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Kiera Cass
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Kiera Cass
A Seleção
The Selection
Marcador
Capítulo 1
America
Você pede coisas tão simples que sou incapaz de recusar. Mas, por
mim, por favor, use-as apenas aos sábados. Obrigado pela sua
companhia.
O seu amigo,
Maxon
Capítulo 13
Vai ser bom ouvir outra vez a tua voz. Sinto saudades de te ouvir
a cantar pela casa. A mãe não faz isso e a casa está demasiado
silenciosa desde que partiste. Será que podes dizer-me adeus no
programa?
Como vai a competição? Já tens muitas amigas aí? Falaste com
alguma das que já saíram? A mãe está sempre a dizer que, se saíres
agora, já não há problema. Metade das que voltaram para casa já
estão noivas dos filhos de presidentes da câmara ou de celebridades.
Ela diz que alguém vai escolher-te se o Maxon não te quiser. O Gerad
quer que te cases com um jogador de basquetebol em vez de um
príncipe aborrecido. Mas eu não me ralo com nada do que eles dizem.
O Maxon é tão lindo!
Já o beijaste?
Vossa Majestade,
Estou a coçar a orelha. Quando puder.
O Maxon disse que nos veríamos ao jantar, mas não estava presente.
A rainha entrou sozinha, enquanto todas nós esperávamos de pé atrás das
nossas cadeiras. Fizemos delicadamente as nossas vénias enquanto ela se
sentava e depois acomodámo-nos.
Percorri a sala de jantar com o olhar em busca de uma cadeira vazia,
assumindo que ele estava em algum encontro, mas todas as raparigas
estavam presentes.
Passara a tarde inteira a repetir mentalmente o que dissera ao Maxon.
Não admirava que eu não tivesse amigos, era obviamente péssima como
amiga.
Então, o Maxon e o rei entraram na sala. O Maxon vestira novamente
o casaco, mas o cabelo continuava encantadoramente despenteado. Ele e o
pai continuaram a conversar enquanto se aproximavam. Apressámo-nos
todas a levantar-nos. A sua conversa parecia animada; o Maxon gesticulava
para sublinhar o que dizia e o rei concordava mecanicamente com a cabeça,
ouvindo o filho, mas parecendo um pouco farto do assunto. Quando
chegaram à mesa, o Rei Clarkson, com uma expressão severa, deu uma
palmada firme nas costas do filho.
Assim que se virou para nós, o rosto do rei encheu-se subitamente de
entusiasmo:
— Ah, por favor, minhas senhoras, sentem-se. — Beijou a rainha na
testa e tomou o seu lugar.
O Maxon, porém, permaneceu de pé:
— Minhas senhoras, tenho um anúncio a fazer — declarou. Todos os
olhares se viraram para ele. O que poderia ter para nos dizer?
— Sei que foi prometido a todas uma compensação pela vossa
participação na Seleção. — A voz dele estava carregada de um tom de
autoridade imponente, que eu só tinha ouvido uma vez: na noite em que me
deixou ir para o jardim. Era muito mais atraente quando usava o seu
estatuto para algum fim. — Contudo, houve uma nova repartição de verbas.
No caso de serem Dois ou Três de origem, deixarão de receber
financiamento. As Quatro e as Cinco continuarão a receber uma
compensação, embora com um valor um pouco inferior a partir de agora.
Podia ver algumas das raparigas com a boca aberta de espanto. O
dinheiro era parte do acordo. A Celeste, por exemplo, parecia prestes a
explodir. Acho que, quando temos muito dinheiro, habituamo-nos a querer
sempre mais e a simples ideia de que alguém como eu pudesse ganhar
alguma coisa, enquanto ela não, devia deixá-la doida.
— Peço sinceras desculpas por qualquer inconveniente. Amanhã,
explicarei tudo durante o Noticiário Oficial. Acrescento que esta é uma
situação não negociável. Se alguém estiver insatisfeito com este novo
acordo e não quiser continuar a participar na Seleção, pode sair após o
jantar.
Sentou-se e retomou a conversa com o rei, que parecia mais
interessado no jantar do que nas palavras do filho. Fiquei um pouco
desiludida por a minha família ir receber menos dinheiro, mas pelo menos
ainda receberíamos alguma coisa. Tentei concentrar-me na comida, mas
passei a maior parte do tempo a questionar o que tudo aquilo significava. E
não era só eu. Ouviam-se murmúrios por toda a sala.
— Achas que isto tem que ver com alguma coisa? — perguntou a
Tiny em voz baixa.
— Talvez seja um teste — conjeturou a Kriss. — Aposto que algumas
pessoas só estão aqui pelo dinheiro.
Enquanto estava a ouvi-la, vi a Fiona dar uma cotovelada à Olívia e
inclinar a cabeça na minha direção. Virei o rosto para que não percebesse
que eu tinha notado.
As raparigas continuaram a alvitrar hipóteses e eu olhei para o Maxon.
Tentei chamar a sua atenção para mexer na minha orelha, mas ele não olhou
para mim.
***
A Mary e eu estávamos sozinhas no meu quarto. À noite, eu ficaria
frente a frente com o Gavril — e o resto do país — no Noticiário Oficial de
Illéa, para não falar do facto de que as outras iriam estar presentes o tempo
todo, observando-se umas às outras e criticando-se mentalmente. Dizer que
eu estava nervosa era um enorme eufemismo; não conseguia estar quieta,
enquanto a Mary listava algumas perguntas possíveis, coisas que ela achava
que o público talvez gostasse de saber.
«O que acha do palácio? Qual foi a coisa mais romântica que o
Maxon fez? Sente saudades da família? O Maxon já a beijou?»
Lancei um olhar à Mary quando ela me fez essa última pergunta.
Respondera automaticamente a tudo o que ela perguntava, tentando não
pensar demasiado, mas era óbvio que ela perguntara aquilo por pura
curiosidade. O seu sorriso provava-o.
— Não! Por amor de Deus! — Tentei soar irritada, mas a situação era
demasiado engraçada para ficar zangada. Acabei por fazer um sorriso
amarelo, que provocou risinhos na Mary. — Ora, porque é que... não vai
limpar alguma coisa?!
Ela desatou à gargalhada e, antes que pudesse mandá-la parar, a Anne
e a Lucy entraram pelo quarto adentro com um saco para fatos.
A Lucy parecia mais entusiasmada do que alguma vez a vira, ao passo
que a Anne tinha uma expressão ligeiramente maliciosa.
— O que é que se passa? — perguntei, enquanto a Lucy me fazia uma
vénia exagerada.
— Acabámos o seu vestido para o Noticiário Oficial, menina —
respondeu ela.
Franzi o sobrolho: — Outro vestido novo? Porque não posso usar o
azul que está no armário? Não acabaram de o fazer? Eu adorei-o.
As três entreolharam-se.
— O que é que vocês fizeram? — perguntei, apontando para o saco
que a Anne estava a pendurar no gancho perto do espelho.
— Nós conversamos com as outras aias, menina. Ouvimos muitas
coisas — começou a Anne. — Sabemos que a menina e Lady Janelle foram
as únicas que tiveram mais do que um encontro com Sua Majestade e, pelo
que pudemos perceber, talvez haja uma ligação entre as duas.
— Como? — perguntei.
— Pelo que ouvimos — continuou a Anne —, a razão pela qual a
mandaram embora foi por ter feito comentários maldosos sobre si. O
príncipe não gostou e dispensou-a imediatamente.
— O quê? — Levei a mão à boca na tentativa de esconder o meu
espanto.
— Temos a certeza de que é a favorita do príncipe. Quase toda a gente
diz o mesmo. — A Lucy suspirou, toda contente.
— Acho que vocês estão mal informadas — repliquei. A Anne
encolheu os ombros com um sorriso no rosto, não se ralando com a minha
opinião.
Então lembrei-me de como a conversa começara: — Mas o que é que
tudo isso tem a ver com o meu vestido?
A Mary aproximou-se da Anne e abriu o fecho do enorme saco,
revelando um estonteante vestido vermelho, que cintilava na luz fraca que
entrava pela janela.
— Oh, Anne... — murmurei, completamente maravilhada. — Você
esmerou-se!
Ela aceitou o elogio, inclinando ligeiramente a cabeça:
— Obrigada, menina, mas todas nós trabalhámos nele.
— É lindo. Mas ainda não percebi o que é que o vestido tem a ver
com o que estavam a dizer.
A Mary tirou o vestido do saco para o arejar, enquanto a Anne
explicava: — Como disse, muita gente no palácio acha que a menina é a
favorita do príncipe. Ele faz-lhe elogios e prefere a sua companhia à das
outras e parece que elas também já o notaram.
— O que quer dizer com isso?
— Nós costuramos a maior parte dos seus vestidos na sala de costura,
onde temos os materiais e um local onde fazer os sapatos, e a maioria das
outras aias também lá vai. Todas as jovens pediram um vestido azul para
esta noite e as aias pensam que é porque a menina usa quase sempre essa
cor. As outras estão a tentar imitá-la.
— É verdade — acrescentou a Lucy. — Lady Tuesday e Lady Natalie
não puseram quase joia nenhuma hoje. Como a menina.
— E a maioria delas começou a pedir vestidos mais simples, como os
que a menina prefere — afirmou a Mary.
— Isso ainda não explica porque me fizeram um vestido vermelho.
— Para que se destaque, claro! — esclareceu a Mary. — Oh, Lady
America, se ele gosta mesmo de si, tem de continuar a destacar-se. Tem
sido tão generosa connosco, especialmente com a Lucy. — Olhámos todas
para a Lucy, que confirmou com a cabeça e disse: — A menina é
suficientemente boa para ser uma princesa. Seria maravilhosa!
Comecei a procurar uma forma de me escapar. Odiava ser o centro das
atenções:
— Mas, e se as outras tiverem razão? E se o Maxon gosta de mim
justamente porque não sou exagerada como elas? Se vocês me enfiam numa
roupa assim, deitam tudo a perder!
— Todas as mulheres precisam de brilhar de vez em quando. Além
disso, conhecemos o príncipe a vida toda. Ele vai adorar este vestido. — A
Anne falava com tanta segurança que senti que não havia mais nada a fazer.
Não sabia como lhes explicar que todos os bilhetes que ele me enviara
e o tempo que passara comigo não passavam de amizade. Não podia contar-
lhes. Iria deixá-las tristes e, além disso, se queria ficar, precisava de manter
as aparências. E queria mesmo. Precisava de ficar.
— Está bem, vamos experimentá-lo — cedi, com um suspiro.
A Lucy começou aos saltos de alegria até a Anne lhe lembrar que isso
não era um comportamento correto. Enfiei o vestido de seda pela cabeça e
as três deram pontos em vários sítios, que ainda não estavam acabados. As
mãos habilidosas da Mary enrolaram o meu cabelo nas mais variadas
posições, para ver como ficaria melhor com o vestido, e meia hora depois
estava pronta.
O estúdio fora decorado de um modo ligeiramente diferente para o
programa desta noite. Os tronos da família real estavam num dos lados,
como sempre, e os nossos lugares ficavam do lado oposto, como da última
vez. Mas o palanque estava ligeiramente desviado do centro, deixando o
foco concentrado em duas cadeiras altas. Havia um microfone numa delas,
que seria usado para falarmos com o Gavril. Senti-me enjoada só de pensar
nisso.
De facto, o estúdio estava repleto de vestidos em todos os tons
possíveis de azul. Alguns aproximavam-se mais do verde e outros do
violeta, mas havia claramente um padrão. Senti-me imediatamente
desconfortável. Notei logo o olhar da Celeste e decidi ficar longe dela até
ter de ocupar o meu lugar.
A Kriss e a Natalie passaram por mim, depois de verificarem mais
uma vez a maquilhagem. Ambas pareciam um pouco descontentes, embora
no caso da Natalie isso pudesse ser difícil de perceber. A Kriss, pelo menos,
também se destacava da multidão: o seu vestido era de um azul quase
branco, sugerindo delicadas estalactites de gelo que deslizavam até ao chão.
— Estás maravilhosa, America — disse ela, num tom que era mais de
acusação do que de elogio.
— Obrigada. O teu vestido é lindíssimo.
Ela fez deslizar as mãos pelo corpo, como se alisasse rugas ima‐
ginárias: — Sim, também gostei dele.
A Natalie passou a mão por uma das alças largas do meu vestido:
— Que tecido é este? Vai mesmo brilhar debaixo das luzes.
— Não faço ideia. Nós, os Cincos, não costumamos ter coisas assim
tão elegantes — comentei, com um encolher de ombros. Olhei para o
tecido. Tinha pelo menos mais um vestido feito do mesmo material, mas
não me preocupara em fixar o nome.
— America!
Levantei os olhos e dei com a Celeste ao meu lado. Sorria.
— Celeste.
— Podes vir comigo um segundo? Preciso de ajuda.
Sem esperar pela resposta, arrastou-me para longe da Kriss e da
Natalie e levou-me para trás da pesada cortina azul que servia de pano de
fundo para o Noticiário Oficial.
— Tira o vestido! — ordenou, começando a desapertar o seu.
— O quê?
— Quero o teu vestido. Tira-o. Irra! Maldito fecho! — resmungou ela,
tentando livrar-se da roupa.
— Não vou tirar o meu vestido — retorqui, começando a afastar-me,
mas não fui muito longe. A Celeste cravou as unhas no meu braço e puxou-
me para trás.
— Ai! — gritei, levando a mão ao braço. Iria ficar com marcas, mas
felizmente não fez sangue.
— Cala-te! Tira o vestido. Já!
Permaneci imóvel, de rosto firme, recusando mexer-me. A Celeste iria
ter de aprender que não era o centro de Illéa.
— Se eu quiser, posso arrancar-to — sugeriu ela, friamente.
— Não tenho medo de ti, Celeste — disse, cruzando os braços. —
Este vestido foi feito para mim e vou usá-lo. Da próxima vez que escolheres
a tua roupa, talvez devas tentar ser tu própria em vez de mim. Oh, mas
espera... Se fizeres isso, talvez o Maxon descubra a peste que és e te mande
para casa, não é?
Sem hesitar, ela estendeu o braço e arrancou-me uma das alças do
vestido, afastando-se a seguir. Bufei de raiva, mas fiquei demasiado
atordoada para reagir. Olhei para baixo e fitei o pedaço de tecido rasgado,
pendurado pateticamente sobre o meu peito. Ouvi a Sílvia a chamar toda a
gente para os seus lugares e saí de trás da cortina o mais corajosamente que
consegui.
A Marlee tinha guardado um lugar para mim ao seu lado. Reparei na
sua expressão chocada quando me viu.
— O que aconteceu ao teu vestido? — sussurrou ela.
— A Celeste — respondi, aborrecida.
A Emmica e a Samantha, que estavam sentadas à nossa frente,
viraram-se para trás.
— Ela rasgou o teu vestido? — perguntou a Emmica.
— Sim.
— Tens de contar tudo ao Maxon — pediu ela. — Aquela rapariga é
um pesadelo.
— Eu sei — concordei, suspirando. — Digo-lhe da próxima vez que o
vir.
A Samantha falou com uma expressão triste no rosto:
— Quem sabe quando isso vai ser? Pensei que fôssemos passar mais
tempo com ele.
— America, levanta o braço — pediu a Marlee. Com destreza, enfiou
a minha alça rasgada no corpete do vestido, enquanto a Emmica arrancava
algumas linhas soltas. Não dava para notar que algo tinha acontecido e as
marcas das unhas estavam no braço esquerdo, escondidas da câmara.
Eram quase horas de começar. O Gavril revia as suas notas quando a
família real finalmente chegou. O Maxon vestia um fato azul-escuro com
um alfinete de lapela com o brasão nacional. Parecia elegante e calmo:
— Boa noite, minhas senhoras — disse, com um sorriso.
Um coro de «Vossa Alteza» e «Majestade» foi a resposta.
— Como sabem, farei um breve anúncio e depois apresentarei o
Gavril. Vai ser uma boa mudança; é sempre ele quem me apresenta! — Ele
riu-se e nós fizemos o mesmo. — Sei que algumas talvez estejam um pouco
nervosas, mas não há motivo. Por favor, sejam vocês mesmas. As pessoas
querem conhecê-las. — Os nossos olhares cruzaram-se algumas vezes
enquanto ele falava, mas não o tempo suficiente para adivinhar os seus
pensamentos. Ele não pareceu reparar no vestido. As minhas aias iriam ficar
desapontadas.
Desejou-nos boa sorte e aproximou-se do palanque.
Eu sabia que algo se passava. Presumi que este seu anúncio devia
estar relacionado com o que nos dissera ontem ao jantar, mas ainda assim
não conseguia perceber o seu significado. O mistério distraiu-me e fiquei
menos nervosa. Senti-me bem enquanto o hino tocava e a câmara focava o
rosto do Maxon. Desde criança que assistia ao Noticiário Oficial e nunca
tinha visto o Maxon falar à nação, não desta forma. Gostava de lhe ter
desejado também boa sorte.
— Boa noite, senhoras e senhores de Illéa. Esta é uma noite
empolgante para todos nós, pois o país vai finalmente conhecer melhor as
vinte e cinco jovens que ainda restam na Seleção. Mal posso exprimir o
meu entusiasmo por poderem conhecê-las. Estou certo de que todos
concordarão que qualquer uma destas incríveis meninas daria uma líder e
uma futura princesa maravilhosa.
»Mas, antes disso, gostaria de anunciar um novo projeto em que estou
a trabalhar e que é muito importante para mim. O contacto com estas jovens
tem-me exposto o mundo que existe fora do palácio, um mundo que
raramente tenho oportunidade de ver. Aprendi imenso sobre a incrível
bondade e a escuridão inimaginável que nele existe e, através das minhas
conversas com estas mulheres, senti a importância das massas para além
destes muros. Despertei para o sofrimento de alguns nas nossas castas
inferiores e pretendo fazer algo para resolver isso.
O quê? pensei.
— Precisaremos de pelo menos três meses para prepararmos tudo isto
adequadamente, mas, por volta do Ano Novo, todos os Gabinetes de
Serviços Provinciais oferecerão assistência alimentar. Qualquer Cinco, Seis,
Sete ou Oito poderá dirigir-se a um deles, ao fim do dia, para obter uma
refeição nutritiva e gratuita. Gostaria de vos informar que estas jovens que
aqui vemos sacrificaram total ou parcialmente a sua compensação para
ajudar a financiar este importante projeto. E, embora esta assistência talvez
não possa prolongar-se para sempre, vamos mantê-la enquanto pudermos.
Tentei engolir a gratidão e a admiração que sentia, mas deixei escapar
algumas lágrimas. Ainda estava suficientemente consciente do que iria
seguir-se para não me preocupar com a maquilhagem, mas sentia-me
completamente grata por isso, essa já não era a minha principal prioridade.
— Penso que nenhum bom líder pode deixar o povo passar fome. Illéa
é maioritariamente composta por estas castas inferiores e sinto que
ignorámos estas pessoas durante demasiado tempo. E é por esta razão que
vamos avançar e que peço a outros que se juntem a mim. Dois, Três,
Quatro... as estradas por onde passam não se constroem sozinhas. As vossas
casas não se limpam por magia. Esta é a vossa oportunidade para
reconhecerem esta verdade, fazendo uma doação ao vosso Gabinete de
Serviços Provinciais local.
O Maxon fez uma pausa: — Vocês nasceram abençoados e este é o
momento de reconhecerem essa bênção. Terei mais informações à medida
que o projeto avançar. Obrigado pela vossa atenção. Mas agora passemos ao
verdadeiro motivo da emissão desta noite. Senhoras e senhores, Gavril
Fadaye!
Ouviram-se aplausos em toda a sala, embora fosse óbvio que nem
todos estavam entusiasmados com o anúncio do Maxon. O rei, por
exemplo, batia palmas, mas não parecia muito animado, ao passo que a
rainha estava radiante de orgulho. Os conselheiros também pareciam
divididos quanto ao valor da ideia.
— Muito obrigado pela sua apresentação, Majestade! — agradeceu o
Gavril, entrando em cena. — Muito bem! Se o seu cargo como príncipe não
der certo, pode sempre considerar um emprego na televisão.
O Maxon riu-se enquanto regressava ao seu lugar. As câmaras
focavam agora o Gavril, mas continuei a olhar para o Maxon e para os seus
pais. Não percebia por que razão as suas reações eram tão diferentes.
— Povo de Illéa, temos um presente para vocês! Esta noite, vamos
descobrir os segredos de cada uma destas jovens. Sabemos que estão
mortos por conhecê-las e por ter informações sobre como estão a correr as
coisas com o Príncipe Maxon. Por isso, esta noite... vamos simplesmente
perguntar-lhes! E vamos começar com... — O Gavril olhou para as suas
notas. — A Menina Celeste Newsome, de Clermont!
A Celeste levantou-se do seu lugar na fila superior e desceu si‐
nuosamente as escadas. Antes de se sentar para a entrevista, beijou o Gavril
em ambas as faces. A sua entrevista foi previsível, assim como a de Bariel.
Ambas tentaram parecer sedutoras, inclinando-se para a frente várias vezes
para que as câmaras lhes filmassem o decote. Tudo parecia falso. Observei
os seus rostos nos monitores, enquanto olhavam fixamente para o Maxon,
piscando-lhe o olho. Ocasionalmente, como quando a Bariel tentou
humedecer sensualmente os lábios, eu e a Marlee olhávamos uma para a
outra e tínhamos de desviar logo o olhar para não nos rirmos.
As outras apresentaram uma melhor compostura. A voz da Tiny era
muito suave e ela parecia encolher-se à medida que a entrevista avançava.
Mas eu sabia que era muito querida e esperava que o Maxon não a
descartasse da lista apenas por não ser uma boa oradora. A Emmica era
elegante, tal como a Marlee. A principal diferença entre as duas era que a
voz da Marlee estava tão cheia de entusiasmo que ia subindo de tom à
medida que falava.
O Gavril fez diversas perguntas, mas havia duas que pareciam não
mudar: «O que acha do Príncipe Maxon?» e «Foi você que gritou com ele?»
Eu não estava com vontade nenhuma de revelar ao país que tinha pregado
um sermão ao futuro rei. Ainda bem que, tanto quanto todos sabiam, só o
tinha feito uma vez.
Todas pareciam orgulhosas por dizerem que não tinham sido aquela
que gritara com ele. E todas achavam que o Maxon era simpático. Usavam
quase sempre a mesma palavra: simpático. A Celeste disse que ele era
bonito. A Bariel comentou que ele emanava um poder silencioso, o que me
pareceu sinistro. O Gavril perguntou a algumas se o príncipe já as tinha
beijado e todas coraram e disseram que não. Depois da terceira ou quarta
resposta negativa, ele virou-se para o Maxon:
— Mas ainda não beijou nenhuma? — perguntou, parecendo chocado.
— Elas estão aqui há apenas duas semanas! Que tipo de homem pensa
que sou? — replicou o Maxon. As suas palavras saíram num tom jovial,
mas ele pareceu contorcer-se ligeiramente na cadeira. Será que alguma vez
beijara alguém?
A Samantha terminou, dizendo que a sua estada estava a ser
maravilhosa e, a seguir, o Gavril chamou-me. As outras aplaudiram quando
me levantei, como tínhamos feito com todas, e sorri nervosamente para a
Marlee. Concentrei-me nos meus pés enquanto caminhava, mas assim que
me sentei, reparei que era fácil olhar para o Maxon por cima do ombro do
Gavril. Ele piscou-me o olho quando agarrei no microfone. Senti-me
imediatamente mais calma. Não precisava de conquistar ninguém.
Apertei a mão do Gavril e sentei-me à sua frente. Assim de perto,
conseguia ver finalmente o alfinete na sua lapela. O pormenor perdia-se na
imagem, mas podia agora ver que não tinha apenas as linhas e as curvas de
um sinal de forte, mas também um «X» pequeno gravado no meio, fazendo
com que todo o desenho se parecesse com uma estrela. Era lindo.
— America Singer. Um nome interessante. Há alguma história por
trás disso? — perguntou o Gavril.
Suspirei aliviada. Esta era fácil:
— Há, sim. Parece que eu dava muitos pontapés quando a minha mãe
estava grávida. Ela disse que tinha ali uma lutadora e por isso batizou-me
com o nome do país que tanto lutou para se manter unido. É estranho, mas
devo reconhecer que ela tinha razão: nós as duas estamos sempre a discutir.
O Gavril riu-se: — Ela parece ser uma mulher determinada.
— E é. Herdei dela uma boa parte da minha teimosia.
— Então é teimosa? E com um pouco de mau feitio, talvez?
Vi o Maxon tapar a boca com as mãos, a rir.
— Ás vezes.
— Se tem mau feitio, não será por acaso a rapariga que gritou com o
príncipe?
Suspirei:
— Sim, fui eu. E a minha mãe deve estar a ter um ataque neste
momento.
— Faça-a contar a história toda! — disse o Maxon ao Gavril.
O Gavril olhou para ele, mas virou-se rapidamente para mim:
— Ah! E qual é a história toda?
Tentei lançar um olhar de censura ao Maxon, mas a situação era tão
ridícula que não funcionou.
— Na primeira noite, sentia-me um pouco... claustrofóbica e estava
desesperada por apanhar ar. Os guardas não me deixavam passar pelas
portas e eu estava prestes a desmaiar nos braços de um deles, quando o
príncipe apareceu e os mandou abrir as portas para eu sair.
— Oh... — comentou o Gavril, inclinando a cabeça.
— Sim, e depois o príncipe seguiu-me para ver se eu estava bem...
Mas eu estava tão nervosa que, quando ele falou comigo, acabei
basicamente por o acusar de ser convencido e superficial.
O Gavril soltou uma gargalhada ao ouvir isto. Olhei para o Maxon e
vi que também estremecia de riso, mas o mais embaraçoso era o facto de o
rei e a rainha também se estarem a rir. Não me virei para olhar para as
outras, mas podia ouvir algumas a dar risadinhas também. Ótimo. Talvez
agora parassem de me ver como uma ameaça. Eu era apenas alguém que o
Maxon achava divertida.
— E ele perdoou-lhe? — perguntou o Gavril, num tom um pouco
mais sério.
— Por incrível que pareça — respondi, encolhendo os ombros.
— Bem, e agora que já fizeram as pazes, que tipo de atividades têm
feito juntos? — O Gavril estava de volta ao tema da entrevista.
— Normalmente damos passeios pelo jardim, ele sabe que gosto de
passear ao ar livre, e conversamos. — A minha resposta parecia patética
comparada com o que algumas das outras tinham dito. Cinema, caçadas,
passeios a cavalo: tudo muito mais impressionante do que a minha história.
Então, de repente, percebi por que razão o Maxon passara a semana
anterior a sair em encontro atrás de encontro: as raparigas precisavam de ter
algo para contar ao Gavril. Ainda me parecia estranho que ele não me
tivesse dito nada disso, mas pelo menos agora sabia o motivo do seu
afastamento.
— Parece muito relaxante. Diria que o jardim é a sua parte favorita do
palácio?
Sorri: — Talvez. Mas a comida também é divina, por isso...
O Gavril riu-se de novo:
— Você é a última Cinco na competição, certo? Acha que isso diminui
as suas hipóteses de ser a próxima princesa?
— Não! — A palavra saltou-me dos lábios sem pensar.
— Ah! Você é mesmo determinada! — O Gavril parecia satisfeito por
ter obtido uma resposta tão enérgica. — Então, acha que vai vencer as
outras todas? Chegar ao fim?
— Não, não — Conhecia-me melhor do que isso. — Não é isso. Não
me julgo melhor do que as outras; são todas fantásticas. É que... não acho
que o Maxon fizesse isso; desprezar alguém por causa da sua casta.
Ouvi uma exclamação coletiva de surpresa. Repeti a frase
mentalmente. Demorei um instante a descobrir o meu erro: tratara o
príncipe por Maxon. Uma coisa era chamá-lo assim enquanto conversava
com outra Selecionada em privado, mas pronunciar o seu nome em público
sem a palavra «Príncipe» antes era extremamente informal. E eu tinha
acabado de o fazer, em direto, na televisão.
Olhei para o Maxon para ver se estava aborrecido, mas ele tinha um
sorriso calmo nos lábios. Não estava zangado... mas eu estava
envergonhada. Corei intensamente.
— Ah, parece que ficou realmente a conhecer o nosso príncipe. Diga-
me, o que acha do Maxon?
Tinha pensado em várias respostas enquanto aguardava pela minha
vez. Iria troçar do seu riso ou falar do termo carinhoso pelo qual ele queria
que a esposa o tratasse. Parecia que a única maneira de salvar a situação era
regressar à comédia. Mas ao levantar os olhos para fazer um desses
comentários, vi a expressão do Maxon.
Ele queria mesmo saber.
E eu não podia gozar com ele, não quando tinha a oportunidade de
dizer o que realmente começara a achar, agora que ele era meu amigo. Não
podia troçar da pessoa que me salvara de ter de enfrentar mágoas de amor
em casa; a pessoa que enviava caixas de doces para a minha família; que
vinha ter comigo a correr, preocupado, quando eu o chamava.
Um mês antes, olhara para a televisão e vira uma pessoa distante,
rígida e aborrecida — uma pessoa que não imaginava que alguém pudesse
amar. E, embora ele não se parecesse nem um pouco com a pessoa que eu
amava, era digno de ter alguém a quem amar na sua vida.
— O Maxon Schreave é a soma de tudo o que é bom. Vai ser um rei
fenomenal. Deixa raparigas que deviam usar vestidos usarem calças de
ganga e não se zanga quando alguém que não o conhece o julga
erradamente. — Fitei seriamente o Gavril, que sorriu. Atrás dele, o Maxon
parecia intrigado. — Aquela que se casar com ele será uma mulher de sorte.
E, independentemente do que me acontecer, será uma honra ser sua súbdita.
Vi o Maxon engolir em seco e baixei os olhos.
— America Singer, muito obrigado — concluiu o Gavril, estendendo-
me a mão. — A próxima é a Menina Tallulah Bell.
Não ouvi nada do que as outras disseram depois de mim, apesar de
manter os olhos nas duas cadeiras. Aquela entrevista tornara-se bastante
mais pessoal do que imaginara. Não tinha coragem de olhar para o Maxon.
Em vez disso, fiquei ali a relembrar mentalmente tudo o que dissera.
***
Às dez horas, bateram à porta. Abri-a e o Maxon revirou os olhos.
— Devia ter aqui uma aia durante a noite.
— Maxon! Oh, lamento imenso. Não tinha intenção de o chamar pelo
nome à frente de toda a gente. Fui tão estúpida.
— Acha que estou irritado com isso? — perguntou ele, entrando e
fechando a porta. — America, você chama-me assim tantas vezes que isso
iria acabar por acontecer. Preferia que tivesse sido num ambiente mais
reservado — continuou com um sorriso malicioso —, mas não vou castigá-
la por isso.
— A sério?
— Claro, a sério.
— Ai! Senti-me tão idiota hoje à noite. Não acredito que me fez
contar aquela história! — Dei-lhe uma ligeira palmada no braço.
— Esse foi o melhor momento da noite! A minha mãe achou imensa
graça. No tempo dela, as raparigas eram ainda mais reservadas do que a
Tiny e, de repente, ali está você a chamar-me superficial... Ela adorou.
Ótimo. Agora também a rainha achava que eu destoava. Atravessámos
o quarto até à varanda. Sentia-se uma brisa leve e morna, que trazia até nós
o aroma de milhares de flores do jardim. A Lua Cheia brilhava sobre nós,
juntando-se às luzes em redor do palácio e dando ao rosto do Maxon um
brilho misterioso.
— Bom, ainda bem que está tão divertido — disse eu, fazendo
deslizar os dedos pelo varandim.
O Maxon esticou-se para se sentar no varandim, parecendo
completamente descontraído:
— Você é sempre divertida. Habitue-se.
Mmh... Ele estava quase a ser engraçado.
— Bem... aquilo que você disse... — começou, hesitante.
— Qual parte? Quando lhe chamei nomes, quando disse que discutia
com a minha mãe ou quando sugeri que a comida era a minha motivação?
— Revirei os olhos.
Ele soltou uma risada: — A parte sobre eu ser uma boa pessoa...
— Ah! E o que tem? — Essas poucas palavras pareciam-me, de
repente, mais embaraçosas do que tudo o resto que pudesse ter dito. Baixei
a cabeça e torci uma ponta do vestido.
— Admiro que queira dar um ar de veracidade à situação, mas não
precisava de ir tão longe.
Ergui a cabeça. Como podia ele pensar isso?
— Maxon, não disse aquilo só porque estava no programa. Se me
tivesse perguntado há um mês qual era minha opinião sincera sobre si, a
minha resposta teria sido bem diferente, mas agora que o conheço, sei a
verdade. Você é tudo o que eu disse e mais ainda.
Ele ficou em silêncio, mas havia um pequeno sorriso no seu rosto.
— Obrigado — disse por fim.
— Ao seu dispor.
O Maxon aclarou a garganta: — Ele também vai ser um homem de
sorte. — Desceu do seu assento improvisado e aproximou-se do meu lado
da varanda.
— Hã?
— O seu namorado. Quando cair em si e implorar que o aceite de
volta — disse ele, sem rodeios.
Tive de me rir. Isso nunca aconteceria no meu mundo.
— Ele já não é meu namorado. Deixou bem claro que estava tudo
acabado comigo. — Até eu conseguia ouvir a ponta de esperança na minha
voz.
— Impossível. Já a deve ter visto na televisão e já se apaixonou outra
vez. Embora, na minha opinião, você continue a ser demasiado boa para o
traste. — O Maxon falava quase como se estivesse aborrecido, como se
tivesse visto isto acontecer um milhão de vezes.
— A propósito! — prosseguiu ele, elevando um pouco a voz. — Se
não quiser que me apaixone por si, vai ter de deixar de parecer assim tão
bela. A primeira coisa que vou fazer amanhã é mandar as suas aias
coserem-lhe uns sacos de batatas para vestir.
Dei-lhe uma palmada no braço:
— Cale-se, Maxon.
— Não estou a brincar. É demasiado bonita para o seu próprio bem.
Quando sair, vamos ter de mandar alguns guardas consigo. Nunca
sobreviverá sozinha, coitadinha — gracejou ele, fingindo pena.
Não posso fazer nada — suspirei. — Não posso evitar ter nascido
perfeita. — Abanei a mão à frente da cara como se fosse extremamente
cansativo ser tão bonita.
— Sim, acho que não pode evitá-lo mesmo.
Dei uma risadinha. Por um instante, não reparei que o Maxon não
parecia achar o seu comentário engraçado.
Olhei para o jardim e vi, pelo canto do olho, que o Maxon estava a
fitar-me. O seu rosto estava pertíssimo do meu. Quando me virei para lhe
perguntar para onde é que estava a olhar, fiquei surpreendida ao aperceber-
me de que ele estava suficientemente perto para me beijar.
E fiquei ainda mais surpreendida quando o fez.
Afastei-me rapidamente, dando um passo atrás. O Maxon recuou
também.
— Desculpe — murmurou, corando.
— O que está a fazer? — perguntei, com um sussurro estupefacto.
— Desculpe. — Ele virou-se ligeiramente, obviamente embaraçado.
— Porque fez isso? — perguntei, levando a mão à boca.
— É que... aquilo que disse no programa... E depois ontem quando me
procurou... o modo como agiu... Pensei que talvez os seus sentimentos
tivessem mudado. E eu gosto de si, achei que tinha percebido. — Ele virou-
se para me encarar. — E... Oh, foi horrível? Não parece nada satisfeita.
Procurei mudar a expressão do meu rosto. O Maxon parecia
mortificado:
— Lamento imenso. Nunca beijei ninguém antes. Não sei o que estou
a fazer. Eu só... Desculpe, America. — Ele respirou fundo e passou a mão
pelo cabelo algumas vezes, apoiando-se no varandim.
Inesperadamente, senti um calor crescer dentro de mim.
Ele queria que o seu primeiro beijo fosse comigo.
Pensei no Maxon que conhecia agora — um homem elogioso; capaz
de me dar o prémio de uma aposta que eu perdera; de me perdoar depois de
eu o ter magoado física e emocionalmente — e descobri que não me
importava que ele me beijasse.
Sim, ainda sentia algo pelo Aspen, não podia apagar isso. Mas se não
podia tê-lo, o que me impedia de ficar com o Maxon? Nada, além das
minhas ideias preconceituosas acerca dele, todas bem diferentes da pessoa
que ele era verdadeiramente.
Aproximei-me dele e esfreguei-lhe a testa com a mão.
— O que está a fazer?
— A apagar essa memória. Acho que podemos fazer melhor. —
Retirei a mão e coloquei-me ao seu lado, virada para o quarto. Ele não se
moveu... mas sorriu.
— America, acho que não podemos mudar a história. — Apesar
dessas palavras, a sua expressão era esperançosa.
— Claro que podemos. Afinal, quem vai saber além de nós?
O Maxon fitou-me por um momento, questionando-se claramente se
seria mesmo possível. Então, vi uma confiança cuidadosa tomar lentamente
conta da sua expressão, enquanto ele me olhava nos olhos. Permanecemos
assim por uns instantes antes de eu conseguir lembrar-me exatamente do
que dissera.
— Não posso evitar ter nascido perfeita — sussurrei.
Ele aproximou-se, envolvendo a minha cintura com o braço de modo
a ficarmos frente a frente. O seu nariz acariciou o meu e ele fez deslizar os
dedos pela minha face, com muita delicadeza, como se temesse que eu me
partisse.
— Sim, acho que não podes evitar mesmo — sussurrou.
Com a sua mão erguendo o meu rosto na direção do seu, o Maxon
inclinou a cabeça e deu-me o mais tímido dos beijos.
Algo no modo como hesitava fez-me sentir linda. Conseguia
compreender, sem precisar de palavras, como ele se sentia emocionado, mas
também assustado, com este momento. E por trás de tudo isso, sentia que
ele me adorava.
Então era assim que uma lady se sentia.
Depois de um momento, ele afastou-se e perguntou:
— Foi melhor?
Só consegui assentir com a cabeça. O Maxon parecia estar à beira de
desatar a dar piruetas, e no meu peito havia um sentimento parecido. Era
tudo tão inesperado, tão rápido, tão estranho. O meu rosto deve ter
denunciado a minha confusão, porque ele ficou sério:
— Posso dizer uma coisa?
Assenti outra vez.
— Não sou estúpido ao ponto de acreditar que já esqueceste o teu
antigo namorado. Sei pelo que passaste e que não estás aqui em
circunstâncias exatamente normais. Sei que achas que há outras aqui mais
adequadas para mim e para esta vida e não quero que te forces a sentires-te
feliz com nada disto. Eu só... só quero saber se é possível...
Era uma pergunta difícil de responder. Estaria eu disposta a tentar
viver uma vida que nunca quis? Estaria disposta a ficar a assistir, enquanto
ele tentava gentilmente marcar encontros com as outras para garantir que
não estava a cometer um erro? A assumir as responsabilidades de uma
princesa? Estaria disposta a amá-lo?
— Sim, Maxon — sussurrei. — É possível.
Capítulo 19