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Aviso de conteúdo
por thb

Este livro apresenta personagens principais da comunidade lgbtq+, e conta


com a trope literária de friends to lovers, enemies to lovers e forced proximity. Este
livro aborda problemas familiares, há menções de assassinatos e acidentes,
além de conversas sobre entidades, como fantasmas. Este livro pode conter
conteúdo sensível para alguns leitores, sendo recomendado para maiores de
idade ou para aqueles que se sintam confortáveis com esses temas.
Conteúdo
Capa
Página de título
Dedicatória

Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito

Agradecimentos
Para minha avó Carmella Parrinello, que me ensinou tudo o que sei sobre o Som, a comida
italiana e o aproveitamento do tempo que tem.

Eu sinto sua falta.


Capítulo um

D ESSA VEZ, OS MORTOS vieram chamando no meio da noite.


Mina Zanetti estava esperando que eles contatassem sua mãe por
horas, trabalhando em seu último design de vestido para que ela não
adormecesse.
As velas acesas no peitoril da janela de Mina lançavam uma luz fraca e
trêmula sobre as roupas descartadas e os tecidos espalhados pelo chão do
quarto dela. Mina estava sentada no canto, olhando para Regina – seu
manequim – que estava encoberta em seu atual projeto de alfaiataria.
Ela não esperava que sua mãe demorasse tanto. Mas se ela não ia dormir,
ela poderia muito bem trabalhar.
— Quase — Mina murmurou, desfazendo uma série de pontos de
alinhamento com seu abridor de costura. Ela passou os últimos dias tentando
executar um padrão para um vestido mídi com decote alto, mas não deu
certo. E era mais fácil se concentrar em sua tentativa de design falho do que
considerar o que ela estava esperando.
Porque não era seu trabalho que a preocupava agora. Era a mãe dela.
Mina vinha pedindo para ser incluída na carreira de Stella desde que se
lembrava. Não o negócio de buffet italiano-americano que sua mãe
comandava em seu aconchegante bangalô em Cliffside Bay – seu outro
trabalho. Seu verdadeiro trabalho.
A maioria dos Zanetti’s tinha algo extra, uma conexão com os espíritos
que podiam nutrir ou ignorar. Os mortos chamavam sua família, e sua
família respondia, guiando fantasmas deste mundo para o que viesse a seguir.
Mina tinha visto em primeira mão como esse trabalho ajudava tanto os vivos
quanto os mortos, mantinha o pequeno canto de Long Island equilibrado.
Ela não queria nada mais do que seguir os passos de sua família.
Mas Stella parecia ter outras ideias.
Mina levantou a cintura do vestido cerca de 3cm, pensando em como
seu batom favorito e sandálias plataforma combinariam com o tecido creme.
Visualizar a peça finalizada a acalmou enquanto se preparava para as
negociações que teria que passar para ser incluída esta noite.
Ela estava determinada. Ela estava pronta. Ela esperou o suficiente.
Levou anos de súplica e várias apresentações em PowerPoint
artisticamente construídas para Stella até mesmo considerar deixar Mina
entrar no negócio da família. Mas nos últimos seis meses, ela lentamente
começou a ceder. Mina sentou- se pacientemente durante palestras sobre o
fluxo e refluxo dos mortos ao lado das marés e da lua, e a ética de ser
médium, mesmo tendo absorvido tudo isso via osmose anos atrás. Ela tinha
sido uma aluna modelo. Sua paciência foi recompensada no início de maio,
quando Stella finalmente prometeu levar Mina na próxima vez que ela saísse
em campo.
Mas quando maio se transformou em junho, Mina percebeu que era uma
promessa que sua mãe não tinha intenção de cumprir. E foi por isso que ela
decidiu que ia fazer acontecer pelas próprias mãos.
À 1h57 da manhã, passos suaves e cuidadosos soaram na frente de seu
quarto, fizeram uma pausa e continuaram pelo corredor. Mina abriu a porta
e chamou sua mãe, que congelou antes de se virar relutantemente.
— Oh, minha conchinha — Stella Zanetti sussurrou, acendendo a luz do
corredor.
Ela teve Mina quando estava no último ano da faculdade. Dezesseis anos
depois, as duas pareciam mais irmãs do que mãe e filha: duas mulheres
brancas com o mesmo queixo pontudo, um pequeno espaço entre os dentes
da frente e uma marca abaixo dos olhos esquerdos. Mas enquanto o cabelo
de Mina era loiro descolorido e quebradiço, o de sua mãe era escuro,
ondulado e impossivelmente longo, caindo quase até a cintura. Mina notou
com satisfação sombria que o rosto familiar de sua mãe, tantas vezes
guardado, estava retorcido pela culpa.
— Você esperou por mim, não é?
— Você prometeu me levar com você — disse Mina. — Mas você não ia
me acordar de jeito nenhum.
— Bem, não, eu não iria — Stella disse hesitante. — Eu pensei…
Ela pensou que Mina não estava pronta. O pulso de Mina doeu, um
ferimento antigo, um erro antigo, mas ela se recusou a recuar. Isso era uma
história antiga agora.
— Você achou que eu me esqueceria que os mortos são impossíveis de
ignorar esta noite? Aprendi as fases da lua antes de aprender o alfabeto.
— Isso é um pequeno exagero. — Mina estava tentando fazer uma piada.
Mas a resposta de sua mãe soou cuidadosa, quase cautelosa.
Mina passou a vida inteira estudando o humor e os hábitos de Stella. Ela
era a única pessoa no mundo que entendia o sistema de organização de Stella
com a sua prateleira de temperos. Que segurou sua mão enquanto ela falava
com um advogado ao telefone sobre começar sua própria empresa. Quem
sabia exatamente como tinha sido o dia de trabalho de Stella pela forma
como ela arrumava os sapatos na porta da frente. A única coisa que ela não
entendia sobre sua mãe era a resistência de Stella em incluí-la nesta parte de
sua vida, quando ela sempre foi incluída em todo o resto.
— Por favor — Mina disse fracamente.
Quando Mina perguntou anos atrás como sua mãe descobriu seus
talentos, Stella disse:
— Um fantasma me chamou quando eu era jovem e eu respondi. E uma
vez que você começa a falar com os mortos, você não pode parar. Não é
algo que você pode ligar e desligar sempre que quiser – é para sempre.
— E se eu quiser que eles falem comigo? — Mina perguntou, e Stella
fez um barulho baixo e assustado e sacudiu a cabeça. O olhar que ela tinha
em seu rosto era o mesmo que ela usava agora.
Mina se preparou para outra rejeição..., mas para sua surpresa, a expressão
de Stella mudou, como uma nuvem flutuando para longe da lua.
— Você pode vir — disse sua mãe finalmente. — Mas precisamos nos
apressar. Os mortos estão mais barulhentos do que o normal esta noite.

***
Um lance de escadas frágil atrás de sua casa levava do penhasco para a praia
abaixo. Mina seguiu sua mãe para baixo, seus passos cautelosos nas frágeis
tábuas de madeira. No momento em que seus sapatos tocaram a costa, sua
mãe já havia entrado nas ondas. Ao contrário de Mina, que optou por
leggings e botas impermeáveis, Stella usava uma roupa altamente impraticável
para falar com os mortos – um vestido maxi esvoaçante e sua faixa cor opala
favorita entrelaçada em seu cabelo escuro.
Eles estavam em Sand Dollar Cove, uma faixa de areia em forma de lua
crescente na costa norte de Long Island. A maré estava alta o suficiente para
engolir a maior parte da costa, deixando nada além de uma estreita faixa
repleta de rochas e conchas quebradas entre o penhasco e o mar aberto. A lua
cheia brilhava no céu, uma grande e brilhante esfera que lançava uma luz
tênue sobre a praia. Era uma visão pacífica e idílica, ainda assim, Mina não
conseguiu reprimir um estremecimento ao olhar para trás, onde uma caverna
se abria nas rochas como uma mandíbula desequilibrada. Três calouros do
ensino médio foram encontrados mortos naquela caverna seis anos atrás.
Tinha impedido a maior parte da cidade de ir para lá. Mas isso não
impediu Stella Zanetti de usar Sand Dollar Cove para se comunicar com
espíritos.
— Aí está você. — Stella parecia a médium que era, alta e real nas ondas,
tão etérea e inacessível a inteligência humana, como os espíritos que ela
guiou da terra para seu local de descanso final. — Lembre-se de ficar na
praia. Não quero você exposta ao oceano até que esteja pronta.
Mina sufocou a decepção. A água salgada era o principal canal de
comunicação de sua família com os espíritos – as correntes oceânicas
tendiam a atrair os fantasmas para a costa da mesma forma que lavou
emaranhados de algas na areia. Se ela não estivesse no mar, eles não a
notariam.
— Mas eu estou pronta — ela disse, tentando manter o desespero fora de
sua voz.
— Eu preciso que você confie em mim — disse Stella. — Você pode
fazer isso?
O pulso de Mina doeu novamente. Ela olhou para a pele lisa e imaculada
ali, lembrando-se da única vez em que decepcionou Stella. Mas talvez uma
vez fosse o suficiente. Talvez aquilo fosse a verdadeira razão por trás da
resistência de sua mãe em ensinar Mina a ser médium.
Então Mina se afastou da arrebentação, engoliu sua decepção e se forçou
a sorrir. Porque ela teve sorte de estar nesta praia.
— Sim, eu posso. E agora?
Stella gesticulou para a praia atrás dela em resposta.
— Velas – você vai colocá-las?
— É claro.
Havia vários tipos diferentes de convocações de espíritos. Stella estava de
boca fechada sobre as implicações da maneira como cada um deles variava,
mas Mina sabia que, ao usar o oceano para se comunicar com fantasmas, era
importante criar uma barreira simbólica entre o mundo dos mortos e o dos
vivos. Uma pequena fileira de velas na costa superior funcionaria bem.
Quando Mina terminou, ela ficou atrás da barreira bruxuleante e esperou.
Stella agradeceu gentilmente, então alcançou o foco de vidência em volta
de seu pescoço. Nas mãos de outra pessoa, era apenas um pingente de vidro
barato em forma de diamante de lavanda. Mas na dela, era muito mais. Os
espíritos tinham um oceano inteiro para se comunicar. No entanto, toda
aquela água, toda aquela energia, era esmagadora. Os médiuns precisavam de
uma âncora para se ancorar, para manter seus poderes canalizados e focados.
— Agora, eu trabalho e você assiste, tudo bem?
Mina assentiu com relutância.
— Tudo bem.
Ela observou cuidadosamente da praia enquanto sua mãe puxava o
pingente sobre sua cabeça, seus dedos apertados firmemente ao redor do
vidro roxo, e se virava para a água. Quando Stella abriu a mão alguns
segundos depois, o foco de vidência brilhou azul em sua palma. Ela se
ajoelhou e mergulhou o pingente no mar. Sua luz profunda, como cobalto
se espalhou da mão de Stella para a água, brilhando como bioluminescência
sob as ondas. Um pequeno caminho cruzou a superfície, e na borda do
horizonte, chegando mais perto deles, Mina viu um brilho de resposta. Era
translúcido e fraco, uma pequena bola concentrada de luz azul.
— Eu estou vendo — Mina sussurrou, sua voz suave com admiração. —
Isso é um espírito, certo?
— Sim. — O desconforto em Stella voz se aprofundou. Sua mãe se
levantou, o pingente ainda brilhando em sua mão. A água salgada pingava das
pontas de seu cabelo e encharcava seu vestido, mas ela não parecia se
importar. — Eles estão se aproximando agora.
A água ondulava sob a luz enquanto se movia em direção a eles, guiada
por uma onda suave. A bola se expandiu à medida que se aproximava,
torcendo-se em uma forma humanoide que pairava sobre o mar. Mina sentiu
algo crescendo dentro dela, zumbindo sob sua pele. Isso a puxou para o
brilho quente e calmante do espírito.
Essa atração, essa conexão, foi o que Mina veio encontrar. Ela queria se
comunicar com um espírito, e como eles eram mais fortes durante as luas
cheia e nova, ela sabia que essa seria sua melhor chance. Mina entendeu que
alguns considerariam falar com os mortos mais como uma maldição do que
um presente. Mas ela era uma Zanetti e, embora esse trabalho não fosse fácil,
ainda era um que ela queria.
Stella estava mergulhada até a cintura no oceano agora, perdida em
concentração. Outra onda de luz sangrou de seu foco de vidência e circulou
pela água, fluindo suavemente em direção ao espírito.
Não havia ninguém observando Mina, exceto as ondas e o céu nublado
acima delas.
Ninguém para lhe dizer não.
Então ela passou por cima da linha de velas e entrou na arrebentação,
aquela atração ainda surgindo através dela, e se ajoelhou.
No momento em que sua pele fez contato com o oceano, o zumbido em
seu peito se intensificou. Ela ouviu um ruído suave e farfalhante, como o
som que uma concha fazia quando ela a levava ao ouvido. A água batia
suavemente em sua mão, e um familiar brilho azul-esverdeado começou a se
espalhar das pontas dos dedos de Mina.
— Uau. — Mina olhou para a luz enquanto ela se espalhava de sua mão,
gavinhas espiralando na água como dedos alongados. Ela sentiu admiração e
orgulho e um alívio profundo e maravilhoso.
— Mina! — A voz de sua mãe era afiada. — O que você está fazendo?
Mina ergueu a cabeça. O espírito pairava talvez a dez metros de distância
agora. O brilho deles iluminou completamente o pânico no rosto de Stella.
— Eu… — Mas Mina não tinha explicação, nenhuma desculpa, exceto
que ela queria isso tão desesperadamente. Certamente Stella poderia
entender isso.
— Saia do oceano. — Stella foi em direção a ela, agarrando seu foco de
vidência como se quisesse destruí-lo. Seu rosto estava frouxo de medo. —
Não me faça dizer isso de novo.
E foi exatamente nesse momento que Mina sentiu outra coisa. O
zumbido ficou mais alto, crepitando sob sua pele como eletricidade. Mina
sentiu o cheiro de sal e salmoura com uma ponta de podridão, tão forte que
quase se engasgou. O oceano surgiu contra seus joelhos, e o som surgiu com
ele.
O zumbido se desenrolou em um emaranhado de vozes distintas e em
pânico, como água espirrando dentro de seu crânio. Havia mais de um
espírito em Sand Dollar Cove, muito mais de um, e todos eles estavam
gritando. Foi um assalto agonizante de barulho que deixou Mina ofegante e
imóvel nas ondas.
Ela estava errada. Ela não estava pronta. Mas isso não importava mais. As
vozes rugiram enquanto aquele puxão através de seu corpo inteiro se
intensificou, um chamado, um anseio. Ela gemeu e forçou os olhos a
abrirem, procurando pelos espíritos, procurando por sua mãe. Mina olhou
para cima a tempo de ver a onda colidindo com ela, muito mais alto do que
seu corpo ajoelhado. Isso a fez rolar pelas ondas como uma concha errante.
A onda a derrubou de costas e encheu sua boca de água salgada. Mina se
virou, tossindo, e arranhou a areia rochosa. Foi mais difícil do que deveria ter
sido rastejar de volta para a praia, como se o próprio oceano a estivesse
agarrando com mil dedos minúsculos, recusando-se a soltá-la na praia. Mas
então Stella estava na frente dela, estendendo a mão. Mina agarrou-o e
escapou das ondas. Mãe e filha acabaram agachadas ao lado da escada que
levava de volta ao bangalô, naquele precioso pedaço de praia que permanecia
protegido da maré alta.
A onda destruiu completamente a barreira de velas de Mina. Uma dúzia
de velas de chá encharcadas espalhadas pelas rochas, suas minúsculas chamas
apagadas.
— Ah, Mina — Sussurrou Stella.
Suas mãos ainda estavam entrelaçadas. Os olhos de Mina examinaram a
água em busca de qualquer vestígio do espírito, mas eles se foram.
— Você está bem?
— Estou bem. — Mina engasgou, piscando para afastar o sal. O gosto do
oceano ainda permanecia em sua boca, e suas roupas estavam cobertas de
areia e algas marinhas. Embora fosse quase verão, ela estava tremendo – a
água estava fria e os ecos daquelas vozes ainda soavam em sua cabeça. Ela
sabia que a memória ficaria com ela por muito tempo. — Me desculpe,
mamãe. Eu não deveria–
— Está tudo bem. — Stella apertou sua mão. — Estou feliz que você
está segura. É por isso que eu não queria que você viesse aqui. Os espíritos
estão ficando cada vez mais fortes ultimamente – mesmo com um foco de
vidência, nem sempre consigo controlá-los. Mas eu não tinha ideia de que
eles seriam tão perigosos esta noite.
Mina virou-se para o oceano, onde as ondas agora batiam calmamente na
praia. Não havia nenhuma evidência do pavor e horror que ela havia sentido
momentos atrás, e ainda assim permanecia dentro dela, pressionando contra
sua caixa torácica.
— Por que foi tão ruim esta noite?
A voz de sua mãe era sombria.
— Porque outra pessoa chamou um espírito.
Mina sabia que pessoas que não eram médiuns às vezes tentavam falar
com os mortos. A maioria deles procurava parentes ou amigos que não
podiam suportar a ideia de nunca mais ver. Mas Stella parecia nervosa com
isso de uma forma que não combinava com uma tentativa de convocação
amadora.
— Outro médium? — ela perguntou.
Estela balançou a cabeça.
— Eu nunca chamaria isso de trabalho de um médium. Alguém
convocou este espírito com o propósito expresso de dobrá-los à sua vontade.
Memórias se agitaram na mente de Mina. Um anel de sal. Velas se
apagando. Um grito agudo.
Havia outras razões pelas quais as pessoas queriam contatar os mortos.
Razões terríveis. Mina passou os últimos seis anos tentando esquecê-los.
— E você acha que é com isso que acabamos de lidar?
— Com certeza — Stella puxou Mina da areia. — Mas você não deve se
preocupar. Esse trabalho é chato, inexperiente. Seu tio e eu vamos lidar com
isso.
Ela começou a subir as escadas. Mina se virou para segui-la... e se
engasgou de dor.
Seu pulso esquerdo estava em chamas. Vozes surgiram em sua cabeça,
mais fortes desta vez, e o gosto de sal subiu em sua garganta mais uma vez.
Mina engasgou e se encolheu na areia, seus olhos lacrimejantes fixos na
marca que apareceu em seu pulso. Era um dólar de areia verde azulado do
tamanho de uma moeda de 25 centavos, e doeu de uma forma que ela só
havia sentido uma vez antes: a primeira vez que apareceu em seu braço.
Algo mexeu no fundo de sua memória, como uma criatura adormecida
por muito tempo no fundo do oceano acordando. E de repente ela tinha dez
anos de novo, olhando para Evelyn Mackenzie por cima de uma chama de
vela bruxuleante enquanto Mina sentiu algo atravessar à caverna na lateral do
penhasco, um sussurro que parecia forte o suficiente para quebrar seu crânio.
Seu pulso ardia de dor até que tudo o que restava era aquele mesmo dólar de
areia, gravado em sua pele.
Uma marca do espírito que ela e Evelyn convocaram – e o que pediram
ao fantasma para fazer.
— Mina? — A voz de sua mãe atravessou a névoa de alarde de Mina. —
Você vem?
Mina enfiou a mão no bolso do moletom e se moveu, lutando para
manter a voz calma.
— Apenas pensei ter visto algo na água.
Fazia muito tempo desde aquele dia. Mina assumiu que Evelyn tinha
esquecido o que elas tinham feito, bloqueando a convocação deles da mesma
forma que ela bloqueou toda a sua amizade. Seu pulso queimou no mesmo
ritmo das ondas quebrando atrás dela enquanto ela fazia uma promessa
silenciosa.
De uma forma ou de outra, ela garantiria que Evelyn Mackenzie
mantivesse seu segredo.
Capítulo dois
SETE HORAS ANTES

E VELYN MACKENZIE NÃO GOSTAVA de ser chamada de difícil.


Não por seu pai, que usava a palavra toda vez que Evelyn trazia para
casa um boletim medíocre ou acabava na detenção por dormir na aula depois
do período da manhã. Não por sua irmã, que sempre atendia seus
telefonemas com uma pontada de pavor na sua voz.
E, certamente, não por Nick Slater, seu namorado, que murmurou a
palavra acusadoramente quando Evelyn apareceu na casa dele depois de sua
audiência disciplinar com o conselho de honestidade acadêmica de Cliffside
High.
— Vamos, Evie — ele choramingou enquanto eles estavam no hall de
entrada, sob uma pintura a óleo de Nick, seu irmão e seus pais – quatro
pessoas brancas com olhos azul-gelo combinando, que pareciam querer estar
em qualquer outro lugar. O retrato provavelmente tinha custado mais
dinheiro do que a futura mensalidade da faculdade de Evelyn. — Por que
você tem que ser tão difícil? Não é como se eles estivessem expulsando você
ou algo assim.
Evelyn odiava quando ele choramingava.
— Vai para o meu histórico acadêmico permanente. O que significa que
as faculdades verão isso. E Cliffside High está notificando cada estágio de
verão que me inscrevi dizendo que trapaceei. Eu não posso acreditar que
você não lhes disse a verdade.
— Não teria mudado nada. Eles teriam apenas punido a nós dois.
— Mas foi ideia sua. — Biologia no segundo ano era a nota mais alta de
Evelyn e sua matéria favorita. Mas Nick estava tirando um C, e seu pai
ameaçou deixá-lo de castigo durante todo o verão se ele não tirasse pelo
menos um B- em todas as matérias.
Então ele pediu ajuda à namorada no exame final.
Evelyn não tinha certeza do que a deixou mais furiosa: que ela foi pega,
que Nick a deixou levar a culpa, ou que ela concordou, antes de tudo, em
roubar um gabarito.
— Já acabou, ok? — Nick disse, baixando a voz. — Vamos esquecer isso.
— Não, isso não acabou — disse Evelyn. — Mas nós sim.
E foi só mais tarde, depois que eles terminaram o relacionamento e ela
bateu os Slaters na porta de entrada atrás dela com toda a força de sua raiva
reprimida, que ela se perguntou o que isso significava. Ser difícil.
Talvez, ela pensou, sufocando as lágrimas enquanto deslizava seu skate
longboard na calçada e prendia o capacete sob o queixo, difícil era apenas uma
palavra que as pessoas usavam para alguém muito inteligente, muito zangado,
muito inconveniente.
Cliffside Bay era o tipo de subúrbio de Long Island onde as casas
pareciam que um arquiteto havia praticado em cada deles, tornando-se mais
habilidoso à medida que avançava. Nick morava em uma das imponentes
mansões modernas no topo do penhasco que dera nome à cidade. Então
Evelyn deixou o impulso levá-la por toda a encosta até chegar às ruas nos
limites da cidade, ladeadas por casas de madeira velhas e quintais marrons. Ir
para lá direto quando tinha acabado de sair da casa de Nick fazia sua casa
parecer ainda mais merda do que o normal, fazia o nó em seu estômago
dobrar de tamanho.
Evelyn parou quando a rua pavimentada deu lugar ao seu caminho de
cascalho. Ela pegou seu longboard e pisou nos degraus da frente, parando
apenas para abrir a porta destrancada.
Seu pai estava ocupado se tornando um só com sua poltrona reclinável na
sala de estar, olhando atentamente para o brilho da tela da TV. As cortinas
atrás dele não tinham sido abertas ou espanadas nos três anos desde que
Meredith foi para a faculdade.
— Hambúrgueres vegetarianos para o jantar? — ela perguntou, em vez
de dizer olá.
Greg Mackenzie piscou para ela como se ela fosse uma alienígena. Seu
pai era um cara branco de meia-idade com a pele prematuramente danificada
pelo sol de um homem que passou a maior parte de sua vida ao ar livre.
Agora, o mais próximo que ele chegava da natureza era o Discovery
Channel.
— Claro — disse ele, após um momento de hesitação. — Use menos
carvão desta vez, no entanto – não quero os vizinhos enchendo o saco de
novo.
— Os Kowalskis fazem uma briga todo fim de semana, pai. Eles podem
lidar com algumas marcas de queimadura.
— Você colocou fogo na cerca deles, guria. Você tem sorte que eles não
nos processaram.
— Tudo bem — Evelyn murmurou. — Pizza de microondas então.
Ela subiu as escadas, aliviada. O tom dele estava muito tranquilo pra
alguém que já soubesse de algo sobre a audiência disciplinar. Ele foi
convocado, é claro, mas ela descobriu sua senha do e-mail e sua senha de
telefone anos atrás – ele mal conseguia trabalhar sem a ajuda dela. E não era
como se Cliffside High fosse falar com sua mãe. Mas deletar as mensagens da
escola só estava ganhando tempo antes da inevitável decepção, porque não
havia como ela esconder isso de seu pai para sempre.
O quarto de Evelyn era pequeno e aconchegante, com uma coleção de
plantas amontoadas no peitoral da janela, paredes azuis-escuras que ela
mesma havia pintado e uma colcha de flanela estampada. Um letreiro de
neon em forma de nuvem – um presente de aniversário de Meredith –
pendurado acima das cobertas bagunçadas.
Ela largou o capacete e a mochila no chão, depois foi para o terrário ao
lado seu armário, onde sua cobra-do-milho, Clara, estava enrolada em seu
couro favorito.
Nick sempre odiou Clara. Ele achava a coisa toda de répteis como bichos
de estimação assustadora, não conseguia entender por que Evelyn trabalhava
em turnos extras no Pet Shop Scales & Tails por um verão inteiro só para
adotá-la e dar a ela o lar perfeito.
— Deveria saber que ele era um idiota — Evelyn disse a sua cobra.
Ela escolheu acreditar que Clara estava levantando o focinho amarelo e
branco em solidariedade, embora Evelyn soubesse que seu animal de
estimação provavelmente estava com fome. Ela deveria se alimentar amanhã.
No que diz respeito ao término, Evelyn sabia que ficaria bem. Sim, Nick
tinha sido seu namorado nos últimos quatro meses, mas não era como se ela
o amasse. Isso não era nada que alguns vídeos fofos de répteis não
resolvessem.
O problema maior aqui era seu histórico acadêmico manchado.
A bile subiu pela garganta de Evelyn enquanto ela pensava em como a
notícia de sua trapaça se espalharia pela escola. Ela não era exatamente
popular, mas também não era como se fosse uma ninguém. O envolvimento
de seu pai no afogamento do último verão deu a ela uma espécie de
notoriedade, como uma faca de dois gumes, que a fez ser convidada para
festas. E namorar Nick, para melhor ou para pior, fez as pessoas se
lembrarem dela por algo além de seu sobrenome. Mas ela não tinha amigos
de verdade, nenhuma rede de apoio que parasse os rumores sobre o que
havia acontecido na prova final de biologia... ou o fato de que isso iria
aparecer no seu histórico quando fosse se candidatar para entrar na faculdade.
Evelyn escavou sua cama bagunçada procurando pelo laptop e abriu o
site da Sociedade de Pesquisa e Conservação da Vida Selvagem Costeira de
Long Island. ela tinha se inscrito para um monte de atividades de verão em
Long Island, mas este era perfeito para ela: dois meses acompanhando
cientistas reais enquanto eles monitoravam as populações de espécies locais
em habitats protegidos à beira-mar. Ela já tinha se saído bem na entrevista e
estava esperando para ouvir um retorno sobre a decisão final.
Mas assim que descobrissem que ela havia trapaceado no exame, nunca
mais a contratariam. E isso era apenas o começo.
A faculdade era sua saída de Cliffside Bay para sempre. Mas depois que
Meredith saiu e Evelyn assumiu um segundo emprego, suas notas começaram
a cair. Isso combinado com um histórico disciplinar confuso e a falta de
atividades extracurriculares de prestígio, e os objetivos pelos quais Evelyn
trabalhou meticulosamente por anos iriam desmoronar.
Ela não podia deixar Nick Slater tirar seu futuro.
Evelyn empurrou o laptop de lado e saiu da cama, vasculhando as caixas
enfiadas debaixo da cama até encontrar o que estava procurando. Estava
cheio de evidências de uma amizade que ela não conseguia esquecer – uma
concha quebrada pendurada em um colar, anotações que preenchiam todos
os lados das folhas soltas amareladas. Ela parou em uma foto desbotada de
duas meninas brancas minúsculas posando atrás de um castelo de areia.
Evelyn era a da esquerda, no meio de um grito, embaçada por sua decisão de
pular quando seu pai disse ‘fique quieta’. Mina Zanetti estava à direita. Ela
tingiu o cabelo agora, mas o rosto sob sua franja marrom escura ainda era
inconfundivelmente dela. Solene. Cuidadoso.
Evelyn suspirou e largou a foto, afastando a familiar pontada de dor. Ela
estava procurando por uma coisa em particular. Estava escondida no fundo da
caixa, dentro de uma velha pasta escola estampada com desenhos de gatos e
cachorrinhos. A página estava escrita com a caligrafia de uma criança, uma
cópia de anotações feitas por alguém muito mais velho.
No início era uma mensagem curta, sublinhada nitidamente.
Tem certeza de que quer tentar isso?
Depois do que aconteceu na primeira e única vez que ela e Mina
conversaram com os mortos, Evelyn aceitou que era perigoso. Que esse
poder não era dela para usar, em vez disso, pertencia à garota que lhe deu
aquele feitiço primeiro. Uma garota que provavelmente a desaprovaria
usando termos como feitiço ou magia.
Mas esta noite parecia diferente. Cliffside Bay tinha tirado demais.
Ela tinha que fazer isso acabar. Ela não falharia. Não havia outra opção.
Evelyn examinou o papel, suas mãos tremendo tanto, que ela temeu que
fosse capaz de rasgá-lo.
Como Invocar um Espírito para Fazer Seus Desejos
A lista de instruções era bem curta para um feitiço que prometia usar a
energia de um espírito para qualquer propósito. Mas o primeiro item a fez
parar.
Localização necessária: um local de grande dor para você ou seu alvo, após o pôr do sol,
durante a lua cheia ou nova. Um cemitério servirá.. É uma fábula arcaica que os espíritos só
saem à noite, mas é mais provável que apareçam a partir do anoitecer. E a escuridão irá
encobri-los de olhos curiosos que não são os que você procura.
— Não sei se isso é uma boa ideia — disse ela a Clara.
Sua cobra sacudiu a língua em resposta. Evelyn poderia jurar que viu um
aviso em seus olhos vermelhos e sem piscar.
Mas uma parte de Evelyn já havia tomado a decisão quando ela puxou a
caixa de debaixo da cama. Ela não tinha usado esse feitiço quando sua mãe
os deixou, ou quando Meredith foi para a universidade, porque forçar
alguém a ficar, parecia muito egoísta. Mas era de Nick o egoísmo que a
trouxe aqui. E pela segunda vez, Evelyn entendeu como era precisar de algo
grande como o tipo de fervor intenso, que consumia tudo, que se sobressaia
sobre todo o resto. Ela tinha certeza de que, se seguisse essas instruções,
convocaria um espírito novamente.
Ela empurrou o resto dos itens da lista em sua mochila: o moletom de
futebol do time do colégio de Nick. Um isqueiro e três velas pequenas. Um
saleiro. Uma tigela.
O último item da lista era uma faca. Evelyn roubou o canivete carmesim
de seu pai do seu esconderijo na parte de trás de sua mesa e o enfiou
cuidadosamente no bolso do moletom. Ela o queria perto, apenas por
precaução.
— Vou fazer o jantar quando voltar — ela gritou para ele enquanto
corria em direção à porta da frente. Ele grunhiu em resposta.
Seu longboard perseguiu o sol poente em direção ao horizonte enquanto
ela dava a volta na base da colina e deslizava em direção à água.
As encostas maciças de rocha marrom que deram seu nome a Cliffside
Bay (baia do penhasco) se curvavam para dentro apenas o suficiente para
permitir ocasionais bolsões de costa rochosa e ondas batendo. Sand Dollar
Cove era, de longe, o mais pitoresco deles, um pequeno refúgio, perfeito
isolado do maior, Long Island Sound. Mas graças ao verão do afogamento,
Evelyn não estava preocupada em encontrar alguém lá e entrou na costa.
A maré estava baixa, revelando a forma como as falésias se transformavam
em uma praia que era mais pedra do que areia antes de finalmente bater nas
ondas. Evelyn fez uma careta quando seus tênis esmagaram uma garrafa
quebrada. Ela passou a infância espionando os organismos que escolheram
fazer suas casas aqui, na zona entre marés, onde os extremos das marés e as
temperaturas eram feitas para as criaturas saudáveis que não aceitavam
nenhuma diferente daquela. Mas todos tinham seus limites, e Evelyn se
perguntou se nesta noite ela tinha alcançado o dela.
Ela encheu uma garrafa de água vazia na arrebentação, então foi para a
base do penhasco. A caverna a esperava ali a cerca de um metro e oitenta do
chão, esculpida na rocha como um olho aberto. Atrás dela, o pôr do sol
sangrava na água espumosa, vermelho e reflexos alaranjados derramando-se
na areia.
Não havia nenhum dólar de areia em Sand Dollar Cove. Na verdade, não
havia dólares de areia em Cliffside Bay, pelo menos não nas praias. Evelyn
Mackenzie sabia o suficiente sobre o que apareceu na costa norte de Long
Island para saber porque não havia dólares na areia– e era por isso que esse
lugar tinha sido chamado de Horseshoe Crab Cove durante a maior parte da
vida de Evelyn. A praia conseguiu seu novo nome seis anos atrás, quando três
adolescentes afogados foram encontrados dentro daquela caverna, deitados
nas rochas, com dólares de areia colocados ordenadamente sobre seus olhos.
O assassino nunca foi pego.
Evelyn tinha dez anos quando aconteceu. Velha o suficiente para se
lembrar do frenesi da mídia. Com idade suficiente para se lembrar da forma
como a cidade sussurrava os nomes dos mortos, como uma oração, como um
aviso. Tamara Ala. Colin Maxwell.
E Jesse Slater. O irmão mais velho de Nick... e o ex-namorado de sua
irmã mais velha, Meredith.
Tempo suficiente se passou desde então, para os podcasts e teóricos da
conspiração dissecarem cada pequeno detalhe de como o “Trio de Cliffside”
foi assassinado. Para o ocasional turista ou repórter irritante aparecer com
uma câmera e muitas perguntas.
Mas não há tempo suficiente para alguém trazer seus filhos na enseada
para brincar.
Era uma visão estranha todo verão, o trecho deserto solitário da costa em
uma cidade onde os locais para banhos de sol eram basicamente passados de
pai para filho. E embora ninguém tenha sido acusado pelos assassinatos, isso
não impediu a cidade de cumprir sua própria versão de justiça: olhares e
rumores e vandalismo ocasional. Quando Evelyn fechava os olhos, ela ainda
via os rabiscos feios das letras que alguém havia pintado com spray no carro
de seu pai. A forma como seu rosto se enrugou enquanto ele tentava
protegê-la da palavra.
ASSASSINO.
Greg Mackenzie não tinha matado ninguém. Evelyn sabia disso. Mas a
suspeita de Cliffside Bay custou tudo a Evelyn. Isso fez sua mãe ir embora,
fez sua irmã se mudar assim que ela se formou. Tinha destruído a amizade de
Evelyn com Mina Zanetti. E ainda estava atrapalhando seus relacionamentos
até hoje – fazendo-a sentir que devia algo a Nick. Como se ela tivesse que
ajudá-lo a trapacear porque ele havia perdido um irmão e ela ainda tinha
uma irmã.
Um lugar de grande dor para você ou seu alvo.
Evelyn apertou a mandíbula. A caverna funcionava tanto para ela quanto
para Nick, o que a tornava terrível, o que a tornava perfeita.
Ela escalou as rochas e entrou na abertura, seu desconforto
desaparecendo enquanto ela usava a lanterna do celular para examinar o
espaço. Não era tão ruim, realmente. Mais ou menos do tamanho de seu
quarto, com paredes curvas e escarpadas e formações rochosas que se
projetavam imprevisivelmente do chão. Se não fosse o cheiro avassalador de
salmoura e enxofre, teria sido quase confortável.
Evelyn tentou não pensar na última vez que esteve aqui – com Mina
Zanetti ao seu lado, falando com ela através das instruções de convocação.
Mas era difícil não lembrar como se sentiu quando aquela coisa incognoscível
correu por ela, e as vozes dos mortos gemeram em sua mente. Difícil não se
lembrar de seu pânico quando ouviu o grito de dor de Mina e viu a marca
em forma de dólar de areia no pulso de sua amiga.
Depois que chamaram aquele espírito, Mina ficou doente. Muito doente.
Quando ela voltou para a escola uma semana depois, aquele dólar de areia
tinha desaparecido... assim como a amizade entre ela e Evelyn. Evelyn passou
meses se preparando para que o espírito a machucasse também, mas nada
aconteceu. Ela pensou que era porque a magia era toda de Mina. Afinal, sua
amiga era a médium. Parte dela ainda acreditava que ela não tinha nada a ver
com aquele feitiço, mas ela tinha que tentar isso de qualquer maneira.
— Vale a pena — ela disse a si mesma agora. — Tem que valer.
Faça um círculo de sal e acenda as velas ao redor.
Evelyn fez como instruído, embora a ponta do pote do saleiro não fosse
suficiente. Isso não fazia parte das instruções, mas ela se lembrou de Mina
dizendo a ela para nunca colocar nem um dedo dentro do círculo uma vez
que a invocação começasse. Era uma barreira entre ela e o espírito que não
deve ser quebrada, nunca. Ela colocou a tigela no centro do círculo,
derramou a água salgada dentro, então empilhou o moletom enquanto o sol
desaparecia no horizonte.
Faltava apenas um passo agora: Abasteça a oferta e faça seu pedido. Para se ligar a
um espírito, você deve oferecer parte de seu corpo mortal a ele.
Seu pulso batia em seus ouvidos enquanto ela puxava o canivete do bolso
e apertou-o contra a palma da mão.
Esta era sua última chance de voltar atrás.
Mas o futuro de Evelyn era o que ela se agarrava quando o tempo estava
difícil e as marés eram implacáveis – e se ela não fizesse isso, estaria perdida
para sempre.
Ela gemeu e cortou o canivete no centro de sua palma, cortando a pele
em um X afiado e perfeito. Evelyn segurou a tigela.
— Eu invoco você — ela disse, ofegando suavemente quando manchas
vermelhas apareceram no moletom, então se infiltraram na água salgada. —
E em troca eu quero que você faça todas essas trapaças com Nick irem
embora – tire isso do meu registro permanentemente. Como se nunca tivesse
acontecido, como se eu nunca tivesse sido pega. Quem quer que você seja.
E, hum... obrigada.
Suas palavras ricochetearam nas paredes da caverna, não exatamente ecos,
mas cópias, talvez, como se alguém estivesse repetindo para ela. Como se
alguém estivesse ouvindo. Ela puxou a mão rapidamente, lembrando-se do
aviso de Mina.
Uma rajada de vento atravessou a caverna, apagando as velas e fazendo
seu cabelo rodopiar em seu rosto. Vozes ressoavam em sua mente, algumas
altas, outras suaves e dispersas, até que uma abafou todas, um rugido que de
alguma forma parecia assustador e emocionante. O cheiro do oceano se
intensificou até que ela quase se engasgou com ele, e abaixo dela, as ondas
batiam contra a costa. Embora ela soubesse que a maré estava muito baixa
para a água tocá-la, ela poderia jurar que sentiu o jato de água salgada em seu
rosto.
Quando o barulho finalmente desapareceu, Evelyn se ajoelhou no
escuro, com a mão ensanguentada fechada em punho. Ela se esforçou para
ligar a lanterna do seu celular. O moletom de Nick estava carbonizado e
torcido agora. Água salgada manchada de carmesim rodopiava em torno
dele.
Evelyn se moveu para ficar de pé – e engasgou.
Havia uma marca de mão manchada no chão da caverna, delineada em
sal. Ele havia empurrado para fora na borda do círculo, arrastando os grãos o
mais longe que podia. Mas o sal não tinha cedido. A ponta mais externa do
dedo médio estava a menos de um centímetro do joelho de Evelyn.
Evelyn enfaixou a palma da mão, a boca tão seca e salgada como se
tivesse engolido a água do mar na tigela. Ela examinou seu pulso, mas não
havia nenhuma marca, nenhuma dor.
— Eu consegui — Evelyn sussurrou. E quando tudo afundou, ela
começou a chorar, borrando o rímel pelas bochechas.
Porque a magia a encontrou novamente, justamente quando ela mais
precisava.
Capítulo três

E RA A ÚLTIMA semana de aula antes das férias de verão na Cliffside High e,


pela primeira vez no ano, Evelyn se sentiu invencível ao passar pelas
portas da frente.
Porque seu feitiço já estava funcionando.
Todos os e-mails sobre a audiência de desonestidade acadêmica de Evelyn
desapareceram de seu telefone em algum momento entre sua saída da praia
na noite anterior e a volta para casa. Evelyn conferiu suas notas em seu portal
acadêmico – sua nota incompleta em biologia tinha voltado para um A. Por
volta das onze horas, ela recebeu uma única mensagem de texto de Nick,
pedindo desculpas por terem “brigado por causa da cola, embora tivessem
saídos ilesos”, e perguntando se eles poderiam voltar a ficar juntos.
Evelyn deixou a mensagem sem resposta até de manhã, então respondeu
com uma única palavra: não.
Nada poderia abalar seu ânimo. Nem mesmo o B sem brilho que ela
tirou na prova final de francês, ou o fato de Meredith não ter respondido as
mensagens de Evelyn perguntando se ela ainda estava planejando visitar
durante as férias de verão. Não até o final do dia escolar, de qualquer
maneira, quando Nick finalmente a achou no estacionamento. Evelyn
amaldiçoou silenciosamente enquanto ele se aproximava.
— Evie — disse ele, lisonjeiro. — Eu não sei o que aconteceu ontem à
noite, mas eu quero fazer as pazes com você.
— Eu não quero mais namorar você, está bem? Foi o que aconteceu. —
O corte na palma da mão de Evelyn latejava dolorosamente atrás do curativo.
Ela podia ver alguns dos companheiros de time de futebol de Nick assistindo
dos degraus – ninguém em Cliffside High sabia como cuidar da própria vida.
Ela aprendeu isso da maneira mais difícil quando criança, e novamente no
outono passado, quando uma desastrosa fogueira na praia foi o suficiente para
espalhar sussurros sobre ela pelos próximos meses. Pelo menos namorar Nick
tinha feito isso parar.
Nick estremeceu.
— Você não tem que ser tão direta sobre isso. Eu nem entendo o que eu
fiz.
Evelyn baixou a voz.
— Você me convenceu a trapacear. Isso não foi legal.
Ele olhou para ela, intrigado.
— Mas não fomos pegos, e agora não vou ficar de castigo. Nós dois
ganhamos.
— Não, Nick. É uma vitória para você. — Não importava que ela
tivesse apagado todos os vestígios da trapaça. Evelyn não podia apagar o
conhecimento de que Nick a havia entregado quando foram pegos. Ela sabia
que havia mais nele do que o atleta rico que a maioria da escola via, mas isso
não era mais suficiente.
— Pelo menos me deixe te dar uma carona para o trabalho — disse
Nick, gesticulando em direção ao SUV preto brilhante que seus pais lhe
compraram para seu aniversário de dezesseis anos.
Evelyn abaixou seu fiel longboard na calçada, colocou um dos pés como
base na cauda.
— Você sabe que eu odeio aquele carro.
O carro tinha sido sua primeira briga. Era impossível se preocupar com a
ecologia marinha sem também se importar com o aumento do nível do mar
e dos combustíveis fósseis, e depois de uma discussão, Nick disse a ela que
havia organizado uma carona para “minimizar o impacto”. Mas Evelyn sabia
que ele só estava fazendo isso para que ela parasse de reclamar.
— Eu só acho que não fazemos mais sentido. Não tenho certeza se
alguma vez fizemos.
Ela apertou as tiras de seu capacete, que era preto e desbotado e coberto
de adesivos. E então ela partiu, ziguezagueando facilmente pelo
estacionamento e pela calçada que a levaria até a cidade. Ela já está atrasada
para o trabalho.
Evelyn conseguiu seu primeiro emprego de meio período na semana em
que completou quatorze anos. Os pagamentos de pensão alimentícia da sua
mãe cobriam o aluguel e a maioria das contas, mas seu pai lutava para
encontrar um trabalho estável desde o verão do afogamento, e Evelyn sabia
muito bem que uma única emergência poderia ser catastrófica para suas
economias. Antes de Meredith ir para a faculdade, ela ajudou Evelyn a fazer
uma conta na poupança. Evelyn passou os últimos anos aprendendo a ser
responsável por sua própria comida, suas próprias roupas, seu próprio futuro.
Quando ela abriu a porta do Pet Shop Scales & Tails, Luísa Morales já
estava atrás do caixa, empilhando mostarda e pimentão na tigela de comida
de Hal, a iguana. Luísa era uma garota méxico-americana na classe de
Evelyn, uma fotógrafa iniciante com um senso irônico de humor que elevou
as contas de mídia social da loja de animais a novos patamares. Evelyn gostava
de seus turnos juntos – Luísa realmente se importava com os animais, ao
contrário de alguns de seus colegas de trabalho, que estavam mais
interessados em se esquivar da tarefa de limpar as gaiolas do que em garantir
que os níveis de pH dos aquários estivessem equilibrados.
— O que aconteceu? — Luísa perguntou enquanto colocava a tigela de
comida de Hal em seu tanque. Seu rabo de cavalo castanho encaracolado
balançava atrás de sua cabeça quando ela se abaixou para fechar o recinto. —
Você nunca se atrasa para o trabalho.
— Sim. Desculpe. Dia ruim. Eu terminei com meu namorado, e ele não
parece entender que terminamos.
A testa de Luísa franziu.
— O tal do Slater, certo? Aquele cujo irmão... — Ela parou sem jeito.
Evelyn suspirou e assentiu. Quando as pessoas pensavam em Nick, era
aquele atleta do fundo credor ou o garoto com o irmão morto.
— Ele mesmo.
Hal – o mascote não oficial da Scales & Tails – deu a Evelyn o que
parecia muito um olhar de julgamento. Luísa tirou uma foto dele enquanto
devorava um pimentão, sorrindo.
— Que mocinho bonito — ela balbuciou. — Olha, este é o único tipo
de atenção que precisamos.
— Você quer que nos tornemos... o equivalente réptil das mulheres-
gato?
— Só estou dizendo — Luísa apontou — Hal não vai mandar mensagens
com longos parágrafos emocionados sobre o quanto você significa para ele e
depois fingir que ele não te vê no almoço no dia seguinte.
— Então, seu ex ainda está fazendo isso, hein? — Evelyn absorveu boa
parte da vida de Luísa durante os sete ou oito meses que trabalhavam juntos,
embora ela realmente não as chamasse de amigas. Sua colega de trabalho saía
com as outras pessoas da classe de arte em Cliffside High, que sempre era
amigável, mas distante de Evelyn. Evelyn não se importava. Amigável, mas
distante, era o tipo de relacionamento mais seguro que ela sabia ter. — Você
deveria dar um sumiço nele durante o verão.
— Estou pensando nisso — disse Luísa, suspirando. — Mas temos um
melhor amigo em comum. Você sabe como é quando as amizades ficam
emaranhadas – eu não quero fazer ninguém escolher um lado.
Evelyn não sabia, na verdade, mas ela assentiu mesmo assim.
— Fica confuso.
— Exatamente. Ei, eu poderia te arranjar com Tália, se você quiser —
Luísa ofereceu. — Você é bi, certo? Porque eu realmente acho que vocês se
dariam bem.
— Tália tira ótimas selfies — admitiu Evelyn. — Mas acho que preciso
de um tempo antes de namorar novamente.
Evelyn havia se assumido nas redes sociais no ano anterior e, na maioria
das vezes, havia corrido bem. Mas ela tinha conseguido um comentário
anônimo chamando-a de falsa quando ela começou a namorar Nick.
Dizendo que ela “alegou ser bi” só pela atenção, que se ela estava
namorando um cara, ela era heterossexual. Ela apagou imediatamente, mas a
memória ainda doía. Era bom conversar com alguém sobre isso que tratava
aquilo como se não fosse grande coisa, porque não era, pelo menos não com
Evelyn.
Ela e Luísa conversaram sobre os projetos fotográficos que Luísa queria
trabalhar naquele verão enquanto elas se acomodavam em seu ritmo habitual
na Scales & Tails. Os funcionários do primeiro turno cuidaram de alimentar
os animais e limpar as gaiolas naquela manhã, mas Evelyn e Luísa ainda
gostavam de checar todos. Sempre havia alguém que precisava de um pouco
de atenção extra. Luísa era meticulosa assim desde que Evelyn a conhecia, o
que já fazia um tempo – sua mãe trabalhava na biblioteca, um lugar onde
Evelyn passou muito tempo quando criança.
Depois que terminaram, Luísa fez uma pausa no banheiro enquanto
Evelyn esperava atrás do balcão. Ela estava admirando o enorme recinto de
Hal, que se estendia quase até o teto, quando a campainha em forma de
cobra tocou. Ela se virou para a entrada, esperando ver um dos
frequentadores da loja ou talvez até o Sr. Clark, para checar seus
funcionários.
Em vez disso, ela viu Mina Zanetti, usando um vestido de verão azul
perfeitamente cortado que ela mesma sem dúvida havia costurado, uma
pulseira de ouro no pulso esquerdo e um olhar sombrio de determinação.
Evelyn congelou.
No ano em que trabalhou na Scales & Tails, Mina nunca entrou lá.
Elas tinham um acordo tácito que geralmente as mantinha fora do
território uma da outra. Mina conseguiu o Centro Comunitário Shorewell,
onde sua mãe trabalhava. Evelyn tinha Scales & Tails. A escola e o Basic
Bean eram território neutro, mas quando as meninas estavam na mesma sala,
era sempre em lados opostos. Evelyn não conseguia se lembrar da última vez
que elas se falaram por boa vontade.
Não era porque ela odiava Mina. Era porque Mina se afastou dela depois
do que elas fizeram durante o verão do afogamento.
Juntas, eles invocaram um espírito para limpar Greg Mackenzie da
suspeita das autoridades e impedi-lo de ser acusado. O segredo poderia tê-las
aproximado, mas, em vez disso, a doença e a reclusa de Mina as separaram.
Agora, olhando para o cabelo loiro descolorido de Mina e seu rosto
irritantemente simétrico, Evelyn sabia que a presença de sua ex-melhor
amiga aqui no dia seguinte a Evelyn ter chamado um espírito sozinha não
era coincidência.
— Bem-vinda ao Scales & Tails — disse ela, tentando manter sua voz
profissional. — Eu posso te ajudar com alguma coisa?
Mina olhou ao redor da loja, seu olhar profundamente impressionado.
— Você pode, sim. Eu tenho algumas perguntas. Sobre isso.
Ela arrancou a pulseira e estendeu o braço sobre o balcão.
O estômago de Evelyn afundou direto para a sola de seus tênis surrados
ao ver aquele dólar de areia tão familiar. A marca praticamente brilhava,
vívida e azul-esverdeada contra o pulso pálido de Mina.
— Merda.
— Justamente. — Mina colocou a pulseira de volta. Ela ainda falava tão
suavemente como se estivessem falando sobre o tempo, o que só enervava
ainda mais Evelyn. — Agora, então, eu suponho que esta não é uma
conversa que você quer ter em público?
Evelyn sabia que ela parecia em pânico – ela era péssima em esconder
seus sentimentos. Mina havia escolhido bem sua localização. Isso não era o
colégio, onde todos estariam olhando para elas, mas também não era em
casa, onde Evelyn poderia facilmente evitá-la. No momento, Mina era
tecnicamente uma cliente, e o trabalho de Evelyn era ajudá-la.
— Ugh. Tudo bem. — Ela examinou a loja enquanto procurava
mentalmente algum tipo de plano. — Me siga.
Ela levou Mina para o almoxarifado na parte de trás da Scales & Tails,
esperando que a pausa para o banheiro de Luísa estivesse quase no fim. Elas
não deveriam deixar o caixa desacompanhado, mas isso era uma emergência.
O coração de Evelyn martelava quando ela acendeu a luz, revelando pilhas
de sacos de comida, duas geladeiras de armazenamento enormes e substrato
suficiente e gaiolas vazias para montar uma segunda loja.
— Seja rápida — Evelyn disse, antes que Mina pudesse falar. — Não
estou com disposição para uma palestra.
— Você realmente acha que eu estou aqui para lhe dar um sermão? — A
lâmpada pendurada acima de suas cabeças enfatizou a sombra perfeitamente
aplicada de Mina. Sim, Evelyn a evitou por seis anos, mas isso não a impediu
de perceber o quão glamourosa sua velha amiga parecia o tempo todo. Foi
completamente injusto.
— Por que mais você estaria aqui? Colocar o papo em dia? — Algo
sobre o quão imperturbável Mina parecia apenas deixou Evelyn mais agitada.
— Então, a marca voltou. Isso é péssimo. Mas eu não entendo o que isso
tem a ver comigo.
— Tem tudo a ver com você. — Mina se aproximou dela. — Porque você
invocou um espírito ontem à noite.
Evelyn se sentiu encurralada e exposta – uma poça de maré ao sol, um
molusco encolhido quando um predador se aproximou.
— Você não pode provar.
— Eu não preciso de provas. Eu sei que foi você. — Mina estava a
menos de trinta centímetros dela agora, perto o suficiente para Evelyn ver os
minúsculos brincos dourados brilhando em suas orelhas. A diferença de
altura delas mais as sandálias plataforma de Mina forçaram Evelyn a esticar o
pescoço, apertando os olhos para a luz. — Você me prometeu que nunca
faria isso novamente. Você prometeu manter isso em segredo.
— E eu fiz. — A voz de Evelyn quebrou na última palavra. — Eu nunca
contei a uma alma.
— Isso não importa. — A expressão de Mina finalmente vacilou, embora
ela voltou ao normal tão rapidamente que Evelyn quase não percebeu. — Da
última vez que isso aconteceu, eu fiquei com uma febre tão alta que fui ao
hospital. Vomitei todos os dias por uma semana antes que essa marca
finalmente desaparecesse. Você estava tentando me machucar?
Pela segunda vez naquela tarde, Evelyn se sentiu culpada.
— Claro que não.
— Então o que poderia ter sido importante o suficiente para arriscar isso
de novo?
Evelyn engoliu em seco.
— Uh... eu precisava fazer algo sobre Nick.
— Isso era sobre o seu namorado? Sério? Você dobrou um espírito à sua
vontade por algo tão... bobo?
O temperamento de Evelyn ganhou vida com o tom condescendente da
outra garota. Foi escolha de Mina dizer a ela que os rumores sobre os
Zanettis eram verdade, para convocar um espírito com ela. Mina não tinha o
direito de tratá-la assim, não quando Evelyn mentiu por ela todos esses anos.
Não quando Evelyn realmente não tinha pensado que as consequências desse
feitiço poderiam afetar Mina novamente mesmo que ela nem estivesse lá.
— Isso não era sobre vingança — disse ela. — Nick me ferrou. Arruinou
meu futuro também. Eu tinha que desfazê-lo – eu tinha que fazer. Eu não
sabia que isso iria machucá-la de novo.
Algo nas palavras de Evelyn deve ter alcançado a outra garota, porque
Mina fez uma pausa.
— O que ele fe...–
— Eu não quero falar sobre isso.
— Tudo bem. — A voz de Mina estava muito mais suave do que antes.
— Olha, mesmo em emergências, não é aceitável chamar espíritos assim. Eu
não sabia quando éramos crianças, mas usar um fantasma para cumprir suas
ordens é imoral. Eles são pessoas, não ferramentas.
Evelyn engoliu em seco. Ela não estava pensando nisso. Ou qualquer
coisa, realmente, exceto ela mesma.
— Ok, ok, eu entendi — ela murmurou. — Eu sou uma pessoa
horrível.
— Isso não é… — Mina suspirou. — Você não sabia. Agora você sabe.
Evelyn abaixou a cabeça, envergonhada.
— Sim. Eu acho. Mas mesmo que eu não faça isso de novo, você ainda
tem essa marca. Isso vai te deixar doente?
Por um breve momento, a voz de Mina tremeu – e então desapareceu
novamente, assim como a vulnerabilidade em sua expressão.
— Eu não faço ideia. Mas precisamos corrigir isso antes que aconteça. E
antes que alguém além de mim perceba o que você fez. Essa marca apareceu
quando eu estava no campo com minha mãe no meio da noite. Você tem
sorte que ela não viu.
— O que acontece se sua família descobrir que eu chamei um espírito?
— Evelyn perguntou nervosamente.
— Eu não sei — disse Mina. — Minha mãe me disse a vida inteira que
um médium corrompido ou inexperiente é muito mais perigoso do que o
espírito mais inquieto. Então ela e meu tio não teriam escolha a não ser
punir você.
Evelyn se sentiu encurralada novamente, o pânico tremeluzindo nela
como a lâmpada acima. Mas havia algo estranho no tom de Mina. Ela não
parecia assustada. Ela parecia quase... culpada. Além disso, Evelyn sabia que a
mãe de Mina era jovem e bastante legal, e quando eram crianças, Mina a
adorava. Ela não parecia o tipo de pessoa que puniria um adolescente por
cometer um erro compreensível.
E então Evelyn percebeu o que a incomodava na história de Mina.
— Convoquei o fantasma ontem, logo após o pôr do sol — ela disse
lentamente. — Mas você disse que sua marca apareceu no meio da noite.
Essas duas coisas não teriam acontecido ao mesmo tempo? Por que você tem
tanta certeza de que é minha culpa?
— A marca voltou quando tentei falar com um espírito pela primeira vez
desde que fizemos aquela invocação. — A mão direita de Mina puxou sua
pulseira, dedos em volta do ouro. — Então deve estar ligado a você, porque
se você não fez isso desde aquela vez…
A despensa ficou em silêncio e, pela primeira vez desde que Mina entrou
pela porta da Scales & Tails, Evelyn sentiu que estava em vantagem.
— Então você realmente não tem provas de que isso é minha culpa —
disse ela, juntando tudo. Porque Mina estava sendo tão cautelosa sobre sua
mãe. Porque ela havia quebrado seu juramento de silêncio de seis anos para
falar com Evelyn. — Mas você está aqui de qualquer maneira. O que
significa que isso não é sobre mim, é sobre você. Você não quer que sua
família saiba o que aconteceu.
Os olhos de Mina foram para suas sandálias, seus dedos se entrelaçando
na frente de seu vestido.
— Mamãe já não quer que eu me torne médium. Se ela descobrir a
verdade sobre o que aconteceu durante o verão do afogamento, ela nunca vai
me ensinar nada. Então eu acho que você pode concordar que talvez
precisemos ajudar uma à outra.
— Eu não preciso fazer nada — disse Evelyn. — Se isso não é minha
culpa–
— Isso é. — Um tom desesperado surgiu na voz de Mina. — Tem que
ser.
— Por que você é perfeita demais para cometer um erro? — Evelyn não
a culparia por isso. Seu pai tinha sido o saco de pancadas da cidade por seis
anos – ela não tinha interesse em seguir seus passos. — Me parece que isso é
totalmente problema seu.
— Você não entende — Mina retrucou. — Aquele espírito que você
invocou, Evelyn - você está mexendo com algo que não entende, e isso pode
ficar perigoso.
— Muito conveniente que você está trazendo toda essa coisa de perigo
agora — disse Evelyn. — Sinto muito sobre sua marca. E eu não vou chamar
um espírito novamente. Mas eu não vou deixar você me culpar por algo que
eu não fiz.
— Tudo bem, então, se mate brincando com os mortos — Mina disse
friamente. — Veja se me importo. — Ela se virou, abriu a porta da despensa
e afastou-se rigidamente.
Evelyn ficou sozinha com sua culpa. Ela se inclinou contra uma fileira
vazia de tanques e espirou lentamente, olhando para um saco de substrato
enquanto tentava processar os últimos minutos.
O que ela tinha feito tinha sido egoísta e perigoso. Ela percebeu isso
agora. Ela estava pensando nisso apenas como magia e feitiços, mas... isso não
era verdade. Mina estava certa sobre uma coisa: um espírito era uma pessoa,
não uma fonte de poder, e eles mereciam ser tratados como tal.
— Sinto muito — ela disse em voz alta, sentindo-se meio boba. — Eu...
eu não queria te usar. E nunca mais farei algo assim. Eu não sei como pedir
desculpas a um fantasma, mas eu vou, uh, fazer o meu melhor.
Um cheiro flutuou pela sala ao redor dela, salgado com uma ponta de
podridão, como a praia em um dia de verão escaldante. Um gemido suave
soou ao redor da despensa.
Como aquela sensação que ela teve na caverna. Como se alguém estivesse
falando de volta.
De repente, ela se arrependeu de deixar Mina sair. Ela se sentiu
totalmente vulnerável – ela não tinha instruções para isso.
— Hum… — Evelyn sussurrou — você está me respondendo?
O barulho ficou mais alto, e Evelyn ouviu gritos, tão altos e estridentes
que deviam estar vindo bem ao lado dela. O corte em sua palma latejava
como um pequeno batimento cardíaco. Ela olhou freneticamente ao redor
da despensa, mas não havia nada, ninguém, e os lamentos não paravam.
— Evelyn! — A voz de Luísa estava alta de terror.
Evelyn abriu a porta da despensa e ficou boquiaberta.
Os tanques de água salgada ao longo da parede direita da loja estavam
transbordando. A água jorrava pela frente dos tanques e se acumulava
rapidamente no chão de concreto. A loja inteira cheirava a peixe podre e sal.
— Por aqui! — chamou Luísa, acenando para ela da caixa registradora.
Ela estava encolhida atrás do balcão. Evelyn correu para se juntar a ela,
percebendo que todos os répteis estavam ativos. Cobras contorciam-se para
fora de suas peles, sibilando, enquanto dragões barbudos arranhavam o vidro
de seus tanques.
— O que diabos está acontecendo? — Evelyn ofegou, o pânico
arranhando sua garganta enquanto se ajoelhava ao lado de Luísa.
— Eu não sei — seu colega de trabalho choramingou. As luzes
fluorescentes acima de suas cabeças piscaram, então se estilhaçaram com uma
série de estalos agudos. Evelyn abaixou a cabeça enquanto o vidro chovia no
chão. Ela estremeceu quando as vitrines de vidro na frente da loja caíram no
chão.
Ela e Luísa ficaram abaixadas até Evelyn não conseguir mais ouvir o
vidro se quebrando, água correndo ou aqueles gritos estranhos e distantes.
Então ela levantou a cabeça e ficou de pé novamente, puxando Luísa com
ela para avaliar os danos.
Seu primeiro pensamento foi que poderia ter sido pior. Embora os
animais estivessem todos agitados, nenhuma das gaiolas tinha quebrado. O
vidro das lâmpadas cobria o chão, junto com poças de água salgada sintética,
e as janelas da frente pareciam ter sido perfuradas com um pé-de-cabra.
Ela e Luísa imediatamente correram para checar todos. O nó no
estômago de Evelyn afrouxou a cada gaiola – embora a propriedade tivesse
sido danificada, nem um único peixe ou réptil estava além de estressado,
mesmo os mais delicados. Elas teriam que chamar alguém para checar os
sistemas de aquecimento e filtragem, mas por enquanto, pelo menos, estava
tudo bem. E o Sr. Clark não era o tipo de chefe que culparia Evelyn e Luísa
por isso, ou tentaria cobrá-las pelos danos. Ele sabia o quanto ambas se
importavam com os animais.
— Sr. Clark definitivamente terá que fechar por um tempo — disse
Luísa nervosamente enquanto se reuniam no meio da loja. — Estou feliz por
sermos as únicas aqui.
— Eu também — Evelyn disse fracamente. — Você quer que eu ligue
para ele?
— Eu posso fazer isso. — Luísa foi em direção aos fundos da loja, dando
a Hal, a iguana, um pequeno aceno de alívio ao longo do caminho.
Finalmente sozinha, Evelyn olhou para a fileira de tanques de peixes, o
cheiro do mar flutuando sobre ela, e tentou engolir o pavor em seu
estômago.
Isso foi apenas uma coincidência. Isso era completamente explicável.
No entanto, enquanto Evelyn olhava para a água salgada escorrendo pelas
laterais do tanque, ela foi dominada pela mesma sensação que tivera na noite
anterior. A energia zumbiu sob sua pele; um som correu em seus ouvidos
como uma série interminável de ondas quebrando. E ela não conseguia se
livrar do sentimento que talvez Mina estivesse certa em avisá-la, afinal.
Capítulo quatro

M INA VOLTOU PARA CASA após o confronto decepcionante com Evelyn para
encontrar a cozinha cheia de vapor. Sua mãe estava diante de uma
panela de prata gigante no fogão, as mãos nos quadris, longos fios de cabelo
castanho grudados na testa suada.
— Oh, ótimo, você está de volta — ela disse quando Mina entrou. —
Eu preciso da sua ajuda para limpar o resto desses moluscos.
— Então você foi ver o tio Dom hoje? — Mina olhou para o saco de
papel marrom no balcão. Durante a maior parte da infância de Mina, elas
viveram com o tio Dom e seu filho, Sergio, até que o negócio de sua mãe
decolou e elas puderam pagar pela sua própria casa. Stella ainda visitava Dom
com frequência, e sempre que o fazia voltava para casa com frutos do mar
frescos de suas excursões matinais em Long Island Sound. Embora ele
pegasse cada vez menos a cada ano, algo que Mina tinha ouvido muitas
reclamações.
— Eu fui — disse Stella. — Ela disse a palavra como se fosse um
palavrão. Mina tentou esconder seus nervos e foi tirar o vestido. Ela aprendeu
da maneira mais difícil que suco de marisco e qualquer roupa que ela
gostasse não se misturavam.
Na privacidade de seu quarto, ela inspecionou a marca no formato de
dólar de areia queimado em seu pulso. A primeira vez que apareceu, ela
adoeceu quase imediatamente. Mas Mina se sentiu bem o dia todo, além da
ansiedade e da culpa que ameaçavam fazer um buraco em seu estômago.
Falar com Evelyn não tinha ajudado. Sua ex-amiga provou ser ainda mais
teimosa do que Mina se lembrava, o que foi horrível, porque Mina precisava
se livrar do dólar de areia antes que Stella o visse. Caso contrário, sua mãe
adiaria seu treinamento novamente – talvez para sempre.
Quando Mina voltou para a cozinha, sua mãe havia se movido para a
frente das três janelas que formavam um semicírculo atrás da pia. Ela abriu as
persianas em cada um deles, revelando o sol se pondo sob as ondas, e
começou a se abanar com a ponta do avental.
Comida era a linguagem do amor de Stella, e a cozinha era sua oficina.
Era uma desordem organizada na sua forma mais verdadeira, armários de
madeira cheios de porcelanas e canecas incompatíveis e uma despensa que
abrigava tanto sua máquina de lavar quanto aparentemente intermináveis
potes cheios de especiarias e enlatados. Ervas secas pendiam do teto em
cachos perfumados, e suas contrapartes em vasos viviam em uma estante
maciça – salsa, manjericão, orégano e hortelã.
A comida de sua mãe não tinha nada a ver com o sobrenatural, mas era
boa o suficiente para dar vontade. Dois anos atrás, Stella havia assinado um
contrato exclusivo de bufê com o Centro de Comunidade Shorewell, e sua
engenhosidade e talento levaram a um verão cheio de casamentos e festas.
Um dia, Mina queria que as pessoas falassem sobre seus designs de roupas do
jeito que falavam sobre o pão de azeitona e escarola de sua mãe ou seus
corações de alcachofra marinados.
— Então, sobre o tio Dom. — Mina abriu o saco de amêijoas e as
sacudiu em uma peneira. — O que aconteceu esta manhã?
Stella abaixou o avental com mais força do que o necessário.
— Os suspeitos de sempre estão barulhentos de novo.
Mina jogou água fria sobre as conchas enquanto Stella falava, esfregando
a areia delas uma a uma, antes de colocá-las em uma tigela. Como Stella, seu
tio também era médium. Houve muitos outros Zanetti’s quando Mina era
mais jovem, mas todos eles se afastaram de Cliffside Bay. Mina mal se
lembrava deles agora, e Stella disse a ela que eles não importavam – sua
família real eram as pessoas que ficaram aqui.
— Eles não são sempre barulhentos na lua cheia? — perguntou Mina.
A voz de Stella era sombria.
— Mais alto que o normal.
Mina sabia quem eram os suspeitos de sempre, é claro. As vítimas de
afogamento no verão eram um aviso de advertência para ela em mais de um
sentido. Nos seis anos desde seus assassinatos, seus espíritos permaneceram,
incapazes de deixar o mundo mortal para trás. Tudo que sua mãe e seu tio
conseguiram fazer por eles foi mantê-los relativamente quietos.
Cada fantasma desapareceu eventualmente, não importa o quão forte
sejam seus laços com o mundo humano – eles erodiam como uma rocha
empoleirada na beira do oceano, não sendo páreos para a pressão
interminável do mar. A maioria se foi em cinco anos, mas os retardatários
ocasionais duravam vinte, trinta, até cinquenta. Mina teve uma sensação
desconfortável de que os espíritos do afogamento no verão estavam na última
categoria, e ela não pôde deixar de se perguntar se era porque ela e Evelyn
havia convocado aquele fantasma para encerrar a investigação. Se foram os
espíritos das vítimas que eles invocaram naquela noite. Seu pulso doía,
embora fosse uma dor mental ou física, ela não sabia. Ela tentou se
concentrar na água fria, nas conchas ásperas raspando contra suas mãos.
— Então aquele médium amador convocou um do Trio de Cliffside
ontem à noite? — ela perguntou.
— Provavelmente. — Stella agarrou seus pegadores de panela e dirigiu-se
ao fogão. — Seu tio verificou a caverna esta manhã em um palpite e
encontrou detritos que se parecem bastante com a cerimônia de invocação
que usamos.
— Huh — Mina resmungou.
— Você sabe que as práticas mediúnicas são altamente individualizadas,
Mina, baseadas nas influências culturais e crenças das pessoas que interagem
com os espíritos. Há uma variação incrível em todo o mundo. Então, ver
algo quase idêntico à nossa própria técnica... bem, é uma grande
coincidência.
Mina agarrou uma garra com força demais quando encontrou os olhos
de sua mãe.
— Não fui eu — ela disse apressadamente. — Eu nunca faria algo assim.
— De novo…
Stella levantou a tampa da panela gigante, liberando uma nuvem de
vapor. Mina sabia o que havia acontecido com o lote de amêijoas dentro:
suas conchas abriram pouco a pouco até que sua mãe finalmente conseguiu
retirar a carne de dentro.
— Eu confio em você, minha conchinha. E é verdade que você estava
em casa o dia todo e a noite toda, eu disse isso a Dom. Mas não posso
ignorar o quão estranho isso é.
— Eu entendo isso — Mina lançou seu molusco na peneira. Suas palmas
estavam em carne viva e doloridas. — E eu sei que não deveria ter entrado
na água ontem à noite. Mas eu prometo a você, eu não cheguei perto
daquela caverna.
— Nós vamos chegar ao fundo disso. — Stella baixou a tampa de volta
para a panela. — A lua cheia já está minguando. Mas quando a lua nova
chega no final do mês...
— Eu sei — disse Mina. O poder dos Zanetti’s estava ligado ao oceano,
que por sua vez estava ligado à lua e às marés. Quando o alcance das marés
altas e baixas potências era maior, os espíritos eram mais altos, como se os
médiuns tivessem acesso mais claro a mais canais de rádio. Mina via isso
como uma faca de dois gumes - sim, sua mãe podia alcançar os mortos com
mais facilidade durante esses tempos, mas os fantasmas geralmente eram
frenéticos. Instáveis. — Você vai tentar falar com eles. O Trio de Cliffside,
quero dizer.
— Se eles permitirem, sim.
— Eu poderia ajudar — disse Mina —, se você me ensinasse a ouvir.
Estela hesitou.
— Eu não sei, Mina. As coisas estão mudando em Cliffside Bay. Os
mortos ficam mais perigosos a cada ano, e depois da noite passada...
— Pedi desculpas por isso. — Mina tinha visto essas mudanças também,
embora à distância, mas ela nunca tinha ouvido Stella admitir que ela estava
tendo problemas reais para lidar com espíritos antes. Talvez isso significasse
que ela finalmente deixaria Mina entrar. — E eu te disse a verdade. Eu não
tenho nada a ver com quem convocou aquele fantasma ontem à noite.
O cheiro de salmoura exalava da panela, tão forte que Mina quase podia
fingir que estava de volta à praia. Ouvir aquelas vozes chamando por ela.
Observando sua mãe mergulhar nas ondas.
— Você sempre esteve tão ansiosa para fazer parte disso — disse Stella.
—, mas é importante para mim que você tenha as opções que eu não tinha.
A vida que você realmente quer. Não a vida que você se sente obrigada a
viver.
Mina se lembrou de todas as vezes que sua mãe tentou protegê-la –
como ela interveio momentos antes de Mina pisar em um caranguejo-
ferradura de cabeça para baixo, como ela reorganizou seus turnos no bufê
para ajudar Mina a estudar para grandes testes, como ela se sentou com Mina
na sala depois que Kaitlyn Mallow levantou e deu pipoca com alho e
parmesão até ela não sentisse mais que iria chorar.
Stella só estava tão preocupada com isso porque queria que Mina
estivesse segura. Mas sua mãe não conseguia – não conseguia – entender que
ela estava seis anos atrasada. Evelyn pode não ter sentido que nenhuma das
consequências do verão do afogamento foi culpa dela, mas Mina sabia que
ambas eram culpadas. Eles cometeram um erro naquele dia na caverna. E a
única maneira de Mina expiar isso era ajudar a todos que ela tinha
machucado.
— Eu não quero isso por sua causa — disse ela. — Eu prometo.
Talvez tenha sido a maneira como ela disse isso. Talvez fosse o olhar em
seu rosto. Mina não sabia. Mas assim como os mariscos quebrando
lentamente sob a pressão do vapor, a expressão de Stella suavizou.
— Bem, seu tio e eu temos um encontro com um cliente em potencial
em pouco mais de uma semana — disse ela. — Se você quiser ir junto, você
pode. Mas você deve me fazer duas promessas.
— Qualquer coisa — Mina disse rapidamente, tentando não mostrar sua
excitação. Reuniões com clientes eram uma raridade nos dias de hoje – os
rumores sobre a família Zanetti quase desapareceram, e Stella e Tio Dom
pareciam desinteressados em reativá-los. Os poucos clientes com quem
trabalhavam hoje em dia eram quase todos contatos diretos, com uma tia ou
um primo que foi ajudado pelos Zanetti’s antes. Ela não queria perder esta
oportunidade de aprender.
— Primeiro, você não deve interferir. Não como você fez da última vez.
Mina assentiu obedientemente.
— E segundo - você tem que usar seu colar novamente.
— Mãe. Sério?
— Estou falando muito sério, Marina Elena.
Seis anos atrás, quando Mina chegou em casa com aquele dólar de areia
no pulso e confessou ter tentado falar com os fantasmas dos afogados, a
marca que sua invocação deixou para trás não a deixou apenas fisicamente
doente. Isso a mergulhou em um pesadelo acordado, onde vozes gritavam e
imploravam por sua ajuda, atormentando-a em todas as horas do dia e noite.
Quando ela finalmente contou à sua mãe o que estava acontecendo, Stella
ficou pálida como um lençol.
— Isso não são pesadelos — ela disse a Mina. — Eles são fantasmas, se
estendendo até você.
No dia seguinte, ela deu a Mina um colar protegido para bloquear os
espíritos.
— Até que você não seja mais uma criança — ela disse. No início deste
ano, Mina finalmente teve permissão para tirá-lo por mais de algumas horas
de cada vez. Stella a observou como um falcão, mas os mortos não voltaram
a falar com ela.
Até ontem à noite.
— Achei que não precisava mais daquela coisa — Mina protestou. —
Você sabe o que aconteceu seis anos atrás — bem, a maior parte —, e você sabe
que eu posso me proteger.
— Essas são as minhas condições — sua mãe disse com firmeza. —
Aceite ou não vá.
Mina engoliu sua decepção. Ela não queria pensar sobre as consequências
se sua mãe percebesse toda a extensão da intromissão dela e de Evelyn, se ela
estivesse disposta a fazer Mina colocar seu treinamento médium de lado por
algo tão pequeno.
Havia um lugar na mente de Mina aonde ela ia para se sentir segura. Um
oceano – o oceano dela, onde a água era sempre calma e lisa como vidro, e o
fundo era tão fundo que ninguém jamais o encontrara.
A traição dela e de Evelyn pertencia ao fundo do mar. Ela faria qualquer
coisa para mantê-lo lá.
— Eu prometo — ela disse finalmente.
Estela sorriu.
— Essa é a minha conchinha. — Ela levantou a tampa da panela e pegou
uma escumadeira. Um momento depois, ela tirou um molusco, rachado e
aberto. Ela extraiu a carne sem esforço com um garfo e entregou a Mina.
— Vá em frente — disse ela. — Experimenta.
Mina esperava que fosse delicioso, mas em vez disso o gosto avassalador
de salmoura inundou sua boca. Ela não podia reprimir uma mordaça.
— Desculpe, mãe — disse ela, tossindo. — Tem gosto de água salgada.
Stella franziu a testa, parecendo desapontada, e deu uma mordida.
— Tem certeza? Tem um gosto bom para mim. — Ela deu a Mina outra
mordida.
Desta vez, o marisco estava amanteigado e perfeito. Mas o gosto do mar
permaneceu na boca de Mina pelo resto da noite, sua garganta tão seca e
ressecada quanto aquela onda que quebrou sobre sua cabeça.
Capítulo cinco

T RABALHAR COMO BARISTA no Basic Bean era o outro emprego de meio


período de Evelyn, onde ela fazia cafés superfaturados, brigava com o
leitor de chips e tentava evitar conversas desconfortáveis. Vantagens: doces de
padaria e cafeína grátis. Desvantagens: ela não trabalhava com animais e teve
que dobrar seus turnos durante uma semana e meia desde que a Scales &
Tails foi forçada a fechar temporariamente.
Também... todo mundo em Cliffside Bay vinha aqui. Inclusive Mina.
Inclusive Nick. Embora para ser justa, desta vez ela o convidou.
— Isso é uma bagunça — murmurou Kenny Thompson, olhando para a
caixa que Evelyn havia tirado de sua mochila. Ele era o colega de trabalho
com quem ela sempre parecia estar nos turnos, um garoto branco com
óculos de aro de tartaruga e o cabelo ruivo que estava a um borrão de café
ruim de se desintegrar o tempo todo. — Você vai dar isso para ele aqui?
— Ele quer suas coisas de volta. Então eu disse a ele para vir buscar.
O material em questão havia sido enfiado em uma caixa de sapatos e
rotulado LIXO com a caligrafia horrível de Evelyn.
— Você vai irritar todo o time de futebol — Kenny gemeu, puxando os
laços de seu avental de lona. — Eles vão arruinar a sua vida, e depois a
minha vida, porque eu sou basicamente um cúmplice.
— Não tenho medo do time de futebol. — Eles deixaram de segui-la nas
redes sociais após o término, e Evelyn tinha ido o suficiente nas suas festas
fora de temporada nos últimos quatro meses para saber que seria isso em
termos de consequências sociais. O que tinha doído, mas Evelyn sabia que
ela nunca fez um esforço para ficar próxima de qualquer um deles. Ela estava
com muito medo do que eles poderiam perguntar a ela, sobre seu pai, sobre
seus segredos. Era melhor evitar chegar a esse ponto inteiramente.
— Fácil para você dizer — Kenny resmungou. — Não podemos todos
simplesmente... não se importar com as coisas.
Evelyn sorriu severamente para ele.
— Confie em mim. Eu me importo.
— O que tem aí? — Kenny perguntou, olhando curiosamente para a
caixa de sapatos. Ele era incuravelmente intrometido, o que Evelyn achou
irritante. Mas se isso o fizesse parar de surtar, ela ficaria feliz em distraí-lo.
Evelyn acenou com a mão para a tampa de papelão arranhada.
— Veja por si mesmo.
Um cliente foi até o caixa e Evelyn correu para anotar seu pedido.
Quando ela terminou de fazer seu café gelado, Evelyn foi checar Kenny e o
encontrou segurando um par de brincos de pérola, parecendo intrigado.
— Ele comprou isso para você? — ele perguntou. — Eles parecem reais.
Evelyn suspirou.
— Isso é porque eles são.
Nick tinha esse tipo de dinheiro para gastar – ela tinha visto em seus
encontros. Ele a levaria ao cinema naquele terrível SUV, entregaria o cartão
de crédito de seu pai para o funcionário atrás do balcão de ingressos, então
compraria a pipoca mais cara que eles poderiam comer. Ele nunca a deixou
pagar por nada.
— Deixa eu cuidar de você — ele insistiu uma e outra vez.
A primeira vez que ela e Nick se conheceram de verdade foi em uma
fogueira na praia no outono passado, onde ela se envergonhou por beber
demais e fez uma cena quando alguém perguntou sobre seu pai. Nick foi o
único a ajudá-la naquela festa. Ele a levou para casa em segurança, então
mandou uma mensagem no dia seguinte para ter certeza de que ela estava
bem. Ele mesmo disse ao time de futebol para calar a boca quando eles
tentaram espalhar a história. Às vezes parecia que ela estava tentando pagar
por isso desde então.
Então, quando ele pediu um favor a ela – colar no exame – diante de
tanta gentileza, dizer “não” não parecia uma opção.
— Huh. — Kenny colocou as joias de volta. — Não leve a mal, mas
você realmente não me parece um tipo de pessoa que usa brincos de pérola.
— Eu não sou. — Evelyn agarrou a tampa e a empurrou por cima do
conteúdo da caixa, antes que Kenny pudesse comentar qualquer outra coisa.
— Sabe… — Kenny disse solenemente — na minha minissérie de
podcast de áudio-drama favorita, a–
— A Grande Estrela do Amanhecer, Kenny, sim, você me contou sobre isso
um milhão de vezes–
— Não esta parte! — Kenny olhou para ela indignado. — Eu só acho
que se você ouvisse, você veria que além de ser um épico de ficção
científica, há paralelos com situações da vida real. Juro.
Evelyn olhou para ele.
— Eu não quero o seu conselho. Ou suas recomendações de podcast.
Kenny cruzou os braços.
— Bem, você que está perdendo.
— Olá? — chamou outro cliente do registro.
Evelyn soltou um palavrão suave e virou-se para lidar com eles, apenas
para perceber que era Nick. Finalmente. Ela deu a Kenny um olhar de “Não
diga nada” e pegou a caixa de sapatos.
— Ei — ela disse, tentando parecer calma.
— É bom ver você, Evie.
Ela forçou um sorriso.
— Estou feliz que você apareceu.
O Basic Bean tentou fingir que não era uma corrente enorme com suas
paredes de tijolos expostos, suculentas revestindo os peitoris das janelas e
lâmpadas artificiais penduradas no teto. Evelyn mal podia ver alguma coisa na
luz fraca, mas Nick ainda conseguiu se inclinar contra o balcão em um
ângulo que destacava a maneira atraente e bagunçada de seu cabelo castanho
escuro cair em seus olhos. Evelyn sabia o quanto ele trabalhava para que
ficasse assim, mas isso não diminuiu o efeito tanto quanto ela queria.
— Hm. Bem. Aqui estão suas coisas. — Ela limpou a garganta e
empurrou a caixa sobre o balcão.
Evelyn o observou ler a palavra no topo, preparado para um comentário
sarcástico. Mas em vez disso, ele apenas riu tristemente.
— Tem sido muito difícil te encontrar. Eu só gostaria de poder lhe dar
um pedido de desculpas real, pelo menos, talvez em algum momento quando
você não estiver no trabalho…
Havia aquela culpa novamente. Que depois de tudo que ele tinha feito,
ela lhe devia uma conversa. Que ela tinha sido muito precipitada, muito má.
— Pode ser. — O telefone de Evelyn tocou no bolso do avental. Ela o
puxou para fora. Havia um e-mail em sua tela de bloqueio de seu estágio dos
sonhos.
Depois de semanas de espera, eles finalmente a responderam.
Imediatamente seu estômago começou a revirar. Por alguma razão, ela sentiu
cheiro de água salgada, e por um breve momento ela estava agachada atrás do
balcão da Scales & Tails. Ela estremeceu e empurrou a memória para longe.
Evelyn não conseguiu abrir este e-mail na frente de Nick, mas ela
precisava saber. Agora mesmo.
— Eu preciso ir — ela disse rapidamente. — Desculpe, isso é
importante.
Felizmente, Kenny a estava espionando, então, quando ela se virou e
murmurou “me cubra”, ele não conseguiu fingir que não a viu.
Ela correu para o banheiro, trancou a porta atrás dela e se encostou na
parede de azulejos sujos. Suas mãos tremiam quando ela abriu o e-mail.

Prezada Sra. Mackenzie,


Muito obrigado pela sua candidatura e pela sua
entrevista. Embora tenhamos ficado impressionados
com sua óbvia paixão por nossa pesquisa,
lamentamos informá-la–

Ela não precisava mais ler.


Parte dela sabia que isso ia acontecer, mas isso não tornava mais fácil de
lidar. Evelyn enfiou o celular no bolso enquanto sua visão ficava turva com
as lágrimas.
Não importava que eles não tivessem ouvido sobre sua desonestidade
acadêmica. Ela ainda não era boa o suficiente. Um minúsculo organismo
insignificante em uma pequena poça de maré insignificante que ficaria preso
lá até que morresse.
O som de soluços ecoou pelas paredes, e Evelyn tentou se conter antes
que alguém a ouvisse e viesse ver o que havia de errado. Ela não conseguia
decidir qual pena ela queria menos: Kenny ou Nick.
Mas conforme seu choro diminuiu para um fungar, ela percebeu que o
soluço não vinha dela. Ela olhou freneticamente para as paredes grafitadas.
Nada. Ninguém mais.
Um cheiro flutuava no ar, não o fedor de um banheiro mal limpo, mas o
de sal. Ela ouviu o suave bater das ondas contra a costa enquanto os soluços
ficavam mais altos. Algo zumbiu sob sua pele. E então houve vozes
novamente, sussurrando, suplicando.
Evelyn piscou para conter as lágrimas quando a pia do banheiro
começou a pingar.
— Está tudo na sua cabeça — ela sussurrou. Mas foi preciso tudo o que
ela tinha para caminhar em direção à torneira, tremendo, e girar a maçaneta
até que ela parasse.
Por um momento, tudo ficou quieto – e então a pia tomou vida, água
jorrando furiosamente da torneira. As vozes ficaram ainda mais altas,
ofegantes e gemidos que pareciam encher o banheiro. O perfume de sal era
insuportável agora. Algo pairava entre a pia e a parede de ladrilhos
encardidos, uma figura humanoide, fina e indistinta, da cor do fundo do
oceano, verde e marrom. No lugar onde seus olhos deveriam estar estavam
dois dólares de areia. Desapareceu em um piscar de olhos, sem dar tempo
suficiente para Evelyn gritar.
Ela ofegou em vez disso, recuando até chegar na porta. Mas tão rápido
quanto elas chegaram, as vozes desapareceram. O cheiro de sal desapareceu
com elas enquanto Evelyn tremia, as lágrimas ainda molhadas em suas
bochechas.
Evelyn não podia mais ignorar – algo terrível estava acontecendo com
ela, algo que só estava piorando. E mesmo que isto destruísse seu último
resquício de orgulho, ela precisava obter ajuda antes que acontecesse
novamente.
Capítulo seis

S RA. GIACOMO ESTAVA CHORANDO. Mina a observava ansiosamente através do


vidro uni espelhado que separava a cozinha Centro Comunitário
Shorewell da sala de jantar. Ela disse à mãe que queria acompanhar essa
reunião com o cliente, mas não percebeu que isso significaria sentar-se atrás
do que parecia ser uma janela de interrogatório enquanto sua mãe e tio
confortavam uma mulher enlutada.
O centro comunitário ficava bem no topo de Cliffside Bay, um edifício
enorme com um telhado central em forma de A e dois braços de vidro que
se estendiam de cada lado como uma águia pronta para decolar da beira do
penhasco. Tinha sido uma casa em um momento, mas os proprietários a
doaram para a cidade logo após construí-la, o sobrenome de sua família –
Shorewell – a única prova de que alguma vez tinha sido propriedade privada.
Agora era usado para aulas comunitárias, reuniões e eventos. O contrato de
bufê de Stella veio com acesso irrestrito ao prédio, do qual ela fez pleno uso
nos últimos anos.
— Não acredito que acordamos tão cedo — resmungou Sérgio Zanetti
ao lado de Mina. — Papai não pode escolher outra hora que não seja o raiar
do dia para fazer essa merda?
— São nove da manhã.
Seu primo colocou as pernas para cima em um banquinho embaixo de
uma das mesas de preparação.
— Exatamente.
Sérgio sempre foi descontraído, mas nos últimos anos isso se transformou
em uma espécie de estagnação emocional. Ele morava no porão do pai sem
pagar aluguel, aparentemente tendo aulas na faculdade, mas passava a maior
parte do tempo jogando videogame e indo a bares com amigos dele. Quando
eram crianças, ele tinha sido a babá perpétua de Mina, mas agora era para ela
que ele ligava quando precisava de uma carona sóbria para casa.
— Por que o tio Dom convidou você? — ela perguntou.
— Por que tia Stella convidou você? — ele rebateu. — Você não deveria
estar na escola?
— Terminei a escola na semana passada — disse Mina. Era 25 de junho –
exatamente dez dias desde que ela tentou fazer Evelyn entender a razão. — E
eu estou acompanhando a mamãe para aprender.
Sérgio parecia magoado.
— Bem, papai disse que eu deveria acompanhar ele para aprender
também. Como se fosse falar alguma coisa. Não sei por que ele se incomoda.
Sérgio se parecia fisicamente com seu pai quase tão firmemente quanto
Mina se parecia com sua mãe – ambos eram homens brancos, musculosos e
com cabelos castanhos ondulados, embora recentemente o Tio Dom tivesse
ficado mais magro e grisalho. Mas Sérgio não puxou ao Tio Dom em se
importar, porque não importava quantas vezes Sérgio tentasse falar com os
mortos, eles nunca responderam.
A princípio, Sérgio não pareceu se importar. Mas com o passar dos anos,
tio Dom insistiu que ele continuasse “treinando” para se tornar um médium,
seu primo ficou cada vez mais ressentido. Mina às vezes se perguntava por
que ele não se mudava completamente de Cliffside Bay. Mas então ela se
lembrou como era impossível sequer pensar em deixar Stella sozinha.
— Sinto muito — disse Mina. — Ele não deveria ter forçado você a vir
aqui.
— Eh, de boa — disse Sérgio. — Alguém tem que ser a decepção da
família, e definitivamente não é você. Tia Stella disse ao papai que você vai
fazer basicamente todas as aulas avançadas no colégio no ano que vem. Quer
fazer meu TCC do curso de verão para mim?
— Não, obrigada. — As médias altas de Mina não eram porque ela
gostava de qualquer coisa em Cliffside High – era um lugar grande e cheio
de estranhos. Mas ela sabia que Stella ia ajudar com as mensalidades da
faculdade, e agora que o negócio de bufê estava indo tão bem, Mina não
queria que sua mãe sacrificasse todo aquele dinheiro suado na faculdade de
design. Além disso, Stella usaria até a menor das desculpas para impedir Mina
de ir fazer treinamento médium, inclusive as notas.
— Então deixe-me adivinhar – você está fazendo algo chique neste
verão?
— Não exatamente. Apenas trabalhando na coleção Zanetti.
Mina estava tentando criar uma coleção de roupas de verdade há algum
tempo. Foi o primeiro passo de um plano elaborado que começou postando
suas roupas nas redes sociais e acabou conseguindo financiamento e interesse
para iniciar sua própria linha de moda. Ela também estava estudando para os
vestibulares, mas isso era muito menos interessante.
— E as festas? — perguntou Sérgio. — E os amigos?
— Eu tenho você, seu pai e mamãe, não é?
— Isso não conta — disse Sérgio. — Você está realmente feliz assim?
Sozinha?
— Sim — disse Mina com firmeza.
Talvez a perspectiva de não ter nenhuma vida social deprimisse Sérgio,
mas Mina não se importava. Ela tinha mais tempo para estudar. Mais tempo
para pensar em novos designs de roupas. E mais tempo para ela e Stella
assistirem seus filmes favoritos pela milésima vez enquanto compartilham
uma tigela de pipoca com alho e parmesão.
Às vezes doía rolar as redes sociais e ver todo mundo em festas de
aniversário, em volta de fogueiras e encontros depois da escola. Mas sempre
que Mina sentia a tristeza tomando conta, Stella estava lá para lembrá-la que
isso era realmente tudo o que ela precisava. Mina não iria ficar sozinha
enquanto tinha sua família – não era assim que funcionava.
— Podemos pelo menos prestar atenção para o que estamos aqui?
— Claro — Sérgio disse secamente. — Mas já é bastante deprimente.
Mina balançou a cabeça e voltou sua atenção para a cena que se
desenrolava do lado de fora da cozinha, onde a Sra. Giacomo, uma mulher
branca mais velha, enxugou os olhos com um lenço enquanto Stella
acariciava seu ombro. Quando Mina olhou através do vidro, ela percebeu
que seu tio Dom estava acenando para os dois saírem.
Mina se levantou, os pés trêmulos de nervosismo nas sandálias de vime.
Ela tocou o colar de proteção que ela foi forçada a colocar de volta, um
pingente oval de latão grosso com um coração de vidro no centro. Um
compromisso que esperava ser útil.
— Vai você — Sérgio murmurou enquanto Mina se dirigia para a porta.
Ela virou.
— Você vai ficar?
— Eu os vi fazer isso uma dúzia de vezes. Não funciona para mim. Eu
posso assistir, mas não posso ouvir como eles ouvem. — Ele hesitou, então
acrescentou: — Você sabe que é ingrato, certo? Ser médium? Sei que papai
acha que saí perdendo, mas a verdade é que tenho sorte. Você também pode
ter sorte.
— Eu quero isso. E eles precisam de ajuda.
Ela também não tinha escolha, não do jeito que Sérgio achava que ela
tinha. Stella tinha desistido de muito para poder dar a Mina uma chance
mesmo sendo tão jovem, colocou sua carreira em espera, realinhar seus
sonhos para caber as duas. Mina precisava ser o tipo de filha que valia todo
aquele sacrifício. Então ela colocou seu melhor sorriso simpático e abriu a
porta da cozinha.
— Perfeito — Stella disse enquanto Mina se aproximava. — Eu estava
apenas dizendo à Sra. Giacomo que você e seu primo vão se juntar a nós
hoje.
— Sérgio não vem — disse Mina, o que lhe rendeu um olhar
carrancudo do tio Dom, mas nenhuma resposta real. Mina teve a nítida
impressão de que ele não queria aborrecer o cliente.
— Vai ficar tudo bem- disse Stella rapidamente, suavizando qualquer
desconforto. — Agora, Sra. Giacomo, conheça minha filha, Mina. Ela estará
ajudando enquanto fazemos o nosso melhor para entrar em contato com seu
marido.
— Sinto muito por sua perda — disse Mina.
— Obrigada, querida. — A voz da mulher mais velha tremeu. — Meu
marido Sal... bem... nossa filha teve nosso primeiro neto há pouco tempo.
Deveríamos ir visitá-lo logo após sua aposentadoria. Mas seu coração parou
na semana passada, e agora eu o ouço em todos os lugares. Quando ligo a
pia, quando ligo o chuveiro... é como se ele estivesse falando comigo... —
Ela parou nervosamente.
Mina entendeu imediatamente por que ela teve permissão para
acompanhar esse caso em particular: era uma simples assombração com uma
motivação clara. Sal nunca seria capaz de conhecer seu neto e provavelmente
não entenderia por que assediar sua esposa sobre isso só machucaria mais os
dois.
— Vai ficar tudo bem, Sra. Giacomo — Mina disse a ela, embora a
verdade fosse que ela não tinha ideia do que dizer além de sensos comuns.
Por mais que sua família tenha falado muito sobre com os mortos, ela ainda
não havia perdido alguém com quem realmente se importasse. Seus avós
faleceram quando ela ainda era uma criança, e o resto de sua família se foi há
tanto tempo que ela mal se lembrava de seus rostos. — Tio Dom e minha
mãe vão te ajudar.
— E você é... como eles? — A Sra. Giacomo perguntou, enquanto eles
começaram a sair da sala de jantar.
— Eu vou ser — Mina disse orgulhosamente. Finalmente, ela estava
sendo incluída.
Mina havia encontrado a piscina no porão do Centro Comunitário
Shorewell anos atrás, enquanto sua mãe era garçonete em algum casamento e
ela foi trazida por falta de creche. Ninguém mais na equipe de bufê delatou
enquanto Mina estava quieta, então ela aprendeu a fazer sua lição de casa nos
cantos da cozinha ou no vestiário, desenhando os vestidos e ternos dos
clientes enquanto eles entravam e saiam.
O porão era um paraíso para ela, arcos de madeira e cortinas de renda
empoeiradas, buquês falsos espalhados pelo chão como um labirinto. Ela
rastejou pela bagunça, algo dentro dela puxando-a para frente, até que ela
encontrou uma porta atrás de um antigo conjunto de cortinas. Um cadeado
balançava em uma corrente que estava quase enferrujada. Não demorou
muito para quebrá-lo.
Quando Mina passou pela porta, viu uma piscina coberta abandonada no
fundo de um dos braços de vidro do prédio, cheia de detritos e lixo sortido.
Stella e Dom já haviam arrumado o espaço. A piscina estava cheia de água
salgada, algo que Mina ainda não entendia como eles conseguiam fazer, e as
janelas estavam limpas e brilhantes. O espaço ao redor estava perpetuamente
cheio de um círculo gigante de sal.
Era perfeito para invocar fantasmas específicos: não tão grandes ou
indisciplinados quanto um oceano inteiro, mas não tão pequenos quanto as
tigelas que Stella e Dom usavam em emergências.
— Por favor, sente-se — pediu Stella, mostrando à Sra. Giacomo uma
cadeira de vime acolchoada. — Mina, fique com ela, tudo bem? E lembre-se
do que eu lhe disse.
— Eu lembro. Você pode confiar em mim. — Embora a marca em
forma de dólar de areia embaixo do bracelete de Mina era a prova de que
Stella não podia.
Sua mãe assentiu e correu para seu irmão, onde eles se moviam com a
prática e a facilidade de uma rotina ensaiada há muito tempo. Dom borrifou
sal fresco ao redor da piscina de uma bolsa que ele pegou no canto, enquanto
Stella acendia talvez trinta velas pequenas ao redor. Eles compravam
ingredientes de invocação a granel a cada ano mais ou menos, então os
armazenavam no porão do tio dela.
Mina havia perguntado sobre essas duas ferramentas anos atrás – se os
espíritos viajavam pela água salgada, ela disse, por que eles não podiam passar
por uma barreira de sal? E as velas?
— A água salgada é uma passagem — explicou Stella. — Um dos muitos
potenciais canais longe do nosso mundo. Mas há algo sobre o som que é
diferente do Oceano Atlântico. Fantasmas que não querem sair tendem a
permanecer aqui, a meio caminho de seu destino. Muitas vezes, nosso
trabalho é tão simples quanto guiá-los. Mas em terra, por precaução, usamos
sal e luz como reforços para mantê-los contidos e lembrá-los de onde não
pertencem mais. Para empurrá-los para onde devem ir.
Mina notou que enquanto Stella e Dom sentavam-se um ao lado do
outro, de costas para as janelas de vidro, eles não derramaram nenhum sangue
na água salgada. Nada como ela e Evelyn fizeram. Ela nunca foi corajosa o
suficiente para perguntar por que as instruções que ela descobriu na caixa de
joias de Stella incluíam esse passo em particular, ou porque sua mãe ainda
tinha essas instruções. Isso iria significar admitir que ela os encontrou, e essa
linha de questionamento não levaria a nada de bom.
Dom tirou um par de óculos do bolso. A Sra. Giacomo enrijeceu –
evidentemente pertenciam a Sal. Seu tio os colocou na piscina, onde eles
começaram a afundar na água. Então ele puxou seu colar de proteção, um
pássaro de vidro, enquanto Stella enrolava os dedos em torno de seu colar.
— Nós convocamos você, Salvatore Giacomo — disseram juntos.
— Mostre-se e ouviremos sua história. — A voz de Dom era profunda e
rouca.
— Mostre-se e nós o ajudaremos a encontrar a paz — disse Stella, suas
palavras melódicas ricocheteando nas paredes de vidro.
— Nós convocamos você, Salvatore — eles cantaram, juntos mais uma
vez. O dólar de areia no pulso de Mina começou a pulsar sob sua pulseira.
Uma brisa soprou pela sala, e as chamas das velas tremeluziam. A Sra.
Giacomo agarrou seu braço.
— É ele? — ela sussurrou. — Ele está vindo?
Mina deu um tapinha na mão dela sem jeito.
— Eu acho que sim.
Seu pulso latejou novamente, mais forte desta vez, mas seu sibilo de dor
foi abafado pelo som da água correndo enquanto rodopiava no centro da
piscina. Os óculos flutuaram para a superfície bem no centro da corrente.
— Salvatore. — Dom soou autoritário agora. — Nós convocamos você.
A água começou a brilhar, a luz azul-esverdeada se espalhando pelos
vidros. Mina podia ver algo tomando forma ao redor deles: uma mão. Ela se
inclinou para frente, ofegante, e enquanto seu dólar de areia continuava a
pulsar, seu colar de proteção ficou quente contra sua pele.
— Vamos — murmurou Stella. — Fale conosco.
A mão se fechou em torno do óculos, e um momento depois um
espírito subiu do centro da piscina, parando assim que seu torso estava acima
da água. Ele era translúcido e verde azulado, com um rosto tímido e uma
cabeça quase calva. A Sra. Giacomo se engasgou ao vê-lo.
— Sal? — ela sussurrou. Ele colocou os óculos no rosto e se virou.
— Jenny? — ele raspou. Atrás dele, Dom agarrou seu pássaro de vidro
enquanto Stella segurava seu pingente, que brilhava o mesmo verde azulado
do espírito de Salvatore. Seus rostos estavam fixados com cuidadosa
concentração.
— Ah, Sal. — A Sra. Giacomo estava de pé agora, puxando Mina com
ela. O pingente esquentava a cada passo que Mina dava em direção ao
fantasma, pulsando no ritmo do dólar de areia. Algo estava errado, mas Mina
não queria assustar essa mulher. Ela iria se manter calma. Ela precisava. —
Tínhamos tantas coisas para fazer.
— Nós fizemos. — O espírito de Sal flutuou em direção à beira da
piscina, onde sua esposa o esperava. Mina puxou a Sra. Giacomo de volta do
círculo de sal. Ela poderia dizer que, sem vigilância, a mulher pularia direto
na água, não importando quais instruções ela tivesse recebido de antemão. —
Nós íamos conhecer nosso neto–
— Eu sei — disse a Sra. Giacomo, sua voz tremendo. — Eu gostaria que
você pudesse ficar. Eu gostaria que pudéssemos vê-lo juntos. Mas você está
me assustando, Sal. Fazendo os tubos tremerem. Me fazendo ter esses
pesadelos horríveis.
— Eu só... eu não queria te deixar. — Ele estendeu a mão. Quando
atingiu a borda do círculo de sal abaixo dele, foi como se uma barreira se
erguesse de seu lugar no chão. Seus dedos se dissolveram e ele os puxou de
volta, assobiando. Ele parecia tão humano até aquele ponto, mas por um
momento algo mudou, a ilusão imperfeita. Mina teve um vislumbre de
cracas enrolando-se em seu antebraço, uma gavinha de cor laranja doentia
enroscada nelas, antes de desaparecerem. O calor queimou contra seu
pescoço novamente, e ela segurou um estremecimento. — Eu não queria
assustá-la, Jenny. Eu simplesmente te amo tanto, e eu queria–
— Eu também te amo. — O rosto da Sra. Giacomo estava molhado de
lágrimas. Ela se agarrou a Mina como uma tábua de salvação. — Agora e
para sempre. E eu sinto muito que você nunca vá conhecer seu neto, mas…,
mas você não pode. Eu preciso que você aceite isso.
Por um segundo, Sal pareceu furioso. Mas então passou, e sua expressão
suavizou a resignação nublando suas feições.
— Prometa que vai contar a ele sobre mim — ele sussurrou. — Prometa
que não vai deixar todo mundo esquecer.
— Eu prometo — ela sussurrou de volta, e Sal sorriu.
Mina segurou suas próprias lágrimas enquanto observava o casal olhando
um para o outro, um vivo, outro morto.
— Não sabemos para onde as pessoas vão quando morrem — Stella
sempre dizia. — Nosso trabalho é ajudá-los quando eles ficam presos ao
longo do caminho. Não me importa o que você acredita – se você é um
espírito ou uma pessoa viva que me procura por ajuda, eu ajudo. Se você não
quiser minha ajuda, vou deixá-lo em paz. É simples assim.
Era isso que sua família fazia. Eles deixavam as pessoas dizerem adeus,
deixava-os encontrar a paz.
Tornar-se médium não seria fácil, mas em momentos como esse, Mina
entendia exatamente por que valia a pena.
— Você está pronto agora, Sal? — Stella perguntou gentilmente.
O velho assentiu e a sra. Giacomo choramingou de alívio.
E então, sem aviso, uma mão brilhante azul esverdeada estourou da água.
Primeiro um, depois três, depois seis, agarrando as pernas de Sal. Opaco,
laranja enferrujado se espalhava de cada lugar que o tocava. O colar
protegido de Mina brilhou contra seu pescoço novamente. Desta vez, ela
não conseguiu conter um gemido.
— O que está acontecendo? — A Sra. Giacomo engasgou.
Do outro lado do círculo, Stella e Dom ficaram rígidos. Stella agarrou
seu colar de proteção e falou uma palavra ininteligível isso soou como um
palavrão; as mãos desapareceram, mas a água ao redor de onde estavam ainda
estava agitada, enrolando-se em pequenas espirais.
Dom encontrou os olhos de Mina e virou a cabeça em direção à saída.
Mina entendeu a mensagem.
— Nada fora do comum — disse ela apressadamente. — Às vezes, outros
espíritos escapam quando estamos apenas tentando falar com um. Mas é
importante que tiremos você daqui. Pode ser muito perigoso para os civis.
— Não quero deixar meu marido — protestou a sra. Giacomo.
E então o fantasma de Salvatore Giacomo começou a gritar.
Foi um lamento horrível e sobrenatural, um som irregular de terror. Sua
forma se contorceu e se debateu quando aquelas mãos se ergueram
novamente, puxando-o para a água. Eles agarraram seus braços, seus ombros,
até que ele estava baixo o suficiente para dois deles fecharem em torno de
sua garganta. O cheiro de sal e podridão flutuava pela sala, tão forte que fez
Mina engasgar.
A Sra. Giacomo ficou mole nos braços de Mina. Mina conseguiu segurá-
la quando ela desmaiou, então a deitou suavemente ao lado das cadeiras de
vime com o assento acolchoado como travesseiro improvisado. Ela verificou
seu pulso freneticamente e ficou aliviada ao encontrá-la ainda respirando.
— O que eu faço? — Mina chamou. O fantasma ainda gritando e se
debatendo, mas o barulho agora estava abafado. As mãos ao redor da garganta
do Sr. Giacomo brilharam vividamente, e gavinhas enferrujadas se
espalharam de suas mãos, corroendo seu rosto. Seus óculos caíram de seu
nariz e espirrou de volta na piscina. Seus gritos foram interrompidos
abruptamente – ele não tinha mais boca.
— Leve-a com você! — Stella chamou do outro lado do círculo. — Saia
daqui!
Mas Mina estava com muita dor para se mover. A proteção ao redor de
seu pescoço era insuportável agora, escaldando sua carne. Ela agarrou
freneticamente a corrente e puxou-a sobre a cabeça. — Mina, o que diabos
você está fazendo? — Dom rosnou do outro lado do círculo. — Essa é a
única coisa que mantém você segura–
— Está me queimando — Mina engasgou, sua mão tremendo enquanto
ela tentava segurar o pingente.
A piscina entre eles se contorceu e ferveu, o cheiro de um dia de verão
escaldante tão forte que Mina podia sentir. O espírito de Sal quase se foi,
mas três outros estavam se materializando ao redor dele, suas mãos se
estendendo em formas quase humanoides. Mina reconheceu suas roupas
pelas fotos que vazaram do escritório do legista para a internet. Esse era o
cardigã de Tamara Winger, a camisa de basquete de Colin Maxwell, ambos
agora cravejados com cracas e algas marinhas. Pedaços de luz laranja se
entrelaçavam em suas formas azul-esverdeadas, turvando suas feições, como
lodo dragado do fundo do mar.
O fantasma estrangulando Sal virou-se para olhar para Mina, a boca se
abrindo em um sorriso torto e horripilante. Os dentes de Jesse Slater
pareciam pedaços quebrados de vidro marinho saindo de suas gengivas.
Nos lugares onde seus olhos deveriam estar dólares de areia.
Mina não se lembrava de deixar cair o pingente. Mas caiu no chão,
batendo no ladrilho com um estalo violento. As vozes gemiam e rosnavam,
palavras fragmentadas demais para distinguir se eram mesmo palavras.
Foi demais. Ela era incapaz de respirar, incapaz de pensar; ela caiu de
joelhos. Era como se o dólar de areia em seu pulso a estivesse puxando para
frente – como se quisesse que ela atravessasse aquele círculo e mergulhar na
piscina. Outra onda de vozes atravessou seu crânio, e Mina não aguentou
mais.
Ela desmaiou.
Capítulo sete

Q UANDO MINA VOLTOU A SI, ela estava esparramada no chão de ladrilhos,


com Stella agachada acima dela. O pingente de proteção de Mina estava
de volta ao pescoço, e a piscina finalmente estava calma. O único sinal
remanescente dos espíritos foi uma ligeira perturbação na água.
O tio garantiu à Sra. Giacomo que estava tudo bem e lhe ofereceu uma
carona, enquanto sua mãe ajudava Mina a entrar no carro. Ela estava tonta e
enjoada durante todo o caminho para casa.
De volta ao chalé, Stella a colocou no sofá de veludo laranja na sala de
estar antes de correr em um frenesi. Ela fechou as cortinas das janelas,
prendeu todos os pinos das fechaduras e mexeu com as pequenas estatuetas
de vidro espalhadas por toda a casa. Quando eles mudaram de posição, Mina
estava de frente para uma tigela de água salgada enquanto sua mãe espetava
dois dedos e deixava o sangue cair. Então ela mergulhou os objetos de vidro
um por um, esperou até que eles começassem a brilhar e os puxou para fora.
Eram proteções, assim como o colar de Mina.
— Mãe — Mina resmungou finalmente. — Podemos conversar?
A expressão determinada de Stella cedeu. Mina odiava os momentos em
que ela podia ver sua mãe se soltando nas costuras. Uma pessoa não era um
vestido – você não podia simplesmente rasgar suas costuras e fazê-las
novamente quando as coisas davam errado.
— Tudo bem, minha conchinha — ela murmurou, se sentando na outra
extremidade do sofá. Ela embrulhou Mina em cobertores de crochê e
colocou uma caneca fumegante de chá na mesa de centro ao lado dela,
embora fosse o final de junho. Ela deu a Mina o mesmo tratamento durante
cada dia doente da infância. — Como você está se sentindo? Precisa de mais
alguma coisa?
Respostas. Sempre. Mina não sabia se sua mãe iria dar a ela, mas ela
precisava tentar.
— Eu vou ficar bem- disse ela. — Mas, mãe... o que foi aquilo? Eu não
tinha ideia de que fantasmas poderiam... bem... atacar uns aos outros.
Era raro para Mina ver sua mãe tão abalada – abalada o suficiente para
que ela pudesse ver a expressão de Stella mudando enquanto fazia os mesmos
cálculos delicados que fizera durante toda a vida de Mina. Ela sempre pensou
que a proteção de sua mãe em ser médium vinha de não querer que Mina
fosse sugada para uma vida inteira de responsabilidades, mas depois do que
aconteceu no centro comunitário, ela sabia que deveria ser mais do que isso.
— A maioria dos espíritos não se envolve em tal comportamento —
disse Stella finalmente. — Mas há...exceções. Diga-me, Mina, por que você
acha que os médiuns são necessários?
Mina sabia disso desde que ela era uma criança, mas ela seguiu o
raciocínio.
— Por que nem todos os espíritos podem seguir em frente sem ajuda?
— Essa é a resposta que eu te ensinei. — Stella passou uma longa unha
sobre o veludo, deixando um rastro de laranja mais claro atrás dela. A cor
lembrou Mina da corrosão que se espalhou O rosto do Sr. Giacomo. — A
maioria dos seres vivos adere à natureza do universo sem muita resistência.
Em algum nível, eles entendem que a morte é simplesmente parte de um
ciclo maior. Mas muitos humanos são teimosos. Eles acham que as regras
normais não se aplicam a eles. Eles acham que vão viver para sempre.
Depois do que ela tinha acabado de ver, as palavras atingiram Mina com
força. Ela tinha dezesseis anos e não corria nenhum risco particular de
morrer, mas provavelmente era isso que o Trio de Cliffside também havia
pensado.
— Mas não vamos — ela sussurrou.
— Não, não vamos — disse sua mãe. — Fazer com que alguém entenda
que já está morto pode ser cansativo, difícil e, ocasionalmente, bastante
perturbador. E às vezes, bem, às vezes os espíritos que procuram seu tio e eu
não o fazem porque precisam de ajuda. Eles fazem isso porque estão…
mudando.
— Você está falando sobre o que estava acontecendo com o fantasma do
Sr. Giacomo?
As cortinas se agitaram atrás de Stella enquanto ela falava, a brisa um
acompanhamento silencioso de suas palavras.
— Quanto mais tempo um espírito permanece inquieto, mais ele
esquece a pessoa que costumava ser. Há uma razão pela qual os espíritos só
podem permanecer por meio século. Eles se cansam e suas amarras ao
mundo desaparecem. Mas nas últimas décadas, notamos que alguns espíritos
estão se deformando antes de desaparecerem de uma maneira que nossa
família nunca viu antes.
— Deformando como? — Mina se agarrou a cada pedacinho de
informação, arquivando-os em sua mente. Ela não desperdiçaria essa valiosa
oportunidade de aprender o máximo que pudesse.
— Alguns espíritos ficaram mais violentos, como você viu — disse Stella.
— Todos eles são mais altos, mesmo os pacíficos. Mais instáveis também. A
lua cheia e a lua nova são quando estou mais ligada aos mortos. Isso
costumava ser uma grande ajuda. Mas hoje em dia, é preciso toda a minha
concentração para me manter à tona – é por isso que escolhemos nos
encontrar com a Sra. Giacomo quando a lua nova ainda não vai aparecer por
alguns dias. E, bem... há um pequeno problema com espíritos se
alimentando um do outro.
— Como é? — a voz da Mina rachado. — Eles estão... comendo um ao
outro?
Stella agarrou seu colar de proteção.
— O que você testemunhou foi algo que seu tio e eu começamos a
chamar de desvendamento. Às vezes, um espírito inquieto absorve fantasmas
que estão prontos para seguir em frente e continuam a fugir do poder de suas
almas. Quanto mais espíritos eles devoram, mais perigosos eles se tornam.
Mina pensou novamente naquelas mãos se fechando no pescoço do Sr.
Giacomo. Como elas brilharam mais fortemente quando ele começou a
desaparecer. De repente, ela estava muito quente sob os cobertores. Ela os
puxou para baixo ao redor de sua cintura, com cuidado para não empurrar
sua pulseira.
— Perigoso como? — Fantasmas podiam incomodar os vivos do jeito
que o Sr. Giacomo fazia, chamando aqueles que eles tinham próximo ou
aqueles que eles culparam por sua morte. Isso foi o que ela avisou Evelyn
sobre. Comportamento preocupante, certamente, mas não verdadeiramente
ameaçador.
— Bem, é impossível dizer com certeza — Stella disse, soltando seu
colar. — O que seu tio e eu sabemos é que quanto mais forte um espírito
como este se torna, maior o efeito que eles podem ter no mundo dos vivos.
Eles podem até ascender a um estado onde podem atacar os vivos além dos
mortos. Até os demônios no inferno.
— Demônios são reais? — As palavras eram um lembrete permanente de
quão pouco Mina sabia sobre o mundo de sua mãe. Era como se sua visão da
vida como médium tivesse sido uma janela suja e Stella finalmente tivesse
limpado o vidro, apenas para revelar algo horrível do outro lado.
— Teoricamente, sim. — Stella franziu a testa. — Uma palavra como
demônio implica o mal de uma maneira que eu normalmente acharia bastante
limitante, mas não sei qual outro termo usar para uma criatura alimentada
pelas almas dos outros. Particularmente quando acredito que eles podem se
tornar poderosos o suficiente para desvendar pessoas vivas da mesma forma
que desvendam os mortos.
Mina pensou naqueles rostos grotescos que vira, contorcidos de agonia, e
sentiu uma nova onda de náusea.
— Espere, então... você está dizendo que as vítimas do afogamento no
verão são demônios?
Stella estremeceu para trás.
— Não! Absolutamente não. Um demônio seria catastrófico. A par com
um desastre natural. Estou dizendo que o Trio de Cliffside são alguns dos
espíritos que foram absorvidos por um fantasma que está tentando se tornar
um demônio. Eles estão trabalhando como uma extensão de qualquer
ancoragem espírito está se escondendo atrás deles, aumentando ainda mais
sua rede parasitária ao encontrar novas vítimas.
— Há quanto tempo você sabe disso? — Saiu como uma acusação.
Talvez fosse.
— Os espíritos estão mudando desde antes de você nascer, Mina. Mas o
potencial para um demônio? Eu não achava que isso fosse possível até seis
anos atrás. Depois que este fantasma absorveu as vítimas de afogamento no
verão.
Mina pensou novamente nela e em Evelyn sentadas naquela caverna,
gritando na noite e vendo quem respondia.
— O que acontece com as pessoas que almas absorvidas pertenciam? —
ela resmungou. — Eles podem ser salvos?
— Depende — disse Stella. — A essência de uma pessoa não é
facilmente desvendada. Mas se esse fantasma não for controlado, essas pessoas
acabarão desaparecendo para sempre.
— Então o Sr. Giacomo… — Mina não precisou terminar a frase. —
Você vai contar a verdade para a esposa dele?
Estela hesitou.
— Não sei. Eu estou esperando que possamos acabar com isso e libertá-
lo, junto com os outros, antes que das coisas irem longe demais.
Então não. Sua mãe não ia contar a verdade a sua cliente. Mas Mina se
sentiu muito mal para pressioná-la mais.
— Seu colar de proteção é feito para evitar que fantasmas incomodem
você — Stella continuou. — Acredito que te machucou fisicamente porque
esse fantasma em particular está começando a afetar os vivos. Bem, mais
especificamente, os médiuns.
— Como você pode ter certeza de que somos só nós?
— Porque estamos na ponte entre a vida e a morte, Mina. O que nos
torna um pouco mais fáceis de alcançar do que todos os outros da cidade. E
o mais importante, estamos no caminho da ascensão do fantasma. É por isso
que você deve manter seu colar, não importa o que aconteça. Não sei do
que esse espírito é capaz, mas não quero que você descubra.
Mina tinha dezenas mais perguntas – centenas, talvez. Mas agora, apenas
uma parecia realmente importar.
— Então, como nós paramos uma ascensão?
— Nós não, Mina. Seu tio e eu vamos lidar com esse problema, junto
com o problema do médium amador. Estamos protegidos por nossos colares
de proteção e uma vida inteira de conhecimento, mas se hoje provou algo, é
que você realmente não está pronta para ser exposta a esse tipo de perigo.
— Eu manterei meu colar — disse Mina. — Farei o que você quiser.
— O que eu quero é que você esteja segura. — Stella afastou uma
mecha de cabelo loiro da testa suada de Mina. — Eu lhe disse tudo isso para
que você possa entender por que é tão importante que você me escute.
— Mas eu posso ajudar–
— Não.
Não era apenas a palavra. Foi o jeito que ela disse: afiada. Brava. Stella
não acreditava em gritar com Mina, mas isso estava perto.
Mina sabia que não havia nada que ela pudesse dizer para convencer sua
mãe de que ela ainda merecia ser incluída nisso. Ela havia provado ser uma
responsabilidade, não uma, mas duas vezes, e isso nem mesmo explicava o
segredo escondido sob sua pulseira. A frustração cresceu dentro dela,
implorando-lhe para fazer seu caso – que ela não queria ficar de braços
cruzados enquanto um fantasma tentou quebrar a barreira entre a vida e a
morte. Mas Mina respirou fundo e tomou coragem. Quando ela falou
novamente, ela parecia perfeitamente calma.
— Eu entendo. Mas seria possível para mim ter um treinamento mais
básico, para que eu possa aprender algumas maneiras melhores de me
proteger?
A expressão de Stella se suavizou em um sorriso gentil.
— Sim, eu acho que é uma ótima ideia.
Na mente de Mina, ela era uma marinheira em um barco. Uma rede
flutuava atrás dele, recolhendo pedaços que não pertenciam à superfície da
água.
Ela pegou a verdade sobre os demônios e o não de Stella e seus próprios
segredos. Colocou-os nessa rede. Manteve seu oceano calmo e gentil.
— Ótimo — disse ela. — Estou ansiosa para isso.

***

Fazia horas desde que Stella havia contado a verdade para Mina, e ela ainda
não sabia o que fazer. O dólar de areia em seu pulso doía, e ela continuou
brincando com seu colar de proteção, imaginando que horrores a esperavam
se ela o tirasse. Ela decorou seu quarto com tanto cuidado com cores suaves e
tecidos delicados, mas nenhum deles a acalmou agora. Tudo o que ela podia
fazer era repetir a conversa com Stella várias vezes.
Demônio. Demônio. Demônio.
A palavra não a deixaria em paz. Não só porque sua mãe guardou isso
dela. Mas, porque Mina tinha reconhecido muito do que sua mãe havia
falado.
Um ser que queria apenas causar danos. Alguém tão distante de sua
antiga vida humana que não se importaria com as consequências de ferir
uma criança – ou de atacar novamente assim que essa criança fosse tola o
suficiente para entrar no oceano durante uma convocação, indefesa.
Talvez ela estivesse apenas sendo paranoica. Ela esperava que sim.
Sua mãe tinha ido ajudar o tio Dom a limpar a bagunça que eles
abandonaram no centro comunitário depois de mais avisos para Mina ficar
parada. Mas Mina estava cheia de energia inquieta. Ela acabou no chão
novamente, levando um abridor de costura para aquele mesmo vestido de
babados. Ela estava presa nisso há quase duas semanas – bloqueio de designer,
talvez.
Quando seu celular tocou, ela o soltou. A campainha tocou, mas ela
ignorou isso também.
Até que tocou novamente. E de novo. E alguém começou a bater na
porta, forte e impaciente.
Claramente, essa pessoa não iria sair por conta própria. Mina sabia que
ela parecia uma bagunça, seu cabelo loiro despenteado de rolar na cama, sua
maquiagem borrada de choro. Ela trocou as roupas manchadas de sal que ela
usava para o centro comunitário, então ela atendeu a porta vestindo calça de
pijama de cetim e uma camiseta amarrotada com um pequeno arco-íris
bordado no bolso. No momento em que a abriu, desejou ter se recomposto
um pouco mais. Porque Evelyn Mackenzie estava parada na porta dela.
Evelyn era o tipo de beleza que Mina sempre quis ter: olhos delineados
da cor do oceano, longos cabelos castanhos ondulados, lábios sempre em um
leve biquinho com um sorriso que mostrava suas covinhas profundas. Mina
se esforçou para parecer polida e arrumada. Mas Evelyn sempre parecia ser
ela mesma totalmente e sem esforço, como se ela realmente não se
importasse com o que os outros pensavam.
Havia uma história que circulou no outono passado, sobre Evelyn
gritando com alguém que insultou seu pai e depois vomitou em alguma
festa. Esse tipo de atenção teria feito Mina murchar como um caracol, mas
Evelyn nem parecia notar. Era uma confiança que Mina desejava
compartilhar.
— Tudo bem! — Evelyn disse, em vez de olá. — Tudo bem, Zanetti!
Você ganhou! — Ela largou o longboard e o capacete no corredor da frente,
então fugiu dramaticamente para o sofá de veludo laranja, derrubando sua
bolsa de lona em algum lugar ao longo do caminho.
— Sapatos! — Mina disse, sentindo-se como sua mãe enquanto ela a
seguia. — Você vai deixar sujeira em todos os lugares. E você poderia pelo
menos ter perguntado antes de se convidar para entrar.
— A sujeira é o menor dos meus problemas — disse Evelyn, mas ela
tirou os tênis de qualquer maneira e enfiou as meias descombinadas sob os
joelhos, estilo pretzel. — Sua mãe está em casa?
Mina balançou a cabeça. Ela não entendia como ela podia se sentir tão
emboscada em sua própria casa, em seu próprio território. Tudo em Evelyn
Mackenzie era totalmente desestabilizador.
— Ok, bom — disse Evelyn. — Porque precisamos conversar.
— Eu entendi isso. — Mina olhou para as manchas de sujeira que os
tênis de Evelyn deixaram no tapete felpudo imaculado enquanto ela se
sentava na outra ponta do sofá. Ela precisava de uma caneca de chá e dez
segundos para pensar, mas ela não ia entender. — O que te trouxe aqui tão,
uh, urgentemente?
Evelyn franziu a testa para ela.
— Que diabos você acha? A merda de um fantasma assustador,
obviamente.
Levou cada grama de autocontrole que Mina possuía para não dizer que
eu avisei. Em vez disso, ela deu a Evelyn seu melhor sorriso educado.
— Então você precisa da minha ajuda? — ela perguntou, tentando não
parecer presunçosa.
O olhar que Evelyn lançou disse a Mina que ela definitivamente falhou.
— Apenas me diga o feitiço, o ritual ou o que quer que eu tenha que
fazer para que isso pare.
— Se você quer que eu lhe dê alguma ajuda, você precisa ser um pouco
mais específica sobre o que está acontecendo com você.
— Você quer que eu seja específica? — Mesmo que Evelyn nunca tivesse
ido ao chalé antes, ela parecia em casa na sala de Mina, espremida entre a
pilha de cobertores de crochê e um travesseiro macio. — Alguma coisa
quebrou uma janela e causou uma queda de energia em Scails & Tails. E eu
vi essa figura assustadora no espelho hoje com dólares de areia nos olhos,
como se eu estivesse em algum tipo de filme de terror de baixo orçamento...
— Já entendi. — A inquietação percorreu Mina, a mesma inquietação
que estava apodrecendo durante toda a manhã. — Você está sendo
assombrada pelo que quer que você invocou há duas semanas.
Evelyn soprou uma mecha de cabelo do rosto e caiu para trás no sofá,
olhando para o teto com textura de pipoca.
— Uau, que avanço — ela demorou. — Eu nunca teria imaginado.
— Você não precisa ser rude. — Mina olhou para as meias incompatíveis
de Evelyn. Uma era estampada com cactos, a outra com carinhas sorridentes
com os olhos em X. — Me deixe terminar de falar.
— Como se esperar você terminar de falar fosse tornar isso menos chato
— Evelyn murmurou. Mina sentiu como se estivesse olhando para qualquer
lugar, menos para ela – aparentemente pedir ajuda não era a especialidade da
outra garota.
— Bem, você está certa sobre essa parte. — Mina limpou a garganta
desconfortavelmente. — Hum... eu não acho que você invocou um fantasma
para te ajudar. Ou pelo menos, não fantasma comum.
— Ah, você acha que meu fantasma é especial?
Mina sabia que era uma má ideia dizer a verdade assim, mas Evelyn era a
única outra pessoa no mundo que sabia o que havia acontecido em
SandDollar Cove há seis anos. E depois do que ela aprendeu hoje, ela
precisava falar com alguém sobre isso.
— Eu acho que seu fantasma é um demônio em potencial.
Evelyn inclinou a cabeça para baixo, prendendo seu olhar com o de
Mina. Havia tanta coisa naqueles olhos – um turbilhão de emoções que
deixava Mina desconfortável mesmo a uma distância segura. Ela suspeitava
que era por isso que achava tão difícil fazer amigos: ela sabia como lidar com
os sentimentos de Stella, mas praticamente qualquer outra pessoa estava fora
dos limites.
Isso também tornou o namoro virtualmente impossível. Ela se assumiu bi
no ano passado depois de conversar com Stella por semanas, em um ato de
vulnerabilidade que ela não tinha certeza se seria capaz de novo. E então a
única garota que ela já tentou convidar para sair a deixou, então, claramente,
não valia a pena tentar.
A voz de Evelyn tirou Mina de seus pensamentos.
— O que você quer dizer com um demônio?
Mina explicou os eventos daquela manhã e as revelações que se seguiram.
Foi uma conversa infeliz, ainda mais infeliz pelo número de perguntas que
Evelyn fez que Mina não conseguiu responder.
— Então você está sendo alvo dessa... coisa — disse Evelyn.
— Você também — Mina disse fracamente. — Todos os médiuns são
vulneráveis para este fantasma.
A voz de Evelyn tremeu.
— Não sou médium.
Mina poderia ter argumentado com isso, mas... talvez fosse verdade. Se
esta foi a única entidade com a qual Evelyn já interagiu, pode ser por causa
de Mina. Bana esse fantasma, e é possível que Evelyn retorne à sua vida
normal.
— Você ainda precisa se proteger — disse Mina. — Você pode aceitar
isso, pelo menos?
— Por que você acha que eu vim aqui, Zanetti? — Evelyn fez uma
careta. — Agora me diga as palavras mágicas e eu as direi. Círculos de sal,
água, velas. Vou fazer tudo.
— Eu já te disse que não é tão simples. Mas estou disposta a ajudá-la a
descobrir.
— Tudo bem. Mas e as vítimas de afogamento no verão? Como eles se
encaixam em tudo isso?
— Eles ficaram presos dentro do fantasma. Como uma teia de aranha,
apenas a aranha digere sua presa extremamente devagar.
Evelyn parecia horrorizada.
— Precisamos contar às famílias deles.
Mina se lembrou de ter dito essas mesmas palavras para Stella apenas
algumas horas atrás. Ela estremeceu quando percebeu exatamente por que
sua mãe havia dito não.
— Não podemos contar a eles sobre nada disso — disse ela. — Só vai
piorar as coisas.
Evelyn se levantou, ardendo de fúria repentina. Ela tinha um
temperamento irreprimível desde que Mina a conhecia, uma incapacidade de
conter seus sentimentos que não poderia ser reprimida por nenhum valentão
ou professor. Mina sempre a considerou corajosa, mas agora ela se perguntava
se não teria sido apenas imprudência.
— Você não está perto disso como eu estou, Mina. Minha irmã estava
apaixonada por Jesse Slater. Ele era o irmão mais velho de Nick, e eu sei que
terminamos, mas ainda parece errado mantê-lo fora disso. Não deveria eles
têm a chance de saber o que realmente aconteceu com ele?
— Não vai ajudar — disse Mina. — Essas famílias acreditam que seus
entes queridos estão em paz. Quebrar essa ilusão só lhes causaria dor.
— Essa não é uma escolha que devemos fazer.
— Estou começando a me perguntar se fazer escolhas impossíveis faz
parte de ser médium — Mina disse calmamente, pensando no dólar de areia
debaixo de sua pulseira. — Mas eu tenho que acreditar que as regras da
minha família existem por uma razão.
— Você já quebrou essas regras antes. — Evelyn estava parada acima de
Mina agora. Sombras se acumularam sob os olhos de Evelyn, e seus lábios se
separaram em indignação. — Lembra?
Mina lembrou.
Foi um dia depois que o pai de Evelyn foi levado à delegacia para
interrogatório. Qualquer outra criança teria ficado em casa, mas Evelyn
apareceu na escola de qualquer forma, passando pelos sussurros e olhares
como se eles não importassem. Mina também teria se enganado se não a
conhecesse tão bem. Então, quando Evelyn saiu da fila do almoço, Mina a
seguiu.
Ela encontrou sua amiga chorando no fundo da sala de aula, segurando
sua mochila. Quando Mina se sentou ao lado dela, viu uma cobra de feltro
surrada saindo do topo. Mina sabia o momento em que ela viu o bicho de
pelúcia que isso era um negócio sério. A quinta série era velha demais para
trazer um brinquedo como esse para a escola, mas no momento Evelyn se
importava mais com o conforto do que com o potencial de provocações.
— Eles acham que meu pai matou aquelas pessoas — ela choramingou.
— Ele diz que vai ficar tudo bem, mas não vai ficar. Eu sei que não vai.
Mina poderia ter ficado quieta. Mas algumas semanas antes, ela havia
encontrado as instruções para uma convocação de espírito na caixa de joias
de Stella. Mina enfiou a página no bolso e copiou cada palavra antes de
devolvê-la, imaginando se algum dia teria coragem de usá-la.
Ela decidiu ser corajosa naquele dia porque Evelyn precisava de ajuda. E
era para isso que Stella sempre dissera que serviam os médiuns – ajudar as
pessoas.
— Eu posso consertar isso — ela disse. — Eu prometo.
Tudo depois disso foi um borrão. O som dos tênis dela e de Evelyn
rangendo contra as pedras molhadas. A forma como doeu mais do que
qualquer coisa quando a marca apareceu em seu pulso. Na semana seguinte,
quando Stella a levou para o hospital depois que a febre ficou muito alta.
— Ignorar o protocolo adequado foi o que nos colocou nessa confusão
— ela disse agora. — Pense nisso, Evelyn – se minha marca e sua
assombração estão acontecendo juntas, elas estão conectadas. Estamos
conectadas. Então, não, eu não quero quebrar as regras novamente. Eu quero
consertar as coisas.
Mina observou Evelyn considerar isso. Emoções passaram por seu rosto
como um enxame de peixinhos correndo nas águas rasas – medo,
arrependimento, determinação.
— Você acha que devemos contar à sua família? — ela perguntou
finalmente. — Se estivermos em perigo real, eles não deveriam saber que eu
tive algo a ver com isso?
O dólar de areia no pulso de Mina latejava, como se fosse uma resposta.
— Eles sabem que alguém é responsável por mexer com o fantasma. E
para ser honesta, se eles descobrissem que era você, não sei como eles
reagiriam.
Os olhos de Evelyn se arregalaram.
— Eles não pensariam que eu fiz isso de propósito, pensariam? E se eu
me explicasse?
Algo torceu no estômago de Mina que ela não entendeu muito bem,
algo que era além do medo do que poderia acontecer se Stella descobrisse
que o dólar de areia reapareceu em seu pulso. Mas seu silêncio prolongado
parecia ser uma resposta suficiente.
— Eu entendo — disse Evelyn finalmente. — Eu... eu acho que se eu
quiser me proteger, eu realmente não tenho escolha.
Ela estendeu a mão, adornada com esmalte preto lascado e um conjunto
de anéis de prata com vários símbolos sinistros - uma caveira, uma garra,
uma cobra comendo o próprio rabo.
— Se você me ajudar a parar de ser assombrada, eu vou ajudá-la a
descobrir uma maneira de se livrar dessa coisa de fantasma-demônio.
Mina assentiu, então pegou a mão de Evelyn. Ela poderia jurar que
ouviu vozes sussurrando na parte de trás de sua cabeça enquanto suas palmas
se entrelaçavam, e quando ela se afastou, seu colar de proteção estava quente
contra sua clavícula.
Capítulo oito

S E A CASA DE EVELYN PARECIA como um cemitério, a de Nick Slater parecia


um mausoléu: chique, mas sombrio, um lugar onde as vozes eram
automaticamente silenciadas e as memórias dos mortos espreitavam em cada
esquina. Os pais de Nick vieram da riqueza geracional e trabalharam na
Slater Enterprises, a empresa da família, que, como Evelyn entendeu, era
apenas uma empresa que comprava e vendia outras empresas para ganhar
mais dinheiro. No entanto, ninguém parecia usar nenhuma das merdas
extravagantes que compravam com esse dinheiro, desde o enorme veleiro nas
docas até a reluzente cozinha de mármore.
— Então, você finalmente quer conversar. — Nick atendeu a porta de
chinelos e uma camisa de botão com shorts cáqui engomados. Evelyn sempre
lhe disse provocativamente que ele parecia um garoto-propaganda dos
Hamptons, mas secretamente ela gostava de como ele era arrumado – até
que começou a parecer sufocante, como se ela tivesse que se encaixotar
também.
— Sim. — Evelyn havia mentido para Mina. Ela não se sentia bem com
isso, especialmente desde que Mina prometeu ajudá-la a se proteger de
algum tipo de demônio aspirante. Mas ela ainda não achava justo manter o
destino do Cliffside Trio um segredo, e Nick era um lugar fácil para
começar. — Eu sei que poderia ter ligado para você, mas parecia que dizer
isso pessoalmente poderia ser melhor.
— Obrigado. — Nick gesticulou para que ela o seguisse até a sala de
estar.
Fotos de Jesse estavam por toda parte, amontoadas na lareira e penduradas
em cachos artisticamente organizados nas paredes. Evelyn viu o irmão de seu
ex crescer a cada passo que ela dava, de um bebê adorável em uma camisola
fofa a uma criança dentuça e um adolescente sorridente. Algumas das fotos
tinham Meredith nelas. Parecia um golpe físico perceber que não haveria
mais atualizações chegando. A história de Jesse terminou antes que pudesse
haver fotos dele no baile de formatura, ou na formatura, ou na faculdade.
As famílias de Colin Maxwell e Tamara Winger deixaram a cidade após
os assassinatos, mas os Slaters escolheram ficar em Cliffside Bay. Evelyn sabia
em primeira mão o quanto essas decisões afetaram Nick. Era por isso que ela
estava aqui: para falar sobre o fantasma de Jesse. Mas enquanto ela estava
sentada em um sofá de couro branco, apertando os olhos para a luz do sol
que entrava pelas janelas do chão ao teto com vista para o oceano, ela não
conseguia tirar as palavras de Mina de sua cabeça.
Aquele Nick acreditava que seu irmão estava em paz, e talvez fosse
melhor continuar assim.
— Eu realmente não sei por onde começar — disse ela, girando para
encará-lo. Ele escolheu uma cadeira em frente ao sofá, cada braço de pelúcia
cravejado com âncoras de latão. — Uh. Talvez me certificando de que você
saiba que não estou tentando voltar com você.
Nick estremeceu.
— Direta como sempre, hein, Evie?
— Você disse que gostava quando eu era direta.
— Eu gosto — ele admitiu. — A maioria das pessoas não sabe como me
tratar. Mas você... — Ele deu de ombros. — Você apenas agiu como se eu
fosse uma pessoa normal. Você não fez nenhuma exceção especial.
— Mas eu fiz — disse Evelyn. — É por isso que eu disse sim quando
você me pediu para trapacear para você.
Nick brincava nervosamente com uma das âncoras.
— Eu não queria te culpar por isso, você sabe.
— Eu sei. E eu sou aquela quem concordou. Isso é minha culpa.
— Então por que você está aqui?
Você deveria dizer a ele.
Evelyn tentou juntar as palavras. Mas sentada neste memorial para Jesse
Slater, olhando para o rosto preocupado de Nick, ela não sabia o que dizer.
O que realmente aconteceria se ela contasse a ele sobre o fantasma de Jesse?
Ele teria perguntas. Ele ficaria ferido. Ele provavelmente nem acreditaria
nela.
Mina estava certa: faria as coisas mil vezes mais complicadas. Todas as
convicções de Evelyn pareciam tolas agora, incompletas e despreparadas para
serem testadas. Organismos na zona entre marés evoluíram como
mecanismos de defesa para lidar com suas mudanças – uma craca fechando
sua concha durante a maré baixa para capturar a água que precisava para
respirar, ou um caracol agarrado a uma rocha com o pé para sobreviver a
uma onda. Mas Evelyn sempre sentiu como se essas defesas fossem algo que
ela carecia. Ela tinha energia suficiente para se meter em problemas, mas não
o suficiente para sair.
— Não — ela murmurou, levantando-se de seu assento. — Eu- eu não
posso fazer isso.
— Evie. — Nick também se levantou da poltrona. Ele pegou uma de
suas mãos nas suas, desenrolou os dedos do punho que ela nem tinha
percebido que estava fazendo. — O que realmente está acontecendo? Eu
pensei que você queria que eu te deixasse em paz, mas você está... você está
aqui.
Evelyn olhou miseravelmente para as mãos dele sobrepondo as suas,
como se estivessem sufocando suas palmas. Tudo o que ela estava fazendo era
machucá-lo mais. E tudo o que contar a ele sobre o fantasma de Jesse faria
piorar ainda mais.
— Sinto muito por vir aqui e confundir você. Eu quis dizer o que eu
disse. Acho que devemos nos deixar em paz.
— Você sempre faz isso — A voz de Nick estava mais baixa, mais triste.
— Quando você está chateada, você me exclui. Não importa o quanto eu
tente estar lá para você.
— Isso não é justo. — Evelyn afastou a mão da dele. — Não estamos
mais juntos.
— Mas você fez isso o tempo todo em que estávamos namorando. Eu te
levei para jantar com meus pais, mas você nunca me deixou conhecer sua
família. Você nunca me deixou ir até sua casa. Você tinha vergonha de mim.
— Você sabe que não foi por isso que eu não deixei você conhecer
minha família. — Evelyn tentou conter as lágrimas. Ela não tinha certeza se
era isso que ela queria chorar, ou o que tinha acontecido com Mina, ou as
coisas assustadoras potencialmente demoníacas no Feijão Básico. Talvez não
importasse. — Minha vida não é como a sua. E eu sabia que se eu te
apresentasse ao meu pai, seus pais iriam pirar. Você também estava naquele
jantar – eles me odiavam! Eles provavelmente fizeram uma festa gigante para
comemorar nossa separação!
— Eu não… eu não me importo com essas coisas, todas essas teorias da
conspiração sobre seu pai, todos esses rumores que as pessoas espalharam
sobre você depois daquela festa — disse Nick com a voz rouca. — Tudo o
que eu queria era cuidar de você, e você não me deixou.
— Eu não preciso ser cuidada.
— Sério? Porque você com certeza parecia que sim quando eu te
conheci.
Finalmente, Evelyn entendeu.
— Você queria me salvar — disse ela. — Naquela festa. Em todas aqueles
encontros extravagantes. Você... você gostou que eu não estivesse
confortável, porque então eu sentiria que precisava de você.
— Eu nunca quis fazer você se sentir assim — Nick protestou. — Você
fica estranha quando as pessoas são legais com você, Evie. Não é a pior coisa
do mundo admitir que você precisa de alguém. Tudo o que eu queria fazer
era fazer você se sentir segura.
— Bem, você me pediu para colar em uma prova final para você — disse
Evelyn. — Então estou chamando de merda toda essa coisa de segura. Estou
chamando você de merda, na verdade. Você não quer dizer uma única coisa
que você diz.
— Então eu acho que terminamos aqui, se isso é realmente o que você
pensa de mim.
Evelyn olhou para ele.
— Acho que terminamos.
Ela estava com tanta raiva na volta para casa que ela quase bateu seu
longboard em um poste telefônico. Quando ela finalmente chegou na
entrada de sua casa, ainda repetindo sua conversa com Nick, havia um carro
estacionado torto no cascalho. Não a minivan surrada de seu pai – um
pequeno e elegante MINI Cooper, salpicado de adesivos semelhantes aos que
adornam o capacete de Evelyn.
Evelyn largou a prancha na varanda e saiu correndo pela porta. Alguém a
esperava na sala, sentada no sofá ao lado de seu pai em sua poltrona. Uma
jovem branca com um corte pixie marrom escuro e um rosto rosado e
sardento, seus olhos – da mesma cor que os de Evelyn – ampliados através de
um par de óculos de aro preto.
Evelyn já estava chorando um pouco, mas as lágrimas vieram mais rápido
agora, entupindo sua garganta e nariz até o único som que ela podia fazer.
era uma raspagem minúscula e sufocante.
— Meredith — ela choramingou. — Você chegou em casa.
Capítulo nove

F AZIA SETE meses desde que Evelyn tinha visto sua irmã mais velha
pessoalmente, e muito mais desde que Meredith pôs os pés em sua casa
de infância. Ela fugiu quando se formou e encontrou um ecossistema
totalmente novo na faculdade – um namorado, um círculo social, uma futura
carreira como contadora. Então, seu retorno a Cliffside Bay não foi apenas
um choque, foi uma ocasião monumental. Uma mudança sísmica.
— O que está acontecendo? — Evelyn estava sentada no sofá, fungando.
Meredith deu um tapinha em seu ombro gentilmente. — Por que você
voltou? Alguém morreu?
— Merda, Evelyn, não. — Meredith parecia perturbada. — Nada do
tipo.
— Merry vai passar o verão aqui — disse o pai da poltrona reclinável,
onde estava coçando a barba grisalha por fazer – um tique nervoso. A tela de
TV empoeirada, geralmente tocando a trilha sonora de sua crise de meia-
idade, estava muda.
Meredith fez uma careta.
— Por favor, Greg, não me chame assim.
O pai delas era Greg desde o verão do afogamento. Evelyn tinha certeza
de que era por causa da frequência com que sua mãe, Siobhan, usava o nome
de seu pai como se fosse um palavrão durante uma de suas brigas cruéis. Não
demorou muito para Meredith pegá-lo como uma arma própria.
Evelyn sabia que seu pai era inocente de uma forma que tanto Meredith
quanto sua mãe se recusavam a acreditar. Ele tinha sido o instrutor de vela do
Trio de Cliffside, claro, mas também tinha estado com Evelyn a noite toda
em um de seus passeios pela natureza ao entardecer. Mas porque ela tinha
sido a única com ele, os detetives se recusaram a acreditar em sua declaração
por si. Eles disseram que Greg poderia tê-la coagido a mentir para ele, que
ela era apenas uma criança.
Mas ela não era mais uma criança, e ela ainda se lembrava disso. O pai de
Evelyn foi quem despertou seu amor pela natureza, que lhe ensinou que a
vida pode florescer em quase qualquer lugar, de um deserto escaldante às
profundezas sem luz do mar. Sua caminhada final ao longo da costa antes de
tudo desmoronar sempre seria queimada em seu cérebro.
— Eu entendo, Meredith — seu pai disse. — Vocês estão todas crescidas
agora.
A mão de Meredith congelou no ombro de Evelyn.
— Sim, o que significa que eu não tenho que aceitar sua merda se eu
não quiser.
— Você é a única que apareceu sem ser convidada e perguntou se
poderia ficar por dois meses.
— E você disse que sim. Então não seja um idiota sobre isso na frente de
Evelyn, ok?
Greg sentou-se mais reto em sua poltrona, sua mão apertando uma lata
de Red Bull com tanta força que ela desmoronou com um guincho horrível.
— Você deveria estar grata por eu ter deixado você voltar aqui.
Meredith soltou uma risada sem alegria.
— E você deveria estar grato por eu estar disposta a voltar.
Após o divórcio, sua mãe se recusou a pedir a custódia. Ela abandonou
todos eles para uma nova vida em Nova York, e Meredith não fez segredo de
como estava zangada com isso. Já que ela não podia descarregar essa raiva em
Siobhan Mackenzie, ela se contentou com a próxima melhor coisa – seu pai.
As brigas de Greg e Meredith eram insuportáveis. As coisas nunca se
tornaram físicas, mas as palavras horríveis que eles lançaram de um lado para
o outro deixaram Evelyn enrolada sob as cobertas com as mãos sobre os
ouvidos, incapaz de processar como as duas pessoas que ela mais amava
podiam ser tão odiosos um para o outro. Ela passou os próximos anos
vagando pela Main Street, olhando para os tanques de animais em Scales &
Tails, conversando com Ruthie na loja de antiguidades, ou apenas sentada na
biblioteca, ouvindo a voz calmante da Sra. Morales conforme ela lia os livros
infantis da pré-escola. Quaisquer olhares que Evelyn recebesse valiam
algumas horas de distância dos gritos.
— Você pode parar isto? — ela perguntou agora, tentando soar do jeito
que os dois faziam quando ficavam com raiva – afiada. Determinada. Como
se não houvesse nada na terra que pudesse fazê-los recuar. — Faz cinco
minutos desde que Meredith voltou, e vocês já estão brigando.
Meredith exalou bruscamente, mas sua postura suavizou.
— Você está certa — disse ela, baixando a voz. — Eu posso ser civil se
você puder.
O pai delas ainda parecia agitado, mas seu olhar se voltou para Evelyn. E
talvez ele tenha visto o medo em seu rosto, porque depois de uma batida, ele
assentiu.
— Seu antigo quarto ainda é seu, se você quiser.
— Excelente. — Meredith se levantou. — Vamos, Evelyn. Eu poderia
precisar de alguma ajuda para desempacotar.

***

O quarto de Meredith permaneceu relativamente intocado desde sua


formatura no ensino médio, três anos atrás. Evelyn enfiou a cabeça lá dentro
a cada poucos meses, mas além de vasculhar as sobras no armário de
Meredith, ela não havia tocado em nada. Ela observou Meredith examinar o
colchão despojado em uma estrutura de cama empoeirada. Havia uma
mancha suspeita no centro, provavelmente danos causados pela água do teto
com vazamento.
— Bem, merda. — Meredith deixou cair sua mochila no chão. — Ele é
pior do que eu me lembro.
— Pai? — Evelyn perguntou, de pé desajeitadamente ao lado de uma
cômoda incrustada com três anos de teias de aranha e sujeira.
— Sim. Não sei como você aguenta.
— Ele geralmente não é assim — disse Evelyn. — Ele não grita faz... um
tempo.
— Desde que eu saí, você quer dizer. — Meredith olhou para as
persianas imundas na janela solitária. — Você pode dizer isso.
— Eu posso? — Evelyn odiou o tremor em sua voz.
— Sim, você pode. — Meredith puxou as cortinas, tossindo em uma
nuvem de poeira. A luz inundou o quarto, iluminando ainda mais a sujeira.
Mas também iluminou outras coisas - o desbotado cartaz ainda colados na
parede, a maquiagem vencida espalhada na cômoda. — Eu tenho
frequentado este terapeuta ultimamente. Transtorno de estresse pós-
traumático complexo. Controle de raiva. Você pegou a ideia. Você
provavelmente deveria falar com um também.
A raiva de Meredith não parecia particularmente administrada no andar
de baixo, e Evelyn não tinha como se dar ao luxo de ver um profissional de
saúde mental no seguro de seu pai. Mas ela engoliu essa verdade quando
Meredith foi vasculhar o armário do corredor em busca de material de
limpeza. Os Mackenzies eram rudes e barulhentos, com pavios curtos e
explosivos, e eles não se davam bem em uma sala juntos por todas essas
razões. Se Evelyn fosse honesta com Meredith... talvez ela desaparecesse para
sempre, assim como a mãe deles.
Meredith foi a primeira pessoa para quem Evelyn se assumiu. Ela a
ensinou como usar um absorvente interno, como colocar delineador. Ela até
a ajudou a se tornar vegetariana. Evelyn sabia que sua irmã não era perfeita,
mas a amava. E mesmo que tê-la em casa estivesse estressando o pai deles,
Evelyn sentira falta dela.
— Por que você voltou? — ela perguntou, quando Meredith voltou com
todos os produtos de limpeza da casa.
— Bem essa é uma pergunta divertida. — Meredith pegou um espanador
e o brandiu ameaçadoramente no parapeito da janela. — Riku e eu
conseguimos estágios de verão na cidade, então dividiríamos uma sublocação.
Mas ele foi aceito por essa incrível chance no último minuto. Então ele foi
para Berkeley, e eu não podia pagar sozinha o aluguel...
— Então você veio aqui. — Evelyn pegou uma vassoura.
— Não é como se eu tivesse outro lugar para ir a uma distância de
deslocamento. — Meredith atacou o parapeito da janela com o espanador
como se isso a tivesse insultado pessoalmente. — Greg está me cobrando
aluguel, mas tudo bem.
Evelyn passou a vassoura agressivamente pelo chão. Ela sabia que este
lugar era o último recurso para Meredith, mas ainda dói ouvir isso.
— Mas você e Riku estão bem? — Evelyn perguntou. O chão estava tão
sujo que varrê-lo só parecia piorar o problema.
Um sorriso finalmente se espalhou pelo rosto de Meredith, e ela assentiu.
— Estou muito orgulhosa dele. E definitivamente podemos lidar com
longas distâncias por alguns meses.
Riku era namorado de Meredith por cerca de um ano e meio, um nipo-
americano que havia ensinado Evelyn o básico do longboard durante sua
primeira visita ao SUNY New Paltz. Evelyn tinha visto através de seus
telefonemas com sua irmã como o relacionamento era bom para Meredith –
era parte de como ela sabia que as coisas com Nick não estavam
funcionando.
— Ei, e você e… — Meredith hesitou, torcendo a boca. Evelyn xingou
internamente. Era como se ela tivesse convocado a pergunta com seus
pensamentos.
— Eu acabei o namoro — Evelyn sacudiu sua pá em um saco de lixo e
começou a varrer tudo de novo. Quando ela olhou para Meredith, o alívio
no rosto de sua irmã era palpável. A família de Evelyn era tão ruim em
esconder seus sentimentos quanto ela.
— Eu disse que namorar com ele era uma má ideia — disse ela.
— Eu sei que você disse — Evelyn varreu uma nuvem de sujeira no ar;
desta vez, ela pode ter perdido a pá de propósito. — É por isso que eu não
queria te dizer que tinha acabado. Porque eu sabia que você diria eu te disse.
— Não é isso que estou dizendo. — Meredith se empoleirou na beirada
do colchão, limpando a sujeira de seu jeans. — A ideia de você namorar com
ele me assustou muito porque eu... eu não queria que você fosse como eu.
Um nó de aborrecimento apertou o peito de Evelyn.
— Ser como você não é a pior coisa, você sabe. Sua vida funcionou
muito bem.
A fuga de Meredith era basicamente o projeto de Evelyn. Sobreviva mais
dois anos nos extremos ásperos e imprevisíveis de Cliffside Bay antes de partir
para encontrar um ambiente mais hospitaleiro.
— Está boa agora, com certeza. Mas eu passei pelo inferno para chegar
aqui. — Meredith arrancou os óculos e começou a limpá-los em sua blusa,
que só parecia torná-los mais sujos. — Você sabe que as pessoas ainda tentam
me contatar sobre o verão do afogamento? Podcasters. Produtores de
documentários. Todos eles têm as mesmas perguntas ridículas sobre Greg,
sobre Jesse.
— Aposto que você os faz se arrepender de tentar falar com você.
Meredith deu a ela um sorriso ligeiramente perverso.
— Só quando estou de mau humor. Mas a questão é... não consigo tirá-
los das minhas costas. Você pode, e você merece ser deixado em paz. Se você
e Nick tivessem ficado juntos por muito tempo, isso os teria amarrado para
sempre.
Evelyn poderia ter dito muitas coisas. Como ela estava muito mais
envolvida no verão de afogamento do que Meredith sabia. Como ela era
provavelmente a única razão pela qual seu pai não estava na cadeia. Como
era inteiramente possível que o namorado morto de sua irmã (e o irmão
morto de seu ex-namorado) foi vítima de canibalismo espiritual. Mas
compartilhar tudo isso parecia uma péssima ideia.
Mina estava certa, e Evelyn odiava isso.
— Sinto muito que todas essas pessoas continuem fazendo perguntas a
você — ela disse finalmente. — Mas você não precisa mais se preocupar
comigo e Nick, ok? Eu prometo.
— Bom — Meredith disse. — Porque as perguntas que eles fazem são
verdadeiramente ridículas. Alguém me enviou um e-mail há apenas um par
de semanas atrás perguntando se Jesse estava ou não em algum tipo de
problema paranormal antes de morrer, pelo amor de Deus.
Algo se agitou dentro da mente de Evelyn e, por um breve momento, ela
sentiu o cheiro de água salgada.
— Espere, o que?
— É alguma teoria da conspiração boba da internet — Meredith disse
com desdém. — Olha, eu sei o quão difícil é aceitar isso. Há muito por aí
sobre papai, sobre Jesse, e as teorias... elas podem ficar bem loucas. Mas Jesse,
Colin e Tamara são – eram – pessoas reais, que realmente morreram, de uma
maneira realmente terrível. É isso que importa.
— Eu só queria que nada disso tivesse acontecido — disse Evelyn. — E
eu não sei como ajudar você ou papai a lidar com isso.
— Nada disso é seu trabalho — Meredith disse gentilmente. — Tudo o
que eu quero é que você tenha um verão normal e divertido, ok?
Evelyn forçou um sorriso.
— Ok.

***

Limpar o quarto de Meredith levou quase duas horas. Quando finalmente


terminaram, Evelyn trancou a porta do quarto por dentro e abriu o laptop.
Ela sabia que havia muitas informações externas sobre o verão de
afogamento. Nos últimos seis anos, muitas pessoas se dedicaram a desvendar
os assassinatos do Trio de Cliffside, detetives amadores que pensavam que, se
assistissem o suficiente a Law & Order: Unidade de Vítimas Especiais, estariam
qualificadas para resolver um caso real.
Era uma lata de vermes que Evelyn nunca sentiu necessidade de abrir.
Tudo o que ela veria eram coisas horríveis sobre seu pai. Mas as palavras de
Meredith despertaram uma nova curiosidade.
Ela digitou “o perigo paranormal do verão do afogamento” em seu
navegador e apertou enter.
Foram milhares de resultados. Tópicos do Reddit e postagens marginais
no fórum. Episódios de podcast sobre o “Assassino do dólar de areia” e
artigos longos e desconexos discutindo as posições exatas da lua e das estrelas
na noite em que os assassinatos ocorreram. Alguns conspiradores alegaram
que Jesse, Colin e Tamara foram abduzidos por alienígenas e depois
retornaram à Terra, ou que encontraram algum tipo de instalação do
governo e seus assassinatos foram um encobrimento. Tudo isso parecia tão
obviamente falso. Evelyn viu um post alegando que seu pai era o Assassino
do Zodíaco, apesar de ser literalmente uma criança durante seus primeiros
assassinatos e quase jogou seu laptop pela janela.
Mas então ela encontrou outra coisa.
O Trio de Cliffside não eram apenas três garotos aleatórios. Seus pais tiveram seu canal
do YouTube encerrado dias depois que seus corpos foram encontrados, mas uma cópia
arquivada de um vídeo permaneceu.
Evelyn respirou fundo, então clicou.
ESTAMOS QUASE LÁ, leia o título do vídeo. A descrição era simples. Somos
três amigos – C, J e T - que estão tão perto de expor a VERDADE sobre nossa cidade.
Vamos provar algo GRANDE. Link para nossas redes sociais abaixo!
— Isso não pode ser real — ela murmurou, mas ela apertou o play de
qualquer maneira.
— Olá, pessoal! — era de Jesse voz, estática, mas inconfundivelmente
dele. Um momento depois, seu cabelo castanho escuro apareceu na tela.
Atrás dele estavam Colin e Tamara, ambos acenando para a câmera. Eles
pareciam tão vivos, três pessoas brancas da idade dela com sorrisos gigantes e
roupas que não eram mais tão legais. A qualidade trêmula da câmera fez
Evelyn ter certeza de que eles tinham um telefone apoiado em um tripé
barato. — Sabemos que estamos realmente enigmáticos sobre o que está
acontecendo, e sabemos que qualquer coisa que tenha a ver com fantasmas
parece impossível. Mas eu prometo, vamos compartilhar tudo em breve.
— Com provas — acrescentou Colin entusiasmado.
— Ou assim pensamos — disse Tamara, dando-lhe uma cotovelada.
Eles continuaram rifando para frente e para trás por mais trinta segundos
e provocando seus seguidores sobre “levá-los junto na grande descoberta”
antes do vídeo ser cortado.
Evelyn o baixou imediatamente.
Ela andou para frente e para trás enquanto carregava em sua área de
trabalho. Esse foi o Trio de Cliffside, em vídeo, falando sobre fantasmas.
Como era possível que Meredith não soubesse disso sobre o ex-namorado, e
Nick não sabia sobre seu irmão? Isso tinha alguma coisa a ver com como eles
morreram, ou por que seus espíritos estavam agora em uma situação tão
terrível? Ela pensou em O pedido de Meredith para que ela tivesse uma vida
normal, e suspirou.
O normal tinha ido embora quando os policiais vieram buscar seu pai.
Quando sua mãe deixou sua própria família para trás. Quando Meredith
ouviu a notícia sobre a morte de Jesse e chorou por horas como um animal
selvagem, soluçando tão forte que Evelyn podia ouvir por toda a casa.
Ela precisava saber o que realmente aconteceu durante o verão do
afogamento. Apenas então sua família poderia curar. E ela não conseguia
afastar o pensamento de que isso tinha que estar ligado à investigação pessoal
de Mina.
— Eu vou descobrir o que aconteceu com vocês três — ela disse em voz
alta, olhando para seu quarto vazio. — E eu vou te ajudar. Eu prometo.
Ela não ouviu absolutamente nada em resposta, é claro. Evelyn olhou
com tristeza para Clara, sentindo-se tola. Pelo menos quando ela conversava
com sua cobra, ela poderia fingir que a língua trêmula de Clara ou a cauda se
contorcendo significava que ela estava ouvindo.
Evelyn pegou o copo de água ao lado de sua cama, apenas para tossir e se
engasgar assim que tocou seus lábios.
Alguma coisa – alguém – a transformou em água salgada.
Capítulo dez

M INA ASSISTIU AO VÍDEO que Evelyn mandou quando estava na cama, e


mesmo no seu ninho aconchegante de cobertores macios e um pouco
de chá de ervas não foi suficiente para afastar o medo profundo quando ela
terminou.
Ela se perguntou por anos se as vítimas do afogamento no verão
permaneceram em Cliffside Bay por causa do que ela e Evelyn tinham feito.
Mas ela nunca considerou que suas mortes poderiam ter algo a ver com uma
investigação paranormal.
Não podia ser coincidência que três pessoas que estavam perseguindo
ativamente um fantasma acabaram sendo absorvidas por um. Mas quanto a
como e por que, e o que isso significava para ela e Evelyn? Mina estava
menos certa.
Alguns dias se passaram sem muito progresso. Apesar da melhor
investigação da internet de Mina, ela não conseguiu encontrar qualquer
outra coisa que ligasse o Cliffside Trio a fantasmas, ou qualquer coisa sobre as
supostas verdades que eles estavam tentando expor. O oceano dentro dela se
agitou, inquieto.
Stella estava trabalhando longas horas no Centro Comunitário Shorewell,
preparando um casamento que Mina já havia concordado em ajudar, o que
não deixou muito tempo para o treinamento que ela havia prometido.
Evelyn também estava trabalhando. Pareceu como toda vez que Mina tentou
mandar uma mensagem para ela sobre o encontro, ela estava no meio de um
turno no Basic Bean ou no recém-reaberto Scales & Tails.
A paciência de Mina foi finalmente recompensada em uma noite
agradável no início de julho, quando ela recebeu uma mensagem de Sergio
dizendo que ele estava a dois minutos com algumas “coisas médiuns para
você”. Ela se levantou apressadamente, abandonando as calças largas ela
estava se preocupando. Sua coleção estava começando a tomar forma, várias
peças penduradas ordenadamente no cabideiro de sua porta. Infelizmente, era
a única coisa legal em seu quarto. No momento em que ela atravessou o
campo minado do chão de seu quarto e chegou à porta da frente, o carro de
Sergio estava entrando na garagem.
— Ajude-me a descarregar o porta-malas — ele chamou do banco da
frente.
A última vez que Sergio trouxe algo sem aviso prévio, foi um bando de
lagostas vivas em um cooler. Mina ficou agradavelmente surpresa ao
descobrir que, desta vez, o baú continha apenas algumas caixas de papelão.
Eles eram pesados, mas ela preferia levantá-los ao invés de manusear qualquer
coisa com pinças de trabalho.
— Você disse que isso tinha algo a ver com meu treinamento médium?
— ela perguntou, enquanto eles arrastavam as caixas para a varanda.
Sérgio assentiu.
— Papai e tia Stella estão inundados agora, então eles me pediram para
supervisionar isso.
— Hum, tudo bem. — Mina sentiu um familiar puxão de decepção.
Não que ela não confiasse em Sergio para ajudá-la, mas quando Stella
concordou em treinar, Mina assumiu que ela queria dizer com sua mãe e seu
tio.
— Sim, sim, eu sei, você não queria o time B. — Embora o Sérgio fosse
gentil, mas gostasse de provocar, Mina não teve o ressentimento nela.
— Não foi isso que eu quis dizer — disse Mina. — Eu estou apenas…
— Surpresa que você está sendo ensinado por mim? — Sergio colocou
suas caixas no chão, então se endireitou e olhou para o oceano. O sol tinha
acabado de se pôr, e a lua era a menor fatia de crescente, ao lado de algumas
estrelas piscando. — Acho que papai percebeu que se eu não posso ser
médium, tentei fazer o treinamento vezes suficientes para ensinar outra
pessoa.
— Você não deveria ter que fazer isso — disse Mina, virando-se para ele.
— Eu sinto muito.
— Está tudo bem. — Sérgio suspirou. — As coisas estão piorando. Eles
precisam de você. Entendo.
Mina sabia que ele estava certo. Alguns dias atrás, durante a lua nova,
Stella teve uma enxaqueca assassina. Ela passou a noite abrigada atrás das
proteções em sua casa, congelando sua testa e ouvindo podcasts. Mina não
conseguia se lembrar exatamente quando o peso total das vozes dos espíritos
começou a machucar tanto sua mãe, mas depois do que Stella disse a ela
sobre as coisas mudarem, ela não conseguia parar de ver isso em todos os
lugares. Ela puxou ansiosamente seu colar de proteção.
— Por que você acha que os fantasmas estão mudando? — Ela
perguntou a ele.
— Não sei. — Sérgio se afastou da água. — Talvez seja porque há menos
médiuns em Cliffside Bay agora. As coisas definitivamente pioraram depois
que todos os outros foram embora.
— Então por que eles foram? — perguntou Mina. — Se eles soubessem
que isso colocaria Cliffside Bay em perigo?
— Eu realmente não sei, mas eu me lembro de papai brigando muito
com nossos primos sobre toda essa porcaria médium. — Sergio se agachou e
abriu uma das caixas com as chaves do carro. — Eventualmente, eles tiveram
uma grande briga final e depois foram embora. Tentei entrar em contato
com um de nossos primos nas redes sociais depois e ele me bloqueou. Todos
eles fizeram. Terra totalmente queimada.
— Sobre o que eles estavam brigando? — Mina nunca tinha pensado
muito sobre sua outra família, mas ela sabia que alguns deles eram médiuns.
Mais Zanettis em algum lugar, conversando com os mortos. Talvez se eles
tivessem ficado, ela já teria sido treinada. Talvez Sergio estivesse certo, e seria
mais seguro.
Sérgio deu de ombros.
— O Inferno que eu sei.
Ele derrubou a caixa, e a curiosidade de Mina foi superada pela
admiração quando o conteúdo se espalhou pela varanda. Para alguém de
fora, isso pareceria bijuterias: brincos de encaixe e pulseiras vistosas, e
pingentes, tantos pingentes, vidros de todas as cores em cordas que estavam
irremediavelmente emaranhadas. Para Mina, eles eram muito mais preciosos
do que ouro.
— Oh — ela engasgou, ajoelhando-se ao lado deles. — Eles estão
realmente me deixando tentar isso?
— Sim. — Sergio pegou um rubi de plástico que havia caído de um dos
colares e o jogou de volta na pilha. — Eles querem que você encontre um
foco.
Mina estava esperando por este momento desde que sua mãe explicou
pela primeira vez para ela porque aquele pingente de lavanda sempre estava
pendurado em seu pescoço.
Um foco de vidência permitiria que ela vasculhasse os espíritos falando
com ela e os ouvisse um de cada vez. Como a única regra era que o foco de
vidência precisava ser feito de vidro, os Zanettis mantinham uma variedade
de bugigangas no porão de Dom para o caso de precisarem substituir os
deles. Dom habitualmente perdia o dele, mas Stella possuía aquele mesmo
pingente desde que Mina conseguia se lembrar.
Mina estava emocionada por finalmente dar esse passo. Ela só... sempre
pensou que isso era algo que ela estaria fazendo com Stella. Não com Sergio.
Ela suspirou, reprimiu a decepção acima mencionada e se virou para seu
primo.
— Por onde devo começar?
— Eu vou guiá-la através dele. Papai tentou me fazer isso um monte de
vezes, então sou basicamente um especialista — disse Sérgio. — Espere. Você
vai precisar disso.
Ele enfiou a mão em uma das outras caixas e tirou um lenço.
— Vou lhe entregar as peças uma a uma — explicou. — Você ficará com
os olhos vendados, para que possa se concentrar melhor e não possa fazer
escolhas com base no que tia Stella chama de 'apelo estético'.
— Foi assim que o tio Dom acabou com um globo de neve inédito?
Sérgio sorriu para a memória.
— Acho que ele perdeu essa de propósito.
Ele jogou o lenço para ela, que era xadrez e arranhado.
— Isso é tudo? — perguntou Mina. Parecia bem simples.
— Sim, até você sentir uma conexão com um deles. Ele deve brilhar
também, então poderei dizer se você o encontrou.
— Tudo bem então. — Os nervos vibraram no estômago de Mina
quando ela levantou o lenço em direção ao rosto, mas Sergio interrompeu
rapidamente antes que ela pudesse amarrá-la atrás da cabeça.
— Ah, eu esqueci completamente. Você precisa tirar o colar. Bloqueia
sua intuição.
— O que você quer dizer com 'intuição'?
— Quero dizer, isso impede você de fazer qualquer coisa médium.
Obviamente.
Mina largou o cachecol no colo e pegou o pingente de latão. Era suave e
fresco sob seus dedos.
— Achei que isso impedia os fantasmas de se comunicarem comigo
quando eu não quero. Ou me atacar.
— Isso também impede você de se comunicar com eles, mesmo que
você queira — disse Sergio. — Via de mão dupla.
— Mas eu vi os fantasmas no centro comunitário!
— Porque papai e tia Stella os convocaram, claro. Não tem como você
fazer isso sozinho com essa coisa ligada.
Mina sentiu como se algo tivesse caído em seu oceano e ela não tivesse
pegado a tempo. Ondulações estavam se espalhando pela água agora, ficando
cada vez maiores até que ela não podia mais ignorá-los.
Se Sergio sabia a verdade sobre seu colar, Stella certamente sabia
também.
— Eles não me contaram. — Ela puxou o colar sobre a cabeça, esfregou
o polegar sobre o pequeno coração vermelho no centro, então apertou a
coisa toda em seu punho. — Eu não tenho mais que usar isso depois que eu
encontrar um foco de vidência, certo?
— Certo — disse Sérgio. — E, se vale de algo... você nem sempre tem
que fazer o que eles dizem.
— Eu sei disso — Mina resmungou, mas o olhar que Sergio atirou para
ela lhe disse que ele não tinha tanta certeza. Ela se perguntou como o rosto
dele mudaria se ela contasse a ele sobre seu acordo com Evelyn – ou sua
quebra de regras durante o verão de afogamento.
Ainda assim, ela não podia negar que algo mudou quando ela colocou o
colar na varanda ao lado dela. O mundo parecia um pouco mais em foco, as
cores um pouco mais brilhantes. Embora talvez fosse apenas o efeito placebo.
Mina amarrou a venda nos olhos antes que Sergio pudesse dizer qualquer
outra coisa que pudesse desestabilizar sua visão de mundo. O ar da noite de
verão estava frio contra a pele de Mina, como um xale em volta dos ombros.
Ela respirou o aroma familiar de velas de citronela misturadas com sal
soprando na brisa da noite.
— Tudo bem-disse ela, colocando as mãos em concha e esticando-as
para fora. — Vamos começar.
No começo, era quase relaxante. A cada poucos segundos, um novo
objeto de vidro era colocado nas mãos de Mina. Ela correu os dedos sobre
ele, encontrando lascas e sulcos, às vezes sentindo os lugares onde um metal,
uma peça ou uma pedra semipreciosa era cravada na lateral. Eles esperaram
alguns segundos, ocasionalmente um pouco mais, antes que Sergio lhe
perguntasse se ela sentia alguma coisa.
— Não — disse ela, e eles continuaram.
Após o décimo primeiro objeto, deixou de ser relaxante.
Depois que Sergio jogou fora a segunda caixa, tornou-se totalmente
frustrante – Mina tocou em pingentes e alfinetes, enfeites e pulseiras, um
brinco aqui, uma bugiganga ali, e nenhum deles parecia nada além de vidro
comum. Sergio confirmou que nenhum deles também brilhou.
O lenço coçava sobre os olhos de Mina, que agora estavam cheios de
lágrimas não derramadas. Mas ela continuou tentando. Esperando cada vez
que este pudesse ser aquele pelo qual ela sentiria aquela atração magnética, o
objeto de vidro que ganharia vida para ela. Até que finalmente, em vez de
entregar-lhe um item, Sergio soltou um suspiro derrotado.
— Sinto muito — disse ele. — Já foram todos eles.
Mina tentou não soluçar, mas sua tosse pouco convincente era uma
alternativa patética. Ela puxou o cachecol e imediatamente desejou não ter
feito isso – a pilha enorme de focos de vidência fracassados na varanda entre
eles parecia zombeteira.
Ela nunca havia falhado em um teste antes.
— Por que não funcionou? — Mina tentou manter sua voz calma, suas
lágrimas não derramadas. Este era apenas um problema a ser resolvido.
Claramente os fantasmas podiam falar com ela, portanto ela era uma
médium, portanto ela acabaria encontrando um foco de vidência.
— Não sei. — Sergio começou a colocar punhados de joias de volta nas
caixas. Ele não faria contato visual com ela, e Mina se perguntou se ele
estava pensando que estava errado sobre suas habilidades.
— Você tem alguma ideia de quanto tempo geralmente um médium leva
para encontrar um foco de vidência?
Sérgio tossiu.
— Quero dizer... quando eu ajudo o papai, é tipo, dez, no máximo. Ele
meio que parece saber quais pegar – como se estivessem chamando por ele.
A venda nos olhos e outras coisas são para ajudar a treinar você para sentir
isso.
— E você tem certeza de que quando toquei em todas aquelas joias...
nenhuma delas brilhou?
— Com certeza. — Sérgio olhou para ela gentilmente. — É meio difícil
perder isso.
Mina mal podia ouvir as ondas, mal sentia o cheiro do sal. Seu mundo
parecia muito pequeno e muito entorpecido.
— Ei. — Sergio se aproximou e passou o braço em volta do ombro de
Mina, puxando-a para um abraço fraternal. — Vai acontecer. Você só tem
um gosto melhor do que as roupas estranhas do papai e da tia Stella. Da
próxima vez vamos tentar algo mais legal, ok? Talvez mais moderno.
— Tudo bem — Mina murmurou. Seu primo estava com pena dela, o
que teria sido doce se não fosse tão embaraçoso. Além disso, ele cheirava a
cerveja velha. Mina torceu o nariz e se afastou. — Aqui. Eu te ajudo a
limpar.
Depois que as joias foram colocadas de volta no carro, Sergio se ofereceu
para ficar para jantar. Mas Mina recusou. Ela esquentou um prato de
costeletas de cordeiro com alho e molho de erva-doce e comeu enrolada no
sofá de veludo laranja, fungando. Ela pensou que a refeição a faria se sentir
melhor, mas em vez disso parecia uma lembrança de Stella, de tudo que ela
nunca poderia viver.
Eventualmente, ela puxou seu colar de proteção do bolso e olhou para
aquele pequeno coração de vidro. Ela começou a colocá-lo, então hesitou e
o enfiou de volta no bolso.
Naquela noite, a rede imaginária de Mina estava muito cheia. Ela
recolheu sua culpa, sua vergonha, seu medo, então os colocou em seu
pequeno barco. Suas presas se contorceram ali, coisas afiadas e pontiagudas,
algumas escorrendo, algumas apodrecendo, algumas rosnando para ela com
bocas demais. Ela pegou a rede para olhar para eles – e então ela os
empurrou em um baú de ferro enrolado com correntes de prata. Mina
respirou fundo e o jogou para o lado.
Afundou muito, muito lentamente.
Capítulo onze

U LTIMAMENTE, BASIC BEAN estava corroendo a força vital de Evelyn. Ela


trabalhou um duplo no 4 de julho que a fez pensar em se retirar da
sociedade e passar o resto de sua vida vagando no deserto. No dia seguinte,
ela apareceu ao amanhecer para um turno de abertura na Scales & Tails para
alimentar todos os animais, limpar suas gaiolas e varrer o chão da loja. Ela
mal teve tempo de tirar uma soneca antes de voltar para o Basic Bean, onde
parecia que todos os clientes estavam de mau humor tanto quanto ela.
— O que está acontecendo? — Kenny murmurou, enquanto Evelyn se
virava da caixa registradora para encher um café gelado rápido. — Você
parece zangada. Ok, mais irritada do que o normal.
Evelyn fez uma careta para ele enquanto segurava um copo embaixo da
máquina de café expresso.
— Perguntar se estou com raiva não vai me deixar menos irritada.
— Você tem aquele latte de caramelo, espuma extra? — chamou Amy
Cheng. Na maioria das vezes, o Basic Bean só tinha dois baristas ao mesmo
tempo, mas ultimamente as coisas estavam tão ocupadas que eles adicionaram
um terceiro nos turnos do meio-dia. Amy, uma garota sino-americana na
série de Evelyn que sempre vinha para trabalhar usando um colar de palhetas
e um tom inesperado de batom, estava atualmente cuidando do bar frio.
— Sim — Kenny disse apressadamente, entregando a ela.
— E você mandou uma mensagem de volta para ela? — Amy
acrescentou, pegando a bebida de Kenny. Seu cabelo estava preso em um
coque bagunçado, exibindo seu corte inferior, e seus lábios azuis escuros
estavam curvados em um sorriso conhecedor.
Kenny corou.
— Eu–não–eu–
— Podemos discutir isso mais tarde — ela disse antes de entregar a
bebida a um cliente que esperava. Kenny e Amy eram amigos – uma dupla
estranha, já que Amy havia liderado uma banda grunge em um ponto e não
aceitava merda de ninguém, enquanto Kenny passava a maior parte do tempo
trabalhando em projetos de engenharia de áudio e se transformando em um
pretzel à menor provocação.
— Você está mandando mensagem para alguma garota? — Evelyn
perguntou a Kenny, que parecia que ele queria afundar no chão. Ela deu o
café gelado para seu cliente com um sorriso e forçou um “tenha um bom
dia”. Quando ela se afastou do caixa novamente, Kenny estava esperando por
ela.
— Ei, você quer trabalhar no bar quente? — ele perguntou
apressadamente. — Isso lhe daria uma pausa na conversa com os clientes,
pelo menos por um tempo.
Evelyn sabia que ele estava mudando de assunto, e ela não apreciava a
insinuação de que ela não estava em condições de falar com as pessoas. Mas
então ela se virou para a fila de clientes, quase na porta, e percebeu que fazer
as bebidas era de longe o mal menor aqui.
— Ok — ela disse, surpresa por quão grata ela estava.
As próximas horas se passaram em um borrão. Evelyn não se importava
com essa parte do trabalho. Ela poderia desligar seu cérebro, e contanto que
ela continuou se movendo, ela não teve que pensar em quão cansada ela
estava. Ela esquentou bolos e fez bebida após bebida, lutando com a máquina
de café expresso e tentando o seu melhor para transformar a espuma de café
com leite em um design fotogênico convincente que Luisa teria tirado fotos
alegremente.
As coisas finalmente desaceleraram no meio da tarde. Evelyn engoliu um
bolo velho – não havia tempo para o almoço – antes de voltar ao registro.
Ela estava muito mais disposta a estar lá sem uma centena de pessoas
exigindo combinações de bebidas cada vez mais ridículas. Amy e Kenny
pegaram seus próprios doces e começaram a discutir ao lado da vitrine.
— Pare de surtar e apenas faça logo — disse Amy enquanto retocava seu
batom no reflexo da máquina de café expresso. — Ela vai te mandar uma
mensagem de volta.
— Você não sabe disso. — Kenny mexeu nervosamente com os óculos,
tirando-os e limpando-os no avental. — E se ela me odiar por tentar de
novo? E se eu for horrível? E se–
— Kenny. — Amy enfiou o batom de volta no bolso do avental e
colocou a mão no braço dele. — É uma mensagem, não um pedido de
casamento.
— Garota misteriosa de novo? — Evelyn perguntou.
— Sim. — Amy revirou os olhos. — Eles continuam flertando, mas
nenhum deles vai fazer nada sobre isso.
— Porque não é flertar! — Kenny protestou. — Ela está apenas sendo
legal.
— Ela ouviu aquele podcast depois que ele recomendou — Amy
murmurou para Evelyn.
Evelyn não conseguiu conter uma risada.
— Merda, Kenny, isso é amor verdadeiro. Você deveria mandar uma
mensagem para ela.
Ela voltou para o caixa para encontrar um rosto muito familiar esperando
por ela.
Ao contrário de Scales & Tails, Mina vinha ao Basic Bean de vez em
quando. Evelyn sempre fez Kenny falar com ela, mas hoje ela ficou atrás do
balcão, aliviada por haver pelo menos um cliente para o qual ela não teria
que fingir um sorriso.
— Ei — ela disse. — Cafeína?
Mina se inclinou um pouco sobre o balcão.
— Olá. Hum. Eu realmente preciso falar com você. Eu tenho mandado
mensagens para você–
— Eu sei — disse Evelyn. Os textos tinham sido enigmáticos e
cuidadosamente redigidos Precisamos nos encontrar em breve e
Alguma atualização sobre sua condição?, como se ser assombrado fosse
um problema médico. — Estive trabalhando.
— Sim. Estou bem ciente. — Mina brincou com a alça de vime de sua
bolsa. Hoje ela usava uma saia mídi com estampa floral, saltos plataforma
grossos e um top de cor creme que mostrava uma faixa pálida de sua barriga.
Mas embora sua roupa a fizesse parecer que ela veio direto de tomar um
monte de fotos perfeitas em um campo de flores silvestres, havia um leve
vazio em seus olhos que nem mesmo seu rosto perfeitamente maquiado
conseguia esconder. — É importante.
— Meu turno termina em quinze minutos — disse Evelyn. — Pode
esperar tanto?
Mina assentiu, visivelmente aliviada, e saiu correndo do caixa.
Evelyn virou-se para encontrar Amy e Kenny olhando muito curiosos
para ela.
— O que… — Kenny começou. Evelyn deu-lhe um olhar que ele deve
ter achado verdadeiramente feroz, porque ele engoliu em seco nervosamente
e olhou para Amy pedindo ajuda.
— Ela obviamente não quer falar sobre isso — disse Amy, encolhendo os
ombros.
— Mas eu não quero falar sobre minha vida pessoal.
— Foi você quem me pediu conselhos sobre garotas — disse Amy.
Kenny corou.
— Porque você flerta com garotas o tempo todo, então pensei que você
seria boa nisto!
— Sim, eu sou uma especialista. Portanto, você deve me ouvir.
E então eles foram embora novamente, discutindo no canto. Evelyn
ficou no caixa até que seu turno terminasse, então desligou e foi até a mesa
de canto de Mina, armada com dois cafés gelados em copos biodegradáveis.
Ela gostou que os escritórios corporativos da Basic Bean pelo menos
fingissem se preocupar com o meio ambiente.
— Aqui — ela disse, deslizando sobre Mina. — Café gelado com quatro
açúcares, uma dose de calda de chocolate e um pouco de chantilly por cima.
Mina ficou visivelmente surpresa.
— Você sabe o meu pedido de café?
— É impossível não lembrar da pessoa que basicamente pede um sundae.
Você sabe que o Gino's Gelato fica na mesma rua, certo?
Mina olhou para ela com altivez.
— Com uma equipe muito mais charmosa, sem dúvida.
— Cuidado, Zanetti — disse Evelyn. — Sua monstruosidade adjacente à
cafeína é grátis. Eu tenho o poder de mudar isso.
Mina deu uma risadinha e por um momento ela pareceu muito menos
tensa. Evelyn suavizou – era bom fazê-la mais feliz.
— Obrigada — disse a outra garota, tomando um gole. — E, desculpe.
Eu não queria incomodá-la no trabalho de novo. Você é apenas bastante
difícil de encontrar.
— Entendi. — Evelyn levou um longo gole de seu Americano gelado. A
corrida da cafeína evitaria sua exaustão por pelo menos um pouco mais. —
Então o que está acontecendo?
— Nada realmente — Mina murmurou. — E… por que seu colega de
trabalho está olhando para nós?
Evelyn se virou para ver Kenny observando-as enquanto ele pendurava o
avental. Tão previsivelmente intrometido.
— Ele provavelmente começou a me associar com drama — disse ela. —
A última vez que alguém veio me visitar aqui, era Nick.
— Seu ex? O que ele queria?
— Todas as coisas dele de volta — disse Evelyn. — Mas acho que
principalmente ele só queria conversar.
— Isso soa exaustivo. — Mina tomou outro gole.
— Era. E você? Algum ex remanescente?
— Eu não. — Mina parecia meio melancólica. — Nunca namorei
qualquer pessoa. Embora eu tenha tido várias conversas legais com as pessoas
depois que me assumi, mas... nenhuma delas foram a qualquer lugar.
Quando Evelyn saiu do armário, ela escreveu uma legenda longa e
intensa nas mídias sociais sobre saber quem ela era e querer que o mundo
soubesse também. Mina tinha acabado de postar um look de maquiagem
com as cores das sombras da bandeira bi. Elegante, minimalista e chique.
Típica.
— Você disse a algum deles como se sentia? — Evelyn perguntou.
O rosto de Mina se contraiu.
— Absolutamente não.
— Então é claro que não deu certo! Eles te mandaram uma DMs. Eles
estavam totalmente interessados em você. Você não pode dizer que eles não
estavam interessados só porque você não os convidou para sair.
Mina deu a ela um olhar gelado.
— Eu não estou aqui para obter seus insights sobre minhas capacidades de
namoro. Ou a qualidade das minhas mensagens diretas.
Evelyn sentiu uma pontada de mágoa – ela gostaria de conversar com
outra pessoa sobre como era ser bi e ter dezesseis anos em Cliffside Bay, mas
ela o empurrou para baixo. Aparentemente, Mina não era exatamente o tipo
de ligação sentimental.
— Então para que você veio? — ela perguntou.
— Ah. Certo. — Mina suspirou. — Bem, tenho pensado muito sobre o
fantasma e seus possíveis laços com o verão do afogamento.
— Eu também. — Os cubos de gelo no café de Evelyn tilintaram
enquanto ela mexia o canudo. — Eu estive procurando algumas coisas.
Este era um eufemismo enorme. Depois de encontrar o vídeo, Evelyn
caiu profundamente na toca do coelho sobre o verão de afogamento do qual
ela passou seis anos se escondendo. Durante seus poucos momentos de
precioso tempo livre, ela leu um monte de artigos sobre o Trio de Cliffside,
ouviu episódios de podcast e assistiu a clipes de um documentário online.
Até as partes sobre o pai dela. As provas contra ele tinham sido puramente
circunstanciais, mas ainda doía ouvir tudo isso.
Demasiada exposição a condições severas e implacáveis poderia matar
qualquer organismo, não importa o quão fortemente eles se adaptaram ao
seu ambiente.
— Eu fiz o mesmo — disse Mina. — Mas, francamente, acho que
devemos ver isso como banir um espírito perigoso, não uma investigação de
assassinato. Nós não temos nenhuma prova que as mortes de Tamara, Colin e
Jesse, por mais trágicas que sejam, estão relacionadas a tudo isso.
— Eles estavam brincando com um fantasma, e então acabam como
vítimas de canibalismo espiritual? De jeito nenhum isso é uma coincidência.
— Eu entendo por que encontrar a verdade é importante para você —
disse Mina. — Mas você não deve se distrair com isso. Você está em perigo
aqui, isso é o que mais importa agora.
O temperamento de Evelyn apareceu.
— Ah, sim, como ouso me distrair com aquela vez em que meu pai foi
falsamente acusado de assassinato. E, além disso, nada me aconteceu nos
últimos dias.
— Porque a lua está em seu primeiro quarto, sim. Isso vai mudar.
— Eu não dou a mínima para a lua, Zanetti. Você prometeu me ajudar a
lidar com o fantasma – talvez ver como eles estão conectados ao verão de
afogamento seja parte desse acordo.
— Eu sei o que prometi a você. Eu… — Sua voz vacilou, e Evelyn viu
aquela fachada cuidadosa rachar novamente. — Eu vim aqui para lhe dizer
que talvez essa promessa não fosse... viável.
Evelyn estava pronta para uma discussão, que se dane o julgamento de
Amy e Kenny. Mas o tom de Mina a fez hesitar, assim como a maneira como
ela esfregou apressadamente um de seus olhos.
Mina ficou chateada. E Evelyn poderia dizer que ela não estava chateada
com ela.
— Por quê? — ela perguntou.
Mina retransmitiu a história em rajadas curtas e rígidas de informações –
seu primo, seu treinamento, a busca fracassada por um foco de vidência.
— É apenas... bastante irritante — ela terminou. — Eu tentei de novo
todos os dias desde então, mas não está funcionando. E, bem, eu não posso
protegê-la ou descobrir como banir um fantasma sem um foco de vidência.
É o primeiro passo para se tornar um meio real. E parece que não consigo!
O que é obviamente muito divertido.
Evelyn entendia agora. Esta foi a primeira vez na vida de Mina Zanetti
em que algo não foi fácil para ela. Não é à toa que ela estava surtando.
— Você é totalmente médium — Evelyn rebateu. — Tipo... não é como
se você não pudesse falar com fantasmas. Portanto, deve haver o foco certo lá
fora.
Mina olhou desamparada para sua bebida.
— Eu suponho.
Uma ideia brotou na mente de Evelyn. Ela estava ansiosa para ir para casa
e descansar, mas... eram apenas 16h. Ela tinha tempo para isso. E ela não
gostou da ideia de deixar Mina sozinha e chateada.
— Eu sei que você já passou por um monte de potenciais focos de
vidência, mas sei onde encontrar mais — disse Evelyn. — Muito mais. Se
você está a fim de tentar novamente.
Mina olhou para cima.
— Sério?
— Sério.
Capítulo doze

R UTHIE FICAVA A ALGUNS quarteirões abaixo do Basic Bean, bem na praça


principal de Cliffside Bay. Mina caminhou enquanto Evelyn deslizava
em seu longboard. Isso lhe deu centímetros extras suficientes para estar no
nível dos olhos de Mina.
— O ciclo da lua é importante para os médiuns porque está ligado à
quando as marés altas são mais altas e as marés baixas são mais baixas —
explicou Mina. — O quão perto a lua e o sol estão do oceano altera esse
alcance.
— Eu sei disso. — Evelyn pensava muito nas marés, na verdade, mas não
por causa de fantasmas. A flutuação anormal do nível do mar estava
contribuindo para a erosão costeira e mexendo com as criaturas cujas vidas
estavam ligadas ao Sound. As mudanças das linhas d'água ultrapassaram a
evolução, e Evelyn estava dolorosamente ciente das consequências que teriam
para a biodiversidade local.
— Excelente! Então, você pode me dizer em que épocas do mês
podemos esperar uma maior amplitude de marés?
Evelyn hesitou. Isso, ela tinha menos certeza.
— Hm. Não.
— Na lua nova e na lua cheia, o alcance das marés é maior porque a lua
e o sol estão alinhados. Isso se chama maré de primavera. E quando a lua e o
sol estão em desacordo – cancelando sua atração gravitacional um para o
outro – seu alcance é reduzido. Isso é ainda mais exacerbado pela distância da
lua e do sol à Terra. Isso é o que chamamos de maré morta – no que estamos
agora, na verdade.
— Sempre achei esse termo meio bobo — disse Evelyn, mal
conseguindo conter uma risada. Ela conseguia se lembrar da primeira vez
que seu pai disse as palavras maré morta para ela, como ela e ele se juntou a ela
um momento depois.
— Você não deve levar isso tão levemente, já que é o que está
protegendo você — disse Mina com altivez. — O alcance das marés é o mais
baixo possível agora, portanto, o fantasma é fraco. Mas a noite em que meu
dólar de areia voltou? Isso foi numa lua cheia.
— A maior amplitude de maré possível. — Evelyn contemplou todas
essas informações combinadas com o que ela já sabia sobre a costa e percebeu
que, ao contrário do que ela disse no Basic Bean, ela se importava com a lua.
— Você acha que a mudança climática afetará a maneira como os fantasmas
se comportam? A mudança do nível do mar em todo o mundo significa
marés mais extremas.
Mina olhou para ela com curiosidade.
— Mamãe tem falado sobre como os espíritos estão mais instáveis
ultimamente. Como eles estão distorcendo há décadas, está ficando pior. Eles
também precisam desse ciclo – altos e baixos. É da mesma forma que gritar o
tempo todo cansaria qualquer um de nós.
Um momento depois, Evelyn parou em frente ao Ruthie e colocou seu
longboard no rack na frente da loja. Ela respirou fundo enquanto elas
entravam pela porta, acalmada pelo cheiro familiar de polidor de prata e
naftalina.
Ruthie era uma loja de antiguidade, decorada com letras curvas
descascadas na vitrine e guarnições douradas desbotadas no toldo. O andar
térreo era para turistas fazendo pit stops a caminho de North Fork ou
visitando amigos ricos, repletos de antiguidades charmosas com preços bem
menos charmosos.
— Evelyn, querida! — Ruthie, uma mulher branca na casa dos sessenta,
saiu apressada de trás do balcão. Ela usava um vestido de algodão solto que
caia até os tornozelos, um enorme par de óculos e seu batom rosa
característico. Seu cabelo branco e ralo estava preso em um coque atrás do
pescoço. — Faz muito tempo desde que você veio me visitar.
— Eu sei — Evelyn disse quando Ruthie a envolveu em um abraço. —
Tenho trabalhado muito. — Quando ela recuou, a mulher a estava avaliando
como se ela fosse uma nova descoberta de uma venda de propriedade.
— Você parece cansada — ela disse. — Diga ao Sr. Clark e seus gerentes
naquele café para lhe dar algum tempo de folga.
— Eu tenho pedido as horas — Evelyn protestou. — Eu preciso do
trabalho.
— Você precisa descansar mais.
Evelyn suspirou. Ela aprendeu da maneira mais difícil que Ruthie não
valia a pena discutir.
— Tudo bem — ela mentiu. — Vou tirar mais tempo.
— Bom. Então você pode me visitar. — Ruthie sorriu triunfante, então
voltou seu olhar para Mina. — Olá, mocinha. Eu nunca vi você aqui antes,
mas você parece muito familiar...
— Você deve conhecer minha mãe — Mina se ofereceu. — Stella
Zanetti?
— Ah. — Ruthie empurrou os óculos para cima do nariz. — É claro.
Você sabe, sua família costumava ser o assunto do boato de Cliffside Bay.
Evelyn estava pronta para cortá-la, mas Mina falou em vez disso.
— Por quê?
— Bem, é bastante fantasioso. — Ruthie falou com um leve
divertimento. — Toda aquela bobagem sobre ver fantasmas.
Evelyn ficou surpresa, sem saber o que dizer em seguida. Mas,
novamente, Mina parecia imperturbável. Ela inclinou o queixo para baixo –
ela tinha quase um pé sobre Ruthie – e sorriu.
— Que boato estranho.
— Ouça, Ruthie — Evelyn disse, antes que a velha pudesse fazer mais
perguntas. — Nós estávamos nos perguntando se você tinha alguma bijuteria
extra no porão? Minha, uh, amiga aqui está procurando por algumas.
— Certamente. — Ruthie acenou com a mão no ar. — Verifique as
mesas na parte de trás do porão. Você deve ser capaz de encontrar tudo o
que quiser lá, mas se não puder, as caixas embaixo têm extras nelas.
— Obrigada — disse Evelyn. — Você é a melhor.
— Oh, querida, só vou acreditar nisso se você concordar em vir jantar
em breve — disse Ruthie.
— Eu vou — Evelyn prometeu.
— E você sempre pode trabalhar aqui se quiser. Um bom trabalho
confortável separando roupas, polindo refugos de venda de imóveis...
— Não seria justo — disse Evelyn. — Eu sempre seria sua funcionária
favorita.
O sorriso carinhoso de Ruthie foi resposta suficiente.
Eles estavam na escada para o porão quando Mina falou novamente.
— Você conhece Ruthie — ela disse. — Quero dizer... você realmente a
conhece. Quão?
Evelyn hesitou.
— Eu costumava passear pela cidade quando era mais nova. Ruthie é
uma das pessoas que cuidou muito de mim naquela época. Eu acho que ela
ainda sente que precisa.
— Por que você passou tanto tempo na Avenida Principal?
— Minha casa não era um bom lugar para se estar.
Algo mudou na expressão de Mina, uma suavização que parecia
perigosamente perto de pena.
— Vamos voltar aos seus problemas — Evelyn disse rapidamente. —
Vamos lá, Ruthie tem todo tipo possível de estatuetas de vidro estranhas e
joias que você possa imaginar. Aposto que você será capaz de encontrar um
foco de vidência aqui.
O andar térreo do Ruthie era para turistas, mas o porão era para os
locais, e era um tesouro. A maior parte do guarda-roupa de Evelyn vinha das
caixas de camisetas de US$ 3 e prateleiras cheias de flanelas masculinas –
aquelas mais as roupas de segunda mão de Meredith tinham a sustentado do
ensino médio até agora. Ela cometeu o erro de trazer Nick aqui uma vez e
percebeu que ele via isso como um tipo diferente de atração turística, uma
atividade divertida onde eles poderiam comprar algumas camisas baratas para
cortar em roupas de fogueira.
— Oh, nojento, eles têm sutiãs — ele disse. — Quem compra roupas
íntimas usadas?
Evelyn não sabia como dizer a ele que seu bralette sob a camiseta de
banda já esteve uma vez pendurado em uma dessas prateleiras. Que ela teve a
sorte de se encaixar em tamanhos de roupas que eram fáceis de encontrar
peças de segunda mão. Que pelo menos se fosse barato, provavelmente era
menos usado do que as roupas velhas de Meredith. Então ela engoliu seu
orgulho e prometeu a si mesma que nunca o levaria de volta para lá.
Ela se preparou para qualquer comentário sarcástico de Mina também,
que ela sabia que era realmente sobre moda – uma indústria que não fez
exatamente muito para ajudar aqueles litorais em mudança sobre os quais eles
estavam falando. Mas a outra garota não disse nada enquanto eles teciam
através do labirinto de araras de roupas e móveis velhos. Ela apenas absorveu
tudo, olhos castanhos grandes e redondos como os de uma coruja.
Uma fileira de mesas de plástico estava na parte de trás da loja sob uma
única janela do porão. Eles seguraram a loja probabilidades e fins todos
amontoados em uma série de velhas bandejas incompatíveis.
— O que você acha? — Evelyn perguntou.
Mina sorriu, longa e lentamente.
— Obrigada. Essa foi uma ideia muito boa.
Evelyn sorriu de volta.
— Eu sei.
Ela também sabia o momento exato em que as nuvens se moveram,
enviando a luz do sol através daquela meia janela solitária, porque atingiu a
bochecha de Mina, sua garganta, suas clavículas. Por um momento ela estava
quase translúcida. Sua pele clara brilhava; seus lábios se separavam
ligeiramente com foco. Então ela pegou um anel com uma pedra verde
gigante no centro, e o momento se foi.
Evelyn desviou o olhar apressadamente, ciente de que estava olhando,
ainda mais ciente de que não queria parar. Então Mina era bonita. E daí?
— Há definitivamente muitas possibilidades aqui — disse Mina,
brincando com o anel. — Mas eu só deveria usar o cartão de crédito da
mamãe para emergências, e comprar um monte de bijuterias não se qualifica,
mesmo que sejam bem baratas. Ela gesticulou para a placa manuscrita
pregada acima deles: QUEIMA DE ESTOQUE, US$ 5 E MENOS.
Evelyn assentiu, como se entendesse. Ela estava muito familiarizada com
o conteúdo de sua conta poupança para se permitir gastos irresponsáveis.
Depois de ver sua família ir de confortável a decididamente menos
confortável financeiramente, ela se sentia culpada por comprar qualquer coisa
que não fosse uma necessidade.
— Então, devemos testá-los na loja — disse Evelyn. — Não parece tão
difícil de fazer.
Mina lançou um olhar nervoso ao redor, onde vários outros clientes
folheavam araras de roupas.
— Suponho que poderíamos. Mas não acho que seria uma boa ideia
fazer isso em público.
— Espere — disse Evelyn. — Vou falar com Ruthie.
Elas acabaram em um provador, agachadas no chão em frente a um
espelho gigantesco e empoeirado com moldura dourada – Ruthie gostava de
usar suas antiguidades favoritas como decoração de loja em vez de vendê-las.
Cortinas isolavam as garotas de olhares indiscretos, e a caixa entre elas estava
cheia de possibilidades. Mina sentado na frente de Evelyn, um lenço rosa de
seda amarrado na metade do rosto dela. Suas mãos estavam em concha, e
seus dentes se apertaram em seu lábio inferior em antecipação.
Evelyn ficou surpresa ao descobrir que também estava nervosa. Esta era
sua grande ideia, afinal. Ela queria que funcionasse.
— Então eu apenas entrego para você e espero que eles brilhem? — ela
perguntou.
— Sergio disse que seria bastante óbvio se isso acontecesse. E eu deveria
sentir uma atração pelo objeto também – como se fosse um ímã.
Evelyn começou verificando cada berloque em busca de vidro e
entregando os relevantes para Mina. O ritmo a acalmou depois de um tempo
– era como andar de longboard ou fazer bebidas no Basic Bean, um padrão,
uma mesmice. Este provador parecia seu próprio mundinho, antigos tocando
baixinho ao fundo, os sons suaves de vidro tilintando, o ocasional ranger dos
tênis de Evelyn contra o chão. O cheiro familiar de Ruthie se misturou com
um suave aroma cítrico que poderia ser o xampu de Mina.
Eles terminaram a primeira caixa, mas havia outra esperando. Evelyn
levantou a tampa de papelão... e sentiu algo. Como se alguém tivesse
agarrado seus intestinos como uma corda e dado um puxão doloroso e
insistente.
Ela assobiou e bateu uma mão em seu abdômen.
— Que diabos?
Em frente a ela, Mina se mexeu.
— O que está acontecendo? Você está bem?
Evelyn cerrou os dentes.
— Parece que estou tendo uma cólica menstrual muito forte. Exceto que
não estou menstruada.
— Você acha que é o fantasma? — Mina tirou a venda improvisada e
olhou ao redor, a preocupação marcando seu rosto. Seu reflexo no espelho
estava escuro, cabelos loiros borrados na luz fraca.
— Isso parece diferente. Não tem água salgada ou qualquer coisa,
apenas... parece que algo tem, tipo, um gancho em mim. E isso está me
enrolando.
A boca de Mina se apertou nos cantos.
— Você diria que está... chamando por você?
Evelyn entendeu então. O medo se desenrolou dentro dela, uma caixa
que não podia ser fechada, uma verdade que não podia ser negada.
Ela negou mesmo assim.
— Mas eu não… — ela protestou.
— Não é uma médium? — O tom de Mina era desprovido de toda
emoção. — Coloque a mão na caixa.
— Mas–
— Se você tem tanta certeza, do que você tem que ter medo?
Outra cãibra atingiu o abdômen de Evelyn. Ela estremeceu. Então ela
enfiou a mão na caixa de papelão.
Vidro tocou as pontas dos dedos estendidos, estatuetas e pesos de papel,
alguns embrulhados em celofane, outros soltos e chacoalhando. Ela
mergulhou a mão mais fundo, até que suas unhas rasparam o papelão na
parte inferior.
Algo suave tocou sua palma. A cãibra em seu lado desapareceu,
substituída por alívio imediato.
Evelyn tirou a mão da caixa, segurando a bugiganga, e a ergueu contra a
luz fluorescente.
Era uma concha, espirais azuis e bronzeadas espiralando para fora em
uma forma sobre o tamanho de dois quartos. Evelyn tinha passado por
centenas como esta antes, espalhando a praia. Ela também viu os caracóis que
viviam dentro deles, cruzando o fundo do mar.
Mas ela nunca tinha visto uma concha brilhar. A luz azul-esverdeada
pulsava dentro dela, saindo da boca das espirais e ricocheteando no espelho.
De repente, tudo estava inundado em novas cores estranhas.
— Isso nem é vidro — Evelyn sussurrou. O puxão dentro dela se
transformou em um zumbido satisfeito e gentil. Ela podia sentir um
zumbido de resposta emitindo da concha em sua palma, como se a criatura
dentro dela ainda estivesse lá. Ela se perguntou se caracóis poderiam se tornar
fantasmas também, e então decidiu que já havia quebrado seu cérebro o
suficiente por um dia. — Você disse que eles tinham que ser... eu não
entendo.
— As práticas médiuns são diferentes para todos. — A voz de Mina era
plana e cuidadosa. — Claramente isso é parte de você. Parabéns.
— Era para ser apenas uma vez. Uma invocação, e eu nunca faria isso de
novo. — Evelyn abaixou a mão. A concha ainda estava apertada em seu
punho, o brilho desaparecendo lentamente. Ela não tinha certeza se poderia
deixá-lo ir mesmo se tentasse. — Eu não quero isso.
— Os mortos querem você. Isso é tudo o que realmente importa. —
Mina se levantou, rígida e precisa como uma boneca de corda.
— Espere — disse Evelyn. — Você não quer verificar o resto deles?
— Não há sentido. Já sei que não vão funcionar.
Evelyn desviou o olhar das bijuterias para descobrir que o controle
perfeitamente praticado de Mina havia desaparecido. Ela encarou Evelyn
com uma fúria que a fez se perguntar que partes de si mesma exatamente
Mina estava tão determinada a esconder – mas assim que Evelyn percebeu,
desapareceu, e a expressão de Mina ficou neutra mais uma vez.
— Então o que acontece agora? — Evelyn perguntou, segurando a
concha. Um fio de medo serpenteou através dela, enrolando em seu
estômago como aquela luz azul-esverdeada.
— Bem, você vai ter que aceitar algo que minha mãe me disse — Mina
disse, tão casualmente como se elas realmente fossem apenas duas garotas
comprando bijuterias. — Isso não é algo que você pode ligar e desligar
sempre que quiser. É para sempre.
Capítulo treze

M INA PASSOU OS PRÓXIMOS


miserável. Não era justo.
dias em um estado de espírito absolutamente

Que Evelyn abriu uma porta que ela não podia fechar, a mesma porta
que Mina passou toda a sua vida se preparando para atravessar apenas para ser
forçada a permanecer indefinidamente na soleira.
Que sua mãe ainda não contou nada a Mina sobre os esforços dela e do
tio Dom para investigar o fantasma.
E que mesmo depois de tantos esforços para encontrar um foco de
vidência, ela não conseguiu absolutamente nada.
As ondulações no oceano de Mina estavam crescendo. Logo elas seriam
grandes o suficiente para perturbar aquelas dúzias de baús que ela afundara
no fundo, ou talvez até acordar o que espreitava abaixo disso, alguma criatura
marinha pré-histórica que ela tentara muito esquecer.
Ela tentou trabalhar na Coleção Zanetti, mas deu tudo errado. Os tecidos
que Stella tinha ajudado a encomendar de repente pareciam extravagantes e
impraticáveis. Era tudo tão fofo, tão básico – insubstancial como espuma do
mar. Ela não sabia como consertar isso, ou qualquer outra coisa.
Mina desceu para o café da manhã, na manhã seguinte para encontrar
Stella esperando com uma xícara de café cheia de chantilly e um prato de
biscoitos. O favorito de Mina. O que significava que sua mãe sabia que algo
estava errado.
— Você está bem? — Stella perguntou a ela.
— Sim. Por que eu não estaria?
Mina mergulhou um biscoito sem entusiasmo no café. Isso a fez pensar
na bebida que Evelyn tinha feito para ela no Basic Bean, o que a fez pensar
em como ela estava realmente pensando em contar a Stella a verdade sobre
Evelyn. Mas ela não teve coragem de dizer algo. Isso significaria admitir que
ela tinha agido pelas costas de sua mãe e que suas próprias habilidades
médiuns pareciam potencialmente inexistentes. Seu pingente de proteção
estava pendurado em seu pescoço. Ela começou a tirá-lo por alguns minutos
aqui e ali para ver se isso mudava alguma coisa, mas sua culpa sempre
aparecia em pouco tempo.
— Você parece distraída — disse Stella. — Isso é sobre o seu foco de
vidência?
— Oh. Hm. Sim. — Mina girou o chantilly no líquido fumegante
abaixo, observando-o se dissolver no calor.
— Eu entendo o porquê você está desapontada. Mas você vai encontrar
um, tenho certeza disso.
— Eu não posso continuar meu treinamento até que eu encontre, no
entanto.
— É um obstáculo infeliz. Mas vamos tentar novamente na próxima
semana.
— Eu tentei centenas de itens de vidro. E se meu foco de vidência for
outra coisa? Mina quebrou seu biscoito ao meio com um estalo afiado e
satisfatório.
— Outra coisa? — Stella parecia perturbada.
— Bem, todos os Zanettis usam vidro? Como são suas práticas médiuns?
A caneca de café de Stella tremeu em sua mão. Ela engasgou e a colocou
na mesa apressadamente enquanto o líquido quente e fumegante derramou
em seus dedos.
— Mina — ela disse rapidamente, mas Mina já estava de pé, correndo
para o banheiro para pegar uma toalha fria e um kit de primeiros socorros.
Quando Mina terminou de se preocupar com a queimadura, Stella não
parecia ter conseguido nada pior do que um pequeno curativo em seu dedo.
O que, sua mãe a lembrou, ela era uma vítima frequente de um dia passado
no bufê de qualquer maneira. Juntas, eles se levantaram da mesa e foram em
direção ao carro.
— Você tem sido tão paciente — Stella disse enquanto trancava a porta
da frente atrás deles. Ela parecia mais velha na cozinha escura; agora, em
plena luz do dia, parecia que poderia ser a irmã mais velha de Mina em vez
de sua mãe. — Sabe o que devemos fazer? Depois deste casamento esta
noite, estarei livre por alguns dias. Podemos ir à praia e depois fazer uma das
nossas maratonas de filmes clássicos. Todos os seus favoritos, lanches
incluídos.
Não há muito tempo, aquela seria a noite ideal de Mina: encontrar
conchas na praia juntas e fazer novas decorações para a sala de estar, depois
combinar panna cotta de morango e pipoca de alho-parmesão com qualquer
filme que ela quisesse. Mas ela continuou repetindo a maneira como a
expressão de Stella havia mudado logo antes do café derramar em seu pulso.
Ela não parecia nem um pouco surpresa – ela parecia focada.
Mina passou a vida inteira estudando sua mãe. E embora ela ainda tinha
muito a aprender, ela podia dizer quando Stella estava desesperada para
esconder alguma coisa. Desesperada o suficiente para se queimar em vez de
responder a algumas perguntas.
— Tudo bem — ela disse fracamente. — Isso parece ótimo.

***

O casamento foi de tamanho médio, o que significava que o bufê não era tão
exigente quanto Mina temia. Stella ainda estava ocupada na cozinha,
ajudando seus subchefes a finalizar pratos e conduzindo os servidores para
dentro e para fora da porta com bandejas de canapés e canapés. Mina e
Sergio estavam ajudando naquele dia, junto com outros dois servidores que
trabalhavam com Stella desde que Mina era criança.
O trabalho de Mina era preencher as rachaduras. Se Stella precisasse de
alguma coisa picada, segurada ou mexida, ela estaria lá. Ela também gostava
de assistir pedaços da recepção através do vidro, admirando as roupas das
pessoas e a escolha da decoração. Hoje, ambos os noivos decidiram usar
branco, embora suas gravatas-borboletas fossem de um amarelo pálido e um
verde suave e claro. Eles se sentaram em uma mesa na frente, aplaudindo
brindes aparentemente intermináveis de seus entes queridos sob um arco de
vime decorado com vinhas e lírios.
Mina queria um romance assim um dia, um parceiro que a olhasse como
se ela fosse feita de magia. Infelizmente, sua vida romântica até agora se
resumia a uma paixão de longa data por Graham Lee, que terminou em uma
dança lenta e desajeitada e aquela vez ela levou um bolo de Kaitlyn Mallow.
Mas talvez a má sorte de Mina não fosse surpreendente, considerando sua
família. Ser médium estragou os relacionamentos românticos de Stella e de
seu tio a ponto de ambos desistirem de namorar completamente.
Mas talvez você não seja uma médium, afinal, sibilou uma vozinha desagradável
em sua cabeça. E você ainda está muito confuso para que alguém se apaixone por você.
— Mina? — Sua mãe colocou uma mão gentil em seu ombro. — Você
me ouviu?
— Eu… não. Desculpe. — Mina se virou para ver o suor escorrendo na
testa de sua mãe. Alguns fios castanhos soltos haviam escapado de sua rede de
cabelo, e havia uma mancha de óleo fresca respingado em seus sapatos pretos
de bufê.
— Um dos garçons ouviu algo estranho vindo do porão — disse Stella.
— Provavelmente é apenas um animal, mas você e Sergio podem dar uma
olhada? Não queremos que isso atrapalhe a recepção, e você sabe que
nenhum deles quer ir até lá depois do incidente com o morcego.
— Claro — disse Mina. Ela encontrou Sergio roubando uma taça de
champanhe no corredor fora da cozinha e o arrastou com ela para a escada
dos fundos.
— Ooooh — ele disse, balançando os dedos enquanto a seguia até o
porão. Ele estava bêbado, mas Mina não se importou – ela tinha mais
perguntas para ele, e seria mais fácil obter uma resposta assim. — Uma
missão secreta de Stella.
— Falando em Stella — ela disse. — Eu estava me perguntando se você
conseguia se lembrar de mais alguma coisa. Sobre o resto da nossa família,
quero dizer. Aquela briga de que você falou.
— Hum. Não muito mais do que eu disse a você. — Ele soluçou. —
Ouvi muito a palavra perigoso, mas papai me pegou espionando antes que eu
descobrisse o porquê.
A decepção de Mina lutou enquanto ela o empurrava sob suas ondas.
— Bem, deixe-me saber se você se lembrar de mais alguma coisa.
Era estranho estar de volta ao porão depois do que aconteceu com os
Giacomo's. Parecia o mesmo de sempre, escuro e empoeirado, prateleiras
cheias de itens há muito esquecidos. Mina deu uma olhada, já irritada com o
que toda essa sujeira faria com seus tênis. Havia vários tipos de excrementos
de animais no porão misturados com a sujeira. Mas ela não viu nenhuma
evidência de qualquer vida selvagem indesejada, apenas teias de aranha.
E então ela ouviu. Um som estranho e alto, em algum lugar entre um
assobio e um gemido. Ela seguiu nervosamente o barulho até perceber que
vinha de trás da porta trancada.
— Sérgio — ela sussurrou. — Você ouviu isso?
Ele assentiu, o rosto corado, mas solene. As palmas das mãos de Mina
começaram a suar. Ela poderia ir buscar Stella. Ela deveria ir buscar Stella. Mas
tudo que sua mãe faria era mantê-la fora disso, como se ela fosse uma
daquelas centenas de potenciais vidros focos de vidência. Frágil. Impraticável.
— Eu vou entrar — ela disse a ele, então empurrou as cortinas
empoeiradas de lado. A fechadura tinha sido trancada novamente, mas ela
conhecia a combinação. Ela o girou facilmente para frente e para trás antes
de abrir, então o colocou em uma prateleira próxima.
— Eu não sabia que você conseguia entrar aqui sozinha — disse Sergio.
Mina abriu a porta.
— Eu sigo muito menos regras do que você parece pensar que sigo.
A cena diante dela parecia comum a princípio. A piscina estava calma, a
água salgada movendo-se em riachos lentos e preguiçosos enquanto os filtros
faziam seu trabalho. Velas apagadas estavam espalhadas por toda parte, e ainda
havia um círculo de sal ao redor da água. A sala tinha um cheiro estranho,
porém – salmoura e enxofre pairavam no ar.
Seus tênis esmagaram contra algo no concreto.
Vidro.
Uma das janelas do chão ao teto atrás da piscina se estilhaçaram,
deixando pedaços espalhados pelo chão. O vento assobiou através dos cacos
que ainda se agarravam teimosamente à moldura de madeira, e outro gemido
ecoou pela sala.
Ela soltou um suspiro de alívio quando se aproximou das janelas. Às
vezes, um barulho era apenas um barulho.
— Ei, Mina — Sergio chamou. — Cuidado onde pisa.
Mina olhou para baixo e percebeu que seus tênis brancos estavam ambos
pressionados firmemente contra uma falha no concreto. Aquela velha
superstição terrível penetrou em sua mente – pise em uma rachadura, quebre as
costas de sua mãe. Ela se moveu apressadamente para o lado e avaliou os danos.
A fissura ia da borda da piscina até a janela quebrada, subindo até atingir a
moldura de madeira.
— O que você acha que causou isso? — Mina perguntou, incapaz de
esconder o tremor em sua voz. Quando ela se virou para Sergio, ele também
parecia abalado. Ele abriu a mão para revelar um pedaço de vidro brilhante
em forma de asa de pássaro.
— Encontrei isso — disse ele. — Parte do foco de vidência do papai.
A decepção que Mina havia jogado em seu oceano tentou subir à
superfície. Ela respirou fundo e o segurou.
— Eles devem ter tentado algo aqui. — Sem mim.
Ele assentiu.
— Algo grande.
Mina se inclinou para inspecionar o círculo de sal novamente, franzindo
o nariz enquanto o cheiro se intensificava. Algo estava errado sobre isso – a
linha de sal tinha sido empurrada para fora, depois quebrada, como se os
dedos tivessem empurrado com sucesso as bordas. Ela olhou para ele
nervosamente. A regra número um de uma convocação era não deixar os
fantasmas saírem do círculo.
Ela tocou um pouco do sal com a ponta do dedo. Saiu molhado. E assim,
o pingente de proteção em seu pescoço começou a ficar quente contra sua
pele. Mina sentiu uma breve explosão de preocupação. Mas algo mais se
cristalizou abaixo dele. Esperança.
Se isso estava acontecendo, significava que um fantasma estava tentando
falar com ela. O que significava que ela era uma médium. Era a lua crescente
hoje à noite – quatro dias antes de estar cheia, não o ideal, mas talvez...
talvez...
Ela puxou o colar sobre a cabeça.
— Sérgio? — Mina virou-se para a prima. — Posso confiar em você?
As sobrancelhas de Sergio se ergueram quando ele viu Mina na borda do
círculo de sal.
— Você tirou o pingente.
— Sim. E eu quero que você segure para mim enquanto eu tento algo.
Mas só se você prometer me tirar daqui se as coisas ficarem perigosas, e se
você também puder prometer não dizer uma palavra sobre isso aos nossos
pais.
Uma expressão estranha passou pelo rosto de Sergio como uma nuvem
obscurecendo a lua, e Mina se perguntou se ele estava com ciúmes dela. Mas
depois de um momento, ele se ajoelhou ao lado dela e estendeu a mão.
— Isso é o que você quer. — Não era uma pergunta. — Você merece
uma tentativa justa.
— Obrigada. — Mina deu-lhe o colar. Então ela mergulhou a mão
esquerda na piscina até que a água tocou seu pulso.
A mudança foi instantânea. Seu dólar de areia pulsava e sua mente se
alargava – como se estivesse dentro de um daqueles baús que ela jogou no
oceano, mas agora as tábuas se estilhaçaram, deixando-a à deriva em uma
extensão infinita de água.
Mina esperava o coro dissonante de vozes que ouvira na praia. Mas, em
vez disso, havia apenas um, sussurrando em uma cadência muito suave e
abafada para ela entender as palavras, como se estivesse muito longe e muito
sozinho. Então parou, e Mina sentiu uma presença familiar roçar na borda de
sua mente, a mesma que ela sentiu na praia. Não foi esmagador ou
aterrorizante desta vez, foi... curioso. Um desejo se desenrolou dentro dela,
afiado e insistente, e ela entendeu que não estava vindo apenas do fantasma.
Estava vindo dela também.
O espírito a puxava da mesma forma que a lua puxava as marés, da
mesma forma que ela imaginava que duas pessoas eram atraídas uma para a
outra quando se apaixonavam. Era aterrorizante e inegável e impossível de
resistir.
Então ela não o fez.
Quando o dólar de areia no pulso de Mina puxou sua mente para frente,
ela o seguiu de bom grado. E quando ela piscou novamente, o mundo ao seu
redor havia desaparecido.
Ela estava na praia em Sand Dollar Cove. Uma lua cheia pairava no céu
estrelado. A luz azul-esverdeada se desenrolou na água diante dela enquanto
aquela voz sussurrava em sua mente, desaparecendo e entrando e saindo. Mas
esta noite, ela finalmente estava forte o suficiente para entender isso. Tudo o
que ela tinha que fazer era entrar.
Mina caminhou em direção ao oceano, esperando a rebentação tocar seus
dedos dos pés descalços. Mas então algo brilhou em sua visão periférica –
uma explosão de laranja sob as ondas. O cheiro de podridão flutuou ao redor
dela quando a cena começou a piscar. Seu pulso latejava com uma dor
insuportável, e quando ela olhou para as palmas das mãos, elas eram do azul
translúcido de um espírito–
E então uma mão se fechou ao redor de seu ombro, e ela foi puxada à
força de volta à realidade.
— O que… — ela ofegou, girando ao redor. Sergio olhava para ela, sua
expressão em pânico. Ele puxou o colar sobre a cabeça dela, ignorando os
ruídos de protesto de Mina. No momento em que tocou sua pele, a atração
começou a desaparecer.
— Você estava tentando mergulhar na piscina — ele disse com a voz
rouca, ainda segurando o ombro dela. — Você promete que não vai tentar
de novo se eu soltar você?
— Eu prometo.
Ele a soltou, ainda parecendo cauteloso, mas a atração se foi.
— O que aconteceu com você? — perguntou Sérgio.
Mina hesitou.
— Eu... eu tenho certeza de que o demônio em potencial quer falar
comigo.
Sergio soltou um assobio baixo e inquieto.
— Bem, merda.
— Eu sei.
Mina recebeu um convite. Ela tinha quatro dias até a lua cheia para
descobrir se ela era corajosa o suficiente para aceitar.
Capítulo quatorze

E VELYN GOSTAVA MAIS DE SCALES & TAILS após o fechamento. Havia algo
reconfortante nos sons suaves da vida ao seu redor – os filtros do tanque
de peixes borbulhando, os répteis farfalhando em suas gaiolas, até mesmo o
chilrear suave dos grilos de suas caixas no depósito. Ela gostava mais quando
Luisa estava lá para ajudá-la, mas infelizmente ela estava presa com seu colega
de trabalho menos favorito naquele dia, um estudante universitário que
sempre encontrava um motivo para sair mais cedo.
Ela ainda tinha companhia, não apenas os animais, mas Mina, que tinha
mandado uma mensagem na noite anterior para exigir que eles se
encontrassem. Evelyn não estava livre até agora – tinha sido outro longo dia
de trabalho.
— Estou ciente de que soa um pouco mal aconselhado — disse Mina
enquanto eles jogavam os sacos de lixo finais na lixeira. Evelyn ficou
agradavelmente surpresa com a disposição de Mina em ajudá-la de perto,
especialmente porque ela chegou em um vestido de verão branco e sandálias
grossas que agora pareciam piores vestem. — Mas acho que seríamos tolas
em não considerar isso.
— É uma armadilha — disse Evelyn enquanto lavavam as mãos na pia
dos funcionários. Fazia algumas semanas que o incidente no banheiro no
Basic Bean, mas ela ainda sentia uma pontada de nervos cada vez que se
olhava no espelho, imaginando se veria uma figura pairando atrás dela. Em
vez disso, ela viu a forma alta e esbelta de Mina ao lado dela, seu cabelo loiro
quase branco nas luzes fluorescentes acima. — Você quer que sua alma seja
comida?
— Ainda não temos provas de que o fantasma possa fazer isso com os
vivos — protestou Mina. — Ou que isso mesmo é esse fantasma.
— Quem mais eles seriam?
— Uma das vítimas do afogamento no verão? — A voz de Mina
permaneceu calma ao longo de toda a história do que ela tinha visto no
centro comunitário, mas havia uma vantagem agora que Evelyn não gostou.
— Eu sei que você está interessada em falar com eles. Essa pode ser sua
chance.
Evelyn queria falar com o Trio de Cliffside. Mas a última vez que ela
mexeu com os mortos, ela acabou com habilidades que ela não queria e um
foco de vidência que ela não sabia como usar, para não mencionar um
fantasma a assombrando. Ela não seria imprudente assim de novo.
— Você disse que houve danos materiais de qualquer coisa que sua mãe
tentou — ela respondeu enquanto caminhavam de volta para a área principal
de Scales & Tails, parando ao lado da caixa registradora. — Esse deve ser o
demônio em potencial. E se eles podem quebrar concreto, eles podem
quebrar totalmente seu crânio.
Mina bufou e enrolou a mão em torno de sua pulseira de ouro,
brincando com a fina fileira de metal que protegia sua marca do dólar de
areia.
— Bem, não podemos nos esconder para sempre. Confrontar esse
fantasma diretamente é a única maneira de detê-los.
Havia aquele tom de novo, e Evelyn entendia agora por que isso a
incomodava. Mina parecia ansiosa.
— Concordo que não podemos continuar nos escondendo. — Evelyn
deu um passo em direção a ela. — Mas isso é literalmente vida ou morte.
Você é quem me disse que nós duas estamos em perigo, que as luas cheia e
nova são esmagadoras até mesmo para médiuns totalmente treinados.
Nenhuma de nós tem chance.
A mão de Mina flutuou para longe de seu pulso, e ela se aproximou
também.
— Talvez você esteja certa — ela disse suavemente. — Mas se
ignorarmos o convite, não estamos deixando passar uma oportunidade
valiosa?
— Você poderia contar a sua mãe — sugeriu Evelyn. — Ela poderia
lidar com isso. — Ela soube assim que as palavras saíram que tinham sido um
erro. Mina deu um pulo para trás, como se tivesse levado um tapa, depois
desviou o olhar.
— Stella ainda não pode saber — ela sussurrou, olhando para trás da
cabeça de Evelyn. — Não até eu provar que eu... que eu... — O brilho das
luzes do tanque iluminou seus ombros, roçou a pele lisa e elegante de seu
pescoço. Evelyn rapidamente desviou o olhar.
— Que você... o quê? — ela perguntou.
— Que eu pertenço a este mundo. — Mina ainda não olhava para ela.
— Que eu posso corrigir os erros que cometemos. Que eu posso ser a filha
que ela merece em vez de... de... — Ela parou e caminhou até a porta. A
campainha em forma de cobra soltou um som discordante tilintar enquanto
ela fugia na noite.
Evelyn xingou. Então ela pegou seu longboard e a chave da loja e foi
atrás dela.
Ela encontrou Mina sentada no meio-fio ao lado do estacionamento,
com a cabeça enterrada nas mãos. O estacionamento estava deserto – era
uma noite de domingo, tarde o suficiente para que qualquer visitante de fim
de semana já tivesse começado a dirigir de volta para Nova York.
Evelyn suspirou e sentou-se ao lado de Mina, colocando seu longboard
na pista aos seus pés.
— Você não é muito boa em fugir.
— Pensei que você fosse para casa. — A voz de Mina estava abafada por
entre os dedos.
— Você quer que eu vá? — O pensamento fez Evelyn hesitar. Parte do
motivo pelo qual o verão do afogamento ganhou tantas manchetes era
porque Cliffside Bay era uma daquelas cidades consideradas sonolentas e
seguras, além das vítimas eram todos ricos e brancos. Mas por mais seguro
que fosse, Evelyn ainda não ia deixar uma garota chorando sozinha em um
estacionamento escuro.
— Na verdade, não. — Mina afastou as mãos, soluçando levemente.
Evelyn não tinha apagado as luzes da vitrine – política da empresa – e
eles lançaram um brilho amarelo suave em Mina, o suficiente para que ela
pudesse dizer que a outra garota estava chorando.
— Eu sinto muito. Eu vou ter isso sob controle em apenas um momento.
Mina respirou fundo, enxugou os olhos com um lenço de papel que
tirou da bolsa e abanou o rosto com as mãos. Então ela se virou para Evelyn,
um sorriso falso estampado em seu rosto.
— Viu? De volta ao normal.
Além de uma pequena mancha de rímel e leves manchas vermelhas nas
bochechas de Mina, já era difícil dizer que ela estava chorando. Evelyn se
perguntou quando Mina tinha aprendido a fazer isso, e com que frequência
foi útil. Todas as roupas e notas perfeitas de Mina estavam começando a
parecer cada vez mais uma adaptação bem elaborada, uma concha que a
ajudaria a sobreviver às pressões do mundo.
— Você acha que não é boa o suficiente para sua mãe? — Era uma
pergunta arriscada, destinada a quebrar aquela concha.
Mina se encolheu.
— Você não entende. Ela deu tanto para mim, e eu não quero
decepcioná-la. Mas eu menti para ela durante todo o verão. Eu sei que tentar
falar com o fantasma sozinha é uma má ideia, mas pensei que talvez se eu
pudesse fazer as coisas direito antes de confessar, ela não ficaria tão
desapontada. Ela não desistiria de mim.
Desistir. Evelyn sabia que ela tinha vindo aqui para ajudar, mas aquelas
palavras abriram caminho direto entre suas costelas, onde bateu como um
batimento cardíaco cruel.
— Confie em mim. — Evelyn falou um pouco mais alto do que
pretendia. — Você não pode obrigar seus pais a fazerem nada. Se eles
quiserem desistir de você, eles vão. Se eles te amam o suficiente, eles não vão.
— Como você pode saber disso?
— Porque minha mãe desistiu de mim. — Evelyn chutou violentamente
a pista. — Depois do verão do afogamento, ela decidiu que não queria fazer
parte da nossa família mais. Ela assinou seus direitos parentais. E no começo
eu me perguntei se havia algo que eu poderia ter feito para fazê-la ficar.
Achei que a saída dela era minha culpa. Mas eu sei melhor agora. Ela é o
tipo de pessoa que pensou que poderia trocar sua família da mesma forma
que outras pessoas trocam uma porra de um carro.
Houve um longo, longo momento de silêncio. Evelyn estava tão
derrotada, que ela pensou que podia desmaiar. Ela não ficava tão chateada
desde a noite em que largou Nick. As poucas luzes do estacionamento
ficaram embaçadas, e ela percebeu um pouco tarde demais que era por causa
de suas lágrimas. Ela não tinha a casca protetora de Mina. Ela não tinha nada.
Evelyn sentiu o toque suave e delicado da palma da mão na palma da
mão, os dedos se dobrando, o metal frio de uma pulseira pressionando contra
seu pulso. Ela olhou para baixo e viu o polegar de Mina se movendo em
círculos lentos e suaves em seus dedos.
— Eu sinto muito. — A voz de Mina tremeu, mas ela não tentou
esconder. Evelyn inclinou a cabeça para cima e viu um rosto cheio de
arrependimento desmascarado. — Eu sabia que eles tinham se divorciado,
mas não fazia ideia de que ela havia abandonado você assim.
— Sim, bem, ela fez. — Evelyn ainda estava chateada, mas o toque de
Mina parecia aterrador. Por este pequeno momento, ela não estava
enfrentando o mundo sozinha. — Não está tudo bem, mas... eu tive tempo
para me acostumar com isso.
— Mas você não deveria. — Mina olhou para ela indignada. — Quando
Stella disse ao meu pai que estava grávida de mim, ele disse que não queria
nada com isso. Então eu não penso nele, porque ele não vale a pena. Mas se
ele tentou ser pai e depois decidiu que não queria mais... isso é muito pior.
Sua mãe é... — Seu rosto ficou vermelho. — Um ser humano hediondo.
— Filha da puta — Evelyn disse. — Filha da puta é uma palavra melhor.
Mina soltou uma risada assustada.
— Eu suponho que sim. — Seu aperto na mão de Evelyn afrouxou, mas
ela não se afastou. — Olha, Evelyn, a verdade sobre por que eu corri para cá
é que estou... com ciúmes.
— De mim? — Evelyn lutou contra a vontade de rir. — Por que minha
vida é tão divertida e perfeita?
— Porque você é uma médium. — A voz de Mina tremeu novamente.
— Eu sei que isso é exigente e assustador, mas é o que minha família me
disse que eu deveria ser. Ver você cair nisso, sabendo que minha mãe e meu
tio ficariam felizes em ter sua ajuda... Ela parou, mas Evelyn entendeu. Mina
se sentiu substituída.
— E o que você disse? Que eles iriam me punir?
Mina suspirou.
— Eu estava mentindo. Eu não queria que eles soubessem o que
aconteceu durante o verão do afogamento. Eu... eu sinto muito por isso
também. Vejo agora que fui egoísta.
Não havia como negar isso. Mas também não era como se Evelyn tivesse
confiado em Mina. E Evelyn sabia em seu íntimo que se ela deixasse Mina
agora, dissesse a ela que tinha terminado aqui, seria isso. Qualquer coisa
frágil que estava crescendo entre elas iria ser esmagada.
— Sim, você foi — disse Evelyn. — Mas eu também fui egoísta.
Convoquei esse espírito porque Nick me convenceu a colar em uma prova,
fui pega e sabia que isso arruinaria minhas inscrições na faculdade. Tinha esse
estágio que eu queria, e nem consegui... Parece tão bobo agora. Eu não
posso acreditar que eu coloquei nós duas em todo esse perigo por isso.
Ela estava esperando julgamento, mas em vez disso, a expressão de Mina
suavizou tristemente.
— Você nunca poderia saber que tudo isso iria acontecer — disse ela. —
E honestamente... estou começando a me perguntar se era apenas uma
questão de tempo até que o que fizemos naquele verão voltasse para nos
assombrar. Literalmente, suponho.
Evelyn apertou sua mão.
— Você realmente não está com raiva de mim?
— Não, a menos que você tenha algo pior para confessar.
— Uh. Bem. Eu... meio que tentei dizer Nick Slater a verdade sobre seu
irmão.
A cabeça de Mina se ergueu.
— Você o que?
— Eu me acovardei — Evelyn disse apressadamente. — Todas aquelas
coisas que você disse sobre tornar tudo muito complicado? Você estava certa.
Mina relaxou, parecendo aliviada.
— Foi uma coisa difícil para mim entender no começo também. Ainda
é, honestamente. Mas tudo o que você acabou de me dizer deixa
dolorosamente claro que você precisa de treinamento adequado, e minha
mãe e meu tio merecem saber o que está acontecendo com o fantasma. Vou
contar a verdade para eles amanhã cedo.
Talvez fosse porque ambos haviam renunciado a seus mecanismos de
sobrevivência para se conectarem. Talvez fosse porque, evolutivamente
falando, uma relação simbiótica deu a ambos uma chance melhor de lidar
com esse espírito. Ou talvez fosse porque Mina ainda estava segurando- a.
Mas Evelyn balançou a cabeça.
— Conte a eles sobre o fantasma, mas não conte a ela sobre mim —
disse ela. — Eu não quero te entregar.
— Mas você precisa de treinamento — Mina protestou.
— Eu sei — disse Evelyn. — Mas eu não quero que esse treinamento
venha de sua mãe. Quero aprender com você.
Capítulo quinze

M AIS TARDE NAQUELA NOITE, EVELYN acordou com sussurros. Um


murmúrio baixo, serpenteando pela borda de sua consciência apenas
suavemente o suficiente para ela se perguntar se ela estava sonhando.
Ela rolou e agarrou sua colcha. O céu ainda estava escuro lá fora; o
telefone dela dizia que eram 3h21. Algo cintilou em sua visão periférica – a
visão da língua bifurcada de Clara. Os padrões vermelho e laranja de sua
cobra se contorceram enquanto ela pressionava contra o vidro.
— Então você sente isso também, hein? — Evelyn murmurou enquanto
sua cobra girava a cabeça de um lado para o outro. A maneira como Clara
estava agindo agora significava que ela sentia algum tipo de vibração que
considerava uma ameaça.
Evelyn puxou as cobertas e procurou o foco de vidência em sua mesa de
cabeceira. A concha. Após uma rápida busca na internet depois que ela
chegou em casa de Ruthie tinha dito a ela que a criatura que vivia dentro
dela era chamada de caracol da lua, que era tão na cara que a fez querer
gritar. Agora ela suspirou e tocou a concha, que prontamente começou a
brilhar aquele familiar azul esverdeado. A luz dançou em seu quarto
enquanto os sussurros se tornavam mais altos e claros – como um rádio
mudando de estação para estação, cada um deles cheios de um tipo diferente
de tagarelice. Ela ainda não conseguia distinguir nenhuma palavra, mas as
vozes eram distintamente humanas.
— Uau — Evelyn murmurou, levantando o foco de vidência perto de
seu rosto. A luz azul parecia elétrica, quase neon; pequenos fios dele giravam
e se enrolavam dentro da boca da concha em padrões hipnóticos que a
lembravam de Clara. Ela entendia agora o que Mina quis dizer com isso a
protegendo. Isso não parecia um ataque como as outras assombrações.
Ela apertou os olhos para o calendário lunar que ela copiou da internet e
pendurou na parede, tentando avaliar o quanto ela deveria ser capaz de ouvir.
Eles estavam na crescente gibosa, a poucas noites da lua cheia. Uma faixa de
maré ligeiramente acima da média, então Evelyn deve ser capaz de fazer...
uma quantidade ligeiramente acima da média de comunicação fantasma.
Se ela quisesse, de qualquer maneira. Evelyn hesitou, lembrando-se do
que dissera a Mina apenas algumas horas atrás. Que ela não queria falar com
os mortos sem mais treinamento. Mas as vozes estavam aqui, e ela ainda
estava um pouco nervosa de que eles iriam puxar um banheiro Basic Bean
para ela se ela tentasse fingir o contrário.
— Você quer alguma coisa? — ela perguntou em voz alta. Falar tinha
funcionado da última vez – valeu a pena tentar novamente.
Um longo momento se passou antes que ela ouvisse um som de hiss em
resposta. Quando ela se virou, a tigela na gaiola de Clara estava tremendo.
— Oh! — Evelyn entendeu. — Você precisa de água para responder, não
é?
Ela pescou a tigela para fora da caverna, trabalhando delicadamente para
não perturbar Clara ainda mais. Ela podia dizer pelo cheiro de sal que não
era mais água doce.
Evelyn colocou a tigela no chão de seu quarto, estremecendo quando a
água espirrou nas laterais. Ela ainda tinha os ingredientes que ela tinha levado
para sua aventura na caverna imprudente. Ela pegou o saleiro e espalhou seu
conteúdo em um círculo bagunçado ao redor de seu tapete, então acendeu as
velas e as colocou ao redor do anel. Este era definitivamente um risco de
incêndio, mas isso parecia ser o menor de seus problemas agora.
Mina havia dito a ela que Stella não usava sangue ou itens pessoais em
suas invocações normais, então Evelyn olhou para a tigela de água e esperou
ter feito o suficiente. O ar frio da noite penetrou por baixo da janela
entreaberta e ela sentiu o cheiro de salmoura na brisa. Não importava que ela
estivesse lá dentro: ela era parte disso agora, e isso significava que ela sempre
carregaria o oceano com ela. Por bem ou por mal, assim como Mina havia
dito.
— Vá em frente — disse ela, sentindo-se um pouco tola mesmo agora.
— O que você está tentando me dizer?
As vozes se ergueram em uma cacofonia incompreensível. O mundo ao
seu redor nadava, cores e formas borradas, e Evelyn agarrou sua concha com
tanta força que doeu. Ela sentiu uma onda quebrar sobre sua cabeça, um
assalto de água do mar. Estava em seu nariz, sua boca, ela tossiu, engasgou-
se e fechou os olhos com força.
Quando ela os abriu novamente, ela não estava mais em seu quarto. Ela
estava em um estacionamento desconhecido e coberto de vegetação ao lado
de um estranho conjunto de edifícios. Era uma cena estranha, industrial, mas
estranhamente desolada, com várias grandes estruturas cilíndricas
flanqueando um centro que parecia uma torre de escritórios abandonada. O
oceano se estendia além dele, ondas rolando em uma infinita linha em
direção ao horizonte. O único som era o ritmo constante do fluxo e refluxo
da água.
Algo comeu na borda de sua visão – laranja enferrujado. O oceano ficou
mais alto, e Evelyn cheirava a podridão e salmoura, tão forte que fez seus
olhos lacrimejarem. Três formas se materializaram diante dela, indistintas e
finas. Os dólares de areia sobre seus olhos brilhavam no mesmo laranja, um
nítido contraste com seus corpos verde azulado. Eles foram a última coisa
que Evelyn viu antes que a visão desaparecesse.
Ela se ajoelhou no chão do quarto, ofegante. Uma gavinha verde azulada
rodopiava pela água, pulsando no mesmo ritmo do brilho que emitia de seu
foco de vidência. A tigela balançou tão violentamente que ondulações se
espalharam pelas laterais, mas o círculo de sal se manteve.
— O que é que foi isso? — Evelyn exigiu, tentando conter seu pânico.
Mas as vozes em sua mente estavam em silêncio. A tigela estremeceu mais
uma vez, depois se estabilizou.
Evelyn agarrou sua concha e observou seu brilho desaparecer. Ela não se
sentiu segura o suficiente para se limpar até que os últimos pedaços de luz
verde azulada tivessem se apagado.
Mina disse a ela que sua mãe e seu tio não conseguiram se comunicar
com o Trio de Cliffside. Mas não havia como negar essas três figuras, ou os
dólares de areia sobre seus olhos.
Ela procurou o telefone e mandou uma mensagem para Mina: puta
merda, temos uma pista real sobre o verão do afogamento
Ela não esperava uma resposta tão rápida, mas seu telefone tocou antes
mesmo que ela pudesse voltar para a cama.

E como exatamente você obteve essa pista?

Evelyn digitou de volta: ok 1. você manda uma mensagem como


uma criança de 10.000 anos e 2. uma merda de fantasma
assustador. obviamente.
A resposta de Mina foi ainda mais rápida desta vez. Achei que você
não ia falar com os fantasmas.

eles falaram comigo ok. agora você não é o


único com uma visão estranha para
decodificar

Tudo bem. Agora vá para a cama. Podemos discutir mais amanhã.

VOCÊ vai para a cama


por que ainda está acordada

Pesadelos

oh. você quer que eu ligue?

Mina digitou por um longo tempo, tanto tempo que Evelyn estava meio
adormecida quando a mensagem finalmente chegou.

Não. Está sob controle.

Evelyn franziu a testa, enviou uma resposta. isso fica menos


convincente cada vez que você diz isso, zanetti
Desta vez, Mina não respondeu. E quando Evelyn finalmente
adormeceu, ela sonhou com ondas quebrando e sussurros sem fim e uma
garota que vadeou até o fundo do mar, cobras enroladas em seus braços e
pernas como âncoras.

***

Evelyn acordou cedo e mal-humorada. Ela passou um tempo pesquisando


diferentes tipos de complexos industriais em Long Island, olhando para várias
estruturas cilíndricas feias até achar que seus olhos iriam cair. Mas nenhum
deles era o que ela tinha visto em sua visão. Quando ela finalmente desistiu e
desceu para o café da manhã, ela encontrou Meredith na cozinha, espalhando
geleia na torrada queimada.
Foi uma visão incomum – o trajeto de Meredith para Nova York foi
brutal, quase duas horas a caminho, o que significava que ela saía por volta
do amanhecer e voltava para casa depois do pôr do sol. Elas se cruzaram
apenas quando Evelyn acordava cedo para trabalhar no turno de abertura, ou
em momentos pequenos e fugazes da noite antes de Meredith desaparecer
em seu quarto para conversar por vídeo com Riku.
— Você quer algo? — sua irmã perguntou com a boca cheia de
migalhas. — Eu fiz café também. Não é... ótimo.
— É cafeinado?
Meredith assentiu.
— Isso é tudo que me importa. — Evelyn pegou uma caneca de viagem
do escorredor de pratos e começou a despejar metade da cafeteira. Trabalhar
no Basic Bean deu a ela uma tolerância perigosamente alta à cafeína.
Quando ela pousou a garrafa térmica, o pai entrou ostentando a sombra das
cinco horas do dia anterior e uma camiseta cinza possivelmente mais velha
que a própria Evelyn.
— Bom dia, meninas — disse ele. — Isso é café?
— Café ruim, aparentemente. — Evelyn passou o pote para ele.
— Porque seus grãos pré-moídos são uma merda — Meredith disse
defensivamente. Ela estava observando seu pai com um pouco de cuidado
demais. Meredith e Greg não brigaram como costumavam, ou pelo menos
não brigaram enquanto Evelyn estava na casa. Mas ela ainda podia sentir sua
antipatia palpável sempre que eles estavam na mesma sala.
Estar perto dos dois a lembrou da conversa que teve com Mina na noite
anterior. Quando sua mãe foi embora, os três Mackenzie restantes estavam
vulneráveis e despreparados. Todos eles evoluíram para sobreviver, mas não
fizeram isso juntos. E agora eles pertenciam a ambientes completamente
diferentes – seu pai enterrado sob a areia, Meredith totalmente fora da praia,
e Evelyn resistindo nas ondas. Sozinha. Sempre sozinha.
Isso pode mudar?
Evelyn pegou uma fatia de torrada e se dirigiu para a porta.
— Ei, espere — Meredith disse. — Aonde você está indo?
— Biblioteca. — Evelyn deu uma mordida, então estremeceu. — Isso é
basicamente carvão.
— Por que a biblioteca? — perguntou o pai dela. — Achei que ninguém
da sua idade se importava mais com livros.
— Eu leio às vezes — Evelyn protestou, o que era verdade, embora o
número de livros ela voltou sem ler de seu aplicativo da biblioteca subiu
muito desde que ela conseguiu um segundo emprego. — Além disso, estou
encontrando uma amiga.
Nada disso era mentira, mas o detalhe de que ela havia mandado uma
mensagem para Mina naquela manhã para marcar uma sessão de pesquisa
sobre uma alucinação induzida por fantasmas provavelmente era uma coisa
ruim para trazer à tona em uma conversa casual.
Meredith ergueu as chaves do carro.
— Estou indo para a cidade, também. Quer uma carona?
Evelyn sentiu uma agradável pontada de surpresa. Esta foi a primeira vez
que sua irmã realmente tentou sair com ela desde que ela voltou. Ela seguiu
Meredith porta afora, tentando fingir que não podia ver a tristeza no rosto
de seu pai. Tentar fingir que não a fazia se sentir como se estivesse
escolhendo um lado em uma discussão de seis anos.
— Eu pensei que você trabalhava às segundas-feiras — disse Evelyn
enquanto elas saiam da calçada. O carro de Meredith era exatamente como
Evelyn se lembrava, até o cheiro familiar de ambientador com cheiro de
pinho misturado com borracha queimada. A confusão de roupas e livros no
banco de trás estava basicamente fossilizada, tanto parte do veículo quanto o
motor ou o volante.
— Eu trabalhei no fim de semana das férias, então eu tenho folga hoje.
— Meredith deslizou em um par de óculos de sol enquanto o carro acelerava
morro abaixo. Ela sempre foi uma péssima motorista, muitas paradas e
partidas, mas Evelyn não se importou. Ela não era do tipo que enjoava com
facilidade. — E você? Acho que você trabalha mais do que eu.
— Tenho uma cobra para sustentar. — Evelyn tentou manter a voz leve.
— É importante manter o estilo de vida glamoroso de Clara.
— É por isso que há um freezer cheio de ratos mortos no porão?
— As cobras têm que comer — disse Evelyn.
— Claro que sim — Meredith disse. — Mas isso não te enoja?
No primeiro dia de Evelyn na Scales & Tails, ela foi apresentada as caixas
de criação de grilos, baratas dúbias e larvas de farinha, junto com um freezer
gigantesco cheio de vários tipos de camundongos e ratazanas. Seu pai havia
explicado a cadeia alimentar para ela bem antes que a aula de biologia o
fizesse, mas ela ainda estava enjoada nas primeiras vezes que viu o Sr. Clark
alimentar as cobras.
— A natureza não é nojenta. Simplesmente é — Evelyn disse enquanto
o carro descia a Avenida Principal.
— Muito filosófico — Meredith meditou. — Você conseguiu isso do
papai?
Evelyn tinha, na verdade. Mas ela já tinha experimentado bastante
estranheza familiar por um dia.
— Ei, aonde você vai na cidade? — ela perguntou, esquivando-se da
pergunta. Meredith não demonstrou nenhum interesse pelo resto de Cliffside
Bay, e Evelyn não a culpava. Certamente ela tinha mais lembranças ruins
aqui do que boas.
— Ah, encontrar um velho amigo — ela disse, com uma casualidade que
parecia forçada. — Aqui está sua parada. De nada pela carona.
— Eu ia agradecer. — Evelyn abriu a porta. Mina já estava esperando
por ela, sentada em um banco fora do prédio. Ela usava óculos de sol em
forma de coração, shorts de linho com babados e um top justo com mangas
transparentes. Como sempre, Evelyn sentiu-se irremediavelmente mal vestida
para a ocasião, embora não houvesse ocasião. Ela pegou seu longboard do
banco de trás e foi em direção às portas da biblioteca.
— Quem é aquela? — Mina perguntou enquanto Evelyn se aproximava,
gesticulando em direção ao MINI Cooper enquanto rugia para fora do
estacionamento.
— Minha irmã.
— Meredith? Eu não sabia que ela ainda estava na cidade.
— Ela está de volta para o verão — disse Evelyn, encaixando seu
longboard no bicicletário. — Mas tipo... mal. Ela está basicamente usando
nossa casa como um hotel.
— Isso deve ser adorável — disse Mina, parecendo um pouco
melancólica. — Lembro que ela era muito legal quando éramos crianças.
Evelyn abriu a biblioteca portas, agradecendo o ar condicionado.
— É um pouco mais complicado do que isso.
Felizmente, Mina não insistiu. Evelyn percebeu que ambas ainda estavam
sentindo como as coisas haviam mudado depois da conversa tarde da noite.
Porque houve uma mudança. Evelyn estava acostumada a recuar se as coisas
ficassem muito pessoais, mas em vez disso ela escolheu se aproximar de outra
pessoa. Aparentemente, falar com os mortos era um atalho para a
vulnerabilidade.
A biblioteca passara por uma reforma logo após o verão de afogamento.
Evelyn ainda se lembrava de como tinha sido antes – estantes velhas e caídas
e uma fileira de computadores que funcionavam muito devagar. Ela também
se lembrou do quanto os bibliotecários riram quando ela disse como muito
para eles, falou sobre o quão jovem ela era e o quanto as coisas haviam
mudado.
Hoje em dia os livros ainda estavam lá, arrumados ordenadamente em
novas prateleiras, mas todo o lugar era elegante e reluzente como um
escritório corporativo. Algumas pessoas estavam agrupadas em torno do
banco de laptops brilhantes à esquerda da recepção, e o som de crianças
brincando veio do canto infantil do outro lado do corredor. A biblioteca
poderia parecer diferente, mas ainda parecia segura para ela. E durante
aqueles anos em que ela não tinha para onde ir, a segurança parecia muito,
muito importante.
— Ei, Sra. Morales — ela disse para a mulher atrás da recepção. A mãe
de Luisa era uma mulher mexicano-americana com cabelos castanhos
grisalhos, um rosto quente e um grande par de óculos de leitura
empoleirados no nariz. Desde que Evelyn a conhecia, ela decorava a
recepção de forma elaborada, mudando-a a cada estação. Agora mesmo tinha
o tema praia, com ondas de papelão recortadas, um grande sol amarelo,
estrelas do mar de plástico e areia colada no fundo. — Posso renovar os livros
que emprestei?
— É claro. — A Sra. Morales pegou o cartão da biblioteca de Evelyn e
digitou no teclado. — Espero que você esteja gostando – são as séries
favoritas da minha filha.
— O primeiro foi muito bom — disse Evelyn. — Eu não fazia ideia de
que Luisa também gostava deles.
— Foi ela que me disse que eu deveria recomendá-los. Você já se
deparou com ela no trabalho?
— Às vezes. Ela me disse que está fazendo fotografia freelance neste
verão?
— Sim, sim. Ela é muito boa. Eu continuo dizendo a ela que deveríamos
pendurar suas fotos aqui, mas ela não deixa, diz que é muito vergonhoso. —
A Sra. Morales devolveu o cartão de Evelyn. — Sabe, eu sempre pensei que
era uma pena que vocês duas nunca tivessem se tornado próximas.
Evelyn tinha visto muito Luisa na biblioteca durante o ano ou dois que
passou evitando voltar para casa. Às vezes elas até faziam a lição de casa
juntas, ou jogavam alguns dos jogos de tabuleiro da velha escola no canto das
crianças. Mas ela sempre hesitou em sair com alguém por muito tempo, com
medo das perguntas que poderiam fazer sobre sua família. Agora, ela se
perguntou quantas amizades ela perdeu por causa desse medo.
— Bem — ela disse — talvez sim.
— Há mais alguma coisa em que eu possa ajudá-la? — A Sra. Morales
perguntou. — Mais recomendações de livros?
— Há algo que estou tentando pesquisar. Mas é meio que um mistério.
Os olhos escuros da Sra. Morales brilharam com interesse. Evelyn sabia,
vendo-a engatar livro após livro com leitores relutantes, que adorava um
desafio.
— O que é isso? — ela perguntou.
— Hum... um prédio antigo? — Evelyn ofereceu fracamente.
— E você sabe onde fica esse prédio?
— Não exatamente. Em Long Island, no entanto. Tenho certeza disso.
— Ou como se parece?
— Sim, mas... eu não tenho uma foto. Todos esses grandes e prédios
feios cilíndricos esverdeados? Parecia uma fábrica, mas está abandonado. —
Evelyn olhou em volta procurando Mina, esperando algum apoio, mas a
outra menina tinha desaparecido durante sua conversa com o bibliotecária.
A testa da Sra. Morales franziu em pensamento.
— Existem algumas fábricas abandonadas em Long Island, mas o que
você está descrevendo… — Ela digitou na barra de busca em seu
computador e girou o monitor. — É isso que você está procurando?
A princípio, parecia tudo errado, uma série de círculos ao lado de uma
localização central. Mas como a Sra. Morales clicou em outra foto, Evelyn
percebeu que a primeira tinha sido uma foto aérea. O segundo – um
estacionamento, prédios altos e feios – era inconfundivelmente o complexo
que ela tinha visto na noite anterior, embora aqui não parecesse nada
abandonado.
— Sim! — Evelyn poderia tê-la abraçado. — Você deveria ser
seriamente uma detetive ou algo assim. Como você descobriu isso tão
rápido?
— Bem, passou bastante no noticiário quando você era criança — disse a
Sra. Morales. — Embora eu suponha que não seja tão estranho que você não
saiba sobre isso. Se você quiser ler alguns artigos de jornal, quase certamente
temos alguns arquivados.
Ela apertou outra tecla, e uma impressora próxima ligou para a vida. Um
momento depois, cuspiu a imagem em preto e branco.
— Muito obrigada — disse Evelyn, sorrindo ao pegá-lo. Impresso abaixo
da imagem, em palavras que ela nem havia notado quando estavam na tela,
estava PLANTA DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS DA MARÉ AZUL: 1978.
Capítulo dezesseis

A PESAR DE UM COMEÇO PROMISSOR, a sessão de pesquisa de Mina com


Evelyn não saiu conforme o planejado. Ah, claro, Mina tinha aprendido
muito sobre a Planta de Gerenciamento de Resíduos Blue Tide. Ele havia
sido construído nos anos 70 para administrar o esgoto em Long Island, mas
surgiram complicações depois que um funcionário anônimo vazou que seu
sistema de descarga poluente estava sendo gerenciado de forma inadequada.
Houve protestos e cobertura de notícias, mas no final o que realmente parou
a fábrica foi o tempo. O maquinário começou a quebrar no início dos anos
2000, e eles o desligaram pouco depois.
Foi somente após o fechamento do Blue Tide que ficou claro o quanto
os manifestantes estavam certos. A usina vazou resíduos em Long Island
Sound por décadas. Evelyn ficou tão chateada com essa notícia que teve que
fazer uma pausa na pesquisa.
Aborreceu Mina também, mas ela continuou. Ela vasculhou os artigos e
a internet em busca de algum tipo de conexão com o verão do afogamento,
mas não conseguiu encontrar uma. Lá não havia envolvimento familiar,
nenhuma menção à planta no vídeo que Evelyn encontrara. Nenhuma razão
para as vítimas terem que se preocupar com isso.
— Se eles pudessem me mostrar uma coisa, por que eles me mostrariam
isso? — Evelyn reclamou enquanto eles deixavam a biblioteca para trás. —
Você acha que tem algo a ver com esse demônio em potencial? Ou como o
Trio de Cliffside morreu?
— Eu não sei — disse Mina. — Não houve vítimas na própria usina.
Verificamos isso também. E você disse que eles mostraram para você como
está agora, certo? Abandonado?
— Sim. — Evelyn gemeu. Ambas ficaram embaixo do toldo da
biblioteca em uma débil tentativa de evitar o calor sufocante – Mina tinha
caminhado até aqui, mas Stella se ofereceu para buscá-la. — Talvez eles
tenham nos mostrado uma planta de gerenciamento de resíduos porque
queriam que soubéssemos que estamos na merda.
Mina soltou uma risada surpresa.
— Acho que já sabíamos disso. — Algo se juntou em sua mente
enquanto ela pensava sobre a planta novamente, ou fotos que tinham visto do
lodo caindo na água. Era uma horrenda laranja diluída que a lembrava de
bile regurgitada.
Laranja. Como a luz que ela viu serpenteando pelo fantasma do Sr.
Giacomo.
— Os espíritos, Evelyn. Você disse que achava que as faixas de maré mais
extremas no Sound poderiam estar mudando seu comportamento, certo?
— Sim, eu disse — disse Evelyn.
— E a poluição?
Algo sobre Evelyn entrou em foco quando falou sobre a natureza. Mina
já havia notado isso antes, mas nunca tão claramente.
— É claro. Todo aquele lixo vazando no Sound... não prejudicou apenas
os vivos. Tem ferido os mortos. Deve ser por isso que me mostraram a
planta.
— Mas a fábrica está fechada agora — disse Mina. — Isso não pode
machucá-los mais. Por que o Trio de Cliffside mostraria isso quando eles
poderiam ter mostrado a você algo sobre o fantasma que os está absorvendo?
— Não sei. — A expressão de Evelyn ficou pensativa. Ela mal tinha
sardas há algumas semanas, mas agora que o verão estava em pleno
andamento, elas começaram a crescer em algo que você só podia ver de
perto. Mina não pôde deixar de notar como eles se aglomeravam em suas
bochechas e nariz como um spray de espuma do mar. — Mas estamos perto
de algo – eu posso sentir.
O telefone de Evelyn tocou. Quando ela o agarrou, seu rosto franziu
com surpresa.
— Hu. Eu pensei que ela estava brincando sobre isso.
— Quem está brincando sobre o quê?
— Luisa Morales quer me arranjar um encontro — disse Evelyn. —
Aparentemente, sua amiga Talia gosta de mim, então ela nos convidou para
uma festa no final desta semana.
Foi uma mudança de assunto que fez Mina se sentir – não exatamente
frustrada, mas algo próximo a isso. Algo um pouco mais feio.
— Nós iremos. Talia é legal. Ela estava em química honorária comigo.
— Eu já disse não a ela. — Evelyn terminou de digitar uma mensagem,
então deslizou o telefone de volta no bolso. — Talia é legal, sim, mas Luisa
disse que nós duas a lembramos uma da outra, em termos de personalidade.
O que significa que nunca funcionaria.
O sentimento ainda indeterminado de Mina se dissipou imediatamente.
— Então você não está interessado em namorar seu clone — ela disse. —
Mas você gostava de Nick?
Evelyn lançou-lhe um olhar.
— Eu pensei que você não queria falar sobre isso. Não deveríamos focar
no assunto? Tenho certeza de que podemos desenterrar realizações
sobrenaturais mais horríveis se nos esforçarmos o suficiente.
Era verdade, Mina tinha sido fechada quando Evelyn falou sobre namoro
no Basic Bean. Mas ela era uma pessoa privada, e uma semana atrás, Evelyn
parecia muito mais estranha do que agora. Ela nunca falou com ninguém do
jeito que ela falou com Evelyn na noite passada.
— Já passamos disso.
Evelyn deu-lhe um sorriso hesitante.
— Eu sei. Eu estava apenas brincando.
— Pode parecer estranho para você, mas eu estava com medo — disse
Mina. — A última garota com quem falei sobre ser bi… bem, eu a convidei
para sair e então ela me deu um bolo.
— Isso é uma merda — disse Evelyn. — Eu sinto muito.
— Está tudo bem- disse Mina. — Isso só tornou um pouco assustador.
Eu saí porque não queria sentir que era algo que eu tinha que esconder. Mas
depois do meu post, parecia que as pessoas queriam que eu provasse que eu
era bi, de alguma forma. Como se eu nunca ter namorado alguém
significasse que eu não poderia saber quem ou o que eu queria, mesmo que
eu tivesse uma queda por pessoas. Então eu senti pressão, suponho. Para o
provar. E quando não deu certo, me perguntei se ela havia falado comigo e
decidi que não contava.
— Você sabe que existem centenas de outras razões pelas quais ela pode
não querer ir a esse encontro, certo?
— Eu estou ciente — Mina murmurou. — Mas foi difícil não se fixar
nisso.
— Eu entendo. — Evelyn deslocou seu tênis em seu longboard,
fazendo-o rolar para frente e para trás pela calçada. — Não sentindo que
você está fazendo isso certo, quero dizer. Recebi este comentário anônimo
quando estava namorando o Nick. Quem postou me chamou de falsa
porque eu estava com um menino. Eles disseram que eu só tinha me
assumido para chamar atenção.
— Isso é absolutamente horrível. — A voz de Mina tremeu. — Por que
alguém diria algo assim?
— Eu não sei — disse Evelyn. — E eu não vou fingir que não
machucou. Ou que isso não me fez sentir como se eu não fosse
suficientemente bi, também. Mas eu sei quem eu sou, e eu não ia deixar um
idiota qualquer tirar isso de mim. Especialmente quando tenho a sorte de
viver em um tempo e lugar onde posso estar fora.
— Eu gostei disso — Mina disse suavemente. — Vou me lembrar disso.
— Obrigada. — Evelyn tinha um jeito de sorrir que fazia Mina sentir
que estava em algum tipo de segredo. Como se estivesse escondido em
algum lugar entre a covinha de sua bochecha e a curva de seus lábios. —
Sabia que seu post realmente me ajudou a sair do armário?
— Sério? — Mina se esforçou para acreditar que havia influenciado
Evelyn Mackenzie a fazer qualquer coisa além de se comunicar com
fantasmas.
— Sim. Quer dizer, eu sabia que não era a única garota da nossa série. As
pessoas estavam saindo por um tempo. Mas vendo você fazer isso, me deu
aquele empurrão que eu precisava. — Evelyn deu de ombros. — Talvez
tenha sido a maquiagem nos olhos. Muito inspirador.
Mina sabia que estava corando. Ela não tinha pensado em como seu post
poderia ter ajudado as pessoas, ou feito elas se sentirem mais válidas em
quem elas eram.
— Oh — ela disse fracamente. — Bem, eu posso te ensinar como fazer a
maquiagem, se você quiser.
— Claro — disse Evelyn. — Se tivermos tempo entre nossos horários
regulares de crises fantasmas.
Uma caminhonete parou na garagem que Mina reconheceu como sendo
do tio Dom.
— Falando nisso — disse ela, franzindo a testa. Aquele carro devia ser da
Stella. — Vejo você em breve, tudo bem?
Evelyn assentiu e foi embora. Ocorreu a Mina, enquanto subia na
caminhonete, que Evelyn tinha ficado por perto só para falar com ela,
embora ela tivesse dito na biblioteca que mal tinha tempo para ir para casa e
almoçar antes de seu próximo turno.

***

Mina torceu o nariz quando o Tio Dom estacionou a caminhonete na


Avenida Principal. O interior cheirava como se tivesse sido mergulhado em
tripas de peixe.
— Onde está a mamãe? — ela perguntou enquanto ele dirigia
lentamente pela cidade. Tio Dom nunca estava realmente com pressa – sete
anos mais velho que sua irmã, ele era a âncora quieta e firme da dupla de
médios Zanetti. Ele e Stella tiveram um tipo de relacionamento entre irmãos
que Mina sempre desejou. Sergio se sentia muito como um irmão mais
velho quando eles eram crianças, mas ela não tinha certeza se ele queria fazer
parte dessa família.
— Stella não está se sentindo bem — seu tio disse enquanto puxava o
volante para a esquerda. Seu sempre presente boné de beisebol estava
estrategicamente disposto em sua careca.
— Uma de suas enxaquecas?
— Sim.
— Eu vou cuidar dela. Não se preocupe.
Ela sabia exatamente do que Stella precisava em um momento como
aquele: música calmante, compressas de gelo e óleos essenciais de lavanda.
— Na verdade, ela perguntou se poderia ficar sozinha por algumas horas
— disse o tio Dom. — Você quer vir passar a tarde? Sergio está em algum
lugar, mas faz muito tempo desde que saímos. Poderíamos verificar mais
alguns focos de vidência e pedir pizza.
Eles viraram para a estrada lateral que levava à casa dele, não à de Mina,
como se isso fosse uma conclusão precipitada. Mina olhou de soslaio para o
tio – ela viveu com ele por tempo suficiente para saber que algo estava
errado sobre isso. Havia uma versão dela que teria simplesmente empurrado
aquela inquietação para baixo e deixado que ele a distraísse por uma tarde.
Mas quanto mais tempo ela passava perto de Evelyn, menos ela parecia poder
fazer isso.
— Você e mamãe têm enxaquecas induzidas pelo espírito ao mesmo
tempo — disse ela. — E geralmente correspondem à lua cheia ou nova, mas
ainda faltam dois dias.
Dom olhou intensamente para a estrada à frente.
— Insistir nisso não é uma boa ideia.
— Insistir no que, exatamente? — A voz de Mina saiu calma,
despreocupada. Ela estava orgulhosa disso, porque seu oceano começou a se
agitar quando sua caminhonete parou no estacionamento. As ondas
chicoteavam em picos brancos e afiados enquanto uma tempestade se
formava no alto. — Ela está tendo uma enxaqueca, você disse?
— Eu disse — disse seu tio. — É por isso que você deveria vir, porque
ela quer ser...
— Deixada em paz. Sim. Mas a questão é que eu sei como fazer isso
quando estamos na mesma casa. Tenho anos de prática. Então, enquanto eu
aprecio você me convidando, eu acho que prefiro ir para casa.
Quando Mina olhou para o tio novamente, as mãos dele estavam
apertando o volante.
— A menos que haja algo errado — disse ela. — Algo que você não
quer que eu veja.
— Você prometeu a ela que ficaria fora disso.
— Ela é minha mãe. — A voz de Mina ainda era suave, mas parecia
venenosa. Dentro dela, o trovão ressoou acima das ondas agitadas. Ela se
perguntou o que aconteceria se eles quebrassem o barco dela, se ela
quebrasse junto com eles. — Me diga o que está acontecendo, ou eu vou
descobrir sozinha.
Ela nunca havia dito algo assim antes para sua mãe ou seu tio. Não era
uma pergunta, ou um apelo. Era uma demanda. E para sua imensa surpresa,
funcionou.
Tio Dom estacionou sua caminhonete ao lado da estrada, então se virou
para olhar para ela.
— O fantasma a atacou — ele disse solenemente.
As ondas no estômago de Mina balançavam perigosamente perto das
laterais de seu barco. Talvez fosse sua imaginação, mas o cheiro de água
salgada dentro do carro ficou mais forte.
— Ela está bem?
— Ela vai ficar — Seu tio ajustou o boné novamente, parecendo
sombrio. — Mas ela não queria que você a visse assim.
Quando Mina ficou doente depois de invocar aquele espírito com
Evelyn, sua mãe cuidou dela para até ficar melhor. Elas foram para o hospital
no início, depois passaram uma semana no quarto que dividiram na casa do
tio Dom enquanto Stella monitorava sua temperatura e a alimentava com sua
sopa caseira. Quando Mina estava lúcida o suficiente para ficar entediada,
Stella lia seus livros favoritos em voz alta e emprestava seu tablet a Mina para
assistir a todos os seus filmes favoritos. Agora foi a vez de Mina retribuir.
— Ou você me leva até lá, ou eu ando.
Dom acelerou o motor, manobrando o caminhão para que seguisse na
direção certa. Em direção a casa.
— Ela criou você para ser como ela — disse ele com tristeza. Parecia um
pouco como um elogio e um pouco como uma condenação.

***

As luzes estavam apagadas dentro do chalé, mas as cortinas estavam abertas. A


luz do sol da tarde iluminou o caos – um kit de primeiros socorros ainda na
mesa do quarto, uma ala de vidro estilhaçada no chão. Mina mal parou para
tirar os sapatos antes de correr pelo corredor até a porta do quarto de sua
mãe. Estava ligeiramente entreaberta, mas Mina bateu mesmo assim.
— Dom? — murmurou uma voz fraca. — É você?
— Sou eu.
Stella imediatamente ficou em silêncio.
— Se você quiser que eu fique do lado de fora, eu fico — disse Mina. —
Mas por favor. Eu posso ajudar.
Para outro longo momento, não havia nada. E então a voz de Stella
novamente, tão fraca que Mina mal podia ouvir.
— Tudo bem.
A única luz no quarto de Stella vinha de algumas velas na cômoda e na
mesa de cabeceira, mas Mina conhecia a topografia bem o suficiente para dar
um passo para o lado da pilha de livros de receitas no chão e desviar antes de
bater no cabide antigo que Stella usava como joalheria. suporte. A mãe dela
estava enrolada na cama, lençóis roxos amontoados em volta da cintura.
Acima de sua pequena estrutura havia uma enorme cabeceira de madeira,
esculpida com luas e estrelas que pareciam piscar junto com a luz das velas.
— Mamãe. — Mina afastou alguns travesseiros e se sentou na beirada da
cama. Stella tinha pelo menos meia dúzia. Na sua primeira noite nesta casa,
elas construíram um forte com eles e acamparam. Mina comeu tanta pipoca
de alho com parmesão e sorvete de massa de biscoito que ela passou mal o
dia inteiro. — Me diga o que você precisa.
— Eu não queria que você me visse assim, minha conchinha — ela
murmurou. — Seu tio deveria ter impedido você de vir aqui.
— Ele tentou.
Sua mãe riu.
— Às vezes eu esqueço o quão teimosa você realmente é.
— Eu não... eu... eu só me importo com você. O que aconteceu?
Stella se mexeu, se levantando, e apoiou as costas na cabeceira da cama.
— Tudo vai ficar bem, Mina. — Sua voz estava áspera. — Eu
simplesmente tive uma manhã ruim.
A luz das velas iluminou a bandagem gigante em seu braço da mãe,
estendendo-se do ombro ao cotovelo. Ataduras menores pontilhavam seu
rosto e pescoço. Um logo acima de sua sobrancelha, um em sua bochecha,
um na cavidade de sua garganta.
— Uma manhã ruim? Mãe, você precisa ir ao hospital. Tio Dom pode
nos pegar–
— Não. Não é seguro. — Stella não foi tão dura como da última vez que
ela desligou Mina, mas seu tom ainda era firme o suficiente para fazer Mina
parar de falar. — Esta casa está protegida. Eu verifiquei as proteções. Desde
que nenhuma seja danificada, nada pode nos tocar aqui.
— Tem um quebrado no chão.
— Sim, de fora. — Stella tossiu. — Isso porque corri para cá o mais
rápido que pude.
— Então o fantasma realmente atacou você? — perguntou Mina.
Estela assentiu.
— Seu tio e eu estamos tentando triangular onde o demônio em
potencial é mais poderoso, o que seria muito mais fácil de fazer se
soubéssemos quem era esse espírito. Por enquanto, parece melhor evitar Sand
Dollar Cove. Algo que a maioria desta cidade faz independentemente.
Mina pensou em sua visão, a praia, a lua.
— Você acha que o espírito é mais forte lá?
— Bem, foi poderoso o suficiente para fazer isso. — Stella fez um gesto
pesaroso para si mesma, depois para sua mesa de cabeceira. Mina se virou e
viu outra vítima: o pingente de vidro de lavanda que tinha sido o foco de sua
mãe desde que ela conseguia se lembrar. Tudo o que restava do colar eram
alguns fragmentos roxos presos ao canário.
Não poderia ser uma coincidência que isso tenha acontecido logo depois
que Mina ouviu uma voz em sua mente a convidando para aquela praia, ou
que Evelyn tinha sido contatada pelas vítimas do afogamento no verão.
— Você tem certeza de que este não é o Trio de Cliffside? — ela
perguntou. — O fantasma que está nos ameaçando, quero dizer.
Os lábios de Stella se estreitaram.
— Sim, Mina — disse ela. — Eu te disse, este é o fantasma que absorveu
os outros.
— Como você pode ter tanta certeza?
— Porque esse fantasma era um problema antes dos outros morrerem.
Mina ficou boquiaberta para ela.
— Mas você disse que não sabia sobre esse espírito até depois dos
assassinatos.
Stella encontrou seu olhar com olhos castanhos firmes e inabaláveis.
Você mentiu para mim, Mina queria sussurrar – não, gritar. Sobre o que mais
você está mentindo? Seu oceano agitou-se furiosamente. Ela tentou acalmar a
tempestade que sentiu antes, mas em vez disso, só tinha ficado mais forte.
— Era mais seguro assim — disse Stella. — Você é altamente vulnerável
sem um foco de vidência – depois de hoje, estou preocupada que mesmo seu
colar de proteção possa não ser suficiente para protegê-la dessa ameaça. Mas
você não precisa se preocupar com isso. Assim que me recuperar, seu tio e eu
descobriremos quem era esse espírito. E vamos detê-los antes que
machuquem alguém senão.
— O fantasma quer falar comigo. — Mina deixou escapar antes que sua
mente alcançasse sua boca. — Isso não é uma abertura? Uma maneira de
vocês dois descobrirem mais sobre eles?
— O fantasma... falou com você? — A voz de Stella ficou áspera. — Isso
não deveria ser possível. E o seu colar?
Ah não. Mina engoliu em seco e agarrou o pingente em volta do pescoço.
— É, hum... eu tinha esquecido de colocar.
Stella obviamente não acreditou nela.
— Isso é incrivelmente perigoso, Marina Elena. Claro que o fantasma
quer atrair você. Você não deve ouvir uma única coisa que eles lhe disseram.
— Eu não estou planejando fazer isso — disse Mina.
— Francamente, não tenho certeza se posso acreditar nisso. Se você não
consegue nem ouvir minhas instruções sobre como manter seu colar, não
entendo como você espera nos ajudar...
— Estou ajudando você — Mina protestou. — Encontrei informações
que podem mudar a maneira como você está lidando com isso. O Trio de
Cliffside estava investigando fantasmas! Isso não pode ser coincidência.
Estela suspirou.
— Essas crianças vieram até mim, Mina. Disseram que precisavam saber
falar com um espírito. A reputação da nossa família já existe há algum tempo.
Então eles queriam pedir aos caçadores de fantasmas locais – suas palavras,
não minhas – por ajuda.
— E o que você disse a eles? — perguntou Mina.
— Que seria profundamente imprudente fazer isso, e que eu não poderia
em sã consciência ajudá-los. Nós não invocamos espíritos aleatórios aqui.
Falamos com os mortos que precisam de nós.
— E você não acha que o que eles estavam perguntando tinha algo a ver
com suas mortes?
A expressão de Stella era totalmente neutra, seu tom firme.
— Não. Eu acredito que eles foram assassinados por mãos humanas.
— E a Usina de Gerenciamento de Resíduos Blue Tide? Você sabe
alguma coisa sobre isso?
— Mina, por favor. — Stella caiu contra a cabeceira da cama. — Eu não
sei quais teorias da conspiração você está lendo, mas eu prometo a você, esse
caminho não trará nada além de conflitos.
— Mas os espíritos estão mudando, mãe. Acho que está ligado à planta.
As variações das marés, a poluição…
— Eu preciso descansar — disse Stella, sua voz desaparecendo. — Por
favor, Mina, chega disso.
Mina olhou para ela impotente. Ela antagonizou sua mãe enquanto ela
estava indisposta. Era impossível não se sentir culpada por isso.
— Tudo bem — disse ela. — Eu sinto muito. Posso te trazer um pouco
de água? Talvez um pouco de sopa?
Os olhos de Stella se fecharam, mas ela sorriu, enrolando-se em seu
ninho de travesseiros mais uma vez.
— Obrigada, minha conchinha — ela murmurou. — Isso seria
maravilhoso.
A mente de Mina zumbia enquanto ela caminhava para a cozinha. Ela se
sentiu... tola. Pequena. O Trio de Cliffside tinha falado com a mãe dela. Mas
o que isso significava mesmo? O que Mina estava fazendo, fingindo que ela e
Evelyn eram mais qualificadas para lidar com isso do que dois adultos com
uma vida inteira de experiência?
No entanto, quando ela começou a descongelar a sopa e colocou um
copo de água debaixo da torneira, ela percebeu que havia algo que Stella não
sabia. O dólar de areia em seu pulso. Evelyn Mackenzie.
Ela poderia dizer se quisesse, mas... Stella não quis ouvir. Stella nunca a
ouvia quando falava sobre os mortos.
Mina largou o copo. Lenta e cuidadosamente, ela ergueu o colar de
proteção sobre a cabeça. Então ela enfiou a mão debaixo da torneira,
deixando a água se acumular na palma da mão em concha.
A mudança não foi imediata desta vez. Era lenta, silenciosa. O cheiro de
sal invadiu a sala, e uma leve gavinha verde azulada apareceu na água que
corria por sua mão, tremeluzindo como a chama de uma vela. Vozes
começaram a ressoar no fundo de sua mente, e Mina sentiu aquela atração
novamente. Ela sabia que era errado procurar isso. Mas ela estava ansiando
por esse sentimento desde que ela foi cortada na piscina – anseio encontrou
anseio. Uma conexão que zumbia e borbulhava sob sua pele.
Mas assim que Mina sentiu, parou abruptamente, como se ela tivesse
aberto um baú e alguém tivesse acabado de fechar a tampa.
Um barulho frenético soou atrás dela. Mina se virou. Os três cervos de
vidro em cima da prateleira de especiarias estavam vibrando, clicando um
contra o outro como brinquedos quebrados.
Ela ativou as proteções.
Mina se engasgou e puxou a mão para longe da torneira, procurando seu
colar. As estatuetas pararam de tremer assim que tocaram sua pele nua.
Ela era uma médium, com foco de vidência ou sem foco de vidência.
Talvez isso não estivesse funcionando para ela porque, como Evelyn, sua
prática era ligeiramente diferente do resto de sua família. Ou talvez fosse
porque Stella a estava escondendo – ela claramente havia ocultado detalhes
sobre o verão do afogamento, afinal.
Mina estava cansada de ser marginalizada. Cliffside Bay estava em perigo,
e Stella ainda a tratava como uma criança.
Este era o problema dela também. E ela ia ajudar a consertar isso.
Capítulo dezessete

A PRIMEIRA SESSÃO DO TREINAMENTO médium oficial de Evelyn começou um


dia depois que a mãe de Mina foi atacada pelo fantasma. Sem pressão.
Evelyn perguntou novamente a Mina se ela queria contar a Stella sobre ela,
mas Mina recusou. E depois de um rápido resumo das mentiras de Stella,
Evelyn entendeu o porquê.
— Eu não posso acreditar que ela falou com Colin, Tamara, e Jesse e
nunca mencionou isso para você — ela disse para Mina.
A outra garota agarrou um travesseiro perto do peito. Velas estavam
agrupadas no parapeito da janela atrás dela como amigos fofoqueiros.
— Sempre soube que ela tinha segredos, mas não achava que fossem...
assim.
Apesar de seus ferimentos, Stella estava visitando algum fornecedor de
produtos, uma atitude imprudente com a qual Mina estava definitivamente
chateada, porque, nas palavras de Mina “Isso significa que ela está mentindo
sobre estar em perigo também?”. Então eles estavam no quarto de Mina, que
era o espaço mais bagunçado que Evelyn já tinha visto. Ela acabou
empoleirada na beirada da cama ao lado da penteadeira transbordando de
maquiagem e máquina de costura. O manequim no canto teria dado
pesadelos a Evelyn, mas Mina parecia confortada por ele.
— Então eu acho que nós não podemos confiar nela — Evelyn disse
cansada.
— Não, não podemos — disse Mina do outro lado da cama. —
Precisamos continuar investigando isso sozinhas.
Apenas algumas semanas atrás, Mina parecia tão confiante para ela.
Agora, Evelyn podia ver as raízes marrom-escuras em seu cabelo descolorido,
a espinha em sua bochecha, as pilhas de roupa suja no chão. A garota antes
dela ainda era talentosa, ainda inteligente, ainda irritantemente bonita, mas
ela tinha muito a perder e muito a temer. Assim como Evelyn.
— Eu sei que hoje é sobre treinamento, mas... acho que você merece
uma distração de tudo isso — disse Evelyn. — A fogueira da Luisa na praia é
amanhã à noite. Você quer ir comigo?
— Eu não posso — Mina disse imediatamente, com um pânico tão
visceral que Evelyn recuou, picada.
— Eu não sabia que sair comigo era tão horrível ideia.
— Não é isso. Eu… é a lua cheia! — Mina sussurrou as duas últimas
palavras como se fossem uma admissão de algum crime horrível. — Na
praia! Nenhuma de nós deveria estar.
Evelyn sentiu alívio, seguido rapidamente de constrangimento.
— Oh. Certo. Só achei que seria legal sair com alguém que vive para
variar.
— O que você quer dizer? Você está sempre com pessoas.
— O que? — Evelyn estava totalmente perdida. — Eu não saio com
qualquer um, Mina. Exceto você. E Nick antes disso, eu acho, mas... é isso.
— Mas você conhece todo mundo — Mina protestou. — Em todos os
lugares que vamos nesta cidade, as pessoas fazem fila para dizer o quanto se
importam com você. Ruthie, Sra. Morales...
— São pessoas que tiveram pena de mim quando eu era criança.
— E seus colegas de trabalho?
— Eles estão literalmente sendo pagos para trabalhar comigo.
— Você realmente não vê. — Mina abaixou o travesseiro. — Eu... eu
nem sei o que dizer.
— Que tal começar aquela aula médium para a qual eu deveria estar
aqui? — Evelyn tirou os pés da cama e se levantou. Ela não tinha interesse
em explicar como se sentia sozinha nos últimos seis anos. — Nós
provavelmente precisamos de espaço, certo? O que está por trás disso?
Ela apontou para uma tela ao lado do armário, ao lado do manequim.
— Uh, nada — disse Mina rapidamente, corando do pescoço até as
orelhas.
A curiosidade percorreu a espinha de Evelyn.
— Acho que sua mãe não é a única com segredos.
— Não é segredo — Mina disse indignada. — Está inacabado. Eu vou te
mostrar quando estiver pronto, tudo bem?
Uma pequena parte de Evelyn ficou tentada a desdobrar a tela e dar uma
olhada por si mesma, mas Mina estava claramente desconfortável.
— Ok — ela disse.
— Aula médium? — Mina perguntou fracamente.
— Aula médium.
Não era como se tudo isso tivesse mudado. Evelyn se recostou na cama e
Mina se endireitou, alisando o cabelo e jogando o travesseiro de lado. Mas
Evelyn ainda sentia aquela sensação estranhamente formal de estar na aula e
esperando a aula começar.
— Achei que poderia ajudar com o básico — disse Mina. — Sua relação
com os mortos não funciona exatamente do jeito que me ensinaram, mas...
suponho que a minha também não. Então talvez tenhamos que improvisar.
Mas acho que você funciona com água salgada e com Long Island Sound.
Mamãe diz que é especial, que os fantasmas tendem a se reunir aqui de uma
maneira que não acontece no South Shore.
— Por que eles ficam presos aqui? — Evelyn perguntou.
As sombras no rosto de Mina piscaram com a luz de velas, fazendo com
que a verruga sob seu olho esquerdo parecesse estar dançando.
— Por um tempo, eu honestamente pensei que era uma coisa misteriosa
que ela disse. Que ela realmente não sabia por quê. Mas, bem, se a poluição
pode afetar os fantasmas... se a lua e as marés também... o Sound inteiro deve
fazer algo com eles também, certo? Você sabe muito sobre esta área – há algo
especial sobre este oceano versus outro oceano?
Algo clicou na mente de Evelyn – outra pequena peça do quebra-cabeça
no vasto mistério dos mortos persistentes.
— Bem, em primeiro lugar, o Sound não é tecnicamente um oceano —
disse ela. — É um estuário. Água doce misturada com água salgada.
Portanto, tem um teor de sal muito menor do que o Atlântico.
— Mamãe chama o sal de passagem — Mina meditou. — Talvez o som
seja o ambiente perfeito para os fantasmas permanecerem porque não pode
varrê-los completamente.
— Essa é uma ideia muito interessante — disse Evelyn, sua mente
zumbindo. — Me pergunto como aquilo funciona? Eu me pergunto do que
os fantasmas são feitos. Talvez seja algum tipo de matéria orgânica que
simplesmente não entendemos – o que você acha?
— Acho que você faz muitas perguntas.
— Bem, sim! Se eu tiver que passar o resto da minha vida falando para
fantasmas, vou tentar descobrir os detalhes.
— Eu fazia perguntas sobre a mecânica de ser médium o tempo todo
quando era mais nova. — Mina olhou para suas mãos, a marca de dólar de
areia em seu pulso aparecendo por baixo de sua pulseira. — Stella não
gostava.
— Bem, Stella não está aqui — disse Evelyn, com uma súbita onda de
proteção. — Então, o que você acha de todos as minhas teorias de fantasma?
— Huh. — Mina hesitou. Evelyn nunca tinha visto alguém se esforçar
tanto para compartilhar uma opinião antes. — Tudo bem... bem... eu acho
que toda a minha vida, eu vi fantasmas como esses últimos ecos de uma
pessoa, pairando no limite da existência. Mas está claro para mim agora que
o mundo tem um efeito sobre eles, assim como tem sobre os vivos. A
diferença é que os mortos não têm poder para mudar isso.
— Até agora — Evelyn disse calmamente.
Mina estremeceu.
— Sim. Até agora.
Ela remexeu delicadamente em meio à desordem no parapeito da janela,
então pegou uma estatueta de vidro de uma bailarina.
— Esta é uma ala – uma das cerca de uma dúzia em nossa casa. Depois
do que aconteceu com a mamãe, acho que você deveria fazer a sua própria.
O problema é que você não parece usar vidro, mas talvez se você substituir
conchas, ou outros orgânicos importa, ele ainda vai funcionar. Você vai
precisar experimentar.
— Por que você não tentou fazer um desses para mim antes? — Evelyn
perguntou.
— Eu... teria que pedir ajuda à minha família — Mina murmurou. —
Desde que eu não tinha certeza se funcionaria. E já que eu não queria que
eles soubessem de você...
Evelyn fez uma careta.
— Oh.
— Você está segura desde que encontrou seu foco de vidência, no
entanto! — Mina disse apressadamente. — Isto é apenas proteção extra.
Mina explicou o básico para Evelyn – uma tigela, água salgada, sangue,
mergulhando o objeto até que brilhasse.
— Mas o que faz as proteções brilharem? — Evelyn perguntou. — Stella
só escolheu aqueles com os quais ela tinha uma conexão? Ou o sangue criou
uma conexão? E se o sangue cria uma conexão, por que todos os médiuns
não...
— Calma aí — Mina estendeu as mãos. — Um, as proteções não
funcionam como um foco de vidência normalmente – eles são feitos para
entorpecer a influência de um espírito em vez de amplificar sua voz. Dois,
eles brilham porque mamãe é médium. Essa é a única razão que ela já me
deu, e eu não acho que ela realmente entende isso. E três, o sangue permite
que eles saibam quem proteger.
— E o papai e a Meredith? — Evelyn perguntou. — Eu não posso
exatamente ir até eles e ficar tipo “Oh, ei, eu posso ter um pouco do seu sangue? É
para uma coisa.”
— Já que o fantasma deve ter como alvo os médiuns antes que eles se
incomodem com qualquer outra pessoa, sua família ficará bem. Stella tem
esse ditado, sobre como estamos na ponte entre a vida e a morte. Sua família
está firmemente do lado vivo dessa ponte.
Evelyn assentiu, impressionada.
— Droga, Mina, você realmente sabe das coisas.
O rosto de Mina ficou praticamente o mesmo, mas os cantos de sua boca
se contraíram. Evelyn tinha aprendido sobre esse olhar – significava que ela
estava feliz, mas tentando não demonstrar.
— Bem, você também conhece a sua. A maneira como você aborda os
fantasmas como fenômenos naturais, em vez de almas remanescentes que
precisam ser enxotadas... é incrivelmente interessante.
Mina encontrou os olhos de Evelyn, e lá estava ela de novo. Aquela coisa
que aconteceu na Ruthie e no Scales & Tails, um amolecimento no peito de
Evelyn que não parecia um enfraquecimento de seus mecanismos de
sobrevivência, mas uma expansão deles.
Mina a fez se sentir segura. E Mina a fez se sentir compreendida.
Evelyn estava tão envolvida na conversa que quase não ouviu a batida na
porta. Mas Mina sim. Ela saltou para cima e empurrou a estatueta de vidro
de volta para o parapeito da janela.
— Mamãe? — ela chamou.
— Abra a porta, Mina. Tenho algo para lhe mostrar.
Havia uma alegria na voz que confundiu Evelyn – isso não soava como
alguém que estava com medo de um demônio em potencial. Mina deu de
ombros, claramente confusa.
— Não diga nada a ela — Mina murmurou antes de se levantar. Ela
andou facilmente pelo labirinto de lixo em seu chão antes de destravar a
porta e abri-la.
Fazia um longo tempo desde a última interação de Evelyn com a mãe de
Mina, mas Stella tinha o tipo de presença que ninguém esquece. Hoje ela
usava um vestido de verão da cor de uma nuvem de tempestade com um xale
cinza sobre ele e meia dúzia de alfinetes de opala que mantinham seus
cabelos castanhos espessos até a cintura longe dos olhos. A esfera verde em
volta do pescoço parecia vidro barato, mas Evelyn sabia que era muito mais
do que isso. Havia bandagens no pescoço e na testa; eles só aumentavam a
impressão de que ela era uma força a ser reconhecida. Uma situação tipo
“você devia ver o outro fantasma”
— Evelyn Mackenzie — Stella meditou. Havia algo malicioso e
provocante em sua voz, mas nenhuma surpresa. Evelyn se lembrou de que
havia deixado os tênis no corredor da frente. Claro que Stella sabia que mais
alguém estava aqui. Ela se sentia desesperadamente comum como a de Stella,
olhos castanhos avaliaram sua roupa: a flanela amarrada na cintura, seus shorts
caseiros e uma camiseta estampada que uma vez pertenceu a Meredith. Lia-se
PARA SEMPRE, e naquele momento parecia profundamente imaturo.
— Que bom ver você de novo. Agora, Mina, você conhece as regras
sobre ter amigos de qualquer gênero: porta aberta.
Mina corou.
— Nós estávamos apenas… trabalhando em um projeto escolar–
— No verão?
Evelyn nunca tinha visto Mina tão desesperada antes. Stella deixou as
palavras pairarem no ar por um momento antes de colocar uma sacola no
ombro e tirar um tomate gigante.
— Você vai ficar para o jantar — ela declarou, uma afirmação, não uma
pergunta. — Estamos refinando minha bolonhesa.
— Mãe — Mina engasgou, agora mais ou menos da mesma cor do
tomate. — Evelyn é vegetariana. E eu tenho certeza de que ela tem planos–
— Não tenho — Evelyn disse apressadamente, ganhando um olhar de
Mina. — O jantar parece incrível, Sra. Zanetti. Obrigada.
— É Stella — disse a mãe de Mina. — Estou tão feliz em ver que vocês
são amigas novamente. Mina realmente sentiu sua falta, você sabe. E não se
preocupe, tenho excelentes opções vegetarianas de todos os meus melhores
pratos.
Ela saiu da sala, aquele sorriso ainda fixo em seu rosto. Mina afundou no
chão, nem mesmo tentando esconder seu horror abjeto.
— Você não vai ficar para o jantar — ela murmurou.
Evelyn deu de ombros.
— Tenho certeza de que fui convidada.
— É muito arriscado! Ela poderia descobrir o que está acontecendo.
— Você não acha que parece mais estranho se eu simplesmente fugir?
Mina suspirou.
— Tudo bem. Tudo bem. Mas apenas um aviso: mamãe é meio intensa
sobre comida.
Meio intensa acabou por ser um enorme eufemismo. Evelyn tinha vagas
lembranças da comida de Stella, mas ela só tinha sido amiga de Mina
enquanto elas ainda moravam com seu tio. Esta era a primeira vez que
observava a mulher com força total.
Stella girava pela cozinha como um tornado enquanto tirava uma coleção
de utensílios brilhantes que pareciam ferramentas de cirurgião, um
processador de alimentos e uma tonelada de vegetais – aipo, cenoura, tomate,
alho. Um alto-falante salpicado de óleo na ilha da cozinha tocou um monte
de músicas antigas, e ela cantou descaradamente, embora sua voz fosse
horrível. Mina corava cada vez que Stella tentava fazê-la cantar também.
— Posso ajudar? — Evelyn perguntou, o que acabou sendo um erro.
Ela foi empurrada para uma dança repleta de coreografias elaboradas que
Mina e sua mãe já sabiam de cor. Evelyn se esforçou para posicionar a faca
corretamente enquanto cortava desigualmente um talo de aipo, enquanto os
Zanetti’s cortavam tomates e alho sem esforço, brincando o tempo todo.
Mina lhe entregou um avental em algum momento, e ele ficou pendurado
desajeitadamente em seu pescoço enquanto ela lutava para acompanhá-lo.
Isso não era nada como o Basic Bean.
O processador de alimentos zumbiu, cenouras e aipo foram adicionados
ao molho, e logo tudo estava amontoado em uma panela enorme no fogão,
fervendo como o conteúdo de um caldeirão. Evelyn ficou para trás sem jeito
enquanto Mina mexia com uma colher de pau que parecia ser mais velha do
que as três juntas.
— Precisa de mais pasta de tomate — Stella meditou enquanto
experimentava uma pequena colherada. — O que você acha, Mina?
Mina provou.
— Mais flocos de pimenta vermelha.
— Você sempre diz isso. Não estamos tentando queimar os rostos dos
convidados do casamento, minha conchinha.
— Vai se misturar, mãe.
— Não do jeito que você colocou.
Evelyn se encostou na parede oposta da cozinha, uma dor aguda
crescendo entre suas costelas.
Ela sobreviveu ao jantar, assentindo e sorrindo. O molho de macarrão
vegetariano estava realmente delicioso. Mas também havia sobremesa – um
estranho cilindro branco com bagas no topo que ela aprendeu que se
chamava panna cotta. Quando ela terminou de ajudar com os pratos, eram
quase 22:00 horas.
— Obrigada — ela disse pela enésima vez enquanto se dirigia para a
porta.
— É claro! — Stella arrulhou para ela. — Volte logo!
Quando o mundo de Evelyn desmoronou, quando sua mãe partiu e sua
irmã e seu pai começaram a brigar tanto que ela não se sentiu segura em
casa, ela encontrou uma maneira de sobreviver em condições hostis porque
não teve outra escolha.
Mas depois desta noite, ela entendeu mais do que nunca que, apesar de
todas as inseguranças de Mina, ela estava cercada de recursos e apoio. Claro, a
família de Mina não era perfeita. Mas eles a amavam, e amavam um ao outro,
e não importa o quanto seu ecossistema mudasse, isso não iria embora. Era
uma concha protetora distante mais forte do que qualquer coisa que Evelyn
pudesse criar por conta própria – e Mina não tinha ideia da sorte que ela
tinha de tê-la.
Evelyn empurrou o tênis contra a calçada de novo e de novo, até que ela
estava indo tão rápido que o ar da noite chicoteou dolorosamente contra seu
rosto, até que as fileiras de casas se misturaram em um prédio longo e
ininterrupto na escuridão.
Ela correu até parar em sua garagem, então empurrou a porta da frente,
seu longboard debaixo do braço. Seu pai roncava em sua poltrona. No andar
de cima, a luz estava acesa. O quarto de Meredith. Evelyn podia ouvir os
murmúrios suaves dela conversando com Riku pela porta.
Todos os três estavam em casa, mas isso não era suficiente. Eles ainda não
se sentiam como uma família para ela. Talvez eles nunca o fariam.
Evelyn pretendia fazer proteções uma vez que ela viesse de volta, mas
estava exausta demais para pensar no fantasma como algo mais do que uma
ameaça abstrata. Em vez disso, ela ficou acordada por muito, muito tempo
em seu quarto, segurando seu foco de vidência como um cobertor de
segurança.
Apenas uma vez, ela queria adormecer em uma casa que parecia que as
pessoas estavam morando nela ao invés de morrer nela.
Capítulo dezoito

A LUA CHEIA ESTAVA PENDURADA do lado de fora da janela do quarto de


Mina, provocando-a. Ela passou a noite tentando se afastar disso,
puxando as cortinas e se agachando com a Coleção Zanetti. Era mais
tentador do que deveria ter sido pensar no que aconteceria se ela tirasse seu
colar de proteção e andasse sem ele.
Stella havia se retirado para seu quarto no início do dia com uma
enxaqueca, uma real desta vez, então Mina foi deixada por conta própria. Ela
olhou para o conteúdo de seu cabide de roupas – um blazer creme com um
detalhe de estrela holográfica em um ombro, algumas calças Palazzo de seda,
um vestido azul-claro de linho com mangas soltas e cintura com cordão. A
coleção foi recheada de cores suaves emparelhadas com detalhes de
declaração, destinados a ser uma espécie de desgaste casual elevado. Houve
alguns erros anteriores, mas as roupas sobreviventes foram bem construídas.
Mina sabia há semanas que não funcionava, mas olhando para coleção
agora, ela finalmente entendeu o porquê. A Coleção Zanetti era chata.
Nenhuma das roupas corria riscos. Eram peças sem graça, sem inspiração e
sem coração algum.
Mas isso não era o único problema com os designs de roupas de Mina
que ela não sabia como consertar.
De volta à Ruthie, quando elas estavam reunindo focos de vidência em
potencial, Evelyn fez um comentário um pouco indireto sobre o impacto da
indústria da moda no clima. Mina já havia pesquisado no Google, e agora
não conseguia tirar a realidade da cabeça. Aqui estava ela, falando sobre
poluição e fantasmas, e a indústria da qual ela queria fazer parte era um
enorme risco ambiental.
O celular de Mina tocou. Era uma das mensagens quase
incompreensíveis de Evelyn, dizendo que ela iria à festa de Luisa, afinal.
Mina gemeu e jogou o telefone no chão. Ela teve a sensação na noite
passada de que Evelyn estava chateada com ela, embora ela não tivesse
certeza do porquê. Este texto parecia um convite para uma briga que ela não
queria ter. Mina havia passado a vida inteira empurrando suas frustrações
para baixo, então ela decidiu que era melhor não responder.
Além disso, Evelyn não era tola o suficiente para ir sem seu foco de
vidência. E ela já havia mostrado aptidão para lidar com espíritos – talvez ela
pudesse lidar com isso sozinha. Talvez Mina estivesse simplesmente em seu
caminho.
Mina puxou uma das peças do cabideiro. Um macacão rosa claro. Havia
algo para este, no entanto. Ela se sentou com ele, deixou seus dedos se
demorarem no tecido. Isso a lembrou do sol nascendo acima das ondas, a
forma como a luz refletia na água. Mina não queria usar nenhum tecido
novo..., mas ela já tinha feito essa peça. Talvez houvesse outra maneira
melhor de alterá-lo.
Ela vasculhou sua caixa de tecido, tirou um pouco de musselina, então
foi para seu abridor de costura. Sua pulseira de punho tornava difícil
desenhar um novo padrão, então ela o puxou.
Mina estava tão absorta em seu trabalho que não ouviu a primeira batida,
nem a segunda. Ou a abertura da porta.
Tão absorta que não notou Stella até que sua mãe já estava pairando
sobre ela, parecendo confusa.
— Mina? — ela perguntou. — Estou me sentindo um pouco melhor, se
você quiser assistir um filme–
Sua mãe parou de falar abruptamente. Mina olhou para cima... e
percebeu que o olhar de Stella havia caído em seu pulso.
Era tarde demais para esconder o dólar de areia novamente. Tarde demais
para fazer qualquer coisa além de ver a cor sumir do rosto de Stella, vê-la
balançar para frente e para trás, como se estivesse prestes a desmaiar.
— Quanto tempo — Ela apontou um dedo trêmulo para o braço de
Mina. — Há quanto tempo você está escondendo isso de mim?
— Um mês — Mina sussurrou.
— Sala de estar — disse Stella. — Agora.
Mina largou seu projeto de costura e se levantou. Ela não disse uma
palavra enquanto Stella a sentava na poltrona e andava de um lado para o
outro, preparando-se para um interrogatório.
— Então você fez alguma coisa — Stella murmurou. — Naquela noite,
no oceano. Esse espírito...
— Eu não. — As palavras saíram suaves e vacilantes. — Não foi eu.
Stella se agachou na frente da cadeira e estendeu a mão. Mina
obedientemente estendeu o pulso. Foi um reflexo: Stella perguntou e Mina
respondeu.
— Então quem foi, Marina Elena? — Stella pressionou suavemente a
marca do dólar de areia, e Mina assobiou de dor – parecia uma crosta que
ainda não havia cicatrizado. A testa de sua mãe franziu com preocupação. —
Você fez aquele feitiço de invocação sozinha quando criança para tentar
ajudar com o verão do afogamento, e então você fez isso de novo. Sem se
importar com as consequências. Sem entender quanto perigo...
— Evelyn — Mina choramingou. — Evelyn Mackenzie fez isso. Eu...
ela... ela também é médium.
Os olhos de Stella se arregalaram.
— O que?
Então Mina disse a ela. Não havia alegria em revelar um segredo de seis
anos. Em vez disso, parecia que um de seus muitos baús no fundo do oceano
havia se aberto, vazando veneno em seu mar cuidadosamente curado da
mesma forma que a usina de lixo havia vazado poluição em Long Island
Sound.
Mesmo agora, não parecia que era seu segredo para contar. Mas ela
confessou mesmo assim. Ela originalmente disse a Stella que estava tentando
descobrir quem matou o Trio de Cliffside seis anos atrás em uma tentativa
equivocada de ajudar, mas agora ela explicou que ela e Evelyn tinham
invocado um fantasma para exonerar o pai de sua amiga... e que Evelyn tinha
chamado um espírito novamente neste verão. Quando ela terminou, Stella
soltou seu aperto e se recostou, seu olhar distante, quase vago. Ela balançou a
cabeça, massageando as têmporas, e Mina sentiu uma pontada de culpa. Isso
não poderia estar ajudando sua enxaqueca.
— Isso é minha culpa — disse sua mãe. — Eu deveria ter explicado
antes, mas não sabia que era tudo tão complicado. E eu esperava resolver isso
sem assustá-la. Mas vejo agora que não tenho escolha. Esse dólar de areia no
seu pulso significa que você está amaldiçoada.
Amaldiçoada. Amaldiçoada. A palavra ricocheteou no crânio de Mina
como um ataque. Como uma enorme rajada de vento acima, agitando ondas
em seu mar poluído.
Ela não conseguia se manter calma. Não quando estava claro que,
embora Stella agora conhecesse todos os segredos de Mina, Mina conhecia
apenas uma fração dos dela.
— Eu não entendo — disse Mina. — Eu não... Você nunca me disse...
Como?
— Quando você tinha dez anos, tentou falar com um espírito — disse
sua mãe. — Mas quanto mais de si mesma você dá um espírito, mais eles
podem tomar. Você usou seu sangue naquela convocação – e isso abriu um
canal para vários deles. Isso permitiu que eles sugassem um pouco de sua
força vital em troca de completar seu pedido. Essa energia permitiu que eles
permanecessem em nossa realidade por um pouco mais de tempo.
— É por isso que eu estava tão doente. — Mina se sentiu um pouco
desmaiada, como se um espírito estivesse tirando energia dela agora.
— Exatamente — disse Stella. — Eu pensei que sabia quem eram os
espíritos que atormentavam você, e eu pensei que tinha quebrado seu
vínculo com sucesso. Até hoje.
Mina já sabia a resposta, mas perguntou mesmo assim.
— Quem você achou que era?
Stella suspirou e estendeu a mão.
— Me dê seu colar de proteção.
Mina obedeceu, curiosidade e pavor agitando-se nela enquanto ela
pegava o pingente. Sua mãe enfiou uma unha sob o coração de vidro
vermelho e o ergueu, revelando um interior oco. Mina percebeu com um
sobressalto que havia algo enfiado dentro, algo que estava pendurado em seu
pescoço por seis anos.
Stella despejou o conteúdo na palma da mão.
Um brinco. Um pedaço de camiseta azul escuro. E um anel de classe
com SLATER gravado na lateral.
As ondas de Mina chicotearam mais alto.
— Você pensou que eram as vítimas do afogamento no verão — ela
engasgou.
Estela assentiu.
— Objetos pessoais como este têm valor. Como você viu com o Sr.
Giacomo, eles podem permitir que você convoque um espírito ou expulse
um.
— É assim que você faz um exorcismo?
— Bem... quase — disse Stella. — Exorcismos exigem um sacrifício.
Um pouco de você para torná-lo mais forte do que o espírito que você está
tentando banir.
— É por isso que você não pode se livrar do fantasma — Mina respirou.
— Você não sabe quem eles são. E você não tem nada que pertenceu a eles.
Stella assentiu sombriamente.
— Sim.
— Esses itens — disse Mina, ainda olhando para eles. — Como você…?
— Jesse, Colin e Tamara me deram quando pediram ajuda — disse Stella
rapidamente. — Eles tinham algumas ideias equivocadas sobre como o
contato com um fantasma funcionaria. Mas isso significava que eu os tinha à
mão para tentar quebrar seu vínculo com eles mais tarde, depois que você os
convocou.
— Mas não funcionou — disse Mina.
— Não completamente, não — disse Stella. — O Trio de Cliffside
permaneceu, mas eles não pareciam afetá-lo ou tirar mais de sua força vital.
O colar era uma precaução de segurança, destinado a ser usado até que seu
tio e eu encontrássemos uma maneira de tirá-los deste mundo. Nós
permitimos que você o tirasse porque acreditávamos que o vínculo havia sido
quebrado. Mas o que Evelyn fez no início deste verão renovou essa conexão
entre você e as vítimas de afogamento do verão, e o fantasma que as está
consumindo.
Mina pensou naquele puxão, naquele anseio. Um canal que ela havia
aberto com sangue. Ela não pretendia manter os mortos aqui, ela só queria
ajudar Evelyn.
— Tem mais uma coisa — Stella disse trêmula. — Sua conexão com
esses fantasmas significa que suas habilidades de comunicação estão...
efetivamente presas em um canal. Isso é, impedindo você de entrar em
contato com quaisquer outros fantasmas.
Algo quebrou dentro dela então. Era como se o barco dela tivesse virado
no meio da tempestade, e ela estivesse pisando na água desesperadamente,
procurando algum pedaço de escombros para se agarrar.
— É por isso que não consigo encontrar um foco de vidência? — ela
sussurrou.
— Provavelmente.
— Mas..., mas e Evelyn? — Mina protestou. — Ela não tem marca. Ela
não ficou doente. E nós duas demos nosso sangue a esses espíritos.
— Não sei por que escolheram você — disse Stella. — Mas eles
escolheram.
Mina gemeu e enterrou o rosto nas mãos. Suas palavras saíram abafadas e
distorcidas.
— Por favor, me diga que você pode consertar isso.
Stella ficou em silêncio por um longo, longo momento. Então Mina
sentiu a mão em seu ombro, apertando-o suavemente.
— Farei tudo o que estiver ao meu alcance para mantê-la segura, minha
conchinha — ela disse. — Assim como sempre fiz. Eu sei que é difícil para
você ouvir tudo isso, mas você pode entender por que eu o escondi de você?
Mina sabia que sua mãe a amava mais do que tudo no mundo, e ela
pensou que era seu dever ser grata por isso. Para ser a filha perfeita, valeu a
pena todos os sacrifícios que sua mãe fez. Mas agora o amor de sua mãe
parecia menos uma ponte sobre seu oceano e mais como uma mão
segurando-a sob a água; agora, o amor parecia muito como uma desculpa
para o medo.
Esse tipo de amor – sufocante, aterrorizante – era o único tipo que Mina
sabia dar. Stella lhe ensinara isso da mesma forma que ensinara a cozinhar
uma lagosta no vapor e enrolar o cabelo.
— Eu entendo — Mina sussurrou, afastando as mãos.
Stella estava chorando. Mina estava chorando também. A sala estava
embaçada e confusa nas bordas; ela piscou e fungou.
Mina entendeu, tudo bem. Mas ela não concordou.
— Agora — disse Stella. — A questão de Evelyn Mackenzie.
Em sua mente, Mina agarrou-se a um pedaço de destroços, preparando-
se para outra onda. Mas as próximas palavras de sua mãe não foram o que ela
esperava.
— A convocação que vocês duas fizeram para ajudar o pai de Evelyn —
disse Stella. — Ele responde a algumas perguntas que eu tinha seis anos atrás.
— Sobre a atividade espiritual, você quer dizer?
— Não. — Os lábios de Stella se estreitaram em uma linha severa. —
Isso explicava por que ele não foi mandado para a prisão.
— Não entendo.
— Na noite em que aqueles pobres adolescentes morreram, eu ainda era
garçonete no Centro Comunitário Shorewell. Eu estava esperando um
carregamento de comida no cais quando vi Greg Mackenzie em seu veleiro.
Com o Trio de Cliffside. No pôr-do-sol. Na época, eu não pensei demais
nisso.
— O que você está dizendo? — O vento soprou mais alto; suas ondas
chicotearam mais alto. Ela lutou para se manter à tona.
— Conversei com vários detetives. Eles acham que eu fui a última pessoa
a vê-los vivos. — Stella travou os olhos com ela. — Evelyn Mackenzie
parece uma garota adorável. Gostei do nosso jantar juntas. Mas eu quero que
você entenda as ramificações completas do que vocês duas podem ter
encoberto.
— Você... você acha que ele os matou.
— Não tenho certeza — disse Stella. — Os espíritos deles não falam
conosco. O fantasma que os absorveu garantiu isso. Mas agora que sei que
Evelyn estava diretamente envolvida... bem. Isto levanta a questão, não é? O
que ela faria para proteger sua família? Uma médium jovem e impetuosa
com poder real... ela é perigosa, Mina. E ela terá que ser tratada.
— Tratada? — Mina engasgou- se. — O que você vai fazer com ela?
— Oh, Deus, Mina, não olhe para mim assim. Eu simplesmente quero
dizer que ela precisa aprender as regras de como isso realmente funciona. Ela
não pode simplesmente correr por aí usando mal seus poderes, e qualquer
que seja o treinamento que ela recebeu de você… — Stella parou. — Nós
iremos. Tenho certeza de que você fez o seu melhor.
Mina entendeu, então. Stella não queria apenas treinar Evelyn. Ela queria
contê-la. Mina não podia suportar o pensamento da curiosidade natural de
Evelyn entorpecida, suas perguntas deixadas sem resposta até que ela caiu em
silêncio.
Mina respirou fundo e se levantou. Levou uma vida inteira de
autocontrole para manter sua voz calma.
— Eu não posso mais estar aqui — disse ela. — Preciso processar tudo
isso.
— Mas depois de tudo que acabei de te contar, com certeza você
entende por que precisa ficar dentro de casa...
— O que eu preciso é de tempo para pensar. — Mina jogou os objetos
de volta no colar de proteção. Empurrou o coração de volta ao lugar.
Puxou-o sobre sua cabeça. — Eu estarei segura com isso. Não se preocupe.
Ela entrou no corredor. Em sua mente, Mina agarrou os destroços
flutuando nas ondas. Ela trancou os escombros juntos até que ela fez uma
jangada, e então ela subiu nela, tremendo.
Ela pegou sua bolsa de vime e enfiou os pés em suas sandálias favoritas.
— Marina Elena. — Stella a perseguiu pelo corredor, sua voz estridente.
— O que deu em você? Não terminamos de discutir a situação de Evelyn.
— Ela não é uma situação — disse Mina. — Ela é minha… minha… —
Sua garganta ficou presa na palavra amiga. Ela não tinha certeza do porquê.
— Eu entendo — Stella parecia um pouco trêmula em seus pés; Mina
podia dizer que a lua cheia ainda a estava machucando. — Mina, como eu te
disse, não tenho nada contra Evelyn pessoalmente. Estou simplesmente
tentando ter certeza de que vocês duas estão seguras.
A mão de Mina tremia na alça de sua bolsa. A tempestade dentro dela
não parecia mais algo para se envergonhar. Parecia certo. Parecia verdade.
— Mentindo para mim? Eu te disse, mãe. Você precisa me dar um
tempo.
— Tudo bem- disse Stella. — Mas você pode pelo menos me dizer para
onde você está indo?
Mina se virou e sorriu.
— Para uma festa. Como um adolescente normal.
Ela fez todo o caminho pela rua antes que seu pânico a alcançasse. Ela
afundou na calçada, arfando, aterrorizada, eufórica e furiosa ao mesmo
tempo.
Ela nunca tinha enfrentado Stella assim. E sua mãe estava certa sobre pelo
menos uma coisa: era tudo por causa de Evelyn.
Capítulo dezenove

E VELYN ESTAVA NERVOSA PARA ir à fogueira sozinha. Ela não ia a uma festa
sozinha desde o outono anterior, a noite que terminou com Nick a
levando para casa. E ela definitivamente nunca precisou se preocupar com a
lua cheia antes. Os Sussurros começaram a farfalhar em sua mente naquela
manhã, desaparecendo dentro e fora como crepitação estática. Eles não eram
nem de longe tão altos quanto as vozes antes que ela encontrasse seu foco de
vidência, mas eles ainda eram altos o suficiente para preocupá-la.
Ela não tinha certeza de porque estava disposta a arriscar um perigo
potencial para sair com um colega de trabalho. Mas ela sabia que tinha a ver
com como Mina a fez sentir na noite anterior. Como Evelyn precisava se
agarrar às poucas coisas que ela tinha indo atrás dela, porque Mina tinha tudo
menos esse convite para a festa. Era mesquinho, mas ela não conseguia se
importar.
Evelyn se preocupou com sua roupa e maquiagem muito mais do que
normalmente faria, franzindo a testa para uma fuga no queixo e refazendo o
delineador até ficar perfeito. Ela conseguiu fazer um pequeno buraco em seu
foco de vidência e passar uma corda por ele, mas era meio volumoso, então
ela colocou o colar improvisado em sua bolsa ao lado de sua carteira e
telefone. Quando ela saiu pela porta, ela não tinha certeza do que esperar na
festa. Mas quando ela entrou em Cliffside Beach, seus tênis esmagando o
cinturão de pedras e conchas que a separavam da areia, Luisa pulou de seu
cobertor de piquenique e deu-lhe um grande aceno.
— Você veio! — ela disse, correndo e embrulhando Evelyn em um
abraço. — Você conhece mais alguém aqui? Ou você precisa que eu te
apresente?
Evelyn ficou aliviada ao ver que havia calculado corretamente o código
de vestimenta – Luisa usava um vestido amarelo casual, delineador dourado e
pedaços de blush metálico espalhados pelas maçãs do rosto. Sua câmera
elegante estava pendurada em um ombro. Bonita, mas ainda despreocupada,
assim como o jeans wide leg rasgado de Evelyn e o top de veludo. Ela sabia
que veludo era uma má escolha para uma noite suada de verão, mas foi um
achado de Ruthie que ela nunca teve motivos para usar antes, então ela não
conseguiu resistir.
— Tenho certeza de que conheço alguns deles. — Evelyn olhou para as
pessoas agrupadas em pequenos grupos ao redor da fogueira, talvez trinta no
total. Alguém estava tocando violão, e algumas pessoas cantavam a melodia
familiar de uma música pop. Uma voz se levantou acima do resto, como se
carregado pela fumaça da fogueira, forte com um leve e áspero raspar. —
Quem é o cantor?
— Você definitivamente a conhece — Luisa disse, puxando Evelyn em
direção às chamas.
Evelyn sorriu, surpresa, quando o guitarrista apareceu. Amy Cheng
parecia em paz assim, seus dedos dançando facilmente pelo corpo do
instrumento enquanto cantava. Ela sabia que a outra garota gostava muito de
música, mas era outra coisa completamente diferente vê-la atuar. Ela podia
ver totalmente a coisa da banda grunge agora.
— Trabalhamos juntas — disse ela.
— Oh, eu sei. — Luísa parecia divertida. — Vocês duas reclamam tanto
do Basic Bean que eu sinto que trabalho lá também.
Luisa tirou a tampa da lente e tirou algumas fotos de Amy tocando
enquanto assistiam o resto da música juntas. Evelyn gostou do como se sentia
ao se agrupar entre os outros na praia, fazer parte do mesmo momento,
vinculado pelo mesmo apreço pela música de Amy. Às vezes, viver em
Cliffside Bay parecia estar preso em uma poça de maré, empurrado para
perto demais de outros organismos e assando sob o olhar severo do sol. Mas
esta noite, sob a lua cheia, estar perto dos outros a deixou mais calma em vez
de assustada.
A lua cheia. Evelyn enfiou a mão na bolsa e agarrou a concha,
imaginando se era apenas sua imaginação ou se os murmúrios em sua mente
estavam ficando mais fortes. Ela quase podia distinguir as palavras, se ela se
concentrasse nelas, o que ela não queria fazer agora. Quando ela espiou
dentro, a concha estava brilhando, embora mal visível através da tela. Ela
esperava que quem procurasse confundisse com um telefone tela.
Amy tocou os últimos acordes da música, então colocou o violão
cuidadosamente no cobertor ao lado dela.
— Acabou o show — ela disse, embora seu sorriso de batom azul disse a
Evelyn que ela poderia ter jogado a noite toda. — Agora, alguém coloque
algo que podemos dançar. Gina não trouxe esses alto-falantes aqui para nada,
certo?
A pequena multidão se espalhou, e logo a música estava explodindo dos
alto-falantes, algo otimista e rápido. Evelyn ficou com Luisa. Ela esperava
que a outra garota não se sentisse obrigada a tomar conta dela, mas não tinha
certeza de como transmitir isso sem torná-lo estranho.
— Você é muito boa — disse Evelyn enquanto Amy colocava seu violão
de volta no estojo.
— Obrigada — Amy fechou a mala e a colocou delicadamente sobre
uma toalha. Estava coberto de adesivos meio descascados. — Estou
praticando para minha audição semana que vem.
— Há uma nova banda que está tentando recrutá-la — explicou Luisa
enquanto os três serpenteavam até um refrigerador, meio enterrado na areia.
— Eles são meio que... Amy, como você os descreveria?
— Punk indie moderno — Amy disse imediatamente. — Vou tocar
minhas próprias músicas. É melhor eles gostarem, se quiserem que eu seja a
vocalista deles.
Havia uma história lá, uma que se espalhou como Luisa abriu a geladeira
e vasculhou as bebidas. Aparentemente, a banda grunge da qual Amy fez
parte no ano passado havia falado sobre suas ideias e ignorado suas sugestões
até que ela sentiu que estava tocando a música de outra pessoa inteiramente.
Agora, ela estava determinada a encontrar algo melhor. Evelyn pensou em
sua própria jornada – recusando-se a deixar Nick transformá-la em alguém
que ela não mais reconhecia – e compreendia.
— Temos cerveja — Luisa ofereceu. — Limonada forte? Água com gás
saborizada? Alguém tem uma falsificação e outra pessoa tem um primo mais
velho.
Evelyn não queria saber o que acontecia se um médium ficasse bêbado
durante a lua cheia.
— Eu vou tomar uma água com gás normal, na verdade.
Para sua surpresa, Luisa e Amy fizeram o mesmo.
— Eu sou a motorista da noite, e o ex dela está aqui — explicou Amy.
— Sem decisões ruins esta noite.
— Bem, nenhuma má decisão que podemos culpar o álcool — disse
Evelyn, sentindo uma onda de satisfação quando eles riram. Foi
surpreendentemente fácil falar com essas garotas – ela não tinha ideia de
como ela trabalhou com as duas por tanto tempo sem perceber que elas eram
amigas íntimas. Eles a apresentaram à maior parte da festa, pessoas que ela
notou enquanto estava sentada na beira de uma mesa de almoço ou
conversava um pouco na aula. Luísa tirou fotos de todos, tomando cuidado
para lembrar as pessoas de esconderem o álcool primeiro, depois pediu a
alguém para tirar algumas dela, Evelyn e Amy.
Ninguém falou sobre o pai de Evelyn ou olhou para ela como se ela
fosse outra coisa que não um deles. Ela era normal.
Exceto pelas vozes se mexendo em sua mente, e um puxão que ela
começou a sentir, uma corda para as ondas quebrando.
— O que você acha? — Luísa a perguntou depois que conversaram com
Talia, que estava na aula de história de Evelyn. — Você ainda quer ser
arranjada?
— Nem tente — Amy disse provocando. Ela borrou o batom azul de
hoje à noite com um lenço sobressalente, depois continuou: — Evelyn tem
uma queda por Mina.
— Zanetti? — Os olhos de Luísa brilharam de curiosidade. —
Interessante.
— Eu não tenho. — A voz de Evelyn não soou convincente até mesmo
para seus próprios ouvidos. Tenha uma coisa – estava mesmo certo? Era isso
que ela continuava sentindo em torno de Mina, ou era apenas frustração, ou
era a pressa de uma amizade reacendida? Às vezes era difícil dizer com outras
garotas. Nick se sentiu como um caminho que ela sabia trilhar, graças a um
milhão de livros, filmes e programas de TV, mas com Mina havia muito
menos para usar como ponto de referência.
— Hm. — Amy deslizou em uma cadeira dobrável alguém havia
abandonado para a dança que agora acontecia do outro lado da fogueira.
Luisa sentou-se na areia ao lado dela. — Sem querer jogar cartas lésbicas nem
nada, mas conheço duas garotas flertando quando vejo.
— Quando você já nos viu flertar?
Amy ergueu uma sobrancelha, como se dissesse “Sério?”
— Você disse que o pedido dela era um crime contra a cafeína na
primeira vez que ela pediu. Agora você literalmente traz para ela, de graça.
— Eu só fiz isso uma vez — protestou Evelyn, sentando-se do outro lado
de Amy. Mas ela podia sentir-se corar, e podia sentir aquela sensação de
conexão – Amy era alguém com quem ela podia conversar sobre isso. Sobre
garotas. A praia rochosa não era o lugar mais confortável, mas ela não se
importou.
— Há rumores sobre a família de Mina — Luisa murmurou. —
Estranhos.
— E todos nós sabemos como Cliffside Bay adora espalhar rumores —
Amy disse rispidamente.
Evelyn engoliu em seco. Justo quando ela estava começando a acreditar
que ninguém aqui se importava com seu passado.
— Com Mina, eu… — Evelyn suspirou. — É difícil de explicar. Nós
éramos muito próximas quando crianças, e eu pensei que estávamos nos
tornando amigas novamente, mas... eu não tenho mais tanta certeza.
— Você não precisa falar sobre isso se não quiser — disse Luisa
precipitadamente. — Nós sabemos que você é tímida.
Evelyn nunca tinha pensado em si mesma dessa forma. Reservada, talvez.
Insegura. Intensa. Mas nunca tímida.
— Sim, estou surpresa que você veio — acrescentou Amy. — Apostei
vinte dólares com Luisa que você não apareceria.
— Amy! Não diga isso a ela!
— Está tudo bem. — Evelyn lutou para recuperar o ritmo que achava
tão reconfortante, como manter o equilíbrio em seu longboard, como o
oceano vazando e fluindo através da zona intertidal. — Entendo.
— Quero dizer... eu convidei você para fazer coisas depois que
começamos a trabalhar juntas, e você nunca apareceu — disse Luisa. —
Talvez eu devesse ter entendido a dica quando éramos crianças, mas… eu
não sei. Você parecia diferente nas últimas semanas. Então decidi que não
faria mal tentar novamente.
Talvez houvesse alguma verdade no que Mina havia dito na noite
anterior, sobre Cliffside Bay. Que a maior coisa que impedia Evelyn de se
sentir parte de algo era... Evelyn.
— Estou feliz que você continuou me convidando. É apenas... difícil
para mim me abrir — ela disse, incapaz de manter a oscilação de sua voz.
Evelyn estava com medo de olhar para Amy e Luisa. Com medo de ver a
piedade inevitável em seus rostos. Mas em vez disso, quando Amy falou, sua
voz era a mais gentil que Evelyn já ouvira.
— Eu sinto muito. Eu não queria te deixar desconfortável.
— Não, não, não fique. — Evelyn se virou para ver que as duas pareciam
preocupadas, mas era difícil ficar brava com isso. Eles mal a conheciam. Ela
pensou em sua decisão de deixar Mina entrar e se perguntou se ela era
corajosa o suficiente para fazer essa escolha novamente, agora que ela e Mina
estavam em um lugar tão estranho. Mas ela não veio a esta festa para não
razão. Ela estava aqui porque estava cansada de ficar sozinha. — Eu estou a
me divertir. E espero não ter tornado sua noite estranha.
Amy deu a ela o mesmo sorriso confiante que ela havia dado ao público
antes.
— Você não está tornando isso estranho — disse ela. — Sabe o que é
estranho? Aquele cara que vem ao Basic Bean e sempre pede uma xícara
inteira de espuma.
— Desculpe, ele o quê? — perguntou Luísa.
— Ah, sim — Evelyn disse, agarrando-se ao ritmo familiar da conversa
com alívio. — Ele tem um monte de corpos em seu porão. Não há outra
explicação para esse tipo de comportamento.
Amy estava tentando convencer Luisa a ouvir sua mãe sobre pendurar seu
trabalho na biblioteca quando Kenny se aproximou.
— Oi — ele disse nervosamente, ajustando seus óculos. Ele estava
vestindo um par de shorts brancos - um ousado movimento que Evelyn
estava disposta a apostar que ele se arrependeria e um sorriso nervoso. —
Oh, hm, bom te ver Evelyn. Não sabia que você viria.
— Ei. — Evelyn olhou entre os três, notando que Luisa havia enrijecido
enquanto Amy se recostava na cadeira, observando-os cuidadosamente.
Havia uma vibração absolutamente estranha aqui, e desta vez, não estava
vindo dela.
— Hum — ele disse, virando-se para Luisa. — Podemos conversar?
Ela hesitou por um momento, mas então assentiu, pegando a mão
oferecida e se levantando. Algo clicou na mente de Evelyn enquanto ela os
observava olhando um para o outro. No momento em que eles estavam fora
do alcance da voz, ela se virou para Amy.
— Ela é a garota misteriosa com quem Kenny está falando? — ela
sussurrou. — Aquela que ouviu aquele podcast que ele gosta?
Amy tomou um gole longo e presunçoso de seu seltzer.
— Sim. Eles tiveram um caso na primavera passada, e eles claramente
não se esqueceram, mas ambos estão nervosos demais para resolver isso.
— Oh meu Deus — disse Evelyn. — Eles conversaram comigo durante
todo o verão, e eu não fazia ideia.
— Bem-vinda ao clube — disse Amy. — Lidar com isso dos dois lados é
superchato. Eles deveriam seriamente apenas se beijar logo. Ei, eu vou fazer
xixi. Você vai ficar bem sozinha?
Evelyn assentiu. Ela se virou para assistir o resto da festa enquanto Amy
estava fora, sua lata de água com gás pendurada frouxamente em uma mão.
Ela esteve sozinha por tanto tempo, ela tinha esquecido como se sentia
quando ela não estava. Como uma festa poderia realmente ser acolhedora em
vez de um lugar onde ela precisava segurar a mão de Nick para se sentir
segura. Evelyn se preocupou com tudo o que acontecia dentro de sua casa
por muito tempo. Mas talvez as defesas ela tenha construído depois que o
verão de afogamento não se aplicava mais ao seu trecho da costa. Se essas
outras pessoas pudessem tratá-la como se ela pertencesse... talvez ela pudesse
começar a se tratar assim também.
Evelyn respirou o ar da fogueira da praia, salgado e esfumaçado, e quando
ela exalou, foi como se ela também tivesse soltado uma respiração longa
dentro dela. Ela estava prestes a pegar outra água gaseificada quando uma
figura escalou uma das dunas de areia. Evelyn conhecia aquele corpo esguio,
aquele cabelo loiro brilhando à luz do fogo.
Mina Zanetti apareceu na festa.

***
Algo estava errado com Mina. Lá estava a roupa – um top simples e shorts,
muito longe dos looks elaborados que Mina parecia ótima em montar. Havia
o jeito que ela andava, caída e estranha. A maneira como ela agarrou sua
bolsa de vime como se fosse a única coisa que a mantinha à tona. E, claro,
havia o fato de que ela estava aqui, quando ela agiu como se Evelyn estivesse
louca por sugerir que eles fossem a esta festa.
Evelyn interceptou Mina antes que ela pudesse chegar muito perto de
qualquer outra pessoa.
— O que está acontecendo?
— O que você quer dizer? — Sua voz estava calma – calma demais.
Evelyn inclinada jogou a cabeça para trás e, por fim, vislumbrou o rosto
de Mina. Olhos avermelhados e bochechas manchadas que nem mesmo os
guardas emocionais de Mina conseguiam esconder.
— Algo aconteceu com você. — Evelyn lançou sua voz o mais baixo
que podia, aproximando-se da outra garota. — É o fantasma? Eles atraíram
você aqui?
Mina soltou uma risada alta e estridente.
— Ah, nada disso! Apenas um pequeno desentendimento familiar.
— Essa coisa de não ter um colapso total não funciona comigo. Você
sabe disso, certo?
— Que coisa? — Mina examinou a festa. — Isso parece divertido,
Evelyn. Vamos conversar com as pessoas. Vamos dançar. Vamos ser normais.
— Isso não é normal — disse Evelyn. — Por que não vamos conversar
em outro lugar–
— O que? — A voz de Mina ficou um pouco menos calma. — Você vai
me impedir também? Me dizer o que posso e não posso fazer?
O temperamento de Evelyn explodiu.
— Não. — Ela deu um passo para o lado, acenou com a mão para a
fogueira. — Se você está realmente aqui para festejar, vá em frente. Mas se
você quiser falar sobre o que sua mãe disse para você? Eu estou bem aqui.
O rosto de Mina se contorceu da mesma forma que tinha feito em Scales
& Tails. Seu sorriso escorregou, mas ela não o colocou de volta desta vez.
— Eu… — ela sussurrou, e então —, Como você percebeu… mãe…?
— Porque eu conheço você. Ou pelo menos estou começando.
Evelyn encontrou o olhar de Mina, e lá estava ele novamente. Aquele
sentimento. Como o momento entre pular das rochas e bater no oceano –
alegria e nervosismo e sem volta agora.
— Vamos, Zanetti. Fale comigo.
Mina fungou, depois estendeu a mão pálida e esguia. Evelyn percebeu
pela primeira vez que sua pulseira havia sumido. O azul-esverdeado do dólar
de areia em seu pulso parecia ainda mais vívido do que da última vez que o
vira.
— Stella descobriu — ela sussurrou. — E eu disse a ela. Eu contei tudo a
ela.
Eles acabaram amontoadas contra o lugar onde a praia se tornou um
penhasco, longe o suficiente da festa para que ninguém os visse, mas perto o
suficiente para ainda ouvir os ocasionais fragmentos de música pop e risos.
Era montanhoso, areia e grama e pedras misturadas, mas Mina não pareceu
notar nenhum desconforto ao explicar o que Stella havia dito. Que ela foi
amaldiçoada. Que o dólar de areia a ancorou aos fantasmas do verão se
afogando, bloqueando seus poderes. Que ela não poderia quebrar esse
vínculo sem exorcizar o espírito que os havia absorvido – e eles não
poderiam fazer isso sem saber quem era o fantasma.
— Não tenho ideia de como processar isto. — O braço de Mina roçou o
de Evelyn enquanto ela ajeitava seu assento na areia. — Eu... ela... ela não
me disse nada. E demorei seis anos para perguntar a ela porquê.
Foi com grande embaraço que Evelyn percebeu que Stella a havia
encantado no jantar da noite anterior. Era uma ilusão como a que Mina
colocou, mas muito mais convincente devido a essas décadas extras de
prática. A família de Evelyn era um pesadelo, claro, mas pelo menos ela sabia
que eles não estavam escondendo nada dela.
— Vai ficar tudo bem. — Evelyn não tinha ideia de como quebrar uma
maldição, mas isso não parecia importante agora. Nem seus ressentimentos
mesquinhos sobre o que Mina tinha e ela não. Tudo o que importava era que
Mina precisava de ajuda. — Nós vamos descobrir isso.
— Você não está brava que eu estraguei seu disfarce?
Evelyn cutucou o joelho contra o de Mina.
— Não. Não tenho medo da sua mãe.
Mina soltou uma risada fungada e cutucou de volta, mas não se afastou.
Em vez disso, ela se aproximou. Ela cheirava a frutas cítricas e fumaça, e
quando seus dedos se tocaram, Evelyn precisou de tudo para não pegar a
mão de Mina e — e…
— Posso te dizer uma coisa? — perguntou Mina. Evelyn não podia
realmente ver seu rosto, mas parecia nervosa. — Eu... Acho que você não vai
gostar.
O estômago de Evelyn se contorceu de uma forma que parecia
impossível.
— Você pode me dizer qualquer coisa.
— Tudo bem. — Mina hesitou, por um longo e agonizante momento, e
então... — Mamãe... disse alguma coisa. Sobre seu pai.
Todo o corpo de Evelyn ficou frio. Ela puxou o ombro para longe de
Mina e se virou para ela.
— O que? — ela sussurrou. — O que ela disse?
Mina colocou seus dedos juntos no colo. Ela não encontrou os olhos de
Evelyn.
— Ela o viu no dia dos assassinatos. Saindo em seu veleiro com o Trio de
Cliffside.
— Ele era seu instrutor de vela. Claro que ele estava com eles naquele
dia.
— Os detetives com quem mamãe conversou... eles disseram... que ela
foi a última testemunha deles. Que os viu vivos, quero dizer.
De repente, o lugar deles na base do penhasco não parecia aconchegante
– sentia claustrofóbico.
— Eu sou seu álibi — disse Evelyn. — Eu sei o que ele estava fazendo
naquela noite.
— Mas mamãe o viu por volta das sete e meia. — Mina engoliu em
seco. — E suas mortes foram estimadas entre sete e nove horas. Você não me
disse que estava com seu pai o tempo todo? Você tem que admitir que o
momento é suspeito.
Evelyn não podia acreditar no que estava ouvindo.
— Você... você me ajudou. Guardei seu segredo por seis anos. Porque eu
confiei em você. Porque mesmo quando não conversamos, lembrei que você
era a única que acreditava em mim.
— Eu acredito! — A voz de Mina se elevou. — Eu prometo a você,
Evelyn, eu não a teria ajudado se não acreditasse em você. Mas saber disso
muda as coisas. E isso me faz pensar se talvez haja uma razão pela qual você
está vendo esses mesmos fantasmas de novo e de novo, em vez disso daquele
que os absorveu. Se talvez seja porque fomos nós que impossibilitamos que
eles fizessem justiça.
— Ele não fez isso. — Evelyn estava chorando. Ela nem sabia quando
tinha começado, só que não conseguia parar. — Ele não fez isso, porra, ok?
Mas e se ele fez?
Era um pensamento que Evelyn havia enterrado tão fundo que ela havia
esquecido que já o tivera. Ela odiava o que ela estava pensando agora. Mina
estava certa: não se alinhava. E a polícia tinha provas disso. Não é de admirar
que eles não tivessem comprado seu álibi.
— Eu sei que ele é seu pai. Mas acho que precisamos pelo menos
considerar a possibilidade de seu... envolvimento.
Evelyn passou muito tempo aprimorando seus mecanismos de
sobrevivência enquanto seu ecossistema mudava de maneiras que ela não
conseguia controlar ou entender. Ela tinha sido miserável, com certeza, mas
ela resistiu. E ela escolheu tentar mudar esses mecanismos para Mina, apesar
dos sinais de alerta, porque ela pensou que os dois se entendiam.
Obviamente, ela estava terrivelmente errada.
— Nós? — Evelyn enxugou uma lágrima em sua bochecha. — Não
existe mais nós, já que você decidiu exatamente o que pensa sobre minha
família. Acho que sou seu maior erro até agora.
— Isso não é verdade — Mina protestou. — Eu briguei com mamãe. Ela
disse que você era perigosa, e eu defendi você...
— Eu não preciso de você para me defender. — O mecanismo de
sobrevivência mais antigo de Evelyn estava entrando em ação – seu
temperamento Mackenzie. — O que eu preciso são de pessoas que
acreditem em mim. E você deixou bem claro que não é uma delas.
— Mas eu… eu…
— Me olha nos olhos agora e diga que você tem cem por cento de
certeza de que ele é inocente.
— Cem é… é muito–
— Isso foi o que eu pensei. — Evelyn ficou de pé, limpou a areia de seu
jeans. Seu foco de vidência brilhou através de sua bolsa. Por um momento,
ela ouviu sussurros novamente, mas ela os empurrou para longe. Ela estava
muito brava com os vivos agora para se preocupar com os mortos. — Você
sabe que sua mãe mente, certo?
— É por isso que estou aqui. — Mina se levantou também. Ela parecia
totalmente desfeita. — Porque ela mentiu. Porque eu precisava de algum
espaço.
— Então, deixe-me ver se entendi — disse Evelyn. — Ela disse a você
que esteve enganando você sobre maldições e demônios durante a maior
parte de sua vida. Ela lhe disse que eu era perigosa, quando eu não seria uma
médium se não fosse por suas instruções de convocação. E então ela lhe disse
que acha que meu pai é um assassino. Mas de tudo que ela disse... foi isso
que você escolheu para fixar sobre?
— Não-eu-não é assim–
— Eu acho que é. — Evelyn olhou para ela. — Você está acusando meu
pai de um triplo assassinato porque você não consegue lidar com o
pensamento de que sua mãe é a única com todos os segredos. Você acha que
está enfrentando-a, mas tudo que você fez foi jogar direto nas mãos dela.
Como você sempre faz. Você é muito esperta para cair na merda dela. Ou
pelo menos eu pensei que você fosse.
O rosto de Mina se fechou. Suas paredes subiram. Expressão
completamente neutra. Quando ela falou, foi fria e cuidadosa, como se o
último mês nunca tivesse acontecido.
— Sinto muito que você esteja chateada com seu pai, mas você não sabe
nada sobre meu relacionamento com minha mãe. Não projete sua negação
em mim.
— Minha negação? — Evelyn ficou furiosa. — Você está muito longe,
Zanetti. E eu terminei de tentar te ajudar a ver como sua vida está
bagunçada.
Ela não olhou para Mina enquanto caminhava em direção ao
estacionamento e pegou seu longboard. De volta à festa, seus novos amigos
riram e dançaram enquanto a fogueira lançava lindas e selvagens sombras na
areia.
Evelyn se afastou de tudo isso e caminhou para a escuridão.
Capítulo vinte

A LUA CHEIA ESTAVA acima de Evelyn como um olho atento e bem aberto
enquanto ela ia para casa, seu longboard desviando erraticamente pela
calçada. Ela estava com raiva de uma forma que parecia perigosa. Na maioria
das vezes, ela era rápida em explodir e rápida em se desculpar, mas esse
fusível parecia diferente – uma queima lenta há muito enterrada que
finalmente foi pronto para explodir em uma conflagração de fúria.
Ela estava com raiva de Mina, por ser tão fácil de manipular. Irritado
com Stella, por plantar essas ideias na cabeça de Mina.
Mas acima de tudo, ela estava com raiva de si mesma.
Porque se o que Stella disse era verdade, sobre aquele momento... não
combinava com seu álibi. O que significava que ela não podia ter certeza de
que seu pai era inocente. Não completamente. E ela não saber viver com a
possibilidade de que ela possa ter destruído sozinha a capacidade de três
famílias de obter justiça para seus filhos.
Ela pegou o telefone antes de deixar o Cliffside Beach estacionando e
mandei uma mensagem para Nick dizendo que ela estava em uma festa e que
tinha ido mal, então liguei para ele. Porque ele ainda acreditava nela. Porque
ela precisava ouvir alguém dizer isso. Mas ela se arrependeu da mensagem
imediatamente e cancelou a chamada antes que ele a atendesse. Ela não podia
fazer isso com ele, com os dois. Evelyn se sentiu tão patética por fingir que
era mais forte sozinha quando obviamente não era verdade. Quando, mesmo
depois de Mina ter traído sua confiança, ela ainda estava procurando a ajuda
de outra pessoa que a machucou.
Evelyn estava piscando para conter as lágrimas quando deu uma guinada
muito forte. A prancha dela esmagou contra o meio-fio, em seguida,
despencou debaixo dela. A próxima coisa que ela percebeu, o lado direito de
seu corpo estava gritando de dor. Ela apoiou as palmas das mãos contra o
pavimento e se agachou. Sua perna estava um desastre, coberta de marcas de
derrapagem que sangravam pelos buracos em seu jeans. Cascalho e pedaços
de tecido estavam presos nas feridas. Evelyn desajeitadamente tentou arrancá-
los, ofegando em agonia. Seu ombro latejava, e o sangue escorria pelo braço
sob o top de veludo.
Pelo menos ela usava um capacete. Ela estava arranhada e machucada,
mas sobreviveria. Evelyn enfiou a mão na bolsa para pegar seu foco de
vidência e ficou surpresa ao encontrá-la intacta. Então ela procurou seu
telefone, franziu a testa para a tela rachada e se levantou. Seu longboard
estava de lado a alguns metros de distância como um ferido animal, as rodas
girando inutilmente.
Evelyn fez um balanço dos danos: fita adesiva destruída. Novos arranhões
no compensado. Mas ela tinha certeza de que ainda funcionava. Ela arrastou
a prancha debaixo do braço e mancou o resto do caminho para casa.
Sua casa parecia abandonada. Nenhuma luz brilhava de dentro das
janelas, e o telhado cedeu perigosamente sobre a varanda, como se estivesse
prestes a desabar.
Evelyn queria um banho; ela precisava de primeiros socorros. Mas isso
teria que esperar.
Ela se preparou e abriu a porta.
Lá dentro, a única luz vinha da TV, que zumbia como uma mosca no
canto da sala. Greg Mackenzie estava sentado onde sempre ficava olhando
fixamente para a tela. Ele parecia mais um fantasma do que aquele espírito
tingido de azul – uma mera sombra do pai que ele já foi, barba por fazer e
despenteado com olhos avermelhados. Para surpresa de Evelyn, Meredith
sentou-se no sofá. Ela bateu distraidamente em seu laptop, fones de ouvido
encaixados perfeitamente sobre seu corte de duende. Era quase normal.
Ambos olharam para cima enquanto ela caminhava pelo corredor.
Meredith reagiu primeiro, tirando os fones de ouvido e empurrando o
laptop para o lado.
— Evelyn — ela engasgou. — O que aconteceu com você?
— Caí do skate. Eu vou ficar bem.
— Você está ferida. — Seu pai se levantou da cadeira. — Tem um kit de
primeiros socorros embaixo da pia. Meredith, você pode...
— Já estou pegando.
— Eu disse, eu vou ficar bem — Evelyn protestou, mas seu pai já a tinha
ajudado a entrar na cozinha. Ela não percebeu quanta dor ela estava sentindo
até que havia uma cadeira para sentar-se.
Em um momento, Meredith estava de volta com o kit de primeiros
socorros. Uma mistura de calor e tristeza surgiu em Evelyn enquanto seu pai
e sua irmã tiravam bandagens e água oxigenada – isso era o mais próximo
que os Mackenzie’s sentiam de uma família em muito tempo.
— Você precisa cuidar antes que eles sejam infectados — disse seu pai.
— Vocês duas se lembram de quando brincaram naquelas poças de maré?
— E então não te disse que estávamos todos arranhados porque não
deveríamos tocar lá? — perguntou Meredith.
— E os cortes ficaram todos inchados e nojentos? — As poças de maré
eram uma das primeiras lembranças de Evelyn. Seu pai se sentou ao lado dela
e apontou as lapas e caracóis cuidando de seus negócios em seu minúsculo
bolso de água. Ela ficou fascinada. E então ela persuadiu Meredith a entrar
com ela e cortou seus pés em cracas. — Eu tinha quatro anos. Meredith
tinha nove anos. Nós sabemos como essas coisas funcionam agora–Ai!
A água oxigenada doeu, mas Evelyn fez o possível para suportá-la com o
mínimo de explosões. Ela nem sempre foi bem-sucedida.
— Onde você aprendeu a xingar assim? — perguntou Meredith.
— Com vocês dois — Evelyn murmurou. — É um traço de família.
Seu pai estremeceu com isso, e Meredith parecia um pouco abatida
também.
— Bem, estou feliz que você tenha voltado para casa — disse ele,
enquanto Evelyn colocava o último arranhão embaixo de um band-aid. — E
eu estou feliz você usava seu capacete. Eu sei que você acha que eles parecem
ridículos, mas–
— Eles salvam vidas, eu sei, eu sei.
Greg havia dito isso a ela dezenas de vezes. Ele estava atento à segurança.
Ela olhou para ele agora, fechando o kit de primeiros socorros, e tentou não
pensar na facilidade com que aquelas mãos grandes e quadradas poderiam
envolver o pescoço de alguém e empurrá-lo para debaixo d'água.
Parecia nojento. Parecia impossível. Mas ela ainda não conseguia tirar as
palavras de Mina da cabeça.
— Pai. Eu quero falar com você sobre uma coisa — ela desabafou.
Meredith se encostou na pia, parecendo intrigada.
— Eu deveria sair?
Evelyn sabia que sua irmã também tinha dúvidas. Mas isso dizia respeito
a todos os três, e se a situação fosse invertida, ela gostaria de ficar.
— Não.
— O que está acontecendo? — seu pai perguntou.
— Hm. — A garganta de Evelyn estava seca. Isso não era como
nenhuma das outras conversas assustadoras que ela teve com seu pai – de suas
notas caindo (terminando mal) para sair (terminando bem) para ela ser pega
se esgueirando para participar de uma festa de time de futebol (terminada em
diversão paterna).
— Eu sei que você escondeu coisas de mim quando eu era mais jovem
— ela começou. — Para me proteger. Porque eu era criança. Mas eu não
sou mais. Uma criança, quero dizer, não realmente, não mais. E eu tenho
perguntas.
— Escondi coisas de você? — A testa de seu pai franziu. — Que tipo de
coisas?
— Coisas sobre... aquele verão.
O rosto de Greg Mackenzie mudou em um instante. Assim como a de
Meredith. Ela empurrou o balcão e foi ficar ao lado de Evelyn enquanto
Greg se afastava das duas. A porta atrás dele emoldurava seus ombros
curvados, seu rosto magro e cansado.
— Eu não tenho nada para dizer sobre aquele verão — ele disse
categoricamente.
— Nem mesmo para me dizer que você não teve nada a ver com isso?
— Qual é o seu ponto? — Seus olhos estavam assombrados e fundos, seu
cabelo grisalho fino quase branco sob a luz fluorescente. Havia algo frágil
nele que Evelyn nunca havia notado antes. — Eu disse minha parte. Eles me
nomearam uma pessoa de interesse, claro, mas nunca me acusaram de nada.
Eu… — Ele balançou sua cabeça. — Eu nunca machucaria ninguém –
quero dizer, diabos, eu gostava de Jesse. Ele era um garoto legal. E os outros
dois foram meus melhores alunos.
— Não diga o nome dele — Meredith rosnou. — Não se atreva, porra.
— Eu te dei muita margem de liberdade aqui, Meredith. — A ameaça na
voz de Greg deixou Evelyn tensa. Se eles começassem a gritar agora, ela iria
quebrar. Talvez ela já tivesse, na praia. — Você sabe tão bem quanto eu que a
polícia teria me levado se conseguisse me amarrar ao crime. Meu nome, é
claro. Eu deixei você voltar para minha casa porque eu pensei que você
finalmente tinha aceitado isso.
Meredith não parecia feliz com isso, mas ela assentiu. E Evelyn entendeu
que se ela dissesse o que veio aqui dizer, isso mudaria sua família para
sempre. Mas ela não conseguiu mantê-lo.
— Mas há algo ligando você ao crime — disse ela. — Uma testemunha.
O olhar de Greg se aguçou.
— Como você soube disso?
Mas foi o tom de Meredith, a postura de Meredith, que mais assustou
Evelyn.
— Que testemunha?
Evelyn havia se perguntado por um longo tempo se descobriria a verdade
sobre seu pai afogaria todos eles, mas talvez estivesse afogando-os de qualquer
maneira. Uma linha d'água que continuou subindo muito lentamente até
todos eles afundaram debaixo dela.
— Você acabou de nos dizer que eles não tinham nada — Meredith
continuou. — Você me disse isso por anos, seu fodido–
— Eles não têm nada. Dei às crianças a aula de vela naquele dia, depois
fui para casa ver Evelyn.
— Mas você chegou em casa um pouco depois das oito — disse Evelyn.
— A testemunha viu você no barco com eles às sete e meia. A hora estimada
de sua morte é entre sete e nove e meia – e quando você voltou por volta das
oito, você disse que tinha terminado o trabalho 'por volta das sete'. Eu disse à
polícia que você estava em casa comigo, mas há uma janela ali onde não
posso cobri-lo. Eu... eu menti por você. Eu o enterrei por anos porque doeu
muito pensar, mas eu menti por você.
Meredith soltou uma risada longa e baixa.
— Merda, Greg — ela disse. — Eu pensei que você tinha Evelyn
enrolada em seu dedo mindinho. Acho que ela não é mais seu álibi.
— Papai não fez lavagem cerebral em mim — Evelyn retrucou. — Mas
eu quero saber o que realmente aconteceu naquela noite. Dele, não de mais
ninguém.
Greg estremeceu.
— É verdade, eu nunca te disse isso — disse ele. — Porque eu sei como
isso soa. Mas a cidade pode dizer o que quiser – eu não fiz nada com aqueles
garotos a não ser dar uma carona para eles. Todos eram alunos na minha aula
de vela no verão que pediram uma carona do outro lado da baía para Sand
Dollar Cove depois da aula. Eu disse que sim e os deixei. Foi a última vez
que os vi. Alguém me viu no barco, e depois de tudo o que aconteceu...
— Não parecia bom.
— Exatamente. — Seu pai suspirou. — Houve DNA desconhecido
encontrado nos corpos, mas também havia o meu. Dos coletes salva-vidas
que fiz com que todos usassem.
— Mas..., mas isso é apenas circunstancial — Evelyn protestou. —
Facilmente explicado. E você não tem motivo.
— Isso é o que eu disse a eles. Mas não importa — Greg disse, sua voz
oca. — A cidade decidiu que eu era culpado há seis anos. E as pessoas em
Cliffside Bay não gostam de mudar de ideia. — Ele gesticulou para
Meredith, que balançou a cabeça.
— Eu vi os registros de ancoragem — Meredith disse. — Quanto tempo
você estava naquele barco com eles, e quanto tempo demorou até você
voltar. É muito rápido. Mas ainda há aquele tempo não contabilizado entre
eles e seu álibi com Evelyn. E o fato de que você mentiu para nós duas, que
você a deixou mentir por você quando ela era criança...
— Acabei de dizer a verdade. — A voz de Greg falhou na última palavra.
— Mas depois de tudo que esta cidade tirou de mim... você e Siobhan... eu
não queria que levasse Evelyn também. Ela é tudo que me resta.
Evelyn olhou impotente entre eles.
Você acha que ele fez isso?
Durante anos, ela precisou acreditar que a resposta era inequivocamente
não. Agora ela não podia mais fingir que era simples. E embora a ideia de
mergulhar nessa dúvida fosse aterrorizante, voltar à negação parecia pior. Ela
desmoronou uma dúzia de vezes antes da. E assim como os organismos na
zona entre marés, ela aprendeu a se adaptar. Para sobreviver.
— Eu não vou deixar você, pai — ela sussurrou. — Mas se você quer
que acreditemos em você, preciso saber que você nos contou toda a verdade.
Não podemos continuar dançando em torno dele. Tudo o que está fazendo
está nos prejudicando.
— Essa é toda a verdade — disse Greg. — Eu não vou defender meu
caso mais. Eu passei muito tempo tentando convencer as pessoas que já se
decidiram.
Ele saiu então, desaparecendo no corredor escuro. Seus passos soaram na
escada um momento depois.
Evelyn virou-se para a irmã, pronta para uma briga. Mas Meredith
parecia surpreendentemente calma.
— Então… — disse sua irmã. — Você dúvida dele.
— Eu tenho perguntas — disse Evelyn. — Não tenho certeza se isso
conta como duvidar. Como você disse, o barco atracando registros não lhe
daria tempo suficiente. E por que dólares de areia? Eles nem são de Long
Island… – Ela fez uma pausa, estremecendo. — Eu não quero pensar nele
assim. Mas se é o que eu tenho que fazer... eu vou fazer.
— Passos de bebê. — Meredith estendeu a mão para puxar Evelyn da
cadeira. Tudo ainda doía.
— Eu simplesmente não entendo — disse Evelyn. — Se você tem tanta
certeza de que ele fez isso... porque você está aqui?
— Eu não duvido — Meredith disse. — Claro que ele fez isso, quero
dizer. Mas estar inseguro é o suficiente para me deixar desconfortável. —
Meredith suspirou, balançou a cabeça. — Eu nunca pensei que veria você
confrontá-lo assim. De onde veio isso?
Mina. O pensamento surgiu em sua mente, colidindo com todo o resto.
Tinha vindo de Mina. Negação. Segredos. Mentiras. Talvez eles não
estivessem em situações tão diferentes depois de tudo.
Mina a provocou – e ela, por sua vez, provocou Mina.
Chegou a ela de uma vez. A lua cheia. As coisas que Evelyn dissera a
Mina, sobre ela se apaixonar pelas mentiras de Stella repetidas vezes. O
conceito de se encontrar com o fantasma era tão perigoso que Evelyn nunca
havia considerado isso seriamente. Mas Mina tinha.
Oh não. Ah não.
— Eu tenho que ir. — Ela deixou a cozinha para trás e caminhou para o
corredor. Sua bolsa estava amassada descuidadamente no chão. Ela procurou
dentro até que encontrou seu foco de vidência, então enrolou o cordão em
volta do pescoço. A concha era pesada e surpreendentemente quente contra
sua pele.
— Você vai sair de novo? — perguntou Meredith. — Você está toda
cortada.
— O que você vai fazer, me dar um toque de recolher? — Evelyn não
ficou para ver se Meredith tinha uma resposta. Ela agarrou o capacete e seu
longboard, então saiu pela porta.
Capítulo vinte e um

M INA NÃO SE CONSIDERAVA o tipo de pessoa que ficava com raiva. Como
regra geral, a raiva a deixava exausta – não levava a nada além de
decisões lamentáveis e tolices ilógicas. Mas Mina estava com raiva esta noite,
e foi exatamente assim que ela se viu parada nas rochas na beira de Sand
Dollar Cove.
Ela não estava em negação. Ela não estava sendo manipulada. Evelyn
estava errada. E para provar isso, Mina ia fazer o que ninguém mais faria:
encarar o fantasma.
Ela visitou a casa do tio Dom para comprar suprimentos em vez de voltar
para a sua. Ela estava preocupada em encontrar membros da família errantes,
mas quando ela correu para Sergio na cozinha, ele parecia intrigado com a
ideia de ela se tornar desonesta.
— Eu apoio totalmente você chutando alguma bunda de fantasma, mas
tenha cuidado — disse ele, com a boca cheia de um sanduíche de amendoim
e geleia — Lembra o que aconteceu no centro comunitário?
Mina olhou para ele.
— Não vai ser assim desta vez.
Sergio acenou no ar com seu sanduíche parcialmente comido.
— Se você diz.
Ela meio que esperava que ele tentasse ir com ela, mas ele não ofereceu e
ela não pediu. O que estava bem, porque ela definitivamente não precisava
de ajuda.
A praia estava vazia e estranhamente silenciosa. Os únicos sons eram os
pés de Mina esmagando o chão e a maré alta batendo na costa. A lua cheia
brilhava no céu sem nuvens e, embora Mina entendesse que havia razões
científicas para as marés subirem tão alto e descerem tão baixo em sua
presença, ela gostava de imaginar que eles estavam tremendo de medo de
algo tão magnífico.
Mina não podia ajudar, mas ficou nervosa enquanto ela se ajoelhava na
costa rochosa e começava a trabalhar. Ela desenhou uma pequena trincheira
circular na parte mais seca da praia que conseguiu encontrar, depois espalhou
uma linha ininterrupta de sal nela. Quando ela mergulhou sua tigela no
oceano, seu colar de proteção ficou quente contra sua pele. Mina cerrou os
dentes e colocou seu receptáculo de vidência improvisado no meio do
círculo, então colocou velas ao seu redor. Suas chamas tremiam e
estremeciam no ar noturno enquanto ela as acendia uma a uma.
O ar cheirava a sal e fumaça; a areia estava molhada contra seus joelhos
nus. A lua a observava de cima, um grande orbe brilhante que parecia
estranhamente com o novo foco de vidência de Stella. Suas mãos tremiam
quando ela tocou o colar de proteção. Ela sabia o que continha agora – mais
segredos de sua mãe. Ela puxou o pingente sobre a cabeça e baixou-o na
tigela, em seguida, puxou as mãos.
Assim que ela tirou o colar, o dólar de areia em seu pulso começou a
brilhar. Vozes murmuravam em sua mente, indistintas, mas vagamente
alarmadas. Eles estavam mais barulhentos e nítidos do que na piscina. Ela
podia até entender uma ou duas palavras – perdida; fri; Onde? A confusão
deles fez seu coração doer.
— Você queria se encontrar comigo — disse ela. — Estou aqui.
Em resposta, a água na tigela começou a ondular, uma imitação em
pequena escala do oceano diante dela. Uma pequena bola de luz azul
enrolou-se ao redor do colar de proteção. As vozes ficaram mais altas, e Mina
sentiu aquela atração novamente. Começava no dólar de areia e subia pelo
braço, pelo ombro, depois pelo peito. Sua visão ficou embaçada, e de
repente, as ondas quebrando na praia ao lado de sua convocação improvisada
parecia como mãos se estendendo.
Sua tigela era tão pequena. Ela não entendia como poderia esperar ouvir
os espíritos corretamente com um recipiente tão pequeno, quando um tão
grande esperava ali. Bastaria alguns passos e...
— Pare!
A voz atravessou todas as outras. Era baixo e um pouco rouco e
inconfundivelmente pertencia a alguém vivendo. A atração diminuiu um
pouco, e Mina se virou, momentaneamente distraída.
Uma figura familiar estava a uns dez metros de distância. Seu cabelo
escuro e ondulado era selvagem, esvoaçando para todos os lados; uma concha
pendurada em seu pescoço. Ela correu a distância entre elas em grandes e
furiosas passadas.
Evelyn Mackenzie era o tipo de garota que sabia ficar com raiva. As
emoções sopravam através dela como ventos no mar; elas fustigavam suas
velas e, às vezes, quando eram fortes demais, ameaçavam derrubá-la. No
entanto, ela nunca afundou. Mina não entendia como Evelyn podia entrar
com tanta facilidade em águas tão traiçoeiras enquanto Mina só conseguia
deslizar à superfície em sua mente. Submergir-se seria muito doloroso, muito
– o choque por si só poderia ser suficiente para mandá-la permanentemente
fora do curso. Esta noite provou isso, nada mais.
— Zanetti — Evelyn estalou, ajoelhando-se ao lado dela. Uma asa de
delineador estava espalhada em sua bochecha; Band-aid cruzavam a pele
espreitando através de seu jeans rasgado. — Que diabos está fazendo?
— Quebrando minha maldição — Mina disse friamente. — Os espíritos
das vítimas de afogamento no verão virão quando eu chamar. E eles vão me
dizer quem os matou antes que eu quebre nosso vínculo para sempre.
Mesmo que eu tenha que exorcizá-los para revelar a verdade.
— Fantasmas. Maldições. Exorcismos. Excelente. — Evelyn olhou a
configuração de convocação de Mina com preocupação óbvia. Os fios de luz
ao redor do colar cresceram, enchendo a tigela com brilhantes gavinhas azul-
esverdeadas. — Eu sei que você está chateada comigo, mas você já
considerou que isso pode ser uma ideia colossalmente terrível?
As vozes gemeram na mente de Mina novamente, o um dólar de areia
em seu pulso pulsava dolorosamente, e por um momento ela pensou que
fosse desmaiar. Mas então ela respirou o ar fresco da noite, e o cheiro de sal a
trouxe de volta à realidade.
— Estou completamente no controle.
— Ninguém realmente no controle jamais disse isso.
— Se você não gosta do que estou fazendo, pode ir embora. — Mina
tirou um canivete da bolsa e segurou a mão na tigela. Ela pensou nisso
cuidadosamente. Dar aos espíritos seu sangue completaria as condições que
Stella lhe dera para um exorcismo. Só porque sua mãe não tinha sido capaz
de fazer isso não significava que ela não pudesse.
— Não! — Evelyn agarrou seu pulso. — Você vai chamar as vítimas de
afogamento no verão, e elas vão trazer aquele fantasma com elas–
— Isso é exatamente o que estou tentando fazer, sim. Se você apenas me
deixasse–
— Eu não vou. — Evelyn puxou a mão de Mina para longe da tigela e
fixou os olhos nela. Mina ficou atordoada com a pura emoção em seu olhar.
Isso a fez querer largar a faca e agarrar a mão de Evelyn da mesma forma que
Evelyn estava segurando seu pulso, e isso a puxou de uma maneira diferente,
mas não menos poderosa do que o oceano diante dela.
O dólar de areia no braço de Mina latejava sob os dedos de Evelyn. Ela
se perguntou como chegou a isso – Evelyn tentando segurá-la, enquanto ela
tentava avançar.
— Tudo bem — Mina deixou cair a faca na areia. Evelyn soltou seu
aperto e rapidamente o pegou.
— Sinto muito por ter que contê-la — disse ela. — Eu estava
preocupada.
Mina mordeu o interior de sua boca o mais forte que pôde. A dor a
percorreu, seguida pelo gosto de sal e cobre.
— Você deveria estar — ela disse, e então ela se inclinou sobre a tigela e
cuspiu seu sangue dentro.
O que aconteceu a seguir aconteceu muito rapidamente.
A arrebentação avançou, arranhando a areia. Ele espirrou através do
círculo de sal e por cima da tigela, derrubando o conteúdo no oceano. Mina
avançou, agarrando o pingente de proteção, mas Evelyn chegou primeiro.
Ela o pegou e apertou contra o peito, então virou-se para Mina, os olhos
arregalados.
— O que diabos você fez? — ela sussurrou.
O medo se desenrolou no estômago de Mina ao lado da luz azul que
espiralou no oceano, se espalhando como um rastro de bioluminescência. A
atração voltou, mais forte desta vez, e Mina sentiu como se alguém tivesse
agarrado suas mãos e a puxado para cima. Ela não se lembrava de ter tirado
os sapatos ou andado a passos largos, apenas o alívio frio da arrebentação
contra seus pés descalços.
As vozes em sua mente ficaram ainda mais altas, e gavinhas de um verde
azulado se entrelaçaram em seus tornozelos. Em todos os lugares que eles
tocavam, eles se sentiam da mesma forma que o dólar de areia – acordado.
Vivo. Ela olhou para seu pulso e percebeu que a luz do dólar de areia estava
se espalhando por seu braço, pulsando suavemente. Não doía mais. Em vez
disso, emitia uma espécie de agradável calor entorpecente.
— Volte. — A voz de Evelyn estava fraca, distorcida. Mina supôs que ela
estava na praia atrás dela. Ela não achava que seu corpo a deixaria virar para
verificar. — Por favor eu–
— Está tudo bem. — Mina ouviu sua voz como se estivesse a uma
grande distância. A água puxou Mina para frente, mas permaneceu rasa
mesmo quando ela se aventurou além da arrebentação. Embora a maré
estivesse alta, o oceano estava recuando mais rápido do que deveria ter sido
possível. — É aqui que eu pertenço.
Como resposta, três figuras começaram a brilhar na água diante dela, seus
corpos verdes azulados. Os dólares de areia em seus olhos pulsavam ao lado
do pulso de Mina, e seus lábios se abriram em três sorrisos largos e idênticos.
Aí está você, disse uma voz clara e calma dentro do crânio de Mina. Você
está finalmente ouvindo?
— Evelyn? — chamou uma voz completamente diferente. — O que
você está fazendo aqui?
Outra pessoa apareceu na visão periférica de Mina. A voz em sua mente
ficou em silêncio, como se estivesse assustada. Evelyn correu para o lado,
xingando, enquanto a figura se aproximava.
Era Nick Slater. Ex-namorado de Evelyn.
— Você precisa sair daqui. — Evelyn pegou o braço de Nick. — Como
você me encontrou?
— A praia é propriedade pública — Nick disse defensivamente. — Além
disso, você me mandou uma mensagem dizendo que uma festa tinha saído
dos trilhos, e então você me ligou, então eu usei Find My Friends porque
você ainda não me tirou da sua lista de amigos… Jesse?
O aperto em Mina afrouxou por um momento. Ela virou a cabeça para
trás para ver que as três figuras na arrebentação haviam se solidificado. Eles
ainda estavam um pouco confusos nas bordas, mas mesmo com os dólares de
areia, eles eram inconfundivelmente o Trio de Cliffside. E Nick estava
olhando para eles com horror.
Alguém que não sabia absolutamente nada sobre nada disso ficou cara a
cara com o fantasma de seu irmão morto. Era um cenário de pesadelo.
Mina ouviu a voz em pânico de Nick, ouviu Evelyn tentar responder,
mas eles já estavam desaparecendo. Tudo o que ela sabia era que ela tinha que
parar com isso. Levou toda sua concentração, mas ela recuou uma vez. Então,
novamente, a água espirrou contra suas pernas como se estivesse em protesto.
Ela poderia deixar o oceano e cortar este cordão. Ela estava tão perto.
Os sorrisos dos fantasmas piscaram, então se transformaram em três
rosnados idênticos. Um brilho laranja penetrou nos dólares de areia sobre
seus olhos e se derramou em seus rostos, como lágrimas. As vozes em sua
mente começaram a assobiar com pânico enquanto a luz descia por seus
ombros, seus torsos. Uma pontada de dor atravessou o braço de Mina, e seu
dólar de areia brilhou laranja.
Quando ela olhou para cima de seu pulso, a água atrás dos espíritos estava
subindo no céu. Mina entendeu um momento antes de cruzar o horizonte
que o oceano havia recuado para fazer uma onda.
Desta vez, quando ela caiu, não havia Stella para pegar sua mão e puxá-la
para fora. Houve apenas um dilúvio de dor e pânico, luz azul, verde e laranja
girando em torno de seus membros. Todo lugar que tocava, queimava como
ácido.
Ela gritou, então se engasgou com um bocado de algas podres. E então,
assim como quando ela se ajoelhou ao lado da piscina, a cena ao seu redor
mudou.
Mina não estava mais embaixo d'água. Não está mais na praia. Em vez
de, uma visão se desdobrou diante dela como um set de filmagem, uma
grande sala de estar toda forrada de madeira, com tapetes gigantes
desgrenhados e sofás verdes e azuis. Ela não reconheceu os móveis, mas a
forma do espaço parecia estranhamente familiar: o telhado em forma de A,
as vigas inclinadas.
Na frente dela estava uma menina. Ela tinha mais ou menos a idade de
Mina, branca, baixa, magra, vestindo uma saia plissada com um grande cinto
sobre ele e um top de malha cropped. Seu cabelo era longo, leve e moreno, e
perfeitamente reto, pressionada tão plana contra sua cabeça que obscurecia
metade de seu rosto. Ela olhou para Mina com olhos castanhos solenes, então
estendeu a mão.
Um dólar de areia descansava em sua palma aberta.
— Pegue.
A voz era a mesma que havia falado em sua mente na praia.
— É você — ela engasgou. — Você é o fantasma. Por que… quem–
— Pegue — a garota repetiu. Mina deu um passo à frente inquieta. A
concha cintilou e, por um momento, não era uma concha – era um pedaço
de plástico branco, manchado de sangue. Então ela piscou novamente, e era
um dólar de areia mais uma vez.
— O que acontece se eu disser não?
— Você não pode. — Sua voz era suave, suave, mas quando Mina olhou
para cima novamente, aqueles olhos castanhos tinham desaparecido. Em seu
lugar eram mais dois dólares de areia. Um fluido espesso da cor de bile
escorria de um deles, depois do outro, entupindo os buracos e escorrendo
por suas bochechas.
— Pegue — ela rosnou mais uma vez, e Mina gritou novamente
enquanto o mundo se dissolvia ao seu redor.
Capítulo vinte e dois

E VELYN NÃO SABIA PARA ONDE sua noite estava indo quando ela saiu para
tentar parar Mina, mas ela nunca teria previsto que terminaria na sala de
Nick Slater. Ela empoleirou-se infeliz no sofá ao lado de Mina e olhou para
a esfera de prata gigante que ainda pairava no céu, derramando luz sobre o
oceano. Evelyn sabia disso, era injusto culpar todos os seus problemas na lua,
mas agora, era tentador.
— Preciso saber o que vi na praia. — Nick tinha escolhido sentar-se na
mesma poltrona cravejada de âncoras que ele usou da última vez que ela
esteve aqui. — Você me deve isso, Evie.
— Eu sei. — Evelyn olhou para a esquerda, onde Mina parecia
totalmente miserável em um dos uniformes de futebol extras de Nick. Ela
saiu fácil – Evelyn tinha sido forçada a substituir suas roupas arruinadas por
um par de calças de moletom CLIFFSIDE CRABS e um decote em V
correspondente. As piadas de mascote realmente faziam jus. — Mina, você
está pronta?
Mina olhou entre eles um pouco instável. Ela deu um nó numa das faixas
de futebol de Nick em torno de sua marca de dólar de areia como uma
espécie de escudo, mas isso não foi suficiente para abafar o brilho verde
azulado que emanava do pulso dela. — Na verdade, não. Mas acho que isso
não importa mais.
Depois que a onda varreu os três para o oceano, Evelyn abriu caminho
até a praia. Não foi fácil – as vozes em sua mente foram duras e exigentes, e
a água a envolveu em um abraço sufocante. Mas a concha ao redor de seu
pescoço impediu que tudo a esmagasse. Ela emergiu com algas emaranhadas
em seu cabelo, seus arranhões e hematomas ardendo da água salgada, para
encontrar uma Mina semiconsciente e um Nick confuso esparramado na
areia.
Mina estava brilhando. Explosões de estrelas alaranjadas brilhavam do
dólar de areia em seu pulso, e uma luz verde azulada serpenteava em seu
torso, pequenas explosões que se moviam de seu pescoço e ombros até as
palmas das mãos. Ela estava iluminada por dentro, incandescente e
sobrenatural, e por um momento Evelyn foi incapaz de fazer qualquer coisa
além de olhar com admiração. Então Mina começou a gritar e se debater na
areia, como um peixe puxado das ondas.
Evelyn correu para ela, em pânico, mas em poucos segundos, a luz sob a
pele de Mina começou a desaparecer, e a dor desapareceu junto com ela. Ou
pelo menos foi o que Mina disse a eles quando conseguiu falar novamente,
mas Evelyn não tinha certeza se acreditava.
Ela queria pressionar Mina por respostas e teorias, mas não havia tempo
para isso. Eles tinham problemas mais imediatos para lidar.
Os fantasmas se foram, mas Nick já os tinha visto. E já que seus pais
estavam no vinhedo de Martha durante a semana (Evelyn revirou os olhos) e
não estavam furiosos com seu filho, sua casa tinha sido a opção óbvia para
um reagrupamento. Além disso, todos os três deles até conseguiram limpar
um pouco.
Normalmente Evelyn teria prazer em aproveitar ao máximo o que ela
sempre chamou de banheiro robô. Mas ela estava muito preocupada com a
convocação de Mina e as perguntas de Nick para prestar muita atenção ao
piso aquecido ou aos comandos do chuveiro ativados por voz.
De volta à sala, ela estudou o rosto de Nick, afiado de dor, e sentiu uma
onda profunda de arrependimento.
— Essas três... coisas. Na água. Aqueles eram meu irmão e seus amigos.
— Nick não disse isso como uma pergunta, mas Mina respondeu de
qualquer maneira.
— Sim — disse ela. — Bem, sim e não. Seu irmão, como você o
conhece, se foi, Nick, mas... esse era o espírito dele.
— Então os fantasmas são reais, e… — Nick se acalmou. — E meu
irmão é um deles.
— Exatamente.
— Como?
Os olhos de Mina dispararam em direção a Evelyn em um sinal claro de
ajuda. Mina podia ser filha da médium, mas Evelyn era o único ponto em
comum entre as três.
— Somos médiuns — disse Evelyn. — Os fantasmas falam conosco e nós
tentamos ouvir. Ultimamente, Jesse, Colin e Tamara têm, uh...
— Eu não entendo — Nick murmurou. — Se o espírito dele pode falar,
por que ele não fala comigo?
Mina limpou a garganta inconfortavelmente.
— Ele provavelmente teria tentado em circunstâncias diferentes. É
bastante comum que os espíritos tentem entrar em contato com os entes
queridos que deixaram para trás. É só que neste caso em particular, o espírito
de Jesse pode não ter controle total sobre suas ações.
— O que você quer dizer, ele não tem controle total?
Evelyn engoliu em seco.
— Você sabe que fantasmas são reais agora. Bem. Demônios são reais,
também, pelo menos potencialmente.
Ela e Mina explicaram que, até onde sabiam, o Trio de Cliffside estava
sendo lentamente absorvido por outro espírito que estava começando a ferir
os vivos além dos mortos. Que eles foram pegos na maldição que esse
fantasma lançou sobre Mina. Que era tudo um mistério que ambos tentavam
desesperadamente resolver.
Quando terminaram, Nick parecia bastante chocado.
— Isso dói? — ele perguntou trêmulo. — Jesse, quero dizer, e os outros
– isso os machuca?
— Nós não sabemos — disse Mina.
— E sua maldição... é por isso que você está brilhando? — ele continuou
gesticulando em direção a Mina.
— Pode ser. — A mão de Mina se desviou nervosamente para a faixa em
torno de seu pulso.
— Como você foi amaldiçoada por esse fantasma?
Evelyn estremeceu.
— Bem. Uh. Eu poderia ter... nós poderíamos ter... invocado este
fantasma há algum ponto. Sem saber com o que estávamos lidando.
— Você pode fazer isso? — Nick franziu a testa.
— Por acidente — disse Evelyn. — Nenhum de nós tinha ideia do que
estávamos realmente fazendo. Nós éramos crianças, ou... ou pelo menos, nós
éramos crianças na primeira vez.
— Na primeira vez? — A voz de Nick era perigosa. — Não minta para
mim, Evie. Esse é meu irmão. Eu preciso saber.
Ah, isso ia dar merda. Mas assim que Nick tinha aparecido na praia,
Evelyn sabia em algum nível que a verdade viria à tona.
Então ela contou tudo a ele. Sobre os dois verões. Mesmo as partes que
não a faziam parecer tão grande.
— Você usou um fantasma para garantir que ninguém descobrisse sobre
nossa trapaça? — Nick parecia doente.
— Não foi o meu melhor momento, ok?
— E há seis anos?
— Eu acreditava que meu pai era inocente — disse ela, culpa torcendo
dentro dela enquanto pensava sobre o que tinha descoberto mais cedo
naquela noite. — Achei que era a coisa certa a fazer.
— Mas e se… — Nick parou.
— E se ele fez isso? — Evelyn suspirou. — Eu gostaria de poder dizer a
você que eu sabia com certeza que ele não sabia. Mas... ele é meu pai. E eu
tinha dez anos.
— Eu também tinha dez anos — disse Nick. — Quando meu irmão
morreu. E eu namorei você por quatro meses, e você nunca disse uma
palavra sobre isso? Você nunca pensou “espere, este é um grande segredo para manter
do meu namorado?”
Evelyn tentou não se encolher sob a força de seu olhar acusador.
— Prometi a Mina que nunca falaria sobre isso.
— Então você priorizou alguém com quem você não falava há seis anos
sobre alguém que… que… — Ele parou, balançando a cabeça. — Não
entendo.
— Não torne isso sobre nosso relacionamento. Isso não é justo.
— O que não é justo é a maneira como vocês duas pensam que têm o
direito de mexer com o espírito do meu irmão mais do que já têm.
— Não estamos mexendo com espíritos, estamos tentando salvar a alma
do seu irmão — Mina disse bruscamente. — Junto com as outras duas
pessoas que morreram com ele. Que também têm famílias, que também não
merecem sofrer.
— Bem, ele é meu irmão — Nick respondeu. — Então se você vai
continuar fazendo isso, então... então eu quero participar.
Mina piscou.
— Com licença?
Evelyn não conseguiu esconder o pânico em sua voz.
— Você estava naquela praia esta noite. Você viu como isso é perigoso.
— Eu não me importo. — Nick apertou a mandíbula. — Eu não posso
saber que ele ainda está lá fora de alguma forma, sofrendo, e não fazer algo
sobre isso. Então ou você me deixa entrar no seu estranho clube
sobrenatural, ou eu vou tentar falar para seu fantasma por conta própria. E
algo me diz que você realmente não quer que eu faça isso.
Evelyn queria gritar. A lua ainda brilhava atrás da cabeça de Nick, e as
luzes suaves que ele acendeu iluminaram as fotos de Jesse acima da escadaria
gigante. Ela sabia que era apenas sua imaginação, mas ela sentiu como se
todas aquelas pequenas versões dele a estivessem observando. Perguntando a
ela o que diabos ela pensou que ela estava tentando ajudar os mortos, quando
todas as suas tentativas de consertar as coisas só perturbaram os vivos.
— Bem-vindo ao time — ela cuspiu.
O sorriso de Nick não conseguiu disfarçar sua fúria.
— Perfeito.

***

Evelyn e Mina acabaram no quarto de hóspedes. Nenhuma das duas queria


ir para casa, e dormir no antigo quarto de Jesse ou na cama dos pais de Nick
definitivamente não era uma opção. Então, em vez disso, elas se sentaram
lado a lado na cama de hóspedes branca e felpuda, olhando para o celular
quebrado de Evelyn. De alguma forma, ele havia sobrevivido à água salgada,
e ambas o usaram para enviar mensagens de texto para seus respectivos
familiares em uma tentativa débil de evitar quantos problemas eles teriam
quando chegassem em casa.
— Stella vai me matar — Mina murmurou. — Mas não tenho certeza se
me importo.
Evelyn tinha certeza de que seu pai e Meredith ficariam chateados
também, embora a raiva deles só a assustasse quando era dirigida um ao
outro.
— Você está bem? — ela perguntou, pensando naquelas luzes laranja
enroladas sob a pele de Mina. — O que... o que aconteceu com você esta
noite?
— Não tenho certeza. Eu quero falar sobre isso. Mas primeiro, devo-lhe
um pedido de desculpas.
— Não, você não deve — Evelyn virou-se para encará-la. — Sou eu que
sinto muito. Agora Nick está envolvido em tudo disso, e é tudo culpa minha
novamente...
— Não é. — A voz de Mina era firme, mas não indelicada. — Eu acusei
seu pai de coisas indescritíveis, e você ainda veio tentar me ajudar. Estou
grata... e envergonhada.
— Obrigada. — O olhar de Evelyn se desviou para o pulso de Mina,
ainda coberto com a faixa de cabeça, ainda brilhando em verde azulado. —
O fantasma fez... isso?
— Sim. Bem, eu acho que sim. — Mina explicou o que tinha
acontecido com ela, a visão, as vozes, a forma como a água a puxou para
frente. Evelyn percebeu assim que terminou que Mina não fez nenhuma
tentativa de esconder seu medo.
— Então você acha que era ela? — Evelyn perguntou. — Aquela garota.
Você acha que ela é o fantasma?
— Ela deve ser. — Mina suspirou. — Mas não é só isso que me
preocupa. Obviamente, meu dólar de areia brilha quando me comunico com
os mortos. Isso me puxa em direção a eles, cria um canal entre nós. Como
isso soa para você?
Ah.
— Como um foco de vidência.
— Exatamente. — Mina se inclinou para trás na cama e olhou para a
parede em branco. — Estou começando a me perguntar se talvez não tenha
conseguido encontrar um objeto para canalizar meu foco porque já tenho
um dentro de mim. E está preso em um único canal, como minha mãe disse.
— Mas meu foco de vidência faz os mortos mais fáceis de administrar —
disse Evelyn. — Sua marca de dólar de areia parece fazer exatamente o
oposto.
— Eu sei. Mas você tem que admitir, algo estranho está acontecendo
aqui.
— Você parece incrivelmente calma para alguém que tem um possível
canal para os mortos embutido no pulso.
— Estou muito cansada para entrar em pânico — disse Mina com
naturalidade.
Evelyn olhou nervosamente para o colar de proteção em cima da mesa,
que ela pegou de volta na praia. Ela não queria dizer a Mina para colocá-lo
novamente, mas ela se perguntou se isso ajudaria. Quando ela olhou para
Mina, a outra garota estava olhando para seu pulso novamente.
— Posso ver a marca? — ela perguntou.
Mina hesitou, então assentiu.
— Se você quiser. — Ela puxou sua pulseira improvisada, então estendeu
a mão, com a palma para cima. Evelyn pegou e levantou ligeiramente,
inspecionando o dólar de areia gravado na pele de Mina. Ainda estava
brilhando levemente, manchas verde azuladas elevando o que poderia ter
sido uma tatuagem à distância em algo muito mais estranho.
— É meio bonito — disse Evelyn. — Isso dói?
— Não mais. — A voz de Mina soou um pouco alta. — Foi
incrivelmente doloroso na praia, no entanto.
— Eu sinto muito. — Ela enrolou o polegar ao redor da curva do pulso
de Mina e tocou o dólar de areia. Mina soltou um suspiro suave e assustado e
inclinou a cabeça para cima. Seus olhares se encontraram, e por um
momento não havia nada no mundo além do olhar surpreso de Mina e lábios
entreabertos.
Evelyn afastou a mão apressadamente.
— Está tarde — ela disse, praticamente pulando da cama. — Acho que
Nick disse que havia um berço no armário. eu posso dormir lá, se você
quiser–
— Não seja ridícula. Depois da noite que você teve, você merece uma
cama. — Mina deu um tapinha no edredom. — Há muito espaço aqui para
nós duas, se você estiver confortável com isso.
O cérebro de Evelyn ficou estático. Ela não tinha ideia do que pensar ou
dizer. Tudo o que ela sabia era que a ideia de dividir a cama com Mina agora
a fazia sentir como se estivesse prestes a pegar fogo.
— Hum — Evelyn murmurou. — Eu... hum.
Mina sabia que era bi, disse a si mesma. Elas conversaram sobre isso. Ela
não pediria para dividir a cama se estivesse desconfortável com isso.
— Eu estou bem com isso — Evelyn disse finalmente.
A cama era grande o suficiente para as duas, mas Evelyn ainda estava
muito consciente do fato de que qualquer mudança, qualquer movimento,
poderia significar que suas pernas se roçavam ou seus braços se tocavam. A
exaustão de Mina a adormeceu em poucos minutos, mas cansada como
estava, Evelyn não conseguia imaginar adormecer.
Mina estava bem ali. Bem ali. Ela de alguma forma conseguiu desmaiar
enquanto encarava Evelyn, e seu rosto amolecido parecia uma verdade que
ela não pretendia dizer – era tão vulnerável, tão gentil. Evelyn relembrou
aquele momento em que tocou o dólar de areia repetidas vezes. Como o
olhar de Mina passou por ela como um choque elétrico.
Ela rolou o mais cuidadosamente possível, até que seu corpo estava de
costas para o de Mina. Até que ela estava a centímetros de cair da cama.
Evelyn não podia mais se iludir. Ela tinha uma queda enorme por Mina
Zanetti.
Merda.
Capítulo vinte e três

E LES SE ENCONTRARAM NA
e Evelyn.
piscina abandonada. Mina, Stella, Dom, Sergio –

Eles se acomodaram desconfortavelmente em cadeiras de plástico,


raspando o sal. Mina observou o sol entrar pelas janelas quebradas atrás da
cabeça de Stella. O chão parecia ainda pior do que da última vez que Mina o
vira, rachaduras em teias de aranha por todo o caminho até a beira da
piscina. Mas agora não parecia um bom momento para trazer isso à tona.
Mina passou os quatro dias desde a lua cheia completamente de castigo,
presa em seu quarto sem seu telefone ou notebook. Evelyn pegou o colar de
proteção, para que Mina não pudesse ser forçada a colocá-lo de volta, mas
sua mãe havia colocado defesas extras ao redor da casa. Mina não tinha sido
tola o suficiente para fazer suas perguntas sobre seu dólar de areia brilhante
ou compartilhar o que ela viu do fantasma com Stella. Em vez disso, ela
escreveu tudo o que conseguia se lembrar sobre a garota que tinha visto,
desenhando suas roupas e tentando se lembrar possível sobre a forma da sala.
O telhado em forma de A, os sofás, os tapetes. Um conhecimento básico de
moda lhe dizia que os traços se alinhavam com o final dos anos setenta, mas
sem seu laptop, isso era tudo o que ela conseguia controlar.
O forro de prata foi da Coleção Zanetti. Algo sobre aquela noite
desbloqueou uma explosão de inspiração que a manteve livre do tédio. Ela
estava pensando sobre a poluição no Sound, sobre como a moda era uma
grande parte da mudança climática, e se perguntou como poderia fazer algo
que não piorasse as coisas. Mina temia que Stella levasse a máquina de
costura e o caderno de desenho, mas sua mãe aparentemente não queria ser
tão cruel.
Esta manhã, Stella a informou que ela e Dom haviam tomado uma
decisão: Evelyn precisava ser avaliada como médium antes que pudessem
prosseguir. Agora ela estava sentada na cadeira ao lado de Mina, seu cabelo
castanho puxado para trás em um coque arrumado, vestida com uma blusa
de gola branca enfiada em uma saia.
— Você parece... diferente — Mina murmurou para ela. — Você está
bem?
Evelyn enrijeceu na cadeira.
— Só estou tentando parecer alguém que sua família não vai odiar.
— Eles não odeiam você — Mina protestou. — Eles só têm algumas
perguntas.
— Sim, assim como os detetives tinham algumas perguntas para o meu
pai. — Evelyn tentou alisar para trás um pouco de cabelo solto. — Não se
preocupe, Mina. Você vai ficar bem.
— Eu não estou preocupada comigo — Mina disse, enquanto do outro
lado do círculo, Tio Dom pigarreou.
— Nós nunca precisamos fazer algo assim antes — Tio Dom começou
inquieto. — Não procuramos outros médiuns. É algo que sempre
mantivemos na família.
Ao lado dele, Sergio soltou um bufo sardônico. Dom olhou para ele.
— Eu também não fui procurar por isso — disse Evelyn. — Por que
alguém iria querer?
— Por causa do poder. — Stella tinha vestido uma de suas roupas mais
grandiosas hoje, um vestido verde-claro que ia até os tornozelos com mangas
bufantes. Mina podia sentir sua fúria fria mesmo à distância. As duas mal
tinham se falado desde que Mina se recusou a contar a ela sobre a noite de
lua cheia.
— Poder? — Evelyn ecoou. — Não tenho poder aqui.
— Pelo contrário. Fizemos uma lista das suas transgressões, Evelyn
Mackenzie. — Stella percorreu seu telefone. — Item um: Você utilizou um
espírito como uma ferramenta para promover seus próprios interesses há
aproximadamente um mês. Item dois: Você interferiu em uma investigação
de assassinato da mesma forma seis anos atrás, causando uma obstrução da
justiça.
Mina se lembrou do que Evelyn havia dito. Que ela não tinha medo de
Stella. Mas a Evelyn sentada ao lado dela não parecia corajosa e impetuosa.
Ela parecia assustada.
— E o item três — Stella continuou. — Você é diretamente responsável
pela maldição da minha filha.
Evelyn estremeceu com isso, mas não disse nada.
— Você nega isso? — perguntou Dom.
O rosto de Evelyn estava totalmente abalado.
— Não. Eu entendo que eu errei. Mas eu prometo a você, a última coisa
que eu ia querer fazer é machucar Mina. Eu nunca a colocaria em perigo de
propósito. Eu... eu gostaria que eles tivessem me amaldiçoado em vez disso.
A expressão de Stella suavizou um pouco, e ela abaixou o telefone no
colo.
— Eu sei que você se importa com minha filha. Mas nada disso teria
acontecido sem a sua interferência. Todas as espreitadelas pelas minhas costas,
aquelas tentativas arriscadas e imprudentes de entrar em contato com
fantasmas... Ela olhou para Mina. — Elas foram incrivelmente perigosas.
— Eu entendo — disse Evelyn.
— Então você está disposto a admitir que você é a causa de todo esse
conflito?
Mina entendeu agora. Isso não era uma avaliação, era um julgamento. E
Stella e Dom tinham decidido seu veredicto antes mesmo de colocarem os
pés nesta sala.
Eles iriam culpar Evelyn por tudo. E Evelyn ia deixá-los.
Mina não podia deixar isso acontecer.
— Idiotice.
A palavra atingiu Stella e Dom como um tapa, porque Mina não xingava.
Nunca. Mas a Mina que não xingava era a mesma Mina que afundou seus
problemas em um oceano falso. A mesma Mina que tinha que ser perfeita
porque devia tudo a Stella.
Ela amava sua mãe. Ela sempre amaria. Mas havia uma diferença entre
gratidão e obrigação sufocante.
— Isso não é culpa de Evelyn. — Mina levantou e empurrou a cadeira
para trás. Ele caiu no chão atrás dela, plástico fraco e amarelado contra o
concreto. — Foi minha interferência que a puxou para este mundo em
primeiro lugar. Minha escolha de investigar minha marca de dólar de areia
sem dizer a você.
— Ela ainda é o catalisador de sua maldição, e a razão pela qual ela
voltou para atormentá-la. — O pé de Stella bateu contra uma das rachaduras
no concreto, e Mina se perguntou o que aconteceria se continuassem se
aprofundando, se a sala inteira caísse no oceano. Um sussurro se desenrolou
no fundo de sua mente, mas assim que ela percebeu o som, ele desapareceu.
— Tínhamos dez anos quando convocamos esses espíritos — rebateu
Mina. — Nós cometemos um erro, e a única razão pela qual Evelyn fez isso
de novo foi porque você escolheu me proteger da verdade ao invés de me
educar. Você não pode simplesmente colocar tudo isso nela e esperar que as
coisas voltem a ser como eram, porque nunca voltarão. Eu nunca vou.
Pela primeira vez, Stella não teve uma réplica. Ela se virou para seu
irmão, que parecia igualmente chocado.
— Bem, que merda. — Sergio estava recostado em sua cadeira o tempo
todo, avaliando todos com interesse óbvio. — Gostaria que todas as nossas
reuniões familiares fossem assim interessantes.
— Sergio — Dom rosnou. — Comporte-se.
— Por quê? Então você pode me dizer que é apenas uma questão de
tempo até que os mortos comecem a falar comigo? — Ele se levantou de seu
assento também, então chutou a cadeira. Ele caiu pateticamente na piscina.
— Eles nunca irão, pai. Talvez você devesse ser grato por ter uma médium
substituta em vez de tentar irritá-la também.
Ele saiu da sala então, ficando mais alto do que Mina já o vira.
— Por que você o convidou? — Stella exigiu.
— Eu… eu pensei que seria uma boa lição–
— Em que, exatamente? — Stella balançou a cabeça, então se virou para
Mina e Evelyn. — É verdade, Mina, que eu deveria ter dito a verdade antes.
E Evelyn, não quero que você se sinta como se estivesse sendo atacada aqui.
Estou simplesmente preocupada sobre como todos nós vamos lidar com essa
situação. Juntos.
Um mês atrás, isso teria soado como um cenário de sonho. Mas Mina
não confiava mais na mãe. Se ela cedesse agora, se contasse a Stella sobre sua
visão e suas preocupações em ser algum tipo de foco de vidência humana,
Stella encontraria uma maneira de sugá-la de volta. E Mina precisava
acreditar que ela valia alguma coisa quando não estava amarrada para a mãe
dela.
— Eu não quero lidar com isso juntos — disse ela. — Você pode me
deixar de castigo se quiser, mãe. Mas este é o meu problema, e eu vou
resolvê-lo. Vamos, Evelyn. Estou farta de ter esta conversa.
Ela estendeu a mão e, após um momento de hesitação, Evelyn a pegou.
Elas saíram do porão juntos.
Mina sabia que ia desmaiar quando parasse de se mexer, então esperou
até que todo o caminho de volta até as escadas, na sala principal do Centro
Comunitário Shorewell. Havia algumas outras pessoas circulando,
principalmente em trajes esportivos, já que o centro comunitário estava
hospedando uma aula de ginástica hoje. Mas nenhum deles prestou atenção
às duas garotas.
— Ah — Mina murmurou enquanto se jogava em um banco. Seu
batimento cardíaco estava indo muito rápido. — Eu não sei… eu… o que
foi isso?
Evelyn sentou-se ao lado dela e puxou seu cabelo para fora do coque.
Caiu sobre seus ombros, solto e ondulado, acentuando o pequeno
aglomerado de sardas em seu nariz. Seus lábios se abriram em um tipo de
sorriso que tornava impossível olhar para qualquer outro lugar.
— Essa foi uma das coisas mais incríveis que eu já vi.
Mina sufocou uma risada.
— Eu não entendo por que você simplesmente não os repreendeu.
— Porque eles são sua família — disse Evelyn. — Quero que gostem de
mim.
— Por que você se importaria tanto com eles gostando de você? Eles
estão sendo terríveis agora.
Evelyn deu-lhe um olhar que Mina achou que deveria entender, mas não
o fez.
— Não importa — disse ela. — A questão é, Zanetti, você é meio foda
quando quer ser.
— Dificilmente — disse Mina. — Eu nunca seria capaz disso sem você.
— Do que você está falando? Tudo o que fiz lá foi um trabalho ruim de
não chorar.
— Não é o que você fez hoje. O que você fez durante todo o verão.
Mina passou a vida inteira aprendendo a ser um mar calmo, fazendo o
possível para bloquear qualquer coisa que pudesse causar uma ondulação.
Porque ondulações se transformavam em ondas se não fossem tratadas, e não
havia lugar para esse tipo de ruptura em seu mundo cuidadoso.
Evelyn Mackenzie não era mera onda – ela era o tipo de tempestade que
açoitava um oceano em picos altos e intransponíveis. Ela passou o último
mês desenterrando os destroços do passado de Mina até que flutuou na
superfície, impossível de ignorar.
A velha Mina teria odiado. Mas a garota que ela agora entendia pela
primeira vez como o mar estava vivo durante uma tempestade. Como aquele
vento e chuva e relâmpagos poderiam transformar um oceano em algo
absolutamente fascinante. Algo bonito.
Depois de sua explosão de bravura, Mina de repente ficou aterrorizada
demais para encontrar os olhos de Evelyn. Em vez disso, seu olhar vagou
pelo espaço atrás dela – as pessoas se preparando para sua aula de ginástica, o
alto telhado em forma de A que se inclinava acima deles com suas grossas
vigas de suporte.
E então finalmente clicou. Mina não podia acreditar que tinha demorado
tanto para descobrir isso.
— Evelyn — ela engasgou. — Aquela visão que o fantasma me
mostrou... foi aqui. No centro comunitário.
Capítulo vinte e quatro

E VELYN NÃO TRAZIA UM amigo para sua casa há seis anos. Mas esta noite, ela
realmente não tinha escolha. Os pais de Nick estavam de volta à cidade,
e a casa de Mina estava totalmente fora de questão. O que significava que os
três se reuniram novamente em sua casa depois que ela e Mina deixaram o
centro comunitário.
— Vamos — disse ela, empurrando-os pelo corredor da frente. Nem
Nick nem Mina tinham dito uma palavra sobre as condições de sua casa, mas
ela ainda podia imaginar o julgamento deles ao verem o gesso descascado, as
tábuas lascadas do piso, a luz do corredor que estava apagada por um mês. O
senhorio deles era bastante negligente com os reparos, então Evelyn havia se
acostumado, mas ver isso pelos olhos de outra pessoa a fez se envergonhar de
novo.
— Evelyn — disse uma voz familiar da sala de estar. — Você não vai me
apresentar aos seus amigos?
Evelyn xingou baixinho. Ela esperava que a devoção de seu pai a sua
poltrona reclinável e o que quer que estivesse na TV impedisse de notar as
duas pessoas extras que ela trouxe para sua casa. Mas é claro que não.
— Mina, Nick, papai — ela disse rapidamente. — Agora você está
apresentado.
— Espere — Seu pai levantou uma sobrancelha espessa. — Mina
Zanetti? Eu lembro de você. Vocês duas se vestiram como princesas
dinossauros para o Halloween.
Não era isso que Evelyn esperava. Ao lado dela, Nick soltou um bufo
suave.
— Princesas dinossauros? — Havia uma nota cautelosa de diversão em
sua voz.
— Eu era o T. rex — disse Evelyn. — Mina era um estegossauro.
— Tínhamos coroas — Mina se ofereceu timidamente.
— Essas fantasias sempre me confundiram — disse Greg pensativo, e
Evelyn sabia exatamente o que ele estava prestes a dizer antes que as palavras
saíssem de sua boca. — Os dinossauros eram supostamente melhores amigos,
mas o estegossauro só apareceu no período jurássico, enquanto o T. rex…
— Foram quase cem milhões de anos depois, portanto, eles nunca
poderiam ter existido simultaneamente — finalizou Evelyn. — Eu sei. Assim
como Mina, provavelmente. Nós também éramos princesas, então... precisão
definitivamente não era o ponto.
A boca de seu pai se contraiu com diversão.
— Bem, eu conheço você — ele disse para Mina. — Mas você…você é
Nick...
— Slater. — A voz de Nick era quase um sussurro.
Greg ficou imóvel em sua poltrona. A tensão na sala quase havia
evaporado, mas agora engrossou novamente. Evelyn nunca tinha dito ao pai
que ela e Nick estavam namorando, principalmente porque ela queria evitar
esse exato momento. Eram dois fatores ambientais que, uma vez
combinados, poderiam destruir seu ecossistema para sempre.
— Nós estamos subindo — disse ela apressadamente, gesticulando para o
corredor. Ninguém protestou.
— Me lembro dele ser diferente quando éramos crianças — disse Mina
depois que Evelyn reuniu os três em seu quarto e trancou a porta. — Mas...
eu não sei. Ele não é diferente do jeito que eu esperava que fosse.
— O que, por que ele não tentou matar ninguém na sala? — As palavras
explodiram espontaneamente, como acontecia com frequência quando ela
estava tensa. Evelyn estremeceu e virou-se para Nick, que estava sentado
contra a parede, suas longas pernas estendidas sobre o tapete puído. Mas em
vez de responder com uma explosão própria, ele soltou uma risada curta e
surpresa.
— Isso tudo está tão bagunçado — disse ele. — A mãe da Mina. Seu pai.
Meu irmão.
— Espero que seja uma bagunça que possamos limpar — disse Mina. —
A roupa daquela garota e a decoração da casa dela são dos anos setenta.
Precisamos procurar quem vivia no Centro Comunitário Shorewell naquela
época.
Evelyn vasculhou sua cama desarrumada para pegar seu laptop, depois
sentou-se rigidamente na beirada do colchão, amaldiçoando a blusa e a saia
que coçavam que ela usara para ir ao centro comunitário. Nick ficou no
chão, mas pegou seu telefone, enquanto Mina, que ainda não tinha acesso a
nenhum aparelho eletrônico, andava pelo quarto. Evelyn sabia que deveria
estar procurando informações, mas não pôde deixar de observar enquanto
Mina se ajoelhava ao lado da gaiola da cobra no canto. Foi tão estranho vê-la
no espaço físico de Evelyn quando ela já ocupava tanto espaço dentro de sua
cabeça.
— Eu realmente nunca pensei em cobras como animais de estimação —
Mina meditou. — Mas... ela é linda.
Evelyn corou.
— Obrigada. Acho que ela está se exibindo. Ela não recebe exatamente
toneladas de visitantes.
— Eu acho estranho — Nick ofereceu, ainda digitando em seu telefone.
— Não é um cachorro e você tem que alimentá-la com ratos mortos.
Evelyn mordeu de volta um desagradável “eu sei que você não gosta
dela” – ele estava lidando muito bem com tudo isso para estragar tudo.
— Cães são carnívoros também — ela disse em vez disso, tentando soar
casual.
Mina falou novamente.
— Posso segurá-la?
Evelyn nunca deixou ninguém além do Sr. Clark tocar Clara, embora
não fosse como se ela tivesse algum comprador. Mas Mina estava olhando
para a cobra com espanto abjeto, e Evelyn já tinha aprendido que aquela
felicidade indisfarçável era algo que Mina só mostrava em raras ocasiões.
— Sim — disse ela.
Sempre foi um pouco estressante lidar com Clara, mas desta vez, a cobra
se comportou muito bem. Ela não estava no terrário e não tinha comido
recentemente, então não demorou muito para que ela deslizasse pelos dedos
de Evelyn e subisse pelo braço.
— Não te assusta quando ela faz isso? — Mina perguntou como Clara se
enrolou no ombro de Evelyn.
— Ela quer se esconder em algum lugar quente — explicou Evelyn.
Clara apoiou a cabeça na curva da clavícula. — Você é uma iniciante, então
fique quieta e deixe-a explorar. Ela não morde há anos, e sua mordida não
vai te machucar seriamente. Mas se você está preocupada que ela possa
machucar, podemos simplesmente colocá-la de volta no terrário.
— Não, está tudo bem. Eu confio em você.
Aquelas palavras aninhadas um pouco profundamente no peito de
Evelyn.
— Eu vou me certificar de que ela fique em seu pulso e braço, ok? Não
queremos assustar nenhuma de vocês.
Foram necessárias algumas manobras cuidadosas, mas Evelyn conseguiu
transferir Clara para Mina com sucesso. Mina agarrou a mão de Evelyn
quando Clara deslizou em seu pulso, então soltou um suspiro quando a cobra
se enrolou em seu braço.
— Suas escamas parecem estranhas — ela disse, puxando a mão dela e
deixando Clara tecer por entre os dedos. — Mas o jeito que ela se move...
é... quase hipnótico.
Havia um sorriso em seu rosto, o tipo de olhar que Evelyn não conseguia
encarar sem querer desmaiar. Seus sentimentos por Mina eram ao mesmo
tempo muito ternos para tocar e muito ferozes para domar. E eles eram uma
distração enorme e perigosa.
Embora ela e Mina tivessem se aproximado perto ao longo do último
mês ou assim, ela não podia esperar que Mina pudesse se sentir da mesma
maneira que ela. Claro, ela a defendeu na frente de toda a sua família, mas
isso não mudou o fato de que tudo que Evelyn realmente fez com a vida de
Mina foi rasgá-la em pedaços. E Mina odiava nada mais do que coisas caindo
aos pedaços.
— As cobras são inteligentes? — Mina continuou. — Você acha que ela
está ligada a você?
Evelyn observou o rabo de Clara se contorcer.
— As cobras têm pequenos cérebros. Clara me tolera porque eu a
alimento, mas é isso. Não temos o mesmo tipo de vínculo que as pessoas
podem ter com um gato ou um cachorro.
— Mas você se importa com ela — disse Mina. — Por quê?
Evelyn lançou um olhar para Nick, que havia desligado o celular e estava
observando as duas. Ela não conseguia ler a expressão em seu rosto.
— Sim — disse ele. — Por que você se importa com ela?
— Porque eu entendo exatamente o que somos um para o outro — disse
Evelyn. — E eu sei o que ela precisa para prosperar. Então eu nunca vou
decepcioná-la.
A sala ficou em silêncio, e havia aquela tensão novamente – um pouco
diferente do que acontecera no andar de baixo, mas não menos sufocante.
— Hum — Mina disse rapidamente. — Suponho que nos desviamos um
pouco da tarefa.
— Eu não — disse Nick. — Eu encontrei os Shorewells. É muito fácil,
uma vez que você se preocupa em pesquisar no Google.
Foi fácil. Digitar o sobrenome deles, mais Cliffside Bay mais os anos
setenta trouxe obituários primeiro, todos dos anos noventa.
— Laurence e Mellie Shorewell, ambos morreram em um acidente de
carro em 1992 — Nick leu em seu telefone.
— Oh, olhe — Mina disse animadamente, apontando para a tela do
laptop de Evelyn. Ela estava empoleirada na cama ao lado dela, lendo por
cima do ombro. — Laurence Shorewell era um cientista especializado em
ecologia de Long Island.
— Que legal. — Evelyn olhou para a foto do casal: dois velhos brancos.
Ambos pareciam insuportavelmente tristes e estranhamente familiares. Ela
voltou para o texto sentindo-se um pouco inquieta, lendo algo sobre como
ele trabalhou no Brookhaven Labs, e então–
— Puta merda! — Evelyn quase derrubou o laptop fora da cama. — Ele
trabalhou na Planta de Gerenciamento de Resíduos Blue Tide!
— O quê? — Nick perguntou do canto.
— Eu vi isso em uma visão — explicou Evelyn, o que lhe rendeu uma
sobrancelha levantada. Ela tentou informar Nick enquanto Mina pegava o
laptop e continuava a escanear as letras pequenas.
— Ele trabalhou lá a partir de 1970 — leu Mina —, mas 'saiu para buscar
novos empreendimentos' em 1978, pouco antes da conclusão da planta...
— Espere. — Evelyn correu para a estante. Ela puxou a pasta cheia de
informações impressas que eles conseguiram na biblioteca e folheou. —
Espere, espere, espere. Agora eu entendi. Eu já vi os dois antes.
Levou apenas um segundo para encontrar o recorte de jornal
digitalizado: uma foto da multidão no primeiro protesto contra a usina Blue
Tide, em 1978. A maioria das pessoas nomes não estavam listados, mas um
casal na extrema direita era inconfundivelmente Laurence e Mellie
Shorewell.
— Lá estão eles — disse ela, espalhando as impressões no tapete e
esfaqueando um dedo triunfante no centro.
— Então essa planta realmente estragou o Sound? — Nick perguntou,
enquanto ele e Mina se agachavam ao lado dela.
— Sim, quero dizer, é um corpo de água pequeno o suficiente para que
uma mudança como essa possa realmente impactar todo o ecossistema.
Assim, a poluição da usina teve um impacto altamente concentrado. — O
estômago de Evelyn se revirou ao pensar nos danos ao oceano que ela amava
e nas criaturas que viviam nele. Para as pessoas que tentaram fazer uma vida
ao lado dele. — Alguém que trabalhou na fábrica é quem começou os
protestos, na verdade, porque eles sabiam que o lixo vazaria para o–Ah…
Mina virou-se para sua.
— A fonte — ela engasgou. — Você acha que…
— Tem que ser ele. — A mente de Evelyn zumbiu. — Talvez ele tenha
dito ao seu chefe, e o chefe não ouviu. Se um dos Shorewells é o fantasma,
isso é definitivamente um motivo para seus espíritos permanecerem instáveis.
Deve ter sido horrível ver aquela usina operando mesmo depois de tudo que
fizeram para pará-la.
— Mas por que tentar machucar pessoas inocentes? — Mina rebateu. —
A fábrica foi fechada anos antes do verão do afogamento.
— Eu não sei — disse Evelyn. — Mas sua visão mostrou a casa dos
Shorewells, e Jesse, Colin e Tamara me mostraram a planta. O Trio de
Cliffside tem que fazer parte disso.
— Aquela casa era apenas o pano de fundo na minha visão — disse
Mina. — A garota era a parte mais importante, eu acho.
— Garota — Nick repetiu lentamente. — Eles tinham uma filha?
— Não disse nada no obituário — disse Mina. — Mas suas roupas eram
apropriadas para a época.
— Você acha que há alguém com quem possamos conversar? — Nick
sugeriu. — Deve haver algum velho que se lembre dos Shorewells.
Evelyn sorriu.
— Eu acho que existe.
Capítulo vinte e cinco

O APARTAMENTO ACIMA DA loja de Ruthie estava cheio até o teto com


antiguidades que ela guardava para si mesma. Mina geralmente era boa
em navegar em espaços lotados graças ao seu quarto bagunçado, mas isso
estava em outro nível. Ela se empoleirou em uma cadeira de vime áspera ao
lado de um armário abarrotado de estatuetas de porcelana e tentou não
respirar neles com muita força, para que eles não a esmaguem. Evelyn estava
sentada do outro lado da mesa, enquanto Nick estava ao lado de Mina. O
desconforto irradiava dele como o fedor de ovo podre da maré baixa.
— É tão maravilhoso que você manteve sua promessa de me ver, e
trouxe amigos também — disse Ruthie, colocando talheres na mesa. — É
uma pena que Marvin esteja fora da cidade. Ele adoraria ver você.
— Marido dela — Evelyn explicou, enquanto Ruthie corria até o fogão
para mexer em uma panela gigante de sopa. — Cara branco velho que se
parece com o Papai Noel. Ele provavelmente está em uma venda de
propriedade.
— Uma convenção de relógios antigos — Ruthie corrigiu de atraves do
quarto. — E ele se parece com o Papai Noel. Por favor, diga a ele que da
próxima vez que você o vir, talvez ele raspe a barba.
Evelyn riu, e Mina teve a sensação distinta de que, quando sua amiga
fosse velha, ela teria mais semelhança com Ruthie do que qualquer um deles
imaginava.
Mina passou o dia desde que conectaram os Shorewells à Fábrica de
Gerenciamento de Resíduos Blue Tide tentando e falhando em juntar as
peças em sua mente. Como o verão do afogamento e um desastre ambiental
de quarenta anos poderiam ser entrelaçados estava além dela, e embora
Evelyn tivesse lhe assegurado que Ruthie era uma fofoqueira que sabia quase
tudo sobre Cliffside Bay, ela estava cética de que aquele jantar lhes daria algo
mais com que trabalhar.
— Que diabo é isso? — Nick exigiu, parecendo alarmado. Um
momento depois, Mina sentiu algo grande e lanoso roçar sua perna. Ela
gritou e empurrou os tornozelos para trás.
— Esse é o Lonnie. — Evelyn ainda parecia divertido. — Ele é bem
quieto para um cachorro grande.
Nick relaxou e empurrou sua cadeira para trás. Mina observou o que
parecia ser um esfregão vivo emergir debaixo da mesa e descansar a cabeça
no colo de Nick. Ela estava mais irritada do que deveria por ele ter se
juntado à investigação. Ele era tecnicamente um cliente, afinal, e agora que
ele tinha visto a verdade sobre o que seu irmão havia se tornado, ela não
conseguia pensar de uma razão para deixá-lo fora disso. Mas a maneira como
ele olhou para Evelyn a fez sentir como se um daqueles baús no fundo do
oceano tivesse quebrado novamente, liberando algo vicioso em águas abertas.
— Agora me digam, queridos — Ruthie disse enquanto servia para eles
uma sopa verde grossa que parecia muito longe da comida de Stella. — O
que traz vocês três aqui em uma linda noite de verão?
— Sua empresa — Evelyn disse rapidamente. — Assim como você disse,
você pediu uma visita.
Ruthie soltou uma gargalhada alta.
— Absurdo. Você tem um motivo oculto, Evie. Eu reconheceria esse
olhar em qualquer lugar.
Evelyn corou.
— Ok, você me pegou. Temos algumas perguntas que esperávamos que
você pudesse responder.
— Bem, as perguntas são um assunto para depois do jantar — disse
Ruthie. — Pelo menos, para você. Quanto a mim, adoraria conhecer esta
jovem e este cavalheiro um pouco melhor.
Nick e Evelyn responderam às perguntas de Ruthie com charme rápido
e fácil, mas Mina tropeçou até mesmo nas perguntas mais simples. Ela não
queria falar sobre sua família, ou seu verão, ou a Coleção Zanetti, e logo ela
sumiu. Ela estava coçando a cabeça lanosa de Lonnie quando ouviu Evelyn
dizer a palavra Shorewell.
— Você os conhecia? — Evelyn Perguntou. — É tão estranho, certo? O
nome deles está no nosso centro comunitário e eles nem moram aqui.
— Ah, sim —, disse Ruthie. — Eu os conhecia. Bem, eu a conhecia.
— Ela? — Mina ergueu a cabeça.
— Annete. — Ruthie baixou a colher na tigela vazia. — A filha deles.
Estávamos no mesmo ano na escola, mas ela estava muito ocupada em todas
as suas viagens para a cidade e tal para dar muita atenção ao resto de nós. Ela
era grande demais para este lugar, sempre disse que ia se mudar para o oeste.
Ela queria ser atriz.
— O que aconteceu com ela, Sra. Calhoun? — perguntou Nick.
O rosto enrugado de Ruthie estava solene. Lonnie reapareceu ao seu
lado da mesa e descansou a cabeça no braço dela, como se quisesse confortá-
la.
— Ela nunca voltou para a escola no outono de 78. A história era que
ela tinha ido para ficar com a família na Costa Oeste, como ela sempre quis.
Alguns achavam que ela estava... você sabe. — Ela gesticulou para seu
estômago. — Mas eu sabia que não. Seus pais pararam de sair. Eles deixaram
a casa para a cidade logo depois e nunca mais os vimos.
— E Annette também nunca voltou? — perguntou Mina.
— Não. — Ruthie parecia um pouco triste. — Deveria ter feito mais
algumas perguntas naquela época, talvez. Por que vocês três querem saber
sobre essa família agora?
— Estamos trabalhando em algo para o centro comunitário — Nick
mentiu suavemente, com uma facilidade que parecia vir da prática. — A mãe
de Mina é a chefe do bufê, e minha família é uma das principais doadoras
que mantêm o lugar funcionando. Eles acharam que seria legal montar uma
homenagem à família que doou o imóvel todos aqueles anos atrás.
— É uma boa idéia — disse Ruthie. — Mas por que veio até mim?
— Bem, não conseguimos desenterrar muito além de seus obituários —
acrescentou Mina. — Então Evelyn teve a ideia de te perguntar, já que você
sabe tudo o que acontece por aqui.
Isso a fez se sentir meio doente, mentindo para uma tão boa senhora.
Mas Evelyn era uma mentirosa horrível, e Nick já havia dito o suficiente. Ela
se sentiu ainda pior quando Ruthie se iluminou imediatamente.
— Bem, eu me considero uma autoridade nesta cidade — ela disse em
sua voz baixa e rangente. — E eu acredito que tenho algo que pode ajudar
com seu memorial.
Ruthie levantou-se e dirigiu-se a uma estante amontoada ao lado de uma
das vitrines de porcelana. Lonnie trotou ao lado dela, o rabo abanando
furiosamente. Ruthie deixou de lado almanaques e antigos diretórios de
páginas amarelas até que seus dedos enrugados tiraram um livro com letras
douradas desbotadas na lateral.
— Lá estamos nós — disse ela. — Cliffside High, classe de '78. Marv se
formou naquele ano.
— Você tem uma foto de Annette? — Mina respirou.
— Claro que sim. — Ruthie folheou o anuário com cuidado, apontando
para o marido — Tão bonito, você não concorda? — antes de passar para os
alunos do segundo ano.
— Lá estou eu — ela disse, tocando sua própria foto melancolicamente.
— E aqui está Annette. — Ela virou uma página, e Mina congelou.
Esta era inconfundivelmente a garota que ela tinha visto em sua visão.
Cabelos alisados, nariz pontudo, grandes olhos castanhos que pareciam
líquidos mesmo em uma foto antiga e desbotada. Um sussurro surgiu na
mente de Mina, e ela o reconheceu agora como a mesma voz que se infiltrou
em sua cabeça durante a lua cheia, a mesma voz que rugiu para ela quando
ela seguiu Stella na água.
Mina sabia quem estava falando com ela agora. Não foram as vítimas do
afogamento no verão. Era Annette – sempre foi Annette. O dólar de areia
em seu pulso pulsava dolorosamente sob sua pulseira.
Mina não percebeu que estava tocando a página, com o dedo trêmulo,
até que Evelyn puxou gentilmente seu braço.
— O que você acha? — Evelyn perguntou.
Mina respirou fundo e voltou ao presente. Ela estava aprendendo que
havia momentos em que um mar tempestuoso era apropriado e outros
momentos em que a calma era melhor. Este foi certamente o último.
— Isso seria incrível ter como parte de nossa homenagem — disse ela.
— Evelyn, você pode tirar uma foto disso? Podemos voltar para escaneá-lo
ainda esta semana.
— Escanear? — Ruthie gargalhou. — Você pode parar com o teatro
agora, Evie. Você não está trabalhando em um memorial.
Mina congelou. Nick também.
— Ruthie… — Evelyn disse cautelosamente.
— Não se desculpe, querida. Não estou chateada com você, mas estou
preocupada. — Ruthie parecia tão séria e enervante quanto as estatuetas de
porcelana no armário atrás dela. — Você não é a primeira a me perguntar
sobre Annette. Embora seu irmão fosse um pouco mais educado do que
você é, Sr. Slater.
Nick recuou.
— Meu irmão esteve aqui?
— Junto com seus amigos, sim. — Ruthie pegou o anuário e o fechou.
— Três crianças na minha mesa, perguntando sobre os Shorewells. Algumas
semanas depois, eles estavam mortos. Eu não sei exatamente o que você está
perseguindo, mas eu lhe dei as respostas que tenho porque acredito que você
não é tolo o suficiente para segui-los pelo mesmo caminho. Não prove que
estou errada.
Assim que os três saíram pela porta da frente, Nick se virou. O sol tinha
acabado de se pôr, e sua pele clara estava tingida de roxo azulado no
crepúsculo.
— Ela foi assassinada — disse ele, sem preâmbulos.
Evelyn piscou para ele.
— Você vai precisar ser mais específico.
Mas Mina entendeu.
— Annette — ela disse. — Você está falando sobre Annette.
Ele deu a Mina um aceno hesitante.
— Houve muita coisa que eu não consegui descobrir ontem. Mas agora
que sei com o que estamos trabalhando... tenho uma teoria. O pai de
Annette era um delator, mas a fábrica continuou operando. Eles encerraram
seus protestos de alguma forma. Não pode ser coincidência que sua filha
tenha desaparecido logo antes de ele desaparecer dos olhos do público
também.
— Eu concordo — disse Mina. Talvez não fosse tão ruim ter Nick por
perto, se ele se alinhasse tão fortemente com seus próprios pensamentos.
Annette sussurrou em sua mente novamente. Ela tossiu desconfortavelmente
quando o cheiro de sal e podridão a invadiu, prendendo em sua garganta.
— Vocês dois acham que a empresa que administrava a fábrica mandou
matar Annette para assustar seus pais para manter sua corrupção em segredo?
— Evelyn olhou para eles com ceticismo. — Como isso iria intimidá-los, se
ela estivesse morta? Eles não teriam influência.
— Esse é um bom ponto — disse Mina. — Mas mesmo que não
tenhamos a história completa... acho que a planta deve ter algo a ver com o
desaparecimento dela.
— Mesmo que isso seja verdade — disse Evelyn —, não houve relatos
sobre a morte dela. Nem mesmo um artigo sobre o desaparecimento dela...
— Não havia internet. — A garganta de Mina queimava dolorosamente
enquanto os sussurros aumentavam; ela tossiu novamente, os olhos
lacrimejando. O cheiro de podridão estava ficando insuportável. — Era
muito mais fácil para as pessoas desaparecerem.
— E você, de todas as pessoas, deveria saber com que facilidade a mídia
pode mentir — disse Nick.
Evelyn estremeceu.
— Tudo bem então, Slater, vá direto para a jugular.
— É verdade, não é?
Evelyn tinha chamado Nick pelo sobrenome, da mesma forma que ela
dizia Zanetti. Mina odiava isso, ela notou, e odiou ainda mais o quanto isso a
incomodava.
— Bem, não temos como provar nada disso — disse Evelyn. — Estamos
sem pistas. A menos que alguém esteja nos escondendo?
Nick balançou a cabeça.
— Eu não tenho nada.
— Nem eu — Evelyn admitiu. Ela colocou as mãos nos quadris. —
Então, o que fazemos a seguir?
Mina percebeu que tinha feito a pergunta para ela. Mas quando ela
tentou falar, ela sentiu algo em sua garganta que não estava lá um momento
antes, um bloqueio grosso e viscoso. Ela engasgou e caiu para frente,
vomitando. A coisa voou de sua boca e saltou para a calçada.
— Mina — A voz de Evelyn soou abafada. Mina percebeu vagamente
que ela colocou um braço em volta da cintura, apesar da diferença de altura,
sustentando-a. — Mina, você está bem?
O fedor de um dia quente de verão flutuava ao redor deles. Embora não
estivessem perto da costa, ela sentiu como se estivesse lá. Ela quase podia
ouvir moscas zumbindo acima a espuma seca de algas marinhas deixada na
praia. A boca de Mina estava crua e arranhada. Mas a voz em sua mente já
estava desaparecendo, como se Annette tivesse dito seu ponto.
— Bem. Não — ela disse fracamente. — Mas acho que estou bem agora.
— O que foi isso? — Nick ajoelhou-se para cutucar o objeto que Mina
vomitara no concreto. Era um amontoado de algas marinhas, verdes e
irregulares, as minúsculas vagens nas pontas inchadas de sal.
— Estou sendo assombrada — Mina tossiu novamente. — Claramente.
A expressão de Nick disse a Mina que ele estava entendendo a gravidade
da situação.
— Eu não sabia que ser médium era tão perigoso.
— Não deveria ser — disse Mina, um pouco duramente. — Eu estou
um caso especial.
— Ei, isso vai passar. — Evelyn soltou a cintura de Mina, e Mina sentiu
uma onda de decepção. Então ela percebeu que Evelyn estava pegando sua
palma. A outra garota apertou-o suavemente antes de virá-lo, exibindo o
dólar de areia brilhante em seu pulso. — O Trio de Cliffside também me
assombrou, lembra? E nós descobrimos isso.
Mina olhou tristemente para os pedaços de laranja misturados com azul
esverdeado. Uma nova pontada de dor percorreu seu braço, e precisou de
todo o seu autocontrole para não vacilar. — Acho que sim. Mas você não
estava ligada a eles.
— Esse vínculo não importa se pudermos quebrá-lo — disse Evelyn. —
Sua mãe nos disse como fazer um exorcismo, lembra? Se pudermos
confirmar que Annette é o fantasma e encontrar um item que pertenceu a
ela, estaremos bem ir. E quando ela não estiver mais controlando os espíritos
do Trio de Cliffside... eles provavelmente ficarão felizes em deixá-la em paz.
Mina estava cansada demais para discutir. Ela assentiu enquanto Evelyn
lhe dizia que ela deveria usar seu antigo colar de proteção novamente, só por
precaução. Mas ela sabia que isso não resolveria nada.
Evelyn pensou que Mina estava sendo assombrada pelas vítimas do
afogamento no verão. No entanto, Mina sabia em seus ossos que sua mãe
estava errada novamente. Ela não estava conectada ao Trio de Cliffside – ela
estava conectada ao fantasma que os estava absorvendo. O fantasma que não
queria nada mais do que ascender a um demônio. E o que quer que Mina
tenha feito na lua cheia fortaleceu essa conexão a ponto de, mesmo durante
uma parte mais fraca do ciclo lunar, ela ainda ser suscetível aos caprichos do
espírito.
Na lua nova em uma semana e meia, o fantasma viria para ela
novamente. Mina não sabia se tinha força de vontade para impedir que o
espírito de Annette a consumisse por inteiro. Mas dizer isso em voz alta só
levaria ao pânico e à distração. E não importava o que o fantasma pudesse
fazer com ela se ela fosse capaz de destruí-la antes que a lua se transformasse
em nada.
Então Mina fez o que ela treinou por toda a vida dela. Ela empurrou seu
medo para baixo e construiu um sorriso falso e aliviado.
— Nós temos uma pista restante — disse ela. — Alguém que pode saber
o que o Trio de Cliffside estava fazendo. — Ela se virou para olhar para
Evelyn. — Sua irmã.
Capítulo vinte e seis

N ÃO HAVIA ALGO QUE EVELYN queria fazer queria fazer menos do que falar
com sua irmã mais velha sobre o assassinato de seu ex-namorado. Mas
ela não podia negar que ela, Mina e Nick estavam se aproximando de algo
aqui, algo que aconteceu entre Jesse e seus amigos e o fantasma de Annette
Shorewell. E se bastasse uma desconfortável conversa para impedir um
demônio de ascender... bem, Evelyn iria resistir.
Ela levou alguns dias para pegar Meredith sozinha, graças às horas de
trabalho concorrentes e ao deslocamento brutal de sua irmã. Ela tentou se
distrair com as coisas não relacionadas a fantasmas em sua vida – Amy, Kenny
e Luisa a adicionaram a um bate-papo em grupo, uma das lagartixas leopardo
escapou de sua gaiola no trabalho e causou um pânico leve, um casal teve um
término dramático no meio do Basic Bean. A vida acontecia ao seu redor
em Cliffside Bay, e ainda assim Evelyn não conseguia afastar seus
pensamentos dos mortos.
Finalmente, as estrelas se alinharam. O pai de Evelyn teve uma noite no
seu trabalho de meio período na fábrica, e Evelyn estava em casa esperando
quando o carro de Meredith parou na garagem depois de um longo dia de
trabalho. A lua encolheu além de seu primeiro quarto e em um crescente
minguante, piscando para Evelyn por trás de uma nuvem enquanto ela estava
na varanda da frente e acenou para Meredith entrar.
— Eu tenho doces extras do trabalho — Evelyn ofereceu, segurando um
saco de papel. — Você quer um pouco?
Os pãezinhos de canela e croissants estavam meio velhos, mas Meredith
não pareceu notar. Ela engoliu dois deles em poucos minutos, então tomou
um gole de um copo de água na mesa da cozinha. Evelyn acenou com a
cabeça para um discurso retórico sobre o LIRR e os deslocamentos e como
era caro fazer qualquer coisa na cidade de Nova York.
— É tão frustrante. — Meredith tirou o blazer. — Todos os meus amigos
podem se dar ao luxo de ficar na cidade, então eles estão em happy hours
agora fazendo um networking valioso. E eu estou aqui.
Ela parecia tão adulta quando ela saiu de seu carro, com seu terninho e
sua maquiagem conservadora e as pontas dos saltos saindo de uma sacola (ela
usava tênis no trajeto porque “não queria morrer caindo da escada da Penn
Station”). Mas Evelyn percebeu que Meredith estava desconfortável, como se
a vida adulta fosse uma fantasia que ela ainda não sabia usar.
— E quanto a Riku? — Evelyn perguntou a ela. — Falar com ele ajuda?
— Sim, e não. — Meredith suspirou. — Ele sabe o que aconteceu com
nossa família, mas eu ainda não acho que ele entende como é para mim estar
de volta aqui. Não tenho certeza se alguém poderia.
— Eu entendo — Saiu como uma acusação, mas Meredith não pareceu
se importar.
— Talvez você entenda — disse ela suavemente. — Você também está
presa aqui.
Alguns meses atrás, Evelyn teria concordado com ela. Cliffside Bay
parecia um ecossistema em que ela não poderia prosperar. Mas havia pessoas
aqui que a ajudaram quando ela não tinha para onde ir, e
independentemente de como ela se sentia a partir de agora, ela sabia que não
poderia ir até que ela colocasse o verão do afogamento em paz.
— Eu preciso te perguntar uma coisa. — Evelyn pegou o telefone. — E
eu quero que você responda honestamente. Não, eu preciso disso.
Meredith hesitou.
— O que é?
— Esta fotografia — Evelyn deu um tapinha na tela rachada, depois a
virou para a irmã. — Você o reconhece?
Ela soube quando Meredith registrou o rosto de Annette, e que sua irmã
a tinha visto antes.
— Onde diabos você encontrou isso? — ela sussurrou.
Evelyn manteve a voz firme.
— O que importa mais é que Jesse, Colin e Tamara encontraram
primeiro.
Uma ruga apareceu entre as sobrancelhas de Meredith.
— Espere um minuto. Você confrontou papai. Você falou comigo sobre
aquele verão no mês passado... você está investigando os assassinatos?
Evelyn engoliu em seco.
— Talvez.
— Bem, você precisa parar de bancar a detetive. Você está brincando
com a vida de pessoas reais, Evelyn. Esta é... esta é a minha vida.
— É a minha vida também — disse Evelyn. — Eu sou parte disso,
Meredith. Mais do que você sabe.
— Você não tem o direito de desenterrar tudo que eu lutei tão
ardentemente para esquecer — Meredith continuou, como se ela nem tivesse
registrado as palavras de Evelyn. — Você sabe que tudo que eu sempre quis é
superar isso–
— Mas você não superou — Evelyn não sabia quando começou a
chorar, apenas que sua voz estava trêmula e suas bochechas estavam
molhadas. — Sinto muito por Jesse. Sinto muito pela mamãe. Mas eu a perdi
também, e quando você partiu, eu perdi você. Eu preciso entender por que
aquele verão destruiu nossa família. Eu preciso saber a verdade.
Meredith empurrou a cadeira para trás e se levantou da mesa. Evelyn foi
dolorosamente lembrada de uma dúzia de outras noites quando ela passou
pela cozinha para ver seu pai e sua irmã se enfrentando assim, o ar entre eles
crepitando com fúria.
— Você soa como Jesse quando ele estava olhando para aquela planta —
Meredith retrucou. — Ele continuou dizendo que estava tentando descobrir
a verdade. E quando eu não conseguia entender suas teorias da conspiração
sobre aquela garota e aquela planta, ele encontrou novos amigos, e eles
começaram a falar sobre o fantasma dela, e a próxima coisa que eu soube, ele
estava morto.
— E você não acha que nada disso é suspeito? — Evelyn ficou de pé. Ela
podia sentir sua irmã se afastando mais do que nunca. — Meredith, nós
poderíamos descobrir isso juntas. Você poderia finalmente deixar o verão de
afogamento para trás. De verdade desta vez.
Mas ela sabia antes de terminar de falar que Meredith tinha acabado de
ouvir. A expressão de sua irmã estava fechada, suas bochechas manchadas.
— Deixe essa merda em paz — Meredith disse. — E se você não pode
fazer isso, me deixe fora disso.
Ela estava na metade da escada antes que Evelyn pudesse dizer outra
palavra.
Evelyn não queria machucar Meredith. Mas ela sabia que tinha quebrado
algo entre elas, mesmo assim.
Meredith prefere esquecer o passado a descobrir a verdade dele. Mas
Evelyn não foi construída assim. E ela não podia recuar agora só para poupar
os sentimentos de sua irmã.
Fazia muito tempo desde que Evelyn chorou em seu quarto e ouviu as
fungadas reveladoras de Meredith chorando no dela, através daquelas paredes
de madeira muito finas. Isso trouxe de volta a dor familiar dos meses após a
partida de sua mãe, de uma casa cheia de arrependimento e raiva.
Naquela época, Evelyn era uma criança indefesa. Mas isso foi há seis
anos.
Ela tocou a concha em volta do pescoço, um lembrete constante de que
tanto os vivos quanto os mortos contavam com ela. Ela não iria decepcioná-
los.
Ela enxugou as lágrimas, abriu o telefone e mandou uma mensagem para
Nick e Mina sobre as pistas que ela perdeu tanto para encontrar.
Capítulo vinte e sete

O QUARTO DE JESSIE SLATER ERA uma cápsula do tempo. Mina passou por
pôsteres de bandas e videogames que eram populares meia década atrás e
um armário aberto ainda abarrotado de roupas. O lugar estava
assustadoramente limpo e bem cuidado, como se os Slaters ainda estivessem
esperando que seu filho abrisse a porta e voltasse. Mina não conseguia afastar
a sensação de que eles estavam invadindo.
— Você tem certeza de que deveríamos estar aqui? — ela perguntou,
virando-se para Nick.
— Não fique estranha com isso — Nick disse rudemente, caminhando
em direção a um laptop no canto mais distante. Depois da conversa de
Evelyn com Meredith, Mina sabia várias coisas com certeza: que o Trio de
Cliffside realmente estava investigando Annette Shorewell, que eles também
encontraram a planta Blue Tide, e que eles sabiam sobre seu fantasma.
Também havia revelado uma nova informação: Jesse estava olhando para a
planta antes de tropeçar em um fantasma, em vez do contrário.
A melhor maneira que os três pensaram para prosseguir era descobrir por
que, e a melhor maneira de fazer isso estava no computador há muito inativo
de Jesse, que não ligaria sem o seu carregador velho e empoeirado. Ninguém
queria correr o risco de movê-lo. Então eles se reuniram na casa de Nick na
manhã seguinte, enquanto seus pais estavam fora. Mina estava começando a
se perguntar se eles realmente se importavam em passar um tempo em sua
casa gigante.
— Está esquisito aqui — Evelyn murmurou, atravessando a sala para se
juntar a Nick enquanto ele se sentava na cadeira da escrivaninha. — Essas
fotos ao lado da cama dele...
— Jesse e Meredith. Eu sei. — Nick bateu furiosamente no teclado. —
Perguntei a eles se poderíamos limpar todo esse lugar anos atrás, mas eles
recusaram. Mamãe ainda dorme na cama às vezes.
Mina estremeceu. Ela não tinha ideia do que dizer. Mas Evelyn parecia
menos perdida – ela se inclinou para perto de Nick e colocou a mão em seu
ombro.
— Eu sinto muito — disse ela. — Vamos descobrir o que aconteceu
com ele.
Nick cedeu em seu toque.
— Eu gostaria que tivéssemos conversado mais sobre... você sabe. Isso.
— Eu sei. Eu não estava pronta.
Mina recuou enquanto eles continuavam falando, sentindo-se como um
tipo diferente de invasor. Sua traqueia queimou, e por um momento ela se
perguntou se Annette tinha vindo buscá-la novamente, se ela estava prestes a
segurar aquele dólar de areia e exigir que ela o pegasse. Mas não – Mina
estava apenas tendo a sensação de que ela não gostava e não tinha
imediatamente empurrado-o para longe. Aparentemente, emoções podiam
doer tanto quanto um demônio em potencial.
— Você sabe alguma coisa sobre hackear o mainframe, ou algo assim? —
Evelyn chamou Mina para frente. — Nick tentou isso ontem à noite
também, mas ele continua sendo bloqueado.
Mina se inclinou sobre o ombro de Nick.
— Você está dizendo que não sabe a senha dele?
Nick fez uma careta para a tela.
— Tentei pensar em tudo ele teria se importado – livros favoritos, jogos
favoritos, nomes de animais de estimação...
— E a namorada dele? — As palavras saíram da boca de Mina um pouco
bruscas demais.
— Eu tentei Meredith — Nick disse. — Mas o nome dela não
funcionou.
— Espere. — Evelyn olhou para algo atrás da cabeça de Mina, então deu
uma cotovelada em Nick e bateu furiosamente no teclado. Houve um ping
de aprovação quando Evelyn apertou enter, e uma barra de carregamento
apareceu um momento depois.
— O que foi isso? — Nick perguntou incrédulo.
— Era o nome de Meredith e sua data de aniversário.
Ele estremeceu.
— Como você sabia?
Evelyn apontou para a parede atrás da cama de Jesse, onde um monte de
fotos empoeiradas estava colado ao lado dos pôsteres da banda. Uma data
estava escrita em canetinhas metálicas em uma foto de Jesse e Meredith se
beijando.
A área de trabalho de Jesse estava completamente nua. O fundo era uma
foto de banco de imagens inofensivas, e as poucas pastas organizadas
continham nada além de trabalhos de casa e aplicativos de videogame.
— Algo está errado aqui — disse Nick. — Este não é o computador
dele. Foi apagado.
— Mas tem coisas pessoais nele — disse Evelyn.
— Não... é... curadoria. Eu posso dizer. — Nick franziu a testa. —
Talvez seja isso o que a polícia devolveu.
— Ou talvez seus pais tenham limpado antes que a polícia pudesse pegá-
lo — disse Mina.
Nick assentiu lentamente.
— Dinheiro te dá muita coisa, incluindo tempo extra para adulterar
provas.
— Você acha que seus pais sabiam que ele tinha algo a esconder? Evelyn
parecia desconfortável.
Nick hesitou.
— Não sei. Mas este não é ele.
— E agora? — Evelyn perguntou. — Nós poderíamos revistar o resto de
suas coisas...
Mina reprimiu um estremecimento. Ela não queria fazer isso. Isso já
parecia desrespeitoso com os mortos.
— Não, se houver alguma coisa aqui, meus pais teriam encontrado —
Nick disse miseravelmente. — Eles sabem tudo… espere um segundo.
Nick se levantou. Seu olhar disparou pelas estantes e pela boca escura do
armário, então parou acima da cama. Ele subiu no colchão e alcançou a
parede, onde uma abertura de ventilação ficava discretamente ao lado de
vários cartazes. Levou meros segundos para desatarraxar a ventilação e retirar
algo empoeirado.
— Eu sabia! — ele disse triunfante, escalando de volta para o chão. —
Jesse me ensinou que este era o melhor lugar para esconder coisas em um
quarto. É onde eu guardo minha falsificação.
— O que é isso? — perguntou Mina. Em resposta, Nick limpou a
poeira. Era um pequeno tijolo preto com um cabo de carregamento bem
enrolado.
— Um disco rígido externo — disse ele.
Demorou alguns minutos para o computador carregar o backup. Quando
isso aconteceu, revelou uma área de trabalho repleta de imagens, documentos
e capturas de tela aleatórios. Os arquivos estavam tão agrupados que Mina
não conseguia nem dizer qual era o plano de fundo por trás deles.
— Este é o verdadeiro Jesse — disse Nick.
— Este é o meu pior pesadelo — Mina murmurou, olhando com horror
na bagunça virtual.
— Ei, eu vi seu quarto — disse Evelyn. — É um desastre.
— Sim, mas meus arquivos estão arrumados. Como vamos encontrar
alguma coisa nessa bagunça?
— Vamos apenas verificar tudo, eu acho — disse Evelyn, encolhendo os
ombros.
Levaram quase trinta minutos para encontrar memes desatualizados,
tarefas de casa digitalizadas, fotos de Jesse e seus amigos e informações sobre
a faculdade e formulários. Era tudo tão normal. Mina estava começando a se
preocupar que não havia nada útil aqui quando Nick encontrou uma pasta
trancada escondida atrás de uma captura de tela das pontuações do SAT de
Jesse. Este também tinha uma senha, mas Nick a decifrou com bastante
facilidade depois de uma rápida pesquisa no Google.
— Videogame favorito e seu dia de lançamento. — Ele clicou na pasta.
— Oh. É isso.
Os três se inclinaram para frente enquanto Nick puxou a mesma foto de
Annette Shorewell que eles tinham visto no dia anterior. Havia mais imagens
também, fotos dos Shorewells, da Planta de Gerenciamento de Resíduos
Blue Tide, manifestantes marchando do lado de fora da cerca de arame.
Alguns deles tinham anotações neles, setas digitais e pedaços de texto
digitados. Relacionado? Prova? Acompanhe.
Ficou claro muito rapidamente que nem todas essas informações vieram
de Jesse. Havia três diferentes cores de texto marcando as fotos, três opiniões
diferentes, muitas vezes discutindo. Colin e Tamara ficaram escondidos atrás
de Jesse na mente de Mina, e ela entendia agora que isso era uma tragédia
em si, de pessoas se perdendo na história de suas próprias mortes. Eles
também faziam parte disso.
— Este deve ser um backup de outra pasta — Nick disse. — Todos eles
tiveram acesso ao verdadeiro, aposto. Para compartilhar informações.
— E discutir sobre isso — acrescentou Evelyn.
Mina nunca se acostumaria com a sensação de se intrometer nos mortos,
lendo palavras datilografadas ou rabiscadas por dedos que agora estavam
apodrecendo, vasculhando as pistas que abandonaram, para tentar acabar com
o sofrimento que ainda os atormentava.
Ela não sabia se os fantasmas podiam sentir dor, ou se era apenas uma
lembrança disso. Se fantasmas fossem ecos, ou simplesmente a mais pura
destilação da alma de uma pessoa, se as almas fossem mesmo reais, se isso
realmente importasse. Mina se perguntou por que ela acreditava que as regras
de sua família valeriam para sempre quando ser médium significava aceitar
que o mundo não aderiu a instruções estritas. Quando os fantasmas
quebraram a maior regra de todas: a morte.
— A polícia também só não sabe sobre isso, então? — disse Nick. —
Mesmo que meus pais tenham apagado o computador de Jesse... eles devem
ter encontrado algo no de Colin ou Tamara. Por que eles não acharam que
era relevante para o caso?
— A investigação ainda está tecnicamente aberta — disse Evelyn. —
Você está realmente surpreso que eles nunca contaram essas coisas aos
repórteres? Quero dizer, já existem teorias estranhas suficientes sobre o verão
do afogamento online.
Mina se absteve de apontar que “teoria estranha” era um termo relativo
quando a verdade provavelmente envolvia fantasmas.
— A verdadeira questão é, por que seus pais queriam esconder isso? —
ela perguntou.
Os dedos de Nick pararam nas teclas.
— Não sei. Meus pais não falam sobre o que aconteceu com Jesse. Eles
sempre dizem que estão me protegendo, mas estou farto disso. Eu quero a
verdade.
Mina sentiu uma conexão com ele novamente, como naquele momento
na frente de Ruthie. Ainda era uma surpresa.
— Minha família também usa muito a palavra proteger.
— Espere, todo mundo — Evelyn disse animadamente. — Esta foto é
nova.
Era uma espécie de escaneamento, cheio de números e abreviações
incompreensíveis. Mina reconheceu o modelo.
— É um relatório de despesas. Mamãe faz isso o tempo todo para o
trabalho, quando seus clientes a compensa pelos custos de alimentação.
— Um relatório de despesas da Planta de Gerenciamento de Resíduos
Blue Tide — Nick deu um zoom no formulário, onde o nome da planta era
visível no topo. — Onde você acha que eles conseguiram isso?
— Nenhum lugar legal — Evelyn murmurou.
Abaixo do nome da empresa estava escrito RELATÓRIO DE BÔNUS DO
PROJETO. Havia uma nota ao lado, em vermelho – acho que isso é o que você está
procurando, J. Uma flecha apontou para uma linha específica no formulário.
Os olhos de Mina saltaram para as iniciais LS, depois as traçaram pela fileira
até uma caixa em branco. Ela olhou para as outras colunas – mais iniciais,
mas elas tinham números digitados como despesa, enquanto LS não tinha.
— Laurence Shorewell — Nick disse solenemente.
— A única que não recebeu um bônus — disse Evelyn.
— Não é um bônus. — A voz de Nick era áspera. — Um suborno.
Houve uma anotação ao lado do nome dele... O desaparecimento de A, uma
situação de refém que deu errado? Acompanhe as pistas anedóticas.
— Eles achavam que ela foi sequestrada — disse Mina.
Evelyn fez um pequeno ruído de assentimento.
— Se a morte dela foi um erro, isso explicaria o problema da
alavancagem.
Nick rolou até o final do formulário. Mina olhou para as palavras
impressas ali, abaixo da soma final dos pagamentos. Sua mente zumbiu, e
Annette se desdobrou dentro dela, trazendo o cheiro de sal e salmoura com
ela.
FOLHA DE PAGAMENTO CORTESIA DA SAND DOLLAR CO.
Mina finalmente entendeu.
— A empresa que possuía a fábrica, é por isso. Os dólares de areia em seus olhos eram ela tentando
nos dizer o tempo todo o que a empresa tinha feito com ela. Ela está tentando contar a todos.
— Mas eu ainda não entendo — disse Nick. — Meu irmão estava tentando ajudá-la. Por que ela
iria machucá-lo, Colin e Tamara?
Evelyn fez um ruído agudo e terrível, e Mina sentiu uma onda de pânico. Mas ela não parecia
magoada – em vez disso, ela estava olhando fixamente para a tela.
Evelyn apontou para uma anotação ao lado do nome da empresa.
— Aproxime isso.
Nick fez. A nota foi digitada em azul – a cor de Jesse. Verifique a empresa subsidiária – a SDC se fundiu
no final dos anos 80, foi vendida nos anos 90, mas foi privada propriedade da SE. Não temos provas completas, mas
estamos chegando perto.
— Espere — Nick disse suavemente. — SE. Isso significa Slater Enterprises?
— A empresa da sua família. — A voz de Evelyn tremeu. — Eles eram donos da usina de
gerenciamento de resíduos, Nick. Eles... eles sabiam.
Mina observou a forma como os rostos de ambos se contraíram enquanto se recalibravam, e sentiu
seu próprio oceano se agitando, se agitando, avisando-a. Um suave e baixo estrondo emanou das
paredes ao redor deles, mas os outros não pareciam notar.
— Minha família é dona de muitas empresas — Nick protestou. — Isso não significa que eles
entenderam os detalhes deste.
— Jesse deve ter pensado que sim — disse Evelyn. — Pode ser por isso que seus pais mandaram
limpar o notebook dele. Porque ele disse a eles.
Nick se levantou trêmulo e recuou. Seu rosto estava pálido, seus olhos azuis arregalados e
selvagens.
Mina quase podia sentir seu pânico saltando das paredes, dessa tumba de uma vida perdida nas
profundezas dessa mesma investigação. Agora se encaixou, tudo isso. Jesse deve ter cavado no passado
de sua família quando encontrou a planta Blue Tide. Isso o levou a essa descoberta – e depois o levou à
morte.
A concha em volta do pescoço de Evelyn ganhou vida, enviando um brilho azul que iluminava o
quarto. Ela engasgou e agarrou-se a ele.
— Como isso é possível? — ela perguntou. — Parece uma convocação, mas não fizemos nada...
— Não sei. Mas precisamos parar de discutir. — O pulso de Mina queimou. A voz de Annette
ecoou em sua mente em um rosnado incompreensível.
— Isso é ridículo — Nick retrucou. — Pedi que você me ajudasse a colocar meu irmão para
descansar, e agora você está acusando minha família de ter alguém assassinado?
O estrondo veio de novo, mais alto desta vez, e Mina sabia que não poderia parar o que estava por
vir. Sabia que não era dela, mesmo que fosse culpa dela estar aqui. Ela sentiu o cheiro de sal
novamente, mais espesso desta vez, tingido com o cheiro podre de um dia quente de verão.
— Lembra o que você disse sobre seus pais? — perguntou Mina. — Sobre eles protegendo você?
Você sabia que eles tinham algo a esconder.
— Não. — A voz de Nick estava crua. — Jesse pode ter visto uma conexão, mas isso não significa
que a Slater Enterprises... Merda!
Um momento depois, algo respingou no braço de Mina – uma gota d'água, depois outra, como se
o teto tivesse começado a chover. Ela inclinou a cabeça para trás e viu duas manchas no gesso em
forma de marcas de mãos. Seu corpo inteiro começou a tremer.
— Tire seus fantasmas daqui — Nick disse, a voz trêmula. — Não quero mais fazer isso.
Antes que ela pudesse formular qualquer tipo de resposta, Mina sentiu as duas mãos recuarem e
perfurarem o teto. Ela gritou quando os buracos se abriram no gesso. A água que vivia nos canos da
casa há poucos momentos caiu, encharcando os três em um dilúvio de sal e lodo.
Quando terminou, Mina ficou surpresa ao descobrir que ela ainda estava de pé, tremendo e
encharcada. Evelyn estava ao lado dela, algas marinhas emaranhadas em seu cabelo. Aquilo não era
mera água salgada – era uma lama laranja tirada das fotos que Mina tinha visto dos dejetos vazando
para o Sound. Nick caiu no chão, estremecendo. Peixinhos mortos estavam espalhados ao redor dele,
olhando para todos eles com olhares vítreos e acusatórios.
Mina estremeceu com a picada de sal em seus olhos e a picada correspondente do dólar de areia
em seu pulso. A voz de Annette já havia desaparecido, mas ela nunca esqueceria a angústia nela.
— Nick — ela disse com a voz rouca. — Eu...eu sinto muito.
Ele trancou os olhos com ela, olhar queimando com arrependimento e fúria.
— Saia da minha casa — disse ele. E Mina escutou, porque ela sabia exatamente como era ser
traída por seus pais – as pessoas que deveriam te amar mais.
Capítulo vinte e oito

A VITÓRIA ERA AGRIDOCE. MINA aprendeu isso enquanto ela se sentava com as
ramificações do que eles descobriram. Ela acreditava sinceramente que a
Sand Dollar Corporation – também conhecida como Slater Enterprises – era
responsável pela morte de Annette. E então a poluição que eles encobriram
infectou seu fantasma, distorcendo seu espírito todos esses anos como se
tivesse deformado Long Island Sound. Não admira que Annette tenha
atacado Jesse, Colin e Tamara quando eles tentaram falar com ela.
Faltavam três dias para a lua nova, mas Mina não a temia mais. Ela queria
dizer a Annette que finalmente entendia por que estava tão brava. Talvez eles
não tivessem que bani-la depois de tudo. Talvez eles pudessem convencê-la a
partir em paz se eles prometeram fazer-lhe uma justiça bem-merecida.
— Eu ainda tenho perguntas — disse Evelyn enquanto andava pelo
quarto de Mina, tentando e falhando em navegar pelo chão desordenado.
Mina a convidou aqui porque Stella estava em um show de bufê e porque ela
tinha uma surpresa para a outra garota. Um que ela estava muito nervosa para
mostrar a ela ainda. — Sabemos que o Trio de Cliffside estava investigando
Annette porque Jesse estava investigando os segredos de sua família. Mas
como eles pularam de um encobrimento da empresa para acreditar em
fantasmas? Isso é um grande salto.
— Eu não sei — disse Mina. — Mas eles falaram com minha mãe. Eles
descobriram de alguma forma.
— É só que... as pessoas não tentam falar com um espírito sem uma
razão. Se os três sabiam que Annette foi assassinada, por que precisariam
invocá-la? E como ela tinha a força para matá-los quando ela não nos matou?
— Eles não sabiam de nada — disse Mina inquieta. — Sem proteção ou
orientação, eles estavam indefesos.
— Você provavelmente está certa. — Evelyn se encostou na parede,
parecendo totalmente exausta. Mina suspeitava que fosse porque ambas
passaram o último dia tentando e não conseguindo entrar em contato com
Nick. Ele os estava ignorando, e ela realmente não podia culpá-lo. Ela sabia
em primeira mão o quão mais seguro poderia ser empurrar algo para baixo e
fingir que nunca tinha acontecido. — Desculpe, você disse que tinha algo
para me mostrar? Algo não relacionado a fantasmas?
Mina teve uma súbita vontade de mentir e dizer que não era nada. Em
vez disso, ela gesticulou em direção à tela no canto antes que pudesse perder
a coragem.
— Você se lembra de quando você perguntou o que estava lá atrás, e eu
lhe disse que não foi concluído?
Evelyn olhou para a tela com curiosidade.
— Eu lembro.
— Bem, agora está. — Mina caminhou até a tela e a dobrou. Atrás dele
havia um cabideiro cheio de peças que ela construiu desde a lua cheia, cada
uma totalmente visível em um cabide giratório. Em vez de jogar fora suas
roupas rejeitadas, ela se dedicou a refazer cada um de seus fracassos. Às vezes
ela uniu duas ou três peças; às vezes ela simplesmente brincava com a
estrutura original. As roupas resultantes não eram mais tecnicamente
perfeitas, mas não significavam mais desperdício, a menor gota no balde da
indústria da moda. E eles se sentiam como dela.
Mina observou o rosto de Evelyn enquanto ela pegava a coleção,
tentando não trair o quão nervosa ela estava. Ela nunca tinha mostrado a ela
trabalho para ninguém, exceto Stella antes, e ela não tinha ideia do que
esperar.
A primeira coisa que Evelyn fez foi sorrir exatamente do mesmo jeito
que ela sorriu no centro comunitário: um sorriso largo e surpreso que
deixou Mina fraca de alívio.
— Uau — ela engasgou- se, dando um passo à frente. — Você fez isso?
Mina assentiu.
— Eu tenho trabalhado em uma coleção durante todo o verão. Mas não
parecia certo até agora.
Ela se virou para as peças novamente, tentando vê-los através dos olhos
de Evelyn.
Um macacão de um rico rosa do pôr do sol refletindo na água. Um par
de calças largas que Mina tingiu à mão, tão sedosas e efêmeras quanto ondas
espumantes. Um top em um azul profundo com uma chave de latão
encaixada no decote – como um baú definhando no fundo do mar. Cada
peça um pequeno vislumbre do mundo como Mina o entendia melhor:
através da lente de seu oceano.
— O que você acha? — ela perguntou, a voz um pouco alta demais.
Evelyn pairava ao lado de Regina, a manequim, que estava vestida na
peça central da coleção: um vestido destinado a transmitir a sensação do
oceano após o anoitecer.
— Elas são incríveis — disse ela. — Eu sabia que você estava na moda,
mas isso é algo especial. Seriamente. Especialmente este vestido. — Ela
chegou a uma tentativa a mão em direção à manga, depois a puxou de volta,
como se achasse que seu toque pudesse arruiná-la.
— Obrigada. — Mina mal conseguia pronunciar as palavras. — E sobre
aquele vestido... estou feliz que você goste. Porque essa é a verdadeira
surpresa. Eu. Hm. Eu meio que... fiz isso para você.
— O que? — Evelyn ofegou. — Isso é muito bom. Eu nunca posso te
pagar de volta por isso.
— É um presente — Mina disse suavemente. — Por tudo que você fez
para me ajudar neste verão.
— Eu… — Evelyn ainda parecia totalmente atordoada. Mina notou as
lágrimas brilhando em seus olhos – ela a dominou? Mas então Evelyn soltou
um suspiro trêmulo e sorriu novamente, e Mina sabia que ficaria tudo bem.
— E se eu rasgar?
— Então poderei consertar isso — disse Mina, lutando contra uma
risada. — Você pode experimentar agora mesmo, se quiser. Eu adivinhei em
suas medidas, mas tenho certeza de que precisará de alterações.
Evelyn exalou, ainda olhando para o vestido incrédula.
— Eu… ok. Sim. Vou experimentar.
Mina esperou enquanto Evelyn se atrapalhava atrás da tela. Ela não sabia
por que estava tão ansiosa. Talvez porque ela nunca tivesse feito roupas para
ninguém além dela e Stella. Talvez porque ela nunca tenha realmente feito
nada que significasse tanto para ela quanto tudo isso fez. Talvez porque havia
muito para ficar nervoso em geral.
E então Evelyn empurrou a tela para o lado, e Mina esqueceu como
respirar.
A combinação do vestido era bastante simples, uma armação preta de
decote redondo com cintura em A e uma saia curta e levemente evasê. Mas a
sobreposição de tule foi onde as coisas ficaram interessantes. Mina o arrancou
de um antigo experimento de vestido de baile e o tingiu de escuro verde
azulado do Sound à noite, depois bordado com luas e estrelas douradas. O
decote alto e as mangas curtas eram bordejados por minúsculas contas
metálicas, e Mina havia costurado meticulosamente outras dezenas na saia.
Evelyn sempre foi linda, mas agora ela brilhava. Ela era a espuma do mar
e a luz das estrelas, ela era o reflexo da lua em uma onda quebrando, e ela
estava olhando diretamente para Mina, uma cautelosa, olhar tímido em seu
rosto.
— Bem? — ela perguntou. — O que você acha?
Eles estavam a apenas alguns metros de distância, mas parecia uma milha.
Parecia longe demais, sempre longe demais, e Mina entendeu que Evelyn
não estava falando apenas do vestido. Que de alguma forma, durante todo o
tempo em que Mina estava fazendo isso, ela nunca percebeu que era
realmente sua maneira de fazer uma pergunta que ela sabia, em algum nível,
que Evelyn já havia respondido.
Mina encontrou seus olhos.
— Eu acho que eu realmente quero te beijar agora.
Quando Evelyn falou, sua voz era baixa e suave e mortalmente séria.
— Então me beije.
Assim Mina fez.
O beijo foi gentil no início, paciente, cuidadoso, não como Mina pensou
que seria. A diferença de altura levou um pouco para se acostumar, mas
então uma das mãos de Evelyn encontrou o caminho ao redor de seu
pescoço e Mina pressionou a palma da mão nas costas de Evelyn, puxando-a
para mais perto. Quando elas se separaram, a respiração de Mina estava
irregular.
— Esse foi meu primeiro beijo — ela sussurrou, pressionando sua testa
contra a de Evelyn.
Evelyn soltou um barulho com isso, algo entre um suspiro e uma tosse.
— Eu nunca saberia.
— Sério?
— Sério. — Evelyn colocou a mão atrás da orelha de Mina, afastando
mechas de cabelo loiro da orelha de Mina. enfrentar. Seus lábios pousaram
no pescoço de Mina um momento depois, e Mina estremeceu, seus olhos se
fecharam. Cada parte dela ansiava por mais disso, lábios e mãos e o gentil
puxão de dentes em seu lóbulo da orelha, a carícia de dedos em sua
bochecha.
— Você está me provocando — Mina murmurou enquanto Evelyn
pressionou o nariz na clavícula de Mina e riu, o som reverberando em seu
peito. Evelyn cheirava a sal e roupa fresca. Seu corpo, quente e macio, estava
enrolado como uma concha contra o de Mina.
— É só… — Evelyn disse — que eu estive pensando sobre como seria
beijar você aqui… — Ela roçou os lábios contra o ombro de Mina. — E
aqui… — bochecha de Mina. — E, claro, aqui — ela sussurrou, seus lábios
agora a uma polegada de distância dos de Mina novamente. — Todo o verão,
Zanetti.
— Bem então — A voz de Mina saiu alta e ofegante. Ela pensou que
poderia desmaiar se os lábios de Evelyn tocassem seu pescoço mais uma vez,
e então ela pensou que talvez o colapso valeria a pena. — Parece que temos
alguma coisa a fazer.
Mina passou muito de sua vida debaixo da superfície de sua própria
mente, empurrando para baixo seus sonhos e desejos. Agora, finalmente, ela
não queria que houvesse nada protegendo-a de outra pessoa. Eles se beijaram
até os lábios de Mina ficarem inchados. Até que o oceano dentro dela estava
o mais calmo que já esteve. Até que tudo o que Mina tinha temido, sofrido e
esperado foi lavado pelo ritmo do batimento cardíaco constante de Evelyn,
como a maré apagando linhas profundamente desenhadas na areia.
Capítulo vinte e nove

E VELYN HAVIA PENSADO que ANTES de beijar Mina que ela não conseguia
tirar a outra garota da cabeça. Mas agora que ela sabia em primeira mão
como era, tudo o que ela queria era beijá-la novamente. Infelizmente, ela
tinha outras coisas com que se preocupar. Como a lua nova, que viria em
dois dias. Se elas pudessem entrar em contato com Annette então, Mina
parecia pensar que elas poderiam colocá-la para descansar e libertar os outros
espíritos que ela havia aprisionado. Evelyn esperava que ela estivesse certa. E
sempre que estivessem seguros, ela ia convidar Mina para um encontro de
verdade, um onde eles não tentassem resolver um assassinato ou convocar um
fantasma.
— Quantas vezes Amy mandou uma mensagem “eu te avisei”? —
perguntou Luísa. Eles estavam na Scales & Tails, embora tivessem feito muito
pouco trabalho uma vez Evelyn havia admitido exatamente porque estava de
tão bom humor.
O telefone de Evelyn tocou. Ela bufou enquanto olhava para a tela.
— Esse é mais um. Não acredito que você me convenceu a contar a ela
sobre Mina.
— Você disse que queria conselhos de garotas — disse Luisa, sorrindo.
— Bem, você definitivamente vai conseguir. Embora eu ache que ninguém
nunca fez um vestido para Amy antes.
— Ainda não consigo acreditar que Mina fez este. — Evelyn não
conseguiu manter a oscilação vertiginosa de sua voz.
— Nem eu — disse Luísa. — Me mostra essas fotos novamente.
O calor se espalhou por Evelyn quando Luisa se emocionou sobre o
vestido. Ele estava atualmente guardado em seu armário, um lembrete de que
tão estressante e estranho como este verão tinha sido, ele a uniu à Mina.
Ela tocou a concha em volta do pescoço e se perguntou como era
possível que ela pudesse guardar tanta alegria para Mina e tanta dor para todo
o resto. A maneira como Meredith subiu as escadas depois que Evelyn
perguntou sobre Jesse. O olhar no rosto de Nick quando ele disse para eles
saírem de sua casa. Os segredos que eles descobriram sobre a família Slater,
segredos que não podiam provar sem provas que Nick provavelmente já havia
destruído. Mesmo se eles colocarem o fantasma para descansar, eles não
conseguiram consertar o impacto da usina Blue Tide em Long Island Sound.
No entanto, Evelyn estava sorrindo. Mina não cancelou o mundo
aterrorizante e confuso. Mas ela tornou muito menos assustador viver.
— Ela disse que quer montar uma loja eventualmente — disse Evelyn.
— Quando ela sentir que a coleção acabou.
— Ela precisa de um fotógrafo? — perguntou Luísa. — Ou pelo menos
alguém para dar dicas sobre como fazer as roupas ficarem bem nas fotos?
— Você pode perguntar a ela no show de Amy — disse Evelyn. — Ela
vai ficar um pouco sobrecarregada se você for muito legal com ela, mas sei
que significaria muito.
— Oh, certo! — Luísa se iluminou. — Estou feliz que vocês duas estão
vindo.
Amy tinha sido ótima em sua audição, e sua nova banda estava tocando
em um local da cidade na próxima semana. Evelyn não esperava muito
quando pediu a Mina para ir com ela, mas a outra garota disse sim antes que
ela pudesse terminar de fazer a pergunta.
— Eu também — disse Evelyn. — Ela parece animada. Eu sei que ela
passou muito tempo sozinha, mas não tenho certeza se é isso que ela
realmente quer mais.
Luisa tossiu.
Evelyn franziu a testa para ela.
— O que?
— Quero dizer, eu poderia ter dito a mesma coisa sobre você no início
do verão — disse Luisa. — Espero que você não leve a mal, mas... você
parecia tão solitária. Mesmo quando você estava namorando Nick.
Evelyn corou.
— Por favor, não me diga que você tentou ser minha amiga por pena.
— Acho que já passamos disso — disse Luisa. — Naquele ano, quando
estávamos muito na biblioteca, acabamos de nos mudar de Staten Island para
cá e eu não tinha amigos. Mas Amy me fez sentir em casa, e ainda estamos
perto de tudo isso anos depois. Então, quando você e eu começamos a
trabalhar juntas, pensei… talvez eu pudesse ser essa pessoa para você.
Alguns meses atrás, Evelyn teria insistido que estava bem sozinha. Mas
isso obviamente não era verdade. Tantas pessoas em Cliffside Bay tinham
cuidado dela quando sua própria família não podia. Eles estavam torcendo
por ela o tempo todo. Ela nunca esteve pronta para perceber isso até agora.
— Você é — disse ela, surpresa com o quão perto das lágrimas ela estava.
— Essa pessoa para mim, quero dizer. Obrigada. De verdade. Passei muito
tempo tentando me convencer de que estou melhor sozinha. Estou muito
feliz por estar errada.
— Estou feliz que você esteja errada também.
Evelyn revirou os olhos, mas ainda estava sorrindo.
O telefone de Luísa tocou. Ela estendeu a mão para ele e fez uma pausa,
olhando para a tela.
— É ele.
— Olha, eu sei que não é da minha conta, mas vocês dois...
Luisa gemeu e empurrou o telefone para longe. Ele girou sobre o balcão
até atingir a caixa registradora.
— Você também não.
— Eu simplesmente não entendo. Vocês gostam um do outro, certo? O
que está prendendo você?
Luisa lançou-lhe um olhar pesaroso.
— Eu fico com medo quando as coisas significam muito para mim. É
por isso que não posso mostrar às pessoas minhas fotos. É por isso que eu
larguei Kenny, a primeira vez, porque meus sentimentos me assustaram. Mas
eles não foram embora. E agora, o pensamento de dizer a ele que quero
voltar depois de ser aquele que destruiu as coisas... é... embaraçoso.
Evelyn lembrou-se do que Amy havia dito: As duas estão nervosas
demais para entender.
— Eu não acho que ele se importaria — disse ela. — Acho que ele
ficaria feliz. E para o que valha a pena... talvez você devesse aceitar a oferta
da sua mãe de pendurar suas fotos na biblioteca.
Luisa hesitou.
— Vou pensar sobre isso.
A porta se abriu e Luisa foi atender o cliente. Evelyn estava prestes a
colocar o telefone de volta no bolso quando começou a vibrar furiosamente.
Mensagens estavam chegando de todo mundo que ela conhecia – Amy,
Kenny, Mina, pessoas aleatórias da escola. Então ligações, algumas de
números que ela nem tinha em seus contatos.

Você está bem?

Ligue-nos se precisar conversar

O que está acontecendo?

Você sabia sobre isso?

E de novo e de novo, o mesmo link, algum canal de notícias que ela


nunca tinha ouvido falar. Seu estômago começou a revirar quando ela abriu
um aleatoriamente.
“ACHO QUE ELE FEZ ISSO”: FALA A FILHA DO SUSPEITO “ASSASSINO DE SAND
DOLLAR”
Evelyn não se lembrava de desmaiar atrás do balcão, mas sim, de costas
para o recinto de vidro de Hal, sua respiração vindo em pequenos suspiros
sufocados como um animal preso. Era tudo o que ela podia fazer para pegar
o celular e passar para ele, em seguida, segurá-lo em seu ouvido.
— Meredith — ela sussurrou enquanto o telefone tocava e tocava, como
se sua irmã pudesse ouvi-la sem atender. — O que você fez?

***

O Sr. Clark a deixou ir para casa mais cedo. Luisa a ajudou a arrumar suas
coisas e sair pela porta dos fundos, para o caso de o artigo ter despertado
alguma atenção indesejada da mídia.
— Me ligue se precisar de alguma coisa, ok? — ela perguntou, então deu
um abraço em Evelyn.
Evelyn assentiu entorpecida. Ela conseguiu voltar para casa apenas através
da memória muscular. Sua mente estava em outro lugar. Os sussurros que ela
ouvia quando criança. Os rumores cruéis sobre seu pai em toda a internet.
Sua esperança de que ela finalmente superasse tudo isso parecia patético e
frágil. Seus novos amigos, Mina, algum deles gostaria de estar perto dela
agora?
O carro de Meredith estava na garagem quando Evelyn parou. Sua irmã
estava atrás dele, carregando um saco de lixo com roupas no porta-malas.
Evelyn pegou seu longboard e marchou para frente. Ela estava com tanta
raiva que mal conseguia ver, ou talvez fosse por causa das lágrimas.
— Por que você fez isso? — ela exigiu.
Os aviadores de Meredith estavam empoleirados em cima de sua testa,
seus olhos azul-acinzentados cercados de vermelho. Tudo nela parecia
desgastado e miserável.
— Merda — ela disse. — Eu pensei que estaria fora daqui antes que você
visse.
— Você pensou que poderia simplesmente vender nossa família e fugir?
— Eu não estou fugindo — Meredith disse, fechando o porta-malas. —
Vou ficar com a mamãe. Se você tivesse algum sentido, você se juntaria a
mim.
— Mamãe não nos quer. Ela não fala conosco há quatro anos.
— Ela fala comigo — Meredith disse.
Evelyn sentiu como se tivesse sido atingida.
— O que?
— No ano passado — Meredith disse. — Ela me visitou na faculdade.
Conheceu Riku. Me contou sobre sua nova vida. Ela disse que quer um
relacionamento comigo de novo, mas só se eu prometer não entrar em
contato mais com papai.
— Isso é tão confuso — disse Evelyn. — Você sabe disso, certo?
— Mais confuso do que papai matando três pessoas?
— Ele não matou. Porra.
— Você tem sido muito inflexível sobre essa opinião — Meredith disse.
— Então, depois que meus planos fracassaram para o verão, pensei em vir
conferir e decidir por mim mesma. Talvez fuçar um pouco.
— Você estava espionando o papai? — Evelyn olhou para ela incrédula.
— Eu?
— Eu não estava espionando. Eu estava tentando dar a ele uma chance
justa. Conversei com algumas pessoas, fiz algumas perguntas e então... —
Meredith hesitou. — Um repórter entrou em contato. Falei com ela em off
e lhe disse que não estava interessado em uma história, mas depois que você
confrontou papai... depois de nossa pequena discussão no outro dia... eu me
senti diferente.
A “amiga” Meredith estava a caminho de ver quando ela dirigiu Evelyn
para a biblioteca. É claro. Por um momento, Evelyn sentiu-se terrivelmente
culpada. Se ela não tivesse pressionado Meredith, nada disso estaria
acontecendo agora. Mas então ela pensou em quão resistente Meredith tinha
sido para mudar durante todo o verão. Sua irmã não tinha nenhum interesse
em se adaptar ao seu ambiente. Se a realidade não combinasse com ela, ela a
excluiria. Qualquer que seja as consequências que levaram foram culpa dela,
não de mais ninguém.
— Não se atreva a me culpar — disse Evelyn. — Você disse que queria
superar isso. Bem, tudo isso garantiu que nunca, jamais o faremos.
— Meredith. — A voz de seu pai estava rouca e cansada. Ele estava na
varanda, silhueta na luz do sol da tarde. — Eu não disse para você sair antes
que ela voltasse para casa?
— Eu não sabia que ela descobriria tão cedo — Meredith retrucou. —
Estou indo embora.
— Então é isso? — Evelyn olhou dele para Meredith. — Você vai
simplesmente nos abandonar de novo?
— Eu não estou abandonando você — Meredith disse. — Só estou
tentando dizer a verdade.
— Você nunca quis a verdade — seu pai disse rispidamente. — Você só
queria que Siobhan voltasse. Você não entende que ela deixou você?
— Não, ela deixou você — Meredith rosnou. — Ela queria nos levar,
mas você brigou com ela–
— Isso não é verdade. — Greg olhou para os dois da varanda. — Sua
mãe poderia facilmente ter conseguido a custódia total de vocês duas. Ela
assinou seus direitos parentais, Meredith. Você sabe disso. Dizer ao mundo
que você me odeia não vai resolver isso. Isso só faz de você um peão em
qualquer jogo que ela esteja jogando agora.
Durante todo o verão, Evelyn esperava poder reunir sua família em um
pedacinho de uma vez. Agora ela entendia que eles sempre foram quebrados
demais para isso. Que ela tinha sido uma tola em pensar o contrário. Havia
algumas condições que nem mesmo as criaturas mais fortes na zona entre
marés não podiam sobreviver.
— Você está mentindo — Meredith sussurrou, tremendo. — Você a fez
assiná-los.
Greg balançou a cabeça.
— Vamos, Evelyn. Entre. Os Kowalski estão olhando.
Evelyn virou-se para ver as cortinas da porta ao lado se fechando às
pressas. Ótimo – eles provavelmente estavam tirando fotos. Ela tinha uma
lembrança distante e nebulosa do frenesi da mídia durante o verão do
afogamento e estremeceu.
Evelyn olhou para o rosto de Meredith por um momento final. Estava
um pouco borrado através de suas lágrimas, mas ela tentou memorizar sua
irmã de qualquer maneira. Ela não sabia quando a veria novamente - se ela a
ver novamente.
— Nunca mais volte — disse Evelyn. Então ela passou correndo pelo pai
pela segurança da porta da frente.
— Evelyn — seu pai a chamou. — Não atenda o telefone. Não quero
que você seja arrastada para isso.
Evelyn se virou para ele, ainda chorando.
— Eu sempre fiz parte disso — ela retrucou. — Você não pode me
proteger disso. Você não pode proteger nenhum de nós.
Ela só conseguia pensar em pequenos passos: subindo as escadas.
Fechando a porta do quarto dela. Enroscando-se sob as cobertas, todas as
lágrimas e ranho e soluços profundos e devastadores.
Evelyn havia tentado há seis anos proteger seu pai. E ela pensou que
tinha conseguido. Mas agora cada pedacinho de alegria que ela encontrou
neste verão parecia uma piada.
De que adiantava se comunicar com os mortos quando ela não podia
nem proteger os vivos? Quando tudo que ela já fez para ajudar sua família
falhou?
Capítulo trinta

P ELA PRIMEIRA VEZ numa memória recente, Mina tinha sido feliz.
Então a entrevista de Meredith saiu, e a Evelyn Mackenzie por quem
Mina passou o último mês e meio se apaixonando estava completamente
quebrada. Os últimos dois dias tinham sido infernais. Evelyn estava presa lá
dentro, escondendo-se dos repórteres que desceram em sua garagem,
enquanto Mina assistiu impotente à distância. Ela mandou uma mensagem e
ligou para ela, mas parecia inútil, um pequeno barco balançando nas ondas
em uma tempestade sem fim.
E então ela recebeu um telefonema.
Ela estava em seu quarto como de costume, trabalhando na preparação
para o SAT de todas as coisas, quando o número de Sergio apareceu em sua
tela.
— Olá? — disse Mina. Ele geralmente não ligava para ela a menos que
estivesse em apuros com o tio Dom, então ela estava incerta do que esperar.
— Ei. — Sua voz era baixa, um pouco agitada. — Lembra quando você
me disse para te dizer se eu descobrisse por que o resto da nossa família
deixou a cidade?
Mina se endireitou na cama e desligou o laptop. Suas perguntas de treino
online podiam esperar.
— O que você encontrou?
— Comecei a entrar em contato com alguns deles novamente, e uma das
nossas primas em segundo grau falou comigo. Você lembra dela? Júlia?
Mina podia evocar uma vaga lembrança de cabelo tingido de ruivo e um
sorriso de dentes espaçados.
— Um pouco. Ela tem mais ou menos a sua idade?
— Sim — disse Sérgio. — Ela me disse a verdade, ou pelo menos tanto
quanto ela sabia. Ela e o resto de sua família foram embora porque tia Stella e
papai não estavam apenas acalmando os espíritos – eles estavam barganhando
com eles.
Um baú no fundo do oceano de Mina começou a tremer. Ela podia
sentir o que vivia dentro dela chacoalhando contra a madeira podre.
— Barganhando? Para que?
— Pedir para eles fazerem coisas em troca de força vital — disse Sergio.
— Acho que isso ajuda os fantasmas a ficarem aqui um pouco mais. Giulia
chamou isso de sacrifício. Alguns de você por um pouco do espírito.
Aparentemente é uma má ideia usar pessoas mortas como ferramentas.
Seu tom era arrogante, mas Mina sabia que ele estava tentando soar como
se ele não estivesse incrivelmente chateado. Ela entendeu o impulso.
— Mas eles nos ensinaram a não fazer isso — ela protestou fracamente.
— Onde você encontrou aquele feitiço de invocação que te colocou em
todos esses problemas? — ele apontou. — Isso era da tia Stella, certo?
A voz de Mina saiu como um gemido.
— Certo.
— De qualquer forma, algo terrível aconteceu. Estava relacionado ao
verão do afogamento. Isso é tudo que Giulia conseguiu me dizer. Mas
aparentemente houve algum grande sacrifício que a família não podia mais
ignorar, e eles repudiaram nossos pais por causa disso.
Um grande sacrifício. A mente de Mina girou, tentando juntar tudo. Sua
maldição, sua própria força vital foi desviada. Como ela estava ligada a
Annette, não às vítimas do afogamento no verão. A forma como Stella
culpou Greg Mackenzie por tudo. E uma lembrança final de sua mãe deitada
na cama, exausta, sussurrando: acho que foram assassinados por mãos humanas.
Evelyn estava certa. Havia um buraco na história que eles construíram.
Um buraco que só poderia ser preenchido por um médium.
— Você não pensa… — ela disse. — Aquele sacrifício de que estão
falando. Sérgio, você acha que eles tiveram algo a ver com...
— Não sei. Mas ainda não estou pronto para falar com papai. Eu estou
passando a noite na casa de um amigo. Talvez você devesse fazer o mesmo.
— Não. — Mina engoliu. — Eu tenho que saber a verdade.
Ela estava trancada dentro da casa, e ainda assim ela ainda sentia os mais
leves sussurros no fundo de sua mente, como se Annette tivesse sido acordada
por seus pensamentos. Esta noite era a lua nova – com tudo acontecendo
com Evelyn, ela quase tinha esquecido.
Se Stella tivesse atribuído os assassinatos à Greg de propósito, o
sofrimento de Evelyn veio diretamente das mãos dos Zanetti’s. Lidar com
isso seria o maior desafio de toda a vida de Mina. Mas ela precisava saber o
que sua mãe tinha feito. Para o bem de ambos.
Quando Stella voltou do trabalho naquela noite, Mina estava esperando
por ela. Ela até fez seu café e preparou um pouco de antepastos, como uma
oferta de paz. Stella olhou para a tábua de corte enfeitada com queijo,
presunto, pimentão assado e uma pequena tigela de azeitonas com prazer
visível.
— Meu Deus, é bom estar aqui dentro — disse ela enquanto se sentava e
tomava um gole de café. — As proteções são um alívio.
— Tenho certeza de que são. — Mina envolveu uma mão em torno de
sua própria caneca de café. — Eu estou supondo que você ouviu o que
aconteceu com o pai de Evelyn.
— Sim. — Estela suspirou. — É bastante perturbador. A cidade inteira
está agitada.
— Você realmente acha que ele fez isso?
— Eu… — Stella hesitou. — Ninguém sabe ao certo, não é?
— Esse mistério — Mina continuou. — E esse fantasma. Ambos
parecem tão unidos. Eles mexeram com a nossa família e com a de Evelyn.
Mas finalmente acho que posso resolver o problema. Se você me ajudar,
podemos exorcizar esse fantasma.
— Se eu soubesse quem ela era, Mina, já teria...–
— Ela? — Mina treinou toda a sua vida para ser uma represa
impenetrável e sem emoção contra as ondas dentro dela. Mas precisou de
tudo o que tinha para manter a voz calma.
— Falei errado — disse Stella rapidamente. — Você sabe tão bem quanto
eu que a identidade do demônio em potencial permanece oculta.
— Então o nome Annette Shorewell não significa nada para você?
Stella se encolheu, seu café tremendo em sua mão. Mina engoliu sua
decepção. Sempre que ela achava que tinha chegado ao fundo da mentira de
Stella, sempre havia mais. Tudo o que ela fez neste verão – não, toda a sua
vida – foi afundar em um oceano sem fundo de engano.
— Cuidado, não derrame em você novamente — disse ela. — Isso
funcionou bem da última vez, não foi? Me distraindo antes que eu pudesse
fazer mais perguntas sobre nossa família?
— Mina — sua mãe protestou. — Não é isso que está acontecendo
aqui–
— Chega — Mina pousou sua caneca de café. Ela nunca tinha estado tão
assustada. Ela nunca esteve tão furiosa. — Você sabe quem ela é esse tempo
todo, mãe. E você escondeu isso de mim.
— Você não entende. — Stella parecia frenética. — Eu mantive a
verdade sobre Annette de você para protegê-la.
— Pare de fingir que você estava tentando proteger alguém além de você
mesma — Mina bateu. — Eu sei que estou ligada a ela ao invés do Trio de
Cliffside. Você também escondeu isso de mim, não foi?
A angústia no rosto de sua mãe disse a Mina que ela estava certa.
— Por favor, Mina. Você não entende a escolha que eu tive que fazer–
— Uma escolha? Ou uma barganha? — Mina ouviu sussurros em sua
mente novamente. O dólar de areia em seu pulso latejava, e ela sabia que era
apenas uma questão de tempo até que as proteções não conseguissem segurar
Annette. — Que sacrifício você e o tio Dom fizeram a ela que foi tão
horrível que fez o resto da nossa família ir embora?
Stella empalideceu. Ela olhou para Mina com olhos arregalados e
suplicantes, como se estivesse implorando para que ela dissesse mais alguma
coisa. E assim Mina fez.
— Foram eles? — ela perguntou. — Você alimentou Jesse, Tamara e
Colin para um fantasma?
— O que? — Pela primeira vez, Stella parecia genuinamente chocada.
Ela pousou seu café, líquido marrom espirrando sobre a borda. — Mina…
como você pode… eu nunca faria algo assim.
Mina procurou no rosto de sua mãe outra mentira. Ela não conseguiu
encontrar uma, mas isso não significava que não estava lá.
— Então me diga o que aconteceu durante o verão do afogamento —
disse Mina. — O que realmente aconteceu. Por favor, mãe, esta é sua última
chance antes que você perca minha confiança para sempre.
— Tudo bem. — Stella ainda estava pálida e trêmula, mas parecia
resoluta. — Acho que isso é o que eu mereço. Eu deveria ter lhe contado a
verdade há muito tempo.
“Há um demônio em ascensão em Cliffside Bay desde que me lembro.
Mas são necessárias muitas almas para converter um fantasma em demônio.
Acreditávamos que era por isso que tudo estava deformando – que a atração
daquele espírito estava mudando todos os mortos na área. Seu tio e eu
estávamos trabalhando em maneiras de conter o espírito de Annette sem
saber quem ela era. Estávamos dispostos a usar mais... métodos experimentais
do que o resto de nossa família.
— Barganhando — disse Mina.
Stela assentiu.
— Pensamos que desenvolver relacionamentos com outros fantasmas
seria necessário para evitar sua ascensão ao demônio. Esses fantasmas nos
tornaram mais poderosos, e demos a eles um pouco mais de tempo para ficar
por aqui. Parecia uma troca justa – necessária, se quiséssemos fazer um
exorcismo trabalhar. O resto da nossa família se sentiu diferente, mas as coisas
não chegaram a um ponto crítico até que o Trio de Cliffside se envolveu.
— Então eles realmente vieram até você sobre Annette.
— Sim. Eles resolveram um mistério que nos deixou perplexos por uma
geração. Eles descobriram quem Annette era, e nós agradecemos e dissemos
a eles que continuaríamos a partir daí. No entanto, eles a invocaram de
qualquer maneira. Eu ainda não sei onde eles descobriram como fazer isso –
como eles descobriram que havia um fantasma. Mas eles não estavam
preparados para o quão poderosa ela seria. Quando ela os matou, tememos
que isso significasse que ela havia ascendido. Mas ela ainda era um fantasma.
— Então ela era poderosa o suficiente para matar três pessoas, mas ela
está apenas visando médiuns agora? O que aconteceu com “Estamos na
ponte entre a vida e a morte”, isso também era mentira?
— Não era. — Estela suspirou. — O resto da família nos culpou pelo
que aconteceu. Eles acreditavam que tínhamos dado aos três acesso às nossas
técnicas de convocação.
— É por isso que eles foram embora?
— Não. — A voz de Stella tremia tanto agora que Mina mal conseguia
distinguir as palavras. — Eles foram embora por sua causa.
O dólar de areia de Mina pulsava dolorosamente. A voz de Annette
choramingou no fundo de sua mente, e Mina queria choramingar de volta,
porque tanto quanto ela precisava saber a verdade, ela temia não estar pronta
para o que quer que ela estivesse prestes a aprender.
— Por quê?
— Só precisávamos encontrar um objeto que tinha pertencido a ela.
Estávamos tão perto de terminar tudo isso, embora ela estivesse mais
poderosa do que nunca. Mas então... você encontrou minhas instruções de
convocação experimental. E você a invocou. A razão pela qual ela deve ter
escolhido você em vez de Evelyn é por causa de todo o trabalho que seu tio
e eu fizemos. Tínhamos nos envolvido em algo que não deveríamos, e então
o oceano conhecia nosso sangue. Ele nos conhecia. E conhecia você.
— E depois?
— Ela começou a minar sua força vital — disse Stella. — Ela não podia
matar você imediatamente, como matou o Trio de Cliffside… você sabia o
suficiente, mesmo naquela época, para se proteger melhor do que eles. Mas
não foi o suficiente. Eu sabia que tinha que fazer o que pudesse para
consertar isso.
— Consertar? — Mina sussurrou. — O que você fez, mãe?
— Você tem que entender, Mina, o espírito dela estava absorvendo você.
Você foi internada no hospital com uma febre tão alta que estava alucinando,
e não importava o que os médicos fizessem, você não estava melhorando. Eu
sabia... — A voz de Stella falhou. Ela estremeceu, então continuou. — Eu
sabia que você ia morrer. Como médiuns, somos ensinados que a morte é
natural. Que devemos aprender a aceitar o inevitável como parte de nosso
chamado. Mas você era tão pequena, com tanta vida para viver. E eu te amei
demais para deixar você ir.
— Então você fez uma barganha — disse Mina.
Stella não conseguia mais encontrar seus olhos.
— Sim. Fiz isso para que, enquanto você vivesse, Annette pudesse se
alimentar de sua força vital, mas não a tomar inteiramente. Você a sustenta e,
em troca, ela a poupou. Uma solução imperfeita, mas eu não sabia o quanto
imperfeita até você começar a insistir em treinar para se tornar um médium.
Um dos baús no oceano de Mina se abriu, depois outro. Ela não podia
parar cada coisa horrível que ela armazenou dentro deles nadando em águas
abertas.
— Isso vai contra tudo o que você já me ensinou.
— Eu sabia que iria te machucar descobrir. Mas eu tinha que mantê-la
segura.;
Mas Mina estava tão longe de acreditar nela. A voz de Annette rosnou
em sua mente, e não soava mais como uma ameaça. Parecia um aviso.
— E o colar de proteção? — ela perguntou.
— Eu não queria que o Trio de Cliffside lhe dissesse a verdade — disse
Stella. — Eu não poderia bloquear você de Annette diretamente, não sem
algo que pertencia a ela. Mas cortar você de seus três espíritos mais fortes –
as vidas que ela mesma tirou – parecia que ajudaria.
— E quanto a Greg Mackenzie? Você foi testemunha contra ele.
— Eu não estava mentindo sobre vê-lo naquele dia. Ele estava no lugar
certo na hora errada... e era mais fácil manter as autoridades suspeitando dele
do que investigar nossa família. Se eu soubesse que isso levaria diretamente à
sua situação, eu nunca teria feito isso.
— Então você destruiu a família de Evelyn — Mina disse. — E você nos
deixou correr por aí tentando consertar isso durante todo o verão, quando
você sabia que não havia nada que pudéssemos fazer. Esperando o tempo
todo que falharíamos e eu rastejasse de volta para você.
— Você assume o pior de mim. — Stella parecia totalmente quebrada.
— Passei este verão tentando encontrar uma maneira de quebrar seu vínculo
com Annette, antes que seja tarde demais.
— Tarde demais?
— Annette ainda está tentando se tornar um demônio — disse Stella. —
E uma ascensão como essa é impossível sem a ajuda de alguém vivo. Um
médium deve ajudar um fantasma a voltar para este mundo. E o vínculo que
você tem com Annette... provavelmente é forte o suficiente para fazer isso.
Mina pensou no que quer que tivesse acontecido na lua cheia. De
Annette segurando aquele dólar de areia.
Ela estava tentando negociar com Mina? Para cruzar de volta? Para causar
estragos?
Ela pensou em Annette como uma vítima em tudo isso. Mas talvez não
fosse tão simples. Ela havia assassinado três pessoas. Ela quase assassinou
Mina, também.
E Mina estava ligada a ela pelo resto de sua vida.
— Você escondeu muito de mim — ela disse a sua mãe. Durante toda a
sua vida, ela não queria nada além de ser como Stella. Mas agora Mina
entendia que a pessoa que ela queria ser era uma fantasia, uma versão
idealizada de alguém que pregava controle e consequências, mas jogava tudo
isso aos ventos assim que lhe convinha.
Mina não conseguia nem olhar para ela.
— Eu não quero sua ajuda — ela disse a Stella. — E eu não sei mais
quem você é. Não tenho certeza se alguma vez soube.
Mina a deixou sentada à mesa da cozinha. Quando ela se virou na porta,
sua mãe a observava ir, um braço ligeiramente estendido, como se tentasse
pegar sua mão mais uma vez.

***

Mina não sabia quando adormeceu, mas acordou com o dólar de areia em
seu pulso latejando de dor. Ela gemeu e rolou na cama. A luz enrolou sob
sua pele, piscando entre azul e laranja. Mas pela primeira vez em dias, não
havia presença em sua mente para acompanhar aquela dor.
Ainda era a lua nova, e Annette estava quieta.
Algo estava errado.
Ela saiu da cama e correu para a porta, entrando no corredor. A porta de
Stella pendurada ligeiramente aberta. Mina abriu freneticamente e examinou
o espaço vazio. Stella não estava na cozinha, na sala, no banheiro. Ela não
estava em lugar nenhum.
Talvez ela tivesse ido ficar com o tio Dom, mas não. Mina sabia que isso
não estava certo.
Ela encontrou a faixa de opala de Stella na varanda. Estava rachada e
quebrada, um rastro de pedras espalhadas pelos primeiros degraus da praia.
Oh, não. Ah, não. Stella tinha voltado para Sand Dollar Cove.
As escadas pareciam ainda mais íngremes e precárias agora, iluminadas
por nada além da lanterna de seu telefone e a luz fraca do amanhecer
lentamente rastejando pelo céu. Um cheiro sulfúrico e podre flutuava no ar à
medida que ela se aproximava da água.
Ela viu o porquê assim que chegou ao pé da escada. Era maré baixa, e a
linha d'água descendente havia deixado um rastro de lodo em seu rastro, o
mesmo tipo de resíduo que choveu no quarto de Jesse. Peixes mortos e
caranguejos-ferradura estavam espalhados pelas rochas, os últimos virados de
costas com as pernas penduradas no ar. Moscas zumbiam ao redor de seus
cadáveres.
De pé no meio da carnificina, com água até os joelhos, estava Stella
Zanetti. Ela olhou para o horizonte como uma luz laranja-azulada se
espalhou pela água ao seu redor, escorrendo de seu corpo como uma
mancha de sangue.
— Mamãe! — Os pés descalços de Mina pisaram na lama enquanto ela
entrava na espuma. O mar estava recuando tão rápido que ela podia vê-lo se
movendo, assim como na noite de lua cheia. — O que você está fazendo?
Stella se virou, seu cabelo balançando ao vento. A expressão em seu rosto
era assustadora em sua tranquilidade: Ela parecia resoluta e calma, como se
esta fosse uma manhã comum.
— Saia da água, Mina. Não é seguro.
— Mãe, por favor, volte para a praia...
— É tarde demais — Stella disse sonhadoramente. — Já está feito, minha
conchinha.
— O que já foi feito? O que você fez?
Mina girou freneticamente. Descartados no lodo estavam itens que ela
havia perdido antes: velas, uma tigela virada, um lenço de seda.
— Você fez outro acordo com ela — Mina engasgou enquanto ela
andava mais fundo na arrebentação. Ela só tinha que andar mais dez metros
para agarrar Stella e forçá-la a sair. Ela poderia levá-la de volta para as escadas
e entrar na casa protegida, muito, muito longe de Annette Shorewell. Ela
tinha.
— Uma troca. — A luz azul e laranja se espalhou sob a pele de Stella,
serpenteando por seus braços. — Annette vai sugar minha vida no lugar da
sua nos próximos dias. E quando terminar, você não pertencerá mais a ela.
Eu vou.
— Não! Eu não vou deixar você se ligar a ela do jeito que você me
ligou. O dólar de areia de Mina disparou novamente. — Desta vez, a dor
estava em toda parte, formigando sob sua pele como uma corrente elétrica.
Ela gritou e caiu de joelhos. Ela estava pegando fogo na beira do mar; ela
agarrou seu pulso, como se pudesse raspar o dólar de areia com as unhas.
E então uma mão translúcida se ergueu da arrebentação. Depois outro,
depois outro, restringindo seus membros e forçando-a a se agachar.
— Está tudo bem, minha conchinha — disse Stella gentilmente,
inclinando-se e erguendo o queixo. Uma explosão de verde azulado
apareceu em sua bochecha, logo abaixo da verruga abaixo do olho. — Não é
o mesmo vínculo. Ela concordou em tirar toda a minha vida, deixar você em
paz. É a troca que eu deveria ter feito seis anos atrás. Mas não é tarde demais.
Você estará segura, Mina. Isso é tudo que eu sempre me importei.
Mina gritou e se debateu contra as mãos, mas elas não se moveram.
— Não me deixe — ela choramingou. Mas, como sempre, Stella não
ouviu. Em vez disso, sua mãe mergulhou mais fundo no oceano. Uma onda
se formou diante dela, assim como a da lua cheia.
Mina não ouviu vozes em sua mente, mas ela falou assim mesmo.
— Por favor — Mina murmurou —, por favor, por favor, apenas deixe-a
ir, apenas deixe-a viver...
Na frente dela, houve um lampejo, e então havia Annette, uma
fantasmagórica azul verde, dólares de areia grudados em seus olhos. Seu
espírito era uma coisa distorcida e grotesca. Algas marinhas entrelaçadas
através dela cabelo; cracas cresciam em seus braços e pernas. A luz laranja
havia corroído sua mandíbula inferior e metade de seu ombro, e mina
distinguiu algumas pontas de cigarro saindo de seu pescoço, cacos de vidro
cravejados em sua pele. Pedaços de plástico pendurados em um de seus
pulsos como joias.
Annette levantou a mão e três figuras apareceram atrás dela, seus rostos
brilhantes e indistintos – Tamara, Jesse e Colin. E depois mais figuras atrás
deles, e mais atrás deles: vinte, talvez trinta espíritos, todos eles com dólares
de areia sobre os olhos também. Mina teve um vislumbre do Sr. Giacomo
tremeluzindo nas ondas, sua boca aberta em angústia.
No centro de tudo estava Stella, tão cheia de luz que poderia ter sido um
espírito também. A onda subiu acima dela, tão alta que parecia apagar o sol.
— Eu não posso — Annette disse.
Mina mal teve tempo de gritar antes que a onda batesse na cabeça de
Stella e pusesse sua mãe no oceano.
Capítulo trinta e um

N OS DIAS SEGUINTES ao que o mundo de Evelyn sucumbiu, um líquido


estranho e lamacento começou a se espalhar por toda a baía de Cliffside.
Deixou para trás centenas de criaturas marinhas mortas e um fedor horrível e
inescapável, que a brisa carregava por toda a cidade. Ninguém era permitido
na praia além das equipes de limpeza enviadas para lidar com a bagunça, mas
isso não o impediu de retornar todas as manhãs. Evelyn não precisava chegar
perto da carnificina para saber o que estava acontecendo – ela podia ouvir as
vozes em pânico dos mortos bem o suficiente através de seu colar de
conchas. Ela tentou tirá-lo, mas isso só piorou.
A mãe de Mina não estava entre os mortos, pelo menos não ainda. Ela
apareceu na praia como um pedaço de madeira flutuante e foi levada para o
hospital, onde permaneceu viva, mas inconsciente.
— Então ela tomou o seu lugar na barganha? — Evelyn perguntou a
Mina. Elas estavam sentadas na casa do tio de Mina, no quarto em que Mina
dormia quando eram crianças. Fazia dois dias desde o incidente, mas Mina
passou a maior parte desse tempo no hospital, depois na delegacia, até que os
policiais estivessem suficientemente satisfeitos, tudo fora um terrível acidente.
Evelyn ficou aliviada por estar de volta ao mesmo quarto que ela.
Mina assentiu e estendeu o pulso. O dólar de areia azul-esverdeado estava
visivelmente desbotado.
— O vínculo era muito forte para ela transferir tudo de uma vez — disse
ela. — Mas todos os dias, eu sinto isso – ela – um pouco menos.
Evelyn escutou enquanto Mina lhe contava o resto. Não apenas sobre a
barganha que Stella fez para salvar sua vida, mas as mentiras que ela contou
para proteger a família Zanetti. E o vínculo que Mina sentiu com o próprio
fantasma, um que foi além do medo e em algum tipo de compreensão.
Evelyn percebeu que essa era a parte que mais assustava Mina.
— Seu pai é inocente — disse Mina. — Annette Shorewell matou Jesse,
Colin e Tamara. E minha família encobriu isso.
Evelyn lutou para encontrar qualquer tipo de alívio. Greg era inocente,
mas se o verdadeiro assassino era um fantasma, ela não tinha ideia de como
provar essa inocência. E era difícil para ela ficar furiosa com Stella Zanetti
quando ela estava em algum tipo de coma.
— Eu sinto muito — disse Evelyn. — Se não tivéssemos feito essa
convocação seis anos atrás, você nunca teria sido colocada nesta posição. E
sua mãe provavelmente teria imaginado como banir Annette agora.
— Não tenho certeza se isso é verdade. — Mina olhou tristemente para
seu dólar de areia desbotado. — Mamãe não pensa nas consequências de seus
atos. Mesmo agora, ela está morrendo de vontade de quebrar meu vínculo
com Annette. Mas se ela der toda a sua força vital para aquele fantasma...
Mina parou, mas Evelyn já havia juntado as peças.
— Você acha que ela não será mais um fantasma — ela terminou.
— Mamãe disse que um médium tem que ajudar um fantasma a cruzar
de volta ao nosso mundo para terminar a ascensão de um demônio. O que
ela está fazendo parece a maior ajuda que um fantasma poderia obter. E tudo
isso só para me salvar? — Sua voz quebrou. — Não é isso que eu quero. Isso
não está certo.
Algo cedeu nela então, como se a história de como ela tinha chegado
aqui fosse a única coisa que a mantinha unida. Ela soltou um gemido abafado
e suave e caiu nos braços de Evelyn, soluçando. Evelyn a segurou enquanto
ela chorava, aninhando o nariz no topo da cabeça de Mina. Ela sabia como
era ser inundada por emoções grandes demais para um corpo segurar.
— Eu não sei o que fazer — Mina disse finalmente. Ela era a mais alta,
mas ela se dobrou em Evelyn de qualquer maneira, seu rosto pressionado
profundamente em seu ombro. Evelyn podia sentir suas lágrimas através de
sua camiseta. — Estou com tanto medo.
— Eu também — disse Evelyn. — Mas eu sei que podemos encontrar
alguma maneira de parar Annette. Um exorcismo salvaria sua mãe, certo?
Mina fungou.
— Talvez. No entanto, não temos nada que tenha pertencido a Annette.
Não podemos fazer nada sem isso.
— Lembra do que você me disse? — Evelyn perguntou, acariciando seu
cabelo. — As práticas evoluem com o tempo. Assim como os médiuns.
Talvez seja hora de tentarmos algo novo.
Mina se afastou e, por um momento, Evelyn pensou que tinha
conseguido. Seus olhos estavam inchados, seu nariz vermelho. Mas então sua
boca endureceu, e sua expressão voltou a se fechar.
— Minha mãe pensou que ela poderia evoluir também — disse ela. —
Só piorou as coisas.
— Mas, Mina–
— Por favor — Mina sussurrou. — Pare.
Evelyn queria dizer que ela não era sua mãe. Que se enterrar dentro de si
mesma e se recusar a lutar só iria piorar. Mas ela não podia suportar ser dura
com Mina agora, não quando ela estava tão frágil.
— Ok — ela disse inquieta enquanto deixava Mina se enroscar contra ela
mais uma vez.
Mas Evelyn não podia ignorar sua preocupação de que se Annette
obtivesse a força vital de Stella na lua cheia da próxima semana, ela
provavelmente iria ascender. O oceano que Evelyn tanto amava estaria à
mercê de um demônio. E ela não tinha ideia de como pará-lo.

***

Os problemas familiares de Evelyn pareciam triviais comparados aos de


Mina, mas voltar para casa para os repórteres em sua garagem ainda doía. O
noticiário local tinha entrado e saído nos últimos dias, filmando a casa dos
Mackenzie’s como se fosse dar uma entrevista a eles. Evelyn atravessou os
Kowalskis' quintal, pulou a cerca e aterrissou um pouco desajeitadamente na
grama seca e marrom atrás de sua casa. Ela empurrou a porta dos fundos para
encontrar Greg olhando para as persianas, um espanador na mão e uma
expressão de pura determinação no rosto.
— Ah, bom. Você está de volta — ele disse. — Você sabe onde está a
vassoura?
Evelyn abaixou seu longboard. As luzes estavam acesas, iluminando a
vida suja quarto. A TV estava desligada. Um aspirador de pó estava encostado
na parede, que visivelmente havia sido usado no piso de madeira.
— Pai — ela disse. — O que você está fazendo?
— Limpando a casa, é claro. Eu deveria ter feito isso anos atrás.
— Quero dizer... sim — Evelyn disse cautelosamente. — Mas por que
agora?
Greg não parecia um homem que atualmente tinha repórteres sentados
do lado de fora de sua casa, olhando boquiabertos para a casa de um
potencial serial killer. Ele parecia quase contente.
— Parecia que era a hora. Agora, sobre aquela vassoura?
— É lá em cima — disse ela. — Você quer ajuda?
Ele assentiu.
— Se não for muito incômodo.
Juntos, eles esfregaram, tiraram o pó e varreram, movendo os móveis ao
redor para que pudessem dar ao chão uma verdadeira limpeza profunda. A
sala parecia diferente com tudo torto. Como se pertencesse a alguma outra
casa, com alguma outra família.
— Você não tem um turno hoje? — seu pai perguntou depois de um
tempo.
— Não. — Evelyn girou o esfregão no balde de água. — Eu meio que
desisti de ambos os trabalhos por um tempo. Até que isso, uh... acabe.
Greg assentiu, parecendo resignado.
— Seus chefes lhe deram problemas?
— Não. Acho que eles estão felizes por não terem que cortar minhas
horas. Eles não querem repórteres por perto.
Fazia apenas alguns dias, mas ela sabia que tudo havia mudado
novamente. Ela evitava olhar qualquer texto que não fosse de Mina. Ela não
podia suportar ler o ódio inevitável, ou quaisquer desculpas de seus supostos
amigos sobre a necessidade de espaço.
— Esses repórteres deveriam ter vergonha — murmurou Greg. — Você
é uma criança. Nada disso tem nada a ver com você.
— Não é você que tem medo deles? — Evelyn esfregou o pedaço de
chão onde a poltrona reclinável costumava ficar. Havia uma mancha enorme
na madeira, mas quanto mais ela a atacava com o esfregão, menos horrível
parecia.
A voz de seu pai estava incrivelmente cansada.
— Tenho medo há seis anos. Escondido aqui. Escondendo de você.
— Acho que estava me escondendo de você também — disse Evelyn. —
O verão do afogamento parecia algo impossível de conversar.
— Algumas coisas são difíceis de lidar, mesmo à distância — seu pai disse
gravemente. — Eu costumava ficar furioso com sua mãe pelo que ela tinha
feito, e ainda estou, mas entendo. Meredith também.
— Você entende por que Meredith deu aquela entrevista horrível?
Sua irmã mandou uma mensagem e ligou para ela, assim como todo
mundo em Cliffside Bay. Ela parou apenas porque Evelyn bloqueou o
número dela.
— Bem, essa parte não — disse Greg. — Mas eu entendo por que ela foi
embora. Este lugar não lhe causou nada além de dor por muito tempo.
— Por que você ficou, então? — Ela perguntou a ele. — Cliffside Bay
também machucou você.
— Eu sei. Mas eu não queria deixá-lo ganhar. Eu queria que houvesse
algo que esses rumores não pudessem tirar de mim. A verdade, porém, é que
eu não posso escolher se as pessoas acreditam em mim ou não. Se eles ficam
ou vão. Não importa o quanto eu tente segurar as coisas... elas tendem a
flutuar para longe.
Evelyn colocou o esfregão de volta no balde e o empurrou para o
corredor. As paredes e os peitoris das janelas estavam livres de sujeira e
poeira; os pisos de madeira brilhavam. Claro, os móveis ainda eram velhos e a
casa ainda estava frágil. Mas foi uma verdadeira melhoria.
— Eu tenho essa escolha também — disse ela. — E mesmo que esses
repórteres nunca nos deixem em paz, eu vou ficar.
Greg tossiu e virou a cabeça. Evelyn sabia que ele estava fazendo um
péssimo trabalho ao tentar não chorar.
— Você quer saber por quê? — ele perguntou finalmente. — Por que
estou limpando?
— Por que nossa sala de estar era nojenta?
Ele riu.
— Bem, sim. Mas mesmo que eu não possa fazer esses repórteres irem
embora, e eu não posso limpar meu nome... Posso ter certeza de que nossa
casa parece que as pessoas realmente moram nela.
Evelyn não sabia o que dizer sobre isso. Ela sentiu culpa, que seu pai
ainda estava aqui e a mãe de Mina estava no hospital. Alívio que ele estava
bem. Raiva por não ter sido capaz de funcionar assim antes. E outra coisa
também. Um puxão de esperança. Talvez eles pudessem encontrar alguma
maneira de sobreviver a isso juntos.
Antes que ela pudesse encontrar uma resposta, houve uma batida na
porta dos fundos.
— Merda — disse Greg. — Eles pularam a cerca?
Evelyn recuou, esperando que pudessem escapar das cortinas abertas
antes que os repórteres tirassem uma foto. Mas antes de dar mais do que
alguns passos, ela reconheceu as figuras do outro lado da janela.
— Espere. Esses não são repórteres.

***

Kenny parecia estar prestes a desmoronar, mas então, ele sempre parecia
assim. Luisa e Amy pareciam muito menos frágeis, embora ela pudesse sentir
a energia nervosa irradiando das três.
— Ei — Kenny guinchou. — Um. Ainda bem que encontramos a casa
certa. Teria entrado pela porta da frente, mas...
— É um pesadelo lá fora — disse Evelyn categoricamente. — Por que
vocês estão aqui?
Ela não podia saber se isso era algum tipo de truque – talvez alguém
tivesse plantado uma câmera em um deles. Mas não, Kenny era muito
neurótico para que isso funcionasse.
— Você não tem respondido nossas mensagens — Luisa disse. — Nós só
queríamos ter certeza de que você estava bem.
— E que você saiba que estamos pensando em você e Mina —
acrescentou Amy. — É super confuso que vocês duas estejam lidando com
tanta coisa agora.
— Você não… — Evelyn engoliu em seco. — Você não tem que fingir
ser legal comigo.
— Bem, eu tenho certeza de que não estou fingindo — disse Amy. Ela
olhou de Luisa para Kenny. — Você está?
— Não seja boba — Luisa disse gentilmente. — Você é nossa amiga.
— E o trabalho é muito mais chato sem você — acrescentou Amy. —
Você perdeu alguns escândalos reais. Kenny colocou seu podcast no sistema
de alto-falantes e quase foi demitido.
— Amy! — Kenny parecia querer afundar no Evelyn passos para trás. —
Mas, hum. Sim. Temos saudades de você.
— E pensamos que você poderia querer esquecer de tudo isso —
acrescentou Luisa. — Tem ingressos de cinema pela metade do preço neste
lugar a cerca de trinta minutos daqui. Quer vir?
Eles não tinham vergonha de ser seus amigos por causa de seu pai. Eles
não estavam desistindo dela, afinal. Evelyn nem tentou reprimir as lágrimas.
Evelyn tinha pensado em si mesma como um organismo solitário na
zona entre marés, preso, mas forte o suficiente para resistir a qualquer coisa.
Mas não era assim que um ecossistema funcionava. Nenhuma criatura
sobreviveu sem os ritmos do mundo maior, a complexa e frágil teia da vida
que deixou tudo e todos inextricavelmente conectados.
E Evelyn finalmente estava pronta para aceitar que não só ela sempre fez
parte desse ecossistema em particular – ela queria ser.
Cliffside Bay era sua casa.
Ela jurou naquele momento que encontraria alguma maneira de proteger
aquela casa de Annette, não importa o quê. Mas agora... agora, ela realmente
queria se sentar em um cinema escuro e legal e assistir a um filme com os
amigos que escolheram não fugir.
— Claro — disse ela, fungando. — Vamos lá.
Capítulo trinta e dois

M INA NÃO SABIA que era possível sentir tanto a falta de alguém. Ela se viu
agarrada a todas as boas lembranças de Stella que tinha: o canto
desafinado de sua mãe, sua comida, as opalas em seu cabelo brilhando
enquanto ela ria de todas as suas piadas internas. Mina passou as últimas
semanas evitando sua mãe, mas ela acreditava que, eventualmente, eles iriam
se enrolar naquele sofá de veludo laranja e conversar sobre isso. Agora ela se
perguntava se esse dia chegaria.
A fundação de seu oceano não era areia e sedimentos. Era sua mãe. E
mesmo depois das mentiras e traições de Stella, ela não poderia viver em um
mundo onde sua mãe havia sido tirada dela assim. Não havia nada a que se
agarrar. Nenhum lugar para correr. Tudo que ela podia fazer era afundar no
abismo.
Ela não percebeu o tempo passar. Às vezes Evelyn estava lá, às vezes não.
Sergio e Dom entravam e saíam de seu quarto de infância enquanto ela se
enfiava sob as cobertas, segurando um dos lenços transparentes de sua mãe –
como um bicho de pelúcia. Seu oceano estava além das tempestades, além
das ondas era plano e incolor, refletindo o céu de volta sem uma única
ondulação. Ele havia se rendido, assim como Mina.
Até que um par de shorts Sperry de cor salmão apareceu em sua linha de
visão.
Mina gemeu e puxou o edredom sobre a cabeça. Nick Slater era a última
pessoa com quem ela queria falar agora.
— Sei que não nos conhecemos muito bem. — A voz de Nick flutuou
através de seu casulo cobertor. — Mas acho que posso ajudá-la.
— Você? — Mina não conseguiu esconder seu desdém. — Não.
— Vou embora se você quiser — Nick parecia diferente do que
costumava fazer. Triste. Tranquilo. — Mas eu sei como é perder alguém que
é o seu mundo inteiro.
Jesse. É claro. Apesar de tudo, Mina sentiu o menor interesse. Ela puxou
os cobertores para baixo para ver Nick pairando ao lado de sua cama, uma
expressão estranha e esperançosa em seu rosto.
— Você nem gosta de mim — ela murmurou. — A última vez que você
me viu…
Annette Shorewell o atacou através dela. E então ele gritou para ela e
Evelyn irem embora.
— Eu sei o que eu disse. Mas eu não odeio você. E mesmo que eu
odiasse, ninguém merece passar pelo que você está passando.
— Talvez eu mereça — Mina estava pensando nisso desde o momento
em que a onda levou sua mãe embora. — Eu me liguei ao espírito de
Annette durante o verão do afogamento. Stella quebrou todas as regras dela
para me salvar.
— Eu... eu não sabia disso.
— Isso não importa de qualquer maneira. — Ela acenou com o pulso no
ar. O dólar de areia nele estava meio desaparecido agora, como uma
tatuagem temporária desaparecendo lentamente. — Quando desaparecer, ela
morrerá. E não há nada que eu possa fazer sobre isso.
— Tem certeza disso? — Nick se abaixou no chão e sentou-se de pernas
cruzadas no tapete. Ele era alto o suficiente para que isso o colocasse na
altura dos olhos de Mina. — Ela está viva. Isso significa que não é tarde
demais.
— Eu já disse isso a Evelyn — Mina protestou. — Não há mais planos.
Tudo o que eles fizeram foi destruir minha família.
Sua voz vacilou na última palavra. O rosto de Nick suavizou.
— Quando Jesse morreu, fiquei com tanto medo — disse ele. — Eu não
entendia por que ele me deixou, e meus pais estavam muito arruinados para
realmente ajudar. Mas agora eu sei que o mundo é injusto, e coisas horríveis
acontecem o tempo todo que estão fora do nosso controle.
— O que você está tentando dizer? — Mina odiava estar à beira das
lágrimas. Ela não queria chorar na frente de Nick Slater.
— Que isso não está fora de seu controle. Ainda não. — Nick encontrou
seus olhos. — Mina... se eu soubesse que havia a menor chance de salvar a
vida de Jesse, eu a pegaria. Não importa o quão perigoso.
Mina sentou-se lentamente, o sangue correndo para sua cabeça. Quando
ela tocou seu cabelo, ela podia sentir a gordura nele. Quando foi a última vez
que ela tomou banho? Comido?
— Isso é diferente — disse ela. — Toda vez que tentei fazer algo sobre
isso, piorei. Eu me liguei a Annette. Fortaleci esse vínculo. Agora eu dei a ela
tudo o que ela precisa para se tornar um demônio. Se eu interferir de novo...
com a minha sorte, eu vou encontrar uma maneira de torná-la ainda mais
poderosa.
A voz de Nick era firme.
— Evelyn sabe que você desistiu assim?
— Eu não desisti — Mina retrucou. — E pergunte a ela você mesmo.
Não foi ela quem colocou você nisso?
— Na verdade, quando finalmente consegui falar com ela, ela me disse
para deixar você em paz. Mas eu não vou deixar você sofrer por alguém que
ainda não se foi.
— Você não pode me obrigar a fazer nada — disse Mina. — Por que
você está mesmo preocupado? Você está com medo de que Annette vá
buscar sua família assim que ela ascender?
Para sua surpresa, Nick nem vacilou.
— Se fosse apenas minha família que ela machucaria, eu me importaria
muito menos. Mas Annette está fora de controle. Estive vasculhando os
arquivos de Jesse. Ele queria expor nossa família pelo que fizemos e quem
machucamos, mesmo sabendo que isso nos arruinaria. Annette matou ele,
Tamara e Colin de qualquer maneira. Se ela ascender, ela vai fazer pior.
— Então você acredita? — perguntou Mina. — Que a empresa da sua
família realmente mandou matar alguém?
— Acho que Jesse estava certo de que o assassinato foi um sequestro que
deu errado, mas... sim, eu acredito — disse Nick. — Mesmo que eu não
possa provar isso. Isso é o que Jesse estava procurando quando foi entrar em
contato com Annette, eu acho. Algum elo final que juntaria todas as peças e
tornaria impossível negar.
— Como você aguenta isso? — ela sussurrou. — Sabendo que eles
fizeram algo tão horrível?
— Não sei. — Nick suspirou. — Eu queria fingir que não estava
acontecendo no começo. Eu estava tão preocupado que não poderia ser o
filho que meus pais queriam que fiz Evelyn colar no teste, e agora aqui estou
eu, tentando descobrir se eles sabem parte do nosso dinheiro vem de um
encobrimento de assassinato e um desastre ambiental.
— Talvez eles não saibam — Mina sugeriu.
— Talvez — Nick disse, mas ela podia dizer que ele não acreditava. —
Olha, eu não pedi esses problemas. Nem você. Nem Evelyn. Mas se
desistirmos, você perde sua mãe para sempre. E Annette se torna um
demônio... o que é muito, muito ruim, certo?
Ela se lembrou do que ela minha mãe havia dito – que um demônio
estaria no mesmo nível de um desastre natural.
— Certo.
— Então me ajude a descobrir como pará-la — disse Nick. — Porque
não podemos mudar os erros que nossos pais cometeram, mas se não
tentarmos fazer algo sobre as consequências desses erros agora...
— Então eles vão ficar ainda piores. Eu sei.
Mina sempre pensou no fundo de seu oceano como inabitável. Os
pensamentos que ali pertenciam eram tão insondáveis e cruéis quanto o
território inexplorado do mar profundo. Mas agora ela se imaginava na água,
sem barco para andar, sem jangada para se agarrar. Ela mergulhou em sua
própria mente até chegar aos baús espalhados no fundo do oceano. Então ela
plantou os pés na areia e estendeu braços abertos, acenando em todas aquelas
memórias que ela afundou. Um por um, os baús rachados se abriram, e
Mina deixou seu conteúdo derramar através de seu mar.
Ela pensou em Stella mandando a família Mackenzie para o caos. Das
empresas Slater encobrindo o vazamento do Blue Tide. De luz alaranjada
corroendo a aura azul-esverdeada de um espírito, de dejetos chegando às
costas rochosas de Cliffside Bay. De Jesse, Colin e Tamara sentados naquela
caverna em Sand Dollar Cove, tentando encontrar paz para um espírito que
estava longe demais.
Ela acreditou que sua parte nisso estava terminada, que ela machucou
muitas pessoas para continuar. Mas a verdade era que ela estava com muito
medo de falhar novamente. Tão assustada que ela estava pronta para deixar
Stella ir. Tão assustada, ela estava pronta para se afastar quando Annette
ascendeu a um demônio que poderia destruir Cliffside Bay.
Mina nunca deixaria o medo controlá-la assim novamente.
Ela virou para Nick e deu-lhe um aceno firme e firme.
— Tudo bem - disse ela. — Vou tentar.

***

A primeira ordem de coisas a fazer no plano extremamente impraticável de


Mina era conversar com seu tio. Evelyn estava trabalhando em uma teoria
sobre como adaptar a cerimônia de convocação para suas práticas individuais
de médium, e Nick estava desenterrando o máximo que podia encontrar
sobre os planos de Jesse, Colin e Tamara. Então, enquanto eles estavam lá
fora juntando as peças do quebra-cabeça, ela foi procurar as suas.
Ela encontrou o tio Dom no cais atrás de sua casa, atracando sua lancha.
— Mina — disse ele, parecendo aliviado. — Você saiu da cama.
Mina tinha tomado banho, forçado uma refeição, até mesmo colocado
um pouco de corretivo. Tinha sido incrivelmente difícil, mas ela tinha que
tentar, pelo bem de Stella.
— Você tem um minuto? — ela perguntou. — Eu quero conversar com
você sobre uma coisa.
— Qualquer coisa para você. — Ele gesticulou de volta para a casa. —
Caminhe comigo?
O redemoinho de lixo em Long Island Sound tornava desagradável
chegar perto do oceano. Tio Dom vinha pescando em redes cheias de
animais mortos e apodrecidos todos os dias, até que o governo local proibiu
formalmente a pesca de qualquer tipo. Mina ficou mais do que feliz em
deixar o cheiro e a visão para trás.
— É sobre a mamãe — ela disse calmamente. — Sei que brigamos antes
de tudo isso, mas...
— Isso é passado agora. — Tio Dom passou um braço em volta dos
ombros dela. — Nós somos sua família, Mina. Vamos passar por isso juntos.
Mina sentiu uma onda de calor com isso. Ela sabia que seu tio fizera
parte das tramas de sua mãe, mas também sabia que ele a amava.
— Eu sei — disse ela. — Mas precisamos conversar sobre o que fazer a
seguir.
— Eu não poderia concordar mais. — Tio Dom empurrou a porta dos
fundos. Mina o seguiu até a cozinha. Não era nada parecido com o da casa
de campo – Stella havia levado todos os seus suprimentos quando eles se
mudaram, e o tio Dom não se preocupou em substituí-los. — Sei que é
difícil, mas... acho que está na hora de conversarmos sobre o que fazer com a
casa. Podemos trazer suas coisas de seu quarto, mas temo que não haja espaço
suficiente para todos os móveis armazenados. Talvez pudéssemos vendê-la...
— O que? — Mina deu de ombros fora de seu alcance, sem
compreender. — Eu… eu só vou ficar aqui por um tempo. Até ela acordar.
O olhar no rosto de seu tio ameaçou quebrá-la.
— Tenho conversado com os médicos. Ela não vai acordar.
Era o pior pesadelo de Mina. E por um momento afundou através dela,
empurrando para baixo sua determinação recém-descoberta. Talvez ele
estivesse certo.
Mas este verão tinha ensinado a ela que talvez ele estivesse errado
também.
— Isso é porque eles não sabem por que ela está doente — Mina
protestou. — Nós sabemos. Podemos fazer um plano. Podemos quebrar o
vínculo dela com Annette, encontrar uma maneira de salvá-la...
— Chega. Precisamos aceitar como as coisas são.
— Você está aceitando que mamãe está atualmente ajudando a criar um
demônio?
— Nós não sabemos com certeza — Tio Dom disse. — Mas mesmo que
ela esteja, nós já passamos este verão tentando exorcizar o espírito de
Annette. A barganha dela tornou isso muito mais complicado do que já era.
— Isso não significa que não podemos consertar isso — Mina protestou.
Mas seu tio hesitou, e Mina entendeu que ele não ajudaria.
— Tudo bem — Ela manteve sua voz plana. — Só não tente me
impedir.
Mina não poderia estar mais nesta casa. Ela não tinha certeza para onde
poderia ir – a casa de Evelyn tinha sido um campo minado de repórteres
desde que as notícias sobre seu pai foram divulgadas – mas ela não ficaria
aqui.
Antes que ela pudesse alcançar a porta, porém, seu caminho foi
bloqueado por Sergio.
— Ei. — Ele parecia perturbado, embora Mina supôs que todos
estivessem. — Eu ouvi seu argumento.
— Fantástico. — Mina passou por ele, mas ele ergueu as mãos.
— Espere. Acho que posso te ajudar.
— Sério? Achei que você não se importasse com nada disso.
— Eu não posso ser o médium que papai quer, não — Sergio disse, sua
voz abafada. Mina entendeu – a qualquer momento, tio Dom poderia sair da
cozinha. —, mas se você vai tentar salvar a tia Stella, eu quero ajudar.
Mina não pisava no quarto de Sergio há tempos. Estava mal iluminado e
bagunçado, com um cesto de roupa suja transbordando e alguns pôsteres mal
pendurados nas paredes azul-escuras. Ela se sentou em um pufe, tentando ao
máximo evitar manchas suspeitas.
— Papai está com muito medo de confrontar Annette — Sergio disse,
sentando-se ao lado da cama. — Mas é a única maneira de fazer isso direito.
— Eu sei — disse Mina. — Mas eu não consigo pensar numa maneira de
chamá-la assim não nos coloca em perigo ainda maior. Mesmo se tentarmos
quando formos mais poderosos... ela vai nos sobrecarregar.
— Acho que essa é realmente uma das maiores coisas que papai fez de
errado — disse Sérgio. — São os espíritos que estão mais fortes durante as
luas novas e cheias. Não os médiuns. Claro, você pode ouvi-los com mais
clareza, mas eles têm muito mais poder para bagunçar tudo. Se você quer a
sua melhor chance... Acho que você deveria ir atrás dela durante a lua
minguante, quando a amplitude das marés é mais baixa. Ela ficará mais fraca.
Mina não tinha pensado nisso antes. Fazia um estranho tipo de sentido.
— Mas isso é em dois dias — disse ela. — Isso não é muito tempo.
— Sua mãe não tem muito tempo.
Foi direto, mas verdadeiro. Mina conteve mais lágrimas; haveria tempo
para isso mais tarde.
— Eu vou pensar sobre isso — disse ela. — Ainda não tenho uma
invocação exata em mente. E eu não acho que Annette vai cair nessa – ela
deve saber que vamos tentar isso.
— Então, pelo que ela cairia? O que ela quer?
Mina franziu o cenho. O que ela poderia querer agora que tinha Stella
em suas garras e uma ascensão no horizonte? Mina pensou na visão que teve,
no modo como Annette lhe disse para pegar o dólar de areia. E ela teve uma
ideia.
— Ela quer fazer uma barganha — disse ela. — Então eu vou oferecer a
ela uma que ela não pode recusar.
Capítulo trinta e três

O CENTRO COMUNITÁRIO DE SHOREWELL parecia solitário à noite, seus braços


de vidro estendidos em um abraço vazio. A lua crescente pairava acima
do pico agudo de um telhado, quase invisível através das nuvens que cobriam
o céu. A umidade grudava na pele de Evelyn, e ela sabia que uma
tempestade estava chegando. Uma de suas mãos agarrou a alça de sua bolsa
de lona. O outro estava apertado no de Mina.
— É aqui — disse ela enquanto caminhavam pelo estacionamento
deserto. Ela mal podia ver Mina além de uma silhueta, mas percebeu o aceno
da outra garota.
Se pudessem impedir Annette de ascender, salvariam vidas. Incluindo a
mãe de Mina.
Ou eles falhariam, morreriam horrivelmente e seriam absorvidos por um
demônio.
Sem pressão.
O prédio estava trancado, mas Mina usou a identidade de funcionário de
sua mãe para avisá-los. Evelyn seguiu Mina e sua lanterna a bateria pelos
corredores labirínticos, tocando periodicamente a concha em volta do
pescoço para conforto.
Quando chegaram ao porão, Mina parou e colocou sua lanterna em uma
prateleira. Tudo estava envolto em uma luz fraca e dourada – decorações de
casamento descartadas e suprimentos de dispensa, latas de tinta velhas e copos
empoeirados.
— O que está acontecendo? — Evelyn perguntou nervosamente. Eles
estavam embaixo de um arco de madeira envolto em rendas roídas por traças,
a poucos metros da porta trancada com cadeado para a piscina. — Algo está
errado?
— Não — disse Mina. — Mas eu não sei o que vai acontecer lá. E caso
as coisas dêem errado... eu queria. Hum. Beijar você. Mais uma vez.
Evelyn ficou surpresa ao se encontrar à beira das lágrimas. Ela podia
olhar Mina nos olhos quando ela ficou na ponta dos pés e colocou os braços
em volta do pescoço da outra garota. Mina a agarrou ferozmente, como se
Evelyn fosse desaparecer se ela a soltasse.
Mas quando seus lábios estavam separados por um fio de cabelo, Evelyn
parou. O rosto de Mina estava dividido entre luz e sombra, seus olhos
fechados. Ela usou um rosto cheio de maquiagem para parar uma demoníaca
ascensão. Evelyn a conhecia bem o suficiente agora para entender que era
outro mecanismo de defesa, como um círculo de sal para o autocontrole de
Mina.
— Isso não é um beijo de despedida — Evelyn sussurrou. — Esta sou eu
prometendo a você que vamos fazer isso de novo.
Os olhos castanhos de Mina se abriram.
— Eu prometo também — ela sussurrou de volta. E então seus lábios
estavam nos de Evelyn, e por um momento Evelyn esqueceu onde eles eram
e o que eles precisavam fazer. Havia apenas Mina, e isso era o suficiente.

***

As rachaduras no chão formavam teias de aranha no concreto, espalhando-se


de uma parede até a fundação da própria piscina. Quando Evelyn terminou
de varrer o círculo de sal que Dom e Stella deixaram para trás, seus tênis
esmagaram cacos de vidro quebrado. O cheiro de podridão flutuou pelas
janelas quebradas enquanto ela estudava as fissuras que se cruzavam abaixo da
água. O trovão ribombou à distância, e Evelyn sentiu um punhado de chuva
em seu rosto.
Do outro lado da piscina, Mina abriu sua mochila com estampa de
margaridas e tirou um suprimento vitalício de velas, três tigelas de vidência
diferentes e um monte de vidro embrulhado em bolha. Um recipiente
gigante de sal já estava no chão ao lado dela.
— Você sabe que estamos apenas invocando um fantasma, certo? — disse
Evelyn.
Mina olhou para cima com tristeza.
— Eu estava preocupada que não teríamos suprimentos suficientes.
— Você é totalmente aquela garota que faz malas demais para viagens.
Mina corou.
— É importante estar preparada.
Não demorou muito para derramar sal ao redor da piscina, ou colocar
velas para acender o chá ao redor do círculo que eles fizeram. Enquanto
Evelyn os acendia um por um, cada chama bruxuleante lembrava o quão
frágil ela e a vida de Mina se sentiam diante de algo tão perigoso.
Assim que terminaram, Evelyn desenterrou sua própria contribuição para
essa convocação improvisada. Ela havia pensado muito no espírito de
Annette Shorewell – mais especificamente, nas formas como Annette foi
alterada pela composição química do Som. Se ela e Mina queriam ter alguma
chance de sobreviver a isso, eles precisariam descobrir como se defender
contra esse poder.
Ela tinha ido à praia ontem de manhã e coletado amostras do lodo que
Annette tinha levado à praia, junto com alguns frascos de água turva. Então
ela despejou tudo em uma tigela no chão de seu quarto e mergulhou os
objetos pessoais do Trio de Cliffside dentro. Juntas, Evelyn e Mina
derramaram seu sangue na água enquanto Clara observava de seu tanque.
Evelyn deixou a tigela em seu quarto durante a noite, coberta com papel
filme, e quando ela verificou na manhã seguinte, uma luz azul e laranja
rodou dentro. Ela podia sentir a carga que segurava mesmo à distância.
Agora, ela segurava dois frascos daquela água em suas mãos. Um novo
tipo de proteção, ou pelo menos ela esperava, o vidro Zanetti e o mundo
natural de Mackenzie misturados. Se tudo corresse de acordo com o plano, o
que Evelyn achava improvável, as proteções serviriam como uma maneira de
bloquear a influência das vítimas de afogamento no verão e forçar Annette a
se mostrar diretamente a eles. Idealmente, também tornaria mais difícil para
ela machucá-los.
— Aqui — disse Evelyn, entregando um dos frascos para Mina. A luz
azul crepitou dentro por um momento antes de desaparecer atrás um
redemoinho de lama. — Você pode sentir o poder nisso?
— Sim. — Mina fechou a mão ao redor do frasco. Evelyn mal conseguia
distinguir o dólar de areia desbotado em seu pulso.
O plano delas não era tão complicado. Elas convocariam Annette e
diriam a ela que descobriram quem ela era, assim como Mina pretendia
originalmente, e que queriam emprestar sua força à vingança dela em vez de
tentar parar a sua. Para isso, ela precisaria renovar seu vínculo com Mina... e
era aí que elas tentariam bani-la.
— Nós não temos um objeto que pertenceu a ela — Mina explicou. —
Mas nós temos a mim. Se eu puder puxá-la para o nosso mundo... não
deveria ser capaz de empurrá-la de volta também?
Evelyn esperava que Mina estivesse certa enquanto mergulhavam uma
tigela de vidência de madeira na piscina. Mina tirou um suíço rosa canivete;
Evelyn optou por seu fiel estilete. Eles cortaram as palmas das mãos, depois
juntaram as mãos. Seu sangue combinado escorria por seus pulsos e na tigela.
A mão de Evelyn latejou quando ela a puxou, mas ela não limpou o
sangue. Algo zumbiu na sacola ao lado dela, seu telefone. Evelyn franziu a
testa para a luz que brilhava através da tela. Ela não teve tempo de lidar com
alguém mandando mensagens para ela agora.
— Esta pronto? — ela perguntou, voltando-se para Mina.
— Não. — Mas Mina pegou a tigela em suas mãos, inclinou-se sobre o
círculo de sal e despejou o conteúdo na piscina. Ela recuou apressadamente
para ficar atrás da barreira, e Evelyn seguiu seu exemplo.
Enquanto o sangue deles rodopiava pela água, iluminado pelo brilho de
três dúzias de velas, Evelyn começou a recitar as palavras que eles praticaram.
— Nós chamamos você, Annette Shorewell — ela disse, segurando o
frasco em uma mão e a concha em volta do pescoço na outra.
— Mostre-se e negociaremos com você. — Mina parecia estranhamente
calma.
— Nós chamamos você, Annette — eles cantaram juntos.
O telefone de Evelyn tocou novamente. Ela sentiu um nó de déjà vu em
seu estômago – e se algo tivesse acontecido com seu pai? Outra notícia?
Algum tipo de prisão?
Ela olhou para a piscina, determinada a se concentrar. A chuva caía sem
parar agora, salpicando o vidro, lavando o cheiro de podridão. Um assobio
suave veio da água. Seu foco de vidência brilhou um momento depois,
enviando uma luz azul que emanava de onde ela descansava entre suas
clavículas. O frasco em sua palma sangrenta começou a esquentar.
— Oh — Mina murmurou ao lado dela. O dólar de areia em seu pulso
também brilhava em azul.
A água na frente deles ganhou vida de uma só vez, espumando e girando
em vários redemoinhos minúsculos. Uma mão brilhante irrompeu de um,
depois de outro, até que havia três arranhando desesperadamente o ar. Mas
em vez de espíritos subindo do oceano, uma luz laranja crepitava na beira dos
redemoinhos, e as mãos desceram lentamente. o frasco queimou quente
contra a pele de Evelyn.
O triunfo a percorreu. Elas impediram que o Trio de Cliffside se
materializasse. Isso estava realmente funcionando.
Outro redemoinho começou a se formar no centro da água, maior que
os outros três. Evelyn respirou fundo e se preparou quando um espírito
começou a subir. Primeiro uma cabeça inclinada, depois dois ombros, depois
as mãos, que Annette Shorewell apoiou a água se debatendo como se fosse
um objeto sólido. Ela inclinou a cabeça para cima, seu rosto tremeluzindo.
Mina havia contado a Evelyn como era o espírito, mas não era nada
comparado à visão dela pessoalmente. Dólares de areia foram pressionados
sobre os olhos de Annette; algas marinhas, embalagens de doces e pontas de
cigarro enroladas em seu cabelo. Suas unhas eram cracas, seus dentes cacos de
vidro quebrado. Ela cheirava tão fortemente de podridão que Evelyn quase
se engasgou. E ela parecia estar apodrecendo também, porque aquela luz
laranja e corrosiva brilhava como um pequeno sol dentro de seu esterno.
Gavinhas serpenteavam de um nó pulsante em seu torso através de seus
membros, corroendo-a de dentro para fora.
— Annette Shorewell. — A voz de Mina ainda estava calma. — Que
adorável de sua parte se juntar a nós.
Em resposta, Annette levantou seus braços muito longos no ar. A piscina
agitou-se furiosamente até que a água espirrou pelas laterais. Evelyn olhou
nervosamente para o círculo de sal, mas ele permaneceu intacto.
— Gostaríamos de negociar com você — continuou Mina, levantando a
voz enquanto trovões ressoavam no mar agitado além das janelas.
A voz de Annette era baixa e áspera.
— Por que eu iria negociar com você? Eu tenho tudo o que eu poderia
querer.
— Não queremos mais impedi-la — Evelyn disse. — Nós sabemos o que
você passou.
— Sabemos como você sofreu e queremos ajudar.
Annette rodou dentro e fora de foco.
— Você... não queria isso antes.
— Mudei de ideia — disse mina. — Se você quebrar seu vínculo com
minha mãe, podemos ajudá-lo a ascender agora. E você terá a força de duas
jovens médiuns ao seu lado. Um negócio melhor, não é?
— Eu... n… — A luz laranja cintilou mais forte dentro dela, e ela
estremeceu, o corpo tremendo. — Sim.
Evelyn sentiu uma pontada de desconforto. O fantasma apenas tentou e
falhou em dizer não?
— Excelente. — Mina tirou o foco de vidência de Stella de seu bolso, o
orbe de vidro verde que ela pegou depois que seu pingente foi destruído
pelo fantasma. — Aqui.
Ela jogou na piscina. Imediatamente, a água começou a girar em torno
dele. Annette se abaixou, suas mãos agarrando o pingente. Ela murmurou
baixinho, como se sussurrasse palavras doces, então o esmagou na palma da
mão. A luz subiu de sua mão e se dissipou no ar, e Evelyn sentiu algo mudar.
A forma de Annette cintilou nas bordas, confusa e estática.
— Como sabemos se ela realmente fez isso? — Evelyn perguntou.
Mina hesitou.
— Eu... eu senti algo. E, bem, olhe para ela.
— Eu me enfraqueci — Annette assobiou. — Agora você.
Isso era muito simples. Muito fácil.
— Annette — Mina começou. — Nós banimos–
O teto começou a tremer. Evelyn engasgou quando um pedaço de
madeira caiu no chão, depois outro. A água escorria por cada um dos
buracos, intensificando o cheiro de sal e podridão.
— Diga-me que isso deveria acontecer.
— Não... não deveria — Mina subiu para seus pés e olhou
freneticamente para a água que jorrava do teto. — Pare com isso, Annette–
— Não posso. — A voz de Annette ainda estava rouca, mas havia uma
nota nela que parecia quase... em pânico. Uma rajada de vento passou pela
sala, trazendo mais chuva com ela, e a água se acumulou contra o concreto,
lavando o círculo de sal. Evelyn ficou de pé também, jogando sua bolsa sobre
o ombro dela. Seu telefone ainda tocava furiosamente lá dentro.
— Sim, você pode — Evelyn estalou. — Você não se enfraqueceu?
Annette soltou um gemido suave e doloroso. Ela tinha tantas
contradições ao mesmo tempo: humana e desumana, natural, mas não
natural, presa entre a vida e a morte em um turbilhão de laranja e verde
azulado.
— Ela vai sair — Mina ofegou. — Precisamos correr.
Evelyn a sacudiu cabeça.
— Espere. — Os dólares de areia sobre os olhos de Annette, o medo
frenético em sua voz – ela não tinha certeza se o fantasma estava mentindo
quando disse que não podia parar com isso. Não havia controle aqui. Parecia
muito mais uma espécie de colapso emocional do que uma fúria calculada.
Como uma onda que se ergueu muito alto e estava prestes a desabar.
— Annette. — Evelyn não conseguiu encontrar seu olhar, mas ela olhou
para os dólares de areia de qualquer maneira. — Alguém está fazendo isso
com você?
— Ela é quase um demônio — Mina protestou atrás dela. — Ela só quer
nos machucar–
— Ele — Annette lamentou. — Ajuda–
E então ela parou, sua cabeça chicoteando para o lado como se ela tivesse
levado um tapa. O teto balançou novamente e, desta vez, o chão tremeu
com ele. Evelyn caiu, derrapando dolorosamente para o lado. Seu telefone
tocou no concreto atrás ela, e ela o tirou de uma poça por instinto.
Ela olhou para a tela rachada, e então ela engasgou.
Um número incontável de chamadas perdidas de Nick e duas mensagens
de texto.

ENCONTREI MAIS FILMAGEM NO BACKUP


DE JESSE. O PRIMO DE MINA O AJUDOU.

POR FAVOR LIGUE O MAIS RÁPIDO


POSSÍVEL.
— Mina! — Evelyn jogou o telefone na bolsa e apoiou as mãos no chão
escorregadio, que havia começado a tremer novamente. Talvez tenha sido a
tempestade, talvez tenha sido o resultado de muitos anos de ondas erodindo
o penhasco abaixo dela. Mas a fundação desta casa estava desmoronando. —
Sergio era amigo do Trio de Cliffside. Acho que ele... ele...
— Chega.
Evelyn praguejou e rolou. Ela inclinou a cabeça para ver o rosto
desapaixonado de Sergio Zanetti. Uma de suas mãos estava fechada em
punho.
O outro segurava uma arma.
Capítulo trinta e quatro

A S PALAVRAS DE EVELYN RODAVAM na mente de Mina. Sergio esteve perto


das vítimas do afogamento no verão. Era a peça que faltava que elas
estavam procurando: ele deve ter sido o único a colocá-los no caminho de
contato com um fantasma. E se ele soubesse dessa investigação, a única razão
pela qual ele não teria contado a eles sobre era... porque ele tinha algo a
esconder.
— Você não precisa de uma arma para um fantasma — Mina disse
suavemente. A água caiu no concreto ao redor deles quando outro pedaço
do teto caiu aos pés de Sergio.
— Ainda bem que não foi por isso que eu trouxe — disse Sergio. —
Vocês duas fizeram o que eu precisava. Agora é hora de terminar isso.
— O que você está fazendo com Annette? — Evelyn retrucou. Atrás
dela, o fantasma balançou de um lado para o outro, gemendo baixinho
enquanto flutuava na piscina. A luz laranja crepitava na água ao redor dela.
Mina tinha sentido Annette A presença voltou à sua mente quando o
fantasma apareceu para eles, frisando em seu cérebro como estática. Ela
entendia agora que estava ouvindo puro e puro pânico.
Sérgio apenas deu de ombros.
— Nada que vocês duas não tenham feito primeiro.
Mina virou-se lentamente, com medo de provocá-lo enquanto ele
segurava a arma.
— Você está ligado a ela, também, de alguma forma. Eu... eu pensei que
você não fosse médium.
Em resposta, Sergio abriu o cerrado primeiro.
Mina reconheceu o objeto de plástico branco dentro como o mesmo que
ela tinha visto durante sua visão com Annette, piscando dentro e fora com o
dólar de areia. Era uma espécie de grampo de cabelo, manchado de
carmesim, como o resto de sua palma. Ele deve ter usado seu sangue nele.
— Você tem algo que pertencia a ela — Mina sussurrou. — Você teve
isso o tempo todo.
Ela pensou que Annette estava tentando negociar com ela. Mas quando o
fantasma disse para pegar, ela deve ter querido dizer para tirar. De Sérgio.
Annette lamentou o que poderia ter sido um acordo. Pela primeira vez,
Mina desejou que seu vínculo com o fantasma fosse mais forte. Talvez então
ela poderia descobrir como parar isso.
— Estou surpreso que você tenha demorado tanto para descobrir —
disse Sergio.
— Você os assassinou. — Evelyn olhou para Sergio com fúria
indisfarçável. — Jesse, Colin e Tamara – você os alimentou para Annette para
que ela ficasse mais forte? Você queria fazer um demônio?
— Não! — Sua voz falhou. — Eu não. Foi um acidente.
— Sim, e que acidente — disse Evelyn. Sérgio treinou a arma apontada
para ela em resposta, e o rosto de Evelyn empalideceu, suas sardas de verão se
destacavam contra sua pele.
Mina empurrou seu pânico para baixo. Ela poderia sentir tudo mais
tarde, mas tudo o que importava agora era a sobrevivência dela e de Evelyn.
A melhor maneira que ela poderia pensar para dar a eles uma chance de lutar
era fazer Sergio acreditar que ela entendia seu lado da história.
— Então foi um acidente. — Ela tentou soar calmante. — Você não
queria que nada acontecesse com seus amigos.
— Não! — Um estalo horrível soou de cima, e a sala inteira estremeceu.
— Eu tinha... planos. Para um fantasma. Mas eles não se mostraram para
mim como fizeram com papai e tia Stella. Então, quando eu descobri que
algumas crianças da minha série já estavam procurando por uma garota
morta... eu imaginei que eles poderiam querer saber disso se ela tivesse uma
razão boa o suficiente. estar por perto, havia uma chance de que eles
pudessem falar com ela. Eles poderiam descobrir tudo o que precisavam
saber sobre o assassinato dela. E eu poderia me beneficiar dessa convocação,
porque finalmente forçaria um fantasma a me ver. Achei que tia Stella
poderia dar a eles o que eles precisavam, mas mesmo sem ela eu sabia o
suficiente para ajudar por conta própria. Eu disse a eles que precisávamos de
algo que pertencia ao fantasma... e Tamara realmente a encontrou.
Aparentemente, algumas coisas dos Shorewell’s foram deixadas para trás no
porão quando eles se mudaram.
Mina pensou nos velhos adereços empoeirados com os quais brincava
quando criança e estremeceu. Algum deles pertencia a Annette?
— Quando fomos à praia naquele dia, pensei que estávamos preparados.
Eu não tinha ideia de que ela já era tão forte. Eu não queria que eles
morressem.
— Mas você não morreu — Mina disse ocamente.
— Não. — A boca de Sérgio se contraiu. — Quando a convocação deu
errado, eu peguei isso. — Ele agarrou o grampo de cabelo com mais força.
— Isso me manteve seguro.
Porque ele era o único que sabia o quão importante era realmente. Mina
não aguentou. Que ele teve a solução o tempo todo, que ele viu o quanto
Annette a estava machucando... e ele não fez nada para detê-lo.
— Eu ia usá-lo para fazer uma barganha com Annette — ele continuou.
— Mas papai e tia Stella estavam em alerta máximo logo após os assassinatos,
e então vocês duas a chamaram, e de alguma forma você acabou ligada a ela,
e... bem. Achei que nunca teria outra chance no poder até este verão. Tudo
o que tenho feito desde junho é esperar que você afrouxe esse vínculo com
ela para que eu possa substituí-lo por meu próprio. E agora eu tenho.
— Por que você se ligaria a ela? — Mina perguntou, tentando não deixar
seu horror transparecer.
Sérgio sorriu sombriamente.
— Eu vou te mostrar. — Ele agarrou o plástico com força, e Annette
gritou novamente.
— Isso permite que você a controle — Evelyn gritou. — Você quer que
ela ascenda para que ela possa ser sua... seu demônio de estimação.
— Sua namorada entendeu — disse Sérgio, com falsa admiração. — Esse
vínculo é uma via de mão dupla. Você realmente achou que se você puxasse
um demônio para este mundo, eles não te devem alguma coisa? Stella nunca
te contou. E você estava com muito medo de descobrir por si mesma.
Não deveria ter surpreendido Mina que um demônio pudesse ser usado
como uma ferramenta da mesma forma que um espírito, mas o pensamento
ainda a aterrorizava.
— Papai e tia Stella tiveram a ideia certa, experimentando com
pechinchas — continuou Sérgio. — Eles simplesmente não pensaram grande
o suficiente. Eles deveriam ter aproveitado a forma como o mundo está
mudando esses fantasmas, transformando-os em armas perfeitas. Agora posso
mostrar ao papai que sou um médium mais poderoso do que ele jamais
poderia imaginar.
Mina ainda estava apavorada, mas sentiu algo novo se mexendo dentro
daquele terror – compreensão. Ele só queria ser como Dom, assim como ela
sempre quis ser como Stella. Mas esse desejo o havia deformado da mesma
forma que Long Island Sound havia deformado o espírito de Annette.
Ele havia tirado todas as lições erradas dos erros de seus pais. Em vez de
tentar consertar o dano que eles causaram, ele queria torná-lo ainda pior
para se beneficiar. Mina tinha que impedi-lo, não importa o quê.
— Você não tem ideia de quanto dano uma ascensão causará — disse
Mina. — Pessoas inocentes vão morrer. É isso mesmo que você quer?
— Vai ficar tudo bem — disse Sergio. — Quão grande negócio isso
pode realmente ser? A tia Stella provavelmente só mentiu para te assustar, e
você caiu nessa. De novo.
O chão se inclinou e Mina deslizou para o lado, agarrando
freneticamente o concreto. A água espirrou por toda parte; extinto velas e
detritos reunidos no espaço entre a parede e o caixilho da janela. Seu frasco
de proteção quebrou em pedaços. A lanterna deslizou em direção ao vidro e
caiu pela janela quebrada, seu brilho desaparecendo na tempestade enquanto
caía em direção ao oceano. O estômago de Mina embrulhou quando ela viu
a vista abaixo deles – a beira do penhasco, as ondas agitadas, a chuva caindo
de um céu cor de hematomas. O prédio estava desmoronando. Se eles não
saíssem logo, levaria todos os três com ele. Talvez já fosse tarde demais.
Evelyn também escorregou, mas Sergio conseguiu manter o equilíbrio.
Mina tentou e falhou em correr em direção a ele enquanto ele se ajoelhava
na beira da piscina, ainda segurando a arma frouxamente em uma mão.
— Finalmente está na hora — ele respirou, atravessando os restos do
círculo de sal e mergulhando a mão na piscina. — Venha, Shorewell.
Mostre-nos o que você tem.
A água na piscina estalou laranja, então rugiu para a vida, um
redemoinho girando para cima. Annette girou com ele, laranja e azul
explodindo em sua forma fragmentada. O lodo se espalhou pela água e
esguichou sobre a borda da piscina enquanto ela arranhava a borda do círculo
– então rompeu.
Mina sentiu a ascensão em seus próprios ossos. Foi esse mesmo anseio
que ela experimentou durante todo o verão ampliado por mil, atravessando-a
como um maremoto. O dólar de areia no pulso de Mina queimava, e Mina
queimava com ele, desejando o mundo que ela havia abandonado, desejando
sentir a respiração em seus pulmões e o sol em seu rosto – Não. Não.
Aqueles não eram seus pensamentos. Ela se engasgou e forçou sua mente a se
afastar do espírito de Annette. Sergio havia calculado mal: Mina ainda estava
ligado ao fantasma. Não – o demônio.
Annette estava no chão de concreto, lamacenta, água contaminada
pingando de suas mãos. Ela parecia quase tão sólida quanto na visão de Mina.
A luz ainda girava sob seus braços e pernas, mas a cada segundo que passava
ela estava menos translúcida, seu corpo voltando à carne pálida e molhada.
Resíduos ainda vazavam por baixo dos dólares de areia em seus olhos,
pingando suas bochechas como lágrimas, e uma lama cinza-alaranjada se
acumulava ao redor de seus pés. Ela pegou um dos dólares de areia e puxou,
mas não saiu.
— Não tão rápido — Sergio disse rapidamente. Ele balançou o grampo
de cabelo na frente dela. — Eu controlo você, lembra? Se você quiser cruzar,
você precisa fazer o meu lance.
Mas Sérgio estava errado.
Algo balançou dentro de Mina como um músculo novinho em folha
flexionando pela primeira vez. Ela podia sentir a fúria de Annette. Sua dor. E
pela primeira vez, ela não empurrou para fora, assim como ela se deixou
afundar em seu oceano. Ela alcançou Annette da mesma forma que Annette
sempre a alcançou. O dólar de areia em seu pulso brilhava em laranja, mas
ela não sentia mais nenhuma dor.
— Você não a controla. — Mina não reconheceu sua voz. — Eu
controlo.
Agora, ela pensou.
Uma torneira de lodo subiu da piscina atrás deles, batendo direto no
torso de Sergio e empurrando-o para o chão. Sua arma voou pelo concreto,
um tiro disparando descontroladamente quando se chocou contra a janela.
Evelyn gritou quando o carmesim escorreu de seu braço.
Mina gritou, lutando para rastejar para frente. Mas Annette estava
agachada entre as duas garotas, suas mãos longas e finas entrelaçadas ao redor
da garganta de Sergio. Seus lábios se separaram, o queixo escancarado quase
até o peito enquanto ela revelava todo o comprimento daqueles dentes de
vidro. A luz alaranjada faiscou no rosto de Sergio quando gavinhas verdes
azuladas emergiram de suas narinas, depois de sua boca. Annette bebeu, sua
forma ficando mais sólida a cada segundo.
Não, Mina pensou freneticamente. Assim não…
Mas qualquer momento de controle que ela teve já estava desaparecendo.
Annette não seria impedida.
— Precisamos correr — Evelyn chamou do outro lado da sala. Seu braço
ainda estava sangrando, mas ela estava vasculhando o chão atrás de alguma
coisa. Sua mão se fechou em um punho – aquele era seu frasco de proteção?
— Vamos, Mina, essa coisa toda está caindo–
O chão se inclinou novamente. A água jorrou do teto quando ele se
abriu, e Mina foi jogada para trás. O vento gritou como uma banshee. Ela
bateu a cabeça contra o concreto antes de socar a janela quebrada.
E então ela estava no precipício, arremessando-se em direção à água, e
quando Mina caiu, ela se perguntou se o que ela tinha ouvido sobre
afogamento era verdade. Se doer apenas quando você lutou.

***

Mina atingiu o oceano com tanta força que nem parecia água – mais como
colidir contra uma superfície plana e se estilhaçar em milhares de minúsculos
e dolorosos pedaços. Seu corpo estava em agonia, qualquer movimento inútil
contra a força da corrente. Ela não tinha ideia de qual caminho era para cima
ou para baixo. Havia apenas o mar frio e turvo e uma sensação nebulosa de
pânico.
Ela abriu os olhos e não viu nada. Ela queria gritar, mas não o fez, sua
respiração era tudo que ela tinha.
Trinta a sessenta segundos. Esse era o tempo que uma pessoa média
poderia prender a respiração. Quanto tempo Mina tinha antes que a água
entrasse em seus pulmões onde o ar costumava estar.
Ela não queria ir assim, tão confusa, tão dolorosa. Ela não queria ir, mas
não tinha certeza se tinha escolha.
Uma luz cintilou no oceano ao lado dela, azul e fraca, mas lá. Ela
chutou, e estava mais perto. Ela chutou novamente, e estava tudo ao seu
redor, torcendo e se contorcendo como uma de suas criaturas marinhas
imaginárias.
E então ela não estava mais no Sound. Ela não estava em lugar nenhum.
— Você está morrendo.
Mina abriu os olhos. A primeira coisa que viu foi o teto em forma de A
do Centro Comunitário de Shorewell. A segunda coisa que viu foi a garota
ajoelhada ao lado dela. Dólares de areia estavam pressionados sobre seus olhos
e lodo havia coagulado em suas bochechas, mas ela parecia humana, e de
alguma forma isso era muito mais perturbador do que o demônio que Mina
tinha visto na piscina.
Mina engasgou e se sentou. Ela podia respirar, ou pelo menos achava que
podia, embora houvesse um estranho aperto no peito. Quando ela olhou
para suas mãos, elas piscaram de verde translúcido e azul para carne humana.
— O que é isto? — ela sussurrou. — Por que estou aqui?
— Eu te disse. Você está morrendo. — Annette se levantou, seus sapatos
estalando no piso de madeira quando ela deu um passo para trás. — Ela
também.
Evelyn apareceu no chão de madeira um momento depois, a poucos
metros de distância. Ela estava enrolada de lado, um braço estendido como se
estivesse em protesto. O sangue ainda escorria da ferida em seu ombro. Por
um momento, seu corpo ficou azul esverdeado, assim como o de Mina, antes
de voltar ao normal. Seus olhos se abriram e ela rosnou uma sequência
verdadeiramente impressionante de obscenidades enquanto se levantava.
— Somos fantasmas? — Evelyn exigiu. — Porque se formos, eu vou
fazer você desejar nunca–
— Ainda não — Annette disse calmamente. — Mas logo.
Ambos caíram no Sound. Elas estavam se afogando. E o espírito de
Annette as estava absorvendo, assim como ela havia absorvido Sergio.
Assim como você disse a ela. Mina empurrou esse pensamento para
longe. Isso só a faria afundar mais rápido.
— Estou ligada a você — Mina disse em vez disso. — Se eu morrer,
você não vai?
— Você me deixou atravessar — Annette disse. — Isso não importa mais
para mim.
Mas havia uma leve pontada de hesitação em sua voz. Mina se lembrou
de quão perto ela sentiu aquela ascensão. O vínculo entre elas ainda não
havia sido quebrado.
Se ela pudesse trazer Annette para este mundo, certamente sua teoria
estava certa. Ela poderia jogá-la de volta.
Ela respirou fundo e tentou se concentrar naquele músculo novamente.
Annette estremeceu, piscando, e por um momento Mina viu um vislumbre
de algas marinhas enroladas em seu cabelo, dos cacos de vidro brilhando em
sua boca.
— Pare com isso — ela sussurrou.
Encorajada, Mina buscou aquela atração em sua mente mais uma vez,
mas não conseguiu encontrá-la. Ela olhou para seu pulso – seu dólar de areia
não estava mais brilhando. A conexão estava desaparecendo rapidamente. Por
um breve momento, Mina sentiu a água fria e escura pressionando sua pele;
seus pulmões queimavam por ar, seus lábios se abriram em um último
suspiro–
E então ela estava de volta, estremecendo. Elas não tinham muito tempo.
— Sinto muito por te meter nessa confusão — Mina disse para Evelyn.
Ela queria que seu rosto fosse a última coisa que ela visse - que cabelos
ondulados e desgrenhados, aqueles olhos arregalados de nuvens de
tempestade. — Eu sinto muito por tudo.
E então Evelyn lhe deu aquele sorriso. O que Mina tinha visto cem vezes
neste verão. O que significava nós temos isso.
— Não sinta — ela disse, e pegou sua mão.
Mina sentiu imediatamente: o formato de plástico do grampo de cabelo
preso entre as palmas de ambas as mãos. De alguma forma, de alguma forma,
Evelyn a manteve. A esperança surgiu nela quando eles se voltaram para
Annette, juntas.
Talvez eles não pudessem dar a esse exorcismo seu sangue. Mas Mina
esperava que ambos tivessem oferecido um sacrifício suficiente no momento
em que atingiram a água. Que dois médiuns seriam suficientes de uma forma
que nem mesmo seu vínculo com Annette poderia ser.
O pulso de Mina começou a brilhar em um verde azulado e, pela
primeira vez, seu pulso parecia reconfortante.
— Eu bano você, Annette Shorewell — Mina disse, as palavras ecoando
pela ilusória sala de estar. — Você não tem poder aqui.
Um grande gemido ecoou pela sala, e o chão começou a estremecer.
Rachaduras apareceram no piso de madeira, estranhamente semelhantes às
do concreto ao lado da piscina.
— O que você está fazendo? — o demônio rosnou, avançando em
direção a eles. Seu corpo estava ficando translúcido novamente, vidro eriçado
em sua boca, algas marinhas enrolando-se em seu cabelo. Seus braços eram
muito longos, suas unhas estendidas irregulares, pedaços quebrados de
concha. — Eu seguro suas vidas em minhas mãos. Eu–
Ambas apertaram o grampo de cabelo, e o demônio soltou um gemido
agonizante. Mina foi tomada por uma súbita onda de culpa. Ela era uma
garota que havia sido assassinada, depois distorcida, depois controlada por
Sergio.
Mas não, ela não era mais uma garota. Ela era um demônio. Ela havia
dobrado as regras da vida e da morte com tanta força que elas as quebraram.
E era trabalho de Mina – não, Mina está ligando – encontrar uma maneira de
mandá-la de volta para onde ela pertencia.
— Eu bano você — disse Evelyn. — Deixe os espíritos que você tomou
e as pessoas que você machucou.
Outra rachadura, desta vez do teto. A sala inteira estava estremecendo
agora, piscando para dentro e para fora. Os móveis haviam desaparecido. O
teto em formato de A caiu e água turva escorreu. Ele enrolou em torno de
Annette como um redemoinho. Ela gemeu, arranhando o ar com as mãos. A
luz laranja se espalhou por ela novamente, tão brilhante que doía olhar, e o
dólar de areia de Mina pulsou novamente.
— Eu bano você — elas disseram juntos. Annette caiu de joelhos,
rosnando. Vozes giravam na mente de Mina, gritando e lamentando; o vento
soprou o mundo fortemente. Mas ela e Evelyn ainda estavam de pé enquanto
a água subia. Ainda de mãos dadas. Mina morreria antes de deixá-la ir.
O corpo de Annette convulsionou, torcendo-se de formas estranhas e
incompreensíveis. Ela estendeu uma mão azul-esverdeada – e por um
momento, apenas um momento, ela mudou.
Ela ainda estava translúcida. Ainda um fantasma. Mas uma garota agora,
os dólares de areia sumiram de seus olhos. Mina a encontrou larga,
horrorizada de olhar.
— Está na hora — Mina disse, e o rosto de Annette suavizou por um
momento. Talvez fosse a resignação. Talvez fosse alívio.
— Eu sei — o demônio sussurrou. E então seu corpo se desenrolou,
azul, verde e laranja se contorcendo um do outro em mil pequenos
tentáculos. A água caiu sobre suas cabeças, e a mão de Mina foi arrancada da
de Evelyn.
A última coisa que ela sentiu antes de sua consciência se desvanecer foi o
abraço frio e entorpecente do mar.
Capítulo trinta e cinco

E VELYN ACORDOU NO hospital, onde ela passou os próximos dias sendo


tratada para o ferimento de bala em seu braço e a água que ela aspirou
em seus pulmões. Mina também havia sido internada, mas havia sofrido
algum tipo de envenenamento pelos dejetos na água e sofreu uma lesão
cerebral que exigia cuidado. Os médicos não deixavam ninguém além da
família vê-la, apesar das melhores tentativas de Evelyn de convencê-los do
contrário.
Ela tinha distrações, no entanto. Primeiro foram os policiais, que lhe
fizeram muitas perguntas sobre Sergio Zanetti. Ela disse a eles que ele a
atraiu e Mina para o centro comunitário e atirou nela antes que a coisa toda
desmoronasse no oceano, o que era tecnicamente verdade. Eles disseram a ela
que o corpo dele tinha chegado à costa, afogado. E eles perguntaram se ela
sabia alguma coisa sobre evidências recentes que vieram à tona ligando-o ao
Trio de Cliffside.
Evelyn sabia que eles estavam juntando peças, contando eles mesmos
qualquer história que se adequasse a toda essa confusão. Ela não confiava
neles, mas sabia que não suspeitavam mais de seu pai. Ela esperava que isso
fosse suficiente. E quando ela considerava a morte de Sérgio, só conseguiu
ver como uma tragédia quando pensou na dor que Mina devia estar
sentindo.
Quanto ao seu fantasma... bem. Evelyn ainda não sentira nenhum traço
do espírito de Sergio, mas estava ansiosa para exorcizá-lo.
Assim que terminaram de interrogá-la, mais visitantes chegaram. Seu pai,
é claro, que lhe disse em voz baixa que sua mãe havia pagado as contas do
hospital. Evelyn tentou encontrar energia para ficar chateada com isso e
decidiu que era o mínimo que Siobhan poderia fazer por ambos. Ruthie e
Marvin trouxeram uma sopa e um cartão de FIQUE BEM do Sr. Clark. A Sra.
Morales deu a ela uma sacola cheia de livros da biblioteca. E Luisa, Amy e
Kenny apareceram com sobras de doces da Basic Bean e vídeos de répteis da
Scales & Tails. Luisa e Kenny também admitiram que eles estavam
namorando, o que Amy estava apropriadamente convencida.
— Então ela se foi? — Nick perguntou a ela. — Annette, quero dizer.
— Ele veio vê-la no dia em que ela deveria ter alta. Seu pai trouxe seus
shorts favoritos e camiseta para o hospital. Colocá-los foi tão bom que ela
quase chorou.
— Sim — disse Evelyn. — Nós a exorcizamos. Seu irmão e seus amigos
estão livres.
— E quanto ao espírito de Jesse? Ele também se foi?
Evelyn havia perdido seu foco de vidência durante o exorcismo, que
levou a sonhos estranhos e visões mais estranhas, breves vislumbres de outras
vidas e sussurrando novas vozes. Ela podia sentir as vítimas do afogamento do
verão, mas elas não se demoravam de dor como antes. Embora houvesse algo
de expectante sobre a presença deles em sua cabeça.
Eu vou te ajudar em breve, ela os prometeu, girando o copo de água em sua
mesa de cabeceira.
— Acho que não — disse ela. — Quando Mina e eu sairmos daqui,
daremos o adeus que você merece.
— As famílias de Tamara e Colin estão de volta à cidade — disse Nick.
— Por causa de... tudo. O sexto aniversário de suas mortes é esta semana, e
eles estão realizando um memorial privado para seus filhos.
Evelyn não perguntou como ele sabia disso. Obviamente, ele tinha sido
convidado.
— Talvez seja isso que seus espíritos estão esperando — disse ela. — Um
último adeus.
— Talvez — disse Nick. — Mas não acho que essa seja toda a história.
Eu confrontei meus pais sobre Jesse, e eles admitiram que sabiam sobre a
fábrica Blue Tide. Então eu... estive conversando com um repórter.
Entreguei cópias de tudo que Jesse encontrou. O mundo precisa saber a
verdade, mesmo se não pudermos provar.
Evelyn se sentiu surpresa, depois justificada. O que a Sand Dollar
Corporation e a Slater Enterprises fizeram foi inequivocamente errado. Mas
o que veio depois foi muito mais complicado. Um fantasma deixado à mercê
de um mundo em mudança e um oceano errático. E uma família de médiuns
com ego e desespero suficientes para dar ao espírito de Annette o poder que
ela queria.
Dois meses atrás, Evelyn estaria determinada a expor os Slaters e a
corrupção da planta para o mundo, independentemente de como Nick se
sentia sobre isso. Mas ela sabia como era doloroso ser forçada a ficar sob os
holofotes por algo que ela não tinha feito pessoalmente. Não era uma
decisão que ela queria tomar por Nick. Ela estava feliz que era um que ele
mesmo tinha feito.
— Espero que você esteja pronto para as consequências — disse ela.
— Eu sei que não estou. Mas é o que Jesse gostaria. E não vou ficar
quieto só porque isso facilita minha vida.
— Acho que ele ficaria orgulhoso de você — disse ela. — Jesse, quero
dizer. Você é muito menos idiota do que poderia ser.
Nick bufou.
— Obrigado, eu acho. — Mas Evelyn podia dizer que ele não estava
bravo com ela.
Havia mais uma coisa que ela queria dizer a ele. Ela se sentiu obrigada,
embora ela soubesse que iria machucá-lo, e este verão já o tinha machucado
muito.
— E eu... eu sei que este verão não foi fácil para você, por muitas razões
— disse Evelyn. — Mas você deveria saber que Mina e eu estamos meio que
namorando? Eu acho?
A boca de Nick se contraiu, mas sua voz estava calma.
— Você acha que eu não percebi que vocês duas estavam afim uma da
outra?
Evelyn corou.
— Eu só não quero que você descubra isso por outra pessoa.
— Entendo. — Ele hesitou. — Eu não vou fingir que não estava com
ciúmes. Ou que isso não será estranho para mim, pelo menos por um tempo.
Era difícil para Evelyn não se perguntar se alguma parte daquela
estranheza era porque Mina era uma menina. Mas então ela estudou Nick,
que estava olhando para ela com tanta seriedade, e ela decidiu que não era
um julgamento justo a ser feito. Nick ainda era bonito, ainda cuidadoso com
aquele cabelo castanho escuro artisticamente despenteado, mas havia uma
gentileza em seu rosto agora que Evelyn não tinha notado antes. Nenhum
deles era a mesma pessoa de dois meses atrás.
— Eu entendo — disse ela. — Mas se você precisar de alguém para
conversar sobre sua família estar no noticiário, e sua vida ser mais difícil por
causa disso...
A última visita de Evelyn foi Stella Zanetti.
Ela nem sabia que a mulher estava acordada, muito menos no ponto em
que ela poderia visitar outros pacientes. Mas lá estava ela, ainda conseguindo
parecer intimidante e legal em um vestido de hospital.
— Evelyn Mackenzie — ela disse, abaixando-se em uma das cadeiras de
plástico para visitantes e gesticulando para Evelyn se juntar a ela. — Acho
que precisamos conversar.
— Uh — Evelyn disse —, você falou com Mina?
— Um pouco. — Stella cruzou as mãos no colo com requinte. O gesto
lembrou tanto a Evelyn de Mina que doeu fisicamente. — Ela ainda está
dentro e fora da consciência. Receio que só consegui pegá-la acordada por
alguns minutos.
Levou tudo que Evelyn tinha para não correr pelo corredor e tentar
chutar a porta de Mina aberta.
— Ela vai ficar bem?
— Os médicos estão quase certos de que ela terá uma recuperação
completa.
Evelyn quase não gostou disso, mas ela tinha ouvido a mesma coisa sobre
si mesma alguns dias atrás, e ela estava bem. Ou pelo menos principalmente
bem. A respiração ainda parecia facas na garganta às vezes, e seu ombro doía,
mas ela podia lidar com isso.
— É melhor que sim — Evelyn murmurou.
— Ou o que? Você vai ameaçar o cosmos?
— Não foi basicamente isso que você fez para salvar a vida dela?
A expressão de Stella expressão permaneceu neutra, mas sua voz soou
divertida.
— Touché. Ouça, estou aqui para me desculpar. Eu sei o que aconteceu
com Sérgio. E sei como dificultei sua vida neste verão. Eu queria culpar
qualquer um, exceto minha família, por nossos próprios erros, mas foi
completamente inapropriado da minha parte direcionar minha raiva
equivocada para você.
— Obrigada — Evelyn disse cautelosamente.
— Temos uma grande dívida com você. Sem você, minha filha e eu
quase definitivamente estaríamos mortas.
— Ei, Mina é muito inteligente. Ela provavelmente poderia ter
descoberto isso sozinha.
— Talvez, embora você certamente tenha tornado as coisas mais fáceis
— disse Stella. — Você não é uma médium Zanetti, Evelyn. Mas eu nunca
deveria ter pedido para você ser. Você está construindo sua própria prática.
Fazendo regras que funcionem para você. Está tudo bem se você não quer
nada comigo, mas... Estou feliz em oferecer qualquer orientação que você
possa precisar.
Parte de Evelyn realmente queria alguém por perto para responder às
perguntas. Os Zanetti’s eram o motivo pelo qual ela podia falar com os
mortos – mesmo que ela não fosse como eles, ela não podia negar que a
experiência de Stella poderia ser útil. Mas isso não parecia suficiente quando
comparado a tudo o que Stella havia feito.
— Você empurrou a polícia para meu pai depois do verão do
afogamento — disse ela. — Eu não acho que posso esquecer isso. E você está
certa de que eu não sou uma médium Zanetti. Eu presto atenção ao que
realmente está acontecendo aqui. O som é especial, e está doendo. Então
vou descobrir como protegê-lo da melhor maneira possível e torná-lo o mais
seguro possível para os vivos e os mortos. Sem você.
O rosto pequeno e pontudo de Stella permaneceu inalterado. Mas
Evelyn passou todo o verão observando o controle emocional de Mina, e ela
podia dizer pelo pequeno enrijecimento em seus ombros que isso doeu.
— Vou respeitar essa decisão — disse ela. — Mas Mina me disse que
vocês duas estão se encontrando. E então tudo o que posso fazer é esperar
que um dia você me perdoe o suficiente para vir jantar em nossa casa
novamente. Considere isso um convite aberto.
Evelyn entendeu naquele momento que Stella não estava fazendo isso
por ela. Ela estava fazendo isso por Mina. Tentando ser a melhor mãe que
podia depois dos desastres deste verão. Ela esperava pelo bem de Mina para
que as duas pudessem se curar.
— Mina é importante para mim — disse Evelyn. — E eu sei que
significaria muito para ela se eu pudesse te perdoar. Então eu vou tentar. Mas
se eu aceitar esse convite, será por ela. Não por você.
Stella assentiu uma vez, bruscamente.
— Eu entendo.
Capítulo trinta e seis

A PRIMEIRA COISA QUE STELLA Zanetti fez no dia em que Mina chegou do
hospital foi alcachofras recheadas. Mina pairava desconfortavelmente na
parte de trás da cozinha enquanto sua mãe misturava migalhas de pão e
queijo, em seguida, cortava as pontas das alcachofras com uma tesoura de
cozinha e as descascava até o sufoco emplumado. o centro do vegetal tinha
desaparecido.
Mina estava no hospital há uma semana. Nos primeiros dias, ela estivera
inconsciente e consciente, uma casca fraca e febril de si mesma. Ela bateu a
cabeça ao cair, e o dano resultante de quase se afogar não ajudou. Mas ela se
sentiu melhor, além de um pequeno pedaço raspado na parte de trás da
cabeça que era facilmente coberto e uma sensação persistente de água salgada
na boca.
O dólar de areia em seu pulso se foi. Mina não sabia exatamente quando
tinha desaparecido, mas tinha certeza de que nunca mais voltaria.
— Estou pensando em fazer disso parte do meu novo cardápio de bufê.
— O Centro Comunitário Shorewell desmoronou no oceano junto com um
grande pedaço do penhasco, então Stella estava no mercado para um novo
emprego. Ela já tinha algumas ofertas dos hotéis locais. — Tire as folhas e
serão duas dúzias de pedacinhos de alcachofra com ervas. São um aperitivo
perfeito.
Agora que ela estava em casa, Mina podia dizer que nenhuma das duas
sabia por onde começar, então sua mãe começou da única maneira que sabia:
comida.
— Mãe — Mina disse baixinho.
Stella virou-se para encará-la corretamente. Os cantos de sua boca
estavam tremendo. Pela primeira vez, Mina notou mechas grisalhas em seus
longos cabelos castanhos.
— Sim?
E então Mina a puxou para um abraço, e os braços de Stella gentilmente
se fecharam em volta de seus ombros, ainda cobertos de alcachofra e
migalhas de pão. Ela não tinha certeza de qual deles começou a chorar
primeiro, só que ambos foram incapazes de parar por muito tempo.
Elas acabaram no chão da cozinha, o que parecia certo.
— Eu menti para você sobre tanta coisa — disse Stella. — Desculpas não
parece grande o suficiente. Eu me esforço para acreditar que qualquer palavra
poderia.
Mina tinha pensado muito uma vez que a nebulosidade em sua mente se
desvaneceu. Sobre o que sua mãe tinha feito e por quê. Sobre como se sentiu
na primeira vez que viu o rosto de Stella pairando sobre o seu naquela cama
de hospital – como se finalmente pudesse se lembrar de como respirar
novamente.
— Eu menti para você também — disse Mina.
— Bem, sim, mas você tem dezesseis, minha conchinha. — Stella deu
um tapinha na mão dela. — Você deveria mentir para sua mãe.
— Sobre festas, talvez. Eu não acho que nenhum dos estereótipos
normais da adolescência cubra a ascensão demoníaca.
— Talvez não — Stella admitiu. — Mas meu ponto ainda está de pé. Eu
enganei você, e isso é inaceitável.
— Não é… eu… — Mina suspirou. — A mentira não é o que me deixa
chateada. Pelo menos, não mais.
— Então o que é? — Estela perguntou. O forno brilhava atrás dela.
Stella insistira em colocar as alcachofras antes de se sentar. O cheiro de
molho de limão-erva-parmesão estava começando a se espalhar pela sala, mas
quando Mina tentou inalá-lo, ela ficou com a boca cheia de sal.
Ela estremeceu e apoiou as costas contra o armário. Veio em ondas, essa
dor, e sempre trouxe uma cascata de lembranças com isso.
— Você tentou se sacrificar por mim. Por que você achou que isso
tornaria as coisas melhores? — Saiu como a acusação que era.
O rosto de Stella tremeu, mas ela apertou a mão de Mina.
— Eu tive algum tempo para pensar sobre isso — disse sua mãe. — É
verdade que me senti culpada pelo que aconteceu com você e que queria
que você estivesse segura. Mas também sei que é da minha natureza me
autodestruir quando sinto que falhei.
Mina se lembrou de si mesma na praia na noite depois da primeira
grande briga entre ela e Stella e estremeceu.
— Minha também — ela sussurrou. — Mas eu aprendi que isso não
ajuda muito. Principalmente, só piora toda a situação.
— Eu gostaria de ter entendido isso antes — disse Stella. — Isso teria
poupado a nós duas de muitos problemas.
Mina fungou.
— Sim. Teria.
— Tem outra coisa — Stella disse calmamente. — Tio Dom gostaria de
ficar conosco por um tempo, se estiver tudo bem para você.
— Eu entendo.
Ele a visitou no hospital depois que ela melhorou, mas foi difícil.
Principalmente seu tio havia chorado daquele jeito rouco – olhos
avermelhados, assoando muito o nariz – enquanto ele lhe dizia, repetidas
vezes, que não tinha ideia do que era que Sérgio estava fazendo. Mina
acreditava que nenhum dos dois sabia. Sua mãe e seu tio eram imperfeitos,
mas não eram monstros.
— Não sei como pude ter perdido o envolvimento dele — disse Stella.
— Eu sinto tanta culpa. Nós dois sentimos.
— Ele não os matou — disse Mina. — O fantasma fez isso.
— Mas ele ainda carrega a responsabilidade por suas mortes.
A traição que Mina sentiu no engano de Sergio levaria muito tempo para
curar. Ela estava abalada com o quão aterrorizante ele tinha sido no centro
comunitário, como ele usou sua dor por Stella para seus próprios fins vis. Ela
não conseguia entender como ele tinha visto a forma como os fantasmas
estavam mudando e queria tirar vantagem disso em vez de ficar horrorizado
com isso.
Elas o pararam, mas apenas por pouco. E agora que ele estava morto,
Mina enfrentou o cálculo complexo de luto... e esperando a voz dele
aparecer em sua cabeça.
— É curioso que ele ainda não tenha chegado — Stella continuou
tocando seu novo objeto de vidência – uma pequena pomba em uma
pulseira. — Seu espírito está certamente inquieto, mas eu não senti nada
disso. Nem Dom.
Mina tinha sua própria teoria sobre porque o espírito dele ainda não
havia aparecido. Um que a fez se sentir vazia e aliviada. Ela sabia o que tinha
ordenado que Annette fizesse com Sergio depois de sua ascensão. Ela não
sabia o que absorver o espírito de uma pessoa viva fazia com eles, mas talvez
destruísse sua alma para sempre. Talvez ela tivesse sido responsável pelo
inimaginável.
Mina nunca queria usar esse tipo de poder novamente. Ela sentiu o início
de algo que ela poderia enfiar em um baú e enterrar nas profundezas infinitas
de seu oceano, mas não. Ela não iria mais afastar seus medos. Ela já havia
pensado em conversar com um terapeuta sobre algumas coisas, mas havia
peças que ela não podia compartilhar com ninguém além de Evelyn. Doeria,
mas não apodreceria, e talvez isso fosse suficiente.
Ela sabia que não compartilhar isso com Stella significaria mais uma
mentira entre eles. Mais um segredo. Mas ela esperava que fosse um segredo
que ela estaria pronta para contar um dia, quando fosse a hora certa. E depois
de tudo que sua mãe havia feito com os dois... Mina sentiu que lhe deviam
um pouco de tempo de processamento.
— Estaremos prontos para ele — disse ela.
O cronômetro disparou, e Stella pegou as alcachofras, seu cabelo
iluminado pelo brilho do forno. Eles comeram na sala, sentados juntos no
veludo laranja sofá. As folhas estavam deliciosas, recheadas com pão ralado e
queijo derretido na carne da alcachofra.
— Achei que poderíamos comer pipoca com alho e parmesão para a
sobremesa — disse Stella. — E então uma maratona de filmes. Quaisquer
que você quiser.
— Isso soa excelente — disse mina. — Mas eu quero falar sobre como
vai ser conosco. De agora em diante, quero dizer. Com treinamento
médium... e com todo o resto.
— Evelyn recusou trabalhar comigo — Stella disse cuidadosamente.
Mina não estava surpresa.
— Estou mais disposta do que ela. Mas eu não quero voltar a ser como as
coisas eram antes. Acho que não consigo.
— Bem, o que você quer? — Stella perguntou a ela.
— Eu adoraria falar com o resto da nossa família — disse Mina. —
Acredito que, embora minha marca de dólar de areia tenha desaparecido,
meu vínculo com Annette moldou a maneira como me comunico com os
fantasmas. Eu não preciso de um foco de vidência. Já estou sintonizado com
os mortos. Espero que, se tiver acesso a mais mídias, possa encontrar algumas
dicas de como lidar com esse tipo de conexão.
Stella olhou para ela gravemente.
— Eu suspeitava disso — disse ela. — Dominic e eu já entramos em
contato com eles sobre a situação de Sergio. Não tenho certeza se eles vão
nos ouvir, mas se eles responderem, eu vou colocar você em contato com
eles.
Mina assentiu.
— Isso soa bem. E eu… eu quero que você me escute, mãe. Responda
minhas perguntas. Para onde vamos a partir daí, eu não sei.
— Vou tentar o meu melhor —, disse Stella.
Não foi perfeito. Mas foi um início.
Mina sempre soube que Stella a amava mais do que tudo no mundo.
Agora, ela se perguntava se sua mãe a amava o suficiente para mudar.
Ela queria acreditar que podia.

***

O Basic Bean estava fechado. Tinha sido um longo dia de calor opressivo de
agosto, e Mina tinha visto cliente após cliente pedir algo gelado e calmante
para afastar a umidade. Ela mexeu a bebida – tinha sido por conta da casa –
enquanto observava Evelyn ir e vir atrás do balcão em um turbilhão de
energia, ligando para os clientes e devolvendo os pedidos para Kenny e Amy.
— O que você acha? — Luisa perguntou de seu assento do outro lado da
mesa. Mina passou as fotos em seu telefone. Os dois haviam passado a tarde
na casa dela, encenando uma sessão de fotos com a Coleção Zanetti antes de
irem se encontrar com os outros. Luisa estava incrível no macacão, enquanto
Mina vestia timidamente as calças largas. Ela olhou para seu rosto com
surpresa – ela parecia hesitante, mas feliz.
— Eu acho que elas estão perfeitas — disse ela. — Mal posso esperar
para fazer o resto.
— Amy já pediu para modelar aquela jaqueta nova em que você está
trabalhando. Ela diz que vai fazê-la parecer uma pirata gótica.
— E isso é uma coisa boa?
— Vindo dela, isso é um grande elogio.
— Bem, tudo bem, então — disse Mina. — Eu posso tirar suas medidas
hoje, se ela quiser.
As duas haviam se unido – Luisa queria tirar fotos para enviar como seu
portfólio para um estágio de fotografia na cidade, e Mina precisava das fotos
para poder finalmente começar a divulgar seu trabalho nas redes sociais. Não
estava nem perto de começar a ser vendido, mas ela queria divulgar. Ela se
comprometeu a criar tudo com materiais de segunda mão, tanto quanto
possível. Era melhor para o meio ambiente e um desafio legal com cada
roupa.
Enquanto trabalhavam juntas, Luisa confessou a Mina que tinha uma
página secreta de fotografia com mais de vinte mil seguidores, mas tinha
vergonha de compartilhá-la.
— Confie em mim — Mina disse a ela. — Vale a pena dizer aos seus
amigos com o que você se importa.
O turno dos outros terminou, e eles se amontoaram ao redor da mesa.
Mina acabou espremida entre Kenny e Evelyn, que agarraram a mão dela e a
apertaram de forma tranquilizadora.
— Você está pronto para o meu show hoje à noite, certo? — Amy
perguntou, inclinando-se sobre a mesa.
— Mina? — perguntou Evelyn.
— Não sou bom com multidões, mas vou tentar.
— Nem nós — Luisa disse. — Mas a banda é muito boa.
— Eles são — Kenny confirmou. — Eu tenho ajudado eles a gravar um
EP.
Evelyn havia dito a Mina que Kenny gostava muito de podcasts, mas
aparentemente ele também gostava de engenharia de áudio. Mina estudou
todos eles e se perguntou como foi que eles a aceitaram tão prontamente
quando ela era uma total estranha. Mas eles também aceitaram Evelyn, e a
tarde de Mina com Luisa parecia tão... fácil.
Se ela queria proteger Cliffside Bay, ela precisava fazer parte disso, assim
como Evelyn. O que significava que ela precisaria construir uma
comunidade em seu próprio caminho, com seus próprios objetivos. Na
verdade, tentar fazer amigos parecia um bom primeiro passo.
Os outros começaram a fazer as malas, falando animadamente sobre o
show que estava por vir. Mas Kenny ficou para trás. Ele limpou a garganta e
ajustou os óculos de aro de tartaruga.
— Hum, ei — disse ele. — Há algo que eu sempre quis perguntar a
você. Espero que não seja muito estranho.
— Se for muito estranho, eu vou te dizer — disse Mina.
— Ok. Bem... sua família. Sabe aqueles rumores de que você é meio...
bruxa? Quão verdadeiros eles são?
Mina se permitiu um sorriso lento e autoindulgente.
— Você acreditaria em mim se eu dissesse que eles são?
Kenny engoliu em seco, parecendo abalado. Mina poderia dizer que ele
não tinha absolutamente nenhuma ideia se ela estava brincando.
— Você quer uma carona ou não? — chamou Amy. — Peguei
emprestado o carro do papai.
— Bem? — Evelyn perguntou, mas Mina sabia que ela estava
principalmente perguntando a ela. — Você está vindo?
— Sim — disse Mina. E o sorriso de Evelyn tornou impossível para ela
não sorrir de volta.
Capítulo trinta e sete

A UMIDADE DE AGOSTO PARECIA um cobertor indesejado contra a pele de


Evelyn. Ela olhou através dos óculos de sol para a praia à sua frente,
apreciando a vista – tiras de madeira, algumas tão altas quanto ela e outras tão
pequenas quanto lascas, alguns ramalhetes de plástico dos adereços de
casamento e, como sempre, a inevitável chuva de vidro. Novos escombros do
Centro Comunitário Shorewell chegavam à costa todas as manhãs. E Evelyn
estava lá para encontrá-lo três vezes por semana, armada com luvas, um saco
de lixo e quaisquer voluntários que se juntassem a ela.
— Você acha que pode me ajudar a levantar isso? — ela perguntou,
apontando para a maior laje de madeira.
— Conheço um desafio quando ouço um — disse seu pai. Ele tinha sido
a praia mais constante de Evelyn companheiro de limpeza, obedientemente
encontrando-a na porta da frente com as chaves do carro, seu chapéu e um
tubo de protetor solar. — Você acha que seu velho não é forte o suficiente?
— Venha provar que estou errada, eu acho.
A investigação sobre a morte de Sergio levantou a nuvem de suspeita de
seis anos que pairava sobre Greg Mackenzie. E embora sua exoneração não
tenha consertado tudo, ajudou nas maneiras que Evelyn se importava mais.
Seu pai saia de casa novamente por outros motivos que não um turno de
trabalho. Ele fazia caminhadas na natureza. Ele andou de caiaque. Ele até
tentou fazer hambúrgueres vegetarianos do zero, embora tivessem saído
horríveis.
Ela tinha um pai novamente. Mas por tudo que ela ganhou neste verão,
ela perdeu alguém também. Evelyn pensava em desbloquear o número de
Meredith todos os dias, mas ainda não estava pronta. Ela tinha certeza de que
ela seria um dia, mas seria um longo, longo caminho antes que ela pudesse
confiar em sua irmã novamente. Ela até se deu ao trabalho de transferir as
informações da conta no banco – seu pai era quem tecnicamente podia ver
seu saldo agora.
— Eu estou atrasada? — chamou uma voz familiar enquanto Evelyn e
seu pai jogavam a tábua de madeira no estacionamento. Um caminhão
estacionou na rua mais próxima do local, manobrando desajeitadamente
antes de parar. Mina saiu um momento depois, vestindo sua melhor
aproximação de equipamento de limpeza de praia. Evelyn rachou até o quão
difícil era para ela parecer realmente vestida.
— Não — disse Evelyn. Eles tinham ido naquele encontro, mais ou
menos. Tinha sido planejado como um piquenique, mas na maioria das vezes
eles apenas conversavam e se esqueciam de comer seus lanches, então se
deitaram juntos no cobertor enquanto discutia sobre as formas das nuvens.
Inevitavelmente, a conversa se voltou para estratégias sobre como o Sound
ainda estava distorcendo fantasmas. E depois para a casa Slater, que ainda
estava em obras. Nenhuma delas sabia o que esperar quando caiu. Mas
também havia momentos de paz, quando Evelyn podia se sentir sortuda por
poder dar as mãos à garota que ela gostava em público e se sentia em casa.
— Aqui está sua garra legal — ela disse, entregando a Mina um auxílio
de alcance. Eles receberam uma doação anônima para comprar suprimentos
na semana passada. Evelyn suspeitou que tinha vindo de Ruthie, embora ela
não estivesse dizendo nada. — E um saco de lixo. Coloque qualquer lixo
que você tenha no caminhão.
Não tinha sido muito difícil conseguir que as pessoas se inscrevessem em
seu projeto. Ela fez um grupo de mídia social que foi amplamente
compartilhado, levando a algumas conversas úteis com pessoas que
organizavam esforços de limpeza semelhantes em suas próprias cidades. Hoje
eram apenas ela, seu pai e Mina, embora seus amigos e Nick tivessem
começado a vir também, junto com alguns outros. Mas ela não estava
parando por aí.
Havia um fichário em seu quarto ficando mais grosso a cada dia com
ideias para o que ela começou a chamar de “Iniciativa de Conservação de
Cliffside Bay”. Esqueça esperar que alguém lhe dê um estágio: ela estava
fazendo o seu próprio.
E Evelyn também estava fazendo sua vida como médium. Parte desse
fichário foi dedicada ao seu novo foco ecológico: como ela poderia
combinar a mitigação dos efeitos da poluição e das mudanças climáticas em
Long Island Sound com seu trabalho de comunicação com fantasmas.
Ela havia encontrado um novo foco de vidência durante uma dessas
limpezas de praia, um pequeno pedaço dos detritos, e ela entendeu que seu
vínculo com este oceano era tão complexo quanto a gama de vida que
habitava dentro dele.
Às vezes era esmagador considerar a bagunça em que ela e Mina ainda
estavam. Banir Annette tinha sido uma vitória, mas isso parecia
incrivelmente pequeno quando comparado às pressões duplas dos mortos
instáveis e a vida frágil e preciosa que lutou para sobreviver em um
ecossistema cada vez mais hostil.
Sempre que Evelyn sentia que estava se afogando na injustiça de tudo –
quão pouco eles pediram por isso, o quanto já os havia machucado –, ela se
lembrava de que pelo menos tinha um excelente parceiro trabalhando nisso
com ela. Ela não entendia como ela alguma vez pensou que poderia
sobreviver sozinha, mas ela estava feliz em saber melhor agora.
— O que você acha? — seu pai perguntou quando eles terminaram. Foi
uma manhã longa e cansativa. Mas Evelyn se sentiu bem. O caminhão estava
cheio de sacos de lixo, e Mina concordou em levá-los todos para o lixão esta
tarde. Ela deu um abraço de despedida, então deu um beijo em sua bochecha
enquanto seu pai estava ocupado limpando mais escombros.
— A praia parece um pouco melhor? — seu pai perguntou, finalmente
tirando as luvas.
— Sim — Evelyn tomou um longo gole de sua garrafa de água. — Sabe,
pai... estive pensando em uma coisa. Ainda quero estudar ecologia da vida
selvagem, mas gostaria de me concentrar no som. A Stony Brook University
fica a apenas trinta minutos de distância e tem um incrível programa de
ciências ambientais.
— O mundo é um lugar grande — disse seu pai. — Não sinta você
precisa ficar aqui.
— Eu não sinto — disse Evelyn. — Eu costumava pensar que estava
presa em Cliffside Bay. E eu quero viajar, para entender mais sobre o mundo.
Mas eu amo tanto o Sound. Quero passar o resto da minha vida ajudando.
A voz de seu pai era rouca.
— Você não tem ideia do quanto estou orgulhoso de você.
Eles ficaram assim por um tempo, observando as ondas entrarem e
saírem. Evelyn adorava o ritmo, como se o Som estivesse respirando. Ela
pensou nos fantasmas enterrados sob a água turva, nos destroços pendurados
em seu pescoço. Era um lugar de tanta alegria e tanta dor. E ela era tão parte
disso quanto cada uma das ondas que batiam na praia.
Ela não aceitaria de outra maneira.
Capítulo trinta e oito

D ESSA VEZ, OS MORTOS vieram chamando ao pôr do sol. Mina sentiu que a
puxavam da sala de estar, onde ela e Stella estavam sentadas à luz de
velas, experimentando uma variedade de aperitivos de seu cardápio
atualizado.
— Você sente isso? — ela perguntou à mãe, pousando uma colherada de
ravióli caseiro.
Stella assentiu, sua mão se movendo automaticamente para seu novo foco
de vidência.
— Eles estão aqui.
Mina olhou para o lugar em seu pulso onde a marca do dólar de areia
estava. A luz verde azulada pulsava sob sua pele, e vozes murmuravam em sua
mente. Ela agarrou o novo colar de proteção que Evelyn tinha feito para ela
de um frasco de vidro cheio de água do oceano, então se aprimorou nos
espíritos que ela estava tentando ouvir. Era algo que eles estavam trabalhando
juntos como uma forma de manter as habilidades de Mina sob controle. Eles
ainda estavam testando, mas Mina sabia que esses espíritos não lhe faziam
mal.
— Eles estão prontos — disse ela.
— Bom. — Estela hesitou. — Eu suponho que vocês duas vão querer
cuidar deste por conta própria.
— Sim.
— Você sabe que estou aqui se precisar de ajuda, no entanto.
— Eu sei — disse Mina. — Mas não vamos.
Ela abriu as costas da porta e pisou na varanda enquanto a luz azul
brincava suavemente ao redor das veias em seu pulso. Seu telefone começou
a tocar, e ela o levou ao ouvido, sorrindo ao som familiar da voz de Evelyn.
— Encontre-me na praia — disse Mina.
As escadas não pareciam tão traiçoeiras quanto no início do verão,
embora ainda estivessem crocantes de sal. Ela tirou as sandálias. No momento
em que pisou em Sand Dollar Cove, sua respiração ficou um pouco difícil.
O dano causado por seu ferimento na cabeça e quase afogamento foi
praticamente curado, mas seus pulmões ainda doíam se ela fizesse muita
atividade física.
Não demorou muito para Evelyn se juntar a ela na praia, vestindo shorts,
uma camiseta curta e uma flanela amarrada na cintura. Ela correu até Mina e
a envolveu em um abraço, então plantou um beijo em sua clavícula. Ela
começou a fazer disso um hábito. Mina apontou várias vezes que seus lábios
estavam disponíveis, e Evelyn respondeu fazendo um grande show de sua
diferença de altura e o quanto ela tinha que se esticar para alcançá-los.
— Os sacrifícios que faço por garotas bonitas — ela declarou
dramaticamente, enquanto Mina tentava e falhava em não rir.
— Está pronta? — Evelyn murmurou agora, sua respiração suave contra
o ombro de Mina.
Mina beijou o topo de sua cabeça.
— Agora eu estou.
Não havia muito o que fazer quando eles usaram o oceano como uma
tigela premonitória. Ainda havia velas – uma barreira entre os vivos e os
mortos, cada uma colocada na areia. Mas o sal na água parecia funcionar bem
por si só agora. Os itens pessoais do Trio de Cliffside foram perdidos junto
com a comunidade centro, mas Mina sabia que não importaria. Luzes azuis
já haviam aparecido no horizonte, balançando e mudando nas ondas como
pedaços de detritos. Esses fantasmas haviam esperado até a lua nova, mas
estavam prontos para partir agora.
Nick chegou exatamente quando eles estavam acendendo as últimas
velas.
— Havia tráfego — disse ele apressadamente.
— Nós não teríamos começado sem você — disse Mina.
— Obrigado. — Os olhos dele desviado para o oceano. — É aquele…
— Sim — disse Evelyn. — Você vai ficar bem?
— Quero dizer, não — disse ele com a voz rouca. — Mas também sim.
Isso faz sentido?
Fazia, pelo menos para Mina.
Eles mal passaram por uma rodada de cânticos antes que os fantasmas
começassem a se materializar. Eles chegaram todos juntos, suas formas verde
azuladas flutuando nas ondas. Tamara, Colin e Jesse – pela última vez. A luz
laranja ainda piscava nas bordas dos espíritos, mas não havia mais dólares de
areia sobre seus olhos.
Nick soltou um gemido suave ao ver seu irmão. Mina colocou uma mão
calmante em seu ombro. Depois do que ele fez para ajudar os dois, um
pouco de conforto parecia o mínimo que ela podia fazer.
— Vocês estão prontos? — ela perguntou aos fantasmas. Eles assentiram.
Mina entrou na arrebentação, Evelyn ao lado dela. Ela estendeu a mão e
tocou a mão de Colin. No momento em que seus dedos se tocaram, ele
começou a se desintegrar, a luz azul se derramando sobre as ondas. À sua
esquerda, ela viu que o espírito de Tamara estava fazendo o mesmo. Logo só
restou Jesse, olhando direto para Nick.
— Vá em frente — disse Mina gentilmente, virando-se. — Você pode
dizer adeus.
Ela e Evelyn recuaram, e Nick deu um passo à frente. Ele estava
chorando abertamente agora, fungando; as palavras que ele falou eram suaves
e sufocadas, muito baixas para Mina ouvir sobre a arrebentação. Ela estava
grata por isso. Este momento pertencia apenas a Nick e Jesse.
— Ok — ele disse finalmente, sua voz falhando. — Estou pronto.
Ele deu um passo para trás. Mina e Evelyn deram um passo à frente.
Juntos, eles alcançaram as mãos estendidas de Jesse, e quando ele se derreteu
nas ondas, ele o fez com um sorriso.
Quando ele se foi, a praia parecia estranhamente vazia. Nick se
desculpou rapidamente, explicando que sabia que isso seria difícil para ele e
precisava processar isso em particular.
A maré subiu suavemente na praia enquanto ela e Evelyn limpavam,
ambas ainda com os olhos um pouco turvos. A lua estava nova esta noite, e o
céu escuro e pacífico parecia um fim e um começo ao mesmo tempo.
— Está feito agora — Evelyn disse depois que as velas foram guardadas.
— É estranho que eu continue me preparando para o que quer que aconteça
a seguir?
— Acho que não — disse Mina. — Eu tenho feito o mesmo.
Haveria mais fantasmas. Talvez mais demônios também. A linha entre a
vida e a morte diminuiria e fluiria como as marés, mudando de maneiras que
exigiam adaptação. Mas ela tinha Evelyn agora. Ela tinha as falésias e a praia,
as estrelas piscando para Sand Dollar Cove, a lua que, embora invisível, ainda
parecia estar observando-os de seu poleiro impossivelmente alto no céu.
— Espere — Mina disse, virando-se para Evelyn. — Antes de irmos para
casa, há algo que eu quero fazer.
Ela já havia tirado os sapatos, mas agora ela tirou o cardigã fino e o jogou
na areia. Seu short e regata com babados ficariam sal sobre eles, mas isso
realmente não importava. Mina sabia que isso poderia ser perigoso. A
maioria dos destroços havia sido retirado da água, mas ainda havia uma
chance de machucá-la. E pode haver espíritos hostis esperando por ela sob as
ondas.
Mas sempre haveria perigo. E Mina acabou sucumbindo ao medo.
Ela entrou na rebentação, pulsando no ritmo das ondas quebrando. E
então ela mergulhou na água, sal ardendo em seus olhos, o som fresco e
refrescante contra sua pele. Quando ela voltou, Evelyn estava rindo tanto que
ela estava dobrada.
— Você sempre me surpreende — ela conseguiu engasgar, desamarrando
sua flanela. — Agora espere.
O pulso de Mina brilhava sob a água quando Evelyn entrou, uma
pequena lanterna azul, mas ela não ouviu vozes em sua cabeça além da dela.
O oceano em sua mente voltou à vida. Por muito tempo, Mina temeu
essa sensação, mas agora ela acolheu a onda de emoção. Ela não teria mais
medo de mergulhar nele.
E ela não iria afundar. Ela não se afogaria.
Ela nadaria.
Agradecimentos

The Drowning Summer parece um livro esculpido direto do meu coração de


mais maneiras do que posso contar, e nos últimos cinco anos, fiz o meu
melhor para escrever Evelyn e Mina a história que elas merecem. Mas tantos
outros defenderam este livro ao longo de seu caminho para publicação, e
todos eles merecem minha gratidão.
Kelly Sonnack, meu agente, obrigado por ser um campeão constante ao
longo da minha carreira. Este livro tem estado em uma grande jornada, mas
você forneceu apoio infalível para mim e este projeto em cada etapa. Sou
muito grato por ser seu cliente.
Deirdre Jones, minha editora — obrigado por toda a sua ajuda em dar
vida a Evelyn, Mina e Cliffside Bay. Suas percepções e sugestões afiadas
foram fundamentais em fazer de The Drowning Summer o livro que sempre
sonhei que seria.
Obrigado também a toda a equipe da Little, Brown Books for Young
Readers, incluindo Hallie Tibbetts, Jen Graham, Erica Ferguson, Patricia
Alvarado, Stefanie Hoffman, Shanese Mullins, Katie Boni, Savannah
Kennelly, Christie Michel, Shawn Foster, Danielle Cantarella, Anna Herling,
Celeste Gordon, Katie Tucker e Naomi Kennedy. Cliffside Bay e todos os
seus fantasmas estão em boas mãos.
Hannah Hill – você entendeu exatamente o que essa história significava
para mim desde o início. Muito obrigado por tudo. Sempre apreciarei o
tempo que passamos trabalhando juntos.
Amanda — seja enfrentando o mundo real ou aprimorando um fictício,
não há ninguém que eu prefira ter ao meu lado. Obrigado por literalmente
segurar minha mão através dos meus momentos mais sombrios e
figurativamente segurando minha mão enquanto eu consertava meus buracos
na trama.
Rory — palavras são meu trabalho, mas não consigo encontrar as
palavras certas para o quanto você significa para mim ou o quanto você me
ajudou com este livro. Evelyn e Mina não seriam as mesmas sem você, e
nem eu.
Allison Saft e Akshaya Raman - obrigado por ler as versões do TDS que
estavam decididamente inacabadas e dando-me o apoio e o amor que eu
precisava para tornar este livro melhor. Sarah Hollowell — obrigado por lê-
lo duas vezes e falar sobre tudo.
Para o resto do Culto, incluindo Kat Cho, Janella Angeles, Mara
Fitzgerald, Axie Oh, Meg Kohlmann, Maddy Colis, Erin K. Bay, Tara Sim,
Katy Rose Pool, Ashley Burdin, Claribel Ortega, Melody Simpson, Amanda
Haas, e Alexis Castellanos - sou tão incrivelmente grato por fazer parte de
nossa equipe.
Obrigado também a Emma Theriault pelos sprints de redação, Rosiee
Thor pelas atualizações do jardim, Jenn Dugan por assistir à TV muito
coordenada e June Tan pelas fotos de gatos. Todos vocês me fizeram passar
por revisões.
Um agradecimento muito especial aos meus pais, a Poppy, à tia Sally e ao
tio Louie e a todos os outros membros da minha família que realmente
conhecem Long Island, por responder minhas perguntas e me contar suas
histórias. Também gostaria de agradecer aos meus irmãos, que me
impediram de afundar mais vezes do que posso contar.
Nova — desculpe, não há gatos neste. Mas estou feliz em negociar
projetos futuros. Trevor — se a água está calma ou tempestuosa, se a lua está
nova ou cheia, se a maré está alta ou baixa — eu te amo.
Para os leitores que ficaram comigo desde Quatro Caminhos para
Ilvernath — Espero que você tenha gostado de sua visita a Cliffside Bay,
fantasmas e tudo.
E para o meu eu mais jovem, atravessando o Sound com pés arranhados e
cabelos cobertos de sal, cheio de sentimentos que ainda não entendia: escrevi
este livro para o oceano dentro de você.

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