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Uma Noite Mágica

Lisa Kleypas

Christmas Eve at Friday Harbor (2010)

1° da Série Friday Harbor

Resumo

Uma menina que precisa de uma família.

Em uma noite chuvosa, a pequena Holly perdeu à única família que conhecia: sua mãe,
Vitória. E desde essa noite não tornou a pronunciar uma só palavra.

Um solteiro que necessita uma esposa.

A última coisa que Mark Nolan precisa em sua vida é de uma menina de seis anos. Mas
logo se dá conta de que fará tudo o que estiver em seu alcance para que não falte nada a
Holly. O testamento de sua irmã lhe mostra o caminho correto: “É a única alternativa.
Só tem que querê-la. O resto virá sozinho.”

Às vezes só faz falta um pouco de magia...

Maggie Conroy não se atreve a apaixonar-se de novo, mas acredita na magia da


imaginação. Quando conhece Holly Nolan, vê uma menina se desesperada por um
pouco de magia em sua vida...

Três pessoas solitárias. Três vidas que se encontram em uma encruzilhada. Três seres
que estão a ponto de descobrir que às vezes os desejos encontram um modo de chegar a
casa...

SOBRE A AUTORA:

Lisa Kleypas (1964) é uma escritora Americana de superventas dentro do gênero


romântico histórico. Suas novelas se ambientam principalmente no século XIX. Em
1985, foi escolhida Miss Massachusetts e competiu pelo título do Miss a América.
Kleypas atualmente reside no Texas com seu marido, Greg Ellis, e seus dois filhos,
Griffin e Lindsay.

A Lisa sempre gostou de ler, especialmente cria novelas românticas. Começou a


escrever suas próprias novelas românticas durante suas férias do verão ao tempo que
estudava ciências políticas no Wellesley College. Seus pais estiveram de acordo com
apoiá-la durante uns meses depois de sua graduação de maneira que pudesse finalizar
seu manuscrito. Aproximadamente dois meses depois, aos 21 anos de idade, Kleypas
vendeu sua primeira novela. Kleypas foi escritora de novela romântica a tempo total
desde que vendeu seu primeiro livro. Suas novelas estiveram sempre nas listas de
superventas, vendido milhões de cópias por todo mundo e traduzidas a quatorze idiomas
diferentes.

PRÓLOGO

Querido Papai Noel:

Este ano só quero uma coisa

Uma mamãe

Por favor não se esqueça de que agora vivo no Friday Harbor, obrigado te quer

HOLLY

CAPÍTULO 01

Até a morte de sua irmã Vitória, Mark Nolan tinha tratado ao Holly, sua sobrinha, com
o carinhoso desapego de um tio solteiro. Tinha-a visto nas reuniões familiares durante
as férias e sempre se acordou de comprar algo por seu aniversário e por Natal.
Normalmente, cartões de felicitação. Nisso tinha consistido sua relação com o Holly, e
tinha sido mais que suficiente.

Entretanto, tudo trocou uma chuvosa noite de abril em Seattle, quando Vitória morreu
em um acidente de tráfico no I-5. Dado que sua irmã nunca tinha mencionado um
testamento nem os planos que tinha feito para o futuro do Holly, Mark não tinha nem
idéia do que passaria a sua sobrinha de seis anos. O pai estava desaparecido do mapa.
Vitória nunca tinha revelado sua identidade, nem sequer a seus amigas íntimas. Mark
estava quase seguro de que sua irmã não lhe tinha falado ao pai da existência da menina.
Quando Vitória se mudou a Seattle, uniu-se a um grupo boêmio, formado por músicos e
outro tipo de artistas. Como resultado, manteve uma sucessão de relações muito curtas
que lhe proporcionaram toda a farra criativa que ansiava. Entretanto, ao final teve que
admitir que o afã por realizar-se como pessoa devia estar respaldado por um salário
fixo. De modo que fez uma entrevista em uma empresa de software e conseguiu um
posto em recursos humanos, com um salário decente e uns benefícios sociais incríveis.
Por desgraça, foi mais ou menos quando descobriu que estava grávida.

—É melhor para todos que o pai não se envolva —disse ao Mark quando perguntou de
quem se tratava.

—Necessita que alguém te ajude —protestou ele—. O que menos que esse tio se faça
cargo de sua responsabilidade econômica. Ter um filho não é barato.

—Me posso arrumar isso sozinha.

—Vicky... ser mãe solteira não é muco de peru.

—A idéia de ser pai, da maneira que seja, você acojona —replicou Vitória—. Um
pouco totalmente compreensível dada nossa infância. Mas quero a este bebê. E o farei
bem.

E o tinha feito. Vitória resultou ser uma mãe responsável, paciente e carinhosa com sua
única filha, atenta sem cair na sobreprotección. Só Deus sabia de onde tinha tirado suas
habilidades maternais. Seguro que eram instintivas, porque certamente não as tinha
aprendido de seus pais.

Mark sabia sem lugar a dúvidas que ele carecia de instinto paternal. Razão pela que se
levou um susto de morte ao inteirar-se não só de que tinha perdido a sua irmã, mas
também de que também tinha adquirido uma menina.

Que o nomeassem tutor legal do Holly foi algo que não tinha previsto. sabia-se um
homem capaz de fazer muitas coisas e sabia que podia arrumar-lhe nos imprevistos, mas
daí a ver-se obrigado a criar uma menina... Eram palavras maiores.

Se Holly fora um menino, teria podido fazer algo. Não era tão difícil entender aos
meninos. O sexo feminino, em troca, era um mistério. Fazia muito tempo que tinha
aceito que as mulheres eram complicadas. Diziam coisas como: «Se não souber, não lhe
penso dizer isso Nunca pediam sobremesa, e quando pediam opinião sobre a roupa que
ficar, ao final sempre escolhiam o contrário do que lhes sugeria. Mesmo assim, sem as
entender, adorava-as. adorava seu caráter esquivo, sua capacidade para surpreender,
suas fascinantes mudanças de humor.

Mas ter que criar a uma... Por Deus, não! Havia muito em jogo. Era impossível que ele
servisse de exemplo. E guiar a uma filha pelo traiçoeiro labirinto de uma sociedade
infestada de buracos negros... Não estava preparado para fazê-lo, nem muitíssimo
menos.
Mark e seus irmãos foram criados por uns pais que viam o matrimônio como um campo
de batalha e a seus filhos como peões para usar a seu desejo.

Como resultado, os três irmãos Nolan (Mark, Sam e Alex) estiveram encantados de
tomar cada qual seu caminho quando alcançaram a maioria de idade. Vitória, em troca,
sempre tinha desejado essa classe de relação que sua família nunca foi capaz de manter.
Encontrou-a por fim com o Holly, coisa que fez que se sentisse muito afortunada.

Entretanto, um volantazo mau dado, um atoleiro na estrada, uma breve perda de


controle... e a vida que ficava a Vitória Nolan se reduziu cruelmente a nada.

Vitória tinha deixado uma carta selada, dirigida ao Mark, em uma pasta, junto ao
testamento.

É a única alternativa. Holly não viu nem ao Sam nem ao Alex na vida. Escrevo esta
carta com a esperança de que nunca tenha que lê-la, mas se esse é o caso... cuida de
minha filha, Mark. Ajuda-a. Necessita-te.

Sei o entristecedora que deve te parecer esta responsabilidade. Sinto muito. Sei que não
lhe esperava isso. Mas pode fazê-lo. Encontrará a maneira de sair adiante.

Só tem que querê-la. O resto virá rodado.

—vais fazer te carrego dela de verdade? —perguntou-lhe Sam o dia do funeral, depois
de que se reunissem em casa de Vitória.

Resultou-lhe muito estranho vê-lo tudo tal como ela o tinha deixado: os livros na
estantería, um par de sapatos abandonados de qualquer maneira no interior do armário,
o brilho de lábios no lavabo...

—Claro que vou fazer me carrego dela —respondeu—. O que vou fazer se não?

—Sempre fica Alex. Está casado. por que não lhes deixou a menina ao Darcy e a ele?

Mark o olhou com gesto eloqüente. O matrimônio de seu irmão menor era como um
ordenador minado de vírus: não se podia acender em modo a prova de falhas e se
executavam programas aparentemente inócuos mas que em realidade levavam a cabo
toda classe de tarefas perniciosas.

—Deixaria teu filho a seu cargo? —perguntou a sua vez.

Sam negou muito devagar com a cabeça.

—Suponho que não.

—Pois Holly só nos tem dois. Sam o olhou com receio.


—A quem ficharam para isto é a ti, não a mim. Há um motivo pelo que Vicky não me
nomeou tutor legal de sua filha. Não me dão bem os meninos.

—De todas as formas é o tio do Holly.

—Você o há dito, seu tio. Minha responsabilidade se limita a fazer piadas escatológicas
e a beber muita cerveja nos andaimes familiares. Não sou muito paternal que digamos.

—Nem eu —confessou Mark com seriedade—. Mas temos que tentá-lo. A menos que
queira renunciar à custódia e deixá-la em um lar de acolhida.

Sam franziu o cenho e se esfregou a cara com as mãos.

—O que diz Shelby de tudo isto?

Mark meneou a cabeça ao escutar o nome de sua noiva, uma decoradora de interiores a
quem conheceu enquanto decorava a luxuosa residência que um de seus amigos tinha no
Griffin Bay.

—Só levamos saindo um par de meses. Ou aceita a situação ou já se pode ir largando, é


coisa dela. Mas não vou pedir lhe ajuda. É minha responsabilidade. E tua.

—Talvez posso ficar com ela de vez em quando. Mas não posso te ajudar muito, investi
tudo o que tinha no vinhedo.

—Justo o que te disse que não fizesse, gênio.

Sam entrecerró os olhos, que eram do mesmo azul intenso que os de seu irmão.

—Se te fizesse conta, cometeria seus enganos, não meus. —Houve um breve silêncio—.
Onde guardava Vicky a bebida?

—Na despensa. —Mark se aproximou de um armarito, agarrou dois copos e os encheu


de gelo.

Sam rebuscou na despensa.

—Me faz estranho nos agenciar suas bebidas quando ela... já não está.

—Seria primeira em nos dizer que não nos cortássemos.

—Certamente tem razão. —Sam retornou à mesa com uma garrafa de uísque—. Tinha
seguro de vida?

Mark meneou a cabeça.

—Deixou de pagar as cotas.

Sam o olhou com certa preocupação.

—Suponho que vais pôr a casa em venda.


—Sim. Embora duvide de que tiremos muito tal como está o mercado. —Passou-lhe um
copo—. Enche-o bem.

—Estou nisso. —Sam não levantou a garrafa até que os copos estiveram bem cheios.

sentaram-se de novo o um fronte ao outro, fizeram um silencioso brinde e beberam. Era


um bom uísque que Mark se tragou com facilidade e que lhe provocou um agradável
calorcillo no peito.

A presença de seu irmão o reconfortava de um modo inesperado. Parecia que sua


tormentosa infância (as brigas e as pequenas traições) já não se interporiam em seu
caminho. Eram adultos, com uma amizade em potência que não foi possível enquanto
seus pais estiveram vivos.

Com o Alex, em troca, era impossível aproximá-lo suficiente para apreciá-lo ou para
odiá-lo. Sua mulher, Darcy, e ele tinham assistido ao funeral, aconteceram-se depois
pela casa e se ficaram uns quinze minutos, e logo se partiram sem logo que lhe dirigir a
palavra a ninguém.

—Já se foram? —tinha perguntado Mark, sem dar crédito, ao descobrir sua ausência.

—Se queria que ficassem mais tempo —foi a resposta do Sam—, ter celebrado o
funeral no Nordstrom.

Era normal que a gente se perguntasse por que tinham tão pouca relação entre eles se
residiam em uma ilha de pouco mais de sete mil habitantes. Alex vivia com o Darcy no
Roche Harbor, na zona norte. Quando não estava ocupado com sua construtora, assistia
com sua mulher a eventos sociais em Seattle. Mark, em troca, mantinha-se ocupado com
a torrefactora de café que tinha montado no Friday Harbor. E Sam, que não saía de seu
vinhedo, cuidando e mimando suas vinhas, sentia-se mais unido à Natureza que às
pessoas.

Quão único tinham em comum era seu amor pela ilha de San Juan. Formava parte de
um arquipélago composto por umas duzentas ilhas, algumas delas rodeadas pelos
condados do Whatcom e Skagit, pertencentes ao estado de Washington. Os Nolan
tinham acontecido a infância aos pés do Olympic Mountains, um lugar a salvo em sua
major parte do clima tão cinza que preponderava no resto da costa Noroeste do Pacífico.

Os Nolan tinham crescido respirando o ar úmido do oceano, com os pés descalços


cheios do lodo dos baixios. Tinham desfrutado de manhãs perfumadas pela lavanda
úmida, de dias limpos e secos, e dos atardeceres mais formosos de toda a Terra. Nada
podia comparar-se a uma agachadiza sorteando as ondas. Ou a uma águia de cabeça
branca lançando-se em picado em detrás de sua presa. Ou ao baile das areja, com suas
escorregadias figuras saltando, respirando ou sulcando o mar do Salish enquanto davam
boa conta da profusão de salmões.
Os irmãos tinham percorrido cada centímetro da ilha, subindo e baixando colinas
açoitadas pelo vento junto à costa, atravessando os sombrios bosques e cruzando prados
coalhados de erva forrageira e flores selvagens de sugerentes e intensas cores que foram
do marrom chocolate, passando pelo rosa mais exuberante até acabar no branco
luminoso. Era impossível encontrar uma mescla de água, terra e céu mais proporcionada
e perfeita.

Embora tinham ido à universidade e tinham tentado viver em outras partes, a ilha
sempre os tinha insistido a retornar. Inclusive Alex, com sua ambição e sua avareza,
tinha retornado. Era um estilo de vida natural, já que se conhecia os agricultores que
cultivavam os produtos frescos que se consumiam; ao fabricante do sabão com o que
alguém se lavava; e inclusive se tuteaba aos donos dos restaurantes onde se comia.
podia-se fazer autoestop sem perigo, já que os amáveis ilhéus se ajudavam os uns aos
outros sempre que fizesse falta.

Vitória era a única da família que tinha encontrado algo pelo que merecesse a pena
abandonar a ilha. apaixonou-se pelas montanhas de cristal e dos vales de cimento de
Seattle, do ambiente cultureta e urbano, da sutil elegância dos restaurantes que seduziam
as papilas gustativas e do labirinto sensorial que era o mercado do Pike Agrada.

Em resposta a um comentário do Sam com o que se queixou de que a gente falava e


pensava muito na cidade, Vitória lhe soltou que Seattle a fazia mais preparada.

—Não preciso ser mais preparado —replicou Sam—. quanto mais preparado é, mais
motivos tem para ser um desgraçado.

—Isso explica por que os Nolan estão sempre de tão bom humor —disse Mark a
Vitória, lhe arrancando uma gargalhada.

—Alex não —comentou ela, quando deixou de rir ao cabo de um momento—. Não
acredito que Alex tenha sido feliz um só dia de sua vida.

—Alex não quer ser feliz —replicou Mark—. Se conforma com os sucedâneos da
felicidade.

Mark abandonou as lembranças e retornou à presente, perguntando-se o que diria


Vitória se soubesse que pensava criar ao Holly na ilha de San Juan. Não se tinha dado
conta de que tinha feito a pergunta em voz alta até que Sam lhe respondeu.

—Crie que se teria surpreso? Vicky sabia que nunca iria da ilha. Seu negócio, sua casa e
seus amigos estão ali. Estou seguro de que sabia que te levaria ao Holly ao Friday
Harbor se lhe acontecia algo.

Mark assentiu com a cabeça, embora se sentia vazio e desolado. Não queria refletir
muito sobre a magnitude da perda que tinha sofrido a menina.

—Há dito algo hoje? —perguntou Sam—. Não a escutei dizer nem pio.
Desde que lhe disseram que sua mãe tinha morrido, Holly tinha estado em silêncio e só
respondia às perguntas que lhe faziam movendo a cabeça. Tinha uma expressão distante
e desconcertada, como se se tivesse refugiado em um mundo interior onde ninguém
podia entrar. A noite que Vitória morreu, Mark foi direto a casa de sua irmã depois de
abandonar o hospital. Holly estava aos cuidados de uma canguru. Deu-lhe a má notícia à
pequena pela manhã e após apenas se moveu de seu lado.

—Nada —respondeu Mark—. Se amanhã não começar a falar, levarei-a a pediatra. —


Soltou um suspiro entrecortado antes de acrescentar—: Nem sequer sei quem é seu
médico.

—Há uma lista na porta do frigorífico —disse Sam—. Tem vários números, incluído o
do médico do Holly. Suponho que Vicky a fez para a canguru, se por acaso se
apresentava uma emergência.

Mark se aproximou do frigorífico, tirou a nota que tinha pega e a guardou na carteira.

—Genial —replicou com ironia—. Agora sei tanto como a canguru.

—Por algo se começa.

Depois de retornar à mesa, Mark lhe deu um comprido trago ao uísque.

—Por certo, queria te comentar uma coisa. Não poderei viver em meu apartamento do
Friday Harbor com o Holly. Só tem um dormitório e não tem pátio para jogar.

—vais vender o?

—Ao melhor o alugo.

—E Aonde irá?

Mark fez uma pausa deliberada.

—Você tem espaço de sobra.

Sam pôs os olhos como pratos.

—Não, disso nada.

Dois anos antes Sam tinha comprado uma propriedade de seis hectares procurando fazer
sua realidade tido saudades sonho de montar seu próprio vinhedo. A propriedade, com
seu chão pedregoso e permeável, e seu clima fresco, era perfeita para um vinhedo. além
da terra, tinha comprado uma enorme casa de estilo vitoriano médio ruída, que contava
com um alpendre, com vários mirantes, com uma grande torre em uma das esquinas e
com telhas plainas de distintas cores.

«Para reformar» era um término que ficava curto referido à casa, que rangia por todos
lados, tinha o estou acostumado a desnivelado, goteiras nos lugares mais insólitos e
atoleiros sem origem aparente. Os antigos residentes tinham deixado seu rastro, já que
tinham instalado quartos de banho onde não estava previsto; tinham levantado tabiques
de madeira muito débeis; tinham instalado estreitos armários embutidos com portas
trilhos e, além disso, tinham quebrado umas estanterías de cerejeira e as molduras as
pintando com pintura branca troca. Haviam talher o parquet original com placas de
linóleo e em outras zonas com um carpete tão grosa que era possível fazer anjos nela
como se fora um manto de neve.

Entretanto, a casa tinha três elementos a seu favor: havia espaço mais que de sobra para
duas solteiros e uma menina de seis anos; tinha um pátio enorme com um horta; e se
encontrava no False Bay, o lugar que Mark preferia de toda a ilha.

—Não ides viver comigo —sentenciou Sam—. Eu gosto de viver sozinho.

—O que vais perder se nos vamos viver contigo? Não interferiríamos absolutamente
com sua vida. —Em plural, já que ao parecer e a partir desse momento, teria que deixar
de falar em singular.

—Está de coña, verdade? Sabe o que acontece com os solteiros com meninos? Todas as
tias boas passarão de ti porque não quererão que as enrolem para fazer de canguru e
tampouco quererão criar à filha de outra. Embora consiga milagrosamente te atar com
uma tia boa, não poderá conservá-la muito tempo. acabaram-se as escapadas ao Portland
ou a Vancouver, acabou-se o sexo selvagem, acabou-se o de tresnoitar. para sempre.

—Tampouco o faz agora —assinalou Mark—. Te passa todo o tempo no vinhedo.

—Mas é por decisão própria. Quando há um pirralho de por meio, já não há decisões
próprias. Enquanto seus amigos se vão de cervejas para ver a partida, você está no
supermercado comprando tira-manchas e biscoitinhos para meninos.

—Não é para sempre.

—Não, claro, só para o que fica de juventude. —Sam baixou a cabeça como se fora a
golpear-lhe com a mesa, mas acabou apoiando a frente em um braço.

—O que é para ti a juventude, Sam? Porque não sei, mas eu diria que a deixou atrás faz
um par de anos.

Sam ficou quieto salvo pelo dedo do meio da mão direita que ensinou a seu irmão.

—Tinha planos para os trinta —disse com voz apagada—. E nenhum incluía meninos.

—meus tampouco.

—Não estou preparado para isto.

—Nem eu. Por isso necessito sua ajuda. —Mark soltou um suspiro exasperado—. Sam,
quando te pedi algo?

—Alguma vez. Mas por que tem que começar agora?


Mark insistiu com tom persuasivo:

—Olha o desta forma... iremos muito devagar. Seremos os guias turísticos do Holly pela
vida. Guias turísticos afáveis que nunca se tirarão da manga panaquices como «castigos
razoáveis» ou «porque o digo eu». Já tenho assumido que não sou o melhor para criar a
um menino... mas a diferença de papai, meus enganos serão bons. Não vou lhe dar um
bofetão quando não limpar seu dormitório. Não vou obrigar a comer aipo se não gostar.
Não vou fazer coisas que lhe acreditam confusão ou insegurança. Se tudo sair bem,
acabará com uma visão do mundo bastante decente e um trabalho que lhe permita ser
independente. Sabe muito bem que se o fizermos, irá melhor que se a mandarmos a
viver com desconhecidos. Ou, pior, com nossos familiares.

uns quantos tacos pronunciados em voz baixa brotaram de entre os braços cruzados do
Sam. Tal como Mark esperava, o sentido de justiça de seu irmão era seu ponto débil.

—Vale. —As costas do Sam se moveu pela força de um suspiro antes de repetir—:
Vale. Mas tenho condições. Para começar quero que me dê o que tire por seu
apartamento quando o alugar.

—Feito.

—E vais ter que me ajudar a arrumar a casa. Mark o olhou com receio.

—Não sou muito bom com as reformas. Posso fazer o básico, mas...

—Conformo-me. E verte lixar meus chãos será como um bálsamo para minha alma. —
Uma vez apaziguado com a promessa do dinheiro do aluguel e da mão de obra troca,
dissipou-se parte de sua hostilidade—. Provaremos durante um par de meses. Mas se a
coisa eu não gosto, terá que te levar a menina a outra parte.

—Seis meses.

—Quatro.

—Seis.

—Vale, joder! Seis meses. —Sam serve mais uísque—. Pelo amor de Deus! —
resmungou—. Três Nolan vivendo sob o mesmo teto. Isto vai ser um desastre.

—O desastre já aconteceu —replicou Mark com secura, e haveria dito mais de não ser
porque escutou algo no corredor.

Holly apareceu na porta da cozinha. levantou-se da cama e parecia aturdida e meio


dormida. Como uma pequena refugiada, vestida com um pijama rosa, com os pés
descalços e vulneráveis sobre o escuro chão de piçarra.

—O que acontece, carinho? —perguntou-lhe Mark em voz baixa ao tempo que se


aproximava dela. Agarrou-a em braços (não pesava nem vinte quilogramas) e a menina
o abraçou—. Não pode dormir?
Invadiu-o uma inquietante ternura assim que sentiu o peso de sua cabeça no ombro, o
roce de seu cabelo loiro alvoroçado e o aroma de plastilina e a xampu de morango.

Ele era quão único tinha.

«Só tem que querê-la.»

Isso seria o mais singelo. Era o resto o que lhe preocupava.

—vou colocar te na cama, carinho —disse—. Tem que dormir. Esperam-nos uns dias
muito ocupados.

Sam o seguiu enquanto a levava a seu dormitório. A cama estava coberta por um dossel,
do que Vitória tinha pendurado uma espécie de cortinas formadas por mariposas de asas
transparentes. depois de deixá-la no colchão, Mark a agasalhou e se sentou no bordo.
Holly estava calada e tinha os olhos totalmente abertos.

Mark lhe apartou o cabelo da frente enquanto olhava esses atormentados olhos azuis.
Faria algo por ela... A força desse sentimento o surpreendeu. Não podia lhe dar tudo o
que tinha perdido. Não podia lhe dar a vida que poderia ter tido. Mas podia cuidá-la.
Nunca a abandonaria.

Todos esses pensamentos, e muitos mais, alagaram-lhe a mente. Mas só disse:

—Quer que te conte um conto?

Holly assentiu com a cabeça ao tempo que olhava de esguelha ao Sam, que estava
apoiado na ombreira da porta.

—Ra uma vez três ursos —começou Mark.

—Dois tios ursos —acrescentou Sam da porta, com um deixe um tanto resignado— e
uma filhota de urso.

Mark esboçou um sorriso torcido enquanto seguia acariciando o cabelo ao Holly.

—Que viviam em uma casa enorme junto ao mar...

CAPÍTULO 02

A campainha da porta soou quando o homem dos sonhos do Maggie entrou na loja. Ou,
para ser mais exatos, o homem que pertencia à realidade de outra mulher, porque levava
da mão a uma menina pequena que devia ser sua filha. A menina correu para o carrossel
que girava lentamente em um rincão da loja de brinquedos, mas o pai entrou mais
devagar.
Os oblíquos raios do sol de setembro acariciaram um cabelo escuro, talhado de forma
impecável e com as pontas um pouco para fora na parte posterior do pescoço. Teve que
agachar a cabeça para passar por debaixo de um móvel que pendurava do teto. movia-se
como um esportista, com tranqüilidade mas pendente de seus arredores, e dava a
impressão de que se alguém lhe arrojava algo de improviso, apanharia-o sem titubear.

Ao notar o incontrolável interesse do Maggie, olhou em sua direção. Sua cara tinha
rasgos fortes e masculinos, e seus olhos eram tão azuis que a cor se distinguia do outro
extremo da loja. Embora era alto e sua presença, arrolladura, não se movia com atitude
chulesca. Emanava uma confiança tranqüila e poderosa. Luzia uma barba de dois dias e
levava uns jeans tão desgastados que pareciam preparados para atirá-los. Seu aspecto
era um tanto desarrumado, mas muito sexy.

Isso sim, estava pilhado.

Maggie deixou de olhá-lo imediatamente e se apressou a agarrar o tear de madeira para


acrescentar umas quantas fios elásticos mais.

O homem se aproximou de sua filha, caminhando com as mãos nos bolsos. O trenecito
que circulava por toda a loja, movendo-se sobre as vias que se convocaram em uma
estantería próxima ao teto, chamou-lhe a atenção.

As vendas eram muito boas desde que O Espelho Mágico abriu suas portas fazia já três
meses. As mesas estavam cheias de brinquedos tradicionais: prismáticos, ioiôs feitos à
mão, cochecitos de madeira, peluches, cometas resistentes...

—Esse é Mark Nolan com sua sobrinha Holly —disse Elizabeth ao Maggie em voz
baixa.

Elizabeth era uma das dependientas da loja de brinquedos. Uma aposentada muito vital
que trabalhava a meia jornada na loja e que parecia conhecer todos os habitantes de San
Juan. Para o Maggie, que acabava de mudar-se fazia escassos meses à ilha, Elizabeth
era uma fonte de informação muito valioso. Conhecia os clientes, suas histórias
familiares e seus gostos pessoais, e recordava os nomes dos netos de todo o mundo.

«dentro de pouco é o aniversário do Zachary, não?», podia lhe perguntar a alguma


amiga que estivesse jogando uma olhada pela loja. Ou: «ouvi que o pequeno do
Madison está um pouco pachucho. Temos alguns livros novos, perfeitos para que as
leoa na cama.»

Quando Elizabeth trabalhava, ninguém se ia do Espelho Mágico com as mãos vazias. de


vez em quando, inclusive chamava certos clientes se chegavam brinquedos novos que
podiam ser de seu gosto. Em uma ilha, a melhor publicidade era o boca a boca.

Maggie abriu os olhos pela surpresa.

—Sua sobrinha?
—Sim, Mark a está criando. A mãe da pobre criatura morreu em um acidente de tráfico
faz uns seis meses. Assim Mark a trouxe de Seattle, e após estão vivendo em Vinhedos
Sotavento, em casa de seu irmão Sam. Não imaginava a esses dois tentando cuidar de
uma menina, mas de momento as estão arrumando.

—São solteiros? —Embora sorte informação não era de sua incumbência, pergunte-a
lhe escapou antes de que pudesse evitá-lo.

Elizabeth assentiu com a cabeça.

—Têm outro irmão, Alex, que sim está casado, mas ouvi que não vai muito bem. —
Olhou ao Holly com expressão triste—. Deveria ter uma mulher em sua vida. Acredito
que esse é um dos motivos pelos que não fala.

Maggie franziu o cenho.

—Refere aos desconhecidos, não?

—Não lhe fala com ninguém. Do acidente.

—OH! —exclamou em voz baixa—. Um de meus sobrinhos se negava a falar com seus
companheiros de classe e com sua professora quando começou a ir penetre. Mas em
casa falava sem problemas.

Elizabeth meneou a cabeça com tristeza.

—Por isso sei, Holly se passa o dia sem falar. —ficou um capirote rosa com velo sobre
seus cachos brancos que se moviam como se fossem as antenas de uma mariposa e se
colocou a borracha sob o queixo—. Esperam que lhe aconteça logo, mas o médico lhes
há dito que não a pressionem. —depois de agarrar uma varinha mágica coroada por uma
brilhante estrela, voltou para a sala de festas, onde se estava celebrando um
aniversário—. Majestades, chegou a hora do bolo! —anunciou, e sua exclamação foi
recebida com um coro de chiados que ficou afogado quando fechou a porta.

Maggie registrou a compra de um cliente, um coelhinho de peluche e um livro de


ilustrações, e depois jogou uma olhada pela loja em busca do Holly Nolan.

A menina estava contemplando uma casita de fadas colocada na parede. Tinha-a feito
ela e tinha decorado o telhado com musgo seco e plugues de garrafas pintados de
dourado. A porta estava feita com a caixa de um relógio de bolso quebrado. Holly
estava nas pontas dos pés, olhando através de uma diminuta janela.

Saiu de atrás do mostrador e se aproximou da menina, cujas costas se esticou de forma


sutil mas evidente.

—Sabe o que é? —perguntou-lhe Maggie.

A menina negou com a cabeça, sem olhá-la sequer.


—Quase todo mundo acredita que é uma casa de bonecas, mas se equivocam. É uma
casa de fadas.

Holly a olhou nesse momento. Seus olhos a percorreram das sapatilhas Converse até sua
juba frisada ruiva.

Enquanto se estudavam a uma à outra, ao Maggie a assaltou uma inesperada quebra de


onda de ternura. Porque reconheceu a frágil seriedade de uma menina que já não
confiava na estabilidade das coisas. Entretanto, também percebeu que seguia morando
nos rincões de sua infância, lista para deixar-se tentar por algo que parecesse mágica.

—A fada que vive nela nunca está durante o dia —seguiu—. Mas volta pelas noites.
Estou segura de que não lhe importará que lhe jogue uma olhada a sua casa. Você
gostaria de vê-la?

Holly assentiu com a cabeça.

Maggie se moveu devagar e levantou a aldabilla que fechava a parte dianteira da casita.
Assim que o fez, a fachada se abriu e deixou à vista três diminutas estadias mobiliadas.
Em uma havia uma cama feita com palitos; em outra, uma banheira que não era a não
ser uma tacita de café grafite de dourado; e na terceira, uma mesa com forma de
cogumelo acompanhada pela cortiça de uma garrafa a modo de cadeira.

adorou ver o hesitante sorriso que apareceu nos lábios da menina, e que revelou um
simpático racho na gengiva inferior.

—Não tem nome. Refiro-me à fada —disse com um tom confidencial enquanto fechava
a parte frontal da casita—. Ao menos não tem um nome humano. Tem um nome de
fada, que nós não podemos pronunciar, claro. Assim levo um tempo tentando lhe buscar
um nome. Quando o dita, pintarei-o sobre a porta. Ao melhor a chamo Lavanda. Ou
Rosa. Você gosta?

Holly negou com a cabeça e se mordeu o lábio inferior enquanto contemplava a casa
com expressão pensativa.

—Se te ocorre algum nome —lhe sugeriu—, pode escrevê-lo para que eu o leia.

Nesse momento, lhes aproximou o tio da menina, que colocou uma mão com gesto
protetor no frágil ombro de sua sobrinha.

—Está bem, Holly?

Sua voz era atrativa, rouca e suave. Entretanto, seus olhos olharam ao Maggie com um
brilho um tanto ameaçador. A intransigente presencia desse homem com seu mais de
metro oitenta de altura a fez retroceder. Mark Nolan não era precisamente bonito, mas
essas facções fortes e seu moreno atrativo faziam que a beleza resultasse uma questão
irrelevante. A pequena cicatriz com forma de medialuna que tinha em uma bochecha, e
que à luz da janela parecia chapeada, dava-lhe um ar de tio duro. E os olhos... eram uma
estranha mescla de azul e verde, como a cor do oceano nas fotos publicitárias das ilhas
tropicais. Parecia irradiar perigo de algum jeito que permanecia oculta. Poderia dizer-se
que era o engano que nenhuma mulher se arrependeria de cometer.

Maggie conseguiu esboçar um sorriso neutro.

—Olá. Sou Maggie Conroy. A proprietária da loja de brinquedos.

Nolan nem se incomodou em lhe dizer seu nome. Ao precaver-se da fascinação que sua
sobrinha demonstrava pela casita da fada, perguntou:

—Está à venda?

—Temo-me que não. Forma parte da decoração da loja. —Baixou a vista para o Holly e
acrescentou—: Mas são muito fáceis de fazer. Se desenhar uma e me traz o desenho,
ajudarei-te a fazê-la. —agachou-se para sentar-se nos talões e assim poder olhar
diretamente a carita da menina—. Nunca se sabe se aparecerá uma fada para viver nela.
O único que se pode fazer é esperar com os dedos cruzados.

—Não acredito... —disse Mark Nolan, mas deixou a frase no ar assim que viu que
Holly sorria e levantava um braço para tocar um dos pendentes de cristal que
penduravam das orelhas do Maggie, fazendo-o oscilar.

Havia algo na menina, com seu acréscimo torcido e sua expressão ansiosa, que
transpassou as defesas do Maggie. Sentiu uma pontada muito doce e quase dolorosa no
peito enquanto se olhavam a uma à outra.

«Entendo-te —queria lhe dizer—. Eu também perdi a alguém. E não há regras para lutar
com a morte de um ser querido. Tem que assumir que esse vazio sempre te
acompanhará, como se fora uma etiqueta costurada ao forro de sua jaqueta. Mas a
oportunidade de voltar a ser feliz, inclusive de voltar a sentir alegria, sempre estará aí.»
Ela se negava a duvidá-lo.

—Você gostaria de ver um livro sobre as fadas? —perguntou-lhe à menina, e viu


imediatamente o interesse que refletia sua cara.

Nada mais incorporar-se, notou o roce da mão do Holly na sua. A colheu com muito
cuidado e sentiu o frio de seus deditos na palma.

Depois de arriscar-se a olhar de esguelha ao Mark Nolan, viu que tinha uma expressão
indecifrável e que seu antipático olhar se cravou em suas mãos unidas. dava-se conta de
que o gesto o tinha surpreso. Assim como a disposição de sua sobrinha a lhe dar a mão a
uma desconhecida. Ao ver que não parecia disposto a objetar, levou-se a menina à parte
traseira da loja.

—A seção de... de livros está aqui—disse quando chegaram ao lugar onde se convocava
uma mesa de tamanho infantil e um par de cadeiras pequenas. Enquanto Holly se
sentava, ela agarrou um livro volumoso e colorido da estantería—. Aqui está! —
exclamou com alegria—. Tudo o que goste de saber sobre as fadas.

Era um livro cheio de preciosas ilustrações, algumas delas desplegables. Maggie se


sentou na diminuta cadeira situada junto à do Holly e abriu o livro.

Nolan se aproximou delas enquanto fingia olhar as mensagens de texto de seu móvel,
embora seu interesse era evidente por muito que dissimulasse. Estava claro que a
deixaria relacionar-se com sua sobrinha, mas sob sua supervisão.

Maggie e Holly começaram com a seção titulada TAREFAS DAS FADAS DURANTE
O DIA, onde apareciam costurando arco-íris como se fossem largas cintas, atendendo
seus jardins e tomando o chá com mariposas e joaninhas.

De reojo, viu que Mark Nolan tirava da estantería uma das cópias do livro, ainda com a
capa de plástico, e a metia em uma cesta. Não pôde evitar fixar-se no musculoso
contorno de seu corpo, no movimento desses músculos ocultos pelos jeans desgastados
e a camiseta cinza descolorida.

Dedicasse-se ao que se dedicasse, sua aparência era a de um tio trabalhador, com


sapatos muito usados, uns Levi's e um relógio decente, mas absolutamente chamativo.
Essa era uma das coisas que lhe agradavam dos ilhéus, aos que gostavam de denominar-
se «sanjuaneros». Era impossível saber quem era um milionário e quem era um simples
paisagista.

Uma anciã se aproximou do mostrador, de modo que Maggie deixou o livro ao Holly.

—Tenho que ir atender a uma clienta —disse—. Pode olhá-lo todo o tempo que queira.

A menina assentiu com a cabeça enquanto passava um dedo pelo bordo de um arco-íris
desplegable.

Maggie se colocou depois do mostrador para atender à anciã, uma senhora penteada
com um coque muito sofisticado e que levava uns óculos graduados com cristais
grossos.

—Eu gostaria que me envolvesse isso com papel de presente —disse a anciã ao tempo
que empurrava sobre o mostrador uma caixa que continha um trenecito de madeira.

—É um bom conjunto de vagões e vias para começar —lhe informou ela—. Se podem
montar de quatro formas distintas. E logo lhe pode acrescentar a ponte giratória. Tem
umas portinholas que se abrem e se fecham automaticamente.

—De verdade? Talvez me deveria levar isso também.

—vou ensinar lhe um. Temo-lo exposto perto da entrada.

Enquanto Maggie acompanhava à anciã até a mesa onde se exibia o trem, viu que Holly
e seu tio tinham abandonado a zona de leitura e estavam olhando as asas de fadas
expostas na parede. Nolan levantou a menina em braços para que visse melhor as da
parte superior. Ao ver como lhe amoldava a camiseta à costas, Maggie sentiu algo
estranho na boca do estômago.

obrigou-se a deixar de olhá-lo enquanto envolvia a caixa do trem com o papel de


presente. Enquanto isso, a clienta se fixou na frase escrita na parede, atrás do mostrador.

NÃO HÁ SENSAÇÃO COMPARÁVEL A ESTE VÔO ENCANTADO, A ESTE


ESTADO DE PLACIDEZ.

—Que entrevista mais bonita—disse a anciã—. É de algum poema?

—De uma canção do Pink Floyd —respondeu Nolan, que nesse momento se aproximou
para deixar uma cesta carregada até acima no mostrador—. De «Aprendendo a voar».

Maggie enfrentou seu olhar e notou que ficava tinta da cabeça aos pés.

—Gosta de Pink Floyd? —perguntou-lhe.

Viu-o esboçar um sorriso fugaz.

—Eu gostava quando estava no instituto. Passei uma fase em que só vestia de negro e
não parava de me queixar sobre meu isolamento emocional.

—A lembrança —afirmou a anciã—. Seus pais estiveram a ponto de chamar o


governador para te alistar no Guarda Nacional.

—Menos mal que seu amor pela nação os freou —replicou ele.

Seu sorriso se alargou, deixando ao Maggie hipnotizada, embora não a estava olhando
sequer.

Custou-lhe certo trabalho colocar o presente já envolto em uma bolsa com asas de
corda.

—Aqui tem —disse com voz alegre enquanto lhe oferecia a bolsa à anciã.

Nolan alargou um braço para agarrá-la.

—Parece um pouco pesada, senhora Borowitz. Permite-me que a leve até o carro?

A diminuta mulher sorriu de brinca a orelha.

—Obrigado, mas posso fazê-lo eu sozinha. Como estão esses dois teus irmãos?

—Sam está muito bem. Quase sempre está ocupado no vinhedo. E Alex... não o vejo
muito ultimamente.

—Está deixando seu rastro no Roche Harbor, sim, senhor.


—Sim —replicou ele, embora torceu o gesto com um pouco parecido à ironia—. Não
descansará até haver talher a ilha com estacionamentos e edifícios de apartamentos.

A anciã olhou ao Holly.

—Olá, preciosa, como está?

A menina assentiu com a cabeça com gesto envergonhado, mas não disse nada.

—Acaba de começar primeiro De primário, verdade? Você gosta de sua professora?

Outro tímido assentimento.

A senhora Borowitz estalou a língua com carinho.

—Ainda não fala? Pois terá que começar a fazê-lo logo. Como vão ou seja outros o que
pensa se você não o diz?

Holly cravou o olhar no chão.

Embora a anciã não tinha feito o comentário com má intenção, Maggie viu que Mark
Nolan esticava a mandíbula.

—Já o superará —disse à ligeira—. Senhora Borowitz, a bolsa é maior que você. Terá
que me deixar que a leve ou me tirarão minha medalha de honra.

A anciã Rio entre dentes.

—Mark Nolan, sei de boa tinta que não ganhaste uma medalha de honra na vida.

—Isso é porque nunca me deixa ajudá-la...

O casal seguiu discutindo a modo de brincadeira enquanto Nolan tirava a bolsa à mulher
e a acompanhava até a porta. Uma vez ali, jogou uma olhada por cima do ombro.

—Holly, me espere aqui dentro. Volto em seguida.

—Aqui estará bem —lhe assegurou Maggie—. Eu estarei pendente dela.

O olhar do Nolan se posou brevemente nela.

—Obrigado —replicou antes de sair da loja.

Maggie soltou o ar que tinha contido, sentindo-se como se acabasse de descer de uma
montanha russa e suas vísceras precisassem voltar para seu sítio depois de ter sido
deslocadas.

apoiou-se no mostrador enquanto observava à menina atentamente. Holly mostrava uma


expressão tensa, com os olhos brilhantes mas o olhar apagado. Como um par de contas
de cristal mate. Tentou recordar algo mais sobre a época em que seu sobrinho Aidan era
incapaz de falar no colégio. Mutismo seletivo, chamavam-no. Alguns acreditavam que
dito comportamento era deliberado, mas se equivocavam. Aidan melhorou com o
tempo, e ao final conseguiu responder com êxito ao paciente estímulo de sua família e
de sua professora.

—Sabe a quem me recorda? —perguntou-lhe à menina—. À a Sirenita. Viu o filme,


verdade? —voltou-se para rebuscar sob o mostrador até dar com um enorme búzio de
cor rosa que formava parte da nova decoração marinha que logo colocariam na
cristaleira—. Tenho uma coisa para ti. Um presente. —endireitou-se para lhe ensinar o
búzio à menina—. Já sei que é muito corrente, mas tem uma coisa especial. Se lhe puser
isso na orelha, poderá ouvir o mar. —Ofereceu-lhe o búzio, e Holly a aproximou
devagar à orelha—. O ouve?

A menina respondeu encolhendo-se de ombros com gesto desinteressado. Era evidente


que já conhecia o truque de ouvir o mar em um búzio.

—Sabe por que pode ouvi-lo? —perguntou-lhe.

Holly negou com a cabeça, ao parecer interessada.

—Algumas pessoas, cientistas muito sábios, dizem que o búzio captura os sons do
exterior e os faz ressonar em sua cavidade. Entretanto, outra gente —acrescentou ao
tempo que se destacava a si mesmo e lançava um olhar cúmplice ao Holly— acredita
que é por arte de magia.

depois de sopesar um momento a idéia, Holly lhe devolveu o olhar e se levou um dedo
ao peito para lhe mostrar seu acordo.

Maggie sorriu.

—Tenho uma idéia. por que não te leva o búzio a casa e pratica o de guardar sons nela?
Pode lhe cantar ou cantarolar assim... —Começou a cantar movendo só os lábios
enquanto se aproximava o búzio à boca—. Talvez algum dia sua voz volte. Como
aconteceu com a Sirenita.

Holly alargou os braços e agarrou o búzio entre as mãos.

Nesse momento, abriu-se a porta e Mark Nolan entrou de novo na loja. Seu olhar se
cravou imediatamente em sua sobrinha, que estava contemplando com expressão
intensa a abertura do búzio. Ao ver que começava a cantarolar em voz muito baixa e
hesitante, ficou paralisado. Trocou-lhe a cara. E nesse instante de surpresa Maggie
espiono a multidão de emoções que cruzou por seu rosto: preocupação, medo,
esperança.

—O que faz, Holly? —perguntou à ligeira enquanto se aproximava delas com as


sobrancelhas arqueadas.

A menina se deteve e lhe ensinou o búzio.

—É um búzio mágica —disse Maggie—. Hei dito ao Holly que pode levar-lhe a casa.
Nolan compôs uma expressão irritada.

—É um búzio bonito —replicou—. Mas não tem nem pingo de magia.

—Sim que a tem —o contradisse Maggie—. A magia está às vezes nas coisas mais
correntes... só terá que saber procurá-la.

Os lábios do Nolan esboçaram um sorriso irônico.

—Claro —disse com ironia—. Obrigado.

Maggie compreendeu muito tarde que pertencia a esse grupo de gente que não respirava
a imaginação de seus filhos. E era um grupo numeroso. Muitos pais acreditavam que era
melhor que seus filhos crescessem enfrentando-se à realidade em vez de confundi-los
com contos de criaturas fantásticas, animais faladores ou Papai Noel. Em sua opinião,
entretanto, a fantasia permitia que os meninos desenvolvessem sua imaginação e
encontrassem consolo e inspiração. Claro que ela não tinha nem voz nem voto na
educação dos filhos de outros.

Se parapetó depois do mostrador, envergonhada, e se dispôs a registrar as vendas. O


livro das fadas, um quebra-cabeças, um saltador com mangas de madeira e umas alitas
de fada iridescentes.

Holly se afastou do mostrador enquanto cantarolava ao búzio. Nolan seguiu a sua


sobrinha com o olhar antes de olhar ao Maggie.

—Sem ânimo de ofender... —começou com voz irritada.

Justo o começo de uma frase que quase sempre acabava ofendendo.

—... prefiro ser sincero com os meninos, senhorita...

—Senhora —o corrigiu Maggie—. Senhora Conroy. Eu também o prefiro.

—Então por que lhe há dito que é um búzio mágica? Ou que há uma fada que vive nessa
casa pendurada na parede?

Maggie franziu o cenho enquanto arrancava o tique de compra da caixa registradora.

—A imaginação. Os jogos. Não entende muito de meninos, verdade?

Imediatamente, compreendeu que seu comentário tinha dado no prego com muita mais
força da que pretendia. A expressão do Nolan não trocou, mas viu que lhe ruborizavam
as bochechas e a ponte do nariz.

—Faz seis meses que me converti no tutor legal do Holly. Estou aprendendo. Mas uma
de minhas regras é não deixaracreditar em coisas que não são reais.
—Sinto-o —se desculpou com sinceridade—. Não pretendia ofendê-lo. Mas o fato de
que não possa ver algo não significa que não seja real. —Ofereceu-lhe um sorriso
contrito—. Quer o tique ou o deixo na bolsa?

Esses hipnóticos olhos azuis a olharam com uma intensidade que fez que seu cérebro se
desconectasse imediatamente.

—Na bolsa —o ouviu dizer.

Estavam tão perto que captou seu aroma, uma maravilhosa mescla de sabão e mar com
um pingo de café. Viu-o lhe oferecer a mão por cima do mostrador.

—Mark Nolan.

Aceitou sua mão e descobriu que era uma mão forte, cálida e calejada pelo trabalho. Seu
contato lhe provocou uma pontada muito reveladora que começou no abdômen antes de
estender-se por todo seu corpo.

Para seu alívio, a campainha da porta soou, anunciando a chegada de outro cliente.
escapou de sua mão imediatamente.

—Olá —disse, fingindo uma nota de alegria—. Bem-vindo ao Espelho Mágico.

Nolan, Mark Nolan, seguia olhando-a.

—De onde é?

—Do Bellingham.

—por que se mudou ao Friday Harbor?

—Pareceu-me o lugar perfeito para abrir minha loja —respondeu ao tempo que se
encolhia de ombros a fim de lhe dar a entender que não havia muito que explicar.

Entretanto, o gesto não pareceu convencê-lo. Suas perguntas se aconteciam com


rapidez, assim que lhe dava uma resposta.

—Tem família aqui?

—Não.

—Nesse caso, seguro que veio seguindo a um homem.

—Não. por que diz isso?

—Quando uma mulher como você se muda, normalmente o faz por um tio.

Maggie negou com a cabeça.

—Sou viúva.

—Sinto muito.
Esse olhar tão intenso lhe provocou uma emoção candente e hesitante, não de tudo
desagradável.

—Desde quando?

—Há quase dois anos. Não posso... não posso falar disso.

—Um acidente?

—Câncer. —Era tão consciente dele, dessa presença tão vital e tão masculina, que de
repente voltou a ruborizar-se da cabeça aos pés. Fazia muito tempo que não sentia esse
tipo de atração, tão exagerada por sua intensidade, e não sabia muito bem como dirigi-
la—. Tenho uns amigos que vivem no Smugglers Cove, no lado ocidental da ilha...

—Sei onde está.

—Ah! Sim, claro, você cresceu aqui. Bom, o caso é que meu amiga Ellen sabia que
queria começar de zero em algum sitio depois de que meu marido... depois de...

—Ellen Scolari? A mulher do Brad?

Maggie arqueou as sobrancelhas, surpreendida.

—Conhece-os?

—Não há muita gente nesta ilha a quem não conheça —respondeu ele, entrecerrando os
olhos com expressão pensativa—. Não lhe mencionaram —acrescentou, tuteándola—.
Quanto...?

E nesse momento os interrompeu uma vocecilla hesitante.

—Tio Mark...

—Espera um momento, Holl... —deixou a frase no ar e ficou paralisado. Seu gesto foi
quase cômico quando por fim olhou à menina que estava a seu lado—. Holly? —disse
com um fio de voz.

A menina sorriu com acanhamento, ficou nas pontas dos pés e alargou o braço para dar
o búzio ao Maggie. E depois acrescentou em um murmúrio perfectiblemente audível:

—chama-se Trevo.

—A fada? —perguntou Maggie em voz muito baixa, com a pele de galinha pela
emoção. Holly assentiu com a cabeça. Maggie tragou saliva e as arrumou para replicar:

—Obrigado por me dizer isso Holly.

CAPÍTULO 03
A impressão que lhe produziu o sussurro do Holly fez que Mark se esquecesse de tudo:
do lugar onde se encontrava e da mulher que estava atrás do mostrador. Levavam seis
meses tentando que Holly dissesse algo, algo. Já analisaria mais tarde com o Sam o
motivo pelo que tinha acontecido nesse sítio e nesse instante. De momento, tinha que
controlar-se para não curvar ao Holly com sua reação. Mas... Deus!

Não pôde evitar ajoelhar-se no chão para estreitar à menina com força. Holly lhe jogou
seus magros bracitos ao pescoço. escutou-se pronunciar o nome de sua sobrinha com
voz rasgada. Ardiam-lhe os olhos e lhe espantou dar-se conta de que estava a ponto de
perder o controle.

Não obstante, era-lhe impossível deter os tremores provocados pelo alívio de saber que
Holly estava preparada para voltar a falar. Talvez por fim podia permitir-se pensar que a
menina se recuperaria.

Quando notou que sua sobrinha tentava escapar de seus braços, deu-lhe um carinhoso
beijo na bochecha e se obrigou a apartar-se dela. ficou em pé, comprovou o estado de
sua garganta, ainda afetada pela emoção, e compreendeu que havia muitas
possibilidades de que lhe falhasse a voz se tentava dizer algo. Tragou saliva e cravou a
vista na parede onde se encontrava a letra da canção do Pink Floyd. Em realidade, não
leu o texto, limitou-se a concentrar-se nas cores e nas irregularidades do gesso.

Por último, olhou com cautela a quão ruiva seguia depois do mostrador, Maggie, em
cujas mãos estava a bolsa com tudo o que acabava de comprar. precaveu-se de que
entendia perfeitamente a relevância do momento.

Não sabia muito bem o que pensar dela. Devia medir um metro sessenta e tinha o cabelo
tão encaracolado que parecia indomável. Era magra e vestia de forma singela, com uma
camiseta branca de manga curta e uns jeans.

Sua cara, semioculta por culpa dos cachos, era bonita, de rasgos delicados e pele clara,
salvo nas bochechas, que tinha muito tintas. Seus olhos eram escuros, da mesma cor que
o chocolate fundido, e tinha umas pestanas muito largas. Recordava às garotas com as
que se relacionava na universidade. Garotas alegres e interessantes com as que podia
ficar toda a noite falando, mas com as que não saía. Porque preferia sair com as tias
boas, para provocar a inveja de outros. Demorou muito em compreender que talvez se
perdeu algo importante.

—Posso falar contigo em algum momento? —perguntou-lhe, com mais brutalidade da


que pretendia.

—Encontrará-me sempre aqui —respondeu Maggie com voz alegre, tuteándolo


também—. Pode te acontecer quando quiser —acrescentou ao tempo que empurrava o
búzio para o Holly—. por que não lhe leva isso a casa? Só se por acaso volta a
necessitá-la em algum momento.
—Olá, meninos! —exclamou uma voz cantarina e suave atrás deles.

Era Shelby Daniels, uma amiga de Seattle. Uma garota lista e bonita, e uma das
melhores pessoas que Mark tinha conhecido na vida. Shelby era capaz de integrar-se em
qualquer grupo e em qualquer lugar ao que a levassem.

aproximou-se deles enquanto se colocava uma lustrosa mecha de cabelo loiro depois de
uma orelha. Ia vestida com umas calças capri de cor cáqui, uma antiga camisa branca e
umas bailarinas, sem mais complementos que seus pendentes de pérolas.

—Sinto ter chegado tarde. Queria me provar umas cosillas em uma loja que há aqui ao
lado, mas não me convenceram. Holly, vejo que comprastes muitas coisas.

A menina assentiu, em silêncio como de costume.

Mark compreendeu com uma mescla de preocupação e bom humor que sua sobrinha
não diria nem pio diante do Shelby. Deveria lhe contar o que acabava de acontecer?
Não, porque talvez isso seria como pressionar ao Holly. Melhor deixar as coisas tal
como estavam.

Shelby jogou uma olhada a seu redor e comentou:

—Que tiendecita mais Mona! A próxima vez que venha, comprarei algo para meus
sobrinhos. antes de que nos demos conta, estaremos em Natal. —Tomou ao Mark do
braço e lhe sorriu—. Será melhor que vamos já se quero agarrar o avião.

—Claro. —Mark agarrou a bolsa do mostrador e alargou a mão para tirar o búzio ao
Holly—. Quer que a leve?

Sua sobrinha a aferrou com mais força, deixando claro que a levaria ela.

—Vale —disse Mark—, mas tome cuidado de que não te caia. —Voltou a olhar à ruiva
de atrás do mostrador e a viu colocando as canetas que descansavam em uma taça junto
à caixa registradora, depois do qual endireitou uma fila de diminutos peluches. Ambas
as coisas eram desnecessárias. A luz do sol que entrava pelas janelas lhe arrancava
brilhantes brilhos vermelhos a seu cabelo—. Adeus —lhe disse—. E obrigado.

Maggie Conroy se despediu com um gesto da mão, mas não o olhou. Uma reação que
lhe indicou que estava tão desconcertada como ele.

depois de deixar ao Shelby no pequeno aeroporto da ilha, com sua única pista, Mark
retornou a Vinhedos Sotavento com o Holly. Os vinhedos do Sam estavam a uns nove
quilômetros do Friday Harbor, no sudoeste da ilha, no False Bay. Os domingos terei que
conduzir com cuidado, porque a estrada estava infestada de ciclistas e cavaleiros. E
também era freqüente encontrar-se com cervos de cauda negra, tão mansos como cães,
que atravessavam as estradas tranqüilamente detrás atravessar os sarçais e os pastizales.

Mark deixou baixada o guichê de sua caminhonete para que entrasse a brisa do mar.
—Viu isso? —perguntou ao Holly, assinalando uma águia de cabeça branca que
planejava sobre eles.

—Estraga.

—Vê o que leva nas garras?

—Um peixe?

—Possivelmente. Ou o pescou no mar ou o tirou a outro pássaro.

—Aonde o leva? —Holly falava com voz hesitante, como se também lhe surpreendesse
escutar-se.

—A seu ninho, ao melhor. Os machos se fazem cargo das crias, da mesma forma que as
fêmeas.

Holly respondeu assentindo com a cabeça; um gesto prosaico. Conforme lhe tinha
ensinado a vida, o que acabava de lhe dizer seu tio era plausível.

Ao Mark custou a mesma vida não aferrar o volante com todas suas forças. Estava
pletórico de alegria. Fazia tanto tempo que Holly não falava que lhe tinha esquecido
como era sua voz.

O psicólogo da menina lhes tinha recomendado começar com respostas não verbais,
como lhe pedir que assinalasse o que queria comer, até conseguir que dissesse uma
palavra.

Até esse momento, a única vez que Mark tinha obtido que a menina emitisse um som
foi durante um recente trajeto pela estrada do Roche Harbor, durante o qual Holly viu a
Mona, a camella, em seu pastizal. O animal, uma ilhoa muito famosa, tinha sido
adquirido a um negociante de animais exóticos no Mili Creek, fazia coisa de oito ou
nove anos, e após residia na ilha. Mark se dedicou a entreter ao Holly fazendo sons
semelhantes aos de um camelo, um comportamento pelo que se sentiu um pouco parvo,
e seus esforços se viram recompensados quando a menina se animou a participar
brevemente.

—O que te ajudou a encontrar sua voz, carinho? Maggie teve algo que ver? A ruiva da
loja de brinquedos?

—Foi o búzio mágica —respondeu a menina, olhando o búzio que embalava entre as
mãos.

—Mas é que não é... —Mark guardou silêncio.

O importante não era que o búzio fora mágica ou não. O importante era que Holly tinha
captado a idéia e que a tinham proposto no momento preciso para ajudá-la a sair de seu
mutismo. Magia, fadas... tudo formava parte de um vocabulário infantil desconhecido
para ele, de um território se localizado na imaginação que fazia muito que tinha
abandonado. Não podia dizê-lo mesmo do Maggie Conroy.

Nunca tinha visto o Holly conectar dessa forma com uma mulher, nem com as antigas
amigas de Vitória, nem com sua professora, nem sequer com o Shelby, com quem tinha
passado muito tempo. Quem era a tal Maggie Conroy? por que se mudava uma
veinteañera a uma ilha onde a maioria dos residentes ultrapassava a barreira dos
quarenta? Para abrir uma loja de brinquedos, pelo amor de Deus!

Queria voltar a vê-la. Queria saber tudo o que terei que saber sobre ela.

O sol do entardecer dominical era intenso e sua luz dourada fazia brilhar os charcos e os
estreitos canais do False Bay. O hábitat da baía, que compreendia uns oitenta hectares
de praia, parecia do mais normal até que baixava a maré. Nesse momento, a areia se
enchia de gaivotas, garças e águias em busca do banquete marinho que ficava nos
charcos: caranguejos, vermes, camarões e almejas. podia-se caminhar quase um
quilômetro sobre o rico sedimento que ficava ao descoberto com a maré baixa.

Girou ao chegar ao caminho de cascalho privado pelo que se acessava a Vinhedos


Sotavento. Se se contemplava o exterior da casa, ainda parecia desmantelada e em
muito más condições, mas o interior se submeteu a uma reforma estrutural completa. O
primeiro que fez Mark foi arrumar o dormitório do Holly. Pintou as paredes de cor azul
celeste com uma sianinha em branco quebrado. Transladou os móveis de que tinha sido
até então o dormitório da menina, e inclusive voltou a colocar as mariposas no dossel da
cama.

O projeto mais complicado até a data tinha sido o do quarto de banho, empenhado como
estava em que Holly tivesse um decente. Sam e ele tinham deixado os tabiques nus, tão
somente com o armação de madeira, para instalar tuberías novas. Depois tinham
nivelado o chão e tinham colocado sanitários novos. O lavabo contava com uma
encimera de mármore. Uma vez que os tabiques estiveram recubiertos de novo pelas
placas de gesso, deixaram que Holly escolhesse a cor das paredes. Evidentemente,
decantou-se pelo rosa.

—É apropriado para o desenho da casa —disse Mark, recordando assim ao Sam que as
amostras de cor procediam de uma paleta empregada na época vitoriana.

—É... de meninas —protestou Sam—. Cada vez que entro nesse quarto de banho de cor
rosa, saio com vontades de fazer algo muito masculino.

—Seja o que seja, faz-o fora para que não lhe vejamos.

O seguinte projeto foi a cozinha, onde Mark instalou uma placa nova com seis fogos e
um novo frigorífico. viu-se obrigado a arranhar ao menos seis capas de pintura antiga
dos Marcos das janelas e das portas, para o qual utilizou um aparelho de infravermelhos
e uma lixadora que lhe emprestou Alex, que se mostrou muito generoso na hora de lhes
oferecer ferramentas, fornecimentos e conselhos. De fato, começou a passar-se pela casa
ao menos uma vez por semana, possivelmente porque era um perito em reformas e em
construção, e porque saltava à vista que necessitavam sua ajuda. Em suas mãos,
qualquer parte de madeira imprestável se convertia em algo útil e engenhoso.

Durante sua segunda visita, incluiu uma série de compartimentos no armário do Holly
para que a menina colocasse seus sapatos. adorou descobrir que alguns estavam ocultos,
como se fossem um esconderijo secreto. Em outra ocasião, depois de que Sam e Mark
se precavessem de que algumas das vigas do alpendre estavam cedendo e inclusive
decompondo-se pela caruncho, Alex chegou acompanhado por uma equipe de
trabalhadores. passaram-se todo o dia colocando postes novos, substituindo as vigas
antigas e instalando canelone. Mark e Sam não teriam podido fazê-lo sozinhos, de modo
que lhe agradeceram a ajuda. Claro que conhecendo o Alex...

—O que crie que quer? —perguntou- Sam ao Mark.

—Evitar que sua sobrinha acabe esmagada por um desmoronamento?

—Não, dessa forma lhe está atribuindo motivações humanas, e recorda que acordamos
não fazê-lo.

Mark tentou conter um sorriso em vão. Alex era tão frio e tão distante do ponto de vista
emocional que às vezes se expor se teria pulso.

—Ao melhor se sente culpado por não haver-se relacionado mais com o Vicky antes de
que morrera.

—Talvez está utilizando qualquer desculpa para manter-se afastado do Darcy. No


hipotético caso de que não odiasse tanto a idéia do matrimônio, ver o do Alex me teria
feito aborrecê-la.

—É óbvio que um Nolan não deve casar-se com alguém que se pareça conosco —
apostilou Mark.

—Eu acredito que um Nolan não deveria casar-se com uma mulher que esteja disposta a
aceitá-lo tal como é.

Fora qual fosse seu motivo, Alex seguiu ajudando com as reformas. Graças aos esforços
dos três, a casa começou a ter melhor aspecto. Ou ao menos a parecer habitável para
uma família normal.

—Como tenta nos dar a patada depois disto —disse Mark ao Sam—, juro-te que acaba
enterrado no pátio.

Ambos sabiam que era impossível que Sam os jogasse. Porque Sam, para sua surpresa,
adorava à menina do primeiro dia. Ao igual a Mark, daria sua vida por ela se fosse
necessário. Holly merecia o melhor que pudessem lhe dar.

Embora ao princípio Holly se mostrou precavida, não demorou para afeiçoar-se com
seus tios. face aos conselhos bem-intencionados de muitas pessoas que lhes advertiam
que não a malcriassem, nem Sam nem Mark viam amostras de que sua atitude
indulgente lhe estivesse ocasionando dano algum. De fato, lhes teria encantado ver o
Holly fazendo travessuras. Era uma menina tão boa que sempre fazia o que lhe diziam.

Nos dias que não havia colégio, acompanhava ao Mark a sua empresa no Friday Harbor
e observava como os grãos de café arábica de cor amarela clara acabavam com um
brilhante tom marrom depois de sair da gigantesca torrefactora. Às vezes, Mark lhe
comprava um sorvete na sorveteria situada perto do porto e depois foram ver as
embarcações e passeavam entre as fileiras do Yates, lanchas e navios de pesca.

Sam estava acostumado a levar-lhe quando ia inspecionar os vinhedos, ou ao False Bay


em busca de ouriços e estrelas de mar durante a maré baixa. ficava os colares que Holly
fazia no colégio com distintos tipos de massa e colocava seus desenhos nas paredes da
casa.

—Não tinha nem idéia de que isto fora assim —confessou Sam uma noite enquanto
entrava em casa com o Holly em braços, já que se tinha ficado dormida no carro.

Tinham passado a tarde no English Camp, o lugar onde os ingleses se assentaram


durante a ocupação britânica antes de que a ilha passasse à mãos dos norte-americanos.
O parque nacional, com seus mais de dois quilômetros de praia, era o lugar perfeito para
lanchar ao ar livre e jogar com o disco. A fim de que Holly o passasse em grande, tanto
Sam como Mark se dedicaram a fazer acrobacias enquanto se lançavam o brinquedo.
Tinham levado consigo a vara de pescar e a pequena caixa de arranjos da menina, e
Mark lhe tinha ensinado a melhor forma de lançar o anzol para pescar escorpinas na
borda.

—A que te refere? —perguntou-lhe Mark, que abriu a porta dianteira e acendeu as luzes
do alpendre.

—A viver com um menino. —E acrescentou um tanto envergonhado—: A que te queira


um menino.

A presença do Holly em suas vidas tinha suposto uma bênção que nenhum tinha
conhecido até então. Era uma lembrança da inocência. E descobriram que algo trocava
quando se recebia o amor incondicional e a confiança de um menino.

Porque se ansiava merecê-los.

Mark e Holly entraram na casa através da cozinha e deixaram as bolsas da compra e o


búzio nos bancos feitos a medida do antiquado Office. Encontraram ao Sam no salão,
uma estadia dolorosamente nua com as placas de gesso recém colocadas nas paredes e
uma chaminé gretada com um revestimento temporário de tecido metálico. Sam estava
justo ao lado, construindo um molde para verter o concreto sobre o qual iria o novo lar.
—Isto vai ser um quebradero de cabeça —disse enquanto media—. Tenho que ver como
me as concerto, porque quero usar o mesmo conduto para dois lares diferentes. Este
conduto passa justo pelo dormitório da planta de acima. Incrível, verdade? Mark se
agachou e disse ao Holly ao ouvido: —vá perguntar lhe o que há para jantar. A menina
obedeceu, aproximou-se do Sam e depois de pegar os lábios a uma de suas orelhas,
sussurrou-lhe algo e se apartou.

Mark viu que seu irmão ficava petrificado.

—Falas —disse Sam enquanto se voltava devagar para olhar à menina, embora sua voz
rouca traslucía um claro interrogante.

Holly negou com a cabeça. Estava muito séria.

—Sim, falaste. Acaba de me falar com ouvido.

—Não. —E soltou uma risilla ao ver a expressão do Sam.

—Tem-no feito outra vez, Deus! Dava meu nome. Diga-o.

—Tio Herbert.

Sam soltou uma trêmula gargalhada e a abraçou para estreitá-la contra seu peito.

—Herbert? Pois agora jantaremos picos de frango e patas de lagarto. —Sem soltar ao
Holly, olhou ao Mark enquanto meneava a cabeça, assombrado. Estava ruborizado e
tinha um brilho suspeito nos olhos—. Como? —foi o único que conseguiu perguntar.

—Logo lhe o conto —respondeu Mark com um sorriso.

—Bom, me diga o que aconteceu —insistiu Sam enquanto removia o molho de tomate
que acompanharia aos espaguetes. Holly estava ocupada na estadia contigüa, entretida
com seus novo quebra-cabeças—. Como o tem feito?

Mark abriu uma cerveja.

—Eu não fui —respondeu depois de lhe dar um gole, desfrutando de do frescor—.
Estávamos na loja de brinquedos do Spring Street, essa nova, falando com a
proprietária, uma ruiva muito Mona. Nunca a tinha visto, por certo...

—Conheço-a. Maggie não sei o que. Conner, Carter...

—Conroy. Conhece-a?

—Não pessoalmente. Mas Scolari tentou que fique com ela.

—Não me há dito nem pio —replicou Mark, ofendido imediatamente.

—Você está saindo com o Shelby.

—Shelby e eu não temos uma relação exclusiva.


—Scolari acredita que Maggie é meu tipo. Temos quase a mesma idade. Há dito que é
Mona? Me alegro. Acredito que irei jogar lhe uma olhada antes de me comprometer a
algo mais.

—Eu só sou dois anos maior que você —lhe recordou Mark, indignado.

Sam soltou a colher e agarrou uma taça de vinho.

—Convidaste-a a sair?

—Não. Estava com o Shelby nesse momento e, além disso...

—Reclamo meus direitos.

—Não tem direitos sobre ela —disse Mark com voz cortante.

Sam arqueou as sobrancelhas.

—Você já tem noiva. E os direitos lhe pertencem ao que leve mais tempo de seca.

Mark se encolheu de ombros com certa irritação.

—Bom, me diga o que fez Maggie —insistiu Sam—. Como conseguiu que Holly
falasse?

Mark lhe descreveu a cena que teve lugar na loja de brinquedos, o detalhe do búzio
mágica e como fez o milagre a idéia de que fingisse guardar sua voz nela.

—Alucinante —replicou Sam—. Na vida me teria ocorrido algo assim.

—Foi mas bem questão do momento. Holly estava lista para falar e Maggie lhe ofereceu
uma forma de fazê-lo.

—Sim, mas... é possível que Holly o tivesse feito faz semanas se nos tivesse ocorrido
algo assim a ti ou a mim?

—Quem sabe? Aonde quer chegar?

—Alguma vez te paraste a pensar como vão ser as coisas quando crescer? —perguntou-
lhe seu irmão a sua vez em voz baixa—. Quando necessitar a alguém com quem falar de
coisas de garotas? Como nos vamos arrumar isso?

—Sam, só tem seis anos. Já nos preocuparemos por isso quando chegar o momento.

—Preocupa-me que esse momento chegue antes do que pensamos. É que... —Sam
deixou a frase no ar e se esfregou a frente como se queria aliviar uma iminente dor de
cabeça—. Tenho que te ensinar uma coisa quando Holly esteja deitada.

—O que? Devo me preocupar?

—Não sei.
—Joder, diga-me isso agora!

—Vale —sussurrou seu irmão—. Estava olhando a pasta do Holly onde guarda as
tarefas do colégio para ver se tinha acabado de colorir um desenho e encontrei isto. —
aproximou-se da encimera e agarrou uma folha de papel—. A professora lhes pôs
deveres de Língua esta semana. Têm que lhe escrever uma carta a Papai Noel. E esta é a
que tem escrito Holly.

Mark o olhou sem compreender.

—Uma carta a Papai Noel? Se estivermos em meados de setembro!

—Já começaram a pôr anúncios natalinos. E ontem quando fui à loja de ferragens ouvi o
Chuck dizer que começariam a tirar as árvores de Natal a final de mês.

—Antes do Dia de Ação de Obrigado? antes do Halloween!?

—Sim. Suponho que forma parte de um diabólico plano mundial para fomentar o
consumo. Não tente lutar contra ele. —Sam lhe deu a folha de papel—. lhe Jogue uma
olhada.

Querido Papai Noel:

Este ano só quero uma coisa

Uma mamãe

Por favor não se esqueça de que agora vivo no Friday Harbor, obrigado te quer

HOLLY

Mark guardou silêncio durante um bom momento.

—Uma mamãe —disse Sam.

—Sim, já vejo. —Com os olhos cravados na carta, Mark murmurou—: Miúdo meia
três-quartos vai necessitar.

depois de jantar, Mark se sentou no alpendre dianteiro com uma cerveja. A cadeira de
balanço de madeira parecia pó, mas era muito cômoda. Sam era o encarregado de
agasalhar ao Holly e de lhe ler uma das histórias do livro de contos que tinham
comprado essa tarde.
Os atardeceres ainda eram compridos nessa época do ano e pintavam o horizonte da
baía com tons rosados e laranjas. Com a vista cravada nos reluzentes baixios que se
espionavam entre os troncos dos madroños do Pacífico, tentou averiguar o que ia fazer
com o Holly.

Uma mamãe.

Era normal que quisesse uma mãe. Por muito que Sam e ele o tentassem, havia certas
coisas que não podiam fazer por ela. E embora o número de pais que criavam a sós a
seus filhos era numeroso, ninguém podia negar que existiam milhares de coisas para as
que uma menina necessitava uma mãe.

Seguindo o conselho do psicólogo, tinham emoldurado umas quantas fotos de Vitória.


Tanto Sam como ele se asseguravam de lhe falar dela, de lhe oferecer um vínculo com
sua mãe. Mas podiam fazer muito mais e era muito consciente disso. Não havia razão
alguma pela que Holly tivesse que viver sua infância sem uma figura materna. Shelby
quase raiava na perfeição. Além disso, tinha-lhe deixado muito claro que estava disposta
a ser paciente face à ambigüidade de sentimentos que lhe provocava o matrimônio.

«Nosso matrimônio não será como o de seus pais —lhe tinha famoso Shelby com
ternura—. Será distinto porque será só nosso.»

Mark entendia o que queria lhe dizer, inclusive estava de acordo com ela. Sabia que ele
não era como seu pai, a quem não lhe importou cruzara cara a seus filhos. O lar no que
cresceram foi tempestuoso, infestado de brigas, discussões e melodrama. A versão
matrimonial dos Nolan, com suas brigas a grito descascado e suas incríveis
reconciliações, tinha-lhes ensinado a cara mais amarga da vida em casal, mas nenhuma
de suas alegrias.

Mark entendia que, embora o matrimônio de seus pais tinha sido um completo desastre,
não sempre tinha por que ser assim, e tinha tentado ter uma opinião neutra sobre o tema.
Sempre tinha pensado que quando encontrasse à mulher adequada, se acaso o fazia,
haveria algum tipo de reconhecimento imediato, uma espécie de certeza avalizada por
seu coração que limparia todas as dúvidas. De momento, nada que lhe parecesse lhe
tinha acontecido com o Shelby.

E se não lhe passava com ninguém? Tentou pensar no matrimônio como um acordo
prático com alguém a quem apreciasse. Talvez essa fora a melhor forma de visualizá-lo,
sobre tudo se terei que ter muito pressente os interesses de uma menina. Shelby possuía
a personalidade adequada (era tranqüila, agradável e carinhosa) para converter-se em
uma mãe estupenda.

Ele não acreditava no amor romântico nem nas almas as gema. Era o primeiro em
admitir que tinha uma mentalidade muito pragmática e que suas idéias estavam bem
assentadas na crua realidade. Gostava de ser assim. Era injusto para o Shelby que lhe
propor um matrimônio apoiado em considerações práticas? Talvez não, sempre e
quando seus sentimentos fossem sinceros. Ou mas bem sua falta de sentimentos.
Retornou ao interior quando apurou a cerveja. Uma vez que atirou a lata ao cubo do lixo
para reciclar, encaminhou-se ao dormitório do Holly. Sam já a tinha deitado e tinha
deixado a lamparita acesa.

Sua sobrinha tinha os olhos quase fechados e estava bocejando. A seu lado, dormia um
osito de peluche, cujos brilhantes olhos o olhavam espectadores.

Mark contemplou ao Holly e nesse instante experimentou um desses momentos nos que
se toma consciência da grande mudança que acaba de sofrer a vida em pouco tempo, de
modo que a vida anterior fica já muito atrás. inclinou-se para beijá-la na frente como
fazia todas as noites. Os magros bracitos da menina o abraçaram pelo pescoço enquanto
a escutava murmurar com voz sonolenta:

—Quero-te. Quero-te. —deu-se meia volta, abraçou a seu osito e ficou dormida.

Mark seguiu onde estava, piscando enquanto tentava assimilar o tremendo impacto que
acabava de receber. Por fim sabia o que era que lhe rompessem o coração. E não de
forma triste, nem em um sentido romântico. Até esse instante nunca tinha experiente o
desejo de cobrir de felicidade a outro ser humano.

Encontraria uma mãe para o Holly. A mãe perfeita. Criaria um círculo de pessoas que a
rodeasse.

O normal era que um menino fora o fruto de uma família. Em seu caso, entretanto, a
família seria o fruto do menino.

CAPÍTULO 04

As quatro ilhas principais do arquipélago, San Juan, Areja, López e Shaw, eram
acessíveis através da linha de ferry estatal de Washington. podia-se estacionar o carro
no ferry, subir a uma das cobertas superiores e sentar-se com os pés em alto a hora e
meia que se demorava para percorrer a distância entre a ilha de San Juan e Anacortes,
no continente. A água estava em calma e as vistas eram espetaculares tanto no verão
como em outono.

Maggie conduziu o carro até o terminal do ferry no Friday Harbor depois de deixar a
seu cão na residência canina local. Embora poderia ter tomado o vôo de meia hora que a
deixaria diretamente no Bellingham, preferia ir por mar a ir por ar. Gostava de
contemplar as casas que se levantavam junto ao mar e as linhas costeiras das ilhas, e
desfrutar dos avistamientos ocasionais dos golfinhos ou dos leões marinhos. Em
ocasiões, podia-se ver os vorazes cormoranes nos escolhos das ondas, negros como a
pimenta recém saída de um máquina de moer.
Dado que uma de suas irmãs a recolheria no terminal do Anacortes e que não
necessitaria o carro durante os dias que ia passar com sua família, Maggie embarcou a
pé no ferry. A embarcação era um ferry elétrico de aço com capacidade para quase mil
passageiros e oitenta e cinco veículos, e uma velocidade de trinta nós.

Com a mochila nas costas, dirigiu-se à zona fechada da coberta principal de passageiros.
Percorreu um dos largos bancos que flanqueavam as janelas. O ferry da sexta-feira pela
manhã estava repleto de passageiros que ou foram a Seattle por motivos trabalhistas, ou
o faziam para desfrutar de do fim de semana. Encontrou um par de bancos que se
olhavam entre si. A gente estava ocupado por um homem vestido com calças chineses e
um pólo azul marinho. O homem estava absorto lendo um periódico e tinha várias
seções descartadas a seu lado.

—Perdoe, está livre...? —perguntou-lhe, mas ficou sem voz quando o homem levantou
a cabeça para olhá-la.

O primeiro que viu foram seus olhos azuis. Sofreu uma espécie de descarga, como se
seu coração estivesse conectado a uns cabos.

Era Mark Nolan... barbeado, bem vestido, muito sexy e gotejando virilidade por todo
seu corpo. Sem apartar o olhar dela, deixou o periódico a um lado e ficou em pé, um
gesto muito antiquado que a desconcertou ainda mais.

—Maggie... Vai a Seattle?

—Ao Bellingham. —teria se dado de tortas por ter falado como se lhe faltasse o ar—. A
visitar minha família.

Mark assinalou o banco que tinha em frente.

—Sente-se.

—Eu... —Maggie meneou a cabeça e jogou uma olhada a seu redor—. Não quero te
incomodar. —Não passa nada.

—Obrigado, mas... não quero fazer o do avião contigo.

Mark arqueou as sobrancelhas.

—O do avião?

—Sim, é que quando me sinto junto a um desconhecido em um avião, às vezes acabo


lhe contando um montão de coisas... que jamais admitiria nem diante de meu melhor
amiga. Mas nunca me arrependo, porque sei que não vou encontrar me outra vez com
essa pessoa.

—Não estamos em um avião.

—Mas sim em um meio de transporte.


Mark Nolan ficou olhando-a com um desconcertante brilho zombador nos olhos.

—O trajeto em ferry não é tão largo. Quanto poderia me contar?

—Toda minha vida.

Ao Mark custou esboçar um sorriso, como se não pudesse as esbanjar.

—te arrisque. Sente-se comigo, Maggie.

Era mais uma ordem que um convite. Mas tirou o chapéu obedecendo-a. Deixou sua
mochila no chão e se sentou no assento oposto. Enquanto endireitava as costas,
precaveu-se de que Mark a repassava com o olhar de forma eficiente. Levava uns jeans
ajustados, uma camiseta branca e uma americana curta negra.

—Está distinta —disse ele.

—É pelo cabelo. —passou-se os dedos com acanhamento pelas mechas largas e lisas—.
Me aliso isso cada vez que vou ver minha família. Se não o fizer, meus irmãos
começam a meter-se comigo e a me atirar do cabelo... Sou a única da família que o tem
encaracolado. Reza para que não chova. Assim que se molha... —Gesticulou, imitando
uma explosão.

—Eu gosto das duas maneiras.

A adulação foi dito com tal sinceridade que ao Maggie resultou mais enternecedor que
outra coisa.

—Obrigado. Que tal Holly?

—Segue falando. cada vez mais. —Fez uma pausa—. Não tive oportunidade de te dar
as obrigado o outro dia. O que fez pelo Holly...

—Ora, foi uma tolice... Refiro-me a que em realidade não fiz nada.

—Para nós foi muito. —Olhou-a aos olhos—. O que vais fazer com sua família este fim
de semana?

—É uma simples reunião familiar. Cozinharemos, comeremos, beberemos... meus pais


têm uma casa enorme no Edgemoor e um milhão de netos. Somos oito irmãos.

—É a pequena —disse ele.

—A segunda pela cauda. —Soltou uma gargalhada desconcertada—. Quase acerta.


Como o adivinhaste?

—É extrovertida. Sorri muito.

—E você o que é? O major? O médio?

—O major.
Maggie o estudou abertamente.

—O que quer dizer que você gosta de impor as regras, que é de confiar... mas que de
vez em quando também pode pecar de sabichão.

—Tenho razão quase sempre —replicou ele com modéstia.

Maggie conteve uma gargalhada.

—por que montou uma loja de brinquedos na ilha? —quis saber Mark.

—pode-se dizer que foi algo natural. Antes decorava móveis infantis. Assim conheci
meu marido. Tinha uma fábrica de móveis rústicos onde estava acostumado a comprar
coisas, jogos de mesas e cadeiras, cabeceros para as camas e essas coisas, mas depois de
que nos casássemos, deixei de pintar durante um tempo, por culpa de... já sabe, o câncer
que padecia. E quando voltei a trabalhar, gostou de provar algo distinto. Um pouco
divertido. —Ao ver que Mark estava a ponto de lhe fazer uma pergunta, certamente
sobre o Eddie, o impediu com uma pergunta de sua própria colheita—: A que te dedica?

—Tenho uma torrefactora de café.

—É um negócio familiar O...?

—Tenho duas sócios e a fábrica está no Friday Harbor. Contamos com uma torrefactora
industrial capaz de produzir quarenta e cinco quilogramas por hora. desenvolvemos seis
tipos de café que comercializamos com nossa própria marca, mas também produzimos
para várias cadeias de supermercados, tanto na ilha como em Seattle ou Lynnwood... De
fato, também servimos a um restaurante do Bellingham.

—De verdade? Como se chama?

—É um vegetariano, Variedade do Pomar.

—eu adoro esse sítio! Mas nunca provei o café.

—por que não?

—Deixei de tomá-lo faz anos, depois de ler um artigo que assegurava que não era bom
para a saúde.

—Mas se for virtualmente um tônico medicinal! —protestou Mark, indignado—. Está


cheio de antioxidantes e fitoquímicos. Reduz o risco de padecer certos tipos de câncer.
Sabia que a palavra «café» tem sua origem em uma frase árabe que poderia traduzir-se
como 'veio do grão'?

—Pois não sabia —respondeu Maggie com um sorriso—. Toma muito a sério seu café,
verdade?

—Todas as manhãs acendo a cafeteira como um soldado que se reencontrasse com seu
amor perdido depois de uma guerra —respondeu.
Maggie sorriu de novo ao pensar em quão maravilhosa era sua voz, grave mas muito
clara.

—Quando começou a beber café?

—No instituto. Enquanto estudava para um exame. Provei minha primeira taça de café
porque acreditava que me ajudaria a me manter acordado.

—O que você gosta mais? O sabor? A cafeína?

—Eu gosto de começar o dia com as notícias e com um Blue Mountain da Jamaica. Eu
gosto de tomar uma taça pela tarde enquanto destrambelho contra os Mariner ou os
Seahawk. Eu gosto de saber que com uma taça de café posso desfrutar dos sabores de
lugares aos que nunca irei. As saias do Kilimanjaro na Tanzania, as ilhas do Indonésia,
Colômbia, Etiópia, Brasil, Camerún... Eu gosto que um caminhoneiro possa desfrutar de
uma taça de café tão boa como a de um milionário. Mas sobre tudo eu gosto do ritual.
Reúne aos amigos, é o expediente perfeito de qualquer jantar... e de vez em quando te
ajuda a convencer a uma mulher bonita de que suba a sua casa.

—Isso não tem nada que ver com o café. Convenceria a qualquer mulher com um copo
de água do grifo. —Um segundo depois, e com os olhos como pratos, tampou-se a boca
com uma mão—. Não sei por que hei dito isso —disse através dos dedos, envergonhada
e alucinada.

Seus olhos se encontraram durante um eletrizante momento. E depois Mark esboçou um


sorriso e ao Maggie deu um tombo o coração.

Mark meneou a cabeça para lhe dizer que não o tinha levado a mal.

—Já me advertiu isso. —Assinalou as paredes do ferry—. Os meios de transporte fazem


que perca as inibições.

—Sim. —Hipnotizada por esses quentes olhos azuis, tentou recuperar o fio da
conversação—. Do que estávamos falando? Ah, sim, do café. Nunca provei um café que
saiba tão bem como o aroma dos grãos.

—Algum dia te prepararei o melhor café que tenha provado na vida. Perseguirá-me taça
em mão me rogando que te dê mais água quente filtrada através de café robusta moído.

Enquanto se punha-se a rir, Maggie se precaveu de que algo tinha cobrado vida entre
eles. Era atração, deu-se conta de repente. Até esse momento estava convencida de que
tinha perdido a capacidade de perceber o atrativo físico de outra pessoa.

O ferry se estava movendo. Nem sequer se tinha dado conta de que a sereia tinha
divulgado. O potente motor fazia vibrar a estrutura da embarcação, de modo que um
leve rumor percorria o chão e os assentos, de forma tão constante como os batimentos
do coração de um coração.
Maggie supôs que deveria apreciar as vistas enquanto cruzavam o estreito, mas tinham
perdido sua capacidade para seduzi-la. Voltou a olhar ao homem que estava sentado
frente a ela, seu corpo depravado, com as pernas separadas e um braço apoiado no
respaldo do banco.

—Como vais passar o fim de semana? —perguntou-lhe.

—vou ver uma amiga.

—A mulher que te acompanhava na loja?

A expressão do Mark se tornou cautelosa.

—Sim. Shelby.

—Pareceu-me agradável.

—É-o.

Maggie sabia que deveria deixá-lo tal qual. Mas a curiosidade que Mark lhe provocava
começava a transpassar todos os limites. Enquanto tentava recordar ao Shelby, uma
loira elegante e bonita, recordou que em seu momento acreditou que faziam bom casal.
Como as que se viam nos anúncios de jóias.

—A coisa vai a sério?

Mark meditou a resposta.

—Não sei.

—Quanto levam saindo?

—Uns meses. —Fez uma pausa reflexiva antes de acrescentar—: Desde janeiro.

—Pois já deveria saber se a coisa vai a sério.

Mark parecia dividido entre o chateio e a ironia.

—A alguns custa descobri-lo mais que a outros.

—O que terá que descobrir?

—Se for capaz de superar o medo à eternidade.

—Acredito que deveria te dizer qual é meu lema. É uma frase do Emily Dickinson.

—Eu não tenho lema —replicou ele com ar pensativo.

—Todo mundo deveria ter um. Pode usar o meu se você gostar.

—Qual é?
—«Sempre está composto de ahoras.» —Guardou silêncio e seu sorriso adquiriu um
matiz muito triste—. Não deveria preocupar-se pela eternidade... o tempo se acaba antes
de que te dê conta.

—Sim. —Em seu tom aprazível havia uma nota desesperada—. O descobri quando
perdi a minha irmã.

Maggie o olhou com expressão compassiva.

—Estavam muito unidos?

produziu-se uma pausa larguísima.

—Os Nolan nunca têm sido o que se diz uma família unida. É como um prato assado.
Pode agarrar um montão de ingredientes que estão muito bons cada um por seu lado,
mas que se os juntas e os mete no forno, sai um xarope asqueroso.

—Não todos os pratos assados estão maus —replicou ela.

—me diga um.

—O timbal de macarrão com queijo.

—Isso não é um prato assado.

—E o que é?

—É massa.

Maggie se pôs-se a rir.

—Bom intento, mas se faz no forno.

—Se você o disser... Mas então é o único que eu gosto. Outros sabem como se tivesse
esvaziado a despensa no forno.

—Eu faço a receita de minha avó para o timbal de macarrão com queijo. Com quatro
variedades distintas de queijo. E picatostes por cima.

—vais ter que me preparar isso algum dia.

Claro que isso nunca aconteceria. Mas a idéia de que pudesse acontecer fez que o rubor
lhe estendesse do pescoço até a raiz do cabelo.

—Ao Shelby não gostaria.

—Não. Shelby não come carboidratos.

—Referia-me a que eu cozinhe para ti.

Mark guardou silêncio e se limitou a olhar pela janela com expressão distraída. Estaria
pensando no Shelby? Estaria emocionado porque logo ia ver a?
—Com o que os acompanharia? —perguntou-lhe Mark ao cabo de um momento.

O sorriso do Maggie se converteu em outra gargalhada.

—Serviria-o como prato principal acompanhado de aspargos à prancha e talvez de uma


salada de rúcula e tomate. —Tinha a sensação de que tinha passado uma eternidade da
última vez que cozinhou algo mais elaborado que as comidas singelas que se preparava
para ela, já que cozinhar para uma só pessoa não merecia a pena—. eu adoro cozinhar.

—Já temos algo em comum.

—Também você adora cozinhar?

—Não, eu adoro comer.

—Quem cozinha em sua casa?

—Meu irmão Sam e eu nos alternamos. Aos dois nos dá fatal.

—Tenho que lhe perguntar isso como é que lhes decidiram a criar juntos ao Holly?

—Sabia que eu não poderia fazê-lo sozinho. Mas não havia ninguém mais disposto e era
incapaz de deixar ao Holly em um lar de acolhida. Assim cravei a consciência do Sam
até que acessou a me ajudar.

—Arrepende-te?

Mark negou com a cabeça sem pensar-lhe sequer.

—Perder a minha irmã foi o pior que me passou, mas ter ao Holly em minha vida é o
melhor. Sam te diria o mesmo.

—foi como esperava que fora?

—Não sabia o que esperar. Aprendemos a viver dia a dia. Há momentos geniais... como
a primeira vez que Holly pescou um peixe no lago Egg ou a manhã em que Sam e ela
decidiram construir uma torre de plátanos e malvaviscos para tomar o café da manhã...
Deveria ter visto a cozinha. Mas há outros momentos, como quando saímos e vemos
uma família... —Titubeou—. Nesses momentos o vejo na cara do Holly, vejo que se
pergunta como seria ter uma família.

—São uma família —lhe recordou ela.

—Dois tios e uma menina?

—Sim, isso é uma família.

Enquanto seguiam falando adquiriram de alguma forma o ritmo agradável e cômodo de


uma conversação entre dois bons amigos, cada qual deixando correr o assunto quando
acreditava conveniente.
Maggie lhe falou do que se sentia ao crescer em uma família numerosa, das
intermináveis competições pela água quente, por receber atenção, por desfrutar de
intimidade. Mas face às brigas e à rivalidade, tinham gozado de carinho e felicidade, e
se tinham cuidado os uns aos outros. Quando Maggie estava em quarto curso, já sabia
preparar o jantar para dez pessoas. Só tinha usado roupa herdada de seus irmãos e não
lhe tinha importado no mais mínimo. O único que lhe tinha incomodado era que as
coisas se perdessem ou se rompessem.

—Chega a um ponto no que não pode deixar que te afete —disse—. Assim desde que
era muito pequena adotei uma mentalidade muito budista a respeito de meus brinquedos
e não tomei muito carinho. Me dá bem isso de me desprender das coisas.

Embora não se podia dizer que Mark falasse pelos cotovelos de sua família, sim deixou
cair uns quantos comentários muito significativos. Conforme entendeu, seus pais tinham
estado absortos em sua guerra matrimonial enquanto que seus filhos recebiam os danos
colaterais. Férias, aniversário, reuniões familiares eram os cenários perfeitos para as
discussões rotineiras.

—Deixamos de celebrar o Natal quando eu tinha quatorze anos —lhe disse Mark.

Maggie pôs os olhos como pratos.

—por que?

—Tudo começou por um bracelete que minha mãe viu na cristaleira de uma loja
enquanto estava às compras com Vitória. Entraram, minha mãe a provou e disse ao
Vicky que tinha que ser dela. Assim voltaram para casa entusiasmadas e a partir desse
momento só falava para dizer o muito que gostaria que lhe dessem de presente esse
bracelete por Natal. Deu-lhe todos os dados a meu pai e se passava o dia lhe
perguntando se a tinha comprado, insistindo para que fora a por ela porque era uma
ganga. E chegou o dia de Natal e não havia nem rastro do bracelete.

—O que lhe deu de presente? —perguntou Maggie, fascinada e pasmada.

—Não me lembro. Um liquidificador ou algo assim. O assunto é que minha mãe se


encheu o saco tanto que se negou a que voltássemos a celebrar o Natal em família.

—Não a celebraram mais?

—Estraga. Acredito que levava um tempo procurando uma desculpa e isso lhe deu pé. E
supôs um alívio para todos. A partir desse momento cada um celebrava o Natal por seu
lado, passávamo-la em casas de amigos, íamos ao cinema ou fazíamos qualquer outra
coisa. —Ao ver a expressão do Maggie, sentiu-se obrigado a acrescentar—: Era
estupendo. Os Natais nunca significaram para nós o que deviam significar. Mas o mais
estranho de tudo é que Vitória se sentia tão mal por todo o assunto que nos deu a tabarra
ao Sam, ao Alex e a mim até que reunimos o dinheiro entre todos e lhe compramos o
bracelete a minha mãe por seu aniversário. Tivemos que trabalhar e economizar para
comprar a e Vitória a envolveu em um papel muito elegante com um laço. E quando
minha mãe o abriu, todos esperávamos que se levasse as mãos à cabeça ou que ficasse a
chorar da alegria, algo pelo estilo. Mas em vez disso... foi como se não se lembrasse do
bracelete. Disse: «Que bonita!» e «Obrigado», e se acabou. Nem sequer recordo haver-
lhe visto posta.

—Porque, em realidade, não se tratava do bracelete.

—Sim. —Olhou-a com expressão alucinada—. Como o adivinhaste?

—Quando os casais discutem, sempre há uma razão oculta que não tem nada que ver
com o que tenha acontecido no momento concreto da discussão.

—Pois quando eu discuto com alguém, sempre é por algo que aconteceu nesse
momento. Sou assim de superficial.

—Sobre o que discutem Shelby e você?

—Não discutimos.

—Alguma vez discutem? Por nada?

—É mau?

—Não, não, claro que não.

—Crie que é mau.

—Bom... depende do motivo. Não há discussões porque dá a casualidade de que estão


de acordo absolutamente em tudo? Ou é porque nenhum dos dois está realmente
derrubado na relação?

Mark meditou suas palavras.

—vou discutir com ela assim que chegue a Seattle e assim saberei.

—Não o faça, por favor —lhe suplicou com um sorriso.

Embora parecia que logo que levavam falando dez ou quinze minutos, Maggie acabou
por dar-se conta de que outros passageiros estavam recolhendo seus pertences e
preparando-se para desembarcar no Anacortes. O ferry estava cruzando o estreito de
Rosário. O lúgubre uivo da sereia fez que se precavesse com irritação de que tinha
transcorrido uma hora e meia com uma velocidade vertiginosa. Teve a sensação de estar
saindo de uma espécie de transe. E se disse que esse trajeto em ferry tinha sido o mais
divertido que tinha feito em meses. Talvez em anos.

Mark ficou em pé e a olhou com um irresistível sorriso torcido.

—Uma coisa... —Sua voz rouca provocou ao Maggie um agradável calafrio no


pescoço—. vais voltar no ferry do domingo pela tarde?
Imitou-o e ficou em pé, muito consciente de sua presença e desejando empapar-se de
todos os detalhes de sua pessoa: a calidez que irradiava sua pele por debaixo do pólo de
algodão; o ponto onde essas mechas escuras, reluzentes como o cetim, frisavam-se
ligeiramente ao roçar a pele bronzeada de seu pescoço...

—É possível —lhe respondeu.

—Voltará no das três menos quarto ou no das quatro e meia?

—Ainda não sei.

Mark assentiu e deixou de insistir.

Quando partiu, Maggie foi consciente de uma espécie de alegria muito inquietante tinta
por certo desejo. recordou-se que Mark Nolan estava proibido. E que ela também o
estava. Não só desconfiava da intensa atração que sentia por ele, mas também além não
estava preparada para o tipo de risco que ele representava.

Nunca estaria preparada.

Alguns riscos só se podiam correr uma vez na vida.

CAPÍTULO 05

Posto que tinham crescido na vizinhança do Edgemoor, no Bellingham, Maggie e seus


irmãos tinham explorado todos os caminhos do monte Chuckanut e tinham jogado nas
praias da baía do Bellingham. A zona, um lugar muito tranqüilo, oferecia vistas das
ilhas San Juan e das montanhas canadenses. Além disso, estava muito perto do
Fairhaven, com suas lojas exclusivas e suas galerias de arte, com esses restaurantes
onde os garçons explicavam aos comensais as delícias das peças de caça ou pesca mais
frescas e sua procedência.

Bellingham tinha fama de ser uma cidade de poucas emoções e se orgulhava disso. Era
um lugar tranqüilo e acolhedor. O tipo de cidade onde a gente podia ser todo o
excêntrica que gostasse de sem temor a que lhe dessem as costas. Os carros estavam
talheres de adesivos de tudas as cores. Nos jardins, brotavam os pôsteres políticos de
diversas ideologias qual bulbos primaveris florescidos. toleravam-se todas as ideologias
sempre e quando não se expuseram de modo agressivo.

depois de que Jill, uma de suas irmãs, recolhesse-a no Anacortes, foram almoçar ao
Fairhaven District, o bairro histórico. Posto que Maggie e Jill eram as mais pequenas da
família e só se levavam um ano e meio de idade, sempre tinham estado muito unidas.
No colégio, só as separava um curso, foram aos mesmos acampamentos do verão e se
apaixonaram pelos mesmos ídolos na adolescência. Jill foi a dama de honra nas bodas
do Maggie, e lhe tinha pedido a esta que o fora na sua, que se celebraria breve. ia casar
se com um bombeiro da localidade chamado Danny Stroud.

—Me alegro de poder desfrutar de um ratito a sós —disse Jill enquanto se tomavam
umas tampas no Flats, um restaurante espanhol com imensos ventanales de incríveis
vista e um pátio pequenino adornado com muitas flores . Assim que cheguemos a casa
de papai e mamãe, todos lhe rodearão e já não poderei falar contigo. Mas amanhã de
noite terá que me dedicar um pouco de tempo porque vou apresentar te a alguém.

Maggie deixou a meio caminho o copo de sangria que ia levar se aos lábios.

—A quem? —perguntou com receio—. por que?

—É um amigo do Danny —respondeu Jill à ligeira—. Um tio muito bonito, muito doce
Y...

—ficaste com ele a minhas costas?

—Não, antes lhe queria mencionar isso mas...

—Me alegro. Porque não quero conhecê-lo.

—por que? Está saindo com alguém?

—Jill, te esqueceu por que vim ao Bellingham este fim de semana? É o segundo
aniversário da morte do Eddie. O último que gosta de é conhecer um tio.

—pensei que seria o momento perfeito. passaram dois anos. Estou segura de que não
saíste com ninguém desde que Eddie morreu, verdade?

—Ainda não estou preparada.

A garçonete interrompeu a conversação quando lhes levou um sanduíche bayona,


consistente em uma salsicha assada, pimientos e queijo, todo isso entre duas fatias de
rangente pão rústico. Sempre o serviam talhado em três partes, e o do centro era o mais
apetitoso porque nele o queijo estava mais derretido.

—Como saberá que está preparada? —perguntou-lhe Jill depois de que a garçonete
partisse—. Tem um temporizador que te avise ou algo?

Maggie a olhou com uma mescla de carinho e exasperação enquanto agarrava o


sanduíche.

—Conheço um montão de tios bonitos e solteiros na cidade —seguiu sua irmã—.


Poderia te consertar uma entrevista sem problemas. Mas insiste em te esconder no
Friday Harbor. Ao menos, poderia ter aberto um bar ou uma loja de artigos esportivos
onde pudesse conhecer homens. Crie que vais conseguir o em uma loja de brinquedos?

—Adoro minha loja. Adoro Friday Harbor.


—Mas é feliz?

—Sou-o —respondeu Maggie com gesto reflexivo depois de provar o delicioso


sanduíche—. De verdade que estou bem.

—Me alegro, porque chegou o momento de que siga com sua vida. Só tem vinte e oito
anos e deveria te abrir à possibilidade de conhecer alguém.

—Não quero lombriga obrigada a ter que repetir o processo outra vez. As possibilidades
de encontrar o amor verdadeiro são de uma entre um bilhão. Já o encontrei uma vez,
assim é impossível que volte a acontecer.

—Sabe o que necessita? Um noivo provisório.

—Provisório?

—Sim, como um carteira de conduzir provisório que te permita melhorar suas


habilidades ao volante antes de conseguir o definitivo. Não pense em encontrar a um tio
com o que possa manter uma relação séria. te limite a escolher a alguém divertido com
quem pode voltar para circular.

—Suponho que isso equivaleria a ser um condutor menor de dezoito anos —replicou
Maggie, seguindo a brincadeira—. Necessito que me acompanhe um adulto ou posso
conduzir sozinha?

—Certamente que pode, sempre e quando o fizer com precaução.

Depois do almoço, realizaram uma parada no Rocket Donuts por insistência do Maggie.
Pediu uma seleção variada que incluía alguns pão-doces alargados talheres com açúcar
glasé caramelizado e rangentes tiras de beicon, outros com trocitos de bolachas Arejo e
uns quantos banhados de chocolate.

—São para papai, claro —disse Jill.

—Estraga.

—Mamãe vai matar lhe —advertiu isso sua irmã—. Está tentando que lhe baixe o
colesterol.

—Sei. Mas me mandou uma mensagem esta manhã me suplicando que levasse uma
caixa.

—Maggie, consente-o muito.

—Sei, por isso me quer mais que a vós.

O comprido caminho de acesso à casa estava ocupado por seis ou sete carros e o jardim
se encontrava lotado de meninos. Alguns se aproximaram correndo ao Maggie, entre
eles um que lhe ensinou orgulhoso que lhe tinha cansado um dente enquanto outro
tentava convencer a de que jogasse com eles ao esconderijo. Entre gargalhadas,
prometeu-lhes que jogaria mais tarde.

Nada mais entrar em casa, dirigiu-se à cozinha, onde sua mãe e alguns de seus irmãos se
trabalhavam em excesso preparando a comida. Deu-lhe um beijo a sua mãe, uma mulher
voluptuosa, mas não gorda, com uma juba curta grisalha e uma cútis invejável que não
necessitava de maquiagem. Levava um avental que proclamava: «Vi-o, ouvido e feito
tudo. Mas não recordo nada.»

—Isso não será para seu pai, verdade? —perguntou-lhe sua mãe, que olhou a caixa de
donuts com severidade.

—Está cheio de palitos de aipo e cenoura —respondeu Maggie—. A caixa é para


enganar.

—Seu pai está no salão. instalamos um sistema de som envolvente e após não se separa
do televisor. Diz que agora os disparos soam como os de verdade.

—Se isso for o que queria, podia havê-lo levado a Tacoma —comentou um de seus
irmãos.

Maggie sorriu enquanto ia para o salão.

Seu pai estava sentado em um dos rincões de um mullidísimo sofá com um bebê
dormido no regaço. Ao vê-la entrar, seus olhos voaram para a caixa que levava nos
braços.

—Minha filha preferida —disse.

—Olá, papai. —Maggie se inclinou para lhe dar um beijo na cabeça e lhe colocou a
caixa nas pernas.

Seu pai a abriu, olhou o conteúdo até localizar um pão-doce com beicon e sirope de arce
e procedeu a devorá-lo como se tivesse sabor de glória bendita.

—Sente-se comigo. E agarra ao bebê. Necessito as duas mãos para isto.

Maggie se colocou com cuidado a cabecita do bebê dormido no ombro.

—De quem é? —quis saber—. Não o reconheço.

—Não tenho nem idéia. Alguém me deixou isso em braços.

—É um de seus netos?

—É possível.

Maggie respondeu suas perguntas sobre a loja, sobre os últimos acontecimentos que
tinham acontecido no Friday Harbor e sobre se tinha conhecido a alguém interessante
recentemente. Titubeou o justo para que seu pai a olhasse com um brilho interessado
nos olhos.

—Estraga. Quem é e a que se dedica?

—O que vai, se não... não é ninguém. Está pilhado. estive falando com ele durante o
trajeto no ferry. —Notou que o bebê se movia e lhe colocou a mão nas costas para
tranqüilizá-lo com suas carícias—. Acredito que hei tonteado com ele sem me propor
isso —¿Eso es malo?

—Isso é mau?

—Possivelmente não, mas faz que me pergunte... como saberei se estou preparada para
voltar a sair com um homem?

—Eu diria que é um bom sinal que haja tonteado com ele sem lhe propor isso Antes de
caer enfermo, Eddie era un hombre alegre, gracioso y divertido. El hombre con el que
había compartido el trayecto en el ferry era sombrío, serio y reservado, y parecía poseer
una personalidad muy intensa. Como había sido incapaz de detener su imaginación, en
el rincón más profundo de su mente se había preguntado cómo serían las relaciones
físicas con él. La respuesta había sido tan explosiva que la simple posibilidad la había
asustado. Sin embargo, eso formaba parte de su atractivo. Recordaba haberse sentido
atraída por Eddie precisamente porque a su lado parecía estar segura. No obstante,
acababa de descubrir que deseaba a Mark Nolan justo por lo contrario.

—Não sei, é um pouco estranho. Senti-me atraída por ele e isso que não se parece com
o Eddie absolutamente.

antes de cair doente, Eddie era um homem alegre, gracioso e divertido. O homem com o
que tinha compartilhado o trajeto no ferry era sombrio, sério e reservado, e parecia
possuir uma personalidade muito intensa. Como tinha sido incapaz de deter sua
imaginação, no rincão mais profundo de sua mente se perguntou como seriam as
relações físicas com ele. A resposta tinha sido tão explosiva que a simples possibilidade
a tinha assustado. Entretanto, isso formava parte de seu atrativo. Recordava haver-se
sentido atraída pelo Eddie precisamente porque a seu lado parecia estar segura. Não
obstante, acabava de descobrir que desejava ao Mark Nolan justo pelo contrário.

Inclinou a cabeça para lhe dar um beijo ao bebê. Parecia muito vulnerável e, entretanto,
notava a solidez de seu cuerpecito. Sua pele era incrivelmente suave e estava um pouco
úmida pelo suor. Recordou de forma fugaz um momento que teve lugar durante os
últimos dias da vida do Eddie, quando sumida no desespero desejou ter tido um filho
com ele. Para poder conservar uma parte seu quando se fora.

—Carinho —ouviu que lhe dizia seu pai—, não passei por tudo o que você passou com
o Eddie. Não sei quando acaba o processo da dor, nem como sabe quando está lista para
seguir adiante. Mas sim estou seguro de algo: o próximo homem de sua vida será
distinto.
—Sei. Já sabia. Acredito que o que me tem preocupada é a certeza de que eu troquei.

Seu pai a olhou com os olhos como pratos, como se o comentário o tivesse surpreso.

—É obvio que trocaste. Como não foste fazer o?

—Mas é que em parte não quero trocar. Em parte quero seguir sendo a mesma pessoa
que era quando estava com o Eddie. —Guardou silêncio ao ver a expressão de seu pai—
. Te parece muito desatinado? Necessito terapia ou algo?

—Acredito que o que precisa é uma entrevista com alguém. te pôr um vestido bonito e
que convidem a uma opípara janta. te despedir com um beijo de boa noite.

—Mas assim que deixe de ser a viúva do Eddie, como vou recordar o? Será como
perdê-lo de novo,

—Céu —lhe disse seu pai com voz suave e serena—, aprendeu muitíssimo do Eddie.
Todo isso que te fez ser melhor pessoa... essa será sua forma de recordá-lo. Jamais o
esqueceremos.

—Sinto-o —disse Shelby enquanto aceitava a taça de chá que lhe ofereceu Mark.
Estava acurrucada no sofá, vestida com roupa cômoda de cor cinza e ia acrescentar algo
mais quando a surpreendeu um repentino espirro.

—Não passa nada —lhe assegurou Mark, que se sentou a seu lado.

Shelby tirou um lenço de papel de uma caixa para soá-la nariz.

—Espero que só seja um episódio de alergia e que não tenha pilhado nada grave. Não
faz falta que fique comigo. Ponha a salvo de um possível contágio.

Mark lhe sorriu.

—uns quantos gérmenes não me assustam. —Abriu um bote de pastilhas para o


resfriado e lhe ofereceu dois.

Shelby agarrou a garrafa de água que descansava na mesa, tragou-se as pastilhas e pôs
cara de asco.

—Tínhamos planejado uma festa genial —protestou—. Janya tem um apartamento


incrível em Seattle, e eu estava desejando presumir de casal diante de todos.

—Já presumirá outro dia —disse Mark enquanto a agasalhava com uma manta—. De
momento, te concentre em te pôr melhor. Serei bom e te deixarei o mando a distância.
—É um sol. —Shelby suspirou, apoiou-se nele e se soou outra vez o nariz—. Nosso fim
de semana sensual se foi ao traste.

—Nossa relação vai mais à frente do sexo.

—Me alegro de que diga isso. —Guardou silêncio um momento e acrescentou—: É a


número três na lista.

Mark estava passando os canais de televisão com o mando.

—Em que lista?

—Acredito que não lhe deveria dizer isso Mas recentemente li uma lista com os cinco
sinais que indicam que um homem está preparado para a palavra que começa por «c».

Mark deixou o que estava fazendo.

—Que palavra? —perguntou, sentido saudades.

—Compromisso. E, de momento, já tem feito três das coisas que a lista assegura que
fazem os homens quando estão preparados para comprometer-se.

—Ah, sim? —replicou com cautela—. Qual é a número um?

—Perder o interesse em bares e pubs.

—A verdade é que nunca me gostaram de muito que digamos.

—A segunda é a disposição a conhecer a família e aos amigos. A terceira, acaba de


dizer que nossa relação é algo mais que um alívio sexual.

—E a quarta e a quinta?

—Não lhe posso dizer isso Mark sonrió y le pasó el mando a distancia.

—por que não?

—Porque se lhe digo isso, ao melhor não o faz.

Mark sorriu e lhe aconteceu o mando a distância.

—Enfim, pois me avise quando o fizer. me eu não gostaria de perder isso Abraçou-a
enquanto ela procurava alguma filme nos canais de pagamento.

Os silêncios entre eles estavam acostumados a ser cômodos. Entretanto, esse foi tenso,
interrogante. Mark era consciente de que Shelby acabava de lhe dar pie para avançar na
relação. Era consciente de que estava ansiosa por estender os limites de sua relação e
por discutir que direção foram tomar.
Embora parecesse irônico, ele também tinha pensado tratar o tema durante o fim de
semana. Tinha todos os motivos do mundo para comprometer-se com o Shelby e para
lhe dizer que suas intenções eram sérias. Porque era certo.

Se o matrimônio com ela ia desenvolver se na mesma tónica que sua relação atual,
estava disposto a assinar sem pensar-lhe Não havia loucuras, nem gritos, nem brigas.
Suas expectativas gerais eram razoáveis. Não acreditava no destino nem no amor
destinado. Queria uma mulher agradável e normal, como Shelby, com quem as
surpresas seriam mínimas. Com quem existia companheirismo.

Formariam uma família. Pelo Holly.

—Shelby —disse, mas teve que pigarrear para esclarecê-la garganta antes de seguir—, o
que opina de ter uma relação exclusiva?

Ela voltou a cabeça, que tinha apoiada em um de seus braços, para olhá-lo.

—Refere-te a ter uma relação de casal de verdade? A não ficar com terceiras pessoas?

—Sim.

Shelby esboçou um sorriso satisfeito.

—Acaba de fazer a quarta coisa da lista —disse, acurrucándose contra ele.

CAPÍTULO 06

Como qualquer pessoa familiarizada com a linha de ferry estatal de Washington, sabia
que os atrasos nos Ferris podiam dever-se a um sem-fim de razões, entre as que se
incluía o mal estado do mar, a maré baixa, os acidentes no embarque de carros, uma
emergência médica ou os problemas de manutenção. Por desgraça, estavam anunciando
«reparações necessárias para a segurança da embarcação» como motivo para atrasar a
saída no domingo pela tarde.

Dado que tinha chegado uma hora antes para conseguir um lugar decente na extensa
zona de estacionamento próxima ao mole de atraque do ferry, Mark ficou com muito
tempo livre. A gente descia de seus carros, tirava passear a seus cães ou ia ao terminal
em busca de refrescos ou de algo que ler. O céu estava nublado e havia névoa, e de vez
em quando inclusive faiscava.

Inquieto e molesto, encaminhou-se ao terminal. Estava morto de fome. Shelby não tinha
querido sair a tomar o café da manhã essa manhã e em sua casa só tinha cereais.
Tinha passado um bom fim de semana com ela. ficaram-se em casa, tinham falado,
haviam visto algumas filmes e na sábado de noite tinham pedido a comida em um
chinês.

O vento soprava do estreito de Rosário, levando consigo o aroma salgado e limpo do


mar que lhe penetrava pelo pescoço da jaqueta como uns dedos gelados. Sentiu um
calafrio na nuca. Aspirou o aroma marinho, desejando estar em casa, desejando... algo.

Ao entrar no terminal, dirigiu-se para a cafeteria e viu uma mulher arrastando uma
mochila para uma máquina vendedora próxima. Esboçou um sorriso ao ver essa juba
ruiva.

Maggie Conroy.

Tinha estado pensando nela todo o fim de semana. Quando menos o esperava, tirava o
chapéu perguntando-se quando voltaria a vê-la ou como. A curiosidade que despertava
era insaciável. O que gostaria de tomar o café da manhã? Teria alguma mascote?
Gostava de nadar? Cada vez que tentava desterrar essas perguntas, sua curiosidade por
aquilo que ignorava as fazia recorrentes.

aproximou-se dela por um flanco e se precaveu de que estava olhando o conteúdo da


máquina vendedora com o cenho franzido. Ao dar-se conta de sua presença, Maggie o
olhou. A alegre e vivaz energia que recordava tinha sido substituída por uma
vulnerabilidade que lhe atravessou o coração. A intensidade de sua reação o pilhou
despreparado.

O que lhe tinha acontecido durante o fim de semana? Maggie tinha estado com sua
família. Tinham discutido? Tinha surto algum problema?

—Nem te ocorra te comer isso —lhe disse ao tempo que assinalava com a cabeça a
oferta de comida lixo.

—por que não?

—Nenhum só desses produtos tem prazo de validade.

Maggie examinou os pacotes como se queria verificar suas palavras.

—É uma lenda que as Panteras Rosas duram eternamente —disse—. Têm uma vida útil
de vinte e cinco dias.

—Em minha casa têm uma vida útil de uns três minutos. —Olhou-a aos olhos—. Posso
te convidar a comer? Temos duas horas como mínimo, segundo o operário do ferry.

produziu-se um comprido silencio enquanto o pensava.

—Quer comer aqui? —acabou lhe perguntando.

Mark negou com a cabeça.


—Há um restaurante aqui ao lado. A dois minutos andando. Podemos deixar sua
mochila em meu carro.

—Não há nada de mau em comer —disse Maggie, como se precisasse convencer-se


disso.

—Eu o faço quase todos os dias. —Estendeu a mão para agarrar a mochila—. Deixa que
lhe leve isso.

Maggie o seguiu ao exterior do edifício.

—Referia-me a que não há nada de mau em que comamos. Os dois juntos. Na mesma
mesa.

—Se quiser, podemos comer em mesas separadas.

Maggie conteve uma gargalhada.

—Sentaremo-nos à mesma mesa —repetiu com firmeza—, mas nada de falar. —


Enquanto caminhavam pela estrada, a névoa se converteu em garoa e o ar, em uma
massa branca e úmida—. É como atravessar uma nuvem —disse enquanto tomava uma
funda baforada de ar—. Quando era pequena, acreditava que as nuvens tinham um sabor
maravilhoso. Um dia incluso pedi uma terrina de nuvens como sobremesa. Minha mãe
me pôs um pouco de nata montada em um prato. —Sorriu—. E estavam tão boas como
sempre tinha imaginado.

—Mas não te deu conta de que só era nata montada? —perguntou-lhe, fascinado ao ver
que a névoa lhe frisava as mechas que lhe emolduravam a cara.

—claro que sim. Mas isso dava igual... o importante era a idéia.

—Não sei muito bem onde riscar os limites para o Holly —disse Mark—. Na mesma
classe onde lhe ensinam que os dinossauros existiram de verdade, também estão
escrevendo cartas a Papai Noel. Como lhe explico o que é real e o que não o é?

—Perguntou-te já por Papai Noel?

—Sim.

—E o que lhe há dito?

—Que ainda não estava seguro de uma coisa ou da outra, mas que muita gente acredita
nele e que não passa nada se ela também quer fazê-lo.

—Uma resposta estupenda —lhe assegurou Maggie—. A imaginação e a fantasia são


importantes para os meninos. De fato, os meninos que são capazes de usar sua
imaginação sabem distinguir melhor o que é fantasia do que é realidade que aqueles que
não o são.

—Quem te há dito isso? A fada que vive em sua parede?


Maggie sorriu.

—Listillo —disse—. Não, Trevo não me há isso dito. Leão muito. Interessa-me tudo o
que tenha que ver com meninos.

—Tenho que aprender mais. —A voz do Mark adquiriu um matiz muito triste—. Me
estou rompendo os chifres para não lhe arruinar ao Holly o que fica de infância.

—Por isso vi, acredito que o está fazendo bem.

Levada por um impulso, Maggie lhe agarrou a mão e lhe deu um ligeiro apertão para
tranqüilizá-lo e lhe oferecer um pouco de consolo. Mark estava convencido de que
assim devia interpretar o gesto. Mas nesse momento lhe rodeou os dedos com os seus e
converteu o contato espontâneo em algo mais. Em algo íntimo. Possessivo.

Maggie afrouxou os dedos. Mark sentiu sua indecisão como se fora própria, assim como
o involuntário prazer que ela experimentava por quão bem encaixavam suas mãos.

A carícia de pele contra pele, uma coisa normal e corrente. Entretanto, tinha posto seu
mundo patas acima. Não sabia até que ponto a reação que lhe provocava era física e até
que ponto era... algo mais. As emoções se mesclavam entre si formando algo novo e
visceral.

Maggie se soltou de repente.

Entretanto, ele seguia sentindo a estampagem de seus dedos, como se sua pele tivesse
começado a absorvê-la.

Nenhum dos dois falou quando entraram no restaurante, cujo interior estava decorado
com madeira escura, móveis desgastados e um papel pintado de desenho indefinido. O
ar cheirava a comida, álcool e carpete um pouco embolorado. Era um desses
restaurantes que sem dúvida se aberto com boas intenções, mas que tinha acabado
cedendo a inevitabilidad do mudo de um lugar a outro de turistas e tinha rebaixado o
padrão de qualidade. Mesmo assim, parecia um lugar decente onde matar o tempo e
tinha boas vistas do estreito.

Uma garçonete com ar cansado se aproximou de tomar nota das bebidas. Embora Mark
estava acostumado a beber cerveja, pediu-se um uísque. Maggie pediu uma taça de tinjo
da casa, mas depois trocou de opinião.

—Não, espera —disse—. Outro uísque para mim.

—Sozinho? —perguntou a garçonete.

Maggie o olhou com expressão interrogante.

—Para ela uma mistura de uísque sour —disse, e a garçonete assentiu com a cabeça e
partiu.
A essas alturas, o cabelo do Maggie tinha recuperado os exuberantes cachos por culpa
da umidade. Se não tomava cuidado, obcecaria-se com eles. Estava claro que qualquer
tento por sua parte de lutar contra a atração que sentia por ela estava condenado ao
fracasso. Tinha a sensação de que tudo o que gostava em uma mulher, incluídas
qualidades que nem sequer se deu conta de que gostava, estava reunido em um único e
perfeito pacote.

antes de que a garçonete se fora, Mark lhe pediu emprestado uma caneta, e a mulher lhe
deu o que tinha na mão.

Maggie observou com as sobrancelhas ligeiramente arqueadas como escrevia algo em


um guardanapo de papel que depois lhe deu.

«Que tal o fim de semana?»

Maggie esboçou um sorriso.

—Não temos que nos rodear à regra de não falar —lhe disse. Soltou o guardanapo e o
olhou enquanto o sorriso desaparecia. Lhe escapou um curto suspiro, como se acabasse
de correr cem metros—. A verdade é que não sei. —Fez uma careta e pôs as Palmas
para cima, como se queria indicar que o assunto era complicadísimo e irremediável—.
Que tal o teu?

—Tampouco sei.

A garçonete retornou com as bebidas e tomou nota do que foram comer. Assim que
partiu, Maggie provou o coquetel.

—Você gosta? —perguntou-lhe ele.

Maggie assentiu e se lambeu os restos salgados que lhe tinham ficado no lábio inferior,
com uma delicada passada de sua língua que fez que ao Mark lhe acelerasse o pulso.

—me fale de seu fim de semana.

—na sábado foi o segundo aniversário da morte de meu marido. —Os olhos escuros do
Maggie o olharam por cima do copo—. Não queria estar sozinha. Pensei em visitar seus
pais, mas... ele era quão único tínhamos em comum, assim... ao final fiquei com minha
família. estive rodeada por um montão de gente todo o fim de semana, mas me sentia
sozinha. Coisa que não tem sentido.

—Não —replicou em voz baixa—. Eu o entendo perfeitamente.

—O segundo aniversário foi distinto ao primeiro. O primeiro... —Meneou a cabeça e


voltou a gesticular com as mãos, para desterrar o pensamento—. O segundo... fez que
seja consciente de que há dias nos que me esquecimento de pensar nele. E isso faz que
me sinta culpado.

—O que diria seu marido a respeito?


Com um sorriso hesitante, Maggie cravou o olhar em seu coquetel. E por um instante
Mark se sentiu escandalosamente ciumento do homem capaz de lhe arrancar um sorriso
a essa mulher.

—Eddie me diria que não me sentisse culpado —respondeu ela—. Tentaria me fazer rir.

—Como era?

Maggie bebeu outro sorvo antes de responder:

—Era um otimista. Sempre lhe encontrava o lado positivo a tudo. Inclusive ao câncer.

—Eu sou um pessimista —disse—. Com algum que outro lapso de otimismo.

Maggie voltou a sorrir.

—Eu gosto dos pessimistas. São os que sempre levam o colete salva-vidas. —Fechou os
olhos—. Ah, já me está subindo à cabeça.

—Não se preocupe. Encarregarei-me de que embarque sem problemas.

Maggie moveu a mão por cima da mesa e roçou com o dorso seus dedos médio
encolhidos, em um gesto hesitante que Mark não soube como interpretar.

—Este fim de semana falei com meu pai —disse—. Nunca foi que essa classe de pais
que te diz o que tem que fazer; de fato, acredito que me teria ido melhor com um pouco
mais de controle paterno enquanto crescia. Mas me há dito que deveria começar a ter
entrevistas. Entrevistas. Já nem sequer se chamam assim.

—E como se chama?

—Suponho que a gente diz que ficou com alguém. O que revista lhe dizer ao Shelby
quando quer acontecer o fim de semana com ela?

—Pergunto-lhe se posso passar o fim de semana com ela. —Girou a mão, estendendo os
dedos—. E vais seguir o conselho de seu pai?

Maggie assentiu com a cabeça a contra gosto.

—Nunca me gostou do processo —disse com convicção e a vista cravada na bebida—.


Conhecer gente nova, o desconforto, o desespero de ter que acontecer alguém toda uma
noite quando aos cinco minutos de conhecê-lo já sabe que é um casulo... Oxalá fora
como as entrevistas rápidas e se pudesse passar ao seguinte ao cabo de cinco minutos. O
pior é ficar sem tema de conversação pelas duas partes.

Sem dar-se conta, Maggie tinha começado a jogar com sua mão, percorrendo
lentamente as curvas de seus dedos. Mark experimentou o prazer de suas carícias por
todo o braço, como se suas terminações nervosas fossem as cordas de um violão que
vibrassem ao uníssono.
—Não te vejo ficando sem temas de conversação —comentou.

—Pois me passa. Sobre tudo quando a pessoa com a que estou falando é muito
agradável. Em uma boa conversação sempre saem a reluzir as queixa. Eu gosto de
estreitar laços comentando ódios compartilhados e queixa insignificantes.

—Qual é sua major queixa insignificante?

—Chamar o serviço de atenção ao cliente e não poder falar com uma pessoa de carne e
osso.

—Ódio quando os garçons tentam memorizar um pedido em vez de anotá-lo


diretamente. Porque muito poucas vezes atinam. E embora o façam, ponho-me dos
nervos até que vejo a comida na mesa.

—Eu odeio que a gente fale com gritos pelo móvel.

—E eu isso de «Sem ânimo de ofender». Não tem sentido.

—Eu o digo de vez em quando.

—Pois não o diga. Me enche o saco muitíssimo.

Maggie sorriu. Depois, ao dar-se conta de que estava brincando com seus dedos,
ruborizou-se e apartou a mão.

—Shelby é agradável?

—Sim. Mas o levo bastante bem. —Agarrou seu copo de uísque e o apurou de um só
gole—. Tenho uma teoria a respeito de conhecer gente nova, segundo a qual o melhor é
não causar uma boa impressão a primeira vez. Porque a partir daí tudo vai costa abaixo.
Sempre terá que estar à altura dessa primeira impressão, que a fim de contas não é mais
que uma ilusão.

—Sim, mas se não causar uma boa impressão, ao melhor não tem a oportunidade de
repetir a experiência.

—Sou um solteiro com um emprego fixo —lhe recordou—. Sempre consigo repetir a
experiência.

Maggie soltou uma gargalhada.

A garçonete lhes levou a comida e recolheu os copos vazios.

—Outra ronda?

—Oxalá pudesse —respondeu Maggie com tristeza—, mas não posso.

—por que não? —quis saber Mark.

—Estou meio bêbada. —Para demonstrá-lo, ficou vesga.


—Só terá que parar quando se está bêbado de tudo —replicou ele ao tempo que o fazia
um gesto à garçonete—. Outra ronda.

—Quer me embebedar? —perguntou-lhe Maggie assim que se foi a garçonete, olhando-


o com receio.

—Sim. Meu plano é te embebedar para te fazer depois o que me dê a vontade em um


assento do ferry. —Passou-lhe um copo de água por cima da mesa—. te Beba isto antes
de começar com o seguinte.

Enquanto Maggie bebia água, Mark lhe falou de seu fim de semana com o Shelby e da
lista sobre as coisas que fazia um homem quando estava preparado para o compromisso.

—Mas se negou a me dizer o que ocupava o quinto posto —disse—. Sabe o que é?

Maggie começou a lhe dar voltas às possibilidades enquanto sua cara adotava uma série
de expressões adoráveis: franzia o nariz, entortava os olhos ou se mordia o lábio
inferior.

—Estar disposto a procurar casa? —sugeriu—. Falar da possibilidade de ter filhos?

—Por Deus! —Fez uma careta ao pensar nessa possibilidade—. Já tenho ao Holly. De
momento, é mais que suficiente.

—E mais adiante?

—Não sei. Quero me assegurar de que o tenho feito bem com o Holly antes de pensar
sequer em ter filhos.

Maggie o olhou com expressão pormenorizada.

—A vida te trocou muitíssimo, verdade?

Mark procurou as palavras adequadas para descrevê-lo, embora o desejo de conectar


com o Maggie o incomodava muito. Nunca tinha sido dos que confiavam em outros,
nunca o tinha acreditado necessário. Provocar a compaixão de outros era quase como
dar lástima, e a seus olhos esse era um destino pior que a morte. Entretanto, Maggie
tinha um dom para fazer perguntas de um modo que o faziam querer responder.

—Agora o vejo tudo desde outra perspectiva —respondeu—. Começo a pensar na


classe de mundo no que viverá. Preocupam-me todas as panaquices subliminales que
capta através da televisão, e também se houver cádmio ou chumbo em seus
brinquedos... —Fez uma breve pausa—. Queria ter filhos com... ele? —De repente,
descobriu que não queria pronunciar o nome de seu marido, como se as sílabas fossem
separadores invisíveis que se interpunham entre eles.

—Houve um tempo que sim. Agora, não. Acredito que é um dos motivos pelos que
quero tanto minha loja, porque é uma maneira de estar rodeada de meninos sem carregar
com a responsabilidade.
—Ao melhor quando voltar a casar...

—É que não penso voltar a me casar.

Mark inclinou a cabeça a modo de silencioso interrogante, olhando-a com atenção.

—Já passei por isso —explicou Maggie—, e não me arrependerei nunca, mas... tive
bastante com uma vez. Eddie lutou contra o câncer durante ano e meio, e me custou a
mesma vida estar a seu lado, ser forte. Já não tenho nada que lhe oferecer a outra
pessoa. Posso estar com alguém, mas não lhe pertencer. Tem sentido o que digo?

Pela primeira vez desde que Mark tinha alcançado a maioria de idade, queria abraçar a
uma mulher sem motivos ulteriores. Não o movia a paixão, a não ser o desejo de
consolá-la.

—Tem sentido se for o que sente —respondeu em voz baixa—. Mas é possível que não
seja sempre assim.

Terminaram de comer e retornaram ao terminal do ferry sob uma garoa tão leve que
quase se podiam ver as gotas de água suspensas no ar. Era como se o céu os esmagasse
contra o chão. O mundo estava pintado em azul aço e cinza claro, de modo que o cabelo
do Maggie destacava por seu intenso tom vermelho, e seus cachos eram como uma
incitante curva que acabava em um perfeito saca-rolhas.

Mark teria dado algo por poder brincar com esses saca-rolhas, por poder enchê-las mãos
com eles. Enquanto caminhavam, assaltou-o a tentação de lhe agarrar a mão. Mas um
contato inconseqüente já não era possível... porque seu desejo para ela não tinha nada de
inconseqüente.

Talvez se sentia atraído pelo Maggie pelo mero feito de que acabava de comprometer-se
com o Shelby, de modo que seu subconsciente procurava uma maneira de escapar...

«Mantén o rumo —se ordenou—. Não te distraia.»

Sua conversação se viu interrompida um momento, enquanto embarcava o carro no


ferry e procuravam assentos na coberta principal de passageiros. Uma vez sentados no
mesmo banco, falaram de tudo e de nada em particular. Os ocasionais silêncios eram
como os interlúdios tranqüilos durante o sexo, quando um ficava convexo, suado e
pictórico de endorfinas.

Estava tentando por todos os meios não pensar no sexo com o Maggie. Não pensar em
levar-lhe à cama e lhe fazer o que gostasse, depressa ou devagar, improvisando se era
necessário, e depois ficar tombados e descansar antes de começar de novo. Queria-a
debaixo de seu corpo, em cima, rodeando-o. Maggie teria a pele muito branca, salpicada
por uma constelação de lunares. Lunares que catalogaria, que riscaria com os lábios e os
dedos até encontrar todos os mapas secretos, todos os pontos de pressão e de prazer...
O ferry atracou. Mark ficou mais tempo do necessário na coberta principal de
passageiros, relutante a separar-se do Maggie. Foi um dos últimos em baixar à zona
reservada para os carros. O céu parecia uma paleta de tons alaranjados e rosados,
salpicada de nuvens. Como de costume, sentiu um enorme alívio ao retornar à ilha, onde
o ar se podia respirar melhor e era mais doce, onde o estresse do continente desaparecia.
Os ombros de quão passageiros esperavam para desembarcar se relaxaram de repente,
como se todos tivessem sido reiniciados de uma vez.

Não podia demorar para ir procurar o carro ou impediria de desembarcar aos que tinha
detrás, ganhando assim a compreensível ira de muitos passageiros. Entretanto, quando
olhou ao Maggie, todo seu corpo se rebelou contra a idéia de deixá-la.

—Quer que te deixe em algum sítio? —perguntou-lhe.

Viu-a negar imediatamente com a cabeça, fazendo que seus cachos ruivos se agitassem
ao redor de seus ombros.

—Tenho o carro estacionado aqui perto.

—Maggie —disse com tato—, algum dia poderíamos...

—Não —o interrompeu ela com um sorriso amável e triste—. Não podemos ser amigos.
Não tiraríamos nada.

Maggie tinha razão.

O único que ficava por fazer era despedir-se dela, coisa que lhe dava muito bem.
Entretanto, nessa ocasião era um tema espinhoso. «Vemo-nos» ou «te Cuide» soavam
muito impessoais, muito indiferentes. Mas se deixava entrever o muito que tinha
significado essa tarde para ele, Maggie não tomaria a bem.

Ao final ela resolveu seu dilema eliminando a necessidade de uma despedida. Sorriu ao
vê-lo titubear e lhe colocou uma mão no peito, lhe dando um empurrãozinho brincalhão.

—Vete —lhe disse.

E a obedeceu. foi sem olhar atrás e baixou a escalerilla de aço enquanto seus passos
ressonavam pela coberta. Sentia que o coração lhe pulsava desmedido justo onde ela
tinha colocado a mão. meteu-se no carro, fechou a porta e ficou o cinto de segurança.
Enquanto esperava o sinal para avançar, teve a irritante e persistente sensação de que
acabava de perder algo importante.

CAPÍTULO 07
Com a chegada de outubro, acabou-se o de ir ver baleias ou a montar em canoa. Embora
os turistas seguiam chegando à ilha de San Juan, seu número era insignificante
comparado com o dos meses estivais. Pergunta-a mais repetida era a origem do nome da
cidade. Maggie não demorou para aprender-se de cor as duas versões que coexistiam na
ilha. A preferida pelos ilhéus se apoiava em uma teoria segundo a qual a ilha obteve seu
nome por um mal-entendido em uma conversação.

Entretanto, a ilha recebia seu nome de um hawaiano chamado Joseph Friday, que
trabalhou para a Hudson's Bay Company pastoreando ovelhas a uns nove quilômetros
ao norte do porto. Quando os marinheiros se aproximavam da costa e viam a coluna de
fumaça que se elevava de seu acampamento, sabiam que tinham chegado à baía do
Friday, daí que os britânicos acabassem lhe outorgando esse nomeie ao lugar.

A ilha passou a domínio americano em 1872, e a partir desse momento começou a


florescer a indústria. A ilha de San Juan se converteu na maior produtora de fruta do
Noroeste. Além disso, havia companhias madeireiras e fábricas de conserva de salmão.
Na atualidade, a costa estava lotada de apartamentos de luxo e de lojas de artesanato, e
não havia nem rastro das conserveras nem das embarcações onde se transladava a
madeira. O turismo era o motor econômico da ilha, e embora a temporada alta era o
verão, o fluxo de visitantes não se detinha em nenhum momento do ano.

Com o outono à volta da esquina e as folhas em pleno estalo de cor outonal, os ilhéus
começaram a preparar-se para os iminentes dias festivos. celebrariam-se numerosos
festivais da colheita, mercados de produtos frescos, provas de vinho, exposições nas
distintas galerias de arte e representações teatrais. A loja do Maggie não parecia acusar
um descida nas vendas, já que os clientes habituais começaram a comprar disfarces e
acessórios para o Halloween, e alguns inclusive adiantaram as compras natalinas. De
fato, acabava de contratar a tempo parcial ao Diane, uma das filhas da Elizabeth, como
dependienta.

—Assim poderá descansar um pouco —disse Elizabeth ao Maggie—. Não vais morrer
se toma um dia livre, verdade?

—Me o passo bem trabalhando na loja.

—Pois lhe passe isso bem fora da loja—lhe aconselhou Elizabeth—. Precisa falar com
alguém que meça mais de um metro. —Lhe ocorreu uma idéia—. Deveria ir desfrutar
de uma massagem no spa do Roche Harbor. Têm um novo massagista chamado Theron.
Uma de meus amigas me assegurou que tem mãos de anjo —lhe comentou ao tempo
que meneava as sobrancelhas com um gesto eloqüente.

—Se for um homem, não sei eu se confiar —replicou Maggie—. Em vez de te dar uma
massagem, igual te dá um magreo.

—Pois eu consertava uma entrevista semanal com ele, note o que te digo. Se estiver
solteiro, poderia convidá-lo a sair.
—Não pode convidar a sair a um massagista —protestou Maggie—. É como se fosse
seu paciente e ele seu médico.

—Pois eu saí com meu médico —assegurou Elizabeth.

—Ah, sim?

—Fui a sua consulta e lhe disse que tinha decidido trocar de médico. Isso o deixou um
pouco preocupado e me perguntou por que. E lhe disse: «Porque quero que me convide
para jantar na sexta-feira de noite.»

Maggie abriu os olhos de par em par.

—E te convidou?

Elizabeth assentiu com a cabeça.

—Casamo-nos seis meses depois.

Maggie sorriu.

—Que história mais bonita.

—Estivemos juntos quarenta e um anos, até que morreu.

—Sinto-o muito.

—Era um homem muito bom. Me teria gostado de acontecer mais tempo com ele. Mas
isso não significa que não possa me divertir saindo com meus amigos. Vamos de
viagem, comunicamo-nos através do correio eletrônico... não sei o que faria sem eles.

—Eu também tenho muito bons amigos —disse Maggie—. Mas todos estão casados, e
foram uma parte tão importante de minha vida com o Eddie que às vezes...

—As lembranças se interpõem —a interrompeu Elizabeth, demonstrando assim sua


percepção.

—Exato.

Elizabeth assentiu com a cabeça.

—Tem uma vida nova. É bom que conserve a seus antigos amigos, mas também te
convém acrescentar novas amizades. A ser possível, que sejam solteiros. Por certo,
apresentaram-lhe já os Scolari ao Sam Nolan?

—E você o que sabe disso?

A expressão da anciã se tornou muito ufana.

—Maggie, vivemos em uma ilha. Assim que os falatórios viajam de círculo.


Apresentaram-lhe isso já ou não?
Maggie fingiu estar ocupada colocando os ramos de lavanda de um vaso em forma de
jarra de leite. A idéia de sair com o irmão pequeno do Mark lhe resultava intolerável.
Qualquer parecido, como a forma dos olhos ou seu timbre de voz, converteria a
experiência em um triste mau gole.

Coisa que seria injusta para o Sam. Nunca poderia apreciar suas virtudes porque sempre
estaria procurando aquilo que não era.

Mais concretamente, sempre teria presente que não era Mark.

—Já lhes hei dito ao Brad e ao Ellen que agora mesmo não estou interessada —
respondeu.

—Mas, Maggie —protestou Elizabeth, preocupada—, Sam Nolan é o moço mais


simpático e agradável do mundo. Além disso, faz tempo que não lhe conhece noiva,
porque está muito ocupado com o vinhedo. É produtor de vinhos. Um romântico. Não
pode deixar acontecer uma oportunidade como esta.

Maggie lhe ofereceu um sorriso cético.

—De verdade crie que este moço tão simpático e agradável quererá sair comigo?

—por que não ia querer fazê-lo?

—Sou viúva. Tenho um passado.

—E quem não o tem? —Elizabeth estalou a língua a modo de reprimenda—. Por Deus,
ser viúva não é nada do outro mundo. Contribui-te esse toque de experiência, a certeza
de que sabe o que é o amor. As viúvas amam a vida, apreciamos o bom humor,
desfrutamos de nossa independência. me faça caso, ao Sam Nolan não importará
absolutamente que seja viúva.

Maggie sorriu e meneou a cabeça.

—Vou dar um passeio até o Market Chef e a comprar uns sanduíches para almoçar —
disse enquanto tirava sua bolsa de debaixo do mostrador—. Do que o quer?

—De pastrami com dobro de queijo fundido. E dobro de cebola também. Que seja
dobro de tudo! —acrescentou com alegria antes de que Maggie saísse pela porta.

Market Chef era uma charcutería familiar onde faziam os melhores sanduíches e saladas
da ilha. À hora do almoço sempre estava a transbordar, mas a espera merecia a pena.
Esteve tentada de pedir um pouco de tudo enquanto observava no expositor de cristal as
saladas frescas, a massa, o embutido em fatias e as porções de quiche de verdura. Ao
final, decidiu-se por um sanduíche de pão caseiro torrado com caranguejo, alcachofras e
queijo fundido. E pediu o de pastrami para a Elizabeth.

—Para comer aqui ou para levar? —perguntou-lhe a garota que atendia atrás do
mostrador.
—Para levar, por favor. —E acrescentou depois de ver um pote de grosas bolachas de
chocolate perto da caixa registradora—: E que não te ocorra acrescentar bolachas
dessas.

A garota sorriu.

—Quer uma ou dois?

—Só uma.

—Sinta-se enquanto lhe trago os sanduíches, não demorarei nada.

Maggie se sentou junto à janela e se entreteve olhando às pessoas.

A dependienta não demorou para voltar com os sanduíches em uma bolsa de papel.

—Aqui tem.

—Obrigado.

—Ah, e uma pessoa me pediu que lhe dê isto —disse a garota, lhe oferecendo um
guardanapo.

—Quem? —quis saber, mas a dependienta já se afastou para atender a um novo cliente.

Maggie olhou o papel branco que tinha na mão, onde alguém tinha escrito: «Olá.»

Um tanto confundida, elevou a vista para lhe jogar uma olhada ao pequeno comilão. E
conteve o fôlego quando viu o Mark Nolan e ao Holly sentados em uma esquina. Seus
olhares sei encontraram e o viu esboçar um lento sorriso.

A mensagem escrita no guardanapo acabou enrugado na palma de sua mão enquanto


flexionava os dedos devagar. Sentiu a alegria que se estendia por seu peito só olhando.

«Joder!», pensou.

Levava semanas tentando convencer-se de que o interlúdio com o Mark não tinha sido
tão mágico como lhe tinha parecido.

Um pensamento que contradizia o novo costume adquirido por seu coração, que se
empenhava em dar um pequeno tombo cada vez que via um homem moreno entre a
multidão. E que não explicava por que se despertou mais de uma vez com os lençóis
revoltas e com a agradável sensação de ter sonhado com ele.

Viu que Mark ficava em pé e abandonava a mesa para aproximar-se dela com o Holly
atrás, e sentiu uma incrível e arrolladura emoção. ficou tão tinta que o rubor lhe chegou
à raiz do cabelo. Tremia-lhe todo o corpo. Era incapaz de olhá-lo diretamente, mas
tampouco podia apartar a vista dele, de modo que seguiu olhando o de forma um tanto
desfocada com a bolsa na mão.
—Olá, Holly —conseguiu lhe dizer a sorridente menina, que levava duas tranças loiras
perfeitas—. Como está?

A menina a surpreendeu correndo para ela para abraçá-la. De forma automática, ela
rodeou esse cuerpecito magro com o braço livre.

Abraçada a sua cintura, Holly jogou a cabeça para trás e lhe sorriu.

—Ontem me caiu um dente —anunciou, e lhe ensinou o novo racho que tinha na
gengiva inferior.

—Isso é estupendo! —exclamou ela—. Agora tem dois sítios para pôr a pajita quando
beber limonada.

—O Ratoncito Pérez me deixou um dólar. E a meu amiga Katie só deixou cinqüenta


centavos —acrescentou um tanto preocupada com a inexatidão do sistema.

—O Ratoncito Pérez —repetiu Maggie ao tempo que lançava um olhar jocoso ao Mark.
Sabia o que ele opinava sobre a idéia de que Holly acreditasse nesses personagens
fantásticos.

—Era um dente perfeito —aduziu ele—. É evidente que um dente assim merecia um
dólar. —Percorreu-a de cima abaixo com o olhar—. Tínhamos planejado ir a sua loja
depois do almoço.

—Querem algo em concreto?

—Necessito umas asas de fada —respondeu Holly—. Para o Halloween.

—vais disfarçar te de fada? Tenho varinhas mágicas, tiaras e mais de dez modelos de
asas. Acompanha-me à loja?

A menina assentiu com entusiasmo e lhe deu a mão.

—Deixa que te leve isso —se ofereceu Mark.

—Obrigado —replicou enquanto lhe dava a bolsa de papel, e juntos saíram do Market
Chef.

Holly se mostrou muito faladora e alegre durante a caminhada, e descreveu ao Maggie


os disfarces que ficariam seus amigas no Halloween, confessou-lhe o tipo de caramelos
que esperava conseguir e lhe falou do Festival da Colheita ao que assistiria depois de ir
pelas casas da vizinhança pedindo truque ou trato. Embora Mark não falou muito e se
manteve atrás delas em todo momento, Maggie era muito consciente de sua presença.

Assim que entraram na loja, Maggie levou ao Holly para as asas de fada, todas
adornadas com cintas e purpurina, e pintadas com espirais.

—Aqui as tem.
Elizabeth se aproximou delas.

—vais comprar umas asas? Que bem!

Holly olhou com expressão interrogante à anciã embelezada com um capirote com véu e
uma saia de tul, e armada com uma varinha mágica.

—por que vai vestida assim? Ainda não é Halloween.

—É meu disfarce sempre que celebramos uma festa de aniversário na loja de


brinquedos.

—Onde? —perguntou a menina ao tempo que jogava uma olhada por toda a loja com
expressão ansiosa.

—Temos uma sala de festas na parte posterior. Você gostaria de vê-la? Agora mesmo
está decorada.

depois de olhar a seu tio para lhe pedir permissão, Holly partiu muito contente com a
Elizabeth, saltitando.

Mark a observou afastar-se com um sorriso carinhoso.

—Não pára de dar saltos —disse, e acrescentou uma vez que olhou ao Maggie—:
Iremos em seguida. Não quero te atrasar o almoço.

—OH, não se preocupe. Como...? —Tinha a impressão de haver-se tragado uma


colherada de mel tão espesso que lhe tinha ficado um pouco entupida na garganta—.
Como está?

—Bem. E você?

—Genial —respondeu—. Shelby e você estão...? —Sua intenção era a de acrescentar


«comprometidos», mas a palavra lhe entupiu.

Mark entendeu o que tratava de lhe perguntar.

—Ainda não. —Titubeou—. Te trouxe isto —disse enquanto colocava um recipiente


térmico estreito e alargado no mostrador, dos que tinham uma taça por coberta.

Até esse momento nem sequer se fixou em que levasse um recipiente térmico.

—É café? —perguntou-lhe.

—Sim —respondeu ele—. Um de meus torrefactos.

O presente gostou mais do que deveria.

—É uma má influência —o acusou.

—Isso espero —replicou Mark com voz rouca.


Foi um momento delicioso. Os dois de pé, enquanto Maggie se imaginava por um
segundo o que seria aproximar-se dele. Pegar-se a seu corpo, sentir seu calor e a dureza
de seus músculos, sentir seus braços enquanto a rodeavam.

antes de que pudesse lhe dar as obrigado, Elizabeth retornou com o Holly. A menina,
emocionada pela decoração da sala de festas e o enorme bolo em forma de castelo com
velas em todas as torres, aproximou-se imediatamente ao Mark para lhe dizer que ele
também tinha que vê-la. deixou-se arrastar com um sorriso nos lábios.

Ao cabo de um bom momento, Mark e Holly deixaram suas compras no mostrador.


Umas asas de fada, uma tiara e um tutu verde e arroxeado. Elizabeth registrou a compra
e esteve conversando afablemente com eles, já que Maggie estava ocupada atendendo a
uma clienta. subiu em uma escada dobradiça para agarrar umas figuritas guardadas em
um armarito situado sobre um expositor. Uma vez que agarrou ao Dorothy, ao Homem
de Lata, ao Leão e ao Espantalho, disse a clienta que a Bruxa Má estava esgotada.

—Posso voltar a pedi-la e estará aqui dentro de uma semana —lhe assegurou.

A mulher duvidou.

—Está segura? Porque não me interessam outros se não as consigo todas.

—Se quiser, chamamos o distribuidor para confirmar que pode nos enviar a bruxa. —
Maggie jogou uma olhada em direção ao mostrador—. Elizabeth...

—Tenho o número aqui mesmo —a interrompeu a aludida, que tinha uma lista na mão.
Sorriu ao reconhecer a clienta—. Olá, Annette. É um presente para o Kelly? Sabia que
adoraria o filme.

—Viu-a já cinco vezes pelo menos —replicou a mulher com uma gargalhada, e se
aproximou do mostrador enquanto Elizabeth marcava.

Maggie recolheu o resto de figuritas e subiu de novo a escada para as devolver ao


armarito. Quando algumas das caixas ameaçaram caindo ao chão, esteve a ponto de
perder o equilíbrio.

Nesse preciso instante, umas mãos a aferraram pela cintura para evitar que caísse. ficou
petrificada ao compreender que era Mark quem estava detrás. A pressão de suas mãos
era firme, competente e respeitosa. Entretanto, a calidez que irradiavam atravessou a
magra capa de algodão de sua camiseta e lhe pôs o coração a duzentos. O impulso de
voltar-se para ficar entre seus braços fez que se esticasse. Que maravilhoso seria
enterrar os dedos nesse abundante cabelo escuro e pegar-se a seu corpo para estreitá-lo
com força Y...!

—Ajudo-te com essas caixas? —ofereceu-se ele.

—Não, tenho-o controlado.

Mark a soltou, mas ficou perto.


Maggie conseguiu colocar no armário as caixas que ficavam, sem ordem nem concerto.
Assim que desceu da escada, voltou-se para olhar ao Mark. Estavam muito perto.
Cheirava a sol, a brisa marinha, a sal... e a fragrância alterou seus sentidos.

—Obrigado —conseguiu dizer—. E obrigado pelo café. Como o faço para te devolver o
recipiente térmico?

—Logo volto para por ele.

Elizabeth, que já tinha registrado a compra da outra clienta, aproximou-se deles.

—Mark, faz um momento estava tentando convencer ao Maggie de que conheça o Sam.
Não crie que o passariam bem juntos?

Holly sorriu com alegria ao escutá-la.

—Meu tio Sam você gostaria muitíssimo! —exclamou—. É muito gracioso. E tem um
reprodutor do Bluray.

—Vá, essas são as duas coisas que peço a um homem —replicou ela com um sorriso.
Olhou ao Mark, cuja expressão se tornou pétrea—. Crie que eu gostaria? —atreveu-se a
lhe perguntar.

—Não têm muito em comum.

—Os dois são jovens e solteiros —protestou Elizabeth—. Que mais precisam ter em
comum?

Mark franziu o cenho sem dissimulações.

—Quer conhecer o Sam? —perguntou ao Maggie.

Ela se encolheu de ombros.

—Estou muito ocupada.

—diga-me isso se te decidir. Eu me encarrego. —Fez- um gesto ao Holly—. Hora de ir.

—Adeus! —despediu-se a menina com alegria, e se aproximou do Maggie para voltar a


abraçá-la.

—Adeus, Holly.

depois de que tio e sobrinha partissem, Maggie jogou uma olhada pela loja, que nesse
momento se ficou vazia.

—vamos almoçar —disse a Elizabeth.

Entraram juntas na trastienda e se sentaram a uma mesa, aguçando o ouvido se por


acaso escutavam a campainha da porta. Enquanto Elizabeth desembrulhava os
sanduíches, Maggie abriu o recipiente térmico, de que surgiu um maravilhoso aroma.
Torrado, rico e amaderado.

Maggie inspirou com força e fechou os olhos para desfrutar de do intenso aroma.

—Agora o entendo —escutou que dizia Elizabeth.

Maggie abriu os olhos.

—O que?

—O motivo pelo que não te interessa Sam.

A resposta fez que contivera o fôlego.

—Ah, não, mas...! Não tem nada que ver com o Mark, se isso for o que está pensando.

—Vi como lhe olhe.

—Está saindo com outra. E vão a sério.

—Que eu saiba, ainda não se casaram. E Mark te trouxe café —acrescentou como se
fora um gesto de enorme relevância—. Possivelmente equivale a uma garrafa de Dom
Pérignon —disse ao tempo que olhava o recipiente térmico com desejo.

—Quer prová-lo? —ofereceu-lhe Maggie com um sorriso.

—Vou a por minha taça.

Descobriram que o café já estava açucarado e que tinha nata. O fumegante líquida era
da cor do caramelo. Fizeram um silencioso brinde com suas taças e o provaram.

Não só era café, era toda uma experiência em si mesmo. Um começo suave, cremoso e
açucarado que dava passo a uma nota final aveludada. Força e suavidade, sem rastros de
amargor. A mescla foi como um quente bálsamo.

—meu deus! —exclamou Elizabeth—. Está muito bom.

Maggie bebeu outro sorvo.

—É um problema —replicou com voz quejumbrosa. A expressão da Elizabeth se


suavizou, como se a entendesse.

—Refere-te à atração que sente pelo Mark Nolan?

—Sei que está fora de meu alcance. Mas quando nos vemos, dá a impressão de que
estejamos tonteando, embora não é certo.

—Não me parece um problema —lhe assegurou Elizabeth.

—Ah, não?
—Não. O problema chegará quando não tiver a impressão de que estão tonteando.
Assim, adiante, segue tonteando, ao melhor esse é o motivo que te impede de te deitar
com ele.

CAPÍTULO 08

No Halloween, Mark insistiu em que Sam fora o encarregado de levar ao Holly às


atividades que teriam lugar no Friday Harbor, entre as que se incluía uma sessão
cinematográfica na biblioteca, a busca de caramelos nas lojas e uma festa infantil no
parque.

—te assegure de te passar pela loja de brinquedos para ver o Maggie —acrescentou.

—Está seguro? —perguntou-lhe Sam, não muito convencido.

—Sim. Todo mundo quer que lhes conheçam, Maggie incluída. Assim vê. Convida-a a
sair se você gosta.

—Não sei —disse Sam—. Com a cara que puseste...

—Que cara?

—A que põe justo antes de lhe dar uma surra a alguém.

—Não vou lhe dar uma surra a ninguém —replicou com calma—. Não é minha. Estou
com o Shelby.

—E por que tenho a sensação de que convidar a sair ao Maggie seria como te tirar a
noiva?

—Nem de coña. Estou com o Shelby.

Sam se pôs-se a rir pelo baixo e se arranhou a cabeça.

—Seu novo mantra. Vale, jogarei-lhe um olho.

Mais tarde Sam voltou para casa com o Holly, que o tinha passado em grande durante
os festejos do Halloween e que tinha cheio uma cabaça de plástico com caramelos. Com
muita cerimônia, estenderam os caramelos na mesa, admiraram-nos e Holly escolheu
um par para comer-lhe nesse preciso momento.

—Vale, hora de banhar-se —disse Mark, que se agachou para que Holly lhe subisse à
costas—. Acredito que é a fada mais suja e pegajosa que vi na vida.

—Você não crie nas fadas —replicou Holly com uma risilla enquanto a levava nas
costas à planta superior.
—claro que sim. Tenho uma aqui mesmo.

depois de encher a banheira e lhe deixar uma camisola limpa e uma toalha sobre a
tampa do inodoro, Mark voltou a baixar. Sam tinha terminado de guardar os caramelos
em uma bolsa enorme e estava recolhendo a cozinha.

—E bem? —perguntou Mark com voz resmungona—. Lhes passaram pela loja?

—Passamo-nos por uma vintena de lojas. O povo era um hervidero de gente.

—Refiro-me à loja de brinquedos —particularizou Mark entre dentes.

—Ah, que me perguntava pelo Maggie. —Sam tirou uma cerveja do frigorífico—. Sim,
e é um bombom. E Holly está louca por ela. sentou-se no mostrador e ajudou ao Maggie
a dar caramelos aos meninos. Acredito que se teria ficado toda a noite se a sotaque. —
deteve-se com a cerveja a meio caminho—. Mas não vou convidá-la a sair.

Mark o olhou com expressão alerta.

—por que não?

—Fez-me o Heisman.

—O que?

—Já sabe... —Sam imitou a pose, com um braço estendido e preparado para bloquear a
um rival, do troféu Heisman que todos os anos se outorgava ao melhor jogador de
futebol americano—. Foi muito simpática, mas não estava interessada.

—Pois deveria está-lo —replicou Mark, molesto—. Está solteiro, não tem má planta...
Que problema tem?

Sam se encolheu de ombros.

—É viúva. Talvez segue sentindo falta da seu marido.

—Já é hora de que o esqueça —protestou—. aconteceram dois anos. Tem que começar
a viver de novo. Tem que arriscar-se com outra pessoa.

—Como você? —perguntou Sam com sagacidade.

Mark o fulminou com o olhar.

—Estou com o Shelby.

—Sim, já me há isso dito —repôs seu irmão com uma gargalhada—. Segue repetindo-o,
que ao melhor até lhe crie isso ao final.

Mark subiu de novo, contrariado. havia-se dito que não era assunto dele se Maggie
voltava a sair com alguém, se acaso o fazia. Então, por que lhe incomodava tanto a
situação?
Holly já estava em seu dormitório, com sua camisola rosa posto e tombada na cama, à
espera de que a agasalhasse. A lamparita estava acesa e seu cálida luz se filtrava através
da tela rosa. Holly olhava fixamente as asas de seu disfarce, que estavam penduradas do
respaldo de uma cadeira. Sua cara, de pele sedosa e branca, estava avermelhada. Ao
Mark lhe encolheu o coração ao dar-se conta de que a menina tinha os olhos cheios de
lágrimas.

sentou-se na cama e a estreitou entre seus braços.

—O que acontece? —sussurrou—. por que chora?

Holly lhe respondeu com voz entrecortada:

—Eu gostaria que mamãe pudesse lombriga com meu disfarce.

Mark beijou essa juba loira e a delicada curva de uma orelha. limitou-se a abraçá-la com
força um bom momento.

—Eu também a sinto falta de —disse ao final—. Acredito que te está observando,
embora você não possa vê-la nem ouvi-la.

—Como um anjo?

—Sim.

—Crie nos anjos?

—Sim —respondeu sem vacilar, apesar de que sempre havia dito e pensado justamente
o contrário. Porque não tinha motivos para fechar-se à possibilidade, sobre tudo se a
idéia consolava ao Holly.

A menina se apartou um pouco para olhá-lo à cara.

—Não sabia que acreditava nos anjos.

—Pois o faço —lhe assegurou—. A fé é uma eleição pessoal. Posso acreditar nos anjos
se quiser.

—Eu também acredito nos anjos.

Mark lhe acariciou o cabelo.

—Ninguém poderá substituir jamais a sua mãe. Mas eu te quero tanto como ela e
sempre te cuidarei. E Sam também.

—E o tio Alex.

—E o tio Alex. Mas estava pensando uma coisa... E se me caso com alguém para que
me ajude a te cuidar, alguém que te queira como uma mãe? Você gostaria?

—Mmmm.
—O que te parece Shelby? Cai-te bem, verdade?

Holly meditou a resposta.

—Apaixonaste-te por ela?

—Tenho-lhe carinho. Muito.

—supõe-se que não deve te casar com alguém se não estar apaixonado.

—Bom, o amor é outra eleição pessoal.

Holly meneou a cabeça.

—Pois eu acredito que é algo que te passa.

Mark sorriu ao ver essa carita ansiosa.

—Talvez é as duas coisas —replicou antes de agasalhá-la.

O fim de semana seguinte Mark foi a Seattle para ver o Shelby. A festa de compromisso
de sua prima se celebraria na sexta-feira de noite no Clube Náutico de Seattle, no
Portage Bay. Era outro passo em sua progressiva relação: assistir a um evento familiar e
conhecer os pais do Shelby. Esperava levar-se bem com eles. Pela descrição do Shelby,
pareciam pessoas decentes e muito normais.

—Os vais querer, já o verá —lhe disse ela—. E eles lhe vão querer muitíssimo.

O uso do verbo «querer» fez que Mark se esticasse. De momento, nem Shelby nem ele
tinham chegado a dizer«Te quero», mas estava seguro de que ela morria por fazê-lo. E
isso fazia que se sentisse muito culpado, porque não estava esperando ansioso o
momento. É obvio, responderia em consonância. E o diria a sério, mas certamente não
com o sentido com o que ela sonhava.

Uns poucos meses antes haveria dito que era incapaz de sentir amor. Entretanto, Holly
lhe tinha demonstrado justamente o contrário. Porque o sentimento de querer proteger
ao Holly, de querer dar-lhe tudo, e esse atávico impulso de fazê-la feliz... Era amor, não
lhe cabia a menor duvida. Nada do que tivesse sentido até esse momento podia
comparar-se o —No dejes que se acueste tarde —le ordenó con severidad—. No dejes
que coma porquerías. Y como se salte la siguiente dosis de ibuprofeno, te voy a...

na sexta-feira pela tarde, embarcou em um vôo para Seattle, preocupadísimo porque


Holly havia tornado do colégio com um pouco de febre. Trinta e sete com sete, para ser
exatos.

—Deveria cancelá-lo —disse ao Sam.


—Está de coña, verdade? Shelby te mataria. Tenho-o tudo sob controle. Holly estará
bem.

—Não deixe que se deite tarde —lhe ordenou com severidade—. Não deixe que coma
porcarias. E como se salto a seguinte dose de ibuprofeno, vou A...

—Que sim, que já sei. Não vai passar nada.

—Se Holly seguir mau manhã, o pediatra passa consulta os sábados até o meio-dia...

—Sei. Sei tudo o que você sabe. Se não for agora mesmo, perderá o vôo.

partiu a contra gosto depois de lhe dar uma dose de ibuprofeno ao Holly. Deixou-a
tombada no sofá, vendo um filme. Parecia muito pequena e frágil, com a cara muito
branca. Preocupava-lhe deixá-la, embora Sam lhe tinha assegurado que não passaria
nada.

—Não vou separar me do móvel —disse ao Holly—. Se quer falar comigo ou me


necessita, me chame quando quiser. Vale, carinho?

—Vale. —E Holly lhe deu de presente esse sorriso trincado que sempre lhe derretia o
coração.

inclinou-se sobre ela, deu-lhe um beijo na frente e logo se esfregaram o nariz.

Sentava-lhe mal sair da casa e dirigir-se ao aeroporto. Seu instinto lhe gritava que
ficasse. Mas sabia quão importante era esse fim de semana para o Shelby e não queria
lhe fazer danifico nem envergonhá-la ao não ir a um evento familiar.

Uma vez em Seattle, Shelby foi recolher o ao aeroporto em seu BMW Z4. Levava um
vestido negro muito elegante, saltos negros e o cabelo loiro solto. Uma mulher bonita e
elegante. Qualquer homem teria sorte de estar com ela, pensou. Gostava de Shelby.
Admirava-a. Desfrutava de sua companhia. Mas a falta de discórdia e de intensidade
entre eles, que até esse momento lhe parecia estupenda, tinha começado a preocupá-lo.

—Vamos jantar com o Bill e Allison antes da festa —disse ela.

Allison era a melhor amiga do Shelby da universidade e nesse momento era a mãe de
três meninos.

—Estupendo. —Mark esperava poder esquecer-se do Holly o suficiente para desfrutar


do jantar. tirou-se o móvel do bolso para comprovar se tinha mensagens do Sam.

Nada.

Ao precaver-se de que tinha o cenho franzido, Shelby lhe perguntou:

—Como está Holly? Segue pachucha?

Mark assentiu com a cabeça.


—até agora nunca se havia posto doente. Ao menos, não desde que está comigo. Tinha
febre quando saí de casa.

—Lhe acontecerá —foi a resposta tranqüilizadora do Shelby. Tinha um sorriso nos


lábios ligeiramente maquiados—. Me resulta enternecedor que esteja tão preocupado
por ela.

dirigiram-se a um restaurante minimalista do centro de Seattle, cuja estadia principal


estava dominada por uma pirâmide de garrafas de vinho de seis metros de alto. Pediram
um excelente pinot noir e Mark apurou sua taça a toda pressa com a esperança de que o
ajudasse a relaxar-se.

Tinha começado a chover e a água golpeava os ventanales. A chuva caía com


tranqüilidade, mas de forma contínua, e as nuvens se moviam pelo céu como se fossem
lençóis recém tirados da secadora. Os edifícios aguardavam pacientes a que terminasse
o açoite dos elementos, deixando que a tormenta formasse quebradas sobre o
pavimento, as sarjetas cobertas de vegetação e as zonas ajardinadas. Seattle era uma
cidade que sabia o que fazer com a água.

Enquanto observava os desenhos que criavam os jorros de água que se deslizavam pelas
fachadas de pedra e cristal dos edifícios, Mark não deixava de pensar na noite chuvosa
de fazia menos de um ano que o tinha trocado tudo. Compreendeu que antes de que
Holly chegasse a sua vida, tinha medido suas emoções como se fossem uma substância
finita. Nesse momento não tinha possibilidade alguma das conter. o de ser pai
melhorava com o tempo? Chegava um momento no que alguém deixava de preocupar-
se?

—É uma faceta nova —disse Shelby com um sorriso curioso quando o viu comprovar
seu móvel por enésima vez durante o jantar—. Carinho, se Sam não te chamou, quer
dizer que tudo está bem.

—Talvez quer dizer que algo vai mau e que não teve tempo para me chamar —replicou.

Allison e Bill, o outro casal, olharam-se com o sorriso e a expressão de superioridade


dos pais experimentados.

—É mais duro com o primeiro —afirmou Allison—. Te leva um susto de morte cada
vez que lhes dá febre... mas com o segundo ou o terceiro já deixa de preocupar-se tanto.

—Os meninos são muito resistentes —acrescentou Bill.

Embora sabia que essas palavras estavam pensadas para tranqüilizá-lo, não lhe serviram
de nada.

—Será um bom pai algum dia —disse Shelby ao Allison com um sorriso.
Essa adulação, que certamente tinha pronunciado para agradá-lo, só conseguiu despertar
sua irritação. Algum dia? Já era pai. Ser pai implicava algo mais que a mera
contribuição biológica... De fato, isso era o de menos.

—Tenho que chamar o Sam, agora volto —disse ao Shelby—. Só quero saber se lhe
baixou a febre.

—Vale, se assim deixar de preocupar-se... —replicou Shelby—. A ver se podemos


desfrutar de do resto da noite. —Lançou-lhe um olhar eloqüente—. Te parece?

—É obvio. —inclinou-se sobre ela e lhe deu um beijo na bochecha—. me Perdoem. —


levantou-se da mesa, saiu ao vestíbulo do restaurante e tirou o móvel. Sabia que Shelby
e o outro casal acreditavam que se estava passando, mas lhe importava uma mierda.
Tinha que averiguar se Holly se encontrava bem.

Seu irmão agarrou o telefone.

—Mark?

—Sim. Como vai?

Sua pergunta foi recebida com um silêncio enervante.

—Pois não muito bem, a verdade.

ficou gelado ao escutá-lo.

—Como que «não muito bem»?

—Começou a vomitar pouco depois de que fosse. esteve vomitando após. Juro-te que é
incrível que um corpo tão pequeno possa soltar tanto vômito.

—O que tem feito? chamaste ao médico?

—Claro que o chamei.

—E o que te há dito?

—Que provavelmente seja a gripe e que lhe desse de beber líquidos em pequenos
sorvos para rehidratarla. Há-me dito que é possível que o ibuprofeno lhe tenha sentado
mau, de modo que agora nos passamos ao paracetamol.

—Segue com febre?

—Tinha quase trinta e nove a última vez que lhe pus o termômetro. O problema é que
não agüenta o medicamento o suficiente como para que lhe faça efeito.

Mark apertou com força o móvel. Nunca tinha desejado algo com tanta intensidade
como desejava nesse momento estar de retorno na ilha para poder cuidar do Holly.

—Tem tudo o que necessita?


—A verdade é que tenho que me passar por uma loja para comprar algumas costure que
necessito como gelatina e caldo de frango, assim vou chamar a alguém para que a cuide
enquanto estou fora.

—Agora mesmo me volto para casa.

—Não, disso nada. Tenho uma lista larguísima de gente a que posso chamar. Y... Deus,
outra vez está vomitando. Deixo-te.

A chamada se cortou. Mark tentou pensar pese ao pânico que o atendia. Chamou à
companhia aérea para reservar um assento no próximo vôo de volta ao Friday Harbor,
pediu um táxi por telefone e retornou à mesa.

—Graças a Deus! —exclamou Shelby com um sorriso tenso—. Já me estava


perguntando por que demorava tanto.

—Sinto muito. Mas Holly está muito doente. Tenho que retornar a casa.

—Esta noite? —perguntou Shelby com o cenho franzido—. Agora?

Mark assentiu com a cabeça e descreveu a situação. Allison e Bill pareciam entender o
problema, mas Shelby parecia cada vez mais preocupada. Essa amostra de preocupação
pelo Holly fez que experimentasse uma nova conexão com ela. perguntou-se se
consideraria a possibilidade de viajar com ele. Não o pediria, mas se ela se oferecia...

Shelby ficou em pé e lhe tocou o braço ligeiramente.

—vamos falar um momento em privado. —Lhe deu de presente um sorriso forçado ao


Allison—. Agora mesmo voltamos.

—Claro. —E as duas intercambiaram um desses insondáveis olhares femininos que


anunciava que algo se estava barruntando.

Shelby o acompanhou até a entrada do restaurante e o levou a um rincão, onde ninguém


os incomodaria.

—Shelby... —disse-lhe.

—Olhe —o interrompeu ela com suavidade—, não quero te pôr na tesitura de ter que
escolher entre o Holly e eu... mas ela estará bem sem ti. Eu, não. Quero que me
acompanhe à festa de esta noite e conheça minha família. Não vais fazer nada pelo
Holly que Sam não esteja fazendo já.

Quando por fim terminou de falar, a sensação de calidez e de conexão que tinha sentido
Mark tinha desaparecido por completo. Por muito que tivesse afirmado o contrário,
queria que escolhesse entre o Holly e ela.
—Sei —repôs—. Mas quero ser eu quem a cuide. Além disso, é impossível que me
passe isso bem sabendo que minha menina está doente. Passaria-me todo o tempo em
um rincão com o móvel na mão.

—Mas Holly não é tua. Não é sua filha.

Mark a olhou como se não a tivesse visto na vida. O que estava insinuando? Que a
preocupação que sentia pelo Holly não era legítima porque não se tratava de sua filha
biológica? Que não tinha direito a preocupar-se com ela até esse ponto?

Em ocasiões, as coisas mais importantes se revelavam nos momentos mais inesperados.


E com essas palavras, a relação entre o Shelby e ele acabava de sofrer uma mudança
radical. Estava sendo irracional? Estava exagerando? Importava-lhe uma mierda. Sua
prioridade era Holly.

Quando Shelby viu a expressão do Mark, elevou a vista com impaciência.

—Não queria dizer o dessa maneira.

Mark reorganizou metodicamente as palavras para extrair uma verdade muito mais
certeira. Shelby tinha querido dizer o que havia dito, soasse como soasse.

—Não passa nada. —Fez uma pausa enquanto sentia que os laços de sua relação foram
caindo durante a conversação, cortados pela machadada que tinha significado cada uma
dessas palavras—. Mas é minha, Shelby. É minha responsabilidade.

—Também a do Sam.

Meneou a cabeça ao escutá-la.

—Sam me está dando uma mão. Mas eu sou seu tutor legal.

—Está-me dizendo que necessita a dois adultos revoando a seu redor?

Mark respondeu com muita delicadeza:

—Tenho que estar ali.

Shelby assentiu com a cabeça.

—Vale. Salta à vista que é uma tolice discutir sobre o assunto agora mesmo. Quer que
te leve a aeroporto?

—chamei a um táxi.

—Ofereceria-me para te acompanhar, mas quero estar com minha prima esta noite.

—Entendo-o perfeitamente. —Colocou-lhe uma mão na base das costas em um gesto


pensado para acalmá-la. Tinha as costas muito rígida e fria, como se fosse feita de
gelo—. Eu me faço cargo do jantar. Deixarei-lhe meu número de cartão de crédito a
maître.

—Obrigado. Estou segura de que Bill e Allison apreciarão o gesto. —Shelby parecia
abatida—. me Chame mais tarde para me dizer que tal está Holly. Embora esteja segura
de que estará perfeitamente.

—De acordo.

inclinou-se para beijá-la e Shelby voltou a cara, de modo que acabou lhe beijando a
bochecha.

CAPÍTULO 09

O trajeto em táxi até o aeroporto lhe fez eterno. O vôo de volta ao Friday Harbor, tão
lento que estava convencido de que teria chegado antes em canoa. Quando por fim
chegou à casa, eram quase as dez da noite. junto à entrada havia um carro desconhecido,
um Chrysler branco.

Entrou pela porta traseira, pela que se acessava diretamente à cozinha. Sam estava
servindo uma taça de vinho. Parecia parecer pó. Tinha a parte dianteira da camiseta
molhada e o cabelo alvoroçado. Na encimera, havia um montão de botes de
medicamentos e copos vazios, assim como uma jarra de plástico com uma bebida
isotónica.

Sam o olhou surpreso e meneou a cabeça.

—Sabia que não devia te dizer nada —disse, resignado—. Deus, Shelby deve estar
furiosa!

Mark soltou a bolsa de viagem e se tirou a jaqueta.

—Dá-me exatamente igual. Como está Holly? De quem é o carro que está na entrada?

—Do Maggie. E Holly está melhor. Leva uma hora e meia sem vomitar.

—por que chamaste ao Maggie? —perguntou Mark, confundido.

—Porque ao Holly gosta. E quando a conheci no Halloween, disse-me que a chamasse


se alguma vez necessitava ajuda com o Holly. Primeiro chamei o Alex, mas não
respondeu. Assim que a chamei a ela. E veio ao momento. Deus, é genial. Enquanto eu
ia à farmácia, deu ao Holly um banho temperado, limpou-o tudo e obteve que se
tomasse um pouco de xarope.

—Já não tem febre?


—De momento não. Mas sobe a momentos. Temos que seguir controlando-a.

—Eu ficarei com ela esta noite —disse Mark—. Você vete a descansar um pouco.

Sam lhe ofereceu um sorriso cansado antes de beber um sorvo de vinho.

—Poderia havê-lo feito sozinho, mas te agradeço que haja tornado.

—Tinha que fazê-lo. Lhes teria amargurado a festa, pois tivesse passado a noite
preocupado pelo Holly.

—O que há dito Shelby?

—Não lhe gostou de um cabelo.

—Lhe passará. Um buquê de flores e umas sentidas desculpas, e assunto arrumado.

Mark fez um gesto irritado com a cabeça, negando as palavras de seu irmão.

—Não me importa me desculpar, mas o meu com o Shelby não vai funcionar.

Sam abriu os olhos de par em par.

—vais cortar com ela por isso?

—Não é por isso. É que levo um tempo... Enfim, dá igual. Logo lhe o conto. Tenho que
ver o Holly.

—Se o deixarem, te assegure de lhe dizer que me ofereço para que se vingue de ti
deitando-se comigo —disse seu irmão enquanto ele caminhava para a escada.

O corredor que levava a dormitório do Holly cheirava a amoniaco e sabão. A luz do


abajur banhava com suavidade o grosseiro parquet do chão. Mark tentou imaginar a
impressão que causaria a casa em um estranho. As estadias sem terminar, o chão sem
lixar, as paredes sem pintar... As reformas estavam em pleno processo. Nesse momento,
concentravam seus esforços em remodelar a estrutura para que a casa fora segura e
sólida, de modo que ainda não tinham feito nada com respeito à decoração. Seguro que
Maggie se ficou espantada.

Chegou ao dormitório do Holly, mas ficou justo na porta. Maggie estava deitada com
sua sobrinha, que descansava acurrucada contra ela. A seu outro lado havia um novo
peluche.

Maggie parecia uma adolescente, com o cabelo recolhido em um acréscimo e sem rastro
de maquiagem. Uma nuvem de sardas douradas lhe cobria o nariz e as bochechas.
Estava-lhe lendo ao Holly, que tinha os olhos muito brilhantes, mas parecia tranqüila.

Holly o olhou com expressão dormitada e confusa.

—tornaste.
Mark se aproximou da cama, inclinou-se sobre ela e lhe acariciou a frente, lhe jogando
o cabelo para trás. Aproveitou o momento para comprovar sua temperatura.

—É obvio que eis voltado —murmurou—. Não podia estar longe se minha menina
estiver má.

—vomitei —lhe informou Holly com solenidade.

—Sei, carinho.

—E Maggie me trouxe um osito de peluche novo, e me banhou Y...

—Silêncio, supõe-se que deve dormir.

Olhou ao Maggie e seus olhos escuros o capturaram. Teve que fazer um grande esforço
para não alargar um braço e tocá-la. Para não passar as gemas dos dedos por essa alegre
chuva de sardas que lhe salpicava o nariz.

Maggie sorriu.

—Uma página mais e assim acabamos o capítulo? —perguntou-lhe, e ele assentiu com a
cabeça.

Enquanto ela seguia com a leitura, Mark se apartou e se sentou no bordo da cama.
Cravou a vista no Holly e viu como fechava os olhos. Sua respiração era tranqüila e
compassada. Notou uma mescla de ternura, alívio e ansiedade no peito.

—Tio Mark —sussurrou a menina quando o capítulo chegou a seu fim ao tempo que
movia uma de seus manitas por cima do cobertor para aproximá-la a ele.

—O que?

—Sam me há dito... —começou antes de fazer uma pausa para bocejar— que posso me
comer um pólo para tomar o café da manhã.

—Parece-me bem. —Mark lhe levantou a mão para lhe dar um beijo—. Dorme —
murmurou—. Esta noite ficarei contigo.

Holly se acurrucó entre os almofadões e dormiu. Maggie se separou dela com


delicadeza para sair da cama. Levava uns jeans, sapatilhas esportivas e uma sudadera de
algodão rosa que lhe tinha subido até a cintura, deixando à vista um trocito de pele
clara. ruborizou-se ao dar-se conta e atirou do objeto para baixar-lhe mas não antes de
que Mark lhe tivesse jogado uma olhada a essa íntima extensão de pele.

Saíram juntos do dormitório depois de apagar a lamparita, embora deixaram acesa uma
luz noturna.

—Obrigado —disse Mark em voz baixa enquanto precedia ao Maggie pelo corredor de
caminho à escada—. Sinto muito que Sam tenha tido que te chamar. Não deveria me
haver movido daqui.
—Não me tem suposto problema algum. De todas formas, não tinha outra coisa que
fazer.

—Não é divertido fazer-se carrego dos meninos doentes de outros.

—Estou acostumada a atender doentes. Nada me incomoda. E Holly é tão carinhosa que
faria algo por ela.

Mark alargou um braço para tomar a da mão e a escutou conter o fôlego.

—Tome cuidado, o estou acostumado a está desnivelado nesta parte. Ainda não
acabamos que reparar o parquet.

Maggie rodeou sua mão com os dedos e ele a imitou, de modo que o gesto se converteu
em algo íntimo enquanto lhe permitia conduzi-la até a escada.

—A casa parece um quadro —comentou Mark.

—Está genial. Tem uma estrutura maravilhosa. Quando acabarem de remodelá-la, será a
casa mais bonita da ilha.

—Acredito que não acabaremos na vida —replicou Mark, e ela pôs-se a rir.

—Vi que já acabastes duas habitações, que estão preciosas por certo, o dormitório do
Holly e seu quarto de banho. Isso diz muito. —Soltou-o para aferrar o passamanes.

—Deixa que eu baixe primeiro —disse ele.

—por que?

—Porque se te cai, poderei te agarrar.

—Não vou cair me —protestou ela, mas lhe permitiu descer em primeiro lugar.

Mark era muito consciente do suave timbre de sua voz enquanto descendiam os degraus.

—Trouxe-te o recipiente térmico —a ouviu dizer—. Por sua culpa, tornei a beber café.
Embora, de momento, não encontrei outro que esteja tão bom como o teu.

—Tenho um ingrediente secreto.

—Qual?

—Não lhe posso dizer isso —Siempre que quieras.

—por que não?

—Porque se lhe digo isso, já não virá a por mais café.

Suas palavras foram recebidas por um breve silêncio enquanto Maggie tratava de
interpretar o comentário.
—Voltarei amanhã pela manhã para ver como está Holly antes de abrir a loja. Isso
significa que poderei me levar o recipiente térmico cheio outra vez?

—Sempre que querer.

Tinham chegado ao pé da escada, de modo que Mark se voltou para agarrar ao Maggie
justo antes de que perdesse o equilíbrio.

—Ai! —exclamou ao tempo que alargava um braço para apoiar-se nele, embora mas
bem acabou pega por completo a seu corpo.

Mark a ajudou a recuperar o equilíbrio lhe aferrando os quadris. Alguns cachos lhe
roçaram uma bochecha, uma carícia fresca e sedosa que o excitou imediatamente.
Maggie estava no último degrau, apoiada nele, totalmente a sua mercê. E era muito
consciente dela, dessa deliciosa tensão que tanto ansiava aliviar.

—O passamanes acaba antes de chegar ao último degrau —lhe disse. Era uma das
raridades da casa às que tanto Sam como ele se acostumaram, mas que pilhavam por
surpresa às visitas.

—por que não me avisaste? —sussurrou ela, cujas mãos seguiam apoiadas em seus
ombros.

Seria muito fácil atirar dela para beijá-la. Mas seguiu sem mover-se, sustentando-a de
forma que pareciam estar abraçados. Estavam tão perto que notava o roce de seu fôlego.

—Ao melhor porque queria te apanhar —respondeu.

Maggie soltou uma risilla nervosa que pôs de manifesto o desconcertada que se sentia.
Mark notou a suave pressão de seus dedos, que o exploravam com sutileza. Entretanto,
não demonstrou sinal alguma de que o desejasse, não fez o menor movimento para
aproximar-se dele nem para afastar-se. limitou-se a esperar sem mover-se.

Mark se apartou e a ajudou a baixar o último degrau, depois do qual caminharam para o
suave resplendor da cozinha.

Sam tinha apurado sua taça de vinho e se estava servindo outra.

—Maggie —disse com uma nota afetuosa na voz, como se se conhecessem desde fazia
anos—, meu co-piloto.

Ela se pôs-se a rir.

—Há mulheres co-pilotos?

—As mulheres são os melhores co-pilotos do mundo —lhe assegurou Sam—. Gosta de
uma taça de vinho?

Ela negou com a cabeça.


—Obrigado, mas preciso voltar para casa. Tenho que tirar meu cão.

—Tem cão? —perguntou-lhe Mark.

—Em realidade, tenho-o em acolhida. Uma de meus amigas organizou um programa de


resgate e adoção de animais na ilha, e me convenceu para que me fizesse cargo dele até
que lhe encontre um lar definitivo.

—De que raça é?

—É um bulldog. O pobre tem todos os problemas que pode desenvolver a raça:


problemas nas articulações, prognatismo, alergias cutâneas, roncos... e, para cúmulo,
Renfield não tem rabo. Nasceu com o rabo investido e o tiveram que amputar.

—Renfield? Como o servente da Drácula que comia insetos? —perguntou Mark.

—Sim, estou tratando de lhe encontrar um lado bom a sua fealdade. De fato, acredito
que tem um puntito de nobreza. O pobre não tem nem idéia de quão feio é, mas espera
que o queiram de todas formas. Entretanto, muita gente nem sequer é capaz de acariciá-
lo. —Brilhavam-lhe os olhos e acabava de esboçar um sorriso triste—. Começo a me
desesperar. Vejo-me carregando com ele de por vida.

Mark a olhou fascinado. Havia uma bondade nela que resultava tão sedutora como
íntimo. Parecia uma mulher nascida para ser feliz, para dar amor a cestas, para cuidar de
um cão que ninguém queria.

Nesse momento recordou que lhe havia dito que, depois do calvário que supôs a morte
de seu marido, não ficava nada que oferecer. Não obstante, o certo era que tinha
muitíssimo que oferecer.

Sam se tinha aproximado dela e lhe tinha jogado um braço pelos ombros.

—Esta noite salvaste uma vida —lhe assegurou.

—A vida do Holly não perigou em nenhum momento —replicou ela.

—Referia-me à minha. —Sam olhou ao Mark com um sorriso—. Acredito que é


consciente de que um dos dois tem que casar-se com ela.

—Não são meu tipo —lhe soltou Maggie, a que lhe escapou uma risilla tola quando
Sam a jogou para trás, em uma pose ao mais puro estilo Valentino.

—Contigo se enche o vazio de minha alma —disse Sam com fingida paixão.

—Como me deixa cair, você Mato —lhe advertiu ela.

Mark observou a cena consumido pelo ciúmes. Porque pareciam muito cômodos o um
com o outro, como se se tivessem feito amigos imediatamente. E o fingido cortejo de
seu irmão lhe pareceu uma brincadeira para os sentimentos que albergava pelo Maggie.
—Tem que ir-se a casa —recordou ao Sam com brutalidade.

Seu irmão captou o deixe de sua voz e lhe lançou um olhar ladino enquanto alargava o
sorriso. Endireitou ao Maggie, deu-lhe um abraço fugaz e, depois de soltá-la, agarrou
sua taça de vinho.

—Meu irmão te acompanhará ao carro —disse—. O faria eu, mas tenho que apurar o
vinho.

—Posso ir sozinha —protestou ela.

Mark a acompanhou de todas formas.

A noite de novembro era fria e desagradável, e as nuvens cobriam grande parte do céu
escuro. Caminharam para o carro pelo caminho de cascalho, que lhes cravava na sola
dos sapatos.

—Quero te perguntar uma coisa —lhe disse Mark quando chegaram junto ao carro.

—O que? —replicou ela com certo receio.

—E se deixa ao Renfield amanhã pela manhã? Poderia passar o dia com o Holly. E eu
me poderia levar isso a fazer umas quantas coisas. Cuidaremo-lo bem.

Estava muito escuro para ver sua expressão, mas a surpresa tingia a voz do Maggie
quando disse:

—De verdade? Estou segura de que ao Renfield adorará. Embora não acredito que você
goste que lhe vejam com ele.

Estavam junto ao carro, o um fronte ao outro, olhando-se graças a tênue luz que lhes
chegava das janelas da cozinha. Os olhos do Mark já se adaptaram à penumbra.

—A verdade é que tirar passear ao Renfield é um pouco abafadiço —seguiu ela—. A


gente sempre lhe olhe. E te pergunta se se brigou com uma cortadora de grama ou algo.

Tinha-o por um intolerante? Por um tio curto de idéias? Acreditava- incapaz de passar
pelo menos um dia em companhia de uma criatura que carecia de atrativo físico porque
não cumpria suas expectativas? Joder! Acaso não tinha visto a casa onde vivia?

—lhe traga disse sem mais.

—Vale. —Soltou uma risilla e depois recuperou a seriedade—. Supostamente foste


passar o fim de semana com o Shelby.

—Sim.

—por que não veio contigo?

—Queria ficar para assistir à festa de compromisso de sua prima.


—Ah! —exclamou com um fio de voz—. Espero que não... haja problemas.

—Eu não o chamaria assim. Mas as coisas não vão bem entre nós.

Suas palavras foram recebidas por um comprido silencio. Até que Maggie comentou:

—Mas se fizerem um casal perfeito...

—Não sei eu se isso for uma boa base para uma relação.

—Crie que é melhor parecer muito distinto? —Bom, isso dá para mais temas de
conversação. Maggie Rio entre dentes.

—Enfim, espero que o solucionem —lhe desejou enquanto se voltava para o carro para
abrir a porta. Uma vez que arrojou a bolsa ao interior, deu-se meia volta para olhá-lo. A
luz do salpicadero a iluminava desde atrás.

—Obrigado por cuidar do Holly —sussurrou Mark—. Significa muito para mim. Se
alguma vez necessitar algo, o que seja, que saiba que pode contar comigo. Para algo.

—É um encanto —replicou ela com expressão tenra.

—Não sou um encanto.

—Sim que o é. —E, de forma impulsiva, aproximou-se dele e o abraçou, ao igual a


tinha feito com o Sam.

Mark a rodeou com os braços. Por fim sabia o que era tê-la entre seus braços, pega a
ele. Seus peitos, seus quadris, suas pernas e inclusive sua cabeça, já que se tinha posto
nas pontas dos pés para apoiá-la em um de seus ombros. abraçaram-se em silêncio um
momento, e depois fizeram gesto de separar-se de uma vez.

Entretanto, produziu-se um instante de tensão que não durou mais de um segundo. E


logo voltaram a abraçar-se, um gesto que lhes pareceu tão natural e inevitável como a
força das marés. abraçaram-se de novo, e nessa ocasião foi um momento apaixonado,
mais sensual e excitante. Ansiava senti-la por completo. Inclinou a cabeça para
aproximar-se de seu cabelo e a estreitou com força.

Maggie tinha a cara parcialmente enterrada em seu pescoço e o roce de seu fôlego lhe
queimava a pele, despertando desejos latentes, desejos irresistíveis, inoportunos por sua
ferocidade. Sem ser consciente do que fazia, procurou a fonte dessa atração, a suavidade
de seus lábios. E a beijou, só uma vez.

Notou-a tremer enquanto se pegava mais a ele, como se procurasse proteger do frio.
separou-se de seus lábios e a beijou detrás da orelha, inalando seu perfume, desfrutando
da suavidade de sua pele. O desejo fez que seus movimentos fossem torpes ao princípio,
mas de todas formas descendeu por seu pescoço com os lábios até chegar ao bordo da
sudadera antes de voltar a subir. Notou como lhe arrepiava a pele à medida que seus
lábios a percorriam. Escutou-a ofegar. Ao ver que não resistia, apoderou-se de novo de
sua boca para beijá-la com toda a paixão que requeria o momento. Explorou seus lábios,
degustou seu sabor e deixou que as sensações se convertessem em algo básico e
descontrolado.

Maggie respondeu de forma tímida ao princípio, sem mover apenas os lábios.


Entretanto, seu corpo seguia amoldado ao dele, rendido e depravado. Em um momento
dado, notou que perdia o equilíbrio, de modo que lhe colocou uma mão nos quadris para
aproximá-la ainda mais a ele. E seguiu beijando-a com frenesi até que escutou quão
gemidos brotavam do fundo de sua garganta, até que notou seus dedos lhe acariciar o
cabelo com delicadeza.

Entretanto, ao cabo de um momento se separou dele com um empurrão. A palavra


«não» flutuou entre eles de forma tão etérea que não esteve seguro de que Maggie a
tivesse pronunciado.

Soltou-a sem opor resistência, embora seu corpo acusou o enorme esforço que lhe supôs
deixá-la partir.

Maggie trastabilló para trás e se apoiou em seu carro com uma expressão tão
horrorizada na cara que se teria posto-se a rir de não ter estado tão excitado. Respirou
fundo umas quantas vezes para recuperar o fôlego enquanto obrigava a seu corpo a que
se relaxasse. E enquanto se obrigava a manter-se afastado dela.

Maggie foi primeira em falar.

—Não deveria haver... Não queria... —Falhou-lhe a voz, e acabou meneando a cabeça
com desespero—. Ai, Deus!

Mark tentou que sua voz soasse normal.

—Voltará amanhã pela manhã?

—Não sei. Sim. É possível.

—Maggie...

—Não. Agora não. Não posso... —A tensão de sua voz era evidente, como se estivesse
ao bordo das lágrimas. Entrou no carro e o pôs em marcha.

Enquanto a observava do caminho de cascalho, ela conduziu até a estrada principal e


partiu sem olhar atrás.

CAPÍTULO 10

O alarme despertou ao Maggie com seus revoltantes assobios, que começaram a


intervalos regulares e foram aumentando de freqüência e de volume até converter-se
quase em uma sereia que a obrigou a sair da cama. Com um gemido e a tropicões,
chegou à cômoda e apagou o despertador. Tinha-o colocado longe a propósito, já que
fazia muito que tinha aprendido que, se o deixava na mesita de noite, era capaz de
pulsar o botão para desconectar o alarme sem chegar a despertar de tudo.

Escutou os arranhões de umas patas sobre o chão de madeira instantes antes de que a
porta do dormitório se abrisse para deixar passo a enorme cabeça quadrada do Renfield,
com seu evidente prognatismo. «Tacham!», parecia dizer sua expressão, como se ver
um bulldog médio calvo, ofegante e com problemas de mandíbula fora a melhor
maneira de começar o dia. As calvas eram o resultado de um eczema, que os
antibióticos e uma dieta especial tinham conseguido controlar. Mas de momento não
havia lhe tornado a crescer o cabelo. A má estrutura óssea lhe conferia um aspecto
estranho quando caminhava ou corria, como se fora em diagonal.

—bom dia, monstro —disse Maggie, que se agachou para acariciá-lo—. Miúda
noitinha. —Logo que tinha dormido. E se tinha passado a noite dando voltas e
sonhando.

Nesse momento, recordou por que não tinha dormido bem.

Lhe escapou um gemido e sua mão ficou quieta na cabeça pelada do Renfield.

O beijo do Mark... Assim como sua resposta ao beijo do Mark...

E não ficavam muitas alternativas, teria que vê-lo ao cabo de um momento. Se não o
fazia, Mark poderia tirar conclusões equivocadas. A única alternativa era ir a Vinhedos
Sotavento e comportar-se como se tal coisa. Teria que mostrar-se alegre e indiferente.

Entrou em tropicões no quarto de banho de seu bangalô de um dormitório, lavou-se a


cara e a secou com uma toalha. E se deixou a toalha apertada contra a cara quando
sentiu a ardência das lágrimas. Por um instante, permitiu-se rememorar o beijo. Tinha
passado muitíssimo tempo desde que alguém a abraçou com paixão, desde que um
homem a abraçou com força e a estreitou contra seu corpo. E Mark era tão forte... era
tão vital... Que resultava quase um milagre que não tivesse cansado na tentação.
Qualquer outra o teria feito.

Algumas das sensações lhe resultaram conhecidas, mas outras foram totalmente
novidadeiras. Não recordava haver sentido esse desejo tão puxador, nem a paixão que a
percorreu por inteiro e que lhe pareceu uma traição... e uma fonte de perigo. Era muito
alarmante para uma mulher cuja vida já sofreu um tombo espantoso. Nada de aventuras
apaixonadas, amalucadas e potencialmente dolorosas para ela... Não desejava mais
feridas, nem mais perdas... Necessitava paz e tranqüilidade.

Embora todo isso era pensar por pensar. Tinha todos os motivos do mundo para
acreditar que Mark faria as pazes com o Shelby muito em breve. Ela só tinha sido uma
distração passageira, um tonteo sem importância. Era impossível que Mark queria lutar
com todos os problemas que arrastava; uns problemas que nem ela mesma queria
analisar. Mark não lhe daria a menor importância ao da noite anterior.

E ela tinha que convencer-se, como fora, de que também carecia de importância.

Soltou a toalha e olhou ao Renfield, que ofegava e roncava a seu lado.

—Sou uma mulher de mundo —lhe disse—. Posso me enfrentar a isto. Vamos ao
vinhedo e te deixarei ali para que passe o dia. E você vais tentar ser o cão mais normal
do mundo.

depois de ficar uma saia vaqueira, botas de salto baixo e uma jaqueta entalhada,
maquiou-se um pouco. Um toque de ruge, a máscara de pestanas, o brilho labial e o
corretor conseguiram finalmente camuflar os estragos de uma noite sem dormir. Mas se
tinha passado? Acreditaria Mark que estava tentando chamar sua atenção? Pôs os olhos
em branco e meneou a cabeça para desprezar semelhantes pensamentos.

Renfield estava fora de si quando o meteu no carro, já que adorava visitar sítios novos.
O cão tentou tirar a cabeça pelo guichê, mas ela sujeitou a correia com inusitada força,
já que temia que seu gordinho amigo pudesse cair do carro acidentalmente.

O dia era fresco e espaçoso; o céu tinha um azul muito claro veteado em algumas parte
por umas diáfanas nuvens. Ao dar-se conta de que seu nervosismo ia aumento conforme
se aproximava do vinhedo, Maggie inspirou fundo uma vez, e logo outra, e repetiu o
processo até que sua respiração se tornou quase tão ofegante como a do Renfield.

Sam e seus empregados estavam trabalhando entre as vinhas, podando as vergônteas do


ano anterior e dando forma às cepas a fim das preparar para o inverno. Maggie conduziu
até a casa, estacionou e olhou ao Renfield.

—vamos comportar nos com naturalidade e com segurança —lhe disse—. Sem
problemas.

O bulldog a acariciou com a cabeça, lhe exigindo que lhe arranhasse. Maggie fez o que
lhe pedia e suspirou.

—Vamos lá.

Levou a cão até a porta principal, sem chegar a soltar a correia da mão, embora se
deteve com paciência enquanto o pobre fazia um descanso entre degrau e degrau. antes
de que pudesse chamar, a porta se abriu e apareceu Mark em jeans e camisa de flanela.
Estava para comer-lhe com a camisa enrugada e o cabelo alvoroçado, tanto era assim
sentiu uma pontada no estômago.

—Passa. —Sua voz, muito rouca pela manhã, resultou-lhe agradável.

Maggie atirou do cão para lhe obrigar a entrar na casa.

Os olhos do Mark o olharam com expressão de regozijo.


—Renfield —disse, e ficou em cuclillas.

O cão se aproximou dele imediatamente. Mark o acariciou com mais força do que ela
estava acostumada fazê-lo, de modo que a pele do pescoço começou a mover-se com
vigor. Renfield estava na glória. Como não tinha rabo, ficou a menear os quartos
traseiros, conseguindo no processo uma boa imitação da Shakira.

—Parece um quadro do Picasso —lhe disse Mark—. Do período cubista.

Ofegando extasiado, Renfield lhe lambeu as bonecas e se tombou no chão, escancarado


completamente.

Pese ao nervosismo, Maggie se viu obrigada a tornar-se a rir ao vê-lo convexo dessa
maneira.

—Está seguro de que não vais trocar de opinião? —perguntou ao Mark.

Ele a olhou com a mesma expressão alegre.

—Muito seguro —respondeu.

Ato seguido, Mark apartou a correia do colar, levantou-se para olhar a à cara e lhe tirou
a correia das mãos com infinita delicadeza. Quando seus dedos se roçaram, Maggie
sentiu que o pulso lhe disparava e que começavam a lhe tremer os joelhos. Por um
instante, imaginou a maravilhosa sensação de poder deixar cair ao chão tal como o tinha
feito Renfield.

—Como está Holly? —conseguiu perguntar.

—Genial. Está comendo gelatina e vendo desenhos animados. A febre lhe subiu outra
vez durante a noite, mas depois desapareceu. Está um pouco fraco. —Mark a observou
com atenção, como se queria memorizar todos os detalhes de sua pessoa—. Maggie...
não foi minha intenção te assustar.

Maggie sentiu o coração a ponto de sair-se o do peito.

—Não me assustou. Não sei por que aconteceu. Seguro que foi pelo vinho.

—Não bebemos vinho. O do vinho foi Sam.

Suas palavras tiveram o efeito de lhe provocar um ardente rubor.

—Enfim, o caso é que foi a cabeça. Certamente pela lua enche.

—Não havia lua.

—Era tarde. ao redor de meia-noite...

—Eram as dez.

—... e você estava agradecido porque tinha ajudado a cuidar do Holly Y...
—Não estava agradecido. Bom, sim estava agradecido, mas não te beijei por isso.

A voz do Maggie adquiriu um deixe desesperado para acrescentar:

—Em resumo, que não sinto isso por ti.

Mark a olhou com gesto cético.

—Devolveu-me o beijo.

—Um gesto amistoso... Foi um beijo amistoso... —Franziu o cenho ao dar-se conta de
que Mark não o tragava—. Te devolvi o beijo por educação.

—Algo protocolar?

—Sim.

Mark estendeu os braços, pegou-a contra seu corpo e a estreitou com força. Maggie
ficou tão surpreendida que nem sequer protestou. Nesse momento, Mark inclinou a
cabeça e lhe deu um beijo tão lento e demolidor que pôs-se a tremer da cabeça aos pés.
O desejo se apoderou dela, e a deixou débil e a sua mercê.

Mark lhe enterrou uma mão no cabelo e brincou com seus cachos antes de deixá-la
quieta. O mundo se desvaneceu e só ficou o prazer, o desejo e esse desejo tão doloroso e
doce que a alagava. Quando por fim se separaram, Maggie estava tremendo da cabeça
aos pés.

Mark cravou o olhar em seus olhos aturdidos e arqueou um poquito as sobrancelhas,


como se queria lhe perguntar com o gesto se tinha demonstrado sua postura.

Maggie respondeu a silenciosa pergunta fazendo um sutil gesto de assentimento.

Mark a insistiu a apoiar a cabeça em seu ombro com muita delicadeza e esperou a que
as pernas deixassem de lhe tremer.

—Tenho que me ocupar de umas quantas coisas —o ouviu dizer por cima de sua
cabeça—, entre as que se inclui solucionar o meu com o Shelby.

Maggie se apartou e o olhou presa do nervosismo.

—Por favor, não corte com ela por minha culpa.

—Você não tem nada que ver. —Mark lhe roçou a ponta do nariz com os lábios—. O
problema é que Shelby se merece muitíssimo mais que ser a mulher com a que alguém
se conforma. Em um momento dado, acreditei que seria boa para o Holly e que com
isso bastaria. Mas ultimamente me dei conta de que não pode ser boa para o Holly se
não ser boa para mim.

—Agora mesmo não posso me enfrentar a isto, é muito —lhe assegurou sem
disfarces—. Não estou preparada.
Mark brincou com seu cabelo, deslizando os dedos por seus cachos.

—Quando crie que estará preparada?

—Não sei. Primeiro necessito um homem transitivo.

—Eu serei essa transição.

Mark era capaz de lhe arrancar um sorriso até estando confundido.

—E quem virá depois? —perguntou-lhe ela.

—Pois eu.

Lhe escapou uma gargalhada se desesperada ao escutá-lo.

—Mark, eu não...

—Silêncio —lhe disse ele com suavidade—. É muito logo para ter esta conversação.
Não há nada pelo que deva preocupar-se. Entra. vamos ver o Holly.

Renfield ficou em pé com muito esforço e os seguiu.

Holly estava na salita convocada junto à cozinha, acurrucada no sofá, envolta em


mantas e almofadas. Já não tinha os olhos brilhantes nem a cara desencaixada do dia
anterior, mas seguia muito débil e pálida. Ao vê-la, a menina sorriu e estendeu os
braços.

Maggie se aproximou dela e a abraçou.

—Adivinha a quem trouxe! —disse contra as mechas enredadas do Holly.

—Renfield! —exclamou a menina.

Ao reconhecer seu nome, o bulldog se aproximou alegremente ao sofá, com seus olhos
saltados e sua eterna careta. Holly o olhou com receio e se apartou ao ver que colocava
as patas dianteiras sobre o sofá e se levantava sobre as traseiras.

—Tem uma pinta muito estranha —sussurrou ao Maggie.

—Sim, mas ele não sabe. crie-se muito bonito.

Holly soltou uma risilla e se inclinou para diante para acariciá-lo.

Com um suspiro, Renfield apoiou sua enorme cabeça no Holly e fechou os olhos,
extasiado.

—adora que lhe emprestem atenção —explicou ao Holly, que começou a lhe fazer
bajulações ao encantado bulldog e a lhe falar como se fora um bebê. Maggie sorriu e lhe
deu um beijo à menina na cabeça—. Tenho que ir. Obrigado por cuidá-lo hoje, Holly.
Quando voltar a recolhê-lo, trarei-te uma surpresa da loja de brinquedos.
Mark observava a cena da porta com expressão tenra e pensativa.

—Quer tomar o café da manhã? —perguntou-lhe—. Temos ovos e torradas.

—Obrigado, mas já comi uns cereais.

—Come um pouco de gelatina! —exclamou Holly—. O tio Mark fez de três cores. Deu-
me um pouco de cada e me há dito que era uma terrina de arco-íris.

—Sério? —Maggie o olhou com um sorriso interrogante—. Me alegra saber que seu tio
usa a imaginação.

—Não sabe até que ponto... —replicou o susodicho.

Mark a acompanhou à porta e lhe deu o recipiente térmico cheio de café. Ao Maggie
preocupava a sensação tão caseira que a tinha assaltado. O cão, a menina, o homem com
camisa de flanela, inclusive a casa, uma mansão vitoriana restaurada... tudo era perfeito.

—Não me parece um trato justo —disse—. Um café especial em troca de um dia com o
Renfield.

—Se consigo verter duas vezes em um dia —replicou Mark—, estarei encantado de
fazer entendimentos assim.

CAPÍTULO 11

Ao longo das duas semanas seguintes, Maggie era consciente de que cada vez via mais
ao Mark Nolan. Para seu alívio, ele pareceu aceitar que só estava interessada em sua
amizade. passava-se muito pela loja de brinquedos com o recipiente térmico cheio de
café e também lhe levava bolos que comprava em uma confeitaria próxima. Cruasanes
banhados de chocolate rangente, tartaletas de damasco ou barquinhas talheres de açúcar
glasé. de vez em quando, inclusive a convencia para que almoçasse com ele. Em uma
ocasião foram ao Market Chef e em outra a um bar onde se atrasaram até que se deu
conta de que levavam duas horas falando.

Era incapaz de rechaçar seus convites porque era incapaz de assinalar uma só ocasião
em que Mark lhe tivesse insinuado. De fato, era mas bem o contrário. esforçou-se para
que esquecesse seus temores.

Nada de beijos nem de indiretas, nada que mostrasse que estava interessado nela de
outro modo que não fora amistoso.

Mark foi a Seattle para cortar com o Shelby, que ao parecer o tinha tomado melhor do
esperado. Quando lhe descreveu o momento, Mark não entrou em detalhes, mas sim lhe
pareceu muito aliviado.
—Nada de lágrimas, nem de prantos, nem de cenas dramáticas —lhe disse. E depois de
uma pausa perfeitamente milimetrada acrescentou—: E por parte do Shelby tampouco.

—Ainda sente algo por —lhe recordou Maggie—. É possível que possam arrumar as
coisas.

—Não sinto nada por ela.

—Nunca se sabe. apagaste seu número de telefone já?

—Estraga.

—Há-lhe devolvido as coisas que tinha em sua casa?

—Nunca lhe dava a oportunidade de que deixasse algo. Sam e eu temos uma regra: nada
de convidadas a dormir enquanto Holly esteja em casa.

—Então quando Shelby vinha a verte, onde...?

—Ficávamos em um Bed & Breakfast.

—Vá... —comentou—. Suponho que a ruptura é definitiva. Seguro que não está em
uma fase de negação? É normal sentir-se triste quando perde algo.

—Não perdi nada. Nunca penso nas relações faltadas como em uma perda de tempo.
Porque sempre se aprende algo.

—O que aprendeste que o Shelby? —perguntou-lhe Maggie, fascinada.

Mark refletiu em profundidade.

—Ao princípio, pensei que a falta de discussões era algo bom. Mas agora me dou conta
de que era um sinal de que não conectávamos.

Holly não demorou para pedir outro dia com o Renfield, e Maggie voltou a levá-lo a
Vinhedos Sotavento. Ao aproximar-se da casa, viu que tinham colocado uma rampa
desmontável sobre uma parte dos degraus. O cão subiu a rampa com mais facilidade que
os estreitos e levantados degraus.

—Tem-no feito para facilitar as coisas ao Renfield? —perguntou Maggie quando Mark
abriu a porta.

—Refere-te à rampa? Sim. funcionou?

—Perfeitamente. —Sorriu agradecida, ao dar-se conta de que Mark tinha notado as


dificuldades que teve o cão com os degraus e tinha ideado uma forma de lhe facilitar a
entrada e a saída da casa.
—Segue procurando um lar para ele? —perguntou Mark enquanto sujeitava a porta para
que entrassem. inclinou-se para acariciar ao Renfield quando passou por seu lado, e o
cão o olhou com a mesma expressão que uma gárgula medieval, incluída a língua
pendurando.

—Sim, mas de momento não tive muita sorte —respondeu ela—. Tem muitos
problemas. É possível que necessite uma prótese de quadril em algum momento, e logo
está seu problema de prognatismo. E o eczema. Um cão caro de manter mas bonito seria
uma coisa. Mas com o aspecto do Renfield... ninguém o quer.

—Em realidade, e se não te importa—disse Mark, falando muito devagar—, nós


gostaríamos de ficar com ele.

Maggie ficou pasmada.

—Refere-te de forma permanente?

—Sim. por que te surpreende tanto?

—Não é seu tipo de cão.

—E qual é meu tipo de cão?

—Bom, pois um normal. Um lavrador ou um springer spaniel. Um cão que possa ir


contigo a correr e isso.

—Subirei ao Renfield a um skate. Sam e Holly estiveram lhe ensinando a manter o


equilíbrio em um o outro dia.

—Mas não lhe poderá levar isso quando sair a pescar. Os bulldogs não sabem nadar.

—Poremo-lhe um colete salva-vidas. —Mark lhe deu de presente um misterioso


sorriso—. por que te incomoda que queira ficar com ele?

Enquanto isso, Renfield não parava de olhá-los primeiro a um e logo ao outro.

—Não me incomoda. É que não entendo por que o quer.

—Eu gosto de sua companhia. É um cão tranqüilo. Sam diz que será estupendo para
manter o vinhedo livre de animálias. E o mais importante: Holly o quer.

—Mas necessita muitos cuidados. Tem alergias cutâneas. Necessita um penso especial,
um xampu especial e as faturas do veterinário serão numerosas. Não sei se entender
tudo o que te espera.

—Seja o que seja, já me arrumarei isso.

Por sua parte, Maggie não entendia o porquê da enorme emoção que a afligia. Se
acuclilló ao lado do cão e começou a acariciá-lo, mantendo a cara volta para que Mark
não a visse.
—Renfield, parece que já tem um lar —disse com a voz rouca.

Mark se ajoelhou a seu lado e lhe aferrou o queixo com uma mão para insisti-la a
levantar a cabeça e a olhá-lo. Esses olhos azuis a olharam com ternura e preocupação.

—Ouça —lhe disse—, o que acontece? Arrepende-te de te separar dele?

—Não. É que não me esperava isso.

—Não me crie capaz de manter um compromisso porque sei que vai haver problemas
no futuro? —Acariciou-lhe a bochecha com o polegar—. Estou aprendendo a viver a
vida tal como se apresenta. Ter um cão como Renfield vai supor inconvenientes,
problemas e gastos. Mas merecerá a pena. Tinha razão. Há algo nobre nele. É feio por
fora, mas tem uma auto-estima de narizes. É um bom cão.

Maggie queria sorrir, mas lhe tremeu o queixo e a emoção ameaçou voltando a afligi-la.

—É um bom homem —conseguiu dizer—. Espero que algum dia encontre a uma
mulher que saiba te apreciar.

—Eu também o espero —replicou ele com voz alegre—. Já podemos nos levantar do
chão?

Quando Mark lhe perguntou pelos planos que tinha para o Dia de Ação de Obrigado,
Maggie lhe disse que todos os anos o passava no Bellingham com seus pais. Salvo pelo
peru, que o preparava sua mãe, o resto do menu consistia em uma ampla variedade de
pratos que cada qual contribuía a seu gosto.

—Se quer ficar este ano na ilha, pode passá-lo conosco —a convidou Mark.

Maggie notou essa sensação que experimentava cada vez que tirava o chapéu desejando
algo que já tinha decidido rechaçar: a última bolacha do prato, a última taça de vinho
porque já tinha bebido muito... Passar esses dias de férias com o Mark e Holly criaria
um vínculo importante, suporia um excesso de cercania.

—Obrigado, mas prefiro manter a tradição —recusou com um sorriso forçado—. Minha
família espera que leve meu timbal de macarrão.

—Seu timbal de macarrão? —perguntou Mark com voz causar pena—. A receita de sua
avó com quatro tipos de queijo e os picatostes?

—Lembra-te disso?

—Como vou esquecer o? —Olhou-a com uma expressão suplicante—. Trará as sobras?

Maggie se pôs-se a rir.


—Não tem vergonha. Farei um timbal extra. Quer que te faça também alguma bolo?

—Sério?

—Do que a quer? De cabaça, de maçã, de nozes pacanas...?

—me surpreenda —respondeu, e lhe roubou um beijo com tal rapidez que Maggie não
teve tempo para reagir.

No dia anterior a Ação de Obrigado, Maggie foi a pelo Holly a Vinhedos Sotavento e a
levou a sua casa.

—Eu também estou convidado? —perguntou-lhe Sam antes de que partissem.

—Não, é um dia só para garotas —respondeu Maggie entre risadas.

—E se me ponho peruca? E se falar em falsete?

—Tío Sam —disse a garota alegremente—, você é a pior garota do mundo.

—Y você é a melhor —replicó Sam, que lhe deu sonoro beijo—. Vale, vão sem mim.
Mais será melhor que me tragam um bolo enorme.

Una vez que estavam em sua casa, Maggie pôs música, acendeu o fogo da chaminé e
colocou em Holly um dos seus aventais. Depois, a ensinou a usar um ralador de queijo
tradicional. Ainda que houvesse pensado em utilizar uma picadora para a maior parte do
queijo, queria que Holly aprendesse a ralar manualmente. Foi emocionante ver a alegria
da garota enquanto trabalhava em excesso para fazer as singelas tarefas de pesar as
quantidades, remover a comida e prová-la.

—Estes são os distintos tipos de queijo que vamos usar —disse Maggie—. Cheddar
irlandês, parmesão, gouda defumado e gruyere. Uma vez que o ralemos tudo,
fundiremo-lo com a manteiga e o leite...

A cozinha cheirava de forma deliciosa, a queijo quente, a açúcar e a farinha. A


companhia da menina lhe recordou o milagre que supunha transformar uns quantos
ingredientes singelos em algo maravilhoso. Fizeram um timbal de macarrão para
alimentar a um exército e o cobriram com picatostes, que tinham torrado previamente
em uma frigideira com manteiga. Além disso fizeram dois bolos, uma cheia de cabaça e
outra com nozes pacanas. Maggie ensinou ao Holly a selar bem os borde de pasta
quebrada.

Cortaram o resto da massa com moldes de distintas formas, polvilharam-na com açúcar
e canela, e a puseram no forno para fazer bolachas.

—Minha mãe as chama bolachas das sobras —disse Maggie.


Holly olhou as bolachas através do cristal do forno.

—Sua mãe ainda está viva? —quis saber.

—Sim. —Maggie soltou o pau de macarrão de amassar que estava manchado de farinha
e se aproximou da menina. ajoelhou-se a seu lado, rodeou-a com seus braços e juntas
contemplaram o interior do forno—. Que tipo de bolos fazia sua mãe? —perguntou-lhe.

—Não fazia bolos —respondeu Holly—. Fazia bolachas.

—De chocolate?

—Estraga. E de canela e noz moscada.

Maggie sabia que ajudava muito poder falar dos que se foram. Recordar era bom. De
modo que seguiram falando enquanto assavam, não a modo de larga conversação, a não
ser a ratitos, combinando as lembranças com os deliciosos aromas procedentes do forno.

Quando pela tarde devolveu ao Holly a casa, a menina se despediu abraçando-a pela
cintura durante um bom momento.

—Seguro que não quer acontecer o Dia de Ação de Obrigado conosco? —perguntou-
lhe, e sua voz ficou sufocada porque tinha a cara pega a seu pulôver.

Afligida-a olhar do Maggie se cravou no Mark, que estava as observando.

—Não pode, Holly —lhe recordou ele com suavidade—. A família do Maggie necessita
que esteja com eles.

Salvo que em realidade sim podia, e sua família não a necessitava.

A culpa e a preocupação começaram a dissipar os bons sentimentos que tinham ido


crescendo em seu interior durante a tarde. Olhou ao Mark, que a contemplava com
expressão compassiva, e se deu conta de quão fácil seria apaixonar-se por ele e do
Holly. E do muito que perderia se chegava a acontecer. Tanto que se os perdesse, não
poderia sobreviver. Entretanto, se conseguisse manter-se a certa distância, não se
arriscaria a que lhe destroçassem por completo o coração.

Deu- uns tapinhas ao Holly nas costas e escapou com delicadeza de seu fervoroso
abraço.

—De verdade que tenho que ir amanhã ao Bellingham —disse—. Adeus, Holly. Passei-
me isso muito bem hoje. —agachou-se e lhe deu um beijo em uma suave bochecha,
ligeiramente perfumada com canela.
A manhã do Dia de Ação de Obrigado, Maggie se passou a prancha pelo cabelo, ficou
uns jeans, uns botas de cano longo, um pulôver de cor torrada e colocou a enorme fonte
com o timbal de macarrão no carro.

Estava a ponto de deixar atrás o caminho de entrada a sua casa quando soou seu móvel.
Deteve o carro, rebuscou na bolsa até dar com o telefone entre os papéis, as barras de
lábios e a caldeirinha.

—Diga?

—Maggie?

—Holly? —perguntou, alarmada—. Como está?

—Genial —foi a alegre resposta da menina—. Feliz Dia de Ação de Obrigado!

Maggie sorriu, algo mais relaxada.

—Feliz Dia de Ação de Obrigado. O que está fazendo?

—deixei sair ao Renfield para que faça pis e quando entrou lhe joguei penso no
manjedoura e lhe hei dito que beba água.

—Vejo que o está cuidando muito bem.

—Mas depois o tio Mark nos obrigou a sair da cozinha enquanto eles limpavam a
fumaça.

—A fumaça? —o sorriso do Maggie se desvaneceu—. por que havia fumaça?

—Porque o tio Sam estava cozinhando. E depois chamou o tio Alex e agora está tirando
a porta do forno.

Maggie franziu o cenho. A santo do que estava Alex tirando a porta do forno?

—Holly, onde está o tio Mark?

—Está procurando seus óculos protetores.

—Para que necessita uns óculos protetores?

—Para ajudar ao tio Sam a preparar o peru.

—Entendo. —Maggie jogou uma olhada ao relógio. Se se dava pressa, podia passar-se
por Vinhedos Sotavento e chegaria com tempo para agarrar o último ferry da manhã ao
Anacortes—. Holly, acredito que vou a sua casa a jogar uma olhada antes de agarrar o
ferry.

—Bem! —exclamou a menina com entusiasmo—. Mas é melhor que não diga que te
chamei. Porque ao melhor brigam.
—Meus lábios estão selados —lhe assegurou.

antes de que Maggie pudesse replicar, escutou-se uma voz masculina de fundo.

—Holly, com quem falas?

Maggie lhe disse:

—lhe diga que é uma pesquisa.

—Uma senhora está fazendo uma pesquisa —escutou dizer à menina. Depois de uns
quantos murmúrios, Holly acrescentou dando-se muita importância—: Meu tio diz que
não fazemos pesquisam. —Uma pausa e mais murmúrios—. E que nos apague da base
de dados —acrescentou com voz firme.

Maggie sorriu.

—Enfim, nesse caso terei que ir em pessoa.

—Vale. Adeus!

Fazia frio e um pouco de vento, o clima perfeito para celebrar o Dia de Ação de
Obrigado porque evocava imagens de chaminés acesas, de perus no forno e do desfile
do Macy's em televisão.

Viu que havia um flamejante e luxuoso BMW no caminho de acesso a Vinhedos


Sotavento. Não lhe coube dúvida de que era o carro do Alex, o Nolan ao que ainda não
conhecia. Sentindo-se como uma intrusa, mas instigada pela preocupação, estacionou e
subiu os degraus do alpendre.

Holly saiu a recebê-la, vestida com umas calças de veludo cotelê e uma camiseta de
manga larga com um simpático peru.

—Maggie! —gritou a menina, que começou a dar saltos enquanto se abraçavam.

Renfield saiu a recebê-la, ofegando com grande alegria.

—Onde estão seus tios? —perguntou-lhe à menina.

—O tio Alex está na cozinha. Renfield e eu o estamos ajudando. Não sei onde estão
outros.

No ar flutuava o conhecido fedor a um pouco queimado, que se intensificou à medida


que se aproximavam da cozinha. Um homem moreno estava tentando tirar a porta do
forno, com um chave de fenda em uma mão e uma gigantesca caixa de ferramentas ao
lado.

Alex Nolan era uma versão mais polida e sofisticada de seus irmãos maiores. Era
bonito, mas tinha uma expressão distante, e seus olhos eram de um gélido e cristalino
azul. Ao igual a Sam, era magro e musculoso, mas não tão corpulento como Mark. O
pólo que levava e as calças chineses eram informais, mas indubitavelmente caros.

—Olá —disse—. Quem é, Holly?

—É Maggie.

—Por favor, não te levante —se apressou a lhe dizer ela ao vê-lo soltar o chave de fenda
para incorporar-se—. É evidente que está muito... ocupado. Posso perguntar o que
passou?

—Sam colocou algo no forno e em vez de selecionar a temperatura adequada,


selecionou o programa de auto-limpeza. O forno incinerou a comida e bloqueou a porta
automaticamente, assim não podiam abri-la e tirar a bandeja.

—O normal é que o forno permita abrir a porta quando baixa a temperatura.

Alex meneou a cabeça.

—Já se esfriou, mas não há maneira de abri-la. É novo e é a primeira vez que se usa o
programa de auto-limpeza. Ao parecer, tem uma falha, assim que me toca desarmar a
porta.

antes de que pudesse lhe fazer outra pergunta, surpreendeu-lhe uma repentina chama e
uma espécie de labareda, acompanhada por uma fumaça, que se produziu ao outro lado
da janela do pátio. De forma instintiva, Maggie se voltou para proteger ao Holly e
agachou a cabeça.

—minha mãe! O que é isso?

Alex cravou a vista na porta traseira com expressão imperturbável.

—Acredito que foi o peru.

CAPÍTULO 12

A porta traseira se abriu de repente e por ela entrou uma enorme figura envolta em uma
nuvem de fumaça. Era Mark, que levava óculos de segurança e umas largas luvas
acolchoadas que lhe chegavam até os cotovelos. aproximou-se da pia, rebuscou no
armário e tirou um extintor.

—O que passou? —perguntou Alex.

—O peru explorou assim que o colocamos na freidora.

—Descongelaste-lo antes?
—esteve dois dias descongelando-se no frigorífico —respondeu Mark, recalcando a
parte do tempo. Ao ver o Maggie, ficou de pedra—. O que faz aqui?

—Isso não importa. Sam está bem?

—De momento. Mas não o estará assim que lhe ponha as mãos em cima.

produziu-se outra nova chama no exterior, acompanhado por uns quantos impropérios.

—Será muito melhor que apague o peru —sugeriu Alex.

Mark o fulminou com o olhar.

—Refere-te ao pajarraco ou ao Sam? —E desapareceu rapidamente enquanto fechava a


porta ao sair.

Maggie foi primeira em falar.

—Qualquer método culinário que implique vestir-se com amparo dos pés à cabeça...

—Sei.

Alex se esfregou os olhos. Parecia levar bastante tempo sem dormir bem.

Quando dirigiu o olhar ao relógio que havia na parede, Maggie se deu conta de que se
partia nesse preciso momento, teria o tempo justo para chegar ao ferry.

Pensou no Dia de Ação de Obrigado em casa de seus pais, nas hordas de meninos, na
cozinha abarrotada, em seus irmãos e seus respectivos cônjuges cortando, cortando e
mesclando ingredientes. E depois pensou no largo e ameno jantar... e na conhecida
sensação de encontrar-se só rodeada por uma multidão. Ninguém a necessitava em casa
de seus pais. Em Vinhedos Sotavento, em troca, saltava à vista que poderia ser de certa
utilidade. Olhou ao Holly, que estava apoiada nela, e lhe deu uns tapinhas nas costas
para tranqüilizá-la.

—Alex —perguntou—, poderá funcionar o forno hoje?

—me dê meia hora —respondeu ele.

Maggie se aproximou do frigorífico, abriu-o e viu que havia leite, ovos, manteiga e
verduras frescas. A despensa também estava muito bem provida. Salvo pelo peru,
pareciam ter todo o necessário para preparar um jantar de Ação de Obrigado. O
problema era que não sabiam o que fazer com tudo isso.

—Holly, carinho, vá a por sua jaqueta —lhe disse à menina—. Vem comigo.

—Aonde vamos?

—A fazer um par de recados.

Quando a menina se foi em busca de sua jaqueta, Maggie disse ao Alex:


—Trarei-a em seguida.

—Ao melhor já não estou aqui —replicou ele—. Assim que arrume isto, volto-me para
minha casa.

—vais passar o Dia de Ação de Obrigado com sua mulher?

—Não, minha mulher está em San Diego com sua família. Estamo-nos divorciando.
Tenho planejado acontecer o dia bebendo até que me sinta tão feliz como quando era
solteiro.

—Sinto-o —disse Maggie, e o dizia de coração.

Alex se encolheu de ombros.

—O matrimônio é uma mierda —disse com voz fria—. Quando nos casamos, sabia que
tínhamos cinqüenta por cento de probabilidades de que funcionasse.

Maggie o olhou com expressão pensativa.

—Não acredito que alguém deva casar-se a menos que esteja seguro aos cem por cem.

—Isso não é realista.

—Não —admitiu ela com uma meia sorriso—. Mas é um bom começo. —voltou-se
para o Holly, que tinha retornado com sua jaqueta.

—antes de ir, poderia fazer algo com esse cão? —perguntou-lhe Alex antes de lançar
um olhar assassino ao Renfield, que estava sentado tão tranqüilo.

—Você molesta?

—Quando me olhe com esses olhos de desenquadrado, entram-me vontades de me


vacinar ou algo.

—Assim é como Renfield olhe às pessoas, tio Alex —lhe explicou Isso Holly quer dizer
que gosta.

Maggie agarrou ao Holly da mão, saiu da casa e pulsou uma tecla de marcação rápida
em seu móvel de caminho ao carro. Responderam imediatamente.

—Feliz Dia de Ação de Obrigado —escutou que dizia seu pai.

Maggie sorriu para ouvir os ruídos tão conhecidos de fundo, uma mescla de latidos,
prantos de bebê, golpes de pratos e panelas, e a melodia do Perry Como e sua «Em casa
de férias».

—Olá, papai. Feliz Ação de Graças a ti também.

—Vem de caminho?
—Pois não. E me estava perguntando... crie que este ano poderiam passar sem meu
timbal de macarrão com queijo?

—Depende. por que teria que me conformar e passar sem ele?

—Estava pensando em passar Ação de Obrigado com uns amigos, aqui na ilha.

—Um desses amigos é possivelmente dom Trajeto no Ferry?

Maggie sorriu a seu pesar.

—por que sempre vou da língua contigo?

Seu pai pôs-se a rir.

—Que lhe passe isso bem e me chame depois para me contar isso E quanto a meu
timbal de macarrão com queijo, coloca-o no congelador e me traga isso a próxima vez
que venha.

—Não posso, tenho que servi-lo hoje. Meu amigo, que se chama Mark, incinerou as
guarnições e voou o peru.

—Assim conseguiu que fique? Que preparado.

—Não acredito que o fizesse a propósito —replicou com uma gargalhada—. Te quero,
papai. lhe dê a mamãe um beijo de minha parte. E obrigado por ser tão pormenorizado.

—Parece feliz, carinho... —disse seu Isso pai faz que me sinta mais agradecido que
nada deste mundo.

«Sou feliz», deu-se conta Maggie quando cortou a chamada. sentia-se... eufórica.
Sentou ao Holly ao assento traseiro do carro e se inclinou para lhe grampear o cinto de
segurança. Enquanto ajustava bem as cintas, recordou o fogo e a fumaça que tinha visto
através da janela da cozinha e foi incapaz de conter uma gargalhada.

—Está-te rendo porque meus tios voaram o peru? —perguntou Holly.

Maggie assentiu com a cabeça enquanto tentava, sem êxito, conter outra gargalhada.

Holly começou a rir. Seus olhos se encontraram e a menina disse com inocência:

—Não sabia que os perus voavam.

O comentário fez que ambas pusessem-se a rir, e se abraçaram, entre gargalhadas, até
que Maggie teve que secá-las lágrimas.
Quando Maggie e Holly voltaram para a casa, Mark e Sam já tinham limpo o desastre
do pátio traseiro e estavam na cozinha, cortando batatas. Ao ver o Maggie, Mark se
aproximou dela imediatamente para lhe tirar o pesado pacote que levava nas mãos: um
enorme recipiente de alumínio com peru suficiente para lhe dar de comer a uma família
de doze pessoas. Holly a seguia com um enorme pote de molho. O aroma do peru
assado com salvia, alho e manjericão se filtrava através da tampa.

—De onde saiu tudo isto? —perguntou Mark, que deixou o recipiente na encimera.

Maggie o olhou com um sorriso.

—Vem bem ter contatos. O genro da Elizabeth tem um restaurante no Roche Harbor
Road e servem menu de Ação de Obrigado todo o dia. Assim chamei e pedi peru para
levar.

Mark apoiou uma mão na encimera e a observou com atenção. Recém tomado banho e
barbeado, tinha um atrativo muito viril que provocou o despertar de seus sentidos.

Escutar essa voz rouca lhe provocou um formigamento no estômago.

—por que não agarraste o ferry?

—troquei que opinião.

Mark inclinou a cabeça e a beijou com ternura, mas de forma tão arrolladora que se
ruborizou e lhe afrouxaram os joelhos. Enquanto piscava, Maggie se deu conta de que
Mark a tinha beijado diante de sua família. Olhou-o com o cenho franzido e depois
cravou a vista além de seu ombro para ver se os estavam olhando, mas Sam estava
absorto cortando batatas e Alex se pôs a preparar uma salada em uma enorme terrina de
madeira. Holly estava no chão com o Renfield, deixando que o cão lambesse a tampa do
pote de molho.

—Holly, te assegure de atirar essa tampa quando Renfield termine com —lhe disse—.
Não volte a ficar a ao pote.

—Vale. Mas meu amigo Christian diz que a boca de um cão está muito mais limpa que
a de um humano.

—lhe pergunte a seu tio Mark —disse Sam— se prefere beijar ao Maggie ou ao
Renfield.

—Sam —o repreendeu o aludido, mas seu irmão se limitou a olhá-lo com um sorriso.

Com uma risilla, Holly apartou a tampa do Renfield e a atirou com muita cerimônia ao
cubo do lixo.

Sob a batuta do Maggie, o grupo conseguiu preparar um jantar de Ação de Obrigado


bastante aceitável, incluído o timbal de macarrão com queijo, um gratinado de batatas,
ervilhas salteadas, salada, peru e um molho singelo a base de picatostes, nozes e salvia.
Sam abriu uma garrafa de vinho tinjo e encheu taças para os adultos. E com muita
pompa encheu uma taça com suco de mosto para o Holly.

—Eu farei o primeiro brinde —disse—. Pelo Maggie, obrigado por ter salvado o Dia de
Ação de Obrigado. —Todos se somaram ao brinde.

Maggie olhou de esguelha ao Holly. A menina imitava a seu tio agitando o mosto em
sua taça e cheirando-o antes de prová-lo. Viu que Mark também se precaveu do gesto e
que estava contendo um sorriso. A cena incluso tinha obtido que o taciturno Alex
sonriera.

—Não podemos brindar só por mim —protestou Maggie—. Temos que brindar por
todos.

Mark elevou sua taça.

—Pelo triunfo da esperança sobre a experiência —disse, e todos voltaram a brindar.

Maggie o olhou com um sorriso. Um brinde perfeito, pensou, para o que se converteu
em um dia perfeito.

depois do jantar e de uma sobremesa que consistiu em bolo e café para os adultos, e
bolo e leite para o Holly, recolheram os pratos e a cozinha, e guardaram as sobras no
frigorífico. Sam acendeu o televisor, encontrou um jogo de futebol e se tombou em uma
rede. Até acima de comida, Holly se acurrucó em uma esquina do sofá e ficou dormida
em seguida. Maggie a agasalhou com uma manta e se sentou junto ao Mark no outro
extremo do sofá. Renfield se foi a sua cama, que estava em um rincão, e se deixou cair
com um grunhido encantado.

Embora não gostava de muito o futebol, sim gostava do ritual de ver uma partida o Dia
de Ação de Obrigado. Recordava-lhe todas as festividades que tinha passado com seu
pai e seus irmãos, enquanto todos vociferavam, chiavam, gemiam e protestavam as
decisões lhes arbitre.

Alex apareceu na porta.

—Vou já —disse.

—Fica a ver a partida —replicou Sam. —Fará-nos falta ajuda para acabar com as sobras
—acrescentou Mark.

Alex meneou a cabeça.

—Obrigado, mas já cumpri com minha cota familiar. Prazer em conhecê-lo, Maggie.

—O mesmo digo.

Sam pôs os olhos em branco depois de que Alex se fora.

—Vai repartindo alegria e felicidade por onde passa.


—Dado que seu matrimônio está fazendo águas —comentou ela—, é normal que esteja
passando por uma etapa sombria.

O comentário pareceu lhes fazer muita graça.

—Carinho, Alex está acontecendo uma etapa sombria desde que tinha dois anos —lhe
assegurou Mark.

Ao final, tirou o chapéu acurrucada contra Mark. Seu corpo era duro e quente, e seu
ombro era o apoio perfeito para descansar a cabeça. Viu a partida sem lhe emprestar
muita atenção, já que a tela se converteu em um amálgama de cores imprecisas
enquanto desfrutava da sensação de estar tão perto do Mark.

—O timbal estava inclusive melhor do que tinha imaginado —ouviu dizer.

—Leva um ingrediente secreto.

—Qual?

—Não lhe direi isso a menos que você me diga o teu.

—Você primeiro —insistiu ele com voz risonha.

—Acrescento-lhe um poquito de azeite de trufa ao molho. Agora me diga o que lhe joga
ao café.

—Um pingo de açúcar de arce.

Mark lhe tinha pego uma mão e lhe acariciava os nódulos com o polegar. A inocente
sensualidade de suas carícias lhe provocou um calafrio, embora conseguiu dissimulá-lo.
Sentia uma mescla de prazer e desespero, já que em seu foro interno reconhecia que
para ser uma mulher que tinha decidido não envolver-se, tinha tomado um montão de
decisões bastante questionáveis de um tempo a essa parte.

O que foi o que disse Elizabeth? Que o problema chegava quando a sensação de estar
tonteando desaparecia. Era impossível negar que tinha transpassado as barreiras do
tonteo, que o seu com o Mark transcendia o superficial. Poderia apaixonar-se por ele se
o permitia. Poderia querê-lo louca, apaixonada e destructivamente.

Mark era a armadilha que se prometeu evitar a toda costa.

—Tenho que ir —sussurrou.

—Não, fique. —Mark a olhou à cara e o que viu em seus olhos fez que lhe acariciasse a
bochecha com o gesto mais doce que podia imaginar—. O que acontece? —murmurou.

Maggie meneou a cabeça e intento sorrir enquanto se separava dele. Todos seus
músculos se esticaram em protesto ao abandonar o consolo de sua cercania. aproximou-
se do Holly, que seguia dormindo plácidamente, e se inclinou para lhe dar um beijo.
—Vai? —perguntou Sam, que se levantou da rede.

—Não faz falta que te levante —lhe disse, mas Sam lhe aproximou e lhe deu um abraço
fraternal.

—Que saiba que se perder interesse por meu irmão —disse Sam com jovialidade—, sou
uma alternativa interessante.

Maggie soltou uma gargalhada e meneou a cabeça.

Mark acompanhou ao Maggie ao exterior, embargado pelo desejo, o companheirismo e


a compreensão, todo isso tingido de certa frustração. Entendia o conflito interior do
Maggie, certamente melhor do que ela acreditava. E era consciente de que devia obrigá-
la, com muita delicadeza, a fazer algo para o que ela não se considerava preparada. Se
se tratasse de uma questão de paciência, lhe teria concedido todo o tempo do mundo.
Mas a paciência não bastaria para obter que Maggie superasse seus medos.

Deteve-a no alpendre dianteiro, já que queria falar com ela uns minutos antes de ficar
expostos à fria brisa noturna.

—Amanhã vais estar na loja de brinquedos? —perguntou-lhe.

Maggie assentiu com a cabeça sem olhá-lo aos olhos.

—Até depois de Natal há muito agitação.

—O que te parece se jantarmos uma noite esta semana?

Pergunta-a a insistiu a olhá-lo. Maggie tinha uma expressão tenra nos olhos e nos
lábios, um rictus triste.

—Mark, eu... —deteve-se e tragou saliva.

Parecia tão desolada que a abraçou de forma instintiva, mas ela se esticou e colocou
seus braços entre eles. Mark seguiu abraçando a de todas formas. As volutas de bafo de
seus fôlegos se mesclavam no ar.

—Como é que Sam pode te abraçar e eu não? —sussurrou.

—É um abraço diferente —conseguiu dizer Maggie.

Mark inclinou a cabeça até que suas frentes se tocaram.

—Porque me deseja —murmurou.

Maggie não o negou.


Passou um bom momento antes de que Maggie movesse os braços e lhe rodeasse a
cintura.

—Não sou o que precisa —disse, embora sua voz ficava amortecida pelo pulôver—.
Necessita a alguém que possa comprometer-se contigo e com o Holly. Alguém que
possa formar parte de sua família.

—Pois hoje o tem feito muito bem.

—Estive-te dando sinais contraditórios. Sei. E o sinto. —Suspirou antes de continuar


com um deixe zombador—: Ao parecer é muito tentador para mim.

—Pois cede à tentação —disse em voz baixa.

Mark a sentiu estremecer-se pela risada. Mas quando Maggie o olhou, contendo outra
gargalhada, precaveu-se de que tinha os olhos cheios de lágrimas.

—Por Deus, nem te ocorra —sussurrou. Uma solitária lágrima escorregou por sua
bochecha e ele a apanhou com o polegar—. Se não parar agora mesmo, terei que te
fazer o amor neste alpendre gelado cheio de lascas.

Maggie lhe enterrou a cara no peito, inspirou fundo um par de vezes e voltou a olhá-lo à
cara.

—Certamente te pareça covarde —disse—, mas sei quais são minhas limitações. Não
sabe o que passei enquanto via meu marido consumir-se lentamente durante mais de um
ano. Esteve a ponto de me destruir. Não posso voltar a fazê-lo. Nunca mais. Essa foi
minha única oportunidade.

—Teve uma oportunidade que se acabou pouco depois de que começasse —assinalou
Mark, invadido por um desejo impaciente e acicateado pelo prazer de tê-la entre seus
braços—. Seu matrimônio não teve ocasião de separar. Não tiveram uma hipoteca, um
cão, uns meninos nem discussões sobre quem tinha que encarregar-se da penetrada. —
Ao ver a trêmula curva de seu lábio inferior, foi incapaz de reprimir o impulso de beijá-
la, embora o fez com muita impulsividade e rapidez para desfrutá-lo—. Mas é melhor
não falar disso agora mesmo. Vamos, acompanho-te até o carro.

Os dois guardaram silêncio de caminho ao carro. Maggie se voltou para olhá-lo à cara e
Mark tomou entre as mãos e a beijou de novo, embora nessa ocasião deixou que o beijo
se alargasse até que Maggie gemeu e começou a devolver-lhe Mark levantó la cabeza, le
acarició esos rizos rebeldes y le dijo con voz ronca por la emoción:

Mark levantou a cabeça, acariciou-lhe esses cachos rebeldes e lhe disse com voz rouca
pela emoção:

—Estar sozinha não te garante a segurança, Maggie. Só te garante solidão.

Depois desse comentário, Maggie subiu ao carro e lhe fechou a porta devagar. E pouco
depois a viu afastar-se pelo caminho.
CAPÍTULO 13

Maggie descobriu aliviada que sua relação com o Mark voltou para a normalidade ao
dia seguinte do de Ação de Obrigado. Levou-lhe café à loja de brinquedos e se
comportou com tanta serenidade e simpatia que quase teria jurado que não tinha
acontecido nada em seu alpendre.

na segunda-feira, seu dia livre, Mark lhe pediu que o acompanhasse para comprar a
decoração de Natal, dado que nem Sam nem ele tinham um só adorno. Maggie o
acompanhou a várias lojas do Friday Harbor e lhe aconselhou comprar grinaldas de
flores frescas para os suportes das chaminés e as portas, uma coroa de acebo para a
entrada, um jogo de velas com seus correspondentes candelabros de latão e um poster
de Papai Noel de estilo retro. Mark só protestou com uma pirâmide de fruta ornamental
de estilo colonial sulista, que seria o centro de mesa.

—Ódio a fruta de plástico —disse.

—por que? É bonita. É o que usavam na época vitoriana como decoração natalina.

—Eu não gosto de ver algo que parece que se pode comer mas que não é comestível.
Preferiria que estivesse feita com fruta de verdade.

Maggie sorriu exasperada.

—Não duraria o tempo necessário. E se for feita de fruta de verdade e lhe come isso,
logo o que?

—Compraria mais fruta.

depois de colocar toda a compra em sua caminhonete, Mark conseguiu que aceitasse seu
convite para jantar. Ao princípio, tentou negar-se com a desculpa de que se parecia
muito a uma entrevista, mas ele resolveu o assunto com um:

—Será como um almoço, só que mais tarde.

De modo que cedeu. Foram a um restaurante íntimo a uns seis quilômetros do Friday
Harbor, onde ocuparam uma mesa junto à chaminé de pedra. À luz das velas, comeram
umas conchas de peregrino cheias de patê de pato e queijo de cabra, e depois um filet
mignon com cobertura de café.

—Se tivesse sido uma entrevista —lhe disse Mark depois do jantar—, teria sido a
melhor de minha vida.

—Como exercício de prática foi estupendo —replicou Maggie com uma gargalhada—,
para quando sair a sério com alguém.
Entretanto, inclusive lhe soou falso e vazio de conteúdo.

Ao longo das semanas prévias ao dia de Natal, na ilha se aconteceram as atividades


festivas: concertos, celebrações, concursos para nomear as melhores iluminações e
festivais. O que mais ansiava Holly era ver o desfile anual de navios. Patrocinado pelo
Clube de Vela do Friday Harbor e o Clube Náutico da ilha de San Juan, consistia em
uma flotilla de navios totalmente iluminada que fazia o percurso de ida e volta entre o
Shipyard Cove e o porto esportivo. Os donos dos navios que não participam do desfile
também engalanavam suas embarcações. Fecharia o desfile o Navio de Papai Noel, de
que desembarcaria o próprio Papai Noel no mole do Spring Street. Ali o receberiam os
músicos e de ali partiria para o sanatório em um caminhão de bombeiros.

—Quero vê-lo contigo —disse Holly ao Maggie, que lhe prometeu reunir-se com eles
no mole depois de fechar a loja de brinquedos.

Entretanto, o mole e as zonas colindantes estavam lotados, e os espectadores e os coros


de canções de natal resultavam ensurdecedores. Maggie perambulou entre a multidão,
abrindo-se passo entre famílias com seus filhos, casais e grupos de amigos. Os navios
iluminados reluziam na escuridão, arrancando vítores à multidão. Lhe caiu a alma aos
pés ao dar-se conta de que não poderia encontrar ao Mark e ao Holly com a facilidade
que tinha previsto.

Daria igual, disse-se. O passariam muito bem sem ela. Ao fim e ao cabo, não formava
parte de sua família. Se

Holly se levava uma decepção porque não aparecia, lhe esqueceria logo.

Embora isso não a ajudou a desfazer o nó que tinha na garganta nem a pressão que
sentia no peito. Seguiu procurando entre a multidão, de família em família.

Pareceu-lhe escutar seu nome no tumulto. deteve-se, voltou-se e olhou bem a seu redor.
ao longe, viu uma menina embelezada com um casaco rosa e um gorro vermelho. Era
Holly, que estava junto ao Mark e o fazia gestos. Com um gemido aliviado, abriu-se
passo até eles.

—Perdeste-te alguns navios —disse Holly ao tempo que se agarrava de sua mão.

—Sinto-o —se desculpou quase sem fôlego—. Me há flanco lhes encontrar.

Mark sorriu e lhe aconteceu um braço pelos ombros, pegando-a a seu flanco. Olhou-a à
cara quando se precaveu de que inspirava fundo.

—Está bem? —perguntou-lhe.

Maggie sorriu e assentiu com a cabeça, embora estava ao bordo do pranto.

«Não —pensou—. Não estou bem.»


Tinha a sensação de que tinha despertado de um desses sonhos nos que se corria com
desespero em busca de algo ou de alguém que nunca se alcançava, um desses pesadelos
das que não se podia escapar. E nesse momento se encontrava onde mais gostava de
estar, com as duas pessoas com as que mais desejava estar.

Era uma sensação tão maravilhosa que a embargou o pânico.

—Está segura de que não quer uma árvore? —perguntou- Mark ao Maggie à segunda-
feira seguinte, enquanto ela o ajudava a colocar um abeto perfeito em sua caminhonete.

—Não me faz falta —respondeu com alegria enquanto cheirava a resina fresca que lhe
tinha ficado nas luvas e Mark assegurava o abeto—. Sempre passado o Natal no
Bellingham.

—Quando vai?

—Em Véspera de natal. —Ao precaver-se de que Mark franzia o cenho, acrescentou—:
antes de ir, deixarei um presente sob a árvore para o Holly, assim poderá abri-lo o dia de
Natal.

—Holly preferiria abri-lo contigo diante.

Maggie piscou, sem saber muito bem como responder. Estava-lhe dizendo que queria
que passasse o Natal com ele? Tinha pensado convidá-la?

—Sempre passado o dia de Natal com minha família —disse com certa insegurança.

Mark assentiu com a cabeça e o deixou estar. Retornaram a Vinhedos Sotavento e


juntos conseguiram colocar a árvore pela porta.

Na casa reinava o silêncio, já que Holly estava no colégio. Sam tinha ido a Seattle para
visitar uns amigos e para fazer algumas compra.

Maggie sorriu ao ver a proliferação de flocos de neve de papel que penduravam das
portas e dos tetos.

—Alguém esteve muito ocupado.

—Holly aprendeu a fazê-los em classe —disse Mark—. Agora se converteu em uma


fábrica unipersonal de fazer flocos de neve.

Mark acendeu a chaminé enquanto ela abria as caixas de luzes para adornar a árvore.

Em questão de uma hora, tinham colocado a árvore em seu sítio e o tinham adornado
com as luzes.
—Agora vem a parte mágica —disse ela, que se meteu no estreito oco que ficava atrás
da árvore para conectar as luzes. A árvore começou a brilhar e a piscar.

—Não é magia —replicou Mark, mas estava sonriendo enquanto contemplava a árvore.

—E o que é?

—Um sistema de lâmpadas minúsculas iluminadas pelo movimento dos elétrones


através de um material semicondutor.

—Sim. —Maggie levantou o índice com gesto eloqüente enquanto se aproximava


dele—. Mas o que as faz piscar?

—A magia —cedeu, resignado, com um sorriso nos lábios.

—Exato. —Olhou-o com uma expressão satisfeita. Mark lhe aconteceu as mãos pelo
cabelo e lhe sujeitou a cabeça enquanto a olhava aos olhos. —Necessito-te em minha
vida.

Maggie foi incapaz de mover-se ou de respirar. A declaração era surpreendente por sua
sinceridade, por sua claridade. Não podia apartar-se, não podia fazer nada salvo olhá-lo,
hipnotizada pela expressão desses olhos azuis.

—Recentemente tempo disse ao Holly que o amor é uma eleição —continuou Mark—.
Me equivoquei. O amor não é uma eleição. A única eleição possível é o que vais fazer
com ele.

—Por favor —sussurrou.

—Compreendo seus medos. Compreendo por que é tão duro para ti. E pode escolher
não te arriscar. Mas eu te quererei de todas formas.

Maggie fechou os olhos.

—Terá todo o tempo do mundo —seguiu ele—. Posso esperar até que esteja preparada.
Mas tinha que te dizer o que sinto.

Seguia sem poder olhá-lo à cara.

—Nunca estarei preparada para a classe de compromisso que quer. Se quisesse sexo
sem ataduras, não teria problema. Poderia fazê-lo. Mas...

—Vale.

Maggie abriu os olhos de par em par.

—Como que vale?

—Que aceito o sexo sem ataduras.

Olhou-o, alucinada.
—Acaba de dizer que foste esperar!

—E posso esperar para o compromisso. Mas enquanto isso, conformo-me com o sexo.

—Conforma-te com uma relação física que talvez não chegue a outra coisa?

—Se for sua melhor oferta...

Olhou-o por fim e viu a expressão risonha de seus olhos.

—Está-te ficando comigo —disse.

—Quão mesmo você.

—Não me crie capaz de fazê-lo, verdade?

—Pois não —respondeu ele em voz baixa.

Maggie estava muito confusa para analisar o matagal que eram suas emoções. Sentia
indignação, medo, alarme e inclusive certa ironia... mas nada disso era responsável pelo
desejo abrasador e vibrante que lhe queimava o corpo. A sensação se intensificou em
lugares que lhe provocaram um intenso rubor e que fizeram que fora muito consciente
da cercania do Mark. Desejava-o, nesse preciso instante, com uma paixão arrolladora e
desmedida.

—Qual é seu dormitório? —perguntou-lhe, e sentiu saudades muitíssimo que não lhe
tremesse a voz.

Experimentou a satisfação de vê-lo abrir os olhos de par em par ao tempo que


desaparecia a expressão risonha.

Mark a conduziu escada acima, olhando-a de vez em quando para assegurar-se de que o
seguia. Entraram em seu dormitório, limpo e com poucos móveis, com as paredes
pintadas em uma cor neutra impossível de distinguir à mortiça luz invernal.

antes de que o valor a abandonasse, Maggie se tirou os sapatos, os jeans e o pulôver A


frieza lhe reinem no dormitório fez que se estremecesse, já que só levava a roupa
interior. Quando Mark se aproximou dela, levantou a cabeça e se deu conta de que ele
também se tirou o pulôver e a camiseta, deixando ao nu seu musculoso torso. movia-se
com elegância e certa cautela, como se não queria assustá-la. Seu olhar se posou em sua
cara com a suavidade de uma carícia.

—É preciosa! —exclamou ao tempo que lhe acariciava um ombro com os dedos.

Maggie acreditou que passava uma eternidade até que por fim terminou de despi-la,
beijando cada centímetro de pele que ia deixando ao descoberto.

Quando por fim esteve na cama, nua, estendeu os braços para ele. Mark se tirou os jeans
e a abraçou com força. Maggie notou que lhe ardia a pele enquanto o explorava. Mark a
beijou, primeiro com aprimoramento e logo com insistência até que se rendeu e se
entregou a ele por completo.

Invadiu-a uma quebra de onda de novas sensações. As suaves e peritas carícias de seus
lábios e suas mãos despertaram a paixão.

Mark se colocou sobre ela e lhe apartou o cabelo da cara, úmida pelo suor.

—De verdade acreditava que ia ser menos que isto? —perguntou-lhe com ternura.

Maggie o olhou, estremecida até o mais fundo de sua alma. Porque para eles não podia
haver nada que não fora amor, nada que não fora a eternidade. A verdade pulsava em
seus desbocados corações, no palpitante desejo que compartilhavam. Já não podia
seguir negando-o.

—me faça o amor —sussurrou, porque o necessitava, porque desejava ser dela.

—Sempre. Maggie, meu amor...

Mark se afundou nela com um movimento certeiro que a encheu por inteiro. Notava a
força de sua presença rodeando-a, possuindo-a. O prazer a afligiu em feitas ondas cada
vez mais intensas e mais deliciosas até que gritou ao alcançar o clímax. aferrou-se a
suas costas, e notou como lhe contraíam os músculos sob a pele suarenta. Mark não
demorou para alcançar o clímax no doce porto de seus braços.

Depois seguiram acurrucados o um junto ao outro, sumidos em um silêncio


transcendental.

Haveria mais pergunta que formular, mais respostas que descobrir. Mas isso podia
esperar de momento, pensou Maggie, saturada pela novidade, pelas possibilidades. E
pela esperança.

CAPÍTULO 14

Véspera de natal

Tiveram que apartar alguns dos presentes colocados debaixo da árvore de Natal para
que Alex e Sam montassem o trem elétrico que circularia ao redor. Holly estava
eufórica e chiava de alegria enquanto corria atrás do trem, vestida com seu pijama
vermelho de flanela. Renfield se aproximou com receio e o observou tudo sem confiar-
se muito.
Tinham acordado que Holly podia abrir um só presente essa noite e que deixaria o resto
para a manhã de Natal. Como era de esperar, tinha eleito a caixa maior, que resultou ser
a do trem.

Em outra caixa estava a casita de fadas que Maggie tinha começado a lhe fazer, junto
com os tubos de pintura, as bolsitas que continham o musgo e as flores secas, o tubito
de cauda com purpurina e o resto de quão materiais Holly necessitaria para decorá-la.

Mark se tinha sentado no sofá ao lado do Maggie, que estava endireitando um montão
de contos natalinos que tinham estado lendo.

—É tarde —murmurou ela—. Deveria ir logo.

Ao ver que Mark se inclinava para lhe falar com ouvido, sentiu um agradável calafrio.

—Fica esta noite comigo.

Maggie sorriu.

—Não tinham uma regra que proibia trazer convidadas a dormir? —perguntou-lhe em
voz baixa.

—Sim, mas há uma exceção: posso convidar a uma mulher a dormir se logo me vou
casar com ela.

Maggie lhe lançou um olhar de recriminação.

—Nolan, está-me pressionando.

—Ah, sim? Nesse caso, seguro que você não gosta de um dos presentes que penso te
dar amanhã pela manhã.

Maggie notou que lhe dava um tombo o coração.

—Ai, Deus! —Escondeu a cara entre as mãos—. Por favor, que não seja o que acredito
que é... —Separou os dedos para olhá-lo.

Mark lhe sorriu.

—Tenho motivos para me sentir esperançado. Ultimamente, custa-te muito me dizer


que não.

Coisa que era mais ou menos certa. Maggie baixou as mãos e o olhou. A esse homem
tão bonito e tão sexy que tinha trocado sua vida em tão pouco tempo. Sentiu uma quebra
de onda de felicidade tão intensa que logo que pôde respirar.

—Isso é porque te quero —confessou.

Mark a abraçou, inclinou a cabeça e lhe deu um beijo doce nos lábios.

—Uf! —exclamou Holly—. Se estão beijando outra vez!


—Só podemos fazer uma coisa —lhe disse Sam—. ir acima para não vê-los.

—Já é hora de ir à cama?

—Faz meia hora que passou sua hora de ir à cama.

Holly abriu os olhos de par em par.

—Papai Noel virá em seguida. Temos que deixar preparadas o leite e as bolachas.

—Que não se esqueçam as cenouras para as renas —lhe recordou Maggie enquanto se
separava do Mark e se levantava para acompanhar à menina à cozinha.

—Crie que Papai Noel se assustará quando vir ao Renfield? —perguntou-lhe Holly, e
sua voz chegou até o salão.

—Com todos os cães que viu? O que vai...

Alex se incorporou e estirou as costas.

—Me piro. Eu também vou à cama.

—Virá amanhã pela manhã, não? —perguntou-lhe Sam.

—Maggie fará o café da manhã?

—Ao menos, fiscalizará o processo.

—Então sim. —Alex se deteve o chegar à porta e voltou a cabeça para olhá-los—. Eu
gosto disto —disse com um deixe reflexivo, surpreendendo-os—. Tem um ar... muito
familiar. —deteve-se um momento para despedir-se do Maggie e do Holly, e partiu.

—Acredito que melhorará pouco a pouco —comentou Sam—. Sobre tudo quando
acabar o do divórcio.

Mark esboçou um sorriso torcido.

—Acredito que todos melhoraremos.

Holly voltou para salão e deixou sobre a mesita do sofá um prato com bolachas e um
copo de leite.

—Renfield, não lhe vás comer isso né?

O bulldog meneou o traseiro com alegria.

—Vamos, bichito —disse Sam ao Holly—. Acompanho à cama.

A menina olhou ao Mark e ao Maggie.

—Subirá a me dar um beijo de boa noite?


—dentro de um momento —lhe prometeu Maggie—. vamos recolher tudo isto e a
deixar algumas costure preparadas para amanhã. —Observou com ternura ao Holly
enquanto a menina subia as escadas.

Quando Mark foi desconectar o trem, Maggie se aproximou do prato de bolachas e se


tirou uma parte de papel do bolso.

—O que é isso? —perguntou-lhe Mark quando retornou a seu lado.

—Uma nota que Holly me deu para que a deixe com as bolachas. —A ensinou—. Sabe
a que se refere?

Querido Papai Noel:

Obrigado por fazer realidade meu desejo.

Te amo

HOLLY

Mark deixou a nota na mesa para abraçar ao Maggie.

—Sim —disse, olhando esses olhos castanhos—. Sei ao que se refere.

E enquanto inclinava a cabeça para beijá-la, Mark Nolan por fim acreditou na magia.

FIM

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