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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven

Julia no. 169

Quando Lisa leu a carta de sua irmã de criação, pedindo


que voltasse para casa, sabia que não poderia mais fugir
do passado nem das lembranças daquele cruel amanhecer,
dois anos atrás. Até esse dia, tinha esperanças. Quantas
vezes sonhou acordar nos braços de Kane... Mas o que
teve de enfrentar foi um pesadelo! Lá fora o céu clareava.
No quarto, porém, só havia Kane e a escuridão, uma
terrível escuridão que a envolvia e arrastava para as
profundezas do inferno. Kane a violentara, não só
fisicamente. Tinha destruído todos seus ideais amorosos,
apagando o fogo da paixão que existia dentro dela e
tornando-a uma mulher incapaz de amar...

Escura Manhã
“Dark Summer Down”
Sara Craven

Livros Florzinha -1-


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

CAPITITULO I

Lisa sentia-se tão cansada, os ossos doendo, que enfiar a


chave e abrir a porta era um grande esforço. O vôo havia
sido longo e turbulento, a aterrissagem atrasada por causa
do mau tempo. Uma das garotas mais jovens estava muito
nervosa enquanto o avião sobrevoava o aeroporto tentando
pousar, e foi Lisa quem sentou-se ao lado dela, tentando
acalmá-la.
Fechou a porta atrás de si, contente por estar em casa de
novo. Encontrou tudo impecavelmente limpo e arrumado; a
sra. Hargreaves sabia como tomar conta das coisas, mas o
ar dentro do apartamento estava estagnado. Lisa abriu a
janela, deixando entrar o vento frio de janeiro.
Tremia um pouco, lembrando-se com saudade do forte sol
do Caribe que tinha acabado de deixar. Mas o ar frio do
inverno londrino sem dúvida era revigorante.
Havia uma pilha de cartas sobre a pequena mesa de jantar,
ao lado da janela. A correspondência poderia esperar, ela
decidiu enquanto tirava os sapatos. No momento tudo o
que queria era um banho, depois das várias horas no
avião. Mas sentia-se tão esgotada que ia primeiro dormir.
Foi para o quarto, já desabotoando a roupa. A cama estava
pronta, e o lençol dobrado tinha um ar convidativo. A sra.
Hargreaves havia deixado uma linda camisola sobre a
cadeira, mas Lisa nem se importou com ela. Tirou a
maquilagem, seguindo uma rotina que não deixava de lado.
por mais cansada que estivesse, e se jogou na cama, nua,
adormecendo imediatamente.
O barulho da rua e do aspirador no apartamento de cima
não a perturbaram e Lisa dormiu profundamente por muitas

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horas. Quando acordou, percebeu que tinha dormido muito


mais tempo do que estava habituada.
Devo estar ficando velha, pensou. De fato, sentira-se velha
na viagem. Todas as outras modelos não haviam ainda
chegado aos vinte anos. Ela era a única que tinha vinte e
um.
— Já tem muitos cabelos brancos? — Jos brincava
com ela.
— Veja se não vai reclamar da sua idade com a Myra. Ela
é dois anos mais velha que você!
Myra nunca tinha sido e nem seria um modelo fotográfico.
Era uma estudante de arte bastante bonita e simpática e o
casamento com Jos e o filho que tiveram em seguida não a
mudou muito. Mas não seria com o rosto e com corpo que
ela faria fortuna, com certeza. Aliás, minha beleza e meu
corpo também não serão suficientes para me transformar
numa milionária. Lisa pensava enquanto se levantava, mas
me bastam para que possa ganhar meu próprio sustento.
Fitou-se de alto a baixo no grande espelho do banheiro,
num gesto muito mais de preocupação profissional do que
propriamente narcisista. Havia estado no Caribe junto com
outras modelos, fazendo as fotos de lançamento de uma
nova linha de roupas de praia para uma revista elegante.
Não havia, porém, com o que se preocupar, pois se tivesse
ganhado ou perdido alguns quilos, coisa que a afetaria na
sua profissão, Jos certamente teria dado o alarme. Eles se
conheciam desde que Lisa viera para Londres, há dois
anos. E tinha sido Jos quem a ensinara tudo o que ela
precisava saber para enfrentar uma câmera.
Na verdade, Lisa jamais tinha pensado seriamente em
tornar-se modelo fotográfico, e foi Jos quem, pela primeira
vez, sugeriu isso. Ela ainda era uma estudante quando
Dinah, sua melhor amiga, recebeu a visita de Jos. Foram

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os três almoçar juntos, certo dia, e então Lisa ficou


sabendo que ele era um nome famoso nos meios de
fotografia para moda e revistas.
Foi graças a Jos que ela recebeu o primeiro grande salário
como modelo fotográfico. Tinha sido a Garota Âmbar,
protagonista do lançamento de uma nova e fina linha de
cosméticos. Seus cabelos eram longos e de um castanho-
dourado. Os olhos esverdeados mudavam de cor tornando-
se cor de mel ou verdes de acordo com a roupa que
usasse.
Lisa era linda e foi escolhida imediatamente como modelo
principal da grande campanha publicitária. Para ela, era
uma experiência inédita e curiosa. Fizeram-lhe roupas
especiais, algumas sóbrias, outras provocantes. Seu rosto
foí estampado nas mais conhecidas revistas de moda, os
olhos entreabertos, a boca levemente curvada, o que dava
um efeito ao mesmo tempo sensual e inocente. A
conceituada loja francesa que patrocinava o lançamento de
fato havia feito uma ótima escolha, e as vendas logo
aumentaram.
Mais uma vez Jos a ajudou, aconselhando-a a não tomar
parte na continuação da campanha, ainda que lhe
pagassem muito bem para isso.
— Vai ficar marcada, se o fizer. Todo mundo vai associá-la
com
a campanha e você será sempre a Garota Âmbar. É muito
bom durante certo tempo, mas e quando você se cansar
deles? Ou, pior, eles se cansarem de você?
Lisa aceitou o conselho dele, sem nunca se arrepender
disso. De fato, surgiram diversas outras oportunidades de
trabalho. Era com Jos no entanto, que preferia trabalhar.
Ele havia sido o primeiro a reconhecer seu potencial, e Lisa
seria sempre grata por isso. Achava que tinha tido muita

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sorte. Pelas histórias que ouvira de outras garotas, os


perigos de uma profissão como a sua eram inúmeros.
Achar aquele apartamento também tinha sido um golpe de
sorte, pensava enquanto entrava embaixo da gostosa
ducha do chuveiro. Lisa morava junto com Dinah, que no
momento excursionava com uma peça humorística, na qual
trabalhava como atriz. Elas não chegavam a ter problemas
financeiros, embora também não pudessem fazer muitas
extravagâncias.
Estava com fome e, ao sair do chuveiro, decidiu que faria
uma refeição leve. Poderia ler as cartas enquanto comia e
secava os cabelos. A maior parte da correspondência era
contas a pagar, anúncios, extratos de banco, mas às vezes
podia ser que alguma amiga tivesse escrito.
Depois de se enxugar, enrolou uma grande toalha nos
cabelos e vestiu um roupão. Não estava muito elegante
com esse traje mas naquela noite, Lisa pretendia somente
ler um pouco, junto à lareira, e ouvir música. Foi para a
cozinha e começou a preparar uma salada e um bife
grelhado.
Nunca foi de comer muito, O que deixou seu pai adotivo
alarmado quando ela se mudou para Stoniscliffe.
— Come menos que um passarinho! — ele reclamava nas
refeições. Mas ela era assim e dava graças aos céus por
nunca ter precisado fazer regimes.
Quando terminou de comer, sentou-se confortavelmente no
sofá, com uma xícara de café, e começou a abrir as cartas.
Como tinha previsto a maior parte era correspondência de
bancos, avisos e anúncios. Havia também uma carta de
Julie.
Lisa fitou o pequeno envelope branco, reconhecendo a
caligrafia daquela que passara a ser sua irmã depois que
sua mãe casou com o pai dela. O instinto lhe dizia que se

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Julie estava escrevendo era porque devia estar passando


por alguma crise muito séria, a qual Lisa preferia não tomar
conhecimento. No passado, esse tipo de coisa sempre a
havia prejudicado, e ela sentiu vontade de rasgar a carta
antes de saber seu conteúdo
Mas podia ser algo a respeito de Chás, pensou, sentindo
um certo pânico. Ele não tinha passado muito bem nos
últimos tempos e ela nunca mais tivera notícias dele. A
última coisa que havia recebido de Stoniscliffe foi um formal
cartão de Natal, que não era absolutamente pródigo em
notícias.
Lisa fitava o envelope sem abri-lo, com uma vontade
enorme de ignorá-lo. Não devia nada a Julie. Na realidade,
o inverso era muito mais verdadeiro.
Com Chás, porém, era diferente. Seu pai adotivo sempre a
tinha tratado com muiio amor e consideração e era muito
fácil para Lisa retribuir tal afeto. Não por causa do dinheiro
que ele fazia questão de continuar depositando
mensalmente em sua conta, já que ela podia devolver-lhe
tudo a hora que quisesse, pois nunca tocara num tostão
sequer. Quando partiu de Stoniscliffe, prometeu a si
mesma que nunca mais aceitaria dinheiro dos Riderwood.
Queria ser independente de todos eles, em especial. . .
Tentou parar de pensar naquelas coisas. As lembranças de
Stoniscliffe eram agora um território proibido. Tinha
decidido jamais voltar àquele lugar, apesar de saber que
não podia perder completamente o contato com Chás. Ele
ficara muito triste quando ela foi embora e, infelizmente,
Lisa nunca tinha podido confar-lhe o verdadeiro motivo de
sua partida.
Devagar e a contragosto, abriu o pequeno envelope branco
e retirou uma página de papel de carta dobrada. A
caligrafia de julie era redonda e graciosa.

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Querida Lisa,
Adivinhe só! Vou me casar! O espanto por aqui é geral,
mas decidi resolver tudo de uma vez! O noivo é Tony
Brainbridge, naturalmente, e papai está muito satisfeito. O
casamento será no mês que vem e gostaria que você fosse
minha madrinha. Por favor, você não deixará de aceitar,
não é, Lisa? Os preparativos já estão me deixando louca e
a sra. Brainbridge, mãe de Tony, não é fácil de suportar
sozinha! Por favor, Lisa, volte para casa por uns dias!
Tenho certeza de que pode tirar umas férias do trabalho.
Aguardo sua resposta breve. Com amor, Julie.
No pé da página, como observação, vinha escrito: "Kane
será o padrinho".
Lisa permaneceu imóvel, fitando a página escrita. Num
acesso de descontrole, amassou o papel e jogou-o longe.
— Não! — disse em voz alta. — Por Deus, não!
Sentia um frio intenso, subitamente. Enrolou-se mais no
roupão e colocou o aquecedor a gás no máximo, como se
aquele arrepio que a tinha percorrido de repente fosse
puramente físico.
Então, Julie ia casar com o rapaz que Chás sempre
esperou que se tornasse o marido dela. Não era fácil
acreditar nisso. Já faziam
dois anos que não se viam e Julíe devia ter amadurecido
bastante nesse tempo. Lembrando-se da Julie que havia
conhecido, jovem, com uma vontade própria tão grande,
parecia inacreditável que fosse finalmente casar com Tony
Brainbridge.
Tentou lembrar-se dele. Podia-se dizer que tinham crescido
juntos, pois seu pai era o dono da fazenda vizinha. Mas
nunca chegara a causar uma impressão muito forte em
Lisa. Era bonito, agradável e rico. Um ótimo partido para a

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maioria das garotas. Serviria também para a voluntariosa


Julie, ela própria filha de um rico industrial?
Bem, o amor às vezes faz ligações estranhas. Lisa
pensava, reclinada no sofá. Era certo que a jovem, linda e
vibrante Julie só se casaria por amor e não porque tal
casamento sempre foi visto por ambas as famílias como
uma união ideal. Não, julie não se renderia a tais
imposições familiares. Lisa, porém, não estava plenamente
convencida disso.
Releu a carta, tentando ignorar a observação que vinha ao
pé da folha. Era o estilo de Julie, cheio de pontos de
exclamação e tudo o mais, mas. . . era possível dizer que
aquela era a carta de uma noiva radiante, prestes a casar?
Lisa fechou os olhos. Sempre tinha protegido. Julie desde
que se mudara para Stoniscliffe, aos dez anos de idade. Na
primeira noite, ainda surpresa pela rapidez como tudo havia
acontecido, e lutando contra a falta de familiaridade de uma
cama estranha, um quarto estranho, foi com espanto que
viu a porta se abrir de repente e surgir a pequenina figura
de Julie.
— A sra. Arkwright diz que já sou bem grande para ter
medo de escuro. Mas estou apavorada! Posso deitar com
você? Oh, por favor. Lisa, deixe-me ficar aqui!
Foi uma noite desconfortável, sem dúvida. Não era cama
para duas pessoas. . . No dia seguinte, Chás soltou uma
estrondosa gargalhada ao deparar com as duas meninas
dormindo juntas e, ignorando a desaprovação da sra.
Arkwright, ordenou que a cama de Julie fosse trazida para
o quarto de Lisa.
— Não lhe falei? — perguntava, dirigindo-se à mãe de
Lisa. — Não disse que seriam como duas irmãs?
Jennifer Riderwood havia concordado com a cabeça,
sabendo que ter de dividir um quarto com outra pessoa era

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mais uma das mudanças a que Lisa teria que se adaptar na


nova vida.
Antes disso, Jennifer já era viúva há cinco anos quando
inesperadamente ganhou aquele cartão de loteria. O
dinheiro não podia ter vindo em melhor hora. Não tinha
nenhuma profissão definida e, portanto, era obrigada a
aceitar qualquer trabalho que pudesse arrumar, e ainda
agradecer. Tinha que dar graças a Deus também pelo fato
de
que dispunham de um teto para abrigá-las, a ela e à
pequena Lisa, ainda que fosse a casa da cunhada e de seu
irmão.
Clive e Enid Farrell faziam questão de dizer que não foram
obrigados a isso, que abrigavam Jennifer e a filha porque
gostavam delas. E ninguém mais sabia que Jennifer
pagava um aluguel generoso, pois não gostava de viver de
favores.
Mais o dinheiro nunca era o bastante. Lisa ainda se
lembrava de tia Enid reclamando da inflação e do preço
das coisas: "Não esqueça de apagar a luz, Lisa... Temos
que pagar pela água quente que usamos no banho, minha
querida..."
E, a cada dia que passava, Jennifer parecia mais triste e
cansada. Como o serviço de caixa no banco não lhe rendia
o bastante, era obrigada a completar seu salário
trabalhando num restaurante, servindo as mesas, e
raramente chegava em casa antes da meia-noite. Como
fosse uma mulher bastante frágil, depois de algum tempo
começou a sentir-se mal, até que um dia teve um desmaio
e foi trazida inconsciente para casa. Imediatamente a
levaram ao dr. Chalmers.
— Você precisa de um descanso, minha querida. Um bom
descanso, longe de tudo. Até mesmo de sua filha. Tenho

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certeza de que ela poderá ficar sem você por alguns dias.
E, de qualquer maneira, é certo que prefere ficar sem você
por algum tempo do que perdê-la para sempre!
já não havia muito dinheiro, ainda mais agora que Jennífer
era obrigada a deixar o emprego noturno. Foi quando veio
o prémio da loteria. que não era grande mas suficiente para
comprar algumas roupas novas para ela e para Lisa e para
fazer um pequeno cruzeiro pelo Mediterrâneo, sugerido
pelo dr, Chalmers. E ainda sobrava um pouquinho para um
dia em que as coisas estivessem muito ruins.
Mas nem todos estavam tão preocupados com a saúde de
Jennifer e ela sofreu todo tipo de pressão, por causa da
viagem. A casa em que moravam precisava de alguns
reparos e esperavam que ela contribuísse para os
consertos, como se a casa também fosse dela. Muito se
falou, pelos cantos, de ingratidão, egoísmo.
Desta vez, porém, Jennifer não deixaria que os outros
fossem mais importantes que ela própria, já havia
comprado a passagem, pago com o próprio dinheiro, e não
desistiria do tão merecido descanso. Mas quando voltou as
coisas estavam mudadas, e nunca mais voltaram a ser
como antes.
Até que um dia foram visitados por Charles Riderwood.
Alto, forte, um rosto sóbrio sobretudo pela distinção que
uma mecha de cabelos brancos lhe dava. Sorriu para Lisa.
— Olá, pequenina! — Sua voz tinha um ligeiro sotaque do
norte. — Também tenho uma menina, dois anos mais nova
que você!
Lisa retribuiu-lhe o sorriso, meio incerta. Mas tinha
reconhecido a amabilidade daquele homem e sabia que ele
desejava que ela gostasse dele, apesar de não entender
por quê.

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— Ora, vejam só! — dizia Enid Farrell. zangada depois


que o sr. Riderwood já tinha partido. — Agora estamos
assim? Quer dizer que seus admiradores podem vir aqui
quando bem entenderem? E os vizinhos, o que vão
pensar?
— Antes que diga qualquer outra coisa, Enid. — Jennifer
tinha a voz calma. — Acho que seria melhor saber que
Charles e eu pretendemos casar,
— Casar?! Um homem que conheceu num cruzeiro? Você
não sabe nada sobre ele! Talvez até já seja casado.
— Já sei o bastante. — Sua face se iluminava com um
sorriso.
— Ele é viúvo. Sua mulher morreu há muitos anos e ele
tem dois Hlbos, um rapaz de vinte e quatro anos e uma
garota de oito. Trabalha no ramo da eletrônica e mora em
Yorkshire. Há mais alguma coisa que quer saber?
— Por que o filho é tão mais velho que a menina? — Enid
perguntava acusadoramente.
— Não sei. Acho que por nenhum motivo especial, isso
não é raro de acontecer.
E a desaprovação da cunhada persistiu até o dia do
casamento. Além de Lisa, Enid e o marido eram os únicos
convidados da parte de Jennifer. Mas, havia muitos
conhecidos e amigos de Charles Riderwood, e após a
cerimónia todos se dirigiram à recepção, que teria lugar
num hotel.
Alguém os estava esperando no hotel, um rapaz alto e
moreno, que se levantou quando chegaram, um ar
pensativo. Charles dirigiu-se a ele com prazer e satisfação.
— Kane, você conseguiu vir, afinal de contas. — Virou-se
para Jennifer. — Venha conhecer meu filho. Ele estava nos
Estados Unidos, num curso de pós-graduação, e estou feliz
que possam se conhecer hoje.

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— Parece que não posso mesmo virar as costas, não é,


papai?
— Kane brincou enquanto apertava a mão de Jennifer.
Todos em volta riram muito, mas Lisa recuou, hesitante.
Sabia instintivamente que aquele rapaz, que daquele dia
em diante seria seu irmão de criação, filho do marido de
sua mãe, não estava satisfeito com o casamento. Ele
sorria, mas o sorriso nunca chegava até os olhos. E
quando Charles apresentou-lhe Lisa, o olhar de indiferença
beirava a hostilidade.
Não gosto dele, ela pensou, e ele também não gosta de
nós.
— Ele é muito parecido com você! — Jennifer dizia, e Lisa
desejava poder gritar que não, que não eram
absolutamente parecidos e que sua mãe devia saber disso.
Lisa não via a hora de conhecer Stoniscliffe. a grande casa
de paredes de pedra sobre a qual seu padrasto havia
falado. Queria conhecer Julie também, sua nova irmã.
— Julie é muito sozinha, não tem com quem brincar —
Chás tinha lhe dito. — E posso jurar que você também se
senti solitária, não é?
Mas toda a excitação, todas as fantasias, tudo agora
parecia ter perdido o sentido diante da presença daquele
rapaz, estranho e hostil. Lisa já não tinha certeza se queria
ir para Stoniscliffe, agora que sabia que ele estaria lá.
Tentou esquecer Kane e aproveitar a festa. Todos falavam
que era uma menina muito bonita e elogiavam seus longos
cabelos. Chás chegou a permitir-lhe que experimentasse o
champanhe, apesar dos protestos de Jennifer.
Lisa estava começando a sentir-se a vontade e se divertir
quando tia Enid se aproximou, aproveitando um momento
em que ela e Jennifer estavam sozinhas, próximas a um
canto do grande salão.

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— É claro que você arranjou o melhor para si mesma! —


disse, o olhar frio e duro. Enid fitava Jennifer direiamente
nos olhos. — Trabalha com eletrônica. não é, Jennifer? Só
que você esqueceu de dizer que ele è o dono da indústria!
Suponho que agora você vai partir para o Norte sem olhar
para trás, esquecendo-se daqueles que lhe deram casa e
comida quando não tinha nada, não é?
— Enid, por favor, fale baixo. — Jennífer agora estava
pálida, toda a alegria havia fugido de seu rosto. — Talvez
não acredile em mím, Enid. mas foi só hoje que fiquei
sabendo disso também! Sim, eu sabia que Chás tinha uma
vida confortável, mas tudo isso. . . — Olhou o salão
ricamente decorado. — Tudo isso foi um choque tão
grande para mim quanto para você!
— Sim, naluralmente. Sempre soubemos que não éramos
o que você desejava. Uma moça tão linda, jovem, cheia de
graça... não servia para ter que trabalhar muito, não é? De
qualquer maneira, de agora em diante, não precisará mais
se preocupar com isso!
Lisa estremeceu. Sentia o veneno nas palavras da tia. Não
era a implicância habitual que ela e a mãe haviam se
acostumado a aceitar, notou outra coisa também: Kane
Kiderwood estava perto delas e, a julgar pela expressão de
seu rosto, tinha ouvido o que Enid dissera.
Gostaria que ele não tivesse ouvido, ela pensou ressentida.
Ele já não gosta de nós e agora vai pensar que somos tão
horríveis quanto ela.
Enid porém, se afastou assim que Chás se aproximou.
Pouco mais tarde. Lisa viu com alívio a tia partindo, junto
com o tio Clive. Derepente, tinha uma vontade enorme de
partir para Stoniscliffe, na esperança de que nunca mais
os visse novamente.

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Mas a festa continuava e Lisa já estava ficando cansada de


tantos rostos e vozes novas. Então, descobriu uma sala. na
qual havia um grande sofá de frente para a janela e de
costas para o resto do aposento. Deitou-se. embalada pelo
distante ruído dos carros lá embaixo e pelo murmúrio de
vozes e risadas. Alguma coisa a fez acordar, e ela abriu os
olhos de repente, sentindo que não estava mais sozinha na
sala. Uma voz de homem dizia:
— Foi uma surpresa para todos nós! Ele também não
contou para você?
— Não me falou nada até que já fosse tarde demais para
que se pudesse fazer alguma coisa! — Era a voz de Kane
Riderwood, que agora tinha um tom irado. — Meu Deus, é
pura loucura! Tira umas férias e acaba voltando com uma
datilógrafa interesseira e sua filha! É claro que ninguém
esperava que vivesse como um monge, mas esse
casamento não era necessário!
Escondida pelas costas altas do sofá, uma grande tristeza
apossou-se de Lisa. Não entendia direito tudo o que ouvira,
mas sentia a frieza daquelas palavras: uma datitógrafa
interesseira e sua filha! Tinha vontade de dar um pulo,
correr até Kane Riderwood e acertá-lo com tapas e
pontapés. Sabia que não poderia fazer isso, pois as
pessoas lhe perguntariam por que estava fazendo aquilo, e
ela seria obrigada a contar o que tinha ouvido. E tudo isso
só traria tristeza para sua mãe. Tia Enid já havia sido muito
ruim com ela naquele día, para lhe dar mais um dissabor.
Lisa não queria estragar a felicidade que a mãe sentia
naquele dia tão especial.
Esta era sua nova família, da qual Kane era membro
importante. E ele não gostava delas, não as desejava. Lisa
afundou o rosto nas almofadas e, tampou os ouvidos com
as mãos. Não queria escutar mais nada!

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Mais tarde, Chás e Jennifer a encontraram, ainda quieta,


no sofá. Dali seguiram para Stoniscliffe, atrasando um
pouco a lua-de-mel. Chás queria mostrar pessoalmente a
casa para Jennifer e deixar Lisa lá.
Lisa estava triste e meio pálida. Eles achavam que era
devido ao cansaço, por causa da festa, e ela preferiu não
dizer nada. Mas sentiu-se feliz ao ouvir Chás comentar que
Kane não iria para Stoniscliffe. pois estava voltando para a
América.
Talvez ele fique por lá, pensava Lisa, uma esperança de
menina. Talvez ele nunca mais volte.
E a menina, agora já mulher, lembrava sorrindo daquela
esperança infantil, tão ingénua. É claro que ele voltou e,
aos poucos, as coisas foram mudando e se tornando mais
fáceis, apesar de Lisa saber, desde o começo, que nunca
seria capaz de gostar dele, ou mesmo confiar plenamente
naquele homem. Estava sempre em guarda quando Kane
estava por perto.
E ele também se esforçou. Nunca magoou Jennifer a ponto
de dizer-lhe seus reais sentimentos a respeito do segundo
casamento do pai. Mas também, Lisa pensou, Kane nunca
teve motivos para isso, Chás e Jennifer sempre foram
muito felizes Kane sempre a tratou muito educadamente,
ainda que talvez um pouco distante. Quanto a Lisa, não
parecia fazer muita conta de sua existência, mas também,
ela concluía agora, ele tratava Julie da mesma forma. E,
mesmo assim, a menina tinha uma forte tendência para
idolatrá-lo.
O amor fraterno nunca foi o forte de Kane, Lisa pensou,
enquanto passava a língua nos lábios secos. Ele tinha
namoradas, claro. Muitas. Algumas delas até vinham
passar uns dias em Stoniscliffe, sob o olhar indulgente de
Chás. Mas nunca se tratava de nada muito sério, apesar de

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serem garotas lindas e elegantes, muito seguras de si,


todas ótimas esposas para um homem que herdaria uma
grande indústria e precisaria de uma anfitriã suave e prática
em sua vida particular.
Julie e Lisa passavam horas falando daquelas garotas.
Comentavam de suas roupas, suas maneiras, seus gestos.
Mais tarde, avaliavam seus atributos físicos, com ávida
curiosidade adolescente. Aliás, era Julie quem comentava
e parecia mais interessada em tais assuntos. Lisa não se
preocupava com as parceiras que Kane arrumava, apesar
de não ter dúvida de que ele deveria ser tão experiente
como amante como era em outras coisas.
Era o rapaz de ouro do lugar, moço ainda e já diretor dos
negócios dos Riderwood, que cada vez mais se expandiam
sob sua direção. Uma pessoa forte, decidida, inteligente.
E dura também. Lisa pensava, reclinando no sofá. Talvez
por isso nunca tinha conseguido vê-lo como modelo de
herói, como fazia Julie. Para Lisa, não havia como
conceber um herói que não possuísse suavidade,
sensibilidade e calor.
Mesmo quando Jennifer morreu de repente, enquanto
estava dormindo, ele não pareceu comovido. Lisa já tinha
dezesseis anos, e quando Kane, que voltara rapidamente
de uma viagem, foi dar-lhe os pêsames, parecia longe,
distante, como se estivesse pensando em outra coisa. Não
venha dizer que está sentido, você nunca a quis aqui! Nem
a ela nem a mim!, era o que desejaria ter gritado. Toda a
revolta, toda a tristeza que ele havia lhe causado desde o
primeiro momento que se viram pareciam agora querer
explodir dentro de Lisa. Mas ela apenas murmurou alguma
coisa, quietamente, e partiu.
Lisa afundou nas grandes almofadas do sofá, com uma
sensação de frio interior, algo que acontecia sempre que

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começava a pensar naquelas coisas. já fazia dois anos que


tinha se mudado para Londres e durante esse tempo
conseguira desenvolver sua autocensura de modo a
manter tais pensamentos afastados da cabeça. E
certamente não estaria pensando nisso agora, não fosse a
carta de Julie.
Teria que escrever para ela, inventando alguma desculpa.
Sim, pois de maneira nenhuma pretendia voltar para
Stoniscliffe enquanto Kane estivesse por lá. E, agora, ele
estava sempre lá. Era doloroso não ver Chás, deixar de
rever a grande casa de pedras cinzentas, mas era
necessário. Lisa nunca mais desejava encontrar Kane
Riderwood.
O súbito ruído da campainha da porta a fez dar um pulo,
assustada, pois não esperava ninguém. Bem, muitas
pessoas deviam saber que ela já tinha voltado do Caribe, e
talvez alguém passasse para uma visita. Seu primeiro
impulso foi não atender à porta, principalmente porque
estava apenas com um roupão e com uma toalha na
cabeça. Mas a luz estava acesa e, quem quer que
estivesse lá fora, já o teria notado. A campainha tocou de
novo.
— Ok, já vou indo!
Sorria ao abrir a porta, pensando que era bem provável que
fosse Simon a visitá-la. Ele tinha ficado muito triste quando
Lisa partiu. Ela sentia grande afeto por ele ainda que
estivesse longe de apaixonar-se.
— Você me pegou num péssimo momento!... — começou
a dizer. Mas parou subitamente, as palavras morrendo em
sua garganta, quando viu quem é que estava à sua frente.
— Olá, Lisa! — disse Kane Riderwood.

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CAPITULO II

Por um momento, Lisa não conseguia dizer nada. ou


mesmo mover-se. Era como um pesadelo, a aparição de
um demónio que seus pensamentos haviam conjurado.
Durante todos aqueles meses ela o mantivera afastado de
seus pensamentos. . . e, agora, a carta de Julie tinha
trazido tudo de volta. Fala-se no demónio e ele aparece, é
o que se diz. E deve ser verdade, ela pensou, pois ali
estava Kane a sua frente.
Seu impulso foi de bater a porta na cara dele, mas hesitou
e Kane aproveitou para dar alguns passos adiante,
certamente percebendo as intenções dela.
— Por favor, deixe-me entrar! — disse, quando já estava
praticamente dentro, e em seguida fechou a porta atrás de
si.
— Vá embora daqui!
— Só depois de ter dito o que vim dizer. .
A voz dele continuava fria. Fisicamente não havia mudado
muito, ainda que tivesse uma expressão mais madura.
Kane fitou-a por um momento.
— Acalme-se! Quanto mais cedo eu disser o que tenho a
dizer, mais cedo vou embora. E é justamente o que nós
dois desejamos!
— Com os diabos, o que é que você está fazendo aqui?
— Pelo jeito como me trata, parece que vim lhe fazer
algum mal terrível! Ora, Lisa, acalme-se e tente agir como
um ser humano civilizado!
— E é você que vem me falar de comportamento
civilizado? Acho melhor dizer de uma vez o que tem a dízer
e sumir daqui!

Livros Florzinha - 18 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Uma agradável anfitriã, como sempre... — Kane


caminhou pela sala, sentando-se numa cadeira. — Você
está muito nervosa! Qual é o problema? Vocé falou que
eu tinha chegado num péssimo momento. Você está. . . se
divertindo, Lisa? -— Fitou-a de alto a baixo e era claro que
sabia que ela estava nua sob o roupão.
— Não — disse, arrependendo-se em seguida. Talvez, se
dissesse que não estava sozinha, ele tivesse partido.
— Bem, tive sorte então de encotra-la sozinha. Será que
poderia tomar um pouco de café?
Por um momento ela o olhou com impotência. Depois, a
contragosto, virou-se e foi para a pequena cozinha. Estava
tão nervosa, as mãos tremendo, que era difícil arrumar a
bandeja com as xícaras e o açúcar. Ouviu um ruído atrás
de si e imaginou que Kane estava encostado na porta,
observando-a.
— Quer açúcar? — ela perguntou com voz fria.
— Você tem uma memória muito ruim. Lisa — disse,
irónico. — Moramos juntos tantos anos, tantas vezes você
me serviu café.. . Não, não quero açúcar, como sempre!
Kane avançou, alguns passos e se aproximou dela. Com
um dedo sob seu queixo, a fez erguer o rosto e fitá-lo de
frente. Aquele toque mexia com todos os músculos do
corpo de Lisa e ela desejou atacar Kane com unhas e
dentes, como um animal selvagem, mas seria inútil porque
ele era muito mais forte. .
— Você não muda mesmo, não é, Lisa? Exatamente como
era há alguns anos: uma criatura hostil, pronta para atacar,
— Engraçado você dizer isso —- Lisa falava com um
sorriso irónico —, pois eu estava pensando a mesma coisa
a seu respeito! Você também não mudou nada, sempre
hostil, frio e distante.
— Frio e distante? É realmente isso o que pensa?

Livros Florzinha - 19 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Acho melhor não dizer o que penso realmente, Kane.


Agora, se deseja o café, é melhor me soltar, para eu poder
fazê-lo.
Kane retirou a mão do queixo de Lisa e fez um gesto
zombeteiro de derrota.
Quando ela voltou para a sala,, trazendo a bandeja, Kane
estava sentado perto da lareira, fumando um charuto. O
cheiro doce do tabaco, a fez sentir, de repente, uma
profunda nostalgia. Chás também fumava charutos e
aquele aroma a fazia lembrar os anos passados em
Stoniscliffe.
— Você não fuma mais cigarros? — Ela colocou a bandeja
sobre a mesa.
. — Não. Desisti há dois anos. — Kane apontou o charuto.
— Você se incomoda?
— Não, absolutamente. -— Sentia vontade de dizer que
o que menos a incomodava era o charuto, mas preferiu não
tornar as coisas ainda mais difíceis. — Por que pergunta?
— Acho que porque fica estranho fumar charutos aqui. É
uma coisa masculina e este ambiente é tão feminino.. .
Pelo menos, é o que presumo. Talvez esteja enganado.
— Sim, talvez.
— Você não vive sozinha? — Olhou em volta, as
sobrancelhas levemente levantadas.
— Não. eu não moro só.
Kane ficou quieto por um instante, mas falou em seguida,
enquanto batia a cinza do charuto no cinzeiro sobre uma
mesinha.
— Sim, claro que não! E pode-se saber onde ele está?
— Não, não pode! — ela disse, calma. — Acho que agora
poderia dizer o que quer de mim.

Livros Florzinha - 20 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Eu não quero nada, minha querida. Agora e nunca. —


Sua voz era dura. — Aliás, é bom que fique claro que não
vim aqui por minha causa, mas por causa de Julie.
— Julie? — Involuntariamente. Lisa fitou a carta sobre o
sofá. Kane seguiu seu olhar e notou p pequeno envelope
branco.
— Talvez tenha perdido a viagem, mas de qualquer
maneira vou lhe dizer o que pretendo. Julie está em pânico,
pois nunca mais teve notícias suas e deseja muito que vá
até Stoniscliffe para ajudá-la com o casamento. Está aflita
porque você ainda não escreveu nem telefonou.
— Só recebi a carta hoje. Estava viajando . . .
— E, ao que parece, não ficou muito surpresa com a
notícia — disse, enquanto se recostava na cadeira.
— Nós dois sabemos que eu não vou para Stoniscliffe.
Você vai ter que convencer Julie achar alguma explicação
que a satisfaça.
— Só que eu não consigo pensar em nada! E, mesmo que
conseguisse, duvido que Chás ficasse satisfeito. Ele não vê
a hora de você .. , voltar,
— Como é que ele está? — Lisa não eslava lentando
mudar de assunto. Desejava muito saber como estava seu
pai adotivo, pois as cartas eram raras.
— Se realmente quisesse saber, teria ido ver por si
mesma — ele replicou, ríspido. — Corno acha que pode
estar? Preso àquela cadeira de rodas pelo resto da vida!
— Cadeira de rodas? O que você quer dizer?
— Ele teve um enfarte que o deixou parcialmente
paralisado. Pode andar alguns metros, mas com
dificuldade, tendo que se segurar nas coisas.
— Ele disse que não estava bem, mas nunca tocou no ...
— E por que deveria? — Kane interrompeu-a. — Se
você se preocupasse, teria ido ver como ele estava!

Livros Florzinha - 21 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Isso é o que você acha, não ele.


— Talvez ... Ele sempre foi muito compreensivo com você,
pronto a aceitar qualquer desculpa. Mas um homem ativo,
vigoroso, que de repente se vé com terríveis limitações
físicas que não pode superar. . . Bem, tem sido uma grande
batalha para Chás e só não lhe pediu para voltar pois odeia
a possibilidade de que tenham pena dele. Há uma
enfermeira morando em casa, e é só dela que ele recebe
auxílio. Nunca pediu nada para nenhuma outra pessoa. E
está contando com o casamento de Julie para traze-la de
volta, Lisa. Eu podia ter lhe dito que era uma esperança
inútil.
— Não é verdade! — Ela sentia-se mal, uma coisa presa
na garganta. — Eu ... eu amo Chás,
— É o que sempre disse! Você sempre afirmou que
desejava ser uma filha para ele e uma irmã para Julie.
Bem, acho que chegou a hora de provar.
— Não é tão fácil como você diz! —- Sentia que estava
falando mais para si mesma do que para Kane. — Tenho
uma carreira, compromissos .. .
— Entendo o tipo de compromisso a que se refere . . . Mas
será que não poderia então convencê-lo de que também
tem um compromisso com Chás, um compromisso
prioritário? A não ser que não veja mais as coisas deste
modo . , . Quanto à sua carreira . .. Ora, Lisa, imagino que
ela sobreviveria a você passar uma temporada em Sto-
niscliffe, pelo simples fato de que sua irmã vai casar.
Suas últimas palavras tinham um tom zombeteiro Lisa
sabia que Kane não via sua vida profissional como algo
sério e importante.
— Pode zombar quanto quiser — sua voz estava irada —,
mas é a minha vida! Não é o tipo de sucesso que você
reconhece, eu sei, mas sou feliz. E o que é que esperava

Livros Florzinha - 22 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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de mim? Que me tornasse uma datilógrafa, como se referia


à minha mãe?
— E deixar de capitalizar sobre as lindas formas que a
natureza lhe deu? Não, acho que não .. . Você tem um dos
rostos e corpos mais conhecidos do país. O que é que o
homem de sua vida acha do fato de ter de dividi-la com as
fantasias de milhares de outras pessoas?
— Ele não se abala com isso -— Lisa replicou, tentando
parecer inalterada. Tinha feito Kane acreditar que morava
com um homem e agora não via por que gritar-lhe que seu
corpo só pertencia a si mesma, que na frente das câmeras
interpretava o papel que Jos havia designado, nada mais
que isso.
— É, talvez seja o preço que ele tem de pagar para
possuir uma mulher tão linda. — Kane deixou os olhos
críticos passearem sobre o corpo dela. — Mesmo vestida
assim, e com essa toalha, você é uma mulher muito bonita,
Lisa.
Ela se ressentiu dessas palavras e pareceu encolher por
dentro, numa sensação de defesa. Kane notou essa
reação, pois disse:
— Não se alarme, Lisa já disse que não desejo nada de
você e é verdade. Tudo o que preciso é de sua cooperação
por algumas semanas. — Fez uma pausa e depois
prosseguiu cinicamente: — E você não ficará mais pobre
por isso. Tenho certeza de que saberei como recompensá-
la.
— Você logo reduz tudo a uma questão de dinheiro. —
Lisa estava furiosa, mas falava devagar: — Sabe muito
bem o que pode fazer com o seu maldito dinheiro.
— Ora. não venha com frases de efeito, Lisa. Eu sei que
Chás lhe dá uma boa quantia mensalmente, pois quer que

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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você continue vivendo como sempre viveu lá em casa.


Mas, claro, um dia isso vai acabar.
E, nesse dia. ela teria imensa satisfação em devolver todo
aquele dinheiro, do qual não havia tocado em nenhum
tostão. Preferiu, porém, ser irónica.
— Você me deixa assustada, Kane. Pensei que já estava
arrumada na vida . . . Preciso tomar cuidado para não
perder a boa aparência!
— Tenho certeza de que sabe o que é melhor para você
— ele disse, suave. Depositou a xícara sobre a mesa. —
Obrigado pelo café volto para Yorkshire amanhã, de carro.
Posso passar e pegá-la ao meio-dia.
— Obrigada, mas não é necessário. Ainda tenho algumas
coisas para acertar e além disso existem muitos trens.
— Claro que sim. Mas suponho que Chás acharia muito
estranho se não fôssemos juntos .. . tenho certeza de que
outras modelos poderão substituí-la em eventuais
trabalhos. Há muitas modelos em Londres!
— Muitas! — ela disse, seca.
— Então, é desnecessário ficar inventando desculpas.
Olhe. Lisa, tudo isso é um jogo, e se você fizer como
estou sugerindo, tenho certeza de que não reclamará
depois. Assim que o casamento tiver passado, poderá
vollar para Londres e levar a vida que bem entender, sem
que ninguém a incomode. Posso pegá-la ao meio-dia, e
espero que não me faça esperar.
Ele se levantou e saiu, não parecendo esperar que Lisa o
acompanhasse até a porta. Ela achou ótimo, pois sentia-sc
fraca e com as pernas meio bambas. Permaneceu no sofá,
dizendo para si mesma que tudo era um pesadelo, e dali a
instantes acordaria e nada daquilo seria verdade.
Só desejava acordar logo. Fitou a xícara de café em suas
mãos. da qual não havia provado um só gole. Ao fazer um

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movimento brusco, derramou o líquido sobre o sofá. Vendo


a grande mancha, não pôde deixar de enfrentar a realidade
e encarar as coisas de frente.
De alguma maneira, sem saber como ou por que, ela
estava indo para Stoniscliffe para ajudar no casamento de
Julie. Era natural que Kane fosse bem-sucedido nos
negócios. Ele conseguia tudo o que queria. E era por isso
que o detestava!
Levantou-se e começou a limpar a sujeira do café os
pensamentos correndo selvagemente, como um animal
capturado numa armadilha. Sim, ela poderia desaparecer.
Mas Julie ficaria muito magoada, e não merecia isso. Pior
ainda seria a dor que causaria a Chás.
Lisa prendeu a respiração, e a imagem de Chás numa
cadeira de rodas lhe veio à cabeça. Era um homem tão
forte, decidido. Essa súbita fraqueza devia ser terrivelmente
dura para ele, pensou. Quando teria acontecido?
Mas não se sentia responsável por nada. Se sua partida
tivesse alguma relação com o enfarte de Chás, por mais
remota que fosse, é claro que Kane não deixaria de
mencionar. Jamais perderia uma chance de fazê-la sentir-
se mais culpada.
Chás certamente desejava que ela voltasse para
Stoniscliffe, mas só se o fizesse por vontade própria. Não
aceitaria nenhuma compaixão ou sacrifício de ninguém.
Nem mesmo de Kane.
Portanto, havia outro segredo que devia guardar, e muito
bem. Chás nunca soubera os reais motivos de sua partida
de Stoniscliffe. Aliás, ninguém sabia e nem podia saber.
Era algo que guardava para si mesma, que só ela sabia.
Ela e aquele homem, que tinha partido há pouco, deixando-
a confusa e fraca.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Lisa correu até o telefone-e ligou para Jos. Myra atendeu


prontamente, contente por falar com ela.
— E então, gostou da viagem? Por que não vem jantar
conosco amanhã para contar como foi?
— Gostaria muito, mas será impossível. — Hesitou. —
Myra, Jos
está de bom-humor hoje?
— Bem, nada a reclamar, por enquanto. Alguma coisa
errada?
—- Mais ou menos. Tenho que ficar algumas semanas fora,
só isso.
— Acho que será o bastante para mudar seu humor
completamente! O que aconteceu? Você não está doente
ou algo assim, não é?
— Não, estou muito bem. É que preciso viajar para o
Norte, para ajudar na organização de um casamento na
família. Minha irmã de criação vai casar e querem que eu
vá para lá.
Lisa podia ouvir Myra e Jos conversando do outro lado da
linha, sem conseguir entender o que diziam. Foi Jos quem
voltou ao telefone.
— O que está acontecendo, Lisa? Myra diz que você vai
viajar para o Norte, é verdade? Você deve estar brincando
...
— Gostaria que sim! — Depois de explicar rapidamente a
respeito
do casamento, comentou; — E ainda há outra coisa.
Acabei de saber que meu padrasto teve ura enfarte há
algum tempo e deseja me ver.
— Com os diabos! Você sabe que tudo isso não podia
acontecer em pior hora, não é?

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Por favor, acredite que eu realmente não iria, se


pudesse! Mas são parentes a quem devo muito . . . Não
posso desapontá-los agora.
— Bem, então vá, mas prometa que voltará o mais rápido
possível, está bem? Nessa profissão, as pessoas têm
memória muito curta. . . Ligue assim que voltar.
— Até mais, Jos.
Sua mão estava suando quando ela colocou o fone no
gancho. Bem, teria que escrever para Dinah, falando da
viagem. Quanto à sra. Hargreaves, certamente a
encontraria na manhã seguinte, quando então poderia
pagá-la e deixar as instruções para cuidar de tudo
enquanto estivesse fora. Quanto a isso, não haveria
problemas.
O grande problema seria viajar com Kane na manhã
seguinte e ser obrigada a conviver com ele durante algum
tempo. Se não fosse pelo casamento de Julie, ela poderia
ter proposto um acordo. Sim, iria ver Chás, ficar com ele
por alguns dias, mas Kane teria que estar fora de
Stoniscliffe enquanto ela estivesse por lá.
Com a paralisia do pai, porém, quem conduziria Julie até o
altar seria Kane. Portanto, sua presença era inevitável, não
havia possibilidade de nenhum acordo. Não que Kane
fosse muito dado a acordos, pois não gostava de fazer
concessões. Costumava tomar as decisões e levá-las
adiante, pensando apenas nas próprias vantagens.
Quando negociava, estava sempre do lado que levava a
melhor. Lisa nunca tinha visto alguém vencê-lo, apesar de,
durante algum tempo, ter alimentado sonhos de fazer isso.
Mas ele acabou mostrando, de maneira brutal e definitiva,
que a ele Lisa não poderia vencer. E, ela ainda tinha as
feridas emocionais que demonstravam isso.

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Lisa estava impaciente, andando dentro do apartamento


como um animal preso numa jaula, e sabia que tinha que
se acalmar, colocar as ideias no lugar. Decidiu secar os
cabelos, achando que havia um efeito terapêutico em ficar
algum tempo sentindo aquele ar quente nos cabelos,
escovando-os suavemente. Isso sempre a acalmava.
Dormiu muito pouco e acabou levantando cedo, pois não
conseguia mais ficar na cama e, além disso, havia muitas
coisas que precisava acertar. Arrumou as malas, tentou
comer umas torradas com o café e, pouco mais tarde, foi
uma espantada sra. Hargreaves que recebeu as instruções
para cuidar da casa que novamente estaria vazia por algum
tempo. Em seguida, escreveu uma carta para Dinah, sua
companheira de apartamento, falando da viagem.
Quando voltava do correio, que ficava bem próximo, notou
que havia um carro estacionado em frente ao prédio onde
morava. Era um carro escuro e potente, que dava ideia de
dinheiro e força. Certamente era Kane. Sentiu ímpetos de
virar-se e partir para longe, desistir de tudo aquilo, mas não
havia saída agora,
Kane a esperava no hall de entrada do edifício e fez um
gesto de
impaciência quando a viu.
— Estava começando a achar que você tinha fugido!
— Tive que pôr uma carta no correio — disse,
arrependendo-se em seguida, pois ela não lhe devia
nenhuma explicação. Era ele quem estava adiantado e não
ela quem se atrasara. Tirou a chave do bolso e
inesperadamente Kane tomou a chave de sua mão e abriu
a porta,
— Obrigada — disse em voz baixa, entrando na sala.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Se já estiver pronta, gostaria de partir imediatamente. A


previsão do tempo anuncia que haverá muita chuva e
talvez neve, mais tarde.
Não seria o tempo que o desviaria de suas intenções,
pensou ironicamente. Trouxe as malas para a sala e vestiu
um grosso casaco de inverno, com pele na gola. Tinha
deixado os cabelos soltos sobre os ombros, mas resolveu
prendê-los e fazer um coque no alto da cabeça. Era um
estilo sério, que lhe ficava bem. Kane, que estava perto da
janela, fitando a rua lá em baixo, virou-se para Lisa e
perguntou, apontando sua bagagem:
— Isso é tudo o que pretende levar?
— É o suficiente, Já aprendi a viajar sem levar coisas de
que não
precisarei.
— Compreendo. Bem, vou pôr as malas no carro enquanto
você
fecha o apartamento.
Lisa estava terminando de fechar as janelas quando o
telefone
tocou.
— Lisa? — Simon Whitman tinha uma voz ressentida do
outro lado da linha, — Jos acabou de me ligar e disse que
você está partindo para o Norte e não sabe quanto tempo
ficará por lá. O que é que está acontecendo?
O tom de queixa com que falava era plenamente
justificado. Antes de partir para o Caribe, Lisa e Simon se
viam com muita frequência. Ele era dono de uma agência
de publicidade que comprava muitas fotos de Jos. Era um
jovem executivo promissor, e o convite para jantar veio
naturalmente.
Já começavam a ser vistos como um casal, a serem
convidados juntos para ir aos lugares, mas Lisa não sabia

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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direito se desejava isso. Sentia-se feliz com ele, pois Simon


não lhe pedia nada que não quises-se dar. Pelo contrário,
era uma relação leve, sem compromisso de nenhuma das
partes, uma relação de amigos não de namorados pro-
priamente. Ele não parecia insatisfeito com isso e agora, no
telefone, era a primeira vez que Lisa notava em sua voz um
tom de posse sobre ela.
— Foi uma emergência — ela falou, sentindo-se culpada
por não tê-lo avisado da viagem. Deveria ter se preocupado
com ele antes de Dinah e da sra, Hargreaves, mas a
verdade é que Simon não fazia parte de seus
pensamentos. — Tudo aconteceu tão rapidamenie que não
tive tempo de avisar ninguém.
— Pensei que houvesse tempo para dizer alguma coisa,
pelo menos para mim. — Não havia resposta para aquilo e
Lisa não tentou inventar uma. Depois de uma pausa, ele
continuou: — Você vai ficar fora por muito tempo?
— Espero que não. Ficarei só o realmente necessário,
mesmo porque sou eu quem me sustento e não posso ficar
sem trabalhar. Como Jos me lembrou, nessa profissão as
pessoas têm a memória curta.
— Mas lembrarão de você. — Sua voz já estava mais
suave. — Eu, pelo menos, não consigo tirá-la da cabeça,
noite e dia.
— Seria bom se os outros agenciadores da cidade
também se sentissem assim. — Lisa ficou um pouco
embaraçada, mas conseguiu sair-se bem, brincando com
Simon. — Será que você não poderia contagiá-los?
Sabia que Kane havia voltado e agora estava encostado no
batente da porta, ouvindo o que ela dizia. Qualquer outra
pessoa teria a delicadeza de ausentar-se enquanto falava
ao telefone, mas Kane, tinha certeza, não faria isso. Lisa

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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não conseguia conversar direito, perturbada por aquela


presença a seu lado.
— O clima no Norte estará péssimo nessa época do ano
— Simon estava dizendo. — Aliás, acho que vai pegar
muita chuva na estrada. Você vai tomar conta de si mesma
direitinho, não é?
— Não se preocupe, cuidarei bem de mim mesma —
disse, preocupada com Kane a seu lado. Daí para a frente,
respondia com monossílabos, rezando para que Simon não
a obrigasse a dizer coisas que não poderiam ser ditas
naquela situação. Depois de algum tempo, resolveu acabar
com aquilo. — Olhe. realmente preciso partir agora. A
gente se vê assim que eu voltar, está certo?
Simon despediu-se. Sentia-se desapontando póis esperava
que Lisa lhe desse o endereço e o telefone de onde ficaria,
de maneira que ele pudesse se comunicar com ela
enquanto estivesse fora.
Lisa recolocou o fone no gancho, e se virou devagar. Do
outro lado da sala, Kane a fitava com olhos frios e
pensativos. Era como se as inevitáveis lembranças que
passavam pela mente de Lisa também passassem pela
dele.
Sim. ela era capaz de tomar conta de si mesma, foi o que
dissera a Simon, E agora, enquanto o carro devorava,
veloz, quilómetros que a afastavam cada vez mais de
Londres, de sua vida, de sua casa, Lisa repetia
mentalmente essas palavras, como se assim se tornasse
mais forte e segura.

CAPITULO III

Livros Florzinha - 31 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Já tinham viajado por quase duas horas quando Kane


desviou o carro da estrada principal e pegou o
acostamento. — Onde estamos indo? — ela perguntou,
ríspida.
— Comer! Existe um restaurante que conheço, bem perto
daqui.
— Será que temos de parar mesmo? Não estou com fome.
— Mas eu estou. Se não quiser me acompanhar, pode
ficar esperando no carro — disse, sabendo que sua
sugestão era horrível.
Quando chegaram ao restaurame, Kane estacionou. Lisa,
que não conseguiu destrancar a porta, certamente por
desconhecer o carro, foí obrigada a esperar que Kane
viesse abrir para ela, por fora. Quando desceu, tinha a
expressão dura e séria; não parecia em nada uma modelo
famosa, sempre cheia de graça e suavidade. Ao entrarem
no restaurante, um grande cão de raça veio ao encontro
deles.
— Que lindo cão ... — Lisa estendeu a mão e começou a
afagar a cabeça do animal.
— Você não aprende mesmo, não é, Lisa? Será que o que
aconteceu aqueia vez com o cachorro de Jeff Barton não
serviu para lhe ensinar nada?
Ela lembrou então que, no primeiro verão que passara em
Stoniscliffe, tinha visto um cachorro no jardim e saiu
correndo, ansiosa para brincar com ele. Mas, assim que foi
afagar-lhe a cabeça, ele mordeu sua mão, que começou a
sangrar. Kane foi o primeiro a socorrê-la e, amedrontada
como estava, Lisa procurou refúgio nos braços dele. Mas
ele a evitou secamente e levou-a até o carro, rumando em
seguida para o hospital, onde fizeram um curativo.
Lembrava-se ainda das palavras dele; "Como pode ser tão

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tola a ponto de ir correndo brincar com um cachorro que


não a conhece?"
Ela não falou que pouco entendia de cães, pois nunca
tivera um, nem seus vizinhos em Londres pareciam gostar
de ter cachorros em casa. Tudo o que queria era brincar
um pouquinho com aquele animal, que parecia bastante
amigável. E Lisa odiou Kane naquele instante por não
perceber nada disso, por evitá-la quando ela procurou seu
auxílio. Ele era pior que qualquer cão!
— Se ele fosse bravo, seus donos não o deixariam solto
aqui no restaurante! — Agora sorria daquelas memórias de
infância. — Além do mais, já aprendi a lidar com cachorros.
E com as pessoas que ainda acho difícil lidar. . . Mesmo as
que parecem mais civilizadas e educadas comportam-se
como cães selvagens, às vezes.
Ela fitou-o, e percebeu que Kane empalidecia, certamente
ressentindo-se do que ouvia. Lisa sentiu uma satisfação
mórbida enquanto se dirigia à mesa.
— O que gostaria de beber, Lisa? Eles têm uma cerveja
muito boa aqui.
— Não, obrigada, não costumo beber álcool durante o dia.
Desejo
só um suco de tomate.
O cardápio do restaurate não era muito variado, a
maioria dos pratos eram comidas simples e caseiras.
— Acho que vou tomar só uma sopa — ele disse,
enquanto Lisa pensava que preferia que Kane tivesse
sentado do outro lado da mesa em vez de a seu lado, no
grande banco de madeira. — Chás deve ter mandado
preparar um ótimo jantar para nos receber.
— Para o retorno da filha pródiga . . . Está bem, vou tomar
um pouco de sopa também, e comer um sanduíche de
queijo.

Livros Florzinha - 33 -
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— O mesmo para mim — Kane falou à sorridente garota,


que viera anotar o pedido, e que se comportava com ele
como se já o conhecesse.
Lisa tomou um pequeno gole do suco que havia pedido,
notando que várias pessoas a olhavam, já estava
acostumada a ser reconhecida em público, e isso não a
incomodava. Mas não era só ela que recebia olhares.
Como sempre, Kane era alvo de atenção das mulheres.
Algumas o fitavam discretamente, e outras abertamente.
Lisa sabia que, se não o conhecesse e o visse em algum
lugar, certamente tambem olharia. Era um homem muito
bonito, que exalava virilidade e sensualidade, com
maneiras características de quem estava acostumado com
o dinheiro e com o sucesso nos empreendimentos. Assim,
enfeitiçava as mulheres, A garçonete que os servia, por
exemplo, tinha sucumbido a seus encantos.
Se ela o conhecesse melhor. Lisa pensou, saberia da
agressividade e dureza que se escondem atrás dessas
belas feições . . .
"Kane pode ser um bom amigo", lembrava-se das palavras
de Chás. "mas, se for seu inimigo, será o pior deles"!
E Lisa sabia como Kane podia ser um terrível inimigo,
como podia destruir as pessoas de que não gostava.
— Espero não ter interrompido uma conversa importante lá
no apartamento. — Kane se referia ao telefonema que Lisa
tinha recebido momentos antes de partirem.
— Não exatamente. Já havíamos dito tudo o que era
importante quando você chegou na sala.
— Era um homem — ele afirmava, e não perguntava.
— Sim, era.
— Será que era o homem? — perguntou, dando ênfase à
palavra "o". .

Livros Florzinha - 34 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Um deles. — Lisa pensou que talvez estivesse


começando a exagerar nas mentiras.
— Ah, quer dizer que você não divide seus favores com
exclusividade ...
— Bem. não é o que esperam de mim. — Isso pelo menos
era verdade. De qualquer maneira, pensou, a opinião de
Kane não interessa muito. — Por que, existe alguma
pretensão atrás dessa pergunta?
— Sim, existe. — Ele a fitou com olhos duros. — Queria
que soubesse que, durante sua ausência, minha irmã
conseguiu finalmente adquirir um pouco de estabilidade na
vida. E eu não gostaria que coisa alguma viesse influenciá-
la num outro sentido.
— Não acredito que eu tenha tanta infiuência sobre Julie.
— E eu acredito que você está se subestimando com
relação a isso!
— Então, sendo assim, não sei por que insistiu tanto para
que eu viesse. O normal seria que fizesse exatamente o
contrário.
— Se dependesse só de mim, esteja certa de que faria.
Acredite, Lisa. que a última coisa que desejo é que você
volte a fazer parte da vida dela. Aliás, da vida de nós todos
em Stoniscliffe. E tenho certeza de que também sente as
coisas desta maneira, não é?
— Obrigada por reconhecer meus sentimentos. — Lisa
não pretendia disfarçar o sarcasmo em sua voz.
— Fiz o que pude para dissuadir Julie da ideia de lhe
escrever, mas ela logo ganhou o apoio de Chás, dizendo
que precisava vê-la, que queria tê-la por perto num
momento tão importante como esse . . . Enfim, não tive
muita escolha.
— Ao que não deve estar acostumado, não é, Kane?
Bem, você tem razão. Eu também teria desejado manter-

Livros Florzinha - 35 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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me afastada, não precisar encontrá-lo, ter de conversar


com você. Mas não se preocupe. Farei aquilo que Julie
espera de mim e, em seguida, volto para Londres e para a
minha própria vida.
— Tenho certeza disso. E quanto a Chás?
— Bem, tentarei pensar em alguma explicação que o
satisfaça. Gostaria de saber o que foi dito a respeito da
minha ausência. Posso saber o que é que você disse?
— So falei o necessário e, claro, nada que se aproximasse
da realidade. Curiosamente, prefiro que Chás tenha
algumas ilusões a nosso , respeito. É melhor do que saber
a verdade, pois isso o machucaria bastante. Mais alguma
coisa que deseja saber?
— Não, nada — ela disse, pensando em toda a violência e
agressividade que havia existido entre os dois. Sentiu-se
aliviada com a chegada da garçonete, que trazia uma
cestinha de pão feito em casa. cortado em pequenas fatias.
Lisa começou a comer. A sopa estava deliciosa e, com o
transcorrer do jantar, foi se acalmando e relaxando. Depois
de algum tempo, perguntou :
— A sra. Arkwright continua reinando suprema em
Stoniscliffe?
— Se prefere colocar as coisas assim, tenho que dizer
que sim. Você nunca gostou muito dela, não é?
—- Realmente. Mas, de qualquer maneira, ela sempre
deixou bem claro que não tinha muito tempo a gastar
comigo. . . ou com minha mãe.
— Você não pode esquecer que ela já está com minha
família há muitos anos.
— Eu não seria capaz de esquecer isso, por mais que o
desejasse. Lisa lembrava como havia sido difícil para sua
mãe tornar-se a administradora da casa, nos primeiros
meses em Stoniscliffe. Se pedia a sra. Arkwright que

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

fizesse as coisas de determinada maneira, ela sempre lhe


respondia que a antiga esposa do sr. Riderwood preferia
diferente, o que a deixava sem argumentos. Com o passar
do tempo e, com o apoio de Chás, porém, jennifer veio a
tornar-se a real dona da casa. e a sra. Arkwright foi
obrigada a ceder.
No entanto, para a sensibilidade infantil de Lisa, nada disso
passou despercebido, inclusive o fato de que a sra.
Arkwright nunca demonstrou qualquer afeto por ela. Mas
com julie ela também era asim. Parecia pensar que as
crianças eram um obstáculo ao funcionamento harmonioso
da casa.
De fato. Lisa pensava se talvez não seria a sra. Arkwright a
responsável pelos problemas nervosos de Julie, com
aquelas manias ? por exemplo, obrigá-la a dormir no
escuro quando a garota tinha muito medo disso. Durante
toda a adolescência, Julie esteve sujeita a repentinos
ataques de nervosismo, nos quais chegava à beira da
histeria. Tivera muitos problemas na escola, por causa
disso. Em geral, a persuasão a acalmava, mas bastava que
se tentasse impor qualquer tipo de autoridade para que
ficasse ainda mais descontrolada. A única pessoa que
parecia ter algum poder sobre ela era Kane. e mesmo o
irmão fazia concessões, conhecendo o temperamento de
Julíe.
Talvez a volta de Lisa a Stoniscliffe fosse uma dessas
concessões, especialmente se Julie tivesse mostrado
algum sinal de que ficaria muito nervosa se seu desejo não
fosse atendido. Aliás, ela sabia como usar seus ataques
como arma para obter o que queria.
Lisa suspirou, perguntando a si mesma se Tony
Brainbridge sabia direito com quem estava casando. Ou
talvez tivesse descoberto alguma fórmula mágica para

Livros Florzinha - 37 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

controlá-la. O amor faz milagres, é o que costumam dizer.


Percebeu, de repente, que Kane a fitava com atenção.
— Desculpe. Você falou alguma coisa? Estava tão absorta
em meus pensamentos.. .
— Sim. pude perceber, e a julgar pela sua expressão não
são pensamentos muito agradáveis. — Fez uma pausa,
esperando talvez que ela dissesse em que estivera
pensando, mas Lisa ficou calada. — Bem, só estava
perguntando se você queria um pouco de café.
— Sim, obrigada — respondeu, enquanto terminava de
comer o sanduíche. — Estava delicioso. Esse lugar é
muito agradável, essa cidadezínha também. Seria ótimo
pernoitar por aqui.
— Pois bem. acho que não teremos problema nenhum
para conseguir um quarto para nós — ele falou, irónico.
— Eu estava só procurando assunto. -— Lisa corou ante a
audácia e arrogância de Kane. — Não estava fazendo
nenhum convite, é bom que fique claro!
— Sim, é bom que fique claro. — Kane sorria cinicamenle.
— Sabe que é uma mulher bonita e desejável e acabou de
dizer que ninguém tinha exclusividade sobre você. . .
portanto, espero que não me culpe por tentar . . .
— Eu não o culpo . . . — Ela estava furiosa, mas falava
devagar e suavemente. — Eu o desprezo! E agora, que tal
mudarmos de assunto? Este aqui é muito desagradável.
— Pronto, agora quem fala é a virginal srta. Lisa! Mas
ambos sabemos como está longe da verdade, não é?
Por um longo momento ele a fitou díretamente nos olhos,
um olhar duro, impiedoso, que quebrava qualquer
resistência. Lisa gostaria de explodir, mas não era capaz.
Embaixo da mesa, tinha as mãos fechadas com tanta força
que chegava a ferir-se com as próprias unhas. Foi ela
quem falou, contrafeita:

Livros Florzinha - 38 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Será que poderíamos ir embora, por favor? Já não


tenho a menor vontade de esperar pelo café.
— Como preferir — ele replicou, acenando para trazerem
a conta. Lisa murmurou uma desculpa e se dirigiu ao
toalete.
Ficou parada em frente ao espelho, fitando a própria
imagem, mas sem se ver de fato, os pensamentos longe.
Ela odiava Kane. Abriu a torneira da pia e molhou o rosto
na água fria. Meu Deus, como o odiava, como o
desprezava! Que loucura era essa em que subitamente se
descobria envolvida, voltando para Stoniscliffe, para a
proximidade daquele homem com o qual era impossível
estar junto? E, no entanto, quando ele a olhou tão dentro
dos olhos, e depois deixou a própria vista passear sobre
sua face, sua boca, meu Deus, que sensação estranha,
raiva misturada com algo que era impossível acreditar, só
podia ser desejo.
Lisa estava confusa. Dois anos tinha sido tempo bastante
para que se sentisse forte, auto-suficiente. Agora senfia-se
novamente fraca e impotente, e descobria que continuava
sendo reduzida a zero por um simples olhar daquele
homem. Mas teria que fingir que Kane não a machucava,
que o único sentimento que nutria por ele era indiferença.
Não seria fácil, mas a outra opção era fugir mais uma vez.
E ela não poderia ficar fugindo a vida inteira.
Lisa respirou fundo e voltou para o grande salão. Kane
estava no balcão, conversando com a mulher do
proprietário. Ele sorria e Lisa não pôde negar que fosse um
homem atraente. Nenhuma mulher ficaria impassível na
presença de Kane. Entretanto, ela não devia permitir-se tal
sentimento, por nada no mundo. Pois não poderia jamais
esquecer que, dois anos atrás, Kane a tinha violado, corpo
e alma.

Livros Florzinha - 39 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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A maior parte do tempo viajavam em silêncio. Chovia


fortemente, o céu estava cinza e Kane só lhe dirigia a
palavra falando de amenidades. Por algum tempo. Lisa
fingiu que cochilava, pois era mais fácil dormir do que ter
de conversar com ele, correndo o risco de trazer à tona
lembranças horríveis e reabrir feridas quase cicatrizadas.
Não que Kane as tivesse, não era o tipo de homem que se
machucava com as coisas.
já haviam percorrido muitos quilómetros quando Kane
finalmente saiu da estrada principal e tomou um outro
caminho. Lisa olhava pela janela e via desfilar diante dos
olhos lugares que tinha conhecido quando criança. Sabia
que em poucos minutos estariam chegando em casa.
A grande porta de entrada estava escancarada, as luzes
todas acesas, Julie, na varanda, pulava de alegria e
excitação.
Mais uma vez Lisa teve que esperar que Kane descesse e
lhe abrisse a porta do carro. Em seguida, subiu correndo os
três degraus e Julie já a abraçava, com emoção.
— Oh, Lisa . . . Lisa . . . como é bom vê-la de novo! Quanta
saudade eu senti . . . Sua malvada, foi embora sem nem
me dizer adeus!
Enlaçou Lisa pela cintura e a conduziu para dentro. A sra.
Arkwright as esperava no hall, arrumada como sempre, os
cabelos bem presos
na cabeça. Em seus olhos não se via o calor das boas-
vindas, mas tambem não havia ressentimento. Lisa a olhou
calmamente.
— Boa noite, sra. Arkwrighi!
— Boa noite, srta. Lisa! Se quiser me seguir, vou mostrar-
lhe seu quarto.
— Ora, sra. Arkwrighi, não há necessidade disso. Esta é a
casa dela e Lisa sabe muito bem onde fica seu quarto!

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Além disso, papai quer vè-la imediatamente. Lisa, ele está


tão ansioso . .. não cabe em si de satisfação pela sua
chegada! — Julie baixou o tom de voz e falou:
— Kane já lhe falou a respeito de papai... da cadeira de
rodas, não é?
— Sím. ele me contou. — Lisa deu um suspiro. — Mas por
que é que você não me escreveu?
— Porque ele ficaria furioso comigo! Chás odeia que
sintam compaixão dele e insiste em fazer o máximo
possível sem a ajuda dos outros. Até achamos que não
seria bom para sua recuperação, mas o médico disse que
não havia perigo. E agora você está aqui, e tudo está
perfeito. Somos uma família novamente.
— Até você casar, Julíe.
— Sim. suponho que sim.
— Querida, você está feliz? - Lisa abraçou-a
carinhosamente.
— Muito! Tony ê capaz de beijar o chão em que piso!
— Ah. o marido ideal! — Lisa brincou. — Espero que a
devoção seja mútua.
—- Claro, Lisa. Se não fosse assim, eu não casaria com
ele. Ela conduziu Lisa pelo hall em direção ao escritório.
Então, abriu a porta e disse solenemente: —- Aqui está ela,
papai!
Charles Riderwood não estava na cadeira de rodas.
Encontrava-se de pé. apoiando-se em muletas.
— Lisa, minha querida!
Ela correu para abraçá-lo e, depois de passar a emoção do
primeiro momento, disse:
— Então é assim que se comporta enquanto estou fora?
— Pois é... — Sorriu para ela. Ele havia emagrecido
bastante e tinha no rosto marcas de sofrimento. — Mas
decidi recebê-la sobre meus próprios pés e não sentado

Livros Florzinha - 41 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

naquela geringonça! — disse, dando uma olhada feroz na


direçâo da cadeira.
— Parece do último tipo! — Lisa comentou, referindo-se à
cadeira. — Você não vai me dar uma demonstração?
Julie tinha um olhar de gratidão enquanto Chás voltava-se
para sentar na grande cadeira de rodas.
— Está vendo como posso me arranjar muito bem
sozinho? Não sei para que temos essa enfermeira aqui
em casa. Que acha de a dispensarmos?
— Ora, papai, você diz isso só para que eu e Lisa
fiquemos cuidando de você, não é? Vamos lá, em vez de
mandar a sra. Henderson embora, temos de agradecer por
ela ficar e aguentar suas reclamações! — Brincando com o
pai, Julie se abaixou e lhe deu um beijo na testa.
— Ah, como as mulheres são tolas — ele disse, para
mexer com a filha. — Onde está Kane?
-— Estou aqui! — Ele entrou na sala. — Estava ali na
porta, esperando que a reunião acabasse!
— Otimo! Então, agora que estamos todos reunidos,
gostaria de dizer uma coisa. Não sou cego, nem estúpido,
e sei muito bem, Kane, que houve problemas entre você e
Lisa, quando ela partiu. Somos todos adultos e cada
pessoa é de um jeito. Portanto, não vou pedir-lhes que se
transformem e anulem as diferenças. Mas o que importa é
que Lisa está de volta à sua casa, no lugar que lhe
pertence, é acho que já é hora de pararmos com essas
histórias. Nunca soube o que aconteceu entre vocês e nem
acho que seja necessário saber. O que peço é que se
ponha um fim nisso tudo e se esqueça o passado. Meu
maior desejo é que exista paz entre vocês, crianças!
— Está bem, papai, acho que tem razão. Assim será, se
Lisa também o desejar.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Kane estendeu-lhe a mão e, incapaz de dizer qualquer


coisa, Lisa correspondeu àquele gesto, deixando que seus
dedos se encontrassem por um breve momento.
— Ora, e é assim que se faz as pazes? Vamos lá, Kane,
dê-lhe um beijo! Qualquer um pensaria que são estranhos
que nunca se viram antes!
Lisa estava paralisada. Via o rosto sério de Kane e ficou
imóvel enquanto ele se inclinava para beijá-la na face.
Sentiu o contato frio daqueles lábios hostis.
— Assim é melhor, homem! — Chás falou.
Lisa forçou-se a sorrir, mas os músculos de sua face
recusaram-se a obedecer. Teve medo de que o sorriso
fosse tão artificial que pudesse ofender Chás. Ele, porém,
não pareceu notar nada de estranho.
— Bem, vou guardar o carro — Kane disse, partindo em
seguida, sem olhar para Lisa.
— Ora, até parece que ele não sabe que a sra. Arkwright
já vai trazer o chá para nós! — Chás comentou, enquanto o
filho se afastava.
— Ora. deixe pra lá, papai — era Julie quem falava. —
Acho que
pelo visto ele preferiria tomar um uísque do que um chá! —
Dirigiu-se a Lisa: — Venha, venha. Lisa, vamos até lá em
cima levar suas malas e ver se já está tudo arrumado para
você antes de tomarmos o chá.
Quando subiam a escada, Julie perguntou:
— Mas que história complicada! Juro que não sabia de
nada! Vocês dois brigaram?
— Mais ou menos. — Lisa tentava parecer o mais natural
possível.
— Bem, eu sei como Kane pode ser rude quando quer! Às
vezes me faz sentir do tamanho de uma formiga! Bem, não
sei se estou amadurecendo ou é ele quem está

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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amolecendo um pouco, mas o fato é que ultimamente não


tem me causado medo nenhum! Lembra como eu me
apavorava antes, com medo dele?
— Sim. claro que lembro.
— E era sempre você que me fazia recuperar a confiança,
não é? Você nunca teve medo dele! Por isso é que não
consigo entender o que foi que Kane fez para você partir
tão repentinamente! Por que brigaram?
— Bem. acho que se pode dizer que brigamos por sua
causa!
— Por minha causa? Mas é terrível! Oh, Lisa, eu não
sabia de nada!
— Ora, querida, não tem nenhuma importância agora. —
Ela abraçou Julie carinhosamente. — Como Chás disse, já
está tudo terminado!— Espero que esteja, ela pensou,
sentindo um leve receio se apoderar dela. Oh, porque é
que Chás tinha de dizer tudo aquilo?
— Mas é claro que me importa, Lisa — enquanto falava,
Julie abria a porta do quarto que tinha sido de Lisa durante
tantos anos. — Você deve me dizer, pois tenho o direito de
saber.
Lisa hesitava, Colocou a pequena frasqueira sobre a cama
e começou a retirar os cosméticos e objeíos de uso
pessoal, para dispô-los em seguida sobre a penteadeira.
Falou calmamente:
— Era sobre aquelas festas que você costumava
frequentar, e aquelas pessoas que insistia em encontrar.
Kane achou que , ., que eu é que era a culpada!
— Ora. que besteira da parte dele! — Julie estava
indignada. Em seguida pareceu perceber a real extensão
daquelas palavras e foi com uma expressão receosa que
perguntou: — Você quer dizer que ele sabia sobre .., sobre
as festas? Oh, Deus. Mas ele nunca disse nada! Nem

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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quando a polícia deu uma batida na casa dos Hammond e


os encontrou puxando fumo ... Ainda bem que eu não
estava lá naquela noite!
- Sim, mas você esteve lá em outras ocasiões, não é?
Apesar de querer fazer crer o contrário.
- Sim. Julie parecia embaraçada. — Ora, Lisa, todo mundo
fuma, pelo menos uma vez, para experimentar.
— Bem, não é o meu caso. E suponho que também não
seja o de Tony!
— Tony? — Julie dava uma sonora gargalhada. — Ora,
ele é incapaz de qualquer contravenção! Outro dia recebeu
uma multa de estacionamento proibido, e parecia que era o
fim do mundo!
— Não é uma coisa ruim se respeitar as leis, minha
querida. Aliás, são poucas as pessoas que o fazem hoje
em dia.
— Sim, eu sei. — Julie parecia impaciente. — Mas,
voltando a esse assunto de você com Kane ... Quer dizer
que ele achou que o fato de eu frequentar aquelas festas
era por sua causa?
— Sim, mais ou menos isso.
— E por isso é que brigaram?
— Olhe, Julie, acho que o melhor a fazer é seguir o
conselho de Chás e esquecer tudo.
— Então, vou conversar com Kane sobre isso!
— Não! — Lisa exclamou, assustada. — Não, Julíe, você
não deve dizer uma palavra disso para Kane, ou para
qualquer outra pessoa. Se fizer isso, eu jamais a perdoarei!
E nunca mais voltarei aqui!
Fez-se um longo silêncio, nenhuma das duas ousava dizer
qualquer coisa. Foi Julie quem retomou a conversa:
— Bem, você fala sério mesmo, não é? Desculpe, querida.
Nunca direi nada para ninguém, se é isso o que você

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deseja. Mas, por favor, não vá embora! Eu preciso de você,


e bastante. Não sei se seria capaz de enfrenlar tudo
sozinha, agora. — Ela virou-se abruptamente. — Bem,
espero você lá embaixo. Ok? — E partiu, fechando a porta
atrás de si.
Lisa deixou-se ficar sentada na cama, fitando o vazio,
pensando nas coisas que haviam acontecido desde que
chegara. A cena de reconciliação, patrocinada por Chás, a
tinha enervado e deixado embaraçada. Levou a mão à
face, onde Kane a beijara, e parecia surpresa por não
haver nenhuma marca. Podia lembrar-se vividamente da
última vez em que a tinha beijado, violento, selvagem, um
beijo mais de ódio do que de carinho.
Todas as defesas interiores que havia com muito esforço
construído naqueles dois anos pareciam se desfazer agora.
Lisa não podia impedir que as lembranças indesejáveis lhe
viessem à mente.
Ela balançou a cabeça, tentando afugentar tais
pensamentos. Sabia que, se não fosse capaz de tirá-los
da mente, teria que partir em breve, pois não suportaria
a convivência com Kane, aquele lugar que lhe trazia
lembranças dolorosas. Mas Julie precisava dela. Agora,
mais que nunca, a irmã de criação necessitava de Lisa a
seu lado, para lhe dar força, como aliás sempre tinha
ocorrido entre as duas.
— Mas será que conseguirei suportar tudo isso? —
perguntou a si mesma, num murmúrio.

Capítulo IV

Livros Florzinha - 46 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Kane não apareceu para o chá, para alívio de Lisa. Mesmo


assim, ela estava sem apetite e nem quis experimentar os
deliciosos bolinhos da sra. Arkwright.. Chás e Julie diziam
que Lisa continuava a mesma.
Ela não gostou de saber que haveria um jantar em honra
de sua chegada, naquela noite. Mas, tentou demonstrar
algum entusiasmo, pois sabia que Julie fazia aquilo com a
melhor das intenções.
— E quem é que virá exatamente?
— Tony, naturalmente ... — Julie começou, mas foi
interrompida por Chás.
— Tony, naturalmente ... — Ele imitava a filha. — O
número de refeições que esse rapaz já fez aqui em casa
leva a crer que não tem onde comer! — Deu uma olhada
zombeteira para Julie, que respondeu com um sorriso meio
amarelo. Certamente, já tinha ouvido a mesma brincadeira
diversas vezes, e começava a sentir-se incomodada.
— Além de Tony — Julie continuou —, convidei somente
os Dalton. Você se lembra deles, não lembra?
— Os Dalton? James e Célia? Pensei que estavam
morando na África.
— Sim, realmente moraram por lá algum tempo, mas já
voltaram para Stoniscliffe. Compraram a casa que
pertencia aos Hammond e James está trabalhando na
indústria do pai de Célia.
Julie referiu-se à casa dos Hammond como se fosse
somente mais uma das casas da vizinhança. Entretanto,
ela e Lisa sabiam que não era um lugar como outro
qualquer. Lisa lembrava-se da mãe dizendo, certo dia, que
Julie era do tipo que esquecia logo as coisas que não eram
boas para ser recordadas, e sua consciência nunca
guardava nenhum peso. Não era uma combinação
saudável para uma garota!

Livros Florzinha - 47 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Bem, se tiveram que voltar à estaca zero — Julie referia-


se aos Dalton —, não foi por culpa de James. Sabe como
é, o emprego dele depende do pai de Célia, portanto,
indiretamente depende dela. E. nesta situação, ela faz o
que bem entende!
— Sim, sei disso. Mas o que me deixa surpresa é que
você a tenha convidado! Nunca simpatizei muito com ela
e, aliás, você tambem não!
— Mas papai gosta muito dela. Ficam sempre flertando,
não é? — Ela fitava Chas, com um olhar brincalhão.
— Ora —Chas sorria —, Célia Dalton é uma mulher
atraente que entende como tais jogos devem ser jogados, e
nós nos divertimos com essa brincadeira. Também gosto
de James, é um bom rapaz, mas lhe teria um respeito
muito maior se de vez em quando resolvesse fazer valer a
própria voz. mesmo tendo que se opor a Célia e a seu pai!
— É melhor não desfazer do pobre rapaz na frente de
Lisa Julie falava, com ar maroto. — Ela sempre teve uma
grande atração por ele, que talvez ainda exista . . . Acho
que teremos de vigiá-los hoje à noite!
Lisa lembrava-se de seu tempo de escola, quando
enamorou-se de James, um rapaz forte e bonito. Mas logo
depois ele desposou Célia e aquela paixão de adolescente
morreu naturalmente. Ela falou, calma: — Digamos que
será interessante reencontrá-lo após tanto tempo! . Foi
quando notou que Kane estava de pé, encostado na porta
de entrada da sala. Não sabia há quanto tempo estava lá,
mas certamente tinha ouvido as últimas palavras de Lisa e
sabia de quem estavam falando. Ela corou, sentindo-se
embaraçada quando ele a fitou.
Como é que ele podia ficar ali parado, julgando-a e
condenando-a com aquele olhar como se realmente
pensasse que era possível que Lisa se interessasse por

Livros Florzinha - 48 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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James ou por outro homem? Ela gostaria de levantar-se e


dizer-lhe essas coisas. Gritar, se fosse necessário. Fazé-lo
saber que sentia-se completamente bloqueada para
qualquer relacionamento amoroso, com qualquer pessoa,
pois tinha sido irremediavelmente desiludida por ele.
Sim, ela atraía os homens, não era esse o problema. A
questão era que todos terminavam por se cansar de manter
uma relação com uma garota que nunca oferecia mais
nada além de um eventual abraço ou um carinho rápido .
Esperavam sempre uma resposta que não existia dentro
dela.
E tudo por sua culpa, ela desejava acusá-lo, desafogando
as mágoas. Pois Kane tinha acabado com a capacidade
dela de se apaixonar. Havia destruído o calor que existia
dentro dela, deixando só a vergonha. Sim. Kane Riderwood
era o único culpado se hoje Lisa não ser capaz de amar e
se entregar a alguém!
Mas naturalmente, Lisa não fez nada disso. Comportou-se
como se nem tivesse notado a presença dele. Pegou a
xícara e pediu a Julie que servisse um pouco mais de chá.
Quando Julie lhe devolvia a xícara, Lisa notou, com o rabo
dos olhos, que Kane já linha partido, tão silenciosamente
quanto chegara.
—- Os pais de Tony também viriam —- era Julie quem
falava —, mas já tinham marcado um outro jantar, com
amigos. Tenho certeza de que a sra. Brainbridge vai dar
uma de suas famosas festas enquanto você estiver por
aqui Lisa.
— Puxa, fico até intimidada!
— E não é para menos! Não sei como vou conseguir
aguentar a mãe de Tony! — Julie tinha uma expressão de
cansaço. — Presidente da Associação das Donas-de-Casa,
vencedora de vários concursos de arranjos florais ... a lista

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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é interminável! Ela é sempre tão eficiente e formidável que


não parece humana! Você é capaz de imaginar a sra.
Lydia Brainbridge dando à luz uma criança? Acho que ela
encomendou Tony e Melanie pelo correio, para não ter que
interromper os trabalhos manuais!
-— Ora, lulie. também não é assim! .— Lisa disse, rindo. —
Ela realmente tem muitas habilidades, e, aliás, acho que
seria uma pessoa muito mais indicada para ajudar na
preparação do casamento do que eu!
— Não, de maneira nenhuma. Lisa. — Julie parecia muilo
excitada. — Desejo alguém da minha própria família para
ajudar nos preparativos, não alguém da família dele! Dou
graças a Deus que Melanie esteja viajando, caso contrário
estaria todo o tempo correndo atrás de mim, dando palpites
na organização do casamento.
— Julie! — Chas estava ressentindo. — Não é justo dizer
estas coisas! Melanie é uma ótima garota e teria o maior
prazer em ajudá-la no que fosse necessário!
— Ora, papai, o senhor sabe muito bem que . . .
— Bem, gostaria de saber o que já está arrumado para o
casamento e o que ainda falta fazer. — Lisa interrompeu-a,
pondo fim àquela discussão. — Não teria sido melhor casar
na Páscoa? Teríamos mais tempo para fazer tudo e
poderíamos contar com um clima mais confiável.
— Ora, Lisa, casar na Páscoa é uma coisa muito comum,
chega a ser de mau gosto! Quanto ao tempo, estou mesmo
torcendo para que neve bastante, assim poderei usar um
vestido de veludo,
— Bem, isso é uma das coisas que temos de decidir.
Suponho que já conversou com a sra. Langthwaite a
respeito do vestido. Já escolheram o tecido?
— Para falar a verdade, eu ... — Julie mexia no lindo anel
de noivado, de safira e diamante. — Eu não quero que a

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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sra. Langthwaite faça o vestido! Conheço uma butique em


Skipton e pretendo comprar o vestido feito.
— Mas, Julie, é a sra. Langthwaite quem faz os vestidos
para todas as noivas daqui! Você não acha que ela ficará
magoada?
— Não, acho que não! Ela sempre tem tanto trabalho para
fazer que vai ser até um alívio! — Julie falava com voz
decidida e Lisa sabia que, se já tinha resolvido daquela
maneira, não conseguiria demovê-ia da ideia. Em todo o
caso, não deixava de ser estranho, já que era a sra.
Langthwaile quem normalmente confeccionava os
vestidos das noivas locais.
— E os convites? — Lisa tentava mudar de assunto. — Já
mandou fazer?
— Já devem estar quase prontos! — Julie silenciou por
um momento. — Sabe, Lisa, não pretendo convidar muita
gente. Não quero meu casamento transformado num show
público. Então, pensei que, se convidasse pouca gente
do meu lado, os Brainbridge fariam o mesmo do lado
deles.
— Compreendo — Lisa comentou ou pelo menos,
começava a entender os motivos de Julie para reclamar
sua presença com tanta insistência. Pelo visto, ela via a
sra. Brainbridge, a futura sogra, como inimiga.
Provavelmente já tinham discordado a respeilo dos
preparativos do casamento Lisa desejava que elas viessem
a fazer as pazes do contrário a situação seria muito ruim
para Tony, que amava as duas mulheres. ela gostaria de
sacudir Julie e fazê-la compreender que era muito melhor
ter a sogra como amiga do que como inimiga, mas sabia
que seria inútil. Só iria aumentar seu ressentimento.
— A recepção será aqui em casa — Julie continuou. — Já
contratei a firma que fará todos os salgadinhos e doces.

Livros Florzinha - 51 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Aliás, eles me mandaram vários cardápios para escolher,


mas ainda não tive tempo, Quanto às bebidas, papai é
quem cuidará delas! — Fitou Chás sorrindo, que retribuiu-
lhe o sorriso.
Lisa estava espantada. Julie falava como se estivesse se
referindo a uma festa qualquer, a mais uma como tantas
outras. Não parecia muito entusiasmada com aquele que,
supunha-se, deveria ser o dia mais feliz de sua vida.
Quando falou. Lisa tentou ser o mais encorajadora e
interessada possível.
— Bem, amanhã vamos sentar e ver direitinho tudo o que
ainda falta fazer. Acho que devemos resolver sobre os
cardápios, e seu vestido são coisas prioritárias. Eu mesma
só poderei escolher o que usar depois que você tiver
decidido a respeito do seu vestido.
— Você poderia usar um saco em volta do corpo e
pareceria linda! — Julie sorriu com ar maroto. — Tive uma
ótima ideia! Você e Melaíne poderiam usar uns sacos bem
grandes, só que o dela teria um nó bem acima da cabeça,
assim Melaine ficaria escondida e não precisaríamos ver
sua cara. Que acham?
— Agora basta! — Chás falava com autoridade. — A
garota é irmã de Tony e você devia ter pelo menos um
pouco mais de carinho e respeito, Julie, no mínimo em
consideração a ele! Portanto, é melhor parar com os
comentários venenosos!
— Está bem, papai! — Julie ainda tinha um ar irónico e
Chás balançou a cabeça, com desaprovação.
— Você já falou para Lisa sobre o apartamento? — ele
perguntou.
— Não ainda não.
— Apartamento? Quer dizer que já têm onde morar?

Livros Florzinha - 52 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Bem, eu não tive muito a ver com isso. mas o fato ê que
já temos. A casa dos Brainbridge é muito grande e, no
fundo do quintal,
existe um antigo celeiro que está acabando de ser
reformado e transformado num apartamento. Eles já
estavam reformando há algum tempo, mas assim que
decidimos casar ofereceram para que morássemos lá. Era
uma oferta que não havia como recusar.
— Que maravilhoso! — Lisa tentava falar com um pouco
do entusiasmo que faltava à Julie. — Você não está feliz,
Julie?
— Claro que estou! Será muito melhor do que viver na
própria casa dos Brainbridge, que por algum tempo parecia
a única alternativa! E depois, não precisaremos pagar nada
o que é ótimo! -— Julie deu um sorriso brilhante. — Puxa,
Lisa, essa maquilagem que está usando é tão linda! São os
produtos Âmbar, aqueles que você anuncia? É mesmo
lindo! Quero que seja você a me maquilar no dia do
casamento, está certo?
—- Sem dúvida, Julie. — Lisa teria preferido saber mais a
respeito do apartamento, mas era claro que Julie havia
mudado de assunto de propósito.
Quando terminaram, Lisa subiu para o quarto, para relaxar
um pouco. Estava muito cansada fisicamente, porém os
pensamentos não paravam de agitar sua consciência, o
que a impedia de descansar como desejaria.
Pelo que já tinha visto e ouvido, sabia que havia algo
errado com Julie, mas provavelmente devia ser a
ansiedade e o nervosismo de uma noiva que está prestes a
casar.
Estava aliviada por Chás e Julie não terem percebido nada
a respeito de seus sentímentos. Não era boa atriz e sabia
que seria difícil fingir que tudo estava bem entre ela e

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Kane, pelas próximas semanas. Faria o possível para evitá-


lo, mas deveria fazê-lo de forma sutil, caso contrário Chás
perceberia e ficaria muito magoado. E a última coisa que
Lisa desejava era magoar o padrasto.
Descansou por algum tempo para, em seguida, tomar uma
ducha e começar a se arrumar para o jantar, do qual era a
personagem principal. Não havia trazido muita roupa para
deixar bem claro para si e para os outros que não pretendia
ficar muito tempo. Escolheu um lindo vestido verde, de
mangas compridas, que lhe caía muito bem. Colocou
brincos e anel que combinavam com a roupa que usava e
escovou bem os cabelos.
Fitou-se criticamente no grande espelho do guarda-roupa,
satisfeita com a própria imagem. Era a Garota Âmbar que
voltava a aparecer e Lisa era grata que houvesse uma
fachada atrás da qual poderia se esconder e sentir mais
protegida. Então, se dirigiu para a sala, no andar de baixo.
As luzes estavam todas acesas e na lareira crepitava um
fogo acolhedor. Lisa parou na porta por um momento,
tentando reconhecer quem havia chegado, James Dalton
conversava com Tony, num canlo da sala. James, loiro e
bem vestido, parecia um poeta romântico, saído de alguma
história trágica de amor. Quanto-a Tony, era bem diferente
e aparentava ser justamenie o que era: um próspero
proprietário de terras, bem alimentado e bem posto na vida.
Não tinha aquele ar de fraqueza e desamparo que James
Dalton possuía.
Célia, esposa de James, estava sentado no sofá,
conversando animadamente com Chás. Era uma pessoa
de gestos finos e vestia-se com muita elegância e bom
gosto. Chás notou a chegada de Lisa.
— Ah, Lisa. aproxime-se. Tenho certeza de que já
conhece todo

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

o mundo! Célia, lembra-se da minha filha de criação?


— Claro que sim! — Célia fitou-a com um olhar que
parecia natural e descompromissado, mas. sem dúvida
nenhuma, estava medindo-a de alto a baixo, não deixando
escapar nenhum detalhe. Qualquer outra mulher ficaria
embaraçada frente àquele olhar, mas Lisa. dada a sua
profissão, já havia se acostumado com esse tipo de coisa.
— Ela agora era uma celebridade!— Célia continuou.
— Ora. ela é muito mais do que isso! —-Era James quem
se aproximava, sorrindo. — Por que é que não nos avisou
que ía se transformar numa mulher tão linda, Lisa?
— Talvez porque eu também não soubesse —- ela
comentou, sorrindo. — Ou talvez porque quisesse fazer
uma surpresa para você! — acrescentou. — James, Tony
que bom vê-los novamente!
— Eu é que acho ótimo encontrá-la — era Tony quem
falava. — Vamos lá será que como futuro cunhado eu não
mereço um beijo?
Lisa ofereceu-lhe a face e Tony deu-lhe um beijo
brincalhão. Foi Kane o próximo a falar:
— O que quer beber Lisa?
Ela ainda não o tinha visto mas sabia que estava na sala.
Era assim desde criança, como se tivesse uma a antena
capaz de perceber a presença de Kane, mesmo que
mantivesse os olhos fechados. Talvez fosse assim entre
pessoas que se odeiam, a força do sentimento aumentando
a sensibilidade do que sentem.
Pediu um licor e, ao pegar o copo das mãos de Kane, fez
tudo para que seus dedos não se tocassem. Ele a olhava
com um olhar penetrante, sua antena deveria estar ligada
também, ela pensou. Lisa tentou parecer o mais casual
possível, enquanto sorvia o licor em pequenos goles e dizia

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

para Célia que era muito interessante trabalhar como


modelo, mas não deixava de ser um trabalho duro.
Mesmo sendo a organizadora do jantar, Julie foi a última a
aparecer, obedecendo a velha tradição de que a filha do
dono da casa deve ser sempre a última a chegar. Estava
muito bonita num vestido vermelho, mas Lisa notou, com
um olhar experiente, que Julie tinha exagerado na
maquilagem,
A comida estava excelente, muito saborosa, mas, com
exceção de Chás e Célia, os demais mal a
experimentaram.
Tony estava muito ocupado tentando prender a atenção de
Julie que, naturalmente, estava bastante excitada e, a cada
momento, conversava com uma pessoa diferente na mesa.
James havia se sentado ao lado de Lisa e mal tinha tocado
na comida, o que talvez explicasse aquela aparência de
fraqueza Lisa pensou. Ele passara o tempo todo
conversando com ela, assuntos agradáveis, mas a
impressão que dava era de que estava longe dali, com os
pensamentos voltados em outra direção, completamente
diferente. A lembrança que Lisa tinha dele era de um rapaz
ativo, desembaraçado e vivo e agora surpreendia-se com
aquele ar distraído, de ausência. Talvez, fosse somente o
resultado de alguns anos de casamento com Célia, Lisa
concluiu.
Com relação a Célia, nada do que tivesse dito contribuíra
para diminuir a antipatia que inspirava em Lisa. Era
estranho, pois estava cansada de conhecer outras garotas
ricas, muito mais esnobes e convencidas do que Célia, e
sempre conseguia ser muito tolerante e não se deixava
levar por sentimentos de antipatia. Mas com aquela mulher
era diferente, e Lisa não podia evitar tais sentimentos e
nem explicar para si mesma por que é que isto acontecia.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Quanto a Julie, o que sentia por Célia antigamente não era


muito diferente. Entretanto, naquela noite, comportava-
se com exagerada simpatia e cortesia com relação a ela.
Tinha elogiado seu vestido e o novo penteado, com um
sorriso. Tomara que tivesse a mesma desenvoltura
para tratar a nova família, mas tudo indicava que não era
assim que a coisa se passaria.
Mais tarde, quando já haviam terminado o jantar, dirigiram-
se para uma outra sala, pequena, onde seria servido o
café, Célia perguntou , a Julie:
— E então, já resolveram onde vão passar a lua-de-mel?
— Já conversamos a respeiio — Julie dava de ombros —,
mas não tomamos nenhuma decisão definitiva.
— Bem, uma cama é uma cama em qualquer lugar —
Célia comentou confídencíalmente, com um sorriso
esperto. — Além do mais, lua-de-mel sempre dá errado!
Pelo menos, foi o que aconteceu com a minha! Fomos
para Nassau e James teve uma intoxicação porque comeu
um prato típico muito forte e apimentado. Portanto, teve
que ficar no hotel a maior parte do tempo! Quanto a mim,
me diverti muito andando de lancha e esquiando.
— Deve fer sido maravilhoso! — Lisa comentou, seca.
-— Ora, não havia razão para que os dois perdessem a
viagem — disse, fitando Lisa diretameníe nos olhos.
Voltou-se para Julie: — Portanto, minha querida, assegure-
se de que vai para um lugar onde não precisará de seu
marido para se divertir e passar uns bons momentos!
Célía falava sorrindo, mas havia algo em sua voz que dava
a entender que achava que Tony seria uma personalidade
desapontadora para o vibrante jeito de ser da jovem Julie.
Ela parecia perceber tudo isso. e sua face tinha um rubor
que certamente não se devia à maquilagem que usava.
Lisa estava esperando que Julie fizesse uma pronta defesa

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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do noivo, acabando com a ironia de Célia. Mas ela


permaneceu silenciosa.
— Que tal um pouco de música? — Foi Lisa quem
quebrou o silêncio, levantando-se e se dirigindo para a
vitrola.
— Por que não? — Célia disse, reclinando-se sobre as
almofadas.
— Alguma preferência? — Lisa começou a selecionar um
disco,
— Qualquer coisa desde que não seja Mendelssohn —
Célia comentou. — Eu realmente...
— Gosto muito de Mendelssohn — Jufie falou
abruptamente. — Ponha o Concerto de Primavera, Lisa.
— Não consigo encontrá-lo — Lisa disse depois de
manusear os discos por algum tempo. — Que tal se
ouvíssemos Ravel? — E, sem esperar peta resposta, ligou
o aparelho e colocou o disco para tocar. A sala logo se
encheu dos acordes iniciais da orquestra.
Era uma música forte e raivosa, impetuosa, e Lisa logo
estava amaldíçoando a própria escolha. Certamente não
era o mais indicado para a ocasião, só que não tinha
pensado muito quando decidira. Tudo o que desejava era
aliviar um pouco a tensão do ambiente, mas acabou
concentrando toda a tensão sobre si mesma.
Aquele disco era seu, uma das coisas que havia deixado
para trás quando partira de Stoniscliffe. com a intenção de
nunca mais voltar. Tinha sido um presente de aniversário
de Kane quando completou dezessete anos. Foi algo muito
especial para Lisa quando aconteceu. Era a primeira vez
que sentia que Kane não lhe dava um presente por mera
obrigação ou formalidade. Dessa vez, havia escolhido algo
que sabia que ela desejava e ia gostar muito, com certeza.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Lisa ficou surpresa ao recebé-lo e teve que superar a


antipatia que sentia para agradecer-lhe com sinceridade.
— Não há por que agradecer — ele tinha dito. — Só faço
isso porque prefiro desenvolver seu interesse pelos
clássicos do que por essa barulheira moderna, que
chamam de música, pela qual julie se deixa envolver tão
completamente.
Julie, que também estava presente, reagiu com indignação,
mas em pouco tempo tudo terminava em risada. Para Lisa,
havia sido de fato uma surpresa saber que Kane conhecia
e até mesmo se preocupava com suas preferências
musicais. Ele sempre tinha dado a entender que sua
indiferença para com Lisa era total e absoluta. De repente,
pensar que ele talvez pudesse saber e pensar coisas que
não deixava transparecer era um pensamento que
incomodava Lisa.
Aquele havia sido um ano muito difícil para ela, suas
emoções variando de um extremo a outro, sem causas
definidas. Chás era muito compreensivo e tolerante, e
achava que Lisa ainda estava sob o impacto emocional da
morte da mãe, que tinha ocorrido há pouco tempo. Mas
Lisa sabia que não era tão simples assim. Tratava-se de
algo que ela não podia entender, algo que nunca tinha
sentido e que certamente viera à tona por causa do gesto
de Kane, ao dar-lhe o presente. Tudo o que sabia era que,
de repente, a ausência ou a presença dele transformavam-
se em algo importante em sua vida. Surpreendia-se
esperando ouvir o barulho do carro de Kane chegando no
fim da tarde e, quando ele estava fora, a negócios, fato
bastante comum. Lisa sentia-se meio perdida e com medo,
naufragando num mar de emoções incontroláveis.
E quando Kane trazia as namoradas para casa, ela sofria,
já estavam longe os dias em que podia sentar-se com Julie

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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e fazer comentários e brincadeiras a respeito dos amores


dele.
Durante muitos meses tinha ouvido aquele disco,
centenas de vezes, decorando cada nota, cada acorde,
sentindo como se a música pudesse resumir tudo que
sentia, o despertar de algo muito lindo dentro dela, algo
novo e maravilhoso.
E agora, sentava-se naquele mesmo sofá, pouco à vontade
e meio confusa com todas aquelas lembranças na cabeça,
recordações do tempo em que tinha dezessete anos e se
apaixonara por Kane Riderwood. — Ah. como nos velhos
tempos — Chás dizia jovialmente enquanto entrava na
sala, movimentando-se com agilidade na cadeira de rodas.
Atrás dele vinha a sra. Arkwright. trazendo o café. Célia
começava a conversar com Chás a respeito dos planos de
seu pai para expandir os negócios. O café foi servido e logo
Lisa esquecia aquelas lembranças. Quando o disco
acabou, Julie se levantou e colocou uma música bem mais
movimentada.
— Ei, que tal se dobrássemos umpouco o tapete para
dançar um pouquinho? Que acham? — Julie estava
entusiasmada.
Lisa não tinha a menor vontade de dançar. Na verdade,
gostaria de subir para o quarto e deixar-se ficar, até que o
dia amanhecesse. Mas sabia que se inventasse alguma
desculpa e se retirasse, a festa logo terminaria, todos iriam
embora e Chás ficaria muito desapontado, para não falar
de Julie.
Assim que o tapete foi enrolado, Tony já eslava ao lado de
Julíe, os braços possessivamente em volla de sua cintura.
Célia comentou, olhando para eles:

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Ah, que maravilha estar apaixonada! — Voltou-se para


Kane: — Que tal se me fizesse recordar esse típo de
sentímento, sr. Riderwood?
Sem dizer nada, Kane abriu os braços e Célia abraçou-se a
ele, os braços cruzados atrás de seu pescoço. Começaram
a dançar e ela olhava-o provocantimente, nos olhos.
Lisa estava espantada pelas maneiras desaforadas de
Célia e fitou James, para ver como reagia ao fato da mulher
se insinuar para outro homem, na sua frente. Mas
novamente ele pareceu estar longe, pensando em outras
coisas, sem perceber o que ocorria a seu redor. Será
possível que tivesse esquecido que Célia e Kane haviam
tido um caso alguns anos antes?
— James — Julie disse subitamente —, Lisa não está
dançando! Lisa corou no mesmo instante e foi com um ar
embaraçado que recusou o convite de James, que tinha se
aproximado dela para dançar.
— Obrigada, James. mas estou muito cansada. Prefiro
permanecer aqui, conversando com Chás,
— Ora, não seja desmancha-prazeres, querida. Julie se
desvencilhou de Tony e veio na direção dela. — Além
disso, sei que gostaria de dançar com James. — Dirigiu-se
a ele. — Sabia que Lisa sentia uma enorme atração por
você quando era adolescente, James?
Lisa não podia acreditar no que ouvia e tinha vontade de
dar umas boas sacudidas em Julie. Mas falou apenas:
— Realmente prefiro não dançar, só isso. Quanto ao resto,
Julie, tenho certeza de que ele não está interessado em
ouvir a respeito das minhas fantasias amorosas da
adolescência.
— Não tenho muita certeza disso. — Era Célia quem se
aproximava, — Talvez James esteja interessado em

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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recordar a época em que povoava as fantasias das


donzelas da região, não é, querido?
— Se é isso o que acha. . . — ele disse com voz fraca. —
Você quer um pouco mais de café. Lisa, ou talvez um
pouco de brandy?
Lisa recusou com um gesto de cabeça e sentou-se ao lado
de Chás. Depois de algum tempo ele falou, em voz baixa:
— Juro que não sei o que dá em Julie, às vezes!
Comporta-se de uma maneira tão estranha! — Deu um
suspiro. — Mas Tony é um ótimo rapaz! Se existe alguém
capaz de contê-la, é ele.
Lisa concordou, sem demonstrar muita convicção, o que a
fazia sentir-se embaraçada. A música terminou e outro
disco foi colocado na vitrola.
— Acho que agora devemos todos trocar de parceiros! —
Julie falava alto. — Tony, você dança com Célia. Lisa, você
tem que dançar desta vez! Afinal, é uma festa para dar-lhe
as boas-vindas! Não pode ficar aí escondida num canto!
— E por que não? — Célia perguntou com um sorriso. —
Deve ser interessante passar por experiências novas! Além
disso, ninguém pode querer ser o centro das atenções o
tempo todo! Nem mesmo Lisa. . . -— E suas palavras
ficaram suspensas no ar.
Lisa levantou-se, relutante. Dessa vez aceitaria o convite
de James, Mas não foi ele quem se adiantou e tomou suas
mãos, foi Kane. Por um momento, ela sentiu um tremor
incontrotável. Então, percebeu que Chás os fitava, sorrindo,
e tentou relaxar.
— Assim está melhor! — ele falava baixinho, consciente
do esforço de Lisa.
Ela não olhou para cima. Fitava os ombros de Kane, como
se cada fibra do tecido do paletó merecesse uma atenção
especial. Ele falou em seguida:

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— Está gostando do jantar de boas-vindas?


— Bem, não posso dizer que o ambiente esteja dos mais
receptivos!
— Compreendo. . . Bem, de qualquer maneira você sabe
como representar. Pelo menos é o que faz diante das
câmeras. não é? Portanto, acho que não será um sacrifício
fazer isso por Chás.
— E você não percebeu que é o que estou fazendo, nesse
exato momento, inclusive?
— Meu pai comentou esta noite que tudo era como nos
velhos tempos — Kane falava com a cabeça baixa, olhando
para Lisa, a voz fria e dura. — Ele não sabe, mas está
enganado! Nunca mais você poderia voltar para cá! Muita
coisa aconteceu desde então, coisas que jamais
poderemos negar ou esquecer.
— Você não tem com o que se preocupar. — Ela ergueu a
cabeça, para fitá-lo. — Sei muito bem por que estou aqui e,
assim que o casamento tiver acontecido, eu partirei. E nada
do que Chás possa vir a dizer, ou a fazer, me fará agir de
forma diferente!
— Fico feliz em ouvir isto! Outra coisa que desejo lhe
dizer é que, fantasias adolescentes ou não, o fato é que
James Dalton é um homem casado agora e Célia não
divide o que é seu com ninguém mais, por menos que
pareça valorizar o que lhe pertence.
— Muito obrigada por me avisar. . . Por acaso, você
também está incluído nos artigos que lhe pertencem, em
nome de antigos namoros?
— Isso não ê absolutamente da sua conta!
Nesse momento, para alívio de Lisa, a música terminou e
ela não foi obrigada a sustentar aquela conversa com
Kane. Sentia uma forte dor de cabeça e, depois de avisar
Chás, subiu cm busca de uma aspirina.

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Depois de tomar o comprimido, deixou-se ficar sentada,


feliz por poder estar só por alguns momentos. Quisera não
precisar descer, mas, se começasse a demorar. Chás logo
mandaria alguém para ver o que tinha acontecido.
Respirou fundo e saiu, em direção à escada. Quando
começou a descer os primeiros degraus, ouviu ruídos
estranhos e a voz de ]ulie, embaixo do grande arco dos
fundos da escada.
— Oh. meu amor como eu te amo! Não posso esperar
mais. . . Não consigo viver sem você. . .
Lisa parou no mesmo instante, mesmo sabendo que seus
passos não seriam ouvidos, por causa do grosso tapete.
Era uma situação embaraçosa, e ela resolveu voltar as
costas e tornar a subir. Mas sentia-se feliz. O tom de voz
de Julie não deixava dúvida de que estava apaixonada,
profundamente apaixonada. Sim, agora era capaz de com-
preender sua pressa em casar com Tony.
Ele havia conseguido despertar um intenso amor em Julie,
e isso era maravilhoso. Ela necessitava da segurança e da
estabilidade que o amor e o casamento trariam. Agora
entendia sua despreocupação com os detalhes da festa, a
pequena importância que estava dando às aparências. Não
era a cerimónia que interessava a Julie. Era a vida
com um homem, como Tony. a ligação em si que realmente
desejava!
Lisa entrou no quarto, fechando a porta atrás de si. Podia
se ver
refletida no grande espelho da penteadeira, do outro lado
do aposento.
Viu o que todos viam: a Garota Âmbar. Linda. confiante, o
mundo
a seus pés. Mas a imagem foi se transformando e
desintegrando até

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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restar somente Lisa, sozinha, infeliz e com medo.

CAPÍTULO V

Ela acordou com a sensação de que estava sufocando,


como se alguém apertasse sua garganta. Estava escuro e
por um momento Lisa ficou fitando o vazio, tentando
compreender o que acontecia. Então, percebeu o que havia
de errado.
Na noite anterior,esquecera de desligar o aquecedor e o
resultado era que o quarto parecia um forno agora. Com
um suspiro afastou as cobertas e se levantou, os pés
descalços no grosso tapete. Desligou o aquecedor e se
dirigiu à janela, para abri-la. Não suportava ambientes
fechados, desde criança, e era estranho que tivesse
esquecido o hábito cotidíano de deixar a janela entreaberta
antes de deitar.
Enquanto tentava abrir a persiana, que estava meio
emperrada, notou, pela brasa de um cigarro aceso, que
havia alguém andando lá embaixo no jardim. Era Kane.
Não havia razão para que ele olhasse para cima, pois não
sabia que estava sendo observado, mas mesmo assim Lisa
recuou e escondeu-se atras das cortinas. Era um choque
ver Kane la embaixo, àquela hora. Bem, não era algo tão
estranho assim, já que ele sempre havia tido o hábito de
sair para caminhadas noturnas quando tinha problemas
para resolver, problemas profissionais ou pessoais. Aliás,
foi por causa desse hábiio de Kane que. ..
Lisa tentou interromper o livre fluxo dos pensamentos, pois
não desejava que certas recordações lhe viessem à
cabeça. Mas era cada vez mais difícil fazer isso; tudo ali lhe

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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lembrava o passado: aquela casa, a música que pusera na


vitrola e Kane em pessoa, andando no jardim escuro lá
embaixo, exatamente como há dois anos.
Tremendo de frio. Lisa voltou para a cama e ficou a olhar
as sombras na parede do quarto. Havia diferenças,
naturalmente. Tinha sido no verão que tudo contecera, e
agora Julie estava no quarto ao lado dormindo, em vez de
estar fora. sabia-se lá onde.
Desde que havia chegado das férias escolares, Julie tinha
causado problemas. Depois de arrumar confusão com o
pessoal da escola, veio para casa dizendo que terminadas
as férias, não mais voltaria para lá. Mas Chás manteve-se
irredutível. Dizia que era uma ótima escola, de boa
reputação, e Julie teria que retornar, quer quisesse ou não!
— Eu não voltarei! Odeio aquele lugar! — ela tinha dito a
Lisa quando se encontravam sozinhas. — Estou cansada
de usar aquele estúpido uniforme e de ser tratada como
uma criança! Cama às nove e meia!
— Ora, Julie. acho que não é tão ruim assim.
— Quando éramos crianças. Lisa, podíamos aceitar isso.
Mas não sou mais criança. Sou uma mulher!
Era um grito de desafio, que seria repetido muitas vezes
naquele verão. No princípio. Lisa não associou a rebeldia
de Julie com os Hammond. Julie conheceu Audrey
Hammond no clube de ténis que ela costumava frequentar
nas férias. Apesar de ser bem mais jovem que ela, Julie era
uma excelente jogadora e não cabia em si de satisfação
quando Audrey a convidou para formarem uma dupla e
participar do campeonato de ténis.
Os Hammond haviam se mudado para Stoniscliffe há
pouco tempo. O sr. Hammond era um industrial muito rico e
sua esposa era estilista de modas. Ambos passavam a
maior parte do tempo fora de casa, ele trabalhando ou em

Livros Florzinha - 66 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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viagens de negócios, e ela em Londres. Assim, a casa era


administrada quase que exclusivamente pelo casal de
filhos. Era uma residência grande e luxuosa, com quadra
de ténis particuíar e até mesmo uma piscina aquecida. Lisa
nunca tinha gostado daquele lugar e, ainda que não
pudesse dizer por que, sentia que os Hammond exerciam
péssima influência sobre Julie.
Mas não havia maneira de impedir Julie de frequentar
aquele ambiente. Ia treinar ténis com Audrey quase todos
os dias, sem que Chás soubesse. Lisa preferiu não contar-
lhe nada, pois as coisas já andavam tão ruins entre Julie e
o pai que em nada ajudaria trazer-lhe mais um problema.
Mesmo quando começaram os rumores. Lisa preferiu
manter-se calada. Então, era sabido que os Hammond
davam festas que se transformavam em verdadeiras farras.
De qualquer maneira, eram maiores de idade e podiam
beber ou consumir a droga que quisessem. Julie não
frequentava tais festas, pois Chás não permitia que
nenhuma das duas fosse a festas de amigos cujos pais não
estivessem em casa. Assim, não havia possibilidade de
desobedecê-lo.
Pelo menos é o que Lisa pensava até uma noite, quando
despertou de madrugada, alertada pelo barulho no quarto
de Julie, vizinho ao seu. Dirigiu-se para lá e encontrou-a
tirando a roupa e vestindo pijama. Podia sentir o cheiro de
álcool no ar.
— Julie. não posso acreditar que tenha feito isso! — Ela
sabia
perfeitamente que a irmã voltava de uma daquelas festas.
—Quantas vezes já saiu assim, escondida no meio da
noite?
— Ora, Lisa. não faça tempestade num copo d agua! Já
que tenho que ficar naquela escola miserável praticamente

Livros Florzinha - 67 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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o ano inteiro, não vejo mal nenhum em aproveitar pelo


menos as férias!
— E é isso o que você chama de aproveitar as férias?
Escapar às escondidas, quando todos estão dormindo, trair
a confiança de seu pai e voltar de madrugada, bêbada?
— Estou longe de estar bêbada, senhorita virtude!
— Muito obrigada! — Lisa ia dando as costas e partindo.
— Lisa — Julie correu e segurou-a pelo braço —,
desculpe, não devia ter dito o que disse e nem tratá-la
assim.. . Ohe, de fato bebi um pouco, mas não estou
bêbada. Você sabe que Chás nunca, fez nenhuma
objeção a que bebêssemos uma coisinha de vez em
quando.
— Sim, no Natal, ou então quando tomamos vinho no
almoço de domingo! E, todas as vezes, aqui dentro de
casa! Você ainda não fez nem dezesseis anos, Julie! Que
mais andou tomando, além de alguns drinques?
— Não fiz nada do que está pensando! — disse, dando
um pequeno soluço. Sua expressão estava estranha, uma
mistura de arrogância e um ar de quem implora algo, —
Lisa, você não contará nada a papai, não é? Sei que não
seria ruim o bastante para fazer isso comigo. Olhe, eu só
queria me divertir um pouco e gosto de Audrey, mesmo que
você antipatize com ela. Mas juro que nunca mais farei isso
se você não disser nada a papai!
Lisa estava confusa. Sabia que devia contar para Chás,
mas sabia . também que isso lhe traria um desgosto
enorme. Ao mesmo tempo, sempre tinha sido a confidente
de Julie, não podia quebrar sua confiança, .. Era uma
situação difícil! Julie, porém, tinha dado sua palavra de
que não voltaria mais lá.
— Está bem! — Lisa disse com um profundo suspiro. —
Não contarei nada a Chás, desde que esta seja a última

Livros Florzinha - 68 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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vez que você fez isso, Julie! Não quero saber se já o fez
outras vezes, mas o que tem de entender é que não há
nenhum futuro nisso! O que se fala dos Hamrnond é muito
ruim e Chás ficaria louco se soubesse que você está
envolvida nesta história! — Fez uma pausa, e continuou: —
Acho
melhor dizer a Audrey para arrumar uma outra parceira
para jogar tênis!
— Não há problema. — Julie deu um sorriso estranho. —
Acho que Audrey também não está mais interessada em
jogar ténis!
Enquanto voltava para o quarto, Lisa se pergunfou se não
devia ter procurado saber melhor o que Julie quisera dizer
com o último comentário. O maior problema é que os
Hammond eram quase vizinhos, e podia-se chegar
facilmente à casa deles; indo-se por baixo das árvores, era
pouco provável que alguém notasse.
Lisa estava convencida de que Julie cumpriria a promessa,
mas mesmo assim resolveu garantir as coisas. No dia
seguinte, a irmã passou a maior parte do dia na cama
alegando dor de cabeça, apesar de que Lisa suspeitasse
que, na verdade, tratava-se de uma ressaca.
Pouco depois do almoço, Lisa resolveu agir por conta
própria. Embrenhou-se no jardim e, em poucos minutos,
chegava à casa dos Hammond, já ouvindo o som de vozes
na piscina. Arthur e Audrey Hammond estavam tomando
sol e o que era pior, completamente nus. Felizmente, Arthur
teve o pudor de se cobrir com uma toalha em volta da
cintura assim que avistou Lisa.
— Olá — Audrey falou com um sorriso estranho. — A que
devemos o prazer desta visita?
— Pode estar certa de que não se trata de uma visita
social — Lisa falou decidida, ignorando o convite que

Livros Florzinha - 69 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Audrey lhe fazia para que sentasse. — Venho lhe


comunicar que sei muito bem que Julie anda frequentando
as festas de vocês, e que a fazem beber e sabe-se lá o que
mais! Por isso quero avisar que isso deve parar
imedialamente, caso contrário contarei para meu padrasto
e vocês nem sonham quantos problemas isso lhes
causaria!
— Nossa, que ameaçadora! — Audrey falava num tom
irónico, extremamente irritante.
Arthur, que até então só fitava Lisa com curiosidade e
insolência, resolveu dizer:
— Não se preocupe, tigresa, pode levar sua menininha de
volta! Ela é mesmo muito pequena para o gosto da maioria
das pessoas que frequentam esta casa! —- Ele olhava os
seios de Lisa, cujas formas arredondadas eram realçadas
pela fina blusa de algodão que usava.
— E, se quiser tomar o lugar dela, pode ter certeza de que
será muito bem-vinda!
— Não, muito obrigada!
— Não? Mas que pena. . . — Os irmãos se olharam e
soltaram uma ruidosa gargalhada.
— Não me importo que riam! Mas é melhor para vocês que
não se comuniquem com Julie ou a encoragem a vir aqui,
sob nenhum pretexto!
— Ora, não se faça de boba, querida. — Era Audrey quem
falava.
— Sua irmãzinha inocente não precisou de ninguém que a
encorajasse a vir aqui. Foi ideia dela mesma. Na verdade,
não costumamos dar festas para crianças, entende? Bem,
agora, acho que pode encontrar sozinha o caminho para ir
embora, não é?
— Perfeitamenie! — Lisa disse e partiu. já havia cruzado a
pequena cerca quando sentiu que algo se movimentava

Livros Florzinha - 70 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

atrás dela. Virou-se para encontrar Arthur que, encostado


no portão, mandou um beijo com as mãos, com um olhar
zombeteiro. Ela deu-lhe as costas e continuou caminhando,
resistindo ao impulso de sair correndo.
Quando finalmente abriu o portão e começou a andar entre
os arbustos dos fundos do jardim, uma mão tomou-lhe o
braço por trás. Lisa soltou um pequeno grito.
— Oh, Kane! — O alívio a fez sentir-se fraca. — Você me
assustou!
— Estou percebendo. . . Onde esteve?
— Saí para andar um pouco.
— Sozinha?
—- Claro que sim!
—. Não minta para mim, Lisa. Vi quando seu parceiro se
despediu. .. Minha janela dá para aquele lado, você se
esqueceu?
Ela estava pronta para negar veementemente que tivesse
algo a ver com Arthur Hammond quando percebeu que, é
claro, Kane perguntaria por que ela foi até lá. Então, seria
obrigada a envolver Julie na história, e isto era a última
coisa que desejava!
— Não sabia que Arthur Hammond era o seu tipo, Lisa!
— Em Stoniscliffe não há muita possibilidade de escolha,
mesmo! — Ela deu de ombros, tentando parecer casual.
— Suponho que não! Eu tinha começado a achar que você
era uma pessoa mais sensata, Lisa, mas agora vejo que
estava enganado! — Ele virou-se e partiu.
Lisa desejaria gritar e negar tudo aquilo, mas, sabia que
era impossível.
As próximas três semanas passaram rapidamente. O bom
tempo foi substituído por dias cinzentos e chuvosos, que
faziam Julie reclamar todo o tempo, dizendo que
Stoniscliffe era tão entediante quanto a escola.

Livros Florzinha - 71 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Lisa ficava preocupada ao ouvir tais coisas e chegou até a


ir ao quarto dela, pouco depois de todos terem se retirado,
para ver se estava mesmo dormindo.
Julie parecia estar realmente mantendo a palavra. E Lisa
ficou mais aliviada ainda ao ouvir comentarem, certa vez,
que os Hammond tinham ido para Londres, passar uns
tempos com a mãe.
E novamente voltaram os dias de sol e calor e nem mesmo
a partida de Chás, numa viagem de negócios para os
Estados Unidos, foi capaz de apagar seu otimismo.
— Como eu era tola... — Lisa dizia agora para si mesma,
deitada na cama, sem conseguir adormecer de novo.
O pesadelo começou aos poucos. Havia sido um dia
quente e abafado, ouviam-se trovões ao longe. Julie que
desde o fim da tarde reclamava de uma dor de cabeça
persistente, retirou-se ceda, alegando que precisava
dormir.
Lisa tinha ficado sozinha na sala de estar. Ligou a televisão
mas, como não achasse nenhum programa interessante,
resolveu pôr um disco na vitrola.
Estava tão distraída que não ouviu o barulho de carro. Foi
só depois de algum tempo, sentada no sofá, que percebeu
que não estava mais sozinha. Olhou para cima e encontrou
Kane, que a fitava encostado ao batente da porta. Ele
tinha dito que chegaria muito tarde, por causa de uma
reunião.
— Oh, você já voltou —- ela disse, fazendo menção de se
levantar do sofá. — Nós já jantamos, mas.. .
— Não se preocupe — levantou a mão. num gesto de
cansaço — A sra. Arkwright já está servindo um pouco de
café e sanduíche para mim na cozinha.
— Bem, se é o que deseja. — Deu um sorriso.

Livros Florzinha - 72 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Vai servir. Vou deixá-la em paz para ouvir música. Onde


está Julie?
— Resolveu dormir mais cedo. — Sentiu a boca um pouco
seca. — Você. , . você pode comer aqui se quiser, não
precisa comer na cozinha.
— Eu não sabia que minha companhia era bem-vinda. —
Seus olhos encontraram díretamente os de Lisa, que sentiu
um arrepio estranho.
— Sempre foi você quem me evitou. — Sua voz soou um
pouco mais baixa.
— Que estranho da minha parte! — ele disse gravemente.
— Bem. devo então dizer à sra. Arkwright que traga meu
lanche para cá?
— Por que não? — ela falou depois de hesitar um instante.
Kane fitou-a com uma expressão enigmática e em seguida
saiu. Lisa reclinou-se sobre as almofadas do sofá, sentindo
que seu pulso tinha se acelerado um pouco. Já estivera
sozinha com Kane antes, várias vezes. Moravam na
mesma casa e faziam parte da mesma família. Mas dessa
vez era diferente. Havia sido fruto de uma decisão tomada
por ambos.
Sentia que agora era o coração que batia rapidamente.
Levantou-se e foi até a vitrola, para trocar o disco. Colocou
o concerto de Ravel, presente de aniversário de Kane.
A música, explosiva, inundava toda a sala e parecia refletir
a confusão de emoções dentro de Lisa. Ela pegou uma
mesinha e trouxe para perto do sofá. Sentou-se,
aguardando Kane o coração batendo como louco.
E ele finalmente voltou. Suas sobrancelhas se ergueram
quando ele viu a mesinha perto do sofá.
— Um ambiente bem doméstico!
Lisa corou imediatamente com esse comentário.
— Você está rindo de mim?

Livros Florzinha - 73 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Não posso brincar com você? Bem, a julgar por nossa


amizade até hoje, talvez não tenha mesmo esse direito, —
Colocou a bandeja sobre a mesinha. — Aceita um pouco
de cafe?
Ela fez que não com a cabeça. Da maneira como se sentia,
era bem capaz de derramar o café. Kane continuou:
— Você precisa se alimentar melhor! Esta cada dia mais
magra.
— Ele tocou-lhe o queixo com os dedos e a fez olhar
dentro de seus olhos- — O que há, Lisa, algo errado?
— Não, nada. Eu. . . eu não tenho dormido muito bem,
ultimamente. Acho que é por causa do calor.
— Compreendo. — Soltou o queixo dela e,
despreocupado, ser viu-se de café e de um sanduíche. —
Bem, acho que você não tem muitas razões para confiar
em mim e seguir meus conselhos! Pelo menos, nunca fiz
nada para encorajá-la a isso, não é?
— Não, Lisa respondeu em voz baixa.
— Bem, pelo menos posso tentar encorajá-la! Que prefere,
sanduíche de frango ou presunto?
Ela aceitou o sanduíche e forçou-se a comê-lo, consciente
de que Kane a observava, os olhos cinzentos,
interrogativos. Ele se reclinou no sofá, ao terminar de
comer, os olhos fechados. Lisa se levantou e ia começando
a ajuntar a louça sobre a bandeja, para levá-la de volta
para a cozinha, quando Kane tomou seu braço.
— Deixe isso para lá! Sente-se um pouco e descanse. Não
sei por que está tão nervosa!
Ela deixou-se cair sobre as almofadas, mordendo o lábio
nervosamente. Era difícil relaxar quando seu corpo inteiro
parecia reagir à proximidade de Kane. Para quebrar a
tensão, perguntou:

Livros Florzinha - 74 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Será que vai cair uma tempestade? Ameaçou o dia


inteiro e o ar está tão pesado agora.
— Você não tem medo de trovões, não é? — Ele
acariciava o braço de Lisa levemente, com a ponta dos
dedos. — E por isso que está tão tensa?
Aquele carinho tão casual tinha o poder de fazer seu
coração acelerar cada vez mais. Era a primeira vez que se
tocavam dessa maneira, e Lisa sentia uma emoção
totalmente nova. Não era um carinho fraternal. Era
diferente e ela sabia que o que os ligava naquele momento
era a forca da carne, e não o amor familiar. Quando Kane
falou, foi com voz suave:
— Você está tremendo. Lisa. É medo da tempestade ou
será que é por causa disto?
Ele se inclinou sobre ela e tocou sua boca com lábios
suaves, um beijo rápido, um toque leve como a brisa.
Ela suspirou e não se moveu. Os lábios se entreabriram,
como que pedindo um outro beijo. Kane a fitava a poucos
centímetros, podiam sentir a respiração um do outro. Seus
olhos brilhavam com uma intensidade enorme, a
intensidade do desejo. Então, ele beijou-a novamente.
dessa vez um beijo longo, profundo, que embaralhou os
pensamentos na cabeça de Lisa.
Tudo que sabia era que Kane a abraçava fortemente, o
peso de seu corpo sobre o dela, os dois reclinados nas
grandes almofadas. Sim ela correspondia àquele beijo, com
vontade. Tinha-o desejado por meses, mesmo sem o
saber, ou admitir, talvez. Mas agora era impossível fugir
dessa consciência.
Aquele beijo interminável se tornava cada vez mais
profundo, e a inexperiente Lisa não sabia como agir direito.
Movia-se em águas desconhecidas, mas deixava que
aquela corrente de novas emoções a guiasse. Sempre

Livros Florzinha - 75 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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tinha odiado aquele homem, e agora tudo isso sumia de


sua mente. Sentia-se feliz por aquela bem-vínda invasão,
que fazia seus sentidos despertarem. As mãos de Kane já
não se moviam leve e vagarosamente. Agora, eram mãos
ágeis que começavam a desvendar os contornos de seu
corpo, causando uma excitação que chegava a ser
dolorosa. Seus seios rijos gostavam do contato com aquele
peito forte e musculoso.
O leve vestido de algodão era abotoado na frente, por
pequenos botões. Kane começou a abri-los, devagar. Com
o trabalho daquelas mãos ágeis, o vestido logo se abriu,
deixando à mostra os seios de Lisa. Ele inclinou a cabeça e
beijou-lhe os bicos, suavemente.
Lisa se envolvia numa outra realidade, que fugia ao tempo,
ao espaço, uma realidade de sonhos, onde só havia
toques, prazer e uma vontade de se perder no outro,
dissolver-se naquela existência a seu lado. Era sua
primeira experiência de prazer do corpo.
A boca de Kane passeava sobre sua pele, os seios, o
rosto, os lábios de Lisa. Na vitrola, a música recomeçava,
lá longe. Era a terceira parte do concerto de Ravel, que
tinha o nome de Alvorada. Sim, ela pensou, o começo da
vida, da alegria, das manhãs nos braços de Kane.
E então, como uma ducha fria, de repente ela ouviu outros
sons, os sons de passos rápidos e pequeninos, os passos
da sra. Arkwright, que se aproximavam pelo corredor, e as
batidas na porta.
Toda a magia se quebrou. Kane se afastou rapidamente.
Praguejava enquanto passava as mãos nos cabelos
despenteados.
— Abotoe o vestido! — falou num tom selvagem.
Lisa obedeceu, mas seus dedos tremiam e era difícil
abotoá-los.

Livros Florzinha - 76 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

A sra. Arkwright bateu novamente, com certa


impaciência. Kane apreensivo, esperava Lisa acabar de
se arrumar.
— Pode entrar — ele falou, quando Lisa finalmente
abotoou o último botão.
— Oh. eu não sabia que a srta. Lisa estava aqui! — ela
falou. Kane estava de pé, defronte á janela, afastando um
pouco a cortina como se estivesse estado fitando o jardim.
— Bem, e que importa isso? — disse, frio.
Lisa estava morta de vergonha. O fato de estar longe de
Kane, no, momento, não queria dizer nada, A confusão das
almofadas sobre o sofá certamente bastava para contar a
história.
— Não, é somente porque telefonaram há pouco para ela.
Suponho que não tenham ouvido por causa da música.
Como pensei que ela estivesse fora, disse que havia saído
para andar um pouco.
— Quem era. sra. Arkwright?
— O sr. Arthur Hammond, srta. Lisa. Ele pediu para lhe
dizer que o convite é válido para hoje à noite. — Depois de
dizer isso recolheu a bandeja, pediu licença e se retirou.
— Desde quando vem aceitando esses convites dos
Hammond?
— Ora, desde nunca! Não sei do que ele está falando.
Deve ser alguma brincadeira de mau gosto!
— Para mim, o significado não parece difícil de
compreender.
— Sua voz era ríspida. — Pelo visto, tinham combinado
um encontro, do qual eu a atrasei. Peco-lhe desculpas!
— Não é nada disso! — Lisa se levantou. — Eu nunca
sairia com Arthur Hammond! Não gosto dele!
— Pareciam estar se dando muito bem quando os vi no
jardim naquele dia. E, no entanto, você faz questão de

Livros Florzinha - 77 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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negar prontamente qualquer relação com ele, não é? Por


que faz isso? Por que tem certeza de que Chas não
aprovaria?
— Não, ele provavelmente não aprovaria. — Sua voz era
uma mistura de raiva e tristeza. Há alguns minutos sentia-
se diluir naquele homem, e agora, já estavam outra vez
distantes um do outro, o ódio vibrando entre eles, como
sempre, — Mas tenho certeza de que também não
aprovaria o seu comportamento de alguns minutos atrás.
— Quanta razão você tem, não é, Lisa? Acho que a
interrupção da sra. Arkwright veio em boa hora. Só não
posso deixar de lhe dizer que, se tem o hábito de ficar se
encontrando com Arthur, é bom ser cuidadosa, pois os
arbustos não são tão altos assim!
Havia algo na voz dele que fez alguma coisa morrer dentro
de Lisa.
— Obrigada pelo aviso — ela disse, queixo erguido, antes
de virar-se e partir, sem pressa,
Primeiro ela pensou que o barulho do trovão é que a tinha
acordado. Ouvia os grossos pingos batendo no vidro da
janela, e estranhou o som que faziam, como se fosse gelo.
Puxando as cobertas, levantou-se e foi até a janela.
Quando o clarão do raio iluminou o jardim, viu um pequeno
vulto lá embaixo, que fazia sinais aflitos para sua janela,
— Lisa! — Era a voz de Julie.
— Já vou indo —- Lisa sussurrou. Sem se importar em
vestir uma camisola, desceu correndo a escada e. quando
abriu a porta da frente, Julie estava na varanda, molhada
dos pés à cabeça, os pés descalços e enlameados.
— Julie. . . você pode ficar doente! — Puxou-a para
dentro. — Por Deus, onde é que você estava?
— Oh. Lisa!. — Ela tremia, parecendo prestes a explodir
em lágrimas.

Livros Florzinha - 78 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Está bem. acho que já compreendo o que aconteceu-


Vamos, acalme-se e venha tirar essas roupas molhadas.
Onde estão seus sapatos?
— Eu. .. eu os perdi! Tinha tirado para poder andar melhor,
mas aí ouvi um som atrás Se mim, como se alguém me
seguisse, e comecei a correr. . . Acho que os deixei cair...
Eram os sapatos novos, de salto alto, e eu não podia correr
com eles e...
— Ora, não se preocupe com isso agora, querida. Vamos
subir e se secar, está bem?
Lisa se perguntava o que é que teria feito uma menina
correr descalça e apavorada em meio àquela tempestade.
Apertou os punhos com força, pensando nos Hammond.
Era uma sorte que Chás estivesse fora, caso contrário
poderia ter acordado com o barulho. Lisa levou Julie para o
quarto e, depois de enxugá-la, colocou-lhe uma camisola.
Em cima da cama, os travesseiros habilmente arrumados
davam a impressão de que alguém estava deitado sob as
cobertas.
— Muito interessante! E quantas vezes você usou este
pequeno truque, hein, Julie?
— Esta foi a primeira vez. Sei que não vai acreditar em
mim,. mas...
— E por que é que eu. deveria acreditar? Você havia me
dado sua palavra, mas me enganou — enquanto falava,
Lisa ia arrumando a cama para que Julie se deitasse.
—- Oh, como gostaria de não tê-lo feito! Eu estava no meu
quarto, entediada quando ouvi a sra. Arkwright lhe dizendo
que Arthur havia telefonado, convidando-a para ir lá. Aí,
decidi ir ver se tinha uma festa. . . Mas foi horrível! Havia
umas pessoas estranhas, mais velhas, diferentes das
pessoas que eu já conhecia. Eles disseram que íamos
todos brincar. .. brincadeiras de salão, disseram, e que eu

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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ia gostar.,. . Era um jogo no qual as pessoas que perdiam


tinham que ir tirando peças de roupa e de repente eu fiquei
apavorada e saí correndo. Arthur veio atrás de mím. Ele
havia bebido e disse coisas horríveis. Disse que aquilo não
era festa para crianças, mas que eu tinha ido porque
queria, e que ia começar pagando a primeira prenda! Eu
fugi correndo!
Julíe tinha os olhos arregalados, ainda estava sob o efeito
do susto. Lisa sentia um ódio imenso daquelas pessoas,
mas sorriu para ela. querendo lhe dar forças. Ajudou-a a
deitar e cobriu-a. Passou a mão na tesla de Julie.
— Tente descansar um pouco, querida. Já esta quase
amanhecendo. Vou deixar a porta do meu quarto aberta e
você me chama se quiser alguma coisa, está bem?
— Oh, Lisa, preciso recuperar os sapatos! — Ela agarrou o
braço de Lisa.
— Claro, meu bem, nós os encontraremos amanhã, está
certo?
— Oh, Lisa, tem que ser agora! Por favor, vá procurá-los
agora! — Julie estava ã beira da histeria. — Se esperarmos
até amanhã, outra pessoa pode achá-los e trazê-los aqui.
Então Kane vai descobrir tudo e contar para papai! Oh,
Lisa, por favor, vá pegá-los para mim!
A tempestade havia passado e a noite estava calma
novamente. Mesmo assim, Lisa não tinha o menor desejo
de sair na escuridão molhada, para procurar os sapatos
perdidos. Julie não estava sendo razoável, mas, quando
ficava naquele estado, era impossível argumentar com ela.
Lisa respirou fundo.
— Está bem, querida, vou procurá-los para você!
Lisa se vestiu e, depois de pegar uma lanterna, rumou para
a porta da frente. Para sua surpresa, ela estava trancada
com o trinco de segurança: não lembrava de ter feito isso

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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quando entrara com Julie. Tencionava procurar um pouco


e, se não encontrasse os sapatos rapidamente, deixaria
para a manhã seguinte.
Mas foi mais fácil do que imaginava. Em poucos minutos
deparou com o par de sapatos encharcados, sobre a relva.
Voltou correndo para casa, entrou em silêncio e trancou
novamente a porta. Subiu a escada e já estava quase na
porta de seu quarto quando uma mão segurou-lhe o ombro.
— Bem-vinda à casa! — Era a voz de Kane.
Ele estava com raiva, era fácil notar pelo tom de voz. Mas
parecia haver também uma outra emoção, que Lisa não
conseguia compreender direito. Usava somente um roupão
e tinha os cabelos molhados, como se tivesse acabado de
tomar um banho.
— Fiquei surpreso quando vi que a porta não estava
fechada com o trinco de segurança e pensei que fosse
esquecimento da sra. Arkwright. Mas devia ter imaginado
que depois daquele telefonema... Como é, gostou da festa,
Lisa? Pelo que tenho ouvido, são festas muito animadas!
Só que não pensei que lhe agradassem, nem achei que
mesmo você fosse capaz de frequentar um lugar assim!
Ela gostaria de gritar que não, negar tudo aquilo, mas
aquelas palavras, "mesmo você, Lisa", tiraram-lhe todas as
forças para isso. Havia ficado horas deitada na cama,
pensando em Kane, pensando em tudo o que poderia ter
acontecido se a sra. Arkwright não tivesse interrompido.
Pela primeira vez sentira um Kane diferente, gentil,
carinhoso, um homem que a desejava. E agora, no entanto,
não existia mais nenhuma gentileza, a menor possibilidade
de carinho. Só havia a frieza, as palavras rudes, um ódio
tão visível que parecia ser possível tocá-lo com as mãos e
que fazia o amanhecer daquele dia de verão parecer frio e
escuro, como a mais gelada alvorada do pior inverno.

Livros Florzinha - 81 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Tentando pensar numa história convincente, Lisa? Não


é necessário. . . Vi da minha janela, quando você voltava, a
luz da lanterna.
Por que é que não ficou a noite inteira? Será que seu
amante se
cansou de você?
— Eu não tenho nenhum amante, Kane,
— Não? Interessante. . . porque, de qualquer maneira,
está ansiosa para ter, não é? Nunca gostou de mim. mas
eu poderia tê-la possuído esta noite. E sabe o que me fez
parar, além do fato da sra. Arkwright te reaparecido? Eu
pensei que você fosse inocente, que não sabia o que
estava fazendo! E eu não queria macular esta inocência!
— Deu uma risada selvagem. — Meu Deus, como fui tolo!.
Não conseguia pregar o olho, só pensando em você a noite
inteira, então saí para andar um pouco. Tudo o que vi era
sua face, seu corpo, me sentia como um homem faminto
contemplando um banquete à distância. .. E o tempo todo
você estava com aquele canalha, deixando que se servisse
de você como bem entendesse!
Ele a segurava pelos braços, logo abaixo dos ombros.
Apertava-a com tanta força que parecia quebrar seus
ossos, mas Lisa manteve-se firme.
— Sei como tomar conta de mim mesma!
— Não tenho mais dúvidas quanto a isso, minha querida. ..
E, já que é assim, que tal se começássemos tudo
novamente, onde tínhamos parado? Só que, desta vez, não
nos preocuparemos mais com sua suposta inocência!
Vamos ver de que outros truques é capaz!
— Oh, Kane. . . não é o que você está pensando. — Ela
começava a sentir-se apavorada.
— Ora, Lisa, nunca é o que estou pensando. . . Portanto,
não me preocuparei mais com o que penso de você!

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Ele a puxou brutalmente e beijou-a com violência. Lisa


lutava para fugir, mas Kane era muito mais forte que ela.
— Desta vez não me importarei com esses botões, minha
doce e inocente Lisa! — Puxou com força o vestido de
algodão, que rasgou. — Ora, não pareça tão apavorada,
meu bem — disse ao ver que ela tentava esconder a nudez
com as mãos. — já deixou outras pessoas a verem assim,
tocá-la e beijá-la. Agora é a minha vez!
Ele a empurrou para o quarto, fechando a porta atrás de si.
Lisa lutava com todas as forças, mas era inútil. Kane a
atirou sobre a cama e começou a desabotoar a calça.
— Por favor. Kane, não faça isso! Por favor... — ela dizia,
aterrorizada .
— Ora, Lisa. . . — Seu olhar era terrível, ameaçador. —
Mulheres que não prestam não pedem protestar!
Os pensamentos começaram a se embaralhar na cabeça
de Lisa. Pensou em Julie, que também tinha se sentido
apavorada e saíra correndo. Era o que desejaria fazer, mas
Kane a impediria.
Lá fora, os pássaros começavam a cantar, anunciando o
nascer do dia. Ela tinha sonhado com um amanhecer nos
braços de Kane. Mas jamais havia imaginado uma coisa
assim. Aquilo era um pesadelo!
— Vamos, agora relaxe e fique calma, sua
vagabundazinha, caso contrário vai acabar se
machucando!
Mas ela já estava irremediavelmente machucada. Mordeu o
lábio com força e sentiu o gosto de sangue na boca. Lá fora
o céu começava a clarear. Dentro do quarto, porém, só
havia escuridão, uma escuridão terrível que a envolvia e
arrastava, e Lisa finalmente se perdeu nas profundezas
daquele amanhecer sombrio.

Livros Florzinha - 83 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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CAPITULO VI

Lisa continuava sentada na cama, encostada na cabeceira,


sentindo que viver não estava a seu alcance. Era por isso
que não queria voltar àquela casa; sabia que ia terminar
pensando no que tinha lhe acontecido, lembrando dos
detalhes. Por dois anos havia sido relativamente fácil
esquecer tudo, agir como se aquelas coisas não tivessem
existido. Agora era preciso lembrar tudo, abrir a ferida, pois
somente assim, talvez pudesse curá-la.
E via os dois deitados na cama. lado a lado, Kane estava
imóvel e Lisa tinha esperança que ele adormecesse.
Quando ela começou a se mover, o mais lentamente que
podia, o corpo dolorido. Kane perguntou, com uma
risadínha:
— Já se cansou de mim? Será que não sou tão excitante
quanto Hammond? Bem, devo confessar que também me
desapontei um pouco. .. Onde estava todo aquele fogo que
você mostrou antes, no sofá?
— Oh, eu o odeio!
— Odeie-me quanto quiser — disse, frio —, mas ainda não
vai embora, pois não terminei com você! — Começou a
passar a mão na garganta dela e depois foi descendo até a
barriga. — Ontem à noite você me desejou e agora vai me
querer de novo. Não tem nada a ver com amor ou ódio, é
pura química! — Beijou-lhe os seios, suavemente. — Vou
mostrar-lhe...
— Não. — Ela retraiu-se toda, como um animal assustado,
e afastou-o com as mãos. Mas Kane começou a beijar sua
boca, não mais da maneira cruel como tinha feito antes,
mas gentil e suavemente.

Livros Florzinha - 84 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Não lute comigo, Lisa. — Sua voz tornou-se mais grave.


— Não lute contra você mesma, Lisa. . .
E ela sabia que Kane estava certo, que era somente sua
razão que resistia e não a deixava entregar-se a ele.
Apesar de tudo, Kane havia despertado algo dentro dela,
algo que clamava para ser satisfeito. Tinha usado Lisa
cinicamente, como se ela fosse somente um objeto para
seu prazer, mas ela sentia que dessa vez seria diferente.
Só que não haveria outra vez. Lisa pensava, tapando os
ouvidos aquilo que suas emoções lhe diziam. Ela não o
acompanharia nesse caminho escuro, onde a única coisa
que importava era o prazer. Não se entregaria, corpo e
alma, a essa armadilha. Se não lutasse agora e vencesse
Kane. sua derrota seria para sempre. Sabia que ele teria o
poder de transformá-la numa escrava, num objeto para o
resto da vida.
Oh, Deus, ele já não a tinha arruinado suficientemente?
Precisava fugir de Kane: Ir embora de Stoniscliffe, antes
que ele pudesse perceber como havia sido absoluta sua
vitória.
Olhou para ele. que a encarava, tentando talvez saber o
que ela pensava, e reunir o resto de forças que possuía
para ser capaz de fingir. Conseguiu até mesmo esboçar um
sorriso cínico.
— Desculpe. Kane. Sei que quis me punir e posso dizer
que realmente conseguiu. Mas fiquei bastante insatisfeita e
não quero repetir a dose. Não se pode ser o melhor em
todas as coisas, não é?
As palavras pareciam ter ficado suspensas no ar em meio
ao silêncio absoluto. Kane nada disse ou fez por alguns
segundos. Lisa sabia que o que tinha dito era forte o
suficiente para fazê-lo explodir e perder o controle. Quando

Livros Florzinha - 85 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Kane se levantou, num gesto rápido, ela estava preparada


para qualquer coisa.
— Lisa. .. — Ele a olhou com uma expressão de nojo e
desprezo. — Vou tomar outro banho para tirar o seu cheiro
de mím, o seu gosto de mim. . . Não esteja aqui quando eu
voltar.
E ela de fato não estava. Daquela noite em diante tinha um
só pensamento na cabeça: ir embora daquela casa e de
Kane Riderwood. Para sempre.
E meses depois chegava a pensar que tinha conseguido.
Mas sabia, agora, que não era verdade, que não havia
escapatória, que as coisas não se resolviam somente
porque decidira não pensar mais nelas. Como tinham sido
difíceis as coisas nos primeiros meses em Londres.
Quantas noites acordava tremendo e suando, atormentada
por pesadelos de angústia e terror, onde Kane sempre
aparecia rindo, irónico... Por quantas vezes havia ficado
sentada na cama, exatamente como estava agora,
tentando exorcizá-lo de sua mente, querendo apagar todas
aquelas lembranças amargas. ..
No entanto, não havia conseguido superar isso. Pois ali
estava ela, mais uma vez, e uma só noite naquela casa foi
o bastante para que tudo viesse á tona, seu corpo inteiro
tenso ante a visão de Kane caminhando lá embaixo no
jardim, uma daquelas caminhadas que fazia quando tinha
algum problema para resolver.
Ela afundou nas cobertas, dando um suspiro, uma
sensação estranha, como se não houvesse lugar para ela
no mundo, como se não tivesse o direito de viver e ser feliz.
Será assim até o fim da minha vida? pensou. Aquele ódio
que existia entre eles nunca desapareceria, e a única
possibilidade de continuar vivendo era ter Kane distante,
bem longe de si!

Livros Florzinha - 86 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Adormeceu pensando nessas coisas. Quando acordou


novamente já era dia claro e Julie estava ao lado da cama,
sorrindo e oferecendo-lhe uma xícara de chá.
— Meu Deus, como esse quarto está frio. Lisa! Você tem
vocação para esquimó, menina!
— Se quiser, vista meu roupão para se aquecer.
— Obrigada. — Depois de vestir o roupão, Julie sentou-se
na beira da cama. — Oh, Lisa. é tão bom tê-la conosco
outra vez! Esses dois anos foram tão ruins para mim!
— Ora, Julie, foi durante esse tempo que Tony se
apaixonou por você.
— Sim, eu sei. mas não é a isso que me refiro. Nunca
tinha ninguém com quem pudesse realmente conversar!
— Pensei que Célia Dalton fosse sua nova confidente!
Julie a fitou por um momento, uma expressão de surpresa
e zombaria. Mas em seguida já estava sorrindo de novo.
— Ela não é tão ruim quanto você acha Lisa.
— Ê, espero que não . Agora me explique que história foi
aquela de sugerir que eu morria de amores por James
Dalton.. . Você sabe muito bem que não faz o menor
sentido!
— Só estava brincando um pouco com Célia. Ela é tão
possessiva ...
— Sim e agora está furiosa comigo! Obrigada por me
arranjar isso, Julie. — Colocou a xícara sobre a mesinha-
de-cabeceira. — Bem, qual é a programação para hoje.
querida?
— Não estou pensando em fazer muita coisa, afinal, você
acabou de chegar e precisa descansar um pouco.
— Mas não foi para isso que vim. Julie. E, o casamento já
está próximo o suficiente para que tratemos de tudo! A não
ser que você esteja pensando em adiá-lo.. .

Livros Florzinha - 87 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Ora, não estou pensando em nada disso, e você sabe


muito bem, Lisa! Não brinque com essas coisas! Bem, acho
que poderíamos então ir até o apartamento, ver como vai
indo a reforma. Minha sogra vive dizendo que eu devo
supervisionar o trabalho dos pedreiros! Na opinião dela, eu
deveria decidir sobre cada tomada e cada prego!
— Ora, Julie, inúmeras garotas ficariam felizes por fazer
isso!
— Bem, não é exatamente o que me deixa feliz! Bom, que
tal se nos aprontássemos para o café? — Julie se levantou.
— Encontro você lá embaixo, está bem?
— Está bem, Julie. me apronto num instante! — disse,
observando a irmã que desaparecia pela porta.
Lisa sentia que havia algo estranho no ar; Julie parecia não
desejar esse casamento. Mas certamente devia ser coisa
da sua cabeça, já tão atormentada por outros problemas.
Afinal, na noite passada, tinha tido a prova de que os dois
se amavam e, portanto, não podia haver nada errado!
Quando desceu para o café. Lisa surpreendeu-se ao ver
que Juííe ainda não tinha chegado. Chás já estava sentado
à mesa, sendo servido pela enfermeira, uma senhora
simpática, de cabelos grisalhos e óculos, Kane também
estava lá, comendo ovos com bacon. As recordações que
lhe vieram à mente durante a noite bastaram para que
sentisse como se tudo aquilo tivesse ocorrido no dia
anterior. Por isso não pôde evitar a sensação de choque ao
vê-lo à mesa, tomando o desjejum calmamente.
— Ah, aí está você, minha querida! Você ainda não
conhece minha filha adotiva — disse, dirigindo-se à
enfermeira. — Lisa, esta é a sra. Henderson, que toma
conta de mim e me obriga a fazer aqueles exercícios
infernais!

Livros Florzinha - 88 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Ora, vamos, sr. Riderwood, não são tão ruins assim e o


senhor sabe que são necessários — ela disse sorrindo,
enquanto apertava a mão de Lisa.
Nesse momento chegou a sra. Arkwright, trazendo uma
grande bandeja com café, leite e pão,
— Quer que eu faça alguns ovos, srta. Lisa?
— Não, obrigada, sra. Arkwright. Vou comer só umas
torradas com um pouco de café.
— Você tem que se alimentar melhor, Lisa — Chás
comentou, depois que a sra. Arkwright partiu, com um olhar
de desaprovação. — Ontem a noite quase nem
experimentou o jantar! Você está muito magra.
— Acho que Jos não pensa assim!
— E quem é Jos? — era Kane quem perguntava.
— Meu fotógrafo. Ou, pelo menos, o que tira fotos minhas
com mais frequência.
— E que lindas fotos ele tira! — comentou a sra.
Henderson. — A senhorita foi a Garota Âmbar, não foi? A
principal modelo daquela campanha publicitária, não é,
srta. Riderwood?
— Grayson, Lisa Grayson é o nome dela — Kane corrigiu.
— Oh, . , — A simpática senhora parecia sinceramente
embaraçada. — Desculpe, devia ter imaginado que...
— Ora, é só uma questão técnica e superficial — Chás
interrompeu-a. — Lisa é Riderwood em todos os sentidos,
com exceção do nome, não é mesmo, minha querida?
— Se é você quem diz, Chás... — Lisa forçava-se a
sorrir, consciente do olhar irónico de Kane. — Onde eslá
Julie?
— Deve estar lá fora, andando um pouco. Sempre faz isso
antes do café da manhã.
— É mesmo? — Lisa sorriu, surpresa. — Puxa vida, ela
realmente mudou muito!

Livros Florzinha - 89 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— E o que é que esperava? —- Kane a falou — Que tudo


aqui estaria da mesma forma, só esperando a sua volta?
— Não, claro que não! Digo isso somente porque sei que
Julie nunca teve o hábito de sair para caminhadas matinais.
— Pois é, não é só você quem tem esse hábito. . . — ele
dizia enquanto passava manteiga numa torrada. — Ou será
que também perdeu este hábito?
Como é que ele podia ser capaz de dizer tal coisa?,
pensou, indignada. Sabia muito bem que ela não poderia
se defender, estando na presença de Chás e da
enfermeira.
— Eu também mudei bastante neste tempo, Kane -—
disse, tentando parecer calma e casual.
Nesse momento Julie chegou, corada e com os olhos
brilhantes.
— Bom dia para todos! — Ela parecia muito feliz. Era como
se dançasse em volta da mesa quando se dirigiu a Chás
para beíjar-lhe a testa. — Está um lindo dia. não está?
— Ouvi no rádio que estão previstas chuvas para a
tarde — comentou a sra. Henderson.
— Não me importo com o que aconteça à tarde — disse
Julie, misteriosa — contanto que o sol brilhe durante a
manhã. ..
— E quais são seus planos para esta manhã, enquanto o
sol ainda brilha? — Chás perguntou, com um sorriso.
— Vou levar Lisa para conhecer o apartamento.
— Se Christopherson telefonar... — Kane começou a dizer
enquanto se levantava, pois já tinha terminado de tomar o
café — diga-lhe que estarei em Leeds o dia inteiro, por
favor.
— Ok, Kane querido, se você vai estar em Leeds. que tal
levar-nos, eu e Lisa, para almoçar? Faz tanto tempo que
não faz isso. , .

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Ele hesitou. Olhava Julie, provavelmente surpreso pelo


pedido.
— Não, hoje não, Julie. Tenho muito trabalho a fazer. Um
outro dia, quem sabe.
— Ora, Kane — era Chás quem falava —, você terá que
almoçar, de qualquer maneira, e não se pode recusar- a
companhia de duas garotas tão adoráveis! Tenho certeza
de que depois se sentirá mais disposto para trabalhar.
— Está bem. — Ele parecia contrariado. — Nos
encontramos no escritório ao meio-dia, está bem?
— Oh, você é um irmão maravilhoso. — Julie era toda
sorrisos — Você não acha, Lisa?
Lisa murmurou algo que poderia servir como confirmação,
sem no entanto fitar Kane, que partiu em seguida.
Quando terminaram o café da manhã. Lísa foi até o quarto
para vestir um casaco, junto com Julie. foram para a
garagem, onde ela guardava seu pequeno carro esporte.
— É um carrinho lindo — Lisa comentou.
— Foi presente de papai! Ele não acreditava que eu
conseguiria tirar a carta, mas eu consegui, depois da quarta
tentativa!
Ao observar Julie tirar o carro da garagem. Lisa
compreendeu por que foram necessárias quatro tentativas
para que finalmente obtivesse a licença. Ela cruzou os
dedos antes de entrar no carro e partirem.
A grande casa dos Brainbridge era na verdade, a sede de
uma fazenda. Ficava um pouco afastada da estrada e para
se chegar nela era necessário tomar uma estrada
secundária. Atrás da casa ficavam todas as construções da
fazenda, os celeiros, armazéns, etc. O apartamento que
Julie ocuparia depois do casamento também ficava no
quintal, ainda que um pouco afastado da casa principal,

Livros Florzinha - 91 -
Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Julie parou o carro com um cantar de pneus e uma


brecada forte.
— Bem, vamos avisar que viemos ver o apartamento.
Foram atendidas pela empregada da sra. Brainbridge. que
as conduziu a uma pequena salinha. A sra. Brainbridge
estava sentada, escrevendo numa mesa perto da janela.
Ela as recebeu com um sorriso.
— Oh, Julie querida, que prazer recebê-la! E esta é
Lisa, sem dúvida! Sabe, nós todos aqui
acompanhamos a sua carreira com muito carinho!
— Não confie muito em seu jeito simpático. . . — Julie
disse baixinho para Lisa enquanto a sra. Brainbridge pedia
à empregada que trouxesse um cafezinho.
Lisa se preparou para falar algum tempo sobre sua
profissão de modelo. Não podia dizer que antipatizasse
com a sra. Brainbridge, mas compreendia como Julíe se
sentia incomodada pela eficiência insuperável daquela
dona-de-casa que todos consideravam exemplar.
— Eu ia mesmo lhe telefonar, Julie — a sra. Brainbridge
dizia quando já terminavam de tomar o café. — Eles vão
começar a pòr os azulejos na cozinha e no banheiro e é
necessário que você decida a respeito do modelo. Existem
muitos tipos diferentes. Você já deu uma olhada naqueles
catálogos que lhe mandei?
— Bem, para dizer a verdade, não tive tempo para
fazer isso. Mas, qualquer um que tenha escolhido, acredito
que ficarei satisfeita!
— Eu não escolhi nenhum, minha querida! Acho
que você e Tony é quem devem decidir! Afinal de contas,
a casa é de vocês! Existem várias amostras lá no
apartamento e tudo o que tem a fazer é decidir-se por uma
delas e comunicar ao capataz. Seria bom se Tony

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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estivesse aqui, mas ele teve que ir com o pai até Skipion,
tratar
de negócios.
— Bem, acho que dá na mesma — Julie disse,
recolocando a xícara na bandeja. — Vou até lá para
mostrar o apartamento para Lisa. Nós não temos muito
tempo, pois combinamos de estar em Leeds ao meio-dia.
— Julie, não precisava ter sido tão rude com ela! — Lisa a
reprovava enquanto atravessavam o grande quintal
gramado.
— Ora, Lisa, você diz isso porque não a conhece! É
sempre a mesma coisa: tudo o que escolho não é bom e,
como são eles que estão pagando, quem dá a última
palavra é sempre ela. Então, para que ficar com essa
insistência fingida para que eu escolha os azulejos quando
já sabe que é ela quem vai acabar decidindo? — Fez uma
pausa. — Bem, aqui estamos!
O lugar era muito bonito. A parte debaixo tinha sido
transformada em garagem e lavanderia. Na frente da
construção, uma linda escada de madeira levava ao andar
superior, onde havia uma sala de estar, uma ampla cozinha
e dois quartos de dormir.
Não havia dúvida de que o apartamento estaria pronto
quando eles se casassem. A maior parte da reforma já
estava feita e somente na cozinha e no banheiro faltava
alguma coisa ainda. Depois de percorrer todos os
cómodos, voltaram para a sala de estar.
— Suponho que sejam esses os azulejos a que ela se
refere — Julie disse, apontando várias amostras numa
caixa no chão. — O que é que você acha, Lisa?
— Acho que é você quem deve olhar e decidir. Afina! de
contas, é você quem vai ter que conviver com eles, não é?

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Sim, eu sei, sou eu que serei obrigada a conviver com


eles. Com todos eles, aliás! — Julie parecia incomodada.
Atravessou a sala e encostou à janela, olhando a vista
lá fora. A bela manhã ensolarada já estava se
transformando num dia escuro, como a meteorologia tinha
previsto. Lisa aproximou-se dela.
— Parece que vai nevar... A vista é muito bonita daqui,
Julie.
— É, acho que tem razão... — Julie deu uma risada
irónica.
— Olhe ali!
— É a casa principal que você está querendo me mostrar?
— Sim, a casa principal.— Julie riu novamente. — Pois é,
aqui estaremos, eu e Tony, vivendo sozinhos, tendo
nossa própria vida. como a sra. Brainbridge sempre faz
questão de afirmar. Só que estaremos perto o suficiente
para que possa nos avistar da janela da própria cozinha da
casa dela!
— Ora, Julie, vocês estarão a uma boa distância da
casa dela. Na verdade, se fossem morar num desses
conjuntos modernos de agora, tenho certeza de que
estariam muito mais perto dos vizinhos do que estarão
aqui!
— Ela fica observando, . . Toda vez que venho aqui, sei
que fica me espiando pela janela da cozinha. Até já
acenou, uma ou duas vezes. . . Imagine como será
quando eu estiver morando aqui!
— Ora, Julie. ela está ansiosa, provavelmente! Só deseja
ajudar, ter certeza de que não há nenhum problema! Afinal
de contas, Tony é seu único filho.
—- Disso eu sei muito bem!
— Julie — Lisa colocou o braço carinhosamente sobre os
ombros da irmã —, se você se sente assim, com tantos

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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problemas, não acha que seria melhor adiar o casamento


até que tivesse certeza de tudo?
— Mas do que ê que está falando? — Parecia
subitamente nervosa. — Tenho absoluta certeza a respeito
do meu casamento com Tony! Ê só a mãe dele que me
faz perder a paciência!
— Então, por que não tenta arranjar outro lugar para
morar? Se acha que não vai dar certo viver aqui. . .
— Não tudo vai lerminar bem. No fim acabo me
acostumando.
— Julie foi até a caixa de azulejos e pegou alguns deles.
— Acho que estes servirão para a cozinha. Estes outros,
com desenhos dourados, ficarão bons no banheiro. . . é
melhor dá-los logo para o capataz para que possamos
seguir para Leeds.
— Você acha que é uma boa ideia? — Lisa deu um
suspiro.
— Kane não pareceu muito atraído peto convite, e não fez
questão nenhuma de esconder isso.
— Ora, é só porque ele não gosta de ser perturbado
enquanto esta em horário de trabalho! Mas ele também
precisa se distrair um pouco, às vezes. Além do mais, já
que estaremos em Leeds, será uma boa oportunidade
para procurarmos um vestido de noiva para mim.
— Mas pensei que você quisesse comprá-lo em Skipton,
como me disse — Lísa estranhou.
— Sim, mas podemos olhar uns modelos em Leeds. —
Julie tomou Lisa pelo braço, - Oh, Lisa, sei que a estou
incomodando tanto! Sempre lhe causo tantos problemas!
— Pelo menos reconhece! — Lisa disse, sorrindo
afetuosamente.
— Bem, então vamos para casa nos trocar para irmos
almoçar. Ponha uma roupa bem bonita, para deixar Kane

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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de olho em você! — Deu um sorriso de cumplicidade. —


Eu sei que você lhe agrada, bastante! Ontem ficou
incomodado quando fiz aquela brincadeirinha com você e
James!
-— Ora, não diga bobagens, Julie! Por favor, não deixe sua
imaginação criar histórias entre Kane e eu. Já estou
bastante satisfeita com a antipatia que nutrimos um pelo
outro!
— Mas não devia estar! Vocês formariam um lindo casal. .
. Você é linda. Lisa, e ele também é muito sexy até eu
tenho que reconhecer!
— Julie, qualquer que sejam as intenções que tem na
cabeça, é melhor abandoná-las o quanto antes! — Deu um
sorriso meio nervoso. — Não se pode ir juntando as
pessoas assim, como se não passasse de uma brincadeira.
Além disso, você sabe que Kane e eu. . . Bem, você sabe
que nós nunca nos demos muito bem!
— E você não sabe como eu gostaria de vê-los
juntos! Aliás, não sou só eu. . . Sabe, quando Chás soube
que viriam juntos para cá, chegou a dizer que o maior
desejo de seu coração era que. . .
—Julie, por favor! — Lisa interrompeu-a. — Não quero
mais falar sobre isso. É tudo muito ridículo e, se você
insistir nesse assunto, prefiro não ir para Leeds. Na
verdade, sinto vontade de tornar o próximo trem para
Londres!
— Está bem, está bem, não direi mais nada! — Julie
prometeu, sem deixar de lado o olhar zombeteiro.
Para alívio de Lisa, ela realmente não tocou mais nesse
assunto no caminho de volta para casa e, depois, até
Leeds. Não que a viagem tivesse sido tranquila, era
impossível ficar tranquila com Julie na direção. Afinal,
chegaram ao grande escritório Riderwood e, depois de

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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algumas tentativas, Julie conseguiu estacionar o carro.


Entraram confiantes no edifício, Julie cumprimentando as
garotas da recepção.
— Diga ao sr. Riderwood que estamos subindo — disse,
enquanto se dirigiam para o elevador.
O escritório não estava muito diferente da época em que
Chás trabalhava lá. Lisa lembrava de quando Jennifer a
trazia para visitar o padrasto durante o dia, a primeira vez
que tinha estado lá, aquela cadeira que subia
milagrosamente quando se rodava o assento. Lembrava
também da sra. Palmer, a secretária que havia lhe dado
balas de hortelã e a ajudara a escrever o nome na máquina
elétrica.
Ainda estavam lá as grandes mesas, o tapete verde e a
cadeira milagrosa. Mas não havia mais a sra. Palmer.
Tinha sido substituída por uma jovem loira, bonita e
elegante, que provavelmente não teria balas de hortelã
para oferecer às crianças.
Kane estava ao telefone, e elas foram obrigadas a esperar
por algum tempo. Enquanto Julie conversava
animadamente com a secretária. Lisa foi até a janela e
ficou olhando a rua lã embaixo. Começava a nevar, os
flocos desciam suavemente, raspando às vezes no vidro da
janela.
Espero que não neve muito ela pensou. Se Julie já é assim
para dirigir em estradas secas, imagine se houver gelo! Era
melhor nem pensar!
— Olá! — Era Kane, que aparecia de repente, abrindo a
porta de sua sala. — Reservei uma mesa para nós num
ótimo restaurante aqui perto. Já estão prontas?
Lisa virou-se rapidamente, surpresa pela aparição
repentina. Ao fazer isso, esbarrou nuns papéis sobre a
mesa, que caíram no chão.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Oh. .. — murmurou, abaixando-se para pegá-los. Havia


folhas e mais folhas, todas elas cobertas de números.
— Não é preciso se incomodar — Kane disse. — A srta.
Cartwright cuidará delas!
Ela ergueu-se, sabendo que corava violentamente.
— Eu... esbarrei neles por acaso. Não quero que
pensem que estava sendo curiosa!
— Ora, não vejo nada demais num interesse
saudável pelos negócios da família. — Ele sorriu
estranhamente. — De qualquer maneira, posso lhe
adiantar que os negócios dos Riderwood vão muito bem,
apesar dessa crise que afeta a todos, hoje em dia. Se é
isso que a preocupava. . .
— Não, não estava preocupada com isso. Não acho
que tenha muito a ver com os negócios da família!
— Ha não ser pelo fato de que são eles que garantem a
mesada que meu pai lhe dá todos os meses! — Kane
sorriu, cínico. — Ora, Lisa não há por que ficar
embaraçada! A srta. Cartwright é quem faz os depósitos
todos os meses, portanto está a par de tudo.
— Então, acho que posso aliviá-la dessa tarefa, pelo
menos! — Ela tremia de raiva. — Por favor, gostaria que
cancelasse os depósilos de agora em diante. Não preciso
do seu dinheiro!
— Suponho que não! — Ele a olhava com frieza. — Mas
tenho certeza de que saberá como gastá-lo. . . Além do
mais, quem deseja que as coisas sejam assim é meu
pai. e não eu, portanto, para qualquer mudança de
planos, é com ele que deve falar.
Era impossível vencer a arrogância daquele homem, ela
pensava ao caminharem para o elevador. Julíe a fitava com
um olhar solidário, mas não disse nada. Quando finalmente

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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chegaram no carro, Julie fez questão que Lisa sentasse na


frente, ao lado de Kane.
— claro que Lisa deve ir na frente. Afinal de contas, ela
é nossa convidada. Sou somente sua irmã, Kane!
— Bem, eu não sabia que tinha convidado alguém para
almoçar comigo hoje — disse, meio brincando, meio
irónico. — Mas, já que estão aqui, que tal se decidissem
logo quem vai sentar onde para que possamos ir logo?
Julie entrou rapidamente no carro, sentando-se no banco
de trás e dando um olhar de vilória para Lisa. Sem outra
opção, ela foi obrigada a sentar na frente, muito a
contragosto. No caminho para o restaurante, olhava
fixamente a rua à sua frente.
Era um restaurante bastante agradável, Lisa tinha que
admitir, e talvez em outra companhia gostasse muito de
estar ali. Mas como não sentia o menor entusiasmo, depois
de uma rápida olhada no cardápio pediu ao garçom que
trouxesse somente um pouco de salada e um bife grelhado,
sem se importar com seu olhar obviamente desapontado,
pois, afinal, aquele era um restaurante de luxo, que
primava por pratos caros e complicados.
— Pode trazer o mesmo para mim — disse Kane, prático
demais para perder tempo decidindo sobre a comida, Julie,
depois de inspecionar com avidez toda a lista de pratos do
cardápio, acabou se decidindo por frango cozido em vinho
tinto, com cogumelos.
O bar estava cheio de gente e eles pediram aperitivos
enquanto esperavam ser chamados à mesa que havia sido
reservada. Muitas pessoas ali conheciam Kane e Julie, e os
cumprimentavam de longe. Olhavam também para Lisa,
que não conseguia mais passar despercebida depois de
tantas propagandas que tinha feito. Mas ela já estava

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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acostumada a esse tipo de coisa, e não se deixava


perturbar pelos olhares.
Quando já estavam sentados à mesa, muitos amigos de
Kane fizeram questão de vir conversar com eles,
certamente com a intenção de se aproximar de Lisa. E ele,
ainda que a contragosto, não podia deixar de fazer as
apresentações.
— Puxa vida, a gente se sente importante perto de Lisa! —
Julie falava, um olhar admirado. — Todas as cabeças se
voltam quando ela passa!
— É, não se pode deixar de perceber isso! — Kane disse,
com expressão meio sombria.
— Ora, Kane, você está tão chato hoje! — Julie exclamou,
com ar de reprovação. — Será que ficou assim tão
aborrecido porque nos oferecemos para vir almoçar com
você? De qualquer modo, não havia ninguém para lhe
fazer companhia, não é? Tina ainda está nas Bermudas,
não está?
— Sim — ele disse seco, antes de chamar o garçom para
pedir o vinho.
Então, a namorada atual chama-se Tina, Lisa pensou,
enquanto traçava riscos com a ponta da unha sobre a
toalha da mesa. Quanto percebeu, já estava tentando
imaginar como seria aquela garota. Kane tinha predileçáo
por loiras, E, sobretudo, por loiras que tivessem um rico
património na família, como era o caso dele!
— E então, foi conhecer o apartamento? — Kane
dírigía-se a Lisa, naquele costumeiro tom frio e formal,
como se fossem dois estranhos.
— Sim, e posso dizer que achei muito bonito! —
respondeu, com a mesma estudada cortesia.
— Bem,-se é o que Julíe deseja realmente.,.

Livros Florzinha - 100 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Será que é?, Lisa teria desejado perguntar. Por que é que
não punham logo todas as cartas na mesa? Afinal de
contas, Kane era o irmão dela e Ju!ie deveria confiar nele.
contar-lhe suas dúvidas. . . Enquanto pensava nessas
coisas, a comida chegou e começou a ser servida. Lisa,
mais uma vez, silenciou e não disse nada daquilo que
desejaria.
Foi um almoço difícil, num clima sombrio, Kane estava
taciturno e era óbvio que fazia grande esforço para manter
a animada conversa de Julie. Para Lisa, aquilo, tudo
começava a tomar um estranho ar de irrealidade. Todos
nós estamos somente interpretando papéis, pensou,
ninguém diz o que realmente desejaria dizer.
Lisa não chegou a comer nem mesmo metade do filé e,
quando o carrinho de sobremesas foi trazido à mesa deles,
para que escolhessem, pediu somente um pouco de salada
de frutas, recusando o creme chanliliy que o garçom
oferecia.
— Tomando cuidado para não engordar, querida? —Julie
disse, sorridente. — Você não precisa fazer isso e sabe
muito bem!
— É o que você acha. . . As pessoas que me contrataram
têm um olho de águia para descobrir um grama que eu
tenha engordado!
— Incluindo aquele tal Jos? — perguntou Kane. enquanto
se servia do doce que tinha pedido.
— Sim, entre outros. — Era difícil não dar respostas secas
para aquele homem.
—- Ele é casado, suponho. — Seus olhos eram tão frios e
cinzentos quanto o dia lá fora.
— Sim, é casado. — Ela mexia nos pequenos pedaços de
fruta dentro da taça. — Mas isso não faz a mínima
diferença.

Livros Florzinha - 101 -


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O que era verdade, pensou, ainda que da maneira como


tinha falado pudesse dar outra impressão. Por ironia, Jos
havia sido sempre como um irmão mais velho para ela,
alguém que preenchia o vazio que Kane nunca quis
assumir. Mas, pensou angustiada, será, que realmente
desejava ter Kane no papel de um irmão?
Sabia que no momento estava agindo estupidamente,
dizendo coisas que não devia. Como Kane sempre a tinha
hostilizado e desprezado, sabia que nada do que dissesse
ou fizesse agora mudaria o pensamento dele.
— Ora, ora. vejam só... — era Julie quem falava,
fingindo espanto. — Quer dizer que James tem um rival? —
Tampou a boca com a mão, num gesto de autocensura. —
Oh, desculpe. Lisa, você havia dito que não era para eu
tocar mais nesse assunto!
— Não foi exatamente nesse sentido que eu disse aquilo,
Julie. — Lisa tinha esquecido da malícia de Julie e de como
ela adorava fazer intrigas nesses assuntos.
— Posso apostar que tem muito mais rivais do que
imagina — Kane disse acidamente. fazendo em seguida
um gesto para que o garçom trouxesse o café.
— Bem, o que se diz é que quanto maior a quantidade,
maior a possibilidade de opção... — ela respondeu com
uma naturalidade que não sentia.
Portanto, no meu caso, a possibilidade de opção é igual a
zero, pensou tristemente, lembrando da aridez de sua vida
afetiva, O único homem com o qual mantinha uma relação
mais íntima era Simon e, mesmo assim, não passava de
uma amizade cheia de cautelas. Não que ele o desejasse
dessa forma, mas ela não tinha vontade nem sentia-se
pronta para se entregar a alguém.
— Eu e Lisa vamos dar uma volta pela cidade e dar uma
olhada em alguns vestidos de noiva.

Livros Florzinha - 102 -


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Julia no. 169

— Então, vou deixá-las perto do shopping center — Kane


falou enquanto terminava de beber o café e pedia ao
garçom que trouxesse a conta. — E então, vamos indo? —
Ele não olhou para Lisa.
— Eu, por mim, estou prontíssima — Julie falou,
afastando o cafezinho que quase nem tocara com um gesto
de desprezo.
Lisa estava no hall, esperando em pé. Julie tinha ido ao
toalete e Kane estava pegando o casaco na chapelaria.
Devido ao grosso tapete, ela não notou seus passos e
levou um susto quando ele tocou-lhe o ombro, pelas
costas.
— Estou lhe avisando. Lisa — seu rosto era duro e ríspido
—, pode jogar seus jogos sórdidos em Londres, já que quer
assim, mas não aqui! Não permitirei que nenhum
escândalo local venha entristecer meu pai ou atrapalhar o
casamento da minha irmã. Será que me fiz entender bem?
— Entendi perfeitamente — disse, sem procurar esconder
toda a raiva e hostilidade que sentia por aquele homem
intragável.
Kane retirou a mão do ombro dela e Lisa se afastou, em
direção à grande porta giratória do restaurante.
Lá fora o vento era frio e cortante, agora nevava com maior
intensidade. Lisa parou subitamente, fechando sobre o
pescoço a gola de pele do pesado casaco. Kane, que a
seguia de perto, chegou a encostar nela. surpreso pela
parada repentina. O forte vento fazia os cabelos de Lisa
esvoaçarem em seu rosto.
Kane estava rígido, imóvel, os músculos do rosto
contraídos. Sua face estava pálida e era possível sentir que
um redemoinho de emoções diferentes ganhava vida
dentro dele.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Maldição! Por que é que você tinha que voltar às nossas


vidas, Lisa?
E partiu em direção ao carro, deixando-a ali de pé, sozinha,
o vento gelado açoitando seu rosto.

CAPÍTULO VII

A grande loja de departamentos estava cheia de gente,


correndo para lá e para cá. Lisa e Julie se dirigiram
diretamente à seção de artigos para noivas.
no caminho de volta do restaurante, Kane quase nada
dissera. Recomendou a Julie que pegassem um táxi de
volta para Stoníscliffe se o tempo piorasse muito, depois
ele daria um jeito de levar o carro. Mal olhou para Lisa, e
não lhe dirigiu a palavra nenhuma vez, Mas, para ela, a
presença de Kane era algo forte a seu lado; por nem um
segundo foi capaz de pensar em outra coisa.
Aqueles poucos segundos em que seus corpos se tocaram
a haviam afetado estranhamente, um misto de atração e
repulsa, um misto de amor e ódio.
Agora, na loja, forçava-se a não pensar em tais coisas,
enquanto fitava os lindos vestidos de noiva sobre os
manequins nas vitrines. Uma vendedora de meia-idade,
simpática, aproximou-se, perguntando se poderia ajudar
em alguma coisa.
— Gostaria de experimentar alguns vestidos de noiva —
Julie disse. — Meu manequim é quarenta e dois.
Foram conduzidas a uma saleta com espelhos nas paredes
e a vendedora ajudou-as a tirarem os grossos casacos que
usavam. Em seguida, pó-se a pegar as medidas de Julie
com uma fita métrica.

Livros Florzinha - 104 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Não é necessário fazer isso — Julie falava com certa


irritação. . — Já disse que meu manequim é quarenta e
dois!
A simpática vendedora murmurou alguma coisa no sentido
de que seria bom confirmar para ter certeza e rapidamente
tirou as medidas de seu busto, cintura e quadris. Em
seguida, desapareceu.
— Ora, que ridículo! — Julie reclamou. — Bem, enquanto
esperamos poderíamos ver se tem alguma coisa para
madrinhas. Acho que verde seria uma ótima cor para você.
— Dizem que essa cor dá azar.
— Ora, não acredito em superstições. Acredito que se
possa conduzir a própria sorte!
Nesse momento, a vendedora voltou acompanhada de uma
assistente trazendo grandes caixas com os vestidos dentro.
— O que você acha, Lisa? — Julie perguntou, referindo-
se aos vestidos que lhes eram mostrados.
— Aquele chiffon é muito charmoso. . . Este, de cetim,
não gosto muito. Acho que cetim não lhe cairá bem!
—Está bem, vou experimentar aquele de chiffon. —
Julie pegou o vestido para examinar mais de perto os
bordados e as aplicações em renda. Ao deparar com a
etiqueta, ficou visivelmente contrariada. — Acho que houve
um engano! Fui bem clara quando pedi manequim quarenta
e dois e este aqui é manequim quatro!
— Desculpe, senhorita — a vendedora parecia
embaraçada —, mas eu tirei suas medidas! Às vezes
engordamos um pouquinho sem notar, principalmente no
inverno. Tenho certeza de que, se experimenta-lo, verá que
não estou enganada.
— Eu não vou experimentar um vestido que não é o meu
tamanho, é pura perda de tempo! Se não quiser me trazer

Livros Florzinha - 105 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

o manequim correto. é só dizer que podemos muito bem


ir a uma outra loja!
— Pois não, senhorita. — A vendedora corou mas
continuava se comportando muito educadamente. — Trarei
o número quarenta e dois.
— Julie, por favor. . . — Lisa começou a pedir assim que a
vendedora desapareceu. — Comporte-se! Ela tem razão
de dizer que às vezes engordamos um pouquinho sem
notar!
— Ora, Lisa, ela é quem deve ter se enganado
quando tirou minhas medidas!
— Bem, continuo achando que é uma pena você não
querer que a sra. Langthwaite faça seu vestido! Ela é uma
ótima costureira e, . .
— Não! Não quero aquela mulher perto de mim, aquela
fofoqueira!
— Julie, compreenda, casamentos são acontecimentos
públicos e c natural que se comente a respeito deles!
— Mas o meu não será! — Julie silenciou por um
momento. — Oh, está tão quente aqui! Gostaria que
aquela mulher voltasse logo!
— Você não deveria estar sentindo calor, pelo
menos vestida assim! — Lisa disse sorrindo, referindo-se
ao falo de que Jufie tinha o zíper do vestido aberto,
deixando suas costas â mostra.
— Não sei, está muito abafado, não está?
— Para mim está bem! Oh, aí vem seu vestido.
A vendedora estava sorrindo de novo, não parecendo
ressentida. Provavelmente já tinha se acostumado aos
humores de noivas prestes a casar.
— Pronto, aqui está o manequim quarenta e dois! Ela
ajudou Julie a vesti-lo e, depois de abotoar uma fileira de
botões que o vestido tinha num dos lados, começou a

Livros Florzinha - 106 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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fechar o zíper nas costas. Mas o vestido estava realmente


muito apertado e, se o tentasse fechá-lo à força, era
possível que rasgasse, pois o tecido era muito fino e frágil.
Lisa, que percebeu tudo isso, falou;
— Está bem, pode deixar assim mesmo, já dá para ter
uma ideia!
— Oh, está muito bonito — disse a vendedora. — Tenho
certeza
de que no tamanho certo ele ficará. ..
— Este é o tamanho certo! — Julie estava quase gritando.
— Você nem quis tentar subir o zíper! Está armando
toda esta confusão porque não gosta que lhe digam que
está errada!
A expressão da vendedora deixava claro que não era ela
quem estava armando toda a confusão, mas quando
respondeu sua voz ainda soou educada. Argumentou com
Julie que o tecido era muito frágil e caro, e era melhor não
correr o risco de rasgá-lo.
— Pois então pode tirá-lo! Aliás, pode levá-los todos
de volta porque não gostei de nenhum deles!
Lisa ia começar a se desculpar com a vendedora quando
ouviu um grito da assistente. Virou-se rapidamente, a
tempo de ver que Julie desmaiava sobre o grosso carpete,
com uma mão na cabeça, a face muito pálida!
Todos foram muito prestativos e amáveis. Ajudavam a levar
Julie para uma salinha mais isolada, onde ela pôde
descansar um pouco, sentada numa grande poltrona. Um
táxi foi logo chamado, a pedido de Lisa, para que
pudessem voltar para casa. Estava ajoelhada ao lado de
Julie. segurando sua mão. Ela parecia melhor, a cor já
voltava
ao rosto.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Lisa.. . eu não desejo comprar mais nada hoje. Não me


sinto bem!
— Claro, minha querida! Vamos direto para casa e você
logo se sentirá bem melhor! — Lisa a acalmava. Por acaso,
notou o olhar significativo que a vendedora trocou
com a assistente, como se soubesse a causa do mal-
estar de Julie. Oh, meu Deus, seria possível que fosse o
que estava pensando?
No táxi era impossível conversar um assunto tão particular
e, de qualquer maneira, Julie estava com a cabeça
reclinada sobre o banco, os olhos fechados. Mas quando
chegarmos em casa, Lisa pensava, era inevitável que tudo
fosse esclarecido.
Quando o táxi parou em frente à casa, a sra. Arkwright
apareceu rapidamente, um pouco alarmada.
— Srta. Julie. não está se sentindo bem?
— Não é nada, só um pouco de tontura. — Lisa tentava
acalmar a governanta. — Que tal se lhe preparasse um
pouco de chá? Onde está o sr. Chás? Não quero que se
incomode com isso pois realmente não há motivo para
preocupação.
— Ele está descansando um pouco. . . Ela está bem
pálida, não é? Bem, vou fazer o chá e levo em seguida.
— Muito obrigada, sra. Arkwright.
Lisa conduziu Julie até o quarto, onde a ajudou a tirar a
roupa para se deitar. Em pouco tempo a eficiente
governanta já estava de volta, trazendo a bandeja com o
bule de chá. Foi necessária toda a diplomacia de que Lisa
era capaz para conseguir fazer com que ela se retirasse,
pois insistia em ficar lá. Lisa sentou-se ao lado de Julie, na
beira da cama.
— Bem, é hora de diser a verdade, Julie. Você está
grávida, não está?

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Não sei do que está falando! — Seu olhar era duro e


agressivo.
— Sabe, sim! Isso explica tudo, o fato de ter engordado,
seus humores, a falta de apetite. E, naturalmente, a
pressa para casar! Suponho também, que não quis que a
sra. Langthwaite fizesse seu vestido pois ela poderia
suspeitar de alguma coisa.
— Claro que suspeitaria! — Julie segurava com força a
mão de Lisa. — Ela é capaz de descobrir qualquer coisa
e ninguém deve saber disso. . . o casamento já está tão
perto e e às vezes os bebés nascem prematuramente.
Para Lisa era como se ouvisse outra vez a voz da menina
Julie pedindo para dormir junto com ela, pois tinha medo do
escuro, uma voz aterrorizada, implorante. Lisa deu um
profundo suspiro.
— Bem, acho que no fim tudo dará certo, Julie. Estas
coisas acontecem e em pouco tempo vocês já estarão
casados e. . .
— Mas ninguém pode saber!
— Bem, algumas pessoas já sabem, de qualquer
maneira. Eu, Tony e...
— Não!
— Não compreendo, Julie!
— Eu... eu não contei para ele!
— E por que não? — Lisa estava espantada, — Ele tem o
direito de saber, querida. Acho que não faria nenhuma
diferença, você sabe como ele a adora!
— Sim, eu sei. Mas não quero que saiba nada sobre. . .
sobre o bebé. Era uma coisa que pretendia guardar
somente para mím!
Lisa estava confusa, procurando entender os motivos de
Julie. Talvez não quisesse que Tony soubesse pois ele
poderia dizer à mãe. As relações de Julie com a sogra, que

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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já não eram fáceis, ficariam ainda mais difíceis. Talvez


fosse mesmo melhor esperar a consumação do casamento,
quando então a notícia seria fonte de alegria para todos.
Ela beijou Julie na face carinhosamente.
— Bem, é melhor descansar um pouco agora. Tente não
se preocupar, pois não é bom para você e nem para o
bebé.
— Lisa. .. estou tão feliz que esteja aqui! Eu realmente
precisava tanto de você!
— Me alegro de ouvir isso! E bom saber que somos
necessários para os outros!
Lisa desceu a escada pensando no que tinha dito. Sim, era
bom ser necessário para alguém. Mas ela não podia saber
direito o que isso queria dizer. Afinal de contas, era uma
pessoa solitária, e assim tinha sido durante toda a vida.
Antes da mãe morrer, as duas ainda eram necessárias uma
para a outra, mas depois... Existia Simon, naturalmente.
Lisa sabia, porém, que se não fosse uma garota bonita e
famosa ele com certeza não se interessaria por ela.
Mas, ainda que fosse bom, não era certo que Julie
precisasse de seu apoio agora. Era Tony quem devia ficar
junto dela; seria o mais natural e o melhor para eles. Lisa
estava incerta sobre o que fazer, sentia vontade de
conversar com Tony a respeito, mas Julie tinha sido tão
taxativa ao dizer que não queria que outras pessoas
soubessem de sua gravidez. Difícil decidir.
Lisa se dirigiu ao telefone, pois precisava avisar Kane para
que cuidasse do carro de Julie, que havia ficado na cidade.
Discou o número do escritório e estava certa de que seria a
secretária a atender. Foi um choque quando ouviu a voz
dele do outro lado da linha.
— Sim!

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Sou eu, Lisa. Tivemos que voltar mais cedo para casa
porque. .. Julie não estava se sentindo muito bem. Tinha
que avisá-lo que o carro ficou aí na cidade.
— Bem, então já avisou! — Sua voz era fria. como
sempre. — Qual é o problema com Julie?
— Não sei... Talvez esteja gripada. — Ela se sentia
culpada por dizer isso quando, na verdade, outras coisas
deveriam ser ditas e esclarecidas.
— Diga-lhe para não se preocupar com o carro. E, já que
ligou, faça-me o favor de avisar a sra. Arkwright que não
irei jantar esta noite.
— Não se preocupe, eu a avisarei. Até logo, Kane. — Ela
desligou em seguida, sem esperar pela resposta dele.
Por que será que ele não vem para o jantar, ela perguntava
a si mesma enquanto caminhava pela sala. Um
compromisso profissional? Não era por causa de Tina,
certamente, pois ela estava nas Bermudas. Talvez existisse
outra pessoa, ou até mesmo mais de uma!
E ela imaginava como seria se fosse uma dessas garotas.
Como seria se Lisa Grayson encontrasse Kane Riderwood.
um desconhecido, numa festa, e ele a convidasse para
jantar. Estar com ele sem os inevitáveis temores e
receios, estar em seus braços .. Conhecer o prazer do
amor em vez da dor do sofrimento.
— E saber que ele precisava de mim, nem que fosse
somente por um breve momento! — disse para si mesma,
num murmúrio. Não era pedir demais, mas era inútil pensar
nessa possibilidade tão remota.
Os próximos dias passaram rapidamente, com calma e
sem problemas, Julie disse que havia se sentido mal por
causa do vinho que tinha bebido no almoço, e não se falou
mais nisso.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Certa tarde ela e Lisa foram até Skipton, onde compraram


um lindo vestido de noiva, E, desta vez, Julie pedira
manequim quarenta e quatro.
Estavam andando pela movimentada rua do comércio,
olhando as vitrines, quando ouviram alguém chamá-las.
Lisa virou-se e viu, com surpresa, que se tratava de james
Dalton.
— James! — lulie parecia muito contente. — Que
adorável encontrá-lo! O que é que está fazendo por aqui?
— Estou visitando uns clientes. E vocês?
— Estamos fazendo compras — julie disse casualmente,
e Lisa esperava que ela fosse falar do vestido de
casamento. — Estávamos indo tomar um chá. Gostaria de
nos acompanhar?
— Claro que gostaria! Este deve ser o meu dia de sorte!
— Por que é que está visitando clientes? — Julie
perguntou, depois de já estarem instalados numa
acolhedora casa de chá. — Pensei que seu cargo fosse
muito importante para fazer tais coisas!
— Em geral, sim. Mas na verdade eu faço o que me
mandam fazer.
Lisa estudava o rosto de James atentamente, enquanto
conversavam. Havia em seus traços uma certa fraqueza
que ela não notara naqueles tempos de juventude. Sua
vida não devia ser muito fácil, tendo que suportar a
arrogância de Célia, com a mania de querer dominar todos
que se aproximavam. Mas, ela sempre tinha sido assim e
James sabia disso quando resolveu casar. Se achava que
aquele casamento lhe traria vida fácil, estava enganado e
com certeza já havia descoberto isso.
Era estranho pensar que alguns anos atrás ela daria tudo
para poder ter a companhia de James, sentado a seu lado
numa mesa. Era romântica, como quase todas as

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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adolescentes. Mas Kane havia destruído todos aqueles


ideais amorosos e hoje em dia ela era outra
pessoa; o fogo da paixão dentro de si não mais existia.
Sorveu uns goles de chá uma tristeza imensa se
apoderando dela de repente.
E ainda estava mergulhada nesses pensamentos dolorosos
quando caminhavam pelo estacionamento, em direção ao
carro de julie.
— Ora, que coisa! — Julie falou com impaciência. - Esqueci
minhas luvas na casa de chá! Terei que voltar para buscá-
las.
— Não, pode deixar que eu vou — Lisa disse prontamente,
notando que Julie parecia cansada e estava um pouco
pálida. — Espere por mim no carro, está bem?
Não havia sinal das luvas de Julie na casa de chá. Lisa foi
até a butique onde haviam comprado o vestido e finalmente
encontrou-as. Quando voltou para o estacionamento,
apressada, ficou surpresa em não ver o pequeno carro
esporte de Julie. Era James quem a esperava, de pê ao
lado do carro dele.
— Julie teve que ir embora. Lembrou que precisava
resolver umas coisas na igreja, algo a ver com as flores, eu
acredito. Ela me pediu que a levasse de volta para casa.
Lisa poderia ter gritado de raiva, pois realmente ficou
furiosa. Mas preferiu não ser mal-educada. e aceitou a
oferta com um sorriso. Se não fosse tão ridículo, poderia
jurar que Julie tinha feito aquilo de propósito, somente para
aproximá-la de James. E, depois dos comentários que
fizera naquele jantar, era muito embaraçoso para Lisa ter
que aceitar a companhia dele.
Pelo menos, james parecia tão embaraçado quanto ela,
enquanto rodavam pela estrada que levava a Stonisdiffe.
Conversaram sobre o tempo, que estava frio e com muita

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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neve. e também sobre as diferenças entre viver e trabalhar


em Londres e em Stoniseliffe. Ele
parecia invejá-la,
— Mas o seu sogro não possui um escritório em Londres?
Você
poderia pedir-lhe uma transferência.
— Não é tão fácil quanto parece! Essas coisas são vistas
como recompensas para os empregados que mais se
destacam na empresa. Acho que meu sogro não me
qualificaria para tal!
— Ora, por que é que diz isso?
— Sei muito bem como ele me considera. Na sua
opinião, eu deveria devotar cem por cento da minha
vida aos negócios da empresa. E, além disso, e o que é
muito pior, não fui capaz de dar um neto para o velho
Levison, um neto e um herdeiro!
— Oh. .. — Lisa hesitou, sem saber o que dizer. — Mas
ainda é muito cedo, não faz tanto tempo que você e Célia
estão casados! Tenho certeza de que vão acabar tendo
muitos filhos!
— Não sei, não. . . — ele disse com um olhar meio cínico.
Lisa preferia mudar de assunto, aliás preferia não
conversar sobre as dificuldades do casamento de James.
Elas não eram de sua conta e, se era verdade que
existiam, o que parecia claro, ele não devia ter encorajado
a conversa e tocado em tais assuntos.
Ambos haviam mergulhado num silêncio desconfortável
quando finalmente chegaram na grande casa de pedras.
Lisa sentiu-se aliviada por se ver livre daquela situação e,
somente por formalidade, convidou-o para entrar e beber
alguma coisa. Como esperava, James recusou e partiu em
seguida.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Quando o carro de James cruzava o portão, Lisa avistou


um outro carro, que se aproximava. Era o carro de Kane.
— Oh, maldição! — murmurou para si mesma quando
notou que os dois se cumprimentaram, num aceno, quando
os carros se cruzaram. Entrou rapidamente na casa, mas
não o suficiente para deixar de ouvir a voz de Kane quando
já começava a subir a escada para ir ao seu quarto.
— Lisa! — Sua voz era grave, carregada de raiva. —
Desça até aqui, por favor. Quero falar com você. —
Vendo-a hesitar, Kane acrescentou: — Por favor, não me
faça ter de ir buscá-la.
Meio atônita, ela desceu a escada e se dirigiu ao pequeno
estúdio, como Kane indicava. Ele fechou a porta e colocou
sobre a mesa a pasta de couro que carregava.
— Você não da mesmo nenhuma atenção a avisos ou
conselhos, não é, Lisa? Quantas vezes terei que dizer que
James Dalton não é para você?
— E quantas vezes terei de lhe dizer que não tenho o
menor interesse, nele? — Sua voz não era tão forte
como as palavras poderiam fazer supor.
— Não sei se a mulher dele acreditaria nisso.. . Poderia
querer saber por que passaram a tarde juntos e em nome
de que ele se dispõe a tirar uma tarde de folga do trabalho
para ficar passeando com você pelos campos.
— É muito fácil tirar essas conclusões todas, não é, Kane?
Pois fique sabendo que eu estava com Julie até uma hora
atrás fazendo compras em Skipton. E como ela me deixou
lá plantada, tive que decidir entre a oferta de James para
me trazer para casa ou então ficar esperando sabe-se lá
quanto tempo até que finalmente um ônibus viesse para cá!
Vocês o encontraram por acaso? — Seus lábios
endureceram ainda mais. — E lulie, naturalmente, resolveu
fazer-se de cupido. . . E de quem foi a idéia, posso saber?

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Lisa se retraiu. Será que Julie poderia ter tido aquela


intenção? Não era possível que ela ainda acreditasse que
Lisa sentia alguma atração por James.
— Idéia minha não foi, posso lhe assegurar. — Ela olhou-o
de frente, desafiadora. — James não me impressiona!
— Claro que não! A famosa Garota Âmbar não se
interessaria por um homem como James. Ele é uma
pessoa muito fraca para atrair uma prostituta interesseira
como você!
Ela estava chocada com a selvageria das palavras de
Kane, Nunca poderia saber o quanto ele ainda conseguiria
feri-la.
— Obrigada — ela disse depois de um momento. — Posso
partir agora ou será que ainda tem outros insultos para me
jogar na cara?
— A verdade dói, não é?
— A verdade? E o que é que você pode dizer sobre ela?
— Posso dizer tudo o que sei a seu respeito. Lisa.
Aliás, não esqueça que já convivemos e eu pude conhecê-
la muito bem! E, apesar de querer parecer o contrário,
querer se mostrar outra pessoa, nunca me deixei iludir.
Certa época cheguei quase a acreditar em você, mas.. .
Bem, isso não importa agora!
— Você sempre acha que tudo o que pensa é que é o
certo. . . De qualquer maneira, sua opinião não me
interessa. Sempre odiei você, Kane, sempre soube que
era arrogante e presunçoso. Não consigo entender
como fui tola o suficiente para permitir que se
aproximasse de mim e. ..
— Permitir que eu me aproximasse de você? Ora, Lisa,
não tente se fazer de rainha que distribui seus favores! Não
lembra como tudo se passou? Você me desejava tanto
quanto eu a desejava. Foi uma revelação para mim. Mas fui

Livros Florzinha - 116 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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estúpido o suficiente para não perceber que qualquer


homem poderia extrair aquelas reações de você, até
mesmo um bastardo como Arthur Hammond!
Era como se aquelas palavras fossem facas pontiagudas,
que a golpeavam fundo e faziam sangrar. Mas Lisa se
recusou a deixá-lo perceber como a destruía.
— Ora, Kane — sua voz era venenosamente doce —.
você não teve ciúme do pobre Arthur, não c mesmo?
— Não, minha querida — Kane estava prestes a explodir e
Lisa temia que fosse capaz de alguma violência física —,
não tive ciúme dele ou de qualquer dos outros pobres
tolos que se aproximaram de você! Só não desejo que
James se torne um deles, pois é meu amigo e não sei
como se sentirá quando descobrir que você é uma
mentirosa.
— Mentirosa por quê? — Sabia que estava sendo tola ao
perguntar
aquilo.
— Essa sua carinha inocente. Lisa. Esses olhos
inocentes, essa boca sensual e ingênua. . . Eva devia ser
assim quando Adão acordou no paraíso e a encontrou. Só
que você não é nenhuma Eva, minha
querida, está muito mais próxima de Lílith, a deusa
prostituta que tinha cara de anjo e alma de diabo! — Ele
levantou o queixo dela.num gesto tão violento que Lisa
sentiu uma dor forte no pescoço, — Escute. Lisa, não me
importa quantos homens você tem em Londres ou que tipo
de vida leva lá. Mas não permitirei que faça Chás ou Julie
sofrerem por algum motivo, Já se fala muito mais de você
do que eles devem saber!
— Já se fala de mim? O que quer dizer com isso? — Ela
virou a cabeça com força, libertando-se da mão de Kane.

Livros Florzinha - 117 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Estou falando de dois anos atrás, Lisa. Por acaso


achava que suas visitas aos Hammond passariam
despercebidas num lugar pequeno como Stoniscliffe?
Quantas vezes me vieram dizer, com meias palavras,
que eu devia tomar mais cuidado com as mulheres da
minha casa, tomar conta delas mais de perto. E eu ria
quando me diziam tais coisas, pois não podia acreditar que
fossem verdadeiras. Mesmo quando a vi naquela
manhã, o dia já claro, andando no jardim, ainda acreditei
em você, e na inocência de seus olhos, dizendo para mim
mesmo que aquelas línguas fofoqueiras estavam fazendo
tempestade num copo d'água.
Um pequeno soluço escapou da garganta de Lisa. Então,
apesar de tudo que tinha feito, de tudo que sofrera, ainda
assim havia comentários. . E certo que se referiam a Julie,
mas provavelmente nunca um nome foi dito e Kane logo
pensou que se tratava dela.
Lisa sentiu-se enjoada de repente. Agora entendia por que
Julie fazia tanta questão de guardar segredo da gravidez.
As pessoas tinham longas memórias e, se sabiam das
coisas que ela aprontara há dois anos, seria um desastre
se viessem a saber agora que estava grávida.
— E então? — Kane interrompeu seus pensamentos. —
Não vai dizer nada?
— E há alguma coisa que deva dizer? Acho que posso ir
embora.
— Sim, só que antes quero sua palavra de que deixará
James em
paz. Não sei que argumentos usou para convencer Julie a
deixá-la com ele em Skiplon, mas...
— Está bem, você nunca acreditaria em mím, de qualquer
modo. Pode ter certeza de que não causarei nenhum
problema para James. Está satisfeito?

Livros Florzinha - 118 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Sim, só espero que cumpra a palavra — ele disse com


um sorriso cínico, os olhos aguçados de repente, olhando-a
de alto a baíxo, fazendo-a sentir-se nua.
Lisa lembrou-se então da vez que esteve nos braços dele e
de como o tinha desejado ardentemente.
Nos dois anos que se seguiram, nunca mais havia
conseguido se aproximar de outro homem. Sim, usara a
própria sensualidade para abrir caminho na vida, algo que
a fez ser bem-sucedida naquela profissão, tornando-a
famosa e colocando o mundo a seus pés.
Mas era uma sensualidade falsa. Ela era fria e nenhum dos
tantos admiradores conseguiu fazer brotar aquele fogo
interior que uma vez tínha sentido ao lado de Kane. Aquele
fogo que ele havia conseguido destruír para o resto de sua
vida.
Era o que tinha tentado apagar de sua mente. E agora,
parada ali na frente daquele homem que a olhava com um
sorriso cínico, não podia fugir do fato de que, ainda que um
abismo de ódio e rancor os separasse, Kane ainda a atraía,
cada fibra de seu corpo o desejava.
Oh, Deus. ela pensou, se ele me tocasse agora, me
beijasse. . .
— Lisa, você me perguntou se podia ir embora, O que
está esperando?
— Nada! —ela murmurou, virando-se e partindo.

CAPITULO VIII

Naquela noite Lisa chegou muito perto de brigar com Julie.


— O que é que deu em você para fazer uma coisa
dessas? — Lisa eslava furiosa. — Deixou-me lá, plantada

Livros Florzinha - 119 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

como uma tola! E que história é essa de ter coisas para


arrumar na igreja?
Julie deu de ombros. Ela estava sentada em frente
ao grande espelho da penteadeira, escovando os cabelos.
— Tinha que resolver a respeito das músicas.
— Músicas? Não eram as flores?
— As flores também. Sabe como são essas coisas,
são tantos detalhes.
— E não podia ter esperado cinco minutos, até eu voltar?
— Eu estava atrasada. E tenho certeza de que
James não se incomodou.
— Mas eu me incomodei! — E Kane também, ela
pensou. — Bem. conseguiu arrumar tudo na igreja, pelo
menos?
— Não exatamente. — Julie tinha um olhar distraído. — O
vigário não estava lá e acabei perdendo meu tempo.
— Pèlo ramor de Deus, Julie! — Lisa deu um suspiro,
cansado. — Acho que você nem foi até a igreja.
Fez-se silêncio por um instante. Julie, com a escova de
cabelos na mão, parecia incerta a respeito do que dizer.
Finalmente se decidiu.
— Está bem vou lhe contar a verdade. O fato ê que James
me aborreceu e, sem pensar, entrei no carro e parti. Foi só
quando já estava na estrada que me lembrei de você.
Então vi que não fazia sentido voltar para buscá-la, já que
tinha certeza de que James a traria para casa.
— É o que foi que ele disse que a fez ficar tão furiosa?
— perguntou, seca.
— Nada de muito importante — Julie respondeu enquanto
passava perfume nos pulsos. — Acho que é por causa da
minha gravidez que fico assim tão sensível, qualquer coisa
me faz perder a cabeça!

Livros Florzinha - 120 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Bom, acho que você precisa se controlar um pouco


mais — Lisa falava casualmente, mas sentia alguma
coisa estranha no ar,
algo que a incomodava e que não sabia dizer o que era. —
Tony vem jantar conosco hoje a noite?
— Não... Alguns parentes vão visitar sua família e ele
precisa ficar para ajudar a fazer as honras da casa.
— E não quis que você estivesse lá também? —
Lisa estava
surpresa.
— Sim, ele me pediu para ir, mas eu recusei! já vou
ter que ver sua família o bastante depois que me casar,
então não vejo razão para começar agora! — Ela se
virou, dando um brilhante sorriso para Lisa, — Vamos
descer, querida? Sabe, adoro este vestido que está
usando, fica tão bem em você. . .
E, enquanto desciam a escada para encontrar Chás no
estúdio, Julie continuou falando sobre vestidos, cores e
moda. Chás estava num ótimo humor, anunciando que a
fisioterapia finalmente havia começado a surtir efeito,
— Acho que no fim das contas vou poder voltar a jogar
golfe, meu esporte predileto! — Ele sorria,, alegre, e em
seguida dirigiu-se à Julie: — Mesmo assim, não poderei
conduzi-la até o altar, a não ser que um milagre aconteça.
Ou, talvez, se estiver disposta a adiar o casamento por
alguns meses. . .
— Não! — Julie reagiu com violência, atraindo o olhar de
Chás e de Kane, que estava servindo drinque no canto da
sala e se virou, espantado, Julie tentou sorrir e parecer
calma, mas Lisa sabia que estava fingindo. — Desculpe,
papai!
— Não tem importância, querida, eu não estava
falando sério. Não quero atrapalhar tanto amor! é uma

Livros Florzinha - 121 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

pena que Tony não esteja aqui para ouvir sua reação
apaixonada!
Julie murmurou alguma coisa que ninguém compreendeu
direito e logo depois haviam esquecido o incidente.
A medida que o casamento se aproximava, aumentava a
quantidade de presentes que chegavam. Julie queria que
fosse uma cerimónia discreta, com o mínimo de gente
possível, mas a família tinha muitos amigos e conhecidos,
que desejavam se fazer lembrar de alguma forma.
— Oh, preferia que se esquecessem de mim — ela disse
certa manhã — Não terei lugar para colocar tantos
presentes!
-— Mas você não vai ficar o resto da vida naquele pequeno
apartamento. Quando tiverem filhos, vão precisar mudar
para uma casa maior e, então, poderá usar todas essas
coisas!
— Sim, você tem razão. - . — Ela parecia absorta.
— O que foi, querida?
— Estava pensando, Lisa. . . Pensar que vou casar com
Tony, viver com ele. . . é tão estranho. —- Vendo que Lisa
a fitava com preocupaçâo, ela deu um sorriso. — Acho
que estou sendo tola. . . Será que todas as noivas se
sentem assim?
— Talvez. , . como é que eu poderia saber?
— Você nunca pensou em casar Lisa? Sendo uma
modelo, tão famosa, deve ter muitos admiradores. Nunca
ninguém lhe agradou?
— Não o suficiente para pensar em casar! — Ou que fosse
um amor verdadeiro, ela pensou. — Contente-se com o
próprio casamento e não tente ficar arrumando um para
mim! — Lisa disse, sorrindo.— Estou muito feliz assim!
Feliz?, pensou. Talvez até alguns dias atrás tivesse a
impressão de que era feliz, sua vida em Londres a fazia

Livros Florzinha - 122 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

esquecer os problemas. Mas, tendo voltado para


Stoniscliffe, descobriu que nada havia mudado, os mesmos
sentimentos continuavam existindo, tão fortes quanto
antes.
Durante o dia era mais fácil não pensar nessas coisas; os
preparativos para o casamento de Julíe a absorviam e a
faziam esquecer tudo aquilo. Mas com o anoitecer indo
ficava muito pior. As noites insones ou o sono povoado de
pesadelos terríveis, que a faziam acordar ainda mais
cansada na manhã seguinte.
Evitava encontrar Kane, o que não era difícil, pois ele
estava ausente a maior parte do tempo. Chás andava
inclusive reclamando que ele não parava em casa, o que
levava Lisa a pensar que Kane se ausentava
propositadamente, para que não se encontrassem. Sabia
que isso era bom para ela, mas bem lá no fundo sentía-se
triste e magoada. Dentro em pouco, Julie estaria casada e
ela poderia voltar para Londres, onde sua carreira e seus
amigos a esperavam. Até mesmo Simon a esperava. Lisa
havia telefonado para Jos, para dizer-lhe quando voltaria, e
ele contara que Simon tinha tentado várias vezes saber
onde ela estava para entrar em contato.
Os Dalton tinham vindo para jantar algumas vezes nos
últimos dias, a Célia continuava tratando Lisa com frieza.
Certamente ficara sabendo que ela havia estado no carro
de James naquela tarde. Célia não fazia a mínima questão
de esconder seu desagrado, mas o que veio a seguir foi
inesperado para Lisa.
Ela estava sozinha no pequeno e aconchegante estúdio
certa tarde, quando a porta se abriu e apareceu CéEia,
conduzida pela sra. Arkwright.

Livros Florzinha - 123 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Oh. . . — Lisa abaixou o jornal que estava lendo. — Olá,


Célia. Você quer falar com Julie? Ela não esta no
momento, pois teve que. . .
— Não é com Julie que quero falar, é com você mesma! —
Seus olhos tinham uma expressão furiosa.
— Quer falar comigo?
— Sim. com você mesma! — Deu uma risada
desagradável; — Vejam só que olhos mais inocentes você
tem, não é, querida? Mas quero avisá-la para que se
mantenha longe do meu marido!
— Ora — era Lisa quem reagia com certa violência,
agora —, eu nunca o vi sem que você estivesse presente!
— Mentirosa! Você esteve com ele, no carro dele, quando
James deveria estar trabalhando! Além disso, sei que
têm se encontrado às escondidas. Não sou nenhuma tola!
— Sim, sei que você não é tola — Lisa fazia esforço
para se controlar —, mas está enganada! James me deu
uma carona uma vez, e somente uma vez! Nós não temos
o menor interesse um pelo outro!
— E você acha que vou acreditar nisso? Desde que você
voltou ele tem andado diferente, sempre de mau humor,
quase nem fala comigo e não trabalha direito. Meu pai está
furioso!
— Talvez ele não esteja bem! — Lisa sugeriu, tentando
contemporizar.
— Talvez esteja se enamorando de você. — Suas
palavras pareciam farpas. — Mas é bom que fique
sabendo que, apesar de ser um modelo famoso, é de mim
que ele gosta e não vai me abandonar!
— Tem certeza disso? — Lisa estava incomodada pela
falta de classe de Célia. — O fato de ter vindo até aqui para
me dizer essas coisas é muito mais prova de sua
insegurança do que qualquer outra coisa.

Livros Florzinha - 124 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Célia, num gesto brusco, deu uma bofetada no rosto de


Lisa, que se encolheu com um gemido. Uma voz atrás
delas falou: — Ei, o que é que está acontecendo aqui?
— Kane! — Célia o fitava e parecia embaraçada. — Oh,
desculpe ter feito esta cena, mas é tão difícil conversar
educadamente com esta mulher... Vim até aqui hoje à
tarde para tentar mostrar-lhe o mal que está fazendo a
mim, a meu casamento, e. . . ela acabou me fazendo
perder a cabeça!
— É melhor você voltar para casa, Célia — ele falava
gentilmente com ela. — Eu mesmo falarei com Lisa.
Kane a conduziu até a porta, deixando Lisa imóvel, parada
no meio da pequena sala. Logo depois, ouviu-se o ruído do
carro de Célia se afastando. Kane voltou em alguns
segundos.
— Antes que diga qualquer coisa — Lisa falava com os
dentes crispados de raiva —, é bom que fique claro que
não tenho me encontrado com James Dalton! Se ele está
tendo um caso com alguma mulher, coisa que eu não o
culparia, em vista da esposa que tem, então é bom que
Célia vá fazer escândalo em outra parte, pois não tenho
absolutamente nada a ver com isso!
— Sua tola! Eu não a avisei para tomar cuidado com o
ciúme doentio de Célia? Em vez disso, você fica fazendo
comentários sobre a paixão adolescente que tinha por
James e aceitando carona dele! Lisa desejaria protestar;
afinal de contas, tinha sido Julie quem se referira a seus
amores de adolescente e quem a havia forçado a aceitar a
carona de James para casa. Mas algo dentro dela a fazia
ficar quieta, impedindo de dizer tudo o que desejava. Kane
continuou falando:

Livros Florzinha - 125 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Agradeça aos céus que ela lhe deu somente uma


bofetada, pois se tivesse usado as unhas seu rosto estaria
todo machucado agora!
Lisa sentiu, subitamente, uma forte náusea. Via a imagem
de Célia à sua frente, a face irada, a mão se levantando
para atingi-la e levou a mão à testa, sentindo uma tonlura.
— Lisa! — Kane falou alto com preocupação na voz.
— Estou bem deixe-me só sentar um pouco.
Ele parecia não saber direito o que fazer, mas em seguida
amparou-a e a fez sentar no sofá.
— Deixe-me em paz!
— Fique quieta! — ele ordenou. — Vou buscar um
pouco de conhaque para reanímá-la.
— Eu odeio conhaque! — ela disse, chorando, as
lágrimas descendo íncontrolavelmente. — Por favor, deixe-
me em paz! Oh. por que é que me forçou a voltar para cá?
Preferia ter morrido a passar por tudo o que estou
passando!
— É como você acha que eu me sinto? Pensa que
também não preferia que nunca tivesse voltado? Que não
gostaria que o passado estivesse morto e enterrado? Mas
não é tão fácil assim. Lisa. — Sua voz transformou-se num
murmúrio. —- Você é uma loucura dentro de mim, uma
febre que não consigo curar. — Ele começou a mexer nos
cabelos dela, olhando os fios com atenção como se fossem
uma coisa especial, que nunca houvesse visto ou tocado
antes. — Por Deus, Lisa, deixe-me ter novamente um
pouco de paz de espírito!
Ele se inclinou e beijou-a profundamente, uma boca
faminta que se apoderava dela e não a deixava escapar.
Lisa tentou lutar, separar-se dele, mas Kane a segurava
fortemente. Acariciava seus cabelos, sua face e, mesmo
que Lisa não o desejasse, não podia evitar que um enorme

Livros Florzinha - 126 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

desejo se apoderasse dela, algo que a deixava sem


controle sobre si mesma.
Os lábios de Kane abandonaram a boca de Lisa e
começaram a beijar-lhe o rosto, os olhos, a garganta. Ela
colocou as mãos na cabeça dele, aproximando-o de si,
num gesto impulsivo e irracional. Tudo o que sabia era que
a frieza que sentia antes parecia ter desaparecido e ela era
novamente uma adolescente, fervendo de paixão e desejo,
amando aquele homem com toda a força de um coração
jovem, que descobre o prazer e o amor.
Oh, era impossível fugir da constatação de que toda a vida
havia amado Kane. Agora tinha certeza disso. Mesmo no
começo, quando ele mal parecia notar sua presença,
bastava uma palavra mais amável para que ela se
derretesse por dentro. Mesmo quando ela brincava com
Julie, falando das namoradas de Kane, sabia que algo
dentro dela doía, lá no fundo.
Dizia para si mesma que o odiava, que o fato dele a ter
violentado tinha matado dentro dela a possibilidade de se
apaixonar por alguém, de sentir-se atraída por qualquer
outro homem. Toda vez que alguém tentava beijá-la ou
fazer-lhe carícias ela se retraía. E agora sabia por quê!
Enquanto Kane a beijava com suavidade, seu instinto a
levava a render-se ao ardor daquele momento, Sim, era
esse o poder que Kane possuía sobre ela, o poder de
torná-la submissa, de fazê-la cair aos pés dele por causa
de uma simples carícia. Era disso que Lisa fugia, da
consciência de que o que sentia por Kane a fazia esquecer
a brutalidade daquele homem.
Agora era ela quem o beijava loucamente, puxando-o para
junto de si. Pensava naquela longínqua e escura manhã de
verão, quando tudo havia acontecido, e imaginava como

Livros Florzinha - 127 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

tudo podia ter sido diferente, como podia ter sido


maravilhoso acordar nos braços de Kane.
Com mãos ágeis ele abriu seu vestido e desabotoou-lhe o
sutiã. Tocou seus seios como se fossem flores que
desabrochavam sob os dedos carinhosos.
O desejo de Lisa estava se tornando uma agonia. Ela
passava os dedos nos cabelos de Kane puxando-o para si,
como se quisesse envolvê-lo num abraço total, onde dois
corpos se fundem num só.
— Não! — Ele gritou subitamente, afastando-se e se
levantando. Seus olhos brilhavam, os cabelos revoltos
caídos sobre a lesta.
Lisa o fitava sem fazer força para esconder o imenso
desejo que sentia, os lábios entreabertos num convile
sensual.
— Kane! — ela murmurou, enquanto ele se afastava ainda
mais. indo para o outro canto do grande sofá.
— Por Deus, Lisa, o que é que estamos fazendo? — Ele
olhou em . volta. — No próprio estúdio do meu pai!
Qualquer um poderá entrar aqui de repente! Mas você me
faz ficar louco, me faz perder a cabeça e o senso de
decência!
Lisa se endireitou no sofá, tentando subir o zíper do
vestido, que eslava completamente aberto. Mas as mãos
trémulas a impediam de executar mesmo uma tarefa tão
fácil. Kane se aproximou e fez. menção de ajudá-la.
Lisa podia sentir a respiração quente de Kane às suas
costas, enquanfto a ajudava a vestir-se como se fosse
novamente uma garota, exatamente como há muitos anos
atrás. Ele levantou seus cabelos para abotoar o colchete, e
ela percebeu que Kane a fitava com desejo. Ele beijou-a
com suavidade na nuca, nos ombros, e Lisa virou-se de
frente, achando impossível recusar aquele convite.

Livros Florzinha - 128 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Ele murmurou alguma coisa e novamente tomou sua boca


num beijo profundo e demorado. Quanto a soltou, ela
encostou a cabeça no ombro dele.
— Eu tenho que tê-la! Nós precisamos ter um ao outro e
você sabe disso, não sabe? — Ele afastou os cabelos que
cobriam os olhos dela. — Venha para mím esta noite Lisa!
Ela não podia negar o clamor de seus sentidos, o imenso
desejo que tomava conta de todo seu ser.
— Sim. . . Oh, sim.
Kane beijou-a mais uma vez. um beijo que marcava um
pacto e uma promessa. Em seguida, levantou-se e deixou-
a sozinha.
Lisa levou a mão aos lábios, como querendo prender
aquele último beijo. Estava aturdida. Tudo tinha acontecido
tão rapidamente e era tão inacreditável que ela precisava
de tempo para pensar e considerar as coisas.
Ouviu vozes se aproximando do estúdio e se dirigiu à
grande porta de vidro, que dava para o jardim. Lá fora o
vento soprava gelado, os flocos de neve desciam
suavemente.
Lisa saiu, sabendo que não seria capaz de conversar
normalmente com tamanha confusão de emoções dentro
de si. Julie, desligada como era, talvez nem notasse, mas
Chás saberia que alguma coisa havia acontecido.
Seu corpo se arrepiava e tremia, mas ela sabia que não era
por causa do frio. Pensou que Kane não tinha dito
nenhuma palavra de amor. Havia falado de desejo, da
necessidade de possuí-la, mas era tudo.
Agora, caminhando ali sozinha pelo jardim, tinha
consciência de que não era uma relação profunda e
duradoura que ele buscava; queria apenas aplacar a febre
do desejo. Quando o casamento tivesse passado e ela
voltasse para Londres, seria o fim de tudo!

Livros Florzinha - 129 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Mas então terá havido uma noite e eu poderei viver com


essa lembrança para o resto da vida, ela pensou. Talvez
consiga até me curar, me libertar das algemas que ele me
colocou desde a primeira vez que o vi. Aí poderei fazer
minha própria vida, longe daqui e longe dele. Terei minha
profissão, meu sucesso. E Kane terá esta casa, terá Tina
ou qualquer garota que lhe interesse. E esse pensamento
precipitou suas lágrimas, fazendo-a ficar ali de pé no jardim
gelado, chorando baixinho.
Ela voltou para dentro por uma porta lateral, pretendendo
subir direto para o quarto, mas infelizmente todos estavam
no hall e Lisa não conseguiu passar despercebida. Ela viu
Chás e Kane, logo atrás dele. Oh, como eu o amo. ela
pensou.
Lisa gostaria que ele a fitasse, trocassem um sorriso
cúmplice, dividindo aquele segredo de que seriam amantes
naquela noite. Mas. quando seus olhos se encontraram.
Kane era o mesmo estranho de sempre, não havia nenhum
calor naquele olhar.
— Ah, aí está você! Não me diga que estava lá fora sem
casaco! Assim, vai acabar pegando uma pneumonia e ficar
doente bem no dia do meu casamento! Agora sei por
que não conseguia achá-la em nenhum recanto da casa!
— Você estava me procurando? — Era uma pergunta
estúpida, ela sabia, mas tudo o que realmente desejava
saber naquele momento era por que Kane a fitava outra
vez como se fosse uma estranha.
— Pela casa inteira — Juslie sorria, — Telefonaram
para você, alguém chamado Simon que parecia estar
morrendo de saudade! Tinha uma voz tão sexy... — Julie
se divertia dizendo aquilo.
Lisa ficou paralisada, sem conseguir articular nenhum som.

Livros Florzinha - 130 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Mas é impossível — disse finalmente. — Eu não lhe


disse onde estava e muito menos dei o telefone daqui!
— Parece que ele pegou o endereço com uma garota
chamada Dinah. Disse que tinha certeza que você o
perdoaria! — Julie continuava com aquele olhar malicioso e
parecia estar se divertindo muito com tudo aquilo. — Ora,
querida, acho que devia estar um pouco mais contente.. .
afinal de contas, não é desagradável saber que existe
alguém que não vê a hora de você voltar!
— Fantástico. . . — ela disse, com certa ironia, sem fitar
Kane. — Agora, se me dão licença, vou subir e trocar de
roupa.
— Mas você não vai ligar para ele? - Julie insistiu.
— Mais tarde, talvez. — Lisa partiu sem nem olhar para
trás.
Já sozinha no quarto, pensava que Simon certamente teria
dado a entender para Julie o tipo de relação que mantinha
com ela e como estavam bem próximos um do outro. Tinha
ficado muito desapontado com a maneira pela qual Lisa
desaparecera de repente, sem avisar, e não podia ter
escolhido pior momento para se comunicar com ela.
Pobre Simon, pensou, se soubesse como esteve longe dos
meus pensamentos nos últimos dias! Sabia que ele não
tinha verdadeira importância em sua vida e era isso que lhe
diria assim que voltasse para Londres.
Como já estava atrasada para o jantar, tomou um banho
rápido e em seguida se maquiiou e penteou, não levando
mais que alguns minutos para fazer tudo isso. acostumada
que estava a ter que se preparar correndo, entre uma foto
e outra. Colocou um veslido escuro, muito simples, mas
que a deixava elegante e bonita.
Quando voltou para a sala. Tony já havia chegado. Estava
de pé junto à janela, e pela maneira como conversava com

Livros Florzinha - 131 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Julie era evidente que algo não ia bem. Os dois pareciam


envolvidos em calorosa discussão, ainda que falassem em
voz baixa e discreta.
Kane se aproximou, com um drinque para cada um. Depois
de cumprir sua obrigação como anfitrião, afastou-se para
conversar com Chás. Lisa disse para si mesma que toda a
frieza de Kane era devido à necessidade de discrição, que
quando estivessem sozinhos mais tarde tudo seria
diferente e novamente aquele calor viria à tona. Oh, Deus,
era preciso que fosse assim, ela pensava com terror, pois
sabia que não suportaria outra rejeição da parle dele.
Dirigiu-se á janela, onde ficou fitando a escuridão lá fora.
Agora nevava forte e as árvores estavam geladas. Depois
de um ou dois minutos, Julie veio se juntar a ela. Tinha a
face vermelha e zangada.
— Qual é o problema, Julie?
— Nada de muito importante. — Ela deu um sorriso
nervoso. — Tony ficou furioso porque foram colocar o
carpete hoje no apartamento e eu não estava lá.
— E você sabia que seria colocado hoje?
— Sim. eu sabia. — Julie deu de ombros. — Mas esqueci!
— Oh, Julie, como é que pôde esquecer isso?
— Ora, Lisa, tenho muitas outras coisas na cabeça e não
posso me lembrar de tudo. O que acontece é que a mãe
dele estava lá, e parece que teve que cancelar alguns
compromissos por causa disso. De qualquer maneira, o
carpete foi escolhido e corretamente instalado, então não
sei por que tanta confusão!
— Por causa de seu desinteresse pelo que será a casa de
vocês, depois do casamento! — Lisa procurava não falar
com agressividade, — Será que não é melhor conversar
com Tony a respeito de como você se sente com relação
àquele apartamento e tentar descobrir uma outra solução?

Livros Florzinha - 132 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Se existisse uma outra solução. . . — Julie disse,


mordendo o lábio.
Durante o jantar, Lisa ficou preocupada por perceber que
Tony e Julie mal conversaram, o mau humor estampado no
rosto de ambos. Não foi surpresa nenhuma quando, logo
depois de tomarem o café, Julíe anunciou que ia se retirar,
pois não se sentia bem. Pouco depois Tony também partiu,
alegando que estava muito cansado. Kane já havia se
retirado para o estúdio, para estudar uns papéis, e Lisa se
viu envolvida numa partida de xadrez com Chás.
Tinha sido ele quem a ensinara a jogar e estava todo
orgulhoso do progresso de Lisa. Naquela noite, entretanto,
ela não conseguia se concentrar e a vitória foi fácil para
Chás. Em vista do evidente desapontamento dele. Lisa se
desculpou, dizendo que estava cansada.
— Todo mundo está estranho esta noite Mas que coisa! —
Chás reclamava enquanto guardava as peças de xadrez.
— Espero que não estejam todos ficando doentes, essa tal
gripe que anda por aí. . . E qual será o problema entre
Julie e Tony? Sim, não venha me dizer que ele não estava
contrariado por alguma coisa.
— Ora. acho que não era nada de muito importante! É um
momento muito delicado para os dois, e julie está bastante
sensível. . . coisas de noiva.
— Coisas de noiva. . . Ora, ela conhece Tony desde que
nasceu! Não é possível que ainda tenha choques e
surpresas. Ele é um bom rapaz, digno de confiança. Aliás,
é o tipo de homem com o qual eu pensava que Julie
infelizmente nunca teria o bom senso de casar!
Lisa sorriu e disse qualquer coisa á guisa de resposta.
Entretanto, sabia que aquele casamento não era tão bom
como Chás pensava e tinha dúvidas se Julie casaria com
Tony se não estivesse grávida. A indiferença e mesmo

Livros Florzinha - 133 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

antipatia de Julíe por aquela que seria sua própria casa


podia ser algo estranho e irracional. Mas, ao mesmo
tempo, o fato de que Tony parecia não perceber os
sentimentos dela a respeito disso também era muito
estranho.
Quando Lisa subiu para o quarto, bateu levemente na porta
de Julie: gostaria de conversar se ela ainda estivesse
acordada. Mas não houve resposta,
Ela entrou no próprio quarto sem se incomodar em acender
a luz. Despiu-se e vestiu uma camisola e um penhoar,
sentando-se na beirada da cama. Ouviu Chás se
recolhendo ao quarto, e a enfermeira dizendo boa-noite.
Toda a casa se preparava para repousar e pareceu uma
eternidade até que Lisa ouvisse o último ruído. Agora o
silêncio era total; podia ouvir o próprio coração batendo
pesada e compassadamente, como se ela fizesse parte de
uma gigantesca pulsação universal. Levantou-se, sentindo
as pernas fracas, meio tremendo. Quando passou em
frente à porta de Julie, encostou o ouvido na madeira e
chamou seu nome, em voz baixa. Mais uma vez, não
houve resposta. Então continuou pelo corredor.
O silêncio era tão grande que Lisa tinha a impressão de
poder ouvir os flocos de neve batendo no vidro da janela.
Quando chegou em frente à porta do quarto de Kane parou
por um momento, tentando
escapar ao pânico que produziam todas as memórias
que naquele momento voltavam tom toda intensidade,
para atemorizá-la.
Mas dessa vez será diferente, pensou. Kane não a amava,
mas pelo menos também não a odiava, e ela tentaria obter
o máximo de felicidade que pudesse daquele rápido e
passageiro encontro.

Livros Florzinha - 134 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Sem fazer barulho. Lisa abriu a porta do quarto. Estava


escuro, mas pela luz que entrava pela janela ela pôde
perceber que a larga cama estava vazia; aliás, não havia
sido ocupada naquela noite. Os lençóis encontravam-se
capríchosamente dobrados, como a sra. Arkwrighi os tinha
deixado. Não havia sinal de Kane.
Por um longo momento ela ficou parada, imóvel como uma
pedra. Depois, levou a mão ao rosto, acariciando a face
que estava quente como se houvesse acabado de levar
uma bofetada.
— Kane! —- sussurrou para si mesma, quase que num
suspiro. Ela saiu do quarto e desceu a escada. Pela fresta
da porta do estúdio, podia-se ver que havia luz. Lisa entrou
devagar, sem bater.
A lâmpada do abajur sobre a mesa estava acesa, e havia
muitos papéis espalhados pela superfície polida da
madeira. Mas Kane não estava trabalhando. Estava
sentado no sofá a camisa desabotoada até quase a cintura
e as mangas enroladas, deixando à mostra os braços
musculosos. Meio despenteado, ele fitava com olhar
absorto o copo em sua mão. Na mesinha ao lado, uma
garrafa de uísque pela metade.
— O que deseja. Lisa?
Ela não respondeu de imediato e continuou olhando-o
fixamente. Ele tomou o último gole do copo e tornou a
servir mais uma dose.
— O que é, Lisa? — ele repetiu. — Quer alguma coisa?
— Eu fui ao seu quarto. — Ela estendia as mãos à frente
de si mesma, um gesto de pedido. — Você não estava lá,
então vim até aqui ter com você.
— Posso perguntar por quê? — Ele até agora não havia
olhado para ela. Sua voz era suave e grave, dando a

Livros Florzinha - 135 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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impressão de que estava absorvido mais pelos próprios


pensamentos do que com a conversa com Lisa.
— Você sabe por quê — efa disse com decisão. — Você
me falou para vir ter com você. E aqui estou eu.
— E o que posso notar... Mesmo assim, pensei que teria
bom senso o suficiente para perceber que meu infeliz
convite desta tarde havia perdido o sentido depois de...
depois de ter acontecido uma outra coisa. Pensei que não
fosse necessário dizer-lhe que você não é bem-vinda aqui.
. . É muito menos na minha cama!
— Mas por quê? Por que está fazendo isso comigo? Com
nós dois?
— Por várias razões... Não vou incomodá-la dizendo
todas elas, posso apenas dizer que por consideração
àquele tolo que neste momento a espera em Londres, que
ainda acredita que vale a pena esperar por uma pessoa
como você. Não quero contribuir para a desilusão desse
pobre estúpido.
— Símon? Você está se referindo a Simon? — Ela até já
havia esquecido aquela história do telefonema. — Mas ele
não significa nada para mim!
— Suponho que deve significar alguma coisa, já que no
momento você compartilha sua vida em comum com ele.
—- Vida em comum? — Lisa engoliu em seco ao lembrar
de como tinha dado a Kane a impressão de que vivia junto
com Simon. — Sim, compreendo agora.
— Ainda bem que compreende! — Ele a olhava, distante.
— Você tem um rosto lindo, Lisa, e um corpo sensual. Mas
é tudo uma fachada. Não há nada atrás de seus olhos e de
seu sorriso, não há nenhum calor, nenhuma lealdade,
nenhuma feminilidade. É por isso que você se dispõe a
esses encontros rápidos e casuais com os homens, porque
sabe que não tem suficiente profundidade interior para ter

Livros Florzinha - 136 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

uma relação mais íntima e verdadeira com um homem? Por


que é que não sai dessa prisão que construiu em torno de
si mesma, Lisa? Se esse Simon de fato a ama. ..
— Ele não me ama — ela interrompeu-o com voz suave —
, nem eu a ele. É completamente casual, como você
mesmo definiu. — Mas não da maneira como você deve
achar, ela pensou. — Kane, assim que o casamento estiver
acabado voltarei para Londres, e você nunca mais me verá.
— Eu sei disso.
— Sei a opinião que sempre teve a meu respeito, sei que
nunca me desejou nem me aceitou como um membro da
família. Nem a mim nem a minha mãe.
— Eu aprendi a aceitar sua mãe Lisa. — Dizendo isso,
colocou o copo sobre a mesinha num gesto brusco e o
líquido derramou-se numa grande mancha sobre a fina
madeira.
— Oh você derrubou! A madeira vai ficar marcada.
Precisamos arranjar um pedaço de pano seco. ...
— Tentando me convencer de suas virtudes domésticas?
Não é necessário, Lisa. É melhor que fique afastada,
e feche bem essa camisola.
Ela obedeceu, o rosto em chamas.
— Não há nada errado com a minha memória — ele
continuou. — Posso lembrar perfeitamente de como você
é quando está sem roupa. É uma imagem que tenho
carregado por muitos anos, só Deus sabe quantos.
Portanto, pode guardar seus truques sensuais para as
propagandas e para seu namoradinho fotógrafo. Junto com
ele, é capaz de conquisiar todos os homens deste país!
Ela cruzou os braços sobre o próprio peito, como se isso
pudesse defendê-la daquelas palavras que feriam como
lanças. Ele confirmou, impiedoso:

Livros Florzinha - 137 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Você falava de sua mãe ha pouco. O que pensa que


Jennifer acharia de ver suas fotos espalhadas pelas
revistas? Metida num minúsculo biquini, por exemplo, para
que o mundo inteiro possa vê-la quase nua e apreciar suas
qualidades? O que ela diria ao ver a filha, que costumava
ser seu orgulho e alegria, molhando os lábios com a ponta
da língua e com aquela expressão nos olhos de quem
oferece um paraíso para os homens?
— Nesse momento eu pensava em você, Kane.
— Em mim? — Ele deu uma gargalhada selvagem.. — E
por que é que pensava em mim? Por que deveria eu ser
especial no meio de tantos?
— Pois então — sua voz agora era áspera e fria — não se
diz que a gente nunca mais esquece o primeiro homem
com quem se fez amor? Amor... — Ela deu um sorriso
irónico, e fitou-o de frente.
— Você falou da minha mãe e do que ela acharia da
minha vida como modelo. Agora sou eu que pergunto:
o que ela acharia se soubesse que você me violentou?
— Bom argumento, Lisa, só que não é muito convincente.
Todos sabem que Arthur Hammond não convidava
mocinhas virgens para as orgias que promovia na casa
dele. Se o departamento antitóxicos da polícia não
cuidasse dele, acho que o pessoal da cidade faria justiça
com as próprias mãos. E depois de se misturar com um
bastardo como ele, você ainda ousa falar de sua pureza e
inocência?
— E quem falou que eu me misturei com ele? Fofocas,
rumores, foi tudo o que ouviu, mas tenho certeza de
que nunca ninguém mencionou o meu nome. Ninguém
lhe disse que Lisa Grayson esteve numa daquelas festas,
simplesmenle porque seria mentira! Eu nunca estive lá a
não ser naquela tarde quando fui preveni-lo de que. . . —

Livros Florzinha - 138 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Ela se interrompeu, sabendo que estava começando a


dizer coisas que não poderia.
— Preveni-lo do quê? De que a polícia poderia vir a
qualquer momento?
— Sei que não adíanta mesmo, sei que qualquer coisa que
eu lhe diga em minha defesa você não acreditará e
pensará sempre o pior de mim. Eu devia estar
acostumada. . . — Agora era ela quem ria selvagemente.
— Por Deus, como eu devia estar acostumada! Como fui
estúpida a ponto de acredilar que as coisas ainda
podiam ser diferentes!
— Certamente estava muito iludida, — Ele terminou o
uisque do copo. — Mesmo que ficássemos juntos nesta
noite, cedo ou tarde Símon ou qualquer outro interferiria e. .
. e eu não tenho nenhuma intenção de ser mais um entre
os homens que já gostaram de você um dia.
— Então, tenha cuidado, querido. — Agora era a vez dela
ser
arrogante e agressiva. — Pois isso está me parecendo uma
declaração de fraqueza!
— Se essa fraqueza realmente existe, então acho que isso
tudo só vem demonstrar que eu já estou superando.
Portanto, acho que agora seria melhor que voltasse para o
seu quarto e amanhã fingiremos que nada disso aconteceu.
Esqueceremos aquele momento de loucura hoje à tarde.
— É tão simples assim para você, Kane? Pois, para mim,
não é. já faz dois anos que tenho, estado em balalha
permanente contra minhas memórias, tentando destruí-las
a todo momento. Mas agora já não consigo mais lutar. Eu
quero você. Kane!
E, enquanto falava, desabotoou a camisola que caiu a seus
pés, sobre o tapete. Ela o olhou com o coração nos olhos,

Livros Florzinha - 139 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

desejando-o totalmente, implorando-lhe que também a


desejasse.
Kane não se moveu. Estava tão quieto que era como se
fosse feito de pedra.
— É claro que não é tão simples assim. Se eu dissesse
que você não me atrai neste momento, seria um mentiroso.
Mas é uma questão de opção, Lisa. Portanto, é melhor que
se vista e saia daqui.
Por um momento Lisa não se moveu, incapaz de encarar o
fato de que mais uma vez havia sido derrotada. Sabia o
poder que possuía sobre os homens, todos perdiam a
cabeça com ela. Kane, no entanto, era capaz de ve-la nua,
sem que isso fizesse a menor diferença. Mais uma vez ele
a rejeitava, de forma humilhante.
Ela abaixou-se lentamente, tomou a camisola e vestiu-a,
com uma dignidade patética. Kane levantou-se de repente.
— Vá embora, pelo amor de Deus, vá embora!
Ela sabia que ele estava descontrolado, a ponto de não
resistir mais aos impulsos. Mas o que tinha dito, a maneira
como a olhava, era ainda somente rejeição.
Silenciosamente, Lisa se virou e partiu. Sentia-se tonta
enquanto subia , a escada, um nó na garganta e os olhos
ardendo. Mas não se renderia às lágrimas; já havia
chorado demais em sua vida.
Sabia que mais tarde se envergonharia da maneira como
tinha se oferecido a Kane, mas agora não se deixaria levar
por esses sentimentos. No momento só sabia que era
necessário ir embora, longe daquele lugar e daquele
homem. E, dessa vez, para sempre.

CAPÍTULO IX

Livros Florzinha - 140 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Lisa entrou na escuridão do quarto tentando ordenar a


confusão de pensamentos dentro da cabeça. Sabia que era
necessário fazer alguma coisa,.tomar uma decisão.
Mas o quê? Era impossível partir agora, Teria que esperar
o dia amanhecer e ainda arrumar uma maneira de ir até
Leeds, onde tomaria um trem para Londres. Precisava
também pensar numa história que fosse suficientemente
convincente para Chás e, pior de tudo, teria de dizer para
Julie que não poderia ficar para o casamento.
Quando ouviu o soluço, pensou a princípio que era ela
mesma que, atordoada, não conseguia mais reprimir o
próprio choro. Mas, escutando ,atentamente, viu que vinha
do quarto ao lado, do quarto de Julie.
Não devia ser nada importante, pensou, um sonho ruim
talvez. Mas o choro abafado de Julie começou a se tornar
contínuo e mais persistente.
Lisa deu um profundo suspiro; era gozado como a história
sempre se repetia. Ela estava desesperadamente infeliz e,
mais uma vez, era Julie quem chorava a seu lado e era
necessário dar-lhe apoio. Sempre tinha sido assim, desde
crianças.
A luz de cabeceira estava acesa no quarto de Julie, e ela
estendida sobre a cama, o corpo tremendo, o rosto
escondido no travesseiro. Lisa sentou-se a seu lado e
colocou a mão sobre seu ombro. Julie estava ainda vestida
com a roupa que usara no jantar.
— O que foi, querida, diga-me.
— Eu não posso. . . Não posso dizer para ninguém.
— E até quando vai continuar carregando esta dor
somente com você? Vocês brigaram? — ela perguntou,
lembrando-se de como haviam se comportado durante o
jantar.

Livros Florzinha - 141 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Sim — ela disse, erguendo-se e encostando a cabeça


no ombro confortador de Lisa. - Sim. e agora sei que ele
nunca mais vai querer me ver.
— Julie querida, essas coisas acontecem! Mas amanhã é
um outro dia e eu sei que. . .
— E, verdade. — Julie estava quase histérica. — Foi
ele quem falou que não deseja mais me encontrar! Disse
que era loucura, que devíamos acabar com tudo. Eu quase
contei sobre o bebe, mas não consegui achar as palavras.
— Você quer que eu lhe conte?
— Não! — ela disse, depois de uma pausa.
— Mas ele não pode simplesmente fugir às
responsabilídades desta maneira! O casamento está tão
perto. . . O que é que a família dele vai dizer?
— A família dele? — Julie deu uma risada completamente
histérica. — Você se refere aos Rrainbridge não é? Acha
que estou falando de Tony, não acha?
— Claro que acho! — Lisa sentiu um súbito frio na barriga,
uma intuição de que estava prestes a saber de algo terrível.
— Mas não é disso que está me falando, que teve uma
discussão com Tony?
Julie balançou a cabeça vagarosamente. Os olhos
lacrimejantes fitavam os de Lisa.
— Estou falando de James. . . James Dalton! Já faz mais
de um ano que eu o amo. Mas ela nunca o deixará partir.
Ele pertence a ela, é mais uma das coisas que o pai lhe
comprou. — As palavras eram como pedras atiradas no
rosto de Lisa. — Ele não a ama, Lisa, ela o trata como uma
coisa, como lixo! Culpa-o até mesmo pelo fato de não
terem filhos. Mas está enganada. . .
— Oh, Deus! Julie, está tentando me dizer que James é o
pai do seu filho?
— Sim — ela disse, com um certo orgulho.

Livros Florzinha - 142 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Mas. . . e Tony, como fica nessa situação?


— Bem, ele queria me desposar e eu precisava de
alguém para cuidar de mim e da criança.
— Você não pode fazer isso! Não consegue ver que
não pode casar com um homem somente para arranjar um
pai para seu filho, ainda mais quando o futuro marido nada
sabe a respeito da criança?
— Mas Tony deseja casar comigo. . . — Julie tinha uma
expressão tristonha e falava baixo. — Sempre esteve por
perto, me cortejando. Se ele está feliz, por que devo então
fazer a confusão toda?
— Ele não parecia tão feliz hoje à noite.
— Oh, aquilo não foi nada. Sei que tenho que ser boa para
ele, é tudo. Amanhã estará de volta.
— E por que ainda está vestida? Por acaso se
encontrou com James? — Com um gesto de cabeça, Julie
confirmou o que Lisa já sabia. Ela continuou: — Sim,
compreendo. Acho que isso explica também aquelas
caminhadas matinais, não é? A propósito, gostaria de
saber por que você tentava atraí-lo para mim o tempo todo.
..
— Célia estava suspeitando de alguma coisa. —
Julie parecia
uma criança retraída. — Estava a ponto de acusar James
de traição e então.
— Então, resolveu me tornar o alvo das suspeitas dela!
Muito obrigada! Devo dizer que não a invejo, pois quando
ela descobrir a verdade vai partir VOCÊ em duas!
— Você não vai contar para ela, não é, Lisa?
. — Claro que não! — Lisa se levantou. — Estou
partindo no primeiro trem para Londres amanhã.
— Por minha causa?
— Por razões pessoais minhas.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Mas então você não estará aqui para o casamento!


— O que — Lisa já tinha caminhado até a porta do quarto,
mas virou-se e voltou rapidamente. — Você está ficando
louca? Não pode levar adiante este casamento, pois não
ama Tony. Julie, você fez uma grande confusão em sua
vida, e não pode envolver outra pessoa nela. Não seria
justo!
— Mas temos que casar! E a criança? O que posso fazer?
— Poderia controlar sua vida em vez de jogar essa
carga nas costas dos outros. — Lisa sentou-se na cama
novamente. — Você não pode ficar se escondendo atrás
dos outros para sempre. Além do mais, pelo que me disse,
suponho que nunca dormiu com Tony, . . — Julie
concordou com a cabeça. — Pois então, ele vai saber que
o filho não é dele.
— Oh, Lisa, que posso fazer? Estou apavorada!
— Poderia talvez vir comigo para Londres. Tenho uma
pensão que Chás deposita mensalmente, que nunca usei,
e acho que bastaria ate que o nenê nascesse.
— Não, eu não posso, as pessoas iriam descobrir e. . .
— Julie, você terá de assumir, mais cedo ou mais tarde.
— Mas eu não posso adiar o casamento, Lisa. Papai
ainda não está bem e um choque desses poderia provocar
uma recaída.
— Está bem, não vou discutir mais. — Lisa preferiu não
dizer que era inútil poupar Chás de um pequeno escândalo
agora, sabendo que um problema muito maior viria à tona,
mais tarde. — Posso contar com você para me levar até
Leeds amanhã?
— Sim.. ., mas eu não vou com você, não seria capaz.
— Está bem! Mas pense sobre o que lhe disse, que
não pode arruinar a vida de outras pessoas somente para
se proteger.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Lisa se deitou, mas era impossível dormir. Pensar em Julie


era uma maneira de não dar vazão à angústia que se
avolumava dentro de si. No fim de tudo, tanta proteção com
a irmã acabou sendo algo ruim para ela. Acobertara as
mentiras de Julie e só o que tinha conseguido foi
que toda a raiva de Kane recaísse sobre si própria.
Assim que amanheceu, ela arrumou a mala com suas
coisas. Depois que ouviu o carro de Kane partindo, desceu
para tomar um rápido café da manhã. Em seguida, dirigiu-
se ao quarto de Chás. que já estava vestido e sentado na
cadeira de rodas, lendo os jornais. Quando viu Lisa. seu
rosto se iluminou num sorriso.
— Bom dia! Levantou tão cedo por causa dos
preparativos do casamento?
— Não Chás a razão é outra. Na verdade não poderei ficar
para o casamento. Acabei de receber uma carta de meu
agente e há um trabalho me esperando em Londres, um
grande trabalho do qual não posso desistir. E tenho que
partir hoje.
— Oh, seria tão ruim se recusasse?
— É minha profissão Chás. eu vivo disso! — Ela se sentia
terrivelmente culpada.
— Estava pensando sobre isso. Sabe Lisa. ainda posso
sustentar mínha família e agora que Julie vai casar, a casa
ficará tão vazia . . Gostaria que ficasse conosco!
— Não eu não posso, Chás. Sou uma pessoa de fora.
sempre fui. apesar de amá-lo muito e ser-lhe grata por tudo
o que fez por mim. Mas é melhor para todos que eu vá
embora.
— Querida, eu sei que é por causa de Kane. Ele magoou
você? Olhe, vou falar com ele e. . .
— Não, por favor. Não há nada que se possa dizer ou
fazer. E melhor que vivamos longe um do outro, só isso.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Lisa, você sabe como tudo isso me entristece. Bem,


você tem sua própria vida e não é justo que eu interfira.
Mas não dá mesmo para esperar até o casamento? Julie
vai ficar tão sentida. . .
— Eu já expliquei a ela e acho que compreendeu — Lisa
gostaria de dizer que não deveria haver casamento algum,
mas. ..
Quando voltou para o quarto, Julie estava esperando por
ela.
— Você estava falando sério, não é? — Julie apontava a
mala arrumada em cima da cadeira. — Ê por minha causa?
— Não exatamente... — Lisa preferiu ser evasiva.
— Já. . . já falou com papai? Contou a meu respeito?
— Não. — Lisa suspirou fundo. — Sabe que seu segredo
estará a salvo comigo, como sempre.
— Oh, obrigada, tenho certeza de que no fim tudo vai dar
certo!
— Bem, você é quem sabe. E então, se arrisca a dirigir
apesar da neve ou prefere que eu chame um táxi para me
levar?
— Não, eu levo você. Há mais alguém de quem queira se
despedir?
— Não, ninguém.
— Então acho que podemos partir — Julie falava
casualmente, mas seu olhar desmentia essa
despreocupação.
Quando partiram. Lisa pensava que pela primeira vez Julie
estava aliviada por não tê-la por perto. Afinal, ela sabia
demais.
A estrada estava de fato perigosa, escorregadia por causa
do gelo. Mas Julíe dirigia com atenção, o que não era
comum. De repente ela apontou um carro que se
aproximava.

Livros Florzinha - 146 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Veja que engraçado, é Kane quem vem lá!


— Kane? Mas eu ouvi quando foi trabalhar esta manhã!
— Talvez tenha esquecido alguma coisa. — E, antes
que Lisa pudesse impedir, Julie buzinou e acenou para
ele. — Ele já nos viu!
— Não pare, Julie, por favor!
— Mas ele quer falar conosco! Está vindo para cá.
— Não, por favor: Julie. vamos embora. — Sua voz tremia
e Julie deu um suspiro de resignação.
— Está bem, mas ele não vai gostar nem um pouquinho!
— Julie acelerou o carro. — Ele está nos seguindo!
— Mas é ridículo!
— Está bem, vamos deixá-lo para trás, então! — Julie
aumentou bruscamente a velocidade.
— Julie tenha cuidado!
— Ele está dando sinal de luz. Vamos ver se consegue
nos pegar. — E aumentou ainda mais a velocidade.
— Não, Julie. por favor, diminua a velocidade!
— Ora, não há perigo. E depois, é você quem não quer
falar com ele. Não fique assim tão apavorada, Lisa!
Enquanto ela falava, porém, o carro começou a derrapar,
Julie ainda tentou controlá-lo, mas foi impossível. Saíram
da estrada e caíram num grande buraco no acostamento.
Alguma coisa atingiu a cabeça de Lisa e depois tudo ficou
escuro.
Acordou num quarto estranho, o corpo todo dolorido. Chás
eslava a seu lado. Seu primeiro pensamento foi para Julie.
Aflita, perguntou como ela estava passando.
— Ela vai ficar boa, não se preocupe. — Pela expressão
de Chás, era fácil saber que toda a verdade tinha vindo à
tona.
— Ela perdeu a criança, não é?

Livros Florzinha - 147 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

—- Sim. Mas acho que foi melhor assim. Se ao menos eu


conseguisse acreditar em tudo isso! Tony foi o mais
atingido, sem dúvida. É claro que já cancelei o casamento.
Você sabia que ele não era o pai?
— Sim, sabia. — Julie me contou.
— Eu me culpo por tudo isso. Sempre tratamos Julie como
uma criança que não era responsável pelos próprios atos!
E o pior é que se o acidente não tivesse ocorrido, ela
casaria com Tony, como se a moralidade fosse uma coisa
aplicável aos outros, mas não a ela.
Não havia muito a fazer senão escutar Chás, pois ele
precisava falar. Mais tarde, quando estava sozinha. Lisa
começou a chorar baixinho, o rosto coberto pelo pesado
cobertor.
— Ora, não chore assim, sua plástica não será
arruinada por nenhuma cicatriz, srta. Âmbar — era Kane
quem falava. Há quanto tempo estaria ali? Ele segurou o
pulso dela com força. — Aonde estava indo esta manhã?
Você sabe que Julie não dirige bem, mas forçou-a a levá-
la, não é? Fugir é a única resposta que tem para tudo,
mesmo que arrisque a vida dos outros!
— Eu não queria que tudo isto tivesse acontecido. — Mais
uma vez ele a culpava de tudo.
— Sim, não há dúvida. . . Mas não há como escapar à
responsabilidade de ter arruinado a vida da minha irmã!
— Eu?! Como posso ser responsável por isso?
— Ora, você sempre serviu de exemplo nos anos mais
impressionáveis da adolescência dela. Certamente Julie
achava lindo e romântico seus casos com Arthur
Hammond. seus casos em Londres. E agora, sua vida está
arruinada enquanto você só tem alguns arranhões! Agora
sei por que ela queria tanto que você estivesse por perto!
Porque poderia ajudá-la a sair desta confusão, talvez

Livros Florzinha - 148 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

até arrumando uma clínica de abortos onde não fizessem


muitas perguntas, Mas o conselho que deu foi para que
casasse com Tony, não foi?
— Não! — Sua voz era fraca, quase inaudível. Sentia-se
cada vez mais fraca e desmaiou. A última coisa que viu foi
o olhar duro de Kane.
Quando acordou de novo já era a manhã seguinte. Lá fora
o dia estava brilhante, a neve refletia o sol. Uma enfermeira
chegou em seguida, trazendo os apetrechos para Lisa lavar
o rosto.
— E então, sente-se melhor? O dr. Simms disse que em
poucos dias já estará boa. Mas proibiu as visitas. Depois de
ontem à noite. . .
Depois que a enfermeira foi embora, Lisa se viu sozinha
com seus pensamentos. Fisicamente estava muito melhor,
a grande dor era dentro de seu coração. Mais uma vez
Kane a acusava de tudo, e as evidências apoiavam suas
conclusões. Para evitar que Julie sofresse, e mesmo para
não permitir que magoasse Chás e Kane, agora era ela
quem sofria, como sempre.
Recebeu flores durante o dia, da parte de Chás.
Informaram também que havia muitos telefonemas
perguntando do estado dela. inclusive
de jornais- Sim, ela ainda era a Garota Âmbar e estava
aliviada que
o hospital a mantivesse longe da imprensa.
A noite recebeu a visita do médico, que estava satisfeito
com sua
recuperação, dizendo que logo poderia deixar o hospital.
Através dele
ficou sabendo que Julie passava bem, mas não poderia vè-
la pois tinha ordens de só receber visitas dos familiares.
Lisa não precisou perguntar de quem era aquela ordem.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Na manhã seguinte, ao receber os jornais, viu que as


notícias que saíam a seu respeito informavam que ela
estava muito mau, que o acidente deixaria marcas em seu
rosto e no corpo. Que bobagem,, pensou. Estava ainda
atarefada com os jornais quando a porta se I abriu
suavemente. Era James quem entrava, trazendo um buque
de flores.
— Desculpe, não queria incomodá-la.
— Não há problema, James, já me sinto curada. — Fez
um sinal para que se sentasse na cadeira ao lado da
cama e ele obedeceu.
— É muito amável de sua parte vir me visitar, mas e
Célia...
— Dane-se Célia! Eu tinha que vir. Lisa. Há tantos rumores
e eu precisava saber a verdade! Julie... ê verdade que ela
teve um aborto?
— Lísa confirmou com a cabeça. — Oh, Deus, e a criança
era minha? Ela. . . ela contou sobre nós?
— Sim, disse que discutiram naquela noite.
— É verdade! Eu queria terminar com tudo, era loucura.
Tentei persuadi-la a não casar com Tony, pois sabia que
não o amava!
— E para quê? Para que você, um homem casado, a
tivesse somente para você?
— Sim, é isso. ainda que seja difícil admitir. Mas
nós nos amamos, ela é a razão da minha vida. Sei que
você me despreza, Lisa, posso ver isso em seus olhos.
Acredite, eu não podia imaginar que ela esperava um filho
meu!
— E faria alguma diferença? Você continua sendo o
marido de Célia.

Livros Florzinha - 150 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Não sei. Só sei que o fato dessa criança ter existido


muda muito as coisas. Eu pertenço a Julie, e ela a mim. Só
poderemos ser felizes se estivermos juntos.
— E você seria capaz de desistir da vida fácil com Célia?
— É ilusão achar que minha vida é fácil com ela, apesar
de todas as vantagens econômicas. Éramos felizes na
África, eu trabalhava muíto e me sentia útil e necessário.
Mas Célia me forçou a aceitar a mudança para cá, onde
sabia que eu não seria nada mais que um estúpido
dependente dela e de sua família. Agora é diferente, Lisa,
pretendo me divorciar e, se ela não quiser amigavelmente,
obterei a separação por meios judiciais.
Lisa fitou-o por um momento. Não havia dúvida de que
estava sendo sincero, mas dali para a frente o problema
era dele e de Julie e ela não se envolveria mais.
— Lisa, será que poderia entregar uma mensagem para
Julie?
— É impossível, James. Kane acha que eu fui a
culpada pelo
acidente e. .
— Oh, mas como ele pode ser tão tolo a ponto de pensar
isso?
— Bem, de qualquer maneira me proibiram de visitá-la.
Mas tenho certeza de que você descobrirá um jeito. Vocês
conseguiram fazer tudo que quiseram até agora, não
conseguiram?
— Sim. — James notava o tom sarcástico na voz de Lisa.
— Sei que continua me considerando um homem
desprezível, mas as coisas vão mudar, Lisa. Julie e eu
seremos felizes, você vai ver. Sinto que recuperei a força c
a confiança em mim mesmo e nada mais me impedirá de
decidir sobre minha própria vida. Acredite em mim!

Livros Florzinha - 151 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Ela fitava o rosto atormentado de James e sabia que ele


dizia a verdade. Passou a mão em seus cabelos.
— Eu acredito em você, James.
Foi um ruído rápido que a fez notar que não estavam
sozinhos. Viu Kane parado ao lado da porta, e era
impossível saber quanto tempo estava lá. Seus olhares se
encontraram, o ódio estampado nos olhos dele. Então, ele
se virou e foi embora.

CAPÍTULO X

— Que bela coisa foi nos arrumar, não é? — Myra


acusava em tom de brincadeira. Sentados na cama, um de
cada lado, Myra e Jos fitavam Lisa com carinho. Dentro
dela, a alegria começava a voltar.
— Ê maravilhoso vê-los aqui! Que surpresa!
— Surpresos ficamos nós ao abrir os jornais esta manhã!
Liguei para o hospital imediatamente. Deram meu recado?
— Não, não deram. Acho que não sou a paciente favorita
aqui! Este é um hospital particular, Chás está pagando
para que tomem conta de mim. As enfermeiras acham
que sou uma garota fútil, acostumada a ter o mundo a
meus pés. . . pensam que tenho a ver com o conteúdo
exagerado das notícias dos jornais!
— Ora, que bobagem! —Jos falou. — Suponho que já lhe
disseram que não ficará marca alguma?
— Sim, o dr. Simms já me tranqiiilizou.
— Agora nós é que tomaremos conta de você. —Jos
apontava o dedo acusativo para Lisa. — Não se esqueça
que é a minha melhor modelo!

Livros Florzinha - 152 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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— Hospitais. . . — Myra olhava em volta, com


desaprovação. — Todos têm sempre o mesmo cheiro!
Quanto tempo ainda tem de ficar aqui?
— Já posso ir embora, se quiser. Acho até que gostariam
de me ver pelas costas! — Lisa hesitava. — Será que
posso voltar para Londres com vocês?
— Claro que sim! — Jos e Myra disseram ao mesmo
tempo. Myra continuou: — É exatamente o que íamos
sugerir. Voltamos juntos e você fica lá em casa até estar
completamente boa! — Sua voz era decidida e ela não
permitiu que Lisa completasse o protesto que esboçou.
—isso mesmo, querida. Dinah ainda está viajando e não
permitiremos de maneira nenhuma que fique sozinha
naquele apartamento enquanto não estiver firme como
antes!
— Está bem. — Lisa sabia que era impossível fazer
qualquer outra coisa. — Vou conversar com o dr. Simms.
— Amanhã, bem cedinho, estaremos aqui para partir! —
Myra sorria afetuosamente. — imagine se voltássemos
para Londres sem tia Lisa! Joseph ficaria louco de raiva!
— E onde está ele? — Lisa, perguntou, lembrando com
saudade do garotinho de dois anos, filho de Jos e Myra.
— Ficou com a avó. Como estava meio resfriado, achamos
melhor não trazè-lo.
Lisa sentiu-se muito melhor depois da visita de Jos e Myra.
Levantou-se e foi até a janela. Sentia as pernas fracas,
devido ao fato de ter ficado tantos dias deitada. Pouco
depois chegou uma enfermeira e Lisa pediu que lhe
preparasse um banho, pois estaria partindo na manhã
seguinte.
A enfermeira ainda disse algo a respeito de que era
necessário falar com o dr. Simms, mas Lisa reiterou sua
decisão, firme.

Livros Florzinha - 153 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Está bem, então, Mas a senhorita ainda está muito


pálida. Quer que a ajude no banho?
— Não, não é necessário. Obrigada.
O banho a reanimou e Lisa sentia-se feliz em vestir as
próprias roupas novamente, em vez da camisola do
hospital. A enfermeira tinha razão, ela ainda estava
bastante pálida. Não havia vestígio do lindo bronzeado que
adquirira no sol do Caribe.
Pareço um gato faminto que foi deixado para fora de casa,
pensou enquanto fitava o rosto abatido no espelho do
banheiro. E era justamente o que tinha se tornado, o que
poderia matar sua fome agora estava definitivamente longe
dela. Para sempre.
Quando voltava do banheiro, peto corredor, passou em
frente ao quarto de Julie. "Srta. Riderwood", dizia o cartão
afixado na porta. Lisa passou direto.
— Adeus, Julie. Seja feliz, querida, seja feliz — disse
suavemente e continuou caminhando a seu quarto.
Depois de uma semana no apartamento de Jos e Myra, ela
já se sentia muito melhor Myra era uma grande cozinheira,
e não deixava que nada faltasse a Lisa. Dentro de pouco
tempo achava que poderia recomeçar a fotografar, e
quando falou disso a Jos ele disse que ainda era muito
cedo.
Sua aparência estava ótima, a pequena marca da cabeça
podia ser escondida pelo cabelo até que sumisse
completamente. Jos nada lhe disse, mas Lisa sabia que
havia algo em seu olhar, uma ausência, uma tristeza, que
um artista como ele podia perceber. Se a fotografasse
agora, não seria a mesma Garota Âmbar.
Passava o tempo ajudando Myra nos afazeres da casa,
brincando com Joseph. À tarde eram visitadas pelas
amigas de Myra, para o chá, e de noite sempre vinha gente

Livros Florzinha - 154 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

para jantar ou para um drinque. Para Lisa era como


pertencer a uma família novamente, mas sem as tensões e
as tristezas de Stoniscliffe.
Claro que sempre pensava em Kane, era impossível tirá-lo
da cabeça. Não podia esquecer aquela cena, ela passando
as mãos nos cabelos de James, e Kane, com o olhar cheio
de ódio, partindo e batendo a porta atrás de si.
Que tola tinha sido em imaginar que as coisas poderiam
ser diferentes entre eles. Pensava na reaçâo de Kane
quando lhe contaram que ela havia partido para Londres
com um homem casado. Jos tinha ido sozinho buscá-la no
hospital, pegaram Myra mais tarde no hotel e, certamente,
muitos comemários foram feitos quando a viram ir embora
com ele do hospital.
Estava sentada na grande cozinha, , enquanto Myra
começava a preparar o jantar e Joseph brincava no chão.
— Simon virá jantar conosco esta noite. Espero que não
se incomode. Tem feito o impossível para ser convidado
desde que soube que você estava aqui conosco.
— Claro que não me importo! — Sem dúvida, Simon era o
menor de seus problemas.
— Foi o que pensei. Pobre Simon. . . Ou será que deveria
dizer pobre Lisa?
— Estúpida Lisa, talvez. Sei que sou tola por deixar Simon
escapar entre meus dedos. Ser modelo é uma coisa para
jovens, os atrativos físicos não duram para sempre.
— Ora, que se dane Simon! — Myra parou de mexer
com os temperos e fitou Lisa. — É esse outro homem que
me interessa, esse homem que você não consegue tirar da
cabeça e que a faz ter UMA expressão tão triste quando
pensa que ninguém está olhando!

Livros Florzinha - 155 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Sim, Myra, sei que percebe tudo isso, só que prefiro


não falar a respeito. Talvez um dia possa contar-lhe tudo.
mas por enquanto é dolorido demais.
— Claro, querida, não se preocupe. — Myra sorriu
afetuosamente.
Além de Simon, um outro casal viria para o jantar, mas
telefonaram no fim da tarde dizendo que um compromisso
de última hora os impediria de comparecer. Simon chegou
sorrindo, com uma garrafa de vinho sob o braço. Mas, atrás
do sorriso, no fundo dos olhos, havia algo sombrio.
— Olá, adorável desaparecida! — disse, antes de
beijar Lisa suavemente na face.
— Olá. Simon! — Lisa respondeu.
A comida estava deliciosa, mas não se podia dizer que
tivesse sido um jantar muito animado. Pouco depois de
terminarem, Jos e Myra pediram desculpas e foram para o
andar de cima, sob o pretexto de colocar Joseph para
dormir. Lisa e Simon ficaram sozinhos na sala de estar.
— Como é, está gostando da temporada aqui?
— Sim, Myra e Jos são adoráveis.
— Eles foram ao hospital para traze-la de volta. . . — Ele
bebeu um gole de vinho. — Acho que nem lhe passou pela
cabeça me pedir para fazer isso.
— Para ser franca, não.
— Não — ele repetiu. — Passaram-se semanas, Lisa, e
nem uma palavra, nem sinal de você. Acho que isso
demonstra a importância que tenho na sua vida!
— Não sabia que você tinha essas expectativas. — Isso
não era verdade, mas pelo menos lhe daria uma chance de
escapar detíudo aquilo com dignidade.
— Oh, Deus! — ele explodiu. — Lisa, você sabe como é
importante para mim! Mesmo que aquelas notícias
horríveis nos jornais fossem verdadeiras, eu ainda teria

Livros Florzinha - 156 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

vindo do fim do mundo para buscá-la e trazê-la de volta


para Londres!
Lisa sabia que ele era sincero e isso só tornava as coisas
mais difíceis. Não tinha outra opção, porém, a não ser
continuar mentindo.
— Eu... eu não sabia, pensei que fôssemos somente
amigos. Será que não dá para continuar assim?
— Eu quero mais de você. Lisa. muito mais — enquanto
falava, Simon se levantou e inadvertidamente derrubou um
pouco de vinho sobre o sofá.
— Oh. é melhor eu pegar um pano. — Lisa se levantou
também. A sala de estar não mais parecia acolhedora
como antes. Ela desejava imensamente que Jos e Myra
voltassem.
— Ora, deixe isso pra lá. Lisa, não tente mudar de
assunto! Enquanto falava, Simon se aproximou dela. Lisa
deu um passo atrás, mas ele a alcançou e apertou-a
num abraço. Lisa podia sentir a respiração quente em
sua face.
— Não me trate como um estranho. Tenho tentado me
controlar até agora, pois achava que você estava receosa.
Mas não podemos continuar assim. Você é tão linda, eu a
desejo e tenho de tê-la!
Ele a beijou selvagemente, sem que Lisa pudesse opor
resistência àqueles braços fortes.
— Símon. pelo amor de Deus — ela disse, quando afinal se
viu livre.
Nesse momento, alguém bateu à porta e Lisa sentiu-se
aliviada, nunca pensou que tivesse que lutar contra
Simon, mas ele estava completa mente descontrolado,
dominado pelo desejo e pelas fantasias. Bateram
novamente,
— Já vou indo! — Myra disse, descendo a escada.

Livros Florzinha - 157 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Quando a porta se abriu, Lisa fitou o visitante, incrédula.


— Com os diabos, quem é você — Simon perguntou,
ainda descontrolado.
— Meu nome e Riderwood — Kane disse, suave. —
Percebo que interrompi algo e peço desculpas. Adeus!
— Não! — Lisa gritou. — Não vá embora, por favor.
Ela podia imaginar sua aparência. A roupa amarrotada,
alguns botões da blusa abertos, o coque que tinha feito no
alto da cabeça havia caído e ela estava toda despenteada.
Agora podia compreender as crises de histeria de Julie.
Como teria sido mais fácil cair no chão e começar a se
debater e berrar como louca!
— Mas o que está acontecendo? — Simon estava
furioso. — Riderwood? É o nome das pessoas com
quem Lisa estava em Stoniscliffe. Você é um deles?
— Sim. — Kane já havia entrado na sala e fitava Simon.
— Oh, agora compreendo — Simon continuou. — Agora
tudo faz sentido! Nenhum telefonema, nenhum sinal de
vida. — Deu uma gargalhada selvagem. — Mas que
estúpido eu sou! Bem, aqui está ela, meu amigo, toda sua!
A linda LisaGrayson! Só espero que tenha mais sorte que
eu e consiga arrancar um pouco mais de calor e emoção
dessa. . . dessa vagabundazinba frígida!
Kane acertou-o com um soco pesado e Simon caiu no
chão, completamente aturdido, sem nem saber o que havia
acontecido.
— Não esteja aqui quando voltarmos! — Kane disse
bruscamente, tomando Lisa pelo braço e puxando-a para
fora da sala. —- Onde podemos conversar a sós?
Lisa estava perplexa, incapaz de articular uma palavra.
Vendo que não poderia obter nada dela, Kane abriu a porta
mais próxima e empurrou-a para dentro. Era o banheiro de

Livros Florzinha - 158 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

hóspedes, cheio de plantas. Kane puxou uma cadeira de


palha para Lisa sentar.
— Presumo que aquele homem era Simon? Ela
concordou com a cabeça,
— Quando cheguei, você estava tentando afastá-lo,
suponho? — Ela balançou a cabeça — E, pelo que ele
falou, acredito que não estão morando juntos?
— E isso importa alguma coisa? — Ela começava a
recuperar o poder de falar.
— Sim, importa muito. Olhe para mim, Lisa. O tempo todo
ela estava fitando as próprias mãos. Levantou a cabeça e
encarou Kane.
— Como descobriu onde eu estava? — perguntou,
devagar.
— No hospital me disseram que você tinha partido com
Jos, insinuando coisas. Quando fui até o seu apartamento
e não a encontrei, decidi vir até aqui. — Lisa estava
amedrontada e se encolhia, involuntariamente. — Lisa,
será que eu lhe meto tanto medo assim? Vim aqui para
tentar fazer as pazes com você, se ainda for possível. . .
Tenho de admitir que saber que Jos era casado foi uma
grande surpresa para mim!
— Como eu disse antes, isso importa alguma coisa? Você
sempre pensou o pior de mim, Kane. Pode acreditar no que
quiser a respeito de mim e Jos.
— Pensar o pior de você foi como um hábito a que me
acostumei! Era um jovem arrogante, ressentido por
quererem pegar o lugar da minha mãe! Mas Jennifer era
uma pessoa linda, e descobri que era um privilégio tê-la
junto a meu pai. Com você era diferente, porque também
se ressentia comigo e, de certa forma, era como se
lutássemos um contra o outro. E então, um dia voltei para
casa e descobri que você não era mais uma criança. Era

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

quase uma mulher, e seria uma mulher linda. Estava no


despertar da beleza e foi por isso que lhe dei aquele disco
em seu aniversário. Estava feliz e dizia que tinha sorte por
ter a meu lado duas lindas irmãs. Com o passar do tempo,
porém, não pude escapar à verdade de que você não era
minha irmã e nem eu desejaria que fosse!
— Sim, e então você me desejou e, sem levar em conta
qualquer outra coisa, me teve, ainda que à força.
Dessa vez foi ele quem se encolheu como um animal
assustado, para espanto de Lisa.
— Sim, eu sei, e que Deus me perdoe, pois não tenho
esperanças de que você venha a fazê-lo! Mas saiba que
desde então o remorso não saiu da minha cabeça, ainda
que nunca pudesse admiti-lo. Eu não era capaz de
enfrentar o outro lado da moeda, de acreditar na sua
inocência, na sua virgindade, e saber que eu tinha
arruinado tudo! Agora, é necessário ter certeza e encarar
de frente, ainda que eu me culpe pelo resto da vida. Fui
realmente o primeiro com você, Lisa?
— Sim —ela respondeu, os olhos fechados para conter as
lágrimas.
— Oh, Deus! — Ele murmurou, tapando o rosto com as
mãos. Fez-se um longo silêncio antes que continuasse: —
Eu devia ter imaginado, mas estava completamente cego.
Tudo que sabia era que a desejava e teria que tê-la. Foi
somente alguns dias depois, quando você já havia partido,
que disse para mim mesmo que só uma pessoa virgem
poderia ter ficado tão amedrontada e entregue à paixão,
mesmo aquela paixão brutal e violenta. Tencionava falar
com você, ver se era possível remediar as coisas, mas
você tinha desaparecido.
— E, naturalmente, você não poderia ter me procurado!

Livros Florzinha - 160 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

— Sim, eu poderia, mas precisei fazer aquela viagem à


Europa, por causa da empresa. E sempre tive como regra
que nunca deixaria minha vida pessoal interferir no
trabalho. Não foi uma época fácil para a empresa e Chás
estava trabalhando como um louco nos Estados Unidos.
Então prometi a mim mesmo que, quando voltasse da
viagem, eu a descobriria.
— Mas não o fez.
— Quando voltei você já tinha se tornado a Garota Âmbar.
Aquelas fotografias estavam em todos os lugares. Toda vez
que abria o jornal, sempre havia uma fofoca nas colunas
sociais, sugerindo algo entre você e algum outro homem
qualquer. Finalmente terminei rendendo-me à ideia de que
tinha me enganado a seu respeito. E decidi que seria a
última vez. Senti raiva de você por ter partido, magoando
Chás e Julie. Achei que os tinha traído; Chás sempre a
tratou como filha, e Julie dependia de você em tantos
sentidos. Mesmo assim você partiu.
— Eu não podia ficar — ela murmurou.
— Por que eu a forçava a isso? — Kane suspirou. — Eu
estava quase chegando em Leeds quando subitamente me
ocorreu que você poderia fugir de novo. Não havia
nenhuma lógica nisso, mas de repente achei que podia
acontecer, e eu nunca poderia permitir que acontecesse de
novo. Voltei, e lá estava você, no carro de Julie. Era como
um pesadelo se repetindo e quando o carro rolou sobre o
buraco quase fiquei louco. — Ele balançava a cabeça,
rememorando. — Eu a tirei de lá e havia sangue em seu
rosto. Só quando a ambulância chegou é que percebi que
Julie estava em estado mais grave. Mais tarde, fiquei
enfurecido novamente quando pensei que a tinha obrigado
a correr o risco de acelerar a velocidade para escapar de
mim.

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Para Lisa era como se vivesse um sonho. Era tudo tão


irreal. O que estava fazendo dentro daquele banheiro, as
plantas na prateleira de ferro, o papel de parede
desenhado com exóticas selvas e pássaros. . . Como era
possível que estivesse ali com Kane, que ele falasse de
ódios, sem estar odiando? Era ridículo, absurdo!
— Você bateu no meu rosto uma vez.
— E agora vou beijá-la. — Sua mão tomou o queixo de
Lisa e ele fitou a boca rosada como se fosse uma delicada
flor.
— Como. . . como está Julie! Ela ainda está no hospital?
— Não. Acho que aprendeu bem as lições que você lhe
ensinou e resolveu assumir a própria vida. Ela e James
Dalton alugaram um pequeno apartamento em Leeds e se
mudaram para lá.
— E você não se importa? — ela perguntou, espantada.
— Claro que me importo! Julie é minha irmã. Eu nunca a
tinha imaginado como uma destruidora de lares, ainda que
James e Célia não tivessem exatamente um lar para ser
destruído. De qualquer maneira, os dois parecem tão
apaixonados quanto Romeu e Julieta, dispostos a enfrentar
o mundo inteiro se for necessário. — Kane suspirou com
resignação. — Parece que pretendem viver na África, foi o
que me disseram.
— E Chás, como recebeu as notícias?
— Melhor do que esperávamos! Foi muito compreensivo e
forte. E precisava ser, pois Julie nos contou tudo.
— Tudo?
— Sim. A maneira como a ajudava na escola, o
envolvimento que teve com os Hammond e como tentou
disfarçar seu namoro com James, atirando as suspeitas
sobre você. Contou cada detalhe, até mesmo de como
você lhe implorou que diminuísse a velocidade antes do

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Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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acidente. Não foi fácil ouvir tudo aquilo, especialmente para


meu pai. Mas nem ele nem Julie sabiam qual era o
verdadeiro mal, onde estava o grande engano, que era o
nosso desencontro!
Fez-se um silêncio. Lisa fitava Kane nos olhos.
— Bem, agora você já sabe. É para me dizer essas coisas
que veio até aqui?
— Não, não somente por isso. Eu vim para perguntar
por que você assumiu a culpa da estupidez de Julie. Por
que não me contou a verdade desde a primeira vez em que
a acusei?
— E será que teria acreditado em mim?
— Talvez não acreditasse no começo, mas certamente iria
averiguar por conta própria, e saber se estava dizendo a
verdade. Julie precisava ter sido barrada quando era mais
jovem. Nós sempre a deixamos fazer tudo o que
quisesse, em nome de seu sistema nervoso. Não estou
querendo desculpá-la das coisas que fez, mas tenho
certeza de que, se tivéssemos todos nos reunido, alguns
anos atrás, e colocado as cartas na mesa então pelo
menos teríamos nos poupado de ver esse plano sujo de
Julie de querer casar com Tony Brainbridge.
— E como é que eu poderia ter dito alguma coisa? — Lisa
suspirou. — Chás sempre me tratou como filha, mas para
você sempre fui a intrusa, a invasora. Você Chás e Julie
eram um círculo fechado e definitivo no qual eu não podia
entrar. E eu não seria capaz de fazer nada que destruísse
esta união, pagar toda a bondade de Chás comigo
destruindo a confiança que ele depositava em Julie.
— E então preferiu que perdêssemos a confiança em
você, não foi Lisa? Oh. Deus, que tamanha tolice! — Ele
hesitou. — Eu tenho outra razão para estar aqui. Quero lhe
pedir que me perdoe por todo o mal que lhe fiz, por todas

Livros Florzinha - 163 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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as opiniões injustificadas que tive a seu respeito. Estou


preparado para suplicar, se é o que deseja. E quero lhe
pedir também que volte para Stoniscfiffe. Chás precisa de
você.
— Eu não posso voltar, Kane.
Ele silenciou por um momento, esperando sua resposta.
Afastou-se dela e caminhou para perto da janela adornada
com plantas.
— Então você não vai me perdoar.. .— disse, suave. —
Será que voltaria se lhe dissesse que estou disposto a ir
embora de casa para não incomodá-la?
Lisa sentiu de novo aquela dor terrível, uma angústia sem
limites que parecia ser capaz de destruí-la. Abaixou a
cabeça, os longos cabelos agora soltos encobriam seu
rosto.
— Isso. . . isso não faria diferença.
Kane suspirou novamente, resignado.
— Eu compreendo, Lisa. Sei que a machuquei muito. Tudo
o que posso dizer é que estou arrependido e, se pudesse,
voltaria atrás para reparar todos os erros, Adeus, Lisa.
Ele vai embora e eu nunca mais o verei, ela pensou, o
coração sangrando de tristeza.
— Você disse que ia me beijar. — Lisa não podia
reconhecer a própria voz dizendo isso.
Kane já estava na porta, com a mão na maçaneta, pronto
para partir. Ao ouvir isso virou-se de imediato, surpreso.
Fitou Lisa por um instante, em seguida se aproximou e,
com mãos suaves, a fez levantar-se da cadeira.
Beijou-a com sofreguidão, um beijo profundo e cheio de
paixão. Lisa deixou-se ficar nos braços de Kane, envolvida
naquele abraço apertado. As lágrimas que havia retido
todo o tempo agora rolavam copiosamente por sua face.

Livros Florzinha - 164 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

Quando seus lábios finalmente se separaram, ele segurou


o roso dela com as duas mãos. olhando diretamente em
seus olhos.
— Não me importa quantos homens já existiram em sua
vida, Lisa. Tudo o que sei é que fui o primeiro e que serei o
último. Você me pertence e eu nunca a deixarei partir
novamente. Voltaremos para Stonisdíffe amanhã.
— Por que Chás precisa de mim? — perguntou com um
sorriso.
— Porque eu preciso de você. Lisa. Porque vamos
casar e dar
mais assunto para as fofocas locais, já perdemos dois anos
de nossas vidas e posso garantir que não perderemos nem
mais um dia!
— Mas o que é que Chás vai dizer? — Ela sorriu. — E
Tina?
— Tina não é importante para mim. Sempre foi uma
diversão, alguém que poderia me fazer esquecer você. Mas
ela não conseguiu isso. Ninguém foi capaz de me fazer
esquecê-la, Lisa. Quanto a Chás, posso garantir que até já
colocou o champanhe no gelo para comemorar! Ele me
pediu que não voltasse para casa sem você!
— Oh... Então você tinha tanta certeza assim de que
eu o perdoaria?
— Eu não tinha certeza de nada. Lisa — ele falou com
uma certa franqueza e vulnerabilidade nos olhos que não
passou despercebida a Lisa. — Não sabia nem mesmo se
você concordaria em me ouvir ou se entenderia que estava
aqui para lhe pedir muito mais do que perdão. E todo o
tempo ficou sentada nessa cadeira, quase sem dizer nada.
— Estava esperando por uma palavra sua, somente uma
palavra que me fizesse ter certezade que gostava de mim.
Sei que sempre me desejou, mas isso não era o

Livros Florzinha - 165 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
Julia no. 169

suficiente.Sempre quis que me amasse, mesmo quando


era ainda adolescente e pensava que o odiava. Uma
palavra carinhosa sua tinha sempre o poder de apagar
todas as tristezas da minha alma. E por isso que disse que
não poderia voltar para Stoniscliffe. Porque não conseguiria
viver perto de você se não me amasse.
— Sei que demorei muito para falar isso. Lisa, mas eu a
amo! É comum a gente dizer que sempre machucamos
aqueles que amamos. Mas, pelo menos no nosso caso, é
verdade. E agora quero fazê-la feliz, quero tê-la a meu lado
e deixar meu amor contagiá-la.
— Acho que vou gostar disso! — disse sorrindo,
cruzando os braços atrás do pescoço de Kane, feliz por
descobrir que também tinha poder sobre ele. — Essa e a
primeira vez que me propõe essas coisas dentro de um
banheiro!
— E onde estavam quando Simon lhe fez proposta
parecida? — ele ainda falava baixinho.
— Ele nunca me propôs algo parecido. Nunca permití que
nossas relações chegassem a esse ponto. Não parecia
justo. — Ela hesitou. — Você ouviu o que ele disse, que eu
era frígida. De certa maneira, isto é verdade. Nunca deixei
que ninguém me tocasse, depois de você. Eu o culpava por
isso, por tudo o que aconteceu entre nós e que me fazia
sentir sem coragem e ânimo para me envolver com
qualquer outro homem. Dizia a mim mesma que você tinha
me impedido de me realizar como mulher para o resto da
vida. Portanto, nunca houve outra pessoa. Você queria ser
o primeiro, o último e o único homem da minha vida!
Ele olhou-a por um longo momento e finalmente disse:
— Não mereço isso, Lisa.
Kane a beijou novamente, com todo o carinho e suavidade
que ela sempre havia desejado.

Livros Florzinha - 166 -


Escura Manhã (Dark Summer Down) Sara Craven
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Sim, tinha havido muita tristeza e dor em sua vida, mas


logo seriam esquecidas. Um novo dia raiava para Lisa. e as
manhãs de verão nunca mais pareceriam escuras como
aquela de dois anos atrás.

FIM

Livros Florzinha - 167 -

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