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1
Sucot é um festival judaico, também conhecido como festa das colheitas.
populares no Pinterest. No momento, ela estava esperando
uma boneca potencialmente assombrada para um cliente em
Huntington e alguns broches que ela faria na saia de uma
bailarina em tamanho real.
Seu telefone tocou uma marcha fúnebre do bolso de seu
vestido – o toque de sua mãe. Largando a motosserra, ela saiu
para atender a ligação, não querendo colocar a energia de sua
mãe neste espaço. O pavor que sempre acompanhava a
conversa com a mãe se fundiu com a percepção de que não era
a hora designada para fazer a chamada. Miriam não conseguia
lidar com mais de um telefonema por mês, o que sua mãe sabia
– mesmo que ela nunca reconhecesse. Se o horário mudou, algo
ruim deve ter acontecido.
— Mãe, o que há de errado? Não é nossa sexta-feira — ela
disse, em vez de olá.
— Bem — sua mãe disse afetadamente —, se você aceitasse
minhas ligações a qualquer hora que não seja Shabat2… — Ela
parou, seu sentimento de culpa pairando pesadamente no ar.
Miriam não se sentiu culpada. Sua mãe sabia por que o
relacionamento delas era relegado a quinze minutos
cuidadosamente selecionados por mês.
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O Shabat começa com o pôr do sol da sexta-feira e termina ao anoitecer do
sábado. É o sétimo dia da semana judaica, dedicado ao descanso.
— Mamãe. Por que. Você. Está. Ligando? — Miriam
perguntou, novamente. Ela chutou uma bolota do outro lado
da rua, vendo-a deslizar.
— Cass morreu, querida. Eu sinto muito. — A voz de sua
mãe quebrou na última palavra.
Miriam ofegou, com o coração apertado.
Apesar de não tê-la visto há dez anos, Cassiopeia Carrigan
foi a Estrela do Norte na vida de Miriam, sua inspiração e
heroína. A tia de sua mãe era a ovelha cinzenta de sua família.
Ela havia se afastado do próspero negócio de padaria da família
para abrir, entre todas as coisas, um campo de árvores de Natal.
Mais do que isso, a propriedade era uma extravagância de
Natal, com um campo de árvores, uma pousada com tema de
Natal e um festival de dois meses cheio de todas as tradições
natalinas já inventadas. Uma experiência imersiva na Terra do
Natal.
— Ainda sou judia — explicava Cass. — Eu simplesmente
não conseguia encontrar outro emprego em que eu só
precisasse conversar com as pessoas dois meses por ano. — Cass
era uma excêntrica. Todas as férias de inverno, seus pais
levavam Miriam para a Terra do Natal de Carrigan para o
Hanukkah3 menos tradicional do mundo.
3
Hanukkah é uma festa judaica que dura 8 dias e ocorre em celebração a
reconsagração do templo de Jerusalém.
— Miri? Você ainda está aí? — A voz de sua mãe cortou suas
memórias. Ela parecia exausta e quebrada, duas coisas que
Miriam teria dito que sua mãe era incapaz de sentir.
— Como? — Miriam perguntou, tentando envolver sua
mente em torno da ideia de qualquer coisa acabar com o
tornado humano que tinha sido Cass Carrigan, como Miriam
a conhecia.
Sua mãe respirou fundo.
— Ela ficou doente por muito tempo, Miri. Anos.
Achávamos que ela estava melhorando, mas ela teve uma piora
e se foi rápido.
Cass Carrigan, sua Cass, estava doente e ninguém lhe
contou, para que ela pudesse se despedir. Na longa lista de
traições de sua mãe, esta era pior do que a maioria.
— Quando é a cerimônia? Eu quero fazer o shiva4. Eu estarei
lá, mesmo — ela tentou não engasgar com as palavras — se
papai for. — Sua mãe ficou em silêncio por um instante.
— Vou mandar uma mensagem de texto para você com
todos os detalhes — disse ela, finalmente.
Simples assim, estava resolvido. Miriam voaria de volta para
o lugar que vinha evitando há uma década. Ela disse à voz em
sua cabeça gritando em pânico que tudo ficaria bem.
4
Shiva é o período de sete dias de luto mantidos pela morte de uma pessoa
próxima.
Ela passou todo Natal, e alguns verões, na casa Carrigan. Ela
prosperou sob o amor de Cass – uma lâmpada de calor
comparada com as condições frígidas de sua casa – correndo
selvagem pelas árvores com sua prima Hannah e seu melhor
amigo de infância, Levi. Estar a salvo, por pequenos períodos
de tempo, do pior comportamento de seu pai. Até que seu pai
finalmente foi longe demais, e ela parou de ir a qualquer lugar
perto de sua família, em qualquer lugar que ele já esteve. Não
houve despedidas ou qualquer explicação para as pessoas que
ela deixou para trás.
Miriam mantinha contato, mais ou menos, com uma
mensagem de feliz aniversário aqui, uma carta ali, às vezes
enviando um arranjo de flores para os Grandes Dias Sagrados.
Nada que fosse além do básico. Ela nunca quis que sua ausência
fosse permanente. Ela só precisava de algum tempo.
— No próximo ano, na casa Carrigan — era sua pequena
versão particular de "No próximo ano, em Jerusalém". Ela
sempre pensou: No próximo ano, terei coragem. No ano que
vem, vou parar de correr e voltar para minha família. Mas ela
sempre parecia ter uma boa razão para adiar, e agora era tarde
demais. Agora, a única coisa que restava era dizer o adeus que
ela não tinha dito dez anos atrás.
Miriam trancou o armazém e começou a caminhar para
casa, esperando que o longo caminho pela cidade velha ajudasse
a organizar seus pensamentos. Sua mente disparou enquanto
tentava descobrir como encaixar uma viagem a Nova York em
sua vida atual. A grande inauguração da loja só aconteceria na
véspera de Ano Novo, mas ela teria que voltar a Charleston
assim que a shiva terminasse para se preparar.
No topo da abertura da loja, sua noiva, Tara, organizou ou
participou de um fluxo aparentemente interminável de eventos
sociais. Esperava-se que Miriam aparecesse em todos eles e
conversasse. Ela não sabia como Tara reagiria a ela ter que sair,
mesmo por um curto período de tempo. Provavelmente não
estaria tudo bem. A vida de Tara foi impecavelmente planejada,
e qualquer variação a perturbava.
A agenda apertada era boa. Não importa o quão nuclear as
coisas fossem em Carrigan, ela tinha motivos para voltar para
Charleston imediatamente. Um plano de fuga. Na pior das
hipóteses, ela teria uma semana muito ruim lidando com tudo
que deixou para trás, mas seria apenas uma semana.
O distrito histórico de Charleston era uma cidade de
fantasmas, mantida à distância pelo azul-escuro pintado ao
redor das portas e sob as varandas. Carruagens turísticas
puxadas por cavalos enchiam ruas estreitas, serpenteando pelo
mercado que se estendia por quarteirões, onde você podia
comprar produtos artesanais, cestas Gullah-Geechee e muita
comida. Mestres construtores reformaram casas históricas,
igrejas mais antigas do que o país, hastearam bandeiras do
Orgulho LGBT em suas cercas de ferro forjado, restaurantes
fizeram gastronomia molecular com camarão e grãos.
Era uma cidade cheia de pessoas tentando amarrar suas
raízes ao seu futuro. Miriam, que havia cortado quase todas as
suas raízes e estava construindo seu futuro à medida que
avançava, foi atraída por isso. Charleston era um lugar perfeito
para lamber suas feridas, se esconder, construir uma nova
versão de si mesma que ninguém de sua família conhecia. O
extremo oposto de Carrigan, que a construiu e conhecia todos
os seus segredos. Charleston não era uma casa exatamente, mas
era muito mais seguro que em Carrigan.
No entanto, ao virar da esquina, havia um porto com
muitos dos piores pecados do país escritos nele, e você não
podia andar um quarteirão sem esbarrar em uma injustiça viva
e próspera. A gentileza encantadora de Charleston era uma
máscara lindamente pintada sobre centenas de anos de dor, sua
segurança uma fachada.
Falando de lugares que não eram exatamente sua casa –
quando ela abriu a porta da casa que dividia, muito
esporadicamente, com Tara, a parede de umidade daquele
mesmo porto rendeu-se a um assalto do ar-condicionado.
A Casa Térrea de Tara era uma vitrine. Sempre cheia de luz,
mas raramente de barulho, era o cenário perfeito para a filha
lésbica debutante de uma das famílias mais antigas de
Charleston se divertir. Tara usava a perfeita nobreza sulista
como uma armadura na batalha, empunhando suas maneiras e
o legado do poder de sua família como armas em sua cruzada
para mudar radicalmente o sistema de justiça criminal da
Carolina do Sul. Esta casa era seu centro de comando.
Dentro havia um lugar para a bolsa, a jaqueta e os sapatos de
Miriam. Não havia lugar para sua arte, mas ela tinha o
armazém. Miriam nunca teve um lar que a refletisse ou abrisse
espaço para ela. Ela se pegou, às vezes, sonhando com paredes
vibrantes e desordem kitsch5, mas pedir isso parecia além dela.
Ela tinha sido muito bem treinada quando criança para não se
intrometer.
Miriam deixou cair as chaves em uma tigela de prata
martelada em um banco de teca esculpida no saguão, ouvindo-
as ecoar. Seu pé bateu em algo pesado, empurrando-a para
longe. Ela olhou para baixo, atordoada, para encontrar sua
bagagem de mão. Ela a deixou lá mais cedo hoje, chegando em
casa do aeroporto antes de ir direto para o armazém para fazer
seu trabalho. Isso fez a casa parecer um Airbnb que ela estava
verificando. Pelo menos não terei que desfazer as malas, pensou
ela um pouco histericamente.
No final do corredor de madeira polida, um bob loiro
espiou por uma porta.
— Baby! Estarei fora desta teleconferência em cinco
minutos. O jantar vai ser entregue a qualquer momento. —
Tara não gritou, apenas projetou seu sotaque doce no corredor,
5
Termo criado no século XIX para classificar produções artísticas
consideradas exageradas.
por força de vontade. Seu cabelo balançando, brilhante, de
volta ao seu escritório.
Miriam puxou seus próprios cachos escuros em um coque
bagunçado. Ao contrário do corpo esbelto de Tara, Miriam era
muito baixa, pouco mais de um metro e meio, embora a auréola
de seus cachos lhe desse a aparência de mais dez centímetros.
Ela geralmente o usava longo e grande e indomável. Com seu
rosto pequeno e pontudo e feições muito grandes, ela não se
parecia mais com uma ilustração de um Garoto Perdido. Ela se
sentiu perdida, agora, enquanto se afundava em uma
espreguiçadeira, à deriva pela ideia de retornar a Carrigan. Pela
perda da existência de Cass, em algum lugar no mundo.
Ela estava pedindo um Lyft para o aeroporto quando Tara
se sentou ao lado dela, batendo-lhe com o ombro.
— Ei você.
— Ei você, também — Miriam tentou mover sua boca em
uma aparência de sorriso.
— Deve haver churrasco na nossa porta a qualquer segundo
— Tara começou, olhando para seu telefone e não percebendo
o humor de Miriam. — Eu me certifiquei de que não há carne
de porco escondida na sua. Estou quase terminando a
preparação para o teste do dia.
— Tara — Miriam interrompeu —, eu tenho que ir para
Nova York. Hoje. Minha tia-avó Cass morreu.
Tara desacelerou, suavizou.
— Ah, Miriam. Oh meu Deus. — Miriam se viu sendo
puxada para um abraço. — Eu sabia quem era sua tia-avó Cass?
— Tara perguntou, intrigada.
Miriam quase engasgou com um soluço de surpresa. Ela
nunca contou a Tara sobre Carrigan. Claro que ela não contou.
Carrigan foi a coisa que mais machucou desistir quando ela
cortou os laços com sua família. O lugar mais próximo de seu
coração. Ela nunca falava sobre isso agora, se pudesse evitar, e
Tara a conheceu no tempo Depois. E se Miriam nunca falou
sobre Carrigan, ela nunca falou sobre Cass, porque Cass era
Carrigan.
Além disso, ela e Tara não tinham um relacionamento
baseado em compartilhar seus segredos mais profundos. Tara
precisava de uma esposa interessante como acessório para dar
festas no jardim, e Miriam precisava de um lugar para pousar
com alguém seguro. Tara era muitas vezes vista, pela velha
guarda de Charleston, como uma cadela fria, em parte porque
ela os desafiava e em parte porque ela era espinhosa como o
inferno. Miriam a ajudou a projetar uma imagem pública mais
suave, e Tara cuidou das necessidades de Miriam, mesmo
quando sua irritação mantinha Miriam confortavelmente à
distância, onde ela preferia estar.
Elas eram amigas, amantes e co-conspiradoras, mas não
estavam apaixonadas. Elas fizeram um pacto: Miriam ajudaria
Tara a criar uma vida impecável, e Tara daria a Miriam
estabilidade para construir sua carreira.
Nem suas almas, nem seus passados faziam parte de seu
acordo. Miriam nunca teria concordado em se casar com Tara
se pensasse que havia algum perigo de se apaixonar por ela.
— Eu mencionei Cass — ela insistiu mesmo assim,
cruzando os braços. — Ela é dona de uma fazenda de árvores de
Natal em Adirondacks. Minha prima Hannah trabalha lá?
Minha família passava as férias lá quando eu era criança, e Cass
era muito importante para mim. Carrigan foi muito
importante para mim, uma vez.
— Tenho certeza que se você tivesse mencionado isso para
mim — Tara se irritou —, eu teria me lembrado.
— Quem sabe? — Mas Miriam sabia que estava
injustamente provocando uma briga. Tara nunca esquecia
nada.
Tara cantarolou.
— Bem, nós deveríamos estar em uma festa para minha
empresa, mas podemos fazer as pazes. A firma vai entender que
você saiu da cidade para um funeral de família. Embora para
uma tia-avó que você não vê há dez anos, talvez você possa
enviar um arranjo floral? — Tara estava diminuindo ainda mais
sua cadência sulista, daquele jeito que ela fazia quando queria
dar tempo ao ouvinte para mudar sua resposta.
Tara era muito eficaz na frente de um júri.
— Preciso ficar com minha família. Eu preciso ir para casa
em Carrigan — Miriam disse a ela.
Tara olhou de volta.
— Miriam. Um: Carrigan não é a sua casa, é um lugar onde
você passou as férias. Nunca ouvi falar até hoje. Dois: Você está
afastada de sua família. Três: você é judia, e Carrigan é,
aparentemente, uma fazenda de árvores de Natal.
Tara sempre discutia em listas numeradas, sem dar espaço
para ninguém respirar, de modo que, quando chegasse ao
ponto cinco, você já tinha esquecido qual era o ponto um. Era
um ótimo truque de advogada, mas um truque de namorada
menos charmoso.
Miriam respirou fundo, embora um tsunami de dor
ameaçasse engoli-la. Ela engoliu, como tinha feito com todos os
seus sentimentos por tanto tempo agora, e tentou ser justa com
Tara.
Tara não estava se fixando em jantares de escritórios de
advocacia à toa. Ela construiu sua prática de defesa criminal
para garantir julgamentos justos para aqueles vitimados pelos
mesmos sistemas que sua família manteve por gerações. Mas
para reformar essas estruturas de poder por dentro, ela
precisava manter o acesso a elas. Para evitar ser condenada ao
ostracismo, especialmente como lésbica, ela estava sempre
patinando em uma linha tênue. Ela patinou lindamente,
graciosamente, de anos de prática, mas com enorme esforço.
Miriam não podia ficar brava com Tara por entrar em
pânico um pouco, mesmo que sua dor quisesse alguém para
atacar.
Ela pulou do sofá e enxugou as lágrimas.
— Eu estarei de volta logo após a shiva. Eu prometo. Farei
tudo com você, serei a noiva perfeita — disse Miriam, pegando
o cachecol e o casaco, depois a bagagem de mão esquecida. —
Eu preciso de uma semana, então podemos voltar a fingir que
minha antiga vida nunca existiu. Acredite, estarei pronta para
isso depois de sete dias com minha mãe.
— Deixe-me conhecê-la nesses dias — disse Tara, sua voz
mais suave. — Preciso reorganizar algumas coisas, porque eu
deveria estar no julgamento, mas posso fazer funcionar. Então
podemos voltar para casa juntas.
Miriam não podia tolerar a ideia de lidar com a quase certa
antipatia de Tara pelo caos excêntrico e desordenado de
Carrigan, apresentando seus pais, estando presente para Tara
enquanto também tentava passar a semana para ela mesma. Era
uma oferta de Tara, mas Miriam não queria que Tara fizesse
parte disso. Ela queria que suas vidas Antes e Depois ficassem
muito, muito separadas.
— Nós duas sabemos que você não pode, Tara. — Miriam
balançou a cabeça. — Não há como eles poupá-la de seu
julgamento, e você não pode ficar com seu telefone na shiva!
Seu cliente está confiando em você, e minha família vai ser o
máximo que eu puder aguentar.
Tara nunca decepcionava um cliente, o que Miriam
admirava imensamente. Também permitiu a Miriam uma saída
fácil.
Tara mordeu o lábio.
— Desculpe, eu seria outra coisa para lidar.
Talvez não seja uma saída tão fácil, então.
— Obrigada por oferecer. Eu tenho que ir para o aeroporto,
tipo, agora. Eu estarei de volta em uma semana. Eu vou. Eu
tenho que lidar com isso.
Tara seguiu Miriam porta afora, como exigia a etiqueta.
Nenhuma emoção jamais se interpôs entre Tara Sloane
Chadwick e a etiqueta adequada.
Miriam já estava se arrependendo de deixar as coisas assim,
mas não conseguia descobrir como consertar esse abismo agora.
Ela tinha abismos muito mais amplos para se preocupar.
— Eu chamo um carro para você — Tara ofereceu, um
pouco rígida. Ela sempre ficava formal quando estava chateada.
— Meu Lyft já está aqui. Desculpe, vou perder a comida que
você pediu. Fico devendo um jantar na próxima semana.
Uma semana em Carrigan para dizer adeus. Acabaria antes
que ela percebesse.
Miriam
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Canal de televisão americano, com um vasto catálogo de filmes natalinos.
Miriam estremeceu. Não um Bloomer, não agora. O fandom
de sua loja online, e seu Instagram e Pinterest associados, era
grande o suficiente para que seus seguidores dessem um nome
a si mesmos. Ela estava acostumada a ser reconhecida pelos
Bloomers em público, mas ela não podia colocar sua cara
Bloomer hoje.
Sua personalidade cuidadosamente cultivada era para sua
própria privacidade. Ela estava incrivelmente grata a seus fãs
por tornar sua arte uma carreira viável, mas eles queriam
conhecê-la, e ela mal queria conhecer a si mesma. Ter aquela
cara Bloomer para vestir a ajudou a evitar passar muito tempo
em seu próprio cérebro ao longo dos anos, mas hoje, quando
seu passado estava à sua porta, era uma fantasia inadequada.
Ela ficou grata quando Cole assumiu a conversa, tirando
uma selfie com a mulher enquanto ele lhe entregava as duas
identidades. Ele conduziu Miriam mansamente até a linha
sinuosa da TSA7. Ela mal podia sentir seus pés tocando o chão.
Ele continuou a conversa como se ela estivesse respondendo.
Era como ele falava com ela, basicamente sem parar, há
dezessete anos.
— Tara não está pirando por você não estar ajudando ela a
se preparar para uma terrível festa de ricos que os pais dela estão
7
Administração de Segurança de Transporte, onde garantem que ninguém
está portando objetos ilegais ou perigosos.
dando? — Ele perguntou enquanto eles colocavam seus
sapatos de volta após passarem pela segurança.
— Seus pais são amigos dos pais dela — ela apontou. —
Você é mais rico do que ela. Você levou Tara ao cotilhão.
— Sim, então estou singularmente qualificado para julgar
suas festas. Elas são terríveis. — Ele passou o braço ao redor dela
enquanto caminhavam, e ela deixou seu corpo relaxar contra o
dele.
— Ela está surtando um pouco. Ela não acha que eu
realmente preciso ir. Mas alguém precisa ajudar minha prima
Hannah a mediar todos os primos. Além disso, meus pais —
acrescentou ela, fazendo uma careta. — E eu preciso fazer isso,
por Cass. É importante.
— Bem, eu amo organizar shiva — disse Cole. — Eu poderia
comer cem ovos cozidos. Eu sou basicamente Gaston. E, se for
preciso, sempre posso matar seu pai por você. — Ele deu de
ombros, como se estivesse brincando, embora Miriam soubesse
que ele provavelmente não estava. Debaixo do seu grande
exterior, havia um hacker com um senso feroz de lealdade às
pessoas que ele considerava suas, que às vezes poderia substituir
sua moral. A única razão pela qual ele ainda não havia causado
estragos com a identidade do pai dela era que Miriam havia
pedido a ele que não o fizesse.
No avião, Miriam brincava com a ponta do guardanapo.
Quando Cass era mais jovem e ainda viajava pelo mundo, ela
anotava cartinhas, esboços e observações. Cass escrevia em
letras maiúsculas de vários tamanhos, com maiúsculas
inesperadas e um grande número de pontos de exclamação. Ela
enfiava os guardanapos em cartões bregas e os enviava para
Miriam de Katmandu, São Petersburgo e Cairo. Miriam tinha
uma caixa cheia delas debaixo da cama.
Depois que Miriam parou de ir a Carrigan, os guardanapos
de Cass continuaram chegando. Quando Miriam menos
esperava, chegava um envelope cheio de observações cortantes
e fofocas cínicas, mas amorosas. Ela checou sua bolsa em busca
de uma caneta, pensando que faria um desenho para manter a
tradição.
Em vez disso, a conversa de Cole a sugou.
Cole não era introvertido. Ele era conhecido por opinar que
os introvertidos não existem. Ele tinha dificuldade em entender
que outros seres humanos não queriam, necessariamente, o
dom de seu comentário contínuo sobre o mundo ao seu redor.
Miriam o achou estranhamente calmo para se sintonizar.
Ele estava dando um monólogo ao pobre e educado
companheiro de assento, descrevendo Carrigan com o zelo de
um folheto promocional, só que não com muita precisão, pois
nunca tinha estado lá.
— A tia de Mimi comprou a fazenda com o dinheiro que ela
herdou de seu pai, que começou uma mercearia do nada como
imigrante polonês. (Ele era um padeiro polonês). Ela era uma
espécie de dançarina de vaudeville escandalosa nos anos vinte
(Esta parte era principalmente verdadeira) e sua família a
excluiu, (Ela permaneceu muito próxima de sua família
durante toda a vida. Embora eles pensassem que ela era
excêntrica, eles estavam orgulhosos dela por construir seu
próprio negócio), então, para irritá-los, ela comprou uma
fazenda de árvores de Natal! — Ele apertou as mãos no coração
enquanto dizia isso, como se fosse a coisa mais deliciosa que se
possa imaginar.
— Então, ela o transformou em um festival de Natal inteiro,
que vai do Halloween ao Ano Novo. Há passeios de trenó e
degustações de chocolate quente, danças de celeiros,
competições de pão de gengibre, trocas de biscoitos e algo à
meia-noite com renas. Eles até colocam velas de verdade nas
árvores e fazem uma grande cerimônia para acendê-las. É um
cartão de Natal ambulante e falante de uma velha judia — Cole
continuou. — É literalmente o melhor lugar da Terra –
desculpe, Disneylândia.
Miriam decidiu salvar o estranho. Ela deitou a cabeça no
ombro de Cole.
— Distraia-me, Bashert. — Disse Miriam. Cole, felizmente,
deixou o companheiro de assento sozinho e virou seu corpo,
espremido em um assento do meio, totalmente em direção a ela
para melhor entretê-la com a emergência sobre a qual ele a
chamou mais cedo.
Mais uma vez, ele tinha enfeitiçado uma garota
perfeitamente legal. Ela não estava convencida de que isso era
uma emergência, mas ele precisava falar sobre a pequena coisa
que ele encontrou de errado com ela. Ele conheceu muitas
mulheres maravilhosas e sempre pareceu gostar muito delas, até
encontrar um problema, ficar entediado ou esquecer que elas
existiam. Miriam se perguntou se ele ainda não tinha conhecido
ninguém que o fizesse querer ser sério. Enquanto ela o
provocava confortavelmente sobre seus hábitos de namoro, seu
estômago se acomodou em sua dinâmica desgastada.
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Um tipo de design de sobrancelha onde são desenhados fios bem finos que
se misturam aos fios naturais.
relacionamento deles parecesse ser com os Blums, ele se
estendeu antes de Noelle nascer, cem mil memórias unindo-os.
Mas ela não deixaria Ziva, ou Miriam, que se foi há uma
década, fazê-la se sentir uma intrusa. Todo mundo poderia
ficar feliz em receber a filha pródiga de volta ao rebanho, mas
ela não tinha lembranças felizes de Miriam e nenhuma razão
para abrir espaço para ela. Este lugar era dela. Ziva e Miriam
partiriam após os sete dias de shiva enquanto Noelle e Hannah
ficariam e tentariam passar seu primeiro Natal sem Cass, e tudo
seria... bem, não normal, nunca mais. Mas pelo menos não
haveria belas mulheres descuidadas em suéteres feios pedindo-
lhe xícaras de café.
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É o processo de uso de produtos, resíduos e peças aparentemente inúteis,
na criação de novos produtos.
— Ah, sim — disse Miriam —, alguns dos meus primeiros
trabalhos. Quando eu estava apenas brincando, antes de me
tornar o Manic Pixie Dream Bisexual da cena de venda de
imóveis. — Ela passou as mãos em volta do rosto, e Noelle
conteve uma risada.
— Seu material é incrível — disse Noelle com sinceridade.
— Eu gosto muito do trabalho detalhado que você coloca em
tudo. — Noelle adorou a arte de Miriam durante todo o tempo
em que viveu aqui. Ela perguntou a Cass sobre as peças, mas
Cass foi cautelosa sobre onde ela as conseguiu.
— Uma jovem artista promissora que eu quero apoiar — ela
disse.
Saber que Miriam havia feito todas aquelas peças a forçou a
reavaliar suas suposições. A leviana e irrefletida Miriam de sua
imaginação, que não levava nada a sério, não podia ser a mesma
pessoa que havia feito aquela arte.
Maldição, ela ia ter que admitir que julgou muito rápido.
Doeu, mas justo era justo. Ela ainda não queria conhecer
melhor Miriam porque sentir-se atraída por alguém que estava
noiva e partiria em um mês era uma má ideia. Mas ela havia
prometido a Hannah e agora sentia que devia isso a Miriam.
Talvez a arte pudesse ser um espaço para elas negociarem um
conhecimento pacífico. Elas poderiam encontrar esse ponto
em comum e serem agradáveis uma com a outra nesse contexto.
Isso seria seguro.
Afinal, quão excitada você poderia falar sobre glitter?
— Eu quero ir até o sótão com você, antes de você ir embora
— Noelle ofereceu —, então você me conta sobre todas essas
peças. — Isso parecia um bom caminho. Talvez o gesto
compensasse um pouco de sua animosidade anterior. No qual
ela ainda se sentia justificada, dada a informação que ela tinha,
mas ela não tinha que dizer isso a Miriam. Ela poderia ser
magnânima. — E você deve levar o que quiser para casa com
você. Quero dizer, você deu para Cass, e Cass…
Miriam balançou a cabeça.
— Eu não vou levar a arte da pousada, a menos que você não
queira. Eu dei isso para Carrigan. Além disso, eu nunca
aceitaria de bom grado peças de alguém que possui meu
trabalho.
— Você é famosa no Instagram — Noelle brincou, um
pouco envergonhada, cutucando Miriam com o ombro. Por
que ela não pesquisou sobre Miriam em primeiro lugar? —
Muitas pessoas possuem o seu trabalho.
— Não. — Miriam balançou a cabeça, sem tirar os olhos do
céu noturno. — Eles gostam de tê-lo, mas a maioria deles não
me leva a sério.
— Sua noiva não gosta do seu trabalho? — perguntou
Noelle. Ela não deveria se sentir na defensiva com Miriam, mas
caramba, ela era realmente talentosa.
— Ela gosta da ideia de que eu faço arte mais do que minha
arte real, eu acho. — Miriam disse, sem rancor, o que Noelle
não entendeu muito bem. Por que Miriam não queria que sua
noiva gostasse de seu trabalho?
— De qualquer forma — Miriam continuou mais
rapidamente —, para sua pergunta original, eu viajo para pegar
peças. São principalmente viagens de carro pela costa atlântica
ou fins de semana em vendas de imóveis interessantes. Eu vou
a Berkeley a cada dois meses para o Alameda Flea Market.
Noelle viu Miriam primeiro ficar animada e depois
uniformizar o rosto, como se estivesse tentando não parecer
muito entusiasmada. Noelle estava quase feliz com a pausa
porque Miriam nerd era tão luminosa que ela mal conseguia
olhar. Miriam tinha todo o direito de ser apaixonada por seu
trabalho, mas algum instinto de autopreservação nela parecia
disparar sempre que demonstrava muito sentimento. Noelle se
perguntou o que fazia a luz interna de Miriam acender e apagar,
e agora ela estava observando Miriam desligar seu próprio
interruptor. Seu pai tinha enraizado isso nela, essa falta de
vontade de mostrar profundo interesse em qualquer coisa? Foi
por isso que Miriam o chamou de monstro?
— Já estive no Mercado de Pulgas da Alameda! Aquele lugar
é selvagem! — Noelle não sabia por quê, porque meia hora atrás
ela odiava essa mulher, mas agora ela se sentia compelida a
mostrar a Miriam que sair com ela era seguro. Miriam não
precisava se ofuscar por Noelle. — Ei, você já fez uma viagem
por partes rurais do Meio-Oeste e parou em pequenas lojas de
sucata no meio do nada? Sempre quis fazer isso.
— Eu faço, com Cole — disse Miriam. Noelle se perguntou
por que Miriam não estava fazendo essas viagens com a noiva.
— É uma das minhas aventuras favoritas.
Elas fizeram contato visual, e Noelle quase sorriu.
Desviando o olhar desajeitadamente, elas se sentaram em
silêncio observando a noite.
Miriam
Noelle estava falando com ela agora, e isso não era melhor do
que ser ignorada.
Em vez de evitá-la, Noelle estava sentada perto dela,
cheirando a Old Spice e shampoo cítrico, conversando com ela
sobre arte. Miriam sentiu que estava baixando a guarda sem
nem perceber. Estar perto de Noelle era como vestir um novo
par de jeans que inesperadamente se encaixava perfeitamente.
Miriam teve que se impedir, várias vezes, de se inclinar para
enterrar o rosto no pescoço de Noelle. Gostava muito de
mulheres, mas raramente queria acariciá-las poucos dias após
conhecê-las.
Correndo os dedos ao longo do braço do balanço, onde ela
e Blue haviam esculpido suas iniciais há muito tempo – elas
estavam quase invisíveis agora – ela deixou seu cérebro pular.
Das curvas, calor e interesse de Noelle em sua arte até a
calmante firmeza de Tara. Miriam e Tara tinham trocado
mensagens de texto nos últimos dias. Breves check-ins sobre
minúcias: — O cara do queijo no mercado do fazendeiro disse
oi, você quer uma bandeja de queijo para a abertura da loja? —
E: — Você precisa que eu pegue um vestido para a festa dos
meus pais ou você tem um?
Nada que tocasse seu coração ou lhe desse borboletas. Nada
que expôs a dor que ela estava processando ou aquela mistura
agridoce de alegria e profundo arrependimento de voltar para
casa apenas para perceber que ela perdeu todos aqueles anos
sem uma boa razão.
Para ser justa, ela também não estava falando com Noelle
sobre essas coisas, mas podia imaginar. Ela compartilhou
muitos segredos nesta varanda, uma vez, e Noelle se encaixava
lá tão perfeitamente que era fácil imaginar. Deveria tê-la
assustado, como era tentador deixar Noelle encaixar. Ela girou
seu anel de noivado até que ele mordeu sua palma.
Namorar Tara era fácil, de várias maneiras. Elas tinham seu
acordo: elas viviam suas vidas separadas e apareciam uma para
a outra quando necessário. O sexo era bom, se não mudava o
mundo, e a companhia era agradável. Miriam podia viajar para
as lojas de seus amigos por todo o país, trancar-se na oficina
com podcasts por três dias, passar o fim de semana com Cole, e
Tara nunca pedia detalhes. Miriam interpretou a interessante
noiva troféu, um papel para o qual ela foi preparada durante
toda a vida, e conseguiu usar esse treinamento para o bem em
vez do mal, o que foi um bom foda-se para o pai dela. Ela tinha
o apoio financeiro para construir uma carreira para si mesma e
um lugar para pousar se não fosse lançada.
Talvez Tara nunca tenha dito: “Sinto sua falta”, mas sempre
perguntava: “Você precisa de alguma coisa?” Gostava de Tara
precisamente porque sabia que nunca correria o risco de se
apaixonar por ela. Aqui fora, na tranquila noite de Carrigan,
ela quase podia ouvir a voz de Cass, dizendo-lhe que aquilo era
bobagem e para se recompor. Cass acreditava em amor maior
que a vida, o que raramente era confortável, parecia para
Miriam.
Talvez ela estivesse confortável por muito tempo.
11
Dia do Perdão, uma data super importante no judaísmo, onde todos devem
confessar e se arrepender de seus pecados.
Não é como se Noelle se importasse. — Eu não deveria gritar
nos corredores.
Noelle apoiou um pé atrás dela no papel de parede
desbotado.
— Sabe, você não precisa perdoá-la por tudo isso, mesmo
que ela tenha sido abusada também.
Subitamente irritada de novo, Miriam empurrou a parede,
fechando os punhos com força suficiente para cravar as unhas
nas palmas das mãos. Que condescendência para Noelle agir
como se Miriam não pudesse lidar com sua mãe sozinha ou
nunca tivesse considerado cortá-la.
— Obrigada por sua entrada não solicitada, mulher estranha
que me odeia! Vou arquivá-la ao lado do conselho indesejado
da minha mãe — respondeu Miriam.
— Tanto faz — Noelle disse atrás dela, enquanto ela se
afastava.
12
"Ano-Novo Judaico", é uma festa que ocorre no primeiro dia do primeiro
mês do calendário judaico.
— Por que você não faz como uma adulta? — Perguntou
Noelle. — Inferno, eles até me convidam.
— Espere, você vai para Rosh Hashaná com minha família?
— O coração de Miriam doeu de ciúmes.
Noelle deu de ombros como se não fosse grande coisa.
— Hannah me convidou nos últimos dois anos. Eu sou uma
otária por kugel13. Ela estava passando por um término
miserável com Levi, e ela precisava que eu interferisse com
qualquer membro da família muito intrometido.
— Que são todos eles — Miriam riu. Ela olhou para o topo
da cabeça de Noelle, observando suas pinceladas por um
momento. — Você realmente cuida dela. De Hannah.
— Ela é minha pessoa — Noelle disse, olhando para trás e
encontrando os olhos de Miriam. — E alguém tem que fazer
isso. Ela está sempre cuidando de todos os outros.
— E todos nós fomos embora. — Miriam terminou a parte
que Noelle não disse. Ela estava feliz por Noelle estar aqui,
sendo a pessoa de Hannah, e ainda tão triste que não conseguia
respirar.
— Não foi isso que eu quis dizer, Miriam — Noelle
resmungou. — Eu não estava julgando você. Desta vez.
13
Pudim assado ou caçarola, mais comumente feito de lokshen ou macarrão
de ovo judeu ou batata.
— É verdade, no entanto. Nós fomos embora. De qualquer
forma — disse Miriam, com a voz embargada —, é lindo aqui
em cima.
— Está um pouco produzido demais — Noelle admitiu. —
Isso me lembra Cass. Acho que é por isso que ela adorava aqui,
porque as montanhas são tão extravagantes quanto ela.
Era tão inacreditavelmente bom compartilhar uma
memória feliz de Cass com alguém que também a amava. Parte
da atração irresistível que sentia por Noelle era que Noelle
amava todos que Miriam amava. Ela amava Carrigan tanto
quanto Miriam. Estar com ela era como encontrar alguém que
falasse uma língua que ela pensava ter inventado.
— Isso me faz querer dirigir e me perder por um dia,
caminhando, cochilando e lendo — admitiu Miriam. — Eu
estive em muitos lugares bonitos nos últimos dez anos.
Dirigindo pela Pacific Coast Highway, acampando em
Yosemite, passei um dia apenas observando o sol mover as
sombras sobre o Grand Canyon. Caminhei por trilhas de pônei
na Ilha Chincoteague e fiquei em faróis sobre as ondas no
Maine. Mas de alguma forma eu nunca estive aqui quando a
vista era assim.
Noelle pareceu surpresa com o arrependimento na voz de
Miriam, sua expressão penetrando Miriam. Ela não sabia por
que queria que Noelle a entendesse tanto. Era um impulso
estranho para alguém que geralmente escondia seus verdadeiros
sentimentos até de si mesma.
— É o meu lugar favorito que eu já estive — disse Noelle
depois de uma longa pausa, sentando-se sobre as ancas e
descansando os braços nas coxas. — O lugar que eu mais amo
e mais me sinto em casa.
— O meu também — disse Miriam. Desta vez, o rosto de
Noelle mostrou total descrença. Ela entendeu – como ela
poderia dizer isso, e realmente dizer isso, após ter ficado longe
por uma década?
Ela tentou explicar.
— Você já amou tanto alguma coisa que a deixou muito
vulnerável? Amava tanto que precisava se isolar disso, porque
o amor deixou você incapaz de respirar?
Noelle balançou a cabeça enquanto olhava para cima,
protegendo os olhos contra o sol.
— Sou uma grande fã de experimentar minhas emoções,
pessoalmente. Nem sempre sou boa nisso, mas geralmente
funciona melhor quando tento. — Miriam teria esperado
condescendência, mas Noelle parecia estar genuinamente
tentando responder a ela.
— Sorte sua — sussurrou Miriam. Esse impulso de fazer
Noelle entendê-la a levou a continuar. — Eu meio que estive
em um estado de fuga autoimposto, como se eu tivesse puxado
a ponte levadiça do castelo, trancado todas as portas e me
escondido. E foi difícil manter no início, antes de eu ter prática
em viver isolada. Qualquer coisa poderia ter rompido minhas
paredes, e eu não podia deixar que fossem rompidas.
— E Cass as teria rompido? — Noelle adivinhou.
— Cass, Hannah, Levi, os Matthews. Eu tive que mantê-los
fora do perímetro, porque se eu os deixasse se aproximar, meu
castelo inteiro desmoronaria. Eu estava muito vulnerável para
sentir tanto.
— E depois que suas feridas cicatrizaram, quando você não
estava tão em carne viva?
— Acho que não queria que nada perturbasse meu delicado
equilíbrio? Eu não sei, eu estava no piloto automático naquele
momento, porque é para isso que serve um estado de fuga. Eu
não tive que tomar decisões ou me examinar. Eu poderia
simplesmente colocar um pé na frente do outro e sobreviver.
Ela voltou a pintar a árvore de Natal, e elas ficaram em
silêncio. Ela não deveria ter tentado explicar. Ela nunca falou
com ninguém sobre essas coisas, nem mesmo Cole ou Hannah,
ou Blue.
Ela continuou tentando fazer com que Noelle a entendesse,
para ver que sua avaliação de Miriam era injusta, mas ela não
sabia dizer se estava conseguindo. Noelle nunca havia
mencionado a briga delas e, embora fossem civilizadas uma
com a outra e tivessem algumas conversas em que parecia que
ela estava progredindo, ela não queria assumir que a opinião de
Noelle sobre ela havia mudado. Era como Noelle havia dito,
Miriam não podia confiar em seu próprio julgamento. Ela
temia que se estivesse errada, doeria ainda mais. Ela não
conseguia ler a linguagem corporal de Noelle, seus pés sempre
separados e seus braços cruzados sobre seu corpo como se ela
fosse uma árvore, sólida e confiável e incapaz de ser balançada.
— Você tem um dom para isso — disse Noelle,
surpreendendo Miriam de seus pensamentos. Ela olhou para
baixo, e Noelle estava de pé, plantada, com as mãos nos quadris,
olhando todo o esboço. — Você já fez alguma pintura para sua
arte, ou seu coração está no upcycling de antiguidades?
— Minha arte é tão real quanto a pintura — disse Miriam
defensivamente, porque ela não podia dar nenhuma das outras
respostas à pergunta de Noelle. Que ela não podia pintar,
mesmo que quisesse, e não importava onde estivesse seu
coração. O upcycling tinha que ser suficiente.
— Absolutamente é. — Noelle assentiu. — E você é
incrivelmente talentosa nisso. Eu apenas queria saber. Você
pode ser boa em muitas coisas ao mesmo tempo.
Miriam riu tristemente.
— Às vezes eu gostaria de poder trocar algumas das minhas
habilidades artísticas e de negócios por habilidades de ser
humano — disse ela. — E eu não pinto.
Não mais, ela sussurrou para si mesma.
— Eu… — Noelle começou, e então parou.
— O quê? — Perguntou Miriam.
— Você não é a pior pessoa que eu já conheci em ser
humana — Noelle disse, finalmente.
Uau, fale sobre condenação com elogios fracos. Noelle soou
como se essa admissão tivesse sido arrancada dela. Miriam
estava muito feliz por não ter começado a acreditar que Noelle
poderia gostar dela, eventualmente.
— Isso é comprovadamente verdade — concordou Miriam,
tentando parecer leviana para esconder sua decepção. — Você
conheceu meu pai.
Noelle inclinou a cabeça em reconhecimento.
— E Levi.
Cada pedaço dessa conversa era como estar em cima, bem,
de uma escada velha e frágil. Conversar com Noelle a fez ansiar
por coisas que ela não podia querer. Ela passou toda a sua
infância tentando convencer as pessoas que não a amavam a
mudar de ideia sobre ela, e ela estava farta disso. Tentar fazer
amizade com Noelle era como bater sua cabeça contra uma
parede de tijolos. Ela tinha feito isso até sua cabeça sangrar. Não
mais. Não importava se Noelle falava sua língua secreta, ela não
precisava de ninguém para chegar tão perto de seu eu mais
íntimo, de qualquer maneira.
— Acho que terminei com a parte em que preciso de sua
ajuda — ela disse, secamente. Noelle murmurou algo sobre
amostras de solo antes de pegar seu pincel e levá-lo com ela.
Miriam deu um suspiro de alívio. Mulheres sexy, engraçadas e
trabalhadoras que gostavam de sua arte eram mais admiradas à
distância.
Ela estava em uma zona de pintura profunda quando de
repente ouviu a voz de Noelle novamente, assustando-a.
— Ok, isso é ridículo, eu preciso me desculpar — Noelle
estava dizendo, as mãos enfiadas nos bolsos e o chapéu puxado
para baixo sobre a testa.
— Pelo quê? — Miriam disse, perdida. E irritada. Ela tinha
acabado de decidir parar de tentar fazer Noelle gostar dela, e
Noelle não iria embora e a deixaria pintar em paz. Ela não podia
deixar as coisas assim, para que Miriam não precisasse mais
pensar nela? Ela largou o pincel com um pouco de força e virou
a escada para olhar para Noelle.
— Pelo jeito que eu agi com você, depois da leitura do
testamento. Você obviamente acha que eu ainda acredito em
tudo o que eu disse, e não posso deixar isso acontecer. Além
disso, estou neste programa que meio que exige que eu faça as
pazes quando sou uma idiota.
— Espere, eu sabia disso sobre você? — Perguntou Miriam.
Noelle deu de ombros.
— Eu não bebo mais. Não é segredo.
— Parabéns. Na sobriedade. Isso é uma grande conquista, e
é incrível — disse Miriam.
Noelle arrastou os pés em desconforto.
— Sim. É muito bom.
Miriam tentou absorver essa nova informação sobre Noelle.
Ela tinha tantas perguntas. Ela queria saber tudo sobre Noelle,
todo o seu passado e o que a fazia funcionar. Ela tentou se
lembrar de novo que, enquanto seu breve conhecimento
pairava em sua consciência, ela não tinha nenhum direito real
sobre os segredos de Noelle.
— Eu não deveria estar tendo essa conversa em cima de uma
escada — disse Miriam, descendo lentamente. Noelle esperou
até que ela estivesse no chão para continuar.
— Nada do que eu disse foi justo ou verdadeiro. Eu te
julguei errado. — Noelle tirou as mãos dos bolsos, tentou enfiá-
las no cabelo, pegou o chapéu, bufou e cruzou os braços. Era
fofo – e perturbador.
— Nas últimas semanas, conhecendo você, tornou-se
dolorosamente óbvio que você é muito mais do que eu julguei.
— Ela parecia rude, e ainda dolorida, como se estivesse
desconfortável com essa conversa e não conseguisse descobrir
como dizer o que queria. Miriam percebeu que antes ela
poderia não estar condenando com elogios fracos – ela poderia
estar tentando iniciar essa conversa e não encontrando as
palavras certas.
Talvez ela não estivesse brava com Miriam. Talvez ela só
fosse péssima com desculpas.
— Mesmo se você não fosse — Noelle continuou —, eu não
tinha o direito de falar com você desse jeito. Posso fazer as pazes
com você? — Ela olhou para Miriam e esperou.
Por vários segundos, Miriam olhou de volta.
— Por que você está me dizendo isso, agora? — Ela
finalmente perguntou.
— Além da minha madrinha me xingar por não ter pedido
desculpas antes? Eu me sinto um monstro completo toda vez
que você se esforça demais para me mostrar que pertence aqui.
Você não deveria. Cass queria que você ficasse. Hannah e os
Matthews querem que você fique. Você não precisa provar
nada para mim. — Seus ombros se ergueram ao redor de suas
orelhas.
— Eu preciso ser realmente clara como cristal, porque eu
não gosto de adivinhar como as pessoas se sentem sobre mim.
Você está me dizendo agora que não me odeia? — Miriam disse
cuidadosamente, sentindo-se tola.
— Eu não odeio você. Eu não te conheço muito bem, mas
eu meio que entendo por que Hannah, Cass e os Matthews
pensam muito em você. Você é boa. Você tem várias qualidades
positivas. — Noelle abaixou a cabeça e Miriam teve vontade de
rir. Ela realmente não era boa nisso, o que de alguma forma fez
Miriam se sentir muito melhor.
— Você não acha que eu levaria o negócio para o chão? —
Perguntou Miriam.
— Você sabe que não levaria o negócio para o chão. Ou mais
fundo no chão. Você tem um jogo de marketing de mídia social
matador e sabe muito sobre contabilidade.
Miriam assentiu. Ela tinha essas habilidades.
— Você realmente não se importa se eu ficar?
— Eu sei que você tem muito em que pensar — disse Noelle
rispidamente, sem fazer contato visual. — Seu negócio, sua
vida, seu noivado. Seja qual for a sua decisão, não deixe como
eu vou me sentir sobre isso ficar no seu caminho. Você pode ser
boa para Carrigan. Você deve decidir se Carrigan seria bom
para você.
Noelle se virou para sair, então parou e voltou.
— É como a Bela Adormecida.
Miriam inclinou a cabeça em confusão.
— O que você disse antes. Você estava dormindo, em um
castelo. E você estava por trás de todos esses obstáculos, para
não acordar — disse Noelle, com as mãos nos bolsos e os
ombros curvados. Ela chutou uma pedra em vez de fazer
contato visual com Miriam.
Miriam quase chorou. Sim, era exatamente assim.
— E agora eu tenho que decidir se fico acordada ou volto a
dormir — disse Miriam, lâmpadas acendendo dentro dela.
— Você pode? Voltar a dormir? O que Rumi disse? Você
deve pedir por aquilo que realmente deseja. Não volte a dormir.
— Noelle Northwood, você acabou de citar Rumi para
mim? — Miriam ia desmaiar. Na verdade, literalmente
desmaiar.
— Sou largo, contenho multidões. — Noelle deu de
ombros, seu rosto presunçoso.
— Rumi e Whitman? Exibida. — Miriam estava sorrindo, e
ela estava pintando, e seu coração estava voando. Noelle estava
certa. Ela não sabia se poderia voltar a dormir.
A expressão de Noelle ficou séria.
— Ei, agora que estamos quites, posso fazer uma pergunta
totalmente inapropriada que não é da minha conta?
— Ah, o especial Cass Carrigan. Claro — Miriam assentiu,
imaginando o que Noelle poderia querer saber sobre ela.
— Qual é o problema com sua noiva? Você nunca fala sobre
ela, mesmo no que diz respeito a se mudar para cá. Vocês duas
não ficariam com o coração partido?
— É difícil explicar — Miriam começou, tentando decidir o
quão específico seria. — Nós nos damos bem, e cada uma de
nós tem coisas que a outra precisa. Ela precisa de uma esposa da
sociedade, e eu preciso de estabilidade financeira. Nós fazemos
companhia uma à outra e sua família a deixa em paz sobre o
casamento. Nós somos, eu não sei, amigas com benefícios, mas
alguns dos benefícios são dedutíveis. Não estamos apaixonadas.
Nunca estivemos.
— Você é arromântica? — Perguntou Noelle. — Porque
isso soa como um ótimo casamento para muitas pessoas aro que
eu conheço. Sexo, amizade, contas compartilhadas, sem chance
de amor.
Miriam balançou a cabeça.
— Não. E nem Tara, eu acho. Se fôssemos, poderia ter sido
uma maravilhosa parceria platônica queer. Mas nossos motivos
não eram tão saudáveis. Nós duas pensamos que se já
estivéssemos juntas, não teríamos que arriscar a bagunça e a
vulnerabilidade de nos apaixonar. Nenhuma de nós realmente
gosta do imprevisível.
— Isso soa como algo que Cass teria chamado de besteira,
logo antes de fazer algo para tornar sua vida super imprevisível.
— Ah, como me deixar um quarto do negócio dela? —
Miriam riu. — Sim. Ela não era uma fã.
— Ela era tão intrometida. — Noelle balançou a cabeça,
sorrindo com tristeza. — Tudo bem, vou deixar você pintar.
Vou cortar algumas árvores. Deixe-me saber se você quiser vir
usar a motosserra. Acho muito meditativo quando estou tendo
problemas com uma decisão.
Essa oferta foi a parte mais legal do pedido de desculpas de
Noelle e estranhamente quente. Miriam deu um desajeitado
polegar para cima e virou-se rapidamente para a parede antes
que Noelle pudesse ler sua expressão. Uma parte dela esperava,
contra toda a racionalidade, que Noelle a pedisse para ficar. Em
vez disso, ela disse a ela para decidir por si mesma.
Como Miriam poderia saber o que seria bom para ela? Ela
nunca soube até agora.
Agora que ela sabia que Noelle não a odiava, a atração que
sentia pela mulher queria explodir de suas correntes. Ela queria
perguntar a Noelle todos os seus segredos. Ela nunca quis
trocar segredos com Tara. Não importa o quanto ela gostasse
de Tara, ela não queria se perder nela.
Sentindo-se assim sobre Noelle encaixou peças em sua
mente como um quebra-cabeça que ela estava evitando
terminar. Ela poderia nunca estar com Noelle, mas a parceria
que ela e Tara planejaram não funcionaria mais para ela. Não
havia nada de errado com um casamento amigável e respeitoso
sem romance, mas ela queria algo completamente diferente.
Ela precisava ser honesta com Tara.
Como se ela tivesse sido convocada pelos pensamentos de
Miriam, um cabelo loiro elegante enrolado em um longo casaco
branco varreu o canto do celeiro.
Miriam esqueceu de respirar por várias batidas.
— Ei, querida — Tara disse, sorrindo para ela. — Você pode
me mostrar meu quarto?
— Eu não estava esperando você — Miriam conseguiu
dizer, finalmente, uma mão no peito. Ok, então ela teria que ser
honesta com Tara muito em breve. Em pessoa. No Carrigan.
Não estava esperando foi um eufemismo. Ela nunca teria
imaginado que Tara viria aqui – estaria aqui,
incongruentemente, neste lugar. Ela disse a Tara que tudo
estaria resolvido até o Dia de Ação de Graças, e Miriam sabia
que a refeição de Ação de Graças era um grande evento para os
Chadwicks. Ela esperava que Tara ligasse para ela na sexta-feira
para fazer o check-in, não aparecer no feriado. O que ela disse
para seus pais?
Cole apareceu atrás de Tara, arrastando malas.
— Eu tentei impedi-la, mas ela não foi impedida, então eu
vim com ela para diminuir os danos.
Tara não deu nenhum sinal de ter ouvido Cole.
— Por que você não me mostra o lugar?
Miriam sacudiu-se de seu torpor.
— Sim. Vamos entrar. — Ela os conduziu por uma entrada
lateral para a grande sala, onde encontraram Hannah e Noelle.
As sobrancelhas de Hannah se ergueram, e Noelle olhou entre
Tara e Miriam, cruzando os braços e franzindo a testa.
— Esta é minha prima Hannah… — começou Miriam.
— É um prazer conhecê-la, eu ouvi coisas tão adoráveis. —
Tara tinha caído na cadência de debutante que ela recorria
quando estava desconfortável ou se sentia fora de lugar. O
coração de Miriam doeu com o quanto Tara estava tentando
ser educada. — E você é? — O olhar de Tara se moveu para
Noelle.
— Como você acabou de entrar na minha casa, eu sinto que
deveria ser eu quem pergunta isso — disse Noelle, enfiando as
mãos nos bolsos e sutilmente ampliando sua postura. Ela
parecia um lagarto enrolando o pescoço para ameaçar intrusos
em seu território. Por que ela estava sendo tão rude?
— Eu sou a noiva de Miriam — Tara disse firmemente.
Miriam interveio.
— Noelle é a gerente da fazenda de árvores. Ela era o braço
direito da tia Cass. Ela é dona de parte de Carrigan agora.
Miriam não acrescentou "Comigo". Essa não era uma
conversa para se ter no meio do saguão.
Hannah pegou a mala de Tara.
— Estamos tão felizes em conhecê-la. Imagino que você vai
se juntar a nós no Dia de Ação de Graças? Vou colocar isso —
ela olhou para Miriam, que sutilmente, mas rapidamente
balançou a cabeça — no chalé dos fundos! É tão fofo e
confortável, Tara, você vai ficar confortável como um inseto.
Os olhos de Tara foram de Hannah para Miriam, e seus
lábios se apertaram. Ela virou seu melhor Southern Belle para
Hannah e disse, enquanto seus olhos também cortavam
punhais em Miriam:
— Ora, isso será tão maravilhoso, eu adorarei toda essa
privacidade.
— Eu tenho que dizer — ela disse a Noelle enquanto passava
— eu amo toda essa elegante… — ela pausou, como se
procurasse as palavras — estética que você cultivou.
— Eu chamo de Farmer Dyke — disse Noelle, sorrindo um
pouco maldosamente. — E abençoe seu coração.
Noelle
14
É a prática de assédio virtual de pesquisar e expor dados privados sobre um
indivíduo ou organização para ameaça, vingança.
toda essa cena. Ela tinha que parar de julgar as pessoas e trocar
os pés pelas mãos. Pelo menos agora ela teve um vislumbre do
que Miriam poderia ver em Tara, o que a deixou menos
confusa sobre como elas acabaram juntas.
— Desculpe, eu não deveria ter assumido o pior.
— Não, está tudo bem — Tara disse afetadamente,
colocando seus talheres em seu prato com boas maneiras. — Eu
sei quem é minha família. Eu teria feito essa suposição também.
— O que você faz, Cole? — Sra. Matthews perguntou,
obviamente tentando mudar a conversa. Cole enfiou um
pãozinho inteiro na boca e apontou para ele para indicar que
não poderia responder com a boca cheia.
Hannah começou a falar sobre um novo programa que ela e
Miriam estavam assistindo. Eles chegaram à sobremesa sem que
ninguém se aprofundasse no trauma familiar.
O dia seguinte era Black Friday, e elas estavam ocupadas
com os clientes por doze horas. Noelle viu Miriam carregando
árvores, sem nenhum sinal de Tara, que elas colocaram na caixa
registradora. Ela não tinha ideia se Miriam havia contado a Tara
o que estava acontecendo, ou qual seria sua decisão sobre ficar.
Chegaram ao horário de fechamento sem indicação de
nenhum dos dois.
Miriam
15
Produtos/Alimentos Kosher são todos os que obedecem à lei judaica.
Miriam estava dividida entre amar a ligação de Noelle e Cole
e temer que ela tivesse que falar com Tara, praticamente
imediatamente. Ela se virou para Ernie, que estava esperando
que eles decidissem, e disse:
— Uma jarra de chocolate quente, por favor.
Ernie foi embora até que Miriam gritou:
— Espere! Isto é muito importante. O seu batom é bem
resistente? — Se ela fosse ficar aqui, ela começaria a fazer
amigos, e este parecia ser o lugar ideal para começar.
— Ainda estará firme quando eu for enterrada,
provavelmente — disse Ernie. — Vou escrever todos os
detalhes no cheque.
— Você é um anjo — Miriam disse a ela seriamente.
Ernie olhou para sua camisa Ramones encharcada de
cerveja, jeans skinny rasgado e Chucks de uma década e
assentiu.
— Eu sou.
— É por isso que as coisas estavam tensas com seus pais? O
alcoolismo? — Tara perguntou a Noelle, parecendo
genuinamente interessada, o gelo em seu tom derreteu.
Quando seu cabelo passou por Miriam, cheirava a jasmim-
estrela, cortando a gordura, o lúpulo e o almíscar. O cheiro
floral era reconfortante, mas não fazia fogos de artifício
explodirem dentro dela como os cítricos de Noelle e Old Spice
faziam.
— Bastante — disse Noelle. — Eu parei de beber e eles não.
Eles sempre sentiram que eu os estava abandonando. — Ela
pegou todos os menus e os empilhou precisamente um em cima
do outro, alinhando todos os cantos.
Ernie voltou com um prato enorme de frituras. Miriam
coordenou com Hannah em sua complicada dança de infância
de misturar o lado do rancho com molho picante e testá-lo
cuidadosamente para provar. Aquele ritual familiar, feito sem
pensar, abriu uma porta dentro de Miriam que ela tinha
esquecido que existia na última década.
Você pode ser conhecida, seu coração sussurrou para ela. Você
pode se sentir em casa em sua pele e parar de correr.
— Alguém tem pais funcionais e felizes? — Cole
perguntou, acenando com um picles frito na mesa. — Eu
conheço Tara e não!
— Eu tenho! — Hannah disse, pegando o picles dele e
comendo. — Quero dizer, eles me arrastaram por todo o
mundo quando criança e agora tenho ataques de pânico
incapacitantes sobre a ideia de deixar o Carrigan, mas isso tem
mais a ver com minha ansiedade do que qualquer coisa que eles
fizeram de errado. Eles estavam fazendo o seu melhor. Como
eles saberiam que eu desenvolveria uma necessidade
desesperada de controlar meus arredores? — Ela riu baixinho,
e então disse, muito alegremente: — Vamos mudar de assunto.
Cole! Que filme você assistiu tantas vezes que consegue recitá-
lo do começo ao fim e nenhum de seus amigos vai assistir com
você?
Eles jogaram o tradicional jogo xennial de se conhecerem
através da amada cultura pop nostálgica (a resposta de Cole foi
My Cousin Vinny, e a de Noelle foi Drop Dead Gorgeous).
Eles ainda estavam discutindo sobre os méritos relativos de
Madonna em relação ao início do Green Day quando suas
refeições chegaram. Hannah e Noelle ficaram firmes com Tara
ao lado do Green Day, enquanto Miriam e Cole ameaçavam
explodir em "Like a Prayer". Cole roubou metade dos anéis de
cebola de Miriam, Hannah roubou metade do sanduíche de
Cole e Tara e Noelle trocaram picles por tomates.
— Como vocês se conheceram? — Hannah disse,
gesticulando entre Miriam e Tara. Tara acenou para Miriam,
dando-lhe as rédeas da história.
— Cole e eu nos conhecemos no primeiro dia de orientação
para calouros, na faculdade — disse Miriam —, e fomos
inseparáveis desde então. Quando precisei de um lugar para
ficar depois que as coisas explodiram com meus pais, fui para a
casa de Cole em Charleston. Tara estava na Duke Law, mas
continuava voltando para casa por obrigações familiares. Eles
têm todos os mesmos amigos, então continuamos nos
encontrando.
Ela percebeu que era mais uma história sobre Cole do que
sobre ela e Tara, o que provavelmente dizia alguma coisa. Mas
como ela explicava que ela e Tara tinham visto almas gêmeas
uma na outra, cada uma precisando de um porto seguro em
outra pessoa que não pressionasse demais suas feridas abertas?
Enquanto esperavam pela conta, Cole e Miriam foram ao
banheiro, discutindo pelo caminho sobre a melhor Darcy, uma
briga que vinham tendo há anos, quando alguém de trás do bar
interrompeu:
— Obviamente é The Lizzie Bennet Diaries…
Os dois se viraram para encontrar um homem baixo, de
cabelos longos e escuros, bigode encerado antiquado e camisa
de botão coberta de porcos voadores, segurando uma garrafa de
uísque e sorrindo para eles – embora principalmente, Miriam
notou, para Cole.
Cole respondeu seu sorriso e apontou.
— Sim! Miriam, finalmente alguém entendeu! — Ele se
moveu para apertar a mão do homem. — Nicholas Jedediah
Fraser IV. Cole para meus amigos, o que você obviamente é.
O homem foi diminuído pelo tamanho de Cole, mas parecia
totalmente imperturbável por sua exuberância. Ele apertou a
mão de Cole de volta, com força.
— É inteiramente meu prazer, Nicholas Jedediah. Sawyer
Bright. — A inclinação para cima de sua cabeça e o brilho em
seus olhos disseram a Miriam que ele estava flertando. Miriam
não tinha certeza se Cole havia notado. A interação básica de
Cole com toda a humanidade parecia com flertar para a maioria
das pessoas.
Ele piscou teatralmente para Sawyer e bateu no bar com a
palma da mão.
— Continua — disse ele ao barman, antes de sair.
Quando Ernie lhes trouxe a conta, Tara, fiel ao costume,
insistiu em pagá-la.
— Você deveria se juntar a nós para o quiz do pub na
próxima semana — disse Ernie a Miriam. — Elijah e Jason
administram, e é meio que a única diversão nesta cidade se você
tem entre 25 e 50 anos.
— Ela não estará aqui neste fim de semana — Tara disse, seu
sotaque grosso e terrivelmente educado. — Ela está voltando
para casa comigo, para Charleston.
— Oh — Ernie disse, olhando para Hannah em confusão.
— Eu pensei, Cass... Deixa para lá. Eu estarei de volta mais tarde
para verificar você.
— O que foi isso? — Tara perguntou incisivamente, seus
olhos cortando entre Cole e Miriam. Cole abaixou a cabeça, e
Tara estendeu a mão e o acertou. Ele olhou para Miriam, seus
olhos azul-marinho suplicantes.
Ele nunca foi capaz de dizer não a Tara, e Miriam sabia que
não era justo fazê-lo dizer isso a ela. Miriam tinha que se
recompor, ela já tinha fodido muito por não ser honesta. Ela
não sabia se havia alguma maneira de reduzir os danos neste
momento. Pode ser tarde demais para fazer as pazes, e Tara
pode realmente não perdoá-la, mas ela poderia fazer a coisa
certa de qualquer maneira.
— Podemos sair para conversar? — Ela perguntou. Ela sabia
que Tara odiava quando a roupa era lavada em público.
Tara se virou para ela, seus olhos azuis gelados e seus
movimentos precisos.
— Bem — ela começou, seu sotaque como melado —, eu
diria que já que todas essas pessoas já conhecem nosso negócio,
não poderia fazer mal discutir isso na frente deles, já que eu sou
claramente a única pessoa que não sabe o que está acontecendo,
mas eu não gostaria de colocá-los na situação de se sentirem
desconfortáveis, pois suspeito que eles não fizeram nada para
merecer isso.
O tom de Tara era frio o suficiente para congelar Miriam.
Ela merecia. Cole fugiu da mesa para deixá-las sair, fazendo
uma careta para ela pelas costas de Tara.
Assim que saíram, Miriam começou a falar antes que
perdesse a coragem.
— Cass me deixou um quarto do Carrigan — disse Miriam
em uma lufada de ar. — No começo eu pensei em dar para
Noelle e Hannah, mas Tara... eu realmente quero ficar aqui.
Quero abrir uma loja, ajudá-los a recuperar o negócio e atrair
turistas aqui para vender-lhes arte. Não consigo parar de querer
isso. — Ela passou os braços ao redor dela, tanto para se aquecer
quanto em alguma tentativa equivocada de protegê-la da
resposta de Tara.
Elas ficaram em silêncio. A represa dentro de Tara que a
impedia de gritar em público permaneceu inviolável.
Finalmente, ela falou.
— Você não poderia ter me dito isso pelo telefone? — Sua
voz era baixa, e Miriam se esforçou para ouvir. — Antes de eu
dar desculpas para todos na minha vida sobre onde você estava?
Antes de parecer uma tola? E a loja, Miri? E a nossa vida? Eu
era tão impossível de conversar que você não podia me dizer
essa coisa que está mudando todo o nosso futuro?!
— Eu me convenci a não contar a você porque estava com
medo. Eu deveria ter confiado mais em você — disse Miriam,
mordendo o lábio. — Minha cabeça estava uma bagunça, e eu
lidei com tudo isso mal, e isso não era justo com você. Para o
nosso acordo uma com a outra. Eu fui uma co-conspiradora de
merda.
— Você fez isso para que eu continuasse pagando o aluguel
do seu estúdio? — Tara acusou.
— Não! — Miriam disse imediatamente, horrorizada. — Eu
prometo, não. Não era mercenário assim. Eu só não sabia como
fazer você entender onde estava meu coração. — Miriam
passou as mãos pelo cabelo e se perguntou como Tara
conseguia parecer completa e perfeitamente polida no meio de
uma briga de separação. Provavelmente outro sinal de que elas
eram erradas uma para a outra, o fato de que ela nunca poderia
perturbar Tara.
— Você tem razão. Eu não teria entendido desistir de nossa
bela casa, uma cidade fascinante, de todo o bom trabalho que
estávamos fazendo, para viver em uma estalagem em ruínas
com papel de parede estampado de papagaios, no meio da
floresta, cercado por nada além de árvores e lagos até onde a
vista alcança. Isso nunca seria o que meu coração poderia
querer.
— Cass… — Miriam começou.
Tara a interrompeu.
— Todo o fim de semana eu ouvi sobre a mágica Cass. —
Esse sotaque sulista de alguma forma tornou seu sarcasmo
ainda mais sarcástico. — Mas você não pode usá-la como
desculpa comigo, porque você nunca me apresentou a ela.
— Eu mereço isso — Miriam admitiu. — Eu só não achei
que você queria lidar com toda a bagagem que veio com
Carrigan.
— Talvez você esteja certa. Talvez eu não quisesse. — Tara
balançou a cabeça. — Estou cansada, Miri. Eu sei que não
somos uma grande história de amor. Tudo bem se você veio até
aqui e percebeu que precisava de algo diferente. É razoável
decidir que você quer se apaixonar. Mas somos amigas. Nós
éramos uma equipe. Você deveria ter me contado a verdade.
— Eu não sabia se eu seria corajosa o suficiente para ficar —
admitiu Miriam. Dizer a verdade em voz alta, para Tara, a
tornava tão real. A parte de seu coração que sempre se escondeu
da realidade estava gritando com ela, mesmo quando o resto
dela deu um suspiro de alívio. Estava tudo exposto agora. Ela
não podia voltar atrás.
— Eu nunca vi você mais feliz do que você está aqui — Tara
disse a ela, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta. — Eu nem
sabia que esse seu lado existia. Estou feliz por você ficar, se é isso
quem você é quando está no Carrigan. E talvez você não tenha
me contado porque sou difícil de conversar sobre emoções, ou
porque eu teria tentado advogá-la para a escolha racional, mas
agora estou aqui na neve sendo chutada, em vez de com minha
família para as férias, porque você estava com medo.
Todos os dias desde que chegara ao Carrigan, Miriam tinha
sido forçada a confrontar o fato de que havia machucado
pessoas com quem se importava, protegendo-se da realidade e
evitando conversas difíceis. Ela devia a Tara mais do que isso, e
Miriam queria acreditar que estava se tornando melhor do que
isso.
— Você tem razão. Você merecia honestidade, e eu estava
com muito medo de ser honesta comigo mesma. Deixe-me
tentar agora. Eu amo isso aqui e quero ficar.
Tara riu tristemente.
— Deus, você está uma bagunça, Miriam Blum. Eu nem
sabia que você tinha em você um ser tão caótico. Estou meio
feliz por você. Uma de nós deve ser capaz de perder a cabeça. E
para ser honesta, isso é baixo no ranking dos piores Dias de
Ação de Graças da minha vida.
— Talvez no próximo feriado você se apaixone e jogue sua
vida no caos — disse Miriam, cautelosamente esperançosa de
que elas pudessem terminar em termos, se não bons, pelo
menos não catastróficos.
— Você cala a boca — disse Tara, parecendo horrorizada e
fazendo o sinal da cruz. Ela abriu a porta do bar e inclinou a
cabeça, gritando: — Cole, você está me levando para a estação
de trem.
Cole saiu correndo pela porta, seguido por Hannah.
— Ooh, roubar carros à meia-noite — disse Cole, jaqueta na
mão. — Nós não fazemos isso desde o ensino médio.
Hannah apertou a mão de Miriam.
— Eu vou com eles para garantir que peguem um caminhão
da fazenda em vez do caminhão de Noelle.
Tara deu uma última olhada em Miriam.
— Não me ligue por enquanto. — Miriam assentiu. Foi
melhor do que ela esperava.
Uma vez que eles foram embora, Miriam deslizou de volta
para a mesa em frente a Noelle, que tinha sido deixada sozinha,
um oceano de anéis de cebola frios na frente dela.
— Bem, você estragou tudo muito bem — disse Noelle. Ela
tirou um pequeno pato de madeira de um bolso interno do
casaco e uma faca de outro, e começou a talhar, sem olhar para
Miriam.
— Você não está errada — concordou Miriam, recostando
a cabeça na mesa e fechando os olhos.
— O que você vai fazer agora?
Miriam pensou por um longo minuto.
— Pedir mais frituras e chorar no prato? — Ela especulou.
Ela estava profundamente arrependida por ter machucado
Tara. Elas estavam juntas há anos, e mesmo que não estivessem
apaixonadas, elas se amavam. Miriam queria honrar isso
lamentando o fim de seu relacionamento. Mas ela também
ficou aliviada, o que a fez se sentir uma idiota. Ela queria
continuar com sua nova vida, deixar-se ficar tonta com as
possibilidades. Para ver como ela realmente se sentia sobre
Noelle, agora que ela não estava noiva.
Era um monte de sentimentos para tentar ter ao mesmo
tempo, para alguém que estava acostumada a não ter nenhum.
— Eu quis dizer em uma visão mais ampla — disse Noelle,
e Miriam levantou a cabeça da mesa. Noelle se inclinou para
frente, olhando-a nos olhos. — O que você quer, Miriam
Blum?
Miriam respirou fundo e praticou dizer a verdade
novamente.
— Eu quero que você me peça para ficar.
Parte 2
Noelle
16
Pão judaico de origem asquenazita. Muito popular em Israel, e entre judeus
europeus e americanos, geralmente encontrado em cafés e padarias.
movimentos e acenou com a cabeça em aprovação. Quando
seus braços se tocaram, o coração de Noelle disparou.
— É menos autodestrutivo do que a maneira que eu
costumava superar os términos, que era ficar bêbada — Noelle
apontou. Ela colocou um dos cachos errantes de Miriam atrás
da orelha. Miriam lambeu o lábio e abaixou a cabeça. Noelle
sentiu uma onda de vitória por estar excitando Miriam tanto
quanto Miriam estava fazendo com ela.
— Estou feliz que você mudou para o rock temperamental
dos anos 90 — Miriam disse suavemente. — Escolha sólida. —
Ela segurou uma colher limpa com figo enchendo a boca de
Noelle para provar. Noelle tentou se lembrar do que elas
estavam falando. Ah, certo, rompimentos – porque Miriam
estava no meio de um e não precisava que Noelle seguisse em
frente, imediatamente após dizer que não o faria.
Ela observava Miriam enrolar massa, hipnotizada pelo
movimento de suas mãos, quando Miriam a surpreendeu
dizendo:
— Quando eu estava brigando com minha mãe, você disse
que entendia ter um relacionamento complicado com seus
pais, mas eu não percebi... — Ela balançou a cabeça. — De
qualquer forma, eu pensei que você estava apenas tentando me
dizer o que fazer. Eu não sabia que você tinha perdido seus pais,
sem conseguir se reconciliar. Eu sinto muito. E obrigada, por
não me dizer que eu deveria me reconciliar com meu pai,
porque eu poderia me arrepender de outra forma. Eu ouço
muito isso.
— Nós realmente vamos falar sobre nossos pais agora? —
Noelle fez uma careta.
Míriam deu de ombros.
— Estou tentando conhecer a mulher por trás dos
suspensórios. Você sabe tudo sobre meus demônios.
Noelle admitiu que elas podem ser desiguais no
departamento de compartilhamento de segredos pessoais.
— Ninguém corta seus pais levemente, e eu não acho que
fomos colocados nesta Terra para passar tempo com pessoas
que são uma merda para nós, só porque somos parentes. Eu
gostaria de ter me reconciliado com os meus pais, talvez, mas
não sei o que teria feito diferente. Eu ainda teria ficado sóbria,
ainda teria traçado limites. Eu definitivamente não deveria
dizer a outras pessoas o que fazer com seus pais, o que eu estava
fazendo, aliás, porque sou intrometida. Desculpe-me por isso.
— Honestamente, eu esperei a minha vida toda que alguém
me dissesse o que fazer com meus pais. — Miriam riu um
pouco causticamente.
Noelle tentou descobrir como explicar algo que raramente
falava com alguém.
— Às vezes eu gostaria de ter mais tempo, ou mais
encerramento, só porque passei tanto tempo desde que eles
morreram tentando provar que eles estavam errados ou provar
que eu não sou eles. Se eles estivessem aqui, eu poderia apenas
viver, em vez de reagir a eles.
— O que você quer dizer? — Miriam tinha subido no
balcão e estava inclinada para a frente, ouvindo.
— Meus pais fizeram muitas promessas de que fariam
coisas, estariam em lugares, depois não cumpriam, porque
estavam bêbados, e é isso que os bêbados fazem. — Noelle
continuou espalhando geleia na massa, para não ter que olhar
para Miriam.
— E é por isso que você tenta sempre estar lá pelas pessoas?
— Miriam adivinhou.
— Eu acho que sim. E talvez parte de mim pense que eu
simplesmente não era uma filha boa o suficiente, mas se eu
puder ser perfeita para todos os outros, não serei abandonada
novamente. — Isso era incrivelmente desconfortável de
admitir. Elas poderiam voltar a falar sobre os problemas de
Miriam, agora?
Miriam saltou do balcão, esfregando as mãos no avental,
deixando grandes rastros de farinha.
— Obrigada por me dizer isso. Você parece tão estável. É
bom saber que você também é uma bagunça, de certa forma.
Eu gosto de você bagunçada. É ótima. — Miriam sorriu
timidamente.
Noelle olhou para seu rosto, tentando receber o presente
daquelas palavras. Ela era uma bagunça, e ela estava sempre
tentando esconder isso. Poderia Miriam realmente gostar de
seu lado bagunçado? A ideia de alguém vendo suas rachaduras
mal reparadas e ainda querer beijá-la era... quase irresistível.
Miriam Blum a fazia querer coisas perigosas.
Ela balançou a cabeça, tentando parar de construir castelos
no céu, povoados por princesas com cabelos gigantes. Miriam
pode ser sedutoramente solidária neste frente-a-frente no meio
da noite, mas isso não significava que Noelle precisava despejar
toda a sua bagagem na mulher (e depois beijá-la no meio da
cozinha da Sra. Matthews).
— Quanto tempo eles levam para assar? — Noelle
perguntou, para se distrair.
— Você tem um pouco de recheio, bem aqui — disse
Miriam, em vez de responder à pergunta de Noelle. Ela se
inclinou, passando o polegar no canto da boca de Noelle antes
de lamber o recheio da ponta do dedo, sem tirar os olhos dos de
Noelle.
— Isso foi maldade — disse Noelle, desejo faiscando por
todo o seu corpo, pequenas chamas dançantes ao longo de sua
pele. Ela estava se esforçando tanto para se comportar, mas
Miriam estava dificultando muito. — Eu não sabia que você
tinha uma veia maligna.
— Eu tinha uma noiva — disse Miriam. — Eu não tinha
começado a flertar ainda.
— Eu pensei que tivéssemos concordado…
Os olhos de Miriam brilharam com malícia.
— Nós concordamos que não estávamos namorando. Nós
não concordamos que eu não poderia flertar com você.
Embora eu pare, se você quiser.
Noelle não queria que ela parasse.
— Vou para a cama antes que eu tenha problemas. — Ela se
afastou deliberadamente, balançando a cabeça e sorrindo um
pouco, suas mãos flexionando em uma batalha para tomar o
controle de seu cérebro e tocar Miriam, em todos os lugares. —
Guarde-me um pouco de rugelach para a manhã.
Miriam
comunidade judaica.
continuou aparecendo lá, sexy e irritante. Sua bunda era muito
perturbadora.
Miriam finalmente parou no celeiro, montando uma mesa
de trabalho ao lado dos cercados de renas, com muitos
desenhos conceituais inacabados espalhados por cima. Disse a
si mesma que seria diferente se tivesse todas as peças de
Charleston. Então ela poderia terminar o trabalho que ela já
havia planejado. Esses itens estavam no limbo, porque estavam
guardados atrás da casa de Tara enquanto Miriam trabalhava
na reforma do armazém. Tara não permitia que carregadores de
arte profissionais entrassem em sua propriedade para embalar
qualquer coisa para envio. Miriam não podia usar essa
mesquinhez contra ela.
Então, Miriam disse a si mesma, ela também estava no
limbo, mas ela sabia que era uma desculpa. A pousada não
tinha escassez de antiguidades estranhas e velhas, e nem as
cidades vizinhas. Ela só estava perdendo sua faísca.
Algumas semanas depois do Festival de Natal, chegou o
Hanukkah. Miriam gostava do Hanukkah, apesar de seu
menor significado religioso, porque gostava das velas nas
janelas escuras e da alegria de comer frituras. Ela tinha tantas
lembranças de comemorar no Carrigan. Mesmo quando o
feriado não coincidia com as férias de Natal, Cass fazia todos
comerem latkes e contassem a história do óleo. Era um antídoto
para a alegria natalina que ameaçava dominá-los. Cass havia
colecionado menorá19 de todos os lugares do mundo, dizendo
que queria uma menorá de qualquer lugar que a diáspora20
tivesse tocado.
— Podemos ir com tudo no Natal para os turistas — ela
explicou —, mas quando for apenas nossa casa, vamos iluminar
o céu para os Macabeus21. — Cass nunca fez nada pequeno.
Na primeira noite deste primeiro ano sem ela, eles
colocaram as menorás nas janelas, e todos os membros da
família acenderam uma.
— Miri e Hannah — Ziva disse —, vocês devem dizer as
bênçãos. É o que Cass queria.
Miriam revirou os olhos para a fingida benevolência da mãe,
mas não recusou. Elas cobriram suas cabeças e entrelaçaram
seus dedos.
— No três — sussurrou Hannah, apertando a mão de
Miriam três vezes. — Baruch ata Adonai…
O jantar depois foi um caos.
Os Green vieram, e Noelle presenteou os gêmeos com seus
patos esculpidos, para seu deleite e horror de seus pais.
— Se você realmente nos amasse — Elijah disse a ela —, você
não teria nos condenado a semanas de charlatanismo.
19
É um candelabro de sete braços, e um dos principais e mais difundidos
símbolos do Judaísmo.
20
Dispersão dos judeus por todo o mundo antigo, que deu origem a
comunidades judaicas fora de Israel.
21
Integrantes de um exército rebelde judeu que assumiu o controle de partes
da Terra de Israel.
Noelle não parecia nada arrependida.
— Eu vou tomar conta e eles podem grasnar comigo.
— Sr. Matthews — Jason riu enquanto pegava um dos
gêmeos debaixo da mesa e os girava —, você quer que eu tire
esses monstrinhos debaixo de suas pernas?
— Não se atreva! — Disse o Sr. Matthews. — Isso me
lembra de quando Esther e Joshua eram pequenos. Não temos
pessoinhas suficientes correndo soltas por aqui, hoje em dia.
— Oh — Elijah interrompeu —, ficaríamos felizes em
deixar os nossos a qualquer momento. Você pode deixá-los
correr pela área dos fundos até que se cansem, e nós voltaremos
para buscá-los.
— Por favor, faça isso! — Sra. Matthews exclamou, com as
mãos em seu coração. — Apenas um dos meus filhos me
abençoou com netos, e ele está na cidade.
Jason era baixo e atarracado com o rosto de um modelo,
com maçãs do rosto que poderiam cortar alguém. Ele tinha a
pele escura da meia-noite, manchas brilhantes, uma covinha, e
parecia feito de puro carisma.
— Elijah — Miriam sussurrou — seu marido é o ser
humano mais bonito que eu já vi na vida real.
— Eu sei — ele sussurrou de volta.
Ela pegou Noelle sorrindo com essa interação.
— O quê? — Ela perguntou, cutucando Noelle nas costelas
com um cotovelo. — Você tem aquele sorrisinho presunçoso
de novo.
— Nada. Elijah e Jason são importantes para mim, só isso.
Eu gostaria que você fizesse amizade com eles — Noelle disse,
não muito indiferente.
— Porque você acha que eu posso me tornar importante
para você também? — Miriam brincou.
— Coma um latke, Miri.
— Eu comeria um latke, Noelle, mas estou muito
horrorizada com a quantidade de molho de maçã que você
colocou no seu, e não posso continuar — disse Miriam, pouco
antes de colocar um latke inteiro na boca.
— Com licença, você tem molho picante no seu. Você não
tem espaço para julgar. Time Molho de Maçã para a vida.
Miriam deu de ombros, espirrando mais molho de pimenta
em seu próximo latke. Ela não se desculparia por seu gênio da
batata.
Todos deixaram a fritura e as luzes do feriado suavizar as
arestas da tristeza e da ansiedade sobre o negócio, por um
tempo. Nem mesmo a presença de sua mãe, pairando no
perímetro da sala e tentando se inserir casualmente como se
pudessem ter uma conversa normal, foi suficiente para
diminuir seu brilho.
22
Comportamento bobo, infantil, uma travessura.
Miriam e Hannah de se matarem fazendo algo imprudente.
Então, enquanto elas se empilhavam em um trenó, ela acabou
no fundo, ostensivamente dirigindo. Principalmente, ela
tentou se concentrar em sobreviver enquanto era distraída pela
bunda de Miriam pressionando contra ela, a juba de cachos de
Miriam soprando em seu rosto.
Era como um quadrinho de Calvin e Hobbes, se Calvin e
Hobbes fossem sáficos sexualmente frustrados.
Todas as três desceram a colina mais alta da propriedade em
velocidades extremamente inseguras, terminando no fundo em
uma pilha inglória. Miriam aterrissou em cima de Noelle, seu
nariz a centímetros do de Noelle, seu cabelo protegendo-as do
mundo exterior.
— Oi — Miriam respirou, sem fazer nenhum movimento
para se levantar. Ela sorriu um pouco.
— Oi também — Noelle conseguiu grunhir. Ela estendeu a
mão para empurrar um cacho do rosto de Miriam. Miriam
virou a cabeça de modo que seus lábios roçaram a palma da mão
de Noelle, por apenas um instante, antes de sentir Miriam
sendo puxada de cima dela.
— Miriiiiiii!!!!!! Nosso primeiro Shenanigan em uma
década! Devemos comemorar! — Hannah exclamou,
arrastando Miriam de volta para casa. Noelle foi deixada para
trás, feliz, para trazer o trenó de volta ao celeiro. Ela olhou para
sua melhor amiga, cambaleando com neve sob suas roupas, sua
cabeça jogada para trás em uma risada, e para Miriam, o vento
soprando seu cabelo gelado em pontas de liberdade. Parecia
que elas estavam em um globo de neve, precioso e frágil, e a
qualquer momento, alguém poderia virar a coisa toda e sacudi-
la.
— Espere! — Hannah gritou, parando de repente. Ela se
virou, correndo desajeitadamente em direção a Noelle em sua
roupa de neve. — Não, não! Você tem que estar conosco! Nós
somos as Três Mosqueteiras agora!
Ela entrelaçou os braços nos de Noelle e Miriam,
ensanduichando-se entre elas, e olhou para Noelle com paz
irradiando de seu rosto.
— Quando foi a última vez que nos divertimos, Noelle?
Quando foi a última vez que fomos apenas... felizes? — Noelle
viu seus olhos ficarem molhados quando ela perguntou isso, e
ela chorou em resposta. Ela sempre chorava quando Hannah
chorava.
— Eu não me lembro, querida. — Antes de Cass ficar
doente, talvez. Antes de Levi partir. Fazia muito tempo.
O Sr. Matthews revirou os olhos quando elas voltaram e se
recusou a deixá-las passar pelo banheiro com seus
equipamentos. As três se enfiaram juntas, tirando as botas uma
da outra, soprando em seus dedos para fazê-los funcionar bem
o suficiente para abrir zíperes e jogando lenços sobre a cabeça
uma da outra em ganchos. Quando elas foram finalmente
reduzidas a calças compridas forradas de lã, ele as deixou entrar
na cozinha para ensopado e chá quente.
Naquela noite, todas elas estavam deitadas de costas no chão da
grande sala, com os pés de meias apoiados em frente ao fogo.
Kringle esticou todo o corpo, de barriga para cima, para se
juntar a elas, e era quase tão longo quanto Miriam. A mão de
Miriam estava tão perto da de Noelle que seus dedos roçaram
um no outro. Parecia o ensino médio, com todo o potencial de
alguém que você gostava, que gostava de você de volta,
tentando decidir quando finalmente deixar a deliciosa tensão
acabar.
Exceto, é claro, ceder significaria confiar que Miriam ficaria
e não fugiria de novo assim que as coisas se complicassem.
— Você acha que algum momento vai parecer tão perfeito,
de novo? — Hannah perguntou, parecendo bêbada de sono.
Noelle olhou para Hannah, que basicamente estava vibrando
de estresse a cada momento desde que Cass morreu. Ela estava
confusa como o inferno sobre muita coisa agora, mas se ela
conseguisse ver sua melhor amiga tão feliz, tudo poderia valer a
pena.
Noelle fingiu sacudir uma Bola 8 Mágica imaginária.
— A perspectiva não é tão boa.
— O que faremos? Se os Rosensteins disserem não? —
Hannah se virou de lado para encarar as duas.
Miriam se apoiou no cotovelo para encontrar o olhar de
Hannah.
— Então vamos ao banco sem eles, e ainda salvamos o
Carrigan — ela disse, soando mais segura do que Noelle se
sentia. — Eu não vou desistir de você agora que acabei de te ter
de volta.
Hannah assentiu, estendendo o punho para Miriam bater.
— Para o que der e vier.
Mais tarde, muito tempo depois que o fogo se apagou,
Noelle ainda estava acordada, lembrando-se de Miriam
lambendo doce dos dedos. Ela puxou os cobertores sobre a
cabeça e gemeu para si mesma. Miriam estava mais perto de ser
exatamente o que estava procurando do que Noelle queria
admitir. Se ela estivesse procurando. O que ela não estava. Se
um romance explodisse espetacularmente, elas poderiam
perder todo o trabalho que tiveram para salvar Carrigan. Mas
era difícil ignorar como todo o seu corpo se iluminava quando
Miriam entrava em uma sala.
Ela bateu na própria cabeça com o travesseiro. Vá dormir,
Noelle, ela disse a si mesma. Você não vai resolver nada depois
da meia-noite.
Finalmente, sob o peso de Kringle e a promessa de uma
manhã bem cedo, ela adormeceu.
23
Pão trançado especial, consumido no Shabat e nas festas judaicas,
excluindo a festa de Pessach.
— Você sabe que meu chalá é mediano — Miriam a
lembrou.
A Sra. Matthews balançou a cabeça em dramática decepção.
— Eu esperava que você pudesse ter melhorado nisso, todos
esses anos vivendo no Sul, sem acesso a pão de qualidade.
— Há uma comunidade judaica estabelecida em Charleston
desde a década de 1740 — provocou Miriam. — Eu estava me
virando bem.
A Sra. Matthews entregou-lhe uma bola de massa, e elas
trabalharam por alguns momentos em silêncio, Miriam
deixando-se voltar ao ritmo de algo que ela sabia fazer em toda
a sua vida.
— Eu sei que você está apenas tentando me ajudar a me
sentir útil — ela disse à Sra. Matthews. — E eu aprecio isso.
— Eu não sei do que você está falando. Eu estava usando
você para o trabalho enquanto também procurava desculpas
para ficar com você. — A Sra. Matthews piscou para ela. —
Noelle e Hannah são muito parecidas, você sabe.
Miriam sabia que não devia interromper.
— Foi o que as uniu quando Noelle se mudou para cá. Eram
duas ervilhas em uma vagem que finalmente se encontraram.
Hannah tem procurado durante toda a sua vida o que Anne
Shirley chamou de alma gêmea. Ela estava procurando por sua
Diana.
— Eu sempre pensei que era Levi — Miriam murmurou.
A Sra. Matthews riu.
— Ele era e não era. Você deve se lembrar que quando
criança, ele era… intenso e caprichoso. Hannah gosta que as
coisas sejam sólidas.
Quando criança, Miriam tinha visto os pais amorosos de
Hannah, seus relacionamentos íntimos com os Rosensteins e
Blue, e invejava todo o amor na vida de Hannah. Ela não tinha
percebido que sua prima estava sozinha também. Talvez odiar
viajar não fosse a única razão pela qual ela queria ficar no
Carrigan tão desesperadamente.
— Mas, você sabe, ela é mandona. Ela gosta de estar no
comando de tudo. Ela precisava de alguém tão forte e territorial
como ela. Ela e Noelle, elas se encaixam. Noelle ficou com a
fazenda, Hannah ficou com a pousada, e nenhuma delas jamais
teve que ceder território. Tem sido pior desde que Levi partiu,
porque o trabalho foi a única coisa que a impediu de se afogar
alguns dias.
— Eu não estou pedindo a Hannah para desistir de seu
trabalho — Miriam insistiu, finalmente entendendo o ponto
de vista da Sra. Matthews. — Eu não sou capaz de fazer o que
ela faz, e eu odiaria isso.
Ela socou a massa com mais força do que deveria, o que lhe
rendeu um olhar de reprovação.
— Para você fazer o que você é boa, ela vai ter que mudar
um pouco do que ela faz — disse a Sra. Matthews. — Ela vai ter
que consultar outra pessoa às vezes, em vez de ser a Grã Rainha.
Eu sei que você está se sentindo como se tivesse explodido toda
a sua vida para estar aqui, mas você não é a única cuja vida
inteira acabou de explodir. Há muitas partes móveis. — Ela
partiu quatro pequenas bolas de massa e as arrumou no balcão.
Uma estava no centro, e as outras três circulavam. — Se você
parar de se ver como o centro desta história — ela continuou,
movendo a bola do meio para fora para que todas as quatro
formassem um círculo —, e começar a ver todas vocês como
uma teia interdependente, cujas ações afetam umas às outras,
você terá um tempo melhor se solidarizando com sua prima.
Olhando para a massa sob suas mãos, pronta para crescer,
Miriam refletiu que grande parte da dor dos últimos dez anos
poderia ter sido amenizada se ela tivesse se lembrado de sair do
centro da história.
— Você quer que eu volte quando isso estiver descansado,
para trançar? — Perguntou Miriam.
— Quando foi a última vez que você trançou um chalá? —
A Sra. Matthews respondeu seriamente. — Está tudo bem. Eu
vou trançar. Você pode voltar e postar no Instagram. — A Sra.
Matthews a enxotou do balcão com um beijo.
— Você terminou de dar aula para ela? — Sr. Matthews
perguntou, entrando pela porta externa da cozinha. — Posso
entrar agora?
— Tudo bem, tudo bem, você pode entrar. Limpe suas
botas — disse ela ao marido. Miriam sempre desejou ter um
amor como o deles, com velhas discussões desgastadas que
tiveram um milhão de vezes. Ela escapuliu enquanto eles
estavam golpeando amorosamente um ao outro.
Hannah estava esperando por Miriam em seu quarto
quando Miriam subiu para a cama, sentada na poltrona perto
do fogo, com os joelhos dobrados até o queixo. Era difícil ter
privacidade quando você morava em um hotel, e todo mundo
tinha as chaves. As bochechas de Hannah estavam manchadas
de lágrimas, e os joelhos de suas leggings tinham pequenas
manchas molhadas neles. Ela fez sinal para que Miriam se
sentasse, e Miriam não discutiu. Hannah não chorava muito
quando eram crianças. Ela tinha um temperamento explosivo,
mas era mais provável que escrevesse uma lista de possíveis
soluções para a mágoa do que chorasse por isso.
— Eu não deveria ter gritado com você — Hannah admitiu.
— Não sei o que deu em mim.
— Você finalmente quebrou? — Miriam adivinhou.
Hannah soltou uma risada e começou a chorar novamente.
— Você ainda quer gritar comigo? — Perguntou Miriam.
— Você pode, se isso vai fazer você se sentir melhor. Você tem
permissão para ter uma resposta emocional complicada por eu
estar de volta.
— Obrigada por sua permissão — Hannah disse secamente.
— Não. Sim. Não sei. — Miriam entregou-lhe alguns lenços de
papel, e Hannah os amassou em sua mão, gesticulando sem
palavras, como se pudesse acenar as palavras no ar.
— Você foi embora, e eu lidei com isso. Senti tanto a sua
falta, mas tudo bem. Eu sabia que você estava fazendo o que
precisava. E então Levi foi embora. Era mais dor do que eu
sabia que qualquer humano poderia sobreviver. Mas eu
aguentei. Eu continuei levantando de manhã, e continuei
administrando o negócio, e eu ia conseguir. Então Cass ficou
doente e nenhum de vocês estava aqui. — Sua voz falhou, e ela
soluçou. Miriam sentou-se à sua frente e segurou suas mãos,
esperando que ela estivesse pronta para falar.
Ela não disse que teria vindo, se soubesse que Cass estava
doente. Inferno, ela nem sabia se isso era verdade, ela poderia
ter continuado dando desculpas. Ela desejou que Hannah
tivesse lhe dado uma chance de descobrir, mas elas teriam
tempo, esperançosamente, para esclarecer isso, então ela
mordeu a língua.
Miriam se levantou de onde estivera ajoelhada, andando de
um lado para o outro na pequena sala, os olhos no tapete.
Precisava ser substituído, ela notou.
Hannah enfiou a mão no bolso de seu roupão e tirou um
guardanapo de avião amassado. Ela o entregou sem dizer nada
a Miriam, que olhou para ele em sua mão.
— Isto veio alguns dias atrás — Hannah disse. — Estava
enfiado em um cartão de melhoras com gatinhos na frente.
Estava endereçado a você, mas reconheci a caligrafia, então abri.
Era de uma companhia aérea australiana de baixo custo,
com escrita em esferográfica azul.
Ah, o coração dela. A caligrafia era de Levi:
Já posso voltar para casa?
Miriam inclinou a cabeça para a prima.
— E então? Esta é a sua chamada. Você disse a ele para não
voltar, então ele não voltou. O que você quer fazer?
— Eu ia queimar, mas pensei que você tinha o direito de vê-
lo. Hum. Principalmente porque era o seu correio. — Hannah
parecia apenas vagamente apologética.
— É um golpe baixo, usar o truque do guardanapo. — Ele
saberia que escrever como Cass sempre faria chegar direto ao
coração dela. Miriam virou o bilhete em suas mãos, tentando se
sentir aborrecida com a onda de sentimentalismo que a
engolfou. Ela estava cuidadosamente evitando sentir a ausência
de Blue com muita intensidade. Tentar se encaixar no negócio,
lamentar Cass, a falta de Tara, fingir que ela estava bem levando
as coisas devagar com Noelle, eram todas as complicações que
ela precisava. Ela não precisava de outra espada flamejante em
seu ato de malabarismo.
Mas ela não tinha certeza do que Hannah – ou o que Levi,
aliás – precisava. Ela pensou na bola de massa da Sra. Matthews
e mentalmente tentou sair do centro.
— Eu não estou pronta para vê-lo — Hannah admitiu
calmamente.
— Não podemos ignorá-lo para sempre — disse-lhe
Miriam. — Eu tentei muito ignorar meu passado para sempre.
Acontece que não é assim que nada disso funciona.
Hannah assobiou antes de se aconchegar mais perto de
Miriam, que a abraçou forte.
— Sinto muito que você sentiu que não poderia ir com ele.
Você já pensou em terapia para a coisa toda de não poder ir
embora? Quero dizer, se você quiser. Tudo bem se você não
fizer isso, você não precisa consertar.
Hanna suspirou.
— Isso é o que o rabino Ruth continua me dizendo para
fazer.
— Talvez você devesse ouvi-lo — sugeriu Miriam.
Hannah fungou.
— Talvez nós duas devêssemos ir à terapia.
— Eu vou se você quiser — disse Miriam.
— Combinado.
Sentaram-se ali, de mãos dadas em frente ao fogo como
faziam quando eram pequenas, dividindo a caixa de lenços de
papel.
— Acho que você deveria ser a gerente das operações do
Carrigan Todo o Ano — Hannah disse, depois de alguns
minutos.
— Tem certeza?
— Sim. Sempre pensei assim, desde o início. Só fico estranha
quando as coisas estão fora do meu controle imediato. Eu não
deveria ter colocado você no meio disso.
— Não é como se eu nunca tivesse colocado você no meio
de eu ficando estranha.
— Eu tenho toda essa raiva, desde que Blue foi embora —
Hannah admitiu. — Ondas de raiva que me atingem, e eu não
sei o que fazer com tudo isso. Se eu tiver tudo trancado, em
ordem, parece que não vai me puxar para baixo.
Miriam sabia exatamente como era tentar trancar tudo para
que não a puxasse para baixo.
— Está funcionando? — Ela perguntou à prima.
— Não. — Hannah balançou a cabeça, enfaticamente.
— Vamos salvar esta fazenda — disse Miriam, acariciando
suas mãos unidas —, e depois vamos fazer terapia.
— Enquanto isso, vou trabalhar muito duro para abrir mão
de algum controle — Hannah prometeu. — Porque Noelle
está certa. Por que ela está sempre certa? É irritante.
— Falando em Noelle... — Miriam começou, e Hannah
ergueu as sobrancelhas. — Quando ela me defendeu mais cedo,
isso me fez querer coisas.
Hanna riu.
— Acho que você já queria essas coisas.
— Ok, verdade, mas eu as quero AGORA. Eu não quero
esperar mais. O que você acha?
— Você precisa da minha bênção? — Hanna brincou.
Miriam deu de ombros.
— Tipo isso! E preciso do seu conselho sobre como levá-la a
bordo.
— Bem, você tem minha bênção, se puder convencê-la. Ela
é um pouco tímida — Hannah disse, levantando-se e juntando
seus lenços. — Quanto a como, minha melhor aposta seria uma
emboscada. Pegue-a desprevenida, para que ela não tenha
tempo de deixar seu cérebro convencê-la de uma coisa boa.
Miriam pensou nisso. Ela poderia fazer uma emboscada.
Tinha potencial Shenanigan.
— Não a machuque, ou eu terei que matar você — Hannah
adicionou, enquanto se dirigia para a porta.
Isso era justo.
Noelle
24
Um tipo de cola/acabamento.
poderia morder se não fosse desperta, mas ela não tinha certeza
se poderia. Ainda assim, ela precisava concluir a instalação da
árvore e, se ainda não estava disposta a voltar ao sótão, havia
apenas outro lugar para obter os materiais.
— Estamos limpando os armários de Cass — ela anunciou
para a sala de jantar quando ela foi para o café da manhã, que
foi, no início do dia, apenas Hannah, Noelle e Sra. Matthews.
— Todos eles? — Noelle perguntou horrorizada. — Você
sabe quantas roupas Cassiopeia Carrigan possuía?
Hannah limpou a garganta.
— Isso é, hum, um grande trabalho. — Miriam observou-a
mexer no cabo da xícara de chá e depois sentar-se sobre as mãos.
— Tem certeza de que quer liderar esse projeto?
Miriam saiu de sua neblina de produtividade impulsionada
pelo pânico o suficiente para reconhecer o quão grande era o
passo para sua prima, deixá-la encarregar-se disso.
— Deixe-me reformular. — Ela se sentou ao lado de
Hannah. — Eu me conecto com as pessoas através de seus
pertences. Ver o que as pessoas deixaram para trás como
pequenos tesouros descartados faz parte do meu trabalho. Eu
perdi uma grande parte da vida de Cass, mas acho que passar
por suas coisas pode me ajudar a me sentir perto dela
novamente. E talvez eu possa usar algumas de suas coisas para a
iluminação da árvore, o que nos daria a chance de compartilhá-
la com nossa comunidade uma última vez.
Hannah levou um longo tempo mastigando seu sanduíche
de café da manhã.
Noelle piscou para Miriam e entrou.
— Sabe, as coisas dela estão ocupando todo o andar de cima.
Se começarmos a limpá-lo, eventualmente poderíamos alugar
esse andar e recuperar muito espaço para os hóspedes.
Miriam observou como Hannah absorvia essa informação.
— Isso é verdade, e eu não tenho tempo para fazer isso —
disse ela, finalmente. — Leve Noelle com você, ou você ficará
presa sob uma pilha de boás de penas e nunca mais a
encontraremos.
25
Técnica artesanal, que consiste em cobrir superfícies com recortes e
colagens de imagens prontas como jornais, fotografias.
Miriam riu.
— Não, eu ameacei a única coisa com que ele se importa.
Seu nome. Havia rumores há anos que ele estava traficando
drogas de alto nível através de suas importações de carros. Ele
construiu essa reputação como um grande herói comunitário,
aparecendo em maratonas de televisão e doando cheques
gigantes para abrigos para crianças desabrigadas, esse tipo de
coisa. Ele não conseguiria ficar perdendo essa face. Seu ego não
o deixa ser exposto. Ele precisa de adulação.
— Uau, um cara branco tão rico brincando com o que ele
vê como drogas de 'alto nível' e sendo totalmente
despreocupado com a prisão? — Noelle perguntou, parecendo
enojada.
— Ah, sim, é um privilégio profundamente racista fodido
em ação — afirmou Miriam.
— O que diabos ele está ganhando com isso que vale a pena
o risco? — Perguntou Noelle. — Apenas começando a atuar
como o Big Cool Drug Boss?
Míriam assentiu.
— Basicamente. Eu disse a ele que tinha provas do que ele
estava fazendo, e que se ele chegasse perto da minha arte ou da
minha carreira novamente, eu liberaria as provas. Na verdade,
não posso liberar a prova sem que alguém descubra que Cole
conseguiu ilegalmente, mas isso o assustou. Ele não chegou
perto de mim desde então. Suponho que, como construí uma
plataforma, ele ficou menos disposto a me testar. Se ele tentasse
alguma coisa, eu divulgaria suas informações para os Bloomers
e, como todos os fandoms, eles têm a capacidade de violência
cruel.
— Sabe, se eu fosse você — disse Noelle pensativa —, acho
que gritaria muito com minha mãe, toda vez que a visse.
— Fui treinada para não gritar desde muito cedo. — Miriam
deu de ombros, e Noelle a envolveu em um abraço de urso.
— Então, agora há pinturas de Mimi Roz no sótão. Que eu
suponho que foram escondidas lá, de alguma forma,
magicamente, por Cass — Noelle disse.
Miriam acenou para a flanela de Noelle, onde seu rosto
ainda estava enterrado.
— E você se sente... animada? Aterrorizada? Em estado de
choque? — Perguntou Noelle.
Miriam assentiu novamente.
— Sim. Todas as opções.
— O que você irá fazer com elas?
— Ainda não tenho a menor ideia. — Miriam se afastou
para olhar o rosto de Noelle. — Eu nem as desembrulhei. Não
sei quais são. Eu só... eu as encontrei, me assustei um pouco,
depois comi bolo e fiz muita arte, e agora estamos aqui.
— Eu vou apoiá-la, o que você decidir. Todos nós vamos.
— Eu sei. Mas eu preciso me concentrar na iluminação da
árvore e colocar os Rosensteins a bordo e o banco. Chegar ao
outro lado desta crise, e então eu vou lidar com elas. Elas não
vão a lugar nenhum.
— Minha menina corajosa — Noelle disse calmamente, e a
barragem de Miriam finalmente se rompeu. Ela chorou, e
Noelle a abraçou. Elas se sentaram lá, se balançando juntas,
cercadas pelo cheiro de Cass e tule e luzes cintilantes hipócritas,
por um longo tempo.
Noelle
26
Exame educacional dos EUA aplicado para estudantes do ensino médio,
servindo de critério para a admissão em universidades norte-americanas.
A Sra. Matthews, o Sr. Matthews e Hannah a procuraram
em algum momento durante o jantar para zombar dela
gentilmente sobre como ela e Miriam estavam finalmente,
como Hannah colocou, "lidando com a tensão sexual
incrivelmente irritante que estava dificultando fazer qualquer
trabalho por aqui."
Noelle quase desejou que elas tivessem escondido seu novo
relacionamento por um tempo, até que ela percebeu que toda
vez que elas passavam, elas alcançavam as costas ou a dobra do
pescoço, como ímãs. Até que ela olhou para cima no meio de
uma conversa para encontrar Miriam olhando para ela, e ela
sabia que seu rosto deve ter se transformado de desejo, porque
um rubor subiu imediatamente nas bochechas de Miriam.
Noelle queria correr os dedos sobre aquela pele rosada, para ver
o quanto ela poderia ficar mais rosada, o quanto do corpo de
Miriam corou. Ela percebeu que não havia como esconder isso.
Porra. Todas as suas besteiras sobre como ela não podia se
apaixonar e ela já estava perdida por essa mulher. Elas tinham
acabado de começar a se beijar.
Ela estava tão ferrada.
Agora ela tinha que esperar com toda a força que ela
realmente pudesse confiar em Miriam com seu coração.
A manhã da véspera de Natal amanheceu brilhante, com pilhas
de neve brilhando ao sol que finalmente saiu. O Sr. Matthews
abriu valentemente as estradas até a cidade, e o transporte do
Carrigan estava funcionando sem parar.
O gramado da frente foi transformado em um bazar, com
barracas lotadas onde antes havia árvores decoradas. A
sociedade humana estava vendendo castanhas assadas e
guirlandas feitas localmente. A loja de música tinha kazoos,
penny assobios, gaitas – todas as coisas boas para colocar em
meias e depois esconder no final do dia de Natal, quando o
barulho era insuportável. Havia uma barraca de troca de livros
de bolso, onde todos deixavam os romances, mistérios e ficção
científica que haviam acumulado ao longo do ano e levavam
novos tesouros.
O Sr. Matthews estava em seu traje tradicional de Papai
Noel, atendendo pedidos de presentes de última hora (para
pânico dos pais) e fotos. Cole, vestido de elfo, dirigia o
movimento. O traje já existia há décadas, e o veludo verde era
usado na altura dos joelhos. Uma das abas de velcro tinha saído
da parte de trás assim como Cole deveria estar na frente, e o
tecido estava preso com alfinetes. Uma vez que tinha sido
projetado para alguém mais baixo do que os 1,90m de Cole,
terminava em suas panturrilhas. Ele tinha adicionado meias
vermelhas até o joelho com um padrão de floco de neve (um
enchimento de meia de Hannah) e um par de sapatos de barco
forrados de pele que ele havia encomendado via entrega
noturna.
Ele proclamou o dia mais feliz de sua vida.
A Sra. Matthews serviu sua famosa gemada caseira de seu
estande. Hannah estava perto da cocheira, juntando casais no
trenó para passeios românticos pelos pinheiros. Joshua
Matthews havia pegado o trem naquela manhã com sua família
e estava dirigindo o trenó enquanto Grant, de sete anos,
"supervisionava". Esther Matthews trouxera um namorado
surpresa, improvavelmente chamado Rocket, sobre o qual ela
não havia contado aos pais.
A Sra. Matthews não gostava dele.
Miriam havia designado Esther para fazer a transmissão ao
vivo na página do Facebook da Blum Again, e ela estava
vagando por aí descrevendo encantadoramente o festival para
os Bloomers e Rosensteins que estavam assistindo para julgar o
sucesso do evento.
Ziva chegara naquela manhã (mas não, Noelle notara, a
tempo do aniversário de Miriam). Ela estava fazendo a corte
entre as famílias que retornavam há muito tempo, contando
interpretações dramáticas totalmente orquestradas dos Natais
de antigamente de Carrigan, com muita discussão sobre
detalhes das pessoas que também estiveram lá. Os socos quase
eclodiram sobre a origem das raças de renas.
Uma banda de bluegrass tocava canções de Natal da
varanda, onde se instalaram. Ernie estava no contrabaixo e o
bibliotecário estava detonando em solos de banjo. "I'll Be
Home for Christmas" no violino bluegrass foi uma experiência
que mudava a alma. Todo mundo estava se movendo, tudo
estava brilhando.
Depois do almoço, Elijah e Jason estavam tentando
encurralar os gêmeos, que iam de barraca em barraca
implorando por uma segunda árvore de Natal.
— Nós somos dois! — Eles discutiram. — Deveríamos ter
árvores gêmeas!
Noelle girou a pequena Jayla em um círculo, enquanto seu
irmão, Jeremiah, puxava as calças de Noelle para dar uma volta.
— Onde vocês vão colocar duas árvores em sua casa, meus
queridos bebês?
Antes que pudessem responder, Miriam pegou cada gêmeo
com uma mão.
— E se — disse Miriam, conduzindo-os em direção às
árvores —, escolhermos uma muda para cada um de vocês, que
pode ser sua árvore para sempre, desde que esteja crescendo?
— Te devo uma! — Elijah a gritou.
Noelle sorriu, esperando que Miriam e Elijah se tornassem
amigos de verdade.
27
O termo usado no inglês é butch, uma pessoa lésbica não-feminilizada
alguém, tentando descrevê-los para si mesma tanto quanto para
qualquer outra pessoa, catalogando-os à medida que saíam
dela. Noelle entendê-la foi uma revelação e um alívio. Toda sua
vida, ela se culpou por seus pais não entenderem como ela se
sentia. Ela pensou que devia ser terrível em se explicar, então
parou de tentar até chegar aqui.
Talvez ela sempre tenha sido perfeitamente bem nisso. Seus
pais simplesmente não estavam ouvindo.
— Eu amo a sua virilidade — Miriam disse
sonhadoramente, oprimida por quão grata ela estava por
Noelle estar aqui, com ela, compartilhando essas partes
internas de si mesmas. — Eu quero começar uma Sociedade de
Apreciação de Sapatonas.
— Eu preferiria que você continuasse apreciando apenas
uma sapatão — Noelle disse seriamente.
— Estou satisfeita com isso. — O olhar de Miriam caiu para
a boca de Noelle e ela desviou os olhos. O Sr. Matthews não
queria ouvi-las se beijando como adolescentes. — Ok, é a
minha vez de fazer perguntas!
Noelle abriu os braços, como se dissesse, sou toda sua.
— Eu nem sei onde você cresceu — disse Miriam.
— Santa Fé. Minha cidade natal é Santa Fé. — A maneira
como Noelle disse Santa Fé tinha uma certa cadência, uma
suavidade que Miriam achava que Noelle não sabia que existia.
Ela estava com saudades de casa? Ela gostaria de estar no Sangre
de Cristos em vez do Adirondacks?
— Isso é um choque cultural. Adoro as coisas daqui, mas às
vezes sinto falta do sudoeste — admitiu Miriam. — A beleza, a
história e as tradições.
— Às vezes fico sozinha com as mesas — disse Noelle. —
Sinto falta da cidade em si, sabe? Bem, talvez você não.
Ninguém sente falta de Phoenix.
Miriam riu alto. Era verdade. Ela podia sentir falta do
deserto, dos saguaros, da comida, mas nunca, em toda a sua
vida, sentiu falta de Phoenix.
— Algumas cidades têm alma — continuou Noelle —, e
sinto falta de Santa Fé. Mas minha vida está aqui agora.
Ela queria saber mais, tudo, todas as peças que moldaram a
mulher que ela era agora. Mas ela também queria dividir o
conhecimento, descobrir um pouco de cada vez para que
nunca ficasse sem pedaços.
E pelo amor de Safo28, ela queria se divertir. Durante todo o
tempo que elas se conheciam, elas estavam aprendendo as
histórias de trauma uma da outra, existindo em modo de crise,
vivendo em alerta máximo. Então, ela fez uma anotação mental
para voltar a Santa Fé e disse:
— Ei. Tenho uma pergunta séria que queria fazer a você.
— Vá em frente.
Conhecida por sua poesia escrita para ser cantada ao som da lira.
— Você tem uma serra muito melhor do que a minha no
galpão de trabalho. Você acha que posso pegar emprestada para
trabalhar em uma peça? — Miriam piscou os cílios.
— Eu não sei se estamos no estágio de compartilhar
ferramentas elétricas em nosso relacionamento, Miri — disse
Noelle, sua expressão surpresa, mas encantada.
— Por favooooor? Vou deixar você brincar com minha boa
motosserra quando ela chegar aqui de Charleston. É sua
escolha. Você vai ficar com ciúmes.
— Eu possuo uma fazenda de árvores — Noelle a lembrou.
— Tenho muitas, muitas motosserras. Mas, como uma linda
garota segurando uma serra era uma fantasia adolescente
minha, sim, você pode pegar emprestado.
Miriam sorriu e se aconchegou ainda mais perto.
O resto do passeio foi tranquilo, enquanto eles deixavam o
mundo passar e apenas existiam juntas.
29
Na mitologia grega, eram personificações da vingança. Enquanto Nêmesis
punia os deuses, as erínias puniam os mortais.
Noelle viu Cole encolhido em um canto conversando com
Sawyer Bright. Sawyer estava torcendo uma ponta de seu
bigode e olhando para Cole, que estava corando. Noelle
definitivamente não poderia matar Cole agora, já que Sawyer
estava prestes a concorrer a prefeito de Advent e ele ficaria
bravo com ela se testemunhar um assassinato atrapalhasse sua
campanha. Ela continuou examinando, tentando ver o topo
dos cachos de Miriam sobre a multidão, já que não havia como
ela ser capaz de ver o resto dela.
— Noelle! — Veio uma voz atrás dela. Ela estremeceu, mas
quando se virou, viu Elijah e Jason e soltou um suspiro. Ela
amava seus amigos, eles estavam em uma festa importante que
ela estava organizando, e ela não iria gritar com eles por
quererem cumprimentá-la. Ela não era tão incivilizada,
mesmo que se sentisse assim agora.
Ao lado de Jason estava uma mulher imponente com pele
tão escura quanto a dele e uma covinha que ela reconheceu. Seu
cabelo branco estava empilhado elegantemente em cima de sua
cabeça em um coque. Ao vê-la, Noelle sorriu genuinamente.
— Jason! Você finalmente trouxe sua mãe! Achei que você
tivesse vergonha de nós.
— Oh, eu tinha — Jason assegurou a ela.
— A mãe de Elijah está sempre se gabando de como ela é
amiga de todos os amigos deles, e eu não poderia deixá-la ganhar
de mim — a mulher disse, estendendo a mão para apertar a de
Noelle. — Sou Vaunda Green.
Noelle retribuiu e disse calorosamente:
— Senhora, é uma honra. Posso pegar algo para você comer?
— Ouvi um boato de que você pode estar tendo problemas
com garotas — disse a Sra. Green, e Noelle esfregou a mão no
rosto. Aparentemente, todos na Costa Leste sabiam. — Eu não
vou incomodá-la por um prato enquanto você está tentando
consertar as coisas. Ela está bem ali, se você quiser falar com ela.
Os olhos de Noelle seguiram para onde ela estava
apontando, e ela teve um vislumbre de prata cintilante.
— Foi um prazer conhecê-la, senhora! Espero que você se
junte a nós para o brunch amanhã e traga os gêmeos. Eu tenho
que ir! — Ela gritou enquanto se dirigia para seu novo destino.
Embora agora que ela podia ver Miriam, ela sentiu um novo
pânico.
Ela não tinha absolutamente nenhuma ideia do que ia dizer.
Miriam estava de pé sob a bola de discoteca que Cole
insistira em pendurar, seu brilho refletindo em seus cachos e
seu vestido, fazendo-a parecer a fonte de luz mais brilhante da
sala. Seu minúsculo vestido prateado mostrava cada centímetro
de suas pernas até o topo e mergulhava nas costas quase até a
bunda. Ela não poderia estar usando um sutiã por baixo.
Noelle entrou em curto-circuito. Seu primeiro pensamento,
quando seu cérebro voltou a funcionar, foi que Miriam estava
usando aquele vestido para foder com ela.
Imediatamente depois, ela ficou apavorada que Miriam não
o estivesse usando para ela.
Ela percebeu, tardiamente, que Miriam estava cercada por
um grupo impenetrável de pessoas que ela achava que
poderiam ser famosas no Instagram. Suas palmas começaram a
suar. Noelle pegou um copo de cidra espumante e um aperitivo
de um estudante do ensino médio que passava. Ela bebeu a
cidra (um erro, ela ficou com bolhas no nariz) e enfiou o queijo
embrulhado na boca.
Ela estava começando a pensar que não havia como chegar
a Miriam antes do leilão começar se ela não trouxesse reforços,
e então ela passou por Hannah usando um vestido azul-elétrico
e conversando com um primo Rosenstein.
— Hannah, eu preciso que você crie uma distração para
mim — ela disse, puxando sua melhor amiga para longe de sua
conversa. — Por amor.
Hannah revirou os olhos.
— Sério? Distração? Quem é você, Blue Matthews?
— Por que as pessoas continuam dizendo isso para mim? —
Noelle lamentou. Depois disso, ela obviamente precisava
reavaliar seriamente sua vida para que as pessoas parassem de
compará-la com Levi.
— Vou fazer isso por você — disse Hannah —, mas só
porque estou cansada de vocês duas andando pelo meu hotel
ansiando uma pela outra.
— Também porque você me ama mais do que sua própria
respiração — Noelle a lembrou.
— Sim, também isso. Esteja pronta quando ver a matilha de
lobos se dispersar; você não tem muito tempo. Espero que você
tenha um plano para o que vai dizer.
Ela não tinha.
— Vai ficar tudo bem — Noelle tranquilizou Hannah e ela
mesma. — Vai ficar tudo bem.
Hannah deu um tapinha no ombro dela antes de balançar a
cabeça, murmurando como ela deveria ter ido para a faculdade
para gerenciamento de sentimentos sáficos enquanto
caminhava resolutamente em direção a Miriam.
Miriam
30
La Llorona é uma lenda hispano-americano. Se diz que ela vaga pelas áreas
à beira-mar lamentando seus filhos que ela afogou.
Miriam e Noelle se olharam silenciosamente por vários
segundos, todos os outros na sala desaparecendo da consciência
de Miriam.
— Ei, ainda estamos aqui para comprar uma pintura! —
Uma das Velhas Senhoras as lembrou.
Noelle deu um pequeno aceno de cabeça que Miriam não
conseguiu interpretar, então murmurou:
— Mais tarde.
Miriam tinha feito tudo o que podia por sua vida amorosa.
Agora, ela tinha que salvar sua casa.
Ela trouxe a pintura para leilão e deu uma breve visão geral,
incluindo um pouco da história de sua inspiração enquanto
trabalhou nela.
A multidão aplaudiu.
— A licitação começará em trinta mil dólares.
Miriam estava nervosa sobre se alguém na Terra iria querer
pagar US$ 30.000 por uma de suas pinturas, mas ela tinha que
confiar no quanto aquelas velhas famílias amavam este lugar,
até onde elas iriam pela sobrinha de Cass.
Os lances começaram a surgir, e Miriam de repente desejou
que sua mãe não a tivesse deixado sozinha no microfone.
Hannah murmurou "respira" para ela, enquanto as placas, e o
preço subia e subia e subia. A cena na frente dela era surreal,
com a vegetação e o brilho, as luzes cintilantes como pequenas
estrelas esticando o celeiro em uma galáxia. Tudo estava sob
uma lente de foco suave, e o tempo parecia congelar.
Esther e Joshua acabaram em uma guerra de lances com o
presidente do banco, Sr. Rodriguez, que havia decidido que, se
não pudesse salvar a fazenda no trabalho, o faria com seu
próprio dinheiro. Miriam balançou a cabeça um pouquinho
para os gêmeos, e eles o levaram para onde pensaram que o
presidente poderia quebrar antes de se retirar.
— Vendido! Para o Sr. Rodriguez por US$ 232.500! — Ziva
exclamou triunfante.
Eles salvariam Carrigan.
Com os fundos do leilão online e o GoFundMe quando foi
lançado, eles poderiam até pagar a hipoteca que Cass havia
feito. Eles poderiam começar sua nova visão do zero.
Mas ainda não tinha acabado.
Ela caminhou para a multidão comemorando. Cole e
Hannah avançaram para alcançá-la em um abraço gigante e
extático.
Hannah estava soluçando, rindo e gritando sem parar:
— É nosso! Conseguimos! É nosso!
Alguém tirou uma foto que Miriam sabia que guardaria por
toda a vida, dela e Hannah abraçadas e sorrindo mais do que
nunca.
Ela o rotulou: Os Herdeiros de Cassiopeia.
Hannah beijou sua bochecha e sussurrou:
— Você salvou a fazenda, Miri. Agora vá buscá-la.
Miriam olhou para cima para encontrar Noelle observando-
as, parada no meio de uma multidão de pessoas enlouquecidas.
Ela ergueu uma sobrancelha para Miriam, um pequeno canto
de sua boca se erguendo. Miriam respirou fundo, jogou os
ombros para trás e caminhou para seu destino.
Noelle
31
Trata-se do serviço religioso celebrado, logo ao anoitecer de sexta-feira. O
Shabat inicia ao pôr do sol e se encerra ao surgimento de três estrelas, ao anoitecer
de Sábado.
— Isso é apropriado, dada a data — disse Noelle, colocando
o braço em volta dos ombros de Miriam. Miriam olhou para ela
confusa. — É seis de janeiro? Epifania? Não? — Ziva e Miriam
balançaram a cabeça.
— Qual é a epifania, mãe? — Perguntou Miriam, sem saber
ao certo se queria saber. — As luzes do norte lhe disseram o que
fazer com sua vida?
— Eu vou te dizer, depois que eu falar com Elijah. — Ela
entrou apressada e pegou as chaves do carro alugado.
— Mãe, já passou da hora de dormir dos gêmeos — Miriam
chamou por ela. — Provavelmente já passou da hora de dormir
de Elijah e Jason. O que você está fazendo? Ele não é nosso
advogado pessoal de plantão. Ou nosso conselheiro de vida!
Deixe-o viver!
— Ele acabou de jogar uma partida de três palavras no
Palavras com Amigos há dois minutos. Eu sei que ele está
acordado — Ziva insistiu. — Isso não pode esperar! — Ela
acenou alegremente para fora da janela do carro enquanto saía
da longa entrada.
— Estou meio magoada por Elijah jogar Palavras com
Amigos com sua mãe e não comigo — Hannah disse, tendo
vindo atrás delas.
— Você acha que Elijah vai matar minha mãe? — Miriam
perguntou.
— Estou muito mais preocupada que ele vá se demitir por
sermos um pé no saco — respondeu Noelle.
Miriam acenou com a cabeça para essa sabedoria, e as três
ficaram juntas por um longo tempo, observando as luzes.
Miriam queria não investir emocionalmente na jornada de sua
mãe, mas de muitas maneiras, suas jornadas eram inextricáveis.
Ambas foram moldadas pelo mesmo homem, e agora ambas
estavam tentando descobrir como moldar a si mesmas.
A minha menina,
Não vai demorar. Eu preciso que você venha
administrar este lugar para mim. Agora, não discuta.
Encontrei para você a garota perfeita, e você vai fazer uma
vida aqui. É meu último desejo, e você me deve. Você pode
ter que convencê-la, mas eu sei que vocês duas vão fazer
mágica. E preciso que traga Blue de volta aqui, sua prima
é teimosa demais para fazer isso sozinha.
Eu te amo.
32
"Páscoa judaica", também conhecida como "Festa da Libertação", celebra a
libertação dos hebreus da escravidão no Egito.
Hannah sorria para as duas mulheres mais importantes de
sua vida e se sentia muito satisfeita com tudo quando sentiu os
cabelos da nuca se arrepiarem.
— Eu tenho que ir — ela disse abruptamente, assustando
Noelle e Miriam. Ela nunca era a pessoa que terminava as
reuniões de negócios antes de cada item da agenda ter sido
riscado.
Elas a seguiram pelo corredor.
Ela estava de pé na cozinha, com as mãos fechadas em
punhos, olhando para a porta.
Miriam e Noelle vieram por trás e a ladearam. Noelle parecia
exasperada, e Miriam se divertiu. A maçaneta da porta girou e
Hannah respirou fundo. Todos esperavam pelo homem que
sempre entrava pela porta da cozinha, como “o ajudante” que
ele acreditava ser.
Embora Miriam tivesse falado com Levi regularmente, em
sua mente, ele era o mesmo garoto que ela deixou: queimando
as duas extremidades da noite para trabalhar na escola de
culinária, desalinhado, com excesso de cafeína, um gato
selvagem que vivia fazendo escolhas ruins para ver o que
aconteceria. Ele usava a mesma camisa do Black Flag na maioria
dos dias, se movia um pouco rápido demais o tempo todo, e ele
nunca estava bem acomodado em sua própria pele.
Noelle lembrou-se de um homem orgulhoso e volátil que
nunca pensou que o que ele tinha era bom o suficiente, e
deixou todos que tentaram amá-lo queimados porque ele
nunca se preocupou em parar de explodir em chamas.
Hannah pensou em Levi a cada momento desde que podia
se lembrar, e ela tinha todas as versões dele tatuadas em sua
consciência. Quando ela o viu pela última vez, ele estava com
raiva, inquieto e imprudente, saindo de sua vida para o
desconhecido.
O homem que entrou pela porta não era o Levi de que
nenhuma delas se lembrava.
Ele ainda estava barbudo, mas em vez de parecer que tinha
se esquecido de se barbear, estava cheio, bem cuidado e preto
espesso agora. Seu cabelo era muito comprido, seus cachos
caindo sobre sua testa alta com vida própria. Seu rosto havia
afinado e endurecido, e suas sobrancelhas se espalhavam sobre
olhos cinzas da cor de um céu nublado, cercados de kohl
borrado. Isso, pelo menos, não havia mudado. Ele usava um
cachecol gigantesco, botas surradas e uma jaqueta de couro que
Hannah reconheceria em qualquer lugar.
Ele estava completamente imóvel, algo que Miriam não
tinha certeza se já o tinha visto fazer em sua vida. Ele parecia em
casa em sua própria pele, que Hannah sabia, sem dúvida, que
ele nunca havia sentido antes.
Ele parecia um adulto. Uma quentinha de parar o trânsito e
fumegante.
Ele também não sabia que Miriam ou Noelle estavam na
sala. Ele tirou o cabelo dos olhos e olhou para cima, procurando
por sua mãe e encontrando Hannah. Agora ele estava olhando
para ela com um desejo tão nu em seu rosto que Miriam
desejou que ela pudesse afundar no chão.
Ela viu como, em um piscar de olhos, uma máscara de
indiferença cobriu seu rosto. Ele largou a bolsa que estava
carregando em uma mão e cruzou os braços, inclinando seu
corpo comprido contra o batente da porta.
— Oi. — Ele deu um meio sorriso, seus olhos procurando.
— Já não era sem tempo, porra — Hannah disse antes de se
virar e ir embora.
Obrigada aos meus editores, Sam Brody e Amy Pierpont, que
acreditaram na magia do Carrigan. Para Becca Podos, a agente
dos meus sonhos mais loucos. Estou tão feliz que você está
nesta aventura comigo. Cathy Arnold me fez uma capa com
lésbicas que nunca vou deixar de admirar. A equipe da Forever,
desde o marketing genial de Estelle Hallick até todas as pessoas
que editaram, formataram e trabalharam na produção deste
livro, muito obrigada por fazerem minhas meninas parecerem
tão boas.
Tantas pessoas leram este livro em algum momento e
ofereceram incentivo, feedback, leituras beta e amor. Isso
nunca teria saído de uma ideia que tive no Twitter para
impressão sem Rachel Fleming, Felicia Grossman, Kait Sudol,
Anna Meriano, Ashley Herring Blake ou Skye Kilaen.
Obrigada a Sarah Sapperstein, Hannah Gaber, Tylar Zinn,
Christina Hicks, Justin Williamson e todos os outros em cujas
DMs eu entrei e pedi para ler um rascunho de uma romcom
queer peculiar. Minhas incríveis leitoras de sensibilidade foram
Jennifer Rothschild e Melissa Blue. Embora tenha me
esforçado ao máximo para garantir que este livro não seja
prejudicial a ninguém, entendo que posso ter falhado e, se
falhei, a falha foi inteiramente minha.
Fazer uma estreia acontecer não é apenas leitores, mas todos
no karass do autor. Meu filho, o jackpot absoluto, o ser
humano mais engraçado e mais interessante que já existiu, que
eu tenho a sorte de ser mãe. Queria te mostrar que, na nossa
família, vivemos os nossos sonhos. Meu marido e minha mãe,
que fizeram todo o possível para me apoiar, e impediram que
meu filho me interrompesse com muita frequência. Querido,
obrigada por fingir que me namorou uma vez para que eu
pudesse viver um tropo de romance. Mãe, eu sei que você leu
mais romances do que qualquer outra pessoa na Terra, e espero
que goste deste. Minha irmã Jill, que me emprestou seu nome
hebraico e seu cabelo para minha personagem principal. Minha
Linda, por me inspirar a escrever uma lésbica dos sonhos.
Minha melhor amiga Aidinha, que me falou sobre pelo menos
um ataque de pânico no carro em que tentei parar de escrever
para sempre. Elizabeth Wrigley-Field, que escreveu comigo no
Zoom durante todo um verão pandêmico. Joy Manesiotis, que
me fez prometer que eu nunca desistiria de escrever. Eu desisti,
por doze anos, mas voltei, porque aquela promessa não me
deixou parar. Bill McDonald, Dr. Bob Smith e Lois Wilson
(não você, Bill Wilson, cale a boca), por construir as instituições
que me construíram.
Obrigada aos romances e romancistas, por me darem um lar
para escrever que eu achava que nunca encontraria. E para
quatro caras da Virgínia Ocidental que me inspiraram a contar
histórias novamente, quando eu pensei que já tinha terminado.
Vocês me ensinaram a escolher a alegria e fazer o bem de forma
imprudente, que eu era uma criação totalmente realizada e que
seria incrível.
E como sempre e para sempre, à minha amada Clitemnestra.
Sua vez está chegando, eu prometo.
Meu caro leitor,