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dos autores que traduzimos e também reforçamos a importância de apoiá-los, se você tem condições,
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Aviso de conteúdo
por thb
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito
Agradecimentos
Para minha avó Carmella Parrinello, que me ensinou tudo o que sei sobre o Som, a comida
italiana e o aproveitamento do tempo que tem.
***
Um lance de escadas frágil atrás de sua casa levava do penhasco para a praia
abaixo. Mina seguiu sua mãe para baixo, seus passos cautelosos nas frágeis
tábuas de madeira. No momento em que seus sapatos tocaram a costa, sua
mãe já havia entrado nas ondas. Ao contrário de Mina, que optou por
leggings e botas impermeáveis, Stella usava uma roupa altamente impraticável
para falar com os mortos – um vestido maxi esvoaçante e sua faixa cor opala
favorita entrelaçada em seu cabelo escuro.
Eles estavam em Sand Dollar Cove, uma faixa de areia em forma de lua
crescente na costa norte de Long Island. A maré estava alta o suficiente para
engolir a maior parte da costa, deixando nada além de uma estreita faixa
repleta de rochas e conchas quebradas entre o penhasco e o mar aberto. A lua
cheia brilhava no céu, uma grande e brilhante esfera que lançava uma luz
tênue sobre a praia. Era uma visão pacífica e idílica, ainda assim, Mina não
conseguiu reprimir um estremecimento ao olhar para trás, onde uma caverna
se abria nas rochas como uma mandíbula desequilibrada. Três calouros do
ensino médio foram encontrados mortos naquela caverna seis anos atrás.
Tinha impedido a maior parte da cidade de ir para lá. Mas isso não
impediu Stella Zanetti de usar Sand Dollar Cove para se comunicar com
espíritos.
— Aí está você. — Stella parecia a médium que era, alta e real nas ondas,
tão etérea e inacessível a inteligência humana, como os espíritos que ela
guiou da terra para seu local de descanso final. — Lembre-se de ficar na
praia. Não quero você exposta ao oceano até que esteja pronta.
Mina sufocou a decepção. A água salgada era o principal canal de
comunicação de sua família com os espíritos – as correntes oceânicas
tendiam a atrair os fantasmas para a costa da mesma forma que lavou
emaranhados de algas na areia. Se ela não estivesse no mar, eles não a
notariam.
— Mas eu estou pronta — ela disse, tentando manter o desespero fora de
sua voz.
— Eu preciso que você confie em mim — disse Stella. — Você pode
fazer isso?
O pulso de Mina doeu novamente. Ela olhou para a pele lisa e imaculada
ali, lembrando-se da única vez em que decepcionou Stella. Mas talvez uma
vez fosse o suficiente. Talvez aquilo fosse a verdadeira razão por trás da
resistência de sua mãe em ensinar Mina a ser médium.
Então Mina se afastou da arrebentação, engoliu sua decepção e se forçou
a sorrir. Porque ela teve sorte de estar nesta praia.
— Sim, eu posso. E agora?
Stella gesticulou para a praia atrás dela em resposta.
— Velas – você vai colocá-las?
— É claro.
Havia vários tipos diferentes de convocações de espíritos. Stella estava de
boca fechada sobre as implicações da maneira como cada um deles variava,
mas Mina sabia que, ao usar o oceano para se comunicar com fantasmas, era
importante criar uma barreira simbólica entre o mundo dos mortos e o dos
vivos. Uma pequena fileira de velas na costa superior funcionaria bem.
Quando Mina terminou, ela ficou atrás da barreira bruxuleante e esperou.
Stella agradeceu gentilmente, então alcançou o foco de vidência em volta
de seu pescoço. Nas mãos de outra pessoa, era apenas um pingente de vidro
barato em forma de diamante de lavanda. Mas na dela, era muito mais. Os
espíritos tinham um oceano inteiro para se comunicar. No entanto, toda
aquela água, toda aquela energia, era esmagadora. Os médiuns precisavam de
uma âncora para se ancorar, para manter seus poderes canalizados e focados.
— Agora, eu trabalho e você assiste, tudo bem?
Mina assentiu com relutância.
— Tudo bem.
Ela observou cuidadosamente da praia enquanto sua mãe puxava o
pingente sobre sua cabeça, seus dedos apertados firmemente ao redor do
vidro roxo, e se virava para a água. Quando Stella abriu a mão alguns
segundos depois, o foco de vidência brilhou azul em sua palma. Ela se
ajoelhou e mergulhou o pingente no mar. Sua luz profunda, como cobalto
se espalhou da mão de Stella para a água, brilhando como bioluminescência
sob as ondas. Um pequeno caminho cruzou a superfície, e na borda do
horizonte, chegando mais perto deles, Mina viu um brilho de resposta. Era
translúcido e fraco, uma pequena bola concentrada de luz azul.
— Eu estou vendo — Mina sussurrou, sua voz suave com admiração. —
Isso é um espírito, certo?
— Sim. — O desconforto em Stella voz se aprofundou. Sua mãe se
levantou, o pingente ainda brilhando em sua mão. A água salgada pingava das
pontas de seu cabelo e encharcava seu vestido, mas ela não parecia se
importar. — Eles estão se aproximando agora.
A água ondulava sob a luz enquanto se movia em direção a eles, guiada
por uma onda suave. A bola se expandiu à medida que se aproximava,
torcendo-se em uma forma humanoide que pairava sobre o mar. Mina sentiu
algo crescendo dentro dela, zumbindo sob sua pele. Isso a puxou para o
brilho quente e calmante do espírito.
Essa atração, essa conexão, foi o que Mina veio encontrar. Ela queria se
comunicar com um espírito, e como eles eram mais fortes durante as luas
cheia e nova, ela sabia que essa seria sua melhor chance. Mina entendeu que
alguns considerariam falar com os mortos mais como uma maldição do que
um presente. Mas ela era uma Zanetti e, embora esse trabalho não fosse fácil,
ainda era um que ela queria.
Stella estava mergulhada até a cintura no oceano agora, perdida em
concentração. Outra onda de luz sangrou de seu foco de vidência e circulou
pela água, fluindo suavemente em direção ao espírito.
Não havia ninguém observando Mina, exceto as ondas e o céu nublado
acima delas.
Ninguém para lhe dizer não.
Então ela passou por cima da linha de velas e entrou na arrebentação,
aquela atração ainda surgindo através dela, e se ajoelhou.
No momento em que sua pele fez contato com o oceano, o zumbido em
seu peito se intensificou. Ela ouviu um ruído suave e farfalhante, como o
som que uma concha fazia quando ela a levava ao ouvido. A água batia
suavemente em sua mão, e um familiar brilho azul-esverdeado começou a se
espalhar das pontas dos dedos de Mina.
— Uau. — Mina olhou para a luz enquanto ela se espalhava de sua mão,
gavinhas espiralando na água como dedos alongados. Ela sentiu admiração e
orgulho e um alívio profundo e maravilhoso.
— Mina! — A voz de sua mãe era afiada. — O que você está fazendo?
Mina ergueu a cabeça. O espírito pairava talvez a dez metros de distância
agora. O brilho deles iluminou completamente o pânico no rosto de Stella.
— Eu… — Mas Mina não tinha explicação, nenhuma desculpa, exceto
que ela queria isso tão desesperadamente. Certamente Stella poderia
entender isso.
— Saia do oceano. — Stella foi em direção a ela, agarrando seu foco de
vidência como se quisesse destruí-lo. Seu rosto estava frouxo de medo. —
Não me faça dizer isso de novo.
E foi exatamente nesse momento que Mina sentiu outra coisa. O
zumbido ficou mais alto, crepitando sob sua pele como eletricidade. Mina
sentiu o cheiro de sal e salmoura com uma ponta de podridão, tão forte que
quase se engasgou. O oceano surgiu contra seus joelhos, e o som surgiu com
ele.
O zumbido se desenrolou em um emaranhado de vozes distintas e em
pânico, como água espirrando dentro de seu crânio. Havia mais de um
espírito em Sand Dollar Cove, muito mais de um, e todos eles estavam
gritando. Foi um assalto agonizante de barulho que deixou Mina ofegante e
imóvel nas ondas.
Ela estava errada. Ela não estava pronta. Mas isso não importava mais. As
vozes rugiram enquanto aquele puxão através de seu corpo inteiro se
intensificou, um chamado, um anseio. Ela gemeu e forçou os olhos a
abrirem, procurando pelos espíritos, procurando por sua mãe. Mina olhou
para cima a tempo de ver a onda colidindo com ela, muito mais alto do que
seu corpo ajoelhado. Isso a fez rolar pelas ondas como uma concha errante.
A onda a derrubou de costas e encheu sua boca de água salgada. Mina se
virou, tossindo, e arranhou a areia rochosa. Foi mais difícil do que deveria ter
sido rastejar de volta para a praia, como se o próprio oceano a estivesse
agarrando com mil dedos minúsculos, recusando-se a soltá-la na praia. Mas
então Stella estava na frente dela, estendendo a mão. Mina agarrou-o e
escapou das ondas. Mãe e filha acabaram agachadas ao lado da escada que
levava de volta ao bangalô, naquele precioso pedaço de praia que permanecia
protegido da maré alta.
A onda destruiu completamente a barreira de velas de Mina. Uma dúzia
de velas de chá encharcadas espalhadas pelas rochas, suas minúsculas chamas
apagadas.
— Ah, Mina — Sussurrou Stella.
Suas mãos ainda estavam entrelaçadas. Os olhos de Mina examinaram a
água em busca de qualquer vestígio do espírito, mas eles se foram.
— Você está bem?
— Estou bem. — Mina engasgou, piscando para afastar o sal. O gosto do
oceano ainda permanecia em sua boca, e suas roupas estavam cobertas de
areia e algas marinhas. Embora fosse quase verão, ela estava tremendo – a
água estava fria e os ecos daquelas vozes ainda soavam em sua cabeça. Ela
sabia que a memória ficaria com ela por muito tempo. — Me desculpe,
mamãe. Eu não deveria–
— Está tudo bem. — Stella apertou sua mão. — Estou feliz que você
está segura. É por isso que eu não queria que você viesse aqui. Os espíritos
estão ficando cada vez mais fortes ultimamente – mesmo com um foco de
vidência, nem sempre consigo controlá-los. Mas eu não tinha ideia de que
eles seriam tão perigosos esta noite.
Mina virou-se para o oceano, onde as ondas agora batiam calmamente na
praia. Não havia nenhuma evidência do pavor e horror que ela havia sentido
momentos atrás, e ainda assim permanecia dentro dela, pressionando contra
sua caixa torácica.
— Por que foi tão ruim esta noite?
A voz de sua mãe era sombria.
— Porque outra pessoa chamou um espírito.
Mina sabia que pessoas que não eram médiuns às vezes tentavam falar
com os mortos. A maioria deles procurava parentes ou amigos que não
podiam suportar a ideia de nunca mais ver. Mas Stella parecia nervosa com
isso de uma forma que não combinava com uma tentativa de convocação
amadora.
— Outro médium? — ela perguntou.
Estela balançou a cabeça.
— Eu nunca chamaria isso de trabalho de um médium. Alguém
convocou este espírito com o propósito expresso de dobrá-los à sua vontade.
Memórias se agitaram na mente de Mina. Um anel de sal. Velas se
apagando. Um grito agudo.
Havia outras razões pelas quais as pessoas queriam contatar os mortos.
Razões terríveis. Mina passou os últimos seis anos tentando esquecê-los.
— E você acha que é com isso que acabamos de lidar?
— Com certeza — Stella puxou Mina da areia. — Mas você não deve se
preocupar. Esse trabalho é chato, inexperiente. Seu tio e eu vamos lidar com
isso.
Ela começou a subir as escadas. Mina se virou para segui-la... e se
engasgou de dor.
Seu pulso esquerdo estava em chamas. Vozes surgiram em sua cabeça,
mais fortes desta vez, e o gosto de sal subiu em sua garganta mais uma vez.
Mina engasgou e se encolheu na areia, seus olhos lacrimejantes fixos na
marca que apareceu em seu pulso. Era um dólar de areia verde azulado do
tamanho de uma moeda de 25 centavos, e doeu de uma forma que ela só
havia sentido uma vez antes: a primeira vez que apareceu em seu braço.
Algo mexeu no fundo de sua memória, como uma criatura adormecida
por muito tempo no fundo do oceano acordando. E de repente ela tinha dez
anos de novo, olhando para Evelyn Mackenzie por cima de uma chama de
vela bruxuleante enquanto Mina sentiu algo atravessar à caverna na lateral do
penhasco, um sussurro que parecia forte o suficiente para quebrar seu crânio.
Seu pulso ardia de dor até que tudo o que restava era aquele mesmo dólar de
areia, gravado em sua pele.
Uma marca do espírito que ela e Evelyn convocaram – e o que pediram
ao fantasma para fazer.
— Mina? — A voz de sua mãe atravessou a névoa de alarde de Mina. —
Você vem?
Mina enfiou a mão no bolso do moletom e se moveu, lutando para
manter a voz calma.
— Apenas pensei ter visto algo na água.
Fazia muito tempo desde aquele dia. Mina assumiu que Evelyn tinha
esquecido o que elas tinham feito, bloqueando a convocação deles da mesma
forma que ela bloqueou toda a sua amizade. Seu pulso queimou no mesmo
ritmo das ondas quebrando atrás dela enquanto ela fazia uma promessa
silenciosa.
De uma forma ou de outra, ela garantiria que Evelyn Mackenzie
mantivesse seu segredo.
Capítulo dois
SETE HORAS ANTES
M INA VOLTOU PARA CASA após o confronto decepcionante com Evelyn para
encontrar a cozinha cheia de vapor. Sua mãe estava diante de uma
panela de prata gigante no fogão, as mãos nos quadris, longos fios de cabelo
castanho grudados na testa suada.
— Oh, ótimo, você está de volta — ela disse quando Mina entrou. —
Eu preciso da sua ajuda para limpar o resto desses moluscos.
— Então você foi ver o tio Dom hoje? — Mina olhou para o saco de
papel marrom no balcão. Durante a maior parte da infância de Mina, elas
viveram com o tio Dom e seu filho, Sergio, até que o negócio de sua mãe
decolou e elas puderam pagar pela sua própria casa. Stella ainda visitava Dom
com frequência, e sempre que o fazia voltava para casa com frutos do mar
frescos de suas excursões matinais em Long Island Sound. Embora ele
pegasse cada vez menos a cada ano, algo que Mina tinha ouvido muitas
reclamações.
— Eu fui — disse Stella. — Ela disse a palavra como se fosse um
palavrão. Mina tentou esconder seus nervos e foi tirar o vestido. Ela aprendeu
da maneira mais difícil que suco de marisco e qualquer roupa que ela
gostasse não se misturavam.
Na privacidade de seu quarto, ela inspecionou a marca no formato de
dólar de areia queimado em seu pulso. A primeira vez que apareceu, ela
adoeceu quase imediatamente. Mas Mina se sentiu bem o dia todo, além da
ansiedade e da culpa que ameaçavam fazer um buraco em seu estômago.
Falar com Evelyn não tinha ajudado. Sua ex-amiga provou ser ainda mais
teimosa do que Mina se lembrava, o que foi horrível, porque Mina precisava
se livrar do dólar de areia antes que Stella o visse. Caso contrário, sua mãe
adiaria seu treinamento novamente – talvez para sempre.
Quando Mina voltou para a cozinha, sua mãe havia se movido para a
frente das três janelas que formavam um semicírculo atrás da pia. Ela abriu as
persianas em cada um deles, revelando o sol se pondo sob as ondas, e
começou a se abanar com a ponta do avental.
Comida era a linguagem do amor de Stella, e a cozinha era sua oficina.
Era uma desordem organizada na sua forma mais verdadeira, armários de
madeira cheios de porcelanas e canecas incompatíveis e uma despensa que
abrigava tanto sua máquina de lavar quanto aparentemente intermináveis
potes cheios de especiarias e enlatados. Ervas secas pendiam do teto em
cachos perfumados, e suas contrapartes em vasos viviam em uma estante
maciça – salsa, manjericão, orégano e hortelã.
A comida de sua mãe não tinha nada a ver com o sobrenatural, mas era
boa o suficiente para dar vontade. Dois anos atrás, Stella havia assinado um
contrato exclusivo de bufê com o Centro de Comunidade Shorewell, e sua
engenhosidade e talento levaram a um verão cheio de casamentos e festas.
Um dia, Mina queria que as pessoas falassem sobre seus designs de roupas do
jeito que falavam sobre o pão de azeitona e escarola de sua mãe ou seus
corações de alcachofra marinados.
— Então, sobre o tio Dom. — Mina abriu o saco de amêijoas e as
sacudiu em uma peneira. — O que aconteceu esta manhã?
Stella abaixou o avental com mais força do que o necessário.
— Os suspeitos de sempre estão barulhentos de novo.
Mina jogou água fria sobre as conchas enquanto Stella falava, esfregando
a areia delas uma a uma, antes de colocá-las em uma tigela. Como Stella, seu
tio também era médium. Houve muitos outros Zanetti’s quando Mina era
mais jovem, mas todos eles se afastaram de Cliffside Bay. Mina mal se
lembrava deles agora, e Stella disse a ela que eles não importavam – sua
família real eram as pessoas que ficaram aqui.
— Eles não são sempre barulhentos na lua cheia? — perguntou Mina.
A voz de Stella era sombria.
— Mais alto que o normal.
Mina sabia quem eram os suspeitos de sempre, é claro. As vítimas de
afogamento no verão eram um aviso de advertência para ela em mais de um
sentido. Nos seis anos desde seus assassinatos, seus espíritos permaneceram,
incapazes de deixar o mundo mortal para trás. Tudo que sua mãe e seu tio
conseguiram fazer por eles foi mantê-los relativamente quietos.
Cada fantasma desapareceu eventualmente, não importa o quão forte
sejam seus laços com o mundo humano – eles erodiam como uma rocha
empoleirada na beira do oceano, não sendo páreos para a pressão
interminável do mar. A maioria se foi em cinco anos, mas os retardatários
ocasionais duravam vinte, trinta, até cinquenta. Mina teve uma sensação
desconfortável de que os espíritos do afogamento no verão estavam na última
categoria, e ela não pôde deixar de se perguntar se era porque ela e Evelyn
havia convocado aquele fantasma para encerrar a investigação. Se foram os
espíritos das vítimas que eles invocaram naquela noite. Seu pulso doía,
embora fosse uma dor mental ou física, ela não sabia. Ela tentou se
concentrar na água fria, nas conchas ásperas raspando contra suas mãos.
— Então aquele médium amador convocou um do Trio de Cliffside
ontem à noite? — ela perguntou.
— Provavelmente. — Stella agarrou seus pegadores de panela e dirigiu-se
ao fogão. — Seu tio verificou a caverna esta manhã em um palpite e
encontrou detritos que se parecem bastante com a cerimônia de invocação
que usamos.
— Huh — Mina resmungou.
— Você sabe que as práticas mediúnicas são altamente individualizadas,
Mina, baseadas nas influências culturais e crenças das pessoas que interagem
com os espíritos. Há uma variação incrível em todo o mundo. Então, ver
algo quase idêntico à nossa própria técnica... bem, é uma grande
coincidência.
Mina agarrou uma garra com força demais quando encontrou os olhos
de sua mãe.
— Não fui eu — ela disse apressadamente. — Eu nunca faria algo assim.
— De novo…
Stella levantou a tampa da panela gigante, liberando uma nuvem de
vapor. Mina sabia o que havia acontecido com o lote de amêijoas dentro:
suas conchas abriram pouco a pouco até que sua mãe finalmente conseguiu
retirar a carne de dentro.
— Eu confio em você, minha conchinha. E é verdade que você estava
em casa o dia todo e a noite toda, eu disse isso a Dom. Mas não posso
ignorar o quão estranho isso é.
— Eu entendo isso — Mina lançou seu molusco na peneira. Suas palmas
estavam em carne viva e doloridas. — E eu sei que não deveria ter entrado
na água ontem à noite. Mas eu prometo a você, eu não cheguei perto
daquela caverna.
— Nós vamos chegar ao fundo disso. — Stella baixou a tampa de volta
para a panela. — A lua cheia já está minguando. Mas quando a lua nova
chega no final do mês...
— Eu sei — disse Mina. O poder dos Zanetti’s estava ligado ao oceano,
que por sua vez estava ligado à lua e às marés. Quando o alcance das marés
altas e baixas potências era maior, os espíritos eram mais altos, como se os
médiuns tivessem acesso mais claro a mais canais de rádio. Mina via isso
como uma faca de dois gumes - sim, sua mãe podia alcançar os mortos com
mais facilidade durante esses tempos, mas os fantasmas geralmente eram
frenéticos. Instáveis. — Você vai tentar falar com eles. O Trio de Cliffside,
quero dizer.
— Se eles permitirem, sim.
— Eu poderia ajudar — disse Mina —, se você me ensinasse a ouvir.
Estela hesitou.
— Eu não sei, Mina. As coisas estão mudando em Cliffside Bay. Os
mortos ficam mais perigosos a cada ano, e depois da noite passada...
— Pedi desculpas por isso. — Mina tinha visto essas mudanças também,
embora à distância, mas ela nunca tinha ouvido Stella admitir que ela estava
tendo problemas reais para lidar com espíritos antes. Talvez isso significasse
que ela finalmente deixaria Mina entrar. — E eu te disse a verdade. Eu não
tenho nada a ver com quem convocou aquele fantasma ontem à noite.
O cheiro de salmoura exalava da panela, tão forte que Mina quase podia
fingir que estava de volta à praia. Ouvir aquelas vozes chamando por ela.
Observando sua mãe mergulhar nas ondas.
— Você sempre esteve tão ansiosa para fazer parte disso — disse Stella.
—, mas é importante para mim que você tenha as opções que eu não tinha.
A vida que você realmente quer. Não a vida que você se sente obrigada a
viver.
Mina se lembrou de todas as vezes que sua mãe tentou protegê-la –
como ela interveio momentos antes de Mina pisar em um caranguejo-
ferradura de cabeça para baixo, como ela reorganizou seus turnos no bufê
para ajudar Mina a estudar para grandes testes, como ela se sentou com Mina
na sala depois que Kaitlyn Mallow levantou e deu pipoca com alho e
parmesão até ela não sentisse mais que iria chorar.
Stella só estava tão preocupada com isso porque queria que Mina
estivesse segura. Mas sua mãe não conseguia – não conseguia – entender que
ela estava seis anos atrasada. Evelyn pode não ter sentido que nenhuma das
consequências do verão do afogamento foi culpa dela, mas Mina sabia que
ambas eram culpadas. Eles cometeram um erro naquele dia na caverna. E a
única maneira de Mina expiar isso era ajudar a todos que ela tinha
machucado.
— Eu não quero isso por sua causa — disse ela. — Eu prometo.
Talvez tenha sido a maneira como ela disse isso. Talvez fosse o olhar em
seu rosto. Mina não sabia. Mas assim como os mariscos quebrando
lentamente sob a pressão do vapor, a expressão de Stella suavizou.
— Bem, seu tio e eu temos um encontro com um cliente em potencial
em pouco mais de uma semana — disse ela. — Se você quiser ir junto, você
pode. Mas você deve me fazer duas promessas.
— Qualquer coisa — Mina disse rapidamente, tentando não mostrar sua
excitação. Reuniões com clientes eram uma raridade nos dias de hoje – os
rumores sobre a família Zanetti quase desapareceram, e Stella e Tio Dom
pareciam desinteressados em reativá-los. Os poucos clientes com quem
trabalhavam hoje em dia eram quase todos contatos diretos, com uma tia ou
um primo que foi ajudado pelos Zanetti’s antes. Ela não queria perder esta
oportunidade de aprender.
— Primeiro, você não deve interferir. Não como você fez da última vez.
Mina assentiu obedientemente.
— E segundo - você tem que usar seu colar novamente.
— Mãe. Sério?
— Estou falando muito sério, Marina Elena.
Seis anos atrás, quando Mina chegou em casa com aquele dólar de areia
no pulso e confessou ter tentado falar com os fantasmas dos afogados, a
marca que sua invocação deixou para trás não a deixou apenas fisicamente
doente. Isso a mergulhou em um pesadelo acordado, onde vozes gritavam e
imploravam por sua ajuda, atormentando-a em todas as horas do dia e noite.
Quando ela finalmente contou à sua mãe o que estava acontecendo, Stella
ficou pálida como um lençol.
— Isso não são pesadelos — ela disse a Mina. — Eles são fantasmas, se
estendendo até você.
No dia seguinte, ela deu a Mina um colar protegido para bloquear os
espíritos.
— Até que você não seja mais uma criança — ela disse. No início deste
ano, Mina finalmente teve permissão para tirá-lo por mais de algumas horas
de cada vez. Stella a observou como um falcão, mas os mortos não voltaram
a falar com ela.
Até ontem à noite.
— Achei que não precisava mais daquela coisa — Mina protestou. —
Você sabe o que aconteceu seis anos atrás — bem, a maior parte —, e você sabe
que eu posso me proteger.
— Essas são as minhas condições — sua mãe disse com firmeza. —
Aceite ou não vá.
Mina engoliu sua decepção. Ela não queria pensar sobre as consequências
se sua mãe percebesse toda a extensão da intromissão dela e de Evelyn, se ela
estivesse disposta a fazer Mina colocar seu treinamento médium de lado por
algo tão pequeno.
Havia um lugar na mente de Mina aonde ela ia para se sentir segura. Um
oceano – o oceano dela, onde a água era sempre calma e lisa como vidro, e o
fundo era tão fundo que ninguém jamais o encontrara.
A traição dela e de Evelyn pertencia ao fundo do mar. Ela faria qualquer
coisa para mantê-lo lá.
— Eu prometo — ela disse finalmente.
Estela sorriu.
— Essa é a minha conchinha. — Ela levantou a tampa da panela e pegou
uma escumadeira. Um momento depois, ela tirou um molusco, rachado e
aberto. Ela extraiu a carne sem esforço com um garfo e entregou a Mina.
— Vá em frente — disse ela. — Experimenta.
Mina esperava que fosse delicioso, mas em vez disso o gosto avassalador
de salmoura inundou sua boca. Ela não podia reprimir uma mordaça.
— Desculpe, mãe — disse ela, tossindo. — Tem gosto de água salgada.
Stella franziu a testa, parecendo desapontada, e deu uma mordida.
— Tem certeza? Tem um gosto bom para mim. — Ela deu a Mina outra
mordida.
Desta vez, o marisco estava amanteigado e perfeito. Mas o gosto do mar
permaneceu na boca de Mina pelo resto da noite, sua garganta tão seca e
ressecada quanto aquela onda que quebrou sobre sua cabeça.
Capítulo cinco
***
Fazia horas desde que Stella havia contado a verdade para Mina, e ela ainda
não sabia o que fazer. O dólar de areia em seu pulso doía, e ela continuou
brincando com seu colar de proteção, imaginando que horrores a esperavam
se ela o tirasse. Ela decorou seu quarto com tanto cuidado com cores suaves e
tecidos delicados, mas nenhum deles a acalmou agora. Tudo o que ela podia
fazer era repetir a conversa com Stella várias vezes.
Demônio. Demônio. Demônio.
A palavra não a deixaria em paz. Não só porque sua mãe guardou isso
dela. Mas, porque Mina tinha reconhecido muito do que sua mãe havia
falado.
Um ser que queria apenas causar danos. Alguém tão distante de sua
antiga vida humana que não se importaria com as consequências de ferir
uma criança – ou de atacar novamente assim que essa criança fosse tola o
suficiente para entrar no oceano durante uma convocação, indefesa.
Talvez ela estivesse apenas sendo paranoica. Ela esperava que sim.
Sua mãe tinha ido ajudar o tio Dom a limpar a bagunça que eles
abandonaram no centro comunitário depois de mais avisos para Mina ficar
parada. Mas Mina estava cheia de energia inquieta. Ela acabou no chão
novamente, levando um abridor de costura para aquele mesmo vestido de
babados. Ela estava presa nisso há quase duas semanas – bloqueio de designer,
talvez.
Quando seu celular tocou, ela o soltou. A campainha tocou, mas ela
ignorou isso também.
Até que tocou novamente. E de novo. E alguém começou a bater na
porta, forte e impaciente.
Claramente, essa pessoa não iria sair por conta própria. Mina sabia que
ela parecia uma bagunça, seu cabelo loiro despenteado de rolar na cama, sua
maquiagem borrada de choro. Ela trocou as roupas manchadas de sal que ela
usava para o centro comunitário, então ela atendeu a porta vestindo calça de
pijama de cetim e uma camiseta amarrotada com um pequeno arco-íris
bordado no bolso. No momento em que a abriu, desejou ter se recomposto
um pouco mais. Porque Evelyn Mackenzie estava parada na porta dela.
Evelyn era o tipo de beleza que Mina sempre quis ter: olhos delineados
da cor do oceano, longos cabelos castanhos ondulados, lábios sempre em um
leve biquinho com um sorriso que mostrava suas covinhas profundas. Mina
se esforçou para parecer polida e arrumada. Mas Evelyn sempre parecia ser
ela mesma totalmente e sem esforço, como se ela realmente não se
importasse com o que os outros pensavam.
Havia uma história que circulou no outono passado, sobre Evelyn
gritando com alguém que insultou seu pai e depois vomitou em alguma
festa. Esse tipo de atenção teria feito Mina murchar como um caracol, mas
Evelyn nem parecia notar. Era uma confiança que Mina desejava
compartilhar.
— Tudo bem! — Evelyn disse, em vez de olá. — Tudo bem, Zanetti!
Você ganhou! — Ela largou o longboard e o capacete no corredor da frente,
então fugiu dramaticamente para o sofá de veludo laranja, derrubando sua
bolsa de lona em algum lugar ao longo do caminho.
— Sapatos! — Mina disse, sentindo-se como sua mãe enquanto ela a
seguia. — Você vai deixar sujeira em todos os lugares. E você poderia pelo
menos ter perguntado antes de se convidar para entrar.
— A sujeira é o menor dos meus problemas — disse Evelyn, mas ela
tirou os tênis de qualquer maneira e enfiou as meias descombinadas sob os
joelhos, estilo pretzel. — Sua mãe está em casa?
Mina balançou a cabeça. Ela não entendia como ela podia se sentir tão
emboscada em sua própria casa, em seu próprio território. Tudo em Evelyn
Mackenzie era totalmente desestabilizador.
— Ok, bom — disse Evelyn. — Porque precisamos conversar.
— Eu entendi isso. — Mina olhou para as manchas de sujeira que os
tênis de Evelyn deixaram no tapete felpudo imaculado enquanto ela se
sentava na outra ponta do sofá. Ela precisava de uma caneca de chá e dez
segundos para pensar, mas ela não ia entender. — O que te trouxe aqui tão,
uh, urgentemente?
Evelyn franziu a testa para ela.
— Que diabos você acha? A merda de um fantasma assustador,
obviamente.
Levou cada grama de autocontrole que Mina possuía para não dizer que
eu avisei. Em vez disso, ela deu a Evelyn seu melhor sorriso educado.
— Então você precisa da minha ajuda? — ela perguntou, tentando não
parecer presunçosa.
O olhar que Evelyn lançou disse a Mina que ela definitivamente falhou.
— Apenas me diga o feitiço, o ritual ou o que quer que eu tenha que
fazer para que isso pare.
— Se você quer que eu lhe dê alguma ajuda, você precisa ser um pouco
mais específica sobre o que está acontecendo com você.
— Você quer que eu seja específica? — Mesmo que Evelyn nunca tivesse
ido ao chalé antes, ela parecia em casa na sala de Mina, espremida entre a
pilha de cobertores de crochê e um travesseiro macio. — Alguma coisa
quebrou uma janela e causou uma queda de energia em Scails & Tails. E eu
vi essa figura assustadora no espelho hoje com dólares de areia nos olhos,
como se eu estivesse em algum tipo de filme de terror de baixo orçamento...
— Já entendi. — A inquietação percorreu Mina, a mesma inquietação
que estava apodrecendo durante toda a manhã. — Você está sendo
assombrada pelo que quer que você invocou há duas semanas.
Evelyn soprou uma mecha de cabelo do rosto e caiu para trás no sofá,
olhando para o teto com textura de pipoca.
— Uau, que avanço — ela demorou. — Eu nunca teria imaginado.
— Você não precisa ser rude. — Mina olhou para as meias incompatíveis
de Evelyn. Uma era estampada com cactos, a outra com carinhas sorridentes
com os olhos em X. — Me deixe terminar de falar.
— Como se esperar você terminar de falar fosse tornar isso menos chato
— Evelyn murmurou. Mina sentiu como se estivesse olhando para qualquer
lugar, menos para ela – aparentemente pedir ajuda não era a especialidade da
outra garota.
— Bem, você está certa sobre essa parte. — Mina limpou a garganta
desconfortavelmente. — Hum... eu não acho que você invocou um fantasma
para te ajudar. Ou pelo menos, não fantasma comum.
— Ah, você acha que meu fantasma é especial?
Mina sabia que era uma má ideia dizer a verdade assim, mas Evelyn era a
única outra pessoa no mundo que sabia o que havia acontecido em
SandDollar Cove há seis anos. E depois do que ela aprendeu hoje, ela
precisava falar com alguém sobre isso.
— Eu acho que seu fantasma é um demônio em potencial.
Evelyn inclinou a cabeça para baixo, prendendo seu olhar com o de
Mina. Havia tanta coisa naqueles olhos – um turbilhão de emoções que
deixava Mina desconfortável mesmo a uma distância segura. Ela suspeitava
que era por isso que achava tão difícil fazer amigos: ela sabia como lidar com
os sentimentos de Stella, mas praticamente qualquer outra pessoa estava fora
dos limites.
Isso também tornou o namoro virtualmente impossível. Ela se assumiu bi
no ano passado depois de conversar com Stella por semanas, em um ato de
vulnerabilidade que ela não tinha certeza se seria capaz de novo. E então a
única garota que ela já tentou convidar para sair a deixou, então, claramente,
não valia a pena tentar.
A voz de Evelyn tirou Mina de seus pensamentos.
— O que você quer dizer com um demônio?
Mina explicou os eventos daquela manhã e as revelações que se seguiram.
Foi uma conversa infeliz, ainda mais infeliz pelo número de perguntas que
Evelyn fez que Mina não conseguiu responder.
— Então você está sendo alvo dessa... coisa — disse Evelyn.
— Você também — Mina disse fracamente. — Todos os médiuns são
vulneráveis para este fantasma.
A voz de Evelyn tremeu.
— Não sou médium.
Mina poderia ter argumentado com isso, mas... talvez fosse verdade. Se
esta foi a única entidade com a qual Evelyn já interagiu, pode ser por causa
de Mina. Bana esse fantasma, e é possível que Evelyn retorne à sua vida
normal.
— Você ainda precisa se proteger — disse Mina. — Você pode aceitar
isso, pelo menos?
— Por que você acha que eu vim aqui, Zanetti? — Evelyn fez uma
careta. — Agora me diga as palavras mágicas e eu as direi. Círculos de sal,
água, velas. Vou fazer tudo.
— Eu já te disse que não é tão simples. Mas estou disposta a ajudá-la a
descobrir.
— Tudo bem. Mas e as vítimas de afogamento no verão? Como eles se
encaixam em tudo isso?
— Eles ficaram presos dentro do fantasma. Como uma teia de aranha,
apenas a aranha digere sua presa extremamente devagar.
Evelyn parecia horrorizada.
— Precisamos contar às famílias deles.
Mina se lembrou de ter dito essas mesmas palavras para Stella apenas
algumas horas atrás. Ela estremeceu quando percebeu exatamente por que
sua mãe havia dito não.
— Não podemos contar a eles sobre nada disso — disse ela. — Só vai
piorar as coisas.
Evelyn se levantou, ardendo de fúria repentina. Ela tinha um
temperamento irreprimível desde que Mina a conhecia, uma incapacidade de
conter seus sentimentos que não poderia ser reprimida por nenhum valentão
ou professor. Mina sempre a considerou corajosa, mas agora ela se perguntava
se não teria sido apenas imprudência.
— Você não está perto disso como eu estou, Mina. Minha irmã estava
apaixonada por Jesse Slater. Ele era o irmão mais velho de Nick, e eu sei que
terminamos, mas ainda parece errado mantê-lo fora disso. Não deveria eles
têm a chance de saber o que realmente aconteceu com ele?
— Não vai ajudar — disse Mina. — Essas famílias acreditam que seus
entes queridos estão em paz. Quebrar essa ilusão só lhes causaria dor.
— Essa não é uma escolha que devemos fazer.
— Estou começando a me perguntar se fazer escolhas impossíveis faz
parte de ser médium — Mina disse calmamente, pensando no dólar de areia
debaixo de sua pulseira. — Mas eu tenho que acreditar que as regras da
minha família existem por uma razão.
— Você já quebrou essas regras antes. — Evelyn estava parada acima de
Mina agora. Sombras se acumularam sob os olhos de Evelyn, e seus lábios se
separaram em indignação. — Lembra?
Mina lembrou.
Foi um dia depois que o pai de Evelyn foi levado à delegacia para
interrogatório. Qualquer outra criança teria ficado em casa, mas Evelyn
apareceu na escola de qualquer forma, passando pelos sussurros e olhares
como se eles não importassem. Mina também teria se enganado se não a
conhecesse tão bem. Então, quando Evelyn saiu da fila do almoço, Mina a
seguiu.
Ela encontrou sua amiga chorando no fundo da sala de aula, segurando
sua mochila. Quando Mina se sentou ao lado dela, viu uma cobra de feltro
surrada saindo do topo. Mina sabia o momento em que ela viu o bicho de
pelúcia que isso era um negócio sério. A quinta série era velha demais para
trazer um brinquedo como esse para a escola, mas no momento Evelyn se
importava mais com o conforto do que com o potencial de provocações.
— Eles acham que meu pai matou aquelas pessoas — ela choramingou.
— Ele diz que vai ficar tudo bem, mas não vai ficar. Eu sei que não vai.
Mina poderia ter ficado quieta. Mas algumas semanas antes, ela havia
encontrado as instruções para uma convocação de espírito na caixa de joias
de Stella. Mina enfiou a página no bolso e copiou cada palavra antes de
devolvê-la, imaginando se algum dia teria coragem de usá-la.
Ela decidiu ser corajosa naquele dia porque Evelyn precisava de ajuda. E
era para isso que Stella sempre dissera que serviam os médiuns – ajudar as
pessoas.
— Eu posso consertar isso — ela disse. — Eu prometo.
Tudo depois disso foi um borrão. O som dos tênis dela e de Evelyn
rangendo contra as pedras molhadas. A forma como doeu mais do que
qualquer coisa quando a marca apareceu em seu pulso. Na semana seguinte,
quando Stella a levou para o hospital depois que a febre ficou muito alta.
— Ignorar o protocolo adequado foi o que nos colocou nessa confusão
— ela disse agora. — Pense nisso, Evelyn – se minha marca e sua
assombração estão acontecendo juntas, elas estão conectadas. Estamos
conectadas. Então, não, eu não quero quebrar as regras novamente. Eu quero
consertar as coisas.
Mina observou Evelyn considerar isso. Emoções passaram por seu rosto
como um enxame de peixinhos correndo nas águas rasas – medo,
arrependimento, determinação.
— Você acha que devemos contar à sua família? — ela perguntou
finalmente. — Se estivermos em perigo real, eles não deveriam saber que eu
tive algo a ver com isso?
O dólar de areia no pulso de Mina latejava, como se fosse uma resposta.
— Eles sabem que alguém é responsável por mexer com o fantasma. E
para ser honesta, se eles descobrissem que era você, não sei como eles
reagiriam.
Os olhos de Evelyn se arregalaram.
— Eles não pensariam que eu fiz isso de propósito, pensariam? E se eu
me explicasse?
Algo torceu no estômago de Mina que ela não entendeu muito bem,
algo que era além do medo do que poderia acontecer se Stella descobrisse
que o dólar de areia reapareceu em seu pulso. Mas seu silêncio prolongado
parecia ser uma resposta suficiente.
— Eu entendo — disse Evelyn finalmente. — Eu... eu acho que se eu
quiser me proteger, eu realmente não tenho escolha.
Ela estendeu a mão, adornada com esmalte preto lascado e um conjunto
de anéis de prata com vários símbolos sinistros - uma caveira, uma garra,
uma cobra comendo o próprio rabo.
— Se você me ajudar a parar de ser assombrada, eu vou ajudá-la a
descobrir uma maneira de se livrar dessa coisa de fantasma-demônio.
Mina assentiu, então pegou a mão de Evelyn. Ela poderia jurar que
ouviu vozes sussurrando na parte de trás de sua cabeça enquanto suas palmas
se entrelaçavam, e quando ela se afastou, seu colar de proteção estava quente
contra sua clavícula.
Capítulo oito
F AZIA SETE meses desde que Evelyn tinha visto sua irmã mais velha
pessoalmente, e muito mais desde que Meredith pôs os pés em sua casa
de infância. Ela fugiu quando se formou e encontrou um ecossistema
totalmente novo na faculdade – um namorado, um círculo social, uma futura
carreira como contadora. Então, seu retorno a Cliffside Bay não foi apenas
um choque, foi uma ocasião monumental. Uma mudança sísmica.
— O que está acontecendo? — Evelyn estava sentada no sofá, fungando.
Meredith deu um tapinha em seu ombro gentilmente. — Por que você
voltou? Alguém morreu?
— Merda, Evelyn, não. — Meredith parecia perturbada. — Nada do
tipo.
— Merry vai passar o verão aqui — disse o pai da poltrona reclinável,
onde estava coçando a barba grisalha por fazer – um tique nervoso. A tela de
TV empoeirada, geralmente tocando a trilha sonora de sua crise de meia-
idade, estava muda.
Meredith fez uma careta.
— Por favor, Greg, não me chame assim.
O pai delas era Greg desde o verão do afogamento. Evelyn tinha certeza
de que era por causa da frequência com que sua mãe, Siobhan, usava o nome
de seu pai como se fosse um palavrão durante uma de suas brigas cruéis. Não
demorou muito para Meredith pegá-lo como uma arma própria.
Evelyn sabia que seu pai era inocente de uma forma que tanto Meredith
quanto sua mãe se recusavam a acreditar. Ele tinha sido o instrutor de vela do
Trio de Cliffside, claro, mas também tinha estado com Evelyn a noite toda
em um de seus passeios pela natureza ao entardecer. Mas porque ela tinha
sido a única com ele, os detetives se recusaram a acreditar em sua declaração
por si. Eles disseram que Greg poderia tê-la coagido a mentir para ele, que
ela era apenas uma criança.
Mas ela não era mais uma criança, e ela ainda se lembrava disso. O pai de
Evelyn foi quem despertou seu amor pela natureza, que lhe ensinou que a
vida pode florescer em quase qualquer lugar, de um deserto escaldante às
profundezas sem luz do mar. Sua caminhada final ao longo da costa antes de
tudo desmoronar sempre seria queimada em seu cérebro.
— Eu entendo, Meredith — seu pai disse. — Vocês estão todas crescidas
agora.
A mão de Meredith congelou no ombro de Evelyn.
— Sim, o que significa que eu não tenho que aceitar sua merda se eu
não quiser.
— Você é a única que apareceu sem ser convidada e perguntou se
poderia ficar por dois meses.
— E você disse que sim. Então não seja um idiota sobre isso na frente de
Evelyn, ok?
Greg sentou-se mais reto em sua poltrona, sua mão apertando uma lata
de Red Bull com tanta força que ela desmoronou com um guincho horrível.
— Você deveria estar grata por eu ter deixado você voltar aqui.
Meredith soltou uma risada sem alegria.
— E você deveria estar grato por eu estar disposta a voltar.
Após o divórcio, sua mãe se recusou a pedir a custódia. Ela abandonou
todos eles para uma nova vida em Nova York, e Meredith não fez segredo de
como estava zangada com isso. Já que ela não podia descarregar essa raiva em
Siobhan Mackenzie, ela se contentou com a próxima melhor coisa – seu pai.
As brigas de Greg e Meredith eram insuportáveis. As coisas nunca se
tornaram físicas, mas as palavras horríveis que eles lançaram de um lado para
o outro deixaram Evelyn enrolada sob as cobertas com as mãos sobre os
ouvidos, incapaz de processar como as duas pessoas que ela mais amava
podiam ser tão odiosos um para o outro. Ela passou os próximos anos
vagando pela Main Street, olhando para os tanques de animais em Scales &
Tails, conversando com Ruthie na loja de antiguidades, ou apenas sentada na
biblioteca, ouvindo a voz calmante da Sra. Morales conforme ela lia os livros
infantis da pré-escola. Quaisquer olhares que Evelyn recebesse valiam
algumas horas de distância dos gritos.
— Você pode parar isto? — ela perguntou agora, tentando soar do jeito
que os dois faziam quando ficavam com raiva – afiada. Determinada. Como
se não houvesse nada na terra que pudesse fazê-los recuar. — Faz cinco
minutos desde que Meredith voltou, e vocês já estão brigando.
Meredith exalou bruscamente, mas sua postura suavizou.
— Você está certa — disse ela, baixando a voz. — Eu posso ser civil se
você puder.
O pai delas ainda parecia agitado, mas seu olhar se voltou para Evelyn. E
talvez ele tenha visto o medo em seu rosto, porque depois de uma batida, ele
assentiu.
— Seu antigo quarto ainda é seu, se você quiser.
— Excelente. — Meredith se levantou. — Vamos, Evelyn. Eu poderia
precisar de alguma ajuda para desempacotar.
***
***
Que Evelyn abriu uma porta que ela não podia fechar, a mesma porta
que Mina passou toda a sua vida se preparando para atravessar apenas para ser
forçada a permanecer indefinidamente na soleira.
Que sua mãe ainda não contou nada a Mina sobre os esforços dela e do
tio Dom para investigar o fantasma.
E que mesmo depois de tantos esforços para encontrar um foco de
vidência, ela não conseguiu absolutamente nada.
As ondulações no oceano de Mina estavam crescendo. Logo elas seriam
grandes o suficiente para perturbar aquelas dúzias de baús que ela afundara
no fundo, ou talvez até acordar o que espreitava abaixo disso, alguma criatura
marinha pré-histórica que ela tentara muito esquecer.
Ela tentou trabalhar na Coleção Zanetti, mas deu tudo errado. Os tecidos
que Stella tinha ajudado a encomendar de repente pareciam extravagantes e
impraticáveis. Era tudo tão fofo, tão básico – insubstancial como espuma do
mar. Ela não sabia como consertar isso, ou qualquer outra coisa.
Mina desceu para o café da manhã, na manhã seguinte para encontrar
Stella esperando com uma xícara de café cheia de chantilly e um prato de
biscoitos. O favorito de Mina. O que significava que sua mãe sabia que algo
estava errado.
— Você está bem? — Stella perguntou a ela.
— Sim. Por que eu não estaria?
Mina mergulhou um biscoito sem entusiasmo no café. Isso a fez pensar
na bebida que Evelyn tinha feito para ela no Basic Bean, o que a fez pensar
em como ela estava realmente pensando em contar a Stella a verdade sobre
Evelyn. Mas ela não teve coragem de dizer algo. Isso significaria admitir que
ela tinha agido pelas costas de sua mãe e que suas próprias habilidades
médiuns pareciam potencialmente inexistentes. Seu pingente de proteção
estava pendurado em seu pescoço. Ela começou a tirá-lo por alguns minutos
aqui e ali para ver se isso mudava alguma coisa, mas sua culpa sempre
aparecia em pouco tempo.
— Você parece distraída — disse Stella. — Isso é sobre o seu foco de
vidência?
— Oh. Hm. Sim. — Mina girou o chantilly no líquido fumegante
abaixo, observando-o se dissolver no calor.
— Eu entendo o porquê você está desapontada. Mas você vai encontrar
um, tenho certeza disso.
— Eu não posso continuar meu treinamento até que eu encontre, no
entanto.
— É um obstáculo infeliz. Mas vamos tentar novamente na próxima
semana.
— Eu tentei centenas de itens de vidro. E se meu foco de vidência for
outra coisa? Mina quebrou seu biscoito ao meio com um estalo afiado e
satisfatório.
— Outra coisa? — Stella parecia perturbada.
— Bem, todos os Zanettis usam vidro? Como são suas práticas médiuns?
A caneca de café de Stella tremeu em sua mão. Ela engasgou e a colocou
na mesa apressadamente enquanto o líquido quente e fumegante derramou
em seus dedos.
— Mina — ela disse rapidamente, mas Mina já estava de pé, correndo
para o banheiro para pegar uma toalha fria e um kit de primeiros socorros.
Quando Mina terminou de se preocupar com a queimadura, Stella não
parecia ter conseguido nada pior do que um pequeno curativo em seu dedo.
O que, sua mãe a lembrou, ela era uma vítima frequente de um dia passado
no bufê de qualquer maneira. Juntas, eles se levantaram da mesa e foram em
direção ao carro.
— Você tem sido tão paciente — Stella disse enquanto trancava a porta
da frente atrás deles. Ela parecia mais velha na cozinha escura; agora, em
plena luz do dia, parecia que poderia ser a irmã mais velha de Mina em vez
de sua mãe. — Sabe o que devemos fazer? Depois deste casamento esta
noite, estarei livre por alguns dias. Podemos ir à praia e depois fazer uma das
nossas maratonas de filmes clássicos. Todos os seus favoritos, lanches
incluídos.
Não há muito tempo, aquela seria a noite ideal de Mina: encontrar
conchas na praia juntas e fazer novas decorações para a sala de estar, depois
combinar panna cotta de morango e pipoca de alho-parmesão com qualquer
filme que ela quisesse. Mas ela continuou repetindo a maneira como a
expressão de Stella havia mudado logo antes do café derramar em seu pulso.
Ela não parecia nem um pouco surpresa – ela parecia focada.
Mina passou a vida inteira estudando sua mãe. E embora ela ainda tinha
muito a aprender, ela podia dizer quando Stella estava desesperada para
esconder alguma coisa. Desesperada o suficiente para se queimar em vez de
responder a algumas perguntas.
— Tudo bem — ela disse fracamente. — Isso parece ótimo.
***
O casamento foi de tamanho médio, o que significava que o bufê não era tão
exigente quanto Mina temia. Stella ainda estava ocupada na cozinha,
ajudando seus subchefes a finalizar pratos e conduzindo os servidores para
dentro e para fora da porta com bandejas de canapés e canapés. Mina e
Sergio estavam ajudando naquele dia, junto com outros dois servidores que
trabalhavam com Stella desde que Mina era criança.
O trabalho de Mina era preencher as rachaduras. Se Stella precisasse de
alguma coisa picada, segurada ou mexida, ela estaria lá. Ela também gostava
de assistir pedaços da recepção através do vidro, admirando as roupas das
pessoas e a escolha da decoração. Hoje, ambos os noivos decidiram usar
branco, embora suas gravatas-borboletas fossem de um amarelo pálido e um
verde suave e claro. Eles se sentaram em uma mesa na frente, aplaudindo
brindes aparentemente intermináveis de seus entes queridos sob um arco de
vime decorado com vinhas e lírios.
Mina queria um romance assim um dia, um parceiro que a olhasse como
se ela fosse feita de magia. Infelizmente, sua vida romântica até agora se
resumia a uma paixão de longa data por Graham Lee, que terminou em uma
dança lenta e desajeitada e aquela vez ela levou um bolo de Kaitlyn Mallow.
Mas talvez a má sorte de Mina não fosse surpreendente, considerando sua
família. Ser médium estragou os relacionamentos românticos de Stella e de
seu tio a ponto de ambos desistirem de namorar completamente.
Mas talvez você não seja uma médium, afinal, sibilou uma vozinha desagradável
em sua cabeça. E você ainda está muito confuso para que alguém se apaixone por você.
— Mina? — Sua mãe colocou uma mão gentil em seu ombro. — Você
me ouviu?
— Eu… não. Desculpe. — Mina se virou para ver o suor escorrendo na
testa de sua mãe. Alguns fios castanhos soltos haviam escapado de sua rede de
cabelo, e havia uma mancha de óleo fresca respingado em seus sapatos pretos
de bufê.
— Um dos garçons ouviu algo estranho vindo do porão — disse Stella.
— Provavelmente é apenas um animal, mas você e Sergio podem dar uma
olhada? Não queremos que isso atrapalhe a recepção, e você sabe que
nenhum deles quer ir até lá depois do incidente com o morcego.
— Claro — disse Mina. Ela encontrou Sergio roubando uma taça de
champanhe no corredor fora da cozinha e o arrastou com ela para a escada
dos fundos.
— Ooooh — ele disse, balançando os dedos enquanto a seguia até o
porão. Ele estava bêbado, mas Mina não se importou – ela tinha mais
perguntas para ele, e seria mais fácil obter uma resposta assim. — Uma
missão secreta de Stella.
— Falando em Stella — ela disse. — Eu estava me perguntando se você
conseguia se lembrar de mais alguma coisa. Sobre o resto da nossa família,
quero dizer. Aquela briga de que você falou.
— Hum. Não muito mais do que eu disse a você. — Ele soluçou. —
Ouvi muito a palavra perigoso, mas papai me pegou espionando antes que eu
descobrisse o porquê.
A decepção de Mina lutou enquanto ela o empurrava sob suas ondas.
— Bem, deixe-me saber se você se lembrar de mais alguma coisa.
Era estranho estar de volta ao porão depois do que aconteceu com os
Giacomo's. Parecia o mesmo de sempre, escuro e empoeirado, prateleiras
cheias de itens há muito esquecidos. Mina deu uma olhada, já irritada com o
que toda essa sujeira faria com seus tênis. Havia vários tipos de excrementos
de animais no porão misturados com a sujeira. Mas ela não viu nenhuma
evidência de qualquer vida selvagem indesejada, apenas teias de aranha.
E então ela ouviu. Um som estranho e alto, em algum lugar entre um
assobio e um gemido. Ela seguiu nervosamente o barulho até perceber que
vinha de trás da porta trancada.
— Sérgio — ela sussurrou. — Você ouviu isso?
Ele assentiu, o rosto corado, mas solene. As palmas das mãos de Mina
começaram a suar. Ela poderia ir buscar Stella. Ela deveria ir buscar Stella. Mas
tudo que sua mãe faria era mantê-la fora disso, como se ela fosse uma
daquelas centenas de potenciais vidros focos de vidência. Frágil. Impraticável.
— Eu vou entrar — ela disse a ele, então empurrou as cortinas
empoeiradas de lado. A fechadura tinha sido trancada novamente, mas ela
conhecia a combinação. Ela o girou facilmente para frente e para trás antes
de abrir, então o colocou em uma prateleira próxima.
— Eu não sabia que você conseguia entrar aqui sozinha — disse Sergio.
Mina abriu a porta.
— Eu sigo muito menos regras do que você parece pensar que sigo.
A cena diante dela parecia comum a princípio. A piscina estava calma, a
água salgada movendo-se em riachos lentos e preguiçosos enquanto os filtros
faziam seu trabalho. Velas apagadas estavam espalhadas por toda parte, e ainda
havia um círculo de sal ao redor da água. A sala tinha um cheiro estranho,
porém – salmoura e enxofre pairavam no ar.
Seus tênis esmagaram contra algo no concreto.
Vidro.
Uma das janelas do chão ao teto atrás da piscina se estilhaçaram,
deixando pedaços espalhados pelo chão. O vento assobiou através dos cacos
que ainda se agarravam teimosamente à moldura de madeira, e outro gemido
ecoou pela sala.
Ela soltou um suspiro de alívio quando se aproximou das janelas. Às
vezes, um barulho era apenas um barulho.
— Ei, Mina — Sergio chamou. — Cuidado onde pisa.
Mina olhou para baixo e percebeu que seus tênis brancos estavam ambos
pressionados firmemente contra uma falha no concreto. Aquela velha
superstição terrível penetrou em sua mente – pise em uma rachadura, quebre as
costas de sua mãe. Ela se moveu apressadamente para o lado e avaliou os danos.
A fissura ia da borda da piscina até a janela quebrada, subindo até atingir a
moldura de madeira.
— O que você acha que causou isso? — Mina perguntou, incapaz de
esconder o tremor em sua voz. Quando ela se virou para Sergio, ele também
parecia abalado. Ele abriu a mão para revelar um pedaço de vidro brilhante
em forma de asa de pássaro.
— Encontrei isso — disse ele. — Parte do foco de vidência do papai.
A decepção que Mina havia jogado em seu oceano tentou subir à
superfície. Ela respirou fundo e o segurou.
— Eles devem ter tentado algo aqui. — Sem mim.
Ele assentiu.
— Algo grande.
Mina se inclinou para inspecionar o círculo de sal novamente, franzindo
o nariz enquanto o cheiro se intensificava. Algo estava errado sobre isso – a
linha de sal tinha sido empurrada para fora, depois quebrada, como se os
dedos tivessem empurrado com sucesso as bordas. Ela olhou para ele
nervosamente. A regra número um de uma convocação era não deixar os
fantasmas saírem do círculo.
Ela tocou um pouco do sal com a ponta do dedo. Saiu molhado. E assim,
o pingente de proteção em seu pescoço começou a ficar quente contra sua
pele. Mina sentiu uma breve explosão de preocupação. Mas algo mais se
cristalizou abaixo dele. Esperança.
Se isso estava acontecendo, significava que um fantasma estava tentando
falar com ela. O que significava que ela era uma médium. Era a lua crescente
hoje à noite – quatro dias antes de estar cheia, não o ideal, mas talvez...
talvez...
Ela puxou o colar sobre a cabeça.
— Sérgio? — Mina virou-se para a prima. — Posso confiar em você?
As sobrancelhas de Sergio se ergueram quando ele viu Mina na borda do
círculo de sal.
— Você tirou o pingente.
— Sim. E eu quero que você segure para mim enquanto eu tento algo.
Mas só se você prometer me tirar daqui se as coisas ficarem perigosas, e se
você também puder prometer não dizer uma palavra sobre isso aos nossos
pais.
Uma expressão estranha passou pelo rosto de Sergio como uma nuvem
obscurecendo a lua, e Mina se perguntou se ele estava com ciúmes dela. Mas
depois de um momento, ele se ajoelhou ao lado dela e estendeu a mão.
— Isso é o que você quer. — Não era uma pergunta. — Você merece
uma tentativa justa.
— Obrigada. — Mina deu-lhe o colar. Então ela mergulhou a mão
esquerda na piscina até que a água tocou seu pulso.
A mudança foi instantânea. Seu dólar de areia pulsava e sua mente se
alargava – como se estivesse dentro de um daqueles baús que ela jogou no
oceano, mas agora as tábuas se estilhaçaram, deixando-a à deriva em uma
extensão infinita de água.
Mina esperava o coro dissonante de vozes que ouvira na praia. Mas, em
vez disso, havia apenas um, sussurrando em uma cadência muito suave e
abafada para ela entender as palavras, como se estivesse muito longe e muito
sozinho. Então parou, e Mina sentiu uma presença familiar roçar na borda de
sua mente, a mesma que ela sentiu na praia. Não foi esmagador ou
aterrorizante desta vez, foi... curioso. Um desejo se desenrolou dentro dela,
afiado e insistente, e ela entendeu que não estava vindo apenas do fantasma.
Estava vindo dela também.
O espírito a puxava da mesma forma que a lua puxava as marés, da
mesma forma que ela imaginava que duas pessoas eram atraídas uma para a
outra quando se apaixonavam. Era aterrorizante e inegável e impossível de
resistir.
Então ela não o fez.
Quando o dólar de areia no pulso de Mina puxou sua mente para frente,
ela o seguiu de bom grado. E quando ela piscou novamente, o mundo ao seu
redor havia desaparecido.
Ela estava na praia em Sand Dollar Cove. Uma lua cheia pairava no céu
estrelado. A luz azul-esverdeada se desenrolou na água diante dela enquanto
aquela voz sussurrava em sua mente, desaparecendo e entrando e saindo. Mas
esta noite, ela finalmente estava forte o suficiente para entender isso. Tudo o
que ela tinha que fazer era entrar.
Mina caminhou em direção ao oceano, esperando a rebentação tocar seus
dedos dos pés descalços. Mas então algo brilhou em sua visão periférica –
uma explosão de laranja sob as ondas. O cheiro de podridão flutuou ao redor
dela quando a cena começou a piscar. Seu pulso latejava com uma dor
insuportável, e quando ela olhou para as palmas das mãos, elas eram do azul
translúcido de um espírito–
E então uma mão se fechou ao redor de seu ombro, e ela foi puxada à
força de volta à realidade.
— O que… — ela ofegou, girando ao redor. Sergio olhava para ela, sua
expressão em pânico. Ele puxou o colar sobre a cabeça dela, ignorando os
ruídos de protesto de Mina. No momento em que tocou sua pele, a atração
começou a desaparecer.
— Você estava tentando mergulhar na piscina — ele disse com a voz
rouca, ainda segurando o ombro dela. — Você promete que não vai tentar
de novo se eu soltar você?
— Eu prometo.
Ele a soltou, ainda parecendo cauteloso, mas a atração se foi.
— O que aconteceu com você? — perguntou Sérgio.
Mina hesitou.
— Eu... eu tenho certeza de que o demônio em potencial quer falar
comigo.
Sergio soltou um assobio baixo e inquieto.
— Bem, merda.
— Eu sei.
Mina recebeu um convite. Ela tinha quatro dias até a lua cheia para
descobrir se ela era corajosa o suficiente para aceitar.
Capítulo quatorze
E VELYN GOSTAVA MAIS DE SCALES & TAILS após o fechamento. Havia algo
reconfortante nos sons suaves da vida ao seu redor – os filtros do tanque
de peixes borbulhando, os répteis farfalhando em suas gaiolas, até mesmo o
chilrear suave dos grilos de suas caixas no depósito. Ela gostava mais quando
Luisa estava lá para ajudá-la, mas infelizmente ela estava presa com seu colega
de trabalho menos favorito naquele dia, um estudante universitário que
sempre encontrava um motivo para sair mais cedo.
Ela ainda tinha companhia, não apenas os animais, mas Mina, que tinha
mandado uma mensagem na noite anterior para exigir que eles se
encontrassem. Evelyn não estava livre até agora – tinha sido outro longo dia
de trabalho.
— Estou ciente de que soa um pouco mal aconselhado — disse Mina
enquanto eles jogavam os sacos de lixo finais na lixeira. Evelyn ficou
agradavelmente surpresa com a disposição de Mina em ajudá-la de perto,
especialmente porque ela chegou em um vestido de verão branco e sandálias
grossas que agora pareciam piores vestem. — Mas acho que seríamos tolas
em não considerar isso.
— É uma armadilha — disse Evelyn enquanto lavavam as mãos na pia
dos funcionários. Fazia algumas semanas que o incidente no banheiro no
Basic Bean, mas ela ainda sentia uma pontada de nervos cada vez que se
olhava no espelho, imaginando se veria uma figura pairando atrás dela. Em
vez disso, ela viu a forma alta e esbelta de Mina ao lado dela, seu cabelo loiro
quase branco nas luzes fluorescentes acima. — Você quer que sua alma seja
comida?
— Ainda não temos provas de que o fantasma possa fazer isso com os
vivos — protestou Mina. — Ou que isso mesmo é esse fantasma.
— Quem mais eles seriam?
— Uma das vítimas do afogamento no verão? — A voz de Mina
permaneceu calma ao longo de toda a história do que ela tinha visto no
centro comunitário, mas havia uma vantagem agora que Evelyn não gostou.
— Eu sei que você está interessada em falar com eles. Essa pode ser sua
chance.
Evelyn queria falar com o Trio de Cliffside. Mas a última vez que ela
mexeu com os mortos, ela acabou com habilidades que ela não queria e um
foco de vidência que ela não sabia como usar, para não mencionar um
fantasma a assombrando. Ela não seria imprudente assim de novo.
— Você disse que houve danos materiais de qualquer coisa que sua mãe
tentou — ela respondeu enquanto caminhavam de volta para a área principal
de Scales & Tails, parando ao lado da caixa registradora. — Esse deve ser o
demônio em potencial. E se eles podem quebrar concreto, eles podem
quebrar totalmente seu crânio.
Mina bufou e enrolou a mão em torno de sua pulseira de ouro,
brincando com a fina fileira de metal que protegia sua marca do dólar de
areia.
— Bem, não podemos nos esconder para sempre. Confrontar esse
fantasma diretamente é a única maneira de detê-los.
Havia aquele tom de novo, e Evelyn entendia agora por que isso a
incomodava. Mina parecia ansiosa.
— Concordo que não podemos continuar nos escondendo. — Evelyn
deu um passo em direção a ela. — Mas isso é literalmente vida ou morte.
Você é quem me disse que nós duas estamos em perigo, que as luas cheia e
nova são esmagadoras até mesmo para médiuns totalmente treinados.
Nenhuma de nós tem chance.
A mão de Mina flutuou para longe de seu pulso, e ela se aproximou
também.
— Talvez você esteja certa — ela disse suavemente. — Mas se
ignorarmos o convite, não estamos deixando passar uma oportunidade
valiosa?
— Você poderia contar a sua mãe — sugeriu Evelyn. — Ela poderia
lidar com isso. — Ela soube assim que as palavras saíram que tinham sido um
erro. Mina deu um pulo para trás, como se tivesse levado um tapa, depois
desviou o olhar.
— Stella ainda não pode saber — ela sussurrou, olhando para trás da
cabeça de Evelyn. — Não até eu provar que eu... que eu... — O brilho das
luzes do tanque iluminou seus ombros, roçou a pele lisa e elegante de seu
pescoço. Evelyn rapidamente desviou o olhar.
— Que você... o quê? — ela perguntou.
— Que eu pertenço a este mundo. — Mina ainda não olhava para ela.
— Que eu posso corrigir os erros que cometemos. Que eu posso ser a filha
que ela merece em vez de... de... — Ela parou e caminhou até a porta. A
campainha em forma de cobra soltou um som discordante tilintar enquanto
ela fugia na noite.
Evelyn xingou. Então ela pegou seu longboard e a chave da loja e foi
atrás dela.
Ela encontrou Mina sentada no meio-fio ao lado do estacionamento,
com a cabeça enterrada nas mãos. O estacionamento estava deserto – era
uma noite de domingo, tarde o suficiente para que qualquer visitante de fim
de semana já tivesse começado a dirigir de volta para Nova York.
Evelyn suspirou e sentou-se ao lado de Mina, colocando seu longboard
na pista aos seus pés.
— Você não é muito boa em fugir.
— Pensei que você fosse para casa. — A voz de Mina estava abafada por
entre os dedos.
— Você quer que eu vá? — O pensamento fez Evelyn hesitar. Parte do
motivo pelo qual o verão do afogamento ganhou tantas manchetes era
porque Cliffside Bay era uma daquelas cidades consideradas sonolentas e
seguras, além das vítimas eram todos ricos e brancos. Mas por mais seguro
que fosse, Evelyn ainda não ia deixar uma garota chorando sozinha em um
estacionamento escuro.
— Na verdade, não. — Mina afastou as mãos, soluçando levemente.
Evelyn não tinha apagado as luzes da vitrine – política da empresa – e
eles lançaram um brilho amarelo suave em Mina, o suficiente para que ela
pudesse dizer que a outra garota estava chorando.
— Eu sinto muito. Eu vou ter isso sob controle em apenas um momento.
Mina respirou fundo, enxugou os olhos com um lenço de papel que
tirou da bolsa e abanou o rosto com as mãos. Então ela se virou para Evelyn,
um sorriso falso estampado em seu rosto.
— Viu? De volta ao normal.
Além de uma pequena mancha de rímel e leves manchas vermelhas nas
bochechas de Mina, já era difícil dizer que ela estava chorando. Evelyn se
perguntou quando Mina tinha aprendido a fazer isso, e com que frequência
foi útil. Todas as roupas e notas perfeitas de Mina estavam começando a
parecer cada vez mais uma adaptação bem elaborada, uma concha que a
ajudaria a sobreviver às pressões do mundo.
— Você acha que não é boa o suficiente para sua mãe? — Era uma
pergunta arriscada, destinada a quebrar aquela concha.
Mina se encolheu.
— Você não entende. Ela deu tanto para mim, e eu não quero
decepcioná-la. Mas eu menti para ela durante todo o verão. Eu sei que tentar
falar com o fantasma sozinha é uma má ideia, mas pensei que talvez se eu
pudesse fazer as coisas direito antes de confessar, ela não ficaria tão
desapontada. Ela não desistiria de mim.
Desistir. Evelyn sabia que ela tinha vindo aqui para ajudar, mas aquelas
palavras abriram caminho direto entre suas costelas, onde bateu como um
batimento cardíaco cruel.
— Confie em mim. — Evelyn falou um pouco mais alto do que
pretendia. — Você não pode obrigar seus pais a fazerem nada. Se eles
quiserem desistir de você, eles vão. Se eles te amam o suficiente, eles não vão.
— Como você pode saber disso?
— Porque minha mãe desistiu de mim. — Evelyn chutou violentamente
a pista. — Depois do verão do afogamento, ela decidiu que não queria fazer
parte da nossa família mais. Ela assinou seus direitos parentais. E no começo
eu me perguntei se havia algo que eu poderia ter feito para fazê-la ficar.
Achei que a saída dela era minha culpa. Mas eu sei melhor agora. Ela é o
tipo de pessoa que pensou que poderia trocar sua família da mesma forma
que outras pessoas trocam uma porra de um carro.
Houve um longo, longo momento de silêncio. Evelyn estava tão
derrotada, que ela pensou que podia desmaiar. Ela não ficava tão chateada
desde a noite em que largou Nick. As poucas luzes do estacionamento
ficaram embaçadas, e ela percebeu um pouco tarde demais que era por causa
de suas lágrimas. Ela não tinha a casca protetora de Mina. Ela não tinha nada.
Evelyn sentiu o toque suave e delicado da palma da mão na palma da
mão, os dedos se dobrando, o metal frio de uma pulseira pressionando contra
seu pulso. Ela olhou para baixo e viu o polegar de Mina se movendo em
círculos lentos e suaves em seus dedos.
— Eu sinto muito. — A voz de Mina tremeu, mas ela não tentou
esconder. Evelyn inclinou a cabeça para cima e viu um rosto cheio de
arrependimento desmascarado. — Eu sabia que eles tinham se divorciado,
mas não fazia ideia de que ela havia abandonado você assim.
— Sim, bem, ela fez. — Evelyn ainda estava chateada, mas o toque de
Mina parecia aterrador. Por este pequeno momento, ela não estava
enfrentando o mundo sozinha. — Não está tudo bem, mas... eu tive tempo
para me acostumar com isso.
— Mas você não deveria. — Mina olhou para ela indignada. — Quando
Stella disse ao meu pai que estava grávida de mim, ele disse que não queria
nada com isso. Então eu não penso nele, porque ele não vale a pena. Mas se
ele tentou ser pai e depois decidiu que não queria mais... isso é muito pior.
Sua mãe é... — Seu rosto ficou vermelho. — Um ser humano hediondo.
— Filha da puta — Evelyn disse. — Filha da puta é uma palavra melhor.
Mina soltou uma risada assustada.
— Eu suponho que sim. — Seu aperto na mão de Evelyn afrouxou, mas
ela não se afastou. — Olha, Evelyn, a verdade sobre por que eu corri para cá
é que estou... com ciúmes.
— De mim? — Evelyn lutou contra a vontade de rir. — Por que minha
vida é tão divertida e perfeita?
— Porque você é uma médium. — A voz de Mina tremeu novamente.
— Eu sei que isso é exigente e assustador, mas é o que minha família me
disse que eu deveria ser. Ver você cair nisso, sabendo que minha mãe e meu
tio ficariam felizes em ter sua ajuda... Ela parou, mas Evelyn entendeu. Mina
se sentiu substituída.
— E o que você disse? Que eles iriam me punir?
Mina suspirou.
— Eu estava mentindo. Eu não queria que eles soubessem o que
aconteceu durante o verão do afogamento. Eu... eu sinto muito por isso
também. Vejo agora que fui egoísta.
Não havia como negar isso. Mas também não era como se Evelyn tivesse
confiado em Mina. E Evelyn sabia em seu íntimo que se ela deixasse Mina
agora, dissesse a ela que tinha terminado aqui, seria isso. Qualquer coisa
frágil que estava crescendo entre elas iria ser esmagada.
— Sim, você foi — disse Evelyn. — Mas eu também fui egoísta.
Convoquei esse espírito porque Nick me convenceu a colar em uma prova,
fui pega e sabia que isso arruinaria minhas inscrições na faculdade. Tinha esse
estágio que eu queria, e nem consegui... Parece tão bobo agora. Eu não
posso acreditar que eu coloquei nós duas em todo esse perigo por isso.
Ela estava esperando julgamento, mas em vez disso, a expressão de Mina
suavizou tristemente.
— Você nunca poderia saber que tudo isso iria acontecer — disse ela. —
E honestamente... estou começando a me perguntar se era apenas uma
questão de tempo até que o que fizemos naquele verão voltasse para nos
assombrar. Literalmente, suponho.
Evelyn apertou sua mão.
— Você realmente não está com raiva de mim?
— Não, a menos que você tenha algo pior para confessar.
— Uh. Bem. Eu... meio que tentei dizer Nick Slater a verdade sobre seu
irmão.
A cabeça de Mina se ergueu.
— Você o que?
— Eu me acovardei — Evelyn disse apressadamente. — Todas aquelas
coisas que você disse sobre tornar tudo muito complicado? Você estava certa.
Mina relaxou, parecendo aliviada.
— Foi uma coisa difícil para mim entender no começo também. Ainda
é, honestamente. Mas tudo o que você acabou de me dizer deixa
dolorosamente claro que você precisa de treinamento adequado, e minha
mãe e meu tio merecem saber o que está acontecendo com o fantasma. Vou
contar a verdade para eles amanhã cedo.
Talvez fosse porque ambos haviam renunciado a seus mecanismos de
sobrevivência para se conectarem. Talvez fosse porque, evolutivamente
falando, uma relação simbiótica deu a ambos uma chance melhor de lidar
com esse espírito. Ou talvez fosse porque Mina ainda estava segurando- a.
Mas Evelyn balançou a cabeça.
— Conte a eles sobre o fantasma, mas não conte a ela sobre mim —
disse ela. — Eu não quero te entregar.
— Mas você precisa de treinamento — Mina protestou.
— Eu sei — disse Evelyn. — Mas eu não quero que esse treinamento
venha de sua mãe. Quero aprender com você.
Capítulo quinze
Pesadelos
Mina digitou por um longo tempo, tanto tempo que Evelyn estava meio
adormecida quando a mensagem finalmente chegou.
***
***
***
E VELYN ESTAVA NERVOSA PARA ir à fogueira sozinha. Ela não ia a uma festa
sozinha desde o outono anterior, a noite que terminou com Nick a
levando para casa. E ela definitivamente nunca precisou se preocupar com a
lua cheia antes. Os Sussurros começaram a farfalhar em sua mente naquela
manhã, desaparecendo dentro e fora como crepitação estática. Eles não eram
nem de longe tão altos quanto as vozes antes que ela encontrasse seu foco de
vidência, mas eles ainda eram altos o suficiente para preocupá-la.
Ela não tinha certeza de porque estava disposta a arriscar um perigo
potencial para sair com um colega de trabalho. Mas ela sabia que tinha a ver
com como Mina a fez sentir na noite anterior. Como Evelyn precisava se
agarrar às poucas coisas que ela tinha indo atrás dela, porque Mina tinha tudo
menos esse convite para a festa. Era mesquinho, mas ela não conseguia se
importar.
Evelyn se preocupou com sua roupa e maquiagem muito mais do que
normalmente faria, franzindo a testa para uma fuga no queixo e refazendo o
delineador até ficar perfeito. Ela conseguiu fazer um pequeno buraco em seu
foco de vidência e passar uma corda por ele, mas era meio volumoso, então
ela colocou o colar improvisado em sua bolsa ao lado de sua carteira e
telefone. Quando ela saiu pela porta, ela não tinha certeza do que esperar na
festa. Mas quando ela entrou em Cliffside Beach, seus tênis esmagando o
cinturão de pedras e conchas que a separavam da areia, Luisa pulou de seu
cobertor de piquenique e deu-lhe um grande aceno.
— Você veio! — ela disse, correndo e embrulhando Evelyn em um
abraço. — Você conhece mais alguém aqui? Ou você precisa que eu te
apresente?
Evelyn ficou aliviada ao ver que havia calculado corretamente o código
de vestimenta – Luisa usava um vestido amarelo casual, delineador dourado e
pedaços de blush metálico espalhados pelas maçãs do rosto. Sua câmera
elegante estava pendurada em um ombro. Bonita, mas ainda despreocupada,
assim como o jeans wide leg rasgado de Evelyn e o top de veludo. Ela sabia
que veludo era uma má escolha para uma noite suada de verão, mas foi um
achado de Ruthie que ela nunca teve motivos para usar antes, então ela não
conseguiu resistir.
— Tenho certeza de que conheço alguns deles. — Evelyn olhou para as
pessoas agrupadas em pequenos grupos ao redor da fogueira, talvez trinta no
total. Alguém estava tocando violão, e algumas pessoas cantavam a melodia
familiar de uma música pop. Uma voz se levantou acima do resto, como se
carregado pela fumaça da fogueira, forte com um leve e áspero raspar. —
Quem é o cantor?
— Você definitivamente a conhece — Luisa disse, puxando Evelyn em
direção às chamas.
Evelyn sorriu, surpresa, quando o guitarrista apareceu. Amy Cheng
parecia em paz assim, seus dedos dançando facilmente pelo corpo do
instrumento enquanto cantava. Ela sabia que a outra garota gostava muito de
música, mas era outra coisa completamente diferente vê-la atuar. Ela podia
ver totalmente a coisa da banda grunge agora.
— Trabalhamos juntas — disse ela.
— Oh, eu sei. — Luísa parecia divertida. — Vocês duas reclamam tanto
do Basic Bean que eu sinto que trabalho lá também.
Luisa tirou a tampa da lente e tirou algumas fotos de Amy tocando
enquanto assistiam o resto da música juntas. Evelyn gostou do como se sentia
ao se agrupar entre os outros na praia, fazer parte do mesmo momento,
vinculado pelo mesmo apreço pela música de Amy. Às vezes, viver em
Cliffside Bay parecia estar preso em uma poça de maré, empurrado para
perto demais de outros organismos e assando sob o olhar severo do sol. Mas
esta noite, sob a lua cheia, estar perto dos outros a deixou mais calma em vez
de assustada.
A lua cheia. Evelyn enfiou a mão na bolsa e agarrou a concha,
imaginando se era apenas sua imaginação ou se os murmúrios em sua mente
estavam ficando mais fortes. Ela quase podia distinguir as palavras, se ela se
concentrasse nelas, o que ela não queria fazer agora. Quando ela espiou
dentro, a concha estava brilhando, embora mal visível através da tela. Ela
esperava que quem procurasse confundisse com um telefone tela.
Amy tocou os últimos acordes da música, então colocou o violão
cuidadosamente no cobertor ao lado dela.
— Acabou o show — ela disse, embora seu sorriso de batom azul disse a
Evelyn que ela poderia ter jogado a noite toda. — Agora, alguém coloque
algo que podemos dançar. Gina não trouxe esses alto-falantes aqui para nada,
certo?
A pequena multidão se espalhou, e logo a música estava explodindo dos
alto-falantes, algo otimista e rápido. Evelyn ficou com Luisa. Ela esperava
que a outra garota não se sentisse obrigada a tomar conta dela, mas não tinha
certeza de como transmitir isso sem torná-lo estranho.
— Você é muito boa — disse Evelyn enquanto Amy colocava seu violão
de volta no estojo.
— Obrigada — Amy fechou a mala e a colocou delicadamente sobre
uma toalha. Estava coberto de adesivos meio descascados. — Estou
praticando para minha audição semana que vem.
— Há uma nova banda que está tentando recrutá-la — explicou Luisa
enquanto os três serpenteavam até um refrigerador, meio enterrado na areia.
— Eles são meio que... Amy, como você os descreveria?
— Punk indie moderno — Amy disse imediatamente. — Vou tocar
minhas próprias músicas. É melhor eles gostarem, se quiserem que eu seja a
vocalista deles.
Havia uma história lá, uma que se espalhou como Luisa abriu a geladeira
e vasculhou as bebidas. Aparentemente, a banda grunge da qual Amy fez
parte no ano passado havia falado sobre suas ideias e ignorado suas sugestões
até que ela sentiu que estava tocando a música de outra pessoa inteiramente.
Agora, ela estava determinada a encontrar algo melhor. Evelyn pensou em
sua própria jornada – recusando-se a deixar Nick transformá-la em alguém
que ela não mais reconhecia – e compreendia.
— Temos cerveja — Luisa ofereceu. — Limonada forte? Água com gás
saborizada? Alguém tem uma falsificação e outra pessoa tem um primo mais
velho.
Evelyn não queria saber o que acontecia se um médium ficasse bêbado
durante a lua cheia.
— Eu vou tomar uma água com gás normal, na verdade.
Para sua surpresa, Luisa e Amy fizeram o mesmo.
— Eu sou a motorista da noite, e o ex dela está aqui — explicou Amy.
— Sem decisões ruins esta noite.
— Bem, nenhuma má decisão que podemos culpar o álcool — disse
Evelyn, sentindo uma onda de satisfação quando eles riram. Foi
surpreendentemente fácil falar com essas garotas – ela não tinha ideia de
como ela trabalhou com as duas por tanto tempo sem perceber que elas eram
amigas íntimas. Eles a apresentaram à maior parte da festa, pessoas que ela
notou enquanto estava sentada na beira de uma mesa de almoço ou
conversava um pouco na aula. Luísa tirou fotos de todos, tomando cuidado
para lembrar as pessoas de esconderem o álcool primeiro, depois pediu a
alguém para tirar algumas dela, Evelyn e Amy.
Ninguém falou sobre o pai de Evelyn ou olhou para ela como se ela
fosse outra coisa que não um deles. Ela era normal.
Exceto pelas vozes se mexendo em sua mente, e um puxão que ela
começou a sentir, uma corda para as ondas quebrando.
— O que você acha? — Luísa a perguntou depois que conversaram com
Talia, que estava na aula de história de Evelyn. — Você ainda quer ser
arranjada?
— Nem tente — Amy disse provocando. Ela borrou o batom azul de
hoje à noite com um lenço sobressalente, depois continuou: — Evelyn tem
uma queda por Mina.
— Zanetti? — Os olhos de Luísa brilharam de curiosidade. —
Interessante.
— Eu não tenho. — A voz de Evelyn não soou convincente até mesmo
para seus próprios ouvidos. Tenha uma coisa – estava mesmo certo? Era isso
que ela continuava sentindo em torno de Mina, ou era apenas frustração, ou
era a pressa de uma amizade reacendida? Às vezes era difícil dizer com outras
garotas. Nick se sentiu como um caminho que ela sabia trilhar, graças a um
milhão de livros, filmes e programas de TV, mas com Mina havia muito
menos para usar como ponto de referência.
— Hm. — Amy deslizou em uma cadeira dobrável alguém havia
abandonado para a dança que agora acontecia do outro lado da fogueira.
Luisa sentou-se na areia ao lado dela. — Sem querer jogar cartas lésbicas nem
nada, mas conheço duas garotas flertando quando vejo.
— Quando você já nos viu flertar?
Amy ergueu uma sobrancelha, como se dissesse “Sério?”
— Você disse que o pedido dela era um crime contra a cafeína na
primeira vez que ela pediu. Agora você literalmente traz para ela, de graça.
— Eu só fiz isso uma vez — protestou Evelyn, sentando-se do outro lado
de Amy. Mas ela podia sentir-se corar, e podia sentir aquela sensação de
conexão – Amy era alguém com quem ela podia conversar sobre isso. Sobre
garotas. A praia rochosa não era o lugar mais confortável, mas ela não se
importou.
— Há rumores sobre a família de Mina — Luisa murmurou. —
Estranhos.
— E todos nós sabemos como Cliffside Bay adora espalhar rumores —
Amy disse rispidamente.
Evelyn engoliu em seco. Justo quando ela estava começando a acreditar
que ninguém aqui se importava com seu passado.
— Com Mina, eu… — Evelyn suspirou. — É difícil de explicar. Nós
éramos muito próximas quando crianças, e eu pensei que estávamos nos
tornando amigas novamente, mas... eu não tenho mais tanta certeza.
— Você não precisa falar sobre isso se não quiser — disse Luisa
precipitadamente. — Nós sabemos que você é tímida.
Evelyn nunca tinha pensado em si mesma dessa forma. Reservada, talvez.
Insegura. Intensa. Mas nunca tímida.
— Sim, estou surpresa que você veio — acrescentou Amy. — Apostei
vinte dólares com Luisa que você não apareceria.
— Amy! Não diga isso a ela!
— Está tudo bem. — Evelyn lutou para recuperar o ritmo que achava
tão reconfortante, como manter o equilíbrio em seu longboard, como o
oceano vazando e fluindo através da zona intertidal. — Entendo.
— Quero dizer... eu convidei você para fazer coisas depois que
começamos a trabalhar juntas, e você nunca apareceu — disse Luisa. —
Talvez eu devesse ter entendido a dica quando éramos crianças, mas… eu
não sei. Você parecia diferente nas últimas semanas. Então decidi que não
faria mal tentar novamente.
Talvez houvesse alguma verdade no que Mina havia dito na noite
anterior, sobre Cliffside Bay. Que a maior coisa que impedia Evelyn de se
sentir parte de algo era... Evelyn.
— Estou feliz que você continuou me convidando. É apenas... difícil
para mim me abrir — ela disse, incapaz de manter a oscilação de sua voz.
Evelyn estava com medo de olhar para Amy e Luisa. Com medo de ver a
piedade inevitável em seus rostos. Mas em vez disso, quando Amy falou, sua
voz era a mais gentil que Evelyn já ouvira.
— Eu sinto muito. Eu não queria te deixar desconfortável.
— Não, não, não fique. — Evelyn se virou para ver que as duas pareciam
preocupadas, mas era difícil ficar brava com isso. Eles mal a conheciam. Ela
pensou em sua decisão de deixar Mina entrar e se perguntou se ela era
corajosa o suficiente para fazer essa escolha novamente, agora que ela e Mina
estavam em um lugar tão estranho. Mas ela não veio a esta festa para não
razão. Ela estava aqui porque estava cansada de ficar sozinha. — Eu estou a
me divertir. E espero não ter tornado sua noite estranha.
Amy deu a ela o mesmo sorriso confiante que ela havia dado ao público
antes.
— Você não está tornando isso estranho — disse ela. — Sabe o que é
estranho? Aquele cara que vem ao Basic Bean e sempre pede uma xícara
inteira de espuma.
— Desculpe, ele o quê? — perguntou Luísa.
— Ah, sim — Evelyn disse, agarrando-se ao ritmo familiar da conversa
com alívio. — Ele tem um monte de corpos em seu porão. Não há outra
explicação para esse tipo de comportamento.
Amy estava tentando convencer Luisa a ouvir sua mãe sobre pendurar seu
trabalho na biblioteca quando Kenny se aproximou.
— Oi — ele disse nervosamente, ajustando seus óculos. Ele estava
vestindo um par de shorts brancos - um ousado movimento que Evelyn
estava disposta a apostar que ele se arrependeria e um sorriso nervoso. —
Oh, hm, bom te ver Evelyn. Não sabia que você viria.
— Ei. — Evelyn olhou entre os três, notando que Luisa havia enrijecido
enquanto Amy se recostava na cadeira, observando-os cuidadosamente.
Havia uma vibração absolutamente estranha aqui, e desta vez, não estava
vindo dela.
— Hum — ele disse, virando-se para Luisa. — Podemos conversar?
Ela hesitou por um momento, mas então assentiu, pegando a mão
oferecida e se levantando. Algo clicou na mente de Evelyn enquanto ela os
observava olhando um para o outro. No momento em que eles estavam fora
do alcance da voz, ela se virou para Amy.
— Ela é a garota misteriosa com quem Kenny está falando? — ela
sussurrou. — Aquela que ouviu aquele podcast que ele gosta?
Amy tomou um gole longo e presunçoso de seu seltzer.
— Sim. Eles tiveram um caso na primavera passada, e eles claramente
não se esqueceram, mas ambos estão nervosos demais para resolver isso.
— Oh meu Deus — disse Evelyn. — Eles conversaram comigo durante
todo o verão, e eu não fazia ideia.
— Bem-vinda ao clube — disse Amy. — Lidar com isso dos dois lados é
superchato. Eles deveriam seriamente apenas se beijar logo. Ei, eu vou fazer
xixi. Você vai ficar bem sozinha?
Evelyn assentiu. Ela se virou para assistir o resto da festa enquanto Amy
estava fora, sua lata de água com gás pendurada frouxamente em uma mão.
Ela esteve sozinha por tanto tempo, ela tinha esquecido como se sentia
quando ela não estava. Como uma festa poderia realmente ser acolhedora em
vez de um lugar onde ela precisava segurar a mão de Nick para se sentir
segura. Evelyn se preocupou com tudo o que acontecia dentro de sua casa
por muito tempo. Mas talvez as defesas ela tenha construído depois que o
verão de afogamento não se aplicava mais ao seu trecho da costa. Se essas
outras pessoas pudessem tratá-la como se ela pertencesse... talvez ela pudesse
começar a se tratar assim também.
Evelyn respirou o ar da fogueira da praia, salgado e esfumaçado, e quando
ela exalou, foi como se ela também tivesse soltado uma respiração longa
dentro dela. Ela estava prestes a pegar outra água gaseificada quando uma
figura escalou uma das dunas de areia. Evelyn conhecia aquele corpo esguio,
aquele cabelo loiro brilhando à luz do fogo.
Mina Zanetti apareceu na festa.
***
Algo estava errado com Mina. Lá estava a roupa – um top simples e shorts,
muito longe dos looks elaborados que Mina parecia ótima em montar. Havia
o jeito que ela andava, caída e estranha. A maneira como ela agarrou sua
bolsa de vime como se fosse a única coisa que a mantinha à tona. E, claro,
havia o fato de que ela estava aqui, quando ela agiu como se Evelyn estivesse
louca por sugerir que eles fossem a esta festa.
Evelyn interceptou Mina antes que ela pudesse chegar muito perto de
qualquer outra pessoa.
— O que está acontecendo?
— O que você quer dizer? — Sua voz estava calma – calma demais.
Evelyn inclinada jogou a cabeça para trás e, por fim, vislumbrou o rosto
de Mina. Olhos avermelhados e bochechas manchadas que nem mesmo os
guardas emocionais de Mina conseguiam esconder.
— Algo aconteceu com você. — Evelyn lançou sua voz o mais baixo
que podia, aproximando-se da outra garota. — É o fantasma? Eles atraíram
você aqui?
Mina soltou uma risada alta e estridente.
— Ah, nada disso! Apenas um pequeno desentendimento familiar.
— Essa coisa de não ter um colapso total não funciona comigo. Você
sabe disso, certo?
— Que coisa? — Mina examinou a festa. — Isso parece divertido,
Evelyn. Vamos conversar com as pessoas. Vamos dançar. Vamos ser normais.
— Isso não é normal — disse Evelyn. — Por que não vamos conversar
em outro lugar–
— O que? — A voz de Mina ficou um pouco menos calma. — Você vai
me impedir também? Me dizer o que posso e não posso fazer?
O temperamento de Evelyn explodiu.
— Não. — Ela deu um passo para o lado, acenou com a mão para a
fogueira. — Se você está realmente aqui para festejar, vá em frente. Mas se
você quiser falar sobre o que sua mãe disse para você? Eu estou bem aqui.
O rosto de Mina se contorceu da mesma forma que tinha feito em Scales
& Tails. Seu sorriso escorregou, mas ela não o colocou de volta desta vez.
— Eu… — ela sussurrou, e então —, Como você percebeu… mãe…?
— Porque eu conheço você. Ou pelo menos estou começando.
Evelyn encontrou o olhar de Mina, e lá estava ele novamente. Aquele
sentimento. Como o momento entre pular das rochas e bater no oceano –
alegria e nervosismo e sem volta agora.
— Vamos, Zanetti. Fale comigo.
Mina fungou, depois estendeu a mão pálida e esguia. Evelyn percebeu
pela primeira vez que sua pulseira havia sumido. O azul-esverdeado do dólar
de areia em seu pulso parecia ainda mais vívido do que da última vez que o
vira.
— Stella descobriu — ela sussurrou. — E eu disse a ela. Eu contei tudo a
ela.
Eles acabaram amontoadas contra o lugar onde a praia se tornou um
penhasco, longe o suficiente da festa para que ninguém os visse, mas perto o
suficiente para ainda ouvir os ocasionais fragmentos de música pop e risos.
Era montanhoso, areia e grama e pedras misturadas, mas Mina não pareceu
notar nenhum desconforto ao explicar o que Stella havia dito. Que ela foi
amaldiçoada. Que o dólar de areia a ancorou aos fantasmas do verão se
afogando, bloqueando seus poderes. Que ela não poderia quebrar esse
vínculo sem exorcizar o espírito que os havia absorvido – e eles não
poderiam fazer isso sem saber quem era o fantasma.
— Não tenho ideia de como processar isto. — O braço de Mina roçou o
de Evelyn enquanto ela ajeitava seu assento na areia. — Eu... ela... ela não
me disse nada. E demorei seis anos para perguntar a ela porquê.
Foi com grande embaraço que Evelyn percebeu que Stella a havia
encantado no jantar da noite anterior. Era uma ilusão como a que Mina
colocou, mas muito mais convincente devido a essas décadas extras de
prática. A família de Evelyn era um pesadelo, claro, mas pelo menos ela sabia
que eles não estavam escondendo nada dela.
— Vai ficar tudo bem. — Evelyn não tinha ideia de como quebrar uma
maldição, mas isso não parecia importante agora. Nem seus ressentimentos
mesquinhos sobre o que Mina tinha e ela não. Tudo o que importava era que
Mina precisava de ajuda. — Nós vamos descobrir isso.
— Você não está brava que eu estraguei seu disfarce?
Evelyn cutucou o joelho contra o de Mina.
— Não. Não tenho medo da sua mãe.
Mina soltou uma risada fungada e cutucou de volta, mas não se afastou.
Em vez disso, ela se aproximou. Ela cheirava a frutas cítricas e fumaça, e
quando seus dedos se tocaram, Evelyn precisou de tudo para não pegar a
mão de Mina e — e…
— Posso te dizer uma coisa? — perguntou Mina. Evelyn não podia
realmente ver seu rosto, mas parecia nervosa. — Eu... Acho que você não vai
gostar.
O estômago de Evelyn se contorceu de uma forma que parecia
impossível.
— Você pode me dizer qualquer coisa.
— Tudo bem. — Mina hesitou, por um longo e agonizante momento, e
então... — Mamãe... disse alguma coisa. Sobre seu pai.
Todo o corpo de Evelyn ficou frio. Ela puxou o ombro para longe de
Mina e se virou para ela.
— O que? — ela sussurrou. — O que ela disse?
Mina colocou seus dedos juntos no colo. Ela não encontrou os olhos de
Evelyn.
— Ela o viu no dia dos assassinatos. Saindo em seu veleiro com o Trio de
Cliffside.
— Ele era seu instrutor de vela. Claro que ele estava com eles naquele
dia.
— Os detetives com quem mamãe conversou... eles disseram... que ela
foi a última testemunha deles. Que os viu vivos, quero dizer.
De repente, o lugar deles na base do penhasco não parecia aconchegante
– sentia claustrofóbico.
— Eu sou seu álibi — disse Evelyn. — Eu sei o que ele estava fazendo
naquela noite.
— Mas mamãe o viu por volta das sete e meia. — Mina engoliu em
seco. — E suas mortes foram estimadas entre sete e nove horas. Você não me
disse que estava com seu pai o tempo todo? Você tem que admitir que o
momento é suspeito.
Evelyn não podia acreditar no que estava ouvindo.
— Você... você me ajudou. Guardei seu segredo por seis anos. Porque eu
confiei em você. Porque mesmo quando não conversamos, lembrei que você
era a única que acreditava em mim.
— Eu acredito! — A voz de Mina se elevou. — Eu prometo a você,
Evelyn, eu não a teria ajudado se não acreditasse em você. Mas saber disso
muda as coisas. E isso me faz pensar se talvez haja uma razão pela qual você
está vendo esses mesmos fantasmas de novo e de novo, em vez disso daquele
que os absorveu. Se talvez seja porque fomos nós que impossibilitamos que
eles fizessem justiça.
— Ele não fez isso. — Evelyn estava chorando. Ela nem sabia quando
tinha começado, só que não conseguia parar. — Ele não fez isso, porra, ok?
Mas e se ele fez?
Era um pensamento que Evelyn havia enterrado tão fundo que ela havia
esquecido que já o tivera. Ela odiava o que ela estava pensando agora. Mina
estava certa: não se alinhava. E a polícia tinha provas disso. Não é de admirar
que eles não tivessem comprado seu álibi.
— Eu sei que ele é seu pai. Mas acho que precisamos pelo menos
considerar a possibilidade de seu... envolvimento.
Evelyn passou muito tempo aprimorando seus mecanismos de
sobrevivência enquanto seu ecossistema mudava de maneiras que ela não
conseguia controlar ou entender. Ela tinha sido miserável, com certeza, mas
ela resistiu. E ela escolheu tentar mudar esses mecanismos para Mina, apesar
dos sinais de alerta, porque ela pensou que os dois se entendiam.
Obviamente, ela estava terrivelmente errada.
— Nós? — Evelyn enxugou uma lágrima em sua bochecha. — Não
existe mais nós, já que você decidiu exatamente o que pensa sobre minha
família. Acho que sou seu maior erro até agora.
— Isso não é verdade — Mina protestou. — Eu briguei com mamãe. Ela
disse que você era perigosa, e eu defendi você...
— Eu não preciso de você para me defender. — O mecanismo de
sobrevivência mais antigo de Evelyn estava entrando em ação – seu
temperamento Mackenzie. — O que eu preciso são de pessoas que
acreditem em mim. E você deixou bem claro que não é uma delas.
— Mas eu… eu…
— Me olha nos olhos agora e diga que você tem cem por cento de
certeza de que ele é inocente.
— Cem é… é muito–
— Isso foi o que eu pensei. — Evelyn ficou de pé, limpou a areia de seu
jeans. Seu foco de vidência brilhou através de sua bolsa. Por um momento,
ela ouviu sussurros novamente, mas ela os empurrou para longe. Ela estava
muito brava com os vivos agora para se preocupar com os mortos. — Você
sabe que sua mãe mente, certo?
— É por isso que estou aqui. — Mina se levantou também. Ela parecia
totalmente desfeita. — Porque ela mentiu. Porque eu precisava de algum
espaço.
— Então, deixe-me ver se entendi — disse Evelyn. — Ela disse a você
que esteve enganando você sobre maldições e demônios durante a maior
parte de sua vida. Ela lhe disse que eu era perigosa, quando eu não seria uma
médium se não fosse por suas instruções de convocação. E então ela lhe disse
que acha que meu pai é um assassino. Mas de tudo que ela disse... foi isso
que você escolheu para fixar sobre?
— Não-eu-não é assim–
— Eu acho que é. — Evelyn olhou para ela. — Você está acusando meu
pai de um triplo assassinato porque você não consegue lidar com o
pensamento de que sua mãe é a única com todos os segredos. Você acha que
está enfrentando-a, mas tudo que você fez foi jogar direto nas mãos dela.
Como você sempre faz. Você é muito esperta para cair na merda dela. Ou
pelo menos eu pensei que você fosse.
O rosto de Mina se fechou. Suas paredes subiram. Expressão
completamente neutra. Quando ela falou, foi fria e cuidadosa, como se o
último mês nunca tivesse acontecido.
— Sinto muito que você esteja chateada com seu pai, mas você não sabe
nada sobre meu relacionamento com minha mãe. Não projete sua negação
em mim.
— Minha negação? — Evelyn ficou furiosa. — Você está muito longe,
Zanetti. E eu terminei de tentar te ajudar a ver como sua vida está
bagunçada.
Ela não olhou para Mina enquanto caminhava em direção ao
estacionamento e pegou seu longboard. De volta à festa, seus novos amigos
riram e dançaram enquanto a fogueira lançava lindas e selvagens sombras na
areia.
Evelyn se afastou de tudo isso e caminhou para a escuridão.
Capítulo vinte
A LUA CHEIA ESTAVA acima de Evelyn como um olho atento e bem aberto
enquanto ela ia para casa, seu longboard desviando erraticamente pela
calçada. Ela estava com raiva de uma forma que parecia perigosa. Na maioria
das vezes, ela era rápida em explodir e rápida em se desculpar, mas esse
fusível parecia diferente – uma queima lenta há muito enterrada que
finalmente foi pronto para explodir em uma conflagração de fúria.
Ela estava com raiva de Mina, por ser tão fácil de manipular. Irritado
com Stella, por plantar essas ideias na cabeça de Mina.
Mas acima de tudo, ela estava com raiva de si mesma.
Porque se o que Stella disse era verdade, sobre aquele momento... não
combinava com seu álibi. O que significava que ela não podia ter certeza de
que seu pai era inocente. Não completamente. E ela não saber viver com a
possibilidade de que ela possa ter destruído sozinha a capacidade de três
famílias de obter justiça para seus filhos.
Ela pegou o telefone antes de deixar o Cliffside Beach estacionando e
mandei uma mensagem para Nick dizendo que ela estava em uma festa e que
tinha ido mal, então liguei para ele. Porque ele ainda acreditava nela. Porque
ela precisava ouvir alguém dizer isso. Mas ela se arrependeu da mensagem
imediatamente e cancelou a chamada antes que ele a atendesse. Ela não podia
fazer isso com ele, com os dois. Evelyn se sentiu tão patética por fingir que
era mais forte sozinha quando obviamente não era verdade. Quando, mesmo
depois de Mina ter traído sua confiança, ela ainda estava procurando a ajuda
de outra pessoa que a machucou.
Evelyn estava piscando para conter as lágrimas quando deu uma guinada
muito forte. A prancha dela esmagou contra o meio-fio, em seguida,
despencou debaixo dela. A próxima coisa que ela percebeu, o lado direito de
seu corpo estava gritando de dor. Ela apoiou as palmas das mãos contra o
pavimento e se agachou. Sua perna estava um desastre, coberta de marcas de
derrapagem que sangravam pelos buracos em seu jeans. Cascalho e pedaços
de tecido estavam presos nas feridas. Evelyn desajeitadamente tentou arrancá-
los, ofegando em agonia. Seu ombro latejava, e o sangue escorria pelo braço
sob o top de veludo.
Pelo menos ela usava um capacete. Ela estava arranhada e machucada,
mas sobreviveria. Evelyn enfiou a mão na bolsa para pegar seu foco de
vidência e ficou surpresa ao encontrá-la intacta. Então ela procurou seu
telefone, franziu a testa para a tela rachada e se levantou. Seu longboard
estava de lado a alguns metros de distância como um ferido animal, as rodas
girando inutilmente.
Evelyn fez um balanço dos danos: fita adesiva destruída. Novos arranhões
no compensado. Mas ela tinha certeza de que ainda funcionava. Ela arrastou
a prancha debaixo do braço e mancou o resto do caminho para casa.
Sua casa parecia abandonada. Nenhuma luz brilhava de dentro das
janelas, e o telhado cedeu perigosamente sobre a varanda, como se estivesse
prestes a desabar.
Evelyn queria um banho; ela precisava de primeiros socorros. Mas isso
teria que esperar.
Ela se preparou e abriu a porta.
Lá dentro, a única luz vinha da TV, que zumbia como uma mosca no
canto da sala. Greg Mackenzie estava sentado onde sempre ficava olhando
fixamente para a tela. Ele parecia mais um fantasma do que aquele espírito
tingido de azul – uma mera sombra do pai que ele já foi, barba por fazer e
despenteado com olhos avermelhados. Para surpresa de Evelyn, Meredith
sentou-se no sofá. Ela bateu distraidamente em seu laptop, fones de ouvido
encaixados perfeitamente sobre seu corte de duende. Era quase normal.
Ambos olharam para cima enquanto ela caminhava pelo corredor.
Meredith reagiu primeiro, tirando os fones de ouvido e empurrando o
laptop para o lado.
— Evelyn — ela engasgou. — O que aconteceu com você?
— Caí do skate. Eu vou ficar bem.
— Você está ferida. — Seu pai se levantou da cadeira. — Tem um kit de
primeiros socorros embaixo da pia. Meredith, você pode...
— Já estou pegando.
— Eu disse, eu vou ficar bem — Evelyn protestou, mas seu pai já a tinha
ajudado a entrar na cozinha. Ela não percebeu quanta dor ela estava sentindo
até que havia uma cadeira para sentar-se.
Em um momento, Meredith estava de volta com o kit de primeiros
socorros. Uma mistura de calor e tristeza surgiu em Evelyn enquanto seu pai
e sua irmã tiravam bandagens e água oxigenada – isso era o mais próximo
que os Mackenzie’s sentiam de uma família em muito tempo.
— Você precisa cuidar antes que eles sejam infectados — disse seu pai.
— Vocês duas se lembram de quando brincaram naquelas poças de maré?
— E então não te disse que estávamos todos arranhados porque não
deveríamos tocar lá? — perguntou Meredith.
— E os cortes ficaram todos inchados e nojentos? — As poças de maré
eram uma das primeiras lembranças de Evelyn. Seu pai se sentou ao lado dela
e apontou as lapas e caracóis cuidando de seus negócios em seu minúsculo
bolso de água. Ela ficou fascinada. E então ela persuadiu Meredith a entrar
com ela e cortou seus pés em cracas. — Eu tinha quatro anos. Meredith
tinha nove anos. Nós sabemos como essas coisas funcionam agora–Ai!
A água oxigenada doeu, mas Evelyn fez o possível para suportá-la com o
mínimo de explosões. Ela nem sempre foi bem-sucedida.
— Onde você aprendeu a xingar assim? — perguntou Meredith.
— Com vocês dois — Evelyn murmurou. — É um traço de família.
Seu pai estremeceu com isso, e Meredith parecia um pouco abatida
também.
— Bem, estou feliz que você tenha voltado para casa — disse ele,
enquanto Evelyn colocava o último arranhão embaixo de um band-aid. — E
eu estou feliz você usava seu capacete. Eu sei que você acha que eles parecem
ridículos, mas–
— Eles salvam vidas, eu sei, eu sei.
Greg havia dito isso a ela dezenas de vezes. Ele estava atento à segurança.
Ela olhou para ele agora, fechando o kit de primeiros socorros, e tentou não
pensar na facilidade com que aquelas mãos grandes e quadradas poderiam
envolver o pescoço de alguém e empurrá-lo para debaixo d'água.
Parecia nojento. Parecia impossível. Mas ela ainda não conseguia tirar as
palavras de Mina da cabeça.
— Pai. Eu quero falar com você sobre uma coisa — ela desabafou.
Meredith se encostou na pia, parecendo intrigada.
— Eu deveria sair?
Evelyn sabia que sua irmã também tinha dúvidas. Mas isso dizia respeito
a todos os três, e se a situação fosse invertida, ela gostaria de ficar.
— Não.
— O que está acontecendo? — seu pai perguntou.
— Hm. — A garganta de Evelyn estava seca. Isso não era como
nenhuma das outras conversas assustadoras que ela teve com seu pai – de suas
notas caindo (terminando mal) para sair (terminando bem) para ela ser pega
se esgueirando para participar de uma festa de time de futebol (terminada em
diversão paterna).
— Eu sei que você escondeu coisas de mim quando eu era mais jovem
— ela começou. — Para me proteger. Porque eu era criança. Mas eu não
sou mais. Uma criança, quero dizer, não realmente, não mais. E eu tenho
perguntas.
— Escondi coisas de você? — A testa de seu pai franziu. — Que tipo de
coisas?
— Coisas sobre... aquele verão.
O rosto de Greg Mackenzie mudou em um instante. Assim como a de
Meredith. Ela empurrou o balcão e foi ficar ao lado de Evelyn enquanto
Greg se afastava das duas. A porta atrás dele emoldurava seus ombros
curvados, seu rosto magro e cansado.
— Eu não tenho nada para dizer sobre aquele verão — ele disse
categoricamente.
— Nem mesmo para me dizer que você não teve nada a ver com isso?
— Qual é o seu ponto? — Seus olhos estavam assombrados e fundos, seu
cabelo grisalho fino quase branco sob a luz fluorescente. Havia algo frágil
nele que Evelyn nunca havia notado antes. — Eu disse minha parte. Eles me
nomearam uma pessoa de interesse, claro, mas nunca me acusaram de nada.
Eu… — Ele balançou sua cabeça. — Eu nunca machucaria ninguém –
quero dizer, diabos, eu gostava de Jesse. Ele era um garoto legal. E os outros
dois foram meus melhores alunos.
— Não diga o nome dele — Meredith rosnou. — Não se atreva, porra.
— Eu te dei muita margem de liberdade aqui, Meredith. — A ameaça na
voz de Greg deixou Evelyn tensa. Se eles começassem a gritar agora, ela iria
quebrar. Talvez ela já tivesse, na praia. — Você sabe tão bem quanto eu que a
polícia teria me levado se conseguisse me amarrar ao crime. Meu nome, é
claro. Eu deixei você voltar para minha casa porque eu pensei que você
finalmente tinha aceitado isso.
Meredith não parecia feliz com isso, mas ela assentiu. E Evelyn entendeu
que se ela dissesse o que veio aqui dizer, isso mudaria sua família para
sempre. Mas ela não conseguiu mantê-lo.
— Mas há algo ligando você ao crime — disse ela. — Uma testemunha.
O olhar de Greg se aguçou.
— Como você soube disso?
Mas foi o tom de Meredith, a postura de Meredith, que mais assustou
Evelyn.
— Que testemunha?
Evelyn havia se perguntado por um longo tempo se descobriria a verdade
sobre seu pai afogaria todos eles, mas talvez estivesse afogando-os de qualquer
maneira. Uma linha d'água que continuou subindo muito lentamente até
todos eles afundaram debaixo dela.
— Você acabou de nos dizer que eles não tinham nada — Meredith
continuou. — Você me disse isso por anos, seu fodido–
— Eles não têm nada. Dei às crianças a aula de vela naquele dia, depois
fui para casa ver Evelyn.
— Mas você chegou em casa um pouco depois das oito — disse Evelyn.
— A testemunha viu você no barco com eles às sete e meia. A hora estimada
de sua morte é entre sete e nove e meia – e quando você voltou por volta das
oito, você disse que tinha terminado o trabalho 'por volta das sete'. Eu disse à
polícia que você estava em casa comigo, mas há uma janela ali onde não
posso cobri-lo. Eu... eu menti por você. Eu o enterrei por anos porque doeu
muito pensar, mas eu menti por você.
Meredith soltou uma risada longa e baixa.
— Merda, Greg — ela disse. — Eu pensei que você tinha Evelyn
enrolada em seu dedo mindinho. Acho que ela não é mais seu álibi.
— Papai não fez lavagem cerebral em mim — Evelyn retrucou. — Mas
eu quero saber o que realmente aconteceu naquela noite. Dele, não de mais
ninguém.
Greg estremeceu.
— É verdade, eu nunca te disse isso — disse ele. — Porque eu sei como
isso soa. Mas a cidade pode dizer o que quiser – eu não fiz nada com aqueles
garotos a não ser dar uma carona para eles. Todos eram alunos na minha aula
de vela no verão que pediram uma carona do outro lado da baía para Sand
Dollar Cove depois da aula. Eu disse que sim e os deixei. Foi a última vez
que os vi. Alguém me viu no barco, e depois de tudo o que aconteceu...
— Não parecia bom.
— Exatamente. — Seu pai suspirou. — Houve DNA desconhecido
encontrado nos corpos, mas também havia o meu. Dos coletes salva-vidas
que fiz com que todos usassem.
— Mas..., mas isso é apenas circunstancial — Evelyn protestou. —
Facilmente explicado. E você não tem motivo.
— Isso é o que eu disse a eles. Mas não importa — Greg disse, sua voz
oca. — A cidade decidiu que eu era culpado há seis anos. E as pessoas em
Cliffside Bay não gostam de mudar de ideia. — Ele gesticulou para
Meredith, que balançou a cabeça.
— Eu vi os registros de ancoragem — Meredith disse. — Quanto tempo
você estava naquele barco com eles, e quanto tempo demorou até você
voltar. É muito rápido. Mas ainda há aquele tempo não contabilizado entre
eles e seu álibi com Evelyn. E o fato de que você mentiu para nós duas, que
você a deixou mentir por você quando ela era criança...
— Acabei de dizer a verdade. — A voz de Greg falhou na última palavra.
— Mas depois de tudo que esta cidade tirou de mim... você e Siobhan... eu
não queria que levasse Evelyn também. Ela é tudo que me resta.
Evelyn olhou impotente entre eles.
Você acha que ele fez isso?
Durante anos, ela precisou acreditar que a resposta era inequivocamente
não. Agora ela não podia mais fingir que era simples. E embora a ideia de
mergulhar nessa dúvida fosse aterrorizante, voltar à negação parecia pior. Ela
desmoronou uma dúzia de vezes antes da. E assim como os organismos na
zona entre marés, ela aprendeu a se adaptar. Para sobreviver.
— Eu não vou deixar você, pai — ela sussurrou. — Mas se você quer
que acreditemos em você, preciso saber que você nos contou toda a verdade.
Não podemos continuar dançando em torno dele. Tudo o que está fazendo
está nos prejudicando.
— Essa é toda a verdade — disse Greg. — Eu não vou defender meu
caso mais. Eu passei muito tempo tentando convencer as pessoas que já se
decidiram.
Ele saiu então, desaparecendo no corredor escuro. Seus passos soaram na
escada um momento depois.
Evelyn virou-se para a irmã, pronta para uma briga. Mas Meredith
parecia surpreendentemente calma.
— Então… — disse sua irmã. — Você dúvida dele.
— Eu tenho perguntas — disse Evelyn. — Não tenho certeza se isso
conta como duvidar. Como você disse, o barco atracando registros não lhe
daria tempo suficiente. E por que dólares de areia? Eles nem são de Long
Island… – Ela fez uma pausa, estremecendo. — Eu não quero pensar nele
assim. Mas se é o que eu tenho que fazer... eu vou fazer.
— Passos de bebê. — Meredith estendeu a mão para puxar Evelyn da
cadeira. Tudo ainda doía.
— Eu simplesmente não entendo — disse Evelyn. — Se você tem tanta
certeza de que ele fez isso... porque você está aqui?
— Eu não duvido — Meredith disse. — Claro que ele fez isso, quero
dizer. Mas estar inseguro é o suficiente para me deixar desconfortável. —
Meredith suspirou, balançou a cabeça. — Eu nunca pensei que veria você
confrontá-lo assim. De onde veio isso?
Mina. O pensamento surgiu em sua mente, colidindo com todo o resto.
Tinha vindo de Mina. Negação. Segredos. Mentiras. Talvez eles não
estivessem em situações tão diferentes depois de tudo.
Mina a provocou – e ela, por sua vez, provocou Mina.
Chegou a ela de uma vez. A lua cheia. As coisas que Evelyn dissera a
Mina, sobre ela se apaixonar pelas mentiras de Stella repetidas vezes. O
conceito de se encontrar com o fantasma era tão perigoso que Evelyn nunca
havia considerado isso seriamente. Mas Mina tinha.
Oh não. Ah não.
— Eu tenho que ir. — Ela deixou a cozinha para trás e caminhou para o
corredor. Sua bolsa estava amassada descuidadamente no chão. Ela procurou
dentro até que encontrou seu foco de vidência, então enrolou o cordão em
volta do pescoço. A concha era pesada e surpreendentemente quente contra
sua pele.
— Você vai sair de novo? — perguntou Meredith. — Você está toda
cortada.
— O que você vai fazer, me dar um toque de recolher? — Evelyn não
ficou para ver se Meredith tinha uma resposta. Ela agarrou o capacete e seu
longboard, então saiu pela porta.
Capítulo vinte e um
M INA NÃO SE CONSIDERAVA o tipo de pessoa que ficava com raiva. Como
regra geral, a raiva a deixava exausta – não levava a nada além de
decisões lamentáveis e tolices ilógicas. Mas Mina estava com raiva esta noite,
e foi exatamente assim que ela se viu parada nas rochas na beira de Sand
Dollar Cove.
Ela não estava em negação. Ela não estava sendo manipulada. Evelyn
estava errada. E para provar isso, Mina ia fazer o que ninguém mais faria:
encarar o fantasma.
Ela visitou a casa do tio Dom para comprar suprimentos em vez de voltar
para a sua. Ela estava preocupada em encontrar membros da família errantes,
mas quando ela correu para Sergio na cozinha, ele parecia intrigado com a
ideia de ela se tornar desonesta.
— Eu apoio totalmente você chutando alguma bunda de fantasma, mas
tenha cuidado — disse ele, com a boca cheia de um sanduíche de amendoim
e geleia — Lembra o que aconteceu no centro comunitário?
Mina olhou para ele.
— Não vai ser assim desta vez.
Sergio acenou no ar com seu sanduíche parcialmente comido.
— Se você diz.
Ela meio que esperava que ele tentasse ir com ela, mas ele não ofereceu e
ela não pediu. O que estava bem, porque ela definitivamente não precisava
de ajuda.
A praia estava vazia e estranhamente silenciosa. Os únicos sons eram os
pés de Mina esmagando o chão e a maré alta batendo na costa. A lua cheia
brilhava no céu sem nuvens e, embora Mina entendesse que havia razões
científicas para as marés subirem tão alto e descerem tão baixo em sua
presença, ela gostava de imaginar que eles estavam tremendo de medo de
algo tão magnífico.
Mina não podia ajudar, mas ficou nervosa enquanto ela se ajoelhava na
costa rochosa e começava a trabalhar. Ela desenhou uma pequena trincheira
circular na parte mais seca da praia que conseguiu encontrar, depois espalhou
uma linha ininterrupta de sal nela. Quando ela mergulhou sua tigela no
oceano, seu colar de proteção ficou quente contra sua pele. Mina cerrou os
dentes e colocou seu receptáculo de vidência improvisado no meio do
círculo, então colocou velas ao seu redor. Suas chamas tremiam e
estremeciam no ar noturno enquanto ela as acendia uma a uma.
O ar cheirava a sal e fumaça; a areia estava molhada contra seus joelhos
nus. A lua a observava de cima, um grande orbe brilhante que parecia
estranhamente com o novo foco de vidência de Stella. Suas mãos tremiam
quando ela tocou o colar de proteção. Ela sabia o que continha agora – mais
segredos de sua mãe. Ela puxou o pingente sobre a cabeça e baixou-o na
tigela, em seguida, puxou as mãos.
Assim que ela tirou o colar, o dólar de areia em seu pulso começou a
brilhar. Vozes murmuravam em sua mente, indistintas, mas vagamente
alarmadas. Eles estavam mais barulhentos e nítidos do que na piscina. Ela
podia até entender uma ou duas palavras – perdida; fri; Onde? A confusão
deles fez seu coração doer.
— Você queria se encontrar comigo — disse ela. — Estou aqui.
Em resposta, a água na tigela começou a ondular, uma imitação em
pequena escala do oceano diante dela. Uma pequena bola de luz azul
enrolou-se ao redor do colar de proteção. As vozes ficaram mais altas, e Mina
sentiu aquela atração novamente. Começava no dólar de areia e subia pelo
braço, pelo ombro, depois pelo peito. Sua visão ficou embaçada, e de
repente, as ondas quebrando na praia ao lado de sua convocação improvisada
parecia como mãos se estendendo.
Sua tigela era tão pequena. Ela não entendia como poderia esperar ouvir
os espíritos corretamente com um recipiente tão pequeno, quando um tão
grande esperava ali. Bastaria alguns passos e...
— Pare!
A voz atravessou todas as outras. Era baixo e um pouco rouco e
inconfundivelmente pertencia a alguém vivendo. A atração diminuiu um
pouco, e Mina se virou, momentaneamente distraída.
Uma figura familiar estava a uns dez metros de distância. Seu cabelo
escuro e ondulado era selvagem, esvoaçando para todos os lados; uma concha
pendurada em seu pescoço. Ela correu a distância entre elas em grandes e
furiosas passadas.
Evelyn Mackenzie era o tipo de garota que sabia ficar com raiva. As
emoções sopravam através dela como ventos no mar; elas fustigavam suas
velas e, às vezes, quando eram fortes demais, ameaçavam derrubá-la. No
entanto, ela nunca afundou. Mina não entendia como Evelyn podia entrar
com tanta facilidade em águas tão traiçoeiras enquanto Mina só conseguia
deslizar à superfície em sua mente. Submergir-se seria muito doloroso, muito
– o choque por si só poderia ser suficiente para mandá-la permanentemente
fora do curso. Esta noite provou isso, nada mais.
— Zanetti — Evelyn estalou, ajoelhando-se ao lado dela. Uma asa de
delineador estava espalhada em sua bochecha; Band-aid cruzavam a pele
espreitando através de seu jeans rasgado. — Que diabos está fazendo?
— Quebrando minha maldição — Mina disse friamente. — Os espíritos
das vítimas de afogamento no verão virão quando eu chamar. E eles vão me
dizer quem os matou antes que eu quebre nosso vínculo para sempre.
Mesmo que eu tenha que exorcizá-los para revelar a verdade.
— Fantasmas. Maldições. Exorcismos. Excelente. — Evelyn olhou a
configuração de convocação de Mina com preocupação óbvia. Os fios de luz
ao redor do colar cresceram, enchendo a tigela com brilhantes gavinhas azul-
esverdeadas. — Eu sei que você está chateada comigo, mas você já
considerou que isso pode ser uma ideia colossalmente terrível?
As vozes gemeram na mente de Mina novamente, o um dólar de areia
em seu pulso pulsava dolorosamente, e por um momento ela pensou que
fosse desmaiar. Mas então ela respirou o ar fresco da noite, e o cheiro de sal a
trouxe de volta à realidade.
— Estou completamente no controle.
— Ninguém realmente no controle jamais disse isso.
— Se você não gosta do que estou fazendo, pode ir embora. — Mina
tirou um canivete da bolsa e segurou a mão na tigela. Ela pensou nisso
cuidadosamente. Dar aos espíritos seu sangue completaria as condições que
Stella lhe dera para um exorcismo. Só porque sua mãe não tinha sido capaz
de fazer isso não significava que ela não pudesse.
— Não! — Evelyn agarrou seu pulso. — Você vai chamar as vítimas de
afogamento no verão, e elas vão trazer aquele fantasma com elas–
— Isso é exatamente o que estou tentando fazer, sim. Se você apenas me
deixasse–
— Eu não vou. — Evelyn puxou a mão de Mina para longe da tigela e
fixou os olhos nela. Mina ficou atordoada com a pura emoção em seu olhar.
Isso a fez querer largar a faca e agarrar a mão de Evelyn da mesma forma que
Evelyn estava segurando seu pulso, e isso a puxou de uma maneira diferente,
mas não menos poderosa do que o oceano diante dela.
O dólar de areia no braço de Mina latejava sob os dedos de Evelyn. Ela
se perguntou como chegou a isso – Evelyn tentando segurá-la, enquanto ela
tentava avançar.
— Tudo bem — Mina deixou cair a faca na areia. Evelyn soltou seu
aperto e rapidamente o pegou.
— Sinto muito por ter que contê-la — disse ela. — Eu estava
preocupada.
Mina mordeu o interior de sua boca o mais forte que pôde. A dor a
percorreu, seguida pelo gosto de sal e cobre.
— Você deveria estar — ela disse, e então ela se inclinou sobre a tigela e
cuspiu seu sangue dentro.
O que aconteceu a seguir aconteceu muito rapidamente.
A arrebentação avançou, arranhando a areia. Ele espirrou através do
círculo de sal e por cima da tigela, derrubando o conteúdo no oceano. Mina
avançou, agarrando o pingente de proteção, mas Evelyn chegou primeiro.
Ela o pegou e apertou contra o peito, então virou-se para Mina, os olhos
arregalados.
— O que diabos você fez? — ela sussurrou.
O medo se desenrolou no estômago de Mina ao lado da luz azul que
espiralou no oceano, se espalhando como um rastro de bioluminescência. A
atração voltou, mais forte desta vez, e Mina sentiu como se alguém tivesse
agarrado suas mãos e a puxado para cima. Ela não se lembrava de ter tirado
os sapatos ou andado a passos largos, apenas o alívio frio da arrebentação
contra seus pés descalços.
As vozes em sua mente ficaram ainda mais altas, e gavinhas de um verde
azulado se entrelaçaram em seus tornozelos. Em todos os lugares que eles
tocavam, eles se sentiam da mesma forma que o dólar de areia – acordado.
Vivo. Ela olhou para seu pulso e percebeu que a luz do dólar de areia estava
se espalhando por seu braço, pulsando suavemente. Não doía mais. Em vez
disso, emitia uma espécie de agradável calor entorpecente.
— Volte. — A voz de Evelyn estava fraca, distorcida. Mina supôs que ela
estava na praia atrás dela. Ela não achava que seu corpo a deixaria virar para
verificar. — Por favor eu–
— Está tudo bem. — Mina ouviu sua voz como se estivesse a uma
grande distância. A água puxou Mina para frente, mas permaneceu rasa
mesmo quando ela se aventurou além da arrebentação. Embora a maré
estivesse alta, o oceano estava recuando mais rápido do que deveria ter sido
possível. — É aqui que eu pertenço.
Como resposta, três figuras começaram a brilhar na água diante dela, seus
corpos verdes azulados. Os dólares de areia em seus olhos pulsavam ao lado
do pulso de Mina, e seus lábios se abriram em três sorrisos largos e idênticos.
Aí está você, disse uma voz clara e calma dentro do crânio de Mina. Você
está finalmente ouvindo?
— Evelyn? — chamou uma voz completamente diferente. — O que
você está fazendo aqui?
Outra pessoa apareceu na visão periférica de Mina. A voz em sua mente
ficou em silêncio, como se estivesse assustada. Evelyn correu para o lado,
xingando, enquanto a figura se aproximava.
Era Nick Slater. Ex-namorado de Evelyn.
— Você precisa sair daqui. — Evelyn pegou o braço de Nick. — Como
você me encontrou?
— A praia é propriedade pública — Nick disse defensivamente. — Além
disso, você me mandou uma mensagem dizendo que uma festa tinha saído
dos trilhos, e então você me ligou, então eu usei Find My Friends porque
você ainda não me tirou da sua lista de amigos… Jesse?
O aperto em Mina afrouxou por um momento. Ela virou a cabeça para
trás para ver que as três figuras na arrebentação haviam se solidificado. Eles
ainda estavam um pouco confusos nas bordas, mas mesmo com os dólares de
areia, eles eram inconfundivelmente o Trio de Cliffside. E Nick estava
olhando para eles com horror.
Alguém que não sabia absolutamente nada sobre nada disso ficou cara a
cara com o fantasma de seu irmão morto. Era um cenário de pesadelo.
Mina ouviu a voz em pânico de Nick, ouviu Evelyn tentar responder,
mas eles já estavam desaparecendo. Tudo o que ela sabia era que ela tinha que
parar com isso. Levou toda sua concentração, mas ela recuou uma vez. Então,
novamente, a água espirrou contra suas pernas como se estivesse em protesto.
Ela poderia deixar o oceano e cortar este cordão. Ela estava tão perto.
Os sorrisos dos fantasmas piscaram, então se transformaram em três
rosnados idênticos. Um brilho laranja penetrou nos dólares de areia sobre
seus olhos e se derramou em seus rostos, como lágrimas. As vozes em sua
mente começaram a assobiar com pânico enquanto a luz descia por seus
ombros, seus torsos. Uma pontada de dor atravessou o braço de Mina, e seu
dólar de areia brilhou laranja.
Quando ela olhou para cima de seu pulso, a água atrás dos espíritos estava
subindo no céu. Mina entendeu um momento antes de cruzar o horizonte
que o oceano havia recuado para fazer uma onda.
Desta vez, quando ela caiu, não havia Stella para pegar sua mão e puxá-la
para fora. Houve apenas um dilúvio de dor e pânico, luz azul, verde e laranja
girando em torno de seus membros. Todo lugar que tocava, queimava como
ácido.
Ela gritou, então se engasgou com um bocado de algas podres. E então,
assim como quando ela se ajoelhou ao lado da piscina, a cena ao seu redor
mudou.
Mina não estava mais embaixo d'água. Não está mais na praia. Em vez
de, uma visão se desdobrou diante dela como um set de filmagem, uma
grande sala de estar toda forrada de madeira, com tapetes gigantes
desgrenhados e sofás verdes e azuis. Ela não reconheceu os móveis, mas a
forma do espaço parecia estranhamente familiar: o telhado em forma de A,
as vigas inclinadas.
Na frente dela estava uma menina. Ela tinha mais ou menos a idade de
Mina, branca, baixa, magra, vestindo uma saia plissada com um grande cinto
sobre ele e um top de malha cropped. Seu cabelo era longo, leve e moreno, e
perfeitamente reto, pressionada tão plana contra sua cabeça que obscurecia
metade de seu rosto. Ela olhou para Mina com olhos castanhos solenes, então
estendeu a mão.
Um dólar de areia descansava em sua palma aberta.
— Pegue.
A voz era a mesma que havia falado em sua mente na praia.
— É você — ela engasgou. — Você é o fantasma. Por que… quem–
— Pegue — a garota repetiu. Mina deu um passo à frente inquieta. A
concha cintilou e, por um momento, não era uma concha – era um pedaço
de plástico branco, manchado de sangue. Então ela piscou novamente, e era
um dólar de areia mais uma vez.
— O que acontece se eu disser não?
— Você não pode. — Sua voz era suave, suave, mas quando Mina olhou
para cima novamente, aqueles olhos castanhos tinham desaparecido. Em seu
lugar eram mais dois dólares de areia. Um fluido espesso da cor de bile
escorria de um deles, depois do outro, entupindo os buracos e escorrendo
por suas bochechas.
— Pegue — ela rosnou mais uma vez, e Mina gritou novamente
enquanto o mundo se dissolvia ao seu redor.
Capítulo vinte e dois
E VELYN NÃO SABIA PARA ONDE sua noite estava indo quando ela saiu para
tentar parar Mina, mas ela nunca teria previsto que terminaria na sala de
Nick Slater. Ela empoleirou-se infeliz no sofá ao lado de Mina e olhou para
a esfera de prata gigante que ainda pairava no céu, derramando luz sobre o
oceano. Evelyn sabia disso, era injusto culpar todos os seus problemas na lua,
mas agora, era tentador.
— Preciso saber o que vi na praia. — Nick tinha escolhido sentar-se na
mesma poltrona cravejada de âncoras que ele usou da última vez que ela
esteve aqui. — Você me deve isso, Evie.
— Eu sei. — Evelyn olhou para a esquerda, onde Mina parecia
totalmente miserável em um dos uniformes de futebol extras de Nick. Ela
saiu fácil – Evelyn tinha sido forçada a substituir suas roupas arruinadas por
um par de calças de moletom CLIFFSIDE CRABS e um decote em V
correspondente. As piadas de mascote realmente faziam jus. — Mina, você
está pronta?
Mina olhou entre eles um pouco instável. Ela deu um nó numa das faixas
de futebol de Nick em torno de sua marca de dólar de areia como uma
espécie de escudo, mas isso não foi suficiente para abafar o brilho verde
azulado que emanava do pulso dela. — Na verdade, não. Mas acho que isso
não importa mais.
Depois que a onda varreu os três para o oceano, Evelyn abriu caminho
até a praia. Não foi fácil – as vozes em sua mente foram duras e exigentes, e
a água a envolveu em um abraço sufocante. Mas a concha ao redor de seu
pescoço impediu que tudo a esmagasse. Ela emergiu com algas emaranhadas
em seu cabelo, seus arranhões e hematomas ardendo da água salgada, para
encontrar uma Mina semiconsciente e um Nick confuso esparramado na
areia.
Mina estava brilhando. Explosões de estrelas alaranjadas brilhavam do
dólar de areia em seu pulso, e uma luz verde azulada serpenteava em seu
torso, pequenas explosões que se moviam de seu pescoço e ombros até as
palmas das mãos. Ela estava iluminada por dentro, incandescente e
sobrenatural, e por um momento Evelyn foi incapaz de fazer qualquer coisa
além de olhar com admiração. Então Mina começou a gritar e se debater na
areia, como um peixe puxado das ondas.
Evelyn correu para ela, em pânico, mas em poucos segundos, a luz sob a
pele de Mina começou a desaparecer, e a dor desapareceu junto com ela. Ou
pelo menos foi o que Mina disse a eles quando conseguiu falar novamente,
mas Evelyn não tinha certeza se acreditava.
Ela queria pressionar Mina por respostas e teorias, mas não havia tempo
para isso. Eles tinham problemas mais imediatos para lidar.
Os fantasmas se foram, mas Nick já os tinha visto. E já que seus pais
estavam no vinhedo de Martha durante a semana (Evelyn revirou os olhos) e
não estavam furiosos com seu filho, sua casa tinha sido a opção óbvia para
um reagrupamento. Além disso, todos os três deles até conseguiram limpar
um pouco.
Normalmente Evelyn teria prazer em aproveitar ao máximo o que ela
sempre chamou de banheiro robô. Mas ela estava muito preocupada com a
convocação de Mina e as perguntas de Nick para prestar muita atenção ao
piso aquecido ou aos comandos do chuveiro ativados por voz.
De volta à sala, ela estudou o rosto de Nick, afiado de dor, e sentiu uma
onda profunda de arrependimento.
— Essas três... coisas. Na água. Aqueles eram meu irmão e seus amigos.
— Nick não disse isso como uma pergunta, mas Mina respondeu de
qualquer maneira.
— Sim — disse ela. — Bem, sim e não. Seu irmão, como você o
conhece, se foi, Nick, mas... esse era o espírito dele.
— Então os fantasmas são reais, e… — Nick se acalmou. — E meu
irmão é um deles.
— Exatamente.
— Como?
Os olhos de Mina dispararam em direção a Evelyn em um sinal claro de
ajuda. Mina podia ser filha da médium, mas Evelyn era o único ponto em
comum entre as três.
— Somos médiuns — disse Evelyn. — Os fantasmas falam conosco e nós
tentamos ouvir. Ultimamente, Jesse, Colin e Tamara têm, uh...
— Eu não entendo — Nick murmurou. — Se o espírito dele pode falar,
por que ele não fala comigo?
Mina limpou a garganta inconfortavelmente.
— Ele provavelmente teria tentado em circunstâncias diferentes. É
bastante comum que os espíritos tentem entrar em contato com os entes
queridos que deixaram para trás. É só que neste caso em particular, o espírito
de Jesse pode não ter controle total sobre suas ações.
— O que você quer dizer, ele não tem controle total?
Evelyn engoliu em seco.
— Você sabe que fantasmas são reais agora. Bem. Demônios são reais,
também, pelo menos potencialmente.
Ela e Mina explicaram que, até onde sabiam, o Trio de Cliffside estava
sendo lentamente absorvido por outro espírito que estava começando a ferir
os vivos além dos mortos. Que eles foram pegos na maldição que esse
fantasma lançou sobre Mina. Que era tudo um mistério que ambos tentavam
desesperadamente resolver.
Quando terminaram, Nick parecia bastante chocado.
— Isso dói? — ele perguntou trêmulo. — Jesse, quero dizer, e os outros
– isso os machuca?
— Nós não sabemos — disse Mina.
— E sua maldição... é por isso que você está brilhando? — ele continuou
gesticulando em direção a Mina.
— Pode ser. — A mão de Mina se desviou nervosamente para a faixa em
torno de seu pulso.
— Como você foi amaldiçoada por esse fantasma?
Evelyn estremeceu.
— Bem. Uh. Eu poderia ter... nós poderíamos ter... invocado este
fantasma há algum ponto. Sem saber com o que estávamos lidando.
— Você pode fazer isso? — Nick franziu a testa.
— Por acidente — disse Evelyn. — Nenhum de nós tinha ideia do que
estávamos realmente fazendo. Nós éramos crianças, ou... ou pelo menos, nós
éramos crianças na primeira vez.
— Na primeira vez? — A voz de Nick era perigosa. — Não minta para
mim, Evie. Esse é meu irmão. Eu preciso saber.
Ah, isso ia dar merda. Mas assim que Nick tinha aparecido na praia,
Evelyn sabia em algum nível que a verdade viria à tona.
Então ela contou tudo a ele. Sobre os dois verões. Mesmo as partes que
não a faziam parecer tão grande.
— Você usou um fantasma para garantir que ninguém descobrisse sobre
nossa trapaça? — Nick parecia doente.
— Não foi o meu melhor momento, ok?
— E há seis anos?
— Eu acreditava que meu pai era inocente — disse ela, culpa torcendo
dentro dela enquanto pensava sobre o que tinha descoberto mais cedo
naquela noite. — Achei que era a coisa certa a fazer.
— Mas e se… — Nick parou.
— E se ele fez isso? — Evelyn suspirou. — Eu gostaria de poder dizer a
você que eu sabia com certeza que ele não sabia. Mas... ele é meu pai. E eu
tinha dez anos.
— Eu também tinha dez anos — disse Nick. — Quando meu irmão
morreu. E eu namorei você por quatro meses, e você nunca disse uma
palavra sobre isso? Você nunca pensou “espere, este é um grande segredo para manter
do meu namorado?”
Evelyn tentou não se encolher sob a força de seu olhar acusador.
— Prometi a Mina que nunca falaria sobre isso.
— Então você priorizou alguém com quem você não falava há seis anos
sobre alguém que… que… — Ele parou, balançando a cabeça. — Não
entendo.
— Não torne isso sobre nosso relacionamento. Isso não é justo.
— O que não é justo é a maneira como vocês duas pensam que têm o
direito de mexer com o espírito do meu irmão mais do que já têm.
— Não estamos mexendo com espíritos, estamos tentando salvar a alma
do seu irmão — Mina disse bruscamente. — Junto com as outras duas
pessoas que morreram com ele. Que também têm famílias, que também não
merecem sofrer.
— Bem, ele é meu irmão — Nick respondeu. — Então se você vai
continuar fazendo isso, então... então eu quero participar.
Mina piscou.
— Com licença?
Evelyn não conseguiu esconder o pânico em sua voz.
— Você estava naquela praia esta noite. Você viu como isso é perigoso.
— Eu não me importo. — Nick apertou a mandíbula. — Eu não posso
saber que ele ainda está lá fora de alguma forma, sofrendo, e não fazer algo
sobre isso. Então ou você me deixa entrar no seu estranho clube
sobrenatural, ou eu vou tentar falar para seu fantasma por conta própria. E
algo me diz que você realmente não quer que eu faça isso.
Evelyn queria gritar. A lua ainda brilhava atrás da cabeça de Nick, e as
luzes suaves que ele acendeu iluminaram as fotos de Jesse acima da escadaria
gigante. Ela sabia que era apenas sua imaginação, mas ela sentiu como se
todas aquelas pequenas versões dele a estivessem observando. Perguntando a
ela o que diabos ela pensou que ela estava tentando ajudar os mortos, quando
todas as suas tentativas de consertar as coisas só perturbaram os vivos.
— Bem-vindo ao time — ela cuspiu.
O sorriso de Nick não conseguiu disfarçar sua fúria.
— Perfeito.
***
E LES SE ENCONTRARAM NA
e Evelyn.
piscina abandonada. Mina, Stella, Dom, Sergio –
E VELYN NÃO TRAZIA UM amigo para sua casa há seis anos. Mas esta noite, ela
realmente não tinha escolha. Os pais de Nick estavam de volta à cidade,
e a casa de Mina estava totalmente fora de questão. O que significava que os
três se reuniram novamente em sua casa depois que ela e Mina deixaram o
centro comunitário.
— Vamos — disse ela, empurrando-os pelo corredor da frente. Nem
Nick nem Mina tinham dito uma palavra sobre as condições de sua casa, mas
ela ainda podia imaginar o julgamento deles ao verem o gesso descascado, as
tábuas lascadas do piso, a luz do corredor que estava apagada por um mês. O
senhorio deles era bastante negligente com os reparos, então Evelyn havia se
acostumado, mas ver isso pelos olhos de outra pessoa a fez se envergonhar de
novo.
— Evelyn — disse uma voz familiar da sala de estar. — Você não vai me
apresentar aos seus amigos?
Evelyn xingou baixinho. Ela esperava que a devoção de seu pai a sua
poltrona reclinável e o que quer que estivesse na TV impedisse de notar as
duas pessoas extras que ela trouxe para sua casa. Mas é claro que não.
— Mina, Nick, papai — ela disse rapidamente. — Agora você está
apresentado.
— Espere — Seu pai levantou uma sobrancelha espessa. — Mina
Zanetti? Eu lembro de você. Vocês duas se vestiram como princesas
dinossauros para o Halloween.
Não era isso que Evelyn esperava. Ao lado dela, Nick soltou um bufo
suave.
— Princesas dinossauros? — Havia uma nota cautelosa de diversão em
sua voz.
— Eu era o T. rex — disse Evelyn. — Mina era um estegossauro.
— Tínhamos coroas — Mina se ofereceu timidamente.
— Essas fantasias sempre me confundiram — disse Greg pensativo, e
Evelyn sabia exatamente o que ele estava prestes a dizer antes que as palavras
saíssem de sua boca. — Os dinossauros eram supostamente melhores amigos,
mas o estegossauro só apareceu no período jurássico, enquanto o T. rex…
— Foram quase cem milhões de anos depois, portanto, eles nunca
poderiam ter existido simultaneamente — finalizou Evelyn. — Eu sei. Assim
como Mina, provavelmente. Nós também éramos princesas, então... precisão
definitivamente não era o ponto.
A boca de seu pai se contraiu com diversão.
— Bem, eu conheço você — ele disse para Mina. — Mas você…você é
Nick...
— Slater. — A voz de Nick era quase um sussurro.
Greg ficou imóvel em sua poltrona. A tensão na sala quase havia
evaporado, mas agora engrossou novamente. Evelyn nunca tinha dito ao pai
que ela e Nick estavam namorando, principalmente porque ela queria evitar
esse exato momento. Eram dois fatores ambientais que, uma vez
combinados, poderiam destruir seu ecossistema para sempre.
— Nós estamos subindo — disse ela apressadamente, gesticulando para o
corredor. Ninguém protestou.
— Me lembro dele ser diferente quando éramos crianças — disse Mina
depois que Evelyn reuniu os três em seu quarto e trancou a porta. — Mas...
eu não sei. Ele não é diferente do jeito que eu esperava que fosse.
— O que, por que ele não tentou matar ninguém na sala? — As palavras
explodiram espontaneamente, como acontecia com frequência quando ela
estava tensa. Evelyn estremeceu e virou-se para Nick, que estava sentado
contra a parede, suas longas pernas estendidas sobre o tapete puído. Mas em
vez de responder com uma explosão própria, ele soltou uma risada curta e
surpresa.
— Isso tudo está tão bagunçado — disse ele. — A mãe da Mina. Seu pai.
Meu irmão.
— Espero que seja uma bagunça que possamos limpar — disse Mina. —
A roupa daquela garota e a decoração da casa dela são dos anos setenta.
Precisamos procurar quem vivia no Centro Comunitário Shorewell naquela
época.
Evelyn vasculhou sua cama desarrumada para pegar seu laptop, depois
sentou-se rigidamente na beirada do colchão, amaldiçoando a blusa e a saia
que coçavam que ela usara para ir ao centro comunitário. Nick ficou no
chão, mas pegou seu telefone, enquanto Mina, que ainda não tinha acesso a
nenhum aparelho eletrônico, andava pelo quarto. Evelyn sabia que deveria
estar procurando informações, mas não pôde deixar de observar enquanto
Mina se ajoelhava ao lado da gaiola da cobra no canto. Foi tão estranho vê-la
no espaço físico de Evelyn quando ela já ocupava tanto espaço dentro de sua
cabeça.
— Eu realmente nunca pensei em cobras como animais de estimação —
Mina meditou. — Mas... ela é linda.
Evelyn corou.
— Obrigada. Acho que ela está se exibindo. Ela não recebe exatamente
toneladas de visitantes.
— Eu acho estranho — Nick ofereceu, ainda digitando em seu telefone.
— Não é um cachorro e você tem que alimentá-la com ratos mortos.
Evelyn mordeu de volta um desagradável “eu sei que você não gosta
dela” – ele estava lidando muito bem com tudo isso para estragar tudo.
— Cães são carnívoros também — ela disse em vez disso, tentando soar
casual.
Mina falou novamente.
— Posso segurá-la?
Evelyn nunca deixou ninguém além do Sr. Clark tocar Clara, embora
não fosse como se ela tivesse algum comprador. Mas Mina estava olhando
para a cobra com espanto abjeto, e Evelyn já tinha aprendido que aquela
felicidade indisfarçável era algo que Mina só mostrava em raras ocasiões.
— Sim — disse ela.
Sempre foi um pouco estressante lidar com Clara, mas desta vez, a cobra
se comportou muito bem. Ela não estava no terrário e não tinha comido
recentemente, então não demorou muito para que ela deslizasse pelos dedos
de Evelyn e subisse pelo braço.
— Não te assusta quando ela faz isso? — Mina perguntou como Clara se
enrolou no ombro de Evelyn.
— Ela quer se esconder em algum lugar quente — explicou Evelyn.
Clara apoiou a cabeça na curva da clavícula. — Você é uma iniciante, então
fique quieta e deixe-a explorar. Ela não morde há anos, e sua mordida não
vai te machucar seriamente. Mas se você está preocupada que ela possa
machucar, podemos simplesmente colocá-la de volta no terrário.
— Não, está tudo bem. Eu confio em você.
Aquelas palavras aninhadas um pouco profundamente no peito de
Evelyn.
— Eu vou me certificar de que ela fique em seu pulso e braço, ok? Não
queremos assustar nenhuma de vocês.
Foram necessárias algumas manobras cuidadosas, mas Evelyn conseguiu
transferir Clara para Mina com sucesso. Mina agarrou a mão de Evelyn
quando Clara deslizou em seu pulso, então soltou um suspiro quando a cobra
se enrolou em seu braço.
— Suas escamas parecem estranhas — ela disse, puxando a mão dela e
deixando Clara tecer por entre os dedos. — Mas o jeito que ela se move...
é... quase hipnótico.
Havia um sorriso em seu rosto, o tipo de olhar que Evelyn não conseguia
encarar sem querer desmaiar. Seus sentimentos por Mina eram ao mesmo
tempo muito ternos para tocar e muito ferozes para domar. E eles eram uma
distração enorme e perigosa.
Embora ela e Mina tivessem se aproximado perto ao longo do último
mês ou assim, ela não podia esperar que Mina pudesse se sentir da mesma
maneira que ela. Claro, ela a defendeu na frente de toda a sua família, mas
isso não mudou o fato de que tudo que Evelyn realmente fez com a vida de
Mina foi rasgá-la em pedaços. E Mina odiava nada mais do que coisas caindo
aos pedaços.
— As cobras são inteligentes? — Mina continuou. — Você acha que ela
está ligada a você?
Evelyn observou o rabo de Clara se contorcer.
— As cobras têm pequenos cérebros. Clara me tolera porque eu a
alimento, mas é isso. Não temos o mesmo tipo de vínculo que as pessoas
podem ter com um gato ou um cachorro.
— Mas você se importa com ela — disse Mina. — Por quê?
Evelyn lançou um olhar para Nick, que havia desligado o celular e estava
observando as duas. Ela não conseguia ler a expressão em seu rosto.
— Sim — disse ele. — Por que você se importa com ela?
— Porque eu entendo exatamente o que somos um para o outro — disse
Evelyn. — E eu sei o que ela precisa para prosperar. Então eu nunca vou
decepcioná-la.
A sala ficou em silêncio, e havia aquela tensão novamente – um pouco
diferente do que acontecera no andar de baixo, mas não menos sufocante.
— Hum — Mina disse rapidamente. — Suponho que nos desviamos um
pouco da tarefa.
— Eu não — disse Nick. — Eu encontrei os Shorewells. É muito fácil,
uma vez que você se preocupa em pesquisar no Google.
Foi fácil. Digitar o sobrenome deles, mais Cliffside Bay mais os anos
setenta trouxe obituários primeiro, todos dos anos noventa.
— Laurence e Mellie Shorewell, ambos morreram em um acidente de
carro em 1992 — Nick leu em seu telefone.
— Oh, olhe — Mina disse animadamente, apontando para a tela do
laptop de Evelyn. Ela estava empoleirada na cama ao lado dela, lendo por
cima do ombro. — Laurence Shorewell era um cientista especializado em
ecologia de Long Island.
— Que legal. — Evelyn olhou para a foto do casal: dois velhos brancos.
Ambos pareciam insuportavelmente tristes e estranhamente familiares. Ela
voltou para o texto sentindo-se um pouco inquieta, lendo algo sobre como
ele trabalhou no Brookhaven Labs, e então–
— Puta merda! — Evelyn quase derrubou o laptop fora da cama. — Ele
trabalhou na Planta de Gerenciamento de Resíduos Blue Tide!
— O quê? — Nick perguntou do canto.
— Eu vi isso em uma visão — explicou Evelyn, o que lhe rendeu uma
sobrancelha levantada. Ela tentou informar Nick enquanto Mina pegava o
laptop e continuava a escanear as letras pequenas.
— Ele trabalhou lá a partir de 1970 — leu Mina —, mas 'saiu para buscar
novos empreendimentos' em 1978, pouco antes da conclusão da planta...
— Espere. — Evelyn correu para a estante. Ela puxou a pasta cheia de
informações impressas que eles conseguiram na biblioteca e folheou. —
Espere, espere, espere. Agora eu entendi. Eu já vi os dois antes.
Levou apenas um segundo para encontrar o recorte de jornal
digitalizado: uma foto da multidão no primeiro protesto contra a usina Blue
Tide, em 1978. A maioria das pessoas nomes não estavam listados, mas um
casal na extrema direita era inconfundivelmente Laurence e Mellie
Shorewell.
— Lá estão eles — disse ela, espalhando as impressões no tapete e
esfaqueando um dedo triunfante no centro.
— Então essa planta realmente estragou o Sound? — Nick perguntou,
enquanto ele e Mina se agachavam ao lado dela.
— Sim, quero dizer, é um corpo de água pequeno o suficiente para que
uma mudança como essa possa realmente impactar todo o ecossistema.
Assim, a poluição da usina teve um impacto altamente concentrado. — O
estômago de Evelyn se revirou ao pensar nos danos ao oceano que ela amava
e nas criaturas que viviam nele. Para as pessoas que tentaram fazer uma vida
ao lado dele. — Alguém que trabalhou na fábrica é quem começou os
protestos, na verdade, porque eles sabiam que o lixo vazaria para o–Ah…
Mina virou-se para sua.
— A fonte — ela engasgou. — Você acha que…
— Tem que ser ele. — A mente de Evelyn zumbiu. — Talvez ele tenha
dito ao seu chefe, e o chefe não ouviu. Se um dos Shorewells é o fantasma,
isso é definitivamente um motivo para seus espíritos permanecerem instáveis.
Deve ter sido horrível ver aquela usina operando mesmo depois de tudo que
fizeram para pará-la.
— Mas por que tentar machucar pessoas inocentes? — Mina rebateu. —
A fábrica foi fechada anos antes do verão do afogamento.
— Eu não sei — disse Evelyn. — Mas sua visão mostrou a casa dos
Shorewells, e Jesse, Colin e Tamara me mostraram a planta. O Trio de
Cliffside tem que fazer parte disso.
— Aquela casa era apenas o pano de fundo na minha visão — disse
Mina. — A garota era a parte mais importante, eu acho.
— Garota — Nick repetiu lentamente. — Eles tinham uma filha?
— Não disse nada no obituário — disse Mina. — Mas suas roupas eram
apropriadas para a época.
— Você acha que há alguém com quem possamos conversar? — Nick
sugeriu. — Deve haver algum velho que se lembre dos Shorewells.
Evelyn sorriu.
— Eu acho que existe.
Capítulo vinte e cinco
N ÃO HAVIA ALGO QUE EVELYN queria fazer queria fazer menos do que falar
com sua irmã mais velha sobre o assassinato de seu ex-namorado. Mas
ela não podia negar que ela, Mina e Nick estavam se aproximando de algo
aqui, algo que aconteceu entre Jesse e seus amigos e o fantasma de Annette
Shorewell. E se bastasse uma desconfortável conversa para impedir um
demônio de ascender... bem, Evelyn iria resistir.
Ela levou alguns dias para pegar Meredith sozinha, graças às horas de
trabalho concorrentes e ao deslocamento brutal de sua irmã. Ela tentou se
distrair com as coisas não relacionadas a fantasmas em sua vida – Amy, Kenny
e Luisa a adicionaram a um bate-papo em grupo, uma das lagartixas leopardo
escapou de sua gaiola no trabalho e causou um pânico leve, um casal teve um
término dramático no meio do Basic Bean. A vida acontecia ao seu redor
em Cliffside Bay, e ainda assim Evelyn não conseguia afastar seus
pensamentos dos mortos.
Finalmente, as estrelas se alinharam. O pai de Evelyn teve uma noite no
seu trabalho de meio período na fábrica, e Evelyn estava em casa esperando
quando o carro de Meredith parou na garagem depois de um longo dia de
trabalho. A lua encolheu além de seu primeiro quarto e em um crescente
minguante, piscando para Evelyn por trás de uma nuvem enquanto ela estava
na varanda da frente e acenou para Meredith entrar.
— Eu tenho doces extras do trabalho — Evelyn ofereceu, segurando um
saco de papel. — Você quer um pouco?
Os pãezinhos de canela e croissants estavam meio velhos, mas Meredith
não pareceu notar. Ela engoliu dois deles em poucos minutos, então tomou
um gole de um copo de água na mesa da cozinha. Evelyn acenou com a
cabeça para um discurso retórico sobre o LIRR e os deslocamentos e como
era caro fazer qualquer coisa na cidade de Nova York.
— É tão frustrante. — Meredith tirou o blazer. — Todos os meus amigos
podem se dar ao luxo de ficar na cidade, então eles estão em happy hours
agora fazendo um networking valioso. E eu estou aqui.
Ela parecia tão adulta quando ela saiu de seu carro, com seu terninho e
sua maquiagem conservadora e as pontas dos saltos saindo de uma sacola (ela
usava tênis no trajeto porque “não queria morrer caindo da escada da Penn
Station”). Mas Evelyn percebeu que Meredith estava desconfortável, como se
a vida adulta fosse uma fantasia que ela ainda não sabia usar.
— E quanto a Riku? — Evelyn perguntou a ela. — Falar com ele ajuda?
— Sim, e não. — Meredith suspirou. — Ele sabe o que aconteceu com
nossa família, mas eu ainda não acho que ele entende como é para mim estar
de volta aqui. Não tenho certeza se alguém poderia.
— Eu entendo — Saiu como uma acusação, mas Meredith não pareceu
se importar.
— Talvez você entenda — disse ela suavemente. — Você também está
presa aqui.
Alguns meses atrás, Evelyn teria concordado com ela. Cliffside Bay
parecia um ecossistema em que ela não poderia prosperar. Mas havia pessoas
aqui que a ajudaram quando ela não tinha para onde ir, e
independentemente de como ela se sentia a partir de agora, ela sabia que não
poderia ir até que ela colocasse o verão do afogamento em paz.
— Eu preciso te perguntar uma coisa. — Evelyn pegou o telefone. — E
eu quero que você responda honestamente. Não, eu preciso disso.
Meredith hesitou.
— O que é?
— Esta fotografia — Evelyn deu um tapinha na tela rachada, depois a
virou para a irmã. — Você o reconhece?
Ela soube quando Meredith registrou o rosto de Annette, e que sua irmã
a tinha visto antes.
— Onde diabos você encontrou isso? — ela sussurrou.
Evelyn manteve a voz firme.
— O que importa mais é que Jesse, Colin e Tamara encontraram
primeiro.
Uma ruga apareceu entre as sobrancelhas de Meredith.
— Espere um minuto. Você confrontou papai. Você falou comigo sobre
aquele verão no mês passado... você está investigando os assassinatos?
Evelyn engoliu em seco.
— Talvez.
— Bem, você precisa parar de bancar a detetive. Você está brincando
com a vida de pessoas reais, Evelyn. Esta é... esta é a minha vida.
— É a minha vida também — disse Evelyn. — Eu sou parte disso,
Meredith. Mais do que você sabe.
— Você não tem o direito de desenterrar tudo que eu lutei tão
ardentemente para esquecer — Meredith continuou, como se ela nem tivesse
registrado as palavras de Evelyn. — Você sabe que tudo que eu sempre quis é
superar isso–
— Mas você não superou — Evelyn não sabia quando começou a
chorar, apenas que sua voz estava trêmula e suas bochechas estavam
molhadas. — Sinto muito por Jesse. Sinto muito pela mamãe. Mas eu a perdi
também, e quando você partiu, eu perdi você. Eu preciso entender por que
aquele verão destruiu nossa família. Eu preciso saber a verdade.
Meredith empurrou a cadeira para trás e se levantou da mesa. Evelyn foi
dolorosamente lembrada de uma dúzia de outras noites quando ela passou
pela cozinha para ver seu pai e sua irmã se enfrentando assim, o ar entre eles
crepitando com fúria.
— Você soa como Jesse quando ele estava olhando para aquela planta —
Meredith retrucou. — Ele continuou dizendo que estava tentando descobrir
a verdade. E quando eu não conseguia entender suas teorias da conspiração
sobre aquela garota e aquela planta, ele encontrou novos amigos, e eles
começaram a falar sobre o fantasma dela, e a próxima coisa que eu soube, ele
estava morto.
— E você não acha que nada disso é suspeito? — Evelyn ficou de pé. Ela
podia sentir sua irmã se afastando mais do que nunca. — Meredith, nós
poderíamos descobrir isso juntas. Você poderia finalmente deixar o verão de
afogamento para trás. De verdade desta vez.
Mas ela sabia antes de terminar de falar que Meredith tinha acabado de
ouvir. A expressão de sua irmã estava fechada, suas bochechas manchadas.
— Deixe essa merda em paz — Meredith disse. — E se você não pode
fazer isso, me deixe fora disso.
Ela estava na metade da escada antes que Evelyn pudesse dizer outra
palavra.
Evelyn não queria machucar Meredith. Mas ela sabia que tinha quebrado
algo entre elas, mesmo assim.
Meredith prefere esquecer o passado a descobrir a verdade dele. Mas
Evelyn não foi construída assim. E ela não podia recuar agora só para poupar
os sentimentos de sua irmã.
Fazia muito tempo desde que Evelyn chorou em seu quarto e ouviu as
fungadas reveladoras de Meredith chorando no dela, através daquelas paredes
de madeira muito finas. Isso trouxe de volta a dor familiar dos meses após a
partida de sua mãe, de uma casa cheia de arrependimento e raiva.
Naquela época, Evelyn era uma criança indefesa. Mas isso foi há seis
anos.
Ela tocou a concha em volta do pescoço, um lembrete constante de que
tanto os vivos quanto os mortos contavam com ela. Ela não iria decepcioná-
los.
Ela enxugou as lágrimas, abriu o telefone e mandou uma mensagem para
Nick e Mina sobre as pistas que ela perdeu tanto para encontrar.
Capítulo vinte e sete
O QUARTO DE JESSIE SLATER ERA uma cápsula do tempo. Mina passou por
pôsteres de bandas e videogames que eram populares meia década atrás e
um armário aberto ainda abarrotado de roupas. O lugar estava
assustadoramente limpo e bem cuidado, como se os Slaters ainda estivessem
esperando que seu filho abrisse a porta e voltasse. Mina não conseguia afastar
a sensação de que eles estavam invadindo.
— Você tem certeza de que deveríamos estar aqui? — ela perguntou,
virando-se para Nick.
— Não fique estranha com isso — Nick disse rudemente, caminhando
em direção a um laptop no canto mais distante. Depois da conversa de
Evelyn com Meredith, Mina sabia várias coisas com certeza: que o Trio de
Cliffside realmente estava investigando Annette Shorewell, que eles também
encontraram a planta Blue Tide, e que eles sabiam sobre seu fantasma.
Também havia revelado uma nova informação: Jesse estava olhando para a
planta antes de tropeçar em um fantasma, em vez do contrário.
A melhor maneira que os três pensaram para prosseguir era descobrir por
que, e a melhor maneira de fazer isso estava no computador há muito inativo
de Jesse, que não ligaria sem o seu carregador velho e empoeirado. Ninguém
queria correr o risco de movê-lo. Então eles se reuniram na casa de Nick na
manhã seguinte, enquanto seus pais estavam fora. Mina estava começando a
se perguntar se eles realmente se importavam em passar um tempo em sua
casa gigante.
— Está esquisito aqui — Evelyn murmurou, atravessando a sala para se
juntar a Nick enquanto ele se sentava na cadeira da escrivaninha. — Essas
fotos ao lado da cama dele...
— Jesse e Meredith. Eu sei. — Nick bateu furiosamente no teclado. —
Perguntei a eles se poderíamos limpar todo esse lugar anos atrás, mas eles
recusaram. Mamãe ainda dorme na cama às vezes.
Mina estremeceu. Ela não tinha ideia do que dizer. Mas Evelyn parecia
menos perdida – ela se inclinou para perto de Nick e colocou a mão em seu
ombro.
— Eu sinto muito — disse ela. — Vamos descobrir o que aconteceu
com ele.
Nick cedeu em seu toque.
— Eu gostaria que tivéssemos conversado mais sobre... você sabe. Isso.
— Eu sei. Eu não estava pronta.
Mina recuou enquanto eles continuavam falando, sentindo-se como um
tipo diferente de invasor. Sua traqueia queimou, e por um momento ela se
perguntou se Annette tinha vindo buscá-la novamente, se ela estava prestes a
segurar aquele dólar de areia e exigir que ela o pegasse. Mas não – Mina
estava apenas tendo a sensação de que ela não gostava e não tinha
imediatamente empurrado-o para longe. Aparentemente, emoções podiam
doer tanto quanto um demônio em potencial.
— Você sabe alguma coisa sobre hackear o mainframe, ou algo assim? —
Evelyn chamou Mina para frente. — Nick tentou isso ontem à noite
também, mas ele continua sendo bloqueado.
Mina se inclinou sobre o ombro de Nick.
— Você está dizendo que não sabe a senha dele?
Nick fez uma careta para a tela.
— Tentei pensar em tudo ele teria se importado – livros favoritos, jogos
favoritos, nomes de animais de estimação...
— E a namorada dele? — As palavras saíram da boca de Mina um pouco
bruscas demais.
— Eu tentei Meredith — Nick disse. — Mas o nome dela não
funcionou.
— Espere. — Evelyn olhou para algo atrás da cabeça de Mina, então deu
uma cotovelada em Nick e bateu furiosamente no teclado. Houve um ping
de aprovação quando Evelyn apertou enter, e uma barra de carregamento
apareceu um momento depois.
— O que foi isso? — Nick perguntou incrédulo.
— Era o nome de Meredith e sua data de aniversário.
Ele estremeceu.
— Como você sabia?
Evelyn apontou para a parede atrás da cama de Jesse, onde um monte de
fotos empoeiradas estava colado ao lado dos pôsteres da banda. Uma data
estava escrita em canetinhas metálicas em uma foto de Jesse e Meredith se
beijando.
A área de trabalho de Jesse estava completamente nua. O fundo era uma
foto de banco de imagens inofensivas, e as poucas pastas organizadas
continham nada além de trabalhos de casa e aplicativos de videogame.
— Algo está errado aqui — disse Nick. — Este não é o computador
dele. Foi apagado.
— Mas tem coisas pessoais nele — disse Evelyn.
— Não... é... curadoria. Eu posso dizer. — Nick franziu a testa. —
Talvez seja isso o que a polícia devolveu.
— Ou talvez seus pais tenham limpado antes que a polícia pudesse pegá-
lo — disse Mina.
Nick assentiu lentamente.
— Dinheiro te dá muita coisa, incluindo tempo extra para adulterar
provas.
— Você acha que seus pais sabiam que ele tinha algo a esconder? Evelyn
parecia desconfortável.
Nick hesitou.
— Não sei. Mas este não é ele.
— E agora? — Evelyn perguntou. — Nós poderíamos revistar o resto de
suas coisas...
Mina reprimiu um estremecimento. Ela não queria fazer isso. Isso já
parecia desrespeitoso com os mortos.
— Não, se houver alguma coisa aqui, meus pais teriam encontrado —
Nick disse miseravelmente. — Eles sabem tudo… espere um segundo.
Nick se levantou. Seu olhar disparou pelas estantes e pela boca escura do
armário, então parou acima da cama. Ele subiu no colchão e alcançou a
parede, onde uma abertura de ventilação ficava discretamente ao lado de
vários cartazes. Levou meros segundos para desatarraxar a ventilação e retirar
algo empoeirado.
— Eu sabia! — ele disse triunfante, escalando de volta para o chão. —
Jesse me ensinou que este era o melhor lugar para esconder coisas em um
quarto. É onde eu guardo minha falsificação.
— O que é isso? — perguntou Mina. Em resposta, Nick limpou a
poeira. Era um pequeno tijolo preto com um cabo de carregamento bem
enrolado.
— Um disco rígido externo — disse ele.
Demorou alguns minutos para o computador carregar o backup. Quando
isso aconteceu, revelou uma área de trabalho repleta de imagens, documentos
e capturas de tela aleatórios. Os arquivos estavam tão agrupados que Mina
não conseguia nem dizer qual era o plano de fundo por trás deles.
— Este é o verdadeiro Jesse — disse Nick.
— Este é o meu pior pesadelo — Mina murmurou, olhando com horror
na bagunça virtual.
— Ei, eu vi seu quarto — disse Evelyn. — É um desastre.
— Sim, mas meus arquivos estão arrumados. Como vamos encontrar
alguma coisa nessa bagunça?
— Vamos apenas verificar tudo, eu acho — disse Evelyn, encolhendo os
ombros.
Levaram quase trinta minutos para encontrar memes desatualizados,
tarefas de casa digitalizadas, fotos de Jesse e seus amigos e informações sobre
a faculdade e formulários. Era tudo tão normal. Mina estava começando a se
preocupar que não havia nada útil aqui quando Nick encontrou uma pasta
trancada escondida atrás de uma captura de tela das pontuações do SAT de
Jesse. Este também tinha uma senha, mas Nick a decifrou com bastante
facilidade depois de uma rápida pesquisa no Google.
— Videogame favorito e seu dia de lançamento. — Ele clicou na pasta.
— Oh. É isso.
Os três se inclinaram para frente enquanto Nick puxou a mesma foto de
Annette Shorewell que eles tinham visto no dia anterior. Havia mais imagens
também, fotos dos Shorewells, da Planta de Gerenciamento de Resíduos
Blue Tide, manifestantes marchando do lado de fora da cerca de arame.
Alguns deles tinham anotações neles, setas digitais e pedaços de texto
digitados. Relacionado? Prova? Acompanhe.
Ficou claro muito rapidamente que nem todas essas informações vieram
de Jesse. Havia três diferentes cores de texto marcando as fotos, três opiniões
diferentes, muitas vezes discutindo. Colin e Tamara ficaram escondidos atrás
de Jesse na mente de Mina, e ela entendia agora que isso era uma tragédia
em si, de pessoas se perdendo na história de suas próprias mortes. Eles
também faziam parte disso.
— Este deve ser um backup de outra pasta — Nick disse. — Todos eles
tiveram acesso ao verdadeiro, aposto. Para compartilhar informações.
— E discutir sobre isso — acrescentou Evelyn.
Mina nunca se acostumaria com a sensação de se intrometer nos mortos,
lendo palavras datilografadas ou rabiscadas por dedos que agora estavam
apodrecendo, vasculhando as pistas que abandonaram, para tentar acabar com
o sofrimento que ainda os atormentava.
Ela não sabia se os fantasmas podiam sentir dor, ou se era apenas uma
lembrança disso. Se fantasmas fossem ecos, ou simplesmente a mais pura
destilação da alma de uma pessoa, se as almas fossem mesmo reais, se isso
realmente importasse. Mina se perguntou por que ela acreditava que as regras
de sua família valeriam para sempre quando ser médium significava aceitar
que o mundo não aderiu a instruções estritas. Quando os fantasmas
quebraram a maior regra de todas: a morte.
— A polícia também só não sabe sobre isso, então? — disse Nick. —
Mesmo que meus pais tenham apagado o computador de Jesse... eles devem
ter encontrado algo no de Colin ou Tamara. Por que eles não acharam que
era relevante para o caso?
— A investigação ainda está tecnicamente aberta — disse Evelyn. —
Você está realmente surpreso que eles nunca contaram essas coisas aos
repórteres? Quero dizer, já existem teorias estranhas suficientes sobre o verão
do afogamento online.
Mina se absteve de apontar que “teoria estranha” era um termo relativo
quando a verdade provavelmente envolvia fantasmas.
— A verdadeira questão é, por que seus pais queriam esconder isso? —
ela perguntou.
Os dedos de Nick pararam nas teclas.
— Não sei. Meus pais não falam sobre o que aconteceu com Jesse. Eles
sempre dizem que estão me protegendo, mas estou farto disso. Eu quero a
verdade.
Mina sentiu uma conexão com ele novamente, como naquele momento
na frente de Ruthie. Ainda era uma surpresa.
— Minha família também usa muito a palavra proteger.
— Espere, todo mundo — Evelyn disse animadamente. — Esta foto é
nova.
Era uma espécie de escaneamento, cheio de números e abreviações
incompreensíveis. Mina reconheceu o modelo.
— É um relatório de despesas. Mamãe faz isso o tempo todo para o
trabalho, quando seus clientes a compensa pelos custos de alimentação.
— Um relatório de despesas da Planta de Gerenciamento de Resíduos
Blue Tide — Nick deu um zoom no formulário, onde o nome da planta era
visível no topo. — Onde você acha que eles conseguiram isso?
— Nenhum lugar legal — Evelyn murmurou.
Abaixo do nome da empresa estava escrito RELATÓRIO DE BÔNUS DO
PROJETO. Havia uma nota ao lado, em vermelho – acho que isso é o que você está
procurando, J. Uma flecha apontou para uma linha específica no formulário.
Os olhos de Mina saltaram para as iniciais LS, depois as traçaram pela fileira
até uma caixa em branco. Ela olhou para as outras colunas – mais iniciais,
mas elas tinham números digitados como despesa, enquanto LS não tinha.
— Laurence Shorewell — Nick disse solenemente.
— A única que não recebeu um bônus — disse Evelyn.
— Não é um bônus. — A voz de Nick era áspera. — Um suborno.
Houve uma anotação ao lado do nome dele... O desaparecimento de A, uma
situação de refém que deu errado? Acompanhe as pistas anedóticas.
— Eles achavam que ela foi sequestrada — disse Mina.
Evelyn fez um pequeno ruído de assentimento.
— Se a morte dela foi um erro, isso explicaria o problema da
alavancagem.
Nick rolou até o final do formulário. Mina olhou para as palavras
impressas ali, abaixo da soma final dos pagamentos. Sua mente zumbiu, e
Annette se desdobrou dentro dela, trazendo o cheiro de sal e salmoura com
ela.
FOLHA DE PAGAMENTO CORTESIA DA SAND DOLLAR CO.
Mina finalmente entendeu.
— A empresa que possuía a fábrica, é por isso. Os dólares de areia em seus olhos eram ela tentando
nos dizer o tempo todo o que a empresa tinha feito com ela. Ela está tentando contar a todos.
— Mas eu ainda não entendo — disse Nick. — Meu irmão estava tentando ajudá-la. Por que ela
iria machucá-lo, Colin e Tamara?
Evelyn fez um ruído agudo e terrível, e Mina sentiu uma onda de pânico. Mas ela não parecia
magoada – em vez disso, ela estava olhando fixamente para a tela.
Evelyn apontou para uma anotação ao lado do nome da empresa.
— Aproxime isso.
Nick fez. A nota foi digitada em azul – a cor de Jesse. Verifique a empresa subsidiária – a SDC se fundiu
no final dos anos 80, foi vendida nos anos 90, mas foi privada propriedade da SE. Não temos provas completas, mas
estamos chegando perto.
— Espere — Nick disse suavemente. — SE. Isso significa Slater Enterprises?
— A empresa da sua família. — A voz de Evelyn tremeu. — Eles eram donos da usina de
gerenciamento de resíduos, Nick. Eles... eles sabiam.
Mina observou a forma como os rostos de ambos se contraíram enquanto se recalibravam, e sentiu
seu próprio oceano se agitando, se agitando, avisando-a. Um suave e baixo estrondo emanou das
paredes ao redor deles, mas os outros não pareciam notar.
— Minha família é dona de muitas empresas — Nick protestou. — Isso não significa que eles
entenderam os detalhes deste.
— Jesse deve ter pensado que sim — disse Evelyn. — Pode ser por isso que seus pais mandaram
limpar o notebook dele. Porque ele disse a eles.
Nick se levantou trêmulo e recuou. Seu rosto estava pálido, seus olhos azuis arregalados e
selvagens.
Mina quase podia sentir seu pânico saltando das paredes, dessa tumba de uma vida perdida nas
profundezas dessa mesma investigação. Agora se encaixou, tudo isso. Jesse deve ter cavado no passado
de sua família quando encontrou a planta Blue Tide. Isso o levou a essa descoberta – e depois o levou à
morte.
A concha em volta do pescoço de Evelyn ganhou vida, enviando um brilho azul que iluminava o
quarto. Ela engasgou e agarrou-se a ele.
— Como isso é possível? — ela perguntou. — Parece uma convocação, mas não fizemos nada...
— Não sei. Mas precisamos parar de discutir. — O pulso de Mina queimou. A voz de Annette
ecoou em sua mente em um rosnado incompreensível.
— Isso é ridículo — Nick retrucou. — Pedi que você me ajudasse a colocar meu irmão para
descansar, e agora você está acusando minha família de ter alguém assassinado?
O estrondo veio de novo, mais alto desta vez, e Mina sabia que não poderia parar o que estava por
vir. Sabia que não era dela, mesmo que fosse culpa dela estar aqui. Ela sentiu o cheiro de sal
novamente, mais espesso desta vez, tingido com o cheiro podre de um dia quente de verão.
— Lembra o que você disse sobre seus pais? — perguntou Mina. — Sobre eles protegendo você?
Você sabia que eles tinham algo a esconder.
— Não. — A voz de Nick estava crua. — Jesse pode ter visto uma conexão, mas isso não significa
que a Slater Enterprises... Merda!
Um momento depois, algo respingou no braço de Mina – uma gota d'água, depois outra, como se
o teto tivesse começado a chover. Ela inclinou a cabeça para trás e viu duas manchas no gesso em
forma de marcas de mãos. Seu corpo inteiro começou a tremer.
— Tire seus fantasmas daqui — Nick disse, a voz trêmula. — Não quero mais fazer isso.
Antes que ela pudesse formular qualquer tipo de resposta, Mina sentiu as duas mãos recuarem e
perfurarem o teto. Ela gritou quando os buracos se abriram no gesso. A água que vivia nos canos da
casa há poucos momentos caiu, encharcando os três em um dilúvio de sal e lodo.
Quando terminou, Mina ficou surpresa ao descobrir que ela ainda estava de pé, tremendo e
encharcada. Evelyn estava ao lado dela, algas marinhas emaranhadas em seu cabelo. Aquilo não era
mera água salgada – era uma lama laranja tirada das fotos que Mina tinha visto dos dejetos vazando
para o Sound. Nick caiu no chão, estremecendo. Peixinhos mortos estavam espalhados ao redor dele,
olhando para todos eles com olhares vítreos e acusatórios.
Mina estremeceu com a picada de sal em seus olhos e a picada correspondente do dólar de areia
em seu pulso. A voz de Annette já havia desaparecido, mas ela nunca esqueceria a angústia nela.
— Nick — ela disse com a voz rouca. — Eu...eu sinto muito.
Ele trancou os olhos com ela, olhar queimando com arrependimento e fúria.
— Saia da minha casa — disse ele. E Mina escutou, porque ela sabia exatamente como era ser
traída por seus pais – as pessoas que deveriam te amar mais.
Capítulo vinte e oito
A VITÓRIA ERA AGRIDOCE. MINA aprendeu isso enquanto ela se sentava com as
ramificações do que eles descobriram. Ela acreditava sinceramente que a
Sand Dollar Corporation – também conhecida como Slater Enterprises – era
responsável pela morte de Annette. E então a poluição que eles encobriram
infectou seu fantasma, distorcendo seu espírito todos esses anos como se
tivesse deformado Long Island Sound. Não admira que Annette tenha
atacado Jesse, Colin e Tamara quando eles tentaram falar com ela.
Faltavam três dias para a lua nova, mas Mina não a temia mais. Ela queria
dizer a Annette que finalmente entendia por que estava tão brava. Talvez eles
não tivessem que bani-la depois de tudo. Talvez eles pudessem convencê-la a
partir em paz se eles prometeram fazer-lhe uma justiça bem-merecida.
— Eu ainda tenho perguntas — disse Evelyn enquanto andava pelo
quarto de Mina, tentando e falhando em navegar pelo chão desordenado.
Mina a convidou aqui porque Stella estava em um show de bufê e porque ela
tinha uma surpresa para a outra garota. Um que ela estava muito nervosa para
mostrar a ela ainda. — Sabemos que o Trio de Cliffside estava investigando
Annette porque Jesse estava investigando os segredos de sua família. Mas
como eles pularam de um encobrimento da empresa para acreditar em
fantasmas? Isso é um grande salto.
— Eu não sei — disse Mina. — Mas eles falaram com minha mãe. Eles
descobriram de alguma forma.
— É só que... as pessoas não tentam falar com um espírito sem uma
razão. Se os três sabiam que Annette foi assassinada, por que precisariam
invocá-la? E como ela tinha a força para matá-los quando ela não nos matou?
— Eles não sabiam de nada — disse Mina inquieta. — Sem proteção ou
orientação, eles estavam indefesos.
— Você provavelmente está certa. — Evelyn se encostou na parede,
parecendo totalmente exausta. Mina suspeitava que fosse porque ambas
passaram o último dia tentando e não conseguindo entrar em contato com
Nick. Ele os estava ignorando, e ela realmente não podia culpá-lo. Ela sabia
em primeira mão o quão mais seguro poderia ser empurrar algo para baixo e
fingir que nunca tinha acontecido. — Desculpe, você disse que tinha algo
para me mostrar? Algo não relacionado a fantasmas?
Mina teve uma súbita vontade de mentir e dizer que não era nada. Em
vez disso, ela gesticulou em direção à tela no canto antes que pudesse perder
a coragem.
— Você se lembra de quando você perguntou o que estava lá atrás, e eu
lhe disse que não foi concluído?
Evelyn olhou para a tela com curiosidade.
— Eu lembro.
— Bem, agora está. — Mina caminhou até a tela e a dobrou. Atrás dele
havia um cabideiro cheio de peças que ela construiu desde a lua cheia, cada
uma totalmente visível em um cabide giratório. Em vez de jogar fora suas
roupas rejeitadas, ela se dedicou a refazer cada um de seus fracassos. Às vezes
ela uniu duas ou três peças; às vezes ela simplesmente brincava com a
estrutura original. As roupas resultantes não eram mais tecnicamente
perfeitas, mas não significavam mais desperdício, a menor gota no balde da
indústria da moda. E eles se sentiam como dela.
Mina observou o rosto de Evelyn enquanto ela pegava a coleção,
tentando não trair o quão nervosa ela estava. Ela nunca tinha mostrado a ela
trabalho para ninguém, exceto Stella antes, e ela não tinha ideia do que
esperar.
A primeira coisa que Evelyn fez foi sorrir exatamente do mesmo jeito
que ela sorriu no centro comunitário: um sorriso largo e surpreso que
deixou Mina fraca de alívio.
— Uau — ela engasgou- se, dando um passo à frente. — Você fez isso?
Mina assentiu.
— Eu tenho trabalhado em uma coleção durante todo o verão. Mas não
parecia certo até agora.
Ela se virou para as peças novamente, tentando vê-los através dos olhos
de Evelyn.
Um macacão de um rico rosa do pôr do sol refletindo na água. Um par
de calças largas que Mina tingiu à mão, tão sedosas e efêmeras quanto ondas
espumantes. Um top em um azul profundo com uma chave de latão
encaixada no decote – como um baú definhando no fundo do mar. Cada
peça um pequeno vislumbre do mundo como Mina o entendia melhor:
através da lente de seu oceano.
— O que você acha? — ela perguntou, a voz um pouco alta demais.
Evelyn pairava ao lado de Regina, a manequim, que estava vestida na
peça central da coleção: um vestido destinado a transmitir a sensação do
oceano após o anoitecer.
— Elas são incríveis — disse ela. — Eu sabia que você estava na moda,
mas isso é algo especial. Seriamente. Especialmente este vestido. — Ela
chegou a uma tentativa a mão em direção à manga, depois a puxou de volta,
como se achasse que seu toque pudesse arruiná-la.
— Obrigada. — Mina mal conseguia pronunciar as palavras. — E sobre
aquele vestido... estou feliz que você goste. Porque essa é a verdadeira
surpresa. Eu. Hm. Eu meio que... fiz isso para você.
— O que? — Evelyn ofegou. — Isso é muito bom. Eu nunca posso te
pagar de volta por isso.
— É um presente — Mina disse suavemente. — Por tudo que você fez
para me ajudar neste verão.
— Eu… — Evelyn ainda parecia totalmente atordoada. Mina notou as
lágrimas brilhando em seus olhos – ela a dominou? Mas então Evelyn soltou
um suspiro trêmulo e sorriu novamente, e Mina sabia que ficaria tudo bem.
— E se eu rasgar?
— Então poderei consertar isso — disse Mina, lutando contra uma
risada. — Você pode experimentar agora mesmo, se quiser. Eu adivinhei em
suas medidas, mas tenho certeza de que precisará de alterações.
Evelyn exalou, ainda olhando para o vestido incrédula.
— Eu… ok. Sim. Vou experimentar.
Mina esperou enquanto Evelyn se atrapalhava atrás da tela. Ela não sabia
por que estava tão ansiosa. Talvez porque ela nunca tivesse feito roupas para
ninguém além dela e Stella. Talvez porque ela nunca tenha realmente feito
nada que significasse tanto para ela quanto tudo isso fez. Talvez porque havia
muito para ficar nervoso em geral.
E então Evelyn empurrou a tela para o lado, e Mina esqueceu como
respirar.
A combinação do vestido era bastante simples, uma armação preta de
decote redondo com cintura em A e uma saia curta e levemente evasê. Mas a
sobreposição de tule foi onde as coisas ficaram interessantes. Mina o arrancou
de um antigo experimento de vestido de baile e o tingiu de escuro verde
azulado do Sound à noite, depois bordado com luas e estrelas douradas. O
decote alto e as mangas curtas eram bordejados por minúsculas contas
metálicas, e Mina havia costurado meticulosamente outras dezenas na saia.
Evelyn sempre foi linda, mas agora ela brilhava. Ela era a espuma do mar
e a luz das estrelas, ela era o reflexo da lua em uma onda quebrando, e ela
estava olhando diretamente para Mina, uma cautelosa, olhar tímido em seu
rosto.
— Bem? — ela perguntou. — O que você acha?
Eles estavam a apenas alguns metros de distância, mas parecia uma milha.
Parecia longe demais, sempre longe demais, e Mina entendeu que Evelyn
não estava falando apenas do vestido. Que de alguma forma, durante todo o
tempo em que Mina estava fazendo isso, ela nunca percebeu que era
realmente sua maneira de fazer uma pergunta que ela sabia, em algum nível,
que Evelyn já havia respondido.
Mina encontrou seus olhos.
— Eu acho que eu realmente quero te beijar agora.
Quando Evelyn falou, sua voz era baixa e suave e mortalmente séria.
— Então me beije.
Assim Mina fez.
O beijo foi gentil no início, paciente, cuidadoso, não como Mina pensou
que seria. A diferença de altura levou um pouco para se acostumar, mas
então uma das mãos de Evelyn encontrou o caminho ao redor de seu
pescoço e Mina pressionou a palma da mão nas costas de Evelyn, puxando-a
para mais perto. Quando elas se separaram, a respiração de Mina estava
irregular.
— Esse foi meu primeiro beijo — ela sussurrou, pressionando sua testa
contra a de Evelyn.
Evelyn soltou um barulho com isso, algo entre um suspiro e uma tosse.
— Eu nunca saberia.
— Sério?
— Sério. — Evelyn colocou a mão atrás da orelha de Mina, afastando
mechas de cabelo loiro da orelha de Mina. enfrentar. Seus lábios pousaram
no pescoço de Mina um momento depois, e Mina estremeceu, seus olhos se
fecharam. Cada parte dela ansiava por mais disso, lábios e mãos e o gentil
puxão de dentes em seu lóbulo da orelha, a carícia de dedos em sua
bochecha.
— Você está me provocando — Mina murmurou enquanto Evelyn
pressionou o nariz na clavícula de Mina e riu, o som reverberando em seu
peito. Evelyn cheirava a sal e roupa fresca. Seu corpo, quente e macio, estava
enrolado como uma concha contra o de Mina.
— É só… — Evelyn disse — que eu estive pensando sobre como seria
beijar você aqui… — Ela roçou os lábios contra o ombro de Mina. — E
aqui… — bochecha de Mina. — E, claro, aqui — ela sussurrou, seus lábios
agora a uma polegada de distância dos de Mina novamente. — Todo o verão,
Zanetti.
— Bem então — A voz de Mina saiu alta e ofegante. Ela pensou que
poderia desmaiar se os lábios de Evelyn tocassem seu pescoço mais uma vez,
e então ela pensou que talvez o colapso valeria a pena. — Parece que temos
alguma coisa a fazer.
Mina passou muito de sua vida debaixo da superfície de sua própria
mente, empurrando para baixo seus sonhos e desejos. Agora, finalmente, ela
não queria que houvesse nada protegendo-a de outra pessoa. Eles se beijaram
até os lábios de Mina ficarem inchados. Até que o oceano dentro dela estava
o mais calmo que já esteve. Até que tudo o que Mina tinha temido, sofrido e
esperado foi lavado pelo ritmo do batimento cardíaco constante de Evelyn,
como a maré apagando linhas profundamente desenhadas na areia.
Capítulo vinte e nove
E VELYN HAVIA PENSADO que ANTES de beijar Mina que ela não conseguia
tirar a outra garota da cabeça. Mas agora que ela sabia em primeira mão
como era, tudo o que ela queria era beijá-la novamente. Infelizmente, ela
tinha outras coisas com que se preocupar. Como a lua nova, que viria em
dois dias. Se elas pudessem entrar em contato com Annette então, Mina
parecia pensar que elas poderiam colocá-la para descansar e libertar os outros
espíritos que ela havia aprisionado. Evelyn esperava que ela estivesse certa. E
sempre que estivessem seguros, ela ia convidar Mina para um encontro de
verdade, um onde eles não tentassem resolver um assassinato ou convocar um
fantasma.
— Quantas vezes Amy mandou uma mensagem “eu te avisei”? —
perguntou Luísa. Eles estavam na Scales & Tails, embora tivessem feito muito
pouco trabalho uma vez Evelyn havia admitido exatamente porque estava de
tão bom humor.
O telefone de Evelyn tocou. Ela bufou enquanto olhava para a tela.
— Esse é mais um. Não acredito que você me convenceu a contar a ela
sobre Mina.
— Você disse que queria conselhos de garotas — disse Luisa, sorrindo.
— Bem, você definitivamente vai conseguir. Embora eu ache que ninguém
nunca fez um vestido para Amy antes.
— Ainda não consigo acreditar que Mina fez este. — Evelyn não
conseguiu manter a oscilação vertiginosa de sua voz.
— Nem eu — disse Luísa. — Me mostra essas fotos novamente.
O calor se espalhou por Evelyn quando Luisa se emocionou sobre o
vestido. Ele estava atualmente guardado em seu armário, um lembrete de que
tão estressante e estranho como este verão tinha sido, ele a uniu à Mina.
Ela tocou a concha em volta do pescoço e se perguntou como era
possível que ela pudesse guardar tanta alegria para Mina e tanta dor para todo
o resto. A maneira como Meredith subiu as escadas depois que Evelyn
perguntou sobre Jesse. O olhar no rosto de Nick quando ele disse para eles
saírem de sua casa. Os segredos que eles descobriram sobre a família Slater,
segredos que não podiam provar sem provas que Nick provavelmente já havia
destruído. Mesmo se eles colocarem o fantasma para descansar, eles não
conseguiram consertar o impacto da usina Blue Tide em Long Island Sound.
No entanto, Evelyn estava sorrindo. Mina não cancelou o mundo
aterrorizante e confuso. Mas ela tornou muito menos assustador viver.
— Ela disse que quer montar uma loja eventualmente — disse Evelyn.
— Quando ela sentir que a coleção acabou.
— Ela precisa de um fotógrafo? — perguntou Luísa. — Ou pelo menos
alguém para dar dicas sobre como fazer as roupas ficarem bem nas fotos?
— Você pode perguntar a ela no show de Amy — disse Evelyn. — Ela
vai ficar um pouco sobrecarregada se você for muito legal com ela, mas sei
que significaria muito.
— Oh, certo! — Luísa se iluminou. — Estou feliz que vocês duas estão
vindo.
Amy tinha sido ótima em sua audição, e sua nova banda estava tocando
em um local da cidade na próxima semana. Evelyn não esperava muito
quando pediu a Mina para ir com ela, mas a outra garota disse sim antes que
ela pudesse terminar de fazer a pergunta.
— Eu também — disse Evelyn. — Ela parece animada. Eu sei que ela
passou muito tempo sozinha, mas não tenho certeza se é isso que ela
realmente quer mais.
Luisa tossiu.
Evelyn franziu a testa para ela.
— O que?
— Quero dizer, eu poderia ter dito a mesma coisa sobre você no início
do verão — disse Luisa. — Espero que você não leve a mal, mas... você
parecia tão solitária. Mesmo quando você estava namorando Nick.
Evelyn corou.
— Por favor, não me diga que você tentou ser minha amiga por pena.
— Acho que já passamos disso — disse Luisa. — Naquele ano, quando
estávamos muito na biblioteca, acabamos de nos mudar de Staten Island para
cá e eu não tinha amigos. Mas Amy me fez sentir em casa, e ainda estamos
perto de tudo isso anos depois. Então, quando você e eu começamos a
trabalhar juntas, pensei… talvez eu pudesse ser essa pessoa para você.
Alguns meses atrás, Evelyn teria insistido que estava bem sozinha. Mas
isso obviamente não era verdade. Tantas pessoas em Cliffside Bay tinham
cuidado dela quando sua própria família não podia. Eles estavam torcendo
por ela o tempo todo. Ela nunca esteve pronta para perceber isso até agora.
— Você é — disse ela, surpresa com o quão perto das lágrimas ela estava.
— Essa pessoa para mim, quero dizer. Obrigada. De verdade. Passei muito
tempo tentando me convencer de que estou melhor sozinha. Estou muito
feliz por estar errada.
— Estou feliz que você esteja errada também.
Evelyn revirou os olhos, mas ainda estava sorrindo.
O telefone de Luísa tocou. Ela estendeu a mão para ele e fez uma pausa,
olhando para a tela.
— É ele.
— Olha, eu sei que não é da minha conta, mas vocês dois...
Luisa gemeu e empurrou o telefone para longe. Ele girou sobre o balcão
até atingir a caixa registradora.
— Você também não.
— Eu simplesmente não entendo. Vocês gostam um do outro, certo? O
que está prendendo você?
Luisa lançou-lhe um olhar pesaroso.
— Eu fico com medo quando as coisas significam muito para mim. É
por isso que não posso mostrar às pessoas minhas fotos. É por isso que eu
larguei Kenny, a primeira vez, porque meus sentimentos me assustaram. Mas
eles não foram embora. E agora, o pensamento de dizer a ele que quero
voltar depois de ser aquele que destruiu as coisas... é... embaraçoso.
Evelyn lembrou-se do que Amy havia dito: As duas estão nervosas
demais para entender.
— Eu não acho que ele se importaria — disse ela. — Acho que ele
ficaria feliz. E para o que valha a pena... talvez você devesse aceitar a oferta
da sua mãe de pendurar suas fotos na biblioteca.
Luisa hesitou.
— Vou pensar sobre isso.
A porta se abriu e Luisa foi atender o cliente. Evelyn estava prestes a
colocar o telefone de volta no bolso quando começou a vibrar furiosamente.
Mensagens estavam chegando de todo mundo que ela conhecia – Amy,
Kenny, Mina, pessoas aleatórias da escola. Então ligações, algumas de
números que ela nem tinha em seus contatos.
***
O Sr. Clark a deixou ir para casa mais cedo. Luisa a ajudou a arrumar suas
coisas e sair pela porta dos fundos, para o caso de o artigo ter despertado
alguma atenção indesejada da mídia.
— Me ligue se precisar de alguma coisa, ok? — ela perguntou, então deu
um abraço em Evelyn.
Evelyn assentiu entorpecida. Ela conseguiu voltar para casa apenas através
da memória muscular. Sua mente estava em outro lugar. Os sussurros que ela
ouvia quando criança. Os rumores cruéis sobre seu pai em toda a internet.
Sua esperança de que ela finalmente superasse tudo isso parecia patético e
frágil. Seus novos amigos, Mina, algum deles gostaria de estar perto dela
agora?
O carro de Meredith estava na garagem quando Evelyn parou. Sua irmã
estava atrás dele, carregando um saco de lixo com roupas no porta-malas.
Evelyn pegou seu longboard e marchou para frente. Ela estava com tanta
raiva que mal conseguia ver, ou talvez fosse por causa das lágrimas.
— Por que você fez isso? — ela exigiu.
Os aviadores de Meredith estavam empoleirados em cima de sua testa,
seus olhos azul-acinzentados cercados de vermelho. Tudo nela parecia
desgastado e miserável.
— Merda — ela disse. — Eu pensei que estaria fora daqui antes que você
visse.
— Você pensou que poderia simplesmente vender nossa família e fugir?
— Eu não estou fugindo — Meredith disse, fechando o porta-malas. —
Vou ficar com a mamãe. Se você tivesse algum sentido, você se juntaria a
mim.
— Mamãe não nos quer. Ela não fala conosco há quatro anos.
— Ela fala comigo — Meredith disse.
Evelyn sentiu como se tivesse sido atingida.
— O que?
— No ano passado — Meredith disse. — Ela me visitou na faculdade.
Conheceu Riku. Me contou sobre sua nova vida. Ela disse que quer um
relacionamento comigo de novo, mas só se eu prometer não entrar em
contato mais com papai.
— Isso é tão confuso — disse Evelyn. — Você sabe disso, certo?
— Mais confuso do que papai matando três pessoas?
— Ele não matou. Porra.
— Você tem sido muito inflexível sobre essa opinião — Meredith disse.
— Então, depois que meus planos fracassaram para o verão, pensei em vir
conferir e decidir por mim mesma. Talvez fuçar um pouco.
— Você estava espionando o papai? — Evelyn olhou para ela incrédula.
— Eu?
— Eu não estava espionando. Eu estava tentando dar a ele uma chance
justa. Conversei com algumas pessoas, fiz algumas perguntas e então... —
Meredith hesitou. — Um repórter entrou em contato. Falei com ela em off
e lhe disse que não estava interessado em uma história, mas depois que você
confrontou papai... depois de nossa pequena discussão no outro dia... eu me
senti diferente.
A “amiga” Meredith estava a caminho de ver quando ela dirigiu Evelyn
para a biblioteca. É claro. Por um momento, Evelyn sentiu-se terrivelmente
culpada. Se ela não tivesse pressionado Meredith, nada disso estaria
acontecendo agora. Mas então ela pensou em quão resistente Meredith tinha
sido para mudar durante todo o verão. Sua irmã não tinha nenhum interesse
em se adaptar ao seu ambiente. Se a realidade não combinasse com ela, ela a
excluiria. Qualquer que seja as consequências que levaram foram culpa dela,
não de mais ninguém.
— Não se atreva a me culpar — disse Evelyn. — Você disse que queria
superar isso. Bem, tudo isso garantiu que nunca, jamais o faremos.
— Meredith. — A voz de seu pai estava rouca e cansada. Ele estava na
varanda, silhueta na luz do sol da tarde. — Eu não disse para você sair antes
que ela voltasse para casa?
— Eu não sabia que ela descobriria tão cedo — Meredith retrucou. —
Estou indo embora.
— Então é isso? — Evelyn olhou dele para Meredith. — Você vai
simplesmente nos abandonar de novo?
— Eu não estou abandonando você — Meredith disse. — Só estou
tentando dizer a verdade.
— Você nunca quis a verdade — seu pai disse rispidamente. — Você só
queria que Siobhan voltasse. Você não entende que ela deixou você?
— Não, ela deixou você — Meredith rosnou. — Ela queria nos levar,
mas você brigou com ela–
— Isso não é verdade. — Greg olhou para os dois da varanda. — Sua
mãe poderia facilmente ter conseguido a custódia total de vocês duas. Ela
assinou seus direitos parentais, Meredith. Você sabe disso. Dizer ao mundo
que você me odeia não vai resolver isso. Isso só faz de você um peão em
qualquer jogo que ela esteja jogando agora.
Durante todo o verão, Evelyn esperava poder reunir sua família em um
pedacinho de uma vez. Agora ela entendia que eles sempre foram quebrados
demais para isso. Que ela tinha sido uma tola em pensar o contrário. Havia
algumas condições que nem mesmo as criaturas mais fortes na zona entre
marés não podiam sobreviver.
— Você está mentindo — Meredith sussurrou, tremendo. — Você a fez
assiná-los.
Greg balançou a cabeça.
— Vamos, Evelyn. Entre. Os Kowalski estão olhando.
Evelyn virou-se para ver as cortinas da porta ao lado se fechando às
pressas. Ótimo – eles provavelmente estavam tirando fotos. Ela tinha uma
lembrança distante e nebulosa do frenesi da mídia durante o verão do
afogamento e estremeceu.
Evelyn olhou para o rosto de Meredith por um momento final. Estava
um pouco borrado através de suas lágrimas, mas ela tentou memorizar sua
irmã de qualquer maneira. Ela não sabia quando a veria novamente - se ela a
ver novamente.
— Nunca mais volte — disse Evelyn. Então ela passou correndo pelo pai
pela segurança da porta da frente.
— Evelyn — seu pai a chamou. — Não atenda o telefone. Não quero
que você seja arrastada para isso.
Evelyn se virou para ele, ainda chorando.
— Eu sempre fiz parte disso — ela retrucou. — Você não pode me
proteger disso. Você não pode proteger nenhum de nós.
Ela só conseguia pensar em pequenos passos: subindo as escadas.
Fechando a porta do quarto dela. Enroscando-se sob as cobertas, todas as
lágrimas e ranho e soluços profundos e devastadores.
Evelyn havia tentado há seis anos proteger seu pai. E ela pensou que
tinha conseguido. Mas agora cada pedacinho de alegria que ela encontrou
neste verão parecia uma piada.
De que adiantava se comunicar com os mortos quando ela não podia
nem proteger os vivos? Quando tudo que ela já fez para ajudar sua família
falhou?
Capítulo trinta
P ELA PRIMEIRA VEZ numa memória recente, Mina tinha sido feliz.
Então a entrevista de Meredith saiu, e a Evelyn Mackenzie por quem
Mina passou o último mês e meio se apaixonando estava completamente
quebrada. Os últimos dois dias tinham sido infernais. Evelyn estava presa lá
dentro, escondendo-se dos repórteres que desceram em sua garagem,
enquanto Mina assistiu impotente à distância. Ela mandou uma mensagem e
ligou para ela, mas parecia inútil, um pequeno barco balançando nas ondas
em uma tempestade sem fim.
E então ela recebeu um telefonema.
Ela estava em seu quarto como de costume, trabalhando na preparação
para o SAT de todas as coisas, quando o número de Sergio apareceu em sua
tela.
— Olá? — disse Mina. Ele geralmente não ligava para ela a menos que
estivesse em apuros com o tio Dom, então ela estava incerta do que esperar.
— Ei. — Sua voz era baixa, um pouco agitada. — Lembra quando você
me disse para te dizer se eu descobrisse por que o resto da nossa família
deixou a cidade?
Mina se endireitou na cama e desligou o laptop. Suas perguntas de treino
online podiam esperar.
— O que você encontrou?
— Comecei a entrar em contato com alguns deles novamente, e uma das
nossas primas em segundo grau falou comigo. Você lembra dela? Júlia?
Mina podia evocar uma vaga lembrança de cabelo tingido de ruivo e um
sorriso de dentes espaçados.
— Um pouco. Ela tem mais ou menos a sua idade?
— Sim — disse Sérgio. — Ela me disse a verdade, ou pelo menos tanto
quanto ela sabia. Ela e o resto de sua família foram embora porque tia Stella e
papai não estavam apenas acalmando os espíritos – eles estavam barganhando
com eles.
Um baú no fundo do oceano de Mina começou a tremer. Ela podia
sentir o que vivia dentro dela chacoalhando contra a madeira podre.
— Barganhando? Para que?
— Pedir para eles fazerem coisas em troca de força vital — disse Sergio.
— Acho que isso ajuda os fantasmas a ficarem aqui um pouco mais. Giulia
chamou isso de sacrifício. Alguns de você por um pouco do espírito.
Aparentemente é uma má ideia usar pessoas mortas como ferramentas.
Seu tom era arrogante, mas Mina sabia que ele estava tentando soar como
se ele não estivesse incrivelmente chateado. Ela entendeu o impulso.
— Mas eles nos ensinaram a não fazer isso — ela protestou fracamente.
— Onde você encontrou aquele feitiço de invocação que te colocou em
todos esses problemas? — ele apontou. — Isso era da tia Stella, certo?
A voz de Mina saiu como um gemido.
— Certo.
— De qualquer forma, algo terrível aconteceu. Estava relacionado ao
verão do afogamento. Isso é tudo que Giulia conseguiu me dizer. Mas
aparentemente houve algum grande sacrifício que a família não podia mais
ignorar, e eles repudiaram nossos pais por causa disso.
Um grande sacrifício. A mente de Mina girou, tentando juntar tudo. Sua
maldição, sua própria força vital foi desviada. Como ela estava ligada a
Annette, não às vítimas do afogamento no verão. A forma como Stella
culpou Greg Mackenzie por tudo. E uma lembrança final de sua mãe deitada
na cama, exausta, sussurrando: acho que foram assassinados por mãos humanas.
Evelyn estava certa. Havia um buraco na história que eles construíram.
Um buraco que só poderia ser preenchido por um médium.
— Você não pensa… — ela disse. — Aquele sacrifício de que estão
falando. Sérgio, você acha que eles tiveram algo a ver com...
— Não sei. Mas ainda não estou pronto para falar com papai. Eu estou
passando a noite na casa de um amigo. Talvez você devesse fazer o mesmo.
— Não. — Mina engoliu. — Eu tenho que saber a verdade.
Ela estava trancada dentro da casa, e ainda assim ela ainda sentia os mais
leves sussurros no fundo de sua mente, como se Annette tivesse sido acordada
por seus pensamentos. Esta noite era a lua nova – com tudo acontecendo
com Evelyn, ela quase tinha esquecido.
Se Stella tivesse atribuído os assassinatos à Greg de propósito, o
sofrimento de Evelyn veio diretamente das mãos dos Zanetti’s. Lidar com
isso seria o maior desafio de toda a vida de Mina. Mas ela precisava saber o
que sua mãe tinha feito. Para o bem de ambos.
Quando Stella voltou do trabalho naquela noite, Mina estava esperando
por ela. Ela até fez seu café e preparou um pouco de antepastos, como uma
oferta de paz. Stella olhou para a tábua de corte enfeitada com queijo,
presunto, pimentão assado e uma pequena tigela de azeitonas com prazer
visível.
— Meu Deus, é bom estar aqui dentro — disse ela enquanto se sentava e
tomava um gole de café. — As proteções são um alívio.
— Tenho certeza de que são. — Mina envolveu uma mão em torno de
sua própria caneca de café. — Eu estou supondo que você ouviu o que
aconteceu com o pai de Evelyn.
— Sim. — Estela suspirou. — É bastante perturbador. A cidade inteira
está agitada.
— Você realmente acha que ele fez isso?
— Eu… — Stella hesitou. — Ninguém sabe ao certo, não é?
— Esse mistério — Mina continuou. — E esse fantasma. Ambos
parecem tão unidos. Eles mexeram com a nossa família e com a de Evelyn.
Mas finalmente acho que posso resolver o problema. Se você me ajudar,
podemos exorcizar esse fantasma.
— Se eu soubesse quem ela era, Mina, já teria...–
— Ela? — Mina treinou toda a sua vida para ser uma represa
impenetrável e sem emoção contra as ondas dentro dela. Mas precisou de
tudo o que tinha para manter a voz calma.
— Falei errado — disse Stella rapidamente. — Você sabe tão bem quanto
eu que a identidade do demônio em potencial permanece oculta.
— Então o nome Annette Shorewell não significa nada para você?
Stella se encolheu, seu café tremendo em sua mão. Mina engoliu sua
decepção. Sempre que ela achava que tinha chegado ao fundo da mentira de
Stella, sempre havia mais. Tudo o que ela fez neste verão – não, toda a sua
vida – foi afundar em um oceano sem fundo de engano.
— Cuidado, não derrame em você novamente — disse ela. — Isso
funcionou bem da última vez, não foi? Me distraindo antes que eu pudesse
fazer mais perguntas sobre nossa família?
— Mina — sua mãe protestou. — Não é isso que está acontecendo
aqui–
— Chega — Mina pousou sua caneca de café. Ela nunca tinha estado tão
assustada. Ela nunca esteve tão furiosa. — Você sabe quem ela é esse tempo
todo, mãe. E você escondeu isso de mim.
— Você não entende. — Stella parecia frenética. — Eu mantive a
verdade sobre Annette de você para protegê-la.
— Pare de fingir que você estava tentando proteger alguém além de você
mesma — Mina bateu. — Eu sei que estou ligada a ela ao invés do Trio de
Cliffside. Você também escondeu isso de mim, não foi?
A angústia no rosto de sua mãe disse a Mina que ela estava certa.
— Por favor, Mina. Você não entende a escolha que eu tive que fazer–
— Uma escolha? Ou uma barganha? — Mina ouviu sussurros em sua
mente novamente. O dólar de areia em seu pulso latejava, e ela sabia que era
apenas uma questão de tempo até que as proteções não conseguissem segurar
Annette. — Que sacrifício você e o tio Dom fizeram a ela que foi tão
horrível que fez o resto da nossa família ir embora?
Stella empalideceu. Ela olhou para Mina com olhos arregalados e
suplicantes, como se estivesse implorando para que ela dissesse mais alguma
coisa. E assim Mina fez.
— Foram eles? — ela perguntou. — Você alimentou Jesse, Tamara e
Colin para um fantasma?
— O que? — Pela primeira vez, Stella parecia genuinamente chocada.
Ela pousou seu café, líquido marrom espirrando sobre a borda. — Mina…
como você pode… eu nunca faria algo assim.
Mina procurou no rosto de sua mãe outra mentira. Ela não conseguiu
encontrar uma, mas isso não significava que não estava lá.
— Então me diga o que aconteceu durante o verão do afogamento —
disse Mina. — O que realmente aconteceu. Por favor, mãe, esta é sua última
chance antes que você perca minha confiança para sempre.
— Tudo bem. — Stella ainda estava pálida e trêmula, mas parecia
resoluta. — Acho que isso é o que eu mereço. Eu deveria ter lhe contado a
verdade há muito tempo.
“Há um demônio em ascensão em Cliffside Bay desde que me lembro.
Mas são necessárias muitas almas para converter um fantasma em demônio.
Acreditávamos que era por isso que tudo estava deformando – que a atração
daquele espírito estava mudando todos os mortos na área. Seu tio e eu
estávamos trabalhando em maneiras de conter o espírito de Annette sem
saber quem ela era. Estávamos dispostos a usar mais... métodos experimentais
do que o resto de nossa família.
— Barganhando — disse Mina.
Stela assentiu.
— Pensamos que desenvolver relacionamentos com outros fantasmas
seria necessário para evitar sua ascensão ao demônio. Esses fantasmas nos
tornaram mais poderosos, e demos a eles um pouco mais de tempo para ficar
por aqui. Parecia uma troca justa – necessária, se quiséssemos fazer um
exorcismo trabalhar. O resto da nossa família se sentiu diferente, mas as coisas
não chegaram a um ponto crítico até que o Trio de Cliffside se envolveu.
— Então eles realmente vieram até você sobre Annette.
— Sim. Eles resolveram um mistério que nos deixou perplexos por uma
geração. Eles descobriram quem Annette era, e nós agradecemos e dissemos
a eles que continuaríamos a partir daí. No entanto, eles a invocaram de
qualquer maneira. Eu ainda não sei onde eles descobriram como fazer isso –
como eles descobriram que havia um fantasma. Mas eles não estavam
preparados para o quão poderosa ela seria. Quando ela os matou, tememos
que isso significasse que ela havia ascendido. Mas ela ainda era um fantasma.
— Então ela era poderosa o suficiente para matar três pessoas, mas ela
está apenas visando médiuns agora? O que aconteceu com “Estamos na
ponte entre a vida e a morte”, isso também era mentira?
— Não era. — Estela suspirou. — O resto da família nos culpou pelo
que aconteceu. Eles acreditavam que tínhamos dado aos três acesso às nossas
técnicas de convocação.
— É por isso que eles foram embora?
— Não. — A voz de Stella tremia tanto agora que Mina mal conseguia
distinguir as palavras. — Eles foram embora por sua causa.
O dólar de areia de Mina pulsava dolorosamente. A voz de Annette
choramingou no fundo de sua mente, e Mina queria choramingar de volta,
porque tanto quanto ela precisava saber a verdade, ela temia não estar pronta
para o que quer que ela estivesse prestes a aprender.
— Por quê?
— Só precisávamos encontrar um objeto que tinha pertencido a ela.
Estávamos tão perto de terminar tudo isso, embora ela estivesse mais
poderosa do que nunca. Mas então... você encontrou minhas instruções de
convocação experimental. E você a invocou. A razão pela qual ela deve ter
escolhido você em vez de Evelyn é por causa de todo o trabalho que seu tio
e eu fizemos. Tínhamos nos envolvido em algo que não deveríamos, e então
o oceano conhecia nosso sangue. Ele nos conhecia. E conhecia você.
— E depois?
— Ela começou a minar sua força vital — disse Stella. — Ela não podia
matar você imediatamente, como matou o Trio de Cliffside… você sabia o
suficiente, mesmo naquela época, para se proteger melhor do que eles. Mas
não foi o suficiente. Eu sabia que tinha que fazer o que pudesse para
consertar isso.
— Consertar? — Mina sussurrou. — O que você fez, mãe?
— Você tem que entender, Mina, o espírito dela estava absorvendo você.
Você foi internada no hospital com uma febre tão alta que estava alucinando,
e não importava o que os médicos fizessem, você não estava melhorando. Eu
sabia... — A voz de Stella falhou. Ela estremeceu, então continuou. — Eu
sabia que você ia morrer. Como médiuns, somos ensinados que a morte é
natural. Que devemos aprender a aceitar o inevitável como parte de nosso
chamado. Mas você era tão pequena, com tanta vida para viver. E eu te amei
demais para deixar você ir.
— Então você fez uma barganha — disse Mina.
Stella não conseguia mais encontrar seus olhos.
— Sim. Fiz isso para que, enquanto você vivesse, Annette pudesse se
alimentar de sua força vital, mas não a tomar inteiramente. Você a sustenta e,
em troca, ela a poupou. Uma solução imperfeita, mas eu não sabia o quanto
imperfeita até você começar a insistir em treinar para se tornar um médium.
Um dos baús no oceano de Mina se abriu, depois outro. Ela não podia
parar cada coisa horrível que ela armazenou dentro deles nadando em águas
abertas.
— Isso vai contra tudo o que você já me ensinou.
— Eu sabia que iria te machucar descobrir. Mas eu tinha que mantê-la
segura.;
Mas Mina estava tão longe de acreditar nela. A voz de Annette rosnou
em sua mente, e não soava mais como uma ameaça. Parecia um aviso.
— E o colar de proteção? — ela perguntou.
— Eu não queria que o Trio de Cliffside lhe dissesse a verdade — disse
Stella. — Eu não poderia bloquear você de Annette diretamente, não sem
algo que pertencia a ela. Mas cortar você de seus três espíritos mais fortes –
as vidas que ela mesma tirou – parecia que ajudaria.
— E quanto a Greg Mackenzie? Você foi testemunha contra ele.
— Eu não estava mentindo sobre vê-lo naquele dia. Ele estava no lugar
certo na hora errada... e era mais fácil manter as autoridades suspeitando dele
do que investigar nossa família. Se eu soubesse que isso levaria diretamente à
sua situação, eu nunca teria feito isso.
— Então você destruiu a família de Evelyn — Mina disse. — E você nos
deixou correr por aí tentando consertar isso durante todo o verão, quando
você sabia que não havia nada que pudéssemos fazer. Esperando o tempo
todo que falharíamos e eu rastejasse de volta para você.
— Você assume o pior de mim. — Stella parecia totalmente quebrada.
— Passei este verão tentando encontrar uma maneira de quebrar seu vínculo
com Annette, antes que seja tarde demais.
— Tarde demais?
— Annette ainda está tentando se tornar um demônio — disse Stella. —
E uma ascensão como essa é impossível sem a ajuda de alguém vivo. Um
médium deve ajudar um fantasma a voltar para este mundo. E o vínculo que
você tem com Annette... provavelmente é forte o suficiente para fazer isso.
Mina pensou no que quer que tivesse acontecido na lua cheia. De
Annette segurando aquele dólar de areia.
Ela estava tentando negociar com Mina? Para cruzar de volta? Para causar
estragos?
Ela pensou em Annette como uma vítima em tudo isso. Mas talvez não
fosse tão simples. Ela havia assassinado três pessoas. Ela quase assassinou
Mina, também.
E Mina estava ligada a ela pelo resto de sua vida.
— Você escondeu muito de mim — ela disse a sua mãe. Durante toda a
sua vida, ela não queria nada além de ser como Stella. Mas agora Mina
entendia que a pessoa que ela queria ser era uma fantasia, uma versão
idealizada de alguém que pregava controle e consequências, mas jogava tudo
isso aos ventos assim que lhe convinha.
Mina não conseguia nem olhar para ela.
— Eu não quero sua ajuda — ela disse a Stella. — E eu não sei mais
quem você é. Não tenho certeza se alguma vez soube.
Mina a deixou sentada à mesa da cozinha. Quando ela se virou na porta,
sua mãe a observava ir, um braço ligeiramente estendido, como se tentasse
pegar sua mão mais uma vez.
***
Mina não sabia quando adormeceu, mas acordou com o dólar de areia em
seu pulso latejando de dor. Ela gemeu e rolou na cama. A luz enrolou sob
sua pele, piscando entre azul e laranja. Mas pela primeira vez em dias, não
havia presença em sua mente para acompanhar aquela dor.
Ainda era a lua nova, e Annette estava quieta.
Algo estava errado.
Ela saiu da cama e correu para a porta, entrando no corredor. A porta de
Stella pendurada ligeiramente aberta. Mina abriu freneticamente e examinou
o espaço vazio. Stella não estava na cozinha, na sala, no banheiro. Ela não
estava em lugar nenhum.
Talvez ela tivesse ido ficar com o tio Dom, mas não. Mina sabia que isso
não estava certo.
Ela encontrou a faixa de opala de Stella na varanda. Estava rachada e
quebrada, um rastro de pedras espalhadas pelos primeiros degraus da praia.
Oh, não. Ah, não. Stella tinha voltado para Sand Dollar Cove.
As escadas pareciam ainda mais íngremes e precárias agora, iluminadas
por nada além da lanterna de seu telefone e a luz fraca do amanhecer
lentamente rastejando pelo céu. Um cheiro sulfúrico e podre flutuava no ar à
medida que ela se aproximava da água.
Ela viu o porquê assim que chegou ao pé da escada. Era maré baixa, e a
linha d'água descendente havia deixado um rastro de lodo em seu rastro, o
mesmo tipo de resíduo que choveu no quarto de Jesse. Peixes mortos e
caranguejos-ferradura estavam espalhados pelas rochas, os últimos virados de
costas com as pernas penduradas no ar. Moscas zumbiam ao redor de seus
cadáveres.
De pé no meio da carnificina, com água até os joelhos, estava Stella
Zanetti. Ela olhou para o horizonte como uma luz laranja-azulada se
espalhou pela água ao seu redor, escorrendo de seu corpo como uma
mancha de sangue.
— Mamãe! — Os pés descalços de Mina pisaram na lama enquanto ela
entrava na espuma. O mar estava recuando tão rápido que ela podia vê-lo se
movendo, assim como na noite de lua cheia. — O que você está fazendo?
Stella se virou, seu cabelo balançando ao vento. A expressão em seu rosto
era assustadora em sua tranquilidade: Ela parecia resoluta e calma, como se
esta fosse uma manhã comum.
— Saia da água, Mina. Não é seguro.
— Mãe, por favor, volte para a praia...
— É tarde demais — Stella disse sonhadoramente. — Já está feito, minha
conchinha.
— O que já foi feito? O que você fez?
Mina girou freneticamente. Descartados no lodo estavam itens que ela
havia perdido antes: velas, uma tigela virada, um lenço de seda.
— Você fez outro acordo com ela — Mina engasgou enquanto ela
andava mais fundo na arrebentação. Ela só tinha que andar mais dez metros
para agarrar Stella e forçá-la a sair. Ela poderia levá-la de volta para as escadas
e entrar na casa protegida, muito, muito longe de Annette Shorewell. Ela
tinha.
— Uma troca. — A luz azul e laranja se espalhou sob a pele de Stella,
serpenteando por seus braços. — Annette vai sugar minha vida no lugar da
sua nos próximos dias. E quando terminar, você não pertencerá mais a ela.
Eu vou.
— Não! Eu não vou deixar você se ligar a ela do jeito que você me
ligou. O dólar de areia de Mina disparou novamente. — Desta vez, a dor
estava em toda parte, formigando sob sua pele como uma corrente elétrica.
Ela gritou e caiu de joelhos. Ela estava pegando fogo na beira do mar; ela
agarrou seu pulso, como se pudesse raspar o dólar de areia com as unhas.
E então uma mão translúcida se ergueu da arrebentação. Depois outro,
depois outro, restringindo seus membros e forçando-a a se agachar.
— Está tudo bem, minha conchinha — disse Stella gentilmente,
inclinando-se e erguendo o queixo. Uma explosão de verde azulado
apareceu em sua bochecha, logo abaixo da verruga abaixo do olho. — Não é
o mesmo vínculo. Ela concordou em tirar toda a minha vida, deixar você em
paz. É a troca que eu deveria ter feito seis anos atrás. Mas não é tarde demais.
Você estará segura, Mina. Isso é tudo que eu sempre me importei.
Mina gritou e se debateu contra as mãos, mas elas não se moveram.
— Não me deixe — ela choramingou. Mas, como sempre, Stella não
ouviu. Em vez disso, sua mãe mergulhou mais fundo no oceano. Uma onda
se formou diante dela, assim como a da lua cheia.
Mina não ouviu vozes em sua mente, mas ela falou assim mesmo.
— Por favor — Mina murmurou —, por favor, por favor, apenas deixe-a
ir, apenas deixe-a viver...
Na frente dela, houve um lampejo, e então havia Annette, uma
fantasmagórica azul verde, dólares de areia grudados em seus olhos. Seu
espírito era uma coisa distorcida e grotesca. Algas marinhas entrelaçadas
através dela cabelo; cracas cresciam em seus braços e pernas. A luz laranja
havia corroído sua mandíbula inferior e metade de seu ombro, e mina
distinguiu algumas pontas de cigarro saindo de seu pescoço, cacos de vidro
cravejados em sua pele. Pedaços de plástico pendurados em um de seus
pulsos como joias.
Annette levantou a mão e três figuras apareceram atrás dela, seus rostos
brilhantes e indistintos – Tamara, Jesse e Colin. E depois mais figuras atrás
deles, e mais atrás deles: vinte, talvez trinta espíritos, todos eles com dólares
de areia sobre os olhos também. Mina teve um vislumbre do Sr. Giacomo
tremeluzindo nas ondas, sua boca aberta em angústia.
No centro de tudo estava Stella, tão cheia de luz que poderia ter sido um
espírito também. A onda subiu acima dela, tão alta que parecia apagar o sol.
— Eu não posso — Annette disse.
Mina mal teve tempo de gritar antes que a onda batesse na cabeça de
Stella e pusesse sua mãe no oceano.
Capítulo trinta e um
***
***
Kenny parecia estar prestes a desmoronar, mas então, ele sempre parecia
assim. Luisa e Amy pareciam muito menos frágeis, embora ela pudesse sentir
a energia nervosa irradiando das três.
— Ei — Kenny guinchou. — Um. Ainda bem que encontramos a casa
certa. Teria entrado pela porta da frente, mas...
— É um pesadelo lá fora — disse Evelyn categoricamente. — Por que
vocês estão aqui?
Ela não podia saber se isso era algum tipo de truque – talvez alguém
tivesse plantado uma câmera em um deles. Mas não, Kenny era muito
neurótico para que isso funcionasse.
— Você não tem respondido nossas mensagens — Luisa disse. — Nós só
queríamos ter certeza de que você estava bem.
— E que você saiba que estamos pensando em você e Mina —
acrescentou Amy. — É super confuso que vocês duas estejam lidando com
tanta coisa agora.
— Você não… — Evelyn engoliu em seco. — Você não tem que fingir
ser legal comigo.
— Bem, eu tenho certeza de que não estou fingindo — disse Amy. Ela
olhou de Luisa para Kenny. — Você está?
— Não seja boba — Luisa disse gentilmente. — Você é nossa amiga.
— E o trabalho é muito mais chato sem você — acrescentou Amy. —
Você perdeu alguns escândalos reais. Kenny colocou seu podcast no sistema
de alto-falantes e quase foi demitido.
— Amy! — Kenny parecia querer afundar no Evelyn passos para trás. —
Mas, hum. Sim. Temos saudades de você.
— E pensamos que você poderia querer esquecer de tudo isso —
acrescentou Luisa. — Tem ingressos de cinema pela metade do preço neste
lugar a cerca de trinta minutos daqui. Quer vir?
Eles não tinham vergonha de ser seus amigos por causa de seu pai. Eles
não estavam desistindo dela, afinal. Evelyn nem tentou reprimir as lágrimas.
Evelyn tinha pensado em si mesma como um organismo solitário na
zona entre marés, preso, mas forte o suficiente para resistir a qualquer coisa.
Mas não era assim que um ecossistema funcionava. Nenhuma criatura
sobreviveu sem os ritmos do mundo maior, a complexa e frágil teia da vida
que deixou tudo e todos inextricavelmente conectados.
E Evelyn finalmente estava pronta para aceitar que não só ela sempre fez
parte desse ecossistema em particular – ela queria ser.
Cliffside Bay era sua casa.
Ela jurou naquele momento que encontraria alguma maneira de proteger
aquela casa de Annette, não importa o quê. Mas agora... agora, ela realmente
queria se sentar em um cinema escuro e legal e assistir a um filme com os
amigos que escolheram não fugir.
— Claro — disse ela, fungando. — Vamos lá.
Capítulo trinta e dois
M INA NÃO SABIA que era possível sentir tanto a falta de alguém. Ela se viu
agarrada a todas as boas lembranças de Stella que tinha: o canto
desafinado de sua mãe, sua comida, as opalas em seu cabelo brilhando
enquanto ela ria de todas as suas piadas internas. Mina passou as últimas
semanas evitando sua mãe, mas ela acreditava que, eventualmente, eles iriam
se enrolar naquele sofá de veludo laranja e conversar sobre isso. Agora ela se
perguntava se esse dia chegaria.
A fundação de seu oceano não era areia e sedimentos. Era sua mãe. E
mesmo depois das mentiras e traições de Stella, ela não poderia viver em um
mundo onde sua mãe havia sido tirada dela assim. Não havia nada a que se
agarrar. Nenhum lugar para correr. Tudo que ela podia fazer era afundar no
abismo.
Ela não percebeu o tempo passar. Às vezes Evelyn estava lá, às vezes não.
Sergio e Dom entravam e saíam de seu quarto de infância enquanto ela se
enfiava sob as cobertas, segurando um dos lenços transparentes de sua mãe –
como um bicho de pelúcia. Seu oceano estava além das tempestades, além
das ondas era plano e incolor, refletindo o céu de volta sem uma única
ondulação. Ele havia se rendido, assim como Mina.
Até que um par de shorts Sperry de cor salmão apareceu em sua linha de
visão.
Mina gemeu e puxou o edredom sobre a cabeça. Nick Slater era a última
pessoa com quem ela queria falar agora.
— Sei que não nos conhecemos muito bem. — A voz de Nick flutuou
através de seu casulo cobertor. — Mas acho que posso ajudá-la.
— Você? — Mina não conseguiu esconder seu desdém. — Não.
— Vou embora se você quiser — Nick parecia diferente do que
costumava fazer. Triste. Tranquilo. — Mas eu sei como é perder alguém que
é o seu mundo inteiro.
Jesse. É claro. Apesar de tudo, Mina sentiu o menor interesse. Ela puxou
os cobertores para baixo para ver Nick pairando ao lado de sua cama, uma
expressão estranha e esperançosa em seu rosto.
— Você nem gosta de mim — ela murmurou. — A última vez que você
me viu…
Annette Shorewell o atacou através dela. E então ele gritou para ela e
Evelyn irem embora.
— Eu sei o que eu disse. Mas eu não odeio você. E mesmo que eu
odiasse, ninguém merece passar pelo que você está passando.
— Talvez eu mereça — Mina estava pensando nisso desde o momento
em que a onda levou sua mãe embora. — Eu me liguei ao espírito de
Annette durante o verão do afogamento. Stella quebrou todas as regras dela
para me salvar.
— Eu... eu não sabia disso.
— Isso não importa de qualquer maneira. — Ela acenou com o pulso no
ar. O dólar de areia nele estava meio desaparecido agora, como uma
tatuagem temporária desaparecendo lentamente. — Quando desaparecer, ela
morrerá. E não há nada que eu possa fazer sobre isso.
— Tem certeza disso? — Nick se abaixou no chão e sentou-se de pernas
cruzadas no tapete. Ele era alto o suficiente para que isso o colocasse na
altura dos olhos de Mina. — Ela está viva. Isso significa que não é tarde
demais.
— Eu já disse isso a Evelyn — Mina protestou. — Não há mais planos.
Tudo o que eles fizeram foi destruir minha família.
Sua voz vacilou na última palavra. O rosto de Nick suavizou.
— Quando Jesse morreu, fiquei com tanto medo — disse ele. — Eu não
entendia por que ele me deixou, e meus pais estavam muito arruinados para
realmente ajudar. Mas agora eu sei que o mundo é injusto, e coisas horríveis
acontecem o tempo todo que estão fora do nosso controle.
— O que você está tentando dizer? — Mina odiava estar à beira das
lágrimas. Ela não queria chorar na frente de Nick Slater.
— Que isso não está fora de seu controle. Ainda não. — Nick encontrou
seus olhos. — Mina... se eu soubesse que havia a menor chance de salvar a
vida de Jesse, eu a pegaria. Não importa o quão perigoso.
Mina sentou-se lentamente, o sangue correndo para sua cabeça. Quando
ela tocou seu cabelo, ela podia sentir a gordura nele. Quando foi a última vez
que ela tomou banho? Comido?
— Isso é diferente — disse ela. — Toda vez que tentei fazer algo sobre
isso, piorei. Eu me liguei a Annette. Fortaleci esse vínculo. Agora eu dei a ela
tudo o que ela precisa para se tornar um demônio. Se eu interferir de novo...
com a minha sorte, eu vou encontrar uma maneira de torná-la ainda mais
poderosa.
A voz de Nick era firme.
— Evelyn sabe que você desistiu assim?
— Eu não desisti — Mina retrucou. — E pergunte a ela você mesmo.
Não foi ela quem colocou você nisso?
— Na verdade, quando finalmente consegui falar com ela, ela me disse
para deixar você em paz. Mas eu não vou deixar você sofrer por alguém que
ainda não se foi.
— Você não pode me obrigar a fazer nada — disse Mina. — Por que
você está mesmo preocupado? Você está com medo de que Annette vá
buscar sua família assim que ela ascender?
Para sua surpresa, Nick nem vacilou.
— Se fosse apenas minha família que ela machucaria, eu me importaria
muito menos. Mas Annette está fora de controle. Estive vasculhando os
arquivos de Jesse. Ele queria expor nossa família pelo que fizemos e quem
machucamos, mesmo sabendo que isso nos arruinaria. Annette matou ele,
Tamara e Colin de qualquer maneira. Se ela ascender, ela vai fazer pior.
— Então você acredita? — perguntou Mina. — Que a empresa da sua
família realmente mandou matar alguém?
— Acho que Jesse estava certo de que o assassinato foi um sequestro que
deu errado, mas... sim, eu acredito — disse Nick. — Mesmo que eu não
possa provar isso. Isso é o que Jesse estava procurando quando foi entrar em
contato com Annette, eu acho. Algum elo final que juntaria todas as peças e
tornaria impossível negar.
— Como você aguenta isso? — ela sussurrou. — Sabendo que eles
fizeram algo tão horrível?
— Não sei. — Nick suspirou. — Eu queria fingir que não estava
acontecendo no começo. Eu estava tão preocupado que não poderia ser o
filho que meus pais queriam que fiz Evelyn colar no teste, e agora aqui estou
eu, tentando descobrir se eles sabem parte do nosso dinheiro vem de um
encobrimento de assassinato e um desastre ambiental.
— Talvez eles não saibam — Mina sugeriu.
— Talvez — Nick disse, mas ela podia dizer que ele não acreditava. —
Olha, eu não pedi esses problemas. Nem você. Nem Evelyn. Mas se
desistirmos, você perde sua mãe para sempre. E Annette se torna um
demônio... o que é muito, muito ruim, certo?
Ela se lembrou do que ela minha mãe havia dito – que um demônio
estaria no mesmo nível de um desastre natural.
— Certo.
— Então me ajude a descobrir como pará-la — disse Nick. — Porque
não podemos mudar os erros que nossos pais cometeram, mas se não
tentarmos fazer algo sobre as consequências desses erros agora...
— Então eles vão ficar ainda piores. Eu sei.
Mina sempre pensou no fundo de seu oceano como inabitável. Os
pensamentos que ali pertenciam eram tão insondáveis e cruéis quanto o
território inexplorado do mar profundo. Mas agora ela se imaginava na água,
sem barco para andar, sem jangada para se agarrar. Ela mergulhou em sua
própria mente até chegar aos baús espalhados no fundo do oceano. Então ela
plantou os pés na areia e estendeu braços abertos, acenando em todas aquelas
memórias que ela afundou. Um por um, os baús rachados se abriram, e
Mina deixou seu conteúdo derramar através de seu mar.
Ela pensou em Stella mandando a família Mackenzie para o caos. Das
empresas Slater encobrindo o vazamento do Blue Tide. De luz alaranjada
corroendo a aura azul-esverdeada de um espírito, de dejetos chegando às
costas rochosas de Cliffside Bay. De Jesse, Colin e Tamara sentados naquela
caverna em Sand Dollar Cove, tentando encontrar paz para um espírito que
estava longe demais.
Ela acreditou que sua parte nisso estava terminada, que ela machucou
muitas pessoas para continuar. Mas a verdade era que ela estava com muito
medo de falhar novamente. Tão assustada que ela estava pronta para deixar
Stella ir. Tão assustada, ela estava pronta para se afastar quando Annette
ascendeu a um demônio que poderia destruir Cliffside Bay.
Mina nunca deixaria o medo controlá-la assim novamente.
Ela virou para Nick e deu-lhe um aceno firme e firme.
— Tudo bem - disse ela. — Vou tentar.
***
***
***
Mina atingiu o oceano com tanta força que nem parecia água – mais como
colidir contra uma superfície plana e se estilhaçar em milhares de minúsculos
e dolorosos pedaços. Seu corpo estava em agonia, qualquer movimento inútil
contra a força da corrente. Ela não tinha ideia de qual caminho era para cima
ou para baixo. Havia apenas o mar frio e turvo e uma sensação nebulosa de
pânico.
Ela abriu os olhos e não viu nada. Ela queria gritar, mas não o fez, sua
respiração era tudo que ela tinha.
Trinta a sessenta segundos. Esse era o tempo que uma pessoa média
poderia prender a respiração. Quanto tempo Mina tinha antes que a água
entrasse em seus pulmões onde o ar costumava estar.
Ela não queria ir assim, tão confusa, tão dolorosa. Ela não queria ir, mas
não tinha certeza se tinha escolha.
Uma luz cintilou no oceano ao lado dela, azul e fraca, mas lá. Ela
chutou, e estava mais perto. Ela chutou novamente, e estava tudo ao seu
redor, torcendo e se contorcendo como uma de suas criaturas marinhas
imaginárias.
E então ela não estava mais no Sound. Ela não estava em lugar nenhum.
— Você está morrendo.
Mina abriu os olhos. A primeira coisa que viu foi o teto em forma de A
do Centro Comunitário de Shorewell. A segunda coisa que viu foi a garota
ajoelhada ao lado dela. Dólares de areia estavam pressionados sobre seus olhos
e lodo havia coagulado em suas bochechas, mas ela parecia humana, e de
alguma forma isso era muito mais perturbador do que o demônio que Mina
tinha visto na piscina.
Mina engasgou e se sentou. Ela podia respirar, ou pelo menos achava que
podia, embora houvesse um estranho aperto no peito. Quando ela olhou
para suas mãos, elas piscaram de verde translúcido e azul para carne humana.
— O que é isto? — ela sussurrou. — Por que estou aqui?
— Eu te disse. Você está morrendo. — Annette se levantou, seus sapatos
estalando no piso de madeira quando ela deu um passo para trás. — Ela
também.
Evelyn apareceu no chão de madeira um momento depois, a poucos
metros de distância. Ela estava enrolada de lado, um braço estendido como se
estivesse em protesto. O sangue ainda escorria da ferida em seu ombro. Por
um momento, seu corpo ficou azul esverdeado, assim como o de Mina, antes
de voltar ao normal. Seus olhos se abriram e ela rosnou uma sequência
verdadeiramente impressionante de obscenidades enquanto se levantava.
— Somos fantasmas? — Evelyn exigiu. — Porque se formos, eu vou
fazer você desejar nunca–
— Ainda não — Annette disse calmamente. — Mas logo.
Ambos caíram no Sound. Elas estavam se afogando. E o espírito de
Annette as estava absorvendo, assim como ela havia absorvido Sergio.
Assim como você disse a ela. Mina empurrou esse pensamento para
longe. Isso só a faria afundar mais rápido.
— Estou ligada a você — Mina disse em vez disso. — Se eu morrer,
você não vai?
— Você me deixou atravessar — Annette disse. — Isso não importa mais
para mim.
Mas havia uma leve pontada de hesitação em sua voz. Mina se lembrou
de quão perto ela sentiu aquela ascensão. O vínculo entre elas ainda não
havia sido quebrado.
Se ela pudesse trazer Annette para este mundo, certamente sua teoria
estava certa. Ela poderia jogá-la de volta.
Ela respirou fundo e tentou se concentrar naquele músculo novamente.
Annette estremeceu, piscando, e por um momento Mina viu um vislumbre
de algas marinhas enroladas em seu cabelo, dos cacos de vidro brilhando em
sua boca.
— Pare com isso — ela sussurrou.
Encorajada, Mina buscou aquela atração em sua mente mais uma vez,
mas não conseguiu encontrá-la. Ela olhou para seu pulso – seu dólar de areia
não estava mais brilhando. A conexão estava desaparecendo rapidamente. Por
um breve momento, Mina sentiu a água fria e escura pressionando sua pele;
seus pulmões queimavam por ar, seus lábios se abriram em um último
suspiro–
E então ela estava de volta, estremecendo. Elas não tinham muito tempo.
— Sinto muito por te meter nessa confusão — Mina disse para Evelyn.
Ela queria que seu rosto fosse a última coisa que ela visse - que cabelos
ondulados e desgrenhados, aqueles olhos arregalados de nuvens de
tempestade. — Eu sinto muito por tudo.
E então Evelyn lhe deu aquele sorriso. O que Mina tinha visto cem vezes
neste verão. O que significava nós temos isso.
— Não sinta — ela disse, e pegou sua mão.
Mina sentiu imediatamente: o formato de plástico do grampo de cabelo
preso entre as palmas de ambas as mãos. De alguma forma, de alguma forma,
Evelyn a manteve. A esperança surgiu nela quando eles se voltaram para
Annette, juntas.
Talvez eles não pudessem dar a esse exorcismo seu sangue. Mas Mina
esperava que ambos tivessem oferecido um sacrifício suficiente no momento
em que atingiram a água. Que dois médiuns seriam suficientes de uma forma
que nem mesmo seu vínculo com Annette poderia ser.
O pulso de Mina começou a brilhar em um verde azulado e, pela
primeira vez, seu pulso parecia reconfortante.
— Eu bano você, Annette Shorewell — Mina disse, as palavras ecoando
pela ilusória sala de estar. — Você não tem poder aqui.
Um grande gemido ecoou pela sala, e o chão começou a estremecer.
Rachaduras apareceram no piso de madeira, estranhamente semelhantes às
do concreto ao lado da piscina.
— O que você está fazendo? — o demônio rosnou, avançando em
direção a eles. Seu corpo estava ficando translúcido novamente, vidro eriçado
em sua boca, algas marinhas enrolando-se em seu cabelo. Seus braços eram
muito longos, suas unhas estendidas irregulares, pedaços quebrados de
concha. — Eu seguro suas vidas em minhas mãos. Eu–
Ambas apertaram o grampo de cabelo, e o demônio soltou um gemido
agonizante. Mina foi tomada por uma súbita onda de culpa. Ela era uma
garota que havia sido assassinada, depois distorcida, depois controlada por
Sergio.
Mas não, ela não era mais uma garota. Ela era um demônio. Ela havia
dobrado as regras da vida e da morte com tanta força que elas as quebraram.
E era trabalho de Mina – não, Mina está ligando – encontrar uma maneira de
mandá-la de volta para onde ela pertencia.
— Eu bano você — disse Evelyn. — Deixe os espíritos que você tomou
e as pessoas que você machucou.
Outra rachadura, desta vez do teto. A sala inteira estava estremecendo
agora, piscando para dentro e para fora. Os móveis haviam desaparecido. O
teto em formato de A caiu e água turva escorreu. Ele enrolou em torno de
Annette como um redemoinho. Ela gemeu, arranhando o ar com as mãos. A
luz laranja se espalhou por ela novamente, tão brilhante que doía olhar, e o
dólar de areia de Mina pulsou novamente.
— Eu bano você — elas disseram juntos. Annette caiu de joelhos,
rosnando. Vozes giravam na mente de Mina, gritando e lamentando; o vento
soprou o mundo fortemente. Mas ela e Evelyn ainda estavam de pé enquanto
a água subia. Ainda de mãos dadas. Mina morreria antes de deixá-la ir.
O corpo de Annette convulsionou, torcendo-se de formas estranhas e
incompreensíveis. Ela estendeu uma mão azul-esverdeada – e por um
momento, apenas um momento, ela mudou.
Ela ainda estava translúcida. Ainda um fantasma. Mas uma garota agora,
os dólares de areia sumiram de seus olhos. Mina a encontrou larga,
horrorizada de olhar.
— Está na hora — Mina disse, e o rosto de Annette suavizou por um
momento. Talvez fosse a resignação. Talvez fosse alívio.
— Eu sei — o demônio sussurrou. E então seu corpo se desenrolou,
azul, verde e laranja se contorcendo um do outro em mil pequenos
tentáculos. A água caiu sobre suas cabeças, e a mão de Mina foi arrancada da
de Evelyn.
A última coisa que ela sentiu antes de sua consciência se desvanecer foi o
abraço frio e entorpecente do mar.
Capítulo trinta e cinco
A PRIMEIRA COISA QUE STELLA Zanetti fez no dia em que Mina chegou do
hospital foi alcachofras recheadas. Mina pairava desconfortavelmente na
parte de trás da cozinha enquanto sua mãe misturava migalhas de pão e
queijo, em seguida, cortava as pontas das alcachofras com uma tesoura de
cozinha e as descascava até o sufoco emplumado. o centro do vegetal tinha
desaparecido.
Mina estava no hospital há uma semana. Nos primeiros dias, ela estivera
inconsciente e consciente, uma casca fraca e febril de si mesma. Ela bateu a
cabeça ao cair, e o dano resultante de quase se afogar não ajudou. Mas ela se
sentiu melhor, além de um pequeno pedaço raspado na parte de trás da
cabeça que era facilmente coberto e uma sensação persistente de água salgada
na boca.
O dólar de areia em seu pulso se foi. Mina não sabia exatamente quando
tinha desaparecido, mas tinha certeza de que nunca mais voltaria.
— Estou pensando em fazer disso parte do meu novo cardápio de bufê.
— O Centro Comunitário Shorewell desmoronou no oceano junto com um
grande pedaço do penhasco, então Stella estava no mercado para um novo
emprego. Ela já tinha algumas ofertas dos hotéis locais. — Tire as folhas e
serão duas dúzias de pedacinhos de alcachofra com ervas. São um aperitivo
perfeito.
Agora que ela estava em casa, Mina podia dizer que nenhuma das duas
sabia por onde começar, então sua mãe começou da única maneira que sabia:
comida.
— Mãe — Mina disse baixinho.
Stella virou-se para encará-la corretamente. Os cantos de sua boca
estavam tremendo. Pela primeira vez, Mina notou mechas grisalhas em seus
longos cabelos castanhos.
— Sim?
E então Mina a puxou para um abraço, e os braços de Stella gentilmente
se fecharam em volta de seus ombros, ainda cobertos de alcachofra e
migalhas de pão. Ela não tinha certeza de qual deles começou a chorar
primeiro, só que ambos foram incapazes de parar por muito tempo.
Elas acabaram no chão da cozinha, o que parecia certo.
— Eu menti para você sobre tanta coisa — disse Stella. — Desculpas não
parece grande o suficiente. Eu me esforço para acreditar que qualquer palavra
poderia.
Mina tinha pensado muito uma vez que a nebulosidade em sua mente se
desvaneceu. Sobre o que sua mãe tinha feito e por quê. Sobre como se sentiu
na primeira vez que viu o rosto de Stella pairando sobre o seu naquela cama
de hospital – como se finalmente pudesse se lembrar de como respirar
novamente.
— Eu menti para você também — disse Mina.
— Bem, sim, mas você tem dezesseis, minha conchinha. — Stella deu
um tapinha na mão dela. — Você deveria mentir para sua mãe.
— Sobre festas, talvez. Eu não acho que nenhum dos estereótipos
normais da adolescência cubra a ascensão demoníaca.
— Talvez não — Stella admitiu. — Mas meu ponto ainda está de pé. Eu
enganei você, e isso é inaceitável.
— Não é… eu… — Mina suspirou. — A mentira não é o que me deixa
chateada. Pelo menos, não mais.
— Então o que é? — Estela perguntou. O forno brilhava atrás dela.
Stella insistira em colocar as alcachofras antes de se sentar. O cheiro de
molho de limão-erva-parmesão estava começando a se espalhar pela sala, mas
quando Mina tentou inalá-lo, ela ficou com a boca cheia de sal.
Ela estremeceu e apoiou as costas contra o armário. Veio em ondas, essa
dor, e sempre trouxe uma cascata de lembranças com isso.
— Você tentou se sacrificar por mim. Por que você achou que isso
tornaria as coisas melhores? — Saiu como a acusação que era.
O rosto de Stella tremeu, mas ela apertou a mão de Mina.
— Eu tive algum tempo para pensar sobre isso — disse sua mãe. — É
verdade que me senti culpada pelo que aconteceu com você e que queria
que você estivesse segura. Mas também sei que é da minha natureza me
autodestruir quando sinto que falhei.
Mina se lembrou de si mesma na praia na noite depois da primeira
grande briga entre ela e Stella e estremeceu.
— Minha também — ela sussurrou. — Mas eu aprendi que isso não
ajuda muito. Principalmente, só piora toda a situação.
— Eu gostaria de ter entendido isso antes — disse Stella. — Isso teria
poupado a nós duas de muitos problemas.
Mina fungou.
— Sim. Teria.
— Tem outra coisa — Stella disse calmamente. — Tio Dom gostaria de
ficar conosco por um tempo, se estiver tudo bem para você.
— Eu entendo.
Ele a visitou no hospital depois que ela melhorou, mas foi difícil.
Principalmente seu tio havia chorado daquele jeito rouco – olhos
avermelhados, assoando muito o nariz – enquanto ele lhe dizia, repetidas
vezes, que não tinha ideia do que era que Sérgio estava fazendo. Mina
acreditava que nenhum dos dois sabia. Sua mãe e seu tio eram imperfeitos,
mas não eram monstros.
— Não sei como pude ter perdido o envolvimento dele — disse Stella.
— Eu sinto tanta culpa. Nós dois sentimos.
— Ele não os matou — disse Mina. — O fantasma fez isso.
— Mas ele ainda carrega a responsabilidade por suas mortes.
A traição que Mina sentiu no engano de Sergio levaria muito tempo para
curar. Ela estava abalada com o quão aterrorizante ele tinha sido no centro
comunitário, como ele usou sua dor por Stella para seus próprios fins vis. Ela
não conseguia entender como ele tinha visto a forma como os fantasmas
estavam mudando e queria tirar vantagem disso em vez de ficar horrorizado
com isso.
Elas o pararam, mas apenas por pouco. E agora que ele estava morto,
Mina enfrentou o cálculo complexo de luto... e esperando a voz dele
aparecer em sua cabeça.
— É curioso que ele ainda não tenha chegado — Stella continuou
tocando seu novo objeto de vidência – uma pequena pomba em uma
pulseira. — Seu espírito está certamente inquieto, mas eu não senti nada
disso. Nem Dom.
Mina tinha sua própria teoria sobre porque o espírito dele ainda não
havia aparecido. Um que a fez se sentir vazia e aliviada. Ela sabia o que tinha
ordenado que Annette fizesse com Sergio depois de sua ascensão. Ela não
sabia o que absorver o espírito de uma pessoa viva fazia com eles, mas talvez
destruísse sua alma para sempre. Talvez ela tivesse sido responsável pelo
inimaginável.
Mina nunca queria usar esse tipo de poder novamente. Ela sentiu o início
de algo que ela poderia enfiar em um baú e enterrar nas profundezas infinitas
de seu oceano, mas não. Ela não iria mais afastar seus medos. Ela já havia
pensado em conversar com um terapeuta sobre algumas coisas, mas havia
peças que ela não podia compartilhar com ninguém além de Evelyn. Doeria,
mas não apodreceria, e talvez isso fosse suficiente.
Ela sabia que não compartilhar isso com Stella significaria mais uma
mentira entre eles. Mais um segredo. Mas ela esperava que fosse um segredo
que ela estaria pronta para contar um dia, quando fosse a hora certa. E depois
de tudo que sua mãe havia feito com os dois... Mina sentiu que lhe deviam
um pouco de tempo de processamento.
— Estaremos prontos para ele — disse ela.
O cronômetro disparou, e Stella pegou as alcachofras, seu cabelo
iluminado pelo brilho do forno. Eles comeram na sala, sentados juntos no
veludo laranja sofá. As folhas estavam deliciosas, recheadas com pão ralado e
queijo derretido na carne da alcachofra.
— Achei que poderíamos comer pipoca com alho e parmesão para a
sobremesa — disse Stella. — E então uma maratona de filmes. Quaisquer
que você quiser.
— Isso soa excelente — disse mina. — Mas eu quero falar sobre como
vai ser conosco. De agora em diante, quero dizer. Com treinamento
médium... e com todo o resto.
— Evelyn recusou trabalhar comigo — Stella disse cuidadosamente.
Mina não estava surpresa.
— Estou mais disposta do que ela. Mas eu não quero voltar a ser como as
coisas eram antes. Acho que não consigo.
— Bem, o que você quer? — Stella perguntou a ela.
— Eu adoraria falar com o resto da nossa família — disse Mina. —
Acredito que, embora minha marca de dólar de areia tenha desaparecido,
meu vínculo com Annette moldou a maneira como me comunico com os
fantasmas. Eu não preciso de um foco de vidência. Já estou sintonizado com
os mortos. Espero que, se tiver acesso a mais mídias, possa encontrar algumas
dicas de como lidar com esse tipo de conexão.
Stella olhou para ela gravemente.
— Eu suspeitava disso — disse ela. — Dominic e eu já entramos em
contato com eles sobre a situação de Sergio. Não tenho certeza se eles vão
nos ouvir, mas se eles responderem, eu vou colocar você em contato com
eles.
Mina assentiu.
— Isso soa bem. E eu… eu quero que você me escute, mãe. Responda
minhas perguntas. Para onde vamos a partir daí, eu não sei.
— Vou tentar o meu melhor —, disse Stella.
Não foi perfeito. Mas foi um início.
Mina sempre soube que Stella a amava mais do que tudo no mundo.
Agora, ela se perguntava se sua mãe a amava o suficiente para mudar.
Ela queria acreditar que podia.
***
O Basic Bean estava fechado. Tinha sido um longo dia de calor opressivo de
agosto, e Mina tinha visto cliente após cliente pedir algo gelado e calmante
para afastar a umidade. Ela mexeu a bebida – tinha sido por conta da casa –
enquanto observava Evelyn ir e vir atrás do balcão em um turbilhão de
energia, ligando para os clientes e devolvendo os pedidos para Kenny e Amy.
— O que você acha? — Luisa perguntou de seu assento do outro lado da
mesa. Mina passou as fotos em seu telefone. Os dois haviam passado a tarde
na casa dela, encenando uma sessão de fotos com a Coleção Zanetti antes de
irem se encontrar com os outros. Luisa estava incrível no macacão, enquanto
Mina vestia timidamente as calças largas. Ela olhou para seu rosto com
surpresa – ela parecia hesitante, mas feliz.
— Eu acho que elas estão perfeitas — disse ela. — Mal posso esperar
para fazer o resto.
— Amy já pediu para modelar aquela jaqueta nova em que você está
trabalhando. Ela diz que vai fazê-la parecer uma pirata gótica.
— E isso é uma coisa boa?
— Vindo dela, isso é um grande elogio.
— Bem, tudo bem, então — disse Mina. — Eu posso tirar suas medidas
hoje, se ela quiser.
As duas haviam se unido – Luisa queria tirar fotos para enviar como seu
portfólio para um estágio de fotografia na cidade, e Mina precisava das fotos
para poder finalmente começar a divulgar seu trabalho nas redes sociais. Não
estava nem perto de começar a ser vendido, mas ela queria divulgar. Ela se
comprometeu a criar tudo com materiais de segunda mão, tanto quanto
possível. Era melhor para o meio ambiente e um desafio legal com cada
roupa.
Enquanto trabalhavam juntas, Luisa confessou a Mina que tinha uma
página secreta de fotografia com mais de vinte mil seguidores, mas tinha
vergonha de compartilhá-la.
— Confie em mim — Mina disse a ela. — Vale a pena dizer aos seus
amigos com o que você se importa.
O turno dos outros terminou, e eles se amontoaram ao redor da mesa.
Mina acabou espremida entre Kenny e Evelyn, que agarraram a mão dela e a
apertaram de forma tranquilizadora.
— Você está pronto para o meu show hoje à noite, certo? — Amy
perguntou, inclinando-se sobre a mesa.
— Mina? — perguntou Evelyn.
— Não sou bom com multidões, mas vou tentar.
— Nem nós — Luisa disse. — Mas a banda é muito boa.
— Eles são — Kenny confirmou. — Eu tenho ajudado eles a gravar um
EP.
Evelyn havia dito a Mina que Kenny gostava muito de podcasts, mas
aparentemente ele também gostava de engenharia de áudio. Mina estudou
todos eles e se perguntou como foi que eles a aceitaram tão prontamente
quando ela era uma total estranha. Mas eles também aceitaram Evelyn, e a
tarde de Mina com Luisa parecia tão... fácil.
Se ela queria proteger Cliffside Bay, ela precisava fazer parte disso, assim
como Evelyn. O que significava que ela precisaria construir uma
comunidade em seu próprio caminho, com seus próprios objetivos. Na
verdade, tentar fazer amigos parecia um bom primeiro passo.
Os outros começaram a fazer as malas, falando animadamente sobre o
show que estava por vir. Mas Kenny ficou para trás. Ele limpou a garganta e
ajustou os óculos de aro de tartaruga.
— Hum, ei — disse ele. — Há algo que eu sempre quis perguntar a
você. Espero que não seja muito estranho.
— Se for muito estranho, eu vou te dizer — disse Mina.
— Ok. Bem... sua família. Sabe aqueles rumores de que você é meio...
bruxa? Quão verdadeiros eles são?
Mina se permitiu um sorriso lento e autoindulgente.
— Você acreditaria em mim se eu dissesse que eles são?
Kenny engoliu em seco, parecendo abalado. Mina poderia dizer que ele
não tinha absolutamente nenhuma ideia se ela estava brincando.
— Você quer uma carona ou não? — chamou Amy. — Peguei
emprestado o carro do papai.
— Bem? — Evelyn perguntou, mas Mina sabia que ela estava
principalmente perguntando a ela. — Você está vindo?
— Sim — disse Mina. E o sorriso de Evelyn tornou impossível para ela
não sorrir de volta.
Capítulo trinta e sete
D ESSA VEZ, OS MORTOS vieram chamando ao pôr do sol. Mina sentiu que a
puxavam da sala de estar, onde ela e Stella estavam sentadas à luz de
velas, experimentando uma variedade de aperitivos de seu cardápio
atualizado.
— Você sente isso? — ela perguntou à mãe, pousando uma colherada de
ravióli caseiro.
Stella assentiu, sua mão se movendo automaticamente para seu novo foco
de vidência.
— Eles estão aqui.
Mina olhou para o lugar em seu pulso onde a marca do dólar de areia
estava. A luz verde azulada pulsava sob sua pele, e vozes murmuravam em sua
mente. Ela agarrou o novo colar de proteção que Evelyn tinha feito para ela
de um frasco de vidro cheio de água do oceano, então se aprimorou nos
espíritos que ela estava tentando ouvir. Era algo que eles estavam trabalhando
juntos como uma forma de manter as habilidades de Mina sob controle. Eles
ainda estavam testando, mas Mina sabia que esses espíritos não lhe faziam
mal.
— Eles estão prontos — disse ela.
— Bom. — Estela hesitou. — Eu suponho que vocês duas vão querer
cuidar deste por conta própria.
— Sim.
— Você sabe que estou aqui se precisar de ajuda, no entanto.
— Eu sei — disse Mina. — Mas não vamos.
Ela abriu as costas da porta e pisou na varanda enquanto a luz azul
brincava suavemente ao redor das veias em seu pulso. Seu telefone começou
a tocar, e ela o levou ao ouvido, sorrindo ao som familiar da voz de Evelyn.
— Encontre-me na praia — disse Mina.
As escadas não pareciam tão traiçoeiras quanto no início do verão,
embora ainda estivessem crocantes de sal. Ela tirou as sandálias. No momento
em que pisou em Sand Dollar Cove, sua respiração ficou um pouco difícil.
O dano causado por seu ferimento na cabeça e quase afogamento foi
praticamente curado, mas seus pulmões ainda doíam se ela fizesse muita
atividade física.
Não demorou muito para Evelyn se juntar a ela na praia, vestindo shorts,
uma camiseta curta e uma flanela amarrada na cintura. Ela correu até Mina e
a envolveu em um abraço, então plantou um beijo em sua clavícula. Ela
começou a fazer disso um hábito. Mina apontou várias vezes que seus lábios
estavam disponíveis, e Evelyn respondeu fazendo um grande show de sua
diferença de altura e o quanto ela tinha que se esticar para alcançá-los.
— Os sacrifícios que faço por garotas bonitas — ela declarou
dramaticamente, enquanto Mina tentava e falhava em não rir.
— Está pronta? — Evelyn murmurou agora, sua respiração suave contra
o ombro de Mina.
Mina beijou o topo de sua cabeça.
— Agora eu estou.
Não havia muito o que fazer quando eles usaram o oceano como uma
tigela premonitória. Ainda havia velas – uma barreira entre os vivos e os
mortos, cada uma colocada na areia. Mas o sal na água parecia funcionar bem
por si só agora. Os itens pessoais do Trio de Cliffside foram perdidos junto
com a comunidade centro, mas Mina sabia que não importaria. Luzes azuis
já haviam aparecido no horizonte, balançando e mudando nas ondas como
pedaços de detritos. Esses fantasmas haviam esperado até a lua nova, mas
estavam prontos para partir agora.
Nick chegou exatamente quando eles estavam acendendo as últimas
velas.
— Havia tráfego — disse ele apressadamente.
— Nós não teríamos começado sem você — disse Mina.
— Obrigado. — Os olhos dele desviado para o oceano. — É aquele…
— Sim — disse Evelyn. — Você vai ficar bem?
— Quero dizer, não — disse ele com a voz rouca. — Mas também sim.
Isso faz sentido?
Fazia, pelo menos para Mina.
Eles mal passaram por uma rodada de cânticos antes que os fantasmas
começassem a se materializar. Eles chegaram todos juntos, suas formas verde
azuladas flutuando nas ondas. Tamara, Colin e Jesse – pela última vez. A luz
laranja ainda piscava nas bordas dos espíritos, mas não havia mais dólares de
areia sobre seus olhos.
Nick soltou um gemido suave ao ver seu irmão. Mina colocou uma mão
calmante em seu ombro. Depois do que ele fez para ajudar os dois, um
pouco de conforto parecia o mínimo que ela podia fazer.
— Vocês estão prontos? — ela perguntou aos fantasmas. Eles assentiram.
Mina entrou na arrebentação, Evelyn ao lado dela. Ela estendeu a mão e
tocou a mão de Colin. No momento em que seus dedos se tocaram, ele
começou a se desintegrar, a luz azul se derramando sobre as ondas. À sua
esquerda, ela viu que o espírito de Tamara estava fazendo o mesmo. Logo só
restou Jesse, olhando direto para Nick.
— Vá em frente — disse Mina gentilmente, virando-se. — Você pode
dizer adeus.
Ela e Evelyn recuaram, e Nick deu um passo à frente. Ele estava
chorando abertamente agora, fungando; as palavras que ele falou eram suaves
e sufocadas, muito baixas para Mina ouvir sobre a arrebentação. Ela estava
grata por isso. Este momento pertencia apenas a Nick e Jesse.
— Ok — ele disse finalmente, sua voz falhando. — Estou pronto.
Ele deu um passo para trás. Mina e Evelyn deram um passo à frente.
Juntos, eles alcançaram as mãos estendidas de Jesse, e quando ele se derreteu
nas ondas, ele o fez com um sorriso.
Quando ele se foi, a praia parecia estranhamente vazia. Nick se
desculpou rapidamente, explicando que sabia que isso seria difícil para ele e
precisava processar isso em particular.
A maré subiu suavemente na praia enquanto ela e Evelyn limpavam,
ambas ainda com os olhos um pouco turvos. A lua estava nova esta noite, e o
céu escuro e pacífico parecia um fim e um começo ao mesmo tempo.
— Está feito agora — Evelyn disse depois que as velas foram guardadas.
— É estranho que eu continue me preparando para o que quer que aconteça
a seguir?
— Acho que não — disse Mina. — Eu tenho feito o mesmo.
Haveria mais fantasmas. Talvez mais demônios também. A linha entre a
vida e a morte diminuiria e fluiria como as marés, mudando de maneiras que
exigiam adaptação. Mas ela tinha Evelyn agora. Ela tinha as falésias e a praia,
as estrelas piscando para Sand Dollar Cove, a lua que, embora invisível, ainda
parecia estar observando-os de seu poleiro impossivelmente alto no céu.
— Espere — Mina disse, virando-se para Evelyn. — Antes de irmos para
casa, há algo que eu quero fazer.
Ela já havia tirado os sapatos, mas agora ela tirou o cardigã fino e o jogou
na areia. Seu short e regata com babados ficariam sal sobre eles, mas isso
realmente não importava. Mina sabia que isso poderia ser perigoso. A
maioria dos destroços havia sido retirado da água, mas ainda havia uma
chance de machucá-la. E pode haver espíritos hostis esperando por ela sob as
ondas.
Mas sempre haveria perigo. E Mina acabou sucumbindo ao medo.
Ela entrou na rebentação, pulsando no ritmo das ondas quebrando. E
então ela mergulhou na água, sal ardendo em seus olhos, o som fresco e
refrescante contra sua pele. Quando ela voltou, Evelyn estava rindo tanto que
ela estava dobrada.
— Você sempre me surpreende — ela conseguiu engasgar, desamarrando
sua flanela. — Agora espere.
O pulso de Mina brilhava sob a água quando Evelyn entrou, uma
pequena lanterna azul, mas ela não ouviu vozes em sua cabeça além da dela.
O oceano em sua mente voltou à vida. Por muito tempo, Mina temeu
essa sensação, mas agora ela acolheu a onda de emoção. Ela não teria mais
medo de mergulhar nele.
E ela não iria afundar. Ela não se afogaria.
Ela nadaria.
Agradecimentos