de uma palavra de estímulo
hoje. Ah, e meus parabéns porque tudo saiu muito bem ontem!
Antes que o rapaz saísse, ela ainda fez outro agradecimento.
- Ah, obrigada pela carona que deu à Vicki ontem, disse, com um leve
toque de curiosidade.
- Vicki? indagou ele. Eu não dei carona pra ela não. Foi o Warner.
- Ah, exclamou ela e, virando-se, fez uma caretinha consigo mesma.
Não via a hora de se encontrar com a amiga para saber o que
acontecera.
Contudo só na segunda-feira à tarde foi que ela ficou a par dos fatos.
Ligou para Vicki no sábado à noite, mas a colega não se achava em casa.
Então passou o resto da noite trabalhando em seu bordado para Paul. No
domingo depois do almoço, pegou-o de novo. À noite, na Linha Jovem da
Highland House, ficou o tempo todo ocupada com as ligações. Depois que
voltou para casa, foi terminar os trabalhos da escola, o que só acabou já bem
tarde, após a meia-noite. Na segunda-feira, na hora do almoço no Royal,
sentou-se com Vicki, mas o Ronny, o Warner e outros caras da banda deles
também vieram se juntar a elas. Aí não pôde conversar com a amiga.
O assunto deles a hora do almoço, aliás, da escola toda, era o The
Beet. A indagação geral era se o grupo de Ronny iria manter o nome Three,
Two, Ones. O rapaz explicou que haviam pensado nesse nome no último
minuto, na sexta-feira. A maioria do grupo gostara. Os outros acharam que
era meio “pobre” e prometeram arranjar um melhor.
Terminadas as aulas, Selena foi esperar Vicki junto ao escaninho da
colega. Quando esta finalmente apareceu, a garota lhe disse:
- Preciso conversar com você. Aonde quer ir?
- Ué, ao Mother Bear. Não combinamos de nos encontrar com a Amy
lá? Faltam quinze minutos.
Selena apoiou a cabeça no escaninho.
- Acho que Amy está chateada comigo.
Vicki fitou-a espantada. Selena olhou-a meio de lado.
- Foi por isso que eu disse que tenho uma porção de coisas pra
conversar com você.
- Bom, replicou Vicki, ela não está chateada comigo. Acho que
devemos ir lá pra confeitaria, como combinamos. Se houve algum
problema, precisamos conversar pra solucioná-lo. Foi isso que ficou
acertado na semana passada, não foi? Nós tivemos muitos problemas em
nossos relacionamentos nos anos anteriores porque não nos esforçamos bem
pra resolver as questões pendentes.
Selena sentiu um aperto no estômago. Nos últimos dias, vinha tendo
essa sensação com bastante frequência. Percebia que havia algo errado,
“fora de esquadro”, mas não conseguia descobrir o que era.
Durante a aula, de manhã, ela fingira que anotava a matéria, mas
estava era escrevendo uma carta para o Paul. Disse-lhe que queria muito que
ele estivesse ali para poder conversar pessoalmente sobre o que estava lhe
acontecendo. No sábado, quando estivera com Ronny na confeitaria, ela
desabafara bastante. Já fora bom. O problema era que o colega não lhe dera
nenhuma solução. Limitara-se a falar figuradamente, citando marshmallows
queimados. Dissera ainda que ela não devia se censurar muito por ser
impulsiva e se deixar levar pelas emoções.
Tinha certeza de que, com Paul, a conversa seria diferente. Ele
conhecia seu coração. Iria ouvir tudo que ela tinha para dizer e também
conseguiria enxergar as questões mais profundas. Saberia “ler nas
entrelinhas”, como os dois faziam cada um com as cartas do outro. Paul lhe
daria a orientação certa e lhe diria palavras de incentivo. Ele lhe ensinaria
como poderia convencer seus pais de que o relacionamento que havia entre
eles era muito positivo. E até lhe mostraria como deveria agir com a Amy.
O problema era que ele não estava ali. Esse era o mal de namorar um
rapaz que está distante. Quando ele recebesse a carta que lhe escrevera hoje
e a respondesse, já seria Natal. Àquela altura, muita coisa poderia ter
acontecido.
De repente, Selena se lembrou de que o Tio Mac havia dito que o
amor é paciente. Na hora, pensara que entendia bem tudo isso. Agora,
porém, achava que talvez ainda não tivesse uma compreensão tão clara
dessa verdade. Provavelmente precisava ter mais paciência consigo mesma,
com seus foras e com o fato de Paul estar longe dela. E também era
provável que precisasse ser mais calma com a Amy. E nesse momento teria
de exercitar exatamente essa calma.
Saindo de seu devaneio, ajeitou a mochila no ombro e olhou para
Vicki.
- ‘Tá bom, disse, vamos pra Mother Bear pra ver se a Amy vai
aparecer.
- Vai, sim, afirmou a amiga em tom confiante. Ela precisa da nossa
amizade da mesma forma que nós precisamos da dela.
Capítulo Dezessete

A sineta da porta da Mother Bear soou, com seu tinido alegre, quando
Vicki e Selena entraram. Imediatamente as duas sentiram o aroma de café,
misturado ao cheiro de pãezinhos recém-assados.
- Adoro o cheiro deste lugar! exclamou Vicki. Você fica enfarada dele
quando está trabalhando?
- Enfarada, não, mas às vezes nem o sinto, replicou Selena, correndo
os olhos pelas mesas para ver se Amy já chegara.
Não chegara. E as duas estavam cinco minutos atrasadas.
- Quer tomar algo? indagou Vicki, encaminhando-se para o balcão.
Quer chá? Eu pago!
Selena agradeceu a generosidade da colega. No domingo, havia
pegado 5 dólares emprestados com o pai para por gasolina no carro, pois
teria de ir à Highland House e à aula. No dia seguinte, iria receber. Contudo,
depois que pagasse todas as dívidas, teria muito pouco de resto para
comprar os presentes de Natal.
- É, quero um chá de hortelã, disse. Obrigada, Vicki.
Acompanhando a colega até o balcão, Selena cumprimentou D.
Amélia e em seguida perguntou:
- A senhora se lembra daquela minha amiga Amy? Viu se ela esteve
aqui?
- Creio que não, respondeu a mulher. Mas a loja tem estado muito
cheia.
D. Amélia estava usando um avental que criara especialmente para as
festas natalinas. Era de cor vermelha e, na parte superior, tinha uma
aplicação com a figura de um urso. O animalzinho tinha uma fita na cabeça
com o desenho de chifre de renas. Selena achou o avental engraçadinho,
embora meio infantil. No sábado, quando usara um deles, percebeu que
algumas clientes tinham olhado bastante para ele.
- Eu lhe falei que uma freguesa perguntou se eu queria lhe vender meu
avental? indagou para a patroa.
- Não. Falou não. Espero que você tenha dito que sim.
- Não; eu disse que a senhora é que o tinha feito e que ela teria de
conversar com a senhora.
- Ótima idéia! Acho até que vou fazer mais uns dois ou três, trazer
para cá e pendurar na loja. Vou fazer isso hoje à noite mesmo.
Selena não conseguia imaginar como alguém poderia costurar algo da
noite para o dia. Seu bordado estava demorando tanto! E não estava ficando
lá muito bom, não; quanto mais o olhava, mais via defeitos. Começara-o
com muito entusiasmo, mas agora sua animação tinha acabado havia algum
tempo.
D. Amélia foi buscar a água para o chá e Vicki tirou o dinheiro da
bolsa.
- O que foi que aconteceu sexta-feira à noite? quis saber Selena.
Ronny me disse que não foi ele quem lhe deu carona, foi o Warner.
A amiga girou os olhos para o alto.
- Nem me fale nisso, por favor, disse. Estou querendo esquecer.
- Se fosse eu, preferiria pegar um táxi a entrar num carro sozinha com
Warner.
- Não estava sozinha, explicou Vicki. Havia mais quatro pessoas. E eu
fui a primeira a descer. Então, na verdade, não há nada pra contar.
- Há, sim, insistiu Selena. Por que o Ronny não lhe deu a carona?
- Ele ia levar o Tre, e na hora lá não quiseram ficar apertados pra me
levar também.
- Mas o Warner quis, disse Selena, pegando a vasilha de chá que D.
Amélia lhe trouxera e agradecendo a mulher.
- Quis, concordou Vicki, sorrindo para a proprietária da confeitaria, e
acrescentou: Quero um capuccino com canela.
- Parece que nada está saindo exatamente como a gente queria, né?
comentou Selena.
Vicki pagou a compra e as duas pegaram as xícaras, indo sentar-se
numa mesa perto da janela.
- Sei, não, replicou Vicki. Acho que no momento não tenho muito de
que reclamar. E creio que você também não tem.
- Pra mim está tudo péssimo, desabafou Selena, chegando a cadeira
para mais perto da amiga para que ninguém as ouvisse. Estou tendo um
conflito com meus pais que está me inquietando bastante. Eles estão
querendo ter uma conversa comigo sobre o assunto. Na sexta-feira,
começamos, mas eu não consegui discutir direito o problema.
- Que problema?
- Paul. Eles não gostam dele.
- Hein? Quer me explicar isso direito? Quando foi que eles pararam de
gostar do Paul?
- Acho que foi quando comecei a me corresponder com ele. Eles têm a
mania de expor a opinião deles sem a dizerem explicitamente. Então a gente
é que tem de encontrar a solução.
- Pois o jeito deles é melhor do que o dos meus pais. Eles dizem tudo
claramente e apontam tudo que estou fazendo errado.
- E eu preferia que os meus agissem assim com relação ao problema
do Paul. Não sei o que eles têm contra ele, ou contra o fato de eu estar
gostando dele.
- Por que você não pergunta? sugeriu Vicki. Se você perguntasse, eles
lhe diriam exatamente o que estão vendo de errado no caso, não diriam?
- Creio que sim.
- Ou será que você não está querendo muito saber o que eles pensam?
- Sei lá. Só sei que não estou gostando nada dessa constante sensação
de que há algo errado.
- É, sei o que está querendo dizer. Tinha essa mesma sensação quando
andei afastada de Deus.
Selena pensou que talvez fosse esse também o seu problema, mas
rejeitou o pensamento. Considerava-se uma boa crente. Havia vários anos
que era assim. O que poderia estar errado no seu relacionamento com Deus?
Em seguida, ocorreu-lhe outra lembrança. Quanto tempo fazia que não
orava nem lia a Bíblia? Muito tempo; várias semanas. Mas é que tinha
andado muito ocupada. Obviamente Deus compreendia isso. Essa situação
não mudava sua condição básica. Deus a amava do mesmo jeito, isto é,
incondicionalmente Ela ainda era capaz de testemunhar de sua fé a qualquer
momento. Além disso, estava trabalhando na Linha Jovem da Highland
House. O crente que se afasta de Deus não faz um serviço voluntário desses,
faz?
O aperto que sentia no estômago parecia ter piorado. Pedira o chá de
hortelã exatamente porque ele era bom para dor de estômago. Levou a
xícara aos lábios avidamente, mas sorvera devagar o líquido quente. Queria
se acalmar, não queimar a boca.
A idéia de não se queimar ficou a pairar em sua mente. De tudo o que
estava lhe acontecendo no momento, isso era o que ela mais queria.
Desejava, sim, ter um relacionamento caloroso e agradável com o Paul.
Contudo não queria se “queimar” nem sofrer, como Amy profetizara.
Queria ter uma conversa calma e tranquila com os pais, sem ficar toda
agitada nem “queimar” o bom relacionamento que construíra com eles no
decorrer dos anos. A idéia de “se acalmar e não se queimar” aplicava-se
também à sua amizade com Amy. Jamais quisera perder o controle de seus
atos, como acontecera na sexta-feira.
- Acho que a Amy não vai aparecer, disse Selena.
Vicki deu de ombros.
- Se não vier, depois eu ligo pra ela. Creio que é fundamental que não
descuidemos desse novo relacionamento que iniciamos na semana passada.
Então, se ela disser que está chateada com você, concorda em ter uma
conversa pra resolver o problema?
- Claro, replicou Selena.
Ainda se sentia meio ridícula por causa do que acontecera no The
Beet. O que fora mesmo que Paul lhe dissera na ocasião em que haviam se
conhecido? Ele comentara algo a respeito do amadurecimento dessa sua
impulsividade no futuro. É, estava claro que isso ainda não ocorrera.
Pensava que era suficientemente madura para sair de casa e ir estudar na
Escócia. No entanto via que não estava conseguindo cultivar
adequadamente seus relacionamentos mais importantes.
- E se você não se importar, Selena, quero dizer que deve ir conversar
com seus pais o mais depressa possível e acertar esse desentendimento com
relação ao Paul.
- É, eu sei, replicou a garota.
Tomou outro gole do chá de hortelã, mas ele não lhe transmitiu muita
tranquilidade.
E afinal Amy não apareceu mesmo, o que fez com que Selena e
sentisse ainda pior. Foi para casa e direto para a cama. Instantes depois, sua
mãe subiu para ver o que estava se passando com ela. Selena explicou que
não estava se sentindo bem, parecia que ia ficar doente e não queria jantar.
Cochilou um pouco, por cerca de uma hora, e depois acordou. Resolveu
sentar-se na cama. Acendeu a luz e pegou a carta que estava escrevendo
para o Paul.
Será que é porque sou muito perfeccionista? Quero que tudo esteja
bem certinho. Quero que minhas amigas gostem de mim, que meus pais não
fiquem aborrecidos comigo. Quero que tudo dê certo e esteja em paz. Mas
neste momento não está assim. Bom, é verdade que algumas áreas de minha
vida estão bem. Não quero lhe mandar uma carta totalmente negativa. E
também não posso dizer que está tudo errado, não. A questão é que muitos
aspectos não estão perfeitamente bem. Entende o que quero dizer?
Parou de escrever e deu um suspiro. Releu toda a carta, iniciando a
partir do ponto que escrevera na escola. Notou que não passava de um
amontoado de frases, que não davam em nada. Embolou a folha, amassou-a
e jogou no lixo. Não era aquilo que desejava que Paul lesse no trem. Ele
precisava era de algo que o edificasse; não daquela louca fieira de palavras
pessimistas. As cartas dele para ela sempre eram inspirativas e animadoras.
Queria que as suas tivessem o mesmo efeito nele. Então iria refrear o desejo
de escrever para ele todas as vezes que estivesse meio desorientada, como
agora. Sentiu uma lágrima brotar no canto do olho.
- Parece que não consigo fazer nada certo, disse para si mesma,
censurando-se. Afinal, o que há de errado comigo? Não posso nem escrever
para o Paul! E meu relacionamento com ele é o elemento mais importante
de minha vida!
Ouvindo o pensamento que acabara de expressar, Selena levou um
susto. Repetiu o que dissera para ver se escutara direito.
- Paul é o que há de mais importante pra mim!
Essa constatação deixou-a preocupada. Será que o Paul agora ocupava
um lugar que sempre pertencera a Deus? Alguns anos antes, ela decidira que
Jesus seria a principal pessoa de sua vida. No início, quando falava disso
para alguém, sentia que o fazia num tom de vanglória. Contudo confessara
esse erro para Deus e continuara amando-o. O fato de ter cometido esse
pecado não tirara Deus do centro do jardim do seu coração.
Agora, porém, se fechasse os olhos e tentasse imaginar o jardim do
seu coração, não via mais Jesus ali; via Paul. E não fora o rapaz que entrara
ali à força, não. Fora ela própria que o colocara nesse lugar. Percebia que
pouco a pouco passara a ignorar a Deus e parara de ter comunhão com ele.
Finalmente compreendia a razão da dolorosa sensação de vazio que havia
em seu estômago.
- Selena! chamou a mãe do lado de fora, batendo levemente à porta.
Em seguida, ela abriu e entrou, trazendo o telefone sem fio.
- É a Tânia. Ela quer falar com você.
Capítulo Dezoito

- Alô! disse Selena, ajeitando-se na cama assim que a mãe lhe


entregou o aparelho e saiu.
- Oi, Selena! Mamãe disse que você não está passando bem, comentou
a irmã em tom condoído.
- Ah, não é nada sério, não. Estou bem.
- Espero que não esteja ficando gripada. Tem uma gripe “circulando”
por aqui, e o pessoal está dizendo que este ano ela veio muito forte.
- Ah, mas não vou ter nada, não, interveio a garota e, antes que a irmã
continuasse falando, acrescentou: Tânia, ainda estou muito sentida de haver
falado sobre Reno, no restaurante! Percebi que você ficou bastante
aborrecida. Desculpe, viu?
- É, fiquei sim, replicou Tânia. Mas fiquei mais chateada do que devia.
Quero que você também me desculpe.
Selena sentiu que pelo menos com relação à irmã poderia ficar um
pouco mais aliviada. Talvez até devesse desabafar com ela e lhe contar
como acabara colocando Paul no centro de seus pensamentos, suas emoções
e esperanças. Contudo, antes que começasse a falar, a irmã disse:
- Selena, quero lhe contar algo que me aconteceu hoje, porque você
está orando por mim.
A garota baixou o olhar, sentindo-se meio triste. Não poderia
confessar à irmã que, havia várias semanas, não orava por ela , nem por
ninguém.
- Recebi um telefonema de Lina Rasmussen, minha mãe biológica.
Selena endireitou-se na cama, ansiosa para ouvir os detalhes.
- E ela é crente, Selena, continuou a outra. Ficou tão alegre quando lhe
contei que também sou! Daqui a duas semanas, ela vai vir aqui pra nos
conhecermos.
- Oh, Tânia! Que maravilha! Exatamente o que você queria tanto!
- Pois é! Quase nem acredito que tudo isso aconteceu tão depressa! Eu
estava contando para papai e mamãe que ela falou que minha carta havia
ficado debaixo de outros papéis na mesa dela, e só a encontrou na sexta-
feira. Então ela passou o final de semana orando, perguntando a Deus como
deveria responder. Depois resolveu me ligar. O telefone tocou; eu atendi, e
era ela. Foi um choque tremendo!
- Pra vocês duas, com certeza! E como é o jeito dela pra falar?
- É bem meiga, mas com uma leve aspereza na voz, entende?
Selena deu um sorriso. Entendia perfeitamente o que a irmã estava
dizendo, pois Tânia também lhe dava essa impressão.
- Eu lhe contei que estou trabalhando como modelo e Lina disse que
também fora modelo. Trabalhou três anos nessa profissão, mas depois
resolveu voltar a estudar. Não é impressionante?
- E como! Tudo isso é muito impressionante! Quando você a
conhecer, vai ficar muito alegre de ver como ela é fisicamente, não? Quero
dizer, primeiro você descobriu como ela se chamava e onde morava. Depois
ficou conhecendo o jeito de falar. Agora vai vê-la. Não consigo nem
imaginar como você está ansiosa!
- Obrigada, Selena, eu sabia que você me compreenderia. Você, papai
e mamãe foram os primeiros a quem contei tudo. Assim que acabei de
conversar com Lina, liguei. Já falei com papai e mamãe. Sei que eles estão
muito felizes por mim, mas ficam me dando muito conselho, me mandando
ter muita cautela, etc. Eu queria conversar com alguém que pudesse ficar
feliz como eu estou.
- Pois eu estou muito feliz por você, comentou Selena. Isso é um fato
muito importante de sua vida.
- Obrigada, disse a irmã, fungando de leve.
E por uns instantes ficou sem dizer nada.
- Você ainda ‘tá querendo ir pra Reno no ano que vem? indagou
Selena, quebrando o silêncio. Quero dizer, você tem mesmo interesse em
estudar na Universidade de Nevada ou estava pensando em ir pra lá só pra
ter a oportunidade de conhecer a Lina, como Wesley e o pessoal disseram?
Tânia fungou de novo.
- Ainda não sei bem. Creio que são as duas razões. Não sei explicar
direito, mas ver a Lina é tremendamente importante pra mim. Parece que
ninguém estava entendendo isso. Todo mundo pensou que era neurose
minha querer ir pra lá, sabendo que teria chance de ficar perto dela. Mas se
ela não respondesse a minha carta, de que outra maneira eu poderia
conseguir o que tanto queria? Pelo menos, era o que eu estava pensando
naqueles dias. Sei que não era uma atitude muito sensata. Mas agora que ela
telefonou, a situação mudou.
- Tenho certeza de que ela quer vê-la tanto quanto você deseja isso.
- Eu também espero que sim.
- É claro que quer, insistiu Selena, senão não teria lhe telefonado nem
combinado de ir aí.
- Espero que você tenha razão, Selena.
- Pra ser sincera, Tânia, ultimamente tenho dado alguns foras, numa
porção de situações. Mas nisso tenho certeza de que estou com a razão.
- Está tendo algum problema? quis saber Tânia, dando uma dica para a
garota se abrir.
Selena hesitou uns instantes, mas depois de pensar um pouco acabou
se convencendo de que Tânia poderia ajudá-la a enxergar tudo pela
perspectiva correta.
- Como é que a gente sabe se está obcecada com alguém ou algo?
Tânia ficou em silêncio por alguns segundos, mas depois voltou ao
diálogo.
- Está querendo dizer que estou muito obcecada com a idéia de
encontrar minha mãe biológica? indagou em tom defensivo.
- Não, não. Estou querendo dizer... ‘tá bom. Vou direto ao assunto e
lhe contarei tudo. Estou me referindo ao Paul. Como saber se estou
enganada, pensando que meu relacionamento com ele é mais sério do que é
na verdade? Como posso enxergar se minha comunhão com Deus deteriorou
pelo fato de eu estar muito envolvida com Paul?
- Bom, se você está perguntando é porque provavelmente passou dos
limites mesmo.
- Ótimo! resmungou Selena.
- Se não tivesse passado, não estaria achando que pode haver um
problema aí. Sabe, é aquela velha teoria: “Na dúvida, é melhor não fazer”.
- Então como é que se pode ter um relacionamento correto? Quero
dizer, quando se gosta muito, muito, muito de um cara, como é que se faz
pra não ficar toda envolvida com ele? Eu sempre achei que, quando se
começa um relacionamento desse tipo, o melhor a fazer é ter o cuidado de
não negligenciar aquilo que é importante pra nós por causa dessa pessoa.
Aliás, mantendo as práticas que são legais pra nós, que nos fazem bem,
temos mais o que oferecer a essa outra pessoa. Se não agimos assim, isto é,
se ficamos só querendo agradar a ela, pouco a pouco vamos perdendo a
identidade própria, e a situação fica desequilibrada.
Selena lembrou-se de que Amy lhe dissera que, quando começara a
namorar o Nathan, se afastara dos outros amigos e abandonara outros
interesses.
- Vou dar um exemplo, prosseguiu Tânia. Quando vim pra cá,
comecei a frequentar um grupo de estudo bíblico pra moças, e a reunião é às
quintas-feiras. Eu preciso participar dele pra me manter em comunhão com
Deus. Assim que comecei a namorar o Jeremy, ele vivia me chamando pra
sair justamente na quinta, pois era quando tinha folga. Ele não trabalhava
nesse dia nem tinha aula à noite. Mas resolvi manter o compromisso de
assistir ao estudo bíblico porque isso me fortalece espiritualmente. Além
disso, sinto que, estudando a Bíblia, posso contribuir mais para o meu
relacionamento com Jeremy. Está entendendo?
- Mais ou menos. No meu caso, o Paul não está aqui. Portanto a
situação não é a mesma.
- É sim. Você abandonou outros interesses importantes pra ficar mais
tempo escrevendo para o Paul?
Selena sabia que a resposta era “Sim”. Só não queria era confessar
isso para a irmã. O fato, porém, é que a maior parte do tempo que dedicava
ao rapaz era a que deveria dar a Deus. Teve uma sensação dolorosamente
desagradável ao lembrar que a primeira prática que abandonara fora a da
comunhão com o Senhor. Ainda estava encontrando tempo para fazer sua
comprinhas, assistir à televisão e até dar telefonemas. Contudo nunca
achava uma folga para ler a Bíblia.
- Um fator que contribui muito para o meu relacionamento com
Jeremy estar dando certo, continuou Tânia antes que Selena dissesse o que
pensava, é justamente o fato de que cada um mantém os amigos, os
compromissos e as atividades próprias. E continuamos envolvidos com eles.
Quando nos encontramos - o que acontece uma ou duas vezes por semana -
temos muito o que contar um ao outro. E também não conversamos um com
o outro todos os dias, não. Você escreve para o Paul todos os dias?
- Todo dia, não, replicou Selena.
- Talvez seja bom você reduzir isso um pouco e passar a escrever
apenas uma vez por semana, gastar aí umas duas horas nisso. Se vocês
estivessem se encontrando, seria mais ou menos assim, né? Bom, pelo
menos é assim comigo e o Jeremy.
A garota reconhecia que a irmã, provavelmente, tinha razão. Nos
últimos meses, não se passara um dia sem que ela tivesse dedicado várias
horas ao Paul. Ora estava escrevendo uma carta, ora preparando os presentes
para ele, ora apenas devaneando e sonhando com o rapaz.
- É, você tem razão, disse para Tânia. Estou começando a enxergar
alguns aspectos muito importantes desse relacionamento. Um deles é que
não devo escrever pra ele com tanta frequência. Preciso diminuir isso.
- Com que frequência ele lhe escreve?
- Essa que é a parte mais engraçada. Eu estava pensando que ele
escrevia pra mim todos os dias. Estava realmente convencida disso. Aí papai
começou a me fazer umas perguntas a respeito dessa questão e então me dei
conta de que ele escreve mais ou menos uma vez por semana ou de dez em
dez dias. E as cartas dele não são compridas e cheias de detalhes como as
minhas.
- Pois é, interveio Tânia, é assim também que você deve escrever.
Será melhor que responda pra ele na mesma medida em que ele lhe escreve.
Acredite em mim. Já vi muitas amigas minhas se envolverem demais num
namoro, e daí a pouco a “gangorra” começou a “pender” mais para o lado
delas. Se repente, plá! Lá estavam elas caídas no chão, completamente
arrasadas. E tudo porque pensaram que o namoro estava indo muito bem,
quando não estava.
- Eu não quero acabar “caída no chão” nesse meu relacionamento,
comentou Selena em voz suave.
- Entendo exatamente o que está dizendo, disse Tânia. Por experiência
própria, posso lhe dizer que a melhor maneira de manter um relacionamento
com um rapaz dessa família MacKenzie é ir com paciência.
- É, já ouvi isso, concordou a garota.
Selena tinha consciência de que poderia perfeitamente agir assim.
Sabia ser paciente. Ela poderia reduzir as cartas. Iria passar a escrever-lhe
no mesmo ritmo em que ele se comunicava com ela. E iria investir o tempo
livre para trabalhar em outras áreas de sua vida.
- Tânia!
- O quê?
- Muito obrigada!
Seguiu-se uma pausa carregada de emoção. Afinal Selena disse:
- Eu estava mesmo precisando ouvir tudo isso que falou.
- É, e eu deveria ter me esforçado pra conversar mais você quando
estava aí, comentou Tânia. Percebi que estava passando muito tempo
escrevendo para o Paul ou ligada nele, mesmo quando estava na companhia
da gente.
- É, mas não sei se naquela ocasião eu teria ouvido seus conselhos,
não, replicou Selena. É como o Ronny disse. Primeiro tenho de conversar
bastante sobre meus problemas. Quando falo sobre eles e os explico bem,
tudo começa a ficar mais claro em minha mente. Aí estou disposta a receber
orientação. Tenho certeza de que, no Dia de Ação de Graças, ainda não
estava no ponto de escutar seus conselhos.
- Ah, o Ronny disse isso? Gostei dele agora. E lhe deu mais algum
conselho?
Selena deu uma risadinha.
- Ele disse, replicou, que eu era como os marshmallows que estavam
na batata doce. Com o calor na dose exata, eles derreteriam direitinho. Mas
com calor demais, a cozinha pegaria fogo.
Tânia riu também.
- É, ele teve muito discernimento. Como era mesmo o lema da família
MacKenzie, que você me mostrou?
O bordado estava bem do lado da garota, mas ela nem precisou ler a
frase em latim. Já a havia decorado.
- Lucero non uro, disse.
- É, mas o que significa mesmo?
Selena fez uma pausa e fitou longamente o bordado. Finalmente
conseguira decifrar o grande mistério sobre as causas do incômodo no
estômago que sentira nos últimos dias. E sentindo o coração acolher uma
nova forma de desenvolver seu relacionamento com Paul e com outros,
respondeu para a irmã:
- “Eu brilho, não queimo.”
Capítulo Dezenove

Depois que Selena desligou o telefone, foi escrever no seu diário e


anotou as palavras: Lucero non uro. Olhou a data da última vez que fizera
anotações nele. Fora quase dois meses atrás. Logo abaixo dos termos em
latim, escreveu uma carta para Deus, abrindo bem o coração, da mesma
forma como abrira para o Paul. Pediu perdão a ele por tê-lo ignorado nos
últimos dias e convidou-o a voltar a ocupar o centro do jardim do seu
coração.

Quero brilhar por ti, Senhor. Não desejo que essa luz se apague.
Quero que o fogo tenha a intensidade certa, dando luz, cor e energia ao
meu relacionamento com Paul. Entretanto não quero mais exagerar e
acabar incendiando tudo.
De agora em diante, desejo que o Senhor esteja em primeiro lugar e
continue sempre sendo o primeiro. Ensina-me, Pai, a agir assim. Meu
coração é teu, bem como todas as emoções que tu criaste em mim. Peço-te
que protejas minhas emoções e me impeças de extravasar tudo de uma vez
só. Ensina-me a ser paciente comigo mesma e com os outros.

E continuou escrevendo até sentir dor nos dedos. Estava sendo tão
bom tirar tudo aquilo da cabeça! Agora a única dor que sentia era de fome.
Assim que terminou de escrever sua “oração”no diário, foi para o andar de
baixo. O pai estava na saleta, trabalhando no computador.
- Está melhor? indagou ele.
- Bem melhor. Que notícia boa a da Tânia, né?
- É, replicou o pai. Só esperamos que tudo dê certo e que ela não
esteja com expectativas muito elevadas, fora da realidade.
- Pai, eu acho que a Tânia sempre tem as expectativas certas com
relação a todos os seus relacionamentos. Vai acabar tudo bem.
O pai pareceu relaxar um pouco ao ouvir aquelas palavras.
- Sabe o que mais? Você tem razão. A Tânia sempre revelou
maturidade e bom discernimento em tudo. Ela sabe tomar as decisões certas.
Selena teve vontade de dizer:
“Ela não é como a sua outra filha, que sempre apronta a maior
bagunça com todos os seus relacionamentos, né?”
Pensou em dizer, mas não disse. Lembrou-se da recomendação de
Ronny, no sentido de não se censurar muito por ser sensível e agir levada
pelos sentimentos. Ela era assim. Acolhia tudo na vida de braços bem
abertos, com um coração muito vulnerável, cheio de emoções. Dava para
perceber que Tânia, com sua autodisciplina e controle emocional, sempre
tomava decisões corretas. Apesar de tudo, Selena preferia ser assim, cheia
de erros e defeitos, do que igual a Tânia, com seu jeito racional.
- Pai, se você e mamãe tiverem uma hora disponível amanhã,
poderemos ter aquela conversa.
- Ótimo, replicou o pai. Acho que poderemos conversar logo após o
jantar. Ah, tem três e-mails para você aqui.
- Ah, é? De quem?
- Uma mensagem e de sua amiga que está na Suíça e as outras duas da
Katie. Quer que eu imprima pra você?
- Quero, obrigada, pai.
Selena se lembrou de que fazia várias semanas que não escrevia para
Cris e Katie. Eram duas amigas que não queria perder. Contudo não fizera
nenhum esforço para cultivar sua amizade com elas, ao passo que estava
dando uma atenção exagerada ao Paul. Recordou-se das coisas que
comprara para fazer o seu chazinho. Como estava com pouco dinheiro para
comprar outros presentes de Natal, decidiu mandá-las para Cris, assim como
enviara a outra caixa para o Paul. Depois teria de pensar num outro presente
para Katie.
Pegou os e-mails na impressora e foi para a cozinha preparar uma
merendinha para si. Fez algo de que gostava muito. Pegou dois biscoitos
cream cracker, esmigalhou-os e jogou dentro de uma caneca de louça.
Colocou um pouquinho de leite, apenas o suficiente para virar uma “papa”.
Para enfeitá-los, acrescentou um punhado de marshmallows. Em seguida,
sentou-se à mesa da cozinha e se pôs a comer e a ler os e-mails.
O da Cris era bem curto. Dizia que estava aprendendo muito no
orfanato em Basiléia, e que ela e Ted estavam se correspondendo. Lembrou-
se de como a amiga ficara preocupada com o namoro, quando pensara em ir
estudar na Europa, onde passaria um ano. O problema era que desde que
conhecera o Ted ele nunca lhe escrevera uma carta. Recordava-se
vagamente também a respeito de um coco que o rapaz enviara do Havaí para
Cris. Contudo, obviamente, não poderia ter escrito nele uma carta para ela.
Sorriu ao se dar conta de que agora, porém, ele estava escrevendo.
Em seguida, ocorreu-lhe que uma carta, de fato, possui uma força
própria toda especial. Talvez tenha sido por isso que acabara se envolvendo
tanto com Paul, em tão pouco tempo. É que nelas ambos normalmente se
abriam de uma forma que não fariam se estivessem conversando cara a cara.
Achou então que seria bom reler todas as cartas dele, agora que tinha
uma compreensão melhor de como deveria ser o relacionamento com ele.
Subiu para o quarto levando os e-mails e a caneca com o restante de sua
“papa”. Abriu a primeira gaveta da cômoda, onde se encontrava toda a
correspondência dele, amarrada com uma fita. Atirou-se na cama, desatou a
fita e se pôs a reler uma por uma na ordem em que haviam chegado. Havia
oito cartas e dois postais. Ela mesma escrevera o dobro disso para ele. Nesse
momento, pensou se ele também as havia guardado ou se as tinha atirado no
lixo assim que acabara de responder.
A medida que as ia lendo, mais com a razão do que com o coração,
percebia algo que não vira antes e que a deixou muito surpresa. Embora as
palavras dele fossem calorosas e bem pessoais, não havia nada nelas que
desse a entender que o rapaz estava se apaixonando por ela, como pensara.
Dava para ver que ele gostava dela e se interessava por ela como pessoa.
Entretanto não havia nas cartas o menor indício de que ele se achava
emocionalmente empolgado por ela, da mesma forma que ela estava por ele.
Apesar de essa constatação ser um pouco dolorosa, constituiu também uma
libertação para ela. Estava enxergando a verdade e se libertando. Via
também que poderia continuar escrevendo para ele, poderia seguir gostando
dele e até sonhar um pouco.
Deitou-se de costas e ficou a olhar para o teto. Não dava para culpar,
assim de imediato, o tom das cartas que escrevera para o Paul. Será que
havia extravasado as emoções da maneira desarticulada como estivera
fazendo ultimamente? Não; lembrava-se de que muitas de suas cartas
tinham um tom calmo. Outras eram recheadas de notícias. Ainda outras
continham brincadeiras e piadinhas que fizera para ele em resposta ao que
ele lhe escrevera.
Lembrou-se novamente de que Ronny lhe dissera para não se
“castigar”demasiadamente. O que estava feito, estava feito, e ela não
poderia mudar. Talvez tivesse realmente exagerado na dose de emoção no
relacionamento com Paul, mas sabia que poderia recomeçar de modo
diferente. Iria confiar em Deus para que ele cuidasse dessa área de sua vida.
Poderia também agir de maneira mais responsável no que dizia respeito aos
seus sentimentos, cuidando para não cometer excessos. Estava esperançosa
de poder reiniciar tudo de maneira mais correta.
E acabou que Selena não pôde ter a conversa com os pais naquela
terça-feira. Eles só conseguiram ter esse encontro no domingo à tarde. Nesse
intervalo, a garota teve tempo para resolver sozinha muitos dos dilemas
relacionados com a questão.
Numa das noites, ela pegou a sua lista de metas para o namoro e seu
compromisso de pureza, o seu “credo”. Fez alguns acréscimos ao que
escrevera, pois compreendera que não bastava “se guardar” para o futuro
marido apenas fisicamente. Teria de se preservar também emocionalmente.
Então, quando desceu para conversar com os pais na sala, no domingo
à tarde, levou as anotações.
- Acho que os dois já perceberam que nos últimos dias estou tendo
algumas experiências, principiou ela. E a explicação mais simples pra isso é
que Deus está me ensinando algumas verdades. Primeiro, quero pedir
desculpas porque tive uma atitude rebelde e afirmei que já tinha idade
suficiente pra tomas minhas decisões. Agora estou vendo que a gente age
melhor quando ouve os conselhos e as opiniões de outros. Eu devia ter
ouvido o que estavam querendo me dizer a respeito do Paul, em vez de cair
na defensiva.
- E o que foi que você entendeu que queríamos lhe dizer sobre o Paul?
indagou o pai.
- Achei que queriam dizer que eu estava me envolvendo demais com
ele no plano emocional e que era possível que ele não tivesse o mesmo
interesse.
Os pais acenaram que sim. Selena pegou as folhas. Sentia-se como
uma jovem advogada defendendo uma causa. Em primeiro lugar, mostrou-
lhes duas cartas do rapaz, algo que nunca fizera antes.
- Aí dá pra ver que ele tem interesse em se corresponder comigo,
disse. Achei que devia lhes provar isso. Mas agora vejo também que ele não
encara o nosso relacionamento no mesmo nível emocional que eu.
Aqui ela deu aos pais sua lista de metas para o namoro e seu
compromisso de pureza, agora já atualizado.
- A lição mais importante que aprendi foi que a idéia de esperar e
manter a pureza não se aplica apenas ao aspecto físico, mas ao das emoções
também. As emoções começam no coração. Então, quando a gente se
envolve emocionalmente, está dando ao outro uma parte do coração, da
mesma forma que o envolvimento físico implica dar o corpo ao outro.
Sentiu-se um pouco constrangida de expor esses pensamentos para os
pais. Contudo esse era o único jeito que encontrara para explicar-lhes o que
Deus estava lhe ensinando nesses últimos dias.
- Acho que estou começando a perceber que essa questão de guardar
as emoções pode ser muito difícil pra mim, ao passo que no plano físico o
problema nem existe. Mas agora percebo que sou meio impulsiva. Parece
que me deixo levar pelas emoções mais do que outras pessoas.
- Isso é um aspecto da sua personalidade, interveio a mãe. Desde
pequena, já era mais sensível que seus irmãos. Mas você não precisa ter
vergonha disso. Foi Deus que lhe deu esse nível de sensibilidade. Isso é um
dom dele.
Selena fez que sim. Percebia que estava começando a entender isso.
- É, mas é possível que eu use mal esse dom, aliás, qualquer outro
dom, não é?
O pai acenou que sim, movendo a cabeça rapidamente várias vezes.
- Então como sou uma pessoa de espírito livre, tenho de ficar mais
vigilante do que a Tânia e o Wesley. Eles usam mais a razão do que os
sentimentos em seus relacionamentos.
- Uma atitude muito sabia, filha, disse o pai, correndo os olhos pelas
folhas que ela lhe apresentara. Mas não pense que você também não usa um
pouco a razão. O que acabou de dizer mostra um bom discernimento, revela
que tem maturidade.
- Deu pra perceber também que já estou enxergando melhor o
relacionamento com o Paul e que pretendo continuar a correspondência com
ele, mas com menos intensidade?
- Deu, replicou a mãe.
- Sem dúvida nenhuma, disse o pai. Confiamos em que, daqui pra
frente, você poderá conduzir tudo sozinha. Foi muito bom, filha, ter se
aberto conosco. Obrigado.
- E eu tenho de lhes agradecer por terem sido compreensivos comigo.
Selena pegou as folhas de volta, sentindo uma doce calma envolver
todo o seu ser. Geralmente seu diálogo com os pais era assim. E queria que
continuasse do mesmo jeito.
Voltou para o quarto levando as cartas e as folhas. Em seguida passou
alguns minutos tentando arrumar a interminável bagunça do aposento.
Ainda tinha de fazer o dever de casa e embrulhar o presente que iria enviar a
Cris. Daí a uma hora e meia devia se apresentar na Highland House, para
trabalhar na Linha Jovem. Hoje seria a última vez que iria lá antes das férias
de Natal, então sentiu que não podia faltar.
Fez um esforço para se sentar e terminar o dever escolar. Na hora em
que ia saindo para a Highland House, pegou o retrato de Paul e o colocou na
mochila. No domingo anterior, falara dele para o Tio Mac, e este lhe pedira
que o trouxesse, pois queria vê-lo.
Capítulo Vinte

O céu estava carregado quando Selena saiu para ir a Highland House.


Parecia que ia chover, então ela colocou o chapeuzinho de abas viradas.
Além disso pegou o bordado e enfiou-o na mochila. Tinha esperança de
trabalhar um pouco nele e terminá-lo antes do Natal. Havia resolvido que,
caso não conseguisse encerrá-lo até essa data, faria um cartãozinho manual e
enviaria para o Paul. Era preferível fazer isso a ficar procurando
desesperadamente um novo presente para ele. No cartão, iria apenas desejar-
lhe boas-festas e diria que seu presente seguiria pelo correio mais tarde. Ele
teria de esperar com paciência.
O Tio Mac já estava à porta dos fundos quando ela chegou à Highland
House. Ele a abriu e a segurou para que Selena entrasse.
- Oi! disse ela, cumprimentando-o e entrando na saleta aquecida.
Como está indo o trabalho hoje?
- Está bem, mas um pouco devagar. Hoje eu preparei esta mesinha
aqui para você.
Tio Mac conduziu-a para um lugar no canto da sala, onde havia um
telefone sobre uma mesinha redonda. Ele procurara distribuir melhor as
áreas de trabalho para que os “telefonistas” ficassem um pouco mais
distantes uns dos outros e não se atrapalhassem com a voz dos colegas. Isso
era meio difícil, pois o aposento não era muito grande. Contudo estava
arrumado e tinha uma iluminação muito boa.
- Trouxe o retrato de Paul de que lhe falei, disse a garota, colocando a
mochila sobre a mesinha e abrindo-lhe o zíper.
O homem pegou o retrato e deu uma longa olhada para a imagem do
sobrinho.
- Como é que ele esta? Tem tido notícias dele?
- Recebi uma cartinha dele pouco depois do Dia de Ação de Graças,
mas era apenas meia página. Parece que está curtindo os estudos, mas diz
que a avó raciona muito o sistema de aquecimento da casa, e ele tem sentido
muito frio.
Tio Mac deu uma risada.
- É minha mãe mesmo! exclamou. Tem um coração de ouro, mas não
deixa desperdiçar nada em casa, pode crer. Tudo é bem medido e bem
pesado.
Ele colocou a foto sobre a mesa que Selena estava utilizando. Deu a
impressão de que aquele era um local de trabalho exclusivo da garota.
- Sabe? Lá em Edimburgo já é de manhã.
Selena esperou que ele concluísse o que ia dizer, mas ele mudou de
assunto.
- Você gosta é de chá, não é? indagou.
Ela fez que sim, sem entender aonde ele queria chegar.
- Volto já, disse ele.
Saiu por uma porta lateral que dava para a cozinha da casa, que era
um abrigo para os “sem-teto”. Selena escutou a voz do outro voluntário que
estava de plantão e se encontrava no outro lado da sala. Ele conversava com
alguém ao telefone. Apresentava os pontos que sempre usavam no diálogo
com quem ligava. Eram das páginas azuis do manual de aconselhamento. O
manual tinha umas abinhas laterais indicando o que constava em cada
grupo de páginas. Assim ficava mais fácil manuseá-lo e encontrar o assunto
desejado.
Nas semanas em que estivera atendendo telefonemas ali, Selena fora
aprendendo a lidar com os jovens que ligavam. Houve apenas uma vez em
que tivera de passar a ligação para o Tio Mac, pois lhe parecera um pouco
mais complicada. Todas as outras tinham sido simples, e as resolvera
meramente seguindo as instruções do manual.
Em dado momento, a porta se abriu e Selena olhou para lá. Eram Amy
e Vicki.
- Oi! disse Vicki alegremente. Podemos conversar um pouco com
você sem lhe causar problemas?
- Creio que sim, acudiu Selena, falando devagar. Mas se alguém ligar,
terei de atender ao telefone.
- Tudo bem, replicou a amiga.
- E então? indagou Selena. O que há?
- Passamos em sua casa, explicou Vicki, puxando uma cadeira e se
sentando à frente dela. Seus pais disseram que você tinha vindo pra cá e
que achavam que não teria importância se viéssemos procurá-la aqui.
Amy também se sentou. Até esse momento, Selena ainda não a fitara
diretamente, mas agora virou-se para a colega e ficou a olhá-la até que esta
se virasse para ela.
- Amy, disse Selena, quero lhe pedir desculpas pelo que aconteceu
outro dia, quando apertei aquela corneta. Não entendo como fui fazer
aquilo. Me desculpe, ‘tá?
A colega fitou-a direto nos olhos.
- Tudo bem, replicou. Sua intenção era me ajudar.
- Estou descobrindo que às vezes ajo impulsivamente, levada pela
emoção, em vez de pensar bem antes de agir.
- Todo mundo faz isso, disse Amy.
- Ah, eu não, interveio Vicki. Ajo sempre com toda a calma... a não
ser quando o Ronny está por perto. Pois é! Se menos ele notasse que eu
estou por perto...
As garotas riram. Selena soltou um suspiro e continuou:
-É, parece que tudo se resume em ter paciência, né? O Tio Mac estava
tentando me convencer disso, uns dias atrás. Sabe o que é, né? Aquele texto
de 1 Coníntios 13, “O amor é paciente”.
Vicki e Amy ficaram olhando para a amiga, aguardando que ela
explicasse.
- Já aprendi, prosseguiu ela abaixando a voz, que preciso refrear um
pouco os meus sentimentos com relação ao Paul. Preciso esperar com
paciência.
- Bom, acho que agora é a minha vez de me abrir, disse Amy. Eu e
Nathan não reatamos o namoro. Nós conversamos e resolvemos tudo, e acho
que isso foi muito bom para os dois. Agora quero recomeçar a vida a partir
daqui.
Nesse ponto, ela apontou para o quadro de avisos que estava na parede
e leu:
- “Um lugar seguro para se recomeçar a vida.” É o que quero.
- Ótimo! exclamou Vicki, inclinando-se para diante e pegando a foto
de Paul. A gente tem mesmo de seguir em frente, principalmente no nosso
relacionamento, de nós três. Estamos todas em paz agora?
Selena acenou afirmativamente e Amy fez o mesmo.
- Que retrato excelente! disse Vicki, olhando-o mais de perto. Com
paciência ou não, ele vai adorar sua foto naquele vestido verde.
- Ei, eu não lhe contei, não? As fotos que tirei com o vestido não
ficaram boas, não. Acabei mandando pra ele uma que minha mãe bateu
quando eu tinha acabado de dar água para o cachorro.
- Muito romântico! comentou Vicki, rindo.
- Não sei por que esqueci de contar isso pra vocês. O cara lá do foto
gostou tanto do retrato que pediu uma cópia dele pra pôr na vitrina; e pagou
por ela.
- E como foi que você saiu nela? indagou Amy, pegando o retrato de
Paul na mão de Vicki e examinando-o também.
Selena olhou para a suéter larga que estava usando e virou as abas do
chapéu para cima fitando as amigas.
- Bem assim, replicou. Saí exatamente como sou.
Tio Mac entrou trazendo uma caneca de chá para Selena.
- É, parece que fiz pouco chá, disse. As duas aceitam um chazinho
também?
- Claro, obrigada, disse Vicki, respondendo pelas duas.
O Tio Mac saiu de novo. Nesse instante o telefone tocou,
sobressaltando Selena. Na segunda vez que a campainha soou, ela atendeu.
Vicki e Amy fizeram gestos avisando que ficariam em silêncio.
- Linha Jovem da Highland House. Selena falando.
Após uma fração de segundo de espera, ela ouviu uma voz masculina
no outro lado da linha.
- Ah é? Agora é Selena. Pensei que era a “princesa dos lírios”!
A garota teve a sensação de que seu coração havia parado. As amigas
notaram a mudança na expressão do seu rosto e se inclinaram para ela.
Quando a garota finalmente conseguiu se refazer do espanto, sussurrou:
- Paul?
Vicki e Amy abriram a boca surpresas.
- Só posso conversar três minutos, disse ele. Então vou falar depressa.
Muito obrigado pelo presente. Estou com seu retrato bem aqui na minha
frente. Está igualzinho a você, Selena.
- Oh, que... que engraçado! disse ela, gaguejando um pouco. Também
estou com sua foto aqui. Trouxe-a pra mostrar ao Tio Mac, concluiu,
pegando o retrato e pondo-se a olhá-lo, ao mesmo tempo em que o escutava.
- E os docinhos que enviou, vou comê-los hoje mesmo com muita
satisfação. Foi uma idéia muito criativa. Obrigado!
- De nada! Que bom que gostou! Parabéns pelo seu aniversário.
Desejo-lhe muitas alegrias nesse dia.
- Obrigado. Terei. Dá um abraço aí no Tio Mac por mim, o,k.?
- Dou sim, respondeu Selena. Ele deu uma saidinha aqui, mas
estávamos falando de você. Sua orelha queimou?
Paul deu uma risada. Parecia contente, feliz e, ao mesmo tempo, um
pouco gozador.
- Aqui na casa da minha avó ainda não amanheceu completamente,
mas pode acreditar, não tem nada queimando.
Selena riu também.
- Ela ainda está racionando o sistema de aquecimento, né?
- Só vou dizer que estou esperando ansiosamente a hora de fazer
minha corrida pra ir pegar o trem. Vou ficar mais quente lá fora, correndo,
do que aqui dentro.
A garota sorriu, mas não disse nada para preencher o silêncio que se
seguiu.
- Bom, prosseguiu Paul, os três minutos estão quase acabando e não
posso esquecer da razão pela qual estou ligando pra você. Quero lhe pedir
um favor.
- Pois não, disse Selena.
- É que você ore por mim está semana. Tenho umas provas e também
preciso tomar umas decisões importantes sobre meu futuro. Você é a minha
guerreira de oração. Será que pode orar, Selena?
- Claro! replicou a garota.
- Ótimo! exclamou ele, parecendo ter ficado aliviado. Tenho de
desligar agora. Obrigado, Selena! Depois que terminar as provas, escrevo
pra você. Tchau!
E em seguida desligou.
A garota sentiu um aperto no coração. Em sua mente ainda ecoavam
as palavras dele: Você é a minha guerreira de oração. Ele poderia ter dito:
“Você é a minha namorada distante”, ou “minha alma gêmea”, ou “minha
querida amiga”, ou qualquer outra frase que ela poderia ter imaginado.
Contudo não disse. No momento, ela era o que sempre fora desde o início, a
intercessora de Paul, a guerreira de oração.
E isso era muito bom. Na verdade, nada mudara durante o período em
que estivera com as emoções agitadas, imaginando o que ela e o rapaz eram
um para o outro. Nesse momento, se deu conta de que, enquanto estivera
“sonhando” a respeito de Paul, quase não orara por ele.
- Selena? disse Vicki, passando a mão devagar diante do rosto da
amiga, que estava com o olhar fixo, pensando.
O telefone, ainda na mão da garota, emitia o sinal característico de
aparelho desligado.
- Era o Paul mesmo? Ele ligou da Escócia?
Selena piscou. Recolocou o fone no gancho e fez que sim.
- O que foi que ele disse? quis saber Amy, inclinando-se para ela.
- Ele recebeu meu retrato e parece que gostou.
- Ótimo! comentou Vicki. Que mais?
- Pediu pra eu orar por ele.
Amy se endireitou, parecendo meio frustrada com a resposta da
colega.
- Disse que sou sua guerreira de oração.
Nesse instante, ela teve uma sensação maravilhosa. Sentiu paz e uma
profunda satisfação. As ondas de emoção que vinha experimentando
ultimamente se acalmaram dentro dela. A oração que faria em favor de Paul,
partindo de um coração puro, iriam atravessar as pesadas nuvens emocionais
que a envolviam e chegariam ao trono de Deus. E ele atenderia suas
petições. Tinha certeza disso.
- Foi só isso? indagou Vicki. Não disse mais nada?
- Não, replicou Selena. Foi só isso.
Em seguida, fitou o retrato de Paul com um brilho diferente no olhar e
um sorriso no rosto. E concluiu:
- Mas por agora, isso basta.

Fim

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